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FERNANDO ALTEMEYER JUNIOR
COMPAIXÃO EM PROCESSOS SOCIAIS E MUDANÇAS INSTITUCIONAIS:
O CASO DO VICARIATO EPISCOPAL DO POVO DA RUA EM SÃO PAULO
Tese apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Doutor em Ciências
Sociais, sob a orientação do Professor
Doutor Luiz Eduardo W. Wanderley.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÃO PAULO - 2006
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2
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
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Dedicatória aos Trecheiros
Ao trecheiro verdadeiro, Sr. Antonio Sanchez, catador de papelão em São Mateus, que vinha
à minha porta pedir pão, café e leite, e quando eu perguntava se tinha família, ele respondia:
Tenho, é você: Fernando Sanchez! Desta forma inclusiva, ele mergulhava no fundamento da
compaixão: o outro faz parte da minha família, pois peregrinamos o mesmo ‘trecho vital.
Dedico a tese a todos os ‘trecheiros’ com quem caminhei, na alegria, na dor e no amor.
Ao trecheiro orientador: Prof. Dr. Luiz Eduardo W. Wanderley, pela paciência e saber
requintado. Agradeço afetivamente por tudo que aprendi com o mestre.
Aos trecheiros apaixonados: Maria, Daniel, Gabriel e Ana Clara. Agradeço vitalmente.
Aos trecheiros familiares: Carmen Muller Altemeyer (mãe), Mercedes Muller (tia), e todos.
Aos trecheiros testemunhais: Luciano Pedro Mendes de Almeida, Julio Renato Lancellotti,
Dalva Ivete de Jesus, Regina Maria Manoel, Pedro Casaldáliga, Maria da Conceição Ferreira
Chaves, Maria dos Prazeres Pedro Dalbosi.
Aos trecheiros franciscanos: dom Paulo Evaristo Arns, dom Cláudio Hummes.
Aos trecheiros ressuscitados: meu pai, Fernando Altemeyer; meus avós, Wilhelm,
Bernardina, Karl e Dolores; meus companheiros de memória: Gabriel Galache, Gabreil Maire,
Arnaldo Beltrami, Antonio Fragoso, Candido Procópio Ferreira de Camargo, Orestes Stragliotto,
Décio Pereira, Jaime Nelson Wright, Ignácio Ellacurría, Herbert José de Souza, Pablo
Gonzalez Olalla, Paulo Freire, Adolphe Gesché, José Bello dos Santos, Charles de Foucault,
Giuseppe Pegoraro, Antonio Meroth, Antonio Sammut, Nenuca, Ignácio, Fredy Kunz, Hermilo
Eduardo Pretto.
Aos trecheiros acadêmicos: Maria Julia Paes da Silva, Afonso Maria Ligório Soares, Lúcia
Maria M. Bógus, João Edênio Reis Valle, Antonio Manzatto, Ivo Lesbaupin.
Aos trecheiros solidários: Guilherme Salgado Rocha, Alderon Pereira da Costa, Luciney
Martins, Cleisa Mroeno Maffei Rosa.
Aos trecheiros puquianos: dra. Maura Pardini Bicudo Veras, todos os colegas do
Departamento de Teologia e Ciências da Religião, Donata Barros, José J. Queiroz, Jorge
Cláudio Ribeiro Jr, Catarina Koltai, Terezinha Bernardo, Josildeth Gomes Consorte, VRAC
(pela Bolsa dissídio), João Décio Passos, Maria Celina Nasser, assessores da reitoria.
Aos trecheiros teológicos: João Batista Libanio, Ana Flora Anderson, Gilberto da Silva
Gorgulho, Benedito Ferraro, Leonardo Boff, Paulo Suess, Julio de Santa Ana, Takashi Shimizu,
Marcelo Barros, Faustino Teixeira, Frei Betto, Antonio Aparecido da Silva,
Aos trecheiros institucionais: DTCR, EDT, UNISAL, Loyola, Paulus, Paulinas, Assunção, CEBS,
MDF, OAF, CEBI, CEM, SPM, IEE, Emaús, GAVI, Associação Rede Rua, Fraternidade Oblatas
de São Bento, Paroisse Saint Pierre - Virginal, UCL, MST, CAFOD, CSSP, Santo Rosário,
SDS, OFM, SVD, pastorais sociais, Instituto Jacques Maritain, Instituto Florestan Fernandes,
ADITAL, CPV, Centro Santo Dias, Comissão Justiça e Paz, SOTER, Academia Marial, APOIO.
Aos trecheiros políticos: Plínio de Arruda Sampaio, Waldemar Rossi, Paulo Fiorillo, Devanir
Ribeiro, Eduardo Suplicy; Hélio Pereira Bicudo, Dalmo de Abreu Dallari, Luiza Erundina de
Souza, José Zico, Roberto Gouveia, Eduardo Jorge,
Aos trecheiros conviviais: Nicolau João Bakker, Julio César Ferreira de Macedo, Mariano
Puga, Jaime lares Chairez, Otaviano Bispo dos Santos, Edélcio Serafim Ottaviani.
Aos trecheiros pastorais: Alfredo José Gonçalves, Hedwig Knist, Liz Mari da Silva, Luiz
Basségio, Pedro Luiz Stringhini, Joseph Gatelier, Luiz Alberto Gomes de Souza, jornal O São
Paulo, Vicariato da Comunicação, Vicariato do Povo da Rua, CEBS de Sapopemba e São
Mateus, Atanásio Enchioglo, Emir Rigon, Eleonora Vieira da Silva Jorge Boran.
Aos trecheiros jornalistas: Chico Paes de Barros, Chico Pinheiro, Roldão Arruda, José Maria
Mayrink, Marilu Cabanas, Ricardo Kotscho, Cido Pereira, Maria Angélica Rittes Garcia, Alba
Vega, Hugo Coelho, Douglas A. Mansur.
Aos trecheiros utópicos
: Celso Pedro, Maria C. Caputo, Maria Elilda dos Santos, Magda
Maria Fonseca, Maria Dolores Moniz Junquera, Midori Asanuma, Teolide Trevisan, José
Marins, Gonçalo Luiz de Mello, Leocir Pessini.
Aos trecheiros planetários: Frank Usarski, Naveen, Ellen Mouravieff-Apostol, Charmain Levy,
Maurílio Galdino, Hyung Kyu-Park.
Aos trecheiros ecumênicos: Frieda Haddad, José Oscar Beozzo, Coen de Souza, Henry I.
Sobel, Jihad Hassan Hammadeh, Milton Schwantes, Rosi Schwantes, Rolf Schünemann, José
Bizon, Samuel, Haidi Jarschel, Dilene Fernandes, Elena Silva, Jether Pereira Ramalho.
Aos trecheiros poéticos: Adélia Prado e Franz Schubert.
Possam ser afetados pela leitura, acompanhada da Fantasia para piano a quatro mãos em fá
menor, de Franz Schubert (composta em 1828).
4
Resumo
A hipótese central desta tese é a de que a compaixão pode ser uma guia
metodológica e interpretativa dos trabalhos sociais desenvolvidos pelo Vicariato
Episcopal do Povo de Rua.
A tese se divide em três partes: memórias, abordagem teórica e
paradoxos.
Na primeira parte, recolho as memórias de quatro personagens nos
últimos treze anos (1993-2005). Traço o rosto e a moldura da cidade de São
Paulo e situo a população de Rua nesse contexto. Assumo uma epistemologia
da compaixão como princípio de superação da invisibilidade e da exclusão
social.
Na segunda parte, confronto os discursos com a prática histórica do
Vicariato no contexto da metrópole paulistana. Constato que houve mudanças
das práticas assistenciais e uma alteração significativa do método de ação
política da Igreja. Verifico o processo de amadurecimento da presença nas
Ruas, iniciado com o estar-com-o-outro. No princípio da ação estão a OAF, as
missões populares e as sopas comunitárias. Em uma segunda fase a Casa de
Oração e espaços de reflexão e articulação. Daí os Dias de Luta e a
manifestação política pelas Ruas do centro da cidade, e a conquista da lei
municipal do povo da Rua. Em etapa recente, a constituição de abrigos
provisórios, dos projetos alternativos de renda e, sobretudo, a criação das
cooperativas de papel e material reciclável, organizadas e geridas pelos
próprios catadores. Da uma individualidade solitária, passa-se para a
participação ativa das pessoas de Rua, na luta por políticas públicas e pelo
exercício autônomo da cidadania. O uso da compaixão, como categoria
analítica e hermenêutica, à luz do pensamento de Michel Henry, se mostrou
fecundo para explicar o processo. Foi preciso construir um mapa semântico
mais amplo, que incluiu alguns conceitos operativos: subjetividade, autonomia,
inclusão e exclusão, solidariedade e libertação. E temas como liberdade,
democracia, resistência, passividade ativa e, testemunho. Realizei a pesquisa
metodológica “in flux”, procurando garantir o rigor sociológico essencial. Os
moradores de Rua foram envolvidos gradualmente na tarefa fundamental de
produção de sua própria história social. O registro desta trajetória foi guardado
nas páginas do jornal O Trecheiro que serviu de fonte auxiliar.
Na terceira parte, busco comprovar que os órgãos e serviços do poder
público de fato alteraram as políticas públicas destinadas a atender esta
população e que isto gerou contradições e possibilidades reais. Constato que
as mudanças institucionais e sociais alteraram vocabulários e modos de ação
pastoral, antecipando utopias e solidariedade ativa.
O Vicariato faz parte de um conjunto de forças sociais, que compõem a
sociedade civil. Há grandes diferenças na questão metodológica do trabalho,
mas um empenho comum em trabalhar a solidariedade e a articulação dos
grupos que lidam com a questão da Rua.
Os gestos de dom Luciano Mendes de Almeida; do padre Julio Renato
Lancellotti, da irmã Dalva Ivete de Jesus, de dom Paulo Evaristo Cardeal Arns
e da irmã Regina Maria Manoel, além das vidas paradigmáticas de Nenuca,
Alfredinho e dom Bagaço, tornam-se exemplos de ação de parcela da Igreja
paulistana, inspirada na compaixão e aberta a horizontes utópicos coletivos.
5
Abstract
The main hypothesis of this thesis is that compassion can be a methodological and interpretive
guide for the social work developed by the S. Paulo Archdiocesan Vicariate for Street People.
The thesis is divided into three parts: memories, theoretical approaches and practical paradoxes.
In the first part, I have collected the remembrances of four people over the last thirteen years [1993
2005]. I trace the face and the shape of São Paulo City and situate the street people in this context. I have
chose an epistemology of compassion as the axis to overcome invisibility and social exclusion.
In the second part, I confront the Vicariate’s discourses with its practical history in the context of the
São Paulo metropolis. Thus I verify that there were changes both in the aid programs and in the Church’s
political action methods. I also verified a maturation process present in the streets that began with being-
with- the-other. This action began with OAF [The Organization of Fraternal Aid], the popular missions and
the soup kitchens. The second influence was the House of Prayer and the spaces for reflection and
articulation. This process led to the Contestation Days, to political demonstrations in the streets of
downtown São Paulo and to municipal legislation for street people.
Recently, temporary shelters and jobs have been offered and above all, there was the creation of a
Cooperative for recyclable materials, organized and run by the Street People themselves. These
inhabitants of our streets have passed from being thousands of solitary individuals to being active
participants in the struggle for a public policy and an autonomous exercise of citizenship. The use of
compassion as an analytic and hermeneutical category, according to the thought of Michel Henry, shows
itself to be prolific as an explanation of the whole process. To do this it was necessary to enlarge our
semantic map to include some operative concepts: subjectivity, autonomy, inclusion and exclusion,
solidarity and liberation. Also it was necessary to include liberty, democracy, resistance, active non-
violence and witness.
I accomplished this methodological research in flux, trying to guarantee the necessary sociological
rigor. Those who inhabit the streets were gradually involved in the fundamental task of constructing their
own social history. The record of this progression was preserved in the pages of the newspaper O
Trecheiro that was a helpful source in this study.
In the third part of this thesis I show that the public organs and services have actually changed their
policies destined to serve this population. This has created serious contradictions and possibilities. I
conclude that these institutional and social changes have altered the Church’s vocabulary and methods of
pastoral activity, anticipating utopias and active solidarity.
The Vicariate is one part of number of social forces that make up the whole of civil society. There are
differences in methodology, but there is a common effort among the groups that deal with the problem to
seek solidarity and to articulate together.
The attitudes of Archbishop Luciano Mendes de Almeida, Monsignor Julio Renato Lancellotti, Sister
Dalva Ivete de Jesus, Cardinal Paulo Evaristo Arns and Sister Regina Maria Manoel, together with the
exemplary lives of Nenuca, Alfredinho and ‘dom Bagaço’, have become signs of a new way of pastoral
action for a significant part of the Church in São Paulo. This action is compassion’s born and open to
collective and utopian horizons.
6
Siglas e glossário
Achacar: pedir esmola com o uso de pressão psicológica ou verbal.
ASSINDES: Associação Internacional para o Desenvolvimento, que coordena
do Arsenal da Esperança, no bairro do Brás.
Cascuda: nome dado à latinha, frasco ou garrafa plástica cortada ao meio, na
qual o morador de Rua coloca comida ou água.
Catador: trabalhador de Rua que coleta papéis e material reciclável.
Chico-doce: pedaço de pau para se proteger.
CMP: Central dos Movimentos Populares.
CNBB: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
COOPAMARE: Cooperativa de Catadores Autônomos de Papel, Papelão,
Aparas e Materiais Reaproveitáveis.
Coxinha: policial civil ou militar.
EMPLASA:
Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S/A.
FIPE: Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas.
Galo: mochila ou sacola que o morador de Rua carrega com ele.
Mocó: lugar para morar ou dormir, como um pequeno canto de moradia.
OAF: Organização do Auxílio Fraterno.
Oblatas: grupo religioso de mulheres que se consagrou ao serviço ao povo
empobrecido, seguindo a espiritualidade beneditina, e que constituiu a
Fraternidade das Oblatas de São Bento.
OCAS: organização civil de ação social, que edita revista sobre população de
Rua.
Pastoral: uma das formas de organização das Igrejas cristãs em sua ação
religiosa.
PNUD: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Rango: refeição em comum do povo da Rua.
Rapa: fiscais da administração municipal durante a ação de recolher
mercadorias de camelôs.
Rede Rua: associação civil que edita o jornal O Trecheiro e material
multimídia.
SERMIG: Servizio Missionario Giovani, de Turim – Itália.
Sofredor de Rua: nome sugerido pelo padre Fredy Kunz, Alfredinho, para
lembrar a similitude da vida na Rua com o texto do profeta Isaías capítulo 42.
Sopão: alimento oferecido por entidades religiosas durante as noites.
Sujismundo: pessoa “suja” que vive perambulando pela Rua.
Trecheiro: catador de papelão ou morador de Rua.
Trecho: a Rua ou estrada como caminho percorrido pelo carroceiro ou
morador de Rua e andarilho de estradas.
Vicariato: organismo hierárquico da Igreja Católica que atende a parcela
ambiental ou geográfica de uma diocese católica.
Xepa: restos da feira.
Crédito das fotos:
Página 76: Luciney Martins (jornal O São Paulo).
Todas as fotos em preto e branco: Rede Rua.
7
Índice geral
Agradecimentos e dedicatória ........................................................... p. 3.
Resumo.............................................................................................. p. 4.
Abstract.............................................................................................. p. 5.
Siglas, abreviaturas e glossário ........................................................ p. 6.
Introdução.......................................................................................... p. 8.
Primeira Parte: Antecedentes e cenários .........................................p.25.
Capítulo 1 - Refazendo memórias do Vicariato ............................... p. 26.
1. O grupo precursor das uruguaias................................................. p. 31.
2. E fez-se a OAF! ........................................................................... p. 36.
3. A morte de ‘dom Bagaço’ ............................................................ p. 40.
4. Nenuca e a crise deliberada ........................................................ p. 42.
5. Tradição assistencial.....................................................................p. 47.
6. As missões populares...................................................................p. 50.
7. A nova fase: Dias de Luta.............................................................p. 55.
8. Escolha da pauta política..............................................................p. 63.
9. O difícil parto de Natal ................................................................. p. 66.
10. Objetivos originais do Vicariato...................................................p. 76.
11. Pedras e flores pelo caminho ....................................................p. 79.
Capítulo 2 – Da exclusão à cidadania
1. A moldura da metrópole ...............................................................p. 84.
2. A população de Rua no cenário metropolitano............................p. 103.
3. Pesquisas sobre população de Rua em São Paulo.....................p. 108.
4. A pesquisa na Comunidade São Martinho de Lima.....................p. 113.
5. Das cinzas nasce a Fênix............................................................p. 117.
.
Segunda Parte – Abordagem teórica.............................................. p. 121.
1. Compaixão como categoria de análise ...................................... p. 122.
2. Análise das entrevistas e da história do Vicariato....................... p. 141.
3. Os protagonistas........................................................................ p. 162.
.4. Os conceitos ambivalentes ...................................................... p. 175.
5. Meta e método .......................................................................... p. 184.
6. Entre a vida e a morte ............................................................... p. 193.
7. Resistência e utopia solidária..................................................... p. 195.
Terceira Parte – Paradoxos ......................................................... p. 199.
1. Os paradoxos e impasses em política pública ........................... p. 200.
2. Promessas e horizonte ............................................................... p. 205.
3. A profecia suspensa ....................................................................p. 209.
4. Entre a utopia e a realidade ....................................................... p. 211.
5. Três testemunhas ‘basilianas’ .................................................... p. 215.
Considerações finais .......................................................................p. 219.
Bibliografia ...................................................................................... p. 234.
Anexos
1. Dados estatísticos da Comunidade São Martinho
2. Plano de trabalho da OAF para 2006
3. Listagem de equipamentos sociais em São Paulo
8
INTRODUÇÃO
Mas quem sente muito, cala;
quem quer dizer quanto sente,
fica sem alma nem fala,
fica só, inteiramente!
Fernando Pessoa
9
Anos de contato com a população marginalizada e explorada das
periferias e do centro paulistano levam-me a crer que é preciso vê-la com
outros olhos e pensar com novas categorias.
10
É preciso tornar essa experiência vital palavra articulada e pensamento
crítico frente ao passado e diante de determinada rigidez teórica das várias
ciências sociais.
Pretendo verificar o que vivem certos atores sociais e religiosos junto
aos moradores de Rua torna-se categoria operativa de intervenção social.
Tornar inteligível as angústias, os dilemas, as lutas sociais e humanas de
milhares de pessoas normalmente invisíveis na mídia, invisíveis para a maioria
das Igrejas, para a sociedade política e até para o mundo acadêmico.
O uso metodológico da categoria compaixão (afetividade) no estudo do
Vicariato do Povo da Rua é o coração da tese. Esse é o desafio orgânico da
tese. Estudar, aplicar e verificar a operacionalidade do conceito analítico
racional compaixão, entendido como ‘ser afetado’, como forma universal de
revelação no caso concreto do Vicariato da População de Rua na capital
paulistana. A pertinência do tema é dada negativamente pela situação de
desigualdade, exclusão e violência em nossas cidades. O nexo positivo é o de
que se possa afrontar o tema ampliando as possibilidades de mudança real em
nossa sociedade.
O objetivo é compreender a categoria analítica de afetividade como
passividade ontológica originária e constitutiva do ser humano em sua práxis
histórica e na transformação efetiva das condições materiais e subjetivas, que
negam a vida e a dignidade das pessoas. Verificar na prática político-social e
pastoral do Vicariato do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo,
particularmente na ação do Vigário Episcopal do Povo da Rua, monsenhor
Júlio Renato Lancellotti.
11
A aplicação do conceito de compaixão deverá contribuir para manifestar
a invisível marca da solidariedade, plasmada em gestos concretos e práticas
políticas vividos e confrontados em um fenômeno social e religioso típico da
cidade de São Paulo.
O uso social da categoria filosófica da compaixão ou da afetividade, à
luz do pensamento do filósofo francês Michel Henry (1922-2002), poderá
contribuir para mobilizar ainda mais a sociedade civil e vasto mundo das
religiões para uma mudança de valores, de costumes e de mentalidades
conservadoras.
A possibilidade de uso da categoria compaixão dentro do contexto de
maturação da Teologia da Libertação (TdL)
1
e do governo eclesiástico inovador
do cardeal Arns durante o período que vai de 1970 a 1998, é analisada
criticamente na fala de alguns de seus atores. Utilizo entrevistas qualitativas,
recorro à memória guardada por quatro destes protagonistas e trabalho com
alguns indicadores disponíveis na Prefeitura paulistana a partir de dados das
pesquisas da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE). O jornal O
Trecheiro é assumido como fonte primária de informações, no período de 1991
a 2004.
Qual papel a compaixão, vivida em processos sociais e mudanças
institucionais, desempenha na sociedade?
1 Não é objetivo da tese verificar a origem dessa teologia e seu impacto na Igreja paulistana na
década de 1970. Isso é matéria para outra tese. A TdL cumpriu um papel na constituição do
Vicariato, como a forma de expressão da fé cristã em chave transformadora. Para o estudo
mais detalhado dessa teologia, recomendo o livro de Enrique Dussel, Teologia da Libertação,
Petrópolis: Vozes, 1999.
12
A hipótese central deste trabalho é considerar que a partir da ação do
Vicariato Episcopal do Povo da Rua pode surgir um novo vocabulário, novos
conceitos e novas atitudes, que foram moldando uma concepção diferente das
antigas formas institucionais e simbólicas da Igreja Católica na cidade. E a
nova prática se fez motivada pela compaixão. A compaixão alterou e tornou
distinto o papel político desempenhado pelos moradores de Rua em sua dura
labuta pela reconquista de sua cidadania. A palavra de ordem dessa categoria
social passou a ser a construção e aplicação de políticas públicas e não mais o
atendimento assistencial e paternalista das Igrejas e dos órgãos de Estado.
Questão crucial me acompanhou nos últimos 25 anos: podem os
moradores de Rua assumir como seu direito inalienável a identidade de
sujeitos autônomos?
Tenho acompanhado o desenrolar de um processo social em que o
trabalho desenvolvido com moradores de Rua passou a assumir um caráter
transformador e cidadão. O trabalho e a convivência com a categoria dos
excluídos deixam de ser percebidos como ineficazes. As relações sociais
assumidas junto ao povo criam solidariedade e uma visão do humano que
superam as atuais categorias higienistas em nossa representação social
paulistana. Embora relegados a condições subumanas, é possível vislumbrar
esperanças no ‘pântano’, pois é admissível esperar que alguma espécie de flor
brote de dentro e do meio deles:
O próprio exército já não é a flor da juventude camponesa; é a flor do
pântano do lumpemproletariado camponês. Consiste em grande parte
em ‘remplaçants’, em substitutos, do mesmo modo por que o próprio
Bonaparte é apenas um ‘remplaçant’, um substituto de Napoleão
(MARX, K. 1974, p. 407).
13
A identificação desse segmento social é tratada por inúmeros autores
das ciências sociais. O termo lumpemproletariado é usado nas origens da
reflexão sociológica como categoria designadora de quem está situado abaixo
do
proletariado. São aqueles que, por condições de vida e trabalho, conformam
os não organizados pelo proletariado urbano, ou seja, os degradados,
marginalizados; aqueles que para a sua subsistência desenvolvem atividades à
margem da legalidade, incluindo quem vive no mundo da delinqüência e da
prostituição (MARX, K. ENGELS, F., 1977, p. 32).
Em alemão, lúmpen é uma expressão que deriva da idéia de ser
portador de velhos trajes ou trapos (andrajoso), e está ligado ao material
usado na limpeza das casas. O conceito é hoje traduzido por subproletariado.
Outros o traduzem como lumpesinato.
Vale lembrar que Marx e Engels reafirmam a necessidade de
substituirmos as circunstâncias e o azar que dominam os indivíduos pelo
domínio sobre o azar e as circunstâncias, e assumir a vida real das pessoas
investigadas pelo cientista social, pois:
... não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou
representam, e tampouco dos homens pensados, imaginados e
representados para, a partir daí, chegar aos homens em carne e
osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu
processo de vida real, expõe-se também o desenvolvimento dos
reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida. Não é a
consciência que determina a vida, mas a vida que determina a
consciência (MARX, K. ENGELS, F. 1977, p. 37).
14
Camila Giorgetti, em sua tese doutoral sobre os moradores de Rua,
menciona uma das precursoras da análise sociológica sobre a população de
Rua no Brasil. É a análise de D. Pessanha, datada de 1983, e que tinha por
título: Mendigo, o trabalhador que não deu certo, in: Ciência Hoje, 1(4), p. 30-
35, jan/fev. 1983 (Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência).
Atualmente o conceito operativo mais difundido é o de ‘exclusão social e
política’ (FORRESTER, 1997, p. 15).
Robert CASTEL propugna um uso controlado do conceito exclusão, de
forma a superar ocultamentos e traduzir adequadamente o estado atual da
questão social. No passado, os excluídos eram identificados com populações
em regime especial: inválidos, deficientes, idosos economicamente frágeis,
crianças em dificuldade, famílias monoparentais etc. Hoje lhes são somados os
desempregados de longa duração e os jovens mal escolarizados em busca de
emprego. Para que o termo possa ser assumido de forma legítima, propõe
mais rigor e o recurso à história.
Castel percorre a história por meio de três características de exclusão: a
supressão completa da comunidade; a construção de espaços fechados e
isolados – guetos, asilos, prisões; e, enfim, obrigar a um status especial para
coexistir na comunidade. Ele afirma que a exclusão “é uma forma de
discriminação negativa que obedece a regras estritas de construção” (CASTEL,
2000, p.42).
15
Hoje, há mais a vulnerabilidade criada pela degradação das relações de
trabalho e das proteções correlatas. E não é exclusão, pois procede por
discriminações oficiais, enquanto a vulnerabilidade consiste em processos de
desestabilização, como a degradação das condições de trabalho ou a
fragilização dos suportes de sociabilidade. A elas chamamos de déficit de
integração, ou seja, ameaçadas de exclusão.
O autor reconhece que a terceira figura, a da atribuição de um status
especial a certas categorias da população é, “sem dúvida, a ameaça principal
na conjuntura atual” (CASTEL, 2000, p. 46). Ao estigmatizar as vítimas cria-se
um discurso de exclusão.
Castel sugere três cuidados propedêuticos:
Primeiro: não chamar de exclusão qualquer disfunção social;
Segundo: as medidas de discriminação positiva não se degradem
em status de exceção. Esta tarefa extremamente difícil coloca a
questão da eficácia das políticas de inserção;
Terceiro: a luta contra exclusão é levada também e, sobretudo, pelo
modo preventivo, quer dizer, esforçando-se em intervir em fatores de
desregulação da sociedade salarial, no coração mesmo dos
processos de produção e da distribuição das riquezas sociais
(CASTEL, 2000, p. 47-48).
16
Na descrição do teólogo José Comblin (2006), o conceito ‘excluído’ é
assumido na apresentação dos novos pobres do mundo urbano:
Um morador da Rua em São Paulo pode até comer melhor do que
um camponês sem-terra no sertão da Paraíba. Porém, a miséria
moral é muito maior. O pobre do campo não se sente degradado,
excluído, rejeitado. O desempregado da cidade sente tudo isso. Os
novos pobres caem numa degradação humana imensa. Perdem o
sentimento da sua dignidade. Sofrem uma humilhação sem limite pelo
fato de ter que depender de esmolas, dos pais e da aposentadoria tão
fraca que o país lhes deixa. Perdem a esperança, o respeito de si
próprios. Os pobres antigos eram alegres. Os novos pobres são
tristes, ressentidos, violentos, destruidores de si próprios, e de todo o
seu ambiente (COMBLIN, 2006, p. 1).
O sociólogo José de Souza Martins crê que determinado uso do conceito
exclusão’ possa levar à ineficácia política:
O que chamamos de ‘exclusão’ é apenas a superfície de um
complexo processo de gestação de uma nova forma de desigualdade
social. Estamos viciosamente acostumados com a idéia de
naturalidade da ascensão social dos pobres, de superação ou
atenuação da desigualdade, idéia característica da chamada Era
Vargas. Quando falamos em exclusão, esquecemos que essa era de
efetiva ascensão social das classes trabalhadoras praticamente
acabou. Portanto, os parâmetros e critérios para compreender e
combater a exclusão social não podem ser os do que se tornou uma
ficção (MARTINS, 2004, p. 4).
Diferente foi a compreensão do setor de Pastoral Social da CNBB,
quando do Grito Nacional dos Excluídos, celebrado em cada Sete de Setembro
em todo o país. Revelou-se momento de criatividade e de expressão política
17
transformadora de dezenas de milhares de sujeitos em nosso país. O Grito não
foi instrumentalizado por grupos partidários ou sindicais, e manteve sua
inspiração alternativa e autônoma (cf. CNBB, Setor de Pastoral Social, 1996).
Metodologia - Na tese utilizo uma metodologia qualitativa com estudo de caso.
Decidi focar minha pesquisa no Vicariato Episcopal do Povo da Rua da
cidade de São Paulo, pertencente à estrutura orgânica da Igreja Católica da
Arquidiocese paulistana, tendo como interlocutores os agentes de pastoral e os
moradores de Rua da capital. As razões desta opção foram valorativas e
metodológicas: situar uma instituição concreta de reconhecida relevância
social, em determinado período de tempo na cidade para verificar nos
discursos e práticas de seus atores, se a compaixão poderia ser usada como
categoria interpretativa dos acontecimentos sociais.
O Vicariato Episcopal do Povo da Rua, em sua prática religiosa e
filantrópica com a população de Rua, representa um desafio para o
pensamento crítico, na construção de uma nova prática da solidariedade, em
tempos de exclusão globalizada.
O mestre Florestan já havia advertido que fazer a história do presente ‘in
flux’ não muda os métodos empíricos e lógicos da explicação histórica e
sociológica. Diz ele: “O que se altera, acarretando procedimentos de trabalhos
mais penosos, são as técnicas de controle dos materiais empíricos e das
interpretações” (FERNANDES, F. (org.), 1984, p. 51).
Um modelo sociológico inovador de organização da Igreja Católica a
partir dos deserdados da sociedade paulistana pode existir como fruto legítimo
da ação pastoral ligada à Teologia da Libertação. E tendo a teoria como
horizonte, fazer surgir um modelo de ação não assistencialista e paternal.
18
O modelo pode nascer e crescer graças aos movimentos sociais e aos
organismos de base que emergiram nas décadas de 1970 e 1980, durante a
ditadura militar, apoiados deliberadamente no governo eclesiástico do cardeal
Paulo Evaristo Arns, atual arcebispo emérito de São Paulo. Iremos analisar
criticamente a fala dos quatro atores.
A atual crise de paradigmas exige racionalidade interpretativa que
incorpore conceitos antes negligenciados.
Um deles é a noção de compaixão ou a complexa experiência do ‘ser
afetado’.
A noção hermenêutica de afetividade ou compaixão pode tornar-se uma
categoria analítica em processos sociais e colaborar na forma instrumental
para compreender mudanças institucionais dentro do universo religioso católico
na cosmopolita cidade de São Paulo. E o uso apresenta inúmeras questões:
Há lugar para a categoria compaixão na análise social de um fenômeno
religioso ligado à organização e articulação da população de rua na cidade de
São Paulo? Se há, como se articula? A chave analítica responde de forma
adequada à mudança social ocorrida durante o governo colegiado do cardeal
Paulo Evaristo Arns? Ao usar tal categoria inauguram-se conflitos internos e
externos na sociedade civil e na eclesiástica? De que maneira foi um apoio na
construção da autonomia dos sujeitos? Os órgãos e serviços do poder público
alteraram as políticas públicas pela pressão do Vicariato e pela organização
dessa população? Qual a mudança social real na vida dos moradores de Rua,
na vida dos agentes pastorais e no cotidiano das instituições sociais e nos
órgãos de governo da cidade e da Igreja?
19
A compaixão como categoria a ser estudada no universo semântico das
ciências sociais e na atual conjuntura hegemônica do capitalismo traz
dificuldades concretas e teóricas que devem ser enfrentadas
metodologicamente.
Estou atento para não ignorar
que tanto as oportunidades quanto as capacidades são determinadas
por processos e estruturas mais amplos, que as conformam e exigem
algum mecanismo universal que supere as desigualdades
engendradas por eles. O desafio está em harmonizar objetividade e
subjetividade (WANDERLEY, Apud BOGUS, 2000, p. 192).
A questão foi enfrentada por intelectuais de diversas áreas do
conhecimento. Na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ecoa a voz
de Bader Burihan Sawaia (SAWAIA, 2000); na história recente recebi o
testemunho exemplar de Mohandas Mahtma Gandhi (GANDHI, 1999); de
tempos difíceis e totalitários tenho o pensamento rebelde e autêntico de
Dietrich Bonhoeffer (BONHOEFFER, 1980); no campo hermenêutico das
Ciências da Religião e da Teologia, repercutiu a reflexão de um dos pais da
Teologia da Libertação, o professor Leonardo Boff (BOFF, 2001); na pertinente
área da análise sociológica degustei os textos de Zygmunt Bauman (BAUMAN,
1998, 1999); e como testemunha e memorial, recebi como herdeiro a vida
oferecida ao povo marginalizado, de uma missionária uruguaia, Griselda
Marina Castelvecchi, conhecida como Nenuca, que conviveu radicalmente com
esse povo em São Paulo (CASTELVECCHI, 1995); assumi, enfim, como
referência metodológica deste trabalho a noção de afetividade de Michel Henry,
expressa em seu livro L´essence de la manifestation (HENRY, 1990)
2
.
2 Filósofo francês nascido em Haiphong, Vietnam, em 1922 e falecido em 2002.
20
A coleta de dados foi feita em quatro entrevistas qualitativas na cidade
de São Paulo e sua análise realizada a partir da categoria compaixão. Usei
ainda como material de pesquisa para confronto documental o jornal O
TRECHEIRO, nas edições do período de 1991 até 2006.
Os quatro informantes-chaves foram escolhidos pelos papéis
estratégicos que desempenharam no surgimento do Vicariato do Povo da Rua
em São Paulo. Procurei resgatar as razões fundamentais da criação do
organismo institucional e as motivações pessoais e metodológicas de tal
decisão.
Como material auxiliar usei dados das pesquisas estatísticas realizadas
pelo IBGE, pela Prefeitura Municipal de São Paulo em parceria com a FIPE, e
dados coletados pela comunidade São Martinho nos baixos do viaduto
Guadalajara, no bairro do Belém, o que me permitiu caracterizar qual a
população presente nas ruas da cidade e compor uma moldura da sua inserção
na cidade.
As quatro entrevistas realizadas em 2004 tiveram o pleno consentimento
dos entrevistados quanto ao seu uso acadêmico pelas informações coletadas,
de forma a seguir as normas éticas de pesquisa, pois envolvem sujeitos
concretos em situação de conflito social. Ressalto a ênfase que foi dada às
falas desses sujeitos, que foram inseridas na tese compondo o texto principal.
Os dados da pesquisa foram trabalhados pela análise dos conteúdos
permeados pela ótica do instrumental operativo do conceito compaixão.
Dividi a tese em três partes, precedidas de uma introdução e seguidas
de considerações finais.
21
Na primeira parte, dedicada aos antecedentes e cenários históricos,
traço, em um primeiro capítulo, a história do Vicariato Episcopal do Povo da
Rua, refazendo memórias. Utilizo-me dos depoimentos de quatro atores
centrais dos eventos que resultaram no Vicariato
3
. Quero enfatizar a
preocupação em dar destaque às falas das quatro pessoas. Estudo de maneira
cronológica e sincrônica os fatos que remontam a 1955, com a fundação da
Organização do Auxílio Fraterno (OAF), e os passos dados para que em 1993
fosse criado e instituído oficialmente o Vicariato. Detenho-me no período de
1993 a 2005 na análise da prática institucional do Vicariato. Tomo como
referência três eventos datados: a assembléia dos bispos em Puebla, México,
ocorrida em 1979; a criação do Vicariato em dezembro de 1993; e a
promulgação do decreto lei em defesa da população de Rua, assinado pela
prefeita Marta Suplicy em dois de janeiro de 2001.
Um dos aspectos fundamentais deste capítulo é o diagnóstico de quais
foram os motivos da criação do Vicariato e as tensões político-religiosas
presentes naquele momento crucial. Busco saber se a compaixão foi a razão
de base daquela decisão eclesiástica. Busco compreender analiticamente
como a experiência de vida de Griselda Castelvecchi, a Nenuca, marcará
indelevelmente aquele acontecimento eclesial inédito. Procuro ainda perceber
as mutações que o trabalho com o povo de Rua foi sofrendo do inicial trabalho
assistencial, passando pelas missões religiosas e chegando aos Dias de Luta e
à Casa de Oração, nestas várias etapas do processo institucional.
3 Uso da pesquisa qualitativa como método de analise assim como foi descrito por MINAYO,
M. C. S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade, 19. ed., Petrópolis: Vozes, 1994.
22
No capítulo segundo da primeira parte, busco situar o Vicariato e seu
trabalho com a população de Rua enquadrados na moldura da metrópole
paulistana e os processos sociais que tornam essa população testemunha
contra a sociedade frente aos processos sociais de exclusão. Procuro
compreender, com a ajuda de dados recentes de pesquisa demográfica, o novo
rosto da metrópole e sua mutação para perceber como, na metrópole concreta,
de São Paulo se inserem os movimentos sociais de emancipação e cidadania
ativa. Procuro ainda disponibilizar os dados de pesquisas recentes da FIPE e
da Comunidade São Martinho, para verificar como é possível vislumbrar
possibilidades reais no cenário metropolitano. A tarefa deste capítulo é verificar
sinais concretos de mudança no decorrer do trabalho pastoral.
Na segunda parte, procuro realizar de forma sistemática a abordagem
teórica das entrevistas e pesquisas históricas, pelo uso da categoria
compaixão, entendida como capacidade de ser afetado e possibilidade de
revelar algo em processos sociais e mudanças institucionais. A categoria
esteve presente nas obras clássicas do pensamento dialético e pode ser
operativa e instrumental na análise social, sem qualquer restrição semântica.
Busco compreender a categoria analítica de afetividade como passividade
ontológica originária. A compaixão como elemento constitutivo do ser humano
em sua práxis histórica e na transformação efetiva das condições materiais e
subjetivas, que negam a vida e a dignidade das pessoas. Procuro verificar na
prática político-social e pastoral do Vicariato do Povo da Rua da Arquidiocese
de São Paulo, particularmente na ação do vigário episcopal do Povo da Rua,
monsenhor Júlio Renato Lancellotti, em razão de sua função e de sua conexão
com a temática da tese.
23
A bibliografia básica, essencial em nossa pesquisa, foi usada como guia
analítico das entrevistas e do material coletado. Uso a categoria compaixão tal
como é articulada no pensamento fenomenológico de Michel Henry. Uso com
freqüência o arquivo do jornal O Trecheiro, como fonte básica dos dados e
eventos históricos.
O aparato crítico que utilizo procura diagnosticar se a existência e a
práxis do Vicariato Episcopal do Povo da Rua foi e é uma experiência concreta
de solidariedade e autonomia dessa população e em que isto foi inovador. As
entrevistas feitas com quatro articuladores estratégicos do trabalho com o povo
da Rua são parte fundamental desta tese. Para finalizar, apresento os
protagonistas, os conceitos e sua ambivalência, a meta e o método pedagógico
do trabalho com o povo da rua, a tensão entre vida e morte nas ruas e enfim, a
resistência e a utopia solidária.
Na terceira parte, apresento cinco temas paradoxais surgidos da
análise dos discursos dos quatro atores e das práticas desenvolvidas pelo
Vicariato em 12 anos de existência. Verifico os impasses para a construção de
políticas públicas fundadas na compaixão. Acompanho as promessas
cumpridas e o horizonte utópico do trabalho nas Ruas. Busco ainda verificar o
potencial do Vicariato: em que ele mudou a ação eclesial e como as várias
instâncias da Igreja Católica em São Paulo reagiram ao seu surgimento e ação.
Aponto algumas possibilidades de continuidade do serviço dentro da Igreja
Católica paulistana, entre a profecia suspensa e a realidade violenta da
metrópole, com seus inúmeros grupos de extermínio de gente da Rua. Termino
rememorando as vidas exemplares de três testemunhas: padre Ignácio
Lezama, irmã Griselda Castelvecchi e o padre Fredy Kunz, que se tornaram
24
referenciais de compaixão por serem os precursores destes novos caminhos
de uma nova prática eclesial e política. Comoveram pessoas e grupos
humanos, pois comovidos por testemunhos e valores de um modo de vida
coerente. Estas três testemunhas abriram caminho para o que podemos
denominar uma epistemologia da compaixão.
As considerações finais que faço são convite à continuidade da
pesquisa, apontando os caminhos trilhados para verificar a tese inicial e os
limites que ela apresentou. Mais do que índices, busquei os significados e as
mudanças institucionais ocorridas. Procurei encontrar os sujeitos e suas
histórias para compreender neste cenário urbano quais papéis
desempenharam. Enumero alguns possíveis temas que merecem
aprofundamento por outros pesquisadores das Ciências Sociais.
Ao final apresento a Bibliografia utilizada e três anexos: o primeiro, com
os dados completos de pesquisa na Comunidade São Martinho de Lima, de
1995 a 2005; o segundo, é o plano de trabalho da Organização do Auxílio
Fraterno para 2006; e, o terceiro e último, são os dados e informes dos
equipamentos sociais oferecidos à população de rua, na cidade de São Paulo.
25
PRIMEIRA PARTE
ANTECENDENTES
E
CENÁRIOS
Os propósitos do coração humano
são águas profundas, mas quem
tem discernimento os traz à tona.
Provérbios 20,5.
26
Capítulo Primeiro – Refazendo as memórias do Vicariato
Em primeiro lugar, foi necessário reconstruir os antecedentes históricos
da Organização do Auxílio Fraterno (OAF) e particularmente de uma educadora
uruguaia, Griselda Marina Castelvecchi, a Nenuca, que aqui chegou com 23
anos de idade, e morreu em 18 de dezembro de 1984, com 53 anos,
dedicando-se integralmente aos pobres desta cidade.
O relato da vida de Nenuca e da obra da OAF é a matriz da presença
cristã organizada junto ao povo de rua na metrópole paulistana. O trabalho, que
teve por articulador a Organização do Auxílio Fraterno, entidade criada em
setembro de 1955, exprimiu-se de forma exemplar nas chamadas Missões de
Rua.
Hoje, os articuladores da pastoral dos moradores de rua são muitos, e
desempenham papel importante na pastoral de fronteira na cidade. A pastoral
social não é mais um organismo de assistência social ou atividade dependente
27
do Estado, mas presença eclesial que nasce da sociedade civil e que regressa
ao coração da mesma sociedade (RICHARD, 2006, p. 120).
Pelas tarefas pastorais que desempenham no Vicariato, e pela memória
viva que expressam, selecionei quatro personagens estratégicos: as religiosas,
Irmã Dalva Ivete de Jesus, 62 anos, graduada em Pedagogia, Regina Maria
Manoel, 54 anos, graduada em Serviço Social, membros da Fraternidade das
Oblatas de São Bento; o padre diocesano e vigário episcopal, Júlio Renato
Lancellotti, 57 anos, graduado em pedagogia e em teologia, vigário episcopal
do povo da Rua; e, o arcebispo emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo
Arns, 84 anos, doutor em Letras pela Sorbonne, arcebispo metropolitano de
São Paulo por 28 anos (1970-1998).
Os quatro atores foram essenciais na irrupção de um momento ímpar da
Igreja paulistana e, por suas memórias e relatos qualificados, permitiram-me
compreender por que a Igreja Católica assumiu um tipo diferenciado de ação
religiosa. Os quatro personagens me permitiram contextualizar o surgimento do
Vicariato nas várias conjunturas sociais no período que se estendeu do ano
1955 (ano da criação da Organização do Auxílio Fraterno) até 2004 (ano da
inauguração da Casa Cor da Rua, na baixada do Glicério).
Ao assumir os quatro relatos memoriais, que percorrem cinco décadas,
marcados por contradições e potencialidades, guiei-me pela compreensão
analítica apresentada por Ecléa Bosi, quando afirma em seu clássico ensaio
sobre a memória e a velhice:
Não dispomos de nenhum documento de confronto dos fatos
relatados que pudesse servir de modelo, a partir do qual se
analisassem distorções e lacunas. Os livros de história que registram
esses fatos são, também, um ponto de vista, uma versão do
28
acontecido, não raro desmentidos por outros livros com outros pontos
de vista. A veracidade do narrador não nos preocupou: com certeza
seus erros e lapsos são menos graves em suas conseqüências que
as omissões da história oficial. Nosso interesse está no que foi
lembrado, no que foi escolhido para perpetuar-se na história de sua
vida (BOSI, Ecléa, 2004, p. 37).
Nosso primeiro objetivo na pesquisa era conhecer o que houve antes do
Vicariato: sua pré-história. Os depoimentos das religiosas Ivete e Regina foram
fundamentais para a reconstrução dessa fase. Busquei situar o momento
mesmo da criação da instituição eclesial, na hora do parto e com suas
parteiras; e traçar os primeiros anos de seu desenvolvimento na cidade de São
Paulo, para compreender as repercussões concretas da instituição religiosa na
vida do povo de Rua e da cidade.
Pude haurir do excelente e rigoroso material produzido por Camila
Giorgetti, baseado no estudo das representações sociais, e caracterizando o
lugar ocupado pelos moradores de Rua no imaginário social de São Paulo e
Paris. Chave importante de seu trabalho foi compreender que em São Paulo a
cidadania atribuída a esta população convive com manifestações de
higienismo, em um pêndulo de tipos e intensidades, geralmente ligado à
desigualdade social e negando espaço para a questão social ser assumida
coletivamente. Camila crê que a situação do morador de Rua tem que ser
prioridade na agenda pública. Ela conclui o estudo acurado dizendo que a
transformação social: “Não ocorrerá sem uma profunda modificação das
representações sociais” (GIORGETTI, 2006, p. 255).
De certa forma, busquei pesquisar alguns pequenos ensaios de
representações subversivas do status quo, nas quais sujeitos sociais e
29
eclesiais vêm trabalhando com moradores de Rua e proporcionando espaços
de cidadania em perspectiva não assistencial e preconceituosa. Novo método
de ação e nova filosofia de relações nos quais o morador de rua exige direitos
pessoais e sociais.
A Igreja entendida como instituição exige aproximações específicas. Ao
ser compreendida como religião deve ser apreendida como fenômeno universal
da cultura. A finalidade social que ela procura é, como diz Max Scheler, a
salvação individual do homem na dimensão do além-tumba, e a crença na
sobrevivência do espírito é tão velha quanto a humanidade.
A corporificação da religião dada pela Igreja e suas expressões
históricas a tornam estrutura social inserida em determinada conformação de
classe e de um modelo de produção. O contexto molda a religião e ela interfere
na sociedade de forma reacionária ou transformadora. Os elementos sociais,
com os quais o cristianismo se expressou na cidade de São Paulo são os
aspectos centrais da conformação institucional e simbólica da Igreja, de seus
representantes eclesiásticos e do imenso grupo de seus fiéis. Neste momento
de compreensão os depoimentos do padre Júlio e do cardeal Arns foram
emblemáticos para interpretar os aspectos religiosos e sociais da experiência
pastoral com o povo de Rua.
Roger Bastide divide os aspectos religiosos em dois tipos: elementos
motores e representações coletivas. Essas podem ser resumidas no dogma e
na doutrina religiosa. Os elementos motores são os ritos ou ritual e suas
expressões específicas. Destacam-se entre eles os sacrifícios, orações,
solenidades e a sua forma de transmissão cultual. No caso específico destarei
os elementos cultuais e religiosos que se expressam nas ruas e no processo
30
religioso do Vicariato Episcopal. Não compete ao sociólogo justificar a Igreja e
tampouco o Estado, mas compreendê-los como fatos. Discernir as funções e
mutações percorrendo determinado período de tempo. Desde Augusto Comte,
a sociologia se ocupa da análise dinâmica da realidade social, como tarefa
fundamental. O ênfase da análise de Comte em virtude da chave positivista é
guiado pelas três leis do progresso, herdadas de Saint-Simon. Hoje, voltamos a
falar em mudança social e não mais em evolução ou progresso, como por
décadas a pesquisa foi orientada. As mudanças sociais se realizam de forma
superficial ou radical, vividas como reforma ou como transformação
revolucionária.
Passo a reconstruir a memória dos primórdios da ação social da Igreja
Católica em São Paulo com a população de Rua da cidade, buscando
compreender o processo de mudança social, seus atores e conjunturas. Busco
perceber as características superficiais e as radicais, para traçar um quadro
dos elementos motores do fenômeno religioso institucional.
31
1. O grupo precursor das uruguaias
Fui entrevistar a irmã Dalva Ivete de Jesus, que em São Paulo exerce
tarefas importantes na Fraternidade das Oblatas e que conhecia as origens da
presença católica com o povo da Rua. De forma humilde, ela apresentou-me
um relato da chegada de um grupo de missionárias do Uruguai no ano de
1953, pelo porto de Santos, e de como haviam sido acolhidas no Hospital do
Brás pelo padre Ignácio Lezama, também uruguaio.
32
Relata a Irmã Ivete:
A história mais clara com veracidade, quem a tem é a Cristina, que
hoje está em Belo Horizonte, pois chegou antes de mim. O que eu sei
é que a OAF (Organização do Auxilio Fraterno) foi fundada em 1955,
por uruguaias que queriam ser monjas, mas que não queriam viver
em um mosteiro. Elas queriam a vida do ‘Ora et Labora’, fora dos
muros dos mosteiros, e aí encontraram um monge beneditino
olivetano, capelão do Hospital do Brás, e fundaram uma Fraternidade
sabendo que os mais pobres de São Paulo naquela época eram os
operários. Elas foram, portanto, ser operárias na Indústria Matarazzo
e na Phillips, assumindo este ‘Ora et Labora’, e foram percebendo
que apareciam nas ruas de São Paulo outras pessoas que não eram
os mendigos tradicionais, e que já eram fruto do desemprego, pois
era a época em que se construiu muito prédio, muito viaduto, e isto
deixou depois uma mão-de-obra sobrante. A OAF foi fundada em
1955 para atender este pessoal mais jovem – que não eram muitos –
e que não eram mais os mendigos tradicionais da cidade
4
.
O momento que precedeu a presença organizada da Igreja com o povo
de rua já tem algumas marcas que permanecerão no futuro: a mística de unir
trabalho e oração, a preocupação com a vida e o modo de viver dos mais
pobres da cidade, e um claro discernimento em perceber as causas do
crescimento dos moradores de Rua que não eram mais a mendicância
conhecida na cidade de São Paulo, mas que se apresentava, como diz Ivete de
Jesus, como mão-de-obra sobrante. É interessante notar que os anos da
chegada das uruguaias e da irrupção de novos pobres na cidade coincidiram
com a imensa migração nordestina que favoreceu a constituição do parque
4 Entrevista com irmã Dalva Ivete de Jesus, na Casa Cor da Rua, 06.01.2004, durante a Festa
da Epifania.
33
industrial automobilístico, fruto da decisão política do presidente Juscelino
Kubitschek de Oliveira (que governou entre 1956-1961), pelo conhecido Plano
de Metas, que pretendeu fazer do desenvolvimento a idéia chave de uma
grande e rápida mudança, com o slogan: ‘50 anos em 5’. Milhões de pessoas
foram desenraizadas por ampla migração forçada do Nordeste para o Sudeste
brasileiro, e parte considerável tornar-se-á mão-de-obra excedente em
periferias e centros urbanos.
