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UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO –UNIRIO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CCH
Mestrado em Memória Social e Documento
Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago: Reinvenção de
memórias, identidades e tradições no Rio de Janeiro (1977-2004)
Cláudia Bezerra Mergulhão
Rio de Janeiro, Jan.2005.
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1
Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago: Reinvenção de
memórias, identidades e tradições no Rio de Janeiro (1977-2004)
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção de grau de Mestre em
Memória Social e Documento da UNIRIO
Por
Claudia Bezerra Mergulhão
Orientadora: Profª Drª Icléia Thiesen
Rio de Janeiro, jan.2005.
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2
Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago: Reinvenção de
memórias, identidades e tradições no Rio de Janeiro (1997-2004)
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Profº Dr. Marco Aurélio Santana (UNIRIO)
___________________________________________________
Profª Drª Sandra Jatahy Pesavento (UFRGS)
_______________________________________________________
Profª Drª Icléia Thiesen (Orientadora) (UNIRIO)
___________________________________________________
Profª Drª Joana Ferraz (Suplente)
3
A Deus que me capacitou a chegar ao
Mestrado em Memória Social e Documento da
UNIRIO;
Aos meus pais Luiz e Rose e minha avó
(materna) Beatriz (in memoriam), primeiros
mestres em História e Memória, que me
possibilitaram, desde cedo, a visão imparcial de
múltiplas ideologias. Com eles aprendi a
entender a preciosidade das diferenças na
construção das Identidades Sociais;
A João Irineu Wittmann, marido,
companheiro amoroso nos projetos e na vida,
que com acuidade e constância incentiva-me a
descobrir novos caminhos;
E a todos os que “estão”
Desgarrados do Pago.
4
AGRADECIMENTOS
A minha tia Magaly e aos primos Flávia e Antonio Andrade Jr., pelo amor,
solidariedade, amparo e apoio logístico, que me ajudam a superar obstáculos e saudades;
As amigas Andréa e Nereida de Campos, Débora Rodrigues, Ana Rosa, e ao casal
Emerson e Tânia Jatobá, todos sempre disponíveis nas horas improváveis.
À Vera Lúcia Cortes Abranches, do IBGE, pelo apoio na formatação das tabelas.
Ao presidente da Sociedade Sul Riograndense Américo Jará Serpa que
disponibilizou todos os documentos, acessos e informações indispensáveis a esta pesquisa.
A todos os entrevistados, especialmente a Paixão Côrtes, que há 57 anos começou a
escrever as páginas do Movimento Tradicionalista Gaúcho que motivou a criação do
Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago, e esta pesquisa.
A profª Drª Icléia Thiesen, minha competente e imprescindível orientadora, que
com sua acuidade acadêmica, sábia e constante exigência carinhosa, soube me conduzir ao
caminho da compreensão do processo fascinante da pesquisa.
Ao profº Drº Marco Aurélio Santana, por seus relevantes ensinamentos e sugestões,
especialmente durante a banca de qualificação, fundamentais neste processo de pesquisa, e,
por sua atuação como coordenador em nossa linha de pesquisa, mostrando–se sempre
disponível aos alunos.
A profª Drª Sandra Jatahy Pesavento, cuja valiosa contribuição a esta pesquisa
estimulara-me a prosseguir na busca de maior conhecimento sobre a identidade gaúcha.
A profª Helga Iracema Langraf Piccolo, que, ao dividir comigo conhecimentos
sobre o tema, enriqueceu esta bibliografia.
À CAPES, pela bolsa concedida, sem a qual o processo de pesquisa teria sido mais
difícil.
5
“No coração do Rio Grande um dia eu fui morar
lá encontrei muito amor lá aprendi a amar
naqueles pagos chegado qual aconchego de um lar.
Nas entranhas do Rio Grande a cultura e a tradição
os valores se entrelaçam em confraternização.
Lá eu vi a gauchinha vi também o velho peão
a cantar a prenda minha com sua canha e o chimarrão.
Na convivência crioula o Rio Grande me mostrou
toda beleza da vida o seu sentido o que sou
vi o guasca e a chinoca
o minuano e o pampeiro
vi bandos de quero-quero
o chicote e o cavalo do negro do pastoreio.”
(Oswaldo Medeiros)
6
RESUMO
Esta pesquisa trata da memória, da identidade e da tradição gaúchas reinventadas no
Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago, fundado no Rio de Janeiro, em 1977,
como um departamento da Sociedade Sul Riograndense (SSR), existente desde 1857, na
mesma cidade. Tem como objeto geral caracterizar e analisar o CTG Desgarrados do Pago,
no período de 1977-2004, especialmente no que se refere ao papel desempenhado na
construção de estratégias de manutenção e divulgação dos elementos que conformam a
identidade gaúcha. A metodologia da História Oral, com a realização de entrevistas
temáticas, permitiu maior familiaridade com o tema e seus desdobramentos em questão e
hipóteses centradas na discussão sobre a identidade gaúcha “reinventada” no Rio de
Janeiro. Quais as estratégias construídas para preservar essa identidade e seus elementos?
Como se expressam as relações de pertencimento do universo gaúcho reinventado no CTG
Desgarrados do Pago? Os resultados indicam diferentes modos de ver e de sentir a
identidade gaúcha, assim como a incorporação de hábitos adquiridos no espaço de
convivência do CTG.
Palavras-Chave: CTG Desgarrados do Pago; memória e identidade no Rio de Janeiro.
ABSTRACT
This project focuses on Memory and Identity of the Gaucha tradicions, reinvented through
the Center of Gauchas Tradicions(CTG) Desgarrados do Pago, established in 1977 in Rio
de Janeiro initially as an office of the Sociedade Sul Riograndense(SSR), which was
founded in 1857 in the same city. The purpose of this paper is to characterize and analyze
CTG Desgarrados do Pago during the 1977-2004 period, particularly its role in designing
strategies thematic interviews (even exploratory ones), the oral history methodology allows
greater familiarization with the theme and its related subjects, which in turn gives rise to
developments on the hypothesis of the reinvented Gaucha identity in Rio de Janeiro.
Which strategies have been chosen to preserve this identity and its elements? How do these
expressions of belonging take place in reinvented Gaucho universe under the CTG
Desgarrados do Pago? The results indicate different ways to perceive an incorporate the
gaucha identity, diverse as the new habit acquired while attending CTG.
Key Words: CTG Desgarrados do Pago; Gaucho Memory and Identity in Rio de Janeiro.
7
SUMÁRIO
Resumo vii
Lista de Figuras viii
Lista de Anexos xix
1. Introdução 10
2. Procedimentos Metodológicos 15
2.1. História Oral 19
3. Memória, Espaço e Imaginário: a reinvenção de identidades e tradições 24
4. Da Sociedade Sul Riograndense ao Centro de Tradições Gaúchas
Desgarrados do Pago (1857-1977) 36
4.1. Sociedade Sul Riograndense 38
4.2. O CTG Desgarrados do Pago – criação, propostas, estrutura 52
4.3. Etnografia do espaço: ver, descrever, reviver 66
5. A reinvenção da identidade gaúcha no Rio de Janeiro: estratégias de
memória 72
5.1. A reinvenção da memória do CTG Desgarrados do Pago 79
5.2. Elementos identitários: das tradições à ética gaúcha 89
6. Considerações finais 100
Referências 103
ANEXOS 107
8
LISTA DE FIGURAS
1 Brasão da Sociedade Sul Riograndense 39
2 Foto do “Grupo dos Oito” a cavalo, em 1947 45
3 Brasão de Armas do MTG 49
4 Foto da Secretaria da Sociedade Sul Riograndense 53
5 Foto da Cuia de Chimarrão e dos apartamentos da Sociedade Sul Riograndense 56
6 Lenço Farroupilha 60
7 Brasão do CTG Desgarrados do Pago 61
8 Capa do Regimento Interno do CTG Desgarrados do Pago 62
9 Exemplo de ficha verde, para cadastro de sócios gaúchos 63
10 Exemplo de ficha amarela, para cadastro de sócios não gaúchos 63
11 Mapa de Santa Cruz 66
12 Entrada da sede da Sociedade Sul Riograndense 68
13 Vista da piscina da Sociedade Sul Riograndense 68
14 Foto da Cuia de Chimarrão próxima ao campo de esportes 69
15 Frente dos Galpões do CTG 70
16 Foto do presidente da SSR e de sua esposa 72
17 Bombacha 92
18 Foto de Paixão Côrtes durante nossa entrevista em Porto Alegre 129
19 Paixão Côrtes e a estátua “O Laçador 129
20 Algumas publicações de Paixão Côrtes 130
9
LISTA DE ANEXOS
Anexo I – Roteiro de Entrevistas 108
Anexo II – Cronologia 109
Anexo III – Hino do Rio Grande do Sul 112
Anexo IV – Bibliografia de Antonio Álvares P. Coruja 113
Anexo V – Carta de Princípios do Tradicionalismo Gaúcho 115
Anexo VI – Sentido e Valor do Tradicionalismo 117
Anexo VII – Biografia de Barbosa Lessa 122
Anexo VIII – Decretos e Leis 124
Anexo IX – Estatutos da Sociedade Sul Riograndense 126
Anexo X – Estatuto MTG 127
Anexo XI– Fundações 128
Anexo XII – Bibliografia de Paixão Côrtes 129
Anexo XIII – Alvarás do CTG Desgarrados do Pago 131
10
1. Introdução
Em 1835 era iminente uma rebelião da então Província de São Pedro do Rio
Grande, face às práticas políticas e econômicas de exploração e distanciamento impingidas
pelo Império, como altos impostos ao charque e ao gado gaúcho, entre outras.(Spalding,
1982).
Nesse cenário de tensão, já esticado desde a perda do Uruguai em 1828, nas
Guerras Cisplatinas, criadores de gado (Estancieiros) e chefes de grupos militarizados da
fronteira (Caudilhos) e os Charqueadores, liderando boa parte da população, decidiram
romper com o Império (Fausto, 2001). A deflagração da Revolução Farroupilha ocorre em
20 de setembro desse ano, sob o comando do Maçom, General e Estancieiro Bento
Gonçalves ao tomar a cidade de Porto Alegre de assalto. No ano seguinte os Farrapos
decretam a República Riograndense, tendo por presidente Bento Gonçalves, à época preso
no Forte do Mar, Bahia, de onde foge em 10/09/1836, e em 16/11/1837 toma posse na
presidência. É o começo daquela que se tornou a mais conhecida de todas as insurreições
ocorridas no Brasil do século XIX, durante o período de Regência (1822-1840), no pós-
Abdicação de D.Pedro I em favor de seu filho D.Pedro II. Durante a Regência o País foi
governado por figuras políticas, até que o Imperador tivesse sua maioridade antecipada em
1840. No início foram estabelecidas, segundo Maestri (2001,62-3) Regências Trinas (de
junho de 1831 a outubro de 1835), tendo sido nomeados
O senador Marquês de Caravelas, o principal conspirador da
Constituição e eminência do antigo regime; o senador Nicolau Pereira
dos Campos Vergueiro, chefe da conspiração liberal e grande
proprietário, e o brigadeiro Francisco de Lima e Silva, comandante
efetivo das tropas da Corte e grande senhor de terras e de escravos na
Província do Rio de Janeiro.(...) a Assembléia Geral elegeu a Regência
Permanente com mandato até outubro de 1835, composta por José da
Costa Carvalho, João Bráulio Muniz o brigadeiro Francisco de Lima e
Silva na função.
Após a Regência Trina passou a vigorar a Regência Una (de outubro de
1835 a setembro de 1837) cuja titularidade coube ao padre Diogo Feijó “que se destacara
por seu autoritarismo como ministro da Justiça” (Maestri, 2001:76).
A Revolução Farroupilha durou 10 anos sem que houvesse qualquer sinal de
rendição por parte dos farrapos. No dia “1º de março de 1845, em virtude da aceitação do
Tratado de Paz por parte dos farrapos e da proclamação de Davi Canabarro, feita na
11
véspera, o (então) barão de Caxias proclama, definitivamente, a pacificação” (Spalding,
1892: 22). No Tratado de Paz assinado no acampamento de Poncho Verde, no Rio Grande
do Sul, as principais reivindicações dos Revolucionários foram aceitas, como anistia geral
aos revoltosos, “os oficiais farroupilhas integraram-se, de acordo com suas patentes, ao
Exército brasileiro, e o governo imperial assumiu as dívidas da República Riograndense”
(Fausto, 2001: 93).
Doze anos mais tarde, um destes revolucionários, o filólogo e gramático
Antonio Álvares Pereira Coruja fundou, no Rio de Janeiro, junto com outros riograndenses
abastados, uma Sociedade Beneficente para socorro aos gaúchos necessitados e desejosos
de retornar à Província, ou para seu sustento na Corte. No início do Século XX, em 1910, e
atuando ininterruptamente, esta Sociedade foi acrescentando às suas funções humanitárias,
a preocupação na preservação das tradições gaúchas, como as comemorações do Dia do
Gaúcho em 20 de setembro, alusão à Revolução Farroupilha e ao seu passado histórico,
evoluindo para criar um século depois, um Departamento de Tradições.
Esta dissertação trata do Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do
Pago, fundado em 20 de setembro de 1977, na cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Santa
Cruz. Criado sob a égide da identidade e da memória riograndense, com a função de
divulgar e preservar a Cultura, a Memória e as Tradições gaúchas dentro e fora do Estado
do Rio Grande do Sul.
O Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago caracteriza-se pelos
seus fins, realizações e práticas culturais, visando preservar e divulgar a Memória, a
Cultura, Tradições e Identidade riograndenses, explicitadas no vocabulário, na culinária, na
indumentária, nas danças típicas apresentadas nas Invernadas Artísticas, nas Tertúlias
(Festivais de música nativista), nos símbolos preservados dentro e fora do espaço do CTG
e espalhados no espaço que divide com a Sociedade Sul Riograndense.
Como estratégia de preservação dessa memória, admite a participação de
não gaúchos no seu quadro social, e, desde 2001, um paulista atua como patrão, que é o
termo a designar o presidente do CTG, além de promover Costeladas abertas ao público.
Trata-se de um churrasco típico gaúcho, com metade de uma rês, assada lentamente em
vala com braseiro, por 12 horas.
12
Nesse sentido, cabe perguntar: qual a razão de existir do CTG Desgarrados
do Pago no Rio de Janeiro? O que ele representa e, em que medida suas estratégias de
sobrevivência alcançam seu propósito? Quais as características de cultura gaúcha que o
referido CTG busca reproduzir e perpetuar nessa Instituição?
Para discutir e analisar essa atualização da identidade e memória gaúcha no
CTG Desgarrados do Pago é preciso retornar no tempo que leva à Sociedade Riograndense
Beneficente e Humanitária, fundada no Rio de Janeiro em 1857 (mais tarde, Sociedade Sul
Riograndense Beneficente e Humanitária), por 25 gaúchos (dentre os quais alguns maçons)
para auxílio e proteção aos riograndenses
5
moradores da Corte do Rio de Janeiro.
A importância e singularidade do CTG Desgarrados do Pago evidencia-se
na sua inserção como Departamento da Sociedade Sul Riograndense (SSR), atuando juntos
como mediadores dos valores tradicionalistas, supostamente detentores da memória e
cultura gaúcha, e estabelecendo no mesmo espaço uma única relação, uma vez que não
existem diferentes estatutos, são ambos órgãos únicos, e desta maneira se apresentam
como Sociedade Sul Riograndense – CTG Desgarrados do Pago.
Dessa forma, esta dissertação procura identificar e compreender possíveis
estratégicas de manutenção e atualização de memórias, tradições e identidades gaúchas no
espaço de uma das instituições mais antigas no Brasil. Para isso, o estudo se divide em seis
partes: na primeira a apresentação do tema; a segunda traz os procedimentos
metodológicos e a relevância da utilização da História Oral; na terceira identificamos os
procedimentos teóricos pertinentes ao estudo da memória, espaço e imaginário, na
reinvenção de identidades e tradições; a quarta parte analisa a estrutura da Sociedade Sul
Riograndense (SSR) e do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), a trajetória de
ambos e a motivação de seus respectivos fundadores: Coruja e Paixão Côrtes. Serão
analisadas também as influências de ambos no movimento tradicionalista gaúcho e na
fundação do Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago, assim como a presença da
Maçonaria nestas instituições. Descreve e analisa o espaço do CTG Desgarrados do Pago
em seus múltiplos aspectos e seu uso como fonte de conflitos entre sócios e ex-sócios da
Sociedade Sul Riograndense e CTG Desgarrados do Pago; na quinta parte abordaremos a
reinvenção da identidade gaúcha no Rio de Janeiro, suas estratégias de memória, valores
5
1ª Ata de fundação da Sociedade Sul Riograndense, à época Sociedade Riograndense Beneficente
Humanitária.
13
identitários. A última parte apresenta as considerações finais sobre esse espaço, essa
memória em reconstrução da SSR, onde também se encontra o CTG Desgarrados do Pago
e as estratégias de manutenção e atualização dessa identidade presente na sociedade.
1.1. Objetivos
1.1.1. Objetivo Geral
A pesquisa tem como objetivo caracterizar e analisar o CTG Desgarrados do
Pago – RJ, no período de 1977-2004, especialmente no que se refere ao papel
desempenhado na construção de estratégias de manutenção e divulgação dos elementos
que conformam a identidade gaúcha, bem como de memórias construídas no espaço do
CTG.
1.1.2. Objetivos Específicos
Analisar o papel da Sociedade Sul Riograndense – (SSR) no seu propósito de criar
o CTG Desgarrados do Pago em 1977 como Departamento;
Analisar a estrutura da SSR e de seu CTG; bem como a relevância histórica
pertinente a suas atuações e repercussões no Rio de Janeiro;
Descrever o Movimento Tradicionalista Gaúcho, que originou o Centro de
Tradições Gaúchas na década de 40, com seus objetivos e estruturas
administrativas.
1.2. Hipóteses
O CTG Desgarrados do Pago elabora estratégias de sobrevivência e de
reprodução de memória, tradição, cultura e folclore gaúchos. Verifica-se como o CTG
Desgarrados do Pago vive e existe a partir da história e da memória da SSR.
A identidade gaúcha é reinventada no CTG, a partir das práticas sociais ali
organizadas e reproduzidas em diferentes ocasiões. O ser gaúcho seria o resultado de uma
identificação contingente e fluida, uma vez que a identidade não é o que permanece
necessariamente idêntico, pois tudo está submetido a mudanças.
Nesse sentido, é importante problematizar os atributos do ser gaúcho, cuja
identidade se quer preservar e ritualizar no CTG Desgarrados do Pago.
14
Por outro lado, a memória construída no CTG, ao que tudo indica, é fruto
das estratégias definidas na proposta de criação do CTG. Em que medida essa memória,
estreitamente vinculada ao “ser gaúcho” escapa das estratégias mencionadas?
15
2. Procedimentos Metodológicos
Considerando que um dos objetivos nas Ciências Sociais é histórico, que as
sociedades humanas estão inseridas em determinados espaços, demarcados por uma
conformação social específica, é preciso elaborar critérios que venham orientar, de forma
mais precisa, a compreensão das relações entre individuo, e suas representações, como as
tradições, memória e identidade.
Dentre os procedimentos metodológicos optou-se por uma abordagem
qualitativa, caracterizada pelo tipo de dados coletados e análises realizadas. Sabe-se que a
pesquisa qualitativa está fundada em dados coligidos nas interações entre indivíduos, e
analisados pela significação destes. Ou, como resume Chizzotti, na “pesquisa qualitativa é
(também) o pesquisador quem participa, compreende e interpreta” (Chizzotti, 1998:52).
A abordagem qualitativa entende que há uma relação entre o mundo real e o
sujeito, uma interdependência presente entre sujeito-objeto e um vínculo entre o mundo
objetivo e a subjetividade do sujeito. O autor afirma, ainda, que a pesquisa qualitativa
caracteriza-se pela delimitação e formulação do problema, Chizzotti,1998:81.
Identificação do problema e sua delimitação pressupõe uma imersão do
pesquisador na vida e no contexto, no passado e nas circunstâncias
presentes que condicionam o problema. Pressupõem partilhar práticas
das experiências e percepções que os sujeitos possuem desses problemas,
para descobrir os fenômenos além de suas aparências imediatas.
Goldenberg (2002: 62) afirma que diferentes abordagens de pesquisa podem
vir a esclarecer outras questões ainda não levantadas, uma vez que “é o conjunto de
diferentes pontos de vista, e diferentes maneiras de coletar e analisar os dados, que permite
uma idéia mais ampla e inteligível da complexidade de um problema”. Ela ainda aponta
(2002:33) o estudo de caso como capacitado a atender e explicar as singularidades, pois,
Não é uma técnica específica, mas na análise holística, a mais completa
possível, que, considera a unidade estudada como um todo, seja um
indivíduo, uma família, uma instituição ou uma comunidade, e com o
objetivo de compreende-los em seus próprios termos.
Para realização desta dissertação foram coletados e analisados documentos
existentes na Sociedade Sul Riograndense e CTG Desgarrados do Pago, tais como Atas
(dos períodos que antecederam a criação do CTG Desgarrados do Pago, ou seja, de 1857 a
1977), Estatutos, Decretos e Fichas dos Associados. Durante nossa pesquisa foram
16
realizadas 14 entrevistas de História Oral
1
com sócios atuantes
2
, sócios afastados
3
,
suspensos temporariamente ou definitivamente. As entrevistas, na sua maioria, foram
realizadas com gaúchos, com apenas dois não gaúchos, sendo um carioca e um paulista.
O estudo do CTG Desgarrados do Pago poderá viabilizar a compreensão e
análise das características desse núcleo gaúcho presente no Rio de Janeiro, contribuindo
para os estudos sobre identidade gaúcha, expressa em narrativas orais. Observa-se também
que, através desse tipo de análise, pode-se perceber as particularidades de cada um, no
espaço onde se dividem e se consolidam as relações entre CTG e a Sociedade Sul
Riograndense.
Nesse sentido, a História Oral possibilita captar experiências de vida,
biografia, trajetórias e vivências individuais e coletivas sobre fatos da vida cotidiana e de
acontecimentos históricos. O documento oral que ela produz carrega subjetividade
“característica inerente às fontes na medida em que são formuladas, organizadas,
arquivadas, e recuperadas, seguindo uma lógica absolutamente subjetiva. A subjetividade
das fontes é um fato concreto, inseparáveis e inegáveis” (Fernandes, 1996).
Assim, nesse estudo sobre tradições, memórias e identidades presentes no
CTG Desgarrados do Pago, é fundamental utilizar a metodologia da História Oral para
recuperar as lembranças dos seus participantes, freqüentadores e ex-sócios, pois a sua
memória é essencial para compreender as representações e redes de alianças. Redes
capazes de agregar poderes – para manutenção do status quo
4
- através da ajuda mútua
dispensada aos que dela participam. “Através dos relatos orais ficamos mais perto dos
indivíduos, de suas emoções, de seu cotidiano e de suas escolhas” (Amado & Ferreira,
1996: xxv).
Como parte importante desta pesquisa foram realizadas 14 entrevistas
objetivando a compreensão e análise do objeto de estudo (Quadro I, p.23). Uma vez que
esta pesquisa é de natureza qualitativa, escolheu-se entrevistar associados e ex-sócios
participantes do CTG Desgarrados do Pago desde a sua criação até os dias atuais. Entre os
1
Conforme Roteiro de Entrevista, Anexo 1.
2
Que freqüentam regularmente a Entidade, ver Tabela 1 fichas de gaúchos e não gaúchos.
3
Ex-sócios, que não freqüentam mais a Entidade. Ver Quadro 1- Entrevistas
4
A presidência da SSR só pode ser ocupada por maçons. O presidente atual está no cargo desde 1996,
segundo relatos, ele se mantém n o posto através de fortes relações com a Maçonaria, que se interessa em
custear sua diretoria em troca de manter-se presente nos cargos de liderança.
17
não nascidos no Rio Grande do Sul, apenas três participam desta pesquisa uma vez que
representam os que se identificam com a cultura gaúcha. A entrevista nº 1 foi realizada
com a historiadora Sandra Jatahy Pesavento, professora da UFRGS, da linha de pesquisa
Cidade e Cultura. Os dados nela coletados, de natureza teórica, iluminaram alguns aspectos
do tema em estudo, em especial o binômio identidade/alteridade no espaço do CTG. A
entrevista nº11 foi realizada com a também professora da UFRGS, a historiadora Helga
Iracema Landraf Piccolo, da linha de pesquisa história política do século XIX. Sua análise
sobre o desenvolvimento político cultural do gaúcho até o movimento tradicionalista, além
de suas sugestões valiosas a nossa bibliografia enriqueceram esta pesquisa. A escolha de
todos os entrevistados obedeceu ao seguinte critério: importância e relevância de suas
informações para este trabalho, na medida em que mantém relações com o CTG
Desgarrados do Pago e a Sociedade Sul Riograndense.
Procurou-se entrevistar grupos distintos de sócios e ex-sócios, para não
incorrer em um discurso único. As entrevistas 2, 3, 4 e 5 foram realizadas no espaço da
Sociedade Sul Riograndense, no dia 06/12/2003, quando foram ouvidos sócios e
componentes da atual diretoria da Entidade. Para a entrevista nº 2, escolhemos o presidente
da SSR, Américo Serpa, para que o discurso institucional pudesse constar desse estudo. Do
mesmo modo, a entrevista nº 3 foi realizada com o Patrão do CTG Desgarrados do Pago, o
paulista Clóvis Correia. Ambas as entrevistas foram realizadas na sala da presidência, em
horários diferentes, e sem a presença de expectadores.
As entrevistas 4 e 5, foram realizadas a partir de sugestão dos entrevistados
Américo Serpa e Clóvis Correia, e, apesar de não agendadas, optamos em executá-las pela
dificuldade em prever uma data que atendesse as necessidades dos entrevistados – ambos
com viagem marcada para aquele mês. As entrevistas 4 e 5 foram feitas com sócios
atuantes da entidade, Odir Paulino Tonim e José Nicolau dos Santos, respectivamente
secretário e presidente do Conselho Fiscal. José Nicolau dos Santos
5
é responsável pelo
bolicho
6
, e que à época também vendia camisas com Logotipo da Sociedade e CTG
Desgarrados. Odir Tonim é atuante na Sociedade, cuida da Costelada, também é visto
atuando no plantio e conservação dos jardins da Sociedade.
5
No dia seguinte a entrevista ele foi suspenso por 6 meses. Até o momento não retornou a Sociedade Sul
Riograndense. Com a suspensão, deixou o Bolicho e a presidência do Conselho. No capitulo 5 discutiremos
melhor o episódio e suas conseqüências para a entidade.
6
Bolicho é uma espécie de bar/lanchonete, dentro do galpão do CTG.
18
A entrevista 6, feita com outro sócio, o advogado e procurador da SSR
Emerson Ocampos Jatobá, foi realizada fora do espaço da Sociedade, na residência de um
gaúcho de São Borja, Dirceu Trilha, no dia 14/05/2004. Gaúcho de Uruguaiana, Emerson
Jatobá é político
7
, Maçom, como a maioria da diretoria da Sociedade Sul Riograndense.
Embora participe da diretoria, discorda dela na sua relação com os sócios, e tenta promover
a transferência da Sociedade para um bairro “mais perto de todos”, para aumentar sua
freqüência e sobrevivência, em função também dos problemas financeiros da Entidade.
As entrevistas de 7 a 9 foram realizadas respectivamente com os irmãos
Edemir Antonio, Wladimir Machado de Oliveira e Marcus Machado, todos ex-sócios da
SSR, que podem ser considerados como integrantes de uma dissidência política na
entidade. Edemir e Wladimir participaram do primeiro CTG do Rio de Janeiro, o CTG
Estância dos Gaudérios
8
, junto com seu pai Ireno Machado de Oliveira. No começo da
década de 70, Wladimir Machado passou a freqüentar a Sociedade Sul Riograndense um
pouco antes da criação do CTG Desgarrados do Pago. Em 1978 Edemir chega ao
Desgarrados, e na década de 80 convida o carioca Marcus Machado para sócio. Os três
desenvolvem a Invernada da entidade. Marcus Machado é duas vezes escolhido pelo
presidente da Sociedade para a função de Patrão do CTG Desgarrados do Pago, cargo que
abdicou logo após a posse do 2º mandato
9
Os três apresentaram críticas à administração da
Sociedade e do CTG Desgarrados do Pago e aos rumos do Movimento Tradicionalista
iniciado por Paixão Côrtes. Estas últimas 03 entrevistas foram realizadas num mesmo
local: a residência de Edemir Machado, na verdade, a única entrevista agendada. As outras
duas se deram como oportunidade para conhecer a história do CTG Desgarrados do Pago
através de pessoas que participaram do inicio da sua fundação, bem como de outras
colaborações à entidade, como foi o caso da restauração da pinacoteca do CTG.
A entrevista nº 10 foi realizada com o gaúcho de São Borja Dirceu Trilha,
em sua residência, no dia 08/11/2004. Trabalhando desde pequeno para a família Goulart,
chegou ao Rio de Janeiro acompanhando o ex-presidente Jango, de quem foi capataz até
sua morte. Dirceu é o responsável por introduzir a Costelada na Sociedade Sul
Riograndense a partir de sua experiência e vivência campeira.
7
Concorreu pela legenda do PDT ao cargo de deputado estadual em 2002, não se elegendo, contudo.
8
Segundo Edemir, o Estância dos Gaudério foi fundado em 1954.
9
Ao se demitir, Marcus foi substituído por Clóvis Correa na função de Patrão. Em entrevista, justificou sua
saída da entidade em razão de desentendimentos com outros sócios, quanto a sua política social. (veja página
83).
19
Em 12 de novembro deste ano, na cidade de Porto Alegre, no salão de café
do Hotel Alfred Porto Alegre, foi realizada a entrevista nº 12, com o gaúcho de Santana do
Livramento João Carlos Paixão Côrtes. Engenheiro agrônomo de formação, na década de
40, quando ainda estudava no Colégio Júlio de Castilho, inconformado com a influência da
cultura estrangeira na sociedade gaúcha, em detrimento da cultura regional, criou o
Movimento Tradicionalista Gaúcho e fundou o 1º Centro de Tradições. Ainda hoje,
passados 57 anos ainda ajuda a divulgar a tradição que ele ajudou a reinventar. Além dos
antecedentes do movimento, Paixão Cortes fez uma análise sobre o futuro do
tradicionalismo e sobre o Centro de Tradições Desgarrados do Pago, com quem mantém
laços de amizade.
Ainda no mês de novembro, no dia 23, entrevistamos a advogada e gaúcha
de Rio Pardo, Clecy Bernardes Vasconcellos, no Rio de Janeiro desde 1971, é a sócia
atuante mais antiga da Sociedade Sul Riograndense e presenciou a criação do CTG
Desgarrados do Pago. A nossa 14ª entrevista, realizada com Sônia Trilha, ex-secretária da
Sociedade Sul Riograndense, nos esclareceu a criação do CTG e a escolha de seu nome,
uma sugestão feita por um músico gaúcho, durante uma domingueira na Sociedade.
A memória reconstruída neste estudo se refere ao ser gaúcho e o que ele
representa em termos de identidade para o grupo e individualmente. São memórias que se
cruzam com as dos não gaúchos, mas “apropriadores” de um discurso de um “ser gaúcho”
interiorizado neste espaço onde convivem as histórias, a memória, as representações de
uma identidade gaúcha no Rio de Janeiro, reproduzidas, muitas vezes, em conflituosos
discursos.
2.1. História Oral
Nesta pesquisa sobre o CTG Desgarrados do Pago suas memórias, tradições
e identidades presentes neste espaço, é fundamental utilizar a metodologia da História
Oral, por coletar experiências de quem às viveu, ao mesmo tempo em que possibilita
recolher dessas narrativas tradições e mitos, relatos de ficção, crenças existentes no grupo,
como define Queiroz. “Tudo o quanto se narra oralmente é história, seja a história de
alguém, seja a história de um grupo, seja história real, seja ela mítica” (Queiroz, 1988:19).
Desse modo, no pressuposto de que o Centro de Tradições Gaúchas está se solidificando
através dos ritos e da reinvenção de tradições perpetuadas em memórias, podemos, com a
20
utilização da História Oral, registrar e considerar as maneiras pelas quais esse processo se
dá.
Por outro lado, a História Oral auxilia o pesquisador na busca da
compreensão sobre a identidade do grupo, como apontam Amado & Ferreira (1996: xxv),
(...) estabelece e ordena procedimentos de trabalho (...) e as implicações
de cada um deles para a pesquisa, as várias possibilidades de
transcrição de depoimentos, suas vantagens e desvantagens, as diferentes
maneiras do historiador relacionar-se com seus entrevistados e as
influências disso sobre seu trabalho – relacionando como ponte entre a
teoria e prática (...) a história oral é capaz apenas de facilitar, jamais de
solucionar questões; formula as perguntas, porém não pode oferecer as
respostas.
Essas respostas chegam ao pesquisador na coleta de dados orais, ou seja, nas
entrevistas. Thompson sugere algumas posturas ao pesquisador na sua preparação. De
acordo com manuais de jornalismo, entrevistar requer algum conhecimento sobre o objeto
a ser tratado (a pauta), mas fazer História Oral não é escrever uma matéria, ou a busca
incessante de uma verdade, é, antes, entrar em compasso de espera, aguardar que a sua
fonte (o entrevistado) reaja sem maiores provocações, que possa se sentir à vontade para
relatar, muitas vezes, uma história dolorosa. Segundo Thompson (1990:257), o objeto da
entrevista em História Oral deve ser o de revelações fundamentais na compreensão social,
Pode-se estabelecer uma diferença entre os chamados ‘questionário’ de
perguntas fechadas, cujos padrões lógicos rigidamente estruturados
inibem de tal modo a memória que o ‘respondente’(...) fica reduzido a
respostas monossilábicas, ou muito curtas; e no outro extremo, não
propriamente uma ‘entrevista’, mas uma ‘conversa’ livre em que a
‘pessoa’, o ‘portador-de-tradição’, a ‘testemunha’, ou o ‘narrador’ é
‘convidado a falar’ sobre um assunto de interesse comum.
Trata-se de reter o passado, burilar as lembranças, recontar as histórias,
sabendo que, na iminência da perda das memórias, sociedades construíram suas tradições,
forjaram seus memoriais, como definiu Yerushalmi, em seu estudo sobre tradições e leis
judaicas.(Yerushalmi:1988)
Esquecer é uma possível perda de um passado. Nosso objeto de pesquisa – o
CTG – vive das lembranças construídas através das histórias do passado glorioso do Rio
Grande do Sul. E, sob essas lembranças – reais ou inventadas – alicerçam uma identidade
fluida e dinâmica, embora muitas vezes formada por representações simbólicas expressas
21
na bandeira, no hino, na indumentária, sua culinária, no lema Farroupilha, com inúmeros
elementos de uma heráldica própria. Entre as estratégias para impedir o esquecimento das
tradições gaúchas, se inclui a criação, no Rio de Janeiro, do CTG Desgarrados do Pago,
criado à sombra da Sociedade Sul Riograndense.
A fim de compreender melhor a trajetória deste CTG e da própria SSR,
assim como a realização de seus objetivos, foram elaborados roteiros de entrevistas (anexo
I) diferenciados para sócios, ex-sócios, gaúchos e não gaúchos, dentre esses mulheres e
historiadores. Buscou-se, através das entrevistas, compreender os mecanismos
desenvolvidos pelos gaúchos no Rio de Janeiro, para manter sua cultura, reproduzir
tradições, afirmar identidades e memórias no espaço do CTG e da SSR.
Dessa forma, nas entrevistas, procurou-se investigar a relação dos seus
freqüentadores com a tradição herdada, bem como a maneira pela qual se relacionam com
o espaço do CTG e da Sociedade Sul Riograndense; as práticas cotidianas das festas nas
quais usam ou não as pilchas e outros costumes ditos gaúchos, de forma individual ou
coletiva como culinária, música, dança ou hábito e freqüência de tomar chimarrão, por
exemplo. No mesmo contexto objetivou-se investigar a existência de elementos de
identificação externa, como folders e plásticos e adesivos colados nos veículos.
