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CÉLIA MARA PERES
DANO MORAL: DA NATUREZA DA INDENIZAÇÃO AOS CRITÉRIOS
PARA FIXAÇÃO DO QUANTUM
MESTRADO EM DIREITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO – 2006
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2
CÉLIA MARA PERES
DANO MORAL: DA NATUREZA DA INDENIZAÇÃO AOS CRITÉRIOS
PARA FIXAÇÃO DO QUANTUM
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em Direito das Relações Sociais, sob
orientação da professora Doutora Maria
Helena Diniz.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO – 2006
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3
Banca Examinadora
_________________________________
_________________________________
_________________________________
4
A Deus, sempre presente, a quem agradeço
pela vida e pelo dom recebido.
Aos meus queridos pais, Luiz Xavier Peres e
Maria Aparecida Gonzaga Peres, que deixam
como princípios a arte de amar ao próximo, a
oração e a humildade. Obrigada por
existirem.
Ao Maurício Eduardo Pastore que sempre
esteve ao meu lado, acompanhando,
orientando e incentivando os meus passos.
Ao meu filho precioso, Rodrigo Peres
Pastore, curioso e solidário, minha alegria de
viver e fonte de fortalecimento nos momentos
de dificuldade, a quem espero deixar tudo
aquilo que recebi de meus pais.
5
Meus agradecimentos,
à minha orientadora, professora querida,
Maria Helena Diniz, exemplo de força e
humanidade, pelo acolhimento, confiança,
estímulo e incondicional dedicação à arte de
educar;
ao Paulo Sergio João, pelo incansável
carinho, paciência e dedicação. Agradeço por
fazer parte da minha vida;
aos amigos queridos e para todos os
momentos, Raíssa Bressanim Tokunaga,
Jorge Gonzaga Matsumoto, Joelma Ferreira
Arroio e Joyce Alves Martins.
às amigas Cristiane Franco Castelão, Silvia
Aparecida da Silva Oliveira e Maria Raquel
Juliano Bertolino, pela inigualável paciência
de ouvir e pelo companheirismo;
à Vera Lúcia Silva, pelo zelo e dedicação na
arte de cuidar do meu lar e de minha família.
6
E houve o tempo em que os próprios homens
menosprezaram sua importância, colocando-
se em segundo plano, dependentes dos bens
e da propriedade. Felizmente, enxergaram
que a dignidade da pessoa humana é o bem
supremo e o centro do ordenamento jurídico.
7
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
PREFÁCIO
1. Responsabilidade civil: breves considerações ...................................... 17
1.1 – Evolução do conceito de responsabilidade civil ............................ 21
1.2 – Pressupostos da responsabilidade civil......................................... 28
b. Culpa .............................................................................................. 31
c. Nexo de causalidade ...................................................................... 32
d. Noção e espécies de dano ............................................................. 37
2. Dano moral: Noções Gerais .................................................................. 52
2.1. Dano moral na história.................................................................... 52
2.2. Notas preliminares para a elaboração do conceito ......................... 57
2.3. Teorias e os diversos conceitos de dano moral .............................. 61
2.3.1. Teoria da negação ou exclusão................................................ 61
2.3.2. Teoria da existência da dor ou no estado psicológico do ofendido
........................................................................................................... 63
2.3.3. Teoria dos direitos atingidos e os direitos da personalidade..... 66
2.3.4 Teoria do efeito da lesão ........................................................... 70
2.3.5. Teoria da violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana
........................................................................................................... 72
2.4. Caracterização do dano moral nos casos de ausência de transtorno
psicológico ou perturbação espiritual do lesado..................................... 77
2.4.1. Responsabilidade civil por dano moral aos loucos, doentes
mentais, pacientes em estado de coma e vegetativos........................ 78
2.4.2. Responsabilidade civil por dano moral à criança e o nascituro. 82
2.3. Direito das pessoas jurídicas à indenização por dano moral........... 84
2.4. Dano moral difuso ou coletivo......................................................... 91
2.5. Espécies de dano moral: dano puro, direto e indireto ..................... 92
3. Indenização do Dano Moral................................................................... 95
3.1. Generalidades................................................................................. 95
3.2. A trajetória do dano moral na legislação brasileira, na doutrina e na
jurisprudência......................................................................................... 95
3.3 Controvérsia da indenizabilidade do dano moral ........................... 137
3.4. Reconhecimento do dano moral como objeto de indenização e a
substituição do patrimônio pela pessoa ............................................... 152
3.5. Reparação do dano moral............................................................. 160
8
3.5.1. A indenização como pena privada.......................................... 164
3.5.2. Reparação como compensação ou satisfação ....................... 170
3.6. Críticas à teoria da pena privada .................................................. 174
3.6.1. Ofensa ao princípio constitucional da legalidade e
incompatibilidade com os princípios que norteiam a responsabilidade
civil ................................................................................................... 175
3.6.2. Banalização do instituto e incentivo à “indústria do dano moral”
......................................................................................................... 178
3.6.3. Enriquecimento sem causa da vítima ..................................... 180
3.6.4. Degeneração da sociedade e fator de instabilidade social ..... 181
3.6.5. Incompatibilidade com o sistema jurídico brasileiro ................ 183
3.7. Críticas à teoria da compensação ou satisfação da vítima............ 186
3.7.1. Presença do caráter punitivo no sistema normativo brasileiro 186
3.7.2. O necessário acesso de todos à Justiça................................. 189
3.7.3. Da ausência de injusto enriquecimento da vítima................... 192
3.7.4. Inexistência do sentimento de vingança e ausência de
instabilidade econômica e social ...................................................... 194
3.8. A natureza compensatória-punitiva dos danos morais.................. 197
3.9. Critérios para aplicação da função punitiva................................... 206
3.9.1. Culpa grave do agressor......................................................... 206
3.9.2. Responsabilidade objetiva...................................................... 209
3.9.3. Caráter punitivo como exemplo à sociedade e nos casos de
danos difusos ou coletivos................................................................ 210
3.9.4. Demais ressalvas doutrinárias................................................ 211
3.10. Da superação doutrinária acerca da dúplice função da indenização
e da problemática em torno dos critérios para avaliação do dano moral
............................................................................................................. 212
3.10.1. Reparação in natura ............................................................. 215
3.10.2. Reparação convencional ...................................................... 218
3.10.3. Arbitramento judicial e critérios apontados pela doutrina e
jurisprudência para a fixação do valor indenizatório ......................... 220
a. Dimensão da culpa do ofensor................................................. 226
b. Extensão do dano...................................................................... 230
c. Nível econômico do ofensor e da vítima.................................... 234
d. Condições pessoais da vítima e do ofensor .............................. 241
e. Lucro ilícito do ofensor .............................................................. 244
f. Contexto e realidade econômica brasileira................................. 246
g – Princípios da razoabilidade, proporcionalidade e a eqüidade.. 249
h - Reparação legal da indenização ou tarifação........................... 256
4. Critérios para a fixação do quantum indenizatório no direito comparado
................................................................................................................ 269
9
4.1. Direito português........................................................................... 269
4.2. Quantificação do dano moral no direito argentino......................... 275
Conclusões ............................................................................................. 281
Bibliografia .............................................................................................. 285
10
RESUMO
A presente dissertação de mestrado versa sobre o dano moral, voltada à
natureza que assume no sistema jurídico brasileiro e à problemática em
torno dos critérios utilizados para a fixação do quantum indenizatório.
Objetiva demonstrar a sua importância no cenário nacional e mundial, por
se caracterizar prática que afronta o princípio constitucional do respeito à
dignidade da pessoa humana, além de violar os direitos da personalidade.
Procurar-se-á destacar, ainda, a preocupação e dificuldades existentes, na
busca da maneira ideal para a fixação da indenização, de forma a entregar
ao ofendido a mais justa reparação, geralmente pecuniária, sem, contudo,
comprometer o equilíbrio das relações jurídicas.
Para que fosse possível tecer as considerações e conclusões sobre o tema
proposto fez-se necessário um estudo prévio da responsabilidade civil,
abordando seus fundamentos e evolução, com enfoque em diversos
aspectos que envolvem o dano moral, tais como seu conceito,
indenizabilidade, trajetória doutrinária, legislativa e jurisprudencial, e o
reconhecimento do homem como centro do ordenamento jurídico,
relegando-se ao patrimônio um segundo plano.
No desenvolvimento do trabalho foi utilizado o método de compilação,
aliado à pesquisa de jurisprudência e legislação comparada. Foram
abordadas as leis que tratam do assunto e projetos de lei que se
encontram em tramitação.
11
Concluiu-se que ao contrário da tarifação, o arbitramento judicial continua a
ser o melhor meio para a aferição e fixação do valor indenizatório, desde
que os magistrados observem a real necessidade de fundamentação dos
julgados, apontando, de forma individualizada, cada um dos critérios já
consagrados pela jurisprudência e doutrina com o seu respectivo valor e,
principalmente os motivos que o levaram àquela conclusão no caso
concreto.
Palavras-chave: Responsabilidade civil; Dano moral; Direitos da
Personalidade; Dignidade da pessoa humana, Reparação; Natureza
compensatória; Natureza punitiva, Arbitramento judicial; Tarifação.
12
ABSTRACT
The present dissertation turns on punitive damages, the nature that they
assume in the Brazilian legal system and the problematic around the
quantum that must be awarded to the victim.
This work intends to demonstrate the importance assumed by the study of
the punitive damages in the national and world-wide scene, once the
practice of this illegal conduct confronts the constitutional principle that
guarantees the respect of the dignity of the human being, by violating the
rights of the personality.
Still, it tries to detach the difficulties to find an ideal way to award the victim
the fairest relief, which is generally pecuniary, without compromising the
legal relationship balance.
In order to make some considerations about the subject proposed, it was
necessary to make a previous study about the civil liability, by dealing with
its evolution and principles and focusing on the different aspects around the
punitive damages, such as the concept, indemnity, doctrines, trajectory of
the former court decisions and the recognition of the man as the centre of
the legal system, relegating the patrimony to a second plan.
The compilation method was used during the development of this study,
also the research of jurisprudence and comparative legislation. Laws and
13
projects of law which are in transaction process had been mentioned as
well.
From this study, we can infer that instead of applying tax rates, the legal
arbitration continues to be the best way to award the damage, since the
magistrates observe the real necessity of basing their decisions and
discriminating, in a individualized way, each of the judgments already
consecrated by the doctrine and the jurisprudence, and mainly, the reasons
that took them into that conclusion.
Key-words: Tort; Civil Liability; Rights of the Personality; Dignity of the
human being; Relief; Compensatory Nature; Punitive Nature; Legal
Arbitration; Tax rates
14
PREFÁCIO
Embora a responsabilidade civil, inegavelmente, tenha contemplado o dano
moral desde os primórdios, em ordenamentos que influenciaram as
codificações modernas, especialmente o Código Civil francês, nem sempre
o instituto teve a importância e o reconhecimento alcançado na atualidade.
Várias são as controvérsias que permeiam o dano moral, principalmente
durante o último século. Podemos citar quatro delas, todas abordadas no
presente trabalho. A primeira, mais longínqua, questionou a possibilidade
da existência do desagravo moral, já que o dano não poderia ser visto ou
palpável, insuscetível, portanto, de certeza.
A segunda, mais recente, deu relevo à questão atinente à inviabilidade de
ressarcimento do dano moral, posto que impossível seria atribuir um preço
à dor, muito menos ordenar a restituição do lesado ao seu estado anterior,
como naturalmente ocorria com o dano material. A controvérsia, nessa
trilha, após longo percurso, restou superada em definitivo com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, que auxiliada por estudos
doutrinários, legislações específicas anteriores e julgados proferidos a
respeito, reconheceu vez por todas o dano moral, garantindo às vítimas o
direito ao integral ressarcimento.
Tratou-se da passagem do pensamento essencialmente patrimonialista,
influenciado pelo liberalismo econômico, pelo qual os homens eram livres
para atuar e estabelecer relações jurídicas em busca da propriedade e do
15
bem material, sem qualquer preocupação com a ética e com os reflexos
sociais e pessoais de sua conduta, para a total valorização do ser humano,
como bem supremo de todo o ordenamento jurídico, início, meio e fim de
toda e qualquer ação e relação interpessoal.
Foi a consagração do respeito à dignidade da pessoa humana como
princípio constitucional, complementado, posteriormente, pela previsão
expressa do respeito aos direitos da personalidade, que embora previstos
de forma não taxativa, foram insculpidos pelo Código Civil de 2002.
A terceira discussão, decorrente do reconhecimento da ressarcibilidade do
dano moral aliado à necessidade de integral proteção da dignidade da
pessoa humana, se relaciona com aspecto atinente à prática processual.
Trata-se da legitimidade ativa para a postulação do dano moral, que
embora tenha sido tratada de maneira breve, em rápidas pinceladas, se
mostrou de grande importância para o seguimento da obra.
A quarta controvérsia, caracterizada como o verdadeiro objeto do presente
estudo, há muito existente entre nós, mas ainda sem total superação entre
juristas e legisladores, diz respeito à indenização devida, já que sempre
pairam dúvidas acerca da maneira ou forma ideal por meio da qual se
determinará o ressarcimento.
Nesse passo, procurar-se-á no trabalho proposto identificar todas as
sugestões doutrinárias, bem como as soluções apresentadas por leis
específicas, seja indicando critérios subjetivos, que ficam à disposição do
magistrado para avaliação e posterior arbitramento, como as condições
16
pessoais da vítima e do ofensor, a gravidade da lesão, a extensão do dano,
o contexto e realidade econômica brasileira, entre outros, seja indicando
critérios objetivos, considerando-se variadas tabelas, cada qual com suas
tarifas discriminadas, considerando-se o tipo de dano ou levando-se em
consideração o grau de culpa.
O estudo do direito comparado, pautado na análise dos critérios para a
quantificação do dano moral em alguns países, da mesma forma, foi
utilizado como subsídio, orientando para a conclusão do trabalho.
São Paulo, 31 de agosto de 2006
___________________________
Célia Mara Peres
17
1. RESPONSABILIDADE CIVIL: BREVES CONSIDERAÇÕES
Antes de ingressarmos no assunto que será o centro do estudo proposto,
isto é, o valor do dano moral e os critérios para sua quantificação, urge,
preliminarmente, que alguns conceitos fundamentais sejam ventilados, a
fim de que se torne possível compreender todo o contexto da problemática
proposta.
Para tal finalidade e num primeiro momento, necessária uma breve noção
introdutória acerca da responsabilidade civil, sem a qual não há sentido se
pensar em dano, ainda que a tratemos de forma singela.
Em nota introdutória ao tema, perfeitas as palavras de Maria Helena Diniz
1
,
segundo a qual “A responsabilidade civil é, indubitavelmente, um dos
temas mais palpitantes e problemáticos da atualidade jurídica, ante sua
surpreendente expansão no direito moderno e seus reflexos nas atividades
humanas, contratuais e extracontratuais, e no prodigioso avanço
tecnológico, que impulsiona o progresso material, gerador de utilidades e
de enormes perigos à integridade da pessoa humana”.
Tais dizeres, proclamados em pleno século XXI, encontram sua razão de
ser na evolução pela qual a responsabilidade civil, como instituto jurídico e
histórico, passou ao longo dos séculos, caracterizando-se, atualmente,
ponto de preocupação acentuada, face ao atual contexto em que a
sociedade moderna se encontra, defronte aos mais elevados avanços da
1
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, São Paulo: Saraiva, 2002,
v.7, p. 7
18
tecnologia e às extensões das relações contratuais e extracontratuais,
fatos que, sem dúvida, causam maior exposição das pessoas, colocando
em risco sua integridade, privacidade e dignidade.
Pois bem, antes da vida em sociedade, não havia nenhum vestígio dos
postulados mais elementares de responsabilidade, ou de qualquer
legislação tendente à restrição da liberdade do homem em benefício e
nome do coletivo, já que nem mesmo se podia ter em mente o conceito de
interesses coletivos ou difusos.
A vida era regrada pela questão da sobrevivência, afinal de acordo com
Rodrigo Mendes Delgado
2
“a própria lógica da natureza impõe que os mais
aptos sobrevivem, enquanto que, os menos aptos tendem a perecer. Afinal,
quanto menos pessoas o homem primitivo tivesse ao seu lado, mais
alimento e mais água ele teria à sua disposição. Quanto mais aumentasse
o número de pessoas ao seu redor, maior era a competitividade. Se um
animal lhe oferecia alimento para uma semana, é óbvio que, se tivesse que
dividir com outras pessoas, esse alimento acabaria em menos tempo.
Assim destruir o oponente, era uma regra que a própria natureza impunha
aos seus protagonistas”.
No entanto, a realidade da vida individual, primitiva, de há muito se perdeu,
dando margem à vida em grupo e às relações mantidas entre as pessoas.
A antiga liberdade irrestrita deu lugar aos limites até então desconhecidos,
2
Rodrigo Mendes Delgado, O valor do dano moral: como chegar até ele, 2ª.ed., Leme: J.H.Mizuno, 2004,
p. 33
19
fazendo surgir e vigorar o brocardo segundo o qual, a liberdade de um vai
até o limite em que começa a liberdade do outro.
Assim as condutas praticadas pelos homens passaram a ganhar um novo
delineamento, ou seja, passaram a ser coordenadas pelos limites impostos
aos atos de cada indivíduo, sob pena de responsabilidade individual em
prol do interesse coletivo.
Tais limites surgiram como forma de busca e manutenção da harmonia e
equilíbrio das relações jurídicas, impondo àquele que o ultrapassasse,
responsabilidade pelo ato praticado, em função do dano ou prejuízo
causado a outrem.
Primeiramente, os limites não encontravam regras juridicamente dispostas,
sendo impostas pela própria sociedade. A reação contra aquele que
superasse tais limites, assumia a forma de vingança coletiva, caracterizada
pela reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa praticada.
Posteriormente, a reação passou a ser individual, caracterizada pela
prática da “justiça com as próprias mãos”, fundamentada na Lei de Talião,
na qual imperava o brocardo “olho por olho, dente por dente”, ou seja, o
dano era reparado da mesma forma pela qual fora produzido, estando a
reparação, ainda, muito ligada à idéia de pena corporal.
Orlando Soares
3
retrata essa evolução, afirmando que “historicamente, nas
sociedades primitivas, de um modo geral (inclusive nas tribos ameríndias,
3
Orlando Soares, Responsabilidade civil no direito brasileiro, 3ª.ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.2
20
já existiam ‘relações de convivência’ e ‘necessidade do respeito recíproco’,
reguladas através de normas cuja violação implicava na retribuição do mal
com o mal, na forma típica do talião (retaliatio), como forma de ‘vingança
regulada e comensurada’”.
Posteriormente, a Lex Aquilia de Damno trouxe a idéia de reparação
pecuniária do dano, além de introduzir a comprovação da culpa como
pressuposto da responsabilidade, de tal sorte que o agente se isentaria
caso tivesse procedido sem culpa. Entretanto, foi o Código Civil francês
que, bem ou mal, aperfeiçoou as idéias romanas e consagrou a idéia de
responsabilidade civil, estabelecendo seus princípios e normas e
influenciando as legislações dos países civilizados, em especial daqueles
que tem nas leis sua principal fonte normativa.
Sem se ater aos detalhes de cada um dos momentos históricos
mencionados, sob pena de fugir às breves considerações propostas neste
tópico, é possível afirmar, de forma muito simples e sem maiores
complexidades, apenas a fim de introduzir o assunto, que a
responsabilidade é o instituto que liga alguém às conseqüências do ato que
pratica.
Nesse sentido, afirma Américo Luís Martins da Silva
4
que “A vida em
sociedade exige que os indivíduos respondam por seus atos, atitudes e
reações ou por atos de terceiros a que possam estar ligados moralmente
como seus auxiliares ou prepostos. Portanto, todo indivíduo tem o dever de
4
Américo Luís Martins da Silva, Dano moral e sua reparação civi,. 3ª.ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p.15
21
não praticar atos nocivos, danosos ou prejudiciais a outro indivíduo, dos
quais resultem ou possam resultar-lhes prejuízos, pouco importa que se
originem de seu estado doentio em função de sua personalidade confusa,
revoltada ou desordenada, do princípio do livre arbítrio etc”.
De acordo com Silvio de Salvo Venosa
5
, “O termo responsabilidade é
utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica,
deva arcar com as conseqüências de um ato, fato ou negócio danoso. Sob
essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de
indenizar. Desse modo, o estudo da responsabilidade civil abrange todo o
conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar”.
Desta forma, a responsabilidade, no entendimento de Maria Helena Diniz
6
,
“visa, portanto, garantir o direito do lesado à segurança, mediante o pleno
ressarcimento dos danos que sofreu, restabelecendo-se na medida do
possível o ‘statu quo ante”, aparecendo como forma de compensar a vítima
e, de certa forma, como meio de sancionar o ofensor, visando, assim,
atender o interesse particular em prol da harmonia e equilíbrio do coletivo.
1.1 – Evolução do conceito de responsabilidade civil
Não obstante a noção de responsabilidade como termo que traduz a
posição daquele que não executou o seu dever, pela importância do tema
e diante das conseqüências que um ato danoso pode causar, o instituto foi
e tem sido objeto de acirrados estudos, adquirindo roupagens e definições
5
Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil: responsabilidade civil, 5ª.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.13-14
6
Maria Helena Diniz, Curso , p.3
22
que merecem maior detalhamento para que seja possível ingressar no
estudo do dano propriamente dito, chegando ao prejuízo moral e o
problema de sua valoração.
Ao longo da história o fundamento original da responsabilidade era
exclusivamente subjetivo, fundado no conceito de culpa, ou seja, só seria
responsabilizado por ato danoso a outrem o agente que praticasse ato
considerado culposo, com negligência, imperícia ou imprudência.
No entanto, a noção de culpa, historicamente, foi sofrendo constantes
temperamentos em sua aplicação, de forma a adaptar o dever de
responsabilidade às necessidades preementes da vida social apresentada
ao mundo jurídico, adequando-se, assim, as normas aos fatos e valores.
Nesse sentido e de acordo com Silvio de Salvo Venosa
7
, “as primeiras
atenuações em relação ao sentido clássico de culpa traduziram-se nas
`presunções de culpa` e em mitigações no rigor da apreciação da culpa em
si. Os tribunais foram percebendo que a noção estrita de culpa, se aplicada
rigorosamente, deixaria inúmeras situações de prejuízo sem ressarcimento.
(...) Não se confunde a presunção de culpa, onde culpa deve existir,
apenas se invertendo os ônus da prova, com a responsabilidade sem culpa
ou objetiva, na qual se dispensa a culpa para o dever de indenizar. De
qualquer forma, as presunções de culpa foram importante degrau para se
chegar à responsabilidade objetiva”.
7
Silvio de Salvo Venosa, Direito civil, cit., p.24
23
Após as chamadas “presunções de culpa” ou “culpa presumida” no final do
século XIX, o conceito de responsabilidade sem culpa e as noções de risco
começaram a ganhar espaço e força, dividindo o cenário jurídico com a
responsabilidade sem culpa ou responsabilidade objetiva.
A teoria do risco surge na história do direito, ancorada no princípio da
eqüidade – quem lucra ou se beneficia com uma situação deve suportar os
riscos ou desvantagens dela resultantes - e fundamentada na idéia de que
aquele que exerce determinada atividade e dela tira proveito direto ou
indireto, responde pelos danos que ela causar, independentemente de
culpa sua ou de seus prepostos. Cuida-se do denominado risco-proveito ou
risco-benefício.
No direito mais recente, a amplitude da responsabilidade com o intuito de
não deixar desamparado aquele que sofre algum dano, justificou o
reconhecimento da responsabilidade objetiva, pela qual a aferição da
responsabilidade deixa de ser apoiada unicamente na existência de culpa
do agente ou do risco da atividade, levando em conta com mais
proeminência o ato causador do dano e o dever de se evitar um prejuízo
injusto para a vítima.
Dessa forma somente os danos absolutamente inevitáveis deixariam de ser
reparados, exonerando-se o responsabilizado.
Ou ainda, segundo Silvio de Salvo Venosa
8
“qualquer que seja a
qualificação do risco, o que importa é sua essência: em todas as situações
8
Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil, cit., p.24
24
socialmente relevantes, quando a prova da culpa é um fardo pesado ou
intransponível para a vítima, a lei opta por dispensá-la. O princípio do risco
repousa na necessidade de segurança jurídica. Sob esse prisma, deve
existir uma imputação ao agente, quer responda ele por culpa, na
responsabilidade subjetiva, quer responda pelo risco de sua atividade, na
responsabilização objetiva”.
Américo Luís Martins da Silva
9
lembra que, embora de adoção recente
pelas Codificações, “a responsabilidade objetiva ou indireta tem origem na
obrigação de indenizar os danos resultantes do chamado quase-delito,
previsto no antigo Direito Romano. As hipóteses de quase-delitos,
apontadas pelas Institutas, são as seguintes:
a) o juiz profere uma sentença manifestamente injusta ou contrária à lei,
por dolo ou imperícia;
b) alguém atira, imprudentemente, à rua, algum objeto, que vai, em sua
queda, ofender um transeunte, ou suspende, sobre quaisquer lugares
de passagem, um móvel, que venha ou não a tombar sobre
desprecavidos passeantes;
c) o capitão do navio, o dono do hotel ou de cavalariça não impedem que
seus empregados causem prejuízos aos passageiros, hóspedes ou
viajantes.”
Em que pese a evolução do instituto e até mesmo o fato da origem da
responsabilidade objetiva ter ocorrido em 21.11.533
10
, com a publicação
9
Américo Luís Martins da Silva, Dano, cit., p.18
10
Mário Curtis Giordani, Iniciação ao direito romano, Rio de Janeiro: Liber Juris, 1986, p.201
25
das Institutas, ainda hoje, a doutrina tem enfrentado dificuldades para
conceituar a responsabilidade civil, havendo muitos, ainda, que para a sua
definição, incluem na culpabilidade o elemento preponderante, olvidando-
se da hipótese de responsabilização objetiva.
Buscando a definição do termo responsabilidade, Ulderico Pires dos
Santos
11
escreve que tal designação deve ser entendida como “a causa
determinante do dever de não violar o direito alheio, seja por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência”.
Todavia, tal definição, por ser incompleta, demonstrou-se incompatível com
a abrangência da responsabilidade, na medida em que não foi capaz de
exprimir de maneira integral o estado, a ação ou a sua noção absoluta de
responsabilidade, que supera a questão da aferição da mera culpabilidade
do agente, ou seja, quando este pratica um ato ilícito a ele imputável
(responsabilidade civil subjetiva), abrangendo, também, as situações em
que se pratica um ato que lícito ou ilícito, independentemente do
comportamento do agente (responsabilidade civil objetiva), resultando dano
à outra pessoa.
Orlando Gomes, bem esclarece a questão, facilitando chegar-se a uma
conclusão acerca da definição mais acertada do que seja a
responsabilidade civil na atualidade.
11
Ulderico Pires dos Santos, A responsabilidade civil na doutrina e na jurisprudência, 2ª.ed., Rio de
Janeiro: Forense, 1987, p.1
26
De fato, segundo Orlando Gomes
12
, a antijuridicidade objetiva “distingui-se
nitidamente da antijuridicidade subjetiva. Para que se configure a
antijurididade subjetiva, é, pois, necessário que o ato seja imputável a
agente, isto é, a quem tenha procedido culposamente. Na antijuridicidade
objetiva, muito pelo contrário, a reação da ordem jurídica não leva em
conta o comportamento do agente. Ademais, a antijuridicidade objetiva
pode ser provocada nada menos que por um fato jurídico stricto sensu,
enquanto a antijuridicidade subjetiva sempre é conseqüência de um fato
jurídico voluntário, um fato do homem ou ato jurídico. Portanto, o ato
antijurídico é ato ilícito apenas quando pessoa capaz de entender e querer,
violando norma jurídica, por sua própria ação ou omissão culposa, lesa,
efetivamente, o direito subjetivo de outrem, causando-lhe dano suscetível
de avaliação pecuniária.
Clóvis Beviláqua
13
, no mesmo sentido, esclarece que “o indivíduo não
responde, civilmente, só por seus atos dolosos ou culposos, que
determinem dano a outrem; responde também por ato de pessoas, que
estão sob sua guarda, autoridade e direção. Por exemplo, os pais são
responsáveis pelos danos causados por seus filhos menores, que
habitarem com eles. A responsabilidade pesa tanto sobre o pai como a
mãe, indistintamente, desde que se achem investidos do poder familiar (art.
1631 do CC de 2002)”.
12
Orlando Gomes, Obrigações, Ed. Histórica, Rio de Janeiro: Forense, 1978, p.310
13
Clóvis Bevilácqua, Direito das obrigações, Ed. Rio. Rio de Janeiro: Rio-Sociedade Cultural, Faculdades
Integradas Estácio de Sá, 1977, p.14.
27
Assim, seguindo a evolão traçada pelo instituto da responsabilidade civil
e de acordo com Maria Helena Diniz
14
, “poder-se-á definir a
responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém
a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato
próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa
ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou ainda, se
simples imposição legal (responsabilidade objetiva)”.
Embora a definição se apresente completa, abrangendo todas as
possibilidades de se caracterizar a responsabilidade civil necessária ao
dever de indenizar, importa ponderar que em nosso ordenamento a
responsabilidade objetiva é exceção, na medida em que exige previsão
legal expressa neste sentido, figurando como regra, a responsabilidade
subjetiva, que exige a demonstração da culpa do agente, como um dos
requisitos para a caracterização do dano e imposição da obrigação de
indenizar.
Sendo assim, “no nosso ordenamento jurídico reconhece-se em
determinadas hipóteses a responsabilidade objetiva, conservando, porém,
o princípio da imputabilidade do fato lesivo, fundado na culpa. Temos, de
um lado, a culpa, e, de outro, o risco – por força de lei – como fundamento
da responsabilidade civil”.
15
14
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p.40
15
Maria Helena Diniz, Curso, cit, p.57; Carlos Alberto Bittar, Reparação Civil dos danos morais. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1992, p.85
28
1.2 – Pressupostos da responsabilidade civil
Para que a responsabilidade civil se faça presente e surja o dever de
reparar o dano causado, faz-se necessária a presença de alguns
pressupostos, que neste título serão analisados com maior riqueza de
detalhes, sendo eles, segundo a grande maioria dos doutrinadores: a ação
ou omissão do agente, o nexo de causalidade, a culpa, além do dano.
Ao tratar dos pressupostos da responsabilidade civil, Sergio Cavalieri
16
preleciona nesse sentido: “Há primeiramente um elemento formal, que é a
violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento
subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-
material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. Esses três
elementos, apresentados pela doutrina francesa como pressupostos da
responsabilidade civil subjetiva, podem ser claramente identificados no art.
186 do Código Civil, mediante simples análise do seu texto, a saber: a)
conduta culposa do agente, o que fica patente pela expressão ‘aquele que
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia’; b) nexo causal,
que vem expresso no verbo causar; e c) dano, revelado nas expressões
‘violar direito ou causar dano a outrem’.”
Cada um desses elementos demonstra importância ímpar, pois somente
concomitantes caracterizam a responsabilidade civil e, por conseqüência,
geram o dever de indenizar.
16
Sergio Cavalieri, Programa de responsabilidade civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 41.
29
a. Ação ou omissão do agente
Segundo Maria Helena Diniz
17
ação é o “elemento constitutivo da
responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito
ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de
terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem,
gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.”
Dentro do âmbito da responsabilidade civil, a ação é a atitude positiva ou
negativa do agente que causou o dano. Agir positivamente é pôr em prática
determinado ato, e, ao contrário, agir negativamente, ou por omissão, é
deixar de fazer algo que deveria ser feito, mantendo-se inerte.
A regra básica é a de que caracterizar-se-á o dever de reparar, sempre que
um agente praticar, culposa ou dolosamente, ato contrário ao dever geral
previsto no ordenamento jurídico, caso em que ficará configurado o ato
ilícito.
Para que se configure o ilícito será imprescindível um dano oriundo de
atividade culposa ou dolosa. Portanto, para sua caracterização, será
sempre necessário que haja uma ação ou omissão voluntária, que viole
norma jurídica, que por sua vez, proteja interesses alheios ou direito
subjetivo individual. Além disso, será necessário que o infrator tenha
conhecimento da ilicitude de seu ato, agindo intencionalmente, ou com
culpa, se consciente dos prejuízos que advém de seu ato, assume o risco
de provocar evento danoso.
17
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p.43-44
30
Porém, situações existem em que o agente pratica ato lícito e mesmo
assim, tem sobre si o ônus de indenizar. Falamos das hipóteses de
responsabilidade objetiva, em que “a atividade que gerou o dano é lícita,
mas causou perigo a outrem, de modo que aquele que a exerce, por ter a
obrigação de velar para que dela não resulte prejuízo, terá o dever
ressarcitório, pelo simples implemento do nexo causal. A vítima deverá
pura e simplesmente demonstrar o nexo de causalidade entre o dano e a
ação que o produziu
18
.
Silvio de Salvo Venosa
19
, não faz distinção entre o ato lícito ou ilícito,
apresentando como pressuposto, em linhas gerais, apenas o ato ilícito.
Explicita que “o ato de vontade deve revestir-se de ilicitude. Melhor diremos
que na ilicitude há, geralmente uma cadeia ou sucessão de atos ilícitos,
uma conduta culposa. (...) Na responsabilidade subjetiva, o centro do
exame é o ato ilícito. O dever de indenizar vai repousar justamente no
exame de transgressão ao dever de conduta que constitui o ato ilícito.
Como vimos sua conceituação vem exposta no art. 186 (antigo art. 159).
Na responsabilidade objetiva, o ato ilícito mostra-se incompleto, pois é
suprimido o substrato da culpa”.
Sem prejuízo das divergências, adotamos posicionamento no sentido de
que a ação, como pressuposto para a responsabilidade civil, além de ilícita,
baseada na culpa e prevista expressamente no art. 927 do Novel Código
Civil, pode ser lícita, já que admitida expressamente pelo nosso
18
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p.58
19
Silvio de Salvo Venosa, Direito civil, cit., p.32
31
ordenamento jurídico, a responsabilidade objetiva, derivada da teoria do
risco, na qual não se persegue a culpabilidade do agente, mas tão somente
o risco de sua atividade, ainda que lícita seja sua prática.
b. Culpa
Embora a culpa já tenha sido examinada na introdução ao estudo proposto,
cabe neste tópico, enfatizá-la como um dos pressupostos da
responsabilidade civil, quando admitida a hipótese de antirujidicidade
subjetiva, definindo-a e enquadrando-a em nosso ordenamento jurídico.
Desde o momento em que o homem passou a viver em sociedade,
ganhando as relações sociais maiores complexidades, a preocupação com
o regramento da conduta e a análise da culpa tornou-se de excelsa
importância, tanto em relação ao comportamento humano propriamente
dito, quanto em relação à ciência jurídica, uma vez que seu objetivo é
manter a harmonia e equilíbrio das relações humanas, evitando que uma
pessoa cause prejuízos à outra. Para isso, indubitável que a ciência se
preocupe com a intenção do agente no momento de sua atuação.
Rui Stoco
20
entende que “a culpa, genericamente entendida é, pois, fundo
animador do ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nessa
figura encontram-se dois elementos: o objetivo, expressado na iliciedade, e
o subjetivo, do mau procedimento imputável”.
20
Rui Stoco, Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, 4ª ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 52.
32
c. Nexo de causalidade
Mais um dos pressupostos para a caracterização da responsabilidade civil
e do dever de indenizar, caso haja dano praticado em desfavor de outrem,
é o nexo causal entre o ato praticado pelo ofensor e o dano sofrido pela
vítima.
Nexo, consoante o vernáculo significa ligação, vínculo, união. Causa, em
responsabilidade civil, significa o acontecimento que antecede o resultado
lesivo, ou mais singelamente, significa o dano propriamente dito.
Desta forma, o nexo de causalidade é o liame, o vínculo que une a conduta
do agente (ação) ao dano causado à vítima, sendo imprescindível para que
se concretize o dever de indenizar decorrente da responsabilidade civil.
Silvio de Salvo Venosa
21
pontifica de forma interessante, que “o nexo
causal é elemento indispensável, ainda que se trate de responsabilização
objetiva, pois embora se dispense a culpa, nunca estará dispensada a
prova do nexo de causalidade”. E complementa Maria Helena Diniz ao
afirmar que “a questão do nexo causal é uma quaestio facti e não uma
quaestio iuris, uma vez que deverá ser apreciada pelo juiz da causa”.
Porém, cumpre consignar que situações existem em que não basta a
simples verificação do nexo de causalidade para que se imponha o dever
de indenizar.
21
Silvio de Salvo Venosa, Direito civil, cit., p. 53
33
Tais situações são denominadas de motivos excludentes do nexo causal e
se verificam nas hipóteses em que o dano ocorre por culpa exclusiva da
vítima, sendo o agente mero instrumento involuntário do dano; quando o
dano é causado por culpa concorrente da vítima e do agente, situação
prevista pelo art. 945 do Código Civil, por meio da qual, lesante e lesado
responderão na proporção em que concorreram para o evento danoso,
segundo avaliação judicial da gravidade das condutas de um e de outro;
por culpa comum da vítima e do ofensor, caso em que se aplicará a
compensação de reparações; por culpa de terceiro, ou seja, de alguém
além do agente e da vítima, cabendo ao ofensor a prova de que o dano foi
resultante de um ato de terceiro. Nessa hipótese, acrescenta Silvio de
Salvo Venosa
22
que “A propensão dos julgados é não admitir a
responsabilidade de terceiro como excludente” e cita a Súmula 187 do
Supremo Tribunal Federal como reveladora da tendência de se alargar a
possibilidade de indenização sempre que possível.
Ainda, verificam-se situações excludentes da responsabilidade, os atos
praticados em decorrência de caso fortuito e força maior, posto que, sendo
inevitáveis, eliminam a culpabilidade.
José Aguiar Dias
23
entende que “as expressões são sinônimas, sendo inútil
distinguí-las. Embora não o sejam, na responsabilidade civil atuam como
tal, já que os seus efeitos jurídicos são os mesmos, ou seja, excluir a
responsabilidade pelo dano. Tal equiparação dos efeitos de ambos foi
22
Silvio de Salvo Venosa, Direito civil, cit., p.65
23
José Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, Rio de Janeiro: Forense, 1987, v. 2, p. 361
34
adotada pelo Código Civil de 1916, em seu art. 1.058, renovado pelo
Código de 2002, no atual art. 393”.
Embora ainda existam divergências quanto à definição e compreensão de
um e de outro instituto, adotamos os conceitos trazidos por Iêdo Batista
Neves, segundo o qual: “Caso fortuito é o acontecimento possível e
imprevisível, mas estranho à ação e à vontade humana, ou seja, é o
acontecimento decorrente de fatos extraordinários da natureza, que estão
fora da capacidade de previsão e do controle do homem. Força maior é o
acontecimento que, mesmo possível e previsível, não pode ser evitado
pela vontade ou pela ação do homem, ou seja, é o acontecimento que
resulta diretamente da ação ou omissão do homem, mas, embora
previsível, não pode ser evitado”.
De qualquer forma, o caso fortuito e a força maior, como excludentes,
devem partir de fatos estranhos à vontade do interessado.
A exemplo do que ocorre com o fato de terceiro, a jurisprudência observa
com excessivo rigor os casos em que se alega a existência de força maior
ou caso fortuito, buscando cumprir o primado segundo o qual impõe-se dar
ao lesado a devida reparação pelo dano sofrido.
Com efeito, Silvio Rodrigues
24
expõe a situação com clareza: “A excessiva
severidade dos tribunais, na admissão do caso fortuito como exonerador
da responsabilidade, principalmente em um país como nosso em que o
seguro de responsabilidade é pouco difundido, pode aumentar
24
Silvio Rodrigues, Direito civil: responsabilidade civil, São Paulo: Saraiva, 1975, v.4, p.182
35
enormemente o número de casos em que o agente, embora agindo sem
culpa, causa dano à outrem e é obrigado a indenizar. Tal solução, como já
foi apontado, em muitos casos apenas transferirá a desgraça da pessoa da
vítima para a pessoa do agente, este também inocente e desmerecedor de
tão pesada punição”.
Silvio de Salvo Venosa
25
, aponta ainda, como excludentes da
responsabilidade, os danos decorrentes de atos praticados sob estado de
necessidade, em legítima defesa e no exercício regular de direito,
hipóteses relacionadas no art. 188 do Novel Código Civil (antigo art. 160),
inobstante a ocorrência do dano, a ação voluntária do agente e o nexo
causal.
Diferentemente, Maria Helena Diniz
26
, trata os institutos mencionados, não
como excludentes da responsabilidade, mas sim, como exceções à
imputabilidade, que segundo sua definição é o “elemento constitutivo da
culpa, é atinente às condições pessoais (consciência e vontade) daquele
que praticou o ato lesivo, de modo que consiste na possibilidade de se
fazer referir um ato a alguém, por proceder de uma vontade livre”.
Sergio Cavalieri
27
, embora mais próximo do entendimento apontado pela
autora, por sua vez, enquadra a legítima defesa, o exercício regular do
direito e o estado de necessidade como causas de exclusão da ilicitude,
nas quais embora o dano ocorra, o ato que lhe ocasionou é lícito. Aduz o
autor: O art. 188 do Código Civil prevê hipóteses em que conduta do
25
Silvio de Salvo Venosa, Direito civil, p. 61
26
Maria Helena Diniz, Curso, cit. p. 50
27
Sergio Cavalieri, Programa, cit., p. 42
36
agente, embora cause dano a outrem, não viola dever jurídico, isto e, não
está sob censura da lei. São causas de exclusão de ilicitude. Tal como no
Direito Penal, a atividade do agente, não obstante o dano que venha a
causar, é de acordo com a lei – e, portanto, lícita. O ato é lícito porque a lei
o aprova.
O conceito de legítima defesa é o mesmo adotado pelo direito penal, no
art. 25 do seu Código de leis, ou seja, “se com o uso moderado de meios
alguém repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de
outrem, legítimo será o dano infligido ao agressor pelo agredido, não
acarretando qualquer reparação por perdas e danos, sendo improcedente
qualquer pedido de indenização formulado pelo prejudicado”
28
. Ou seja, o
agente percebe que está diante de uma agressão injusta e que, na falta de
reação de sua parte, sofrerá o dano. Sua reação nessas condições torna
lícito o ato.
Importa ressaltar que o conceito de legítima defesa se estende tanto aos
danos causados aos bens materiais, mas também aos chamados bens
imateriais, tais como a honra, a personalidade e a boa fama.
Os danos praticados no exercício regular de um direito, ou seja, de acordo
com a regularidade e de forma razoável, também não são passíveis de
indenização, porque excluem a imputabilidade do agente ou a ilicitude da
conduta. Trata-se de exercício normal de um direito, havendo a
imputabilidade e a verificação de ato ilícito, tão somente se houver abuso
de direito ou seu exercício irregular ou anormal.
28
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p.54
37
O Código Civil de 2002 é expresso ao se referir à conduta abusiva,
descrevendo-a no art. 187, segundo o qual, comete abuso de direito quem
excede manifestamente os limites impostos para o fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes relacionados ao direito.
Por fim, mencione-se o dano praticado em estado de necessidade,
segundo o qual fica o agressor exonerado de indenizar, porquanto excluída
a sua imputabilidade, sendo o ato praticado considerado lícito. O conceito
de estado de necessidade está delineado no art. 188, II do Código Civil e
consiste na ofensa do direito alheio para remover perigo iminente, quando
as circunstâncias o tornarem absolutamente e quando não exceder os
limites do indispensável para a remoção do perigo.
d. Noção e espécies de dano
Enfim, o dano surge como último pressuposto para a existência da
responsabilidade civil, elemento crucial para que se imponha o dever de
indenizar.
Muito há que se falar acerca do dano, tendo em vista o objeto proposto no
presente estudo, razão pela qual, desdobraremos sua análise desde a
abordagem pura e simples, enquanto pressuposto do dever de indenizar,
passando pela noção de dano e suas espécies até a análise profunda
sobre questão que envolve sua quantificação na hipótese de ofensa moral.
38
Enquanto pressuposto de existência da responsabilidade civil, só haverá o
dever de indenizar se houver um dano a reparar. Henri Mazeaud e Léon
Mazeaud
29
, entendem que “não pode haver responsabilidade civil sem a
existência de um dano, e é verdadeiro truísmo sustentar esse princípio,
porque, resultando a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir,
logicamente não pode concretizar-se onde nada há a reparar”.
Sergio Cavalieri
30
se manifesta no mesmo sentido e afirma que “O dano, é
sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se
falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano.
Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver
responsabilidade sem dano.”
Américo Luís Martins da Silva
31
, relativamente ao dano, apresenta três
requisitos para que se configure a obrigação de indenizar, quais sejam: “a)
a existência do elemento objetivo ou material, que é justamente o dano; b)
a existência do elemento subjetivo, que se biparte nas figuras dos sujeito
ativo (quem causou o dano ou é o responsável por sua reparação sem ter
culpa) e passivo (a vítima que sofreu lesão em um dos seus direitos) e; c)
nexo causal, que deve vincular os sujeitos ativo e passivo ao dano
efetivamente ocorrido”.
Maria Helena Diniz
32
, ao nosso ver, de forma mais completa, aponta como
requisitos para que haja dano indenizável, os seguintes: “a) diminuição ou
29
Henri Mazeaud; Leon Mazeaud. Traité théorique et pratique de la responsabilité civile, délictuelle e
contractuelle, 4.ed. Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1948, tomo I, p.260.
30
Sergio Cavalieri, Programa, cit. p. 95
31
Américo Luís Martins da Silva, Dano, cit. p.31
32
Maria Helena Diniz, Curso, cit., 67-69
39
destruição de um bem jurídico, patrimonial ou moral, pertencente a uma
pessoa; b) efetividade ou certeza do dano, ou seja, o dano deve ser real e
efetivo, sendo necessária sua demonstração e evidência em face dos
acontecimentos e sua repercussão sobre a pessoa, ou patrimônio desta,
salvo nos casos de dano presumido, nos quais a lei, presumindo a
existência do dano, exonera o lesado do ônus de comprovar sua
ocorrência. Hipótese do dano presumido é a previsão contida no art. 940
do Código Civil, em que fica responsabilizado pelo pagamento de
indenização, aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em
parte, sem ressalvar as quantias já recebidas, ou pedir mais do que lhe for
devido; c) causalidade, que pressupõe a idéia de relação entre o dano e o
ato praticado pelo lesante”.
Não obstante a apresentação de tais requisitos para que o dano se revele
indenizável, ao nosso ver, mais um caberia nas classificações
apresentadas, qual seja, a ausência de exceções à imputabilidade do
agente ou excludentes do nexo causal, pois, também nestes casos, o
prejuízo é sofrido pelo agente, embora seja retirado do ofensor, por força
de lei, a responsabilidade pela prática de seu ato.
Superada a questão do dano como mais um pressuposto à caracterização
da responsabilidade civil e expostos os requisitos para que ele seja
considerado indenizável, importa o seu estudo de forma mais aprofundada
iniciando-se pela noção do instituto.
40
Com este objetivo e valendo-nos das pertinentes palavras de Miguel Reale,
utilizadas para introduzir o estudo do direito, transcrevemo-las para dar
uma nota introdutória acerca do dano, como instituto jurídico.
Afirma Miguel Reale
33
: “Como poderíamos começar a discorrer sobre o
Direito sem admitirmos, como pressuposto de nosso diálogo, uma noção
elementar e provisória da realidade de que vamos falar? Um grande
pensador contemporâneo, Martin Heidegger, afirma com razão que toda
pergunta já envolve, de certa forma, uma intuição do perguntado. Não se
pode, com efeito, estudar um assunto sem ter dele uma noção preliminar,
assim como o cientista, para realizar uma pesquisa, avança uma hipótese,
conjetura uma solução provável, sujeitando-a a uma posterior verificação.
No caso das ciências humanas, talvez o caminho mais aconselhável seja
aceitar, a título provisório, ou para princípio de conversa, uma noção
corrente consagrada pelo uso”. Ora, aos olhos do homem comum e no
sentido etimológico, dano é prejuízo, perda, deterioração, depreciação.
Caio Mário da Silva Pereira
34
afirma que “a noção de dano supõe, como
esclarecem Marty e Raynaud, que a vítima seja atingida em uma situação
de que ela se beneficiava, lesada em uma vantagem que possuía”.
De Plácido e Silva
35
, apresenta noção completa do vem ser o dano,
sintetizando seus meandros. Nesse sentido, define o vernáculo como
“derivado do latim damnum, genericamente significa todo mal ou ofensa
que tenha uma pessoa causado a outrem, da qual possa resultar uma
33
Miguel Reale. Lições preliminares de direito, 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p.1 .
34
Caio Mário da Silva Pereira. Responsabilidade civil, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 38.
35
De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.2
41
deterioração ou destruição à coisa dele ou prejuízo a seu patrimônio.
Possui, assim, o sentido econômico de diminuição ocorrida ao patrimônio
de alguém, por ato ou fato estranho à sua vontade. Equivale, sem sentido,
a perda ou prejuízo. Juridicamente, dano é, usualmente, tomado no sentido
do efeito que produz: é o prejuízo causado, em virtude de ato de outrem,
que vem causar diminuição patrimonial. Assim, está conforme à definição
de PAULUS: `Damnun et damnatio ab ademptione et quasi deminutione
patrimonii dictia sunt’. E, neste sentido, tanto se entende o dano aquiliano,
que resulta de ato ilícito, como o dano contratual, fundado na ofensa à
obrigação contratual. Seja, pois, contratual ou aquiliano, o dano, para ser
ressarcível, merece fundar-se na efetiva diminuição de um patrimônio ou
na ofensa de um bem juridicamente protegido, por culpa ou dolo do agente.
E, dentro deste conceito, diz-se dano patrimonial, quando o prejuízo é
conseqüente de diminuição patrimonial ou deterioração de coisas
materiais; dano moral, quando atinge bens de ordem moral, tais como a
liberdade, a honra, a profissão e a família. Ao dano material, também se diz
dano real, em vista de a violação representar inequívoca danificação à
coisa, em face do que perde esta a sua utilidade ou vê diminuir o seu valor.
Ao dano material, os romanos chamavam de damnum factum, vel datum. O
sentido da palavra dano vem sempre ligado à idéia de prejuízo, pois que
este, dito também perda, é que faz, em regra, caracterizar a diminuição
patrimonial, que justifica o pedido de indenização, quando o dano é
causado por outrem, não advindo de força maior ou caso fortuito. Mas, aí,
principalmente, tem-se o dano material, sem sentido geral, pois que o dano
contratual será prejuízo causado ao credor, conseqüentemente uma
diminuição de seu patrimônio, por falta de cumprimento da obrigação, por
parte do devedor. Vide: Perdas e danos, Indenização, Reparação, Culpa,
42
Delito. Dano. No sentido penal, dano indica a destruição, inutilização ou
deterioração de coisa alheia. É tido, assim, em seu sentido danificação.
