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Jane da Rosa Defrein Lindner
A PARTICIPAÇÃO DOS USUÁRIOS DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL NAS ASSEMBLÉIAS DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO DA
CIDADE DE INDAIAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social – Mestrado, da
Universidade Federal de Santa Catarina, como
requisito parcial para a obtenção do título de Mestre
em Serviço Social.
Orientadora: Prof.ª Drª Heloísa Maria José de
Oliveira.
Florianópolis/SC
2005
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Aqueles que me deram a vida:
Maria Ivonete e Neri;
E aqueles que me dão sentido à vida:
Sara e Glauco.
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AGRADECIMENTOS
Ao Glauco, que compartilhou de mais este desafio, que me apoiou e colaborou muito
durante este período.
À Sara, que chegou e alterou todo o processo. Seu sorriso me inspirou nos
momentos finais deste projeto profissional.
À Professora Heloísa por ter acreditado nesse empreendimento, com quem muito
aprendi. Obrigada pelo incentivo, apoio e amizade.
Às professoras, Lígia Lüchmann e Ana Maria Baima Cartaxo, que compuseram a
Banca de Qualificação pelas sugestões realizadas.
Ao Departamento de Orçamento Participativo da Prefeitura de Indaial, na pessoa de
Claudiomir Paveukieviz, pela disposição, paciência e entusiasmo em colaborar com
este trabalho.
Ao Departamento de Desenvolvimento Social, na impossibilidade de mencionar
todos que contribuíram para a efetivação desta pesquisa, deixo meu agradecimento
sincero à diretora Márcia e aproveito para estendê-lo aos demais profissionais.
Aos usuários da política de assistência social de Indaial que se dispuseram a
colaborar e contribuir com este trabalho.
À Coordenação e Secretaria do Curso de Pós-Graduação, pela permanente
disponibilidade em prestar informações e auxiliar-me durante o Curso.
RESUMO
O objetivo central deste trabalho é analisar a participação dos usuários da política de
assistência social nas assembléias do Orçamento Participativo da cidade de Indaial.
Desta forma, os sujeitos privilegiados de nossa pesquisa foram os usuários da
assistência social, os quais procuramos caracterizar apontando quem são e o seu
lugar na sociedade, a partir da discussão sobre a categoria da pobreza e sua
relação com a assistência social, política que atende historicamente os segmentos
mais pobres da sociedade. Partimos da premissa de que esses usuários se
encontram numa situação de pobreza tanto material quanto política, condição esta
que, aliada à cultura clientelista e pouco participativa da sociedade brasileira, se
constitui em fatores condicionantes e obstacularizantes quanto à inserção destes
sujeitos nos espaços de participação. Neste sentido, interessou-nos identificar se
estes fatores também se fazem presentes no âmbito do Orçamento Participativo -
OP, considerado uma experiência participativa de discussão do orçamento público
implantada na cidade de Porto Alegre/RS em 1989, decorrente do surgimento de
experiências de gestão democrática na década de 80, a partir do processo de
democratização da sociedade brasileira. Escolhemos o OP como espaço de análise
por apresentar elementos em seu desenho institucional, os quais estão relacionados
diretamente aos interesses das camadas mais empobrecidas da população, a saber:
o princípio de inversão de prioridades na medida em que prioriza a destinação de
recursos públicos para as áreas da cidade com maior carência de bens e serviços
públicos; e a ampliação da participação a partir de um desenho institucional que
possibilita a inserção de toda a população da cidade nas suas diversas instâncias
(assembléias, fórum de delegados, conselho). Assim, definimos como modo de
investigação um estudo de caso, onde tomamos como referência a cidade de
Indaial, na qual a administração municipal implantou o OP no ano de 2001. Indaial é
uma cidade considerada de pequeno porte (menos de 50.000 habitantes), situada no
Médio Vale do Itajaí. No estudo de caso procuramos analisar a participação dos
usuários da política de assistência social nas assembléias do OP, a partir de uma
pesquisa de campo com estes sujeitos.
Palavras-chaves: pobreza, assistência social, usuários da política de assistência
social, democracia participativa, Orçamento Participativo.
ABSTRACT
The main objective of this work is analyzing the users’ participation of the social
policies in the “Participative Budget”, considering it as an innovative practice in the
Brazilian local public management, mainly in the city of Indaial – SC. The subjects
under research were users of a social assistance program and, in order to
characterize them, two questions were posed: Who are they and what are their place
in the society? Those questions were raised taking into consideration the discussion
about poverty and its relation with the social assistance policies which, historically,
serve the poorer segments of the society. In this study, we took into account that all
the subjects were in a situation of poverty, not only in material terms, but also
politically speaking, as a condition allied to cultural aspects in Brazilian society, which
added to conditioning factors are obstacles at the time of inserting those subjects in
the public participative spaces. So, this work aims at identifying if those factors are
present in the Participative Budget (PB), considered as a participative experience in
the discussion related to the public budget implanted in Porto Alegre city in 1989, as
a consequence of alternative forms of political participation and the raising of
experiences in the democratic Brazilian management in the 80s. The PB was chosen
because it presents elements in its institutional design which are straight related to
the interests of the poorer population such as: principles of priorities inversion, since
there are preferences for the destination of the public resources to the more
problematic areas of the city; participation and insertion of all population in different
instances (participative assemblies, delegate forums, counseling). Thus, we define,
as a modality of investigation, a study case taking as the main reference the city of
Indaial, where the PB was implanted in 2001. This city, located in Médio Vale do
Itajaí, is considered as a small one (less than 50.000 inhabitants) in Santa Catarina
and in the Brazilian context. In this case study, we try to analyze the users’
participation of the social assistance politics in the meetings related to the PB, in a
field research with those subjects in question.
Key-words: poverty, social assistance, users, participative democracy, Participative
Budget.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................1
1 OS POBRES, SEU LUGAR NA SOCIEDADE E A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL...............................................................................................................11
1.1 A POBREZA E SUAS REPRESENTAÇÕES.....................................................................................12
1.2 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E SEUS USUÁRIOS ........................................................24
2 O APROFUNDAMENTO DA DEMOCRACIA E O SURGIMENTO DE
EXPERIÊNCIAS DE GESTÃO PARTICIPATIVA: O CASO DO O.P..................43
2.1 DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO: CATEGORIAS FUNDAMENTAIS PARA O ENTENDIMENTO DO
PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA
.............................................44
2.2 O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: A AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO E A INVERSÃO DE
PRIORIDADES PARA ATENDIMENTO DAS CAMADAS EMPOBRECIDAS
. ....................................63
2.2.1 Origem e implementação do Orçamento Participativo........................................63
2.2.2 A relação entre o Orçamento Participativo e as camadas empobrecidas........80
3 INDAIAL-SC: UMA EXPERIÊNCIA DE GESTÃO MUNICIPAL DEMOCRÁTICA
............................................................................................................................92
3.1 CARACTERIZAÇÃO DA CIDADE DE INDAIAL: ASPECTOS GERAIS SOBRE SUA REALIDADE....92
3.1.1 Aspectos histórico-culturais da cidade...................................................................93
3.1.2 Aspectos populacionais de Indaial .........................................................................95
3.1.3 Características sócio-econômicas de Indaial........................................................97
3.1.4 Aspectos da densidade associativa do município................................................99
3.1.5 Indicadores sociais de Indaial ...............................................................................100
3.2 O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO DA CIDADE DE INDAIAL .....................................................102
3.2.1 Ano de 2001 - A implantação do OP na cidade de Indaial e a sua metodologia
......................................................................................................................................................108
3.2.2 Ano de 2002 – A continuidade e as mudanças no OP da cidade de Indaial.114
3.2.3 Ano de 2003/2004 – O Congresso da Cidade em Indaial ................................116
3.3 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NA CIDADE DE INDAIAL .............................................119
3.3.1 Setor de Atendimento Assistencial.......................................................................121
3.3.2 Setor de Atenção à Criança e Adolescente ........................................................124
3.3.3 Setor de Atendimento à Comunidade..................................................................126
3.3.4 Setor Administrativo................................................................................................129
3.3.5 Setor de Renda Mínima..........................................................................................129
3.4 OS USUÁRIOS DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DA CIDADE DE INDAIAL ....................136
3.5 A PARTICIPAÇÃO DOS USUÁRIOS DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NAS ASSEMBLÉIAS
DO
ORÇAMENTO PARTICIPATIVO ..........................................................................................155
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................170
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................180
ANEXOS.................................................................................................................191
INTRODUÇÃO
O interesse pelo tema “A participação dos usuários da política de assistência
social nas assembléias do Orçamento Participativo” surgiu a partir da nossa
experiência como profissional na política municipal de assistência social de Rio do
Sul (2001-2002), e da qual tivemos a oportunidade de participar nas assembléias do
Orçamento Participativo (OP) que lá ocorria.
Nesta experiência, percebemos que o OP, como um mecanismo de
participação e distribuição de bens e serviços públicos aos setores da população
que mais necessitam, não contava com a inserção dos usuários da política de
assistência social do município, o que nos causava estranheza, na medida em que
estes usuários apresentavam uma extrema carência de bens e serviços públicos,
principalmente, de assistência social.
Este fato levou-nos a conhecer outras experiências de gestão municipal
participativa e a sua relação com as camadas mais empobrecidas, a exemplo de
Blumenau e Indaial.
Quando conhecemos o OP de Indaial, constatamos que houve, em parte, a
participação dos usuários da política de assistência social nas suas assembléias, o
que nos possibilitou um maior potencial para desvelar o objeto de pesquisa em
questão: “A participação dos usuários da política de assistência social nas
assembléias do Orçamento Participativo”, onde tomamos esta experiência como
referência para o estudo de caso.
O que então nos levou a estudar a participação dos usuários da política de
assistência social?
Nosso interesse justifica-se na medida em que estes usuários,
tradicionalmente considerados como pobres, são marcados pela figura da ausência,
da falta de recursos e de renda, e pela insatisfação de suas necessidades básicas.
No entanto, neste trabalho, entendemos que pobre não é só aquele que não
tem acesso aos meios materiais para sobreviver mas, também e principalmente,
aquele que se encontra numa situação de subalternidade política e social, e de
dominação, na qual lhe é negado o acesso aos direitos sociais e de cidadania.
2
Neste sentido, para a apreensão de nosso objeto de estudo, foi necessária a
definição de categorias analíticas que expliquem a problemática e contribua para a
elucidação do referido objeto.
Desta forma, para melhor conhecermos o usuário da política de assistência
social, foi preciso entender o fenômeno da pobreza e suas diversas representações
e como ela foi tratada pelo Estado historicamente, através da assistência social,
política social que privilegiamos para o estudo, por se destinar ao enfrentamento da
pobreza e ao atendimento das necessidades básicas dos segmentos mais pobres da
população.
Para entendermos a participação destes usuários âmbito do OP foi
necessário abordarmos a relação entre as categorias democracia e participação, a
partir da discussão sobre a democracia participativa que teve seus ideais
amplamente difundidos a partir da década de 60, apresentando-se como modelo
contra-hegemônico à forma dominante de democracia, conhecida como elitista
competitiva.
Além disso, a discussão da democracia participativa no Brasil remete-nos à
análise do contexto de seu surgimento, ou seja, ao processo de democratização
brasileira, que ocorreu na década de 80 e que trouxe alterações significativas na
relação entre Estado e sociedade, embora permaneçam, ainda, práticas e
concepções políticas do regime autoritário.
É neste contexto que surgem, no país, experiências de gestão participativa,
das quais destacamos o OP, na medida em que apresenta elementos importantes
no que diz respeito à sua relação com as camadas empobrecidas, tendo em vista
atender aos seus interesses e necessidades.
Neste sentido, pretendemos analisar a relação entre o OP e as camadas mais
empobrecidas da população, principalmente no que se refere ao estímulo à sua
inserção nas instâncias de participação do OP, onde elegemos como sujeitos da
pesquisa, os usuários da política de assistência social, por se tratar de um público
excluído e marginalizado, desprovido do poder de articulação e organização e
dependente das políticas sociais para atendimento de suas necessidades básicas.
Tomaremos como referência de instância participativa do OP as assembléias
regionais e temáticas, por constituírem-se num espaço que todos os indivíduos
daquela região podem participar, independentemente de pertencer a algum grupo
3
organizado, podendo discutir suas prioridades, conforme sua realidade local e a
carência de bens e serviços públicos.
No entanto, os usuários da assistência social, devido a sua própria condição
de pobreza, apresentam pouco poder de articulação e organização nos espaços de
participação, que se agravam porque a relação estabelecida historicamente entre o
Estado e estes usuários foi fundada em bases clientelistas, tutelares e
assistencialistas.
Levando em consideração este quadro e os aspectos que aproximam o OP e
as camadas mais empobrecidas, o objetivo deste trabalho é analisar como se dá a
participação dos usuários da política de assistência social nas assembléias do OP
de Indaial, onde partimos da seguinte premissa: a condição de pobreza e os legados
culturais clientelistas e pouco participativos de nossa sociedade brasileira
desmobilizam e obstacularizam a participação dos usuários da política de
assistência social nas assembléias do OP.
Neste sentido, levantamos algumas questões que nortearão a nossa
pesquisa, as quais procuraremos responder através da identificação de elementos
analíticos e empíricos que nos possibilitarão apresentar alguns indicadores sobre a
realidade estudada, quais sejam:
A condição de pobreza desmobilizou e dificultou a participação desta população
nas assembléias do OP?
A cultura clientelista e não-participativa brasileira obstaculariza a participação da
população empobrecida nos espaços democráticos como o OP?
Houve participação da população usuária da política de Assistência Social nas
assembléias do OP de Indaial?
A participação dos usuários da política de Assistência Social no OP de Indaial
dependeu da mobilização prévia por parte dos técnicos/gestores desta política?
A participação destes usuários esteve condicionada à garantia de recursos para
os programas nos quais estavam incluídos?
O desenho institucional favoreceu a participação desta população (mecanismos
de informação e de mobilização da população)?
Como já dito anteriormente, tomaremos a experiência do OP da cidade de
Indaial como referência para nosso estudo de caso, com objetivo de obter
conhecimento amplo e detalhado desta experiência.
4
Segundo Rauen (2002, p. 210), há estudo de caso quando se analisa algo
que tem valor em si mesmo. Os alvos são as características que o caso tem de
único, singular ou particular.
O nível de análise para a pesquisa empírica vai ser de âmbito municipal, a
partir da análise da gestão municipal de Indaial, cidade situada a 170 km da capital
do estado, com 40.194 habitantes, sendo que 95% desta população vive na área
urbana (INDAIAL, 2004a). A cidade é administrada, desde 2001, por um governo
popular dirigido pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o qual está em seu segundo
mandato.
Considerando o objetivo da pesquisa no sentido de investigar a participação
dos usuários da política de Assistência Social nas assembléias do Orçamento
Participativo na cidade de Indaial, foi necessário adotar, como principal critério para
o delineamento do universo, a identificação dos usuários da política de Assistência
Social a partir de seu atendimento no Departamento de Desenvolvimento Social,
órgão governamental responsável pela execução da política de assistência social no
município.
O referido Departamento constitui-se de quatro setores de atendimento direto
aos seus usuários, que são encaminhados aos seus respectivos programas
conforme a sua demanda e a disponibilidade de acesso.
Porém, diante da impossibilidade de pesquisarmos todos os sujeitos,
utilizamos as técnicas de amostragem para selecionar uma parcela do universo, que
foi submetida à pesquisa.
Escolhemos como tipo de amostragem a ser empregado, a amostra
estratificada proporcional, que consiste em escolher, de cada unidade de
amostragem, uma amostra aleatória proporcional à extensão desta unidade
(MARCONI e LAKATOS, 1990, p. 52). Os estratos seriam formados pelo
pesquisador conforme suas necessidades de estudo.
Pela inviabilidade de pesquisarmos os usuários de todos os programas dos
quatro setores do Departamento, definimos os seguintes critérios para a seleção dos
programas a serem pesquisados:
Grupo de usuários incluídos a partir do ano de 2002 em programas sociais que
prevêem repasse de recursos (em pecúnio ou em bem), que recebem
5
acompanhamento através de atividades sócio-educativas e que participaram do
OP;
Grupo de usuários incluídos a partir do ano de 2002 em programas sociais que
prevêem repasse de recursos (em pecúnio ou em bem), que recebem
acompanhamento através de atividades sócio-educativas e que não
necessariamente tenham participado do OP;
Grupo de usuários não incluídos em programas sociais entre 2002 a 2005 e que,
não necessariamente, tenham participado do OP.
No primeiro grupo, o programa definido foi o Programa de Garantia de Renda
Familiar Mínima, por se constituir no único programa que preenche todos os
critérios, que comprovadamente teve a participação dos seus usuários nas
assembléias do OP.
No segundo grupo, elegemos o Programa de Subsídio Habitacional de
Interesse Social, por se caracterizar em um programa que também prevê o repasse
de recursos ao usuário (neste caso, na forma de um bem) e o acompanhamento às
famílias através de atividades sócio-educativas.
Quanto ao último grupo, definimos como usuários a serem entrevistados
aqueles atendidos no Setor de Atendimento Assistencial que não foram
encaminhados a nenhum programa, e que apenas receberam atendimento quanto
as suas necessidades mais emergenciais e circunstanciais.
A partir da definição das três amostras, dividimo-las em dois grupos de
análise (Grupo 1 e Grupo 2) definidos a partir do critério de inclusão em programas
sociais.
Desta forma, o grupo 1 constituiu-se dos usuários do Setor de Atendimento
Assistencial, e o grupo 2 foi constituído pelos usuários dos seguintes programas:
Subsídio Habitacional de Interesse Social e de Garantia de Renda Familiar Mínima.
A amostra do Grupo 2 corresponde a 10% das famílias de cada programa
selecionado: seis usuários do PGRFM (que até março de 2002 atendia 61 famílias) e
três do Programa de Subsídio Habitacional de Interesse Social, (que atende 31
famílias).
Quanto à definição da amostra do Setor Assistencial, por se tratar de um
universo muito extenso, pois possui atualmente mais de 2.800 famílias cadastradas
(Indaial, 2004a), selecionamos 9 (nove) usuários, resultado da soma das duas
amostras anteriores. Os usuários foram selecionados pelos assistentes sociais do
6
Departamento de Desenvolvimento Social tendo em vista a acessibilidade aos
mesmos (pelo seu comparecimento ao Departamento ou endereços próximos ao
Departamento).
Porém, cabe ressaltar que a amostra utilizada é considerada muito pequena
para representar a realidade do universo de todos os usuários atendidos no referido
Departamento. No entanto, no âmbito do universo dos Programas pesquisados, a
amostra nos permite apontar algumas características importantes sobre os usuários
que estão ou já foram incluídos nestes programas.
As entrevistas foram realizadas, em parte, no Departamento de
Desenvolvimento Social agendadas previamente pelo técnico responsável do Setor
e outras foram realizadas no domicílio dos usuários, também a partir do contato
prévio dos técnicos do Departamento, de forma a resguardar o sigilo profissional em
relação ao usuário.
Tivemos bastante dificuldade para a realização das entrevistas, na medida em
que os usuários não compareciam aos encontros previamente agendados,
obrigando-nos a deslocar-se até as suas residências, que em geral, se mostraram
de difícil acesso quanto ao deslocamento do entrevistador.
Em relação às técnicas para levantamento de dados, utilizamos as seguintes:
Pesquisa documental: consiste em documentos, escritos ou não, oriundos de
fontes primárias (registros públicos e pessoais, fontes estatísticas, etc). Na
pesquisa, utilizamos a análise de materiais informativos sobre o OP; Planos
de Investimentos referentes aos anos de 2002 e 2003; fontes estatísticas com
indicadores sociais da cidade de Indaial, relatórios do Departamento de
Desenvolvimento Social, Plano Plurianual da Assistência Social 2002 -2005,
etc;
Pesquisa bibliográfica: estudo da bibliografia já tornada pública em relação ao
tema de estudo, propiciando o exame de um tema sob novo enfoque, com
vistas à conclusões inovadoras (MARCONI e LAKATOS, 1990).
Pesquisa de campo: é aquela utilizada com o objetivo de conseguir
informações e/ou conhecimento acerca de um problema, para o qual se
procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou,
ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles (MARCONI e
7
LAKATOS, 1990, p. 75), consistindo na observação de fatos e fenômenos tal
como aparecem.
Em relação às técnicas empregadas na coleta de dados, utilizamos as
seguintes:
Entrevista estruturada: é aquela em que o entrevistador segue um roteiro
previamente estabelecido; as perguntas feitas ao indivíduo são pretederminadas.
Ela se realiza de acordo com um formulário elaborado e é efetuada de
preferência com pessoas selecionadas de acordo com um plano (MARCONI e
LAKATOS, 1990, p. 85).
O formulário (anexo 1) consistiu-se em um roteiro de perguntas preenchidas pelo
entrevistador, no momento da entrevista. Esta técnica foi empregada junto aos
usuários da política de assistência social. No entanto, outras técnicas de coleta
de dados foram empregadas, tais como:
Entrevista não estruturada: tem como objetivo obter do entrevistado o que ele
considera os aspectos mais relevantes de determinado problema; as suas
descrições de uma situação em estudo, através de uma conversação guiada.
(RICHARDSON, 1985, p. 161).
Esta técnica foi utilizada para a descrição da experiência do OP na cidade de
Indaial, através de entrevistas com o Diretor do Departamento do OP. Esta descrição
consta no capítulo terceiro deste trabalho.
Cabe ressaltar que a descrição sobre o OP de Indaial baseou-se somente nas
informações colhidas na entrevista não-estruturada, pois não houve a participação
do entrevistador em nenhuma instância do OP.
Questionário: o questionário empregado combinou perguntas abertas e fechadas,
e foi utilizado para o aprofundamento de informações sobre o Departamento de
Desenvolvimento Social, que foi encaminhado via correio eletrônico e respondido
pela diretoria do DDS (anexo 2).
Quanto à escolha da abordagem da pesquisa, percebemos a problemática da
quantidade e da qualidade colocadas, na maioria das vezes, como antagônicas e
excludentes.
8
Porém, Minayo (1996, p. 11), frente à problemática da qualidade e da
quantidade, afirma que
a dialética assume que a qualidade dos fatos e das relações sociais
são suas propriedades inerentes, e que quantidade e qualidade são
inseparáveis e interdependentes, ensejando-se assim a dissolução das
dicotomias quantitativo/qualitativo, macro/micro,
interioridade/exterioridade com que se debatem as diversas correntes
sociológicas.
Neste sentido, adotamos uma pesquisa de caráter qualitativo em razão da
importância de se resgatar os conteúdos mais densos, a intencionalidade, os
significados e os valores dos atores sociais envolvidos, possibilitando a incorporação
de dados não mensuráveis.
Entretanto, precisamos também quantificar as opiniões e informações para
classificá-las e analisá-las, o que requereu o uso de recursos e de técnicas
estatísticas.
Segundo Rauen (2002, p. 198), na análise e interpretação dos dados, as
abordagens qualitativa e quantitativa podem complementar-se, com o objetivo de
extrair as significações essenciais da mensagem.
Desta forma, foi necessária a abordagem quantitativa, com o objetivo de
reunir elementos extraídos dos conteúdos em categorias, construindo distribuições
de freqüência e outros índices numéricos através do uso da estatística. A
apresentação foi realizada através de quadros.
Concomitantemente, foi realizada uma abordagem qualitativa, com base na
categorização dos elementos e de apresentação de depoimentos, procurando
apontar peculiaridades e nuances que traduziam a significação da mensagem
analisada.
Quanto ao tipo de pesquisa a ser utilizado, elegemos a pesquisa exploratória,
para podermos ter maior familiaridade com o problema de pesquisa, com vistas a
torná-lo mais explícito.
O trabalho será apresentado através de três capítulos.
No primeiro capítulo, com base no estudo de Freitas e de outros autores,
como Telles (2001), Baracho (2002), Raichelis (1998), Pereira (2000), Yazbek
9
(1999), Soto (2004), Demo (1990), será apontada a relação dos usuários da política
de assistência social com o fenômeno da pobreza e como esta se constituiu
historicamente. Serão abordadas, também, as representações mais hegemônicas
que influenciaram e ainda influenciam a noção de pobreza em nossa sociedade.
Além disso, apresentaremos, ainda, a assistência social como política
privilegiada e mediadora entre o Estado e as camadas mais pobres, a qual se
constituiu, a partir da Constituição Federal de 1988 no Brasil, numa política pública
que prevê o atendimento de mínimos sociais a quem dela necessitar.
No entanto, veremos que esta política também é permeada por questões
históricas e culturais; por contradições entre sua noção de direitos à cidadania e a
lógica do primado liberal do trabalho que obstacularizam a sua efetivação e o
atendimento de seus usuários como política de direito e não como favor.
No segundo capítulo, no primeiro subitem, nos ateremos ao processo de
aprofundamento da democracia e ao surgimento de experiências de gestões
participativas na sociedade brasileira, a partir da década de 80, que vêm alterar as
relações entre Estado e sociedade, no sentido de um maior fortalecimento e
interlocução entre estas duas esferas, trazendo a participação como uma categoria
fundamental.
Neste sentido, com base em Held (1987), foi necessário discutirmos
brevemente os estudos contemporâneos sobre o debate a respeito da democracia
participativa e deliberativa como contraposição à democracia elitista-competitiva de
modo a indicar suas influências no processo de democratização brasileira.
No segundo subitem, apresentaremos a experiência de gestão participativa
do OP, decorrente do processo de democratização brasileira e que vem sendo alvo
de debates, tanto no espaço acadêmico, quanto no espaço político. Implantado em
várias cidades brasileiras e também no exterior, o OP tem como referência a
experiência pioneira ocorrida na cidade de Porto Alegre.
Para fins deste trabalho, elegemos dois elementos do OP que consideramos
fundamentais para o entendimento da relação entre este e os usuários da política de
assistência social.
O primeiro refere-se ao princípio da inversão de prioridades na medida em
que prioriza a oferta de bens e serviços, por meio do estabelecimento de critérios de
distribuição dos recursos, que favorecem as áreas com maior carência por bens e
serviços públicos.
10
O segundo elemento diz respeito à ampliação da participação da população
nas decisões acerca dos investimentos públicos municipais, a partir do
estabelecimento de um desenho institucional que possibilita a criação de novos
espaços de participação e a mobilização da população, favorecendo o acesso e a
inclusão dos setores mais excluídos da cidade.
Neste sentido, o terceiro capítulo vai apresentar o estudo de caso realizado
na cidade de Indaial, com o objetivo de analisar a participação dos usuários da
política de assistência social nas assembléias do OP, por meio de pesquisa de
campo realizada com os usuários do Departamento de Desenvolvimento Social.
Neste capítulo procuramos situar e caracterizar a realidade sócio-econômica
e político -cultural do município, atendo-nos principalmente, à descrição do OP
como uma experiência de gestão municipal participativa e da política municipal de
assistência social, para que pudéssemos analisar, desta forma, a participação dos
usuários da política de assistência social nas assembléias do OP de Indaial.
Para finalizar, teceremos algumas considerações acerca dos resultados
obtidos nesta pesquisa.
11
1 OS POBRES, SEU LUGAR NA SOCIEDADE E A POLÍTICA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL
A noção de pobreza está associada à carência, à falta de recursos, à falta de
renda, o que pode levar a uma concepção muito restrita sobre sua natureza e,
conseqüentemente, de seus sujeitos, de seus representantes.
Conhecer estes sujeitos, os pobres, o lugar ocupado por eles na sociedade,
seu status social e sua vinculação com a política de assistência social é nosso
objetivo neste momento.
Historicamente, a assistência social brasileira tem sido associada, de forma
direta, ao fenômeno da pobreza, na medida em que é destinada aos pobres, aos
“necessitados”, aos “desamparados”, “às pessoas de baixa renda”, dentre outros
(pre)conceitos para definir um determinado segmento da população que recebe a
atenção desta política.
A assistência social é remetida àqueles que não possuem renda, recursos
materiais para sobreviver, aos considerados pobres, definidos geralmente a partir de
indicadores de renda e emprego que, embora importantes para mensurar a pobreza,
são incapazes de captar as suas múltiplas expressões, na medida em que a pobreza
não se reduz à privação material, mas transborda para todas as esferas da vida
social (RAICHELIS, 1998).
Desta forma, faz-se necessário entendermos o fenômeno da pobreza e suas
determinações e, principalmente, seus sujeitos, para que, posteriormente, possamos
compreender quem são os destinatários ou usuários da política de assistência social
brasileira, instituída pela Constituição Federal de 1988 como política social pública.
12
1.1 A pobreza e suas representações
A questão da pobreza tem estado presente na sociedade desde os seus
primórdios, porém, tem sido vista de diversas maneiras e tratada de diferentes
formas, conforme a concepção sócio-cultural de cada época.
A definição sobre o que seja a pobreza e as suas determinações gera muitas
controvérsias e possui muitas representações, pois é perpassada não só por
diferentes noções científicas, mas também morais.
De acordo com Freitas
1
(2004), não existe uma teoria da pobreza, mas
diferentes representações sociais
2
que demonstram variadas possibilidades de
apreensão sobre a questão e inúmeros indicadores que se propõem a dimensioná-
la.
Para a autora, as diferentes representações sobre o pobre e a pobreza
interpenetram-se e, às vezes, até se confundem. Existe uma convivência das
múltiplas representações que se apresentam historicamente, sem que haja ruptura
entre a que se apresenta hegemônica e outra, que não.
Se analisarmos o contexto histórico, perceberemos que na Idade Média, a
pobreza tinha uma concepção positiva, onde a tradição cristã e as demais grandes
religiões imprimiram a ela estatuto de santificação, enquanto que a riqueza não era
considerada um valor.
No entanto, o reconhecimento do valor da pobreza sofria ambigüidades, pois
o que se exaltava era o seu valor espiritual, baseado na confiança e na crença ( a
recusa dos bens deste mundo para se alcançar o reino do céu), e não a miséria
física, considerada degradante e humilhante (BARACHO, 2001).
1
Freitas (2004), esboçou um mapa das diferentes representações sociais da pobreza, tendo como
referência Miralles (1996), que agrupou estas representações em 4 tipos: ontológica, descritiva,
interpretativa e topológica. A autora fez um resgate histórico procurando apreender as mudanças na
forma de se conceber a pobreza através de 4 períodos históricos: Antiguidade, Idade Média, Idade
Moderna e Contemporânea.
2
Para fins de seu trabalho, Freitas (2004), utilizou o seguinte conceito de representação: toda
elaboração que conjugue idéias e dados. As idéias mais elaboradas encontram-se escritas e tomam
formas variadas: criação literária, reportagem, artigo de opinião, ensaios, sociografia e produções no
âmbito da sociologia (MIRALLES apud FREITAS, 2004, p. 26). Foi incorporada a contribuição do
autor, que entende por “idéia” uma expressão abreviada de um complexo que inclui não apenas
conceitos e proposições (comuns e teóricas), mas também imagens e, por detrás de tudo isso,
atitudes, valores, crenças e percepções. O “dado” não tem de ser necessariamente quantitativo, nem
de primeira mão e nem obtido através de um procedimento (homologado). Quando o é, está-se diante
de uma representação cientifica.
13
Na opinião de Baracho (2001), o menosprezo e a concepção negativa que a
sociedade tem pelos pobres é uma característica recente, e constitui uma ruptura
com toda a concepção pré-industrial da pobreza, particularmente, na Idade Média.
A partir do século XVII, devido à grande transformação cultural, o processo de
Reforma passa a condenar a pobreza e a desenvolver a doutrina do trabalho como
valor supremo do ser humano, resultando na instituição de programas de assistência
coletiva nos moldes da doutrina liberal desenvolvidos a partir do século XIX.
Dentro da lógica do primado liberal do trabalho, a pobreza é considerada
como imprevidência do individuo diante dos riscos que a vida oferece, onde o
mesmo não soube lidar com as intempéries da natureza ou os azares do destino.
Ewald (apud RAICHELIS, 1998, p. 155), ao estudar as causas da pobreza no
contexto liberal do século XIX, observou que, para a razão liberal, a maior das
virtudes é a previdência, caracterizada pela capacidade do indivíduo em exercer
domínio sobre a sua própria sorte, já que o acidente, o risco são condições naturais
de existência de todos os homens, ricos ou pobres.
Deste modo, não há causalidades propriamente sociais ou econômicas para a
miséria, mas individuais, onde o indivíduo é o responsável pelo seu estado de
pobreza e somente a ele cabe o poder de sair desta situação.
Segundo Ewald (apud RAICHELIS, 1998, p. 156), na lógica liberal, a pobreza
é uma conduta, onde as causas estão em si próprias, nos seus dispositivos morais,
na vontade dos indivíduos em superar essa condição.
O trato com a pobreza como conduta, oculta suas verdadeiras causas e
nessa visão, o que é negado não é a assistência ao pobre em si, mas que esta
assistência seja um direito do pobre.
A partir do século XIX, a pobreza apresenta-se como uma questão social,
como resultado do desenvolvimento do capitalismo e a conseqüente pauperização
das massas, onde o capitalismo comercial comprometeu a estrutura agrária e lançou
uma massa de camponeses para uma situação de miséria na cidade (FREITAS,
2004).
Conforme demonstra Polanyi (apud BARACHO, 2001), a pauperização das
massas constituiu-se em um dos maiores fenômenos das sociedades modernas,
vinculando a pobreza à questão operária ao longo do século XIX até a primeira
metade do século XX.
14
Neste sentido, a assistência aos pobres é institucionalizada no século XX e
passa a constituir-se como um dos deveres do Estado Democrático (BARACHO,
2001).
Desde o início do século XX, a forma mais usual de determinar o que é pobre,
é comparar a renda de que dispõe ao valor mínimo necessário para operar
adequadamente naquela sociedade – a chamada Linha de Pobreza (FREITAS,
2004, p. 81).
Atualmente, a concepção dominante sobre o que seja a pobreza, está
baseada na idéia do pobre como integrante da classe de baixa renda, com menos
recursos que o restante da população.
De acordo com a autora, as linhas de pobreza variam conforme o tempo e o
lugar, e cada país utiliza linhas que considera mais adequadas em relação ao seu
nível de desenvolvimento e aos seus valores sociais.
Convencionalmente, a pobreza vem sendo abordada a partir de dois
conceitos: pobreza absoluta e pobreza relativa (SPICKER apud FREITAS, 2004).
Para o autor, a pobreza absoluta está ligada à noção de subsistência, ou seja,
que consegue apenas satisfazer minimamente suas necessidades básicas,
enquanto que a pobreza relativa está baseada na comparação entre pessoas pobres
de uma determinada sociedade com pessoas, também pobres, de outra sociedade.
No entanto, Freitas (2004), traz a preocupação quanto à adoção do critério
absoluto de pobreza, pois o uso deste critério implica em um juízo de valor sobre o
que se considera um nível mínimo, que permita os indivíduos atenderem suas
necessidades básicas e terem um padrão de vida em consonância com a dignidade
humana.
Para a adoção deste critério faz-se necessário definir o que é necessidade e
quais são consideradas indispensáveis, o que gera controvérsias, pois estas
definições estão imbricadas em juízos de valor e variam conforme o padrão de vida
de cada sociedade.
Pereira (2000), em seu estudo sobre “Necessidades Humanas”, baseado na
obra de Len Doyal e Ian Gough, faz uma crítica à idéia dos mínimos sociais
3
3
A provisão de “mínimos sociais” é introduzida na agenda política brasileira a partir da política de
Assistência Social (Lei nº 8.742, de 07/12/1993), onde segundo Pereira (2000), os mínimos sociais é
sinônimo de mínimos de subsistência, assumindo ao longo de sua trajetória histórica, a forma de uma
resposta isolada e emergencial aos efeitos da pobreza extrema.
15
procurando conceituar as necessidades humanas básicas a partir de um conceito
que leve em conta tanto a dimensão natural dos seres humanos quanto a social.
Para Doyal e Gough, a definição do que sejam necessidades básicas está
fundamentada em uma implicação particular: a ocorrência de sérios prejuízos à vida
material dos homens e à sua atuação como sujeitos, caso estas necessidades não
sejam atendidas (PEREIRA, 2000, p. 67).
Segundo os autores, as necessidades sociais são consideradas como
fenômenos objetivos – porque sua especificação teórica e empírica independe de
preferências individuais- e universais, ou seja, porque a concepção de sérios
prejuízos, decorrentes da sua não–satisfação adequada, é a mesma para todo
indivíduo, em qualquer cultura (PEREIRA, 2000, p. 68).
Neste sentido, só existem dois conjuntos de necessidades básicas objetivas e
universais: saúde física, considerada uma necessidade natural que afeta a todos os
seres vivos, já que sem a sua provisão, os homens estarão impedidos inclusive de
vive, e autonomia, entendida como a capacidade do indivíduo de eleger objetivos e
crenças, de valorá-los e sentir-se responsável por suas decisões e atos.
Com base nesta noção mais ampla de necessidades sociais, Pereira (2000)
faz uma crítica à noção de mínimos sociais, como critério de definição de satisfação
de necessidades básicas.
No entanto, tradicionalmente, a solução empregada para se definir as
necessidades básicas, geralmente acontece através do estreitamento de seu
conceito a apenas às necessidades ditas materiais e elegendo, de forma arbitrária, o
que dentre estas necessidades materiais se constitui no mínimo indispensável para
a sobrevivência biológica do indivíduo.
Neste cenário, o mínimo de subsistência, de acordo com o modo de produção
em vigor,
podia ser uma parca ração alimentar para matar a fome dos
necessitados, uma veste rústica para protegê-los do frio, um abrigo
tosco contra as intempéries, um pedaço de terra a ser cultivado em
regime de servidão, uma renda mínima subsidiada ou um salário
mínimo estipulado pelas elites no poder (PEREIRA, 2000, p. 16).
De acordo com a autora, apesar de assumir uma forma legal a partir da década de noventa no Brasil,
a provisão de mínimos sociais é uma medida antiga e sua noção é muito heterogênea, pois varia de
acordo com o tipo, a lógica ou o modelo de proteção social adotado.
16
Desta forma, na perspectiva da pobreza entendida como baixa renda há uma
preponderância dos elementos econômicos em detrimento a outros fatores que
também definem este fenômeno.
Nesta concepção, o fenômeno da pobreza é reduzido a uma situação de
carência de uma parte da população, atomizando a existência do problema do
movimento da sociedade (FREITAS, 2004).
No entanto, a pobreza como ausência de recursos não é prerrogativa
somente dessa perspectiva. De acordo com Freitas (2004, p. 87), em seu estudo
sobre as diversas representações sobre a pobreza, as diferentes concepções
existentes coincidem quanto ao fato de que a pobreza caracteriza-se pela ausência
de recursos (materiais ou pessoais), embora outros elementos tenham sido mais
recentemente incorporados como, por exemplo, o acesso aos centros decisórios do
poder.
Além disso, a autora infere que na maioria das concepções, com exceção da
concepção marxista, não se considera o sistema econômico vigente como causa
geradora da pobreza, mas se remete seu enfrentamento ao próprio indivíduo
(pobre), onde o Estado e a sociedade somente devem intervir a partir de critérios
que garantam a não-acomodação do indivíduo.
Para Freitas (2004, p. 87), nestas concepções não são reconhecidas as
relações entre produção da riqueza e ampliação da pobreza, o que explica a
ausência de referências efetivamente estruturais.
Diferentemente se apresenta a perspectiva marxista, que concebe a pobreza
como resultado de um modelo de desenvolvimento econômico, político e social
adotado, e está localizada no âmbito das relações constitutivas da sociedade
capitalista onde convivem, contraditoriamente, acumulação e miséria.
De acordo com Soto (2003, p. 07), nesta perspectiva, a pobreza não é vista
somente como estado ou situação, ou seja, como resultado de necessidades
básicas insatisfeitas, mas também como processo, isto é, que involucra a la clase
trabajadora hace a los procesos de constitución de la riqueza.
Na teoria marxista, o conceito de pobreza é um conceito relacional que
expressa e é condição do caráter antagônico do desenvolvimento do regime de
acumulação capitalista (SOTO, 2003).
17
Para entendê-la, nesta perspectiva, faz-se necessário compreendê-la a partir
das leis gerais sobre as quais se assenta o regime de acumulação capitalista, onde
a lei absoluta do sistema de produção é a mais valia (SOTO, 2003).
Neste sentido, paralelo ao aumento do capital, há o aumento também do
número de “pobres trabalhadores”, pois a força de trabalho dos trabalhadores
assalariados transforma-se em fonte de exploração em prol do capital, obrigando-os
a permanecer subalternos ao próprio produto de seu trabalho, logo, ao capitalista.
Desta forma, a pobreza desempenha, ao mesmo tempo, um duplo papel: é
conseqüência do regime de acumulação capitalista e, concomitantemente, é
condição determinante deste processo, expressando sempre o caráter antagônico
do regime.
De acordo com Soto (2003, p. 12), podemos sintetizar este duplo papel da
seguinte maneira:
la pobreza del trabajador se constituye em consecuencia y condicion
necesaria de la existencia del régimen, y es justamente esa condicion
de necesariedad la que la funda en base esencial de la riqueza; em
este sentido, esta condicion es determinante y fundamental debido a
que nos indica que la miseria es condicion de existência de la sociedad
capitalista, ésta sólo existe porque se cimienta em la miséria.
Na sociedade capitalista, a pobreza é uma condição necessária para a
realização dos interesses dos exploradores, pois sua estrutura econômica está
baseada na exploração de classe.
Em síntese, Soto (2003, p. 10) afirma que a pobreza não é uma categoria
simples e imutável, pelo contrário: sometida a um análisis cientifico se define como
uma categoria compleja, histórica y mutable. Es decir, uma categoria relacional que
solo se explica entendiendo el movimiento de la totalidad social.
Enquanto expressão das relações vigentes na sociedade capitalista, a
pobreza é produzida e reproduzida, tanto no plano socioeconômico, quanto no plano
político, definindo o lugar social ocupado pelos pobres na sociedade.
Segundo Raichelis (1998, p. 153), a pobreza, mais do que uma medida
monetária é relação social que define lugares sociais, sociabilidades, identidades.
18
Para Freitas (2004, p. 63), a situação de pobreza não pode ser compreendida
separadamente do capitalismo. No entanto,
seu entendimento implica numa concepção mais ampla (para além do
capitalismo) e específica, como se manifesta no capitalismo em
diferentes contextos históricos. Considera-se que a desigualdade de
renda e, com ela, extensão da pobreza, tem origens profundas que se
situam nos traços culturais, na história e nos diversos padrões de
inserção das diferentes economias nacionais na economia mundial.
A partir destas especificidades, podemos dizer que há diferentes formas de
pobreza, de acordo com as particularidades em que o capitalismo se manifesta em
cada contexto histórico, econômico e cultural.
Para Baracho (2001, p. 04), a pobreza deve ser considerada
como resultante de uma realidade sócio-cultural e política, decorrente
de uma multiplicidade de exclusões. (...) a pobreza surge como um
modo de vida, em que ocorrem complexas interações de diversos
elementos, quais sejam: sócio-culturais, econômicos, políticos,
psicológicos, fisiológicos e ecológicos.
Desta forma, a pobreza não se expressa somente pela impossibilidade de
suprir todas as condições mínimas de sobrevivência pelo cidadão, mas também está
associada à situação de vulnerabilidade e subalternidade política, que se pode
traduzir pela carência de direitos, de possibilidades, de esperança (MARTINS apud
YAZBEK, 1999, p. 23).
A subalternidade política diz respeito à ausência de poder de decisão e faz
parte do mundo dos dominados, dos submetidos à exclusão social e à exploração,
política e econômica. Está ligada ainda à idéia de privação de poder de ação e
representação, onde a participação política na esfera pública é algo de difícil acesso
por parte dos setores mais excluídos da população.
A pobreza configura-se, em geral, como uma noção estigmatizadora, onde os
indivíduos que se encontram em situação de miserabilidade estão submetidos a uma
ordem social que os desqualifica, culpabiliza-os pela sua condição, e os marca por
clichês: “inadaptados”, “marginais”, “problematizados”, “portadores de altos riscos”,
19
“casos sociais”, alvo de pedagogias de “reerguimento” e de promoção (YAZBEK,
1999, p. 22).
A pobreza é identificada pela ausência, pela carência, pela falta, o que leva a
figurá-las pelo negativo, onde a referência é a privação econômica absoluta. Vista
desta forma, a pobreza é naturalizada, sem historicidade e deslocada da dinâmica
social, estabelecendo com a cidadania uma relação de antinomia (TELLES, 2001).
No entanto, a pobreza como produto das relações sociais que conformam a
sociedade de classes, para quem a vive é uma experiência de destituição material,
cultural, política e social (RAICHELIS, 1998, p. 153).
Neste contexto, a pobreza não é só material (sem acesso aos meios materiais
para sobreviver), mas é também política no sentido de estar privada de sua
cidadania, ou seja, que vive em estado de manipulação, ou destituída da
consciência de sua opressão, ou coibida de se organizar em defesa de seus direitos
(DEMO, 1990, p. 07).
Para o autor, a pobreza é, em sua essência, repressão
4
, ou seja, resultado da
discriminação sobre o terreno das vantagens, onde alguns concentram privilégios e
muitos trabalham para sustentar os privilegiados (DEMO, 1990, p. 10).
Para Demo (1990, p. 07), as duas formas de pobreza, (material – não ter – e
política – não ser), estão condicionadas mutuamente, ou seja, não se supera uma,
sem superar a outra, embora cada uma tenha sua densidade própria, o que significa
que uma não se reduz à outra.
No entanto, para os organismos internacionais, como o Banco Mundial e o
Fundo Monetário Internacional – FMI, que influenciam e dão formatação às políticas
de combate à pobreza nos países em desenvolvimento como é o caso do Brasil, a
pobreza é vista apenas como insuficiência permanente de renda que resulta na não
satisfação de necessidades básicas, havendo uma predominância dos elementos
econômicos na concepção de pobreza.
O Banco Mundial tem adotado uma unidade comum a todos os países, com a
definição de linhas de referência de 1 e 2 dólares por dia
5
. Partindo deste princípio,
4
Para Demo (1990, p. 10), a pobreza, entendida como forma de repressão, ressalta seu caráter
também político, já que numa ótica apenas econômica ela tende a ser definida como situação apenas
dada, herdada, como se o problema se alocasse somente ao nível de pobre, deixando de lado a
consideração da dinâmica social que dicotomiza grupos sociais e os mantêm pobres.
5
Chossudovsky (apud FREITAS, 2004, p. 85), alega que foi arbitrária a fixação de um dólar por dia
como medida de pobreza, pois leva a supor que somente são pobres aqueles que têm acesso a um
20
estimou-se que em 1998, 1 bilhão e duzentos milhões de pessoas no mundo teriam
níveis de consumo menores que um dólar por dia, totalizando 24% da população
dos países em desenvolvimento, e dois bilhões e oitocentos milhões de pessoas que
se manteriam com menos de dois dólares diários (FREITAS, 2004, p. 84).
Quanto à sua prática, percebemos que os organismos internacionais, nas
últimas décadas, têm buscado estabelecer estratégias de combate à pobreza, pois a
consideram um entrave à ordem capitalista.
