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Bruno Ferman
Cotas no processo de admissão de
universidades: efeitos sobre a proficiência
de alunos do ensino médio
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
graduação em Economia do Departamento de
Economia da PUC-Rio.
Orientador: Prof. Juliano Junqueira Assunção
Rio de Janeiro
Março de 2006
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410590/CA
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Bruno Ferman
Cotas no processo de admissão de
universidades: efeitos sobre a proficiência
de alunos do ensino médio
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
graduação em Economia da PUC-Rio. Aprovada pela
Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. Juliano Junqueira Assunção
Orientador
Departamento de Economia – PUC-Rio
Prof. Gustavo Maurício Gonzaga
Departamento de Economia – PUC-Rio
Prof. José Márcio Antônio Guimarães de Camargo
Departamento de Economia – PUC-Rio
Prof. Ricardo Paes de Barros
IPEA
Prof. João Pontes Nogueira
Vice-Decano de Pós-Graduação do CCS
Rio de Janeiro, 23 de março de 2006
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410590/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou
parcial do trabalho sem a autorização do autor, do orientador e
da universidade.
Bruno Ferman
Graduou-se em Economia pela PUC-Rio em 2003. Cursou entre
2004 e 2005 o Mestrado em Economia da PUC-Rio.
Ficha Catalográfica
CDD: 658.5
Ferman, Bruno
Cotas no processo de admissão de universidades :
efeitos sobre a proficiência de alunos do ensino médio /
Bruno Ferman ; orientador: Juliano Junqueira Assunção. –
Rio de Janeiro : PUC, Departamento de Economia , 2006.
44 f. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Economia
Inclui referências bibliográficas.
1. Economia Teses. 2. Ação afirmativa. 3. Capital
humano. 4.Vestibular. I. Assunção, Juliano Junqueira. II.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Economia. III. Título.
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Agradecimentos
Ao professor Juliano Assunção, dedico um agradecimento especial pela sua
amizade, por sua orientação mais que perfeita e pelas inúmeras lições de pesquisa
que recebi ao longo de nosso convívio.
Agradeço também aos professores Francisco Ferreira, Gustavo Gonzaga, João
Manoel Pinho de Mello, José Márcio Camargo, Rodrigo Soares, Rogério
Werneck, e Sergio Firpo pelas criticas construtivas.
Aos meus colegas de mestrado pelas discussões e pela intensa troca de idéias.
Aos professores membros da banca pela leitura minuciosa, pelas críticas e pelos
comentários.
À CAPES pelo suporte financeiro durante o mestrado.
Por fim, agradeço por todo o apoio e carinho de meus pais, Dório e Sima, de meu
irmão, Marcelo, e de minha esposa, Marianna.
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Resumo
Ferman, Bruno; Assunção, Juliano Junqueira (Orientador). Cotas no
processo de admissão de universidades: efeitos sobre a proficiência de
alunos do ensino médio. Rio de Janeiro, 2006. 44p. Dissertação de
Mestrado – Departamento de Economia, Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro.
A literatura teórica sugere que políticas de ação afirmativa podem
aumentar ou reduzir os incentivos à acumulação de capital humano. Entretanto,
não há evidência empírica sobre tal relação. Neste artigo, é avaliado como os
sistemas de cotas instituidos por universidades públicas no Rio de Janeiro e na
Bahia afetaram o desempenho dos alunos beneficiados no 3º ano do ensino médio
utilizando a metodologia de ‘diferenças em diferenças’. A base de dados utilizada
foi a do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Os
resultados encontrados apontam para uma piora no desempenho de alguns grupos
de alunos beneficiados, o que corrobora a existência de uma relação negativa entre
ação afirmativa e incentivos à acumulação de capital.
Palavras-chave
Ação afirmativa; capital humano; vestibular.
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Abstract
Ferman, Bruno; Assunção, Juliano Junqueira (Advisor). The effect of
affirmative action in university admission on high school students'
proficiency. Rio de Janeiro, 2006. 44p. MSc Dissertation – Departamento
de Economia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Economic theory suggests that affirmative action can either reduce or
enhance incentives to human capital accumulation. Empirical evidence on this
matter, however, is still lacking. Using `difference in difference' estimates, this
paper evaluates the effects of the quota system in the admission to Brazilian
public universities on the proficiency of senior high school students. The results
show evidence that favored groups attained lower scores, corroborating the
existence of a negative link between affirmative action and incentives for effort
and skill acquisition.
Keywords
Affirmative Action; Human Capital; University Admissions
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Sumário
1. Introdução 9
2. Cotas em universidades públicas no Rio de Janeiro e na Bahia
13
3. Cotas e Incentivos
15
4. Base de Dados
17
5. Estratégia Empírica
21
6. Resultados
25
6.1. Rio de Janeiro 25
6.2. Bahia 30
7. Testes de Robustez
33
7.1. Efeito sobre os alunos não beneficiados 33
7.2. Variáveis não observáveis especificas do grupo de tratamento ou de
comparação
34
7.2.1. Tendência 35
7.2.2. Alunos da 8ª série 36
7.3. Efeitos de composição 38
7.3.1. Auto-declaração 38
7.3.2. Abandono escolar 40
8. Conclusão
42
Referências Bibliográficas
43
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Lista de Tabelas
Tabela 1: Descrição das variáveis 17
Tabela 2: Estatísticas descritivas
19
Tabela 3: Percentual de alunos do ensino superior que já moraram em outro
estado ou país
23
Tabela 4: Efeito do sistema de cotas sobre negros de escola pública do Rio
de Janeiro
26
Tabela 5: Efeito do sistema de cotas sobre outros grupos do Rio de Janeiro
29
Tabela 6: Efeito do sistema de cotas sobre negros e pardos de escola
pública da Bahia
31
Tabela 7: Efeito do sistema de cotas sobre os não beneficiados
34
Tabela 8: Resultados para 1999 - 2001
36
Tabela 9: Resultados para 8ª série
38
Tabela 10: Composição dos grupos
39
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1
Introdução
A utilização de políticas de ação afirmativa, tanto no mercado de trabalho
quanto em educação, é um tópico que tem sido amplamente discutido por várias
disciplinas. Embora a primeira vista pareça que os efeitos econômicos destas
políticas sejam de reduzir a desigualdade entre um grupo minoritário e um grupo
majoritário em detrimento da eficiência da economia, existem alguns trabalhos
teóricos que sugerem que esta relação seja mais complexa.
Um efeito importante se refere aos incentivos gerados sobre as decisões de
acumulação de capital humano. Lundberg & Startz (1983) e Milgron & Oster
(1987) argumentam que grupos minoritários podem apresentar menor
investimento em capital humano como uma antecipação de discriminação futura.
Neste contexto, políticas de ação afirmativa poderiam aumentar o incentivo a tal
investimento, podendo inclusive melhorar a eficiência da economia. Por outro
lado, segundo Coate & Loury (1993a, 1993b), embora este seja um cenário
possível, seria igualmente provável que políticas de ação afirmativa diminuam o
incentivo a acumulação de capital. Isto ocorreria quando firmas diminuem seus
padrões de exigência na contratação de trabalhadores minoritários para se adequar
a tal política.
Como afirmam Fryer & Loury (2005),
é teoricamente possível que a existência de ação afirmativa possa diminuir os
incentivos ao esforço e aquisição de qualificação para o grupo beneficiado, pois
esta política pode fazer com que esforço e qualificação sejam menos importantes
para atingir resultados positivos. Por outro lado, ação afirmativa pode aumentar
estes incentivos para o grupo beneficiado por criar uma situação onde
oportunidades que antes eram pensadas como fora de alcance passem a ser
percebidas como atingíveis, fazendo com que os custos do esforço para alcançá-
las valham à pena.
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No entanto, embora a relação entre políticas de ação afirmativa e
incentivos à acumulação de capital humano esteja consolidada na literatura teórica
em Economia, não há nenhuma evidencia empírica que teste tal relação. A
maioria dos artigos empíricos que procuram avaliar os efeitos de políticas de ação
afirmativa sobre a eficiência da economia tomam como dado os investimentos em
capital humano feitos no passado, e analisam o perfil e a performance do grupo
favorecido por tais políticas, como em Loury & Garman (1993, 1995), Holzer &
Neumark (1999, 2000b), e Lott (2000)
1
. Card & Krueger (2005) e Long (2004)
avaliam como alunos de grupos minoritários mudaram suas decisões em relação a
se inscrever ou não no processo de admissão de universidades, em resposta a
eliminação de políticas de ação afirmativa em universidades da Califórnia e do
Texas. No entanto, estes artigos não avaliam o impacto desta eliminação de
políticas de ação afirmativa sobre os incentivos destes alunos a estudar no ensino
médio.