No capítulo seguinte será delineado o quadro referencial teórico a partir do
qual serão analisados os dados recolhidos da literatura, dos documentos e das entrevistas
de história oral.
24
3. Memória, espaço e Imaginário: a reinvenção de identidades e tradições.
Neste capítulo discutiremos os procedimentos teóricos que norteiam a
presente pesquisa, para compreender o estudo do CTG situado no Rio de Janeiro; entender
a identidade desse gaúcho, vivendo no Rio de Janeiro e do significado de ser gaúcho para
sócios e freqüentadores do Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago. A base da
construção dessa identidade se deu nas estratégias de memória, nos discursos presentes nos
espaços públicos e privados, que atuam como viabilizadores dos símbolos imaginários e
materiais. Símbolos estes que se dão através dos processos de construção de uma
identidade que é gaúcha e que se estabelece no Rio de Janeiro.
Para melhor compreender a formação da identidade gaúcha, buscamos
respostas no passado da província rio-grandense, na sua altivez e orgulho, ratificados na
assinatura do Tratado de Paz em Poncho Verde (Spalding: 1982), uma vez que a paz foi
assinada sem que o exército Farroupilha tivesse perdido qualquer batalha. Ou melhor,
perdeu uma batalha no episódio que ficou conhecido como a “Surpresa de Porongos”,
assim chamado porque o acampamento sofreu ataque quando Bento Gonçalves já havia
acertado em Bagé a assinatura do Tratado de Paz, e, como afirma Lindolfo Collor
(1989:390),
(...) quando à noite, já caia alta a madrugada e o acampamento todo
dormia, quando o inimigo, contornadas as posições dos republicanos, cai
de chofre sobre os piquetes avançados que não tiveram tempo de dar um
tiro, e irrompe de todos os lados sobre a coluna de Canabarro.
O episódio de Porongos gerou uma conveniente razão para a assinatura de
Paz, tendo as reivindicações, por parte dos Farroupilhas, atendidas. A construção da
identidade desse gaúcho começa a ser forjada no campo de batalha, ou melhor, na alusão
deste, “na sucessão de episódios romanescos e rocambolescos que fazem do acontecimento
uma verdadeira saga, como a aventura militar” (Pesavento, 2004:44). E essa afirmação
identitária gloriosa é diferente daquela imagem do passado, na origem desse gaúcho,
encontramos atributos de um gaucho malo
1
- bandoleiro, índio vago, sem lei, sem fé e sem
1
“Habitante do Rio Grande do Sul, especialmente do interior, dedicado à vida pastoril, primitivamente o
termo gaúcho era dado ao charqueador, gaudério, ladrão, contrabandista, nômade, que andava de estância em
estância em busca de trabalho”.NUNES, Zeno e Rui. Dicionário de Regionalismo do Rio Grande do
Sul.Porto Alegre: Martins Livreiro Ed. 1982. “O gaúcho oriental era de origem charrua em etapa superior de
evolução, mescla-se com o branco europeu”. In: PADOIN, Mª Medianeira. Federalismo Gaúcho. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 2001.
25
rei. A partir da Revolução Farroupilha a sua imagem vai mudar. Ou melhor, a partir de
uma Paz Honrosa
2
(Spalding: 1982), vem “solidificar o sentimento de diferença, o alto
conceito dos gaúchos como sendo gente de extremo valor” (Pesavento, 2003:3). Nesse
momento, esse gaúcho passa a incorporar o tipo característico do homem enquanto
positividade: corajoso, mandão, autoritário, altivo, livre, como analisa Pesavento
(2003:44).
A realidade transposta para a narrativa por força desse novo objeto de
culto e de estudo, apresenta os ingredientes fundamentais para a
construção de um mito das origens. Há um espaço definido: o pampa, a
fronteira, os deslocamentos inerentes à guerra e a criação de gado; há
um tempo idílico: a idade de ouro em que o voluntarismo não encontrava
freios no poder central; e há também um sujeito, forjado por uma alta
concepção de si próprio, segundo tais princípios de mobilidade e
autonomia.
Como analisa Piccolo (2004) o gaúcho, um fenômeno não apenas sul
riograndense, mas platino, era utilizado como massa de manobra na defesa dos limites do
Sul do Brasil, um elemento que atua neste espaço fronteiriço
porque nós fazemos hoje muita distinção entre o conceito de limite e um
conceito de fronteira. O limite é um espaço político e a fronteira uma
construção sócio-econômica. Nessa dinâmica de fronteira não se pode
explicar a Guerra dos Farrapos sem tomar em consideração que existe
uma fronteira que não divide.
De acordo com Pesavento (2003:5), de bandoleiro, esse ser gaúcho se
transforma em monarca das coxilhas, centauro dos Pampas, uma postura orgulhosa e
transformada em peças teatrais que pretendem imortalizar esta representação, pois,
(...) Os nativos do Rio Grande do Sul têm consciência do seu valor
militar, e durante vários anos gozaram de autonomia que era dada pela
coroa portuguesa. E num novo fôlego é reacendido no pós-Farroupilha,
pois um novo brio em ser gaúcho, ser guerreiro, ser vencedor, vai passar
a designar um monarca das coxilhas (montanhas). Reacende um orgulho
de ser brasileiro por escolha, por isso mais brasileiro do que os outros,
(...) resultou de processo de opção. Então isso tem um alto valor de uma
autoconcepção, reproduzindo a idéia geral que passa a ter os gaúchos
depois da Revolução Farroupilha.
2
No acampamento de Poncho Verde foi assinado em 1/03/1945 o Tratado de Paz entre o Gal.David
Canabarro e o então Barão de Caxias. Fim da Revolução Farroupilha, com as exigências dos Farrapos sendo
atendidas na sua maioria pelo Império. Fonte: Spalding, Walter. A Revolução Farroupilha. São Paulo: Ed.
Universidade de Brasília, 1982.
26
Para Piccolo, “a primeira identidade que se forja no Rio Grande do Sul é
uma identidade regional que tem como ponto central, como centralidade, o espírito de
autonomia” (Piccolo,2004). Sendo assim, e entendendo que a identidade regional não é
senão resultado de práticas relacionais presentes num espaço público/privado específico,
onde se expõe um sentimento de pertencimento de um grupo social, não se pode
desvincular identidade regional de representações coletivas, com seus mitos e símbolos,
que podem, por vezes, participar do imaginário coletivo na construção e renovação de uma
sociedade, em se tratando da sociedade riograndense, esta imbuída de um espírito de
independência e autonomia.
Objetivando concretizar e perpetuar esta identidade e tradição, são
utilizados mecanismos de oralidade na propagação de cultura e da memória, como uma
forma de reproduzir hábitos e costumes, estando fora do estado gaúcho, onde esta
reprodução se faz por uma rede natural estabelecida no campo, na identificação mútua do
nascedouro, que agrega a todos, que os une e qualifica, ou seja, no Pago
3
.
Na análise de Costa (2000:55) esta identidade não estaria condicionada às
categorias sociais, mas na prática efetiva destes indivíduos no espaço social vivido, onde
interferem saberes, experiências e discursos.
Nas novas relações espaço-temporais a sensação de pertencimento e
construção de uma identidade estariam abaladas (...) o desafio que surge
é da ordem da diferença quando o outro deve ser deslocado da
identidade do mesmo, supondo-se a existência de um sujeito universal, e
lançado às condições de sujeito possível, supondo-se a existência e a
expressão da singularidade.
É preciso construir uma narrativa que venha reforçar a prática construída
sob essa rede relacional, que a unifique sob a estrutura de um espaço quase sagrado, como
se fosse o próprio Rio Grande do Sul, ou seja: “porque nós consideramos que, do portão da
Sociedade Sul Riograndense, que também é o Desgarrados do Pago (CTG), a gente
ingressa no Rio Grande do Sul. Quer dizer, todo final de semana nós estamos dentro do
Rio Grande do Sul”
4
. Espaço que se perpetua numa marca existente no Centro de
3
Para o gaúcho Pago é a terra, lugar em que nasceu, lar, rincão, querência.Fonte: NUNES, Zeno e Rui.
Dicionário de Regionalismo do Rio Grande do Sul.Porto Alegre: Martins Livreiro Ed., 1982.
4
Américo Jará Serpa, presidente da Sociedade Sul Riograndense, gaúcho e que, em entrevista realizada no
dia 06/12/2003, explica o que é, para ele, o espaço da Sociedade. p.5.
27
Tradições, fundamentado na relação de pertencimento, expresso nas práticas, discursos e
imagens uma vez que são para Pesavento (2002:1),
Construções mentais que dão significado ao mundo e que permitem a
identificação, o reconhecimento, à classificação e atribuição de valor à
realidade (...) participam da construção da realidade, uma vez que
partilham desse núcleo de investimento original que faz com que as
pessoas enxerguem o mundo, as relações e a si próprias de uma
determinada maneira.
As identidades sociais de um indivíduo ou de um grupo se caracterizam pelo
conjunto de pertenças do seu sistema social. Uma identidade pode ser construída no
fenômeno da relação, aceitação, admissão, credibilidade na convivência com o outro, e nas
negociações que esta prática oferece, como analisa Santana (2000:49).
O individuo busca se reconhecer e fazer com que tal identificação
perdure no tempo. Ele necessita olhar a sua volta e sentir-se em seu
território, repleto de sinais, significações, de sentido enfim, de seu
sentido (...) ao nível individual, esse indivíduo precisa guardar, arquivar,
registrar fatos, momentos, sensações que possibilitam a preservação de
identidade, em um processo que tem como orientação à continuidade e a
permanência, mas no qual a própria descontinuidade está presente.
Nos imaginários sociais uma coletividade estabelece sua identidade,
distribui os papéis e posição que cada um deve desempenhar, “impõe crenças comuns;
constrói uma espécie de código, de bom comportamento, fornece, enfim, modelos a serem
seguidos. (Baczko, 1985: 309). A imposição de códigos, ritos, crenças ou símbolos a serem
seguidos na consolidação deste imaginário, estão na sua função de, não apenas instituir
classificação, “mas também introduzir valores, modelando os comportamentos individuais
e coletivos e indicando as possibilidades de êxito dos seus empreendimentos” (Baczko,
1985:309).
Durand entende que o imaginário humano funciona através de estruturas
plurais irredutíveis “limitadas a 3 classes que gravitam ao redor dos processos matriciais
do “separar” (heróico) “incluir” (místico) e “dramatizar” (disseminador), ou pela
distribuição das imagens de uma narrativa ao longo do tempo. (Durand, 1998:40).
Identidades sociais se caracterizam pelo conjunto de pertenças desse grupo social,
definidas através de “imagens” construídas, adaptadas ou inventadas para sustentar este
imaginário. E é desta forma, segundo ele, que se pode compreender a escolha desta ou
daquela rede simbólica de uma sociedade. A escolha do 20 de setembro, como marca
28
histórica, remete-nos à Revolução Farroupilha e aos ideais positivistas que o
tradicionalismo gaúcho quer celebrar com essa escolha. Não existe sociedade sem algo
que a agregue, unifique seus indivíduos em redor de um símbolo, rito, real ou inventado,
ou reinventado de modo a trazer novas significação para todos os envolvidos, nessa relação
identitária. Ou seja, o imaginário utiliza o simbólico a fim de poder existir, pois, como
entende Castoriadis (1982:154)
A constituição imaginária da sociedade se baseia no real e no racional,
mas não guarda com estes uma relação de necessária correspondência,
ou seja, as representações sobre o real (...) o imaginário social, enquanto
representação, pode até mesmo ser considerado como uma invenção
absoluta (algo criado e até contrário ao real) ou representar um
desligamento de sentido.
Uma vez que o imaginário é “um conjunto de representações coletivas que
dão sentido à realidade” (Pesavento, 2002), o uso das pilchas
5
, o ritual de tomar
chimarrão
6
, o churrasco entre outros, formam o conjunto de representações que asseguram
ao gaúcho seu sentido. Nessa perspectiva de que deve haver relação de pertença entre
semelhantes ou assemelhados, capazes de se reconhecerem, formando uma rede de aliança:
a memória comum, que é o próprio fenômeno construído. Pois, uma vez que os indivíduos
presenciem a mesma memória, ou vivam-na por tabela, esta se transforma em memória do
grupo, particularizado (Pollak, 1992:204)
Podemos dizer que a memória é um elemento construído do sentimento
de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é
também um fator extremamente importante ao sentimento de
continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua
reconstrução em si.
Santana (2000:49-50). explica que o processo da memória é
Indispensável na construção de um indivíduo. Embora se efetive de forma
subjetiva; o movimento ou o trabalho da memória se utiliza, em alguns
momentos, de objetos concretos para seu sustentáculo. É a partir destes
objetos que toda uma experiência retorna, é construída e reconstruída,
indicando ao agente o sentido que ele mesmo havia atribuído em algum
momento aquele objeto (...) e esse valor afetivo indica o que para mim,
enquanto indivíduo é patrimônio ao qual esse objeto é um dos possíveis
monumentos.
5
Pilchas é a denominação para indumentária gaúcha.
6
“Chimarrão é o mate da chaleira, o amargo e quente, servido ao chiar da chaleira (água à 92º) a erva é
depositada em cuia de porongo e a infusão sorvida com uma bomba de metal”.MTG. Agenda
Tradicionalista. Porto Alegre: Movimento Tradicionalista, 2001.
29
Assim como toda a memória é seletiva a tradição, para que esta possa se
estabelecer deve ou pode estar associada a um passado histórico, capaz de apoiá-lo, para
que permaneça sólido através da história, e que dê suporte a essa tradição. Como afirma
Yerushalmi, para que a memória e a tradição judaica não se perdessem foi instituído um
mecanismo de lembrança: “a angústia dos sábios é de que se esqueça, não a história, mas a
lei” (Yerushalmi, 1988:38). Ele entende que a lei era retida pela memória, o resto era
ignorado, esquecido. O objeto não era importante, mas sua significação. Desse modo, um
Menorah, e um Chanuká não são apenas ornamentos em casa de judeus, pois, enquanto o
primeiro é um candelabro de ouro de sete braços com óleo de oliva, mantido aceso no
Templo de Jerusalém, simbolizando sabedoria divina, o Chanuká representa a festa das
Luzes, comemorando a vitória dos Macabeus sobre os governantes selêucidas da Palestina.
Ambos resumem ritos e simbolismo dentro de uma sociedade ritualizada e perpassada de
signos de uma tradição oral, que só existe porque se mantém o rito, as práticas sociais
daquela comunidade.
Da mesma forma, na cultura gaúcha uma bombacha (Lamberty, 2000:98)
não significa apenas uma calça de origem turca incorporada ao exército brasileiro durante a
Guerra do Paraguai, pois seu uso era freqüente na Província do Rio Grande do Sul. Nesta
época, as bombachas já alteradas, com punhos nos tornozelos para facilitar o trabalho,
eram usadas na lida campeira
7
(Lamberty, 2000:99), e, mais do que isso, desde o início se
tornaram parte da indumentária gaúcha. No principio apenas os pobres e peões de estância
usavam mas
No decorrer dos tempos a bombacha foi reunindo todos os requisitos
para ser uma das principais peças da indumentária característica do
gaúcho. Passou a ser preferida pelos fazendeiros, O grande líder do
exército brasileiro, na Guerra do Paraguai, general Osório, foi defensor
inveterado da bombacha. Na Revolução Federalista de 1893, a
bombacha era usada indiscriminadamente, sem qualquer preconceito,
inclusive nas festas de salões.
Do campo para a tradição, a bombacha se transformou na principal
indumentária masculina, as chamadas Pilchas, e sobre as quais uma Lei Estadual
8
foi
estabelecida a fim de estipular critérios a serem seguidos. O ato de se pilchar evoca a
7
Expressão que o gaúcho designa para trabalho no campo.
8
Lei nº 8.813, de 10 de janeiro de 1989 define o uso das Pilchas. Ver Anexo Lei.
30
lembrança da tradição para que todos se reconheçam como pertencentes à comunidade, à
cultura, participantes da identidade gaúcha. Na prática de se pilchar está o retorno ao
passado, a reportá-los aos locais de memória descritos por Pierre Nora (1993,13).
Os lugares de memória nascem e vivem do investimento que não há
memória espontânea, que é preciso criar arquivos (...) notariar atas,
porque estas operações não são naturais. Por isso a defesa, pelas
minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados e
enciumadamente guardados nada mais faz levar à incandescência a
verdade de todos os lugares de memória. Sem vigilância comemorativa, a
história depressa os varreria. São bastiões sobre os quais se escora. Mas
se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria, tampouco,
a necessidade de construí-los. Se vivessem verdadeiramente as
lembranças que eles envolvem eles seriam inúteis. E se, em
compensação, a história não se apoderasse deles para deforma-los,
transforma-los, sova-los e petrifica-los eles não se tornariam lugares de
memória.
Pierre Nora afirma que uma dessacralização das tradições pode resultar em
crise na sociedade, como a que ocorreu no pré-guerra (década de 30), e que substituiu
progressivamente o Estado-Nação pelo Estado-Sociedade, ao mesmo tempo em que para
ele a história teria perdido a sua vocação pedagógica na transmissão de valores,
promovendo diversas projeções sobre memórias individuais e se transformando em
laboratórios das mentalidades do passado. “A nação não é mais o quadro unitário que
encerrava a consciência da coletividade” (Nora, 1993:12).
Do mesmo modo, na iminência de uma possível ruptura com valores
regionais, (impedidos no pós-guerra pelo então presidente gaúcho Getúlio Vargas) de
cultuar os símbolos regionais, e preocupados com a provável descaracterização do gaúcho,
sua identidade, memória e tradição dentro e fora do Rio Grande do Sul, jovens fundam em
agosto de 1947, em Porto Alegre, um Movimento Tradicionalista. Vindos das mais
variadas classes sociais esses 35 jovens, de origem rural, se uniram a fim de preservar o
legado dos antepassados e suas tradições, desenvolver e reavivar a cultura gaúcha.
Antes de 1947, no século anterior, sob a mesma bandeira tradicionalista,
intelectuais fundam em novembro de 1857, na cidade do Rio de Janeiro, uma Sociedade
Beneficente para atender somente gaúchos e seus familiares. Aos poucos, nas Atas
9
desta
Sociedade, pudemos perceber que cresce sua preocupação com a tradição e reprodução de
9
Conforme Atas n
os
1; 426; 30; 166. Veja Anexo II Cronologia e Anexo XI Atas da Sociedade Sul
Riograndense.
31
hábitos e costumes. A rede de aliança se transforma em teia que enreda, ao mesmo tempo
em que aprisiona, constrói uma estratégia de sobrevivência desses ideais fundados no
nascedouro.
Como analisa Carvalho, os mitos e as tradições são inventados, pois “são
símbolos poderosos, encarnações de idéias e aspirações, pontos de referência, fulcros de
identificação coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o
coração dos cidadãos” (Carvalho, 1990:55).
O autor afirma também que o símbolo (assim como as tradições, a
identidade e a memória) precisa ser capaz de sintetizar eficientemente toda a carga política,
histórica e emocional, para que possa ser incorporado ao imaginário das pessoas. A
construção do mito está além do debate político, na medida em que o domínio do mito está
presente e se manifesta no imaginário da tradição escrita e oral, nos rituais, reinventando-
os para serem reproduzidos no futuro. Assim como na fabricação do mito da República do
Brasil, a imagem de um Tiradentes mártir cumpre a função para qual foi reapropriada,
como analisa Carvalho. Formado e evidenciado nos documentos, “o imaginário pode
interpretar evidências segundo mecanismos simbólicos que lhe são próprios e que não se
enquadram necessariamente na retórica da narrativa histórica” (Carvalho, 1990:58).
Na lógica de que as tradições são apropriadas ou (re) inventadas,
Hobsbawm as define como “um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras
tácitas (...) práticas de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas
de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade
em relação ao passado” (Hobsbawm, 1984:9). As tradições precisam estabelecer uma
relação, um elo com o passado histórico, para que os indivíduos desta sociedade sejam
capazes de se identificar com essa construção, para que ela se sustente, dê sentido ao
grupo, pertença a ele.
As novas tradições surgiram pela incapacidade de se utilizar ou “adaptar as
tradições velhas”, uma vez que as práticas tradicionais precisavam ser “modificadas,
ritualizadas e institucionalizadas”, a fim de que sirvam aos fins propostos.(Hobsbawm,
1984: 13). E como analisa Costa (1998,107) “as idéias são frutos de época e atendem a
determinados interesses. Representar também é organizar as idéias e classificá-las. E a
classificação é um exercício de poder. Não podemos ter ilusões da neutralidade”.
32
Assim como a memória só é capaz de se firmar onde haja suporte, de
maneira a se perpetuar, ela precisa, além do quadro histórico consolidado, de elementos
que façam com que esta sociedade mantenha constante construção da memória num espaço
delimitado, uma vez que, para Bourdieu (1997:160),
Os seres humanos estão, do mesmo modo que as coisas situados em um
lugar (...) e eles ocupam um espaço. O lugar pode ser definido
absolutamente como ponto do espaço físico onde um agente ou uma coisa
se encontra situado, tem lugar, existe.
A memória, inserida nesse espaço está em movimento porque nada é
estático, e ela se fortalece na própria estratégia de comemoração. O espaço estabelecido na
relação de pertença é espaço apropriado através de lutas para ser legitimado, bem como a
memória, que não se perde pela relevância dos mecanismos de lembrança que utiliza, onde
as tradições se perpetuam. Isto porque Bourdieu (1997:163) afirma que os locais
do espaço social reificado, e os benefícios que eles proporcionam são
resultado de lutas dentro dos diferentes campos. Os ganhos do espaço
podem tomar a forma de ganhos de localização (...) A capacidade de
dominar o espaço sobretudo apropriando-se (material ou
simbolicamente) de bens raros (públicos ou privados) que se encontram
distribuídos, depende do capital que se possui.
Como se daria esse processo? Bourdieu (1997:165) explica que
Entre todas as propriedades que a ocupação legitima de um lugar supõe,
então, e não são as menos determinantes, as que não se adquirem senão
pela ocupação prolongada desse lugar e frequentação seguida de seus
ocupantes legítimos: (...) capital cultural é lingüístico, como os modos
corporais e a pronúncia (o sotaque) são traços que conferem todo o seu
peso ao lugar do nascimento.
Quando os indivíduos deixam o espaço onde as tradições são capazes de os
proteger, (ou seja, no espaço de pertença) para que, guiados por uma identidade regional,
entendida como essencialmente estável e pré-fixada, construam, para além do local de
origem uma resistência baseada na rede de ajuda e estabelecida sob a égide do nascimento
e do reconhecimento de uma identidade única. Para Pesavento essa identidade “interfere
nas noções de tempo e espaço, reconfigurando a cronologia e, mesmo, o mapa do mundo
segundo a ótica da nação (...) a referência identitária cria a paisagem, organizando e
quantificando a natureza segundo este olhar que preside a rede de significados de
reconhecimento” (Pesavento, 2002:2). A identidade se afirma e reconduz sempre às
33
origens: “Longe do Pago, mas sempre gaúcho”, como diz a frase na entrada da Sociedade
Sul Riograndense CTG Desgarrados do Pago.
No entanto, esta identidade regional, supostamente encontrada no Rio
Grande do Sul, e aportada no Rio de Janeiro desde a fundação da Sociedade Sul
Riograndense em 1857, e confirmada na criação do CTG Desgarrados do Pago em 1977,
só pode ser compreendida enquanto regional se internamente ela for homogênea e,
portanto, portadora de interesses comuns, que a particularizam dentro de um cenário
nacional. Pesavento (2002:2) explique que
A identidade dá a ver imagens, explica com discursos e legitima ações,
institucionaliza ritos, fabrica objetos, erige arquiteturas e sacraliza
espaços, dotados de alta significação. Todos esses elementos – discursos,
imagens, práticas, coisas – são dotados de positividade e capazes de
produzir adesão social e as respostas buscadas por uma comunidade.
De igual modo, Carlo Ginzburg
10
opõe o popular e o erudito, entendendo
que a cultura popular se define em oposição à cultura oficial das classes dominantes. Ele
formula um conceito original de cultura popular que não se funde à imposta pelos
dominantes, cogitando que a cultura popular original e espontânea acaba por vencer a da
elite. Faz oposição a elitizada, na medida como interpreta sua cultura, adequando-a ao
modo da cultura popular. Nessa maneira pitoresca a cultura popular se define pelas
relações que trava com a classe dominante e reproduz sua compreensão dela. Conceitua
essa relação como circularidade cultural, ou seja, um relacionamento circular constituído
nas influências recíprocas que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo
(Ginzburg, 1987:13). Sua teoria é construída a partir das pesquisas sobre a Inquisição e,
nestas, a descoberta do moleiro Menochio que, mesmo pertencendo à classe subalterna,
sabia ler e escrever, o que provavelmente o fez reproduzir o conhecimento da classe
dominante de forma alterada e adaptada às suas condições de vida e de entendimento. Na
circularidade cultural residem as influencias mútuas entre dominantes e dominados, que se
interagem, numa determinada comunidade.
Indivíduos não prescindem de mecanismos que possibilitem elaborar uma
memória que pode ser gerada individualmente, e que se torna coletiva no mito, no folclore,
nas instituições, uma vez que a memória coletiva não é espontânea, mas mediatizada por
10
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p.13.
34
ideologias, linguagens, senso comum, e pelas instituições que as garantem, mantém e
estimulam, tais como família, escola, hospitais, museus, bibliotecas, monumentos, e tantas
outras estratégias de poder e de enquadramento da memória e dos lugares construídos para
sustentá-las, como definiu Pierre Nora (1993).
Nesse sentido, estudar o CTG Desgarrados do Pago permitiu-nos entender o
processo pelo qual a Sociedade Sul Riograndense e os gaúchos, fora do espaço do Rio
Grande do Sul, reelaboram sua identidade, firmam suas tradições, perpetuam suas
memórias num espaço não rígido, mas paulatinamente e em movimento de construção, nos
milhares de CTGs espalhados pelo Brasil e pelo mundo. São identidades construídas em
espaços e apropriadas nas tradições muitas vezes inventadas, como sugere Hobsbawm
(1984:9).
Com o entendimento de que se interfere nas criações tanto das memórias
quanto nas tradições o gesto espontâneo de fabricá-las pode constituir-se no nascimento do
Movimento Tradicionalista Gaúcho, em 1947, que deu origem ao primeiro Centro de
Tradições Gaúchas – o “35”CTG, em 1948. A importância para a memória e também como
estratégia de defesa e representação de uma cultura que entendemos não inventada, mas
adaptada ao interesse de uma coletividade. Afinal, para Halbwachs (1990:27),
Nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas
pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós
estivemos envolvidos e com objetos que só nós vimos. É porque na
realidade nunca estamos sós.
Trata-se de construir uma memória, capaz de elaborar mecanismos que
possam garantir um futuro previsível, definido por um certo conjunto de atitudes, que
unifique estes gaúchos enquanto grupo social, e ao mesmo tempo, determine os limites dos
seus comportamentos, e os mantenha unidos sob a mesma bandeira: a Memória, Tradição e
a Identidade. Na criação do Movimento Tradicionalista algumas regras foram estipuladas
no estabelecimento de uma Carta de Princípios
11
, agindo como mecanismos voltados para
uma formalização do grupo social, como a padronização das pilchas (vestimentas
tradicionais), definidas em decreto, estipulando até mesmo o tipo de tecido para sua
11
Carta de Princípios do Movimento Tradicionalista Gaúcho, divulgada no VIII CONGRESSO
TRADICIONALISTA. Taquara, Rio Grande do Sul. 1961. Publicada em 2001, com comentários no Fórum
Tradicionalista – 35 anos do Movimento Tradicionalista Gaúcho: Taquara, 2001. Veja a Carta na íntegra no
Anexo V.
35
confecção. Desta maneira, construíram a memória gaúcha atribuída e identificada ao
campo, ou por outra, ao Pago.
Práticas discursivas, que confirmam essa memória são elaboradas a fim de
reforçar a tradição, inscritas num espaço topográfico definido, no caso do CTG
Desgarrados do Pago, no bairro de Santa Cruz. As relações desses indivíduos ultrapassam
os limites geográficos dos CTGs que são mais de 3 mil em todo Brasil e no exterior, uma
vez que a identidade “é a construção simbólica que elabora a sensação de pertencimento,
propiciando a coesão social de um grupo, que se identifica, se reconhece e se classifica
como de iguais e semelhantes” (Pesavento, 2001:9). Mas, é também “uma maneira própria
de ser, a significar simbolicamente um estatuto e uma posição”. A identidade refletida na
memória, sublimada na tradição e repetida no espaço do CTG, compõe o perfil desse
gaúcho pilchado tomando um chimarrão, ouvindo canções nativistas, ao pé do fogo de
chão
12
.
A análise feita a partir da literatura existente sobre o tema, assim como
entrevistas realizadas com objetivos de compreender os muitos aspectos e desdobramentos
do Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago, sua criação, propostas e atividades
nesse espaço, bem como a fundação da Sociedade Sul Riograndense e do Movimento
Tradicionalista Gaúcho são assuntos do capítulo seguinte.
12
Chimarrão é uma bebida característica do Rio Grande do Sul; música nativista é música tradicionalista
gaúcha; fogo de chão é expressão para fogo armado sob tripé, comum na lida campeira, pelo seu aspecto
improvisado.
36
4. Da Sociedade Sul Riograndense ao Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do
Pago (1857-1977)
Neste capítulo trataremos da fundação da Sociedade Sul Riograndense
(SSR) no Rio de Janeiro ao Movimento gaúcho no Rio Grande do Sul, analisando os
desdobramentos que levaram à instituição do Departamento de Tradições Gaúchas (DTG)
e Centro de Tradições Gaúchas (CTG), alguns destes sob forte influência da Maçonaria,
chegando à criação do Desgarrados do Pago como departamento da SSR, em 1977.
Naqueles dias de novembro de 1857, quando Antonio Álvares Pereira
Coruja e outros riograndenses decidiram fundar uma Sociedade Beneficente e Humanitária
(SSR) no Rio de Janeiro, objetivam a garantia de uma unidade, um vínculo sustentado em
rede de aliança estabelecida através do nascimento e das relações com a Maçonaria,
promovendo assim uma teia de ajuda mútua aos gaúchos necessitados e a seus familiares.
Mas, a história da fundação da SSR começou no Rio Grande do Sul, quando Coruja
participou da criação dos gabinetes de leitura, de onde circulavam os primeiros jornais de
oposição ao governo português. Nestes periódicos circulavam também os princípios de
Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Os ideais da Revolução Francesa, que chegavam à
Província de São Pedro, eram trazidos pelos jovens filhos de Charqueadores e Estancieiros,
que haviam estudado na Europa.
Filólogo, 1º gramático no Brasil, professor Régio, suplente de deputado do
Partido Farroupilha, fundado em 1831, Antonio Coruja se envolveu na Revolução
Farroupilha, ainda que intelectualmente, escrevendo artigos para jornais ligados a facções
repletas de idéias liberais presentes nos Gabinetes e nas Lojas Maçônicas, onde adquiriu o
grau máximo, 33. Em 1836, preso e conduzido ao temido navio prisão Presiganga, e deste
é conduzido ao Pojuca, de onde viajou para o Rio de Janeiro, com outros riograndenses,
como prisioneiro político, chegando a cidade no dia 18 de agosto do mesmo ano
1
. Frota
(1998:4) conta ainda que Irineu Evangelista de Souza (Visconde de Mauá)
Com a finalidade de amparar seus patrícios que tinham de sair das
prisões em virtude da anistia, fundou uma junta, de caráter temporário, e
deliberou esta alugar um vasto prédio, onde seriam recolhidos e
alimentados os farrapos (...) Para as necessidades individuais de cada
um havia algum dinheiro, que o tesoureiro da instituição, Antonio
Álvares Pereira Coruja, distribuía na medida do preciso.
37
No Rio de Janeiro, saudoso da querência entende que o elo entre ele e outros
riograndenses se estabelece nesta identidade e na reprodução e conhecimento dos símbolos
que envolvem este grupo social (gaúchos/maçons). Anos mais tarde, 1881, o fundador da
SSR, se transforma em cronista ao retratar as memórias de Porto Alegre que não mais
existe, e do Rio de Janeiro, “onde passara a viver, o velho Coruja escrevia, na década de
80, sobre a sulina Porto Alegre do início do século na qual vivera, mas também sobre a
Porto Alegre do século anterior, fora, portanto, da sua experiência de vida, mas da qual
ouvira contar”.(Pesavento: no prelo)
Dessa relação evidenciada no reconhecimento e privilégio de uma
identidade (gaúcha, mas nem sempre maçom), nasceu um século depois, em 1947, na
cidade de Porto Alegre a mesma interação e unidade composta na preocupação da perda
deste vínculo, ou que dele se esqueçam e aos símbolos que as caracterizam: era João
Paixão Côrtes criando no Colégio Júlio de Castilhos o Departamento de Tradições Gaúchas
– DTG -, que iria desencadear o Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG- .
Nascido em Santana do Livramento, João Carlos D`Ávila Paixão Côrtes
1
depois de fundar o Movimento Tradicionalista Gaúcho, alia o trabalho na Secretaria de
Agricultura com a pesquisa e divulgação da cultura e tradições gaúchas. Assim, trabalha
como comunicador de rádio, TV, grava 8 LP´s entre os anos de 1962 a 1982, e apresenta
shows artísticos. Faz cinema, publica mais de 60 livros sobre ovicultura e folclore gaúcho,
além de apresentar trabalhos em Congressos Tradicionalistas. Na década de 50 serve de
modelo para a estátua “O Laçador”, imagem símbolo do tradicionalismo e de Porto
Alegre
2
, onde está exposta na Av. dos Farrapos. Em 1999 Paixão Côrtes, pelo
reconhecimento de serviços prestados à cultura nacional é condecorado com o título de
Comendador da Cultura e com a medalha da Ordem ao Mérito Cultura, recebida em
Brasília. Durante a Semana Farroupilha de 2002, recebe da Assembléia Legislativa do Rio
Grande do Sul, a Medalha do Mérito Farroupilha. Atualmente Paixão Côrtes divide seu
tempo entre Cidreira (região litorânea onde tem uma casa) e Porto Alegre, e ainda ministra
cursos de folclore e tradição pelo Brasil e exterior, e pelas manhãs apresenta um programa
na rádio Farroupilha.
1
Ver biografia-Anexo XII.
2
Em 2003 a Prefeitura de Porto Alegre realizou um plebiscito, a fim de escolher a imagem-simbolo da
cidade. A população portoalegrense elegeu O Laçador
38
Para apoiar um movimento estritamente brasileiro e gaúcho, aparece
novamente a Maçonaria, como elo fundador desse compromisso com a identidade, a
memória e as tradições gaúchas, “pois a filosofia de vida deles coincidia também com os
nossos princípios”, explica Paixão Côrtes (2004:17). Assim, estabelecem o Movimento na
fundação em 1948 do “35”CTG (Centro de Tradições Gaúchas). O nome escolhido,
certamente, traz a memória a marca farroupilha, alimentando o mito de origem: as glórias
de 1835, ano em que se iniciou a Revolução Farrapa. São construídas imagens de uma
Idade de Ouro, quando feitos gloriosos são refletidos e reinventados periodicamente, na
memória popular. O mito é uma fala (Barthes: 1993), a partir de um acontecimento. Sobre
ele se transmitem idéias e valores, tanto na oralidade, quanto na cultura e no folclore. É
uma narrativa do “inicio dos tempos” (Eliade, 1995:84).
4.1. Sociedade Sul Riograndense
A presença da Maçonaria e seus símbolos associados a uma sociedade
gaúcha arraigada a ícones, significações, onde cada peça se relaciona estreitamente com
outras, pode ser vista desde a fundação (oficialmente) do Grande Oriente do Brasil, em 17
de junho de 1822. Antonio Coruja, comprometido com uma entidade baseada na ajuda
mútua, no compromisso com as tradições e a memória funda, com outros riograndenses,
dentre os quais, alguns maçons, uma Sociedade Beneficente de auxílio a gaúchos
residentes no Rio de Janeiro e suas famílias. Numa época anterior à criação de
aposentadorias e pensões, a preocupação com o destino de gaúchos não abastados,
demonstra o duplo elo presente nessa tradição baseada e estruturada na história, na
memória, identidade, e simbolizada nas relações estabelecidas e perpetuadas no espaço da
Sociedade Sul Riograndense desde 1857. Esta presença pode ser identificada ao
descrevermos os símbolos desta Entidade.