Segundo Simionatto e Nogueira (2001), no final dos anos 90 o Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD, passou a demonstrar sua
preocupação com a ameaça que a pobreza pode representar em termos de “fratura
social”, causada pela distância entre ricos e pobres, capaz de desestabilizar o
mundo.
De acordo com as autoras, essa desestabilização é uma ameaça real se
forem levados em consideração os índices que expressam a atual situação da
pobreza no mundo: 20% da população controla 80% das riquezas mundiais; do total
de 6 bilhões de habitantes do planeta, 2,8 bilhões sobrevivem com US$ 2 por dia
(SIMIONATTO e NOGUEIRA, 2001, p. 159).
Todavia, o processo de reestruturação econômica das agências
internacionais para a retomada do crescimento econômico e combate à pobreza
traz, como prerrogativa, a subordinação da política social à política econômica que,
ao invés de apontar caminhos para a superação da pobreza, consolida novas formas
de exclusão social comprometendo os mecanismos de proteção social
(SIMIONATTO e NOGUEIRA, 2001, p. 150).
As estratégias de combate à pobreza estão baseadas nos critérios de
pobreza absoluta e em ações focalistas e compensatórias, que apenas minimizam
seus efeitos e não procuram erradicar definitivamente as situações de miséria.
As autoras afirmam que, na visão do BIRD, os pobres são considerados os
principais agentes da luta contra a pobreza, devendo ocupar um lugar central na
elaboração, implantação e monitoramento das estratégias de redução da mesma. A
culpa pela miséria, nessa versão é, em última instância, dos próprios pobres
(SIMIONATTO e NOGUEIRA, 2001, p. 160).
dólar por dia, onde este índice permite ao Banco Mundial estimar que 1,2 bilhões de pessoas
encontram-se abaixo da linha de pobreza.
21
Porém, ao encaminhar a solução da pobreza aos próprios pobres e ao
mercado, esconde-se o conflito entre capital e trabalho, sendo difícil pensar em
inclusão dos pobres, se continuarmos vivendo num mundo onde estas relações
estão desequilibradas.
Na sociedade brasileira, as fontes usuais para se obter informações sobre a
renda são as pesquisas domiciliares anuais, como a Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE, que se utiliza de uma classificação que divide a população em:
Indigentes: considerados aqueles indivíduos cuja renda não permite atender
nem mesmo às necessidades básicas alimentares;
Pobres: aqueles cuja renda, inferior à linha de pobreza
6
, não permite atender
às necessidades básicas de alimentação, moradia, vestuário, entre outras;
Não-pobres: indivíduos cuja renda situa-se acima da linha de pobreza.
No Brasil, os índices de pobreza são alarmantes. No final da década de 80, a
concentração de renda alcançou o índice mais alto já apresentado pelo IBGE, onde
os mais ricos, cerca de 1% da população, possuem 15,9% da renda nacional do
trabalho, enquanto que os 10% mais pobres concentram 0,7%. Os 10% mais ricos
detêm 51,5% da renda (YAZBEK, 1999, p. 13). Cerca de 12% da população são
indigentes, significando 16,6 milhões de pessoas (FREITAS, 2004).
Estes dados evidenciam a conjuntura econômica do país, marcada pela
distância entre ricos e pobres, conseqüência da concentração de renda nas mãos de
uma minoria privilegiada e da falta de políticas sociais voltadas para a redistribuição
de renda.
Telles (2001), em sua análise sobre pobreza e cidadania na sociedade
brasileira, afirma que a pobreza, que sempre acompanhou a história do país,
apresenta sua face moderna registrada no empobrecimento dos trabalhadores
urbanos nos últimos anos, seja pela deteriorização salarial, pelas condições de
trabalho e pelo desemprego; e também pela degradação dos serviços públicos dos
quais dependem.
6
Apesar de não ter uma linha de pobreza oficial no Brasil, os dados do IBGE são os mais usados
para estimativas de linhas de pobreza, onde geralmente se define a partir da proporção do salário
mínimo, em que os valores comumente mais utilizados como linha de pobreza são de ¼ ou ½ salário
mínimo (FREITAS, 2004, P. 103).
22
Segundo a autora, essa pobreza persistente em nosso país, embora bastante
conhecida, registrada e alvo de discursos políticos, ainda não conseguiu constituir e
mobilizar a opinião pública crítica no sentido de buscar a defesa de padrões mínimos
de vida, e nunca suscitou um debate público sobre justiça e igualdade, pondo em
discussão as desigualdades sociais.
Para Telles (2001, p. 21), a pobreza nunca foi enfrentada no horizonte da
cidadania; ela sempre apareceu despojada de dimensão ética e o debate sobre ela
vem dissociado da questão da igualdade e da justiça, pois está em uma sociedade
em que os direitos são negados na trama das relações sociais.
A pobreza aparece sempre como sinal do atraso, incomodando ao encenar o
avesso do Brasil que se quer moderno. Nesta perspectiva, a pobreza é transformada
em natureza, resíduo que escapou à potência civilizadora da modernização e que
ainda tem que ser transformada pelo progresso (TELLES, 2001, p. 19).
As figuras de uma pobreza transformada em natureza são frutos de uma
sociedade em que vigoram as regras culturais de uma tradição hierárquica, baseada
na tutela de um Estado benevolente que transveste direitos em favor e cria a figura
do inferior que tem o dever de obediência, que merece o favor e a proteção, mas
jamais direitos.
Nesta configuração, a pobreza é encenada como algo externo a um mundo
propriamente social, onde a história é neutralizada.
De acordo com Telles (2001, p. 22), trata-se de uma cidadania dissociada dos
direitos políticos e civis, ficando no âmbito restrito da proteção do Estado, através
dos direitos sociais, como recompensa ao cumprimento com o dever do trabalho. É a
cidadania regulada de que fala Wanderley Guilherme dos Santos (1979).
Desta forma, o vínculo profissional é quem dá a identidade e qualifica o
cidadão para o exercício dos direitos: a carteira de trabalho, mais do que uma
evidência trabalhista, é uma certidão de nascimento cívico (TELLES, 2001, p. 23).
Fora esta condição, vigora o estado de natureza. Os indivíduos, considerados
pré-cidadãos, não existem para efeito legal, como os desempregados, os
desocupados e os trabalhadores informais.
Neste sentido, Telles (2001, p. 24), afirma que a sociedade brasileira é uma
sociedade que carrega uma peculiar experiência histórica na qual a lei, ao invés de
garantir e universalizar direitos, destitui indivíduos de suas prerrogativas de
cidadania e produz a fratura entre a figura do trabalhador e a do pobre incivil.
23
Ainda de acordo com a mesma autora, a regulamentação profissional
segmenta a sociedade em cidadãos e não-cidadãos, enquanto as instituições de
proteção social produzem a segmentação estigmatizadora entre trabalho e pobreza,
tornando estas duas categorias antinômicas.
No entanto, Telles (2001, p. 53) afirma que, a partir da década de 80, a
sociedade brasileira passou a se modificar, abrindo-se para o reconhecimento das
demandas populares e onde a reivindicação por direitos pôde circular, criando
identidades onde antes parecia só existir homens e mulheres indiferenciados na sua
própria privação.
Embora mergulhada no modo ambíguo e ambivalente de uma opinião pública
sempre pronta a desfazer sua legitimidade, a idéia do direito a ter direitos conformou
uma experiência inédita na sociedade brasileira, em que a cidadania é buscada
como luta e conquista e a reivindicação de direitos interpela a sociedade enquanto
exigência de uma negociação possível (TELLES, 2001, p. 51).
Assim, sob a ótica da cidadania, o “pobre” deixa de existir pois, sob esta ótica,
o que existe são indivíduos e grupos sociais em situações particulares de
denegação de direitos, onde suas necessidades sociais e coletivas tornam-se
presentes no interior da linguagem dos direitos, que por sua vez, coloca-as no centro
das relações sociais e da dinâmica política da sociedade (TELLES, 2001, p. 52).
Neste período da década de 80, a assistência social aos pobres passa a ser
concebida, mesmo que textualmente, sob a ótica da cidadania, prevendo direitos
aos cidadãos e colocando-se sob responsabilidade do Estado.
Raichelis (2000, p. 160), afirma que a assistência social pública tem sido,
historicamente, a única via pela qual os segmentos mais pobres têm acesso, ainda
que precário e insuficiente, aos serviços e programas de consumo coletivo e
individual.
Então, para conhecermos quem são os considerados pobres brasileiros, seu
status social e sua caracterização, faz-se necessário entendermos a política social
que lhes atende e que lhes dá a “titularidade” ou o “reconhecimento” como
necessitados e pobres.
Em seguida, a partir da análise sobre a política de assistência Social,
procuraremos caracterizar seus destinatários, identificados legalmente na LOAS (art.
17, parágrafo II), como usuários.
24
1.2 A política de Assistência Social e seus usuários
Se analisarmos historicamente a relação estabelecida entre o Estado e as
camadas mais pobres da sociedade, veremos que a via assistencial sempre foi
utilizada pelo poder estatal no atendimento às necessidades destas camadas,
porém, somente para aqueles que eram considerados incapazes para manter suas
condições de vida através do seu próprio trabalho.
Por isso, para determinarmos quem são os segmentos mais pobres da
população, é necessário entendermos a assistência social, como área de ação
governamental que os definiu e os reconheceu.
Neste sentido, para compreendermos a lógica da política de assistência social
é preciso entendê-la no contexto mais amplo das relações capitalistas de produção,
no modo pelo qual estas relações se movimentam no decorrer da história.
De acordo com Yazbek (1999, p. 53), do ponto de vista conceitual, é preciso
ter presente que o assistencial não altera questões estruturais da sociedade
capitalista; pelo contrário, muitas vezes as oculta. Mas isso não quer dizer que se
deva negá-lo ou não reconhecer sua necessidade histórica,
pois as políticas de assistência, (...) buscam responder a interesses
contraditórios, engendrados por diferentes instâncias da sociedade, e
assim não se configuram como simples produtos dos interesses dos
“de cima”, mas como espaços onde também estão presentes os
interesses dos subalternizados da sociedade.
Sob a ótica das relações de classe, a assistência social é considerada como
uma forma de enfrentamento da questão social, resultante da contradição básica
existente entre capital - trabalho, que busca harmonizar interesses antagônicos,
tendo o Estado como regulador e controlador destes conflitos, através de suas
instituições, que buscam atender os segmentos excluídos da sociedade.
Ferreira (1999, p. 66), ao abordar a questão da definição do que é assistência
social, afirma que sua função e campo de ação surgem quando se assume
politicamente e legalmente a assistência como dever político determinado por uma
condição de cidadania e não como dever moral.
25
Porém, embora definida legalmente como política pública baseada na
concepção de direito social, a prática da Assistência Social foi historicamente
marcada pela lógica do dever moral e do controle dos pobres, deixando resquícios
visíveis no modo de conceber e executar a atual política.
Como já observamos anteriormente, durante toda a trajetória histórica da
humanidade, configuraram-se diferentes formas de atendimento aos pobres,
marcados, geralmente, por formas discriminatórias e estigmatizantes de “ajuda”
7
,
conseqüência da visão negativa da pobreza e que afetou a forma de se conceber e
praticar a assistência social.
Além disso, de acordo com Bering (2003, p. 40), os avanços trazidos pela
LOAS no sentido de promover mudanças nos padrões brasileiros de proteção social,
orientado por princípios democráticos e de justiça social, movem-se numa dupla
contra-corrente: a cultura política antidemocrática e antipública do Estado e da
sociedade brasileiras, herdados pela tradição conservadora do país e o processo de
contra-reforma no país, ocorrida nos anos 90, que aprofundou a dependência e
subordinação no âmbito de mercado mundial a partir do nosso passaporte passivo
para a mundialização.
Percebemos, então que, na prática, a assistência social busca se afirmar e se
legitimar enquanto política pública
8
, que garanta o atendimento das demandas na
perspectiva da universalidade e do controle social, pois a herança conservadora no
trato com as questões assistenciais ainda é algo presente.
Para Ferreira (2001), a assistência social convive numa dialética entre a
originalidade quanto aos princípios inéditos previstos em lei, e o conservadorismo,
caracterizado pela resistência na implementação deste marco legal por parte do
Estado.
Desta forma, historicamente, as ações de enfrentamento à pobreza na
sociedade brasileira vieram acompanhadas de distorções, seja em sua concepção,
seja em sua prática, as quais dificultaram o reconhecimento legal da assistência
social como direito, e, também, colocaram entraves para sua consolidação.
7
Em Oliveira (1996), podemos obter um estudo mais detalhado sobre a reconstrução histórica da
Assistência Social.
8
Segundo Martins e Paiva (2003, p. 73), a perspectiva da política pública supõe a identificação das
demandas na perspectiva da universalidade e a construção de respostas que alcancem a todos.
26
Na sociedade brasileira, o Estado atende a pobreza através da política de
assistência social
9
, a partir de um conjunto de ações muito diversificadas, tendo
como alvo a situação de espoliação de um segmento também diversificado e cada
vez maior das classes subalternas que, em geral, situa-se na chamada linha da
pobreza que alcança mais da metade das famílias brasileiras.
Na Constituição Federal de 1988, em seus artigos 203 e 204, a Assistência
Social passa a integrar o sistema de Seguridade Social
10
, juntamente com a Saúde e
a Previdência Social, enquanto um conjunto de políticas sociais fundamentais à
reversão do grave quadro social vigente no país, estabelecendo-se um novo traçado
político constitucional.
Porém, sua efetivação como política pública de direito ainda está muito
aquém do que prevê a Constituição Federal e a LOAS, pois a construção da
assistência social como política social tem sido retardada por exigência da
necessária ruptura com o conservadorismo que a mantém sob o jugo do clientelismo
que sempre demarcou o âmbito e o modo de gestão desta política no caso brasileiro
(SPOSATI, 2004).
Neste sentido, a partir de Ferreira (1999) e Yazbek (1999), queremos apontar
algumas peculiaridades intrínsecas à constituição da assistência social brasileira,
das quais decorre a dificuldade do seu não reconhecimento como direito, onde
incorporamos contribuições de outros autores que também discutem estas
problemáticas, as quais destacamos:
a) A vinculação da assistência social à matriz conservadora do clientelismo e
do mando;
b) A vinculação da assistência social ao trabalho filantrópico;
c) O lugar secundário do social na política pública.
9
Cabe ressaltar que somente em 1988, com a Constituição Federal brasileira, a assistência social
passa a ser legalmente reconhecida como dever político, quando torna-se parte integrante da rede
pública de proteção social, acontecendo tardiamente, tendo em vista que a ação assistencial do
Estado não é recente.
10
De acordo com Paiva (1999, p. 13),
o padrão de seguridade foi sistematizado a partir do reconhecimento da obrigatoriedade do
Estado em oferecer respostas às demandas sociais através da expansão dos gastos públicos
ou (...) pela condição oportuna que este tipo de intervenção propiciava para os setores
vinculados ao capital.(...) Caberia ao Estado viabilizar desde a garantia de renda mínima, em
caso de perda de capacidade de ganhá-la, até o acesso aos serviços estatais de saúde,
educação, e serviços sociais.
27
A primeira particularidade refere-se à vinculação da assistência social à matriz
conservadora do clientelismo
11
e do mando, do favor e do apadrinhamento, formas
enraizadas na cultura política do país, que fundamenta a lógica tutelar das ações
assistenciais, baseadas na reciprocidade e em relações de caráter personalizado,
gerando uma condição de dependência pessoal.
Como forma de relação política entre o Estado e a sociedade, o clientelismo é
fortalecido quando existem necessidades e demandas que são urgentes e
excepcionais.
Na opinião de Seibel (apud OLIVEIRA, 2001, p. 110), é o momento da
necessidade, portanto, que “firma” o acordo da prestação do favor. Sendo o
momento da necessidade o que favorece a prestação do favor, este se torna uma
das formas pelas quais o Estado se relaciona com a sociedade e consegue
organizar e manter os segmentos sociais excluídos, através da prestação de bens e
serviços públicos com esse caráter.
Conforme Vianna (1989, p. 10), os benefícios sociais utilizados de forma
clientelista permitem a cooptação, estimulam a corrupção e criam os entraves à
qualquer reforma de caráter universalizante e que minimize privilégios.
É neste cenário que se fortalece a “cultura da dádiva” como contraposição à
cidadania reduzindo-se, ao favor, os direitos sociais.
De acordo com Oliveira, a gestão da Assistência Social sob a ótica do
clientelismo apresenta-se de forma
desarticulada e fragmentada, e seus efeitos se reduzem a ajudas e
concessões pontuais e descontínuas que, longe de superar a miséria,
podem reproduzir uma forma de relação clientelista entre ricos e
pobres desafortunados. A estes não cabem direitos, mas restam
favores de protetores e provedores privados que, muitas vezes,
munidos de poderes e recursos públicos, deles podem se apropriar
como forma de controlar e manter sua rede de clientela (OLIVEIRA,
2003, p. 24).
11
O clientelismo significa uma ação de troca entre sujeitos intermediada pelo favor. De acordo com
Seibel (apud OLIVEIRA, 2001, p. 110), de um lado encontra-se aquele que demanda um serviço de
caráter público que não pode ser obtido através do mercado e, de outro, aquele que administra ou
tem acesso aos decisores sobre a concessão desse serviço.
28
Ferreira (1999, p.66) cita, como exemplo, as verbas e subvenções públicas
que são utilizadas de forma privada pelos parlamentares. Em decorrência do uso
clientelista da assistência social, a autora acrescenta ainda que a assistência social,
ao invés de consolidar-se em política pública, passa a ser implementada em função
dos interesses político-econômicos do governo de plantão, mudando seu caráter de
quatro em quatro anos, enquanto uma política de um governo em particular.
Na esfera da política de assistência social, a matriz do clientelismo reforça as
figuras do “pobre beneficiário”, do “desamparado” e do “necessitado”, com suas
necessidades atomizadas e incutindo na pessoa excluída a posição de subordinado
e culpado pela sua condição de pobreza (YAZBEK, 1999).
Além disso, o grau de reconhecimento da necessidade social é atravessado
pela personalidade do mandante: mudam-se os chefes, muda-se o atendimento,
muda a orientação política, mudam-se os serviços prestados (SPOSATI, 1989, p.
21).
Neste contexto, o campo da assistência social traz a personalização de
práticas, seja do mandonismo de um chefe intermediário, seja da orientação
clientelar da autoridade que o dirige (SPOSATI, 1989, p. 21).
A segunda distorção em relação às ações assistenciais diz respeito à
vinculação da assistência social com o trabalho filantrópico, voluntário, identificando
a intervenção técnica com a ação voluntária. É constituída a partir de bases
institucionais de caráter filantrópico (instituições religiosas, entidades beneficentes,
etc), tendo como uma de suas marcas a identificação da assistência com o
assistencialismo paternalista e fundado em razões de benemerência (YAZBEK,
1999).
Para Ferreira (1999, p. 67), a identificação entre assistência e filantropia é
reforçada pela opacidade das relações entre público e privado no Brasil e no caso
da assistência social, faz parte do interesse de mantê-la sob a ótica do dever moral e
submetida à interesses clientelistas e paternalistas.
Sposati et alii (1989), apresentam uma distinção entre assistência e
assistencialismo, desmistificando conceitos empregados de forma equivocada para
referir-se à política assistencial. Segundo as autoras, o caráter assistencialista não
está diretamente ligado ao repasse de recursos em si, mas da direção que se dá ao
mesmo.
Neste sentido, o assistencialismo torna-se presente no
29
movimento inclusão-exclusão enquanto descola o incluído dos seus
pares, do seu universal, da sua situação de classe, tratando-o como
um particular (...), quando se atribui como mediador da inclusão o
poder burocrático instituído, que concede ou não o serviço, como se
fosse propriedade particular do profissional (SPOSATI et all, 1989, p.
75).
Em contraposição, a assistência social rompe com a prática assistencialista
quando rompe com a mera prestação de serviços à população e,
concomitantemente, consegue fortalecer o processo de organização desta
população na reivindicação e conquista de seus direitos e no atendimento de suas
necessidades mediatas (OLIVEIRA, 1996).
A última distorção, apontada por Yazbek (1999), está relacionada à
conformação burocratizada e inoperante da assistência social, determinada pelo
lugar que ocupa o social na política pública e pela escassez de recursos para a área.
Historicamente, podemos observar que a assistência social sempre foi
relegada como secundária e marginal ao conjunto das políticas, marcada por uma
prática assistemática e descontínua, apresentando dificuldades de constituir-se
como política social pública, sem efetividade diante de seu objeto.
De acordo com Oliveira (1999, p. 38), a história da assistência social
demonstra que sua prática sempre teve um caráter secundário em relação ao
conjunto das demais políticas sociais, baseada em princípios alienantes,
paternalistas e excludentes:
caracterizada como campo de ação da igreja, de solidariedade da
sociedade civil e das Primeiras Damas, a assistência não adquiriu
visibilidade como política pública. O Estado brasileiro a ela reservou um
conjunto de medidas de favor e proteção aos excluídos da riqueza
social, de forma casuística e assistencialista.
Em relação à escassez de recursos para a área da assistência social, Paiva
(1999, p. 24), alega que um dos traços mais polêmicos da discussão sobre a
assistência social é em relação a sua feição pulverizada, conseqüência do lugar
subalterno que a assistência ocupa no interior da concorrida estrutura de
financiamento e de poder pertinente ao sistema de proteção social do país.
30
Observamos que o lugar secundário e marginal da política de assistência
social no âmbito do aparelho estatal revela a resistência e a forma
descompromissada do Estado em assumir sua responsabilidade para com esta
política, orientando-a no sentido de fortalecer as iniciativas privadas.
De acordo com Sposati (1988, p. 315), é importante salientar que o lugar
burocrático da assistência social no aparato governamental tem se caracterizado
pela ausência de lugar econômico, social e político na sociedade brasileira para os
segmentos mais pauperizados, constituindo-se num espaço de discriminação e de
segregação.
Tradicionalmente, percebemos o caráter descontínuo e compartimentado das
ações assistenciais, sem uma articulação mais ampla que articule estas ações, e
que defina competências e recursos, o que ocasiona a prestação de serviços
emergenciais e circunstanciais que não alteram o perfil da desigualdade e se nega a
dimensão redistributiva que deveria orientar a intervenção estatal no campo da
política assistencial (YAZBEK, 1999, p. 51).
Na relação entre Estado e as políticas sociais, a política de assistência social
também possui particularidades em relação às demais políticas, que merecem ser
destacadas, pois requerem um tratamento teórico e político diferenciado, não
podendo ser tratada pelos mesmos critérios que presidem as demais políticas
sociais.
Além de todo o legado histórico da assistência social, baseado numa história
secular de vícios e equívocos impostos pelas classes dominantes em uma
assistência social aos pobres, vinculada à pobreza absoluta, Pereira (2004), destaca
também as particularidades intrínsecas desta política que requerem uma atenção
particular.
Uma destas particularidades diz respeito ao fato de a assistência social não
possuir um recorte identificável de atuação no conjunto das necessidades e
demandas sociais, dificultando a identificação e a visibilidade de seu espaço e a
especialização de seu conteúdo e ações.
Neste sentido, a assistência social não tem uma dada necessidade social por
objeto de ação, mas o conjunto de necessidades sociais de um determinado
segmento da população.
Os serviços públicos de assistência social distinguem-se dos demais serviços
públicos por operarem, ao mesmo tempo, com necessidades de consumo
31
individuais, que não são considerados atendimento de utilidade pública, e
necessidades de consumo coletivas.
Por transitar entre o individual e o coletivo, difere-se dos demais serviços
públicos por não operar uma necessidade social de caráter universal a todos os
segmentos, mas a um segmento específico, ou seja, aos mais pobres.
Esta situação processa-se porque o escopo da assistência social é o social, e
não um aspecto desse social, o que equivale dizer que neste escopo cabem todos
os recortes ou “setores” de outras políticas, já que ele é, por natureza, amplo,
interdisciplinar e intersetorial (PEREIRA, 2004, p. 58).
Nestes termos, podemos dizer que, na prática, a assistência social é a política
pública mais apta a estabelecer interfaces e vínculos orgânicos com as demais
políticas congêneres (sociais e econômicas), tendo em vista a universalização do
atendimento das necessidades sociais no seu conjunto, de favorecer o acesso e
usufruto de bens, serviços e direitos diversificados a parcelas da população
excluídas dessas possibilidades.
É justamente esta particularidade que não está clara na operacionalização da
política de assistência social brasileira, resultando na imprecisão conceitual desta
política e a conseqüente falta de clareza de seus papéis, compromissos e ações.
Sposati (2004), afirma que a falta de visibilidade pública da assistência social
como política social tem como causa o que chama de concepções inespecíficas que
predominaram sobre esta política e que tem dificultado o estabelecimento da sua
particularidade/especificidade, que é condição necessária para garantir e firmar o
paradigma do direito nesta política.
A dificuldade em estabelecer a especificidade da política de assistência social
e definir suas particularidades,
permitiu que esta política fosse entendida como processante de outras
políticas sociais e que configura uma hierarquia entre as políticas
sociais e atribui à assistência social um lugar supletivo e de mediação.
No caso, ela teria a capacidade nucleadora de necessidades dos
excluídos das “políticas básicas” (SPOSATI, 2004, p. 38).
Além disso, esta mesma dificuldade estabeleceu muitas vezes, como
conteúdo da assistência social, todas as situações não incorporadas pelos padrões
técnicos normativos de cada política. Desta forma, ela cuidaria do expurgo de cada
32
política social, ou seja, ela cuidaria das demandas das quais as demais políticas não
dão conta de atender ou que não se “enquadram” nos serviços oferecidos por estas
políticas.
Sposati (2004, p. 37), ainda menciona que algumas políticas sociais, ao
buscar combinar universalismo com meritocracia, denominam como de âmbito da
assistência social o acesso a alguns serviços seletivos que produzem, onde
podemos citar como exemplo, o fornecimento do leite e do medicamento não como
ações da política de Saúde, mas de assistência social.
Outra inespecifidade está ligada à concepção da política de assistência social
como não tendo conteúdo específico, pois se constitui na mediação institucional que
opera o trânsito do usuário para outra política social. Nesta concepção, a assistência
social não teria provisões próprias, mas operaria através de encaminhamentos a
outras políticas, como se fosse uma “agência de despachante”.
Ainda no campo da defesa de que a política de assistência social não tem
conteúdo particular, identificam-se aqueles que consideram esta política como
reguladora da pobreza, operando com a pobreza absoluta e construindo um lugar
secundário ao mais pobre sob a égide da meritocracia de uma forma de assistência
especializada em necessitados (SPOSATI, 2004).
De acordo com a autora, a tendência deste paradigma é o focalismo: assim, a
assistência social, diversamente das demais políticas sociais, não operaria sob o
referencial da necessidade, mas sim com necessitados sociais comumente
estigmatizados como carentes (SPOSATI, 2004, p. 37).
Sposati (2004), observa que o debate sobre a especificidade da assistência
social no âmbito da gestão pública brasileira está se constituindo num processo
recente, demandado pelo atual governo, mesmo que ainda de forma muito tímida.
A mesma autora avalia esta situação como extremamente nova do ponto de
vista político, capaz de imprimir novos rumos à gestão da assistência social como
política social pública, apesar da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS já
existir há mais de dez anos.
De acordo com Sposati (2004), o novo é a perspectiva de realmente se
alcançar o conteúdo de uma política de Estado em contraponto às práticas e
políticas de governo que predominaram nesses anos de existência da LOAS.
Segundo a autora, é preciso ter presente que a instalação da área de
assistência social como política de seguridade social em 1988, decorreu mais de
33
uma decisão política em retirar da Previdência Social o que não era stricto sensu
seguro social e deslocar para a assistência social o que não era da Previdência
Social por não ser benefício decorrente de contribuição social.
Nesta lógica, a implementação da política de assistência social não resultou
de um processo político pela ampliação do pacto social brasileiro, por isso, ainda
não foi consolidado o campo da responsabilidade pública desta política.
Desta forma, para a defesa da especificidade/particularidade da assistência
social, é necessária a sua construção, com base em uma nova cultura política, em
um novo paradigma.
Na ótica da Seguridade Social, a assistência social é proteção, então, deve
atuar preventiva e protetivamente, nas situações de risco social. Além disso, deve
prover as seguranças de acolhida, convívio, autonomia, equidade e travessia
12
.
Por risco social, nesta perspectiva, entende-se aqueles que se instalam no
campo relacional da vida humana, ou seja, advindos dos processos de convívio, de
(in)sustentabilidade de vínculos sociais e não somente os riscos sociais que advêm
de situações físicas, psicológicas e biológicas (SPOSATI, 2004).
A noção de risco social no âmbito da Seguridade Social brasileira é muito
frágil, pois é perpassada pela lógica liberal e neoliberal que entendem o risco como
uma questão individual, na qual as incertezas da vida devem ser respondidas
individualmente.
No campo da Seguridade Social, a proteção social na assistência social
encontra-se no campo de riscos e vulnerabilidades sociais que, além de garantir
provisões materiais,
deve afiançar meios para o reforço da auto-estima, autonomia,
inserção social, ampliação da resiliência aos conflitos, estimulo à
participação, eqüidade, protagonismo, emancipação, inclusão social e
conquista de cidadania (SPOSATI, 2004, p. 43).
Desta forma, sob a ótica da Seguridade Social, entende-se a assistência
social como política de garantias de direitos, de prevenção e proteção social por
12
Esta construção do que seja a assistência social e suas modalidades de atendimento foi
desenvolvida por Sposati desde 1995, a partir do Núcleo de Seguridade e Assistência Social da PUC-
SP, e debatida e experimentada no processo de gestão da política de assistência social na cidade de
São Paulo.
34
meios de serviços, benefícios, programas, projetos, monitoramento e trabalho social
que:
Previne/reduz situações de risco social e pessoal;
Protege pessoas e famílias vulneráveis e vitimizadas independente de idade,
sexo, raça, etnia, renda;
Cria medidas e possibilidades de ressocialização, reinserção e inclusão
social;
Monitora exclusões, vulnerabilidades e riscos sociais da população
(SPOSATI, 2004, p. 41).
Nesta configuração, quem são os usuários da política de assistência social?
O que diz a Constituição Federal de 1988? E a LOAS?
A assistência social no Brasil é uma política de Seguridade Social não
contributiva, instituída na última Constituição Federal brasileira (1988), considerada
direito do cidadão e dever do Estado, destinada a quem dela necessitar.
Regulamentada pela Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, Lei Orgânica
da Assistência Social – LOAS, a assistência social é política que provê os mínimos
sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e
da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.
Diferentemente das demais políticas de Seguridade Social – a Saúde como
direito de todos e a Previdência Social destinada a quem a ela contribuir, a
Assistência Social é destinada aos desamparados (art. 6º, CF de 1988).
Neste contexto, a política de Assistência Social usa um critério particular, o
mérito ou o valor da necessidade para definir sua demanda (SPOSATI, 1989, p. 07).
Desta forma, questionamos: quem são os usuários da política de assistência
social? Quem são os que dela necessitam?
Caracterizar quem são os usuários da política de assistência social é o nosso
desafio. Fernandéz (apud FREITAS, 2004, p. 36), analisando as sociedades
modernas, sugere que a inclusão dos indivíduos na categoria de pobres, acontece
quando são reconhecidos publicamente como necessitados de assistência e a
aceitam, onde passam a ter um status especial marcado pelos atributos negativos,
decorrentes do que não possuem e das conseqüências de tal situação.
35
Neste sentido, não é qualquer cidadão que tem direito a receber atendimento
pela assistência social, mas só aqueles a quem a sociedade reconhece como
necessitados e desamparados (SPOSATI, 1989).
A partir deste ponto de vista, a assistência social seria um campo de ação que
atende a indivíduos em situações especiais; não seria igualitária para todos os
cidadãos, mas àqueles portadores de uma situação similar (SPOSATI, 1989, p. 12).
No entanto, a LOAS estabelece que a assistência social tem como objetivos:
A proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
O amparo às crianças e aos adolescentes carentes;
A promoção da integração ao mercado de trabalho;
A habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiências e a
promoção de sua integração à vida comunitária;
A garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção ou tê-la provida por sua família.
Assim, com base nestes objetivos, todo cidadão brasileiro estaria sob a
proteção da assistência social, com exceção dos trabalhadores pertencentes ao
mercado formal de trabalho.
Considerando que mais da metade dos trabalhadores brasileiros estão em
situação informal perante o mercado de trabalho, poderíamos dizer que quase a
maioria da população teria direito à assistência social, contrapondo-se ao caráter de
excepcionalidade quanto às suas demandas.
Se legalmente a assistência social tem uma ampla abrangência sob a ótica da
Seguridade Social, na prática
13
, porém, ela se constitui em uma forma específica e
estratégica de atribuir alguns serviços sociais a determinados segmentos da
população, mais especificamente àquela população que não é imediatamente visível
aos olhos do capital (SPOSATI, 1989).
Neste sentido, parece que, ao mesmo tempo, todos e ninguém são
demandatários da assistência social, o que é reforçado pela Constituição brasileira
(SPOSATI, 1989, p. 17).
13
De acordo com Martins e Paiva (2003, p. 55), o reconhecimento legal da assistência social como
direito não provocou automaticamente uma inversão das práticas tradicionais ligadas à assistência
social.
36
Para a autora, cabe à assistência social, como mecanismo político e
econômico, atender aqueles que, aparentemente, não existem para o capital: o
trabalhador parado, o desempregado, o indigente, o que não possui vínculo formal,
os incapacitados (SPOSATI, 1989).
De acordo Sposati (1989) e Telles (2001), é o contrato social que define as
condições de reprodução do trabalhador no mundo da previdência ou da assistência
social, onde o primeiro é o campo dos segurados e o segundo, o campo dos
necessitados, invisíveis juridicamente.
A forma de constituição do mercado de trabalho no Brasil vale-se de uma
noção de que o homem só é reconhecido social e politicamente enquanto se faz
trabalhador aos olhos do capital, enquanto que o trabalhador que não se insere no
mundo do trabalho não ganha tal visibilidade.
Para Telles (2001, p. 81), a carteira de trabalho é considerada como sinal de
respeitabilidade e honestidade que redime o trabalhador do estigma da pobreza.
Desta forma, não basta ter a posse da força de trabalho, é necessária a posse
e efetivação do emprego para ganhar visibilidade e reconhecimento dela decorrente
(SPOSATI, 1989, p. 14).
Além disso, soma-se a esta idéia, a ideologia burguesa de que todo
trabalhador brasileiro é um pretenso vadio. A resistência à subordinação, à
exploração do trabalho é sinônimo de vadiagem (SPOSATI, 1989).
Neste sentido, para Telles (2001, p. 82), o pobre é aquele que tem que
provar o tempo todo, fazer-se ver e reconhecer a si próprio e à
sociedade a sua própria respeitablidade num mundo em que os
salários insuficientes, a moradia precária, o subemprego e o
desemprego periódico solapam suas condições de possibilidade.
Esta ideologia tem seus fundamentos na lógica do primado liberal do trabalho,
lógica esta que dificultou e ainda vem colocando entraves quanto ao reconhecimento
legal da assistência social e sua implantação como política pública e,
conseqüentemente, ao reconhecimento do seu usuário como cidadão de direito.
De acordo com Ferreira (1999, p. 67), a assistência social é uma política em
constante conflito com as formas capitalistas de organização social do trabalho.
Neste sentido, a política de assistência social é perpassada pela lógica do
primado liberal do trabalho que sempre influenciou na definição das políticas sociais,
37
onde a perspectiva de garantia de renda mínima dissociada do exercício do trabalho
gera debates conflituosos e antagônicos, caracterizando-se numa ameaça para a
sociedade de mercado.
Nesta lógica, o Estado não deve prestar assistência aos que têm condições
de vender sua força de trabalho para manter sua subsistência, a fim de não
estimular o ócio, a preguiça e o desestímulo ao trabalho.
Segundo Ferreira (1999), o princípio moral de que a assistência social
estimula o ócio e desestimula o trabalho orientou a organização das principais
políticas sociais, implementadas nos países capitalistas no final do século XIX, onde
a assistência deveria ser extinta ou garantida apenas para aqueles que eram
considerados incapazes para manter suas condições de vida pelo trabalho, devido a
impedimentos físicos/mentais ou de idade precoce ou avançada.
Podemos mencionar as leis para os pobres (Poor Laws), implantadas na
Inglaterra no início do século XIX, onde a assistência social era prestada de forma
coercitiva proibindo a mendicância e determinando que cada município cuidasse de
seus pobres (OLIVEIRA, 1996).
Além disso, os pobres que tinham condições de trabalhar eram encaminhados
às “casas de trabalho”, que tinham a função de separar os “bons” dos “maus”
pobres, mediante disciplinarização da força de trabalho.
Marshall (1967), em sua análise sobre esta experiência, em seu clássico
estudo sobre a cidadania, apontou a dissociação existente entre pobreza e
cidadania, pois a Poor Law (1834) não reconhecia como direitos o atendimento às
necessidades sociais dos pobres.
Nesta lógica, o indivíduo é culpabilizado pela sua condição de miserabilidade
e o Estado passa a agir de forma moralizadora e assistencialista, “assistindo” aos
miseráveis segundo critérios morais de bom comportamento e segundo prova de
indigência ou de incapacidade de trabalhar (FALEIROS, 1991, p. 67), onde os
serviços assistenciais são trasvestidos de “ajuda” e não como direito.
No entanto, Raichelis (1998) afirma que esta dissociação entre cidadania e
pobreza ainda permanece, apesar dos avanços civilizatórios alcançados pela
moderna sociedade capitalista, no momento de afirmar e estender a assistência
social àqueles excluídos do seu alcance.
Raichelis (1998) cita como exemplo os critérios estabelecidos na Lei Orgânica
da Assistência Social (LOAS), para o acesso ao Benefício de Prestação Continuada
38
– BPC pelos idosos e pessoas portadoras de deficiência, que precisam se submeter
a um processo de peregrinação por instâncias burocráticas, tendo que comprovar
sua situação de miserabilidade.
Para a autora, essa situação revela a condição de menoridade civil dos
usuários da assistência social, que institui relações de tutela e gera obrigações, não
direitos.
Por não se colocar diretamente no confronto capital-trabalho, os segmentos
mais pobres apresentam reduzida visibilidade política, onde suas práticas não
atingem a opinião pública, já que aqueles que recorrem à assistência social “não
existem” para o capital (SPOSATI, 1989, p. 15).
A assistência social, ao se constituir como ajuda, põe-se imediatamente no
campo do não-direito, pois para que o usuário possa ser reconhecido perante esta
política, a sua necessidade deve ter o mérito de ser atendida.
Ewald (apud RAICHELIS, 1998, p. 157) afirma que, na lógica jurídica liberal, o
direito supõe troca de equivalentes, o pobre que reclama sem dar, se situa abaixo do
direito. Seu lamento não o remete a nenhuma obrigação jurídica.
Neste sentido, o fato do status de pobre não implicar qualquer expectativa de
contribuição social, este status passa a simbolizar a sua falta de visibilidade social, o
que demonstra que o pobre não padece somente de segregação física, mas também
de uma espécie de invisibilidade moral.
Para Telles (2001, p. 42), os pobres são aqueles que não têm nome, não têm
rosto, não têm identidade, não têm interioridade, não têm vontade e são desprovidos
da razão. Nesta (des)figuração, também é definido o lugar do pobre na sociedade:
são as classes baixas, as classes inferiores, os ignorantes, que só podem esperar a
proteção benevolente dos superiores ou, então, a caridade da filantropia privada.
Dentro desta lógica, receber assistência significa ser estigmatizado e
considerado como membro de um grupo diferente de pessoas implicando uma
degradação de status, o de pobre (FREITAS, 2001).
De acordo com Coser (apud FREITAS, p. 37), uma das manifestações desta
degradação de status está na violação à privacidade de quem recebe assistência,
pois para que tenha acesso a este direito, o indivíduo é obrigado a submeter a sua
vida ao exame público, tendo sua casa e seus atos investigados.
A visão liberal de conceber a pobreza predominou, historicamente, criando
um estigma quanto à prática da assistência social, que é reiterada quando se adota
39
diretrizes baseadas na pobreza absoluta; aqueles mínimos vitais e de sobrevivência,
que tornam os indivíduos absolutamente idênticos, pois são referidos a uma medida
absoluta de vida e morte, onde há apenas o imperativo da sobrevivência
(RAICHELIS, 1998).
De acordo com Yazbek (1993), este modo de conceber a assistência social
também impregna as representações que os próprios usuários têm das ações
assistenciais
14
que, na maioria das vezes, vêem esta política como ajuda, sentindo-
se humilhados e envergonhados, quando colocados na condição de pedintes; e
indignados quando percebem a falta de consideração do Estado perante seus
cidadãos.
Estas ações são apresentadas, geralmente, como forma de doação a partir da
estrutura burocrática do Estado que mostra, assim, sua face paternalista
15
.
De acordo com Iamamotto (1992, p. 97), nesta relação fetichizada
o que é um direito metamorfoseia-se em “benefício”. Ao fazerem isso,
recuperam e falsificam o conteúdo de classe dessas lutas. Trata-se de
buscar deslocar as contradições do campo explícito das relações de
produção para absorvê-las e controlá-las nos canais abertos no nível
do aparelho do Estado.
Esta relação, entre o Estado e as camadas mais empobrecidas, evidencia a
subalternidade política desta população, onde a prestação de um serviço
assistencial transforma-se de uma relação de direito em uma relação de gratidão,
impedindo que o cidadão empobrecido, carente de representação, influa nas
decisões e ações que lhe dizem respeito (SPOSATI, 1988, p. 40).
Em decorrência disso, podemos dizer que a população usuária da Assistência
Social, mais vulnerável pelo processo de exclusão, e por isso mais dependente de
serviços públicos, possui pouco poder de articulação de seus interesses nos
espaços institucionalizados de participação (SOARES; GODIN, 1998), onde citamos
como exemplo, os Conselhos Gestores e o Orçamento Participativo.
14
Yazbek (1993) apresenta vários depoimentos muito elucidativos dessa questão. Ver p. 83 – p. 161).
15
Na concepção paternalista do Estado, o mesmo é considerado como o “agente principal” que age
pela sociedade civil (...), se apresenta como o protetor dos fracos, como meio de satisfazer as
necessidades sociais, pelas medidas legais que compensem as fraquezas dos indivíduos, pela
introdução dos direitos sociais (FALEIROS, 1991, p. 43).
40
Dentre os Conselhos Gestores, podemos dizer que a política de assistência
social, a partir dos novos preceitos constitucionais e da LOAS, também passou a
incorporar, em sua nova estrutura de gestão, os conselhos com representação
paritária e com o objetivo de formular, deliberar e controlar as ações desta política no
âmbito das três esferas de governo.
A representação da sociedade civil nos conselhos de assistência social é
composta por três segmentos: os trabalhadores do setor, as entidades assistenciais
e os usuários.
Neste sentido, podemos dizer que, a princípio, os usuários da política de
assistência social possuem um espaço de participação e representação junto aos
conselhos desta política nos três níveis de governo por meio de suas entidades
representativas.
Porém, como já destacamos anteriormente, a pobreza também se expressa
pela ausência, nestes espaços, dos sujeitos que a experimentam e, neste caso, a
pobreza se expressa pela dificuldade de organização dos segmentos sociais
usuários dos serviços de assistência social, principalmente aqueles mais
vulneráveis, como as crianças, os idosos e as pessoas portadoras de necessidades
especiais.
Raichelis (1998, p. 253), em sua análise sobre os conselhos de assistência
social, através de sua pesquisa com os representantes do Conselho Nacional de
Assistência Social – CNAS, constatou que a questão da representação dos usuários
no CNAS mostra-se vazia de representação dos grupos populares por meio de suas
próprias organizações e formas de associação, onde a classe média é quem atua
por uma espécie de “substituísmo”, termo empregado por Francisco de Oliveira,
desempenhado por quadros mezzo-a-mezzo técnicos e políticos.
Para a autora, o campo da assistência social representa um caldo de cultura
para a reprodução da subalternização dos pobres, o que justificaria a sub-
representação dos usuários no CNAS, pois guarda relações com toda esta dinâmica
societária que acaba por atribuir às camadas mais pobres um estatuto de
menoridade civil (RAICHELIS, 1998).
O autoritarismo social, marcado pelas relações de favor, tutela e clientela,
está entranhado na cultura política brasileira, não estabelecendo nas relações
sociais a idéia de direitos e igualdade jurídica dos cidadãos e trazendo como
41
conseqüências a impossibilidade de instituir-se a esfera pública fundada nas idéias
de cidadania e representação (RAICHELIS, 1998, p. 281).
Portanto, a subalternidade política dos usuários da política de assistência
social torna-se um fator dificultador, quando se trata de estes se mobilizarem para
reivindicar seus direitos, principalmente porque o Estado, historicamente, manteve
uma relação clientelista e assistencialista com as camadas mais pobres, dificultando
sua mobilização e gerando uma condição de dependência pessoal.
Além disso, esta relação de subalternidade faz com que estes usuários não
se sintam cidadãos portadores de direitos e nem capazes de desempenhar uma
ação política efetiva, imersos num estado de passividade política.
Percebemos que a precariedade das condições de vida também é um fator
dificultador para a participação da população empobrecida nos espaços públicos de
discussão acerca dos problemas sociais que lhes dizem respeito, devido aos custos
da participação – não apenas materiais (transporte, trabalho, etc) como simbólicos
(sentir-se bem) (LUCHMANN, 2002, p. 159).
Por conseqüência disso, esta população apresenta-se desarticulada, não se
organizando e mobilizando para participarem de forma efetiva dos espaços de
participação existentes, no sentido de capacidade de estar presente e em condições
de manifestação de suas reivindicações junto às políticas sociais públicas.
Entendemos que a inclusão dos setores subalternos, nos espaços
institucionalizados de participação, é algo imprescindível para a superação de seu
estado de pobreza, não somente econômica, mas também política, pois entendemos
que é a partir da ocupação destes espaços como meio de reivindicação de melhorias
para garantir condições de vida digna e, principalmente,
na proporção em que as carências individuais aparecem na esfera
pública enquanto objeto de direitos inalienáveis de cidadania, a
reivindicação torna-se uma forma de atuação política, cuja utilização
possibilita o desempenho de uma função específica no sistema político,
particularmente no processo governamental (CALDERÓN, 1995, p. 28).
Como já ressaltamos anteriormente, a condição de pobreza e a cultura
política brasileira são fatores impeditivos da participação dos usuários da política de
assistência no espaço institucionalizado dos conselhos.
42
Desse modo, interessa-nos investigar se estes fatores também dificultam a
participação destes usuários em outros espaços de participação como, por exemplo,
o orçamento participativo, já que esta experiência de gestão democrática tem
favorecido, a partir de sua proposta e de seu desenho institucional, a priorização da
participação e das demandas dos setores mais carentes da população.
O OP e os Conselhos Gestores são espaços de participação que surgiram em
decorrência do processo de democratização da sociedade brasileira a partir da
década de 80, que trouxe uma maior interlocução entre o Estado e a sociedade civil.
