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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
A ECONOMIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO E A ABORDAGEM DAS
COMPETÊNCIAS: ELEMENTOS PARA UMA TEORIA
INSTITUCIONALISTA UNIFICADA DA FIRMA
EDISON BENEDITO DA SILVA FILHO
PORTO ALEGRE
2006
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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
A ECONOMIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO E A ABORDAGEM DAS
COMPETÊNCIAS: ELEMENTOS PARA UMA TEORIA INSTITUCIONALISTA
UNIFICADA DA FIRMA
Edison Benedito da Silva Filho
Orientador: Prof. Dr. Octavio Augusto Camargo Conceição
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Economia da
Faculdade de Ciências Econômicas da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Economia.
PORTO ALEGRE
2006
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2
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Responsável: Biblioteca Gládis W. do Amaral, Faculdade de Ciências Econômicas da
UFRGS
S586e Silva Filho, Edison Benedito da
A economia dos custos de transação e a abordagem das competências:
elementos para uma teoria institucionalista unificada da firma / Ediso
n
Benedito da Silva Filho – Porto Alegre, 2006.
95 f.
Orientador: Octavio Augusto Camargo Conceição.
Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Programa de Pós-
Graduação em Economia, Porto Alegre, 2006.
1. Teoria da firma. 2. Economia institucional. 3. Institucionalismo. 4.
Custo de transação. I. Conceição, Octavio Augusto Camargo. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Ciências
Econômicas. Programa de Pós-Graduação em Economia. III. Título.
CDU 330.83
338.45
3
A ECONOMIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO E A ABORDAGEM DAS
COMPETÊNCIAS: ELEMENTOS PARA UMA TEORIA
INSTITUCIONALISTA UNIFICADA DA FIRMA
EDISON BENEDITO DA SILVA FILHO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Economia da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Economia.
Aprovada em: Porto Alegre, ______ de ________________ de 2006.
Prof. Dr. Octavio Augusto Camargo Conceição – Orientador
UFRGS
Prof. Dr. Achyles Barcelos da Costa
UNISINOS
Prof. Dr. Hélio Henkin
UFRGS
Prof. Dr. José Wladimir Freitas da Fonseca
UFPR
4
A Mari.
5
AGRADECIMENTOS
A meus pais, pelo inestimável apoio em tempos difíceis.
A meus colegas e amigos, pelas intermináveis discussões e imemoriáveis horas de boemia.
A meus professores, pela solicitude e pela paixão com que se dedicam ao estudo dos
problemas econômicos deste país.
Em especial, ao meu orientador e amigo Octavio, cujo conhecimento e entusiasmo pelo
estudo do institucionalismo econômico contagiou-me sinceramente, e contribuiu de
maneira decisiva para que eu elegesse tal área de pesquisa a base de todo meu futuro
desenvolvimento acadêmico.
A CAPES, pelo inestimável suporte financeiro.
Aos funcionários do PGE, pelo apoio constante e pela infindável paciência.
E a todas as demais pessoas que, de alguma forma, contribuíram para a concretização deste
trabalho.
6
RESUMO
Embora constitua um elemento fundamental da Microeconomia, o estudo do
comportamento empresarial foi, por muito tempo, negligenciado pela abordagem ortodoxa
em virtude de sua opção metodológica pelo atomismo analítico, pela hipótese de
racionalidade substantiva e pelo foco nas trocas, em detrimento da produção. Tentativas
posteriores de aprimoramento da teoria convencional, compromissadas, contudo, com a
preservação desse instrumental analítico, conduziram o estudo das firmas a um inevitável
impasse, o que por sua vez possibilitou a emergência de alternativas teóricas de natureza
institucionalista, baseada nos conceitos de custos de transação e competências.
A escola institucionalista logrou posteriormente desenvolver-se de modo a ampliar
consideravelmente seu escopo e diversidade teórica, culminando afinal na predominância
de duas grandes correntes de pensamento dentro do institucionalismo econômico, que
competem pela primazia da explicação do comportamento organizacional: as abordagens
contratualista
e
evolucionária
. Através da análise dos avanços e limitações de cada uma
dessas diferentes escolas, demonstraremos neste trabalho a viabilidade de um diálogo em
prol da construção de uma teoria híbrida que combine e aperfeiçoe as principais
contribuições institucionalistas à compreensão do fenômeno empresarial.
PALAVRAS-CHAVE
: Teoria da firma, Economia institucional, Institucionalismo, Custo
de transação
7
ABSTRACT
Despite being a fundamental element of the Microeconomics, the study of business
behavior was, for a long time, neglected by orthodoxy due to its methodological preference
for atomist analysis, substantive rationality and focus on exchange, instead of production.
Further attempts to improve the conventional theory, without abandoning the compromise
in maintaining these analytical tools, have elsewhere failed, leading to the emergence of
theoretical alternatives based on the institutionalist concepts of transaction costs and
competences.
Furthermore, the institutionalist approach was able to develop itself in the way of
enlarging its scope and theoretical diversity, until the present state in which two great
streams compete for supremacy in the institutionalist theory of the firm:
the transaction
costs economics
and the
evolutionary economics
. By verifying the advances and limits of
each one of these approaches, we’ll demonstrate the viability of a dialogue in the way of
building a hybrid theory, which would combine the most important institutional
contributions to the comprehension of the organizations.
KEYWORDS
: Theory of the firm, Institutional economics, Institutionalism, Transaction
costs
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
........................................................................................................... 9
2 OS LIMITES DA TEORIA NEOCLÁSSICA DA FIRMA
.................................... 13
2.1 O QUE É UMA FIRMA? ...................................................................................... 15
2.2 POR QUE SURGEM AS FIRMAS? .................................................................... 17
2.3 A TEORIA DA AGÊNCIA E A ABORDAGEM DOS INCENTIVOS ............... 21
2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 28
3 A TEORIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO: UMA ALTERNATIVA
CONSISTENTE AO MODELO CONVENCIONAL?
........................................... 30
3.1 A TEORIA DA FIRMA SEGUNDO A ECONOMIA DOS CUSTOS DE
TRANSAÇÃO ....................................................................................................... 33
3.2 CRÍTICAS AO MODELO CONTRATUALISTA DE WILLIAMSON .............. 41
3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 48
4 A TEORIA DA FIRMA SEGUNDO A ABORDAGEM DAS
COMPETÊNCIAS
........................................................................................................... 51
4.1 O CONCEITO DE COMPETÊNCIA ................................................................... 53
4.2 PRECURSORES DA TEORIA DA FIRMA BASEADA NAS
COMPETÊNCIAS ................................................................................................ 54
4.3 OBJETIVOS E ESCOPO DA ABORDAGEM EVOLUCIONÁRIA .................. 61
4.4 O DIÁLOGO COM OS TEÓRICOS DA ORGANIZAÇÃO: EM BUSCA DE
UMA NOVA COMPREENSÃO DO FENÔMENO EMPRESARIAL ............... 69
4.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 71
5 CONCLUSÃO: NA DIREÇÃO DE UM CONSENSO INSTITUCIONALISTA
. 73
REFERÊNCIAS
................................................................................................................ 86
9
1 INTRODUÇÃO
A compreensão do comportamento das firmas, que são as estruturas produtivas
essenciais na composição do sistema econômico capitalista, tem constituído um objetivo
fundamental dos pensadores econômicos desde a consolidação da economia como um ramo
independente do conhecimento científico. Qualquer escola de pensamento econômico que
se pretenda constituir hegemônica deve possuir um arcabouço teórico que estruture uma
teoria coerente da firma, de modo a fornecer respostas para a explicação de fenômenos em
um ambiente econômico em constante transformação. O fenômeno da mudança
tecnológica, que é a chave para a compreensão do processo de crescimento econômico e
sobre o qual a teoria neoclássica tem se mostrado incapaz de fornecer uma teorização
consistente, tem sua origem precisamente no ambiente microeconômico da empresa
capitalista. Uma construção teórica completa a respeito do comportamento das firmas
consiste, portanto, na pedra fundamental de qualquer esforço ulterior que busque fornecer
uma explicação adequada do processo de mudança tecnológica e da dinâmica do sistema
capitalista.
O presente estudo versará sobre as dimensões atuais e as possibilidades de
aprimoramento do conceito institucionalista da firma, expresso nas duas vertentes
dominantes dessa escola de pensamento econômico: a chamada abordagem
contratualista
,
da economia dos custos de transação (ECT), e a abordagem
evolucionária
, proposta na
teoria baseada nas competências. O propósito essencial deste trabalho é verificar a
viabilidade da construção de uma teoria do comportamento empresarial que, conjugando
elementos das principais correntes institucionalistas da atualidade, seja capaz de representar
uma alternativa sólida e eficaz ao modelo convencional de explicação do fenômeno da
firma. Além desse objetivo, buscaremos também clarificar quais são os pressupostos da
teoria neoclássica da firma, bem como resgatar as principais críticas feitas a esse modelo
pelos autores institucionalistas, e, por fim, resgatar da contribuição de outras áreas de
10
pesquisa nas ciências sociais que avançam na direção de um novo marco teórico para a
teoria da empresa capitalista.
A principal hipótese desenvolvida deste trabalho é a de que, não obstante ainda
inexista uma teoria unificada do comportamento empresarial no institucionalismo,
outrossim, subsiste a viabilidade de um profícuo e extremamente promissor diálogo entre as
abordagens contratualista e evolucionária na direção de uma alternativa ao modelo
convencional de explicação do comportamento organizacional.
O presente estudo possui natureza essencialmente bibliográfica, constituindo-se
num esforço para abarcar todas as dimensões do objeto analisado de forma a compor uma
crítica clara e consistente, desenvolvida segundo uma base metodológica institucionalista.
Para uma análise compreensiva da teoria da firma pela Nova Economia Institucional (NEI),
além de uma bibliografia básica contendo os principais trabalhos dos autores vinculados à
ECT, discutiremos também outras abordagens que mantém estreito diálogo com esses
autores, tais como a economia dos direitos de propriedade, a abordagem dos incentivos e as
chamadas “teorias organizacionais”. Para o apontamento das deficiências desses modelos,
bem como de novas direções para a pesquisa institucionalista do comportamento
empresarial, nos concentraremos nas contribuições de diversos autores que utilizam a
abordagem evolucionária, com destaque para os trabalhos de Nelson e Winter, Teece e
Pisano, Hodgson e Freiling.
Samuels (1995) elenca os principais conceitos que identificam a Economia
Institucional enquanto corpo teórico independente, sugerindo a construção de um ideário
comum às mais diversas correntes institucionalistas de modo a possibilitar um profícuo
diálogo entre elas, bem como a tornar mais nítidas as fronteiras que definem esta escola de
pensamento econômico. Em primeiro lugar, o autor aponta as dimensões em que avançou
até aqui o pensamento institucionalista no sentido de construir uma identidade enquanto
escola de pensamento econômico, quais sejam: a crítica à análise econômica puramente
abstrata e atomista; a geração de ampla massa de conhecimento nos mais diversos campos
11
de pesquisa; e uma abordagem multidisciplinar com enfoque necessariamente empirista
(SAMUELS, 1995, p.572-573).
Institutionalism has had three dimensions. First, institutionalists have critiqued both the
organization and performance of existing market economies and the economics of the pure
market considered as an abstraction. Second, institutionalists have generated a substantial
body of knowledge on the variety of topics noted in these pages. Third, institutionalists
have developed a multi-disciplinary approach to problem-solving. In regard to all three,
institutionalists have stressed empiricism (rather than both a priori propositions and
mathematical puzzle-solving), pragmatism, and a willingness, indeed desire, to be multi-
disciplinary, that is, to find knowledge, especially but not solely knowledge aplicable to
policy, wherever it can.
A partir dessa delimitação inicial do corpo teórica institucionalista, Samuels (1995,
p.573 e segs.) passa então a definir quais são os “consensos” que permeiam o
institucionalismo e dotam-no do rigor crítico necessário para promover uma verdadeira
evolução do pensamento econômico: (i) a ênfase na evolução sócio-econômica, com
destaque para a evolução das instituições; (ii) a importância da ação coletiva e dos
mecanismos de controle social para a regulação das atividades econômicas; (iii) a ênfase na
tecnologia como principal força transformadora do ambiente econômico; (iv) a importância
das instituições enquanto determinantes da alocação de recursos no sistema econômico e
elementos estruturais dos mercados; (v) a construção de uma teoria do valor, baseada no
processo através do qual os valores são determinados pelo aparato institucional da
sociedade; (vi) a importância da cultura enquanto elemento constituinte do processo de
causação cumulativa, na relação de mútua determinação entre indivíduos e instituições;
(vii) análise focada nas estruturas de poder e hierarquia presentes nas relações sociais e seu
impacto sobre o ambiente econômico e institucional; e (viii) a adoção de um enfoque
multidisciplinar, que implica num contínuo diálogo com diferentes áreas do conhecimento
humano em prol de uma melhor compreensão dos fenômenos econômicos.
Tendo por base a abordagem institucionalista, buscaremos neste estudo precisar quais
são os limites da análise neoclássica do comportamento das firmas, e quais as soluções
encontradas no campo do institucionalismo econômico para o impasse da teoria
convencional. Para tanto, desenvolveremos nosso trabalho essencialmente ao longo de três
capítulos fundamentais, complementados por uma introdução e pela conclusão final. Na
12
introdução, resgataremos a importância vital do estudo das firmas para a composição de um
arcabouço teórico coerente com a compreensão dos mais diversos fenômenos econômicos,
bem como a ressurgência do institucionalismo no pensamento econômico contemporâneo.
O primeiro capítulo versará sobre a teoria neoclássica da firma, abrangendo seu
desenvolvimento até as mais recentes abordagens baseadas nos incentivos, tais como a
teoria dos direitos de propriedade. No segundo capítulo descreveremos a teoria da firma
novo-institucionalista em sua formulação mais completa, resgatando inclusive o recente
diálogo de Williamson com abordagens do
mainstream
econômico que mostram uma
grande afinidade entre essas teorias, assentada, sobretudo, na hipótese comum de que o
fenômeno organizacional emerge do oportunismo individual. O terceiro capítulo apresenta
o desenvolvimento da teoria da firma baseada nas competências, ressaltando as críticas
fundamentais dos autores evolucionários tanto aos modelos convencionais quanto ao
contratualismo de Williamson. Por fim, a conclusão apontará novas possibilidades de
desenvolvimento teórico do institucionalismo na explicação do comportamento
empresarial, através da construção de uma teoria institucionalista híbrida que combine
simultaneamente elementos teóricos contratualistas e evolucionários.
13
2 OS LIMITES DA TEORIA NEOCLÁSSICA DA FIRMA
A teoria convencional do comportamento das firmas foi historicamente construída
de modo a abarcar explicações coerentes, do ponto de vista do individualismo
metodológico, para as grandes transformações ocorridas no capitalismo ocidental, em
especial a partir do final do séc. XIX. Ela continua assentada hoje sobre os mesmos
fundamentos essenciais que definem o modelo neoclássico de análise econômica, cuja
aceitação é afinal considerada indiscutível pela maior parte dos autores vinculados a essa
tradição científica.
Esses princípios refletem, em última análise, a forma básica como os economistas
enxergam o mundo à sua volta; ou, posto de outra maneira, a forma como eles
desejam
enxerga-lo. Varian (1999, p.3) sintetizou esse conjunto de princípios em dois conceitos
elementares, que se complementam na análise econômica: a
otimização
e o
equilíbrio
.
Segundo o princípio da otimização, “[...] as pessoas tentam escolher o melhor padrão de
consumo ao seu alcance.” (p.3). Já o princípio do equilíbrio assevera que “Os preços
ajustam-se até que o total que as pessoas demandam seja igual ao total ofertado.” (p.3).
Como corolário do primeiro princípio, poderíamos acrescentar a idéia da preferência
revelada: não é necessário conhecer a preferência íntima de um agente para averiguar se o
mesmo escolheu de fato a melhor opção possível, pois suas próprias ações e o resultado
econômico delas decorrente podem ser considerados manifestações voluntárias de sua
preferência a cada momento.
Com base na aparente inocência e simplicidade desses “axiomas”, economistas
ortodoxos vêm ao longo de séculos tentando explicar o comportamento das firmas nas
sociedades capitalistas. De fato, a conservação desse arcabouço analítico ao longo de
muitas décadas não resultou de maneira alguma em estagnação do progresso teórico
microeconômico; mas, como veremos adiante, ela hoje conduz a teoria neoclássica a um
14
beco sem saída na tentativa de fornecer uma explicação adequada ao comportamento
empresarial moderno, em particular quando aplicado ao fenômeno da inovação tecnológica.
A teoria neoclássica pressupõe um modelo harmônico de compreensão dos
fenômenos econômicos. Por harmonia compreende-se um estado estável, determinado de
maneira impessoal e não-intencional, no qual nenhuma força econômica é capaz de
perturbar o equilíbrio vigente de preços, pois todos os agentes conseguem realizar seus
planos de acordo com as melhores informações que possuem. Segundo Hodgson (1999,
p.29), “Neoclassical economics may be conveniently defined as an approach which: (1)
assumes rational, maximizing behavior by agents with given and stable preference
functions, (2) focuses on attained, or movements towards, equilibrium states, and (3) is
marked by an absence of chronic information problems.”.
É certo que poucos autores neoclássicos aceitariam todas as conseqüências desse
modelo para uma generalização empírica, não obstante ele ainda serve de base para a
análise econômica tradicional
1
. Inadequações do modelo à realidade observada devem ser
sanadas através de acréscimos ao corpo teórico convencional que não violem seus
princípios elementares. De certo modo é louvada mesmo a própria incapacidade do modelo
neoclássico em eliminar por completo suas brechas e inconsistências teóricas, pois é
justamente através delas que tal modelo pode tentar explicar uma gama maior de
fenômenos ora excluída do universo do corpo teórico ideal, ou do seu
núcleo duro
(LISBOA, 1997).
1
Não discutiremos aqui as implicações do debate metodológico já consagrado dentro da seara neoclássica a
respeito da finalidade da construção de modelos teóricos, embora essa discussão esteja intimamente
relacionada com o grau de “realismo” adotado pelos diversos autores dessa corrente. Dentre os diversos
critérios pelos quais poderíamos julgar a validade de um modelo econômico, destacam-se sua
instrumentalidade analítica e sua capacidade preditiva. Para Koutsoyiannis (1975, p.3-4), não há ainda um
consenso quanto à primazia de algum desses critérios: “The views of economists range from Milton
Friedman’s position that the most important criterion of the validity of the model is its predictive
performance, to Paul Samuelson’s position that realism of assumptions and power of the model in explaining
the behavior of the economic agents, producers or consumers, is the most important attribute of the model.”.
15
2.1 O QUE É UMA FIRMA?
A primeira questão fundamental que se coloca na teoria microeconômica da
produção é: o que é uma firma? Como sabemos, o reducionismo aplicado pela metodologia
convencional exige que a unidade de análise econômica (no caso, a firma) possua uma
identidade única, independente da influência do tempo, do espaço e das instituições que a
envolvem. Não existe uma “teoria da firma norte-americana” e outra “teoria da firma
japonesa”, por exemplo. Ambas possuem a mesma finalidade econômica, qual seja a busca
da maximização de lucros. Anomalias observadas no comportamento das firmas devem ser
atribuídas a diferenças das estruturas de incentivos às quais elas se vinculam. Numa
analogia com a teoria dos jogos, isso significa que mudam freqüentemente os
pay-offs
e a
estrutura dos jogos praticados, mas os jogadores (firmas) permanecem imutáveis em sua
natureza. Mas a aparente simplicidade resultante do desprezo pelo estudo da evolução
histórica das firmas e de suas especificidades culturais esconde perigosas dificuldades, até
agora subestimadas pelos teóricos neoclássicos.
Quanto à natureza da firma, podemos afirmar, numa primeira aproximação, que ela
consiste na unidade básica de produção do sistema capitalista, convertendo insumos em
produtos finais numa constante busca da maximização de lucro. Mas essa definição pouco
nos diz a respeito dos limites da firma, e, talvez ainda mais importante, sobre sua natureza
distinta no sistema capitalista. Embora os economistas ortodoxos reconheçam as
dificuldades existentes na tentativa de mensuração dos limites de uma firma, num ambiente
econômico cada vez mais integrado e dotado de ampla diversidade de relações contratuais,
há um consenso de que essa delimitação é teoricamente possível, através da introdução de
conceitos como controle e propriedade (PUTTERMAN; KROSZNER, 1996a, p.8-9).
Asking where the boundaries of the firm lie raises some difficult theoretical issues. But
most authors have relatively simple notions of control and of ownership in mind when
deciding where one firm ends and other begins. Few if any question that a company having
multiple plants producing the same or even different products should be treated as a single
firm so long as the right to the residual earnings and to hire and fire the managers of
16
subunits belongs to a central managing organ that either itself “owns” or is responsible to
the owner or owners of the overall entity.
A confiança manifesta por esses autores na precisão da análise das dimensões de
uma empresa se justifica pela abordagem absolutamente superficial de tal fenômeno
econômico. Não há aqui, em absoluto, genuína preocupação com a
essência
da firma: ela é
definida por arranjo de contratos e relações de propriedade, figurando como uma mera
abstração jurídica destituída de identidade material (JENSEN; MECKLING, 1996, p.321).
Essa concepção realmente não nos traz maiores problemas quando observamos as firmas
sob o enfoque da repartição de recursos e incentivos – ao contrário, ela facilita
enormemente esse tipo de análise, que é o foco dos autores neoclássicos. Mas quando
inserimos na discussão o fenômeno da mudança tecnológica, elemento central na análise do
comportamento empresarial, as “fronteiras” legais e econômicas das firmas se tornam cada
vez menos nítidas. A apropriação de riscos e ganhos provenientes da inovação tecnológica
não pode ser completamente abarcada por relações contratuais, pois isso implicaria eliminar
o componente de incerteza que é chave no próprio processo inovativo
2
. Além disso, a
enorme gama de agentes e instituições envolvidos nesse processo, que se desenvolve de
maneira contínua ao longo do tempo, inviabiliza qualquer tipo de análise que busque
separar e quantificar as dotações de cada organismo econômico participante. A análise
contratualista da firma faz uma separação artificial entre a produção e o modo de
governança, o que implica necessariamente num tratamento
exógeno
da mudança
tecnológica, já que seus efeitos passam a se restringir apenas à esfera produtiva
(HODGSON, 1999, p.256).