Mas, resultando num dano-prejuízo (diminuição patrimonial), além da
sanção penal, funda o pedido de indenização para repor o patrimônio do
prejudicado ou lesado em sua posição primitiva. Mas, quando configurado
crime, necessário que o fato ou ato, de que o dano resulta, traga os
característicos do dolo ou da culpa, no sentido que lhe empresta a lei
penal. Neste particular, fundado o dano penal no ato ilícito ou no delito,
devidamente qualificado, bem se difere do dano civil ou de natureza civil,
conseqüente do ilícito civil, o qual dá simplesmente motivo à indenização
ou ressarcimento dos prejuízos decorrentes, enquanto o ilícito penal
corresponde às duas imputações: penal e civil. E tal se funda no princípio
de que o delinqüente é obrigado a pagar as despesas e indenizar os
prejuízos causados pelo dano a que deu causa.”
Para Mário Júlio de Almeida Costa
36
, “na perspectiva da responsabilidade
civil, cabe dizer-se, liminarmente, que dano ou prejuízo é toda ofensa de
bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica”.
João de Matos Antunes Varela
37
situa o dano como a “perda in natura que
o lesado sofreu, em conseqüência de certos fatos, nos interesses
(materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida
visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que
reveste as mais das vezes a forma de destruição, subtração ou
deterioração de certa coisa, material ou incorpórea”.
36
Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, 5ª.ed., Coimbra: Almedina, 1977, p.477
37
João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, Rio de Janeiro: Forense, 1977, vol. I, p.592
apud Américo Luís Martins da Silva, Dano
, cit. p.28
43
Não obstante a noção de dano, apresentada pela maioria dos
doutrinadores se referir à idéia de prejuízo, Américo Luís Martins da Silva
38
faz a seguinte colocação: “Para nós, não é possível exigir que a noção de
dano se restrinja à idéia de prejuízo, isto é, ao resultado da lesão. Por isso
mostra-se mais adequada do que a colocação de Carnelutti a definição
apresentada por Hans Albrecht Fischer, o qual considera o dano nas suas
duas acepções: a) a vulgar, de prejuízo que alguém sofre, na sua alma, no
seu corpo ou seus bens, sem indagação de quem seja o autor dessa lesão
de que resulta; b) a jurídica, que, embora partindo da mesma concepção
fundamental, é delimitada pela sua condição de pena ou de dever de
indenizar, e vem a ser o prejuízo sofrido pelo sujeito de direitos em
conseqüência da violação destes por fato alheio”. A colocação de Hans
Albrecht Fischer é mais exata. Não há menor dúvida disso, uma vez que
não se pode restringir, com efeito, a noção de dano ao só prejuízo material.
Inclusive, esta acepção encontra respaldo até no texto do Evangelho de
São Mateus, que se refere expressamente ao dano da alma (capítulo 16:
e padecer muitas coisas dos anciãos e dos escribas”; “Porque, de que
aproveita ao homem ganhar todo o mundo, se vier a perdera sua alma?” –
capítulo 26: “A minha alma está numa tristeza mortal”)”.
Em que pese o posicionamento, a nosso ver, o fato da noção de dano
restringir-se à idéia de prejuízo ou ao resultado da lesão, não importa
nenhum efeito prático em termos de mudança dos conceitos a ele atribuído
pela doutrina, na medida em que a idéia de perda de um interesse ou
prejuízo, deve ser interpretada de maneira ampla, abrangendo o sofrimento
38
Américo Luís Martins da Silva, Dano, cit., p.29
44
ou o aspecto subjetivo relacionado à vítima do evento. Afinal, quando
sofremos um prejuízo em nossas aspirações, haverá inequívoco dano e
indiscutível “prejuízo da alma”.
Ademais, tanto a doutrina moderna, quanto a legislação contemporânea
demonstram extrema preocupação com o estado da vítima, ao ser atingido
por dano ocorrido contra sua vontade, não se apegando, tão somente, ao
prejuízo ou ao resultado da lesão.
Doutrinariamente, bem demonstra Maria Helena Diniz
39
tal preocupação,
que se depreende da definição de dano que apresenta. De fato, segundo a
autora “O dano pode ser definido como a lesão (diminuição ou destruição)
que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em
qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral”.
Em termos legais, nada mais evidente que a própria Constituição Federal
de 1988, para demonstrar a preocupação do legislador pátrio com o
aspecto subjetivo do prejuízo, pois se contrário fosse, não abarcaria dentre
os direitos e garantias fundamentais, a vida, a liberdade, a honra, a
imagem, dentre outros, garantindo ao lesado, o direito de postular perdas e
danos contra o ofensor.
De qualquer maneira, após a noção de dano, para que o estudo evolua,
chegando ao cume da problemática proposta, apresenta-se com
39
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p.66
45
significativa importância a abordagem da distinção entre as espécies de
dano.
Neste sentido a maioria da doutrina reconhece como espécies do dano, o
dano material, também denominado por parte dela de dano patrimonial, e o
dano moral, também denominado de dano imaterial ou dano
extrapatrimonial. A profundidade acerca do dano material não se enquadra
nas finalidades do presente estudo, razão pela qual não se fará possível o
detalhamento do instituto, ficando restrito, pois, à análise do dano moral.
d.1 Dano Patrimonial
Para se ter uma boa compreensão do que seja o dano patrimonial ou
material, importante que se parta do conceito de patrimônio. É o
entendimento de Américo Luís Martins da Silva e de Maria Helena Diniz
40
.
Hans Albrecht Fisher
41
distingue o patrimônio visto sob dois ângulos, quais
sejam, o patrimônio em sentido amplo, ou seja, aquele que abrange tanto o
conjunto de direitos apreciáveis em dinheiro de que é titular uma pessoa ou
que correspondem a uma entidade patrimonial ativa, além de abranger os
deveres ou obrigações que recaem sobre determinado indivíduo, podendo
dar origem a um passivo patrimonial; e, o patrimônio em sentido jurídico,
que contém, senão, a idéia de direitos.
40
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p.70; Américo Luís Martins da Silva, Dano, cit., p.30-31
41
Hans Albrecht Fischer, Reparação dos danos no direito civil, cit., p.13-17 apud Américo Luís Martins da
Silva, Dano
, cit., p. 31.
46
Sob o ponto de vista da patrimonialidade dos danos, a aplicação do
conceito de patrimônio em seu sentido jurídico, suscita graves
inconvenientes, posto que não se enquadra nas finalidades do estudo a
respeito do dano material e sua indenizabilidade, apresentando cunho
declaradamente subjetivo.
Em tal sentido, o direito sobre alguma coisa, para fins de indenização
relacionada ao dano material, só tem importância na medida em que
assegura ao titular do patrimônio o poder de disposição sobre os objetos
que compreende. Se tal virtude lhe faltar, o objeto não figura patrimônio
econômico do sujeito, pois não implica aumento de seus haveres efetivos.
Nessa linha, o dano patrimonial pode ser definido como aquele que
pressupõe a ofensa ou diminuição de certos valores econômicos. Para
Maria Helena Diniz
42
, o dano patrimonial “vem a ser a lesão concreta, que
afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda
ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem,
sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pecuniária pelo
responsável”.
Muito embora o dano material pressuponha a idéia de prejuízo certo e
efetivo relacionado ao patrimônio em seu sentido amplo (unidade de ativo e
de passivo), consoante demonstrado, não se admitindo, em princípio, o
dever de indenizar danos hipotéticos, Silvio de Salvo Venosa
43
levanta a
problemática acerca da “perda da chance”, como uma das hipóteses que
42
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p.70
43
Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil, cit., p.41
47
vem sendo admitida pela doutrina, e até mesmo pela jurisprudência, como
motivadoras do dever de indenização por dano material. Nesse caso a
probabilidade de perda de uma oportunidade não poderia ser considerada
em abstrato.
Vale transcrever o exemplo esclarecedor utilizado por Silvio de Salvo
Venosa
44
para elucidar o que significa perda da chance: “Veja, como
exemplo elucidativo de perda de chance, o fato ocorrido nas Olimpíadas de
2004, quando atleta brasileiro que liderava a prova da maratona foi obstado
por um tresloucado espectador, que o empurrou, o retirou do curso e
suprimiu-lhe a concentração. Discutiu-se se nosso compatriota deveria
receber a medalha de ouro, pois conseguiu a de bronze, tendo chegado
em terceiro lugar na importante competição. Embora tivesse ele elevada
probabilidade de ser o primeiro, nada poderia assegurar que, sem o
incidente, seria ele o vencedor. Caso típico de perda de chance, chance de
obter o primeiro lugar, mas sem garantia de obtê-lo”.
Em que pese a hipótese revelar-se interessante para a matéria atinente ao
dano e seu dever de reparar, gerando, certamente, maiores indagações em
outra obras literárias que se proponham ao aprofundamento do assunto,
prima facie, parece impossível aceitar-se a perda da chance, assim como
demonstrada como doutrinador, como motivo ensejador da obrigação
indenizatória, religada ao dano material, porquanto um dos requisitos para
a existência do dano é a certeza.
44
Silvio de Salvo Venosa, Direito civil, cit., p.41-42
48
Nessa toada, a observação de Caio Mário da Silva Pereira
45
: “É claro,
então, que se ação se fundar em mero dano hipotético, não cabe
reparação. Mas esta será devida se se considerar, dentro da idéia de perda
de uma oportunidade (perte d’une chance) e puder situar-se na certeza do
dano”.
No mesmo sentido, José de Aguiar Dias
46
, que afirma o seguinte: “o dano
hipotético não justifica a sua reparação”.
Maria Helena Diniz
47
trata do assunto de maneira mais flexível, relegando
ao órgão judicante a tarefa de apreciar a situação concreta, valendo-se da
eqüidade, para se verificar se efetivamente houve perda de chance, de
oportunidade ou de expectativa, atribuindo maior ou menor grau da
probabilidade se converter em certeza. Conclui que “A chance, ou
oportunidade, seria indenizável por implicar perda de uma expectativa ou
probabilidade”.
Diferentemente, ocorre nos casos em que se dá a perda de oportunidade
factível, na qual esta se verifica plenamente situável no campo da certeza
do dano. É o que ocorre, por exemplo, com os casos em que o indivíduo
são, jovem e ativo no mercado de trabalho, é vitimado por atropelamento,
tornando-se uma pessoa incapacitada para exercer suas atividades
profissionais. Nesse caso, a perda de oportunidade constituirá efetiva
perda patrimonial e não mera expectativa de direito, como se viu na
hipótese acima descrita, sendo, pois, objeto de indenização, fundada,
45
Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade, cit., p.42
46
José de Aguiar Dias, Da responsabilidade, cit., p.221
47
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p.72
49
basicamente, nos lucros cessantes, ou seja, no valor patrimonial que a
vítima deixou de ganhar.
Trata-se do critério de indenização, adotado segundo a teoria diferencial.
Entende-se por critério diferencial, o critério pelo qual “o dano se
estabeleça mediante o confronto entre o patrimônio realmente existente
após o dano e o que possivelmente existiria, se o dano não se tivesse
produzido: o dano é expresso pela diferença negativa encontrada nessa
operação
48
.
O valor a ser tomado em consideração é o valor de mercado ou de troca,
ou seja, aquele estimado por qualquer pessoa em relação à coisa, ou seja,
o valor da coisa praticado no comércio. Aqui, não se cogita da utilização do
valor afetivo ou estimativo, tendo em vista apresentarem conceitos
nitidamente subjetivos.
De qualquer forma, para que haja a obrigação de indenizar é
imprescindível que haja diminuição ou perda patrimonial, sendo certo que a
simples alteração de patrimônio não é dano e, portanto, não é indenizável.
Para a unanimidade doutrinária, dois são os modos pelo qual um
patrimônio pode ser prejudicado: “a) sofrendo efetiva diminuição (dano
positivo ou damnum emergens); ou b) privando-o de valores que seriam
incorporados se ação de outrem não houvesse criado o obstáculo ao
ganho (dano negativo ou damnum cessans)”
49
.
48
José de Aguiar Dias, Dano. In: Carvalho Santos, J.M. de. Repertório do Direito Brasileiro, Rio de
Janeiro, 1962, vol. XIV, p.221.
49
Orlando Gomes, Obrigações, cit., p.332
50
O dano emergente ou positivo traduz uma diminuição concreta do
patrimônio da vítima, manifestadas pela destruição, deterioração, privação
de uso e gozo do bem existente no momento do evento danoso, com a
conseqüência para o lesado de ter que arcar com os gastos decorrentes da
lesão para possibilitar o retorno da coisa ao seu estado atual.
O lucro cessante ou dano negativo traduz-se, basicamente, naquilo que a
vítima deixou de ganhar, levando em consideração o que a vítima teria
recebido se o dano não tivesse ocorrido. Exige-se para sua apuração, uma
projeção contábil nem sempre muito fácil de ser avaliada. Maria Helena
Diniz
50
, quanto à reparabilidade dos lucros cessantes, coloca que “para se
computar o lucro cessante, a mera possibilidade é insuficiente, embora não
se exija uma certeza absoluta, de forma que o critério mais acertado
estaria em condicioná-lo a uma probabilidade objetiva, resultante do
desenvolvimento normal dos acontecimentos, conjugado às circunstâncias
peculiares do caso concreto”.
Tanto o dano positivo, quanto o dano negativo são previstos pela
legislação brasileira, no art. 402 (antigo art. 1059) do Código Civil, que
assim dispõe: “Art. 402. Salvo as exceções previstas em lei as perdas e
danos devidas ao credor abrangem, além do que efetivamente perdeu, o
que razoavelmente deixou de lucrar”.
Em todo caso, o ressarcimento do dano material pode se processar de
duas formas, quais sejam: a) pela reparação natural ou específica; ou b)
50
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p.72
51
pela indenização pecuniária, levando-se sempre, em consideração, o termo
utilizado pelo legislador no dispositivo supra, qual seja, ‘razoavelmente’,
que demonstra a toda evidência, que a indenização não pode converter-se
em instrumento de lucro para o lesado.
Mas, apenas para que fique consignado, importa ressaltar que o contrário
também pode acontecer, ou seja, que a reparação natural seja motivo de
aumento no patrimônio do lesado, retirando a natureza reparatória ou de
reconstituição vislumbrada pela indenização, passando a assumir a
natureza de vantagem injusta. Seria o caso de se trocar um objeto
danificado, que em estado anterior ao dano já se encontrava velho ou
“desatualizado”, como ocorrem atualmente com os aparelhos celulares ou
computadores, por um outro de configuração e modelo novo.
Nesses casos, a indenização pecuniária assumiria o caráter de principal,
deixando a subsidiariedade para a reparação natural, hipótese em que, o
lesado haveria de devolver ao indenizante a vantagem auferida com a
troca do bem.
52
2. Dano moral: Noções Gerais
2.1. Dano moral na história
Sempre que alguém se propõe à análise de algum fenômeno, mister se faz
sua individualização ou estilização. E estilizar é, justamente, abstrair o
dado da realidade fática e simplificá-lo em categorias mais simples,
definidas e individualizadas, para facilitar o entendimento sobre o dado que
se apresenta para análise. Uma vez compreendido é possível dar-lhe
desenvolvimento.
Justamente, partir-se-á do enquadramento do dano moral na história, uma
das categorias individualizadas, relacionadas ao instituto, para que se faça
completo o seu entendimento, além das problemáticas que suscita,
precipuamente, a questão relacionada aos critérios para a quantificação ou
valoração do dano moral.
A existência e reconhecimento do dano moral remonta de séculos, sendo
possível trazer, sob a epígrafe histórica, a sua trajetória, de forma a
esclarecer os caminhos que percorreu até se sedimentar na atualidade.
Augusto Zenun
51
trata com especificidade deste aspecto e desde o Código
de Hamurabi, destaca a existência de previsão de diversas leis que, ainda
hoje, servem como fonte para as orientações atuais sobre o assunto que
norteia o dano puramente moral.
51
Augusto Zenun, Dano moral e sua reparação, 7ª ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998, p. 5
53
Menciona o autor, que os Capítulos IX e X do Código de Hamurabi, fazem
menção à injúria e difamação da família, destacando o art. 127, que assim
dispõe: “Se um homem livre estendeu o dedo contra uma sacerdotisa, ou
contra a esposa de um outro e não comprovou, arrastarão ele diante do
juiz e raspar-lhe-ão a metade de seu cabelo”.
Trata-se de um dano moral, cuja reparação, embora reconhecida, não se
refere à dinheiro ou qualquer coisa mensurada economicamente, donde,
segundo o autor
52
, “(...) se conclui, de maneira clara e insofismável, que
àquela época já se reconhecia o dano moral, cuja reparação nada tinha de
pecúnia”.
No Código de Hamurabi a Lei de Talião era consagrada. Cite-se o art. 196
que dispunha que “se um homem livre fizer perder a vista ao filho de um
outro homem igualmente livre, sofrerá a perda de um olho, se o agressor e
o agredido pertencessem à mesma classe social”.
A Lei das XII Tábuas, redigida entre os anos de 303 e 304, ou seja, há
mais de 1700 anos, também tratou do dano puramente moral, citando-se
como exemplo o dispositivo contido no art. 2º, segundo o qual “Se alguém
causa um dano premeditamente, que o repare”.
No Deuteronômio, entre outros há o registro de que se um homem divulgou
a má fama sobre uma virgem de Israel, será obrigado a tê-la como mulher
por todos os dias de sua vida, sem poder despedir-se, além de entregar ao
52
Augusto Zenun, Dano moral, cit., p. 6
54
pai da moça cem siclos de prata, moeda dos judeus que pesava seis
gramas.
Ousamos dizer, ainda que não tenhamos tratado do assunto, que já àquela
época é possível observar, primeiro, a consolidação da reparação in
natura, caracterizada pela obrigação do ofensor de se casar com a vítima
que teve sua fama arruinada, buscando-se, assim, viabilizar o retorno ao
status quo ante. Da mesma forma, difícil não é a verificação de que a
referida reparação natural não excluía a obrigação do agressor de
proporcionar à vítima integral satisfação pelo dano sofrido, além de impor
certo caráter punitivo, configurada com a obrigação de proceder ao
pagamento de indenização em pecúnia. Podemos afirmar que essa e
outras previsões existentes na história mais remota, deram origem ao que
resultou, nos tempos atuais, à exceção do direito de vingança, instituindo-
se a “teoria da compensação econômica”, com uma certa mesclagem de
punição de natureza privada.
Referidas observações, aos nossos olhos, demonstram-se interessantes e
relevantes, haja vista ir de encontro com o principal objetivo que se
aguarda nesse estudo, sendo certo, que as formas de se indenizar, seja in
natura, seja em dinheiro, bem como a natureza da indenização, seja
compensatória ou punitiva, serão tratadas detidamente no decorrer da
exposição.
O Alcorão da mesma forma, traz a dor moral e a reparação que pode ser
em tratada em pecúnia e em obrigação de fazer. Cite-se o exemplo no qual
ao adúltero somente é permitido o casamento com uma adúltera ou com
55
uma idólatra. No Alcorão, segundo Américo Luis Martins da Silva
53
, “(...) as
compensações de natureza econômica para substituírem o direito de
vinditia são numerosas e mesmo as normas que atribuem o direito de
vingança são, não raro, desaconselhadas em nome do perdão, ou seja,
existem preceitos que induzem as pessoas a repelirem a vingança, como
meio de aplacar seu ódio, incentivando-as, sobretudo, ao perdão e a
misericórdia (...).”
No direito romano, a Lex Aquilia estabeleceu duas regras sobre o dano:
uma, cuja reparação se dava em “heras”, na hipótese de morte de um
homem ou de um animal; outra: quando se causava qualquer tipo de dano,
sendo o autor obrigado a pagar o mais alto preço, se se tratasse de
animais irracionais, preço esse cotado no último mês.
Embora se pudesse entender que a Lex Aquilia tratava tão somente de
danos corporais, o Direito Justiniano trouxe limpidez a esse entendimento,
pois baseada na Lex Aquilia, é possível verificar-se que, segundo
Justiniano, as injúrias de qualquer espécie sempre voltavam contra o
ofendido, que se via vítima de máculas, de uma forma ou de outra.
Nesse sentido explica Vicenzo Arangio-Ruiz, citado por Augusto Zenun
54
,
ao afirmar que “(...) Não apenas quando se davam golpes em alguém com
o punho ou com varas, ou quando por qualquer forma, era o mesmo
azorragado, mas também, contra qualquer um se alteava a fala, de modo
bulhento, ou se lhe tomava a posse dos bens, como se devedor fora
53
Américo Luís Martins da Silva, Dano, cit., p. 70
54
Augusto Zenun, Dano moral, cit., p.5
56
daquele que se sabia nada dever. Igualmente, injúria se causava a outrem
quando, contra ele se escrevia, compunha ou publicava um libelo, ou livro,
infamante de versos, por si, ou dolosamente, por interposta pessoa (...)”.
A ofensa moral, nesses casos impingia ao ofensor o dever de reparar por
meio de soma em dinheiro, que fosse suficiente para aliviar ou minorar o
dano de forma prudente. Contudo tal se efetivava, somente após a própria
parte ofendida, sob juramento, ter oferecido a estimativa do próprio dano, o
que demonstra ter existido o dano moral já aquela época.
Clayton Reis
55
complementa o estudo em torno do Direito Romano e suas
previsões acerca do dano moral e reparação, afirmando que “(...) Na
realidade, os romanos não tinham uma exata e precisa noção a respeito
dos danos ocasionados à intimidade da pessoa, certamente porque
confundia-se com freqüência pena e indenização. A simplicidade do
sentimento jurídico da época não conseguia estabelecer a correta distinção
entre o caráter patrimonial e não patrimonial do dano. A idéia arraigada no
espírito das pessoas naquele período histórico, destacava o fato de que as
ofensas pessoais clamavam por vingança e os ofensores deveriam ser alvo
de castigo corporal. Mesmo assim, a actio injuriarum aestimatoria tinha
como pressuposto formal assegurar uma reparação de natureza satisfeita,
ou seja, a condenação do lesionado ao pagamento de uma determinada
importância a título de reparação a uma ofensa que representava uma
penalidade ao ofensor.
55
Clayton Reis, Avaliação de dano moral, 2ª ed. Forense, Rio de Janeiro, 1999, p.26
57
No direito canônico não é difícil encontrar casos de dano moral e sua
reparação. Referido sistema normativo importou real significação para a
legislação brasileira, já que antes da vigência do Código Civil de 1916 e
graças à grande influencia da Igreja Católica em nosso território, impunha-
se as normas prevista naquele Código.
A promessa de casamento é um exemplo típico da previsão de reparação
por danos morais, já que aquele que rompesse a promessa, embora não
ficasse responsável por se casar segundo o prometido, era obrigado a
reparar os prejuízos causados.
Com a vigência do Código Civil de 1916, o instituto das esponsais ficou
banido, retirando dos noivos o direito de ação para exigirem, um do outro, o
cumprimento do ajuste ou a paga de pena legal ou convencional. Mesmo
assim, nossa jurisprudência não deixa de reconhecer que o rompimento do
“noivado” ou da promessa de casamento possa caracterizar dano de
natureza moral, impingindo ao ofensor o dever de indenizar, desde que
comprovado o efetivo dano.
2.2. Notas preliminares para a elaboração do conceito
Seguindo a introdução de Rodrigo Mendes Delgado
56
, pode-se dizer que,
“num primeiro momento, deduziu-se, pela prática, que o dano moral
representava aquela categoria de lesões que não atingiam o patrimônio
material do indivíduo, daí a dificuldade de sua aceitação. Afinal, não se
podia ‘ver’ o dano. Mas ele existia. O fato de não se poder ver algo, não
56
Rodrigo Mendes Delgado, O valor, cit., p.109-110
58
significa, necessariamente, que ele não exista. Assim como não se pode
ver o vento ou a alma humana, que nem por isso deixam de existir. Por
muito tempo a mazela perdurou. (...) Somente após muito tempo, após
muitos erros e até injustiças, os meios jurídicos, representados pela
jurisprudência, aceitaram a existência do dano moral. Este seria a
categoria de lesões e danos que a pessoa sofre em seu patrimônio ideal,
em sua psique, em seu ânimo. Não se exterioriza materialmente, mas
existe, e pode ser perfeitamente detectado em muitos casos”.
A aceitação da existência do dano moral e igualmente, o reconhecimento
do dever de indenizar, aconteceram somente após longo e penoso período
de nossa história, já que vários opositores surgiram, apresentando
inúmeras objeções, conforme se verá em capítulo distinto.
Não obstante tais considerações primeiras, a existência do dano moral
confirmou-se, por certo, influenciada pela trajetória histórica que o instituto
seguiu, e a partir disso, sua definição se fez imprescindível, tanto para
atender a realidade fenomenológica, mas principalmente, para suprir as
necessidades impostas pelo mundo jurídico, que não poderia permanecer
inerte à realidade.
Entretanto, se a existência do dano moral, atualmente, é inquestionável, o
mesmo não se pode afirmar com relação ao seu conceito e à sua
dimensão. Tanto é assim, que a doutrina e a jurisprudência revelam-se
vacilantes no reconhecimento das situações em que essa espécie de dano
se configura.
59
Antes disso até, mas sem qualquer aprofundamento no assunto, sob pena
de fugir ao foco do trabalho que se está desenvolvendo, se mostram
dissonantes nossos doutrinadores, inclusive quanto à utilização da
expressão dano moral, haja vista, para alguns, não se identificar como a
expressão mais correta para a caracterização do fenômeno.
Assim se posiciona Antonio Jeová Santos
57
, para quem não é tão simples
assim estabelecer o conceito de dano moral. Argumenta o autor que
“Enquanto dano é o prejuízo, é o detrimento padecido por alguém em
virtude de ato de outrem, como definir moral no contexto dano moral? (...)
O entendimento da moral que privilegia as boas ações e o caráter da
pessoa, desde o ponto de vista da bondade e dos bons costumes, não
encontra fundamento no assunto ora versado”. Porém, se curva à
utilização da expressão dano moral, já que (...) está tão arraigada no dia-a-
dia dos profissionais e do profano, que qualquer mudança somente serviria
para atrapalhar a real compreensão da lesão moral.”, sugerindo, ante a
equivocidade do vocábulo, a utilização da expressão “dano à pessoa”, pois
seria “(...) muito mais abrangente e toca mais de perto a essência do dano
extrapatrimonial.”
José Jairo Gomes
58
, embora dê preferência ao termo ‘dano à
personalidade’ em vez de dano moral, a exemplo de Antonio Jeová Santos,
faz referência às críticas que a terminologia têm sofrido doutrinariamente.
Alude que “O dano à personalidade é tradicionalmente designado por dano
moral. Todavia, o termo dano moral tem sofrido críticas, afirmando-se que
57
Antonio Jeová Santos, Dano moral indenizável, 4ª.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 87 e 88
58
José Jairo Gomes. Responsabilidade civil e eticidade, Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 274.
60
ele não se afigura totalmente adequado para qualificar o fenômeno
referente ao dano à personalidade, pois com ele tem-se a impressão de
que o dano refletiria o campo da Moral e não do Direito.” Entretanto,
ressalva o autor que “(...) Certo é que o Direito é ético e encontra na Moral
o seu ponto de partida. Com esta, porém, não se confunde. Não se
vislumbra, apesar disso, mal e empregar a expressão dano moral, mesmo
porque já consagrada pelo uso da linguagem jurídica.”
Régis Jolivet
59
, ao contrário, aceita a terminologia “moral” para a
conceituação do dano imaterial, esclarecendo que: “Para obter uma boa
definição de Moral, é necessário incluir na definição o objeto formal desta
ciência, como também seu caráter normativo. Diremos, pois, a que a Moral
é a ciência que define as leis da atividade livre do homem. Poder-se-ia
ainda dizer, de uma maneira mais explícita, que a Moral é a ciência que
trata do uso que o homem deve fazer de sua liberdade para atingir seu fim
último. Pode-se formular de uma maneira, é verdade – precisa, mas ainda
exata, a mesma noção, dizendo que a Moral é a ciência da felicidade (ou
do fim da atividade humana) – a ciência do destino humano.
A partir disso, define Antonio Jeová Santos o dano moral como “aquele
que, no mais íntimo de seu ser, padece quem tenha sido lastimado em
suas afeições legítimas, e que se traduz em dores e padecimentos
pessoais. E mais: O dano moral, constitui uma lesão aos direitos
extrapatrimoniais de natureza subjetiva que, em abraçar os prejuízos
recuperáveis por via do dano direto, recaem sobre o lado íntimo da
59
Régis Jolivet. Curso de filosofia. 13. ed. São Paulo: Agir, 1979, p.348-349; Marcus Cláudio Acquaviva,
Breviário de ética jurídica. São Paulo: Riddel, 1994, p.4-5.
61
personalidade (vida, integridade física ou moral, honra ou liberdade) e não
quando se trata de um simples prejuízo patrimonial.”
60
Pois bem, antes de evoluir no tema relativo ao conceito propriamente dito,
ainda a título introdutório, oportunas as palavras do autor ao afirmar que
“Definir é sempre perigoso. A dificuldade reside no fato de que a definição
há de ajustar-se, de forma perfeita, ao objeto definido. O enquadramento
há de ser preciso e lógico.”
Assim, o primeiro desafio, desde já, é estabelecer um conceito preciso de
dano moral que, conquanto não se arrogue a pretensão de ser o único ou o
melhor, apresente-se em coerência com o desenvolvimento, quando
passarmos ao principal plano de investigação proposto, a fixação do
quantum debeatur.
Para tanto, iremos nos basear em quatro correntes ou teorias existentes
que, cada uma ao seu modo, buscou a conceituação do dano moral.
2.3. Teorias e os diversos conceitos de dano moral
2.3.1. Teoria da negação ou exclusão
Em síntese e inicialmente, muitos doutrinadores adotavam o conceito
negativo ou excludente de dano moral, procurando conceituá-lo em
contraposição ao dano material, basicamente adotando o critério da
exclusão.
60
Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit, p.96
62
Assim o fizeram, na doutrina francesa, os irmãos Mazeaud
61
, para os quais
“dano moral é o que não afeta de modo algum o patrimônio e causa tão-só
uma dor moral à vítima.”
C. F. Gabba
62
definiu dano moral como o “dano causado injustamente a
outrem, que não atinja ou diminua seu patrimônio.
Na doutrina nacional, assim o fez Aguiar Dias
63
e Pontes de Miranda
64
,
para os quais, respectivamente, “quando ao dano não correspondem as
características do dano patrimonial, dizemos que estamos em presença do
dano moral”, e “Dano patrimonial é o dano que atinge o patrimônio do
ofendido; dano não patrimonial é o que só atingindo o devedor como ser
humano, não lhe atinge o patrimônio.”
Wilson Mello da Silva
65
, por sua vez, definiu dano moral como “lesões
sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio
ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio
material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor
econômico”.
61
Henry e Leon Mazeaud apud André Tunc, Tratado teórico y práctico de la responsabilidad civil delictual
y contractual, 1961, p. 424 apud André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral e indenização punitiva.
Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 35.
62
C. F. Gabba, Questioni di diritto civile. Torino: Fratelli Bocca, 1911, p.543 apud Silvio Rodrigues, Direito
civil, cit., p. 196.
63
José de Aguiar Dias, Da responsabilidade, cit., p. 852.
64
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito privado. Direito das obrigações. Rio de
Janeiro: Borsói, 1958, tomo 26, p. 30.
65
Wilson Mello da Silva. O dano e a sua reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1955, n. 1, p. 278, apud
Silvio Rodrigues, Direito civil
, cit. p. 196
63
O mesmo caminho perfilhou Antonio Lindbergh C. Montenegro
66
, ao
conceituar o dano moral como “(...) aquele que não produz conseqüências
prejudiciais no patrimônio do ofendido.”
Todavia, a negação adotada para a formalização do conceito de dano
moral acabou superada ao longo dos tempos, porquanto segundo Wesley
de Oliveira Louzada Bernardo
67
, “data venia, tal definição, conquanto não
afaste a classe mais distante (dano patrimonial), não esclarece as
características do fenômeno em estudo.”
2.3.2. Teoria da existência da dor ou no estado psicológico do
ofendido
Diante da insuficiência da negação para esclarecer efetivamente qual o
conceito de dano moral, parte da doutrina procurou no estado de espírito
do lesionado, a melhor definição para o instituto.
Os seguidores da teoria, em comum, fizeram referência ao estado de
ânimo, ao estado espiritual, ou ainda, ao estado psicológico da vítima, com
a finalidade de tecer o conceito do dano moral.
Nesse sentido René Savatier
68
enfatizou que “dano moral constitui todo
sofrimento humano que não resulta de uma perda pecuniária”,
66
Antonio Lindbergh C. Montenegro. Ressarcimento de danos, 4ª ed., Rio de Janeiro: Âmbito Cultural
1992, p. 147.
67
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo, Dano moral: critérios de fixação de valor. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, p. 73.
68
René Savatier, Traité de la responsabilité civile en droit français. 2. ed. Paris: Librarie Générale de Droit
et de Jurisprudence, 1951, tomo II, n. 525, p. 101 apud Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade
, cit.,
p. 54.
64
esclarecendo, ainda, “abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua
autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu
amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições
etc.”.
Entre nós, Antonio Chaves
69
, referindo-se ao dano moral, afirmou que
“Dano moral portanto, é a dor resultante da violação de um bem
juridicamente tutelado, sem repercussão patrimonial. Seja a dor física –
dor-sensação, como a denomina Carpenter – nascida de uma lesão
material; seja a dor moral – dor-sentimento – de causa material.”
Aparecida I. Amarante
70
, na mesma linha, assim se manifestou ao se referir
ao dano moral: “Entendemos que este existe sempre que afetar a
integridade moral do indivíduo, como, além da honra, o nome, as afeições
legítimas, a intimidade, a liberdade de ação, o direito moral do autor etc.”
Ocorre que, pelo fato dos estados psicológicos não se mostrarem os
únicos capazes de constituir o dano em si, haja vista a possibilidade do
prejuízo material também provocar padecimento ou sofrimento nas
pessoas, chegou-se à conclusão de que o dano moral não corresponde à
dor vista de forma isolada, mas sim, aos efeitos maléficos por ela
causados, à sua repercussão ou conseqüência, marcados ou não pelo
sofrimento, pela angústia que invade e domina a alma, provocando apatia,
morbidez mental, deixando marcas indeléveis no ofendido.
69
Antonio Chaves. Tratado de direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, v. 3, p. 607.
70
Aparecida I. Amarante. Responsabilidade civil por dano à honra. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1998,
p. 235.
65
Nesse sentido, esclareceu Eduardo Zanoni
71
“que o dano moral não é a
dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo
que sofre a vítima do evento danoso, pois esses estados de espírito
constituem a conseqüência do dano”. A dor que experimentam os pais pela
morte violenta do filho, a dor que sente aquele que foi injuriado
publicamente são estados de espírito contingentes e variáveis em cada
caso, pois cada um sente ao seu modo, não podendo, desta feita, serem
considerados como o diferencial para a conceituação precisa do dano
moral, mas sim, e antes de tudo, a lesão motivadora da dor ou do
sofrimento, que independentemente de seu grau, é identificável em todos
os casos em que se reconhece a existência de prejuízo moral.
A mesma colocação fez André Gustavo Corrêa de Andrade
72
, ao destacar
que “As dores, angústias, aflições, humilhações e padecimentos, que
atingem a vítima de um evento danoso não constituem, de ordinário, mais
do que a conseqüência ou repercussão do dano (seja ele moral ou
material) (...) A associação do dano moral à dor, à angústia, à tristeza
deriva as circunstâncias de que as formas mais freqüentes de expressão
dessa espécie de dano estão relacionadas com essas sensações ou esses
sentimentos negativos. Mas o dano moral não se reduz ao sofrimento,
podendo, mesmo, prescindir deste.”
Por fim, citamos Sergio Cavalieri Filho
73
, para quem “(...) o dano moral não
está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima. Pode
71
Eduardo Zanoni, El daño en la responsabilidad civil, 2ª. ed. Buenos Aires: Astrea, 1987, p.172.
72
André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral e indenização punitiva: os punitive damages na
experiência do common law e na perspectiva do direito brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.39-40
73
Sergio Cavalieri Filho, Programa, cit. p. 101
66
haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame e
sofrimento sem violação da dignidade. Dor, vexame, sofrimento e
humilhação podem ser conseqüências, e não causas. Assim como a febre
é o efeito de uma agressão orgânica, a reação psíquica da vítima só pode
ser considerada dano moral quando tiver por causa uma agressão à sua
dignidade.”
Diante da falta de individualização capaz de distinguir o dano moral dos
demais prejuízos sofridos pelo ser humano, sendo a dor ou o sofrimento
elemento dispensável para sua aferição, como ocorre com os doentes
mentais, as crianças, os pacientes em estado de coma, inconscientes ou
em estado vegetativo, outras teorias procuraram a melhor conceituação do
fenômeno.
2.3.3. Teoria dos direitos atingidos e os direitos da personalidade
Partindo da premissa de que a dor não pode ser considerada como o
diferencial necessário para conceituar o dano moral, mas sim a ofensa, a
lesão, ocorrente em todo e qualquer dano que se vislumbre, vários foram
os conceitos trazidos pela doutrina afiliada à teoria que acredita ser o dano
moral aquele caracterizado pela ofensa a uma certa categoria de direitos
ou interesses, quais sejam, os direitos da personalidade.
Sérgio Cavalieri Filho
74
, sustentando a posição, se manifesta a respeito: “À
luz da Constituição vigente, podemos conceituar o dano moral por dois
aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é a violação do direito à
74
Sérgio Cavalieri Filho, Programa, cit., p. 101-102
67
dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade,
da vida privada, da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que
a Constituição inseriu em seu art. 5º, V e X, a plena reparação do dano
moral. (...) o dano moral , em sentido amplo, envolve esses diversos graus
de violação dos direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à
pessoa, considerada esta em suas dimensões individual e social, ainda
que sua dignidade não seja arranhada.”
Desta forma, seria possível a conclusão de que o prejuízo moral seria
aquele causado aos direitos da personalidade ou aos direitos
personalíssimos.
Adepto de tal teoria, para Yussef Said Cahali
75
, “Na realidade,
multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma
humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua
personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado,
qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral: não há como
enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no
sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no
desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na
humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da
normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no
desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.”
75
Yussef Said Cahali, Dano moral, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 22 e 23.
68
Segundo Carlos Alberto Bittar
76
“danos morais são aqueles atributos
valorativos ou virtudes da pessoa como ente social integrado à sociedade,
vale dizer, os elementos que o individualizam como ser, de que se
destacam a honra, a reputação e as manifestações do intelecto.
Qualificam-se como morais os danos em razão da subjetividade, ou do
plano valorativo da pessoa na sociedade em que repercute o fato violador.
Assim, os danos morais plasmam-se, no plano fático, como lesões às
esferas da personalidade humana situadas no âmbito do ser como
entidade pensante, reagente e atuante nas interações sociais”.
Acrescentou, ainda, que “danos morais são lesões sofridas pelas pessoas,
físicas ou jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade, em razão de
investidas injustas de outrem. São aqueles que atingem a moralidade e a
afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimento, vexames, dores,
enfim, sentimentos e sensações negativas. Contrapõem-se aos danos
denominados materiais, que são prejuízos suportados no âmbito
patrimonial do lesado”
77
.
Para Silvio de Salvo Venosa
78
, “dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo
psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos
da personalidade”.
76
Carlos Alberto Bittar, Reparação, cit., p. 41.
77
Carlos Alberto Bittar, Danos morais: critérios para sua fixação, Repertório IOB de Jurisprudência, n.
15/93, 1ª quinzena de agosto/93, p.293.
78
Silvio de Salvo Venosa, Direito civil, cit., p.47
69
Dalmartello
79
, citado por Yussef Said Cahali, entende ser mais razoável
conceituar o dano moral “como a privação ou diminuição daqueles bens
que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a
tranqüilidade do espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a
integridade física, a honra e os demais sagrados afetos.
Maria José F. Barreira Araújo
80
assim se manifestou: “dano moral constitui
um atentado a valores extra-patrimoniais, como o bom nome, a saúde, a
integridade física, a honra, a intimidade de alguém ou quaisquer outras
situações individuais da vida do homem”.
Glaci de Oliveira Pinto Vargas
81
, no mesmo sentido, traça a seguinte
definição para o dano moral: “Consiste na lesão a um interesse que visa à
satisfação ou ao gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos
direitos da personalidade (a vida, a integridade corporal, a liberdade, a
honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem)
ou nos atributos da pessoa (o nome, a capacidade, o estado e a família).”
José Jairo Gomes
82
, por sua vez, aponta que “O direito da personalidade é
aquele que atinge a pessoa na sua natureza imaterial, malferindo aqueles
bens preciosos que lhe permitem conduzir-se no mundo, com honra e
dignidade, em busca da sua plena realização; tais bens não comportam
79
Dalmartello, Danni morali contratuali, Riv. Dir. Civ., 1933, p. 55 e ss, apud Yussef Said Cahali, Dano
moral, cit, p. 22
80
Maria José Fontenelle Barreira Araújo, O dano moral e sua identificação, Revista da Faculdade de
Direito. Fortaleza, 30 (2): jul-dez, 1989, p.114.
81
Glaci de Oliveira Pinto Vargas, Reparação do dano moral: perspectivas e controvérsias, 4ª ed. Porto
Alegre: Síntese, 2001, p. 18.
82
José Jairo Gomes, Responsabilidade civil, cit., p. 273
70
valoração econômico-patrimonial, abrangendo estados e situações que vão
desde a interioridade da consciência humana até as formas de
exteriorização da personalidade no ambiente social. Traduz-se, antes de
tudo, na lesão à dignidade humana.”
2.3.4 Teoria do efeito da lesão
A última corrente que procura a conceituação do dano moral, em oposição
à tese de que este reside na ofensa aos direitos da personalidade, defende
que o essencial é distinguir a impressão ou o efeito lesivo causado no
espírito da vítima, “(...) porque o dano é, conceitualmente, efeito de algum
acontecimento, ou seja, é o efeito produzido pelo ato danoso ou lesivo. Por
esse ângulo, nenhuma importância teria a natureza ou a índole dos direitos
lesionados para a determinação da espécie de dano. O dano moral, assim,
residiria justamente na impressão psíquica decorrente da ofensa.”
83
Comunga com tal entendimento José de Aguiar Dias
84
, para quem “(...) a
distinção, ao contrário do que parece, não decorre da natureza do direito,
bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter de sua
repercussão sobre o lesado. De forma que tanto é possível ocorrer dano
patrimonial como dano moral em resultado de ofensa a bem imaterial” (...)
Deve notar-se que a distinção entre dano patrimonial e dano moral só diz
respeito aos efeitos, e não à origem do dano. Neste aspecto, o dano é
único e indivisível” (...) Ora, o dano moral é o efeito não patrimonial da
lesão de direito e não a própria lesão, abstratamente considerada. O
83
André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral, cit., p. 42
84
José de Aguiar Dias, Da responsabilidade, apud Wesley de Oliveira Louzada Bernardo, Dano moral, cit.
74.
71
conceito de dano é único, e corresponde a lesão de direito. Os efeitos da
injúria podem ser patrimoniais ou não, e acarretam, a divisão dos danos
em patrimoniais e não patrimoniais. Os efeitos não patrimoniais da injúria
constituem os danos não patrimoniais.”.
Da mesma forma, Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho
85
, para quem o
dano moral seria “(...) o efeito moral da lesão a interesse juridicamente
protegido.”
Por esse ponto de vista, o dano moral não consistiria na ofensa à honra,
por exemplo, mas na impressão que essa ofensa tenha causado no
espírito do ofendido, que é, pois, o resultado da atividade lesiva.
Ocorre, porém que para alguns autores, como Eduardo Zannoni
86
, essa
distinção entre a atividade lesiva e o dano moral, para fins de expressar a
perfeita conceituação do instituto é insubsistente, porquanto, “os bens
patrimoniais, as coisas, os direitos de crédito, são ‘meios’ econômicos de
que serve o homem para satisfazer seus interesses; por outro lado, os
bens extrapatrimoniais ou direitos da personalidade são ‘fins’ em si
mesmos”.
Outrossim, cabe observar que a concepção de dano moral como ofensa a
direito da personalidade não significa que esteja sendo estabelecida a
responsabilidade civil em momento anterior à ocorrência do dano. Não é
suficiente que exista somente um comportamento potencialmente lesivo a
85
Carlos Edison do Rego Monteiro Filho, Elementos de responsabilidade civil por dano moral, Rio de
Janeiro: Renovar, 2000, p.40.
86
Eduardo A. Zanoni, El daño. , p.292.
72
algum bem da personalidade, sendo necessário, para a configuração do
dano moral, também, que a ofensa se concretize. Colocar o efeito da lesão,
se patrimonial ou não, como epicentro do instituto, seria retirar o mais
importante, qual seja, o titular dos direitos lesados como o foco da
conceituação.
Desta feita, sem olvidar que realmente os efeitos da lesão podem ser
morais, mesmo em decorrência de um dano material e vice-versa, como
ocorre por exemplo, com a perda de um animal de estimação ou de uma
jóia de família, entendemos que especificar a categoria de direitos ou
interesses atingidos no dano moral é a peculiaridade que mais importa
para sua conceituação, sendo de maior prudência a junção das duas
teorias para a fixação de um conceito mais completo do fenômeno jurídico.
2.3.5. Teoria da violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo
87
, aponta uma quarta corrente
doutrinária para a qual a conceituação do dano moral deve estar centrada
na proteção da dignidade da pessoa humana.
De certa forma e ao nosso ver, tal teoria cuida exatamente da junção das
duas outras correntes antes examinadas, chegando a um conceito do dano
moral mais coerente com o atual momento da civilística moderna, que
busca a recondução da pessoa humana ao centro do ordenamento jurídico,
em consonância, inclusive, com os princípios consagrados pela
Constituição Federal.
87
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo, Dano moral, cit. p. 77 e 78
73
Para o autor, citando o entendimento de Maria Celina Bodin de Moares
88
,
“Assim, no momento atual, doutrina e jurisprudência dominantes têm como
adquirido que o dano moral é aquele que, independentemente do prejuízo
material, fere direitos personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que
individualiza cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade
profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais, entre
outros. O dano é ainda considerado moral quando os efeitos da ação,
embora não repercuta na órbita do seu patrimônio material, originam
angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhe
sensações e emoções negativas. Neste último caso, diz-se necessário,
sejam intensos a ponto de poderem facilmente distinguir-se dos
aborrecimentos e dissabores do dia-a-dia, situações comuns a que todos
se sujeitam, como aspectos normais da vida cotidiana.”
Em consonância com a proteção da dignidade da pessoa humana como o
epicentro a ser adotado na conceituação do dano moral Ramon Daniel
Pizarro
89
, enuncia todos os contornos que o modelam, ao nosso ver, da
maneira mais completa possível, abordando todos os aspectos necessários
à individualização do instituto, conforme se verifica:
“a) Logo de início, é de se verificar que a definição atende às
conseqüências que a ação antijurídica produz no ânimo do prejudicado.
Encontra-se a entidade qualitativa e quantitativa do dano moral. É o dano
considerado em si mesmo e a repercussão no ânimo da vítima.
88
Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à pessoa humana – uma leitura civil-constitucional dos danos
morais, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 156 .
89
Ramon Daniel Pizarro, Daño moral, p. 47 a 50, apud Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p. 97
74
b) O detrimento no espírito provém de uma lesão a algo que não está no
patrimônio da pessoa. Antes, atinge o mais recôndito do ser, em sua
subjetividade. Sem a lesão espiritual, não existe minoração na capacidade
anímica de ninguém, inexistindo dano moral passível de indenização.
c) A definição afasta o mal vezo já assinalado de definir por negação,
porque afirma que o dano moral é, de forma positiva, e encerrando em seu
conteúdo, o que ele significa, sem a tradicional contraposição ao dano
material. É posto em relevo o conteúdo próprio e específico, e não por
mera contraposição com o dano material.
d) A perda, o dano, o prejuízo, o detrimento, encontram-se na modificação
do espírito, assinalando que os múltiplos aspectos da personalidade
humana hão de ser respeitados. A modificação desvaliosa considera a
pessoa humana em toda sua dimensão, enquanto corpo e espírito, o que
compreende os múltiplos aspectos da personalidade, dignos de proteção.
e) O dano moral ultrapassa aquele dado puro e simples do afetivo, dos
sentimentos, projetando seus efeitos para outras áreas da personalidade,
como a capacidade de querer, de sentir e de entender. A modificação
espiritual estende seus efeitos de forma ampla, pois essa alteração
desfavorável pode atingir outros espaços da subjetividade, do prejudicado.
Zavala discrimina cada uma dessas capacidades, afirmando que a
dimensão espiritual de uma pessoa não se reduz à órbita afetiva ou de sua
sensibilidade (capacidade de sentir), pois compreende também uma
intelectual (capacidade de entender) e outra volitiva (capacidade de
querer). Quando o ato afeta ou compromete o desenvolvimento de
qualquer destas capacidades de um modo negativo ou prejudicial,
configurado estará o dano moral. A privação ou supressão temporal de
75
qualquer dessas faculdades deve ser indenizada pelo desvalor subjetivo
que denotam.
f) Os seres mais insensíveis, ou a criança, um louco ou um demente,
incapazes de entender e compreender a dor espiritual que os afeta, não
estão excluídos da possibilidade de sofrerem dano moral. Mesmo na
ausência de sensibilidade e de compreensão, há lugar para a configuração
do desvalor da ação. A consciência do sofrimento não passa a ser requisito
indispensável e inafastável para o exsurgimento do dano moral. ‘Com isso,
fica superado o estreito molde do chamado pretium doloris que pressupõe
necessariamente aptidão do prejudicado para sentir o dano. Portanto, a
perda dos sentimentos ou da possibilidade de experimenta-los, e mais
ainda, da aptidão de encontrar-se em uma situação anímica desejável, é
dano moral’.
g) Desdobrando o elencado no item f supra, existe a possibilidade de o
dano moral existir mesmo que não haja derramamento de lágrimas ou que
não haja a percepção sensitiva do menoscabo. O sofrimento não é um
requisito imprescindível para que o dano moral ocorra, embora seja uma de
suas manifestações mais encontráveis no cotidiano. O sofrimento,
caracterizado pela dor, angustia, vergonha, humilhação, perda do desejo
de viver etc., é apenas possível manifestação do dano moral. Nesse
quadro, mesmo sem a existência de lágrimas ou sem que a vítima perceba
o que está ocorrendo em seu derredor, é possível que sofra dano moral.”