No brasão da Sociedade Sul Riograndense (SSR) relações de aliança com a
Maçonaria, que compreendemos ao descrever seu escudo. Na parte central sobre uma
estrutura oval um losango (ao redor desta estrutura oval, na parte superior está escrito
República Riograndense, e na inferior, Rio de Janeiro), e tendo sobre seu centro
um quadrado que separa este losango, ladeado por duas torres, em 4 pontos de uma
extremidade; nas suas laterais são 2 triângulos com uma estrela de 6 pontas de contorno
sinopla (verde) no centro. Na parte inferior do triângulo, outra estrela de contornos em
39
jalne (ouro). No centro do quadrado uma lança ladeada pela flor de louro e uma ponta em
gorro goles (vermelho). Aos pés do escudo armas estão postas. Na parte inferior ornato
contendo a data de 8 de novembro de 1857, marco da fundação da Sociedade Sul
Riograndense. O escudo é composto ainda por quatro bandeiras nas cores goles, sinopla e
jalne, divididas e postas duas de cada lado e cruzadas com mosquetes e lanças.
Figura 1: Brasão da SSR
O Brasão da Sociedade Sul Riograndense é repleto de significados, onde as
imagens estão postas na intenção de uma simbologia específica. Enquanto a lança
representa batalhas, a estrela, na Heráldica, simboliza poder, a luta pelo poder, pelo
domínio da região. As armas apresentadas no escudo lembram batalhas vividas no solo
gaúcho, uma vez que este brasão é idêntico ao construído durante a Revolução Farroupilha.
As colunas, símbolos da sabedoria, da força e poder na Maçonaria
3
representa a
estabilidade na dualidade
4
. Tresidder (2003) diz que o losango é graficamente “um
símbolo da matriz da vida, da vulva, da fertilidade ligado ao poder gerador feminino”, e,
assim como as colunas, são elementos representativos da Maçonaria, e que compõem,
ainda hoje, o escudo da Sociedade Sul Riograndense, tremulam na relação com que se
integram ao Movimento Tradicionalista Gaúcho, ainda em seu nascedouro, através da SSR
fundada por Coruja em 1857 e que, em 1977, estabelece o Centro de Tradições Gaúchas
Desgarrados do Pago.
3
Fonte: FILATÉLICO. Informativo dos correios. Ed.n.8.ago.2004.
4
TRESIDDER, Jack. O grande livro dos símbolos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003
40
A singularidade da SSR está na sua especificidade em relação à criação do
Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) ocorrido em 1947, na cidade de Porto Alegre.
A explicação está na motivação das instituições: a primeira, como entidade gaúcha,
beneficente e humanitária, aos poucos apresenta na sua trajetória caráter tradicionalista,
como estratégia de identidade de um povo longe de seu estado natal, e a segunda instituída
no próprio Estado Riograndense, enfrenta a descaracterização de suas tradições com a
maciça absorção de cultura estrangeira em detrimento de sua cultura regional
5
.
Entendemos também como singularidade nessa Instituição os sinais
encontrados através da sua preocupação em reproduzir a cultura e as tradições gaúchas em
épocas anteriores a 1947. Essas demonstrações nos conduziram a interpretar a SSR como
precursora do Movimento Tradicionalista, ainda que, por razões políticas, não tome para si
a autoria desse movimento, não querendo se incompatibilizar com o MTG. Apresenta
ainda permanente vínculo com o estado sul riograndense, ao instituir como Presidente de
honra nato da Sociedade, enquanto no exercício do cargo, o Governador do Estado do Rio
Grande do Sul
6
.
A Sociedade Sul Riograndense desde sua fundação vem promovendo
importantes modificações estruturais, resquícios dessas práticas e representações do
imaginário gaúcho. Senão, vejamos: Em 26/11/1907 comprou o Edifício-Sede
7
, situado na
Av. Central, nº 183 (mais tarde a avenida Rio Branco) – Centro do Rio de Janeiro, que
passou a ser conhecido como Casa do Gaúcho ou Casa do Rio Grande. No dia 12 de
fevereiro de 1910
8
, a Entidade sofreu mudança, dessa vez estatutária, alterando o nome
para Sociedade Riograndense, ocasião em que, aprovando novo estatuto e nele
incorporando atividades recreativas, culturais e educativas.
O registro na Ata nº 59, de 18 de setembro de 1918, relata a proposta do
então presidente da entidade, e também ministro de Estado. Sr. Godofredo Cunha, de
promover no Clube dos Diários Associados um chá dançante em comemoração aos 83
5
De acordo com Atas da Sociedade Sul Riograndense (Ver Anexo II- cronologia e Anexo XII – Atas da
Sociedade Sul Riograndense) e FERREIRA, Cyro Dutra. 35´CTG: o pioneiro do Movimento Tradicionalista
Gaúcho – MTG. 3.ed.Porto Alegre:edições Renascença, 1999; veja também PAIXÃO CÔRTES, J.C.Origem
da semana farroupilha – primórdios do Movimento tradicionalista.Porto Alegre: EVANGRAF, 1994.
6
Artigo 135, do Estatuto da Sociedade Sul Riograndense, de 14/08/1975, p.30.
7
Conforme Termo de Benção do Edifício da Sociedade Riograndense. Ver Anexo XI
8
Ata de 12/02/1910 – ver anexo II cronologia
41
anos da Revolução Farroupilha, reforçando o elo com as tradições gaúchas, ainda que
distante do pago.
Numa nova reforma em 25 de agosto de 1926, passa a chamar-se Sociedade
Sul Riograndense (SSR) e inclui entre suas atividades o cultivo dos hábitos e costumes do
Rio Grande do Sul
9
. Em uma grande reforma o Edifício-Sede da SSR passa a ter 10
andares
10
e para uma nova inauguração promoveu um baile em 20 de setembro de 1931,
com as presenças de autoridades da época, dentre as quais o chefe do Governo provisório,
o também gaúcho Getúlio Vargas, e todo o seu ministério.
A SSR estabelece no ano de 1941, em 20 de outubro, a manutenção da
benemerência somente aos sócios e seus dependentes, e institui a comemoração do 20 de
setembro, aludindo a data de início da Revolução Farroupilha. Em plena ditadura militar
11
,
e sob a presidência na Sociedade de Augusto Otero, em 1973
12
, é vendido o Edifício Casa
do Gaúcho. No mesmo mês a Entidade compra um terreno
13
de 45 hectares em Santa Cruz,
transformada em sede campestre (atualmente, sede única) além da Sede principal,
localizada à Rua Melvin Jones, nº 35/ 30º e 31º andares, do Edifício Barão do Javari, no
Centro. Nesse mesmo prédio adquire o oitavo andar, que, de acordo com a mesma Ata nº
162, é comprado para servir de renda à Sociedade.
Durante uma Assembléia da Sociedade, no dia 14 de agosto de 1975, fica
determinado o retorno à benemerência prestada a todos os riograndenses necessitados,
entretanto, dentro de dotação orçamentária. Nesta ocasião, foram criados os departamentos
de Sede Campestre, Cívico Cultural e Esportivo
14
. No seu objetivo de preservar a cultura
gaúcha institui o já determinado no artigo 1º de seu Estatuto e funda “órgão destinado
9
Ata nº 426, de 09/09/1926 – ver anexo II cronologia.
10
Ata de 20/09/1931
11
O golpe militar, ocorrido em 1º/04/1964, período em que o Brasil foi governado por generais, até 1985,
quando, ainda em eleição indireta-via Colégio eleitoral, Tancredo Neves e José Sarney – políticos civis, são
eleitos.
12
Ata nº 161, de 30/01/1973. Veja Anexo II – Cronologia e Anexo XII – Atas da Sociedade Sul
Riograndense.
13
Ata nº 161, de 30/01/1973. Veja Anexo II – Cronologia e Anexo XII – Atas da Sociedade Sul
Riograndense.
14
Ata nº 166- Estatuto da Sociedade Sul Riograndense reformado pela Assembléia Geral, em sessão
extraordinária de 14/08/1975.
42
especialmente às tradições e ao folclore, nos moldes dos Centros de Tradições Gaúchas do
Rio Grande do Sul”
15
.
Ao mesmo tempo em que ocorria uma evolução política, econômica e
administrativa na Sociedade Sul Riograndense, no Rio Grande do Sul despontava um
movimento preocupado com a preservação da cultura e tradição gaúcha. Em 1868 é
fundado em Porto Alegre a Sociedade Partenon Literário, decisiva para o regionalismo
gaúcho, dentre seus intelectuais, as presenças de Caldre e Fião, Apolinário Porto Alegre,
Taverna Junior e Múcio Teixeira, autores já consagrados à época. Pesavento (2002:15)
ressalta a importância do Partenon, pois,
Escrevendo artigos e poemas nas poucas revistas literárias que existiam
na província (...) os fundadores do Partenon Literário organizaram
também sua revista, que teve publicação por dez anos, até 1879 (...). O
Partenon Literário apresentou uma verdadeira expansão da vida cultural
na província.
Em 1898, também em Porto Alegre, funda-se em 22 de maio o Grêmio
Gaúcho, cujo líder é o major republicano e positivista João Cezimbra Jacques
16
, que
buscou a inspiração na Sociedade “La Crioula”, de Montevidéu
17
.
Cezimbra Jacques, de acordo com Oliven (1992:71-72), justifica a fundação
do Grêmio, dizendo que era uma
associação destinada a manter o cunho de nosso glorioso Estado e
conseqüentemente as nossas grandiosas tradições integralmente por
meio de comemorações regulares dos acontecimentos que tornaram o
sul-riograndense um povo célebre diante, não só de nossa nacionalidade,
como do estrangeiro (...) por meio de solenidades ou festas que não
excluem os usos e costumes (...) que não só lembrem e elogiem o
acontecimento notável a comemorar, pelo verbo ou pelo discurso, como
por meio de representações de atos, tais como canções populares,
danças, exercícios e mais práticas dignas, em que os executadores se
apresentem com o traje e utensílios portáteis, tais como os de uso
gauchescos.
15
Ata nº 166 - Estatuto da Sociedade Sul Riograndense – Ver anexo II cronologia
16
De acordo com OLIVEN, Ruben. A parte e o todo. Petrópolis: Vozes, 1992, 71, “homem de origem
modesta que havia sido soldado voluntário na Guerra do Paraguai”.
17
fundada em 1894,no circo irmãos Palestra, entidade tradicionalista existente até hoje. De acordo com
www.portalgaucho.com.br/cronologia. Acesso em 23/08/2003.
43
Paixão Côrtes (1994:24) esclarece que o objetivo dessa entidade era o de
cultuar “as tradições da vida campesina da época, junto ao meio citadino da capital do
Estado”. Em 10 de setembro de 1899 é fundada a União Gaúcha de Pelotas, liderada pelo
escritor de clássicos gauchescos João Simões Lopes Neto, como Contos gauchescos e
lendas do Sul (publicados pela primeira vez em 1912 e 1913, respectivamente). De acordo
com o Histórico do MTG
18
, a União Gaúcha paralisou suas atividades por longo tempo,
retornando em 16/08/1950 com o nome União Gaúcha João Simões Lopes. A 16 de
setembro é fundado em Bagé o Centro Gaúcho, de vida efêmera. Em 19 de outubro de
1901 funda-se na cidade de Santa Maria, também no Rio Grande do Sul, o Grêmio
Gaúcho, inspirado numa entidade do mesmo nome fundada em Porto Alegre por Cezimbra
Jacques.
Anos mais tarde, no dia 10 de novembro de 1937, quando tropas da polícia
militar cercam o Congresso, o poder legislativo no âmbito nacional é dissolvido, é
instaurada a ditadura do Estado Novo de Vargas, no Rio Grande do Sul assim como em
outros estados brasileiros. Os símbolos regionais, como bandeiras, hino e brasão, ficam
proibidos; apenas a bandeira brasileira e outros símbolos nacionais podem ser expostos.
Mas, a despeito dessa proibição aos símbolos regionais, riograndenses de São Leopoldo
19
transgridem este decreto e fundam em 31/01/1938 a Sociedade Gaúcha Lomba-grandense,
entidade tradicionalista, que, segundo pesquisas realizadas nos cadastros do MTG, existe
até os dias de hoje, sem ter sofrido qualquer interrupção. Em 1943, também em área de
colônia alemã e italiana, Ijuí, é fundado o Clube Farroupilha
20
A década de 40 é marcada pelo fim da II Guerra Mundial e, pela influência
norte-americana nos hábitos e costumes que penetravam na sociedade brasileira através
dos filmes, da música, das roupas. No Rio Grande do Sul a cultura tradicionalista é
esquecida para dar lugar ao modernismo trazido das terras do Tio Sam. Paixão Côrtes
(1994:33) incomodado com o enfraquecimento da cultura regional, relembra que
(...) Viver manifestações alienígenas, consumir especialmente sobras
militares de guerra que os norte-americanos procuravam meter goela
abaixo, juntamente com seus hábitos de vestir e suas expressões culturais
18
Publicado na Agenda Tradicionalista. Porto Alegre. 2001. Ver também PAIXÃO CÔRTES, J.C. Origem
da Semana Farroupilha Primórdios do Movimento Tradicionalista. Porto Alegre: EVANGRAF, 1994.
19
Colônia Alemã.
20
De acordo com GOLIN Tau. A ideologia do gauchismo. Porto Alegre.Thcê,1983,p.32-33, são todas estas
entidades consideradas pelos tradicionalistas como “pioneiras” do movimento
44
numa tentativa de desfigurar a nacionalidade do povo brasileiro e nos
submeter dentro de sua esfera de vassalagem. Enfraquecia-se a cultura
tradicional rio-grandense, e a cultura brasileira seria ameaçada por
forte pressão agora sob o impacto dos veículos de comunicação de
massa.
A chamada “invasão alienista” desencadeada no conhecido movimento
American Way of Life, que se espalhou na Sociedade brasileira através de hábitos e
costumes norte-americanos, pegando um Brasil ainda ressentido da proibição aos símbolos
regionais feita pelo presidente Getúlio Vargas
21
. Em 4 de dezembro de 1937, num ato
simbólico ocorrido na Esplanada do Russel, no Rio de Janeiro, “em solenidade montada
pelo próprio governo e diante das altas autoridades” as bandeiras regionais foram
incineradas (Paixão Côrtes, 1994), e convocados todos os estados a fazerem o mesmo.
Mas, de acordo com Paixão Côrtes, o Rio Grande do Sul desobedeceu esta ordem
presidencial, e, ao invés de queimar as bandeiras foram recolhidas aos depósitos de
almoxarifado, e a fábrica que as confeccionava, então fechada.
O tradicionalismo gaúcho é restabelecido por Paixão Côrtes em 1947,
quando a Liga de Defesa Nacional organiza o translado dos restos mortais de David
Canabarro
22
para Porto Alegre, sob a guarda de cavalarianos, em trajes e paramentos
tradicionalistas gaúchos, conduz um dos líderes da Revolução Farroupilha ao seu
mausoléu. Para compor esta guarda, Paixão obtém o apoio do Capitão Vignoli, presidente
da Liga de Defesa Nacional, através da cessão de um caminhão da Brigada Militar e
cavalos do Regimento Osório, no Partenon. Paixão Côrtes, após despedir-se do Capitão sai,
como lembra Ferreira (1999:24-25).
à cata de quem quisesse emprestar arreios completos para uns guris
poderem desfilar pelas ruas de Porto Alegre! Antes mesmo de sair da
periferia urbana, no bairro Cavalhada, avistou um homem a cavalo e
não resistiu: uma encilha estava no papo. (...) dessa procura Paixão
retornou com 14 (quatorze) pares de arreios emalditos e os depositou no
porão de sua residência.
21
Veja Silva, Gleicimar Borges da. Projeto Memória. Apresentado em maio de 1998 no 35´Ctg. Veja
também: OLIVEN, Ruben G. A parte e o todo: a diversidade cultura no Brasil-nação. Petrópolis: Vozes,
1992, p.40. Ver também Nova Constituição da República dos Estados do Brasil. Decretado em 10 de
novembro de 1937.São Paulo, Ed. Brasiliense, p.3.
22
Um dos líderes da Revolução Farroupilha
45
Fi
g
ura 02: o Gru
p
o dos oito
Foto re
p
roduzida do livro Ori
g
ens da Semana Farrou
p
ilha
,
de Paixão Côrtes.
“Trouxe 14 arreios e só encontrei 8 homens, os outros tiveram vergonha.
(...) eu só convidei homens de campanha” (Paixão Côrtes, 2004). Neste desfile nasce o
Grupo dos Oito, formado por oriundos da campanha, são eles: João Carlos Paixão Côrtes
(de Santana do Livramento), Antonio João Sá de Siqueira (de Bagé), Cilço Campos (de
Alegrete), Cyro Dias da Costa (Cruz Alta), Cyro Dutra Ferreira (dos rincões de General
Câmara), Fernando Machado Viera e João Machado Vieira (da cidade de Julio de
Castilhos) e Orlando Jorge Degrazia (natural de Itaqui). Dentre esses, dois ou três também
estudantes do Colégio Julio de Castilhos como Paixão Côrtes, os demais, de acordo com
Cyro Ferreira, foram convocados entre parentes e amigos (1999:25), como o próprio Cyro,
então vizinho de Paixão Côrtes. Neste dia entraria mais um para o recém criado grupo
tradicionalista, o então estudante do “Julinho”, Barbosa Lessa, que junto com Paixão
Côrtes pesquisou e escreveu vários livros sobre tradição, cultura e história do Rio Grande
do Sul.
Montado num baio ruano
23
, Paixão Côrtes levava a tocha improvisada feita
de cabo de vassoura com pano enrolado com querosene, para recolher uma centelha da
chama da Pátria e conduzi-la até o Colégio Julio de Castilhos. Fernando conduzia a
Bandeira do Brasil e Cyro Ferreira a do Rio Grande do Sul . Num determinado momento
do desfile cutucam os cavalos, ou como dizem na campanha, “cerram-de-perna nos
pingos” em direção ao palanque onde estão as autoridades. É quando os “cavalos atendem
nossas esporas e num “vá” rumamos à galope, com as bandeiras tremulando ao vento”,
23
Denominação para Cavalo malhado
46
lembra Paixão Côrtes. No momento seguinte os três segurando as rédeas fazem os fletes
24
sentarem, num movimento brusco, mas calculado,os cascos em contato com o solo
produzem faíscas, assustando as autoridades e, num fôlego gritam: “Viva o Brasil!, Viva a
Tradição Gaúcha!, Viva a Revolução Farroupilha!”. A platéia aplaude emocionada. Paixão
Côrtes (2004), 57 anos depois, ao relembrar a cena, durante a nossa entrevista em Porto
Alegre, exclamou: “Nós reagauchamos o Rio Grande!”.
Foi um momento de emoção que eu guardo toda a minha vida. Aquela
multidão, o fogo da Pátria, aquelas autoridades, as bandas, aqueles civis
todos e, de repente, eu levantei, botei ali a chama e levamos para o
colégio, e lá começou esta Ronda Crioula, uma simbologia campeira que
eu adotei.(e explicando) Quando você leva o gado para um lugar sem
cerca, os homens ficam fazendo a ronda em torno do gado para que ele
não se perca. E dentro dessa Ronda se desenvolveu todo o movimento.
Após o desfile rumam para o “Julinho”, com a tocha acesa que acenderia o
candeeiro preparado no colégio, para dar inicio a 1ª Ronda com apresentação de trovas,
músicas gauchescas, com rapazes e moças pilchados, como um marco para o primeiro
baile gauchesco!
Depois daquela 1ª Ronda os jovens se empolgaram, e o grupo passou a
reunir-se aos sábados na casa de Paixão Côrtes. Em pouco tempo o espaço não comportava
mais os visitantes. Já eram quase 40, que se apertavam para ouvir sobre as tradições e
histórias da campanha, além de propostas para o movimento recém criado. No ano seguinte
em 24 de abril, dos rapazes que freqüentavam a casa, vinte quatro registram oficialmente o
primeiro Centro de Tradições Gaúchas: o “35” CTG. O nome é uma alusão e homenagem a
Revolução Farroupilha
10
. Nesta formação, alguns maçons já estão presentes: Glaucus
Saraiva da Fonseca (Maçom); Luiz Carlos Barbosa Lessa; Antonio Candido da Silva Neto;
Francisco Gomes de Oliveira. Luiz Osório Chagas; Carlos Raphael Godinho Corrêa;
Dirceu Tito Lopes; Valdomiro Souza (Maçom); Helio José Moro; L.Carlos C da Silva;
Helio Gomes Leal; José Smich; Ney Borges; Guilherme F.da Cunha Corrêa; Wilmar
Winck de Souza; Paulo Godinho Correa; Paulo Caminha; Robes Pinho da Silva;
Venerando Vargas da Silveira; Flávio Silveira Dann; Valdez Correa; Flávia Ramos;
J.C.Paixão Côrtes. Paixão Côrtes (1994:136) conta que
24
Outra designação para cavalo
10
A Revolução Farroupilha teve inicio em 1835.
47
Mais tarde, numa revisão dos Estatutos, o “35” considerou como
fundadores afora os que assinaram a ata, constantes no 1º livro de atas
da Entidade, também os participantes da guarda das solenidades aos
restos mortais do gal. David Canabarro (...). Nesta relação incluem-se
Ciro Dias da Costa, Cyro Dutra Ferreira, Celso Araújo Campos, João
Machado Vieira, Fernando Machado Vieira, Orlando Jorge Degrazia,
Antonio João Sá Siqueira, Ruben Xavier, Ivo Sanguinetti.
Para poder registrar a nova entidade, mantendo, como desejavam, a
simbologia da Estância, eles precisaram fazer alguns ajustes, como lembra Paixão Côrtes
(2004),
Tentamos registrar Patrão, sota capataz e assim sucessivamente, mas
eles não permitiram, porque as expressões não constavam do
reconhecimento legal, e ai tivemos que botar Presidente: Patrão, vice-
presidente: sota capataz(...).
No inicio pensavam em transformá-los em clube fechado, restrito aos
fundadores, mas entenderam que o melhor seria torná-lo num divulgador da cultura e
tradições gaúchas
11
. No mesmo ano, no dia 7 de agosto, quatro meses depois da criação do
“35”CTG, é fundado na cidade de Taquara, área de colonização alemã, o CTG “O Fogão
Gaúcho”, deixando os “tradicionalistas intrigados” (Oliven, 1992: 79). De acordo com
Barbosa Lessa em depoimento a Ruben Oliven, o objetivo, à época da criação do “35”CTG
era de
divulgar as nossas tradições nos países vizinhos e nos estados irmãos,
nós tínhamos um sentido de expansão através dos outros estados. E o
primeiro CTG, a primeira resposta veio de Taquara, da região colonial
alemã, que perturbou todos os nossos objetivos.
Tal perturbação se deve provavelmente ao fato de Taquara ser uma cidade
de colonização alemã, que supostamente não deveria abrir mão de sua cultura e tradições.
Ao fundarem o “Fogão Gaúcho” deixaram entrever motivação política, lançando mão de
uma estratégia para inventarem uma tradição e, concomitantemente, desfocarem a imagem
de estrangeiros originários de país integrante do Eixo (Mergulhão:2004,164).
Entre a criação do “35” CTG até 1954, cinco novos Centros de Tradição
foram criados, se espalhando por quase todas as regiões do Rio Grande do Sul, “(...)
concentrados majoritariamente nas áreas pastoris. Na capital houve apenas a criação de
uma espécie de mini-CTG doméstico” (Oliven, 1992: 81). De acordo com Oliven, a partir
11
Barbosa Lessa, em depoimento dado a Ruben Oliven em 18/06/1985. In Oliven. A parte e o todo: a
diversidade cultural no Brasil-nação. Petrópolis: Vozes, 1992, p77.
48
de 1954 proliferaram Centros de Tradições, o que motiva o grupo a instituir uma reunião
entre os CTG`s, a fim de discutir e divulgar o tema do tradicionalismo. O Iº Congresso
acontece entre 1º a 4 de julho na cidade de Santa Maria, no Centro de Tradições Gaúchas
Poncho Verde, à época presidida pelo jornalista, historiador, professor e escritor Manoelito
de Ornellas
12
. Nesse congresso Luiz Carlos Barbosa Lessa
13
, um dos estudantes do grupo
de Paixão, participante na fundação do “35” CTG, apresenta sua tese O Sentimento e o
valor do Tradicionalismo
14
. Em 1959, no 6º Congresso realizado em Cachoeira do Sul,
no Centro de Tradições Tropeiros da Lealdade, realizado de 17 a 20 de dezembro, João
Cezimbra Jacques
15
Jacques é escolhido Patrono do Tradicionalismo, e cria-se o Conselho
Coordenador do Tradicionalismo Gaúcho.
A cidade que acolheu o 2º Centro de Tradições, Taquara, também foi
escolhida para abrigar o 8º Congresso, ocorrido de 17 a 20 de janeiro de 1961, quando foi
apresentada e aceita a Carta de Princípios do Movimento Tradicionalista do Rio
Grande do Sul
16
, escrita pelo Maçom Glaucus Saraiva, que estabelece parâmetros a serem
seguidos pelo Movimento. Em outubro de 1966 no 12º Congresso, realizado no Porteio
Grande, em Tramandaí, é criado o MTG
17
, e, na mesma data é aprovado seu Estatuto e seu
Brasão de Armas (conforme Figura 3). Instituído como órgão catalisador das atividades
dos seus filiados, especialmente com relação ao já estabelecido na Carta De Princípios.
Esta entidade associativa congrega mais de 1400 Entidades Tradicionalistas, legalmente
constituídas, estabelecidas como Centros de Tradições Gaúchas, ou grupos nativistas ou
grupos de arte nativa, ou piquetes de laçadores, ou ainda centros de pesquisa folclórica ou
outras demonstrações que identifique esta finalidade. As Entidades Tradicionalistas,
filiadas ao MTG, estão em 30 Regiões Tradicionalistas, agrupadas nos 497 municípios.
12
Manoelito de Ornellas nasceu em 17/02/1903 em Itaqui -Rio Grande do Sul . Foi presidente da Associação
Riograndense de Imprensa, escritor, autor de livros de poemas e outros de pesquisa, como o clássico:
“Gaúchos e Beduínos” , que trata da origem étnica e a formação social do Rio Grande do Sul. Foi também
professor de literatura, cultura e história. Morreu em Porto Alegre em 8/07/1968.
13
Barbosa Lessa conheceu o grupo durante o desfile de 1947, pelas ruas de Porto Alegre.
14
Ver texto em Anexo VII
15
Segundo Antonio Augusto Fagundes, Glaucus Saraiva “é autor da nomenclatura campeira para os postos
do CTG e até a própria “guampa de aprojo” ,por ele criada a partir de sua experiência maçônica”.
FERREIRA, Cyro. 35´CTG. O pioneiro do Movimento tradicionalista gaúcho. MTG. Porto Alegre: Edições
Renascença. 1999, p.14.
16
Ver Carta de Princípios em anexo VI
17
Registrado no Cartório de Títulos e Documentos em 27/11/1967, às folhas 12 verso, sob o nº de ordem
4436, Livro A, nº 8.Fonte: Coletânea da Legislação Tradicionalista. Coord.Paulo R.Fraga Cirne. 3ªed.Porto
Alegre:Movimento Tradicionalista Gaúcho,1.2003
49
Fig.3: Brasão de Armas do
MTG
O MTG é constituídos sob a forma federativa, como sociedade de
segundo grau e, nessas condições, seu quadro social é integrado somente
por pessoas jurídicas, as quais são indicadas sob a denominação de
filiados (Art. 6º - Estatuto do MTG).
O MTG tem sede e foro jurídico na cidade de Porto Alegre, capital do
Estado do Rio Grande do Sul e jurisdição em todo o território
nacional, podendo admitir como filiados os centros de tradições
gaúchas e entidades afins sediadas em qualquer dos estados
brasileiros (Art. 7º- Estatuto do MTG).
Assim, o MTG é fundado em Tramandaí em 28
de outubro de 1966, no XII Congresso Tradicionalista Gaúcho e
estabelecido como “entidade federativa e com personalidade
jurídica. Na mesma data foi adotado o Brasão de Armas do
Tradicionalismo, que constitui atualmente a logomarca do
MTG”
18
. A entidade instituída como Sociedade civil, sem fins lucrativos conforme
estabelece seu artigo 9º do Estatuto do MTG
19
, está estruturado quanto ao simbolismo, de
acordo com a forma adotada nas origens do movimento tradicionalista gaúcho, tendo como
finalidade aplicação em seu âmbito associativo e na sua área de influência, dos princípios e
objetivos no Art. 2º do Estatuto do MTG e sujeitando-se às vedações ao Art. 13 do seu
Regimento Geral,
o MTG é definido como uma Sociedade Civil sem fins lucrativos, dedica-
se à preservação, resgate e desenvolvimento da cultura gaúcha, por
entender que o tradicionalismo é um organismo social de natureza
nativista, cívica, cultural, literária, artística e folclórica, conforme
descreve simbolicamente o Brasão de Armas do MTG, com 7 folhas de
broto, que nasce do tronco do passado (MTG, 2001
).
O Brasão de Armas do MTG traz um Escudo de Damas, com bordadura em
azul, perfilada de preto; campo dividido em três partes. Na parte superior, sob fundo
amarelo, traz um tronco de árvore brotado em sua cor; na parte inferior à direita, sob fundo
vermelho (goles) apresenta um cavalo amarelo (jalne); na outra parte, à esquerda, sob
fundo verde (sinopla) uma cuia de chimarrão com bomba em branco; na borda do escudo
duas estrelas de cinco pontas em amarelo, separam a parte superior da elipse, onde
18
Fonte: MTG. Agenda Tradicionalista. Porto Alegre: [s.e]. 2001.
19
Neste artigo está definido que a “Carta de principio” aprovada no VII Congresso Tradicionalista Gaúcho é
a clausula pétrea do Estatuto do MTG (Estatuto MTG, Art.9º).
50
apresenta, na parte de cima “MTG”, e na inferior, “Rio Grande do Sul”.
20
Para o MTG, o
conceito das cores está nas profissões liberais que representa, e que sustentam social e
economicamente o Estado e o povo. “No preto, a ciência; no branco, a cultura; no azul, a
engenharia; no amarelo, a química; no verde, a medicina, no vermelho, o direito”
O próprio Movimento dá sua interpretação para compreender que o
Tronco representa o passado. As sete folhas representam o
tradicionalismo como organismo social de natureza nativista, cívica,
cultural literária, artística e folclórica. O mate (chimarrão) simboliza
uma das virtudes, que melhor caracteriza o homem do Rio Grande do
Sul: a hospitalidade. O cavalo representa a liberdade e é traço de união
entre os povos
21
.
A Entidade estabelece 08 eventos oficiais
22
do Tradicionalismo. O
Congresso Tradicionalista Gaúcho, que ocorre no segundo fim-de-semana de janeiro; A
Festa Campeira do Rio Grande do Sul, no terceiro fim-de-semana de março; Entrevero
Cultural de Peões, no segundo fim-de-semana de abril; Ciranda Cultural de Prendas, no
segundo fim-de-semana de maio; Convenção Ordinária do MTG, que acontece no segundo
fim-de-semana de julho; a Semana Farroupilha de 14 a 20 de setembro; Aniversário do
MTG, comemorado no último final de semana de outubro e a ENART
23
que acontece no
terceiro fim-de-semana de novembro.
A estrutura organizacional do MTG está dividida em Órgãos Normativos
(Congresso Tradicionalista e Convenção Tradicionalista); Efetivo (Assembléia Geral
Eletiva); Administrativos (Conselho diretor, Junta Fiscal, Regiões Tradicionalistas) e de
Assessoramento (Conselho de Vaqueano, Comissão Ética). Dos Órgãos Normativos, o
Congresso tradicionalista é reunião em Assembléia Geral das Entidades filiadas ao MTG.
Estas reuniões ocorrem anualmente no mês de janeiro, objetivando traçar diretrizes, rumos
e princípios para o movimento tradicionalista gaúcho, bem como reformular seu Estatuto.
A Convenção vem a ser reunião também em Assembléia Geral, integrada pelos membros
do Conselho Diretor, Conselho de Vaqueanos, Junta Fiscal, Conselho Benemérito (do qual
Paixão Côrtes é um dos Conselheiros) e Coordenadores Regionais, para alterar e
20
Fonte: MTG. Agenda Tradicionalista. Porto Alegre: [s.e]. 2001.
21
Fonte: MTG. Agenda Tradicionalista Porto Alegre: [s.e], 2001.
22
Fonte: MTG. Agenda Tradicionalista Porto Alegre: [s.e], 2001.
23
ENART – Encontro de artes e tradição gaúcha – Aprovado na 50ª Convenção Tradicionalista em Caxias do
Sul – 1º de abril de 2000.
51
reformular o Regulamento do MTG, códigos e demais regulamentos. Também anual,
ocorre no mês de julho.
Em 1980, durante o 25º Congresso Tradicionalista Gaúcho, foi instituída a
Fundação Cultural Gaúcha
24
, auxiliar do MTG, é responsável pela divulgação do nome e
marca MTG, visando “exploração comercial, podendo para tanto firmar convênio e/ou
acordos, bem como licenciar empresas que fabricam e/ou comercializam produtos com a
marca MTG”
25
.
Em cada estado onde exista um Centro de Tradições deve haver também um
órgão regulador e organizador, a fim de agregar os grupos tradicionalistas gaúchos. Desta
forma, existem hoje credenciadas 9 Federações e MTG´s filiados: a Federação
Tradicionalista Gaúcha do Planalto Central (FTGPC), em Brasília, DF; a União
Tradicionalista Gaúcha Natalense (UTGN), em Natal, RN; e no Rio de Janeiro a União
Tradicionalista Gaúcha
26
(UTG-Rio de Janeiro). Dos MTG´s, temos, em Porto Alegre, o
MTG-RS; em Diamantino, no Mato Grosso, o MTG-MT; em Cascavel, no Paraná, o
MTG-PR; na cidade de Lages, em Santa Catarina, o MTG-SC; em Vargem Grande
Paulista, em São Paulo, o MTG-SP; e em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, o MTG-
MS. Existe ainda a Confederação Brasileira da Tradição Gaúcha (CBTG) que objetiva
valorizar, organizar, promover e representar as tradições e a cultura gaúcha, fundada em 24
de maio de 1987. Os Centros de Tradições Gaúchas e federações também estão associadas
a esta entidade subordinada ao MTG.
Nesta expansão dos Centros de Tradições, vale destacar a atuação pioneira
de Paixão Côrtes, que em 1947 criou o Departamento de Tradições Gaúchas, no Colégio
Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, e que vai gerar o 1º CTG no ano seguinte, também por
sua iniciativa.
Hoje, ao analisar o movimento, Paixão Côrtes (2004) acredita que seu
sucesso esteja ligado a sua identificação com a terra, com o homem simples.
24
A escritura publica foi lavrada em 07/07/1980.
25
Fonte: <www.mtg.com.br>
26
Criado em 2000.
52
Tamanha expressão é uma conquista de idéias de causas de ações,
porque ele veio de baixo para cima, ele começou com um jovem simples,
de galpão, de sociedade modesta, e foi crescendo e culturalmente foi
dimensionando os valores de raiz, esses valores de raiz é que vão
identificando a terra, identificando a terra preservam e projetam o
homem, que está na terra e diz da sua importância de ser no contexto
universal. O movimento está adquirindo esta expressão cada vez mais, e
de forma espontânea, porque não foi programado por instituição
governamental, estadual, municipal, regional.Não! Foi o povo que foi se
levantando, e o povo quem é? O homem rural.
Para ele o Movimento Tradicionalista virou um espetáculo, um comércio,
onde tudo é ou pode virar objeto de consumo. Segundo Paixão Côrtes, as pessoas “pegam
livros meus, reformulam, editam, vendem e não dão nem a autoria. (...) Eles procuram
dimensionar a tradição como uma coisa diferente, sui generis, e que só dá status àqueles
que pertencem à liderança. Tradição não se faz por decreto”. E ironiza: “Esse é todo o
apoio que eu recebo do tradicionalismo atual”. Além de não receber apoio financeiro para
edição de seus livros ou pesquisa, Paixão lamenta também não ser convidado a participar
de eventos gerados sob sua influência, como rodeios e concursos de danças.
