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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES
Barbara Bechelloni
A identidade cultural como fator
de integração
Comunicação, história, cultura e memória na hibridação
dos itálicos no Brasil
Dissertação apresentada à Escola de
Comunicação e Artes da Universidade
de São Paulo dentro do Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Comunicação
Orientadora: Profª Drª Maria Immacolata Vassallo de Lopes
São Paulo, janeiro 2006
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Dissertação Barbara Bechelloni
2
Folha da Banca
Presidente da Banca Prof.(a)Dr.(a)___________________________________________
Prof.(a) Dr.(a)__________________________________________________________
Prof.(a) Dr.(a)_________________________Instituição_________________________
Data____/____/____
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Dissertação Barbara Bechelloni
3
Agradecimentos
“Teus ombros suportam o mundo, e ele não
pesa mais do que a mão de uma criança”.
(Carlos Drummound de Andrade
1
)
A Universidade de São Paulo pelo proveitoso
intercâmbio acadêmico.
A Univesidade “La Sapienza” de Roma que me
concedeu bolsa de estudos para o Brasil.
A minha orientadora, Professora Maria Immacolata
Vassallo de Lopes, pela paciência e pelo incentivo.
Ao meu pai com o qual eu compartilho esta linha de
pesquisa para um mundo melhor, sem conflitos!
A quem diretamente me ajudou na revisão e nas
sugestões da dissertação dedicando-me um tempo
precioso: Maria Augusta, Cris, Euclides, Leda.
A Manuela e toda a sua família pelo carinho e a
paciência.
A todos os amigos brasileiros que enriqueceram este
caminho para além da minha vida.
1
Todas as citações e as epígrafes desta dissertação são traduzisas pela autora.
Dissertação Barbara Bechelloni
4
“Mas se ninguém tem coragem de arriscar, se ninguém
formula hipóteses audazes e de amplo fôlego, que sentido
há fazer pesquisa?”
(René Girard, (2003). Origine della cultura e fine della
storia. Dialoghi con Pierpaolo Antonello e João Cezer de
Castro Rocha, p. 109)
Talvez o nosso destino é aquele de estar eternamente em
caminho, lamentando sem fim e desejando com nostalgia,
sempre ausentes de repouso e sempre errantes.
Bendito é enfim o caminho de que não se conhece a
meta e que não menos nos obstinamos a seguir, tal a
nossa marcha neste momento através da escuridão e os
perigos sem saber o que nos espera.
(Stefan Swieg . Il Candeliere sepolto)
Dissertação Barbara Bechelloni
5
Sumário
Introdução……………………………………………………………………………....9
1. Percurso do trabalho………………………………………………………….....11
I. O problema de pesquisa, objetivos e hipóteses……………………………………..15
1. “Italicidade” e diáspora………………………………………………………..15
2. Objetivos e hipóteses…………………………………………………………..23
II. Globalização e cosmopolitismo……………………………………………………29
1. O que é a globalização através do olhar do Anthony Giddens………………..29
2. O olhar cosmopolita proposto por Ulrich Beck………………………………38
3. Cidadões do mundo segundo Giovanni Bechelloni……………………….......48
4. Uma cultura da comunicação e a preparação do outro……………………......53
III. As teorias e a terminologia das migrações…………………………………..........59
1. Alguns conceitos fundamentais das teorias das migrações…………………....59
1.1. O estrangeiro…………………………………………………………......59
1.2 A migração………………………………………………………………..61
1.3 As teorias das migrações……………………………………………….....62
2. Diasporas e migrações italianas.........................................................................67
2.1 Pequena história do termo diáspora……………………………………….67
2.2 A diáspora italiana…………………………………………………...........72
3. A Italicidade……………………………………………………………….......77
3.1 As raizes históricas e as perspectivas do conceito de italicidade…………78
IV. Configuração da imigração italiana no Brasil entre o século XIX e o século XX..86
1. As Itálias e as fases da imigração …………………………………………......86
2. As políticas brasileiras de colonização………………………………………..94
3. A colonização agrícola…………………………………………………….......97
4. As fazendas de café no Estado de São Paulo…………………………….........99
5. São Paulo: a cidade e as profissões………………………………………......102
V. Percurso metodológico e instrumentos de pesquisa……………………………...104
1. Introdução: um olhar para atrás e rumo para frente………………………….104
2. O pesquisador objeto: uma perspectiva de auto-análise ou a experiência
humana como experiência de pesquisa na pesquisa…………………………….104
3. Estratégia metodológica……………………………………………………...112
Dissertação Barbara Bechelloni
6
3.1 O recurso fotográfico…………………………………………………….115
VI. Conclusões…………………………………………………………………...….117
Refêrencia bibliográficas………………………………………………………….....122
1. Bibliografia citada no trabalho…………………………………….………....122
2. Bibliografia complementar consultada ……………………………………...131
2.1. Sobre migrações………………………………………………………...131
2.2. Teórico-metodológica ………………………………………………….135
3. Webgrafia………………………………………………………….…………137
Dissertação Barbara Bechelloni
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Resumo
Os italianos no Brasil. A questão do outro no encontro com o estrangeiro, com o
diverso de nós. Quais as características da diáspora itálica e quais as contribuções à
identidade brasileira? Uma primeira hipótese de análise da presença italiana através
dos diferentes níveis de integração que produziram a hibridação da cultura italiana
com as muitas culturas presentes no Brasil e que contribuíram à formação do
brasileiro, do Brasil e dos Brasis. Um país e um povo rico de diversidades, de misturas
e de convivências de sucesso. Italianos portanto, também, brasileiros.
Trazer elementos de reflexão para o campo do conhecimento relativo à identidade, ao
diálogo entre culturas, às hibridações culturais, à alteridade como abertura ao outro
para desenvolver relações mais comunicativas e uma possível interculturalidade.
A construção de uma base teórica a partir das teorias sobre globalização e
cosmopolitismo, passando através da evolução das teorias das migrações para a
formulação de algumas hipóteses expecíficas através da elaboração de alguns novos
conceitos como o da italicidade e dos itálicos. Planejamento de uma pesquisa empírica
de campo a partir deste trabalho de conhecimento e reflexão teórico e histórico.
Palavras-chaves
Comunicação; identidade; migrações; hibridações culturais; diáspora itálica.
Dissertação Barbara Bechelloni
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Abstract
Italian people in Brazil. The issue of the otherness in relation with the foreigner and
the alien. The caratheristics of italian diaspora and its contribution to brazilian
identity.
A first analysis on the italian presence in Brazil considering the various integration
levels producing the hibridization of the italian culture, and of the other foreigner
cultures existing in Brazil, throw the various brazilian cultures. It is also an analysis of
italian contribution to the formation of the Brazil itself, of the brazilian citizens and of
the several Brazil existing in reality.
The target is a thought on identity, cultures, cultural hibridizations, otherness as a
premise for the comprehention of the position of and for the devolopement of
interculturality.
First of all we need a comprehention of the reality of globalization, cosmopolitsm and
people migrations, secondely the formulation of a theory about italian being and way
of life. On this base some hypotesis can be formulated in order to develop an empirical
research on the issue.
Key-words
Comunication, identity, migrations, cultural hibridizations, italian diaspora.
Dissertação Barbara Bechelloni
9
INTRODUÇÃO
Uma palavra ilumina a minha pesquisa: compreender
(Marc Bloch)
Desde a minha chegada no Brasil e do projeto inicial quando a idéia era
aquela de estudar as relações culturais e comerciais entre a Itália e os brasileiros de
origem italiana até hoje, muitas coisas aconteceram e algumas idéias mudaram e se
(re)definiram.
Até o exame de qualificação, etapa preliminar necessária à defesa da
dissertação, o percurso foi marcado pela conclusão de disciplinas, fundamentais para
sugerir abordagens novas, as perspectivas dos estudos desta área no Brasil e para
esclarecer os objetivos e o percurso do meu trabalho de pesquisa. Importantes foram as
reflexões mais gerais que surgiram sobre mim mesmo e sobre o mundo. O
aprofundamento de metodologias como a da história oral e das histórias de vida,
através dos trabalhos do Professor Edvaldo Pereira Lima e da Professora Cremilda
Medina, além de referências como Vilas Boas (2002, 2003) e Thompson (2002). De
recursos como a fotografia como documento histórico e sócio-antropológico de
memória, através dos textos do Professor Boris Kossoy e o trabalho desenvolvido por
ele nas aulas. Last but not the least, o trabalho epistemológico e metodológico
desenvolvido pela Professora Maria Immacolata Vassallo de Lopes, minha
orientadora.
O trabalho feito para o exame foi muito importante, assim como o exame em
si. Para a qualificação organizei o projeto de forma muito mais estruturada
complementando-o com o trabalho feito até aquele momento. No exame, a banca
apontou a complexidade e o porte (em termos de quantidade) do trabalho,
evidenciando as dificuldades para ser desenvolvido dentro dos prazos do mestrado.
Pouco tempo para o tipo de trabalho com o risco de fazê-lo sem o rigor científico
necessário e sem dedicar o tempo certo à pesquisa empírica de campo. Acolhi esta,
como outras sugestões, e decidi prosseguir em direção mais teórica. Aprofundar esta
parte, desenvolvendo mais as questões sobre as quais o trabalho está fundado, mais em
Dissertação Barbara Bechelloni
10
direção epistemológica e de definição e estruturação do trabalho de campo empírico
deixando uma proposta de pesquisa empírica a ser desenvolvida num eventual
doutorado.
Apesar desta ser a dissertação final de um percurso de mestrado, não se pode
dizer que seja um trabalho definitivo. Como a epistemologia e a metodologia nos
ensinam, a pesquisa está sempre em movimento, nunca chega a um ponto final,
definitivo, é sempre um processo em ato.
Dissertação Barbara Bechelloni
11
1. Percurso do trabalho
A idéia inicial veio de um conceito fundamental neste trabalho, que será mais à
frente aprofundado, de “italici” e de “italicidade(Bassetti, 2002)
2
. Não considerando
só as comunidades de italianos, ou de seus descendentes, mas todos aqueles que, sendo
também de outras origens, compartilham valores, uma maneira de viver, comida,
moda, etc. Algo como comunidade de sentimentos (Appadurai, 2001) ou comunidades
imaginadas (Anderson, 1996), grupos de pessoas que dividem entre si um sentimento
comum à volta de algumas coisas ou experiências, tendo a possibilidade de conhecer e
escolher modelos e práticas de visões diferentes, de outras pessoas em outros lugares.
Na sua primeira versão, o trabalho queria explorar as relações econômicas e
culturais entre a Itália e os brasileiros de origem italiana. Individualizando em
particular uma tipologia destas relações, classificando-as segundo critérios de
importância com relação à intensidade e à incidência dos laços com que estas relações
contribuem, para a convivência no tempo e no espaço. Algumas possíveis tipologias
poderiam ser a utilização da língua italiana para algumas atividades, como ler ou
assistir televisão, as correspondências para manter laços entre os parentes, a família e
os amigos; a compra e o uso de bens e serviços específicos; alimentos consumidos,
utilização dos meios de comunicação: telefonia, internet; viagens, parentes, nível de
instrução, tipologia de trabalho, currículos escolares, dentre outros.
Durante as primeiras fases da pesquisa bibliográfica e da exploração do campo,
o meu projeto deparou-se com a possibilidade de ser diversamente articulado para se
tornar parte inicial e pesquisa exploratória de um programa de pesquisa internacional
3
.
Este programa está se tornando possível com a participação de outras instituições
4
e
2
Piero Bassetti, eminente personalidade do mundo empresarial, político e intelectual italiano; foi o
primeiro Presidente da Região da Lombardia e, por muitos anos, presidente da Câmara de Comércio de
Milão, da União Italiana das Câmeras de Comércio e, enfim, da União das Câmaras de Comércio italianas
no mundo. É fundador do Centro di Studi Globus et Locus, uma associação com o objetivo de analisar as
relações entre global e local.
3
Como no doutorado que ganhei este ano (outubro 2005) na Universidade “La Sapienza” de Roma.
4
Como a Universidade de Florença, a Universidade “La Sapienza” de Roma, o Ministero degli Italiani
nel Mondo, o Instituto de Cultura Italiano de São Paulo, entre outros. Depois de uma primeira fase de
exploração, o projeto foi avaliado positivamente pelo Ministério e está esperando os recursos necessários
à sua continuação e atualização específica.
Dissertação Barbara Bechelloni
12
pesquisadores, e pretende promover atividades específicas de cooperação internacional
e de pesquisa histórico-sócio-antropológica, com o objetivo (meta) de construir e
difundir um conhecimento de tipo generalístico (generalista), necessário para enfrentar
o aumento da complexidade humana do mundo globalizado. Investir em cooperação
para construir imagens livres dos estereótipos, mais reais, laços mais fortes para
desenvolver relações de maior equilíbrio e cooperação, para individualizar razões de
intercâmbio econômico-cultural e político mais virtuosas do que as atualmente
existentes.
Isto se torna importante, tendo em vista que a Itália vive um momeneto em que
tem dado novo vigor às relações internacionais ligadas aos italianos no estrangeiro. É
o que demonstra, por exemplo, a aprovação da Lei que viabiliza a possibilidade de
voto para os cidadãos italianos
5
residentes no estrangeiro, que traz à tona a
complexidade das relações a necessidade de uma correta percepção das identidades, os
fenômenos e as dinâmicas nas diferentes realidades migratórias no mundo.
Portanto, com base na minha participação no programa de pesquisa
internacional, procedi à revisão do projeto de pesquisa inicial. Alguns dos indicadores
e das sugestões colocadas na sua versão originária permanecem. A partir dos conceitos
de “italicidade” e de diáspora itálicadesenvolvi outros indicadores não-estatísticos,
que serão colocados na proposta de continuação da pesquisa empírica à luz do trabalho
de exploração teórica e do campo feita para este mestrado.
Na primeira fase de pesquisa bibliográfica e de exploração do campo, tive a
oportunidade de conduzir cerca de vinte entrevistas abertas e/ou depoimentos
informais, com alguns “testemunhos estratégicos”
6
(Gianturco 2004, p. 42), das
5
Ou seja com passaporte que ateste a cidadania, independentemente do conhecimento da língua ou do
território italiano. Condição, aquela de não conhecer a língua italiana e nunca ter ido à Itália, que sabemos
ser muito freqüente no Brasil.
6
Consideradas as pessoas que ocupam posições profissionais através das quais entram em contato com
amplos segmentos da estrutura social, aquela que têm um conhecimento do problema (especialistas) ou
que fazem parte da população objeto de estudo (líderes de opinião) que têm uma visão do conjunto direta
e profunda do fenômeno. Neste caso a maioria são pessoas que ocupam cargos públicos, posições
institucionais e funções de representação e cooperação ligadas à comunidade italiana no Brasil. Entre
outros falei com: Edoardo Pollastri, Presidente da Câmera Ítalo-Brasilieira de Comércio e Indústria; Celso
Azzi, Vice-Presidente da Câmera Ítalo-Brasilieira de Comércio e Indústria; Attilio Fania, Coordenador de
Dissertação Barbara Bechelloni
13
comunidades italianas
7
no Brasil. Foram de grande ajuda para perscrutar as relações
políticas e institucionais, as opiniões e as idéias em relação à comunidade italiana e às
comunidades ítalo-brasileiras.
Apesar da pesquisa focar-se na cidade de São Paulo, o programa de pesquisa
internacional refere-se ao Brasil, portanto conforme as minhas possibilidades
financeiras e de tempo, tive a oportunidade também visitar e conhecer outras
realidades de presença italiana e itálica. Estive em Vitória, no Espírito Santo, onde
também é forte a presença italiana.
8
Neste último ano de mestrado, tive a possibilidade de ir mais vezes à Itália, onde
pude retomar um olhar externo, saindo da constante observação participante da
realidade brasileira em que estava mergulhada já há muito tempo. Ajudou-me também
retomar contato com a realidade sócio-política italiana em relação, sobretudo, a
algumas das questões aqui trabalhadas. O debate sobre a identidade italiana e a
européia, o voto para cidadãos italianos residentes no estrangeiro, as relações políticas
e culturais com o Brasil e os brasileiros. Junto com as representações através da mídia,
tanto na Itália como na França, onde ano de 2005 foi considerado o ano do Brasil
9
.
Formação e Projetos da Câmera Ítalo-Brasileira de Comércio e Indústria; Guido Clemente, Diretor do
Instituto Italiano de Cultura; Mauro Marsili, Primeiro Conselheiro Comercial da Embaixada da Itália;
Filippo La Rosa, Primeiro Secretário Comercial da Embaixada da Itália; Vanceslao Soligo, Jornalista da
Agenzia Internazionale Stampa Estero; Claudio J. Pieroni, Presidente do COMITES Comitê dos
Italianos no Exterior (São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Acre e Rondônia); Riccardo Landi,
Diretor Superintendente para o Brasil do Instituto Italiano para o Comércio Exterior; Agostino Torrano,
Vice-diretor do Instituto Italiano para o Comércio Exterior; Prof. Leonardo Prota, Editor das Editões
CEFIL e Humanidades de Londrina; Oliviero Pluviano, Diretor da Ansa do Brasil e Guianas; Bruno
Giovannetti, Diretor do Centro de Estudos Presença Italiana no Brasil; Sergio Scocci, Vice Presidente
Conselho Regional Toscani ao Estrangeiro.
7
Considero as Comunidades italianas como as várias comunidades que representam diferentes áreas
geográficas ou regiões, ou diferentes segmentos da população itálica. Considero a Comunidade itálica
como o conjunto dos italianos de origens, mais os que compartinlham os mesmos valores.
8
Em Vitória consultei documentos e livros no Arquivo do Estado e tive a oportunidade de fazer longas
entrevistas com o diretor Agostino Lazzaro, o vice-diretor Climar Franceschetto, a advogada Andressa de
Prá de origem italiana, que trabalha com pedidos de cidadania e Patrizio Diego Errini, Presidente da
Associazione degli Italiani Residenti nello Spirito Santo (AIRES). Tirei xerox de jornais, artigos e outros
materiais impressos úteis para uma percepção geral da imigração e presença italiana no Estado do Espírito
Santo. Mesmo se não utilizar este material de forma específica na dissertação, considero importante o
material e relevante a experiência para ampliar mais os instrumentos de conhecimento, indispensáveis
para uma boa análise do fenômeno.
9
Na Itália, o tema da Feira das Pequenas e Médias Editoras de 2005 foi o Brasil e em 2006, o Brasil
também vai ser o tema, da maior, Feira do Livro de Turim.
Dissertação Barbara Bechelloni
14
O que este mestrado afinal vai representar é uma base teórica para construir e
discutir os principais conceitos que aqui estarão colocados, seja através de um
indispensável e mais aprofundado trabalho empírico de campo, sobretudo de coleta de
histórias de vidas, no Brasil como em outros países, seja através de uma contínua
reflexão intelectual.
E specificamente sobre os capítulos, no primeiro explicarei esquematicamente os
dois conceitos principais, pressupostos indispensáveis: a italicidade e a diáspora.
Explicarei também o problema da pesquisa, os objetivos, propondo algumas hipóteses.
No segundo capítulo tratarei de dois macrotemas, também fundamentais na
contextualização e no processo de construção dos outros conceitos, tais como a
globalização através principalmente do ponto de vista do estudioso Anthony Giddens;
o cosmopolitismo por meio de algumas perspectivas abertas por Ulrich Beck num
debate bem mais amplo e complexo; a idéia de cidadãos do mundo, segundo o olhar e
as perspectivas do estudioso italiano Giovanni Bechelloni, chegando a delinear a idéia
de cultura da comunicação em relação à percepção da alteridade.
O terceiro capítulo trata das teorias das migrações através de alguns conceitos
como estrangeiro, migrações; voltando, também, a aprofundar, através do debate
sobre a terminologia, o conceito de diáspora e a existência de uma ou mais diásporas
italianas. Até chegar à italicidade, as raízes históricas e as perspectivas.
O quarto capítulo é de tipo histórico e tenta reconstruir, limitadamente, as
configurações da migração italiana no Brasil entre o século XIX e o século XX.
No quinto capítulo levanto a hipótese de uma das muitas possibilidades de
pesquisa empírica de campo que, a partir desta base teórica, pode ser desenvolvida.
No capítulo seis, estão algumas considerações finais.
Por fim, termino com as referências bibliográficas articuladas em obras citadas
complementares que pesquisei e com as quais trabalhei, sobre migrações na América
Latina e mais especificamente no Brasil e teóricas-metodológicas. Tais referências não
são exaustivas, mas serão úteis para o processo completo de pesquisa, tanto a realizada
como a que se seguirá.
Dissertação Barbara Bechelloni
15
I. O PROBLEMA DE PESQUISA, OBJETIVOS E HIPÓTESES
Todas as comunidades, também aquelas com maior
enraizamento local, mantêm circuitos de viagem
estruturados, que ligam os membros «em pátria» com
aqueles «que estão longe dela».
(James Clifford, Strade, p. 315)
O passado é uma construção e uma reinterpretação
constante e tem um futuro que é parte integrante e
significativa da história. …
À relação essencial presente-passado devemos, pois,
acrescentar o horizonte do futuro.
(Jacques Le Goff, História e memória, p. 25)
1. “Italicidade” e Diáspora
Dois são os principais conceitos, inovadores e controvertidos, a partir dos quais
este trabalho baseia-se: diáspora e italicidade.
1) Por que falar de itálicos e não de italianos? Segundo Bassetti (2002) as razões
são mais de tipo existencial e não de tipo “literário”, ou seja, não se originam nos
livros. Segundo as suas palavras: “nascida após uma longa experiência em diversos
papéis internacionais – de viagens pelo mundo, de encontros e contatos com
comunidades, instituições e pessoas que compartilham relações e planejamento
compartilhadas com as grandes bussiness communities ‘itálicas’ espalhadas pelo
mundo” (Bassetti, 2002). Itálicos e, portanto, italicidade no sentido cultural e não
étnico-lingüístico ou jurídico-institucional.
Mas o conceito de italicidade ainda é controvertido. cerca de quatro anos este
conceito está sendo trabalhado e estudado. Nasceu no contexto de uma pesquisa
internacional promovida pelo Centro de Estudos Globus et Locus, fundado e
Dissertação Barbara Bechelloni
16
coordenado por Piero Bassetti. Muitos pesquisadores (filósofos e historiadores,
sociólogos e antropólogos), italianos e estrangeiros colaboram com esta pesquisa
10
.
O conceito de italicidade surgiu num contexto de uma crítica radical do
paradigma dominante do século XIX, do Estado nacional que, como lembra Giovanni
Bechelloni
11
, produz reações de significado oposto: os mitos nacionalísticos da
“Grande Itália” e do Facismo ao poder
12
e os mitos miseráveis de uma “italietta”
13
sem
fôlego e sem grandezas que mandava à derrota os próprios filhos
14
, que denotam
significados negativos.
Mas também de uma pesquisa de caráter positivo, e de substância realística, para
construir relações interculturais que vão na direção de considerar as diversidades, mais
para fazê-las interagir entre si, com o objetivo de tornar viável uma sociedade aberta,
democrática e pacífica.
A italicidade constitui-se num conjunto de tradições e de competências
construídas a partir da diáspora itálica no mundo, que consente a abertura ao outro.
Tanto que seu conjunto de práticas culturais e valores não é característico dos
italianos ou dos italianos de origem; mas também de outros cidadãos, de outra cultura
e nacionalidade que compartilham estes valores porque com ele entraram em contato e
experimentaram-no a eficácia, à força.
Uma comunidade transnacional caracterizada pelos valores e os interesses
compartilhados. Todas aquelas pessoas que além do pertencer (vínculo) étnico-
10
Até hoje foram organizados seminários de pesquisa em Washington (maio e outubro de 2003) e em
Milão (junho de 2004), em colaboração com o Center for the Studies of Culture and Values da Catholic
University of America, com a Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão. Destaca-se também o
seminário ocorrido em Vilnicius, Lituânia (junho 2005), Globalization, National Identities and the
Quality of Life. As atas dos primeiros dois encontros foram publicadas, uma coordenada por Paolo Janni e
George F. McLean, The essence of Italian culture and the challenge of a global age, a outra por Piero
Bassetti e Paolo Janni, Italic Identity in Pluralistic Context. As atas do terceiro encontro serão em breve
publicadas.
11
Numa recente palestra no Congresso da Sessão de Processos Culturais da Associação Italiana de
Sociologia (2005).
12
Documentada na Itália, e não só, através de uma vasta literatura.
13
Diminutivo de Itália em sentido depreciativo em forte oposição à “Grande Itália”.
14
Como está a demonstra o enorme sucesso dos livros e dos espetáculos levados pelo mundo do jornalista
Gian Antonio Stella (2002, 2003).
Dissertação Barbara Bechelloni
17
lingüístico e da cidadania se sentem itálicos porque apreciaram e compartilharam
através do encontro com outras pessoas, com coisas (os produtos made in Italy) e com
signos (como a informação, a arte, o cinema e todos os instrumentos tecnológicos que
alimentam o nosso “imaginário coletivo”) do mundo itálico – valores e interesses desta
natureza (Bassetti, 2002). A partir da idéia de uma multiplicidade de virtudes, dos
italianos e dos itálicos ativos nos diversos lugares e na pluralidade dos papéis aos
quais chegaram através do empreendedorismo e das outras qualidades, dos outros
ingredientes culturais que provêm dos legados da milenar civilidade itálica.
Qualidades e ingredientes culturais que, como diz Bassetti e retoma Giovanni
Bechelloni são contagiosos e são somente adquiridos por outros em outras partes do
mundo, etnicamente diferentes ou simplesmente não descendentes de italianos.
É a partir desta idéia que surge a palavra itálicos, de antigas origens
“romanas”, que pode ser utilizada para indicar três diferentes tipologias de
indivíduos
15
:
a) os italianos “verdadeiros”, aqueles residentes na Itália ou no estrangeiro
que são cidadãos italianos para todos os efeitos (em tudo e por tudo), também nos
aspectos jurídicos;
b) os italianos de origem, ou seja descendentes, por parte de mãe ou de pai, de
italianos, emigrados, alguns muito tempo e instalados permanentemente,
adquirindo a cidadania e o idioma de outros países mas conservando, totalmente ou em
parte, a marca dos traços culturais originários;
c) outras pessoas, variavelmente espalhadas pelo mundo, as quais, apesar de
não ter laços parentais ou de sangue com nenhuma das duas tipologias anteriores,
adotaram, totalmente ou em parte, traços culturais italianos. Do idioma ao estilo de
vida, do amor enraizado por um ou outro dos aspectos do viver italiano (ópera,
cozinha, moda, férias, residências de férias na Itália, paixão pela arte, pela literatura ou
15
Distinção explicitada por Giovanni Bechelloni (2005), surgida num contexto de reflexões para as quais
este mesmo trabalho e o contínuo confronto, contribuiu à definição.
Dissertação Barbara Bechelloni
18
pela história italiana...), até a maneira totalmente italiana de se relacionar com a
religião católica romana.
Na Itália, os itálicos podem ser também todos os imigrantes que vêm de outros
países e que, ou compartilhavam ou começaram a compartilhar valores, estilos de
vida, sem com isso perder a própria identidade de origem, mas acrescentando-a com
um outro pertencer, um outro vínculo, criando outras identidades.
Nesta acepção os itálicos formam um grupo numeroso de homens e mulheres de
diversas formas conectados com traços visíveis, como memória histórica, memória
individual e coletiva, práticas, rituais, como estilos de vida, tradições transmitidas
através das gerações e da comunicação, como novas invenções, todas reconduzíveis de
formas diferentes às matrizes originárias da civilidade itálica. Portanto, os itálicos são
os construtores sociais da italicidade (Bechelloni G., 2005).
A italianidade leva consigo conotações nacionalísticas, que a identifica com o
Estado nacional e com a Nação italiana no sentido estrito. Tudo aquilo que não
queremos chamar à atenção. Inversamente, pretendemos atribuir ao conceito de
italicidade um maior fôlego, um significado mais universal. Retomando as raízes
antigas que são caracterizadas pela mistura entre as religiões, as culturas, os povos que
juntando-se criaram a civilização helenístico-romana onde Roma, a Roma do
imperium que leva à fundação de Constantinopla e ao nascimento da Igreja Católica,
mistura-se com Atenas e Jerusalém (além das ascendências asiáticas e africanas).
A raiz histórica da italicidade, portanto, das específicas comunidades itálicas,
está na emigração italiana pelo mundo, mas hoje é algo que vai além disso.
2) Falar de diáspora itálica significa redefinir o conceito de acordo com a
tradição que quer edificá-lo sobre dois parâmetros. O primeiro considera a diáspora
como a dispersão de um povo pelo mundo, e o segundo a traduz como a expulsão de
um povo do território que habitou por séculos. Definição tradicional com foco na
Dissertação Barbara Bechelloni
19
análise da experiência judaica que se encontra também nos dicionários
16
. A dispersão
não é necessariamente ou exclusivamente provocada ou imposta por uma força
externa
17
.
