Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FÍSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E
MATEMÁTICA
GLÁUCIA ELISA DE OLIVEIRA
A RECONSTRUÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE EM MATEMÁTICA
EM UM GRUPO DE ESTUDOS DE PROFESSORAS
Porto Alegre
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
GLÁUCIA ELISA DE OLIVEIRA
A RECONSTRUÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE EM MATEMÁTICA
EM UM GRUPO DE ESTUDOS DE PROFESSORAS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação em
Ciências e Matemática da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, como requisito parcial para obtenção
do grau de Mestre em Educação em
Ciências e Matemática.
Orientador: Prof. Dr. Maurivan Güntzel Ramos
Porto Alegre
2006
ads:
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
O48r Oliveira, Gláucia Elisa de
A reconstrução da prática docente em matemática em um
grupo de estudos de professoras / Gláucia Elisa de Oliveira.
– Porto Alegre, 2006.
105 f.
Dissertação (Mestrado) – PUCRS, Fac. de Física,
Programa de Pós-Graduação em Educação Ciências e
Matemática 2006.
Orientação: Prof. Dr. Maurivan Güntzel Ramos.
1. Prática de Ensino. 2. Educação – Matemática.
3. Matemática – Ensino Fundamental. 4. Grupos –
Educação. I. Ramos, Maurivan Güntzel. II. Título.
CDD 372.7
370.7
Bibliotecária Responsável
Iara Breda de Azeredo
CRB 10/1379
GLÁUCIA ELISA DE OLIVEIRA
A RECONSTRUÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE EM MATEMÁTICA
EM UM GRUPO DE ESTUDOS DE PROFESSORAS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação em
Ciências e Matemática da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do
Sul, como requisito parcial para obtenção
do grau de Mestre em Educação em
Ciências e Matemática.
Aprovada em 23 de agosto de 2006
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr.Carlos Eduardo da Cunha Pinent
Prof.
a
Dr.
a
Marlene Correro Grillo
Prof. Dr. Maurivan Güntzel Ramos
Ao meu marido, Everton, por estar ao meu lado, apoiando-
me e incentivando-me, minha eterna e mais sincera
gratidão.
Aos meus filhos, Everton Jr. e Eloah, que compreenderam
a minha ausência e foram fontes de inspiração.
AGRADECIMENTOS
Ao professor Maurivan G. Ramos, que tanto me honrou por aceitar o convite
como orientador, pela dedicação, confiança e competência dedicadas a este
trabalho.
Aos meus pais, Fulgêncio e Guadalupe, grandes mestres da universidade da
vida.
Ao meu marido, agradeço pela paciência de saber ouvir e compreender as
frustrações e as alegrias, bem como por compartilhar e incentivar-me a cada
momento.
A todos os professores do Programa de Estudos de Pós-Graduandos em
Educação em Ciências e Matemática da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, pelo seu apoio e dedicação.
Às professoras Lene e Márcia, pela correção e amizade.
Aos queridos colegas de Mestrado, em especial, à amiga Katya, pelo
incentivo, amizade e confiança.
Às colegas que participaram da pesquisa.
Aos professores Alfredo de Castro e Carla Quadros, por sua disponibilidade
ao me oportunizarem os requisitos necessários para a realização desta pesquisa.
A todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para que este
trabalho se concretizasse.
RESUMO
O presente trabalho relata o processo de reorganização da prática docente
associada ao currículo de Matemática do Ensino Fundamental em um grupo de
estudos formado por professoras de uma escola privada de Porto Alegre, Rio
Grande do Sul. O grupo reuniu-se com o objetivo de observar sua evolução teórica e
compreender as principais modificações em sua prática, partindo da seguinte
questão norteadora: de que modo se reconstrói a prática docente de
professoras de Matemática do Ensino Fundamental que participam de um
grupo de estudos? Nas reuniões, as professoras buscaram estratégias para
qualificar seu trabalho cotidiano, com vistas a sua melhoria e à da aprendizagem dos
alunos. A investigação traz à luz as dificuldades das professoras em motivar seus
alunos, tendo-se observado que é fundamental reconstruir a prática docente,
envolvendo os educandos nas atividades escolares. O grupo também constatou que,
para que a reorganização de sua ação se efetive e os educandos encontrem
significado no que estão aprendendo, é necessário aproximar os conteúdos e as
atividades propostas do contexto da comunidade. No processo de discussão sobre o
âmbito escolar no grupo de professoras, refletindo, compartilhando saberes,
trocando experiências e aprendendo a aprender, foi possível observar a recuperação
da auto-estima das participantes. Com isso, ficou claro aos sujeitos da pesquisa que,
na sala de aula, podem mediar as situações de aprendizagem, incentivando os
alunos a serem sujeitos participativos, autônomos e críticos na construção do seu
saber.
Palavras-chave: Prática Docente. Grupo de Estudos. Educação Matemática.
ABSTRACT
The present work reports the process of reorganization of the teaching
practice associated with the curriculum of Mathematics in the Elementary School in a
study group composed of teachers of a private school in Porto Alegre, Rio Grande do
Sul. The group met with the aim of both observing their theoretical evolution and
understanding the main modifications in their practice, from the following orienting
question: how is the teaching practice of Mathematics teachers of Elementary School
who participate in a study group reconstructed? In the meetings, the teachers sought
strategies to qualify their daily work, aiming at its improvement and the students
learning. The investigation throws light on the difficulties teachers have to motivate
their students. It was observed that it is fundamental to reconstruct the teaching
practice, involving students in the school activities. The group also concluded that, in
order to accomplish the reorganization of its action, and the students to find meaning
in what they study, it is necessary to approximate both the contents and the activities
to the community context. In the process of discussion about the school scope in the
group of teachers, by reflecting, sharing knowledge, exchanging experiences, and
learning to learn, it was possible to observe the recovery of self-esteem of the
participants. It became clear to the subjects of this research that, in the classroom,
they can mediate learning situations, encouraging students to be participative,
autonomous, and critical subjects.
Key words: Teaching Practice. Study Group. Mathematical Education.
RESUMEN
Este estudio relata el proceso de reorganización de la práctica docente
asociada al currículo de Matemáticas de la Enseñanza Fundamental en un grupo de
estudios formado por profesoras de una escuela privada de Porto Alegre, Rio
Grande do Sul. El grupo se reunió con el objetivo de observar su evolución teórica y
comprender las principales modificaciones en su práctica, partiendo de la siguiente
cuestión orientadora: ¿de qué modo se reconstruye la práctica docente de
profesoras de Matemáticas de la Enseñanza Fundamental que participan de un
grupo de estudios? En las reuniones, las profesoras buscaron estrategias para
calificar su trabajo cotidiano, con vistas a su mejoría y del aprendizaje de los
alumnos. La investigación trae a la luz las dificultades de las profesoras en motivar a
sus alumnos, y se ha observado que es fundamental reconstruir la práctica docente,
involucrando a los estudiantes en las actividades escolares. El grupo constató
además que, para que la reorganización de su acción se realice y los estudiantes
encuentren significado en lo que están aprendiendo, es necesario acercar los
contenidos y las actividades propuestas al contexto de la comunidad. En el proceso
de discusión sobre el ámbito escolar en el grupo de profesoras, reflexionando,
compartiendo conocimientos, cambiando experiencias y aprendiendo a aprender, fue
posible observar la recuperación de la autoestima de las participantes. Con eso,
quedó claro a los sujetos de la investigación que, en el salón de clase, pueden
mediar las situaciones de aprendizaje, incentivando a los alumnos para que sean
sujetos participativos, autónomos y críticos en la construcción de sus conocimientos.
Palabras-clave: Práctica Docente. Grupo de Estudios. Educación Matemática.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................
................................
9
2 CONTEXTUALIZAÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO ................................
.........................
12
3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS ................................................................
........................
18
3.1 O CURRÍCULO E A PRÁTICA DOCENTE ................................
................................
19
3.2 OS CURRÍCULOS DE MATEMÁTICA E O CONTEXTO ESCOLAR
..............................
26
3.3 RECONSTRUÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE: CONTEXTO ESCOLAR E
SUAS POSSIBILIDADES ................................................................
35
3.3.1
O contexto escolar e a prática docente ................................
................................
36
3.3.2
A prática docente e suas possibilidades ................................
................................
39
3.3.3
O professor reflexivo e a prática docente ................................
................................
43
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS ................................
................................
47
4.1 SUJEITOS DA PESQUISA ................................................................
.............................
47
4.2 METODOLOGIA EMPREGADA NA PESQUISA ................................
............................
48
4.3 PROCESSO DE PESQUISA ................................................................
..........................
51
4.4 INSTRUMENTOS ................................................................
................................
52
4.5 DESCRIÇÃO DO PROCESSO ................................................................
.......................
53
4.6 MÉTODO DE ANÁLISE ................................................................
................................
54
5 ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS ................................
................................
55
5.1 A CONSCIÊNCIA DO CONTEXTO ESCOLAR ................................
..............................
55
5.2 IDENTIFICAÇÃO DOS LIMITES A SEREM SUPERADOS
................................
62
5.3 AVANÇOS PESSOAIS DOS SUJEITOS NO GRUPO DE ESTUDOS
...........................
67
5.4 PRINCÍPIOS EMERGENTES DO PROCESSO DE RECONSTRUÇÃO
DA PRÁTICA DOCENTE NO GRUPO DE ESTUDOS
................................
70
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................
...........................
75
REFERÊNCIAS ................................................................
................................
80
APÊNDICE A - TRANSCRIÇÃO DA PRIMEIRA REUNIÃO
................................
82
APÊNDICE B - TRANSCRIÇÃO DA TERCEIRA REUNIÃO
................................
93
9
1 INTRODUÇÃO
Ao longo de décadas, os currículos de Matemática não têm estado
relacionados com as necessidades das comunidades. Em congressos e seminários
tem surgido a preocupação com a excessiva mecanização de algoritmos,
memorização de regras e priorização da álgebra em detrimento da geometria.
O que realmente vemos como relevante para nossos educandos? Uma
educação massificadora que faz os alunos apenas memorizarem fórmulas e não
terem o questionamento como ação diária ou uma educação que desenvolve a
autonomia e as capacidades de questionar e argumentar?
Para Pires (2000, p. 59),
Aprender se faz também num contexto de interações sociais. O aluno
constrói seu próprio pensamento, confrontando-o com os demais colegas. O
conhecimento se constrói e toma sentido por meio de ações que permitam
resolver um problema, responder uma questão, numa situação em que o
sujeito tenha podido se apropriar do contexto. Aprender, raramente, se faz
de uma vez, mas supõe, muitas vezes, voltar atrás, reproduzir, porém de
forma a compreender o que faz e por que faz. Um conhecimento só é pleno
se for mobilizado em situações diferentes daquelas que serviram para lhe
dar origem, ou seja, transferíveis a novas situações.
Concordando com Pires, acredito que o aluno constrói o seu conhecimento e
que o professor é um mediador do processo ensino-aprendizagem. A disciplina de
Matemática possibilita que o aluno, em seu cotidiano, estabeleça relações que
partem de um conhecimento prévio para atingir um novo conhecimento. Com isso,
ele articula seus conhecimentos na resolução de problemas de seu dia-a-dia. É
mister envolvermos toda a comunidade na reflexão sobre a escola, a fim de
repensarmos o currículo. Como o currículo é dinâmico, é importante que seja
discutido em todos os níveis para o adequarmos às prioridades de cada
comunidade.
Cabe a nós, educadores, criar estratégias que visem a aproximar a
comunidade da escola para que o que for aprendido tenha significado para nossos
alunos. poderemos realizar a aproximação entre educandos e escola se
envolvermos a comunidade nesse processo, participando, interagindo e discutindo
continuamente suas necessidades. Segundo Moraes e Mancuso (2004, p. 13), “tanto
10
os currículos produzidos como a formação de professores precisam ser pensados
coletivamente, necessitam ser recriados constantemente”.
Sabemos da grande responsabilidade que nos cabe. Devemos nos
conscientizar de nosso papel como agentes de transformação e repensar nossa
prática para que nossos educandos não tenham uma educação domesticadora e
reprodutora do que aprendem em nossas aulas, e sim que sejam sujeitos do seu
pensar. Devemos promover gradativamente um ensino que inclua o aluno, um
ensino em que ele seja participativo, autônomo, argumentativo e em que nós,
educadores, sejamos mediadores das situações de aprendizagem, e não
transmissores de conhecimento.
Aos professores, são delegadas funções que não são suas. Muitas vezes,
enfrentamos dificuldades. Por seu lado, a escola passa por uma grande
transformação em suas atribuições e precisa que os vários setores discutam e
reorganizem o currículo escolar, sendo necessária uma ampla participação da
comunidade para essa reconstrução.
De acordo com Moraes e Mancuso (2004, p. 37),
A necessidade de aproximar os currículos das realidades em que são
trabalhados é uma das justificativas para sua reconstrução permanente.
Cada escola está envolta em um contexto específico; além disso, os
contextos se modificam constantemente. Assim, entendemos que um
currículo significativo e válido requer uma reconstrução permanente,
possibilitando que o trabalho realizado na escola esteja melhor adaptado às
necessidades da comunidade. O envolvimento de todos professores, pais
e alunos nesse processo possibilita a construção gradativa de uma
proposta de escola, superando-se o isolamento e trabalho centrado nas
iniciativas individuais dos professores.
Assim como Moraes e Mancuso (2004), penso que a reconstrução curricular é
um processo, tem um caráter de incompletude e abertura, é passível de discussões
e questionamentos. Se a comunidade participar da elaboração do currículo, suas
diretrizes serão aproximadas do cotidiano de nossos educandos e poderão prepará-
los para a vida. O professor tem seu papel como mediador nesse processo, pois
parte do conhecimento prévio de seus alunos, viabilizando seus interesses. A
escola, por sua vez, caracteriza-se como espaço de discussão e promoção de
mudanças sociais.
No momento em que a escola e seus professores se propõem a discutir suas
dificuldades, a iniciativa da formação de um grupo de estudos viabiliza um ambiente
reflexivo, questionador e gerador de mudanças. Esse processo é lento e gradativo,
11
mas possibilita-nos reconstruir o currículo com a participação da comunidade
escolar, incentivando espaços de liberdade, democracia e autonomia e atendendo
às expectativas de todos os setores envolvidos de forma efetiva. Por esses motivos,
foi realizado o trabalho de pesquisa que apresento a seguir.
No primeiro capítulo, contextualizo e justifico a pesquisa, partindo de minha
história profissional, e apresento o problema e as questões de pesquisa que foram
norteadoras da investigação.
No segundo capítulo, abordo os pressupostos teóricos que considero de
grande importância para esta investigação, envolvendo os tópicos: o currículo e a
prática docente, currículos de Matemática e o contexto escolar e a reconstrução da
prática docente: contexto escolar e suas possibilidades e o professor reflexivo.
No terceiro capítulo, apresento a trajetória construída nesta investigação, os
sujeitos da pesquisa, a metodologia empregada, o processo de pesquisa e os
instrumentos.
No quarto capítulo, apresento os resultados das discussões no grupo de
estudos. Abordo a trajetória do grupo durante o processo de reflexão sobre a escola
com vistas à reconstrução curricular de Matemática do Ensino Fundamental,
procurando compreender e interpretar os significados do que estava sendo
reconstruído pelo grupo. A partir de nossas discussões e considerando as questões
de pesquisa, surgiram as categorias estudadas, que são: a consciência do contexto
escolar, a identificação dos limites a serem superados, os avanços pessoais dos
sujeitos no grupo de estudos e os princípios emergentes no processo de
reconstrução da prática docente no grupo de estudos.
O quinto capítulo constitui-se num fechamento do trabalho, em que destaco a
participação dos professores no grupo de estudos, tentando reconstruir a prática
docente de professores de Matemática no Ensino Fundamental e buscando
contemplar respostas ao problema e às questões de pesquisa.
12
2 CONTEXTUALIZAÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO
Ao concluir o Ensino Médio, após um período de indecisão, prestei vestibular
e ingressei no curso de Engenharia Civil. Os conteúdos me fascinavam. No ano
letivo seguinte, iniciei minhas primeiras atividades laborais como secretária de um
curso pré-vestibular, no atendimento a alunos e na recepção de professores.
Naquele ambiente estudantil, fui convidada para lecionar Matemática. Foi marcante
a relação professor-aluno desde a primeira experiência em sala de aula. Sentia-me
valorizada pelos alunos, que reconheciam meu trabalho e externavam sua gratidão
oferecendo-me presentes inesquecíveis.
Esses alunos já eram adultos, trabalhavam, tinham responsabilidades, e suas
atitudes revelavam maior amadurecimento. Entretanto, os conteúdos estudados por
eles muitas vezes não se adequavam às suas realidades, e o trabalho do professor
era solitário. Os currículos eram impostos, não permitindo espaço para discussão e
troca de experiências. Ainda assim mesmo balizada por modelos tradicionais de
ensino –, a aprendizagem se concretizava, uma vez que os alunos internalizavam os
conhecimentos adquiridos, construindo-os a partir de suas vivências, suas crenças e
seus valores.
Naquele momento, surgiu também o convite para assumir uma turma de 8
a
série do Ensino Fundamental de uma escola da rede privada de Porto Alegre. Esse
novo grupo era um desafio, pois se compunha de adolescentes, em sua maioria,
imaturos e impulsivos, cujos traços infantilizados ainda exigiam maior internalização
de limites, de regras disciplinares e de convivência. Conseqüentemente, isso exigia
do professor maior firmeza e dedicação – sem deixar de lado a ternura – para que os
alunos obtivessem melhor compreensão dos conteúdos ministrados. Esse ambiente
propiciava espaços abertos ao diálogo e às discussões, incentivando os alunos à
autonomia e à liberdade de expressão. Os professores agiam de forma mediadora
nesse aprendizado, respeitando a individualidade de cada aluno numa relação de
parceria e respeito. Em reuniões de disciplinas, procurava-se estudar e discutir
estratégias que relacionassem o aprendizado às relações cotidianas, promovendo-
se atividades que instigassem o aluno ao exercício de sua cidadania.
As propostas de ensino dessas instituições eram diferenciadas: a primeira
mecanizada, formal e sistetica tinha como objetivo a conclusão dos Ensinos
13
Fundamental e Médio, proporcionando ao aluno sua integração no mercado de trabalho;
a segunda embasada no construtivismo fazia os alunos buscarem um entendimento
dos conteúdos propostos, em um ambiente propício ao diálogo e às discussões. Minhas
atribuões, em ambas as instituições, eram claras, definidas e diferenciadas, mas meus
objetivos eram os mesmos: contribuir para a aprendizagem dos alunos.
Sempre acreditei que os currículos têm sentido quando a comunidade
participa de sua elaboração, uma vez que eles não se formam sozinhos, mas a partir
de agentes da comunidade escolar que aspiram a transformar e melhorar a
sociedade. Dessa forma, leva-se sempre em conta que esse currículo está em
permanente processo de reconstrução. Segundo Coll (2002, p. 45),
O currículo, como o projeto que preside as atividades educativas escolares,
define suas intenções e proporciona guias de ação adequadas e úteis para
os professores, que são responsáveis diretamente pela sua execução.
Nesse contexto, resolvi trocar a engenharia pelo ensino definitivamente,
concluindo o curso de Licenciatura em Matemática na Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul.
Hoje leciono em uma instituição da rede privada de Porto Alegre, acumulando
experiência em sala de aula, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio.
Além disso, exerço a coordenação da disciplina de Matemática no Ensino
Fundamental, em que desenvolvo atividades 15 anos, perfazendo o total de 20
anos trabalhando no ensino. Sinto-me realizada com o que faço, pois vejo o
reconhecimento de meus colegas e o retorno positivo por parte dos alunos, com
quem tive grandes alegrias ao compartilhar de suas vidas.
muito vinha buscando especialização em minha área de atuação, pois me
deparava sempre com defasagens no aperfeiçoamento e não encontrava respostas
ou soluções para os problemas surgidos em meu fazer diário. No entanto, havia
poucos cursos para a qualificação de professores, e os que eram oferecidos não
satisfaziam as minhas expectativas.
Decidi, então, ingressar no curso de s-Graduação em Metodologia do Ensino
da Matemática para Educação sica na Faculdade Porto-Alegrense. Concluído o
curso, as uma trajetória longa e difícil, percebi que era preciso buscar maior
qualificação profissional para que pudesse acompanhar mais intensamente os avanços
do conhecimento e desenvolver minhas atividades com a devida competência, no intuito
de poder estimular os alunos a ficarem mais bem situados nas suas realidades.
14
Quando procurei a pós-graduação, minha finalidade era buscar soluções para
o dia-a-dia, aplicar novas metodologias na sala de aula. Ao optar pelo Mestrado em
Educação em Ciências e Matemática, considerei os aspectos que se referiam ao
aprimoramento profissional na área do conhecimento, tanto em relação ao que já
havia incorporado, quanto às novas metas que pretendia alcançar. Abriu-se, então,
um leque de possibilidades a serem exploradas: de compartilhamento de
experiências com os colegas que buscam os mesmos objetivos e do conhecimento
partilhado por professores qualificados e experientes, pois, conforme o dito popular,
“quanto mais se aprende, mais se necessita aprender”.
O ensino se faz valer em todos os níveis, e os professores devem revisar
conhecimentos para suprir lacunas porventura existentes no que se refere aos
alunos, bem como as suas próprias. Segundo Moraes e Lima (2002, p. 160),
Hoje existe uma necessidade de mudança, os modelos de intervenção
precisam estar voltados para priorizar o desenvolvimento do pensamento,
em que se contentar com aulas apenas expositivas e com realização de
exercícios em livros didáticos é não enxergar as necessidades que os novos
tempos sinalizam.
Enquanto percorro essa trajetória profissional, percebo-me preocupada com os
conteúdos disciplinares que devem ser cumpridos, porquanto são demandados nos
programas de ensino blico e privado. Esses conteúdos, em geral, mostram-se
inconsistentes e superficiais. Nesse sentido, a obrigatoriedade de cumprimento dos
programas pode ser apontada como uma das causas do fracasso escolar. A
insatisfação é o que me tem impulsionado cotidianamente a procurar maior qualificão,
o que pode ser encontrado na literatura, no manejo de recursos eletrônicos e na
experimentação no ambiente escolar; no entanto, percebo que isso é insuficiente.
Desse modo, optei por investigar, em um grupo de estudos, a reestruturação
dos currículos de Matemática, pois, ao longo de minha trajetória profissional, sempre
questionei o fato de, em realidades diferentes, os conteúdos serem os mesmos e as
particularidades das comunidades não serem levadas em conta. Sabemos que as
escolas têm autonomia para uma reestruturação; por que, então, isso não é
realizado? Que interesses estão por trás disso?
Muitos programas de ensino estão consagrados e incrustados nos anais
escolares, cujos conteúdos perpassam gerações, como se fossem a única e melhor
aprendizagem. Se a escola, hoje, sofre pela desmotivação de alunos e professores,
15
acredito que seja o momento de chamar a comunidade para a discussão dos
currículos, tornando-os mais próximos das realidades de que fazem parte. A partir
desse debate, a comunidade pode perceber o porquê de a nossa escola estar cada
vez mais distanciada de seu intuito.
Atualmente, os conteúdos são ministrados de maneira descontextualizada,
sem relação com o cotidiano do aluno. Acredito que as transformações são
necessárias; por isso, o envolvimento de toda a comunidade escolar torna-se
fundamental para que algumas metas sejam traçadas.
Rubem Alves (2004) assegura que a sensibilidade é o que nos razão para
viver, entretanto, sob sua ótica, é o que está ausente nos nossos sistemas
educacionais. Segundo ele, as escolas não estimulam a sensibilidade por não ser
quesito básico para a preparação ao vestibular.
Rubem Alves é, atualmente, um divulgador do trabalho realizado na Escola da
Ponte, em Portugal, cujo diferencial é não ter um programa a ser seguido.
Exemplifica que, quando aconteceu o atentado às Torres Gêmeas o World Trade
Center em 11 de setembro de 2001, a escola inteira parou o que estava fazendo,
pois não tinha mais sentido estudar qualquer coisa: aquele evento era a grande
lição. A instituição inteira pôs-se, então, a estudar o Afeganistão: a história, a cultura,
a economia, a religião, tudo referente ao país. Em relação a esse método ser
implementado no Brasil, o autor enfatiza:
Não. Do jeito que é hoje, não. Porque aqui no Brasil, a gente tem um
programa para ser seguido, e o programa é mortal para a aprendizagem.
[...] Pressupõe que se pode pegar os conhecimentos prontos e colocá-los
um atrás do outro. Mas isso é completamente anti-pedagógico. [...] As
nossas escolas foram feitas seguindo o modelo das linhas de montagem.
[...] O que se faz é perder tempo nas escolas. Não há psicologia que
justifique isso (ALVES, 2004, p. 11).
Partindo desse pensamento, a escola não deve ser autoritária, e sim um
espaço de diálogo e discussão. Ao promovermos a educação, temos como
finalidade fomentar aspectos de crescimento pessoal, resultado de uma gama de
atividades educativas em que a instituição está presente.
Segundo Freire, “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os
homens educam-se entre si mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p. 68).
Nesse sentido, percebo uma necessidade de estimular a mudança no ensino formal
para que se busquem novos modelos e se desenvolvam novos conceitos e
16
metodologias estimuladoras do pensamento. É preciso que se promova a pesquisa,
proporcionando uma investigação profunda dos conteúdos e das relações que o
pertinentes ao ambiente escolar, com vistas ao aperfeiçoamento profissional e a
uma educação mais comprometida, inclusive voltada para a paz.
Essa deveria ser uma conscientização integralizada do sistema nacional de
ensino, embora já existam alternativas nessa linha. Segundo Pires (2000, p. 161),
Nas últimas cadas, os recursos metodológicos para o ensino de
Matemática foram colocados nos centros das atenções de grande parte das
ações de capacitação de professores, como também de pesquisa
acadêmica: o uso de jogos, de materiais de construção e manipulação, a
incorporação da história da matemática, dos elementos do cotidiano.
Existem, atualmente, alguns movimentos que estão se mobilizando na
tentativa de proporcionar mudanças, mas que se considerar que, neste país, uma
minoria de alunos consegue concluir o Ensino Fundamental. A desvalorização da
formação educacional, o estado de pobreza da população, a troca do estudo pelo
trabalho e outros fatores que desestimulam a freqüência escolar são pontos que
também requerem nossa atenção.
É necessário sempre estimular os alunos naquelas disciplinas em que
percebemos certas dificuldades. Sabemos que a Matemática sofre muita rejeição por
parte dos alunos, visto que ela exige raciocínio lógico, inferências, deduções e
abstrações, o que não é exercitado no cotidiano de sala de aula. Partindo desse
princípio, é necessário que o professor se aproprie de motivações, tentando
aproximar sua metodologia das vivências e realidades de seus alunos. Uma forma
de desenvolver essa motivação é propor ao grupo de professores a discussão do
currículo, levando-se em conta a realidade de cada comunidade, respeitando as
diferenças, para que a escola possa contribuir para a aprendizagem do estudante de
tal forma que ele, no futuro, possa continuar a aprender sozinho. Conforme afirmam
Moraes e Mancuso (2004, p. 211),
A idéia de que o grupo precisa assumir sua autonomia na reconstrução do
currículo se fundamenta na convicção de que toda escola corresponde a
uma realidade, com suas oportunidades, limitações e problemas, o
existindo nenhuma estratégia ou conjunto de teorias e práticas que se
adapte a esta adequação por meio da participação dos agentes
interessados nas mudanças.
Atualmente, as instituições deparam-se com uma séria dificuldade: os alunos
gostam das escolas, mas não das aulas. Tal constatação evidencia a necessidade
17
de uma reestruturação dos currículos, especificamente de Matemática, para que, no
ambiente escolar, sejam abordados os problemas vivenciados no cotidiano. Com
essa preocupação, apresento o problema central que norteou esta pesquisa: de que
modo se reconstrói a prática docente de professores de Matemática do Ensino
Fundamental em um grupo de estudos?
Esse problema, originado de vivências ao longo de minha trajetória
profissional, tem me feito buscar estratégias para aproximar os currículos de
Matemática das realidades de nossos alunos. Nesse sentido, a investigação desse
problema tem por objetivo acompanhar a evolução teórica de um grupo de estudos
constituído de professoras de Matemática do Ensino Fundamental, abordando a
reconstrução curricular e as modificações na prática das participantes do grupo.