Uma importante exceção é o trabalho de Schotter & Weigelt (1992), que
estuda os efeitos de políticas de ação afirmativa e de oportunidades iguais sobre o
esforço dos agentes em torneios onde o grupo minoritário apresenta desvantagem
no custo de se esforçar, baseado em uma abordagem experimental. Os resultados
deste artigo sugerem que os efeitos de tais políticas dependem do grau de
desvantagem do grupo minoritário. Quando esta desvantagem é grande, tais
políticas aumentariam significantemente o esforço por parte do grupo minoritário,
enquanto o contrário ocorreria quando a desvantagem é pequena.
Neste contexto, a introdução de políticas de cotas no processo de admissão
de universidades públicas no Brasil se apresenta como uma oportunidade única de
testar a relação entre políticas de ação afirmativa e incentivos à acumulação de
capital humano. A utilização de cotas no processo de admissão para universidades
públicas no Brasil ocorreu pela primeira vez no ano de 2002, e se restringiu a três
instituições até o ano de 2004: duas universidades do Rio de Janeiro, a
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual do
Norte Fluminense (UENF), e uma da Bahia, a Universidade do Estado da Bahia
(UNEB).
1
Ver Holzer & Neumark (2000) para uma discussão sobre a literatura empírica de efeitos de
políticas de ação afirmativa sobre a eficiência da economia.
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No vestibular 2003, realizado no ano de 2002, foi estabelecido que 40%
das vagas da UERJ e da UENF deveriam ser preenchidas por alunos negros ou
pardos, enquanto 50% deveriam ser ocupadas por alunos de escola pública. Na
Bahia, no vestibular 2003, o sistema de cotas estabeleceu que 40% das vagas
deveriam ser ocupadas por alunos negros ou pardos de escola pública.
Nesta tese, são avaliados os efeitos destes sistemas de cotas sobre a
proficiência dos alunos beneficiados no 3º ano do ensino médio, utilizando a base
de dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) dos anos
de 2001 e 2003. A metodologia utilizada foi de ‘diferenças em diferenças’,
aproveitando as particularidades deste experimento natural para a construção de
dois grupos de comparação distintos.
O primeiro grupo de comparação consiste de alunos de estados onde não
houve sistemas de cotas. Como no Brasil o fluxo de alunos que migram para fazer
um curso universitário é baixo, principalmente quando comparado aos EUA, é
razoável supor que estes alunos não foram afetados por estes sistemas de cotas.
O segundo grupo de comparação utilizado é composto por alunos não
beneficiados dos estados onde houve sistemas de cotas. Como não foram todas as
universidades públicas do Rio de Janeiro e da Bahia que implementaram tais
sistemas, é razoável supor que o benefício concedido aos beneficiados tenha sido
muito maior do que o prejuízo gerado sobre os não beneficiados, de forma que
estes últimos tenham sido pouco afetados.
Os resultados sugerem que a introdução do sistema de cotas no Rio de
Janeiro levou a uma piora no desempenho dos alunos negros de escola pública do
3º ano do ensino médio de cerca de 5,7%. Embora este resultado possa parecer
economicamente irrelevante, deve-se notar que tal redução gera um aumento da
ordem de 23% no diferencial de proficiência entre estes alunos e alunos brancos
de escola privada. Outros grupos de alunos que também foram beneficiados no
Rio de Janeiro não apresentaram mudanças em seus desempenhos. Para a Bahia,
onde a cota foi instituída para alunos negros ou pardos de escola pública, os
resultados encontrados apontam para uma piora de cerca de 2,8% no desempenho
destes alunos.
A seção 2 apresenta o contexto e a forma com que foram introduzidas
estas políticas no Rio de Janeiro e na Bahia, além de suas repercussões. A seção 3
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apresenta uma breve discussão sobre como políticas de cotas em universidades
afetam as decisões dos estudantes do 3º ano. As seções 4 e 5 destinam-se,
respectivamente, a apresentação da base de dados e da estratégia de identificação.
Os resultados são apresentados na seção 6. A seção 7 apresenta testes de robustez
aos resultados da seção anterior, enquanto a seção 8 destina-se a conclusão do
trabalho.
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2
Cotas em universidades públicas no Rio de Janeiro e na
Bahia
O sistema educacional brasileiro é caracterizado pela baixa qualidade das
escolas públicas e pela alta qualidade das universidades públicas. O resultado
desta combinação é que, especialmente para os cursos mais demandados, como
medicina e engenharia, poucos alunos oriundos da rede pública de ensino são
admitidos em universidades públicas. Além disso, como a maior parte dos alunos
negros estuda em escolas públicas, há também uma subrepresentação deste grupo
nos cursos mais concorridos das universidades públicas.
É importante ressaltar que o critério de admissão utilizado por estas
universidades é somente o vestibular; não há nenhum critério subjetivo. Neste
contexto, não há meios para universidades públicas discriminarem contra qualquer
grupo de estudantes. O único motivo pelo qual os estudantes de escolas públicas
encontram maiores dificuldades de serem admitidos é a pior qualidade da
educação que obtiveram, quando comparada à qualidade da educação recebida por
estudantes de escolas privadas.
A partir do vestibular 2003 (realizado no ano de 2002), duas universidades
públicas do Rio de Janeiro, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e a
Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), e uma da Bahia, a
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), instituíram um sistema de cotas em
seus processos de seleção.
Neste ano, a UERJ e a UENF foram obrigadas a instituir um sistema de
cotas a partir de duas leis aprovadas sem o consentimento da própria universidade.
A primeira lei instituía que 50% dos alunos admitidos deveriam ser oriundos de
escolas públicas, enquanto a segunda insituia que 40% deveriam ser negros ou
pardos. Para se adequar a estas leis, neste ano foram realizados dois vestibulares,
um em que só concorriam alunos de escola pública do Rio de Janeiro, chamado
vestibular SADE, e outro onde todos concorriam, sendo destinadas a cada um
50% das vagas destas universidades. Além disto, para estes dois vestibulares
foram reservadas 40% das vagas para negros ou pardos.
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Este sistema foi alterado no vestibular 2004 (realizado no ano de 2003),
onde foi instituída cota de 20% para alunos oriundos de escola pública, 20% para
negros e 5% para deficientes físicos ou integrantes de minorias étnicas. É
importante notar que os alunos pardos deixaram de ser beneficiados neste ano.
Por outro lado, por decisão da própria universidade, a UNEB instituiu cota
de 40% para alunos afro-descendentes (negros ou pardos) oriundos de escola
pública tanto para o vestibular 2003 quanto para o vestibular 2004.
Embora este cenário seja comum a todos os estados do Brasil, até o ano de
2003 apenas estes dois estados apresentaram efetivamente políticas de ação
afirmativa em universidades públicas. A partir de 2004, universidades públicas de
outros estados também instituíram tais políticas.
O início do ano de 2003 foi marcado por uma ampla cobertura do sistema
de cotas instituído pela UERJ e pela UENF, assim que foram divulgados os
resultados do vestibular 2003. Em primeiro lugar, foram discutidas mudanças na
forma como o sistema de cotas deveria ser implementado no vestibular 2004.
Portanto, havia certa incerteza sobre quais os alunos seriam beneficiados neste
vestibular. De fato, ocorreram mudanças não só no percentual destinado a cada
grupo como foi retirado o beneficio para alunos pardos.
Além disto, alguns dados foram amplamente divulgados, apontando para o
fato de que alunos beneficiados pelo sistema de cotas teriam sido admitidos com
notas extremamente baixas. Segundo uma notícia publicada no jornal Folha de
São Paulo do dia 08/02/2003, para o curso de odontologia, um dos mais
concorridos da UERJ, o último candidato admitido entre os não cotistas fez 77,5
pontos de um total de 100 pontos, enquanto o último admitido entre os cotistas fez
apenas 6,25 pontos. Segundo a mesma notícia, o último admitido entre os cotistas
para o curso de engenharia civil fez apenas 4 pontos, enquanto o último colocado
para o curso de matemática fez 12 pontos.