Pode-se acrescentar que por povo entende-se também qualquer formação social
distinta, caracterizada por uma identidade específica e por um difundido e comum
sentimento de pertencer a um clã familiar, uma aldeia, um povo, uma etnia etc.
Mas a nova definição, que aqui coloco para ser aplicada ao caso italiano (mas
não somente), mantém do significado tradicional a idéia de dispersão difusão no
mundo, mas elimina a idéia de expulsão. O exemplo paradigmático originário, ao qual
esta nova definição aplica-se, é constituído pelo caso do povo grego e especificamente
ateniense. Os gregos espalharam-se pelo Mediterrâneo constituindo colônias e
assentamentos na Europa, na Ásia e na África
18
.
Donna Gabaccia trabalha muito com as diásporas dos migrantes italianos a
partir da Idade Média. Fala de diásporas entendendo as muitas diásporas
contemporâneas e em movimento. As diásporas das pessoas com identidades
diferentes às vezes não definíveis como “italianas” no sentido próprio do termo. Mais
num sentido de itálicos. Tivemos diásporas de mercantes, spazzacamini, tocadores de
organetto, dos anarquistas, dos fascistas mussolinianos e mais. As diásporas dos
“localismos” (venezianos, florentinos, milaneses, genoveses, calabreses, sicilianos,
etc.) típicas das muitas identidades regionais e urbanas, que se espalharam do local ao
global.
Muito importante é evidenciar que, contrariamente à opinião de sentido
comum, estas diásporas não foram como a dos africanos, ou a dos judeus, uma
“diáspora das vitímas”. Foram relativamente poucas as vítimas entre os emigrantes
16
Definição do Dicionário da Língua Portuguesa Novo Aurélio: Do grego diáspora, “dispersão”. 1. A
diáspora dos judeus, no decorrer dos séculos. 2. Dispersão de povos por motivos políticos ou religiosos,
em virtude de perseguição de grupos dominantes intolerantes.
17
Cf. Dicionário da língua italiana Zanichelli.
18
A pesquisadora que mais tem trabalhado para formulação do conceito de diáspora é Donna R.
Gabaccia da Universidade de Pittsburgh. Veja-se Gabaccia, 2003.
Dissertação Barbara Bechelloni
20
que abandonaram a Itália. A maioria sim, saiu para melhorar as próprias condições e
tentar a sorte e não para reações políticas, religiosas ou culturais. Tiveram a
possibilidade de escolher por onde ir sem obrigações e restrições particulares. É por
isso que as diásporas italianas são mais parecidas com aquelas dos gregos antigos,
navegantes e empreendedores, as chamadas diásporas mercantis (Gabaccia 2003, p.
XX).
Este tema foi discutido ainda no ano passado durante um congresso
internacional em Turim (março de 2004), promovido pela Fundação Agnelli, que
anos hospeda o mais importante programa de pesquisa sobre a emigração italiana no
mundo
19
.
O termo diáspora não descreve o simples fato de se pertencer à uma etnia,
comunidade, nação ou a diferentes Estados-nações. Considerando que ela não se limita
a destacar alguns pedaços do corpo da comunidade ou da nação, nem quer
redistribuir geograficamente no seu entorno estes fragmentos de povo. Não é o
deslocamento de grandes fragmentos de uma comunidade no espaço. Não é uma
migração, apesar de exigir somente uma emigração. O espalhar-se da maior parte desta
comunidade, o povo, entre muitos Estados ou espaços geográficos heterogêneos. A
modalidade desta dispersão está relacionada à origem da diáspora, que não nasce só de
procura por melhores condições de vida, mas também como conseqüência de uma
mudança catastrófica. Somente em sua origem um evento que repentinamente a
gera. Por exemplo, a antiga ordem social e o sistema social cai, e esta queda e
degeneração transforma-se numa parcial ou total erradicação daquele grupo ou do seu
espaço geopolítico.
Para que uma diáspora transforme uma comunidade é necessário uma
catástrofe social. As teorias racional-utilitaristas procuram relações lineares entre o
piorar das condições de vida de um grupo social ou um povo, e o seu dispersar-se no
espaço à procura de uma melhoria. Este tipo de explicação entra em choque com as
mesmas dificuldades dos modelos lineares de previsão/agressividade aplicados às
19
Veja-se os muitos livros publicados (alguns citados nas referências bibliográficas) e a revista semestral
Altre Italie que chegou ao numero 30, e este ultimo dedicado às migrações na Europa.
Dissertação Barbara Bechelloni
21
rebeliões sociais: quase nunca a capacidade e a possibilidade da rebelião são
diretamente proporcionais ao nível de privação sofrida por um grupo.
Uma mudança catastrófica gera uma diáspora quando esta danifica símbolos
constitutivos e representações coletivas que unem um sistema social. Ou seja, quando
ameaça de desagregação não são afetadas as condições materiais de existência do
grupo, mas as representações de si mesmo como uma totalidade coesa: a sua
identidade. Neste precário equilíbrio entre o máximo da dispersão e o máximo do
sentimento do nós, a diáspora acaba sendo uma tentativa para manter a ligação ao
grupo de origem. Cria-se portanto “identidade de diáspora” (Gabaccia 2003, p. XX). A
força do nós através do paradoxo do exílio, ou seja, de uma distância que possa
garantir a persistência da memória e a infelicidade acalmadora e encorajadora da
saudade, da dor do retorno (regresso). A perda e o trauma, associados à uma dispersão
involuntária no mundo, gera aquela necessidade de desejar o retorno à pátria, para
criar um território seguro, protegido, somente o Estado-nação. A diáspora aparece,
portanto, como estratégia última em defesa da própria identidade, que apresenta várias
dimensões. Outro elemento importante na definição de diáspora.
A diáspora itálica é uma grande diáspora transnacional que, há muitos séculos,
percorre o mundo e alimenta as interconexões e as redes. E das características da
identidade de diáspora, os italianos só tinham o desejo do regresso à amada e, ao longo
do tempo, mistificada pátria. Entendendo, muitas vezes a pátria como o paese, a
cidadezinha, “o lugar, não o povo, uma nação ou um grupo com a mesma linguagem”
(Gabaccia 2003, p. XXI).
A entidade desta diáspora, o caráter global e circular das migrações italianas
revela-se muito importante nos processos de construção social, das identidades
coletivas e individuais, da história e da memória da Itália e dos países hóspedes nestas
relações transnacionais.
Não é a única diáspora que tem interessantes, peculiares e distintas
identidades, e que pode, portanto, contribuir de forma original e significativa à
construção de um mundo global mais humano e mais pacífico. Mas é esta que está na
base deste trabalho.
Dissertação Barbara Bechelloni
22
É chamada, portanto, de diáspora itálica aquele fenômeno histórico em que a
população de origem italiana espalhou-se no mundo durante o processo de migração
entre 1860 e 1960. A partir do processo de unificação da Itália, da criação de um
Estado-nação sem um verdadeiro consenso popular. O Estado italiano foi criado em
1861 para uma classe média patriótica. dois por cento da população italiana votou
nos plebiscitos da criação. Não se pode falar de uma nação moderna que
paradoxalmente pareceu formar-se com mais facilidade fora da Itália do que na Itália.
Na época do Ressurgimento de cada três nacionalistas um emigrava ao estrangeiro.
Foram anos de mudanças fundamentais dos esquemas migratórios muito antigos.
Através das migrações, a elite política entrou mais em contato com os mais humildes e
pobres da península. Diferentes eram as motivações que levavam à emigração de
diferentes categorias. Nesta época, em particular, os exilados políticos, mas também os
emigrantes à procura de trabalho, e as elites portadoras de cultura. Estes três diferentes
grupos se espalharam por diversos destinos. Aumentou a população indo para destinos
mais distantes e aumentaram as emigrações dos italianos para o estrangeiro.
Dissertação Barbara Bechelloni
23
2. Objetivos e hipóteses
De acordo com a maneira como vim construindo os dois conceitos centrais
deste trabalho, de italicidade e de diáspora tenho como objetivo central aprofundar os
aspectos teóricos-conceituais que estão na base do trabalho empírico que poderá ser
desenvolvido no doutorado ou na pesquisa internacional supra citada. Identificar os
elementos diferenciais e as pessoas diferenciais, que viabilizaram a integração, a
convivência e a hibridação.
O tema torna-se relevante em relação ao contexto da contemporaneidade em
que os problemas de integração e convivência pacífica entre diferentes povos e etnias,
culturas e religiões requerem soluções sempre mais urgentes e viáveis. Tentar procurar
os elementos que permitiram outras integrações e convivências entre outros povos e
culturas. Experiências positivas
20
.
Num momento tão complexo como este que estamos vivendo é importante
tentar entender esta complexidade, aprendendo a se colocar perante si mesmo, como
na frente dos outros, tendo os instrumentos para abrir-se, para encontrar-se com o
outro na reciprocidade das próprias diferenças e semelhanças
21
. Muitos são os
estudiosos contemporâneos que estão, de diferentes formas, tentando trabalhar à volta
de conceitos como a alteridade, a identidade, a interculturalidade, o poder de
convocação (Trupia 2002), de formas mais complexas.
Coloco aqui alguns exemplos dos autores que foram e são fundamentais
para o meu percurso de pesquisa e intelectual. Neste trabalho, tratarei, especificamente
no próximo capítulo, principalmente U. Beck, A. Giddens e G. Bechelloni.
20
Entendendo como experiências positivas, as experiências de integração, de presença e convivência não-
conflitual. Verificável também, através dos exemplos, dos dados sobre criminalidade e por dados, não-
estatísticos produzidos da observação, das histórias de vida e das biografias. Todas as informações que
permitem justificar a expressão “Italiani brava gente”.
21
Considerações surgidas ao longo das muitas conversas e colóquios durante a fase de exploração do
campo no início da pesquisa. Como o Cônsul Geral da Itália em São Paulo, o Primeiro Conselheiro da
Embaixada, o Prof. Leonardo Prota etc.
Dissertação Barbara Bechelloni
24
Partindo de Anthony Giddens (1990, 1991, 1992, 1999 e 2000), na questão das
mudanças em conseqüência da globalização, a identidade, a intimidade e as nossas
vidas. Seguindo com o Tzvetan Todorov (1982, 1989, 1995a e b, 1996) que trabalha a
questão do outro a partir da conquista da América e também através de uma reflexão
muita profunda, do ponto de vista francês, sobre a diversidade humana. Os percursos
do pertencimento a um lugar, a uma nação, os conceitos de identidade e de etnia, do
reconhecimento das diferenças, numa abordagem crítica, partindo da própria história
pessoal através da experiência dos totalitarismos e os novos riscos depois das próprias
quedas. O problema da reconstrução do passado através da memória ameaçada para
um comunicação voraz. Ulrich Beck (2000 e 2003) conhecido por trabalhar com as
questões ligadas à globalização, evidenciou mais do que outros a questão do risco, mas
também, nestes textos, a questão do cosmopolitismo como base para uma nova ordem
mundial.
Michael Maffesoli (2000) trata da questão da viagem, do afastamento da
própria casa como possibilidade de iniciação, de sair de si mesmo para se achar,
encontrar o outro, se abrir ao outro, para encontrar a si mesmo. Edgar Morin (1998,
2002 e 2003), analisa o conceito de identidade, considerando-a polimorfa, ou seja,
com muitas mais formas. Considera as identidades sociais, históricas, planetárias e até
prevendo aquelas identidades futuras. Considerando portanto as identidades como algo
de variável, mutável e plural. Giovanni Bechelloni (2002, 2003 a e b, 2004) que
trabalha com os conceitos de identidade na perspectiva da construção histórica e
sociológica da formação das identidades coletivas, em particular dos italianos. A idéia
de um cosmopolitismo responsável através do entendimento do outro e da utilização
da comunicação como recurso, uma vez que pode ser também um problema. Piero
Trupia (2002) enfoca o poder de convocação como a capacidade de se abrir ao outro,
como o genius loci da criatividade e do empreendedorismo (2003). Mauro Maldonato
(2001 e 2004), através de uma abordagem fenomenológica husserliana, trata da
identidade considerando-a, ele também, como algo que não é dado, como algo que
muda através do tempo e do espaço. A condição do estrangeiro e da alteridade.
Este trabalho torna-se relevante no momento em que se registra que as relações
entre Itália e Brasil não são proporcionais à importância que estas objetivamente
poderiam e deveriam ter na cena internacional. A quantidade de italianos,
Dissertação Barbara Bechelloni
25
descendentes e, segundo as hipóteses colocadas, de itálicos, não é proporcional à
consideração, à valorização e a abertura político-econômica e sócio-cultural entre os
dois países. São relações pouco comunicativas, no sentido que não conseguiram pôr
em comunicação as verdadeiras e profundas realidades dos dois países e das duas
culturas. Prevalecem os estereótipos negativos: de uma imigração italiana feita de
desesperados sem pátria, exilados ou expulsos; ou um Brasil carioca, de sexo e
carnaval. Estereótipos desfavoráveis às imagens recíprocas e que impedem o
desenvolvimento das relações que ajudam a reconhecer o outro e a entrar em
comunicação com o mundo dele, para que diferentes universos sociais possam se
reconhecer nas próprias diversidades, mas também nas próprias complementaridades e
semelhanças.
Num contexto mais amplo dos estudos dos italianos no mundo, países como
Estados Unidos, Canadá e Austrália tornaram-se “nós de diásporas”, lugares de
convergência, contaminação, hibridação entre diferentes culturas; “todos os lugares
sociais e culturais, nações e Estados, caracterizados por uma grande mistura de
religiões e culturas, por processos contínuos, originais e atuais, de hibridização e
contaminação” (Bechelloni G. 2004, p. 228).
Quais são, portanto, as características desta diáspora? Por que o Brasil é “nó de
diáspora” itálica? Como se adaptaram/integraram/misturaram estes milhões de
italianos? Perguntas importantes que precisam de um estudo longo e aprofundado para
serem respondidas.
Hoje muitos descendentes, apesar de pouco ou nada falar italiano, percebem
sempre mais e sempre melhor o sentido de pertencer e o orgulho pela comum origem
italiana e a percepção da história e da cultura que os liga à Itália
22
.
Uma hipótese é que o Brasil, e por alguns aspectos a Itália (hoje destino de
imigração), antecipa o possível futuro do mundo. Um mundo habitado de seres
22
Consideração, resultada evidente nas entrevistas, nos depoimentos e nas histórias, recolhidos na
primeira fase da pesquisa.
Dissertação Barbara Bechelloni
26
humanos exilados e migrantes que não são apátridas, mas filhos de várias pátrias,
potencialmente “cidadãos do mundo”.
Enfim, o encontro entre a diáspora itálica e a pluricultural diversidade
brasileira merece ser estudado. Almejando trazer elementos de reflexão para o campo
do conhecimento relativo à identidade, ao diálogo entre culturas, às hibridações
culturais, à alteridade como abertura ao outro para desenvolver relações mais
comunicativas, a uma possível interculturalidade ou mais.
Dentro das reflexões que realizei sobre estes assuntos, a questão dos italianos
no mundo e, sobretudo no Brasil, foi conduzida, com base numa bibliografia de caráter
histórico, histórico-descritivo e sociológica, somente a partir de uma percepção
negativa e “miserável” da imigração. Uma história de derrotados
23
, anti-heróis do
cotidiano. Como o exemplo de um jornalista italiano (Stella, 2003) que teve grande
sucesso com livros e ensaios sobre histórias de migrações como derrotas, tragédias,
sínteses de todos os piores estereótipos negativos
24
.
Hoje os fluxos migratórios continuam, as rotas mudaram, às vezes se
inverteram, mas continuam existindo. Da Europa às Américas, à África, à Ásia, e
destas para a Europa. Fluxos e contra-fluxos de pessoas e de culturas, de signos e
símbolos culturais até imaginários midiáticos. Procurar uma abordagem de análise
diferente em relação às migrações, na perspectiva comunicativa, torna-se necessário e
útil para uma civilização global pacífica.
Construir uma pequena cunha do maior e mais complexo programa de pesquisa
internacional, cujo objetivo de fundo é fazer confluírem diferentes e opostas tradições
de pesquisa na direção de uma contribuição à construção de relações mais
comunicativas e menos conflitivas entre os povos.
23
Trabalhos encontram-se citados nas referências bibliográficas.
24
“Lindo país, gente feia; Alarme: estamos sendo invadidos pela horda (de cor) azeitona; Tribo de
escravos estúpidos e murchos; Defecam no chão como os porcos; Católicos sujos e crédulos; Fome,
analfabetismo e violência”. Pelo contrário, para entender a ausência de base empírica destes estereótipos
negativos, é útil ler em contraposição a muito bem documentada história de Thomas Reppetto, American
Mafia – A History of its Rise to Power. New York: Henry Holt and Company. 2004.
Dissertação Barbara Bechelloni
27
Orientadas estas relações na direção de uma solução pacífica e negociada dos
conflitos entre os Estados e as culturas, podem libertá-las dos estereótipos e das
incrustações ideológicas, dos conceitos e das imagens originadas pelo nacionalismo,
pelo taylorismo, pelo fordismo e pela dominante pragmática niilista-positivista,
afirmada no mundo depois das duas trágicas guerras mundiais, da guerra fria e pelo
atual e dramático conflito de civilizações que contrapõe duas oposições
fundamentalistas: neo-liberal e islâmica. Entende-se como relações comunicativas a
capacidade de abertura e diálogo com o outro. A capacidade de entrar em contato com
o outro, com o mundo dele. Para que diferentes mundos sociais possam reconhecer-se
nas recíprocas semelhanças e diversidades.
Conhecer, observar e analisar a presença italiana através dos diferentes níveis
de integração que produziram a hibridação da cultura italiana com as muitas culturas
presentes no Brasil e que contribuíram à formação do brasileiro, do Brasil e dos
Brasis. Um país e um povo rico de diversidades, de misturas e de convivências de
sucesso. Italianos, portanto, também, brasileiros.
O objetivo é construir certos indicadores, para serem utilizados
sucessivamente, num mais profundo e extenso trabalho de equipe e de pesquisa
empírica.
Uma das hipóteses iniciais é que tenha havido integração, pacífica convivência
e hibridação.
Outra hipótese seqüencial é que os italianos emigrados, muito tempo, são
portadores de uma maior capacidade de relacionar-se com os outro. Portanto um
exemplo de possível integração e interculturalidade a partir de alguns elementos e
valores considerados itálicos. Uma mais ampla exploração nesta direção não será
conduzida neste trabalho por questões de tempo.
Alguns objetivos específicos que tentarei alcançar são:
Dissertação Barbara Bechelloni
28
1) testar, através de uma primeira exploração empírica, no contexto da
presença italiana no Brasil, do lado brasileiro da diáspora italiana, a plausibilidade da
hipótese sobre a existência da italicidade como recurso comunicativo importante para
a construção de uma sociedade aberta, livre dos preconceitos e das ideológias
impregnadas, depositadas entre os cidadãos e os povos pelas guerras globais, que
caracterizaram o terrível século XX e os totalitarismos.
2) conduzir a uma primeira, mas cuidadosa, investigação teórica, de natureza
bibliográfica, que permita um primeiro mapeamento dos trabalhos feitos, da literatura
publicada em relação ao tema dos italianos no Brasil e à formação da identidade
brasileira.
Estes objetivos podem ser a base para um futuro trabalho empírico de pesquisa
(através do doutorado ou do programa internacional), que deverá ampliar a
investigação bibliográfica, mas sobretudo colher histórias de vida de pessoas comuns
por meio da narrativa do cotidiano e depoimentos de testemunhos estratégicos
25
, todos
de origem italiana.
25
Conforme a definição já colocada na Introdução.
Dissertação Barbara Bechelloni
29
II. GLOBALIZAÇÃO E COSMOPOLITISMO
1. O que é a globalização através do olhar do Antony Giddens
Alguns anos atrás uma minha amiga que estuda a vida de
aldeia na África central fez a primeira visita em uma área
remota, onde teria que desenvolver a sua pesquisa de
campo. O dia em que chegou, foi convidada por pessoas
de a passar a noite junto com eles: esperava encontrar
as habituais diversões desta comunidade isolada, porém
encontrou-se convidada à projeção de uma fita de video
de Basic Instinct, filme que naquela época não tinha
ainda saído nas salas de Londres.
(Giddens 2001, p. 19)
Esta citação é muito significativa para introduzir o conceito de mundo que
muda, de globalização e de cosmopolitismo.
Segundo Giddens, elementos importantes não são tanto as tecnologias em si, que
sempre mais temos à disposição, mas as transformações que estas proporcionaram, das
nossas vidas em um mundo que também está em contínua tranformação,
condicionando cada coisa que fazemos ou queremos fazer. Apesar de, talvez, não
querer, estamos necessariamente mergulhados neste mundo global, e do qual,
inevitavelmente, vivemos os efeitos.
Um certo tipo de globalização pode pressupor um mundo que nós não
gostamos, ou que não nos atrai. Mas para entender para onde o mundo caminha e para
onde nós estamos indo, não podemos ignorá-lo, mas temos que vê-lo, estudá-lo, tentar
entendê-lo.
Dissertação Barbara Bechelloni
30
Já é interessante como o mesmo termo globalização tornou-se global
26
além de
ser objeto de debate em muitos países no mundo. Na Espanha e na América Latina
hispânica fala-se de globalizacíon, em Portugal e nas áreas lusófonas de globalização,
na França de mondialisation e na Alemanha de globalisierung, como em todo o
mundo anglófono fala-se de globalization. Esta popularidade, difusão rápida do termo
e do debate, criou dificuldade na clareza deste significado e produziu aquelas reações
intelectuais sobre o sentido da palavra.
O que significa globalização?
Que vivemos todos na mesma maneira, da mesma forma? Que somos todos iguais?
Nestes anos o debate, tanto acadêmico como não acadêmico, foi muito intenso.
Muitos, intelectuais, políticos, pessoas comuns, confrontaram-se sobre o que entender
com globalização.
Entre os estudiosos, Giddens define duas categorias
27
: os cépticos e os
radicais.
Os primeiros, os cépticos são aquele que põem em discussão a idéia de
globalização no seu conjunto. Para estes o discurso sobre a globalização reduz-se em
falácia porque apesar dos benefícios, das dificuldades, a economia global continua
como sempre. A maioria dos países conseguem ganhar uma pequena parte da
própria receita através do comércio exterior. Os países europeus têm intercâmbios
principalmente entre si, como igualmente fazem os outros blocos, como o Leste-
asiático, da América do Norte ou da América Latina.
Os segundos, os radicais, dizem que a globalização é algo muito concreto e os
seus efeitos são tangíveis em qualquer lado do mundo. O mercado global é muito mais
desenvolvido do que era nos anos sessenta e setenta e não considera os limites
nacionais. As nações perderam muito da própria soberania, como os políticos
perderam a maior capacidade de influenciar os eventos.
26
Ainda no começo dos anos oitenta praticamente não se usava este termo, nem na literatura acadêmica,
nem na linguagem comum.
27
Lembrando o que fez Umberto Eco com os apocalitico e os integrados em relação à televisão.
Dissertação Barbara Bechelloni
31
Como diz o japonês Kenichi Ohmae
28
, os Estados-nações não existem mais,
tornaram-se só “funções”.
Nesta distinção, Giddens diz que os cépticos tendem a colocar-se à esquerda,
mais propriamente naquela chamada de antiga esquerda. A globalização, para estes,
seria um mito, um disfarce pensado pelos defensores do livre mercado para destruir o
welfare e cortar pela raiz as despesas do Estado. No máximo, para os cépticos, o que
está acontecendo seria uma versão aprimorada do que acontecia no fim do século
XIX: ou seja, uma economia aberta com muitas trocas comerciais (Giddens 2001).
Agora a pergunta é: quem tem razão?
Ambas as posições são demasiado extremistas. Giddens, evidencia este aspecto
e coloca-se mais na direção dos radicais. De fato o nível de trocas mundiais é hoje
muito mais alto que em qualquer outra época e compreende um número sempre maior
de bens e serviços. A verdadeira diferença está no nível de fluxos e dos capitais. Esta
economia está estritamente ligada à moeda eletrônica. Um dado no computador!
Cada dia os mercados financeiros globais trocam mais de mil bilhões de
dólares. Um fenômeno que cresceu sem possibilidade de comparação com o que
acontecia antes. Seja qual for o valor do dinheiro que temos nos bolsos, ou nas contas
do banco, este valor pode mudar de um momento para o outro, sem que façamos nada,
só como conseqüência dos mercados financeiros.
28
Kenichi Ohmae é ex-sócio sênior da McKinsey & Company e prestou consultoria durante vinte anos a
grandes empresas e governos na área de operações e estratégia internacionais. Escreve para o Wall Street
Jounal, o New York Times e Newsweek. Amplamente reconhecido como um dos principaís gurus em
negócios da atualidade. No livro o Fim do Estado-nação, argumenta que os Estados-nações perderam
seu papel como participantes da economia global, e que quatro grandes forças o capital, as corporações,
os consumidores e as comunicações combinaram-se para usurpar o poder econômico. Dinossauros
esperando a morte, os Estados-nações tornaram-se ineficientes na distribuição de riquezas e são
substituídos pelos novos mecanismos da prosperidade, que Ohmae denomina de Estados-regiões.
Um outro livro significativo para estes assuntos é The Invisible Continent. Four Strategis Imperatives of
the New Economy. Fala de uma dimensão “sem confins”. Uma economia que não é ligada de forma
alguma com os Estados nacionais. A migração além das fronteiras dos capitais. A dificuldade de achar
um modelo válido para esta economia. Para o autor que o mundo do ponto vista japonês, temos que
substituir a soberania nacional por aquela dos consumidores e dos cidadãos, num “mundo onde estes
podem exercitar o direito da escolha”. Temos que trainar para conseguir viver no novo continente: novas
formas de instrução, novas leis dos sistemas financeiros e das infra-estruturas. Para os indivíduos,
significa estar preparados a viver em qualquer lado do mundo.
Dissertação Barbara Bechelloni
32
Para a maioria das pessoas, um milhão de dólares é
uma quantidade enorme de dinheiro: medido em uma
pilha de notas de cem tem mais de vinte centímetros. Um
bilhão de dólares seria mais alto do que a cúpula de São
Pedro, enquanto mil bilhões seria vinte vezes o monte
Everest.
(Giddens, 2001, p. 22)
Não podemos não reparar que a globalização é, assim como está sendo vivida,
algo revolucionário e não só do ponto de vista financeiro.
Giddens acha que nem os cépticos, nem os radicais entenderam realmente as
implicações que a globalização comporta em termos de mudanças para cada um de
nós. O engano dos dois é ver o fenômeno em termos econômicos. Mas a
globalização é também algo político, cultural e tecnológico e desenvolveu-se,
sobretudo, através do progresso dos meios de comunicação.
Na metade do século XIX, algo aconteceu que anunciou a mudança.
Samuel Morse, professor de desenho na Universidade de Nova Iorque
transmitiu a primeira mensagem com o telégrafo eletrônico
29
. Este foi o começo de
uma nova era, que durou até o advento das comunicações via satélite, que quebraram
todas as barreiras do passado. O primeiro satélite comercial foi lançado em 1965
30
.
Hoje estão em órbita, por cima das nossas cabeças, rodando em volta da Terra, mais de
200 satélites. Podemos comunicar instantaneamente de um lado para o outro do globo.
Isto nos parece coisa normal porque estamos acostumados, mas na realidade os
satelitares são recursos muito recentes, que, porém, já mudaram muito as nossas vidas.
Em primeiro de fevereiro de 1999, depois de quase 150 anos de sua invenção, o
Código Morse, com pontos e linhas, desapareceu no mundo inteiro como instrumento
29
Em 1838 foi feita a primeira demonstração do telégrafo eletrônico em Washington, perante de
representantes do governo federal. (Flichy 1994). A mensagem foi “O que fez o Senhor?”.
30
Early Bird este é o nome do primeiro satélite comercial internacional para as telecomunicações,
chamado também de Intelsat 1, criado por norte-americanos.
Dissertação Barbara Bechelloni
33
de comunicação, principalmente nos navios, para as quais representou durante muito
tempo, o único meio de comunicação. Agora todos os equipamentos são via satélite
31
.
A comunicação eletrônica instantânea não é algo que muda a velocidade de
transmissão das informações, mas é algo que modifica as vidas de todos nós, de
diversas formas, ricos e pobres.
... quando a imagem do Nelson Mandela torna-se mais
familiar que a cara do nosso vizinho, então qualquer
coisa mudou na natureza da nossa experiência cotidiana.
Nelson Mandela é de fato uma celebridade global, mas a
mesma celebridade é produto das novas tecnologias.