2
Para uma compreensão adequada do comportamento das firmas urge reconhecer o papel fundamental que a
incerteza cumpre no processo de inovação tecnológica. Num insight extremamente profícuo, Dosi (1988,
p.222, grifo do autor) afirma que “[...] innovation involves a fundamental element of uncertainty, which is not
simply lack of all the relevant information about the occurrence of known events but, more fundamentally,
entails also (a) the existence of techno-economic problems whose solution procedures are unknown […] and
(b) the impossibility of precisely tracing consequences to actions […]”. Indo ainda um pouco mais longe
nesse raciocínio, não se trata aqui apenas de ressaltar a impossibilidade de se prever todos os possíveis
eventos resultantes da mudança tecnológica, mas principalmente de atentar para o fato de que também essa
incerteza estimula, em última análise, a busca pela inovação. A natureza imprevisível da tecnologia oferece
uma gama praticamente inesgotável oportunidades (e obviamente riscos) para as empresas capitalistas, em
constante luta pela sobrevivência num ambiente mutável e competitivo.
17
2.2 POR QUE SURGEM AS FIRMAS?
Ainda que os teóricos neoclássicos se sintam confortáveis com o uso de um
conceito de firma abstrato e despido de qualquer tipo de influência de outros elementos do
sistema econômico, ainda resta a eles oferecer uma justificativa coerente para o fenômeno
da
emergência
das firmas. Embora o estudo da origem e do desenvolvimento das firmas
seja de fato pouco relevante para a hipótese de um mundo repleto de agentes produtivos
atomizados, o mesmo não se pode dizer quanto à análise de estruturas complexas e
oligopolizadas de produção, por muito tempo negligenciada em virtude de estes serem
considerados meras anomalias de um sistema ideal de concorrência. Como asseveram
Putterman e Kroszner (1996a, p.9, grifo dos autores),
[...] while product demand may explain production, it hardly explains the need for an
organization of production, much less a production organization with such characteristic
features as long-term contracts, risk bearing by owners, and hierarchical centralized
coordination of those engaged in the production process. [...] with most of microeconomic
theory assuming that the price system coordinates the allocation of resources to their most
valued uses, such organizations might apear to have no economic raison d’etre,
De fato, a assunção de estruturas oligopolísticas como “dadas” nos modelos
econômicos, ainda que facilite sobejamente a análise de equilíbrio de curto prazo, resulta
afinal inconveniente para a teoria convencional. Isso se dá não apenas devido à
incapacidade dos modelos neoclássicos explicarem as causas das imperfeições de mercado,
mas, sobretudo, porque a hipótese convencional de “perda social” resultante de desvios da
concorrência perfeita contrasta radicalmente com o fato de que o rápido aumento da riqueza
dos países capitalistas na história recente ocorreu em paralelo ao crescimento da
oligopolização.
18
2.2.1 A Proposta de Coase: a Emergência dos Custos de Transação
É sabido que a literatura econômica que busca oferecer uma explicação teórica para
o surgimento das firmas teve um grande impulso a partir da publicação do trabalho seminal
de Coase,
The Nature of the Firm
(1937). Tudo começa com uma indagação simples: por
que existem firmas no mercado? Ou, em outras palavras, por que a divisão do trabalho não
pode ser levada até suas últimas conseqüências nas sociedades capitalistas, de modo que
toda a produção se estruture num universo de agentes produtivos atomizados
independentes, coordenados apenas pela sinalização dos preços? Coase (1996, p.93-94)
constrói seu trabalho sobre a hipótese de que existem custos para que um produtor recorra
ao mercado: permanente renegociação de contratos, volatilidade dos preços de insumos,
dificuldade de monitoramento do trabalho, entre outros fatores, tornariam eventualmente
mais custoso adquirir a qualquer momento insumos no mercado, e, por conseguinte, fariam
com que uma estrutura hierarquizada de produção se tornasse mais eficiente do ponto de
vista econômico.
A natureza das firmas se caracteriza pela internalização de transações ora realizadas
no mercado através de contratos de longo prazo e controle hierárquico do processo
produtivo. Elas surgem, portanto, como soluções minimizadoras de custos de transação de
mercado. Coase (1996, p.97-98) ofereceu ainda uma explicação pela qual existem limites
para o crescimento de uma firma: os custos de organização de uma estrutura produtiva
podem, a partir de determinado ponto, suplantar os custos de transação, assim como a
dificuldade de gerenciamento de uma estrutura cada vez mais complexa torna o
empreendedor suscetível a erros mais freqüentes.
19
2.2.2 Knight e a Importância do Conceito de Incerteza
Coase sugeriu uma teoria da firma baseada na minimização de custos de transação,
em contraposição à idéia original de Knight (1996), que enfatizava a importância da
incerteza e do gerenciamento do risco para o surgimento da atividade empreendedora. É
interessante notar, contudo, que Knight não estava preocupado em explicar apenas o
surgimento das firmas, mas principalmente em salientar o problema da ubiqüidade da
incerteza no mundo capitalista, incerteza esta que simplesmente não pode ser tratada de
modo probabilístico. A crítica de Coase perde muito de sua força quando atentamos para o
fato de que, enquanto ele imagina um mundo onde a incerteza não afeta significativamente
as decisões dos agentes, pois estes podem estimar adequadamente os efeitos de suas ações
obtendo as informações relevantes no mercado, Knight está precisamente observando um
mundo onde a incerteza inviabiliza a existência de um mercado completo de informações.
Segundo Coase (1996, p.101),
[...] the fact that certain people have better judgment or better knowledge does not mean
that they can only get an income from it by themselves actively taking part in production.
They can sell advice or knowledge. Every business buys the services of a host of advisers.
We can imagine a system where all advice or knowledge was bought as required.
Coase parece ignorar o fato de que não basta ao empreendedor possuir informação
ou compra-la de alguém: a veracidade e a relevância dessa informação só podem ser
averiguadas
a posteriori
, abrindo espaço, portanto, para que o empreendedor concentre em
sua pessoa todo o poder de julgamento a respeito dessas informações e, conseqüentemente,
os riscos e eventuais ganhos de uma decisão (KNIGHT, 1996, p.60-61). Mais adiante,
Coase insiste nessa interpretação equivocada (1996, p.101), afirmando que:
Professor Knight says that “with human nature as we know it it would be impracticable or
very unusual for one man to guarantee to another a definite result of the latter’s actions
without being given power to direct his work”. This is surely incorrect. A large proportion
of jobs are done to contract, that is, the contractor is guaranteed a certain sum providing he
performs certain acts. But this does not involve any direction. It does mean, however, that
20
the system of relative prices has been changed and that there will be a new arrangement of
the factors of production.
Na verdade, é justamente a crítica de Coase que está novamente mal colocada.
Quando Knight salienta os riscos referentes à incapacidade de se controlar os resultados do
trabalho de uma pessoa, ele não está se referindo necessariamente ao mercado. Por
definição, o mercado de um bem ou serviço exige que haja um grau mínimo de
homogeneidade do produto ofertado que assegure ao consumidor um controle eficiente de
sua qualidade. São precisamente as indefinições em relação aos resultados do trabalho
contratado, oriundas tanto da ausência de uma orientação mais precisa por parte do
empreendedor quanto do
oportunismo
do prestador do serviço, ou mesmo da
impossibilidade de replicação dessa tarefa por outro agente no mercado, que tornam o
contrato de trabalho de longo prazo (relação empregatícia) uma alternativa eficiente neste
caso. Coase parece imaginar que a incerteza exemplificada por Knight no mercado de
trabalho se refere à incapacidade de previsão por parte do empreendedor das mudanças nos
preços relativos da economia, quando na verdade esse é justamente o enfoque da teoria dos
custos de transação de Coase, e certamente não o da incerteza knightiana. Coase de fato
argumenta posteriormente que sua teoria se aplica a um mercado em constante tendência ao
equilíbrio, no qual mudanças nos preços relativos orientam a ação dos empreendedores no
sentido de internalizar ou terceirizar transações em suas firmas até que um novo ponto
ótimo seja alcançado (1996, p.104). Knight jamais reduz a incerteza a uma mera questão de
volatilidade de preços no mercado
3
.
Embora tivesse sido a princípio bem-recebida, a abordagem de Coase levaria ainda
muitas décadas para se firmar como uma linha de pesquisa independente na ciência
econômica
4
. Sua recente projeção no meio acadêmico se deveu, sobretudo, ao trabalho
posterior de Williamson e North, cujas contribuições não se limitaram a apenas incrementar
3
Também Williamson, o principal autor dedicado a aprimorar e difundir as idéias originais de Coase,
considera inadequada a crítica deste a Knight, reconhecendo as importantes contribuições de sua análise para
a teorização do comportamento oportunístico e da racionalidade limitada. Ver Williamson (1985, p.3-6).
4
Isso se deveu sobretudo à dificuldade de se mensurar os custos de transação, o que abria espaço para que
praticamente qualquer tipo de anomalia do mercado fosse qualificada como pertencente à esfera desses custos
(HODGSON, 1999, p.204). Além disso, a ênfase metodológica na necessidade de rigor matemático e
simplicidade teórica tornava a teoria dos custos de transação aplicável apenas aos casos onde a teoria
convencional fosse incapaz de oferecer resultados robustos. Ver Putterman e Kroszner (1996a, p.10).
21
o corpo teórico neoclássico, mas a oferecer mesmo uma nova vertente de pensamento
econômico. A partir da teoria dos custos de transação, nasceu a chamada Nova Economia
Institucional (NEI), cuja importância para o pensamento econômico contemporâneo foi
finalmente reconhecida através dos recentes Prêmios Nobel de Economia de Ronald Coase
e Douglass North, laureados nos anos de 1991 e 1993, respectivamente.
2.3 A TEORIA DA AGÊNCIA E A ABORDAGEM DOS INCENTIVOS
A ortodoxia econômica, reconhecendo afinal a validade das críticas de Coase e
Williamson, optou por desenvolver sua teoria da firma com base em um novo enfoque, que
privilegiasse a análise dos problemas de coordenação surgidos no ambiente
microeconômico. Resgatando os
insights
de Knight a respeito da incerteza e do
comportamento oportunístico dos agentes, complementados por novos conceitos como a
informação imperfeita e as expectativas racionais, seus autores buscaram agregar ao
instrumental neoclássico novos modelos que superassem as dificuldades apontadas pelos
teóricos da economia dos custos de transação. Partindo do pressuposto de que, por uma
questão de imperativo tecnológico, a produção coletiva é necessariamente mais eficiente
que a subcontratação de produtores individuais, Alchian e Demsetz (1996, p.194-196)
concebem a firma, de maneira geral, como um processo de trabalho em equipe organizado
na forma de um contrato coletivo e monitorado por um agente que faz parte dessa estrutura.
Nas palavras destes autores (p.215),
Team productive activity is that in which a union, or joint use, of inputs yields a larger
output than the sum of the products of the separately used inputs. This team production
requires [...] an assessment of marginal productivities if efficient production is to be
achieved. Nonseparability of the products of several differently owned joint inputs raises
the cost of assessing the marginal productivities to costs of inputs and thereby to reduce
shirking can be achieved more economically (than by across market bilateral negotiations
among inputs) in a firm.
22
2.3.1 A Firma Como Resposta ao Comportamento Oportunístico
A inclusão, nos modelos convencionais, das hipóteses de comportamento
oportunístico e racionalidade limitada dos agentes torna extremamente complexo o
problema do monitoramento da ação individual. Além da dificuldade em mensurar a
contribuição individual de cada membro da equipe
5
, o que enseja um menor esforço
produtivo por parte dos trabalhadores, há ainda a questão de definir quem será o último
monitor na cadeia de relações hierárquicas da firma (PUTTERMAN; KROSZNER, 1996a,
p.11). Para Alchian e Demsetz (1996, p.200-201), esse monitor final deve ser um agente
motivado diretamente pela lucratividade da firma, tendo, portanto, necessariamente
participação no seu capital (ou seja, capacidade de vender a firma) e poder de coordenação
da equipe (podendo demitir membros cuja atuação seja considerada insatisfatória).
A abordagem de Alchian e Demsetz permite conceber modelos de firmas das mais
diversas naturezas, e não apenas aquelas orientadas pela busca de lucro, pois ela se
concentra nos objetivos a serem alcançados pelo agente central (proprietário) e na forma
como ele monitora o desempenho de seus subordinados. Obviamente, firmas que não
priorizam a lucratividade (a exemplo de empresas estatais, instituições sem fins lucrativos,
etc.) estão mais sujeitas a apresentar deficiências relativas ao comportamento oportunístico
dos trabalhadores e também de seu agente central, pois se torna ainda mais difícil uma
mensuração criteriosa dos resultados obtidos para fins de controle e eficiência (p.206-210).
Mas ainda persistem dificuldades nessa abordagem. Em particular, o fator
tecnológico parece ser relegado a um segundo plano na análise do comportamento da firma,
em virtude da excessiva ênfase na questão da troca de subsídios entre proprietários e
trabalhadores e no conseqüente problema do comportamento oportunístico em meio a um
5
Embora pareça, a princípio, bastante plausível a hipótese de não-separabilidade da contribuição de diferentes
insumos para o produto final da firma em decorrência do imperativo tecnológico, alguns autores, em
particular Williamson, criticam seu apriorismo em virtude dela não se comprovar suficientemente
generalizada pela evidência empírica. Mas ainda que para este autor a atividade de monitoramento tenha um
papel secundário na explicação do funcionamento das firmas, ele atribui à ela um componente importante dos
custos de transação, considerando mesmo a abordagem dos incentivos e monitoramento uma ramificação da
própria teoria dos custos de transação. Ver Barzel (1982) e Kenney e Klein (1983).
23
ambiente de incerteza marcado pela assimetria de informações. Alchian e Demsetz (1996,
p.214) sugerem que a firma opera como um mercado especializado e eficiente de
informações que coordena a atuação de insumos com diferentes capacidades produtivas:
The firm serves as a highly specialized surrogate market. […] The employer, by virtue of
monitoring many inputs, acquires special superior information about their productive
talents. […] He “sells” his information to employee-inputs as he aids them in ascertaining
good input combinations for team activity. Those who work as employees or who rent
services to him are using him to discern superior combination of inputs. Not only does the
director-employer “decide” what each input will produce, he also estimates which
heterogeneous inputs will work together jointly more efficiently, and he does this in the
context of a privately owned market for forming teams.
Embora seja evidente a vantagem da firma sobre o mercado quando o empregador
deseja conhecer a verdadeira capacidade produtiva de um insumo, ainda existe a questão de
como quantificar e valorar a informação. O chamado “conhecimento tácito” e a informação
produzida no ambiente da firma dificilmente pode ser replicada com o mesmo valor em
outro ambiente microeconômico, e as relações da firma com a esfera institucional na qual
ela se acha inserida são uma fonte essencial de conhecimento para fins inovativos (DOSI,
1988, p.222-224), o que torna pouco verossímil a existência de um “mercado de
informações” intra-firmas onde o conhecimento possa se tornar comoditizado. Os agentes
participantes da firma compartilham conhecimentos cuja dimensão de possibilidades de
aplicação excede em muito a capacidade de previsão individual, em particular quando essas
informações contribuem para a gestão de novas tecnologias e para o aprendizado produtivo.
Despida de um conteúdo tecnológico, a teoria da firma de Alchian e Demsetz de fato pouco
difere do conceito tradicional de mercado, restando justificar sua eficiência em relação a
este com base tão somente à possibilidade de uma menor assimetria de informações no
ambiente interno da firma. Os próprios autores sugerem que talvez a emergência das firmas
possa ser explicada exclusivamente com base nessa maior eficiência na gestão da
informação (ALCHIAN; DEMSETZ , p.214):
Whether or not the firm arose because of this efficient information service, it gives the
director-employer more knowledge about the productive talents of the team’s inputs, and a
basis for superior decisions about efficient or profitable combinations of those
heterogeneous resources.
24
O tratamento dado à questão da relação empregatícia também está sujeito a fortes
críticas, em especial pelo fato de que os autores não distinguem natureza dessa relação com
a de um outro contrato qualquer de mercado
6
. Ignorando por completo a assertiva de Coase
de que é precisamente a natureza distinta da relação entre capitalista e empregado que
define a diferenciação entre firmas e mercados
7
, Alchian e Demsetz (p.193-194, grifo
nosso) afirmam candidamente que
It is common to see the firm characterized by the power to settle issues by fiat, by authority,
or by disciplinary action superior to available in the conventional market. This is delusion.
The firm does not own all its inputs. It has no power of fiat, no authority, no disciplinary
action any different in the slightest degree from ordinary market contracting between two
people. [...] Long-term contracts between employer and employee are not the essence of the
organization we call a firm.
Por fim, resta notar que a própria noção de eficiência aplicada pelos autores
encontra-se viciada na medida em que pressupõe um equilíbrio estático para fins de
determinação de uma solução ótima de alocação de fatores. Essa hipótese implica na
exogeneidade do fenômeno da mudança tecnológica, cujo único efeito parece ser o de
alterar quantitativamente o mercado de informações e conseqüentemente ensejar uma nova
alocação de insumos. A eficiência passa a ser medida exclusivamente pela capacidade do
empresário organizar internamente seu “mercado de informações”, restando pouco ou nada
a ser dito a respeito do processo de inovação das empresas na busca pela sobrevivência
num ambiente competitivo e em constante mutação.
6
Hart (1989) aponta a existência de uma assimetria entre capitalista e trabalhador, pois aquele possui os
instrumentos de trabalho necessários para que este desempenhe suas habilidades, o que inevitavelmente limita
a eficiência do trabalhador fora do ambiente da firma. A essência de sua crítica se encontra sintetizada em
Putterman e Kroszner (1996a, p.19).
7
Hodgson (1999, p.226). Embora alguns autores contratualistas, como por exemplo Klein (1983, apud
PUTTERMAN; KROSZNER, 1996a, p.18), sustentem a idéia de que a distinção entre as transações
realizadas dentro das firmas e fora delas seja bem menos nítida que aquela defendida originalmente por
Coase, Williamson (1985) e Simon (1991) defendem que essa distinção ainda é útil e deve ser mantida na
análise econômica. É importante, contudo, ressaltar que, ainda que subsista uma clara distinção entre as
relações contratuais estabelecidas dentro da firma e aquelas encontradas fora dela, a falsa dicotomia entre
firmas e mercados não se baseia nessa diferenciação. Embora seja inegável, para fins analíticos, a
conveniência do isolamento da firma em relação ao mercado, não se pode perder de vista que ambos fazem
parte de um mesmo ambiente institucional, cuja influência é essencial.para explicar os ganhos de cooperação
oriundos do trabalho realizado dentro das firmas. Ver Richardson (1996, p.144).
25
2.3.2. A Teoria dos Direitos de Propriedade
Seguindo os passos do enfoque contratualista de Alchian e Demsetz, Jensen e
Meckling (1996) sugerem que a teoria da firma deve enfocar os
direitos de propriedade
, e,
ainda que a maximização de lucro na firma possa ser relegada a um segundo plano, não se
pode abandonar a idéia de que a maximização individual do bem-estar orienta o
comportamento dos agentes. Nas palavras dos autores (p.318):
What is important […] is that specification of individual rights determines how costs and
rewards will be allocated among the participants in any organization. Since the
specification of rights is generally effected through contracting (implicit as well as explicit),
individual behavior in organizations, including the behavior of managers, will depend upon
the nature of these contracts.
A abordagem dos direitos de propriedade se concentra especialmente na relação
entre os proprietários (acionistas) e os administradores das firmas. A partir do
insight
clássico de Berle e Means (1988), que evidenciaram em seu trabalho a progressiva
separação entre as esferas da administração e da propriedade nas empresas capitalistas
modernas e suas implicações para o comportamento dessas firmas, e da contribuição de
Alchian e Demsetz, centrada no problema do monitoramento dos agentes que compõem a
estrutura produtiva, Jensen e Meckling (p.318-319) iniciam sua análise introduzindo o
conceito de
relação de agência
8
. A separação entre o controle e a propriedade das firmas
impede que o proprietário maximize seu bem-estar exercendo um controle absoluto sobre a
empresa, e gera custos para que ele monitore o desempenho de seus subordinados (p.333).
Esses custos equivalem à soma dos gastos de uma empresa com o monitoramento do
principal (administrador) por parte dos proprietários, com os privilégios assegurados ao
agente (trabalhador) para que ele tome atitudes que beneficiem o principal e também com a
chamada “perda residual” (correspondente a algum nível inevitável de perda de bem-estar
do principal em função de desvios no comportamento do agente). A busca pela forma mais
8
Segundo Jensen e Meckling (1996, p.318), uma relação de agência pode ser definida como “[…] a contract
under which one or more persons (the principal(s)) engage another person (the agent) to perform some service
on their behalf which involves delegating some decision making authority to the agent.”.
26
eficiente de manejar esses custos orienta o comportamento da firma e também explica a
complexidade de sua estrutura hierárquica. Segundo Jensen e Meckling (p.321, grifo dos
autores),
The private corporation or firm is simply one form of legal fiction which serves as a nexus
for contracting relationships and which is also characterized by the existence of divisible
residual claims on the assets and cash flows of the organization which can generally be
sold without permission of the other contracting individuals.
A abordagem proposta por Jensen e Meckling padece das mesmas deficiências já
apontadas na crítica ao trabalho de Alchian e Demsetz, até porque ela nada mais é do que
um aprimoramento do modelo de firma proposto por estes autores. Jensen e Meckling
(1996, p.320-321) afirmam, contudo, que seu modelo é mais abrangente que o original:
We believe the emphasis which Alchian-Demsetz place on joint input production is too
narrow and therefore misleading. Contractual relations are the essence of the firm, not only
with employees but with supliers, customers, creditors, etc. The problem of agency costs
and monitoring exists for all these contracts, independent of whether there is a joint
production in their sense; i.e., joint production can explain only a small fraction of the
behavior of individuals associated with a firm.