4.2. O Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago – Criação, propostas,
estruturas
Durante as comemorações da data de Osório
27
dentro da Sociedade Sul
Riograndense (SSR), em 24 de maio de 1977, associados e diretoria decidiram “pôr em
prática o que já determinava o departamento social: fundar dentro da entidade (SSR) um
órgão destinado especialmente às tradições e ao folclore, nos moldes dos Centros de
Tradições Gaúchas”, fundado em 1948, em Porto Alegre, por Paixão Côrtes
28
. Em reunião
do dia 30/08/1977, a Diretoria e o Conselho Deliberativo da Sociedade Sul Riograndense
aprovam a criação e o Regimento Interno do CTG, com base no artigo 2, letra a do
Estatuto da Entidade, segundo a qual
27
Data de Osório – Comemoração do aniversário do Gal. Manuel Luis Rocha Osório – Marques do Herval,
em 5 de outubro – de acordo com o artigo 107, letra a, do Estatuto da Sociedade Sul Riograndense.
28
Conforme texto sobre criação do CTG, disponível em <www.sociedadesulriograndense.org.br>
53
As finalidades da SOCIEDADE, de conformidade com os propósitos de
seus fundadores: a) constituir, nesta cidade do Rio de Janeiro, um centro
de convergência e convívio social da colônia sul rio-grandense, onde se
cultuem e perpetuem as tradições do Rio Grande do Sul, com a
colaboração da sociedade local
29
O nome Desgarrados do Pago surgiu durante uma “domingueira” realizada
na Sociedade, depois do almoço, numa ‘roda de chimarrão’, por sugestão do músico
gaúcho tradicionalista Osmar Martins Ramos, o “gauchito”, já falecido. Na época o
presidente era Augusto Leivas de Otero
30
, e o então sócio e gaúcho João Kessler
31
Coelho
de Souza, teve a iniciativa de sugerir a fundação de um centro de tradições na Sociedade
Sul Riograndense, como lembra Sônia Trilha
32
, ex-secretária da entidade.
Figura 4: Secretaria da SSR, em Santa Cruz.
Dr.Kesser resolveu fundar um CTG dentro da Sociedade e não sabia o
nome, quem deu esse nome “desgarrados do pago” foi o cantor
Gauchito. Quem me contou isso foi o Sr. Ivo Osório, ele estava lá numa
roda, eles estavam tomando chimarrão; o Gauchito escolheu esse nome e
ficou. Porque eles estavam tentando escolher um nome, e cada um deu, e
ele deu esse nome e todo mundo gostou e ficou: Desgarrados do Pago.
29
Estatuto da Sociedade Sul Riograndense. Sessão extraordinária realizada em 14 de agosto de 1975.
30
Augusto Otero foi presidente da entidade de 1970 a 1982.
31
Eleito presidente da Sociedade Sul Riograndense em 1988.
32
Entrevista realizada em 28/11/2004. Sonia Trilha foi secretaria da Entidade entre os anos de 1992 a 1996.
54
Segundo Sônia Trilha esta e muitas outras histórias ela ouviu do gaúcho e
sócio Ivo Osório
33
, que seria descendente direto do gal. Manoel Osório
34
, que em suas
narrativas sabia envolver os presentes. “Ele ia contando as histórias e você parece que
entrava na história (...) parece que eu estou vendo como se fosse num filme”, explica, ao
lembrar da emoção com que Ivo Osório contava as suas lembranças da Sociedade Sul
Riograndense.
De acordo com seu Regimento Interno, em seu Art.1º o Centro de Tradições
Gaúchas Desgarrados do Pago é criado em 30 de agosto de 1977, e “ passa a funcionar
nesta SSR , por decisão da sessão conjunta da Diretoria e do Conselho Deliberativo, (...)
em cuja ata se acha transcrito este Regimento”. No artigo 2º determina que suas atividades,
já estavam previstas na letra “d” do art. 98 e nas letras “a” e “b” do art.105 do Estatuto da
Sociedade Sul Riograndense, e o funcionamento deste CTG estará subordinado aos “seus
Departamentos Social e ao Cultural e Cívico
35
”.
O Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago tem por finalidades
especificas,
a) zelar e divulgar as tradições sociais e culturais do Rio Grande do Sul,
sua história. Lendas, canções, costumes, etc...na cidade do Rio de
Janeiro e fora dela;b)Promover reuniões de caráter sócio-cultural,
recreativo, artístico e folclórico, em suas sedes ou fora delas;
b) Organizar e manter o “Museu Crioulo”, constituído de peças de
indumentária e apetrechos típicos do Rio Grande do Sul;c) Manter
relações com centros congêneres do Rio Grande do Sul e fora dele.
Cabe ao presidente da Sociedade Sul Riograndense nomear o Patrão do
CTG Desgarrados do Pago, que atuará na função por um período de dois anos. E diretoria
da Patronagem é de escolha do Patrão, que a estabelece logo após sua posse. Assim, em 20
de setembro de 1977 é empossada a Primeira Patronagem do CTG Desgarrados do Pago
36
,
conforme previsto em seu Regimento Interno (art.3º) que homenageia o fundador da SSR
Antonio Álvares Pereira Coruja transformando-o em Patrono do Centro de Tradições como
uma estratégia de memória da Sociedade Sul Riograndense. Para Patrão de Honra foi
33
Chegou a participar da diretoria da Sociedade como bibliotecário, entre 1990 a 1992.
34
Manuel Luis Rocha Osório chegou ao posto de general durante a Revolução Farroupilha, depois da
assinatura do tratado de Paz em Poncho Verde, mudou-se para o Uruguai onde se dedicou à criação de gado e
proteção aos brasileiros que residiam lá. Fonte: Sociedade Sul Riograndense.
35
Regimento Interno do CTG Desgarrados do Pago, art.2º.
36
Patronagem – designação dada à diretoria de Centro de Tradições Gaúchas. NUNES, Zeno e Ui.
Dicionário de Regionalismos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1982, p.355.
55
escolhido Mário Kroeff. A primeira patronagem
37
foi assim definida:
38
: Patrão
(Presidente): João Kessler Coelho de Souza; 1º Capataz (1º Vice-presidente): Milton
Martinez Cuña; 2º Capataz: João Aristides Witgen; 1º Sota Capataz (1º secretário): Galeno
Cezimbra Jacques; 2º Sota Capataz – João Manoel Pina; 1º Agregado das Pilchas
(Tesoureiro): Luis Link Rodrigues Ferreira; 2º Agregado das Pilchas: Cláudio Stillner;
Posteiro da Invernada Artística (Diretor de departamento artistico): Sônia Chemale;
Agregados (assistentes): Osmar Matins Ramos “Gauchito”, Romeu Seibel “Chiquinho do
acordeon”, Edemir Machado e Álvaro Donato Castro. Para compor o Posteiro da Invernada
Tradicionalista (Diretor de departamento tradicionalista): Dilmar Teixeira Nunes;
Agregados: Frederico Tolla, Wladimir Machado, Aécio Rocha Vasconcelos; Posteiro da
Invernada Cultural (Diretor de departamento cultural): Paulino Jacques, e seus agregados
foram: Paulo Campani, Márcio Dorneles e Consuelo Beloni. Os conselheiros do CTG são
denominados Vaqueanos.
No capítulo II, seu Regimento define os direitos e deveres dos membros do
CTG Desgarrados do Pago, extensivos somente aos sócios da Sociedade Sul Riograndense,
em todas as suas categorias
39
. Como direitos dos membros, entende a participação das
atividades específicas “como assistentes de Posteiro das Invernadas” (assistentes de diretor
de departamento), e “apresentar aos órgãos de direção do CTG toda sugestão que julgar
conveniente ao mesmo”. Entre os deveres destes membros estão: aceitar as decisões da
diretoria do CTG; conhecer os estatutos deste e da Sociedade Sul Riograndense; prevê uma
contribuição ao CTG, que eventualmente seja necessária e estipulada através de seu
conselho de Vaqueanos (Conselheiros), “e) zelar pelo patrimônio moral e material do
CTG”(art.7º, letra e).
Na definição dos órgãos internos do CTG, também define a “Galeria de
Honra Poeta Vargas Neto”, que prevê distinção aos que, de alguma forma contribuírem
para o tradicionalismo gaúcho.
37
Fonte: Sociedade Sul Riograndense.
38
De acordo com o Estatuto do MTG, Título IV – das Disposições Finais, Art. 269.
39
Sócio efetivo – gaúcho; Sócio contribuinte e sócio efetivo especial – não gaúcho; sócio benemérito e sócio
remido.
56
Constituída de número ilimitado de membros, escolhidos em sessão
conjunta da Patronagem e dos Conselhos de vaqueanos, com a
Finalidade de distinguir personalidades da Sociedade Sul Riograndense
ou estranhos a ela, que tenham se distinguido por suas virtudes
guachescas, ou pelos serviços prestados ao tradicionalismo sul
riograndense (Capítulo VI, art.32º, do Regimento Interno do CTG
Desgarrados do Pago).
Como dissemos, é da competência do Patrão do CTG, além de exercer sua
administração e escolher a patronagem, representá-la junto a Sociedade Sul Riograndense,
bem como “exercer, também, as funções de assistente, tanto do Diretor Social como do
Cultural (...) o patrão terá ampla liberdade da ação na direção artística e cultura do CTG,
limitada pelas prescrições do Estatuto da SSR e deste regimento” (art.13º, letra j). O Patrão
é responsável pelas atividades artísticas e culturais. Ainda no art.13º, letra “g” observa-se
outro estabelecimento de uma relação de dependência do CTG a Sociedade, ao determinar
que o Patrão só possa assinar as correspondências externas recebidas junto ao presidente da
Sociedade Sul Riograndense. Porém, as correspondências internas que receba, são
assinadas com seu vice-presidente, ou seja, o Sota Capataz.
O Regimento define as atribuições e competências dos Agregados das
Pilchas (tesoureiro), as finalidades das Invernadas (departamentos) e a atribuição de cada
uma. Estabelece o Conselho de Vaqueanos como um órgão deliberativo do CTG e fiscal
dos atos da Patronagem, e “composto de 51 membros indicados pelo presidente do mesmo
Conselho, à Diretoria da Sociedade Sul Riograndense” (capítulo V art. 30º, letra a),
definindo como membros natos os
disposição quanto aos recursos
que disporá o CTG encontramos
outra demonstração de
dependência junto a Sociedade
Sul Riograndense: “ verbas que
lhe forem destinadas no
Orçamento da SSR; (...) o
numerário do CTG será
depositado na Tesouraria da
SSR e será movimentado pelo
Patrão e seu Agregado de
Pilchas, a fim de atender às suas
Diretores Social e Cultural e Cívico da Sociedade. Na
Fi
g
ura 5: Cuia e a vista dos a
p
artamentos na SSR
57
despesas previstas”( Capítulo VII, artigos 34º e 35º, do Regimento Interno do CTG
Desgarrados do Pago).
Essa relação de dependência do CTG Desgarrados do Pago com a
Sociedade Sul Riograndense, uma vez que é um departamento da Entidade, está definida
nas Disposições Gerais em que seu Regimento só “poderá ser levado a efeito por decisão
da sessão conjunta da Diretoria e do Conselho Deliberativo da SSR", assim como as
omissões deste Regimento serão “supridas pelo que estabelece o Estatuto da SSR"
(Capítulo VIII – Disposições Gerais, artigos 36º, 37º e 38º).
Numa sociedade que cultiva valores simbólicos como a gaúcha, os termos e
expressões utilizadas, em geral, requerem tradução, por serem bem específicos
40
. Assim,
homens são Peões e mulheres são Prendas; a sede principal é a Casa Grande ou Estância;
o local das reuniões é chamado Galpão; charla é uma reunião de Diretoria; as Assembléias
são Rodeio Grande ou Entrevero da Gauchada e as Festividades artísticas são
denominadas de Chimarrão Festivo. Uma cultura sustentada no interesse e preservação de
sua história e de cultuar suas tradições, é imprescindível a figura do gaiteiro, músico que
toca com habilidade a gaita, instrumento mais característico do Rio Grande do Sul
41
.
O Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago cumpre o seu papel
de representante da cultura gaúcha, em seus aspectos mais destacados, como música,
dança, poesia, rodeios etc. Promove também as Costeladas no espaço da SSR, aberto ao
público que, nessas oportunidades, assiste a apresentações de danças típicas, como as da
chula
42
, das boleadeiras
43
; danças realizadas por prendas e peões, como o Anu, Balaio,
dentre outras. Nesses espaços também ocorrem os concursos de poesia e torneio de
bocha
44
. Muitas vezes as competições atraem outros CTGs, dando um caráter ainda mais
competitivo ao evento. Desta maneira cultiva e difunde a história do Rio Grande do Sul,
40
Existem dicionários de termos e expressões gaúchas e de adágios, o mais conhecido é de autoria dos
irmãos e acadêmicos Zemo e Rui Cardoso Nunes. Quanto ao dicionário de adágio, veja também :
AHERRLEIN, Natálio. Peçuelos:adágio, ditos e expressões gauchescas.Porto Alegre, Martins Livreiro
Editor, 1986.
41
Gaita, instrumento característico do folclore gaúcho, conhecido também por sanfona ou acordeom, em
outros Estados brasileiros.
42
Dançada somente por homens, simulando duelo, de passos, por uma prenda.
43
Dança exclusiva para homens, alguns se apresentam com boleadeiras de couro. Boleadeira é um
instrumento que serve tanto para apreender animais, como arma de defesa. São três bolas retovadas de couro
e ligadas entre si por cordas trançadas.
44
Bocha é um jogo criado na Itália, trazido ao Brasil pelos imigrantes, jogado em cancha de areia e com uma
bola pequena (boliche) e bolas maiores podendo ser arremessadas pelo alto ou roladas.
58
como determina o item II da Carta de Princípios do Tradicionalismo
45
, que, dentre outras
ações faz “promoção no meio do povo, uma retomada de consciência dos valores morais
do gaúcho” (III – Carta de Princípios do Tradicionalismo).
A administração do CTG Desgarrados do Pago conta também com um
grupo efetivo de peões e prendas de todas as idades, que permanentemente treinam num
dos galpões da Entidade. O grupo, liderado pelo Patrão Clóvis
46
, um paulista há quatro
anos no cargo, já se apresentou em feiras, congressos, dentro e fora do Estado do Rio de
Janeiro, levando a cultura e as tradições gaúchas, e, em alguns momentos, contando a
história do Rio Grande do Sul, como parte do projeto para difundir a memória
Riograndense. Estimula e incentiva o processo acumulativo do elemento imigrante e seus
descendentes (Item VIII). Nesta prática do Desgarrados do Pago também se encontra o que
está proposto em outro item desta Carta, quando incentiva “todas as formas de divulgação
e propaganda o uso sadio dos autênticos motivos regionais” (XVIII).
Outra determinação na Carta de Princípios, que encontramos no CTG
Desgarrados do Pago diz respeito ao item VII, que objetiva transformar os CTG´s no
núcleo de transmissão da “herança social, através da prática e divulgação dos hábitos
locais, noção de valores, princípios morais (...) criar em nossos grupos sociais uma
unidade psicológica, (...) e ajustando o homem ao meio, para a reação em conjunto frente
aos problemas comuns”. Este item pôde ser comprovado, especialmente durante o velório
da gaúcha, sócia e esposa do presidente da Sociedade Sul Riograndense, Norma Teresinha
Serpa. Os presentes vestiam pilchas, usavam botoons, camisas ou lenços que identificavam
o gaúcho e / ou a Sociedade e o CTG Desgarrados do Pago. O cortejo fúnebre que
percorreu o cemitério da Cacuia, na Ilha do Governador, no dia 15/12/2004, fez saber a
todos os demais, que ali estavam enterrando uma gaúcha, membro de uma entidade
tradicionalista. Até mesmo a maçonaria carregava símbolos de identificação com a
Sociedade Sul Riograndense/CTG Desgarrados do Pago. As bandeiras que cobriram o
caixão (Rio Grande do Sul e da Sociedade Sul Riograndense/CTG Desgarrados do Pago),
os discursos, as demonstrações de amor fraterno e relação de pertença, uma imensa e única
família se formou no campo santo: todos ali estavam como gaúchos e sócios da Sociedade
45
Veja Anexo V.
46
No dia 04/12/2004, foi empossada nova Patronagem. O sócio e gaúcho de Bagé, Mauro Brasil é o novo
Patrão do Desgarrados do Pago.
59
Sul Riograndense, mesmo que nascidos em outro estado, mesmo que maçons, mesmo que
sem entender se pilchavam vestiam camisas, botaram lenços, numa última homenagem.
Como elo da história e da memória do Rio Grande do Sul está presente a
figura do dançador de Chula, peão escolhido desde pequeno, pela destacada habilidade e
manuseio da lança, espadas, boleadeira e dança. No CTG Desgarrados do Pago existe um
responsável por treinar outros que, como ele, foram selecionados para essa função. Vale
ressaltar que esses dançarinos especiais têm grande importância nessa sociedade, uma vez
que representam o próprio Centro, e devem fazê-lo de modo mais exemplar possível,
aproximando-se das demonstrações do manejo com as ferramentas
47
do peão das estâncias
– a quem representa – agregando assim, um importante papel tradicionalista ao evento, por
ser uma dança carregada de simbolismos
48
. Assim, o Desgarrados cumpre o que objetiva o
item VI da Carta de Princípios, que é o de “preservar nosso patrimônio sociológico
representando, principalmente, pelo linguajar, vestimenta, arte culinária, forma de lides e
artes populares”.
Um outro elo forte cultural e histórico se percebe no respeito e culto do
gaúcho aos símbolos como a bandeira do Rio Grande do Sul, ao Lenço Farroupilha
49
e a
enorme Cuia de Chimarrão postada à porta da secretaria da Sociedade Sul Riograndense.
Na parte central do Lenço (Figura 6), vemos uma estrutura oval, um losango
(ao redor desta estrutura oval, na parte superior está escrito República Riograndense, e na
inferior, 20 de setembro de 1935), e tendo sobre o seu centro um quadrado que separa este
losango, ladeado por duas torres sob montes sinoplas, 4 pontos de sua extremidade; nas
suas laterais são 2 triângulos em goles (vermelho); na parte superior do quadrado um
triângulo sinopla (verde) contendo no centro uma estrela de 6 pontas de jalne (amarelo,
ouro). No lado inferior do triângulo em jalne, no centro estrela de 6 pontas em goles. Na
parte inferior do quadrado, no centro, uma lança ladeada pela flor de louro e uma ponta em
gorro goles (vermelho). Aos pés do escudo armas (espada, canhão) e uma corneta estão
postas, e, abaixo, louros. Na parte inferior do ornato contendo a seguinte inscrição
“liberdade, igualdade e humanidade”, tendo na sua extremidade, elementos florais.
47
Ferramentas como facas, boleadeiras, compõem as utilizadas pelos peões nas Estâncias.
48
Representa a luta entre peões por uma prenda.
49
Um dos 8 lenços que restaram da Revolução Farroupilha se encontra no acervo da Sociedade Sul
Riograndense.
60
Fi
g
ura 6: Lenço Farrou
p
ilha
Nos quatro cantos do Lenço, duplas de bandeiras circunscritas pela coroa de
louro em posição de movimento. Numa seqüência de 1 a 20 apresenta pontos marcantes da
trajetória do exército farroupilha. Ladeando o brasão, posto no centro, estão círculos
contendo gorro em goles circunscritos por coroa de louro. Na parte superior do Lenço um
anjo tocando trombeta, e na parte inferior um navio. O Lenço traz ainda nas pontas das
bordas em goles e sinopla. Contornando as bordas, apresenta a inscrição sob tarja jalne:
“Nos ângulos do continente, o pavilhão tricolor, se diviza sustentado, por liberdade e
valor”.
61
O Vermelho (goles) representa a coragem, o sangue derramado a serviço do
Estado e a crueldade. O verde (sinopla) representa a força, a abundância e o amarelo, o
ouro (Jalne). Torre simboliza o poder, assim como as armas apontam para as batalhas e as
glórias que dela decorem. Os louros (força e intrepidez) que envolvem as bandeiras
significam que em alguns momentos do movimento batalhas foram vencidas, conquistadas,
assim como a presença de armas quer demonstrar a força militar como norteador do padrão
identitário do riograndense. Os gorros que ladeiam o brasão e que estão circunscritos em
louros querem marcar a semelhança entre a Revolução Farroupilha e a Francesa. Esta
referência também está presente quando reproduz na mensagem liberdade igualdade e
humanidade, ideais espelhados no movimento francês; Estrelas significam guia seguro e
futuro luminoso marca um desejo de que o Rio Grande do Sul seja maior, em vitórias e no
seu destino, do que eles acreditam que já o é, uma vez que o Lenço apresenta louros,
flores, que significam glória, reconhecimento de valor. O anjo simboliza a figura
humanizada e também liberdade; a presença do navio marca a importância se sua
participação na promoção da República Riograndense, bem como significa conquistas do
movimento.
O Hino Rio-Grandense
50
composto pelo maestro Joaquim José
Mendanha, no período em que esteve sob
a custódia do exército farroupilha, após a
vitória na Batalha do Rio Pardo, é
retomado nas comemorações do
Centenário da Revolução Farroupilha pelo
Instituto Histórico Geográfico do Rio
Grande do Sul, que aprova a letra de
Francisco Pinto da Fontoura, e que traz
nos versos a memória da Revolução Farroupilha e os orgulhosos sentimentos de bravura
presentes também nas letras nativistas, cantadas nas festas tradicionais no CTG
Desgarrados do Pago. É a Revolução Farroupilha determinando o “caminho da oralidade à
escrita para delimitar, ao longo dos anos, um passado, uma memória, uma história”
(Pesavento, 2003:44).
Figura 7: Brasão do CTG Desgarrados do Pago
50
REAL, Antonio T.Corte. Em torno do Hino Rio-Grandense. Porto alegre. Assembléia Legislativa do Rio
Grande do Sul. 1976. Ver Anexo II.
62
O Escudo do CTG Desgarrados do Pago
(Figura 7) apresenta no centro um gaúcho dançando a
Chula dentro de uma Cuia de chimarrão; esta Cuia esta
ladeada pelas cores dos brasões do Rio Grande do Sul e
do Rio de Janeiro, representadas nas cores de suas
bandeiras. Na parte inferior a sigla da Sociedade Sul
Riograndense (SSR), e abaixo ornato contendo a
seguinte inscrição: “CTG Desgarrados do Pago – Rio de
Janeiro”. O gaúcho pilchado dançando a Chula – dança
tradicional – dentro da cuia, outro símbolo do Rio
Grande do Sul, são elementos que resumem a proposta
de um Centro de Tradições Gaúchas, refletindo a identidade gaúcha que querem
demonstrar. Uma das cores exposta no escudo está errada. Segundo o presidente da
Sociedade Sul Riograndense houve um erro, ainda não retificado, na coloração das cores
no escudo. A seqüência correta das cores – uma vez que se propõe simbolizar as cores da
bandeira gaúcha de um lado, e do outro do Rio de Janeiro é: verde, vermelho, e amarelo; as
cores representativas do Rio de Janeiro estão corretas.
Figura 8: Regimento do CTG
Se o CTG e a SSR têm Escudos e brasões diferenciados, possuem cada um
Estatuto próprio, embora o CTG Desgarrados do Pago seja departamento da Sociedade Sul
Riograndense. Assim, para participar do CTG como sócio, é necessário associar-se à
Sociedade Sul Riograndense.
O Regimento deste CTG estabelece em seu artº 1 que seu funcionamento se
dará dentro do espaço físico da Sociedade Sul Riograndense, e esta foi uma “decisão da
sessão conjunta da Diretoria e do Conselho Deliberativo, de 30 de agosto de 1977, em cuja
ata se acha transcrita este Regimento” (Regimento Interno, CTG Desgarrados do Pago).
4.2.1. Gaúchos e não gaúchos no CTG Desgarrados do Pago
No intuito de compreender a estrutura e a rede de alianças que envolvem a
entidade gaúcha no Rio de Janeiro, fizemos levantamento das fichas cadastrais dos
associados. Encontramos 152 fichas referentes a sócios da Sociedade Sul Riograndense em
03 tipos de classificação: Sócio Efetivo – Gaúcho; Efetivo Especial ou Contribuinte – Não
gaúcho; Sócio Benemérito ou Remido – gaúchos e não gaúchos. Das fichas analisadas, 30
63
delas estavam dispostas no fundo do arquivo, que chamaremos de “fichas separadas”, e ali
estavam segundo a secretária da entidade em razão de um atraso no pagamento entre 12 e
18 meses.
Para melhor compreender o perfil
dos sócios da Sociedade Sul Riograndense e CTG
Desgarrados do Pago analisamos suas fichas, que
estiveram a nossa disposição para consulta. Os
dados coletados
51
foram: Sexo; Estado Civil;
Residência, Estado de Origem e Profissão com
especificações conforme legenda da Tabela 1.
Figura 9: Ficha Verde
A identificação quanto à procedência destes sócios para a Entidade, começa
na definição de cor de sua ficha: Gaúchos (Fichas Verdes – conforme figura 09); Não
gaúchos (Fichas Amarelas – conforme Figura 10); Beneméritos e Remidos (escolhidos
entre Gaúchos e não gaúchos, também diferenciados através das cores das fichas). Além
das fichas tivemos acesso ao livro de matrícula, onde consta o local de nascimento dos
sócios.
Vale esclarecer que, não consta deste
estudo a nova Patronagem do CTG Desgarrados do
Pago, empossada em 04/12/2004. Uma vez que a
Sociedade Sul Riograndense realizou eleição para
nova diretoria no dia 31/10/2004, conforme Ata nº
221, Américo Jará Serpa foi reeleito presidente da
entidade, e nomeou novo Patrão. Para o cargo, desta
vez foi escolhido um gaúcho de Bagé, Mauro Brasil Costa, de 54 anos, casado com uma
carioca, praticante do tradicionalismo gaúcho, chegando a parecer, ou nos fazer pensar que
é gaúcha. Toca “gaita de 8 baixos
59
” muito bem, e os dois são considerados dos mais
tradicionalistas dentre os sócios da entidade. Clóvis Correa, patrão anterior, continua
participando da nova patronagem.
Figura 10: Ficha Amarela
51
Antes e depois da reunião de Diretoria, ocorrida em setembro de 2004, propostas de sócios gaúchos e não
gaúchos foram analisadas para possível aprovação. Segundo informações, menos da metade das propostas
foram aceitas, a maioria de não gaúchos que entraram estão na categoria de sócios contribuintes, ou seja, sem
direito a voto.
59
Como os tradicionalistas chamam o acordeom gaúcho.
64
Das 151 fichas analisadas, 91 se referem a sócios gaúchos, destes 6 são
beneméritos, que não pagam mensalidade, mas freqüentam a entidade e tem direito a voto
nas assembléias. Dos associados gaúchos 17 são mulheres. Entre os associados não
nascidos no Rio Grande do Sul 52 são homens e 8 mulheres. A maioria dos sócios é
casada: 67 gaúchos e 36 não gaúchos. Apenas 15 se declaram solteiros; 9 viúvos e 9
divorciados. Oito sócios não declaram sua condição civil.
A maioria dos sócios (85%) declarou residir na cidade do Rio de Janeiro, e
apenas 8,5% residem em outros municípios do estado do Rio de Janeiro, principalmente
Baixada Fluminense.
Para estabelecermos a média etária dos sócios freqüentadores, de acordo
com as fichas, vemos que a maioria está entre 31 e 50 anos, seguida de sócios com até 60
anos de idade. Nesse número não estão incluídos os filhos dos sócios, a media dos
dependentes está em 20 anos. A faixa etária dos associados é de 51 sócios com 60 anos.
Desses, a maioria é de gaúchos, seguindo de perto de sócios entre 31 a 50 anos. Entre os
que se declaram estarem nas faixas de 31 a 50 anos, 21 são gaúchos e 26 não gaúchos.
Quarenta e quatro sócios declaram pertencer às profissões liberais, destes, a
maioria é de advogados, e apenas duas biólogas. Os militares correspondem a segunda
profissão dos associados, sem que as patentes estejam definidas. Quarenta e quatro pessoas
disseram atuar em outras profissões como compositor e do lar. Das 91 fichas de gaúchos, 5
não quiseram declarar sua profissão e 07 não declaram sua idade.
Entre as 60 fichas de não gaúchos também 2 não declararam profissão e 4
não disseram a idade. Outra informação relevante é a de que os filhos dos associados não
estão identificados nas fichas, mas através de carteiras sociais. Eles não podem votar - ato
exclusivo dos gaúchos e sócios efetivos especial
52
.
As tabelas apresentadas a seguir resumem os dados ora analisados.
No capítulo seguinte trataremos da etnografia do espaço do Desgarrados do
Pago que funciona como departamento da Sociedade Sul Riograndense, instalado no local
desde 1972.
52
Sócios não gaúchos elevados a esta categoria quando há equiparação de 3 gaúchos para 1 não gaúcho. Ou
seja, quando se associarem mais gaúchos, os não gaúchos mais antigos são ‘promovidos’ de contribuinte a
sócio especial efetivo, categoria que lhes permite votar e serem votados. A exceção para os cargos de
presidente, vice e conselheiros.
66
4.3. Etnografia do espaço: ver, descrever, reviver.
Fi
g
ura 11: Ma
p
a de Santa Cruz
67
Neste subitem será elaborada uma etnografia do espaço que compõe à
Sociedade Sul Riograndense tanto do ponto de vista físico, com suas áreas e funções,
situação geográfica e vizinhança, quanto às atividades desenvolvidas no CTG, situado no
bairro carioca de Santa Cruz.
Para começar a compreender o bairro de Santa Cruz, precisamos voltar ao
passado e recapitular parte de sua história. Seu espaço geográfico compreende a Região de
Campo Grande, que cobre uma área de 46.996 hectares, e é formado por 11 bairros: Barra
de Guaratiba, Campo Grande, Cosmos, Guaratiba, Inhoaíba, Paciência, Pedra de
Guaratiba, Santa Cruz, Santíssimo, Senador Vasconcellos e Sepetiba. A Região Campo
Grande possui três áreas geomorfologicamente distintas: na terceira está Santa Cruz, área
formada pelos canais afluentes da bacia de Sepetiba, a leste, a Rio Cação Vermelho, ao sul,
a margem oeste do Rio do Ponto, a noroeste, a margem leste do Rio Guandu
53
.
A extensão de suas terras, que vai do Rio da Prata até Cabuçu, que hoje
corresponde à região de Campo Grande, era habitada por índios Picinguaba. Após a
fundação da cidade em 1565, esse território passou a pertencer a grande sesmaria de Irájá.
No mesmo ano foi criada a Paróquia de Nossa Senhora de Desterro, marco histórico da
ocupação territorial da Região. “Antes de a Freguesia Rural de Campo Grande começar a
prosperar, sua ocupação foi influenciada pela antiga fazenda dos jesuítas, em Santa Cruz.
O trabalho dos jesuítas foi de extrema importância para o desenvolvimento do Rio de
Janeiro
54
”, uma vez que incentivaram a construção de diques e pontes para regularização
do Rio Guandu, para escoamento dos produtos da Fazenda Santa Cruz, feito através da
Estrada da Fazenda dos Jesuítas, posteriormente, Estrada Real da Fazenda de Santa Cruz.
Importante para o governo colonial, a Fazenda dos jesuítas e suas terras não
foram postas em leilão, após a expulsão destes religiosos do Brasil, antes, foram
incorporados ao patrimônio oficial e depois, transformadas por D. João VI em Fazenda
53
Rio de Janeiro (RJ). Instituto Pereira Passos. Diretoria de Informações Geográficas. Notas técnicas do
plano estratégico (nºs 2,3 e 4). Onde o rural e o urbano convivem. Rio de Janeiro, 2003. Publicado em Rio
Estudos nº94. (Coleção Estudos da Cidade). Disponível
em:<http://armazemdedados.rio.rj.gov.br/link/orgs/Restudos%20N94.pdf.>
54
Rio de Janeiro (RJ). Instituto Pereira Passos. Diretoria de Informações Geográficas. Notas técnicas do
plano estratégico (nºs 2,3 e 4). Onde o rural e o urbano convivem. Rio de Janeiro, 2003. Publicado em Rio
Estudos nº94. (Coleção Estudos da Cidade). Disponível
em:<http://armazemdedados.rio.rj.gov.br/link/orgs/Restudos%20N94.pdf.>
68
Real de Santa Cruz, em 1808. Em parte desta Fazenda se encontram as terras da Sociedade
Sul Riograndense, onde funciona o CTG Desgarrados do Pago.
Situado no bairro de Santa Cruz, na Av. João XXIII, nº 5000 se encontra o
CTG Desgarrados do Pago, aonde se pode chegar utilizando dois caminhos: pela
Av. Brasil, ou, saindo da
Barra da Tijuca/Recreio dos
Bandeirantes, tomando a
Estrada da Grota Funda,
seguindo em direção à antiga
estrada Rio-Santos, lá
seguindo até Santa Cruz. Em
toda a extensão da avenida
que leva a Entidade pode-se
ver casas populares, a maioria
em lenta construção dado ao
baixo poder aquisitivo da população. Proprietária, inicialmente e desde 1972 de 45
hectares, a Sociedade Sul Riograndense CTG Desgarrados do Pago viu uma parte das
terras de sua sede, serem gradualmente invadidas nos últimos anos, criando assim uma
favela de asfalto nos fundos da Sede da SSR. A perspectiva é de que se prossigam as
invasões à propriedade, uma vez que a Sociedade não dispõe de recursos financeiros para
murar toda a terra, e tão pouco existe um projeto de ocupação produtiva de toda a sua
extensão.
Como já dissemos
anteriormente, o CTG Desgarrados do
Pago, faz parte da SSR como
departamento cultural, não possui sede
própria, seus patrimônios se confundem
e está inserido dentro do espaço da
Entidade. Assim, ao cruzar os portões
da Sociedade também estará adentrando
os portões do Centro de Tradições
Figura 12: Entrada da SSR
Figura 13: piscina
69
Gaúchas. Logo na chegada, o visitante depara-se com uma enorme placa informando:
“Longe do Pago, mas sempre gaúcho”; mais adiante, outra placa, em cima da
representação do fogo de chão
45
afirma que, “nesta querência cultiva-se a tradição”.
Ambas as placas são bem representativas do ponto de vista de uma comunidade ritualista
que preza e defende seus latos padrões de preservação e divulgação identitária e cultura.
Na primeira, o Pago é a terra, o chão que o identifica, o caracteriza, o transforma naquilo
que ele consegue ser: o gaúcho está intrinsecamente ligado a terra, nela está sua
identificação como grupo, e esta relação está assegurada desde a sua configuração no
cenário do Pampa gaúcho, quando era um homem errante, montado a cavalo e sem rumo,
nômade, mas conhecendo tudo de terra e suas lides; na segunda ratifica a importância de
que nesta terra, neste espaço a tradição é cultivada. Caminhando mais à direita, nos
deparamos com um dos importantes amigos deste gaúcho na campanha, neste trecho em
que reproduziram uma típica casa de cusco (cachorro), dois metros adiante, vê-se uma
pequena capela, outra característica bastante comum ao gaúcho: sua religiosidade. Adiante
e à esquerda, mais alguns metros depois um espaço fechado com muro baixo, está a área de
piscina para adultos e crianças, e nos banheiros as placas de prenda e de peão, delimitam o
espaço de cada um. Nessa área também estão construídas uma sauna e uma pequena
churrasqueira.
Ao lado da piscina vemos o prédio da Biblioteca Coruja, onde sócios podem
ler obras raras e em sua maioria, peças bem
antigas, mas pouco conservadas. São jornais do
século XIX, Atas da SSR, desde 1857, uma
Bíblia Mogúncia (datada de 1571, não está
disponível à visitação), livros folclóricos,
romances, entre outros, alguns destes permitidos
para empréstimos aos sócios. Ao lado da
Biblioteca estão três blocos de apartamentos para
acomodar sócios com reservas (são no total 21, e
há uma previsão de construir mais
apartamentos). Estes alojamentos estão
Fi
g
ura 14: Cuia
45
Fogo de chão: grande fogo que se acende no galpão das estâncias para o preparo do mate e do churrasco.