Algumas questões tornam-se relevantes para dar direção à investigação:
como se modificam as teorias das professoras que participam desse grupo de
estudos, visando à reconstrução curricular? Como se dão as modificações na prática
das professoras desse grupo de estudos para reconstrução curricular?
Essas questões têm relação com o que diz Freire (1996, p. 39):
Na formação permanente dos professores, o momento fundamental
é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a
prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.
Meu envolvimento com as questões curriculares vem de uma longa
caminhada: a busca por tornar a sala de aula um ambiente democrático e de trocas,
com a valorização dos conhecimentos prévios dos alunos e o resgate do importante
papel do professor na sociedade. Todos esses pensamentos o anseios de muito
tempo. Precisamos, como professores, valorizar o trabalho que fazemos, pois a
transformação da sociedade se dará por meio da educação.
Discutindo com um grupo de estudos as possíveis dificuldades que
encontramos no campo empírico, acredito ser possível encontrar alternativas
inovadoras que, compartilhadas com a comunidade escolar, possam integrar a
escola e a família. O objetivo seria reorganizar a prática docente de modo a tornar os
alunos agentes ativos do processo de aprendizagem, com a reconstrução de
conhecimentos adequados às suas realidades e o desenvolvimento de outras
competências.
18
3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Ao longo da minha caminhada profissional, por vezes, senti-me angustiada e
frustrada com os fracassos no ensino da Matemática, em função das dificuldades
encontradas pelos alunos. Nesse sentido, tenho me questionado quanto a essa
realidade. Qual é a nossa contribuição como professores para que essa situação se
mantenha? O que podemos fazer para que essa situação se transforme?
Tenho procurado refletir e buscar estratégias para que essa realidade seja
transformada. Acredito que um dos caminhos possíveis pode ser uma reorganização
da prática docente que aproxime os conteúdos e as atividades propostas do
contexto de cada comunidade, pois é questionável o fato de que comunidades com
diferentes culturas e vivências tenham o mesmo currículo. Entendo que a
comunidade pode participar e se responsabilizar, junto com a escola, pela formação
de seus alunos. Em face disso, apresento o seguinte questionamento:
De que modo se reconstrói a prática docente de professores de
Matemática do Ensino Fundamental em um grupo de estudos?
Não respostas ou fórmulas prontas. Acredito que a reflexão em um grupo
de estudos de professores no contexto escolar, com a devida valorização do
ambiente de aprendizagem, pode contribuir para que o trabalho dos professores seja
repensado e para que alternativas sejam criadas, tendo em vista o envolvimento dos
alunos na disciplina de Matemática. Busca-se uma participação ativa dos alunos na
reconstrução dos saberes matemáticos, com significado, na tentativa de relacionar a
Matemática ao contexto vivido.
Pensando dessa forma, proponho alguns questionamentos. Quais os reais
motivos para que nossos alunos tenham aversão à Matemática? Será que não
um mito quanto às dificuldades de aprendizagem nessa disciplina? Será que nós,
professores, não reforçamos esse modo de pensar?
Para que ocorra a aprendizagem, é necessário que se crie um ambiente onde
seja permitida ao aluno a exploração dos conceitos matemáticos e sejam
proporcionadas situações que promovam o desenvolvimento do raciocínio lógico-
matemático e de outras competências relevantes. Para isso, precisamos valorizar os
conhecimentos prévios e a argumentação das idéias pelos alunos.
19
Partindo da questão de pesquisa colocada anteriormente, neste capítulo,
apresento conceitos e problematizações que considero importantes para o
embasamento deste estudo. Serão abordados os temas: o currículo e a prática
docente, currículos de Matemática em processo e a reconstrução da prática docente.
3.1 O CURRÍCULO E A PRÁTICA DOCENTE
Para fins desta dissertação, pretendo apresentar alguns conceitos de
currículo, com base no pensamento de autores como Pires (2000), Vasconcellos
(2002), Silva (1999), Rule (1973 citado por SACRISTÁN, 2000), Kemmis (1988),
Grundy (1987 citado por PACHECO, 2001), Doll Jr. (1997), Huebner (1985 citado
por PACHECO, 2001), Pacheco (2001), Mclaren (1977 citado por ALVES, 2002),
Sacristán (2000), Goodson (1995) e Torres (1996), numa perspectiva evolutiva.
Sempre relacionei diretamente currículo com os conteúdos programáticos,
que é o que ocorre com a maioria dos professores. Estes falam sobre currículo, mas
não parece haver consenso quanto ao significado desse conceito. Segundo Pires
(2000, p. 8),
Ao longo dos últimos anos, os currículos de matemática aqui entendidos
como programas conteudísticos e didáticos do processo ensino-
aprendizagem dessa disciplina m sofrendo questionamentos em
diferentes países. Os objetivos do ensino dessa disciplina, os conteúdos
selecionados, os aspectos metodológicos e didáticos e os resultados desse
ensino têm sido postos em discussão.
Pires mostra que o conceito de currículo tem sido discutido, mas ainda
existem concepções que o apresentam relacionado apenas aos conteúdos
programáticos. Ao pesquisar sobre o conceito de currículo, passei a entendê-lo
como tudo o que acontece na escola, ou seja, as relações interpessoais, a gestão
escolar, os conteúdos programáticos, a metodologia e a avaliação. Vasconcellos
(2002, p. 132) amplia a percepção de currículo quando afirma que, “Da visão restrita
de uma lista de conteúdos que imperou até os anos 60 do século XX, chegou-se à
compreensão de que “currículo é tudo””.
O que quer dizer Vasconcellos ao referir que “currículo é tudo”? Com o
interesse despertado sobre esse tema, mergulhei nas leituras e nas discussões com
20
o grupo de estudos implicado nesta pesquisa. Passei, então, a compreender esse
conceito como uma construção de significados relacionados ao que ocorre no
cotidiano da escola. Para Silva (1999, p. 55),
O currículo envolve a construção de significados e valores culturais. O
currículo não está simplesmente envolvido com a transmissão de “fatos” e
conhecimentos objetivos. O currículo é um local onde, ativamente, se
produzem e se criam significados sociais.
Silva aponta que a prática docente tem implicações na elaboração das
atividades escolares e nas vivências entre alunos e professores, ou seja, o currículo
é uma construção social de que todos os setores da escola fazem parte. Trata-se de
um processo que envolve o professor, as famílias e a comunidade.
Rule (1973 citado por SACRISTÁN, 2000, p. 14) fez as seguintes considerões
sobre currículo:
- é toda experiência que o aluno obtém na escola;
- é o conjunto de responsabilidades da escola, que promove uma gama de
experiências, podendo ser conscientes e intencionais ou aprendizagens elaboradas,
direcionadas ou supervisionadas sob supervisão da instituição escolar;
- são os conteúdos da educação, como planos ou atividades experienciadas
que a criança pode obter;
- são as experiências recriadas nos alunos por meio das quais estes podem
se desenvolver;
- são as tarefas e as habilidades a serem dominadas;
- é o programa que proporciona conteúdos e valores para que os alunos
melhorem a sociedade em relação à construção social.
Percebe-se a importância do currículo, visto como todas as instâncias da
escola, envolvendo os educandos em uma gama de atividades. Abrange o
desenvolvimento da capacidade crítica, os questionamentos, a busca de valores e a
participação de toda a comunidade. Isso porque os alunos aprendem em todos os
ambientes, e não apenas na escola; daí a importância de a escola ser um espaço
que valorize os conhecimentos prévios, as crenças e a cultura dos alunos.
De acordo com Vasconcellos (2002, p. 133),
Todo o processo de educação escolar por ser intencional e sistemático
implica a elaboração e realização (incluindo a avaliação) de um programa
de experiências pedagógicas a serem vivenciadas em sala de aula e na
escola. Estamos entendendo por currículo este conjunto de atividades.
21
Currículo vem do latim curriculum (do verbo currere correr). Refere-se
tanto à proposta feita pela instituição, quanto ao caminho, ao trajeto que o
discente percorre no período de sua formação escolar.
Quando se trata de currículo, o cerne da questão está nas relações
educativas vivenciadas no contexto escolar pelos alunos e professores, nas trocas e
questionamentos no cotidiano. Por isso, é necessário refletir sobre a escola a fim de
encontrar estratégias para que os alunos atinjam os seus propósitos, permitindo que
reelaborem seus conhecimentos e repensem suas atitudes, seus valores e crenças.
É importante que os alunos sintam que a escola tem por objetivo contribuir
para que tenham atitudes mais adequadas, tais como o respeito e o saber pensar,
bem como desenvolver sua criticidade e a capacidade de questionar. Não podemos
esquecer que, ao iniciarmos uma aula, estamos diante de nossos alunos, com seus
respectivos valores e crenças, e nós, como mediadores, somos responsáveis por
muito que está sendo dito, de forma implícita ou explícita.
Como, para mim, inicialmente, o conceito de currículo baseava-se apenas em
conteúdos associados à metodologia e como a falta de precisão do termo gerava
confusão, percebi que seriam necessárias novas definições para dar conta da
complexidade da prática docente. Huebner (1985 citado por PACHECO, 2001, p. 15)
diz que a palavra “currículo”
aponta para diversas, e inclusive paradoxais, intenções dos professores;
está carregada de ambigüidade, falta-lhe precisão, refere-se de um modo
geral, a programas educativos das escolas.
Essa imprecisão do termo “currículo” contribui para que cada um construa o
seu próprio conceito. Tais construções são lentas e dependem do nosso pensar e do
nosso fazer diário. Em educação, as incertezas preponderam, e, como o currículo é
dinâmico, estamos em constante reconstrução e reflexão. Segundo Grundy (1987
citado por PACHECO, 2001, p. 18),
O currículo o é, no entanto, um conceito; é uma construção cultural, isto
é, não é um conceito abstrato que possui alguma existência exterior e
alguma experiência humana. Pelo contrário, é um modo de organizar um
conjunto de práticas educacionais humanas.
Conforme Grundy, o currículo está além dos conteúdos, da metodologia, da
avaliação, do contexto escolar, das relações interpessoais e da gestão; ele age
22
como uma rie estruturada de resultados encontrados na aprendizagem, tais como
todas as experiências que o estudante adquire na escola e em seu cotidiano.
Alguns autores, entretanto, conceituam o currículo de outra forma. Sobre isso,
Goodson (1995, p. 117) afirma:
Por “currículo” entendemos, nas palavras do historiador canadense do
currículo, George S. Tonkins (1986, p. 1), o curso aparente ou oficial de
estudos, caracteristicamente constituído em nossa era por uma série de
documentos que cobrem variados assuntos e diversos níveis, junto com a
formulação de tudo metas e objetivos“, conjuntos e roteiros que, por
assim dizer, constitui as normas, regulamentos e princípios que orientam o
que deve ser lecionado.
Nessa definição, uma preocupação com os conteúdos lecionados e com a
estrutura do curso, uma vez que engloba a existência de normas e regulamentos.
Entretanto, currículo não é apenas um conjunto de normas e regulamentos. É
reflexão sobre a complexidade do âmbito escolar, envolvendo a proposta
pedagógica da escola, os conteúdos programáticos, sua gestão, seu corpo docente
e discente e sua avaliação. Por isso, entendo como necessário abordar o currículo
levando em conta os sujeitos, suas culturas e o que acontece cotidianamente na
escola. Silva (1999, p. 15) aponta que,
Se quisermos recorrer à etimologia da palavra “currículo”, que vem do latim
curriculum, “pista de corrida”, podemos dizer que no curso dessa corrida”
que é o currículo acabamos por nos tornar o que somos. Nas discussões
cotidianas, quando pensamos em currículo, pensamos em apenas
conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o
currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo
que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa
subjetividade.
Para muitos, o currículo está associado a uma série de conhecimentos;
contudo, o somos indivíduos compartimentados, mas reflexivos e, mesmo que
pensemos diretamente no conhecimento, temos toda a nossa bagagem de
entendimentos, como nossos conhecimentos prévios, nossas heranças culturais,
nossas interpretações dos fatos e nossas crenças. Mesmo que, em alguns
momentos, esqueçamos daquilo que somos e do que nos tornamos, temos a nossa
identidade, o nosso eu.
Segundo Doll Jr. (1997, p. 178), “currículo construtivo é aquele que emerge
da ação e interação dos participantes; ele não é estabelecido antecipadamente (a
não ser em termos amplos e gerais)”.
23
Assim, a prática está ao lado da teoria, do fazer em sala de aula, com a teoria
sendo desenvolvida a partir da prática, o que permite mais liberdade aos professores
e aos alunos. Há, com essa interação, condições de desenvolver um currículo
próprio, um espaço de participação, de acordo com as necessidades de cada
comunidade. É importante que o currículo parta dos interesses da comunidade
escolar para que os sujeitos ajam primeiramente como transformadores do processo
de ensino-aprendizagem, uma vez que o currículo tem também como função a
transformação social.
Conforme Doll Jr. (1997), o currículo como processo constituído a partir da
reflexão recursiva toma as conseqüências das ações passadas como problemáticas
daquelas que virão a acontecer enquanto atitudes, valores e senso de comunidade
para nossa sociedade atual. O currículo é dinâmico. Estamos sempre aprendendo e
problematizando o nosso dia-a-dia, questionando as ações passadas e
reconstruindo-as para as ações futuras.
Para Kemmis (1988, p. 44), “o currículo é uma construção que deve ser
estudada na relação com as condições históricas e sociais em que se produzem as
suas diversas realizações concretas e na ordenação particular de seu discurso”.
Kemmis deixa claro que o currículo depende do contexto em que está
inserido, pois representa uma gama de práticas diversas atuando na escola.
Entendo, então, que as práticas pedagógicas estão associadas a aspectos políticos,
ideológicos, intelectuais e sociais. Falar em currículo e na prática docente implica
pensar nas relações de poder envolvidas e na subjetividade. Sobre isso, Pacheco
(2001, p. 20) afirma:
O currículo, apesar das diferentes perspectivas e dos diversos dualismos,
define-se como um projeto, cujo processo de construção e desenvolvimento
é interativo, que implica unidade, continuidade e interdependência entre o
que se decide ao vel do plano normativo, ou oficial, e ao nível do plano
real, ou do processo de ensino-aprendizagem. Mas, ainda, o currículo é
uma prática pedagógica que resulta da interação e confluência de várias
estruturas (políticas, administrativas, econômicas, culturais, sociais,
escolares) na base das quais existem interesses concretos e
responsabilidades compartilhadas.
O currículo não pode deixar de priorizar, além da busca do conhecimento, os
valores determinantes na atualidade, tais como: respeito, solidariedade e construção
da paz. Os currículos escolares e a prática docente visam à transformação do sujeito
e da sociedade. Goodson (1995, p. 10) afirma:
24
O currículo deve ser visto não apenas como expressão ou a representação
ou o reflexo de interesses sociais determinados, mas também como
produzindo identidades e subjetividades sociais determinadas. O currículo
não apenas representa, ele faz. É preciso reconhecer que a inclusão ou
exclusão no currículo tem conexões com a inclusão ou exclusão na
sociedade.
Nesse caso, o autor propõe uma desacomodação a fim de revisarmos os
nossos conceitos em termos de educação. O currículo está em constante
reconstrução e transformação, não sendo apenas um resultado, mas uma
caminhada: o currículo é dinâmico e temporário. Por isso, é importante buscarmos
nos fracassos da prática docente novas propostas, novas formulações.
Sacristán (2000, p. 22) complementa:
[...] argumentamos que o currículo faz parte, na realidade, de múltiplos tipos
de práticas que o podem reduzir-se unicamente à prática pedagógica de
ensino; ações que são de ordem política, administrativa, de supervisão, de
produção de meios, de criação intelectual, de avaliação, etc, e que,
enquanto são subsistemas em parte autônomos e em parte
interdependentes, geram forças diversas que incidem na ação pedagógica.
Âmbitos que evoluem, historicamente, de um sistema político e social a
outro, de um sistema educativo a outro diferente. Todos esses usos geram
mecanismos e decisão, tradições, crenças, conceitualizações, etc. que, de
uma forma mais ou menos coerente, vão penetrando nos usos pedagógicos
e podem ser apreciados com maior clareza em momentos de mudança.
Com Sacristán, percebo que o currículo tem uma função social de aproximar
a sociedade da escola, colocando em discussão os interesse individuais e os do
grupo, possibilitando, ainda, o questionamento dos interesses políticos e ideológicos.
Acredito que tal processo é uma permanente reconstrução de nossas práticas
cotidianas, com um sentido interativo, histórico, social, cultural e político, com vistas
à melhoria do sistema educacional, ou seja, o currículo como construção social.
Segundo McLaren (1977 citado por ALVES, 2002, p. 38),
O currículo representa muito mais do que um programa de estudos, um
texto em sala de aula ou o vocabulário de um curso. Mais do que isso, ele
representa a introdução de uma forma particular de vida; ele serve, em
parte, para preparar os estudantes para posições dominantes ou
subordinadas na sociedade existente. O currículo favorece certas formas de
conhecimento sobre outras e afirma os sonhos, desejos e valores de grupos
seletos de estudantes sobre outros grupos, com freqüência discriminando
certos grupos raciais, de classe ou gênero.
O trabalho no dia-a-dia, em nosso contexto escolar, em nossas aulas tem
importância fundamental para a promoção dos sujeitos em relação às condições
sociais, culturais e econômicas. A partir disso, apresento dois questionamentos: se
25
nossos alunos passam a maior parte de seu tempo na escola, não é
responsabilidade desta proporcionar uma formação mais qualificada e
comprometida? Será que os professores têm consciência disso?
Em minha atuação como professora, sempre incomodou-me a falta de
significado dos conteúdos de Matemática para os alunos, daí o grande interesse
pela revisão da prática docente e pela reconstrução curricular da Matemática no
Ensino Fundamental. É importante procurar buscar dar sentido aos conteúdos,
relacionando-os ao cotidiano. Conforme coloca Pires (2000, p. 37),
A apropriação da Matemática, pelo aluno, não pode limitar-se ao
conhecimento formal de definições, de resultados, de técnicas e de
demonstrações: é indispensável que os conhecimentos tenham significado
para ele a partir de questões que lhe são colocadas e que saiba mobilizá-las
para resolver problemas.
Concordando com Pires, acredito que o professor de Matemática deve
fomentar a participação dos alunos nas atividades propostas e criar um ambiente em
que os estudantes sejam capazes de fazer perguntas, elaborar questões, propor
atividades, argumentar. Com isso, nossos educandos encontrarão significado no que
é estudado e o professor, ao mediar esse processo, promoverá a autonomia, a
liberdade, a participação e a compreensão matemática de cada indivíduo.
No decorrer deste tópico, procurei apresentar a visão de alguns autores sobre
o conceito de currículo; entretanto, não posso deixar de comentar o currículo oculto,
que alguns autores enfatizam algumas diferenças entre currículo e currículo
oculto. Na minha visão, essas duas denominações estão inseridas no amplo
conceito de currículo. Segundo Silva (1999, p. 77),
O conceito de currículo oculto foi provavelmente utilizado pela primeira vez
por Philip Jackson, em 1968, no livro Life in classrooms. Nas palavras de
Jackson, 'os grandes grupos, a utilização do elogio e do poder que se
combinam para dar um sabor distinto à vida de sala de aula coletivamente,
formam um currículo oculto, que cada estudante (e cada professor) deve
dominar se quiser se dar bem na escola'.
O currículo oculto constitui-se por meio das relações sociais da escola,
relações entre professores e alunos, entre gestores e professores, entre os alunos e
entre os professores. Com uma visão ampliada de currículo oculto, socializamos
valores, atitudes, normas e regulamentos. Como podemos ler em Vasconcellos
(2002, p. 132),
26
Não se pode conceber contemporaneamente uma reflexão sobre currículo
que não leve em conta a questão do “currículo oculto” (aquilo que
efetivamente acontece na escola, embora não tenha sido planejado, e que,
amiúde sequer é admitido pela instituição), das diversidades dos sujeitos
(culturais, étnicas, de gênero, etc.).
Um princípio importante para a escola são as relações sociais, mais do que
conteúdos explícitos e manifestações verbais. As atitudes dos professores, seus
valores e suas crenças têm um alcance muito maior nas relações com os alunos.
Esses princípios ficam visíveis aos alunos nas aulas, pois os professores não o
neutros e, mesmo que não queiram, são “modelos” para os alunos.
Para Torres (1996, p. 60-61),
A escola cumpriria seu papel não de forma explícita, mas de uma maneira
diversificada por meio das modalidades organizacionais e das rotinas que
compõem nas entidades escolares, ao que Jackson denomina Currículo
oculto. Concluí que ele é o primeiro em utilizá-lo (ainda anterior a John
Dewey em sua obra Experience and Education, publicada em 1938, este
não sabia das atitudes que se desenvolvem nas escolas como fruto de uma
“aprendizagem colateral“ e que podem conter maior importância do que
resultados dos currículos explícitos) (tradução nossa).
A partir dessa leitura, é possível compreender que o currículo contempla os
conhecimentos, os valores sociais internalizados, a aprendizagem implícita e
explícita, a personalidade, o caráter do indivíduo em formação, a metodologia dos
professores, as relações interpessoais, a construção de significados, as vivências na
escola, as trocas de saberes entre professores e alunos, as relações sociais, as
atitudes, os valores e as crenças de todos que estão envolvidos no processo de
ensino e aprendizagem.
3.2 OS CURRÍCULOS DE MATEMÁTICA E O CONTEXTO ESCOLAR
O princípio do questionamento sobre currículo no Brasil é datado dos anos 20
e 30, quando aconteceram importantes transformações de cunho social, econômico,
cultural, político e ideológico em nosso país, tais como: semana de arte moderna,
início da era Vargas, criação do Ministério da Educação e Cultura e instituição do
vestibular.
27
Por influência da literatura americana, a palavra curriculum, com o sentido
que lhe é dado hoje, passou a ser usada por países como Portugal, Espanha,
França e Alemanha muito recentemente. O livro The curriculum, escrito por Bobbitt
em 1918, passou a ser considerado um marco nesse campo de estudos.
Posteriormente, na década de 60, aconteceram diversas transformações em
nosso meio social, desde protestos contra a ditadura militar, liberação sexual,
movimentos das minorias e protestos estudantis na França até protestos contra a
Guerra do Vietnã. Em função de um momento muito conturbado, a produção de
livros, textos e ensaios crescia, pois havia muito a se questionar; no entanto, os
modelos tradicionais de educação não contemplavam todas essas mudanças que
estávamos sofrendo.
Nesse período, houve um amplo movimento internacional, conhecido como
“Matemática moderna”. Em todos os países, projetos e iniciativas inovadoras
apresentavam uma abordagem mais atualizada dos assuntos tradicionais. Quanto
aos alunos, a competência matemática valorizava, agora, a compreensão dos
conceitos e o fazer pensar.
Para Freire (1987), a educação visa à conscientização dos oprimidos,
capacitando-os a refletir criticamente sobre seu destino, suas responsabilidades e
seu papel no processo de superação em relação ao atraso do país, à miséria e às
injustiças sociais. Para tal superação, novos currículos fazem-se necessários, já que
o currículo tradicional abstrato, teórico e desvinculado da vida real não pode
auxiliar no desenvolvimento da consciência crítica do aluno.
A preocupação fundamental de Freire, embora ele valorizasse as discussões,
o diálogo e a tomada de consciência, era a transformação da realidade social em
que o aluno está inserido, no intuito de habilitá-lo para uma educação libertadora.
No final dos anos 70 e início dos 80, com a abertura política, ocorreu uma
emergência da teoria curricular: propagou-se em todo o país, nesse momento, um
conjunto de obras pedagógicas de natureza progressista. Já na metade dos anos
80, o campo do currículo foi marcado pela perda de influências teóricas de
abordagens utilizadas nos Estados Unidos e na Inglaterra, que internalizavam
modelos pedagógicos com cunho mais utilitário. Havia um novo movimento,
preocupado com o pensamento curricular no Brasil, no qual dois grupos nacionais se
destacavam: a pedagogia histórico-crítica e a pedagogia do oprimido, provocando
diversas disputas entre os discursos educacionais.
28
A influência de alguns autores estrangeiros, tais como Henry Giroux, Peter
McLaren e Michael Apple, entretanto, estava ligada a uma outra forma de atuação,
não mais marcada por transferências. Contribuía-se para uma nova sociologia, uma
nova maneira de ver o mundo, como no trabalho de alguns pesquisadores
brasileiros, tais como Paulo Freire, que se preocupavam em desenvolver o
pensamento crítico. Nesse período, havia interesse em fazer uma crítica maior às
diretrizes das décadas anteriores.
Na Matemática, a década de 1980 sinalizou uma preocupação com os
conteúdos que eram desenvolvidos, com os prováveis problemas da disciplina, com
a importância dada à resolução de problemas e com a tentativa de trazer a
Matemática a um contexto mais real, provocando a preocupação em fazer o aluno
elaborar, e não reproduzir. Nesse sentido, houve um incentivo à capacidade do
aluno de raciocinar e de buscar a resolução de problemas. Nesse período,
aconteceram muitos debates, que trouxeram à tona as dificuldades da disciplina,
mudando as concepções há muito tempo estabelecidas (PONTE, 1994).
O professor constituiu-se como uma figura fundamental do processo de
implementação de mudanças. A partir daí, a aprendizagem voltou-se para a
capacidade do aluno de resolver as suas situações–problema, com base no seu
fazer diário. Essa reorganização curricular passava pela mudança do modo de
pensar dos professores e dos alunos, compreendendo um novo modelo de
atividades em sala de aula. Essa tarefa implicava refletir a prática docente do
cotidiano e tentar novas estratégias, que nem sempre davam certo, mas que
precisaram ser experimentadas para auxiliar no aperfeiçoamento do trabalho.
Ainda na década de 80, Domingues publicou um artigo, intitulado O cotidiano
da escola de primeiro grau: sonho e a realidade, que seria uma nova proposta
curricular. Apresentava dois enfoques críticos: um ligado à pedagogia crítico-social
dos conteúdos, com autores como José Carlos Libâneo, Dermeval Saviani e
Guiomar Namo de Mello, e outro relacionado à proposta de educação popular,
associada ao autor Paulo Freire.
Nessa década, havia uma preocupação centrada nos conteúdos curriculares
do Ensino de Primeiro Grau, hoje Ensino Fundamental, em função de uma atuação
precária, mesmo sabendo da importância da escola para as camadas populares. Um
grupo que se intitulava “curriculista” discutia os conteúdos a serem ensinados e os
métodos empregados.
29
Nesse sentido, muitos livros nacionais foram publicados na década de 80, e
muitos de seus autores, de um modo geral, estavam vinculados a programas de pós-
graduação em Educação. O programa da PUC–SP, por exemplo, é marcado por
Paulo Freire.
Ainda nessa década, ocorreram encontros com participação de professores
representativos no campo do currículo. Nessas reuniões, discutiam-se os rumos do
pensamento curricular brasileiro e os conteúdos a serem lecionados na escola de
Ensino Fundamental.
A partir da década de 90, o número de livros publicados superou o da década
anterior. As pesquisas assumiram um enfoque sociológico, destacando uma
preocupação em compreender o currículo como espaço de relação e poder. Houve
um destaque aos autores associados à Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
e foram publicadas várias coletâneas de diferentes países, tais como: Inglaterra,
Espanha, França, Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos e África do Sul. Nesse
momento, houve uma grande diversificação de influências teóricas.
Segundo Lopes e Macedo (2002, p. 17),
Nesse período, podemos situar como centrais as discussões sobre currículo
e conhecimento. Especialmente no Grupo de Trabalho (GT) de Currículo da
Associação Nacional de Pós–Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPEd), mas também em periódicos da área, foram aprofundadas
questões referentes às relações entre conhecimento científico,
conhecimento escolar, saber popular e senso comum; aos processos de
seleção de conteúdos constituídos do currículo; às relações entre ação
comunicativa, os processos de crítica aos conhecimentos e os processos
emancipatórios; a necessidade de superarmos dicotomias entre conteúdos,
métodos e relações específicas da escola, sintonizadas com o entendimento
mais geral do currículo como construção social do conhecimento.
Por volta dos anos de 1995 e 1996, alguns pesquisadores associados à
ANPEd discutiram os Parâmetros Curriculares Nacionais em vários encontros
realizados por todo o Brasil. A partir daí, houve uma gama de debates e discussões
sobre currículo no país.