A memória do padre Júlio Lancellotti ao valorizar o passado reafirma:
O Vicariato do Povo da Rua tem uma história que o precede. Ele não
surge do nada. Existia aqui em São Paulo a Organização do Auxilio
Fraterno, e a figura paradigmática da irmã Nenuca, que iniciou o
trabalho com a população de Rua há mais de 35 anos”
5
.
De fato, a pessoa de Griselda Marina Castelvecchi, conhecida como
Nenuca, será estratégica na própria vida institucional da OAF como também
em três décadas de trabalho nas Ruas. Creio que o vínculo que padre Júlio faz,
personificando as origens com a vida exemplar da Nenuca e sua prática
humana, é um momento importante na história.
Dom Paulo Evaristo Arns, ao ser entrevistado por minha pesquisa
qualitativa, fez um largo preâmbulo para contar que em sua volta da Sorbonne,
ao ser destinado para acompanhar estudantes franciscanos em Petrópolis,
iniciara um trabalho com os pobres que viviam em sete morros do bairro
Itamarati. Trabalho em que se manteve por dez anos. Visitava sempre as
escolas e os doentes, e estas visitas o marcarão existencialmente. Ao ser
5 Entrevista com o padre Julio Renato Lancellotti, na Casa Vida, 27 de dezembro de 2003,
Festa dos Santos Inocentes.
34
nomeado bispo, ele resistiu durante meses para aceitar o convite do Papa
Paulo VI. Afinal, chegará a São Paulo em 1966 para ser bispo auxiliar e
posteriormente arcebispo, em novembro de 1970. Eis o relato crítico do cardeal
arcebispo emérito sobre a situação que ele encontrou ao chegar à cidade como
bispo:
Quando cheguei a São Paulo, eu vi que não estava bem organizado.
Havia a OAF, que me convidava e eu ia junto muitas noites com eles,
para as vigílias da noite. Os pobres começaram a me interessar
desde logo. Não estavam organizados, nem eles, nem os presos.
Eram as duas coisas que me importavam muito. Eu fui começar a
cuidar das duas coisas: dos presos e dos pobres. Eu ia toda semana
visitar a Penitenciária, já como bispo auxiliar da Zona Norte. Para os
pobres, nós fazíamos todo dia Sete de Setembro uma marcha, pois
eu nunca fui para a parada militar. Nenhuma vez. Em 28 anos, eu não
fui para a parada porque eu abomino isso e acho que não é o
patriotismo que se revela lá. Que continuem fazendo se isso agrada a
muita gente, mas a mim não me agrada. Então nós juntávamos os
pobres em um lugar, e, como eles têm algumas pessoas influentes,
sobretudo a OAF, preparava-se um almoço. Nós fazíamos uma
Marcha paralela, por vielas e Ruas, enquanto o Exército marchava do
outro lado. Depois, chegávamos a um lugar onde tinha comida para
todo mundo, o que quer dizer, uma boa feijoada. Eu comia a feijoada
junto. Em todo caso, estava certo que nós tínhamos os pobres do
nosso lado, e onde quer que a gente fosse, eles diziam: aquele é o
bispo que vai conosco no dia Sete de Setembro! Aquele é o bispo
que vai conosco quando a gente tem uma festa! Aquele é o bispo que
nos arranja as coisas quando nós não temos o que comer! Isto tudo
foi de fato um trabalho preparatório muito bom. E entusiasmou a
35
região norte da cidade para trabalhar um pouco mais unida em favor
dos pobres
6
.
Dom Paulo insiste em que a presença do bispo com o povo de Rua e
não nos desfiles militares do dia Sete de Setembro, demonstrava uma clara
opção religiosa e uma mudança de lugar social da instituição e de seus
representantes. Ele reconhece que dois grupos humanos não recebiam da
Igreja institucional a devida atenção: os presos e os moradores de rua. Dom
Paulo afirma que essa presença incipiente precisava de organização e
planejamento articulado. Era, entretanto, preciso que o bispo (em nome da
Igreja) estivesse pessoal e simbolicamente ao lado dos pobres e
entusiasmasse as comunidades no engajamento.
6 Entrevista com dom Paulo Evaristo Arns, cardeal arcebispo emérito de São Paulo, em sua
residência no Jardim Guapira, no dia sete de janeiro de 2004.
36
2. E fez-se a OAF!
Passado o momento inicial da presença das Oblatas na cidade inseridas
no mundo operário, haverá em 1955 a constituição da OAF, como espaço
articulado com a população empobrecida de nossas ruas e das prisões. Ainda
de cunho profundamente assistencial, mas profissional e não fragmentário.
Irmã Ivete rememora como nasceu e como se deu sua inserção na
Organização do Auxílio Fraterno:
Além de assumir a questão do desemprego, a OAF tinha um aspecto
bem assistencial. Tinha oficina para abrigadas no Presídio Feminino,
37
para que as presas não ficassem tão ansiosas. Tinha também um
serviço aos suicidas para valorizar a vida. E tinha uma ronda noturna,
que visitava esta população e via que cada vez mais a população
aumentava no Centro. E isto aparecia mais à noite. O próprio cardeal
dom Paulo visitou várias vezes, e o Colégio Santa Cruz assumiu
como trabalho pastoral. E, nesta época, começam a aparecer
meninos na Rua e a OAF também criou uma casa para meninos no
Brás. Havia, portanto, a casa das egressas, casa das suicidas, casa
das mulheres que viviam em prostituição e desejavam recomeçar
uma vida diferente, e casa para pessoas mães solteiras que se
conheciam nas fábricas; e quando o padre beneditino vai a Recife,
nota que era grande o número de meninos perambulando pelas ruas
da cidade, e funda uma OAF em Recife para cuidar de meninos, de
onde surgiu um grande colégio profissionalizante de sucesso, mas o
padre Ignácio morre em 1964.
Outra religiosa da Fraternidade, irmã Regina Maria Manoel, dá sua
versão da vida na OAF e de suas opões pessoais:
Nasci em Botucatu, e vivi dos sete aos 20 anos em Assis. Pertenço a
Fraternidade das Oblatas de São Bento. Faço parte de um grupo de
cinco irmãs: Fortunata Novaes Gominho e Maria Cristina Bove,
residindo em Belo Horizonte, Isabel Abachely, que trabalha e mora na
Penha, a Dalva Ivete de Jesus e eu, junto das Cooperativas.
Comungamos muito com Yone Buyst, religiosa belga. E Sueli Daione,
que é de Ribeirão Preto, São Paulo. Viemos de uma tradição de
espiritualidade beneditina e de uma prática com os marginalizados, e
isso traz o ORA et LABORA de uma maneira mais conseqüente em
nossa opinião. Eu, já desde muito jovem, tinha essa intuição de uma
disponibilidade, não tanto para a vida religiosa, mas essa atitude de
serviço. Essa vivência pessoal minha foi e é marcada pelos focolares,
nesta busca. Vim para São Paulo para estar mais próxima do
38
movimento, nas coordenações e comunidades. Vim para uma
república do movimento Gen (Geração Nova). Depois fui para o
Mariápolis Aracelli. E fazia este caminho. E fui descobrindo ali a
possibilidade de levar essa doação que eu cria importante, da Palavra
de Deus e do Evangelho. Também porque a vida religiosa
institucional do jeito que ela se apresentava não me atraía, pois eu
sempre tive horror a uniforme. Ali, de toda forma eu encontrei esse
espaço. Para mim, o apelo social sempre foi muito forte. No focolare
eu não encontrava da forma como eu achava que devia ser. Eu, no
entanto, permaneci atenta às questões sociais. Eu morava com
Eliane, que trabalhava na OAF, no círculo Santa Verônica (que eram
as pessoas que tentaram o suicídio), junto com a irmã Fortunata,
trabalhando também no acompanhamento das presas e egressas,
serviços que a OAF tinha naquele período. Isto em 1976. Entrei na
OAF em 1977, nas Oblatas em 1980, e estou aqui até hoje: 2004.
Tive muitas dificuldades e muitos conflitos, mas nunca me arrependi.
A primeira questão para mim eram os pobres, e não diretamente a
população de Rua. Eu não tinha essa preferência. O que mais me
chamou foi o testemunho evangélico daqueles que viviam com eles.
No caso da Fraternidade, na inserção e no trabalho da OAF. As
pessoas da OAF passaram a ser referências e eu disse: por ali tem.
Pois até aquele momento eu mesma não tinha nada de popular e, às
vezes, quando estou em reuniões desorganizadas, mesmo na
cooperativa, eu me pergunto: como eu vim cair neste lugar, eu que
gosto de tudo certinho?! Eu vejo como um chamado (de Deus) que
você não explica. O que me faz ficar, realmente, é a possibilidade de
ver a vida apesar de toda a fragilidade e conflito, a vida é muito forte.
É a possibilidade a partir desta realidade da Rua, de você ver ali o
apontar de sinais para o que seria uma sociedade fraterna e justa.
Até porque as pessoas da rua vivem com muito pouco. Quase com
39
pouco demais, e nos indicam que talvez a gente não precisasse de
tanta coisa. Fui entrando nisto. Foi uma experiência gradativa de
formação e começamos a ficar muito próximas deles, e após 20 anos
morando na Baixada do Glicério, podíamos ser incomodadas
permanentemente. Primeiro, acreditar na justiça e buscá-la. É o
direito da vida. E muito mais. Por isto o aspecto da vivência fraterna,
dessa vontade de ser pessoa. E isto não é só a comida e a roupa.
Isto não é só trabalho. Mas é tudo: lazer, amor, afetividade,
religiosidade. Gente concreta com todas as necessidades
7
.
Regina confirma que a crença imperativa na justiça social e na defesa da
vida foi desde os primórdios elemento constitutivo da prática da OAF,
canalizado na meta contínua de favorecer a vivência fraterna e o respeito pela
pessoa humana em situações-limite.
7 Entrevista com Regina Maria Manoel, na Organização do Auxilio Fraterno, dia seis de janeiro
de 2004.
40
3. A morte de dom Bagaço:
A morte em Recife, no ano de 1964, do padre Ignácio Lezama (nascido
em 30.10.1918 e falecido em 19.01.1964), monge beneditino olivetano, marca
um momento importante na recondução da OAF e na busca de novos rumos
institucionais, ainda que o espírito solidário original permaneça inalterado.
Emblemático vincular sua morte em janeiro de 1964 ao momento traumático
vivido pela nação brasileira no golpe de março do mesmo ano. Os últimos anos
de vida do padre olivetano foram sendo marcados por grandes sofrimentos
pessoais, em comunhão com a grande miséria vivida pelas classes populares
em Recife. O próprio padre passa a identificar-se ao povo de Rua e a chamar-
se de ‘bagaço’. Infelizmente esse monge engajado com os pobres, morre dois
meses antes de poder ser agraciado com a alegre notícia da chegada do novo
arcebispo de Olinda e Recife. No dia 12 de março de 1964, dom Helder Pessoa
Câmara seria designado arcebispo, cargo que exercerá até dois de abril de
41
1985. Padre Lezama pode ser considerado precursor do modelo de inserção
libertadora que dom Helder defenderá mesmo silenciado pela ditadura militar.
Nenuca relata o drama deste momento: “Ao ver o estado em que ia ficando,
cada vez mais sem forças, e depauperado, padre Ignácio começou a chamar-
se a si mesmo de dom Bagaço” (CASTELVECCHI, 1985, p. 77).
42
4. Nenuca e a crise deliberada
A morte do diretor espiritual e guia das uruguaias gera crise importante
no projeto. Crise assumida conscientemente pelas Oblatas.
Eis a análise da irmã Ivete:
Ele morrendo, a Nenuca teve que assumir a coordenação desta
pequena fraternidade, que era multidisciplinar, com características
bem diferentes do quotidiano de uma fraternidade da vida religiosa,
pois umas eram economistas e outras operárias, e, portanto, um
grupo com uma grande diversidade de formação. E a OAF se torna
uma grande entidade assistencial em São Paulo e em Recife. Em
1975, a OAF tinha os melhores albergues de São Paulo, do Brasil e
isto tudo inspirado em no movimento de Emaús, da França, mas
surge a Teologia da Libertação, e um dia dom Paulo chama Nenuca e
fala assim: ‘Coloca Puebla na Rua’. Numa conversa muito íntima e
informal ele falou: ‘não era bom colocar Puebla na Rua?’. Eu acho
que ele falou isso sem imaginar o que ia acontecer. Pois aí a OAF
43
desmoronou. A Nenuca fechou tudo: todos os albergues, todas as
casas, a OAF tinha convênio no âmbito federal, municipal e estadual,
e devolveu tudo e disse: ‘agora as Oblatas vão voltar para as Ruas
para conhecer de novo o novo perfil da população de Rua e nós
vamos assumir a Teologia da Libertação como estilo de vida’. E a
Teologia da Libertação tinha os seus paradigmas: organizar a
população, restaurar a cultura, restaurar a religiosidade, então nós
começamos isto no viaduto. A criar comunidades, a celebrar, a
organizar as cooperativas, as moradias, as festas religiosas, isto tudo
embaixo dos viadutos ou em praças.
A ênfase da irmã Ivete está na coerência do projeto e estilo de vida e,
sobretudo, no ato de conhecer o perfil mutante dessa população.
Padre Julio Lancellotti assume outra inflexão sobre a mudança
institucional e o momento crítico da OAF:
Um ponto importante é quando a OAF tinha uma prática muito mais
de acolhida, casa de mulheres, casa de meninos, uma prática bem
próxima a essa população na Rua e de situação de Rua. Mas dom
Paulo pediu, quando surgiu a Conferência (1979) Latino-americana
de Puebla, que elas levassem as conclusões para a rua. Que as
Oblatas de São Bento vivessem isto. E isto trouxe uma reformulação
de toda a prática. Elas fecharam todas as casas, que eram casas de
acolhimento, e passaram a viver muito mais próximas da população
de rua e também fazer a experiência desta população. Houve uma
intuição da irmã Nenuca, de que o povo que vivia nas ruas não tinha
um espaço de expressão da fé. Onde eles iriam exprimir sua fé?
Como é que eles iriam vivenciar sua fé? Todo mundo quer dar algo
para o povo da Rua: comida, roupas. Quer dar alguma coisa. Nem
sempre quer conviver com ele. E construir com ele alguma
possibilidade. Ou rezar com eles, celebrar com eles. Vivenciar uma
experiência eclesial. Uma experiência de fé a partir deles e com eles.
44
Padre Júlio dá ênfase à perspectiva da convivência, da experiência
compartilhada e da emergência de sujeitos autônomos. Aquilo que ele chama
‘a partir deles e com eles’.
Ao participar durante alguns anos da suas vidas, as Oblatas perceberam
que era preciso oferecer alternativas concretas, e organizaram instituições de
qualidade em assistência social, em São Paulo e Recife. Mas a irrupção da
Teologia da Libertação como um pensar crítico da realidade de
empobrecimento latino-americana, e como um momento segundo do
pensamento cristão tornará inevitável a crise do modelo de atendimento e a
mudança de práticas sociais. As duas Conferências Gerais do Episcopado
Latino-americano realizadas em Medellín (1968) e Puebla (1979) colocarão na
ordem do dia a emergência dos pobres como sujeitos eclesiais a partir da
emblemática opção preferencial pelos pobres. Entrarão para o cenário religioso
e político os conceitos da Teologia da Libertação, gestada inicialmente por
Gustavo Gutierrez, Hugo Assmann, Rubem Alves e Leonardo Boff.
Os quatro teólogos podem ser considerados os pais da corrente
teológica da libertação. Gustavo Gutierrez imprime seu primeiro texto em julho
de 1968, em Chimbote, Peru, ampliado e editado em 1971, em Lima
(GUTIERREZ, 1971). O teólogo presbiteriano Rubem Alves publica seu texto
nos Estados Unidos, em 1969 (ALVES, 1969). Leonardo Boff lança Jesus
Cristo Libertador em 1972, em Petrópolis (BOFF, 1972). E, enfim, Hugo
Assmann lança, em 1976, suas reflexões em Salamanca, na Espanha
(ASSMANN, 1976). Vale lembrar nomes dessa primeira hora: Enrique Dussel,
dom Helder Pessoa Câmara, dom Manuel Larraín, Richard Schaull e dom
Cândido Padin.
45
Ao assumir a Teologia da Libertação como estilo de vida e proposta
alternativa, Nenuca e suas companheiras trazem Puebla para as Ruas e
alteram profundamente o modelo de ação social desenvolvido até o ano de
1979. Aqui aconteceu um ponto de mutação, que terá conseqüências
profundas na Igreja e na presença católica no centro urbano da cidade. A
teologia apresentada em Medellín e Puebla, conhecida como Teologia da
Libertação, realizou uma ‘violação’ da linguagem teológica e religiosa no
continente, e foi a pedra de toque da mudança estrutural de ações religiosas e
práticas sociais. Aconteceu na teologia e na prática evangelizadora aquilo que
Thomas S. Kuhn analisara nas revoluções científicas (KUHN, 1989, p. 93).
Irmã Ivete comenta algumas crises posteriores da tomada de decisão e
fala sobre as esperanças acalentadas por Nenuca:
Nesta época, além de fecharmos tudo, nós começamos a sair de São
Paulo e a ir para São Mateus, no Espírito Santo, pois havia uma
experiência de comunidades de base, com as irmãs combonianas.
Fomos para o Mato Grosso, fomos para a cidade onde havia
comunidades que se organizavam. Chamamos o frei Carlos Mesters
e o padre. Arturo Paoli. Fomos buscar os grandes mestres, Gustavo
Gutierrez, para a gente poder ouvir um pouco desta nova teoria, que
é que o pobre tem que se organizar. Um dia, estávamos nós juntas,
em um retiro, e uma das meninas disse o seguinte: ‘eu não estou
acreditando que o pobre vá se organizar’. ‘Eu vejo é muita bebida, já
que (neste tempo) não havia tanta droga. Muita violência, muito
problema mental’. E a Nenuca disse: ‘Vai ter um sinal e nós vamos
esperar este sinal’. E disse a menina: ‘Você pode até ter razão, mas o
sinal vai ser quando esses pobres tiverem filhos. Esse vai ser o nosso
sinal. Quando eles começarem a constituir família: esse vai ser o
sinal’. Isso foi em 1978, quando eu vim morar no Glicério. Nós
46
ocupamos nove casas abandonadas que tinham por aqui, todas
estragadas, e começamos a invadir e a organizar a comunidade e ao
mesmo tempo a sopa. A sopa e a comunidade. E aí nasceu a
primeira criança de um casal da Rua. Ela em uma casa abandonada
e ele na Rua. E foram morar naquela vilinha, que é da Igreja, perto da
atual Casa de Oração, e hoje uma destas é uma menina que tem 21
anos e trabalha na Secretaria da Habitação e passou em jornalismo
este ano e têm três filhos. Ela é funcionária da Casa de Oração e
depois, em seguida, casou o Paulo, com uma trombadinha da Sé,
que mais parecia um menino, e vieram morar do meu lado, e tiveram
três filhos (o primeiro morreu) e estão hoje na periferia, têm um carro,
continuam catando papelão na 25 de Março. Depois veio o Carlinhos,
que é da Cooperativa, também casou. A Maria, que já tem netos.
Quando nasceram essas crianças, a Nenuca nos reuniu de novo e
disse: ‘O grande sinal está aí, as crianças nasceram’. Agora, é
possível organizar o povo da Rua!
47
5. Tradição assistencial
O cardeal arcebispo, dom Paulo Evaristo Arns, assume a condução
espiritual e hierárquica do pequeno grupo de mulheres, que mudava
profundamente seu estilo de vida a partir de novos lugares institucionais.
Trilhavam por mares nunca dantes navegados e precisavam de apoio concreto
e paternal, pois a decisão do fechamento do modelo anterior parecia absurda.
Mas a presença do bispo, somada à força espiritual desta mulher, Nenuca,
acabou forjando algo promissor.
Irmã Ivete comenta os vários processos desta conversão:
48
Na verdade, a OAF, dentro de seu estilo assistencial, tinha por isto
mesmo o caráter de uma Igreja mais tradicional. O padre Ignácio,
apesar de ter sido um profeta, porque ele inovou a relação da vida
religiosa com a população de Rua, com os operários, com os presos,
ele tinha uma religiosidade bastante tradicional: a autoridade, o bispo,
a obediência; e a Nenuca seguia esta regra. Quando ele faleceu, em
1964, nós ficamos sem ligação com os beneditinos, pois éramos um
pequeno grupo, não tínhamos expressão e não combinávamos com o
mosteiro tradicional. Nenuca foi pedir a dom Paulo se ele podia
assumir a Fraternidade, e nós nos tornamos uma pia associação,
agregadas à Igreja local, embora ainda ligada à Regra de São Bento,
com a metodologia de um mosteiro: de fazer do mosteiro uma escola,
de ensinar fazendo, de ouvir os mais novos, de aceitar os mais
pobres. A Nenuca também seguia este modelo, dentro da Igreja
tradicional. E lá na sala (na casa Cor da Rua), onde estamos
começando a fazer a memória dela, tem até uma cruz, quando ela
disse: ‘Eu vou para a praia’, e foi para Santos, e lá ficou alguns dias.
Quando voltou ela reuniu as Oblatas e disse: ‘nós temos que mudar’.
Disse Nenuca: ‘Mudar significa: fechar Recife’. Nós estávamos
ligadas a um padre, estritamente escolástico, que não se dava com
dom Helder. Um padre muito bom, fiel à Igreja, e uma diretoria muito
tradicional. E ela disse novamente: ‘Nós temos que fechar Recife’.
Isso foi um escândalo em Recife. Como fechar?! Uma coisa que
funciona, uma escola estilo Senai, os diretores todos criticando e tudo
recaiu sobre a Nenuca por conta da decisão. E isto teve um impacto
sobre as Oblatas. Nós tivemos uma reunião em Ribeirão Preto, onde
as Oblatas se definiram. As mais novas ficaram com a Nenuca, as
mais velhas se afastaram, achando que a Nenuca tinha perdido o
espírito do padre Ignácio.
49
O momento crucial, ocorrido em 1979, permitiu a mudança no estilo de
vida e a liberdade frente à institucionalidade construída. Houve o fechamento
de muitas obras e a volta às Ruas, como descreve Ivete de Jesus:
Nosso estilo de vida mudou. Fechou a OAF. Fechou tudo. Fomos
morar na Rua Müller no Brás, e a nossa vida era vender café na rua,
ser garçonete na Rodoviária da Luz, faxineira no DEIC, eram esses
serviços subalternos, para entender o que é a vida de perda do pobre
que está com o pé na rua, como as garçonetes, as faxineiras, e andar
pela rua vendendo café, e não visitando os pobres, pois isso ela não
permitia. A gente tinha que ir à rua, fazer alguma coisa, fazendo
algum trabalho. E qual era o trabalho do pobre? O trabalho do pobre
era ser ambulante, vender bolo ou café. Eu, por exemplo, vendi
amendoim no Brás muito tempo. Neste momento muitas de nós
pensamos em ir para o México, pois tínhamos amizade com as
guadalupanas de Cristo Rei, pois a Nenuca era uma mulher universal.
Ela tinha contato com o mundo inteiro. Era uma mulher extremamente
mística, levantava às quatro horas para rezar as matinas, depois nos
acordava para rezar com ela, não nos obrigava nunca a levantar
àquela hora. Saía à noite para a gente rezar na cidade, e convidava
Alfredinho (Fredy Kunz) para pregar retiro na praça pública com as
Oblatas, os voluntários e o povo da Rua. Retiros misturados, grupos,
como uma vida nômade mesmo. Isto foi um momento inédito da
Nenuca. Mas ela teve câncer e morreu em 1984, jovem, com 56
anos, cheia de vida. Escreveu dois livros: ‘Somos um povo que quer
viver’ e ‘Quantas vidas eu tivesse, tantas vidas eu daria’. Ela foi uma
mulher arrogante, uma mulher que enfrentou bispo, padre, mulher
bem uruguaia. Ela teve irmãos, presos políticos e um morto pela
ditadura uruguaia.
50
6. As Missões Populares
O projeto da OAF sai das instituições e passa literalmente para as Ruas.
A OAF se torna ‘rueira’ e assume como tarefa acompanhar a população em
seu cotidiano de sofrimento.
A ‘comunidade dos sofredores de Rua’
8
será construída lentamente e,
desde os anos 1990 realizará momentos de oração, nos baixos do Glicério e no
Parque Dom Pedro. A sopa do Parque Dom Pedro II passará a ser feita no
viaduto ao lado do Mercado Municipal (JORNAL DA RUA, março de 1990). A
comunidade se reunirá na Rua dos Estudantes, 549, na Rua 25 de março, 205,
e na ainda na Casa de Oração da Rua Riachuelo, 272.
Irmã Ivete refaz a memória da organização daqueles que perambulavam
pelas Ruas a partir do núcleo da Casa de Oração:
8 Quem difundiu a expressão ‘Sofredor de Rua’ foi o padre Freddy Künz.
51
Criamos uma coisa que se chamou Missão que era do dia 1º até 7 de
setembro, uma grande festa na Rua, terminando no dia sete com uma
grande passeata. E muitas destas passeatas eram recebidas na
Catedral pelo cardeal, reivindicando, por exemplo, políticas públicas,
direito de entrar nas Igrejas e de não serem expulsos, o direito de ir e
vir, e daí nasceu a primeira Casa de Oração, na Florêncio de Abreu,
atrás do Mosteiro de São Bento. Depois, os monges fizeram uma
avaliação e acharam que era muito pobre em volta do mosteiro e
pediram para sair. E nós saímos da casa abandonada da Marquesa.
Os franciscanos ofereceram um salão, na Rua Riachuelo, que fora
lugar dos nipo-brasileiros, um anfiteatro fechado, mas interessante.
Com a operação inverno (já que não havia abrigo de inverno), os
frades se intrigaram, achando que os pobres podiam pôr fogo no
convento e mandaram-nos sair. E nós voltamos para a rua. Em um
dos natais, dom Paulo veio aqui no viaduto Glicério, e celebrou
conosco o Natal. Depois houve o inverno quando Paulo Salim Maluf
era o prefeito, e nós fizemos um acampamento exigindo que se
abrissem abrigos, pois o frio era intenso e o povo começava a morrer.
Já havia acontecido quatro ou seis mortes na rua. No próximo Natal,
na verdade, no tempo do Advento, a irmã Penha Carpanedo e a Irmã
Yone Buyst criaram uma Vigília de Advento, na Catedral, que o
Cônego Dagoberto Boim permitiu, pois era o pároco da Catedral. E a
gente fazia essa vigília todo sábado à tarde, lá em cima, no altar,
onde estão as cadeiras, todo mundo ia pra lá, e o povo que estava
embaixo, que geralmente era gente pobre ou beatos, acabaram se
entrosando e nós fizemos dois anos de vigílias na Catedral com o
povo da rua, e depois preparando uma encenação para a Noite de
Natal, ao lado de dom Paulo.
As missões religiosas feitas nas Ruas da cidade sempre culminavam em
momentos celebrativos em praças públicas, ou mesmo em algumas Igrejas,
52
incluindo a Catedral Metropolitana de São Paulo. Alguns sacerdotes abertos à
situação humana dos ‘sofredores’ tornavam-se parceiros de seu peregrinar.
As memórias de Nenuca, transcritas em seu livro, assim descrevem o
caminho itinerante dos participantes daquela primeira Casa de Oração:
Vão chegando aos poucos. Alguns domingos são mais de oitenta.
Chegam ao velho casarão, situado bem no centro da cidade, de fácil
acesso para todos. Ali tem lugar para muitos. Vêm para participar da
assembléia do dia, para passar uma tarde agradável, também para
rezar. Podem entrar tranqüilamente os que vivem na Rua, a casa é
deles. Podem entrar e tomar a palavra no canto, nas brincadeiras,
nos grupos e nas orações. Ali começam a se encontrar e a expressar-
se como são às vezes: meio bêbados, criando problemas na
convivência, mas são sempre eles mesmos, sem verniz nem disfarce.
Vêm de todo lugar: dos mocós mais próximos, de outros mais
distantes, há os que chegam do “trecho” (que é o estar e caminhar
pelas Ruas das cidades), e os que estão trabalhando em obras ou em
biscates. Vêm de todo sofrimento: trazem experiências de roubos,
brigas, mortes, injustiças, solidão (CASTELVECCHI, 1992, p. 97).
No casarão, contíguo ao Mosteiro de São Bento, o povo disperso se
reunia, o povo das ruas se reencontrava. Ali, por muitos anos foi o lugar de
encontro, onde os ‘sofredores’ passaram a ver-se e reconhecer-se como parte
de um povo que, apesar de disperso, podia reunir-se, e expressar sua fé
partindo da vida, descobrindo nos fatos de sua história o apelo de Deus para
uma caminhada de vida, de libertação. O encontro, como toda novidade, era e
é uma resposta ao convite que lhes foi feito para participarem da Boa Nova de
Deus: “Não precisam mais andar de lá para cá nas tardes de domingo, nem
desanimar por causa do sofrimento; o Senhor está a favor dos fracos, Ele quer
53
que seu povo se reúna”, dizia folheto da época. Hoje, o antigo casarão mudou
de endereço, mas a missão permanece idêntica: reunir e acolher.
As Missões nasceram em 1979, com 80 participantes, e aconteciam
anualmente no mês de setembro, em geral com duração de uma semana.
Possuíam cunho social e religioso, tendo a Casa de Oração como ponto
catalisador. Realizam freqüentes caminhadas pelo centro velho da cidade. Em
Sete de setembro de 1991, ao ser feita a 13ª Missão, tal é a descrição do
jornalista: “Quem estava ontem no Centro da cidade, pelas 17,30 h, ficou
surpreso com o que acontecia. Mais de 300 pessoas celebrando a 13ª Missão
fizeram uma caminhada pelo centro da cidade para denunciar a realidade que
vivem a cada dia: fome, frio e solidão” (TRECHEIRO, 1997, ano I, n. 03/04 p.1).
Os lemas das Missões realizadas de 1979 a 1991 foram estes:
1979 – Anúncio da Palavra e vivência fraterna,
1980 – O Sofredor e a Cidade – comunidade,
1981 – Somos um povo que quer viver,
1982 – Somos um povo que quer viver,
1983 – Somos um povo que defende a vida,
1984 – Povo que quer viver, resiste para vencer,
1985 – Sem trabalho, casa e pão, não há libertação,
1986 – Lutamos noite e dia, por pão e moradia,
1987 – Estamos na miséria, queremos justiça séria,
1988 – Fizemos a cidade, não temos liberdade,
1989 – Sofredor não vai calar, é hora de mudar,
1990 – Se une sofredor, a cidade vai ouvir o seu clamor,
54
1991 – Entra na roda da Rua, vem que a festa é sua (TRECHEIRO,
1991, ano 1, n. 2).
A metodologia das Missões foi etapa importante na presença com a
população de Rua da cidade paulistana. Momento de proximidade e
convivência. Era momento de partilha, conversa pessoal e oração.
No percurso das Missões muita gente se agregou. Seminaristas dos
missionários carlistas, franciscanos, alguns diocesanos e, de forma
permanente e fiel, membros da Sociedade do Verbo Divino, os verbitas.
Religiosas de inúmeras congregações e muitos leigos de paróquias e
movimentos também se agregaram. Também alguns pastores metodistas e
presbiterianos.
Os agentes religiosos caminharam juntos, trabalhavam, aprendiam e
passavam as memórias e aprendizado aos que chegavam; alguns fazendo
outros grupos; multiplicando e diversificando a convivência e o modo de estar
ao lado do povo de Rua. As missões tornam-se Dias de Luta e depois
momentos fortes na Quaresma e Campanha da Fraternidade em cada novo
ano.
Do trajeto e da nova presença nas Ruas surge, em 1983, a Comunidade
dos Sofredores da Rua, nos baixos do viaduto Glicério. Em 1986 passaram a
atuar os Serviços Assistenciais Bom Jesus dos Passos, com o conhecido
Rango de Pinheiros. Inaugura-se, no dia 22 de fevereiro de 1990, a
Comunidade São Martinho de Lima, nos baixos do viaduto Guadalajara, no
bairro do Belém. Em 1990, a Fraternidade do Povo da Rua, no Brás. No
Parque dom Pedro II surge o Café do Coreano, oferecido pela Igreja Metodista
Coreana e posteriormente pela Igreja Presbiteriana Coreana.
55
7. A nova fase: Dias de luta
Desde 10 de maio de 1991, sempre no mês de maio (pois se comemora
o dia do Assistente Social), acontece o Dia de Luta do Povo da Rua. Era
sempre encontro de articulação, pressão política e expressão artístico-cultural.
Até o último dia 25 de maio de 2006, com cerca de 500 participantes havia sido
realizado um total de 16 dias de luta. Tornaram-se a nova forma de expressar-
se das antigas Missões. Eis os dias de luta desde 1991 e seus temas centrais:
10 de maio de 1991 – A miséria fala por si mesma.
14 de maio de 1992 – Nasci para gritar e meu grito será cada vez mais
forte.
4 de junho de 1993 – O grito calado do povo que quer viver.
10 de maio de 1994 – Debate sobre o projeto de lei do povo da Rua.
31 de maio de 1995 – Aprovação do projeto de lei na Câmara Municipal.
56
22 de maio de 1996 – Fórum aponta crescimento das minorias e da
exclusão.
27 de maio de 1997 – Lei do povo de Rua é sancionada.
6 de maio de 1998 – Reivindicar a implantação da lei do povo de Rua.
21 de maio de 1999 – Sofredor, mas lutador!
24 de maio de 2000 – Repudia o aumento do desemprego e exige
políticas de inclusão.
7 de junho de 2001 – Busca reconhecimento da profissão de catador
durante marcha para Brasília.
22 de maio de 2002 – Luta por condições de reinserção no mercado de
trabalho e moradia.
26 de junho de 2003 – Reivindica direito à dignidade e à saúde do povo
de Rua.
26 de maio de 2004 – Critica ausência de políticas publicas de
habitação.
19 de maio de 2005 – Somos um povo que quer viver.
25 de maio de 2006 – Fazer justiça séria.
A partir de 1991, portanto, a organização pastoral passa por nova fase
de articulação. As missões se transformam em Dias de Luta do Povo de Rua
como pude descrever. Uma das razões maiores da mudança talvez esteja
vinculada à presença na Prefeitura de São Paulo de Luiza Erundina de Souza,
que governará a cidade de 1989-1992, sucedendo Jânio Quadros e
precedendo Paulo Salim Maluf. O breve momento de interstício de um governo
democrático popular pôde favorecer o crescimento da consciência popular e,
sobretudo, pela formação profissional da prefeita, como assistente social, de
57
compreender a vida e dilemas dessa parcela da população. Um dos projetos
assumidos pelas comunidades populares da Zona Leste com o apoio explícito
da prefeita da cidade foi a construção, em regime de mutirão, e posterior
inauguração, em 22 de fevereiro de 1990, da Comunidade São Martinho, nos
baixos do viaduto Guadalajara. Destaque também é o lançamento em agosto
de 1991 da primeira edição mensal do jornal Trecheiro, que marca momento
importante no resgate da memória e no registro de fatos e lutas da população
de rua.
Em 1992, inaugurava-se a Casa de Convivência no bairro do Brás. Os
evangélicos somam seus esforços, e também em 1992 surgem a Comunidade
Metodista do Povo da Rua, no interior do viaduto Pedroso, e a Associação
Evangélica Casa de Convivência Porto Seguro, situada na Ponte Pequena. É
criado oficialmente o Fórum Nacional de Estudos sobre a População de Rua.
Em 1993 é inaugurado o Cascudas Restaurante, na avenida Nove de
Julho, 351. Em 26 de abril de 1995 é inaugurada a Casa de Convivência Nossa
Senhora do Bom Conselho e São Luiz Gonzaga. Em 1996 já existiam seis
casas de convivência. No mesmo ano de 1996, em 3 de março, como iniciativa
do Servizio Missionario Giovani (SERMIG), de Turim – Itália, e da Associação
Internacional para o Desenvolvimento (ASSINDES), foi inaugurado o Arsenal
da Esperança, no bairro do Brás, no local onde funcionara no passado a
Hospedaria dos Imigrantes.
Em 2001, no dia 2 de janeiro, a prefeita Marta Suplicy assina o decreto
que regulamentava a lei do povo da rua, de autoria de Aldaíza Sposati, que
começara a tramitar em 1993 e fora aprovado em 1995, mas ficara bloqueada
até 2001, por conta dos vetos dos prefeitos Paulo Maluf e Celso Pitta.
58
Em março de 2001 aconteceu o Primeiro Encontro Nacional da
População de Rua em Belo Horizonte. Foi constatado que Belo Horizonte, São
Paulo e Salvador eram as cidades melhor articuladas no trabalho organizativo.
No dia 7 de junho de 2001, realiza-se a Marcha Nacional do Povo da Rua, em
Brasília, com o lema: Vida é cidadania, com cerca de 3 mil catadores e
moradores de Rua de todo o país. No mesmo mês, de 4 a 6 de junho, a capital
brasileira foi palco do Primeiro Congresso Nacional dos Catadores de Materiais
Recicláveis, com 1.500 participantes, de 17 estados brasileiros (TRECHEIRO,
ano XI, junho 2001, p.1). O ponto alto do encontro foi a apresentação de um
anteprojeto de lei que regulamenta a profissão de catador de materiais
recicláveis.
Em 29 de maio de 2002 foi apresentado e inaugurado o Projeto Oficina
Boracéa, coordenado pela Secretaria de Assistência Social do município, com
inúmeras parcerias. Espaço de 17 mil metros quadrados, destinado ‘a acolher e
reconstruir vidas’, que tinha como público-alvo as pessoas em situação de Rua,
especialmente os catadores de materiais recicláveis.
Em 15 de dezembro de 2003, é inaugurado o Núcleo Social Albergue II,
também chamado Casa de Simeão, situado à Rua Assunção, 480, no bairro do
Brás, para atender a idosos em situação de Rua.
No mesmo dia, no bairro do Glicério, é inaugurada a Casa Cor da Rua,
com sua Oficina Escola, na rua dos Estudantes, 491. Ela pretende ser um novo
conceito da reciclagem a partir da valorização humana. Todos os móveis da
casa vieram das ruas da cidade.
Em 23 de dezembro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
lançou o “Selo Amigo do Catador de Materiais Recicláveis” e o Prêmio Amigo
59
do Catador 2004. O presidente esteve presente no Glicério e recebeu a
Comissão Nacional do Movimento Nacional de Catadores de Materiais
Recicláveis (TRECHEIRO, dezembro 2003, p. 4).
Em 19 de agosto de 2004, dez homens que dormiam pelas Ruas do
centro foram agredidos com barras de ferro. Em 22 de agosto, mais cinco
pessoas agredidas com armas de fogo. No total, sete mortos e oito feridos
graves na mais grave chacina contra pessoas de Rua na cidade de São Paulo
(TRECHEIRO, agosto de 2004, p. 1).
Nesse ano, em 9 de dezembro, a Pastoral do Povo da Rua da
Arquidiocese de São Paulo ganha o Prêmio Nacional de Direitos Humanos, das
mãos do ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Nilmário
Miranda (TRECHEIRO, dezembro de 2004, p. 1).
De 23 a 25 de janeiro de 2005, em São Leopoldo-RS, se realiza o
segundo Congresso Latino-americano de Catadores de Materiais Recicláveis
(TRECHEIRO, janeiro de 2005, p. 4).
Na Praça da Sé, dia 18 de março de 2005, foram celebrados os 50 anos
da Organização do Auxílio Fraterno (OAF), precursora e suporte de todo o
trabalho com o povo de Rua na cidade (TRECHEIRO, março e abril de 2005, p.
4).
No dia 7 de maio de 2005 foram eleitos os seis representantes da
população de Rua para o Conselho de Monitoramento da Secretaria Municipal,
de forma a cumprir o decreto 43.277/03 (TRECHEIRO, maio de 2005, p. 4).
Padre Júlio refaz os caminhos da história da Casa de Oração e dos Dias
de Luta:
Daí surgiu a primeira Casa de Oração do povo da rua, que era na
Florêncio de Abreu (em 1979), atrás do Mosteiro de São Bento. Ali
60
realizou-se muito desse trabalho de vivência, de experiência (da fé),
ecumênico. Foi feito esse caminho, ligado com a organização do
povo. Como organizar o povo. O Comblin sempre lembrava para nós
uma coisa interessante: a Igreja sabe trabalhar com pessoas
facilmente organizáveis. E não sabe trabalhar com pessoas que
dificilmente se organizam. Então é uma história longa essa da
organização da população em situação de Rua. Depois, houve um
problema lá na Florêncio, e os beneditinos pediram a casa de volta. A
Casa de Oração foi para os fundos do Convento de São Francisco,
na rua Riachuelo, e ali foi o velório da Nenuca. Foi um lugar onde
aconteceram muitas coisas históricas. Como a celebração da morte
do Joílson de Jesus, menino de Rua que foi morto no centro da
cidade. Os franciscanos, muito tempo depois, retomaram esse
espaço, e hoje eles mesmos trabalham com a população de rua. Ali
foi realizado o Dia de Luta do Povo da Rua, quando a candidata
Marta Suplicy esteve lá para conversar com o povo da Rua (no ano
2000). Com a saída do espaço dos franciscanos nós ficamos na Rua
mesmo. E nós fizemos muitas vezes as celebrações nas Ruas. Por
fim, surge a nova sede definitiva da Casa de Oração, em junho de
1997, e que está muito identificada com o Vicariato. Ela foi construída
e criada por dom Paulo Evaristo com o prêmio Niwano da Paz, que
ele recebeu dos budistas, situada à rua Djalma Dutra, 3, no bairro da
Luz.
O surgimento da primeira Casa de Oração foi considerado pelos agentes
pastorais de Rua como um passo essencial na longa caminhada percorrida
desde 1978-1979, quando a OAF mudara seu projeto e sua estratégia de ação.
Há um recomeço do serviço nas ruas, tendo como referência a casa oferecida
pelos beneditinos, situada a Rua Florêncio de Abreu, 111.
61
Um velho casarão no coração da cidade, com a entrada larga,
salas amplas, um bom quintal, foi-nos emprestado pelos monges
beneditinos. Melhor, impossível. Nossa Senhora, amiga dos
oprimidos, fez-nos este obséquio. No dia de Nossa Senhora do
Rosário, 7 de outubro de 1978, recebemos a chave dos monges.
Uma chave antiga de ferro, com mais de 15 centrímetros de
comprimento, bonita, simbólica. Já tínhamos lugar para reunir a Igreja
dos Pobres (CASTELVECCHI, 1985, p. 121).
Na casa aconteceu a concretização do apelo feito pelo Cardeal Dom
Paulo para Nenuca e as Oblatas de São Bento: “Tragam, quando puderem, o
programa de Puebla para o centro de São Paulo!” (CASTELVECCHI, 1982, p.
5).
O sonho de Nenuca se realiza: o povo da rua também como parte do
povo de Deus. Quando penso nos pobres como povo, sempre emerge a idéia
do povo situado na periferia da cidade. Diziam, entretanto, as irmãs Oblatas,
em missão no centro urbano, que o povo de rua faz parte de uma periferia
especial, e sua demarcação não é mais geográfica, pois são como a ‘periferia
do centro’. Os pobres não são notados, mas ali moram e estão. Centenas de
homens e mulheres transitam pelas Ruas, sem destino, e invisibilizados por
sua condição social e econômica. A invisibilização daqueles que são privados
de bens é descrita por Simone Weil como a negação do próprio existir:
Aquele que é inteiramente privado de bens, quaisquer que sejam, nos
quais é cristalizada a consideração social, não existe. Uma canção
popular espanhola diz em palavras de uma maravilhosa verdade: se
alguém quer se tornar invisível, não existe meio mais seguro que o de
tornar-se pobre (WEIL, 1950, p. 109-110).
O povo tem sua história no campo, em lavouras, ou nas cidades, onde
tem família, e embora tenha uma história de opressão, muitos deles conheciam
62
as tradições religiosas de Nossa Senhora ou do padre Cícero Romão Batista,
do Senhor do Bonfim ou de reisados e congadas do interior. Sua chegada à
cidade inicia-se por um confronto que fica sem resposta. Na metrópole não lhes
são oferecidos trabalho nem qualificação. Muitos se tornam alcoólatras e vivem
cotidiano marcado por brigas, feridas e drogas. Os que na cidade já eram
nascidos perderam valores vitais e foram asfixiados social e religiosamente.
No centro da cidade, não há lugar para o homem de rua expressar a
identidade cultural e religiosidade. Sua presença é um incômodo para
comerciantes, moradores de prédios e até mesmo para as Igrejas grandes e
tradicionais do centro, onde muitos dos moradores se acomodam só para
dormir, permanecendo alheios a uma liturgia na qual sua paixão não tem lugar
nem transfiguração. E considerados sujos e incômodos pelos demais cristãos
presentes para orar. Assim, o habitante da rua é posto à margem dos
equipamentos sociais e econômicos, e também alijado das Igrejas, vendo
reduzido o desejo de ser reconhecido como pessoa, fazer parte de um povo.
De resgatar a cidadania plena.
63
8. Escolha da pauta política
Ao fazer o percurso da história da manifestação pública dos Dias de
Luta, foram sendo criados momentos de discussão dos temas e da pauta
política a ser encaminhada aos poderes públicos.
Irmã Ivete faz importante relato do procedimento que foi sendo assumido
na escolha da temática e na condução da pauta política. No relato ela afirma a
importância de um novo método de ação social:
A relação que vivíamos com essas pessoas fez com que surgisse a
frase: ‘Somos um povo que quer viver’, que fora tirada em uma
assembléia de cinco dias antes de fazermos a Missão, onde tiramos
50 frases e houve votação para sair com elas na caminhada, e a
primeira mais votada destas 300 pessoas reunidas na rua. Havia
gente evangélica, carismática, e outros. Depois, nós tiramos outra
frase que veio mais tarde, após a existência da Casa de Oração, que
era: ‘Ser mais irmão’. Porque os da rua não acreditavam no
companheiro. Quando começamos a Coopamare (Cooperativa dos
64
Catadores), em 1989, eles acreditavam na irmã Regina ou na irmã
Cristina, mas um no outro, não! Por isto tiramos em uma reunião de
organização, na Associação dos Catadores, que é preciso, para criar
uma cooperativa ser mais irmão. E ser mais irmão é confiar, e confiar
no sentido de educar, e ter uma consciência crítica. Não é porque ele
rouba que ele vai ficar. Ele vai ter que mudar. Nós tivemos há pouco
tempo um roubo aqui, e o menino ainda está aqui. Ele foi até a bolsa
da menina e tirou 60 reais. Eu fiz uma reunião com o grupinho jovem.
Eu suspendi o menino por 15 dias. Mas todos disseram, ele é nosso
irmão. E disseram: ele tem que mudar! É irmão, mas tem que mudar.
O dia que eu marquei para a volta, ele voltou. Eu o coloquei na
reunião com eles, e o que eles decidissem estaria decidido para mim.
Disse a ele: ‘Se eles decidirem que você tem que ser afastado, você
será afastado. Se não, não. E você terá toda a liberdade de ficar ou
não ficar. A decisão deles, depois de 40 minutos, foi a de que ele
ficaria, mas devia pagar. E eles não tocariam mais no assunto. Ele
está aí até hoje. Não foi afastado, mas teve que mudar. A porta
permanece sempre aberta, sem polícia, mas cada um tem que saber
o seu lugar. Cada um tem que saber o seu papel. Essa é a educação
para o comunitário. Você não ter uma liberdade vigiada, nem uma
liberdade assistida, mas uma liberdade responsável. Esse é o método
estudado pela Nenuca e repassado por nós.
Ao assumir como papel a educação para o comunitário, irmã Ivete
aponta chave pedagógica para o processo político desenvolvido com os
moradores de Rua. E ela própria explica que a educação se expressa na
prática da liberdade, tema central no pensamento de Paulo Freire. Diz o
pedagogo pernambucano:
É o momento altamente pedagógico, em que a liderança e o povo,
fazem juntos o aprendizado da autoridade e da liberdade verdadeiras,
65
que ambos, como um só corpo, buscam instaurar com a
transformação da realidade que os mediatiza (FREIRE, 1983, p. 211).
A própria irmã Ivete, como discípula freireana, confirma que a liberdade
que propicia caminhos autônomos é a liberdade responsável. A liberdade se
tornará verdadeira disciplina de vida para o povo da rua.
66
9. O difícil parto de Natal
A prática educativa com o povo da Rua, e vivida por inúmeras pessoas e
perspectivas, passará a exigir conexões e plano de trabalho comum, sob pena
de dispersão e sobreposições. A forma como foi plasmada esta unidade, foi a
criação do Vicariato Episcopal do Povo de Rua.
Anunciado durante a missa de Natal, em presença de muitos moradores
de rua, na Catedral Metropolitana, ele foi canonicamente erigido e criado por
um decreto diocesano em 27 de dezembro de 1993, por ordem do cardeal
arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns. O tema daquela memorável
missa era: ‘Na esperança e na dor, o Natal renova o amor’.
Primeira visão do anúncio do Vicariato, compreendido como um novo
modelo de Igreja foi oferecido por irmã Ivete:
Eu sei que foi na terceira celebração (pois o advento era todo na rua,
a gente dormindo na rua) Creio que em 1993, nós estávamos todos
sentados nas escadarias, o padre Júlio Lancellotti concelebrando com
dom Paulo e estava lá o povo da rua: Nossa Senhora, o Menino, os
Reis Magos, vestidos a caráter. Dom Paulo anunciou este Vicariato,
67
que foi surpresa até para o padre Júlio. Os padres tinham achado que
dom Paulo os havia boicotado, pois o cardeal não tinha consultado
um conselho, nada. Ele anunciou aquilo como uma inspiração. E
assim nasceu o Vicariato do Povo da Rua. E ele chamou o lugar de
encontro do povo de rua de Catedral, que não substituiria a da Sé,
mas seria um sinal de que a Igreja institucional os via com grande
amor. O Vicariato seria, na verdade, um modelo de Igreja urbana.
Na interpretação da irmã Ivete o surgimento do Vicariato deu-se como
momento carismático e inovador do próprio modelo eclesial.
De forma dramática e com muitos ingredientes conflitivos, até agora não
publicizados, apresento outra memória do nascimento do Vicariato do Povo da
Rua, nas palavras de monsenhor Júlio Renato Lancellotti, que acabou
assumindo o papel de coordenador desse ministério eclesiástico:
Na noite de Natal de 1993, estando todos na Catedral, dom Paulo
anuncia que estava criado o Vicariato Episcopal do Povo da Rua. Eu
estava responsável da pastoral do menor na Arquidiocese, e a minha
postura na Pastoral do Menor estava incomodando muito.
Principalmente o governo do Estado, com o governador Fleury, e
Pedro Franco de Campos, secretário da Segurança Pública. Houve,
no Palácio dos Bandeirantes, uma reunião do secretariado de
governo com a presença de alguns bispos do Estado de São Paulo.