(Giddens, 2001 p. 24)
Portanto, é fundamental entender que a globalização não tem a ver com os
sistemas financeiros. A globalização toca o que está fora e longe do indivíduo, como
também o que está dentro e perto dele. Influencia e muda a intimidade e a muda
32
.
As mulheres querem mais oportunidades e os valores familiares mudam, os
sistemas tradicionais transformam-se.
Estamos assistindo a uma verdadeira revolução global na vida cotidiana, na
política, como na cultura e no trabalho, em cada canto do mundo algumas coisas está
mudando radicalmente.
A globalização é portanto um complexo conjunto de processos, um conjunto
que trabalha de forma contraditória e conflitual. Podemos defini-la como a
intensificação de relações sociais mundiais. Relações que permitem que, em
localidades distantes, os eventos locais sejam modelados para os eventos que
verificam-se a milhares de quilômetros de distância e vice-versa.
É um processo dialético porque estes eventos locais podem ir em direção
contrária às relações distantes que os modelam. A transformação local é um aspecto
31
Já em 1997, os franceses, nas próprias águas nacionais, enviaram a ultima mensagem: “Atenção. Este é
o último grito antes do eterno silêncio”.
32
A este propósito Giddens dedicou um livro às mudanças da intimidade nos seres humanos como
conseqüências da globalização.
Dissertação Barbara Bechelloni
34
da globalização, porque representa a extensão das conexões sociais no tempo e no
espaço.
Por exemplo o retorno a nacionalismos locais na Europa e em outras partes do
mundo. O desenvolvimento das relações sociais globalizadas é necessário,
provavelmente, para amortecer alguns aspectos do sentimento nacionalista ligado aos
Estados-nações, mas pode coligar-se, sem querer, ao reforço dos sentimentos
nacionalistas mais localizados. Em circunstâncias de crescente globalização, o Estado-
nação tornou-se “demasiado pequeno para os grandes problemas da vida e demasiado
grande para os pequenos problemas da vida” (Bell 1986)
33
.
A globalização puxa não para o alto mas também para o baixo, criando
novas pressões em favor da autonomia local, através da qual renasceram as
identidades culturais em muitos lugares do mundo
34
. O nacionalismo local surge como
resposta às tendências globalizantes na medida em que se enfraquecem os Estados-
nações. Proporciona-se uma maior autonomia local e uma, mais evidente, identidade
cultural regional.
Deforma os confins criando novas áreas econômicas e culturais dentro e
através das nações. Áreas de confins geograficamente e/ou culturalmente
35
.
Estas mudanças são favorecidas por diversos fatores de tipo estruturais,
históricos, como mais específicos. Sem dúvida, as influências econômicas têm um
papel importante, fundamental como motor destes processos, sobretudo o sistema
33
Bell 1986 p. 1-31, citado por Giddens (1994 e 2000).
34
Criando assim também um grande debate sobre as identidades. Com uma prevalência de conflitos entre
a necessidade de mantê-la imutável, protegendo a própria identidade “originária”, evitando ou limitando
as “misturas”. E quem pensa na necessidade atual de não estar apegado a nenhum tipo de tradição. Ser
sem raízes, como a base do cosmopolitismo. Este debate tem como hipótese central a consideração de que
podemos ter uma, ou nenhuma, identidade única. Mas muitos estudos, na linha dos quais me coloco
num sentido mais geral e sem agora abordar especificamente de cada um deles que consideram a
identidade como algo plural, polimorfa, móvel. Trabalham na idéia que cada pessoa tem uma pluralidade
de identidades, assim como um povo ou uma nação. Não se pode falar mais de uma identidade como algo
fixo e estável. Veja-se e pensa-se as muitas identidades que formam o povo brasileiro. Não podemos dizer
que o brasileiro é somente brasileiro. Cada um é também um pouco uma outra coisa e isto não é válido
num sentido de pertencer “étnico”.
Veja-se, mais à frente neste capitulo, mais considerações sobre este assunto, no parágrafo 2.
35
Exemplos como Hong Kong, Itália do norte, Silicon Valley na California, México e Brasil. São
também lugares de culturas híbridas.
Dissertação Barbara Bechelloni
35
financeiro mundial. Estas forças motrizes nascem como conseqüências das tecnologias
e, portanto, da difusão cultural. De fato “a cultura”
36
torna-se mais acessível. Assim
como as decisões dos governos de liberalizar e desregulamentar as economias
nacionais.
A queda do comunismo soviético pode ter explicações, também, através dos
processos de globalização. O comunismo soviético centrado numa condução estatal
das empresas como das indústrias, não podia concorrer com uma economia eletrônica
sempre mais global. E em uma época de mediatização global não podia continuar a
sobreviver o controle cultural e ideológico. Como impedir a chegada das informações?
Não conseguiram impedir de ouvir e de ver os programas de rádio nem de televisão
ocidentais. A televisão teve um papel direto nas revoluções de 1989 aquelas
envolveram todos os países da ex-União Sovietica que foram, portanto, chamadas
“revoluções televisivas”. Logo que os protestos aconteciam nas praças, eram vistos
nos outros países através da televisão, criando um efeito dominó com os espectadores
que conseqüentemente desciam nas praças e nas ruas.
Sem dúvida, a globalização não tem conseqüências positivas. Para muitas
pessoas no mundo, sobretudo as que vivem fora da Europa e da América do Norte,
esta pode ter um aspecto de ocidentalização, ou até de americanização. De fato, os
Estados Unidos são ainda hoje uma potência econômica, cultural e militar dominante
na ordem mundial. Alguns dos visíveis signos culturais da globalização são
americanos, como a Coca-Cola, o McDonald’s, a CNN.
Apesar de que hoje, algumas coisas estão mudando. Outros são os símbolos da
globalização que nós encontramos em muitos lugares do mundo. São signos que têm a
ver com diferentes culturas, diferentes pertencer. Podemos encontrar tudo, ou quase
tudo, em qualquer lado do mundo. Portanto também comidas, ou objetos chineses,
paquistaneses, como brasileiros, por exemplo em quaisquer países da Europa, e
somente vice-versa. A bandeira do Brasil tornou-se, nestes últimos anos, um ícone a
ser mostrado, como símbolo não do país em si e dos brasileiros, mas de estilos de
36
Com o termo “cultura”, não se entende o sentido de cultura da elite, mas de cultura num sentido geral,
seja propriamente de classe alta ou baixa.
Dissertação Barbara Bechelloni
36
vida, da maneira de estar no mundo. Como para os italianos se tornaram-se globais
séculos.
Em Roma, pode-se encontrar um árabe fumando o narguilé em um café
qualquer da cidade, no meio do centro histórico.
também visões pessimistas que podem entender a globalização como algo
que tem a ver com o norte industrial do mundo. Segundo esta visão, a globalização
destruiria as culturas locais, pioraria as condições dos pobres e aumentaria as
desigualdades. quem diga que esta globalização está produzindo um mundo de
ricos e pobres, de vencedores e vencidos.
Neste aspecto, me coloco na posição de quem acha que entre “não ter” um
mundo globalizado e tê-lo, preferem tê-lo. Temos que aprender a gerir esta nova
realidade, esta liberdade e maior possibilidade de encontro.
Aumentam-se os riscos
37
ecológicos, as mudanças climáticas, de crises
financeiras
38
e a ameaça dos atentados terroristas, assim como os de outra natureza.
Beck fala de uma “sociedade mundial do risco” onde globais não são os consumos
e as economias, mas também os perigos. Continuam aumentando as desigualdades.
Nesse ponto concordo com Giddens (2001), quando diz que não podemos atribuir a
culpa aos ricos. “... A ‘globalização’ hoje equivale parcialmente à
‘ocidentalização’”. Apesar dos países ricos continuarem a ter uma grande influência, a
globalização, está cada vez mais se descentralizando, fora do controle dos grupos de
nações, como das grandes corporations.
Os efeitos da globalização são vistos e sentidos no Ocidente e além. Aliás, está
afirmando-se o que poderia chamar-se de “colonialismo ao contrário”, ou seja a
influência dos países não-ocidentais no desenvolvimento do Ocidente. Por exemplo,
podemos pensar na hispanização de Los Angeles, o setor hi-tech na Índia, como o
sucesso dos filmes de Bollywood e as vendas das telenovelas brasileiras em Portugal e
no mundo.
37
Sobre a questão dos riscos de diferentes naturezas, que a nova era da globalização trouxe, veja-se Beck
(1999, 2000b, 2000c, 2001, 2003a )
38
Como as dos países asiáticos.
Dissertação Barbara Bechelloni
37
A globalização é, portanto, uma força que trabalha para o bem comun? É uma
pergunta difícil dada a complexidade do fenômeno. Sem dúvida, quem pensa que a
globalização aumenta as desigualdades mundiais, pensa nela do ponto de vista
econômico e do livre mercado. Este, de fato, não é sempre e um benefício, pode
comprometer uma economia auto-sustentável.
Mas a globalização é muito, muito mais do que isso.
Para concluir, o Estado-nação está mudando debaixo dos nossos olhos. As
nações devem repensar as próprias identidades. Porque todos estes fenômenos criaram
o que hoje pode-se chamar de sociedade global cosmopolita. Como Giddens (2001)
nos lembra:
... nós somos a primeira geração a viver nesta sociedade,
cujos contornos mal conseguimos distinguir. Esta
subverte os nossos habituais modos de viver, seja onde
quer que nós encontramos. (...) Crises com modalidade
anárquicas e acidentais, empurrado por uma mistura de
fatores. Não é definitivo, nem seguro, porém cheio de
incógnitas, não só marcado por profundas separações.
(Giddens, 2001, p. 31)
A globalização é a mudança das condições da nossa existência, é o mundo em
que nós vivemos hoje, não podemos ignorá-lo ou não vê-lo.
Dissertação Barbara Bechelloni
38
2. O olhar cosmopolita proposto por Ulrich Beck
O que significa cosmopolitismo? Este termo contém as
estórias mais maravilhosas e, ao mesmo tempo, as mais
terríveis.
(Beck 2005, p.11)
Heintich Laube, na metade do século XIX, reduz o cosmopolitismo a uma
idéia:
Falando de humanidade somente se esquecem os homens,
aquilo que é de qualquer forma um signo de piedade na
época de incêndio, de canhões e discursos ardentes. A
idéia é uma coisa lindíssima, até demasiado grande para
quase todos, contudo permanece uma idéia. Se não se
mistura com o indivíduo, com a pessoa, é como se não
existisse.
(Laube 1938, p. 88)
39
Nos mesmos anos Heinrich Heine profetizava:
“(...) isto no final vai se tornar uma maneira comum de
sentir em toda a Europa e que (...) terá mais futuro dos
nossos homens do povo alemão, estes seres mortais, que
pertencem ao passado...”. Para ele, o patriotismo
alemão é “(...) que o seu coração aperta-se e retrata-se
como a pele ao frio, que odeia aquilo que é estranho, que
não quer mais ser cidadão do mundo, europeu, mas nada
mais do que ser alemão”
(Heine 1997, p 710)
40
39
Heinrich Laube, Das junge Europa, vol. 1, citado em Beck (2003b e 2005).
40
Heinrich Heine, Sämtliche Scriften, vol. 3 citado em Beck (2003b e 2005).
Dissertação Barbara Bechelloni
39
Estes são alguns dos controvertidos debates do Iluminismo, dentre os quais não
nos interessa adentrar, se não para lançar para o tema do cosmopolitismo hoje.
O que nos importa aqui é como a mesma realidade torna-se cosmopolita.
Partindo do que está mais em pauta no nosso cotidiano e o que está na genealogia dos
riscos globais: o perigo do terrorismo não tem confins. A guerra no Iraque. Pela
primeira vez, uma guerra foi considerada um problema de política interna mundial,
que através dos meios de comunicação envolveu, contemporaneamente, toda a
humanidade.
É possível observar como a globalização da política, da economia, da cultura, das
redes de comunicação acende os ânimos na frente dos possíveis riscos globais e torna
as opiniões públicas políticas do mundo inteiro sempre mais inflamadas.
Desta forma, o cosmopolitismo parou de ser uma idéia racional e tornou-se
realidade.
Mais ainda, com as palavras de Beck:
(...) tornou-se a cifra de uma nova era, a era da
modernidade reflexiva, na qual os confins e as distinções
nacional-estatais dissolvem-se e se vêem rediscutidos à
insígnia de uma nova política da política.
(Beck 2005)
É por isto que estamos diante da necessidade de uma nova perspectivas para
entender a realidade social e a política nas quais vivemos e agimos. Esta nova
perspectiva é para Beck o olhar cosmopolita.
Através deste olhar, põe-se em discussão um dos mais fortes pilares da
representação da sociedade e da política. Isto se baseia na convicção que a sociedade e
a política modernas só podem existir se organizadas na base do Estado nacional, onde
a sociedade está identificada com a sociedade nacional, territorial colocada em confins
definidos. Falamos, assim, de um olhar nacional quando, neste contexto, os atores
sociais aderem a esta concepção.
Dissertação Barbara Bechelloni
40
Falamos de nacionalismo metodológico quando esta concepção determina a
perspectiva científica do observador. Este ponto de vista, foi adotado pelas ciências
sociais, pela história, as ciências e economia políticas, mas é importante evidenciar
que não tem uma relação lógica, mas apenas histórica.
A sociologia afirmou-se contemporaneamente junto ao fortalecimento do
Estado nacional, do sistema da política internacional e do nacionalismo. A partir disso,
surge o axioma principal do nacionalismo metodológico, “ou seja, a afirmação que a
nação, o Estado e a sociedade são formas sociais e políticas ‘naturais’ do mundo
moderno” (Beck, 2003 p. 31). Mas o mundo com as suas profundas mudanças, não
pode ser percebido, estudado, entendido, através do olhar nacional e dentro do sistema
de referência do nacionalismo metodológico. Que não permitiria uma visão global,
entrelaçada, mas fechada.
O olhar nacional entra em crise a partir do diálogo sobre a procedência.
Escreve Elisabeth Beck-Grensheim:
Quem se chama Michel Schimid ou Petra Paulhuber e,
ainda mais, tem olhos azuis e cabelos loiros ou castanhos
será obviamente considerado um autóctone, quando
estiver nos lugares públicos, nas lojas, escolas, discotecas
alemãs, porque corresponde à imagem do alemão normal.
As coisas irão diferentemente para aqueles que, também
tendo um passaporte alemão, têm um nome que parece
estrangeiro, uma pele escura, traços do rosto diferentes.
Dado que se afastam da imagem standard dos alemãs,
terão regularmente a ver com a pergunta: “de onde você
vem?”. Começa então o que Santina Battaglia
justamente uma pesquisadora com nome que tem som
estrangeiro – chama de diálogo sobre a procedência.
(...) Por exemplo assim:
“De onde você vem?”
“De Essen”.
“Não, entendo: de onde você provem?”.
“De Essen”.
Dissertação Barbara Bechelloni
41
“Não, quero dizer: de onde você é originário?”.
“Nasci em Essen”.
“Mas os seus pais?”.
“A minha mãe também é de Essen”.
“E seu pai?”.
“Meu pai é italiano”.
“Aha...! É um nome italiano”.
“Sim”.
“De qual parte da Itália você vem, então?”.
“Não venho da Itália”.
“Mas os seus pais?...”.
Mas também se situações de diálogo como esta são
previsíveis e repetem-se de forma similar, ao mesmo
tempo diferentes são as percepções dos participantes da
interação. O “autóctone” (o alemão normal, o norte-
americano branco, o inglês branco) na sua frente
alguém que não corresponde às expectativas do seu olhar
mononacionalista, monocultural. A sua reação é de
curiosidade, aliás ele pensa de abertura e interesse
para quem está na sua frente. Contudo, somente este
último está tocado desagradavelmente, ou se sente
mesmo discriminado. Sente-se, literalmente, colocado
para fora. Não é por um acaso que a Battaglia define o
diálogo sobre a proveniência uma “discussão sobre as
raízes”. Esta necessita de uma explicação: deve-se
motivar o próprio pertencimento e esclarecer porque esta,
apesar das aparências, pode ser a Alemanha, a Grã
Bretanha, os Estados Unidos, etc. Para este objetivo, é
necessário indicar pormenores íntimos da própria história
familiar, acrescentar sempre com novos, recomeçar cada
vez do início. Desta forma, a corrente de perguntas leva o
inquirido à uma situação de double-blind, que apresenta
alternativas más: se o inquirido põe limites, aquele que
o questiona se sente erroneamente recusado. Se porém o
questionado aceita todas as perguntas, cia
Dissertação Barbara Bechelloni
42
inevitavelmente uma situação em que fica
unilateralmente.
(Beck-Gernsheim 2003, p. 158)
41
Quando o autóctone vê, na sua frente alguém, que não corresponde às
expectativas do seu olhar nacional, monocultural, a sua reação será de curiosidade,
pensando de ser aberto e de demonstrar interesse por quem está à sua frente. Quando é
uma pessoa que tem aspecto que causa estranheza
42
, a associação de distância e de
diversidade, sempre encontram-se submetidas a inquéritos similares, através dos quais
precisam justificar-se.
Esta é uma teoria-prisão da identidade (Beck 2003b) por meio da qual cada
pessoa tem uma pátria, a própria, e não pode escolhê-la, pertence-lhe desde o
nascimento.
Perguntar-se quem sou? De onde venho? Não existe sempre uma única, uma só
e idêntica resposta. Temos respostas diferentes, porque temos diferentes pertencer,
diferentes níveis de identidades
43
. Entram condições relacionadas com a situação,
sobretudo política e as diferentes fases da própria biografia.
O dualismo estrangeiro-autóctone, típico do olhar nacional, não é mais
suficiente para entender a realidade. A vida é cada vez mais transnacional,
caracterizada por múltiplos pertencer, além das fronteiras entre países e
nacionalidades.
41
Elisabeth Beck-Gernsheim, Wir und die Anderen, citado em Beck (2003b e 2005)
42
Para algumas definições de estrangeiro veja-se neste trabalho o capítulo III, par. 1. Conceito, sempre
relativo e dependente do contexto. O que significa ter aspecto de estrangeiro? Por exemplo, uma pessoa
com o cor da pele escura pode-se achar estrangeiro e diferente na Alemanha, mas não no Brasil, como um
branco sendo este um país em que o ser estrangeiro é difícil de categorizar e distinguir claramente.
43
O debate sobre a identidade é muito intenso hoje. Muitos autores trabalham a questão da identidade de
diferentes formas. Uma das questões é se podemos falar de identidade ou identidades. Se estas são fixas,
dadas ou móveis, múltiplas. Como na época da globalização, das viagens, dos fluxos culturais se coloca a
questão a identidade. Em relação ao conceito de fluxos culturais veja-se também Buonanno (2004).
Alguns autores que tratam, de diversas forma este tema são: Bauman (2003), Bechelloni (2002, 2003a,
2003b, 2004), Della Porta, Greco e Szakolczai (2000), Giddens (1999a, 1999b e 2001), Hall (2003),
Maffesoli (1997), Maldonato (2001 e 2004), Maffesoli (1997), Morin (1998, 2002 e 2003), Pecchinenda
(1999).
Dissertação Barbara Bechelloni
43
Adam Smith, Alexis de Tocqueville, John Dewey, mas também os clássicos
alemães, Kant, Goethe, Marx, Georg Simmel. Todos eles pensaram no moderno como
uma passagem das condições iniciais de comunidades relativamente fechadas à “época
universal” (Goethe) das sociedades interdependentes, no qual estas passagens acontece
principalmente através da extensão do comércio e dos princípios do republicanismo.
Para Kant, mais ainda do que por Marx e também de outras formas por Adam
Smith e Georg Simmel, a dissolução das pequenas comunidades territoriais e a difusão
da interdependência social e econômica universal eram o sinal distintivo ou até lei da
história mundial. O conhecimento das linhas de desenvolvimento, a longo prazo,
levava-os a considerar não-aceitável que o Estado e a sociedade, organizados na base
da homogeneidade nacional, encarnassem o máximo e o melhor da história do mundo.
(Beck 2003b e 2005).
Esta experiência, de superação dos limites e da interdependência, tornou-se
cotidiano criando um cosmopolitismo que Beck chama banal, comparável ao
nacionalismo banal característico da primeira modernidade
44
.
O “restaurante indiano” é como precisa o sociológo
inglês Zuabaida – uma invenção dos bengaleses que
vivem em Londres, assim como o é também o exotismo,
das “comidas indianas”, que atualmente são celebradas e
consumidas em todo o mundo, como embaixadoras das
tradições indianas. No caminho da globalização, o
restaurante e o seu particular cardápio afinal foram
exportados para a Índia, e isto fez com que na Índia agora
as famílias cozinham à indiana, segundo as receitas de
Londres. É assim que hoje também na Índia, segundo o
mito das origens, pode-se comer indiano.
(Beck 2005, p. 22)
Este cosmopolitismo banal mostra-se, concretamente, no cotidiano, misturando
como num turbilhão as distinções entre nós e os outros e entre o nacional e o
44
Como por exemplo o abanar das bandeiras nacionais.
Dissertação Barbara Bechelloni
44
internacional
45
. O que é pequeno, familiar, próximo, delimitado, remarcado, ou seja, a
própria “concha”, torna-se teatro de experiências universais.
O lugar seja Manhattan, Masuria, Malmö ou Mônaco
torna-se lugar de encontros, penetrações ou também de
coexistências e entrelaçamento sem relações de
possibilidades e perigos mundiais, que obrigam a
repensar a relação entre o lugar e mundo.
(Beck 2005, p 22)
Estudos e pesquisas dos últimos dez anos, sobre a transnacionalização, sobretudo nos
estudos culturais, na etnografia, na etnologia como na geografia, põem em discussão
no plano empírico-metódico o nacionalismo metodológico.
O Estado nacional define uma sociedade nacional. Não é esta a escolher o
Estado, mas o Estado que pode prometer segurança, estabelece limites, cria
administrações e instituições para regulamentar e controlar o Estado nacional. Portanto
existem muitas sociedades. Tantas quantas são os Estados nacionais. É uma concepção
territorial da sociedade, ligada aos limites e ao controle dos Estados. Este modelo
confirma o princípio da determinação recíproca. Este Estado nacional cria e garante os
direitos civis individuais. Assim os cidadãos, com a ajuda dos partidos, organizam-se
para legitimar as ações do Estado. (Beck 2003b)
Esta concepção encontra-se explicada na teoria da justiça de John Rawls
46
, que
se refere ao modelo da sociedade política considerada “como um sistema social
completo e fechado”.
Completo, porque suficiente a si mesmo, dando espaço a
todos os fins importantes da vida. Fechado, porque
nascimento e morte são as únicas formas de ingresso e de
45
Nesse ponto o Brasil é um dos países mais interessantes. Um turbilhão de culturas “outras” que
tornaram-se “nossas”, as vezes mudadas como num processo de transformação antropofágico. O que é
italiano em São Paulo o que se tornou paulistano. O que é paulistano visto da Itália, o que é italiano
visto do Brasil. Está sendo discutida a possibilidade de promulgar uma lei em São Paulo para tornar a
pizza prato típico paulistano!
46
Rawls também citado por Beck 2003b.
Dissertação Barbara Bechelloni
45
saída (...). Antes de mais nada, não consideramos as
relações com outras sociedades.
(Rawls 1999)
Martin Shaw propõe para a pesquisa nas ciências sociais que obedece aos
nacionalismo metodológico – a metáfora do colecionador de selos.
Os selos são emitidos por instituições nacionais. Têm um carimbo e são símbolos do
Estado. Quem os coleciona é como aquele que recolhe os fatos sociais, ou seja, segue
a lógica do olhar nacional. Organizam-se os selos como os fatos sociais na base dos
símbolos, das datas, distinguindo entre uma comunicação intranacional e
internacional.
Como quem coleciona selos, o pesquisador social pressupõe que os limites sociais
coincidem com aqueles estatais e, portanto, também os limites da pesquisa devem
coincidir com aqueles do Estado.
Nas pesquisas das ciências sociais, a contraposição nacional/internacional é
fundamental. O nacional pressupõe o internacional e vice-versa. Não pode existir uma
sociedade nacional. Uma sociedade e um Estado podem ser reconhecidos interna e
nacionalmente, mas precisam, para existir, também do reconhecimento externo e
internacional.
O nacionalismo metodológico concebe a cultura como circunscrita em limites,
portanto a questão da pluralidade leva até uma falsa alternativa: homologação
universal ou a impossibilidade de uma comparação entra as perspectivas. Nesta base
conceitual, muitos críticos consideram a cultura cosmopolita como a natural
conseqüência, o até produto da cultura pós-moderna. Uma cultura cosmopolita
entendida como presumível pluralidade, nivelada e uniformizada às tendências
correntes, para mesclar-se num universalismo do uniforme.
Brevemente, uma cultura sem tempo, global, não
responde a alguma necessidade vivente e não contém
alguma lembrança. Se a memória coletiva é central para a
identidade, não podemos, então, exprimir nenhuma
Dissertação Barbara Bechelloni
46
identidade global em formação, nenhum desejo por esta,
não podemos produzir nenhuma amnésia coletiva para
substituir as culturas profundas existentes com uma
cultura cosmopolita “chata”. Esta última permanece um
sonho para alguns intelectuais. Para a maioria das
pessoas, que são separadas das comunidades habituais de
classe, de gênero, de religião e de cultura este não
permite deixar sair nenhuma centelha.
(Smith 1996)
47
Esta é uma caricatura do cosmopolitismo que mantém as premissas e os erros
do nacionalismo metodológico. O universalismo da humanidade aumenta a
uniformização e elimina as diferenças, as pluralidades, como tendências que
acontecem.
Cosmopolitismo, porém, significa o reconhecimento da alteridade do outro, além da
territorialidade e da homogeneização. Na base do olhar nacional, a cultura é
considerada como uma unidade territorial claramente definida e delimitada. Desta
forma, entre as culturas, o que domina é o silêncio (que, na melhor das hipóteses, põe-
se em ouvido) da incompatibilidade entre os pontos de vista. Isto, como é fácil prever,
leva até o choque entre culturas, entre civilizações. Modelo contentor das pluralidades
que considera exemplos como o bilingüismo algo que não pode existir porque mistura
e, portanto elimina as fronteiras lingüísticas e étnicos entre as culturas.
Nos anos noventa, as ciências sociais abriram-se às transformações e às novas
categorias sociais, o “global” tornou-se centro de um discurso autocrítico.
O nacionalismo metodológico pensa e estuda a dimensão social, cultural e
política através das categorias “ou....ou”. O cosmopolitismo metodológico, pelo
contrário, pensa e estuda a dimensão social e política, utilizando as categorias
“seja....seja”.
47
Smith (1996 p. 24), citado por Beck (2003b p. 39).
Dissertação Barbara Bechelloni
47
O olhar nacional exclui aquele cosmopolita. O olhar cosmopolita inclui o olhar
nacional, porque o nacional evidencia o erro que está na raiz. A partir do olhar
cosmopolita, a mesma realidade nacional parece diferente e revelam-se, pela primeira
vez, outras realidades. O olhar cosmopolita inclui a realidade do olhar nacional, e a
reinterpreta. (Beck 2003b e 2005).
Segundo Beck, nesta perspectiva, os conceitos de diáspora, hibridação,
desnacionalização, transnacionalização pertencem negativamente à perspectiva do
nacionalismo metodológico. Se não existisse mais o dualismo nacional/internacional,
o que significariam conceitos como desigualdade, justiça, nação nas diferentes regiões
da política mundial?
Os estabilizadores da ordem nacional/internacional perdem força e não,
existem ainda outros estabilizadores da política mundial além do nacional e do
internacional.
O internacionalismo e o cosmopolitismo não são duas formas para dizer a
mesma coisa. As relações cosmopolitas necessitam e pressupõem as relações
internacionais. O olhar cosmopolita abre-se à mudança da gramática política e social,
ou seja, à integração através a globalidade reflexiva. Não mais “dentro e fora”, mas
“seja dentro, seja fora”. O olhar cosmopolita determina realidades múltiplas do
“seja...seja” espacial, temporal e objetivo, para os quais o olhar internacional é cego.
Neste ponto, a crítica do nacionalismo metodológico considera o Estado
nacional como “um óbvio ponto de partida”. Vice-versa, a referência ao Estado
nacional mantém-se, mas muda totalmente o horizonte em que está colocado e é
analisado.
A virada epistemológica e o cosmopolitismo empírico-analítico seguem duas
diretrizes, na discussão levada por Beck: 1) a crítica do que existe, ou seja, o
nacionalismo metodológico; 2) e a formação do novo, ou seja, o cosmopolitismo
metodológico.