Para Souza (1993 citado por COSTA, 2001, p. 19),
Apesar dessa efervescência, a teoria curricular crítica, semelhantemente ao
que ocorre nos Estados Unidos, é vista como em crise, como padecendo de
grave problema: “o distanciamento entre a produção ‘teórica‘ e a realidade
vivida no cotidiano das escolas“. Ou seja, a sofisticação teórica segundo os
próprios estudiosos do campo não foi ainda suficientemente útil para o
processo de construção de uma escola de qualidade no país.
30
No final dessa década, os resultados das pesquisas e debates sobre currículo
foram ampliados. O pensamento curricular passa a reunir dois enfoques: pós-
modernos e pós-estruturais, que se relacionam com as questões atuais. Essas
teorizações baseiam-se no pensamento de Morin, Foucault, Deleuze e outros.
Nesse período, devido a tantas teorias diversificadas provenientes da
globalização, sendo que algumas se contrapõem, a existência do hibridismo nesse
campo tornou-se o fato mais importante, atuando como elo das diferentes tendências,
proporcionando mais força ao que se trata de uma grande diversidade de estudos.
Em nosso país, diversas reformas têm sido empreendidas, nos últimos anos,
por secretarias estaduais e municipais de Educação. Paralelamente, em alguns dos
encontros regionais e nacionais de grupos de Educação Matemática, é enfocada a
necessidade de uma reestruturação dos currículos. A partir disso, professores e
membros da comunidade escolar começam a refletir sobre os problemas
apresentados nessa disciplina, tais como: a preocupação excessiva com a
mecanização de algoritmos; a memorização de regras e de esquemas para resolver
problemas; a priorização da Álgebra; a redução dos tópicos de Geometria; e a
tentativa de exigir do aluno uma abstração, o que está em desacordo com o seu
amadurecimento.
Esse processo de modificação tem encontrado dificuldades, pois a
comunidade resiste a se envolver. A prática não ocorre como se espera em função
de vários motivos, entre eles, as questões salariais, a falta de incentivo na formação
dos docentes e a desmotivação por parte dos professores, o que interfere
negativamente no trabalho. No entanto, em alguns estados de nosso país, têm sido
discutidas estratégias capazes de incentivar um fortalecimento da escola como
unidade do sistema escolar, fazendo com que os currículos sejam adaptados à
realidade de cada comunidade.
Para que haja essa reorganização, é imprescindível a ampla participação da
comunidade, sobretudo de pais, alunos e professores, na discussão das
necessidades do grupo em questão, cabendo, naturalmente, aos professores, a
responsabilidade pedagógica. Segundo Pires (2000, p. 134),
[...] a escola tem de passar a ser mobilizadora e organizadora de um
processo, cujo movimento deve envolver os pais e a comunidade,
integrando os diversos espaços educacionais que existem na sociedade.
31
Nesse contexto, necessidade de a comunidade escolar assumir-se como
co-responsável das transformações, possibilitando ao grupo um espaço para
debates e possíveis soluções, integrando todos para o bem comum.
No momento em que esse processo se iniciar nas comunidades, aproximando
os currículos do dia-a-dia dos alunos, a transformação se manifestará em sala de
aula, pois é o local onde se reflete tudo o que acontece na escola. As instituições de
ensino, entretanto, preocupam-se muito com a quantidade dos conteúdos
ministrados, mas esquecem que a formação do estudante está intimamente ligada
aos discursos de seus professores, seus valores, suas atitudes e suas ideologias, à
própria prática docente como um todo. Sendo assim, a metodologia do professor é
fundamental para o sucesso de suas aulas, mas diferentes instituições apresentam
variações que julgam mais adequadas a determinados contextos.
Percebe-se que vivemos um momento em que as escolas que retomaram
modelos tradicionais, conhecidas como conteudistas, estão em ascensão no
mercado, pois as famílias e os próprios alunos entendem que é necessário aprender
um conhecimento mais formal para o ingresso no mundo da profissão e do trabalho,
via vestibular. Entretanto, é importante termos uma visão mais ampliada do ensino,
pois nossos alunos precisam raciocinar, experimentar e questionar para solucionar
os problemas cotidianos.
Por outro lado, segundo Ponte (1994), no Ensino Fundamental, as famílias
ainda apóiam uma construção mais lúdica. Por parte dos professores, um
incentivo à criatividade e ao desenvolvimento do raciocínio através da mediação do
processo de ensino-aprendizagem. A aprendizagem existe a todo momento, e o
aluno participa desse processo, pois parte de suas vivências e experiências para
construir seus conhecimentos.
No entanto, o Ensino Médio, pelo menos nas classes média e alta, está
voltado para o exame vestibular. Membros da comunidade divulgam que a idéia de
um modelo metodológico mais tradicional, apoiado na transmissão e na cópia,
proporciona melhores resultados. Será verdade? Qual será o nosso real objetivo
como professores: formarmos copiadores, contribuindo para que nossos alunos
sejam massa de manobra, ou sujeitos que saibam discordar, argumentar, pontuar
suas idéias e raciocinar, de forma que tenham senso crítico e se tornem cidadãos
ativos, mas preocupados com os problemas sociais?
32
Vivemos, no contexto de sala de aula, essa instabilidade e insegurança, pois
não modelos de docência com soluções prontas para o ensino, e os problemas não
têm causa única. O que vivenciamos é um cotidiano repleto de situões-problema.
De acordo com Grillo (2002, p. 77),
A busca da resposta pronta para uma situação incerta é sempre ilusória e
inútil, pois situações que reúnem tantas especificidades como ensino,
aprendizagem, relacionamentos interpessoais, resultam no interjogo de
afetividade, valores, diferenças, o que exige também muito de sensibilidade
e intuição do professor para fazer a leitura precisa do que está ocorrendo no
momento exato.
Quando falamos em educação continuada, pensamos diretamente em
desenvolvimento permanente de competências do professor, como a capacidade de
transformar, inovar, atualizar, pôr em ação os conhecimentos, valores, atitudes e
relações interpessoais.
Partindo desse princípio, percebe-se que é dada uma grande
responsabilidade ao professor. Este, muitas vezes, não tem um embasamento para
gerenciar todas as situações vivenciadas em sala de aula. As universidades têm tido
dificuldades para habilitar profissionais preparados e com noção do que é realmente
ser professor, com compromisso e responsabilidade.
Com o mundo vivendo um ritmo avassalador, aos profissionais de educação
são delegadas funções que não o as suas, uma vez que a escola passa a ser
responsabilizada por dificuldades sociais. Entretanto, o importante é que o professor
tenha consciência de seu papel social.
Para sermos, portanto, profissionais competentes, dependemos do nosso
empenho e do incentivo das instituições, que, primando por qualidade, proporcionam
apoio para a participação em eventos, seminários e grupos de discussões, além de
estimularem o retorno à universidade. Tudo isso propicia a qualidade formal do
professor; sendo assim, não devemos ficar apenas na formação inicial básica, mas
refletir e refazer a nossa profissão. Atualmente, vivemos a era da informática, o que
nos possibilita uma atualização permanente. O professor, inserido nesse contexto,
deve ter um espírito livre, sempre aberto a mudanças. Em alguns momentos,
entretanto, somos resistentes às inovações, por medo ou por dificuldades, que, com
empenho, devem ser sanadas. É fundamental, sobretudo, a permanente renovação.
De acordo com Freire (1996), se a educação sozinha não transforma a
sociedade, sem ela, a sociedade nem sequer muda. Pensando dessa maneira,
33
vemos que a educação é o agente transformador para uma sociedade igual, fraterna
e solidária. A função da escola está em proporcionar um espaço de liberdade e
discussões, tornando alunos e professores capacitados para uma tomada de
decisão, com o intuito de reconstruírem uma sociedade melhor.
Por isso, ao discutirmos competência, não temos como o contextualizar a
escola, o papel do professor e a sociedade. Segundo Bocchese (2002, p. 29),
Ser competente, portanto, é bem mais do que ter conhecimentos para poder
agir. Implica, também, ajuizar a pertinência das ações, ajustando-as de
maneira autoconsciente à situação que se está confrontando e aos
propósitos, inclusive os não imediatos, que se tem em mente.
Percebe-se o papel do mediador, orquestrando os diferentes saberes e
refazendo-se permanentemente nesse processo.
Defendo a idéia de que deva existir uma proximidade da escola com sua
comunidade. Sabemos que o objetivo da escola é a aprendizagem de seus alunos.
Se houver uma parceria com seu público formador, será possível contextualizar na
escola as realidades vivenciadas na sociedade.
No momento em que aproximamos o currículo escolar do cotidiano de nossos
alunos, estamos reconstruindo-o permanentemente, por seu caráter aberto e de
incompletude. Podemos refletir sobre ele e colocá-lo em discussão para, cada vez
mais, contribuir para o entendimento da realidade, que é próxima do aluno, pois ele
vive nela, mas talvez não a entenda. Esse processo dá-se constantemente em todos
os aspectos visualizados, visto que contempla uma avaliação de todos os setores da
escola.
Ao reestruturarmos o currículo e, conseqüentemente, a prática docente, a
figura do professor torna-se fundamental, pois é em sua ação que ele contemplará
os interesses de seus alunos. Partindo de seus conhecimentos prévios, o professor
valorizará a fala e a escrita dos estudantes, fomentando o desenvolvimento de sua
autonomia e emancipação.
A reorganização curricular traz à tona a discussão, pela comunidade, da
função da escola como espaço aberto ao diálogo e de promoção de mudanças
sociais. Nesse processo de reconstrução curricular, não cabe uma avaliação
classificatória e sancionadora; há de serem questionadas notas e provas, pois estará
sendo repensado todo o processo de aquisição de conhecimento. O ideal nessa
estrutura é que o aluno seja acompanhado diariamente em sua aprendizagem.
34
Ao escolhermos um modelo de avaliação que contemple o acompanhamento
do avanço do aluno, estaremos valorizando seus interesses e seus aspectos
afetivos. Portanto, cabe ao professor, em sua mediação, ficar atento aos progressos
e retrocessos de cada um dos seus alunos para intervir e orientar sempre que
houver necessidade, contribuindo com os seus conhecimentos para proporcionar
uma maior superação de cada um e do grupo.
De acordo com Moraes e Mancuso (2004, p. 25),
Questionar conhecimentos existentes é provocar sua superação, tendo
como ponto de partida que todo conhecimento é sempre incompleto e
imperfeito, que problematizá-lo é questionar seus limites no sentido de sua
reconstrução.
É possível perceber, ainda, a importância do professor como mediador,
questionando o conhecimento dos alunos numa relação social. Assim, o currículo
pode ser visto como um processo social, como afirma Coll (2002). Para que uma
reestruturação curricular seja bem-sucedida, os processos de ensino-aprendizagem
devem ser permanentemente avaliados e pensados, pois a inovação curricular não
depende apenas do que se ensina ou se aprende, mas também de como se ensina,
de como se aprende e, ainda, do contexto em que isso ocorre.
É importante que a iniciativa de organização de um grupo de estudos parta
das dificuldades da escola, pois assim existirá um ambiente favorável para a reflexão
sobre a reconstrução curricular. As complicações brotam do cotidiano; por isso,
professores e membros da comunidade escolar precisam estar engajados de
maneira interessada e participativa. Quando o processo de reconstrução curricular
parte do corpo docente e discente da escola, a organização torna-se espontânea, de
maneira que esses setores da escola conduzem o processo, organizando trabalhos,
encontros, discutindo e atendendo às dificuldades da comunidade.
O importante nesse processo reconstrutivo é que todos se envolvam de forma
efetiva. Se houver o engajamento de professores, gestores, pais e alunos, que
conhecem a realidade dessa comunidade, haverá uma transformação da realidade
escolar. Esse grupo reflexivo, visando à reestruturação do currículo e da prática
docente, pode incentivar espaços de liberdade e de autonomia, fazendo da escola
um ambiente permanente de diálogo e reflexão.
Nas discussões, abre-se espaço para que o grupo de estudos de professores
expresse, oralmente e por escrito, suas crenças e valores, pois cada um interpreta a
35
realidade de acordo com suas teorias e vivências. Ao estudarmos conjuntamente,
passamos a compreender e respeitar as diferenças e valores do outro, de maneira
que, com essa troca de experiências, seja possível podermos ter muitas
contribuições favoráveis. Segundo Freire (1987, p. 120),
O importante, do ponto de vista de uma educação libertadora, e não “bancária”,
é que, em qualquer dos casos, os homens se sintam sujeitos de seu pensar,
discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo, manifestada impcita ou
explicitamente, nas suas sugestões e na de seus companheiros.
A partir do momento em que o currículo está em processo de reconstrução,
torna-se necessário que o grupo de estudos parta de seus significados e teorias,
questionando sua prática docente. Isso se refletirá na superação do entendimento
de que ensinar é transmitir algo pronto.
As relações estabelecidas em grupo trazem à tona a importância de os
sujeitos se assumirem como autônomos e emancipados. Muitas dessas relações
fazem o professor ter um papel de mediador de questões éticas, políticas e de
inclusão social que surgem nas reflexões de forma lenta e gradativa à medida que
há envolvimento dos participantes.
É por meio desse processo de refleo que nascem estratégias para que a
prática docente seja constantemente questionada e possibilite que a escola seja um
espaço criativo e de diálogo. No entanto, para que a reconstrução curricular aconteça,
é necessário que a comunidade participe, que se respeite o conhecimento prévio dos
alunos, bem como suas experiências, fazendo dessa interação parte do processo de
formação continuada dos professores tudo isso no intuito de propiciar modificações
na prática docente em sala de aula, por meio de reflexões em grupos de professores.
3.3 RECONSTRUÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE: CONTEXTO ESCOLAR E SUAS
POSSIBILIDADES
Neste tópico, apresento alguns questionamentos e reflexões que envolvem a
prática docente, procurando relacioná-la ao contexto escolar, às suas possibilidades
e à reflexão dos professores sobre o cotidiano escolar.
36
3.3.1 O contexto escolar e a prática docente
A sociedade está em constante mudança; a escola, como parte da sociedade,
sofre a ação dessas mudanças, mas não está preparada para elas. Por isso, a
escola fica excluída das grandes transformações, como, por exemplo, as que têm
relação com a tecnologia os efeitos dessas mudanças custam a chegar à escola.
Diante desse fato, são gerados alguns questionamentos:
- O quanto a escola, hoje, fomenta a participação da comunidade em seu
cotidiano?
- A escola age como transformadora da sociedade?
- A escola tem discutido com sua comunidade os seus problemas?
Se não criarmos um ambiente propício para questionamentos sobre o fazer
do professor, estaremos contribuindo para que a escola permaneça fechada e
autoritária. Para que isso seja evitado, é necessário promover momentos de
discussão e de escuta a fim de que todos os setores que compõem a escola reflitam
sobre essa situação e questionem suas dificuldades, buscando soluções para seus
problemas. De acordo com Ramos (2002, p. 26),
Parece importante reconhecer que as salas de aula, em todos os veis,
devam sofrer transformações radicais, passando a contribuir mais
decisivamente para o desenvolvimento da autonomia dos cidadãos, de
modo a permitir a sua emancipação, transformando-se de objetos em
sujeitos. Um dos pilares dessa transformação pode ser o desenvolvimento
da capacidade argumentativa, direcionando para uma cultura da
argumentação.
Nos momentos de discussão, é necessário que o diálogo aconteça na
interação entre os grupos, que os profissionais da escola critiquem e permitam a
crítica ao seu trabalho, criando com isso um ambiente de respeito mútuo, gerador de
diversos olhares. Portanto, é necessário assumir uma atitude de participação.
Conforme esclarece Dowbor (1994, p. 126),
A escola tem de passar a ser mais mobilizadora e organizadora de um
processo cujo movimento deve envolver os pais e a comunidade, integrando
os diversos espaços educacionais que existem na sociedade e, sobretudo,
ajudando a criar este ambiente científico-cultural que leva à participação do
leque de opções e ao reforço das atitudes criativas do cidadão.
37
Cabe a nós, como professores, não nos omitirmos nas situações vivenciadas
no cotidiano da escola, promovendo o diálogo, incentivando a criatividade,
apresentando propostas e fazendo a semente questionadora germinar na
comunidade próxima e na própria sociedade. Se a escola não acompanhar as
mudanças do meio que a cerca, perderá sua função transformadora e ficará
obsoleta.
Muitas vezes, ao discutirmos educação, confundimo-nos em relação ao que a
escola se propõe a ser e a fazer, ou seja, o seu real objetivo. Por que procuramos
contribuir de alguma forma para mudanças? Contribuímos efetivamente para a
construção do conhecimento de nossos alunos em Matemática? Quais são as
influências que exercemos no contexto escolar, como professores, para que a
aprendizagem da Matemática aconteça, uma vez que o ser humano constrói o seu
saber de diversas formas? Lopes (2002, p. 391) argumenta:
A aprendizagem situada (contextualizada) é associada, nos PCNEM, à
preocupação em retirar o aluno da condição de espectador passivo, em
produzir uma aprendizagem significativa e em desenvolver o conhecimento
espontâneo e direção ao conhecimento abstrato.
Ao refletir sobre esse fato, transporto-me a minha adolescência e penso nos
professores que tiveram importância para mim. Penso e respondo, sem hesitar, que
foram aqueles que me respeitaram como aluna e como sujeito, que foram afetivos e
que, de alguma forma, incentivaram a autonomia, os questionamentos, a crítica e a
criatividade. Sobre isso, Pires (2000, p. 134) destaca
A autonomia intelectual e moral do aluno, como finalidade básica da
educação, ou seja, não basta transmitir uma herança cultural, transferir
informações e conteúdos, mas é preciso prepará-lo para exercer sua
capacidade crítica e criadora a cada momento.
A escola tem como princípio priorizar a aprendizagem do aluno, levá-lo a
abstrair, a analisar, a resolver os seus problemas de maneira a promover uma
educação mais ampla.
No entanto, vivemos em uma época de mudanças, sendo necessário um
processo permanente de adaptação. As famílias têm que se adequar aos novos
tempos e, cada vez mais, ausentam-se de suas funções educacionais. À medida que
essas lacunas vão surgindo, as escolas muitas vezes sem condições e preparo
38
atendem a essa demanda utilizando sua forma tradicional para lidar com as novas
situações.
Segundo Rolim (2004, p. 91),
A escola deve realizar um duplo movimento de abertura. Um em direção às
comunidades e às famílias de forma a lhes assegurar espaços para
experiências de pertencimento, cultura e lazer e, outro, em direção à
individualidade e à história de cada aluno, de tal forma que, identificados os
desafios singulares, seja possível oferecer o apoio necessário para que
todos transitem em direção às conquistas civilizatórias.
A escola, portanto, necessita preparar-se para essa reestruturação. Há,
reconhecidamente, uma mudança na sociedade que termina atingindo a escola. Que
relações seriam ideais para que escola e família vivessem em harmonia? Parece
importante partirmos de um ponto crucial em todas as relações: a confiança.
Confiar termo genérico aplica-se no microuniverso escola e no
macrouniverso sociedade. As relações internas na escola necessitam pautar-se na
confiança. Atualmente, vivemos situações em que confiar é questionável, pois todo
indivíduo defende seu ponto de vista de acordo com suas crenças e história de vida.
No entanto, um momento em que existem muitos pesos e muitas medidas. No
que se refere aos profissionais de Educação, é fundamental que os gestores
escolares confiem no trabalho dos professores, não os controlem e que, quando
estes fizerem um encaminhamento, não sejam questionados, pois tentam fazer o
melhor possível.
O que se espera é uma gestão escolar participativa, abrindo espaços de fala
e escuta aos professores, que hoje, em poucos momentos disponibilizados a essas
discussões, como os intervalos, se mostram angustiados, frustrados e queixosos.
Segundo Vasconcellos (2002, p. 54),
Eis um grande desafio; confiar no grupo, superar o controle, a vigilância,
como se os professores fossem irresponsáveis. A educação formal é um
dos campos mais normalizados. Não sabemos se existe uma profissão tão
regulamentada como a do magistério: é norma, parecer, portaria, decreto,
lei para tudo, para os nimos detalhes. Digamos que os professores de
uma determinada escola estejam percebendo um problema grave de
disciplina e resolvam parar para refletir coletivamente.
Esse refletir proporciona o questionamento e a discussão das relações. A
função da gestão é promover a mediação entre as relações professor X aluno,
buscando o entendimento entre as diversas partes que compõem o cotidiano
escolar. É importante, no âmbito escolar, que grupos que fazem parte desse
39
movimento questionem, reflitam e busquem alternativas. Há, em toda a sociedade,
uma falta de limites, e isso se projeta na escola; entretanto, se os gestores confiam
nos seus profissionais, essa confiança se dissemina para outras instâncias. Assim
sendo, se o professor sente-se seguro com seus encaminhamentos, ele passa de
forma espontânea essa segurança para o seu aluno, delineando os seus limites.
Em um espaço de participação, os professores apresentam suas queixas e
frustrações, discutem estratégias e soluções com a finalidade de contribuir para uma
educação mais qualificada. Nesse momento, é fundamental que os gestores não se
sintam expostos e fragilizados com as críticas, mas como fortes mediadores de
interlocuções, capazes de gerar soluções para as dificuldades encontradas. Isso é a
gestão mediadora e incentivadora dos questionamentos esperada. As soluções dos
problemas na comunidade escolar não podem vir de cima para baixo, porque, se o
grupo não participa e não se envolve, as alternativas não são de fato levadas a
efeito. Para que o grupo cumpra determinadas estratégias, é necessária a
participação de forma efetiva nas discussões, para que os professores encontrem
significado naquilo que estão fazendo.
No momento em que as dificuldades no âmbito escolar são discutidas, pode
ocorrer maior coerência, por parte desse grupo de professores, com a aproximação
entre o discurso e a prática, pois a busca da solução dos problemas terá significado.
3.3.2 A prática docente e suas possibilidades
algumas décadas, as mães eram responsáveis pela educação de seus
filhos, e a escola fazia o seu papel de formadora de matérias, como Português,
Matemática, entre outras. Com uma sociedade em constante mudança de
paradigmas, a escola teve que se reorganizar de acordo com a situação social.
Atualmente, na família, os pais trabalham. Com isso, algumas escolas atendem seus
alunos em turno integral para dar conta dessa demanda.
Acredito que esteja havendo, por parte das famílias, um descomprometimento
não-intencional com a educação de seus filhos, pois algumas vezes são dadas à
escola funções que não são suas. Depoimentos de professores sugerem que as
40
famílias se comportam como se estivessem em lados opostos, não agindo em
parceria em relação às dificuldades que a escola percebe nos alunos.
No entanto, o cerne da relação entre família e escola é a parceria para que
seus filhos sejam incentivados a criticar, a argumentar, a criar soluções para seus
problemas e a ser felizes. Cada vez mais, a sociedade reflete-se na escola, com
valores muito elásticos. Antes, o certo e o errado eram mais claros; hoje, uma
falta de definição sobre isso, que depende da interpretação e da conveniência de
cada um.
Com o passar do tempo, em função das necessidades de subsistência, os
filhos convivem menos com a presença dos pais, o que ocasiona um custo alto a
essas relações. Se a família não é bem estruturada, em muitas situações quando
deveria intervir na educação de seus filhos –, termina por culpar a escola de ser
castradora, questionando seus atos. No entanto, mesmo com tantas mudanças, um
ponto importante a ressaltar é que a família se aproximou da escola. Nesse sentido,
deve ficar claro que tal aproximação é importante, desde que seja para contribuir, e
não para fazer da escola um espaço de transferência dos problemas, mas de
compartilhamento das dificuldades dos alunos.
No cotidiano do âmbito escolar, muitas alegrias e dificuldades são
vivenciadas, e motivações externas colocam à prova o papel da instituição e sua
pouca renovação. Há toda uma mudança social, e nós, professores, o quanto
discutimos e buscamos a inovação?
Certamente, não fórmulas. Todavia, devemos nos ater ao que assistimos
todos os dias: alunos desmotivados e sem interesse por nossas aulas,
especificamente na disciplina de Matemática. Ao mesmo tempo, os estudantes
gostam da convivência no espaço escolar.
Com os tempos atuais, nossos alunos sofrem superestímulos de tecnologia,
mas a nossa sala de aula está igual séculos. Observando os problemas
disciplinares avolumando-se, devemos refletir sobre suas causas. Se houver um
engajamento entre a comunidade escolar e a família em um debate amplo,
conseguiremos proporcionar aos alunos um ambiente favorável para o aprendizado.
Conforme Pires (2000, p. 50), existe
[...] preocupação excessiva com o treino de habilidades, com a
mecanização de algoritmos, com a memorização de regras e esquemas de
resolução de problemas, com a repetição e a imitação não com uma
aprendizagem que se dê, inicialmente, pela compreensão de conceitos e de
41
propriedades, pela extrapolação de situações-problema nas quais o aluno é
levado a exercitar sua criatividade, sua intuição.
Desse modo, é importante que nossos alunos se sintam parte da construção
de seus próprios saberes. Se nossas aulas forem apenas de mecanização de
algoritmos e esquemas, por exemplo, elas não terão um real significado para esse
estudante, que poderá desenvolver, cada vez mais, o desinteresse pelas aulas.
Cabe também aprofundar questões referentes às dificuldades que vivemos,
no âmbito escolar, com a indisciplina nas aulas de Matemática. Ao constatar o fato,
exemplifico o que acontece hoje, nas salas de aula, na grande maioria das
disciplinas e, principalmente, nas escolas da rede privada de ensino: tocam
celulares, falta motivação, os interesses são variados – diferentes do conteúdo
ministrado pelo professor. Partindo dessa realidade, o que podemos fazer?
É possível afirmar que, nos últimos tempos, as crianças estão sendo inseridas
na escola mais cedo e com valores básicos esquecidos. Esse problema agrava-se à
medida que o sujeito vai se desenvolvendo no âmbito da escola. Partindo desse
pressuposto, uma vez que o problema está claro, precisamos ir em busca de
soluções.
Tenho procurado pensar e questionar minha prática docente a fim de motivar
os alunos. Ao refletir, entendo que um problema crucial em minha disciplina é a aula
que ministro preponderantemente expositiva e dialogada –, tendo em vista que
instiga pouquíssimo a participação dos alunos no que diz respeito ao conteúdo. Os
alunos, como estão pouco envolvidos com as aulas, participam apenas com o intuito
de fazer brincadeiras, desejando desviar a atenção dos demais colegas.
Com isso, é necessário pontuar questões que dificultam o trabalho em sala de
aula. É constante o questionamento da indisciplina, que é possível perceber que
os alunos o se envolvem, pois não vêem significado no que está sendo
desenvolvido. Sendo assim, participam pouco, não ouvem os professores e
possuem uma fala pouco produtiva nas aulas. Não me coloco contra a aula
expositiva, mas, se for ministrada em tempo integral, pode ser configurada como
domesticação.
De acordo com Demo (1993, p. 100),
Infelizmente, a didática continua presa ao repasse mecânico à aula
expositiva, para ser copiada e decorada. Depois, é restituída na prova. Na
”cola“, é copiada com a máxima perfeição. Aula, prova e cola são
sinônimos, no espírito da coisa. Pesquisa, entretanto, poderia ser uma
42
maneira inteligente de reverter o processo instrumentalizante, à medida que
fundasse atitude alternativa participante, construtiva, questionadora.
Nesse sentido, a pesquisa pode ser uma alternativa para nossas aulas,
incentivando nossos alunos à autonomia, em um ensino vinculado a sua vida e com
menos passividade. Partindo dos conhecimentos prévios dos alunos, podemos fazer
do ambiente escolar um incentivo a sua participação nas discussões e na
determinação dos conteúdos diretamente relacionados às suas vivências; nessa
situação, os professores são mediadores do processo de aprender.
Para Vasconcellos (1993, p. 13),
O problema metodológico não é um problema da escola, do curso ou do
professor; ao contrário, é um problema que perpassa todo o sistema
educacional, uma vez que é longa a tradição de um ensino passivo,
desvinculado da vida. Em outros tempos, este tipo de ensino até que era
suportado; hoje, com as crescentes transformações do mundo
contemporâneo, um questionamento profundo e uma rejeição por parte
das novas gerações. O mundo mudou! A escola tem que mudar!
Acredito que essa indisciplina seja um reflexo da estrutura de nossas aulas,
que se limitam a serem expositivas e dialogadas, com pouca contextualização e
pouca participação dos alunos. O incentivo à pesquisa pode romper com as
dificuldades disciplinares, contribuindo para a busca de significado na
aprendizagem, com o professor mediando as discussões e argumentações do grupo.