Em volta dele é ponto de reunião dos tropeiros e peões.Fonte: NUNES, Z e R. Dicionário de regionalismos
do Rio Grande do Sul.Porto Alegre: Martins Livreiro, 1982.
70
destinados aos que desejem pernoitar na SSR e também para hospedar visitantes do Rio
Grande do Sul, em passeio na SSR.
Posto entre blocos e a secretaria da SSR está uma enorme Cuia de
Chimarrão, símbolo do folclore e tradição gaúcha, onde se lê a inscrição: “longe do Pago,
mas sempre gaúcho”.
Como parte da área de lazer dos sócios, encontra-se outra sauna; uma
cancha de bocha para a prática desse esporte muito popular no Rio Grande do Sul; existe
ainda um salão de jogos em área coberta e equipado com 4 mesas de bilhar, totó e sala de
Tv com cadeiras. Neste mesmo salão encontram-se também outros dois banheiros,
demarcados por uma família de gaúchos – todos pilchados. Adiante se pode ver, em
armário protegidos por vidros, miniaturas de símbolos culturais, como a representação de
um rancho gaúcho, da vida campeira. No local estão expostos ainda a evolução, através de
fotos e desenhos, das vestimentas usadas no Rio Grande do Sul desde o século XVI.
Em uma das saídas do salão já descrito, está uma grande churrasqueira com
mesas e bancos; à esquerda, no alto, vê-se a reprodução da casa da ave símbolo do Rio
Grande do Sul: o João de Barro
46
.
Abaixo dela, em redoma de vidro,
um presente do 35 CTG, a
representação de um fogo de chão
em miniatura. Seguindo, adiante,
entra-se no grande galpão coberto
com capacidade para 500 pessoas,
onde ocorrem os fandangos, que
são bailes com danças típicas do
Rio Grande do Sul como Chotes,
Vaneiras, Bugiu, e outras (Nunes,
1982:184).
Figura 15: Frente dos Galpões
46
João de Barros, também conhecido por João-barreiro, forneiro e horneiro, é ave muito comum no Rio
Grande do Sul. Fonte: NUNES, Z e R. Dicionário de regionalismos do Rio Grande do Sul.Porto Alegre:
Martins Livreiro, 1982.
71
No final desse grande galpão está o Bolicho, uma espécie de lanchonete e
bar típico gaúcho e, no caso do espaço da SSR, este está equipado com cozinha semi-
industrial. Ao lado do Bolicho existe um palco utilizado nas apresentações, com sistema de
som apropriado. Nas noites de Fandango, os músicos tocam nesse palco que mede cerca de
6m
2
, onde se vê ao fundo a bandeira do Rio Grande do Sul, como símbolo e adorno ao
mesmo tempo.
O espaço da Sociedade Sul Riograndense e CTG Desgarrados do Pago
dispõe ainda de dois campos de futebol, uma quadra de volley-ball de grama; uma quadra
poli-esportiva coberta; outras churrasqueiras cobertas para churrasco de costela e outras
áreas completas para assar carnes. Ilustrando bem o espírito gaúcho e o apego a terra, vê-se
um bosque de eucalipto atrás do campo de futebol. Seguindo, na mesma direção foram
instaladas 12 baias para cavalos e criação de ovelhas, que completam o cenário campestre
gaúcho. A Entidade possui ainda um espaço destinado ao estacionamento, com capacidade
para cerca de 300 veículos, mas que, em dias de festa, parece insuficiente.
A diretoria da Sociedade Sul Riograndense decidiu em junho deste ano,
alugar o espaço para eventos particulares, como festas da colônia Portuguesa, Igrejas e
para a Maçonaria. E é sobre estas estratégias de sobrevivência para divulgar a cultura
gaúcha, bem como manter a própria estrutura desta entidade alicerçada na identidade
gaúcha reinventada e distante do Pago, que trataremos no capítulo seguinte.
72
5. A reinvenção da identidade gaúcha no Rio de Janeiro: estratégias de memória e
disputas espaciais.
Figura 16: O presidente Serpa e sua esposa Norma Vargas Serpa, falecida em 15/12/2004, ao fundo um
quadro a óleo do Gal Manuel Luis Rocha Osório.
73
Neste capitulo analisaremos alguns elementos da identidade gaúcha,
presentes especialmente no espaço do CTG, no Rio de Janeiro e os aspectos do positivismo
que influenciaram esta sociedade dentro e fora do Rio Grande do Sul, à luz da literatura e
das narrativas das entrevistas.
Ao estabelecer o objetivo de afirmar ou de inventar uma identidade gaúcha
no Rio de Janeiro, o CTG Desgarrados do Pago promove a divulgação de uma cultura
gaúcha. Assim, afere estratégias para que esta construção ou (re) construção se estabeleça
nas práticas discursivas, nas reproduções dos conceitos simbólicos, firmados neste espaço.
Por práticas discursivas entende-se as utilizadas pelos indivíduos ou comunidade, a fim de
estabelecer sua base, tradição ou conceito. O Gaúcho, na utilização de seus símbolos que
remontam sua história, especialmente a Revolução Farroupilha, quer com isso reproduzir e
alimentar sua identidade forjada no passado, estruturada na representação de que possui
um elo legítimo, permanente e real, como aponta Pesavento (2002:4),
Diferentes narrativas que explicam o social – a história, a literária, a
política, constroem e legitimam, de forma exemplar, os marcos de
referência identitária, socializando o mito das origens, a identificação
dos pais fundadores, as datas memoráveis, o Panteão dos heróis, as
festas rituais, os ícones da nação, os feitos exemplares, os esteriótipos de
comportamento, os acontecimentos apontados como significados para a
comunidade.
Desta maneira, elementos são codificados como mito das origens, desde o
aperto de mãos, as pilchas nas danças e culinária, na poesia e no vocabulário diferenciados,
formando elementos de afirmação e existência. A identidade gaúcha não pode ser vista
como reflexo objetivo de posições sociais, de valores ou de circunstâncias, mas resultado
da prática de relações dentro de um espaço específico, neste caso a Sociedade Sul
Riograndense e o Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago, como se construindo
o que Pesavento chamou de Sul Profundo, um pertencimento nacional e local (Pesavento,
2002:04).
O gaúcho é antes de tudo um ser apegado aos símbolos que ele construiu
paulatinamente na hierarquia destes espaços, onde se depurou na doutrina militar das
estâncias e na afirmação de um povo ordeiro (Lamberty, 2000:16). Funcionando como uma
espécie de simbolização do espaço social Bourdieu (1997:160) adianta que,
74
Não há espaço, em uma sociedade hierarquizada, que não seja
hierarquizado e que não exprima as hierarquias e as distancias sociais,
sob uma forma (...) deformada e,(...) dissimulada pelo efeito de
naturalização que a inscrição durável das realidades sociais.
Como hierarquizados são os espaços e a própria Sociedade gaúcha, pode-se
perceber no uso das representações, nos códigos e linguagens singulares, quase como
resistências ao esquecimento e símbolos de poder, de um projeto de reproduzir mais do
que identidades, estabelecer ritmos e elos com o passado. É possível perceber através dos
elementos presentes no espaço espalhados por toda a Sociedade e CTG, tal como uma
grande Cuia de Chimarrão em frente à sede; uma capela próxima à entrada; uma réplica da
casa de João de Barro; bonecos de prenda (moça) e peão (moço) em frente aos banheiros;
uma casa de cusco próximo à entrada, e em frente estampadas numa placa às declarações:-
“Longe do Pago, mas sempre gaúcho”, “Neste lugar cultiva-se a tradição”. Reproduzir ou
reinventar a tradição parece ser o projeto maior desta Entidade.
A identidade é gaúcha e sua representação coletiva, e os mitos presentes nos
símbolos coletivos podem ser percebidos também através das danças, das músicas que
retomam seu passado, da culinária e do folclore mantido nas histórias populares que
mesclam o real ao fantástico, como os mitos do boi tatá e negrinho do pastoreio
1
.
Tais identidades reiteradas nas práticas realizadas pelos homens e mulheres
que freqüentam o CTG, a partir de uma produção coletiva de diferentes formações, e que
foram também influenciadas pelas idéias positivistas (Padoim, 2001:25). Pesavento
(1980:81) também aponta para os ideais positivistas, como solução de problemas que
afligiam o Rio Grande, uma vez que o Partido Liberal apresentava-se incapacitado para a
tarefa. “Diante da conjuntura que se apresentava, a República foi à nova alternativa política
e o Partido Republicano Riograndense (PRR) o seu instrumento partidário no nível
estadual
2
”.
O estado positivista, baseado nos princípios de Comte, se dispunha a
“incorporar o proletariado à sociedade moderna” (...) o Estado deveria
intervir como mediador, quando se dificultasse o acerto, ou como órgão
repressor, quando a segurança fosse ameaçada.A ideologia positivista no
Estado desempenhava o papel de contornar o conflito social a fim de
possibilitar o desenvolvimento de acumulação privada de capital.
1
Lendas do folclore gaúcho. Para saber mais, veja NETO, J. Simões Lopes. Contos Gauchescos e Lendas do
Sul. 5.ed.Rio de Janeiro:Editora Globo, 1957.
2
Pesavento, Sandra J. A História do Rio Grande do Sul.Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980, p.66.
75
Para a autora, no contexto europeu, esta ideologia aparece como defensora
de uma sociedade burguesa em ascensão e do desenvolvimento capitalista. “A ordem era à
base do progresso; o progresso era continuidade da ordem (...) no contexto gaúcho (...) a
ideologia importada, posta a serviço das condições locais, fornecia os elementos básicos
que norteariam a ação do grupo no poder” (Pesavento, 2003:67).
Esses elementos que compõem a identidade gaúcha foram analisados por
Pesavento, a partir do mito que os originou, em espaços definidos: “o pampa, a fronteira,
os deslocamentos inerentes à guerra e à criação do gado; há um tempo idílico: a idade do
ouro em que o voluntarismo não encontrava freios no poder central; e há também um
sujeito forjado por uma alta concepção de si próprio” (2003:44).
Também podemos compreender identidade construída, a concepção
assimilada na análise de Padrós
3
, segundo a qual “integrar não deve significar perda da
identidade nacional e sim, contato com outras identidades nacionais” (Padrós,1994:66).
Padoin acrescenta que na construção deste Estado Nacional o fundamental é a
consolidação de uma identidade nacional, e aponta o que Eric Hobsbawm “chamou de ‘a
invenção das tradições’, que será a fundamentação do real, da identidade nacional”
(Padoin, 1999:369). Inventam-se tradições para que essa consolidação seja legitimada, para
ser incorporada, absorvida e reproduzida nessa identidade nacional.
Desta forma, percebe-se que, na estruturação de uma identidade gaúcha no
Rio de Janeiro, no espaço do CTG Desgarrados do Pago, práticas sociais são organizadas,
que se valem, de “imaginário social (...) como peça efetiva e eficaz do dispositivo de
controle da vida coletiva e, particularmente, do exercício da autoridade e do poder”
(Pesavento, 1993:383). A autora continua esclarecendo que o sistema de ideais e/ou
imagens legitimam a representação coletiva, pois este é o chamado imaginário social.
Um sistema de idéias – imagens de representação coletiva. A isso dá-se o
nome de imaginário social, através do qual as sociedades definem a sua
identidade e atribuem sentido e significado às práticas sociais. O
imaginário é sempre representação, ou seja, é a tradução, em imagens e
discursos daquilo a que se chama de real.
3
PADRÓS, Enrique. Fronteiras e Integração Fronteiriça: elementos para uma abordagem conceitual.In:
Humanas, Porto Alegre, v.17,n.1/2,p.63-85,jan/dez.,1994.
76
Assim, a seguir, vamos analisar através das narrativas expostas nas
entrevistas realizadas com sócios e ex-sócios da Sociedade Sul Riograndense e CTG
Desgarrados do Pago as relações evidenciadas nesse espaço e mesmo fora dele.
Do espaço físico, já descrito de 45 hectares da propriedade, e a luta da
Sociedade Sul Riograndense e Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago para
mantê-los, a Entidade ainda precisa administrar e enfrentar disputas políticas pelo direito
ao uso do seu espaço e de suas memórias. Conflitos presentes e percebidos através das
entrevistas realizadas até o momento. No dia 16 de maio de 2004 fomos até a residência de
Edemir Antonio Machado de Oliveira
4
, para entrevistá-lo, uma vez que ele participou do
CTG “Estância dos Gaudérios”
5
, gaúcho e um dos fundadores do CTG Desgarrados do
Pago, é produtor e líder de grupo folclórico. Afastado do Desgarrados desde de 1999 por
não concordar, segundo ele, com “algumas posturas administrativas”, e porque não recebeu
“o apoio e espaço que esperava”.
Edemir acredita que o CTG Desgarrados do Pago possui espírito de
integração, troca de conhecimento elementar para preservar a historia, tradição e costumes,
mas aponta que a vaidade de alguns da atual diretoria impede maior integração entre
entidades tradicionalistas, fazendo uma referência a UTG – União Tradicionalista Gaúcha,
fundada pelo ex-patrão do CTG Desgarrados do Pago, Marcus da Cruz Machado, em 2000.
O desligamento de Marcus, de acordo com Edemir, fez com que a Sociedade Sul
Riograndense e o seu CTG não mais participassem dos encontros organizados pela UTG, e
desabafa: “Não há um comparecimento da própria fundação da UTG (...)– há sempre a
Sociedade em si e seus diretores não estão presentes. Isso é vaidade!”. (Edemir: 10)
Para ele, o ideal do tradicionalismo é fazer com que o Rio de Janeiro se
transforme em um grande potencial do tradicionalismo gaúcho, já que, segundo afirma
existem cerca de 600 mil gaúchos no Rio de Janeiro, ou seja, como o ele definiu “uma
tropa de batalha fantástica”. Questionado sobre o alto número de gaúchos morando no Rio
de Janeiro, ratificou serem 600 mil, e se disse surpreso por atualmente a freqüência ser
baixa na Sociedade Sul Riograndense e Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do
4
Entrevista nº 07
5
De acordo com Edemir, foi 1º CTG fundado no Rio de Janeiro, em 1956. Ele diz ter saído deste CTG por
“desentendimentos com a diretoria”.
77
Pago. “Lamento (...) quando eu entrei em 1981
6
eu tinha, no mínimo, na sexta-feira (...)
todos os apartamentos lotados, no sábado e no domingo eu tinha 300 a 400 pessoas”,
garante, ratificando que a alta freqüência não estava associada as Costeladas, uma vez que
estas só foram instituídas na Entidade a partir de 1992, com a orientação do gaúcho de São
Borja, Dirceu Trilha
7
.
Mas o conflito entre a atual diretoria e associados e ex-sócios não se
restringe apenas aos que não freqüentam mais o espaço, mas até entre os que atuam em sua
diretoria. Por causa de uma desavença entre as esposas de sócios e Presidente do Conselho
Fiscal da Sociedade Sul Riograndense (Nicolau dos Santos) e a de um membro da
diretoria, o neto de Nicolau foi impedido de participar do evento mais importante do
tradicionalismo gaúcho: O Torneio de Vacaria. É o que sintetiza Emerson
Jatobá
8
(2004:15), Procurador Jurídico da Sociedade Sul Riograndense, quando explica que
O nosso representante era um representante mirim, e por ele ser mirim
dependia da presença dos pais ou representante. E sendo ele neto de um
sócio que teve um atrito com pessoas da diretoria, isso acabou
inviabilizando a presença/participação da criança na representação da
Sociedade.
A conseqüência, segundo ele, foi à condenação, ainda que moral da
Sociedade Sul Riograndense e do Desgarrados dentro do Movimento Tradicionalista
Gaúcho, e só não houve uma penalidade para o Desgarrados do Pago porque quem puniu o
sócio foi a Sociedade Sul Riograndense, e não o CTG, pois ele não é personalidade
jurídica, e a SSR não está tutelada ao MTG. José Nicolau
9
foi suspenso numa reunião
extraordinária de diretoria, na semana seguinte a discussão. No dia 5/12 ele retornou a
Sociedade Sul Riograndense, mas somente com os netos.
Durante esta pesquisa não localizamos a Ata de Fundação do CTG
Desgarrados do Pago e a posse de sua Patronagem, informação que consta do site
10
da
Entidade, apesar do presidente da Sociedade Sul Riograndense ter franqueado todos os
lugares de busca e ter participado ativamente desta tarefa.
6
De acordo com Ata da 1ª Patronagem, divulgada no site da entidade, empossada em 20/09/1977, seu nome
está registrado como Agregado da Invernada Artística, portanto ele estava antes da fundação do Desgarrados
do Pago.
7
Entrevista nº 10
8
Entrevista nº 6
9
entrevista nº 4
10
www.sociedadesulriograndense.org.br
78
Entretanto, foram localizados o Regimento Interno do CTG, e os Alvarás de
filiação do Desgarrados do Pago ao MTG
11
, que está registrado na entidade sob o nº 477, e
lemos na Ata nº 183, de 05/04/1983, menção a criação do CTG em 30 de agosto de 1977,
que funciona no
departamento cultural da Sociedade Sul Riograndense, cumpriu sua
programação especifica no decurso do ano de 1989, regido pelo seu
regulamento interno, por nós organizado em agosto de 1977, época de
sua fundação e dirigido pelos Drs. Fernando Porto e João Kessler
Coelho de Souza(...) (Ata nº 183, de 5/4/1989, no verso da folha 17, Livro
nº 5 das Atas de Assembléia Geral da Sociedade Sul Riograndense )
Através de memórias de alguns sócios mais antigos, e de Emerson Jatobá
(2004), que também presenciou alguns destes relatos, pudemos entender o que pode ter
ocorrido com toda a documentação deste CTG Desgarrados do Pago. “A Norma
12
me
lembrou que na época, o Dr. Pinho teria dito: a gente nunca poderia deixar a criatura
engolir o criador. Eu também sou a mesma opinião, pois quem está na garupa não pode
comandar as rédeas”. Pois para ele “o lombo dessa história é a Sociedade” (2004). O
presidente na época da Sociedade Sul Riograndense era Cario Carneiro da Cunha Pinho
13
,
que teria se manifestado preocupado, após uma série de desentendimentos entre sócios,
pelo poder e importância que o CTG Desgarrados do Pago vinha obtendo
Não era para enterrar o CTG, mas um recurso, ainda que traumático
meio radical, para acalmar os ânimos da turma, por que estava havendo
muitas brigas, até uma quase agressão ao presidente da entidade.
De acordo com Emerson essa paralisação teria se dado em 1988, e durou
quase dois anos. “Isso que eu estou lhe contando, eu escutei, li [nas atas], ouvi de pessoas,
não é da minha cabeça, eu não estou inventando”, assegura Emerson (2004,18). Ele diz
que a Sociedade Sul Riograndense antes de criar o Desgarrados do Pago era uma Entidade
elitista, “um clube mais voltado para os gaúchos que estavam aqui, e tinha o seu lado
benemérito, assistencialista, mas que não tinha muito compromisso com a tradição
gaúcha”, diz. A Sociedade Sul Riograndense, de acordo com ele, voltava-se mais para os
fatos históricos de personalidades históricas do Rio Grande do Sul, mais do que para a
cultura gaúcha. Num período anterior, de acordo com ele, chegou “a funcionar como
11
Ver anexo XIII
12
Norma Terezinha Vargas Serpa
13
Foi presidente durante os anos de 1994 a 1996.
79
cassino, uma vez que o jogo era permitido; tanto que consta que as mesas de jogo vieram
da França” (Emerson: 2004,19).
A vaidade de uns e o orgulho de outros podem ter provocado a suspensão,
ainda que temporária, do CTG Desgarrados do Pago, como analisa Emerson, uma vez que
Aqueles que entendiam mais de tradicionalismo começaram a sobressair
mais do que os outros, e o povo gaúcho, como todo povo, ele não deixa
de ser vaidoso, e tem aqueles que são um pouquinho mais, se excedem. Aí
entram as brigas”quem é mais gaúcho que o outro? (...) quem dança
acha que é melhor do que aquele que não sabe dançar. E assim começou
Anualmente o MTG emite um alvará e cartão de regularidade para as
entidades tradicionalistas, mas só encontramos os alvarás e cartões referentes aos anos de
1988, 1996, 1997,1998 e 2004, bem como o Regulamento Interno do CTG Desgarrados do
Pago. Entre as atas da Sociedade Sul Riograndense, encontramos no dia 25/06/1990, no
Livro de Atas das Sessões do Conselho Deliberativo, livro nº 3, a Ata nº389, no verso da
página 124 uma proposta para transformar o Desgarrados do Pago em Entidade Jurídica, o
que poderia ocorrer, caso a Sociedade Sul Riograndense desejasse, mas nada é escrito
depois, existe apenas menção de proposta, mas esta não chegou a ser votada.
Encontramos ainda assinaturas de sessões Conjuntas da Diretoria e do
Conselho Deliberativo nos dias 14/07; 30/08; e 03/11 de 1977, numa coincidência com o
período da criação do CTG Desgarrados do Pago. Normalmente, estas reuniões do
Conselho Deliberativo não são conjuntas com as da Diretoria. O que nos leva a inferir que
assuntos importantes estavam sendo tratados.
A seguir apresentaremos, corroborado também nas entrevistas realizadas, a
maneira pela qual a identidade gaúcha no Rio de Janeiro se expressa, e o sentimento que
produz nos gaúchos e não gaúchos que vivem nesse espaço de pertença.
5.1. A reinvenção da memória do CTG Desgarrados do Pago
No espaço do Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago são
ritualizados diversos elementos da tradição gaúcha. No entanto, entre os planos
institucionais e direcionados à preservação da identidade gaúcha no Rio de Janeiro e às
práticas culturais, parece existir um descompasso, conforme se depreende dos fragmentos
80
discutidos a seguir. Ser gaúcho não é tão fácil de se definir. Nascer no Rio Grande do Sul
não é o único requisito, e, para os entrevistados, existe um elemento acima do nascimento:
o espírito, de ser gaúcho!
Para Clóvis Correia de Barros
13
Patrão do CTG há quatro anos no cargo,
paulista de Paranapanema, ser gaúcho é “gostar das coisas do campo, estar ligado às coisas
do campo. Porque você pode ter nascido em Porto Alegre, por exemplo, e gostar de rock e
detestar música gaúcha”, e, acrescenta, orgulhoso, que na Sociedade Sul Riograndense se
cultiva mais tradição do que os próprios gaúchos nascidos no Rio Grande do Sul. Ele
afirma que embora não tenha nascido no Rio Grande do Sul, se considera gaúcho por
vocação e lembra que o pai era gaúcho de Vacaria e a mãe paranaense e costureira, que
fazia as bombachas de seu o pai. “Meu pai só andava de bombachas, lenço no pescoço,
todo bem gaúcho mesmo” (Clóvis, 2003:3).
Filho de gaúcho Clóvis aponta, em sua narrativa, o que considera um ser
autêntico gaúcho: [seu pai] vestia-se com trajes comuns aos campos do Rio Grande do Sul;
chapéu na cabeça, e bota; gostava e sabia lidar com animais e trabalhava com o laço. “Ele
matava boi; saqueava
14
o couro; fazia o rebenque
15
. Rabo de tatu fazia artesanalmente. Ele
trabalhava muito bem a parte artesanal”, diz orgulhoso. Mas Clóvis afirma que, no entanto,
não foi com o pai que aprendeu os hábitos gaúchos. Ele começou a ter contato com a
cultura sulina em 1962, quando viajava com o irmão, toda a semana, para o Rio Grande do
Sul, a fim de comprar arroz para revendê-lo em São Paulo. As compras eram feitas em
Porto Alegre, Santa Maria, São Sepê e Caxias. Às Vezes, além do arroz, também
compravam vinho, e foi nesta época que percebeu a cultura do Rio Grande.
Clóvis Correia de Barros (2003:2) veio para o Rio de Janeiro, já casado com
uma carioca, e afirma ter vivido durante 20 anos na cidade sem saber da existência do
CTG, até que uma amiga de seu filho mais velho, sabendo do seu gosto pelas coisas
gaúchas, convidou-os para irem a um “baile gaúcho” que iria acontecer na Ilha do
Governador.
13
Entrevista nº 03, realizada em 06/12/2003, na sala da Presidência da Sociedade Sul Riograndense.
14
Ou seja, tirava o couro.
15
Chicote.
81
Quando chegamos ao Fandango fiquei sabendo que existia a Sociedade
Sul Riograndense (...) me convidaram para vir aqui e, na outra semana
já estive aqui, e ai de lá pra cá, não sei dizer, nem te conto [diz com
alegria indisfarçável] acabei me associando, (...) venho aqui toda
semana. Aqui criei meus filhos.
Sem conseguir precisar a data exata de sua associação
16
, afirma ter 10 anos
de Entidade, onde criou os filhos bem criados. Criados e participantes da cultura e da
Sociedade, uma vez que a filha mais velha é gaiteira do CTG Desgarrados do Pago e
concorreu no rodeio mais importante, o Rodeio de Vacaria, lá conquistando o 12º lugar,
disputando com mais de 40 gaiteiros, e sendo a única mulher e não gaúcha. Ainda
participou, na categoria Vocal, no Festival Nacional de Tradição, em Sorriso, Mato
Grosso. A filha mais nova participou do mesmo evento, na categoria de declamadora,
conquistando o 3º lugar.
Sua trajetória na Sociedade e CTG tem sido proporcional ao seu entusiasmo.
Após entregar sua proposta para associar-se à Sociedade, passou a freqüentá-la na
qualidade de sócio proponente
17
e, um ano e seis meses depois a sócio especial efetivo
18
.
Foi aceito em 1994 e, dois anos depois, passou a integrar a diretoria da SSR no cargo de
diretor social. Em 1998, foi diretor assistente e em 2001, com a saída de Marcus da Cruz
Machado, foi escolhido Patrão do CTG Desgarrados do Pago, cargo que ocupa até hoje
19
.
Clóvis entende que o CTG, como departamento da Sociedade Sul
Riograndense, trata da cultura gaúcha, e que a SSR é para ele “uma espécie de clube, onde
também se cultua a tradição gaúcha, até mais do que o Centro de Tradições Gaúchas
Desgarrados do Pago “(...) pois a função do CTG é cultivar a tradição, manter viva essa
tradição gaúcha através de danças, da poesia, invernada artística, participando de rodeios,
de festivais”(Clóvis, 2003: 4). O que parece contraditório e curioso – a Sociedade vista
como clube, ao mesmo tempo como guardião de tradições, se explica através da memória
do Desgarrados do Pago que está na Sociedade Sul Riograndense, e ela, na intenção de
16
Sua proposta de sócio é de 10/02/1993, apresentada pelo então presidente da SSR, Telmo Vieira do
Amaral, sua admissão se deu em 28/08/1994.
17
De acordo com o estatuto, as propostas são avaliadas em assembléias para serem aceitas ou não. No caso
de um não gaúcho, ele só pode ser associado depois de cumprida a exigência de associação de 3
gaúchos.Assim, para cada 3 gaúchos, entra 1 não gaúcho.
18
Categoria destinada aos não gaúchos sócios. Gaúchos são sócios efetivos
19
O mandato de patrão - escolha do presidente, é de 2 anos, renováveis ou não.
82
criar um movimento tradicionalista gaúcho, demonstrava resistir às influências de outras
culturas, como se comprova nas suas Atas datadas de 1857 a 1977.
Destas Atas podemos citar alguns pontos, tais como: para preservar sua
cultura e tradição a Sociedade Sul Riograndense estabeleceu estratégias como denominar o
prédio que abrigava a Sociedade no começo do século XX de “Casa do Gaúcho”; passou a
celebrar o dia 20 de setembro (antes mesmo de sua institucionalização como data histórica
e participante do calendário do Rio Grande do Sul), comemorar aniversários de nascimento
e morte de célebres gaúchos
20
. Com estas ações, o Patrão Clóvis entende que o objetivo do
Centro de Tradições é divulgar a cultura gaúcha, e por isso leva seu conhecimento e paixão
através da Invernada
21
do Desgarrados do Pago, para Faculdades, colégios e Igrejas, onde
ensinam gratuitamente as pessoas sobre danças e indumentária gaúcha. Para ele o CTG
ideal é aquele, onde as pessoas apreendem como em uma escola, sobre cultura, tradição,
história e memória do Rio Grande do Sul, para “dar mais valor”; entender nossa
22
cultura”.
Razão pela qual ele procura fazer do Desgarrados do Pago um Centro de Tradições
Gaúchas ideal.
Na entrevista realizada no dia 16/05/2004
23
, com o ex-patrão do CTG
Desgarrados do Pago, o também professor de Educação Física, o carioca Marcus da Cruz
Machado (2004:1), pudemos perceber que, diferente de seu substituto no cargo, para ele o
Desgarrados do Pago está longe de atender as expectativas de um Centro de Tradições,
pois
o próprio movimento tradicionalista, como idealização, como filosofia,
há muito tempo já passou dessa história de ficar tomando chimarrão,
comendo Costelada, escutando musiquinha ao fogo de chão, declamando
(...) faz parte, só que as preocupações do MTG hoje, do movimento
tradicionalista, que é a Carta de Princípios do Tradicionalismo gaúcho,
que foi escrita pelo Glauco Saraiva (...) tem uma filosofia, é a
preocupação com a responsabilidade social, é a preocupação com a
inclusão social; quer dizer, um lado muito mais arraigado na questão da
inclusão na sociedade, do que propriamente você ficar dançando,
cantando, que faz parte, é claro, mas não é só isso!.
20
Como é o caso de Osório e Coruja. Disposições estabelecidas em seu Estatuto.
21
Invernada, designação de Departamento, neste caso, Invernada Artística: Departamento artístico – Grupo
de Dança.
22
Fala como se fosse gaúcho.
23
Entrevista nº 09
83
Essa visão diferente sobre atuação de um Centro de Tradições Gaúchas,
levou Marcus a pedir demissão do cargo de patrão, menos de 1 ano após sua reeleição. Os
problemas começaram quando ele resolveu implantar projetos de cunho social, o que na
sua avaliação desagradou alguns sócios. “Aí aconteceram alguns desentendimentos, enfim,
eu não sou cara de lançar com sóvel
24
curto, falei:- Eu estou me demitindo agora, e vou me
embora!”. E desde aquele dia não retornou mais à Sociedade Sul Riograndense no caráter
de sócio da Entidade, apenas na qualidade de presidente da União Tradicionalista Gaúcha
(UTG), que fundou em 2000, quando ainda ocupava a função de Patrão do Desgarrados do
Pago. O UTG é uma federação do estado do Rio de Janeiro a qual os CTG´s e outras
entidades tradicionalistas gaúchas são filiadas. São os: CTG Desgarrados do Pago, em
Santa Cruz; o DTG Estância dos Gaudérios, no Rocha; o Grupo Gaúcho de Atração e
Folclore, em Jacarepaguá. Em São Pedro da Aldeia o CTG Gaudério de São Pedro; em
Niterói o CTG de Niterói; em Resende, funcionando na Academia Militar das Agulhas
Negras, o Galpão da Saudade.
Marcus (2004:7) mostra o organograma do Tradicionalismo que, segundo
explicou, mais parece uma colcha de retalhos e que tem início em 1947, com a fundação do
Departamento de Tradições Gaúchas, no Colégio Julio de Castilhos, por Paixão Côrtes e
seu grupo que, no ano seguinte, criam o “35”CTG. Em 1966, num Congresso de
Tradicionalismo é instituído o 1º MTG, Federação que agrega todos os Centros de
Tradição.
Depois foram surgindo outros MTG´s: Santa Catarina, São Paulo,
Paraná (...) praticamente todo estado tem. Você tem o MTG do Rio
Grande do Sul, que é o pioneiro, ai, eu não sei falar cronologicamente,
mas tem o MTG no Paraná- Santa Catarina, o do Mato Grosso e do
Mato Grosso do Sul, a Federação Tradicionalista do Planalto Central e
União Tradicionalista Gaúcha do Nordeste, e UTG do Rio de Janeiro.
São 8 federações tradicionalistas que são ligadas a CBTG
25
–que é a
Confederação Brasileira da Tradição Gaúcha, que está a nível
nacional.(...) e esta ligada a internacional, que é a Confederação
Internacional da Tradição Gaúcha.
24
Laço rústico, feito de duas ou três tiras de couro torcidas, que o tornam muito forte. Também é feito de
cerdas, crinas, que o campeiro diz clinas.Fonte: HERRLEIN, Natálio. Peçuelos:adágio, ditos e expressões
gauchescas. Porto Alegre: Martins Livreiro –Editor, 1986.
25
A CBTG foi fundada em 24/05/1987, tem sua sede em Brasília.
84
Carioca, morador de Jacarepaguá, se considera gaúcho, mesmo sendo
descendente de cariocas e nordestinos, diz que passou a incorporar a cultura ao estudá-la,
passando depois a ministrar a disciplina cultura brasileira, no curso de Educação Física da
Universidade Gama Filho. Hoje se considera amante das tradições do Rio Grande do Sul,
que diz preservar, cultivar e divulgar. “Incorporei – as na minha vida”, diz. Acrescenta
que ser gaúcho é um estado de espírito
26
, não apenas tomar chimarrão, saber laçar, dançar
chula, ou qualquer outra representação relacionada ao estado do sul, e que, para Marcus
(2004:11), muitos entendem como fundamental na identificação do ser gaúcho. E,
voltando a questão que, talvez, tenha sido uma das razões de seu afastamento, diz que a
Federação Tradicionalista, da qual é presidente, é mais respeitada fora do estado do que no
Rio de Janeiro.
Talvez se eu não estivesse à frente, ela (UTG) deslanchasse, mas como é
o Marcus (...) alguns, não muitos, atrapalham, porque você quer unir o
‘troço’, você puxa pra cá, vem pra lá. Mas, um dia, se Deus
quiser.....tanto que a gente vai a São Paulo, agora em julho, estarei lá
para a Convenção da CBTG.
Na Convenção da CBTG, segundo disse, os demais presidentes das
Federações tratarão de assuntos referentes ao tradicionalismo em nível nacional. Um dos
temas que vai propor é uma estratégia para unir os grupos de cada estado, como a 1ª Festa
Farroupilha que ocorreu em setembro de 2004, em Iguaba Grande, na região dos Lagos, no
Estado do Rio de Janeiro, no CTG Gaudério de São Pedro e o 1º Jogo da Integração
Tradicionalista do Rio de Janeiro. Eventos, que segundo Marcus já ‘encampados’ pelo
prefeito de Iguaba Grande e com o apoio do UTG.
Ao entrevistarmos o gaúcho José Nicolau dos Santos
27
(2003:03),
descobrimos uma relação de grande satisfação em pertencer ao CTG no Rio de Janeiro.
Orgulhoso de suas raízes se define “missioneiro de São Luis Gonzaga, terra de Jaime
Caetano Braum
28
, e outros grandes nomes do nosso Rio Grande do Sul”. Para ele, os
CTG´s no Rio Grande do Sul são bem fechados, razão pela qual teve dificuldades em se
aproximar do Desgarrados do Pago, mas, uma vez desfeita a primeira impressão, tornou-se
26
De acordo com o Marcus da Cruz o escritor Edson Acre entende que, para ser gaúcho não precisa ter
nascido no estado sulista, basta amar suas tradições, respeitar a terra como se fosse sua.
27
Entrevista nº 4, realizada no CTG Desgarrados do Pago, em 06/12/2003, na área das churrasqueiras da
Entidade.
28
Tradicionalista e poeta riograndense
85
sócio em 1999. Hoje é presidente do Conselho Fiscal
29
e responsável pela cozinha e
bolicho
30
, trabalho que faz “por amor a bombacha”. No CTG teve oportunidade que lhe
foi negada em criança, quando morava nas Missões, sendo de família humilde.
Eu nunca tive oportunidade de calçar uma bota, vestir uma bombacha,
usar um chapéu. Até porque o dinheiro não dava. Então, aqui na
Sociedade Sul Riograndense, foi a primeira chance que eu tive de, talvez,
satisfazer aquilo que como criança eu não tive oportunidade e ao mesmo
tempo me senti muito feliz quando vi meu neto Leonardo partir para esse
lado que eu não tive.(...) Fiquei muito feliz quando nós viemos pra cá e
até a diretoria arrumou uma bombacha, uma bota para ele (...) para
minha neta arrumaram um vestido de prenda.