A divulgação destes dados provavelmente fez com que a percepção dos
alunos beneficiados fosse de que a probabilidade de passar no vestibular para um
dado nível de esforço tivesse aumentado muito. Mais do que isso, havia a
percepção de que, mesmo para os cursos mais concorridos, a probabilidade de
entrar mesmo se esforçando pouco ainda assim fosse alta.
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Cotas e Incentivos
Como sugere a literatura teórica sobre políticas de ação afirmativa, espera-
se que a introdução deste sistema de cotas tenha alterado os incentivos dos alunos
do ensino médio a estudar.
Por um lado, um sistema de cotas pode aumentar o incentivo dos alunos
beneficiados a estudar, por tornar factível uma meta que antes seria vista com
inatingível. Por exemplo, considere o caso em que um aluno do 3º ano do ensino
médio que não iria prestar vestibular porque os custos de estudar para passar no
vestibular não compensariam os benefícios, pois a probabilidade de ser admitido
sem cota seria muito baixa.
O que o sistema de cotas faz é aumentar a probabilidade de passar no
vestibular para um dado nível de esforço. Logo, é possível que este efeito aumente
o benefício de estudar, fazendo com que este aluno resolva estudar e prestar o
vestibular. No entanto, como o sistema de cotas também aumenta a probabilidade
de ser admitido mesmo não estudando, é possível também que este aluno passe a
prestar o vestibular sem estudar.
Portanto, para que o sistema de cotas aumente o incentivo a estudar, ele
deve ser suficientemente generoso para que metas antes vistas como inatingíveis
se tornem factíveis, e suficientemente restritivo para que não seja possível atingir
estas metas com pouco esforço.
Por outro lado, o sistema de cotas faz com que o conhecimento seja menos
relevante no processo de admissão para os alunos beneficiados, diminuindo o
incentivo ao estudo. Dada a decisão de prestar vestibular, a introdução deste
sistema deve diminuir o incentivo a estudar, principalmente se o desempenho
mínimo exigido for muito baixo.
Além do efeito sobre o nível de estudo, um sistema de cotas afeta também
a decisão dos alunos beneficiados de continuar ou não na escola. Como para se
beneficiar do sistema de cotas um aluno deve terminar o ensino médio, o sistema
de cotas deve aumentar o incentivo destes alunos a continuar na escola, mesmo no
caso em que este sistema reduz o incentivo destes alunos de estudar.
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16
Como podemos perceber, há uma série de efeitos atuando sobre as
decisões de investimento em estudo por estes alunos, não sendo possível traçar
uma previsão a priori. O efeito desta política sobre estas decisões depende do
contexto em que esta política de ação afirmativa foi instituída, assim como a
forma com que foi instituída, sendo uma questão essencialmente empírica.
Neste trabalho, foram analisados os efeitos destes sistemas de cotas sobre
o nível de esforço de alunos que já estavam no 2
o
grau quando o sistema de cotas
foi implementado. Portanto, foram avaliados apenas os efeitos sobre a decisão
sobre o nível de esforço, e não sobre a decisão de continuar na escola.
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4
Base de Dados
A fim de estimar os efeitos descritos na seção anterior, foi utilizada a base
de dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) de 2001
e 2003. Para cada ano, estes dados são uma amostra representativa de cerca de
300.000 estudantes da 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e do 3º ano do ensino
médio, onde cada estudante é avaliado em uma prova de português ou de
matemática. Os dados de proficiência são comparáveis ao longo dos anos, uma
vez que são calibrados por métodos de ‘item response theory’. Além dos dados
sobre proficiência, esta pesquisa oferece uma grande quantidade de informações
sobre o aluno, sua escola e seu professor. As variáveis utilizadas estão
apresentadas na tabela 1.
Tabela 1: Descrição das variáveis
Variáveis correspondentes a características dos alunos
1 Sexo masculino ou feminine
2 Idade
3 Mora com o pai ou responsável? sim ou não
4 Mora com a mãe ou responsável? sim ou não
5 Quantos livros possui em casa? nenhum, 1 a 20, 20 a 100, ou mais de 100
6 Tem empregada doméstica? nenhuma, 1, 2 ou mais, ou diarista
7 Já mudou de escola? sim ou não
8 Em que tipo de escola já estudou?
somente pública, somente privada, ou pública e
privada
9 Já repetiu de ano? sim ou não
10 Já abandonou a escola? sim ou não
11 Tem agua encanada? sim ou não
12 Tem eletricidade? sim ou não
13 Nº de televisões a cores nenhuma, 1, 2, 3, ou mais de 3
14 Nº de rádios nenhum, 1, 2, 3, ou mais de 3
15 Nº de automóveis nenhum, 1, 2, 3, ou mais de 3
16 Tem videocassete? sim ou não
17 Tem geladeira? sim ou não
18 Tem maquina de lavar roupa? sim ou não
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18
19 Tem aspirador de pó sim ou não
20 Nº de banheiros nenhum, 1, 2, ou mais de 2
21 Tem computador? sim ou não
Variáveis correspondentes a características do professor
22 Sexo masculino ou feminino
23 Idade
até 24, de 25 a 29, de 30 a 39, de 40 a 49, de
50 a 54, ou mais de 54
24 Raça Branco, pardo, negro, ou amarelo
25 Possui ensino superior? sim ou não
Variáveis correspondentes a características da escola
26 Houve falta de professores? não, sim mas não foi grave, sim e foi grave
27 Houve interrupção das atividades escolares? não, sim mas não foi grave, sim e foi grave
28 Estado de conservação dos telhados Adequado, regular, inadequado, ou inexistente
29 Estado de conservação das paredes Adequado, regular, inadequado, ou inexistente
30 Estado de conservação do piso Adequado, regular, inadequado, ou inexistente
31 Estado de conservação dos banheiros Adequado, regular, inadequado, ou inexistente
32 Estado de conservação da cozinha Adequado, regular, inadequado, ou inexistente
33 Estado de conservação das instalações hidráulicas Adequado, regular, inadequado, ou inexistente
34 Estado de conservação das instalações elétricas Adequado, regular, inadequado, ou inexistente
35 As salas de aula são iluminadas? sim ou não
36 As salas de aula são arejadas? sim ou não
37 Limpeza da entrada do prédio boa ou ruim
38 Limpeza das paredes externas boa ou ruim
39 Limpeza do pátio boa ou ruim
40 Limpeza dos corredores boa ou ruim
41 Limpeza da sala de aula boa ou ruim
42 Limpeza dos banheiros boa ou ruim
O foco principal deste estudo é o grupo de alunos do 3
o
ano do ensino
médio. Como estes alunos estão no ano de prestar o vestibular, espera-se que eles
tenham sido mais afetados por um sistema de cotas do que alunos da 4
a
ou da 8
a
série. A tabela 1 apresenta a composição dos alunos do 3º ano de acordo com a
raça e a rede de ensino, além da proficiência média de cada grupo e o percentual
de alunos que pretendiam continuar estudando, para os anos de 2001 e 2003.