Não estava nenhum bispo da cidade de São Paulo, da Arquidiocese
de São Paulo. E o Fleury se queixou de alguns padres, e o
secretariado também. E mostraram uma lista de padres incômodos
ao governo e um dos nomes era o meu. Na ocasião, dom Paulo era o
presidente do Sul I do Estado (CNBB), e houve uma pressão muito
grande desses bispos com dom Paulo. Dois bispos que estavam
nessa reunião me falaram que o governador pedira providências e
que eles tinham que me calar. Eu entendo que houve uma pressão
68
muito forte sobre dom Paulo. Eu soube que, em uma Assembléia da
Arquidiocese, dom Paulo anuncia que a Pastoral do Menor tinha um
novo coordenador. Seria o Cônego Dagoberto Boim. Eu não sabia
disto e nem fiquei sabendo. Escrevi, então, uma carta para dom
Paulo, dizendo o quanto eu o admiro e o respeito, e quanto eu devo
obediência e submissão, mas que eu esperava ter sido avisado
previamente de que eu estava sendo destituído. Ele me respondeu a
carta não dizendo os motivos, mas que era uma providência que a
Arquidiocese achou por bem tomar, e confirmando os fatos. Fui à
casa de dom Paulo, confessei-me com ele e terminada a confissão
ele me disse: ‘Eu queria que você aceitasse ser o vigário episcopal do
Povo da Rua.’ Eu respondi: ‘Eu vou pensar e depois lhe dou uma
resposta’. Coisa que eu sabia que Dom Paulo jamais aceitaria de que
alguém fosse pensar para depois dar uma resposta!
Conversei com o pessoal que trabalhava com população de
rua: Regina, Ivete, padre Arlindo. Perguntei o que achavam, pois não
queria dar uma resposta pessoal só minha. Era uma coisa que
transcendia. O pessoal pesou, mediu, cortou, repartiu, e achou que
eu devia dizer sim. Eu liguei para a casa do cardeal e ele não estava.
Deixei o recado: ‘Por gentileza, transmita a Dom Paulo que aquilo que
ele me perguntou, a resposta é afirmativa!’ Ele não me disse mais
nada e na noite de Natal, no dia 25, terminamos a caminhada com o
povo da rua, na Catedral. O povo levando uma criança como Menino
Jesus. Isto causava grande impacto, pois eles vinham com trajes
reciclados, pessoas muito sofridas, com o nenê da Rua. Ficamos
sentados à frente do altar. Eu tinha me magoado muito, pela forma
como eu fora destituído para dar satisfação ao governo, o mesmo
responsável pelo incêndio na Febem do Tatuapé. Dom Paulo, durante
a missa, disse publicamente: ‘Nesta noite está criado o Vicariato
Episcopal dos homens de Rua’. Eu disse a ele que não deveria ser
69
homens, mas Povo de Rua. A minha leitura foi a de que dom Paulo
criou o Vicariato Episcopal do Povo de Rua para responder a uma
necessidade concreta, pois já havia a pastoral há anos.
A leitura distinta do padre Júlio Renato Lancellotti clarifica elementos
polêmicos na criação, e foi aqui apresentada longamente por questão de
relevância, pois creio que uma das condições básicas da ciência sociológica é
a sua adequação ao real, de forma controlada e distante. Manter o severo
juramento da neutralidade axiológica do saber e ao mesmo tempo perceber os
elementos sociais em conflito. A irmã Ivete de Jesus analisa o evento daquela
noite de Natal em chave simbólica, e foi fundamental verificar outras
perspectivas no contexto social de tantos atores envolvidos.
Ao entender melhor os ingredientes que forjaram o cenário daquela noite
de natal de 1993, compreendi melhor o caleidoscópio das leituras feitas a partir
de uma nova presença da Igreja com o povo de Rua, inaugurada naquela noite.
As memórias de dom Paulo Evaristo Arns sobre aquela noite,
apresentam outro ponto de vista na compreensão interpretativa do mesmo
acontecimento, e para ele o ponto central localiza-se na inspiração inusitada da
escolha e na consolidação do ato de cuidar de forma direta e organizada da
parcela do povo de rua:
O momento crucial foi quando voltei do Japão com o prêmio Niwano.
Eles me doaram 200 mil dólares. Em pleno dia de Natal, fui para a
Igreja e disse: esses 200 mil vão ser para o Menino Jesus. Vamos ver
quem é esse Menino Jesus? Quando vi o Júlio subir as escadarias da
Sé com todos os pobres da rua e deitarem-se nos degraus que dão
acesso ao presbitério, eu fiquei tão entusiasmado que, durante o
sermão, de improviso, sem consultar bispo nenhum, sem consultar o
Conselho, pulando por cima das instâncias, eu simplesmente criei um
70
Vicariato dos Homens da Rua, do Povo da Rua. Os nomes variaram,
mas o povo era sempre o mesmo. Muito acolhedor e muito bom. Foi
uma inspiração da hora, o entusiasmo da hora. Eu disse: ao invés de
dormir aqui, pois vocês todos estão com sono e nem tiveram jeito de
descansar, vocês vão ter um lugar para vocês. Vamos ver o que a
gente pode fazer para vocês. Eu trouxe algum dinheiro do Japão que
vai ser dado para vocês. Só isso. E agora, daqui para frente, o chefe
de vocês é o padre Júlio Lancellotti, e ele vai cuidar de vocês. Ih!
Bateram muitas palmas! A Igreja inteira rejubilou, quando eu disse
Júlio Lancellotti. Ele já era muito conhecido por conta do trabalho com
os menores e também porque ele ia com os pobres para baixo dos
viadutos. Bateram palmas! Eu quando cheguei à sacristia falei para
ele: ‘Você me desculpe! Aquilo foi do Espírito Santo, e é irrevogável.
Você foi nomeado publicamente e foi nomeado com toda a
capacidade e autoridade que eu tenho como arcebispo’. Você agora é
monsenhor e daqui para frente você cuida dos pobres em meu lugar,
e me chama sempre quando eu possa ajudar. Mas tem uma coisa, eu
já trouxe 200 mil dólares aqui no bolso e quero saber o que você vai
fazer com esse dinheiro, que é para os pobres da Rua. No Japão me
disseram que eu desse para quem quisesse! Mas eu achei logo que
devia dar para os homens da rua, que naquele tempo já chamávamos
de povo da Rua. Começaram a procurar um lugar, e havia um lugar
na Luz. Padre Júlio fez uma pesquisa que deu um resultado
extraordinariamente diferente daquele que nós esperávamos: os
pobres disseram que queriam uma Catedral! Não queriam uma casa
qualquer, não queriam um albergue, pois o Maluf já tinha feito e lá
eles eram maltratados. Eles queriam um lugar perto de Deus. Então
eles disseram que queriam uma coisa assim: embaixo para tomar
banho, ficar limpo de corpo e depois subir e ficar lá em cima e rezar.
Respeitando um ao outro e fazendo as festas conforme o organizador
71
ajudasse. Eles têm muita inspiração. Têm muitos poetas entre eles.
Muitos cantores. Gente muito capaz.
Os três relatos são exemplos concretos de que:
Esse convívio de lembrança e crítica altera profundamente a
qualidade da segunda leitura. A qual, só por essa razão, já não
‘revive’, mas ‘re-faz’ a experiência da primeira (BOSI, Ecléa, 2004, p.
57).
Historicamente, a Catedral do povo da Rua foi inaugurada em 28 de
junho de 1997, a partir do dinheiro ganho em 1994, no Japão, da Fundação
Niwano
9
. O Vicariato Episcopal fora instituído em 27 de dezembro de 1993.
Dom Paulo funde tais momentos simbólicos em um único e emblemático
evento, e corrobora o que já disse sobre a memória reinterpretada.
Dom Paulo Evaristo Arns, em seu depoimento no dia 7 de janeiro de
2004, falou daqueles acontecimentos como um pedagogo e um pai espiritual,
revelando: "Um movimento peculiar à memória do velho que tende a adquirir,
na hora da transmissão aos mais jovens, a forma de ensino, de conselho, de
sabedoria” (BOSI, Ecléa, 2004, p. 481).
Houve, de fato, nos dois eventos citados: na criação do Vicariato e na
construção da Catedral do povo da Rua, um conjunto de decisões eclesiais
inéditas.
O cardeal as chama de inspirações ou entusiasmos. Assim também as
lê a irmã Ivete. Padre Júlio interpreta de outra forma. Fato é que houve
alteração na estrutura hierárquica da Igreja, com a nomeação do vigário
9 Niwano Peace Foundation é uma Fundação Budista japonesa que anualmente confere
prêmio a personalidades de envergadura intelectual que contribuam para a paz mundial.
Website: http://www.npf.or.jp/npf/index_e.html
72
episcopal ambiental, inédito no Brasil, e a construção de um lugar de oração
para o povo da Rua, o que é também paradoxal.
Quanto à constituição jurídica do vigário episcopal vale lembrar que ela
está codificada pelo cânon 476, onde se lê:
Sempre que o bom governo da diocese o exigir, podem ser
constituídos pelo Bispo diocesano um ou mais vigários episcopais
que tenham, em determinada parte da diocese, ou em determinada
espécie de questões, ou quanto aos fiéis de determinado rito ou de
certa classe de pessoas, de acordo com os cânones seguintes, o
mesmo poder ordinário que compete ao Vigário geral por direito
universal (JOÃO PAULO II, 1983, cânon 476).
Padre Júlio Lancellotti foi nomeado livremente pelo arcebispo, pois fora
considerado perito em teologia, e recomendado por sua sã doutrina, probidade,
prudência e experiência no trato das questões dos moradores de Rua.
O próprio cardeal Arns responde por que escolheu padre Júlio para
vigário episcopal:
Por que escolhi o padre Júlio? Júlio Lancellotti tinha a proteção de
dom Luciano Mendes de Almeida, e era considerado um dos
preferidos dele. Eu perguntei para dom Luciano e ele me disse: o
Júlio morde nos dentes, mas não larga! Ele vai até o fim. A gente
pode confiar nele. Sempre dizia isto de novo. Eu fui me convencendo
disto vendo-o e acompanhando-o. Eu confio nele como confio em
mim próprio e até confio mais nele que em mim próprio, em certas
situações.
O semanário da Arquidiocese de São Paulo assim apresentava as
razões da escolha do novo vigário episcopal: “Como um reconhecimento por
seu trabalho junto aos moradores de Rua” (O São Paulo, 30.12.1993, ano 38 n.
1959, p. 7).
73
Ao tornar padre Júlio vigário episcopal, e erigir juridicamente o Vicariato
Episcopal do Povo da Rua, o cardeal arcebispo de São Paulo criava algo
inédito e punha em relevo, como nunca antes, a vida e a identidade dessa
reunião de determinado agrupamento humano (certi personarum coetus, como
o determina o cânon 515), os moradores de Rua.
A própria figura do vigário episcopal era nova, criada pelo Concílio
Vaticano II em 1965 (no documento conciliar Christus Dominus n. 27) e
comumente usada em certas metrópoles para grupos humanos específicos,
como universitários, religiosas, migrantes, ou certa parte territorial da diocese
para a qual o bispo convoca um padre para auxiliá-lo. No entanto, até o ano de
1993 não conheço em diocese católica nenhum vigário episcopal para os
moradores de Rua! Já existiam dois Vicariatos em São Paulo: o dos
Construtores da Sociedade e o da Comunicação, criados em 1991. O terceiro
viria especialmente para evangelizar os que vivem nas Ruas e os menores.
Quanto à Catedral dos moradores de Rua, construída com o dinheiro do
Prêmio Niwano da Paz, ela também adquiriu feições simbólicas inéditas.
Existiam em inúmeras dioceses do mundo serviços filantrópicos e espaços de
acolhida para os que andam pelas ruas: em geral na forma de albergues
custodiados por ordens religiosas. Uma Igreja destinada para essa população,
com autonomia em sentido pastoral e sacramental, foi um inusitado ato
institucional que abriu caminho para o reconhecimento de sua identidade
própria e de suas características urbanas. Essa decisão poderia suscitar uma
sectarização das pessoas de rua em relação às outras comunidades
paroquiais, mas não ocorreu.
74
Ao erigir a comunidade estável de fiéis em torno do Vicariato, o cardeal
reconhecia a personalidade jurídica, ipso iure, conforme o cânon 515 § 3.
A Igreja garantiu aos moradores de Rua acompanhamento pastoral
permanente e adequado dentro das normas institucionais. Tornavam-se
membros de pleno direito do imenso arcabouço institucional da Igreja. Já eram
membros pelo batismo, agora exerceriam deveres e direitos pela pertença
organizada a um Vicariato pessoal.
A ação do Vicariato, como organismo eclesial constituído formalmente,
se inspirou no compromisso da fé religiosa do Povo de Deus pela história
escrita na Bíblia e assumindo essa prática como chama de vida, não mais
como memorial, mas como acontecimento atualizado. A mecha fumegante
pôde reacender-se, pois estas pessoas tiveram oportunidade de reviver a
história comum e reencontrar a identidade cultural. O conceito de pertença a
um povo é essencial na compreensão da chave teológica do Vicariato e um
critério religioso de extensão política.
Ao dar a contribuição ao povo de Rua, a própria Igreja proclama a opção
pelos pobres como um critério de identidade histórica. Os moradores de rua se
constituem povo não pela formação teórica de sua fé (constituída de elementos
de muitas fontes religiosas), nem por sua moral (freqüentemente com atitudes
contraditórias e não plenamente éticas), mas porque, reconhecendo
sinceramente que estão sós e precisam dos irmãos, se dispõem a vencer a
desconfiança, se dispõem a fazer uma Igreja, não para rezar individualmente,
mas para formar uma comunidade. A comunidade dos inicialmente
autoproclamados sofredores de Rua, e hoje, a Comunidade do Povo da Rua.
75
Assim conclui padre Júlio ao comentar o estilo de vida espiritual vivido
nas comunidades de rua:
É fácil rezar pelo povo da Rua nas celebrações onde eles não estão
presentes. O difícil e verdadeiro seria rezar com o povo da Rua nas
celebrações onde eles estão presentes. Nas celebrações que são
feitas a partir deles, e com eles. E nunca sem eles. O morador de
Rua é uma figura emblemática do tropeço na própria Igreja.
76
10. Objetivos originais do Vicariato
O Vicariato propunha-se ser instância de convivência na vida e na luta
cotidiana do morador das ruas da cidade. Apresentou-se como um lugar em
que se exercitaria a convivência de valores humanistas. Queria ser propiciador
de profecia dirigida à Igreja e à sociedade paulistana.
O Vicariato foi formado por agentes de pastoral leigos, religiosas,
religiosos, padres e, sobretudo pelo povo da rua. O grande objetivo era formar
Igreja na rua e a partir da rua. O Vicariato assumiu como tarefa aprofundar
espiritualidade e mística para todos que nele trabalhassem em tempo integral,
o que inclui o vigário episcopal, equipe de religiosas, alguns seminaristas e os
leigos voluntários das diversas denominações cristãs.
As áreas de atuação se configuravam nas seguintes:
Região Sé,
Região Belém,
77
Região Ipiranga,
Região Lapa,
E destaque seria dado à área central da cidade, onde a população de
rua se concentra.
Várias paróquias mantêm ações, como sopa comunitária, para esta
população, assim como determinadas congregações prestam serviços
específicos aos albergados e enfermos. Destaque para a Ordem Franciscana e
para a recém-criada Toca de Assis.
O Vicariato quis unir as iniciativas para avaliar experiências e gerar
critérios comuns de ação. O Vicariato assumiu objetivos religiosos e sociais,
participando de parcerias com órgãos governamentais e não-governamentais
na defesa da cidadania. O Vicariato privilegia a convivência como metodologia
pastoral e meio para criar espaços de participação, manifestação da
religiosidade, das necessidades e visão de mundo. Estas três tarefas: unir,
participar de parcerias e conviver dão o rosto da presença do Vicariato na
cidade de São Paulo.
A oração comunitária na Rua e as celebrações de Natal, Semana Santa
e Páscoa têm sido momentos especiais de formação religiosa e
aprofundamento de espírito evangélico, a ser vivido e testemunhado em
situações como as que se apresentam para quem vive nas Ruas.
Este trabalho em pequenos grupos comunitários de convivência busca:
Romper o isolamento,
Vivenciar a fraternidade e a partilha,
Fortalecer a esperança,
Defender a vida e, sobretudo,
78
Garantir direitos sociais de saúde, moradia, trabalho, lazer e expressão
cultural.
A Arquidiocese de São Paulo construiu um Centro Pastoral para o povo
da rua, chamado de Catedral do povo da rua, hoje espaço privilegiado de
acolhida, celebrações, treinamento, atividades culturais, especialmente
voltadas para a população de Rua como sinal efetivo de compromisso e aliança
com o povo de Deus que vive a mais dura exclusão.
79
11. Pedras e flores pelo caminho
Algumas mudanças aconteceram a partir das opções da OAF e da
criação do Vicariato do Povo da Rua.
O serviço pastoral anunciou-se como um sinal de esperança, acolhida e
defesa da vida dos que viviam espalhados, esquecidos e evitados, pelas ruas
da cidade. Naquela noite de Natal de 1993, o povo de rua conquistou um
espaço na Igreja Católica de São Paulo.
80
Espaço que até aquele momento jamais detivera. Ganha
reconhecimento aquilo que Nenuca, padre Ignácio e tantos leigos da OAF
tinham semeado por 38 anos. O grito profético reverberava há décadas:
“Somos um povo que quer viver”, e provocava uma abertura na estrutura
eclesiástica da Igreja Católica em São Paulo. Contrariamente ao bíblico “não
havia lugar para eles”, registrado nos Evangelhos e dito a José e Maria,
naquele Natal de quase 2 mil anos passados, ouvia-se no ano de 1993 um sim
acolhedor. Havia lugar para esse povo na Igreja paulistana. Não mais um lugar
de ‘piedade’, mas lugar de direito, que lhes era reservado por sua
perseverança na luta do dia-a-dia para continuarem vivos. Lugar eclesial para
que formassem comunidade, solidariedade, enfim, reconhecidos e valorizados
como pessoas, em seus trabalhos, direitos e sofrimentos.
O que pretendia ser o novo Vicariato Episcopal? Assim responde o
padre Júlio Renato Lancellotti:
Sempre ficou muito claro para nós de que sempre íamos ter duas
vertentes. Nunca dom Paulo ou dom Cláudio Hummes disseram: eu
quero que o Vicariato faça isto. No direito canônico, o vigário
episcopal é um ordinário sem caráter. Ele responde pelo bispo
naquela questão ou área. Nós tivemos sempre a preocupação da
construção coletiva. Sempre tivemos dois pontos que nos marcaram.
A primeira vertente é a pastoral e metodológico. Qual é o método?
Esta é questão pastoral, enfim. Como se trabalha com a população
de rua? Eis a questão.
Durante alguns anos, a questão do fundamento pedagógico e
metodológico, acompanhou as preocupações teórico-práticas de muitos
agentes. Não era a única vertente de ação e reflexão. Havia outra, como diz
Júlio:
81
A outra questão é a vertente (política) das políticas públicas. Nós
temos que trabalhar esses dois sentidos. Usar o peso do Vicariato
institucional para trabalhar, aprofundar uma questão metodológica,
pedagógica e pastoral. Que resultou na Cartilha (Pastoral do Povo de
Rua: Vida e Missão, São Paulo, Loyola, 2003). Era o resultado formal
de uma reflexão. A cartilha é a reflexão da prática. Aquilo não é
teoria. Bom, é uma teoria no sentido verdadeiro de teoria. Teoria
como o fato de ter pensado e avaliado a prática, com os depoimentos
da população de rua. E essa é uma prática presente em vários
lugares: Belo Horizonte, Ceará. A Cristina anima a pastoral de rua em
Belo Horizonte há dez anos, extremamente articulada, conhecida e
valorizada. Nós assumimos muito a questão da vertente política. Para
nós a caridade maior, segundo o Papa Pio XI, é a política, é o amor
político. Nós não vamos atingir só aqueles que estão conosco. Nós
queremos atingir a população de Rua como um todo. Fomos,
portanto, discutir política pública em nível estadual, municipal, federal.
Havia uma prática do governo do Estado que era o Cetrem com o
departamento de migrantes. Mas, a população de rua muda de perfil.
Houve avanço grande na gestão da Luiza Erundina, quando
iniciamos novos trabalhos com a população de Rua. Tivemos o início
do esboço de uma política pública, que contou muito com a figura
pessoal da prefeita. Em função de sua qualificação profissional e da
ligação prévia que tinha com os movimentos sociais e em especial
com o movimento da População de Rua. Porque no caminhar da
Casa de Oração tínhamos a Missão. E a Luiza tinha participado das
missões. Vinha gente de todo o Estado de São Paulo e levava uma
semana de missão. Tínhamos a figura do padre Alfredinho (Fredy
Kunz). Há muitos personagens. Temos a Cinira. É uma história muito
densa. A sopa lá no Glicério com a irmã Ivete, a famosa sopa! No
governo da Luiza Erundina surge a Comunidade São Martinho do
82
Povo de Rua (em 22 de fevereiro de 1990) com o apoio de dom
Luciano Mendes de Almeida. A Rede Rua surge nessa época da
Luiza também. Gente como Arlindo e Alderon que foi formada na
Casa de Oração.
Uma das novidades dessa vertente política foi o surgimento, em 1994,
de um grupo de treze moradores de rua articulados pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), e que em 22 de dezembro,
participaram da ocupação da Fazenda Pirituba em Itapeva (Trecheiro, dez.
1995, ano V, Especial Sem-Terra).
As críticas do povo da rua permanecem ácidas, como conta irmã Ivete:
O povo da Rua tem uma crítica tremenda à Igreja Católica. Sempre
teve. Às vezes, até criticam Jesus Cristo. Dizem: ‘Se ele morreu na
cruz é porque alguma coisa ele fez’. Ele tem uma extrema reverência
por Deus. Ir à Igreja, eles não acreditam mais. Nem à Igreja do Davi
Miranda (Deus é Amor), nem a do bispo Edir, nada. Para ele, estes
bispos e Igrejas não chegaram a uma vivência cotidiana. Poucos
falam de dom Paulo. Os pobres da periferia falam muito do cardeal.
Os da rua não chegaram a entender a posição dele, que é uma
posição super-radical. Eles, os da rua, acreditam em Deus: Deus é
muito bom! Eles não acreditam em Igreja, pois nela transita a questão
econômica. E a questão econômica cria desconfortos. Até mesmo o
padre Júlio é por eles criticado. Um dia, Nelson chegou aqui para
tomar café e disse: ‘Quem trabalha não tem tempo de ganhar
dinheiro’. Essa é a filosofia dele. Quando saiu a frente de trabalho, ele
queria ficar aqui conosco. Eu nem consultei o grupo e disse a ele:
‘quem trabalha não ganha dinheiro’. Aqui não é o seu lugar. Ele sabe
que quem trabalha, de fato, não ganha muito dinheiro. Mas ele
replicou: ‘Vocês me criticam, pois dizem que eu achaco. Ontem o
padre Júlio estava achacando na Igreja. E a gente da rua não pode
83
achacar?’ A crítica de dele era porque padre Júlio, na missa, havia
pedido dinheiro nas ofertas, para a coleta das missões, e ele via nisso
uma grande contradição, criticando-o fortemente.
Os depoimentos que registramos formam belo quadrívio de testemunhas
imprescindíveis que se entrecuzam e se completam, e onde todos nos
reconhecemos: "Somos de nossas recordações, apenas uma testemunha, que
às vezes não crê em seus próprios olhos e faz apelo constante ao outro para
que confirme a nossa visão” (BOSI, Ecléa, 2004, p. 407).
84
CAPÍTULO SEGUNDO - DA EXCLUSÃO À CIDADANIA
1 - A moldura da metrópole
A nova divisão internacional do trabalho, fundada nas grandes
transformações tecnológicas e organizacionais, atinge o planeta e leva a uma
mundialização de “lugares”.
Existem hoje lugares mundiais especializados e lugares mundiais
complexos. Eles são em geral as metrópoles e grandes cidades, nas quais o
meio humano, econômico e técnico favorece o surgimento de incontáveis
atividades que se completam localmente e em nível mundial, criando um
verdadeiro “meio técnico-científico”, resposta geográfica ao processo atual de
globalização.
No seio da rede de ‘metrópoles globais’
10
, são encontradas mais e mais
metrópoles do Terceiro Mundo, com características particulares, fruto de uma
10 O conceito ‘metrópole global’ é visto de maneira crítica por muitos sociólogos. Entre os que
o defendem cito a pesquisadora Diana Meirelles da Motta do CGPUR/IPEA.
85
modernização incompleta, e situadas no interior do subdesenvolvimento em
que estão inseridas.
A conhecida listagem produzida pela ONU em 1994 arrola um
conjunto de megacidades e classifica São Paulo em quarto lugar no
quadro das maiores aglomerações urbanas do mundo, logo abaixo de
Tóquio, Nova Iorque e Cidade do México (MEYER, GROSTEIN,
BIDERMAN, 2004, p. 160).
Entre os 111 centros urbanos no Brasil, comandados por 13 metrópoles,
São Paulo é aquele que detém o maior poder de controle sobre a economia
nacional, situando-se em oitavo lugar entre os países capitalistas em termos de
Produto Interno Bruto (perto de 400 bilhões de dólares)
11
.
O ritmo de crescimento populacional foi vertiginoso desde o ano de
1872:
Enquanto a população brasileira aumentou 17 vezes nesses 130
anos, o Estado de São Paulo, o mais rico da União, aumentou sua
população em 44 vezes, o município de São Paulo multiplicou o
número de seus habitantes em 331 vezes! Somente nas últimas duas
décadas do século XX o crescimento da cidade entrou em ritmo
menos galopante; nesse período, as cidades do entorno da capital
foram as que mais cresceram (MARCILIO, 2005, p. 95).
A região metropolitana envolve 39 municípios e 20 comarcas judiciárias.
Com 17.878.703 habitantes, segundo o censo IBGE do ano 2000, é uma das
grandes metrópoles industriais do hemisfério sul. Um total de 95,8% mora em
área urbana (17.119.400 hab.) e 4,2%, ou seja, 759.303 habitantes conformam
11 Os dados deste capítulo foram retirados do IBGE, censo 2000, da Secretária de
Planejamento Urbano da cidade de São Paulo e cotejados com a obra de MEYER, Regina
Maria Prosperi, GROSTEIN, Marta Dora, BIDERMAN Ciro (org.), São Paulo Metrópole, São
Paulo, EDUSP, Imprensa Oficial, 2004. Usei ainda o Atlas do Desenvolvimento Humano no
Brasil, editado pelo PNUD.
86
a remanescente e diminuta área rural nas franjas das cidades (GOUVÊA, 2005,
p. 295-296).
Dezessete destas cidades, tais como São Caetano do Sul, Carapicuíba
ou Jandira, não têm sequer população rural. Outras, nas regiões Sul e Oeste,
como Biritiba-Mirim e Juquitiba, ainda resistem fragilmente ao implacável
avanço da mancha urbana. Hoje a mancha alcança 2139 Km
2.
“Entre 1965 e 1990, o processo de urbanização incorporou de forma
indisciplinada para uso urbano 1.021 Km
2
de área rural aos 745 km
2
de
urbanização metropolitana existente em 1965“ (MEYER, GROSTEIN,
BIDERMAN, 2004, p. 45).
Alguns teóricos e urbanistas chamam o processo de ‘urbanização sem
cidade’, como as professoras Lúcia Maria Machado Bógus, da PUC-SP, e
Suzana Pasternak da USP.
Existe eixo de expansão urbana contínua com mais de 100 quilômetros
na direção Leste-Oeste.
As cidades de Los Angeles e Tóquio, no mundo desenvolvido, podem
ser comparadas em vigor e ritmo de crescimento industrial sustentado do pós-
guerra, apesar do período de recessão registrado na última década do milênio.
Com mais de 2 milhões e meio de trabalhadores industriais, São Paulo abriga,
em que pese taxa altíssima de desempregados do setor secundário, uma das
mais importantes massas operárias do planeta. Esses trabalhadores
representam perto de um terço da população ativa da área metropolitana,
relação que a sobrepõe a outras regiões metropolitanas brasileiras, como Porto
Alegre, com 25%, e Curitiba, com 18%. O valor da produção industrial é
superior aos 30% do total da produção nacional brasileira no setor secundário.
87
São Paulo, a cada ano, concentra igualmente importante e dinâmica atividade
de serviços que respondem às necessidades do país, do Estado e até do
subcontinente, em suas relações econômicas internacionais, tornando-a
verdadeira metrópole econômica brasileira, especialmente no âmbito do
Mercosul.
Todos os dados da atividade econômica da metrópole são hoje
questionados, pois muitos indicadores das regiões metropolitanas recuaram,
enquanto os mesmos índices cresceram no restante do país em áreas não-
metropolitanas. A metrópole paulistana, entre outras, caminharia na contramão
do macro crescimento econômico.
O economista André Urani, diretor-executivo do Instituto de Estudos do
Trabalho e Sociedade (IETS), chama essas grandes regiões metropolitanas,
com destaque para São Paulo, de ‘baleias encalhadas’
12
.
O número de pobres na cidade ficou estável em toda a última década
(de 24,2% passou para 23,5%), segundo dados da pesquisa do IETS.
Confirma-se o que outros pesquisadores apresentaram como marca de
disfunção da cidade: “A relação trabalho-moradia acabou por tornar-se uma
marca essencial da disfunção metropolitana“ (MEYER, GROSTEIN,
BIDERMAN, 2004, p. 50).
Entre 1981 a 1985, as sedes bancárias instaladas na metrópole
paulistana passam de um quarto para um terço, sendo que o Rio de Janeiro,
historicamente praça financeira tradicional, vê sua participação tombar de 30%
para 9%, em parte devido à difusão e ampliação bancária no Brasil. As
privatizações confirmaram a concentração do ativo líquido dos bancos: em
12 Jornal O Estado de São Paulo, 25 de junho de 2006, p. B1, caderno: Economia e Negócios.
88
1968 era de 26% e em 1984 passa a 42%. Confirmam-se cada vez mais a
concentração bancária e os centros de gestão e controle da economia
transnacional no espaço paulistano. Pode-se afirmar que São Paulo assumiu o
papel de epicentro do sistema capitalista brasileiro. Paradoxalmente aqui está a
maior parte da população de rua do país
13
.
A cidade de São Paulo, segundo dados do PNUD, tem 10.434.252
habitantes, no Censo do ano 2000, com taxa de 94,05% de urbanização
(PNUD, Atlas, 2003).
As mesmas razões que se conjugaram para fazer de São Paulo a capital
econômica do Brasil e uma ‘metrópole econômica mundial’
14
fazem de nossa
cidade igualmente o mais importante centro de irradiação intelectual. Suas três
universidades estaduais (USP, UNESP, UNICAMP), as federais, e as
comunitárias, marcadas pelo selo da excelência acadêmica (entre as quais a
PUC-SP) asseguram bem mais da metade de toda a pesquisa científica feita
no país, inclusive em setores de ponta, tais como biotecnologia, pesquisa de
novos materiais, energia nuclear, ou as atuais alternativas de biomassa,
educação, informática e eletrônica, química fina e inclusive, e infelizmente,
ampla produção e desenvolvimento de armamentos.
“As 88 universidades da Grande São Paulo reafirmam os vetores de
expansão das principais redes de equipamentos metropolitanos pesquisados:
região do ABCD, Osasco/Barueri e Guarulhos“ (MEYER, GROSTEIN,
BIDERMAN, 2004, p. 175).
13 Em dez anos, só o debate avançou, Jorge Wilheim, O Estado de S. Paulo, 20.06.2006,
caderno C7.
14 http://www.ippur.ufrj.br/observatorio/download/diana_motta.doc
89
São Paulo publica 40% das revistas científicas de importância relativa,
45% das revistas de importância média e 60% das revistas científicas
consideradas prioritárias. Há ainda imensa rede de faculdades privadas sem
qualquer compromisso com a pesquisa e a extensão.
Em termos de mídia e produção publicitária, a cidade de São Paulo
possui 49% do número total de agências brasileiras de publicidade e 67% do
total das receitas auferidas. Para aferir o que representa, podemos verificar que
em anos recentes a média de investimentos anuais alcança perto de 2.2
bilhões de dólares. A ‘mundialização’ atingiu fortemente o modus vivendi da
cidade e é acompanhada de vigoroso desenvolvimento de atividades ligadas à
comunicação e à telefonia. Estas também fortemente internacionalizadas por
grandes multinacionais espanholas e norte-americanas. O crescimento do
número de telefones celulares é vertiginoso. Dados da Agência Nacional de
Telecomunicações – Anatel - demonstram a força hegemônica da cidade de
São Paulo no tráfego de chamadas internas, nacionais e internacionais. Perto
de 43% do volume total de chamadas realizadas no Brasil para o exterior
provinham da cidade de São Paulo (ANATEL, 2000).
Metade dos bilhetes de avião é vendida na cidade, concentrando 28 das
59 agências de viagem do País. As viagens de pessoas para a capital
paulistana têm como principal razão os negócios, seguida da vinda para
congressos científicos e em terceiro lugar, turismo e compras. Os profissionais
que mais vêm a São Paulo são os engenheiros e homens de negócios,
seguidos de dirigentes de empresa, economistas, médicos, vendedores e
compradores.
90
A cidade vive mergulhada em um processo estrutural complexo ao
participar da divisão internacional do trabalho e simultaneamente da divisão
interna do trabalho, brasileira e do centro sul, especialmente. Assim, em São
Paulo se instaura e desenvolve uma divisão territorial do trabalho, e a
paisagem urbana é testemunha viva e mutável do encontro de influências e da
luta de interesses. Bairros inteiros são abandonados. Como exemplos,
podemos ver o Brás, Pari e Campos Elíseos. Às margens do rio Pinheiros uma
nova elite se consolida e emerge. A verticalização é fenômeno atual na parte
sudoeste da cidade. Existe ainda grande preocupação da classe media e alta
em continuar construindo e mantendo ilhas de segurança (Alphavilles) em
condomínios sempre mais auto-suficientes e com grande aparato de segurança
e controle.
Os números da concentração de renda mostram que há uma ponta
aguda da pirâmide localizada na cidade de São Paulo:
Em primeiro lugar, São Paulo possui 76.738 famílias que recebem
mais que o rendimento superior à linha de riqueza do Estado (75,7 %
das famílias mais ricas do estado). Em segundo lugar, a renda média
dessas famílias paulistanas mais ricas está em R$ 36,6 mil, ou seja,
mais do que o dobro da renda média dos 1% mais ricos do Brasil (R$
14,6 mil). Em termos de município, é mais interessante notar que
essas famílias de alta renda estão claramente concentradas em
alguns distritos. Observe que apenas dez distritos (dos 96 existentes)
concentram 51,1% das famílias paulistanas ricas, que movimentam
mensalmente R$ 1,5 bilhão ou 53,2% da renda dos mais ricos da
cidade. Se a análise alcançar 20 distritos, as famílias mais ricas
movimentam R$ 2,1 bilhões, isto é, 74,9 % dos R$ 2,8 bilhões do total
da renda dos mais ricos (Atlas da Exclusão Social, vol. 3, 2004, p.
152).
91
O centro velho se deteriora e edifícios são abandonados e ocupados por
moradores sem teto, particularmente na famosa avenida São João. Grandes
regiões operárias passam hoje por transformações e mudanças estruturais em
sua arquitetura, composição populacional e étnica. Eram bairros-dormitórios,
hoje redefinidos pelo interesse imobiliário especulativo para novas finalidades e
identidade. Assumem novos perfis urbanísticos. Pode-se notar forte presença
de migrantes das gerações anteriores, mas as novas gerações urbanas dos
filhos dos migrantes assumem novos rostos nos bairros que têm alterado
lugares e suas estratégias de sobrevivência. Alguns dos filhos e netos de
migrantes se integram nas áreas de segurança, outros na economia submersa,
muitos vão para a ilegalidade, outros tantos chegam a participar do comércio
ilegal e do contrabando. Freqüentes e cíclicas crises de emprego, advindas do
capitalismo hegemônico, levam às Ruas grande número de jovens e de
trabalhadores envelhecidos. Ontem, eram majoritariamente nordestinos,
mineiros e negros. Hoje, o perfil é composto de jovens brancos, mulheres e até
famílias inteiras, além dos nascidos na própria metrópole paulistana.
Na periferia urbana, já praticamente ‘conurbada’ com dezenas de
municípios limítrofes, a expansão continua em direção ao leste, tendendo a
ligar-se com Mogi das Cruzes e em ritmo veloz com São José dos Campos
(distante 100 quilômetros do marco zero). Em direção ao Oeste a periferia
caminha em dezenas de loteamentos e ocupações rumo a Jundiaí e Campinas
(outros 100 quilômetros do centro da capital). Na direção norte, a cidade se
estende e invade, destruindo todas as encostas e reservas florestais da
Mantiqueira e dos resquícios de Mata Atlântica, atingindo Mairiporã, Atibaia,
Caieiras e Franco da Rocha. Sérios problemas ambientais estão envolvidos.
92
Para o lado sul, ocupando as margens das represas Billings e Guarapiranga, a
mais ampla presença de toda a migração nordestina e mineira, que em três
décadas ali se instalou de forma irregular e sem qualquer suporte do poder
público. Imensas áreas das Zonas Leste e Sul foram descaracterizadas pelo
surgimento explosivo de novos bairros de 30 a 50 mil habitantes em menos de
uma década.
Exemplo clássico é, dentro do imenso território do conhecido bairro São
Mateus, localizarmos uma área batizada na década de 1960 de Cidade Satélite
Santa Bárbara, na então distante cidade São Matheus, pois à época a
administração pública do centro da metrópole pensava localizar ali uma futura
cidade-satélite. Por influência direta de um plano urbanístico pensado pelo
padre dominicano Louis-Joseph Marie Lebrét (1897-1966), na década de 1950
(LEBRET, 1951). Mas tudo em vão. Foram todas as cidades satélites
envolvidas e fagocitadas pela metrópole. Muitos de seus cidadãos, entretanto,
ainda hoje sequer visitam durante toda a sua existência o Centro Velho de São
Paulo, em décadas de permanência em sua própria ‘cidade’. Dizem que seus
filhos e netos vão à cidade, quando esses vão à Praça da Sé, e ao centro
quando se dirigem para a cidade de Santo André. A razão é esta: Santo André
lhes oferece trabalho e comércio cotidiano, enquanto a cidade de São Paulo
lhes cobra os impostos e a regularidade jurídica formal. Tornaram-se
habitantes de uma cidade, mas vivem e haurem recursos de outra. São
cidadãos metropolitanos fragmentados. Vivem a cidadania como um mosaico,
sem conhecer o desenho nela impresso e por outros arquitetado.
Afirma Wilheim:
Para urbanizar você precisa sanar irregularidades. E o problema está
na renda da população. A maioria não tem como ingressar no
93
mercado imobiliário formal e apela para a irregularidade. E, assim, o
problema só cresce. Nunca haverá política habitacional eficiente sem
política de combate à desigualdade. A inclusão social era o foco da
administração Marta. E não é, claramente, o foco da atual gestão
15
.
Para participar da modernidade neoliberal excludente foi preciso um
esforço gigantesco de arrecadar recursos e equipamentos. A incorporação da
metrópole paulistana foi feita em detrimento dos investimentos sociais, já
comprometidos historicamente por uma urbanização galopante nos anos da
ditadura militar e do projeto industrial do ABC paulista. Nos anos que percorrem
1940 até 1980, cerca de mil pessoas chegavam por dia em nossa cidade,
vindas basicamente de ônibus, mas também de trem ou mesmo a pé. As vilas
operárias das décadas de 1920 e 1930 tornavam-se obsoletas com a
construção de bairros operários. Os terrenos populares, que nos anos 1940
possuíam dez por 30 metros de extensão, reduziram-se década a década para
os atuais cinco metros de frente por 15 metros de fundo. Ou seja, em 50 anos
os 300 metros reduziram-se para 75 metros quadrados de área urbana. Isto
contar áreas de habitações coletivas e das chamadas ‘camas-quentes’, onde o
habitante aluga só a área de sua cama por um período no dia ou na noite. O
fim da fronteira geográfica gera grande batalha por espaço e aumento de
custos de manutenção e sobrevivência na cidade. Nos 15 últimos anos, a
população favelada multiplicou-se por dez.
As mudanças geoeconômicas tiveram conseqüências concretas. A nova
cidade geográfica construiu outro rosto humano. Mais acidentes de trânsito,
queda na taxa de natalidade, aumento exponencial de crimes contra a pessoa
e contra o patrimônio.
15 O Estado de S. Paulo, caderno Cidades, p. C7, 20 de junho de 2006.
94
Em outras palavras, os pobres estão pagando com a vida para que a
capital se modernize. A modernização produzida em São Paulo gera processos
humanos incompletos e seletivos, deixando excluída de quaisquer benefícios
parcela considerável da população. A proporção de pobres na Grande São
Paulo passou de 24,7% em 1992 para 23,5% em 2004. A pequena queda não
foi acompanhada de melhorias concretas nas condições de vida de parcela da
população paulistana.
“Nas regiões metropolitanas não só os ganhos reais foram menores do
que no resto do Brasil, como também foram mal distribuídos – quanto mais
pobre, menos se ganhou”
16
.
Estudo recente comprova que a informalidade avançou em São Paulo de
14,9% para 23,7%, com aumento significativo dos trabalhadores sem carteira
assinada. Comprova ainda que a globalização e a abertura da economia
implodiram o modelo industrial situado nas metrópoles. O total de empregados
na indústria tradicional em 1992 representava 10,4% do total da força de
trabalho, em 2004 reduziu-se para 6,2%. Já os empregados na chamada
indústria moderna passaram em São Paulo de 15,7% em 1992 para 12,3% em
2004. A taxa de desemprego na metrópole paulistana subiu de 10,1%, em
1992, para 13,8%, no ano de 2004
17
.
Mesmo com Plano Diretor aprovado há mais de duas décadas, não há
de fato controle do crescimento desordenado da cidade, face aos interesses de
grandes grupos imobiliários, que desobedecem frontalmente à legislação.
Alguns dados demonstram a iniqüidade da pujante riqueza paulistana.
16 Jornal O Estado de São Paulo, 25.06.2006, página B1.
17 Idem, ibidem.
95
A mesma população que vê surgir nova cidade viu sua renda familiar per
capita (salário base de setembro de 1991) sofrer achatamento na década de
1990. A renda em 1970 era de 1,82 salários, em 1980 vai a 3,21 salários e
baixa em 1991 para 3,03 salários. A porcentagem de pessoas com renda
insuficiente na cidade oscilou de 20% em 1970 para 5,93% em 1980 e voltou a
crescer para 11% nos anos 1990. Os resultados mensuráveis são as doenças
e a fome em amplas camadas de empobrecidos. Ainda que a rede hospitalar
seja imensa, é insuficiente para a demanda da cidade e de milhares de
pessoas que aqui chegam de outros Estados que não possuem determinados
serviços de referência hospitalar.
“A rede de hospitais da Região Metropolitana de São Paulo é composta
por 153 hospitais gerais, e 51 hospitais de referência. Os hospitais de
referência concentram-se claramente em alguns distritos do município de São
Paulo” (MEYER, GROSTEIN, BIDERMAN, 2004, p. 175).
A taxa de mortalidade infantil passa de 64.4 por mil nascidos em 1962,
para 37 por mil em 1985 e chega-se a 30 por mil na década de 1990 (taxa
semelhante à da Albânia, da Jordânia e do Uzbequistão). Comparativamente
devemos dizer que a taxa média de paises desenvolvidos é de nove por mil
nascidos vivos.
Em 1997, a taxa estava no nível de 19,8, e no ano fim do século recuou
para 16,9, segundo dados do Seade. Em 2001, a mortalidade infantil em São
Paulo caiu ainda mais: para 15,8 óbitos a cada mil nascimentos, o que
representa menos da metade da taxa nacional de mortalidade infantil”
(MARCILIO, 2005, p. 101).
96
Há situações de risco ambiental grave para o conjunto da população
paulistana, conforme relatório da Emplasa, de 1997:
Em 1997 foram identificados 30 lixões em 25 municípios da região.
Essa solução insatisfatória e perigosa para a saúde publica gera a
poluição das águas, pela infiltração do chorume não controlado no
solo, e no ar, pela combustão espontânea de gases gerados pela
decomposição de resíduos. Com a agravante de que 40% dos lixões
estavam localizados em área de proteção aos mananciais (MEYER,
GROSTEIN, BIDERMAN, 2004, p. 103, citando relatório da
EMPLASA de 1997).
A expectativa de vida dos paulistanos em 1970 era de 54 anos, sobe
para 56 nos anos 1980 e no final dos 1990 atinge-se 65 anos (índice similar
aos da Rússia, Vietnã e Moldávia).
As grandes indústrias aqui locadas vêm, a cada ano, fazendo subir seus
índices de produtividade e automação industrial e reduzindo drasticamente o
numero de trabalhadores. Por exemplo, a Volkswagen do Brasil em São
Bernardo, na Grande São Paulo, reduziu seus 42 mil trabalhadores dos anos
1980 para 20 mil, e anuncia que demitirá outros 6 mil em 2006. A Ford passou
de 12 mil na década de 1980 para 4 mil. A Ford Ipiranga, com 6 mil operários,
fechou essa unidade industrial.
Mesmo em uma megalópole plena de movimentos sociais e
organizações sindicais ainda existe 4% de crianças entre dez e 14 anos
trabalhando, o que é ilegal.
Fenômeno pouco estudado é o do crescimento em rede das drogas e de
sua distribuição na cidade. No início dos anos 1970, a droga esteve restrita à
elite. Nos anos 1980 será difundida em toda a periferia, alcançando jovens de
todas as classes, com a democratização do crack. Isto trouxe conseqüências
97
dramáticas para os usuários das drogas, com crescimento dos casos de HIV-
AIDS em toda a cidade. Muitos dos jovens portadores do vírus da
imunodeficiência adquirida tornar-se-ão parte da população de rua da cidade,
expulsos de suas famílias ou de trabalho formal ou informal, hoje denominado
economia submersa’ (NAME RIBEIRO, 2003). Ao ligar-se ao mundo das
drogas, muitos foram presos, e a enorme população carcerária, não recebe
qualquer alternativa de vida digna em presídios superlotados e comandados
por facções criminosas, o que anula sua recuperação e ressocialização. Os
jovens saídos das prisões muitíssimas vezes ficarão nas ruas.
Até recentemente descrever-se-ia o que ocorre em São Paulo nos
últimos 50 anos como fenômeno de urbanização capitalista (LOJKINE, 1981),
mas nas duas últimas décadas, e o que se prenuncia para o futuro próximo,
deve ser identificado como um fenômeno revelador da urbanização corporativa
(SANTOS, M. 1993), isto é, decodificador do processo comandado por grandes
empresas transnacionais, exigentes de equipamentos modernos e custosos e
de condições gerais de produção criadas pelo investimento público privatizado.
A cidade, tal qual foi produzida cultural e economicamente nos primeiros 70
anos do século 20, não mais serve à produtividade moderna e seus
paradigmas de concorrência, pois estes exigem escoamento rápido da
produção por tratar-se de economia de fluxo contínuo. A partir da cidade
corporativa e da conseqüente urbanização corporativa aprofundou-se a crise
fiscal, pois não há mais recursos suficientes para atender às necessidades
básicas da população.
A evolução urbana é paralela e estruturalmente conectada ao
empobrecimento dos próprios cidadãos. A modernização da agricultura trouxe
98
massas enormes para a capital paulista, e migrantes internos, basicamente de
Minas Gerais, Paraná, Bahia e Pernambuco, formam a grande base dos
construtores reais da cidade, e paradoxalmente os 30% que vivem abaixo da
linha da pobreza. Constroem casas e vivem em favelas. Produzem riquezas
imobiliárias e mercantis e comem migalhas ou restos. O número de
trabalhadores informais cresce a cada dia, gerando conflitos imensos no centro
urbano por espaço geográfico e econômico. A questão da moradia do imenso
grupo de migrantes é gravíssima.
Pesquisa recente do Centro de Estudos da Metrópole, sediado no
Cebrap, ao produzir o Mapa da Vulnerabilidade Social da População da Cidade
de São Paulo, alerta: “A pobreza urbana é um fenômeno relevante,
heterogêneo (com múltiplas dimensões), com um forte componente espacial
(muitas vezes caracterizado por processos de segregação socioespacial) que
deve ser levado em conta pelas políticas públicas” (CEM, 2004, p. 13). Por
conta do universo domiciliar que foi escolhido como o critério de estudo,
novamente a população de Rua não foi contabilizada e não aparece no mapa.
Dados da Secretaria Municipal da Habitação de 2000 afirmam que 3
milhões de pessoas vivem em loteamentos irregulares; 1,9 milhão em favelas;
600 mil em cortiços, totalizando 5,5 milhões de habitantes, praticamente a
metade dos habitantes paulistanos vivendo em habitação precária (MARCILIO,
2005, p. 103).
“... vivendo nas 2018 favelas existentes. Indica também que, na década
de 1990, a população favelada cresceu a taxas superiores às da população do
município: 2,97% contra 0,9 % ao ano, respectivamente” (MEYER, GROSTEIN,
BIDERMAN, 2004, p. 62).
99
O atendimento de água tratada é praticamente universal (95,46% na
Região Metropolitana). Já a rede de esgotos não chegou ainda a 19% da
população (são atendidos 81,39% dos domicílios da Região Metropolitana de
São Paulo), e a maior parte não é sequer tratada. Ainda como complicador
teremos de enfrentar escassez de água em futuro próximo.
A escassez de água disponível para atender à demanda e à
crescente e desordenada expansão urbana sobre os sistemas
produtores demanda ações amplas e integradas que garantam água
com qualidade e em quantidade suficiente para o abastecimento
público e coloca a gestão da água e do uso e ocupação do solo como
questões dependentes e complementares (MEYER, GROSTEIN,
BIDERMAN, 2004, p. 96).
Dez por cento das crianças entre sete e 14 anos de idade não
freqüentam escolas. Parcela considerável deste número é de gente que vive
nas Ruas e não tem acesso aos equipamentos sociais. Estão no centro, mas
não tem cidadania reconhecida nas escolas do centro.
A taxa de analfabetismo dos maiores de 15 anos de idade foi reduzida
de 12% na década de 1970, para 4,89%, segundo dados de 2000 (PNUD,
Atlas, 2003). O número médio de anos de estudos de pessoas com mais de 25
anos, no ano 2000, é de 7,81 anos. Ou seja, na maior metrópole do País essa
parcela da população ainda não alcançou os oito anos garantidos pela
Constituição Federal, no ensino fundamental de primeiro grau (PNUD, Atlas,
2003).
O índice de Condições de Vida (ICV), realizado pelo PNUD, Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento, é uma extensão do IDH. Baseia-
se em metodologia similar, mas incorpora um conjunto maior de dimensões de
desempenho socioeconômico. Resulta da combinação de 20 indicadores
100
básicos agregados em cinco grupos: renda, educação, infância, habitação e
longevidade. Ele demonstra avanços pequenos: 0,71 em 1970, 0,75 em 1980 e
nos anos 1990, 0,816 (PNUD, Atlas, 2003).
Já o Índice de Desenvolvimento Humano do Município - IDHM, com
dados do mesmo PNUD, e que envolve longevidade, educação e renda,
constatou que a cidade de São Paulo passa de 0,708 em 1970 para 0,973 em
1980. Recua para 0,805 em 1991 e atinge 0,841 no ano 2000 (PNUD, Atlas,
2003).
Em resumo, segundo o novo Atlas de Desenvolvimento Humano
(IDH), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), a cidade de São Paulo, na última década do século 20,
perdeu 51 posições no ranking, embora seu IDH tenha aumentado de
0,804 em 1991 para 0,841 em 2000 (MARCILIO, 2005, p. 349).