Firmemente assentada na tradição ortodoxa, a análise de Jensen e Meckling se
limita a tentar estabelecer um nível ótimo de utilização de fatores pela firma e de seu
tamanho no mercado com base apenas na habilidade gerencial em reduzir custos de
agência. Por conseguinte, o processo de inovação tecnológica não cumpre nenhum papel
relevante nessa abordagem.
Não obstante, é interessante notar uma outra diferença fundamental no enfoque
desses autores em relação à proposta original de Alchian e Demsetz. Enquanto para estes
(p.194) a relação contratual é pouco relevante para explicar a natureza da firma, uma vez
que rejeitam a distinção feita por Coase entre o contrato de trabalho de longo prazo e a
compra desse serviço no mercado, para Jensen e Meckling a “essência” da firma se
encontra justamente nas relações contratuais que ela abriga (p.320). Essa divergência se
explica porque Alchian e Demsetz
pressupõem
uma maior eficiência do trabalho coletivo
em relação à soma de trabalhos individuais, em decorrência do imperativo tecnológico.
27
Como Jensen e Meckling descartam essa hipótese, e desprezam em sua análise os efeitos da
mudança tecnológica sobre a estrutura e o comportamento empresarial, resta-lhes tentar
buscar na relação contratual a chave para a emergência das firmas. Insistindo, contudo, em
conceber a firma como um simples mercado onde os agentes buscam maximizar sua
utilidade, estando por sua vez sujeitos a restrições de um arranjo normativo, os autores
ortodoxos pouco avançaram no sentido de oferecer uma teoria microeconômica capaz de
explicar as profundas transformações vivenciadas pelas firmas no capitalismo
contemporâneo.
2.3.3. A Evolução da Teoria da Agência
A assunção da hipótese de que empresários e trabalhadores possuem interesses
opostos e que mesmo dentro do ambiente da firma eles agem orientados unicamente pela
maximização de seu bem-estar, ainda que isso signifique prejudicar o resultado global da
empresa, obrigou os teóricos contratualistas a tentar oferecer soluções para o problema dos
conflitos na relação principal-agente. Em virtude da dificuldade em medir a contribuição
individual de cada agente, Holmstrom e Milgrom (1996, p.255-259) sugerem que o
principal não necessita conhecer a capacidade de cada agente antes de iniciar a produção:
ele pode punir a equipe como um todo caso verifique uma queda na produtividade global, e
isso por si só já ensejaria, através do incentivo da concorrência entre os agentes individuais,
um maior monitoramento entre eles próprios e conseqüentemente a recuperação do nível de
produtividade anterior. Já Milgrom e Roberts (1996) alertam para os custos relativos à
intervenção excessiva do principal nas atividades dos agentes, e que podem conduzir a
estrutura produtiva à ineficiência. Contudo, esses autores também sugerem, com base na
teoria dos jogos aplicada conjuntamente à hipótese de assimetria de informações, a
possibilidade de haver ganhos expressivos oriundos da cooperação no ambiente da firma,
28
sendo o comprometimento dos agentes assegurado pela hipótese de que adotarão um
comportamento racional (MILGROM; ROBERTS, 1996).
Uma outra solução encontrada pelos neoclássicos para justificar o
comprometimento dos agentes para com os objetivos da firma é a idéia do
salário-
eficiência
, proposta inicialmente por Akerlof (1996). O autor sugere que o pagamento de
um “bônus” ao trabalhador além do salário médio de mercado assegura à firma que o
mesmo terá mais incentivos para buscar elevar sua produtividade, evitando
simultaneamente a adoção de comportamentos que prejudiquem o desempenho da estrutura
produtiva global.
2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria convencional da firma encontra-se profundamente enraizada na tradição da
análise reducionista, preocupada essencialmente com a possibilidade de ganhos de
cooperação que justifiquem a emergência de estruturas de trabalho coletivo, num ambiente
onde predomina a assimetria de informação e, destarte, oferece importante incentivo ao
comportamento oportunístico dos agentes. Assim, as organizações são concebidas como
meras estruturas de incentivos que regulam o comportamento dos agentes a elas vinculados,
premiando a cooperação individual e coibindo o oportunismo, de modo a repetir no
ambiente corporativo resultados semelhantes aqueles obtidos pela estratégia
tit-for-tat
,
considerada a mais adequada para jogos repetidos (AXELROD, 1984).
Essa análise resulta incompleta, contudo, especialmente porque negligencia por
completo o papel da mudança tecnológica na estratégia das organizações, cuja dinâmica
não pode ser adequadamente tratada por meio da estática comparativa. Numa analogia com
29
a teoria dos jogos, a transformação tecnológica faz alterar a própria estrutura dos jogos
enfrentados pelas firmas, e destarte o resultado de suas estratégias também é
inexoravelmente modificado. Além disso, a informação não é um ativo como qualquer
outro: seu valor não pode ser razoavelmente previsto pelos agentes, nem sua acumulação se
dá de forma meramente quantitativa.
A atomização dos agentes implica na esterilidade da firma enquanto estrutura
repositória de valores e rotinas, já que suas estratégias e processos são entendidos como
manifestações espontâneas de agentes interessados exclusivamente em maximizar seu bem-
estar individual. A inovação tecnológica, concebida pelos evolucionários enquanto
processo cumulativo que define as possibilidades de desenvolvimento ulterior da firma e
também ajuda a moldar as preferências individuais, não cumpre, na teoria neoclássica,
nenhuma dessas finalidades, restando apenas como fenômeno exógeno que modifica a
estrutura de custos da empresa ou indústria. As relações de produção são igualmente
negligenciadas, figurando o contrato de trabalho como uma simples troca. Essa concepção
irrealista traz sérios prejuízos para uma análise coerente das relações de poder no ambiente
da firma.
Essas deficiências persistiram ao longo de todo o desenvolvimento da teoria
convencional da firma, evidenciando o fracasso do projeto neoclássico em tentar superar
suas dificuldades analíticas com base na adoção de microfundamentos teóricos mais
sólidos. Contudo, no vácuo gerado pelo impasse ortodoxo ganhou força uma nova
concepção da firma, também na focada essencialmente na questão do comportamento
oportunístico dos agentes, mas que, a exemplo dos novo-keynesianos, buscava a adoção de
microfundamentos mais realistas que aqueles empregados pelos autores convencionais.
Tendo como base o instrumental teórico novo-institucionalista, essa nova teoria seria
chamada de Economia dos Custos de Transação, e revolucionaria por completo o estudo do
comportamento organizacional na ciência econômica.
30
3 A TEORIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO: UMA ALTERNATIVA
CONSISTENTE AO MODELO CONVENCIONAL?
A compreensão geral do comportamento das firmas, que são por definição as
organizações produtivas essenciais do sistema capitalista, tem se constituído um objetivo
fundamental dos pensadores econômicos desde a consolidação da ciência econômica
enquanto ramo independente do conhecimento humano. Qualquer teoria que almeje
consagrar-se base de uma nova escola de pensamento econômico, com conceitos e
metodologia próprios que a identifiquem e a diferenciem das demais, deve possuir um
arcabouço teórico que estruture uma concepção coerente da firma, de modo a fornecer
respostas para a explicação dos mais diversos fenômenos relacionados à atividade
empresarial em um ambiente econômico em constante transformação. Segundo Arrow
(1999, p.602),
Any standard economic theory, not just neoclassical, starts from the existence of firms.
Usually, the firm is a point or at any rate a black box. [...] But firms are palpably not points.
They have internal structure. This internal structure must arise for some reason.
Coase é ainda mais incisivo ao criticar a obscuridade dessa “caixa preta” que
caracteriza a firma neoclássica, quando afirma que (1992b, p.714, grifo nosso)
The firm in the mainstream economic theory has often been described as a “black box”.
And so it is. This is very extraordinary given that most resources in a modern economic
system are employed within firms, with how these resources are used dependent on
administrative decisions and not directly on the operation of a market. Consequently, the
efficiency of the economic system depends to a very considerable extent on how these
organizations conduct their affairs, particularly, of course, the modern corporation.
Abrir essa “caixa preta” e lançar luz sobre os complexos processos que ocorrem no
seio das firmas capitalistas constitui precisamente a hercúlea tarefa a que se propõem
atualmente teóricos das mais diversas vertentes do pensamento econômico. E a
pièce de
résistance
de todo esse esforço cognitivo continua sendo o fenômeno da mudança
tecnológica, chave para a compreensão do processo de crescimento econômico e a respeito
31
do qual a teoria neoclássica tem se mostrado incapaz de fornecer uma teorização
consistente. Esse fenômeno tem sua origem precisamente no ambiente microeconômico,
onde a interação da empresa com o universo institucional que lhe dá suporte faz emergir
um panorama dinâmico em que se evidencia o caráter essencialmente evolucionário do
capitalismo. Uma construção teórica coerente a respeito do comportamento das firmas
deve, portanto envolver uma explicação adequada do processo de mudança tecnológica –
que
,
em última análise, é a fonte de toda a dinâmica do sistema capitalista.
A teoria neoclássica estabeleceu, ao longo de décadas, a tradição de compreender a
firma como um mero agente maximizador de lucro, desprovido de outro interesse que não o
de obter o maior excedente possível, dadas as expectativas dos agentes e as condições que
prevaleçam no mercado. Embora esse conceito da firma facilitasse enormemente o trabalho
de pesquisa e elaboração modelos de equilíbrio e crescimento econômico, ele logo se
revelou incapaz de lidar satisfatoriamente com realidades mais complexas, tais como
estruturas oligopolistas e imperfeições de mercado. Ainda que pudesse argüir que o fato de
um oligopólio possuir uma posição privilegiada em seu mercado não exclui a hipótese de
maximização de lucros, restava também explicar como surgiam estruturas oligopolistas
dentro do capitalismo, fenômeno sobre o qual a tese maximizadora pouco teria a dizer.
A Escola Institucionalista surgiu fundamentalmente da crítica ao tratamento
inadequado destinado aos fenômenos econômicos pela teoria ortodoxa. Para os
institucionalistas, essa deficiência resulta, sobretudo, da incompreensão e subestimação da
importância do papel das instituições que regulam o ambiente econômico. Embora tenha
raízes mais antigas, que remetem ao historicismo econômico alemão, a Escola
Institucionalista adquiriu seu marco enquanto escola de pensamento econômico
independente a partir do trabalho pioneiro dos autores norte-americanos Veblen, Commons
e Mitchell
1
.
Após décadas de verdadeira hibernação intelectual do institucionalismo econômico,
a partir de meados da década de 1960 ganha força renovada nos EUA a chamada Nova
1
Para uma síntese da contribuição desses autores na construção do pensamento econômico institucionalista, ver Spengler
(1974) e Hodgson (1998).
32
Economia Institucionalista (NEI), centrada nas figuras de Coase, Williamson e North, com
objetivo de suprir as deficiências da corrente neoclássica, em particular no tratamento
dispensado à compreensão do funcionamento das firmas e mercados. A análise de Coase
parte de uma pergunta simples, porém desconcertante para a teoria tradicional: por que uma
empresa internaliza atividades que poderia obter (ao menos teoricamente) a um custo
inferior no mercado, supondo a existência de ganhos de eficiência provenientes da divisão
do trabalho? A fim de responder a essa questão, esses autores introduzem o conceito de
custos de transação
, que, segundo Possas, Fagundes e Pondé (1996, p.7),
[...] nada mais são que o dispêndio de recursos econômicos para planejar, adaptar e
monitorar as interações entre os agentes, garantindo que o cumprimento dos termos
contratuais se faça de maneira satisfatória para as partes envolvidas e compatível com a sua
funcionalidade econômica.
Dada a impossibilidade de se atingir um pleno
market clearing
, em virtude das
falhas de mercado geradas pela incerteza com respeito ao futuro, assimetria de informação,
comportamento oportunista (
rent-seeking
), contratos incompletos e toda uma série de
elementos que afastam o sistema econômico de seu funcionamento ideal, existem custos
para a efetivação das trocas, e, portanto, se torna de extrema relevância para a análise
econômica compreender o funcionamento do aparato institucional que provê sustentação às
relações de mercado. A NEI se propõe justamente a oferecer uma nova concepção sobre a
atuação das firmas num regime capitalista, enfatizando sua interação com o arranjo
institucional que lhes dá suporte, dada a notória incapacidade da teoria neoclássica em
denotar a atenção adequada ao papel preponderante das instituições no funcionamento dos
mercados. Williamson (2000, p.602) esclarece que:
The need was to get beyond the analytically convenient (and sometimes adequate)
conception of the firm as production function (which is a technological construction) to
consider the firm as a governance structure (which is an organizational construction) in
which internal structure has economic purpose and effect. More generally, the need was to
identify and explicate the properties of alternative modes of governance – spot markets,
incomplete long term contracts, firms, bureaus, etc. – which differ in discrete structural
ways.
Atualmente a NEI é apenas uma das muitas correntes que compõem a escola
institucionalista de pensamento econômico, muito embora seja inegavelmente aquela que se
33
encontra mais coerentemente estruturada em termos teóricos, além de manter um estreito
diálogo com o
mainstream
econômico. Aliás, é justamente essa proximidade em relação à
tradição ortodoxa que assegura aos autores dessa escola uma posição de destaque nos meios
acadêmicos e na produção científica da teoria econômica, em detrimento das demais
abordagens institucionalistas que, cada vez mais, se distanciam da inefável teoria
convencional.
3.1 A TEORIA DA FIRMA SEGUNDO A ECONOMIA DOS CUSTOS DE
TRANSAÇÃO
Os autores vinculados à NEI têm tentado suprir as deficiências da teoria neoclássica
da firma, enfatizando a importância da cooperação e do ambiente normativo onde a firma
se encontra inserida. Através da introdução de novos conceitos antes ignorados pela teoria
convencional, no intuito de atingir um maior grau de realismo na descrição dos fenômenos
econômicos e em particular na tentativa de fornecer uma explicação coerente para a
evolução institucional, essa nova corrente teórica fornece uma vasta e profícua contribuição
para a teoria da firma, sem, contudo constituir uma
ruptura
em relação à tradição
neoclássica, configurando antes um
aprimoramento
desta. Os principais expoentes da NEI
são Coase, North e Williamson, cujos trabalhos seminais deram vazão à enorme literatura
que posteriormente revitalizaria o interesse pelo institucionalismo, desenvolvido de maneira
completamente original em relação aos fundamentos estabelecidos pela escola
institucionalista norte-americana no início do século XX.
Coase foi o primeiro autor da nova corrente institucionalista a tratar especificamente
da questão da natureza da firma, a partir de seu famoso artigo escrito em 1937. Ele inicia
seu estudo com uma pergunta simples, porém desconcertante para a tradição econômica
34
ortodoxa: por que surgem as firmas (que são estruturas produtivas de
coordenação
do
trabalho humano) num ambiente de trocas onde há crescente especialização do trabalho?
Não se pode creditar sua existência unicamente ao espírito empreendedor humano,
porquanto o fenômeno da coordenação se deve tanto ao talento do empreendedor quanto às
restrições impostas pelo mecanismo de preços (WILLIAMSON, 2002, p.13). Coase
introduziu então o conceito de
custo de transação
: as firmas surgem como soluções que
visam minimizar os custos de se obter produtos e serviços diretamente no mercado, através
da internalização desses processos numa estrutura hierárquica. Mas porque afinal existem
custos de transação? Segundo North (1990, p.93),
The costs of transacting arise because information is costly and asymmetrically held by the
parties to exchange and also because any way that the actors develop institutions to
structure human interaction results in some degree of imperfection of the markets. In effect,
the incentive consequences of institutions provide mixed signals to the participants, so that
even in those cases where the institutional framework is conductive to capturing more gains
from the trade as compared to an earlier institutional framework, there will still be
incentives to cheat, free ride, and so forth that will contribute to market imperfections
3.1.1 Racionalidade Limitada, Comportamento Oportunístico e Assimetria de
Informações
No entendimento dos autores da NEI, é impossível obter um funcionamento perfeito
dos mercados dado que a incerteza em relação ao futuro não pode ser tratada
adequadamente por modelos probabilísticos, tal como pretende a teoria convencional. Essa
incerteza é gerada por uma série de fatores inerentes a qualquer tipo de organização social,
já que constituem elementos presentes na base das relações de troca entre os agentes. Esses
fatores são: (i) a
racionalidade limitada
dos agentes, que os impede de tomar
continuamente ao longo do tempo decisões maximizadoras de bem-estar; (ii) o
comportamento oportunístico
dos agentes, que os motiva a agir de modo a obter benefícios
35
às expensas de outros agentes com os quais se relacionam; (iii) a
assimetria de
informações
, que implica num acesso desigual dos agentes às informações pertinentes à
troca por eles realizada, impedindo que ela se dê da maneira mais vantajosa do ponto de
vista da sociedade; e (iv) a
impossibilidade de contratos completos
(que sejam capazes de
prever toda a gama de eventos possíveis num ambiente de incerteza).
Todos esses elementos contribuem para a emergência dos
custos de transação
na
sociedade. Para Williamson (1975), o ambiente econômico deve ser compreendido em
termos estruturais como constituído de diferentes
modos de governança
: mercados,
hierarquias e estruturas mistas (combinando características de ambos os tipos ideais). As
diferenças existentes entre esses modos de governança não se restringem apenas à forma
como tais estruturas restringem a ação humana; elas são muito mais amplas, envolvendo
atributos particulares que resultam em vantagens e fraquezas específicas de cada modo
quanto à sua eficácia na regulação do mundo econômico (SIMON, 1978, p.6-7). Pois, o
triunfo do modelo de sociedade capitalista sobre modelos socialistas e de planificação
econômica em geral não deve ser confundido com uma idéia de superioridade intrínseca
dos mercados frente a outros modos de governança – ele apenas sugere que algumas
democracias
2
foram mais bem-sucedidas que os países planificados na construção de
arranjos institucionais que combinam essas diferentes estruturas de incentivos e
especificidades para gerar um sistema econômico de melhor performance.
2
A exemplo das democracias ocidentais (EUA, Comunidade Européia, etc). O fato dos países capitalistas do Terceiro
Mundo terem sido incapazes de alcançar o grau de desenvolvimento dessas democracias tampouco deve ser explicado
com base numa análise meramente comparativa entre estruturas hierárquicas e mercados. Outros fatores relacionados à
cultura e aos determinantes históricos desses países deveriam ser considerados num estudo dessa natureza. Ver North
(1990).
36
3.1.2 Especificidade de Ativos, Intervenção Seletiva e Contratos Legais
Utilizando a abordagem contratualista, Williamson (2002, p.8-11) enumera ainda
algumas características fundamentais das sociedades capitalistas que determinam a
impossibilidade de se obter contratos completos para uma importante quantidade de
transações comerciais, ou seja, de realizar trocas num ambiente ideal que conduzam o
sistema econômico automaticamente a uma situação ótima de Pareto. São elas: (i) a
crescente especificidade dos ativos transacionados
, que implica numa relação de
interdependência entre as partes contratantes em virtude da dificuldade em se estabelecer
um mercado atomizado para esses ativos (característica que adquire especial importância
no caso de investimentos de média e longa maturação); (ii) a
impossibilidade de combinar
a replicação de trocas com uma intervenção seletiva
sobre sua implementação sem incorrer
em significativos custos de transação ao longo do tempo; e (iii) a existência de
contratos
legais
, que implica na percepção de que existem custos judiciais tanto para a elaboração
quanto para a execução de contratos, e a elaboração de contratos completos exige elevado
grau de detalhismo (com conseqüente perda de flexibilidade).
Os autores da NEI consideram válidas as críticas feitas pela heterodoxia ao conceito
neoclássico de firma, freqüentemente caricaturizada como uma
black box
orientada
exclusivamente pela maximização do lucro sob a égide de uma condição já estabelecida de
possibilidades tecnológicas. Williamson, contudo, concorda com a ressalva de Demsetz,
quando este autor afirma que “The chief mission of neoclassical economics is to understand
how the price system coordinates the use of resources, not the inner workings of real
firms.” (1983
apud
WILLIAMSON, 2002, p.11). Em oposição a essa visão atomista
tradicional, Williamson (2002, p.12) apresenta uma concepção completamente nova da
natureza da firma, baseada na abordagem contratualista inspirada no pensamento de
Commons e Coase:
The contract / private ordering / governance (hereafter governance) approach maintains that
“this structure” [the firm] arises mainly in the service of economizing on transaction costs.
37
Note in this connection that the firm as governance structure is a comparative contractual
construction. The firm is conceived not as a stand-alone entity but is always to be compared
with alternative modes of governance. [...] The governance approach apeals to law and
organization in naming incentive intensity, administrative control, and contract law regime
as three critical attributes.
Graças ao novo enfoque da
abordagem da governança
, a firma de fato supera a
estreiteza da conceituação neoclássica para assumir uma nova dimensão analítica enquanto
instância privilegiada de organização de esforços produtivos, regendo interesses e
solucionando conflitos inerentes à sociedade capitalista, sem, contudo, perder o foco na
obtenção do maior retorno econômico possível. Adquirem relevo nessa abordagem as
dificuldades e conflitos com os quais os indivíduos que vivem em uma sociedade
organizada nos moldes capitalistas se defrontam permanentemente em seu cotidiano. E é
precisamente com base no reconhecimento da importância dessas características essenciais
do ambiente econômico, tratadas pela teoria ortodoxa tradicional como meras imperfeições
e desvios de uma situação ideal “ótima”, que a abordagem contratualista encontra uma
justificativa para a constituição e o crescimento das empresas, consagrando-as como o
elemento fundamental de dinamismo do sistema capitalista.
Em particular, Williamson observa a superioridade, em termos de eficiência, das
organizações multidivisionais (
M-forms
) frente a outros tipos de estruturas produtivas
caracterizadas por um padrão hierárquico mais verticalizado. Isso porque, numa estrutura
multidivisional, haveria a possibilidade de melhor aferição do desempenho dos gestores
para cada setor da firma, de modo que eles se encontrariam mais sujeitos ao controle
corporativo e, destarte, menos propensos à adoção de comportamentos oportunísticos
(PESSALI; FERNÁNDEZ, 1999, p.15).