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Tabela 2: estatísticas descritivas
Rio de Janeiro Bahia Outros Estados
2001 2003 2001 2003 2001 2003
Escola pública 74,62% 77,82% 88,95% 88,69% 84,02% 83,88%
Branco de escola pública 32,55% 26,31% 22,96% 17,58% 45,63% 41,33%
Pardo de escola pública 28,35% 34,86% 45,77% 49,27% 28,54% 32,29%
Negro de escola pública 8,34% 11,61% 16,94% 19,06% 4,96% 6,34%
Amarelo de escola pública 5,38% 5,04% 3,28% 2,78% 4,89% 3,91%
Escola privada 25,38% 22,18% 11,05% 11,31% 15,98% 16,12%
Branco de escola privada 17,37% 13,80% 5,10% 4,01% 11,18% 10,56%
Pardo de escola privada 5,42% 6,93% 4,69% 5,61% 3,41% 4,28%
Negro de escola privada 1,32% 0,89% 0,72% 1,30% 0,40% 0,50%
Percentual de alunos
Amarelo de escola privada 1,27% 0,56% 0,54% 0,39% 0,99% 0,78%
Escola pública 263,1 269,5 252,8 252,3 259,7 262,8
Branco de escola pública 269,1 280,7 252,9 265,3 265,6 268,3
Pardo de escola pública 259,7 266,5 254,3 248,9 253,3 257,0
Negro de escola pública 255,0 253,1 246,8 247,2 244,1 254,9
Amarelo de escola pública 257,4 269,3 264,0 266,9 258,1 265,5
Escola privada 320,0 324,0 311,1 322,5 325,9 328,8
Branco de escola privada 326,6 329,7 317,1 332,5 331,0 334,3
Pardo de escola privada 311,3 317,3 308,4 320,7 311,9 318,4
Negro de escola privada 284,0 300,9 294,7 302,3 300,0 301,2
Proficiência
Amarelo de escola privada 303,6 303,7 299,9 313,6 327,5 328,7
Escola pública 77,61% 83,59% 73,33% 79,91% 78,02% 80,93%
Branco de escola pública 79,57% 86,11% 75,45% 80,66% 80,04% 82,33%
Pardo de escola pública 76,75% 84,10% 73,26% 80,31% 75,93% 80,43%
Negro de escola pública 75,66% 80,41% 71,09% 77,13% 74,05% 75,81%
Amarelo de escola pública 73,23% 74,29% 71,10% 87,17% 75,31% 78,52%
Escola privada 86,42% 95,09% 83,14% 94,64% 88,19% 95,21%
Branco de escola privada 87,33% 95,14% 79,08% 95,09% 88,91% 95,69%
Pardo de escola privada 84,64% 96,32% 88,32% 94,34% 86,63% 95,04%
Negro de escola privada 87,72% 82,46% 87,72% 93,71% 84,32% 90,83%
Percentual de alunos que
pretendem continuar
estudando?
Amarelo de escola privada 80,18% 99,07% 70,42% 97,40% 87,09% 92,53%
Escola pública 1476 1410 1845 1519 35737 24809
Branco de escola pública 620 551 446 297 15622 10471
Pardo de escola pública 569 589 934 851 15457 11094
Negro de escola pública 173 204 392 327 2558 2064
Amarelo de escola pública 114 66 73 44 2100 1180
Escola privada 1226 1132 1258 1755 28776 20458
Branco de escola privada 836 736 547 635 17148 12787
Pardo de escola privada 259 312 545 874 8806 5971
Negro de escola privada 66 49 99 183 947 714
Número de observações
Amarelo de escola privada 65 35 67 63 1875 986
Notas:
fonte: SAEB 2001 e 2003
O índice de proficiência varia entre 75 e 500
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20
Deve-se notar que, entre 2001 e 2003, há um aumento no percentual de
alunos negros e pardos tanto no Rio de Janeiro quanto na Bahia, o que poderia
estar refletindo o incentivo a se declarar negro ou pardo devido à instituição dos
sistemas de cotas. No entanto, este padrão aparece também para os estados onde
não houve sistemas de cotas, o que sugere que isto deva ser simplesmente uma
questão amostral. Deve-se lembrar que os alunos só teriam incentivos a mentir na
ficha de inscrição das universidades que instituíram algum sistema de cotas, e não
no questionário do SAEB.
Quanto à proficiência, há uma clara diferença entre os alunos de escola
pública e os de escola privada, como era esperado. Além disto, mesmo
controlando para a rede de ensino, os alunos brancos apresentam uma média de
proficiência maior do que a dos alunos negros.
Um outro dado importante nesta tabela se refere ao percentual de alunos
de escola pública que responderam que pretendiam continuar estudando no futuro
no ano de 2001 foi de aproximadamente 78% dos estudantes do Rio de Janeiro,
enquanto para a Bahia este percentual é menor, cerca de 73%, embora também
seja bastante alto. Este dado sugere que poucos alunos de escola pública que
chegaram ao 3º ano em 2001 desconsideravam prestar vestibular, mesmo na
ausência de cotas.
Ainda sobre estes dados, percebemos que houve um aumento no
percentual de alunos que pretendiam continuar estudando de 2001 para 2003 para
todos os grupos de estudantes, inclusive para os estados onde não houve sistemas
de cotas. Portanto, grande parte deste aumento deve estar refletindo um choque
comum a todos os grupos, não relacionado com o sistema de cotas.
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5
Estratégia Empírica
Para identificar o impacto médio destes sistemas de cotas sobre o esforço
dos alunos beneficiados, foi utilizada a metodologia de ‘diferenças em
diferenças’. Foi comparada a diferença de proficiência entre o grupo de
tratamento e o grupo de comparação depois do sistema de cotas ter sido
implementado (em 2003) com esta mesma diferença antes da existência de
sistemas de cotas (2001).
As provas do SAEB de 2001 foram realizadas entre os dias 22 e 26 de
outubro de 2001, sendo que notícias concretas sobre a utilização de um sistema de
cotas na UERJ, na UENF e na UNEB começaram a ser divulgadas apenas em
2002. Desta forma, é possivel afirmar que os alunos pesquisados no SAEB 2001
não foram afetados pelos sistemas de cotas. Já as provas do SAEB de 2003 foram
realizadas entre os dias 3 e 7 de novembro de 2003. Portanto, os estudantes
avaliados pelo SAEB 2003 que freqüentavam o 3º ano no Rio de Janeiro estavam
aptos a realizar o vestibular 2004 da UERJ ou da UENF, enquanto os da Bahia
estavam aptos a prestar o vestibular 2004 da UNEB. Além disto, estes alunos
haviam observado que no ano anterior houve um sistema de cotas nestas
universidades. As notícias sobre o vestibular 2003 são de fundamental
importância para a inferência destes alunos sobre o sistema de cotas destas
universidades. Estas datas são representadas na linha de tempo abaixo:
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22
Foram considerados dois grupos de comparação distintos.
O primeiro grupo de comparação consiste do mesmo grupo de alunos
utilizados no grupo de tratamento, mas de estados onde não foi instituído nenhum
sistema de cotas. É razoável supor que estes alunos não tenham sido afetados
pelos sistemas de cotas do Rio de Janeiro e da Bahia, visto que o fluxo de alunos
que migram para fazer um curso universitário no Brasil é muito baixo. Um dos
motivos para este fato é que as provas do vestibular são, em geral, realizadas
apenas no estado onde se localiza a universidade - este é o caso das universidades
que instituíram sistemas de cotas até o ano de 2004. Isto faz com que o custo de
prestar o vestibular de uma universidade de outro estado seja alto, especialmente
para alunos de escola pública.
A tabela 3 apresenta o percentual dos alunos que freqüentavam o ensino
superior entre 2001 e 2003 que já moraram em outro estado ou em outro país, com
base nos dados da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD). Para o Rio
de Janeiro, este percentual é de 5,49%. Para a Bahia este valor é de 11,70%, sendo
que este percentual cai para 6,08% ao considerarmos apenas estudantes negros. É
importante ressaltar que estes valores representam uma cota superior para o
percentual de alunos que mudaram de estado para fazer um curso universitário.
2001 2002 2003
vestibular
2003
vestibular
2004
vestibular
2002
vestibular
2001
Vestibular
2000
1999
2000
SAEB 2001
SAEB 2003SAEB 1999
Sistema de cotas na UERJ, UENF
e UNEB
2001 2002 2003
vestibular
2003
vestibular
2004
vestibular
2002
vestibular
2001
Vestibular
2000
1999
2000
SAEB 2001
SAEB 2003SAEB 1999 SAEB 2001 SAEB 2003SAEB 1999
Sistema de cotas na UERJ, UENF
e UNEB
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23
Tabela 3: Percentual de alunos do ensino superior que já moraram em outro estado
ou país
Rio de Janeiro
Bahia Outros Estados
Branco ou Amarelo 5,77% 14,03% 8,96%
Pardo 3,75% 10,73% 10,46%
Negro 6,55% 6,08% 8,39%
Total 5,49% 11,70% 9,24%
Notas
fonte: PNAD 2001-2003
O segundo grupo de comparação utilizado consiste de alunos não
beneficiados de estados onde foram implementados sistemas de cotas. O fato de
que não foram todas as universidades públicas nestes estados que utilizaram
sistemas de cotas faz com que seja razoável supor que os alunos não beneficiados
pelo sistema de cotas tenham sido menos afetados do que os alunos beneficiados.
Esta hipótese é avaliada na seção 6.1.