A longevidade cresceu 37%, a educação subiu 13% e a renda apenas
1,7% nos anos 1990. O mais dramático em termos de inclusão social é verificar
que a renda média do trabalho principal, teve recuo de 3,1%, ou seja, de R$
1.035,97 para R$ 1.003,62, de 1992 para 2004 (PNUD, Atlas, 2003).
São Paulo, que era a segunda mais bem colocada no grupo das
maiores cidades brasileiras em 1991, teve uma evolução de apenas
4,5% no seu IDH-M e caiu para o 4º lugar, ficando atrás de Curitiba,
Brasília e Rio de Janeiro. Essa perda de posições se explica por um
crescimento pífio da dimensão renda (2,6%, superior apenas aos de
Guarulhos e Belém), e de a capital paulista ter caído da 5
a
para a 9
a
colocação na dimensão educação. A capital paulista tem a 5
a
melhor
taxa de alfabetização (95%), mas a terceira pior taxa bruta de
freqüência à escola (85%), superior apenas às de Guarulhos e
Manaus (PNUD, Atlas, 2003).
101
A cidade de São Paulo está se transformando em uma cidade
prestadora de serviços, sendo hoje a sua marca predominante. Assim,
comandam o mercado a terceirização ou até a ‘quarteirização’ da mão-de-obra
(TEIXEIRA, 2006). Denominada ‘flexibilização’ das relações de trabalho, tema
complexo e polêmico debatido e mal resolvido em sindicatos, governo e mundo
acadêmico. O produto final é sempre o resultado de um vasto universo de
pequenas empresas especializadas em determinada parte do processo, muitas
vezes coordenadas por uma outra empresa que não é sequer a detentora da
marca.
A metrópole torna-se um dos nodos de empresas interligadas por fax,
modem ou cabo ótico. Continua sendo o centro das decisões financeiras do
País, tendo Bolsa de Valores das mais dinâmicas, mas seus atores
econômicos podem estar distantes milhares de quilômetros, em paraísos
fiscais ou em metrópoles norte-americanas ou chinesas. E conectados, sem
que os paulistanos saibam por que tais decisões foram tomadas. Operários e
máquinas que não tenham se tornado obsoletos diante do avanço da robótica
são transferidos para outros Estados brasileiros, ou no exterior, para lugares
em que a mão-de-obra seja barata e desorganizada. O forte da economia
concentra-se nos serviços e no controle de informações.
A cidade que nasce às margens do Tamanduateí e Tietê, no planalto de
Piratininga, cresce durante quatro séculos em círculos concêntricos, ladeando
as ferrovias que se dirigiam ao interior paulista (a primeira delas em 1867), e
em sentido oposto afunilam os produtos agrícolas para o porto de Santos.
Hoje, entretanto, fruto dos últimos 50 anos, a cidade vive o
deslocamento das funções centrais e a constituição de novas centralidades
102
(MEYER, GROSTEIN, BIDERMAN, 2004, p. 182). Vive também redução
drástica no ritmo de crescimento populacional: na década de 1980 (1,18% ao
ano) e na década de 1990, 0,88% ao ano. Nos bairros centrais agrega-se a
perda de população: taxa negativa na década de 1980 de -1,29% ao ano, e na
década de 1990 taxa negativa de -2,27% ao ano.
Houve, a partir dos anos 1990, mudança religiosa significativa na cidade.
Pelo Censo de 2000, do IBGE, São Paulo tem 68% de católicos romanos, 16%
de protestantes e evangélicos, 3% de espíritas, 4% de outras denominações e
9% se declaram sem religião (MARCILIO, 2005, p. 102).
103
2. A população de rua no cenário metropolitano
Surgem imensas torres de escritórios em edifícios inteligentes e de
multiuso, controlados por oligopólios e agentes financeiros. Cresce em
decorrência da má distribuição de renda e riqueza o número de
desempregados e de excluídos. Moradores de Rua, habitantes das pontes e
até mesmo de covas subterrâneas na ventilação do metrô paulistano, parecem
ser homens-gabiru. A massa de excluídos do sistema produtivo oficial, crianças
e adolescentes inclusos, perambula em gangues ou como indivíduos solitários.
Não são considerados cidadãos. Giram em torno de dez mil pessoas, segundo
dados de diferentes pesquisas da Secretaria do Bem-estar da Prefeitura de
104
São Paulo, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), e dos
relatórios internos do Vicariato do Povo da Rua, coletados em albergues
coordenados por instituições religiosas. Diante dos empregados altamente
qualificados das empresas de vanguarda, os que vivem nas Ruas não têm
qualificação nenhuma. A dita ‘massa sobrante’ (surplus people) (ASSMANN,
1994, p. 5).
Vale lembrar que na região metropolitana foram extintos milhares de
empregos nas últimas três décadas, e, portanto, muitos dos que andam pelas
Ruas são o rosto concreto de mudanças e opções econômicas
18
. O outro lado
da mesma moeda é cunhado pela imensa massa de desempregados e
subempregados que vivem pelas Ruas. Boa parte da população não consegue
ter renda suficiente para alugar domicilio na área central.
Diversos termos, como morador de Rua, povo da Rua, entre outros,
são utilizados para se referir ao segmento social da população com
baixa ou nenhuma renda, e que de alguma forma habita (temporária
ou definitivamente) os logradouros públicos da cidade (praças,
jardins, viadutos etc.), áreas degradadas (casas abandonadas,
galpões), ou pernoitam em albergues públicos (Simões, 1992).
Atualmente, este grupo populacional é bastante heterogêneo e
engloba vários subgrupos, que podem ser formados por homens e
mulheres solitários e até famílias que transformam locais públicos em
moradia (FIORONI, 2004, p. 36).
A porcentagem de indigentes na cidade, que era de 2,98 em 1991,
aumenta para a 5,60 em 2000. Quanto aos pobres, a proporção era de 8% dos
18 A proporção de miseráveis cresceu 51% em São Paulo, segundo dados do Centro de
Políticas Sociais, da Fundação Getúlio Vargas. Publicado na Folha de S. Paulo no dia
16.04.2004, página C1.
105
habitantes em 1991, subindo para 12,06% em 2000 (PNUD, Atlas, Indicadores
de pobreza, 2003). Estamos vendo surgir nas modernas cidades industriais o
que o senador Cristovam Burque chama de modernômades:
No mundo global de hoje, centenas de milhões de pessoas não têm
endereço: vivem provisoriamente nas cavernas modernas e são sem-
teto, sem-terra, sem endereço, sem-emprego, barrageiros, refugiados
do desenvolvimento. A própria dinâmica da modernidade, destruindo
e criando empregos, obriga quase todos a migrar de tempos em
tempos, sem fixar-se em nenhuma parte (BUARQUE, 2001, p. 224-
225).
Em geral essa população se concentra no centro velho de São Paulo.
Eis a descrição da irmã Ivete:
É no centro da cidade que você tem chance ainda de garimpar algo,
você vai garimpar, por exemplo, frutas. Muitos deles vão de manhã
para o Mercado Municipal e comem frutas boas, até trazem para nós,
trazem para o viaduto. Se você leva esse pessoal para Guaianases, o
que este pessoal vai fazer lá? Então, a cidade tem sobras, e essas
sobras chamam. Se você começar a substituir essas sobras por
Marmitex, ele não vai mais buscar essas sobras e vai se acomodar,
mesmo que ele coma o pedacinho de carne do Marmitex e jogue o
resto fora. Então você, além de manipular a população, você
desestimula uma organização. A população de Rua está no centro
porque tem gente rica que pode dar uma boa esmola. Isto existe.
Tem gente que dá, por promessa, por generosidade, por uma
partilha. O centro é muito rico e esta riqueza atrai o pobre.
O relatório da ONU sobre a situação mundial das cidades, divulgado no
Terceiro Fórum Urbano Mundial, que aconteceu em junho de 2006 em
Vancouver, no Canadá, afirma que 1 bilhão de pessoas vive em favelas, e que
no Brasil são 52 milhões. Lemos no relatório, que até 2030, as cidades dos
106
países em desenvolvimento terão 4 bilhões de habitantes e concentrarão 80%
da população urbana do mundo
19
.
Assim analisa a diretora-executiva do UN-Habitat (Programa das Nações
Unidas para a Habitação), Anna Tibaijuka:
É preciso investir nos pobres, para tornar as cidades sustentáveis.
Estamos aqui para discutir com governos e a sociedade civil soluções
para evitar que as cidades continuem crescendo na mesma medida
da pobreza urbana. Hoje, 50% da população vive nas cidades e, em
2007, o número de moradores de áreas urbanas deverá ultrapassar o
do campo pela primeira vez na História
20
.
É preciso, sobretudo, resgatar os espaços públicos:
A fragmentação social crescente é acompanhada de uma
fragmentação territorial, e os espaços comuns, públicos,
transformam-se em objeto de disputa ou simplesmente são vistos
como espaços instrumentais para o deslocamento. Desaparecendo o
terreno da vida em comum, desaparecem também as formas de
sociabilidade que unem os diferentes segmentos sociais. A dinâmica
dos espaços públicos se apresenta, por assim dizer, como
verdadeiros textos da vida urbana (GOMES, 2002, p. 189).
E atenção especial deve ser dada também às chamadas “questões da
periferia”.
Consolida-se na metrópole paulistana a observação de que as
imensas periferias metropolitanas se tornaram, indiscutivelmente, o
lugar dos pobres no Brasil contemporâneo. A chamada
‘metropolização da pobreza’ é hoje o dado determinante na
19 Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a Situação Mundial das
Cidades, in: O Estado de S. Paulo, 20.06.2006, caderno Cidades, p. C7.
20 Fórum procura saídas para a pobreza urbana, Jornal O Estado de S. Paulo, caderno
Cidades, p. C7, 20.06.2006.
107
elaboração de políticas urbanas em todo o mundo (MEYER,
GROSTEIN, BIDERMAN, 2004, p. 50).
Sobretudo será preciso desenhar novo cenário para a gestão
administrativa e política dessa região metropolitana. Como não há arranjos
adequados à realidade vivida, as políticas que possam equacionar os dilemas e
problemas existentes não acontecem. Faz-se necessária nova ‘governança
democrática’ centrada em três características fundamentais: “Maior
responsabilidade dos governos municipais em relação às políticas sociais e às
demandas dos seus cidadãos; o reconhecimento de direitos sociais a todos os
cidadãos; a abertura de canais para a ampla participação cívica da sociedade”
(SANTOS JR., 2001, p.227-228).
108
3. Pesquisas sobre população de Rua
É preciso que se diga: não há dados estatísticos precisos sobre essa
população. Existem pouquíssimos dados acompanhados de um mínimo de
controle e metodologia adequada.
Podemos recorrer a levantamentos feitos no passado. Os primeiros
dados remontam à pesquisa feita pela Secretaria do Bem-Estar (Surbes) da
subprefeitura da Sé, datada de 1991, que concluiu:
De cada mil pessoas que passaram a viver na Rua nos últimos
tempos, 600 estão na Rua há menos de seis meses e 400 nos
últimos 30 dias. A faixa etária das pessoas na Rua é de 20 a 40 anos,
em plena capacidade para o trabalho. De cada 1000, 400 são da
região Sudeste, 280 do Nordeste. De cada mil na Rua, 180 são do
interior de São Paulo (Trecheiro, 1991, n. 03/04 p. 1).
Foi a primeira pesquisa sobre população de rua em São Paulo,
localizadas 3.392 pessoas dormindo nas Ruas nas regiões centrais da cidade,
109
como afirma a então secretária de Assistência Social, Aldaíza Sposati
(Trecheiro, setembro 2002, p. 7).
Em 1996, o jornal Trecheiro fazia pesquisa na Rua São Bento, no dia 11
de abril, com 74 pessoas entrevistadas, entre 19 e 21,30h, sendo dez mulheres
e 64 homens, com dados reveladores:
Do Sudeste são 34 pessoas (ou seja, 45,95% dos entrevistados), do
Nordeste, 28 pessoas; do Sul, 12 pessoas, e do Norte e Centro-Oeste
ninguém. Até 18 anos de idade, havia seis pessoas, de 19 a 25: 13
pessoas, de 26 a 35: 19 pessoas, de 36 a 50 anos: 29 pessoas, e
acima de 51 anos: sete pessoas. O mais velho era Roberto Duarte,
de 66 anos de idade, há um ano na Rua. O mais jovem, Mauricio
Antonio Seixas, de 14 anos, paulistano, há dois anos na Rua
(Trecheiro, abril 1996, p. 3).
Neste mesmo ano, a Prefeitura de São Paulo reconhece a existência de
5400 pessoas de Rua pra os que a lei 12.316/97 deve garantir abrigos de
inverno (Trecheiro, ano VIII, maio/1998, p. 4).
Em janeiro de 1999 a Prefeitura de Santo André realiza pesquisa sobre o
perfil dessa população emergindo no ABC paulista: 187 pessoas viviam nas
Ruas de Santo André, sendo 57% solteiros, 46% de S. Paulo, 55% de 31 a 50
anos. Existiam 53% com mais de um ano de Rua, e 31% com mais de dez
anos nas ruas andreenses. Das 85 pessoas procedentes do Estado de São
Paulo, 19 eram de Santo André (Trecheiro, janeiro de 1999, p. 3). A situação
dos moradores de rua passa a adquirir um rosto metropolitano.
O Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no ano
de 2000 não contou as pessoas em situação de Rua, conforme denúncia na
Folha de S. Paulo em junho de 2000. Como o critério censitário prevê a
existência de domicílio, o IBGE os tornou inexistentes para a demografia oficial!
110
É população real não computada nas estatísticas, o que dificulta a
implementação e a eficácia de eventuais políticas para o segmento.
Apesar da grave lacuna, há as pesquisas realizadas no município de
São Paulo pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE).
A Prefeitura de São Paulo realiza nova pesquisa, coordenada pela
mesma Fundação, divulgada no mês de fevereiro de 2001:
Recenseados 94 bairros da cidade, foram encontrados 8.095
moradores adultos de Rua. Na Sé e República, 2.071 moradores. Em
Santa Cecília, Consolação, Brás e Bom Retiro, outros 1.782 pessoas.
Homens representavam 85% e mulheres 15%. Entre 18 e 49 anos:
70% da população. Entre 50 e 64 anos: 19% do povo, e enfim, acima
de 65 anos: 4% da população. Quanto à permanência nas Ruas
tivemos estes dados: 10 anos – 8%; 5 a 10 anos – 11%, 2 a 5 anos –
16%, 1 a 2 anos – 13%, de 6 meses a 1 ano – 15%, de 3 a 6 meses –
11%, de 1 a 3 meses – 13%, e até um mês de Rua – 13% (Trecheiro,
abril 2001).
A Secretaria de Assistência Social afirma que os dados coletados pela
Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) em 2000 demonstram a
existência de 8.702 pessoas vivendo nas Ruas (Trecheiro, set. 2002, p. 7).
Maria Luiza Marcílio relata que estes 8.706 moradores estariam assim
distribuídos:
O Censo de Moradores de Rua da Cidade, feito em 2000 pela Fipe,
contou 8.706 pessoas sem teto, sendo 5.014 vivendo em Ruas,
pontes e viadutos e 3.693 em abrigos e albergues. As crianças dos
moradores de Rua, em geral, não estão na escola (MARCILIO, 2005,
p.349).
Um projeto da administração da Prefeitura de São Paulo, denominado
Sempre Vivo, abordou 5759 pessoas nas Ruas de julho a setembro de 2002.
111
Entre os entrevistados, 52% têm como principal motivo de estar nas Ruas o
desemprego (Trecheiro, outubro 2002, p. 4).
A Fipe volta a realizar a pesquisa de campo em 2003 e constata:
Houve um aumento de 19,3% no número de pessoas em situação de
Rua na cidade. Agora, o número subiu para 10.934, sendo que 4.208
moravam nas Ruas e 6.186 em albergues. Os homens são 84%, as
mulheres 14%, e não foram identificados 2% das pessoas. Em 2000,
havia 5.013 nas Ruas e 3.693 nos albergues. Em 2003 a situação se
inverteu, pois são 6.186 em albergues e 4208 pessoas dormindo nas
Ruas. Aldaíza Sposati, secretária de Assistência Social afirmava que
há uma série de fatores combinados por trás da situação, desde o
desemprego até os efeitos do consumo de álcool e drogas. Segundo
ela, a população cresce quatro vezes mais do que o aumento
vegetativo da população (Trecheiro, novembro 2003, p. 3).
Na pesquisa foram localizados mais de 400 universitários nas Ruas e
nos 33 albergues existentes na rede da prefeitura. O perfil não se alterou nos
últimos anos: o morador de Rua é homem e tem 38 anos de idade. Com
relação à cor da pele, caiu o percentual de brancos (de 33,4% para 29,5%)
entre os anos 2000 e 2003. Negros também tiveram diminuição (de 30,1% para
25,4%). Já os pardos saltaram de 29,5% para 37,2% nas pesquisas da Fipe
(Folha de S. Paulo, 06/11/2003, p. C7). No mesmo ano, estudo pormenorizado
do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) mostra que:
A região metropolitana de São Paulo é um caso agudo da dupla face
da pobreza. Ela concentra 52% dos indigentes e 47% dos pobres do
Estado. Os governos não têm olhos para a miséria urbana.
dezenas de ‘guaribas’ na Grande São Paulo, mas o Fome Zero
decidiu construir o seu símbolo na Guaribas do interior do Piauí
(Folha de S. Paulo, 03.10.2003, p. A3 especial).
112
O jornal Diário de São Paulo ao apresentar o Programa Acolher, da
Secretaria de Assistência Social do Município de São Paulo, informa que
recebia 6186 pessoas em 33 albergues e abrigos municipais conveniados.
Havia 50 agentes de acolhida percorrendo todos os dias as ruas do centro
paulistano (Diário de S. Paulo, 17/01/2004 página A2).
A última pesquisa, feita com os albergados em São Paulo, pela Fipe,
coletou dados entre os meses de dezembro de 2005 e janeiro de 2006, e
publicada em 20 de junho de 2006:
Foram entrevistados 631 homens albergados em 22 albergues da
rede conveniada. Trabalham 73% dos jovens. O porcentual de
envelhecimento é maior que em 2000, atingindo 47%. 80% são
migrantes, 1% é imigrante e 19% nasceram na cidade de São Paulo.
O dado surpreendente é que 49% procedem da região Sudeste, e
destes 39% são do próprio Estado de São Paulo. Embora 72% dos
que estão em albergues, trabalhem a renda daí obtida é bastante
instável, diz a pesquisadora Sílvia Schor, coordenadora deste projeto
(Trecheiro, julho 2006, p. 4).
113
4. A pesquisa na Comunidade São Martinho
21
Os dados estatísticos coletados pelos funcionários da comunidade São
Martinho, durante dez anos, demonstram que nas Ruas da cidade há 87.,7%
de homens e 12,3% de mulheres, o que historicamente sempre se verificou: a
Rua tem rosto masculino, pois a exposição da mulher na Rua leva-a à
prostituição, pois ela é muito vulnerável à violência.
A origem geográfica concentra-se entre em nascidos nos seguintes
Estados: há paulistas (38,7%), mineiros (10,6%), baianos (10,5%) e
pernambucanos (8,1%). A distribuição assume rosto distinto da recente
pesquisa sobre a origem de migrantes internos na cidade. Afirmam as
pesquisadoras Lúcia Bógus e Suzana Pasternak:
21
Estes dados, coletados entre 1995 e 2005, foram tabulados por alunos de iniciação
científica, participantes do Projeto Mão dupla de Solidariedade, sob a coordenação acadêmica
do professor doutor Jorge Cláudio Ribeiro Noel Junior, da PUC-SP.
114
Nota-se um aumento do peso da migração de nordestinos no
município de São Pulo: a migração nordestina representava 44,43%
do total de migrantes internos em 1991, e passa a representar
48,04% no ano 2000. Em termos absolutos, são mais de 200 mil
oriundos do Nordeste chegando ao município entre 1991 e 2000, uma
média de 24 mil migrantes anuais. Os maiores fluxos migratórios para
o município de São Paulo são da Bahia (12,76% dos chefes
migrantes não paulistas em 2000 e 22,75% em 1991), Minas Gerais
(8,97% em 2000 e 20,88% em 1991), Pernambuco (7,88% em 2000 e
15,37% em 1991), Ceará (3,97% em 2000 e 7,88% em 1991),
Paraíba (2,78% em 2000 e 5,20% em 1991), Alagoas (2,40% em
2000), Piauí (1,57% em 2000 e 2,71 em 1991) (BÓGUS, Lúcia M.M.;
PASTERNAK, Suzana, 2006, pp. 41-42).
Estes dados rompem com o senso comum de que há somente
nordestinos nas ruas paulistanas. Os moradores de rua são majoritariamente
paulistas e mineiros, segundo os dados da Comunidade São Martinho, em
significativa amostra de 1327 entrevistados.
Os solteiros são 64,5% dos que vivem nas ruas, os separados são
17,4%, os viúvos, 2,2%, e os casados somente 7,4%. O contingente maior de
pessoas nas ruas é de seres humanos solitários.
Quanto ao grau de escolaridade, há 3,6% de analfabetos, 0,3% somente
alfabetizados, 19,7% com o ensino fundamental completo, 61,4% com o ensino
fundamental incompleto, 6,4 % com ensino médio completo, 7,1% com ensino
médio incompleto, 0,2 % com ensino superior completo e 1,1 % com ensino
superior incompleto. É um vasto espectro de formação educacional que é
desconhecido da população paulistana.
Sobre a documentação, o quadro é curioso: 28,7% têm a certidão de
nascimento e 71,3% não. A cédula de identidade é portada por 71,5% dos
115
moradores de rua, enquanto 28,5% não a têm. Estão inscritos na Receita
Federal 18,1%, e não têm CPF (Cadastro de Pessoas Físicas)
81,9% dos
entrevistados.
Os que possuem carteira de trabalho são 11,2% do total, e 88,8% não a
possuem. Quanto ao título de eleitor, o número dos que não o possuem chegou
a 88,3%, enquanto 11,7% o têm. A certidão de reservista existe para 4,6% dos
entrevistados e 95,4% não a têm.
Quanto aos anos na Rua, o quadro da pesquisa relata que grande
maioria, ou seja, 81,3% têm até três anos nas Ruas paulistanas. Vejamos um
quadro selecionado tabela 10
22
:
Menos de um ano: 55%,
Um ano: 10,3 %,
Dois anos: 11,1 %,
Três anos: 4,9%.
Os limites metodológicos do material coletado na Comunidade São
Martinho estão vinculados à falta de periodização, para que se possa fazer
séries históricas. Os moradores declararam não ter ocupação atual e 75%
declarou não ter nenhuma ocupação, o que mostra que pode ter havido
incompreensão quanto à pergunta, pois eles não incluíram os serviços
esporádicos, que quase todos realizam, talvez pensando em empregos formais
de carteira assinada.
Apesar de tudo, a riqueza de dados permitiu algumas caracterizações de
seu perfil humano e social: homens em idade produtiva, com filhos, com
problemas de saúde, transitando entre a rua e o albergue, vivendo nas ruas há
22 As tabelas completas estão no anexo 1 ao final da tese.
116
menos de três anos, por causas como o desemprego, ruptura com a família e
dependência química. Grande parte é do próprio Estado de São Paulo, e
exerceu profissões não especializadas, como agricultor, ajudante, motorista e
pintor. É solteiro, possui documentos e ensino fundamental.
117
5. Das cinzas nasce a Fênix
Por conta da realidade construída nas cidades nasceram movimentos e
despontaram alguns personagens. A solidariedade tornou-se pauta política
imprescindível.
Um representante crítico do utilitarismo assim se expressa:
Seremos obrigados a reinventar novas formas de solidariedade. Não
nos esquecendo de que o primeiro passo da solidariedade é aquele
pelo qual os homens se reconhecem membros da mesma sociedade,
da mesma ‘politie’ e, neste sentido, têm a obrigação de olhar uns
pelos outros. Perante a crise do trabalho, a mais urgente medida de
solidariedade deverá passar, em nosso entender, por uma
reformulação do pacto político central que leve em consideração as
mutações do mundo salarial e recuse-se a limitar o direito de comum
cidadania ativa aos trabalhadores estáveis e em tempo integral
(CAILLÉ, 2002, p. 205).
118
No campo de ação popular atuam sujeitos sociais como as cooperativas,
entidades sociais, lideranças religiosas, alguns parlamentares, determinados
profissionais, agentes de pastoral e muitos voluntários, envolvidos nos últimos
50 anos nessa ação, em particular as entidades de articulação do povo de rua.
Verificarei na segunda parte da tese, a força ‘comovedora’ e política dos
subalternos, as resistências dos aparelhos burocráticos e os passos ou
descompassos cometidos. Busco de maneira sistemática vislumbrar a
cosmovisão dos empobrecidos e a nova forma de organizar uma instituição
religiosa bimilenar, a partir dos de baixo, pela intervenção ativa da categoria
social dita excluída e descartável. O estudo da Igreja é temática específica na
compreensão das ciências sociais. Irei ater-me ao discurso e prática de um
Vicariato Episcopal. A necessária subversão de conceitos, vocabulário e
formas organizativas colaborará no resgate de um humanismo ativo e integral.
Passarei a elencar alguns conflitos internos e externos, pessoais e estruturais,
experimentados pela nova prática social e religiosa e a construção de um novo
vocabulário social em função das políticas públicas daí decorrentes.
O confronto das práticas sociais as distingue de outras práticas de obras
assistenciais existentes na sociedade civil, ou mesmo organizadas pelo poder
público ou entidades religiosas de diferentes confissões.
Auto-estima, compaixão e uma forma diferente de trabalhar o corpo
social e os corpos humanos dilacerados pela exploração capitalista podem e
devem abrir as fronteiras de uma expressão da ciência social, que seja
simultaneamente livre, pertinente e, sobretudo, capaz da arte do diálogo com
novos sujeitos históricos. O pensamento acadêmico e a técnica exigida pela
ciência moderna primam pela exatidão e pelo cálculo, o que imediatamente nos
119
remete à falta de sentimento, de sinceridade, de afeição, de subjetividade
implicada. A noção de imunidade emocional frente aos fenômenos sociais
como garantia de correta distância crítica não pode deixar de lidar com aquilo
que transcende o fato bruto. A própria concepção de exatidão e percepção
adequada ao real requer multiplicidade de abordagens, o que inclui,
certamente, a perspectiva afetiva. Um alto grau de consciência é capaz de
harmonizar exatidão e afetação. Distância e proximidade. Finalidades e
mediações. É capaz de responder ‘ad rem’ (com precisão), pois pensa o que o
coração sente, para evitar ser cruel (‘Bem se’ crudel, se tu già non ti duoli
pensando cio che ‘l mio cor s´annunziava; e se non piangi, di che piager suoli’ –
Dante Alighieri. A Divina Comédia: Inferno. canto XXXIII, verso 40. São Paulo:
Editora 34, 1998, p. 218)
Afirma Ilya Prigogine:
Na verdade, a ciência faz parte da procura do transcendental, que é
comum a outras tantas atividades culturais: arte, música, literatura.
Nosso tempo é um tempo de expectativas, de ansiedade, de
bifurcações. Longe de ser o ‘final’ da ciência, creio que nosso período
verá o nascimento de uma nova visão, de uma nova ciência, cuja
pedra fundamental engloba a flecha do tempo: uma ciência que faz
de nós e de nossa criatividade a expressão de uma tendência
fundamental no universo (PRIGOGINE, 2001, p. 100-101).
Atenção redobrada no trabalho do Vicariato se refere particularmente
quanto ao risco da filantropia ineficaz e da freqüente armadilha do
assistencialismo, sempre a pedra de toque da manutenção do status quo.
A vida e as lutas sociais e cidadãs da imensa multidão de homens e
mulheres que vivem pelas Ruas da metrópole paulistana continuam sendo o
120
que tão bem descrevia Cândido Procópio Ferreira de Camargo, em junho de
1977, na introdução de livro sobre os mendigos na cidade:
Inútil fechar os olhos. Insuficientes os reiterados esforços para
esconder a mendicância, abafar os mendigos, prendê-los, reeducá-
los, reduzi-los a assistidos sociais. Eles sempre surgem.
Testemunham contra a sociedade e suportam pessoalmente o
estigma nos limites da miséria. Como o Servo Sofredor das Escrituras
(STOFFLES, 1977, contracapa do livro).
121
SEGUNDA PARTE
ABORDAGEM TEÓRICA
ANTES DO NOME
Adélia Prado
Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o "de", o "aliás",
o "o", o "porém" e o "que", esta incompreensível
muleta que me apóia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infreqüentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão
Puro susto e terror.
122
1. Compaixão como categoria da análise
O uso metodológico da categoria compaixão (afetividade) no estudo do
Vicariato do Povo da Rua é o coração da tese.
Estudar, aplicar e verificar a operacionalidade do conceito analítico
racional compaixão’, entendido como ‘ser afetado’, como forma universal de
revelação no caso concreto do Vicariato da População de Rua na capital
paulistana, é o objetivo da tese.
123
É preciso que o uso seja preciso. É imprescindível ter em mente que é
necessário conhecer o mundo da rua em cada contexto em que ele se
apresenta.
O educador Jorge Vicente Muñoz adverte:
A Rua, com seus moradores, é uma em São Paulo, outra em Belo
Horizonte, outra em Angra dos Reis e assim por diante. Mais ainda, a
heterogeneidade dos grupos vem se complexificando aceleradamente
nos últimos anos, à medida que mudam o mercado de trabalho, as
qualificações exigidas, as oportunidades oferecidas em cada cidade,
os fluxos migratórios, as próprias condições de vida de cada lugar
(MUÑOZ, 1997, p. 7).
A compaixão, compreendida semanticamente, nos remete ao pesar que
em nós despertam a infelicidade, a dor ou o mal de um outro. Compaixão está
ligada a dó, pena, condolência e sensibilidade.
Ela é descrita como sentimento piedoso de simpatia para com a tragédia
pessoal de outrem, acompanhado do desejo de minorá-la.
Ainda expressa participação espiritual na infelicidade alheia que suscita
impulso altruísta de ternura para com o sofredor (cf. Dicionário Houaiss, 2001,
p. 773).
A etimologia nos remete ao latim e ao grego. Em latim, traduz-se por
sofrimento comum, comunidade de sentimentos. Em grego, nos remete a
páthos, que é o que se experimenta. Aquilo ou aquele acessíveis às
impressões exteriores. As duas etimologias nos remetem a sentimento e
afetividade. No diapasão que percorre da melancolia à ternura. Na Idade Média
a concepção esteve carregada de teor pejorativo, como afetação ou exagero, o
que permanece em certas obras e leituras atuais.
124
Em geral, compaixão é entendida como aquilo que se liga a algo
patológico. Compaixão está ligada ao sofrer, a ser paciente ou passivo. O
conceito, em nossa civilização ocidental, marcada pela atividade e pela
construção propositiva, foi sempre lido e interpretado de forma negativa, ao
lidar com a idéia e a experiência da passividade. É normal atribuir ao sofrer um
caráter psíquico e à dor um componente físico, distinguindo uma e outra
experiência no ser humano concreto. Determinado autor chega a afirmar que a
piedade é perigosa (Stefan Zweig). A passividade, entretanto, não é sempre
estática, inerte ou danosa.
A grande questão é resgatar o caráter ativo da passividade,
compreendida como a visita de outrem ou ainda como a qualidade de aceitar a
revelação que nos penetre e ‘comova’. A capacidade pessoal de ‘ser afetado’
ou ‘ser fecundado’. A passividade pode ser compreendida como chave de
transformação interna. Como a abertura imprescindível ao outro, sem o que
não há vida humana. Em suma, pode-se compreender a compaixão como
passividade simpática.
O conceito compaixão confronta-se com conceitos antonímicos, tais
como: desnaturado, duro, empedernido, eviscerado, implacável, indiferente,
insensível e inflexível.
Pode-se afirmar que a compaixão vincula o sujeito ao exercício ativo de
sua afirmação e à não corrupção (desnaturar-se) de sua identidade humana na
história.
Neste sentido, se lê a obra HEAUTON TIMOROUMENOS, de Publius
Terentius Afer (verso 77): “Homo sum: nihil humani a me alienam puto” (sou
125
humano, nada do que é humano considero alheio a mim)
23
. Esta a resposta
dada por Cremes quando Menedemo lhe pergunta por que se interessava por
coisas que não lhe diziam respeito.
A mesma acepção humanista e solidária é retomada no poema de John
Donne, e citada no prefácio da obra de Ernest Hemingway (‘Por quem os sinos
dobram’), onde ressaltava o fato de que qualquer morte humana o diminuía
porque ele fazia parte da humanidade, e era inútil perguntar-se por quem o sino
estava dobrando: estaria sempre dobrando por qualquer pessoa humana.
Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do
continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a
Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse
a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem
diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não
perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por
ti. (HEMINGWAY, 2004).
Devo conectar compaixão a condolências, ou seja, à comiseração de
pessoas sensíveis às dores de seus semelhantes.
A compaixão estaria ligada ao doer comum, ao ato de fazer-se
participante da dor vivida por outra pessoa ou de expressar sua participação. A
capacidade de sentir-se próximo e partícipe de outras dores nos remete
novamente ao poeta latino Terêncio, em seu Andria, verso 310: “Tu si hic sis,
aliter sentias” (‘Se estivésses no lugar dele, sentirías de modo diferente’)
24
. De
certa forma, posso dizer que a compaixão realiza mudança de lugar. Alteração
de estado vital. Participação ativa e decisiva nas experiências dolorosas de
23 http://www.thelatinlibrary.com/ter.heauton.html
24
http://www.thelatinlibrary.com/ter.andria.html
126
outras pessoas. E ao participar das experiências e sofrimentos o sentimento e
o pensamento se alteram, por conta da mudança de lugar e posição.
Aristóteles já assim designara esse predicado como a capacidade lógica de
algo ser modificado. E isso será possível se cada pessoa for capaz de
silenciar-se e acolher passivamente a outra dor em seu interior.
À época de Orígenes (185-253 d.C.), a palavra grega pathé – não só em
sentido estrito de sofrimento, como também em sentido amplo de paixão e
emoção – tinha, na linguagem filosófica, um significado negativo. Evocava
freqüentemente deficiência física ou metafísica e degradação moral. Orígenes
e Gregório apresentaram síntese distinta, que buscava superar a dicotomia e
propor a compaixão como algo não degradante.
Tomás de Aquino, na Suma Teológica, ao se perguntar se o mal é o
motivo próprio da misericórdia, assim responde:
Deve-se dizer que, sendo a misericórdia compaixão pela miséria
alheia, ela é propriamente relativa a outrem e não a sim mesmo a não
ser por uma certa comparação, como também a justiça, enquanto no
homem se consideram diversas partes como diz o livro V da Ética.
Assim como a misericórdia não é propriamente relativa a si mesmo,
mas é uma dor, como quando alguma crueldade nos atinge. (Summa
Theologiae, II-II, q. 30, a.1, ad 2).
Retomo, por razões históricas e hermenêuticas, algumas interpretações
de autores clássicos das ciências sociais de corte genético estrutural,
particularmente na literatura marxista, quando tratam do povo da rua. Creio que
é fundamental fazer esse percurso prévio, verificar sua evolução e tensões,
para entender melhor o atual estado da questão. Faço breve caminho
iniciando pelo Manifesto Comunista de 1848.
127
O Manifesto Comunista é ‘cruel na análise e diagnóstico do papel
histórico desempenhado por desempregados, mendigos e marginalizados da
sociedade industrial:
O lumpemproletariado, essa putrefação passiva dos estratos mais
baixos da velha sociedade pode, às vezes, ser arrastado ao
movimento por uma revolução proletária; todavia, suas condições de
vida o predispõem mais a vender-se à reação para servir às suas
manobras (MARX-ENGELS, Manifesto Comunista, 2003, p.76).
Marx e os intelectuais socialistas forjaram uma teoria na qual os
operários fabris foram considerados os únicos capazes de fazer a revolução. E
os miseráveis seriam o produto passivo da putrefação da velha sociedade. Os
mendigos poderiam emancipar-se? Seria uma questão intransponível?
Martín-Barbero analisa a questão do ponto de vista latino-americano:
... a negação do popular não é só temática, não se limita a
desconhecer ou condenar um determinado tipo de temas ou
problemas, mas revela a dificuldade profunda do marxismo para
pensar a questão da pluralidade de matrizes culturais, a alteridade
cultural (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 51).
Antonio Gramsci, relendo a obra e o pensamento de Karl Marx, na
comemoração de cem anos do pensador alemão, diz que é preciso perceber:
Caem os ídolos de seus altares e as divindades vêem como se
dissipam as nuvens de incenso doloroso. O homem adquire
consciência da realidade objetiva, se apodera do segredo que
impulsiona a sucessão real dos acontecimentos. O homem conhece-
se a si mesmo, sabe quanto pode valer sua vontade individual e
como pode chegar a ser potente se, obedecendo, disciplinando-se de
acordo com a necessidade, acaba dominando a realidade mesma,
128
identificando-a com seus fins. Quem conhece a si mesmo? Não é o
homem em geral, mas aquele que sofre o jugo da necessidade. A
busca da substância histórica, o ato de fixá-la no sistema e nas
relações de produção e de troca, permite descobrir que a sociedade
dos homens está dividida em duas classes. A classe que possui o
instrumento de produção necessariamente já conhece a si mesma,
tem consciência, ainda que seja confusa e fragmentária, de sua
potência e de sua missão. Tem fins individuais e os realiza através de
sua organização, friamente, objetivamente, sem se preocupar se o
seu caminho está calçado com corpos extenuados pela fome ou com
os cadáveres dos campos de batalha (GRAMSCI, 1918).
Marx usa a mendicância como metáfora para criticar os censores da
imprensa, e compara os mendigos a seres vazios de qualquer genialidade ou
de indignação criativa, retomando pequeno trecho do poema Fausto: “Só o
mendigo é modesto, diz Goethe” (MARX, 1986, p. 32). É instigante constatar
que Johann Wolfgang von Goethe, no clássico poema, quadro VII, cena 1, diz
diferentemente: “Ser pobre é ser parvo”.
Engels afirma com otimismo, em carta escrita a Vera Iwanowna
Zassulitsh:
Uma vez posto o fogo na pólvora, uma vez liberadas as forças e
transformada a energia nacional de potencial em cinética (ainda uma
imagem favorita de Plekhanov, e muito boa), então os homens que
puseram fogo à mina serão arrancados pela explosão, que será mil
vezes mais forte que eles e há de procurar sua saída como puder
como as forças econômicas e resistências decidirem (ENGELS, 1984,
p. 474).
E na mesma carta, poucas linhas abaixo, com realismo afirma:
129
As pessoas que se vangloriaram de ter ‘feito’ uma revolução sempre
ainda viram, no dia seguinte, que não sabiam o que faziam, que a
revolução ‘feita’ não era nada parecida com aquela que queriam
fazer. Hegel chama isso de ironia da História, uma ironia a que
poucas personalidades escapam - no rascunho original, foi riscada a
passagem: talvez isso venha a ocorrer com todos nos (ENGELS,
1984, p. 474).
Oposta à crítica de Marx e Engels, é preciso, entretanto, evitar a postura
de sublimação dos pobres elevados a um idealismo tentador: aquele que
queira torná-los à força, revolucionários. Sabemos que o crescimento da
pobreza não gera revolução nem consciência, automaticamente.
Somente se pode esperar reação individual e coletiva diante da
injustiça infligida a outrem – à feição de solidariedade ou ação política
– se o sofrimento e o sentido desse sofrimento forem acessíveis às
testemunhas. Em outras palavras, a mobilização depende
principalmente da natureza e da inteligibilidade do drama vivido pela
vítima da injustiça, da violência e do mal. Porém, o sentido do drama
é ainda insuficiente para mobilizar uma ação coletiva contra o
sofrimento, a injustiça e a violência. Para tanto é necessário não
apenas que o drama e a intriga sejam compreensíveis, mas também
que ocasionem o sofrimento da testemunha, que lhe despertem
compaixão. Somente então o sofrimento acarreta sofrimento para o
sujeito que percebe. Esse é o elemento essencial à formação de uma
vontade: agir contra a injustiça e o sofrimento infligidos a outrem. A
compaixão não depende apenas da natureza do drama, mas também
dos meios empregados para comover a testemunha, para atingir-lhe
a sensibilidade. Trata-se, pois, da dramaturgia ou da retórica de
apresentação, ou ainda da ‘encenação’ – no sentido que Goffman
(1973) confere ao termo – do drama a ser compreendido (DEJOURS,
2000, pp. 142-143).
130
Ao assumir a realidade concreta da população de Rua em São Paulo,
pretendo vislumbrar algum horizonte utópico, entendendo utopia como
antecipação. Fazer alguma previsão quanto ao desenvolvimento do trabalho e
suas potencialidades e limites no processo em curso. Procurando manter a
fineza metodológica. Como fora indicado pelo mestre Florestan Fernandes:
O grau de sensibilidade do investigador para os processos ‘in flux’ e,
em especial, o alargamento do modelo de observação e de
explicação – até ao ponto de compreender o objeto nos vários
momentos de sua evolução histórica – é que decidem o que cai e o
que não cai no âmbito da investigação científica (FERNANDES, F.
1984, p. 28).
Ao percorrer o terceiro manuscrito de Paris, de 1844, sobre o dinheiro,
leio esta expressiva reflexão sobre o amor, de Karl Marx:
Suponha que o homem é homem e que se ache em uma relação
humana com o mundo. Então o amor só se pode pagar com amor, a
confiança com a confiança etc. Se queres desfrutar da arte,
necessitas uma formação artística; se queres influir os outros, tens
que ser realmente capaz de estimular e impulsionar como homem,
aos outros homens. Todas e cada uma de tuas relações com o
homem – e com a natureza – têm que ser uma expressão precisa de
tua vida real, um acordo individual com o objeto de tua vontade.
Enquanto ames sem conseguir correspondência; isto é, enquanto teu
amor não suscite, como tal, uma resposta amorosa, enquanto não
consigas que a expressão de tua vida amorosa te converta a ti
mesmo em um homem amado, teu amor é um fracasso, uma
desgraça (XLIII) (MARX, 1978, p. 409).
Ser afetado pelos moradores de Rua, e poder exprimir-se como um
homem que ama e é amado, é caminho para vencermos politicamente o
131
fracasso e a desgraça da vida pública, e uma pequena, mas substantiva, via de
transformação e mudança sociais.
Otto Maduro fala da experiência como afetuosa aceitação:
A maneira como nós, pessoas e comunidades humanas, sentimos e
definimos o que é central para nossas vidas, o que é aquilo que mais
ameaça nossa sobrevivência e nossa segurança, o que é que mais
nos atrai e satisfaz etc., é algo afetivamente condicionado,
emocionalmente marcado, sofrendo a profunda influência de nossas
relações com os outros seres humanos desde a mais tenra infância.
As experiências mais decisivas de felicidade ou de sofrimento são
experiências em relação com outras pessoas e com uma profunda
dimensão emocional e afetiva (MADURO, 1994, p. 33-34).
Dussel afirma:
O fato de que o rosto do miserável possa ‘interpelar-me’ é possível
porque sou ‘sensibilidade’, corporalidade vulnerável a priori. Sua
aparição não é uma mera manifestação, mas uma revelação; sua
captação não é compreensão, mas hospitalidade; diante do outro a
razão não é representativa, mas presta ouvido sincero à sua palavra
(DUSSEL, 2000, p. 367).
Esse ouvir patético e simbólico é uma mudança necessária no
pensamento. Realiza a síntese, entre racionalidade e sensibilidade, entre ação
e imaginação. Diz Gesché, teólogo belga: “O poder da patética simbólica é ver
em um só golpe de vista a totalidade do processo, enquanto a racionalidade
decompõe demasiadamente seus elementos” (GESCHÉ, O mal, 2003, p. 151).
O povo que mora nas Ruas assume a pergunta do personagem K, da
obra O castelo, de Franz Kafka, pois é impedido de nele entrar, mas não sabe
por quê. Essas pessoas estão sempre em busca de uma comunidade, de
alguém que lhes ouça e possa ser compassivo. São pessoas extraterritoriais
132
que desejam encarnar-se e transfigurar-se de tal forma que no processo de
identificação entre o Eu e o Tu, possam cair as barreiras do egoísmo e da
insensibilidade. O processo, como já afirmara
Schopenhauer, é um mistério, pois na medida em que eu sinto com o
outro, em que percebo seu sofrimento como meu, são suspensas a
minha identidade e a do outro. Portanto, a universalidade da
compaixão não é quantitativa, mas qualitativa (BOFF, Leonardo &
MULLER, Werner, 2001, p. 37).
Kant funda a moral no imperativo categórico, em um princípio abstrato e
racional.
Schopenhauer rejeita esse caminho filosófico e ensina que a vivência da
compaixão deve ser a base da ética. Para ele o viver é sofrer. O pessimismo
aponta em sua obra para momentos de suspensão da dor. Um primeiro
caminho é a contemplação artística, e em particular a música, como caminho
de libertação. O segundo nível é o da conduta ética, alçada ao seu patamar
supremo pelo espírito de simpatia e comiseração. Eis o caminho da compaixão.
Ainda haveria um terceiro momento, o da superação da vontade e da paz,
advindo do conhecimento que supera o mundo de aspirações e desejos sem
fim.
Quanto ao segundo nível, que é o da compaixão, podemos ler em sua
obra Parerga e Paralipomena:
Por isto desejo, em oposição à forma referida do princípio moral
kantiano, estabelecer a seguinte regra: com cada pessoa com que
tenhamos contato, não empreendamos uma valorização objetiva da
mesma conforme valor e dignidade, não consideremos, portanto, a
maldade da sua vontade, nem a limitação do seu entendimento, e a
incorreção dos seus conceitos; porque o primeiro poderia facilmente
133
ocasionar ódio, e a última, desprezo; mas observemos somente seus
sofrimentos, suas necessidades, seu medo, suas dores. Assim,
sempre teremos com ela parentesco, simpatia, e, em lugar do ódio ou
do desprezo, aquela compaixão que unicamente forma a ágape,
pregada pelo evangelho. Para não permitir o ódio e o desprezo contra
a pessoa, a única (moralidade) adequada não é a busca de sua
pretensa ‘dignidade’, mas, ao contrário, a posição da compaixão
(SHOPENHAUER, 1974, p. 95).
O autor afirma que é preciso observar os sofrimentos, necessidades,
medos e dores. E ao estabelecer parentesco e simpatia, irrompem a
compaixão e a alegria da convivência.
Compaixão vinculada à realização da síntese entre o sofrer e a
felicidade. Unir o sofrimento e a beatitude é um segredo que precisa ser
desvelado. Saber distinguir as diferentes espécies de dor e alegria exige
discernimento.
Simone Weil afirma: “Não são a alegria e a dor que se opõem, mas
espécies de uma e de outra. Há uma alegria e uma dor infernais, uma alegria e
uma dor terapêuticas, e uma alegria e uma dor celestes” (WEIL, 1993, p. 109).
Só quando as cordas de dois violões estiverem afinadas é que ao vibrar
de uma delas teremos o reverberar da outra. E isto se dará a partir de gestos
generosos e subterrâneos. Paradoxalmente, ouço Ivan Karamazovi: “Para que
se possa amá-lo (o purulento) é preciso que um homem esteja oculto; desde
que ele mostra seu rosto, o amor desaparece” (Dostoievski, 1973, livro V, cap.
4, p. 178). A réplica de Aliocha me conforta: “Para almas inexperientes, o rosto
de um homem é um obstáculo ao amor” (Dostoievski, 1973, p. 178). A sintonia
de almas experientes e o desafio por relações sociais sadias tornam-se um
primeiro passo na busca constante por estabelecer parâmetros de convivência.
134
O conceito compaixão tem sua essência fundada no sofrer e na
afetividade. Sofrimento que nos move à comiseração. Sofrer compreendido
como capacidade de suportar experiências vitais e mesmo pessoas reais que
devem ser apoiadas. Sofrimento não só como dor e padecimento, mas
capacidade de alçar de baixo para cima, servir de apoio, enfim, arcar com
determinado peso sem ser muleta ou falsificação da identidade pessoal.
Sofrimento vivido como experiência humana de passividade. Passividade não
mais entendida como negação ou aniquilamento do sujeito, mas quietude e
silêncio para que seja visitado por outrem. O sofrimento do outro anuncia a
impotência do sentimento e anuncia ainda a própria possibilidade do sujeito
existir.
Autor de fundamental importância neste estudo é Michel Henry.
É figura de primeira grandeza na fenomenologia e na filosofia francesa
contemporânea. Nascido em Haiphjonmg, Vietnã, em 1922, morre em Albi, em
3 de julho de 2002. Sua primeiro trabalho acadêmico é sobre Spinoza,
apresentado em 1943 e somente publicado em 1997, com o título ‘Le bonheur
de Spinoza’.
Participa ativamente da resistência ao nazismo. No cotidiano dessa
situação de dissimulação permanente, surge aquilo que podemos considerar o
fio condutor de seu pensamento: a ‘invisibilidade da vida’. A formação kantiana
e cartesiana, de sua juventude, expande-se no interesse pela fenomenologia
de Husserl. Henry dará primazia à esfera emotiva e afetiva frente àquela
cognoscitiva e intencional. Este grande esforço de uma década de síntese se
expressou na obra magna: ‘L´essence de la manifestacion, publicada em 1963
e reeditada em 1990. Nela temos o caminho teórico do autor em compreender
135
vida como ´absoluta imanência e absoluta manifestação’. Para Henry a vida se
manifesta e se colhe imediatamente no seu ‘páthos’, na sua afetividade, não
havendo na vida uma quebra ou distinção entre o ser e o aparecer. Isto porque
a vida não se põe a distância de si, para tornar-se visível.
‘A verdadeira vida é invisível’.
Em 1965, ele publica um complemento da obra: ‘Philospophie et
phénoménologie du corps’.
Michel Henry permanecerá toda a sua vida acadêmica em Montpellier e
sua pesquisa fará publica em 1976, outra obra decisiva: Marx, pelas edições
Gallimard, em dois volumes, republicados em 1991. Ele fará aqui uma leitura
do pensamento de Marx, na contracorrente de seu tempo, valorizando a práxis
como princípio de pensamento ao recolocar no centro da preocupação social,
os indivíduos vivos e suas vidas concretas.
Publicara em 1985, a importante obra: Généalogie de la psychanalise:
Le commencement perdu, a partir de curso oferecido em Tóquio e Osaka.
Publica em 1990, o livro Phénoménologie matérielle, onde define sua
perspectiva fenomenológica, distinta da husserliana. Destaca-se ainda como
ensaísta de inúmeras obras literárias: La barbárie (Paris: Grasset, 1987); Voir
l’invisible: sur Kandinsky (Paris: Bourin, 1988); Du communisme au capitalisme:
théorie d’une catastrophe (Paris: O. Jacob, 1990). Foi romancista com as
seguintes obras: ‘Le jeune Officier’, de 1954; ‘L’Amour aux yeux fermés’, de
1976; ‘Le Fils du roi’, de 1981, e finalmente, ‘Le Cadavre indiscret’, de 1996.