38
3.1.3 O Diálogo entre o Contratualismo e o Approach Organizacional
O estudo das grandes corporações denotou por décadas esforços de autores das mais
diversas áreas das ciências sociais: economistas, teóricos da administração e do direito,
sociólogos, historiadores, etc. Esse esforço combinado produziu um amálgama de conceitos
sobre o comportamento das firmas, baseado na observação de diversos fatos estilizados que
não se encontram, contudo coadunados numa estrutura teórica coerente. Williamson
denomina essa abordagem de
organizacional
, porque se encontra focada no estudo da firma
como um todo, em contraposição à abordagem da governança, centrada nas transações e
nas relações de hierarquia.
O
approach
organizacional chama ainda a atenção para vários conceitos
invariavelmente negligenciados pela teoria convencional: (i) a chamada “Transformação
Fundamental”, que corresponde à emergência da grande empresa como centro de eficiência
e produtividade graças à gestão de processos e tecnologia, em oposição à pequena firma
atomizada; (ii) a capacidade de adaptação das firmas, tanto como resposta às mudanças do
mercado quanto por iniciativa própria da firma em busca incessante de ganhos de
eficiência; (iii) os efeitos da incerteza quanto aos resultados futuros das decisões da
organização; (iv) a influência política e cultural sobre seu comportamento; e (v) a idéia de
que cada empresa possui uma identidade própria de gestão e atuação que reforça seu
diferencial competitivo no mercado.
Williamson (2002) está convencido de que a teoria dos custos de transação pode
oferecer soluções convincentes às questões levantadas pelos teóricos organizacionais e que
permaneceram por um longo período sem resposta no neoclassicismo. Em particular, o
autor ressalta aqui a maleabilidade do conceito de custo de transação: ao mesmo tempo em
que a firma busca incessantemente economizar em seus gastos, internalizando processos e
destarte criando estruturas produtivas maiores e mais eficientes, a mudança tecnológica
pode fazer os custos de produção reduzirem-se de tal forma que torne possível ampliar a
39
escala produtiva, ainda que isto implique em aumento dos custos totais de transação. Essa
idéia também é defendida por North (1995), ao analisar o paradoxo das economias mais
avançadas, onde os custos totais de transação se elevaram ao longo do tempo, ainda que as
firmas tenham buscado a todo o momento reduzi-los.
3.1.4 Eficiência e Remediability
A
eficiência
ocupa papel de destaque na obra de Williamson (1990). Embora rejeite
a concepção tradicional que limita esse conceito a uma mera questão quantitativa, qual seja
a alocação mais produtiva de insumos, o autor ressalta a importância da capacidade
evolutiva das instituições, na direção de um arranjo normativo superior para o emprego
mais eficiente de recursos na sociedade (WILLIAMSON, 1990 p.425). A diferença
fundamental em relação à teoria neoclássica é a de que, enquanto esta assume uma
tendência natural de convergência para um equilíbrio eficiente do sistema econômico, a
ECT reconhece a impossibilidade de uma otimização tão completa em virtude da influência
de toda a gama de imperfeições de mercado e da incerteza. Williamson (1993, p.140-141)
introduz então o conceito de
remediability
, de certa forma similar ao conceito da
racionalidade limitada: os agentes buscam remediar ineficiências na medida em que isto é
possível, do ponto de vista econômico.
As decisões são tomadas de acordo com as possibilidades oferecidas a cada
momento, sem que correspondam necessariamente às escolhas ideais (mais eficientes).
Freqüentemente, eles são surpreendidos por efeitos
lock-in
oriundos da disseminação de
tecnologias menos eficientes, que oferecem, contudo, um
pay-off
cada vez mais vantajoso
em relação ao da tecnologia rival, cuja adoção implicará em custos crescentes
(WILLIAMSON, 1993, p.141). Williamson (1995, p.41-42) cita o exemplo de Stigler sobre
a política norte-americana de subsídios à produção de açúcar para ilustrar como uma
40
decisão “grotescamente” ineficiente do ponto de vista neoclássico pode se tornar na prática
irremediável, configurando, portanto uma situação eficiente do ponto de vista da ECT:
Rather than apeal to deadweight losses in relation to a hypothetical ideal, Stigler proposes
that the apropriate criterion is the test of time, according to which criterion he declares that
the sugar program is efficient. This program is more than fifty years old – it has met the test
of time.
Em trabalho recente, Williamson (2002) dialoga ainda com outras abordagens que
buscam explicar o comportamento das firmas e que também fazem uso do instrumental
analítico neoclássico, tais como a teoria da agência e a dos direitos de propriedade (que
utilizam essencialmente a abordagem organizacional, em oposição à abordagem de
governança adotada pela ECT). O autor conclui então pela complementaridade dessas
diferentes abordagens, em especial em virtude da abordagem da governança focalizar as
relações
ex post
à concretização da troca, enquanto a abordagem organizacional se
concentra no estudo
ex ante
dos fenômenos que precedem a contratação.
Williamson (2002, p.29) também enumera deficiências do
approach
focado nos
incentivos individuais para o tratamento de muitos fenômenos relevantes do ambiente
microeconômico, em contraposição aos avanços proporcionados pela análise da abordagem
da governança:
These latter [the incentive branch] all concentrate the analytical action on the incentive
alignment stage of contracting, whence governance structure differences with respect to
adaptation in the contract implementation interval are supressed. Intertemporal regularities
to which organization theorists call our attention (and to which I selectively apeal) as well
as the added contractual complications that I describe (the Fundamental Transformation;
the impossibility of replication/selective intervention; contract law regimes (plural)) have
little or no place in any of these literatures.
É recorrente nos trabalhos dos autores da NEI a crítica à excessiva formalização
empregada pelas abordagens organizacionais vinculadas à tradição ortodoxa. Não se trata
propriamente de um ataque ao uso dos modelos matemáticos, como bem salienta Coase
(1992b, p.719), mas antes um alerta sobre os riscos do inevitável prejuízo em termos
teóricos decorrente da redução dos fenômenos econômicos a rotinas algébricas. No caso
41
específico da análise do comportamento das firmas, essa excessiva simplificação pode
mesmo comprometer por completo a capacidade explanatória da teoria frente à realidade.
3.2 CRÍTICAS AO MODELO CONTRATUALISTA DE WILLIAMSON
Apesar dos inegáveis avanços obtidos pela teoria dos custos de transação na direção
de um melhor entendimento a respeito do comportamento das firmas, superando mesmo
muitas das dificuldades enfrentadas pela teoria neoclássica, tampouco a abordagem da NEI
se acha isenta de críticas, como, aliás, sói ocorrer a qualquer nova corrente de pensamento
econômico. O desconcertante aqui, contudo, não é propriamente a existência de críticas
fundamentais a essa teoria, mas sim o fato de que muitas dessas objeções já foram
anteriormente levantadas à própria abordagem neoclássica à qual ela almeja revolucionar, o
que inevitavelmente nos leva a questionar qual a verdadeira dimensão do progresso
científico alcançado pela economia dos custos de transação e sua capacidade de
desvinculação da ortodoxia econômica.
3.2.1 Imprecisão do Conceito de Eficiência
Uma das críticas mais contundentes à teoria dos custos de transação foi feita por
Dow (1987), a partir da noção de
eficncia
empregada por Williamson. Em especial, Dow
rejeita a conclusão dos teóricos da NEI em favor da eficiência das estruturas de governança,
porquanto ela não poderia ser deduzida com base apenas nos pressupostos assumidos pela
42
teoria. E enquanto a escola dos custos de transação for incapaz de demonstrar a
superioridade em termos de eficiência das
estruturas hierárquicas de governança
sobre os
mercados, ela “will not provide any causal explanation for the origin or persistence of these
structures” (DOW, 1987, p.14).
Para Dow (1987), a alegada comprovação da eficiência das estruturas empresariais
advém das hipóteses iniciais de imperfeições de mercado que, segundo os teóricos da NEI,
justificam o surgimento de relações de hierarquia na esfera da produção capitalista.
Mas
ocorre que essas próprias imperfeições são também elas fruto da existência de estruturas
hierárquicas de governança na sociedade
– em outras palavras, o raciocínio é circular.
Logo a teoria dos custos de transação é incapaz de demonstrar de fato a eficiência das
firmas, limitando-se a considerá-las
a priori
estruturas institucionais eficientes.
3.2.2 O Oportunismo Enquanto Causa Fundamental da Emergência das Firmas
A hipótese de que existem prejuízos ao funcionamento ideal do sistema econômico
que são oriundos do comportamento oportunístico dos agentes e se acham materializados
na forma de maiores custos de transação, os quais podem ser mitigados por estruturas de
governança (o que por sua vez justificaria a alegada eficiência destas), é parcialmente
equivocada porque a emergência dessas instituições não elimina o comportamento
oportunístico, mas apenas modifica sua natureza. Toda a gama de regras e contratos que
surgem para orientar e incentivar o comportamento dos indivíduos também abre caminho
para novas oportunidades de
rent-seeking
, e a acumulação de poder que ocorre
pari passu
ao crescimento das firmas pode induzi-las a práticas perniciosas características de mercados
oligopolizados.
43
A crítica de Dow pode ser relativizada, se adotarmos a metodologia científica
tradicional da teoria neoclássica que propõe uma visão descritiva do ambiente econômico,
ao invés de normativa. A circularidade de idéias não diminui a validade do pensamento
dedutivo, desde que concebido como um simples modelo de representação da realidade. A
eficiência das estruturas de governança pode então ser demonstrada nos termos do modelo
idealizado pela teoria dos custos de transação, através da estática comparativa, embora sua
verificação na realidade econômica esteja seriamente comprometida pelas limitações
lógicas impostas (como ocorre também a todas as conclusões derivadas da teoria
neoclássica)
3
. Mas nos parece também inequívoca a validade da argumentação de Dow
(1987) de que a teoria dos custos de transação é insuficiente para explicar a emergência das
firmas e mesmo sua verticalização (tal qual a proposta original de Coase), bem como
fornecer um modelo para seu comportamento ao longo do tempo. Assim, podemos de
imediato inferir que o fracasso da NEI na sua tentativa de teorização do comportamento das
firmas se deve ao fato de que o arcabouço teórico adotado por essa corrente de pensamento
econômico ainda é essencialmente estático, padecendo, portanto do mesmo vício analítico
da teoria convencional, focalizada no equilíbrio do sistema econômico ao invés de sua
dinâmica e evolução.
3
Podemos comprovar que uma estrutura de governança é mais eficiente que outra, com base na modelagem de ambas
segundo os pressupostos da ECT (os agentes buscam minimizar custos de transação) e na posterior verificação dos
resultados obtidos por cada uma em relação aos seus objetivos iniciais. A limitação óbvia dessa análise é a sua natureza
eminentemente estática – nada podemos dizer sobre a evolução institucional que conduziu à formação aquele arranjo,
nem tampouco inferir qual será o comportamento adotado pelos agentes ao longo do tempo em face da estrutura
institucional à qual estão sujeitos. Extrapolando a aplicação da ECT à realidade das firmas e utilizando-a como
instrumento de análise histórica, North (1995) apresenta a idéia fundamental de que os países avançados apresentam
arranjos institucionais mais propícios ao funcionamento eficiente dos mercados que os atrasados, residindo aí a causa da
enorme discrepância no desenvolvimento econômico das nações capitalistas. Mas sua análise esbarra em sérias
dificuldades quando se propõe a justificar a emergência de arranjos institucionais tão distintos e a incapacidade dos
agentes criarem endogenamente novas regras que superem as dificuldades impostas pela realidade econômica dos países
mais pobres, ou mesmo imitarem a experiência dos países ricos replicando suas instituições comprovadamente mais
eficientes. Essas dificuldades certamente levaram o autor a abandonar nos seus últimos trabalhos o simplismo de sua tese
original, passando a advogar a importância de outros elementos institucionais de cada sociedade (notadamente vinculados
à cultura e experiência histórica) como condicionantes da formação de sua realidade econômica atual, bem como sua
evolução e suas possibilidades futuras de desenvolvimento.
44
3.2.3 Comportamento Maximizador e Satisficing
A abordagem de Williamson também sofre críticas fundamentais quanto à utilização
da hipótese de
racionalidade limitada
, conceito emprestado de Simon (1959) e que permeia
praticamente todas as obras dos autores da NEI. Para Simon (1959), a racionalidade é
limitada porque é impossível aos indivíduos realizar a cada momento toda a gama de
cálculos necessários para uma tomada de decisão racional, do ponto de vista econômico,
sobretudo em virtude da
incerteza
em relação ao futuro. Dada a impossibilidade da
racionalidade substantiva necessária para a adoção de um comportamento maximizador
permanente, Simon introduz o conceito de
satisficing
: os indivíduos se contentam em
buscar atingir metas factíveis, segundo seus próprios cálculos e escolhendo o caminho mais
fácil de acordo com as circunstâncias. Segundo Hodgson (1993), contudo, Williamson faz
uma interpretação incorreta do argumento de Simon, assumindo a hipótese de racionalidade
limitada em face apenas dos custos crescentes de obtenção de informação para os
indivíduos, negligenciando, portanto, o papel da incerteza. O indivíduo maximizador
neoclássico é então simplesmente substituído pelo indivíduo minimizador de custos de
transação, e o que era impossível na visão de Simon – o cálculo racional perfeito – se torna
apenas custoso para a NEI
4
. Em outras palavras, incerteza é progressivamente convertida
em risco, probabilisticamente calculável e matematicamente modelável, e nos encontramos
novamente na segurança da seara teórica ortodoxa. A defesa de Williamson (2002, p.5) se
baseia na dificuldade da aplicação prática do conceito de
satisficing
; segundo o autor,
Although satisficing is an intuitively apealing concept, it is very hard to implement.
Awaiting further developments, the satisficing approach is not broadly aplicable.
Embora indubitavelmente concordemos com essa assertiva, ainda nos cabe
questionar as razões que levaram os teóricos da economia dos custos de transação à redução
4
A crítica ao conceito de racionalidade limitada empregado pela ECT abrange dimensões ainda mais amplas, tais como
aspectos psicológicos, sociológicos e matemáticos que extrapolam os objetivos fundamentais deste trabalho, centrado na
questão específica do comportamento das firmas. Para uma crítica mais detalhada desses pontos, ver Simon (1991) e
Hodgson (1999).
45
de um conceito tão profícuo a um critério simples de minimização de custos. O
empobrecimento teórico decorrente de tal simplificação não nos parece estar de modo
algum justificado pelo ganho em termos de aplicabilidade prática da teoria.
3.2.4 Negligência das Relações de Poder e Hierarquia
Outra crítica levantada especificamente ao pensamento de Williamson diz respeito a
pouca relevância dada pelo autor à questão dos conflitos de poder oriundos da concentração
das firmas no capitalismo contemporâneo. Dugger (1990, p.425) é incisivo nesse sentido,
quando afirma que
Power and coercion play insignificant roles in his [Williamson’s] economics. He simply
does not investigate the role that power plays in economic concentration. The possible rise
of an economic oligarchy does not concern him. Instead, he is concerned with the efficiency
of minimizing transaction costs. According to Williamson, we should take a much more
tolerant view of mergers and related transformations because they frequently result in
minimizing transaction costs. The search for efficiency, not the exercise of power, drives
merger movements. Furthermore, Williamson dismisses antitrust fears regarding mergers
and other agglomerations of power as the misguided fears of an “inhospitality tradition” in
economics. He refers to fears of the power of the giant conglomerate as “bogeyman
economics”.
Certamente não devemos adotar uma posição radical contra o processo de
concentração de capital característico da globalização baseada unicamente em análises
estáticas típicas das teorias neoclássicas de oligopólio. Parece-nos, contudo, injustificado o
otimismo de Williamson frente a esse processo, manifesto no tratamento descuidado da
questão do poder e na exaltação da eficiência das grandes empresas, já que nos é impossível
prever atualmente a totalidade das conseqüências futuras de um fenômeno tão abrangente
na economia mundial. Williamson (1995, p.33) argumenta que, nos casos em que existe
possibilidade de elaboração de contratos próximos da completude, relações de poder podem
ser desprezadas sem prejuízo à análise teórica:
46
I argue that power has little to contribute to the study of contract and organization in
circumstances where the parties to an exchange can and do contract in a relatively
farsighted way. Since that varies with the circumstances, the argument is that power has
relatively less to offer to the study of capital and intermediate product markets, has more
bearing on labor and final product markets, power plays a much more limited role than is
widely believed.
Embora esse argumento seja razoável, não há qualquer razão para supormos que a
maior parte dos fenômenos surgidos no ambiente econômico sejam previsíveis de modo a
permitir uma especificação clara em contratos. Além disso, focalizar analiticamente o
universo das transações ignorando as características particulares dos agentes nelas
envolvidos certamente não nos parece a maneira mais adequada de teorizar sobre
fenômenos econômicos. Aos autores que adotam a abordagem organizacional
(WILLIAMSON, 1993, p.138-139), e que também criticam a visão otimista da ECT quanto
à viabilidade de modelos nos quais haja contratos que prevejam praticamente todos os tipos
de conflito de poder (
farsighted contracting
), Williamson (1993, p.150) insiste no
argumento de que é teoricamente possível incorporar restrições à modelagem para
quaisquer tipos de conflitos e práticas oportunistas: “Looking ahead, recognizing hazards,
and folding these back into the design of governance is often feasible and explains a very
considerable amount of organizational variety.”.
3.2.5 Intratabilidade Formal dos Custos de Transação
Curiosamente, são provenientes do
mainstream
econômico algumas das críticas
mais fortes ao tratamento dispensado pela ECT à realidade das firmas. A maior parte dessas
críticas se refere à dificuldade de formalização dos modelos adotados pelos autores da NEI,
a qual implicaria necessariamente na eliminação do componente de incerteza forte, cujo
papel ainda é de extrema importância para sua concepção teórica de custo de transação. De
fato, não são poucos os estudos que reduzem a economia dos custos de transação a uma
47
mera discussão de contratos incompletos, de modo a permitir uma perfeita
complementaridade entre as abordagens neoclássica e novo-institucionalista (KREPS,
1999, p.23). Mas são os próprios autores da NEI os primeiros a rejeitarem a simplificação
formalista de sua teoria, atentando para os perigos de que uma matematização excessiva
despreze a relevância de muitos dos
insights
possibilitados pela ECT, aos quais o
reducionismo do tratamento formal se mostra inadequado (KREPS, 1999; WILLIAMSON,
2002).
O contra-argumento neoclássico, já bastante conhecido pela heterodoxia, é o de que
qualquer teorização econômica deve necessariamente ser passível de formalização e
modelagem. Essa incongruência de concepções metodológicas nos parece, contudo, antes
demonstrar a incompatibilidade entre a abordagem ortodoxa e o institucionalismo
econômico, que atestar uma suposta deficiência teórica deste em relação àquela. Talvez o
maior erro da NEI seja justamente o de empregar grande parte do instrumental neoclássico
em sua análise, o que inevitavelmente coloca a teoria dos custos de transação sob o rigoroso
escrutínio da metodologia adotada pelo
mainstream
, além de sujeitá-la ao risco de sofrer
uma sensível deterioração de seu conteúdo em virtude do uso excessivo da formalização e
do reducionismo.
3.2.6 Exogeneidade do fenômeno de mudança tecnológica
Apesar dos esforços da NEI em oferecer uma nova perspectiva para a explicação do
crescimento e da persistência das firmas ao longo do tempo, salientando a importância de
características como a eficiência dinâmica e a capacidade de adaptação como elementos-
chave para o sucesso das organizações, a tecnologia permanece, outrossim, sendo um
componente negligenciado por esta abordagem. Isso porque não há, dentro do arcabouço
48
teórico novo-institucionalista, um modelo consistente de explicação do processo de
mudança tecnológica.
A tecnologia figura como um mero condicionante do esforço de redução de custos
de transação, impactando na especificidade de ativos dentro do ambiente organizacional.
Por meio da pesquisa científica, as firmas são capazes de reduzir custos, diferenciar seus
produtos e incorporar a seus ativos valor oriundo de capital humano. Mas não há uma
incorporação dinâmica, por parte dos modelos novo-institucionalistas, dos efeitos
cumulativos do progresso técnico sobre o desempenho da firma: devido à adoção de um
critério estático de eficiência, a ECT pode apenas oferecer uma comparação entre diferentes
possibilidades de organização dos fatores de produção ao longo do tempo, cada qual dotada
de uma performance particular em função da tecnologia empregada. O que evidencia o
quão pouco avançou a NEI quanto à explicação do processo de mudança tecnológica,
concebido, a exemplo da abordagem ortodoxa, como um fenômeno exógeno.
3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao buscar erigir uma teoria do comportamento empresarial em bases semelhantes
àquelas utilizadas pelos modelos neoclássicos, a ECT parece afinal se achar num impasse
semelhante ao enfrentado pelos autores convencionais. Como pudemos observar, o
oportunismo individual configura um alicerce demasiado frágil para a compreensão da
firma em todas as suas dimensões. Questões fundamentais permanecem sem respostas
convincentes, tais como a inexistência de um conceito dinâmico e preciso de eficiência, a
negligência dos impactos da mudança tecnológica e das transformações institucionais sobre
o comportamento das firmas, a natureza das relações de poder e comprometimento
estabelecidas entre indivíduos e a influência das instituições na modelagem de suas
49
preferências. Embora a introdução do conceito de custos de transação tenha iluminado toda
uma gama de fenômenos microeconômicos antes incompreendidos pelos economistas, sua
imprecisão conceitual, bem como a assunção de hipóteses metodológicas convencionais por
parte dos autores novos-institucionalistas (tais como o individualismo metodológico e o
comportamento maximizador), impede o avanço da teoria além de uma mera análise
estática comparativa entre estruturas de governança.
A abordagem dos custos de transação se caracteriza por uma visão atomista do
processo de criação e transformação das instituições, dado que a função primordial destas é
assegurar aos agentes individuais a manutenção de um ambiente onde a incerteza seja
reduzida, permitindo dessa forma que decisões econômicas eficientes possam aflorar com
mais freqüência. Existe, portanto, um critério básico para definir o sucesso ou o fracasso de
um determinado arranjo institucional, qual seja sua capacidade de estimular a
eficiência
econômica da sociedade no longo prazo. A esfera institucional é completamente separada
do ambiente econômico, restando o processo de mudança institucional como mera
adaptação das instituições a um novo padrão de relações econômicas estabelecido na
sociedade. Sendo a própria firma uma instituição, também a ela se aplica essa visão, o que
faz o modelo novo-institucionalista aproximar-se da proposta neoclássica de conceber a
firma como uma mera estrutura de incentivos orientada pela racionalidade individual.