Assim é que, nos curvamos à teoria apresentada, pois sendo indubitável
que o ordenamento jurídico na atualidade consagra o ser humano como o
fim de toda e qualquer ação ou relação jurídica, buscando a mais ampla
proteção dos direitos que lhe são inerentes, considerados os direitos
76
humanos de forma ampla e as garantias fundamentais previstas na lei, com
o dano moral não poderia ser diferente, ou seja, sua conceituação deve
destacar a dignidade da pessoa humana como seu principal elemento, de
forma que qualquer ação que colida com tal princípio, ainda que não se
ache casuisticamente prevista, deverá ser reprimida.
Nesse passo, oportuna a lição de Sergio Cavalieri
90
ao destacar que
“Tenho para mim que todos os conceitos tradicionais de dano moral terão
que ser revistos pela ótica da Constituição de 1988. Assim é porque a atual
Carta, na trilha das demais Constituições elaboradas após a chamada
questão social, colocou o Homem no vértice do ordenamento jurídico da
Nação fez dele a primeira e decisiva realidade, transformando os seus
direitos no fio condutor de todos os ramos jurídicos.”
Em síntese e à luz da conclusão dos inúmeros doutrinadores que expõem
sobre o assunto, o dano moral pode ser compreendido como a lesão que
colide com a dignidade da pessoa humana, ferindo a categoria dos direitos
da personalidade, previstos ou não em nosso ordenamento, tais como o
direito à liberdade, à imagem, à honra, à vida, à reputação entre outros
inúmeros que não se colocam de forma exaustiva, causando ou não no
ofendido, levando-se em conta aqueles que não tenham capacidade de
entender o ato lesivo e mesmo que, sendo capaz, não apresentem
percepção sensitiva do menoscabo, toda sorte de dor e sofrimento, de
forma a transtornar de maneira negativa seu estado anímico, espiritual ou
psíquico, podendo se materializar tanto quando ocorre dano que afeta o
patrimônio gerando efeito moral (roubo de jóia de família, por exemplo),
90
Sergio Cavalieri Filho, Programa, cit., p. 100
77
quanto, ao contrário, quando ocorre dano que afeta a moral refletindo no
patrimônio da vítima (ofensa à reputação de um estabelecimento que
acarreta a sua falência).
Entendemos, a partir do conceito aqui formulado, que restam abrangidos
todos os aspectos necessários para a conceituação do instituto, não
ficando restrita ao menoscabo dos sofrimentos causados pela lesão aos
direitos da personalidade, mas também abrangendo as possibilidades de
seus efeitos, indo além, ao dispor que podem ser evidenciadas também
nos casos em que o lesionado seja incapaz ou não apresente a percepção
sensitiva do dano, sendo a característica essencial do dano moral, que se
verifique a ocorrência de lesão à dignidade da pessoa humana.
2.4. Caracterização do dano moral nos casos de ausência de
transtorno psicológico ou perturbação espiritual do lesado
Aceita a premissa de que o dano moral é, essencialmente, a lesão causada
pela não observância ao princípio da proteção da dignidade humana,
provocando prejuízo ou ofensa aos bens inerentes à personalidade do
indivíduo, a ausência de lágrimas ou a incapacidade de sentir a dor
espiritual não implicam na conclusão de inexistência de agravo moral, pois
a lesão não deve ser tolerada e muito menos, ficar isenta de repreensão.
Assim, como será exposto a seguir, louvável o entendimento de que os
loucos, os doentes mentais, os pacientes comatosos, os pacientes
vegetativos, as crianças e até mesmo o nascituro, são passíveis de sofrer
78
dano moral, mesmo que não se manifestem negativamente diante da
ofensa a algum dos direitos que integram sua personalidade.
2.4.1. Responsabilidade civil por dano moral aos loucos, doentes
mentais, pacientes em estado de coma e vegetativos
Para Antonio Vasquez Vialard, mencionado por Pinho Pedreira
91
, “os
efeitos psicofísicos, conquanto sejam uma conseqüência da lesão
provocada por um ‘dano moral’, nem sempre se produzem
necessariamente, acontecendo, como acontece quando o dano afeta um
demente ou um menor, que, por falta de compreensão ou entendimento,
nenhum sofrimento moral ou sensação dessa natureza experimenta”.
No mesmo sentido Arnaldo Marmitt
92
se manifesta, ao negar a
possibilidade de ocorrência de danos morais às pessoas acometidas de
doenças mentais, em estado vegetativo ou em coma. Afirma o doutrinador
que: “Muito não difere o tratamento a ser dispensado a todas aquelas
pessoas físicas que, por desenvolvimento retardado ou incompleto, ou por
qualquer outro fator patológico, são incapazes de sentir a dor moral. É
sabido que no terreno das doenças mentais muito diversificadas são as
enfermidades que abatem o homem, fazendo-o insensível e sem condições
de autodeterminar-se, e de distinguir entre o bem e o mal. O louco e o
imbecil não denotam sentimentos íntimos por morte de um parente
próximo, muito menos aqueles dementes que matam pessoas de sua
própria família. Não há falar-se, de conseguinte, em dano moral sofrido por
91
Pinho Pedreira, A reparação do dano moral no Direito do Trabalho, Revista LTr, São Paulo, v. 55,
maio.1991, p. 552 e 553.
92
Arnaldo Marmitt, Perdas e danos, 2ª ed., Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 137
79
mentecapto ou doido, nem de crianças, que ainda não adquiriram noção do
que seja angústia ou depressão, ou qualquer outro sofrimento apto a
justificar a reparação por dano moral.”
Seguindo a linha de raciocínio até aqui desenvolvida, com base nos
fundamentos apresentados, importa registrar a total discordância com o
entendimento esposado pelos doutrinadores citados.
De fato, ainda que se trate de demente, paciente em estado de coma ou
que se encontre em estado vegetativo, não há como aceitar a negativa do
dano moral, pela simples argumentação de que tais indivíduos, pela sua
incapacidade jurídica, não possam sentir a lesão. Segundo Eduardo A.
Zannoni
93
, “o que qualifica o dano moral é a atividade lesiva ou danosa
enquanto tal, ou seja, o só ataque a interesse não-patrimonial da vítima,
sem que para definir sua existência deva requerer-se que ela o
compreenda ou perceba, pois o agravo menoscaba sempre uma projeção
existencial que é reconhecida também àqueles que estão privados de
razão ou sensibilidade”.
Por ser o dano moral é a conseqüência irrecusável do fato danoso, este o
prova per se (por si)”, não havendo, assim, ao nosso ver, como contestar
sua existência, por exemplo, nos casos de zombaria contra um demente,
ainda que, em tese, este não seja capaz de senti-lo. Desta feita, se a
ofensa moral ocorreu, basta por si só para a caracterização do dano moral.
93
Eduardo A. Zanoni, El daño, cit., p. 264
80
Com o mesmo entendimento, destacou André Gustavo Corrêa de
Andrade
94
, que “Os doentes mentais ou as pessoas em estado comatoso
ou vegetativo, embora nem sempre sujeitos a manifestações psíquicas ou
sensoriais negativas diante da ofensa a algum direito da personalidade,
também fazem jus à indenização por dano moral (...) Uma pessoa
desprovida de consciência ou compreensão é tão digna de consideração e
respeito à sua dignidade quanto uma pessoa lúcida e consciente. A mesma
dignidade vital – na feliz expressão de Capelo de Souza – é inerente a
todos os seres Humanos, independentemente de suas deformações e
insuficiências.”
Nesse quadro, cita o autor hipótese real levada à apreciação judicial, que
se adequou perfeitamente ao exemplo que mencionamos acima, qual seja,
de um ser humano portador de doença rara que exposto à situação
vergonhosa foi considerado passível de receber indenização por dano
moral, haja vista a impossibilidade de discussão sobre a falta de sua
ocorrência.
Consignou ainda, o autor, que “Situação como essa foi objeto de
julgamento pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Um
menor de quinze anos de idade, portador de doença rara conhecida como
‘Síndrome de Seckel’, foi exibido em programa de televisão por trinta e sete
minutos, durante os quais teve a sua imagem exposta de forma
ridicularizante, vexaminosa e bizarra. Em razão da doença, o menor,
apesar da idade, media apenas 87 cenmetros e aparentava retardamento
mental. Fantasiado o menor foi incentivado a fazer imitações e foi alvo de
94
André Gustavo Correa de Andrade, Dano moral, cit., p. 53 e 54
81
diversos comentários com intenção jocosa sobre sua baixa estatura. O
caso ganhou grande repercussão na imprensa, com críticas à natureza
apelativa do programa, que disputava índices de audiência com programa
de outra emissora. O pedido de reparação por dano moral formulado pelo
menor foi julgado procedente em primeiro grau de jurisdição (processo nº
1999.001.010015-0, da 36ª Vara Cível), com a condenação da empresa de
televisão ao pagamento de indenização de R$ 1.000.000 (um milhão de
reais). Foi repelida a tese da defesa de que o menor não tinha direito à
indenização por não ter sofrido nenhum abalo psicológico com sua
apresentação no programa, durante o qual teria até, se divertido muito. A
sentença (...) considerou caracterizado o dano moral pelo uso abusivo da
imagem e pelo abalo à reputação do autor, argumentando que nada
importava que a deficiência mental lhe privasse da capacidade de
compreender a situação abusiva a que fora submetido. Na fixação do
quantum indenizatório, a sentença enfatizou que a exploração aberrante da
imagem de um menor portador de deficiência com o objetivo de aumentar o
‘ibope’ é conduta merecedora de seria reprimenda, que, além, de servir
como punição, deve atuar como forma de prevenir a repetição do ilícito. Em
sede de apelação, a indenização foi reduzida para R$ 150.000,00
(Apelação Cível nº 2002.001.06856, da 2ª Câmara Cível).”
Embora o debate acerca do assunto seja apaixonante e certamente, caiba
como objeto de outro estudo muito mais aprofundado, vamos nos limitar ao
exposto, já que além de fugir do tema proposto no presente trabalho, nos
parece suficientemente demonstrado que as lesões morais nos casos aqui
tratados não podem ser simplesmente ignoradas, merecendo integral
indenização.
82
2.4.2. Responsabilidade civil por dano moral à criança e o nascituro
O mesmo se pode afirmar com relação às crianças, para as quais não se
poderá negar o direito ao dano moral, ainda que a lesão, mesmo certa, não
provoque dor, mal-estar ou qualquer alteração na psique do infante, pois
ainda que incapazes sob a órbita jurídica, são possuidores de direitos
inerentes à personalidade, ainda que não consigam expressar por si
mesmos o agravo sofrido. Exemplo disso é a ocorrência de violência
sexual contra crianças ou bebês, que apesar de não possuírem maturidade
suficiente para afirmar a dor ou sofrimento, de fato, foram vítimas de
ofensa moral, principalmente à sua integridade física e à sua honra.
Antonio Jeová Santos
95
esclarece que “Quando se trata de criança, a
psicologia tem definido que os traumas afetivos, padecidos na primeira
infância, só aparecem como manifestações neuróticas, quando a pessoa
que os sofreu, ingressa na adolescência e os acompanha até a vida adulta.
Mesmo que o dano moral não surja de imediato, pela falta de compreensão
da criança, essa lesão aparecerá no futuro, com maior intensidade. Não
existe nenhuma razão para deixar de indenizar uma criança, por achar que
ela não entendeu o caráter do ato insidioso, causador do dano moral.”
Quanto ao nascituro, o art. 2º do Novo Código Civil, é expresso ao garantir
a proteção de seus direitos desde a concepção, independentemente da
falta de consciência por parte do infante.
95
Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit. p. 129
83
Para Maria Helena Diniz
96
“Ante o reconhecimento legal dos direitos do
nascituro, não há como negar a possibilidade de, com o seu nascimento
com vida, vir ele a pleitear indenização por deformações ou problemas
físicos permanentes, resultantes, por exemplo, de mau acompanhamento
médico, falta de exames ou prescrição errada de medicamento em exame
pré-natal.
Nesse sentido, o agravo moral de que padece um ser humano que nasce
com deformações ou com as conseqüências de lesões sofridas no ventre
materno, como ocorre, por exemplo, quando a mãe sofre um acidente de
trânsito, não consiste na dor ou no sofrimento do lesionado, mas sim, na
perda das condições de desenvolver suas aptidões pessoais, que lhe
possibilite experimentar, amplamente, as situações da vida, como acontece
com qualquer indivíduo não submetido a tal lesão.
Antonio Jeová Santos
97
, faz colocação interessante, na medida em que
não se pode olvidar do avanço da tecnologia e da medicina, de forma que
“(...) com os avanços da ciência que estuda a psique do indivíduo e as
razões de certos comportamentos, retornando ao passado longínquo da
pessoa, não será impossível que o reflexo do dano moral, surgido quando
a criança ainda estava no ventre da mãe, somente se manifeste anos
depois; provado o dano e o nexo de causalidade existirá a indenizabilidade
do dano moral.”
96
Maria Helena Diniz, A responsabilidade civil por dano moral, Revista Literária de Direito, jan/ fev.,
1996, p. 9
97
Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p. 129
84
Ademais, não podemos deixar de consignar que a proteção dedicada pela
ordem jurídica alcança o nascituro desde sua concepção, equivalendo
dizer, ainda no ventre de sua mãe, mesmo que a vida lhe seja ceifada
posteriormente, entendemos que é verificável a possibilidade de
caracterização do dano moral, na hipótese exemplicativa de agressão à
sua honra ou imagem, como ocorre com a divulgação desautorizada de
imagens obtidas por meio de exames ultrassonográficos, de partes
dilaceradas do corpo de nascituro que não resistiu à morte, ou ainda de
membros ou órgãos do feto deformado, com sérios problemas que o
levarão, inevitavelmente, à morte antes do nascimento, sendo legitimados
para postular a indenização respectiva, de forma indireta, as pessoas com
as quais este guarda vinculação, e indo mais além, até mesmo pelo
Ministério Público, admitindo-se que a lesão, neste caso, seja capaz de
atingir a sociedade, ainda que indiretamente. Seria o caso de prática ilegal
de aborto, por exemplo.
2.3. Direito das pessoas jurídicas à indenização por dano moral
Muito se discutiu sobre a possibilidade da pessoa jurídica ser alvo de lesão
moral. As pessoas jurídicas não seriam suscetíveis de sofrer dano moral,
haja vista a suposição de que seria sempre imprescindível a perturbação
negativa, física ou psíquica do espírito ou do ânimo, fenômenos que se
manifestam somente nas pessoas naturais.
Com efeito, esse o entendimento manifestado por Arnaldo Marmitt
98
, ao
dispor que “A dor em sentido amplo, consistente em angústias, depressão
98
Arnaldo Marmitt, Perdas, cit., p. 136
85
moral, vergonha, vexame, sofrimentos interiores, atinentes à alma e ao
espírito, é o fundamento dos danos morais. Esses sentimentos são
próprios do ser humano, pois condizem com o seu sistema nervoso, com
sua sensibilidade, com seu organismo. O fenômeno dor, por ser um
fenômeno vital, próprio dos seres com capacidade de sentir, não atinge as
pessoas jurídicas, que não se angustiam, não sofrem e não choram a
morte de ninguém. Sem capacidade afetiva e sensorial, só passivamente
podem ser responsáveis por danos morais. Nunca lhes será lícito pleitear
ressarcimento com base em dano moral experimentado.
Porém, justamente pelo fato destas condições – a dor ou sofrimento - não
se caracterizarem essenciais à configuração do dano moral, como já se
mencionou, com o passar dos tempos reconheceu-se à pessoa jurídica a
qualidade de sujeito passivo do menoscabo moral. Tal entendimento
contribuiu para consagração da Súmula 227 do Superior Tribunal de
Justiça que reconheceu à pessoa jurídica referido direito. Diz a Súmula que
“A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.”
Outro fato a contribuir na aceitação desta premissa foi a questão da
necessidade de proteção às pessoas jurídicas, com o intuito de resguardar
sua perfeita existência, afinal, revelam-se imprescindíveis para o
desenvolvimento da sociedade, não podendo simplesmente sofrer
exclusão da proteção em debate.
Nesse sentido, Antonio Jeová Santos
99
faz colocação pertinente, ao citar
organismos internacionais, ajustados sob personalidade jurídica, que
99
Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit. 132
86
buscando o fomento da paz mundial, não poderiam ser desprezadas pelo
ordenamento como entes não passíveis de sofrer lesão de caráter moral.
Cita o autor, a título exemplicativo, a Cruz Vermelha, a Organização das
Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos.
Não obstante o exemplo, e partindo da mesma premissa básica, qual seja,
a importância das pessoas jurídicas como parte integrante da realidade
social, atualmente, pode-se dizer, que é pacificado o entendimento de que
são elas sujeitos com personalidade própria, que ao lado das pessoas
físicas e, independentemente destas, podem ser vítimas de dano moral.
Mesmo assim, não podemos deixar de mencionar, ainda que de forma
breve, as divergências doutrinárias surgidas a partir da discussão sobre o
assunto, manifestadas pela existência de 2 (duas) correntes, quais sejam:
a corrente que nega a existência do dano moral para a pessoa jurídica e o
seu contraponto, isto é, a corrente que aceita a pessoa jurídica como ente
suscetível de sofrer dano moral.
Sinteticamente, valendo-nos do ensinamento de Jorge Bustamante
Alsina
100
, a impossibilidade da pessoa jurídica ser passível de sofrer o dano
moral decorreria do seguinte:
“a) as pessoas jurídicas, enquanto, não são suscetíveis de sofrer
padecimentos espirituais, não estão legitimadas ativamente para reclamar
ressarcimento por suposto dano moral;
100
Jorge Bustamante Alsina, Responsabilidad civil y otros estudios, Vol. II, p. 85, apud Antonio Jeová
Santos, Dano moral
, cit., p. 137 e 138
87
b) os ataques a seus direitos extrapatrimoniais, que têm enquanto sujeito
de direito, embora não sejam os mesmos que se reconhecem às pessoas
físicas, como nos seres humanos, só são indenizáveis se afetam
indiretamente o patrimônio;
c) esses direitos extrapatrimoniais, tais como o nome e a reputação,
constituem aspectos sociais de uma personalidade e gozam de proteção
jurídica, mediante o reconhecimento de direitos subjetivos, que constituem
poderes de atuar em sua defesa preventivamente ante ameaças de
violação e para fazer cessar suas causa, porém não legitimam para
demandar ressarcimento por dano moral e somente quando houver dano
patrimonial indireto;
e) os membros e representantes das pessoas jurídicas não estão
legitimados para reclamar, a título próprio, indenização por dano moral que
sofram indiretamente.”
Também para Gustavo Tepedino
101
, inexistiria o direito à pessoa jurídica de
ser sujeito de dano moral, considerando o autor um equívoco “(...) imaginar
os direitos da personalidade e o ressarcimento por danos morais como
categorias neutras, adotadas artificialmente pela pessoa jurídica para a sua
tutela (a maximização de seu desempenho econômico e de seus lucros).
Ao revés, o intérprete deve estar atento para a diversidade de princípios e
de valores que inspiram a pessoa física e a jurídica, e para que esta, como
comunidade intermediária constitucionalmente privilegiada, seja
merecedora de tutela jurídica apenas e tão-somente como um instrumento
101
Gustavo Tepedino, A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro .In.: Temas
de Direito Civil, p. 52, apud André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral
, cit., p. 59
88
(privilegiado) para a realização das pessoas que, em seu âmbito de ação, é
capaz de congregar.”
Em estudo posterior, o citado autor acabou por se curvar relativamente à
tese que aceita a possibilidade de lesão moral à pessoa jurídica,
restringindo-a, no entanto, às pessoas jurídicas que embora exerçam
atividade comercial, não possuam finalidade lucrativa. Não obstante a
aceitação parcial, o autor denomina o dano moral de dano institucional.
Para Gustavo Tepedino
102
, “Há que se resguardar, todavia, a necessária
diferenciação entre as pessoas jurídicas que aspiram ao lucro e aquelas
que se orientam por outras finalidades. Particularmente neste último caso
não se pode considerar (como ocorre na hipótese de empresas com
finalidade lucrativa) que os ataques sofridos pela pessoa jurídica acabam
por se exprimir na redução de seus lucros, sendo espécie de dano
genuinamente material. Cogitando-se, então, de pessoas jurídicas sem fins
lucrativos deve ser admitida a possibilidade de configuração de danos
institucionais, aqui, conceituados como aqueles que, diferentemente dos
danos patrimoniais ou morais, atingem a pessoa jurídica em sua
credibilidade ou reputação.”
Por sua vez, a corrente que defende a possibilidade da pessoa jurídica ser
passível de sofrer dano moral, se pauta em alguns aspectos de relevância,
que podem ser esclarecidos por meio das citações de seus adeptos, tais
como Sílvio de Salvo Venosa, Yussef Said Cahali e Antonio Jeová
102
Gustavo Tepedino, Cidadania e os direitos da personalidade. Revista da Esmese, n.3, 2002, nº 3, p. 23
apud André Corrêa de Andrade, Dano moral
, cit, p. 61
89
Santos..Segundo Sílvio de Salvo Venosa
103
, “Em princípio, toda ofensa ao
nome ou renome de uma pessoa jurídica representa-lhe um abalo
econômico. Não há como admitir dor psíquica da pessoa jurídica, senão
abalo financeiro da entidade e moral dos membros que a compõem. Aqui,
sobreleva o aspecto de distúrbio comportamental. Nem por isso, porém,
deixará de ser reparado um dano de natureza moral contra a pessoa
jurídica: apenas que, a nosso ver, esse dano moral sempre terá reflexo
patrimonial. Será sempre economicamente apreciável, por exemplo, o
abalo mercadológico que sofre uma empresa acusada injustificadamente,
por exemplo, de vender produtos roubados ou falsificados. No campo da
pessoa jurídica, o que levamos em conta no aspecto do dano moral é o
ataque à honra objetiva, em síntese, a reputação e o nome. Evidente que
não são aplicáveis os princípios dos direitos personalíssimos (...).”
De acordo com Yussef Said Cahali
104
, “(...) A seu turno, a jurisprudência
mais atualizada vem se orientando no sentido de que as entidades
coletivas estão dotadas dos atributos de reputação e conceito perante a
sociedade e, por conseguinte, são passíveis de difamação, desde que a
manifestação possa abalar tais atributos, admitindo assim a reparação do
dano moral sofrido pela pessoa jurídica. Assim, afirma-se ser admissível a
indenização por dano moral causado à pessoa jurídica em decorrência de
manifestações que acarretem abalo de seu conceito no mercado em que
atua, uma vez que o direito à honra e imagem é garantido pela
Constituição, em seu art. 5º, X, cuja interpretação não há de se restringir às
pessoas naturais.”
103
Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil, cit., p. 49 e 50
104
Yussef Said Cahali, Dano, cit., p. 384
90
Para Antonio Jeová Santos
105
, “Embora não seja titular de honra subjetiva
que vem a ser a dignidade, o decoro e a auto-estima, caracteres exclusivos
do ser humano, a pessoa jurídica detém honra em seu substrato objetivo.
Sempre que o seu bom nome, reputação ou imagem (no sentido lato da
expressão) forem vilipendiados em decorrência da ilicitude cometida por
alguém, o direito deve estar presente para sujeitar o agressor à
indenização por dano moral.”
Desta feita, indiscutível que da mesma forma que se admite o dano moral
às pessoas incapazes ou alienadas do sentimento negativo de ânimo ou
mesmo de entendimento acerca do prejuízo moral sofrido, às pessoas
jurídicas são plenamente aceitáveis os prejuízos decorrentes de abalo
moral.
Primeiro, porque não é condição para o reconhecimento do dano moral, a
dor psíquica ou espiritual própria do ser humano. Também, porque não se
discute a ofensa à honra subjetiva, própria da pessoa natural e decorrente
da ofensa à dignidade da pessoa humana, sendo afetada, no caso das
pessoas jurídicas, sua honra objetiva. Por fim, porque o fundamento para o
seu reconhecimento se encontra expressado no ordenamento jurídico, na
medida em que o artigo 5º, X da Constituição Federal, não restringe à
pessoa humana o direito de indenização por dano moral ou à imagem.
Além disso, a Constituição em seu artigo 5º, XXIV, determina seja
assegurada a proteção aos nomes de empresas, vez que dispõe que “a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
105
Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p. 143
91
Também em sede infraconstitucional, a pessoa jurídica encontra proteção
contra danos aos seus direitos da personalidade, distintos daqueles
próprios das pessoas jurídicas, vislumbradas nos artigos 52 e 12 do Código
Civil de 2002, que assim estabelecem:
“Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos
direitos da personalidade.”
“Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da
personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções
previstas em lei.”
2.4. Dano moral difuso ou coletivo
Segundo André Gustavo Corrêa de Andrade
106
, “O dano moral coletivo
constitui a agressão a bens e valores jurídicos comuns a toda coletividade
ou parte dela. Parte-se, pois, da idéia de um patrimônio moral coletivo e
indivisível, inerente aos homens em sua dimensão social.”
O dano moral coletivo pode ser tido, portanto, como a agressão aos
interesses ou direitos transindividuais que, por não pertencerem a uma só
pessoa, transcendem a esfera privada e pessoal do indivíduo, constituindo
ofensa a toda a coletividade. Os interesses coletivos são indivisíveis e
atingem pessoas indeterminadas ligadas por uma circunstância de fato. A
indeterminabilidade do interesse se caracteriza pela ofensa a um bem que
106
André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral, cit. p. 64
92
pertença a todos, como ocorre, por exemplo, com a agressão ao meio
ambiente, bem coletivo protegido pelo art. 225 da Constituição Federal.
Já o dano moral difuso, constitui a agressão aos bens ou interesses
transindividuais de natureza indivisível de que seja titular um grupo, uma
categoria. Também a indeterminabilidade dos sujeitos nos interesses e
direitos difusos constitui outra característica de tais direitos. São pessoas
dispersas no seio da coletividade, embora sejam determináveis: abrangem
categorias, grupos.
2.5. Espécies de dano moral: dano puro, direto e indireto
Não se estabeleceu ainda, na doutrina, uma divisão clássica dos tipos de
danos morais, havendo variadas classificações, razão pela qual ficará
mencionada algumas das espécies de danos sugeridas pelos
doutrinadores, todas pertinentes e complementares entre si, ao nosso ver.
Maria Helena Diniz entende que os danos morais se classificam em danos
morais diretos e indiretos, expondo: “O dano moral direto consiste na lesão
a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico
extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a
integridade corporal e psíquica, a liberdade, a honra, o decoro, a
intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da
pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família). Abrange, ainda,
a lesão à dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1, III). O Dano moral
indireto consiste na lesão a um interesse tendente à satisfação ou gozo de
bens jurídicos patrimoniais, que produz um menoscabo a um bem
93
extrapatrimonial, ou melhor, é aquele que provoca prejuízo a qualquer
interesse não patrimonial, devido a uma lesão a um bem patrimonial da
vítima. Deriva, portanto, do fato lesivo a um interesse patrimonial. P. ex.:
perda de coisa com valor afetivo, ou seja, de um anel de noivado”
107
.
Já Miguel Reale
108
, distingue o dano moral objetivo do dano moral
subjetivo. Ensina que “O primeiro atinge a dimensão moral da pessoa no
meio social em que vive, envolvendo o (dano) de sua imagem. O dano
moral subjetivo que se correlaciona com o mal sofrido pela pessoa em sua
subjetividade, em sua intimidade psíquica, sujeita à dor ou sofrimento
instransferíveis porque ligados a valores de seu subjetivo, que o ilícito veio
penosamente subverter, exigindo inequívoca reparação”.
Sob a análise de Limongi França
109
: “(...) os danos podem ser classificados
em: a) dano econômico direto (dano material); b) dano econômico indireto
(dano material, por meio de dano moral); c) danos nos valores ideais
(aqueles que nem direta, nem indiretamente, atingem valores econômicos,
ou seja, dano moral ou dano moral puro)”, concluindo que os efeitos finais
do dano podem ser patrimoniais, morais, ou patrimoniais e morais; o
aspecto moral do dano não se desnatura se, concomitantemente, também
houver danos patrimoniais; o dano não deixa de ser puro, quanto ao
aspecto moral, a despeito da convergência de algum aspecto patrimonial,
ainda que economicamente mais relevante; em tais hipóteses, indenizam-
se tanto o dano moral como o patrimonial”.
107
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p.93
108
Miguel Reale apud João de Lima Teixeira Filho, O dano moral no direito do trabalho. Revista LTr, São
Paulo, n. 9, p. 1.170.
109
Rubens Limongi França, Reparação do dano moral. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 631, p.31
94
Carlos Aberto Bittar
110
assim se manifesta: “São puros os danos que se
exaurem nas lesões a certos aspectos da personalidade, quanto os
reflexos constituem efeitos ou extrapolações de atentados ao patrimônio ou
aos demais elementos materiais do acervo jurídico lesado (...) Existem
danos diretos e indiretos, ou puro e reflexos, consoante se manifestem
como conseqüências imediatas ou mediatas do fato lesivo: assim, se um
dano sobre a personalidade podem vir reflexos patrimoniais e vice-versa,
tanto na órbita da contratualidade, como na extracontratualidade. Pode,
ademais, haver concomitância de danos de um mesmo fato, diante das
funções várias que exercem os bens a serviço das pessoas e os próprios
objetivos em cada um visados. Dizem-se, por fim, subjetivos ou objetivos
os danos morais, quando se circunscrevem à esfera íntima ou valorativa do
lesado, ou se projetam no círculo de seu relacionamento familiar ou social;
por outras palavras, conforme se atinja a esfera subjetiva ou de relações
do interessado”. Acrescenta, por fim, ser comum a interpenetração entre
danos morais e patrimoniais, porque desses últimos podem resultar
satisfações morais e vice-versa.
110
Carlos Alberto Bittar, Reparação, cit. , p.35-37 e 47-49
95
3. Indenização do Dano Moral
3.1. Generalidades
3.2. A trajetória do dano moral na legislação brasileira, na doutrina e
na jurisprudência
Na legislação pátria, o dano moral passou por uma paulatina evolução,
trazendo consigo, antes mesmo de qualquer discussão acerca de sua
quantificação, o debate sobre a sua efetiva previsão legal e a possibilidade
de ser objeto de indenização.
Em termos legislativos, já o Decreto 2681/1912, que disciplinou a
responsabilidade das estradas de ferro em relão aos seus usuários,
ainda que de maneira tímida, contemplou o dano moral no seu art. 21, que
assim dispôs:
“Art. 21. No caso de lesão corpórea ou deformidade, à vista da natureza da
mesma e de outras circunstâncias, especialmente invalidade para o
trabalho ou profissão habitual, além das despesas com tratamento e os
lucros cessantes, deverá pelo juiz ser arbitrada uma indenização
conveniente.” (g.n).
O Código Civil de 1916, da mesma forma, trouxe em seu bojo a previsão
de reparação dos danos morais, não obstante tenha gerado discussão
doutrinária e jurisprudencial acerca do seu efetivo reconhecimento legal e
possibilidade de seu ressarcimento, haja vista lhe haver faltado
96
objetividade e manifestação expressa, omitindo, inclusive a expressão
dano “moral” em seus dispositivos, à exceção do artigo 76, que embora
tenha trazido o termo, não se referiu de forma inquestionável à
possibilidade de sua reparação.
As previsões encontravam-se basicamente dispostas nos artigos 159, 948,
e 1.518 a 1.532, todos esses relacionados à regulamentação da culpa e
avaliação da responsabilidade, artigos 1.537 a 1.552 (relativamente aos
critérios para a determinação do quantum debeatur, em caso de eventual
condenação por danos no caso de homicídio, no caso de ferimento ou
ofensa à saúde, no caso de prática de injuria ou calúnia, no caso de
esbulho ou usurpação da coisa alheia, no caso de defloramento, violência,
sedução ou rapto de mulher agravada em sua honra e no caso de ofensa à
liberdade pessoal), além do artigo 76 (relativamente ao interesse moral
para propor ação).
O Código Civil de 1916, à exceção dos casos específicos, encontrados nos
artigos 1.537 a 1.552, não ofereceu parâmetro objetivos para a liquidação
do dano moral, deixando-a ao arbítrio do juiz, de forma que previu, no
artigo 1.553 que, “Nos casos não previstos neste Capítulo, se fixará por
arbitramento a indenização.”
Dispunha, respectivamente, os artigos 159, 948 e 1.518 do antigo Diploma
Civil o seguinte:
97
“Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou
imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a
reparar o dano.”
“Art. 948. Nas indenizações por fato ilícito prevalecerá o valor mais
favorável ao lesado.”
“Art. 1.518. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de
outrem ficam sujeito à reparação do dano causado, e, se tiver mais de um
autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação.”
Em caso de danos decorrentes de homicídio, previa o artigo 1537 do
Código Civil de 1916:
"Art. 1537. A indenização, no caso de homicídio, consiste:
I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e
o luto da família;
II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia".
No tocante ao interesse moral para a propositura de ação, estabelecia o
art. 76 do revogado Código Civil:
“Art. 76. Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo
interesse econômico ou moral.”
Parágrafo único. O interesse moral só autoriza a ação quando toque
diretamente ao autor, ou à sua família.”
98
Ao tratar do artigo 1.537, Cláudio Antonio Soares Levada
111
, comenta que
“(...) o artigo 1.537 e seus incisos prevêem o ressarcimento dos danos, à
evidencia materiais, relativos às despesas com tratamento da vítima, seu
funeral e o luto da família, além da prestação de alimentos aos
dependentes”. Consigna, porém, que “(...) durante tempos este artigo foi
interpretado restritivamente, até mesmo pelo Supremo Tribunal,
fornecendo, argumentos aos que defendiam a inadmissibilidade da
reparação dos danos morais decorrentes da morte de quem não provia, ou
ao menos ajudava a prover, a subsistência de seus familiares (...).”
Ao analisar o artigo 159 do Diploma substantivo antigo, João Casillo
112
,
posicionou-se em favor do reconhecimento legal do dano moral e de sua
indenizabilidade.
Assim se manifestou o autor: "O Código indica como dano reparável, isto é,
indenizável, aquele decorrente de prejuízo causado ou direito violado.
Pretendesse o legislador vincular a noção de dano apenas às hipóteses
onde houvesse prejuízo no sentido de diminuição patrimonial, não teria
incluído a expressão violar direito. Bastaria dizer que aquele que causasse
prejuízo ficaria obrigado a repará-lo. (...) Basta a violação, a ofensa ao
direito, para que a proteção jurídica referente à reparação imediatamente
nasça, independentemente de outra cogitação."
111
Cláudio Antônio Soares Levada, Liquidação de danos morais, São Paulo: Copola Editora, 1995, p.27-28.
112
João Casillo, Dano moral e sua indenização, 2ª ed. rev. e ampliada, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1994, p. 52 e 53.
99
Caio Mário da Silva Pereira
113
, ao discorrer sobre a interpretação do
mesmo dispositivo, também defendeu a indenizabilidade do dano moral.
Assim ensinou: “A meu ver, a aceitação da doutrina que defende a
indenização por dano moral repousa numa interpretação sistemática de
nosso direito, abrangendo o próprio art. 159 do Código Civil que, ao aludir
à ‘violação de um direito’, não está limitando a reparação ao caso material
apenas. Não importa que os redatores do Código não hajam assim
pensado. A lei, uma vez elaborada, desprende-se da pessoa dos que a
redigiram. A idéia de ‘interpretação histórica’ está cada dia menos
autorizada. O que prevalece é o conteúdo social da lei, cuja hermenêutica
acompanha a evolução da sociedade e de suas injunções (Lei de
Introdução ao Código Civil, art. 5).”
Clóvis Bevilacqua
114
ao comentar o artigo 76 expressou que:
“O interêsse (sic) será, ordinàriamente (sic), econômico, isto é, conversível
em dinheiro; mas poderá ser também moral. No interêsse (sic) econômico
se compreende a defesa do direito real, e a exigência daquelas obrigações,
quae pecúnia lui praestarique possunt (D. 40, 7, fr. 9, § 2º). O interêsse
(sic) moral diz respeito à própria personalidade do indivíduo, à honra, à
liberdade e, ainda, à profissão.
Se o interesse (sic) moral justifica a ação para defendê-lo ou restaurá-lo, é
claro que tal interesse (sic) é indenizável, ainda que o bem moral se não
exprima em dinheiro.
113
Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade, cit., p. 46
114
Clóvis Bevilacqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, 11ª ed., São Paulo: Livraria Francisco
Alves, 1956, vol I, p. 256.
100
Este (sic) artigo, portanto, solveu a controvérsia existente na doutrina e
que, mais uma vez, repercutiu em nossos julgados.”
Carvalho Santos
115
ao discorrer sobre o mesmo dispositivo, vai mais além
e tece crítica, no sentido de que embora o mencionado artigo permitisse a
propositura de ação para reparar um dano de natureza moral, não solveu
completamente a problemática da reparação. Assim afirmou: “Não
entrando no mérito da questão de ser ou não legal a responsabilidade civil
pelo dano moral, cujo estudo reservamos para a parte do direito das
obrigações, não temos dúvidas em seguir a opinião de SPÍNOLA, porque
incontestàvelmente (sic) êste (sic) art. 76 nada esclareceu e em nada
contribuiu para a solução da questão controvertida.”
Agostinho Alvim
116
, embora entendesse que o Código Civil de 1916 não
trouxesse em si a indenizabilidade do dano moral, posto que não fazia
menção expressa sobre a circunstância, limitando-a aos casos de
reparação decorrentes do homicídio (art. 1.537 do antigo Código Civil),
quais sejam: pagamento de despesas com o tratamento da vítima, funeral
e o luto da família, além de prestação de alimentos às pessoas a que o
defunto os devia, colocou com propriedade, que o artigo 76 do antigo
Código Civil, interpretado literalmente, não era capaz de autorizar, por si
só, o reconhecimento do dever de indenização por dano moral, posto que o
dispositivo proclamava regra restrita à possibilidade de propositura de ação
115
J. M. Carvalho Santos, Código Civil interpretado, 11ª ed., Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1982,
vol. II.
116
Agostinho Alvim, Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 1980,
p.233.
101
respaldada em um interesse moral, sem, no entanto, fazer menção
inconteste de que tal interesse pudesse e devesse ser indenizado.
A controvérsia entre juristas e doutrinadores sobre a indenizabilidade do
dano moral, talvez por deficiência de expressa previsão no Código Civil de
1916 nesse sentido, perdurou de forma que os entendimentos se cingiram,
sendo que alguns se curvaram à impossibilidade de seu reconhecimento e
outros, não só reconheciam e aceitavam a possibilidade de propositura de
ação respaldada por um interesse moral, nos termos do antigo art. 76, mas
estendiam o entendimento para reconhecer como indiscutível o direito de
vê-lo totalmente reparado, ainda que não ocorrido em virtude de homicídio
no moldes do art. 1.537 do Código Civil de 1916, bem como nos demais
casos específicos previstos até o artigo 1.552.
Pode-se mencionar como exemplo de negativa à reparação do dano moral,
por ausência de texto expresso que assim determinasse, ficando, pois,
caracterizada a interpretação literal do art. 1.537 do Código Civil de 1916,
julgado trazido à luz por Cláudio Antônio Soares Levada
117
, inserido na
Revista dos Tribunais 176/229, em que se afirma que:
“De acordo com a tradição de nosso direito, de acordo com o texto
expresso da lei, de acordo com a lição dos doutrinadores e torrencial
jurisprudência dos Tribunais, nos casos de homicídio a obrigação de
alimentos, não sendo devido o ressarcimento de lesão, a título de danos
morais (Lacerda de Almeida. Obrigações, p.238; Lafayette, Direito das
Coisas, 3ª edição, p. 473; Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito
117
Cláudio Antônio Soares Levada, Liquidação, cit., p. 40 e 41
102
Comercial, volume VI, 2ª parte, p. 538; acórdãos que se encontram na RT
73/193, 74/375, 75/66 e 78/543; Revista Forense, 94/477 e 101/79, estes
últimos do Supremo Tribunal Federal).
Firmando assim que, em nosso direito, o dano moral é irreparável e
estabelecida também a impossibilidade de ampliação nos termos do artigo
1.537, do Código Civil, impõe-se a improcedência da ação, na parte que
visa a decretação da responsabilidade da Ré pelos danos morais derivados
do desastre.”
Por outro lado, em contraste com esse posicionamento, e apontado por
Rodrigo Mendes Delgado
118
como a pedra fundamental na história jurídica
de nosso país, reconhecendo a aceitação dos danos morais, foi o julgado
proferido em 14 de março de 1975, no Recurso Extraordinário nº 80.158,
tendo como relator o Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro
Aliomar Baleeiro, destacando-se do acórdão o seguinte trecho:
“Quanto ao dano estético, não há como deixar-se de reconhecê-lo, dado
que o autor perdeu parcialmente as duas pernas. Não basta pois ser
indenizado pelo fato em relação ao dano consistente em sua total e
permanente inabilitação para o trabalho que exercia, mas igualmente esse
plus que se traduz no dano estético, na chocante desvalorização do seu
aspecto físico aos olhos da sociedade e de si próprio, e sem o que a
indenização não se poderia dizer completa, mesmo tendo-se em conta a
propósito a relatividade da reparação, arbitrada pelo respectivo perito na,
por assim dizer, modesta quantia de dois mil cruzeiros. Estou de acordo
com a tese de que já se ocupou a atenção dos nossos mais modernos
118
Rodrigo Mendes Delgado, O valor do dano, cit. 129-132
103
civilistas, com franca receptividade. Por exemplo, Caio Mário: “A
indenização do prejuízo moral acrescenta-se a reparação do dano moral,
se a vítima ficar aleijada ou deformada (...)”
Nesse impasse, a doutrina e jurisprudência firmaram papel indispensável,
de forma que acabou por prevalecer a interpretação teleológica e evolutiva,
mais consentânea com os ideais de justiça, eqüidade e verdade, de
aceitar-se a reparação dos danos morais, reconhecendo-o como instituto
presente e de imperiosa importância, já que verdadeiro retrocesso seria
negar seus amplos efeitos, tendo em vista encontrar-se inserido no nosso
contexto social.
Rodrigo Mendes Delgado
119
ilustra o cenário neste sentido, ao afirmar que
“Seguindo esta necessidade impostergável de mudar, de aceitar novos
conceitos, sob pena de lançar a sociedade na perpétua letargia, e iniciar-se
um processo apocalíptico de propagação de injustiça, nossos tribunais
tiveram que mudar seu posicionamento, no sentido de aceitar os danos
morais, e mais, de aceitar não apenas sua ocorrência, mas,
fundamentalmente, sua indenizabilidade.”
Na mesma linha Cláudio Antônio Soares Levada
120
, ao afirmar que “Deve-
se também à jurisprudência, como ressaltado, a evolução do pensamento
jurídico do legislador pátrio” (...) “Decisões que enfrentaram interpretações
literais da lei e que, muitas vezes com base em conceitos de eqüidade, ou
com fundamentos nos princípios gerais de direito, inovaram, ousaram e
119
Rodrigo Mendes Delgado, O valor do dano, cit. p.129
120
Cláudio Antônio Soares Levada, Liquidação, cit., p. 39.
104
terminaram por solidificar o entendimento predominante da necessidade de
reparação do dano moral.”
Enfim, o marco da sedimentação do entendimento jurisprudencial, deveras
influenciado pelos estudos doutrinários, foi a edição da Súmula 37 do
Superior Tribunal de Justiça, publicada no Diário da Justiça em 19.03.1992,
p. 03201, que assim estabeleceu: "São cumuláveis as indenizações por
dano material e moral oriundas do mesmo fato."
Pois bem, afora a questão doutrinária e jurisprudencial, de importância
indiscutível para a sedimentação do reconhecimento do dano moral e sua
reparação, em termos legislativos, também contribuíram para a pacificação
do tema, o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.417/62) e a Lei
de Imprensa de (Lei nº 5.250/67), que respectivamente, em seus artigos 84
e 53, trouxeram previsão expressa quanto ao direito de reparação do dano
moral, inovando, inclusive, ao estabelecer os critérios para sua indenização
em termos pecuniários.
Dispôs o art. 53 da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67) que:
“Art. 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o
juiz terá em conta, notadamente:
I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e
repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido;
II - a intensidade do dolo (ou o grau da culpa do responsável, sua situação
econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada
105
em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e
informação);
III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal
ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação,
nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e
a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido.”
O Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.417/62), mais avançado
em relação às demais previsões, posto haver incluído parâmetros
normativos para a reparação do dano moral, embora revogado
parcialmente pelo Decreto-lei nº 236, de 28.02.1967, estabeleceu o
seguinte:
“Art. 84 - Na estimação do dano moral, o Juiz terá em conta, notadamente,
a posição social ou política do ofendido, a situação econômica do ofensor,
a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e repercussão da ofensa.
Parágrafo primeiro - O montante da reparação terá o mínimo de 5 (cinco) e
o máximo de 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
Parágrafo segundo - O valor da indenização será elevado ao dobro quando
comprovada a reincidência do ofensor em ilícito contra a honra, seja por
que meio for.
Parágrafo terceiro - A mesma agravação ocorrerá no caso de ser o ilícito
contra a honra praticado no interesse de grupos econômicos ou visando a
objetivos antinacionais.”
No mesmo passo, a lei nº 5.988 de 14 de dezembro de 1973, alterada pela
lei nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, que regulamentou os direitos
106
autorais, fez alusão aos danos morais, especialmente nos seus artigos 24
e 27.
À luz do art. 24 da Lei dos Direitos Autorais, consideram-se direitos morais
do autor:
"I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou
anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
III - o de conservar a obra inédita;
IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer
modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam
prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de
utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem
afronta à sua reputação e imagem;
VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre
legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo
fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de
forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em
todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja
causado".
Da mesma forma, o artigo 27 do mesmo diploma legal, estabeleceu que
"os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis".
107
Igual contribuição trouxe o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565
de 19.12.1986), alterada pela Lei nº 9.614/05.03.1998, que dispôs sobre a
responsabilidade civil em caso de transporte aéreo, indo além, ao tarifar a
indenização por dano material e moral.
Tratam da responsabilidade aeronáutica os artigos a seguir:
Art. 246. A responsabilidade do transportador (artigos 123, 124 e 222,
Parágrafo único), por danos ocorridos durante a execução do contrato de
transporte (artigos 233, 234, § 1º, 245), está sujeita aos limites
estabelecidos neste Título (artigos 257, 260, 262, 269 e 277).”
“Art. 257. A responsabilidade do transportador, em relação a cada
passageiro e tripulante, limita-se, no caso de morte ou lesão, ao valor
correspondente, na data do pagamento, a 3.500 (três mil e quinhentas)
Obrigações do Tesouro Nacional - OTN, e, no caso de atraso do
transporte, a 150 (cento e cinqüenta) Obrigações do Tesouro Nacional -
OTN.
§ 1º Poderá ser fixado limite maior mediante pacto acessório entre o
transportador e o passageiro.
§ 2º Na indenização que for fixada em forma de renda, o capital para a sua
constituição não poderá exceder o maior valor previsto neste artigo.”
Art. 260. A responsabilidade do transportador por dano, conseqüente da
destruição, perda ou avaria da bagagem despachada ou conservada em
mãos do passageiro, ocorrida durante a execução do contrato de
transporte aéreo, limita-se ao valor correspondente a 150 (cento e
108
cinqüenta) Obrigações do Tesouro Nacional - OTN, por ocasião do
pagamento, em relação a cada passageiro.”
“Art. 269. A responsabilidade do explorador estará limitada:
I - para aeronaves com o peso máximo de 1.000kg (mil quilogramas), à
importância correspondente a 3.500 (três mil e quinhentas) OTN -
Obrigações do Tesouro Nacional;
II - para aeronaves com peso superior a 1.000kg (mil quilogramas), à
quantia correspondente a 3.500 (três mil e quinhentas) OTN - Obrigações
do Tesouro Nacional, acrescida de 1/10 (um décimo) do valor de cada OTN
- Obrigação do Tesouro Nacional por quilograma que exceder a 1.000
(mil).”
“Art. 270. O explorador da aeronave pagará aos prejudicados habilitados
30% (trinta por cento) da quantia máxima, a que estará obrigado, nos
termos do artigo anterior, dentro de 60 (sessenta) dias a partir da
ocorrência do fato (artigos 252 e 253).
§ 1º Exime-se do dever de efetuar o pagamento o explorador que houver
proposto ação para isentar-se de responsabilidade sob a alegação de
culpa predominante ou exclusiva do prejudicado.
§ 2º O saldo de 70% (setenta por cento) será rateado entre todos os
prejudicados habilitados, quando após o decurso de 90 (noventa) dias do
fato, não pender qualquer processo de habilitação ou ação de reparação
do dano (artigos 254 e 255).”
109
“Art. 271. Quando a importância total das indenizações fixadas exceder ao
limite de responsabilidade estabelecido neste Capítulo, serão aplicadas as
regras seguintes:
I - havendo apenas danos pessoais ou apenas danos materiais, as
indenizações serão reduzidas proporcionalmente aos respectivos
montantes;
II - havendo danos pessoais e materiais, metade da importância
correspondente ao limite máximo de indenização será destinada a cobrir
cada espécie de dano; se houver saldo, será ele utilizado para
complementar indenizações que não tenham podido ser pagas em seu
montante integral.”
“Art. 277. A indenização pelos danos causados em conseqüência do
abalroamento não excederá:
I - aos limites fixados nos artigos 257, 260 e 262, relativos a pessoas e
coisas a bordo, elevados ao dobro;
II - aos limites fixados no artigo 269, referentes a terceiros na superfície,
elevados ao dobro;
III - ao valor dos reparos e substituições de peças da aeronave abalroada,
se recuperável, ou de seu valor real imediatamente anterior ao evento, se
inconveniente ou impossível a recuperação;
IV - ao décimo do valor real da aeronave abalroada imediatamente anterior
ao evento, em virtude da privação de seu uso normal.”
Em 1975, vislumbramos no projeto do novo Código Civil, que já se
adequava ao que vinha sendo sedimentado pela jurisprudência, o
posicionamento no sentido do reconhecimento do dano moral e sua
110
indenizabilidade, haja vista ter constado em sua Parte Geral a definição do
ato ilícito como o ato culposo que viola direito e causa dano a outrem,
embora exclusivamente moral. Assim estava disposto no art. 186 do
referido Projeto
121
: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Porém, tão longa sua tramitação até sua final aprovação, que a
Constituição Federal, promulgada antes do advento do Novo Código Civil,
colocou fim ao debate, embora restem poucos que ainda se enlevam pela
impossibilidade de seu reconhecimento acumulado com o dano moral, sob
o fundamento de que a Constituição Federal restringiu às hipóteses de
dano moral, sendo inconstitucional a Súmula 37 do Superior Tribunal de
Justiça.
Nessa linha o entendimento de João de Campos Corrêa
122
, no artigo
intitulado “Inconstitucionalidade da Súmula 37 do STJ. Inacumulabilidade
de danos morais e patrimoniais”, ao aduzir que:
“(...) A Súmula diz que "são cumuláveis as indenizações por dano material
e dano moral oriundos do mesmo fato". Mas a Constituição Federal, em
seu artigo 5º, II, estabelece que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
Sobre esse primado reside a construção de nosso direito objetivo, vale
dizer, mesmo que a doutrina queira, ainda que a jurisprudência construa
121
Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade, cit., p. 57
122
João de Campos Corrêa, disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2015> Acesso em
05.nov.2005
111
fórmulas e súmulas sobre os fatos da vida ou da morte, há que estar o
direito consubstanciado em uma norma jurídica escrita.
Sem a norma escrita, qualquer criatividade do julgador, que não-raro é
tentado a legislar por sentença, esbarra na Constituição Federal, que
garantirá ao cidadão passar ao largo das construções doutrinárias e
jurisprudenciais, por mais respeitáveis que sejam.
E, embora a Súmula 37 tenha surgido sob o comando constitucional de
1988, comando que deu origem ao próprio Tribunal Superior de Justiça,
seus ilustres prolatores, cometendo o mesmo equívoco dos doutrinadores
que a inspiraram, não atentou para os seguintes fatos:
Só há dois incisos do art. 5º que tratam do dano moral e nenhuma outra
referência em toda a Carta Magna.
Um é o artigo 5º, V: "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao
agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;"
O outro é o artigo 5º, inciso X, mais claro ainda: "são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação".
Desse exame resulta que:
a) o artigo 5º, v, trata de crime de imprensa e não de homicídio, posto que
só nessa categoria de delitos se insere o direito de resposta;
b) o artigo 5º, v, não é fonte de direito para aplicação da indenização por
dano moral em casos de homicídios;
c) o artigo 5º, x, trata de vida, sim, mas de vida privada, isto é, de
privacidade, não se prestando para fundamentar a indenização por dano
moral em casos de homicídios.
112
Então, onde está a lei que garante a indenização por dano moral em caso
de homicídio, acidental ou não, que deva ser obedecida pelo cidadão e
aplicada pelo julgador?
(...) Porém, não falha somente aí a Súmula 37, do Egrégio STJ, pois, ainda
que tratasse apenas de crimes de imprensa ou de violações à privacidade
do cidadão, é incabível a cumulação nela enunciada, pela simples leitura
dos dispositivos constitucionais acima citados.
À toda evidência, quando a Constituição Federal diz "dano material, moral
ou
à imagem" (art. 5o, V) e "dano material ou moral decorrente" (art. 5º, X),
não permite qualquer ilação rumo à troca do ou pela conjunção e, não
sendo ocioso mencionar que a palavra decorrente, assim mesmo no
singular, reforça o caráter de alternativa e não de cumulação.
Pode-se dizer, com certeza, que tal súmula vem induzindo grande
acomodação entre os magistrados de primeira instância, pois, diante dela,
se dispensam do saudável hábito de pesquisar, procurar a luz. E dessa
acomodação, que vem contaminando todos os ramos do Direito,
estimulando pedidos absurdos e sonhos na mente dos demandantes,
resultam apenas decisões emocionais, sem fundamento jurídico, que
causam enormes prejuízos às partes condenadas e à imagem do Poder
Judiciário.”
Em que pese as considerações do autor, a realidade é que, finalmente, em
05 de outubro de I988, com a promulgação de nossa Carta Magna, restou
sedimentada a questão sobre o dano moral ser reparável de forma ampla,
ante a vitória da interpretação sistemática e valorativa que se impôs
conceder ao instituto, além de acumulável com o dano material. E mais,
tamanha a importância conferida ao dano moral pela Norma Maior, que
113
restou inserido no título que cuida dos direitos e garantias fundamentais, no
capítulo I, intitulado “Dos direitos e deveres individuais e coletivos”
Reza o artigo 5º do Constituição Federal, em seus incisos V e X, o
seguinte:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
Nesse espeque, Alexandre de Moraes
123
, anotou que “O art. 5º, V, não
permite qualquer dúvida sobre a obrigatoriedade da indenização por dano
moral e a cumulatividade dessa com a indenização por danos materiais
(...), pois o próprio art. 159 do Código Civil, em consonância com a Carta
Magna, abriga em toda sua amplitude, também o dano moral.”
123
Alexandre de Moraes, Direitos humanos fundamentais – Teoria geral – Comentários aos arts. 1º a 5º da
Constituição da República Federativa do Brasil – Doutrina e jurisprudência, 5ª ed., São Paulo: Atlas, 2003,
p. 120 e 121.
114
Também Artur Oscar de Oliveira Deda
124
se manifesta aduzindo que:
“Promulgada a Constituição de 1988, perdeu sentido qualquer dúvida sobre
a reparabilidade dos danos puramente morais, em face do direito positivo
brasileiro. Quem sustenta hoje, que no Brasil apenas os reflexos
econômicos dos danos morais são ressarcíveis não tem a mínima razão.
Trata-se de entendimento completamente superado, refletindo uma
posição em confronto com a própria Constituição do País. É, portanto,
inconstitucional. Por isso mesmo, é estranhável que ainda hoje, nas
contestações dos pleitos indenizatórios de danos extrapatrimoniais, haja
quem se esforce na sustentação de velhos argumentos vencidos, tais
como os de que a dor não tem preço, a honra não se vende, os
sentimentos íntimos não cabem na balança mercenária.”
De fato, a norma constitucional impôs finalização ao debate sobre o
reconhecimento e direito de reparação decorrente de ofensa moral, mas
outras questões ligadas ao tema, tornaram-se suscetíveis de discussão,
dentre elas, a viabilidade de indenização por dano moral à pessoa jurídica,
a possibilidade de ocorrência de dano moral coletivo e precipuamente, a
questão relacionada a forma de reparação do dano moral, posto que, em
princípio não haveria como ser quantificada a lesão ou prejuízo a um
interesse subjetivo ou imaterial, transformando-a em uma indenização
justa, uma vez que tais prejuízos jamais seriam sanados por meio da
reparação in natura, com o retorno do lesado ao status quo ante.
124
Artur Oscar de Oliveira Deda, A reparação dos danos morais, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 15.
115
Rodrigo Mendes Delgado
125
, pontificou a questão, afirmando que “No dano
moral, uma vez produzido, a pessoa sofrerá seus efeitos ‘ad eternum’.
Mesmo que o tempo seja o melhor remédio, capaz de cicatrizar qualquer
ferimento. A verdade é que o dano moral, não se cicatriza completamente.
Sempre haverá uma senda por onde pode vazar um pouco do exsudato
que se formou com a ferida produzida pelo dano moral original. Qualquer
lembrança do evento danoso trará a lembrança da vítima resquícios de
sofrimento íntimo. Assim, impossível a reparação do dano moral.”
No tocante ao tema objeto da presente, a legislação brasileira e
principalmente a doutrina e jurisprudência, sempre demonstraram
preocupação no sentido de estabelecer critérios para a aferição e
quantificação do dano moral, afinal as ocorrências eram levadas para
apreciação judicial, inseridas que se encontravam no contexto social,
porém, sem existir previsão legal específica que pudesse auxiliar de
maneira inconteste qual seria o valor justo a ser conferido para cada um
dos casos apreciados.
As tentativas de previsão legal ocorreram, ainda que relacionadas aos
casos específicos, como ocorreu com o Código Brasileiro de
Telecomunicações, com a Lei de Imprensa, com a Lei dos Direitos Autorais
e com o Código Brasileiro de Aeronáutica. No entanto, norma legal alguma
surgiu, que fixasse, vez por todas, qual o critério ou paradigma que deveria
ser seguido para fins de satisfação do dano moral.
125
Rodrigo Mendes Delgado, O valor, cit., p. 136
116
Seguindo a evolução legislativa, o Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990), também garantiu o dano moral, ao
elevar à garantia fundamental, o respeito à integridade física, psíquica e
moral das crianças e adolescentes, inseridos na categoria de bens
juridicamente protegidos.
Assim a previsão do artigo 3º:
“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata
esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade”.
No mesmo passo, o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078 de 11
de setembro de 1990, que sem maiores especificidades, também dispôs
em seu artigo 6º, sobre o cabimento do dano moral, sendo considerada em
nosso ordenamento uma verdadeira revolução do direito pátrio, mormente
no tocante à responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços.
Realmente, assim estabeleceu o artigo 6º do Código Consumerista:
“Art. 6º - São direitos do consumidor:
(...)
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos e difusos;”.
117
Ainda, oportuna a lembrança das disposições constantes da Lei nº 8.974,
de 05.01.95, revogada pela recente Lei nº 11.105, de 24.03.2005, que
estabeleceu normas de segurança e mecanismos de fiscalização de
atividades que envolvam organismos geneticamente modificados, dispondo
sobre a Política Nacional de Biossegurança. Referida lei, a exemplo de
todas as outras já mencionadas, também garantiu o direito à indenização
pelos danos morais, prevendo em seu artigo 20, o seguinte:
“Art. 20. Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta Lei, os
responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão,
solidariamente, por sua indenização ou reparação integral,
independentemente da existência de culpa.”
Com o advento do novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10.01.2002,
publicada no DOU de 11.01.2002), praticamente nenhuma discussão sobre
a possibilidade de ressarcimento do dano moral ressurgiu. Todavia, a lei
substantiva, nenhum critério apresentou sobre a tormentosa questão da
quantificação da indenização, deixando a matéria reservada à apreciação
do juiz.
De fato, não obstante inúmeras inovações trazidas pelo novo Código Civil,
principalmente as disposições relacionadas aos direitos da personalidade
ou direitos personalíssimos de terceira geração
126
“aqueles que visam
assegurar um mínimo de dignidade ao homem: direito à integridade física,
ao próprio corpo, ao nome, à privacidade, à vida íntima do casamento, à
imagem etc.” -, ao analisar os artigos que trataram do dano moral, difícil
126
Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil, cit., p. 52
118
não é concluir, que praticamente, nenhum deles sedimentou a questão
relacionada à valoração do dano moral, permanecendo entre nós, critérios
subjetivos, que permanecem à mercê da construção jurisprudencial e da
análise casuística individualizada por parte do poder judiciário.
Ademais, a tônica do novo Código é exatamente deixar para o poder
judiciário, representado pelo juiz e Tribunais, o poder de decidir segundo a
análise de cada caso, de acordo com os critérios da eqüidade, da
operabilidade, da finalidade social e do bem comum, entre outros, não
obstante tal orientação encontre críticas severas na seara doutrinária,
conforme se verá com melhor delineamento, no capítulo em que os
parâmetros para a quantificação do dano moral serão abordados.
Ao nosso ver tão somente o art. 940 do Código Civil de 2002, e ainda
assim, de maneira limitada à matéria nele tratada, traçou critério objetivo
para a apuração do dano moral, determinando que “aquele que demandar
por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias
recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao
devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo,
o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.”
Quanto aos demais dispositivos legais constantes do Código Civil,
parecenos, se preocuparam em deixar indiscutível a questão da
indenizabilidade do dano moral. Nesse sentido, importa mencionar o artigo
948 (antigo artigo 1.537), que estabeleceu a indenização devida por conta
de homicídio, diferenciando-se da antiga previsão do Código de 1916, pelo
fato de ter acrescentado ao texto, a possibilidade de recebimento de
119
“outras reparações”, além daquelas já previstas antigamente, quais sejam:
o pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral, luto e
pagamento de prestação de alimentos às pessoas para quem o morto
devia.
De sua parte, o artigo 949 (antigo 1.538 do Código Civil de 1916), previu a
indenização para os casos de ofensa à saúde, consubstanciada no
pagamento de tratamento e lucros cessantes até o final da convalescença,
“além de algum outro prejuízo que o ofendido haver sofrido.”
Ao comentar o dispositivo, Américo Luís Martins da Silva
127
, assinala que o
“art. 949 do Código Civil de 2002, deixa claro que o pagamento das
despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença
não constitui obstáculo à possibilidade da reparação também do prejuízo
moral sofrido pela vítima”.
Da mesma forma, o artigo 950 do Código Civil de 2002, que substituiu o
antigo artigo 1.539, ao tratar da lesão que diminui a capacidade para o
trabalho, além das despesas de tratamento e lucros cessantes, previu a
possibilidade do ofendido postular a reparação pelo dano moral sofrido,
exigindo o arbitramento, conforme previsão estabelecida em seu parágrafo
único: “O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja
arbitrada e paga de uma só vez.
127
Américo Luis Martins da Silva, Dano moral, cit., p. 330
120
Entretanto, com relação ao dispositivo, importa citar a discordância de
Américo Luís Martins da Silva
128
, que ao analisar o dispositivo, entende que
“O art. 950 do Código Civil de 2002 não trouxe qualquer inovação
significativa ao art. 1.539 do antigo Código Civil de 1916. Como
mencionamos no início deste Capítulo, no referido art. 950 apenas
despesas de tratamento, lucros cessantes e pensão para repor o que a
vítima recebeu como remuneração do ofício ou profissão, que não mais
pode exercer, constituem danos de natureza patrimonial. Como se vê, em
momento algum o legislador trata dos danos morais nesse dispositivo. Por
isso, entendemos que, além das indenizações previstas no caput do art.
950 do Código Civil de 2002, a vítima que sofre lesão de que resulta
incapacidade para o trabalho, tem ainda direito à compensação dos danos
morais, mediante arbitramento judicial, face à aplicação do art. 606 do
Código de Processo Civil.”
Todavia, merece anotação o fato do dispositivo, ainda que de maneira
tímida, e despido de suportes objetivos ao juiz, ter aludido ao arbitramento
como critério para a aferição do quantum indenizatório.
O artigo 951 que trata do dano nos casos de erro médico, farmacêutico,
odontológico e cirurgião (antigo artigo 1.541 do Código Civil de 1916), ao
se remeter à aplicação dos artigos 948, 949 e 950, não deixa dúvidas de
que a reparação por dano causado no exercício da atividade profissional,
engloba tanto os prejuízos materiais, quanto os danos morais causados à
vítima.
128
Américo Luiz Martins da Silva, Danos morais e o direito brasileiro, 3ª ed., Revista dos Tribunais: São
Paulo, 2005, p. 333
121
O artigo 952, por sua vez, manteve o critério adotado pelo Código Civil de
1916 (artigos 1.541 e 1.543), admitindo a reparação do prejuízo moral
sofrido por uma pessoa em relação aos danos causados a bens materiais
que estejam na sua posse ou sejam de sua propriedade, ou até mesmo
para as coisas a que se liga a afeição.
O caput do artigo 952 dá prioridade à reparação in natura, e somente na
impossibilidade é que tem lugar a indenização pecuniária. Estabelece o
caput do dispositivo: “Havendo usurpação ou esbulho do alheio, além da
restituição da coisa, a indenização consistirá em pagar o valor das suas
deteriorações e o devido a título de lucros cessantes; faltando a coisa,
dever-se-á reembolsar o seu equivalente ao prejudicado.
O parágrafo único do artigo prevê que a reparação, na impossibilidade de
restituição in natura, deve ser realizada levando-se em conta o preço de
afeição. Nesse sentido, a obrigação de restituir um bem pelo equivalente
em dinheiro, estimando-o pelo preço afetivo, nada mais é do que reparação
por dano moral. Entretanto, se depreende do dispositivo que tal valor
estará limitado ao preço ordinário da coisa, não podendo ultrapassá-lo.
O artigo 953 do Código Civil de 2002 trata da reparação dos danos contra
a honra e dispõe que “Se o ofendido não puder provar prejuízo material,
caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na
conformidade das circunstâncias do caso”.
122
Desta forma, “(...) não havendo como o ofendido provar o dano material
decorrente do atentado à sua honra, no mínimo, deve ser imposta a
obrigação do ofensor pagar a compensação pelo dano moral causado,
devidamente graduado pela gravidade das circunstâncias do caso.
Portanto, a compensação do dano moral calculada, antigamente, com base
na dobra da multa no grau máximo da pena criminal (parágrafo único do
art. 1.547 do Código Civil de 1916) foi substituída por valor arbitrado,
eqüitativamente, pelo juiz. (parágrafo único do art. 953 do Código Civil de
2002).”
129
Denota-se aqui, outra tímida alusão ao arbitramento judicial como critério
para aferição do dano moral, sem, contudo, constar quaisquer parâmetros
normativos a respaldar a decisão do juiz.
Os antigos artigos 1.548 e 1.549 que dispunham sobre o ressarcimento
dos danos decorrentes de atentado à honra da mulher, não foram
reproduzidos pela atual norma substantiva civil, passando, assim, a
receber tratamento comum, tutelado pelo artigo 927 atual, o qual determina
a reparação de todos e quaisquer danos resultantes de ato ilícito.
No tocante aos dispositivos retro mencionados, importante consideração
há que se registrar. Não obstante alguns doutrinadores defendam que os
mesmos faziam alusão à defesa da honra da mulher, face ao defloramento,
à violência, ao rapto, às ameaças e à sedução com promessas de
casamento, prevendo, assim, a indenização por dano moral à sua honra,
ousamos discordar.
129
Américo Luís Martins da Silva, Dano moral, cit., p. 334 e 335
123
De fato a previsão estabelecia que “A mulher agravada em sua honra, tem
direito à exigir do ofensor, se este não puder ou não quiser reparar o mal
pelo casamento, um dote correspondente à sua própria condição e estado
(...)”. Todavia, entendemos que a indenização prevista não se prestava à
reparação moral pela ofensa à honra, mas sim, de reparação pelo dano
material, decorrente do prejuízo econômico que sofreria com a perda de
um futuro casamento, ante sua condição de mulher supostamente
extirpada dos quadros daquelas que eram tidas como “mulheres criadas
para se casar e constituir família”. Pelo menos, à luz de uma interpretação
histórica, à época da elaboração do antigo Código Civil, o grau de
importância que se concedia ao casamento parecia ser muito maior que a
defesa da honra propriamente dita, de forma que perder um casamento,
permanecendo solteira, aos olhos da sociedade seria muito mais prejudicial
que a valorização da honra, como direito fundamental.
Yussef Said Cahali
130
, ao discorrer sobre o assunto, de certa forma,
reconhece credibilidade ao nosso posicionamento, mencionando-se que:
“Antiga jurisprudência pretendeu que ‘o dote, na hipótese prevista no art.
1.548 do CC (sem correspondência no CC/2002), não representa um
pagamento à honra da ofendida, mas mera compensação (RT 175/250);
destina-se a propiciar uma condição econômica, um amparo, que substitua
aquela que obteria pelo casamento tornado, se não senão impossível, pelo
menos difícil ou problemático, visa o dote a reparar o prejuízo material que
a mulher agravada em sua honra sofre, diminuída ou excluída da
possibilidade de casamento que lhe daria uma situação definitiva de
130
Yussef Said Cahali, Dano, cit. , p. 701
124
amparo e conforto’. Esse aspecto material do dano indenizável pela
frustração de perspectiva de casamento da ofendida, compensável pela
constituição do dote pelo sedutor, era levada a extremos, a se pretender
que, se a mulher deflorada vinha a casar-se com outro homem, de nível
social e econômico idêntico ao do réu, nenhuma indenização seria devida
por este.”
Vê-se assim, à luz da exposição, que o Código Civil de 2002 incluiu nos
dispositivos que tratam da responsabilidade civil, em praticamente sua
totalidade, de forma expressa, o reconhecimento do dano moral e de sua
indenizabilidade, não deixando margem para dúvidas, muito mais em
análise conjunta com as previsões constitucionais e entendimento
pacificado pelos Tribunais.
Permanece em nossa realidade jurídica, entretanto, a problemática
consistente na fixação dos critérios para a apuração da indenização devida
nos casos de ocorrência de dano moral, muito embora já tenha se dito que
o Código Civil tenha objetivado deixá-lo ao arbítrio do Poder Judiciário, na
confiança de que se estaria sempre em favor da eqüidade.
A preocupação com o assunto é real. Tanto é assim que alguns projetos de
lei existem e se encontram em tramitação, em busca de aprovação,
principalmente, o Projeto de Lei nº 150/99, de autoria do Senador Antonio
Carlos Valadares, substituído pelo Projeto de Lei nº 7.124/2002, após
Parecer nº 657, de 2002 da Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça
do Senado Federal, que contou o Senador Pedro Simon como relator.
Referido Projeto de Lei, tem por objetivo disciplinar o instituto do dano
125
moral e oferecer parâmetros para o juiz para a fixação do quantum para as
indenizações decorrentes de danos morais, em sentido amplo,
complementando, assim, o disposto no artigo 5º, V e X da Constituição
Federal.
Porém, antes de expor a pretensão do Projeto de Lei dos Danos Morais
(atual Projeto de Lei nº 7.124/2002), mais abrangente que os demais, por
questão didática, melhor que se atente, em primeiro lugar, aos demais
projetos existentes, que também relacionados aos danos morais, se
restringem às hipóteses específicas.
Mencione-se, por primeiro
131
, o substitutivo do Projeto de Lei nº 3.232 de
1992 (PLS 173/91), que visou dispor sobre a liberdade de imprensa, de
opinião, de informação, e disciplina a responsabilidade dos meios de
comunicação. Num primeiro momento e originariamente, em relação à
indenização por danos morais, o projeto em tela previa a limitação de
valores das indenizações, de acordo com o alcance da repercussão da
publicação ou transmissão, acreditando levar em conta, também, o poder
econômico das empresas de comunicação.
A proposta, segundo o texto aprovado em 06 de dezembro de 1995, pela
Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, limitava a
indenização por dano moral segundo os seguintes critérios:
131
Sérgio Augusto Soares Mattos, 18 out. 2005, acessado em 01 nov. 2005, disponível em
<http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=351AZL001
.
126
“Art. 23. A condenação levará em conta o grau de culpa ou dolo do
ofensor, a primaridade ou reincidência específica do réu, a capacidade
financeira do responsável, a área de cobertura primária e a circulação ou
audiência do veículo e a extensão do prejuízo à imagem do ofendido.
§ 1° O limite da responsabilidade civil da agência de notícias ou da
empresa proprietária do veículo a que se refere o parágrafo anterior não
poderá exceder 10% (dez por cento) do faturamento por elas obtido no ano
civil anterior à condenação;
§ 2° O limite da responsabilidade civil de uma empresa proprietária do
veículo de comunicação ou de agência noticiosa será acrescido de 50%
(cinqüenta por cento), se ela tiver faturamento anual entre R$5.000.000,00
(cinco milhões de reais) e R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais) e de
100% (cem por cento) se tiver faturamento superior a R$20.000.000,00
(vinte milhões de reais), considerando o ano civil anterior.
§ 3° O limite de responsabilidade civil da empresa proprietária do veículo
de comunicação ou de agência noticiosa será acrescido de 50% (cinqüenta
por cento), nas hipóteses de novas condenações ao pagamento de
indenização em favor de pessoa ofendida e indenizada anteriormente por
matéria transmitida pela agência ou publicada no mesmo veículo.
§ 4° Para os efeitos deste artigo, considerar-se-á o faturamento bruto da
empresa. Se a empresa não tiver um ano de existência, será tomada como
base a média mensal de faturamento multiplicada por 12 (doze).
§ 5° Os limites fixados neste artigo serão automaticamente reajustados
pelos índices de correção monetária aplicáveis às condenações judiciais.”
O Projeto foi submetido ao plenário da Comissão de Ciência, Tecnologia,
Comunicação e Informática da Câmara e, depois, ao Senado, tendo o
127
plenário da Comissão o aprovado, derrubando-o, porém, em dois pontos
básicos, os quais previam a substituição das penas de prisão por multas e
serviços e o estabelecimento de limites para indenizações civis por dano
moral.
Novo substitutivo ao Projeto foi oferecido e foi aprovado pela Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. No substitutivo
apresentado, não foi estabelecido parâmetro para a indenização moral,
mas foi proposta a adoção de um sistema de reposição financeira, assim
estabelecido:
“Art. 5º - É assegurado direito de indenização por dano material e moral ou
à imagem a todas as pessoas, físicas ou jurídicas, atingidas por publicação
ou transmissão, devendo a ação ser proposta no prazo de 6 (seis) meses,
contados da data da publicação, sob pena de decadência.
Parágrafo único Equipara-se a artigo a entrevista cuja autoria possa ser
provada.
Art. 6º - A condenação levará em conta:
I - a culpa ou o dolo, a primariedade ou reincidência específica e a
capacidade financeira do ofensor, respeitada a sua solvabilidade;
II - a área de cobertura primária do veículo e sua audiência, quando meio
de comunicação eletrônica, e a circulação, quando meio impresso;
III - a extensão do prejuízo à imagem do ofendido, tendo em vista sua
situação profissional, econômica e social.
Parágrafo único - A petição inicial da ação de indenização especificará, no
pedido, os critérios constantes do ''caput'' deste artigo, que servirão de
parâmetro para a fixação do valor da indenização.”