Henry publicou o que podemos chamar de tríptico cristão: ‘C´est moi la
verité: pour une philosophie du christianisme (Paris: Seuil, 1996); ‘Incarnation:
une philosophie de la chair (Paris: Seuil, 2000); e sua obra derradeira, ‘Paroles
136
du Christ’ (Paris: 2002). Nos três livros, a chave leitura é a interpretação
filosófica do cristianismo, à luz da fenomenologia da vida. A palavra que é o
Cristo, não fala da vida, mas fala a vida, na qual se revela a essência de nossa
verdade. O dizer da vida é sempre interno à própria vida.
A trajetória humana de Michel Henry me cativou e seu pensamento
complexo me entusiasmou. Era este o ‘Lebenswelt’ que busquei e que fosse
capaz de analisar a ação pastoral e política da Igreja em São Paulo, em seus
múltiplos compromissos e desafios junto á população de rua. Assumi o seu
pensamento como guia epistemológico na tarefa hermenêutica.
Particularmente a compreensão de Henry de que a vida fala no coração.
E como o faz? “Em sua autorevelaçao ‘pática’ imediata, pois o coração é a
única definição adequada do homem” (HENRY, 2003, p. 159).
Henry convida a ouvir a palavra para compreender o segredo do
humano. E ao ouvi-la, posso ser capaz de penetrar a essência dos sujeitos,
que se manifesta na afetividade e compaixão.
A essência da subjetividade é a afetividade (HENRY, 1990, p. 595).
Todo ser humano é inseparável da afeição, e nela adquire sua própria
possibilidade, radical e última, a sua essência. A afetividade, vivida como
sofrimento, é sempre patética e vivida por nós de forma pessoal e única.
A afetividade é uma revelação original.
A afetividade é o modo mesmo segundo o qual se cumpre a
revelação original, ela é a efetividade desta revelação, sua
fenomenalidade própria, sua substância enfim, o aparecimento que
ele determina e no qual ela se realiza (HENRY, 1990, p. 674).
137
E podemos afirmar que o conhecimento de uma dor é verdadeiro na
medida em que for doloroso, “pois a verdade da dor é a dor ela mesma
enquanto tal” (HENRY, 1990, p. 677).
Na angústia e no sofrer dos moradores de rua podem se revelar as
condições de nascimento de uma vida afetiva em nossa cidade. Eles são os
termômetros de uma relação humana muito mais complexa do que suas
próprias vidas e corpos. O sofrimento é a revelação originária do absoluto, pois
“sua revelação pressupõe a revelação do absoluto, se funda nela e lhe é
idêntica” (HENRY, 1990, p. 840).
Há no sofrimento e na dor uma espécie de excesso que revela o
absoluto. Há na dor um Logos que não é de morte, mas um Logos de vida
(HENRY, 1990, p. 840). Ao mergulhar no sofrimento, nós o ultrapassamos.
Determinados autores vêem na compaixão a única instância contra a
perversão e o mal extremo:
Parece-nos que a compaixão é a única instância e força contra
possíveis perversões, quando o mal se apresenta em suas formas
extremas. Para nos lembrarmos mais uma vez do resultado
encontrado acima: a compaixão pressupõe proximidade, isto é, a
visibilidade do sofrimento de alguém. Em face deste sofrimento é
despertada a vontade direta de ajudar, não importando de onde
venha o sofrimento, se por circunstâncias onde não existe culpa ou
se por crueldade dos homens. Esta vontade direta de ajudar é a
característica essencial da compaixão. A partir daqui pode-se dizer: a
compaixão é a extrema e última possibilidade de salvar a pessoa em
sua ‘existência nua’ em face da negação direta desta existência
(SCHULZ, 2001, p. 36).
138
A aplicação do conceito de compaixão contribui para manifestar a
invisível marca da solidariedade, plasmada em gestos concretos e práticas
políticas vividas e confrontadas, neste fenômeno social e religioso típico da
cidade de São Paulo, que é a pastoral do povo da rua. Pois o solidário é
alguém que está ligado, que tem responsabilidades, ou que aderiu a uma
causa ao partilhar o sofrimento alheio, ou se propondo a mitigá-lo. A
solidariedade se torna exigência política. Já sabemos que do ponto de vista
físico e biológico, o ser humano não pode existir se não em estreita
dependência de seu entorno vivo e material (meio ambiente), a partir do qual
ele se constrói e de onde emerge. Há sempre polaridade entre o sujeito e a
experiência da solidariedade na comunidade ambiental de sustentação.
A estrutura (ou dimensão) espiritual da solidariedade a orienta sempre
mais para uma existência e destinação autônoma, e a pessoa tem necessidade
de circunstâncias adequadas para se realizar intelectual e afetivamente. A
necessidade imperiosa de comunicar-se com outros, amar e ser amado,
reconhecer e ser reconhecido em sua dignidade e liberdade pessoais se faz
cultura, e possibilidade de vida e subsistência como espécie. Realizando a
árdua ação histórica chega-se à maturidade do viver.
Somos seres que vivemos de mediações e da alteridade. O adágio
aristotélico do ‘homem como animal social realça a identidade política. E a
articulação do indivíduo à sociedade se articula pela solidariedade. Durkheim
fala de uma solidariedade mecânica, em comunidades tradicionais, onde a
ausência da divisão do trabalho faz dos indivíduos seres substituíveis,
139
enquanto a solidariedade orgânica, em sociedades industriais, com a presença
da divisão do trabalho, baseia-se na complementaridade.
Solidariedade é uma exigência social, laço antropológico que conecta as
pessoas e as vincula progressivamente aos outros seres, sincrônica e
diacronicamente constituindo a beleza da vida.
A compaixão, vivida como solidariedade em relação à própria
sobrevivência das pessoas e do planeta, expandiu o conceito e fez da prática
da solidariedade uma categoria necessária, inclusive no mundo da pesquisa
científica. “Estamos no processo de negociar um novo contrato com a
sociedade”, diz Jane Lubchenco, presidente do ICSU (Conselho Internacional
para a Ciência). E completa: “Este novo contrato engaja os cientistas em prover
o conhecimento necessário para a sociedade responder às questões mais
críticas do momento”. E ela finaliza: “A ciência não tem todas as respostas,
mas pode e deve ajudar mais do que tem feito (quanto à sustentabilidade do
planeta)” (Folha Ciência, página A10, 26 de setembro de 2002).
A compaixão vivida como solidariedade é atitude e valor, pelos quais as
pessoas se sentem unidas por interesses e ideais comuns.
Em termos morais, falar de solidariedade é pôr em relevo a dimensão
coletiva que existe na responsabilidade humana: cada membro de um grupo é
co-participante da responsabilidade de todo o grupo e vice-versa: o grupo é, de
alguma maneira, responsável por todos os membros. O senso moral é
orientado sempre para a reciprocidade entre as pessoas e a entrega gratuita.
Lembro do símbolo abnegado do pelicano que alimenta sua prole até, exangue,
140
perecer. Algo em nós deve morrer para que possa surgir vida no outro. Para
tanto é preciso abrir o próprio peito e oferecer nossa ‘preciosa seiva’ para ser
sugada e alimentar os famintos.
Seguirei este método ao analisar as entrevistas dos construtores e
construtoras da Pastoral do Povo de Rua a partir da categoria epistemológica
da compaixão.
Na abordagem teórica aqui contemplada, a compaixão se liga a tópicos
afins já salientados: solidariedade, exclusão e inclusão social, libertação e
subjetividade. Para a sua compreensão mais ampla, tendo em vista a pesquisa
realizada, julguei conveniente trazer à baila alguns outros temas relevante: a
constituição dos personagens, a liberdade, a democracia e autonomia, a
metodologia utilizada pelos agentes, a prática de resistência, a utopia como
antecipação; que são analisados a seguir.
141
2. Análise das Entrevistas e da História do Vicariato
O uso da categoria filosófica compaixão ou afetividade quer verificar
nossa hipótese: a compaixão altera a forma institucional da presença da Igreja
Católica próxima à população de Rua, e pode gerar novo vocabulário e
metodologia de intervenção social capazes de contribuir na construção de
políticas públicas?
Constatei que os quatro personagens escolhidos para a pesquisa
afirmam ter sido tocados pela situação de Rua na medida em que se
aproximaram da população e de seu cotidiano.
A pesquisa qualitativa com os quatro entrevistados buscou atingir:
Um nível da realidade que não pode ser quantificado, e trabalha com
o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes, que corresponde a um espaço mais profundo das relações
dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis (MINAYO, 1994, p. 21).
142
Escolhi os quatro personagens, pois foram afrontados pelo povo da rua
e assumiram as vidas concretas com empatia e comiseração. A compaixão
pressupõe proximidade. Eles próprios perceberam que as pessoas das ruas,
geravam incômodo para o conjunto da população.
Irmã Ivete fala do tema da proximidade e da rejeição:
Dez mil pessoas nas Ruas paulistanas não é um número exagerado,
mas é número que incomoda. Se ele estivesse na periferia (que tem
três milhões de pessoas), ele não incomodaria. Porque estão
escondidos. Mas estes incomodam. Essa pequena população
incomoda porque ela se coloca à vista, ela não fala, ela não grita,
mas ela se mostra, pois você vai passar no metrô e o cara está
deitado ali, e você tem que passar por cima da perna dele. Ele não é
um ativista europeu que pega um cartaz e que vai gritar na porta do
metrô. Ele, na verdade, é um profeta mudo. Ele se coloca aqui e não
imagina a repercussão que tem ele ali deitado na Rua. Ele não
imagina o alcance que tem o fato de ele estar ali, com um pé calçado
e outro descalço, seminu, sem meias, barbeado, sujo, cheirando mal.
Ele não imagina o impacto que isso causa. Mesmo a Prefeitura faz as
coisas para o pobre, mas ela não gosta do pobre. Ela faz por
obrigação, e para mostrar que está fazendo um serviço, porque todo
comerciante reclama. A classe média reclama, o rico reclama. Ela
não está fazendo essa Boracéia porque gosta do pobre, o faz apenas
por motivo político, para dar satisfação à sociedade de que está
gastando dinheiro com a população, que apesar de pequena é tão
intrigante. É uma população intrigante.
O corpo do morador de rua questiona os modelos sociais e intriga o
pensamento humano. A proximidade das pessoas revela muitas questões e é o
primeiro estágio de confronto com sua realidade. Nenhuma mudança social
ocorreu sem passar por uma efetiva proximidade.
143
O primeiro contato acaba gerando uma afetação nos atores sociais e em
todos os que com eles trabalham. Compaixão se expressa no ser afetado e nas
formas de viver a afetividade.
Padre Júlio relata as razões que o afetaram para que assumisse o
compromisso em sua vida:
Tudo começou com a irmã Nenuca, indo na missão do povo da Rua.
Foi porque também iam as crianças de Rua, com as quais trabalhava.
Iam os grupos. E a missão do povo de Rua era uma paulada na
cabeça da gente. Conviver com aquele povo. Trabalhar lá junto com
eles, saía dos padrões. Era tão radical como são estes jovens hoje
(da Toca de Assis). Era uma experiência de Igreja que atingia demais
a gente, uma experiência de Deus muito forte. Muito forte. De muita
radicalidade. Com muita alegria, uma convivência muito forte com o
diferente. Era algo que me atingia muito, e porque me atingia eu
acabava tendo uma presença e uma prática. Descobrindo esse povo.
Ainda no tempo que eu ainda não era padre. A irmã Nenuca, por
exemplo, estava na cadeira de rodas e ela pediu que empurrasse a
cadeira de rodas. Ela me disse: ‘Você vai empurrar esta cadeira
porque você vai andar por este caminho. Pelo caminho do povo da
Rua’. E depois, quando eu vim aqui para a Paróquia São Miguel, na
Moóca, o primeiro grupo que eu fui tendo um contato muito grande foi
o pessoal de rua, que era aqui do bairro e que estavam embaixo do
viaduto Guadalajara, de onde surgiu a Comunidade São Martinho.
Uma pessoa que me marcou foi a Vicentina, que lá vivia. Eu tinha
muito contato com a irmã Ivete, com a irmã Regina, com a irmã
Cristina, todas Oblatas, porque também lidavam com alguns jovens
com quem eu lidava. Um deles era o Paulo da Silva, que era um
menino que foi na Febem como Fulano de Tal, e depois Paulo de Tal,
e depois Paulo da Silva. Pois no início ele não tinha mesmo um
144
nome. A cédula de identidade dele era toda em branco. Só tinha
nome e filiação desconhecida e ignorada. Ele morreu de aids e sofreu
muito. Ele era muito amigo da irmã Cristina. Ele vivia em grupos muito
perigosos, gente muito difícil. Mas tinha também sinais de muita
generosidade. Em uma quinta-feira Santa eu lavei os pés dele, pouco
antes dele morrer. São coisas na vida da gente que acontecem sem a
gente procurar. São coisas que você tem que responder. Houve a
influência de dom Luciano com o pessoal de rua. E quando os baixos
do viaduto foram cedidos, durante o governo Jânio Quadros, ele
havia cedido para fazer um grupo de Alcoólatras Anônimos, mas
estes foram para outro lugar na Rua Cajuru. Dom Luciano me dissera
que este lugar sob o Viaduto Guadalajara estava cedido para a Igreja,
pela Prefeitura, para os AA, e eles não mais precisam. Então eu lhe
disse: Vamos fazer aí uma comunidade para o povo da Rua. Já que
estamos trabalhando com o pessoal. Aí ele falou, vamos fazer. E
tivemos a ajuda do pessoal do Arsenal, Ernesto Olivero, que
comprara a Casa Vida. E pedimos também para que as comunidades
da periferia nos ajudassem, e várias ‘Cebs’ compraram tantos metros
de tijolinho para fazer as paredes desta comunidade do povo da Rua.
O dia da inauguração, o mesmo dia em que dom Luciano sofreu
grave acidente em Minas, ao sair de lá. A Erundina estava lá. Estes
são caminhos que a gente vai trilhando meio sem dizer eu vou fazer
esse caminho. Acontece comigo muito isto: caminhos que eu vou
seguindo e que eu não procurei. Hoje já ficou muito marcada esta
minha presença entre eles. Não foram coisas que eu disse: vou fazer
isto, porque ... São coisas em que a gente é levado. Eu sinto muito
essa experiência de me sentir levado por algumas coisas. Levado por
respostas, por exemplos, por apelos.
O segundo estágio do processo compassivo realiza-se por meio de
pessoas que precederam os atores atuais, como profetas precursores do
145
caminho no qual testemunham por sua prática os valores em que acreditam e
que realizam forte apelo ao engajamento. Padre Júlio chega a usar a bela
imagem de que, ao empurrar a cadeira de rodas de Nenuca, ela vislumbrava
seu futuro compromisso de engajamento na mesma estrada. A compaixão
afetou de tal forma Ignácio, Nenuca, Alfredinho, Júlio, Ivete, Regina e dom
Paulo Evaristo, que foram levados a assumir a causa e a vida dos moradores
de Rua como questão pessoal. Tornaram-se partícipes da vida de pessoas
sem nome e sem rosto, e que iam desvelando memórias e histórias de vida, na
medida em que os afetados demonstravam afetividade, e essa afetividade se
articulava em afetação de outros. Inicialmente, nas Missões, depois na Casa de
Oração, e finalmente nas passeatas articuladas dos Dias de Luta, no mês de
maio de cada ano.
Pude diagnosticar a partir das entrevistas colhidas e, pela leitura
sistemática do jornal O Trecheiro, que houve momentos em que a compaixão
atuou como fator decisivo de mudança do lugar social.
O relato da irmã Ivete mostra o percurso prático e teórico por ela
percorrido, emblemático na interpretação dos percursos distintos dos outros
três personagens.
Assim conta irmã Ivete:
Quando eu cheguei às Cônegas vi que eram a primeira congregação
a assumir as comunidades de base, e ali tivemos a grande semente
da Teologia da Libertação, que foi a vida religiosa. Ali se discerniu, se
bebeu, se praticou a Teologia da Libertação. E eu bebi desta água.
Quando eu vim para as Oblatas, elas eram até mais atrasadas, pois
ainda eram da instituição. Eu também tive um choque. Mas depois a
Nenuca avançou muito mais que eu poderia ter imaginado. Eu acho
que ao abandonar a TL, a Igreja perdeu a grande oportunidade de ser
146
a Igreja que segue Jesus Cristo. Não foi nem o Papa, nem o Vaticano
que calaram a TL. Eu acho que as paróquias não deram conta das
exigências da TL. Porque para a TL dar certo, as paróquias tinham
que mudar. E as paróquias não tiveram coragem de mudar. E os
padres, além de não querer mudar, começaram a criar um grupo de
jovens acomodados. Muita gente vai para o seminário porque não
quer trabalhar, não porque quer ser padre. Porque quer status. Quer
comer sem trabalhar, quer ter carro sem trabalhar. E a paróquia e os
conselhos paroquiais não tiveram a coragem necessária de mudar de
lugar social. Essa é a grande exigência da TL, mudar de lugar social.
Não você deixar de ser rico e ser pobre. Mas você ser solidário com o
pobre. Ser irmão do pobre. Essa mudança de lugar, que não ocorreu
é um atraso. O atraso é pior que nos anos 1970. Porque as pessoas
estão extremamente acomodadas. E além de ter saudades do
passado, elas fazem da prática do passado uma prática muito mais
atrasada do que quando eu era criança. Apenas para satisfazer um
modismo. Eles dizem: que tem que fazer alguma coisa, que tem que
ser voluntária. Eu lamento, pois nós perdemos, e talvez ainda se volte
a recuperar os paradigmas da TL. Eu também acho que há pessoas
que vivem estes paradigmas em suas funções como padre, como
bispo, como freira, frei, religiosos, leigos, mas os vivem quase
individualmente. Não vivem mais como Igreja. A minha observação é
essa. A Teologia da Libertação era o gancho para fazer uma grande
revolução social. O padre não quis mudar.
O vínculo existente entre a prática social e o pensamento crítico da ação
cristã se fez pela Teologia da Libertação e realizou efetiva mudança de lugar
social. E, conseqüentemente, mudança de posturas e atitudes pastorais. De
receptores das ações filantrópicas, as pessoas de rua foram compreendidas
como atores e participantes, com identidade e história próprias.
147
Algumas práticas cotidianas, desenvolvidas pela OAF, fizeram
descobertas importantes quanto ao perfil da população. Uma das conclusões é
a de que temos hoje gente que não tem lembranças. Era preciso que a
mudança de lugar social viesse acompanhada de uma contínua capacidade de
adaptação, com sensibilidade e ternura, como dimensões importantes da
compaixão, para que se pudesse superar a indiferença à qual a população é
submetida.
Irmã Ivete traça o percurso de sua vida na rua:
Eu comecei na Rua, quando a Rua ainda eram umas poucas
pessoas. Era 1974. Eram os restos da construção civil. Restos do
Elevado Costa e Silva. Eram pessoas que tinham cultura rural. Eram
pessoas que tinham lembranças do avô, da avó. Hoje nós temos uma
população que não tem lembranças. Porque, ou ela é filha de um ex-
presidiário, de Febem, ou filhos da própria rua. Nós temos hoje uma
população que é diferente dos anos em que começamos a fazer e
criar as comunidades. Hoje, esses que estão nas ruas são grande
massa, onde há extrema dificuldade de relações. Por exemplo, se eu
voltasse para o trabalho de rua, deveria viver pelo menos dois anos
para poder perceber o que se passa nesses filhos da Febem, nesses
ex-presidiários que perderam a memória. O que lhes interessa é o
consumo. Se você dá um Conga, ele não o quer e joga fora. Ele quer
um Nike, e vai tirar de alguém ou roubar na loja. Então, nós temos
uma população pobre que não tem lembranças de relações afetivas.
Isso é extremamente perigoso, pois são essas pessoas que poderão
fazer coisas terríveis. Terríveis socialmente. O povo da rua é muito
mais marcado pela indiferença do que pela violência. Quando você
pergunta, quando você conversa. Mas, atenção, não é em uma
conversa que você sabe o que a pessoa pensa. Para você dizer: eu
acho que o Agnaldo pensa isso eu devo conviver dois anos com ele.
148
Porque a fala para o povo da rua não tem muito sentido. Ela é apenas
uma fala imediata e apenas conveniente. Ele te elogia. Não é que
isso seja verdadeiro. Ou ele te xinga. E isto também pode não ser
verdadeiro. É uma forma de defesa pessoal. A fala não é verídica na
população de Rua. Então, por exemplo, esse menino adoeceu, e
estava no albergue, quando chega a TV Cultura, e ele disse para
mim: eu tinha muita coisa para falar, mas eu não podia. Pois se eu
falasse seria mandado embora. Então falei bem. Ele é conveniente.
A valorização da sensibilidade como conhecimento é assumida pelos
educadores Hugo Assmann e Jung Mo Sung como uma das condições
epistemológicas que superam e transcendem nossa capacidade racional por
realidades e experiências sensitivas.
Dizem os autores:
Também é preciso valorizar a sensibilidade no sentido da
‘sensibilidade humana’, a capacidade de sentir empatia e a
compaixão, de se deixar tocar pelas vidas, sofrimentos e alegrias,
esperanças e desejos das outras pessoas (ASSMANN, SUNG, 2000,
p. 98).
O relato de irmã Ivete confirma que os discursos do povo da Rua são
mascarados por formas de defesa pessoal e que, para decifrá-los,
necessitamos de uma nova ‘pedra da Rosetta’. A descoberta instrumental
passou pela compreensão de que o trabalho do Vicariato precisava ser
marcado pela simpatia ou por uma ‘sensibilidade solidária’, que se expressaria
na vivência comunitária e não especialmente na caridade, tal como difundida
nas tradições das Igrejas de cunho conservador. A compaixão que o Vicariato
buscava manifestar era nova forma de comunidade de sentimentos. Condição
‘a priori’ importante para a emergência do outro.
149
De alguma maneira, o Vicariato, e antes dele, a decisão da Nenuca, ao
fechar os serviços assistenciais da OAF, em 1979, respondiam à questão de
Hegel quanto à caridade individual e o papel do Estado:
É um ponto de vista falso se a generosidade (caridade) quisesse
reservar unicamente à particularidade e à contingência de sentimento
próprio o socorro à necessidade e o sentir-se ofendida e mortificada
pelas disposições e pelos preceitos universais obrigatórios. A
situação pública, pelo contrário, se deve considerar tanto mais
perfeita quanto menos reste por fazer ao individuo para si, segundo
sua opinião particular, frente ao que se dispõe de um modo geral
(HEGEL, 2003, parágrafo 242).
Padre Julio afirma que a prática da caridade fez com que as relações se
alterassem e sofressem qualificação que rompem o pietismo e o orgulho:
A relação que o Severino tem com a Igreja é crítica, mas muitos o
respeitam, porque o conheceram quando metalúrgico e quando tinha
um bar. E continuam conhecendo agora quando ele está na rua. Pela
compaixão você qualifica a relação. Alguma coisa fica. Há muitas
pessoas da classe média que assumem compromissos com a
comunidade do povo da Rua. Em posturas não pietistas nem altivas.
Eles ajudam simplesmente nas tarefas da Comunidade. Há muitos
voluntários, pois muitos querem dar comida ao povo da Rua. A
proximidade e a convivência podem ajudar. A compaixão é uma
aprendizagem. Há múltiplos caminhos. Dona Maria, que é a
cozinheira da Comunidade São Martinho, é vista pelos moradores de
Rua como a figura que alimenta. A grande mãe que alimenta. E que
estabeleceu relações por ter trilhado caminhos sem volta. Dona Maria
estabeleceu relações muito fortes. Todos sabem onde ela mora e
nunca fizeram nada que a desrespeitasse.
150
A criação do Vicariato, em 1993, acabou por consolidar, de forma
sistemática e institucional, a reflexão vivida há décadas pelos educadores da
OAF, de que a compaixão se expressa como dor e sofrimento. E assumida,
não como resignação ou fatalismo, mas como condolência. Como ação em
favor da vida e prova inconteste do nexo entre verdade e prática histórica
(HENRY, 1976, p. 367).
A experiência de sofrimento e dor nas ruas é descrita por Rogério
Guimarães, nascido em 21/08/1972, em São Paulo:
Morar na Rua é doloroso. Sofrimento, dependência de comida, da
sopa. Dormia na Rua, morava na marquise das Lojas Marisa, em
casa de papelão. Ali era das 8 da noite até a madrugada, as
entidades dando comida e roupa. A gente sabe que tem tudo lá e se
acostuma. A pessoa vai ficando um tempo, se relacionando com
pessoas que têm problemas com álcool, drogas, prostituição. A gente
acabava pegando o papelão do outro, brigando, pois parece que só
tem esse caminho. Pela experiência que tenho na rua a gente só se
diminui: os pensamentos não são de ser humano. Acabei sendo
preso. Quando saí de lá foi a conquista da vida (Pastoral da Povo da
Rua, 2003, p. 73).
A resposta do Vicariato, para a pergunta antropológica de um ‘viver
dolorido’, acabou por se exprimir na compaixão vivida como passividade
criativa. E realizada como despertar da vontade de mudança.
Relembra Ivete:
Um dia o padre José Comblin falou alguma coisa na Casa de Oração
que deu a entender que ele criticou Deus. Três se levantaram e
disseram: Eu não vou ficar aqui! Se você está falando mal de Deus,
você não é padre. Não entenderam que a fala dele era uma fala bem
teórica. Bem de professor mesmo. Era lá na rua Riachuelo. Eles
151
saíram bravos. ‘Onde já se viu falar mal de Deus’. Pois padre Comblin
dissera que Deus era um sofredor e que Deus também andava nas
ruas. E eles replicavam: Como? Nós é que andamos nas ruas. Nós é
que não prestamos. Deus presta. Deus não é igual a nós. De jeito
nenhum. Deus é todo-poderoso!
A razão, encontramos na leitura de Dorothee Sölle, teóloga alemã:
Está ao nosso alcance alterar as condições sociais determinantes do
sofrimento humano. Possuímos o poder de mudar e de aprender do
sofrimento, em vez de nos tornarmos piores. Podemos afastar
gradativamente e suprimir o sofrimento que ainda hoje serve de
proveito a uns poucos. Contudo, em todos estes avanços nos
defrontamos com barreiras intransponíveis. A morte não é o único
limite que barra o nosso agir. Existem o embrutecimento e a
dessensibilização. Há mutilações e vulnerações que são irreversíveis.
A única maneira de ultrapassar tais limites é compartilhar a dor dos
que sofrem, não abandoná-los à própria sorte e fazer com que o seu
clamor encontre eco (SÖLLE, 1996, p. 183).
Se Marx dissera que abolir o sofrimento era um imperativo categórico
para os comunistas, hoje poderíamos dizer que é preciso alterar as condições
sociais que produzem sofrimentos inúteis, e aprender da dor dos que sofrem a
potencialidade de uma passibilidade fecunda. O imperativo categórico se
desloca da abolição para o aprendizado. Da exterioridade para o mergulho nas
experiências de melancolia e ternura vividas com a população de Rua.
Nova etapa de ação do Vicariato do Povo da Rua aconteceu quando a
solidariedade se fez um caminho necessário. E a solidariedade, fruto da
compaixão, é prenúncio da cidadania. Podemos localizar tal momento quando
da constituição das Cooperativas de Catadores de Papel e Material Reciclável.
Era a superação das práticas obsoletas e da visão do catador como eterno
152
cliente da assistência social. Em lugar da piedade assistencial entrava em cena
nova forma de organização e articulação. No lugar do drama solitário,
irrompiam propostas coletivas.
A irmã Regina fala da compaixão vivida como solidariedade econômica,
a partir de seu acompanhamento orgânico dos cooperados.
Outros grupos e Igrejas assumiram esta proposta com a mesma
perspectiva que nós temos. Criou-se o fórum das organizações que
trabalham com a população de rua. Toda a montagem que a
secretária Aldaíza fez com a população de Rua é embasada em
nosso trabalho. Não é uma política pública que apareceu de não sei
onde. Desde 1979, com a mudança, resultado do pedido de dom
Paulo: ‘Ponham Puebla nas ruas da cidade. Ponham Puebla no
centro da cidade’. Isso foi um apelo para a gente. Pois a OAF
trabalhava em um outro regime institucional de qualidade primorosa.
Mas, apresentava-se outro desafio. A sociedade já se organizava, e
aqueles serviços que nós fazíamos outros já faziam. Isto nos
possibilita olhar a realidade de outra forma e passar para um outro
aspecto que foi mais a criação do Movimento, algo mais a partir da
Rua. No início desta mudança houve uma incompreensão por parte
da população de Rua, já que neste tempo a OAF era a ponte entre
pobres e ricos. A classe social mais elevada abominou as mudanças
e as viu como absurdo. Os pobres também não entendiam, porque o
único modelo que eles tinham era o institucional. E a gente chegava
dizendo que queria fazer grupos, que a gente queria se conhecer,
queríamos fazer a comunidade. Eram um outro discurso e uma outra
exigência. Era hora do pobre ser o ator. Demorou. Hoje, alguns dos
membros da Comunidade, individualmente, já conseguem
compreender. Mas como grupo somente a Cooperativa dos
Catadores conseguiu dar o salto. Talvez seja porque eles têm a
153
relação econômica em mãos. Pois é a relação econômica que nos dá
autonomia. Não é a auto-estima. Esta pode te dar autonomia
psicológica. Mas, para que ela possa ser completa, cidadã, como
cidadão de direitos e deveres, de relação, eu acho que se você não
tiver o aspecto econômico você não faz as pessoas crescerem.
Mesmo se eu te der permanentemente um dinheirinho, se você não
ganhar o seu próprio dinheiro, você não vai administrá-lo. Até hoje
nós não tivemos outros grupos que chegassem a este nível de
organização. O aspecto cultural não deve ser menosprezado, e desde
o princípio nós guardamos a idéia de ter grupos de música com o
povo da Rua. Mas insisto que o econômico é fundamental para a
autonomia real. Porque a pessoa tem que decidir. E ela pode decidir.
O desafio dos catadores não reside na ampliação, mas na
concorrência. E esta tem vindo do empresariado. Porque nos últimos
cinco anos ocorreu a descoberta da reciclagem, que saiu das mãos
dos catadores. As empresas acabam tomando conta disto. E isto nos
leva a propor esta campanha do Amigo do Catador. Se não houver
uma intervenção social, esse segmento perde o espaço que ele
próprio conquistou. Isto deve entrar nas políticas públicas, pois não é
coisa ocasional. É uma saída de geração de renda. É a possibilidade
de criar postos de trabalho. Muitas administrações públicas não
crêem que os catadores sejam capazes. Pela falta de sua
competência técnica, pois ela é muito primária. E também pelo lugar
de onde eles saem. É preciso evitar o elitismo.
Pude perceber que, nestes 12 anos do Vicariato, sua ação de
compaixão assumiu a emergência dos sujeitos de Rua com a preocupação
básica pelo trabalho e sua dignidade. Ao resgatar o depoimento do padre Júlio
Lancellotti, compreendi as tensões latentes e as razões para o surgimento
massivo da população urbana.
154
A população de Rua começou a emergir na cidade, como sujeito. A
partir das manifestações, das organizações, da Coopamare. E as
universidades passaram a se interessar por isso. Houve uma
emergência das pessoas. Os contatos passaram a ser muito fortes na
articulação e preparação dos Dias de Luta, que fazemos todos os
anos, e que já são mais de dez Dias de Luta da população de Rua. A
aliança que nos fizemos com a Aldaíza Sposati como vereadora. Ela
havia estudado esta questão como pesquisadora na universidade,
como também Maria Cecília Loschiavo dos Santos, do Urbanismo da
USP. Houve coisas que fizeram emergir esta situação, por exemplo, o
Plano Collor. Ele trouxe muita gente para a Rua, de repente. Aqui na
Comunidade São Martinho nós fechamos a porta uma noite, com 40
pessoas e no dia seguinte nós reabrimos com 300. Apareceram aqui
em São Paulo os garimpeiros do Mato Grosso, surgiram vários casos
de malária. Foi uma eclosão fruto do Plano Collor. Uma vez no
Condepeh (Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana), sendo
membro, nós fizemos uma caminhada pelas Ruas da cidade com o
João Benedito de Azevedo Marques, quando nós vimos, só nas ruas
São Bento e Boa Vista, centenas de pessoas dormindo nas calçadas.
Depois do governo da Luiza houve muita tensão. Por quê? Não havia
apoio da Secretaria Social em relação à população de Rua, nem
sensibilidade e nem eles sabiam o que fazer. Foram muitas as
tensões.
As crises sociais e econômicas, as guerras ou revoluções, e a chegada
de grandes grupos de migrantes e imigrantes são reconhecidos fatores sociais
que alteram a mobilidade social, ascendente ou descendente. Ao quebrar os
padrões vigentes, arruinando empregos e poupanças individuais, o Plano
Collor realizou deliberada pauperização da população brasileira. Somado à
desigualdade social criou fato social de especial gravidade nas grandes
155
metrópoles brasileiras. O agravamento das desigualdades na chamada década
perdida é uma das conseqüências reconhecidas dos ajustes estruturais das
políticas neoliberais.
Menos notórias são as suas conseqüências sobre a
capacidade de mobilização e organização políticas da
sociedade civil, especialmente dos setores populares e
das classes médias duramente afetadas pelo desemprego
e, pela recessão econômica (DAGNINO, 2002, p. 11).
O decreto que promulgou a lei da população de Rua mudou a relação de
cidadania, até aquele momento inexistente. A ação compassiva do Vicariato
agora se exprimia em categorias políticas e se plasmava em política pública,
exeqüível e presente no orçamento da cidade. Assim se exprimiu padre Júlio,
quanto à expressão política da compaixão:
A compaixão o que é? É uma relação. Não é um sentimento
unilateral. Ela pode ser uma categoria política na medida em que
você considerar o outro mais importante que você, como diz o Dalai
Lama. O fato de São Paulo ter uma lei para o povo da Rua é de certa
forma uma compaixão política. Ter uma lei que garanta cidadania de
um grupo tão excluído, de um grupo tão evitado, é compaixão. Eles
vão construindo sua cidadania. É uma construção, pois cidadania são
direitos e deveres. Ela é uma conjugação. Não podemos exacerbar
demais os direitos sem os deveres. As categorias devem estar juntas
para resgatar estes caminhos.
A compaixão, tal como vivida pelo Vicariato do Povo da Rua, se
expressa como uma destinação comum, ou ainda como o ferver de um
caldeirão, seguindo a lógica de conhecido provérbio grego: “Ferve o caldeirão,
tem-se a amizade”. As primeiras sopas servidas ao povo da Rua sob os
156
viadutos foram sendo cozidas nos anos todos de trabalho sistemático, até
configurar um movimento frágil, mas permanente, de intervenção na cidade e
de localização concreta entre os movimentos sociais.
Posso afirmar que a hipótese se confirma efetivamente, pois as ações
articuladas do Vicariato, sua expressão pública, seu acompanhamento pastoral
e a formação de pequenos grupos comunitários e algumas associações de
catadores expressam que o uso operativo da categoria compaixão é pertinente
e alterou processos sociais, abrindo caminho para novas formas institucionais.
Dito de outra forma, a compaixão tornou delgado o muro entre o “Tu e o Eu”.
Padre Júlio Lancellotti declara: “Nossa comunidade aprendeu a conviver
com o povo da Rua. Em algumas Igrejas eles já são abraçados como irmãos”.
O estreitamento de muros consolidou um caminho de articulação
comunitário, o Movimento de Catadores, hoje articulado em nível nacional.
O Movimento dos Catadores de Papel e Material Reciclável, nascido da
prática compassiva, gerou novos relacionamentos, fortaleceu outros, e foi
reconhecido publicamente pelo próprio Presidente da República Federativa do
Brasil, em encontro pessoal com os catadores na Baixada do Glicério, no dia
23 de dezembro de 2003. Esse encontro se repetirá em 2004 e 2005.
Acontecem a diário novidades e sofrimentos. No movimento organizado
dos catadores e nos baixos de viadutos, pessoas, situações, lugares e
momentos fortes valorizam, geram conflitos, potencializam e fazem pessoas
recuperarem a auto-imagem e um sadio narcisismo.
Para que aconteça dialeticamente, é preciso que cada um rompa com a
roda cíclica da resignação. Com freqüência, cada articulador da Pastoral do
Povo da Rua revê as pessoas, em conversas gratuitas e passivas. Ampliam-se
157
os horizontes dos interlocutores tornando-os alcançáveis. Situar-se e
compreender o momento. Colocar-se no lugar dos outros. Saber nomes,
discernir histórias e aguardar tempos oportunos para mudanças existenciais.
A palavra sobre a liberdade, no século XXI, não virá de soberanos e
superiores argumentos de autoridade, mas da sapiencial e profunda
experiência do próprio serviço em favor dos direitos e dignidade das pessoas.
A difícil aventura da busca da justiça nos indica alguns princípios
concretos, para a ação dos centros de acolhida da população de Rua.
“O compromisso com a libertação integral traz na sua esteira, o dever da
não acomodação permanente, ‘não estou dormindo, não estou contente’, de
modo que se perde o sono para que alguém tenha sono” (CLARKE, 1992, p.
99).
Recria-se gente nova, e a cada dia gera-se vida nova, na conquista de
direitos, em atitude cidadã, como nos diz o dístico latino: Incipit vita nova (Aqui
começa a vida nova).
Há sempre a presença hegemônica dos novos fenômenos produzidos
pelo neoliberalismo, descritos por Leonardo Boff:
No neoliberalismo, por causa da modernização e da competitividade,
está presente uma lógica da exclusão. Os países do Sul,
tecnologicamente atrasados, sem suficiente competitividade, com
crises políticas internas devido à pobreza e à miséria, não são mais
interessantes. Por isso, há neles pouquíssimos investimentos
estrangeiros. Nós não valemos, porque estamos fora do mercado.
Quem está fora, não existe (BOFF, 1993, p. 3).
Entrementes, o próprio Boff apresenta esperança palpável:
Acreditamos nas revoluções moleculares. Como as moléculas, a
menor porção de matéria viva, garantem a sua vida pela relação e
158
articulação com outras moléculas e com o meio ambiente, as
revoluções devem começar nos grupos e comunidades interessadas
em transformações. Nos grupos transformam-se as pessoas, suas
práticas e suas relações com a sociedade circundante. E a partir daí,
podemos começar a inundar espaços mais amplos da sociedade
(BOFF, 1993, p. 4).
Mas os desafios para realizar uma revolução molecular são enormes,
como afirma Michel Henry:
Quando, portanto, o trabalho se encontra progressivamente excluído
de uma dada sociedade, como é o caso da nossa, não é somente a
forma desta sociedade que é subvertida, mas a própria existência do
homem. Como e por que se produz esta exclusão progressiva do
trabalho? É o que aparece atualmente evidente: é a substituição da
atividade humana por um dispositivo instrumental objetivo cada vez
mais complexo, que reduz sem cessar a parte do trabalho vivo, no
seio do processo de produção de bens úteis à vida (HENRY, 1993, p.
3-4).
E Henry insiste:
Necessitamos hoje uma nova cultura para um mundo novo. Por que
não? Mas uma cultura não se fabrica, não se constrói como um
computador. Ela vem de longe, ela esta lá desde sempre, incluída na
vida como o logos que ela porta em si desde o princípio, como a
vontade de viver, de se revelar e de realizar a si mesma – como esta
atividade primordial de autotransformação e de autocrescimento, que
não é senão um com ela e que se denomina ‘trabalho’. Mas quando a
essência da vida é excluída e seu poder é usurpado pelo reino cego
do que nada sente nem a si mesmo, é a cultura que desaparece. E a
tarefa não é nada fácil atualmente se trata-se da humanidade doar-se
novamente uma cultura, num mundo onde o princípio consiste em
sua eliminação (HENRY, 1993, p. 4).
159
Dom Paulo oferece depoimento de suas memórias sobre os anos de
chumbo na ditadura militar e o papel político desempenhado pela Comissão
Justiça e Paz e Centro Santo Dias de Direitos Humanos:
No momento em que Jesus Cristo disse esta palavra: ‘pobres vocês
vão ter sempre consigo’, eu penso que esses pobres nas Ruas são
os que ele imaginou em seu tempo. Chocam os ricos ou ao menos
comovem alguns ricos para viverem com mais humanidade o
relacionamento com a gente pobre. Eu penso que com estes que
estão nas Ruas nós devíamos ter grupos como tínhamos a
organização Santo Dias, com seus advogados prontos para ajudá-los.
Houve tempo em que podíamos socorrer as pessoas com maior
facilidade e apoio. Uma vez, entre tantas, liguei para um membro da
Comissão Justiça e Paz, dizendo: ‘lá tem um pobre jogado na Vila
Clementino’. Será que o senhor não pode dar um pulo até lá? Na
hora, na hora mesmo, eles foram até lá e arrumaram um lugar para o
homem e as condições para ele naquele momento. Para isto existiam
as cinco organizações de direitos humanos criadas na Arquidiocese.
Direitos Humanos não são apenas não apanhar e não ser torturado.
Direito humano é ser respeitado como homem ou mulher em qualquer
situação da existência. É colocar o pobre sob abrigo! Como
arcebispo, não passava uma noite sequer sem que a irmã Lourdes
não recebesse cinco ou seis telefonemas de pessoas dizendo
direitinho o endereço de pessoas caídas pelas Ruas. Quantas vezes
eu recorri ao Santo Dias, à Justiça e Paz, ao Clamor, organizações
feitas por inspiração de Adolfo Perez Esquivel, Prêmio Nobel, para
que em cada rua tivéssemos uma pessoa que se não fosse advogado
ao menos fosse entendido de leis para não demorar o auxílio.
Irmã Regina Maria Manoel, ao fazer a trajetória de sua vida religiosa, a
insere na história da OAF, e relata como os moradores de Rua teceram a rede
160
nacional de catadores. Conta como foi realizado a partir da OAF e as várias
etapas desta nova organização social e econômica.
Neste tempo a gente foi descobrindo os catadores, e eu me dediquei
especialmente a esta questão. Hoje estou com os catadores e com a
Casa de Oração. Descobri a possibilidade de melhorar a vida por
estes caminhos. Com a mudança de rumo da OAF buscamos uma
experiência concreta de pessoas que se organizam para viver melhor.
No primeiro momento, a questão da comunidade. E depois a
organização dos catadores. Por que os catadores?Porque nós os
encontramos nas ruas. A partir de um grupo que vivia na Rua, no
começo. Na perspectiva de que é possível alguma saída. E a saída
com os catadores foi a mais concreta e a talvez a única até hoje.
Como coisa mais coletiva, como grupo. Algumas coisas começam e
outras mudam. Mas o trabalho da OAF tem mantido esta perenidade.
A OAF é de 1955. Em 1953, chegam as Oblatas. Em setembro de
1955, ela é oficialmente fundada. Antes talvez só o trabalho eventual
do Exército da Salvação. Era uma ação única. As únicas instituições
que abordavam o povo da Rua ou era a OAF ou era a Polícia. As
pessoas da Rua já sabiam: se não era da polícia era da OAF. A OAF
cumpriu e cumpre um papel de responder ao seu tempo. Durante os
anos 1950, ela foi de um jeito. E outro nos 1960. E outro nos 1980. E
ainda outro nos 1990. Ela, a OAF, é mutante. Mas ela permanece
dentro desse compromisso. Hoje nós temos uma outra ação. Durante
anos, ela ficou no anonimato. Tanto que muitos perguntavam se a
OAF tinha acabado. Isto foi uma estratégia que a gente teve para que
desse espaço para a organização a partir da Rua. Foi aí que nasceu
a Comunidade dos Sofredores de Rua. Foi aí que surge a
Coopamare, a Casa de Oração. Que foi primeiro nos beneditinos,
depois nos franciscanos. Hoje é na Luz. Mas fomos sempre nós que
161
fizemos este caminho. Nós mudamos quando a Casa precisou
mudar. A gente também se fez itinerante junto com o povo itinerante.
Esta reflexão de irmã Regina, em seu trabalho desenvolvido junto à
organização dos catadores de papelão em cooperativas, confirma a análise de
CASTEL:
É no coração da condição salarial que aparecem as fissuras que são
responsáveis pela ‘exclusão’; é, sobretudo sobre as regulações do
trabalho, e dos sistemas de proteção ligadas ao trabalho que seria
preciso intervir para ‘lutar contra a exclusão’ (CASTEL, 2000, p. 36).
Confirma também que a expressão econômica da compaixão pode ser
marcada por um outro modelo que não o da exploração capitalista. E respostas
concretas eficazes para a população de rua devem sempre adquirir
perspectivas mais amplas e mecanismos universais que superem as
desigualdades, segundo palavras do professor Luiz Eduardo W. Wanderley.
162
3.
Os protagonistas
Vivemos crise de culturas e de civilização, o que exige análise dos
fundamentos antropológicos do moderno. É preciso penetrar a modernidade e
a pós-modernidade para que não sejamos corroídos pela indiferença ou
omissão. Apesar da negatividade histórica atribuída à população de Rua, pois
ela seria, segundo muitos dirigentes, a responsável pelo atraso nas tendências
de progresso da cidade. São vistos e considerados desvio ou patologia a ser
extirpada. Apesar deste desprezo e segregação, o povo da rua emerge no
cenário metropolitano. A marca fundamental é uma prática especifica sendo
estruturada na linha da inclusão social, como forma de resposta à segregação
(STOFFLES, 1977, p. 283).
O processo iniciado pela Organização do Auxílio Fraterno (OAF) em
1979 e consolidado pelo Vicariato em 1993, considerou as pessoas de rua
cidadãos é foi o motor de um novo protagonismo. A cidadania construída na
163
expressão burguesa se fez a partir da noção de liberdade individual. Creio ser
possível pensar em consciência política desta população de rua, mesmo que
classicamente ela tenha sido chamada de peso morto da sociedade e
identificada às imagens negativas da mendicância e da vadiagem.
A liberdade vista fundamentalmente como tomada de decisões, pessoal
e intransferível, tem sustentação na compreensão da racionalidade de corte
cartesiano e científico. Não se admitem a compaixão ou as expressões
estéticas como constitutivas do ’ethos’ livre e solidário de homens e mulheres
modernos. Afirma-se o ‘Logos’ do indivíduo pensante e racional, negando-se o
seu corpo. Aprofundam-se a cisão antropológica e o fosso entre as classes
sociais. E com o recurso feito à burocracia chegaremos ao mal-estar da
civilização e ao vazio de pensamento. A liberdade tornar-se-á discurso
ideológico de determinadas classes e não o patrimônio comum de qualquer
indivíduo que vive nas cidades. A liberdade dos cidadãos proprietários se vê
ameaçada pela liberdade dos que vivem nas ruas. Sua própria existência é
fator de temor a exigir, inclusive, políticas e práticas higienistas, de diferentes
matizes e intensidade.
A palavra liberdade perde a beleza da parábola e fica nua. Nega-se o
corpo negando-se certas pessoas reais em nome de uma falsa liberdade de
grupos ou territórios. Liberdade torna-se privilégio de poucos na cidade
privatizada, e a negação de muitos, que apesar de nele viverem são
sistematicamente excluídos, escondidos, e até sofrem o que o psicólogo
Fernando Braga da Costa denomina ‘invisibilidade pública’ (COSTA, 2004). Ao
viver o processo de negação as pessoas têm sua humanidade ignorada. São
vistos e tratados como coisas. E o processo lento e contínuo da negação e
164
invibilização. fez com que muitos abdicassem de sua própria subjetividade.
Deixam de ser sujeitos, até porque nem chegam a ser cidadãos. Submetem-se
ao totalitarismo, evitam o contato, e são rebaixados da condição humana.
O massacre (Shoah) de milhões de judeus, dos intelectuais de
esquerda, milhares de ciganos, centenas de testemunhas de Jeová, e tantos
deficientes físicos e mentais do próprio povo alemão, em ações realizadas pelo
nazismo, hoje ainda continua desdobrando-se nas ações de homens e
mulheres obedientes cegos das leis e da ‘normalidade’. Alguns homens, triviais
e banais, tornam-se indispensáveis na manutenção de uma ideologia da
‘humilhação social’ (COSTA, 2004).
Assim dom Paulo Evaristo descreve o processo de humilhação, e como
a realidade é difícil de mudar, pois a inércia paralisa:
Eu trago um exemplo para dizer que é possível influenciar até a
vontade e um costume dos pobres de simplesmente seguir os outros
e andar um caminho mais fácil. Anos atrás, dois jornalistas passaram
a semana toda aqui em São Paulo como mendigos, e nunca, em
nenhuma ocasião, deixaram de comer à vontade, de manhã, ao meio-
dia e à noite. De maneira que a fome em São Paulo não existe, pois
me diziam: se é para comer pode! Dinheiro não. Porque dinheiro seria
para a cachaça. Davam comida, mas não queriam que entrassem nas
casas. E elas dormiram, portanto, embaixo das pontes, em qualquer
lugar onde era possível. A jornalista não desistiu, e ficou sete dias
inteiros, enquanto o homem ficou só cinco dias. Ela fez uma
reportagem impressionante. E que deveria ser estudada por aqueles
que não acreditam na liberdade daqueles que uma vez estiveram
dentro de uma vida sem lei, sem orientações para a existência. Eles
simplesmente vivem até morrer.
165
Dom Paulo rememora as ações concretas para desvelar a ideologia da
humilhação como expressas na prática social de Nenuca com o povo de Rua:
A Nenuca era quem tinha a maior experiência em São Paulo com
este povo. Eu estive com ela até o final, quando estava no hospital
com câncer, e fui visitá-la muitas vezes, e fiquei uma hora e até duas,
contra a vontade do próprio médico, pois ela era uma psicóloga
formada ou forjada pelo povo da Rua. Era uma pessoa totalmente
dedicada ao povo pobre, sem nenhuma restrição. Eu fiquei admirado
quando ela disse que o sinal é o nascimento de uma criança, pois a
criança certamente segura a mãe. Isto nós temos feito sempre no
Amparo Maternal. Ficar com a mãe ao menos dois ou três meses
junto. Para a mãe querer bem a criança. E só depois deixar que ela
volte para a Rua ou para o lugar onde ela se prostituiu ou perdeu-se.
Em todo caso, o pessoal da rua é um pessoal muito respeitável,
porque eles nos respeitam muito. Eles podiam roubar, não roubam.
Eles podiam matar, não matam. Eles podiam brigar entre si, e o
fazem, sobretudo com palavras. Menos com violência ativa. Eu acho
que o povo da rua para nós ainda é um exemplo daquela pobreza
que Cristo encontrou quando ele multiplicava os pães para os pobres,
e que foi recontado por todos os evangelistas e até sete vezes
aparece na Bíblia, a multiplicação dos pães, e que acabou sendo,
também para nós, um exemplo para a Eucaristia.
O sofrer individual, sentido em corpo e alma pessoais, torna-se
‘sofrimento político’ (GONÇALVES FILHO, 1998, p. 11-67). Muitas pessoas do
poder público e da elite econômica encarnaram a superficialidade e a
normalidade do empreendimento excludente. Funcionários cegos de uma
cegueira que não vê e que não quer ver outras gentes. Não são dementes,
monstros ou cães raivosos. Agem de maneira humilhante contra as pessoas
166
que vivem nas ruas por participar de uma cegueira pública que nega a
subjetividade do interlocutor, e assim, de certa forma, negam a sua própria
subjetividade. Tanto o cego social que não vive ou trabalha nas ruas, e aquele
que dela sobrevive e nela mora, ignorado pelo não morador, participam da
mesma realidade. Mas a ideologia da invisibilidade o nega e o
desconhecimento mútuo é enorme por conta da situação de classe e de
expressões vitais. É necessário refazer a palavra e a identidade daquele que a
profere. Como afirma o franco-lituano Emmanuel Lévinas, o dizer deve
prevalecer sobre o dito, pois o dito é sempre superado pela experiência de
alguém a me dizer algo, de um outro que nos preocupa, antes que qualquer
ato. É este alguém me dirigindo a palavra, na hora de voltar a ser sensível ao
rosto de outrem, pois ‘o rosto é por si mesmo, não mediante a referência a um
sistema’ (LEVINAS, 1961, p. 47).