Em um ambiente de diálogo, discussão e troca de saberes, professores e
alunos aprendem uns com os outros, criando em sala de aula um espaço
democrático, possibilitando trocas de experiências, vivências, respeito mútuo e
aprendizado coletivo. A relação ensino-aprendizagem acontece com a interação
entre professores e alunos, em que devemos ousar e procurar buscar outras formas
de ensinar, fugindo da aula expositiva que está fadada ao fracasso. Percebe-se
que há um questionamento forte por parte de alguns professores – contrários a essa
prática –, embora se saiba que existem dificuldades de melhorar e encontrar
alternativas.
Acredito que alguns de nós, mesmo sabendo que o ensino por transmissão
não leva a nada, ainda assim têm a tendência de se esconder na aula expositiva,
uma vez que a sensação de segurança. No entanto, essa metodologia pode ser
importante em alguns momentos como meio de auxiliar da aprendizagem, desde que
43
os alunos participem, dêem sugestões, se sintam parte das aulas para que seja
concretizada a construção do conhecimento.
Para Freire (1996, p. 23), “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende
ensina ao aprender com quem ensina alguma coisa a alguém”. No momento em que
essa comunhão de saberes no dia-a-dia do aprendizado, professores e alunos
sentem-se incentivados a pesquisar, a buscar o novo.
O professor, enquanto age como mediador, também aprende, o se
colocando como o centro do conhecimento. Ele precisa estar, sim, constantemente
refletindo sobre os seus fazeres diários, sobre a troca de conhecimento e o respeito
mútuo, aprendendo a ouvir e a valorizar as diferentes experiências de vida dos
alunos que estão a sua volta.
3.3.3 O professor reflexivo e a prática docente
Os grupos de professores constantemente discutem parte de suas práticas
pedagógicas em intervalos escolares, pois estes são momentos descontraídos em
que muitos expõem as suas dificuldades. Os intervalos são espaços em que colegas
de profissão socializam as suas alegrias e angústias. Esse espaço de participação
permite ao professor exorcizar e compartilhar suas dificuldades, podendo ser
também um momento de reflexão em que surgem propostas de melhoria do trabalho
pedagógico. No entanto, esse espaço nem sempre é levado a sério.
Esta pesquisa em um grupo de estudos, discutindo o cotidiano escolar,
propõe a reflexão com colegas de um modo mais sistematizado, abordando a prática
docente e visando a um trabalho na escola, com características emancipatórias.
Segundo Alves e Oliveira (2002, p. 100),
O currículo inclui práticas emancipatórias, na medida em que, em seu
cotidiano, as professoras podem, e são muitas as que fazem, levar aos seus
alunos valores potencializadores de emancipação social. O trabalho no
cotidiano, nesses termos, torna-se importante elemento para pensar e
compreender a questão curricular, tanto em instâncias de prática como na
de formulação de propostas, que, considerado em sua complexidade,
pode contribuir para o estudo das realidades escolares se entendemos
essas últimas como componentes de uma rede de saberes e de práticas
que, situadas além dos muros da escola, se fazem presentes nos cotidianos
escolares, por meio dos sujeitos neles presentes.
44
Na realidade, o movimento curricular tem por objetivo ouvir as diferentes
vozes de toda a comunidade, respeitando crenças, diferenças sociais e valores, e
essas vozes ultrapassam a escola, pois um dos objetivos desta é contribuir para a
educação para a vida. Nisso, a participação dos alunos é fundamental, pois não
podemos deixar que nossos alunos não se sintam parte das nossas aulas.
Com o intuito de incentivar o envolvimento dos alunos é que é necessário
refletir sobre a prática docente. Para Freire (1996, p. 26), “o professor democrático
não pode se negar o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica
do aluno, sua curiosidade, sua insubmissão”. Mas como estimular o interesse de
nossos alunos nas aulas? A tentativa de inovação, de alguma forma, vem ao
encontro desse questionamento. Modernizações não significam espetáculos, e sim o
uso do conhecimento prévio do aluno, a mediação de sua aprendizagem e,
fundamentalmente, seu acompanhamento nesse processo.
Há um momento em que o professor necessita refletir sobre sua prática, pois,
sem essa reflexão, acabamos por estabelecer uma relação que nem sempre
privilegia o aluno, ou seja, um fala muito enquanto o outro fala pouco, pelo menos no
que diz respeito ao aprendizado. Não há aprendizado sem troca, não basta o
professor falar e o aluno ouvir; este precisa participar. Se, em nossas salas de aula,
promovermos um ambiente de discussão e participação que incentive o aluno a
manifestar suas situações-problema, suas dúvidas e seus interesses, dessa
experiência surgirão soluções de comum acordo, mediadas pelo professor.
Segundo Pires (2000, p. 59), “aprender se faz também num contexto de
interações sociais. Nesse sentido, o aluno constrói seu próprio pensamento,
confrontando-o com os demais colegas”. Num ambiente propício para
questionamentos, o conhecimento é construído aos poucos por meio de ações
discutidas em grupo, e esses participantes acabam por desenvolver a capacidade de
aprender a aprender. Acredito que a reflexão diária estimula algumas mudanças.
De acordo com Schön (2000, p. 235),
A vida de uma escola estaria incluída no sistema burocrático, à medida que
os professores começassem a experimentar as dificuldades de (por
exemplo) escutar seriamente o que dizem as crianças em uma sala de aula
real. Os professores seriam encorajados a refletir sobre as formas pelas
quais eles concebem sua própria prática de ensino em um ambiente que
pode, muitas vezes, ser hostil à reflexão-na-ação, para que pudessem
observar e explicar como outros professores e administradores comportam-
se no sistema da escola. Eles seriam ajudados a imaginar e a fazer
experimentos com intervenções destinadas a ampliar suas liberdades,
45
dentro da escola, de usar novas abordagens de ensino e aprendizagem.
Seriam, ainda, encorajados a pensar em adaptar-se ou conviver com a vida
da escola como sendo um componente de sua prática igual, em
importância, ao seu trabalho com as crianças.
Concordando com Schön, se um grupo de estudos discute e constrói algo
sobre a fala de um participante, essa reflexão termina sendo única, pois um
professor complementou a fala do outro. Se estendermos esse processo aos alunos
estimulando a discussão, priorizando seus interesses e contextualizando nossas
práticas –, certamente eles encontrarão significado em nossas aulas e teremos um
ensino mais qualificado.
Refletir cotidianamente acerca da prática docente deve ser uma preocupação
constante do professor para tomar consciência e, ao mesmo tempo, transformar
suas teorias pessoais. Ao sairmos das aulas, é importante fazer uma autocrítica,
principalmente se percebermos que as nossas aulas são monólogos, em que o
professor termina por defender teses, sem haver nenhum questionamento e nenhum
envolvimento por parte do aluno. Será que todos entenderam tudo? Será que não
existem outros caminhos para o ensinar e o aprender? Isso não será uma
domesticação? O professor é, enfim, o detentor do saber ou possibilita aos alunos
que também ocupem esse espaço?
Como resposta, podemos pensar em práticas que incentivem a participação e
o interesse dos alunos. Por que são os professores que devem fazer as perguntas?
Por que não incentivar os alunos a fazerem seus questionamentos? Isso não os
tornaria mais autônomos? Nesse sentido, percebe-se que falamos muito em
autonomia, mas ainda há muito por fazer.
Segundo Vasconcellos (1998, p. 95),
O professor, se quer ser efetivamente professor, deve trabalhar com a
realidade que tem em sala de aula; não adianta ficar se lamuriando, jogando
a culpa aqui e acolá. São estes os alunos e com eles tem que trabalhar; é
esta a escola, é este o país. Este é o ponto de partida da realidade.
Sabemos que os professores se sentem desprestigiados, cansados e pouco
valorizados. Freqüentemente, são apontados como grandes responsáveis pelas
dificuldades da educação, ou seja, pelos problemas para manter a disciplina, para
motivar seus alunos, pelas reprovações em massa. Percebe-se, assim, que não
tempo para atendê-los individualmente em suas dificuldades e que as famílias
responsabilizam o professor pelo fracasso escolar de seus filhos.
46
Toda a sociedade reflete-se na sala de aula. No professor, são depositadas
grandes responsabilidades, perante as quais ele não é o maior culpado, pois isso
pode ser reflexo de uma desestruturação social. Não podemos, entretanto, nos
eximir de nossas responsabilidades, pois somos agentes da transformação social e
devemos retomar a nossa auto-estima, contribuindo para a promoção de uma
sociedade mais justa.
Uma das propostas que emergiram a partir das discussões no grupo de
estudo foi a respeito da contextualização. Todo conteúdo pode ser contextualizado
de alguma forma. Cada comunidade, nas suas diferenças, tem como valorizar suas
vivências cotidianas e sua realidade social e cultural. É importante, portanto, que o
professor conheça os interesses e o contexto cultural do aluno para que se crie um
ambiente democrático e se incentive a participação do educando. Para Demo (2002,
p. 17),
Transformar a sala de aula em local de trabalho conjunto, não de aula, é
uma empreitada desafiadora, porque significa desde logo, o privilegiar o
professor, mas o aluno, como, aliás, querem as teorias modernas. Este
deve poder se movimentar, comunicar-se, organizar seu trabalho, buscar
formas diferentes de participação.
Na realidade, estamos propondo um repensar sobre a escola, fazendo os
alunos assumirem seu papel de sujeitos, com os professores sendo mediadores da
aprendizagem. Conforme afirma Vasconcellos (2002, p. 77),
Se queremos uma escola libertadora, é absolutamente decisivo que os
alunos assumam seu papel de sujeitos, que sejam protagonistas do seu
processo de educação, superando a longa tradição da maquinaria escolar
que tenta, de todas as formas, ainda que com a melhor das boas intenções,
reduzi-los a meros “receptáculos”.
Se almejamos essa escola democrática e libertadora, devemos nos
questionar primeiramente para quem é esse espaço. Se é para o aluno, este deve
ser tratado dignamente, o como um ignorante que nada sabe, mas como um
companheiro de trabalho, de trocas e de discussões, pois ninguém é uma tábua
rasa; pelo contrário: cada um de nós tem os seus próprios conhecimentos, e é dever
de todos respeitá-los. Para que isso aconteça, é importante que a escola seja um
ambiente positivo, que o professor se preocupe com cada aluno e seja o
incentivador do processo de aprendizagem.
47
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS
Pautada na abordagem da pesquisa cooperativa, um dos tipos de pesquisa-
ação, esta investigação envolveu um grupo de estudos preocupado em discutir e
reconstruir sua prática docente. Para o desenvolvimento do trabalho, as reuniões do
grupo foram gravadas em áudio, sendo posteriormente transcritas. O processo de
análise possibilitou a identificação de categorias e uma maior compreensão das
situações vivenciadas pelo grupo de professoras de Matemática. A abordagem
pontuou as crenças, os valores e os conhecimentos tácitos dos sujeitos envolvidos,
com o intuito de explicitar teorias reconstruídas durante a discussão. O leitor
encontrará, neste capítulo, informações sobre a organização da investigação,
destacando-se os sujeitos da pesquisa, a metodologia empregada, o processo de
pesquisa, os instrumentos, a descrição do processo e o método de análise.
4.1 SUJEITOS DA PESQUISA
Os sujeitos da pesquisa foram quatro professoras de Matemática que atuam
em todas as séries do Ensino Fundamental de uma escola particular de Porto
Alegre, tratadas pelos seguintes nomes fictícios: Laura, Muriel, Bibiana e Sofia. Os
sujeitos lecionavam, respectivamente, na 5ª, 6ª, e séries. Esse grupo trabalha
junto há alguns anos, o que proporciona a existência de muito respeito e
companheirismo. Além disso, o grupo tem por hábito discutir suas dificuldades,
trocar suas experiências e valorizar a participação dos alunos nas atividades
escolares com o intuito de encontrar estratégias que os incentivem em relação à
construção de conhecimento. O estudo concretizou-se no decorrer dos anos 2004 e
2005.
48
4.2 METODOLOGIA EMPREGADA NA PESQUISA
A presente investigação parte da abordagem de pesquisa cooperativa, uma
das categorias da pesquisa-ação, que, segundo Kemmis e McTaggart (1988, p. 9),
É uma forma de indagação introspectiva coletiva empreendida por
participantes em situações sociais com o objetivo de melhorar a
racionalidade e a justiça de suas práticas sociais e educativas, assim como
sua compreensão dessas práticas (tradução nossa).
Esse autor destaca que a pesquisa-ação surge a partir da ação, desenvolve-
se através dela, com resultados que consistem na modificação otimizante ou em
melhoria. A pesquisa-ação dedica-se mais a questões práticas do que teóricas,
sendo que a resolução dessas questões se desenvolve através da própria prática.
A pesquisa-ação teve sua origem no trabalho de Kurt Lewin (1946), que foi
professor de Psicologia, pedagogo, pesquisador, fascinado pelos modelos
matemáticos. Lewin foi fundador de grupos de pesquisa e institutos e criador da
dinâmica de grupo. Desenvolveu experimentos comunitários na América do Norte no
pós-guerra durante vários anos, voltados para questões práticas de solução de
problemas em fábricas de zonas rurais.
Segundo Barbier (1985, p. 42), a pesquisa-ação é uma nova prática concreta
de análise sociológica destinada aos grupos que desejam tornar-se sujeitos e não
objetos da ação social”. Esse tipo de pesquisa implica a participação ativa das
pessoas envolvidas no acompanhamento das ações, nas discussões dos problemas
práticos do cotidiano, no intuito de gerar reflexão e autocrítica. Acredito que o
essencial, do ponto de vista metodológico, é essa união entre conhecimento e ação.
Para Thiollent (1986, p. 14),
A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica, que é
concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a
resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os
participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos
de modo cooperativo ou participativo.
Ao pensar na reconstrução da prática docente em um grupo de professoras
de Matemática do Ensino Fundamental, é importante um tipo de pesquisa que
busque trazer à tona os problemas vividos no âmbito escolar. Sendo assim, a
49
discussão em grupo de estudos, permeada de intencionalidades coletivas, permite a
busca de soluções para os problemas investigados.
A reconstrução curricular tem por objetivo aproximar o currículo de
Matemática da realidade da comunidade. Nesse processo de reconstrução, é
fundamental a participação dos alunos. Para isso, é preciso que eles se envolvam
plenamente, uma vez que devem ter espaço de fala e serem ouvidos. Sua
participação pode contribuir para um envolvimento maior nas atividades propostas,
incentivando a autonomia e a independência. Nesse sentido, para uma real
reconstrução de nossa prática docente, é importante um ambiente de trocas no qual
todos os envolvidos, tais como professores, alunos e demais membros da
comunidade, tenham seus devidos espaços de liberdade.
Escolhi a pesquisa-ação, no sentido mais amplo, e a pesquisa cooperativa, no
sentido específico, pois entendo que é necessária a participação ativa das pessoas
implicadas, ou seja, a ão por parte dos grupos, buscando a resolução dos
problemas. Neste estudo, a pesquisa-ação foi realizada em uma escola, e, no grupo
de estudos, existiam professoras com diferentes concepções. Nas reuniões, houve
relatos de trabalhos, e certas professoras sentiram-se expostas algumas vezes.
Percebe-se que a discussão permite repensarmos o nosso trabalho e nos
abrirmos para a crítica. Nas conversas, partilhamos idéias, falamos sobre o nosso
dia-a-dia e repensamos a nossa prática.
Kemmis e McTaggart (1988) destaca algumas características chave da
pesquisa-ação. Segundo o autor, a pesquisa-ação deve:
- melhorar a educação mediante a troca, valorização e socialização dos
conhecimentos prévios de cada indivíduo; assim, promove-se o aprendizado a partir
dessas trocas;
- ser participativa, pois através dela as pessoas trabalham para melhorar a si
e a sua própria prática (de modo secundário, o trabalho pode promover a melhoria
da prática de outras pessoas);
- desenvolver-se seguindo uma espiral introspectiva: uma espiral de ciclos de
planos, ações, observações e reflexões e novamente ações, observações e
reflexões;
- implicar os responsáveis pela ação na melhoria desta, ampliando tanto o
grupo cooperativo quanto as pessoas mais diretamente implicadas com o maior
número de indivíduos afetados por suas práticas;
50
- criar comunidades autocríticas que participem e colaborem em todas as
fases do processo de investigação: planos, ações, observações e reflexões; criar
comunidades de pessoas que se emancipem, que vivam seus valores legítimos,
educativos e sociais;
- ser um processo sistemático de aprendizagem em que as pessoas atuem
conscientemente se desejarem, pois são abertas possibilidades de responder às
oportunidades. Trata-se de um processo de inteligência crítica, orientado a dar forma
a nossa ação e a desenvolvê-la de tal modo que se converta em ação crítica e
comprometida para que possamos viver nossos valores educativos.
Para ampliar a concepção de pesquisa-ação, é necessário valer-se, também,
de alguns dos aspectos propostos por Thiollent (1986, p. 16), que servem como uma
estratégia metodológica da pesquisa social:
- uma ampla e explícita interação entre pesquisadores e pessoas
implicadas na situação investigada;
- dessa interação, resulta a ordem de prioridade dos problemas a serem
pesquisados e das soluções a serem encaminhadas sob forma de ação concreta;
- o objeto da investigação não é constituído pelas pessoas, e sim pela
situação social e pelos problemas de diferentes naturezas encontrados nessa
situação;
- o objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver ou, pelo menos, esclarecer
os problemas da situação observada;
- a pesquisa não se limita a uma forma de ação (risco de ativismo): pretende-
se aumentar o conhecimento dos pesquisadores e o conhecimento ou o “nível de
consciência” das pessoas e grupos considerados.
Para Serrano (1990), a pesquisa-ação classifica-se em pesquisas
participativa, cooperativa e avaliativa, destacando-se algumas diferenças entre elas,
mas acentuando-se que todas têm em comum a análise crítica da realidade com o
fim de melhorá-la.
Desse modo, a pesquisa utilizada neste trabalho, além de ser qualitativa, com
uma abordagem naturalística (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), pois apresenta contato direto
e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo
investigada, é uma pesquisa cooperativa. Os participantes envolvem-se de forma
efetiva, buscando a solução de problemas, todos responsabilizando-se pelas
tomadas de decisões, havendo comunicação constante, muita colaboração e
51
confiança. Esta investigação supõe um trabalho que visa a fomentar a participação
de todos os componentes envolvidos.
Para Reason (1988, p. 18), “a idéia de pesquisa cooperativa é simples:
consiste fundamentalmente no fato de as pessoas trabalharem juntas, como co-
pesquisadores, explorando e modificando seu mundo”. A pesquisa cooperativa,
segundo esse autor, complementado por Ramos (1999), desenvolve-se seguindo
algumas etapas:
a) formar um grupo que desenvolva a pesquisa, tendo um iniciador que
conduz o projeto;
b) identificar e explicitar o problema, o que se nos momentos iniciais da
pesquisa. Essa etapa é fundamental na pesquisa cooperativa se os professores que
compõem o grupo estão engajados no processo.
c) elaborar comparativamente um modelo de registro para a organização do
trabalho que deve ser apresentado pelo iniciador. Nesse modelo de pesquisa, a
necessidade de organização coletiva e flexibilidade, pois o trabalho vai sendo
construído ao longo do processo.
São necessários o registro constante e a reflexão; para isso, são gravadas as
reuniões de grupo. Ao final, são realizadas entrevistas individuais, também
gravadas, com o objetivo de compreender com mais consistência o envolvimento
dos participantes. À medida que são coletados os dados da pesquisa por meio dos
instrumentos, vão sendo estabelecidos significados com os sujeitos, através de
análise textual qualitativa. Por último, elabora-se um texto-síntese de todo o
processo desenvolvido na pesquisa.
4.3 PROCESSO DE PESQUISA
Para a realização da investigação, inicialmente foi organizado o grupo de
estudos com as professoras referidas. Após, procedeu-se à identificação de um
problema; a partir do problema de pesquisa, definiram-se metas e cronogramas. A
etapa seguinte consistiu da realização de reuniões para discutir a prática docente de
professoras de Matemática do Ensino Fundamental.
52
Tendo esse objetivo como prioridade, buscamos discutir a nossa prática em
aula, com vistas à reorganização do currículo em Matemática no Ensino
Fundamental por acreditarmos que algumas mudanças na disciplina de Matemática
devem partir desse nível de ensino.
O engajamento das professoras nesse grupo de estudos, inicialmente, deu-se
de forma muito empolgada, mas, na primeira reunião, constatou-se um certo
constrangimento quando foi feita a proposta de que as reuniões fossem gravadas.
Mesmo sentindo algum desconforto com a proposta, nenhuma das participantes se
opôs. Tinha-se muito a dizer, mas, entre as participantes, havia a preocupação com
o modo como seriam interpretadas.
4.4 INSTRUMENTOS
As informações submetidas à análise foram coletadas de vários modos, tais
como: registros dos trabalhos em grupo realizados com as professoras da disciplina de
Matemática; diário da pesquisadora; reuniões gravadas ao longo de toda a pesquisa.
Depois de cada reunião realizada, era feita a transcrição das falas. Esse
conteúdo, por sua vez, era retomado com o grupo de estudos na reunião a seguir,
com o propósito de relembrar, reelaborar alguma fala ou tornar a discutir algo que
pudesse ter deixado interrogações.
Durante todo o processo, durante os encontros do grupo de estudos, foram
registrados no diário da pesquisadora os momentos relevantes das discussões,
como alguma forma diferente de expressão que não fosse verbal ou alguma
experiência que tenha ocorrido. O diário da pesquisadora auxiliou no trabalho, pois
possibilitou localizar depoimentos nas gravações e destacar o que era mais
importante para a pesquisa na prática de cada participante.
As reuniões individuais foram planejadas de forma que acontecessem ao final
da pesquisa; entretanto, com a imprevisibilidade de alguns encontros, pois algumas
professoras marcavam e não podiam comparecer, as reuniões individuais
aconteceram no meio do processo. Isso, de certa maneira, foi positivo, pois, com o
encontro individual, as falas das colegas continham maior profundidade em relação
às suas convicções e projetos.
53
4.5 DESCRIÇÃO DO PROCESSO
Fizemos um total de seis reuniões, em que nossa prática pedagógica e
nossas teorias como educadoras foram discutidas, questionadas e reconstruídas.
Naqueles momentos, éramos livres para dizer o que pensávamos ser pertinente ou
não em nossa prática. Às vezes, discutíamos algo que tivesse nos perturbado em
algum período ou até em alguma situação pessoal. Estávamos ali para sermos
ouvidas e ouvir. Com esse momento de escuta, para nós, foi importante compartilhar
as dificuldades e as alegrias, pois conversamos sobre a reconstrução de nossa
prática pedagógica. Na primeira reunião, o grupo estava mais superficial, pois
queríamos mostrar uma prática perfeita, procurando passar a idéia de que não havia
muitas dificuldades no cotidiano escolar.
A partir da segunda reunião, começaram a surgir as nossas dificuldades, que
queríamos discutir com as colegas. Estávamos mais desinibidas, e os problemas
surgiam, ou seja, sentíamo-nos à vontade para falar sobre eles. Iniciava-se um
movimento que gerava confiança entre as participantes. Diante disso, começamos a
questionar se o nosso discurso não estava dissociado de nossa prática falávamos
sobre sermos professoras democticas e nos agarrávamos nas notas para assegurar
que os alunos trabalhassem nas aulas. Assim, fomos percebendo o quanto éramos
contraditórias, pois, ao dizer, nos ouvíamos. Muitos questionamentos vieram à tona.
Buscamos discutir o cotidiano escolar, a metodologia, a avaliação, a gestão
escolar, os conteúdos, a desorganização curricular e as relações interpessoais.
Neste último tópico, abordamos nossos princípios como educadoras, as dificuldades
de nossa prática, nossos sucessos e nossos fracassos, possíveis alternativas que
fizessem com que a nossa sala de aula fosse repensada, o que é importante para
uma educação de qualidade.
Com o passar das primeiras reuniões, houve mudança no discurso das
professoras envolvidas. Quando o processo de discussão iniciou, nossas falas eram
contraditórias e menos articuladas. Ao longo do processo, passamos a discutir mais
e a encontrar estratégias, o que tornou o grupo mais forte e coeso.
Aos poucos, foi-se criando uma unidade, na qual a fala de uma colega se
completava na da outra. Ou seja, com a construção do processo reflexivo, todas
queriam falar, e cada uma passou a completar o discurso da outra, construindo seu
54
pensamento em cima do que havia sido explanado. Esses encontros promoveram
muita colaboração, respeito mútuo, questionamentos e reflexão. Nas reuniões,
discutíamos nossas estratégias do cotidiano, acertos e erros, o que contribuiria para
a aprendizagem dos alunos ou não, nossos manejos diante de turmas mais difíceis e
a nossa gratificação por sermos professoras e contribuirmos com o crescimento de
alguns alunos. O ápice dessas reuniões era o desejo de qualificar o trabalho, de nos
sentirmos apoiadas, de termos um momento de dizer o que pensávamos e de
escutar as dificuldades das colegas, refletindo sobre suas falas, sempre buscando
um ensino melhor.
4.6 MÉTODO DE ANÁLISE
A pesquisa cooperativa, caracterizada pelo envolvimento dos participantes,
tornando-os sujeitos da pesquisa, foi construída ao longo do processo. Foi balizada pela
análise textual qualitativa, com ênfase no conteúdo das transcrições das reuniões, o
que ocorreu por meio de interpretação de textos. Segundo Ramos (1999, p. 51),
A análise de conteúdo é um processo de busca de compreensão do real,
que ocorre através da interpretação de textos que tenham nculo com esse
real. Portanto, este tipo de análise revela-se uma possibilidade de
construirmos o conteúdo, tanto o explícito como o latente, de textos escritos.
A análise de conteúdo é composta de algumas etapas. No início da análise, foi
realizada a unitarização dos textos das reuniões, ou seja, o texto foi dividido em
unidades de significado. Após a unitarização, foi feita a categorização, em que as
unidades que apresentavam características semelhantes foram agrupadas em
categorias. Tais categorias representam um conjunto de unidades de significados
semelhantes. Depois do agrupamento, foram elaborados textos descritivos e
interpretativos, contemplando um novo olhar, mais consistente e científico, da
realidade em estudo.
55
5 ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS
No presente capítulo, apoiada nas entrevistas com as professoras de
Matemática que participaram do processo de reconstrução da prática docente em
um grupo de estudos, pretendo desenvolver argumentos que respondam à questão
central da pesquisa: de que modo se reconstrói a prática docente de
professoras de Matemática do Ensino Fundamental que participam de um
grupo de estudos? Nesse sentido, a análise dos dados e resultados têm o
propósito de apresentar a realidade compartilhada por esse grupo de estudos na
reconstrução da prática docente. Os temas analisados são a consciência do
contexto escolar, a identificação dos limites a serem superados, os avanços
pessoais no grupo de estudos e os princípios emergentes do processo de
reconstrução da prática docente no grupo.
5.1 A CONSCIÊNCIA DO CONTEXTO ESCOLAR
Ao discutirmos em um grupo de estudos, propusemos questionamentos sobre
a nossa prática, visando a uma perspectiva reflexiva do nosso trabalho: O que
pensamos das nossas práticas em sala de aula? Que espaço é dado pelos
professores para o aluno manifestar-se? Qual a importância da gestão escolar?
Quais são as preocupações das famílias ao escolherem uma escola? Quais são as
dificuldades de nossa prática pedagógica?
O debate no grupo em relação à prática em sala de aula possibilitou perceber
que a aula expositiva e dialogada para o Ensino Fundamental não vem atendendo
às expectativas dos alunos, nem a dos professores, pois não contribui para o
crescimento do aluno e não favorece a troca de vivências. Mas sabe-se que o aluno
tem necessidade de perguntar, questionar, ser questionado e incentivado a buscar o
conhecimento. Após a discussão, o grupo passou a investir na comunicação para
que as aulas fossem participativas e criativas. Segundo Schwartz (2002, p. 160),
Hoje, existe uma necessidade de mudança, os modelos de intervenção
precisam estar voltados para priorizar o desenvolvimento do pensamento,
56
em que se contentar com aulas apenas expositivas e com realização de
exercícios em livros didáticos é não enxergar as necessidades que os novos
tempos sinalizam.
A escola é um espaço de compartilhamento de saberes, onde os alunos
aprendem com os professores e os professores aprendem com os alunos. Estamos
buscando estratégias novas, possibilitando ao aluno participar das aulas e da sua
aprendizagem. É importante também promover o questionamento sobre essa
prática.