Com base nos ideais da democracia participativa, que traz em seu bojo a
participação como valor fundamental, a sociedade civil passa a construir uma esfera
de práticas sociais mais democráticas.
Sendo assim, passamos a descrever este processo de aprofundamento da
democracia na sociedade brasileira a partir do próximo capítulo, para que possamos
entender o contexto em que surgiram as experiências de gestão democrática como o
OP, que possibilitam a inserção daqueles que, tradicionalmente, fazem-se ausentes
nos espaços de participação.
43
2 O APROFUNDAMENTO DA DEMOCRACIA E O SURGIMENTO DE
EXPERIÊNCIAS DE GESTÃO PARTICIPATIVA: O CASO DO O.P.
Historicamente, a sociedade brasileira sempre conviveu com um sistema
democrático que limitava a participação política dos seus cidadãos ao ato de votar,
onde a política do favor, base e fundamento do nosso Estado, transformou o voto
em instrumento de barganha eleitoral, desvirtuando a legalidade das “regras do
jogo”.
Principalmente as populações mais empobrecidas da sociedade brasileira,
como os usuários da política de assistência social, serviram e ainda servem de
massa de manobra em períodos eleitorais, quando persuadidos, a partir de sua
necessidade mais elementar, a venderem seu voto em troca de benefícios materiais
ou econômicos, o que, na maioria das vezes, restringe-se à doação de uma cesta
básica de alimentos.
No entanto, a partir da década de 80, a sociedade brasileira começa a passar
por mudanças no que se refere à revisão de seus padrões democráticos no sentido
de seu aprofundamento através de uma maior interlocução da sociedade civil com o
Estado a partir de sua maior participação e deliberação nos espaços de decisão
política.
Neste período surgem experiências de gestão democráticas como os
Conselhos Gestores e o Orçamento Participativo, possibilitando a participação da
sociedade civil nos espaços de tomada de decisões acerca da destinação e
distribuição dos recursos públicos.
Neste sentido, democracia e participação são duas categorias analíticas
fundamentais para entendermos o processo de democratização ocorrido em nosso
país e as experiências democráticas, que surgiram em decorrência deste processo,
as quais passaremos a apresentar em seguida.
Posteriormente, passaremos a abordar a experiência do OP como experiência
de gestão democrática surgida em Porto Alegre em 1989, e sua relação com as
44
camadas mais empobrecidas da população, neste caso, com os usuários da política
de assistência social.
2.1 Democracia e participação: categorias fundamentais para o entendimento
do processo de democratização da sociedade brasileira
A democracia tem originado importantes debates em torno de sua definição e
diversas conceitualizações têm sido propostas ao longo da história.
De acordo com Held (1987), as origens do termo “democracia” são gregas,
derivada de demokratia, cujas raízes são demos (povo), e kratos (governo). Desta
forma, democracia significa uma forma de governo na qual o povo governa e implica
um Estado em que existe alguma forma de igualdade política entre o povo.
A interpretação dos significados que a teoria e a prática da democracia
adquiriram ao longo de sua história, necessitaria situá-las desde a Grécia Antiga até
os dias atuais, apontando a transformação e ressignificação de seus princípios
durante seu conflituoso percurso (OLIVEIRA, 2001). Porém, na história do embate
de posições destinadas a definir a democracia, encontra-se a luta para determinar se
a democracia significará algum tipo de poder popular, ou um meio de legitimar as
decisões daqueles que são eleitos para o poder (HELD, 1987).
No entanto, não é nossa intenção fazer uma análise extensiva sobre o
processo de construção histórica da democracia, mas nos ater nos estudos
contemporâneos sobre o debate a respeito da democracia elitista e democracia
participativa, de modo a indicar, de maneira sucinta, os principais aspectos destes
dois modelos de democracia, que contribuirão para a análise sobre o processo de
democratização da sociedade brasileira.
Analisando historicamente, a democracia assumiu um lugar de destaque no
campo político durante o século XX, sendo que na primeira metade do século o
debate centrou-se em torno da desejabilidade da democracia como forma de
governo (SANTOS e AVRITZER, 2002, p. 39).
Porém, ao final das duas guerras mundiais, a proposta que se tornou
hegemônica foi a prática democrática, enquanto de um procedimento eleitoral para a
formação de governos, em contraposição às formas de participação e soberania,
45
imbuída na visão do elitismo competitivo supervalorizando o papel dos mecanismos
de representação.
Em função disso, a concepção de democracia vigente está ligada à idéia de
democracia representativa
16
, de acordo com os moldes liberais surgidos no final das
duas guerras mundiais.
De maneira geral, o elitismo democrático desconsidera a concepção de
democracia como teoria que vincula meios e fins e privilegia seu caráter
procedimental, limitando a sua prática ao ato de votar, excluindo formas mais ativas
de participação.
No modelo elitista, quando é permitida a participação, esta se restringe aos
limites estabelecidos pelas elites que convoca a população, não para atender suas
demandas substantivas, mas para buscar nelas apoio em época de eleições.
O modelo elitista traz em seu bojo um caráter instrumental, individualista e
competitivo da democracia, pois a concebe simplesmente como mecanismo de
escolha dos líderes políticos na competição entre os partidos através do voto,
equiparando a dinâmica política ao jogo do mercado (LÜCHMANN, 2002, p. 19).
Segundo a autora, esta visão mercadológica da política reduz a democracia a
um mecanismo de escolha dos representantes políticos, onde a legitimidade do
governo é assegurada apenas pelo resultado do processo eleitoral.
Este modelo de democracia foi desenvolvido com base no pensamento de
Max Weber (1864 – 1920), e Joseph Schumpeter (1883 – 1946), que partilhavam
idéias de vida política na qual há pouco espaço para a participação democrática e o
desenvolvimento coletivo.
Os autores construíram uma concepção bastante restrita de democracia,
concebendo-a como um meio de escolher pessoas incumbidas da tomada de
decisões e de impor limites aos seus excessos (HELD, 1987).
Ainda segundo Held (1987, p. 131), foi principalmente através do pensamento
de Weber que um novo modelo de democracia tomou expressão: o elitismo
competitivo.
16
Para definirmos o conceito de democracia representativa, recorremos a Norberto Bobbio (2002, p.
56): a expressão“democracia representativa” significa genericamente que as deliberações coletivas,
isto é, as deliberações que dizem respeito à coletividade inteira, são tomadas não diretamente por
aqueles que dela fazem parte mas pessoas eleitas para esta finalidade.
46
Weber concebe a democracia como um campo de testes para líderes em
potencial. A democracia é como um mercado, um mecanismo institucional para
podar os mais fracos e colocar no poder os que têm mais competência na luta
competitiva por votos e pelo poder (HELD, 1987).
Weber é bastante cético quanto ao papel do eleitorado e a extensão da
participação política. Ele acreditava na idéia da passividade das massas, fruto do
mundo moderno. Para Weber, a massa do povo é passiva e demonstra falta de
conhecimentos, compromissos e envolvimento na política. Além disso, possui uma
certa emotividade, que não se constitui numa base adequada para julgar ou
compreender questões políticas.
De acordo com Held (1987, 147), a explicação dada por Weber a respeito da
aceitação das idéias sobre a passividade da massa de cidadãos é dupla: existem
poucas pessoas capazes e interessadas na política; e apenas uma liderança
competente, juntamente com uma administração burocrática e o sistema
parlamentar, podem administrar a complexidade, os problemas e as decisões da
política moderna.
No entanto, Held faz questionamentos pertinentes em relação à idéia da
passividade das massas que Weber traz em seu modelo de democracia. Para Held,
parece inconsistente considerar o eleitorado capaz de escolher líderes e
desconsiderar sua capacidade de refletir sobre questões de importância política.
Além disso, a participação limitada na política, por parte das pessoas, ao
invés de ser fruto de uma passividade ou emocionalidade natural, pode ser resultado
da falta de oportunidades de participar da política, porque a experimentam como
algo remoto; porque sentem que ela não toca diretamente suas vidas e/ou que se
sentem impotentes para alterar seu curso.
De acordo com Held (1987), a participação no processo de tomada de
decisão é muito mais extensa quando se relaciona às questões que afetam
diretamente a vida das pessoas e quando elas acreditam que as decisões tomadas
coletivamente podem ser realmente colocadas em prática.
Weber defendia uma democracia representativa, mais pela sua capacidade de
selecionar líderes qualificados e competentes, do que pela sua possibilidade de se
constituir um mecanismo de extensão da participação política e considerava a
democracia direta inadequada à política moderna e à mediação das lutas entre
facções.
47
A obra de Weber teve influência considerável na teoria de democracia
desenvolvida por Schumpeter, que escreveu o clássico Capitalism, Socialism and
Democracy (1942), tendo grande impacto sobre o desenvolvimento da teoria
democrática no período após II Guerra Mundial.
Neste estudo clássico, Schumpeter reporta-se à democracia como um método
político, ou seja, uma estrutura institucional para gerar e legitimar a liderança, onde o
povo tem apenas a oportunidade de aceitar ou recusar os homens que o governam:
o destino do cidadão democrático era o direito de escolher e autorizar
periodicamente governos para agirem em seu benefício (HELD, 1987, p. 151).
Assim como Weber, Schumpeter também considerava a soberania popular, a
extensão da participação política como algo inútil e cheio de ambigüidades
perigosas.
Baseado nos teóricos da psicologia de massas como Gustave Le Bon
17
, e em
observações sobre a influência da propaganda nas preferências dos consumidores,
Schumpeter afirmava que a vontade popular é um construto social que tem pouca,
ou nenhuma base independente ou racional (HELD, 1987, p. 157).
Portanto, com base neste pensamento, Schumpeter acredita que
deve-se banir a idéia de que o povo tem opiniões definidas e racionais
sobre as questões políticas, de que ele só pode concretizar tais
opiniões atuando diretamente ou escolhendo representantes que
executem sua vontade; e devem deixar de considerar o poder de
decisão como o elemento primário da democracia (HELD, 1987, p.
159).
Para Schumpeter, o povo não é nada além do produtor de governos, um
mecanismo para a seleção dos homens capazes de tomar decisões, onde o elitismo
competitivo seria o modelo mais adequado de democracia, pois pressupõe a
existência de um grupo de líderes competentes para tomar decisões políticas.
Neste sentido, a democracia tornar-se-ia mais eficiente se os líderes
pudessem definir as questões políticas sem serem atrapalhados por “passageiros
palpiteiros” (HELD, 1987).
17
Gustave Le Bon era um psicólogo de massas, conforme define Held (1987, p. 152).
48
Segundo HELD (1987, p. 168), no sistema democrático de Schumpeter, os
únicos participantes plenos são os membros das elites políticas em partidos e em
instituições públicas.
Assim como Weber, Schumpeter também apresenta limites em suas
argumentações, onde Held (1987) ressalta, dentre outros, a noção inadequada que
Schumpeter traz sobre a relação entre democracia e liberdade, pois o mesmo
acreditava que as condições de participação eram, somente, liberdade de discussão
e de expressão.
No entanto, Held (1987) alega que muitas pessoas não podem participar
ativamente da vida política e civil por falta de um complexo de recursos e
oportunidades, onde as desigualdades de classe, sexo e de raça reduzem a
extensão da liberdade e igualdade dos indivíduos.
Além de Weber e Schumpeter, destacam-se, ainda, no estudo da democracia
essencialmente como forma de governo, Antony Downs - Uma Teoria Econômica de
Democracia (1957), e Robert Dahl - Preface to Democratic Theory (1956), (HELD,
1987).
Defendem ainda este modelo de democracia, os elitistas teóricos da Nova
Direita, como Robert Nozick (Anarquia, Estado e Utopia - 1974) e Friedrich Hayek
(1976), que reforçam a idéia de que a vida política, bem como a vida econômica, é
uma questão de liberdade e iniciativas individuais e de livre mercado (HELD, 1987).
No entanto, para fins deste trabalho, não é nossa intenção aprofundar a
discussão sobre a democracia elitista, mas apenas trazer alguns pontos importantes
que servirão de base para a análise do processo democrático brasileiro e a questão
da participação dos usuários da assistência social no OP.
Cabe ressaltar que a concepção hegemônica de democracia, a elitista
competitiva, passa a ser questionada a partir do final da década de 60, tanto com o
surgimento de novos movimentos sociais que reivindicam maior participação na
interlocução com o Estado, quanto a própria crise do modelo representativo que
reduz a participação política ao exercício do direito do voto, acentuando a distância,
a diferenciação e mesmo a opacidade entre representante e representado
(SANTOS, 2001, p. 238).
Nesse período, inicia-se a retomada da dimensão normativa ou substantiva
da democracia baseada na idéia da ampla participação dos cidadãos nos assuntos
49
de interesse da coletividade, a partir de uma concepção participativa de democracia
que resgata os conceitos de cidadania e soberania popular.
Surge, neste período, o modelo de democracia desenvolvido pela Nova
Esquerda, que emergiu em contraposição à Nova Direita, e também como resultado
da força militante dos novos movimentos sociais dos anos 60, dos debates internos
de esquerda e da insatisfação com a herança da teoria política, liberal e marxista
(HELD, 1987; BRANDÃO, 1997).
Segundo Held, a Nova Esquerda consiste de idéias inspiradas em Rosseau
18
,
pelos anarquistas e pelas posições marxistas libertárias e pluralistas, onde muitos
autores contribuíram para a reformulação das concepções de esquerda sobre
democracia e liberdade.
Held destaca, em particular, as contribuições de Nicos Poulantzas (1980),
Crawford Brough Macpherson (1977), e Carole Pateman (1970; 1985) que, embora
não tivessem posições idênticas, tinham pontos de partida e compromissos em
comum, onde juntos passaram a representar um novo modelo de democracia, que
Held denominou de democracia participativa.
Para Held, a democracia participativa é o principal contra-modelo da esquerda
ao modelo hegemônico de democracia, onde esta não se limita à seleção de líderes
políticos, mas supõe, igualmente, a participação dos cidadãos nas decisões coletivas
que afetam suas vidas.
Poulantzas alega que a democracia participativa envolvia, simultaneamente, a
transformação do Estado e a existência de um amplo movimento de participação
direta na base.
Neste sentido, o Estado deveria ser democratizado tornando o parlamento, as
burocracias estatais e os partidos políticos mais abertos e responsáveis, e, ao
mesmo tempo, deveria haver a democratização da sociedade através de um amplo
movimento popular que difundisse a democracia, multiplicando as instâncias de
poder na sociedade civil, com a organização dos trabalhadores nas fábricas, e com a
organização dos protestos sociais deslocados para o domínio cultural, como os
movimentos estudantis, feministas, ecológicos, etc (BRANDÃO, 1997).
18
Jean Jacques Rosseau, é considerado pai da democracia moderna, para quem a soberania não
pode ser representada, esta é indivisível e alienável: só a vontade geral pode dirigir as forças do
Estado segundo o fim de sua instituição, o bem comum, pois se a discordância dos interesses
particulares tornou necessária a fundação das sociedades, a harmonia desses interesses a
possibilitou (ROSSEAU, 2000, p. 39).
50
Desta forma, haveria uma luta dentro dos aparelhos do Estado, conectada
com um amplo movimento de massas na sociedade civil, com repercussões de
ambos os lados (BRANDÃO, 1997, p. 119).
A posição de Macpherson, por sua vez, é compatível com a de Poulantzas. O
autor defende a transformação baseada num sistema que combine partidos
competitivos e organização de democracia direta (HELD, 1987).
Assim, a democracia participativa seria configurada pela democracia direta na
base em convívio com a democracia representativa a cada nível seqüencial superior,
através de um sistema multipartidário.
No entanto, Pateman foi quem apresentou uma análise mais completa sobre
a extensão da esfera da participação democrática, baseada nas noções centrais de
Rosseau e J. S. Mill e outros (HELD, 1987, p. 233). Para Paterman, a democracia
participativa possibilita o desenvolvimento humano, aumenta o senso de eficácia
política, reduz o senso de distanciamento dos centros de poder, mantém uma
preocupação com problemas coletivos e contribui para a formação de cidadãos
ativos, conhecedores e interessados pelos assuntos governamentais (HELD, 1987).
Pateman acredita na participação ativa da cidadania e afirma que a
participação tem uma função essencial de pedagogia política, pois desenvolve no
indivíduo alguns atributos psicológicos, resultantes da participação e que, ao mesmo
tempo, a orientam e a fortalecem (BRANDÃO, 1997, p. 127).
Nesta perspectiva, a participação desenvolve um senso de eficácia que torna
a atuação dos indivíduos ainda mais conscientes a respeito dos limites e alcance da
mesma; desenvolve também a auto-estima e a auto-confiança em relação aos fins
desejados por suas ações.
De acordo com Pateman, se as pessoas sabem que existem oportunidades
para participação efetiva no processo de tomada de decisões, certamente elas
participarão e lutarão para que sejam obedecidas as deliberações tomadas
coletivamente. Por outro lado, se as pessoas forem marginalizadas e/ou mal
representadas, encontrarão poucas razões para participar da vida política (HELD,
1987).
A proposta democrática participativa buscava resgatar a participação como
um valor fundamental, um componente chave ou essencial, que implicaria o
transpasse do poder político à comunidade. Os indivíduos deveriam poder participar
51
plenamente das decisões coletivas que os comprometem ou os afetam de forma
direta. (VITULLO, 1999).
Para os autores que compartilhavam deste modelo de democracia, a
participação é entendida como uma maneira que as pessoas têm de moldar seus
interesses e de tomar consciência de suas necessidades, bem como, de se
aproximar das preocupações que afetam seus semelhantes.
Segundo Vitullo (1999, p. 03), a participação é fundamental para contribuir ao
autodesenvolvimento individual, ao auto-aprendizado, à auto-exploração e à
construção de um cidadão livre e ativo que lute por compartilhar o poder com os
demais.
Neste sentido, a democracia passa a ser entendida como forma de
sociedade, estilo de vida e ideal de emancipação. É algo que deve permear todas as
relações sociais das quais participa qualquer ser humano ao longo de sua vida
(VITULLO, 1999, p. 02).
Desta forma, a preocupação não está mais no modo de operacionalizar a
democracia, mas nos processos de tomada de decisões coletivas e sua extensão
aos mais diversos níveis de convivência social (OLIVEIRA, 2002).
Ainda nos moldes de uma democracia mais substantiva como alternativa
contra-hegemônica ao modelo elitista competitivo, toma forma, na década de 80, a
discussão sobre a democracia deliberativa, uma tendência que visa a reavaliar o
peso do elemento argumentativo no interior do processo deliberativo.
Dentre os autores mais importantes que trazem esta discussão, destacam-se:
Jürgen Habermas, Joshua Cohen, Melucci, James Bohman, Íris Young, e Bernard
Manin (VITULLO, 1999).
A democracia deliberativa
19
é um modelo de deliberação política baseado na
efetiva participação dos indivíduos nas discussões e definições relativas a assuntos
19
Uma das críticas em relação à corrente deliberativa diz respeito à contradição entre o ideal
deliberativo e a realidade das sociedades contemporâneas (VITULLO, 1999). Segundo Bohman
(VITULLO, 1999, p. 15), a democracia deliberativa precisa e deve se distinguir entre oportunidades
meramente formais de deliberação e a real capacidade dos cidadãos fazer uso da razão pública,
apesar de diferenças na posição social e nos recursos culturais, onde o autor faz uma análise sobre
as noções de pobreza e impotência políticas e comunicativas.
O autor destaca que a habilidade de responder em um debate exige recursos e capacidades que os
cidadãos empobrecidos não têm. Neste sentido, a desigualdade de oportunidade no processo de
deliberação parece ser um fator limitador nas relações entre a perspectiva deliberativa de democracia
e a questão da pobreza, na medida em que a pobreza política consistiria em uma inabilidade do
grupo ou indivíduo para fazer uso efetivo de suas oportunidades e de influenciar no processo
52
de interesse das coletividades, que propõe decisões que sejam frutos de discussões
coletivas e públicas que se expressam em instituições desenhadas para o exercício
dessa autoridade coletiva (LÜCHMANN, 2002).
Conforme Vitullo (1999), nesta perspectiva, o processo democrático é
entendido como um diálogo livre e aberto entre os atores sociais, com igualdade de
recursos e condições onde, através da troca de argumentos e razões, os interesses
possam ser formados e transformados publicamente.
Neste sentido, uma decisão coletiva manter-se-ia somente a partir de sua
justificação através de razões públicas (BOHMAN apud VITULLO, 1999).
Segundo Navarro (2003, p. 103), na forma deliberativa, a democracia se
constitui
num arcabouço de condições sociais e institucionais que facilitam a discussão
livre e informada entre cidadãos iguais, oferecendo condições favoráveis de
expressão, de escolha e de associação, mas vincula a autorização para o
exercício do poder ao resultado do prévio jogo argumentativo entre os
participantes.
Além disso, um outro aspecto ao qual os deliberacionistas outorgam grande
valor diz respeito à existência, no espaço social de diversas perspectivas e formas
de ver a realidade, baseada no pluralismo de idéias, que vem fortalecer e dar
sentido ao debate público.
Apesar de haver diferenças entre a democracia participativa e a democracia
deliberativa, não é nossa intenção debatê-las neste momento, apenas apresentá-las
como modelos contra-hegemônicos à democracia elitista competitiva.
Cabe ressaltar que foi a partir da democracia participativa que, na década de
60, passa a haver a recuperação da dimensão normativa da democracia,
caracterizada pelo questionamento da redução da política a uma lógica individualista
e competitiva e pela retomada da articulação entre o conceito de cidadania e
soberania popular (LÜCHMANN, 2002, p. 20).
deliberativo, para conseguir novos temas ou proferir um discurso sem ser interrompido (VITULLO,
1999, p. 16).
53
Neste sentido, partimos dela para entender o processo de democratização da
sociedade brasileira e o surgimento de experiências de gestão democráticas.
De acordo com Santos e Avritzer (2002), as experiências mais significativas
de mudança na forma de democracia têm sua gênese nos movimentos sociais que
questionam os processos de exclusão social a partir de ações que geram novas
normas e formas de controle do governo pelos cidadãos.
No Brasil, a discussão sobre a democracia participativa nos remete às
mudanças ocorridas a partir da década de 80
20
, com o processo de democratização
e de implantação de nova Constituição Brasileira alterando as relações entre o
Estado e a sociedade civil.
No entanto, a democratização brasileira envolveu, simultaneamente, grandes
doses de continuidade política misturadas com algumas doses de inovação
democrática, ou seja, apesar do surgimento dos primeiros indícios de organização
social, as elites hegemônicas detentoras do poder continuaram a manter o controle
sobre o sistema político (AVRITZER, 2002, p. 572).
De acordo com Avritzer (1996, p. 109), análises sobre o funcionamento da
democracia brasileira desde 1985 apontam para as seguintes características:
a persistência de um comportamento não-democrático das elites
políticas com base em práticas patrimonialistas ou corporativistas; a
dissociação entre as práticas políticas democráticas no nível da
institucionalidade política e a continuidade de práticas não-
democráticas no nível local; e a recusa da cidadania civil e social, que
expressaria a rejeição ou desconhecimento dos avanços
constitucionais nesse campo, assim como a impossibilidade de um
pacto social.
A modernização pela qual passou o Brasil, juntamente com os demais países
nos quais o autoritarismo prevaleceu até os anos 80, implicou a adoção de práticas
e técnicas autoritárias no nível do Estado, sem um desenvolvimento dos
mecanismos de controle por parte da sociedade sobre as instâncias estatais nas
quase tais práticas se consolidaram (AVRITZER, 1996, p. 110).
20
Embora a década de 80 seja o marco temporal no que se refere à discussão e expansão da
democracia participativa no Brasil, é importante destacar que, já nos finais dos anos 70, surgiram
experiências de gestão pública de caráter participativo, como é o caso de Lages (SC), Boa Esperança
(ES), e Piracicaba (SP) (LÜCHMANN, 2002).
54
Desta forma, podemos dizer que o processo de construção da democracia no
Brasil perpassa por uma cultura política de não-participação e de despolitização,
onde a democracia, essencialmente como forma de governo, é legitimada e a idéia
de um espaço público, ou seja, um espaço ocupado pela sociedade civil e regulado
pelo Estado (NOGUEIRA, 1999, p. 84), torna-se sinônimo de estatal.
Segundo Nogueira (1999, p. 84),
o inegável avanço no sentido da democracia política registrado ao
longo dos anos 80 e 90 encontrou seu limite na precária politização da
sociedade, na dificuldade que tiveram seus setores mais mobilizados
de passar da reivindicação econômico-corporativa para o plano da
política estatal, armando uma ponte entre sociedade civil e o Estado.
Podemos dizer que os entraves à participação da sociedade civil decorre de
questões históricas e culturais que dificultam sua efetivação frente ao novo contexto
político e social da década de 80.
Em primeiro lugar, o processo de construção da democracia no Brasil foi
caracterizado pelo clientelismo, pela falta de capacidade de pressão da população e
pela distribuição desigual dos bens públicos em nível local (AVRITZER, 2002, p.
592), onde o fator medo é apontado como uma das causas da baixa participação e
organização da sociedade civil até o final dos anos 70, decorrente do processo de
ditadura militar vivenciado neste período.
Além disso, a democratização brasileira permaneceu com resquícios do
modelo político anterior: houve, não apenas uma continuidade em termos de atores,
mas também uma continuidade em termos de políticas, dentre elas o clientelismo,
que não foi apenas mantido, mas também reforçado (AVRITZER, 2002, p. 572).
Neste sentido, surge um contexto político em que passa a haver um conflito
entre continuidade e renovação, no nível das práticas dos atores sociais.
Diante deste contexto, Avritzer passa a supor a existência de duas culturas
políticas no país: uma cultura democrática vinculada aos movimentos sociais e civis
democratizadores, que se entrelaça com uma outra cultura, não-democrática,
predominante em nosso processo de modernização, que persiste com práticas
tradicionais.
Em tal situação, a democratização produz crise ao invés de estabilidade e
esta somente se efetivará, se essa disputa apontar solução favorável à sociedade.
55
Desta forma, o parâmetro para a democratização é a capacidade da
sociedade civil de se constituir em uma arena autônoma e de limitar o poder do
Estado e do mercado (AVRITZER, 1996, p. 118).
Neste sentido a democratização é entendida
pela combinação entre a livre operação do sistema político e a
compreensão do significado atribuído pelos atores políticos. Esse
significado implicará diferentes concepções acerca da publicidade, da
tolerância, da importância de estratégias de negociação e da
importância da normatividade democrática (AVRITZER, 1996, p. 113).
Ainda sobre a problemática da democracia brasileira, O’Donnell (1991) infere
que, no caso do Brasil, o modelo hegemônico que predominou não foi a democracia
representativa, tal como é praticada nos países desenvolvidos, mas um outro tipo de
democracia, peculiar às democracias recém-instaladas nos países da América
Latina, que ele denominou de democracias delegativas.
O’Donnell (1991, p. 26) esclarece que essas democracias apresentam um
conjunto de características que o levam a considerá-las como delegativas, ou seja,
não são democracias consolidadas ou institucionalizadas, mas podem ser
duradouras, onde geralmente não se vinculam ameaças de uma regressão
autoritária, mas também não se percebem avanços em direção a uma
representatividade institucionalizada.
Esta tipologia de democracia geralmente se instala em países sem uma
tradição democrática, que precisam lidar com os legados negativos de seu passado
autoritário e, além disso, defrontam-se com uma crise econômica e social muito
profundas, como é o caso do Brasil.
De acordo com O’Donnell (1991, p. 30), a democracia delegativa é
caracterizada pelo escopo restrito, (fundamentalmente de base classista), pela baixa
intensidade de suas instituições, abrindo espaço para a atuação do clientelismo, do
patrimonialismo e da corrupção.
Esta característica se confirma quando percebemos que no Brasil o
clientelismo, a falta de capacidade de pressão da população e a distribuição
desigual dos bens públicos são algumas questões que continuam presentes na vida
política brasileira e que entravam as práticas de caráter mais democrático.
56
Segundo O’Donnell (1991, p. 31), as democracias delegativas
21
se
fundamentam em uma premissa básica: o que ganha uma eleição presidencial é
autorizado a governar o país como lhe parecer conveniente e, na medida em que as
relações de poder existentes permitam, até o final do mandato.
Neste sentido, o presidente é a encarnação da nação e cabe a ele definir o
interesse nacional como achar conveniente, onde sua sustentação não pode advir
de um partido, mas sim de um movimento. A prestação de contas (accountability)
aparece como desnecessária face à plena autoridade que o presidente recebeu.
Além disso, ela pressupõe que os eleitores escolham, independentemente de
suas identidades e filiações, a pessoa mais adequada para governar o país e,
passando as eleições, espera-se que os eleitores/delegantes retornem à condição
de expectadores passivos.
Neste contexto, a participação política dos cidadãos se restringe ao ato de
votar, delegando aos candidatos eleitos o compromisso de cuidar do destino do país
como melhor acharem conveniente, mesmo que estes interesses, muitas vezes,
sejam interesses pessoais ou comprometidos com projetos político-econômicos que
não visem ao bem-estar social da população.
Desta forma, não se pode pretender a legitimação de um sistema democrático
quando um amplo setor da população não se sente partícipe da construção do
interesse social.
Para Demo, a organização política é o primeiro canal de participação (...), pois
uma sociedade desorganizada não chega a constituir-se como povo consciente e
capaz de conquistar espaço próprio de auto-sustentação na história; ao contrário,
caracteriza-se como massa de manobra (DEMO, 1990 p. 23).
Por isso, Alaýon (2004) afirma que a superação da pobreza não é somente
um problema ético, mas também político, onde a revalorização e o aprofundamento
da democracia constituem-se em eixos estratégicos na luta para a construção de
sociedades mais humanas, pois para ser cidadão tem que haver um mínimo de
independência e autonomia, e não submissão às relações de clientelismo e de
subserviência.
Porém, a democracia brasileira não se limitou apenas ao processo de
continuidade política, pois percebemos no âmbito da sociedade civil, no final da
21
Para maiores detalhes sobre a caracterização da democracia delegativa, ver em O’Donnell (1991).
57
década de 70, o ressurgimento dos movimentos sociais e o surgimento de novos
atores frente à possibilidades concretas de intervir na definição de políticas públicas
no plano local (SOARES & GODIN, 1998).
Segundo Avritzer (2002a, p. 18), nos meados dos anos 70, começa a ocorrer
no país o que se convencionou chamar de surgimento de uma sociedade civil
autônoma e democrática, decorrente de diversos fenômenos, como: um crescimento
das associações civis, principalmente das associações comunitárias; uma
reavaliação da idéia de direitos; a defesa da idéia de autonomia organizacional em
relação ao Estado; e a defesa de formas públicas de formulação de demandas e de
negociação com o Estado.
Neste contexto, o processo de democratização possibilitou a implantação de
modelos de gestão democrática baseados em experiências de democratização das
relações entre Estado e sociedade civil, a partir da ampliação da participação dos
cidadãos no processo decisório da coisa pública.
Nestes termos, o processo de democratização significa a ampliação e a
qualificação dos espaços públicos de discussão e de tomada de decisão. Segundo
Lüchmann (2002, p. 97) este processo implica, de maneira geral,
não apenas no fortalecimento do associativismo civil, no sentido da
criação de uma multiplicidade de atores coletivos que se articulam,
discutem, questionam temas e problemas na esfera pública, como
também no fortalecimento do Estado, no sentido de direcioná-lo para
efetivação da cidadania e da justiça social, através da oportunização e
da ampliação de espaços ocupados por uma multiplicidade de sujeitos
com poder de decisão.
Com o processo de abertura política ressurge, no país, a discussão sobre
democracia ligada à idéia de maior participação popular
22
, enquanto exercício da
cidadania ativa, ou seja, aquela que institui o cidadão como portador de direitos e
deveres, mas essencialmente criador de direitos para abrir novos espaços de
22
Segundo Calderón (1995, p. 37), o apelo à participação popular emerge da crítica ao sistema
representativo, sendo colocada – por muitos autores – enquanto corretivo da democracia
representativa.
58
participação política no processo das decisões de interesse público (MUSSOI, 1999,
p. 17).
De acordo com Gohn (2001, p. 56), ao final dos anos 80, parcelas da
oposição política ligadas à partidos de esquerda ascenderam ao poder em várias
cidades e em alguns estados, possibilitando a requalificação da temática da
participação em outras dimensões, que dizem respeito ao
aprofundamento da democracia; à construção de um novo paradigma;
às ações coletivas baseadas na categoria da cidadania; e à construção
de novos espaços da participação, lastreados não em estruturas
físicas, mas em relações sociais novas que se colocam entre o público
e o privado, originando o público não-estatal.
Desta forma, a participação neste período passa a caracterizar-se pelo
crescimento do poder de mobilização da sociedade civil, com o objetivo de aumentar
a participação sistemática dos cidadãos organizados em movimentos sociais
impelidos por princípios não meramente corporativos, integrando espaços de
discussão e de negociação, no âmbito da definição de demandas públicas e de sua
problematização (LARANJEIRA, 1996).
A participação está intrinsecamente ligada ao tema da cidadania, na medida
em que participar é visto como criar uma cultura de dividir as responsabilidades na
construção coletiva de um processo; é dividir responsabilidades com a comunidade
e dentro do governo (Gohn, 2001, p. 19). Surge a idéia do “direito a ter direitos”
como parte da redefinição dos novos atores sociais.
Neste sentido, com base em Demo (1990, p. 101), podemos definir a
participação como processo histórico das condições de autodeterminação,
ela não pode ser dada, outorgada, imposta. Também nunca é
suficiente, nem prévia. Participação existe, se e enquanto for
conquistada, porque é processo, não produto acabado. Pela mesma
razão é igualmente uma questão de educação de gerações. Não se
implanta por decreto, nem é conseqüência automática de qualquer
mudança econômica, porque tem densidade própria, embora nunca
desvinculada da esfera da sobrevivência material.
59
No caso brasileiro, a sociedade civil exerceu um forte papel no sentido de
impulsionar o processo de democratização, tendo como marco a década de 70, tanto
no que se refere à luta contra o regime militar, denunciando injustiças e buscando a
democratização das relações políticas e sociais, quanto no que concerne à luta
diante do agravamento da questão urbana e do processo de industrialização, e,
também, no que está relacionado às reformulações nas esferas dos valores políticos
e relações sociais.
Ao final dos anos 80, a sociedade civil, que tinha uma postura de confronto
com o Estado e buscava sua autonomia, passa a redefinir sua relação com o
mesmo, com base no processo de negociação, através da constituição de
mecanismos participativos, ou seja, pela ocupação de espaços de representação e
gestão político-estatais.
Assim, surgem propostas direcionadas para garantir a participação da
população na tomada de decisões governamentais e no controle e fiscalização dos
recursos públicos.
No período de construção da nova Constituição Federal brasileira, pudemos
observar uma ampla mobilização e participação dos vários movimentos sociais no
processo constituinte, com o objetivo de reivindicar a participação popular na
formulação, deliberação e controle das políticas públicas.
Calderón (1995, p. 37), reportando-se à Constituição Federal de 1988, verifica
que a participação popular passa a ser considerada um princípio democrático.
Segundo o autor,
a Carta Magna está imbuída de uma ideologia participacionista, não só
pela inclusão de mecanismos de participação direta, como o plebiscito,
o referendo e a iniciativa popular, mas também porque, ao longo do
texto constitucional foram abertas brechas para a participação da
sociedade civil na formulação de políticas públicas e no controle das
ações governamentais.
Neste sentido, percebemos que a nova Constituição Federal trouxe muitos
avanços e desafios no que diz respeito às novas interlocuções entre o Estado e a
sociedade civil, que passa a trazer a nova lógica da participação, mesmo que
textualmente.
60
É nesse momento que a participação tem uma tendência à institucionalização.
Surge, em decorrência disso, estruturas de representação criadas pelo arcabouço
jurídico institucional do Estado, compostas por representantes eleitos pela sociedade
de onde eles provêm, para participarem na reformulação e implementação das
políticas públicas.
Emerge então a idéia de criação dos Conselhos que possibilita a presença da
sociedade civil na gestão pública, onde os representantes da sociedade civil,
juntamente com os representantes do poder público, definem as prioridades a serem
implementadas e controlam e fiscalizam a ação do Executivo.
Porém, ao mesmo tempo em que o país assiste à ampliação dos direitos
sociais através da nova Constituição Federal e à estruturação do novo formato
institucional das políticas sociais, medidas de ajuste neoliberais passam a
determinar os rumos das decisões políticas do país trazendo, como conseqüência, a
retração e o desvirtuamento destas políticas, através da retirada da problemática
social como responsabilidade do Estado.
O projeto neoliberal hegemônico adotado no país na década de 90, e aliado
às mudanças no mercado de trabalho advindas do processo de globalização da
economia, é conseqüência dos efeitos da atual conjuntura político-econômica
internacional sobre o Brasil e seus impactos perversos no sistema de proteção
social, trazendo alterações, tanto nas políticas sociais quanto nas políticas
econômicas, que inviabilizam a consolidação efetiva das inovações trazidas pela
Constituição Federal de 1988.
Este contexto tem gerado a redefinição do papel do Estado no sentido de
diminuição de suas funções, principalmente em relação à área social, que vem
sendo duramente atingida quanto à redução de recursos públicos para seu
financiamento e o conseqüente repasse de sua execução para a sociedade civil.
O repasse da responsabilidade do Estado para a sociedade civil é marcado
pelo processo de “refilantropização” no atendimento aos problemas sociais, que
sob o argumento da desburocratização e racionalização dos gastos, o
que se implementa, de fato, é a metamorfose do direito do cidadão, em
favor ou ajuda, num retorno à lógica do mérito, da seletividade, em
oposição à universalidade de acesso aos direitos igualitários, afirmados
em 88 (PAIVA, 1999, p. 30).
61
Concomitantemente, agrava-se a situação econômico-social dos
trabalhadores brasileiros e dos excluídos, frente ao processo de reorganização
produtiva e financeira do mercado
23
, marcado pela flexibilização, precarização das
condições de trabalho, perda dos direitos trabalhistas e previdenciários, e
crescimento do subemprego e desemprego estrutural.
Esta conjuntura destrutiva e regressiva no país gerou o aumento da pobreza e
da miséria, e no caso da assistência social, a demanda por serviços e benefícios,
cujo atendimento foi limitado àqueles que se enquadraram nos critérios restritos de
acesso aos benefícios, programas e projetos (BERING, 2003).
Diante desse processo, percebemos uma correlação de forças institucionais.
De um lado as medidas de ajuste neoliberais que tentam retroceder os avanços
constitucionais, e por outro lado, o processo de institucionalização da participação
24
da sociedade civil, através da sua inserção nos espaços de gestão das políticas
públicas.
Este processo de institucionalização da participação passa a possibilitar
a construção de novos mecanismos ou desenhos institucionais que,
requerendo uma participação mais qualificada e complexa, vem
impactando de forma variada o quadro da organização tanto da
institucionalidade política quanto das relações sociais (LÜCHMANN,
2002, p. 82).
Dentre as diferentes modalidades e as diferentes concepções de política
participativa no país, os Conselhos Gestores e as experiências de OP são exemplos
de participação institucionalizadas resultantes de mobilizações da sociedade civil,
que se configuram como mecanismos alternativos de tomada de decisões acerca
das ações do Estado na definição e provisão dos serviços e recursos públicos
(LÜCHMANN, 2002, p. 84).
23
Paiva (1999, p. 28), analisando a repercussão da conjuntura atual nas condições de vida da
população, afirma que o processo de globalização, da forma como se anexou ao país, trouxe
conseqüências que repercutem bem mais no aumento da exclusão social do que propriamente na
reversão da recessão econômica.
24
Para Luchmann (2002, p. 75), o termo “institucionalização da participação” sugere uma
generalização na ação política de importantes segmentos organizados da sociedade civil, no sentido
de estarem dispostos e ao mesmo tempo sofrerem impactos de uma participação mais efetiva e
integral junto às instancias de decisão de políticas públicas.
62
No entanto, há uma diferença entre as duas modalidades de política
participativa apontadas acima: os Conselhos Gestores são espaços de co-gestão e
co-participação entre governo e população.
No caso dos Conselhos, leis específicas pós Constituição Federal de 1988
passaram a regulamentá-los, articulando a existência de conselhos ao repasse de
recursos financeiros do nível federal para o estadual e para o municipal.
O formato institucional dos conselhos segue diretrizes básicas, padronizadas
nacionalmente, que provém da sua regulamentação legal, em que a participação da
sociedade civil é obrigatória (DAGNINO, 2002, p. 294).
A escolha dos membros dos Conselhos se dá de forma paritária e com uma
composição limitada a um certo número de membros, conforme regulamentação
legal, onde os representantes governamentais são indicados pelo chefe do poder
Executivo, e os representantes das instituições da sociedade civil são eleitos em
fórum próprio, através de suas entidades e organizações. Em ambos os casos não
há a participação direta da população, que passa a ser representada através das
instituições da sociedade civil.
Já, o Orçamento Participativo – OP prevê a participação direta da população
através de suas assembléias regionais ou temáticas, mobilizando o maior número de
cidadãos para discutir os problemas sociais, de sua região ou cidade e as
prioridades para investimento público, e eleger seus representantes para
participarem do fórum de Delegados e do Conselho do OP.
Neste sentido, queremos nos ater ao OP como uma experiência que vem
apresentando resultados positivos na ampliação da participação da população na
tomada de decisão, quanto à forma de distribuir os recursos públicos de maneira a
priorizar as camadas mais empobrecidas.
Desta forma, o OP possui uma relação estreita com os usuários da política de
Assistência Social, na medida em que traz, como princípios, a inversão de
prioridades em favor dos setores mais pobres quanto à distribuição dos bens e
serviços públicos; e possui um desenho institucional que permite a
inclusão/ampliação da participação destes setores em seus espaços de discussão.
Esta relação pode nos levar a supor que o OP pode se constituir num
mecanismo de participação política dos mais pobres, na medida em que traz
princípios democráticos que possibilitam esta participação.
63
Resta-nos saber se esta população realmente participa do OP, se há
identificação com sua proposta, se busca reivindicar suas demandas e necessidades
em seus espaços de discussão, se reivindica sua cidadania, e seus direitos. Esta
população – os usuários da política de assistência social – foi a que escolhemos
como sujeitos desta pesquisa.
Tendo isto em foco, faremos uma revisão conceitual sobre a experiência do
OP, buscando descrever sua origem, sua metodologia, seus impactos como uma
nova forma de gestão democrática de nível local, destacando, principalmente, sua
capacidade de ampliação da participação e sua possibilidade de inversão de
prioridades para, a partir destes princípios, investigar como os usuários da política
de assistência social ocupam este espaço de participação.
2.2 O Orçamento Participativo: a ampliação da participação e a inversão de
prioridades para atendimento das camadas empobrecidas.
2.2.1 Origem e implementação do Orçamento Participativo
Para discutirmos o Orçamento Participativo (OP), é preciso definir,
primeiramente, o que é orçamento público, como historicamente se processa a sua
elaboração e como surgiu a experiência de gestão local que propiciou a discussão,
definição e controle do orçamento público de forma mais democrática.
A importância de estudarmos o OP justifica-se na medida em que esta
experiência vem ganhando visibilidade nos espaços de discussão política e
acadêmica, como um modelo de gestão democrática, que possibilita a ampliação da
participação e a distribuição mais eqüitativa de bens e serviços públicos.
Por Orçamento entendemos um instrumento básico do contrato político, que
subjaz as relações políticas e administrativas entre o Estado e os cidadãos, bem
como,
das interações entre os diferentes organismos estatais encarregados
de executar tal contrato. Ao definir os fundos públicos mediante a
fixação de impostos ou outros meios, o orçamento transforma-se no
mecanismo central de controle público sobre o Estado. (SANTOS,
2002, p. 465).
64
No Brasil, cabe ao poder Executivo conduzir e coordenar o processo de
definição a respeito dos tributos, das finanças e do orçamento público; e o poder
Legislativo, por sua vez, tem a função de apreciar, apresentar emendas e aprovar a
peça orçamentária do município, fiscalizando a sua execução pelo poder executivo
(LÜCHMANN, 2002).
Tradicionalmente, o Executivo é quem tem a atribuição legal na elaboração da
proposta orçamentária, embora existam mecanismos legais que indiquem a
necessidade de consulta à sociedade. Em última instância, a decisão final quanto à
elaboração do orçamento cabe ao Executivo.
O orçamento público inclui os 3 níveis de governo: União, estados, e
municípios. Segundo Santos (2002, p. 465), o município tem autonomia relativa na
determinação das receitas e das despesas. As receitas são tanto locais (impostos e
tarifas diversas), como resultam de transferências federais e estaduais.
Quanto às despesas, estas podem ser divididas em 3 grupos: despesas com
funcionários, serviços públicos e investimento em obras e equipamentos. É em
relação às despesas de obras e equipamentos que o município tem maior autonomia
para definir as prioridades, tornando-se, desta forma, a área de maior discussão no
OP.
De acordo com o artigo 165 da Constituição Federal de 1988, são definidos 3
instrumentos integrados para elaboração do orçamento e planejamento das ações:
I – Plano Plurianual (PPA): estabelece metas e diretrizes gerais, que orientam as
ações do governo para cada 4 anos. Geralmente, estas metas e diretrizes são
apresentadas no primeiro ano de governo e que, depois de aprovadas, terão
vigência nos próximos 3 anos de gestão e no primeiro ano da gestão seguinte.
II – Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO): estabelece as metas e prioridades para o
próximo ano com base no PPA.
III – Lei Orçamentária Anual (LOA): consiste no orçamento propriamente dito.
Contém os programas, projetos e atividades que contemplam as metas e prioridades
estabelecidas na LDO, juntamente com os recursos necessários para o seu
cumprimento. (ALMEIDA, 2003, p. 02).
O orçamento público tem um caráter público, não apenas por se constituir em
uma lei, mas também, por ser elaborado e aprovado num espaço público, através de
discussões e emendas pelo Poder Legislativo. Os cidadãos pagam seus impostos
para contribuir na manutenção dos fundos públicos, para que estes recursos
65
revertam em bens e serviços para a comunidade. Porém, os cidadãos, geralmente,
não compartilham o poder de decisão em relação à definição de prioridades e no
aproveitamento dos recursos não exercendo seu controle sobre o Estado.
A sociedade, de acordo com as “regras do jogo” da democracia brasileira,
geralmente é excluída do processo de definição do orçamento público, ignorando o
que se passa “nos bastidores” dos espaços de discussão e definição do orçamento
por parte do poder público, limitando-se apenas a escolher seus representantes
políticos.
O orçamento, geralmente, é feito por técnicos da área, atendendo aos
interesses e prioridades indicados pelo poder executivo, sem consulta aos cidadãos
quanto aos investimentos a serem orçados.
Historicamente, o Estado brasileiro tem utilizado o orçamento público como
instrumento de troca de favores e de barganha política, que atende aos interesses
particulares e político-partidários, decorrentes da tradição patrimonialista
estabelecida nas relações entre o Estado e a sociedade civil.
A falta de controle social da sociedade civil, em relação ao modo de
administrar os recursos públicos pelo Estado, tem evidenciado a falta de
transparência na gestão da coisa pública, o desvio e a má utilização dos recursos
arrecadados desta mesma sociedade para atendimento de suas necessidades. Os
cidadãos passam a ser simples coadjuvantes da política tradicional.