Há lugares reservados e lugares vetados para o povo da Rua. Sofrem
discriminação e muitos preconceitos são introjetados por eles mesmos. Não há
amizade e tampouco reconhecimento dos sujeitos como seres outros, como
alteridades. Em muitos casos, os moradores de rua sequer são vistos como
indivíduos. Há inúmeras circunstâncias em que são queimados ou até mortos
deliberadamente, por grupos de extermínio, ou mesmo como atividade de
recreação mórbida entre adolescentes que vagueiam pela noite paulistana
(Trecheiro, agosto de 2004, n. 123, p. 1).
São jovens de classes médias e altas, policiais e agentes políticos que
se tornam obedientes acríticos e negam seus interlocutores. Excluem alguns
167
grupos humanos, de forma violenta e ideológica e colocam os moradores de
rua à margem da vida e das finalidades éticas de projeto político solidário.
O verdadeiro horror do totalitarismo está na banalidade e no absoluto
servilismo de seus agentes. Aqui reside o fundamento real do seu caráter
abjeto. Homens e mulheres desaparecem ou são invisibilizados em meio aos
outros seres humanos. E ao ser invisibilizado, parece encarnar o sentimento de
não existir. ‘Faleceu’ em uma espécie de morte simbólica (COSTA, 2004, p.
154).
A partir do século XVIII, diferentemente dos prenúncios da Revolução
Francesa de 1789, a liberdade se tornará um direito a ser vivenciado só por
alguns homens e não por todos. A liberdade irá expressar-se como identidade
específica e não categoria universal. A constituição da cidadania burguesa,
baseada no tripé: liberdade, igualdade e fraternidade, constrói a modernidade
ocidental, que cria expectativas de desejos insaciáveis e uma sociedade
voltada ao bem supremo de uns poucos, em conflito permanente com a
exploração de imensas massas humanas. Os antagonismos de classe
sustentam invisibilidades políticas, e determinam olhares coisificados e
humilhantes. A invisibilidade pública, mecanismo não natural que submete quer
os cegos, quer os subalternos, torna-se um eficaz mecanismo psicossocial de
exclusão. A pessoa na rua é negada, contestada em seu viver. Impede-se a
possibilidade de vivências genuínas, como expresso por Martin Buber em seus
escritos do início do século XX (BUBER, 1982, p. 153s). O atual processo
neoliberal e a negação de uma ética solidária demonstram paradoxalmente,
que “toda vida verdadeira é encontro” (All real living is meeting):
Uma época de genuínos colóquios religiosos está-se iniciando – não
dos que assim se denominavam e eram fictícios, nos quais ninguém
168
realmente olhava para seu parceiro e nem a ele se dirigia, mas uma
época de diálogos genuínos, de certeza para certeza, e também de
uma pessoa receptiva para outra pessoa receptiva. Somente então
aparecerá a comunidade autêntica, não aquela de um conteúdo de fé
sempre autêntico, supostamente encontrado em todas as religiões,
mas a comunidade da situação, da angústia e da expectativa
(BUBER, 1982, p. 40).
A liberdade proposta na Revolução Francesa não será capaz de cumprir
seu potencial universalista, ao privilegiar determinados grupos de pessoas em
detrimento de outros.
Afirma Hanna Arendt: “Riqueza e penúria são apenas as duas faces de
uma mesma moeda; os grilhões da necessidade não precisam ser de ferro,
podem ser feitos de seda” (ARENDT, 1988, p. 111).
A expressão da liberdade burguesa foi questionada pelo modelo
socialista no Leste Europeu, em Cuba e em alguns poucos países asiáticos e
também em sociedades milenares, africanas e asiáticas, de corte islâmico ou
budista. A crise do modelo socialista, com a queda do Muro de Berlim e o
colapso do totalitarismo stalinista, e a hegemonia do Império americano
abriram caminho novamente ao totalitarismo. Paradoxalmente, a hora atual traz
nova pauta política ligada aos Fóruns Sociais Mundiais, nos quais a liberdade e
a responsabilidade pessoais articulam-se em construções e utopias históricas.
O filósofo belga afirma:
Não podemos desesperar. A razão deve ser suficientemente forte
para pensar ela mesma sua superação e se recolocar a serviço da
vida. E a vida deve ser suficientemente sábia para aceitar a lei da
realidade e não querer senão o que é racionalmente possível. Mas
existe na vida um princípio que vai mais longe que ela mesma; ele
169
pode se voltar contra ela para destruí-la, ele pode também acolhê-la e
transfigurá-la. Mas o segredo desta transfiguração não é nem da
razão, nem da vida. O que advém da liberdade, somente a liberdade
pode dizer. Pois a linguagem da liberdade é uma linguagem
escondida (LADRIERE, 1973, p. 225).
A liberdade adquire caráter essencial em cada pessoa e se constitui em
elemento-chave do sujeito democrático. É verdade que a liberdade cristalizada
no neoliberalismo escraviza centenas de culturas e classes subalternas, diante
da hegemonia global do Mercado Total, livre e absoluto. A globalização tornou-
se nova religião. E gerou vazio preocupante de utopias realistas, substituídas
por messianismos violentos.
... nesta época desprovida de ‘grandes narrativas’, como a sentiu
Lyotard, mas repleta de metadiscursos messiânicos violentos,
misticismos e crendices compensatórias da desesperança do mundo.
Por isso, sem esquecer crueldades e abusos perpetrados em outras
áreas, os direitos humanos precisam ser resgatados em primeiro
lugar no Ocidente. O abandono dos direitos humanos em nome de
uma segurança que todos sabemos ilusória tem sido a maior vitória
do terror ensandecido (LINDGREN ALVES, 2005, p.218).
Verifico que as mulheres, as crianças e os negros que vivem nas Ruas
ainda não sabem, no cotidiano de sua existência, o que liberdade significa em
termos de dignidade e respeito de sua identidade e cidadania. Relembro a fala
do Papa João XXIII, expressa na Encíclica Pacem in Terris, parágrafo 80, de
11 de abril de 1963, ao afirmar que as bases inseparáveis de uma nova
civilização, são quatro: verdade, justiça, solidariedade operante e liberdade.
Queremos confirmar com a nossa autoridade os reiterados
ensinamentos dos nossos predecessores sobre a existência de
direitos e deveres internacionais, sobre o dever de regular as mútuas
170
relações das comunidades políticas entre si, segundo as normas da
verdade, da justiça, da solidariedade operante e da liberdade (JOÃO
XXIII, 1998, p. 346).
As quatro bases precisam estar interpenetradas e não isoladas. Só
então poderão garantir uma sociedade democrática, cidadania ativa e
solidariedade operante.
É necessária outra base para a liberdade, e creio poder ser fundada em
uma ética pessoal, gravada nas memórias dos pobres e carregando os sonhos
das gerações na rejeição do fatalismo e da discriminação. Os moradores de
rua foram submetidos a mecanismos de esfacelamento e não identificação
coletiva que precisam ser superados (STOFFLES, 1977, p. 284).
Uma ética que rompa os estreitos muros da dissociação e do
preconceito. Ética transcendental próxima da arte, que: “obriga a história a sair
de seus esquemas. Aqui, não é o caminho o impossível, mas o impossível é o
caminho, e os carismas o realizam(EVDOKIMOV, 1991, p. 72-73).
O processo de transformação pode criar condições históricas para
superar os mecanismos de rejeição e dominação.
Uma liberdade histórica que respeite alteridades e escolhas díspares.
Valorize as pessoas e suas histórias de vida. Liberdade criativa e fecunda.
Liberdade que rompa com os muros do sofrimento e da separação das
pessoas. Liberdade que permita a interpelação dos humilhados. Assumida
como caráter e tratamento político mais que um modo técnico de superar
disfunções. Liberdade que rompa o isolamento e a invisibilidade daqueles
considerados mendigos, mas de fato são ‘o ponto extremo de uma
vulnerabilidade de massa que afeta grandes camadas populares(CASTEL,
2000, p. 33).
171
Os bispos católicos afirmam em documento oficial:
A recriação da ética pelos novos movimentos sociais está apontando
para novos estilos de vida. Há, hoje, a emergência de um anseio
profundo de liberdade na esfera da realização das pessoas, a partir
do mundo das aspirações e dos desejos; um senso muito profundo do
direito à diferença, à alteridade; um sentido novo das experiências
comunitárias em tensão entre o planetário (procura de
universalização) e o pequeno (emergência e reconhecimento do
pluralismo social e cultural); a redescoberta do sentido do prazer, da
gratuidade, da celebração e da fantasia, que inclusive questiona a
ética moderna do trabalho e a relação do homem com a natureza; a
abertura de novos espaços para a experiência do sagrado na vida
humana (CNBB, doc. 50, 1998, p. 27-28).
As recorrentes noções da ‘liberdade de’ (assumida como livre-arbítrio) e
da ‘liberdade para’ (assumida como o conjunto das leis morais e da convivência
ética) transformaram-se, após a dura experiência das duas Grandes Guerras
Mundiais, numa exigência global de plena liberdade social, chamada cidadania:
a Politéia dos gregos (como descrita na obra de Platão).
“Quando ela se exerce pela força, poderemos chamá-la tirânica, e
quando seus préstimos, livremente oferecidos, são livremente aceitos pelo
rebanho dos bípedes, poderemos chamá-la política” (PLATÃO, 1972, p. 231).
A expressão teórica da liberdade ganharia carnalidade e uma exigência
ética concreta, particularmente na América Latina, em tantas metrópoles com
milhares de moradores de Rua, como também em metrópoles mundiais a partir
das lutas memoráveis na África do Sul ou na cidade de Toronto (The Homeless
people), na ação corajosa na França (Abbé Pierre e os SDF - Sans Domicile
Fixe) e até mesmo no Cairo, Egito (Soeur Emmanuelle). O Vicariato em São
172
Paulo se insere na grande rede de articulação do povo de Rua. Inova com sua
metodologia participativa, rompendo com o assistencialismo e defendendo
políticas públicas, transformação social e construção autônoma de cidadania
(Pastoral do Povo da Rua, 2003, p. 56).
Hoje, a liberdade coliga-se à defesa da vida dos pobres e dos excluídos,
enfrentando a ideologia hegemônica difundida pela mídia eletrônica. As lutas e
organizações das Ruas metropolitanas trazem novas possibilidades para a
presença e emancipação das pessoas excluídas, na verdade os mais
vulneráveis entre os vulneráveis. Há uma rede de comunicação de jornais de
Rua, que atualmente inclui: das Megaphon, na Áustria; La Rue, na França;
Biss–TagesSatz-Asphalt-Motz & Co., na Alemanha; Terre di Mezzo, na Itália;
La Farola, La Calle e Vias Alternativas, em Barcelona; Cais, em Portugal; The
Big Issue, em Londres e na Irlanda; Straatnieuws, em Roterdã; Situation
Sthium, na Suécia; e Na Dnye, na Rússia.
Os grupos de moradores de rua, excluídos em quase todas as
metrópoles mundiais, o são não por um déficit pessoal, nem inaptidão para
seguir o regime comum, mas razões econômicas e opções políticas concretas.
Segundo a leitura de Castel:
De fato, elas se tornaram inválidas pela conjuntura: é a transformação
recente das regras do jogo social e econômico que as marginalizou.
Não é o caso de tratá-las com uma intervenção especializada para
‘reparar’ ou ‘cuidar’ de uma incapacidade pessoal – a não ser que se
pretenda que o conjunto dos jovens com dificuldade de integração
sejam delinqüentes ou doentes, ou que todos os desempregados se
tornaram desempregados em razão de uma tara individual, tese
raramente defendida hoje sob esta forma extrema, mesmo pelas
ideologias mais conservadoras. São sobretudo aqueles que Jacques
173
Donzelot chama de ‘normais inúteis’ (1994) e que eu qualifico de
‘sobrantes’ (1995). Esse drama decorre de novas exigências da
competitividade e da concorrência, da redução das oportunidades de
emprego, fazendo com que não haja mais lugar para todo mundo na
sociedade onde nós nos resignamos viver. Enfrentar esta conjuntura
para mudá-la exigiria medidas de uma outra ordem, que inspirem o
tratamento social do desemprego ou a inserção de populações já
invalidadas pela situação econômica e social (CASTEL, 2000, p. 31-
32).
Quando os sujeitos se assumem em comunidades, há possibilidades
reais de concretizar planos de intervenção na vida urbana. Disse o arquiteto e
urbanista Jorge Wilheim, quando do Terceiro Fórum Urbano Mundial, em
Vancouver:
Os protagonistas das transformações urbanas têm sido as empresas
imobiliárias. É o dinheiro que manda. Com o plano diretor, as
prefeituras voltam a tomar as rédeas do desenvolvimento urbano. Ele
dá diretrizes para o uso do solo. É o momento em que o setor público
decide, com a sociedade civil, que cidades queremos para o futuro.
Alguns municípios estão acordando tarde para isso, e a sanção para
quem não tiver documento pronto até outubro (2006) é grande. As
prefeituras não poderão, por exemplo, receber financiamento do
governo federal
25
.
Quanto à localização do sujeito revolucionário, Marcuse responde:
Para mim este é um problema sem sentido, pois o sujeito
revolucionário pode se desenvolver apenas no próprio processo de
transformação. Não é algo preexistente e que se deva apenas
rastrear neste e naquele lugar (MARCUSE, 2006, p. 488).
25 Jorge Wilheim, jornal O Estado de S. Paulo, 20.06.2006, página C7.
174
E sobre a relação entre protagonistas e massas o professor Luiz
Eduardo Wanderley sinaliza: “Há maior facilidade para uma ação coletiva junto
a minorias e grupos organizados, e abismal dificuldade para agir com as
massas” (WANDERLEY, 1994, p. 39).
175
4. Conceitos ambivalentes
A vida emancipada continua sendo um grande paradigma, e lembro de
um lema de Hipócrates: ‘Que o teu alimento seja o teu remédio, e que o teu
remédio seja o teu alimento’. Ou ainda de outra chave para defender e servir à
vida: a qualidade é dada pela variedade. Na expressão de Vassili Grossman,
em seu livro La Madone sixtine: ‘Só a vida é o milagre da liberdade’.
Relembro o tema da variedade (que rejeite a dispersão, a confusão e o
centralismo) como essencial para a sanidade de uma prática de sujeitos
libertários. Algumas questões são profiláticas quando falamos de população em
situação de Rua. Os próprios conceitos que usamos para identificá-los são
ambivalentes, pois a realidade é mutante e complexa.
Ao estudar o povo da rua verifico a multiplicidade de instituições
presentes. São organizações da sociedade civil, organismos de assistência
social do Estado, movimentos sociais articulados, associações profissionais,
176
membros de partidos políticos, entidades culturais e filantrópicas, grupos
religiosos de diversas confissões. Todos se defrontam com a memória do mal e
a tentação do bem, presentes nas ruas e em seus projetos institucionais. Às
vezes estas duas questões: mal e bem, são bem diagnosticadas, às vezes
estão ocultas e dissimuladas. Tarefa árdua e permanente é não combater o
mal, pretendendo ser o dono das virtudes. Sempre devemos ter o direito de
optar e de não submetermo-nos às utopias sonhadas por outros. Afirma
Todorov: “Devemos optar pelo direito contra a força, mas, entre duas forças,
podemos preferir aquela que diz seu nome àquela que se dissimula atrás de
uma máscara de virtude” (TODOROV, 2000, p. 309).
É necessário que os sujeitos possam ter o direito social de seu próprio
julgamento, aceitar ou negar o moralmente correto. Assumir ou contestar o
politicamente correto’. Não ser estigmatizado ou culpabilizado como bode
expiatório de política econômica ou social da qual não tem conhecimento ou
atuação. Sujeitos pessoais e coletivos sem soberania e identidade tornam-se
massa de manobra de grupos de extermínio, mas podem também tornar-se
presa fácil de grupos de assistência social.
A tentação do bem é tão perigosa quanto o mal a ser superado.
“Nem o Estado democrático nem a ordem mundial não têm por vocação
encarnar o bem; é preferível que a aspiração à santidade continue sendo um
assunto privado” (TODOROV, 2000, p. 336).
É fácil perceber o quanto as instituições religiosas e filantrópicas são
prisioneiras das estruturas. E três desvios acontecem em inúmeros casos:
desvio de identidade, desvio moralizador e, sobretudo, o desvio instrumental.
177
Caminham para o centralismo, em nome da liberdade. Realizam gestos
ditos filantrópicos, mas instrumentalizam as pessoas assistidas em suas obras
sociais. Muitas vezes, privilegiam números e quantidade de valor econômico na
ação com a população empobrecida. Reduzem os moradores de rua à
categoria de assistidos, esquecendo-se de que são indivíduos concretos,
pessoas nominais, cidadãos de direitos e deveres. Sujeitos em construção.
Frágeis, mas infinitamente preciosos (TODOROV, 2000, p. 338).
Pergunta semelhante fez José de Souza Martins a frei Betto, quando da
criação da Central de Movimentos Populares (CMP):
A constituição de uma central de movimentos populares retira deles a
vitalidade que lhes é própria, a criatividade e a imaginação tão
necessárias à renovação social e política de uma sociedade como a
nossa. Penso que um caminho poderia ser o da criação de um grupo
de avaliação e acompanhamento das organizações populares, que
pudesse reconhecer as peculiaridades dessa forma de expressão das
demandas sociais (MARTINS, 1993, p. 18).
Os dirigentes das instituições filantrópicas colocam-se as perguntas:
como saber o que essa população quer? Como conciliar o serviço voluntário a
uma decidida, inteligente e articulada ação transformadora eficaz? Como
trabalhar com as pessoas de forma humana e personalizada?
Não muitos se perguntam sobre as implicações pessoais da democracia.
Sobre os perigos da própria democracia deixada presa a mecanismos
instrumentais. Poucos assumem a questão da identidade dos sujeitos e não só
o resultado eficaz de planos estratégicos da administração política.
Pouquíssimos vão às causas da indiferença e de omissões. Muitos se
preocupam com as formas da ordem e resultados estatísticos.
178
Por que consentimos com tantas coisas intoleráveis? Sabe-se que a
sociedade totalitária não pode portar salvação. Seus messianismos são
ineficazes e destrutivos. Os populismos atrasam e aniquilam a participação
coletiva.
Os grupos e atores sociais são desafiados por sua própria prática a
repensar-se, a viver sempre em movimento, e a melhor compreender seu papel
na humanização de categorias sociais em sociedades complexas e
assimétricas. Se querem mudar as cidades, necessitam de um planejamento
urbano crítico (SOUZA, 2002) que supere enrijecidas posturas tecnocráticas e
racionalistas. E que o desenvolvimento urbano seja assumido em sentido
autêntico como concreta e efetiva prática de justiça social. Assumido como
utopia experimental, nos termos formais citados na obra de Henri Lefébvre
(LEFEBVRE, 1991, p. 108). E o horizonte do largo e penoso processo será
sempre a autonomia em sentido forte (SOUZA, 1998, p. 5-29).
Sobre o tema da autonomia, padre Júlio afirma:
A autonomia não é um fato que se dá. Ela é um processo. Estamos
todos mergulhados em processos de autonomia. Na rua, na Igreja, na
universidade. Sua autonomia vai até aonde? Como pai você tem
limitações muito grandes do que se não fora? A autonomia é relativa.
Eu acho que nós vamos viver com essa tensão sempre: entre ajuda e
autonomia. Você pode ser mais ou menos paternalista e mais ou
menos autônomo. Porque autonomia mais do que dada, ela é uma
conquista. O Evandro, por princípio, não vai a albergue. Ele me disse:
eu durmo embaixo da minha carroça. É uma opção dele. Há,
entretanto, albergues, na política pública, que são mais ou menos
facilitadores da autonomia. Esse é um critério que você tem que ter.
Quais são os critérios? Na cartilha Vida e Missão, há critérios de uma
179
ação pastoral. E um dos primeiros critérios é a organização do povo e
a construção de autonomia. E você vai medindo mais e menos, pois é
uma organização que você conduz ou você facilita? Não é possível
resgatar identidades com trabalho de massa. Por isso a questão tão
crucial do formar comunidades. Do trabalho em pequenos grupos. De
trabalhar a convivência. De fazer uma celebração mais inculturada.
Na estrutura eclesiástica, o Vicariato poderia ser visto como algo
extravagante, mas o dever ético, a prática com a população de Rua,
sua não exclusão, são o ponto essencial. Os moradores de rua são
muito incômodos para a Igreja. Você sabe quanta encrenca eu
arranjei com os próprios padres por conta do povo da rua. Todo
mundo quer colocá-los bem longe. Sempre me incomodou as
pessoas dizerem: você trabalha com o povo da rua porque você
gosta. Não é possível idealizar o povo da rua, como santo, coitadinho,
bandido etc. Você precisa treinar, parar, refletir para entender essa
questão. Não podemos dizer que só podemos fazer aquilo que se
gosta. A Igreja tem que dar uma resposta. E são muitas respostas.
Uma resposta para um grupo específico tão depauperado, qualifica a
resposta e qualifica a vida. Você responde para pessoas que estão
no limite é uma forma de tornar a Igreja mais fiel. Mais humana. E
mais sensível. Pois se ela não responder e não se envolver com essa
população ela vai ser infiel, insensível e desumana.
Impacta qualquer recente visita a um hospital público, ou mesmo a uma
escola. O encontro com os moradores de rua desnuda. É possível vislumbrar o
apocalipse. É como estar diante do fim de um modelo que nunca morre. Estou
diante da banalização da injustiça social, na expressão de Christophe Dejours.
Estou diante da agonia estendida, daqueles resultados concretos da
precarização social que deveria ser excluída da vida e do pensamento.
180
“Precarização que não concerne apenas ao emprego, mas também a
toda a condição social e existencial” (DEJOURS, 2000, p. 124).
Face aos atuais milenarismos e fundamentalismos emergentes, muitos
pensam que já chegamos ao fim do mundo. Ou, pelo menos, ao fim do Brasil
como projeto de nação. Querem excluir-se do País ou temem lutar por uma
resposta coletiva. Assim multiplicam-se os guetos, e tornam-se impassíveis
cidadãos e instituições jurídicas. Exemplo é que passados dois anos do
assassinato de sete pessoas que dormiam nas ruas de São Paulo
(18.08.2004), por um grupo de extermínio, que se utilizou de marretas para o
crime, nada foi solucionado. Inércia total. Silêncio enervante do poder judiciário.
Somado a esse massacre houve a recente campanha difamatória organizada
pela revista Veja (São Paulo)
26
e por Primeira Leitura, contra o padre Julio
Lancellotti e as associações de Rua, assumia claramente a ideologia do
higienismo.
Podemos interpretar os fatos dessa exclusão expiatória sob chave
psicológica:
Não somente há pouca mobilização coletiva contra a injustiça
cometida em nome da racionalidade estratégica, como também as
pessoas de bem aceitam colaborar em práticas que, no entanto, elas
reprovam e que consistem principalmente, por um lado, em
selecionar pessoas para condená-las à exclusão – social e política –
e à miséria; e, por outro, em usar ameaças contra os que continuam a
trabalhar, valendo-se do poder de incluí-los nas listas de demissões e
26 Revista semanal Veja, 11 de janeiro de 2006, página 92, repórter Camila Antunes, matéria:
O pecado da demagogia.
181
de cometer contra eles injustiças em menoscabo da lei social
(DEJOURS, 2000, p.139).
Ecoa em nossos ouvidos a voz límpida de Simone de Beauvoir:
“Palavras; é tudo o que eles tinham a me oferecer: a liberdade, a felicidade, o
progresso; é desta carne oca que se alimentam hoje em dia” (BEAUVOIR,
1946, p. 369).
Mas, felizmente, existem outros atores que se atrevem a falar.
Em visita feita a uma oficina de artesanato na Baixada do Glicério,
encontrei obra denominada Casa Cor da Rua
27
,
e presenciei como a vida se
bate cotidianamente com a discriminação e a indiferença. Lá, dentro de um
imenso galpão, jovens, homens e mulheres se organizam, trabalham, e fazem
surgir pequenas sementes de comunhão, sensibilização e organização popular.
Lidam com fragmentos construindo belos mosaicos. As palavras sensibilização
e arte são chaves do trabalho comunitário. O talento vem das mãos do povo da
rua, e de jovens em situação de risco social. São prova de que a arte e o
design não são patrimônios exclusivos de uma única classe social. A matéria
prima vem da rua, do descarte urbano. Ao refazer alguns móveis e utensílios
descartados, os próprios trabalhadores refazem o mosaico de suas vidas. Ali
existem quatro oficinas: a Escola da OAF: A arte que vem da Rua; a Escola da
Coopamare: Coop’Arte; a Escola da Cada de Oração do povo da Rua: Arte da
Rua; e a Escola da Associação Minha Rua, Minha casa. Os produtos são
mosaicos, luminárias com bagaço de cana e papel reciclado, e móveis
restaurados.
27 Localizada na rua dos Estudantes 483, Glicério. Horário de segunda a sexta-feira das 8 às
16 horas; aos sábados das 9 às 15 horas. Telefone: 11-32729724.
182
A chave política é esta: vir de baixo, vir da Rua e construir a partir das
pessoas e de suas potencialidades. Espécie de luta intermediária, que não se
volte diretamente contra a injustiça e o mal, mas contra o processo de
banalização do mal e da negação das pessoas.
A justiça e, por conseguinte a paz conquista-se por uma ação
dinâmica de conscientização e organização dos setores populares,
capaz de urgir os poderes públicos, muitas vezes impotentes em seus
projetos sociais, sem o apoio popular (CELAM, Conclusões de
Medellín, cap. 2, n. 18, 1985, p. 62).
Tempos de ausculta e silêncio interrompem o cotidiano violento e
alienado. Superar a cegueira pelo olhar perspicaz é tarefa de cada um. Superar
a intolerância infligida aos moradores de rua. Superar a normalidade da
exclusão pela palavra profética e pela perseverança.
Aqui reside a síntese de uma nova gramática do humanismo. Que
integre o eu autônomo ao tu reconhecido como outro, em sintonia com o nós,
vivido na tensão entre o agente social e o participante da organização.
Assumindo o princípio dialógico como categoria de reconhecimento, na feliz
expressão de Tzvetán Todorov, apud Bakhtine. Só em um diálogo verdadeiro,
no qual a voz do outro seja audível sem prejuízo da própria voz nem anulação
da voz oposta, é possível uma autêntica igualdade (TODOROV, 1983).
Superar a normopatia, tal como diagnosticada por Hanna Arendt, e
superá-la ultrapassando a distorção da comunicação, para afinal superar o
próprio sistema que gera a exclusão, tornando a participação política algo
criativo e não um simples meio (ARENDT, 2000). Essa é a perspectiva de um
intérprete de Arendt, Christophe Dejours, ao afirmar:
183
Sistema que gera adversidade, miséria e pobreza para uma parcela
crescente da população, enquanto o país não pára de crescer.
Sistema que tem, portanto, papel importante nas formas concretas
que assume o desenvolvimento da sociedade neoliberal (DEJOURS,
2000, p. 139).
184
5. Meta e método
Algumas marcas profundamente inovadoras, neste jeito alternativo de
concretizar as revoluções moleculares e estar atentos à reinvenção da cultura,
se fazem na luta pela liberdade dos excluídos.
Irmã Ivete de Jesus refaz o caminho do lento aprendizado na construção
da metodologia de trabalho com a população de rua:
A metodologia, que nós acabamos criando, é que todo mundo tem
não só o direito, mas a obrigação de ganhar o próprio pão. Isto é
fundamental. Porque quem come e dorme de graça não precisa
trabalhar, porque o pobre faz isso trabalhando e não sobra um tostão
para ir ao cinema no domingo com a família. Essa dignidade tem que
ser resgatada. Isso começou com os catadores do Glicério, depois
São Paulo, e hoje já está em nível latino-americano. O presidente
(Lula) veio até aqui assinar um selo, meio que na obrigação, não
muito convencido, mas assinou um selo em favor dos catadores, pois
185
lá em Brasília corre uma lei para privatizar os resíduos sólidos, que
seria tirar do pobre ainda o que ele faz para ganhar o seu próprio pão.
Porque depois ele vai ser assistido do governo. O método é este:
lutar contra a assistência. E lutar em favor de cooperativas, de
autonomia, de associações, mas principalmente em favor da
dignidade, aquela que Jesus trouxe para o pobre. Ele repartiu o pão
em um momento de crise evidente. Mas ele também denunciou o
templo, denunciou os corruptos. Tenho como exemplo o Evandro,
que não aceita ir para o albergue. Ele acha que ele ir ao albergue, por
exemplo, é uma humilhação. Ele não vai para o albergue, por melhor
que este seja. É uma postura. Na verdade, é uma postura profética.
Há até um novo grupo humano que se organiza, que é a associação
dos ex-albergados. Eles vão e voltam dos albergues. Em Recife
existe uma ocupação chamada Brasília Teimosa, e a prefeitura vai e
tira o pessoal da maré, e daí três ou quatro meses a maré está cheia
novamente. Brasília Teimosa é seu nome.
A Pastoral do Povo de Rua consolidou em texto algumas tarefas de base
com objetivos específicos para garantir a meta de ser presença com o povo de
rua, desenvolvendo ações que transformem a situação de exclusão em
projetos de vida.
Apresento os oito objetivos assumidos nacionalmente por todos os que
trabalham com população de rua hoje no Brasil, estão vinculados à Igreja
Católica e publicados em livro (Pastoral do Povo da Rua, 2003, pp. 56-60).
a. Estabelecer vínculos com o povo da Rua que permitam criar
relações de confiança e autonomia,
b. Incentivar a sua organização social, reconhecendo o seu
protagonismo,
c. Promover ações que constRuam alternativas de produção de bens
e cidadania,
186
d. Denunciar os mecanismos de exclusão,
e. Sensibilizar os diversos segmentos da sociedade para desenvolver
ações efetivas contra o preconceito e a exclusão social,
f. Suscitar e articular a Pastoral do Povo da Rua nas dioceses,
g. Capacitar os agentes da pastoral para assumir a missão nas
dimensões sócio-política-econômica-ambiental-eclesial a partir de
uma metodologia participativa,
h. Possibilitar a experiência pessoal e comunitária da fé.
Alguns sinais comprovam o cumprimento deste plano de trabalho:
A. Multiplicação de novos grupos de apoio aos catadores de papelão em
todo o país, constituindo movimento social autônomo.
B. Releitura da realidade brasileira a partir da emergência de novos
sujeitos coletivos, e, em S. Paulo, a imensa e árdua tarefa desempenhada por
associações de moradores, por muitos atores da sociedade civil articulados
pela pesquisadora social e, à época, vereadora pelo PT de São Paulo, Aldaíza
Sposati, na longa batalha pela promulgação da Lei Municipal número
12.316/97, que cumpre tarefa importante no resgate político-jurídico da
cidadania dessa população.
C. O engajamento diante dos clamores populares, sobretudo nas graves
e permanentes questões da moradia, da saúde e desemprego, através de
gestos concretos de misericórdia e compaixão com as dores reais das
pessoas, foram sendo assumidos por numerosas Igrejas e associações
articuladas no Vicariato Episcopal em seus programas de formação
(metodologia da práxis), de comunicação, e pelo programa de enfrentamento
da violência em prol de uma cidadania ativa. Algumas iniciativas municipais
estão em curso como demonstra o estudo de João Trajano Sento-Sé (SENTO-
SÉ, 2005).
187
As ações concretas procuram responder de forma disciplinada às
necessidades existentes. E buscam ser fiéis a uma disciplina necessária: “A
ação, como disciplina da compaixão, requer a disposição em responder às
concretas necessidades do momento” (McNEIL, 1982, p. 118).
D. A vivência e a proclamação de uma ética existencial, pessoal e
comunitária, traduzida em atitudes de respeito ao pluralismo. Ética revestida
das profundas convicções do valor da vida humana, anúncio corajoso dos
direitos dos moradores de rua, apesar da perseguição ideológica contra seus
defensores. Esta sórdida campanha é patrocinada em alguns programas
radiofônicos, protagonizados por radialistas e deputados estaduais de São
Paulo.
O Vicariato Episcopal do Povo da Rua bebe em outras fontes. Crê em
outros sujeitos e outras ações solidárias.
A existência de milhões de empobrecidos é a negação radical da
ordem democrática. A situação em que vivem os pobres é critério
para medir a bondade, a justiça e a moralidade, enfim, a efetivação
da ordem democrática. Os pobres são os juízes da vida democrática
de um país (CNBB, 1989, parágrafo 72).
A cada dia novos desafios são lançados. Recentemente, com o
crescimento da miséria e a presença da aids, surgiram necessidades urgentes
frente a estes novos pobres.
A questão do corpo e de suas necessidades imediatas ganhou
relevância. Esses novos grupos humanos buscam respostas concretas e
afluem às portas dos vários centros de acolhida e de atendimento em busca de
ungüento para dores reais. Precisam de esperança a cada dia em corpos
machucados e mentes desesperadas. Como afirma Walter Benjamim, citado
188
por Marcuse: “É só por causa dos desesperados que a esperança nos foi dada”
28
(MARCUSE, 1967, p. 235).
Marcuse irá afirmar em sua obra que uma sociedade unidimensional
como a industrial em que vivemos, só poderá ser criticada a partir do exterior,
pela grande massa de rejeitados, estrangeiros, explorados e os que a mesma
sociedade considera como desocupados e inaptos. Estes chamados outsiders
indicariam a existência de uma frágil alternativa frente a este verdadeiro
universo totalitário da sociedade tecnológica avançada, mas sem garantia real
de mudanças.
Diz Marcuse:
Quando eles se reúnem e andam pelos caminhos, sem armas e sem
proteção, para reivindicar os mais elementares direitos civis, sabem
que têm que enfrentar cães, pedras e bombas, prisão, campos de
concentração e até a morte. O fato de que eles começam a se
recusar a tomar parte no jogo pode ser o fato que marca o início do
fim de um período (MARCUSE, 1967, p. 235).
O literato russo Dostoievski afirma:
Sabeis que a humanidade pode viver sem a Inglaterra, que pode viver
sem a Alemanha; que ela pode, mui facilmente, infelizmente!, viver
sem a Rússia; que a rigor ela não necessita nem da ciência nem de
pão; porém, somente a beleza lhe é indispensável, porque sem a
beleza já não haveria nada que fazer no mundo! Todo o segredo,
toda a história reside aí. A ciência mesma não subsistirá um minuto
sem a beleza, - vós sabeis isto, vós que ris? - ela se transformará
numa rotina servil, ela se torna–ia incapaz de inventar um prego!
(DOSTOIEVSKY, 1886, p. 150).
28Nur um der Hoffnungslosen willen ist uns die Hoffnung gegeben’.
189
As práticas das Igrejas e seus discursos são confrontados diariamente
pelo povo. Os moradores de Rua procuram solidariedade efetiva.
É por isso que, diante da sociedade e da Igreja, antes dos gestos de
caridade, esperam e lutam por justiça; mais do que assistencialismo,
exigem e procuram solidariedade (Pastoral do Povo da Rua, 2003, p.
10).
O crescimento de tantos grupos pentecostais que preferencialmente
atinge a população das periferias urbanas das grandes metrópoles brasileiras
também dá novos contornos à questão social vivida nas Ruas da cidade:
Não está na pauta dos cultos dessas Igrejas o papel de 'salvar as
almas', mas de libertar o corpo. Entende que é necessário libertar o
homem dos males que estão alojados no seu corpo. Não que o corpo
seja ruim, mas algo que está nele. Com esta preocupação, leva-os
para um outro ponto. O seu culto é um lugar onde o corpo está
presente, com seu cansaço ou com sua alegria (JARDILINO, 1993, p.
32).
Não se pode continuar o trabalho das Igrejas com uma linguagem
hermética. O povo da Rua exige que falemos de corpo humano. De um corpo
machucado e dilapidado. Falar do corpo com eles e por meio deles. De seu
próprio testemunho pessoal. Mudando atitudes e estratégias, quando
queremos que nos escutem e nos sigam. Acompanhando-os e escutando-os
quando ninguém quer ouvi-los. Até mesmo porque a realidade da Rua é
complexa e mutável.
A realidade em que se encontra o povo da Rua e dos lixões é
extremamente complexa. Ter atitudes ingênuas e localizadas pode
resultar em trabalhos que visem à promoção pessoal do agente ou da
instituição, e não projetos transformadores da realidade em que o
povo se encontra (Pastoral do Povo da Rua, 2003, p. 60).
190
E. Houve uma significativa produção literária e bibliográfica, hoje
expressa no Boletim OCAS, e no jornal mensal O Trecheiro, que constituem a
pequena e frágil memória escrita do povo de rua. Uso na tese como fonte o
Trecheiro por existir há 15 anos, enquanto o boletim OCAS foi lançado só em
2002. O período da pesquisa exigiu dados da década de 1990, o que me fez
optar pelo Trecheiro. O material alternativo começa na escuta da população, na
expressão de seu vocabulário próprio, e corporifica-se em palavras e textos,
forjados no cotidiano dos empobrecidos, e que contribuem na elaboração de
uma efetiva comunicação e um registro fidedigno da experiência solidária. O
pioneiro do jornalismo de rua foi o jornal União, publicado pela OAF, surgido
em 14 de setembro de 1980 (ROSA, 1999).
Os ‘sinais dos tempos’ apontam para o papel de sujeito histórico que os
pobres desempenham na construção de uma nova sociedade, baseada na
justiça, na liberdade e na esperança. Anunciam que o Movimento dos
moradores de Rua, e em particular, dos catadores de papel, é de fato,
inspirado no reconhecimento teórico-prático da irrupção dos pobres na história,
em atitude de profundo diálogo.
Maria Vany de OLIVEIRA elabora um itinerário do Movimento, em sua
dissertação de mestrado em Ciências Sociais, publicada em 2001 pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (OLIVEIRA, 2001).
Os mesmos catadores realizaram, de 20 a 23 de janeiro de 2003, em
Caxias do Sul - RS, o 1º Congresso Latino-americano de Catadores e
Catadoras de Materiais Recicláveis, com a presença de 800 participantes do
Brasil, Uruguai e Argentina (Trecheiro, fevereiro de 2003, n. 105, p. 2)
191
A tarefa óbvia à primeira vista, dos moradores das Ruas, custa muito
tempo para realizar-se. Todo pequeno passo é fundamental, pois cada
descoberta pessoal e coletiva confirma o sujeito que descobre a participação e
a própria identidade.
O capitalismo criou uma cultura do eu sem o nós. O socialismo criou
uma cultura do nós sem o eu. Agora precisamos da síntese que
permita a convivência do eu com o nós. Nem individualismo nem
coletivismo, mas democracia social e participativa (BOFF, L. 1993, p.
3).
Uma das formas concretas da organização autônoma dos moradores de
Rua é a Cooperativa, conhecida como Coopamare (Cooperativa dos Catadores
Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis), criada em 1989.
Paulo Lourenço Domingues Junior estudou suas características em dissertação
de mestrado em Administração pela PUC-SP. A sede da Coopamare é na Rua
Galeno de Almeida 659, no bairro de Pinheiros.
Há ainda a Coorpel, a Associação Nioac de Catadores de Papéis e
Materiais Reaproveitáveis, com sede na rua 25 de Janeiro 170, na Luz, e a
Associação Reciclázaro, situada na Rua Mariana Belizaria da Conceição, 93,
no bairro do Butantã.
Tarefa incessante, pessoal e estrutural, alimenta-se e se enraíza nas
outras pessoas que com eles caminham, particularmente nos que assumem
parcerias concretas.
Entre os cidadãos conscientes de outras classes sociais e esta categoria
humana empobrecida existem laços indestrutíveis e invioláveis.
Sentem-se parte de um processo mais amplo. Não são salvadores da
pátria, mas sentem-se tocados e feridos, quando qualquer morador de Rua é
192
ferido ou tem seu direito vilipendiado. É como se fossem todos artérias
fundamentais de um mesmo sistema sangüíneo. Interligados e
complementares. Interdependentes. Não querem ser porta-vozes do bem ou do
mal. Apenas buscam a convivência e o reconhecimento.
Aliar-se a esse povo de Deus é deixar que esse grito penetre em
nossas vidas e nos contagie na luta por mais vida. Aliar-se significa
penetrar em todas as dimensões: na luta política, social, econômica e
eclesial, para que o Deus da Aliança continue vivo entre nós e
revigore, fortaleça e renove nossas relações, na cidade, no país, no
mundo (Pastoral do Povo da Rua, 2003, p. 82).
193
6. Entre a vida e a morte
A palavra de esperança que nasce do trabalho interativo sempre culmina
em festa. O próprio povo oferece o alimento na Rua coletado, a vida em seu
peregrinar e os seus sonhos ainda alvissareiros. Muitos na festa afirmam a
própria vida e sua luta de resistência. No coração da dor, a esperança ainda é
rebelde e subversiva. Esperança que quer ser reconhecida e dialogada. Festa
que se fará a partir de um olhar distinto.
Paulo, ex-morador das Ruas de Belo Horizonte, classifica os olhares:
Eu, pra mim, umas olham bem. Outras olham com aquele olhar de
piedade; outras já olham e chegam na gente pra cumprimentar. Eu
gostava mais dessas, sabe, que olhava e chegava pra conversar,
porque pelo menos a gente num ficava com aquela dúvida assim: é
piedade ou o quê? Então, pra mim, tinha três tipo de olhar né? Olhar
assim por olhar, olhar de piedade e esse que chegava e que
mostrava que num era piedade. Assim, muitos desses que chegavam
194
e perguntavam: pôxa! Ocê é uma pessoa de boa aparência, por que
ocê num arrumou um emprego? Aí, eu explicava. Aliás, quase
sempre eu explicava: por isso... só isso... por conta disso... Então,
essas eram umas pessoas que eu achava que tavam seno legais,
bacanas (Pastoral do Povo da Rua, 2003, p. 18).
Celebrar com o povo é, portanto, tarefa e momento solene dos Centros
de Acolhida com o povo de Rua, particularmente na Catedral do Povo de Rua.
Na partilha de uma Tubaína ou até de uma cachaça, no abraço e no aperto de
mão forte, na prosa trocada sem pressa nem obrigação, emergem sujeitos com
biografias. A festa é como a beleza: só contemplando se pode entender.
Obriga a sair de caducos esquemas pré-fixados que substituem, por
preconceitos, a vida em sua complexidade. Realiza na história sua perspectiva
teleológica essencial.
"A dinâmica da existência histórica é de essência escatológica. Mas, se
é assim, é porque pertence à essência do ser humano determinar-se
teleologicamente” (LADRIERE, 1973, p. 135).
Significa assumir a concretude social e não idealizar sociedades
perfeitas ou absolutas sem perder a perspectiva transcendental e escatológica.
A missão principal reside em ser presença mo meio do povo e desenvolver
ações que transformem a situação de exclusão em projetos palpáveis e
realizáveis na vida de cada pessoa envolvida no processo. A atitude
fundamental é a de interromper o que se está fazendo, para que o pobre fale e
conviva conosco. Permitir-se ser interrompido pelo pobre, eis a essência da
compaixão humana.
195
7. Resistência e utopia solidária
No peregrinar em defesa da vida, os projetos diários são feitos e refeitos.
Não é permitido cair na tentação do bem e tampouco manter-se na banalidade
do mal. Não se pode abandonar as vítimas. E tampouco vitimizá-las. É preciso
ver com um olhar descentrado.
Guardemos o sonho inicial, alimentemos a mística da solidariedade e
da comunhão, com os oprimidos e marginalizados, saibamos
defender a iminente dignidade do ponto de vista das vítimas. É o
ponto de vista da vida e das transformações necessárias (BOFF, L.
1992, p. 35).
Enquanto muitos se perdem na busca de soluções idealistas, quase uma
panacéia, os membros do Vicariato, inspirados na prática cotidiana e na
memória da Nenuca da OAF, buscam afinar mundo e pessoa para que não se
perca a comunidade concreta, elemento essencial de garantia de direitos
humanos específicos.
196
Afirma Arendt: “Não a perda de direitos específicos, mas a perda de uma
comunidade disposta e capaz de garantir qualquer direito, esta tem sido a
calamidade que tem afetado um número cada vez maior de pessoas”
(ARENDT, 1951, p. 294).
Sem a viva e necessária comunhão, vivida como compaixão e
solidariedade operante, inspirada em utopia realista
29
, os pobres retornam à
submissão. Perde-se o arranjo sinfônico. Mas a compaixão, vivida em
comunidade de direitos, sem a prática libertadora, torna o participante da
Pastoral de Rua pessoa estéril e burocratizada, como constatei em algumas
associações e grupos cooptados por projetos e convênios estatais.
O nome concreto da compaixão vivida como revolta dos pobres é
comunidade ou solidariedade. A compaixão revela-se como concreta utopia
histórica, como descreve Pablo Richard:
A utopia orienta a história e a utopia pode ser adiantada e celebrada
em experiências parciais no interior de nossa história. A utopia não é
uma ilusão, mas um projeto orientador da humanidade e do cosmo.
Esse caráter histórico da utopia não está em contradição com o
caráter escatológico e transcendental de toda utopia (RICHARD,
2006, p. 106-107).
No mesmo sentido de utopia o morador de Rua, Paulo César dos Santos
ratifica:
A Comunidade dos Sofredores de Rua tem uma importância muito
grande na minha vida, desde que cheguei a São Paulo, vindo do Rio
de Janeiro. Eu, através da comunidade, não só saí da Rua, como
29 Utopia aqui entendida como ‘tentativas intelectuais de controle sobre situações de crise,
tentativas de superação de divisões penosas experimentadas por indivíduos quando a situação
social lhes parece absurda, tentativas de reconstrução da comunidade humana que no
momento somente é possível no sonho’ (SZACHI, 1972, p. 129).
197
lutei para ter um trabalho e uma casa. Hoje tenho uma família, um
casal de filhos, Paula e Paulinho, que é muito importante para mim
(Pastoral do Povo da Rua, 2003, p. 67).
Camus se exprimia:
Essa louca generosidade é a da revolta, que oferta sem hesitação
sua força de amor, e recusa peremptoriamente a injustiça. Sua honra
é de não calcular nada, distribuir tudo na vida presente, e aos seus
irmãos vivos. Desta forma, ela é pródiga para os homens vindouros.
A verdadeira generosidade em relação ao futuro consiste em dar tudo
no presente (CAMUS, 1996, p. 348).
Não se trata de retroceder a uma concepção estática do indivíduo como
identidade anterior às relações sociais, mas visão que nos recorde a
necessidade de garantir que as necessárias transformações do simbólico não
implicam em sua destruição, como o afirma em suas obras, Julia Kristeva.
Na defesa da vida dos pobres, superam-se rivalidades secundárias
diante de outros atores históricos, forjando redes e vibrando interiormente com
a causa dos pequenos, especialmente das mulheres, dos negros e crianças.
Redes de movimentos sociais articulados.
Ainda que de forma hipotética, pode-se sugerir que as redes de
movimentos que vêm se formando no Brasil apresentam algumas
características em comum: busca de articulação de atores e
movimentos sociais e culturais; transnacionalidade; pluralismo
organizacional e ideológico; atuação nos campos cultural e político
(SCHERER-WARREN, 1993, p. 119).
O ser humano pode surpreender:
Que quimera, portanto, é o homem? Que novidade, que monstro, que
caos, que sujeito de contradição, que prodígio! Juiz diante de todas
as coisas, imbecil verme da terra; depositário do verdadeiro, cloaca
198
de incertezas e de erros; glória e refugo do universo (PASCAL, 1976,
p. 173).
Contradição entre vida e morte. Contradições nas lutas contra a morte
diária e na resistência teimosa e por vezes, solitária.
A síntese do pão e da poesia passa pela integração da imaginação
com seu mundo material. É uma obra de arte, um poiein permanente,
uma tarefa histórica (CLARKE, 1992, p. 94).
A sede de infinito vivida pelas pessoas que têm fé no povo de Rua é
tesouro que nos permitirá o inclinar-se diante do transcendente:
Toda a lei da existência humana consiste em poder sempre se
inclinar diante do infinitamente grande. Tire dos homens a grandeza
infinita, e eles cessarão de viver e morrerão no desespero. O imenso,
o infinito é tão necessário ao homem, quanto o pequeno planeta
sobre o qual ele habita (DOSTOIEVSKY, 1886, p. 347).
E projetar sonhos dentro de dilema fecundo que impede de cair no
imobilismo conformista:
Os homens sonham com ‘asas’, os homens sonharam com ‘raízes’,
às vezes os mesmos homens tiveram os dois sonhos, embora em
situações e períodos diversos de sua vida. Deixando-nos levar pelo
primeiro desses sonhos, cremos que nada nos prende ao mundo
existente, ou ainda melhor, que não há laços que não possamos, que
não devamos ou que não precisemos romper, já que diante de nós se
abre a vasta extensão do ideal. Escolhendo o segundo sonho,
voltamo-nos para a terra de que nascemos, nela buscamos a fonte de
força, de certeza, de segurança e – se preciso for - de esperança.
Mesmo duvidando de que o mundo dado sirva de modelo, é
justamente nele que nos esforçamos por encontrar o prenúncio do
futuro melhor (SZACHI, 1972, p. xxxvi, prefácio do autor à edição
brasileira).
199
TERCEIRA PARTE
PARADOXOS
AMOR FEINHO
Adélia Prado
Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.
200
1. Paradoxos e impasses em política pública
Enfrentam alguns impasses os trabalhos realizados pelas religiosas da
Fraternidade das Oblatas de São Bento, por educadores da Organização do
Auxílio Fraterno, em 50 anos de história paulistana, somados às ações dos
novos agentes sociais do Vicariato do Povo da Rua, e à organização das várias
cooperativas e comunidades do povo da rua:
- falta reconhecimento mais efetivo por parte das comunidades eclesiais
de seu trabalho com a população de rua.
- a evangelização das camadas populares precisa conhecer as culturas
regionais, de onde provém a maior parte desse grupo social. O conhecimento
das raízes étnicas e culturais demanda tempo e qualificação antropológica, o
que nem sempre é oferecido, pois o trabalho cotidiano em torno de urgências
médicas e de subsistência exige muito dos educadores sociais. A revisão de
práticas assistenciais é sempre necessária, mas o processo é lento. Assumir a
201
cidadania e ações estruturais na ação religiosa é desafio permanente.
Considerar alguém sujeito, não o torna automaticamente sujeito. Na cidade de
São Paulo, as memórias do passado se desvanecem por conta da violência e
da solidão.
As situações de dependência alcoólica ou de drogas, pedem a
presença de profissionais da saúde e de serviços organizados de
terapia, e que não estão treinados para tal empreitada. Em geral,
as instituições médicas são passivas e possuem poucos
programas de prevenção e acompanhamento de rua e na rua.
A qualificação profissional dos agentes sociais, que deveria
suscitar engajamentos e parcerias, por vezes impede o contato
direto com os moradores de rua, por preconceitos de classe e
ações de gabinete.