Dissertação Barbara Bechelloni
48
3. Cidadãos do mundo segundo Giovanni Bechelloni
Sentir-se cidadãos do mundo não significa negar a própria identidade nacional
em nome de ideais mais universais como a igualdade, a paz, a fraternidade entre
povos. Os dois pertenceres não estão em conflito, aliás os italianos, em relação aos
outros povos e as outras tradições, são naturalmente
48
mais complementares.
Complicado é o tema das identidades e das memórias coletivas. Experiências
como as viagens de migração, o turismo, o estudo e ou o trabalho no estrangeiro são
reveladoras para quem tem a oportunidade de vivenciá-las. Experiências que permitem
reconhecer as diferenças e de ativar o learning process necessário para estudar as
diferenças, premissa indispensável para tornar-se compatível e complementar entre
elas.
Bechelloni pergunta-se: o que significa e o que pode significar, tornar-se
cidadãos do mundo?
O significado tecnicamente certo é aquele que leva ao Estado, ao direito à
cidadania como um conjunto de direitos e de deveres entre eles complementares, que
um ser humano adquire por nascimento ou por outros caminhos, através de um ato
formal da autoridade do Estado.
Declarar-se “cidadão do mundo”, neste caso, significa ser favorável à
construção da interculturalidade.
Tudo isso é importante no debate sobre a terminologia. A necessidade de
adotar um léxico compartilhado
49
.
É muito importante entender o que está acontecendo e refletir sobre as
transformações para poder intervir nos processos que continuam.
48
Bechelloni utiliza a palavra “naturalmente” referindo-se a aqueles processos históricos da longa
duração (segundo a acepção de Braudel) que incorporam-se de forma naturalmente profunda na
sensibilidade de um povo e de uma cultura tanto que não são percebidos como “culturais” mas como
feitos de natureza. Como rochas, quase imodificáveis. Como, se nos italianos fossem naturalmente
levados ao diálogo, ao comércio, à abertura ao mundo, aos outros.
49
Veremos mais profundamente no próximo capítulo através também do ótimo livro da Fundação
Agnelli, organizado por Tirabassi (2005), realizado com as contribuições apresentadas no Congresso de
Turim do março 2004 sobre “Emigração italiana: percursos interpretativos entre diáspora,
transnacionalismo e gerações”.
Dissertação Barbara Bechelloni
49
A necessidade de alimentar um verdadeiro diálogo e projetos políticos
realísticos coerentes com o objetivo de estender os direitos e os deveres, conexos à
cidadania, para um número cada vez maior de indivíduos-pessoas (Bechelloni).
Viveram e trabalharam para o bem da comunidade, pequenos grupos de
homens e mulheres cosmopolitas. Capaz de viver o sentido de pertencer à própria
pátria com conhecimento, abertura mental e a disposição de alma necessária para
tentar compreender e compor interesses e culturas distintas: aqueles que todos juntos,
em intricadas relações de interdependência, constituem o mundo humano.
Nestes últimos dois séculos com o aumento dos contatos comerciais entre o
globo todo, com a invenção e a difusão dos meios de transporte e das mídias de
comunicação sempre mais rápidos, com o enorme aumento da população, com o
fenômeno das migrações de massa... é que cresceu o número dos cosmopolitas.
Criaram-se assim as possibilidades de superação da grande fronteira cultural que por
muitos séculos tinha destacado os poucos cosmopolitas com vocação universal dos
muitos locais com vocação provinciana. Para homens e mulheres em todo o mundo
com a difusão da alfabetização, do cinema, da rádio, da televisão e de internet.
Sem pessoas cosmopolitas não seria possível realizar concretamente aquele
tipo de democracia (liberal-democrática representativa) que é o único meio de
alimentar uma esfera pública mundial.
Como falei, tornar-se cidadãos do mundo não significa não ser mais
cidadãos de uma nação, de um Estado, o de uma federação ou confederação de
Estados. Não significa renunciar a todos os outros pertencimentos coletivos que
caracterizam o sentimento de nós de cada um de nós, como diz também Bauman
50
.
É necessário trabalhar sobre estes assuntos, para conseguir possíveis
convivências cooperativas e pacíficas que sejam duradouras no tempo e no espaço. Por
50
Muitas das suas obras vão nesta direção (2002a, 2002b) e Tester (2002).
Dissertação Barbara Bechelloni
50
exemplo sobre a construção de uma identidade que cada um de nós precisa ter e que
não pode ser única, rígida e imutável.
Nós seres humanos vivemos, e incessantemente
operamos, num mundo que muda continuamente e tanto
melhor nos conseguimos nos ver, quanto mais nos
equiparmos para aprender a mudar em sintonia com o
mundo.
(Bechelloni, 2003b)
Isto significa que as nossas identidades, individuais e coletivas, podem ser
plurais e móveis. Como as muitas histórias e biografias de cosmopolitas que habitaram
o mundo nos séculos e que hoje o habitam à nossa volta.
Temos que aprender a habitar o mundo que cada vez mais coloca-se como um
“sistema-mundo” do qual depende a nossa sobrevivência. Pensamos em energia,
alimentação, da cultura à comunicação.
Mas com certeza não conseguiríamos aprender o que é
necessário se permanecermos presos aos muitos
prejuízos, nos muitos estereótipos e nas muitas
ignorâncias que hoje nos impedem de pensar o mundo
como uma “coisa grande”, “bela e delicada”, complexa
para conhecer e gerir no espírito de cooperação e paz.
(Bechelloni, 2003b)
A confiança no sentido mais amplo do acreditar nas
próprias expectativas é uma situação elementar da vida
social. Sem dúvida existem muitas situações nas quais o
indivíduo deve escolher se dar, ou não, a própria
confiança em determinadas circustâncias. Mas sem
confiança ele não poderia nem se levantar da cama cada
manhã. Iria ser atacado por um medo indeterminável e
por um pânico paralizante. (...) Nenhum indivíduo é
Dissertação Barbara Bechelloni
51
capaz de suportar um confronto assim direto com a
extrema complexidade do mundo.
(Luhman 2002 p. 5)
A confiança reduz a complexidade social (...)
Certo a confiança não é o único fundamento do mundo,
todavia não tem dúvida que não seria possível fundar
uma concepção do mundo altamente complexa mas
estruturada sem uma sociedade adequadamente
complexa, a qual por sua vez não poderia costituir-se sem
confiança.
(ibidem, pp. 145-146)
O trabalho do Bechelloni me inspira, sobretudo, no objetivo de promover ações
eficazes na direção de permitir a existência de uma sociedade aberta mundial que seja
capaz de incluir todos os habitantes viventes na Terra para fazê-los se sentir “cidadãos
do mundo”. Um objetivo ambicioso, talvez, como o mesmo Bechelloni diz, louco.
Pode parecer mais louco neste momento em que salienta-se fundamentalismos com o
islâmico, guerrilheiro e perigoso, aquele pacifista
51
, aquele americano de matriz
puritana
52
.
Mas, se é verdade como dizia Hölderlin, que onde maior é o perigo está
também a salvação, então pode ser que alguém possa cultivar a esperança necessária
para ativar o desejo de colocar-se entre as complicadas “coisas” deste nosso mundo. É
necessário investir energias intelectuais e práticas para trabalhar na direção de
construir identidades individuais abertas e cosmopolitas. Não sem pouco obstáculos e
dificuldades de se entender. Um dos recursos principaís é a cultura da comunicação
que Trupia (2002) chama de “convocativa”.
51
Que também acaba sendo um fundamentalismo, eis que para professar a paz quer “matar” o outro, o
diverso de nós.
52
Este fundamentalismo “corre o risco de transformar a batalha para a sobrevivência da mais importante
legado da civilização ocidental a teoria e a prática da sociedade aberta em um fundamentalismo
democrático incapaz de exercitar aquela hegemonia cultural que poderia assegurar a cooperação
necessária para uma convivência duradura e pacífica entre povos e culturas diferentes”. (Bechelloni 2003,
p. 23)
Dissertação Barbara Bechelloni
52
Para tornarem-se cosmopolitas, abertos ao mundo, sem utopias é necessário
aprender o que, para natureza humana e para a nossa história cultural, todos os
homens sabem aprender a abrir-se a experiência do mundo. Neste mundo que hoje,
mais do que nunca nos permite multiplicar e ter acesso a uma quantidade sempre
maior de experiências da realidade do mundo. Possibilidades de mobilidades físicas
53
,
além das experiências simbólicas vivenciadas através das palavras, imagens e sons que
os meios de comunicação nos colocam à disposição com enorme acessibilidade.
Tornar-se cosmopolita significa abrir-se ao universal, encontrar os caminhos
para conectar as nossas experiências locais e provinciais ao mais amplo mundo. Como
diz Bechelloni temos que fazer, hoje com mais facilidade de tempo atrás, aquela
“grande volta” através do mundo, de que falam os antropólogos quando explicam-nos
o método necessário para aprender a entender o outro e nós mesmos depois de ter
incorporado olhar do outro.
Aquilo que nos falta não é, em outras palavras, o
sentimento ou o conhecimento, mas pontes
suficientemente sólidas para permitir trazer estes
elementos à condição humana. E os abismos que aquelas
pontes deveriam preencher alargaram-se a cada dia mais.
A política nunca foi tanto necessária como neste
momento, em que tem vida difícil e perdeu grande parte
da sua capacidade de construir pontes.
(Tester: Conversações com Bauman 2002 p. 138)
53
O aumento das viagens e das possibilidades econômicas sempre mais convenientes para ir de um lado
ao outro do mundo.
Dissertação Barbara Bechelloni
53
4. Uma cultura da comunicação e a percepção do outro
Num contexto como aquele que começou a delinear-se com o 11 de setembro,
as relações inter-humanas mudaram. Bechelloni aponta no conceito de comunicação
perturbada e perturbadora uma das principais causas deste contexto. As dificuladades
comunicativas impedem a descoberta de uma “alavanca” que pode ser ativada para
conter os conflitos destrutivos, para ativar círculos virtuosos finalizados à cooperação
e para construir as bases daquela esfera pública mundial que pode ser considerada uma
premissa indispensável para regular a comunidade internacional baseando-se em
significados compartilhados e valores mínimos unificados. Esta “alavanca” pode
basear-se no reconhecimento comum do valor universalizante da pessoa humana, dos
seus direitos dos seus deveres que fundam-se na unicidade e na diversidade de cada ser
humano.
A cultura da comunicação baseia-se no reconhecimento do singular indivíduo-
pessoa como ator principal e responsável do agir comunicativo. O ser humano é
também sujeito que conhece, através da comunicação. Sem comunicação não existe
consciência, não existe ação.
A comunicação é perturbada o perturbadora quando não produz relações
cooperativas, quando destrói (a si mesmo e aos outros), quando recusa, fecha, etiqueta
negativamente, não convoca ao diálogo, à conversação, à aprendizagem. Não pode
existir comunicação quando o outro não é convocado como intelocutor. Quando a
dúvida ou o ressentimento impedem de se abrir à experiência, de conhecer o outro, de
ativar o desejo de uma cooperação construtiva baseada na confiança recíproca.
Na época da globalização e da complexidade em que aparentemente sabemos
de tudo e de todos, os meios de comunicação tornam possíveis experiências antes
impossíveis. Conhecimentos que antes demandaria muitos recursos, agora estão ao
alcance de muitos. Os limites geográficos não correspondem aos limites culturais. As
identidades não existem num território, mas além dele. As comunidades culturais e
simbólicas tornaram-se tão importantes quanto as origens geográficas, e são cada vez
mais importantes. Comunidades de sentimentos (Appadurai, 1996). Os fluxos de
Dissertação Barbara Bechelloni
54
conhecimento viajam através do mundo (Clifford, 1997). Fluxos midiatizados através
das histórias televisivas e cinematográficas, através das notícias e dos formatos.
Fluxos de bens materiais e simbólicos e os contínuos movimentos, coletivos ou
individuais, de seres humanos. Pessoas que viajam, pessoas que migram ou que
fogem, que vagam, que se afastam da própria casa (Maffesoli, 1997). Em todos os
casos, pessoas que entram em contato com outras pessoas, diferentes, e com outros
espaços. Um caos que pode assustar e que não é fácil de gerir, onde não é fácil viver e
que torna necessária uma maior consciência de si e dos outros. Daí necessidade de se
entender entre diferentes
54
.
A globalização é, na maioria dos casos, criticada por ser percebida, ou feita
perceber, do lado econômico, sem pensá-la nos termos humanos e reflexivos
55
,
como a grande oportunidade de abertura ao outro, como oportunidade de
conhecimento. A globalização tem origens antigas com o nascimento da História do
Ocidente, entre os séculos VII e VIII antes de Cristo. Uma História que, muitas vezes,
esquecemos, nasceu do encontro entre civilizações do Oriente com terras e povos do
Ocidente (Girard, 2003). Um encontro que sai das tradições, acelera as inovações e
permite uma virada “modernizadora” (Bechelloni, 2003).
A Itália antes e o Brasil hoje foram, em si, exemplos deste encontro entre
civilizações. Habitadas por povos de origens diferentes em um cadinho de emigrantes
e colonos. Na Itália, deu-se a origem à vida nas cidades etruscas e àquelas da Magna
Grécia, onde nasce a comunicação. A comunicação como meio para permitir o
encontro, para conectar procuras e diferentes exigências, povos e culturas de antigas
tradições. A partir da, e com a comunicação, formam-se e afirmam-se, na praça
pública, as figuras sociais e as instituções centrais designadas à promoção e à gestão
das novas comunidades. O comerciante no mercado, o filósofo nos pórticos da
Academia, o cidadão/político na
αγορα
, mercadores, filósofos, cidadãos na arena do
teatro. Os processos comunicativos realizaram-se na troca dos bens materiais e
54
Em relação à questão do outro, veja-se, entre outros, Todorov, 1982 e 1989; Maffesoli, 1997;
Bechelloni G.,2002, 2003 a e b e 2004.
55
Veja-se Giddens, 1992 e 1999; Beck, Giddens e Lasch, 1995.
Dissertação Barbara Bechelloni
55
simbólicos, na reflexividade, na palavra enriquecida para as artes da retórica, do
diálogo e da representação e no começo das práticas da escrita a vários níveis.
Com a crescente complexidade da sociedade através do aumento exponencial
de indivíduos, de organizações, de grupos que estão povoando o mundo, vieram à tona
as questões das identidades e da alteridade. Conseqüentemente são criadas novas
linguagens, novas formas de identidade cultural (Hall, 1992 e 2003) normas, valores,
significados sociais, simbólicos (Canclini, 1989). O aumento das identidades, as suas
mudanças, produzem hibridizações (Burke, 2003), encontro entre culturas, levantando
um antigo problema, aquele da alteridade do eu que descobre o Outro, outro ou
outrem em relação a mim (Todorov, 1982, Maffesoli, 1997) do outro e da sua
percepção.
Hoje, complexidade da sociedade a partir também da “complexificação” dos
indivíduos e vice-versa (Morin). Neste novo contexto, surge mais do que nunca a
importância da comunicação como possibilidade de abertura, reconhecimento e
compreensão dos outros. A comunicação entendida como recurso, mas também como
problema
56
.
A comunicação tem um papel central na nossa contemporaneidade, que inclui
uma pluralidade de linguagens e de tecnologias, de situações e de contextos, que
fazem da comunicação a área central da ação humana, que é, antes de mais nada, uma
ação comunicativa.
O homem não pode não comunicar como aprendemos da Escola de Palo
Alto
57
. Nós comunicamos em cada ação e em cada momento da nossa vida e em todas
as formas possíveis. Podemos não saber muito bem como fazê-lo, o que comunicar e
para quem, mas isso não nos impede de comunicar.
56
Estes conceitos são trabalhados e explicados por Bechelloni (2002, 2003a, 2003b e 2004).
57 Mental Research Institute, California (USA). Entre grupo dos pesquisadores, Gregory Bateson, Don D.
Jackson, Paul Watzlawick, Erving Goffman ispirando-se também na terapia da Gestalt de Fritz Perls.
Criaram os axiomas para o quais “é impossível não comunicar” e que “a realidade é criada pela
comunicação”.
Dissertação Barbara Bechelloni
56
A comunicação pode ser um recurso estratégico, se pensarmos o
desenvolvimento da comunicação através o uso das novas linguagens e dos
ambientes, das próteses ou tecnologias como o abatimento das barreiras e a
exploração das fronteiras. Isto para alargar a capacidade de inclusão, para construir
novos equilíbrios entre inovação e tradição, para tornar partilhada uma concepção da
cultura humana como capacidade permanente de aprender. Conseguindo modificar o
ambiente, enfrentando a incerteza e promovendo as mudanças. Pensar a comunicação
nestes termos significa afastar-se de uma concepção ocidental e, todavia, recusar
também uma concepção relativista ou niilista que nivela as diferenças. Apropriando-
se, porém, de uma visão evolucionista que valorize a capacidade dos seres humanos de
aprender, mudando a si mesmo e ao ambiente.
Pensar a comunicação como ação humana para a inclusão, a recepção,
construir e manter uma ordem social partilhada, ampliando sempre a quantidade de
significados para incluir. Sem pretender fundar a comunidade necessariamente em
torno de valores comuns, mas deixando cada indivíduo e cada grupo livres de cultivar
os próprios valores e as próprias verdades. A comunicação, assim entendida e pensada,
torna-se recurso estratégico para se abrir a ouvir o diferente, o outro.
A comunicação torna-se recurso partindo da consciência do problema. Ou
seja a partir da capacidade de entender que é difícil entrar em comunicação consigo
mesmo (com o outro que está dentro de nos) e com o outro (os muitos outros com os
quais, na nossa existência cotidiana numa sociedade aberta, entra-se em relação direta
ou mediada). A consciência do problema requer a necessidade de conhecer a si mesmo
e os outros, fazendo experiência, ativando diálogo e reflexividade. Recusando
considerar bons os prejuízos, as teorias gerais preconstituídas, os estereótipos e tudo
mais pode colocar-se no meio entre a nossa pessoal capacidade de experimentar,
direta e mediada, as coisas e as pessoas, os eventos e as situações, os processos de
transformação dos nossos contextos de vida.
Dissertação Barbara Bechelloni
57
O Brasil, hoje, pode tornar-se importante centro para o desenvolvimento desta
comunicação, como elemento estratégico para a convivência pacífica das culturas
58
.
Um ambiente comunicativo é um ambiente aberto às trocas, aos encontros, à
reflexividade e à aceitação do outro. É o ambiente da tolerância, da cidade e da praça,
da
αγορα
e do mercado, onde os indivíduos e os grupos, diferentes entre eles, têm
interesse em trocar bens materiais e simbólicos para se enriquecer reciprocamente.
Esta concepção inverte a concepção tradicional, enraizada em muitas culturas
coletivas em todos os tempos que concebe, idealiza, a comunicação como possível
entre iguais, entre membros de uma mesma comunidade onde sejam compartilhados os
mesmos valores. É uma concepção da comunidade, como um conjunto parado e
fechado onde o nós opõe-se ao outro, ao amigo, ao inimigo, ao cidadão estrangeiro e
bárbaro na acepção grega de estrangeiro. É o que leva a comunidade fechada das
tradições a exercitar um pesado controle social e a expulsar ou eliminar o diferente.
Comunicar é difícil e pode ser um problema. E esta, a comunicação, torna-se um
problema cada vez que, nas comunidades humanas, ocorrem mudanças na relação
entre a população e os recursos pela sobrevivência. Mas como disse, não podemos
não nós comunicar.
Existem diferentes problemas ligados à dificuldade de comunicar. A percepção
ou a desvalorização do destinatário (tem a ver com a identidade coletiva) ou do
interlocutor (identidade individual) para quem comunicamos. uma tendência à
desvalorização das linguagens, da comunicação, que para muitos significa, dizer, falar,
usando a linguagem alfabética, talvez mexer-se, mostrar-se. Mas quando se fala que
“não podemos não comunicar” (Watzlawick e alii 2004, Bechelloni 2002), entende-se
que os seres humanos utilizam uma pluralidade de linguagens da comunicação: aquela
do corpo com as suas imagens, posturas, sorrisos, gestos, silêncios, símbolos, imagens
interiorizadas. Linguagens pouco estudadas, mas que todos os seres humanos utilizam
a cada minuto da própria vida.
Esta incapacidade em valorizar os interlocutores, e até desvalorizá-los, é
conseqüência de posturas autoritárias e fechadas, que têm raízes profundas na história
58 Como surgiu nas conversas com o Cônsul Geral da Itália, o Prof. Leonardo Prota e outros.
Dissertação Barbara Bechelloni
58
das comunidades humanas que têm que explorar, para aprender a conviver com os
nossos limites.
Comunicar significa abrir-se à experiência da mudança!
Dissertação Barbara Bechelloni
59
III. AS TEORIAS E A TERMINOLOGIA DAS MIGRAÇÕES
1. Alguns conceitos fundamentais das teorias das migrações
1.1 O estrangeiro
A nação pressupõe um dualismo, de uma certa forma
existencial: a nação e o que não é nação, ou seja, o
estrangeiro
59
.
(Maravall 1991, p. 598)
A partir desta concepção é necessário analisar o significado, o que entende-se
com o termo estrangeiro e como pode ser posto em relação aos termos de imigrado e
de desenvolvimento.
O conceito de estrangeiro, do outro em relação a uma existência comunitária,
tem as suas raízes mais antigas na origem histórica da cultura européia. A sua presença
é evidente nos livros bíblicos. Na Grécia, a contraposição greco-bárbara é estranha à
interdependência hómerica da Guerra de Tróia. Em época clássica, estas diferenças
tiveram um caráter central e incisivo, em Ésquilo, Eurípides e Aristófanes. Em Platão,
Isócrates e Aristóteles o pensamento político torna-se assim: às vezes, o estrangeiro
será qualquer pessoa que não tem a qualidade de cidadão nem todos os habitantes
das cidades tinham tal qualidade – ou quem pertence a uma outra polis, reconhecendo-
o com o nome diferente (o espartano) ou quem sobretudo não é grego.
Estes diferentes leques do conceito de estrangeiro
estenderam-se na Europa durante a Idade Média e as
línguas neolatinas terão esta sobreposição de
significados. Estas sobreposições correspondem às
transformações do sentimento da comunidade que
aparece numa tríplice perspectiva: a cidade, o reino de
tradição medieval ou a monarquia moderna. Em cada
uma destas ordens mantém-se ou desenvolve-se um forte
59
Histórico espanhol José Antonio Maravall (1911-1986) discípulo de Ortega y Gasset.
Dissertação Barbara Bechelloni
60
caráter federativo e em cada um manifesta-se uma
consciência de diferenciação que é própria.
(Maravall 1991)
Werner Sombart, ao início do século XX dizia que poderia ser fascinante
escrever toda a história da humanidade do ponto de vista do estrangeiro e da sua
influência sobre os eventos.
De fato, desde o início da história, tanto nas pequenas
como nas grandes coisas, são as influências externas que
determinam o desenvolvimento característico dos
singulares povos. Que sejam sistemas religiosos ou
invenções técnicas, formas da vida cotidiana ou modas e
costumes, revoluções políticas ou instituições de bolsas,
sempre ou pelo menos a maioria das vezes, vemos que o
estímulo vem dos estrangeiros.
(Sombart 1967 p. 279)
Sombart considera, portanto, os estrangeiros e os migrantes como elementos
fundamentais da sua teoria do desenvolvimento. Foi, pode-se dizer, um precursor da
sociologia das migrações e dos grupos étnicos. Concordo porém com Pecchinenda
(1999) quando diz que a hipótese sombartiana, segundo a qual os imigrantes, enquanto
estrangeiros (e portanto mais desligados das tradições) seriam aqueles que melhor e
com mais eficácia poderiam aplicar os cânones do racionalismo econômico e portanto
promover o desenvolvimento no sentido ocidental moderno (à maneira dos
empreendedores), teria que ser totalmente revista.
De fato outros estudiosos e sucessivas pesquisas sociológicas demonstraram
que não é o grau de distância com as tradições, a influenciar um certo tipo de atitudes
e comportamentos (de tipo empresarial no sentido sombartiano ou de
modernizadores), mas o tipo de tradição, ou melhor de cultura dos quais os imigrantes
são portadores.
Dissertação Barbara Bechelloni
61
Na América Latina foram os imigrantes que menos sentiram-se estrangeiros
nas novas terras e que conseguiram representar uma verdadeira força motriz no
desenvolvimento.
Uma outra clássica definição de estrangeiro é aquela de Georg Simmel
60
.
Estrangeiro é aquele que hoje vem e amanhã fica, para
assim dizer o viandante potencial que, contanto que não
continuou a deslocar-se, não superou completamente a
ausência dos laços do ir e vir (...). A sua posição no novo
âmbito é determinada essencialmente pelo fato que ele
não o pertence desde o início, porque introduz nisso
qualidades que não derivam e não podem derivar dele.
(1991, p. 37)
1.2 A migração
Para alguns estudiosos a migração é um dos elementos, do ponto de vista
evolucionista, que contribui à diferenciação morfológica entre os seres humanos.
O termo migração na definição de Gallino
61
, coloca uma infinita variedade de
fenômenos, que têm em comum a mobilidade entre homens. É considerada
migração cada deslocamento indivídual de um ponto até o outro. Gallino continua
dizendo que mais do que a etnicidade, a direção e a distribuição no espaço dos fluxos
migratórios, que são objeto de estudo de demógrafos e geógrafos, os sociólogos
deveriam indagar alguns fatores estruturais e culturais. O estímulo para as emigrações
das áreas de fuga, os processos de desorganização social provocado pela diminuição
numérica da população. De outro lado, indagar os mecanismos de integração dos
imigrantes nas áreas de atração e os processos de desorganização e reorganização
social produzidos pelo inserimento, na população autóctone, de uma grande
quantidade de imigrados, que além do impacte numérico no sistema social local é
somente um vetor de uma cultura e de uma personalidade de base diferente. O que nos
60
Neste caso utilizada para aprofundar a relação entre metrópole e modernidade.
61
Voz do Dicionário de Sociologia 1983.
Dissertação Barbara Bechelloni
62
interessa mais são aqueles aspectos relativos ao complexo processo de
desagregação/integração que os indivíduos e os grupos de indivíduos, portadores de
universos simbólicos diferentes, experimentam dentro de um determinado território,
no qual vêem voluntariamente ou não em contato. (Pecchinenda 1999)
A migração revela a própria natureza posteriormente. Por exemplo, o caso
de grupos de imigrantes temporários nos países da América Latina que acabaram
para ficar durante gerações, sem tê-lo planejado, como podem ser definidos? Com qual
geração muda esta definição? Quando acabam de ser imigrantes e estrangeiros e
quando começam a ser considerados e a considerar-se brasileiros, venezuelanos ou
argentinos?
Em alguns países, uma vida inteira de um homen, uma geração pode não ser
suficiente para definir o fenômeno imigração. Ou seja, pode não ter tido ainda tempo
para uma ressocialização completa, a mudança de identidade necessária para ser
considerado um deles. E os filhos nascidos no país hóspede como serão? Estrangeiros?
Em algumas colônias, os emigrantes definem-se assim até mais de uma
geração, depende de fatores como cultura e a vontade de integração, mas também das
atitudes (formais e informais
62
) dos países hospedantes. Este último é, sem dúvida, um
elemento fundamental. Por exemplo, na mesma América Latina, seja do ponto de vista
legal, seja de mentalidade, as coisas podem mudar muito. Italianos na Argentina ou no
Brasil não terão a mesma integração que no Peru, na Bolívia ou na Colômbia.
De toda a maneira, em cada país, se pode ser estrangeiro em formas diferentes,
com integrações sociais e consolidações diferentes.
1.3 As teorias das migrações
Entre os príncipios úteis para uma classificação dos processos migratórios,
podem-se citar alguns. Por exemplo, aqueles que dividem as migrações temporárias
daquelas sazonais e daquelas permanentes. As migrações coletivas daquelas
62
Entende-se como atitudes formais as leis que regulam a posição do imigrante e informais no sentido
mais cultural e humano da população que recebe.
Dissertação Barbara Bechelloni
63
individuais, as internas das internacionais, as rurais das urbanas. Alguns estudiosos
tentaram superar estas indeterminações conceituais referindo-se às “motivações”
consideradas mais importantes para a definição do volume e da direção das migrações.
Algumas pesquisas atribuem importantes correlações entre fluxos migratórios e fatores
objetivos tais quais a distância geográfica, as comunicações, as relações diplomáticas,
as diferenças de rendas per capita ou entre as taxas de desemprego que existem nos
países de partida e aqueles de chegada. Estes critérios foram muitas vezes utilizados
para dar conta dos mecanismos motivacionais de expulsão/atração (Push/Pull) que
podem provocar o movimento dos indivíduos ou grupos de um território para um
outro.
Germani critica esta estruturação, Push/Pull, porque acha que através dela
atribui-se mais importância às motivações de tipo racional ou instrumental, sem
considerar possíveis complexidades do processo psicológico que orienta as decisões de
migrar ou ficar
63
.