Sobre isso, Muriel, membro do grupo de pesquisa, afirma:
Se estamos com dificuldades em nossas aulas, devemos procurar
alternativas. Não receitas, mas podemos sempre ousar em prol de um
ensino de melhor qualidade. Atualmente, observamos que as salas de
professores são salas de terapia. Os professores são profissionais de
primeira qualidade, mas estão desmotivados, cansados e reclamando muito
dos alunos. Sabemos que falta de interesse por parte dos alunos. Por
isso, precisamos buscar alternativas para reverter esse quadro.
Muriel expressa que, mesmo com a desmotivação dos professores, estes
entendem que alternativas devem ser encontradas. Assim, é necessário
repensarmos o cotidiano, pois estamos iniciando nossas aulas partindo de um
questionamento. Ao inquirirmos, acreditamos que estamos criando um ambiente
propício à reflexão sobre nossa prática para que ela seja aperfeiçoada. Temos
percebido que os alunos gostam de ser desafiados, de se sentir integrados nos
acontecimentos de sala de aula. O aluno quer sentir-se participativo, pois vê a
escola como um lugar acolhedor e de confiança. Com toda a desvalorização dos
profissionais de educação seus salários aviltantes e sua auto-estima diminuída –,
os professores são, ainda, um modelo de perseverança, idealismo e confiança.
Um outro ponto que mereceu discussão foi o espaço que é dado pelos
professores para a manifestação do aluno. décadas, as aulas eram ministradas
por professores que falavam o tempo todo enquanto os alunos “absorviam” o
conteúdo. Não havia troca de idéias, e as relações estabelecidas eram apenas
mediadas pelo medo. Atualmente, esse modelo de aula não está produzindo o efeito
esperado, pois as mudanças na sociedade terminam refletindo-se na escola: temos
adolescentes que não prestam atenção, falam o tempo todo sobre assuntos
diferentes dos que estão sendo tratados. O que pode mobilizar os alunos? Os
educandos têm muito acesso às informações, e nossas aulas terminam não sendo
57
interessantes para eles, o que nos traz a necessidade de repensar nosso modelo de
aula.
Sobre isso, Laura, uma das professoras do grupo de pesquisa, afirma:
Eu tenho uma hipótese, que é a questão da argumentação. A gente fala
muito, e o aluno fala pouco. O aluno faz muito, no sentido de escrever, vê e
ouve muito, ele fala pouco. Ele deveria tentar interpretar o que está fazendo.
À medida que ele consegue falar, eu estou falando utopicamente, porque eu
sei que eu não consigo fazer isso. É apenas para pensarmos. Eu penso
que, quando a gente fala sobre as coisas, a gente elabora melhor.
Num mundo tão dinâmico e de informações muito rápidas, os adolescentes
não conseguem e não têm interesse em ficar ouvindo as aulas o tempo todo;
entretanto, se fizermos com que participem, reflitam e questionem, faremos com que
se aproximem da escola. Como vivenciamos essas dificuldades no cotidiano e
percebemos que o modelo de aula expositiva não é eficaz, estamos abrindo espaço
para os alunos manifestarem-se e dialogarem, mediando esse processo de ensino-
aprendizagem e fazendo com que o aluno seja sujeito do seu aprender e o
professor, um mediador dessa aprendizagem.
Em relação a esse aspecto, Demo (2002, p. 15) afirma:
Primeiro é essencial desfazer a noção de “aluno” como sendo alguém
subalterno, tendente a ignorante, que comparece para escutar, tomar nota,
engolir ensinamentos, fazer provas e passar de ano. Segundo, como se
pretende gestar uma comunidade cidadã, não uma seita, ou um exército
fechado, ou um reformatório, é de todo necessário que a criança seja
tratada como parceira de trabalho. Vem à escola para trabalhar junto, tendo
no professor a orientação motivadora, nem mais, nem menos.
Nessa citação, percebe-se a importância de assumirmos os educandos como
parceiros de trabalho para que eles sejam protagonistas do seu processo de
aprender. Será importante para o professor, agindo como mediador e incentivador
desse processo, conhecer seus alunos, valorizando, assim, suas experiências e seu
contexto cultural.
Em relação à gestão escolar, espera-se que os gestores confiem em seus
professores, fortalecendo as relações na escola. Isso gera autonomia, e, se os
professores são autônomos, essa postura também é percebida pelos alunos.
Todavia, o contrário também acontece, pois, se percebemos que não há participação
dos professores nas resoluções da escola, cria-se uma divisão entre gestores e
professores, falando línguas diferentes, o que o contribui para a formação dos
educandos. Entretanto, a unidade desses grupos é geradora de um espaço de
58
discussão com o intuito de promover uma educação com bases em princípios
voltados ao respeito, à solidariedade e à participação.
O importante é que o grupo gestor oportunize espaço para que os professores
façam críticas, o que não pode ser levado para o lado pessoal, criando desafetos. O
ambiente deve ser de escuta, visando à mediação das relações no ambiente
escolar. conseguiremos, espontaneamente, incentivar a autonomia e a
participação em todas as relações se sentirmos que temos apoio e confiança de
nossas coordenações.
Segundo Laura, “se a gestão cria um processo democrático e a gente
percebe, as pessoas falam, sim, dão opiniões, porque querem contribuir”. De acordo
com Laura, os professores, quando se sentem valorizados por seu profissionalismo,
reforçam sua postura de educadores em sua completude com o intuito de educar
seus alunos para a vida, não apenas pensando nos conhecimentos, mas também
procurando fazer de seus educandos sujeitos críticos, reflexivos e solidários. Se o
grupo de professores sente-se como parte importante, faz com o que o aluno
também se sinta, pois a escola é, para o aluno, seu bem maior.
Sobre isso, Moraes e Mancuso (2004, p. 103) refere:
Ajudar os alunos na produção de seus projetos pessoais de vida e estimular
para que tenham suas iniciativas próprias poderia ser uma das funções da
escola. Isso significa contribuir para a construção da autonomia dos alunos.
No entanto, os processos de independização do sujeito não podem ser
ensinados, mas vivenciados.
Em nossa discussão no grupo de estudos, uma fala muito pontuada foi a
preocupação com a quantidade de conteúdos. É fundamental desmistificarmos as
matérias obrigatórias e contemplarmos, em nossas metodologias, algumas
estratégias para que determinados assuntos tenham significado para nossos
educandos, criando um ambiente propício para a pesquisa em sala.
Acreditamos que, se houver um incentivo à pesquisa em sala de aula,
partindo dos conhecimentos prévios dos alunos e de suas teorias implícitas, haverá
um movimento na comunidade escolar que fará com que nossas verdades sejam
questionadas. Assim, novos saberes serão reconstruídos, pois nada está pronto
tudo pode ser refeito.
A pesquisa em sala de aula é uma das maneiras de envolver os sujeitos,
alunos e professores, num processo de questionamento do discurso, das
verdades implícitas e explícitas nas formações discursivas, propiciando a
59
partir disso a construção de argumentos que levem a novas verdades
(MORAES; LIMA, 2002, p. 10).
Nessa citação, percebe-se a importância da pesquisa em sala de aula como
forma de socializar e de construir a autonomia dos participantes. Isso leva em conta
suas vivências e seus conhecimentos prévios, com professores e alunos
questionando os seus saberes e envolvendo-se no processo de questionamento e
reflexão do contexto escolar.
Em relação às preocupações das famílias ao escolherem uma escola,
constata-se que, atualmente, vivemos na sociedade momentos de grande
insegurança nas áreas econômica, política, cultural e educativa. um forte
movimento de verdades tidas como certas que hoje são relativas e questionáveis
trata-se de uma sociedade de vários pesos e medidas. Com toda a crise no país, em
nível financeiro, social e moral, várias famílias fazem sacrifícios para inserir e manter
os seus filhos em escolas particulares, pois o ensino público fundamental está em
situação de descrédito. As famílias, ao confiarem filhos às escolas particulares,
estão investindo no seu futuro com a esperança de que eles cheguem à
universidade, preferencialmente pública, assim evitando mais custos.
Observa-se que as famílias procuram na escola toda a segurança que não
vêem na sociedade. Muitas delas buscam escolas com modelos mais tradicionais e
com uma disciplina mais rígida, visando, fundamentalmente, ao ingresso de seus
filhos na universidade.
Ao discutirmos no grupo de estudos, pensamos em como é importante para
as famílias e para os educandos fazer parte desse contexto escolar, ou seja, ser
ouvidos e ouvir os representantes da escola para que haja um envolvimento em que
família e escola possam agir como co-responsáveis pela educação. É muito
importante que haja, no âmbito escolar, um incentivo à aproximação das famílias,
pois muitas delas são alheias ao que acontece na escola. Muitas vezes, escola e
família estabelecem uma relação de animosidade. Acreditamos que, se houvesse
uma interação mais efetiva dos pais com a escola, muitos problemas seriam
solucionados.
Muriel aborda essa questão quando afirma que:
As atenções estão muito diversificadas. O que nós temos que pensar, como
grupo, é na educação, nas alternativas com as situações do cotidiano. Não
podemos nos preocupar em nos defender, e sim temos que ter propostas.
Se tivermos propostas, teremos argumentos para os futuros problemas que
60
serão do cotidiano. Os pais não podem ser o nosso foco, o nosso foco deve
ser refletir para educar melhor.
Sobre isso, Laura afirma:
Eu observo muito isso. A escola se defendendo, os pais querendo se
defender também, defendendo os seus filhos, e ninguém se ouve,
porque, na verdade, todos querem a mesma coisa, querem educar os filhos,
todo mundo quer. O que está acontecendo que não certo? Eu acho
que tem a questão de se comprometer. Não somos nós que devemos estar
cuidando desses alunos, e não são os pais que devem estar cuidando os
seus filhos, sabe, como se esse aluno não pudesse começar a ter um
cuidado próprio. Eu acho que tu tens que incentivar isso nele e mostrar o
quanto ele é capaz. Isso é gerar autonomia. Nós não trabalhamos muito
isso. Sempre tem alguém cuidando das coisas deles, ou são os pais ou a
gente que tem que cuidar se eles fizeram o tema ou não. Estamos cuidando
tudo dos alunos, respondendo um pedido dos pais, e eles não cuidam nada
deles.
Conforme o que Laura disse, essa defesa excessiva por parte dos pais e da
escola não contribui para o desenvolvimento do aluno. A escola tem como uma das
funções a contribuição para o desenvolvimento da autonomia de seus alunos; as
famílias por certo também querem isso. Precisamos nos responsabilizar em todos os
âmbitos e incentivar nossos alunos a serem independentes e a responderem por
seus atos.
Em relação às dificuldades de nossa prática pedagógica, muitas foram
levantadas quando refletimos sobre nosso cotidiano. Em nossas discussões, um
ponto crucial observado foi a falta de interesse dos alunos. Essa situação foi
destacada por todas as professoras. Tentamos ponderar o que gera tanta
desmotivação e falta de interesse em nossas aulas, pois tínhamos a clareza de que
os alunos gostam do ambiente escolar e dos professores. Tentamos elaborar
argumentos para explicar esse fato, buscando estratégias que contemplassem um
envolvimento efetivo de nossos educandos.
Verbalizamos que os conteúdos da disciplina de Matemática, na perspectiva
dos alunos, tinham pouco significado e, ao fazermos um mea culpa, demos razão a
eles. Quando os alunos questionam se determinados conteúdos têm significado para
o estudo e que significado é esse, isso ajuda-nos a repensar nossa prática e a
discutir a reorganização do currículo no Ensino Fundamental. As discussões
contribuíram de forma motivadora para integrar nossos alunos em nossos conteúdos
de forma a fazer com que eles se envolvessem mais em nossas aulas. Os encontros
foram geradores de um processo de inquietação, em que valorizamos nossa
61
instituição e especialmente nossos alunos, solicitando em nossas aulas sua
participação ativa. Segundo Becker (2002, p. 48),
O questionar, o discutir, o debater em aula é vital. Trabalhar o que o aluno
leva para a sala. Eu o me preocupo com o produto, e sim com o
processo. O papel do professor é o de quem oportuniza a troca, e este é
também o da família.
Outro ponto observado nas discussões do grupo foi a dissociação entre nosso
discurso e nossa prática. Falamos em incentivar o questionamento, promover
debates, integrar o aluno à escola, ou seja, democratizar o âmbito escolar, mas o
quanto, de fato, fazemos isso? Ao nos depararmos com algumas dificuldades, será
que não nos tornamos autoritários?
Perceber que a nossa prática deve ser sempre questionada faz com que, ao
encontrarmos dificuldades, estejamos sempre abertos para ouvir e poder refletir
sobre elas. A sala de aula contempla uma diversidade de culturas, crenças e
valores, e cabe aos professores, como mediadores, promover a riqueza de trocas de
vivências.
Nas discussões no grupo de estudos, problematizamos muitos aspectos que
são relevantes no nosso cotidiano, como, por exemplo, um ambiente de
aprendizagem que instigue o aluno a pensar. Nesse processo de estudar a escola e
rediscuti-la, percebemos o quanto amamos a nossa profissão e desejamos
disseminar isso a nossos alunos, não nos colocando como modelos, pois somos
seres humanos e aprendizes nesse processo de troca de vivências.
Conversando no grupo de estudos, verificamos o quanto aprendemos com os
nossos alunos em várias situações. Entretanto, para que essa aprendizagem
aconteça, precisamos ouvi-los, promovendo os questionamentos.
No processo de reconstrução da prática docente, envolvemo-nos de forma
efetiva em discussões sobre o nosso fazer. Nas discussões no grupo de estudos,
dávamo-nos conta do quanto o importantes, na profiso do educador, a
reflexão e a tomada de consciência. Discutindo com os colegas as frustrações, os
insucessos e os sucessos, oportunizamos a troca de experiências e a
solidariedade e promovemos momentos apenas de ouvir umas às outras, criando,
com isso, uma unidade no grupo, tornando-nos cúmplices de nosso fazer diário. O
dar-se conta esteve presente em todo esse processo, e, ao socializarmos nossa
62
prática, tornávamo-nos cada vez mais desafiadas e motivadas a qualificar o nosso
trabalho.
5.2 IDENTIFICAÇÃO DOS LIMITES A SEREM SUPERADOS
Ao iniciarmos as reuniões no grupo de estudos, partimos em busca da
superação de nossos limites, não apenas em relação às dificuldades como
educadoras, como também na própria resistência a mudanças e ao questionamento
de nossa prática em todos os sentidos. Nos primeiros momentos de nossas
discussões, percebi o grupo sempre tentando mostrar um trabalho ideal e perfeito.
Certamente, temos sempre a intenção de fazer o melhor possível; entretanto,
questionava-me sobre minha própria prática: será que eu não estava fantasiando? É
sempre complexo falarmos de nossas dificuldades. Embora não haja uma intenção
implícita de não falarmos a verdade, pois vemos o que queremos ver e o
interpretamos de acordo com nossas vivências, crenças e valores, algumas vezes
idealizamos o que fazemos.
Em nossas discussões, era recorrente a questão da dificuldade que tínhamos
de motivar nossos alunos. Atribuíamos à tecnologia e ao acesso a tantas
informações o fato de as aulas ficarem, por vezes, desinteressantes. Mas por que
não transformarmos os nossos problemas em soluções? Se nossos alunos têm
acesso a tanta informação, por que não partirmos daí para repensarmos a nossa
metodologia?
Quais são os nossos reais limites a serem superados? Acreditamos que
muitas dificuldades existam em um âmbito escolar. Entre elas, encontramos:
sobreposição de papéis dos professores; indisciplina e desmotivação dos alunos;
discurso dos professores dissociado da sua prática pedagógica; falta de
envolvimento dos alunos nas atividades propostas; e falta de autonomia dos alunos.
As próprias dificuldades tornam o cotidiano escolar desafiador, não havendo
monotonia, pois trabalhamos constantemente com a imprevisibilidade.
Ao reunirmo-nos em um grupo de estudos, nossa motivação estava apoiada
na possibilidade de resolvermos nossas dificuldades, ouvindo umas às outras e
refletindo sobre o que havia sido dito. A princípio, timidamente, falávamos de tudo
63
um pouco, sobre como foram os períodos naquele dia, o que queríamos melhorar, e
nos questionávamos como algumas propostas de trabalho davam certo para
algumas turmas e para outras não. Embora houvesse um roteiro por parte do
mediador, estávamos livres para questionar ou inquirir.
Muitas questões foram discutidas. Em vários momentos, a sobreposição de
papéis foi citada como um grande problema, como refere Laura:
Eu acho que uma dificuldade que está incluída em várias das que foram
listadas é essa sobreposição de papéis, porque, quando a gente fala para
que a escola funcione bem, nós trabalhamos com vários cnicos, vários
profissionais. Isso é uma coisa que Muriel falou antes de nós iniciarmos a
gravação. Que essa coisa, assim, para fora da sala de aula, as questões
familiares deles, as questões afetivas desses alunos, eu não posso dar
conta, eu não tenho preparo para isso, eu não sou um técnico. Eu sou um
técnico no meu fazer em sala de aula. Por isso, há necessidade de que o
corpo da escola possa se comunicar, tenha momentos de reunião que não
sejam meramente informativos, em que tu tenhas que ouvir um calendário,
um agendamento de tarefas e de encontros, simplesmente colocar na tua
agenda e te organizar. Que sejam momentos de reunião para decidir junto,
trocar informações e saberes.
Quanto ao que Laura disse, atualmente, observa-se que o professor tem um
acúmulo de funções. Ele está habilitado para trabalhar lecionando em determinadas
disciplinas, mas termina por agir em várias frentes, auxiliando seus alunos em
aspectos afetivos e educativos. Não que queiramos nos eximir dessa realidade, mas
precisamos de um assessoramento por parte da coordenação pedagógica da
escola, pois, em vários momentos do nosso fazer diário, lidamos com situações para
as quais não temos preparo. Apesar de querermos acertar sempre, isso não
acontece. Às vezes, temos muitos imprevistos e dificuldades em lidar com algumas
situações que, de fato, não seriam de nossa responsabilidade, mas o que fazer?
Omitir-se? Ou tentar contribuir de alguma forma? Entretanto, se houvesse uma
comunicação mais eficaz, um cuidado maior para essas situações, por certo isso
contribuiria para que houvesse menos dificuldades.
Outro tópico importante de nossas discussões foi a indisciplina. Por vezes,
perguntávamo-nos por que ela tem crescido de uns anos para cá. Juntas,
questionamos os motivos e os atribuímos a nossa metodologia centrada na aula
expositiva, ao pouco envolvimento dos alunos e à crise de valores morais.
Pensamos que, por trás dessa indisciplina, há um grande descontentamento.
Para Laura,
64
As pessoas são afetivas, e acho que talvez isso seja o mais importante em
uma escola para que se mantenha, pois ela é feita de relações
interpessoais. Talvez essa indisciplina toda seja uma manifestação de
pedido de socorro e de escuta.
Não podemos tratar a indisciplina em sala de aula como se ela não existisse,
mas de que nível de indisciplina estamos falando? Acreditamos que uma
dispersão generalizada nas aulas e falta de envolvimento e interesse nas atividades
propostas. No entanto, os alunos apreciam muito o ambiente social da escola. Isso
gera uma contradição, pois um relacionamento satisfatório entre professores e
alunos. Será que nossas aulas não precisam ser repensadas? A reflexão é válida no
sentido de fazer com que toda a escola seja repensada.
Buscando outras justificativas, vemos que os alunos são inseridos na escola
cada vez mais cedo, chegando a algumas séries muito imaturos e sem condições
para algumas abstrações. Mas, com a modernidade, as escolas cada vez mais
atendem a essa demanda, aceitando crianças muito novas, inserindo-as em
maternais 1 e 2, níveis A e B e alfabetização; com isso, vêem-se crianças com cerca
de dois anos freqüentando a escola. Trata-se de adequações sociais, mas estas
são causadoras de ganhos e perdas.
Sobre isso, Laura afirma:
A maioria das escolas está apresentando turno integral, isso não é à toa.
Esse tempo de estudo, nos plantões, nos grupos de estudos, não deveria
existir em casa também? Os filhos precisam da presença dos pais em
algum momento do dia. Esse controle de estar junto dos seus filhos, de
certa forma, os pais estão delegando isso à escola. A escola não poderá
suprir essa falta deixada pelos pais.
Fazendo uma análise do que Laura disse, com os novos tempos, muitas
mudanças tiveram que acontecer. Com a demanda de pais trabalhando o dia todo,
seus filhos precisam estar em algum lugar. A escola, percebendo essa realidade,
adequou-se, proporcionando o seu espaço. No entanto, não podemos deixar de
responsabilizar os pais pela educação de seus filhos. Se necessidade de seus
filhos ficarem muitas horas por dia na escola, isso não os exime da responsabilidade
de educá-los e de acompanhar seus estudos. É importante para nossos educandos
que se sintam apoiados e responsabilizados por seus atos.
Bibiana, sujeito da pesquisa, afirma que:
Daquilo que os alunos entendem, eles gostam. Preocupa-me o que eu ouvi
quarta-feira nesse curso que estou fazendo de método clínico de Piaget. Foi
65
dito que temos sempre que partir de onde o aluno está. Porque surgem
lacunas. Tem aqueles alunos que estão superestimulados, pois
compreendem além do que estamos imaginando. Existe um grupo contido,
ou seja, que acompanha as aulas, mas existe um grupo que não chegou
ainda, e nós estamos puxando junto com o outro grupo. Eu tento uma forma
de incluir esse pessoal que tem essa dificuldade e tento enxergar onde está
a dúvida e partir daí, mas, às vezes, o tempo, a dificuldade, o número de
alunos por sala, a quantidade de conteúdos... Começo a listar, e são vários
fatores que interferem, que fazem com que tu saias de uma sala de aula
dizendo que não consegue partir do conhecimento do aluno.
Em relação ao que Bibiana disse, acredito que seja muito importante
partirmos dos conhecimentos prévios dos alunos, mas realmente, no cotidiano
escolar, existem situações adversas. Ao trabalharmos com um grupo grande de
alunos, vemos que, cada vez mais, dificuldades para aplicar esse recurso na
prática diária.
Nas discussões no grupo, constatamos que uma alternativa seria trabalhar a
Matemática com a pesquisa em sala de aula, abordando os conteúdos em pequenos
grupos, com uns ajudando os outros e construindo seus conhecimentos. Cada grupo
teria o seu tempo para elaborar suas construções. Com isso, incentivaríamos a
solidariedade, o compartilhar, a argumentação e o respeito mútuo; fomentaríamos,
entre os educandos, a exploração de seus conhecimentos prévios e a busca por
novos conhecimentos. Sobre isso, Pires (2000, p. 156) refere:
Propor aulas de Matemática que estimulem a participação, que valorizem a
iniciativa, os avanços individuais, o crescimento coletivo, o respeito mútuo é
uma forma de contribuir para esse aprendizado. A utilização de técnicas
matemáticas com vistas a que o aluno interprete e avalie de maneira crítica
a informação que retira do seu entorno é outra forma de inserção no mundo
das relações sociais.
Se a escola tem a liberdade de escolher o seu currículo, pode adequá-lo,
promovendo aulas mais contextualizadas em que os alunos participem, façam
descobertas, pesquisem, sejam mais ativos e argumentativos, relacionando a
Matemática com o seu cotidiano. Poderíamos iniciar aproximando o currículo da
comunidade, discutindo o currículo em conjunto com as famílias, os professores, os
gestores e os alunos. Buscaríamos viabilizar o currículo, vendo em cada
comunidade o que é importante e o que tem significado para ela. No momento em
que todos os setores contribuem para a construção do currículo, este adquire
significado para todos, principalmente para os alunos.
Para Moraes e Mancuso (2004, p. 37),
66
A necessidade de aproximar os currículos das realidades em que são
trabalhados é uma das justificativas para sua reconstrução permanente.
Cada escola está envolta em um contexto específico; além disso, os
contextos se modificam constantemente. Assim, entendemos que um
currículo significativo e válido requer uma reconstrução permanente,
possibilitando que o trabalho realizado na escola esteja melhor adaptado às
necessidades da comunidade. O envolvimento de todos professores, pais
e alunos nesse processo possibilita a construção gradativa de uma
proposta de escola, superando-se o isolamento e o trabalho centrado nas
iniciativas individuais dos professores.
Com esse movimento de reconstruirmos o currículo com ampla participação
de setores fundamentais da sociedade, muito de nossa realidade social seria
colocada em discussão. Por que não discutirmos as questões da escola com a
comunidade para tentarmos pensar uma sociedade menos individualista e mais
voltada para o bem comum?
Para Laura,
Nós temos os alunos sentados em filas de classes, muito individualizados,
cada um cuidando do seu material e da sua aprendizagem, não se
importando com o que acontece com o outro. Eu acho que a sociedade é
assim, cada um no seu carro, na sua casa. Eu não sei o que acontece com
o outro e eu nem quero saber. Infelizmente, a gente tem isso assim, porque
é isso que está aí, são os valores.
Podemos pensar que fazer um estudo que envolva nossos alunos na
pesquisa em sala de aula contribuiria para romper com esse perfil individualista.
Teríamos grupos trabalhando juntos, tendo que trocar idéias e discuti-las, o que
poderia fazer com que aprendêssemos a ouvir o outro e a respeitar suas crenças. Ao
incentivarmos um trabalho em equipe, com o professor atuando como mediador,
podemos crescer juntos, partilhando e socializando o conhecimento.
Em relação à autonomia, percebemos que, cada vez mais, nossos alunos são
menos autônomos. Na disciplina de Matemática, muitas vezes, os alunos chamam o
professor para que os ajudem a resolver um exercício porque não entenderam o
enunciado, mas basta que o professor o leia para que os alunos saibam resolvê-
lo. Talvez seja o momento de reforçarmos a conduta de incentivar os alunos a serem
mais autônomos e a buscarem resolver os seus problemas. Evidentemente, isso
envolve também trabalhar a linguagem. Podemos, assim, incentivá-los nas tomadas
de decisão. Segundo Freire (1996, p. 107), “a autonomia vai se constituindo na
experiência de várias, inúmeras decisões que vão sendo tomadas”.
67
Se constatamos essa falta de autonomia, podemos estimular os alunos a
resolverem suas dúvidas e a pensarem sobre outras, fazendo com que tragam suas
experiências e repensem seus possíveis erros e dificuldades. Precisamos fazer com
que o aluno tenha condições para pensar. O professor contribui para a formação dos
alunos quando encoraja sua capacidade crítica e respeita os seus saberes.
5.3 AVANÇOS PESSOAIS DOS SUJEITOS NO GRUPO DE ESTUDOS
Em nossas discussões, nos fortalecíamos como sujeitos, pois havia um
ambiente propício para falarmos de nossas dificuldades e de nossas impotências,
sem que nos sentíssemos más profissionais. Trazíamos casos em que, por nossa
falta de preparo, muito pouco fazíamos ao abordá-los. A sala de aula é um local de
imprevisibilidade. Não temos o domínio de todas as situações, se é que temos de
algumas. o basta o domínio do conteúdo chegamos a dizer que o conteúdo é o
que a escola tem de mais simples, pois há muitas relações complexas.
Nessas reuniões do grupo, um dos avanços das participantes foi passar a
olhar o aluno como um todo, sem rótulos, procurando enxergá-lo como parceiro de
trabalho e como alguém que muito tem a contribuir em nossas aulas.
Com respeito pelos nossos educandos, vamos repensando nossas práticas e
encontrando novas estratégias, sentindo-nos diferentes. Uma de nossas
preocupações em nosso estudo foi a de trabalharmos no sentido de uma educação
significativa. Em todos os momentos de discussão, percebíamos que a falta de
significado afastava os alunos de nossas aulas. Questionamos a utilidade dos
conteúdos, reconsiderando nossa forma de abordá-los em sala de aula.
Essa reformulação das aulas, a utilização de outras formas de ensinar,
trazendo, por exemplo, a História da Matemática, a pesquisa em sala de aula, a
resolução de problemas, as unidades de aprendizagem e a modelagem matemática,
foram aos poucos crescendo no grupo. Ouvindo uma colega, complementávamos
suas idéias, e as estratégias iam sendo construídas, aplicadas e, quando possível,
reavaliadas. O importante é o professor estar disposto a repensar sua prática diária,
a buscar estratégias e adequar suas aulas à realidade escolar, pois, com isso, estará
respeitando e valorizando os seus alunos. De acordo com Portanova (2005, p. 80),
68
É consenso entre os educadores matemáticos que a capacidade de pensar,
raciocinar e resolver problemas deve construir um dos principais objetivos
de estudo da Matemática. Para isso, é importante apresentar ao aluno
situações-problema que o envolvam, o desafiem e o motivem a querer
resolvê-las. A capacidade de resolver problemas desenvolve-se no aluno ao
longo do tempo e através de um ensino com oportunidades várias para
resolução de muitos tipos de problemas com situações do mundo real.