A falta de continuidade de programas governamentais, quando há
mudanças eleitorais, cria ‘esqueletos’ burocráticos e generalizada
apatia da população de rua, que não sabe quanto tempo tal
proposta ou ação governamental ainda existirão. Há inclusive
conflitos em gestões sucessivas, gerando temor e medo em todos
os que estão nas ruas. Ações efêmeras e contraditórias geram
desconfiança e distância da ação política. A fragilidade da
consciência pública prejudica a organização.
A cidadania se exerce em espaços públicos reduzidos, faltando
projetos políticos mais amplos inseridos em planos estratégicos
de inclusão e autonomia econômica.
202
Há ainda muita humilhação nas filas dos serviços públicos contra
essa população. O acesso a mercados, bares e hipermercados ou
shoppings é completamente vetado. Vive-se apartheid real na
cidade de São Paulo. Há exportação de moradores de rua para
outras cidades. Recente matéria no jornal O Estado de S. Paulo
revela que, pelo fato de serem sem-teto, são expulsos de
shoppings, bancos, bares e até de locais públicos (16.08.2006, p.
C7).
Há, entretanto, alguns trabalhos e ações políticas expressivas que
indicam novas e promissoras posturas políticas:
A promulgação da lei da população de rua e a sua atual
regulamentação permitiram efetivo controle e ampliação das vagas
dos albergues, o que evitou dezenas de mortes inúteis dos meses de
maio a setembro de cada ano.
Muitas Igrejas cristãs se congregaram nessa caminhada,
particularmente a metodista e a presbiteriana, o que criou espaço
ecumênico e maior número de aliados em favor da causa social
desse segmento.
Alguns parlamentares, particularmente da Câmara Municipal de São
Paulo têm estado sempre em contato direto com o Vicariato,
favorecendo a presença do povo da Rua em momentos decisivos do
plano orçamentário da cidade.
Desde 1993, com o surgimento do Vicariato, os sucessivos prefeitos
da cidade ouvem falar sobre essa população a partir da perspectiva
deles próprios, e não mais por meio de representantes ou até por
203
aqueles que sempre os atacaram. Houve momentos em que o
contato e diálogo pessoal aconteceram no gabinete do prefeito
municipal, conquista simbólica de grande valor.
A celebração das grandes festas litúrgicas, nas Ruas da cidade, a
cada ano, têm envolvido mais de 500 moradores, nos tempos de
Natal e Páscoa, e merecido destaque nos principais periódicos da
cidade. Os jornais começaram lentamente a mudar o seu linguajar
elitista e discricionário, e chamar as pessoas de rua de ‘moradores,
sem-teto, sofredores’, e não mais de ‘mendigos ou indigentes’.
Os dias de luta, celebrados em cada mês de maio, ampliaram a
pauta política dos moradores e catadores de papelão, possibilitando
tomada de consciência e capacidade de enfrentamento;
Todas essas considerações acima, tratam da relação entre o poder
público e a população de rua e seus parceiros institucionais.
É preciso lembrar que longo trabalho precisa ser feito com a sociedade
civil, para alterar a visão que subsiste nela, quanto ao perfil, papel e futuro da
população de rua. Será preciso ver o mundo pelo reverso e assumir novas
chaves interpretativas, como ensina a irmã Dalva Ivete de Jesus, depois de
muitas temporadas vivendo nas ruas da cidade:
Ver o mundo pelo olhar dos de baixo é muito diferente, é até
engraçado: Você goza da própria pobreza e goza da riqueza ao
mesmo tempo. É muito interessante. Por exemplo: quando a gente
está deitada, como eu mesma, dormi muitas vezes, na XV de
Novembro, e às dez da noite passam os estudantes, passam os
bancários, e te olham, te gozam, uns têm pena, outros te xingam, é
muito interessante, porque você tem um olhar de que, na verdade,
você não é tão coitadinho, mas você é um grande questionador da
204
sociedade. Quando você se vê deitado olhando-a de baixo. Enquanto
alguns olham para o coitadinho, o pobre também começa a criar uma
cultura de pobreza crítica, não que ele não peça, não que ele não
achaque - que é pedir contando uma história de desgraça que
comova a pessoa – mas ao mesmo tempo – como a gente fazia muito
teatro com eles também – o teatro aparecia – essa questão gozadora,
anárquica. Eu, por exemplo, me surpreendi de encontrar esse
anarquismo, enquanto você olhando a rua, pensa que estão todos
inclinados, que não pensam ou não refletem. E, isto não é verdade!
O riso do viver nas Ruas é uma das grandes lições da população de rua,
forma ativa de resistência dos de baixo. Maneira de sair dos impasses
impostos pela desigualdade e exclusão. O que a irmã Ivete chama de
anarquismo face à ordem constituída, é questionamento radical da própria
existência e do ‘modus vivendi’ dos demais. O anarquismo das ruas gera
incômodo e indignação permanentes.
Dom Paulo nos fala dos conflitos com a máquina estatal. Relata como a
luta em favor de serviços sociais eficazes só acontece pela pressão contínua e
permanente do povo:
Há aqueles que saem e entram nas ruas. Circulam e estão aí.
Incomodam, mas sofrem muito na cidade. Houve ano em que muitos
morreram de frio. Padre Júlio me disse: ‘o Maluf não quer abrir os
abrigos, pois diz não ter água quente’. Fui ao telefone na hora e liguei
para o Maluf: ‘Se o senhor não abrir os abrigos hoje até as cinco
horas, Deus vai castigá-lo como nunca castigou. Os pobres não
podem morrer de frio. Isto não pode ser!’ Ele disse: ‘Eu não tenho
água quente!’ Respondi: ‘O senhor a tem, pois há possibilidade para
tudo, e é favor fazer isso porque eu mesmo vou controlar’. Ele o fez, e
foram salvas muitas vidas, pois era um gelo. Os pobres tiveram
acesso a seis abrigos pela pressão direta do Vicariato.
205
2. Promessas e horizonte
As promessas assumidas pelo Vicariato ganharam possibilidade
concreta, pois as pessoas deixaram de ser consideradas apêndice social
descartável e assumidas como sujeitos.
A convivência, nos centros comunitários e as atividades em oficinas e
grupos de trabalho, fizeram os educadores perceber o que é urgente e
necessário para o momento presente.
Padre Júlio Lancellotti comenta:
Somos tentados, muitas vezes, a fazer pelo povo da rua o que é
urgente; vivemos de urgências, sem perceber que o povo da Rua é
formado de pessoas, com totalidade de ser. O urgente deve ser feito
não coisificando o povo da Rua e atendendo-o de tal forma para que
fique a distância, longe de nós, e assim a convivência se torna
inviável. O necessário parece filho do urgente; vivemos para
satisfazer nossas necessidades, que quando providenciadas por
206
outros, quase sempre coisificam, sem perceber a pessoa que
necessita. Podem criar relações de poder e dependência, mas não
oferecem condições de solidariedade e fraternidade transformadoras.
Superar por relações humanas as relações ‘coisificadas’ tornou-se o
horizonte do educador nas ruas. Isto não é compreendido por quem vive sob a
égide do paternalismo. Muitos se sentem ofendidos quando questionados
sobre a emancipação de seus ‘eternos clientes.
Nenuca apresentou uma profecia que permanece em suspenso. Seu
pensamento reverbera pela voz de irmã Ivete:
Nenuca tinha mais uma coisa, que eu acho que a Igreja que trabalha
com os pobres e as paróquias, não entenderam, e que ela até tentou
divulgar muito e que é o seguinte: ‘trabalhar com a pobreza você tem
que ir à Universidade’, pois o saber é que vai ajudar você a ter uma
consciência crítica, pois se não você tem que virar assistencialista.
Ou você trabalha com o saber universitário, ou você vira um
assistencialista ou aproveitador. Isto significa um contato com as
Ciências Sociais. Você precisa saber da conjuntura, pois de nada
adianta eu ficar falando mal do Maluf, ficar falando mal do PT. Eu
tenho que saber de uma conjuntura social para entender. Como
exemplo, conto que fui uma vez com uma religiosa organizar um
cortiço que estava em despejo na Caetano Pinto, no Brás. Em todas
as reuniões ela falava mal do Jânio Quadros e eu dizia para ela: ‘Eles
já sabem quem é o Jânio Quadros, você não precisa mais falar’.
Vamos tratar dos assuntos deles, pois são 100 famílias – e era um
estábulo aquele cortiço – que estão sem banheiro. Fechamos a Rua,
conseguimos melhorias, criou-se um fundo, pois pagar água e luz
sempre é um problema. A religiosa ficou na comissão com quatro
moradores e abriu uma conta conjunta do Banco. Eu disse que ela
não deveria ficar na comissão. Ela viajou, e quando voltou não mais
207
quiseram recebê-la no cortiço, pois disseram: ‘Você viajou com o
nosso dinheiro’. Não era verdade, mas as pessoas misturaram as
relações. Precisamos ajudar as pessoas a criar coisas reais, não
utópicas, pois ricas não vão ficar. No Brasil, nós não temos essa
previsão. Pode ser até que os sem-terra tenham o poder um dia, a
gente não sabe! Mas o que nós temos é que organizar aquilo que
está ao nosso redor com o conhecimento universal.
O vínculo orgânico com as universidades e os saberes organizados
ainda são caminho a ser percorrido pelas instituições e moradores das ruas.
Exige despojamento e generosidade pessoal e intelectual.
Dom Paulo Evaristo apresenta sua utopia:
Eu creio que nunca deveríamos eleger ninguém, que não ajudasse a
organizar o povo e que não tivesse essa capacidade de abraçar as
pessoas pobres ou aquelas que não estão totalmente limpas, ou
mesmo preparadas para um passeio dominical. Nós devemos ter uma
amizade muito grande com as pessoas, pois buscamos coisas
agradáveis. O que de fato atrai a alma e o coração do povo é que é
preciso amar esse povo a ponto de a gente dizer, eu ficaria com
vocês.
E ele confirma a necessidade da parceria com a Academia:
A ciência e a pobreza não são opostas. A ciência deve ajudar a
pobreza a descobrir-se a si mesma e depois a levar os outros a se
interessar por aqueles que não são capazes de ajudar a si mesmos
em certas circunstâncias.
A principal utopia é resistir à visão ideológica dominante o que pode
parecer quixotesco. Uma sociedade marcada pela lógica dos mercados, e
esvaziada de toda visão histórica e dialética, convenceu muita gente de que
esse trabalho é inútil ou ao menos ineficaz. Ao afirmar, contra a corrente, que
há valor no modo de estar com o povo de rua, e que essas pessoas têm muito
208
a dizer e fazer na e pela cidade, os agentes e grupos ecumênicos oferecem
horizonte contestatório válido e lúcido. Válido, pois incorpora os imprevistos da
situação histórica como elemento de mudança, e ao mesmo tempo lúcido, pois
sabemos que a situação só mudará “com a emergência de formas alternativas
de organização social capazes de ativar os segmentos de população
politicamente inertes” (FURTADO, 1992, p. 56).
209
3. A transição e novos caminhos
A chegada do novo cardeal arcebispo, dom Cláudio Hummes, gerou
forte apreensão quanto ao futuro do trabalho.
Padre Júlio rememora acontecimentos, expectativas e conflitos, durante
a transição na arquidiocese paulistana, e sua convicção originária:
Dom Cláudio afirma que o povo da Rua fora o primeiro que o
acolhera na cidade e isto seria para ele um sinal e um compromisso.
O encontro reafirmou o trabalho da Igreja com a população de rua em
momentos críticos. Sempre dissemos para dom Cláudio que a Igreja
faz um sinal. A política pública é o poder público que deve fazer. Nós,
210
enquanto Igreja, não vamos resolver o problema do povo da Rua.
Nós vamos ajudar a organizar o povo da Rua, pois o poder público
deve dar respostas de política pública. Dom Cláudio pegou e fisgou
isto: a saída é política pública. O Vicariato quer formar comunidades,
na convivência e na relação pessoal. Deixamos claro que não iríamos
fazer contabilidade pastoral. Quantos vocês tiraram da rua? Quantos
saem das Ruas ou mesmo se saem das ruas? Este é o empenho da
pessoa, não é um empenho nosso. Nós não tiramos ninguém da rua.
As pessoas é que saem das ruas.
A manutenção formal e institucional do vigário episcopal e o apoio
explícito do novo cardeal abriram caminhos para a esperança na continuidade
da profecia, que é certamente frágil e incômoda.
Dom Cláudio assumiu pessoalmente a questão em seu ministério
episcopal ao afirmar que “devemos também, nós todos, refletir e tomar
decisões, ao mesmo tempo em que nos solidarizamos mais com os moradores
de rua de nossas cidades” (jornal O São Paulo, 06.10.2004, p. 3).
Ele reconhece que há mais vagas em albergues; mais restaurantes Bom
Prato, disponibilizando boa e farta alimentação a baixo custo para o povo de
Rua; mais organizações civis dedicadas à grave questão política. Entretanto diz
o atual arcebispo:
Mas tudo isso junto não consegue tirar da Rua esses excluídos e
reincluí-los na sociedade. Para esses é necessário que as políticas
públicas dêem oportunidade de trabalho, por exemplo, com frentes
emergenciais de trabalho a serem abertas seja pela Prefeitura seja
pelo Governo do Estado, ou melhor ainda, por ambos (jornal O São
Paulo, 06.10.2004, p. 3).
211
4. Entre a utopia e a realidade
As opções das Oblatas lançaram-nas, diretamente ao centro do cadinho
fervente da realidade paulistana, desde os anos 1950. Alguns caminhos
metodológicos emergiram para responder as perguntas sobre o porquê e como
trabalhar com a população de rua. Vê-se claramente a necessidade da revisão
constante e da adequação da prática às novas condições da conjuntura social.
Assim pensa irmã Ivete:
Um dia voltei para a casa de meu pai e lhe disse: o senhor me falou
uma coisa: ‘melhor só que mal acompanhado’. Ele sempre falava isto.
E eu lhe disse: ‘Pai, eu descobri que é melhor mal acompanhado do
que só’. A grande honra que carrego comigo é a de ter permanecido,
mesmo nas maiores dificuldades. A fidelidade e a teimosia de ter
ficado. É verdade que agora faz seis anos mudei minha vida. Eu não
estou mais na rua e nem pretendo mais voltar para a rua, a não ser
que aconteça algum fato, um sinal muito grande. Fiz 35 anos de rua e
212
estava ficando meio caótica. Desatualizada, fazendo as mesmas
coisas. Como gosto muito da arte, e na Rua aprendi a gostar dos
objetos jogados na rua, pensei em criar um artesanato enquanto
descanso. Nasceu a Escola e da Escola nasceu a Casa Cor da Rua.
Este é o momento de estar disponível, para que todos que chegam
da rua sentem e tomem um cafezinho. Contam coisas. Trazem
presentes. Fazem confidências. É um momento para mim de graça,
maravilhoso. A vida na rua é muito rica, cheia de acontecimentos e de
amizades. Na rua há coisas profundas que precisam ser conhecidas.
Dom Paulo, pés fincados no chão franciscano, proclama a urgência de
novas posturas para enfrentar o higienismo presente na cidade e até mesmo
nas Igrejas:
Acho que São Francisco rompeu com isto, e é uma pena que
estejamos voltando atrás. Mas os franciscanos nesta última reunião
da congregação, decidiram que eles vão morar onde estão os pobres.
E morar entre os pobres. Quanto nós podemos fazer educando-nos a
nós mesmos! E convivendo com os pobres como o padre Júlio vive.
Quando a gente constrói uma Catedral, que embaixo tenha o
suficiente para que o corpo seja limpo e atraente. A pessoa humana é
a mais atraente do mundo. É o próprio Deus quem veio e se fez
homem. Devemos fazer o mesmo: abrir todas as portas para que os
pobres possam ser acolhidos e receber a comida, o agasalho e a
possibilidade de moradia. A moradia é, para mim, a condição número
um para qualquer reforma social autêntica. É o pobre poder morar
tendo água suficiente para cuidar de si e tendo as coisas importantes
para viver normalmente.
Uma boa dose de realismo marca os passos do Vicariato. As relações
com o poder público exigem coragem utópica. Padre Júlio rememora grave
213
conflito durante a administração Paulo Salim Maluf, quando da aplicação da
Operação Antimendigo:
No governo do Maluf (1993-1996) foi muito complicado. Durante seu
governo muitos prédios instalaram os chuveirinhos antimendigos. E
ainda tivemos o problema da limpeza da cidade quando o menino
Ricardo foi morto no Largo do Arouche, pois o caminhão de lixo
passou sobre a cabeça dele e o matou. Fora confundido com um
saco de lixo. E nós fizemos aquela manifestação ecumênica de
muitas Igrejas. Nós participamos e conseguimos fazer promulgar a lei
12.316 de 1997, fruto da pressão dos Dias de Luta e de determinadas
parcerias com os parlamentares da Câmara Municipal. Isto ficou
parado até que no governo da Marta Suplicy fosse assinada a
regulamentação da Lei 12.316, pelo decreto 40.232, de 2001. Como
você pode ver, é uma história que tem muitos meandros.
Nelson Antonio da Silva, morador de Rua, ao carregar a cruz em uma
das procissões da Semana Santa de 1998, afirmava que “assim como Jesus
ressuscitou, eu também vou ressuscitar. Agora eu ainda estou morto, mas
chegará o momento em que vou renascer” (jornal O São Paulo, 15.04.1998, p.
7).
Entre a perseguição do povo de Rua pelo poder público e seu
engajamento em lutas concretas de emancipação, há largo caminho a ser
percorrido. Há sempre possibilidade de ressurreição. Há sempre expectativa
por renascimentos.
Contundente, José Maria de Oliveira Ferreira, há cinco anos vivendo nas
Ruas do centro de São Paulo, protesta: “Dar um prato de comida, uma roupa,
uma coisa, isso não resolve, tem que dar trabalho!” (jornal O São Paulo,
07.02.2001, p. 5).
214
Uma expressão do renascimento do povo da rua se faz quando é
superada a discriminação em favor de uma ética universal, que assuma a
filantropia como critério.
Assim escreve Scheler:
O verdadeiro amor humano não faz qualquer distinção entre em
compatriota e um estrangeiro, entre um criminoso e um justo, entre
valor racial e inferioridade racial, entre instrução e falta de instrução,
entre bons e maus etc. Como a simpatia, o amor se refere à todos os
homens, unicamente porque são homens, em sua distinção dos
animais de um lado, e de Deus, de outro. Mas, o que distingue o
amor humano da simpatia propriamente dita, é que todo amor implica
valores positivos, enquanto o amor humano em particular concebe
seu objeto, isto é a humanidade, com um páthos específico
(SCHELER, 1928, p. 152).
215
5. Três testemunhas ‘basilianas
Para completar o quadro dos personagens, cuja presença foi aqui
destacada, quero insistir na memória dos três missionários já falecidos, e
rochas basilares do trabalho pastoral nas ruas: dom Ignácio Lezama; Griselda
Marina Castelvecchi, a conhecida irmã Nenuca; e Fredy Joseph Kunz, o padre
Alfredinho. Esta lembrança é imprescindível, por seu valor pessoal e pelos
efeitos fecundos em todo esse processo. Ainda mais, pois cada um deles
tornou-se para a Igreja de São Paulo, verdadeiro ‘defensor pauperum’,
seguindo os passos de milenar tradição nascida com Basílio de Cesaréia (329-
378 d.C.). São os herdeiros da tradição patrística da defesa intransigente dos
pobres, pois as lágrimas dos pobres lhes causaram misericórdia, os gemidos
das ruas enterneceram seus corações e eles nunca se submeteram À
inutilidade das riquezas. Mantiveram-se austeros e coerentes. Compassivos e
216
solidários encontraram na dor um ‘Lógos’ de vida e ao penetrar no sofrimento
do povo da rua o ultrapassaram.
Dom Ignácio Lezama, nascido no Uruguai (em 10 de outubro de 1918)
como Carlos Francisco, irá consagrar-se monge beneditino olivetano. Enviado
ao Brasil, assume a capelania do Hospital do Brás, e começa sua missão e
compromisso com os pobres da cidade de São Paulo. A mensagem
fundamental era o respeito absoluto pelo pobre, “filho de Deus e irmão nosso,
tem direito à nossa solicitude e caridade” (CASTELVECCHI, 1985, p. 33). Ele
nunca teve medo de falar do amor e parecer sentimentalista. Era decisão
convicta de tratar como próprios os problemas dos necessitados. Essa a
intuição original da OAF e do trabalho posterior do Vicariato. Assumir as
causas da população de rua de forma coerente. Ele gostava da palavra
‘urgente’. Sempre o incomodava o modo como os pobres eram tratados nas
repartições públicas, nas Igrejas e na sociedade. Tema central de sua vida era
a preocupação com o pecado da omissão. Outro tema o de propor ações
abrangentes para enfrentar as causas da marginalização. Trabalhou em São
Paulo e Recife. Ao final de sua vida, em Recife, foi vítima de câncer e, pela
experiência que viveu nos últimos meses da vida, passará a autodenominar-se
‘dom Bagaço’. Após grande agonia, morre em 19 de janeiro de 1964, aos 46
anos de idade.
Nenuca, uruguaia, chega ao Brasil em 15 de setembro de 1953, integrou
um grupo de missionárias que se engajou firmemente na vida dos operários da
cidade e, em seguida, de forma exemplar com a população de rua. Torna-se
operária e, depois de algum tempo, religiosa mergulhada nas ruas e
sofrimentos do povo. Depois da morte do padre Ignácio, assumiu os rumos do
217
trabalho e um novo horizonte de ação. As Oblatas deixaram Recife e alteraram
profundamente a Organização do Auxílio Fraterno. Nenuca manteve seu
compromisso de vida religiosa fundado em dois pólos fundamentais: Deus e os
pobres. E o manteve de forma radical e livre. Buscou que os pobres tivessem
seu lugar garantido na Igreja. Dizia que a identidade do seu grupo religioso
beneditino devia ser encontrada nas Ruas. Pretendeu viver como monja no
meio da rua. E fez da rua um mosteiro. Sua morte, em 18 de dezembro de
1984 deixou marcas profundas em todos aqueles que com ela conviveram. De
modo particular, as próprias companheiras de vida religiosa. Eis o depoimento
da irmã Ivete sobre Nenuca:
Eu encontrei uma mulher debaixo do viaduto na avenida 23 de Maio,
em um lugar chamado OAF. Era uma mulher extremamente
fascinante. Fazia as coisas com fundamento bíblico. Não havia
ruindade, mas um acompanhamento afetivo fundado no Evangelho. E
a pedagogia da regra de São Bento. Nenuca era uma mulher de
consciência feroz e de uma amabilidade, impressionante. De afago e
de liberdade. Esta compaixão, esta afetividade, esta amabilidade eu
acho que é a única entrada para trabalhar com o povo da Rua. Não
existe outra entrada. A única entrada é a amizade. Não tem outra
entrada.
Enfim, é preciso rememorar a terceira testemunha exemplar para todos
aqueles que atualmente trabalham com a população de Rua: o padre Fredy
Joseph Kunz, Alfredinho. Nascido em 9 de fevereiro de 1920, chega ao Brasil
em 1968. Veio como missionário católico da Suíça, depois de viver anos no
campo de concentração de Kaisersteinbruck, na Áustria, onde quase foi
enforcado por sua postura solidária para com os demais prisioneiros. Veio
trabalhar no sertão do Ceará, em Tauá, e depois passará a viver em favela de
218
Santo André, no bairro Lamartine, até sua morte em 12 de agosto de 2000.
Assumiu desde cedo a firme convicção de que havia “entrado na fileira dos
excluídos, dos publicanos, das vítimas da prostituição, para nunca mais sair
desta fila”. Funda em Tauá - CE, a Irmandade do Servo Sofredor (ISSO),
inspirado na vida e entrega de Maximiliano Maria Kolbe. Enfrenta coronéis
nordestinos e a violência na cidade, sempre com serenidade e consciência
fraterna universal. Estar em sua presença era certeza de ouvir palavras vindas
ab imo pectore’ (do fundo do coração). Torna-se referência espiritual e
profética, pelo seguimento estrito de uma ética solidária, e espiritualidade
marcada pelo pensamento de Charles de Foucault expressa em gestos de
coragem frente aos detentores do poder civil e militar, quer no nazismo quer na
ditadura militar brasileira.
219
Considerações finais
Pude confirmar a hipótese original deste trabalho, de que a compaixão
foi a guia metodológica e operativa do trabalho social com o povo da rua. Ao
visitar a situação de rua com outros olhos, terminamos por reconhecer novas
categorias de interpretação. Foi possível diagnosticar alguns limites e
contradições no trabalho social desenvolvido. Os discursos dos quatro
personagens escolhidos e seu confronto com o aparato teórico demonstraram
que a vida de dezenas de pessoas nas Ruas da metrópole pode ser
compreendida de outra forma.
220
O Vicariato Episcopal do Povo de Rua mudou valores e costumes
paternalistas, que se reproduziam inercialmente nas Igrejas e grupos de ação
religiosa. A própria instituição eclesial alterou seu formato e seus cânones para
poder receber em seu seio esta população.
Nota-se um processo de amadurecimento da presença nas Ruas, que se
inicia com um ‘estar-com-o-outro’ e passa por várias etapas. No princípio da
ação do OAF, as missões populares e as sopas comunitárias. Na segunda
fase, a constituição da Casa de Oração e os espaços de reflexão e articulação.
Desses espaços, passa-se para a expressão pública nos Dias de Luta e de
manifestação política pelas Ruas do centro velho da cidade. Em etapa mais
recente, chega-se a constituição de abrigos provisórios, de projetos alternativos
de renda e, sobretudo, se constituem as cooperativas de papel e material
reciclável, organizadas e geridas pelos próprios catadores. Da individualidade
solitária, passa-se para um esforço permanente de reconhecimento da
cidadania e da participação ativa das pessoas de Rua, almejando sempre,
como horizonte ético e utópico, que cada um destes moradores se assuma
como sujeito de mudança. Não somente em termos de mudanças coletivas,
como também em intervenções moleculares permanentes. Digno de nota é a
existência das comunidades do Glicério e de São Martinho. Destaca-se o
convênio, firmado recentemente, pelo Centro social Nossa Senhora do Bom
Parto e Prefeitura Municipal de São Paulo, para manter 35 agentes de saúde
nas ruas, a partir de educadores vindos da rua, em favor de seus
companheiros de ‘trecho.
Tudo isto se resume na assunção clara de políticas públicas e em sua
efetiva aplicação, a partir dos planos de gestão urbana e de seu plano diretor.
221
À pergunta feita no início desta tese (podem os moradores de rua
assumir como seu direito inalienável, a identidade de sujeitos autônomos?) a
resposta comporta um sim e um não.
Sim, na medida em que muitas das atividades profissionais e
terapêuticas desenvolvidas pelo Vicariato constituíram-se em espaços próprios
de significação e referência clara na vida das pessoas. Exemplo disto pode ser
a Coopamare e o trabalho da Casa Cor da Rua. São muitíssimas as histórias
de vida resgatada, e as de moradores que assumiram novas opções de vida
social: atividades de lazer, como passeios comunitários a parques;
comemorações do calendário religioso; ida a Aparecida no Grito dos Excluídos
todo dia 7 de Setembro; atividades artísticas, desenvolvidas em especial na
Casa de Oração e nas Oficinas do Glicério; além das atividades ocupacionais
(cooperativas, almoço comunitário, sala de leitura, bazar de roupas, agentes
sociais de saúde). Esses são exemplos concretos e positivos que incentivam a
autonomia e a participação.
Mas, a resposta é também um não, pois as relações são muito
fragmentadas e a mobilidade extrema impede a continuidade de obras maiores
e permanentes. A fugacidade gera superficialidade e mentira. Apresentam-se
como simulacros de autonomia, mas são de fato, respostas prontas e clichês. A
desconfiança dos moradores de rua é muito grande, o que exige trato refinado
na ação social. Isto nem sempre acontece, pois é um processo educativo feito
nas fronteiras da vida civilizatória. Percurso de vida longa nas ruas não se
reverte em pouco tempo. Muitas feridas e ações destrutivas praticadas contra
eles e até por eles próprios exigem novo processo e o refazer de alicerces
distintos, sem olvidar a identidade e o percurso de vida. Faz-se mister superar
222
introjeções discriminatórias (‘sou mesmo um vagabundo’) e submissões
voluntárias à messianismos fáceis.
Daí porque uma grande tarefa do Vicariato foi a de estabelecer novas
relações com esta população. Relações primárias de convivência e
aprendizado e relações coletivas de transformação social. O respeito mútuo, a
confiança recíproca e a convivência são desafios concretos de uma caridade
política. Esta expressão da caridade, com feições libertadoras, se faz plausível
com o fortalecimento das liberdades políticas e em favor da justiça social.
Ampliando grupos de base, favorecendo a participação democrática e,
sobretudo, ampliando os canais de cidadania, ela se torna eficaz. Ao conquistar
um lugar na cidade, o Vicariato fortaleceu o movimento popular e ampliou a
consciência social. Estas mudanças efetivas na própria expressão da caridade
cristã permitiram construir redes alternativas de ação política e de mudança
das condições de vida. E elas se expressaram nacionalmente em marchas à
Brasília e em Congressos Nacionais de Catadores. Não mais se ‘clama aos
céus’, mas inspirados na vida real de labuta e de conflitos, se projetam
algumas possibilidades de mudança. Ao preencher os espaços existentes, a
ação eclesial estabelece metas históricas atingíveis e evita burocracias. O
trabalho diário e os momentos fortes de manifestações nas Ruas acabam
consolidando alternativas concretas, que identificam urgências e estabelecem
prioridades.
O desafio, desde o início, foi o de estabelecer uma estratégia educativa
e política que supere preconceitos e assuma propostas de cidadania.
O uso da compaixão, como categoria analítica e hermenêutica desta
ação eclesial e política, se mostrou adequado para explicar o processo em
223
curso. É verdade que não nos restringimos ao conceito compaixão, que é o
centro da tese. Foi preciso construir um mapa semântico mais amplo, que
incluía conceitos operativos afins tais como: subjetividade, autonomia, inclusão
e exclusão, solidariedade e libertação. Assumi também, dentro do contexto
analítico, a presença de temas como a liberdade, a democracia, a resistência, a
passividade ativa e, sobretudo, a fala de personagens estratégicos em seu
testemunho paradigmático.
Realizei a pesquisa metodológica ‘in flux’, assumindo os riscos concretos
desta proximidade, mas mantendo determinada distância crítica pelo recurso
às fontes da memória falada e escrita desta trajetória. De certa forma, procurei
apreender a curvatura do movimento mais que o movimento em si. Aquilo para
o qual ele tende. Ao localizar as datas principais de estudo entre os anos 1993
e 2005, procurei contextualizar o Vicariato no governo do Cardeal Arns e na
transição deste para o cardeal Hummes. Um ciclo de fato se encerrava,
marcado pela força da teologia da libertação e pelo carisma de dom Paulo
Evaristo Arns. O eventual retrocesso ou interrupção destes trabalhos não
aconteceu, como se temia. Havia o precedente da ação desmobilizadora de
toda a práxis realizada por dom Hélder Pessoa Câmara, em Olinda e Recife,
por seu sucessor em verdadeira operação desmonte. Em São Paulo, o que se
viu foi o contrário: o novo cardeal assumiu a questão dos moradores de Rua
como sua. E com seu apoio explícito contínuo, a ação do padre Júlio
Lancellotti, confirmado como Vigário episcopal, ratificou o lugar do serviço aos
moradores de rua, no universo da ação católica na cidade. Pôde-se criar e
ampliar a rede concreta de organizações que lidam com o povo da Rua. As
pastorais sociais revelaram-se espaço apropriado de ação política, constituindo
224
o Seminário da Caridade, que fez diagnósticos amplos da ação da Igreja junto
aos pobres sob o crivo de intelectuais e estudiosos da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, particularmente através do Instituto de Estudos
Especiais – IEE.
Os vinte e oito anos do governo colegiado de dom Paulo favoreceram de
maneira efetiva a mudança social em nossa cidade, garantindo voz às
periferias geográficas e as ambientais. Ao aproveitar o sério labor da Teologia
da Libertação (TdL), e suas expressões históricas de Medellín (1968) e Puebla
(1979) criou-se ponte real e sólida entre os movimentos sociais e a reflexão
teológica, o que foi mutuamente fecundo. O apoio teórico às causas populares
permitiu abrir brechas na instituição religiosa e mudar o ponto de vista da ação
evangelizadora. E a presença prática dos pobres e excluídos nas Igrejas trouxe
à tona um ator e interlocutor que passou a dizer o que pensava e queria. A
emergência desses pobres retirados das ruas e trazidos aos púlpitos fez
encarnar-se a mensagem evangélica. Trouxe obviamente muitos conflitos e
incompreensões. Muitas delas vindas do próprio Vaticano e que feriram
profundamente a Arquidiocese de São Paulo quando da divisão realizada em
1989, por ordem direta da Cúria Romana.
Internamente o cenário da nomeação do padre Júlio para o Vicariato
demonstrou, em escala reduzida, as dificuldades com o tema e com essa
categoria social excluída da sociedade.
Apesar disto, e na esteira de propostas alternativas e vivências
concretas de pessoas como Alfredinho, Nenuca e dom Ignácio, o problema
relativo à chamada mudança das estruturas sociais deslocou-se das
explicações funcionalistas e conservadoras, vindas do período colonial para um
225
assumir das próprias contradições sociais geradas pela formação social
capitalista.
O caminho para a mudança social inclui o conflito, assumido de forma
clara e serena. Vale lembrar a necessidade e premência da atitude tão querida
por Martin Heidegger (‘gelassenheit’). Entretanto, o trabalho do Vicariato pensa
também a mudança das condições de vida dos moradores de Rua como
resultado de processos criativos. Indivíduos autônomos, questionando a
sociedade, suas representações e leis, constroem em sua própria prática uma
sociedade auto-instituída por eles e não fora deles e sem eles. É o exercício
democrático em sua expansão, mesmo feito de pequenos passos e projetos.
Ao transformar caixote de madeira em berços; garrafas PET em tigelas e funis;
latas de óleo em fogão; descarte urbano em arte, os moradores de Rua
demonstram o alto grau de criatividade nas condições adversas em que vivem.
Resistem ao extermínio, inventando coisas, modos de vida e grupos de
resistência. É o que constatou Christian Kasper, da Unicamp, em recente tese
doutoral (jornal Folha de S. Paulo, 13.08.2006, p. C9).
Os moradores de Rua foram envolvidos gradualmente na tarefa
fundamental de produção de sua própria história. Assumiram o desafio de fazer
história social, registrada nas páginas do jornal O Trecheiro, como marca
indelével de lento processo social.
A aprovação da lei do povo de Rua e a publicação do decreto que a
regulamentou foram marcos efetivos de que a compaixão se fez política e
articulada.
Os seres afetados pela população de Rua, representados pelos quatro
personagens escolhidos na tese, assumiram sua sensibilidade e ternura,
226
transfigurando-as em simpatia e comunidade de sentimentos. O atendimento
ao povo de rua de forma pessoal e respeitosa nos vários equipamentos sociais
das Igrejas, ao superar discriminações e impessoalidades ajudou a distinguir
dores e sofrimentos. As dores tornaram-se solidárias e compartilhadas, e
permitiram descortinar novo lugar eclesial. A Casa de Oração (Catedral do
Povo da Rua) e os muitos centros comunitários de acolhida possibilitaram
alternativas humanistas na perdida década de 1990, como um oásis no deserto
neoliberal. Ao secar as lágrimas desse povo, o Vicariato assumiu tarefa de
primeira grandeza em termos simbólicos.
Ouço o padre Antonio Vieira, para compreender a ação evangélica da
Igreja de São Paulo:
“A dor moderada solta as lágrimas, a grande as enxuga, as congela
e as seca. Dor que pode sair pelos olhos, não é grande dor...
Heráclito chorava com os olhos; Demócrito chorava com a boca. O
pranto dos olhos é mais fino; o da boca, mais mordaz.” (VIEIRA,
padre Antonio, 2001, p. 115 e 119).
Esta tese pôde comprovar que os órgãos e serviços do poder público de
fato alteraram, sob pressão, as políticas públicas destinadas a atender a essa
população. E em muitos casos, incluíram as políticas públicas no orçamento
municipal, que até então não os considerava gasto essencial de política social.
Particularmente significativos foram os embates nos governos Paulo Salim
Maluf e Celso Pitta, dada as opções ideológicas de ambos e as alianças de
governabilidade de suas respectivas administrações.
Na tese fiz o seguinte percurso:
Em primeiro lugar, reconstruí a memória da criação do Vicariato
Episcopal, a partir dos depoimentos estratégicos de quatro personagens da
227
Igreja católica paulistana. O percurso histórico permitiu verificar que, já na
origem da OAF, havia sensibilidade inata em favor do povo que mora nas ruas.
As convicções do padre beneditino, Ignácio Lezama, permaneceram incólumes
mesmo depois de seu falecimento. A transmissão da herança compassiva de
modo criativo e conflitivo, será verdadeira pedra de toque dos trabalhos
desenvolvidos pela OAF e pelo Vicariato, e fator determinante no novo rosto
institucional que se desenhou a muitas mãos. Rosto hoje consolidado no
cenário civil e eclesiástico da cidade.
Em segundo lugar, busquei, com as pesquisas sociais e demográficas
disponíveis, sistematizar os dados da metrópole paulistana, do povo de rua
nela inserido e as interfaces dessa parcela da população no cenário geográfico
e político. Percebi que a chamada ‘cidade global’, ‘conurbada’ e marcada pela
desigualdade econômica e social, está em mutação contínua. A urbanização
corporativa delineia traços distintos na recente urbanização capitalista, com o
surgimento de outras centralidades e novas periferias. A população de rua,
fortemente concentrada no centro urbano, permanece invisível às estatísticas e
pesquisas acuradas. Se foi um problema concreto da tese, pude superá-lo em
parte com o uso da pesquisa do Vicariato do Povo da Rua, realizada durante
dez anos (1995-2005) pela Comunidade São Martinho de Lima, no bairro do
Belém. O que fundamentalmente faz esta cidade não são os números oficiais
das estatísticas de produção ou fluxo financeiro em ‘nossa’ Bolsa de Valores,
mas sermos modelados por nossas heranças culturais e idiomas locais.
São Paulo impõe medo e insegurança, como diz Roberto da Silva, de 32
anos e morador na Praça da Sé: “Tem que dormir com um olho fechado e um
olho aberto, ficar esperto, se vacilar, morre!” (Trecheiro, agosto 2004, p. 2).
228
O terceiro momento, o da abordagem teórica, é a finalidade do trabalho.
Estudei e acompanhei a evolução e tensão em torno do conceito compaixão,
procurando retomar a força semântica de interpretação e movimento. Até
porque comover, inclui o sentido mesmo do sair de si. Procurei situar o dilema
da cultura, neste início de século XXI, não como dilema teórico, mas algo
eminentemente prático, pois ele se manifesta na arena das práticas sociais,
políticas e religiosas como novo modo de viver nas cidades. Ao assumir a
compaixão como uma categoria de relações com a realidade objetiva do
mundo e das pessoas, procurei destacar sua objetividade, e aquilo que se pode
chamar de estar-no-mundo.
Em nossa cultura moderna, o reduzir o conhecimento ao campo da
técnica materializada nos objetos fez perder a objetividade dada ao ser
humano em sua experiência original. Ao que tudo indica, apesar da abundância
de objetos técnicos, “mais aguda se fará no ser inteligente e livre a fome de um
alimento mais substancial para o espírito” (VAZ, 2002, p. 267).
Uma verdadeira ‘epistemologia da compaixão’ se elabora no caminho
transitado por agentes pastorais de nossa cidade, e cria novos modos
pedagógicos de ser e ‘estar-no-mundo’. A emergência política do povo de rua
com suas dores e sofrimentos, limites e utopias, pode ser compreendida
apenas na medida em que o conhecimento se fez também doloroso.
O uso da compaixão contribuiu para superar a invisibilidade, a que
tinham sido relegados e para propor novos modelos de solidariedade, no plano
pessoal ou coletivo e inclusive em forma de redes nacionais de articulação
(exemplo: a rede nacional de catadores de papel e recicláveis).
229
A ênfase dada aos quatro personagens centrais da pesquisa se
demonstrou adequada. Sua inserção, no corpo do trabalho serviu para
averiguar, de forma permanente a pertinência do uso da categoria compaixão e
suas contradições na vida dos moradores de rua e na organização do Vicariato.
Algumas respostas concretas, como agentes de saúde, celebrações nas
Igrejas e ruas, cooperativas de catadores, permitem que se descortine o
horizonte de perspectivas mais amplas. Frente aos grandes protagonistas de
transformações nas cidades que têm sido as empresas imobiliárias, a ação da
pastoral social focaliza um novo sujeito, de identidade migratória com múltiplos
problemas de afirmação social, mas que é capaz de gerar alternativas se for
apoiado.
Revisei - ainda que de modo limitado - alguns conceitos ambivalentes,
como autonomia e democracia participativa e confirmei que só articulando-os à
sensibilização e à arte haverá resultados significativos. Ao enfrentar a
banalidade do mal e a negação das pessoas garante-se não só a justiça, mas
nova gramática do humano. O trabalho desenvolvido desde os primórdios pela
Organização do Auxílio Fraterno se mostrou metodologicamente seguro para
superar a ‘normopatia’ por uma necessária rebeldia de formas e de
expressões. O que a irmã Ivete definiu como anarquia das ruas e que Marcuse
analisara como recusa em tomar parte no jogo, pode caracterizar o início do fim
de um período. E, espero eu, que seja o princípio de outra era.
A nova era exige que o ‘princípio-compaixão’ seja assumido como
princípio configurador do exercício de nova inteligência social e religiosa. Um
princípio capaz de descentralizar a Igreja institucional e torná-la crível, apesar
de perseguida e mal compreendida e, apto para historicizar os clamores dos
230
moradores de rua, retirando-os da surdina, dando visibilidade aos rostos e à
situação social. Assim, questionam-se as relações internas da própria Igreja
Católica paulistana, tornando-se certamente ‘puctum dolens’. Como afirma Jon
Sobrino na obra Princípio-misericórdia: “O cristianismo misericordioso pode ser
progressista, mas este às vezes não é misericordioso” (SOBRINO, 1994).
Apresentar os limites da tese e suas potencialidades como ‘best pratices’
talvez se torne um subsídio para os que trabalham no cotidiano do Vicariato e
na Organização do Auxílio Fraterno. Podem ser aprofundados temas como:
relação Igreja e Estado; o Vicariato e os diferentes governos democráticos; a
terapia, a saúde na rua e o papel de agentes sanitários populares; os novos
rumos da Teologia da Libertação; o novo perfil dos moradores de Rua; a
dependência excessiva da verba governamental na manutenção de projetos
sociais das Ongs.
Apresento em forma de tópicos possibilidades pesquisas futuras:
As relações entre Igreja paulistana e o Estado a partir da noção
de política pública e do princípio da subsidiaridade;
A “deportação ou exportação” de moradores de rua para outras
cidades da região metropolitana;
O surgimento e expansão dos moradores de rua nas cidades
satélites das grandes metrópoles;
A ação do Vicariato e as diferentes administrações municipais;
O crescimento e perfil das famílias-de-rua;
A questão da saúde na rua e o papel de agentes sanitários
populares;
Os novos rumos da Teologia da Libertação no mundo urbano;
231
O atual perfil dos moradores de rua e o tráfico de drogas;
O alarmante número de mortes de pessoas da rua por grupos
organizados de extermínio;
A autonomia e a excessiva dependência das verbas
governamentais na manutenção dos projetos sociais de ONGs e
entidades filantrópicas.
A nova geração dos agentes de pastoral e a crise dos modelos
eclesiais.
A nova geração de universitários nas ruas (cerca de 400 em
albergues e muitos nas ruas);
A presença de imigrantes da Bolívia nas ruas da cidade;
O embate entre a vida e a morte do povo da rua, obteve algumas
respostas concretas e mensuráveis para a difícil questão: ’teria mudado a vida
do povo da Rua a chegada do Vicariato?’.
Pergunta nevrálgica tem resposta complexa.
Existem exemplos daqueles que eram da rua, e que hoje trabalham em
muitas casas de acolhida, como a Comunidade São Martinho. Há os que estão
nas repúblicas ou em casas-moradia. Os que estão nos projetos, como o Sítio
das Alamedas, e os membros de cooperativas. Muitos adquirem consciência de
fazer parte de um povo. Os Dias de Luta projetaram isso. As ações projetam
mudanças difíceis de serem medidas. Os depoimentos sobre mudanças na
vida do povo da rua são belos e comoventes. Até porque as conquistas, são
resultado de árdua labuta, confirmado o adágio: ‘ad augusta per angusta’.
232
Pode-se analisar também a formação de política pública, questionada
em termos de qualidade, mas que trouxe mudanças. Algo muito simples, que vi
e testemunhei na Comunidade São Martinho, é o povo ajudando a fazer as
suas coisas. O povo participando da elaboração da comida, seu próprio
alimento. Vê-se uma pessoa que está na rua e se alimenta com dignidade.
Fazer a comida, servi-la e dela desfrutar. Tomar um banho. Fazer um curativo
e ser acolhido com respeito. Coisas pequenas e simples, mas prenhes de força
simbólica. Há mudanças, sem dúvida, nos órgãos do poder público. Houve
alteração de postura. Em termos concretos existe a peça orçamentária da
Prefeitura e mais recursos para trabalhar com a população de Rua. Elaborada
e aprovada uma lei que baliza o direito do cidadão. Surgem tensões,
certamente virão mais. E contradições internas e externas.
O Censo mostra que hoje existem 6 mil pessoas albergadas. Quando se
sabe quem são estes albergados e há quanto tempo estão no albergue,
ampliam-se as questões, com o surgimento de nova categoria. Existe uma
população em situação de rua e, agora a população em situação de albergue.
Muitas pessoas saíram das pensões e foram morar nos albergues. A
população de rua, mais caída e sofrida, continua vagando. Pelas ruas,
evidentemente. São cerca de 4 mil pelas ruas. Ainda.
O Vicariato faz parte de um conjunto de forças sociais e políticas. Forças
que compõem a sociedade civil, ligadas à Igreja Católica. Há o fórum das
entidades, pluralista, com a participação da Igreja Metodista, da AEB e de
outros grupos e ONGs. Não resolve os conflitos, tensões e dificuldades, mas
são verbalizadas. Constatam-se diferenças na questão metodológica do
trabalho, mas há empenho em trabalhar a solidariedade. E solidariedade vivida
233
em múltiplos níveis: pessoal, coletiva e em rede. Solidariedade que considere e
que assuma o morador de Rua como ‘um dos nossos’. Que possa expandir o
conceito de prática política para o complexo universo do bem comum, e afirmar
a ação transformadora como ‘caridade política’, tida como uma das mais altas
expressões do amor, na bela expressão do Papa Pio XI, em alocução
pronunciada aos Dirigentes da Federação Universitária Católica, em 18 de
dezembro de 1927 (Osservatore Romano, 23.12.1927, n. 296, p. 3).
A guisa de conclusão, inspiro-me nas palavras de Hermilo Pretto.
Afirmava que a missão da Igreja reside no ‘testemunho significativo’ diante de
pobres reais e não de gente abstrata, sempre aquém de nosso modelo
idealista.
Assumindo os pobres reais, suas vidas reais, suas existências concretas
podemos exigir mudança de atitudes e de categorias interpretativas de nós
mesmos e dos outros (PRETTO, 1984, p. 37). A transparência nos fará críveis.
Manuel Castells dizia que o poder urbano também está na rua
(CASTELLS, 1976, p. 125). Afirma que esse poder, elenca problemas e lança
desafios, como grito pujante de vida e luta.
Aprendi no caminho dos trecheiros, a ouvir o grito dos pobres, pelos
gestos compassivos de dom Luciano Pedro Mendes de Almeida; pelas mãos e
palavras maternais do padre Júlio e irmã Ivete, dom Paulo Evaristo Arns e irmã
Regina. E eles o ouviram de Nenuca, Alfredinho e ‘dom Bagaço’. Por sua vez,
talvez o tenham ouvido do padre Antonio Vieira, que certamente o reconheceu
nas lágrimas de Heráclito: “Quem conhece verdadeiramente o mundo,
precisamente há de chorar; e quem ri, ou não chora, não o conhece” (VIEIRA,
padre Antonio, 2001, p. 109).
234
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ANEXOS
Anexo 1 - Dados estatísticos da Comunidade São Martinho,
divididos em 23 questões, com o mapa de tabulação e tabelas de
totalização, em 14 páginas.
Anexo 2 - Plano de trabalho da Organização do Auxílio
Fraterno para 2006, descrito em 10 páginas.
Anexo 3 - Lista da Rede de proteção à população adulta de
rua com os equipamentos sociais da cidade de São Paulo e as
ações da SMADS - Secretaria Municipal de Assistência e
Desenvolvimento Social, órgão da Prefeitura paulistana.