Pecchinenda propõe um esquema teórico útil para orientar-se dentro das
possíveis abordagens à análise das migrações.
I. Fatores determinantes dos processos migratórios
1) Estruturais
2) Indivíduais
II. Características das migrações
1) Tipos de migrações (rural-urbana, nacional, continental, intercontinental)
2) Volume e distância
3) Seletividade
4) Contexto social das migrações
III. Conseqüências das migrações
1) No lugar de origem
2) No lugar de destino
IV. Análise comparativa entre imigrantes e nativos no lugar de destino
63
Germani 1965 citado em Pecchinenda 1999.
Dissertação Barbara Bechelloni
64
1) Diferenças sócio-econômicas
2) Modalidades sociais
3) Marginalidade
4) Conseqüências políticas da imigração
Anthony Richmond
64
, divide as teorias das migrações em duas grandes categorias:
aquelas a um nível macro e aquelas a um nível micro.
Na primeira categoria cabem as teorias que se focalizam nas correntes migratórias,
identificando as condições segundo as quais estes grandes movimentos acontecem,
descrevendo as características demográficas, econômicas e sociais dos migrantes. O
nível macro inclui também as teorias dos processos de adaptação dos imigrantes, a
integração econômica e social, etc., quando concordam com uma perspectiva
estrutural ou cultural geral. O nível micro compreende, porém, os estudos sobre os
fatores sócio-psicológicos que diferenciam os migrantes dos não-migrantes. Mas
também as teorias que têm a ver com as motivações, as decisões, a satisfação e a
insatisfação. (Richmond 1988).
Segundo Ravenstein existem verdadeiras “leis” que governam as migrações. Num
ensaio do 1885 identificam-se as seguintes “leis”:
1) menor é a distância, maior será a dimensão numérica da migração; 2) cada
corrente migratória produz uma contracorrente de volta; 3) existe correlação entre o
desenvolvimento tecnológico e das comunicações e o aumento dos movimentos
migratórios; 4) os habitantes dos centros urbanos emigram menos daqueles dos centros
rurais; 5) os emigrantes que atravessam distâncias muito grandes tendem a se
estabelecer em centros muito grandes; 6) as migrações acontecem através de fases.
Partindo das áreas rurais, passando por pequenos centros urbanos e chegando destes a
cidades sempre maiores, até chegar à metrópole.
64
Estudioso britânico, veja-se Richmond 1978 e 1988.
Dissertação Barbara Bechelloni
65
Destas leis algumas sobreviveram às provas da experiência e do tempo, outras
mostraram-se falsas.
Mas uma outra lei que Ravenstein acrescentou em 1889, segundo a qual o que
prevalece nas migrações são as motivações econômicas. Esta última é um exemplo da
utilização push factors, e pull factors, isolados e particulares para construir
explicações generalizadas e sofisticadas.
E. Lee é um teórico que partindo do modelo clássico de Ravenstein, o supera.
Analisa com a sua teoria o processo migratório baseando-se na hipótese de que cada
ação migratória compreende uma origem, um destino e um set de obstáculos
intervenientes. Portanto atribui valores negativos (push), neutros e positivos (pull) seja
aos fatores objetivos dos lugares de origem e de destino, seja conforme as perspectivas
dos migrantes. Portanto, a classificação de cada fator variará segundo a inserção dos
indivíduos no processo migratório.
Por sua vez, Lee formulou algumas outras hipóteses:
1) o volume da migração será inversamente proporcional à possibilidade de
superar os obstáculos; 2) o volume das migrações variará com o variar da população
interessada; 3) maior será a disparidade entre os critéiros objetivos relevantes (como
os níveis de renda ou de desemprego) nas infraestruturas entre as regiões geográficas
de partida e de chegada, maior será o volume da migração; 4) os fatores de expulsão
são mais importantes do que aqueles de atração; 5) a migração é seletiva. A
personalidade de uma amostra de migrantes não será a mesma daquela de uma amostra
casual da população dos lugares de origens dos mesmos migrantes (Lee 1966).
Um outro modelo, que começa a propor o modelo “sistêmico” às teorias
migratórias, é aquele proposto por Mabogunje. Este autor tenta aprofundar a questão
da interdependência entre as áreas de origens e aquelas de chegada, identificando
quatro elementos dos movimentos migratórios quais sejam: econômico, social,
tecnológico e ambiental. A migração é portanto descrita como um sistema circular,
interdependente, sempre mais complexo e em contínua autotransformação (Richmond
1988, p.10).
Dissertação Barbara Bechelloni
66
Voltando ao debate entre micro e macro um aprofundamento teórico interessante é
aquele de Eisenstad e sobretudo do Germani, em relação aos processos de aculturação
e de assimilação.
Sobre a assimilação, entendida num sentido unidirecional, como um processo de
transmissão de elementos culturais de um grupo para um outro, não existe. O que pelo
contrário acontece é um outro fenômeno
65
, o da hibridação, ou seja a influência
recíproca que conduz inevitavelmente a complexas mudanças
66
dentro da sociedade
em questão.
65
Também nos casos de total hegemonia de uma cultura sobre uma outra.
66
Na maioria dos casos tais mudanças nem mesmo são reconhecidas pelos mesmos sujeitos que
participem da troca.
Dissertação Barbara Bechelloni
67
2. Diásporas e migrações italianas
As conseqüências, realmente globais, em curto e longo prazo, das migrações de
massa do século XIX e XX são amplamente reconhecidas. Este reconhecimento nasce
com pesquisas comparativas, transnacionais ou com uma abordagem village and
region-outward
67
conduzidas por estudiosos italianos e ingleses, sobre as migrações
italianas
68
. Mas é só nos últimos dez anos que alguns pesquisadores, entre os quais
Gabaccia, começaram a estudar as migrações da Itália como diásporas. Poucos destes
estudos afirmaram-se. Isso porque muitos estudiosos continuam a emoldurar as
próprias pesquisas em historiografias nacionais e em terminologias teoréticas
69
. O
consenso à base dos estudos é quase total. Para Gabaccia esse é um fato que se deve
duvidar. Ela diz que nestes casos o consumo pode ser sinal de cansaço, desinteresse,
hierarquia. Lembrando aos pesquisadores que estes estudos fazem parte de um projeto
científico multidisciplinar
70
.
2.1 Pequena história do termo diáspora
71
Deste século XVII até os anos noventa do século XX, nos estudos anglófonos,
o termo diáspora tinha utilização quase exclusiva para os judeus que chegavam de
Jerusalém, talvez porque o termo tinha entrado na língua anglófona através da
tradução do grego da Bíblia na versão do rei Giacomo (Gabaccia, 2005). Vale a pena
evidenciar que as pessoas de língua hebraica preferiram durante muito tempo a palavra
hebraica galut à palavra diáspora quando referiam-se à própria dispersão.
Associando as descrições bíblicas do exílio judaico à palavra diáspora, a
maioria dos estudiosos, ingleses e angloamericanos, entendeu a diáspora judia como
produto das migrações forçadas e um sofrimento por parte de um povo sem um
Estado. Um exercício da memória das experiências do exílio contribuiu para manter
67
Ou seja “da terra e região de origem para o externo”.
68
Veja-se algumas pesquisas referidas e citadas em Gabaccia 2003 e 2005.
69
Como diáspora, trasnacionalismo, raça, etnicidade, geração, etc.
70
A autora critica sobretudo os historiadores, sendo ela também historiadora, que tendem a medir sempre
com a “escada” da historia cada conceito ou teoria que empresta das outras disciplinas.
71
Analises etimológicas da diáspora são disponíveis por exemplo em Tölöyan 1996 e Cohen 1997.
Dissertação Barbara Bechelloni
68
uma identidade minoritária nos judeus que viviam sob domínio estrangeiro. Pensa-se
que as famílias e as comunidades judias elaboraram diversas e eficazes formas de
afeição a uma pátria remota e inalcançável para a qual desejavam regressar. Os judeus
conseguiram reproduzir este sentimento, este desejo através das gerações, tanto que
este desejo da pátria tornou-se o fundamento do movimento sionista, com as
reinvindicações para a criação de um próprio Estado na Palestina.
Portanto, como vimos, os anglófonos que aplicavam o termo diáspora ao exílio
judeu, quase eliminaram totalmente o significado originário, mais amplo, que tinha a
sua origem no grego antigo. Muito tempo antes que o historiador Tucídides utilizasse
este termo, diáspora, para descrever exiliados, expulsos das próprias casas durante a
guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), a palavra descrevia a dispersão dos gregos para
o Meditêrraneo e na Ásia ocidental. Não se tratava de uma migração de exilados ou
refugiados, mas de mercadores e colonizadores com um bom espírito de aventura. A
idéia, sugerida pelo termo diáspora em origem, era de sementes. Como sementes, os
gregos desembarcavam em territórios estrangeiros criando instalações familiares e
explicitamente gregas seguindo as próprias leis. Para os mercadores e os marinheiros
que tinham recursos suficientes, o regresso à Grécia era uma hipótese possível, mas
não sempre adotada.
Claramente o significado da palavra diáspora mudou no tempo, o que é normal
acontecer, apesar de não ser comum. Todavia últimamente estamos tendo muitas
mudanças lingüísticas, aliás não é por acaso que fala-se de “virada lingüística” dos
anos noventa (Gabaccia, 2005, p. 143).
Em geral até 1970, a maioria dos trabalhos sobre a diáspora são sobre a
diáspora judia. Apesar de terem surgido pesquisas sobre as diásporas africanas e a
dos negros. Mas sem provocar nenhuma reação particular porque o comércio dos
escravos pode ser considerado como uma migração forçada de povos sem Estado
72
.
Nos anos setenta começaram algumas publicações em inglês sobre migrantes da
Irlanda, China, Ucrânia, República Dominicana e Bélgica como diásporas.
72
Diria-se que a primeira aplicação do termo diáspora à dispersão dos africanos estivesse em Beachey
1969 citado em Alpers 2001 (Gabaccia 2005).
Dissertação Barbara Bechelloni
69
Na literatura multidisciplinar sobre as diásporas, os trabalhos sobre os
migrantes italianos foram poucos, atrasados e exclusivamente em inglês
73
. Existem
também algumas pesquisas sobre a diáspora italiana (Ostuni 1995 e Trincia 1997)
74
,
mas geralmente os estudiosos preferem utilizar expressões como: italianos no
estrangeiro, italianos fora da Itália ou italianos no mundo.
Mas as mudanças lingüísticas, como qualquer mudança, são fatos normais da
vida. Abrir para a extensão do uso do termo diáspora foi feito nos anos noventa
sobretudo por estudiosos de migrações de origem judaica, armênia e africana,
geralmente descendentes destes povos, escrevendo sempre em língua inglesa. Porém a
aplicação deste termo às migrações da Itália pode não ser muito aceita para os
italianos, talvez porque foram os anglófonos a utilizar o termo nesta acepção e porque
esta mudança aconteceu num momento de hegemonia lingüística do inglês como
língua científica em todo o mundo. Talvez as razões sejam outras, mas o que sugere
Gabaccia é que não haja um fechamento, mas que tentem entender as origens da
mudança lingüística sem maldize-la ou ignorá-la.
Parece portanto que estender o termo diáspora para uma ampla gama de
populações significa não ter rigor científico. Neste aspecto é importante lembrar que
para muitos cientistas sociais qualquer fenômeno único
75
é de utilidade analítica
limitada. Porque não considera a possibilidade de comparar e generalizar. Enquanto
alguns pesquisadores continuam preferindo acepções mais restritas é importante
reconhecer que aqueles que escolheram ampliar o significado do termo diáspora nos
anos noventa fizeram-no, segundo os mencionados por Gabaccia, esperando resolver
alguns problemas intelectuais bem claros nos estudos das migrações.
73
Veja-se citados em Gabaccia 2005, Pozzetta e Ramirez 1992; Verdicchio 1997; Gabaccia 2000; Strohm
2001.
74
Sobre diáspora política na área de Biella, o primeiro, e Igreja e trabalhadores na Suíça e na Alemanha o
segundo.
75
Como os anglófonos consideraram a diáspora durante um longo tempo como ainda muitos italianos.
Mas está acontecendo algo nestes últimos anos e alguns (Bechelloni, Bassetti) estão começando a utilizar
o termo nesta acepção abrindo-o a população italiana no trabalho sobre as migrações mais antigas como
atuais.
Dissertação Barbara Bechelloni
70
O africanista Harris, em 1982, apresentou nos seus trabalhos as
argumentações para as quais o estudo das diásporas tivesse sido estendido, além do
caso da dispersão judia. Os pesquisadores podiam concentrar a própria atenção nos
africanos que viviam em todo o mundo, através da palavra diáspora, favorecendo
análises de tipo global. Nesta perspectiva, Harris abriu-se a um estudo comparativo
entres diferentes origens africanas e as diversas condições sociais em relação aos
lugares nos quais os africanos estabeleceram-se. Isto levou outros estudiosos a
pesquisar como as populações de origens africanas conservaram relações com a
África, porque continuavam a sentí-la como a própria pátria e que tipo de atividades
políticas e culturais refletiam a possibilidade de um regresso físico ou psicológico
através das gerações
76
.
Nos anos noventa, historiadores, bem como estudiosos de ciências sociais e dos
estudos culturais, abraçaram esta tipologia de estudos comparativos. Em geral a mais
ampla e extensa acepção do termo diáspora refletiu a procura de conceitos e
metodologias mais globais. Nestes anos os estudiosos adquiriram consciência de viver
em um mundo em contínuo movimento.
O comunismo estava caindo, pondo fim à divisão do
globo da Guerra Fria em primeiro, segundo e terceiro
mundo; o mercado estava se afirmando em escala
mundial, com invocações ao livre mercado, num
momento em que satélites e computadores estavam
transformando também a comunicação e simplificando os
fluxos de capitais. Teorias sobre a globalização
proliferam em antropologia, sociologia e economia
política entre 1990 e 1995, perto de uma terminologia
renovada sobre transnacionalismo como teorizado pelos
antropólogos.
(Gabaccia 2005, p. 147, 148)
76
Harris 1993, p. 3, citado em Gabaccia 2005.
Dissertação Barbara Bechelloni
71
Utilizar a diáspora como moldura analítico da pesquisa, estimulou os
estudiosos a explorar a natureza multidirecional das migrações através de pesquisas
multisituadas
77
. Assuntos, como migrações de retorno , circulares , temporâneas,
múltiplas, que apareciam marginais nos estudos nacionais sobre migrações, tornaram-
se fundamentais nos estudos das diásporas.
Alguns estudiosos representam as diásporas como nações que existem e que
mobilizaram-se para procurar independência da pátria ancestral
78
. Numa diferente
formulação, as diásporas são entendidas como nações já existentes, desterritorializadas
com a migração. Sendo parte de Estados nacionais, de política, como governos em
mais de um país, as diásporas podem pôr novamente em discussão antigos assuntos
sobre a soberania estatal nos próprios territórios nacionais (Basch et al. 1994).
As diásporas podem aparecer como lugares de construção nacional e até
criadoras de imagens de nações através um nacionalismo da diáspora (Gallner 1997).
Estendendo o significado de diáspora até incluir as migrações voluntárias,
também os americanistas que se ocupavam de imigração e etnicidade utilizaram o
termo como uma outra oportunidade para não ficar preso na rede da teoria da
assimilação, criação da sociologia da Escola de Chicago
79
.
Por fim, uma interpretação mais ampla do termo diáspora contribuiu para
resolver interrogações de pesquisa em diferentes disciplinas. Por exemplo, uma linha
77
No sentido de pesquisas conduzidas em difenetes áreas do mundo.
78
Jacobson 1995 citado em Gabaccia 2005.
79
A Escola de Chicago nasceu por volta dos anos vinte e trinta do século XX, com o psicólogo social
George Mead. Mas o que nos interessa aqui é que deu uma grande contribuição para a sociologia urbana,
com a idéia da cidade como laboratório. “A cidade como laboratório social, com seus signos de
desorganização, de marginalidade, de aculturação, de assimilação; a cidade como lugar da mobilidade”
(Mattelart e Mattelart 2003). Entre 1915 e 1935 as contribuições mais importantes dos pesquisadores da
Escola são consagradas à questão da imigração e da intergração dos imigrantes na sociedade Americana.
Entre os membros lembra-se, Georg Simmel, Robert Ezra Park, E. W. Burgess, M. Friedman e
W.Thomas e F.Znaniecki que estudaram os imigrantes poloneses e o processo de aculturação. Segundo o
qual se o imigrante não se acultura, este pode viver uma percepção de privação que pode levá-lo a
cumprir atos anti-sociais. Outros autores como, Zorbaugh, Thrasher e Sutherland estudaram os
comportamentos dos jovens desviados, em particular dos imigrantes de segunda geração que estão na
dificuldade de ter que escolher entre a cultura da família de origem e a cultura do país em que nasceram.
Este mal-estar pode levar à formação de grupos juvenis subculturais que, em presença de fatores
favoráveis, podem tornar-se quadrilhas marginais. Gabaccia (2005) cita algumas, mais recentes críticas à
Escola.
Dissertação Barbara Bechelloni
72
de pesquisa feminista, desenvolveu um interesse para os laços particulares, pessoais e
somente domésticos entre a identidade indivídual e a colocação geográfica, expressa
tipicamente como o conceito de “casa”.
Sobretudo alguns estudiosos anglófonos, através de ensaios críticos – nos quais
falam do fundamentalismo multi-culturalista e de uma nova política da identidade que
enfatiza a condição híbrida, a complexidade e o cosmopolitismo – tornaram a diáspora
um quadro analítico atraente para especialistas da mobilidade humana em
Antropologia e Geografia (Lavie e Swedenburg 1996)
80
Em 1986, o cientista político Walker Connor propôs uma definição vasta.
William Sfran (1991), descobriu que a diáspora tornou-se uma metáfora para
distinguir expatriados, refugiados, estrangeiros, imigrantes e minorias étnicas e raciais.
Porém, o antropológo James Cliffors (1994) lembrou que o debate sobre a diáspora
estava substituindo aquele sobre as minorias. Mais recentemente, o antropólogo
Steven Vertovec (2000, p. 141) diz que a diáspora é utilizada hoje para descrever
qualquer tipo de povo que vive fora dos espaços desenhados como própria pátria
cultural.
Haveria mais definições que juntas com estas incomodam muitos porque são
controvertidas e sobretudo com diferentes sentidos em relação às definições de outros
estudiosos.
2.2. A diáspora italiana
Uma segunda possibilidade para a internacionalização da
história italiana é a história ‘transnacional’ da mesma
diáspora italiana em que a Itália e a vida italiana
permanecem ‘nós’ centrais de uma rede de porte mundial.
Segundo esta abordagem, a história italiana poderia ser
interpretada como sempre convenientemente, e
contemporâneamente uma influência importante, em
80
Citados em Gabaccia 2005, p. 151.
Dissertação Barbara Bechelloni
73
respeito aos desenvolvimentos das comunidades italianas
no mundo.
(Gabaccia, 1997).
Concordando com a visão da Gabaccia que está na base do meu trabalho,
como do conceito de italicidade que escolheu, como referência, o significado de
diáspora que Robin Cohen (1997) explicitou no seu livro Global Diásporas. Ele abriu-
se para uma dilatação do termo até incluir seja as dispersões traumáticas, seja as
migrações em múltiplas direções. Cohen propõe uma tipologia baseada nas
expectativas das migrações – que compreende diásporas sindicais, imperiais,
comerciais e de vítimas. Individualiza um tipo conclusivo de diáspora nas idéias
mutáveis e nas funções culturais
81
, que Clifford (1999) chamou “culturas em viagem”.
No mesmo caminho de Safran (1991), Cohen defende uma definição flexível de
diáspora, insistindo sobre uma boa quantidade de características comuns.
Cohen fez uma lista das características para definir todas as diásporas e
Gabaccia utiliza tal lista para caracterizar as migrações da Itália como uma expansão
para “duas ou mais regiões estrangeiras”, “a procura de emprego” (Cohen 1997), as
bases para aquela que Cohen chamou de diáspora de força de trabalho (Gabaccia
2005).
As migrações da Itália foram multidirecionais, temporárias e particularmente
numerosas, como sabemos, nos séculos XIX e XX
82
. Cohen diz que “todas as
diásporas têm uma relação problemática com as sociedades hóspedes” (1997, p. 186).
Tirando as visões de acolhimento, por exemplo, dos Estados Unidos e em geral
também do Brasil, reconhece-se que a xenofobia é universal e que muitos migrantes
italianos foram recebidos com um certo grau de hostilidade.
Em alguns casos isolados de violência física tornaram-se, sobretudo nos anos
logo antes da Primeira Guerra Mundial, uma hostilidade sistemática, institucionalizada
81
Veja-se Appadurai 2001.
82
Em relação ao Brasil alguns dados podem ser encontrados no capítulo IV deste trabalho. Em relação a
dados mais gerais veja-se principalmente: AA.VV. 1987, Bevilaqua, De Clementi e Franzina 2002,
Franzina 1995, Rosoli 1978 entre outros.
Dissertação Barbara Bechelloni
74
contra os italianos que trabalhavam, por exemplo, na Argentina, na Suíça, nos Estados
Unidos, assim como no Brasil.
Em alguns destes lugares os imigrantes que estabeleceram-se permanentemente
conseguiram ter acesso rápido à cidadania e aos seus direitos. Em outros, não foi
assim.
Como outras diásporas, os migrantes italianos tiveram o que Cohen definiu,
“movimento de repatriação” (1997, p. 185). As taxas de repatriações para Itália foram
muito altas.
Enfim parece indiscutível que os migrantes da Itália no estrangeiro elaboraram
o que Cohen chama uma “memória e um mito coletivo sobre a pátria mãe” e uma
“idealização da presumida casa ancestral” (Cohen 1997, pp. 184, 185). Apesar dos
mitos serem centrados nos sofrimentos e no drama de uma vida em um ambiente
impiedoso, muitas vezes falava-se que, na Itália, as mulheres em casa eram mais
parcimoniosas e as crianças mais respeitosas com os mais velhos, que o ar era melhor,
que a comida era mais saborosa e que as terras eram de uma beleza única, saudáveis
ou particularmente cheia de significados espirituais e familiares
83
.
Migrações da Itália tiveram-se muito tempo antes que
tivesse um povo ou um Estado nacional italiano...
Portanto, a pátria que os migrantes mitificaram e
glorificaram não foi sempre a pátria nacional... Os
migrantes mitificaram uma patri natia que era uma
específica cidade ou uma pequena área local. Com isto
claro na mente, escrevi difundidamente aqui e além
‘migrantes da Itália’ e não ‘migrantes italianos’.
(Gabaccia 2005, p. 155)
83
Este aspecto é algo díficil para explicar em todas as suas formas. De fato, por exemplo, hoje viajando
pelo mundo pode-se reparar diferentes formas de se comportar. Talvez isto tenha a ver com o grau de
distância (em termo de distância geográfica e de tempo da migração). pessoas que ainda têm este mito
da pátria distante, não referido aos italianos; como muitos que saindo da própria pátria tendem, hoje,
isto vale sobretudo com os italianos e reparei muito também com os brasileiros a falar mal do próprio
país. Quase como uma forma maníaca de tomar as distâncias de uma parte da própria identidade mal
resolvida, conectada aos estereótipos. Ou para ter, do outro lado, quem fale bem das próprias qualidades.
Dissertação Barbara Bechelloni
75
Entre as pessoas que deixaram a Itália entre o século XIX e o início do século
XX, os vínculos sociais mais fortes não eram com a nação de pessoas, italiana,
abstratas, mas entre homens que migravam e aquelas mulheres mais sedentárias que
ficavam na Itália para criar e reproduzir grupos familiares. Os homens que migravam
dependiam destes vínculos, mas também reforçaram aqueles de solidariedade com os
compaesani ou seja, aqueles que provinham das mesmas terras e não italianos no
sentido próprio – que viviam e trabalhavam no mesmo país-hóspede.
Estes regionalismos e localismos tornaram mais complicada a idealização de
uma pátria ancestral para as milhões de pessoas em movimento da Itália. Esta
solidariedade regional e para quem chegava da mesma terra levou a uma forma de
regionalismo da diáspora. Hoje, como lembra Gabaccia, os cinco milhões de cidadãos
italianos residentes fora da Itália parecem compartilhar um senso, do que Cohen
chamou de empatia e solidariedade, senso baseado, também, seja na própria
nacionalidade italiana, seja no próprio crescente interesse a fazer valer a própria
cidadania e o próprio pertencer, como italianos, à mais ampla comunidade européia.
Hoje, as identidades de latino-americanos, norte-americanos, australianos e
europeus de descendência de migrantes da Itália varia consideravelmente. Identidades
compostas – ítalo-americana, ítalo-canadense, ítalo-australiana – tornaram-se
relativamente comuns sobretudo nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália. Agora
em outros países, boa parte da América Latina e da França, novas identidades e
fidelidade nacional parecem ter cancelado os traços de que Cohen e outros chamam de
etnicidade. Verdadeiro em termos de vínculos com a pátria, mas não em termos da
manutenção de aspectos da cultura italiana que hibridaram-se com a outra local ou,
como emblemático o caso do Brasil, diversas outras culturas.
É interessante a expressão, igual em muitos dialetos diferentes da Itália, e a
convicção que tutto il mondo é paese
84
. O significado lateral do provérbio conectava
uma familiaridade cosmopolita com um mundo com o localismo íntimo da terra. Este
provérbio pode ser entendido como a descrição de um mundo que era simultaneamente
maior de qualquer terra local, mas também gerenciado como uma comunidade em que
84
Todo o mundo é país.
Dissertação Barbara Bechelloni
76
todo mundo se conhece. Gabaccia diz que esta expressão contém sentimentos
cosmopolitas, que não impedem porém o nascimento e o crescimento, entre o século
XIX e o século XX, dos Estados nacionais.
Dissertação Barbara Bechelloni
77
3. A Italiacidade
Nove décimos dos modos com os quais o mundo
moderno tem consciência de si mesmo, e que serviram à
sua grandeza derivam da Itália...
... Tem que ter alguma coisa de prazeroso e de
acomodante em uma civilização que sem organização,
sem um plano teórico, sem recorrer à força, resiste,
difunde-se e atrai... É difícil definir com precisão o que é
aquela atmosfera feliz, leve, alegre que forma a vida
italiana; uma mistura de cepticismo, de bom humor, de
espírito de viver e deixar viver, que não exclui a
profundidade do pensamento, um cepticismo audaz, uma
certa paixão sensual e também romântica, cheia de
compreensão da natureza humana, tolerância dos vícios e
das virtudes
85
.
... A fama da Itália é hoje grande no mundo pela sedução
do sistema de vida que não é codificado em nenhum
livro...
... A Itália universal aquela que importa mais continua
a ocupar e a preocupar as nossas mentes por atuar sobre
os singulares indivíduos italianos, sempre admiráveis no
sair do impedimento e em corrigir as situações penosas e
gravosas nas quais os capitões os conduzem...
... Do outro lado o enigma da história italiana consiste no
fato, aparentemente incrível, que apesar de as forças
conjuradas contra a unidade política, o país permanece
italiano...
... Daquele que faz maravilha é o triunfo da civilização
italiana sobre as desigualdades de interesses, desejos,
raças, línguas, culturas e de populações.
(Prezzolini 2003)
85
Pode-se refletir como muito do que foi escrito, por Prezzolini, nesta descrição do ser italiano, é
igualmente válido para uma certa cultura brasileira.
Dissertação Barbara Bechelloni
78
Aquela itálica é uma grande diáspora transnacional que
há muitos séculos atravessa e percorre o mundo e
alimenta interconexões e redes.
(Bassetti 2003, p. 16)
A definição de itálicos vimos no primeiro capítulo, aqui aprofundaremos as
raízes históricas e as potencialidades.
As potencialidades do conceito de italicidade e das reflexões teóricas que
pretendo colocar são relacionadas à pesquisa sobre comunicação intercultural e
internacional, para a construção de políticas educativas que podem formar um novo
cosmopolitismo responsável e envolvente, para a construção de um olhar mais amplo
em termos de guerra e de paz.
3.1. As raízes históricas e as perspectivas do conceito de italicidade
Em 1271, o veneziano Marco Polo, com apenas dezessete anos, começou, junto
com o pai e o tio, a célebre viagem pelo extremo Oriente. As suas viagens, longo de
toda a Ásia demoraram 24 anos. Regressou a Veneza somente em 1295.
Mercadores e agentes financeiros italianos eram numerosos por todos os lados.
em 1283, em Londres, Lombard Street conta com 14 bancos italianos; em Paris em
1292, Rue des Lombardes possuía 20 bancos italianos.
Andam pelo mundo não mercadores e agentes financeiros, mas artistas,
professores de universidades, arquitetos, artesãos, homens de Igreja, exilados políticos.