Além disso, o orçamento público apresenta uma centralização baseada em
princípios tecnocráticos, que dificultam o acesso e o conhecimento sobre o seu
funcionamento tanto por parte da população, quanto de setores e atores políticos e
administrativos das diversas esferas de governo (LÜCHMANN, 2002).
Porém, em contraposição a esta realidade, em 1989 surgiu uma experiência
de gestão pública de nível local, que propiciou uma forma diferente de elaboração do
orçamento público, fruto de uma maior interlocução entre o poder público e a
sociedade civil organizada, que passou a ser chamada de Orçamento Participativo.
Esta experiência foi introduzida pela administração do Partido dos
Trabalhadores (PT), na Prefeitura de Porto Alegre/RS a partir de 1989, onde vários
fatores contribuíram para sua implantação.
Avritzer (2002, p. 575) aponta quatro fatores que possibilitaram a constituição
do OP:
66
a) A reivindicação do movimento comunitário em relação à sua intervenção no
controle do orçamento municipal e sua definição em nível local;
b) A ênfase dada pelo PT à participação em conselhos;
c) A iniciativa de diversas secretarias de encorajar a participação popular;
d) A iniciativa de centralizar todas as formas de participação na Coordenação de
Relações com a Comunidade – CRC
25
.
Neste sentido, o Orçamento Participativo constituiu-se, gradativamente, na
principal política administrativa do município, embora o partido não tivesse
originalmente uma proposta de Orçamento Participativo; apenas uma proposta
genérica de governo participativo (AVRITZER, 2002, p. 574).
Segundo Lüchmann (2002, p. 104), o OP tomou corpo através da articulação
entre a vontade política do poder público municipal e as organizações comunitárias
26
do município, já que estas, por sua vez, vinham se articulando e lutando por maior
democratização dos espaços de discussão de políticas públicas durante os anos 80.
De acordo com a autora, o termo OP já constava nos documentos da UAMPA
(União das Associações de Moradores de Porto Alegre) desde 1986, antes mesmo
de ter sido adotado pela administração, acentuando a importância e a centralidade
do orçamento público para a definição das prioridades e o atendimento das
demandas populares (LÜCHMANN, 2002, p. 104).
Esse contexto de organização comunitária tornou-se um espaço favorável
para a efetivação de um projeto de governo que apresentava como eixo central a
democracia popular. (...) O OP gesta-se, portanto, na interação entre a sociedade
civil e o Estado (LÜCHMANN, 2002, p. 105).
No início da implementação da experiência, a administração teve muitos
obstáculos, tanto pela falta de recursos para investimentos
27
quanto pela falta de
25
A CRC é uma entidade que já existia, mas não desempenhava nenhuma função relevante no
processo participativo na cidade, apenas fornecia certificados de utilidade pública. Com o governo
Olívio Dutra, a CRC tornou-se a instância onde se centralizaria todas as reivindicações feitas pela
comunidade à nova administração, contribuindo assim para o surgimento do OP.
26
Baierle (apud Lüchmann, 2002, p. 104) ressalta que a história do associativismo de bairro de Porto
Alegre, apesar de remontar aos anos 30, apresenta significativo avanço durante os anos 50,
impulsionada pela identidade trabalhista que articulava um amplo conjunto de trabalhadores urbanos.
Em 1959 é fundada a FRACAB (Federação Riograndense de Associações Comunitárias e de Amigos
de Bairro). Durante os anos 70 e 80, e seguindo a lógica de organização e mobilização popular do
quadro nacional de maneira geral, multiplicam-se os grupos e as entidades associativas, num
processo de politização e de desenvolvimento de uma postura de enfrentamento com o poder
público.
27
Diante deste obstáculo, a nova administração implementou uma reforma financeira no sentido de
aumentar as receitas e reduzir as despesas, a qual obteve muito sucesso: o aumento da receita
67
uma metodologia mais definida. Porém, estes obstáculos foram sendo superados
com o passar do tempo.
Esse modelo de gestão democrática foi sendo construído ao longo do
processo de sua implementação, sofrendo várias alterações, complexificando-se
conforme o aumento da participação dos cidadãos nas assembléias e com sua
interlocução com o governo. Em relação à experiência de Porto alegre, Navarro
(1997, p. 191) diz que não havia um “modelo” anterior a ser seguido e, mesmo que
informada por conceitos amplos, esta experiência social foi sendo construída,
efetivamente, no processo, com o passar do tempo, depois de enfrentar diversas
vicissitudes iniciais.
O Orçamento Participativo surgido em Porto Alegre, que tomou força ao longo
do tempo, tornou-se motivo de discussão em conferências e experiências
internacionais como modelo inovador de gestão, principalmente a partir de
1995/1996, quando passou a obter crescente reconhecimento e prestígio.
De acordo com Sánchez (2002, p. 57), depois que a II Conferência do Habitat,
realizada em Istambul em 1996, recomendou o orçamento participativo como uma
“boa prática” de governo, o debate a respeito de sua implantação cresceu em todo o
mundo.
Além disso, em 1997, o seminário patrocinado pelo Banco Mundial e realizado
em Caracas, intitulado “Descentralização na América Latina: inovações e
implicações para as políticas públicas”, foi o sinal pioneiro de reconhecimento e
aprovação do OP pelas instituições de fomento e apoio financeiro e o peso
institucional do Banco Mundial facilitou a propagação de tal mecanismo de
participação (NAVARRO, 2003).
Além de receber crescente atenção após ser avaliado por instituições
internacionais importantes, fatores locais também contribuíram para criar um
ambiente de adesão social ao OP, onde Navarro (2003) destaca: a) o contexto
financeiro favorável devido à reforma tributária e à redistribuição de recursos
federais
28
; b) a introdução das plenárias temáticas
29
, que culminou com o Congresso
média real da PMPA de 97% no período de 1989 – 1992 em relação ao período 1985 – 1988,
contribuindo assim para a capacidade do governo municipal de gerar recursos tributários para
implantar as políticas participativas (MARQUETTI, 2003).
28
Esta redistribuição é fruto do processo de descentralização aprovado pela Constituição Federal de
1988.
68
da Cidade; c) o tamanho da população da cidade que “parou de crescer” no mesmo
período em que o OP foi implementado; e d) uma estrutura administrativa
governamental satisfatoriamente instalada.
Devido ao impacto social alcançado com esta experiência, o Orçamento
Participativo passou a servir de inspiração para métodos análogos de gestão em
muitas cidades brasileiras e também em outros países, onde seu desenho
institucional varia de experiência para experiência, conforme a realidade social de
cada cidade e em conformidade com o estabelecimento das relações entre governo
e população.
Entre 1997 e 2000, o OP foi implantado em 103 municípios do Brasil, sendo
que diversos estudos indicam diferentes tipos de OP (AVRITZER, 2003).
No entanto, Avritzer (2003, p. 13) afirma que a expansão e a replicação do
OP, em outros ambientes, não se apresentam como tarefa fácil de ser executada e
este só poderá se firmar como forma de democratização das políticas públicas no
Brasil, se for possível estendê-lo a outras regiões, implantá-lo via outros partidos, ou
ampliando sua abrangência territorial.
Na maioria das experiências, o Orçamento Participativo inclui atores sociais,
membros de associações de bairro e cidadãos comuns em um processo de
negociação e deliberação divididas em duas etapas: na primeira, a participação dos
cidadãos é direta e, na segunda, a participação ocorre através da constituição de um
conselho de delegados. (AVRITZER, 2002).
Apesar de estar vinculado ao projeto político do PT e sido posto em prática
em suas administrações, o OP vem sendo adotado por outros partidos políticos, com
diferentes versões.
De acordo com o Instituto Polis (apud LÜCHMANN, 2002, p. 08), no Brasil
existem mais de 100 (cem) municípios que estão adotando o OP, de formas
variadas. Ocorreu, também, uma experiência em nível estadual (Rio Grande do Sul),
durante a administração petista de 1999 – 2003.
29
A criação das Plenárias Temáticas: implantadas em 1994 como parte integrante do ciclo do OP,
teve como objetivo vincular o OP aos princípios aprovados pelo Congresso da Cidade. Estas foram
organizadas de modo semelhante aos das assembléias regionais. Segundo Santos (2002, p. 508), as
plenárias temáticas foram o meio de ampliar tanto os assuntos de discussão e de decisão
participativa quanto à composição social dos participantes, aperfeiçoando, desse modo, a qualidade e
a complexidade da participação.
69
Segundo Navarro (2003, p. 95), com o crescimento de sua repercussão local
e externa, no final da primeira metade da sua história, foi construída uma imagem
extremamente alvissareira desta inovação de gestão pública em Porto Alegre (PoA).
Navarro (2003, p. 95 – 96) alega que, neste período o OP gerou um conjunto
de estudos e pesquisas no geral mais idealizantes, relativamente otimistas e quase
sempre incapazes de revelar as contradições e impasses possíveis do processo de
desenvolvimento, onde ele mesmo se inclui quando faz suas primeiras incursões
analíticas sobre o tema.
No entanto, nos últimos anos, esta visão mais idealizante sobre o OP vai
sendo substituída e questionada por analistas sociais e até mesmo por alguns
operadores governamentais, que estariam compartilhando atualmente de algum
grau de ceticismo em relação à continuidade crescente do OP, em sua capacidade
de mobilização e em relação aos seus impactos na promoção de mudanças
macrossociais.
Percebemos, nos estudos comparativos já realizados, que o OP apresenta
resultados variados, conforme os diferentes formatos institucionais que ele assume
em cada experiência em particular, necessitando que se estabeleça parâmetros que
permitam algumas conclusões sobre essa experiência.
De acordo com Wampler (2003, p. 63), sobre o conceito do OP, este tem sido
teorizado como “espaço público não-estatal”, como democracia “direta”,
“participativa” e/ou “delegativa”, como instituição redistributiva e de “delegação de
poder” (GENRO, 1995 e 1997; FEDOZZI, 1998; MARQUETTI, 2002; NYLEN, 2002).
Wampler (2003, p. 64 -65) sugere que o OP pode ser conceituado com base
em três parâmetros:
a) Transformação Social: o OP como uma instituição com potencialidade para
transformar a vida dos cidadãos comuns na medida em que abre esferas de
tomada de decisão governamental, antes restritas;
b) Democracia: o OP como uma instituição democrática inovadora que amplia os
limites da democracia representativa, na medida em que incorpora os cidadãos,
de forma direta, no processo de tomada de decisões, ao mesmo tempo em que
estimula a delegação de autoridade;
70
c) Instituição de elaboração de políticas públicas: o OP como um processo de
construção de políticas que altera as práticas preexistentes de planejamento e de
elaboração orçamentária no país, na medida em que os cidadãos passam a fazer
parte deste processo, tornando-o mais transparente e mais eficiente quanto à
alocação dos recursos.
Esse processo busca relacionar, de uma forma singular, a ampliação da
participação da população e o estabelecimento de critérios de justiça na deliberação
sobre o orçamento público na distribuição mais justa dos bens e serviços, permitindo
o controle social por parte da população em relação à implementação e execução
das deliberações.
Já, Avritzer (2003, p. 14) propõe a seguinte definição: o OP é uma forma de
rebalancear a articulação entre democracia representativa e democracia
participativa, apresentando quatro elementos que caracterizam este processo:
1. A perda da soberania por aqueles que a detém como resultado de um processo
representativo local. Neste caso, todos os indivíduos podem se inserir nas
instâncias de participação possuindo igual poder de deliberação;
2. Reintrodução de elementos de participação local (assembléias) e de elementos
de delegação (conselhos), constituindo-se em uma combinação de métodos da
tradição de democracia participativa;
3. Baseia-se no princípio da auto-regulação soberana, onde as regras são definidas
pelos próprios participantes;
4. Tentativa de reversão das prioridades na distribuição de bens e serviços públicos
em nível local, através de uma fórmula técnica que determina as prioridades
orçamentárias, no sentido de privilegiar os segmentos mais pobres da população.
Este último elemento terá maior destaque no próximo item deste trabalho, por
se constituir numa variável importante na análise sobre a relação entre o OP e as
camadas mais empobrecidas.
O OP constitui-se num processo de democratização do Estado e da
sociedade, na medida em que rompe com a visão tradicional da política, na qual a
participação política da população encerra-se no ato de votar, impossibilitando aos
representantes eleitos a utilização dos recursos públicos para atendimento de
interesses pessoais.
71
Neste sentido, face aos limites da democracia representativa, principalmente
quanto à participação da população nos processos de elaboração e discussão sobre
o orçamento público, o OP apresenta-se como alternativa a esta dinâmica, no
momento em que consegue incorporar e ampliar a participação da população na
definição orçamentária, através de mecanismos de participação direta e
representativa.
30
O orçamento participativo é um modelo de administração em que a população
não deve apenas ser consultada quanto às suas prioridades, mas também deve ser
capacitada para decidir acerca delas, e, ainda, fiscalizar a execução do orçamento e
dos investimentos públicos (MARCO, 2000).
De acordo com Lüchmann (2002, p. 93), o orçamento participativo pretende
definir um novo padrão nas ações políticas do município, pautadas na construção de
um conjunto de princípios democráticos de gestão pública, tais como: a ampla
participação da sociedade civil, a transparência político-administrativa e a justiça na
distribuição dos recursos públicos.
Avritzer (2003) procurou rever as principais análises teóricas acerca do OP,
onde, segundo ele, nos últimos anos, o OP adquiriu relevância em três tipos de
debates no interior da teoria democrática:
a) o debate sobre a relação entre sociedade civil e democracia local, onde vêm se
discutindo os seguintes elementos: o papel das práticas organizativas
preexistentes na sociedade civil no êxito das políticas participativas; a
capacidade do Estado de induzir formas de associativismo e práticas
deliberativas; a capacidade das formas participativas de distribuírem recursos de
modo generalista; e o papel da tradição associativa na variação do êxito do OP
(AVRITZER, 2003, p. 17 -18).
b) O debate sobre o desenho institucional: a teoria do desenho institucional possui
diversas variações, mas todas convergem para a influência do desenho das
instituições na sua capacidade de predeterminar atitudes dos atores sociais.
Segundo Avritzer (2003, p. 18), este debate gira em torno de questões que dizem
respeito à capacidade do OP, de instituir instâncias de deliberação e troca de
30
Alguns autores consideram o Orçamento Participativo enquanto forma efetiva e bem-sucedida de
combinação entre elementos da democracia participativa e da representativa, articulando o mandato
representativo com formas de deliberação em nível local (SANTOS, AVRITZER, 2002, p. 65),
(SÁNCHEZ, 2002, p. 51).
72
argumentos, materializadas em um conjunto de regras, normas e leis que
permitem dar sustentabilidade às práticas participativas.
c) O debate sobre o aprofundamento da democracia: os autores que fazem o
debate sobre o OP e o aprofundamento da democracia conectam os seguintes
elementos: um aumento da participação na decisão sobre a distribuição de
recursos públicos; o acesso a recursos públicos e direitos; a capacidade de
decidir e de determinar a regra do processo democrático (AVRITZER, 2003, p.
19).
A partir da análise de estudos de caso resultantes de produções teóricas de
diversos autores, Avritzer identificou quatro características necessárias para a
existência do OP as quais apresentam variações significativas conforme a realidade
onde a experiência é implantada. São elas:
1. Vontade Política: caracteriza-se pela iniciativa política da administração municipal
no empenho em implementar políticas participativas. Geralmente o OP está
ligado ao projeto político-partidário que assume o poder governamental,
principalmente a partidos de esquerda e constitui-se num elemento fundamental
para implementação e continuidade da experiência. Este elemento pode ser
caracterizado de diversas formas:
pela presença de membros da administração municipal nas reuniões
do OP; na capacidade de superar obstáculos para a implantação de
obras e na centralidade do OP nas políticas da administração municipal
(AVRITZER, 2003, p.34).
No entanto, Navarro (2003) faz uma crítica concisa em relação à vinculação
ou dependência do processo do OP aos programas de governo e os projetos
político-partidários pois, segundo ele, o OP deve se constituir numa instituição
autônoma, sem vinculações político-partidárias, pois estas impedem que o OP seja
caracterizado como uma efetiva esfera pública. Aprofundaremos esta discussão
mais adiante.
2. Densidade associativa: A experiência de Porto Alegre demonstrou que a
existência de práticas associativas anteriores e a incorporação de práticas
73
preexistentes contribuíram para o surgimento do OP (Rebecca Abers, 2000;
Giampaolo, 2002; Nylen, 2002; dentre outros apud AVRITZER, 2003).
Além disso, o associativismo comunitário também demonstra a capacidade de
democratizar a relação entre Estado e sociedade civil, através de um crescimento
constante da participação no OP podendo, inclusive, incidir positivamente sobre a
cultura política local.
No entanto, com base nos estudos de caso de Silva (2003) e Teixeira (2003),
Avritzer (2003, p. 46) afirma que há possibilidade de existência do OP em cidades
onde não há uma forte tradição associativa, porém, neste caso, o OP não é capaz
de gerar uma infra-estrutura desta natureza onde ela não existe, em particular, em
cidades de pequeno e médio porte.
Nestes casos, o sucesso do OP está ligado a duas variáveis centrais: a
vontade política e a capacidade financeira. Além disso, o OP torna-se uma forma
sistêmica de implantar uma política distributiva, e dependente da vontade do
governo local, não tendo os mesmos efeitos democratizantes na cultura política,
como aqueles casos onde há infra-estrutura associativa (AVRITZER, 2003, p. 47).
3. Elementos do desenho institucional: é a capacidade de introduzir instâncias
deliberativas (assembléias, reuniões, fóruns, etc), conciliando-as com a forma
conselho, bem como, de redesenhar as regiões da cidade adequando-as ao
processo deliberativo e de criar novas instituições (AVRITZER, 2003).
A partir da análise de estudos de casos (Fung e Wright, 2002; Avritzer, 2002;
Wampler e Avritzer, 2002; Lüchmann, 2002), Avritzer (2003) aponta algumas
conclusões a respeito da questão institucional.
Segundo o autor, o OP apresenta uma grande capacidade de variação e
adaptabilidade a diferentes ambientes, na medida em que ele se constitui num
processo auto-regulado, onde os participantes podem redesenhar seu formato que
pode assim ter diversas formas: a simplificação em cidades de pequeno e médio
porte (SILVA, 2003; TEIXEIRA, 2003); a complexificação em cidades de grande
porte como Porto Alegre; a articulação com outras instituições, como a experiência
em nível estadual no Rio Grande do Sul (FARIAS, 2003), e a adaptação para
regiões rurais (ROVER, 2003).
Para Avritzer (2003, p. 50), o único limite da plasticidade do OP diz respeito à
manutenção dos elementos deliberativos do desenho, pois quando estes são
74
comprometidos, pode haver a redução do sucesso da proposta, como no caso de
Recife
31
(SILVA, 2003).
Os diferentes estudos de casos demonstram que a variação no desenho
institucional envolve três questões: o número de assembléias regionais e sua
relação com o conselho do OP; a variação no tipo de bens públicos a serem
distribuídos (Exemplo: quando o OP é estendido a zonas rurais como em Chapecó);
e em grandes extensões territoriais o desenho e o papel do OP devem mudar para
que possa integrar a multiplicidade de atores, como ocorreu no âmbito estadual no
Rio Grande do Sul.
No debate sobre o desenho institucional, Lüchmann (2002) é um dos teóricos
que discutem o tema. Segundo ela, o desenho institucional é quem dá a sustentação
à dinâmica participativa e, no caso do OP, é a variável que garante a
sustentabilidade virtuosa da experiência.
Segundo a autora, a metodologia do desenho institucional do OP está
assentada em três pilares básicos: aumento da qualificação da participação, redução
do clientelismo e redistribuição dos recursos municipais, e aproximação Estado e
sociedade (LÜCHMANN, 2002, p. 158).
4. Capacidade administrativa e financeira: capacidade de administração municipal
de gerar recursos tributários para a implantação de políticas participativas.
Segundo Avritzer (2003), a capacidade do município de ter recursos próprios
ou conseguir acesso à transferências está diretamente relacionada ao sucesso do
OP, conforme demonstra o estudo de Marquetti (2003).
Ainda na discussão sobre as características do OP, Wampler (2003, p. 81)
acrescenta mais uma variável para explicar os seus diferentes resultados: o seu
tempo de vida. Em outras palavras, isso quer dizer que quanto mais tempo o OP
tiver, maior será a sua probabilidade de apresentar impactos substantivos na
democracia, na redistribuição de recursos e na racionalização da administração.
Navarro (1997), em seu artigo apresentado no Seminário em Caracas no ano
de 1996, aponta algumas implicações surgidas com a implementação do Orçamento
31
Recife mostra um tipo de variação institucional na forma da deliberação: no OP de Recife os
delegados são eleitos e cabe a eles negociar as obras do Op e não a própria população nas
assembléias regionais que, no caso da cidade de Recife, eram assembléias consultivas, apontando
na direção do enfraquecimento do processo deliberativo (AVRITZER, 2003).
75
Participativo sobre as possibilidades e limites desse processo, a partir da experiência
de Porto Alegre.
Quanto aos limites do Orçamento Participativo, o autor ressalta que por ser
uma experiência não institucionalizada, apenas aprovada “internamente” pelas
próprias associações, está sujeita às mudanças políticas no futuro em decorrência
das mudanças na orientação política do município (NAVARRO, 1997, p. 195) e por
isso, depende da vontade política dos governantes.
Outras dificuldades são apontadas como:
a cultura política tradicional baseada em relações clientelistas que
podem retornar ou mesmo desmoralizar o processo de participação
popular; a inexperiência das novas autoridades no inìcio, a falta de
recursos nos primeiros anos; um conjunto de demandas bastante
diferenciado vindo de todas as regiões (...) e uma persistente
dependência da população em relação às estruturas governamentais
(NAVARRO, 1997, p. 195).
Além disso, o processo do Orçamento Participativo, se não for conduzido para
buscar o desenvolvimento da cidade como um todo, pode confrontar-se com
“práticas utilitaristas” no seu interior, traduzidas na competição por recursos
escassos e as práticas autoritárias e clientelístas, tão comuns entre os próprios
líderes comunitários (NAVARRO, 1997, p. 218).
Algumas de suas análises são revistas em Navarro (2003), onde ele faz um
diagnóstico do OP de Porto Alegre, no período de 1989 – 2002, utilizando elementos
analíticos advindos do debate sobre a esfera pública
32
e da democracia deliberativa,
em que questiona os limites desta experiência.
As questões teóricas que o autor aborda dizem respeito à relação entre
quantidade e qualidade da participação e a influência da pluralidade socioeconômica
dos atores na determinação da qualidade de participação.
Um dos aspectos debatidos por Navarro diz respeito ao tema da participação
no âmbito do OP, quase sempre destacada e analisada na literatura de maneira
positiva, como por exemplo, a crescente participação dos cidadãos nas assembléias
32
Com base em Arato e Cohen (1999), Navarro (2003, p. 118) define esfera pública como espaços e
processos de comunicação societária abertos, autônomos e politicamente relevantes (...) um espaço
juridicamente privado no qual indivíduos sem estatuto oficial buscam persuadir uns aos outros por
meio de argumentação racional e de crítica sobre os assuntos de interesse geral.
76
do OP ao longo de sua implementação, em que a imagem externa e do imaginário
local do processo sugere uma participação bem maior do que os números indicam,
como se a cidade vivesse em permanente estado de euforia associacional e
participativa (NAVARRO, 2003, p. 109 ).
No entanto, apesar da ênfase nos aspectos quantitativos da participação,
vista como algo positivo e crescente, a sua limitação a patamares entre 1% a 2% da
população, coloca-se como limite da experiência do OP.
Para Navarro, o processo do OP de Porto Alegre recebe ainda a contestação
conservadora de desconfiança sobre a possibilidade de uma ampla e profunda
participação da população em uma esfera decisória, e esta contestação pode estar
relacionada à etiqueta partidária associada ao PT, que marcou o seu processo
desde seu início.
De acordo com Navarro, a manutenção do OP como exclusiva inovação
petista tem o propósito instrumentalista de manter tal mecanismo preso ao âmbito
específico do partido, onde se observam os resultados práticos nas sucessivas
vitórias eleitorais.
O autor ressalta que a estreita vinculação do OP com o PT restituiu um novo
tipo de clientelismo, o qual denominou de “quadros” (ou “partidários”), mediado
igualmente por vereadores ou operadores do governo, responsáveis pelo
recrutamento de lideranças comunitárias que definem, por sua vez, os debates e as
demandas no plano das reuniões do OP (NAVARRO, 2003, p.114).
Para Navarro (2003, p. 119), a falta de uma isenção de cunho partidário tira a
potencialidade universalizante do OP e, ao mesmo tempo, impede que outros
interesses adentrem tais espaços, disputem suas demandas e arranjos societários e,
também, estabeleçam formas procedimentais que efetivamente possam alcançar
representatividade social.
Deste modo, Navarro defende a institucionalização do OP tornando-o um
processo efetivamente autônomo, desvinculando-o das ligações partidárias e do
controle governamental, os quais subordinam o processo e sua estrutura.
Quanto à pluralidade socioeconômica dos participantes na determinação da
qualidade de participação, Navarro (2003), baseado em evidências empíricas, afirma
que a participação está rigidamente delimitada, do ponto de vista socioeconômico.
Com base nas pesquisas realizadas em 1998 e 2000 sobre o perfil dos
participantes do OP, os resultados evidenciam o perfil típico de quem participou
77
deste processo. O participante mais usual era mulher, casada, com mais de 34 anos,
renda familiar até 4 salários mínimos, escolaridade até o Ensino Fundamental,
trabalhadora manual sem qualificação, do setor privado, com jornada de trabalho
entre 40 a 44 horas semanais (...) atuante na associação de moradores; participou
do OP em anos anteriores, mas nunca foi escolhida como delegada ou conselheira
(CIDADE apud NAVARRO, 2003, p. 115).
Neste sentido, para Navarro a restrição da participação a um setor da
população, ainda que majoritário, é um fator limitador da pluralidade de participação
social.
Diante disso, Navarro (2003, p. 116) propõe que ao invés do governo
municipal procurar apenas ampliar o número de participação nas reuniões, deveria
voltar-se para o aperfeiçoamento democrático do processo, buscando descobrir as
razões pelas quais os demais grupos sociais da cidade não têm sido motivados a
participar do OP.
Navarro (2003) procura demonstrar que o OP de Porto Alegre revela
impasses e dilemas que distanciam a sua experiência do modelo deliberativo de
democracia.
Segundo o autor, a participação no âmbito do OP tem se concentrado mais
em seus aspectos quantitativos e menos em seus impactos qualitativos, e o
processo parece ter se restringido a uma forma muito estreita de democracia direta,
meramente presencial, onde os participantes encontram um rol de opções nas quais
votam e a participação se encerra para quase todos (NAVARRO, 2003, p. 109).
No entanto, Avritzer (2003, p. 28) parece discordar quando aponta que, na
literatura sobre o assunto, o OP – PoA consegue resolver uma deficiência que outras
experiências participativas não conseguiram, quando consegue aproximar a
participação da configuração socioeconômica da cidade, evitando que setores mais
privilegiados se apropriem do processo participativo.
Além disso, Avritzer (2003, p. 29) alega que a questão da pluralidade dos
atores participantes precisaria se articular com a fidelidade da representação social,
questão esta ignorada por Navarro, já que do ponto de vista da democracia, é
sempre mais relevante saber se a maioria está representada, especialmente em se
tratando de políticas distributivas.
Em relação à questão da caracterização da dimensão pública do OP e a sua
relação com a hegemonia de um partido político – o PT – neste processo,
78
analisando do ponto de vista da articulação entre democracia representativa e
democracia participativa, Avritzer (2003, p. 53) afirma que se torna inevitável à
presença dos partidos em todas as formas de institucionalização da participação, na
medida em que as formas de deliberação democrática implicam escolhas
institucionais.
Neste sentido, identificar a presença partidária como elemento de
particularismo, como sugere Navarro, parece insuficiente para caracterizar o
neoclientelismo (AVRITZER, 2003, p. 53).
No entanto, apesar de se demonstrar cético ao OP como processo espaço de
efetivação real de uma esfera pública, Navarro acredita que
o maior e mais extraordinário mérito do processo é a sua lógica
redistributiva, em que cidadãos moradores de regiões mais favorecidas
pagam mais impostos, que por sua vez (via OP), são redistribuídos às
regiões mais pobres da cidade (NAVARRO, 2003, p. 121).
Acerca da lógica redistributiva iremos nos ater com mais detalhes no próximo
item, quando analisaremos a relação entre o OP e as camadas mais empobrecidas.
Ainda sobre os limites do OP, Lüchmann (2002, p. 173) destaca vários
indicadores que apontam riscos desta experiência, como:
as relações de desigualdades entre os participantes e seus
representantes, e entre estes e o governo; a relação entre o montante
de recursos e o grau de carência da população; a acentuada
dependência da vontade e do compromisso da administração pública
municipal.
Por outro lado, baseados em trabalhos teóricos de autores sobre Orçamento
Participativo, podemos levantar alguns resultados concretos dessa experiência,
enquanto possibilidade de construção de novas relações entre a gestão municipal e
os moradores do município, construção esta de cunho mais democratizante e
eqüitativo.
Um dos resultados diz respeito à importância da participação e do controle
social por parte da população na avaliação do desempenho geral do governo,
forçando-o a democratizar-se e reduzir suas práticas clientelistas. Segundo Navarro
(1997, p. 197), em Porto Alegre
79
uma “coerção positiva” é crescentemente exercida sobre a
administração como um todo, quando ela é submetida à prestação de
contas públicas. Em conseqüência, desempenhos administrativos
insatisfatórios são facilmente detectáveis e podem ser modificados, não
em função de interesses particularistas, mas protegidos por uma
legitimidade social indiscutível que o processo atribui a essas
situações, quando ocorrem.
Além disso, a participação da população na decisão sobre a distribuição dos
recursos públicos e na elaboração da proposta orçamentária permite a legitimidade
social dessas deliberações, dificultando o Poder Legislativo na realização de
alterações das propostas, diminuindo a barganha política, a troca de favores e a
manutenção de “currais” eleitorais, porém, sem perder suas prerrogativas
constitucionais na análise e votação do projeto de lei orçamentária.
Este fato demonstra que é possível uma combinação entre diferentes formas
de democracia, neste caso, a democracia participativa com a representativa.
Por fim, podemos dizer que, apesar dos riscos e limites desta experiência, o
OP tem apontado um conjunto de possibilidades que comprovam seu caráter
democrático. Algumas dessas possibilidades são apontadas por Lüchmann (2002, p.
194):
a instituição de espaços públicos de discussão e definição do
orçamento municipal; a articulação entre a participação direta e
representativa; a capacidade de reduzir custos de participação
ampliando e pluralizando os sujeitos no processo participativo; a
construção de critérios que restringem os particularismos e focalizam o
debate na promoção da justiça social; (...) a redução do clientelismo e o
estabelecimento de novas relações entre Estado e sociedade; a
renovação das lideranças e o aumento no quadro do associativismo
local; a capacidade de manter uma dinâmica institucional controlada
coletivamente; a inversão de prioridades e o conjunto de obras que
beneficiam a população de baixa renda.
Percebemos que o Orçamento Participativo nos apresenta muitos desafios e
indagações sobre o exercício da democracia e a construção de um modelo, que
80
venha a alterar as relações construídas historicamente entre Estado e sociedade,
democratizando essas relações e possibilitando o acesso real a bens e serviços
públicos previstos constitucionalmente, mas não garantidos em sua prática.
Para fins deste trabalho, pretendemos discutir o OP a partir de dois aspectos
que, a nosso ver, vinculam esta experiência aos usuários da política de assistência
social, quais sejam: o princípio da inversão de prioridades beneficiando os
segmentos mais pobres da população e a possibilidade da participação destes
segmentos no processo de discussão e controle acerca dos recursos públicos.
Neste sentido passaremos a analisar a relação entre o OP e a população
empobrecida, para que possamos, mais adiante, observar como se dá a participação
dos usuários da política de Assistência Social nas assembléias do OP, tomando
como referência a experiência da cidade de Indaial – SC.
2.2.2 A relação entre o Orçamento Participativo e as camadas empobrecidas
No primeiro capítulo, percebemos que os segmentos mais pobres e
vulnerabilizados socialmente apresentam dificuldades concretas de mobilizar-se e
participar politicamente nos espaços de participação, conseqüência, a nosso ver,
derivadas de sua condição de pobreza e dos resquícios de nossa cultura clientelista
e pouco participativa, que os desmobiliza e os torna dependentes da ação
governamental.
Neste sentido, o OP, como um espaço de participação, apresenta dois
elementos muito importantes quanto à sua relação com a população mais
empobrecida do município, seja no que diz respeito à oportunização de espaços de
participação, seja na sua eficácia redistributiva em relação à priorização da oferta de
bens e serviços públicos a esta camada da população, que mais necessita destes
bens e serviços, relacionado ao princípio da inversão de prioridades.
Desta forma, podemos considerar o Orçamento Participativo como uma
política participativa em nível local que responde à demandas dos setores
desfavorecidos por uma distribuição mais justa dos bens públicos nas cidades
brasileiras (AVRITZER, 2002, p. 576).
Através do OP é possível perceber alterações na relação entre o Estado e a
sociedade civil. O Estado que, historicamente tem demonstrado sua face
81
paternalista, tuteladora e arbitrária na prestação de bens e serviços sociais à
população mais vulneralizada, com a implantação do OP, tem possibilitado uma
maior democratização quanto à discussão e definição destes bens e serviços, bem
como a redistribuição de renda quando passa a priorizar os setores mais pobres da
sociedade.
Ao analisar o OP na forma de gerir os recursos públicos municipais, Fedozzi
(2000, p. 78) afirma que este processo vem proporcionando
um processo de inversão de prioridades dos investimentos públicos,
fazendo com que os segmentos sociais historicamente excluídos do
desenvolvimento urbano sejam reconhecidos como sujeitos legítimos
do processo decisório de gestão governamental.
Segundo o autor, esse fato se justifica na medida em que o perfil sócio-
econômico dos participantes é constituído, na sua maioria, pelas camadas de baixa
renda e baixo nível de escolaridade
33
, e pelo fato de que os investimentos prioritários
são destinados para atender às demandas das vilas populares.
No Quadro 1, Marquetti (2003) procura demonstrar que a população pobre
possui uma participação no OP muito superior a sua representação na cidade como
um todo, mostrando que o OP foi capaz de mobilizar setores pobres que nunca
tiveram espaço na definição das ações estatais.
Quadro 1 Distribuição percentual da renda familiar em 1998 entre os participantes das
diferentes estruturas do OP em Porto Alegre.
Renda familiar
(Salários Mínimos)
Rodadas Fórum de
Delegados
COP Porto Alegre
Até 2 SM 30,3 19,9 16,3 11,4
Mais de 2 até 4 SM 25,5 23,1 24,5 19,4
Mais de 4 SM 42,0 55,7 57,2 64,1
Sem resposta 2,2 1,3 2,0 5,1
Fonte: Baierle (1999) e IBGE (2000) apud Marquetti (2003, p. 135).
33
Conforme já visto anteriormente, em pesquisa realizada com os participantes do OP em PoA em
1998 e 2000, o perfil do participante das assembléias do OP possui renda familiar até 4 salários
mínimos; com escolaridade até o Ensino Fundamental; trabalhador sem qualificação profissional,
pertencente aos segmentos pobres e organizados da população.
82
Este quadro chama a atenção para a diferença entre o percentual de
participação nas assembléias do OP com renda até dois salários mínimos e o
percentual da população da cidade com esta renda familiar, mostrando que 30% dos
participantes do OP possuem uma renda muito baixa.
Marquetti (2003) observa, também, que os delegados e conselheiros
possuem uma maior renda em relação aos participantes das assembléias, embora
tenham uma renda familiar inferior à renda de uma família de classe média de Porto
Alegre
34
.
Em relação à questão da capacidade de redistribuição do OP, para que este
atingisse sua eficácia redistributiva, foram definidas regras gerais e critérios de
justiça distributiva no processo de tomada de decisão, estabelecidos coletivamente
tendo como representação majoritária à população.
Desta forma, foram incluídos na metodologia do OP os seguintes critérios de
distribuição dos recursos e de definição das prioridades: carência de serviço ou infra-
estrutura na região; população total da região e prioridade temática da região face às
escolhidas pela cidade como um todo (SANTOS, 2002, p. 489).
Segundo Lüchmann (2002, p. 157), o OP evidencia a intenção de melhor
redistribuir os recursos públicos e promover a justiça social quando passa a
estabelecer critérios de distribuição destes recursos, baseados em parâmetros
objetivos e universais para a definição das obras e investimentos na cidade, inibindo,
desta forma, práticas e interesses particularistas e o privilegiamento de
determinados setores sociais, que têm maior grau de organização e mobilização ou
por ter maior acessibilidade ao poder estatal, eliminando, desta forma, privilégios e
favorecimentos pessoais e/ou privados.
Além disso, estes critérios de distribuição vêm beneficiar as áreas pobres da
cidade e estimular a participação da população organizada de menor renda
(MARQUETTI, 2003).
Para a autora, o estabelecimento de critérios através de notas e pesos,
constrói uma matemática que, ao favorecer os bairros mais pobres, obedece a uma
lógica de priorização dos investimentos públicos em direção à promoção da justiça
social (LÜCHMANN, 2002, p. 163).
34
De acordo com Marquetti (2003), a renda de uma família de classe média em PoA em 1996 girava
em torno de dez salários mínimos, aproximadamente.
83
Como exemplo de atendimento prioritário aos bairros mais pobres, Lüchmann
(2002) cita os critérios da área de assistência social do OP de Porto Alegre, que são
os seguintes:
população em situação de risco social e/ou pessoal; inexistência ou
carência de serviços de assistência social (públicos, filantrópicos ou
conveniados); inexistência de equipamentos ou serviços de assistência
social da FESC (Fundação de Educação Social e Comunitária),
próprios ou conveniados; viabilidade de estabelecimento de convênio
ou parceria com entidades públicas e/ou privadas, e deliberações da III
Conferência da Assistência Social.
Além do estabelecimento de critérios de distribuição de recursos, a definição
de temas prioritários para investimentos no OP vem favorecer também as áreas de
atendimento às necessidades básicas da população empobrecida, permitindo assim
a promoção da justiça social.
A partir do ano de 2001, os temas a serem objeto de priorização do OP
passaram a somar um total de treze: saneamento básico, política habitacional,
pavimentação, transporte e circulação, saúde, assistência social, educação, áreas
de lazer, esporte e lazer, iluminação pública, desenvolvimento econômico, cultura e
saneamento ambiental (SANTOS, 2002, p.476).
Segundo Lüchmann (2002, p. 120), a definição destes temas prioritários
demonstram uma preocupação do governo
em investir prioritariamente em áreas que cobrem as necessidades
básicas de um amplo contingente populacional que se vê
historicamente excluído destes direitos sociais. Por outro lado, os
investimentos do governo para motivar a participação dos setores mais
pobres têm surtido efeito na priorização das obras municipais.
Esta preocupação governamental em investir, prioritariamente, em áreas mais
desprovidas de bens e serviços públicos básicos, pode ser observada também no
estudo de caso apresentado por Marquetti (2003), sobre o OP de PoA, que teve
como objetivo caracterizar empiricamente o sucesso do OP, relacionando a sua
forma participativa com sua capacidade de redistribuição dos recursos públicos.
84
Marquetti (2003, p. 130) afirma que é de fundamental importância que
inovações institucionais estendam o processo democrático para os segmentos
pobres da população e os incorporem no desenvolvimento da economia, a fim de
mudar a situação caótica da distribuição de renda e riqueza no país e que o OP, por
sua vez, já teria atingido tal perspectiva, na medida em que teria estendido o
processo democrático para os setores organizados da população pobre da cidade,
melhorando suas condições de vida.
Com base na análise sobre as demandas das regiões nos Planos de
Investimentos (PI), Marquetti procura investigar se as regiões mais pobres
receberam maior quantidade de investimento percapita no período de 1992 – 2000.
Para identificar as regiões mais pobres, o autor utilizou um conjunto de
indicadores que ele relaciona com a desigualdade social em cidades brasileiras,
quais sejam: baixo rendimento nominal médio dos chefes de família; número de
domicílios irregulares; mães com Ensino Fundamental incompleto e com filhos
nascidos em 1998 em cada região, conforme mostra o Quadro 2.
Quadro 2 População e rendimento nominal médio dos chefes de domicílios em
salários mínimos por região do OP, percentagem de domicílios em
núcleos e vilas irregulares e de mães com primeiro grau incompleto com
filhos nascidos vivos em 1998 em cada região do OP.
Região População* Nº de SM ** Domicílios
irregulares% **
Mães c/ 1º grau
incompleto % ***
Humaitá/Navegantes/Il
has
48.199 4,14 30,97 52,9
Noroeste 127.574 7,90 5,49 24,0
Leste 110.451 8,63 28,14 51,4
Lomba do Pinheiro 48.368 3,33 30,96 65,9
Norte 88.614 3,56 37,90 48,9
Nordeste 24.261 2,19 72,93 69,2
Partenon 114.127 3,88 34,64 50,0
Restinga 45.999 2,35 14,08 60,4
Glória 37.439 4,00 41,09 53,9
Cruzeiro 64.952 5,46 47,18 61,4
Cristal 30.054 6,24 26,32 52,8
Centro Sul 101.397 4,84 10,84 40,7
85
Extremo Sul 23.905 2,95 19,28 63,1
Eixo Baltazar 86.057 4,04 16,71 39,9
Sul 62.837 9,47 17,57 41,3
Centro 271.294 11,40 1,46 18,5
Porto Alegre 1.285.528 6,40 20,55 45,8
* Em 1991; ** Em 1996; *** Em 1998.
Fonte: PMPA (2000) apud Marquetti (2003, p. 139).
Observamos que há grandes diferenças entre as regiões, pois se pode
identificar as localidades com maior nível de pobreza, a partir de vários indicadores
sociais.
No que se refere à população, também se verificam diferenças, como por
exemplo, a região Centro é onze vezes maior em relação ao número de habitantes
comparados às regiões Extremo Sul e Nordeste.
Cabe ressaltar que o peso dado ao critério população da região no total da
cidade, é menor entre os demais critérios de distribuição dos investimentos
35
. Neste
sentido, as regiões mais populosas tendem a receber um volume per capita de
investimentos menor do que as regiões menos populosas.
No Quadro 3, com base nos PIs no período de 1992 – 2000, Marquetti
apresenta a evolução percentual dos investimentos em cada região, bem como a
distribuição dos recursos entre as regiões e em toda a cidade, já que 65% dos
recursos são destinados às demandas de toda a cidade e 35% às demandas
reivindicadas pelas regiões.
O autor fez sua análise sobre o efeito redistributivo do OP, a partir da
distribuição dos recursos destinados às dezesseis regiões do OP, que se constituem
nos 35% dos recursos para investimentos, conforme podemos ver no Quadro 3.
35
De acordo com Santos (2002, p. 492), os critérios com seus respectivos pesos são os seguintes:
Carência de serviço ou infra-estrutura na região – Peso 4;
População total da região – Peso 1;
Prioridade temática da região face àquelas escolhidas pela cidade como um todo – Peso 4.
Segundo Silva (2003), estes critérios e pesos demonstram a centralidade do OP em direcionar os
investimentos municipais para as populações com menor acesso a bens e serviços públicos na
cidade, buscando concretizar o lema “inversão de prioridades”.
86
Quadro 3 Distribuição percentual dos valores dos investimentos listados nos PIs por
região e em toda cidade, 1992 – 2000.
Região 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Total
Humaitá/Navegant
es/Ilhas
0,78 0,84 0,93 0,32 3,88 1,46 5,04 0,2 1,02 1,56
Noroeste 5,2 3,13 0,39 2,45 2,27 0,82 1,23 1,24 0,91 1,96
Leste 5,79 2,35 3,65 4,93 1,58 2,22 2,25 1,23 1,56 2,93
Lomba do Pinheiro 3,71 2,86 2,79 5,29 6,54 0,99 1,5 2,31 1,91 2,93
Norte 8,82 3,69 1,39 2,6 1,8 1,92 1,47 2,22 1,61 2,96
Nordeste 2,16 1,11 1,7 2,02 4,07 1,68 1,45 2,01 1,66 1,91
Partenon 2,29 1,14 1,11 4,2 2,27 1,3 1,32 2,8 2,21 2
Restinga 4,39 1,83 0,79 2,22 1,2 3,79 0,92 2,84 1,55 2,23
Glória 1,39 1,77 1,8 2,5 1,76 1,23 1,89 0,75 1,96 1,63
Cruzeiro 4,55 2,71 1,62 2,65 1,81 2,05 1,28 2,39 1,09 2,29
Cristal 1,24 3,04 0,49 4,35 1,9 1,03 0,53 1,58 1 1,58
Centro Sul 9,37 5,52 1,96 2,27 2,82 1,78 1,9 3,55 1,61 3,56
Extremo Sul 5,65 1,19 0,68 4,55 5,05 3,99 1,19 1,27 1,6 2,68
Eixo Baltazar 1,39 0,84 1,47 1,78 2,15 3,48 2,09 1,97 2,16 1,9
Sul 0,59 1,04 0,94 3,21 2,37 1,5 1,52 0,97 1,16 1,38
Centro 2,07 1,16 1,72 1,29 1,31 0,37 3,02 1,3 0,98 1,53
Total das regiões 59,39 34,24 23,42 46,65 42,79 29,62 28,59 30,98 23,98 35,32
Toda Cidade 40,61 65,76 76,58 53,35 57,21 70,38 71,41 69,02 76,02 64,68
Fonte dos dados Brutos: GAPLAN (diversos anos) apud Marquetti (2003, p. 141).
Marquetti (2003, p. 142), analisando e comparando os indicadores sociais do
Quadro 2 com a distribuição dos recursos para investimentos por região (Quadro 3),
conclui que o OP funcionou como um instrumento de distribuição de renda, e que as
regiões mais pobres receberam mais recursos por habitante em relação às regiões
mais ricas.
No entanto, os critérios de distribuição de recursos prejudicam as regiões
mais populosas, embora mais pobres, e beneficiam aquelas que são relativamente
ricas e não populosas, pois quanto menor a população da região, maior será a
distribuição de investimentos.
De maneira geral, Marquetti (2003) demonstrou, em seu estudo de caso, que
os recursos dos Planos de Investimentos (PI) concentram-se nas mesmas regiões
onde a pobreza se concentra.
Avritzer (2003), em sua análise sobre o estudo de caso de Marquetti, afirma
que os resultados deste estudo são importantes para a discussão da democracia
87
participativa, porque mostra que os participantes do OP, quando possuem
capacidade de decisão, conseguem atuar sob a lógica da redistribuição dos recursos
públicos, e que são capazes de hierarquizar prioridades conforme o grau de
carência da população.
Outro aspecto identificado por Avritzer, em relação ao estudo de Marquetti,
diz respeito à maneira positiva que o autor vê na correlação entre participação e
condição socioeconômica, na medida em que esta correlação vem beneficiar
realmente as áreas com menos acesso aos bens e serviços públicos, ao contrário de
Navarro (2003), que considera a restrição da participação a um setor social como um
empobrecimento do debate público, conforme já vimos anteriormente.