A possibilidade de trabalharmos uma Matemática com significado para os
alunos faz com que estes vejam a aplicabilidade dos conceitos no cotidiano, que se
sintam desafiados, que sejam sujeitos do seu saber, que busquem novas soluções
para os problemas propostos. Isso gera um novo modo de percebermos a
Matemática: como instrumento para a resolução de diversos problemas, pois ela não
se aplica apenas a exercícios, mas também à vida. Segundo D’Ambrosio (1999, p. 97),
Acredito que um dos maiores erros que se pratica em educação, em
particular na Educação Matemática, é desvincular a Matemática das outras
atividades humanas. Particularmente, a civilização ocidental tem como
espinha dorsal a Matemática. Mas não só na civilização ocidental. Em todas
as civilizações há alguma forma de Matemática. As idéias matemáticas
comparecem em toda a evolução da humanidade, definindo estratégias de
ação para lidar com o ambiente, criando e desenhando instrumentos para
esse fim e buscando explicações sobre os fatos e fenômenos da natureza e
para a própria existência.
D’Ambrosio explicita a importância de valorizarmos a Matemática em âmbitos
humanos sociais e políticos, pois ela é aplicada em diversas situações de nossas
vidas e em vários contextos. Se a Matemática faz parte de nossas histórias de vida,
por que muitos educandos têm aversão a ela? Precisamos questionar esse
distanciamento entre a Matemática e as outras atividades humanas e tentar
aproximá-la. Um recurso para isso poderia ser a contextualização de nossa
disciplina na comunidade em que está sendo vivenciada.
Muito do que discutimos ao longo dessas reuniões gerou mais dúvidas do que
certezas. Mas as reuniões, por vários meses, foram muito benéficas, e nelas
passamos a nos dar conta de muitas situações surgidas em nosso fazer em sala de
aula. Por exemplo, o constante comodismo de acharmos que as aulas atualmente
são muito difíceis. Isso é verdade, mas a procura de estratégias não fazia parte de
nossas preocupações. Ocupávamo-nos, isso sim, com reclamações e com a
culpabilização. Atualmente, estamos constantemente repensando nossa prática e
tentando estudar com mais cuidado as situações que surgem no cotidiano escolar.
69
Acredito que estejamos avançando nesse processo, envolvendo nossos alunos nas
atividades, buscando sua participação.
Ao constatar tanta falta de interesse na Matemática, o grupo, repensando sua
metodologia, viu que não estava contribuindo para que seus alunos fossem sujeitos
do seu processo de aprendizagem, mas meros reprodutores de conhecimento.
Precisamos incentivar nosso educando a saber pensar, a aprender a aprender.
Gradativamente, passamos a desenvolver atividades de grupo em sala de
aula, incentivando os alunos a ouvir, participar, argumentar e discutir suas
dificuldades e suas habilidades. Isso representou um crescimento muito significativo
para nós, professoras, e para os alunos. Estávamos tentando pôr em prática o que
havíamos pontuado como estratégia para a melhoria de nosso trabalho.
Falarmos de nossos avanços pessoais é muito complexo. Muitos deles talvez
não tenham sido percebidos, mas o importante foi o fortalecimento do grupo, com os
momentos de escuta, de discussão e de troca de vivências. Tornou-se fundamental
repensarmos nossa prática e nos realizarmos como profissionais e cidadãs, regadas
de experiências, valores e vivências. Para Pereira (2000),
Formar indivíduos que se realizem como pessoas, cidadãos e profissionais
exige da escola muito mais do que a simples transmissão e acúmulo de
informações. Exige experiências concretas e diversificadas, transpostas da
vida cotidiana para as situações de aprendizagem. Educar para a vida
requer a incorporação de vivências e a incorporação do aprendido em
novas vivências.
Em nossas discussões, percebemos que poderíamos fazer a nossa prática
melhorar. A semente que foi plantada em nossas reuniões para reconstruirmos o
currículo no Ensino Fundamental desafiou-nos a buscar um ensino cada vez mais
qualificado – um ganho pessoal incomensurável.
Sobre isso, Laura afirma:
Trabalhar em equipe é muito importante hoje em dia, pois tu tens que trocar.
Eu acho que é uma formação a mais que a gente pode trabalhar dentro da
Matemática... E o quanto eles se dão conta de erros que eles cometeriam
sozinhos, ouvindo o outro, eles têm que discutir. Existe um espaço e um
tempo para eles discutirem entre eles.
Um avanço muito pontuado nas discussões no grupo de estudos é o que se
refere à prática pedagógica. Procuramos agir como mediadoras do processo ensino-
aprendizagem, trabalhando os conteúdos de forma a encorajar a participação e o
interesse dos alunos. Nem sempre conseguimos, mas, com a discussão e a
70
disposição de repensar as aulas, o grupo se propôs a transformar sua metodologia,
não mais apenas utilizando aulas expositivas e dialogadas, mas também procurando
aproximar suas teorias e suas práticas.
5.4 PRINCÍPIOS EMERGENTES DO PROCESSO DE RECONSTRUÇÃO DA
PRÁTICA DOCENTE NO GRUPO DE ESTUDOS
Ao reunirmo-nos em um grupo de estudos, buscamos refletir sobre o cotidiano
escolar. Conseguir resolver as nossas dificuldades em nossa prática pedagógica
consistiu no objetivo do trabalho. Entretanto, o mais importante para o nosso grupo
de estudos foi o processo de reflexão e discussão sobre a escola. Procuramos fazer
um levantamento dos problemas e tentamos encontrar soluções. Nesse processo,
houve uma desconstrução da prática profissional, para depois reconstruí-la. Não
buscamos facilidades ao nos envolvermos nessas discussões, e sim o ato de
repensar nossa prática para, a partir dela, tentarmos aperfeiçoar o nosso trabalho
visando ao ensino mais qualificado.
O âmbito escolar é um local em que se concentram muitas adversidades.
Com isso, uma riqueza de fatores que fazem com que a escola seja dinâmica. Ao
estudarmos o cotidiano escolar em sua plenitude, vemos a escola como um
ambiente que pode promover melhorias nos planos social, cultural, ético e humano.
Reunindo-nos em um grupo de estudos, procuramos compreender como
sujeitos de nossas práticas reorganizam o currículo escolar no cotidiano, discutindo,
questionando e repensando o trabalho pedagógico. Em nossos encontros, foram
surgindo alguns princípios associados ao currículo numa perspectiva dinâmica,
entendendo-o como o conjunto de todas ações desenvolvidas na escola em prol da
formação dos alunos.
Em relação à comunicação, se houver uma comunicação clara entre
professores, gestores e familiares, as relações estabelecidas dar-se-ão de uma
forma mais tranqüila e eficaz, atendendo aos anseios de toda a comunidade. Não
por que essa relação não se tornar cada vez mais próxima. Existe uma vontade de
aproximação entre escola e família, cada uma responsabilizando-se por sua parte,
respeitando e discutindo suas dificuldades. Isso contribui para a formação dos
71
educandos. A comunhão de saberes entre gestores, familiares e professores gera
um ambiente de igualdade de direitos, capaz de contribuir para a formação de
sujeitos ativos e reflexivos. Esse encontro pode estimular a discussão entre os vários
setores da escola.
Para Sofia:
Muitas vezes, nós achamos que não falar com os pais nos protege de certa
forma, mas nem sempre isso é verdadeiro. Aquela pessoa que está falando
em teu nome, coordenação ou direção, não importa, ela não tem clareza
dos detalhes. No momento em que conversamos com os pais, s estamos
apresentando o nosso trabalho e temos como argumentar as nossas
estratégias.
Para Muriel:
Eu acredito que, falando com o professor, o pai ficará mais seguro. É
importante que o pai perceba que o professor não está ali para prejudicar o
seu filho, e sim que o professor acompanha o seu filho e o conhece.
Quando tu dizes “o teu filho deixou de fazer isso ou aquilo”, o pai se sente
seguro, sabendo que o professor está acompanhando o seu filho e
observando tudo. Se outra pessoa fala por ti, ela não sabe de alguns
detalhes. Fica duvidoso, eu acho que os pais ficam mais inseguros. Isso é
um retorno positivo, eu acho que o pai vai conversar com o filho de outra
maneira, não ficando contra o professor.
Com os depoimentos de Sofia e Muriel, percebemos a importância de haver
um diálogo aberto entre escola e família. Essa comunicação faz com que muitas das
dificuldades sejam resolvidas. A falta de comunicação, por vezes, gera
animosidades e desconfiança entre as partes. No âmbito escolar, é importante que
as famílias, os alunos, os professores e os gestores participem de reuniões com o
intuito de resolver possíveis problemas, pois o comportamento do aluno na escola,
algumas vezes, reflete muito suas dificuldades. Se houver esse espaço de troca, o
professor, que sabe o que ocorre com o aluno, pode administrar melhor as situações
do cotidiano. Não que queiramos resolver todos os problemas, mas sabe-se que os
adolescentes passam muito tempo na escola, e o como nos eximirmos de
nossas responsabilidades e deixarmos de contribuir com os alunos. Pelo contrário,
trata-se de propor um pacto de co-responsabilidade sobre a formação dos alunos,
envolvendo a família e a escola.
Em relação ao programa das disciplinas, é importante que cada comunidade
tenha presente as suas necessidades, fazendo com que o currículo seja adequado a
sua realidade. Por que todas as escolas devem trabalhar os mesmos conteúdos?
72
Será que alunos de uma escola da zona rural têm as mesmas necessidades de
alunos que moram na capital? Seria muito importante para os alunos estudarem
conteúdos mais aproximados de suas realidades. É importante que haja significado
no que aprendemos. Para Domingues (2003, p. 35),
alunos que m acesso a livros, revistas e vivem em um ambiente que
motiva a aprendizagem dos conceitos estudados na escola. Para este grupo
seleto de alunos, as aulas muitas vezes servem para reforçar os
conhecimentos adquiridos em casa, o que resulta na facilidade da
aprendizagem do conteúdo. Mas, para a maior parte das crianças, os
conceitos vistos na escola são tão distantes das suas vivências que, por
isso, não se sentem motivados em aprender os conteúdos ou, quando os
aprendem, é apenas para tirar nota nas avaliações de modo que esse
conhecimento será esquecido, porque não tem significado para o aluno,
porque não tem importância, não tem sentido para ele.
Em relação a isso, Sofia relata sua experiência:
Eu estou trabalhando, com as oitavas séries, seno, co-seno e tangente.
Então, eu resolvi demonstrar algumas fórmulas. Pedi para que não
anotassem nada e, em seguida, eu mostrei a aplicabilidade do conteúdo.
Naquele momento, os alunos estavam envolvidos, pois o estudo do
conteúdo fazia sentido. Mas são momentos muito pidos, e eu o posso
me alongar muito nas explicações, senão os alunos perdem a atenção. Nós
temos uma cultura de valorização da quantidade de exercícios, mas
precisamos mudá-la para exercícios que ensinem a pensar.
Para Bibiana,
A linha que nós desenvolvemos aqui, quando se inicia um conteúdo, tu te
sentes responsável, naquela série, de trabalhar de uma forma detalhada
todo aquele assunto. Se tu começares na série frações, tu vais trabalhar
um trimestre com aquilo. Tu tens o compromisso desde o conceito até a
última expressão numérica envolvendo todas as operações, mais problemas
de aplicação, ou seja, o aluno sai doutor em frações. O que eu vi nos
Estados Unidos é que eles trabalham todos os conceitos desde a pré-
escola. Eles não aprofundam na série frações, equivalentes ou
operações, mas o aluno sai da escola entendendo as placas de trânsito.
Eles trabalham decimais, porque eles falam de dinheiro, estimula-se a
entender os números decimais trabalhando com moedinhas. Eles não fazem
cálculos imensos, eles enxergam o que existe. Onde eu morava, a
temperatura era baixíssima, então, os números negativos... Era o que
ouvíamos. Eles pegam exemplos, e as crianças vão aprendendo o que
existe sem aprofundar.
Em relação às citações de Sofia e Bibiana, vemos que a maioria dos alunos,
quando há significado no que é ensinado, se envolve, questiona e quer aprender. Se
adequarmos nosso currículo às necessidades de cada comunidade, teremos alunos
mais envolvidos. Os adolescentes, atualmente, têm muitas informações, via Internet,
e-mail, torpedos, revistas, livros e televisão. Com isso, deixam de ter interesse no
73
que está sendo dito pelo professor, não prestam atenção e provavelmente
atrapalham o desenvolvimento da aula.
O profissional da educação pode criar possibilidades para que o educando
seja instigado e desafiado de modo a construir o conhecimento relacionado ao seu
contexto.
Para Sacristán e Gómez (1997, p. 86),
[...] ao levar em conta o caráter subjetivo, mutante, criador das variáveis que
configuram a vida da sala de aula, o ensino não pode ser concebido como
uma mera aplicação de normas, técnicas e receitas preestabelecidas, mas
como um espaço de vivências compartilhadas, de busca de significados, de
produção de conhecimento e de experimentação na ação.
Trabalhar os conteúdos em diferentes comunidades da mesma forma não tem
funcionado. Nós, como professores, devemos relacionar a cultura e a aprendizagem,
pois isso é importante para o aprendizado. Também é fundamental a participação
dos alunos na elaboração dos currículos a fim de partirmos dos seus interesses,
tornando as aulas mais interessantes e contextualizadas.
Para Sofia, “precisa ter troca. A construção do conhecimento parte da troca.
Tu fazes uma demonstração, e o aluno não quer saber. Os alunos gostam de discutir
e trocar idéias”. Percebemos, a partir dessa fala, que, se o professor desafiar os
alunos e promover um ambiente participativo, eles contribuirão com suas
experiências, gerando um ambiente propício à construção do conhecimento.
Em relação ao envolvimento dos professores, é importante que estes se
envolvam em todas as atividades da escola. Caso isso não possa acontecer, eles
pelo menos deverão estar interados do que acontece no cotidiano. O nculo efetivo
do profissional de educação é necessário para que a instituição alcance os seus
objetivos de educar seus alunos para uma sociedade mais justa e igualitária, uma
vez que o professor está mais próximo dos alunos. Com esse envolvimento, fará
com que os alunos também se envolvam em todas as situações de aprendizagem. A
escola é ainda uma instituição que encaminha as pessoas para o crescimento em
vários níveis: intelectual, social e humano. Ela fomenta o aprender a aprender. Os
professores, de sua parte, precisam sentir-se importantes para seus educandos,
elevando sua auto-estima ao valorizar suas próprias experiências e assim
resgatando sua prática educativa e sua identidade profissional. Para Teixeira (2002,
p. 40),
74
A história de vida do professor, seus relatos de experiências e o resgate de
sua prática educativa podem contribuir na formação de sua identidade
profissional, revelando seus valores e suas crenças, fazendo-o posicionar-
se como ser humano suscetível às mais complexas experiências com o
público estudantil.
Em um país de tantas injustiças, a figura do professor está desgastada e
pouco valorizada, mas necessitamos resgatar nossa auto-estima, nos valorizar e ter
a consciência do quanto somos importantes para determinados grupos. Se hoje
problemas, como seria se não houvesse a escola? Às vezes, o professor não tem
consciência de seu papel como agente das transformações; entretanto, quantos
alunos nos respeitam e valorizam o que pensamos?
Ao refletirmos sobre nosso compromisso de educar, sentimo-nos
responsáveis pelo que está sendo produzido pela sociedade. Se incentivarmos em
nossos alunos a capacidade crítica e a autonomia, contribuiremos para uma
sociedade mais justa.
Sintetizando, nas reuniões do grupo de estudos, buscamos aprender a lidar
com a complexidade da escola. Muitos princípios emergiram de nossos encontros,
tais como: incentivo à autonomia dos alunos; envolvimento da comunidade nas
atividades escolares; valorização dos conhecimentos prévios dos educandos; visão
do aluno como um todo; perspectiva do aluno como parceiro de trabalho; valorização
e respeito pelas contribuições dos alunos; desenvolvimento de atividades em
grupos; aplicação da Matemática não apenas nos exercícios, mas também na vida,
nas questões do cotidiano; promoção da argumentação; incentivo à reflexão sobre a
prática pedagógica por parte dos professores; disposição para ouvir os alunos e
trocar vivências.
Reunindo-nos em um grupo de estudos de professoras de Matemática,
procuramos discutir estratégias que qualificassem nossa prática docente, com o
intuito de resgatarmos nossa identidade profissional e nossa auto-estima.
Percebemos que, ao problematizarmos nossas aulas, semeamos alternativas para a
prática docente e para a reconstrução curricular, pois, a cada conteúdo ministrado,
estamos procurando valorizar os conhecimentos prévios dos alunos e incentivar um
ambiente de troca de saberes.
75
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluindo esta investigação, que tem como foco o modo como se reconstrói
a prática docente de professoras de Matemática do Ensino Fundamental que
participam de um grupo de estudos, acredito que, ao questionarmos nossa
prática, já iniciamos sua reconstrução. Por meio de reuniões de um grupo de
professoras com vistas a reorganizar o currículo de Matemática, buscamos, de forma
gradativa, respostas para nossos questionamentos e dificuldades.
Em nossas discussões, pontuamos que é necessário proceder à
desconstrução da prática pedagógica para começarmos a aprender a aprender. É
preciso refletir e repensar o que somos e o que queremos ser, enfatizando o quanto
é importante contribuir para uma educação de qualidade, tendo nossos alunos como
centro do seu saber.
Ao longo do caminho, muitas incertezas nos cercaram. Entretanto, a vontade
de melhorar como profissionais e seres humanos é sempre maior. Colocamo-nos
nesse processo como aprendizes, pois não somos detentoras do saber. O professor
é apenas um mediador das situações de aprendizagem, e às vezes aprendemos
mais com os alunos do que eles conosco.
A oportunidade de, em um grupo de estudos, podermos partilhar dificuldades,
sonhos, dúvidas, opiniões e propostas, sabendo que seríamos ouvidas e
respeitadas, fez com que nos sentíssemos com a nossa auto-estima elevada e
reencontrássemos a nossa identidade profissional. Somos professoras por amor a
nossa profissão e por vocação, e por isso acreditamos que a educação transforma a
sociedade, pois, em uma sociedade em que faltam exemplos de comportamento
ético, o professor ainda representa uma esperança.
Ao aprendermos a valorizar os conhecimentos prévios dos alunos,
começamos a aprender com o outro. As pessoas têm crenças e culturas diferentes,
e compartilhá-las traz um enriquecimento a todos. Com isso, estamos socializando
os saberes. Em determinadas disciplinas, alguns alunos têm mais facilidades que
outros. Então, por que não aproveitar essa situação para que os próprios alunos
compartilhem os seus saberes? Se fizermos isso como prática cotidiana, os alunos
poderão incorporar o hábito de ajudar-se.
76
O currículo existe para o aluno, então, este deve participar das escolhas das
atividades, ser ouvido e estudar conteúdos que tenham significado para ele. É
importante discutir estratégias para a sala de aula, aproximando as comunidades da
escola, com o objetivo de rever o que de fato é importante para cada comunidade.
Deveremos buscar novas atividades para o fazer de sala de aula, promover um
ensino que faça os alunos serem sujeitos do seu aprender, fomentando a
autonomia, a argumentação, a participação e a valorização dos profissionais em sala
de aula. Segundo Santos (2005, p. 18),
Na escola da ponte, o currículo não existe em função do professor é uma
permanente referência do percurso de aprendizagem e de desenvolvimento
do aluno e uma referência permanentemente apropriada pelo aluno. O
aluno é, assim, o verdadeiro sujeito do currículo não um instrumento ou
um mero destinatário do currículo. Os professores não estão no centro da
vida escolar, não são o sol do sistema curricular. Estão, relativamente às
crianças, em permanente movimento de translação e circunvolução,
procurando acompanhar, orientar e reforçar o percurso de aprendizagem e
de desenvolvimento pessoal e social de cada aluno.
Concordando com Ferreira dos Santos, vemos que a escola é para o aluno e
que o currículo escolar existe para ele. Então, por que não discutirmos com os
alunos a reconstrução curricular?
Ao longo do processo de reconstrução da prática docente no grupo de
estudos, discutindo nossos sucessos e fracassos, começamos a repensar nossas
teorias, refletindo, ouvindo, repensando as falas umas das outras, mas
principalmente repensando o nosso fazer em sala de aula. Acreditamos que nossa
sala de aula não é mais a mesma. A tudo o que acontece hoje em nossas salas de
aula, temos um olhar atento, de afeto, de respeito, tentando fazer o melhor.
Contudo, as incertezas superam as certezas, mas, ao longo de nossas discussões,
entendemos que a busca de fazer o melhor provavelmente fará com que cada vez
mais nos aperfeiçoemos como profissionais e seres humanos.
Nesse processo de reconstrução curricular em um grupo de professoras,
muitas modificações ocorreram, implícitas e explícitas, tais como ouvir mais os
alunos, procurar dar mais espaço para que eles se manifestem, incentivá-los a
buscar soluções dos problemas propostos, não dando respostas prontas, promover
discussões em aula, valorizar os conhecimentos dos alunos, vê-los como parceiros
de trabalho, desenvolver a criatividade, gerando liberdade de expressão. Houve o
repensar de nossa prática pedagógica, com uma percepção da educação de forma
77
ampla, não com o imediatismo que lhe é conferido, mas como algo para toda a vida
– trata-se de perceber que o aluno é o centro da educação, e não o professor.
Na reflexão sobre a escola, entendemos que o próprio pensar sobre o
contexto escolar nos proporciona mudanças. Estas são gradativas, mas o grupo
visualiza e acredita no empenho em promover um ensino mais qualificado,
proporcionando aos alunos mais espaço para a contribuição com o outro, para
argumentação, questionamento e proposta de atividades.
Essa concepção é nova para o nosso grupo de estudos. Ao ministrarmos
nossas aulas, propúnhamos apenas aulas expositivas e dialogadas. Atualmente, junto
ao grupo, percebemos que estamos inovando e tentando novas estratégias, buscando
incluir nossos alunos, fazendo com que os alunos participem, que encontrem
significado no que é aprendido, que sejam protagonistas de seu conhecimento.
Esta investigação procurou reconstruir a prática docente em um grupo de
estudos, mas nem todas as possibilidades foram analisadas. É importante investir
mais tempo ou manter permanentemente o grupo de estudos para qualificar a
prática de professores por meio da reflexão sobre a ação.
Em continuidade a este estudo, poderia ser realizada uma pesquisa sobre a
reconstrução de um currículo de Matemática no Ensino Médio, reunindo um grupo
de estudos de professores e alunos, discutindo metodologia, conteúdos, avaliação,
relações interpessoais e gestão escolar.
Um trabalho que reúne um grupo de docentes discutindo a escola e buscando
sua identidade profissional faz com que, em vários momentos, nos sintamos
desconfortáveis e com muitas incertezas, pois o ambiente escolar é muito rico e
complexo em termos de acontecimentos. Contudo, precisamos desmistificar a visão
de que o professor precisa ter todas as respostas. Podemos reconstruir a prática
docente em um grupo de estudos, promovendo discussões entre os professores e a
comunidade escolar sobre suas prioridades e necessidades. Assim, os professores
podem aproximar suas teorias de suas práticas e vice-versa, agindo como mediadores
do processo de aprendizagem, revendo dificuldades, contextualizando as aulas,
envolvendo os educandos e socializando vivências. O importante é estimularmos os
questionamentos, a pesquisa, a argumentação, o respeito mútuo e o trabalho em
grupo nas aulas de Matemática, contribuindo para que os sujeitos sejam autônomos,
pois a escola não é somente um espaço de transmissão de conhecimento ela é
também um espaço para compartilhar valores, aprendizados e afetos.
78
REFERÊNCIAS
ALVES, Nilda (org). Criar currículo no cotidiano. São Paulo: Cortez, 2002.
______. Nós não somos máquinas. Profissão Mestre, Curitiba: Quantum, v. 62, p.
10-11, nov. 2004.
ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Uma história da contribuição dos
estudos do cotidiano escolar. In: LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth
(Orgs.). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002. p 78-101.
BARBIER, René. A pesquisa-ação na instituição educativa. Rio de Janeiro:
Zahar, 1985.
BECKER, Fernando. Epistemologia do professor: o cotidiano da escola. 10. ed.
Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
BOCCHESE, Jocelyne da Cunha. O professor e a construção de competências. In:
ENRICONE, Delcia (Org.). Ser professor. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. p.
25-39.
COLL, César. Psicologia e currículo. São Paulo: Ática, 2002.
COSTA, Marisa Vorraber (Org.). O currículo nos limiares do contemporâneo. 3.
ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
D’AMBROSIO, Ubiratan. A História da Matemática: questões historiográficas e
políticas e reflexos na Educação Matemática. In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani
(Org.). Pesquisa em educação matemática: concepções e perspectivas. São
Paulo: Unesp, 1999. p. 97-115.
DEMO, Pedro. Desafios modernos da educação. 3. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
1993.
______. Educar pela pesquisa. Coleção Educação Contemporânea. 5. ed. São
Paulo: Autores Associados, 2002.
79
DOLL JR., William E. Currículo: uma perspectiva pós-moderna. Porto Alegre:
Artmed, 1997.
DOMINGUES, Kátia Cristina de Menezes. O currículo com abordagem
etnomatemática. Educação matemática em revista, São Paulo: SBEM, ano 10, n.
14, p. 35-39, ago. 2003.
DOWBOR, L. O espaço do conhecimento. Belo Horizonte: Ipso - Oficina de Livros,
1994.
FREIRE, Paulo.Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
______.Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30. ed.
São Paulo: Paz e Terra,1996. (Coleção Leitura).
GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
GRILLO, Marlene C. O professor e a docência: o encontro com o aluno. In:
ENRICONE, Delcia (Org.). Ser professor. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
KEMMIS, Stephen. El curriculum: más allá de la teoría de la reproducción. Madrid:
Morata, 1988.
KEMMIS, Stephen; McTAGGART. Cómo planificar la investigación-acción.
Barcelona: Laertes, 1988.
LOPES, Alice Casimiro. Os parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio e
a submissão ao mundo produtivo: o caso do conceito de contextualização.
Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p. 386-400, set. 2002. Disponível
em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 3 abr. 2006.
LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth (Orgs.). Currículo: debates
contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002.
LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas.
São Paulo: EPU, 1986.
80
MORAES, Roque; LIMA, Valderez Marina do Rosário (Orgs.). Pesquisa em sala de
aula: tendências para a educação em novos tempos. Porto Alegre: EDIPUCRS,
2002.
MORAES, Roque; MANCUSO, Ronaldo (Orgs.). Educação em ciências: produção
de currículos e formação de professores. Ijuí: Unijuí, 2004.
PACHECO, José Augusto. Currículo: teoria e práxis. 2. ed. Porto: Porto, 2001.
PEREIRA, A. R. S. Contextualização. 2000. Disponível em:
<http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 2 jun. 2006.
PIRES, Célia Maria Carolino. Currículos de matemática: da organização linear à
idéia de rede. São Paulo: FTD, 2000.
PONTE, João P. Apresentação In: NCTM. Normas profissionais para o ensino da
matemática. Lisboa: APM e IIE, 1994. p.5-7.
PORTANOVA, Ruth (Org.). Um Currículo de matemática em movimento. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2005.
RAMOS, Maurivan Güntzel. Avaliação do desempenho docente numa
perspectiva qualitativa: contribuições para o desenvolvimento profissional de
professores no ensino superior. 1999. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade
de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
1999.
______. Educar pela pesquisa é educar para a argumentação. In: MORAES, Roque;
LIMA, Valderez R. Pesquisa em sala de aula: tendências para a Educação em
Novos Tempos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. p. 25-49.
REASON, Peter. Human inquiry in action. London: Sage, 1988.
ROLIM, Marcos. Escola e violência: para além do silêncio e do medo. Revista
GEEMPA, Porto Alegre: Pallotti, n. 9, p. 71-94, out. 2004.
SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2000.
81
SACRISTÁN, J. Gimeno; GÓMEZ, Ángel. L. Pérez. Comprender y transformar la
enseñanza. 6. ed. Madrid: Morata, 1997.