Finalmente, algumas características sobre os grupos de tratamento devem
ser levadas em consideração. Em primeiro lugar, deve-se notar que para ser
beneficiado pelo sistema de cotas como aluno de escola pública, o aluno deve ter
cursado todo o ensino médio na rede pública. Deste modo, a introdução de
sistemas de cotas no ano de 2002 não deve ter afetado a decisão dos alunos que
estavam no 3
o
ano em 2003 de estudar na rede pública ou na rede privada, visto
que estes já estavam no meio do ensino médio quando souberam deste fato.
Além disso, deve-se notar que abandono escolar ocorre mais
freqüentemente quando o aluno completa o ensino fundamental e deveria se
matricular no ensino médio do que no meio do ensino médio. De fato, de acordo
com a PNAD, o número de alunos que pararam de estudar após completar o
ensino médio é aproximadamente quatro vezes maior do que o número de alunos
que pararam de estudar no 1
o
ou no 2
o
ano do ensino médio. Desta forma, como os
alunos que constituem o grupo de tratamento estavam no 2
o
ano do ensino médio
quando estes sistemas de cotas foram instituídos, é pouco provável que eles
estivessem cursando o 3
o
ano do ensino médio por causa do sistema de cotas.
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24
A regressão básica, a ser estimada por mínimos quadrados ordinários
(MQO), é dada por:
iiiiiiii
XdTratddTratdcy
ϕ
δ
γ
β
α
+
+
+
+
++= prova20032003
onde
i
y representa o logaritmo da variável de proficiência,
i
d2003 vale 1 se o
aluno realizou o teste em 2003 e 0 caso contrário,
i
dTrat vale 1 se o aluno
pertence a um grupo beneficiado pelo sistema de cotas e 0 caso contrário,
i
X é
um vetor de variáveis observáveis do aluno, da escola e do professor,
i
prova vale
1 se o aluno fez a prova de matemática e 0 se ele fez a prova de português,
enquanto
i
representa as variáveis não observáveis que afetam
i
y .
O coeficiente de interesse é o
γ
, que representa o efeito médio da
introdução do sistema de quotas sobre os alunos beneficiados – a variação
percentual na proficiência do grupo favorecido em decorrência do sistema de
cotas.
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6
Resultados
6.1
Rio de Janeiro
Como foi mencionado anteriormente, o efeito do sistema de cotas sobre o
desempenho dos beneficiados no exame do SAEB é ambíguo, e depende
basicamente do contexto e da forma com que esta política foi efetuada. Neste
contexto, duas variáveis sobre a percepção dos alunos são de fundamental
importância. Principalmente no Rio de Janeiro, onde havia certa incerteza sobre
quais os grupos de alunos que seriam beneficiados, a percepção dos alunos sobre a
probabilidade de serem beneficiados deve ser levada em consideração. Outra
variável importante se refere à percepção dos alunos beneficiados de como este
sistema de cotas modificou suas probabilidades de passar no vestibular.
Para o Rio de Janeiro, apenas os alunos brancos e amarelos de escola
privada não foram beneficiados de nenhuma forma pelo sistema de cotas, tanto no
vestibular 2003 quanto no vestibular 2004, e em nenhum momento houve dúvidas
de que estes alunos não seriam beneficiados. Por outro lado, para os outros alunos
havia certa falta de informação sobre quais alunos seriam beneficiados pelo
sistema de cotas no vestibular 2004; os alunos não tinham certeza se o critério
seria por raça (e neste caso quais as raças), rede de ensino, ou ambos.
Os estudantes que se consideravam com maior probabilidade dentro do
sistema de cotas seriam os negros de escola pública. Outros grupos de estudantes,
como pardos de escola pública poderiam não ter direito a cotas caso estas fossem
apenas para alunos negros. Similarmente, isto também ocorria com alunos brancos
ou amarelos de escola pública e negros ou pardos de escola privada. Estes
argumentos sugerem que o efeito do sistema de cotas possa ter variado de acordo
com a raça e com a rede de ensino dos alunos.
A tabela 4 apresenta os resultados do modelo utilizando os negros de
escola pública do Rio de Janeiro como grupo de tratamento. As colunas 1 e 4
apresentam os resultados utilizando como grupo de comparação alunos negros de
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26
escolas públicas de estados onde não houve sistemas cotas e brancos ou amarelos
de escolas privadas do Rio de Janeiro, respectivamente. Nestas regressões, não
foram utilizadas variáveis referentes a características do aluno nem da escola. O
coeficiente associado ao efeito da utilização do sistema de cotas aponta para uma
redução de 4,8% (significante a 5%) ou uma redução de 1,4%, (não significante a
10%), dependendo do grupo de comparação utilizado.
Tabela 4: Efeito do sistema de cotas sobre negros de escola pública do Rio de
Janeiro
Variável dependente Ln(profic)
Grupo de tratamento Negros de escola pública do RJ
Grupo de controle
Negros de escola pública de
outros estados
Brancos ou amarelos de escola
privada do RJ
-0.048** -0.051** -0.057*** -0,015 -0.046* -0.057**
d2003*dTrat
0,0240 0,0210 0,0220 0,0390 0,0260 0,0250
0.043*** 0.022** 0,01 0,009 0,01 0,01
d2003
0,0120 0,0110 0,0100 0,0330 0,0180 0,0180
0.042** 0.047*** 0.039** -0.245*** -0.100*** -0.112***
dTrat
0,0180 0,0150 0,0170 0,0240 0,0280 0,0330
0.061*** 0.055*** 0.056*** 0.034*** 0.046*** 0.033***
prova
0,0110 0,0100 0,0100 0,0120 0,0110 0,0120
Características do
aluno
não sim sim não sim sim
Características da
escola e do professor
não não sim não não sim
Observações 4999 4999 4999 2049 2049 2049
R2-ajustado 0,04 0,21 0,24 0,33 0,50 0,54
Notas
Erro padrão (robusto para correlação dos resíduos entre escolas e heterocedasticidade) em
itálico
* significante a 10%; ** significante a 5%; *** significante a 1%
Características da escola e do professor são as variáveis apresentadas na tabela 1. Todas as
variáveis são medidas por uma variável dummy para cada categoria e uma outra variável
dummy indicando se falta a informação desta variável.
Fonte: SAEB 2001 e 2003
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27
Estes resultados refletem basicamente a variação de 2001 para 2003 das
diferenças nas média do desempenho dos alunos do grupo tratamento e do grupo
de controle e, portanto, devem ser encarados com desconfiança. Os resultados
encontrados podem estar refletindo apenas mudanças de composição nos grupos
de controle e tratamento, não tendo nenhuma relação com o esforço destes alunos.
Para controlar para estes fatos, foram adicionadas ao modelo variáveis
correspondentes a características dos alunos, apresentadas na tabela 1. Dentre
estas variáveis, há uma serie de questões sobre a existência de bens em seus
domicílios, como televisão ou geladeira, refletindo a condição socioeconômica
destes alunos. Além disto, há variáveis relacionadas a atraso escolar, como a idade
do aluno e se o aluno já abandonou a escola ou já repetiu de ano. Caso os
resultados anteriores sejam decorrentes de problemas de composição, ao incluir
estas novas variáveis estes resultados deveriam diminuir.
As colunas 2 e 5 da tabela 4 apresentam os resultados destas novas
estimativas. Pode-se notar que para os dois grupos de controle os coeficientes se
tornam mais negativos, o que sugere que esta piora na proficiência dos alunos
negros de escola pública do Rio de Janeiro não tenha sido decorrente de uma
mudança na composição destes alunos. Mais do que isso, os resultados com os
dois grupos de controle são muito próximos, e estatisticamente diferentes de zero
aos níveis de significância usuais.
Um outro problema inerente a esta análise é que o fato de faculdades do
Rio de Janeiro terem instituído um sistema de cotas enquanto isto não ocorreu em
outros estados possa refletir diferenças entre estes estados que afetam o
desempenho dos alunos. Por exemplo, a política educacional do governo com
relação às escolas públicas pode ser correlacionada com a implementação de
sistemas de cotas e afetar a proficiência dos alunos. Neste caso, a piora no
desempenho destes alunos não seria conseqüência de uma redução no nível de
estudo.
A fim de controlar para este problema, foram incluidas nas regressões
variáveis relativas à escola e ao professor. Dentre estas variáveis é avaliado se
houve interrupção nas atividades escolares ou falta de professores, assim como
variáveis referentes à infra-estrutura da escola. Além disto, são utilizadas
variáveis associadas à qualidade dos professores, como seu nível de escolaridade e
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28
sua idade. A idéia é controlar para possíveis diferenças entre as políticas
educacionais no Rio de Janeiro e em outros estados onde não houve sistemas de
cotas. Caso esta seja a explicação para os coeficientes encontrados anteriormente,
os novos resultados devem ser mais próximos de zero.
As colunas 3 e 6 da tabela 4 apresentam os resultados destas novas
regressões. As estimativas do efeito do sistema de cotas se tornam mais negativas
do que anteriormente, sugerindo que mudanças na política educacional no Rio de
Janeiro não explicam a piora no desempenho destes alunos. Para os dois grupos de
controle os resultados são praticamente idênticos, uma piora de cerca de 5,7%,
estatisticamente diferentes de zero ao nível de significância de 1% ou 5%,
dependendo do grupo de controle.
Embora este resultado possa parecer economicamente irrelevante, deve-se
notar que tal redução gera um aumento da ordem de 23% no diferencial de
proficiência entre estes alunos e alunos brancos de escola privada.
Considerando as percepções destes alunos, estes resultados são
consistentes com as previsões geradas pela teoria. Em primeiro lugar, deve-se
notar que mais de 75% dos alunos negros de escola pública do Rio de Janeiro
avaliados em 2001 pretendiam continuar estudando, mesmo não havendo nenhum
sistema de cotas neste ano. Portanto, poucos alunos devem ter passado a fazer o
vestibular devido ao sistema de cotas, o que poderia fazer com que o efeito sobre
o nível de estudo fosse positivo. Além disso, a percepção destes alunos era de que
eles certamente seriam beneficiados pelo sistema de cotas. Por fim, a percepção
sobre a pontuação necessária para ser admitido era, com base no ano anterior,
muito baixa. Considerando que estudar é custoso, este cenário sugere que estes
estudantes tenham realmente diminuído o nível de estudo.
A tabela 5 apresenta os resultados para outros grupos que foram ou
poderiam ter sido beneficiados no Rio de Janeiro no vestibular 2004.
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29
Tabela 5: Efeito do sistema de cotas sobre outros grupos do Rio de Janeiro
Variável dependente Ln(profic)
Grupo de tratamento
Pardos de escola pública
do RJ
Brancos de escola pública
do RJ
Amarelos de escola
pública do RJ
Negros de escola privada
do RJ
Pardos de escola
privada do RJ
Grupo de controle
Fora do
RJ
Dentro do
RJ
Fora do
RJ
Dentro do
RJ
For a do
RJ
Dentro do
RJ
Fora do
RJ
Dentro do
RJ
Fora do
RJ
Dentro do
RJ
0,002 -0,027 0,026 0,015 0,021 0,009 0,042 0,000 -0,027 -0,015
d2003*dTrat
0,017 0,027 0,018 0,029 0,038 0,047 0,033 0,034 0,026 0,016
-0,001 0,000 -0,006 0,005 0,011 0,005 -0,007 0,010 0,002 0,011
d2003
0,005 0,021 0,006 0,021 0,013 0,021 0,015 0,019 0,007 0,019
0.022** -0.115*** 0.027** -0.096*** -0,010 -0.100** -0.040* -0.045** 0,015 0,007
dTrat
0,011 0,030 0,011 0,025 0,025 0,040 0,024 0,020 0,014 0,011
prova
0.035*** 0.027*** 0.051*** 0.043*** 0.032*** 0.036** 0.066*** 0.060*** 0.063*** 0.063***
0,004 0,010 0,004 0,012 0,011 0,014 0,011 0,014 0,006 0,014
Características do
aluno
sim
sim
sim
sim
sim
sim
sim
sim sim
sim
Características da
escola
sim
sim
sim
sim
sim
sim
sim
sim sim
sim
Observações 27709 2830 27264 2843 3460 1852 1776 1787 15348 2243
R2-ajustado 0,18 0,44 0,22 0,41 0,25 0,47 0,31 0,37 0,31 0,39
Notas
Erro padrão (robusto para correlação dos resíduos entre escolas e heterocedasticidade) em itálico
* significante a 10%; ** significante a 5%; *** significante a 1%
Características da escola e do professor são as variáveis apresentadas na tabela 1. Todas as variáveis são medidas por uma variável dummy para cada categoria e uma
outra variável dummy indicando se falta a informação desta variável.
Fonte: SAEB 2001 e 2003
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30
Nenhum destes coeficientes é estatisticamente diferente de zero aos níveis
de significância usuais, o que pode estar refletindo que estes alunos não alteraram
suas decisões devido à incerteza de que seriam beneficiados pelo sistema de cotas.
Além disto, o percentual de alunos negros no Rio de Janeiro é em torno de
10%, sendo que aproximadamente 90% destes alunos estudam em escolas
públicas, enquanto o percentual de alunos brancos, pardos ou amarelos de escola
pública gira em torno de 66% dos alunos do Rio de Janeiro. No entanto, no
vestibular 2004 foram destinadas 20% das vagas para negros e 20% para alunos
de escola pública. Em conseqüência, havia relativamente uma quantidade muito
maior de vagas reservadas para alunos negros de escola pública do que para
qualquer outro grupo de alunos. Caso isto tenha sido antecipado por estes alunos,
é razoável que o efeito sobre o nível de estudo tenha sido maior para os alunos
negros de escola pública.
6.2
Bahia
As cotas da UNEB foram para alunos negros e pardos de escola pública,
não havendo nenhuma distinção entre estes dois grupos. Desta forma, estes dois
grupos de alunos foram considerados juntos como o grupo de tratamento.
A tabela 6 é análoga a tabela 4, apresentando os resultados para a Bahia. O
grupo de tratamento consiste de negros e pardos de escola pública da Bahia. As
três primeiras colunas utilizam como grupo de comparação negros e pardos de
escola pública de estados onde não houve sistemas de cotas, enquanto as três
últimas utilizam alunos da Bahia não beneficiados pelas cotas, ou seja, brancos e
amarelos de escola pública e todos os alunos de escola privada.
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Tabela 6: Efeito do sistema de cotas sobre negros e pardos de escola pública da Bahia
Variável dependente Ln(profic)
Grupo de tratamento Negros e pardos de escola pública da Bahia
Grupo de controle
Negros e pardos de escola
pública de outros estados
Alunos de escola privada e brancos
de escola publica da Bahia
-0,037 -0,028 -0,026 -0.071** -0.040*** -0.028**
d2003*dTrat
0,032 0,021 0,020 0,032 0,013 0,013
0.019*** 0,003 0,001 0,052 0,013 -0,008
d2003
0,007 0,006 0,005 0,040 0,016 0,015
0,001 0,022 0,023 -0.063*** 0,002 -0,009
dTrat
0,024 0,017 0,017 0,022 0,010 0,009
0.045*** 0.042*** 0.043*** 0.061*** 0.058*** 0.057***
prova
0,004 0,003 0,004 0,009 0,009 0,010
Características do aluno não sim sim não sim sim
Características da
escola
não não sim não não sim
Observações 33677 33677 33677 6377 6377 6377
R2-ajustado 0,02 0,19 0,20 0,08 0,38 0,42
Notas
Erro padrão (robusto para correlação dos resíduos entre escolas e heterocedasticidade) em itálico
* significante a 10%; ** significante a 5%; *** significante a 1%
Características da escola e do professor são as variáveis apresentadas na tabela 1. Todas as
variáveis são medidas por uma variável dummy para cada categoria e uma outra variável dummy
indicando se falta a informação desta variável.
Fonte: SAEB 2001 e 2003
Controlando para características do aluno, da escola e do professor
(colunas 3 e 6), as estimativas apontam para uma piora do desempenho dos alunos
beneficiados de 2,6% (não significante a 10%) ou uma piora 2,8% (significante a
5%) dependendo do grupo de comparação utilizado. Assim como para o Rio de
Janeiro, as estimativas são bastante próximas ao variarmos o grupo de controle.
No entanto, a magnitude deste efeito é consideravelmente menor para os
alunos beneficiados da Bahia do que para os do Rio de Janeiro (cerca de 5,7%).
Isto pode estar refletindo o fato de que os alunos negros e pardos de escola pública
da Bahia somam mais de 60% dos alunos da Bahia, sendo que a UNEB reservou
40% das vagas para estes alunos. Por outro lado, como foi visto anteriormente,
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32
cerca de 10% dos alunos do Rio de Janeiro são negros, a grande maioria de escola
pública, tendo sido destinado a este grupo uma reserva de 20% das vagas.
Além disso, a introdução do sistema de cotas na Bahia gerou menos
repercussão dentro dos meios de comunicação. Este pode ter sido o grande
diferencial do experimento da Bahia em relação ao do Rio de Janeiro,
especialmente pelo fato de que as notícias relacionadas ao vestibular 2003 da
UERJ e da UENF geraram uma crença para os cotistas do Rio de Janeiro de que
as notas necessárias para entrar nestas faculdades seriam exageradamente baixas,
o que não ocorreu na Bahia.
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7
Testes de Robustez
Como os resultados anteriores não foram obtidos a partir de um
experimento controlado, eles devem ser interpretados com bastante cautela. Esta
seção submete estes resultados a uma série de testes de robustez.
7.1
Efeito sobre os alunos não beneficiados
A validade das estimativas onde utilizamos grupos de alunos não
beneficiados do mesmo estado como grupo de controle depende
fundamentalmente da hipótese de que estes grupos não foram afetados pelo
sistema de cotas. Embora estes alunos tenham sofrido uma redução em suas
probabilidades de entrar nas universidades que utilizaram algum sistema de cotas,
é importante ressaltar que apenas duas universidades do Rio de Janeiro, sendo
apenas uma de grande porte, e uma da Bahia adotaram tal sistema. Neste contexto,
como existem outras duas universidades públicas de grande porte em cada um
destes estados, além de outras universidades privadas, é esperado que o efeito
sobre os alunos não beneficiados seja de segunda ordem. Dito de outra forma, o
ganho concedido aos beneficiados foi muito maior do que o prejuízo gerado para
os não beneficiados.
De qualquer forma, é possível avaliar se os grupos não beneficiados no
Rio de Janeiro e na Bahia tiveram uma variação de 2001 para 2003 em seus
desempenhos diferente do que a variação destes grupos em estados onde não
houve sistemas de cotas. As colunas 1 e 2 da tabela 7 apresentam estes resultados
para o Rio de Janeiro e para Bahia, respectivamente. Para os dois estados, o
estimador de ‘diferença em diferença’ é estatisticamente igual a zero e
consideravelmente inferiores aos efeitos sobre os alunos beneficiados. Estes
resultados são consistentes com a hipótese de que estes alunos foram pouco
afetados pelos sistemas de cotas.
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34
Tabela 7: Efeito do sistema de cotas sobre os não beneficiados
Variável dependente Ln(profic)
Grupo de tratamento
Alunos não beneficiados do estado onde houve
sistema de cotas
Grupo de controle
Mesmo grupo de alunos onde não houve sistema
de cotas
Rio de Janeiro Bahia
-0,006 0,002
d2003*dTrat
0,022 0,016
-0,007 -0,004
d2003
0,009 0,005
-0,003 -0,005
dTrat
0,012 0,011
0.088*** 0.059***
prova
0,005 0,003
Características do aluno sim sim
Características da escola sim sim
Observações 34468 82480
R2-ajustado 0,3 0,36
Notas
Erro padrão (robusto para correlação dos resíduos entre escolas e heterocedasticidade) em
itálico
* significante a 10%; ** significante a 5%; *** significante a 1%
Características da escola e do professor são as variáveis apresentadas na tabela 1. Todas
as variáveis são medidas por uma variável dummy para cada categoria e uma outra
variável dummy indicando se falta a informação desta variável.
Fonte: SAEB 2001 e 2003
7.2
Variáveis não observáveis especificas do grupo de tratamento ou de
comparação
Outro problema inerente da metodologia de ‘diferenças em diferenças’ em
experimentos naturais se refere a variáveis não observáveis que sejam
correlacionadas com a implementação do sistema de cotas e afetem a proficiência
dos alunos.
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35
Nesta seção, é testado se já havia uma tendência de aumento no diferencial
de proficiência entre o grupo de tratamento e o grupo de comparação mesmo antes
da implementação destes sistemas de cotas, e se esta redução na proficiência dos
alunos tratados do 3
o
ano também ocorreu para alunos da 8
a
série.
7.2.1
Tendência
A idéia deste teste para é avaliar se esta queda no desempenho destes
alunos ocorreu realmente após a introdução do sistema de cotas ou reflete apenas
uma tendência destes alunos. Como o sistema de cotas foi instituído no Rio de
Janeiro e na Bahia no ano de 2002, foi estimado o mesmo modelo de ‘diferenças
em diferenças’ utilizando os dados do SAEB de 1999 e 2001
2
.
As colunas 1 e 2 da tabela 8 apresentam os resultados desta regressão para
alunos negros de escola pública do Rio de Janeiro como grupo de tratamento,
utilizando como grupo de comparação negros de escola pública de outros estados
e brancos ou amarelos de escola privada do Rio de Janeiro, respectivamente. As
colunas 3 e 4 desta mesma tabela apresentam os resultados desta regressão para
negros ou pardos de escola pública da Bahia, utilizando como grupo de controle
negros ou pardos de escola pública de outros estados e alunos não beneficiados da
Bahia, respectivamente. Para todos os casos, rejeitamos que o estimador de
‘diferenças em diferenças’ (
γ
) seja diferente de zero aos níveis de significância
usuais. Isto sugere que a queda no rendimento de 2001 para 2003 não reflete uma
tendência anterior ao sistema de cotas.
2
Devido a incompatibilidades entre os questionários, algumas variáveis relacionadas a
características do aluno e da escola não foram utilizadas.
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36
Tabela 8: Resultados para 1999 - 2001
Variável dependente Ln(profic)
Grupo de tratamento
Negros de escola pública do
RJ
Negros ou pardos escola
pública da BA
Grupo de controle Fora do RJ
Dentro do
RJ
Fora da BA
Dentro da
BA
0,025 0,006 0,001 0,008
d2001*dTrat
0,032 0,030 0,0200 0,0170
-0.026* -0,027 -0,01 -0,02
d2001
0,015 0,018 0,0080 0,0160
0,041 -0.088** 0.028*** -0,011
dTrat
0,028 0,034 0,0090 0,0140
0.037*** 0.041*** 0.044*** 0.060***
prova
0,012 0,012 0,0050 0,0090
Características do aluno sim
sim
sim
sim
Características da escola sim
sim
sim
sim
Observações 3532 1631 25058 4219
R2-ajustado 0,22 0,42 0,17 0,34
Notas
Erro padrão (robusto para correlação dos resíduos entre escolas e heterocedasticidade) em
itálico
* significante a 10%; ** significante a 5%; *** significante a 1%
Características da escola e do professor são as variáveis apresentadas na tabela 1. Todas as
variáveis são medidas por uma variável dummy para cada categoria e uma outra variável
dummy indicando se falta a informação desta variável.
Fonte: SAEB 1999 e 2001
7.2.2
Alunos da 8ª série
A importância de avaliar os alunos da 8ª série é que, por estarem mais
distantes de realizar o vestibular, estes alunos teoricamente teriam sido menos
afetados pelo sistema de cotas do que os alunos do 3º ano. No entanto, existem
outros fatores associados a seus estados em que tanto os alunos da 8ª série quanto
os alunos do 3º ano são afetados de forma similar. Portanto, caso a piora no
desempenho dos alunos do 3º ano tenha sido decorrente de mudanças em variação
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37
especificas destes estados, então o mesmo deve ter ocorrido para os alunos da 8ª
série.
A tabela 9 apresenta os resultados destas regressões para o Rio de Janeiro
e para a Bahia, utilizando os dois grupos de comparação para cada estado. Todos
os coeficientes associados ao estimador de diferença em diferença são
estatisticamente iguais à zero.
Tabela 9: Resultados para 8ª série
Variável dependente Ln(profic)
Grupo de tratamento Negros de escola pública do RJ
Negros ou pardos escola
pública da BA
Grupo de controle Fora do RJ Dentro do RJ Fora da BA Dentro da BA
-0,011 -0,029 0,022 0,002
d2003*dTrat
0,022 0,037 0,015 0,015
-0.030*** -0,005 -0.022*** -0,001
d2003
0,011 0,019 0,005 0,016
0.034** -0.135*** 0,000 -0,015
dTrat
0,015 0,030 0,011 0,010
0.069*** 0.052*** 0.047*** 0.032***
prova
0,010 0,011 0,004 0,007
Características do aluno sim
sim
sim
sim
Características da escola sim
sim
sim
sim
Observações 9081 2698 58041 8454
R2-ajustado 0,18 0,49 0,16 0,27
Notas
Erro padrão (robusto para correlação dos resíduos entre escolas e heterocedasticidade) em itálico
* significante a 10%; ** significante a 5%; *** significante a 1%
Características da escola e do professor são as variáveis apresentadas na tabela 1. Todas as
variáveis são medidas por uma variável dummy para cada categoria e uma outra variável dummy
indicando se falta a informação desta variável.
Fonte: SAEB 2001 e 2003
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410590/CA
38
7.3
Efeitos de composição
Finalmente, ao avaliar efeitos de políticas utilizando a metodologia de
‘diferenças em diferenças’ em experimentos naturais, deve-se considerar se a
política em questão alterou a composição do grupo de controle ou do grupo de
tratamento, especialmente quando tal política beneficia o grupo de tratamento.
7.3.1
Auto-declaração
Na seção 6, foi considerado que alunos brancos e amarelos do Rio de
Janeiro e da Bahia não tinham nenhum incentivo a se declarar negros ou pardos
no questionário do SAEB, visto que eles só se beneficiariam de tal atitude na
inscrição do vestibular para as universidades que implementaram um sistema de
cotas.
A coluna 1 da tabela 10 apresenta os resultados da estimação de um
modelo de probabilidade linear de ‘diferenças em diferenças’, onde a variável
dependente vale 1 se o aluno se declarou como negro e 0 caso contrario. O grupo
de tratamento consiste de alunos de escola pública do Rio de Janeiro, enquanto o
grupo de comparação consiste de alunos de escola pública de estados que não
implementaram nenhum sistema de cotas neste período. O coeficiente
γ
estimado
não é significantemente diferente de zero, sugerindo que a implementação do
sistema de cotas no Rio de Janeiro não fez com que os estudantes de escola
pública deste estado mudassem a forma com que se declaravam.
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39
Tabela 10: Composição dos grupos
Variável dependente d
negro
d
branco ou amarelo
d
negro ou pardo
Grupo de tratamento
Alunos de escola
pública do RJ
Alunos de escola
privada do RJ
Alunos de escola
pública da Bahia
Grupo de controle
Alunos de escola
pública de outros
estados
Alunos de escola
privada de outros
estados
Alunos de escola
pública de outros
estados
0,024 -0,047 -0,001
d2003*dTrat
0,019 0,038 0,043
0.018*** -0.058*** 0.068***
d2003
0,005 0,012 0,014
0.037*** -0,018 0.213***
dTrat
0,012 0,023 0,031
0,002 0.014** -0,009
prova
0,004 0,007 0,009
Características do aluno Sim
Sim
Sim
Características da escola Sim
Sim
Sim
Observações 64898 52302 65397
R2-ajustado 0,03 0,11 0,12
Notas
Erro padrão (robusto para correlação dos resÍduos entre escolas e heterocedasticidade) em itálico
* significante a 10%; ** significante a 5%; *** significante a 1%
Características da escola e do professor são as variáveis apresentadas na tabela 1. Todas as variáveis são
medidas por uma variável dummy para cada categoria e uma outra variável dummy indicando se falta a
informação desta variável.
Fonte: SAEB 2001 e 2003
A coluna 2 da tabela 10 apresenta um modelo de probabilidade linear de
‘diferenças em diferenças’, mas para avaliar o efeito do sistema de cotas sobre a
auto-declaração de alunos de escolas privadas do Rio de Janeiro. Neste caso, a
variável dependente vale 1 se o aluno se declarou como branco ou amarelo e 0
caso contrario. O grupo de tratamento consiste de alunos de escola privada do Rio
de Janeiro, enquanto o grupo de comparação consiste de alunos de escola privada
de estados que não implementaram nenhum sistema de cotas neste período.
Novamente, o coeficiente
γ
estimado não é significantemente diferente de zero,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410590/CA
40
sugerindo que a implementação do sistema de cotas no Rio de Janeiro não fez
com que os estudantes de escola privada deste estado mudassem a forma com que
se declaravam.
Finalmente, a coluna 3 desta mesma tabela mostra que a implementação
do sistema de cotas na Bahia não aumentou a probabilidade de alunos de escola
pública deste estado se declararem negros ou pardos.
7.3.2
Abandono escolar
Uma outra possível explicação para os resultados encontrados poderia ser
que os alunos do grupo de tratamento avaliados no ano de 2003 possuíam
características que afetam o desempenho escolar piores do que os alunos avaliados
no ano de 2001. Este poderia ser o caso se muitos estudantes avaliados no ano de
2003 não estariam cursando o 3
o
ano do ensino médio caso não houvesse sistemas
de cotas. Se for este o caso, o coeficiente de ‘diferenças em diferenças’,
γ
,
possuiria um viés negativo.
Caso fosse possível observar todas as variáveis que afetam o desempenho
escolar e são correlacionadas com a implementação de um sistema de cotas, a
inclusão destas variáveis nas regressões eliminaria completamente este viés. No
entanto só é possível incluir nas regressões as variáveis observáveis.
Deve-se notar, no entanto, que caso exista um viés negativo decorrente de
piores características do grupo de tratamento em 2003, a inclusão de apenas as
variáveis observáveis seria suficiente para ao menos diminuir este viés negativo.
Portanto, uma análise da mudança do coeficiente
γ
antes e após a inclusão das
características dos alunos pode dizer se este problema de composição é de fato
relevante para este experimento.
Observando o caso do Rio de Janeiro, pode-se perceber que os coeficientes
γ
das regressões sem controlar para as características dos alunos (tabela 4,
colunas 1 e 4) são menos negativos do que estes coeficientes nas regressões que
controlam para as características dos alunos (tabela 4, colunas 2 e 5),
independente do grupo de comparação utilizado. Este fato sugere que o problema
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410590/CA
41
de composição do grupo de tratamento não é relevante para este experimento no
Rio de Janeiro.
Para a Bahia, por outro lado, observando a tabela 6 é possível notar que a
mudança nos coeficientes
γ
após incluídas as características dos alunos é
exatamente a prevista quando este problema de composição é relevante. Portanto,
as estimativas para a Bahia estão sujeitas a hipótese de que as variáveis
observáveis controlam de forma eficiente para este problema de composição.
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8
Conclusão
A utilização de políticas de ação afirmativa no processo de admissão de
universidades públicas brasileiras é uma questão que tem sido amplamente
discutida nos últimos anos. Até o ano de 2003, os sistemas de cotas raciais ou para
alunos de escola pública foram utilizadas apenas no Rio de Janeiro e na Bahia,
sendo que após este ano outros estados também aderiram a este sistema.
Este trabalho avalia o efeito destas políticas sobre o incentivo a estudar
para passar no vestibular dos alunos beneficiados no Rio de Janeiro e na Bahia. A
fim de identificar este efeito, foi utilizada a metodologia de ‘diferenças em
diferenças’, sendo utilizados dois grupos de comparação distintos, o mesmo grupo
de alunos de estados onde não houve sistemas de cotas e alunos não beneficiados
do estado onde houve um sistema de cotas.
Os resultados apontam para uma piora no desempenho de alguns grupos
de alunos beneficiados, enquanto outros grupos não alteraram seus desempenhos.
As diferentes respostas por diferentes grupos de alunos beneficiados parecem
refletir basicamente diferentes percepções tanto sobre a elegibilidade de se
beneficiar destes sistemas quanto sobre a dificuldade de se passar no vestibular
com o sistema de cotas.
Estes resultados apresentam a primeira evidencia empírica sobre a relação
entre políticas de ação afirmativa alteram o incentivo ao investimento em capital
humano para membros do grupo beneficiado.
Deve-se ressaltar, no entanto, que este trabalho avaliou os efeitos destas
políticas de cotas sobre o incentivo ao investimento em capital humano dado que
estes alunos estavam cursando o 3
o
ano do ensino médio. Em outras palavras, foi
avaliado apenas um dentre vários efeitos possíveis de sistemas de cotas sobre os
incentivos a estudar. Por exemplo, não foi avaliado o efeito do sistema de cotas
sobre a decisão de continuar na escola ou sobre a decisão de entrar no ensino
superior. Deste modo, é perfeitamente possível que o efeito líquido destas
políticas sobre o incentivo a acumulação de capital humano tenha sido positivo, e
não negativo.
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