Santos (2002), refletindo sobre o OP de Porto Alegre/RS quanto à natureza
democrática da distribuição de recursos, apresenta dados sobre os resultados
materiais obtidos com o processo de inversão de prioridades na distribuição destes
recursos dando, como exemplo, o investimento em saneamento básico que em 1989
atendia apenas 49% da população e, no final de 1996, cerca de 98% dos lares
tinham água canalizada e 85% eram servidos pelo sistema de esgoto.
Além disso, em duas administrações foram construídos cerca de 900 km de
rede de esgotos (entre 1989 e 1996), enquanto que em todos os governos anteriores
foram construídos apenas 1.100 km.
No Quadro 4, apresentamos a evolução das três primeiras prioridades entre
1992 e 2002, eleitas pelo OP de Porto Alegre.
Quadro 4 Evolução das 3 primeiras prioridades entre 1992 e 2002 – PoA/RS
Ano do OP 1ª PRIORIDADE 2ª PRIORIDADE 3ª PRIORIDADE
2002 Habitação Educação Pavimentação
2001 Pavimentação Habitação Saneamento básico
2000 Política habitacional Pavimentação Saúde
1999 Saneamento básico Pavimentação Política habitacional
1998 Pavimentação Política habitacional Saneamento básico
1997 Política habitacional Pavimentação Saneamento básico
1996 Pavimentação Saneamento básico Regularização fundiária
1995 Pavimentação Regularização fundiária Saneamento básico
1994 Regularização fundiária Pavimentação Saneamento básico
1993 Saneamento básico Pavimentação Regularização fundiária
1992 Saneamento básico Educação Pavimentação
Fonte: PMPA (apud SANTOS, 2002, p. 478).
88
Pelo quadro exposto anteriormente, podemos observar uma ampla
priorização em obras de infra-estrutura (saneamento básico, pavimentação,
habitação e regularização fundiária) nas regiões que apresentam maior grau de
carência destes serviços; torna-se evidente que há uma inversão na lógica de
hierarquização dos interesses sociais, a partir do momento em que se passa a
atender as regiões mais pobres da cidade.
Uma das principais prioridades das classes populares dizia respeito à
legalização da propriedade de terrenos, já que 25% do solo urbano disponível
pertence à 14 pessoas ou entidades. Apesar da morosidade na regularização
fundiária, foram urbanizados os bairros populares e construídas muitas casas para a
população marginalizada (SANTOS, 2002).
De acordo com Dias (apud Lüchmann, 2002, p. 121), a estratégia que melhor
evidencia a intenção político-partidária de redistribuição de renda através do Estado
é o estímulo à participação das camadas mais pobres da população, aproximando o
poder público municipal das regiões mais necessitadas da cidade e fornecendo aos
seus moradores a possibilidade de participação na definição das escolhas
governamentais.
O desenho institucional do OP, no que se refere à divisão regional da cidade,
caracteriza-se, também, num fator importante na ampliação da participação na
medida em que permite maior identificação e apropriação dos problemas locais por
parte dos cidadãos e reduz os custos de deslocamento.
De acordo com Lüchmann (2002, p. 157), além da capacidade redistributiva, o
OP também apresenta importante capacidade de
redução dos ‘custos de participação’, na medida em que está
assentado em bases territoriais, em que oferece infra-estrutura
(condução às assembléias, divulgação do OP, cursos de capacitação,
construção dos CARs, etc...), mobilizando funcionários da
administração para a organização comunitária.
A ampliação dos espaços de discussão aumenta as oportunidades de
participação de setores que sempre se viram excluídos de exercer sua participação
política, opinando e discutindo acerca dos problemas de sua comunidade ou bairro.
89
Neste sentido, o desenho institucional oportuniza aos setores mais excluídos
da sociedade sua intervenção direta nos espaços de discussão, como também
possibilita a capacitação e qualificação, tanto na perspectiva técnica quanto política.
Porém, a divisão regional por si só não garante a efetividade da participação,
pois é necessário que os cidadãos tenham conhecimento da metodologia e
funcionamento do OP, para que estejam em condições de manifestarem-se.
De acordo com Marco (2000, p. 159), quando o OP acontece em regiões com
pouca organização
é necessário utilizar instrumentos e práticas educativas para envolver
tais parcelas da comunidade no processo de reflexão, identificação de
necessidades e formulação de demandas, contribuindo assim para que
a participação ocorra de maneira qualificada, organizada e coletiva.
Na visão da autora, cabe aos coordenadores regionais do OP a função,
dentre outras, de ajudar a programar o contato da população com o governo. Além
disso, o processo de constituição de espaços públicos como o OP tem incorporado
vários profissionais que passam a atuar dentro de uma dimensão político-
pedagógica no sentido de contribuir para o fortalecimento deste espaço de gestão
pública ao proporcionar condições para que a população possa atuar de maneira
mais qualificada e organizada (MARCO, 2000, p. 157).
Entendemos que a efetividade da participação dos setores mais excluídos
está vinculada à necessidade de utilização de instrumentos e práticas educativas,
com o objetivo de informar e formar os cidadãos, para que estejam em iguais
condições de se manifestarem juntamente com os demais públicos do OP.
Diante disso, percebemos que o estímulo à participação dos setores mais
carentes da população, por parte do governo, evidencia-se tanto pelo esforço do
poder público em possibilitar o acesso (deslocamento e infra-estrutura para a
realização das reuniões), quanto na mobilização destes setores (disponibilizando
técnicos para tal e capacitando delegados e conselheiros).
No entanto, apesar de se constatar a ampliação da participação social no OP,
este apresenta algumas dificuldades no que se refere ao processo de desigualdade
que há entre os participantes.
De acordo com Abers (apud Lüchmann, 2002, p. 173), constata-se uma
menor participação “dos mais pobres dentre os pobres”. Estes setores apresentam
90
um quadro de extrema carência e, geralmente, continuam com muita dificuldade de
se mobilizarem para demandar prioridades junto ao OP.
Quanto a este aspecto, Avritzer (2002, p. 585) identificou que no OP de Porto
Alegre a participação permaneceu muito baixa durante muitos anos nas regiões que
estão entre as mais pobres da cidade e que não tem uma tradição prévia de
participação.
Santos (2002, p. 550) afirma que o grau de participação tem a ver com a
acessibilidade e, portanto, com a existência de barreiras à entrada no OP. Neste
sentido, os setores populares mais carentes e menos organizados têm maiores
dificuldades de participar.
Em relação a esta questão, o autor ressalta a importância de se pensar em
formas de ação afirmativa que facilitem a participação dos que mais precisam dela,
mas são demasiados carentes para sequer ter acesso a ela sem apoio externo
(SANTOS, 2002, p. 550).
Além disso, os setores mais carentes, freqüentemente, têm demandas que
não são facilmente formatáveis pelas instituições do OP. Por exemplo, os setores
populares definiram repetidas vezes a regularização fundiária como uma das
principais prioridades de investimento, porém, a execução desta prioridade não
ocorreu de forma efetiva, pois das cem áreas para regularização definidas no OP,
pela população, apenas dez teriam sido regularizadas depois de dez anos, tornando
impossível realizar os investimentos adequados em serviços e infra-estrutura, sendo
que é nas áreas irregulares e clandestinas que tais investimentos são mais
necessários (SANTOS, 2002, p. 550).
Desta forma, ao analisarmos os segmentos mais excluídos da população e
constatarmos que estes segmentos apresentam um maior grau de carência em
relação aos bens e serviços públicos, a dificuldade na sua mobilização e
organização junto ao OP pode estar acarretando a falta de priorização no
atendimento de suas demandas.
Neste sentido, questionamos a participação dos usuários da política de AS,
considerados os segmentos mais carentes de ação e mobilização, nas instâncias de
participação do OP.
Será que os segmentos excluídos do acesso aos bens e serviços públicos, ou
aqueles dependentes destes bens e serviços têm usufruído, para sua sobrevivência,
destes espaços de participação para reivindicarem os seus direitos?
91
Será que a maioria da população brasileira, que vive um processo de
empobrecimento devido às conseqüências do processo de globalização da
economia e da perda de direitos sociais, aumentando o número de usuários da
política de assistência social, participam das experiências de OP nas cidades que
possuem estes mecanismos de participação e reivindicação?
Será que os usuários da política de AS têm participado do OP em suas
cidades? Sim? Não? Por quê? Como?
Estas são algumas indagações que o trabalho traz e que procuraremos
responder com a realização de um estudo de caso, na cidade de Indaial – SC, a
partir do qual pretendemos conhecer como se dá a participação dos usuários da
política de AS nas assembléias do OP.
Em seguida, descreveremos brevemente alguns aspectos relativos à
realidade histórica, social e econômica da cidade de Indaial, dando ênfase à
experiência do OP e à contextualização da realidade social dos usuários da AS
deste município.
92
3 INDAIAL-SC: UMA EXPERIÊNCIA DE GESTÃO MUNICIPAL
DEMOCRÁTICA
3.1 Caracterização da cidade de Indaial: aspectos gerais sobre sua realidade
Indaial situa-se a 169 km da capital do estado, Florianópolis, por meio
rodoviário. A área total do município é de 466 quilômetros quadrados sendo,
aproximadamente, 33% de área urbana e 67% de área rural.
A altitude média da área urbana é de 63 metros ao nível do mar.
Figura 1 Mapa de localização do município de Indaial
Indaial tem como limites os seguintes municípios: ao norte, Timbó; ao sul,
Botuverá e Apiúna; ao leste, Blumenau; e ao oeste, Rodeio e Ascurra.
93
Indaial localiza-se na Zona Fisiogeográfica do estado de Santa Catarina
designada como “Bacia do Rio Itajaí-Açu” e no nordeste da micro-região nº 294,
classificada pelo IBGE como “Região Colonial de Blumenau” (INDAIAL, 2001a).
O município é membro da AMMVI (Associação de Municípios do Médio Vale
do Itajaí), composta por 14 municípios.
Indaial é considerada um sub-pólo da região, complementar a Blumenau, pois
localiza-se na parte central da região do Médio Vale, e por sua população e infra-
estrutura, oferta seus serviços a vários municípios vizinhos.
3.1.1 Aspectos histórico-culturais da cidade
O início do povoamento da área que hoje constitui a cidade de Indaial deu-se
por volta de 1860, por famílias de descendência açoriana advindas do litoral
catarinense (Armação, Itajaí, Luis Alves, Camboriú e Porto Belo).
Este primeiro núcleo de moradores chamou-se Carijós e cogita-se que a
origem deste núcleo está ligada à evasão ao recrutamento para a guerra do
Paraguai.
Após três anos, novos moradores, de descendência alemã, chegam à região
como parte da Colônia Blumenau, fundada em 1850. A exploração da área que
atualmente é Indaial teve início com o engenheiro August Wunderwald e o
engenheiro Emílio Odebrecht, encarregados de medir e distribuir os lotes coloniais,
e, também, de fazer um levantamento do Vale do Itajaí, por ordem do Dr. Hermann
Bruno Otto Blumenau, diretor e fundador da Colônia.
O Engenheiro Emílio Odebrecht foi um ator social importante na história do
Vale do Itajaí, em especial de Indaial, pois foi quem projetou e executou a 1ª ligação
viária entre o planalto e o litoral ao longo das margens do Rio Itajaí-Açu. No início,
era apenas uma trilha conhecida como “picadão”, mas foi através dela que se
estruturou toda a rede urbana do Vale do Itajaí.
O “picadão”, no trecho de Indaial, que cruzava a colônia de migrantes
alemães, contribuiu para o desenvolvimento desta colônia, possibilitando a estas
famílias a compra dos lotes das famílias açorianas.
A colônia alemã fortaleceu-se e recebeu o nome de Indayal, referência a
então abundante palmeira da região, indaiá (Attalea compta ou Exígua Martius).
94
Em suas explorações, os técnicos alemães utilizavam o meio fluvial para seus
deslocamentos por se constituir na maneira mais segura e rápida. A mata densa e
os conflitos entre os índios Xokleng e os homens brancos dificultavam a exploração
por terra.
Segundo Jamundá (apud INDAIAL, 2001a), “a água determinou tudo”, pois o
povoamento foi se alastrando a partir dos cursos dos rios, ribeirões e riachos. Além
disso, os lotes coloniais também foram demarcados a partir do acesso aos rios e
ribeirões de modo a facilitar a água para o cultivo e o transporte para as
mercadorias.
A partir de 1875, a colônia passou a receber também imigrantes italianos e,
em 1878, imigrantes poloneses.
Porém, apesar de Indaial ser povoada por diferentes descendências e
correntes migratórias, percebe-se, atualmente, que a cultura, os hábitos e os
costumes da cidade têm predominância marcante da colonização alemã.
A colônia tinha uma estrutura mini-fundiária e se dedicava à policultura de
subsistência. Criavam-se gado leiteiro e suínos, cujas matrizes eram importadas do
exterior.
O trabalho do imigrante permitiu a formação de capital excedente que
possibilitou o surgimento de pequenos postos de troca.
O comércio fortaleceu-se entre as colônias e o litoral, possibilitando o acesso
a bens de consumo, que não eram produzidos na colônia, e à venda de seus
produtos, gerando renda necessária para, posteriormente, investirem em outras
atividades produtivas, como a indústria.
Houve exportação em grande escala de manteiga e banha, principalmente
para a cidade de Santos/SP.
Até 1926, a travessia dos rios Itajaí-Açu e Benedito, que cortam o município,
era feita através de canoas ou balsas, quando então foi construída a Ponte dos
Arcos sobre o Rio Itajaí-Açu, símbolo da cidade de Indaial. Em 1956, também foi
inaugurada uma ponte sobre o Rio Benedito, desativando definitivamente os
serviços de balsas e canoas para travessia.
A estrada de Ferro Santa Catarina, iniciada em 1907, pela Sociedade
Colonizador Hansiática, ligava Blumenau ao Alto Vale do Itajaí, e teve fundamental
95
importância para o desenvolvimento de Indaial, pois contava com 8 das 15 estações
em seu território.
36
Na década de 80, Indaial foi uma cidade pouco atingida pelas grandes
enchentes de 1983 e 84, que ocorreram no Médio e Alto Vale do Itajaí, favorecendo
a migração de empresas e de famílias do Alto Vale, que traziam a mesma formação
cultural do município. Na década de 90, a cidade continuou a atrair migrantes,
advindos do oeste do estado e do estado do Paraná, que vieram em busca de
melhores condições de vida.
Quanto aos aspectos políticos, em 1886, Indaial foi elevada à categoria de
distrito de Blumenau e somente em 1934, foi elevada à categoria de vila,
desmembrando-se definitivamente de Blumenau. Neste período, Indaial abrangia
também os municípios de Ascurra e Apiúna.
37
3.1.2 Aspectos populacionais de Indaial
A população de Indaial foi formada, em sua maioria, por descendentes de
imigrantes europeus: alemães, em grande parte, italianos e poloneses em menor
proporção.
Apesar do contingente populacional de origem européia não se constituir,
atualmente, na maior parte da população, ainda influencia os costumes, a cultura e
os hábitos da cidade, bem como os seus destinos políticos e econômicos.
Conforme Quadro 5, podemos perceber que a população de Indaial vem
crescendo consideravelmente, tendo a mais alta taxa de crescimento da região
(3,75%) (IBGE, 2000), estando bem acima da média do estado, que foi de 2,06%.
Quadro 5 - Taxa de crescimento populacional de Indaial, da região da AMMVI e de
Santa Catarina – Média anual entre 1980 e 2000, em percentual.
INDAIAL AMMVI SANTA CATARINA
TOTAL
3,75 2,6 2,06
URBANA
4,91 2,85 3,68
RURAL
-5,12 1,65 -0,91
Fonte: IBGE apud (INDAIAL, 2001a).
36
A ferrovia foi desativada em 1971, a partir da política federal de prioridade ao transporte rodoviário.
37
Os municípios de Ascurra e Apiúna desmembraram-se de Indaial, em 1963 e 1989,
respectivamente.
96
Indaial foi emancipada em 1934. No primeiro censo do IBGE, em 1940, sua
população era de 13.873 habitantes e manteve-se crescente até o último censo
(2000), com exceção da década de 80, devido ao desmembramento do distrito de
Apiúna, em 1989.
Percebemos, no quadro 6, que a população de Indaial dobrou em 20 anos,
passando de 20.064 para 40.194. Outro dado interessante é a diminuição da
população rural em quase cinqüenta por cento em relação a 1980, que se explica
não só pelo êxodo rural e pelas migrações intermunicipais, mas também pela
recente ampliação do perímetro urbano, que englobou a quase totalidade da área
plana do município (INDAIAL, 2001a, p. 15).
Quadro 6 - Evolução da população de Indaial entre 1980 e 2000.
1980 1991 2000
População total
20.064 30.089 40.194
População urbana
16.623 28.158 38.286
População rural
3.441 1.931 1.814
Fonte: IBGE apud (Indaial, 2001a).
A possibilidade do ritmo de crescimento populacional manter-se elevado na
próxima década é bastante real, pois a cidade apresenta um potencial de expansão
tanto no setor secundário quanto no primário e também devido à disponibilidade de
vasta área urbanizável, hoje ainda não utilizada.
Além disso, esta possibilidade também aumenta quando o pólo regional,
formado por Blumenau, apresenta uma progressiva saturação, pois enfrenta sérias
barreiras físicas à expansão urbana, tendo seu crescimento ‘transbordado’ para as
cidades vizinhas: Indaial e Gaspar (INDAIAL, 2001a, p. 15)
De acordo com o censo realizado pelo IBGE (2000), a maioria da população,
cerca de 57,38%, encontra-se na faixa etária entre 20 e 59 anos, que se constitui na
População Economicamente Ativa (PEA). Os jovens (entre 14 e 19 anos) somam
34,51% e a terceira idade 8,09% da população (Indaial, 2001a, p. 16).
A menor proporção de crianças e jovens em relação à população adulta
justifica-se por 2 fatores: a redução das taxas de mortalidade, conforme tendências
brasileira e mundial, e a vinda de trabalhadores oriundos de outros municípios,
atraídos pela oferta de emprego (Indaial, 2001a, p. 16).
Este segundo fator pode ser comprovado quando comparamos o crescimento
vegetativo (natalidade menos mortalidade), que é de 2,34% ao ano (Secretaria de
97
Estado da Saúde apud Indaial, 2001a), com a taxa de crescimento populacional
médio entre 1980 e 2000, que foi de 3,75% ao ano (vide tabela 1), onde podemos
inferir que as migrações intermunicipais representam significativa parcela de
crescimento total do município.
Indicadores apontados pelo UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a
Infância) apontam que Indaial está entre as 10 cidades brasileiras que oferecem
melhores condições de vida às crianças a partir de Indicador de Condições de
Sobrevivência (ICS).
38
3.1.3 Características sócio-econômicas de Indaial
A proximidade de Indaial com Blumenau, considerado o grande pólo
prestador de serviços, constitui-se num fator limitador quanto ao desenvolvimento
sócio-econômico de Indaial. Até recentemente, esta proximidade inibiu o surgimento
de uma série de funções urbanas em Indaial e Timbó, gerando grande dependência
destes municípios em relação a Blumenau, tanto no comércio e serviços quanto para
a oferta de empregos (Indaial, 2001a).
Porém, esta realidade vem mudando nos últimos anos, principalmente depois
das duas grandes enchentes de 1983 e 1984,
39
que pouco atingiram Indaial,
atraindo empresas e indústrias e, conseqüentemente, oferecendo mais empregos e
possibilitando a expansão do setor terciário.
O desenvolvimento do setor terciário gerou um grande crescimento
populacional, formando o mercado necessário para a expansão do setor de serviços,
tanto no atendimento das demandas locais, quanto das demandas dos municípios
vizinhos.
De acordo com o diagnóstico do Plano Básico de Desenvolvimento Regional
(PBDR), realizado em 1993 pela AMMVI, Indaial, juntamente com Timbó, têm
grandes possibilidades de tornarem-se no segundo pólo da região Médio Vale do
Itajaí, nas mesmas proporções de Blumenau.
38
O ICS é calculado a partir dos seguintes elementos: nível de renda, escolaridade dos pais, e índice
de abastecimento de água potável.
39
O Rio Itajaí-Açú, devido às enchentes, se torna um forte fator condicionante para o uso do solo da
região.
98
Esta previsão está baseada em 3 observações: do ponto de vista físico-
territorial há possibilidade de conurbação a médio e longo prazo de Indaial e Timbó,
não havendo nenhuma barreira natural que obstacularize o crescimento urbano
entre elas. Além disso, observa-se, de um lado, o dinamismo econômico e
populacional de Indaial, que encontra em seu sítio urbano fartas áreas sub-utilizadas
propícias ao adensamento; de outro lado, observa-se uma progressiva saturação da
área urbanizável de Blumenau, limitada por diversas barreiras físicas. Já, na última
década, foi nítida a redução de crescimento de Blumenau, superado pelo de Indaial
(INDAIAL, 2001a, p.23).
Além disso, face ao “transbordamento” do crescimento de Blumenau, a
tendência é que esta cidade intensifique seu setor terciário em detrimento da
expansão de seu parque industrial, evitando assim o aumento do seu crescimento
populacional.
Esta situação possibilita oportunidades de crescimento de cidades próximas,
como Indaial, Timbó, Gaspar e Brusque, e que são sub-pólos regionais, pois estas
ainda dispõem de reservas de áreas para a expansão urbana.
Na última década, algumas destas cidades já apresentavam crescimento
populacional mais acelerado do que o de Blumenau, evidenciando o potencial de
expansão econômica e populacional destes municípios.
Em relação ao movimento econômico do município, cerca de 70% das
atividades estão ligadas ao setor secundário, 20% das atividades são comerciais
(setor terciário) e 10% corresponde ao setor primário.
O setor primário foi o responsável pelo início do processo de desenvolvimento
do município, como vimos anteriormente, pois as primeiras famílias baseavam suas
atividades na agropecuária de subsistência. A aptidão agrícola das terras do
município é para lavouras permanentes e temporárias, pastagens, matas e
preservação.
Quanto ao setor secundário, é este que move a economia do município, com
maior destaque para as indústrias têxteis, metalúrgicas, alimentícias, do vestuário e
do mobiliário.
O desenvolvimento industrial do município iniciou a partir da industrialização
rudimentar de diversos produtos agropecuários e do desdobramento da madeira,
que se intensificou e expandiu-se a partir de 1960 (INDAIAL, 2001a).
99
A partir da década de 80, após as duas grandes enchentes, houve a
instalação de novas indústrias e a ampliação das já existentes, diminuindo
consideravelmente os deslocamentos diários com mão-de-obra local para Blumenau,
aumentando a autonomia do município e atraindo mão-de-obra de outras regiões,
como o oeste do estado e do Paraná.
Em relação ao setor terciário, este se desenvolveu consideravelmente a partir
da década de 70, e vem acompanhando o crescimento da indústria local e o
aumento da população e da renda per capita da cidade. Porém, há ainda forte
evasão de demandas para Blumenau, que dispõe de um comércio mais
especializado.
No comércio de Indaial existem quatro centros comerciais com produtos de
confecção para revenda, onde recebem os “sacoleiros” que vêm de outras cidades e
estados para adquirir produtos e revendê-los em suas cidades.
3.1.4 Aspectos da densidade associativa do município
Conforme retrato da densidade associativa da cidade de Indaial, identificado
no Plano Plurianual de Assistência Social (INDAIAL, 2001a), constatamos que todos
os bairros da cidade constituem uma associação de moradores, perfazendo um total
de 16 associações.
Além disso, o município possui nove sindicatos que representam
trabalhadores ligados às três atividades econômicas do município: comércio,
indústria e agricultura e ainda um sindicato que representa os servidores públicos
municipais de Indaial.
O município conta também com nove Clubes de Serviços, oito Clubes Sociais
e Recreativos e outras associações ligadas ao comércio e à indústria do município.
Até 2001, Indaial contava com dezesseis Conselhos Gestores ligados às mais
diversas políticas públicas setoriais do município, como Assistência Social, Criança e
Adolescente, Orçamento Participativo, Turismo, Saúde, Administração, Meio
Ambiente, Educação e Desporto, Trânsito, Alimentação Escolar, Trabalho e
Emprego, Defesa Civil, Desenvolvimento Rural, dentre outros.
Em 2004, foram criados os Conselhos Municipais do Idoso e da Cidade.
100
3.1.5 Indicadores sociais de Indaial
Com base no diagnóstico do município de Indaial, fruto do I Congresso da
Cidade (INDAIAL, 2004a), passaremos a identificar alguns aspectos gerais a
respeito da cidade de Indaial.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município de Indaial
encontra-se em 34º posição no estado, com um índice de 0,831, considerado alto.
40
A taxa de analfabetismo da população acima de 15 anos é de 7%, atingindo
principalmente mulheres (3,7%), as pessoas que residem na área rural (4%), as de
origem afrodescendentes (parda e negra = 12,4%) e as que possuem renda de até 1
salário mínimo (SM), cerca de 14,7% (MEC/INEP apud INDAIAL, 2004a).
Conforme a Secretaria Municipal de Saúde e Desenvolvimento Social
(INDAIAL, 2004), a taxa de mortalidade infantil é de 5,8 por mil nascimentos vivos e
a expectativa de vida ao nascer é de 74,5 anos.
A taxa de desemprego da cidade é de 5,3 %, conforme dados do IBGE/2000.
O rendimento médio das pessoas incluídas na economia formal no período de
2000 era de R$ 417,36.
A população atendida por rede de esgoto é de apenas 3% e o restante dos
dejetos não possuem tratamento adequado.
O atendimento de coleta de lixo é de 98%, e a coleta seletiva ainda está em
fase de implementação, com abrangência restrita.
O transporte coletivo municipal foi implantado em 2001, com uma frota de 10
veículos.
Há um déficit habitacional em torno de 4 mil moradias.
O número de estradas com revestimento primário é muito alto,
correspondendo a 72 % da extensão das vias urbanas.
Conforme diagnóstico do município (INDAIAL, 2004a), existem carências em
todas as áreas gerando graves conseqüências econômicas, sociais, políticas,
culturais e ambientais, o que justifica planejamentos de curto, médio e longo prazos,
conforme prevêem as Resoluções do I Congresso da Cidade.
40
O IDH é um indicador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
elaborado no Brasil em parceria com a Fundação João Pinheiro e o IPEA. Este indicador leva em
consideração a renda, a expectativa de vida e o nível de educação.
101
No entanto, a economia do município vem mostrando um crescimento anual
bastante evidente, onde o crescimento acumulado do Produto Interno Bruto - PIB, no
período de 2000 a 2002 alcançou a taxa de 69,76%, conforme podemos ver no
quadro 7.
Quadro 7: Evolução do PIB do município de Indaial, entre os anos 2000 e 2004.
2000 2001 2002
R$ 467.546.484,00 R$ 678.063.675,00 R$ 793.745.053,00
Fonte: Secretaria de Administração e Finanças/AMMVI (INDAIAL, 2004a, p. 16)
O Plano Diretor da cidade, que tem como objetivo regular o uso e ocupação
dos espaços do município, busca um equilíbrio entre o crescimento demográfico e
econômico e a preservação da qualidade da vida urbana; encontra-se defasado,
sendo necessária uma reavaliação de seu conteúdo devido à nova dinâmica do
município aos novos dispositivos legais, como o Estatuto da Cidade (INDAIAL,
2004a, p. 17).
Desde 2001, a cidade vem sendo administrada por um governo popular
dirigido pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que tem como lema “Indaial, um lugar
melhor é a gente que faz”. Este governo implantou alguns programas municipais que
alteraram a dinâmica política da cidade.
Dentre eles, podemos destacar o OP, o Programa de Garantia de Renda
Familiar Mínima (PGRFM), o transporte coletivo e o Programa Saúde da Família,
sendo o OP o principal programa de democratização do orçamento público.
Com o decorrer do processo, a principal marca construída pelo governo foi a
participação popular, que entende que o OP, juntamente com outros espaços de
participação (conselhos, congressos, conferencias), são ferramentas da mesma.
Para a mobilização da população, o governo contou com a parceria de
entidades não-governamentais, associações de moradores e os Conselhos Gestores
municipais.
Para fins deste trabalho, interessa-nos conhecer, mais detalhadamente, como
foi implementado e construído o OP na cidade de Indaial, enquanto um espaço de
participação popular que permite a inclusão de todos os segmentos da população,
inclusive os mais pobres e desorganizados.
102
É neste sentido, que pretendemos analisar se os usuários da política de
assistência social da cidade de Indaial participam desse espaço. Para isso, faz-se
necessário descrevermos a metodologia empregada no OP da cidade de Indaial,
para que possamos entender a dinâmica de seu processo e a possibilidade de
inserção destes usuários nas suas instâncias de participação.
3.2 O orçamento participativo da cidade de Indaial
Com base em documentos informativos, fornecidos pelo Departamento de OP
da Prefeitura de Indaial e em entrevista com o atual diretor do OP, passaremos a
relatar como foi implementado o OP na cidade de Indaial e como se desenvolveu
sua metodologia durante a gestão municipal 2001-2004, que teve como prefeito o
Sr. Olímpio José Tomio, do Partido dos Trabalhadores (PT).
O OP foi lançado em 2001 como um dos principais programas de governo,
com o objetivo de estimular a participação popular na definição do orçamento
municipal, mais especificamente no que tange aos recursos destinados à área de
investimentos.
Com o decorrer do processo, como veremos mais adiante, a metodologia do
OP, ao longo de cada ano, foi se modificando de acordo com a realidade que se
construía, sendo motivo de discussões quanto ao seu aperfeiçoamento.
A participação popular foi a preocupação central da gestão municipal no
período de 2001 a 2004, de maneira que outras formas de participação
institucionalizadas, como os Conselhos Gestores, por exemplo, foram incentivados a
qualificar sua participação e fortalecer seus espaços no que tange ao seu papel na
formulação das políticas públicas setoriais do município.
De modo semelhante ao que vem ocorrendo em diversas cidades que o PT
passou a administrar, o OP foi implantado em Indaial por iniciativa do governo
municipal, já que não havia uma infra-estrutura associativa prévia existente que
demandasse/reivindicasse tal iniciativa.
Neste sentido, se analisarmos o OP de Indaial a partir das variáveis indicadas
por Avritzer, que explica as amplas variações nos resultados dos OPs, podemos
inferir que a variável vontade política foi a que determinou a implantação do OP
103
nessa cidade, quando o governo municipal demonstrou empenho na sua
implementação.
Esse elemento pode ser caracterizado de diversas formas: na criação do
Departamento do OP, ligado diretamente ao Gabinete do Prefeito; com a presença
de operadores governamentais nas reuniões do OP; nos materiais informativos para
a sua ampla divulgação; na centralidade deste programa, quanto à ação
governamental (embora se tenha percebido que a partir de 2003 o foco deixa de ser
o OP para se fortalecer, de uma forma mais global, a participação popular em outros
espaços de participação como o Congresso da Cidade).
Porém, considerando a realidade associativa de Indaial apresentada (ver p.
99), não sabemos em que medida a densidade associativa da cidade também
influenciou na criação e efetivação do OP.
Quanto aos índices de participação popular nas assembléias do OP de
Indaial, parece que a questão da escala, ou seja, índices mais altos de participação
em extensões geográficas menores, incidiu positivamente sobre esta experiência,
pois Indaial é uma das cidades que demonstra índices bem maiores de participação
em relação aos índices de Porto Alegre, o que pode ser justificado pelo fato da
cidade ser de pequeno porte (aproximadamente 40.194 habitantes).
No quadro 8, apresentaremos o número de participantes nas assembléias do
OP de Indaial entre 2001 a 2004.
Quadro 8: Participação popular nas reuniões do Orçamento Participativo em Indaial.
2001 2002 2003* 2004
Participantes 2940 4200 4400 11540
Delegados (as) 96 194 486 776
Fonte: Departamento de OP
* Em 2003, o OP ampliou suas discussões para a organização do I Congresso da Cidade de
Indaial.
Percebemos, através destes dados, que a participação nas assembléias do
OP de Indaial atingiram aproximadamente 10 % da população, demonstrando ser
um índice bastante expressivo comparando-o aos percentuais de Porto Alegre, que
giraram em torno de 1% a 2% da população.
Avritzer (2003, p. 46), com base nos estudos de casos sobre o OP em
cidades de pequeno e médio porte, afirma que em todas estas cidades as
associações existentes são mais compatíveis com o associativismo tradicional
104
brasileiro, ou seja, associações pouco democráticas e muito ligadas a uma tradição
de mediação privada na distribuição de bens públicos.
Porém, a relativa independência do OP, em relação à densidade associativa,
não afeta os índices de participação do OP.
Em relação ao seu desenho institucional, este se mostra bastante semelhante
aos demais OPs implantados em cidades de pequeno e médio porte, e que tiveram
como parâmetro a experiência de Porto Alegre, embora caracterizando-se num
desenho mais simplificado.
Desde a implantação do OP, as assembléias temáticas já faziam parte do seu
ciclo, com o objetivo de não apenas atender as demandas regionais e mais
imediatas, mas também discutir temáticas ligadas às políticas públicas municipais,
identificando demandas que atendessem toda a cidade a partir de um diagnóstico da
realidade social, apesar de em 2001 estas assembléias não terem atingindo seu
objetivo, conforme veremos mais adiante.
Além disso, a realização do Congresso da Cidade que iniciou em 2003,
através de um amplo debate, onde se utilizou toda a infra-estrutura do OP para a
realização destes debates, constituiu-se em um processo de discussões de diretrizes
e ações para o desenvolvimento social e econômico da cidade, a partir da definição
de intervenções de curto, médio e longo prazos.
Neste sentido, percebemos uma preocupação do governo municipal em
discutir as demandas por bens e serviços públicos no município, de maneira a atingir
a cidade como um todo e de forma planejada e não apenas de atender as demandas
localizadas e mais imediatas. Um exemplo disso está no fato de que nos anos de
2003 e 2004 não houve discussões nas assembléias regionais sobre demandas
locais, e sim a utilização destas instâncias para o debate sobre o Congresso da
Cidade.
De acordo com Avritzer (2003), outro elemento que parece central nos OPs
de cidades de pequeno e médio porte, constitui-se na capacidade financeira para
implementar e executar demandas, não somente através da capacidade de
aumentar a arrecadação tributária mas também pela capacidade de acesso à
transferências, dando viabilidade ao processo.
Em relação a Indaial, este elemento também parece estar presente, pois o
governo municipal demonstra uma capacidade financeira de melhorar sua
arrecadação tributária e buscar recursos externos.
105
Percebemos, através do quadro 9, que a receita da Prefeitura Municipal vem
aumentando, atingindo um crescimento acumulado de 46,68%, o que indica maior
capacidade de investimentos em bens e serviços públicos.
Quadro 9: Evolução da Receita da Prefeitura Municipal de Indaial (em reais)
2000
%
2001
%
2002
%
2003
%
20.846.354,72 - 22.647.359,96 +8,64 25.214.030,98 +11,33 30.578.349,69 +21,27
Fonte: Secretaria de Administração e Finanças/AMMVI (INDAIAL, 2004a, p. 16)
Apesar dos recursos para investimentos no OP corresponderem a,
praticamente, 10% do orçamento municipal, estes recursos mostraram-se
insuficientes frente às demandas trazidas pelo OP, levando o governo a buscar
recursos externos para viabilizar as demandas.
Desta forma, foi implantado, em 2003, o projeto Indaial Melhor, com o objetivo
de buscar fontes de recursos externos com o apoio e envolvimento da Prefeitura
Municipal, da população e das entidades que a representam para criar a infra-
estrutura necessária para o desenvolvimento da cidade (INDAIAL, 2005, p. 02).
O Projeto foi elaborado a partir da necessidade de organizar os vários
interesses do município e de sua população, através do Orçamento Participativo, de
forma integrada e de uma maneira que fosse possível obter os recursos financeiros
disponíveis para implantação de novas obras e ações na cidade de Indaial
(INDAIAL, 2005, p. 02).
De acordo com dados do Departamento do OP, quanto à capacidade de
execução das prioridades contidas nos Planos de Investimentos (PIs) 2002 -2003, a
partir destas medidas, foi possível atender quase a totalidade de suas demandas
regionais e municipais.
Segundo o Departamento do OP, todas as regiões identificaram mais do que
três prioridades em cada temática para serem contempladas nos PIs, pois não
houve restrição quanto ao número de prioridades, nem de áreas temáticas
prioritárias.
Desta forma, as obras ou serviços foram sendo executados por ordem de
importância em cada temática prioritária da região, conforme disponibilidade dos
recursos e observando o valor destinado para cada temática.
106
Neste sentido, até o final de 2004, as prioridades das três primeiras temáticas
escolhidas em cada região administrativa do OP já tinham sido concluídas,
totalizando 98% dos serviços e obras solicitados.
Em seguida, no quadro 10 é apresentado o montante de recursos destinados
ao OP durante o período de 2001 -2004.
Quadro 10: Investimentos definidos pelo OP no município de Indaial entre 2001 e 2004
– em reais
2001 2002 2003* 2004
Valores
R$ 2.110.626,77 R$ 2.489.537,97 R$ 2.375.191,47 R$ 6.975.356,21
Fonte: Departamento de OP
* Entre janeiro a setembro de 2003.
Percebemos um progressivo aumento dos recursos para investimentos no
OP, com exceção do ano de 2003. Observamos ainda que no ano de 2004 os
investimentos aumentaram 294% em relação ao ano anterior, resultado do projeto
Indaial Melhor.
A partir deste projeto, o município passou a receber recursos financeiros das
seguintes instituições: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social,
Ministério das Cidades, BADESC, Fundação Nacional de Saúde, Ministério do Meio
Ambiente, emendas dos deputados(as) federais, e de convênios com a Caixa
Econômica Federal.
Em relação às áreas prioritárias eleitas pela população através das
assembléias regionais no ano de 2001, podemos mostrar o resultado, apresentado
no quadro 11.
Conforme o referido quadro, observamos que a primeira área prioritária,
escolhida pela população, diz respeito à Saúde e ao Desenvolvimento Social, que
abrangem a política de saúde e de assistência social no município.
107
Quadro 11: Classificação das áreas prioritárias e total de votos recebidos por área
prioritária no OP de Indaial em 2001.
AREAS PRIORITÁRIAS COLOCAÇÃO TOTAL DE VOTOS
Saúde e Desenvolvimento Social 419
Educação 2ª 375
Pavimentação, Drenagem e Transporte 268
Desenv. Econômico, Agricultura e Turismo 257
Habitação, Saneamento Básico e
Melhoramento da Cidade
5ª 097
Cultura, Esporte e Lazer 069
Fonte: Indaial, Plano de Investimentos, 2002, p. 05.
No entanto, analisando as prioridades elencadas nesta área prioritária, nas
sete regiões do OP, para o ano de 2002 (INDAIAL, 2002), constatamos que quase
todas as demandas (95%) estão ligadas à política de saúde do município e apenas
5% correspondem às demandas da política de assistência social.
No ano de 2002, houve mudanças na metodologia do OP, alterando as áreas
prioritárias para investimento, que se constituíram no tema das Assembléias
Temáticas, conforme podemos ver no quadro 12.
No quadro 12, está o resultado final da votação das áreas prioritárias
41
para
investimentos no ano de 2003, de acordo com cada Temática.
Quadro 12: Classificação das áreas prioritárias no OP de Indaial em 2002.
Áreas Prioritárias Colocação
Educação 1ª
Desenvolvimento Econômico e Turismo
Melhoria da Cidade
Saúde e Saneamento Básico
Assistência Social, Renda Mínima e Habitação
Juventude, Cultura, Esporte e Lazer
Fonte: Plano de Investimentos, 2003, p. 04.
41
No OP de Indaial parece haver uma confusão em relação à definição sobre área temática e áreas
prioritárias. Em nota sobre este questionamento, o Departamento do OP respondeu que: “Temática é
a discussão realizada entre conselhos municipais e comunidade sobre um determinado assunto, que
cria programas e políticas públicas que depois passariam a ser decididos nas assembléias de eleição
de áreas prioritárias; enquanto que as Áreas Prioritárias são programas que deverão receber maior
investimento, baseado na discussão da Temática”.
No entanto, na apresentação das áreas prioritárias no Plano de Investimento de 2003, os temas das
Assembléias Temáticas aparecem como áreas prioritárias conforme consta no quadro 12.
108
De acordo com os resultados previamente mencionados, podemos observar
que as áreas prioritárias ligadas à temática da Educação foram as que receberam
maior votação.
Cabe ressaltar que as prioridades foram classificadas em prioridades
municipais (quando atende à cidade como um todo), e em prioridades regionais
(quando atende à demanda de determinada região).
Conforme o Plano de Investimentos de 2003 (INDAIAL, 2003, p. 05 – 06),
cerca de 47,6% dos recursos para investimentos foram destinados às prioridades
municipais, e 52,4% às prioridades regionais. Nas prioridades municipais estão
inclusas demandas ligadas à temática Assistência Social, Renda Mínima e
Habitação, que totalizaram 26,5% dos recursos.
Com a reeleição do Prefeito Olímpio Tomio, em outubro de 2004, numa
disputa eleitoral extremamente acirrada
42
, atualmente o OP vem sendo discutido por
um Grupo de Trabalho do governo com uma nova proposta de participação popular,
passando de uma experiência de discussões regionais sobre as prioridades de
investimentos, para a idéia de discutir o orçamento público de maneira global, a
partir da cidade como um todo, com o objetivo de traçar diretrizes e programas de
médio e longo prazo e não apenas investimento em demandas imediatas e
localizadas, conforme já ocorreu no Congresso da Cidade.
Além disso, o OP deverá ter como prioridade o controle social, no sentido de
a população exercer o acompanhamento e fiscalização na execução das obras e
serviços.
Para entendermos melhor o processo de construção do OP na cidade de
Indaial, passaremos a descrever, em seguida, a sua metodologia de forma
cronológica, a partir de sua implantação em 2001.
3.2.1 Ano de 2001 - A implantação do OP na cidade de Indaial e a sua metodologia
Conforme cartilha elaborada pelo Departamento de Orçamento Participativo
para distribuir à população, o OP é um programa que se caracteriza por um
processo de democracia direta, onde a população participa, discute e decide sobre o
42
A diferença de votos entre o atual Prefeito e a chapa de oposição foi de apenas 1 (um) voto.
109
processo de elaboração do Orçamento Municipal, de forma a contribuir para o
aumento da cidadania e a construção de uma consciência política baseada na
justiça, na participação e no espírito comunitário (INDAIAL, 2001, p. 02).
Conforme a cartilha (INDAIAL, 2002), os objetivos do Orçamento Participativo
são:
Estabelecer, junto com a comunidade, um amplo debate para definir as
prioridades na aplicação dos recursos do município;
Descobrir as necessidades prioritárias, sentidas pelos próprios usuários do
serviço público, otimizando a aplicação destes recursos;
Criar canais de comunicação direta com o governo, para fortalecer a
organização da sociedade civil.
Administrativamente, o OP está vinculado ao Gabinete do Prefeito.
A metodologia empregada no OP da cidade de Indaial foi elaborada a partir
da formação de um Grupo de Trabalho composto por representantes de cada
Secretaria Municipal. A primeira experiência estudada foi o OP da cidade de Santo
André. Em seguida, analisou-se os OPs de Porto Alegre e Chapecó. A metodologia
é semelhante ao OP de PoA, porém, quanto à forma de mobilização da população,
foi baseada na experiência da cidade de Chapecó no que tange à divulgação
através de material informativo, entregue pessoalmente em cada residência e nas
escolas, pela equipe de coordenação do OP.
No ano de 2003, cem por cento das residências receberam a visita e o
material informativo sobre o OP por parte da equipe de coordenação.
Além deste instrumento de divulgação, foram utilizados outros como:
cartilhas, folders, carro de som e faixas.
Com o objetivo de facilitar a organização do trabalho e permitir que todas as
regiões fossem contempladas na divisão dos recursos, o OP de Indaial construiu um
desenho institucional com base na divisão da cidade em regiões e sub-regiões, na
qual cada bairro compõe uma sub-região.
Deste modo, em 2001 a cidade foi dividida em 7 regiões levando-se encm
consideração critérios como: área geográfica, identidade sócio-cultural da
população, organização e capacidade de mobilização da população, facilidade de
deslocamento aos locais das assembléias e condições estruturais da Prefeitura
(veículo, pessoal, recursos financeiros).
110
A divisão ficou assim distribuída (INDAIAL, 2001):
Região 1 – Bairro Arapongas/Estradinha, Bairro Rio Morto, Bairro das Nações e
Bairro João Paulo II. População: 10.408 habitantes.
Região 2 – Bairros Carijós e Benedito. População: 6965 habitantes.
Região 3 – Bairros Mulde e Encano do Norte. População: 4.427 habitantes.
Região 4 – Bairros Estrada das Areias, do Sol e dos Estados. População: 7.144
habitantes.
Região 5 – Bairro Encano e localidade da Polaquia, sendo que as localidades de
Polaquia, Encano Alto e Encano Central formaram uma sub-região e as demais
localidades do Bairro Encano formaram outra sub-região. População: 3.323
habitantes.
Região 6 – Bairros Tapajós e Ribeirão das Pedras. População: 5.979 habitantes.
Região 7 – Bairro Warnow, sendo que a localidade de Warnow Alto formou uma sub-
região e as demais localidades do bairro formaram outra sub-região. População:
1.854 habitantes.
Para dar início às atividades, o OP realizou um evento para seu lançamento e
reuniões comunitárias com o intuito de divulgar e explicar a sua proposta e a sua
metodologia. Nas reuniões comunitárias foi feita a escolha dos delegados,
garantindo, no mínimo, 1 delegado para cada área, nas 3 áreas rurais mais distantes
estabelecidas na metodologia (INDAIAL, 2001).
Neste primeiro ano, o OP também instituiu diferentes instâncias de
participação, que foram: Assembléias Regionais, Reuniões Sub-regionais,
Assembléias Temáticas, Coordenadorias Regionais de Delegados – CRDs,
Conselho do Orçamento Participativo.
Assembléias regionais: Em 2001, foram realizadas duas rodadas de assembléias,
na qual a primeira teve como objetivo prestar explicações sobre o orçamento
municipal e sobre como funciona o OP, eleger os delegados, bem como dar
informações gerais sobre as contas do ano anterior.
Na segunda rodada de assembléias regionais, foram votadas as áreas
prioritárias de investimento a partir das Assembléias Temáticas que ocorreram
concomitantemente. Cada Secretaria Municipal informava a população presente
sobre as políticas públicas que lhe eram inerentes, apresentando os programas e
ações desenvolvidos e sugerindo outros que consideravam importantes para o
111
município. Em seguida, a população votava e elegia as áreas prioritárias para
investimentos.
As áreas prioritárias para investimento foram definidas com o intuito de
facilitar a distribuição dos recursos e a definição de critérios para esta distribuição
(INDAIAL, 2001, p. 04). As áreas prioritárias foram as seguintes: Educação; Saúde e
Assistência Social; Pavimentação, Drenagem e Transporte; Habitação, Saneamento
Básico e Melhoramento da Cidade; Cultura, Esporte e Lazer; e Desenvolvimento
Econômico, Agricultura e Turismo.