Não há dúvidas de que o imperativo econômico, manifesto na busca incessante de
inovações que possibilitassem aos indivíduos uma utilização mais racional dos recursos
escassos, desempenhou papel fundamental na modelagem das instituições ao longo do
desenvolvimento histórico das sociedades, fato notoriamente evidenciado pela teoria
marxista. Mas embora seja capaz de justificar a vigência de um dado arranjo institucional, o
critério de eficiência, por si só, pouco nos diz a respeito do que desencadeia a mudança do
ambiente econômico, notadamente o processo de evolução tecnológica. Ao contrário da
dialética marxista, que prevê uma relação de influência mútua e dinâmica entre as esferas
institucional e econômica, compondo afinal uma totalidade materializada no modo de
produção, a visão contratualista é pautada por um determinismo estático. Entretanto, a
mudança tecnológica, que se encontra na base do processo de evolução institucional, não
50
possui nenhum compromisso com o critério de eficiência econômica, seguindo uma
trajetória particular cuja direção não pode ser determinada aprioristicamente
5
.
A teoria da firma proposta pela economia dos custos de transação é, portanto
incapaz de oferecer soluções adequadas a muitas das mais relevantes questões levantadas
pelos economistas que se propõem a realizar um estudo mais profundo sobre esse tema.
Ainda que reconheçamos os importantes avanços proporcionados por essa abordagem, não
podemos de fato elegê-la o marco fundamental sobre o qual erigiremos o arcabouço teórico
institucionalista do comportamento empresarial. Mas essa negativa não é de forma alguma
prelúdio de um consenso sobre o inevitável fracasso do contratualismo. Muito pelo
contrário, cremos que a melhor forma de contribuir para a evolução da abordagem
contratualista é justamente a de demonstrar os limites e imprecisões de sua análise,
contrapondo-a a outras análises institucionalistas. Afinal, a NEI constitui, atualmente,
apenas uma dentre as várias abordagens encontradas na escola de pensamento econômico
institucionalista (CONCEIÇÃO, 2002c, p.10). E o vasto instrumental teórico
proporcionado por todas essas demais correntes nos torna confiantes de que o
institucionalismo ainda tem muito mais a contribuir para a compreensão do comportamento
das firmas, e que as perspectivas futuras de desenvolvimento teórico nesse campo são
extremamente promissoras.
5
Em seus trabalhos mais recentes, Williamson (1993) tem inclusive rejeitado o conceito tradicional de
eficiência econômica, preferindo adotar a noção de remediability, que implica em que um arranjo institucional
“eficiente” não é necessariamente o melhor possível do ponto de vista econômico, mas antes o “menos pior”
dadas as preferências da sociedade naquele momento histórico. Embora constitua sem dúvida um avanço em
relação às concepções mais simplistas de eficiência adotadas por North, a introdução do conceito de
remediability não satisfaz a insuficiência explanativa da NEI quanto ao processo de mudança institucional, e
ainda abre espaço para um relativismo conceitual que pode se revelar fatal à coerência da teoria.
51
4 A TEORIA DA FIRMA SEGUNDO A ABORDAGEM DAS COMPETÊNCIAS
A teoria neoclássica da firma, baseada numa representação atomística e vinculada à
noção de equilíbrio geral do sistema econômico, tornou-se dominante nos meios
acadêmicos a partir do final do séc. XIX, não obstante tenha suscitado grande insatisfação
por parte de autores que se propuseram a fornecer uma explicação mais coerente para o
comportamento empresarial, num contexto histórico em que já se vislumbrava claramente o
grande movimento de concentração e agigantamento das firmas capitalistas. Esse contexto
de modo algum correspondia à representação microeconômica convencional, o que ensejou,
até mesmo por parte daqueles autores ainda comprometidos com a utilização do
instrumental neoclássico, a elaboração de refinamentos que culminaram nos conceitos de
concorrência imperfeita e oligopólio, que se tornariam centrais nos debates posteriores a
respeito das estruturas concentradas de mercado. Embora tenha havido notável evolução
teórica a partir do desenvolvimento desses conceitos, em particular através da introdução da
teoria dos jogos na análise da estratégia competitiva das firmas, o modelo convencional
provou-se ainda insuficiente para a explicação de uma vasta gama de fenômenos
microeconômicos observados empiricamente.
Até muito recentemente, o debate a respeito da teorização do comportamento
organizacional permaneceu quase que inteiramente restrito a apenas duas abordagens que
consolidaram sua dominância na literatura econômica: a teoria baseada nos incentivos, de
natureza neoclássica e focada na análise dos conflitos de interesses de indivíduos no
ambiente da firma; e a teoria contratualista, desenvolvida pela Nova Economia Institucional
e voltada ao problema da minimização dos custos de transação. A similaridade das
hipóteses adotadas por ambas parece evocar, contudo, antes uma complementaridade
analítica que, de fato, uma contradição insolúvel. O próprio Williamson faz questão de
reconhecer tal compatibilidade, ao verificar que existe um consenso fundamental entre
essas abordagens, qual seja o de que reside no
comportamento oportunístico
dos agentes a
origem de todos os problemas de coordenação no uso de recursos escassos e, por
52
conseguinte, a própria razão da existência das firmas. A firma é então concebida
simplesmente como um modo alternativo de governança em relação ao mercado. Segundo
o autor
(WILLIAMSON, 1999 apud HODGSON, 2004, p.403)
,
The incentive, control and contractive law differences that define alternative modes of
governance [...] all vanish if oportunism is zeroed out. Thus (1) no incentive differences
will apear because all members of every group subscribe the same “general cause” and
implement the same objective function in the same fully committed way; (2) all cost-
effective regularities (practices and procedures) that are adopted by one group will also be
adopted by another – whatever the nominal form of organization (private firm, public
bureau, nonprofit, autonomous market) from which they start; and (3) contract law
differences serve no purpose among groups all of which share the same purpose and
converge to the same form. Note, moreover, that [...] conflict and haggling [...] will never
apear in oportunism-free groups [...] every such group will work out its differences
instrumentally.
Insatisfeita com os resultados obtidos por tal consenso, que representou por longa
data o “estado da arte” do desenvolvimento teórico convencional
1
, a corrente evolucionária
procurou resgatar, no âmbito da teorização microeconômica, a importância de questões
relativas à mudança tecnológica, à especificidade de ativos e à acumulação de
conhecimento no ambiente interno das organizações, bem como o papel das firmas
enquanto instituições catalisadoras do próprio crescimento econômico da sociedade. Os
esforços dos autores empenhados num estudo mais consistente do comportamento
organizacional frutificaram, afinal, na forma de uma nova e promissora abordagem para a
explicação do fenômeno que constitui a essência da análise microeconômica – a chamada
teoria da firma baseada nas competências
.
1
Para uma crítica da visão compartilhada por neoclássicos e novo-intitucionalistas de que a origem da firma
se encontra no oportunismo dos indivíduos, ver Hodgson (2004).
53
4.1 O CONCEITO DE COMPETÊNCIA
O que se entende, afinal, por
competência
? Existe uma vasta literatura, abrangendo
diversos ramos das ciências sociais, que ressalta a especificidade do fenômeno
organizacional e a impossibilidade de reduzir analiticamente a firma a uma simples
estrutura maximizadora de lucros ou minimizadora de custos. Desse consenso surge a
percepção de que deve residir na própria estratégia individual de cada organização social,
condicionada pelas especificidades históricas, culturais e econômicas do ambiente no qual
ela se insere, a chave para explicar sua emergência, suas limitações e seu desenvolvimento.
Ao invés de tentar explicar a firma, que é um fenômeno institucional, com base em
conceitos exteriores a ela e, por conseguinte, estranhos ao próprio estudo institucionalista,
tais como a curva de demanda ou uma dada estrutura de custos, busca-se construir uma
teoria observando
por dentro
o funcionamento e a evolução das firmas.
Freiling (2004, p.30) define competência como sendo a “[…] organizational,
repeatable, learning-based and therefore non-random ability to sustain the coordinate
deployment of assets and resources enabling the firm to reach and defend the state of
competitiveness and to achieve the goals.” Essa habilidade não pode, contudo, ser tratada
como um simples recurso da firma
2
ou uma resposta automática à sinalização do mercado.
As competências são desenvolvidas de maneira dinâmica, por meio do estabelecimento de
rotinas de inovação que orientam o processo de acumulação de conhecimento pela firma
(NELSON; WINTER, 1982). Embora a estratégia da organização constitua
indubitavelmente seu maior diferencial competitivo no mercado, ela não pode ser reduzida
2
Neste particular a abordagem das competências afasta-se das teorias organizacionais baseadas nos recursos
específicos das firmas (resource-based view). Embora guardem grandes similaridades teóricas, em particular
na ênfase dada ao caráter idiossincrático dos ativos que compõem a firma, com destaque para o
conhecimento, a abordagem das competências enfatiza a questão da estratégia e da cultura organizacional
como importantes diferenciais explicativos do comportamento empresarial, ao passo que a visão baseada nos
recursos concentra-se na especificidade de ativos e nas vantagens competitivas oriundas de sua propriedade. É
importante ressaltar que tais abordagens não são excludentes, mas complementam-se na medida em que
enfocam diferentes aspectos da realidade organizacional. Uma síntese do desenvolvimento da teoria da firma
baseada na ótica dos recursos pode ser encontrada em Barney (1996). Para uma comparação entre as
abordagens das competências e dos recursos, ver Freiling (2004).
54
a um mero conceito pecuniário de ativo para fins de comparação estática de eficiência entre
firmas.
4.2 PRECURSORES DA TEORIA DA FIRMA BASEADA NAS COMPETÊNCIAS
A idéia de explicar o comportamento das empresas com base em suas estratégias
peculiares, qualidades específicas, conhecimentos e recursos próprios remonta mesmo à
longínqua e pioneira obra de Adam Smith (HODGSON, 1998, p.180). O autor ressaltava a
importância da divisão do trabalho como catalisadora do processo de aprendizagem por
parte dos trabalhadores (
learning by doing
), gerando, por conseguinte, um incremento
significativo da produtividade ao longo do tempo. Ao contrário da concepção convencional
de especialização produtiva, focada num critério estático e a atemporal de eficiência, Smith
já atentava para os efeitos dinâmicos da especialização, que não se limitam apenas aos
ganhos imediatos oriundos da eficiência alocativa, mas também engendram ganhos de
produtividade ao longo do tempo decorrentes do aprimoramento do trabalho humano e da
acumulação de conhecimento
3
. A primeira frase do consagrado livro de Smith (1996, p.65)
já expressa, com brilhantismo, o
insight
fundamental do autor sobre o qual seria construído
o modelo que por séculos permaneceria reconhecido como uma das mais perfeitas
representações da sociedade capitalista:
O maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho, e a maior parte da habilidade,
destreza e bom senso com os quais o trabalho é em toda parte dirigido e executado,
parecem ter sido resultados da divisão do trabalho.
3
Smith antecipava, portanto, ainda no séc. XVIII conceitos que se tornariam usuais entre os economistas da
segunda metade do séc. XX, a saber, os ganhos decorrentes do aprimoramento técnico através de learning by
doing e a importância do conhecimento tácito do trabalhador para o desenvolvimento de novas tecnologias. É
de fato desconcertante observar que algumas das principais idéias do autor, salientando o caráter
necessariamente endógeno do progresso tecnológico nas sociedades capitalistas, tenham sido negligenciadas
quase que por completo ao longo de séculos de desenvolvimento teórico da ciência econômica.
55
Além de ressaltar a importância econômica da divisão social do trabalho, o autor
aqui nos dá um indício de como ela condiciona também o processo de mudança
tecnológica. Em seu pensamento, a inovação não é apenas a causa da divisão do trabalho –
é, acima de tudo, uma
conseqüência
desta última. A firma capitalista surge, portanto, como
uma solução eficaz para o problema da organização de fatores produtivos com base na
divisão e na especialização do trabalho
4
– ressalvando que sua finalidade não se limita
apenas à de prover a alocação eficiente de recursos na economia, mas, transcendendo essa
lógica estritamente quantitativista, envolve figurar, em última instância, como o próprio
locus
do desenvolvimento tecnológico da sociedade. Smith (1996, p.68) descreve então o
processo pelo qual a divisão do trabalho permite a emergência de ganhos de produtividade:
[...] em primeiro lugar, devido à maior destreza existente em cada trabalhador; em
segundo, à poupança daquele tempo que, geralmente, seria costume perder ao passar de um
tipo de trabalho para outro; finalmente, à invenção de um grande número de máquinas que
facilitam e abreviam o trabalho, possibilitando a uma única pessoa fazer o trabalho que, de
outra forma, teria que ser feito por muitas.
A inovação tecnológica aparece no capitalismo tanto como resultado do processo de
divisão do trabalho quanto como elemento indutor desse mesmo processo. É justamente
aqui que Smith se destaca em relação a outros economistas de sua época, pois identifica no
próprio processo de aprofundamento da divisão do trabalho a chave para o surgimento de
novas invenções. Uma vez estabelecida na sociedade, a divisão do trabalho engendra por si
mesma o processo inovativo que posteriormente a estimula (SMITH, 1996, p.69).
Marx (1997), seguindo os passos de Smith, também inferiu que o surgimento da
firma capitalista seria decorrente da evolução histórica da divisão social do trabalho. Ele
vai, contudo, além de seu predecessor quando enfatiza o papel do progresso tecnológico na
transformação da atividade produtiva, e a importância do capitalista como agente que
revoluciona os meios de produção na sociedade. Marx enfatizava a importância da
diferenciação do conceito de firma ao longo dos estágios de desenvolvimento histórico das
4
Williamson (1975) observa, contudo, que o princípio da divisão social do trabalho, embora seja obviamente
um importante incentivo ao trabalho coletivo, não é suficiente para explicar o surgimento da firma, haja vista
que o proprietário do capital poderia, ao menos teoricamente, obter os mesmos resultados da especialização
produtiva contratando trabalhadores autônomos ao invés de constituir uma entidade legal unificada e
hierarquizada.
56
sociedades ocidentais. Analisando consecutivamente as etapas do artesanato, da manufatura
e da moderna indústria, o autor elege esta como o modelo básico de unidade produtiva do
capitalismo, orientada para a acumulação de lucro monetário e dedicada à busca incessante
de inovação. Embora Smith já houvesse percebido a importância do progresso técnico
como gerador de vantagens dinâmicas para as firmas, em sua obra a mudança tecnológica
ainda é tratada como um fenômeno residual do processo de divisão do trabalho, sendo
estimulada principalmente pela necessidade de poupar esforço físico do trabalhador (que
figuraria, na prática, como o principal agente inovador da firma). Essa visão otimista sobre
a capacidade de aprendizado e a inventividade do trabalhador industrial, embora fosse
aplicável à época de Smith, certamente não correspondia à realidade observada por Marx.
Ao enfatizar a necessidade do empresário revolucionar permanentemente sua atividade
produtiva, pressionado pela concorrência e pela queda de sua lucratividade (decorrente esta
do próprio emprego de maquinaria poupadora de mão-de-obra), o autor rejeita a hipótese de
que o trabalhador seria o principal responsável pelo progresso técnico
5
. É o capitalista que
introduz a inovação
6
, que passa a ser não apenas uma mera conseqüência da divisão social
do trabalho, mas se torna um instrumento decisivo para a sobrevivência da firma no
mercado, e conseqüentemente assume um papel fundamental na evolução do próprio
capitalismo.
5
Para Marx (1996, p.464), Smith confunde a diferenciação dos instrumentos, o que de fato deve ter ocorrido
com participação ativa dos trabalhadores, com as invenções de máquinas, as quais deveriam ser creditadas a
estudiosos e artífices, mesmo no tempo em que ainda prevaleciam as manufaturas. Embora reconheça que o
progresso técnico e o desenvolvimento industrial caminham juntos, Marx está convencido de que é a máquina
que deve se adaptar às necessidades do capital, e não o contrário (1996, p.12-19). O autor parece mesmo
supor que a evolução tecnológica da sociedade ocorreria de maneira paralela e dissociada, a princípio, da
trajetória inovadora das firmas. Estas apenas se beneficiariam, quase que gratuitamente, da aplicação na esfera
produtiva das técnicas desenvolvidas externamente pelos cientistas. A hipótese de Smith é obviamente
incoerente com a teoria marxista, que prevê uma progressiva alienação do trabalhador na produção industrial,
a ponto deste não se tornar mais do que mero “apêndice” da máquina, e portanto incapaz de perceber a brutal
realidade à sua volta, quiçá desenvolver alguma idéia que visasse aumentar a produtividade de seu próprio
trabalho. Embora isso seja indubitavelmente verdadeiro para o capitalismo observado por Marx, é todavia
razoável supor que, na época de Smith, em virtude da divisão do trabalho não ter ainda se desenvolvido até as
últimas e mais nefastas conseqüências, o trabalhador ainda dispusesse de algum tempo ocioso e consciência
do trabalho realizado para intuir possíveis aprimoramentos técnicos em sua atividade. De todo modo, a rápida
transformação institucional dos países capitalistas centrais a partir do início do séc. XX, com a emergência
das chamadas sociedades de consumo de massa, também fez com que as relações de produção fossem
decisivamente modificadas em benefício dos trabalhadores, contrariando as previsões mais sombrias de Marx.
A crescente complexidade das atividades produtivas num ambiente competitivo em constante mutação foi
responsável por colocar novamente o trabalhador como figura central no processo inovativo das firmas.
6
Percebe-se aqui claramente como a visão de Marx sobre o papel do capitalista burguês, concebido como um
agente transformador das relações econômicas e, por conseguinte, também das instituições da sociedade,
influenciou de maneira decisiva a obra de Schumpeter.
57
Dentre os fundadores do institucionalismo econômico, Veblen é indubitavelmente
aquele que apresenta a concepção mais complexa e original do comportamento empresarial.
Fortemente inspirado pelo pensamento marxista, ele rejeita a passividade e o determinismo
equilibrista presentes na visão convencional da firma, apresentando-a, ao invés disso, como
um instrumento necessariamente desestabilizador do sistema capitalista. Veblen não recusa,
a priori
, a idéia de um equilíbrio econômico ótimo, que reflita as condições de plena
utilização do estoque de capital da sociedade, mesmo porque, em sua opinião, a crescente
complexidade e a integração dos processos mecanizados na sociedade contemporânea exige
uma coordenação de tarefas cada vez mais próxima da perfeição (1966, p. 8). Mas o
empresário capitalista não é movido pela lógica da escassez de recursos e da otimização –
seu objetivo é o lucro pecuniário, e seu meio de obtê-lo é justamente através da introdução
de desarranjos que afetem equilíbrio do sistema econômico
7
. Segundo o autor (VEBLEN,
1966, p.14-15),
A prosperidade econômica da comunidade em geral é mais bem servida pela simples e
ininterrupta interação dos vários processos que constituem o sistema industrial em geral;
porém os interesses pecuniários dos homens de negócios em cujas mãos se acha a iniciativa
nessa matéria não coincidem necessariamente com a conservação perene do equilíbrio
industrial. [...] Para o homem de negócios que almeja auferir lucros das oscilações do
mercado provenientes de ajustagens intersticiais ou perturbações do sistema industrial, não
importa o fato de suas operações provocarem a aceleração ou o emperramento do sistema
em conjunto. A finalidade é o lucro pecuniário, e os meios o desequilíbrio do sistema
industrial [...].
Sua crítica não se destina, portanto, ao conceito de equilíbrio em si, mas antes à
relevância deste para a compreensão adequada dos fenômenos econômicos, num ambiente
7
A visão vebleniana de que a chave para a explicação da instabilidade intrínseca às economias capitalistas
encontra-se no caráter pecuniário destas guarda grande proximidade com a teoria posteriormente
desenvolvida por Keynes com base no estudo de uma economia monetária (KEYNES, 1979, p. 76-87), como
pode ser observado na seguinte passagem (VEBLEN, 1966, p.14): “A conservação do equilíbrio industrial,
por conseguinte, e a ajustagem de vários processos industriais com as atividades e os requisitos recíprocos,
constitui assunto de grave e extensa conseqüência em qualquer comunidade moderna [...]. Ora, os meios pelos
quais esse equilíbrio é conservado são as transações comerciais, e os homens a quem elas incubem são os
homens de negócios. O canal pelo qual as perturbações se transmitem de um membro para outro do vasto
sistema industrial consiste mas relações financeiras entre os vários membros do sistema; [...] Crises ou
prosperidade se espalham através do sistema por meio das transações comerciais, e são antes de tudo e apenas
expressão dos fenômenos da situação financeira. É somente secundariamente que as perturbações aludidas se
apresentam como alterações do caráter ou da magnitude do processo mecanizado relacionado. A indústria é
instituída com objetivos de lucro, mas os negócios não são efetuados com finalidade industrial; e o progresso
e a atividade da indústria são determinados pelas condições do mercado ou seja, as presumíveis possibilidades
de lucros pecuniários.”.
58
onde a instabilidade e a incerteza se fazem dominantes. O sistema produtivo mecanizado é
construído para operar de maneira equilibrada e coordenada, mas esse equilíbrio jamais
constitui regra ou tendência numa economia capitalista, pois o componente especulativo
introduzido pela figura do “homem de negócios” (empresário) inviabiliza completamente o
funcionamento ideal do parque industrial. Destarte, a análise econômica deve ser centrada
justamente nas causas dessa instabilidade, e para tanto se faz necessária a adoção de um
instrumental teórico mais dinâmico e abrangente que a análise convencional ortodoxa.
Embora privilegie em seus estudos da firma capitalista uma visão mais ampla da
interação entre o sistema financeiro e a organização industrial, Veblen foi além de uma
análise meramente superficial do caráter especulativo das economias contemporâneas,
procurando estabelecer com mais precisão quais são os determinantes da ação do
empresário industrial e quais as conseqüências do progresso tecnológico para o
comportamento dos demais agentes vinculados à firma e para a sociedade como um todo.