Homem das fronteiras, José Nicolau (2003:4) se considera um
tradicionalista: sempre teve cuia de chimarrão, mas só usa no CTG porque em casa não se
cultiva o hábito. Para ele
ser gaúcho é um bom churrasco, um bom chimarrão, escutar boas
músicas do Rio Grande do Sul (...) manter a nossa cultura, nossa
culinária (...) qualquer lugar que o gaúcho vai é bem recebido, porque
normalmente temos um Centro de Tradições Gaúchas em cada estado
desse. Tem até no Japão (...), mas eu procuro manter a tradição, e
sempre tenho um vinho em casa.
Para ele, ser gaúcho não está necessariamente ligado ao nascimento no
Estado do Rio Grande do Sul, mas,
honrar sua tradição, amar seu povo, vou mais além, (...) eu acho que é o
que os nossos filhos, os nossos netos estão fazendo. Acho que eles estão
sendo gaúchos, porque a nossa invernada aqui chegou, até dois meses
atrás, a ter 36 componentes, e destes, apenas cinco ou seis eram
gaúchos.
Nicolau enfatiza esse argumento mencionando o caso de Clóvis, patrão do
Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago, que não nasceu no Rio Grande do Sul,
e, com sua família (todos nascidos no Rio de Janeiro) “trabalham ativamente em prol dos
propósitos do CTG”. Pois, pequenas ações ajudam a promover a cultura do Rio Grande,
como ocorreu com ele, em viagem a Vacaria, para participar de um torneio, se inspirou na
idéia do uso de camisetas para implantá-las no Rio de Janeiro, e divulgar a Sociedade e o
Desgarrados do Pago, contribuindo para tornar a Instituição mais conhecida e,
simultaneamente, convidar outros a “vestirem a camisa do CTG”.
29
Esta entrevista ocorreu antes de sua suspensão, por esta razão ele não ocupa mais as funções descritas na
entrevista.
30
Termo para designar lanchonete/bar.
86
A expressão vestir a camisa é a mais adequada para caracterizar outro
elemento da Sociedade, o gaúcho de Erechin, Odir Paulino Tonin
31
(2003:02), 1º secretário
na atual diretoria, freqüenta a Sociedade “há oito anos”. Responsável pelo preparo da
Costelada, pode ser visto nos fins de semana, capinando no jardim da entidade,
consertando alguma coisa ou até construindo outras (como cercas e viveiro de pássaro que
ele fez recentemente).
Gaúcho gosta de ser amigo de todas as pessoas. Se você for ao Rio
Grande do Sul, todas as pessoas vão querer que você vá a casa delas (...)
quando eu cheguei aqui, e falei que era gaúcho, fui muito bem recebido,
como se eu estivesse na minha casa. Então eu fiquei.
Entre os hábitos gaúchos cultivados no Rio de Janeiro menciona que mais
do que churrasco, porque gaúcho não vive só de comer carne, “ele vive de um monte de
coisa: existe o chimarrão, existe a amizade que tem (...) a amizade com o gaúcho não tem
comparação”, reiterando que, para ele a Sociedade Sul Riograndense e Centro de Tradições
Gaúchas Desgarrados do Pago é como uma casa, e resume: “a nossa casa é uma casa de
amigos”, para explicar sua dedicação ao espaço da Sociedade, e ao não interesse em
assumir funções políticas, mas sim, na preservação do local.
Também partilhando da máxima de que a nossa casa é uma casa de amigos,
Américo Jará Serpa
32
, presidente da Sociedade Sul Riograndense tem uma relação intensa
com a Entidade. Gaúcho de Uruguaiana se associou em 1992, e em 1994 sua esposa,
Norma Teresinha Vargas Serpa
33
já participava da diretoria como secretária Geral. Em
1996 foi eleito para o cargo de presidente, onde está até hoje, sendo reeleito desde então.
Gaúcho tradicionalista, militar da Marinha, rádio-telegrafista, chegou no Rio
de Janeiro em 1970, mas somente veio a conhecer a Sociedade 20 anos depois, por
intermédio de um amigo, também gaúcho, Antonio Debarba. “Cheguei aqui em abril de
31
Entrevista nº 5, realizada na churrasqueira do Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago, no dia
06/12/2003.
32
Entrevista nº 2, realizada em 06/12/2003 no gabinete da presidência da Sociedade Sul Riograndense.
33
Em 15/12/2004 Norma faleceu. Em seu enterro muitos dos presentes vestiam camisas da Sociedade Sul
Riograndense/CTG Desgarrados do Pago e, alguns estavam rigorosamente pilchados, incluindo maçons.
Sem nenhuma combinação, os presentes foram vestidos desta maneira como uma homenagem à sócia. Até os
membros das Maçonarias (ela também pertencia a Maçonaria feminina, segundo Emerson Jatobá, também
Maçom) traziam algum símbolo de representação (camisa, bottons, lenço). A cerimônia se destacava pela
presença das bandeiras da entidade e do Rio Grande do Sul, bem como do cortejo bastante significativo.
87
1992, e, quando foi em outubro de 1992 já fiz parte de uma diretoria como tesoureiro
34
e
também esse mesmo amigo me convenceu a [participar da eleição para] presidente em
1996, da chapa que ele era vice-presidente. Fomos eleitos no final de outubro”.
Homem de fronteira e de identidade fluida, Serpa (2003:02) se define como,
o famoso pêlo duro. (...) não sei se, em função do espanhol que é muito
chegado, é de origem Espanhola, daí o nome pêlo duro. (...) Estudei até a
5ª série no Uruguai, e daí não me definia como brasileiro. Quando eu
estava no Uruguai me chamavam de ‘brasileño’, e quando eu estava no
Brasil, achando que estava na minha pátria, aí me chamavam de
‘castelhano’.
À frente da Sociedade, casado com uma gaúcha também de Uruguaiana,
garante que sua família vive o SSR/CTG Desgarrados do Pago 24 horas por dia. “A gente
pensa na Sociedade (...) traçando metas, fazendo contatos com pessoas (...) trabalhando em
prol da SSR". De fato, na casa deles é confeccionado o boletim da Sociedade Sul
Riograndense, bem como a construção e desenvolvimento da pagina na internet
35
. Serpa
(2003:08) acredita que ser gaúcho também é um estado de espírito e meio de viver, modo
de se comportar.
para mim, gaúcho é um povo hospitaleiro, e que gosta de viver em
família. (...) muito ligado a terra. Prova está – minha vontade quando
cheguei aqui no Rio de Janeiro era retornar o mais breve possível (para
o Rio Grande do Sul), mas, impedido pelo trabalho, acabamos ficando
por aqui.
Foi muito bom para a família Serpa, saudosa da Querência, ter encontrado a
Sociedade Sul Riograndense, fundada em 1857, para servir como espaço de abrigo aos
gaúchos “distantes do pago”.
Partindo da sua afirmação de que ser gaúcho não é apenas gentílico de
nascido no Rio Grande do Sul
36
, Serpa (2003:07) acredita que ser gaúcho está relacionado
ao “estado de espírito, pois gaúcho gosta de partilhar sua cultura”,
34
Segundo registros em ata, Serpa foi eleito para a 53ª diretoria, no cargo de 1º tesoureiro, período de 1992 a
1994.
35
O endereço eletrônico é <www.sociedadesulriograndense.org.br>
36
FLORES, Moacyr. A História do Rio Grande do Sul.Porto Alegre: Nova Dimensão, 1988, p.30
88
Vou afirmar em nome de todos os gaúchos, pois tu há de convir que não
temos Centros de Tradição só no Rio Grande do Sul, nós temos em todo
o Brasil, e parte do mundo. Se fosse uma coisa que o gaúcho não
gostasse, ele ficaria só lá dentro. Lá dentro do Rio Grande do Sul ou só
praticamente entre gaúchos.(...) é uma coisa que a gente fica feliz, tenho
certeza de que o povo gaúcho, em especial o tradicionalista, se sente
realizado e mais ainda, aqueles fundadores que fundaram o Movimento
Tradicionalista
37
.
Wladimir Machado de Oliveira
38
, gaúcho e restaurador das pinturas da
Sociedade Sul Riograndense, explica que ser gaúcho é um estado de “espírito de uma certa
grandeza do Pampa Largo (...) aquelas distâncias enormes. (...) o domínio do espaço, um
certo domínio do espaço”. Segundo ele, o povo tem sua sabedoria ao não incomodar nem
Deus com seus problemas, explicando que lá, a gente só reza quando troveja. Vê
semelhanças entre gaúcho e carioca, especialmente na relação com o outro, que para ele,
isso está bastante ligado ao viver em local de grandes distâncias (como é o Rio Grande do
Sul) o mesmo ocorrendo com quem mora próximo ao mar. “O carioca, como o gaúcho, é
brilhante neste sentido de captação (...) outro tipo de abordagem do estranho. Temos mais
essa coisa aberta, povo aberto, gestos largos, da grandeza do carioca, do Pampa Largo”.
Ele acredita que ao viver em lugar com este tipo de geografia facilitou na relação e
avaliação com o estrangeiro
39
.
Gaúcho de Jaguari, Wladimir, participou do primeiro Centro de Tradições
Gaúchas, o Estância dos Gaudérios, e chegou ao Desgarrados do Pago por intermédio do
irmão, Edemir. Por ter formação acadêmica em Artes Plásticas
40
, realizou um trabalho de
restauração nas obras da Sociedade Sul Riograndense, todas datadas do século XIX, e que
estavam em péssimo estado de conservação. Hoje está afastado da Sociedade Sul
Riograndense e do Desgarrados por não concordar com a falta de uma política de
integração social.
Já a sócia Benemérita Clecy Vasconcellos
41
apresenta outra interpretação
sobre as políticas sociais das apontadas por Wladimir e Marcus. Para a gaúcha de Rio
Pardo e há 32 anos morando no Rio de Janeiro, durante as décadas de 70 e 80 a Sociedade
Sul Riograndense realizava ações sociais aos gaúchos recém chegados à cidade. Segundo
37
Paixão Côrtes e outros, em 1947 em Porto Alegre.
38
Entrevista nº 8, realizada em 16/05/2004, na casa de Edemir Machado.
39
No sentido de estranho ao lugar.
40
Professor na Escola de Belas Artes e da UFRJ, doutor em Artes Plásticas.
41
Entrevista nº 13, realizada no escritório da sócia, em 22/11/2004.
89
ela a Sociedade sempre manteve sua tradição em ajudar os gaúchos necessitados e, tanto
assim que, aqueles que chegavam ao Rio de Janeiro e não conseguiam colocação eram
reconduzidos de volta ao Rio Grande do Sul, a gente levava na rodoviária, fazia o ‘bota
fora’ deles, pagava a passagem, e mandava de volta pra casa, lembra Clecy, que
participou de várias incursões.
Sônia Trilha
42
, ex-secretária da Sociedade Sul Riograndense, também
presenciou ações deste tipo, só que voltadas para os vizinhos da entidade. “Eram
recolhidos alimentos dentro de um grande cercado de madeira, ao lado da secretaria. O
sócio chegava, e depositava lá”. As maiores doações ocorriam, de acordo com ela, no mês
de dezembro, e não apenas em alimentos, distribuíam também brinquedos, e os maiores
beneficiados eram as famílias com mais filhos e mais carentes. “Pelo menos até quando eu
saí, em janeiro de 1997, a Sociedade fazia doações para as famílias pobres que moram
perto”, lembrou.
Destas entrevistas, podemos perceber que há um Espaço de disputa do CTG
Desgarrados do Pago, discordâncias pontuais (relacionadas ao não investimento em ações
sociais) como as de Marcus da Cruz e Wladimir, e outra (Edemir Machado) relacionada, a
nosso juízo, com a falta de apoio da Sociedade Sul Riograndense na divulgação de seu
Grupo Gaúcho. Nosso objetivo ao realizar as entrevistas foi o de identificar as relações do
CTG no espaço da Sociedade Sul Riograndense no Rio de Janeiro, suas disputas pela
memória do Desgarrados do Pago, uma vez que dois dos mais antigos freqüentadores tem
lembranças diferentes sobre o mesmo tema. Estas dissonâncias foram compreendidas
através de uma leitura das Atas da Sociedade Sul Riograndense, durante o período de 1988
a 1990, quando as disputas pelo poder colocaram em confronto sócio gaúchos, que viram
no crescimento acelerado do CTG Desgarrados do Pago, uma ameaça a sobrevivência da
Sociedade Sul Riograndense.
5.2. Elementos identitários: das tradições à ética gaúcha.
Neste capítulo analisaremos alguns elementos da identidade gaúcha,
presentes especialmente no espaço do CTG Desgarrados do Pago, no Rio de Janeiro e os
aspectos do Movimento Tradicionalista e a ação da Maçonaria que influenciaram esta
42
Entrevista nº 14, realizada no dia 28/11/2004, na sua residência, em Jacarepaguá.
90
Sociedade dentro e fora do Rio Grande do Sul, à luz da literatura e das narrativas das
entrevistas.
A filosofia do movimento gestado em 1947 por Paixão Côrtes, e que no ano
seguinte funda com Barbosa Lessa o “35” CTG, estabelece um roteiro de normas,
princípios que devem ser seguidos por todos os que desejarem participar deste movimento
e que devem tê-las como meta a seguir.
A partir do 1º Congresso Tradicionalista, em 1954, na cidade de Santa
Maria, com a divulgação da tese O Sentido e o Valor do Tradicionalismo
43
, escrito por
Luiz Carlos Barbosa Lessa, o movimento passa a traçar suas diretrizes. Nele, Barbosa
Lessa (1954:01) defende que os grandes centros urbanos seriam responsáveis pelos fatores
de desintegração social.Primeiro: o enfraquecimento das culturas locais. Segundo: o
desaparecimento gradativo dos "Grupos Locais" comunidades transmissoras de cultura”.
Em seguida ele explica que,
A cultura e a sociedade ocidental estão sofrendo um assustador processo
de desintegração. Incluídas nesse panorama geral, a cultura e a
sociedade de quaisquer dos povos ocidentais, necessariamente,
apresentam, com maior ou menor intensidade, idêntica dissolução. É nos
grandes centros urbanos que esse fenômeno se desenha mais nítido,
através das estatísticas sempre crescentes de crime, divórcio, suicídio,
adultério, delinqüência juvenil e outros índices de desintegração social.
A Tese de Barbosa Lessa foi a responsável pelo ritmo e tom do movimento.
Doze anos mais tarde, Glaucus Saraiva, outro pioneiro no movimento escreve a Carta de
Princípios do Tradicionalismo
44
que, como apontamos em alguns itens, a Sociedade Sul
Riograndense bem como o CTG Desgarrados do Pago procuram objetivar suas ações
pautadas nestes princípios. Assim, o Estatuto da Sociedade Sul Riograndense, de 14 de
agosto de 1975, no capítulo X a partir der seu artigo 106 estabelece a comemoração de
datas relacionadas as personalidades ligadas a história do Rio Grande do Sul e da
Sociedade Sul Riograndense, assim como a Carta de Princípios, em seu item XXIII
resolve: “comemorar e respeitar as datas, efemérides e vultos nacionais e, particularmente
o dia 20 de setembro”.
43
BARBOSA LESSA. O Sentido e o Valor do Tradicionalismo. Ver Anexo VI
44
Ver Carta de Princípios – Anexo V.
91
Em 1971, Paixão Côrtes lança com Barbosa Lessa, Manual de Danças
Gaúchas, que passa a ser seguido por todo o Movimento Tradicionalista. No ano seguinte é
adotado o Manual do Tradicionalismo escrito por Glaucus Saraiva. Em 1977 Hélio Moro
Mariante edita a História do Tradicionalismo Gaúcho e em 1978, Antonio Augusto
Fagundes publica seu trabalho sobre a indumentária Gaúcha, uma espécie de “tratado”
sobre o assunto, estabelecendo-se como referência a todos os que pretendem conhecer a
história da indumentária gaúcha, sua evolução e motivos dos usos e costumes.
Em 1998, durante o 43º Congresso Tradicionalista Gaúcho, realizado em
Santa Cruz do Sul, ficou instituído o Hino Tradicionalista, com letra música de Luiz Carlos
Barbosa Lessa, no mesmo momento foram aprovadas as “Diretrizes sobre Pilcha Gaúcha”
que no ano seguinte recebeu novas reformulações.
Pilchas, culinária, vocabulário próprio
45
são assim, parte de “Imagens de
representação coletiva”, como definimos os elementos que reforçam e contribuem para
imaginário social nesse espaço, tal como a bombacha, o chimarrão, dentre outros símbolos
que se tornam elementos identitários deste gaúcho. Se a bombacha distingue o gaúcho dos
demais brasileiros, como alguns afirmam, é certo dizer que as vestimentas – indumentária
gaúcha, os caracteriza, os define e legitima um dos principais elementos identitários.
Assim sendo, analisar as questões da indumentária, ou pilchas, seus adereços, culinária são
fundamentais para compreensão destas representações culturais definidas e localizadas aos
nascidos no Rio Grande do Sul e aos que com eles estabelecem uma relação de identidade.
O folclorista Fagundes
46
afirma que os defensores das tradições gaúchas
estão entre os que mais deturpam sua indumentária, através “(...) das danças folclóricas e
do instrumental gauchesco. (...) culto da tradição (...) fantasiam a indumentária, estilizam
as danças e introduzem instrumentos musicais alienistas” (1977:5).
Da mesma opinião Edemir Machado de Oliveira, gaúcho de Jaguari, garante
que existem dois tipos de danças gaúchas, e dependendo da região onde se originou, ela vai
45
Que merece, como já dissemos, a publicação de dicionários com estes termos. Veja: NUNES, Zeno e Rui.
Dicionário de regionalismo d Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1982. Herrlen, Natalio.
Peçuelos, adágio, ditos e expressões gauchescas. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1986.
46
FAGUNDES, Antonio Augusto. Indumentária gaúcha. Porto Alegre, Instituto gaúcho de tradições e
folclore, 1977, p.5.
92
variar. De acordo com ele, Paixão Côrtes catalogou 78
47
danças do folclore gaúcho, como
pezinho, maçarico, cana verde, tatu novo, balaio e anu, e, a partir de 1984, ainda de acordo
com Edemir, Paixão Côrtes impôs conceitos até mesmo não aceitos pelo próprio
Movimento Tradicionalista, “em relação às atitudes do que ele impunha em relação as
danças e andanças
48
que é seu livro de referência para todo mundo e qualquer CTG”,
afirma.
Embora reconheça a importância de Paixão Côrtes dentro do
tradicionalismo, como “um grande precursor”, Edemir Machado (2004:08) acrescenta que
não aceita a forma como ele cataloga e divulga a cultura gaúcha.
Me desculpe, ele confundiu o estado do Rio Grande do Sul todo, onde
temos 5 regiões distintas: a fronteira, as missões, a campanha, o litoral e
a serra. Ele pegou o serrano e jogou como isso tudo fosse o Rio Grande
do Sul, e não é. O missioneiro, na minha região, não usa bota vermelha.
Não usa guaiaca de pêlo, por que lá é mito, há uma certa resistência. Se
um missioneiro usar ou disser que usou esse tipo de guaiaca ou bota de
pêlo, será acusado de estar “mancomunado com satanás”.
Ele afirma que esta atitude esta fundada na crença dos Guaranis, os
primeiros habitantes daquela região. Místicos, eles acreditavam
que o vermelho era uma cor diabólica, segundo Edemir, que do
alto de seus 51 anos, diz conhecer bem a cultura e tradições
gaúchas, especialmente com relação aos seus usos e costumes,
embora nunca tenha escrito nenhum livro ou artigo sobre o
assunto, afirma conhecer bem o tema, mesmo que não tenha
conseguido citar outro livro além do danças e andanças de
Paixão Côrtes. Edemir Machado (2004:09) vai além na sua
crítica, corroborado pelo fato de que é
Figura 17: bombachas
missioneiro, nascido em Jaguari (...) que fica no coração do Rio Grande,
entre Santa Maria, São Vicente, São Pedro do Sul. Então Jaguari divide
a fronteira, as missões e a campanha gaúcha. Eu tenho direito de falar
disso porque eu estou entre as três regiões distintas, dentro do próprio
estado, e que são diferentes.
47
Segundo Paixão Côrtes, em entrevista realizada em 12/11/2004, foram 70 danças descobertas e catalogadas
por ele.
48
Livro de Paixão Côrtes
93
Outro entrevistado
49
, também gaúcho Emerson Ocampos Jatobá (2004:02)
aponta para as especificidades regionais existentes dentro do Rio Grande do Sul. Nascido
em Uruguaiana explica que o índio é o que representa basicamente o gaúcho, e existem
diferentes gaúchos, ou seja, em cada região um tipo característico de gaúcho se projeta.
O gaúcho da fronteira é o gaúcho que sofreu muito a influência do
paraguaio, do uruguaio, do argentino. O gaúcho serrano é o gaúcho
missioneiro, das missões, sofreu muito a influência dos jesuítas em cima
dele. (...) se você observar bem, o gaúcho tem até as pilchas bem
diferentes do gaúcho índio, aquele que nasce no campo, que nasceu la na
fronteira, o das missões, dos serranos.
Segundo analisa Emerson Jatobá (2004:03), as influências sofridas por cada
região trouxeram contribuições diferentes, desde a culinária, o modo de preparar e assar
uma carne, ao sotaque:
o sotaque do gaúcho da fronteira é carregado, do serrano tem o ‘R’ meio
diferente, ele come o “serote” (ao invés de falar serrote), “sera” (no
lugar de pronunciar serra), o das missões é mais acantilhado, tem
sotaque mais cantadinho.
O mesmo ocorre com as pilchas, que vão variar de acordo com o costume e
tradições, chegando a merecer do governo do estado, através do deputado Algir Lorenzon,
a proposta que se tornou na Lei nº 8.813, de 10 de janeiro de 1989 “que oficializa como
traje de honra e de uso preferencial no Rio Grande do Sul, para ambos os sexos, a
indumentária denominada Pilcha Gaúcha
50
”. Com base nesta Lei o Movimento
Tradicionalista propõe em 1999, “Diretrizes sobre a pilcha gaúcha nos termos da Lei nº
8.813 de 10/01/1989”, onde define no traje de honra o uso da Bombacha e seus
complementos e o vestido de prenda. Defende como traje histórico a bombacha,
que revela a imagem maior do homem do torrão Rio-grandense, marca
exclusiva de sua identidade, precisa ser precisa ser preservada em seus
aspectos regionais, assim como outras peças que simbolizam a cultura
pastoril Rio-grandense (MTG. Diretrizes das Pilchas, 1999).
A instituição da Bombacha como Pilcha representativa e tradicional da
cultura gaúcha não é unânime entre os gaúchos. Edemir Machado (2004:2) sustenta que
antes de existir Bombacha, o nativo do estado utilizava o Chiripá ou Quixuá dos índios.
49
Entrevista 6, em 06/05/2004.
50
Ver Lei nº 8.813 completa em Anexos
94
O chiripá era roupa de frio, era um fraldão enorme que ele colocava
através das pernas e que mantinha esse tipo de indumentária. Após a
Guerra do Paraguai
51
, entrou esse [Bombacha] que era o fardamento
militar da Europa, que veio e que o gaúcho vestiu muito bem.
Ele lamenta que a Bombacha, e não o Chiripá, tenha recebido o mérito de
compor a indumentária oficial do Rio Grande, e reforça que o chiripá é a verdadeira
indumentária do Rio Grande do Sul, uma vez que está em uso há mais de 300 anos. A
“polêmica” Bombacha estabelecida como representativa da cultura gaúcha, de acordo com
o Fagundes (1989, apud Stedile, 1995, p.179) tem sua origem nos turcos, enquanto que o
poncho
52
é atribuída aos europeus. Ele entende ainda que a indumentária gaúcha tem três
fontes distintas: ibérica, indígena e gauchesca.
A primeira fonte, a ibérica, nos forneceu as botas fortes (como as
russilhosonas), as esporas (como as nazarenas), as ceroulas de crivo, os
calções(bragas), o cinturão, a camisa, o jaleco, a jaqueta, o barrete, o
chapéu de feltro ou de palhas(este, o abeiro português).Peças indígenas
de nossa indumentária são o chiripá (o primitivo chiripá), a faixa, a
guaiaca original, o pala, a vincha.(...) Peças de invenção gauchesca são
vários tipos de esporas, as botas de garrão, o chiripá passado entre as
pernas, o cinturão de guaiacas, o tirador, o pala de seda, o poncho-pala,
o poncho de oleado.
Uma vez que as relações de pertença dentro de um grupo estão sintonizadas
na forma como se relacionam e se reconhecem, o uso das Pilchas pode configurar um rito
de identidade. Assim, nas entrevistas procurou-se estabelecer a relação do gaúcho e do não
gaúcho com a indumentária dentro e fora do CTG Desgarrados do Pago. Eu uso bombacha
assim pra vir pra cá. Eu boto a bombacha em casa e venho, e se tiver que entrar num
mercadinho pilchado, eu venho, se tiver que ir num shopping, eu vou pilchado, não me
incomodo, afirma o Patrão do CTG Clóvis Correia de Barros.
Outra representação para o gaúcho se encontra na culinária, e marcante
como a erva-mate, cultivada desde os índios antes mesmo da presença européia em solo
riograndense, é marca definida como símbolo identitário. Sendo assim, não poderia escapar
a criação de uma Lei regulamentar. O Governo gaúcho instituiu em 20 de julho de 2003,
através da Lei nº 11.929, o churrasco como “prato típico” e o chimarrão como “bebida
51
1864-1870. Sobre o tema ver: SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na
formação do exército.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
52
Outra vestimenta bastante usada na Região, especialmente na fronteira.
95
símbolo” do Estado do Rio Grande do Sul. A mesma Lei estabelece o “Dia do Churrasco”
e o “Dia do Chimarrão”, e sua comemoração instituída para o dia 24 de abril, e, a partir
desta data passa a incorporar o calendário oficial do estado.
Com tantas comemorações tradicionalistas, a fim de marcar sua identidade,
o gaúcho, conhecido desde o século XIX sob alcunha de “Centauro dos Pampas”, não
poderia deixar de instituir uma data que marcasse o seu “pingo”
53
. Assim, o Governo do
Estado institui o “Dia do Cavalo”, no Estado do Rio Grande do Sul, através da Lei nº
11.973, de 23 de setembro de 2003, e faz cumprir o já disposto o artigo 82, inciso IV, da
Constituição do Estado,
Art.1º fica instituído o “Dia do Cavalo”, que será comemorado
anualmente no dia 14 de setembro. Art. 2º caberá ao Poder Executivo,
bem como aos órgãos voltados à promoção da cultura riograndense, a
elaboração da programação a ser desenvolvida por ocasião das
comemorações do “Dia do Cavalo”, em conjunto com a Semana
Farroupilha.
Em seu parágrafo único, estabelece que para o programa e ações para este
dia serão convidados a participar entidades, assim como CTG´s.
Outra tradição que, embora não receba a atenção de uma Lei ou Decreto,
conquista seu espaço próprio no coração olfativo dos gaúchos: a culinária gaúcha está
além da maneira de preparar um churrasco, um carreteiro. Ela começa nas cozinhas das
senhoras que misturam tradições indígenas, italianas, portuguesas, alemães dentre outros
sotaques. Do ponto do puxa-puxa
54
, as cucas alemães
55
, as chimier
56
dos alemães, a
polentas
57
dos italianos, e é dessa rica cultura gaúcha, celeiro de imigrações desde século o
passado, que, ao agregar paladares, compõem e enriquece uma memória e uma tradição
passada de mãe para filha, de geração em geração. Pois, de acordo com Maciel, a “comida
pode também servir para marcar um espaço, um lugar, agindo assim como indicador de
53
cavalo
54
Uma espécie de bala, feita no ponto do melado, quando está ponto para ser transformado em açúcar
mascavo.
55
Uma mistura de pão, bolo e cobertura de chocolate crocante.
56
Espécie de geléia feita a partir do melado, com suco e polpa de frutas.
57
Feita de farinha de molho integral, crua, cozida, por cerca de 40 minutos em panela de ferro.
96
identidade”
58
.Uma vez que a tradição é transmitida, intocada, de geração a geração. É
pensada como algo que mantém a permanência, do passado ao presente, conservando-o
no tempo (...) mantendo configuração idêntica a um modelo criado num momento distante
(Maciel, 2002:29).
A mesma autora argumenta que a própria idéia de um grupo tradicional que
seja capaz de manter-se puro, sem contaminação com a modernidade, tal “pureza”,
segundo ela, é vista como autenticidade, e desta maneira “ capaz de revelar a identidade de
um povo naquilo que ele teria de mais próprio”(2002:29). Assim, podemos entender que, o
preparo do churrasco do modo tradicional, bem como doces, pães, bolos e polentas, se
relacionam intimamente com a maneira como estes indivíduos construíram ou (re)
construíram uma identidade no decorrer dos anos, marcada pela necessidade de demarcar
um símbolo de pertença. Legitimar uma tradição, e na instituição de uma memória
culinária, um projeto de (re) afirmação de tradição, que passa pelas vestes, pelo charque,
pela Costelada, pelos doces e compotas, balas, bolos seja no fogo de chão ou de lenha,
tacho ou panela de barro, as tradições vão se estabelecendo, as gerações as reconstroem
como estratégia para a manutenção dessa memória, dessa cultura, dessa tradição.
Afirmar que a identidade gaúcha, ou, o ser gaúcho está associado ao modo
de vestir, comer ou beber ainda que alguns grupos, aqui estudados, queiram estabelecer
esta relação é precipitado e pouco confiável. Mas, podemos afirmar, baseados na
observação deste grupo que o grupo de não nascidos no Rio Grande do Sul, mas sócios da
entidade gaúcha aderiram a vestimenta, e a interpretam como elemento de identificação
com a cultura. Não é exagero dizer que a maioria dos não gaúchos freqüentadores da
Sociedade Sul Riograndense estão entre os que mais fazem uso das Pilchas, dos mais
assíduos nos Fandangos e são maioria entre os membros da Invernada Artística.
Nas práticas discursivas associadas ao uso das pilchas, entre os sabores
diferentes e sotaques variados que se espalharam pelo Rio Grande do Sul e retocaram a
invenção de uma identidade, na releitura dos sócios da Sociedade Sul Riograndense e do
58
MACIEL, Maria Eunice. A culinária e a tradição. Série encontros e estudos –Alimentação e cultura
popular. José Reginaldo Santo Gonçalves e outros. Rio de Janeiro: Funarte, CNFCP, 2002. Encontros e
estudos; 4).
97
Desgarrados do Pago. Ser gaúcho está ligado a um estado de espírito, de uma certa
grandeza de um Pampa largo, um domínio do espaço. Assim, ser gaúcho é mais do que
nascer no Rio Grande do Sul, é trazer o campo dentro do coração, e o gosto de partilhar sua
cultura.
Pelas entrevistas e observações percebe-se a força e apelo que a idéia de
“querência
59
” exerce sobre o gaúcho. A impressão desse sentimento pode ser ilustrada com
uma citação impressa no cartão de visitas do sócio Jarbas Renato da Rosa, recém
empossado vice-presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Sul Riograndense:
Se não houver campo aberto, lá em cima quando eu me for, um galpão
acolhedor,
de Santa Fé coberto.
Um pingo pastando perto.
Só de pensar me comovo
Eu juro pelo meu povo,
Nem todo céu me segura,
Retorno a velha planura
Pra ser “Gaúcho” de novo (Galpão Nativo – J.C. B).
O Pago pode ser visto como a alma da terra para o gaúcho. Alma cuja
identidade está desterritorizada através das incorporações dessa identidade por pessoas não
nascidas no Rio Grande do Sul, e cuja afinidade é voluntária. Como explicar que este
indivíduo possa afirmar possuir um “espírito gaúcho?” Como ele, sem qualquer
ascendência sulina consegue apropriar-se dessa identidade e sentir-se “Desgarrado do
Pago”, e endosse essa identidade? O que leva um contingente cada vez maior de pessoas
não nascidas no Rio Grande do Sul a incorporar a identidade gaúcha, como se de lá fosse, é
intrigante.
A identidade é uma “mercadoria” valiosa, objeto de desejo e de disputas
acirradas numa reinvenção de memórias e tradições, introduzidas para alcançar o propósito
de disputar o poder dessa “mercadoria”, dominar o discurso, o mito. E “domínio do mito é
o imaginário que se manifesta na tradição escrita e oral, na produção artística, nos rituais”
(Carvalho: 1990,58). A reapropriação ou uso dessa identidade se fortaleceu quando Paixão
Côrtes cavalgou em Porto Alegre, para marcar sua posição contrária ao movimento
American Way of Life. Mas, seu projeto de reviver ou mesmo implantar um
59
Querência ou Pago é a terra, a casa onde o gaúcho nasceu, ou seja, o Rio Grande do Sul.
98
tradicionalismo gaúcho só pôde se estabelecer por que havia um terreno propício para sua
implementação. A identidade produzida num mundo palco dos horrores da II Guerra e das
barbáries por uma Alemanha nazista e uma Itália fascista, era fundamental desfocar a
imagem de estrangeiro.
Numa época em que ser diferente era sinônimo de estranho e perigoso,
associar-se à cultura regional era a segurança de ser visto como semelhante. Não por acaso
a região de colônia alemã, a cidade de Taquara, foi a primeira a levantar a bandeira do
tradicionalismo gaúcho, quatro meses após Paixão Côrtes ter dado inicio à proposta de
“reagauchar” o Rio Grande. A brasilidade que se afirma nesta hora é a tentativa de
dissociação da alteridade que se pretende sublimar. Não ser o outro é como um passaporte,
um visto de permanência e aceitação do estrangeiro.
Assim, a identidade se transforma em “mercadoria” que produz paz,
semelhança respalda ações e estabelece vínculos. A reinvenção de identidade, através do
tradicionalismo gaúcho na década de 40, explica sua retomada. De igual modo podemos
entender que, na década de 70, o Movimento Tradicionalista Gaúcho é reinventado no Rio
de Janeiro numa tentativa de estabelecer a mesma brasilidade dos anos 40. Quando a
Sociedade Sul Riograndense cria o CTG Desgarrados do Pago como departamento, sem
personalidade jurídica, estabelece não somente um vínculo permanente, mas a identidade
que se quer ajuizar. Como entender que um carioca, paulista, mineiro, nortista, goiano,
entre outros não gaúchos que compõem o quadro social endossem essa proposta? Por que
se afirma como gaúcho sem ter nascido naquele rincão? Ser gaúcho é um estado de espírito
e pronto. Justifica assim, o uso de pilchas, o sotaque às vezes explicitamente forçado, as
tentativas de ser confundido com o gaúcho, embora tenha nascido no ceará.
Não é de se estranhar que esse não gaúcho que agrega valores cada vez mais
arraigados e assemelhados ao Sul conquiste um lugar de maior destaque na SSR fundada
por gaúchos, e a defenda, muitas vezes, nas danças, nos costumes, embora nascidos até
milhares de Km de distância do Pago, e, por isso, ainda se sente desgarrado dele.
O endosso dessa identidade gaúcha por não nascidos no Rio Grande do Sul
pode se explicar na necessidade que estes têm em encontrarem assemelhados, em
afirmarem-se como algo estabelecido, sólido e traduzido em ritos e costumes, que
acreditam estabelecerem relações de pertença e de aliança. Não por acaso, dentre os grupos
de não nascidos do Sul e que aderem a esta identidade estejam muitos membros da
99
Maçonaria, entidade que procura em ritos e simbolismos estabelecer uma teia de relações
estreita e inviolável, secreta e fechada.
Pode-se dizer ainda, que o gaúcho longe do pago é mais gaúcho, no sentido
de valorizar os símbolos, ritos e costumes. É como se estivesse num grande palco, dizendo
e interpretando com mais ênfase e brilho do que se estivesse lá na “querência”, vivendo
simplesmente todos os dias: as lidanças
60
na campanha; o latir do cusco e o alerta do
quero-quero
61
ao longe; o mate de mão em mão entre o patrão e o peão, o médico e a
enfermeira, o Prefeito e o funcionário. Para um gaúcho distante a “querência” não fala,
mas ele pode senti-la. Ele é como uma planta que arrancada e levada para um outro lugar,
mas que não morre, porque trouxe nas raízes um pouco da terra em que nasceu.