Reuniões sub-regionais: eram realizadas após cada rodada de assembléia
regional, conforme a necessidade daquela sub-região, no sentido de discutir
detalhadamente suas prioridades e definir ações.
A coordenação ficava sob responsabilidade dos delegados eleitos em cada
região. Quando necessitavam de maiores esclarecimentos, solicitavam a presença
de membros do governo para prestar informações e orientações. Porém, somente os
delegados tinham direito a votar na assembléia final.
Em 2001, após a segunda rodada de assembléias regionais, a população
reuniu-se juntamente com seus delegados para definir obras e serviços a partir das
suas áreas prioritárias, na qual os delegados já apresentavam os recursos para
investimentos disponíveis.
Assembléias Temáticas: tinham como objetivo discutir o planejamento global da
cidade, a partir de temas específicos que envolveram o melhoramento da qualidade
de vida da população (INDAIAL, 2001, p. 05). Porém, as assembléias temáticas
ocorreram de forma regionalizada e fragmentada nos espaços das assembléias
regionais, não atingindo seu objetivo.
Os grupos temáticos previstos para a discussão com a população foram os
seguintes:
1. Saúde, Assistência Social, Trabalho e Renda;
2. Educação, Cultura, Esporte e Lazer;
3. Desenvolvimento Econômico, Agricultura e Turismo;
4. Transporte, Obras e Serviços.
112
Coordenadorias Regionais de Delegados – CRDs: As coordenadorias foram
organizadas em nível regional, composta pelos delegados da região, devendo ter um
Coordenador e dois secretários eleitos entre os próprios delegados. É importante
salientar que todas as decisões da Coordenação Regional somente têm validade se
registradas em Ata e assinadas por 50% + um de seus membros (INDAIAL, 2001, p.
07).
Conforme a metodologia prevista para o OP nesse primeiro ano, as atribuições
da Coordenadoria Regional de Delegados foram as seguintes:
Eleger os representantes do Conselho Municipal de Orçamento Participativo -
CMOP (2 conselheiros titulares com seus respectivos suplentes);
Sistematizar os dados discutidos e votados nas assembléias para serem
encaminhados ao CMOP;
Apresentar ao CMOP a proposta de obras e serviços para serem incluídas na
Peça Orçamentária;
Fiscalizar as ações do CMOP;
Acompanhar e fiscalizar a execução das obras e serviços de sua região;
Convocar representantes do Poder Público sempre que for necessário;
Acompanhar a votação da Peça Orçamentária na Câmara de Vereadores.
Quanto à eleição dos delegados, o critério de escolha deu-se na proporção de
1 (um) delegado para cada 10 (dez) pessoas presentes na assembléia. Para
candidatar-se a delegado, a pessoa deveria ser moradora daquela região e não
exercer cargos de confiança dos Poderes Executivo e Legislativo e cargos eletivos
remunerados.
Nas três áreas rurais mais distantes (Warnow Alto; Rio Morto; Encano Alto,
Encano Central e Polaquia), foram garantidos 1 delegado, no mínimo, em cada área,
nas reuniões realizadas nas próprias localidades.
O mandato dos delegados seria de um ano, até a posse dos delegados
eleitos no ano seguinte.
A metodologia previa as seguintes atribuições para os delegados:
Participar das reuniões e atividades, bem como executar as funções
estabelecidas na Coordenadoria Regional;
Realizar reuniões com a população para discutir e definir as prioridades de
investimentos;
113
Estimular a organização e a mobilização da comunidade para participar do
OP;
Participar das assembléias temáticas;
Participar do processo de formação de delegados realizado pelo
Departamento de Orçamento Participativo da Prefeitura.
No processo de formação dos delegados os temas discutidos diziam respeito
às Políticas Públicas e ao Controle Social.
Conselho Municipal do Orçamento Participativo – CMOP: é o órgão de
representação direta da comunidade no processo do OP (INDAIAL, 2001, p. 09).
A composição do CMOP processou-se da seguinte maneira:
2 membros titulares com seus respectivos suplentes de cada uma das regiões
administrativas;
1 membro titular e seu respectivo suplente de cada Temática;
2 representantes do governo sem direito a voto;
Coordenação técnica do OP sem direito a voto.
O CMOP teve como atribuição debater e decidir sobre a proposta global do
Orçamento a partir das prioridades definidas nas assembléias regionais e apresentar
o Projeto de Lei Orçamentária na Câmara de Vereadores.
Cabia ao CMOP dividir os recursos para as áreas prioritárias de investimentos
e aplicar os critérios para distribuição dos recursos públicos por região
administrativa.
Os critérios utilizados foram os seguintes: população da região, área territorial
da região e prioridade escolhida pela população.
Cabe ressaltar que os critérios estabelecidos possuem pesos diferentes:
População da região – Peso 3;
Área territorial da região – Peso 2;
Prioridade escolhida pela população – Peso 4.
Neste sentido, notamos que o critério “prioridade escolhida pela população”
possui maior peso em relação ao critério “área territorial da região”.
Percebemos também que o critério “carência de serviço ou infra-estrutura na
região”, utilizado na metodologia do OP de Porto Alegre, não é utilizado no OP de
114
Indaial. A justificativa apresentada pelo Departamento do OP é de que o governo
não possuía, no período de construção da metodologia, indicadores que
apontassem quais as regiões mais carentes de serviços e infra-estrutura no
município.
Diante disso, podemos inferir que a falta deste critério pode dificultar a
distribuição de recursos para as áreas mais pobres da cidade, pondo em dúvida seu
efeito redistributivo.
Ainda no que tange à distribuição dos recursos para a elaboração do Plano de
Investimento de 2002, o CMOP realizou tal distribuição antes de conhecer os custos
de cada obra ou serviço definido como prioritário nas assembléias regionais,
ocasionando uma defasagem entre os valores orçados e o seu custo real.
Diante disso, o CMOP teve que rever os critérios e remanejar recursos para
conseguir executar os investimentos considerados prioritários para as regiões.
Após o acompanhamento da tramitação e votação do Projeto de Lei
Orçamentária na Câmara de Vereadores, o CMOP também tem a função de
acompanhar e fiscalizar a execução das obras do Plano de Investimentos no ano
seguinte.
Ao final das atividades do OP no ano de 2001, foi realizado um Encontro do
Fórum de Delegados com o objetivo de avaliar a metodologia utilizada no OP, sua
aplicação e efetividade, identificando aspectos deficitários para, e a partir desta
avaliação, propor alterações na metodologia para o ano seguinte, a qual acabou
sofrendo algumas modificações como veremos a seguir.
3.2.2 Ano de 2002 – A continuidade e as mudanças no OP da cidade de Indaial
Em decorrência das discussões e deliberações do Encontro do Fórum de
Delegados, a metodologia do OP sofreu algumas mudanças em relação ao ano
anterior. A principal delas refere-se à realização de Assembléias Temáticas para
definição de diretrizes e propostas para cada área temática, que, em seguida, eram
submetidas à votação para a escolha das áreas prioritárias nas assembléias
regionais.
115
As temáticas foram as seguintes: Assistência Social, Renda Mínima e
Habitação; Educação; Desenvolvimento Econômico e Turismo; Juventude, Cultura,
Esporte e Lazer; Saúde e Saneamento Básico; Melhoria da Cidade.
Esta forma de discussão do Orçamento Participativo propiciou a definição de
programas para o município, a partir do envolvimento dos Conselhos Gestores e das
categorias profissionais ligados a cada Temática, com base no diagnóstico da
realidade social trazido por estes Conselhos e profissionais.
Outra mudança no OP de Indaial, no ano de 2002, diz respeito à divisão da
cidade em 8 regiões a partir da sub-divisão da região 1. Desta forma, a região 1 teve
o desmembramento dos bairros Rio Morto e Nações, que passaram a constituir a
região 8, totalizando 7.174 habitantes.
O cronograma das atividades do OP para o ano de 2002 ficou assim definido
(INDAIAL, 2002):
O início da execução do Plano de Investimentos ocorreu em janeiro e
fevereiro.
Em março, iniciou-se a 1ª rodada do OP com a realização de assembléias
regionais objetivando a prestação de contas do ano anterior; a apresentação do
Plano de Investimentos e a metodologia do OP; a eleição dos delegados nas sub-
regiões (bairros ou localidades); a capacitação dos delegados e conselheiros; a
instalação das Coordenadorias Regionais; a eleição do novo CMOP e a definição de
valores para investimentos.
A 2ª rodada do OP iniciou-se em maio com as Assembléias Temáticas
(municipais) para formulação, apresentação, análise e aprovação de programas
relacionados a cada área temática, bem como, para a escolha dos delegados
temáticos.
Para cada área temática, foram definidos alguns programas que seriam
submetidos à nova rodada de assembléias regionais (em julho) para a escolha dos
mais prioritários. No anexo 1, consta o caderno de orientação para a eleição das
áreas prioritárias, contendo o resultado das temáticas com seus respectivas
programas.
Neste período, os delegados realizaram a escolha das prioridades com a
comunidade nas sub-regiões e regiões, a partir do caderno de orientações, conforme
já apresentamos anteriormente.
116
Cada programa tinha um número, totalizando 46 programas. Desta forma, a
comunidade recebia uma cédula de votação, onde poderia votar em três programas
que considerasse mais importante por ordem de prioridade.
As prioridades mais votadas seriam as que mais receberiam recursos para
investimentos no ano de 2003.
Após a definição dos programas prioritários referentes a cada Temática nas
assembléias regionais, as Coordenadorias Regionais de Delegados encaminharam
os resultados para o Departamento do OP na Prefeitura Municipal.
Na terceira rodada do OP também aconteceu a posse do CMOP.
Em outubro de 2002, houve: a avaliação, pelo governo, das demandas
regionais; realização do Fórum Municipal de Delegados para priorização dos
investimentos; apresentação da proposta orçamentária às comunidades; e entrega
do OP à Câmara de Vereadores pelo governo e pelo CMOP.
No mês de novembro, houve a revisão da metodologia do OP; o Seminário de
Avaliação do OP juntamente com o Fórum de Delegados e acompanhamento da
votação da proposta orçamentária na Câmara de Vereadores.
Em dezembro, ocorreu o acompanhamento da votação da proposta
orçamentária na Câmara de Vereadores e encaminhamentos para a implementação
da metodologia para o próximo ano.
O Plano de Investimentos referente ao ano de 2002, não foi executado em
sua totalidade, ficando as obras não realizadas, incluídas no Plano de investimentos
de 2003, com exceção dos investimentos que infringiam a legislação.
Também foram executadas, com recursos para investimentos, obras iniciadas
durante o ano de 2001 e projetos de iniciativa do governo municipal para o ano de
2002 aprovadas pelo CMOP.
3.2.3 Ano de 2003/2004 – O Congresso da Cidade em Indaial
Em março de 2003, foi lançado em Indaial o Congresso da Cidade que se
constituiu em um processo de debates e deliberações sobre “diretrizes,
planejamento da infra-estrutura e ações para o desenvolvimento social e econômico
da cidade” (INDAIAL, 2003, p. 05).
117
Segundo o Caderno de Resoluções (INDAIAL, 2004, p. 11), foi a partir da
noção de direito à cidade e da discussão no OP que o governo municipal sugeriu a
realização deste Congresso, pois, com a implantação do OP, percebeu-se uma
cidade com enormes carências estruturais convivendo com uma cidade de índices
invejáveis, constatando-se a necessidade de planejá-la a curto, médio e longo
prazos, e não apenas atender às demandas emergenciais.
No entanto, percebemos que várias cidades do país já realizaram este tipo de
planejamento, principalmente com o objetivo de se adequarem a novos instrumentos
de gestão urbana, como o Estatuto da Cidade
43
.
Este Congresso teve como objetivos os seguintes: diagnosticar as
necessidades e as potencialidades do município; discutir as políticas públicas e
planejar as ações de governo; crescer com as diversidades, diferenças culturais e as
múltiplas inteligências; estimular a participação popular comunitária; buscar os
melhores índices de desenvolvimento humano (IDH); acompanhar o Projeto Indaial
Melhor; perceber a função social dos meios de comunicação e planejar globalmente
a cidade, prevendo intervenções de: curto prazo (até 5 anos), médio prazo (até 10
anos) e longo prazo (20 anos) (INDAIAL, 2003, p. 14).
O Congresso da Cidade foi lançado em 19/03/2003 e levou doze meses para
ser construído envolvendo debates e discussões com a população de Indaial em
diferentes espaços de participação: seminários temáticos, conferências, fóruns e
assembléias.
Este Congresso estruturou-se com base em oito eixos temáticos, que foram:
repensando o ambiente; reorganizando a cidade; revendo a Justiça na cidade;
socializando a Saúde; construindo conhecimentos para crescer; buscando
alternativas de vida; promovendo políticas sociais; meios de comunicação,
organizados em Grupos de Trabalhos.
Após doze meses de mobilizações e debates, nos dias 12 e 13 de março de
2004, aconteceu a Plenária Final da Assembléia Geral do I Congresso da Cidade em
Indaial contando com 450 participantes e com a participação do Ministério das
43
O Estatuto da Cidade foi criado pela Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, com o objetivo de
estabelecer normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana
em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio
ambiental.
118
Cidades através da presença da Sra. Íria Charão – Coordenadora de Relações
Comunitárias.
No segundo dia do Congresso, na Plenária Final, 170 delegados votaram as
Diretrizes e as Ações que nortearão as políticas públicas do município para os
próximos anos. Foi, também, discutido a criação do Conselho da Cidade, com o
objetivo de avaliar e pressionar a aplicação do que foi deliberado no Congresso e
organizar as próximas edições.
Cerca de 10% da população da cidade de Indaial participou de algum espaço
de discussão.
Diante disso, nesse período, o OP não discutiu o orçamento municipal como
vinha fazendo nos anos anteriores, mas constituiu-se num dos espaços de
discussão do Congresso da Cidade através de suas assembléias regionais, já que a
maioria das diretrizes definidas no referido Congresso foram analisadas e aprovadas
nas assembléias regionais do OP.
Nos meses de fevereiro e março de 2003, foram efetivadas assembléias
regionais para: prestação de contas de exercício de 2002; apresentação do Plano de
Investimentos para 2003; apresentação do Projeto Indaial Melhor, e o lançamento do
Congresso da Cidade.
Nos meses seguintes, as assembléias regionais ocorreram nas 8 regiões
administrativas do OP sub-divididas por bairros e localidades visando, no primeiro
momento, a divulgar a proposta metodológica do Congresso da Cidade, bem como,
eleger delegados e delegadas.
No segundo momento, a partir de 8 rodadas centrais, o OP teve como
atribuição apresentar e debater emendas para serem levadas à assembléia final do
Congresso da Cidade pelos delegados e delegadas.
No último trimestre de 2003, o CMOP realizou algumas de suas atribuições no
que diz respeito ao acompanhamento da tramitação das leis orçamentárias para
2004 na Câmara de Vereadores e à fiscalização da execução de projetos e obras do
OP.
Porém, toda a estrutura e o desenho institucional do OP nos anos de 2003 e
2004 serviu para a elaboração e debates em torno do I Congresso da Cidade,
enquanto uma experiência mais ampla para a definição e planejamento das políticas
públicas municipais.
119
Além disso, o Projeto Indaial Melhor, implantado em 2003 também é
conseqüência do processo de discussão no OP, já que as demandas são maiores
do que os recursos disponíveis, necessitando, assim, da busca de recursos externos
para a execução das obras e serviços.
Atualmente, o CMOP está auxiliando na construção do Plano Plurianual
(PPA) juntamente com o Conselho da Cidade.
Em outubro desde ano (2005), está prevista a realização do II Congresso da
Cidade, tendo como um dos objetivos a discussão do Plano Diretor.
A partir deste momento, passaremos a descrever sobre a política de
assistência social da cidade de Indaial, com base nas informações e nos relatórios
prestados pelo Departamento de Desenvolvimento Social, destacando quem são os
usuários que procuram o referido Departamento, tendo como ponto de partida a
inserção destes usuários em seus programas de atendimento, com o objetivo de, em
seguida, analisar a participação destes usuários nas assembléias do OP de Indaial.
3.3 A política de assistência social na cidade de Indaial
A política de assistência social no município de Indaial é executada,
atualmente, pelo Departamento de Desenvolvimento Social, vinculado à Secretaria
de Saúde e Desenvolvimento Social, possuindo uma estrutura física própria de
atendimento e uma equipe técnica significante, se compararmos com os quadros de
profissionais anteriores ao ano de 2001.
De acordo com o Plano Plurianual da Assistência Social (INDAIAL, 2001a),
em 1987 o município contava com uma assistente social para atender a população e
entre 1988 a 1992 não havia mais nenhum profissional assistente social para
realizar o trabalho técnico da política de assistência social, sendo que esta atribuição
ficava sob responsabilidade de um funcionário administrativo.
Somente em 1993, o governo municipal contratou um profissional técnico
para atender as demandas da política de assistência social, a partir da criação do
Setor de Promoção Social, vinculado à Secretaria Municipal de Saúde e Bem Estar
Social, ampliando para quatro profissionais no ano seguinte.
Os principais programas e atividades realizados até este período foram os
seguintes: clubes de mães (criados em 1987); fornecimento de benefícios
120
circunstanciais como óculos, passagens rodoviárias, remédios, auxílio funeral,
cestas básicas; Serviço de Creches Domiciliares; Programa de Desenvolvimento de
Comunidade (1994), que atendia grupos de idosos, de mães, de gestantes, e de
recreação para crianças.
Em 1997, o então chamado Setor de Promoção Social, que funcionava junto à
Secretaria Municipal de Saúde, Desenvolvimento Social e Saneamento, passou a se
denominar Departamento de Desenvolvimento Social.
O Departamento deu continuidade às atividades e programas que já vinham
sendo desenvolvidos e alguns deles foram ampliados. Teve início também a
execução de programas direcionados à criança e ao adolescente, na faixa etária de
07 a 14 anos.
Até julho de 2001, o Departamento estava funcionando em quatro salas da
Secretaria Municipal de Saúde e Desenvolvimento Social, dividido em três setores:
Setor de Creche Domiciliar, Setor de Atendimento Assistencial e Setor de Grupo de
Terceira Idade e Clube de Mães.
No entanto, é a partir do ano de 2001 que se percebe um aumento
quantitativo e qualitativo das ações, programas e projetos de assistência social no
município em direção a uma política pública de direito, com estruturas física,
financeira e humana mais adequadas para o atendimento da população mais
empobrecida da cidade de Indaial.
Neste sentido, nesse período, o Departamento passou a contar com um
espaço físico próprio e com uma equipe multidisciplinar, composta por assistentes
sociais, professores de Educação Física, pedagogos, monitores sociais,
dinamizadores de grupo, instrutores de trabalho manual e estagiários, além de
outros profissionais que desempenham funções administrativas.
Percebemos que o número de profissionais governamentais, que trabalham
diretamente com a política de assistência social no município de Indaial, quase
triplicou nos últimos cinco anos.
Quanto à estrutura física
44
, com a mudança ocorrida em meados de 2001, o
Departamento foi organizado em quatro setores:
Setor de Atendimento Assistencial;
44
O Departamento conta com uma estrutura de salas de atendimento individual, coletivo e para
reuniões. Além disso, conta com salas para depósito de roupas usadas e para armazenamento de
cestas básicas e outros recursos distribuídos aos usuários. Conta também com cozinha, banheiros e
recepção.
121
Setor de Atendimento à Comunidade;
Setor de Atenção à Criança e ao Adolescente;
Setor Administrativo, Financeiro e de Assessoria aos Conselhos Municipais.
Em setembro de 2001, foi implantado, no município, o Programa de Garantia
de Renda Familiar Mínima, sendo criado o Departamento de Renda Mínima. Porém,
em 2004, este Departamento passou a constituir-se em um setor do Departamento
de Desenvolvimento Social.
Neste sentido, o Departamento possui atualmente cinco setores, que
passaremos a expor em seguida, apresentando seus objetivos, ações e as
mudanças que ocorreram em cada Setor entre anos de 2001 a 2004, com base no
relatório de Avaliação da Gestão do referido Departamento (INDAIAL, 2004b).
Estas mudanças significativas, quanto à gestão da política de Assistência
Social no município, evidenciam a preocupação da administração municipal com
esta política.
3.3.1 Setor de Atendimento Assistencial
Conforme o Plano Plurianual da Assistência Social (INDAIAL, 2001, p. 94),
este Setor tem como objetivo atender as famílias que se encontram em situação de
vulnerabilidade, exclusão social e pobreza de acordo com os princípios e diretrizes
da LOAS, no sentido de prestar atendimento às suas necessidades básicas.
O Setor de Atendimento Assistencial caracteriza-se como a porta de entrada
para os usuários da política de Assistência Social no acesso aos programas,
serviços e benefícios sociais.
Em 2001, o Setor realizava atendimentos emergenciais no que se refere às
demandas imediatas dos usuários através da prestação de benefícios
circunstanciais como: cesta básica, leite, óculos de grau, fotos para documentos,
pagamento de tarifas públicas, doações em geral, isenção de pagamento de
carneira, etc; prestação de benefícios eventuais (auxílios funeral e natalidade),
atendimento das demandas quanto à política de Saúde (medicamentos; fraldas
geriátricas; empréstimo de material de reabilitação; encaminhamentos à Psiquiatria;
fornecimento de próteses auditivas; marcação de consultas de várias
122
especialidades, etc.), atendimento à população de/na rua, acompanhamento
domiciliar a dependentes químicos (INDAIAL, 2004b).
Em 2002, o preenchimento manual do Cadastramento Único, para inclusão de
famílias de baixa renda em programas sociais do governo federal (Bolsa Escola,
Auxílio Gás e Bolsa Alimentação), também passou a ser realizado neste setor.
Intensificaram-se os trabalhos com a população em situação de rua e a
demanda para marcação de consultas especializadas (chegando à média de mais
de 300 consultas/mês). A média de atendimentos chegou a 800/mês. Iniciaram-se,
também, os encaminhamentos para os programas sociais existentes, oferecidos pelo
Departamento e demais políticas municipais.
Diante do grande número de atendimentos na área da política de Saúde, em
junho de 2002 as demandas desta política passaram a ser atendidas na Secretaria
Municipal de Saúde por um assistente social, porém permanecendo ainda alguns
atendimentos no Setor de Atendimento Assistencial (fraldas geriátricas, empréstimo
de material de reabilitação e passes de ônibus). Esta medida proporcionou a
priorização e a definição das demandas referentes à política de Assistência Social
no Departamento, reduzindo os atendimentos a 600/mês.
Em 2003, houve redução do quadro de pessoal no setor, os quais passaram a
atuar em outros setores, porém, foram repostos no ano seguinte.
Em 2004, os atendimentos relacionados à política de saúde foram todos
repassados à respectiva Secretaria, juntamente com outro assistente social. Houve
maior articulação entre o setor com o Programa de Garantia de Renda Familiar
Mínima, no sentido de evitar que outros setores do Departamento atendam às
mesmas famílias (INDAIAL, 2004b).
Para receber atendimento quanto às suas necessidades básicas, os usuários
precisam apresentar a seguinte documentação:
Carteira do Serviço de Atendimento Integral à Saúde;
Carteira de Identidade;
CPF – Certificado de Pessoa Física;
Comprovante de residência;
Certidão de nascimento dos filhos menores de 16 anos;
Carteira de vacinação dos filhos menores de 5 anos;
Comprovante de aluguel ou financiamento (caso tenha);
123
Carteira Profissional de todos que moram na casa;
Comprovante de renda de todos que moram na casa.
Percebemos que este Setor é que atende e possibilita o acesso ao
atendimento das necessidades básicas mais emergenciais dos usuários que se
encontram em situação de risco social.
Além disso, presta orientações e encaminhamentos para o acesso a outros
programas e serviços sociais oferecidos pelo Departamento e outros órgãos
governamentais em diferentes instâncias. Em 2004 foram atendidas 5.280 famílias,
que além de receberem recursos materiais, também receberam orientações e
encaminhamentos.
Conforme dados do quadro 13, podemos observar o número de recursos
materiais prestados pelo Setor de Atendimento Assistencial no ano de 2004.
Quadro 13: Número de recursos materiais prestados no Setor de Atendimento
Assistencial da Prefeitura de Indaial, no ano 2004.
Recursos Materiais Prestados Total %
Cesta básica 1356 61,0
Lata de leite 540 24,3
Pagamento de tarifas públicas 156 7,1
Auxílio-natalidade 132 6,0
Auxílio-funeral 24 1,1
Auxílio óculos 12 0,5
TOTAL 2.220 100
Fonte: Departamento de Desenvolvimento Social, 2005.
Diante deste quadro, constatamos que a principal demanda de atendimento
diz respeito à cesta básica de alimentos, demonstrando que a maior demanda
trazida pelos usuários deste Setor diz respeito à necessidade básica biológica de
sobrevivência.
Na escala de necessidades básicas do ser humano, as que dizem respeito à
manutenção da sobrevivência sempre vão se sobrepor às demais, quanto à
prioridade de atendimento, na medida em que a incerteza ou a não satisfação da
necessidade de alimentação impede o indivíduo de satisfazer outras necessidades
124
também importantes mas não tão urgentes quanto esta, como, por exemplo, o lazer,
a educação e a participação política.
De acordo com Pereira (2000, p. 69), a satisfação da saúde física, onde se
inclui a alimentação, coloca-se como a condição mais obviamente básica para que
seja possível haver participação com vista à libertação humana de quaisquer formas
de opressão, incluindo a pobreza.
Neste sentido, este dado leva-nos a inferir que se o usuário não estiver
satisfeito quanto à manutenção de sua sobrevivência, ele não terá condições de
buscar a satisfação de sua necessidade de autonomia.
3.3.2 Setor de Atenção à Criança e Adolescente
Este Setor é responsável pela política de atendimento à criança e ao
adolescente do município, conforme previsto no art. 86 do Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA e passou a integrar o Departamento de Desenvolvimento Social,
a partir de 2001.
No período, o Setor desenvolvia os seguintes programas: Apoio sócio-familiar;
Serviço de Atenção à Família e Serviço de Evasão Escolar.
As crianças, os adolescentes e suas respectivas famílias são encaminhados
pelo Conselho Tutelar e pelo Poder Judiciário a partir da aplicação das Medidas de
Proteção previstas no art. 98 do ECA.
Estas Medidas são aplicadas quando os direitos reconhecidos pelo ECA
forem ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por
falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, ou em razão de sua conduta.
Desta forma, os programas desenvolvidos no Setor têm como objetivo
principal o atendimento à criança e ao adolescente que tiveram seu direito
ameaçado ou violado.
No ano de 2002, o Serviço de Atenção à Família ampliou seus atendimentos,
oferecendo às famílias reuniões sócio-educativas, reuniões escolares e encontros de
grupo. Também foram feitos acompanhamentos aos abrigos e centros de
recuperação e contatos com escolas profissionalizantes, através de ações
articuladas com o Conselho Tutelar, o Poder Judiciário e um profissional da área de
psicologia.
125
Em 2003, o setor implementou alguns programas importantes, como: Serviço
de Combate à Violência, Exploração Sexual e Maus Tratos; Programa de Medidas
Sócio-Educativas; Atenção Psicológica e o Projeto Acolher. Realizou-se também, a I
Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
No ano de 2004, o Projeto Acolher, considerado uma alternativa de abrigo
provisório em residências de famílias da comunidade para proteger crianças e
adolescentes em situação de risco, encaminhadas pela autoridade judiciária, foi uma
das prioridades do setor, tendo em vista o expressivo número de crianças e
adolescentes encaminhados para abrigo.
Além disso, ampliaram-se as parcerias entre o Setor e entidades
governamentais e não-governamentais, referentes ao Programa de Medidas Sócio-
Educativas.
Conforme o quadro 14, podemos observar a média de atendimento/mês no
Setor no ano de 2004.
Quadro 14 Média de atendimentos por mês realizado no Setor de Atenção à Criança e
ao Adolescente, da Prefeitura de Indaial, no ano de 2004.
ATENDIMENTOS POR PROGRAMA/MÊS TOTAL %
Programa de Apoio Sócio-familiar 126 39,9
Programa de Combate a Violência, Exploração Sexual e Maus Tratos 54 17,0
Programa de Medidas Sócio-Educativas 37 11,7
Programa de Atenção Psicológica 91 28,8
Projeto Acolher 03 1,0
Abrigo 05 1,6
TOTAL 316 100
Fonte: Departamento de Desenvolvimento Social, 2005.
Conforme os dados acima, percebemos que o Programa de Apoio Sócio-
Familiar corresponde a quase metade (39,9%) dos atendimentos do Setor, seguido
do Programa de Atenção Psicológica.
O Programa de Apoio Sócio-Familiar tem como objetivo a prestação de
medidas de proteção às crianças e aos adolescentes que tiveram seus direitos
ameaçados ou violados, bem como suas famílias, no qual são atendidas durante um
período de seis meses.
126
O Programa prevê atendimento individual e em grupos que tem como
objetivos:
Orientar crianças, adolescentes e suas famílias sobre o cumprimento de seus
deveres e acesso aos seus direitos;
Oportunizar espaço para reflexão sobre a realidade familiar, buscando
alternativas para superação dos problemas;
Contribuir para o fortalecimento de funções e vínculos familiares;
Oferecer espaço para vivências e trocas de experiências;
Promover ações voltadas à motivação e à auto-estima da criança,
adolescente e família;
Promover acesso aos serviços de Assistência Social, Saúde, Educação,
Esporte, Lazer e Cultura, buscando o pleno desenvolvimento da pessoa.
O Programa de Atenção Psicológica, por sua vez, tem como objetivo prestar
acompanhamento psicológico individual e grupal às crianças, aos adolescentes e as
suas famílias.
3.3.3 Setor de Atendimento à Comunidade
Em 2001, o setor contava com dois grupos:
a) Grupo de Mulheres: totalizando nove grupos com 102 integrantes
aproximadamente, que desenvolviam trabalhos manuais e dinâmicas de grupo;
b) Grupo da Terceira Idade: atendimento em 16 bairros, mais de 540 idosos, onde
são realizadas atividades recreativas e de lazer, bem como, atividades físicas em
diferentes modalidades.
Entre os meses de setembro e dezembro, foram criados mais dois grupos
com o objetivo de geração de renda em dois bairros considerados pobres.
Além destes dois grupos, o setor também realizava acompanhamento ao
Projeto Morar Melhor, através do qual foi implantado o sistema de esgoto sanitário
atendendo 199 famílias. O Projeto visava o trabalho social de um assistente social
com estas famílias com o objetivo de desenvolver ações de caráter educativo e de
geração de renda.
127
O Setor de Atendimento à Comunidade iniciou também a organização dos
catadores de materiais recicláveis, com o objetivo de organizá-los e incentivá-los a
formar uma associação.
Ainda em 2001, o setor implantou o Programa de Educação em Saúde e
Mobilização Social através de recursos advindos da FUNASA (Fundação Nacional
de Saúde), com o fim de controlar doenças e outros agravos ocasionados pela falta
ou inadequação das instalações sanitárias, que atendeu a 82 famílias distribuídas
em sete bairros do município.
Em 2002, foram realizadas viagens culturais e de lazer com os grupos da
Terceira Idade e visitas domiciliares aos idosos doentes e aos que ainda não
participam dos grupos.
O setor também conquistou um espaço físico para organização e execução
das atividades com os catadores de materiais recicláveis, acompanhados pelos
profissionais do setor.
No ano de 2003, ampliou-se o atendimento e a freqüência de atividades
físicas com os idosos, abrangendo 18 bairros, com a efetivação de dois encontras
semanais. Devido à falta de recursos para a realização de todas as atividades, os
profissionais buscaram apoio e parceria com a comunidade local (lojas, empresas,
etc), para patrocínios e doações.
O setor teve uma importante participação na elaboração e publicação do livro
“Vidas Vividas”, com base em histórias, relatos e poesias contadas pelos idosos.
No ano de 2003, o grupo de mulheres e o projeto de organização dos
catadores de material reciclável foram transferidos para o setor de Renda Mínima.
Ainda neste ano, o Setor iniciou processo de mobilização, elaboração e
acompanhamento do Programa Subsídio à Habitação de Interesse Social, programa
que se constituiu em um dos nossos universos de pesquisa.
Cabe ressaltar que o programa foi aprovado em 2004, sendo que a instituição
financeira que operacionalizou os recursos foi a Caixa Econômica Federal.
Este Programa foi criado pela Portaria Interministerial Nº 186, de 07 de agosto
de 2003, com o objetivo de tornar acessível a moradia para segmentos
populacionais de renda familiar até R$ 740,00, que não sejam proprietários de
imóvel residencial em qualquer localidade do país, nem tenham financiamento
imobiliário, bem como não tenham recebido benefícios da mesma natureza oriundos
de recursos orçamentários da União.
128
Os recursos do Subsídio são provenientes da Secretaria do Tesouro Nacional
e do Ministério das Cidades, correspondendo a R$ 4.500,00 para as regiões não
metropolitanas (o recurso vem “a fundo perdido”).O restante dos recursos são
financiados pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS operados através
de instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.
Em Indaial, o programa vai atender 31 famílias de baixa renda, principalmente
encaminhadas pelo Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima.
O projeto Técnico Social está sendo executado por um técnico do Setor de
Atendimento à Comunidade com o objetivo de acompanhar, orientar e prestar
esclarecimentos às famílias sobre o funcionamento e a operacionalização do
Programa., bem como, a integração entre as famílias.
No ano de 2004, o setor conseguiu a aprovação de um projeto para a
construção de um Centro de Convivência aos Idosos, cuja construção iniciou-se
ainda neste ano.
O setor passou a contar também com um assistente social, admitido por
concurso público para o trabalho junto à política do idoso.
Ainda neste ano, foi aprovado o Programa de Atenção Integral à Família
(PAIF), que já foi implantado no município.
Conforme quadro 15, podemos observar a média de atendimento/mês no
Setor no ano de 2004.
Quadro 15 Número de atendimentos realizados no Setor de Atendimento à
Comunidade da Prefeitura de Indaial, no ano de 2004.
Atendimentos por Programa Total %
Grupos da 3ª Idade 1.095 90,4
Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social 31 2,5
Programa de Educação em Saúde e Mobilização Social 86 7,1
TOTAL 1.212 100,0
Fonte: Departamento de Desenvolvimento Social, 2005.
Percebemos, pelos dados acima, que os usuários com maior predominância
no Setor são os idosos, que se envolvem através dos grupos da terceira idade.
Além disso, em 2004 existiam quatro programas de atendimento à Terceira
Idade, que foram: Dança Sênior que atendeu 17 idosos; Grupo de Teatro que
129
possuía 10 idosos, Hidroginástica com 75 idosos e o grupo folclórico, constituído por
21 idosos.
3.3.4 Setor Administrativo
Este Setor presta suporte administrativo e financeiro ao Departamento e dá
assessoria aos conselhos municipais de assistência social, criança e adolescente,
Habitação e Idoso.
Até 2004, o Setor contava com um diretor, três motoristas, um estagiário e
um auxiliar de serviços gerais. A Diretoria tem buscado, junto ao governo municipal,
a autonomia da gestão da política de Assistência Social a partir da proposta de
criação de uma Secretaria Municipal de Assistência Social (INDAIAL, 2004b).
3.3.5 Setor de Renda Mínima
O Setor foi criado com o intuito de coordenar o Programa de Garantia de
Renda Familiar Mínima (PGRFM), criado pela Lei Municipal nº 2.962 de 18 de julho
de 2001, que faz uma transferência monetária temporária à família em situação de
risco social, objetivando à complementação da renda familiar, a fim de atender as
necessidades básicas dos seus membros.
Para fins de inclusão no referido Programa, as famílias devem obedecer aos
seguintes critérios:
Possuir renda per capita inferior a R$ 90,00 (noventa reais);
Residir na cidade de Indaial por, no mínimo, 3 (três) anos e que apresentem
algum dos seguintes requisitos:
a) Ter filhos e/ou dependentes na faixa de idade de 0 a 15 anos em situação
de vulnerabilidade social;
b) Ter no núcleo familiar pessoa portadora de necessidades especiais;
c) Ter pessoa idosa com 60 (sessenta) anos ou mais que tenha vínculo
permanente de dependência com a família;
d) Gestante em condições de vulnerabilidade e exclusão social.
Segundo a Lei Municipal nº 2.962, em seu artigo 3º, o Programa consiste na
complementação mensal dos rendimentos da família e num conjunto de ações sócio-
130
educativas articuladas entre os serviços públicos e privados, nas áreas de educação
e formação profissional, assistência social, formação para cidadania, geração de
emprego e renda, saúde, desenvolvimento urbano e habitação, cultural, esporte e
lazer.
A família pode permanecer no programa por até seis meses, podendo ser
prorrogado semestralmente de acordo com a avaliação da equipe técnica
responsável pelo Programa; a complementação mensal de rendimento será de, no
máximo, R$ 270,00 mensais por família.
As famílias, ao serem incluídas no Programa, assinam um Termo de
Responsabilidade, através do qual assumem alguns compromissos definidos pelo
mesmo, como:
Assegurar que a aplicação do subsídio financeiro se dê de acordo com o
planejamento estabelecido em conjunto com a equipe técnica do Programa,
privilegiando os aspectos relacionados à melhoria da qualidade de vida do
grupo familiar: moradia, saúde, geração de renda, educação e alimentação;
Garantir freqüência escolar às crianças e adolescentes;
Garantir a atenção à saúde da criança/adolescente e ser vigilante ao
cumprimento do ECA em todos os seus aspectos;
Participar de atividades indicadas pela equipe técnica do Programa, tais
como: freqüentar os programas de educação básica, cursos de capacitação
profissional, envolvimento em atividades comunitárias e projetos de geração
de trabalho e renda;
Participar mensalmente de reuniões sócio-educativas, lembrando que a não
participação em duas destas reuniões acarretará a saída do usuário do
Programa;
Podemos dizer que o PGRFM é fruto da discussão de implantação de
programas de renda mínima no Brasil, a partir da iniciativa pioneira do projeto de lei
do Senador Eduardo Suplicy, o qual resultou em diversas outras propostas,
implantadas geralmente em Prefeituras administradas pelo PT.
Segundo Lopes (1997, p. 155), todos os programas instituídos têm em
comum a iniciativa pioneira do projeto de lei da Câmara nº 2.561, de 1992,
apresentado pelo senador Eduardo Suplicy (PT) ao Senado em 1991, sob a
131
concepção do imposto de renda negativo – IRN
45
, voltado inicialmente para adultos
aposentados e que, progressivamente, beneficiaria adultos em idade produtiva até
atender a faixa estaria mínima de 25 anos.
No entanto, os programas e projetos, que surgiram posteriormente e foram
implementados, se distanciaram desta proposta na medida em que se voltam para a
caracterização de um programa de renda familiar mínima, que assegurava a
manutenção dos mínimos de sobrevivência familiar.
De acordo com Sposati (1997, p. 116), um ponto em comum entre o imposto
de renda negativo e suas diferentes modalidades é a transferência de uma
determinada quantia de remuneração, para que seja transformada pelo cidadão, por
meio do mercado, em solução para uma necessidade. Não se constitui em
transferência de um bem, mas em ampliar a capacidade de consumo e acesso do
cidadão para atendimento de uma necessidade, através de aquisição ou compra.
Para a autora, a renda mínima é parte de uma política de garantia de padrões
básicos de cidadania, ou seja, uma política de discriminação positiva (SPOSATI,
1997, p. 111).
O Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima de Indaial foi
implementado no governo do PT em 2001 e se constituiu num dos principais
programas da administração municipal.
Como já foi dito anteriormente, em decorrência da implantação deste
Programa, foi criado em setembro de 2001 o Departamento de Renda Mínima,
porém, em 2004 passou a ser um Setor do Departamento de Desenvolvimento
Social.
O Programa iniciou atendendo vinte famílias em agosto de 2001 e, um ano
após, o Programa já haviam ampliado o atendimento para 61 famílias.
Em 2004, o Programa atendia 106 famílias, sendo que outras 150 famílias
aguardavam na lista de espera para inclusão no referido Programa. A renda per
capita média das famílias encaminhadas ao Programa gira em torno de R$ 32,00, e
a baixa escolaridade dos usuários é um dos principais fatores que dificultam o
acesso a uma melhor qualidade de vida dessas famílias (INDAIAL, 2004a).
45
O IRN prevê que aqueles que recebem uma renda acima do patamar mínimo devem pagar um
certo imposto a ser calculado com base em sua renda, e aqueles, que não atingirem um patamar
mínimo definido, terão o direito ao imposto de renda negativo, ou seja, devem receber um subsídio,
que vai depender da renda declarada ou de outros critérios. Já os indivíduos que não têm nenhuma
renda devem receber um valor estabelecido como piso mínimo (SPOSATI, 1997, p. 115).
132
Em 2002, além da coordenação do Programa, o Departamento de Renda
Mínima também passou a desempenhar outras funções como a gestão do
Cadastramento Único para a inclusão de famílias de baixa renda em programas de
transferência de renda do governo federal.
Além disso, o Departamento iniciou a elaboração de projetos destinados à
geração de renda, como a reciclagem e cartonagem de papel e a horta comunitária,
em função do entendimento de que o mero repasse financeiro às famílias do
PGRFM não possibilitaria a superação de suas dificuldades e sim a promoção de
geração de renda.
Neste sentido, a equipe de trabalho entende que o setor de Atendimento
Assistencial é a porta da entrada para os usuários da política de Assistência Social e
que o programa de Renda Mínima seria o meio de manter a subsistência das
famílias até que elas possam superar sua situação de vulnerabilidade, risco ou
exclusão social. Para isso, é preciso oferecer “portas de saída” como programas de
geração de renda.
No ano de 2003, o Departamento passou a coordenar as atividades com os
grupos de mulheres e a assessorar a Associação de Catadores de Indaial – APRI
(Associação Participativa Recicle Indaial). Também implementou os Programas
Horta Comunitária e Reciclagem e Cartonagem de papel. Durante o ano, o programa
acompanhou 110 famílias.
Em 2004, o Departamento de Renda Mínima deixou de ser um Departamento
e passou a ser constituído como setor (Setor de Renda Mínima).
Conforme quadro 16, podemos observar a média de atendimento por mês no
Setor no ano de 2004.
Quadro 16 Número de atendimentos realizados no Setor de Renda Mínima da
Prefeitura de Indaial, por mês, no ano de 2004.
ATENDIMENTOS POR PROGRAMA TOTAL %
PGRFM 106 9,0
Programa de Catadores de Materiais Recicláveis 07 0,6
Grupo de Mulheres 143 12,2
Cadastramento Único 920 78,2
TOTAL 1.176 100,0
Fonte: Departamento de Desenvolvimento Social, 2005.
133
Pelos dados expostos anteriormente, percebemos que o programa com maior
número de atendimento diz respeito ao Cadastramento Único.
O Cadastramento Único de Programas Sociais foi criado em 24 de julho de
2001, por meio do Decreto nº 3.877, cujo objetivo do governo federal foi realizar o
mapeamento da pobreza e a identificação dos beneficiários de outros programas
federais, a partir dos dados da Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio
(PNAD), realizada em 1999 e 2000.
Este programa objetivou, também, a inserção de famílias já beneficiadas por
outros programas sociais federais, visando à unificação de dados e posteriormente o
cadastramento das demais famílias em situação de pobreza (BERETTA; MARTINS,
2004, p. 69).
Atualmente, o Programa de Cadastramento Único também atende ao
Programa Bolsa Família, que tem como objetivo atender famílias em situação de
pobreza e extrema pobreza e também unificar os demais programas sociais federais
de transferência de renda.
Neste sentido, existem atualmente 545 famílias recebendo o Bolsa-Família e
459 famílias ainda não foram migradas para o programa, porém já recebem algum
outro benefício, como Bolsa Escola, Auxílio Gás, Bolsa Alimentação, etc.
Quanto ao PGRFM, este programa atendeu em torno de 106 famílias, no ano
de 2004, e possui uma demanda reprimida em torno de 150 famílias cadastradas
que aguardam sua inclusão. No entanto, se levarmos em consideração o número de
famílias que recebem Bolsa Família, e que possuem uma renda per capita de até R$
100,00, podemos inferir que o número de famílias que se incluiriam nos critérios do
PGRFM seria muito mais expressivo.
Neste sentido, notamos que o PGRFM não consegue atender toda a
demanda devido ao limitados recursos, apesar de se constituir no Programa que
mais recebe recurso no Departamento de Desenvolvimento Social pelo Fundo
Municipal de Assistência Social.
A política de assistência social no município de Indaial também é constituída
por entidades não-governamentais que desenvolvem ações nesta área.
Atualmente existem seis entidades inscritas no Conselho Municipal de
Assistência Social – CMAS:
134
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE, que recebe
repasses financeiros do Fundo Municipal de Assistência Social. Esta entidade
tem como objetivo atender as pessoas portadoras de deficiência – PPD.
Atualmente 118 pessoas são atendidas nesta instituição.
Sociedade Beneficente Hospital Beatriz Ramos – constitui-se como sociedade
civil sem fins lucrativos e de caráter beneficente – assistencial à Saúde da
população indaialense (INDAIAL, 2001,a). O Hospital é o único do município;
Sociedade Corpo de Bombeiros Voluntáriosé uma sociedade civil, com
personalidade jurídica e patrimônio distintos, que tem dentre seus vários
objetivos, manter um corpo de cidadãos sob regime de voluntariado, que
executa serviços de combate a incêndios, busca e salvamento, prestação de
socorro em casos de inundações, desabamentos, catástrofes e calamidade
pública;
Associação Comunitária do Bairro Benedito – é uma entidade civil, sem fins
lucrativos, de duração indeterminada, que tem, dentre seus vários objetivos,
prestar atividades assistenciais, diretamente ou através de instituição
filantrópica;
Associação Participativa Recicla Indaial (APRI): associação formada e
organizada por catadores de material reciclável de Indaial, com o objetivo de
geração de renda;
Rede Feminina de Combate ao Câncer: entidade sem fins lucrativos que
realiza ações de prevenção e orientação em relação à saúde da mulher,
principalmente no que diz respeito à prevenção do câncer de colo de útero e
de mama.
O Conselho Municipal de Assistência Social de Indaial foi criado pela Lei
municipal nº 2.386, de 31 de outubro de 1994, como órgão deliberativo, responsável
pela formulação da política de assistência social no âmbito municipal.
Conforme deliberações da IV Conferência Municipal de Assistência Social,
que teve como tema “Sistema Único de Assistência Social – SUAS – Plano 10 –
estratégias e metas para implementação da Política Nacional de Assistência Social”,
as 10 metas definidas nesta Conferência foram:
135
Garantir no orçamento municipal no mínimo 5% do total de recursos
municipais em 2006, e aumentar gradativamente 1% ao ano até alcançar o
índice de 10%;
Garantir que todo recurso financeiro, destinado à entidades assistenciais e/ou
projetos de assistência social, passe pelo Fundo Municipal de Assistência
Social;
Garantir que o comando único tenha o nome de assistência social;
Ampliar a estrutura da assistência social (Centros de Referência de
Assistência Social - CRAs, carros, casa-lar, etc);
Ampliar os recursos humanos e a criação de cargos;
Constituir equipe para monitoramento, avaliação e informação;
Realização de um diagnóstico geo-político com o objetivo de conhecer o
usuário, identificar no mapa sua localização, possibilitando ações conjuntas;
Garantir a participação dos usuários e ONGs em conselhos, fóruns e outros;
Fortalecer e ampliar a rede de serviços sócio-assistenciais;
Organizar o Sistema Único de Assistência Social - SUAS e rede de
atendimento, com fluxo de trabalho, juntamente com o Ministério Público, as
políticas de assistência social, saúde e outros.
Em relação à inserção dos usuários da assistência social em espaços de
participação, nosso objetivo foi investigar a participação destes usuários nas
instâncias do OP de Indaial.
Desta forma, a diretoria do Departamento de Desenvolvimento Social
informou-nos que os profissionais de todos os setores realizaram um trabalho de
divulgação junto aos seus usuários, no sentido de incentivá-los a participar das
assembléias do OP, no qual se percebeu que a participação mais efetiva ocorreu
entre os usuários incluídos no Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima -
PGRFM.
Neste sentido, no próximo item apresentaremos a caracterização do perfil dos
usuários da política de assistência social, sujeitos privilegiados de nosso trabalho, a
partir da pesquisa que realizamos com o objetivo de analisar sua participação nas
assembléias do Orçamento Participativo de Indaial.
136
3.4 Os usuários da política de assistência social da cidade de Indaial
De acordo com o Instituto de Planejamento e Economia Agrícola de Santa
Catarina – ICEPA/SC (2003), o município de Indaial apresenta índices de pobreza
consideráveis, embora menores que o índice do estado
46
.
Cerca de 20,7% da população é considerada pobre e 4,5% dos habitantes se
encontram com renda insuficiente para garantir sua alimentação (ou na chamada
linha de indigência), correspondendo a 4% das famílias.
Em nosso estudo, realizado com usuários da política de Assistência Social de
Indaial com o objetivo de analisar sua participação nas assembléias do OP,
pudemos identificar alguns traços do perfil destes usuários.
Na pesquisa, selecionamos uma amostra do universo de maneira a obter dois
grupos distintos de usuários da política de Assistência Social:
GRUPO 1: usuários atendidos no Setor de Atendimento Assistencial,
considerado comoa “porta de entrada” destas pessoas aos
programas/serviços/ações e através do qual, recebem o primeiro
atendimento, podendo assim serem encaminhados para programas de outros
setores do Departamento. Foram selecionados usuários que fizeram cadastro
a partir de 2002 e que não fazem e nem fizeram parte de nenhum outro
programa do referido Departamento;
GRUPO 2: usuários que estão ou estiveram incluídos em algum programa
assistencial. Para isso, escolhemos o Programa de Garantia de Renda
Familiar Mínima (PGRFM), e o Programa de Subsídio Habitacional de
Interesse Social. Ambos os programas foram escolhidos por se tratar de
programas que prevêem ações que envolvem o repasse de recursos
materiais (bem ou pecúnio), e a realização de atividades sócio-educativas
com as famílias. Além disso, o PGRFM foi escolhido por ter mobilizado seus
usuários para participarem do OP.
7 De acordo com o ICEPA (2003), com base no Censo do IBGE de 2000, 32,7,4% das pessoas do
estado de SC são consideradas pobres e 12,4% possuem renda insuficiente. Para o ICEPA, entende-
se como pessoas pobres todos as que têm renda per capta mensal menor que R$ 180,00. Na linha
de indigência se encontram aquelas famílias com renda per capta de até R$ 90,00.
137
Neste sentido, passamos a apresentar algumas características dos usuários
da política de assistência social.
No quadro 17, apresentaremos a faixa etária predominante entre os usuários
entrevistados.
Conforme os dados do quadro, a faixa etária predominante está entre 34 a 40
anos de idade (cerca de 33%), fazendo parte dos 81% de pessoas entrevistadas e
que se encontram na chamada População Economicamente Ativa –PEA.
Quadro 17: Faixa etária dos usuários da Assistência Social pesquisados na cidade de
Indaial.
GRUPO 1* GRUPO 2*
IDADE TOTAL %
TOTAL % TOTAL %
19 – 26 anos
03 16,67 03 33,3 00 0,0
27 – 33 anos
03 16,67 02 22,2 01 11,1
34 – 40 anos
06 33,33 01 11,1 05 55,6
41 – 47 anos
01 5,56 00 0,0 01 11,1
48 – 54 anos
03 16,67 01 11,1 02 22,2
55 – 61 anos
00 0,00 00 0,0 00 0,0
Mais de 60 anos
02 11,11 02 22,2 00 0,0
Total
18
100,0
09 100,0 09 100,0
* Famílias não incluídas em programas assistenciais, **Famílias incluídas em programas
assistenciais.
Se analisarmos por Grupo entrevistado, constatamos que no Grupo 1 há a
prevalência de uma população mais jovem, onde 33% está entre 19 a 26 anos, e
22% entre 27 a 33 anos, ou seja, 55% está entre 19 a 26 anos. Há ainda a presença
significativa de idosos neste Grupo, cerca de 22%.
No Grupo 2, por sua vez, a faixa etária mais expressiva está entre 34 a 40
anos, isto é, 55%, correspondendo a mais da metade dos entrevistados.
Cerca de 11% do total dos entrevistados são idosos aposentados. Esta dado
demonstra que, apesar de terem uma aposentadoria que deveria garantir a sua
manutenção material após ter vendido sua força de trabalho por longos anos, o valor
deste benefício não garante suas necessidades básicas e grande parte deste
segmento da população encontra-se em situação de pobreza ou extrema pobreza.
Constatamos que todos os entrevistados constituem família, entendida aqui
como uma associação de pessoas que escolhe conviver por razões afetivas e
138
assume um compromisso de cuidado mútuo, e se houver, com crianças,
adolescentes e adultos (SZYMANSKI, 2002, p. 09).
A presença de filhos é predominante em todas as famílias. Aproximadamente
66% delas tem entre três a quatro pessoas que constituem o núcleo familiar, e 22%
possuem entre cinco a seis membros, conforme mostra o quadro abaixo.
Quadro 18: Número de membros da família dos usuários da Assistência Social
pesquisados na cidade de Indaial.
GRUPO 1* GRUPO 2**
MEMBROS DA FAMÍLIA TOTAL %
TOTAL % TOTAL %
02
01 5,5 01 11,1 00 0,0
03
04 22,2 02 22,2 02 22,2
04
08 44,4 04 44,5 04 44,5
05
02 11,1 01 11,1 01 11,1
06
02 11,1 01 11,1 01 11,1
07
01 5,5 00 0,0 01 11,1
Total
18
100,0
09 100,0 09 100,0
*Famílias não incluídas em programas assistenciais, **Famílias incluídas em programas
assistenciais
Como veremos no quadro 19, 61% destas famílias são monoparentais
47
. Em
outras palavras, são famílias constituídas em sua maioria por um progenitor que tem
sob sua responsabilidade de 2 a 3 crianças e/ou adolescentes.
A análise por Grupo mostra que o número de membros familiares do Grupo 1
e 2 se assemelham aos índices gerais, ou seja, apresentam entre quatro membros
(quase maioria) e 3 membros (22,2).
47
Segundo Vitale (2002, p. 46), os lares monoparentais são aqueles em que vive um único progenitor
com filhos que não são ainda adultos.
139
Quadro 19: Estado civil dos usuários da Assistência Social pesquisados na cidade de
Indaial.
%
MASCULINO FEMININO GRUPO 1* GRUPO 2 **
ESTADO
CIVIL
TOT
AL
TOTAL % TOTAL % TOTAL % TOTAL %
Casado/
União
estável
07 38,9 03 75,0 04 01 05 55,6 02 22,3
Solteiro
07 38,9 00 0,0 07 02 04 44,4 03 33,3
Separado
03 16,7 01 25,0 02 04 00 00,0 03 33,3
Viúvo
01 5,5 00 00,0 01 01 00 00,0 01 11,1
TOTAL
18 100,0
04
100,0
14
01
09
100,0
09
100,
0
Pelos dados acima, percebemos que 38,9% dos entrevistados são solteiros
quanto ao seu estado civil, porém todos já haviam vivido em união estável e que se
dissolveu. Na mesma proporção estão os casados ou vivendo em união estável.
Porém, se somarmos a proporção de solteiros, separados e viúvos, notamos
que 61% dos entrevistados se constituem em famílias monoparentais.
Se analisarmos o estado civil por sexo, observamos que 71% das mulheres
vivem sozinhas,dado inversamente proporcional aos homens, que por sua vez,
convivem com a cônjuge ou companheira (75%).
Se observamos o estado civil por Grupo, percebemos que o índice de famílias
monoparentais é maior no Grupo 2 (77,7%), sendo que no Grupo 1 a incidência é de
44,4%.
Quanto ao sexo dos entrevistados, cerca de 78% dos entrevistados são
mulheres, onde 61% informaram ser a chefe de família (Quadro 20), tendo atribuição
e responsabilidade exclusiva no cuidado com a casa e os filhos e ainda no sustento
financeiro da família.
Quadro 20: Chefes de família por sexo entre os usuários da Assistência Social
pesquisados na cidade de Indaial.
GRUPO 1* GRUPO 2**
CHEFE DE FAMÍLIA TOTAL %
TOTAL % TOTAL %
Mulher
11 61,11 05 55,6 06 66,7
Homem
05 27,78 03 33,3 02 22,2
Indefinido
02 11,11 01 11,1 01 11,1
TOTAL
18
100,0
09 100,0 09 100,0
*Famílias não incluídas em programas assistenciais; **Famílias incluídas em programas assistenciais
140
Neste sentido, uma característica que a pesquisa revela é a prevalência de
famílias monoparentais chefiadas por mulheres, com maior predominância no Grupo
2
48
.
De acordo com Vitale (2002), apesar das famílias chefiadas por mulheres não
serem necessariamente monoparentais (pois podem ter cônjuge/companheiro e ser
a responsável pela maior remuneração do domicílio), famílias monoparentais
femininas tem se constituído numa característica do novo perfil das famílias
brasileiras.
De acordo com Vitale (2002, p. 49), uma em cada quatro famílias brasileiras é
chefiada por mulheres. Nesse universo, a maioria das mulheres responsáveis pelo
domicílio está em situação monoparental. Por outro lado, as famílias monoparentais
masculinas são significativamente menores que as femininas.
Neste sentido, as mulheres chefes de família acumulam uma dupla
responsabilidade, ao assumir o cuidado da casa e dos filhos e ainda garantir o
sustento material de seus dependentes. Esta dupla jornada de trabalho vem
acompanhada por uma dupla carga de culpa por suas insuficiências em atender
estas responsabilidades.
Embora saibamos que estas insuficiências têm suas raízes nas condições
geradas pela própria sociedade capitalista, esses fatores sociais são ocultados pela
lógica que coloca a culpa na vítima, intensificando o problema quando as duas
vítimas são encarnadas na mesma pessoa, nesse caso, na mulher chefe de família
(VITALE, 2002).
Além disso, a noção de monoparentalidade tem ficado associada não só ao
sexo feminino, mas também à pobreza.
Dados da realidade brasileira fortalecem esta correlação. De acordo com
Vitale (2002, p. 50), o Censo do IBGE 2000 aponta que a média da renda dos
homens chefes de família é de 40% mais alta do que a renda das mulheres. Além
disso, o percentual de crianças de 0 a 6 anos, que estão sendo criadas em
domicílios que tem a mulher como chefe de família, e que ganham até dois salários
mínimos, é de 56,6% mulheres.
Diante desses dados, Vitale (2003, p. 50) afirma que as relações entre
mulheres e pobreza constituem as raízes de efeitos perversos sobre a vida familiar.
48
Uma explicação que poderia ser dada se refere ao critério - mulher como chefe de família – para
inclusão nos Programas pesquisados.
141
Além disso, a relação entre família monoparental feminina e pobreza acaba
constituindo um outro estigma: a de que as mulheres são menos capazes de cuidar
de suas famílias ou para administrá-las sem a presença de um homem (VITALE,
2002, p. 51).
Em nossa pesquisa, pudemos constatar que a renda das famílias usuárias da
política de Assistência Social de Indaial, que foram entrevistadas, possuem uma
renda muito baixa, conforme mostra o quadro 21.
De acordo com os dados, cerca de 44,4% das famílias possuem uma renda
familiar entre 1 a 2 salários mínimos e 38,9% apresentam uma renda até um salário
mínimo e 11% estão completamente sem renda.
Quadro 21: Renda dos usuários da Assistência Social pesquisados na cidade de
Indaial.
GRUPO 1* GRUPO 2**
RENDA TOTAL %
TOTAL % TOTAL %
Sem renda 02 11,0 02 22,2 00 0,0
Até 1 SM 07 38,9 03 33,3 04 44,5
De 1 a 2 SM 08 44,4 04 44,5 04 44,5
De 2 a 3 SM 01 6,0 00 0,0 01 11,0
De 3 a 4 SM 00 0,0 00 0,0 00 0,0
Mais de 4 SM 00 0,0 00 0,0 00 0,0
TOTAL 18
100,0
09 100,0 09 100,0
*Famílias não incluídas em programas assistenciais, **Famílias incluídas em programas assistenciais
Se analisarmos por Grupo entrevistado, constataremos que os índices
permanecem praticamente inalterados. Este dado pode demonstrar que a inclusão
dos usuários em programas sociais que têm como objetivo a garantia da
complementação de renda e, também, a possibilidade de alternativas e estratégias
para que as famílias garantam meios, capacidade produtiva e de gestão para
melhoria das condições gerais de subsistência e sua organização social, não vêm
proporcionando estes objetivos na prática pois, estas pessoas continuam, em
relação à renda, em condição idêntica às das famílias que nunca participaram destes
programas.
De acordo com a análise dos dados, percebemos que as famílias usuárias da
política de Assistência Social de Indaial se encontram numa situação de extrema
142
pobreza, nas quais não apresentam condições de atender as suas necessidades
básicas.
Este dado se agrava quando é associado à questão da escolaridade dos
chefes de família, que apresentam quase nenhuma instrução formal (Quadro 22).
Pelo quadro 22 notamos que 16,66% dos entrevistados nunca foram à escola
e metade deles freqüentaram até a 4ª série do Ensino Fundamental.
Neste sentido, a baixa escolaridade não dá aos chefes de família perspectivas
de melhorarem sua situação profissional, numa realidade em que as exigências do
mercado de trabalho impõem maiores níveis de escolaridade e de qualificação
profissional.
Quadro 22: Escolaridade dos usuários da Assistência Social pesquisados na cidade
de Indaial.
GRUPO 1* GRUPO 2**
ESCOLARIDADE TOTAL %
TOTAL % TOTAL %
Não alfabetizado
03 16,67 02 22,2 01 11,1
1ª série
02 11,11 00 0,0 02 22,2
2ª série
02 11,11 02 22,2 00 0,0
3ª série
01 5,56 00 0,0 01 11,1
4ª série
04 22,22 02 22,2 02 22,2
5ª série
04 22,22 01 11,1 03 33,3
6ª série
01 5,56 01 11,1 00 0,0
7ª série
01 5,56 01 11,1 00 0,0
8ª série
00 0,00 00 0,0 00 0,0
TOTAL
18
100,0
09 100,0 09 100,0
*Famílias não incluídas em programas assistenciais, **Famílias incluídas em programas assistenciais
Quanto à qualificação profissional, percebemos uma predominância de
trabalhadores manuais ou braçais, sem nenhuma qualificação profissional (Quadro
23).
143
Quadro 23: Qualificação profissional dos usuários pesquisados.
Qualificação Profissional Total %
Empregada doméstica 02 11,11
Diarista 06 33,32
Pedreiro 01 5,56
Costureira 02 11,11
Jateiro 01 5,56
Do lar 01 5,56
Aposentado 02 11,11
Auxiliar de produção (revisora) 01 5,56
Não tem profissão fixa 02 11,11
TOTAL
18
100,0
De acordo com os dados, percebemos que estes usuários se encontram em
condições de baixa escolaridade e com experiência profissional restrita aos
trabalhos rudimentares, se inserindo no mercado de trabalho em profissões não
qualificadas e conseqüentemente, de baixa remuneração.
Além disso, a maioria dos entrevistados não possui vínculo com a política de
Previdência Social, pois estão no mercado informal de trabalho.
Segundo Telles (2001), em uma sociedade em que os direitos de cidadão
somente são reconhecidos a partir da sua vinculação ao mercado formal de trabalho,
esta sociedade transforma em não-cidadãos os que escapam às regras do contrato.
Para autora, os não-cidadãos são os que estão descredenciados à existência
cívica, justamente porque estão privados de qualificação para o trabalho. São os
pobres, figura clássica da destituição (TELLES, 2001, p. 26).
Neste sentido, observamos que o perfil típico dos usuários da política de
Assistência Social de Indaial, que foram entrevistados, são famílias monoparentais
chefiadas por mulheres, com idade entre 34 a 40 anos de idade, que possuem de 2
a 3 filhos, com renda familiar até 2 salários mínimos, com escolaridade até a 4ª série
do Ensino Fundamental, sem nenhuma qualificação profissional.
A prevalência de mulheres, usuárias da política de Assistência Social e chefes
de família, confirma o que já vem sendo discutido por muitos autores: a feminização
da pobreza. Assim, é interessante notar que a pobreza, enquanto conseqüência e
condição determinante do regime de acumulação capitalista, toma nova dimensão
quando é perpassada pela desigualdade nas relações de gênero.
144
As condições de desfavorecimento que estas mulheres apresentam frente ao
competitivo e exigente mercado de trabalho, devido a sua baixa escolaridade e
qualificação profissional, levam-nas a aceitar condições de trabalho muito adversas.
Além de serem menos remuneradas em relação aos homens, as mulheres
ainda enfrentam ambientes e relações de trabalho perpassadas por discriminações
explícitas ou implícitas, no que se refere ao estado civil, à maternidade, ao assédio
sexual, a punições por faltas ou atrasos para assistirem os filhos (COELHO, 2002, p.
66).
Além dos fatores que envolvem sua qualificação profissional e a oferta de
trabalho, as mulheres também encontram dificuldade para conciliar o trabalho com a
vida doméstica, agravada pela falta de infra-estrutura pública (creche, por exemplo),
e a segregação ocupacional, que a fazem percorrer grandes distâncias até o local de
trabalho.
O depoimento da usuária Maria
49
mostra as condições adversas nas quais
tem que se submeter para garantir o sustento dos seis membros de sua família,
dentre eles, filhos e netos. Ela trabalhava como empregada doméstica e teve que
deixar o trabalho devido às dificuldades para se deslocar ao mesmo, conforme suas
palavras:
“Eu saía às 5:00 horas, ainda escuro, para pegar dois ônibus até
chegar na casa da patroa às 7:00 horas. Quando eu saía, as crianças
ainda estavam dormindo. Meu filho mais velho levava eles na creche e
na escola às 7:00 horas, quando também saía para trabalhar. Deixava
comida pronta para eles esquentarem ao meio-dia (...). Eu tinha que
ficar até acabar todo o serviço, por isso às vezes não conseguia pegar
o segundo ônibus, a tempo, e tinha ficar uma hora esperando o
próximo ônibus. Quando acontecia isso, eu chegava em casa e as
crianças já estavam dormindo. Não conseguia saber o que acontecia
com eles durante o dia. Por isso, larguei o trabalho de doméstica e fui
trabalhar como diarista, pois posso ficar dois dias em casa para
acompanhar as crianças e fazer o meu serviço. (...) recebo R$ 25,00
por dia, sem direito a passe de ônibus”.
Através deste depoimento, notamos que as famílias, em situação de pobreza
crescente, são submetidas à situações tão adversas que, longe de constituir-se em
um núcleo de satisfação das necessidades básicas do indivíduo, estas situações
adversas não permitem que a família atue como um fator de proteção contra a
indigência e a miséria.
49
Todos os nomes citados neste trabalho são fictícios.
145
Desta forma, a procura pela Assistência Social tem como motivo principal a
busca de atendimento de alguma necessidade básica desta família, algo que
seu/sua responsável/chefe não consegue atender devido às precárias condições de
vida imposta a ele(a), ao estado de pobreza e miséria no(a) qual se encontra.
Em Indaial, a “porta de entrada” da população pobre aos programas, projetos
e serviços de assistência social se dá através do Departamento de Desenvolvimento
Social, responsável pela gestão da política de assistência social do município e que
está vinculado, administrativamente, à Secretaria Municipal de Saúde e
Desenvolvimento Social.
Quando indagados sobre os motivos e as razões que os levaram a procurar a
assistência social, os usuários entrevistados responderam conforme se apresenta no
quadro 24.
Quadro 24 Motivo pela procura da Política da Assistência Social
Grupo 1 Grupo 2
Motivo da Procura Total %
Total % Total %
Desemprego 11 47,8 07 63,6 04 33,3
Problemas de saúde 06 26,0 03 27,3 03 25,0
Separação do cônjuge 03 13,0 00 00,0 03 25,0
Gravidez 02 8,8 00 00,0 02 16,7
Renda insuficiente 01 4,4 01 09,1 00 00,0
TOTAL 23 100,0 11 100,0 12 100,0
Conforme os dados acima, quase metade (47,8%) dos entrevistados
procuram a assistência social quando estão desempregados, motivo de maior
incidência no Grupo 1 (63,6%). Outros 26% alegam, como motivo, problemas
relacionados á saúde, que os impossibilitam para o trabalho.
Considerando que a maioria destes usuários estão no mercado informal de
trabalho, estes se encontram completamente desprotegidos diante dos riscos sociais
(desemprego, doença, etc), pois a política de Previdência Social brasileira não prevê
atendimento aos setores de trabalhadores que não contribuem para tal política.
Sobre a questão do desemprego, Telles (2001, p. 101) afirma que o
rompimento do vínculo do trabalho, sem direitos que garantam a identidade e o
estatuto de trabalhador
pode significar uma situação que joga o trabalhador na condição
genérica e indiferenciada do não-trabalho, na qual se confundem as
146
figuras do pobre, do desocupado, da delinqüência ou simplesmente da
ociosidade e vadiagem.
De acordo com Sposati (1988, p. 314), o vínculo trabalhista é que diferencia
os cidadãos brasileiros entre beneficiários e assistidos. Os primeiros são legalmente
reconhecidos como trabalhadores, tendo, desta forma, direitos previdenciários.
Porém, aos assistidos, considerados vadios ou desocupados, lhes é destinada à
assistência social como uma forma de ajuda as suas necessidades básicas.
O conceito de Previdência social, a partir da Constituição Federal de 1988,
passou a conferir uma abrangência maior em direção à Seguridade Social,
compreendida como um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes
Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos á saúde, à
previdência e à assistência social (CF 88, art. 194).
Porém, embora contenha em seu texto legal indicação, no sentido de sua
universalização (“universalidade da cobertura e do atendimento”), de forma
contraditória, continua nos planos da previdência social a contribuição como meio de
aquisição do direito (CARTAXO, 1995, p. 63).
Neste sentido, para os indivíduos que não tem sua certidão de nascimento
cívica (referindo-se à carteira de trabalho), foi lhes reservado o espaço da
assistência social, que traduz no registro da carência esse mundo sem sujeitos que
é o chamado mercado informal de trabalho no qual está submergida sua clientela
potencial (TELLES, 2001, p. 27).
Outra razão, que leva as famílias a procurarem a assistência social, está
relacionada à situação de rompimento conjugal ou separação (13%) com maior
incidência no Grupo 2 (25%), no qual o chefe de família até aquele momento era o
homem. Esta situação modifica toda a dinâmica familiar, pois a mulher é quem
passa a assumir a responsabilidade e o papel social que antes era de seu
cônjuge/companheiro, acumulando duas funções.
Além disso, há uma queda no poder aquisitivo desta família, considerando
que a remuneração feminina é inferior à remuneração masculina, fato que se agrava
se esta mulher nunca trabalhou fora e tem que encarar o exigente e seletivo
mercado de trabalho.
A gravidez também é outra situação que leva os usuários a buscarem a
assistência social em 8,8% dos casos, apresentando maior incidência no Grupo 2
147
(25%). Sem direito à proteção social por parte da previdência social, pelo fato de não
possuir vínculo empregatício formal para atender os critérios de inclusão desta
política, somada ao processo de discriminação sofrida junto ao mercado de trabalho
devido ao estado de gravidez, estas mulheres encontram-se totalmente
desprotegidas e vulneráveis socialmente.
Todas estas situações apresentadas se colocam como riscos sociais, e como
tal, devem ser assumidos pelo Estado.
No entanto, como já foi dito anteriormente, a noção de riscos sociais como
responsabilidade pública é perpassada pela lógica do primado liberal do trabalho,
que considera os riscos como condições naturais de existência de todos os
indivíduos, ricos ou pobres, e condena a garantia de renda mínima dissociada do
exercício do trabalho.
Esta lógica vem obstacularizar a noção de assistência social como direito do
cidadão, repercutindo na sua prática quando o indivíduo precisa provar que é pobre
e além disso, demonstrar esforço em querer sair desta condição, para não precisar
mais depender desta “ajuda”.
Estas famílias, em situação de risco social, buscam a assistência social do
município de Indaial a procura de atendimento de suas necessidades mais
elementares, conforme vemos no quadro 25.
Quadro 25: Necessidades básicas apresentadas pelos usuários do Departamento de
Desenvolvimento Social.
Necessidade Básica Total %
Cesta básica 16 55,3
Remédios 05 17,3
Orientação e encaminhamento para tratamento médico 03 10,3
Roupas 02 6,9
Tarifas públicas em atraso 01 3,4
Leite 01 3,4
Bolsa Escola 01 3,4
TOTAL 29 100
De acordo com os dados, mais da metade das famílias solicitaram cesta
básica (55,2%). Se somarmos as solicitações de cesta básica e a solicitação de leite,
teremos um percentual de 58,6%, referente a uma demanda ligada aos imperativos
da sobrevivência biológica, que é a alimentação.
148
A solicitação de remédios (17,2%) e a busca por orientações e
encaminhamentos para tratamento médico também são demandas destas famílias,
que se explicam na medida em que 26% delas apresentam problemas de saúde
(Vide quadro 24).
No entanto, estas demandas chamam-nos a atenção, na medida em que
fazem parte do âmbito de atendimento da política de Saúde e são trazidas ao âmbito
da política de assistência social que, por sua vez, responde por esta demanda.
Este dado demonstra o que Sposati (2004), discute sobre a inespecificidade
na concepção e conseqüentemente a prática da assistência social, quando
entendida como processante de outras políticas sociais, onde a assistência social
visaria o atendimento do expurgo de cada política social, de suas demandas tidas
como assistenciais.
A constituição da própria estrutura de serviços dispostos leva os usuários a
confundirem a competência destas políticas, tornando a assistência social marginal e
complementar às demais políticas, não se direcionando desta forma, aos seus
pressupostos legais e conceituais.
Quando indagamos os usuários entrevistados sobre o atendimento de suas
necessidades básicas, 83% responderam que foram atendidos quanto às suas
necessidades e 17% responderam que nem sempre tem suas necessidades
atendidas e, ainda, apresentaram algumas dificuldades quanto à sua provisão:
exigência de documentação dos quais não possuem; negação de inclusão nos
programas do Departamento de Desenvolvimento Social, por exemplo, o PGRFM;
recebimento de cesta básica com produtos com prazo de validade vencido
50
.
No quadro 26, apresentamos o que a provisão de suas necessidades
proporcionou para os usuários da assistência social.
Quadro 26: Impacto social da provisão das necessidades básicas dos usuários
Impacto Social Total %
50
A usuária que apresentou tal queixa sugeriu que as cestas básicas devessem ser substituídas por
ticket ou vale-alimentação pois, assim, as pessoas poderiam comprar o que realmente precisam e
consomem, conforme o hábito alimentar de cada família e na quantidade necessária.
149
Garantir a alimentação 08 44,5
Complementa as despesas com alimentação 04 22,3
Ajuda em situação de extrema necessidade 03 16,7
Aprendizado sobre educação de filhos 01 5,5
Não faz diferença 01 5,5
Não respondeu 01 5,5
TOTAL 18 100
Pelo quadro 26, percebemos que 44,5% dos entrevistados responderam que
o atendimento recebido da assistência social garantiu a alimentação da família; já
para cerca de 22,3% deles, apenas auxiliou na sua complementação pois, segundo
os entrevistados, a cesta básica não atende todas as necessidades alimentares, já
que não oferece alimentos necessários em qualidade e quantidade para a
manutenção alimentar da família.
Outros 16,7% afirmam que a “ajuda” recebida auxiliou na situação de
“emergência”, ou seja, de muita necessidade pelas quais a família estava passando,
e apenas 5,5% afirmaram que o auxílio recebido não fez nenhuma diferença quanto
à provisão de sua necessidade social.
Neste sentido, percebemos que não houve nenhum impacto social que
proporcionasse uma melhora nas condições de vida desta população, mas somente
a amenização uma situação emergencial. Os auxílios prestados aos usuários
funcionam, neste caso, como um serviço de “Pronto-Socorro” social.
Longe de se caracterizar como garantia de saúde física e autonomia,
conforme qualifica Pereira (2000), as respostas às necessidades sociais destes
usuários estão aquém de um padrão básico de atendimento.
De acordo com Pereira (2000, p. 76), com base nos estudos de Doyal e
Gough, a garantia de saúde física como uma das necessidades básicas do
indivíduo, prevê o atendimento das seguintes condições:
Alimentação nutritiva e água potável;
Habitação adequada;
Ambiente de trabalho desprovido de riscos;
Cuidados de saúde apropriados;
Proteção à infância;
Relações primárias significativas;
Segurança física;
Segurança econômica;
150
Segurança no planejamento familiar, na gestação e no parto.
Então, com base na noção de Pereira (2000), sobre necessidades humanas,
podemos dizer que a ampla maioria dos usuários encontram-se desprovidos destas
condições essenciais que garantem suas necessidades básicas.
Dos entrevistados que estão ou foram vinculados a algum programa
assistencial, neste caso, o PGRFM e o Programa de Subsídio Habitacional de
Interesse Social, quando questionados sobre o que estes referidos programas lhes
proporcionaram, responderam conforme o que se apresenta no quadro 27.
Quadro 27: Impacto social quanto à inclusão do usuário em Programa Assistencial.
Programa GRFM Programa Habitação
Impacto Social Total %
Total % Total %
Acesso à moradia própria 03 33,3 0 0,0 3 100,0
Manutenção material da
família
04 44,5 4 66,6 0 0,0
Acesso à alimentação 01 11,1 01 16,7 0 0,0
Acesso a alternativas de
trabalho
01 11,1 01 16,7 0 0,0
TOTAL 09 100,0 06 100,0 03 100,0
Pelos dados que se apresentam, a inclusão dos usuários no Programa de
Subsídio Habitacional de Interesse Social proporcionará
51
, aos seus usuários, o
acesso à casa própria, o fim do fantasma do aluguel que atormenta todo mês o
usuário locador, que diante de sua instabilidade financeira, não sabe se conseguirá
garantir moradia adequada à sua família.
Para os usuários do PGRFM, por sua vez, o programa possibilitou para 66,6%
dos entrevistados, a manutenção de suas necessidades básicas como: alimentação,
remédios, aluguel, roupas, gás, material escolar, pagamento de tarifas públicas
(água e luz).
Para 16,6% dos entrevistados, o Programa possibilitou a alimentação da
família e, em igual proporção, o programa permitiu uma “renda extra” pois a usuária
utilizava o recurso para fazer produtos caseiros e vender. Com o “lucro” das vendas
poderia participar das reuniões do Orçamento Participativo.
51
As moradias populares ainda estão em construção com prazo previsto para entrega ainda neste
ano.
151
Em uma análise mais geral sobre os resultados apresentados, percebemos
que os usuários da política de assistência social encontram-se numa situação de
pobreza extrema, do ponto de vista da destituição material.
No entanto, a situação de pobreza destes usuários não se dá somente em
nível material, mas também em nível político, conforme Demo (1990) já apontava em
seu estudo sobre pobreza política.
Analisando a participação dos usuários entrevistados nos espaços
comunitários, sindicais, religiosos e nos espaços institucionalizados de participação,
percebemos que estes espaços estão ausentes de sua representação e
participação.
Se em relação às necessidades básicas de saúde física dos usuários da
política de assistência social há uma satisfação muito precária, em relação à
necessidade de autonomia, esta satisfação não existe, talvez pelo fato de a
condição de autonomia não ser considerada uma necessidade básica de todo
cidadão.
Este dado se justifica na medida em que, historicamente, os critérios
adotados para a definição de necessidade se reduziram ao mínimo indispensável
para a sobrevivência do indivíduo, ou seja, à padrões de indigência humana.
No entanto, a necessidade de autonomia, além da saúde física, é precondição
para se alcançar objetivos universais de participação.
Doyal e Gough (apud Pereira, 2001, p. 70) afirmam que ser autônomo
consiste em possuir capacidade de eleger opções informadas sobre o que se tem
que fazer e de como levá-lo a cabo. Não é apenas ser livre a agir como bem
entender, mas ser capaz de definir objetivos e crenças e sentir-se responsável por
suas decisões.
Desta forma, quando analisamos a inserção dos usuários da política de
assistência social em espaços institucionalizados ou não de participação,
percebemos o quanto a falta de autonomia incide negativamente sobre sua vida
política.
Neste sentido, queremos observar a participação dos usuários entrevistados
nas atividades comunitárias, sindicais, religiosas e voluntárias.
Quadro 28: Participação dos entrevistados em atividades comunitárias, sindicais,
religiosas e voluntárias.
152
Muito
frequentemente
Frequentemente Raramente Nunca Atividade
Total
%
Total
%
Total
%
Total
%
Atividades
comunitárias ou de
bairro
0
0,0
0
0,0
01
5,6
17
94,4
Atividades gremiais
ou sindicais
0
0,0
0
0,0
0
0,0
18
100,
0
Atividades religiosas 07
39,0
04
22,2
04
22,2
03
16,6
Atividades
voluntárias
0
0,0
01
5,6
01
5,6
16
88,8
Pelos dados que se apresentam, podemos perceber que a participação nas
atividades citadas é praticamente inexistente, com exceção das atividades religiosas,
as quais se restringem à participação nos cultos. Cerca de 39% dos entrevistados
responderam que participam muito freqüentemente das atividades religiosas, e
22,2% participam freqüentemente
52
.
Parece que o único espaço de participação é o espaço da divindade, da
crença, do sobrenatural que ultrapassa e transcende o mundo real, social, e no qual
se espera por um milagre que alimenta a esperança através da fé. É a busca pelo
impossível, pelo que está fora do alcance. É neste espaço os indivíduos se
identificam na mesma fé, que os une e os torna “irmãos”, “iguais” perante Deus.
O mesmo não ocorre nos demais espaços de participação, conforme mostra o
quadro acima.
Em relação às atividades voluntárias, quase todos os usuários entrevistados
não realizam este tipo de atividade.
Quanto à participação no âmbito da comunidade ou do bairro esta se mostra
praticamente nula. Alguns dos entrevistados afirmaram que não sabiam da
existência de associação em seu bairro e outros ainda responderam que na sua
comunidade não há associação comunitária.
Levando em consideração que todos os bairros de Indaial possuem
associação de moradores, estes dados demonstram um desconhecimento e um
distanciamento expressivo em relação à população pobre e às associações de
moradores como mecanismo de representação da população. Por quê?
52
O índice de entrevistados que participam muito freqüentemente de atividades religiosas coincide
com o índice de entrevistados que se consideram muito religiosos (39%). Outros 44% se consideram
pouco e 17% nada religiosos. Neste sentido, parece que para os entrevistados ser religioso é
participar das atividades religiosas, na qual sua religiosidade aumenta na mesma proporção de sua
participação nos cultos.
153
Por que as associações de moradores não chegam/incluem a todos os seus
moradores? A que interesses atende e a quem? Por que os usuários não procuram
a sua associação?
Talvez, porque não há uma identidade, um espaço que possibilite um
sentimento de pertencimento desta população neste local.
Outra explicação pode estar relacionada aos limites de atuação das
Associações de Moradores, enquanto ação coletiva desenvolvida por organizações
populares localizadas e específicas, devido ao alcance limitado de sua ação
política
53
.
No entanto, devido ao limite de tempo e a preocupação em responder a
questão central do trabalho, estes questionamentos, neste momento, não podem ser
aprofundados, nem respondidos, mas podem vir a se constituir em nova questão de
pesquisa.
Quanto à não participação dos usuários da Assistência Social em atividades
sindicais, este dado se justifica no momento em que estes usuários não fazem parte
do mundo formal do trabalho e, por conseguinte, dos espaços de defesa dos direitos
dos trabalhadores.
Conforme Sposati (1989, p. 20), o trabalhador com vínculo formal recorre aos
serviços do sindicato, da empresa, previdenciários (...). O trabalhador sem vínculo
formal recorre aos serviços sociais públicos, à filantropia das entidades assistenciais,
a outras estratégias.
Quanto à preferência político-partidária, podemos observar no quadro abaixo
que a maioria dos entrevistados afirmaram não ter preferências nesta área.
Quadro 29 Preferência político-partidária dos usuários entrevistados
Preferência político-partidária Total %
53
Scherer Warren (apud ANDRADE e MOURA, 1999, p. 12), ao analisar estas organizações, afirma
que sua proliferação ocorreu entre a década de 70 e os meados dos anos 80, onde tiveram
relevância política durante o regime militar, pois se constituía num espaço de expressão política
possível para novos atores sociais. Segundo a autora, nestes espaços as questões do cotidiano
transformaram-se em demandas políticas e em instrumentos de defesa dos direitos de cidadania ou
de contestação do autoritarismo.
Entretanto, com o processo de abertura política, estas organizações passaram a mostrar um alcance
político muito limitado, seja devido à fragmentação destes grupos de pressão específica, seja devido
à crise dos grupos de reivindicações específicas frente aos aparelhos tradicionalmente instituídos,
como os sindicatos, os partidos e o próprio governo, num cenário onde a ordem institucional passa a
ter maior legitimidade.
154
Esquerda 01 05,6
Direita 00 00,0
Centro 00 00,0
Não tem preferência 12 66,6
PT 03 16,6
PSDB 01 05,6
Não respondeu 01 05,6
TOTAL 18 100,0
Dos que demonstraram não ter preferências partidárias, alguns deles
afirmaram: “Não tenho preferência, pois olho o partido que cumpre as promessas e
tem mais projetos”; “Eu voto na pessoa e não no partido”.
Pelo quadro acima, percebemos que 16,6% dos entrevistados se identificam,
partidariamente, com o partido político que está no governo da cidade de Indaial
(PT), onde podemos inferir que os resultados do desempenho governamental podem
estar incidindo positivamente na preferência partidária dos entrevistados.
No entanto, os entrevistados que citaram a sigla partidária não a relacionaram
com a ideologia de esquerda ou direita destes partidos. Quando indagamos sobre a
filiação a algum partido político, a maioria respondeu que não pertence a nenhum
partido (94,4%).
Em relação à participação dos entrevistados em Conselhos Gestores do
município, estes responderam à pergunta a partir de outra pergunta: o que são os
Conselhos? Com exceção de um usuário entrevistado, o qual foi conselheiro do
CMOP, os demais nunca ouviram falar sobre conselhos.
Diante disso, constatamos que os conselhos, como espaços
institucionalizados de participação, criados para dar possibilidade de participação da
população através de suas entidades representativas na definição e deliberação
sobre as políticas públicas, não publicizam as informações de modo a alcançar seus
usuários, nem possibilitam a participação direta dos seus principais destinatários.
Em relação aos conselhos de assistência social, a situação não é diferente.
De acordo com as diretrizes da Política Nacional de Assistência Social, um dos
desafios, em relação a pouca ou nenhuma participação de seus usuários, está em
criar mecanismos que venham garantir a participação dos seus usuários nos
conselhos e fóruns, enquanto sujeitos não mais sub-representados, por meio de um
processo de formação, capacitação, investimentos físicos, financeiros, operacionais
e políticos que os envolva diretamente (BRASIL, p. 46).
155
Esta é a realidade que se apresenta a respeito dos usuários da política de
Assistência Social. Além da destituição material, sua situação de pobreza também é
caracterizada pela ausência de participação e de representação nos espaços
públicos ou comunitários, pela incapacidade de desempenhar uma ação política
efetiva.
Em seguida, considerando todos estes aspectos sobre a condição de pobreza
dos usuários da política de Assistência Social, queremos analisar a sua participação
nas assembléias do OP.
3.5 A participação dos usuários da política de assistência social nas
assembléias do Orçamento Participativo
Na pesquisa realizada com usuários da política de assistência social, tivemos
como objetivo principal analisar a participação destes usuários nas assembléias do
OP de Indaial. Neste sentido, num primeiro momento, procuramos entender se a
proposta do OP alcançou os usuários da política de assistência social e como as
informações chegaram até os mesmos.
Em seguida, pretendemos analisar se houve a participação dos usuários nas
assembléias, como esta se processou e quais os fatores determinantes que
incidiram nesta participação.
Quanto ao alcance da proposta do OP aos usuários, podemos perceber,
através do quadro 30, que 77,8% dos usuários entrevistados receberam alguma
informação sobre o OP e 22,2% nunca ouviram falar sobre esta experiência.
Quadro 30 Número de usuários da política de assistência social de Indaial que
receberam informação sobre as assembléias do Orçamento Participativo.
Grupo 1* Grupo 2**
Informação sobre o OP Total %
Total % Total %
Receberam informação 14 77,8 06 66,7 08 88,9
Não receberam informação 04 22,2 03 33,3 01 11,1
TOTAL 18 100,0 09 100,0 09 100,0
*Famílias não incluídas em programas assistenciais, **Famílias incluídas em programas assistenciais.
Pelos dados expostos anteriormente, a incidência de usuários que receberam
mais informações sobre o OP concentra-se no Grupo 2 (cerca de 88,9%), o que
156
pode nos levar a deduzir que o fato de estarem incluídos em programas
assistenciais os possibilitou maior acesso às informações, porém, tal dedução
poderá ser melhor esclarecida na análise dos quadros que seguem.
De maneira geral, notamos que a divulgação da experiência do OP no
município de Indaial alcançou praticamente 2/3 dos usuários entrevistados, a partir
de algum meio de comunicação.
O quadro abaixo, apresenta os meios de comunicação pelos quais os
usuários entrevistados foram informados sobre do OP:
Quadro 31 Meios de comunicação pelos quais os usuários da política de assistência
social de Indaial foram informados sobre o OP.
Meios de comunicação* Total %
Departamento de Desenvolvimento Social – DDS 06 30
Carro de som 03 15
Rádio 03 15
Vizinhos 02 10
Material informativo 02 10
Escola 01 05
Agente Comunitário de Saúde 01 05
Correio 01 05
Cartaz 01 05
TOTAL 20* 100,0
OBS.: Os usuários foram informados por mais de um meio de comunicação.
Pelos dados acima, 30% dos usuários entrevistados ficaram sabendo sobre
as assembléias do OP pelo Departamento de Desenvolvimento Social,
principalmente através das reuniões sócio-educativas realizadas pelo PGRFM.
Em seguida, aparecem o rádio e o carro de som como o segundo meio mais
citado de divulgação do OP, com 15% respectivamente.
As informações recebidas através de vizinhos e por material informativo
correspondem a 10% dos meios pelos quais receberam informações.
Assim, percebemos que o acesso à política de assistência social teve maior
influência junto aos usuários entrevistados quanto à divulgação da experiência do
OP.
Este dado demonstra que a assistência social, além de prover o atendimento
às necessidades materiais de seus usuários, também tem uma atribuição
157
considerada primordial para o acesso aos direitos sociais, que é a garantia de
acesso às informações.
A ampla socialização das informações é de extrema importância para a
população usuária da assistência social, pois permite o alargamento da participação
desta população nas decisões institucionais (PAIVA e SALES, 1996).
Dos meios de comunicação citados pelos entrevistados, a maioria deles foram
utilizados pelo Departamento do Orçamento Participativo para que a sua proposta
alcançasse toda a população de Indaial, tais como: carro de som, rádio, material
informativo, cartaz e através da divulgação nas escolas.
No entanto, apesar de a ampla maioria dos usuários entrevistados terem sido
informados sobre o OP, a incidência de sua participação nas assembléias não
ultrapassa de 44,5% no total geral, conforme podemos observar no quadro 32.
Quadro 32 Participação dos usuários da política de assistência social nas
Assembléias do OP
Grupo 1* Grupo 2**
Participação nas
Assembléias do OP
Total %
Total % Total %
Participou 08 44,4 02 22,2 06 66,7
Não participou 10 55,6 07 77,8 03 33,3
TOTAL 18 110,0 09 100,0 09 100,0
*Famílias não incluídas em programas assistenciais, **Famílias incluídas em programas assistenciais
Se analisarmos por Grupo pesquisado, perceberemos que a participação foi
maior no Grupo 2 (66,7%), enquanto que no Grupo 1 cerca de 77,8% não
participaram, demonstrando uma proporção quase que inversamente proporcional
entre os Grupos.
Além disso, no Grupo 2, a participação de 66,7% corresponde à amostra do
PGRFM, indicando desta forma que a participação dos usuários entrevistados se
restringiu quase que exclusivamente a um programa específico.
Este dado pode ser justificado na medida em que o PGRFM prevê a
participação de seus usuários em reuniões sócio-educativas e em atividades
indicadas pela equipe técnica, como compromisso que o usuário assume quando de
sua inclusão no referido programa, ou seja, como exigência de contrapartida.
Além disso, outro fator que pode ter influenciado esta participação diz respeito
à garantia de recursos para o programa, na medida em que uma das demandas,
158
priorizadas pelos usuários na assembléia temática Assistência Social, Renda Mínima
e Habitação, foi a destinação de recursos do OP para o PGRFM, como poderemos
verificar mais adiante.
Quando indagamos sobre os fatores que dificultaram sua participação no OP,
os usuários responderam conforme segue no quadro 33.
Quadro 33 Fatores que dificultaram a participação dos usuários da política de
assistência social nas Assembléias do OP.
Fatores dificultadores para a participação Total %
Não considerou importante 04 36,4
Falta de tempo 03 27,3
Não tinham onde deixar os filhos 02 18,1
Não sabia do que se tratava 01 09,1
Falta de condições financeiras 01 09,1
TOTAL 11 100,0
OBS.: Houve mais de um dificultador.
De acordo com o quadro acima, percebemos que 36,4% dos entrevistados
não consideraram importante participar nas assembléias do OP e 9,1% não sabiam
do que se tratava, demonstrando neste conjunto de respostas, o desconhecimento e
o desinteresse quanto à participação no OP e da sua importância na distribuição de
bens e serviços públicos e na democratização das relações entre Estado e
sociedade civil.
Neste sentido, podemos inferir duas razões que podem justificar este
desconhecimento e desinteresse: a falta de maiores esclarecimentos sobre a
proposta do OP quanto à relevância política e social; ou a falta de identificação dos
usuários com esta proposta pelo fato de não responder às suas necessidades mais
imediatas e individuais.
