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“Apelação cível. Responsabilidade civil. Danos materiais e morais. Tabagismo. Ação de indenização
ajuizada pela família. Resultado danoso atribuído a empresas fumageiras em virtude da colocação no
mercado de produto sabidamente nocivo, instigando e propiciando seu consumo, por meio de
propaganda enganosa. Ilegitimidade passiva, no caso concreto, de uma das co-rés. Caracterização do
nexo causal quanto à outra co-demandada. Culpa. Responsabilidade civil subjetiva decorrente de
omissão e negligência, caracterizando-se a omissão na ação. Aplicação, também, do cdc,
caracterizando-se, ainda, a responsabilidade objetiva. Indenização devida. A prova dos autos revela
que a vítima falecida teria fumado durante 40 anos, cerca de 40 cigarros por dia, tendo adquirido
enfisema e câncer pulmonar que lhe acarretaram a morte. Não havendo comprovação de que o de
cujus consumisse os cigarros fabricados pela co-ré Souza Cruz, impõe-se, no caso concreto,
reconhecer ilegitimidade passiva desta. É fato notório, cientificamente demonstrado, inclusive
reconhecido de forma oficial pelo próprio Governo Federal, que o fumo traz inúmeros malefícios à
saúde, tanto à do fumante como à do não-fumante, sendo, por tais razões, de ordem médico-científica,
inegável que a nicotina vicia, por isso que gera dependência química e psíquica, e causa câncer de
pulmão, enfisema pulmonar, infarto do coração entre outras doenças igualmente graves e fatais. A
indústria de tabaco, em todo o mundo, desde a década de 1950, já conhecia os males que o consumo do
fumo causa aos seres humanos, de modo que, nessas circunstâncias, a conduta das empresas em omitir
a informação é evidentemente dolosa, como bem demonstram os arquivos secretos dessas empresas,
revelados nos Estados Unidos em ação judicial movida por estados norte-americanos contra grandes
empresas transnacionais de tabaco, arquivos esses que se contrapõem e desmentem o posicionamento
público das empresas – revelando-o falso e doloso, pois divulgado apenas para enganar o público – e
demonstrando a real orientação das empresas, adotada internamente, no sentido de que sempre
tiveram pleno conhecimento e consciência de todos os males causados pelo fumo. E tal posicionamento
público, falso e doloso, sempre foi historicamente sustentado por maciça propaganda enganosa, que
reiteradamente associou o fumo a imagens de beleza, sucesso, liberdade, poder, riqueza e inteligência,
omitindo, reiteradamente, ciência aos usuários dos malefícios do uso, sem tomar qualquer atitude para
minimizar tais malefícios e, pelo contrário, trabalhando no sentido da desinformação, aliciando, em
particular os jovens, em estratégia dolosa para com o público, consumidor ou não. O nexo de
causalidade restou comprovado nos autos, inclusive pelo julgamento dos embargos infringentes
anteriormente manejados, em que se entendeu pela desnecessidade de outras provas, porquanto fato
notório que a nicotina causa dependência química e psicológica e que o hábito de fumar provoca
diversos danos à saúde, entre os quais o câncer e o enfisema pulmonar, males de que foi acometido o
falecido, não comprovando, a ré, qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito dos
autores (art. 333, II, do CPC). O agir culposo da demandada evidencia-se na omissão e na negligência,
caracterizando-se a omissão na ação
. O art. 159 do CCB/1916 já previa o ressarcimento dos prejuízos
causados a outrem, decorrentes de omissão e negligência, sendo que o criador de um risco tem o dever
de evitar o resultado, exatamente porque, não o fazendo, comete a omissão caracterizadora da culpa, a
chamada omissão na ação
conceituada na doutrina do preclaro Cunha Gonçalves, a qual é
convergente com as lições de Sergio Cavalieri Filho e Pontes de Miranda, sendo a conduta da
demandada violadora dos deveres consubstanciados nos brocardos latinos do neminem laeder, suum
cuique tribuere e no próprio princípio da boa-fé objetiva existente desde sempre no Direito Brasileiro.
A conduta anterior criadora do risco enseja o dever, decorrente dos princípios gerais de direito, de
evitar o dano, o qual, se não evitado, caracteriza a culpa por omissão. Como acentua a doutrina, esse
dever pode nascer de uma conduta anterior e dos princípios gerais de direito, não sendo necessário que
esteja concretamente previsto em lei, bastando apenas que contrarie o seu espírito. Não obstante ser
lícita a atividade da indústria fumageira, a par de altamente lucrativa, esta mesma indústria, desde o
princípio, sempre teve ciência e consciência de que o cigarro vicia e causa câncer, estando
cientificamente comprovado que o fumo causa dependência química e psíquica, câncer, enfisema
pulmonar, além de outros males, de forma que a omissão da indústria beira as fronteiras do dolo. A
ocultação dos fatos, mascarada por publicidade enganosa, massificante, cooptante e aliciante, além da
dependência química e psíquica, não permitia e não permite ao indivíduo a faculdade da livre opção,
pois sempre houve publicidade apelativa, sobretudo em relação aos jovens, sendo necessário um
verdadeiro clamor público mundial para frear a ganância da indústria e obrigar o Poder Público à
adoção de medidas de prevenção a partir de determinações emanadas de órgãos governamentais.
Ainda que se considere que a propaganda e a dependência não anulem a vontade, o fato é que a
voluntariedade no uso e a licitude da atividade da indústria não afastam o dever de indenizar.
Desimporta a licitude da atividade perante as leis do Estado e é irrelevante a dependência ou
voluntariedade no uso ou consumo para afastar a responsabilidade. E assim é porque simplesmente o
ordenamento jurídico não convive com a iniqüidade e não permite que alguém cause doença ou mate