60
Lidanças é o mesmo que trabalho no campo. O gaúcho também se refere como lides campeiras.
61
Pássaro símbolo do Rio Grande do Sul, conhecido como “Sentinela dos Pagos”. Ele alerta ao menor ruído
ou movimento estranho na fazenda.
100
6. Considerações Finais
Criada há 147 anos, a humanitária e benemérita Sociedade Sul
Riograndense, é ainda pouco conhecida no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Em
1977 criou o CTG Desgarrados do Pago, sem autonomia jurídica, como uma estratégia de
sobrevivência e atualização, buscando se reinventar para continuar detentora de memórias
sul riograndenses, representando, ainda que involuntariamente, o que Carlo Ginzburg
chamou de circularidade cultural. Nessa teoria, a cultura popular se define como oposição
à cultura oficial das classes dominantes, utilizando-se de atos, crenças, códigos
comportamentais e referências presentes nas classes populares. A elite da Sociedade Sul
Riograndense interpreta a cultura popular para trazer aos seus quadros aquilo que o povo
entende, e conseqüentemente reinventa e se reapropria das tradições.
Essa relação de circularidade cultural, construída nas influências
recíprocas (que se movia de cima para baixo, bem como de baixo para cima) pode nos
ajudar a compreender essa mudança no projeto de uma sociedade gaúcha em solo carioca.
Uma elite abastada, constituída principalmente de Maçons, cria uma entidade de ajuda,
iniciada no pós-farroupilha, para atender gaúchos necessitados, com caráter eminentemente
benemérito e humanitário. Com o passar dos anos foi também capaz de manter-se à frente
no tempo, repontando
1
a história, e reagauchando
2
no Rio de Janeiro.
O personagem que constrói sua historia também é capaz de incorporar e
reconstruir tradições, na promoção de estratégias que assegurem e legitimem suas ações e
instrumentalizem o seu imaginário: o ser gaúcho. E isto está além dos gentílicos, do
nascimento, das convenções. Atravessa um rol de regras estabelecidas e não escritas.
Corrobora uma relação estruturada nos costumes ou hábitos em comum, acrescidos dos
elementos que compõem o imaginário coletivo, nesta relação de pertença.
Ser gaúcho, para os freqüentadores do Desgarrados do Pago e Sociedade Sul
Riograndense, não se limita ao nascimento no Rio Grande do Sul, mas à incorporação dos
seus mitos, símbolos e sinais, ou seja: vestir pilchas, beber chimarrão, fazer e comer
churrascos, ter um sentimento, uma alma gaúcha, a fala franca, o peito aberto, o pulso
forte, o gesto largo como o Pampa ou como o mar, pode estar relacionado a este
imaginário. Assim como para Yerushalmi o objeto não é importante, mas sua significação.
1
conduzindo
2
Expressão usada por Paixão Côrtes, se referindo ao ‘resgate’ cultural e tradicionalista no Rio Grande do
Sul.
101
Pilchas e Chimarrão não são apenas indumentárias e costumes, representam o imaginário
do gaúcho, resumem ritos e práticas sociais.
Qual a razão de existir de um Centro de Tradições Gaúchas no Rio de
Janeiro? Por que foi criado como um Departamento da SSR e não como entidade Jurídica?
Pelas análises de entrevistas, pesquisas em documentos, conversas e fatos observados,
pode-se inferir que existia e existe um temor de que o CTG se transforme em uma
expressão maior do que a Sociedade, empoeirando como num vistoso e chamativo tropel
de cavalhada
3
, o seu “status” e importância histórica. Tanto é que durante cerca de 2 anos
o CTG teria sido “adormecido” por esse motivo, segundo relato de um associado
4
. Além
disso, freqüentemente visitantes e não sócios confundem a Sociedade Sul Riograndense
com o CTG. O próprio Paixão Côrtes, em nossa entrevista, referiu-se ao Desgarrados do
Pago como entidade muito antiga.
Essa análise se baseia também no desaparecimento do Livro de Atas do
CTG Desgarrados do Pago, de menções a discussões ocorridas nas dependências da
Sociedade Sul Riograndense, durante fins-de-semana, o que motivou a convocação de
assembléias extraordinárias, como consta nas Atas nº 183, de 05/04/1983 e a nº 195 de
18/06/1988, que resgatam oficialmente a criação do CTG e descrevem conflitos e
discussões em torno da sua autonomia, respectivamente. Assim, em 20 de setembro de
1977 o CTG Desgarrados do Pago foi criado, e no ano seguinte, em 25 de novembro,
recebe do MTG/RS o seu 1º Alvará de funcionamento.
Paralelamente, nessa época, o Rio Grande do Sul apoiava a cultura
tradicionalista. Essa reinvenção se dá principalmente com Kleiton e Kledir, ao exportarem
o rock gaúcho, que se transforma em sucesso fora do Sul. Essa explosão musical entre os
não gaúchos, pode também ter influenciado a SSR a criar o CTG Desgarrados do Pago,
como veículo de expressão e preservação dos ideais tradicionalistas da Sociedade.
O Movimento Tradicionalista Gaúcho iniciado por Paixão Côrtes em 1947
se espalhou por todo o País, chegou em lugares como o Japão, onde a cultura nacional é
forte, mas encontrou espaço para a pilcha e o chimarrão. O próprio Paixão Côrtes, na
3
Corrida de cavalos; corrida ou desfile de cavalo garbosos, batendo retumbantemente os cascos como num
desfile de destaque.
4
nº6, na 2ª entrevista.
102
entrevista que nos concedeu em Porto Alegre em 12 de novembro, interpreta que o
Movimento cresceu por ser popular, por falar ao coração do povo, e não como estratégia
de governo. É o popular sendo relido pelo erudito e o erudito sendo relido pelo popular, no
sentido preconizado por Ginzburg.
A Sociedade Sul Riograndense hoje enfrenta dificuldades financeiras, mas
conta com a dedicação e entusiasmo, sobretudo de seu presidente
8
, que, entre outras
iniciativas coordenou em 2004, a elaboração de um projeto
9
de solicitação de recursos para
a preservação e dinamização da Entidade. Essa dinamização, para muitos, é inviável, pela
grande distancia entre a sede e a zona de maior concentração de sócios e de gaúchos. Esses
propõem uma nova mudança de endereço, como estratégia de sobrevivência e crescimento
da Sociedade.
Pelo exposto pode-se dizer que o estudo validou as hipóteses propostas, na
medida em que o CTG Desgarrados do Pago vive e existe a partir da história e memória da
Sociedade Sul Riograndense, sendo uma estratégia de sobrevivência e de reprodução de
memória, tradição, cultura e folclore gaúcho. A identidade gaúcha é reinventada no CTG a
partir das práticas sociais ali organizadas e reproduzidas.
Sabemos que a reinvenção de uma memória existe a despeito de conflitos e
disputas, ainda que bem intencionadas. O fato é que a identidade gaúcha que se constrói e
se reproduz na Sociedade Sul Riograndense é reinventada no CTG Desgarrados do Pago,
entre cariocas que se pilcham, paulistas que dançam, nortistas que tocam gaita, de
associados que mateiam, oferecem costeladas no primeiro domingo do mês à comunidade
(para sobrevivência financeira), promovem fandangos e danças típicas nas tardes
domingueiras. São brasileiros que, à primeira vista, representam o imaginário do que é ser
gaúcho, numa identidade fluida, entre os que nasceram ou não no Rio Grande do Sul que
olham ao longe, sentindo-se Desgarrados do Pago.
8
Américo Jara Serpa
9
Enviado ao Governador do Rio Grande do Sul e prefeituras daquele Estado
103
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107
ANEXOS
108
ANEXO 1
ROTEIROS DE ENTREVISTA
a) para historiadores
Qual a relação da Maçonaria com o Movimento Tradicionalista, e qual sua
influência na cultura Gaúcha?
A identidade do gaúcho está ligada a questões de espaço fronteiriço, à Revolução
Farroupilha?
Para você quais os elementos da identidade gaúcha ao longo do tempo? O que é ser
gaúcho?
Em que medida a imigração afetou a idéia de identidade gaúcha?
Conhece o CTG Desgarrados do Pago?Qual a sua singularidade?
No seu entendimento, a idéia separatista é um traço gaúcho?
Qual a situação do MTG/RS hoje?
Poderia me sugerir leituras que possam subsidiar esta pesquisa?
Você pode indicar pessoas a serem entrevistadas? Se positivo, seria possível fornecer
nomes, endereços telefones, e-mails?
b) para os participantes/sócios gaúchos/não gaúchos (SSR/CTG)
Qual a sua ligação com o CTG?
Como é a tradição gaúcha?
Você tem hábitos típicos de gaúcho?
Quais são eles? Com que freqüência você os pratica?
Como é a comida tradicional gaúcha? Sabe preparar? Com que freqüência prepara
em casa ?
Como são as danças? Conhece algumas delas? E na sua casa (família) também
dançam?
Como é a roupa tradicional? Você se “pilcha” com freqüência? E sua família?
Existe uma musica gaúcha tradicional? Sabe alguma?
Toma chimarrão: com que freqüência? Na sua casa é hábito? Quantas cuias você
tem?
Com que freqüência você vai ao Sul? Tem parentes lá? Onde?
Com que freqüência você vai ao CTG? Sozinho? Como passa seu tempo lá?
Se hospeda no CTG? Freqüência?
Participa das festividades? Quais?
Você tem carro, nele cola algum adesivo que o identifique a cultura gaúcha?
(se casado (a)) o cônjuge é gaúcho (a)?
Qual a sua atuação no CTG/SSR hoje?
Você é atuante? De que maneira?
Você tem alguma ligação com a Maçonaria? Em caso afirmativo – é o único da sua
família a pertencer a uma Loja? Desde quando?
O que é ser gaúcho?
Você poderia me indicar pessoas a serem entrevistadas? Se positivo, seria possível
fornecer nomes, telefones, e-mails?
109
ANEXO II
Cronologia
Data Evento Fonte
1835/09/20 Inicio da Revolução Farroupilha
SPALDING, W. A Revolução
Farroupilha. São Paulo:
Universidade de Brasília, 1982.
1836/06/15 Antonio Álvares Pereira Coruja é preso
Pesquisa de João Alberto Rocha
da Frota, apresentada a
Sociedade Sul Riograndense
em 29/08/1998.
1836/08/18
Antonio Álvares Pereira Coruja chega ao Rio de
Janeiro
Pesquisa de João Alberto Rocha
da Frota, apresentada a
Sociedade Sul Riograndense
em 29/08/1998.
1838/05
Na Batalha do Rio Pardo o exército Farroupilha
vence e faz prisioneiros, entre os quais o maestro
Joaquim José de Medanha e alguns músicos de
sua banda. Dias depois, no acampamento dos
farrapos, cria a música do Hino Rio-Grandense
REAL, Antonio T. Corte. Em
torno da musica do Hino Rio-
Grandense. Porto Alegre.
Editado pela Assembléia
Legislativa do Rio Grande do
Sul, 1976.
1856/01/07 1ª Exibição do Hino Rio-Grandense
REAL, Antonio T. Corte. Em
torno da musica do Hino Rio-
Grandense. Porto Alegre.
Editado pela Assembléia
Legislativa do RS, 1976.
1857/11/08
Fundação da Sociedade Rio-Grandense
Beneficente e Humanitária (SSR)
Ata nº 1- Atas das Sessões da
Diretoria da SSR.
1862/06/11
O marques de Olinda, sob a chancela de D.Pedro
II, concede autorização de atuação beneficente e
humanitária a SSR.
Decreto nº 2933 – Arquivo
Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. IHGB
1889/08/04
Morre Antonio Álvares Pereira Coruja – Causa
mortis: “miséria orgânica”
Pesquisa de João Alberto Rocha
da Frota, apresentada a
Sociedade Sul Riograndense
em 29/08/1998.
1902/11/24
Autoriza a construção do Edifício “Casa do
Gaúcho”
Ata nº 6 da SSR
1907/11/26
Inauguração do Edifício-Sede, denominado “Casa
do Gaúcho”, na Av. Central, 183 (mais tarde
renomeada Av. Rio Branco). Tendo como
presidente da entidade o Cel. Alfredo Augusto de
Almeida.
Termo de Benção do Edifício
da Sociedade Rio Grandense
Beneficente e Humanitária.
Benção impetrada pelo Bispo
de Petrópolis, D.João Francisco
Braga.
1909/09/11
Reforma do regulamento de benemerência da
Sociedade Sul Riograndense
Ata nº 28
1910/02/12
Mudança do nome para Sociedade Rio-Grandense
e incorpora as atividades recreativas, culturais e
educacionais.
Ata nº 30 da SSR
1918/09/18
A Sociedade promove Chá dançante no Clube dos
Diários Associados, em comemoração aos 83
Ata nº 59
110
anos da Revolução Farroupilha.
1926/08/25
A Entidade está identificada como Sociedade Rio
Grandense. Na ata seguinte, passa a se identificar
Sociedade Sul Riograndense, sem que haja
qualquer explicação para a mudança ou novo
Estatuto.
Ata nº 426 da SSR
1926/09/09
Aprovada proposta para as comemorações da
Revolução Farroupilha – 20/09 – com recepção
oferecida ao vice-presidente do Rio Grande do
Sul, Dr. Postásio Alves, em visita do Rio de
Janeiro.
Ata nº 426 da Sociedade Sul
Riograndense
1927/07/12
Nascimento do pesquisador, folclorista, cantor e
ensaísta João Carlos D´Avila Paixão Côrtes, em
Santana do Livramento – Rio Grande do Sul.
LAMBERTY, Salvador
Ferrando. Abc do
tradicionalismo gaúcho. Porto
Alegre: Martins Livreiro, 6.
ed.2000.
1927/09/15
Autoriza projeto de expansão do edifício Casa do
Rio Grande, ou Casa do Gaúcho – algumas Atas
nomeiam ora de uma forma ora de outra.
Ata nº 450 da Sociedade Sul
Riograndense
1931/09/20
Expansão da sede “Casa do Gaúcho”, passando a
comportar 10(dez) andares. Um baile, com a
presença do presidente Getúlio Vargas,
reinaugurou o espaço.
Ata nº 518 da Sociedade Sul
Riograndense
1937/11/22
Pela semelhança entre as Bandeiras da Sociedade
e do Estado do Rio Grande do Sul, abolido como
nos demais estados pela Constituição de
10/11/1937, o então presidente da Sociedade Sul
Riograndense – Luiz Aranha – manda
confeccionar modelo de bandeira que vigora até
hoje.
Ata nº 116 da Sociedade Sul
Riograndense
1941/10/27 Aprovação de novo Estatuto Ata nº 122 da SSR
1947/08
Paixão Côrtes cria a 1ª Ronda Crioula, que se
estende do dia 7 ao 20/09 com desfile pela cidade
de Porto Alegre.
PAIXÃO CÕRTES, J.C.
Origem da Semana
Farroupilha e Primórdios do
Movimento tradicionalista.
Porto Alegre, 1994.
1947/09/05
Piquete de 8 gaúchos bem pilchados
homenageiam Davi Canabarro. O piquete ficou
conhecido como Grupo dos Oito ou Piquete da
Tradição. São eles: Antonio João de Sá Siqueira,
Fernando Machado Vieira, João Machado Vieira,
Cilso Araújo Campos, Ciro Dias da Costa,
Orlando Jorge Degrazzia, Cyro Dutra Ferreira e
João C. Paixão Côrtes.
PAIXÃO CÕRTES, J.C.
Origem da Semana
Farroupilha e Primórdios do
Movimento tradicionalista.
Porto Alegre, 1994.
1948/06/22
Obras de reparo e ampliação da Casa do Rio
Grande ou Casa do Gaúcho, sede da Sociedade
Sul Riograndense.
Ata nº 129
1948/04/24
Fundação oficial do “35”CTG. O nome é uma
homenagem a Revolução de 1835 – Farroupilha
FERREIRA, Cyro Dutra. 35
CTG. O pioneiro movimento
tradicionalista gaúcho – MTG
3.ed.Porto Alegre: Edições
111
Renascença, 1999.
1948/06/22
Assembléia para aprovação do reparo e
ampliação da “Casa do Rio Grande”
Ata n º 120 da Sociedade Sul
Riograndense
1961/07/ 20-3
VIII CONGRESSO TRADICIONALISTA –
Taquara. Rio Grande do Sul.Editam a Carta de
Princípios do Movimento Tradicionalista
Anais do Movimento
Tradicionalista
1964/12/11
É oficializada a “Semana Farroupilha”. A semana
será de 14 a 20 de setembro.
Lei nº 4.850. Coletânea da
Legislação Tradicionalista -
2003
1965/10/28 Reforma parcial do Estatuto da SSR Ata nº 151 da SSR
1971/07/22 Reforma parcial do Estatuto da SSR Ata nº 157 da SSR
1972/08/17
Reforma parcial do Estatuto da Sociedade Sul
Riograndense
Ata nº 159 da Sociedade Sul
Riograndense
1973/01/30
Vendido edifício da Av. Rio Branco, 183,
denominado Casa do Gaúcho, à Construtora Zein
S/A por cr$ 8.400.000,000.
Ata nº 161 da Sociedade Sul
Riograndense
1973/05/09
Compra da Sede Campestre – Sitio Real Santa
Cruz, de Delfin Salum de Oliveira. Área de
98.750 m
2
. A Estrada João XXIII, segundo Ata,
está situado na antiga Estrada Santa Cruz –Itaguai
nº 234.
Ata nº 162 da Sociedade Sul
Riograndense
1974/10/24
1ª reunião na nova sede (Rua Melvin Jones, 35 –
antiga Rua Chile - edifício Barão de Javary) e
eleição do Conselho Deliberativo.
Ata nº 165 da Sociedade Sul
Riograndense
1975/08/14
Novo Estatuto da Sociedade Sul Riograndense
cria departamento de Sede Campestre, Cívico,
Cultural e Esportivo, mais tarde denominado
“CTG Desgarrados do Pago”.
Ata
nº 166 da Sociedade Sul
Riograndense
1977/05/24
Fundação da CTG Desgarrados do Pago. O nome
é sugerido pelo músico “gauchito”.
Ata nº 183 de 5/4/19983 faz
menção
1977/08/30
Aprovação do Regimento Interno de criação do
CTG Desgarrados do Pago
1977/09/20
Posse da primeira patronagem (diretoria) do CTG
Desgarrados do Pago
Regimento Interno do CTG
Desgarrados do Pago
1983/04/05
Menciona a criação do CTG Desgarrados do
Pago, ocorrido em 30 de agosto de 1977, e a
redação de um Regimento. Diz ainda que o CTG
era dirigido por Fernando Porto e João Kessler
Coelho de Souza, este último está registrado
como o 1º Patrão do CTG.
Ata da Sociedade Sul
Riograndense nº 183, de
05/04/1983.
1995/09/18
Dispõe sobre o dia 20 de setembro. Considera que
a Lei nº 9.093, de 12/09/1995 que determina que
a data fixada pela Estados Federados é feriado
civil. 20/09 é a data magna estadual
Decreto nº 36.180, do Estado
do Rio Grande do Sul.
05/10
Comemoração do aniversário do Mal. Manuel
Luis Osório – Marques do Herval
Estatuto da SSR
1998/08/29
Palestra na SSR sobre seu fundador, por ocasião
das festividades de entrega da Medalha Cultural
Presidente Pereira Coruja.
João Alberto Rocha Frota –
autor da pesquisa, gaúcho e
sócio da entidade.
112
ANEXO III
Hino do Rio Grande do Sul
Poema de Francisco Pinto de Fontoura
Música de Joaquim José de Medanha
Revisão de Antonio T.Cortes Real
Como aurora precursora da divindade,
Foi o vinte de setembro o precursor da liberdade.
Mostremos valor, constância nesta ímpia e injusta guerra;
Sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra, de modelo a toda terra.
Entre nós reviva Atenas para assombro dos tiranos;
Sejamos gregos na Glória, e na virtude, romanos.
Mostremos valor, constância.......
Mas não basta pra ser livre, ser forte aguerrido e bravo;
Povo que não tem virtude acaba por ser escravo.
Em 1966, o Hino foi oficializado como Hino Farroupilha ou Hino Rio-
Grandense, música composta em 1838 pelo maestro Joaquim José Medanha, dias após ter
sido capturado pelo exército farroupilha, na sua vitória sobre os imperialistas na Batalha do
Rio Pardo. Por força da Lei nº 5213 de 05/01/1966 foi suprimida a segunda estrofe: “Entre
nós reviva Atenas para assombro dos tiranos. Sejamos gregos na glória, e na virtude,
romanos”. Editado pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre, 1976. E a letra oficial passou a ser esta:
Como aurora precursora do farol da divindade,
vinte de setembro o precursor da liberdade.
Mostremos valor, constância nesta ímpia e injusta guerra;
Sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra, de modelo a toda terra.
Sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra, de modelo a toda terra.
Sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra, de modelo a toda terra.
Mas não basta pra ser livre, ser forte aguerrido e bravo;
Povo que não tem virtude acaba por ser escravo.
Mostremos valor, constância.......
113
ANEXO IV
Bibliografia de Antonio Álvares Pereira Coruja
Compêndio de gramática da língua nacional. Dedicado à mocidade rio-grandense. Porto
Alegre, 1835. Adotado nas escolas da Província e nas da Corte, com diversas reedições
corretas e ampliadas, datando-se uma de 1849, outra de 1862, e ainda outra de 1872, feitas
no Rio de Janeiro.
Manual dos estudantes de latim, dedicado a mocidade brasileira. Rio de Janeiro, 1838. A
4ª edição é feita no Rio de Janeiro, na Tipografia Brasilense de Maximiniano Gomes
Ribeiro, em 1857. Foi adotado no Colégio Pedro II. Há outra edição aumentada com um
apêndice de pretéritos e supinos.
Compêndio de ortografia de língua nacional. Dedicado a Sua Majestade o Sr. D. Pedro
II – Rio de Janeiro, Tipografia Francesa, 1848. Traz o retrato do autor e um vocabulário
exemplificativo da página 81 em diante, segundo o sistema do Pe.Madureira Feijó; recebeu
novas edições, sendo uma dessas a de 1847.
Manual de ortografia de língua nacional. Rio de Janeiro. 1852. Mesma obra citada,
resumida em suas primeiras regras. Recebeu ima 2ª edição em 1861, e a 3ª, também no Rio
de Janeiro, Tipografia João Inácio da Silva, em 1866.
Aritmética para meninos, contendo o que é necessário para o ensino às primeiras letras.
Rio de Janeiro, 1850; 2ª edição em 1861.
Compêndio de gramática latina do padre Antonio Pereira de Figueiredo, com
aditamentos e notas. Rio de Janeiro 1852; 2º edição em 1861.
Lições de História do Brasil adaptadas à leitura das escolas. Rio de Janeiro, 1855,
trazendo no fim a constituição política do Império do Brasil, com várias edições, sendo a 2ª
do Rio de Janeiro, Tipografia Brasiliense de Maximiniano Gomes Ribeiro, em 1857; 3ª
edição aumentada e correta de 1861; 4ª edição, Rio de Janeiro, Tipografia João Inácio da
Silva, em 1866; 5ª edição em 1869; 6ª edição, Rio de Janeiro, Tipografia de Gaspar João
Veloso, em 1873; 7ª e 8ª edições Rio de Janeiro, Tipografia do Figaro, de Aguiar e Veloso,
rua da Ajuda.
A vida de José Bernardino de Sá. Contendo pelas principais do processo propriamente
dito “Vila Nova do Minho”, procedido de um outro processo, o do Dr. Manoel Jacques de
Araújo Bastos. Rio de Janeiro, 1856.
Anotações às Memórias Históricas do Rio de Janeiro, do Monsenhor José de Souza
Azevedo Pizarro e Araújo, na parte relativa ao Continente do Rio Grande do Sul, servindo
em parte de aditamento, e em parte, de correção. Publicada na Revista do Instituto
Histórico, Rio de Janeiro, 1857.
114
Coleção de Vocábulos e frases usadas na província de São Pedro Do Rio Grande do
Sul. Londres, Trubner & Comp. Tipografia de Tomaz Harrild, em 1857; a edição foi feita
às expessas do Príncipe L. Bonaparte; idem, Rio de Janeiro, Tipografia Moderna,
H.Gueffer, 1862, da Livraria D.J.Gomes Brandão; idem, Tomo XV, 1862, da Revista do
Instituto Histórico Geográfico. Edição de Walter Spalding – Revista “Província de São
Pedro”, números 5 a 10 (1946-47), Porto Alegre.
Notas à memória do Tenente Coronel José dos Santos Viegas. Na Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, 1860.
Antigualhas – Reminiscências de Porto Alegre. Porto Alegre, Tipografia do Jornal do
Coméricio, 1881; várias reedições, existe uma, de 1981, com introdução e notas de Sérgio
da Costa Franco, Editora ERUS.
Ano Histórico Sul-Riograndense. Rio de Janeiro, Tipografia de José Dias de Oliveira,
1888.
Ofício de 24 de fevereiro de 1834 sobre a navegação intera na província do Rio
Grande do Sul. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo XLV.
Efemérides Rio-Grandenses. No anuário do Rio Grande do Sul.
Memórias sobre a Revolução de 20 de setembro. No anuário do Rio Grande do Sul,
1889.
Antigualhas, As ruas de Porto Alegre. No Anuário do Rio Grande do Sul de 1888 a
1890.
Este levantamento foi feito pelo historiador Aurélio Porto, publicado no Boletim da
Sociedade Felipe d´Oliveira, de julho de 1994, Rio de Janeiro e apresentado pelo gaúcho e
sócio da Sociedade Sul Riograndense João Alberto Rocha da Frota, durante as festividades
na Entidade por ocasião do aniversário do seu fundador e Patrono do CTG Desgarrados do
Pago, Antonio Álvares Pereira Coruja.
115
ANEXO V
CARTA DE PRINCIPIOS
A "Carta de Princípios" atualmente em vigor foi aprovada no VIII Congresso Tradicionalista,
levado a efeito no período de 20 a 23 de julho de 1961, em Taquara, e fixa os seguintes objetivos
do Movimento Tradicionalista Gaúcho:
I. Auxiliar o Estado na solução dos seus problemas fundamentais e na conquista do bem coletivo.
II. Cultuar e difundir nossa História, nossa formação social, nosso folclore, enfim, nossa Tradição,
como substância basilar da nacionalidade.
III.Promover, no meio do nosso povo, uma retomada de consciência dos valores morais do
gaúcho.
IV.Facilitar e cooperar com a evolução e o progresso, buscando a harmonia social, criando a
consciência do valor coletivo, combatendo o enfraquecimento da cultura comum e a desagregação
que daí resulta.
V.Criar barreiras aos fatores e idéias que nos vem pelos veículos normais de propaganda e que
sejam diametralmente opostos ou antagônicos aos costumes e pendores naturais do nosso povo.
VI.Preservar o nosso patrimônio sociológico representado, principalmente, pelo linguajar,
vestimenta, arte culinária, forma de lides e artes populares.
VII.Fazer de cada CTG um núcleo transmissor da herança social e através da prática e divulgação
dos hábitos locais, noção de valores, princípios morais, reações emocionais, etc.; criar em nossos
grupos sociais uma unidade psicológica, com modos de agir e pensar coletivamente, valorizando e
ajustando o homem ao meio, para a reação em conjunto frente aos problemas comuns.
VIII.Estimular e incentivar o processo aculturativo do elemento imigrante e seus descendentes.
IX.Lutar pelos direitos humanos de Liberdade, Igualdade e Humanidade.
X.Respeitar e fazer respeitar seus postulados iniciais, que têm como característica essencial a
absoluta independência de sectarismos político, religioso e racial.
XI.Acatar e respeitar as leis e poderes públicos legalmente constituídos, enquanto se mantiverem
dentro dos princípios do regime democrático vigente.
XII. Evitar todas as formas de vaidade e personalismo que buscam no Movimento Tradicionalista
veículo para projeção em proveito próprio.
XIII.Evitar toda e qualquer manifestação em proveito próprio.
XIV.Evitar atitudes pessoais ou coletivas que deslustrem e venham em detrimento dos princípios
da formação moral do gaúcho.
116
XV.Evitar que núcleos tradicionalistas adotem nomes de pessoas vivas.
XVI.Repudiar todas as manifestações e formas negativas de exploração direta ou indireta do
Movimento Tradicionalista.
XVII.Prestigiar e estimular quaisquer iniciativas que, sincera e honestamente, queiram perseguir
objetivos correlatos com os do tradicionalismo.
XVIII.Incentivar, em todas as formas de divulgação e propaganda, o uso sadio dos autênticos
motivos regionais.
XIX.Influir na literatura, artes clássicas e populares e outras formas de expressão espiritual de
nossa gente, no sentido de que se voltem para os temas nativistas.
XX - Zelar pela pureza e fidelidade dos nossos costumes autênticos, combatendo todas as
manifestações individuais ou coletivas, que artificializem ou descaracterizem as nossas coisas
tradicionais.
XXI.Estimular e amparar as células que fazem parte de seu organismo social.
XXII.Procurar penetrar a atuar nas instituições públicas e privadas, principalmente nos colégios e
no seio do povo, buscando conquistar para o Movimento Tradicionalista Gaúcho a boa vontade e a
participação dos representantes de todas as classes e profissões dignas.
XXIII.Comemorar e respeitar as datas, efemérides e vultos nacionais e, particularmente o dia 20
de setembro, como data máxima do Rio Grande do Sul.
XXIV.Lutar para que seja instituído, oficialmente, o Dia do Gaúcho, em paridade de condições
com o Dia do Colono e outros "Dias" respeitados publicamente.
XXV.Pugnar pela independência psicológica e ideológica do nosso povo.
XXVI.Revalidar e reafirmar os valores fundamentais da nossa formação, apontando às novas
gerações rumos definidos de cultura, civismo e nacionalidade.
XXVII.Procurar o despertamento da consciência para o espírito cívico de unidade e amor à Pátria.
XXVIII.Pugnar pela fraternidade e maior aproximação dos povos americanos.
XXIX.Buscar, finalmente, a conquista de um estágio de força social que lhe dê ressonância nos
Poderes Públicos e nas Classes Rio-Grandenses para atuar real, poderosa e eficientemente, no
levantamento dos padrões de moral e de vida do nosso Estado, rumando, fortalecido, para o campo
e homem rural, suas raízes primordiais, cumprindo, assim, sua alta distinção histórica em nossa
Pátria.
(Fonte: Coletânea da legislação tradicionalista. coord.Paulo R.Fraga Cirne.3ed. Porto
Alegre:Movimento Tradicionalista Gaúcho, 2003.)
117
ANEXO VI
O SENTIDO E O VALOR DO TRADICIONALISMO
Autor: Barbosa Lessa. Tese publicada em 1954, no 1º Congresso Tradicionalista, em
Santa Maria, Rio Grande do Sul.
I - A DESINTEGRAÇÃO DE NOSSA SOCIEDADE
II - OS DOIS FATORES DE DESINTEGRAÇÃO
O MOVIMENTO TRADICIONALISTA RIO - GRANDENSE
O SENTIDO DO TRADICIONALISMO
CARACTERÍSTICAS DO TRADICIONALISMO
AS DUAS GRANDES QUESTÕES DO TRADICIONALISMO
O TRADICIONALISMO COMO FORÇA ECONÔMICA
Na vida humana, a sociedade - mais que o indivíduo - constitui a principal força na luta
pela existência. Mas, para que o grupo social funcione como unidade, é necessário que os indivíduos que o
compõem possuam modos de agir e de pensar coletivamente. Isto é conseguido através da "herança social"
ou da "cultura". Graças à cultura comum, os membros de uma sociedade possuem a unidade psicológica que
lhes permite viverem em conjunto, com um mínimo de confusão. A cultura, assim, tem por finalidade
adaptar o indivíduo não só ao seu ambiente natural, mas também ao seu lugar na sociedade. Toda a cultura
inclui uma série de técnicas que ensinam ao indivíduo, desde a infância, a maneira como comportar-se na
vida grupal. E graças à Tradição, essa cultura se transmite de uma geração a outra, capacitando sempre os
novos indivíduos a uma pronta integração na vida em sociedade.
I - A DESINTEGRAÇÃO DE NOSSA SOCIEDADE
A cultura e a sociedade ocidental estão sofrendo um assustador processo de desintegração.
Incluídas nesse panorama geral, a cultura e a sociedade de quaisquer dos povos ocidentais, necessariamente,
apresentam, com maior ou menor intensidade, idêntica dissolução. É nos grandes centros urbanos que esse
fenômeno se desenha mais nítido, através das estatísticas sempre crescentes de crime, divórcio, suicídio,
adultério, delinqüência juvenil e outros índices de desintegração social.
Analisando tais circunstâncias, mestres da moderna Sociologia chegaram à conclusão de
que problemas sociais cruciantes da atualidade são causados, ou incentivados, pelo relaxamento do controle
dos costumes e noções tradicionais de cada cultura.
II - OS DOIS FATORES DE DESINTEGRAÇÃO
Sociólogos de renome afirmam que a desintegração social, característica de nossa época, é
devida a dois fatores:
Primeiro: o enfraquecimento das culturas locais.
Segundo: o desaparecimento gradativo dos "Grupos Locais" comunidades transmissoras de
cultura.
Analisemos, então, esses dois fatores.
a) O ENFRAQUECIMENTO DO NÚCLEO CULTURAL
A cultura de qualquer sociedade se compõe de duas partes. Há um núcleo sólido, de certa
forma estável, constituído pelo PATRIMÔNIO TRADICIONAL. Nesse núcleo se concentram aqueles
inúmeros hábitos, princípios morais, valores, associações e reações emocionais partilhados por TODOS os
membros de determinada sociedade (como a linguagem, a indumentária típica, os princípios fundamentais de
moral, etc. ou ainda, por TODOS os membros de certas categorias de indivíduos, dentro da sociedade (como
as ocupações reservadas só às mulheres ou só aos homens, as reações emocionais típicas de todos os velhos
ou de todas as crianças, bem como os conhecimentos técnicos reservados aos ferreiros, aos médicos, aos
agricultores, etc.). Tais elementos culturais contribuem para o bem-estar da coletividade, pois o indivíduo
fica sabendo como comportar-se em grupo, e qual o comportamento que pode esperar dos
outros("expectativas de comportamento"). Em suma: o cerne cultural dá, aos indivíduos, a unidade
psicológica essencial ao funcionamento da sociedade.
Mas, cercando o núcleo, existe uma zona fluída e instável, constituída por elementos
culturais chamados, em sociologia, Alternativas, e que são traços partilhados apenas por ALGUNS
118
indivíduos, representando diferentes reações às mesmas situações, ou diferentes técnicas para alcançar os
mesmos fins. (Certa pessoa viaja a cavalo, fazendo o mesmo percurso que outra prefere realizar em carroça;
certa pessoa sente-se tremendamente ofendida se alguém faz "crítica" a um defeito físico seu, enquanto outra
se comporta resignadamente face a tais críticas; etc.)
É esta zona de Alternativas que permite à cultura crescer e acomodar-se aos avanços de
uma civilização. Evidentemente, quanto maior for o entrechoque com culturas diversas, maior será a
possibilidade de adoção de novas Alternativas, por parte dos membros de uma sociedade.
Quando a cultura de determinado povo é invadida por novos hábitos e novas idéias, duas
coisas podem ocorrer: se o patrimônio tradicional dessa cultura é coerente e forte, a sociedade só tem a lucrar
com o referido contato, pois sabe analisar, escolher e integrar em seio aqueles traços culturais novos que,
dentre muitos, realmente sejam benéficos à coletividade; se , porém, a cultura invadida não é predominante e
forte, a confusão social é inevitável: idéias e hábitos incoerentes sufocam o núcleo cultural, desnorteando os
indivíduos, e fazendo-os titubear entre as crença e valores mais antagônicos. Quem mais sofre com essa
confusão social - acentua o sociólogo Donal Pierson - são as crianças e os adolescentes, os responsáveis pela
sociedade do porvir.
Crescendo nessas circunstâncias, a criança não sabe como agir, não é capaz de assumir, em
seu espírito, qualquer expectativa clara de comportamento. E assim se originam, entre outros, os problemas
da delinqüência juvenil, resultados de uma desintegração social.