Quanto à primeira razão, esta está ligada à questão da desigualdade de
oportunidades de participação existente entre os envolvidos, à condição de pobreza
que grande parcela destes participantes são submetidos.
De acordo com Abers (apud LÜCHMANN, 2002), há uma menor participação
“dos mais pobres dentre os pobres” no OP devido ao seu quadro de extrema
carência e dificuldade de se mobilizarem.
Neste sentido, ao invés de ser fruto de uma passividade natural dos
indivíduos, conforme defendia Weber e Schumpeter, as causas da participação
159
limitada das pessoas na vida política pode ser resultado da falta de oportunidades
de participação, pelo sentimento de impotência para alterar o seu curso ou por
experimentá-la como algo remoto, além da falta de um complexo de recursos e
oportunidades em que as desigualdades de classe, sexo e de raça reduzem a
extensão da liberdade e da igualdade dos indivíduos (HELD, 1987).
Nesse caso, Santos (2002) defende a necessidade de formas de ação
afirmativas que facilitem a participação dos que mais precisam dela.
Então, devido à situação de pobreza, e por conseguinte, à falta de
organização das camadas mais pobres da cidade, é preciso apoio externo que os
oriente e os mobilize à sua inserção no OP, pois apenas o desenho institucional e os
meios de divulgação usuais, empregados nesta experiência, não têm se mostrado
suficientes para trazer estas camadas da população para este espaço público de
discussão.
Para o acesso a iguais condições de manifestação juntamente com os demais
públicos do OP, é necessário que os usuários tenham acesso à ampla informação
sobre sua proposta, e para que isso ocorra, é preciso utilizar instrumentos e práticas
educativas para envolvê-los no processo de reflexão e identificação de
necessidades e formulação de demandas (MARCO, 2000).
Segundo Marco (2000), cabe aos coordenadores regionais ou à incorporação
de profissionais técnicos no OP uma atuação numa dimensão político-pedagógica,
no sentido de proporcionar condições para que esta população possa participar no
OP de forma mais qualificada e organizada.
A nosso ver, caberia uma ação conjunta entre os técnicos e coordenadores
do OP e de profissionais atuantes na política de assistência social para realizar este
trabalho de caráter político-pedagógico com os usuários da política de assistência
social, para promover o protagonismo deste segmento no âmbito do OP.
Além disso, há uma outra razão pela qual podemos justificar o desinteresse e
desconhecimento dos usuários pelo OP, que está ligada ao caráter de suas
demandas imediatas e pouco formatáveis pelas instituições desta experiência.
Se analisarmos as necessidades apresentadas pelos usuários entrevistados
quando da busca por atendimento no DDS, perceberemos que estas são
necessidades imediatas e emergenciais, e que a sua não provisão implica em
prejuízos sérios à sua saúde física e à manutenção da estrutura familiar, ou seja,
160
são famílias que se encontram na chamada linha de indigência, na medida em que
sua renda não é suficiente nem para atender às necessidades básicas alimentares.
Neste sentido, estas necessidades não podem aguardar sua discussão,
deliberação e inclusão em forma de prioridades para o Plano de Investimentos do
OP, realizável em prazo anual, pois precisam ser providas imediatamente.
Além disso, Navarro (2003), em sua análise sobre o OP de Porto Alegre,
afirma que esta experiência apresenta regras de participação que às vezes não
permite uma flexibilidade que atenda à necessidade transitória e emergencial por
parte daqueles que estão ausentes do processo.
O autor cita como exemplo o caso da Vila dos Papeleiros (Porto Alegre), uma
área irregularmente ocupada por famílias extremamente pobres que sobrevivem da
coleta do lixo. Apoiados por religiosos, conseguiram organizar-se para participar do
OP onde reivindicaram uma unidade de triagem na região onde atuam. Porém,
devido ao peso numérico maior de outras sub-regiões participantes, não tiveram sua
reivindicação atendida, confirmando a situação de um mecanismo que não abriga
soluções para o transitório ou o emergencial (NAVARRO, 2003, p. 116).
A segunda dificuldade apontada pelos entrevistados foi a sua falta de
disponibilidade de tempo para participar, o que se justifica na medida em que os
usuários precisam aumentar seu tempo de trabalho para compensar a má
remuneração.
Por não terem vínculo formal de trabalho e, por conseguinte, não tendo renda
fixa, a remuneração dos usuários entrevistados está vinculada diretamente ao tempo
de trabalho realizado, obrigando-o a trabalhar mais horas durante o dia para
compensar os dias que fica sem trabalho.
Este dado desmistifica o preconceito de que todo brasileiro é um pretenso
vadio, de que todo pobre é “vagabundo”, “é pobre porque não trabalha”.
Outro fator impeditivo da participação diz respeito ao fato de não ter onde
deixar os filhos, já que as assembléias acontecem no período noturno, período em
que não há serviço de creche e também pelo fato de não ter com quem dividir a
responsabilidade de cuidado com os filhos (companheiro, parente ou alguém
próximo), já que a maioria das famílias são monoparentais.
Os usuários ainda identificaram outro fator como a falta de condições
financeiras (9,1%) para participar do OP. Trata-se, neste caso, dos “custos da
participação” que dificultam o deslocamento do usuário até o local das assembléias,
161
principalmente as assembléias temáticas que foram centralizadas no centro da
cidade em Indaial.
Dos usuários que participaram, 87,5% lembram dos assuntos que foram
discutidos nas assembléias e 12,5% não recordam o que foi discutido neste espaço.
Quando perguntamos sobre a sua manifestação em público para reivindicar
ou defender alguma prioridade que considerada importante, constatamos 62,5% dos
usuários não se pronunciaram e apenas 25% deles se pronunciaram para reivindicar
alguma prioridade, conforme podemos observar no quadro 34.
Quadro 34 Manifestação dos usuários da política de assistência social nas
Assembléias do OP.
Manifestação dos usuários nas assembléias do OP Total %
Houve manifestação 02 25,0
Não houve manifestação 05 62,5
Não houve discussão de prioridade 01 12,5
TOTAL 08 100,0
Neste sentido, com base nestes dados, percebemos que a participação dos
usuários ficou mais restrita à observação, ao escutar, características de uma
participação mais presencial, mais passiva do que propriamente deliberativa.
Aqui se evidencia mais uma vez a desigualdade de oportunidades de
participação, já que a situação de pobreza também está direcionada à impotência
política e comunicativa.
Bohman (apud VITULLO, 1999, p. 16) destaca que a habilidade de responder
em um debate exige recursos e capacidades que os cidadãos empobrecidos não
têm.
Segundo o autor,
aqueles que não alcançam eficácia no debate ou aqueles que sequer
conseguem se fazer presentes – carecem de voz pública mais do que
de oportunidades procedimentais, carecem do vocabulário para
expressar suas necessidades e perspectivas publicamente, onde seu
silêncio torna-se consentimento para os deliberante mais poderosos, os
quais são capazes de ignorá-los e de produzir, assim, uma inclusão
decididamente assimétrica (BOHMAN apud VITULLO, 1999, p. 16).
162
Este dado se evidencia quando obtivemos o seguinte depoimento de Joana
54
,
eleita delegada do OP, sobre a importância de participar neste espaço:
Acho que é importante para a gente ficar sabendo do que acontece, e
para quem sabe falar, decidir as coisas. Nóis pobres, concordando ou
não, aceitamos o que foi decidido. (...) A vergonha não deixa a gente
falar, porque não temos estudo”.
Notamos neste depoimento um sentimento de inferioridade devido ao fato de
se considerar pobre e sem escolaridade, o que impossibilita a participação efetiva do
usuário.
De acordo com Chauí (1996, p. 169), a cultura dominante do “ter estudo” e
“ter instrução” é, ao mesmo tempo e na mesma relação, percebida como valor
positivo, desejável, um direito, e como negativo porque, impossível de ser
conseguida, opera como fonte de discriminação, exclusão e dominação.
Além disso, a situação material que aprisiona os usuários da política de
assistência social na luta cotidiana e mediata pela vida, levou-os historicamente a
adotar estratégias de sobrevivência, dentre as quais, a de submeter-se a ações de
ajuda e tutela, reprodutoras da subalternidade (RAICHELIS, 1998, p. 281).
Segundo Raichelis (1998, p. 281), as conexões deste processo devem ser
buscadas nas formas como as relações sociais escravistas e patrimonialistas
cunharam a face de um capitalismo perverso no país – instituindo a política do favor
na trama do tecido social.
Neste sentido, percebemos que a cultura política brasileira também se
constitui num fator condicionante da participação dos usuários da política de
assistência social, na medida em que seus direitos sociais foram apresentados
historicamente como “benesse”, “ajuda” e, como tais, não podem ser reivindicados,
apenas concedidos.
Além disso, Avritzer (2002) afirma que a construção da democracia no Brasil
foi caracterizada, dentre outros fatores, pela falta de politização e de capacidade de
pressão da população, decorrente da cultura autoritária e conservadora, o que
justifica a baixa participação e organização da sociedade civil.
54
Este nome é fictício.
163
Desta forma, todos estes fatores históricos, culturais e políticos de entrave à
participação também incidiram sobre os usuários da política de assistência social,
agravando a sua situação de subalternidade política.
Quanto à participação dos usuários na votação para escolha das prioridades
do OP, podemos perceber que apenas 37,5% dos entrevistados participaram deste
processo, conforme podemos verificar no quadro 35.
Quadro 35 Participação dos usuários da política de assistência social na votação
das prioridades para investimentos
Participação na votação das prioridades Total %
Não votou 02 25,0
Não houve processo de votação 03 37,5
Votou 03 37,5
TOTAL 08* 100,0
* Usuários que participaram do OP.
Percebemos que a participação dos usuários entrevistados através da
votação de prioridades foi baixa. Um dos motivos diz respeito ao fato de não ter
havido processo de votação para escolha de prioridades nas assembléias das quais
participaram, mas apenas a discussão das prioridades temáticas ou da
implementação das prioridades já definidas.
Cerca de 25% dos entrevistados disseram que não votaram na escolha de
prioridades de investimento durante as assembléias do OP das quais estiveram
presentes.
Entretanto, não sabemos os motivos pelos quais os usuários não votaram;
talvez seja devido à deficiências no instrumental de pesquisa quanto à apreensão
desta questão.
Dos entrevistados que votaram na definição de prioridades (cerca de 37,5%),
estas se constituíram em demandas relacionadas às mais diversas áreas de
investimento, como podemos verificar no quadro 36.
De acordo com os dados desse quadro, percebemos que houve uma
diversidade de prioridades relacionadas às diferentes áreas temáticas.
As quatro primeiras prioridades identificadas no quadro 36, que somam 41,5%
das prioridades eleitas pelos usuários, se referem às demandas definidas na
assembléia temática sobre Assistência Social, Renda Mínima e Habitação, a qual
contou com a participação das famílias incluídas do PGRFM.
164
Quadro 36 Prioridades eleitas pelos usuários da política de assistência social nas
assembléias do OP.
Prioridades eleitas pelos usuários nas assembléias do OP Total %
Habitação* 02 16.6
Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima* 01 8,3
Associação Participativa Recicla Indaial* 01 8,3
Emprego* 01 8,3
Pavimentação 02 16.6
Ponte 01 8,3
Turismo 01 8,3
Iluminação pública 01 8,3
Remédios 01 8,3
Ampliação do posto de saúde 01 8,3
TOTAL 12 100,0
Estas quatro prioridades foram incluídas no Plano de Investimentos para o
ano de 2003 (Indaial, 2003a), mostrando que a participação dos usuários foi
importante para a priorização de suas demandas no referido Plano.
Apesar de ter se caracterizado numa participação mais presencial, alguns
dentre os usuários entrevistados foram eleitos delegados e conselheiros do
Conselho Municipal do Orçamento Participativo – CMOP, como podemos ver no
quadro 37
Quadro 37 Escolha de usuários da política de assistência social para delegados e
conselheiros do OP.
Usuários participantes Delegados Conselheiros
Total % Total % Total %
08 100,0 03 37,5 01 12,5
Os dados acima demonstram que, além das assembléias regionais e
temáticas, usuários da política de assistência social participaram também das
demais instâncias de participação do OP, como a Coordenadoria Regional de
Delegados e o Conselho Municipal do Orçamento Participativo.
Isto demonstra que, apesar da participação dos usuários da política de
assistência social ter se restringido aos usuários de um programa específico
(PGRFM), esta participação possibilitou a inclusão destes usuários em diferentes
instâncias de discussão sobre o orçamento público e permitiu o exercício da tomada
de decisão sobre os recursos públicos municipais.
165
A limitação da participação no OP aos usuários do PGRFM, pode ser
explicada na medida em que analisamos a influência dos profissionais do
Departamento de Desenvolvimento Social na mobilização dos usuários, conforme
mostra o quadro 38.
Quadro 38 Mobilização dos profissionais do DDS à participação dos usuários da
política de assistência social nas assembléias do OP.
Grupo 1* Grupo 2**
Mobilização dos usuários Total %
Total % Total %
Houve mobilização 07 50,0 02 33,3 05 62,5
Não houve mobilização 07 50,0 04 66,7 03 37,5
TOTAL 14 100,0 06 100,0 08 100,0
*Famílias não incluídas em programas assistenciais, **Famílias incluídas em programas assistenciais
De acordo com os dados acima, metade dos usuários foram mobilizados ou
informados sobre o OP através dos profissionais do DDS, apresentando uma
incidência maior no Grupo 2 (62,5%), ou seja, no grupo de usuários incluídos em
programas assistenciais, mais especificamente no PGRFM.
Neste sentido, percebemos a importância da necessidade de um trabalho
político-pedagógico prévio com os setores pobres no sentido de oportunizar maior
igualdade de participação entre os participantes do OP, nesse caso em específico,
os profissionais ligados ao PGRFM realizaram tal trabalho, embora de forma às
vezes persuasiva, a partir de uma exigência de contrapartida.
No quadro 39, vamos observar se a influência dos programas favoreceu a
participação de seus usuários.
Quadro 39 Influência da inclusão dos usuários nos Programas de Habitação e
Garantia de Renda Familiar Mínima (PGRFM) na participação no OP.
Prog. Habitação PGRFM Influência dos Programas na
participação dos usuários
Total %
Total % Total %
Favoreceu 05 55,6 00 0,0 05 83,3
Não favoreceu 04 44,4 03 100,0 01 16,7
TOTAL 09 100,0 03 100,0 06 100,0
Os dados acima confirmam que a mobilização dos profissionais do DDS
incidiu mais especificamente sobre os usuários do PGRFM, pois dentre os dois
166
programas pesquisados, os usuários do PGRFM foram os únicos que responderam
positivamente quanto à influência do referido Programa na sua participação no OP.
De acordo com o quadro 36, podemos perceber que um dos objetivos da
participação dos usuários do PGRFM nas assembléias do OP foi garantir recursos
para o programa, demonstrando que a motivação para a participação no OP foi a
busca da garantia de suas necessidades básicas.
Neste sentido, no quadro 40 podemos visualizar as motivações que levaram
os usuários do PGRFM a participarem do OP.
Quadro 40 Motivação dos usuários da política de assistência social para
participarem do OP.
A motivação para participar do OP Total %
Conhecer as propostas da Prefeitura 01 12,5
A obrigatoriedade de participação nas reuniões do PGRFM 02 25,0
Buscar atender suas necessidades básicas 02 25,0
Sair da depressão 01 12,5
Aprender 01 12,5
Não respondeu 01 12,5
TOTAL 08 100,0
De acordo com os dados acima, percebemos que 25 % dos entrevistados
foram motivados pela busca de suas necessidades básicas e, em igual proporção, a
obrigatoriedade de participação nas reuniões do PGRFM ou em atividades
recomendadas pela equipe técnica do PGRFM. Se somarmos estas duas
motivações (50%), iremos perceber que o que mais motivou a participação dos
usuários da política de assistência social no OP foi à garantia de atendimento às
suas necessidades básicas.
A questão do cumprimento de uma exigência de contrapartida no PGRFM
pareceu ser uma estratégia que condicionou e atrelou seus usuários à participação
no OP.
Esta suposição parece estar contida no depoimento de Joana, quando fala
sobre o que motivou a participar do OP:
O que motivou foi a Renda Mínima, pois senão, o que nóis pobre ia fazer lá? Nossa
opinião não seria ouvida porque não temos estudo, eu sou analfabeta. Fui só duas
vezes para as reuniões de delegados, pois não sabia o que falar e também porque
não tinha onde deixar os filhos, e também porque era muito longe”.
167
Neste depoimento, é evidente o sentimento de não pertencimento, de falta de
identidade com o debate que ocorria naquele espaço, não gerando motivação para
participar, mas apenas cumprir uma exigência para garantir suas necessidades
básicas.
Neste sentido, a exigência de contrapartida é uma questão que gera muita
polêmica, na medida em que exige algo do cidadão pelo direito recebido. Porém, e
ao mesmo tempo, através desta exigência, neste caso específico, ou seja, a
obrigatoriedade de participação dos usuários da política de assistência social no OP
possibilitou a inserção social deste cidadão neste espaço de participação e a
priorização de algumas de suas demandas.
Assim, em que medida a exigência de contrapartida fere o direito do cidadão?
Os fins justificam os meios? Esta é uma questão que exige um maior debate sobre o
assunto, não sendo possível aprofundá-lo neste trabalho.
De maneira geral, podemos dizer que o possível risco de não haver recursos
para o PGRFM, e da sua exclusão do mesmo for falta de cumprimento com as suas
exigências, levaram os usuários a estarem presentes no espaço do OP.
Quando indagamos sobre a importância da população do município em
participar do OP, metade (50 %) dos entrevistados respondeu que a participação é
importante para que a população possa ficar informada sobre o que acontece no
município, conforme podemos verificar no quadro 41.
Quadro 41 Importância da população do município em participar no OP.
A importância de a população participar no OP Total %
Ficar informado sobre o que acontece no município/prefeitura 05 50,0
Apontar e reivindicar as necessidades do bairro ao governo 02 20,0
Oferta de serviços à comunidade 02 20,0
Melhorar o trabalho da Prefeitura 01 10,0
TOTAL 10 100,0
Segundo o depoimento dos entrevistados, a participação da população é
importante porque “fica sabendo de muitas coisas, para aprender”; “para ficar
sabendo do que acontece”; “porque a população fica sabendo da situação, da
realidade da prefeitura para fazer as coisas e para poder participar junto com a
prefeitura”; “para ficar sabendo e acompanhar o que acontece no bairro”.
168
Estes depoimentos parecem mostrar que o OP é um espaço de informação
sobre os assuntos públicos, sobre as ações do governo junto à população, o que
evidencia o seu caráter democratizador entre governo e população.
Com base nas informações do quadro 41, podemos observar também que a
importância da população em participar do OP está relacionada, segundo os
entrevistados, à reivindicação das necessidades do bairro ao governo (20%), onde a
população pode apontar, ao mesmo, o que mais necessita: “a população conhece as
suas necessidades e lá (OP) pode reivindicá-las para o governo” (Depoimento).
Neste sentido, percebemos também que os usuários relacionam o OP à
possibilidade de atendimento de suas necessidades e às necessidades de seu
bairro, como um mecanismo/canal de reivindicação das necessidades da população
ao governo municipal.
Outros 20% dos entrevistados responderam que a participação da população
é importante porque o OP oferece serviços à comunidade: “melhorou 10% porque
agora tem obstetra no bairro”; “o OP vai permitir que o bairro receba mais indústrias,
empresas e abrir mais empregos” (depoimentos), relacionando o OP à oferta de
bens e serviços públicos que promovem a melhoria do bairro.
Para concluir esta análise sobre a participação dos usuários da política de
assistência social nas assembléias do OP, podemos dizer que, apesar da ampla
maioria ter recebido alguma informação sobre o OP, 44,5% dos usuários
entrevistados participaram das suas assembléias regionais e temáticas.
Observamos que a situação de pobreza política e econômica são sérios
obstáculos à participação da população usuária da assistência social no âmbito do
OP, pois impossibilita sua mobilização e organização junto aos espaços públicos de
discussão.
Além disso, percebemos que a participação se restringiu a um grupo
específico, aos usuários do PGRFM; participação esta que pareceu estar
condicionada aos próprios critérios do programa, bem como à sua manutenção.
No entanto, a participação deste grupo, apesar de ter se caracterizado numa
forma mais passiva, resultou na priorização de demandas ligadas à política de
assistência social e à inserção de usuários em outras instâncias do OP, como na
Coordenadoria Regional de Delegados e no Conselho do OP.
Notamos também que a mobilização dos profissionais do DDS foi decisiva
para a ocorrência desta participação, principalmente dos técnicos do PGRFM,
169
demonstrando a necessidade de apoio externo às camadas mais desmobilizadas,
para que ela possa se inserir de forma mais organizada nos espaços de
participação.
Percebemos ainda que o OP é visto de forma positiva pelos entrevistados,
como um espaço de informação, de reivindicação de necessidades e de oferta de
serviços e bens públicos.
Ressaltamos que esta análise procurou responder ao objetivo central deste
trabalho: analisar a participação dos usuários da política de assistência social nas
assembléias do OP da cidade de Indaial.
Com o resultado da pesquisa realizada junto a estes usuários que acabamos
de apresentar, esperamos ter apontado algumas indicações de como se processou
esta participação.
Nas considerações finais, recuperaremos algum dos pontos aqui
apresentados, o que permitirá maior entendimento das questões levantadas neste
trabalho.
170
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho pretendeu analisar a participação dos usuários da política de
assistência social nas assembléias do Orçamento Participativo de Indaial, tendo em
vista a investigar em que medida estes usuários estiveram inseridos neste espaço e
conhecer os fatores condicionantes desse processo.
Procurou-se, desse modo, verificar se a condição de pobreza constitui-se num
fator que desmobiliza e dificulta a organização e inserção dos usuários da política de
assistência social em espaços de participação e tomada de decisões públicas, bem
como se essa mesma condição traduz a influência da cultura política brasileira que
se expressou historicamente através de práticas clientelistas e tuteladoras. Estudos
diversos
55
têm revelado o quanto essa cultura tem se constituído em um dos fatores
que fragilizam formas mais ativas de participação dos usuários da política de
assistência social, frente à possibilidade de inserir-se em experiências participativas
como o OP.
Neste sentido, com vistas a identificar e responder as questões que foram
suscitadas ao longo deste trabalho, realizamos um levantamento bibliográfico sobre
o tema e um estudo de caso, tomando como referência a cidade de Indaial, através
da qual procuramos analisar a participação dos usuários da política de assistência
social nas assembléias do OP.
O primeiro desafio deste trabalho foi caracterizar quem são estes usuários,
sujeitos privilegiados de nossa pesquisa e qual seu lugar na sociedade, o que nos
levou a buscar e a entender sua relação com a política de assistência social e com o
fenômeno da pobreza.
A partir do estudo de Freitas (2004, p. 81), percebemos que a representação
dominante sobre a noção de pobreza está baseada na idéia do pobre como
55
Entre esses estudos citamos Raichelis (1998). Segundo a autora, o autoritarismo social marcado
pelas relações de favor, tutela e clientela, está entranhado na cultura política brasileira, não
estabelecendo nas relações sociais a idéias de direitos e igualdade jurídica dos cidadãos
(RAICHELIS, 1998, p. 281).
171
integrante da classe de baixa renda, o que é medido a partir da comparação entre a
renda que ele dispõe e o valor mínimo necessário para atender suas necessidades
básicas.
No entanto, esta representação, dentre outras que prevaleceram
historicamente, está ausente de referências efetivamente estruturais, como as
relações entre produção de riqueza e ampliação da pobreza, remetendo ao próprio
pobre a culpa e, por conseguinte, o enfrentamento da sua situação de miséria.
Essa representação endógena sobre a noção de pobreza perpassa pela
lógica do primado liberal do trabalho, que privilegia o trabalho como valor
fundamental e relega o fenômeno da pobreza ao plano individual, à capacidade do
indivíduo de ser previdente em relação aos riscos da vida, não aceitando
causalidades propriamente sociais e econômicas para a pobreza.
Se, contudo, analisarmos a pobreza no âmbito das relações constitutivas da
sociedade capitalista, perceberemos que ela expressa e é condição do caráter
antagônico dessa sociedade, onde convivem, contraditoriamente, acumulação e
miséria.
Neste sentido, ela é produzida e reproduzida tanto no plano material quanto
no plano político, definindo o lugar social ocupado pelos pobres, o que se expressa
não somente pela incapacidade do indivíduo em prover as condições mínimas de
sobrevivência, mas também se associa à situação de vulnerabilidade e dominação
política.
No enfrentamento à pobreza pelo Estado, este tem utilizado historicamente a
via assistencial no atendimento às necessidades dos pobres, porém de forma
discriminada e fragmentada, ou seja, somente para aqueles considerados incapazes
de manter suas necessidades sociais através do seu próprio trabalho.
Assim, escolhemos a assistência social como foco de análise, pois se
constitui na política social que atende as camadas mais empobrecidas da sociedade.
A assistência social no Brasil se tornou uma política pública na década de 80,
quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, que a definiu como direito
do cidadão e dever do Estado, destinada a quem dela necessitar.
No entanto, historicamente, a assistência social brasileira foi permeada por
distorções, seja em sua concepção, seja em sua prática, que dificultaram o seu
reconhecimento legal como política, como também, de seus usuários como cidadãos
de direitos, como por exemplo, a vinculação da assistência social à matriz
172
conservadora do clientelismo; ao trabalho filantrópico; ao lugar secundário ocupado
pelo social na política pública e a dificuldade em estabelecer sua especificidade e
definir suas particularidades.
Além disso, a assistência social está em constante contradição com as formas
capitalistas de organização do trabalho (FERREIRA, 1999), na medida em que, na
lógica liberal, não se concebe o direito à renda ou recursos mínimos de
sobrevivência dissociados do exercício do trabalho, dificultando o reconhecimento
de seus usuários como cidadãos de direitos.
É dessa forma que a dissociação entre cidadania e pobreza gera a
degradação do status do pobre, o qual passa a simbolizar sua falta de visibilidade
social, na medida em que este é tratado de forma assistencialista e tuteladora pelo
Estado que os coloca numa situação de subalternidade política.
Em decorrência disso, a situação de subalternidade política torna-se um fator
que dificulta a mobilização e organização desta população para reivindicar seus
direitos, o que se agrava diante da precariedade de suas condições de vida.
Foi a partir desse entendimento que procuramos compreender em que
medida estes fatores dificultam a inserção dos usuários da política de assistência
social nos espaços de participação, especialmente no OP, fruto de processo de
democratização brasileira e de experiências de gestão democráticas na década de
80.
Para apresentação desse contexto, se fez necessário o debate sobre a
democracia e seu processo de aprofundamento na direção de uma forma mais
substantiva, mais participativa diante da importância de se propor alternativas ao
modelo elitista competitivo, que passou a não dar conta de responder às
necessidades de maior interlocução da sociedade com o Estado.
A democracia elitista competitiva significa apenas forma de governo, ou seja,
mecanismo de escolha de lideranças políticas qualificadas e competentes a partir da
competição entre partidos através do voto (LÜCHMANN, 2002).
A democracia participativa por sua vez, mais do que forma de governo, vem
privilegiar a extensão da participação política a todas as esferas da vida dos
indivíduos, resgatando os conceitos de cidadania e soberania popular.
A democracia deliberativa, por seu turno, destaca a importância do elemento
argumentativo no interior do processo deliberativo de forma a garantir a participação
efetiva dos indivíduos na regulação da vida coletiva.
173
Apesar das diferenças existentes entre a democracia participativa e
deliberativa, não foi nossa intenção destacá-las neste trabalho, apenas demonstrar
que ambas se colocam como alternativas contra-hegemônicas ao modelo elitista
competitivo.
A concepção, que se desenvolveu a partir da década de 80 no Brasil, foi a
democracia participativa, a partir do processo de democratização da sociedade, que
tinha como objetivo a ampliação e qualificação dos espaços públicos de discussão e
de tomada de decisão.
No entanto, este processo envolveu simultaneamente grandes doses de
continuidade política com algumas doses de inovação democrática (AVRITZER,
2002), na medida em que práticas políticas conservadoras se mantiveram no poder
apesar do surgimento de uma cultura mais democrática.
É neste contexto de correlação de forças institucionais que surgem, no país,
experiências de gestão democrática, entre as quais citamos os Conselhos Gestores
e o OP, como mecanismos que possibilitam uma maior participação da sociedade na
formulação de políticas públicas e no controle das ações governamentais.
Para este trabalho, elegemos como espaço de investigação o OP, porque ele
aponta elementos que favorecem sua relação com as camadas mais pobres, neste
caso, os usuários da política de assistência social.
O OP caracteriza-se por um mecanismo mais democrático no que tange à
definição do orçamento público, considerando que, historicamente, esta definição
não contava com a participação dos cidadãos, apesar de serem os interessados e os
destinatários destes recursos públicos.
Então, como abertura à participação, o OP surgiu em Porto Alegre em 1989
na administração do PT, como forma de discussão, elaboração e distribuição mais
participativa e democrática dos recursos públicos municipais, fruto de uma maior
interlocução entre o governo municipal e a sociedade civil organizada.
Neste trabalho apresentamos esta experiência com base no estudo de
diversos autores (AVRITZER e NAVARRO orgs., 2003), (SANTOS, 2002), dentre
outros, procurando apontar suas propostas, seus limites e possibilidades,
principalmente no que se refere à sua relação com as camadas mais empobrecidas
da população, a partir de dois elementos importantes, tendo em vista priorizar seus
interesses e necessidades.
174
Estes elementos são: o princípio de inversão de prioridades na medida em
que prioriza a destinação de recursos públicos às áreas com maior carência por
bens e serviços públicos, e a possibilidade de ampliação da participação da
população a partir da criação de novos espaços de participação, que podem
favorecer o atendimento dos interesses e necessidades dos usuários da política de
assistência social.
Neste sentido, realizamos um estudo de caso, onde tomamos como
referência a cidade de Indaial, que em 2001 implementou o OP e que teve como
principal marca de governo a participação popular.
Adotamos como recorte temporal o período entre 2001 e 2004, onde
procuramos descrever a proposta do OP do governo municipal de Indaial,
analisando-o com base em alguns elementos teóricos apresentados neste trabalho,
encontrados em Avritzer e Navarro (2003).
Percebemos que a experiência do OP de Indaial teve alterações em sua
proposta ao longo de sua realização, na medida em que se distanciou de uma
metodologia baseada na identificação e definição de prioridades de caráter mais
imediato através das assembléias regionais e temáticas, para a sua vinculação ao
Congresso da Cidade, com o objetivo de definir ações de curto, médio e longo prazo
para o município, de forma mais planejada.
O objetivo de nosso estudo de caso foi analisar a participação dos usuários
da política de assistência social nas assembléias do OP de Indaial, no qual se fez
necessário, além de conhecermos a proposta de OP, também estudarmos a
estruturação da política de assistência social no município, que atende a população
mais empobrecida da cidade. Foi a partir do conhecimento desta realidade, que
realizamos uma pesquisa junto a esta população.
A política de assistência social no município é constituída por uma rede de
atendimento governamental e não governamental, com primazia do poder público na
sua condução, através do Departamento de Desenvolvimento Social, vinculado
administrativamente à Secretaria Municipal de Saúde e Desenvolvimento Social.
Percebemos que, a partir do ano de 2001, esta política teve
redimensionamentos importantes no sentido da ampliação de sua estrutura física,
financeira e humana, decorrentes tanto do processo de efetivação legal da
assistência social quanto da preocupação do governo com esta política e as
pessoas que dela fazem uso.
175
Em relação aos seus usuários, através dos resultados obtidos na pesquisa
realizada junto a uma parcela destes usuários, procuramos caracterizar o seu perfil
sócio-econômico e político, de modo a saber como a condição de pobreza e de
subalternidade política os afeta e se expressa na sua vida em comunidade.
Neste sentido, como já foi dito anteriormente, percebemos que o perfil típico
dos usuários da política de Assistência Social de Indaial, que foram entrevistados, é
de famílias monoparentais chefiadas por mulheres, com idade entre 34 a 40 anos,
que possuem de 2 a 3 filhos, com renda familiar até 2 salários mínimos, com
escolaridade até a 4ª série do Ensino Fundamental, sem nenhuma qualificação
profissional.
Em relação à política de assistência social, notamos que a razão que leva
estes usuários a procurá-la, diz respeito à busca de atendimento de suas
necessidades básicas, relacionadas principalmente ao atendimento das condições
biológicas de sobrevivência, as quais os indivíduos não conseguem prover devido a
vários motivos, tais como: desemprego, doença, separação, gravidez e renda
insuficiente.
Dentre estes motivos, o desemprego constituiu-se no principal deles, que
identifica o pobre como um não-cidadão, por estar fora do mercado de trabalho e,
por conseguinte, dos direitos sociais, civis e políticos que são condicionados ao
vínculo do trabalho.
No entanto, as respostas às necessidades sociais destes usuários estão
muito aquém de um padrão básico de atendimento, pois a provisão de bens e
recursos pela assistência social não produz um impacto social que proporcione uma
melhora nas condições de vida desta população, mas somente ameniza uma
situação circunstancial.
No que se refere à inclusão em programas assistenciais, neste caso o
PGRFM e o de Subsídio Habitacional de Interesse Social, percebemos que estes
conseguem atender outras necessidades básicas, além da garantia da alimentação,
como o acesso à moradia, gastos com educação, saúde, vestuário, etc.
De uma forma mais geral, podemos dizer que os usuários da política de
assistência social encontram-se numa situação de extrema pobreza, tanto do ponto
de vista material, quanto do ponto de vista político, na medida em que, além de não
possuírem os recursos materiais para garantir a satisfação de suas necessidades
176
básicas, estes usuários também estão ausentes de representação e participação nos
espaços públicos de participação.
Este dado confirma-se quando percebemos que os usuários entrevistados
não se inserem e não participam nos espaços comunitários, sindicais e nos espaços
institucionalizados de participação como os Conselhos Gestores, e o que é mais
grave, desconhecem, na maioria das vezes, a existência destes espaços,
evidenciando sua subalternidade política que os impede de se organizarem e de se
mobilizarem para a reivindicação de seus direitos nos espaços em que tal ação é
possível.
Em relação à participação dos usuários da política de assistência social nas
assembléias do OP, objetivo principal de nossa pesquisa, pudemos observar que a
precariedade de suas condições de vida, associada à situação de subalternidade
política, também estiveram presentes como fatores condicionantes da sua
participação.
Percebemos que, embora a proposta do OP tenha alcançado a grande
maioria dos entrevistados, menos da metade deles participaram das assembléias do
OP.
Observamos também que o DDS teve um papel muito importante na
divulgação da proposta do OP para seus usuários, na medida em que foi apontado
como o principal meio pelo qual foram informados sobre esta experiência,
demonstrando a importância da ampla socialização das informações para a garantia
da publicização dos direitos sociais.
Nos resultados obtidos na pesquisa, notamos que a participação dos usuários
entrevistados restringiu-se a um grupo específico, os usuários do PGRFM, a qual
pareceu estar condicionada a dois fatores: a exigência de contrapartida no programa
em que estavam inseridos e a garantia de recursos para o mesmo no Plano de
Investimentos do OP, ou seja, a garantia da manutenção de suas necessidades
básicas através do referido programa.
Percebemos, ainda, que quase maioria dos usuários (36,5%) mostraram-se
desinteressados ou desconheciam (9,1%) a proposta do OP, o que nos levou a
inferir duas razões que podem explicar tais fatores, quais sejam: a desigualdade de
oportunidades de participação existente entre os participantes, gerando uma menor
participação dos pobres entre os mais pobres (ABERS apud LÜCHMANN, 2002), o
que necessitaria além do acesso às informações, uma ampla mobilização a partir de
177
apoio externo no sentido de capacitar e qualificar a participação das camadas mais
empobrecidas; e a falta de identificação dos usuários com a proposta do OP, devido
ao caráter imediato e pouco formatável de suas demandas pelo OP.
Em relação à participação dos usuários da política de assistência social nas
assembléias do OP de Indaial, podemos dizer que, embora esta experiência traga
elementos em sua proposta, que venham favorecer as camadas mais pobres da
cidade, no caso de Indaial, estes fatores parecem que pouco impactaram na
ampliação da participação dos usuários e na distribuição dos recursos públicos para
o atendimento de suas prioridades.
Quanto à distribuição de recursos públicos, notamos que no ano de 2001, a
área prioritária mais votada foi a área de Saúde e Desenvolvimento Social, que
abrange as políticas de saúde e assistência social do município. No entanto, apenas
5% das prioridades reivindicadas corresponderam às demandas da política de
assistência social.
Em 2002, as demandas ligadas à Assistência Social, Renda Mínima e
Habitação corresponderam a apenas 26,5% dos recursos para investimentos,
ficando em quinto lugar como área prioritária, onde a participação dos usuários da
assistência social teve influência importante na priorização destas demandas.
Além disso, nos critérios estabelecidos para a distribuição de recursos do OP
de Indaial, não se considerou a carência de serviços e de infra-estrutura como
critério, o qual impossibilita que áreas com maior carência por bens e serviços
públicos recebam mais recursos que as demais áreas, diminuindo assim a
possibilidade de atendimento das demandas dos usuários da política de assistência
social na medida em que se concentram nessas áreas da cidade.
Na metodologia do OP de Indaial, o critério com maior peso é a prioridade
escolhida pela população nas assembléias regionais ou temáticas, portanto, a
priorização das demandas depende em grande parte, da participação dos
demandantes nestas assembléias.
Neste contexto, para que as necessidades básicas dos usuários da política de
assistência social possam ser incluídas nas prioridades do OP, faz-se necessária a
sua participação e reivindicação no espaço das assembléias do OP.
Mas como incitar a participação da população usuária da assistência social
nas instâncias do OP, na medida em que esta se mostra ausente e desmobilizada?
178
Com os resultados obtidos na pesquisa, podemos inferir que apenas os
elementos do desenho institucional do OP não são suficientes para proporcionar a
participação efetiva destes usuários em suas instâncias, pois embora sua proposta
chegue até eles, não possibilita seu deslocamento até o espaço das assembléias,
pois este deslocamento depende da mobilização prévia e de apoio externo para que
esta participação possa acontecer.
Então, quando constatamos a importância da mobilização dos profissionais do
DDS e da influência dos programas sociais para a participação dos usuários da
política de assistência social no OP; estes fatos parecem demonstrar que a
participação destes usuários pode se efetivar, se houver uma articulação conjunta
entre o OP e esta política. Em outras palavras, através da política de assistência
social e de seus profissionais, o OP pode ter uma maior aproximação e interlocução
com estes usuários na medida em que tem como objetivo a inversão de prioridades.
Esta articulação poderia se processar a partir da mobilização junto aos
usuários de todos os programas sociais existentes no município através de ações
sócio-educativas no sentido de informá-los e formá-los para se inserir nos espaços
de participação existentes como o OP, por exemplo, enquanto espaços de
reivindicação de suas necessidades sociais básicas.
Assim, por tratar-se de um direito do usuário, esta articulação, entre a política
de assistência social e o OP junto ao mesmo, precisa estar desvinculada da
exigência de contrapartida.
A atuação dos técnicos do OP nestas ações seria imprescindível, na medida
em que apresentariam e discutiriam com a população usuária da assistência social a
estrutura e o funcionamento do OP, além do oferecimento de condições materiais
para que esta participação ocorra.
Neste sentido, através desta articulação seria possível, a nosso ver, a
participação mais qualificada dos usuários da política de assistência social nas
assembléias do OP, pois teriam a sua disposição mecanismos que propiciariam uma
maior igualdade de oportunidade de participação e, conseqüentemente, de
enfrentamento à sua situação de pobreza tanto material quanto política.
Segundo Bohman (apud VITULLO, 1999, p, 16),
a melhor maneira de evitar a pobreza política é através de instituições
democráticas, de uma esfera pública aberta e de maior informação. Tal
179
esfera pública poderia chegar a criar as condições para a expectativa
política de efetividade ou eficácia.
No entanto, cabe ressaltar que, embora esses mecanismos possam vir a
propiciar uma maior qualificação da participação dos usuários da política de
assistência social, não podemos desconsiderar os fatores de ordem estrutural que
condicionam esta participação, os quais precisam ser levados em consideração na
relação entre estes usuários e sua inserção nos espaços democráticos.
Na impossibilidade de esgotar o assunto, queremos finalizar este trabalho
desejando que ele possa ter contribuído para uma primeira aproximação com o tema
e que possa servir para seu aprofundamento, a partir de outros estudos que venham
enriquecer este debate.
180
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191
ANEXOS
192
ANEXO 1
FORMULÁRIO DE PESQUISA
I CONHECIMENTO DO USUÁRIO SOBRE O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO
1.1 Você já ouviu falar sobre o Orçamento Participativo? ( ) Sim ( ) Não
1.2 Como você ficou sabendo sobre o OP?
( ) TV ( ) Carro de som ( ) Associação do Bairro Outro: _______
( ) Rádio ( ) Reunião da comunidade ( ) Depto de Desenvolvimento Social
1.3 Você já participou das reuniões do OP em seu bairro? ( ) Sim ( ) Não
1.4 Em caso negativo, o que dificultou sua participação no OP?
( ) Falta de tempo disponível ( ) Falta de recursos
( ) Distância ( ) Não considera importante
( ) Deslocamento ( ) Não sabia do que se tratava
( ) Dificuldade pelo ciclo de vida ( ) Desvantagem pessoal
( ) Não recebeu convite ( ) Outro: __________________________
(Caso não tenha participado do OP, ir para a pergunta nº 4.15)
Caso não tenha ouvido falar, passar para o item II.
1.5 Quando ocorreu esta participação?
____________________________________________________
1.6 Onde? ( ) Assembléias regionais. Região: __________ ( ) Assembléias
Temáticas
1.7 Você lembra o que foi discutido na(s) assembléia(s) da(s) qual(is) você
participou?
( ) Sim ( )Não
1.8 Em caso afirmativo, o que foi discutido?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_______________________________________________________________
193
1.9 Você se pronunciou para defender alguma prioridade? ( ) Sim ( ) Não
1.10 Você votou em alguma prioridade que considerava importante?
( ) Sim ( ) Não
1.11 Em caso negativo, porque?
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________
1.12 Em caso afirmativo, qual(ais) foi(ram) a(s) prioridade(s)?
___________________________________________________________________
1.13 Você já foi escolhido delegado do OP? ( ) Sim ( ) Não Quantas vezes? __
1.14 Vc sabe se o OP já proporcionou a realização de obras/serviços/programas no
seu bairro?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sabe Em caso afirmativo, quais? ________________
__________________________________________________________________
1.15 As necessidades do seu bairro foram contempladas através do OP?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sabe
1.16 Em relação aos programas assistenciais, eles foram contemplados no OP?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sabe
1.17 Em caso afirmativo, quais foram os programas?
__________________________________________________________________
1.18 Em caso negativo, o que deveria ser contemplado?
___________________________________________________________________
1.19 Os profissionais que lhe atenderam no Departamento de Desenvolvimento
Social incentivaram a sua participação no OP? ( ) Sim ( ) Não
Como?______________________________________________________________
1.20 Vc foi? ( ) Não ( ) Sim
1.21 Se não, porque não foi?
___________________________________________________________________
1.22 Em caso afirmativo, responda: se os profissionais não tivessem falado para
você sobre o OP, você teria participado? ( ) Sim ( ) Não
Porque?_____________________________________________________________
1.23 Sua inclusão em programa assistencial favoreceu sua participação no OP? ( )
Sim ( ) Não
Porque?
___________________________________________________________________
194
1.24 O que motivou você a participar do OP?
___________________________________________________________________
1.25 Você considera importante a participação da população no OP? ( ) Sim ( )
Não
Porque?
___________________________________________________________________
1.26 O que o OP possibilitou para sua vida e de sua comunidade?
___________________________________________________________________
II A RELAÇÃO DO USUÁRIO COM A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
2.1 Você já procurou os serviços de assistência social da Prefeitura? ( ) Sim ( )
Não
2.2 Em que momento você procurou a assistência social?
___________________________________________________________________
2.3 Quais os serviços que você necessitou/procurou?
__________________________________________________________________
2.4 Você foi atendido quanto à sua necessidade? ( ) Sim ( ) Não
2.5 Em caso afirmativo, o que este serviço proporcionou/proporciona para a sua vida
e da sua família?
___________________________________________________________________
2.6 Você está incluído em algum programa do Departamento de Desenvolvimento
Social de Indaial? ( ) Sim ( ) Não Qual?
___________________________________________________________________
2.7 Em caso afirmativo, o que o programa tem proporcionado para você e sua
família?
___________________________________________________________________
2.8 Vc recebe algum benefício de alguma outra entidade assistencial (Ex. Igrejas,
Pastoral, Lions etc)?
___________________________________________________________________
III CONHECIMENTO DO USUÁRIO SOBRE A REALIDADE SOCIAL DO SEU
BAIRRO E SUA PARTICIPAÇÃO NA VIDA COMUNITÁRIA
3.1 Quais são os principais problemas/necessidades sociais de sua comunidade?
Cite os 3 principais.
___________________________________________________________________
195
3.2 Você exerce alguma liderança na comunidade? ( ) Sim ( ) Não
Em que espaço?
__________________________________________________________
3.3 Qual a importância do cidadão participar em sua comunidade?
___________________________________________________________________
3.4 Com que freqüência, no ano de 2002, você participou de algumas das seguintes
atividades:
Muito
frequentemente
Frequentemente Raramente Nunca
Atividades
comunitárias ou de
bairro
A
tividades gremiais
ou sindicais
Atividades religiosas
Atividades
ecológicas ou
ambientais
Atividades
voluntárias
3.5 Em relação à questão político-partidária, você se considera de esquerda ( ),
direita ( ), centro ( ) ( ) Não tem preferência
3.6 Você é filiado a algum partido político? ( ) Sim ( ) Não
Em caso afirmativo, qual? ___________________________
3.7 Em relação à religião, você se considera:
Muito Religioso(a) Algo Religioso(a)
Pouco Religioso(a) Nada Religioso(a)
3.8 Já participou ou se participa de Conselhos de Direitos:
Sim Não
Assistência Social
Criança e Adolescente
Idoso
Outros
IV IDENTIFICAÇÃO
4.1 Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino 4.2 Estado
Civil:___________________
196
4.3 Idade: _____ 4.4 Número de membros familiares:
______
4.5 Renda:
( ) Sem renda ( ) Até 1 SM ( ) De 1 a 2 SM
( ) De 2 a 3 SM ( ) De 3 a 4 SM ( ) Mais de 4 SM
4.6 Profissão ou função: ________________________________________________
4.7 Escolaridade: ( ) Não alfabetizado ( ) cursou ( ) Está cursando
( ) 1ª Série ( ) 5ª série ( ) 1ª série E. Médio ( ) Ensino sup. completo
( ) 2ª série ( ) 6ª série ( ) 2ª série E. Médio ( ) Pós-graduação
( ) 3ª série ( ) 7ª série ( ) 3ª série E. Médio ( ) Outros ____________
( ) 4ª série ( ) 8ª série ( ) Ensino Superior incompleto
OBSERVAÇÕES______________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________
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