1
Q1 Sexo
1179 83,7 87,7 87,7
166 11,8 12,3 100,0
1345 95,5 100,0
63 4,5
1408 100,0
1 “Masculino”
2 “Feminino”
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
2
Q2 Ano de Nascimento
1 ,1 ,1 ,1
1 ,1 ,1 ,1
1 ,1 ,1 ,2
2 ,1 ,1 ,4
1 ,1 ,1 ,4
1 ,1 ,1 ,5
1 ,1 ,1 ,6
4 ,3 ,3 ,9
3 ,2 ,2 1,1
3 ,2 ,2 1,3
7 ,5 ,5 1,9
3 ,2 ,2 2,1
9 ,6 ,7 2,8
9 ,6 ,7 3,4
15 1,1 1,1 4,6
8 ,6 ,6 5,2
11 ,8 ,8 6,0
16 1,1 1,2 7,2
19 1,3 1,4 8,6
25 1,8 1,9 10,5
16 1,1 1,2 11,7
23 1,6 1,7 13,4
19 1,3 1,4 14,8
40 2,8 3,0 17,8
27 1,9 2,0 19,9
34 2,4 2,5 22,4
38 2,7 2,8 25,3
44 3,1 3,3 28,6
33 2,3 2,5 31,0
34 2,4 2,5 33,6
33 2,3 2,5 36,1
43 3,1 3,2 39,3
46 3,3 3,4 42,7
45 3,2 3,4 46,1
58 4,1 4,3 50,4
40 2,8 3,0 53,4
41 2,9 3,1 56,5
56 4,0 4,2 60,7
48 3,4 3,6 64,3
45 3,2 3,4 67,7
37 2,6 2,8 70,5
43 3,1 3,2 73,7
35 2,5 2,6 76,3
40 2,8 3,0 79,3
42 3,0 3,1 82,5
31 2,2 2,3 84,8
35 2,5 2,6 87,4
42 3,0 3,1 90,6
30 2,1 2,2 92,8
17 1,2 1,3 94,1
23 1,6 1,7 95,8
21 1,5 1,6 97,4
16 1,1 1,2 98,6
8 ,6 ,6 99,2
3 ,2 ,2 99,4
4 ,3 ,3 99,7
2 ,1 ,1 99,9
2 ,1 ,1 100,0
1334 94,7 100,0
74 5,3
1408 100,0
1919
1928
1929
1931
1932
1933
1934
1936
1937
1938
1939
1940
1941
1942
1943
1944
1945
1946
1947
1948
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1987
Total
Valid
9999Missing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
3
Q3 Naturalidade
4 ,3 ,3 ,3
45 3,2 3,4 3,7
4 ,3 ,3 4,0
139 9,9 10,5 14,5
56 4,0 4,2 18,7
7 ,5 ,5 19,2
8 ,6 ,6 19,8
8 ,6 ,6 20,4
20 1,4 1,5 21,9
141 10,0 10,6 32,6
8 ,6 ,6 33,2
3 ,2 ,2 33,4
12 ,9 ,9 34,3
40 2,8 3,0 37,3
108 7,7 8,1 45,4
29 2,1 2,2 47,6
63 4,5 4,7 52,4
48 3,4 3,6 56,0
14 1,0 1,1 57,0
1 ,1 ,1 57,1
4 ,3 ,3 57,4
21 1,5 1,6 59,0
6 ,4 ,5 59,5
15 1,1 1,1 60,6
513 36,4 38,7 99,2
1 ,1 ,1 99,3
9 ,6 ,7 100,0
1327 94,2 100,0
81 5,8
1408 100,0
1 “AC”
2 “AL”
3 “AM”
5 “BA”
6 “CE”
7 “DF”
8 “ES”
9 “GO”
10 “MA”
11 “MG”
12 “MS”
13 “MT”
14 “PA”
15 “PB”
16 “PE”
17 “PI”
18 “PR”
19 “RJ”
20 “RN”
21 “RO”
22 “RR”
23 “RS”
24 “SC”
25 “SE”
26 “SP”
27 “TO”
28 “Outro país”
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q4 Mãe
1320 93,8 99,1 99,1
12 ,9 ,9 100,0
1332 94,6 100,0
76 5,4
1408 100,0
1 “Conhecida”
2 “Ignorada”
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
4
Q5 Pai
1156 82,1 87,0 87,0
173 12,3 13,0 100,0
1329 94,4 100,0
79 5,6
1408 100,0
1 “Conhecido”
2 “Ignorado”
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q6 Estado Civil
847 60,2 64,5 64,5
97 6,9 7,4 71,8
29 2,1 2,2 74,0
112 8,0 8,5 82,6
229 16,3 17,4 100,0
1314 93,3 100,0
94 6,7
1408 100,0
1 “Solteiro”
2 “Casado”
3 “Viúvo”
4 “Amaziado”
5 “Separado,
desquitado, divorciado”
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q7 Escolaridade
47 3,3 3,6 3,6
4 ,3 ,3 4,0
254 18,0 19,7 23,7
792 56,3 61,4 85,1
83 5,9 6,4 91,5
92 6,5 7,1 98,7
3 ,2 ,2 98,9
14 1,0 1,1 100,0
1289 91,5 100,0
119 8,5
1408 100,0
1 “Analfabeto”
2 “Alfabetizado”
3 “Ensino fundamental
completo”
4 “Ensino fundamental
incompleto”
5 “Ensino médio
completo”
6 “Ensino médio
incompleto”
7 “Universitário
completo”
8 “Universitário
incompleto”
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
5
Q7_1
1034 73,4 73,4 73,4
6 ,4 ,4 73,9
6 ,4 ,4 74,3
54 3,8 3,8 78,1
1 ,1 ,1 78,2
1 ,1 ,1 78,3
15 1,1 1,1 79,3
20 1,4 1,4 80,8
34 2,4 2,4 83,2
22 1,6 1,6 84,7
7 ,5 ,5 85,2
11 ,8 ,8 86,0
192 13,6 13,6 99,6
3 ,2 ,2 99,9
2 ,1 ,1 100,0
1408 100,0 100,0
1
10
11
12
15
2
3
4
5
6
7
8
9
x
Total
Valid
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q8_1 Certidao de Nascimento
404 28,7 28,7 28,7
1003 71,2 71,3 100,0
1407 99,9 100,0
1 ,1
1408 100,0
1 Sim
2 Não
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q8_2 RG
1006 71,4 71,5 71,5
401 28,5 28,5 100,0
1407 99,9 100,0
1 ,1
1408 100,0
1 Sim
2 Não
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
6
Q8_3 CIC
254 18,0 18,1 18,1
1153 81,9 81,9 100,0
1407 99,9 100,0
1 ,1
1408 100,0
1 Sim
2 Não
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q8_4 Carteira de trabalho
157 11,2 11,2 11,2
1250 88,8 88,8 100,0
1407 99,9 100,0
1 ,1
1408 100,0
1 Sim
2 Não
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q8_5 Certidão de casamento
38 2,7 2,7 2,7
1368 97,2 97,3 100,0
1406 99,9 100,0
2 ,1
1408 100,0
1 Sim
2 Não
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q8_6 Título de eleitor
165 11,7 11,7 11,7
1241 88,1 88,3 100,0
1406 99,9 100,0
2 ,1
1408 100,0
1 Sim
2 Não
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q8_7 Certidão de resevista
65 4,6 4,6 4,6
1342 95,3 95,4 100,0
1407 99,9 100,0
1 ,1
1408 100,0
1 Sim
2 Não
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
7
Q9 Saúde
721 51,2 58,9 58,9
275 19,5 22,4 81,3
132 9,4 10,8 92,1
97 6,9 7,9 100,0
1225 87,0 100,0
183 13,0
1408 100,0
1 “Boa”
2 “Alguns problemas”
3 “Muitos problemas”
4 “Grave”
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q10 Antes de estar em situação de rua exerceu profissão(ões) em
14 1,0 1,1 1,1
489 34,7 38,4 39,5
579 41,1 45,4 84,9
133 9,4 10,4 95,4
3 ,2 ,2 95,6
47 3,3 3,7 99,3
9 ,6 ,7 100,0
1274 90,5 100,0
134 9,5
1408 100,0
0 “Nunca trabalhou”
1 “Ajudante, catador,
agricultor, doméstica”
2 “Função
não-especializada,
motorista, carpinteiro,
pintor, s
3 “Função especializada,
oficial, serviços escritório”
4 “Funcionário público”
5 “Vendas, autônomo,
camelô”
6 “Profissional liberal”
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
8
Q11 Atualmente exerce atividade em
89 6,3 7,7 7,7
6 ,4 ,5 8,2
21 1,5 1,8 10,1
17 1,2 1,5 11,5
4 ,3 ,3 11,9
11 ,8 1,0 12,8
1 ,1 ,1 12,9
2 ,1 ,2 13,1
21 1,5 1,8 14,9
115 8,2 10,0 24,9
867 61,6 75,1 100,0
1154 82,0 100,0
254 18,0
1408 100,0
1 “Catador”
2 “Indústria”
3 “Comércio”
4 “Doméstica em casa
alheia”
5 “No próprio lar”
6 “Profissional liberal”
7 “Funcionário Público”
8 “Agricultura”
9 “Guardador de carros”
10 “Serviços”
11 “Nenhuma”
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
9
Q12 Último estado onde morou antes de São Paulo
1 ,1 ,1 ,1
29 2,1 2,4 2,5
3 ,2 ,2 2,7
122 8,7 10,1 12,8
36 2,6 3,0 15,8
16 1,1 1,3 17,1
8 ,6 ,7 17,8
16 1,1 1,3 19,1
9 ,6 ,7 19,8
132 9,4 10,9 30,7
10 ,7 ,8 31,5
13 ,9 1,1 32,6
16 1,1 1,3 33,9
30 2,1 2,5 36,4
94 6,7 7,8 44,2
22 1,6 1,8 46,0
75 5,3 6,2 52,2
82 5,8 6,8 59,0
11 ,8 ,9 59,9
2 ,1 ,2 60,0
2 ,1 ,2 60,2
16 1,1 1,3 61,5
9 ,6 ,7 62,3
14 1,0 1,2 63,4
435 30,9 35,9 99,3
2 ,1 ,2 99,5
6 ,4 ,5 100,0
1211 86,0 100,0
197 14,0
1408 100,0
1 “AC”
2 “AL”
3 “AM”
5 “BA”
6 “CE”
7 “DF”
8 “ES”
9 “GO”
10 “MA”
11 “MG”
12 “MS”
13 “MT”
14 “PA”
15 “PB”
16 “PE”
17 “PI”
18 “PR”
19 “RJ”
20 “RN”
21 “RO”
22 “RR”
23 “RS”
24 “SC”
25 “SE”
26 “SP”
27 “TO”
28 “Outro país”
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
10
Q13 Há quantos anos está em situação de rua
612 43,5 55,0 55,0
115 8,2 10,3 65,4
123 8,7 11,1 76,4
54 3,8 4,9 81,3
52 3,7 4,7 86,0
40 2,8 3,6 89,6
32 2,3 2,9 92,4
11 ,8 1,0 93,4
12 ,9 1,1 94,5
9 ,6 ,8 95,3
23 1,6 2,1 97,4
12 ,9 1,1 98,5
16 1,1 1,4 99,9
1 ,1 ,1 100,0
1112 79,0 100,0
296 21,0
1408 100,0
0 “Menos de um ano”
1 “1”
2 “2”
3 “3”
4 “4”
5 “5”
6 “6”
7 “7”
8 “8”
9 “9”
10 “10”
11 “mais de 10”
12 “mais de 15”
14
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q14 Por que está em situação de rua
355 25,2 53,1 53,1
52 3,7 7,8 60,9
81 5,8 12,1 73,1
58 4,1 8,7 81,7
20 1,4 3,0 84,7
98 7,0 14,7 99,4
1 ,1 ,1 99,6
3 ,2 ,4 100,0
668 47,4 100,0
740 52,6
1408 100,0
1 “Desemprego”
2 “Drogas, álcool”
3 “Ruptura com a
família de origem”
4 “Ruptura com mulher
e filhos”
5 “Problemas mentais”
6 “Outro”
8
11
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
11
Q15 Local de residência atual
252 17,9 20,5 20,5
883 62,7 72,0 92,5
18 1,3 1,5 94,0
13 ,9 1,1 95,0
13 ,9 1,1 96,1
47 3,3 3,8 99,9
1 ,1 ,1 100,0
1227 87,1 100,0
181 12,9
1408 100,0
1 “Rua”
2 “Albergue”
3 “Quarto alugado”
4 “Casa de parentes”
5 “Casa de amigos”
6 “Outra”
8
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q16 Por que procurou o Serviço Social
510 36,2 39,6 39,6
302 21,4 23,4 63,0
61 4,3 4,7 67,8
32 2,3 2,5 70,3
21 1,5 1,6 71,9
8 ,6 ,6 72,5
128 9,1 9,9 82,5
226 16,1 17,5 100,0
1288 91,5 100,0
120 8,5
1408 100,0
1 “Saúde”
2 “Documentos”
3 “Emprego”
4 “Moradia”
5 “Clínica de
recuperação”
6 “Apoio psicológico”
7 “Indicação”
8 “Outro”
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q17 Tem contato com a família
1 ,1 ,1 ,1
534 37,9 48,1 48,2
574 40,8 51,7 99,9
1 ,1 ,1 100,0
1110 78,8 100,0
298 21,2
1408 100,0
0
1 “Sim”
2 “Não”
7
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
12
Q18 Se perdeu o contato com a família, isso foi há quantos anos?
158 11,2 34,0 34,0
70 5,0 15,1 49,0
54 3,8 11,6 60,6
28 2,0 6,0 66,7
25 1,8 5,4 72,0
27 1,9 5,8 77,8
13 ,9 2,8 80,6
8 ,6 1,7 82,4
12 ,9 2,6 84,9
7 ,5 1,5 86,5
15 1,1 3,2 89,7
9 ,6 1,9 91,6
36 2,6 7,7 99,4
1 ,1 ,2 99,6
1 ,1 ,2 99,8
1 ,1 ,2 100,0
465 33,0 100,0
943 67,0
1408 100,0
0 “Menos de um ano”
1 “1”
2 “2”
3 “3”
4 “4”
5 “5”
6 “6”
7 “7”
8 “8”
9 “9”
10 “10”
11 “mais de 10”
12 “mais de 15”
15
17
19
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q19 Número de filhos
295 21,0 36,8 36,8
179 12,7 22,3 59,1
160 11,4 20,0 79,1
87 6,2 10,8 89,9
48 3,4 6,0 95,9
16 1,1 2,0 97,9
16 1,1 2,0 99,9
1 ,1 ,1 100,0
802 57,0 100,0
606 43,0
1408 100,0
0
1 “1”
2 “2”
3 “3”
4 “4”
5 “5”
6 “mais de 5”
9
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
13
Q20 Religião
1 ,1 20,0 20,0
1 ,1 20,0 40,0
2 ,1 40,0 80,0
1 ,1 20,0 100,0
5 ,4 100,0
1403 99,6
1408 100,0
1 “Evangélica
pentecostal”
4 “Oriental”
6 “Católica”
9 “Outra religião”
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q21 Cor
171 12,1 37,1 37,1
99 7,0 21,5 58,6
188 13,4 40,8 99,3
3 ,2 ,7 100,0
461 32,7 100,0
947 67,3
1408 100,0
1 “Branca”
2 “Parda”
3 “Preta”
5 “Outra”
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q22 “Bebida, droga”
163 11,6 65,2 65,2
87 6,2 34,8 100,0
250 17,8 100,0
1158 82,2
1408 100,0
1 “Sim”
2 “Não”
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
Q23 “Ajuda”
9 ,6 12,3 12,3
17 1,2 23,3 35,6
47 3,3 64,4 100,0
73 5,2 100,0
1335 94,8
1408 100,0
1 “bolsa-auxílio
do governo”
2 “aposentadoria”
3 “particular”
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
14
IDADE
2 ,1 ,1 ,1
2 ,1 ,1 ,3
4 ,3 ,3 ,6
3 ,2 ,2 ,8
8 ,6 ,6 1,4
16 1,1 1,2 2,6
21 1,5 1,6 4,2
23 1,6 1,7 5,9
17 1,2 1,3 7,2
30 2,1 2,2 9,4
42 3,0 3,1 12,6
35 2,5 2,6 15,2
31 2,2 2,3 17,5
42 3,0 3,1 20,7
40 2,8 3,0 23,7
35 2,5 2,6 26,3
43 3,1 3,2 29,5
37 2,6 2,8 32,3
45 3,2 3,4 35,7
48 3,4 3,6 39,3
56 4,0 4,2 43,5
41 2,9 3,1 46,6
40 2,8 3,0 49,6
58 4,1 4,3 53,9
45 3,2 3,4 57,3
46 3,3 3,4 60,7
43 3,1 3,2 63,9
33 2,3 2,5 66,4
34 2,4 2,5 69,0
33 2,3 2,5 71,4
44 3,1 3,3 74,7
38 2,7 2,8 77,6
34 2,4 2,5 80,1
27 1,9 2,0 82,2
40 2,8 3,0 85,2
19 1,3 1,4 86,6
23 1,6 1,7 88,3
16 1,1 1,2 89,5
25 1,8 1,9 91,4
19 1,3 1,4 92,8
16 1,1 1,2 94,0
11 ,8 ,8 94,8
8 ,6 ,6 95,4
15 1,1 1,1 96,6
9 ,6 ,7 97,2
9 ,6 ,7 97,9
3 ,2 ,2 98,1
7 ,5 ,5 98,7
3 ,2 ,2 98,9
3 ,2 ,2 99,1
4 ,3 ,3 99,4
1 ,1 ,1 99,5
1 ,1 ,1 99,6
1 ,1 ,1 99,6
2 ,1 ,1 99,8
1 ,1 ,1 99,9
1 ,1 ,1 99,9
1 ,1 ,1 100,0
1334 94,7 100,0
74 5,3
1408 100,0
18
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47
48
49
50
51
52
53
54
55
56
57
58
59
60
61
62
63
64
65
66
67
68
69
71
72
73
74
76
77
86
Total
Valid
SystemMissing
Total
Frequency Percent Valid Percent
Cumulative
Percent
15
1
MAPA DE TABULAÇÃO – Comunidade São Martinho
q1- Sexo
1 “Masculino”
2 “Feminino”/
q2- Ano de nascimento
(digitar)
q3- Naturalidade
1 “AC”
2 “AL”
3 “AM”
4 “AP”
5 “BA”
6 “CE”
7 “DF”
8 “ES”
9 “GO”
10 “MA”
11 “MG”
12 “MS”
13 “MT”
14 “PA”
15 “PB”
16 “PE”
17 “PI”
18 “PR”
19 “RJ”
20 “RN”
21 “RO”
22 “RR”
23 “RS”
24 “SC”
25 “SE”
26 “SP”
27 “TO”
28 “Outro país”/
q4 - Mãe
1 “Conhecida”
2 “Ignorada”/
q5- Pai
1 “Conhecido”
2 “Ignorado”/
q6- Est. Civil
1 “Solteiro”
2 “Casado”
3 “Viúvo
4 “Amasiado”
5 “Separado, desquitado,
divorciado”/
q7- Escolaridade
1 “Analfabeto”
2 “Alfabetizado”
3 “Ensino fundamental
completo”
4 “Ensino fundamental
incompleto”
5 “Ensino médio completo”
6 “Ensino médio incompleto”
7 “Universitário completo”
8 “Universitário incompleto”/
q8- Documentos (PODE MARCAR
VÁRIOS)
1 “Certidão de nascimento”
2 “RG”
3 “CPF”
4 “Carteira de Trabalho”
5 “Certidão de casamento”
6 “Título de Eleitor”
7 “Certificado de Reservista”/
q9- Saúde
1 “Boa”
2 “Alguns problemas”
3 “Muitos problemas”
4 “Grave”/
q10- Antes de estar em situação
de rua exerceu profissão(ões) em
0 “Nunca trabalhou”
2
1 “Ajudante, catador,
agricultor, doméstica”
2 “Função não-especializada,
motorista, carpinteiro, pintor,
sapateiro”
3 “Função especializada, oficial,
serviços escritório”
4 “Funcionário público”
5 “Vendas, autônomo, camelô”
6 “Profissional liberal”
q11- Atualmente exerce atividade
em
1 “Catador”
2 “Indústria”
3 “Comércio”
4 “Doméstica em casa alheia”
5 “No próprio lar”
6 “Profissional liberal”
7 “Funcionário Público”
8 “Agricultura”
9 “Guardador de carros”
10 “Serviços”
11 “Nenhuma”/
q12- Último estado onde morou
antes de São Paulo
1 “AC”
2 “AL”
3 “AM”
4 “AP”
5 “BA”
6 “CE”
7 “DF”
8 “ES”
9 “GO”
10 “MA”
11 “MG”
12 “MS”
13 “MT”
14 “PA”
15 “PB”
16 “PE”
17 “PI”
18 “PR”
19 “RJ”
20 “RN”
21 “RO”
22 “RR”
23 “RS”
24 “SC”
25 “SE
26 “SP”
27 “TO”
28 “Outro país”/
q13- Há quantos anos está em
situação de rua
0 “Menos de um ano”
1 “1”
2 “2”
3 “3”
4 “4”
5 “5”
6 “6”
7 “7”
8 “8”
9 “9”
10 “10”
11 “mais de 10”
12 “mais de 15”/
q14- Por que está em situação de
rua
1 “Desemprego”
2 “Drogas, álcool”
3 “Ruptura com a família de
origem”
4 “Ruptura com mulher e filhos”
5 “Problemas mentais”
6 “Outro”/
q15- Reside atualmente em
1 “Rua”
2 “Albergue”
3 “Quarto alugado”
4 “Casa de parentes”
3
5 “Casa de amigos”
6 “Outra”/
q16- Por que procurou o Serviço
Social
1 “Saúde”
2 “Documentos”
3 “Emprego”
4 “Moradia”
5 “Clínica de recuperação”
6 “Apoio psicológico”
7 “Indicação”
8 “Outro”/
q17- Tem contato com a família?
1 “Sim”
2 “Não”
q18- Se perdeu o contato com a
família, isso foi há quantos anos?
0 “Menos de um ano”
1 “1”
2 “2”
3 “3”
4 “4”
5 “5”
6 “6”
7 “7”
8 “8”
9 “9”
10 “10”
11 “mais de 10”
12 “mais de 15”/
q19- Filhos
0 nenhum
1 “1”
2 “2”
3 “3”
4 “4”
5 “5”
6 “mais de 5”
q20- Religião
1 “Evangélica pentecostal”
2 “Protestante tradicional”
3 “Afro-brasileira”
4 “Oriental”
5 “Espírita”
6 “Católica”
7 “Islâmica”
8 “Religião própria”
9 “Outra religião”
10 “Não tenho religião”
q21- Cor
1 “Branca
2 “Parda”
3 “Preta”
4 “Amarela”
5 “Outra”/
q22- Contato atual com
bebida/droga
1 “Sim”
2 “Não
q23- Recebe ajuda de terceiros
1 “bolsa-auxílio do governo”
2 “aposentadoria”
3 “particular”
1
Reconhecida de Utilidade Pública pelo Decreto Federal N°46463 de 20.07.59, Decreto Estadual N°5560 de 15.01.60 e Decreto Municipal N°7944 de 20.01.69. Registrada no Serviço Social do Estado sob o N°967.
Rua dos Estudantes, 477 – Liberdade – São Paulo – SP
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Plano de Trabalho para OAF - 2006
MISSÃO
– desenvolver e implantar projetos e ações sócio-educativas
que promovam reconhecimento dos direitos fundamentais, a
organização e a emancipação da população de rua, jovens em
situação de riscos e catadores de materiais recicláveis.
O ano de 2005 trouxe muitos avanços nas ações da OAF.
Muitas dos projetos iniciados terão continuidade, outros serão
concluídos e ainda outros se iniciarão.
O convênio firmado com Ministério do Desenvolvimento Social –MDS -
terá a prestação de contas finalizada no mês de abril.
Outro projeto de porte firmado com a Petrobrás será implantado, para
a criação de uma Rede de Comercialização entre os catadores das regiões do
centro de São Paulo, Alto Tietê e Baixada Santista, denominada Cata-
Sampa.
Com um convênio firmado com Ministério do Meio Ambiente,
intensificaremos o processo de Capacitação e Formação de catadores e
catadoras da Região Metropolitana de São Paulo.
Para a execução e monitoramento dos Projetos, se formarão equipes
próprias.
Neste ano daremos uma atenção especial aos projetos de inclusão
produtiva para a população de rua e a articulação da População de Rua em
um Movimento Nacional.
Os Caminhos Produtivos se estruturarão como fonte de trabalho e
renda, e se ampliarão para outros núcleos de produção.
Para a ampliação das ações com a população de rua teremos recursos
vindos da Fundação Luterana para o projeto Saindo das Ruas.
A Diretoria seguirá na consolidação de uma administração pró-ativa e
de resultados, dando continuidade ao programa iniciado para o sistema de
gestão contábil e da promoção institucional da OAF.
Neste ano contaremos com três estagiários: contabilidade,
administração e serviço social.
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Através de um contrato de parceria com a Délégation Catholique pour
la Coopération - França, teremos até novembro a participação de um
voluntário.
Atuação junto ao Fórum Nacional de Estudos da População de Rua
Incentivo e apoio às metas do Fórum neste ano:
h Assessorar a Comissão Nacional dos Catadores;
h Acompanhamento do Programa de Coleta Seletiva Solidária na cidade de
São Paulo e colaborar com outros municípios do Estado.
h Articulação da Pastoral Nacional do Povo da Rua;
h Apóio ao Movimento Nacional de Luta e Defesa da População de Rua.
Ações
1 – Participar na articulação nacional que visa a organização dos comitês
regionais e realização de eventos com envolvimento de secretarias do
estado e município, parlamentares, entidades parceiras, agentes sociais,
representantes regionais, estaduais e da sociedade civil.
2 – Realização de encontros Catadores com objetivo de mobilização e
organização da categoria
Ampliação do Comitê Metropolitano com a participação das cidades do
ABC, Alto Tietê, Guarulhos, Embú e Osasco (em formação).
Coordenação da capacitação dos/as catadores/as da zona central da
cidade e da região do Alto Tietê (Poá, Suzano, Ferraz de Vasconcelos e
Itaquaquecetuba) através do Projeto com o Fundo Nacional do Meio
Ambiente.
Encontros de Capacitação para a População de Rua.
Encontros Regionais da Pastoral do Povo da Rua.
Destaque:
- Criação da ESCOLA VIVA - através do Núcleo OAF Gestação Educação-Meio
Ambiente e Planejamento .
Atuação junto aos Fóruns Locais
Incentivo e apoio às atividades por ele desenvolvidas e fortalecimento das
ações com a população de rua que estejam alinhadas com metodologias
educativas, participativas e emancipatórias.
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Atuação junto ao Fórum de Entidades que Trabalham com a População de Rua
Propor e apoiar ações de caráter político no Fórum, participando dos diálogos
intersetoriais junto ao poder público estadual e municipal.
Propor, apoiar e participar da formulação de programas educativos mais eficientes e
efetivos com objetivo de promover reconhecimento à população de rua e seus
direitos.
Acompanhar, propor e apoiar iniciativas que visem o cumprimento da lei de atenção
à população de rua e a criação de programas alternativos, principalmente na área
de moradia provisória como alternativa aos albergues públicos e geração de renda
com atividades variadas além do catador.
Atuação junto ao Fórum Lixo e Cidadania do Estado e da Cidade de São Paulo
Acompanhamento em parceria com a Secretaria de Obras Públicas da Coopere-
centro (Central de Reciclagem e Coleta Seletiva para a área central da cidade),
junto com Coopamare, Coorpel, Recifran, Centro Gaspar Garcia e Província
Franciscana.
Ações específicas de apoio e disseminação da Metodologia
Participar de reuniões, assembléias e seminários de estudos para formação de
técnicos que trabalham com a população de rua, promovidas pelo poder público,
universidade ou grupos de trabalho.
Discussão de programas específicos, como rede de serviços informatizada, num
esforço de ação conjunta do estado e município.
Discussão de alternativas de moradia provisória
Consolidação de metodologia desenvolvida pela OAF através de ações previstas na
Lei de Atenção à População de Rua.
Plano para as diversas áreas de atuação dos programas
1. CONVIVÊNCIA
1. Projeto “A casa acolhe a rua”
1.1 Centro Comunitário
Objetivo: Proporcionar local de encontro para as pessoas em situação de
rua, visando a mútua ajuda e a formação de grupos permanentes para
reflexão da vida. Suporte na busca de solução dos problemas pessoais,
principalmente trabalho e moradia, desenvolvendo a solidariedade entre as
pessoas.
Local: Rua dos Estudantes, 549.
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Ações: Reuniões para refletir a situação das pessoas que se encontram em
situação de rua.
Organizações de atividades que facilitem a humanização e socialização.
Organização de atividades de lazer: música, celebração de aniversários,
jogos, passeios.
Promover encontros dos grupos, a fim de discutir problemas comuns,
através de filmes, vídeos, e programas de TV.
Criação de grupo de discussão de propostas de saída da moradia
provisória para uma moradia permanente.
Encontro com participantes do mocó vizinho.(bate-papo, higiene pessoal,
música e lazer).
1.2 Programa Moradia Provisória
Objetivo: Instalar pequenos grupos de moradores de rua organizados em
moradias com gestão comunitária e de forma auto sustentada.
Local: vários endereços na região da baixada do Glicério uma casa na
região de Pinheiros.
Modalidades: República e moradia comunitária.
Ações: Reuniões de avaliação e planejamento reforma, conservação,
mutirão e organização da auto-gestão.
Coordenação do projeto de moradia provisória abrange a região do
Glicério; com equipe técnica exclusiva e em parceria com a Associação
Minha Rua Minha Casa.
Apresentação junto à Secretaria da Habitação de proposta que amplie
moradia para catadores(as) de materiais recicláveis, através do Programa
Bolsa Aluguel e de unidades habitacionais na forma de locação social.
Destaque:
. Estudar junto a Secretaria da Assistência e Secretaria da Saúde a
implantação de um Centro
de Atendimento Psico-social para funcionar junto com o programa das
moradias.
. Acompanhamento de um grupo de catadores que se inscreveram no
Programa de Crédito Solidário, junto ao Ministério das Cidades para a
construção de 162 moradias populares, para as famílias de catadores da
Coopamare, Recifran, Coorpel e Coopere-centro.
2. TRABALHO
2.1 Oficina Escola “A arte que vem da rua “ - marcenaria e mosaico
Objetivo: Desenvolver a oficina de arte e reciclagem, tendo em vista a
educação para o trabalho de jovens, filhos de catadores ou ex-moradores de
rua e jovens em situação de risco social e de adultos em situação de rua.
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Local: Galpões situados à Rua dos Estudantes, 483 e 471 fundos.
Ações: Participação em eventos fora da marcenaria, manutenção da casa
Cor da Rua, ampliação de artesanato em mosaico e madeira.
Destaque:
. Estruturação do Projeto “A arte que vem da rua”, visando sua autonomia,
tendo na casa Cor da Rua um espaço privilegiado de atendimento ao público
e disseminação da metodologia de trabalho.
. Criação de um Site e um Logo para a Cor da Rua.
2.2 Oficina Escola de Reciclagem “COOP’ART’ e Centro de Educação
Ambiental”.
Objetivo: Desenvolver em parceria com profissionais especialistas e com a
COOPAMARE, oficina e curso de capacitação para a confecção de papel
artesanal e educação para o trabalho na reciclagem. Comercializar papel e
objetos trazidos pelos catadores/as e gerar trabalho e renda para jovens,
filhos de catadores ou de famílias de baixa renda.
Local: ao lado da sede da Coopamare à Rua Galeno de Almeida.
Ações: Planejamento e montagem do curso. Planejamento e montagem da
oficina de produção. Comercialização de produtos reciclados e aqueles
trazidos pelos catadores/as.Recepção de visitas agendadas de catadores de
outras cooperativas, estudantes e sociedade em geral.
Destaque: criação de programa de Inclusão Digital em parceria com a
ANTEAG e o Consulado da Alemanha.
Participação da RUARTE, grupo de comercialização de objetos produzidos
nas oficinas escolas, formado pelas ONG’s que trabalham com a
população de rua.
Ampliação do espaço para outras oficinas (alfabetização e atualização
escolar, reaproveitamento de materiais recicláveis) e recepção de grupos
de visitas agendadas.
Readequação do Espaço para funcionamento do sebo no espaço da
Oficina Escola.
2.3 Coopamare
Objetivo: apoio à expansão e consolidação da Cooperativa dos Catadores
de Papel, que presta serviços à categoria, seus sócios e à comunidade.
Local: Sede da Coopamare à Rua Galeno de Almeida, 659.
Ações: Colaboração no planejamento estratégico da Cooperativa e apoio
pedagógico nas ações com os catadores externos e cooperados. Apoio nas
ações operacionais e administrativas. Apoio na celebração de parcerias para
o desenvolvimento dos programas da cooperativa. Apoio na articulação
regional dos catadores e para a criação da central de reciclagem.
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Destaque:
Buscar legalização da cessão de área.
Disseminar a proposta de organização de cooperativas.
Iniciar um processo de descentralização do trabalho com os cooperados e
com os catadores avulsos, sendo eles maioria moradores de rua. Este
programa será realizado no Galpão ao lado da Oficina Escola.
2.4 Caminhos Produtivos
Objetivo: inclusão produtiva, cidadania e solidariedade de pessoas em
situação de Rua da Várzea do Glicério.
Local: Rua Dr. Lund, 361
Grupo Mutirão – serviços de jardinagem e paisagismo.
Grupo Nova Geração – produção de doces e salgados.
Grupo Limpa Bem – produção artesanal de produtos de limpeza.
Metodologia:
Caráter de processo, respeito às necessidades pessoais e a conquista de
autonomia. Busca juntamente com os princípios da economia solidária e do
cooperativismo fortalecer a autonomia dos empreendimentos e de redes de
consumo solidário.
Ações:
. Formação e capacitação profissional para o trabalho em empreendimentos
solidários.
. Elaboração de plano de negócios solidários e estudo de viabilidade
econômica.
. Encontros com parceiros para estabelecer uma rede de consumo solidário.
DIREITO DE TER DIREITO
Objetivo:
Prestação de Assistência jurídica pro bono as pessoas que vivem nas ruas,
que estejam saindo dela ou que não tem condição de pagar um advogado.
Local: Rua dos Estudantes, 549.
Ações:
. Consultas, orientações e encaminhamentos judiciais são realizadas
quinzenalmente as quartas feiras no centro comunitário do projeto “A casa
acolhe a rua”.
7
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3. MISSÃO COM O POVO DA RUA
3.1 Eventos
Objetivo: afastamento do cotidiano para uma reflexão sobre a vida e para a
busca de uma melhor significação para a mesma.
Local: Casa de Oração do Povo da Rua, rua e outros grupos.
Ações: ações de evangelização e reflexão em grupos. Encontros estudos da
bíblia. Programação e celebração de festas em datas significativas para o
grupo. Celebração do tempo da quaresma, páscoa, natal e outras festas
religiosas. Atividades culturais como exibição de filmes, vídeos, teatro e
encenação com o grupo.
Destaque: Missão na Rua feita com equipe missionária formada pelos
participantes da Escola do Serviço do Senhor (povo da rua e agentes de
pastoral)
3.2 Pastoral do Povo da Rua
Objetivo: Colaborar com o Vicariato do Povo da Rua e na articulação da
pastoral na cidade e na articulação da Pastoral Nacional do Povo da Rua.
Local: Casa de Oração do Povo da Rua à Rua Djalma Dutra n. 03 – Bairro
da Luz.
Ações: Participação nos programas da pastoral. Estar em contato com a
população de rua em seu próprio ambiente, ruas, praças, feiras, etc. e
travar conhecimento com pessoas que não chegam até o centro
Comunitário, Casa de Oração e outros locais de encontro.
Intensificar a formação dos participantes da Escola do Serviço do Senhor;
Formação e aprofundamento da equipe missionária da Casa de Oração;
Destaque:
Encontro Regional de Agentes de Pastoral e População de Rua.
VOLUNTÁRIOS
4.1 Socialização
Objetivo: promover a integração e a formação dos voluntários que
colaboram com as diversas ações da OAF para que alcancem maior
satisfação e eficácia nos trabalhos que realizam.
Local: em todos os projetos da OAF.
Ações: Reuniões de integração e de planejamento dos trabalhos da OAF.
Acolhimento a novos colaboradores e introdução dos mesmos em trabalhos
específicos.
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4.2 Formação
Objetivo: Proporcionar trabalho e reflexão sobre o mesmo como pedagogia
para sua formação, tornando-os educadores sociais efetivamente
conscientes da realidade do povo da rua.
Local: locais de trabalho e sede da OAF
Ações: Cursos de capacitação, encontros de formação e supervisão, através
da permanente reflexão sobre as ações em que estão engajadas, reuniões
para estudos e ciclo de debates.
5. NÚCLEO DE ESTUDOS, COMUNICAÇÃO E DOCUMENTAÇÃO
5.1 Estudos
Objetivo: Desenvolver estudos e estimular a reflexão sobre a realidade do povo da rua
e as causas condicionantes desta situação. Divulgar trabalhos e contribuir para a
conscientização sobre a realidade da rua.
Local: sede da OAF e outros.
Ações: Elaborar textos de análise e de reflexão sobre a realidade e o trabalho com o
povo da rua. Elaborar subsídios para a reflexão e para o trabalho com as pessoas em
situação de rua. Estabelecer contatos e trabalhos com grupos de reflexão que atuam
na mesma área. Promover a participação em seminários e outros encontros.
Sistematizar a metodologia de trabalho e a experiência da OAF.
Destaque:
Promover encontros mensais para aprofundamento da metodologia com técnicos e
voluntários integrantes dos vários projetos.
Supervisão quinzenal com os técnicos da Associação Minha Rua Minha Casa, da
Casa acolhe a Rua.
Criação de um programa de comunicação para OAF (assessoria de imprensa e
boletim).
Conclusão do Planejamento estratégico da OAF e de seus projetos.
Grupo de Estudos com reuniões quinzenais para aprofundamento de temas que
subsidiem a prática do cotidiano.
5.2 Comunicação e Documentação
Objetivos: Manutenção e ampliação do acervo de publicações de estudos,
reflexões e de documentos informativos sobre a realidade e sobre os
trabalhos que são desenvolvidos com a população de rua.
Local: Sede da OAF
Ações: Coleta, obtenção e arquivamento de documentação e informes
relevantes; matérias veiculadas por jornais, revistas e TV, relacionadas com
o povo que vive nas ruas. Documentação de encontros promovidos pela
OAF. Documentação da metodologia e experiências realizadas.
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Destaque:
6. AÇÃO POLÍTICA
6.1 Poder Público
Objetivo: Agir junto aos poderes executivo e legislativo visando a defesa
dos direitos e necessidades da população em situação de rua.
Local: diversos órgãos públicos constituídos.
Ações:
Celebrar convênios e programas de parceria com os poderes executivos em
seus vários níveis para ações junto à população de rua e catadores de
materiais recicláveis. Assessorar órgãos de governo na formulação de
políticas e programas específicos. Colaborar com poderes legislativos para a
elaboração de legislação que contribua para a superação dos problemas
desta população. Manifestar junto aos poderes constituídos, posição em
defesa dos interesses da população que vive nas ruas e dos catadores,
sempre que as circunstancias o exigirem.
6.2 Sociedade Civil
Objetivo: Participar de ações com agentes da sociedade civil, procurando a
formação de opiniões conseqüentes e socialmente responsáveis relativas à
realidade da população em situação rua.
Local: Vários
Ações: Participação do Fórum de Organizações que Trabalham com a
população de Rua numa posição de defesa dos processos emancipatórias da
população de rua. Contatos com órgãos de comunicação sempre que
solicitado. Assessoria a entidades ou movimentos que se organizem para
atuar junto à população de rua nas áreas pedagógicas, educacionais,
associativas e em projetos.
7. PARCERIAS
Objetivo: Juntar esforços com entidades ou organismos de governo
buscando a complementação de competências em ações conseqüentes em
favor da população de rua.
Local: sede da OAF ou sede de parceiros.
Ações: Buscar ampliar o número de parceiros ampliando e diversificando as
ações da OAF. Colaborar para o alcance da autonomia administrativa e
financeira da AMRMC. Participar em ações da diretoria, trabalho voluntário e
subprojetos da AMRMC.
10
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Destaques:
. Apoio e intercâmbio entrem a entidade italiana “Rete Radiee di Quarrata”
na Oficina Escola Arte que vem da Rua e da casa Cor da Rua.
. Intercâmbio entre La Cooperativa “Ravignala” de Reggio Emilia – Itália,
Oficina Escola a Arte que vem da Rua e casa Cor da Rua.
. Intercâmbio com a Délégation Catholique pour la Cooperátion – França.
. Apoio e intercâmbio com PESC – Programa de Extensão da Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade da USP.
. Apoio do Escritório Medina e Garcia Advogados para assistência jurídica a
população de rua e catadores.
São Paulo, 22 de março de 2006.
Arthur Wolkovier
Diretor Presidente - OAF
1
REDE DE PROTEÇÃO À POPULAÇÃO ADULTA DE RUA
Dentro do programa São Paulo Protege População Adulta, a SMADS iniciou a
reestruturação da rede de Albergues e Abrigos Especiais para proporcionar um
acolhimento mais humano, ágil e transparente aos serviços, sem redução de
vagas. Em 2005, três albergues foram reestruturados: Portal do Futuro, Espaço
Luz e Nova Conquista.
Para 2006, está prevista a instalação de 6 novos albergues com núcleo de
serviços em São Mateus, São Miguel, Mooca, Lapa, Santana e Aricanduva,
consolidando a oferta de vagas para além da região central. O programa prevê
também ampliação das Moradias Provisórias e intensificação de parcerias para
a qualificação profissional e as frentes de trabalho.
A Proteção Social Especial da SMADS tem hoje capacidade para 9.900
atendimentos/dia. O aumento do número de vagas nos 35 Albergues e Abrigos
Especiais (de 6.700 para 7.700) foi possível, graças à incorporação de mil
vagas emergenciais da Operação Frentes Frias à rede. Em anos anteriores, as
vagas emergenciais eram fechadas com o término da operação. Em 2005
foram incorporadas à rede da SMADS. Cerca de mil moradores de rua
passaram a dormir nos albergues todos os dias.
REDE DE PROTEÇÃO À POPULAÇÃO ADULTA DE RUA
ALBERGUES E ABRIGOS
FUNCIONAMENTO: 24 horas por dia, ininterruptamente.
CONVENCIMENTO: equipes técnicas e agentes de proteção fazem a
abordagem ao morador em situação de rua para levá-lo a um dos
equipamentos.
PRINCIPAIS PONTOS DE CONCENTRAÇÃO: as principais praças da região
central (Sé, República, Patriarca, Anhangabaú e Largo de São Francisco) e
adjacências do Mercado Municipal.
EQUIPES:
- 31 CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) regionais: fazem a
abordagem dos moradores em situação de rua que vivem nos bairros dentro da
alçada da própria subprefeitura a qual pertencem.
- 5 bases de agentes de proteção: Sé, Pinheiros, Mooca, Santana e Lapa.
TOTAL: 60 pessoas.
- CAPE (Central de Atendimento Permanente e de Emergência): funciona
24 horas por dia, ininterruptamente. São 4 equipes, com 8 pessoas cada, mais
coordenação. TOTAL: 39 pessoas.
2
NÚMERO (de acordo com pesquisa da Fipe/03): 10.400 moradores em
situação de rua. Está sendo um planejado um novo censo.
PERFIL DOS MORADORES: muitos têm problemas mentais e necessitam,
portanto, de um acompanhamento de agentes da saúde. Geralmente eles têm
alto comprometimento com álcool, sofreram perdas recentes (emprego e/ou
família) e os que não têm estrutura alguma na cidade (migrantes que não têm
emprego nem dinheiro para voltar ao seu lugar de origem).
EQUIPAMENTOS: 9 Albergues (noturnos): oferecem banho, jantar, pernoite
e café-da-manhã.
LYGIA JARDIM
Rua São Domingos, 3951
Bela Vista
Subprefeitura: Sé
ALBERGUE ESPAÇO LUZ
Pça. Princesa Isabel, 7577
Campos Elíseos
Subprefeitura: Sé
PROJETO OFICINA BORACEA
Rua Norma Pieruccine Gianotti, 77
Subprefeitura: Sé
POUSADA NA ESPERANÇA
Rua Isabel Schimidt, 489
Santo Amaro
Subprefeitura: Santo Amaro
SANTO DIAS
Rua Suzana Rodrigues, 135
Santo Amaro
Subprefeitura: Santo Amaro
CASA DE ABRIGO S. FCO. DE ASSIS
Rua Antonio Santos Neto, 40
Santana
Subprefeitura: Santana
3
COR-AÇÃO
Av. Alcântara Machado, 91
Brás
Subprefeitura: Mooca
SÃO CAMILO I
Av. Celso Garcia, 3316/2440
Mooca
Subprefeitura: Mooca
ALBERGUE NOVA CONQUISTA
Rua Guilherme Oliveira de Sá, 795
Subprefeitura: Ermelino Matarazzo
- 17 Albergues com Núcleos de Serviços (24 horas): com atividades sócio-
educativas durante o dia.
CIRINEU
Rua Santo Amaro, 216
Bela Vista
Subprefeitura: Sé
COM. METODISTA
Vd. Pedrosos, 111
Bela Vista
Subprefeitura: Sé
PORTAL DO FUTURO
Rua Deocleciano, 295
Luz
Subprefeitura: Sé
São Francisco
Rua Teixeira Leite, 99
Glicério
Subprefeitura: Sé
SOLIDARIEDADE – ABECAL
Av. Eng Armando A Pereira, 1392
Jabaquara
Subprefeitura: Jabaquara
4
ESTAÇÃO BEM ESTAR
Av. Tancredo Neves, 270
Ipiranga
Subprefeitura: Ipiranga
ESTAÇÃO VIVÊNCIA
Rua Pedro Vicente, 421
Canindé
Subprefeitura: Mooca
UEZE ZAHRAN
Rua Com. Nestor Pereira, 75
Canindé
Subprefeitura: Mooca
SÃO LAZARO
Rua José de Alencar, 104/108
Brás
Subprefeitura: Mooca
CASA DE SIMEÃO
Rua Assunção, 480
Brás
Subprefeitura: Mooca
SÃO CAMILO II
Rua Ivai, 187
Mooca
Subprefeitura: Mooca
SEMEANDO CIDADANIA
Rua Mateo Bei, 1409
São Mateus
Subprefeitura: São Mateus
PORTO CIDADÃO
Rua Embarié, 100
Vila Prudente
Subprefeitura: Vila Prudente
5
VILA ESPERANÇA
Rua Evans, 880
Penha
Subprefeitura: Penha
ZANCONE
Av. Imperatriz Leopoldina, 1335
Lapa
Subprefeitura: Lapa
LAR TRAVESSIA
R: Cláudio Soares, 144
Pinheiros
Subprefeitura: Pinheiros
COR ALBERGUE ESPERANÇA
Rua Cardeal Arco Verde, 3041
Pinheiros
Subprefeitura: Pinheiros
- 9 Abrigos Especiais: voltados para segmentos específicos (idosos, mulheres
com ou sem filhos, migrantes) e para as pessoas que necessitam de cuidados
especiais de saúde após alta hospitalar da rede pública.
CASA DE CUIDADOS LAR TRANSITÓRIO BATUIRA
Rua Maria José, 311
Subprefeitura: Sé
ABRIGO DOM BOSCO – p/ catadores
Alameda Dino Bueno, 735
Campos Elíseos
Subprefeitura: Sé
CASA DO MIGRANTE
Rua Almirante Maurity, 70
Liberdade
Subprefeitura: Sé
PROJETO OFICINA BORACEA – IDOSOS
Rua Norma Pieruccine Gianotti, 77
Subprefeitura: Sé
6
PROJETO VIVA VERDE
Estrada Benedito Schunk, 2300
Parelheiros
Subprefeituras: Parelheiros
CASA DE APOIO MARIA MARIA
Rua Com. Nestor Pereira, 65
Subprefeitura: Mooca
CASA DE CUIDADOS CAROLINA MARIA DE JESUS
Rua Com. Nestor Pereira, 65
Subprefeitura: Mooca
SITIO DAS ALAMEDAS
Rua Com. Nestor Pereira, 75
Subprefeitura: Mooca
CASA DE MARTA E MARIA
Rua: Catumbi, 427
Subprefeitura: Mooca
- 12 Casas de Convivência (ou Núcleos de Serviços e Convivência):
espaços voltados para a convivência das pessoas, por meio de oficinas e
atividades técnicas especializadas. Capacidade: 1897 vagas.
- 8 Núcleos de Qualificação e Capacitação Profissional: oferecem cursos de
capacitação para qualificar e reinserir essas pessoas no mercado de trabalho,
desenvolvendo suas habilidades. Além dos cursos, estão nessas unidades os
núcleos de catadores de materiais recicláveis. Capacidade: 1140 vagas.
- 12 Moradias Provisórias: para os que já são independentes ou socialmente
ativos, com alguma autonomia (já têm emprego ou atividade remunerada). São
consideradas a "porta de saída" da rede de serviços. Capacidade: 352 vagas.
- 1 Bagageiro: espaço para a guarda provisória de pertences. Capacidade:
228 boxes. Fica no Brás.
OPERAÇÃO FRENTES FRIAS
A Proteção Social Especial tem hoje capacidade para 9.900 atendimentos em
toda a sua rede. Em 35 Albergues e Abrigos Especiais, houve em 2005 um
aumento de mil vagas (passou de 6.700 para 7.700) referentes à Operação
Frentes Frias. O aumento no número de vagas foi possível graças à
incorporação de mil vagas emergenciais da Operação à rede. Em anos
anteriores, essas vagas emergenciais eram fechadas com o término da
operação. Pela primeira vez, a SMADS conseguiu incorporá-las à rede de
Proteção Social Especial. São cerca de mil moradores de rua que passaram a
dormir nos albergues todos os dias.
7
Em 2005, durante 107 dias de duração (de 15 de junho a 30 de setembro), a
Operação Frentes Frias realizou mais de 89 mil atendimentos a pessoas em
situação de rua na rede de Proteção Social Especial.
Durante o período da operação, o serviço de acolhimento da população de rua
caracteriza Estado de Emergência sempre que a temperatura for igual ou
menor do que 10 graus centígrados. Sob essas condições a estrutura da
SMADS é reforçada com a ação de outros setores da administração da
prefeitura, como Defesa Civil e Secretaria Municipal de Saúde, entre outros.
Quando a temperatura atinge 12 ou 11 graus, os 31 CRAS (Centro de
Referência de Assistência Social) da SMADS, que atuam nas regiões das 31
Subprefeituras, já fazem um trabalho preventivo de abordagem para a retirada
de pessoas em situação de rua e seu encaminhamento para a rede de
proteção social da secretaria.
A CAPE (Central de Atendimento Permanente e de Emergência), que é
responsável por todo o trabalho de abordagem e encaminhamento aos
moradores em situação de rua no município, encaminha essas pessoas, de
acordo com as suas necessidades, para albergues, abrigos especiais e
hospitais.
CATADORES
O trabalho desenvolvido pela Secretaria Municipal de Assistência e
Desenvolvimento Social (SMADS) com a população de catadores de materiais
recicláveis tem o enfoque de capacitação, formação profissional e acolhida com
possibilidade de guarda de carroças. A questão da Gestão dos Resíduos
Sólidos não é objeto de nossos convênios.
Atualmente, a SMADS tem 5 convênios com organizações sociais que
desenvolvem esse tipo de serviços, atendendo catadores que estão em
situação de rua ou que tenham essa atividade como fonte de renda.
METODOLOGIA DE TRABALHO
No desenvolvimento do trabalho, cada organização social tem seus próprios
procedimentos. No entanto, existe similaridade referente ao incentivo à
organização dos catadores em grupos associativos e cooperativos. Todos
trabalham de forma cooperativa, sendo os catadores ativos participantes no
desenvolvimento e evolução do trabalho.
Todos fazem parte do Movimento Nacional dos Catadores e do Comitê
Metropolitano da cidade.
Historicamente, a proposta desse tipo de trabalho surgiu de uma demanda
social, como início de todo o trabalho de atendimento para pessoas em
situação de rua e neste segmento a catação aparece como fonte renda.
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No que se refere ao atendimento social desses catadores e suas famílias, a
avaliação é positiva, principalmente por apresentar fatores importantes de
inclusão social, como encaminhamento para saúde, creches, núcleos sócio-
educativos, retorno aos estudos e moradia. Esse trabalho vem sendo uma das
alternativas de geração de renda para população em situação de rua.
Dentro da média de renda estabelecida pelos serviços, há catadores que a
renda mensal é de R$ 1.000 aproximadamente, bem como catadores que a
renda é R$ 50. Isso depende da própria produtividade da pessoa e de ela ter
“pontos” de coleta já previamente estabelecidos.
Atualmente, a SMADS tem conversado com as secretarias municipais do
Trabalho e de Serviços e Obras para discutir projetos para os catadores.
LEI N. 12.316 - DE 16 DE ABRIL DE 1997
Esta lei dispõe sobre a obrigatoriedade do poder público municipal a
prestar atendimento à população de rua na Cidade de São Paulo. Leia na
íntegra.
DECRETO Nº 40.232, DE 2 DE JANEIRO DE 2001
Regulamenta a Lei nº 12.316, de 16 de abril de 1997, que dispõe sobre a
obrigatoriedade do Poder Público Municipal a prestar atendimento à
população de rua da Cidade de São Paulo, e dá outras providências. Leia
na íntegra.
DECRETO Nº 43.277, DE 29 DE MAIO DE 2003
Institui o Conselho de Monitoramento da Política de Direitos das Pessoas
em Situação de Rua na Cidade de São Paulo. Leia na íntegra.
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