Pois bem. Devido ao surto surpreendente do maquinismo em nossos dias, bem como da
facilidade de intercâmbio cultural entre os mais diversos povos, observa-se que o núcleo das culturas locais
ou regionais vai se reduzindo gradativamente, a ponto de se ver sufocado pela zona das Alternativas. E a
fluidez naturalmente se acentua, à medida que as sociedades mantêm novos contatos com traços culturais
diferentes ou antagônicos, introduzidos por viajantes ou imigrantes, ou difundidos por livros, imprensa,
cinema, etc. Nossa civilização, antes alicerçada num núcleo sólido e coerente, transformou-se numa
variedades de Alternativas, entre as quais o indivíduo tem que escolher.. Sem ampla comunidade de hábitos e
de idéias, porém, os indivíduos não reagem com unidade a certos estímulos, nem podem cooperar
eficientemente. Daí os conflitos de ordem moral que afligem o indivíduo, fazendo atarantar-se sem saber
quais as opiniões e os valores que merecem acatamento.
Essa insegurança reflete-se imediatamente na sociedade como um todo e,
consequentemente no Estado, pois, conforme ensina Ralph Linton "embora os problemas de organizar e
governar Estados nunca tenham sido perfeitamente resolvidos, uma coisa parece certa: se os cidadãos
tiverem interesses e culturas comuns, com a vontade unificada que daí advém, quase qualquer tipo de
organização formal de governo funcionará eficientemente; mas se isso não se verificar, nenhuma elaboração
e padrões formais de governo, nenhuma multiplicação de lei, produzirá um Estado eficiente ou cidadãos
satisfeitos".
b) O DESAPARECIMENTO DOS "GRUPOS LOCAIS"
As duas unidades mais sociais mais importantes, como transmissoras de cultura, são a
"família" e o "grupo local". Através dessas duas unidades, o indivíduo recebe, com maior intensidade, a sua
"herança social".
São exemplos de "grupo local", em nossa sociedade, o "vizindário" ou "pago" das
populações rurais, bem como as pequenas vilas do interior, ou ainda (um exemplo do passado) os bairros
com vida própria das cidades de há alguns anos atrás.
Por "grupo local" entende-se o agregado de famílias e de indivíduos avulsos que vivem
juntos em certa área, compartilhando hábitos e noções comuns.
Embora não tenha organização formal (como o distrito ou o município), o "grupo local" é a
unidade social autêntica. O "pago", por exemplo, influencia a vida dos seus membros, estabelece limites à
vida social (quais as famílias que podem ser convidadas para as festas) , mantém elevado grau de cooperação
entre os indivíduos, pois todos devem se auxiliar (antigos trabalhos de puxirão) e cada qual tem consciência
desse dever de auxílio mútuo. O Indivíduo conhece perfeitamente os costumes e os princípios morais
instituídos pelo seu "pago"; além disso, há um conhecimento íntimo entre os membros de um mesmo "pago"
(conhecem-se até os animais objetos pertencentes aos vizinhos). Todas essas circunstâncias influem para que
o "grupo local" se constitua numa potente barragem para as transgressões à ordem pública ou à moral (furto,
sedução, adultério, etc.). Ademais, embora não tenha um
meio de reação formal(como a polícia), o "grupo
local encerra grande força punitiva, através de medidas como a perda de prestígio, o ridículo, o ostracismo.
Certamente já depreendemos, então, a grande importância de que se reveste o "grupo local" para assegurar a
normalidade da vida comum, segundo os padrões culturais instituídos pelo grupo.
Acresce notar o seguinte: o integrar-se a um "grupo local" constitui verdadeira
NECESSIDADE PSICOLÓGICA para o indivíduo normal. Este precisa de uma unidade social coesa, maior
119
que a família, dentro da qual sinta que outros indivíduos são seus amigos, que compartilham suas idéias e
hábitos. Tanto é verdade que o indivíduo se sente inseguro quando se vê só entre estranhos.
Pois bem. O enfraquecimento da vida grupal - conforme acentuou Ralph Linton - é outra
característica de nossa época. As unidades sociais pequenas estão gradativamente desaparecendo, e cedendo
lugar às massas de indivíduos. Nas zonas rurais, os "grupos locais" ainda conservam um pouco de sua função
como portadores de cultura; mas, em geral - devido ao afluxo de Alternativas - os jovens discordam dos
padrões culturais antigos; acontece, porém, que a sociedade mais ampla - com a qual o jovem entra em
contato por meio da imprensa, do rádio e cinema - ainda não têm padrões coerentes de vida para oferecer-
lhes. Daí a insegurança que começa a notar-se em nossa sociedade rural.
Se nas zonas rurais se percebe apenas uma insegurança incipiente, apenas o relaxamento
das forças do "grupo local" , o que se percebe nas cidades é a desintegração total dessas forças. A mudança
de padrões culturais, em nossos dias, tem sido tão rápida que, em geral, o adulto de hoje teve sua infância
condicionada à vida segundo as bases do "grupo local". Ensinaram-lhe a esperar dos seus vizinhos
encorajamento e apoio moral; e quando esses vizinhos se afastam, o indivíduo se sente perdido. Ele escolhe
entre muitas Alternativas, mas não dispõe de meios para estabelecer contato com outros que tenham feito,
escolha semelhante.
Sem o apoio de um grupo que pense do mesmo modo, é - lhe impossível sentir-se seguro a
respeito de qualquer assunto. E assim o indivíduo torna-se presa fácil de qualquer propaganda insistente,
(quer seja a má propaganda, quer seja a boa propaganda).
Por isso, Ralph Linton escreveu "A cidade moderna, com sua multiplicidade de
organizações de toda a espécie, dá a imagem de uma massa de indivíduos que perderam seus "grupos locais"
e estão tentando, de maneira tateante, substituí-los por alguma outra coisa. De todos os lados surgem novos
tipos de agrupamentos, mas até agora nada foi encontrado, que pareça capaz de assumir as principais funções
do "grupo local". Ser membro do Rotary Club, por exemplo, não substitui adequadamente a posse de
vizinhos e amigos tal como se verifica nos grupos locais".
O MOVIMENTO TRADICIONALISTA RIO - GRANDENSE
O movimento tradicionalista rio-grandense - que vem se desenvolvendo desde 1947, com
características especialíssimas - visa precisamente combater os dois reconhecidos fatores de desintegração
social. O fundamento científico deste movimento encontra-se na seguinte afirmação sociológica: "Qualquer
sociedade poderá evitar a dissolução enquanto for capaz de manter a integridade de seu núcleo cultural.
Desajustamentos, nesse núcleo, produzem conflitos entre indivíduos que compõem a sociedade, pois esses
vêm a preferir valores diferentes, resultando, então, a perda da unidade psicológica essencial ao
funcionamento eficiente de qualquer sociedade".
Através da atividade artística, literária, recreativa ou esportiva, que o caracteriza - sempre
realçando os motivos tradicionais do Rio Grande do Sul - o Tradicionalismo procura, mais que tudo, reforçar
o núcleo da cultura rio-grandense, tendo em vista o indivíduo que tateia sem rumo e sem apoio dentro do
caos de nossa época.
E, através dos Centros de Tradições, o Tradicionalismo procura entregar ao indivíduo uma
agremiação com as mesmas características do "grupo local" que ele perdeu ou teme perder: o " pago". Mais
que o seu "pago", o pago das gerações que o precederam.
Cada Centro de Tradições Gaúchas, em si, é um novo "Grupo Local". E à medida que surgem
novos Centros, em todos os municípios do Rio Grande do Sul, vai o Tradicionalismo confundindo-se com o
Regionalismo, pois opera para que todos os indivíduos que compõem a Região sintam os mesmos interesses,
os mesmos afetos, e desta forma reintegrem a unidade psicológica da sociedade regional. E com isso o
Tradicionalismo pode se transformar na maior força política do Rio Grande do Sul. Para evitar confusão de
"política" com "política partidária", expressemo-nos assim: O Tradicionalismo pode constituir-se na maior
força a auxiliar o Estado na resolução dos problemas cruciais da coletividade.
Para compreendermos tal afirmativa, basta repetir a transcrição já feita: "Se os cidadãos tiverem
interesses e culturas comuns, com vontade unificada que daí advém, quase qualquer tipo de organização
formal de governo funcionará eficientemente. Mas, se isso não se verificar, nenhuma elaboração de padrões
formais de governo, nenhuma multiplicação de lei, produzirá um Estado eficiente ou cidadãos satisfeitos”.
120
O SENTIDO DO TRADICIONALISMO
O Tradicionalismo consiste numa EXPERIÊNCIA do povo rio-grandense, no sentido de
auxiliar as forças que pugnam pelo melhor funcionamento da engrenagem da sociedade. Como toda
experiência social, não proporciona efeitos imediatamente perceptíveis. O transcurso do tempo é que vi
dizer do acerto ou não desta campanha cultural. De qualquer forma, as gerações do futuro é que poderão
indicar, com intensidade, os efeitos desta nossa - por enquanto - pálida experiência. E ao dizermos isso,
estamos acentuando o erro daqueles que acreditam ser o Tradicionalismo uma tentativa estéril de "retorno ao
passado". A realidade é justamente o oposto: o Tradicionalismo constrói para o futuro.
Feitas estas considerações preliminares, podemos tentar um conceito do movimento
tradicionalista. E então diremos:
"Tradicionalismo é o movimento popular que visa auxiliar o Estado na consecução do bem
coletivo, através de ações que o povo pratica (mesmo que não se aperceba de tal finalidade) com o fim de
reforçar o núcleo de sua cultura: graças ao que a sociedade adquire maior tranqüilidade na vida comum".
CARACTERÍSTICAS DO TRADICIONALISMO
Mais do que uma teoria, o Tradicionalismo é um movimento. Age dentro da psicologia
coletiva. Sua dinâmica realiza-se por intermédio dos Centros de Tradições Gaúchas, agremiações de cunho
popular que têm por fim estudar, divulgar e fazer com que o povo "viva" as tradições rio-grandenses.
O Tradicionalismo deve ser um movimento nitidamente POPULAR, não simplesmente
intelectual. É verdade que o tradicionalismo continuará sendo compreendido, em sua finalidade última,
apenas por uma minoria intelectual. Mas, para vencer, é fundamental que seja sentido e desenvolvido no seio
das camadas populares, isto é, nas canchas de carreiras, nos auditórios de radioemissoras, nos festivais e
bailes populares, na "Festas do Divino" e de "Navegantes", etc.
Para alcançar seus fins, o Tradicionalismo serve-se do Folclore, da Sociologia, da Arte, da
Literatura, do Esporte, da Recreação, etc. Tradicionalismo não se confunde, pois, com Folclore, Literatura,
Teatro, etc. Tudo isso constitui MEIOS para que o Tradicionalismo alcance seus fins. Não se deve confundir
o Tradicionalismo, que é um movimento,, com o Folclore, a História, a Sociologia, etc., que são ciências.
Não se deve confundir o folclorista, por exemplo, com o tradicionalista: aquele é o estudioso de uma ciência,
este é o soldado de um movimento. Os Tradicionalistas não precisam tratar cientificamente o folclore;
estarão agindo eficientemente se servirem dos estudos dos folcloristas, como base de ação, e assim
reafirmarem as vivências folclóricas no próprio seio do povo.
AS DUAS GRANDES QUESTÕES DO TRADICIONALISMO
Existem duas questões importantíssimas, que de maneira nenhuma podem ser descuidadas
pelos tradicionalistas, sob pena deste esforço cultural se desenhar, de antemão, como uma experiência
fracassada.
a) ATENÇÃO ESPECIAL ÀS NOVAS GERAÇÕES
Deve, o Tradicionalismo, operar com intensidade no setor infantil ou educacional, para que o
movimento tradicionalista não desapareça com a nossa geração. Porque nós - os tradicionalistas de primeira
arrancada - entramos para os Centros de Tradições Gaúchas movidos pela necessidade psicológica de
encontrar o "grupo local" que havíamos perdido ou que temíamos perder. Mas as gerações novas não
chegaram a conhecer o grupo local como unidade social autêntica, e somente seguirão nossos passos por
força de impulsos que a educação lhes ministrar.
Por isso não temo afirmar que o dia mais glorioso para o movimento tradicionalista será aquele
em que a classe de Professores Primários do Rio Grande do Sul - consciente do sentido profundo desse gesto,
e não por simples atitude de simpatia - oferecer seu decisivo apoio a esta campanha cultural.
Aliás, não se concebe que as Escolas Primárias continuem por mais tempo apartadas do
movimento tradicionalista. Pois a maneira mais segura de garantir à criança o seu ajustamento à sociedade é
precisamente fazer com que ela receba, de modo intensivo, aquela massa de hábitos, valores, associações e
reações emocionais - o patrimônio tradicional, em suma - imprescindíveis para que o indivíduo se integre
eficientemente na cultura comum.
b) ASSISTÊNCIA AO HOMEM DO CAMPO
A idéia nuclear das Tradições Gaúchas é a figura do campeiro das nossas estâncias. Por isso, é
sumamente necessário que o Tradicionalismo ampare social e moralmente o homem do campo, para que um
dia não se chegue à situação paradoxal de manter-se uma Tradição de fantasia, em que se tecessem hinos de
louvor ao "Monarca das Coxilhas", ao "Centauro dos Pampas", e esse gaúcho fosse um desajustado social,
121
um pária lutando febrilmente pela própria subsistência. A nossa cultura somente poderá se impor sobre as
outras culturas, no entrechoque inevitável, se for suficientemente prestigiosa. Daí a razão por que precisamos
mostrar às novas gerações - bem como àqueles que, vindos de terras distantes, acorrerem à nossa querência -
que as tradições gaúchas são REALMENTE belas, e que o gaúcho merece realmente a nossa admiração.
O TRADICIONALISMO COMO FORÇA ECONÔMICA
Prestigiando as tradições gaúchas e prestando assistência moral e social ao homem do campo, o
Tradicionalismo estará contribuindo de maneira inestimável para a solução do problema que ora sufoca a
nossa vida econômica: o êxodo rural, a crise agrícola. É que, dentre as principais causas do êxodo rural,
encontramos uma que foge ao âmbito dos fenômenos econômicos. Para proteger o homem do campo, e fazer
com que ele permaneça no meio rural, não basta que o Estado lhe forneça meios econômicos mais seguros.
Se o campesino acaso julgar que o lugar que lhe está reservado na sociedade encontra-se nas cidades, ele será
um desajustado enquanto não realizar seu sonho de transferir-se para a cidade. Este fenômeno prende-se ao
conceito sociológico de "status", que é a posição social de uma pessoa em relação a todas as outras com
quem está em contato. Se "os outros" demonstram que certo indivíduo ocupa um "status" digno, ele fica
satisfeito; mas se "os outros" demonstram o contrário, ele é, inconscientemente, levado a demonstrar
habilidade, e, nesse afã, sempre deseja competir com os indivíduos que considera superiores, jamais com
aqueles que considera inferiores. Assim sendo, se o campesino se considera inferior ao citadino, mais cedo
ou mais tarde tentará procurar a cidade, para ali competir com quem lhe rouba a posição social.
Prestigiando as tradições gaúchas, e prestando assistência moral e social ao homem do campo, o
Tradicionalismo estará convencendo o campesino da dignidade e importância do seu "status". Estará, em
suma, pondo em prática aquilo que o sanitarista Belizário Penna um dia salientou, mais ou menos nestes
termos: "O Brasil é o país onde mais se fala em valorização. Valorização do café brasileiro, do dinheiro
brasileiro, do algodão brasileiro, do boi brasileiro. Somente não se pensa na mais urgente e importante
valorização: a do Homem brasileiro, a qual, por si só, estaria conduzindo a todas as outras".
Fonte: http:// www.mtg.org.br.
122
ANEXO VII
Biografia Barbosa Lessa.
Luiz Carlos Barbosa Lessa nasceu em 13 de dezembro de 1929, numa chácara nas
imediações de Piratini - Rio Grande do Sul. Devido à dificuldade para cursar uma escola
regular, teve de aprender as primeiras letras e 4 operações com sua própria mãe, que
também lhe ensinou teoria musical, um pouco de piano e datilografia.
Indo cursar o ginásio em Pelotas (Ginásio Gonzaga), aos 12 anos, fundou um
jornal escolar “ O Gonzagueano”, em que publicou seus primeiros contos regionais ou de
fundo histórico. Também fundou o conjunto musical denominado “os minuanos”- uma das
tribos indígenas no velho Rio Grande do Sul – que pretendia se especializar em música
regional gaúcha mas, por inexistência de repertório àquela época, teve de se conformar
com o gênero sertanejo, e um tanto de música urbana brasileira.
Para cursar o 2º grau colegial transferiu-se para Porto Alegre, ingressando no
Colégio Júlio de Castilhos. Aos 16 anos já colaborava para uma das principais revistas
brasileiras de cultura, “Província de São Pedro”, e obteve seu 1º emprego como revisor e
repórter da “Revista do Globo”.
No ano seguinte participou da 1ª Ronda Crioula/Semana Farroupilha e, munido de
um caderno de aula para coletar assinaturas de eventuais jovens que se interessassem pelo
assunto, tomou a iniciativa para a fundação do 1º Centro de Tradições Gaúchas, os “35”.
Nesta agremiação ele retomou seu interesse pela musica regional e, na falta de
repertório criou suas primeiras canções, tais como a toada “negrinho do Pastoreio” – hoje
um clássico da música regional gaúcha.
Bacharel pela Faculdade de Direito de Porto Alegre (UFRGS), em 1952.
Formando com seu amigo Paixão Côrtes uma abnegada dupla de pesquisadores, de 1950 a
1952, realizou o levantamento de resquícios de danças regionais e produziu a recriação de
danças tradicionalistas. Resultado dessa pesquisa da dupla foi o livro didático “Manual de
Danças Gaúchas” e o disco long-play (o 3º LP produzido no Brasil) “Danças Gaúchas”, na
voz da cantora paulista Inezita Barroso.
Incentivou a realização do 1º Congresso Tradicionalista do Rio Grande do Sul,
levado a efeito na cidade de Santa Maria, em 1954, quando apresentou e viu aprovada sua
tese de base sociológica, ”O sentido e o valor do Tradicionalismo”, definidora dos
objetivos desse movimento. Em 1956 montou um grupo teatral para apresentação de sua
comédia musical “não te assusta, Zacaria!”, e saiu divulgando as danças e os costumes
gauchescos por todas as regiões do Rio Grande do Sul, colhendo aplausos também nas
cidades de Curitiba e São Paulo.
Morou em São Paulo até 1954, envolvido com produção de rádio, tv, teatro e
cinema, detendo-se finalmente na área de propaganda e relações públicas. Chefe de grupo-
de-criação da Jr Walter Thompson Publicidade e chefe de relações públicas do Banco
Crefissul de investimentos.
Voltou a Porto Alegre em 1974, já como especialista em Comunicação Social,
tendo trabalhado na Mercur Publicidade e Companhia Riograndense de saneamento.
Aposentou-se como jornalista em 1987.
Foi Secretario na administração de Amaral de Souza, foi secretário Estadual da
Cultura, tendo idealizado para Porto Alegre um centro oficial de cultura acadêmica, que
veio a pré-inaugurar em março de 1983: a casa de cultura Mário Quintana.
123
Mantinha pequena reserva ecológica no município de Camaquã, onde residia com
sua esposa Nilza. Filhos: Guilherme – analista de sistemas; Valéria: casada com um norte-
americano reside em New Jersey – USA.
Teve destacado nome na música popular e na literatura. Autor de cerca de 50
títulos, destacando-se os romances “República das Carretas” e “Os Guaxos” (prêmio 1959
da Academia Brasileira de letras). Os contos e crônicas de “Rodeio dos Ventos”, o ensaio
indigenista “Era de Até”,a tese pioneira “O sentido e o valor do tradicionalismo”, o ensaio
“Nativismo”, um fenômeno social gaúcho”, “mão gaúcha, introdução ao artesanato sul-
riograndense”, o álbum em quadrinhos “O continente do Rio Grande” , e os didáticos
“problemas brasileiros, uma perspectiva histórica”, “Rio Grande do Sul, prazer em
conhece-lo”, e “primeiras noções de teatro”. Também os 2 volumes do Almanaque do
Gaúcho.
Foi Conselheiro Honorário do MTG - Movimento Tradicionalista
Brasileiro.Faleceu em 11 de março de 2002.
FONTE: www.paginadogaucho.com.br
124
ANEXO VIII
DECRETOS E LEIS
LEI Nº 4.850, de 11 de dezembro de 1964.
Oficializa a “Semana Farroupilha” e dá outras providências
Art.1º - è oficializada a “SEMANA FARROUPILHA” no Rio Grande do Sul, a ser comemorada de
14 a 20 de setembro de cada ano, em homenagem e memória aos heróis farrapos.
Parágrafo único – Tomarão parte nas festividades da Semana Farroupilha, escolas de 1º e 2º graus
das redes estadual, municipal e particular de ensino, Unidade ou Contingentes da Brigada Militar,
Centros de Tradição Gaúcha e entidades associativas, particulares, culturais, desportivas que dela
queiram participar.
Art.2º - A Secretaria da Educação do Estado, a Brigada Militar, A Fundação Instituto Gaúcho de
Tradição e Folclore e o Movimento Tradicionalista Gaúcho organizarão e orientarão as festividades
da Semana Farroupilha.
Art.3º - As prefeituras municipais, mediante convênio com o Estado, organizarão e coordenarão,
nos seus municípios, as festividades da Semana Farroupilha.
Art.4º - O Governo do Estado regulamentará esta Lei dentro de 90(noventa) dias, a contar da data
de sua publicação.
Art.5º - Revogadas as disposições em contrário, esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO
Em Porto alegre, 11 de dezembro de 1964.
FRANCISCO SOLANO BORGES - Presidente
----------------------------------------------------------------------------
DECRETO nº 36.180, de 18 de setembro de 1995.
Dispõe sobre o dia 20 de setembro
O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, no uso da atribuição que lhe
confere o artigo 82, inciso V, da Constituição do Estado,
- Considerando que a lei nº 9.093, de 12 de setembro de 1995, determina que a data magna fixada
em lei pelos Estados Federados é feriados civil;
- considerando que a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em seu artigo 6º,
parágrafo único, prevê que o dia 20 de setembro é a data magna estadual,
DECRETA:
Art1º - feriado correspondente à data magna do Estado será comemorado no dia 20 de
setembro.
Art.2º - este decreto entra em vigor ba data de sua publicação.
Art.3º revogam-se as disposições em contrário.
PALÁCIO PIRATINI, em Porto Alegre, 18 de setembro de 1995.
Antonio Brito
Governador
125
LEI nº 9.405 de 25 de outubro de 1991.
Lei do Dia do Gaúcho
Dispõe sobre a comemoração do Dia do Gaúcho
ALCEU COLARES, Governador do Estado do Rio Grande do Sul.
Faço saber em cumprimento ao disposto no artigo 82, inciso IV da Constituição do Estado, que
a Assembléia Legislativa aprovou e eu sanciono e promulgo a Lei seguinte:
Art.1 – Fica transferida a data da comemoração do Dia do Gaúcho para 20 de setembro.
Art.2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art.3º Revogam-se as disposições em contrário, em especial a Lei nº 8.019, de 20 de junho de
1985.
OBS.: Esta Lei substitui a LEI Nº 8.019, de 29 de julho de 1985, que substituía o “Dia do
Gaúcho” em 20 de abril, data consagrada a instalação da primeira Assembléia Provincial
Constituinte, em 1835.
PALÁCIO PIRATINI, em Porto Alegre, 25 de outubro de 1991.
ALCEU COLARES
Governador do Estado
---------------------------------------------------------------------
DECRETO nº 56.747, de 17 de agosto de 1965, Institui o Dia do Folclore
LEI Nº 8.814, de 10 de janeiro de 1989, fixa o dia 04 de dezembro como o “Dia do
Poeta Repentista Gaúcho e do Artista Regional Gaúcho”.
LEI nº 11.676, de 16 de outubro de 2001, institui o Dia do Pajador Gaúcho.
LEI nº 11.826 de 26 de agosto de 2002, cria a Lei do Cavalo Crioulo.
LEI nº 11.973, de 23 de setembro de 2003, cria a Lei do Dia do Cavalo
LEI nº 7.418, de 1º de dezembro de 1980, institui como Ave-símbolo do Rio Grande do
Sul o Quero-Quero, Belonopterus Cayennesis
LEI nº 7.439, de 8 de dezembro de 1980, institui a Erva-Mate “Iilex Paraguaiesis”
como árvore símbolo do Rio Grande do Sul.
DECRETO nº 38.400, de 16 de abril de 1998, institui a Flor Símbolo do Estado do Rio
Grande do Sul (Brinco de Princesa – “fuchsia Regia(vell) Muniz”, da família
Onagraceae.
LEI nº 11.929, de 20 de junho de 2003, institui a Lei do Churrasco e Chimarrão, como
prato típico e bebida típica.
126
ANEXO IX
Estatutos da Sociedade Sul Riograndense
As Reformas promovidas nos
Estatutos da SSR foram editadas em
27/10/1941; 28/10/1965 e o atual em
14/08/1975, quando foi criado o
Departamento de Sede Campestre,
Cívico, Cultural e Esportivo, mais
tarde, CTG Desgarrados do Pago.
127
ANEXO X
ESTATUTO do MTG dispõe:
Título I: da Entidade, sua constituição e seus fins.
da denominação, fins, sede, foro e duração, do patrimônio e da aplicação da renda, dos
Filiados: 1-Entidades de participação plena (CTG´s e DTG´s – Centro de Tradições Gaúchas e
Departamentos de Tradições Gaúchas)
; 2- Entidades de participação parcial (com pequena
estrutura organizacional, mas que participam dos eventos promovidos por outras entidades
tradicionalistas, pelas regiões tradicionalistas ou MTG).
3- Entidades especiais (têm
personalidade jurídica, dedicam-se a alguma área da cultura ou do folclore gaúcho, sem envolver
diretamente na organização ou participação nos eventos do MTG, como por exemplo: Associação
de Trovadores e Estância da Poesia Crioula).
4 – Entidades associativas (congregam entidades
tradicionais filiadas de um determinado município, para fins de organização local, poderão ser
reconhecidas como órgão auxiliares do MTG, sem participar da sua estrutura organizacional)
Título II: da administração.
Art.14 – São Órgãos do MTG:
I – normativos:
a) o Congresso Tradicionalista
b) A Convenção Tradicionalista
II – Eletivo:
a) a Assembléia Geral Eletiva
III – administrativos:
a) o Conselho Diretor;
b) a Junta Fiscal;
c) as Regiões Tradicionalistas
IV – de Assessoramento:
a) Conselho de Vaqueanos;
b) Comissão de Ética
Ainda trata do Congresso Tradicionalista; da Convenção Tradicionalista; da Assembléia
Geral Eletiva; do Conselho Diretor; da Junta Fiscal e das Regiões Tradicionalistas – (são
30 Regiões até o momento, e estão em 497 municípios no Rio Grande do Sul).
Título III – das Promoções Tradicionalistas; das disposições gerais; da Semana
Farroupilha; das Festas Campeiras; da Regulamentação específica de eventos.
Título IV – das disposições Finais.Entre as quais, destacamos:
Art. 268 – é mantido o simbolismo implantado nas origens do Movimento Tradicionalista
Gaúcho, recomendando-se a todos os CTG´s a adoção do mesmo.
Art.269 – de acordo com o simbolismo a que alude o artigo anterior, a estrutura
administrativa dos CTG´s obedece à seguinte nomenclatura:
I- a Diretoria, o Conselho e os Departamentos são designados, respectivamente, por
Patronagem, Conselho de Vaqueanos e Invernadas;
II- os membros da Diretoria denominam-se Patrão(Presidente), Capataz (Vice-
presidente), Sota-Capataz(Secretário), Agregado Tesoureiro ou Agregados das
Pilchas (Tesoureiro), e Agregado das Falas (Orador).
III- Os diretores dos Departamentos são chamados Posteiros;
IV- Os conselheiros chamam-se Vaqueanos;
V- Os sócios efetivos do sexo masculino são denominados Peões e do feminino
Prendas
128
ANEXO XI
FUNDAÇÔES
Criado no 25º Congresso Tradicionalista Gaúcho realizado em São Luiz Gonzaga, a
FUNDAÇÃO CULTURAL GAÚCHA – MTG, no dia 11 de janeiro de 1980. “Os tradicionalistas
aprovaram por unanimidade e proposta apresentada pelo Presidente do MTG, R. Pedro Borghetti,
para a instituição de uma Fundação com finalidade específica de dar respaldo ao MTG,
proporcionando-lhe as possibilidades para atuar nas várias faixas de atividades ligadas ao
tradicionalismo, cultura e artes nativas” (www. mtg.org.br). A escritura Pública foi lavrada no dia
07 de julho daquele ano.
A FCG-MTG existe há 22 anos e busca desempenhar plenamente as tarefas para as quais
ela foi criada. Neste ano de 2002 a Diretoria, com respaldo do Conselho de Curadores da Fundação
e do Conselho Diretor do MTG, desenvolve diversas atividades para alcançar os objetivos traçados
naquele XXV Congresso Tradicionalista Gaúcho.
O lançamento do programa ISO TCHÊ, que constituiu um conjunto de medidas a serem
desenvolvidas ao longo do tempo, é o instrumento adotado para fazer da FCG-MTG, a instituição
mantenedora do MTG. Dentre medidas do ISO TCHÊ, destaca-se o Programa de Certificação Selo
de Qualidade e Autenticidade MTG (SQA).
O processo de certificação do SQA será viabilizado através da adesão de pessoas ou
instituições (empresas) ao programa, submetendo-se aos critérios definidos para cada um dos
subprogramas de certificação e respectivos comitês.
Como regra a certificação poderá ser concedida a qualquer pessoa, entidade, projeto,
obra, objeto, pesquisa ou programa que atenda aos preceitos da Carta de Princípios do MTG e
receba o parecer favorável do comitê específico na qual se enquadrar.
ESTRUTURA DA FCG-MTG
Para atingir as metas propostas a Fundação Cultural Gaúcha – MTG readaptou a sua
estrutura: a área administrativa foi profissionalizada e ampliada nas suas tarefas sendo-lhes
agregadas às atividades de divulgação e relações públicas que normalmente ficavam com o MTG.
Num momento próximo pretende-se dar condições para que o Diretor Técnico possa
organizar as atividades de instrução e de avaliação de tal forma que os avaliadores não tenham
vínculo, como instrutores, com qualquer entidade filiada. Em outras palavras: Os
instrutores instruem; os avaliadores avaliam.
FONTE: Agenda Tradicionalista. Porto Alegre: MTG – 2001. Também www.mtg.org.br.
129
ANEXO XII –
Bibliografia de PAIXÃO CÔRTES
Fi
g
ura 18: Paixão Côrtes POA,
Nascido em Santana do Livramento, Rio Grande do Sul, no dia 12 de julho
de 1927, João Carlos D’Àvila Paixão Côrtes (Figura 18), é engenheiro agrônomo de
formação, com especialização em ovinotecnia, e folclorista e tradicionalista por paixão, há
57 anos. Em 1947, inconformado
com a penetração da cultura
estrangeira em detrimento da
cultura regional em solo sul
riograndense, funda, no colégio
Julio de Castilhos – o Julinho, o
Departamento de Tradições
Gaúchas (DTG). Neste mesmo
ano institui a “Ronda Crioula”
uma adaptação ao costume
campeiro de cercar o gado para
que este não se perca. Nesta
Ronda, que começa com a
retirada de uma centelha da
chama da Pátria, e sua condução
ao Candeeiro posto no Julinho.
Depois de aceso o candeeiro os
alunos, alguns pilchados, deram inicio ao Baile Gauchesco, o primeiro de uma série de
eventos tradicionalistas de sucesso.
Figura 19: Paixão e o Laçador
Neste 1º Baile outra inovação: versos improvisados, trovas, declamações e
números de bailes, além de gaitaços
1
. No
ano seguinte, em 3 de janeiro de 1948
Paixão e outros 23 jovens registram a
fundação do 1º CTG, o 35 Centro de
Tradições Gaúchas, na cidade de Porto
Alegre (figura 20).
Paixão começou a
pesquisar sobre cultura gaúcha nos rincões
do Rio Grande do Sul. Documentou e
reconstituiu 70 danças do folclore
pampeano. Em 1953 criou o Conjunto
Folclórico Tropeiros da Tradição,
iniciando uma nova era profissional de
projeção folclórica. Gravou 8 LPs,
interpretando canções e registrando
musicalmente temas de suas pesquisas,
conquistando dois prêmios fonográficos
brasileiros: Melhor Realização Folclórica
1
Expressão para designar solos de gaita – outro nome dado ao acordeon ou sanfona
130
Nacional – 1962 e Melhor Cantor Masculino de Folclore do Brasil – 1964.
Autor de mais de 60 obras sobre ovicultura e folclore, lecionou na
Universidade de FEEVALE de Novo Hamburgo. Comunicador há mais de quatro décadas,
foi o criador, junto com Darcy Fagundes, do “Grande Rodeio Coringa”, em 1955, quando
reformulou a programação gauchesca de auditório no Rio Grande do Sul. Entre outras
iniciativas é responsável pelo surgimento dos programas “Festa do Galpão” (1953)
“Festança na Querência” (1958) e “Domingo com Paixão Côrtes” (1969). Em 1957 serviu
de modelo para a estátua “O Laçador” (figura 19) de Antonio Caringe, que, em plebiscito
realizado em 2003, foi eleita o símbolo de Porto Alegre.
Figura 20: o 35 CTG
Atuou no filme Um certo Capitão Rodrigo, na figura de Pedro Terra. Esteve
por oito vezes na Europa como bailarino e cantor, divulgando as tradições do Sul. O
período de maior consagração (idos de 1958) apresentou-se na capital francesa: no Le
Olimphia, em companhia do conjunto musical Os gaudérios, pelos palcos da Universidade
da Sorbone, no Teatro de Maurice Chevalier. Em 1964 foi a Alemanha na Feira Mundial
de Transportes e
Comunicações;
1968 no Lisboeta
Cassino do Estoril e
na Feira Rural de
Santarém,
representando o
Brasil. Em 1986,
depois de um mês
de shows pela
Inglaterra, retorna
ao país e também
vai a Escócia, onde
promove nova
temporada de
cultura gaúcha, nesse período distribui a seu livro, “O Gaúcho – Danças, Trajes e
artesanato”, traduzida para o inglês num compêndio de 350 páginas.
Conselheiro honorário do MTG, hoje divide seu tempo entre as aulas sobre
cultura e dança gaúcha, palestras e livros que publica como parte de um projeto “MOGAR’
– Movimento Gauchesco Artístico-Cultural Rio-Grandense. Das publicações sobre o tema
cultura gaúcha, escrito e editado por ele, 20 livretos são distribuídos gratuitamente como
parte do “Pacote Cultural” destinado a todas as entidades, escolas que tenham interesse no
conhecimento e divulgação desta pesquisa, que envolve 57 anos de Paixão, por Paixão
Côrtes.
Fonte: Entrevista com Paixão Côrtes, em 12/11/2004, no salão de café do Hotel Alfred
Porto Alegre, em POA- Rio Grande do Sul.
Figura 21: Algumas das publicações de Paixão Côrtes
131
ANEXO XIII
Alvarás do CTG Desgarrados do Pago
Alvarás expedidos pelo MTG para o CTG Desgarrados do
Pago, nos anos: 1988, 1996, 1997, 1998 e 2004.
119
Mergulhão, Claudia Bezerra.
M559 Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago : reinvenção
de memórias, identidades e tradições no Rio de Janeiro (1977-2004) /
Claudia Bezerra Mergulhão, 2005.
107f.
Orientador: Icléia Thiesen.
Dissertação (Mestrado em Memória Social e Documento) –
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2005.
1. Centro de Tradições Gaúchas Desgarrados do Pago – História e
crítica. 2. Memória – Aspectos sociais – Rio de Janeiro. 3. Gaúchos -
Rio de Janeiro. I. Thiesen, Icléia. II. Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro (2003-). Curso de Mestrado em Memória Social e
Documento. III. Título.
CDD 302.98165
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