SANTOS, Ademar Ferreira. As lições de uma escola: uma ponte para muito longe...
In: ALVES, Rubem. A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse
existir. 8. ed. Campinas: Papirus, 2005. p. 7-24.
SCHÖN, Donald A. Educando o profissional reflexivo. Porto Alegre: Artmed,
2000.
SCHWARTZ, Suzana. De objetos a sujeitos da relação pedagógica: a pesquisa na
sala de aula. In: MORAES, Roque; LIMA, Valderez Marina do Rosário (Orgs.).
Pesquisa em sala de aula: tendências para a educação em novos tempos. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2002. p. 159-170.
SERRANO, Maria Gloria Perez. Investigación–acción: aplicaciones al campo social
y educativo. Madrid: Dykinson, 1990.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do
Currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
TEIXEIRA, Manoel Lima Cruz. A formação do professor de Matemática e a pesquisa
em sala de aula. Educação Matemática em Revista, São Paulo, n. 12, ano 9, p. 41,
p. 40-45, jun. 2002.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 3. ed. São Paulo: Cortez,
1986.
TORRES, Jurjo Santomé. El curriculum oculto. 5. ed. Madrid: Morata, 1996.
VASCONCELLOS, Celso dos S. Construção do conhecimento em sala de aula.
7. ed. São Paulo: Libertad, 1993.
______. Para onde vai o professor?: resgate do professor como sujeito de
transformação. 6. ed. São Paulo: Libertad, 1998.
______. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao
cotidiano da sala de aula. 3. ed. São Paulo: Libertad, 2002.
82
APÊNDICE A - TRANSCRIÇÃO DA PRIMEIRA REUNIÃO
Apresentação dos objetivos, do problema, das questões de pesquisa e dos instrumentos.
Gláucia:
O que é currículo?
Bibiana:
Estou fazendo um curso com o Fernando Becker sobre método clínico de Piaget. Ele colocou um
exemplo, citando currículo. O professor, quando vai pensar, a primeira coisa é o enfoque. Quando
pensa em modificar, deve ter uma teoria bem fundamentada. Falo de currículo, falo de programa da
escola com metodologia. Posso falar de currículo apenas como listagem de conteúdos, essas
listagens por série. Existe por trás da escola uma metodologia, uma apostila. Eu tenho liberdade de
criar dentro do programa que foi me dado quando fui contratada. Eu tenho que me organizar para
que, ao final do ano, todo o conteúdo proposto seja desenvolvido, utilizando os exercícios do livro.
Posso trazer mais exercícios, mas o livro é o meu compromisso. Vejo currículo como listagem de
conteúdos, a maneira como tu vais distribuir isso num período que tu tens para desenvolver.
Paralelamente a isso, existe uma metodologia. O que eu ouvi a respeito desse termo, “currículo”, com
esse enfoque... Primeiro, a gente tem que ter uma teoria clara, e, nessa teoria, deve existir o estudo a
respeito do aluno, da criança, em que fase se encontra, o que tu podes explorar em cada fase. Esse
estudo existe. Daí, Fernando Becker citou o caso, se eu estou trabalhando volume e o aluno não
entendeu, devo me questionar em que idade está esse aluno e por que ele não chegou a
compreender. Pode acontecer de ele ter uma idade em que jamais vai compreender a idéia de
volume, pela idade que ele tem, ou até, passada a idade, não ter a compreensão, pois faltaram
estruturas anteriores a isso. Pois, na verdade, esse curso trabalha a origem do conhecimento.
Muriel:
Eu entendo como uma listagem de conteúdo com uma metodologia.
Bibiana:
Eu até fico pensando se a metodologia está ou não está, quando eu falo em currículo... Se eu tenho
uma listagem de conteúdos e eu tenho a forma como isso é distribuído, eu tenho uma metodologia,
mas o conteúdo era o mesmo. Se eu pensasse em currículo, eu colocaria a metodologia junto? Eu
tenho uma metodologia aqui; tive outra metodologia em outra escola, e o conteúdo era o mesmo
trabalhado na 7ª série.
83
Laura:
Eu acho que não para separar currículo. Acho que ele aborda tanto os conteúdos quanto a
metodologia. Até a tua própria metodologia vai levar a forma de desenvolver esse conteúdo. O próprio
currículo não é aquele conteúdo, aquela listagem que está ali, mas a forma como vai desenvolver
a metodologia vai mostrar como o currículo é. Duas escolas podem ter a mesma listagem e ser
completamente diferentes, porque o modo como é desenvolvido é completamente diferente. A
metodologia está dentro do currículo, sem discussão.
Gláucia:
Eu tenho pesquisado sobre esse assunto, e vários autores trazem falas sobre currículo como algo
que abrange mais do que conteúdo e metodologia. Inclusive, existe o currículo oculto quando a gente
“dá aula”, o discurso da gente, nós passamos as nossas vivências e as nossas teorias. Quando
falaste sobre teoria, é excelente isso, porque cada um de nós, na sua fala, passa as suas teorias às
vezes implícitas e suas histórias de vida. E o currículo é muito abordado, não como conteúdo,
como metodologia, mas como o próprio funcionamento da escola. A gestão está sendo considerada
como currículo.
O que influencia o nosso trabalho?
Laura:
Toda a comunidade escolar influencia. A nossa tarefa como professor, mas não só ela; a tarefa do pai
como pai para acompanhar este aluno; a tarefa do aluno; a tarefa dos administradores da escola de
organizar esta equipe, de fazer um trabalho conjunto, de discutir os problemas, de organizar junto às
soluções. Eu penso que o tem como desmembrar, concentrar numa só pessoa, num elemento
da escola ou em dois elementos, como aluno e professor, como responsáveis pela dinâmica de sala
de aula.
Gláucia:
Por isso que eu penso que o currículo não pode ser conteúdos e metodologia. O currículo é tudo
que também nos dá respaldo para o trabalho que estamos fazendo.
Laura:
A metodologia, tu vais seguir, dependendo do que é discutido na escola, a linha pedagógica da
escola.
Dentro desta metodologia, tu vais assumir uma determinada metodologia, de acordo com aquela dos
princípios da escola. A direção está embutida, os pais também. Na medida em que eles escolheram
esta escola, eles estão de acordo com esta linha pedagógica. Se a gente pensar, a metodologia e o
conteúdo estão aí. Se pensamos em uma escola tradicional, conteudista, a gente está seguindo uma
linha.
84
Bibiana:
Quando a gente fala de linha, estamos falando de uma forma mais ampla. Temos que pensar como
escola, e não posso pensar em linha da Matemática. Na realidade, é a linha pedagógica da tua
escola, porque, claro, nós temos alguns compromissos que temos que desenvolver.
Mas o que direciona o meu trabalho em sala de aula é a linha da escola, a maneira de desenvolver, a
maneira de trabalhar o compromisso que eu tenho com o livro, o que eu sei que as famílias estão
esperando que eu desenvolva, a quantidade de exercícios, a repetição de determinados exercícios,
mas é este o material que eu tenho. É o que eu tenho que valorizar, porque eles estão apostando
nisso. Eu trabalho muito em função... muito nesta linha desse grupo.
Mas o principal que eu vou trabalhar... hoje eu penso em cima daquilo que eu tenho.
Gláucia:
O que vocês pensam das suas práticas?
Bibiana:
Se eu for trabalhar de uma forma, diretamente com o material que eu tenho, sem trazer alguma coisa
a mais, por mais que o aluno teoricamente saiba por que está aqui se desenvolvendo esta exigência,
vai chegar onde ele e a família quer em termos de Ensino dio, em termos de vestibular, ele
desiste. Então, eu não posso pensar numa linha que não seja também pensando no vestibular.
Gláucia:
Mas será que, no Ensino Fundamental, os pais já têm esta preocupação com o vestibular?
Bibiana:
Já. Eu acredito que sim, mas não de uma forma explícita. Mas um dos motivos que fazem com que
eles busquem hoje esta escola é porque, de alguma forma, os professores que fazem parte deste
grupo, o conhecimento desses professores, da direção... O mesmo em termos de Ensino Médio em
termos de vestibular, o prestígio é grande. Por trás de nossa escola, existe um grupo atuante. Os
alunos cobram isto de forma diferente, de uma forma ou de outra. O que eu procuro fazer dentro dos
conteúdos é tentar buscar alguma coisa mais legal em termos de comunicação, alguma coisa neste
sentido para estimular o grupo que está em sala de aula, porque eu falar em vestibular para quem vai
fazer daqui a cinco anos... Eles, que têm 12 anos, não é possível.
Gláucia:
Eu não sei... Eu observo muito, na minha sala de aula, como os alunos estão desestimulados. Eu
sempre me questiono: será que não é o tipo de aula que eu estou ministrando, porque é uma aula
pouco contextualizada, que eu vou para o livro e desenvolvo os exercícios de forma mecanizada.
Repensando isso, atualmente, o que tenho procurado fazer é trazer algo novo. Naqueles momentos,
85
os alunos estão envolvidos. No momento em que eu estou trazendo curiosidades, procuro abordar
um pouco da história da Matemática, trago algo interessante e contextualizado. Esta é a parte em
que os alunos se envolvem. Como vocês vêem isso?
Muriel:
Eu acho que eles gostam quando entendem, mas, na Matemática, conseguimos ver bem isso na
série, em que muitos conteúdos são acumulados e não o entendimento dos alunos. Sendo assim,
vão fazendo os exercícios de forma mecanizada, sem entender nada. Conseguem resolver a fórmula
de Bháskara, mas não entenderam aquilo ali, falta maturidade. Aos poucos, vão perdendo a
motivação. Ninguém gosta do que não entende.
Gláucia:
Talvez seja o momento de a gente repensar a nossa prática, o quanto nós estamos contribuindo para
que isso continue assim.
Muriel:
Isso também.
Gláucia:
Eu observo que os alunos gostam da gente; afinal, somos boas pessoas. Os alunos gostam de vir
para a escola, mas não gostam das aulas. Eles gostam do social, do significado que a escola tem.
Bibiana:
Concordo. Daquilo que os alunos entendem, eles gostam. Preocupa-me o que ouvi quarta-feira nesse
curso que estou fazendo de método clínico de Piaget. Foi dito que temos sempre que partir de onde o
aluno está, porque surgem essas lacunas. No grupo, tem aquele que está superestimulado, pois este
compreende além daquilo que estamos imaginando, são aqueles que voam. Existe o grupo que está
contido, ou seja, que acompanha. Mas existe um grupo que não chegou ainda, e s estamos
puxando junto com o outro grupo. Eu tento buscar uma forma de incluir esse pessoal que tem essa
dificuldade e tento enxergar onde está a dúvida e partir daí, mas, às vezes, o tempo, a dificuldade, o
número de alunos por sala, a quantidade de conteúdos, começo a listar e são várias coisas que
interferem, que fazem com que tu saias de uma sala de aula dizendo que não consegue partir do
conhecimento do aluno. A teoria diz que tem que partir de onde o aluno está, formar estruturas.
Gláucia:
Nós precisamos de condições para trabalhar, mas nossa tomada de consciência faz com que
resolvamos alguns problemas e reflitamos.
86
Laura:
Uma das possibilidades é o nosso plantão. Mas é aquela questão, quem vai identificar essa lacuna.
Nós não temos condições de identificar por uma lista de condições que a gente não consegue lidar
com a adversidade de reconhecer todo mundo. A gente vai acabar reconhecendo pela nota. Falando
de nossa escola, a gente convida esse aluno para vir ao plantão, mas tem uma questão que não é
apenas do professor, é uma decisão compartilhada da família, do professor e do aluno, e aí seria uma
possibilidade de trabalharmos essas lacunas na nossa escola. A possibilidade existe, e eu acho que
deveria ter um intercâmbio maior, talvez se houvesse um registro. O número de alunos é grande, a
linha pedagógica da escola é essa e o plantão abre para solução das lacunas desses alunos.
Eu acho que uma grande questão em termos de currículo que podemos discutir é a quantidade de
conteúdos. Há necessidade de vermos tudo isso? O número de conteúdos que se vê, pensando em
todos do Ensino Fundamental e a importância real daquilo. Vamos discutir o que é ou não importante.
Daqui a pouco, pode parecer utópico, mas, pelo menos para os objetivos, digamos assim, da escola,
contemplando o que a escola, digamos, se compromete, com a aprovação no vestibular, claro que a
gente vai ter que encarar os conteúdos que estão nessa lista. Mas também conteúdos que nós, como
grupo de professores, discutimos e decidimos, como grupo da escola, que são importantes para ser
trabalhados; digamos que até não estejam vinculados à aprovação do vestibular, mas que a gente
acha que são importantes para o pensamento gico. A conseqüência disso será o corte de alguns
para poder desenvolver melhor outros, para podermos sanar lacunas.
Bibiana:
Numa reunião do Ensino Médio, foi colocado por um colega que, no conteúdo de produtos notáveis,
não precisaríamos abordar o cubo. Algumas vezes, não sabemos o que é cobrado no vestibular. Por
isso, quanto mais existir comunicação entre os professores daquilo que vai ser exigido depois, não
de acordo com o meu pensamento, mas com o pensamento do grupo, como é importante eu saber
que eu não preciso aprofundar determinados conteúdos.
Gláucia:
Quando trabalhamos com muitos conteúdos, o trabalho não é bem feito, o momentos muito
superficiais. No Ensino Fundamental, é importante o aluno entender o que está aprendendo para que
ele veja significado. Um problema grave na Matemática é o distanciamento da geometria.
Muriel:
Na série, não tem geometria e, na série, é vista no final do terceiro trimestre, com noções
retomadas no desenho geométrico, mas, digamos que seja necessária uma noção na série, até
para podermos trabalhar com as medidas. Na pré-escola, são dadas noções de geometria. Tem
coisas em que há excessiva mecanização, e perdemos outras coisas.
87
Bibiana:
A linha que nós desenvolvemos aqui, quando se inicia um conteúdo, se sente responsabilidade,
naquela série, de trabalhar de uma forma extremamente detalhada todo aquele assunto. Se
começares na 5ª série com frações, tu vais trabalhar um trimestre com aquilo. O aluno está por aqui,
e tu também, mas tu tens o compromisso, desde o conceito até a última expressão numérica
envolvendo todas as operações, mais os problemas de aplicação, ou seja, ele sai doutor em frações.
O que eu vi nos Estados Unidos é que eles trabalham todos os conceitos desde a pré-escola. Eles
não aprofundam, na série, frações equivalentes ou operações, mas o aluno sai da escola
entendendo as placas de trânsito. Eles trabalham decimais, porque eles falam de dinheiro, são
estimulados a entender os meros decimais, trabalhando com moedinhas. Eles não fazem cálculos
imensos, eles enxergam o que existe. Onde eu morava, a temperatura era baixíssima, então, os
números negativos, era o que ouvíamos. Eles pegam exemplos, e a criança vai aprendendo o que
existe, sem aprofundar. Na 2ª série, reuniam-se garrafas de refrigerantes de meio litro, sempre
envolvendo o conceito, mas não aprofundando.
Laura:
Essa idéia é interessante – não saturar em um determinado momento.
Gláucia:
A geometria é iniciada na pré-escola com o lúdico e muita tranqüilidade. Esses conceitos são
desenvolvidos espontaneamente, pois o que acontece conosco não é de um professor para outro. Ao
retomarmos determinado conteúdo de uma série para outra, é como se nosso aluno não tivesse
aprendido nada. A culpa é do professor da série anterior? Claro que não, pois muitas vezes esse
professor leciona nas duas séries. Mas algo não ficou claro. Não será pela superficialidade que
desenvolvemos os conteúdos?
Laura:
Eu acho muito interessante essa idéia que tu trazes, trabalhar os conteúdos à medida que eles vão
aparecendo, na medida... De acordo com as estruturas cognitivas, com sua idade, e o saturar, que
talvez essa distribuição não esteja correspondendo a isso, que é um processo de ida e volta.
Bibiana:
Pegando os números decimais, temos um compromisso, naquela fase, com aquele aluno. Quantas
coisas podem estar acontecendo, mas a chance de ele aprender números decimais, geralmente na 5ª
série, caso ele não consiga concluir, fica para o início da série, mas exigência para o conteúdo.
É claro que nós abrimos algumas janelas, vamos retomando, mas não é de uma forma suave, natural.
A gente força a relembrar os pré-requisitos como algo já visto. Como tu dizes da geometria, a questão
do material concreto, a gente está numa fase com eles numa idade em que eles precisam enxergar,
88
em um primeiro momento, enxergar o que vai ser trabalhado. Podem ser coisas simples, como uma
fita métrica, para trabalhar medidas... Tu estás trabalhando estimativas; tu, com a fita métrica, tu
enxergas.
Gláucia:
Embora nós tenhamos um modelo de escola mais tradicional, tem algumas coisas que nós podemos
inovar, pois fazem parte da nossa metodologia. O que é mais fácil? Se a escola tem essa linha
pedagógica, o faço nada para mudar. Se estamos com dificuldades em nossas aulas, devemos
procurar alternativas. Não receitas, mas podemos sempre ousar em prol de um ensino de melhor
qualidade. Atualmente, observamos que as salas de professores são salas de terapia profissionais
de primeira qualidade desmotivados, cansados e reclamando muito dos alunos. Sabemos que
falta de interesse por parte dos alunos, precisamos buscar alternativas para reverter esse quadro.
Bibiana:
Quero fazer um parêntese. Não é uma crítica a nossa sala de aula.
Gláucia:
Mas eu acho que a nossa sala de aula tem que ser criticada para que o trabalho seja repensado e
mais qualificado. O nosso bem maior é aluno. É fundamental discutirmos alternativas, ouvirmos mais
os nossos alunos e tentarmos envolvê-los mais.
Laura:
Na série, trabalham com o programa Poly no laboratório de informática, que é uma questão que
não é um concreto, mas, digamos, está no mundo deles, tem toda uma questão de construção e
desconstrução dos sólidos. Sobre as medidas, quando falamos no
2
m
, eu peço para usarem o jornal
e montarem o
2
m
. Eu tenho 34 alunos, e o que acontece? Eu cobro se todos fizeram o
2
m
. Eles
medem um por um; depois, recortamos para terem uma comparação de uma área para outra. Tem
toda essa questão de, na série, retomarmos a geometria muito pelas medidas; o pode trabalhar
medidas sem sair da geometria, e aí o concreto entra muito nas frações. O que eu tenho observado é
que todos os alunos aprendem a somar e subtrair frações com o mesmo denominador. Isso eles
trazem pronto, mas eles vêm saturados. Quando falamos em conjuntos naturais e racionais, eles se
dão conta de que são as frações, daí, eles dizem frações... Temos que trabalhar com isso de outra
forma no concreto de novo.
Gláucia:
A que vocês atribuem essa rejeição?
89
Laura:
Eu penso que estão saturados, porque esse é o um conceito importante, o trabalho com frações, ou
talvez tenha se exigido muito, talvez a forma de trabalhar.
Muriel:
Será que as frações devem ser dadas na série do jeito que são dadas? Que tipo de noção os
alunos de série têm de frações? Que operações que o aluno de rie desenvolveu? Tu achas
que um aluno de 5ª série entende de divisão de frações? Será que o aluno tem maturidade?
Laura:
A própria modificação, ali, a gente faz. O desenho do que é a metade de um terço, fazemos um terço,
vai lá, coloca a metade, a gente mostra pelo desenho. Um meio desenhado, um terço desenhado,
sobrepõe ali, mas isso tudo exige certa maturidade, que eu penso que eles o têm. Daí, fica uma
loucura, não ficou porque eles erraram, isso foi trabalhado. Tem a questão do material concreto. Eu
penso, não sei que são as estruturas cognitivas.
Muriel:
O problema da Matemática é a desorganização total, uma coisa absurda, de repente, tu vais ver
ângulos. Eu estou definindo ângulos no livro de série, e lá na 6ª série tem um problema que fala de
triângulo retângulo. Como é que vou definir ângulo depois de usar triângulo retângulo?
Laura:
Na 5ªsérie, quando tu vais falar de quadriláteros, tu pegas um quadrado e um losango. Para eles,
todos têm lados iguais, e as diferenças estão nos ângulos. Eles estão formando ali uma noção de
ângulos, isso foi trabalhado, e tu chegas para o teu aluno e não observas isso. Eu fico me
questionando, muitas vezes, até pelo trabalho que eu desenvolvo. Eu tenho uma hipótese, que é a
questão da argumentação. A gente fala muito, e o aluno fala pouco. O aluno faz muito, no sentido de
escrever, e ouve muito, ele fala pouco. Ele deveria tentar interpretar o que está fazendo à medida,
claro, que ele consegue falar. Eu estou falando utopicamente, porque eu sei que eu não consigo fazer
isso, não sei, é apenas para pensarmos. Eu penso que, quando a gente fala sobre as coisas, a gente
elabora melhor.
Gláucia:
Gurias, o quanto de espaço a gente dá para o aluno falar?
Laura:
Já vem de uma seqüência, tem que começar na pré-escola.
90
Gláucia:
Eu penso que é um exercício que temos que começar na série em que a gente está trabalhando. A
transformação que foi o início da discussão deve ser gradativa. Eu tenho procurado fazer isso nos
segundos anos, sempre buscando a participação e a criticidade ao introduzir um novo conteúdo. No
Ensino dio, o rigor é muito maior. Eu tenho duas aulas para dar” determinado conteúdo, P. A, por
exemplo. Eu posso tentar perguntar alguma coisa, posso tentar encaminhar alguma coisa. É difícil,
mas, no Ensino Fundamental, nós podemos.
Laura:
A forma que eu vejo de escutar e perguntar é fazer com que eles venham ao quadro e façam os
exercícios. Tudo bem, eu peço que eles expliquem, é um jeito, mas é um início. a gente vai
também na questão de discutir a Matemática no sentido do simbolismo da Matemática formal, que
diz por si própria que a linguagem da língua materna não vai conseguir compreender tudo o que
aquele simbolismo tem. Mas eu acho que a gente precisa dessa linguagem.
Gláucia:
Agora, me preocupa o seguinte: tu já vens fazendo isso, mas, quando os alunos param de participar?
Porque eu vejo que, na pré-escola, eles participam, eles participam o tempo todo. Todos os dias,
um envolvimento dos alunos com os professores. Em que momento essa participação cessa?
Laura:
Eu acho que é bem a questão da própria postura, do próprio professor, de ele não encarar isso como
algo que o deva ser instrucionismo, onde ele vai dar todas as instruções, ele vai pensar
logicamente sobre aquela questão, quanto melhor ele explicar, melhor o aluno vai aprender. Isso é
uma concepção. Agora, dentro do possível, se ele puder falar aquilo, ele vai entender o processo, ele
vai estar raciocinando.
Gláucia:
Será que não tem um momento em que o professor chega e explica e, se o aluno quer participar, ele
não é rotulado de chato?
Bibiana:
Eu acho que não, já é da própria idade e pela natureza, o aluno é curioso e se envolve. A criança, até
determinada série, participa muito. Na semana passada, eu entrei em uma conversa, foi um debate
muito interessante com a professora de Português. Passei uma idéia para os alunos de um termo que
aparece na Matemática, que alguns entendiam de uma outra forma. Eu disse: “vou explicar da forma
que entendo”. Eu nunca pensei que isso poderia ser uma dúvida com esse tipo de interpretação.
Quando eu conversei com a professora de Português, na hora, ela interpretou de outra forma. Eu
91
entro em sala de aula com uma responsabilidade de um conteúdo a cumprir, então, eu posso ficar
assim também, eu não posso dar o espaço que talvez fosse necessário, eu tenho que usar uma
balança. Eu dou o espaço naquilo que vai estimular, mas eu sei do compromisso que eu tenho e sei a
quantidade de conteúdos que eu preciso desenvolver.
Gláucia:
A preocupação é sempre a quantidade de conteúdos?
Bibiana:
Quantidade e equilíbrio. Entre uma coisa e outra. Se tu propões que o aluno participe, ele quer tudo
mais e pronto. Se o aluno tem a definição toda escrita, eu procuro retomar o que foi dado. Hoje, eu
peguei um exemplo de frações de série, e eles disseram série. Daí, eu disse, então, derie.
Um aluno perguntou por que eu estava dando isso. Eu disse: “se tu não entenderes isso, tu não vais
conseguir chegar aonde eu quero”.
Muriel:
O aluno quer saber como se resolve, e não entender o porquê. Os pais gostam de ver muitos
exercícios e sempre iguais.
Laura:
Eu acho que o próprio pai não sabe fazer diferente. Ele aprendeu assim e se sente culpado de dar
tudo. Eu já peguei professores reciclados, mas, mesmo assim, com o discurso diferente da prática.
Só se arrisca quando se tem convicção. Quando nos convencemos, para que tu adquiras essa
convicção, tu tens que tentar inovar.
Muriel:
Os pais querem que todo o livro seja dado, independentemente da importância dos conteúdos. É
importante que o grupo tente inovar, não apenas um professor. O professor tem que se proteger.
me aconteceu de eu não ensinar um conteúdo que eu penso que não tem importância, pois tenho um
monte de coisas para dar, mais importantes que isso, e vou passar adiante. Então, assim, os
exercícios do polígrafo, devemos ver todos... Quanto eu estou perdendo com isso?
Bibiana:
Eu concordo, porque eu sofri isso quando eu entrei aqui. Eu entrei tendo que desenvolver o que não
estava no nível da série, então, voltei de acordo com a metodologia que eu trabalhava e que
imaginei que fosse mais adequada, mas eu não conhecia o trabalho da escola. Os alunos resistiram
ao modo como eu estava dando os conteúdos, questionando, dando problemas. Percebi o quanto foi
difícil para eles e eu visualizei nas aulas a ansiedade, vi que eles não estavam motivados como eu
92
imaginava, encontrar as médias baixas... Eu vim em um sábado extra e resolvi tirar xerox do livro da
série para trabalhar o que havia faltado, usando a metodologia do livro, definição, problema,
exemplo e perguntas em cima daquilo. Existe uma cultura forte da escola. Nossos alunos apresentam
muitos problemas de interpretação e leitura.
Laura:
Eu já me dei conta disso, que, na própria 5ª série, o primeiro exercício da prova trimestral é V ou F. E
aí, são definições que eles precisam ler e interpretar. A gente, primeiro, constrói todo o conceito,
depois o exemplo, depois a gente fala com as palavras da gente e faz a leitura de como está no livro
para poder ver como foi abordado e se condiz com o que estamos fazendo. E aí volta a definição na
prova, e eles têm que interpretar. Então, eu sempre coloco assim e vejo que o índice é baixo de
acerto, mas eu continuo investindo nessa idéia.
93
APÊNDICE B - TRANSCRIÇÃO DA TERCEIRA REUNIÃO
Gláucia:
Eu fiz alguns apontamentos dos nossos encontros anteriores. Eu fiz o seguinte: eu levantei todos os
pontos positivos da nossa prática pedagógica. O que eu quero, na realidade, é que a gente procure,
nesse momento, ampliar isso. Como eu acho que estamos vivendo situações complicadas em sala de
aula, eu quis trazer o que eu vi de melhor do nosso trabalho. Claro que, em outro momento, eu vou
trazer os problemas. Eu procurei ter, em um primeiro momento, o que fazemos de bom, o que
funciona, e eu trouxe por tópicos.
Fomentar a participação dos alunos.
Procurar trazer algo novo.
Partir do conhecimento do aluno.
Quando os alunos entendem o significado do conteúdo, eles gostam.
Plantões de dúvidas como solução para as possíveis lacunas.
Promover mudanças gradativas.
Incentivo à autonomia do aluno.
Envolvimento da informática nas aulas de Matemática.
Incentivar o aluno a argumentar e a interpretar.
Ouvir mais os alunos.
Procurar alternativas para resolver problemas.
Contextualizar as aulas.
Criar um ambiente mais democrático.
Reflexão quotidiana da nossa prática pedagógica.
Eu acho que o nosso grupo está sempre preocupado em refletir. Quando saímos das aulas, sempre
fazemos uma autocrítica, conversando e dizendo quando a aula foi ruim, quando não funcionou,
buscando estratégias que envolvam os alunos. Isso foi o que eu vi nesses dois encontros, nas nossas
discussões em grupo. Eu gostaria que vocês falassem para nós tentarmos desvendar esse quadro. O
que funciona no nosso trabalho? Claro que, quando falamos do nosso trabalho, falamos também do
que não funciona, mas nós temos que procurar buscar um olhar de solução.