Seu estudo apresenta importantes
insights
, dentre os quais podemos destacar: a influência
do instinto de emulação sobre os indivíduos, que permite a propagação de hábitos próprios
das classes dominantes para toda a sociedade (
cerimonialismo
), e, destarte, afeta
decisivamente o processo de evolução institucional (VEBLEN, 1988, p.15-20); a
importância da mudança dos hábitos e da adequação do ambiente institucional à nova
realidade imposta pela tecnologia para a promoção do desenvolvimento econômico
8
; e
também a importância da acumulação, por parte da firma, de ativos intangíveis (
good-will
)
8
Segundo Veblen (1988, p.88-89), “A evolução da sociedade é substancialmente um processo de adaptação
mental por parte do indivíduo, sob a pressão de circunstâncias que já não toleram hábitos mentais formados
segundo um diferente conjunto de tais cirscuntâncias e segundo um diferente conjunto das mesmas no
passado.”. Mais adiante (p.89-90), ao explicitar a influência do padrão institucional sobre a eficiência
econômica de uma sociedade, o autor afirma que “Qualquer comunidade pode ser considerada como um
mecanismo industrial ou econômico, cuja estrutura se constrói com aquilo que se chama suas ‘instituições
econômicas’. Essas instituições são métodos habituais de dar continuação ao modo de vida da comunidade em
contato com o ambiente material no qual ela vive. [...] Mas enquanto cresce a população, e enquanto o
conhecimento e a proficiência humanos se ampliam no dirigir das forças da Natureza, os métodos habituais de
relações entre os membros do grupo, e o método habitual de dar realização ao modo de vida do grupo como
um todo, já não apresentam os mesmos resultados anteriores. [...] Modificadas as condições de população,
proficiência e conhecimento, a facilidade da vida tal como se processa de acordo com o esquema tradicional
pode não ser mais baixa do que era sob as condições anteriores; mas as probabilidades são de que seja menos
do que podia ser se o esquema fosse alterado para se ajustar às condições alteradas.”. Percebe-se aqui
claramente a necessidade de adequação da matriz institucional às necessidades impostas pela esfera produtiva
a fim de possibilitar o aproveitamento ótimo dos recursos da sociedade, um insight que seria mais tarde
retomado por diversos autores, com destaque para North (1990), que fez dele a base de sua contribuição à
teoria do desenvolvimento econômico.
59
que lhe assegurem vantagens competitivas e idiossincráticas em relação às suas
concorrentes. Segundo Veblen (1966, p.72-74, grifo nosso),
Vários itens, de caráter muito diverso, são geralmente incluídos sob o título de “good-will”;
[...] “good-will” considerado sob esse aspecto mais amplo inclui coisas tais como relações
comerciais estabelecidas pelo exercício dos negócios, reputação de honestidade, concessões
e privilégios, marcas registradas, qualidades, direitos patenteados, “copyrights”, uso
exclusivo de processos especializados protegidos por lei ou segredos, controle exclusivo de
fontes particulares de determinados materiais. [...]
Quando uma corporação inicia a sua vida sem semelhante cabedal de vantagens
diferenciais intangíveis, o esforço de sua diretoria dirige-se no sentido de formar uma base
de “good-will” constituída de marcas registradas, clientela e relações comerciais que
podem conferir-lhe uma espécie de monopólio, local ou geral. Não podendo sua direção
concretizar os esforços no sentido de conseguir apoio numa base “imaterial”, suas
probabilidades de êxito entre corporações rivais são precárias [...].
Talvez um dos mais subestimados economistas de sua época, Hobson (1996),
exerceu influência decisiva sobre toda uma geração posterior de autores, entre os quais se
incluem pensadores das mais díspares tendências, tais como Lênin e Keynes. Ele se propôs
a interpretar a evolução do capitalismo contemporâneo com base em duas linhas distintas e
complementares de análise: uma, do ponto de vista
objetivo
, com base nos efeitos do
progresso técnico sobre a produção mecanizada; e outra, do ponto de vista
subjetivo
,
através do estudo dos fenômenos monetários decorrentes das decisões dos empresários e de
seu componente especulativo. Embora em sua análise o elemento subjetivo da evolução
capitalista não é trabalhado com a profundidade observada em Veblen, Hobson (1996,
p.273-274), outrossim, apresenta uma visão da firma bastante próxima daquela do
institucionalista norte-americano, quando enfatiza a habilidade de gestão e a acumulação de
conhecimento, bem como o amplo acesso a recursos do sistema financeiro, como fatores
capazes de superar as barreiras materiais impostas no curto prazo pela capacidade produtiva
da firma:
Os fatores determinantes das dimensões [das firmas] são em parte objetivos. As condições
relacionadas com o fornecimento de força mecânica, com suprimentos disponíveis locais,
com as dimensões máximas aproveitáveis dos motores, com a economia e o desperdício na
transmissão, têm importância primordial. Essas condições objetivas determinam o limite
mecânico da eficiência máxima e limitam o tamanho do estabelecimento produtivo
individual. Mas a organização moderna pode colocar diversos ou muitos estabelecimentos
sob o controle e a mesma direção. O limite do tamanho de uma empresa, como unidade
financeira e administrativa, é muito mais elástico porque, embora seja verdade que “uma
60
oferta limitada de capacidade de iniciativa, organização e direção, por exemplo, fará
aparecer com certeza, em certo ponto, retornos decrescentes em uma empresa”, não é fácil
determinar esses limites experimentalmente. As finanças da empresa estão voltadas
continuamente para a descoberta de novas formas de cooperação ou de unificação em plano
federal entre empresas antes “independentes”, que podem elevar a magnitude das “unidades
subjetivas de eficiência máxima” a um nível que assegure à empresa um controle efetivo
sobre o mercado comprador.
Fazendo justiça ao pensamento econômico ortodoxo, cabe constatar que nem todos
os seus autores desprezaram a importância do progresso técnico e do conhecimento para a
explicação do fenômeno das firmas nas sociedades capitalistas. Uma particular menção
honrosa deve ser feita a Marshall, cuja proeminência no pensamento econômico enquanto
sistematizador da teoria neoclássica acabou, infelizmente, por ofuscar sua importante
contribuição para o estudo do comportamento organizacional. O autor não apenas intuiu a
semelhança existente entre os movimentos econômicos e o processo de seleção natural
descrito por Darwin na Biologia, contribuindo para dar vazão ao que mais tarde seria
conhecida como a “corrente evolucionária” no pensamento econômico, mas também
ressaltou a importância da educação e do aprendizado produtivo para o progresso da
sociedade, inferindo conceitos que se tornariam centrais para a construção de uma teoria da
firma com base nas competências, a exemplo do conhecimento tácito e do caráter
idiossincrático da informação
9
.
9
No “Tratado Introdutório” de seus Princípios de Economia (1996, p.263), Marshall já asseverava que “As
qualidades que fazem um grande povo industrial são a capacidade de ter em mente muita coisa ao mesmo
tempo, cada coisa pronta a seu tempo, agir rapidamente e saber resolver as dificuldades que se possam
apresentar, de se acomodar facilmente com qualquer mudança nos detalhes do trabalho executado, de ser
constante e digno de confiança, de ter sempre uma reserva de forças para serem utilizadas em caso de
emergência. Essas qualidades não são exclusivas de uma determinada ocupação, mas são requeridas em todas,
e se nem sempre podem ser transferidas com facilidade de uma tarefa para outra da mesma espécie, o
principal motivo é que elas precisam ser completadas pelo conhecimento do material com que se vai lidar e
pela familiaridade com os métodos especiais.” Em outra passagem de sua principal obra ele afirma que
“Capital consists in a great part of knowledge and organization [...]. Knowledge is our most powerful engine
of production [...]. Organization aids knowledge; it has many forms [...] it seems best sometimes to reckon
organization apart as a distinct agent of production.” (MARSHALL, 1996 apud HODGSON, 1998, p.180). Os
profícuos insights marshallianos seriam posteriormente desenvolvidos por vários autores, com destaque para
uma das obras clássicas de Polanyi, The tacit dimension (1997).
61
4.3 OBJETIVOS E ESCOPO DA ABORDAGEM EVOLUCIONÁRIA
Nascida de uma ampla gama de estudos que se desenvolveram de forma
relativamente independente e não-linear ao longo do último século, a teoria da firma
baseada nas competências apresenta uma rica diversidade de conceitos, fatos estilizados e
construções lógicas que, embora lhe concedam enorme capacidade explanativa, ao mesmo
tempo dificultam de certo modo a clareza dessa abordagem na medida em que rejeitam
abertamente o excessivo reducionismo e a simplificação teórica dos modelos neoclássicos.
De fato, não são raros os exemplos de autores que, embora comunguem da idéia de
construir uma alternativa à teoria convencional da firma, ainda apresentam, não obstante,
interpretações bastante divergentes a respeito dos condicionantes do comportamento
empresarial. Outrossim, como assinala Samuels (1995), esse conflito de idéias não sinaliza,
de modo algum, alguma necessária fraqueza ou incompletude das teorias rivais ao modelo
neoclássico – ao contrário, ele antes evidencia a riqueza e a evolução das abordagens
heterodoxas de pensamento econômico. Dada a amplitude e a variedade de contribuições
para a construção da teoria da firma com base na abordagem das competências,
analisaremos neste trabalho aquela que, em nossa concepção, sintetiza a versão mais
elaborada dessa teoria, e é atualmente adotada por diversos autores, com destaque para
Nelson e Winter, Hodgson e Freiling.
4.3.1 A Analogia com a Evolução Biológica: as Firmas Como Organismos Vivos
Nelson e Winter (1982) introduzem no debate econômico o conceito de
rotina
, com
base na analogia com o trabalho clássico de Darwin na biologia. Segundo esse conceito, as
firmas desenvolvem, por meio de um processo que envolve imitação e especialização,
62
rotinas que permitem a preservação e ampliação da informação, que é essencial para a
sobrevivência das firmas num ambiente competitivo
10
. A “seleção” das firmas difere,
entretanto, da seleção natural em alguns aspectos essenciais. Em primeiro lugar, ao
contrário das espécies
11
, para as firmas a seleção não significa necessariamente a
possibilidade de vida ou morte, mas pode se limitar a alterações na sua participação relativa
na indústria. Os autores aplicam também esse conceito mais amplo às firmas. Assim como
na biologia a mutação é parcialmente determinada por características inerentes aos genes,
também na economia podemos inferir que a “mutação” das empresas, ou seja, sua contínua
10
Embora sua teoria guarde importantes analogias com o pensamento de Darwin, Nelson e Winter (1982)
rejeitam o rótulo de darwinistas, pretendendo antes serem denominados lamarckistas, em virtude de aceitarem
a possibilidade de que mutações decorrentes de mudanças no ambiente sejam transmitidas aos descendentes
de uma espécie, hipótese a princípio negada pelo darwinismo. Hodgson (2003), contudo, chama atenção para
o fato de que o lamarckismo e o darwinismo não são teorias opostas, mas antes complementares, e tanto a
adoção de rótulos científicos quanto a rejeição de analogias com outras teorias tidas como rivais à adotada
pode resultar em sério prejuízo ao debate científico. Darwin não rejeitou em absoluto a hipótese de Lamarck a
respeito da possibilidade de uma espécie transmitir mutações oriundas da necessidade de enfrentar
adversidades; foram os chamados neodarwinistas, a partir de Weismann, que rejeitaram essa hipótese com
base em experimentação científica. Atualmente, muitos estudiosos traçam na evolução da sociedade humana
uma clara analogia com as teorias de Lamarck, em detrimento da contribuição de Darwin. Mas Hodgson
(2003) aponta várias lacunas na teoria lamarckista, que podem por sua vez ser adequadamente preenchidas
pelos insights darwinistas. Em particular, Lamarck não esclarece por que as espécies transmitem apenas suas
mutações vantajosas a seus descendentes, nem tampouco por que afinal tais espécies buscam adaptar-se ao
ambiente, ao invés de simplesmente adotarem um comportamento passivo frente à natureza. A teoria de
Darwin oferece respostas convincentes a essas questões. Em primeiro lugar, através de mutações espontâneas
nos genótipos, as espécies podem oferecer diferentes soluções e comportamentos para uma melhor adequação
ao ambiente, e os espécimes dotados de mutações mais vantajosas aumentam sua participação relativa na
população graças à ação da seleção natural. Por fim, a questão da “vontade” das espécies em se adaptar ao
ambiente deve ser analisada em contraponto à própria noção de evolução: se o processo de seleção natural
estimula o aprimoramento das espécies com base na sobrevivência dos espécimes melhor adaptados, então
também as espécies cumprem um propósito, qual seja o de fornecer soluções às mudanças do ambiente que
em última análise asseguram a própria manutenção da vida. É justamente nesse propósito que devemos buscar
a raiz da “vontade” de adaptação: não há nenhum estímulo inerente ou consciência apriorística aqui, as
espécies apenas cumprem seu papel no processo evolutivo. A relevância dessa discussão para o debate
econômico se deve ao fato de que, ao adotarmos uma concepção lamarckista do processo de evolução da
sociedade, estamos implicitamente aceitando a hipótese de que as informações e idéias que se revelam mais
compatíveis com as necessidades impostas pelo ambiente em que vive uma sociedade humana podem ser
transmitidas às gerações futuras, a exemplo do que ocorre com as características determinadas pelos genes na
evolução das espécies. Ora, se uma idéia é o resultado do processo de evolução social, ou, numa analogia com
a biologia, é o fenótipo (característica herdada dos genes), então ela não pode ser simultaneamente a fonte
desse resultado (o genótipo). Nelson e Winter (1982) empregam como conceito chave de sua teoria a noção
de rotina, numa explícita analogia com os genes da biologia, ou seja, como estruturas que geram e orientam
os comportamentos dentro da firma. Logo, é na rotina desenvolvida dentro de uma instituição que devemos
buscar a explicação de sua sobrevivência num ambiente de incerteza e em constante transformação.
11
Mesmo alguns biólogos em trabalhos mais recentes têm rejeitado a hipótese simplista de que a seleção se
resume à sobrevivência dos mais aptos, preferindo optar por um conceito mais amplo que afirma que a
seleção envolve a transformação de um grupo, onde os elementos proeminentes do grupo posterior
apresentam características que já eram encontradas em alguns membros do grupo anterior. Desta forma,
mantém-se a possibilidade de diversidade natural ao mesmo tempo em que prevalece uma lógica de adaptação
e dominância. Ver Hodgson (2003).
63
busca de adaptação e aperfeiçoamento é parcialmente determinada por influência das
rotinas que ela desenvolve em seu seio. Em outras palavras, essas rotinas podem
desempenhar um papel preponderante na definição de novas possibilidades para a evolução
das firmas, o que reforça a idéia de
path dependence
, que será discutida com mais
profundidade a seguir.
4.3.2
Lock-In
e
Path Dependence
Uma outra questão importante a ser analisada do ponto de vista da acumulação de
conhecimento por parte da firma refere-se ao processo de
path dependence
. Como o
progresso tecnológico tem como base o conhecimento acumulado anteriormente pelas
firmas, ele se acha condicionado pelas possibilidades de expansão dadas por esse padrão
técnico já previamente difundido, o que torna possível a emergência e hegemonia de
tecnologias menos eficientes que outras suplantadas pela dinâmica de imitação do mercado.
E também firmas e estruturas organizacionais a princípio menos eficientes podem
sobreviver e prosperar com base na proliferação de um padrão tecnológico inferior
(HODGSON, 1998, p.193). O processo de “seleção natural” das firmas não implica
necessariamente na sobrevivência dos mais aptos, pois a eliminação de padrões
tecnológicos e institucionais por meio da concorrência, que desencadeia processos de
lock-
in
12
tornando cada vez mais custosa a adoção de tecnologias preteridas pelas firmas que
exercem a liderança do mercado, pode resultar na hegemonia de outros que se revelam
menos produtivos ou tecnicamente defasados.
12
O lock-in tecnológico ocorre quando, uma vez estabelecido um determinado padrão tecnológico por parte
das firmas líderes no mercado (que não necessariamente corresponde à opção disponível mais avançada ou
produtiva do ponto de vista técnico), torna-se cada vez mais custoso a outras firmas adotarem padrões
tecnológicos concorrentes, ainda que mais eficientes, pois em virtude da proliferação do padrão adotado pelas
líderes surgem ganhos crescentes de escala e escopo para as firmas que decidem imitá-lo. O resultado dessa
concorrência é a hegemonia do padrão tecnológico adotado pelas firmas líderes e o progressivo abandono da
tecnologia rival. Ver Arthur (1989).
64
4.3.3 Informação e Learning Organizations
Em que pese as dificuldades em se estabelecer um consenso em torno do conceito
específico de firma (HODGSON, 1998, p.189), já existem diversos pontos que unem os
proponentes de uma teoria evolucionária do comportamento organizacional. Em primeiro
lugar, a firma deve ser concebida não apenas enquanto entidade legal independente ou mero
arranjo contratual, mas como uma esfera privilegiada de interação humana, capaz de
produzir, armazenar e difundir o conhecimento, orientando o comportamento dos
indivíduos a ela vinculados e evoluindo conjuntamente ao ambiente institucional que a
contém. Segundo Hodgson (1998, p.189),
[...] an important [...] factor explaining the existence, boundaries, nature and development of the firm
is the capacity of such an organization to protect and develop the competences of the groups and
individuals contained within it, in a changing environment. Accordingly, the firm has a capacity to
mould and integrate the individual perceptions, preferences, abilities and actions of its personnel.
A mudança tecnológica não pode, portanto, ser tratada como um fenômeno externo
ao ambiente da empresa ou como um simples conjunto de informações obtido no mercado a
um determinado custo. O
aprendizado
cumpre um papel fundamental na trajetória das
firmas, na medida em que possibilita o desenvolvimento de vantagens competitivas
permanentes. Em outras palavras, as organizações “aprendem” (
learning organizations
). A
acumulação de conhecimento não ocorre de maneira linear ou como mera resposta a
incentivos pecuniários – seu caráter é necessariamente idiossincrático, estando
condicionada, sobretudo, ao estabelecimento de relações pessoais e duradouras no ambiente
das firmas, de modo a permitir que a troca de informações ocorra de modo rápido e
espontâneo. A consolidação de uma “cultura inovadora”, através do estímulo ao trabalho
coletivo, à criatividade individual e a uma maior fluidez na troca de conhecimentos,
contribui decisivamente para a emergência do
conhecimento tácito
13
, que ocupa um papel
13
Polanyi (1997) abandona o conceito mecanicista de progresso científico baseado na verificação a posteriori
de modelos construídos a priori, ao enfatizar a importância da capacidade intrínseca ao ser humano de
aprender cada vez mais através da associação de valores e informações construídos ao longo do tempo com a
experiência imediata. Ao rejeitar a concepção de que o saber humano é finito e portanto acumulado de
65
proeminente no desenvolvimento de novas técnicas produtivas. Num ambiente de incerteza,
o aprendizado muitas vezes se dá por meio de processos de “tentativa-e-erro”, o que
equivale a dizer que, mesmo ao ser confrontada com o fracasso de seus planos, a firma
ainda deve ser capaz de vislumbrar novas oportunidades de ampliar seu conhecimento
14
.
Como acertadamente coloca Hodgson (1998, p.190),
Informal relations, involving cultural and moral norms, established routines, a degree of trust, and so
on, are also vital to the integrity of the firm. Firms act as relatively durable repositories and
transmission belts through time of a corporate culture. This cultural transmission focuses attention
and skills, facilitates group and individual learning, and increases firm productivity.
Learning depends on acquired cognitive frameworks, but at the same time it is an essentially open-
ended, provisional and potentially fallible process. It is not simply the progressive acquisition of
unambiguous or codifiable information. As well as the possibility of interpretative ambiguity, much
knowledge is tacit [...] and has to be communicated by example and shared experience rather than by
the written or spoken word. Furthermore, learning is a process of problem-formulation and problem-
solving, rather than the acquisition and accumulation of given “bits” of information “out there”. This
process involves conjecture and error, in which mistakes become oportunities to learn rather than
mere random perturbations [...].
O aprendizado não consiste meramente da absorção espontânea e contínua de
conhecimento. No ambiente organizacional, o aprendizado é constantemente estimulado e
direcionado para determinadas finalidades e oportunidades, através de uma cultura
inovadora que molda os hábitos e valores dos indivíduos a ela vinculados, fazendo emergir
entre eles consensos quanto aos propósitos e a execução do trabalho coletivo (JOHNSON,
1992).
maneira quantitativa, o autor prefere descrever a sociedades humanas como “sociedades de exploradores”
cujo conhecimento acumulado previamente oferece sempre novas possibilidades de aprendizado,
configurando, portanto, uma acumulação qualitativa de saber. Como sintetiza de maneira bastante perspicaz o
autor, “[...] we can know more than we can tell.” (POLANYI, 1997 p.136). A aplicação dos conceitos de
Polanyi ao estudo das organizações culminou na concepção, bstante difundida atualmente na teoria da
administração, de firmas como entidades que “aprendem” e portanto evoluem ao longo do tempo. Para um
desenvolvimento mais aprofundado dessas conclusões, ver Johnson (1992).
14
Não se trata aqui, obviamente, do conhecido processo de retroalimentação de informação tal qual
concebido por Lucas (1972), onde o resultado de um erro de decisão sinaliza ao agente um desvio em relação
à sua trajetória ótima. As decisões tomadas pela firma, sejam bem-sucedidas ou não de acordo com suas
expectativas, são irreversíveis, de modo que um fracasso não apenas aponta a necessidade de mudança dos
métodos utilizados até então, mas pode também modificar por completo a própria realidade tal como é
observada pela empresa.
66
4.3.4 Relações de Poder e Comprometimento nas Firmas
Além de ser o
locus
privilegiado do aprendizado no capitalismo contemporâneo, a
firma também se estrutura em complexas relações de poder, confiança e comprometimento,
freqüentemente negligenciadas pela abordagem convencional. O
poder
constitui uma
dimensão fundamental na controversa distinção entre o trabalho assalariado e a
subcontratação de produtores independentes, e por isso as relações de hierarquia são
privilegiadas nos estudos dos teóricos da administração de empresas (SILVEIRA, 2005).
Uma promissora linha de análise nesse campo emprega o instrumental teórico desenvolvido
por Foucault nos seus diversos estudos sociais para compreender a emergência de uma
cultura organizacional num ambiente onde relações mútuas muitade poder e resistência são
derivadas da própria natureza da interação individual, e, portanto, não podem ser reduzidas
a dualismos exógenos, a exemplo do reducionismo da teoria do conflito de classes.
Estimulando a participação decisória dos indivíduos através do trabalho coletivo, a
firma consegue consolidar em seu ambiente uma relação estável de confiança que contribui
para reduzir a incerteza e os efeitos deletérios do comportamento oportunístico, bem como
para assegurar uma identificação de valores e propósitos por parte dos trabalhadores. É
importante notar que as relações de confiança não se limitam ao ambiente organizacional
de fato, o mercado e as trocas também se assentam fortemente sobre uma base de
comprometimento individual (HODGSON, 1988). Não obstante, a firma ainda apresenta
evidentes vantagens em relação ao mercado quanto à capacidade de promover uma relação
duradoura de confiança entre os agentes, através da consolidação de uma
cultura
organizacional
que unifica os esforços individuais em torno de propósitos e rotinas
comuns. Como bem salienta Hodgson (1998, p.191):
The relative coherence of this integrative culture parallels the administrative unity of the firm. Even
if much decision making and learning is decentralized, there is typically a centralization of strategic
activities, helping to provide firm coherence and an ability to exploit oportunities for innovation and
growth. Within this integrated institution, the central and divisional corporate cultures together affect
the storage and transmission of information, the acquisition and retention of knowledge, the framing
of decisions and the nature and extent of human learning.
67
Mas é preciso ressaltar que o estabelecimento dessa cultura organizacional, que em
última análise define a própria identidade da firma na medida em que a diferencia das
demais instituições a ela relacionadas, também pode influenciar negativamente seu
desempenho por meio do engessamento das rotinas estabelecidas ao longo do tempo,
tornando a firma incapaz de responder rapidamente às mudanças ocorridas no mercado.
Essa esclerose organizacional encontra-se intimamente ligada ao fato de que a acumulação
de conhecimento no ambiente da firma não se dá de forma linear e espontânea, mas sim de
maneira cumulativa, com resultados necessariamente incertos e determinada pelas
condições tecnológicas pré-existentes, o que por sua vez engendra trajetórias específicas de
evolução técnica. Em virtude desses condicionantes tecnológicos, a firma pode consolidar
rotinas de inovação que, embora bem-sucedidas no curto prazo, se revelam anacrônicas ao
longo do tempo, produzindo no próprio seio da organização conflitos de interesse que
impedem que a estrutura institucional da organização responda de maneira eficaz às
transformações impostas pelo mercado (HODGSON, 1998, p.192). Essa peculiaridade
negativa dos arranjos produtivos organizacionais deve ser considerada quando comparamos
sua eficiência em relação a outras estruturas de mercado, a exemplo de redes de produtores
independentes – em outras palavras, existem limites para as vantagens oriundas das
competências das firmas.
4.3.5 Hábitos e Embeddedness: a Firma Como Instituição Propagadora de Valores
Um conceito essencial desenvolvido por Hodgson (2001a) é o de
hábito
, para
explicar como o processo de evolução tecnológica e institucional pode se dar de maneira
espontânea e cumulativa na sociedade. A mudança tecnológica, como sabemos, não se dá
através de saltos ou casualidades, mas configura antes uma trajetória contínua onde cada
descoberta científica abre caminho para novas possibilidades de conhecimento (DOSI,
1988). Ao longo da história, as sociedades desenvolvem mecanismos particulares que
68
possibilitam aos indivíduos condicionar suas atividades através de hábitos, gerando o que o
autor chama de “causação de cima para baixo”, em contraposição à visão ortodoxa de que
as instituições atendem a preferências individuais exógenas, ou seja, sua emergência se
“de baixo para cima” (HODGSON, 2001a). Esses indivíduos compartilham uma estrutura
comum de incentivos e preferências que lhes permite desenvolver conhecimentos
tácitos
sobre essas atividades e, portanto, introduzir melhoramentos produtivos e acumular novos
conhecimentos. Segundo Hodgson (2001a, p.107, grifo do autor),
Hábitos se formam a partir da repetição de ação ou pensamento. São influenciados por
atividade anterior e possuem qualidades de durabilidade e auto-sustentação. No entanto,
hábito não quer dizer comportamento, e sim propensão a comportamento particular em
classes particulares de situações. Decididamente, podemos ter hábitos que permanecem
inutilizados por longo tempo. Um hábito pode existir mesmo quando não se manifesta
como comportamento. Hábitos são repertórios submersos de comportamento. Podem ser
acionados por estímulo ou contexto apropriado. [...] Nossos hábitos auxiliam na confecção
de nossas preferências e disposições. Quando novos hábitos são adquiridos ou quando
mudam os hábitos existentes, nossas preferências se alteram.
Percebe-se que Hodgson retoma aqui a contribuição fundamental de Granovetter
(1985), que, por sua vez, introduzira na discussão sociológica sobre a ação individual o
conceito original de Polanyi de
embeddedness.
Essa nova concepção dos fenômenos sociais
significa não apenas aceitar um papel preponderante da cultura sobre o comportamento dos
agentes, mas também verificar que as próprias preferências individuais e as instituições são
construídas de modo integrado ao desenvolvimento cultural de uma sociedade, e, portanto,
sua trajetória não pode ser dissociada desse processo evolutivo.
69
4.4 O DIÁLOGO COM OS TEÓRICOS DA ORGANIZAÇÃO: EM BUSCA DE UMA
NOVA COMPREENSÃO DO FENÔMENO EMPRESARIAL
Hodgson (2003) traça um paralelo entre as teorias da firma “baseadas na
competência”, que foram desenvolvidas por Penrose, Knight, Nelson e Winter, e as
contribuições de autores no campo da administração estratégica, evidenciando a
compatibilidade dessas abordagens. Em particular, os teóricos da administração salientam a
importância da pesquisa e do aprendizado nas firmas para a construção de vantagens
competitivas permanentes, num ambiente onde a incerteza opõe sérias dificuldades à
tomada de decisões por parte dos agentes e a informação não pode ser tratada meramente
em termos quantitativos, mas antes como um ativo mutável cujo valor transcende a
dimensão da apropriabilidade pecuniária (HODGSON, 1999, p.272). Raciocínio análogo ao
das firmas poderia ser aplicado à evolução de outras instituições, que também a seu modo
se encontram num ambiente competitivo e são obrigadas a desenvolver vantagens que lhes
permitam sobreviver e ampliar sua esfera de influência. O diálogo do institucionalismo com
a teoria organizacional possibilita que encontremos, no campo da teoria da administração,
algumas das mais promissoras contribuições para nossa discussão a respeito da mudança
institucional.
Destacados teóricos organizacionais compartilham a idéia de que as instituições
capitalistas vêm sofrendo ao longo das últimas décadas uma verdadeira revolução em
termos de gestão, finalidade e escopo. Contrariamente ao período industrial antecedente,
marcado pela padronização e rigidez de rotinas e hábitos, pela busca incessante de ganhos
de escala e pela hierarquização como instrumento disciplinador da ação individual, o novo
modelo de organização capitalista caracteriza-se pela descentralização de poder e
informações, pela flexibilidade de alocação de recursos, pela valorização da cooperação e
pelas de economias de escopo decorrentes do aprendizado e da inovação tecnológica
(DRUCKER, 1993). Toffler (1990) salienta a necessidade de adoção de uma abordagem
baseada no
conhecimento
para explicar as disparidades do desenvolvimento econômico em
70
diferentes sociedades. Esse conhecimento não se resume à simples aptidão laboral, mas
principalmente à capacidade dos agentes em inovar e contribuir para que a instituição atinja
seus objetivos, expressos em princípios que norteiam as ações de todos seus membros.
Dentre as contribuições destes consagrados teóricos do comportamento empresarial,
destacamos ainda o trabalho de Capra (1997, 2002), por apresentar uma singular e
extremamente profícua visão das instituições, combinando os mais recentes avanços em
diversas áreas das ciências naturais de modo a estabelecer analogias com o
desenvolvimento das ciências sociais. Primeiramente, o autor retoma a idéia de “sistema
vivo” desenvolvida originalmente pelos biólogos Maturana e Varela (FARIA, 2002), onde
a vida de um organismo ou sistema é definida com base na sua capacidade intrínseca de
reprodução (
autopoiese
). As instituições configuram sistemas vivos, ao contrário das
máquinas e de outras construções humanas, justamente por serem capazes de se reproduzir
e evoluir através de um processo endógeno de transformação.
Segundo Capra (1997), tanto os sistemas vivos (espécies, ecossistemas e
instituições) quanto os mortos (máquinas, programas de computador, etc.) possuem três
características fundamentais, condicionadas pelo propósito a que se destinam:
padrão
,
estrutura
e
processo
. O padrão corresponde ao projeto estrutural que define a própria
identidade do sistema, ou, analogamente, ao DNA para os seres vivos e à rotina para as
instituições. A estrutura de um sistema corresponde à sua composição material, ou, no caso
das instituições, ao arranjo contratual que formalmente a compõem. Ao contrário dos
sistemas mortos, para os sistemas vivos a estrutura deve ser necessariamente mutável a fim
de dotá-los da capacidade de adaptação necessária para a sobrevivência num ambiente
evolutivo. Por fim, o processo define a forma como um sistema cumpre seu propósito de
existência – ao contrário de uma máquina que realiza operações lineares e repetitivas na
transformação de insumos em produtos finais, uma instituição aprende com suas
experiências e é capaz de transformar a si mesma, o que caracteriza um processo circular de
aprendizado e adaptação (CAPRA, 1997).
71
O maior erro dos economistas consiste justamente em ignorar a natureza evolutiva
da sociedade, tomando como “dadas” e imutáveis condições que representam apenas um
determinado momento histórico. As empresas, assim como outras instituições, devem
continuamente se adaptar aos novos valores e necessidades impostos pela evolução
humana, sob pena de estarem condenadas ao fracasso. Capra (2002, p.215) conclui afinal
que
A tendência dos economistas é congelar arbitrariamente a economia em sua atual estrutura
institucional, em vez de a considerar um sistema em constante evolução que gera
continuamente mudanças de modelos. Aprender essa evolução dinâmica da economia é
extremamente importante, porque mostra que estratégias que são aceitáveis num
determinado estágio tornam-se totalmente inadequadas em outro. Muitos dos nossos atuais
problemas decorrem do fato de que exageramos em nossos empreendimentos tecnológicos
e no planejamento econômico. [...] As nossas estruturas econômicas e institucionais são
como dinossauros; incapazes de se adaptar às mudanças ambientais e, portanto, condenadas
à extinção.
Os economistas evolucionários se propõem justamente a oferecer uma nova visão
dos fenômenos econômicos, reconhecendo seu caráter indissociável em relação ao processo
de mudança institucional. Esse holismo metodológico assegura a viabilidade de um diálogo
extremamente profícuo com as principais abordagens organizacionais da atualidade.
4.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora ainda não se encontre num estágio de desenvolvimento que a capacite
ostentar o mesmo reducionismo e formalização conceitual que caracterizam as demais
teorias existentes da firma, a abordagem das competências já apresenta atualmente uma
notável capacidade explanatória e um vasto campo ainda inexplorado de possibilidades de
aperfeiçoamento. Isso se deve, sobretudo, ao compromisso dos autores evolucionários em
fundamentar sua análise do comportamento organizacional com base na concepção das
72
firmas enquanto repositórios de conhecimento e principais agentes do processo de inovação
tecnológica nas sociedades capitalistas. Foss (1996
apud
HODGSON, 1998, p.193)
sintetiza brilhantemente a explicação evolucionária para a existência das firmas, quando
afirma que “Firms exist because they can more efficiently coordinate collective learning
processes than market organization is able to.” A principal vantagem da organização das
atividades produtivas em firmas, ao invés da produção individualizada no mercado, reside
justamente na capacidade superior das organizações em gestar, acumular e aplicar o
conhecimento. E não basta ressaltar o caráter idiossincrático do conhecimento enquanto
ativo – é preciso compreender que a verdadeira vantagem competitiva de uma firma não
consiste apenas em deter ativos estratégicos, mas em saber utilizá-los de maneira eficiente.
Salta aos olhos a enorme gama de possibilidades de avanço da ciência econômica
na compreensão dos fenômenos relacionados à atividade empresarial que adviria da
combinação dos
insights
evolucionários a respeito da tecnologia
15
, do conhecimento e das
relações de poder na firma com a contribuição já consagrada da teoria dos custos de
transação. À evidente viabilidade desse projeto comum, soma-se a importância de uma
alternativa teórica coerente ao impasse estabelecido na seara ortodoxa.
15
Cabe ressaltar que o conceito de trajetória de inovação tecnológica proposto pela escola schumpeteriana,
sintetizado nos axiomas fundamentais de especificidade, irreversibilidade e cumulatividade, não se encontra
isento de críticas mesmo entre autores que comungam de um enfoque evolucionário de análise, em especial
quanto às noções de tempo e ciência. Segundo Foray e Cowan (2002), a noção de tempo como “flecha” tal
qual adotada pelos evolucionistas, embora permita a superação das deficiências lógicas presentes na teoria
convencional com respeito à visão ergódica do mundo econômico, resulta ainda insuficiente para explicar a
evolução do conhecimento científico na medida em que este, ao contrário das demais atividades humanas, se
desenvolve segundo um processo de “tentativa-e-erro” que contenpla a possibilidade de reversão de decisões
anteriores, ou seja, permite certo grau de reversibilidade do tempo. Um exemplo comum dessa possibilidade
pode ser encontrado no campo da biotecnologia, onde um novo fármaco pode ser lançado no mercado e, uma
vez constatado algum tipo de efeito colateral danoso à saúde dos usuários, pode posteriormente ser retirado e
então aperfeiçoado, aparentemente violando o princípio teórico evolucionista da irreversibilidade do tempo.
Em contraposição à essa visão temporal do processo de evolução tecnológica, os autores propõem uma noção
de “tempo fenomenológico”, associado diretamente à especificidade do conhecimento científico e, portanto,
não dotado da generalidade e irreversibilidade exigidas pela teoria evolucionista. Embora reconheçamos a
importância da crítica desses autores, cumpre ressaltar que, em nosso entendimento, o princípio de
irreversibilidade adotado pela teoria evolucionária não deve ser compreendido tomando por base uma noção
estritamente quantitativista e cumulativa do conhecimento científico, tal qual aquela preconizada pela teoria
econômica ortodoxa, mas sim ressaltando o caráter necessariamente idiossincrático e mutável da ciência.
Assim, a irreversibilidade do tempo corresponde antes à idéia de impossibilidade de se replicar no futuro
todos os efeitos de uma ação econômica tomada em determinado momento. A possibilidade de
aprimoramento futuro de um produto ou inovação tecnológica não nos permite excluir por completo as
mudanças causadas no ambiente econômico em função de seu surgimento na sociedade.
73
5 CONCLUSÃO: NA DIREÇÃO DE UM CONSENSO INSTITUCIONALISTA
A tentativa neoclássica de construir uma teoria do comportamento empresarial
coerente com base nos pressupostos de racionalidade individual substantiva e
comportamento otimizador parece ter fracassado por completo. Por mais promissores que
parecessem à primeira vista os refinamentos propostos nos modelos
agente-principal
, onde
a firma é concebida enquanto última instância de solução de conflitos oriundos do
comportamento oportunístico dos agentes, não obstante subsistem fenômenos cruciais
negligenciados por esse instrumental teórico, cujas implicações contrariam inclusive muitas
das premissas neoclássicas fundamentais. Em particular, não foi ainda possível construir
nenhum vínculo lógico coerente entre, de um lado, a busca incessante do progresso
científico por parte das firmas e, de outro, sua necessidade de disciplinar o comportamento
oportunístico individual. Trata-se de dimensões distintas do fenômeno empresarial, que
necessitam de um tratamento teórico diferenciado e não podem ser reduzidas ao universo
atomístico da racionalidade substantiva. Ao se concentrar apenas na dimensão dos conflitos
individuais, supostamente oriundos do
rent-seeking
e da assimetria de informação, a teoria
neoclássica busca conceber um modelo de firma que atenda a suas hipóteses de equilíbrio e
comportamento otimizador; mas esse modelo distancia-se cada vez mais da realidade
microeconômica observada empiricamente.
As firmas não são meros arranjos de fatores para organizar a produção de uma
determinada mercadoria qualquer – elas são, sobretudo, produtoras de
conhecimento
, um
ativo que não pode ser precificado nem reproduzido com facilidade. A incerteza e a
assimetria de informação não são de forma alguma elementos estranhos ao mercado, aos
quais os agentes respondem “racionalmente” através da cooperação e do trabalho coletivo.
A própria organização da produção com base em empresas particulares já constitui
per se
a
maior fonte de incerteza nas sociedades capitalistas, o que evidencia a tautologia das
explicações do surgimento da firma baseadas no oportunismo individual e na exploração de
vantagens oriundas da assimetria de informação. Tampouco a estrutura de uma firma e seu
74
papel enquanto agente econômico e social podem ser dissociados das características
intrínsecas ao próprio ambiente ao qual ela se acha inserida. O reducionismo neoclássico
implica uma concepção universal da empresa enquanto mero agente maximizador de lucro,
daí resultando a impossibilidade em haver uma distinção significativa no comportamento
de firmas de diferentes tamanhos e mercados. Apesar das notórias dificuldades empíricas
enfrentadas pelos autores que abraçaram essa visão simplista, ela ainda se faz dominante na
construção dos mais diversos modelos econômicos atuais. Na teoria convencional, que, ao
privilegiar a esfera das trocas, acaba por negligenciar a esfera da produção (HODGSON,
1988), a firma é analisada apenas sob aspecto formal das relações de propriedade, sendo
completamente destituída de materialidade e história. Deriva justamente dessa ótica
formalista a incapacidade dos autores ortodoxos estabelecerem uma distinção precisa da
firma em relação ao mercado: sendo ambos concebidos como meros conjuntos de trocas e
contratos entre indivíduos, torna-se teoricamente impossível distinguir o trabalho coletivo
(assalariado) daquele executado por produtores individuais, ou mesmo vislumbrar no
ambiente organizacional a possibilidade de desenvolvimento de algum tipo de vantagem
competitiva que não possa ser replicada num arranjo produtivo onde os agentes atuem sem
qualquer tipo de coordenação hierárquica.
Embora nos pareça, a princípio, evidente o fracasso do projeto microeconômico
neoclássico, sua mera constatação não reduz, em absoluto, as imensas dificuldades na busca
da compreensão do fenômeno da empresa capitalista. Teorias são combatidas por outras
teorias, e não apenas por críticas negativas. Existirá de fato uma teoria
institucionalista
da
firma, concebida não apenas enquanto um modelo distinto daquele oferecido pela
abordagem teórica convencional, mas também como sendo dotada de suficiente
tratabilidade e capacidade explanatória de modo a lhe permitir superar as muitas
dificuldades enfrentadas atualmente pela ciência econômica no estudo da produção
orientada pelo mercado?
Cremos ter demonstrado neste estudo que a resposta a essa questão é
indubitavelmente positiva: embora ainda inexista no institucionalismo econômico uma
teoria unificada do comportamento organizacional, já se acham consolidadas atualmente
75
diversas abordagens que atendem a esses requisitos, com destaque para o modelo
contratualista de Williamson e a teoria baseada nas competências desenvolvida pelos
autores evolucionários. A riqueza teórica proveniente dessas contribuições é evidente,
como pudemos observar na amplitude dos modelos concebidos, na intuição derivada de
experiências empíricas, na construção dos fatos estilizados e na adoção de premissas mais
coerentes com a realidade microeconômica observada no presente. É inegável o avanço
possibilitado pela adoção de uma visão mais pluralista dos fenômenos econômicos, onde o
comportamento dos agentes não pode ser isolado da influência do ambiente institucional ao
qual eles se acham inseridos. Surge então toda uma nova perspectiva para a compreensão
do funcionamento da economia, onde se torna fundamental a incorporação de conceitos
como a
incerteza
inerente à organização produtiva em moldes capitalistas e a
cooperação
dos indivíduos atuando coletivamente, que implicam toda uma nova gama de desafios e
possibilidades para o avanço de nossa ciência.
É sempre tentador adotar, em nome da conveniência analítica, uma concepção
simplista sobre um fenômeno tão vasto e complexo, ao qual economistas dedicaram
tamanho esforço teórico ao longo do desenvolvimento da ciência econômica. Infelizmente,
a economia dos custos de transação repete esse equívoco, ao conceber a firma à semelhança
de um amálgama de contratos. Sendo a própria firma uma
instituição
- o que, na
terminologia adotada pelos teóricos da NEI, corresponde em última análise a uma regra
formal ou informal que restringe a ação humana
1
- a firma nada mais seria que um ambiente
de organização, valorização e incentivo a moldar o comportamento dos indivíduos a ela de
alguma forma vinculados.
É preciso, contudo, ir além na compreensão do fenômeno do surgimento das firmas
– e é justamente aqui que o caminho adotado pela economia dos custos de transação nos
parece se tornar cada vez mais inconveniente. Infelizmente, não há no arcabouço teórico da
1
Ao contrário do que se possa sugerir à primeira vista, é extremamente difícil conceituar de maneira clara e segura o que
se compreende pelo termo “instituição”. Apesar de haver um aparente consenso sobre o tema entre os autores da NEI, já
que compartilham de um mesmo arcabouço teórico e desenvolvem programas de pesquisa comuns, a abrangência do
conceito de instituição ainda varia de acordo com o propósito analítico de cada autor. Seguiremos aqui o conceito
enunciado por North (1990), que, cremos, é aquele que mais adequadamente expressa o pensamento dessa escola:
“institutions are the humanly devised constraints (rules, laws, constitutions), informal constraints (norms of behavior,
conventions, and self-imposed codes of conduct), and their enforcement characteristics. Together they define the incentive
structures of societies and specifically economies”.
76
NEI uma definição razoavelmente plausível para o surgimento e a evolução das firmas,
embora seja denotado grande esforço no sentido de,
uma vez que elas existem
, justificar sua
eficiência econômica. Afirmar que uma empresa surge e se verticaliza porque existem
custos de transação constitui uma saída elegante, porém tautológica – como vimos, é a
própria existência da firma a principal causa da emergência de custos de transação, e,
portanto a redução da análise do comportamento da firma a um mero critério minimizador
parece antes escamotear o verdadeiro objetivo do estudo de sua natureza.
O modelo de firma proposto por Williamson pode ser compreendido como uma
estrutura de incentivos destinados a orientar de maneira eficiente trocas entre os indivíduos
a ela vinculados (trabalhadores, acionistas, fornecedores, etc.) – em suma, uma estrutura
alocativa - o que evidencia sua proximidade com os modelos neoclássicos. Esses
indivíduos, cujas preferências são tomadas como exógenas, voluntariamente tomam ações
que, uma vez influenciadas pela gama de incentivos proveniente da firma, a conduzirão
automaticamente ao sucesso econômico na medida em que sua estrutura se aproxime de um
padrão organizacional eficiente (HODGSON, 1999, p.251-256). Não há, portanto, uma
legítima
evolução
do comportamento do agente individual, na medida em que suas
preferências não são condicionadas pelo meio, mas apenas um
aprimoramento
na direção
de um ideal apriorístico de otimização. Tampouco a firma evolui: ela apenas se adapta de
maneira passiva às imposições do mercado, objetivando consolidar uma estrutura eficiente
para atender a um imperativo tecnológico dado – o finalismo implícito da otimização marca
claramente o limite para a adaptação e a mudança da firma. Essa lógica decorre diretamente
do individualismo metodológico assumido pela NEI, e impede a visualização da firma
como um agente direto da mudança, ao invés de mera conseqüência desta. Por isso
Hodgson (1999, p.250) conclui que
The analysis of the firm is reduced to contracts between individuals, often involving the
minimization of transaction costs, but typically neglecting technology and production in the
following manner. The characteristic assumption of a uniformity of technology over
different governance modes implies a separability of production and technology from
governance structures or transaction costs. Accordingly, the explanatory contribution of
production costs and technology is ignored while governance modes are evaluated. As a
result, the emphasis is not on production, accumulation and growth but on the choice of
governance structures and the efficient allocation of given resources.
77
Embora uma firma seja de fato pouco mais que uma “ficção” do ponto de vista, ela,
outrossim, ainda possui uma identidade própria e uma esfera de atuação que transcende a
simples interação dos agentes que lhe são vinculados. Ela evolui conjuntamente ao
ambiente institucional que a envolve; interage numa relação de mútua determinação com
ele; e se transforma acompanhando um processo contínuo de transformação tecnológica,
segundo uma lógica de adaptação e seleção que não possui nenhum comprometimento com
a eficiência ou otimização no longo prazo
2
.
Persistem, entretanto, sérias dificuldades na análise do comportamento empresarial
desenvolvida pelos novos-institucionalistas. Talvez a mais importante delas seja a
incapacidade de aplicar à realidade empírica um critério objetivo de eficiência. A
abordagem de Williamson guarda um profundo compromisso com a idéia de eficiência,
compreendida enquanto a busca incessante de um padrão institucional que assegure a maior
economia em termos de custo de transação. Na prática, contudo, em virtude da dificuldade
de mensuração desses custos e da verificação de uma persistência na sociedade de arranjos
institucionais considerados a princípio ineficientes (em virtude das preferências dos
indivíduos expressas em costumes e valores culturais), o próprio Williamson prefere adotar
uma análise mais pragmática, qualificando como eficiente a escolha “menos pior” em
termos de desperdício de recursos. Embora coerente do ponto de vista empírico, essa
solução pragmática parece caminhar perigosamente próxima de um relativismo conceitual
que pode se revelar futuramente danoso à análise.
Também não há, na teoria contratualista da firma, uma explicação clara a respeito
da influência decisiva da mudança tecnológica sobre o processo de evolução das matrizes
institucionais. No ambiente empresarial, a mudança institucional é concebida como uma
mera adaptação da firma a um novo padrão de organização dos recursos produtivos, de
modo a assegurar uma redução nos custos de transação. A tecnologia cumpriria aqui,
portanto, uma função secundária, qual seja a de propiciar o barateamento dos custos de
2
Até porque, ainda que se assuma a validade da hipótese de um comportamento otimizador vinculado ao processo de
seleção do mercado, se faz necessário demonstrar que a firma maximizadora de lucros se encontrará sempre em situação
mais favorável que as demais firmas no futuro, mesmo quando sua ação já tiver alterado as próprias condições iniciais do
mercado. Ver Winter (1964, p.20).
78
produção, desencadeando então um processo cumulativo de ganhos de escala que modifica
por completo a esfera de possibilidades alocativas da firma. Mas não é a tecnologia que
determina a direção desse processo, pois a firma se acha orientada exclusivamente pela
necessidade de reduzir custos. Dessa forma, a tecnologia parece figurar antes como um
componente exógeno na teoria novo-institucionalista do que, de fato, a força
impulsionadora do processo de mudança institucional.
A firma acaba assim por se tornar um conceito vazio dentro da economia dos custos
de transação, a exemplo da teoria neoclássica (ZYSMAN, 1994, p.274). Isso porque a firma
ainda é concebida de maneira estática, sendo apenas substituído o comportamento
maximizador por outro de natureza igualmente quantitativa, qual seja o comportamento
“minimizador” de custos. Em razão da existência de custos de transação, a colaboração de
agentes produtores individuais dentro de uma mesma estrutura se torna mais eficiente que
uma divisão do trabalho conduzida até as últimas conseqüências. Na ECT, a firma é
conceitualmente uma consciência nua, cuja única finalidade é, dada a impossibilidade de
maximizar lucros no sentido convencional da teoria econômica, buscar satisfazer na medida
do possível seus interesses pecuniários mais imediatos. São os indivíduos que a compõem
que determinam, através de suas ações (orientadas por critérios de maximização de bem-
estar individual), os rumos a serem seguidos pela empresa. Nesse sentido, suas preferências
permanecem exógenas, e a análise de seu comportamento fica comprometida já que não há
espaço para qualquer tipo de vínculo institucional na explicação das relações de poder e
comprometimento existentes dentro do ambiente da organização. Se seu único vínculo à
empresa se dá por meio de contratos de longo prazo, então de fato restará muito pouca, se
alguma, diferença real entre a firma e o mercado, tal como afirma a crítica neoclássica da
abordagem contratualista.
Outrossim, não poderíamos deixar de salientar a importância de se construir uma
teoria da organização com base em critérios precisos de padronização dos fenômenos
microeconômicos, de modo a possibilitar análises comparativas e preditivas realmente
proveitosas. Cremos que a teoria dos custos de transação logrou alcançar tal estágio de
desenvolvimento, e, se seu esforço não resultou em um sucesso absoluto, não obstante
79
devemos reconhecer que nele encontramos uma inestimável contribuição para a
consolidação de um modelo unificado de explicação do comportamento empresarial dentro
do institucionalismo. Em particular, isso se deve ao fato de que, ao contrário dos
economistas neoclássicos, os autores novos-institucionalistas rejeitam as hipóteses
primárias de
market clearing
e racionalidade substantiva, preferindo ao invés disso adotar
uma visão mais próxima da realidade econômica observada, de modo a se tornarem capazes
justamente de explicar as causas da enorme discrepância existente entre o idealismo teórico
e a realidade empírica. Com a introdução de conceitos-chave como a incerteza (concebida
num sentido mais forte que o neoclássico), a racionalidade limitada e o oportunismo
individual, a teoria da firma ganha contornos bem mais realistas. Embora ainda persistam
dificuldades na busca de uma definição mais precisa do conceito de custo de transação, sua
relevância não pode em absoluto ser ignorada no estudo das estruturas organizacionais. Em
especial, a dificuldade de mensuração desses custos não deve ser entendida apenas como
uma deficiência da teoria contratualista – ela reflete mesmo a própria complexidade
inerente aos efeitos das decisões empresariais. A incerteza não deve ser vista apenas como
um mero obstáculo à tomada de decisões eficientes, pois também propicia uma vasta gama
de oportunidades e ganhos ainda não explorados pelas firmas. Combinado à contribuição da
abordagem das competências, o instrumental contratualista pode ter sua capacidade
explanatória sensivelmente ampliada, superando mesmo muitas de suas dificuldades
teóricas essenciais.
O foco da análise do comportamento empresarial num contexto de rápidas e
profundas transformações introduzidas pela disseminação tecnológica deve ser justamente a
inovação, compreendida como um processo que se desenvolve ao longo do tempo (ao
contrário das trocas ou contratos, teorizados estaticamente) e que é necessariamente
internalizado pelas firmas através do conhecimento tácito que emerge da habitualidade do
processo produtivo e dos esforços de pesquisa e desenvolvimento. A firma deve ser
compreendida como instituição que “aprende” e portanto é capaz de evoluir ao longo do
tempo. Como salientam Cohendet e Llerena (2001, p.18):
The acquisition and renewal of knowledge - tacit and formal - is crucial for survival, it
cannot be taken as pre-given, and it occurs at a variety of levels through a variety of means.
80
For such reasons, the firm has to be seen as much more than an allocating mechanism. It is
primarily a generator of resources, defined as distinctive knowledge and organisational
routines, locked in core and non-core competences.
Deve ser também denotado esforço no sentido de compreender a firma como uma
instituição evolucionária
. Isso implica na impossibilidade de analisar critérios estáticos de
eficiência, tais como aqueles empregados tanto pela teoria convencional quanto pela ECT.
A firma se encontra em permanente evolução tanto em virtude da mudança tecnológica
quanto da transformação do aparato institucional que a envolve, embora seja em última
análise o imperativo tecnológico o elemento determinante desse movimento. Uma firma
não pode existir enquanto identidade única na ausência das demais, ou seja, tomada
individualmente. Sua interação com o mercado é muito mais “personalista” que supõem as
abordagens focadas exclusivamente no estudo dos contratos e incentivos. A empresa
constrói sua identidade a partir de sua atuação no mercado, identifica vantagens
características e valores potenciais a serem desenvolvidos, para em seguida definir as
estratégias que condicionarão em longo prazo sua existência econômica. A firma constitui
também um privilegiado elemento de propagação cultural, porquanto é no seu ambiente
interno que, por excelência, são gestadas as mais novas tecnologias para as quais se avaliam
novas aplicabilidades produtivas e potencialidades de consumo.
A grande empresa também cumpre um papel fundamental na estabilidade do
sistema capitalista, sendo capaz de elaborar um planejamento de longo prazo onde as
decisões de investimento se encontram cada vez menos subordinadas ao estado de espírito
dos empreendedores e cada vez mais vinculadas às necessidades impostas pelo imperativo
tecnológico da indústria
3
. Além disso, firmas são estruturas de poder onde emergem
conflitos que não podem ser completamente previstos na forma de salvaguardas e provisões
contratuais. A incerteza característica das sociedades capitalistas é por si só o maior dos
incentivos ao uso pernicioso do poder econômico, através do qual grandes empresas tentam
submeter as menores aos imperativos de seu próprio planejamento, que por definição
possui um horizonte mais amplo que o das menores. No ambiente interno das firmas, a
3
Os economistas neoschumpeterianos, também denominados evolucionários, estudam o processo de mudança tecnológica
impulsionado pelas rotinas de inovação internalizadas pelas firmas, justamente para compreender a raiz do crescimento
econômico nos países capitalistas. Ver Dosi (1988) e Nelson e Winter (1982).
81
eclosão de conflitos de interesse, onde através do poder coercitivo alguns grupos
sobrepujam aos demais, se encontra também vinculada à competição entre funcionários
estimulada pelos administradores da empresa. Tais conflitos não podem ser tratados
isoladamente, através de contratos, da estratégia global da firma.
Embora ainda se encontre num estágio incipiente de desenvolvimento, a teoria da
firma com base na abordagem das competências apresenta uma notável capacidade
explanatória e flexibilidade instrumental, o que a torna a mais promissora dentre as
abordagens evolucionárias de estudo do comportamento empresarial. A analogia do
processo de interação das firmas na sociedade com a seleção natural das espécies permite
uma apreensão completamente nova dos fenômenos microeconômicos. Sem perder de foco
conceitos tradicionais como a estrutura de mercado e a eficiência produtiva em termos de
custos, a abordagem das competências resgata ainda o papel da concorrência,
compreendida como uma luta pela sobrevivência não apenas das empresas, mas também de
suas estratégias de inovação tecnológica e adaptação a um ambiente em constante mutação.
Por isso, quando aplicamos o conceito de seleção natural ao universo
microeconômico, não estamos tratando apenas da sobrevivência das firmas mais capazes,
mas, sobretudo, da permanência das estratégias organizacionais que se revelam bem-
sucedidas. A firma não deve ser compreendida como uma mera estrutura de regras e
incentivos, mas como um organismo verdadeiramente vivo, dotado de inúmeros elementos
que, embora interagindo em seu interior, não obstante possuem uma identidade de
propósitos que dá coerência ao todo, quando analisado do ponto de vista externo. Qualquer
organismo social, independente da finalidade a que se destine ou de sua natureza
proprietária, é por si só uma instituição, e, portanto, representa antes de tudo a afirmação de
um determinado valor ou conjunto de valores na sociedade. Destarte, sua capacidade de
sobrevivência e adaptação depende não apenas das condições materiais impostas pelo
mercado, mas, sobretudo, da identificação da sociedade em um determinado momento
histórico com a escala de valores representada por essa instituição.
82
Marx concebia o capital enquanto valor que se reproduz. De forma análoga,
Nietzsche introduz na filosofia o conceito de vontade de potência como algo que quer
sempre se expandir, para explicar, entre outras coisas, a necessidade do homem de buscar
cada vez mais conhecimento e tentar abarcar o universo em sua consciência. Embora
divergissem radicalmente em diversos temas, tais autores tinham uma visão comum do
conhecimento humano, concebido por eles não apenas como consciência, mas como
verdadeira dominação da natureza que nos cerca. Enquanto observado em sua natureza
pecuniária, tal qual fazem os marxistas, o capital se expande através da intensificação e da
introdução de novas formas de exploração do trabalho humano. Mas esse enfoque
materialista em geral negligencia a análise da formação e da evolução das estruturas
institucionais que dão suporte formal às relações produtivas existentes no âmago das
sociedades capitalistas. Assim como o capital, e emprestando a terminologia nietzschiana,
podemos afirmar que todo valor humano também
deseja
se expandir – e na incessante luta
de valores no interior de uma sociedade, há sempre a afirmação de uns sobre os outros, e
jamais um equilíbrio de forças.
O institucionalismo guarda uma profunda identificação com o pensamento
marxista, manifesto no caráter essencialmente dinâmico da análise dos fenômenos
econômicos, na concepção dialética da relação de mútua determinação entre o ambiente
produtivo material e a esfera institucional que lhe legitima e lhe dá suporte, na centralidade
da história para a compreensão do processo de evolução das instituições, e na necessária
endogenia das preferências individuais (crenças, valores e princípios), subordinadas à
influência do ambiente institucional que compõe a realidade histórica do indivíduo. Veblen
(1968) concebia a firma capitalista como um instrumento ativo de inovação tecnológica e
mesmo de transformação cultural, através da difusão de novos hábitos e valores na
sociedade. A inovação tecnológica desenvolvida no ambiente da firma desencadeia uma
profunda mudança de valores na sociedade, que poderia pôr em risco todo o arranjo
institucional vigente. A fim de evitar rupturas institucionais dramáticas, que poderiam
redundar em crises e revoluções sociais, as elites intelectuais e políticas de uma sociedade,
aliadas à nobreza, ao clero ou a oligarquias estamentais, aglutinam-se no bojo de uma
83
classe ociosa
, cujo principal papel é justamente o de retardar os efeitos transformadores
precipitados pela mudança tecnológica (VEBLEN, 1983).
As firmas são instrumentos de propagação desses valores, mas também são capazes
de transformá-los, através da introdução de novas técnicas e hábitos que questionam
decisivamente o padrão institucional hegemônico na sociedade. Por isso resulta incompleta
uma análise da trajetória do capitalismo que privilegie exclusivamente os conflitos
existentes na base produtiva da sociedade, negligenciando o processo de afirmação de
novos valores e negação de outros, que se dá de modo paralelo na superestrutura. Do
conflito de valores pode emergir uma mudança qualitativa fundamental no sistema, com
impacto sobre todas as outras esferas de interação social.
O progresso científico não se dá, de modo algum, de forma unidirecional e
inambígua – freqüentemente, a opção por uma determinada tecnologia em detrimento de
outra não obedece a critérios de eficiência operacional, mas antes a imperativos de ordem
econômica, cultural e até mesmo política. Do mesmo modo, na competição entre firmas
prevalece a estratégia cujos valores sociais a ela associados melhor se identificam com
aqueles dominantes na comunidade. Por isso se torna fundamental para as firmas a
persuasão de novas camadas da sociedade ao consumo de seus produtos e à adoção de
novos hábitos e costumes, através da propaganda e da formação de opinião por parte de
técnicos e burocratas envolvidos com o processo de desenvolvimento de novas tecnologias.
Em última análise, a concorrência opera numa dimensão muito mais ampla, envolvendo
um conflito de idéias, valores e hábitos, e não apenas limitado a fatias de participação no
mercado.
Ao definir sua estratégia de atuação, em razão da
incerteza
, a firma é incapaz de
antecipar com elevado grau de confiabilidade todos os eventos futuros capazes de causar
mudanças significativas nas condições de mercado e, por conseguinte, nos próprios custos
de transação por ela estimados. Em razão disso, se torna conveniente a adoção de um
comportamento defensivo, onde se mesclam
microestratégias
de ajustes pontuais e de curto
prazo nas rotinas secundárias às “atividades-foco” da firma (ex. terceirização,
84
subcontratação e crescimento vertical), com a predominância de um enfoque estritamente
economicista ao qual a teoria dos custos de transação parece se adaptar com bastante
conveniência, e
macroestratégias
que não são definidas pela mera apropriação de custos,
mas envolvem rotinas fundamentais à sobrevivência da firma no longo prazo, a exemplo da
inovação tecnológica e da escolha das “atividades-foco”, as quais exigem um tratamento
teórico especial, que a nosso ver se aproxima inexoravelmente daquele proposto pela
economia evolucionária. Não há aqui, portanto, uma rivalidade de caráter irreconciliável,
mas antes uma necessária complementaridade, exigida pela própria natureza complexa dos
fenômenos relacionados à atividade produtiva capitalista.
Cremos, afinal, ser não apenas factível, mas também extremamente profícuo para o
progresso de nossa ciência, o desenvolvimento de uma teoria institucionalista da firma que
conjugue elementos oriundos tanto da teoria dos custos de transação quanto da abordagem
das competências. As eventuais divergências entre essas abordagens devem ser vistas antes
como diferentes faces de uma mesma construção teórica, que se modifica de acordo com o
escopo e a natureza do objeto de análise. Assim, quando estudamos o comportamento
organizacional no curto prazo, onde as condições de mercado são relativamente estáveis e
são limitados os impactos de transformações tecnológicas, faz sentido uma análise mais
restrita que enfoque a questão da economia de custos e da busca de eficiência
quantitativa
,
prevalecendo, portanto, uma visão mais próxima daquela adotada pelo contratualismo de
Williamson. Por outro lado, ao buscarmos compreender a atuação da firma em contextos
espaciais e temporais mais amplos, nos quais encontramos diversas perturbações oriundas
de choques tecnológicos e mudanças institucionais, e onde as firmas respondem aos
desafios da incerteza através da elaboração de estratégias singulares de atuação cuja
eficiência é de natureza
qualitativa
, devemos nos concentrar na análise do processo de
mudança tecnológica e de sua propagação pelo meio econômico e institucional, e destarte
devemos privilegiar a abordagem evolucionária.
Como já salientamos anteriormente, nosso propósito neste trabalho foi demonstrar a
possibilidade de construção de uma teoria do comportamento empresarial com base no
arcabouço desenvolvido pelo institucionalismo econômico. Nossa análise teve caráter
85
eminentemente apreciativo, em virtude da dificuldade em estabelecer consensos entre as
diferentes abordagens institucionalistas de modo a permitir uma simplificação conceitual
que não prejudicasse a proficuidade e a amplitude de suas contribuições à ciência
econômica. Além disso, nossos objetivos neste estudo podem ser considerados
relativamente modestos, haja vista que nos limitamos antes a demonstrar a viabilidade de
um projeto microeconômico institucionalista que conjugue elementos evolucionários e
contratualistas, o qual se acha ainda em fase bastante incipiente de desenvolvimento, do
que buscar de algum modo evidenciar sua superioridade em relação à teoria convencional.
Cremos ter alcançado essa meta na medida em que evidenciamos a riqueza teórica e a
evidente compatibilidade das principais abordagens institucionalistas, o que nos permite
vislumbrar, num futuro próximo, a emergência de uma teoria microeconômica híbrida e
dotada de coerência formal, flexibilidade analítica e poder explanatório únicos.
Não poderíamos, pois, encontrar melhores palavras para sintetizar nossa proposta de
trabalho que aquelas brilhantemente empregadas por Hodgson (2001a, p.118-119, grifo
nosso) num artigo onde aponta direções para uma futura agenda de pesquisa
institucionalista:
Uma vez reconhecido que a atividade humana só pode ser compreendida como emergindo
em um contexto de algumas instituições pré-existentes, somos mais aptos a enfocar os
efeitos das restrições institucionais e da “causação de cima para baixo” sobre os indivíduos,
assim como a compreender como interações entre indivíduos dão lugar a novas formas
institucionais. [...] a emergência e a estabilidade de algumas instituições podem ser
reforçadas por processos em que restrições e canais institucionais levam à formação de
hábitos de pensamento e comportamento concordantes. Esses argumentos indicam uma
abordagem mais ampla da evolução das instituições, diminuindo a importância de
comparações estáticas em favor de análises baseadas em processos e algoritmos.
Evidencia-se, portanto, a necessidade e a viabilidade de uma análise dinâmica do
comportamento organizacional, capaz de explorar o amplo leque de possibilidades teóricas
introduzido pelos autores excluídos do
mainstream
econômico. Temos convicção de que o
institucionalismo se apresenta hoje plenamente capaz de preencher o vácuo da teoria
microeconômica convencional, coroando assim o esforço crítico do pensamento econômico
heterodoxo.
86
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