Pela grande mobilidade dos habitantes de Florença, um provérbio popular do
século XIII diz: “Passarinhos e florentinos encontram-se em todos os lados do
mundo”.
Na área de Filadélfia, nos Estados Unidos, forma-se e consolida-se, uma
primeira comunidade italiana já no período entre a véspera da independência
americana e os anos setenta do século XIX. Nasce assim a liderança dos comerciantes,
dos homens de negócios e empreendedores que são também os primeiros
empreendedores “étnicos” entre a comunidade italiana e a sociedade norte-americana.
Dissertação Barbara Bechelloni
79
Nascem, contemporaneamente, as primeiras instituções comunitárias significativas,
como a primeira paróquia para os católicos de origem italiana, em 1852.
Cria-se aquela que chamamos de “diáspora dos localismos”, ou seja, de
venezianos, genoveses, florentinos, molisanos, etc., uma diáspora
contemporaneamente “global” e cosmopolita que percorre o mundo em nome de
alguns valores como a católica, a sede de conhecimento ou o espírito de aventura
– e interesses – como financeiros, e de negócios – que tem caráter “universal”.
Atrás da comunidade imaginada (Anderson 1996), os itálicos têm séculos de
mobilidades transterritorial
86
.
Os itálicos não têm como outras grandes diásporas transnacionais uma
longa e forte história unitária de Estado nacional, uma identidade exclusiva e, de
qualquer forma, “protegida” (politicamente como militarmente). A raíz dele encontra-
se em uma história articulada em diferentes e pequenas identidades que mais
“recentemente” juntaram-se numa identidade comum. É portanto a partir disso que
mantém uma singular e significativa “abertura à diferença”.
A italicidade não é italocêntrica... Para definí-la da
melhor forma possível... é necessário considerá-la um
demos global (o conjunto das comunidades itálicas a
nível global) e contemporaneamente local (as numerosas
ramificações ou subconjuntos de itálicos italianos, suíços
italianos, oriundos dálmatas, ítalo-estatunidenses, ítalo-
argentinos, etcetera, para os quais acrescenta-se também
todos aqueles que apreciam a italic way of life, um estilo
de vida e uma cultura bem tipicos e reconhecíveis),
presentes em todo o mundo e ligada com vínculos fortes
e comuns. Os itálicos identificam-se com a maneira de
serem itálicos, com a cultura, a economia, os
divertimentos, a moda, a cozinha de origem itálica....
(Bassetti 2005)
86
Antes que transnacional, ou seja, antes de existir a “nação” moderna, portanto antes, do 1861.
Dissertação Barbara Bechelloni
80
A italicidade tem com certeza a ver com a italianidade, não tendo uma
conotação nacionalista, mas tendo um fôlego maior e um significado mais universal. A
italicidade tem a ver com a Europa e com o Ocidente mas não se identifica nem com
um nem com o outro. De fato está ligada ao forte impulso que as Repúblicas
marinheiras e as cidades, as Repúblicas e as Cortes italianas, entre o ano mil e o século
XVII, conseguiram imprimir nos muitos italianos que atravessaram os mares e as
fronteiras do mundo, levando, em qualquer lado, “algo” que sim era reconduzível a
uma matriz cultural reconhecível, mas não impregnada de desejo de poder. Pelo
contrário, a italicidade apresenta valores universais ligados à pessoa humana, de
derivação romana e católica, trascendendo qualquer conotação étnica ou desejo
hegemônico.
Obviamente a italicidade tem a ver com a grande migração do século XIX até
os anos setenta do século XX. Nenhum outro país europeu alimentou, até agora, na
longa duração (Braudel), movimentos tão numerosos (considerando os habitantes
originários) de uma população, tanto na entrada quanto na saída, e com os destinos
mais diferentes
87
. Estes movimentos deram vida, desde a fundação de Roma
88
, a um
povoamento da península pluriétnico, como hoje volta a ser evidente. Neste sentido a
italicidade provém também das novas migrações em entrada na Itália nas últimas
décadas. Assim podemos encontrar itálicos na Itália, que tornaram-se cidadãos
italianos como também imigrantes clandestinos ilegais ou semilegais, originários da
China ou do Japão, da África ou da Europa oriental. É o mesmo que acontecia durante
a Roma republicana e imperial ou nas cidades e nas repúblicas da Itália da Idade
Média e do Renascimento.
Calcula-se que o conjunto destes itálicos espalhados pelo mundo,
compreendendo os italofiles e os italofonos
89
chegam a ser cerca de 350 milhões de
pessoas (Bechelloni).
87
Apesar da prevalência para destinos europeus e países, chamados “nós” de diásporas, como tipicamente
aqueles que são definidos novo mundo: Canadá, Estados Unidos, Brasil, Argentina, Venezuela, Uruguai,
Australia...
88
A única, entre as cidades antigas, formadas para uma pluralidade de etnias.
89
Que não são cidadãos italianos ou que não são descendentes de italianos migrantes das várias diásporas.
Dissertação Barbara Bechelloni
81
Para fechar este ponto, a italicidade brota de uma pluralidade de matrizes e é
um típico produto da interação e da comunicação que se constitui através do
movimento das populações, das mercadorias e do dinheiro, das idéias e das obras de
engenho humano. É do ponto de vista sociológico da comunicação, um “produto” das
capacidades e das virtudes comunicativas, dos itálicos e dos seres humanos.
O que mudou no nosso mundo são, obviamente, as
tecnologias nos transportes, na comunicação e nas mídias
e com estes a possibilidade para as pessoas em
movimento de permanecer coligadas a mais de um lugar
na Terra. Também dum ponto de vista teórico, porém,
estas mudanças tecnológicas, podem favorecer a
expansão das nações e a reprodução de consciência
nacionais tanto facilmente de quanto podem favorecer a
criação de redes sociais transacionais ou formas de
consciência diásporica não-nacionais. O problema é de
saber se as novas tecnologias surtiram o efeito de reforçar
ou enfraquecer os povos e os Estados nacionais através
um trabalho teórico. Conheceremos a resposta quando
tiver passado o tempo e quando novas diásporas surgirem
ou não como alternativa a, ou confirmação de, uma
consciência nacional.
(Gabaccia 2005, p. 167).
A paz é o fim da pesquisa filosófica. Na distribuição mais
monstruosa quereremos ter certeza que qualquer coisa
permanece porque é eterna. Na angústia refletimos sobre
a nossa razão. Frente à ameaça da morte desejamos
pensar o que é que nos torna incorruptíveis. A filosofia
pode procurar ainda hoje o que Parmenide conhecia
quando construiu um altar a Deus para agradecê-lo da paz
que a filosofia tinha-lhe dado. Mas hoje somos vítimas de
uma falsa paz....
Dissertação Barbara Bechelloni
82
... A fé filosófica é inseparável da disponibilidade
incondicional da comunicação...
... A idéia de comunicação é uma fé. Cada um de nós
pode perguntar-se se tende e crê que existe para os
homens a possibilidade de viver e de falar junto, de
encontrar junto o caminho que conduz à verdade, tal para
poder chegar, neste caminho, a ser verdadeiramente si
mesmo.
(Jaspers 2005, p. 214 e seg.)
Nos últimos anos criaram-se, seja na Europa seja nas Américas, como uma
batalha ideológica
90
que vê em oposição: de um lado um discurso técnico-científico
91
e, do outro, um discurso humanístico de matriz filosófica e religiosa (como
“tradicionalista” e “neo-fundamentalista).
É uma colisão ideológica que pode tornar-se uma guerra de religião ou uma
batalha entre civilizações dentro da mesma civilização ocidental. Civilização que
parece ter esquecido as próprias raízes e as profundas assonâncias que podem
reencontrar-se na civilização oriental. Assonâncias não somente nas comuns raízes
humanas, naturais e divinas mas também nas antigas filosofias que no Ocidente e no
Oriente vão se preparando entre o século VIII e o século V antes de Cristo, ou na
mesma koiné helenístico-romana assim cheia de influências orientais. É o que
reencontrar-se nas comuns raízes das três grandes religiões monoteístas (judaísmo,
cristianismo e islamismo) e das próprias conexões com as religões asiáticas da Pérsia e
da Índia, da China, da Coréia e do Japão
92
.
Como se pode superar esta perigosa oposição? Bechelloni, em seus mais
recentes ensaios, sugere a necessidade de superar o empirismo de matriz positivista em
que a chamada “sociedade da informação”, criação mascarada da ideologia técnico-
científica, acabou nos aprisionando.
90
Como diz Bechelloni escondido por um generalizado discurso liberal, hegemônico nas mídias, sobre o
“fim da ideologia”.
91
“Vendido” como “senso comum” ou “bom senso” (Bechelloni).
92
Quem dedicou muita atenção a estas conexões, durante a segunda e muito produtiva parte da sua vida,
Elémire Zolla, com muitos estudos, por exemplo veja-se 1995 e 2004.
Dissertação Barbara Bechelloni
83
Nesta perspectiva coloca-se bem a citação que fiz de Gabaccia que recusa o
determinismo tecnológico no qual estão presos alguns estudiosos e profissionais da
comunicação.
De fato é necessário ver se estes conceitos de itálicos e italicidade têm um
referencial empírico na realidade das coisas e um fundamento qualquer na história de
longa duração. Para isso, é necessário ir além da superfície e das aparências
93
.
Voltando à expressão lembrada por Gabaccia, de que falei acima, “todo mundo
é país”, esta expressão não pode, como vimos, ser interpretada ao da letra, que
remete novamente a uma idéia de pátria que não coincide com aquela artificial
construída depois da unidade política da Itália. Assim como não pode coincidir com a
idéia, também artificial, construída
94
pelos teóricos pós-modernistas que proclamam
como um fato acontecido o fim dos Estados nacionais e o presente novo
cosmopolitismo. Parece mais que a expressão todo mundo é país possa entender-se
como uma alusão semi-inconsciente às raízes antigas de uma idéia, um tempo
difundido em qualquer lado do mundo, sobre a matriz natural e divina da espécie
humana. Uma matriz comum que existiu antes e é, por assim dizer, “sobra” (“além”
das) das determinações histórico-factuais produzidas pelas guerras e pelas conquistas,
da história humana e das historiografias nacionais (mais ou menos ideológicas). Ou,
em outras palavras, pelas verdades impostas para os vencedores. (Bechelloni)
Uma outra refererência aos vencedores para o qual os conceitos e os termos de
itálicos e italicidade nos pode inspirar tem a ver com questões em conexão com a
identidade e a memória. Existem, na realidade do mundo inteiro, identidades e
memórias coletivas que são elaboradas dentro uma esfera “particular” (“privada”) e
através do uso de palavras, atitudes (posturas) e comportamentos relativamente
protegidos e relativamente intraduzíveis fora das famílias e das comunidades nas quais
tais identidades e memórias são construídas, vivenciadas e transmitidas através do
vínculo e do laço intergeneracional. As formas da comunicação nas quais tais
93
Além daquela “visibilidade” de que nos fala Thompson na sua comunicação no Congresso
Globalization, National Identities and the quality of life, em junho de 2005, em Vilnius (Lituânia).
94
Como vimos através de alguns autores, menos integralistas, no capítulo II deste trabalho.
Dissertação Barbara Bechelloni
84
identidades e memórias são construídas, vivenciadas e transmitidas são dificilmente
traduzíveis para o externo. Por razões de controle social ou do “politicamente correto”,
acabam ficando escondidas à observação e ao ouvido dos pesquisadores. Bechelloni,
retomando Bloom, nos lembra do enorme “barulho” produzido pelas dissonâncias
achadas nas miríades de pesquisas empíricas conduzidas por etnológos e antropólogos
que têm trabalhado com as assim ditas culturas “simples” ou “primitivas”.
Portanto o uso de termos como itálicos e italicidade podem demandar ao
pesquisador ir mais a fundo nas próprias pesquisas para colher, se existem, aquelas
assonâncias sobre as quais a maioria das vezes teria um “silêncio” que parece,
segundo Bechelloni, produto de uma teoria pré-constituída que não o resultado de uma
vontade de entender e de de uma imaginação sociológica (Mills 1995) filosoficamente
e historicamente percebida.
Por fim, duas últimas considerações: para começar, falar de itálicos e
italicidade pode, portanto, ser útil para conseguir melhorar o foco sobre o que
caracteriza a civilização italiana na longa duração. Superando os obstáculos
importantes à pesquisa.
O primeiro, que acenamos no início deste trabalho, mas cabe repetir aqui, é
constituído por aquele paradigma, dominante no século XIX, do Estado nacional, que
produziu, por razões de significado oposto, sejam os mitos nacionalistas da “Grande
Itália” e do Fascismo ao poder
95
, sejam os mitos miseráveis de uma “pequena Itália”
sem fôlegos e grandezas que deixava ir à derrota os próprios filhos.
O segundo é constituído pelo novo paradigma multicultural que está tendo
sempre mais sucesso, que não considera as especificidades sejam humanas em geral
como aquela histórico-culturais em um não diferenciado novo cosmopolitismo,
criado pela globalização e pela “sociedade da informação”.
Em segundo lugar, falar de itálicos e italicidade pode ser útil como exemplo de
uma diferente abordagem à complexidade contemporânea. Pode ser útil para
95
Dos quais amplamente foi falado numa estensa literatura.
Dissertação Barbara Bechelloni
85
evidenciar que cada grande civilização humana
96
constitui-se e conceitualiza-se
através uma complexa rede de relações que tem as próprias raízes na natureza humana
e nas múltiplas instituições e configurações sociais que os homens, sem parar, tendem
a produzir e a reproduzir, construindo a própria existência histórica. Essa rede é que
precisa ser analisada na sua realidade histórica e nas suas raízes profundas.
Isto significa que se queremos contribuir para um mundo melhor e mais
pacífico temos que ir além da superfície das coisas. Além do simples
multiculturalismo de fachada. Significa que temos que nos perceber da existência e da
macroscópica realidade dos Estados nacionais numerosos e no de guerra das
muitas etnias e nacionalidades que continuam se percebendo como exclusivas e que
vivem a globalização como uma forma mascarada de neo-colonialismo e não como
uma oportunidade. As civilizações, como portanto aquela itálica, são e podem ser
agregações do meio, comunidades transnacionais, que podem favorecer uma
coexistència tolerante e pacífica num mundo que pode ser percebido como multipolar
(Bechelloni).
Tudo isto significa, finalmente, que é necessário trabalhar muito sobre os
conteúdos da comunicação que circulam pelo mundo. É necessário construir uma
comunicação internacional e uma comunicação intercultural menos estereotipada,
menos ideologizada, menos simplista.
Se assim não for, a comunicação estereotipada e ideologizada, como aquela que as
novas e as velhas mídias põem em circulação e o politicamente correto pode sufocar
qualquer tentativa para construir e manter uma paz possível.
96
“Grande” quer dizer que uma civilização teve e tem as capacidades para instituir traços comuns,
assonâncias, entre um amplo número de seres humanos no tempo da longa duração e num largo espaço.
Dissertação Barbara Bechelloni
86
IV. CONFIGURAÇÃO DA MIGRAÇÃO ITALIANA NO BRASIL ENTRE O
SÉCULO XIX E O SÉCULO XX
1. As itálias e as fases da imigração
A diáspora itálica tem raízes antigas. Muitos grupos regionais (florentinos,
venezianos, genoveses, sicilianos, etc.), desde o período medieval saíram e se
firmaram em diferentes lados do mundo. Mercadores, financiadores, artistas, artesões,
arquitetos, estudiosos, homens da Igreja e exilados políticos que levaram a Itália para
fora da Itália. Contribuindo para o nascimento dos outros Estados antes do
nascimento do Estado Nacional italiano (1861). A partir das aventurosas viagens do
mercador de especiarias Marco Pólo, com a “descoberta da América” e o nascimento
do Novo Mundo abriram-se depois as vias que deram início às grandes migrações de
massa do final do século XIX até metade século XX, aumentando constantemente a
presença italiana nos hemisférios americanos.
A partir da idéia segundo a qual na Itália existem “muitas Itálias”, Itálias das
específicas memórias regionais e locais: siciliana e salentina, calabresa e sarda, abruza
e molisana, toscana e veneziana, romanhola e lombarda, etc. Todas com diferentes
tradições caraterizadas por diferentes sentimentos de pertencer fortemente enraizadas
nas comunidades, nas línguas e nos dialetos, na família, na religião e nas festas. Junto
com estas “Itálias” caracterizadas por etnias, geografia e história, há, aquelas
caraterizadas pela cultura do trabalho, com uma extensa configuração: marinheiros,
pescadores, meeiro
97
e assalariados, pastores e camponeses, comerciantes e artesãos.
Itálias nascidas através dos projetos e das realizações histórico-concretas: a partir das
cidades etruscas, da Magna Grécia à República e ao Império de Roma, dos feudos à
expansão da Igreja Católica, das Repúblicas marítimas às comuns e às signorie, e
assim por adiante
98
.
Como as duas histórias da Itália de Incisa de Camerana (2003): aquela dos italianos na
Itália e aquela dos italianos fora da Itália. Histórias igualmente ricas e importantes para
97
Em italiano mezzadro.
98
Veja-se Bechelloni 2003, 2004.
Dissertação Barbara Bechelloni
87
a contrução de identidades individuais e coletivas itálicas e cosmopolitas. Os oriundi
no Brasil estão perfeitamente integrados. Distribuídos sobretudo entre as classes média
e alta, escalaram muito tempo as posições dos vértices econômicos, políticos e
culturais da sociedade. Uma boa parte do desenvolvimento econômico é parte
importante da história deles.
A configuração geográfica da península italiana contribuiu para este fenômeno.
De fato os italianos sempre foram grandes viajantes e alguns, entre marinheiros,
religiosos, aventureiros, artistas, militares, e exilados do Risorgimento como
Garibaldi, Zambeccari, Cuneo, Rossetti, que muito empenharam-se nas lutas internas
ocorridas na primeira metade do século XIX no Brasil tinham passado nas terras
brasileiras desde o século XVl.
A partir de 1875, e por mais de um século
99
, mais de um milião e meio de
italianos
100
chegaram aos portos brasileiros. Estes contribuíram com outras
importantes mudanças: expansão da fronteira agrícola, consolidação de uma economia
de exportação e início da industrialização. Ajudando a passagem da monarquia à
república e à tomada de poder por parte da oligarquia do café. Converge a imigração,
na sua quase totalidade, para as áreas de produção do café. Os fluxos migratórios
foram preponderantemente de tipo familiar. Aparecem nas fazendas como núcleos de
trabalho no seu conjunto
101
.
Em 1871, com a Lei do Ventre Livre
102
e a partir da iniciativa dos fazendeiros,
foram facilitados os fluxos migratórios para o Brasil. Concedia-se auxílio de dinheiro
para compra de passagens pelos imigrantes e para sua instalação inicial no país.
99
Até 1988. Como referido por muitos históriadores, como Trento (2002), Franzina (1995), Incisa di
Camerana (2003), De Boni e Costa (1987), Barchetta e Cagiano de Azevedo entre outros.
100
Quase a metade do total das entradas totais até a Primeira Guerra Mundial.
101 Homens, mulheres e crianças trabalhavam. Cada família cuidava de um número determinado de pés
de café, recebendo por cada mil pés uma certa quantia de dinheiro (Gomes de Castro, “Imigrantes
italianos: entre a italianità e a brasilidade”: In Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE,
2000)
102
Lei n. 2040 de 28.09.1871 estabelecia que os filhos da mulher escrava, que nascerem no Império desde
a data desta lei, iriam ser considerados de condição livre.Os ditos filhos menores ficariam em poder e sob
a autoridade dos senhores de suas mães, os quais teriam a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de
oito anos completos.
Dissertação Barbara Bechelloni
88
Dois fatores principaís levaram as classes dirigentes do Brasil a criar uma
política de atração da mão de obra européia: 1) a necessidade de povoar as enormes
áreas muito pouco ou nada habitadas (em alguns casos também para branquear a raça
considerada “demasiado” escura); 2) para dar continuidade ao modelo de crescimento,
que desde o século XIX levou à exportação do café para o exterior.
Po outro lado, na Itália, os interesses das classes dirigentes viraram-se em
direção ao Brasil considerado, sobretudo no fim do século XIX, como “terra onde
obter terra”. Os imigrantes chegavam geralmente com toda a família com a intenção
de conseguir uma terra para trabalhar. Nas áreas do café isto era mais difícil. Tinham
que poupar muito e na maioria dos casos não conseguiam. O governo do Rio
estimulou a chegada dos núcleos familiares, pagando os custos da viagem de toda a
família. Estas formas de participação foram, ao longo do tempo, passando da iniciativa
particular de empresas e agentes
103
, cada vez mais aos governos, às províncias e ao
Império, até 1889. Posteriormente para os governos estaduais e federais.
A chegada desta massa de imigrantes permitiu aos fazendeiros manter o
modelo de gestão e de trabalho que tinham com os escravos, ou muito próximo, seja
nos sistemas produtivos, seja nas relações sociais. Esta foi uma das razões que levaram
muitos imigrantes a sair das fazendas e aventurar-se nos centros urbanos. É aqui que
conseguiram dar uma grande contribuição para a modernização e o nascimento da
sociedade de masa. Através também do modelo tipicamente italiano da pequena e
média empresa famíliar, que em alguns casos tornou-se grande empresa como
Matarazzo, ainda hoje Bauducco, Papaiz.
Uma grande concentração de fluxos de imigração foi entre 1887 e 1902. Nestes
quinze anos entraram quase 900 mil pessoas, ou seja, 60% dos estrangeiros que
entravam no Brasil eram italianos
104
. O Brasil tornou-se em breve sinônimo de terra
prometida no “novo” continente, sinônimo de América (Franzina 1995, p.259).
103
Verdadeiras “figuras profissionais”, geralmente mediadores entre os imigrantes e os fazendeiros.
104
Como diz Angelo Trento (2002) esta dimensão massiva fundamentará o sonho de uma outra “Itália
maior” na America Latina e fornecerá bons assuntos para a defesa da expansão pacífica da influência
italiana, através dos números, contra as conquistas coloniais.
Dissertação Barbara Bechelloni
89
Entre de 1902 e 1920 entraram apenas 306 mil italianos. Esta forte diminuição
dos fluxos foi conseqüência de dois aspectos: de um lado o governo italiano proibiu a
emigração assistida depois de algumas denúncias, a respeito das condições de trabalho
dos italianos, em alguns casos, equiparados a “escravos brancos”, nas fazendas. De
outro lado, a diminuição dos fluxos também ocorreu por causa de uma crise da
superprodução de café.
Entre as duas guerras diminuíram ainda mais
105
o número de imigrantes
italianos no Brasil, registrando uma leve recuperação depois do 1946
106
.
Mais da metade desta imigração foi de tipo assistida, na base do primeiro
tratado de emigração assinado entre Itália e Brasil, em 1950. Teve portanto um bom
número de imigrantes que não pagou os custos da viagem, que se tornou paga, a partir
do 1952 pelo Comitato Intergovernativo para as Migrações Europeias
107
, que garantiu
a viagem assistida apenas para os trabalhadores qualificados, que tinham as
caraterísticas indícadas pelas autoridades brasileiras
108
.
Depois dos anos sessenta, de fato, a imigração se reduziu à transferência de
pessoal de empresas italianas para investir no Brasil, ou curiosidade intelectual.
Ao longo destes fluxos as características sócio-demográficas dos imigrantes
mudou. Inicialmente tinham em prevalência mão-de-obra não alfabetizada. Depois,
nos anos vinte começou a diminuir a imigração familiar, ou seja diminuíram as
mulheres e aumentaram os artesãos, os serventes dos pedreiros, e os operários de
fábrica. Esta caracterização profissional tornou-se mais marcada depois da Segunda
Guerra, quando chegaram técnicos e operários especializados, crescendo assim o nível
de instrução.
105
Entre 1921 e 1940, 88 mil italianos em entrada.
106
Até 1960 111 mil.
107
Comitato Intergovernativo per le Migrazioni Europee (CIME). Acordo di emigrazione tra Itália e
Brasil do 9 de dezembro 1960.
108
O governo brasileiro enviava periodicamente para o CIME listas das qualificações profissionais que o
país queria receber.
Dissertação Barbara Bechelloni
90
As proveniências regionais foram equivalentes entre norte e sul (na volta do
46% os do norte e do 43% os do sul). Muito menos da Itália central principalmente
da Toscana. O Vêneto teve uma percentagem do 30% (incluindo os do Friuli e do
Trentino), chegados sobretudo até 1895, na primeira fase da imigração. Em que
também vieram da Lombardia, que durante todo o século teve 8,5% dos imigrantes.
Fluxos do sul como da Campania (13,5%), Calábria (11%) e Abruzo (7%), começaram
a partir do fim do século XIX.
O primeiro censo atendível sobre os números de residentes é de 1920.
Alguns dados:
Ano
nº residentes
1920
558.405
1940
285.024
1950
197.659
1960
187.377
Fonte: Angelo Trento 2002
Para dados antecedentes temos as estimativas de Giorgio Mortara escapado às leis
raciais do fascismo e refugiado no Brasil: em 1880, 50 mil; 1890, 230 mil; 1902, 600
mil o 52% dos estrangeiros
109
.
Voltando aos fluxos, estes foram principlamente para o sul do país. No Rio Grande do
Sul em 1920 chegaram 50 mil italianos. No Espírito Santo, no mesmo ano, 12 mil.
Rio de Janeiro, 30 mil, entre o início do século XX e 1920. Mas sobretudo São Paulo,
o maior estado produtor de café junto com Minas Gerais (1920, 43 mil).
São Paulo absorveu mais do 70% dos imigrantes italianos a partir do início do
século XX.
109
Mortara (1950) citado in Trento (2002) p. 6.
Dissertação Barbara Bechelloni
91
É interessante olhar para os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) para ter uma idéia mais clara da quantidade de italianos que
entraram no Brasil
110
em relação às outras nacionalidades e aos outros grupos étnicos
entre o fim do século XIX até metade do século XX. Conforme os ingressos dos
italianos diminuíram, os de outras nacionalidades aumentaram. Porque o Brasil
continua tendo aquela caraterística de abertura. Até uma cultura fechada como a
japonesa misturou-se e tornou-se parte importante da sociedade brasileira,
particularmente paulistana.
110
Entre 1884 e 1933 entraram 1.401.335 italianos. Depois da Segunda Guerra Mundial, entre 1945 e
1959, foram 106.360 segundo o Instituto Nestas estatísticas não são considerados aqueles imigrantes
italianos que entraram no Brasil em segunda opção, ou seja, depois de terem entrado em outros países da
América Latina, por exemplo, a Argentina.
Dissertação Barbara Bechelloni
92
Nacionalidade
1884-1893
1894-1903
1904-1913
1914-1923
1924-1933
Italianos
510.533
537.784
196.521
86.320
70.177
Alemães
22.778
6.698
33.859
29.339
61.723
Espanhóis
113.116
102.142
224.672
94.779
52.405
Japoneses
-
-
11.868
20.398
110.191
Portugueses
170.621
155.542
384.672
201.252
233.650
Sírios e turcos
96
7.124
45.803
20.400
20.400
Outros
66.524
42.820
109.222
51.493
164.586
Total
883.668
852.110
1.006.617
503.981
717.223
Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de janeiro : IBGE, 2000. Apêndice: Estatísticas
de 500 anos de povoamento. p. 226
Dissertação Barbara Bechelloni
93
Nacionalidade
1945-1949
1950-1954
1955-1959
Italianos
15.312
59.785
31.263
Alemães
5.188
12.204
4.633
Espanhóis
4.092
53.357
38.819
Portugueses
26.268
123.082
96.811
Japoneses
12
5.447
28.819
Outros
29.552
84.851
47.599
Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de janeiro : IBGE, 2000. Apêndice: Estatísticas
de 500 anos de povoamento. p. 226
Dissertação Barbara Bechelloni
94
2. As políticas brasileiras de colonização
A idéia de colonizar o Brasil com povos europeus nasceu com os portugueses, através
do Conselho Ultramarino
111
, antes do 1750, quando apercebeu-se que a população de
Portugal era demasiado pouca para poder enfrentar as exigências de povoar uma terra
tão grande como o Brasil
112
.
Quando, em 1808, a Corte Portuguesa chegou no Brasil foi criada uma
legislação específica nesse sentido. Esta consentiu aos colonos que entravam verbas do
governo
113
para trabalhar na lavoura. Muitas destas tentativas fracassaram porque não
tinham uma perspicácia adminístrativa nem uma boa organização. Mas estas tentativas
foram importantes porque foram os primeiros passos para a colonização.
Na metade do século XIX, a economia brasileira teve uma mudança
significativa: o café foi substituindo definitivamente a cana-de-açúcar como produção
principal. São Paulo estava se tornando centro desta nova economia. O trabalho nas
plantações aumentava e a mão de obra diminuía. O trabalho dos escravos não era
suficiente. Era necessário trabalho europeu. Queria-se imigrantes para trabalhar com
salários para a grande monocultura paulista. E não colonos como quando procurava-se
povoar áreas não-habitadas.
Foi o senador do Império e fazendeiro, Nicolau Vergueiro, nos anos quarenta
do século XIX, que desenvolveu um sistema de colonização com um contrato de
parceria agrícola assinado pelos países
114
de origem, de fato deixando o imigrante à
mercê dos fazendeiros. Estes trabalhavam ao lado dos escravos, que ainda existiam, e
acabavam por ter o mesmo tratamento. Foi assim que os países europeus de origem
111
A administração portuguesa para as colônias e conquistas iniciou-se com a Mesa de Fazenda, onde se
reuniam os vedores, existindo para a área ultramarina o vedor da Índia, Brasil e Guiné. Este órgão foi
posteriormente chamado de Conselho da Fazenda, extinto em 1604. Foi criado o Conselho da Índia nesse
ano e extinto em 1614. O Conselho Ultramarino foi organizado em 1642, quando recebeu seu Regimento.
A nomeação dos seus ministros foi estabelecida pelo Decreto de 14 de julho de 1643, e sua instalação
ocorreu em 2 de dezembro de 1643. Competiam-lhe todas as matérias e negócios da Índia, Brasil, Guiné,
São Tomé, Cabo Verde e África. O Conselho Ultramarino foi extinto em 30 de agosto de 1833. Suas
funções foram transferidas para a Secretaria de Estado de Marinha e Ultramar.
112
Na resolução do 22 de julho de 1729, o Conselho achou conveniente deixar instalar nas vilas da
Colonia e em outras, casais açorianos, e se não tivesse sido suficiente, poderiam-se ter casais de
estrangeiros, alemães, italianos e de outras nacionalidades, que não fossem castelhanos, ingleses,
holandeses e franceses. (De Boni e Costa In AA.VV. 1987).
113
Como já explicado no primeiro parágrafo deste capítulo.
114
Geralmente alemães, suíços e portugueses.
Dissertação Barbara Bechelloni
95
receberam as queixas dos imigrantes, proibindo a emigração para o Brasil. Como a
Inglaterra (1875), a França (1876), a Itália probiu a emigração no Espírito Santo
(1895) e em São Paulo (1902).
Contemporaneamente o poder público tomou novas atitudes para reativar os
canais da imigração. Foram feitas novas leis para estimular. Mas a Europa ainda tinha
receio de enviar emigrantes ao Brasil.
Entre 1819 e o 1850 entraram 25.590 imigrantes
115
. Os europeus tinham mais atração
pela Argentina e os Estados Unidos. Estes últimos de fato facilitavam o acesso à
propriedade e proibiam relações de escravidão e servidão dos imigrantes a partir do
1864. Logo recebiam, entre 1840 e 1880, cerca de dez milhiões de imigrantes.
A partir do 1867 a política brasileira foi de abertura para prometer vantagem de tipo
econômico e de assistência. Mas não conseguiram convencer os alemães como os
ingleses a desbloquear as migrações para o Brasil.
Em 1885, quando estava claro que a escravidão estava acabando, o governo retomou
uma política da colonização. Reorganizando os lotes de terra e retomando a
propaganda para a Europa. O ápice da crise econômica na Itália coincidiu com esta
nova procura brasileira. Até 1884 os italianos que entram no Brasil nunca superaram
os 15 mil em um ano.
Em particular existiam duas sociedades de subvenção: a Sociedade Central de
Imigração, surgida em 1883 no Rio de Janeiro; e em 1886, uma associação para
incentivar a vinda de famílias européias para o Estado de São Paulo Sociedade
Promotora da Imigração. A primeira estava em oposição a um fluxo de massa de
europeus, querendo aquela imigração mais seletiva para garantir a formação de uma
pequena e média propriedade agrícola que conseguisse erradicar o sistema
latifundiário, considerado como um obstáculo para o desenvolvimento do país. A
segunda expressão, mais os interesses dos fazendeiros paulistas do café, que queriam o
contrário, garantir um fluxo contínuo e consistente de braços para trabalhar nos
115
A metade do número anual de escravos trazidos da África.
Dissertação Barbara Bechelloni
96
cafezais. Foi esta segunda que prevaleceu, depois da Proclamação da República, em
1889. A Sociedade Central de Imigração foi fechada em 1891.
Depois do 1894, com a transferência dos serviços de imigração do governo
federal aos Estados, acaba definitivamente a colonização agrícola no Sul do Brasil.
as regiões ricas tinham condições para sustentar a mão-de-obra estrangeira, portanto,
como falei, o Estado de São Paulo. O governo central retomará conta dos
serviços, em 1907, mas nesta época a imigração italiana começava a diminuir,
apesar de, como já vimos, até o fim da Segunda Guerra Mundial, continuarem a existir
fluxos peninsulares.
Dissertação Barbara Bechelloni
97
3. A colonização agrícola
Nos últimos quarenta anos do século XIX, cresceram muito os núcleos
coloniais, os quais tiveram maior sucesso, no Espírito Santo mas, sobretudo, no Sul do
Brasil (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) onde as condições climáticas e
culturais são mais similares àquelas da Europa (Trento 2002). Esta macroárea, até
1894, quando os serviços da imigração foram transferidos do governo central aos
Estados com o efeito de levar todos os fluxos da Itália diretamente para São Paulo,
atraiu um bom numero de italianos, sobretudo do norte da península.
Para uma importante minoria destes imigrantes, conseguir adquirir a própria
terra não foi fácil. Eram transportados, gratuitamente, do lugar de chegada até os
núcleos que, administrados pelo governo ou empresas privadas, eram divídidos em
porções de 25 até 60 hectares, disponíveis para famílias. A partir do segundo ano,
ou seja, depois da primeira colheita, começavam a pagar as prestações. Os colonos
recebiam uma casa provisória, alimentos, equipamentos agrícolas e sementes, tudo
para ser reembolsado depois. Para garantir as primeiras necessidades os homens eram
chamados para trabalhar em obras públicas, como construção de estradas, com custos,
para o governo, mais altos do necessário, assumindo assim um caráter assistencial.
Tendo também uma certa flexibilidade e tolerância no recebimento das prestações,
como as hipóteses do Angelo Trento (2002), “talvez para compensar desserviços,
incompetências, arbítrios até desonestidade do pessoal técnico e administrativo dos
núcleos”.
O isolamento dos núcleos deixou-os com problemas de assistência sanitária,
com poucas escolas, grandes distâncias e estradas ruins, longe das feiras nas quais
poderiam vender os produtos
116
.
De outro lado, este isolamento e as mesmas proveniências permitiram a
manutenção das tradições, usos e costumes das regiões de origem. Em alguns casos
estes núcleos pareciam pedaços de Itália, sobretudo do Vêneto, tranferidos ao Brasil.
A família era, junto com o clero italiano um dos elementos fundamentais da
116
Também citado por Trento (2002), Franzina no seu livro de 1979 propõe uma descrição de primeira
mão das condições de vida dos colonos através das próprias letras.
Dissertação Barbara Bechelloni
98
imigração. Inicíalmente os padres migravam junto com as famílias da comunidade
117
.
Uma forte endogamia e a persistência do dialeto deram origem a muitas publicações
baseadas esencialmente na memória
118
.
A partir da primeira década do século XX o desenvolvimento das estradas de
ferro e a possibilidade de chegar até pontos comerciais mais longínquos ajudaram na
formação de centros urbanos mais autônomos. A este ponto a colonização agrícola
estava esgotada. depois da Segunda Guerra, entre 1948 e a metade dos anos
cinquenta, algumas cooperativas italianas, sobretudo do Abruzo, tiveram facilidades
para instalar-se em áreas menos frequentadas pela imigração italiana. Como Goiás,
Mato Grosso, Bahia e o Estado do Rio de Janeiro. Mas estas experiências acabaram
quase todas com o abandono pela falta de uma séria organização seja das autoridades
brasileiras, seja das cooperativas italianas que pouco conheciam a realidade local,
além de algumas condições essenciais para a subsistência.
Teve maior sucesso a Campanha Brasileira de Colonização e Imigração
Italiana totalmente financiada pelo governo italiano e instituída com base no acordo
do 1949 em que o Brasil devolvia à Roma os bens confiscados durante a guerra depois
do 1942. A colônia agrícola fundada em São Paulo tinha 3.500 hectares e, apesar de
ter tido revoltas e abandonos, conseguiu sobreviver.
117
Os religiosos italianos tinham um papel assistencial na imigração, mas também empenhavam-se para
manter vivos e às vezes fazer nascer, sentimentos de italianidade. Para aprofundar veja-se Azzi (1987-88),
Francesconi (1973), Rosoli (1982) e Beozzo (1987).
118
Para uma idéia desta produção as vezes ingênua veja-se, entre os outros, as exposições de Costa-
Marcon (1988) e De Boni (1996).
Dissertação Barbara Bechelloni
99
4. As fazendas do café no Estado de São Paulo
Todos os fluxos imigratórios para o Estado de São Paulo foram, como vimos
antes, conseqüências da procura de mão de obra dos fazendeiros do café, tendo o
importante papel de demonstrar a possibilidade de trabalhar livremente criando o
típico sistema de trabalho com salários chamado também de colonato. Tudo isto foi
possível não sem poucas dificuldades para os imigrantes, que durante muito tempo
ainda tinham o mesmo tratamento dos escravos ou muito parecido. Depois da falência
do sistema do Vergueiro
119
, as fazendas do café tiveram diferentes tipos de contratos
até depois do 1870 consolidar-se o regime chamado de “assalariado”.
Existe um debate sobre a definição da tipologia de colono que tinha
especificadamente no Estado de São Paulo, nas fazendas de café. Um bom grupo de
estudiosos pensa que as oportunidades de ascenção social foram limitadas e que,
apesar da presença de um grande latifundiário como Geremia Lunardelli, o acesso à
propriedade da terra pelos italianos foi, percentualmente, muito pouco
120
.
Neste sistema de trabalho assalariado, que demorou até o Estatuto da Terra de
1964, a renda do trabalhador era composta de uma soma de dinheiro que deviam-lhe
para cultivo de mil plantas de café, geralmente com quatro diservaturas e sachaduras
por ano e de uma cota, determinada na base dos alqueires colhidos, que mudava em
relação ao preço do café no mercado das exportações. O colono da fazenda de café era
sui generis porque uma parte do “salário” era representado por habitação que
recebia, a possibilidade de cultivar cereais e legumes num lote de terra da fazenda
reservado por este escopo. Tais legumes geralmente eram destinados para o consumo
familiar, mas os que sobravam podia ser vendidos aproveitando a renda
121
.
Inicialmente os fazendeiros queriam que os colonos dividissem estas rendas com eles,
mas com o tempo entenderam que esta atividade era necessária também para o espírito
119
Veja-se neste capitulo o paragrafo 2. As políticas brasileiras de colonização.
120
Angelo Trento (1984 e 2002) refere deste debate e sugere para um aprofundamento em relação aos
pessimistas Stolcke (1986) e aos otimistas Fausto (1991).
121
Segundo Petrone M.T. (1987) testemunhos da época revelam a importância que esta possibilidade de
cultivar gêneros de subsistência e poder vender os demais tinha para os colonos.
Dissertação Barbara Bechelloni
100
do colono, além de ser um incentivo econômico que não tinha custos para o
fazendeiro.
Para os imigrantes estas culturas tornaram-se fundamentais para a
sobrevivência e procuraram, dentro do possivel, fazendas que as permitiam. Mas teve
fazendeiros que queriam reduzir muito estas culturas criando contrastes que foram a
causa da greve de 1913 em Ribeirão Preto
122
. As indicações apontam mais de 10 mil
colonos de “braços
123
cruzados”.
Em geral a expansão do café e a maciça chegada dos imigrantes são ligados à
expansão e à afirmação do capitalismo. É importante lembrar a organização das ruas e
das cidades do “Império do Café” e a acumulação de capital que as atividades ligadas
ao café favoreciam.
Alguns dados:
Ano
Plantas prontas
1880
69.540.000
1900
220.000.000
1910
696.701.000
1930
1.188.000.000
Em 1890-91 foram colhidos 3.000.000 de sacos de café, em 1904-05 tornaram-
se 7.200.000, para chegar ao 1929-30 com 19.484.000.
Lentamente o imigrante italiano conseguiu tornar totalmente livre e assalarido
o trabalho nas plantações, passando de uma condição de escravidão e da convicção dos
fazendeiros que esta condição era mais produtiva, à demonstração que trabalhando
livremente e ganhando o que mereciam, a produção era até maior e a organização do
trabalho muito mais funcional.
122
Os fazendeiros proibíram o cultivo de cereais, mas tinham também problemas nos pagamentos e a
carestia.
123
Muito importante, mas que levaria um outro trabalho, que alguns fizeram e fazem, é a importância que
os italianos tiveram na criação dos sindicados e das atividades sindicalistas.
Dissertação Barbara Bechelloni
101
Durante o Império entram no Estado de São Paulo cerca de 157 mil italianos,
ou seja, cerca de três quartos do total registrado na Província. em 1888 chegaram
88.747, quase a metade dos italianos entrados no mesmo período em todo o Brasil.
Entre o 1890 e o 1929 no Estado, entraram mais de 2.000.000 de imigrantes cerca do
57% do total que entrou no país. Um terço dos imigrantes em São Paulo eram italianos
(694.489).
Para a percepção da importância da imigração italiana, é necessário também
lembrar alguns outros fluxos imigratórios. Os espanhóis tinha a segunda posição em
termos de números de imigrantes 374.658; seguidos pelos portugueses, com 363.156.
Na primeira década do 1900 os italianos constituíam 47% (acerca de 75.000) do total,
nas décadas seguintes ao ano de 1910, passaram ao 23% (acerca de 187.000) e após o
ano de 1920 15%. Representavam mais da metade da população adulta masculina
em 1920 em que a população da cidade estava chegando aos 600.000 habitantes
124
.
124
Para os dados de Petrone M.T. In AA.VV. (1987), p. 336 e seg.; Trento A. in Bevilacqua, De Clementi
e Franzina (2002) p. 9-12
Dissertação Barbara Bechelloni
102
5. São Paulo: a cidade e as profissões
No começo dos anos setenta do século XIX a cidade de São Paulo não tinha
mais de 30 mil habitantes. No fim de 1886, já 13% eram italianos, 5.717 sobre 44.030.
Contrariamente com as dimensões ainda exíguas da comunidade inicial, neste período
“a influência italiana no aspecto material dos fabricados começava a manifestar-se (...)
nas vilas e nas casas (...) que se afastavam dos modelos portugueses”
125
.
A cidade estava pronta para a decolagem, através do gosto pela arquitetura
italiana
126
e graças ao empenho direto dos empreendedores e dos mestres chegados da
Itália.
São Paulo crescia tornando-se mais bonita também através de um aumento
demográfico e de habitações dos quais os italianos foram os principais protagonistas.
Muitos refugiados das fazendas procuraram uma outra vida na cidade. Os
fluxos de massa ficaram entre 31 e 37% da população total (representando ao 5% em
1940) tendo até a metade da população adulta masculina em 1920. Portanto, na
metade dos anos noventa, a cidade de São Paulo tinha uma imagem de “cidade
italiana” e esta italianidade fazia parte da vida cotidiana
127
, sobretudo em alguns
bairros como Brás, Bom Retiro e Bixiga
128
, que tinham, às vezes, características de
monoregionalidade (campanos, da Puglia no primeiro, venetos no segundo e
calabreses no terceiro)
129
.
Em São Paulo os italianos preencheram espaços profissionais ainda vazios e
criaram-ne novos. Muitos improvisaram-se pedreiros e chefes de pedreiro. Isto em
razão do grande e rápido crescimento da cidade em conseqüência destes fluxos. Com a
mesma lógica dos fluxos que alimentavam as necessidades mas também as
125
De Foresta A. Attraverso l’Atlantico p. 278, citado por Franzina (1995), p. 454.
126
Veja-se para aprofundar os aspectos a influência da arquitetura italiana em São Paulo: Debenedetti A.
e Salmoni A. (1953). Architettura italiana a San Paolo.
127
É até interessante um livro, citado por Trento (2002), Ferreira dos Santos (1998) que diz “não tudo era
italiano” para resgatar a pouca visibilidade dos nativos pobres, sobretudo negros.
128
Tinham também no Barra Funda, Belenzinho.
129
As festas como no Bixiga a da Nossa Senhora da Achiropita venerada em Rossano, na Calábria, na
província de Cosenza. No Brás a festa do São Vito Mártir, venerado pelos originários de Polignano a
Mare. Veja-se também o livro de contos de Alcântara Machado, Brás, Bixiga e Barra Funda, que
apresenta retratos e flagrantes da vida dos imigrantes italianos no período de 1900 a 1920. Trento 2002 e
Oliveira 2002.
Dissertação Barbara Bechelloni
103
oportunidades, cresciam os exercícios comerciais (pousadas, hoteis, cafés, cantinas,
barbeiros e sapateiros) e artesanais, como produção de massas, móveis, chapéu e assim
por diante, que tinham principalmente como compradores os conterrâneos.
Algumas atividades durante muito tempo foram exclusivamente dos italianos,
como: engraxates, berrador de jornais e amolador. Um verdadeiro monopólio foi
aquele do comércio ambulante e a retalho
130
. Poucos imigrantes eram apenas
profissionais liberais alguns eram medicos (Lacaz 1989 e Salles Rosfsen 1997) e
artistas.
Muitos, pelo contrário, trabalhavam nos serviços e a maioria vivia nos cortiços,
grandes como um enorme quartel divididos em pequenos apartamentos onde moravam
entre 8 e 10 pessoas. Mas não levaram muito tempo para os italianos começarem a
construir, nas horas livres, as próprias casas com a ajuda dos próprios conterrâneos
mais especialistas em edificação. Estas construções reproduziam os modelos
arquitetônicos italianos, aos quais estavam acostumados e que conheciam; assim que a
paisagem também começou a ter, em algumas áreas, um ar de italianidade.
Também a classe dos emprendedores chegou nos fluxos migratórios que
vinham da Itália, que preferiam trabalhadores que chegassem da própria terra de
origem. Até 1915 foi utilizada a mão-de-obra que escapava das fazendas. Nos anos
vinte e trinta chegaram mais operários até, depois da segunda guerra mundial,
chegarem operários especializados, mecânicos, eletricistas e outras categorias deste
tipo eram solicitados pelo governo do Rio através das listas do Cime.
Frequentemente, os imigrantes, passavam do artesanado à industria, pequena, média e
grande. A importância que os imigrantes tiveram na área empresarial até 1930
dependia também da pouca propensão das oligariquias locais em investir.
Entre o fim do século XIX e a Primeira Guerra Mundial salientaram-se
fortunas maiores em volta das indústrias e alguns caso no mundo rural, nas
construções civis e no mercado financeiro. As estrelas mais visíveis foram Scarpa,
Prada, o socialista Tamenzoni, Puglisi Carbone, Pinotti Gamba, Siciliano e sobretudo
Crespi e Matarazzo.
130
Em 1894, em São Paulo, 8.700 exercícios em 14.000 eram de italianos. (Trento 2002). Mas veja-se
também Franzina (1995).
Dissertação Barbara Bechelloni
104
V. PERCURSO METODOLÓGICO E INSTRUMENTO DE PESQUISA
“Sair do caminho da escravidão das pretensões
totalizantes do conhecimento torna-se possível somente
por meio de uma paixão desmedida pelo conhecimento,
mediante o gesto que a acompanha até o ponto em que
desaparece”.
(Maldonato, M. A subversão do ser).
1. Introdução: um olhar para trás e rumo para a frente
Depois de ter chegado até aqui sinto ainda a necessidade de explicar
cientificamente e autobiograficamente o caminho. Um olhar para trás quer dizer a
necessidade de re-percorrer o caminho e para frente porque através deste percurso
quero deixar a abertura para a continuação deste trabalho. Colocarei aqui parte do
projeto e do trabalho que apresentei no exame de qualificação que faz fortemente parte
deste percurso, na sua estruturação científica e na sua razão de ser, ainda mais depois
da base teórica que até aqui apresentei.
2. O pesquisador objeto: uma perspectiva de auto-análise ou a experiência
humana como experiência de pesquisa na pesquisa
O que leva as pessoas a andarem nos trilhos da vida são as escolhas. Estas
mesmas tornaram-se fundamentais nos percursos da pesquisa. No momento em que
escrevo sou levada a explicar as escolhas de pesquisa. Coloco-me na perspectiva
epistemológica que valoriza a importância do sujeito pesquisado, tanto quanto do
sujeito pesquisador; que valoriza a relação sujeito/sujeito e que favorecem uma
pesquisa de tipo etnográfica. Linhas antropológicas, sociológicas e psicológicas que
Dissertação Barbara Bechelloni
105
trabalham nesta direção, valorizando a relação numa perspectiva dialógica e
evolutiva.
131
Também em função disto sinto a exigência de explicar, pelo menos em linhas
gerais, o meu percurso científico e pessoal até aqui, para permitir ao leitor melhor
colocar a pesquisa e o pesquisador. Entender melhor as opções feitas ao longo do
percurso e querendo me colocar numa perspectiva metodológica autobiográfica. Para
trabalhar com a biografia dos outros é necessário trabalhar com a própria. Entender a
si mesmo para entender os outros
132
.
O que me trouxe até aqui? Escolhas e o encontro com o outro.
Em 2001, uma destas escolhas levaram-me a Portugal onde começou a minha
aventura no mundo lusófono e, mais claramente, no mundo do outro, ou aquele que eu
achava ser outro diferente de mim. Aprendi português, estudei a História e a
comunicação daquele país. As relações entres os processos de modernização da
comunicação, do sistema das mídias e da longa duração (Braudel, 1990) da história
portuguesa na formação da sua identidade. Aproximei-me da cultura portuguesa
abrindo-me aos estudos das identidades individuais e coletivas e das hibridizações
culturais
133
.
Descobri Portugal, Lisboa e os portugueses com grande curiosidade e muita
abertura
134
. A convivência com as pessoas e com os lugares foi muito importante para
a minha vida pessoal e para o meu caminho de pesquisadora. Uma intensa convivência
131
Olivera (2000), Maldonato (2001), Valverde (2000). Durante as aulas da disciplina da Prof. Cremilda
Medina, foram colocadas as perspectivas da pesquisa experiência e da pesquisa alteridade. Considerando
o pesquisador olhando o outro e transformando-se através do outro. A atuação e a produção da própria
tranformação através de um processo criativo que surge na pesquisa e através da pesquisa.
132
Na perspectiva autobiográfica veja-se entre outros, Macioti (1985), Demetrio (1996 e 1999), Cipriani
(1995), Bianchi (2002).
133
Todas as experiências de vida trazem algo que acrescenta ao próprio ser. Embora nem sempre
consigamos ver ou elaborar aquilo que nos pode acrescentar. Provavelmente a minha experiência de
análise possibilitou-me vislumbrar e aproveitar todos os elementos que a vivência portuguesa, as
descobertas pessoais e científicas me trouxeram.
134
Um país que, apesar de participar da União Européia não é tão conhecido – tanto que muitos colegas,
amigos e conhecidos, antes de viajar e também depois, me perguntaram se eu sabia falar espanhol! Talvez
nos últimos dois ou três anos Portugal passou a ser um pouco mais comentado na Itália, devido a questões
de política internacional que o envolveram e para ser incluído nos destinos preferidos de férias e fim de
semana prolongados, de muitos italianos.
Dissertação Barbara Bechelloni
106
com um cadinho de nacionalidades portugueses, suecos, australianos, franceses,
japoneses, italianos, moçambicanos, angolanos e enfim brasileiros
135
. Todos falando o
mesmo idioma, português, ou pelo menos tentando
136
. Alguns mais, outros menos.
Esta prática de vivência proporcionou, ao longo do tempo, uma reflexão sobre as
minhas origens, ainda mais hoje que estou trabalhando sobre as culturas e as
hibridizações, que estão ficando para mim cada vez mais claras.
Com a minha experiência de vida e de pesquisa no “campo” da pesquisa que
é sempre um campo longe, aparentemente, do meu “campo” da vida consegui
experimentar em mim mesma e numa forma mais clara, a questão do outro, do diverso
de mim, do estangeiro. Eu como estrangeira num outro país, ou simplesmente em uma
outra região, ou em uma outra família, “eles” os brasileiros, os portugueses, os
campani, os eoliani… – os outros como alter de mim.
O que significa ser estrangeiro? Um passaporte?
Quantos brasileiros têm passaporte italiano, ou alemão, ou outro sem somente
nem falar a língua e talvez nunca ter conhecido o país de origem?
Eu também tenho dois passaportes, um italiano e um francês. Falo francês, mas
não posso dizer-me francesa. A minha mãe é francesa. O meu pai é italiano, mas de
mãe canadense de origens escocesa e indígena. Nasci em Roma, mas vivi pelo
menos durante um ano em Salerno na região da Campania, perto de Nápoles; em
uma ilha perto da Sicília arquipélago das Eolie –, Lipari; em Lisboa, mais de dois
anos em São Paulo. Quando estou na Itália, trabalho entre Roma e Florença. Meu
irmão vive em Florença e casou-se com uma calabresa e já uma parte dele identifica-se
com o outro mundo, do Sul da Itália.
135
Durante a minha estada, mudei duas vezes de apartamento. O primeiro era mais ou menos aquele que
no Brasil se chamaria uma república. Cerca de vinte pessoas moravam um pouco mais, um pouco
menos – durante seis meses.
136
Mas todos com o mesmo desejo de aprendê-lo.
Dissertação Barbara Bechelloni
107
Como posso me definir? Italiana, francesa, norte-americana, sul-americana,
européia, cidadã do mundo? Será que temos que encaixar a própria identidade em algo
definido? Às vezes sim, mas talvez não.
Em todos os lugares nos quais morei, sempre continuei a ser estrangeira,
mesmo quando aprendi a falar bem a língua ou o dialeto, continuei sendo-a. Mas
acontece que, se na Sicília ou na Campania eu era a romana – portanto a estrangeira –,
em Portugal o no Brasil era e sou a italiana, quando estou em “casa” considerando
“casa” não o lugar físico, mas também os elementos simbólicos que fazem parte:
família, amigos, paisagens familiares… foi a siciliana, a salernitana ou
napoletana, a portuguesa. Agora estou de volta à Itália e sou para muitos a
brasileira. Devido às mudanças de acento português, somente no Brasil, sou também a
portuguesa e para os meus amigos portugueses, agora, sou a brasileira. A minha
identidade se multiplicou em muitas identidades. Um pouco de todas estas culturas
participa da minha de origem e me sinto pertencer um pouco a todas elas. Não só, mas
espero ter outras oportunidades de vida para me sentir ainda uma outra coisa!
Foi a partir desta viagem através das identidades
137
e das histórias sociais da
comunicação
138
e da cultura junto à análise das origens e da história minha e da minha
família, que surgiu o interesse pela italianidade e italicidade, pelos italianos no
mundo. A conexão com o Brasil foi automática.
Geralmente algumas experiências levam consigo outras oportunidades e outras
escolhas. Foi por este caminho que cheguei aqui na Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo e concorri a uma bolsa da Universidade “La Sapienza” de
Roma, que ganhei no começo do mestrado. Considero fundamental para o meu
percurso deixar clara a condição de estrangeiro
139
e de estranheza (estranhamento) ao
mundo ao qual estava me aproximando e que ia ser desafiador descobrir.
137
Veja-se capitulo II, nota 18.
138
A partir de autores como Innis (2001), Ong (1997), Eisestein (1995), Burke e Briggs (2004).
139
Em relação a condição de estrangeiro e a questão da sua mobilidade veja-se Maldonato (2004),
Maffesoli (2000), Ferrarotti (1999). Veja-se neste trabalho também capitulo III, par. 1.1.
Dissertação Barbara Bechelloni
108
Vim para São Paulo e para o Brasil pesquisar, estudar os italianos e seus
descendentes, como se integraram, o que trouxeram para o Brasil e para os brasileiros.
Como a italianidade, as híbridas origens culturais se misturaram, se adaptaram e se
“crioulizaram”
140
. Um país, o Brasil, de indivíduos híbridos, nascidos de mães e país
originários de culturas diferentes, onde a troca e a negociação cultural tornaram-se
fundamentais e constitutivos para a formação do povo brasileiro. Para fazer isso tentei
e tento ainda esses tipos de estudos nunca podem ter um fim definitivo entender o
povo brasileiro no seu todo com as suas diversidades (Freyre, 2003a e b, Ribeiro, 2004
e DaMatta, 1997a e b 2001), através da sua História e da sua memória (Le Goff,
2003). Para conseguir alcançar uma melhor formulação e clareza nos objetivos sobre
os quais a minha pesquisa queria trabalhar, tornou-se fundamental um percurso de
pesquisa bibliográfica. Procurando ler alguns “clássicos” e contempôraneos da
literatura brasileira, clássicos da sociologia brasileira em relação à miscigenação
(Freyre, 2003a), à identidade e a colonização e descolonização. Junto com isso a
vivência intensa e cotidiana com as pessoas e os ambientes, a vivência do e no campo.
Ao longo dos meses, portanto, a pesquisa tornou-se a vida do dia-a-dia, o cotidiano.
Adquiriu cada vez mais relevância o processo de abertura, adaptação e integração que
vivi e ainda estou vivendo. Sem dúvida, ter um bom conhecimento do português
141
me
ajudou muito.
Quando cheguei ao Brasil, em São Paulo, tinha na minha bagagem de
conhecimento, aquilo que os meus amigos brasileiros em Portugal tinham-me contado
cada um a partir do próprio ponto de vista, da própria formação e das próprias
origens as informações que tinha lido ou estudado ao longo da minha vida e algo
mais em relação à presença italiana. Tinha ainda na cabeça muitas “coisas”
142
ouvidas
140
Burke fala de “crioulização do mundo” pensando no surgimento de uma nova ordem, da formação de
novos ecótipos, da reconfiguração das culturas. Surgimento de novas formas híbridas que não são
consideradas um estágio no caminho para uma cultura global homogênea. (2003, p. 114-116).
141
Adquirido em Portugal e sucessivamente modificado me aproximando sempre mais do sotaque
brasileiro, profundamente diferente do português. Foi interessante descobrir durante uma longa viagem de
mais de um mês, pelo nordeste brasileiro, que conseguia me mimetizar sendo percebida como brasileira e
nunca como estrangeira coisa que acontece também em São Paulo, onde a variedade de raças e origens
é ainda mais evidente.
142
Como, por exemplo, a idéia que no Brasil a violência impedia até de andar nas ruas, que só existiam
meninos de ruas, e assim por diante.
Dissertação Barbara Bechelloni
109
e lidas que depois de ter chegado aqui, ter aberto os olhos e os ouvidos, descobri
tratar-se de estereótipos e preconceitos construídos ao longo dos séculos.
Mergulhando na realidade brasilieira e sobretudo paulistana, tentei colocar-me
na pesquisa a partir da minha experiência pessoal. Pai, mãe, irmão, todos somos
sujeitos híbridos de uma forma evidente até mesmo aos olhos de quem geralmente não
faz estes tipo de reflexões. Minha mãe é francesa, meu pai é filho de uma canadense
de origem escocesa e indígena. Eu nasci em Roma; meu pai sempre morou e trabalhou
em diversas cidades italianas e viajou sempre a trabalho e nós sempre atrás dele. Meu
irmão mora em Florença e se casou com uma calabresa. Eu, como falei, morei em
outras cidades da Itália e fora da Itália. Todos nós, em família, falamos correntemente,
além do italiano, o francês – somos todos mais ou menos bilíngües – sem considerar o
inglês e, no meu caso, também o português. Tudo isso faz de nós uma família
claramente híbrida. Mas esta experiência de mobilidade, flexibilidade e abertura à
hibridização da minha família, é muito mais típica dos italianos do que geralmente se
pensa. Os italianos são já, desde as origens, cadinho de culturas e por isso têm uma
propensão ao outro e ao se abrir. Aquilo que descobri ou que comecei a entender
melhor foi, a partir da análise do meu ser híbrido, a da condição também híbrida do
imigrante italiano
143
. Um elemento importante, que a longa e intensa História da
Península Itálica constituiu em todos os italianos, é uma memória articulada e rica de
relações entre as classes e as populações, as culturas e as etnias. Não existe um tipo
italiano “puro”
144
.
Tudo isso tem a ver com a minha experiência de vida e de pesquisa, para o que
quero chamar atenção. A importância da abertura em direção ao outro. O encontro
com o outro diverso de mim, tanto em Portugal, quanto no Brasil. A convivência com
a língua, a cultura que me permitiu descobrir os muitos pontos de contato, os muitos
laços que nos unem. Que unem os portugueses aos italianos, aos povos mediterrâneos,
latinos e católicos. Culturas diferentemente misturadas e enraizadas com culturas
143
Que, com outras culturas, contribuiram para a foramção do, também híbrido, povo brasileiro.
144
Bechelloni G. explica claramente este conceito, principalmente em Diventare italiani – Coltivare e
comunicare la memoria collettiva e Il silenzio e il rumore – Destino e fortuna degli italici nel mondo.
Dissertação Barbara Bechelloni
110
africanas e asiáticas, com presenças judaicas influenciando a cultura da troca. Tudo
isso faz parte da globalizada – já no século XIV – identidade brasileira.
No contínuo trabalho etnográfico e na contínua observação participante,
vivencial como metodologia de vida e de pesquisa –, aprendi a importância de pensar
o outro para podê-lo perceber, convocar
145
e viabilizar um diálogo possível
146
. Isso é
necessário em todas as culturas, entre diferentes e na mesma cultura. A maioria das
vezes não refletimos sobre quem é o outro, não pensamos o outro com quem queremos
nos relacionar, ou às vezes não queremos, mas temos que nos relacionar.
É na importância que o outro deveria assumir e do outro em relação ao eu
que sinto necessidade de evidenciar a importância da relação face a face entre as
pessoas, da pesquisa etnográfica e da observação participante, para entrar em contato
direto com as tradições, os hábitos, as coisas, os conhecimentos dos outros
147
. Não é
possível estudar os homens e as relações entre eles sem mergulhar nos seus mundos,
sem se relacionar com eles. quem diga que não se pode pesquisar envolvendo-se
muito com o próprio objeto. Mas isso não considera que os homens são mais do que
objetos de estudos, são sujeitos, indivíduos. Um bom pesquisador não pode não ter
consciência. Primeiro, dele também ser um indivíduo e, segundo somente mantendo
a própria consciência de pesquisador, com tudo que isso significa em termos de
conhecimento e de práticas não pode porém não entrar no mundo, no contexto, na
sociedade em que o homem está.
Para concluir o esclarecimento da minha trajetória, quero colocar o acento
nesta abordagem das temáticas e das metodologias de pesquisa que consideram
importantes três elementos que se juntam no meu percurso de pesquisa: a percepção de
ser, eu mesma, um sujeito híbrido, a consciência de uma reflexividade psicanalítica e o
145
Segundo a expressão utilizada para o estudios italiano Piero Trupia no seu livro Potere di
convocazione (2002). Conceitualizando a necessidade de uma comunicação que produza um confronto,
um diálogo. É abrindo-se ao outro que se há o poder de convocação.
146
Segundo a expressão utilizada por Cremilda Medina (2002) em relação a um possivel diálogo entre
entrevistado e entrevistador.
147
Sem também nunca esquecer os próprios.
Dissertação Barbara Bechelloni
111
conhecimento teórico adquirido através dos meus estudos e da minha experiência de
pesquisa. É a partir disso que me coloco em relação à pesquisa.
No momento em que escrevo estou na Itália, onde a vida e as escolhas me
levaram de volta. Escrever aqui, a esta distância espacial como temporal é de um lado
mais díficil, mas por outro lado talvez me ajudou a ter uma maior clareza.
Como esclarecido na introdução este trabalho mudou, não na sua essência, mas
na sua realização final como dissertação de mestrado, em direção de uma base teórica
para o sucessivo desenvolvimento empírico.
Escolhi algumas das pessoas das quais quero colher as histórias de vida e no
momento em que entregarei a dissertação estrarei trabalhando no campo.
Quero colocar aqui o percurso e a estratégia metodológica conforme o que
aprendi através dos livros e da disciplina da minha orientadora a Prof.a Maria
Immacolada Vassallo de Lopes – que irei utilizar e que já foi apresentada, em parte, no
exame de qualificação e que representa uma parte importante do trabalho teórico de
preparação que fiz durante este percurso de mestrado.
Dissertação Barbara Bechelloni
112
2. A estratégia metodológica
148
Na observação, as técnicas utilizadas serão a observação participante e a
pesquisa etnográfica (Clifford, 2002). A observação será principalmente indireta e
mediada pelo informante, utilizando técnicas de coleta de tipo qualitativo em
particular entrevistas abertas
149
não estruturadas ou semi-estruturadas histórias de
vida.
150
Mas também com observação direta através de diários de observação e
fotografias
151
.
A amostra é qualitativa, de doze pessoas
152
, podendo ser chamada também de
amostra social. Para testar a plausibilidade da hipótese central vou utilizar três
tipologias de indagação empíricas. Entrevistas semi-estruturadas ou abertas com cerca
de doze pessoas consideradas estratégicas
153
– por ocuparem posições profissionais
através das quais entram em contato com amplos segmentos da estrutura social, como
em particular empresários, jornalistas, professores (destes principalmente sociólogos e
antropólogos) brasileiros de origem italiana. Coleta de histórias de vida, cerca de
oito/dez
154
, de pessoas escolhidas entre habitantes da cidade de São Paulo, de
preferência moradores ou trabalhadores de bairros considerados de origem ou
colonização italiana (Bixiga/Bela Vista, Móoca), como donos de pequenas lojas,
restaurantes, cantinas, pizzarias, padarias. Mas também empresarios, homens políticos
que fizeram algo de importante ou de qualquer forma contribuiram fortemente à
contrução da sociedade e das identidades brasileir.a Uma terceira técnica que pretendo
utilizar é do focus group. Organizarei dois ou três deles, realizados através do uso da
língua italiana. Cerca de doze pessoas de diferentes gerações e gêneros que saibam
falar italiano. Toda a pesquisa está sendo desenvolvida na área metropolitana da
148
(Lopes 2001).
149
Utilizando a idéia da entrevista de compreensão, ou seja a condição da busca do aprofundamento com
o propósito de comprender e de humanizar. (Lima 2004).
150
Em relação às entrevistas e às histórias de vida veja-se Thompson (2002), também na questão da
história oral, Mediana (2002 e 2003) sobre o forma da entrevista ser um diálogo e como narrar o
cotidiano, Cipriani (1988 e 1995) na questão das história de vida como técnica metodológica que adquiriu
credibilidade e substância; Becker (1999) e Lima (2004).
151
Algumas destas tecnica já foram utilizadas até aqui. A observação partecipante e as entrevistas abertas,
como deponimentos informais. Estas últimas como reportado também na introdução foram utilizadas para
a exploração e um primeiro mapeamento do campo que consentiu a realização deste trabalho.
152
Estarei aberta numa prespectiva de doutorado em alargar a amostra.
153
Como já colocado na explicitação dos objetivos.
154
Aqui também estrarei aberta em alargar a amostra.
Dissertação Barbara Bechelloni
113
cidade de São Paulo. As três técnicas de investigação pretendem alcançar diferentes
tipologias de itálicos.
A escolha de São Paulo deve-se ao fato dela ser um lugar privilegiado pela
profunda representatividade histórico-social que os italianos tiveram na construção e
no desenvolvimento desta gigantesca metrópole. Com os seus dezoito milhões de
habitantes ou se considerarmos a chamada Grande São Paulo que comprende aquela
parte da cidade que veio se expandir a partir das periferias e que ampliou muito os
reais confins da cidade sua população salta para mais de vinte milhões de pessoas.
São Paulo representa uma realidade privilegiada porque quase a metade de seus
moradores é de origem italiana 15% da população do Brasil descendentes por pai
ou mãe de primeira, segunda, terceira ou quarta geração. A maioria chegou entre o fim
do século XIX (1870) e os anos 50 do século XX (1955). A presença italiana pode-se
respirar cotidianamente a partir dos símbolos, já nas estradas.
155
Na primeira fase de exploração utilizei a técnica das entrevistas abertas de tipo
informal e sem gravador. No caso da coleta de dados através das três tipologias, vai
ser utilizado o gravador.
Através destas histórias de vida, pretendo reconstruir como estas pessoas reconhecem
a própria identidade e percebem aquela itálica, procurando as raízes de uma relação
centenária entre itálicos e brasileiros. As histórias de vida são sobretudo um “livre fluir
do discurso na relação interpessoal entre entrevistador e entrevistado que lugar
à emergência dos fatores cruciais de uma vivência pessoal, que não é jamais somente
individual mas profundamente inserida no corpo social. Não se trata portanto de
psicologia intimista mas de escavação no microcosmo para nele entrever o
macrocosmo” (Cipriani, 1988: 122).
155
Ao longo do tempo e da convivência, percebi as pessoas com o “jogo dos olhares”, aqueles sorrisos
abertos e acolhedores típicos dos brasileiros assim como dos italianos (Bechelloni, 2004), a comida
explicitamente italiana, como as seis mil pizzarias e as centenas de restaurantes de comida italiana, ou no
estilo, em São Paulo. Os nomes das pessoas claramente italianos ou hibridizados, lendo os jornais,
vendo a tv, ou simplesmente vivendo e conhecendo pessoas no dia-a-dia, tanto nas universidades quanto
nas esquinas.
Dissertação Barbara Bechelloni
114
Através das histórias de vida pretendo resgatar o cotidiano através da narração,
procurar as diferentes jornadas
156
de cada um, em relação as próprias origens, ao ser
brasileiro e itálico.
Pretendo conduzir uma análise secundária das pesquisas sobre a imigração
italiana no mundo e especificamente na América Latina e no Brasil. Também se a
maior parte desta literatura – como mais vezes referi neste trabalho – analisa a questão
da imigração em termos tradicionais, ou seja como histórias de desespero, fuga, de
miseráveis
157
.
Mapear os estudos feitos e produzir uma bibliografia raciocinada. Além de um
“elenco raciocinado” das associações italianas em São Paulo. Ou seja, produzir uma
ficha de explicação origem, atividade, tipos de associados e, na medida do que for
possivel colher pelo menos uma entrevista com um testemunho privilegiado
158
de cada
associação. Para melhor entender as oportunidades de tornar-se mais úteis para o
maior objetivo proposto neste trabalho, ou pelo menos conhecer mais o que precisaria
mudar para estas ter um papel mais eficaz.
156
Se considera a bibliografia referente a Jornada do Herói como recurso metodológico de análise das
histórias. Campbell (2003).
157
Um dos exemplos mais negativos desta literatura é um recente best seller do jornalista italiano Gian
Antonio Stella, L’orga Quando gli Albanesi eravamo noi (secunda edição atualizada em 2003, Milano:
Rizzoli). Um livro que teve muito sucesso propondo uma síntese dos piores estereótipos negativos
difundidos sobretudo na imprensa norte-americana nos primeiros anos do século XX.
158
Veja-se definição na introdução deste trabalho.
Dissertação Barbara Bechelloni
115
3.1. O recurso fotográfico
Por maior que seja o esforço de isenção dos historiados em busca da “verdade
histórica”, haverá sempre subjacentes na sua interpretação múltiplos componentes que
o farão compreender o passado e o presente segundo seus próprios preconceitos, sua
ideologia, sua situação econômica e social, sua postura como intelectual diante da vida
e da ciência. As reconstruções históricas sempre foram e serão objeto de diferentes
versões. A história, assim como a verdade, tem múltiplas facetas e infinitas imagens.
Boris Kossoy, Fotografia & História, p. 147.
Pretendo introduzir na pesquisa também o recurso fotográfico em diferentes
formas. Em relação às pessoas que serão entrevistadas para a história de vida, farão
parte as fotos do seu passado, da sua vida, da sua família, dos amigos, desde que para
eles ou para mim sejam significativas. Com as fotos almejo “registrar” e depois
“interpretar” as leituras que estas fotos, provocaram nos entrevistados. Como
despertaram a memória de eventos, acontecimentos, pessoas, sentimentos, emoções e
quanto mais uma foto pode despertar, ou, se conseguir, como contribuíram à
construção da própria memória, também com alguns amigos ou parentes próximos. As
fotos serão analisadas seguindo a metodologia da leitura fotográfica
159
. Análise
iconográfica e iconológica nas suas especificidades hermenêuticas, tentando
estabelecer uma heurística das imagens.
Um outro tipo de fotografia é a que permite o “registro” da pesquisa, feita
durante as entrevistas, antes e depois. Tirá-las no “contexto” onde a entrevista, o
diálogo, está se atuando; se for em casa e no trabalho.
160
Sucessivamente obter fotografias de “signos”, de ícones claramente italianos
ou híbridos que se encontram nas ruas de São Paulo. A partir das lojas com nomes
italianos, restaurantes, outras escritas ou símbolos de outro tipo. Não podendo alcançar
a cidade toda, a proposta é de focalizar o levantamento das fotos, em alguns bairros de
159
Especificamente a proposta nos dois livros de Boris Kossoy, Fotografia & História e Realidade e
Ficção na Trama Fotografica.
160
Procurarei ter os encontros em lugares marcantes vividos, para fotografar os ambientes, objetos e tudo
mais que, a partir da entrevista podem ter significado no processo de análise da história de vida.
Dissertação Barbara Bechelloni
116
clara tradição italiana como Bela Vista/Bixiga, Móoca, como em outros não assim
caracterizados. A escolha pode ser também em relação a sugestões dos entrevistados,
para ir fotografar algo que eles acham típico ou caraterístico da italicidade.
Outra hipótese podia ser aquela de relacionar algumas fotografias antigas,
algumas imagens de São Paulo em relação aos imigrantes, talvez mesmo a partir das
fotos que alguns dos entrevistados me mostrarão e procurar a evolução, a mudança dos
símbolos e também dos significados coligados. Por exemplo, seria interessante ver
como mudaram as imagens ao longo das décadas. Como eram percebidos os
imigrantes, como eles se percebiam através das imagens – e como eles contribuíram
às imagens da cidade e dos brasileiros… Quais são, também, as imagens testemunhas
desta identidade itálica, no imaginário coletivo dos brasileiros, em particular dos
paulistas e dos paulistanos. Como o imigrante de ontem e de hoje se representam na
reconstrução da própria memória?
Dissertação Barbara Bechelloni
117
VI. CONCLUSÕES
Como colocado no primeiro capítulo, o principal objetivo aprofundar os
aspectos teóricos e conceituais que estão à base de uma necessária convivência e
interculturalidade entre povos e culturas diferentes foi o que fiz, explicando o meu
caminho intelectual através um claro percurso científico explicitado na primeira parte
deste trabalho, ou seja nos primeiros três capítulos.
Na segunda parte, senti a necessidade de uma explicação histórica que
permitisse o ingresso no específico contexto brasileiro e dos fluxos de italianos que
aqui chegaram, assin como para também abrir o caminho à estruturação de uma mais
aprofundada pesquisa de campo que se encontra no capítulo cinco sobre o percurso
metodológico e instrumentos de pesquisa.
Vasta é a literatura e as pesquisas de vários tipos históricas, sociológicas,
antropológicas sobre as diferentes correntes imigratórias no Brasil e, mais em geral,
dos italianos no mundo. Sejam estudos italianos, sejam brasileiros a maioria porém
são análises específicas ou descrições de fenômenos focalizados e locais
161
. Poucos
são os estudos recentes entre aqueles que encontrei.
O patrimônio que os italianos trouxeram para o Brasil como para os outros
países nos quais a integração foi diferente por ter características sociais e culturais
diversas é constituído, sobretudo, por dois tipos de capital: social e familiar. O
primeiro é constituído pelos conhecimentos típicos de uma sociedade complexa, como
era a italiana no final do século XIX, porém ainda parcialmente modernizada. E o
segundo, o capital familiar, constituído pelo culto da pietas, dos valores legados aos
vínculos intergeracionais e aos vínculos com os penati. O conjunto destes dois capitais
permitiu que os italianos se pensassem, desde o início, como família-empresa
162
.
Estes são apenas alguns dos elementos que ajudaram os italianos a se misturar,
a se integrar, mantendo um dos signos distintivos da própria identidade, o mais
importante na construção das bases desta pesquisa: a coexistência das diversidades e a
161
Exemplos como: Médicos Italianos em São Paulo (Lacaz Da Silva 1989), Italianos no Mundo Rural
Paulista (Pereira Borges, 2002), um estudo, da comunidade italiana de Pedrinhas. Do Veneto para o
Brasil (Puppin, 1981) etc. Enfoques especificos sobre as comunidades regionais italianas (toscanos,
calabreses, venezianos etc.) e sobre as particulares realidades que se criaram no Brasil.
162 Veja-se Bechelloni (2003 e 2004), Sapelli (2000), Franzina (1995) e Trento (2002).
Dissertação Barbara Bechelloni
118
pluralidade das culturas. Característica amplificada no contexto brasileiro que, por
outras razões históricas, teve uma grande afluência de culturas e identidades que
conseguiram hibridizar-se, miscigenar-se, como nos explica Gilberto Freyre nos seus
estudos.
Decidi, neste percurso, não coletar histórias de vidas, como programado no
começo, mas basear-me primeiramente no meu percurso de vivência no Brasil. Em
dois anos tive oportunidade de entrevistar, conversar, obter depoimentos de muitas
pessoas, itálicas ou não.
Através da observação participante consegui mergulhar profundamente,
conhecer e observar a presença italiana no Brasil nos diferentes níveis de integração
que produziram a hibridação da cultura italiana e das muitas outras presentes no
Brasil e que contribuíram para a formação dos Brasis
163
– a partir dos símbolos e de
alguns traços da identidade brasileira. Traços que poderiam ser considerados
“tipicamente italianos”, como também poderiam ser considerados “tipicamente
brasileiros”
164
. De fato são alguns elementos que tornam estas culturas e identidades
mais abertas, com uma maior capacidade de conseguir estar na vida, no mundo. A
capacidade de “encontrar sempre uma maneira para conseguir sobreviver” ou
conseguir resolver problemas. A criatividade que outros países e outras culturas tanto
gostariam de cultivar mas não conseguem. A capacidade de amar a vida e as coisas
belas.
Os imigrantes foram elementos fundamentais da construção das identidades
brasileiras, mas, sobretudo, introduziram na cultura brasileira alguns traços e
comportamentos relevantes. Um desses traços tem a ver com o superamento da
barreira contra o trabalho braçal/manual, herança de quase quatrocentos anos de
escravidão. Os imigrantes que chegaram como mão-de-obra assalariada contribuíram
para o desenvolvimento de uma força de trabalho inserida no mercado. A capacidade e
163
Lembrando também o importante trabalho de análise do Darcy Ribeiro com o seu livro sobre as
diversas identidades brasileiras e também o documentário que traz o mesmo título da obra, O povo
brasileiro.
164
É interessante, como já lembrei neste texto, saber que na cidade de São Paulo está sendo discutida uma
proposta de Lei para tornar a pizza prato típico paulistano!
Dissertação Barbara Bechelloni
119
a força do trabalho do imigrante, assim como o seu sucesso, foram causas do reforço
da idéia da “índole preguiçosa” dos brasileiros
165
.
Segundo também o que diz Oliveira (2002), uma outra contribuição dos
imigrantes foi permitir uma maior abertura das barreiras contra as atividades
comerciais
166
. Para muitos imigrantes oriundos dos povos do Mediterrâneo,
comerciantes como os judeus, os sírios, os libaneses, mas sobretudo, os italianos
167
o
“mascatear” foi uma das atividades principais. Uma vez que foi vencido o preconceito
contra esta atividade, os imigrantes contribuíram para a implementação e o
desenvolvimento do capitalismo comercial no Brasil, como demonstra, por exemplo, a
rápida mobilidade social dos italianos no Brasil, bem como na Argentina. O que não
houve nos Estados Unidos, onde os imigrantes se depararam com um outro momento
econômico.
Para quem quer conhecer o Brasil, sugiro ir a São Paulo pelo menos uma vez.
Dar uma volta de carro, de ônibus e a pé. Três diferentes formas de vê-la e conhecê-la.
São Paulo é uma cidade para ser vivida e não só olhada.
Infelizmente na Europa e, sobretudo, na Itália é comum identificar o Brasil com a
cidade do Rio de Janeiro aliás, Rio como um ícone do sexo, da transgressão, das
mulheres, da praia, do sol e dos meninos de rua. Algumas pessoas nem conhecem a
existência dessa megalópole que é São Paulo, a terceira maior cidade do mundo.
Quando cheguei a São Paulo não acreditava na quantidade de ícones que via e que me
lembravam a Itália. Vi letreiros em lojas, em restaurantes com nomes italianos,
bandeiras, que na Itália raramente se vêem. É entrar em um táxi, começar a falar
com o motorista para descobrir que o sobrenome dele é italiano e sua origem familiar
é fruto do encontro de diferentes culturas e povos.
Durante o mestrado viajei por outras cidades e até em “cantinhos” do Brasil.
também encontrei vi com os meus olhos signos, símbolos de italianidade, ou
melhor, de contaminação de italianidade.
165
Que de uma certa forma ainda hoje sobrevive nos estereótipos de um Brasil onde só a gente se divirte e
faz festa.
166
O comércio visto como atividade “sanguessuga”.
167
Com as Republicas marinheiras.
Dissertação Barbara Bechelloni
120
Um dia, através de um colega de faculdade, fui visitar no seu sobrado em um
bairro na periferia da cidade de São Paulo um velho italiano. Ele me ofereceu vinho
lambruscotipico da região de Emília Romanha de onde ele veio – feito por ele. Para
incrementar a sua aposentadoria, mas também porque gosta, ele faz e vende lasanha
caseira para os habitantes do bairro. Todo mundo o conhece. Ele me contou alguns
episódios da sua vida. Comemos bolo e falamos muitas horas sobre a sua vida, a sua
experiência migratória. Ele foi primeiro para Argentina, depois para o Uruguai e só no
fim veio para o Brasil. Uma vida fascinante de quem conheceu e viu muitos lugares,
muitas realidades, que conseguiu levar a vida com uma grande capacidade de se
adaptar a qualquer situação.
Um dia estávamos, eu e um professor italiano, indo comer na famosa pizzaria
Speranza na rua Treze de Maio, no bairro do Bixiga. Estava conversando com ele
sobre a minha idéia de começar um curso de teatro, quando, pouco antes de chegar ao
restaurante, na mesma calçada, virei a cabeça e vi um anúncio que dizia: “cursos de
teatro, inscreve-se já”. Era o Teatro do Quarteto, assim chamado com o nome da
companhia que atuava
168
lá. Uma antiga igreja transformada em teatro, com a fachada
amarela. Pedi informações e alguns dias depois me inscrevi. Esta foi uma boa
oportunidade para frequentar mais o bairro.
Todas as semanas passava muitas horas no teatro e depois das aulas
aproveitava, às vezes sozinha, às vezes com os colegas, para passear, andar pelas ruas
do bairro, falar com donos de lojas e restaurantes. Tive muitas conversas interessantes
com pessoas que me contavam das próprias origens, sobretudo, nos aspetos
tipicamente mais regionais. Encontrei pessoas que não sabiam falar italiano mas
sempre demonstravam uma grande vontade de aprendê-lo. Encontrei também outras
pessoas que falavam um pouco de italiano. A maioria falava palavras que foram
abrasileiradas.
Existe um ditado que diz que “em São Paulo fala-se italiano”. Obviamente não
é assim, mas a língua italiana encontra-se disseminada na cultura da cidade. Sem
dúvida, encontrei sempre um grande interesse e entusiasmo pela Itália e sempre fui
bem recebida. As pessoas queriam saber de mim mais sobre a Itália de hoje. Quase
168
“Atuava”, porque agora já não estão mais aí. Tiveram que sair.
Dissertação Barbara Bechelloni
121
todos tinham alguma informação através do canal de televisão Rai International, que
infelizmente não ajuda a transmitir uma correta imagem da Itália, uma vez que
contribui para reforçar alguns estereótipos.
Nesta vivência, consegui participar da inauguração da famosa festa paulistana
da Achiropita. Uma festa considerada tipicamente italiana que nasceu a partir da
comunidade italiana de calabreses. Uma italiana como eu, que nunca tinha visto nada
de parecido, fiquei impressionada com a quantidade de bandeiras e elementos da
cultura italiana. Comida típica, em alguns casos “revisitada”, modificada. Signos da
hibridação.
Para concluir, estas foram algumas sugestões da minha observação
participante, do que vi, vivi e senti durante este caminho, que sinto ainda em
desenvolvimento, e que pretendo continuar na real esperança e no real desejo de
conseguir acrescentar algo mais seja no campo dos estudos de comunicação, bem
como de ciências sociais e na construção de uma memória individual e coletiva dos
itálicos no mundo. Espero que esta pesquisa possa também ajudar a encontrar
instrumentos úteis para uma melhor convivência entre os seres humanos em qualquer
parte do mundo, sem perder as próprias e específicas individualidades, mas sem ter
medo do encontro com o outro, no respeito das próprias semelhanças e diferenças!
Dissertação Barbara Bechelloni
122
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Alguns livros devem ser pidiscados, outros devorados, e
alguns, raros, mastigados e digeridos.
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Dissertação Barbara Bechelloni
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