Laura:
Eu estou trabalhando, na série, aquela parte de divisibilidade, conjunto de múltiplos, de divisores,
então, eu selecionei vários exercícios para colocar na parte final do livro, que são os exercícios
complementares, e como tem ali 40 exercícios, todos com desafios. Então, eu pensei em desenvolver
uma atividade que não fosse individual em sala de aula, que fosse em grupo, de forma organizada.
94
Aí, eu coloquei a revisão desse conteúdo, usando esses exercícios na forma de gincana Matemática.
Como na série eles m essa diferenciação sexual de meninos e meninas, os meninos não se
misturam com as meninas, nós separamos a aula em dois grupos, meninos e meninas. Direita,
meninas; esquerda, meninos. O que acontece, eu digo, eu dou um tempo para eles fazerem as
atividades do 1 ao 5 do livro, e podem se ajudar. O que acontece, durante esse tempo, eles podem,
entre as meninas, se ajudar, eles devem, pois eu vou estar circulando para ver se tem algum colega
que está sozinho fazendo a atividade, então, eu estou circulando para ver se eles fazem. Terminou o
tempo, eles têm que parar. Então, um grupo cuida do outro. O que eu observo nessa atividade, que
não é uma atividade de simplesmente fazermos exercícios, tem toda uma motivação a mais, que é
uma motivação de equipe. No momento em que eles estão trabalhando ali, eles estão se ajudando,
pois vai ser sorteado um representante das meninas e um dos meninos, pode ser qualquer um, e o
objetivo que eles querem é conseguir aquele ponto. Então, eles se ajudam. Cada um poderá usar o
seu material. Todos têm que fazer, então, eles se ajudam para que todos tenham o seu material
completo, e a gente fica com o material completo porque todo mundo está implicado, porque daqui a
pouco eu posso ser chamado e o meu grupo o vai gostar de perder ponto. Todo mundo se implica
em fazer a tarefa, e assim tem funcionado muito bem. Eu tinha três aulas para fazer esses 30
exercícios de revisão que eu tinha previsto, e, em duas aulas, s acabamos, porque a gente
conseguiu fazer e funcionou. Eu tenho observado o quanto eles estão discutindo. Um fica olhando o
erro do outro e dizendo tu estás errado”. Eu acho bem interessante porque a motivação aumentou,
eles estão conseguindo. Claro que dificuldades. Nas primeiras vezes, eles burlaram as regras, do
tipo assim, teve três ou quatro que ficaram isolados. Aí, eu chamei a atenção, eu disse que o grupo
seria penalizado, que poderia fazer a tarefa, mas não ganharia o ponto, pois não se ajudaram,
porque nem todos estavam fazendo a tarefa, pois a equipe dos meninos deveria fazer tudo. Depois
que a gente corrige no quadro, o tem tempo para fazer, eu coloco a pontuação e eles corrigem no
livro. Então, eu achei que foi uma forma dinâmica, eles estão supermotivados e perguntam “hoje tem
gincana?”. Eles fazem as tarefas que eles querem, é simbólico aquele ponto, mas motivou. Nós
vamos fazer a gincana até o fim do ano para ver quem ganhará, meninos ou meninas. Também foi
uma escolha deles, meninos e meninas. Eu já tinha pensado nisso por experiência de ter feito
gincana em outros anos, mas eu fiz em alguns momentos, eu não fiz seguido. Nós estipulamos um
período por semana, e tem sido um período muito produtivo em exercícios, pois eles estão fazendo,
estão implicados. Eu acho que trabalhar em equipe é muito importante hoje em dia, pois tu tens que
trocar. Eu acho que é uma formação a mais que a gente pode trabalhar dentro da Matemática... O
quanto eles se dão conta de erros que eles cometeriam sozinhos, ouvindo o outro, porque eles têm
que discutir. Existe um espaço e um tempo para eles discutirem entre eles. Foi dada uma motivação
simbólica, que é aquele ponto ali. De repente, até a escola poderia dar uma premiação para a equipe
vencedora, vamos ver, até o final do ano tem tempo, mas é uma coisa que, em sala de aula, tem
dado certo, tem motivado.
95
Gláucia:
É uma estratégia motivadora.
Laura:
Motivadora, formadora e também educativa, não trabalhar individualmente. Muitas vezes, a gente
distribui a folhinha de exercícios, algo monótono e sem motivação.
Gláucia:
Tu farias esse mesmo trabalho na 7ª série?
Laura:
Eu não experimentei, não fiz gincana na série. Pelo conhecimento que tenho deste ano, que é a
primeira vez que trabalho com 7 ª série, eu não colocaria, porque tem uma questão, assim... Na faixa
etária da série, eles ainda têm muito esse vínculo entre eles, essa amizade entre eles, que vem
da 4ª série. na 7ª série, tem muito daquela coisa de contrapor, de brigar, qualquer motivo seria um
motivo para... entendes? Não sei, talvez sejam receios meus. Eu não tenho dados concretos. Eu não
fiz essa experiência, estou falando em um “achismo”. Eu acho até que se teria de pensar, mas, pela
experiência que eu tenho até agora, de meio ano, eu não arriscaria.
Gláucia:
É porque, até para a gente lançar uma nova estratégia, nós temos que ver o público, pois um trabalho
que dá supercerto em uma turma, para outra, pode ser um caos.
Laura:
Eu fico super contente, pois eles esperam ansiosos, é superinteressante, e foi uma estratégia que
deu muito certo. Eles ficam muito empolgados. Quando eu chego, eles já estão organizados Então, tu
vês que, quando existe interesse, como existe a motivação, como existe a organização, como existe o
empenho. Às vezes, é difícil nós pegarmos isso.
Gláucia:
E uma questão que nós colocamos em muitas reuniões é que os alunos têm a cultura da nota, e nós
incentivamos isso. Nesse teu trabalho, eles não questionaram quanto vale?
Laura:
Não, porque eles vão ganhar algo. Talvez, na 7ª série, eles perguntassem: “o que isso vai
acrescentar na minha nota?”. Mas, na série, o fizeram isso porque um ganho para eles,
talvez por estarem nessa faixa etária.
96
Gláucia:
Que bom para nós, enquanto professores, rompermos com essa cultura de quanto vale, porque nós
lutamos muito quanto a isso.
Muriel:
Talvez essa mesma turma, na 6ª série, já tenha outro posicionamento.
Gláucia:
Eu, na série, percebo o seguinte: disposição ao trabalho diferenciado. Normalmente, os alunos
estão muito motivados. Eu acredito que os alunos estejam muito cansados do nosso modelo de aula.
Claro que eu também sempre questiono isso, o número de alunos por sala, a nossa estrutura de
escola, a nossa organização, o modelo pedagógico, a gestão... Tudo compõe o nosso trabalho,
então, na realidade, nós remamos contra a maré, mas funciona.
Laura:
Uma coisa que eu achei muito interessante, além de eles discutirem, os erros, além de responderem
no quadro, não a pergunta do problema, pois eles estão começando a se dar conta de que é
importante ler, voltar à pergunta, se preocupar em responder o que está sendo perguntado.
Superimportante para os nossos alunos é ler o enunciado e trabalhar isso, então, eu estou bem
contente. Acho que dá para aplicar na 6ª série, pois eles já têm uma experiência de gincana.
Gláucia:
Eu proponho alguma atividade, eles se organizam. Nós fizemos um estudo sobre gráficos em que
eles poderiam pesquisar o que eles quisessem. Eu fiquei impressionada com a criatividade. Fizeram
levantamento de dados em condomínios. Se o trabalho parte do interesse deles, eles já vêem com
outros olhos claro, fizeram gráficos representando esportes, comida, grupos musicais. Eu acho
também que temos que valorizar o interesse deles, e funcionou muito bem. É uma pena que nós
tenhamos sempre essa rigidez do tempo, do conteúdo. A própria reformulação do currículo seria
muito importante, pois tem conteúdos que nós o temos justificativas para abordá-los naquele
momento.
Muriel:
Os professores da Universidade o têm idéia do que é trabalhado com os alunos. Então, eles dizem
“vamos demonstrar a irracionalidade da raiz quadrada de dois a partir da idéia do teorema de
Pitágoras”, a demonstração clássica. Só que eu questiono: será importante demonstrar isso aos
alunos? Os professores da universidade acham importante nós demonstrarmos isso. De fato, eu acho
que algumas coisas nós deveríamos mostrar mais, mas do jeito que o currículo está desorganizado,
como é que eu vou fazer números irracionais na série, teorema de Pitágoras na série. Eu não
97
posso usar aquilo, eu dou uma idéia daquilo que eu vou precisar. Isso, na realidade, é mais uma
coisa que eles decoram e não entendem, tanto é que alguns colegas aplicaram questionários nas
turmas deles, de ano, perguntando o que é um número irracional. Ninguém sabia. Essa é a
realidade, porque eles não entenderam quando estavam na série, eu me pergunto... Eu não sei se
é ou não é. Será que está apropriado para aquela faixa etária aprender aquele conteúdo? Eu sempre
penso nas etapas do Piaget, eu sempre me pergunto: será que aquele conteúdo está apropriado para
aquela idade?
Gláucia:
Será que a maneira como é apresentado determinado conteúdo é adequada para aquela idade?
Laura:
O que vemos são problemas curriculares, coisas que não têm necessidade de ver. É uma coisa que
uma das minhas professoras do mestrado, que está envolvida com a reformulação dos PCNs... Ela
está envolvida com isso... Alguns conteúdos que eles estão pensando em tirar, binômio de Newton e
números complexos, completamente sem significado para eles. Eu acho que, de repente, enxugar e
abordar melhor alguns conteúdos, conseguir demonstrar alguma coisa... Não adianta darmos um
monte de conteúdos e não conseguirmos dar nada direito.
Gláucia:
Eu acho que a gente ainda se preocupa muito com a quantidade de exercícios, e a qualidade deixa a
desejar. Qual é a nossa preocupação? Terminarmos o conteúdo. Nós somos cobrados pelas
instituições que o conteúdo seja todo dado, mas a metodologia é nossa. Se pudermos contextualizar
mais os conteúdos, os alunos irão aprender de fato.
Muriel:
Os conteúdos são cobrados pelos pais, que, às vezes, nem sabem do que estão falando.
Gláucia:
Não podemos deixar um capítulo sem ser visto, mas se essa é nossa realidade, vamos priorizar o que
é mais importante.
Muriel:
Deus nos livre, não vermos um capítulo.
Laura:
Eles enlouquecem. Na série, nós estamos muito bem. Eu botei o maior número de conteúdos no
livro 1. Comparando com o segundo, s estamos no final, faltam três partes, então, faltam fatoração
98
de primos e m.d.c, que eu não quero atropelar. Estão bem, indo bem... Se não der para concluir, s
retomamos após as férias. Eu sei que o outro livro é menor. Mas é um exemplo de mãe é que vai ser
ouvido. Eu tenho preparado os alunos. Se faltar alguma parte, será retomada, mas que não
problema algum, que está previsto para o segundo semestre para irem preparando os pais, porque
os pais são muito ansiosos e nos culpam de sermos tudólogos, de querer dar tudo, querer ver tudo.
Mas existe uma exigência por parte das famílias que se cumpra esse tudo, a gente sente diretamente.
Gláucia:
Algumas vezes, eu me sinto incomodada quando elementos externos se intrometem no trabalho da
gente.
Muriel:
A gente não se intromete na receita que um médico dá.
Gláucia:
Se nós estamos trabalhando aqui, é porque a escola confia no nosso trabalho e aqui nós estamos
para contribuir e somar. Nós queremos que os alunos aprendam, que construam os seus
conhecimentos. A gente quer mediar o trabalho da melhor maneira possível. Ninguém é contra
nada... Daqui a pouco, tu ficas em uma situação em que tu te chateias pela forma como são feitos
alguns encaminhamentos. O importante de ser professor é não perdermos a paixão, querer que
certo.
Muriel:
Eu acho que os pais adolescem com os alunos, então, os alunos, na adolescência, pela 7ª série,
acham que a gente está e não gosta deles, que nós estamos para prejudicá-los. Isso nós
entendemos que um aluno de série pense porque a gente já passou por isso e sabe como é que é.
A gente entende, mas, para os pais, eles também acreditam naquilo ali, também eles não se dão
conta. Hoje, um aluno me disse, de 8 ª série: “nenhum professor gosta de mim”. “Tu estás muito
enganado, tu achas que eu vou perder o meu tempo não gostando de ti. Tu achas que eu vou perder
o meu tempo... Vou dizer uma coisa para vocês, quando a minha mãe morreu, o único lugar em que
eu estava bem era quando eu estava dando aula para vocês na sala de aula, era o único lugar onde
eu me sentia bem. Para vocês verem como a gente gosta de vocês, isso é bobagem de vocês”.
Quando tu chamas a atenção de um aluno, é porque tu te preocupas com ele, não é para puni-lo. Um
adolescente achar que é punição, eu entendo, mas um adulto, eu não consigo entender. Isso é o
problema, os pais adolescerem junto com os filhos.
99
Gláucia:
Eu sempre digo aos alunos: “quando eu fizer alguma interferência contigo, é porque eu estou
acreditando ainda; o problema é quando eu não falar mais nada”. Porque eu acho que, no momento
em que tu estás investindo no aluno, tu estás esperando que ele melhore a postura, mude. Melhor do
que ser indiferente a ele. O quanto a indiferença na nossa profissão é triste. Em algum momento, tu
vais ser indiferente a algum aluno, e isso é triste.
Muriel:
Às vezes, a gente nem conhece muito bem os alunos da gente. No meu caso, com carga horária de
um período por semana, os da 7ª série já tinham sido meus alunos antes, eu não os conheço. Tu não
conheceres os teus alunos, isso é difícil. Quem é o teu aluno?
Gláucia:
Eu acho que a gente peca por isso também. Nos momentos em que deveríamos discutir isso em
conselho ou em algum momento de escola, que é o momento em que tu podes conhecê-lo mais. Não
que tu vás justificar determinados comportamentos, mas até pra compreendermos melhor a situação,
para termos um olhar mais atento, e nós não fazemos isso.
Muriel:
Poucas vezes, quando nos chamam a atenção, nós corremos atrás, o que deveria vir de cima, olhem
o fulano de tal...
Laura:
Nós deveríamos compartilhar o outro saber do aluno. Esse aluno não é só cognitivo, tu o vês como só
cognitivo. As pessoas m outras faces. Eu acho que ele é uma pessoa com todas as suas
dimensões e está em desenvolvimento.
Gláucia:
O quanto, conhecendo um pouquinho desse vários lados, tu consegues até fazer com que o teu aluno
se mantenha, se controle mais, pois é uma questão de controle, porque nós vivemos em uma
sociedade muito doente.
Laura:
E eles também, cada vez mais solitários.
Gláucia:
Famílias solitárias, e nós não estamos podendo fazer muita coisa. Eu acho que, em um momento de
um pré-conselho e um conselho, a gente deveria discutir os casos; os números dos pareceres podem
100
ser passados em outro momento, até por escrito. Eu acho que ter um olhar para entendermos melhor
a dificuldade dos nossos alunos contribuiria muito no nosso trabalho.
Muriel:
É impressionante, a sala de aula é o primeiro lugar onde aparece. Tem alunos que tu notas
imediatamente que aconteceu alguma coisa com a família, de uma hora para outra. Não é aquela
coisa da idade. Isso tu também notas, mas quando acontece isso, tu notas que todo o grupo muda,
assim é notório.
Laura:
Por exemplo, a Florença era uma aluna da série que era superamiga da Ruth; as duas eram
excelentes alunas. Então, houve um desvio aí, de tal forma que a Florença fez amizade com a Kia e
se desviaram de não se implicarem nos estudos, fora do grupo da Ruth, grupos opostos, ela terminou
saindo da escola agora. A gente percebe que é algo da família, que no nosso conselho não foi
tratado, pois ninguém passou nada, e tu és o profissional que trabalhas com isso, e daqui a pouco tu
pensas essa aluna evadiu, então, tu ficas chateado.
Muriel:
Essa menina está com problemas que o são de hoje. Na série, os pais vieram falar comigo,
achando que eu era uma bruxa porque eles não estavam entendendo que, de uma hora para outra, a
Florença não gostava mais de Matemática. E eu disse: “eu não vejo problema nenhum com a menina,
ela tem notas normais dentro do padrão de normalidade, não é uma aluna que me preocupe, que me
chame a atenção”. Isso era uma coisa que já estava vindo, ela estava desanimada, mas faz um
ano, e nós poderíamos ter detectado antes. Essa não é a primeira menina a sair desse grupo; a outra
menina foi a Rebeca.
Gláucia:
O professor, na sala, enxerga tudo. s temos uma percepção do que está acontecendo com cada
um dos alunos. O que eu observo hoje é que o ambiente está muito complicado em sala de aula
porque nós estamos com pouco apoio nas instituições de modo geral. A gente entra e fecha a porta e
administra tudo, e é difícil. Vivemos momentos bem complicados, falta de limites e respeito. O aluno,
de certa forma, está te pedindo ajuda. No momento em que tu ages e tu conversas, tu consegues
alguma coisa. Mas também nós temos pouco tempo, tu sais dali correndo para outro período. Eu
acho que a gente desqualifica o próprio trabalho.
Muriel:
Uma coisa que, voltando para questão de currículo... Por que não fazem com a Matemática, com a
questão do vestibular, porque, na verdade, os PCNs, ninguém lê... Então, para mim, é uma questão
101
de perda de dinheiro e de tempo, enfim. Eu tenho uma professora na UFRGS que é muito minha
amiga e que foi minha orientadora na graduação. Ela trabalha com os PCNs. Eles fizeram uma
enquête no grupo do mestrado, de 20 alunos, sobre quem tinha conhecimento dos PCNs. A
professora perguntou quem leu os PCNs, e responderam quatro pessoas. Estamos em um grupo de
20 pessoas interessadas em educação, e cinco ou seis leram de fato. Ninguém por que os PCNs
não acham importantes determinados conteúdos. O primeiro questionamento, se vai ser tirado tal
conteúdo do vestibular... Quem rege o vestibular são as universidades federais e públicas... Por que
não fazem com a Matemática, privilegiando certos conteúdos... E daí tu podes fazer como a
Literatura. Na Literatura, fazem isso, agora pedem que se leiam determinados livros.
Gláucia:
O quanto do grupo que faz essa coordenação está disposto a sentar e retomar isso? Principalmente
nas universidades federais, um grande descontentamento de ordens múltiplas, inclusive
financeiras. Muitos dos profissionais dessa área não estão dispostos a discutir e rever os currículos.
Muriel:
Sobre o currículo, eu me interesso por essa reestruturação, porque eu acho que o currículo tem que
ser reformulado. Mas eu penso que esses professores da universidade nunca entraram em uma sala
de aula de Ensino Médio e Fundamental. O que eles querem discutindo currículo? Eles precisam
discutir a parte acadêmica, tudo bem, eu acho importante, mas eles têm que trazer para o grupo a
discussão em sala de aula de quem leciona nos Ensinos dio e Fundamental, que estão vivendo a
realidade do mundo. Uma coisa é tu dizeres que tu vais fazer uma coisa legal, uma coisa é tu teres
idéias, e outra coisa é tu teres condições. Tu sais bem de uma aula quando tu consegues fazer uma
coisa, um trabalho legal, porque normalmente não dá. Quando certo, que legal, mas não uma
questão de papel, é de realidade. Todo mundo agora fala da informática. Eu até trabalhei com isso na
graduação, mas quando eu vi que informática... Trabalhar com 30 alunos em sala de aula, quantos
computadores tu vais ter que ter?
Gláucia:
Para tu trabalhares com informática, com turmas grandes, tu tens que ter o material adequado, gente
especializada para auxiliar. Os próprios professores desconhecem. Eu comecei a me interessar no
mestrado, pois havia necessidade.
Muriel:
Por exemplo, o Cabri, uma colega do mestrado, olha a dificuldade. Trabalhou com o Cabri no
Farroupilha, fora os horários de sala de aula. Eram grupos menores de cinco alunos, se eu não me
engano, e dois professores, e eles não davam conta. Tu precisas de alguém que entenda de
geometria, e não apenas informática.
102
Gláucia:
Não adianta também qualquer um fazer um trabalho sem objetivo para dizer que está sendo feito.
Muriel:
Para fazer aquilo dali até, não é assim. Eu disse tudo isso no mestrado, mas ninguém me ouve,
porque todos estão muito fora da realidade. E eles reclamam, porque eles criaram esse grupo, e outra
dificuldade é o pessoal do bacharelado... Porque os professores da licenciatura queriam ter aula no
mestrado, mas não tinham o mero suficiente de doutores, então, precisavam o apoio da
Matemática pura, que não queria apoiar porque existe preconceito entre uma e outra. Os professores
acham ruim como os alunos têm entrado lá, pois, na disciplina de cálculo, tinha alunos que rodavam
até seis vezes. Eu cheguei a dizer: “bem, eu sou formada aqui, não era uma má aluna e eu saí dessa
universidade e estou achando complicada a disciplina que vocês estão dando”. Quer dizer que eu
estou vendo que é um problema da instituição aqui também. Estão formando que tipo de profissional?
Daí um professor que aula de Matemática pura para s reclamou que o filho dele voltou do
colégio com uma pilha de exercícios de rmula de scara para resolver, que achava aquilo um
absurdo. Eu fiquei pensando naquilo. Olha, aquele professor estava fazendo a mesma coisa... Deu
várias integrais iguais para nós fazermos, quer dizer, a mesma coisa.
Gláucia:
O que eu fico impressionada é que a gente sai da universidade, pois não nada de
contextualização e preparação para as aulas. Tu cais de pára-quedas em uma sala de aula, e nós
precisamos nos virar, e termina dando tudo certo. Fora os imprevistos, eu sempre me questiono o
quanto eu ensino e o quanto eu educo.
Muriel:
O problema menor é o conteúdo.
Laura:
Os nossos problemas são outros.
Gláucia:
O questionamento desse professor quanto a exercícios iguais é um. Agora, se tu não fizeres
exercícios, vêm as reclamações de que os professores não fazem exercícios. Eu acho importante
fazer exercícios, eu os faço muito, mas não sempre iguais. Quando eu iniciei a lecionar no supletivo,
eu fazia muitos exercícios iguais. Isso fazia com que os educandos tivessem autoconfiança. Ainda
hoje, penso que exercícios os ajudam, mas gradativamente precisamos fazê-los pensar em suas
próprias estratégias de resolução.
103
Muriel:
É fundamental fazermos exercícios. Eu acho que tem que exercitar. Eu sempre digo a eles, mas têm
que entender. O importante do exercitar é naquele momento tu saberes usar.
Laura:
Existe o elemento memória, porque eu acho que tem memória na Matemática e muita. Por isso que tu
precisas exercitar, para que tu possas entender o processo à medida que estás fazendo. Tu vais
mostrando o teu entendimento, mas tu também vais memorizando. Tem mecanismos que tu tens que
memorizar, sim. E não é feio dizer memorização. Acho que se criou uma cultura de construtivismo
onde eu memorizar qualquer conteúdo é algo proibido e feio, e não é isso. O que seria da gente se
não fosse a memória? Eu acho que, para qualquer conteúdo que tu fores desenvolver, tu precisas da
memória, tanto é que tu vais buscando aqueles conhecimentos que tu tens memorizados.
Memorizar não significa que tu não entendeste – entendeu, memorizou e assimilou.
Gláucia:
A questão também é o quanto a gente assume essa questão da memória. Mas um exercício é
fundamental, a memorização como processo...
Laura:
A memorização como processo, de todos aqueles passos que tu vais dar. Cada passo, tu vais
entender por que tu vais de um passo a outro. Tem que ter o entendimento, mas tem que ter essa
memorização de passos. É uma outra memorização, diferente de outros conteúdos, como Ciências,
História e Geografia, que é uma memorização de dados.
Gláucia:
Mas eu acho que o pior é a própria questão do significado. Que significado tem aquele conteúdo para
o aluno? Mas a questão da universidade é que alguns professores são muito teóricos, e suas
práticas são muito dissociadas de suas teorias. Assim como alguns pedagogos que querem nos
ensinar a dar aula... É muito complicado... Quem está fora do contexto não tem a visão correta,
muita imprevisibilidade em sala de aula.
Muriel
Olha só. Às vezes, ao tratar de amenidades, para dar recados, os alunos não se interessam. A
própria coordenação tem dificuldades com os alunos.
Laura:
Não conseguem dar um recado.
104
Muriel:
Para falar amenidades, para combinar um horário, para falar dos interesses dos alunos... Imagina
nós, que estamos lá cinco períodos, cinco vezes na semana, trabalhando com a Matemática.
Gláucia:
Nós conseguimos fazer um bom trabalho.
Laura:
Com certeza.
Gláucia:
Nós administramos todas as situações e temos uma média de 40 alunos por sala.
Muriel:
Não é fácil. A minha cunhada trabalha no SOE de outra escola, ela trabalhava com os pequenos,
tudo bem. Ela foi transferida para o Ensino Fundamental, ela ficou apavorada e disse: realmente, eu
me abro para os professores, porque não é fácil”. Ela disse que, quando ia dar recados, ninguém
ouvia, daí ela se deu conta de que não é o professor que não é criativo, como ela pensava
anteriormente.
Gláucia:
E o pior é a falta de respeito. Eu penso que, se houve desrespeito a um colega, o desrespeito é ao
grupo de professores. Eu lembro um ano em que os alunos jogaram biscoitos em um colega, alunos
do terceiro ano. Eu lembro que ele comentou comigo na sala dos professores, muito entristecido. Ele
era um professor muito brincalhão, sempre contava piadas, mas, um dia, os alunos se acharam no
direito de brincar com ele e jogaram biscoitos nele de brincadeira. Quando eu entrei para dar aula
naquela turma, eu fiz um discurso, eu estava muito magoada com aquela situação. O colega, na
realidade, queria se fazer mais agradável, mais próximo dos alunos. Ele utilizava aquela estratégia
para que houvesse maior interesse nas aulas. Eu acho admirável, pois ele se expunha diariamente
ao grupo, coisa que eu não faria. E eu, conversando com a turma, eu disse que aquele desrespeito
não era apenas com ele, mas com todo o grupo de professores. Eu acredito que o grupo de
professores deva ser solidário, que tenha que ter espírito de equipe. E hoje eu vejo que pouco...
Colegas falam mal de colegas, aquele professor não consegue dar aula... Isso é muito ruim para o
nosso grupo, isso não vem acrescentar nada. São questões para o nosso trabalho que são
significativas. Nós fazemos um bom trabalho. Nós administramos situações muito complicadas,
alunos que são medicados, alguns alunos que não poderiam estar naquele ambiente e estão, e nós
mediando todas essas situações.
105
Laura:
Todos os problemas estão ali juntos.
Gláucia:
Fora isso, a questão da reorganização curricular, essa urge, porque o que s estamos fazendo nós
atropelamos. Quando tu vais retomar algum conteúdo, os alunos não lembram de nada. Daí tu
pensas: “mas foi o fulano que deu esse conteúdo”, eo muitas vezes foi tu que deste. E mesmo que
não tenha sido tu, nós não podemos criticar o trabalho do outro. A ética é fundamental no nosso
trabalho.
Muriel:
Cada professor tem a sua metodologia.
Gláucia:
Tu não sabes as condições naquele momento. Às vezes, tu estás “dando”, como os guris do Ensino
Médio dizem, como autista, tu estás ali, falando, e os alunos nem aí. E, às vezes, tu tens que ser
pouco democrático. Eu, muitas vezes, chamo a atenção, peço que fiquem quietos, é uma forma que
tu tens de segurar um pouco o grupo. Na realidade, a gente que muito dos pontos positivos do
nosso trabalho é o acreditar, querer que dê certo e tentar fazer um trabalho digno. Esse trabalho da
gincana é uma excelente idéia que nós podemos expandir para a 6ª série.
Laura:
Tu podes fazer um dos que os alunos gostaram, que eu já fiz isso na 5ª série, para eles poderem
construir a gincana Matemática da série, porque é um processo de se escutar. Tu vais sentir esse
processo democrático.
Muriel:
Na 7ª série, que começa a complicar, todos os anos os alunos reclamam dos professores de
Matemática.
Gláucia:
Os alunos, quando começarem a entender o significado do que está sendo aprendido na 7ª série, não
vão reclamar mais, pois vivemos numa sociedade em que os educandos têm acesso a muitas
informações. Precisamos envolvê-los e partir dos seus interesses. O currículo escolar é para o aluno.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo