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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ECOLOGIA DE AMBIENTES AQUÁTICOS CONTINENTAIS
Tese de Doutorado
ESTUDOS ECOLÓGICOS DOS CICONIIFORMES
(AVES) NOS HÁBITATS DE FORRAGEAMENTO DA
PLANÍCIE ALAGÁVEL DO ALTO RIO PARANÁ,
BRASIL.
Márcio Rodrigo Gimenes
Maringá (PR)
2005
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MÁRCIO RODRIGO GIMENES
Tese de Doutorado
ESTUDOS ECOLÓGICOS DOS CICONIIFORMES
(AVES) NOS HÁBITATS DE FORRAGEAMENTO DA
PLANÍCIE ALAGÁVEL DO ALTO RIO PARANÁ,
BRASIL.
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ecologia de Ambientes
Aquáticos Continentais da Universidade
Estadual de Maringá, como parte dos
requisitos para a obtenção do título de
Doutor em Ciências Ambientais.
Orientador: Prof. Dr. Luiz dos Anjos
Maringá (PR)
2005
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Dedico este trabalho aos meus
pais, Caetano Gimenes e Helena
Ruano Gimenes.
AGRADECIMENTOS
- ao Prof. Dr. Luiz dos Anjos, pela orientação durante esses vários anos de trabalho dentro da
Ornitologia;
- aos Profs. Drs. visitantes Maria Virginia Petry, Wesley Rodrigues Silva e Jorge Luiz Berger
Albuquerque e aos Profs. Drs. “da casa” Erivelto Goulart, Luiz Carlos Gomes e Ângelo Antônio
Agostinho, por aceitarem participar da banca de avaliação deste trabalho;
- à Salete, João e Márcia da biblioteca setorial, pela enorme prestatividade e companheirismo
durante os anos de pós-graduação;
- à Aldenir, Cláudia e Márcia da secretaria do PEA, pelo sempre bom atendimento concedido;
- ao “Tião”, Alfredo e Leandro da base de pesquisas do Nupélia, pelo auxílio nas amostragens de
campo;
- ao Jaime, desenhista do Nupélia, pelo auxílio na elaboração dos mapas;
- ao Nupélia, em especial ao Prof. Dr. Ângelo A. Agostinho que, como coordenador do PELD,
permitiu a disponibilização de uma infra-estrutura especial para a realização do trabalho de
campo, já que as amostragens não se encaixavam somente dentro das campanhas do PELD;
- a todos os professores do programa de pós-graduação, pela colaboração direta ou indireta em
diferentes fases do desenvolvimento do trabalho;
- ao CNPq pela concessão da bolsa de Doutorado;
- a vários colegas que em algum momento colaboraram de alguma maneira na realização do
trabalho.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO------------------------------------------------------------------------------------------ 1
CAPÍTULO 1. ANÁLISE QUANTITATIVA DO USO DOS HÁBITATS DE
FORRAGEAMENTO PELOS CICONIIFORMES (AVES) NA PLANÍCIE ALAGÁVEL DO
ALTO RIO PARANÁ, BRASIL--------------------------------------------------------------------------- 3
RESUMO------------------------------------------------------------------------------------------------------ 4
ABSTRACT-------------------------------------------------------------------------------------------------- 5
INTRODUÇÃO---------------------------------------------------------------------------------------------- 6
MATERIAL E MÉTODOS--------------------------------------------------------------------------------- 8
Área de estudo------------------------------------------------------------------------------------------------ 8
Disponibilidade de presas---------------------------------------------------------------------------------- 11
Métodos------------------------------------------------------------------------------------------------------ 12
RESULTADOS--------------------------------------------------------------------------------------------- 14
Estrutura e composição da comunidade------------------------------------------------------------------ 14
Flutuações populacionais e seleção de hábitat---------------------------------------------------------- 19
DISCUSSÃO------------------------------------------------------------------------------------------------ 22
REFERÊNCIAS-------------------------------------------------------------------------------------------- 28
APÊNDICE 1----------------------------------------------------------------------------------------------- 42
APÊNDICE 2----------------------------------------------------------------------------------------------- 43
APÊNDICE 3----------------------------------------------------------------------------------------------- 45
CAPÍTULO 2. VARIAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL NA SOCIABILIDADE DE
FORRAGEAMENTO DA GARÇA-BRANCA-GRANDE (Ardea alba) E DA GARÇA-
BRANCA-PEQUENA (Egretta thula) (AVES-CICONIIFORMES) NA PLANÍCIE
ALAGÁVEL DO ALTO RIO PARANÁ, BRASIL--------------------------------------------------- 47
RESUMO---------------------------------------------------------------------------------------------------- 48
ABSTRACT------------------------------------------------------------------------------------------------- 49
INTRODUÇÃO--------------------------------------------------------------------------------------------- 50
MATERIAL E MÉTODOS------------------------------------------------------------------------------- 51
Área de estudo----------------------------------------------------------------------------------------------- 51
Disponibilidade de presas---------------------------------------------------------------------------------- 54
Métodos------------------------------------------------------------------------------------------------------ 55
RESULTADOS--------------------------------------------------------------------------------------------- 56
DISCUSSÃO------------------------------------------------------------------------------------------------ 59
REFERÊNCIAS--------------------------------------------------------------------------------------------- 64
1
APRESENTAÇÃO
A ordem Ciconiiformes compreende as famílias Ardeidae (garças e socós), Ciconiidae
(cabeça-seca, maguari e tuiuiú, na América do Sul) e Threskiornithidae (colhereiro, curicacas e
tapicurus, entre outros). Estas três famílias apresentam vasta distribuição mundial e
caracterizam-se pela maior parte de seus representantes terem estreita ligação aos ambientes
aquáticos, sobretudo os de água doce. Todas as espécies consomem alimentos de origem animal,
na maioria dos casos organismos aquáticos vivos, principalmente peixes.
O projeto intitulado “Estudos ecológicos dos Ciconiiformes (Aves) nos hábitats de
forrageamento da planície alagável do alto rio Paraná, Brasil” foi desenvolvido através de
amostragens trimestrais nos anos de 2002 e 2003, com o objetivo de obter informações
quantitativas de vários aspectos ecológicos referentes ao uso dos hábitats de forrageamento pela
comunidade de Ciconiiformes local. Exceto alguns checklists pontuais, não há indicação de
estudos anteriores sobre essas aves desenvolvidos na região, não havendo assim informações
prévias sobre aspectos da ecologia destas nos hábitats estudados. Mesmo em nível nacional, os
estudos conduzidos sobre esse grupo de aves normalmente abordam aspectos da biologia
reprodutiva, focando as colônias de nidificação. Muito escassas são as informações sobre o uso
dos hábitats de forrageamento, principalmente fora do período reprodutivo. O presente projeto
resultou em quatro artigos, um dos quais ainda não concluído, como segue:
- *Influência do tamanho das lagoas e da disponibilidade de presas sobre a comunidade de
Ciconiiformes (Aves) na planície alagável do alto rio Paraná, Brasil. Artigo apresentado como
Exame Geral de Qualificação no Programa de Pós-graduação em Ecologia de Ambientes
Aquáticos Continentais da Universidade Estadual de Maringá e submetido à publicação na
revista Brazilian Archives of Biology and Technology, visando analisar como a diversidade, a
abundância e o número de espécies de Ciconiiformes foram influenciados pelo tamanho das
2
lagoas e sua disponibilidade de presas;
- *Análise quantitativa do uso dos hábitats de forrageamento pelos Ciconiiformes (Aves) na
planície alagável do alto rio Paraná, Brasil e *Variação espaço-temporal na sociabilidade de
forrageamento da garça-branca-grande (Ardea alba) e da garça-branca-pequena (Egretta thula)
(Aves-Ciconiiformes) na planície alagável do alto rio Paraná, Brasil. Os dois artigos são aqui
apresentados como tese de doutorado;
- Um quarto artigo, ainda não concluído e sem título definido, que visa analisar aspectos da
seleção de microhábitats (profundidade e vegetação) nos locais de forrageamento de cada
espécie registrada.
3
CAPÍTULO 1
ANÁLISE QUANTITATIVA DO USO DOS HÁBITATS DE
FORRAGEAMENTO PELOS CICONIIFORMES (AVES) NA
PLANÍCIE ALAGÁVEL DO ALTO RIO PARANÁ, BRASIL.
4
RESUMO
Foram analisadas a estrutura e composição da comunidade de Ciconiiformes nos hábitats de
forrageamento da planície alagável do alto rio Paraná (Brasil), as possíveis variações sazonais na
seleção destes pelas espécies registradas e as flutuações populacionais sazonais das mesmas nos
hábitats estudados. Quatro categorias de hábitats de forrageamento foram consideradas: rios,
canais, lagoas abertas e lagoas fechadas. Informações sobre a disponibilidade de presas (peixes)
nos hábitats de forrageamento foram obtidas ao longo do período amostral. As amostragens dos
Ciconiiformes foram trimestrais em 2002 e 2003, a pé ou com o auxílio de uma lancha. Um total
de 15 espécies de Ciconiiformes foi registrado na região, tendo as lagoas abertas apresentado a
maior riqueza de espécies e maior abundância para a maioria das espécies. Egretta thula,
Mycteria americana, Platalea ajaja e Jabiru mycteria foram as mais dependentes das manchas
de melhor qualidade, pois selecionaram freqüentemente as lagoas abertas (hábitat com maior
disponibilidade de presas) e abandonaram a área na cheia. Ardea cocoi, Ardea alba e Tigrisoma
lineatum não foram tão dependentes das melhores manchas, utilizando hábitats com menor
disponibilidade de presas e não abandonando totalmente a área na cheia. Variações nas técnicas
de forrageamento e comportamento social explicam a diferença entre os dois grupos. Além de
uma considerável riqueza de espécies, a área de estudo pode ter especial importância como local
de alimentação para as populações pantaneiras de M. americana e P. ajaja durante a migração
até a Argentina e o Rio Grande do Sul. Fazem-se necessárias estratégias de manejo que
mantenham o regime hidrológico o mais próximo possível ao natural, a fim de promover um
realçamento da área como local de forrageamento para os Ciconiiformes.
5
ABSTRACT
The structure and composition of Ciconiiformes community in the foraging habitats on the
floodplain of the upper river Paraná, Brazil, as well as the possible seasonal variations in the
selection of these habitats for each species and the seasonal population fluctuations of the species
in the studied habitats were analyzed. Four foraging habitats were considered: rivers, channels,
connected lagoons and disconnected lagoons. Data on prey availability (fish) in the foraging
habitats along the sampling period were obtained. Quarterly samplings of Ciconiiformes were
conducted in 2002 and 2003, by foot or by boat. A total of 15 species of Ciconiiformes was
registered in the area, and connected lagoons presented the highest species number and highest
abundance for most species. Egretta thula, Mycteria americana, Platalea ajaja and Jabiru
mycteria were the species more dependent on high-quality patches, because they frequently
selected connected lagoons (habitat with highest prey availability) and abandoned the area
during flood. Ardea cocoi, Ardea alba and Tigrisoma lineatum were not so dependent on high-
quality patches, using habitats with lower prey availability and they did not abandon totally the
area during flood. Variations in the foraging techniques and social behavior explain that
difference between the two groups. Besides a considerable species number, the study area can
have special importance as feeding place for the Pantanal populations of M. americana and P.
ajaja during migration to Argentina and Rio Grande do Sul. Management strategies that
maintain the hydrologic regime more similar possible to the natural are necessary in order to
promote an enhancement of the area as foraging place for Ciconiiformes.
6
INTRODUÇÃO
As planícies alagáveis têm importante função na manutenção da biodiversidade, já que são
atrativas a muitas espécies devido à grande variedade de hábitats e à alta produtividade (Elmberg
et al., 1994). Porém, essas áreas vêm sendo destruídas ou alteradas a uma taxa crescente em
diversas regiões (Antas, 1994; Schogolev, 1996; Bryan e Gariboldi, 1998; Elphick e Oring,
1998; Lane e Fujioka, 1998; Herremans, 1999; Lombardini et al., 2001; Ausden e Hirons, 2002;
Balian et al., 2002; Russell et al., 2002; Bouton e Frederick, 2003). Os Ciconiiformes são
elementos conspícuos desses ecossistemas, plenamente adaptados ao stress do regime cheia-seca
típico (Kushlan et al., 1985; González, 1996b), mas um tanto sensíveis às alterações
antropogênicas (principalmente no regime hidrológico), sendo por muitos considerados
bioindicadores para tais ambientes (Custer e Osborn, 1977; Kushlan, 1993; Hoffman et al., 1994;
Erwin et al., 1996; González, 1997; Young, 1998; Paillisson et al., 2002).
São vários os estudos que analisam o uso de hábitats por Ciconiiformes, sendo que as
flutuações espaço-temporais das populações e variações sazonais na seleção de hábitats são
freqüentemente atribuídas às variações no nível hidrométrico e na disponibilidade de alimento
(Erwin, 1983; Powell, 1987; Beltzer, 1989; Butler, 1994; Smith e Breininger, 1995; Custer et al.,
1996; Smith, 1997a; Strong et al., 1997; Young e Chan, 1997; Gaines et al., 1998; Maccarone e
Brzorad, 1998; Butler e Vennesland, 2000; Gaines et al., 2000; Wong et al., 2001; Tourenq et
al., 2003). Para a otimização do forrageamento, essas aves dependem de manchas de hábitat com
profundidade adequada e alta densidade de presas (Kushlan, 1976b; Master et al., 1993; Battley
et al., 2003), características bastante efêmeras e irregularmente distribuídas em planícies
alagáveis (Fasola, 1994). Assim, os Ciconiiformes utilizam uma área extensa para o
forrageamento, trocando de locais freqüentemente (Custer e Osborn, 1978; Hoffman et al.,
1994), tornando necessário que estudos que visem analisar uso de hábitats por essas aves
7
abranjam uma escala espacial e temporal ampla (McCrimmon et al., 1997; Strong et al., 1997).
Acrescenta-se a isto o fato de que grande parte dos Ciconiiformes tem como principal item
alimentar peixes (Del Hoyo et al., 1992), animais bastante móveis, o que faz com que variações
no nível hidrométrico tenham forte influência na acessibilidade das aves às suas presas (Erwin,
1985; Gawlik, 2002).
As planícies alagáveis da porção centro-sul da América do Sul estão entre as maiores do
mundo, tanto em tamanho como em importância para as aves aquáticas (Antas, 1994). O rio
Paraná é o décimo maior do mundo em descarga e o quarto em área de drenagem (5,0 x 108
m3/ano; 2,8 x 106 km2, respectivamente), percorrendo cerca de 3800 km e drenando todo o
centro-sul da América do Sul (Agostinho et al., 1995). A bacia do rio Paraná tem sofrido forte
impacto humano, principalmente desflorestamento e construção de barragens. O trecho de 230
km entre a foz do rio Paranapanema (principal afluente) e o município de Guaíra (PR), no alto
rio Paraná, é o único segmento significativo em território brasileiro que permanece livre de
barragens (Agostinho et al., 1994). Ainda que a construção de barragens a montante tenha
alterado o regime natural do rio na região (cheia de novembro a maio e seca de junho a outubro),
o pulso de inundação continua sendo a principal função de força que atua sobre as comunidades
locais (Thomaz et al., 1997). Neste trecho, a margem esquerda (Estado do Paraná), graças à
razoável elevação do terreno, tem restritas áreas alagáveis e a paisagem predominante são
pastagens. A margem direita (Mato Grosso do Sul) apresenta baixa elevação do terreno, havendo
uma ampla planície alagável, onde se anastomosam numerosos canais secundários, lagoas e rios
(Souza-Filho e Stevaux, 1997) (Apêndice 1). Este trabalho partiu da hipótese de que as variações
sazonais do nível hidrométrico do rio Paraná e da disponibilidade de presas nos diferentes
hábitats de forrageamento dos Ciconiiformes exercem acentuada influência sobre as populações
destes na região. É importante o conhecimento do comportamento de uso dos hábitats pelas
espécies nos diferentes períodos do ano, a fim de se obter informações que auxiliem no
8
estabelecimento de estratégias de conservação dessas aves. Há escassez de trabalhos específicos
sobre Ciconiiformes no Brasil (Willis, 1995; Petry e Hoffmann, 2002; Bouton e Frederick, 2003;
Gimenes e Anjos, no prelo) e o presente estudo é o primeiro que temos registro analisando
quantitativamente o uso dos hábitats de forrageamento por toda a comunidade local.
O objetivo deste trabalho foi analisar a estrutura e composição da comunidade de
Ciconiiformes nos hábitats de forrageamento da planície alagável do alto rio Paraná e possíveis
variações sazonais na seleção destes pelas espécies registradas, além de avaliar as flutuações
populacionais sazonais das espécies nos hábitats estudados.
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
O trecho estudado (22°40’S a 22°52’S e 53°12’W a 53°38’W) situa-se a uma altitude de
cerca de 230 m (Maack, 1981). O clima da região, de acordo com o sistema de Köeppen, é
classificado como Cfa (clima tropical-subtropical) com temperatura média anual de 22°C (média
no verão de 26°C e no inverno de 19°C) e precipitação média anual de 1500 mm (Centrais
Elétricas do Sul do Brasil, 1986). O nível hidrométrico do rio Paraná na região em 2002 e 2003
foi mais alto entre meados de janeiro e o final de abril, com diversos pulsos de inundação de
curta duração nessa fase. Durante o segundo semestre de 2003, o nível hidrométrico foi
levemente mais alto do que no mesmo período de 2002, em alguns breves momentos atingindo a
faixa entre 3 a 3,5 m, na qual a água começa a ultrapassar o dique marginal e conectar o rio à
vegetação lateral e à algumas lagoas isoladas (Fig. 1). A área está inserida na região
fitoecológica da Floresta Estacional Semidecidual (limite oeste da Mata Atlântica), sendo que os
trechos desprovidos de florestas são caracterizados por campos, pastagens, zonas arbustivas,
pântanos, várzeas e corpos d’água permanentes ou temporários, com a presença de espécies
9
vegetais características do Cerrado e do Chaco em algumas regiões (Campos e Souza, 1997).
Nível Hidrométrico (m)
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
4,0
4,5
5,0
5,5
6,0
JAN
FEV
MAR
ABR
MAI
JUN
JUL
AGO
SET
OUT
NOV
DEZ
JAN
FEV
MAR
ABR
MAI
JUN
JUL
AGO
SET
OUT
NOV
DEZ
Figura 1. Nível hidrométrico do alto rio Paraná na área de estudo de janeiro de 2002 a dezembro
de 2003. Dados obtidos junto à Estação Hidrométrica de Porto São José.
Quatro categorias de hábitats de forrageamento dos Ciconiiformes foram consideradas
neste estudo (Apêndice 1): rios, canais (corpos d’água semi-lóticos que conectam dois rios ou
dois trechos de um mesmo rio, com largura em torno de 20 a 30 m), lagoas fechadas (sem
conexão com rios ou canais, exceto durante os pulsos de cheia) e lagoas abertas
(permanentemente conectadas aos rios ou canais). O número de unidades amostrais em cada
categoria de hábitat foi 3, 4, 13 e 16, respectivamente (Fig. 2). Exceto uma pequena lagoa
fechada que secou completamente em uma ocasião, todas as unidades amostrais são corpos
d’água permanentes, mesmo na seca. A profundidade média nas lagoas alcançou de 0,39 a 3,9 m,
nos canais de 1,3 a 3,2 m e na área amostral dos rios de cerca de 3 a 7 m (Souza-Filho e Stevaux,
2002). Em todas as unidades amostrais (exceto duas lagoas fechadas muito pequenas na seca) os
níveis de declividade das margens são tais que apenas a periferia é rasa o bastante para permitir a
presença de Ciconiiformes. O sedimento de fundo varia de arenoso com cascalho a argiloso com
acúmulo de matéria orgânica (Stevaux et al., 1997). Macrófitas aquáticas flutuantes livres
10
(Eichhornia crassipes, Salvinia auriculata, entre outras), enraizadas (Eichhornia azurea,
Polygonum acuminatum, entre outras) e submersas (Utricullaria sp e Cabomba sp) ocupam
diferentes proporções dos corpos d’água, cobrindo totalmente alguns deles esporadicamente. As
margens podem ser cobertas pela várzea (Panicum prionitis, Paspalum conspersum, Eleocharis
sp, Fimbristylis autumnalis, entre outras) ou por florestas (Cecropia pachystachya, Croton
urucurana, Inga vera, Peschiera australis, entre outras) (Souza et al., 1997), encontrando-se
desde secas até completamente alagadas, conforme a fase do pulso de inundação do rio Paraná.
Informações adicionais sobre a área de estudo encontram-se em Vazzoler et al. (1997a) e a
descrição detalhada de cada unidade amostral está em Souza-Filho e Stevaux (2002).
Figura 2. Trecho do alto rio Paraná abrangido neste estudo com a localização das unidades
amostrais: rios (2. Ivinhema, 15. Baía e 34. Paraná), canais (6. Ipoitã, 13. Curutuba, 21. Baía e
25. Cortado), lagoas fechadas (3. Ventura, 4. Zé do Paco, 8. Capivara, 10. Jacaré, 12. Cervo, 14.
11
Traíra, 17. Fechada, 18. Pousada das Garças, 20. Aurélio, 27. Osmar, 31. Genipapo, 32. Clara e
35. Pousada) e lagoas abertas (1. Peroba, 5. Boca do Ipoitã, 7. Patos, 9. Finado Raimundo, 11.
Sumida, 16. Guaraná, 19. Porcos, 22. Maria Luiza, 23. Gavião, 24. Onça, 26. Pombas, 28.
Manezinho, 29. Bilé, 30. Leopoldo, 33. Pau-Véio e 36. Garças).
Disponibilidade de presas
Informações sobre a disponibilidade de presas (somente peixes) para os Ciconiiformes nas
categorias de hábitats abrangidas neste estudo foram obtidas a partir dos levantamentos
vinculados ao Programa Ecológico de Longa Duração-Site 6 (PELD/CNPq/NUPÉLIA), da
Universidade Estadual de Maringá, que monitora a planície alagável do alto rio Paraná desde o
ano de 2000. As amostragens foram conduzidas em períodos do ano concomitantes às
amostragens da avifauna (ver Métodos), exceto em maio e novembro/dezembro de 2003, quando
não houve amostragens de peixes no PELD. Dois métodos de coleta de peixes foram usados:
redes de arrasto (empregado na região periférica dos corpos d’água) nas lagoas abertas e lagoas
fechadas e redes de espera (empregado em regiões mais profundas) nas lagoas abertas, lagoas
fechadas e rios. Não houve amostragens de peixes nos canais em 2002 e 2003, embora tenha
havido nos dois anos anteriores. A abundância referente às capturas nas redes de arrasto foi
expressa em densidade (número de indivíduos em 100 m
2
de área arrastada), enquanto que a
abundância referente às capturas nas redes de espera foi expressa em captura por unidade de
esforço (CPUE), ou seja, número de indivíduos em 1000 m
2
de rede em 24 hs. Devido a essas
diferentes unidades utilizadas, os resultados dos dois métodos não podem ser analisados
conjuntamente. Para o presente estudo foram considerados apenas os peixes com até 30 cm de
comprimento, aproximadamente o tamanho máximo capturado pelas maiores espécies de
Ciconiiformes (Willard, 1985). Para maior detalhamento dos métodos de amostragem da
ictiofauna no PELD, ver Júlio Jr. et al. (2000).
12
Nas amostragens com redes de arrasto as lagoas abertas sempre tiveram maior densidade
de peixes do que as lagoas fechadas. No entanto, em fevereiro/março dos dois anos, períodos de
menor densidade geral, a diferença foi mínima. Em maio de 2002 houve forte aumento na
densidade geral em relação ao período anterior e, no decorrer do ano, a diferença entre os dois
hábitats aumentou devido à progressiva queda da densidade nas lagoas fechadas (Fig. 3). Nas
amostragens com redes de espera verificou-se menor CPUE geral também no período
fevereiro/março dos dois anos, com aumento da CPUE em maio de 2002 (exceto nos rios) e
acentuada queda nas lagoas fechadas posteriormente, ao contrário do aumento observado nas
lagoas abertas e rios (Fig. 3).
Redes de Arrasto
Fe/Ma02 Mai02 Ag/Se02 No/De02 Fe/Ma03 Ag/Se03
0
50
100
150
200
250
300
350
400
Densidade
Lagoas abertas
Lagoas fechadas
Redes de espera
Fe/Ma02 Mai02 Ag/Se02 No/De02 Fe/Ma03 Ag/Se03
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
CPUE
Lagoas abertas
Lagoas fechadas
Rios
Figura 3. Variação sazonal na densidade e CPUE médias (± erro padrão) de peixes coletados em
redes de arrasto e de espera, respectivamente, nos hábitats de forrageamento dos Ciconiiformes
abrangidos neste estudo.
Métodos
Foram realizadas amostragens trimestrais dos Ciconiiformes em 2002 e 2003
(fevereiro/março, maio, agosto/setembro e novembro/dezembro). Em cada período foram
conduzidas uma amostragem e uma repetição (dias diferentes) para cada unidade amostral. O
13
método de contagem foi a transecção com lancha (rios, canais e lagoas abertas) ou a pé (lagoas
fechadas), conforme Bibby et al. (1992), por meio da qual os corpos d’água foram contornados e
todos os indivíduos presentes identificados e registrados. As transecções tiveram início sempre
uma hora após o nascer do sol. Indivíduos localizados em uma faixa de até cerca de 5 m fora dos
corpos d’água foram incluídos, enquanto que aqueles vistos sobrevoando-os não, a menos que
tenham sido observados dali partindo ou pousando. Todos os corpos d’água foram amostrados
por inteiro, exceto os rios e o canal Baía. A taxonomia e os nomes científicos e populares
seguiram o Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (2005).
Para avaliar a estrutura e composição da comunidade de Ciconiiformes nos hábitats de
forrageamento, foi utilizada a análise de correspondência com remoção do efeito do arco (DCA;
Gauch Jr., 1986; Jongman et al., 1995), aplicada sobre a matriz de dados da abundância (número
de contatos) das espécies de Ciconiiformes nas unidades amostrais em cada um dos oito períodos
de estudo e com a abundância total de cada unidade amostral (nove DCAs no total). Os dois
primeiros eixos foram retidos para interpretação devido a explicarem a maior parte da
variabilidade dos dados. Os cálculos foram efetuados através do programa PC-ORD (McCune e
Mefford, 1997). Foram aplicadas análises de variância (ANOVA unifatorial) sobre os escores
dos eixos da DCA retidos para interpretação, utilizando-se as quatro categorias de hábitats como
fator, a fim de verificar se o posicionamento dos hábitats diferiu na ordenação. O teste a
posteriori de Tukey foi aplicado quando a ANOVA foi significativa, para identificar quais
hábitats apresentaram médias de escores diferentes. Nos casos em que os escores da DCA não
cumpriram os pressupostos da normalidade (teste de Shapiro-Wilk) e da homocedasticidade
(teste de Levene) necessários para a ANOVA, foi utilizada a análise de variância não-
paramétrica (Kruskal-Wallis), seguida pelo teste de comparações múltiplas para dados não-
paramétricos de amostras com tamanhos diferentes (teste de Dunn). O teste G foi utilizado para
verificar se houve diferença significativa na abundância de cada espécie entre os diferentes
14
períodos amostrais. Em todas as análises foi adotado o nível de significância de α = 0,05.
A seleção dos hábitats pelas espécies de Ciconiiformes nos diferentes períodos do estudo
foi analisada através do índice de seletividade de Ivlev, modificado por Jacobs (1974) e utilizado
por Fasola (1986) e Wong et al. (2001) para avaliar seleção de hábitats em ardeídeos: “E = (r –
p) / (r + p)”, onde “r” é a razão entre o número de indivíduos em um hábitat e o número total de
indivíduos e “p” é a razão entre a área disponível deste hábitat e a área total analisada. “E” varia
de -1 (seleção negativa) a 1 (seleção positiva); valores próximos a zero refletem o uso do hábitat
em proporção a sua disponibilidade. Como em praticamente todos os corpos d’água a atividade
de forrageamento para a maioria das espécies esteve limitada à periferia em virtude da
profundidade, esperou-se que o perímetro das lagoas e o comprimento dos rios e canais fossem
melhores indicadores da disponibilidade de hábitat do que a área, fato confirmado pela relação
mais forte da abundância total de aves com o perímetro e comprimento (r de Pearson = 0,64; P <
0,001) do que com a área (r de Pearson = 0,60; P < 0,001). Assim, o perímetro das lagoas e o
comprimento do trecho amostral dos rios e canais multiplicados por dois foram usados como
indicadores da disponibilidade de hábitat (canais: 68,578 km, rios: 38,994 km, lagoas abertas:
50,919 km e lagoas fechadas: 14,177 km). A área, perímetro e comprimento dos corpos d’água
foram obtidos a partir de fotos aéreas (Souza-Filho e Stevaux, 2002).
RESULTADOS
Estrutura e composição da comunidade
Foram registradas 15 espécies de Ciconiiformes na planície alagável do alto rio Paraná
(Tab. 1 e Apêndice 2). A garça-real (Pilherodius pileatus) não foi registrada nas unidades
amostrais e não está incluída nas análises. Considerando-se a abundância de todo o período
amostral, nove das 14 espécies tiveram o maior número de contatos nas lagoas abertas, que
15
também apresentaram a maior riqueza de espécies. Os rios e lagoas fechadas apresentaram as
menores riquezas de espécies e os menores números de contatos para a maioria das espécies
(Tab. 1). Os registros de Bubulcus ibis, Syrigma sibilatrix e Theristicus caudatus podem ser
considerados casuais, pois todos têm como hábitats de forrageamento característicos áreas mais
secas, raramente forrageando em corpos d’água (Kushlan et al., 1985; Del Hoyo et al., 1992;
Frederick e Bildstein, 1992). Assim, o caráter esporádico dos registros e a abundância baixa
verificada para as três espécies (Tab. 1) talvez não reflitam seu verdadeiro status na região e,
devido a essa possível falsa raridade ter forte influência nas ordenações das análises
multivariadas, elas não foram incluídas.
Tabela 1. Riqueza e abundância das espécies de Ciconiiformes nas quatro categorias de hábitats
de forrageamento. O valor entre parênteses representa a abundância expressa em porcentagem.
ESPÉCIES
LAGOAS
ABERTAS
LAGOAS
FECHADAS
RIOS
CANAIS
Ardea cocoi (garça-moura)
316 (51)
76 (12)
36 (6)
190 (31)
Ardea alba (garça-branca-grande) 191 (62) 50 (16) 7 (2) 61 (20)
Egretta thula (garça-branca-pequena) 440 (76) 31 (5) 46 (8) 64 (11)
Bubulcus ibis (garça-vaqueira) 1 (25) 3 (75) 0 0
Syrigma sibilatrix (maria-faceira) 4 (80) 0 0 1 (20)
Butorides striata (socozinho) 707 (62) 51 (5) 71 (6) 303 (27)
Nycticorax nycticorax (socó-dorminhoco) 60 (21) 11 (4) 47 (17) 164 (58)
Tigrisoma lineatum (socó-boi) 110 (38) 37 (13) 14 (5) 131 (44)
Mycteria americana (cabeça-seca) 16 (73) 1 (4) 0 5 (23)
Ciconia maguari (maguari) 4 (100) 0 0 0
Jabiru mycteria (tuiuiú) 6 (60) 0 0 4 (40)
16
Mesembrinibis cayennensis (coró-coró) 2 (22) 0 0 7 (78)
Platalea ajaja (colhereiro) 64 (89) 0 0 8 (11)
Theristicus caudatus (curicaca) 0 0 4 (100) 0
Número de espécies 13 8 7 11
Na DCA realizada com os valores totais da abundância de todo o período amostral, o eixo
1 apresentou autovalor de 0,34 e o eixo 2 autovalor de 0,20. O eixo 1 separou a maioria das
lagoas fechadas das demais unidades amostrais, havendo diferença significativa na ordenação
(Kruskal-Wallis; H = 12,36; P = 0,006). O teste de Dunn indicou que a diferença foi entre as
lagoas fechadas e lagoas abertas. As espécies que mais contribuíram para a separação foram E.
thula, B. striata, M. americana e P. ajaja com abundâncias acentuadamente maiores nas lagoas
abertas e A. cocoi, T. lineatum e A. alba, que embora também tenham sido mais abundantes nas
lagoas abertas do que nas lagoas fechadas, foram as espécies com maiores porcentagens de
registros nas lagoas fechadas (Tab. 1 e Fig. 4). No eixo 2 não houve diferença significativa na
ordenação (ANOVA; F = 0,6; P = 0,61).
Quando as DCAs foram realizadas individualmente em cada um dos oito períodos
amostrais, em cinco deles não houve diferença significativa na ordenação e os gráficos não
foram aqui apresentados. No período agosto/setembro de 2002, o eixo 1 da DCA apresentou
autovalor de 0,37 e o eixo 2 autovalor de 0,18. No eixo 1 houve diferença significativa na
ordenação (Kruskal-Wallis; H = 11,18; P = 0,01). O teste de Dunn novamente indicou diferença
entre as lagoas abertas e lagoas fechadas. Ardea cocoi, T. lineatum e N. nycticorax foram as
principais espécies das lagoas fechadas, embora só a última tenha sido mais abundante ali do que
nas lagoas abertas. As lagoas abertas foram caracterizadas pela bem mais alta abundância de E.
thula e B. striata, além de M. americana, J. mycteria e P. ajaja só terem sido registradas ali
neste período (Apêndice 3 e Fig. 4). No eixo 2 não houve diferença significativa na ordenação
(Kruskal-Wallis; H = 0,8; P = 0,8).
17
No período novembro/dezembro de 2002, o eixo 1 da DCA apresentou autovalor de 0,32 e
o eixo 2 autovalor de 0,21. No eixo 1 não houve diferença significativa na ordenação (Kruskal-
Wallis; H = 4,46; P = 0,21). No eixo 2 houve diferença significativa (Kruskal-Wallis; H = 21,16;
P = 0,0001), com o teste de Dunn indicando diferença das lagoas fechadas com as lagoas abertas
e rios. Nas lagoas fechadas foram registradas apenas 4 espécies, todas com abundância muito
baixa, sendo A. cocoi, A. alba e T. lineatum as principais. As lagoas abertas foram caracterizadas
pela abundância bem maior do que os outros hábitats de E. thula, B. striata e P. ajaja e pela
presença exclusiva de M. americana e C. maguari. As principais espécies dos rios foram B.
striata e N. nycticorax (Apêndice 3 e Fig. 4).
Em agosto/setembro de 2003, o eixo 1 da DCA apresentou autovalor de 0,32 e o eixo 2
autovalor de 0,24. No eixo 1 não houve diferença significativa na ordenação (Kruskal-Wallis; H
= 5,87; P = 0,11). No eixo 2 houve diferença significativa (ANOVA; F = 6,32; P = 0,0027), com
o teste de Tukey indicando diferença das lagoas fechadas com as lagoas abertas e canais. A
principal espécie das lagoas fechadas foi T. lineatum. Egretta thula novamente teve abundância
bem maior nas lagoas abertas e A. cocoi foi a principal componente dos canais (Apêndice 3 e
Fig. 4).
Abundância Total
-80 -60 -40 -20 0 20 40 60 80 100 120 140
DCA 1
-80
-60
-40
-20
0
20
40
60
80
100
120
DCA 2
Rios
Canais
Lagoas abertas
Lagoas fechadas
20
10
8
4
12
14
35
18
17
27
3
34
2
15
6
13
21
25
1
5
7
9
11
16
19
22
23
24
26
28
29
30
33
36
Abundância Total
-150 -100 -50 0 50 100 150 200
DCA 1
-400
-300
-200
-100
0
100
200
300
400
500
600
DCA 2
P. ajaja
C. maguari
E. thula
B. striata
J. mycteria
M. cayennensis
N. nycticorax
A. cocoi
T. lineatum
A. alba
M. americana
18
Agosto/Setembro 2002
-150 -100 -50 0 50 100 150 200 250
DCA 1
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
50
100
150
DCA 2
2
15
34
13
25
6
21
3
18
17
10
12
14
20
1
5
7
9
11
16
19
23
24
33
29
30
26
22
36
Agosto/Setembro 2002
-200 -100 0 100 200 300 400 500
DCA 1
-300
-200
-100
0
100
200
300
DCA 2
N. nycticorax
T. lineatum
A. cocoi
A. alba
B. striata
E. thula
J. mycteria
P. ajaja
M. americana
Novembro/Dezembro 2002
-100 -80 -60 -40 -20 0 20 40 60 80 100 120 140
DCA 1
-200
-150
-100
-50
0
50
100
150
DCA 2
2
15
34
6
13
21
25
9
33
36
19
30
1
5
24
7
11
22
26
29
28
23
16
10
18
14
3
8
17
20
Novembro/Dezembro 2002
-200 -100 0 100 200 300 400 500
DCA 1
-300
-200
-100
0
100
200
300
400
DCA 2
A. cocoi
A. alba
E. thula
B. striata
N. nycticorax
T. lineatum
M. americana
P. ajaja
M. cayennensis
J. mycteria
C. maguari
Agosto/Setembro 2003
-200 -150 -100 -50 0 50 100 150 200 250 300
DCA 1
-200
-150
-100
-50
0
50
100
150
200
250
300
DCA 2
15
34
6
13
21
25
12
10
8
3
14
17
18
20
1
5
7
9
11
19
22
23
24
29
30
36
33
Agosto/Setembro 2003
-300 -200 -100 0 100 200 300
DCA 1
-200
0
200
400
600
800
1000
1200
DCA 2
A. alba
E. thula
A. cocoi
T. lineatum
N. nycticorax
M. americana
B. striata
Figura 4. Ordenações resultantes das análises de correspondência com remoção do efeito de arco
realizadas com os valores totais da abundância das espécies de Ciconiiformes de todo o período
amostral e de cada período separadamente (códigos dos locais conforme Fig. 2).
19
Flutuações populacionais e seleção de hábitat
Considerando-se todas as categorias de hábitats em conjunto, houve variação sazonal
significativa na abundância das espécies de Ciconiiformes registradas forrageando na área de
estudo (Fig. 5). Egretta thula (G = 572,15; P < 0,01) e B. striata (G = 633,55; P < 0,01) tiveram
suas maiores e menores abundâncias em períodos opostos. A variação na abundância de B.
striata foi muito consistente entre os dois anos, sendo pouco registrada em maio e
agosto/setembro, crescendo em fevereiro/março e principalmente em novembro/dezembro.
Egretta thula foi abundante em maio e agosto/setembro (porém, em 2003 já apresentou queda
neste período), utilizando menos a área em novembro/dezembro de 2002 e praticamente
desaparecendo em novembro/dezembro de 2003 e em fevereiro/março nos dois anos.
Ardea cocoi (G = 87,76; P < 0,01) e A. alba (G = 97,13; P < 0,01) apresentaram variações
sazonais na abundância bastante semelhantes entre si. Em 2002, houve poucos contatos em
fevereiro/março, com tendência crescente no decorrer do ano. Em 2003, esta tendência foi
interrompida por uma queda em agosto/setembro. Nycticorax nycticorax (G = 148,27; P < 0,01)
apresentou, nos dois anos, uma progressiva queda na abundância de fevereiro/março até
agosto/setembro, com aumento no número de contatos em novembro/dezembro. Tigrisoma
lineatum (G = 71,54; P < 0,01) teve variação sazonal na abundância muito inconsistente entre os
dois anos. Em 2002, o número de contatos cresceu no decorrer do ano, enquanto que em 2003 as
maiores abundâncias foram nos dois primeiros períodos, com forte queda posteriormente.
Mesembrinibis cayennensis (G = 18,97; P < 0,01), com apenas 9 contatos, só foi registrada em
fevereiro/março e novembro/dezembro.
Mycteria americana (G = 54,66; P < 0,01), P. ajaja (G = 158,81; P < 0,01) e J. mycteria
(G = 15,84; P < 0,05) apresentaram em comum o fato de terem sido registradas apenas em quatro
dos oito períodos e nunca em fevereiro/março. As duas primeiras espécies, em 2002, tiveram
suas maiores abundâncias nos dois últimos períodos do ano e em 2003 apresentaram forte pico
20
de abundância em maio. Jabiru mycteria, sempre com poucos indivíduos registrados, teve maior
abundância em novembro/dezembro nos dois anos. Ciconia maguari, B. ibis, S. sibilatrix e T.
caudatus tiveram 5 ou menos contatos, inviabilizando análises mais concretas sobre suas
sazonalidades (Apêndice 3).
Em 2002, o número de espécies registradas cresceu no decorrer do ano (7, 8, 9 e 12),
enquanto que em 2003 houve uma queda nos dois últimos períodos (9, 10, 8, 8) (Apêndice 3).
F/M 02
Mai 02
A/S 02
N/D 02
F/M 03
Mai 03
A/S 03
N/D 03
0
50
100
150
200
250
300
350
400
Abundância
E . thula
B . striata
F/M 02
Mai 02
A/S 02
N/D 02
F/M 03
Mai 03
A/S 03
N/D 03
0
20
40
60
80
100
120
140
Abundância
A . cocoi
A . alba
J. mycteria
F/M 02
Mai 02
A/S 02
N/D 02
F/M 03
Mai 03
A/S 03
N/D 03
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Abundância
N. nycticorax
T. lineatum
M. cayennensis
F/M 02
Mai 02
A/S 02
N/D 02
F/M 03
Mai 03
A/S 03
N/D 03
0
10
20
30
40
50
Abundância
M. americana
P . ajaja
Figura 5. Variação sazonal na abundância (número de contatos) das espécies de Ciconiiformes
registradas nas unidades amostrais, considerando-se todas as categorias de hábitats em conjunto.
Quando o uso dos hábitats foi analisado em função de sua disponibilidade, o índice de
21
seletividade de Ivlev mostrou que E. thula e B. striata sempre selecionaram positivamente as
lagoas abertas em detrimento dos outros hábitats, que foram rejeitados ou poucas vezes usados
aproximadamente conforme sua disponibilidade. As exceções foram apenas períodos em que as
espécies foram pouco abundantes na área: fevereiro/março de 2003 para E. thula e
agosto/setembro de 2003 para B. striata, que tamm selecionou positivamente as lagoas
fechadas na ocasião. Mycteria americana e J. mycteria, em três dos quatro períodos em que
foram registradas, também selecionaram positivamente as lagoas abertas e negativamente os
outros hábitats. A exceção para M. americana foi agosto/setembro de 2003, quando o único
registro do período foi em uma lagoa fechada e para J. mycteria foi novembro/dezembro de
2003, quando só foi registrada nos canais. Ciconia maguari e P. ajaja selecionaram
positivamente as lagoas abertas em todos os períodos quando registradas, com ampla rejeição
dos outros hábitats (Apêndice 3).
Ardea cocoi, A. alba e T. lineatum não demonstraram clara preferência por uma única
categoria de hábitat durante o período de estudo. Em comum, todos apresentaram forte rejeição
pelos rios e, no caso de A. alba e em menor grau A. cocoi, também pelos canais. Estas duas
espécies tenderam a selecionar positivamente as lagoas, mas não mantiveram preferência
constante entre as abertas ou fechadas durante o período de estudo. Tigrisoma lineatum tendeu a
usar os canais, lagoas abertas e lagoas fechadas aproximadamente conforme sua disponibilidade,
exceto quando teve acentuada rejeição pelas lagoas fechadas em fevereiro/março de 2003 e
quando teve forte seleção positiva por este hábitat em fevereiro/março de 2002 e
agosto/setembro dos dois anos (Apêndice 3).
Nycticorax nycticorax e M. cayennensis tenderam a selecionar positivamente os canais,
exceto nos períodos de menor abundância para ambas as espécies e em maio e
novembro/dezembro de 2002 para N. nycticorax, quando utilizou mais as lagoas abertas e rios,
respectivamente. Como já mencionado, B. ibis, S. sibilatrix e T. caudatus utilizaram os hábitats
22
estudados casualmente (Apêndice 3), limitando qualquer inferência sobre a seleção destes
hábitats pelas três espécies.
DISCUSSÃO
A variação sazonal do nível hidrométrico é uma característica chave na determinação dos
padrões ecológicos vigentes na área de estudo, fato típico de planícies alagáveis (Junk et al.,
1989). Embora o regime hidrológico do rio Paraná na região tenha sido profundamente alterado
devido à ação das barragens a montante, nos dois anos deste estudo ficou caracterizado um
período de cheia entre meados de janeiro e o final de abril, ainda que constituído por pulsos
irregulares de curta duração. Tem sido verificado que o período de cheia é o de maior
produtividade da ictiofauna em planícies alagáveis (Loftus e Eklund, 1994; Vazzoler et al.,
1997b), porém o alto grau de conectividade entre os diferentes corpos d’água e destes com a
vegetação circundante faz com que os peixes estejam bastante dispersos na planície, promovendo
um efeito homogeneizador entre os diferentes hábitats. Daí decorreram as baixas densidades e
CPUEs registradas nos corpos d’água no período, que foram um tanto semelhantes entre os
diferentes hábitats. Com o abaixamento do nível hidrométrico, os peixes tornaram-se menos
dispersos, proporcionando aumento imediato na densidade e CPUE em maio e progressiva
diferenciação entre as categorias de hábitats no decorrer do ano, principalmente nas lagoas
fechadas, onde o isolamento impediu a colonização e ocorreu acentuado empobrecimento.
Os resultados deste estudo indicaram que esse processo influenciou no comportamento de
uso dos hábitats de forrageamento pela comunidade de Ciconiiformes. Nas DCAs, não houve
diferenças significativas entre as categorias de hábitats na estrutura e composição da comunidade
de Ciconiiformes na cheia (fevereiro/março), quando da homogeneização proporcionada pelo
pulso de inundação e em maio, quando as lagoas fechadas ainda continham alta densidade e
23
CPUE de peixes, apesar de já estarem isoladas. Diferenças na estrutura e composição da
comunidade foram verificadas nos períodos de seca, sempre envolvendo as lagoas fechadas,
caracterizadas pela progressiva queda na quantidade de peixes. A ocorrência de alguns pulsos no
segundo semestre de 2003 pode ter propiciado a entrada de peixes em algumas lagoas fechadas e
elevado suas densidades e CPUEs, o que talvez tenha contribuído para não haver diferença
significativa na DCA em novembro/dezembro daquele ano. A hipótese não pôde ser confirmada
devido a não realização de amostragem da ictiofauna neste período. Herremans (1999) observou
maiores diferenças entre os hábitats na composição das comunidades de aves aquáticas na seca
em áreas úmidas da Botswana, quando muitas espécies tenderam a concentrar-se nas poucas
manchas de alta qualidade, enquanto outras usaram maior variedade de hábitats. Assim, embora
o oportunismo seja a característica predominante nos Ciconiiformes, em determinadas condições
ambientais é possível notar diferenças entre as espécies na forma de exploração do hábitat de
forrageamento (Fasola, 1994; Smith, 1997b).
Dentre os hábitats abrangidos no presente estudo, as lagoas abertas podem ser
consideradas como as manchas de melhor qualidade no período amostral em termos de
disponibilidade de presas, mediante alguma cautela na interpretação. Na mesma área, Gimenes e
Anjos (no prelo) verificaram que as amostragens com redes de arrasto na região litorânea das
lagoas forneceram melhor estimativa da disponibilidade de presas para os Ciconiiformes do que
as amostragens com redes de espera em regiões mais profundas, devido aos peixes capturados
nos dois métodos apresentarem diferenças na vulnerabilidade à predação por aves. A não
realização de amostragens com redes de arrasto nos rios e canais pode limitar um pouco a
afirmação inicial. Porém, nas lagoas abertas foi registrada a maior riqueza total de espécies de
aves e também na maioria dos períodos amostrais, assim como a maior abundância para a
maioria das espécies, o que é um forte indício da melhor qualidade desta categoria de hábitat.
24
Egretta thula, M. americana, P. ajaja e em menor grau J. mycteria foram as espécies mais
dependentes das manchas de melhor qualidade, pois selecionaram claramente as lagoas abertas e
abandonaram a região na cheia, quando o alto nível hidrométrico promoveu escassez de hábitats
adequados ao forrageamento. Espécies com técnicas de forrageamento tátil (M. americana e P.
ajaja) ou tátil-visual (J. mycteria) têm demonstrado serem mais dependentes de manchas com
baixa profundidade e alta densidade de presas para otimizar seu forrageamento do que as
espécies com técnicas visuais (Kushlan et al., 1985; Gaines et al., 1998). Estas quatro espécies
têm plumagem branca ou branco-rosado (P. ajaja) e forrageiam socialmente, duas características
estreitamente relacionadas evolutivamente (Beauchamp e Heeb, 2001). Há boas evidências de
que estas características reduzem o tempo de busca por manchas de alta qualidade, sendo
especialmente úteis em ambientes onde os recursos são efêmeros e irregularmente distribuídos,
como as planícies alagáves (Kushlan, 1976b, 1981). Egretta thula tem sido verificada como a
primeira espécie a localizar as manchas de alta qualidade, agindo como catalisadora das
agregações (Caldwell, 1981), das quais é altamente dependente em períodos de alta demanda
energética (Erwin, 1985; Master et al., 1993). Espécies com técnicas de forrageamento tátil ou
mais ativas, como E. thula (Kushlan, 1976a; Grant, 1993), são as que mais se beneficiam com o
forrageamento social (Kushlan, 1978; Erwin, 1983). As agregações propiciam aumento no
sucesso de forrageamento (Kushlan, 1978; Cezilly et al., 1990; Master et al., 1993; Battley et al.,
2003) e queda no risco de predação (Caldwell, 1986), mas dependem da qualidade das manchas
para serem eficientes (Cezilly et al., 1990). Baseado nas respostas à manipulação do nível
hidrométrico e da densidade de peixes em experimentos em Everglades (EUA), Gawlik (2002)
também verificou que E. thula e M. americana estiveram entre as espécies mais restritas no uso
do hábitat, selecionando as melhores manchas e abandonando-as rapidamente após a queda de
sua qualidade.
25
No outro extremo estiveram A. alba, A. cocoi e principalmente T. lineatum, que
demonstraram não ser tão dependentes das manchas de melhor qualidade e se mantiveram na
área na cheia, embora, no geral, com menor abundância. As DCAs demonstraram que essas
espécies foram as principais das lagoas fechadas, hábitat caracterizado por baixa quantidade de
peixes. Características comportamentais, morfológicas e de dieta permitem a essas espécies
explorarem manchas de menor qualidade. As três espécies são forrageadoras estritamente
visuais, o que minimiza os efeitos negativos da baixa densidade de presas (Kushlan et al., 1985).
Todas apresentam técnicas de forrageamento passivas e defendem territórios (Del Hoyo et al.,
1992), características que não torna tão proveitoso a elas participarem das agregações que se
formam normalmente nas manchas de melhor qualidade (Kushlan, 1978, 1981; Erwin, 1983). As
pernas longas de A. alba e A. cocoi possibilitam-nas explorar locais mais profundos e o bico
relativamente grande das três espécies permitem-nas capturar vários tamanhos de presas
(Kushlan, 1978). Tigrisoma lineatum freqüentemente forrageia entre a vegetação de várzea
circundante aos corpos d’água. Pulsos de cheia moderados que tornem esses locais alagados, mas
com baixa profundidade, podem favorecê-la em função da proliferação de presas. Os motivos da
grande diferença na abundância desta espécie nos mesmos períodos entre os dois anos são uma
incógnita. No estudo de Gawlik (2002), A. alba e Ardea herodias (congênere norte-americana de
A. cocoi), embora apresentassem certa preferência pelas melhores manchas, se mantiveram nelas
mesmo com a queda de sua qualidade.
Essas diferenças entre os dois grupos de espécies fazem com que sejam distintamente
afetados por alterações antropogênicas em seu ambiente. Como as manchas de alta qualidade
normalmente são efêmeras, irregularmente distribuídas e ocupam pequena fração da paisagem
em um dado momento, as espécies mais dependentes destas são mais susceptíveis a redução da
área da planície ou a alterações do regime hidrológico que venham a diminuir a qualidade dos
locais de forrageamento. Não por acaso as quatro espécies aqui registradas com maior restrição
26
no uso dos hábitats vêm apresentando maior declínio nas grandes planícies que têm sofrido
fortes alterações antropogênicas, como Everglades (Hoffman et al., 1994; McCrimmon et al.,
1997; Strong et al., 1997) e os Llanos venezuelanos (González, 1996a, 1997).
A seleção de hábitats por C. maguari e B. striata parece ser bastante influenciada pela
densidade de presas e não tão limitada pela profundidade, pois selecionaram claramente as
lagoas abertas e utilizaram a área na cheia. Nos Llanos meridionais venezuelanos, González
(1996b) verificou que C. maguari manteve densidade uniforme o ano todo, mesmo na cheia,
diferentemente dos outros dois membros sul-americanos da família. A espécie é uma
forrageadora visual, de hábitos solitários e técnicas de forrageamento relativamente passivas
(Kushlan et al., 1985; Del Hoyo et al., 1992), características que associadas às longas pernas
permitem a exploração de maiores profundidades. Butorides striata freqüentemente forrageou
sobre o emaranhado de macrófitas aquáticas em águas profundas, comportamento típico da
espécie (Kushlan et al., 1985; Willard, 1985; Del Hoyo et al., 1992) que a permitiu explorar
amplamente a área na cheia.
A tendência de N. nycticorax e M. cayennensis selecionarem os canais está mais ligada ao
fato destes locais apresentarem em grande parte de sua extensão uma faixa contínua de mata
ciliar. Nycticorax nycticorax é um forrageador noturno e, embora em algumas regiões ele
forrageie também diurnamente (Fasola, 1986), aqui todos os indivíduos registrados estavam
empoleirados nas árvores às margens dos corpos d’água. Como é comum a espécie realizar
grandes deslocamentos diários das colônias ou poleiros até os locais de forrageamento (Custer e
Osborn, 1978), não foi possível saber se eles estavam utilizando os canais também como local de
forrageamento ou apenas como poleiro. A forte queda na abundância da espécie em
agosto/setembro possivelmente deveu-se ao deslocamento dos indivíduos às áreas de nidificação,
como ocorre no Pantanal nesse período (Willis, 1995). Mesembrinibis cayennensis tem como
hábitat típico de forrageamento na cheia florestas ciliares alagadas, como constatado nos Llanos
27
(Frederick e Bildstein, 1992). Não foi possível determinar qual hábitat apresentou maior
densidade de presas para esta espécie, pois ela não se alimenta de peixes (Del Hoyo et al., 1992).
Quando o uso dos hábitats foi avaliado em função de sua disponibilidade, os canais e
principalmente os rios foram rejeitados pela maioria das espécies. Caldwell (1986) verificou no
Panamá que vários Ciconiiformes só trocaram locais de águas lênticas por locais de águas mais
agitadas mediante ameaça de predadores, o que pode estar associado a maior dificuldade de
pescaria. Assim, independente da disponibilidade de presas, os canais e principalmente os rios
podem não ser hábitats de alta qualidade para os Ciconiiformes.
A considerável riqueza de espécies de Ciconiiformes e a presença daquelas com exigência
de hábitats de alta qualidade (inclusive com E. thula tendo alta abundância em alguns períodos),
indicaram que a área de estudo ainda representa um importante local de forrageamento para
essas aves, apesar dos recentes impactos antropogênicos. A área pode ter especial significado
para M. americana e P. ajaja, duas importantes espécies do ponto de vista conservacionista. É
sabido que a população de M. americana do Pantanal abandona a área em novembro, no início
da cheia, utilizando o rio Paraná como corredor de migração até as áreas alagadas do Rio Grande
do Sul e Argentina, retornando em abril ou maio (CEMAVE, dados não publicados). Antas
(1994) acredita que a população pantaneira de P. ajaja siga M. americana nesse movimento, já
que as duas espécies são intimamente associadas no forrageamento e nidificação. Os picos de
abundância de ambas registrados em maio de 2003 sugerem que a área de estudo, último
remanescente de planície alagável na região, sirva como único local significativo de
forrageamento para essas aves durante esse movimento migratório.
As estratégias de manejo visando um realçamento da área como local de forrageamento
para os Ciconiiformes passam pela manutenção do regime hidrológico o mais próximo possível
ao natural. A escassez de hábitats adequados ao forrageamento e a baixa vulnerabilidade dos
peixes tornam as planícies alagáveis inóspitas aos Ciconiiformes na cheia (Kushlan et al., 1985;
28
Powell, 1987; Custer et al., 1996; Bjorklund e Holm, 1997), como demonstrado pela acentuada
queda na abundância da maioria das espécies na área de estudo. Porém, é fundamental a
ocorrência da cheia no período correto e de forma regular (não formada por pulsos rápidos) para
estimular a reprodução de grande parte da ictiofauna (Gomes e Agostinho, 1997) e a migração
das formas jovens para os ambientes lênticos da planície, que se tornam berçários de alevinos
(Vazzoler et al., 1997b). Isso propiciaria maior estoque de pequenos peixes nas lagoas, sobretudo
nas fechadas, melhorando a qualidade deste hábitat como local de forrageamento para as aves no
decorrer do ano. É importante a tomada de medidas que mantenham os bancos de macrófitas
aquáticas e vegetação circundante aos corpos d’água, fundamentais para as espécies que
permanecem na área na cheia como suporte em águas profundas, além de abrigarem rica fauna
de pequenos peixes e invertebrados (Sánchez-Botero et al., 2003). As espécies que não se
adaptam aos altos níveis hidrométricos têm o recurso da migração ou utilização de hábitats
alternativos não abrangidos neste estudo, que seriam áreas mais afastadas lateralmente aos rios e
com menor profundidade, como várzeas, brejos e poças rasas, que devem ser incluídos como
área de conservação.
Finalmente, o progressivo recuo natural do nível hidrométrico que ocorre após a cheia e
vai até o final da seca não deve ser interrompido com pulsos fora de hora, pois isso interfere no
processo de concentração de presas nos corpos d’água. Em Everglades, o fato vem promovendo
sérios efeitos negativos ao sucesso reprodutivo de vários Ciconiiformes graças à queda de
qualidade dos locais de forrageamento (Russel et al., 2002). No presente estudo, no segundo
semestre de 2003, houve forte queda na abundância de E. thula em relação ao mesmo período do
ano anterior e M. americana e P. ajaja não foram registrados na área, o que pode estar
relacionado ao mais alto nível hidrométrico e ocorrência de pulsos neste ano.
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42
Apêndice 1. Paisagens da região do alto rio Paraná, com enfoque especial para as categorias de
hábitats de forrageamento dos Ciconiiformes: 1. pastagens na margem esquerda; 2. planície
alagável na margem direita, com destaque para o rio Ivinhema e uma lagoa aberta (Patos); 3.
canal Curutuba; 4. conexão do rio Baia à lagoa aberta Guaraná; 5. lagoa fechada; 6. rio Baia.
1 2
3 4
5 6
43
Apêndice 2. Espécies de Ciconiiformes registradas na planície alagável do alto rio Paraná.
Ardea cocoi Ardea alba Egretta thula
Bubulcus ibis Syrigma sibilatrix Pilherodius pileatus
Butorides striata Nycticorax nycticorax Tigrisoma lineatum
44
Mycteria americana Ciconia maguari Jabiru mycteria
Platalea ajaja Mesembrinibis cayennensis
Theristicus caudatus
45
Apêndice 3. Variação sazonal do índice de seletividade de Ivlev, do número de contatos (entre parênteses) e do número de espécies de
Ciconiiformes registrados nas diferentes categorias de hábitats (LA: lagoas abertas; LF: Lagoas fechadas; RI: rios; CA: canais) no período de
estudo.
FEVEREIRO/MARÇO
MAIO
AGOSTO/SETEMBRO
NOVEMBRO/DEZEMBRO
LA LF RI CA LA LF RI CA LA LF RI CA LA LF RI CA
2002 0,2 (12) 0,3 (5) -0,2 (5) -0,2 (8) 0,4 (55) 0 (7) -0,6 (5) -0,4 (14) 0,3 (45) 0,1 (9) -0,7 (4) 0 (33) 0,3 (80) 0 (11) -0,5 (11) -0,3 (31)
Ardea cocoi 2003 0,2 (26) -0,2 (3) -0,7 (2) 0,1 (27) 0,3 (40) 0,2 (9) -0,7 (3) -0,1 (26) 0,3 (29) 0,1 (5) -0,6 (3) -0,1 (18) 0 (29) 0,6 (27) -0,7 (3) -0,1 (33)
2002 0,3 (11) 0,3 (3) -1 -0,3 (4) 0,3 (16) -0,1 (2) -1 0 (11) 0,2 (19) 0,4 (7) -0,4 (4) -0,3 (9) 0,4 (25) 0,1 (4) -1 -0,2 (10)
Ardea alba 2003 0 (2) 0,6 (2) -0,2 (1) -0,2 (2) 0,4 (43) 0,1 (7) -0,8 (2) -0,4 (12) 0,3 (20) 0,5 (9) -1 -0,3 (8) 0,4 (55) 0,4 (16) -1 -0,7 (5)
2002 0,3 (2) -1 0,1 (1) -0,2 (1) 0,4 (84) 0,1 (12) -0,5 (9) -0,6 (12) 0,5 (138) -0,3 (7) -0,5 (14) -0,6 (17) 0,5 (44) -1 -0,4 (5) -1
Egretta thula 2003 -1 -1 0,6 (3) -1 0,4 (119) -0,4 (5) -0,6 (8) -0,4 (27) 0,4 (51) 0,1 (7) -0,5 (6) -0,6 (7) 0,5 (2) -1 -1 -1
2002 - - - - - - - - - - - - - - - -
Bubulcus ibis 2003 -1 0,8 (3) -1 -1 - - - - 0,5 (1) -1 -1 -1 - - - -
2002 - - - - - - - - - - - - - - - - Syrigma
sibilatrix 2003 - - - - 0,5 (4) -1 -1 -1 - - - - -1 -1 -1 0,4 (1)
2002 0,3 (105) 0,1 (17) -0,6 (11) -0,2 (48) 0,4 (44) -0,4 (2) -0,4 (6) -0,4 (10) 0,3 (22) -0,6 (1) -0,1 (8) -0,2 (12) 0,4 (243) -0,9 (1) -0,5 (25) -0,3 (82) Butorides
striata 2003 0,3 (87) -0,2 (8) -0,5 (12) -0,1 (50) 0,4 (32) -0,3 (2) -0,8 (1) -0,2 (11) 0,4 (31) 0,5 (10) -0,8 (1) -1 0,3 (143) -0,3 (10) -0,8 (7) 0 (90)
2002 -0,4 (5) -0,5 (1) -1 0,4 (30) 0,4 (20) -1 -0,3 (3) -0,5 (4) -0,3 (1) 0,8 (5) -1 -1 -0,1 (12) -1 0,4 (29) -0,3 (12) Nycticorax
nycticorax 2003 -0,3 (13) -0,2 (4) -0,2 (12) 0,2 (47) -0,8 (2) -1 -1 0,4 (56) 0,4 (2) -1 -1 -0,1 (1) -0,2 (5) -0,3 (1) -0,3 (3) 0,2 (14)
Tigrisoma 2002 -0,4 (1) 0,5 (2) -1 0,2 (5) 0 (9) 0,1 (3) -0,8 (1) 0,2 (18) 0,1 (17) 0,4 (9) -1 0,1 (22) 0,2 (23) -0,1 (4) -0,8 (1) 0,1 (26)
46
lineatum 2003 0,1 (17) -0,4 (2) -0,4 (5) 0,1 (27) 0,2 (27) 0 (5) -0,4 (5) -0,1 (19) 0 (6) 0,7 (9) -0,4 (2) -0,5 (3) 0,2 (10) 0,2 (3) -1 0,1 (11)
2002 - - - - - - - - 0,5 (3) -1 -1 -1 0,5 (1) -1 -1 -1 Mycteria
americana 2003 - - - - 0,4 (12) -1 -1 -0,1 (5) -1 0,8 (1) -1 -1 - - - -
2002 - - - - 0,5 (1) -1 -1 -1 - - - - 0,5 (1) -1 -1 -1 Ciconia
maguari 2003 0,5 (2) -1 -1 -1 - - - - - - - - - - - -
2002 - - - - - - - - 0,5 (1) -1 -1 -1 0,5 (4) -1 -1 -0,3 (1) Jabiru
mycteria 2003 - - - - 0,5 (1) -1 -1 -1 - - - - -1 -1 -1 0,4 (3)
2002 -1 -1 -1 0,4 (2) - - - - - - - - -0,3 (1) -1 -1 0,4 (5) Mesembrinibis
cayennensis 2003 0,5 (1) -1 -1 -1 - - - - - - - - - - - -
2002 - - - - 0,5 (2) -1 -1 -1 0,5 (7) -1 -1 -1 0,5 (14) -1 -1 -0,4 (3)
Platalea ajaja 2003 - - - - 0,5 (41) -1 -1 -0,6 (5) - - - - - - - -
2002 - - - - - - - - - - - - -1 -1 0,6 (4) -1 Theristicus
caudatus 2003 - - - - - - - - - - - - - - - -
2002 6 5 3 7 8 5 5 6 9 6 4 5 11 4 5 8 Número de
espécies 2003 7 6 6 5 10 5 5 8 7 6 4 5 6 5 4 7
47
CAPÍTULO 2
VARIAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL NA SOCIABILIDADE DE
FORRAGEAMENTO DA GARÇA-BRANCA-GRANDE (Ardea alba)
E DA GARÇA-BRANCA-PEQUENA (Egretta thula) (AVES-
CICONIIFORMES) NA PLANÍCIE ALAGÁVEL DO ALTO RIO
PARANÁ, BRASIL.
48
RESUMO
Foi analisada a possível influência da disponibilidade de presas sobre a sociabilidade de
forrageamento da garça-branca-grande (Ardea alba) e da garça-branca-pequena (Egretta thula)
em escala espaço-temporal nas lagoas da planície alagável do alto rio Paraná. Duas categorias de
hábitats de forrageamento foram consideradas: lagoas abertas e lagoas fechadas. Informações
sobre a disponibilidade de presas (peixes) nos hábitats de forrageamento foram obtidas ao longo
do período amostral. Foram realizadas amostragens trimestrais das aves em 2002 e 2003, a pé ou
com o auxílio de uma lancha. Para cada indivíduo observado foi registrado se estava forrageando
solitariamente ou em agregações. Ardea alba foi uma forrageadora solitária na maioria das
oportunidades e não houve clara influência da densidade de presas neste comportamento. A
espécie utiliza técnicas de forrageamento passivas, o que talvez não torne proveitoso participar
das agregações, nas quais a agitação das demais aves provoca grande movimentação das presas.
Na escala espacial, E. thula confirmou a hipótese da tendência ao forrageamento social nos
hábitats com maior disponibilidade de presas, no caso as lagoas abertas. A alta plasticidade da
espécie em termos de técnicas de forrageamento, muitas das quais bastante ativas, é tida como a
razão pela qual ela se adapta tão bem às agregações. Porém, na escala temporal, a espécie tendeu
a forragear socialmente principalmente nos períodos de alta demanda energética e quando os
batedores estiveram presentes na área de estudo. Parte dos resultados deste estudo indicou que a
idéia do realçamento do local não implica na exclusão da facilitação social e vice-versa, com os
dois fatores podendo atuar em conjunto.
49
ABSTRACT
Potential influence of prey availability on the foraging sociability of Great White Egret (Ardea
alba) and Snowy Egret (Egretta thula) in a spatial-temporal scale on the lagoons of the
floodplain of upper river Paraná, Brazil, was analyzed. Two foraging habitats were considered:
connected lagoons and disconnected lagoons. Data on prey availability (fish) in the foraging
habitats along the sampling period were obtained. Quarterly samplings of birds were conducted
in 2002 and 2003, by foot or by boat. For each observed individual was registered if it was
foraging solitarily or in aggregations. Ardea alba was a solitary forager in most of the cases and
there was not clear influence of prey density on this behavior. The passive foraging techniques
used by the species may not be profitable if it feeds in aggregations, where the birds agitation
provokes great prey movement. Spatially, E. thula confirmed the hypothesis of the tendency to
the social foraging in the habitats with higher prey availability (connected lagoons). The high
adaptability of the species to aggregations has been credited to its high plasticity in terms of
foraging techniques, many of them very active. However, temporally, the species tended to
forage socially mainly during periods of high energetic demand and when the beaters were
present in the study area. Part of the results this study indicates that the idea of local
enhancement doesn't imply in the exclusion of social facilitation and vice-versa, with the two
factors could act together.
50
INTRODUÇÃO
A formação de agregações nos hábitats de forrageamento é um fato comum entre os
Ciconiiformes e explicado em função de possíveis benefícios em relação ao forrageamento
solitário. Dentre estes, destacam-se maior proteção contra predadores (Caldwell, 1986),
decréscimo do tempo de busca por manchas de alta qualidade (Kushlan, 1976b; Erwin, 1983),
maior sucesso de captura (Krebs, 1974; Caldwell, 1981; Erwin, 1983; Cezilly et al., 1990) e
redução do gasto de energia no forrageamento (Kushlan, 1978). Duas linhas de pensamento
tentam interpretar esses benefícios: 1) as agregações simplesmente formam-se nas manchas de
melhor qualidade e os benefícios não advêm do forrageamento social por si próprio, mas sim da
escolha do local, fato conhecido por realçamento do local (Krebs, 1974; Caldwell, 1981; Cezilly
et al., 1990); 2) as agregações otimizam seu forrageamento ativamente por meio do distúrbio das
presas graças à agitação das aves, fato conhecido por facilitação social (Master et al., 1993;
Battley et al., 2003). Porém, uma limitação de grande parte dos estudos em ambientes naturais,
especialmente em planícies alagáveis, é não disporem de uma quantificação da densidade de
presas nos locais de formação das agregações, além de não avaliarem o comportamento social
dessas aves durante todas as fases do regime hidrológico.
O rio Paraná é o décimo maior do mundo em descarga e o quarto em área de drenagem
(5,0 x 10
8
m
3
/ano; 2,8 x 10
6
km
2
, respectivamente), percorrendo cerca de 3800 km e drenando
todo o centro-sul da América do Sul (Agostinho et al., 1995). A bacia do rio Paraná tem sofrido
forte impacto humano, principalmente desflorestamento e construção de barragens. O trecho de
230 km entre a foz do rio Paranapanema (principal afluente) e o município de Guaíra (PR), no
alto rio Paraná, é o único segmento significativo em território brasileiro que permanece livre de
barragens (Agostinho et al., 1994). Ainda que a construção de barragens a montante tenha
alterado o regime natural do rio na região (cheia de novembro a maio e seca de junho a outubro),
51
o pulso de inundação continua sendo a principal função de força que atua sobre as comunidades
locais (Thomaz et al., 1997). Neste trecho, a margem esquerda (Estado do Paraná), graças à
razoável elevação do terreno, tem restritas áreas alagáveis e a paisagem predominante são
pastagens. A margem direita (Mato Grosso do Sul) apresenta baixa elevação do terreno, havendo
uma ampla planície alagável, onde se anastomosam numerosos canais secundários, lagoas e rios
(Souza-Filho e Stevaux, 1997). O conhecimento da disponibilidade de presas nesses hábitats nas
diferentes fases do regime hidrológico permite analisar, em ambiente natural, a importância desta
no comportamento social de forrageamento das espécies de Ciconiiformes locais.
O objetivo deste trabalho foi avaliar a possível influência da disponibilidade de presas
sobre a sociabilidade de forrageamento da garça-branca-grande (Ardea alba) e da garça-branca-
pequena (Egretta thula) em escala espaço-temporal na planície alagável do alto rio Paraná. O
trabalho partiu da hipótese de que maior número de indivíduos de ambas as espécies tendem a
forragear socialmente quando e onde há maior disponibilidade de presas.
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
O trecho estudado (22°40’S a 22°52’S e 53°12’W a 53°38’W) situa-se a uma altitude de
cerca de 230 m (Maack, 1981). O clima da região, de acordo com o sistema de Köeppen, é
classificado como Cfa (clima tropical-subtropical) com temperatura média anual de 22°C (média
no verão de 26°C e no inverno de 19°C) e precipitação média anual de 1500 mm (Centrais
Elétricas do Sul do Brasil, 1986). O nível hidrométrico do rio Paraná na região em 2002 e 2003
foi mais alto entre meados de janeiro e o final de abril, com diversos pulsos de inundação de
curta duração nessa fase. Durante o segundo semestre de 2003, o nível hidrométrico foi
levemente mais alto do que no mesmo período de 2002, em alguns breves momentos atingindo a
52
faixa entre 3 a 3,5 m, na qual a água começa a ultrapassar o dique marginal e conectar o rio à
vegetação lateral e à algumas lagoas isoladas (Fig. 1). A área está inserida na região
fitoecológica da Floresta Estacional Semidecidual (limite oeste da Mata Atlântica), sendo que os
trechos desprovidos de florestas são caracterizados por campos, pastagens, zonas arbustivas,
pântanos, várzeas e corpos d’água permanentes ou temporários, com a presença de espécies
vegetais características do Cerrado e do Chaco em algumas regiões (Campos e Souza, 1997).
Nível Hidrométrico (m)
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
4,0
4,5
5,0
5,5
6,0
JAN
FEV
MAR
ABR
MAI
JUN
JUL
AGO
SET
OUT
NOV
DEZ
JAN
FEV
MAR
ABR
MAI
JUN
JUL
AGO
SET
OUT
NOV
DEZ
Figura 1. Nível hidrométrico do alto rio Paraná na área de estudo de janeiro de 2002 a dezembro
de 2003. Dados obtidos junto à Estação Hidrométrica de Porto São José.
Duas categorias de hábitats de forrageamento de E. thula e A. alba foram consideradas
neste estudo: lagoas fechadas (sem conexão com rios ou canais, exceto durante os pulsos de
cheia) e lagoas abertas (permanentemente conectadas aos rios ou canais). O número de unidades
amostrais em cada categoria de hábitat foi 11 e 15, respectivamente (Fig. 2). Exceto uma
pequena lagoa fechada que secou completamente em uma ocasião, todas as unidades amostrais
são corpos d’água permanentes, mesmo na seca. A profundidade média nas lagoas variou de 0,39
a 3,9 m (Souza-Filho e Stevaux, 2002) e os níveis de declividade das margens são tais que
apenas a periferia é rasa o bastante para permitir a presença das garças, exceto em duas lagoas
53
fechadas muito pequenas na seca. O sedimento de fundo varia de arenoso com cascalho a
argiloso com acúmulo de matéria orgânica (Stevaux et al., 1997). Macrófitas aquáticas flutuantes
livres (Eichhornia crassipes, Salvinia auriculata, entre outras), enraizadas (Eichhornia azurea,
Polygonum acuminatum, entre outras) e submersas (Utricullaria sp e Cabomba sp) ocupam
diferentes proporções das lagoas, cobrindo totalmente algumas delas esporadicamente. As
margens podem ser cobertas pela vetação de várzea (Panicum prionitis, Paspalum conspersum,
Eleocharis sp, Fimbristylis autumnalis, entre outras) ou por florestas (Cecropia pachystachya,
Croton urucurana, Inga vera, Peschiera australis, entre outras) (Souza et al., 1997),
encontrando-se desde secas até completamente alagadas, conforme a fase do pulso de inundação
do rio Paraná. Informações adicionais sobre a área de estudo encontram-se em Vazzoler et al.
(1997a) e a descrição detalhada de cada unidade amostral está em Souza-Filho e Stevaux (2002).
Figura 2. Trecho do alto rio Paraná abrangido neste estudo com a localização das unidades
54
amostrais: lagoas fechadas (2. Ventura, 3. Zé do Paco, 6. Capivara, 8. Jacaré, 10. Cervo, 11.
Traíra, 13. Fechada, 14. Pousada das Garças, 16. Aurélio, 21. Osmar e 25. Pousada) e lagoas
abertas (1. Peroba, 4. Boca do Ipoitã, 5. Patos, 7. Finado Raimundo, 9. Sumida, 12. Guaraná, 15.
Porcos, 17. Maria Luiza, 18. Gavião, 19. Onça, 20. Pombas, 22. Leopoldo, 23. Bilé, 24. Pau-
Véio e 26. Garças).
Disponibilidade de presas
Informações sobre a disponibilidade de presas (somente peixes) para as garças nas
categorias de hábitats abrangidas neste estudo foram obtidas a partir dos levantamentos
vinculados ao Programa Ecológico de Longa Duração-Site 6 (PELD/CNPq/NUPÉLIA), da
Universidade Estadual de Maringá, que monitora a planície alagável do alto rio Paraná desde o
ano de 2000. As amostragens foram conduzidas em períodos do ano concomitantes às
amostragens das aves (ver Métodos), exceto em maio e novembro/dezembro de 2003, quando
não houve amostragens de peixes no PELD. Nas coletas foram usadas redes de arrasto na região
litorânea das lagoas e a abundância referente às capturas foi expressa em densidade (número de
indivíduos em 100 m
2
de área arrastada). Para o presente estudo foram considerados apenas os
peixes com até 20 cm de comprimento, aproximadamente o tamanho máximo capturado por A.
alba, a maior espécie estudada (Smith, 1997). Para maior detalhamento do método de
amostragem da ictiofauna no PELD ver Júlio Jr. et al. (2000).
Exceto em fevereiro/março de 2003, as lagoas abertas sempre apresentaram maior
densidade de peixes do que as lagoas fechadas. Em fevereiro/março dos dois anos foi registrada
a menor densidade geral e a diferença entre os dois hábitats foi pequena, assim como em maio de
2002. Houve forte aumento na densidade geral em maio de 2002 em relação ao período anterior
e, nos dois últimos períodos do ano, a diferença entre os hábitats aumentou devido à progressiva
queda da densidade nas lagoas fechadas (Fig. 3).
55
Fe/Ma02 Mai02 Ag/Se02 No/De02 Fe/Ma03 Ag/Se03
0
50
100
150
200
250
300
350
Densidade
Lagoas abertas
Lagoas fechadas
Figura 3. Variação sazonal na densidade média (± erro padrão) de peixes coletados nas lagoas
abertas e fechadas.
Métodos
Foram realizadas amostragens trimestrais das aves em 2002 e 2003 (fevereiro/março,
maio, agosto/setembro e novembro/dezembro). Em cada período foram conduzidas uma
amostragem e uma repetição (dias diferentes) para cada unidade amostral. O método de
contagem foi a transecção com lancha (lagoas abertas) ou a pé (lagoas fechadas), conforme
Bibby et al. (1992), por meio da qual os corpos d’água foram contornados e todos os indivíduos
presentes identificados e registrados. As transecções tiveram início sempre uma hora após o
nascer do sol. Indivíduos localizados em uma faixa de até cerca de 5 m fora dos corpos d’água
foram incluídos, enquanto que aqueles vistos sobrevoando-os não, a menos que tenham sido
observados dali partindo ou pousando. Para cada indivíduo observado foi registrado se ele estava
forrageando solitariamente ou em agregações. Os indivíduos foram definidos como pertencentes
à mesma agregação quando dois ou mais indivíduos de uma única espécie ou de espécies
diferentes localizavam-se a menos de 10 m uns dos outros e moviam-se em conjunto nos locais
de forrageamento (Bennetts, 1997). As agregações em que A. alba e/ou E. thula estavam
presentes foram separadas em três classes de tamanho: 2 a 10, 11 a 20 e acima de 20 indivíduos,
56
considerando qualquer espécie de Ciconiiformes que delas fizessem parte. A taxonomia e os
nomes científicos e populares em português seguiram o Comitê Brasileiro de Registros
Ornitológicos (2005), enquanto os nomes populares em inglês seguiram Del Hoyo et al. (1992).
Os dados de abundância (número de contatos) nunca cumpriram os pressupostos de
normalidade (teste de Shapiro-Wilk) e homocedasticidade (teste de Levene) para a realização de
ANOVAS, mesmo após sua transformação em logaritmo ou raiz quadrada. Assim, para ambas as
espécies foi aplicado o teste de Mann-Whitney (U) em cada um dos períodos amostrais, visando
verificar se houve diferença significativa entre o número de contatos com indivíduos forrageando
solitariamente e em agregações. As análises foram realizadas separadamente nas lagoas abertas e
nas fechadas, utilizando cada lagoa como réplica. O teste G foi utilizado para analisar se houve
diferença significativa no número de agregações entre as três classes de tamanho em cada
período amostral. Em todas as análises foi adotado o nível de significância de α = 0,05.
RESULTADOS
O forrageamento solitário foi predominante em A. alba. Nenhum indivíduo foi registrado
forrageando em agregações na cheia (fevereiro/março) nos dois anos e em agosto/setembro de
2003. Nas lagoas fechadas, somente em agosto/setembro de 2002 e novembro/dezembro de 2003
a espécie foi registrada em agregações, mas só no último período o número de contatos foi maior
do que com indivíduos solitários, com 15 indivíduos em duas agregações. Este mesmo período
foi a única ocasião em que o número de contatos com indivíduos em agregações foi maior do que
com os solitários nas lagoas abertas, mas a diferença não foi significativa. Nos demais períodos,
o número de contatos com indivíduos solitários nas lagoas abertas sempre foi maior do que com
indivíduos em agregações, mas a diferença não foi significativa em agosto/setembro e
novembro/dezembro de 2002 (Tab. 1).
57
Tabela 1. Número de contatos com indivíduos de A. alba forrageando solitariamente e em
agregações nos períodos amostrais e os resultados do teste de Mann-Whitney (U) em cada
hábitat (LA: lagoas abertas; LF: lagoas fechadas).
Solitários
Agregações
U
P
Fev/Mar 02
LA
LF
11
3
0
0
Mai 02
LA
LF
15
2
1
0
64,50
<0,05
Ago/Set 02
LA
LF
12
6
7
1
70,00
43,50
>0,05
>0,05
Nov/Dez 02
LA
LF
17
4
8
0
71,50
>0,05
Fev/Mar 03
LA
LF
2
2
0
0
Mai 03
LA
LF
40
7
3
0
60,00
<0,05
Ago/Set 03
LA
LF
20
9
0
0
Nov/Dez 03
LA
LF
11
1
44
15
95,00
60,00
>0,05
>0,05
Egretta thula foi mais freqüentemente registrada em agregações do que A. alba. Em
fevereiro/março dos dois anos e novembro/dezembro de 2003 a espécie praticamente não usou os
hábitats estudados e os pouquíssimos contatos foram com indivíduos solitários. Em maio de
2002 houve maior número de contatos com indivíduos solitários em ambos hábitats, mas a
diferença não foi significativa, ao contrário do mesmo período em 2003, quando houve
predomínio dos indivíduos forrageando em agregações, com diferença significativa nas lagoas
58
abertas. Nos demais períodos de estudo, sempre houve maior número de contatos com indivíduos
em agregações nas lagoas abertas (diferença significativa em agosto/setembro de 2002) e todos
os indivíduos registrados nas lagoas fechadas foram solitários (Tab. 2).
Tabela 2. Número de contatos com indivíduos de E. thula forrageando solitariamente e em
agregações nos períodos amostrais e os resultados do teste de Mann-Whitney (U) em cada
hábitat (LA: lagoas abertas; LF: lagoas fechadas).
Solitários
Agregações
U
P
Fev/Mar 02
LA
LF
2
0
0
0
Mai 02
LA
LF
53
10
31
2
80,50
60,00
>0,05
>0,05
Ago/Set 02
LA
LF
10
7
128
0
63,00
<0,05
Nov/Dez 02
LA
LF
11
0
33
0
91,00
>0,05
Fev/Mar 03
LA
LF
0
0
0
0
Mai 03
LA
LF
26
3
93
2
63,50
59,50
<0,05
>0,05
Ago/Set 03
LA
LF
14
7
37
0
68,00
>0,05
Nov/Dez 03
LA
LF
2
0
0
0
Não foram registradas agregações nas lagoas abertas em fevereiro/março dos dois anos.
59
Nos outros três períodos de 2002 houve predomínio das agregações com até 10 indivíduos,
embora não tenha havido diferenças significativas (G = 5,31; 0,63 e 0,90; P > 0,05). Porém,
essas agregações pequenas, que corresponderam a 80% do total registrado em maio de 2002,
representaram uma porcentagem bem menor nos outros dois períodos do ano, quando passaram a
ser registradas também agregações com mais de 20 indivíduos. Em 2003, o cenário foi um tanto
diferente nas lagoas abertas. As agregações com mais de 20 indivíduos predominaram em maio,
mas não foram registradas no segundo semestre (Fig. 4). Não houve diferenças significativas no
número de agregações entre as três classes (G = 0,27; 3,69 e 1,24; P > 0,05).
Poucas agregações foram registradas nas lagoas fechadas e em apenas quatro períodos
amostrais. Em agosto/setembro de 2002 e em maio dos dois anos todas foram formadas por
menos de dez indivíduos. Fato peculiar ocorreu em novembro/dezembro de 2003, quando foram
registradas somente duas agregações, mas ambas com mais de 30 indivíduos (Fig. 4).
Lagoas abertas
Fe/Ma02
Mai02
Ag/Se02
No/De02
Fe/Ma03
Mai03
Ag/Se03
No/De03
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Porcentagem
2 - 10
11 - 20
mais de 20
Lagoas fechadas
Fe/Ma02
Mai02
Ag/Se02
No/De02
Fe/Ma03
Mai03
Ag/Se03
No/De03
0
20
40
60
80
100
Porcentagem
Figura 4. Porcentagem representada pelas classes de tamanho das agregações (2-10, 11-20 ou
mais de 20 indivíduos) em cada um dos períodos amostrais nas lagoas abertas e fechadas.
DISCUSSÃO
Embora o regime hidrológico do rio Paraná na região tenha sido profundamente alterado
60
devido à ação das barragens a montante, nos dois anos deste estudo ficou caracterizado um
período de cheia entre meados de janeiro e o final de abril, ainda que constituído por pulsos
irregulares de curta duração. Tem sido verificado que o período de cheia é o de maior
produtividade da ictiofauna em planícies alagáveis (Loftus e Eklund, 1994; Vazzoler et al.,
1997b), porém o alto grau de conectividade entre os diferentes corpos d’água e destes com a
vegetação circundante faz com que os peixes estejam bastante dispersos na planície, promovendo
um efeito homogeneizador entre os diferentes hábitats. Daí decorreram as baixas densidades
registradas nos corpos d’água no período, que foram um tanto semelhantes entre os diferentes
hábitats. Poucos indivíduos de A. alba e principalmente de E. thula foram registrados usando os
hábitats estudados neste período e todos forrageavam solitariamente. Em condições de baixa
vulnerabilidade das presas e uniformidade na distribuição destas no ambiente em função do alto
nível hidrométrico, pode não ser vantajoso a formação de agregações e tornar-se necessário a
defesa de territórios individuais (González, 1996, 1997). Com o abaixamento do nível
hidrométrico, os peixes tornaram-se menos dispersos, proporcionando aumento imediato na
densidade em maio e maior diferenciação entre as categorias de hábitats no restante do ano, já
que nas lagoas fechadas o isolamento impediu a colonização e ocorreu acentuado
empobrecimento. A partir de então foi possível identificar como a sociabilidade de
forrageamento das duas espécies foi influenciada pela presença de hábitats com diferentes
disponibilidades de presas.
As duas espécies têm em comum a plumagem branca, característica tida como
estreitamente relacionada evolutivamente ao forrageamento social (Beauchamp e Heeb, 2001).
Para as espécies que se beneficiam forrageando em grupos, a alta conspicuosidade da plumagem
branca serviria como um sinal de recrutamento que permitiria aos indivíduos localizar mais
facilmente outros que estivessem forrageando em locais de alta disponibilidade de presas,
fazendo com que as agregações se formassem nas melhores manchas (Armstrong, 1971;
61
Kushlan, 1976b, 1977; Caldwell, 1981; Erwin, 1983; Smith, 1995b).
Os resultados deste estudo indicaram que A. alba parece ser uma exceção ao padrão acima
descrito, sendo uma forrageadora solitária na maioria das oportunidades e sem clara influência
da densidade de presas neste comportamento. A espécie apresenta técnicas de forrageamento
passivas (Kushlan, 1976a; Del Hoyo et al., 1992), característica que possivelmente não torne
proveitoso a ela participar das agregações, onde a agitação das aves provoca grande
movimentação das presas (Kushlan, 1978, 1981). Master et al. (1993) constataram que a espécie
não teve maior sucesso de captura forrageando em agregações do que solitariamente.
Resultado atípico foi verificado em novembro/dezembro de 2003. Embora não tenha
havido diferença significativa, houve maior número de contatos com indivíduos de A. alba
forrageando socialmente, concentrados em poucas e grandes agregações. A ocorrência de alguns
pulsos no segundo semestre de 2003 pode ter propiciado a entrada de peixes em algumas lagoas
fechadas, elevando bastante suas densidades e atraído grande concentração de aves (o que não
pôde ser confirmado devido a não realização de amostragem da ictiofauna neste período). Com
essa possível alta disponibilidade de presas momentaneamente, talvez não tenha sido eficiente
para os indivíduos de A. alba defender territórios individuais como normalmente fazem.
Curiosamente, essas agregações nas lagoas fechadas foram formadas apenas por A. alba, garças-
moura (Ardea cocoi), socós-boi (Tigrisoma lineatum) e socozinhos (Butorides striata), espécies
normalmente solitárias e com técnicas passivas de forrageamento, não havendo grande agitação
no local. Na Carolina do Norte (EUA), Erwin (1983) verificou que A. alba raramente participava
das grandes agregações nas quais espécies muito ativas estavam presentes, mas formava
pequenos grupos monoespecíficos em algumas oportunidades. Os motivos do alto número de
contatos com indivíduos forrageando socialmente nas lagoas abertas neste período permanecem
uma incógnita.
Em uma escala espacial, E. thula confirmou a hipótese da tendência ao forrageamento
62
social nos hábitats com maior disponibilidade de presas, no caso as lagoas abertas. A espécie tem
sido verificada como a primeira a localizar as manchas de alta qualidade, atraindo outros
Ciconiiformes e agindo como catalisadora das agregações (Kushlan, 1977; Caldwell, 1981;
Master, 1992; Smith, 1995a; Gawlik, 2002). Master et al. (1993) verificaram que E. thula obteve
maior sucesso de captura e menor gasto de energia forrageando em agregações do que
solitariamente. A alta plasticidade da espécie em termos de técnicas de forrageamento, muitas
das quais bastante ativas (Kushlan, 1976a; Del Hoyo et al., 1992; Grant, 1993), é tida como a
razão pela qual ela se adapta tão bem às agregações (Kushlan, 1978; Erwin, 1983).
Na escala temporal a interpretação é mais complexa. Em 2002, só passou a haver maior
número de contatos com indivíduos de E. thula forrageando socialmente do que solitariamente
no período de seca (agosto/setembro). Embora não tenham sido localizadas colônias de
nidificação na área de estudo, é típico da espécie em toda sua área de distribuição geográfica
iniciar suas atividades reprodutivas no início ou no decorrer da estiagem, quando há mais
alimento disponível (Del Hoyo et al., 1992). Na fase pré-reprodutiva (quando precisam
armazenar energia) e durante a criação dos filhotes, os adultos enfrentam demanda intensa na
aquisição de alimento, tendo sido verificado por Erwin (1985) que os indivíduos da espécie
utilizavam estratégias que aumentavam a eficiência de forrageamento nesse momento, como
pode ser a troca do forrageamento solitário pelo social na área de estudo. Master et al. (1993)
observaram que E. thula começava a formar agregações em New Jersey (EUA) quando
alimentava filhotes e, baseado em dados históricos de fracassos reprodutivos em anos quando
não se formaram agregações, defendeu a idéia de que a espécie pode obrigatoriamente ser
dependente das agregações em períodos de alta demanda energética.
Em 2003 o cenário foi diferente. Já em maio houve maior número de contatos com
indivíduos de E. thula em agregações do que solitários nas lagoas abertas. O motivo pode ter
sido que neste período vários indivíduos de cabeça-seca (Mycteria americana) e colhereiro
63
(Platalea ajaja) utilizaram as lagoas abertas na área de estudo, formando algumas agregações
grandes onde E. thula normalmente foi a espécie mais numerosa. Devido a promoverem grande
agitação e desorientação dos pequenos organismos aquáticos, aumentando a disponibilidade de
presas para os componentes das agregações, algumas espécies de Ciconiiformes com técnicas de
forrageamento táteis bastante ativas, como M. americana e P. ajaja, são reconhecidas por
funcionarem como batedores nessas agregações (Erwin, 1983; Bennetts, 1997; Battley et al.,
2003). A participação nas agregações junto a esses batedores pode ser muito vantajosa para E.
thula, pois a diferença entre o número de contatos com indivíduos da espécie em agregações e
solitários só foi significativa quando eles estiveram presentes na área de estudo. Outra diferença
em relação a 2002 foi que E. thula quase não foi registrada em novembro/dezembro. A
ocorrência de pulsos irregulares no segundo semestre de 2003 pode ter interferido no processo
natural de recuo do nível hidrométrico e conseqüente concentração de presas nos corpos d’água
que ocorre após a cheia e vai até o final da seca, promovendo queda de qualidade dos locais de
forrageamento neste período. Em Everglades, o fato teve sérios efeitos negativos sobre a
população da espécie (Russel et al., 2002).
Parte dos resultados deste estudo, principalmente dos exibidos por E. thula, mostraram
uma tendência à troca do forrageamento solitário pelo social com o aumento da disponibilidade
de presas, corroborando a idéia de que as agregações formam-se nas melhores manchas
(realçamento do local). A ausência das agregações maiores (11-20 e acima de 20 indivíduos) nas
lagoas fechadas (local normalmente de menor densidade de presas) em sete dos oito períodos
amostrais e sua ocorrência nas lagoas abertas reforçaram a idéia. Porém, o aumento acentuado do
número de contatos com indivíduos de E. thula em agregações quando os batedores faziam parte
destas, assim como a ocorrência de agregações com mais de 20 indivíduos somente quando os
batedores estiveram presentes (exceto novembro/dezembro de 2003 nas lagoas fechadas) são
indicativas de que a ação das espécies mais ativas na agregação pode aumentar a disponibilidade
64
de presas (facilitação social). Dessa forma, talvez a idéia do realçamento do local não implique
na exclusão da facilitação social e vice-versa, com os dois fatores atuando em conjunto.
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