128
Também com relação à separação conjugal, embora não se traga à
discussão a questão valorativa, existe o Projeto de Lei nº 4.425, de 2001,
de autoria do deputado Bispo Rodrigues, prevendo, expressamente, o
direito à indenização por danos morais, haja vista o impasse jurisprudencial
à frente de tal questão, ora acolhendo a pretensão, ora repelindo-a, à falta
de expressa previsão legal sobre o tema na lei que regulamenta o assunto,
a Lei do Divórcio (Lei 6.515/77), além do argumento de que o amor não
teria preço.
O Projeto busca inserir no artigo 5
o
da Lei 6.515/77 um parágrafo que
dispõe:
Art. 5º A separação Judicial pode ser pedida por um só dos cônjuges
quando imputar ao outro, conduta desonrosa ou qualquer ato que importe
em grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida
em comum.
(...)
§ 4
o
Nos casos mencionados no caput, a indenização por danos morais
poderá ser requerida nos autos da separação judicial.”
Nesse sentido, interessante, apenas para ilustração, o comentário de
Fernando César Belincanta
132
, no artigo intitulado “Dano Moral na
separação conjugal é possível?”, no qual cita julgado proferido no Rio
Grande do Sul para demonstrar a tendência à não aceitação do dano moral
132
Fernando César Belicanta, acessado em 05 nov. 2005, disponível em
<http://www.pailegal.net/chicus.asp?rvTextoId=2002112489
>
129
nas separações conjugais (Ap. 597.155.167 – 7ª Câmara Cível - j.
11.02.1998, unânime, Rel. Des. Eliseu Gomes Torres, RT 752/344).
“Um dos argumentos utilizados contra tal indenização é que o alicerce do
casamento está no amor e cessando este, a manutenção da relação seria
mera questão temporal, sendo o amor insuscetível de quantificação
financeira. É o levantado pelo Des. Eliseu Gomes Torres, em acórdão
proferido no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
Da inicial, infere-se que o autor sente-se moralmente diminuído porque a
mulher o traiu com um de seus amigos e companheiro de festas. É a velha
questão do macho ferido, que confunde sua honra com a da companheira.
Só que, antanho, o macho vingava-se, matando a mulher amada ou seu
parceiro. Hoje, o traído quer reparação financeira para a honra ferida. No
fundo de tudo, mais do que a intenção do ressarcimento, o que emana
destes autos é o ciúme.”
Por fim e como já mencionado alhures, o dano moral, encarado em sua
generalidade, conta com Projeto de Lei, que procura acima de tudo,
estabelecer os parâmetros para a fixação do dano. Referido Projeto fixa
limites para o cálculo da indenização e prevê sua majoração em caso de
reincidência ou indiferença do ofensor.
De 1999, o Projeto de Lei nº 150, substituído no Senado Federal pelo
Projeto de Lei nº 7.124/2002, foi encaminhado para a Câmara dos
Deputados em 09 de agosto de 2002. Em 19 de setembro de 2003 foi
enviado à Mesa Diretora da Câmara, tendo sido a ele apensado o Projeto
130
de Lei nº 1.914/2003. Em 25 de julho de 2005, também foi determinado o
apensamento do Projeto de Lei nº 1.443/2003
. Atualmente, o Projeto de
Lei nº 7.124/2002 aguarda parecer e aprovação da Câmara dos
Deputados.
O substitutivo aprovado pelo Senado Federal conta com o texto que a
seguir se transcreve:
“(...) Art. 1º Constitui dano moral a ação ou omissão que ofenda o
patrimônio moral da pessoa física ou jurídica, e dos entes políticos, ainda
que não atinja o seu conceito na coletividade.
Art. 2º São bens juridicamente tutelados por esta Lei inerentes à pessoa
física: o nome, a honra, a fama, a imagem, a intimidade, a credibilidade, a
respeitabilidade, a liberdade de ação, a auto-estima e o respeito próprio.
Art. 3º São bens juridicamente tutelados por esta Lei inerentes à pessoa
jurídica e aos entes políticos: a imagem, a marca, o símbolo, o prestígio, o
nome e o sigilo da correspondência.
Art. 4º São considerados responsáveis pelo dano moral todos os que
tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção
da ação ou da omissão.
Art. 5º A indenização por danos morais pode ser pedida cumulativamente
com os danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.
§ 1º Se houver cumulação de pedidos de indenização, o juiz, ao exarar a
sentença, discriminará os valores das indenizações a título de danos
patrimoniais e de danos morais.
131
§ 2º A composição das perdas e danos, assim compreendidos os lucros
cessantes e os danos emergentes, não se reflete na avaliação dos danos
morais.
Art. 6º A situação de irregularidade do agente ou preposto da
Administração não a isenta da responsabilidade objetiva de indenizar o
dano moral, ressalvado o direito de regresso.
Art. 7º Ao apreciar o pedido, o juiz considerará o teor do bem jurídico
tutelado, os reflexos pessoais e sociais da ação ou omissão, a
possibilidade de superação física ou psicológica, assim como a extensão e
duração dos efeitos da ofensa.
§ 1º Se julgar procedente o pedido, o juiz fixará a indenização a ser paga, a
cada um dos ofendidos, em um dos seguintes níveis:
I – ofensa de natureza leve: até R$ 20.000,00 (vinte mil reais);
II – ofensa de natureza média: de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a R$
90.000,00 (noventa mil reais);
III – ofensa de natureza grave: de R$ 90.000,00 (noventa mil reais)
a R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais).
§ 2º Na fixação do valor da indenização, o juiz levará em conta, ainda, a
situação social, política e econômica das pessoas envolvidas, as condições
em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral, a intensidade do sofrimento
ou humilhação, o grau de dolo ou culpa, a existência de retratação
espontânea, o esforço efetivo para minimizar a ofensa ou lesão e o perdão,
tácito ou expresso.
§ 3º A capacidade financeira do causador do dano, por si só, não autoriza a
fixação da indenização em valor que propicie o enriquecimento sem causa,
ou desproporcional, da vítima ou de terceiro interessado.
132
§ 4º Na reincidência, ou diante da indiferença do ofensor, o juiz poderá
elevar ao triplo o valor da indenização.
Art. 8º Prescreve em 6 (seis) meses o prazo para o ajuizamento de ação
indenizatória por danos morais, a contar da data do conhecimento do ato
ou omissão lesivos ao patrimônio moral.
Art. 9º Os arts. 159 e 1.518 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 –
Código Civil, não se aplicam às ações de reparação de danos morais.
Art. 10. Esta Lei entra em vigor após decorrido 120 (cento e vinte) dias de
sua publicação oficial.
O Projeto de Lei nº 1443/2003, de autoria do Deputado Pastor Reinaldo,
que também estabelece critérios para a fixação do dano moral, está
apensado ao Projeto nº 7.124/2002 e aguarda designação de relator pelas
Comissões da Câmara e do Senado. Transcreve-se o texto submetido para
aprovação
133
:
“Art. 1º O dano moral decorre de ação ou omissão, dolosa ou culposa, que
provoca, gravemente, e de maneira injustificada, perturbação,
intranqüilidade e ofensa a outrem, contrária aos princípios e valores
consagrados na sociedade e no ordenamento jurídico.
§ 1º A crítica e a divergência de opiniões, ainda que veementes, não
caracterizam o dano moral.
§ 2º A denúncia de fato ilícito, se verdadeiro, não gera direito à
indenização.
133
Câmara dos Deputados, acessado em 05 nov. 2005, disponível em <
http://www2.camara.gov.br/proposicoes
>
133
Art. 2º A indenização do dano moral será fixada em até duas vezes e meia
os rendimentos do ofensor ao tempo do fato, desde que não exceda em
dez vezes o valor dos rendimentos mensais do ofendido, que será
considerado limite máximo.
§ 1º Na ocorrência conjunta de dano material, o valor indenizatório do
dano moral não poderá exceder a dez vezes o valor daquele apurado.
§ 2º A autoridade judicial deverá levar em consideração, para a fixação do
montante indenizatório, o comportamento do ofendido e se houve
retratação por parte do ofensor, podendo reduzir a indenização e, até
mesmo, cancelá-la se houver anuência do ofendido.”
O Projeto de Lei nº 1914/03, do deputado Marcus Vicente, também
apensado ao Projeto nº 7.124/2002, altera a redação do art. 953 da Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil, definindo
critérios para a fixação de indenização por danos morais.
Pelo texto
134
, nos casos em que o ofendido não conseguir comprovar
prejuízo material, caberá ao juiz fixar o valor da indenização, levando em
conta a situação econômica, social e política do ofensor, além da
intensidade e gravidade da agressão. Transcreve-se:
“Art. 1º Esta lei fixa parâmetros para a fixação da indenização por danos
morais, prevista no art. 953 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 -
Código Civil.
134
Câmara dos Deputados, acessado em 05 nov. 2005, disponível em <
http://www2.camara.gov.br/proposicoes
>
134
Art. 2º O art. 953 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a
vigorar com a seguinte redação:
“Art. 953 (...)
§ 1º Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar,
eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das
circunstâncias do caso e de acordo com o disposto no parágrafo seguinte.
§ 2º Na fixação da indenização por danos morais, o juiz, a fim de evitar o
enriquecimento indevido do demandante, levará em consideração a
situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a
gravidade e repercussão da ofensa, a posição social ou política do
ofendido, bem como o sofrimento por ele experimentado (NR).
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Também o Projeto de Lei nº 6.960/2002, de autoria do Deputado Ricardo
Fiúza, que pretende a alteração de alguns dispositivos do Código Civil, se
encontra em tramitação, sujeita à apreciação pelas Comissões da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal. No tocante ao dano moral, o Projeto
visa a modificação do texto do artigo 944 do Código Civil de 2002, que
segundo o texto sugerido, passaria assim a vigorar:
“Art. 944. (...)
§ 1º Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o
dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização;
§ 2º A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao
lesado e adequado desestímulo ao lesante.”
135
E o autor do Projeto assim justiça sua pretensão
135
:
“(...) 53. Art. 944: O dispositivo é insuficiente, segundo nos alertou a
professora REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA, já que seu caput se
adapta somente ao dano material e não está adequado ao dano moral. O
critério para a fixação do dano material é o cálculo de tudo aquilo que o
lesado deixou de lucrar e do que efetivamente perdeu. O critério da
extensão do dano aplica-se perfeitamente à reparação do dano material -
que tem caráter ressarcitório. No entanto, na reparação do dano moral não
há ressarcimento, já que é praticamente impossível restaurar o bem
lesado, que, via de regra, tem caráter imaterial. O dano moral resulta, na
maior parte das vezes, da violação a um direito da personalidade: vida,
integridade física, honra, liberdade etc (v. Carlos Alberto Bittar, Os direitos
da personalidade, 3ª ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária; Carlos
Alberto Bittar, Reparação Civil por danos morais, 3ª ed., São Paulo, Revista
dos Tribunais, 1999, p. 57/65; Yussef Said Cahali, Dano moral, 2ª ed., São
Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 42; Regina Beatriz Tavares da Silva
Papa dos Santos, Reparação civil na separação e no divórcio, cit., p. 148 e
149). Por conseguinte, não basta estipular que a reparação mede-se pela
extensão do dano. Os dois critérios que devem ser utilizados para a fixação
do dano moral são a compensação ao lesado e o desestímulo ao lesante.
Inserem-se neste contexto fatores subjetivos e objetivos, relacionados às
pessoas envolvidas, como a análise do grau da culpa do lesante, de
eventual participação do lesado no evento danoso, da situação econômica
135
Câmara dos Deputados, acessado em 06 nov. 2005, disponível em <
http://www2.camara.gov.br/proposicoes
>
136
das partes e da proporcionalidade ao proveito obtido com o ilícito (v. Carlos
Alberto Bittar, Reparação Civil por danos morais, cit., p. 221). Em suma, a
reparação do dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma
satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo
a novas práticas lesivas, de modo a “inibir comportamentos anti-sociais do
lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade”, traduzindo-se em
“montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que
não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo” (cf. Carlos
Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, cit., p. 247 e 233; v.,
também, Yussef Said Cahali, Dano moral, cit., p. 33/42; e Antonio Jeová
Santos, Dano moral indenizável, 3ª ed., São Paulo, 2001, p. 174 a 184; v.
acórdãos in JTJ 199/59; RT 742/320).Ao juiz devem ser conferidos amplos
poderes, tanto na definição da forma como da extensão da reparação
cabível, mas certos parâmetros devem servir-lhe de norte firme e seguro,
sendo estabelecidos em lei, inclusive para que se evite, definitivamente, o
estabelecimento de indenizações simbólicas, que nada compensam à
vítima e somente servem de estímulo ao agressor.(...)”
Enfim, a evolução no aspecto legislativo com o objetivo de identificar a
natureza da indenização decorrente dos danos morais e impor critérios
para a sua quantificação é inegável, ficando entre nós, porém, a dúvida
acerca de qual caráter assumirá a indenização, ou seja, se prevalecerá o
aspecto meramente compensatório do dano, se ficará sedimentado em
nosso ordenamento o caráter punitivo, de verdadeira pena de natureza
privada, ou ainda, se será admitida a mesclagem de ambos, conforme
sugerido no Projeto de Lei de autoria do Deputado Ricardo Fiúza,
137
admitindo seja aplicada ao dano moral uma finalidade compensatória-
punitiva.
Indeterminada também, permanece a questão relacionada à fixação do
quantum indenizatório, de forma que mesmo com a atual visão imposta
pelo Código Civil de que a avaliação cabe ao Poder Judiciário por meio de
arbitramento, levando-se em conta principalmente a busca da eqüidade, a
sociedade permanece inquieta diante de tal critério, buscando
complementá-lo com a fixação de parâmetros objetivos, que poderiam ser
todos aqueles já assumidos pela jurisprudência pátria, como a extensão do
dano, o grau de gravidade da conduta do ofensor, a condição pessoal da
partes, entre outros que veremos de maneira detalhada, havendo, ainda,
aqueles que sugerem a fixação de limites pecuniários aos quais ficará
adstrito o juiz para a determinação do valor indenizatório.
3.3 Controvérsia da indenizabilidade do dano moral
Atualmente, podemos afirmar que a preocupação doutrinária, além da
fixação dos critérios para se estabelecer o valor do dano moral é
sedimentar a questão relacionada à natureza jurídica que referido instituto
assume na realidade brasileira, ou seja, se restará admitida entre nós, por
definitivo, o caráter compensatório do dano moral, ou se levará em
consideração, principalmente, a intenção de punir o ofensor, a exemplo da
alguns países que adotam a natureza punitiva do dano, considerando,
precipuamente, para a fixação da indenização, o caráter de pena privada,
intencionada ao desestímulo do lesante.
138
Muito se caminhou e se caminha no intuito de sedimentar a questão em
nosso ordenamento. Porém, para que se faça possível alcançar uma
conclusão sobre de qual seria o fundamento jurídico da indenização e
quais os parâmetros para a fixação do quantum indenizatório, importante
partir, primeiramente, do momento histórico em que o reconhecimento do
dano moral e sua indenizabilidade eram questões controvertidas entre
nossos juristas.
Nesse passo, toda e qualquer controvérsia acerca de determinado preceito
ou sobre determinado fato, seus efeitos e até seu mesmo seu
reconhecimento como algo a ser protegido na esfera jurídica, tem
nascimento na conjuntura social, política e econômica de cada uma das
épocas por quais passaram e passam a sociedade. Daí a dinâmica do
direito, relacionado que está, intimamente, com os fatos e valores,
nascendo ou morrendo em função das necessidades vivenciadas pelos
povos e da realidade que se modifica a cada dia.
Nesse contexto, diferença não existiu em relação ao dano moral, de forma
que houve o tempo em que se travaram acaloradas discussões entre
doutrinadores e estudiosos sobre o instituto em seu mais amplo sentido,
principalmente acerca de seu reconhecimento e da sua indenizabilidade,
conforme pudemos observar anteriormente.
Muito embora a história tenha erigido de forma indiscutível que o dano
moral sempre existiu por causa do homem, haja vista as previsões
existentes na Roma antiga, há quase dois mil anos (omne jus contitutum
est causa hominum), o momento histórico mais recente, por meio de seus
139
ordenamentos, revelou que não se tratava o dano moral e a preocupação
com o homem, não eram tratados como uns dos aspectos mais relevantes
para os legisladores.
De fato, reflexo da situação econômica e dos contextos histórico e político
da época, podemos afirmar, em consonância com o entendimento de
Antonio Jeová Santos
136
, que o Código Civil francês de 1804 (Código
Napoleônico), de grande influência no mundo moderno, foi o responsável
pelo pouco avanço na legislação de outros países no que toca à legislação
civil e à preocupação com o homem e seus direitos inatos, os quais
chamamos também de naturais e imateriais.
Nesta época o direito preocupava-se com o homem, como um mero ente
produtor de renda. Liberdade e propriedade eram os pilares em que se
sustentavam o Code, nominando a propriedade como um direito absoluto,
do qual o homem podia dispor de forma indiscriminada, com a mais ampla
liberdade, sem qualquer intervenção do Estado. Esse individualismo, nada
mais buscava do que a consagração do materialismo, por meio do qual
acumular riqueza, ou “ter”, em sua mais simples expressão, era muito mais
importante do que “ser”, ou seja, erigir a proteção do homem como um bem
jurídico eminentemente superior a qualquer outro.
O patrimônio como centro dos interesses econômicos e como eixo do
sistema jurídico, serviu de exemplo para as legislações do direito ocidental.
136
Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p. 45
140
Sessarego
137
, nesse contexto, destaca que “Basta revisar, ao nível da
legislação, o texto da quase totalidade dos códigos civis vigentes para
comprovar como neles apenas são dedicadas algumas poucas normas
destinadas à tutela da pessoa, enquanto que quase todo o Código é
dedicado à regulamentação dos direitos em torno do patrimônio, sobretudo
no que concerne à proteção da propriedade, considerada todavia, em
alguns deles, como inviolável e sagrada.”
Foi sob essa forma de visualizar o direito, que o objeto da indenização
situava-se apenas nas conseqüências econômicas dos danos que alguém
suportasse, influenciando não só os textos legislativos de outros povos,
como já mencionado, mas também, o pensamento de diversos estudiosos
e juristas, que à frente dos danos de natureza moral, se dividiam entre sua
aceitação ou não, baseados numa série de argumentos.
Para os adeptos da chamada visão negativista, o dano moral não existia
juridicamente e não seria passível de indenização, sob o pretexto da
ausência de legislação reguladora, ou ainda, em virtude da dificuldade na
aferição da pretium doloris, afinal “a dificuldade é que todas as pessoas
não têm a mesma sensibilidade moral, e, não podendo o juiz penetrar no
íntimo de quem alega o dano afetivo, não poderia saber quando existe a
dor realmente sentida e quando acontece o fingimento.
138
137
Carlos Fernández Sessarego, Daño y protección, p. 30 apud Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p.
46
138
Artur Oscar de Oliveira Deda, A reparação, cit., p. 18
141
Clayton Reis
139
argumenta neste sentido, que “Destaca-se, nesta postura,
uma mentalidade nitidamente patrimonialista, herança, talvez, das idéias
romanas em que não havia uma exata compreensão a respeito dos danos
pessoais subjetivos. Somada a esta postura, o Código de Napoleão – que
influenciou grandemente o nosso estatuto civil – não contemplou a
compreensão dos danos não patrimoniais. Este, por sua vez sofreu
marcante e derradeira injunção do Código de Justiniano.”
Ávio Brasil
140
, aponta Chironi como o principal responsável por essa
objeção, pois dizia “parecer-lhe que nos danos extrapatrimoniais não há
um direito violado que a ordem jurídica proteja.”
Entre nós, Lacerda de Almeida, citado por Alcino Salazar
141
, somente
admitia a reparação do dano patrimonial, por entender que as expressões
‘prejuízo moral’ e ‘patrimônio moral’ não exprimem a realidade, pois são
figuradas, metafísicas. “Se um indivíduo sofre lesões de ordem
extrapatrimonial, puramente subjetivas, a reação da ordem jurídica se fará
por meio das leis penais.”
Para Gabba citado por Artur Oscar de Oliveira Deda
142
, a falta de
objetividade tornaria impraticável a reparação, pois haveria sempre o
perigo do juiz ‘a cada passo ver um verdadeiro sofrimento onde não há
mais do que uma hipocrisia dissimulada que ele não consegue
desmascarar’.”
139
Clayton Reis, Os novos rumos da indenização por dano moral, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 127
140
Avio Brasil, O dano moral no direito brasileiro, Rio de Janeiro: Borsoi, 1994, p. 36
141
Alcino Salazar, Reparação do dano moral, Rio de Janeiro: Borsoi, 1943, p. 128
142
Artur Oscar de Oliveira Deda, A reparação, cit., p. 18
142
Ainda haviam os que negavam a indenização do dano moral, sob o
argumento de que seria uma fonte de enriquecimento ilícito, ou sem causa,
sob a alegação de que o pretendido lesado (credor) teria, com tal
reparação, um aumento em seu patrimônio econômico, sem que, antes,
tivesse qualquer desembolso, como apontava Colmo
143
.
Mais ainda, a objeção se materializava ante a argumentação de que não se
poderia determinar o número de pessoas lesadas, sendo esta, talvez, a
mais robusta das alegações dos negativistas, porquanto até mesmo os
defensores da indenizabilidade, entre si, na defesa de seu entendimento,
apresentavam controvérsias.
Alguns doutrinadores fixaram como critério só os ascendentes e
descendentes da vítima, como defendeu com Dorville, citado por Wilson
Melo da Silva
144
, que por sua vez, considerou arbitrária a limitação fundada
no vínculo de parentesco. Para ele, todos aqueles que forem lesados têm
direito à indenização por danos morais, seja o amigo, o parente próximo ou
afastado, e até mesmo a concubina, aos quais se estabelece uma
presunção disputável. Quanto aos demais, teriam de provar o dano sofrido
se pretendentes ao ressarcimento.
Na mesma linha Arnaldo Marmitt
145
, ao dispor que: “A legitimidade ativa
para postular a reparação por perdas e danos morais abrange a todos
quanto efetivamente tiverem sofrido os prejuízos. Qualquer cidadão
atingido por forte dor, por traumatismo moral, em face da morte de um ente
143
Colmo, De las obligaciones en general, 3ª ed., nº 158 apud Augusto Zenun, Dano moral, cit. p. 40
144
Wilson Melo da Silva, O dano, cit , p. 234
145
Arnaldo Marmitt, Perdas e danos, cit., p. 132
143
querido, v.g., terá direito a ser ressarcido pelo ofensor. Entre tais pessoas
encontram-se em primeiro plano os familiares do extinto. O conceito de
família aí tem sentido amplo, nele se incluindo para os efeitos específicos,
além dos cônjuges, os descendentes, ascendentes, e os colaterais até o
sexto grau. Entre esses membros da família insere-se o próprio lesado,
seus parentes, e, segundo alguns, em muitos casos também pessoas
ligadas por laços objetivos. Essas muitas vezes substituem os parentes
próximos, constituindo-se em amigo fraternal, ou em dependente
econômico, em filho adotivo ou natural, e até simples serviçais ou
empregados.”
Por outro lado, os positivistas, defensores ardorosos da tese da reparação
pecuniária do dano moral, entendiam que nenhum bem poderia ser objeto
de exclusão de tutela do Estado, que sempre almejou o equilíbrio social
nas relações humanas.
Pontes de Miranda, citado por Wilson de Melo da Silva
146
, adepto da
corrente positivista, já acentuava “que mal entendida justiça é esta que dá
valor ao dano imaterial ligado ao material e não dá ao dano imaterial
sozinho? Ademais, o maior vulgarizado fundamento para se não conceder
a reparação do dano imaterial é o de que não seria completo o
ressarcimento. Mas não é justo, como bem pondera Kohler, que nada se
dê, somente por não se poder dar o exato.”
146
Wilson de Melo da Silva, O dano, cit., p. 421.
144
José de Aguiar Dias
147
, em consonância com a indenizabilidade do dano
moral se manifesta aduzindo que “seja dom dos deuses, seja criação dos
homens, o direito tem como explicação e objetivos o equilíbrio, a harmonia
social. Estivesse o homem sozinho no mundo, como seu primeiro habitante
ou seu último sobrevivente e não haveria necessidade de direitos, por
ausência de possibilidade de interpretação dos conflitos de interesse, cuja
repercussão na ordem social impõe regulamentação jurídica, tendente à
pacificação ou, pelo menos, à contenção desses conflitos.”
Zulmira Pires de Lima
148
, citando Montel, considera essa objeção levantada
pelos negativistas como uma simples dificuldade de ordem prática, que não
pode influir na decisão do problema em geral.
Quanto à indeterminação do número de pessoas lesadas, interessante
colocação faz Augusto Zenun
149
, ao ponderar que “Sinceramente, não se
nos apresenta qualquer dificuldade, pois sempre entendemos que o direito
à reparação por danos deve ser generalizado e, por isto, não admitimos
direito reprimido, concedido a uns e a outros não; vez que, aí, vulnera-se o
princípio fundamental da isonomia (Todos são iguais perante a lei).”
Porém, ao assumir posicionamento a respeito do assunto, restringe o autor
a quantidade de pessoas que possuiriam legítimo interesse para sofrer a
lesão por dano moral, afirmando que: “Em real verdade, os legitimados
para a reparação do dano moral não deve ir além dos pais, dos filhos, do
147
José de Aguiar Dias, Da responsabilidade, cit., p. 730 .
148
Zulmira Pires de Lima, Responsabilidade civil por danos morais. Revista Forense, n.83, p.219
149
Augusto Zenun, Dano moral, cit, p. 44
145
cônjuge e de irmãos da vítima, ou, em muitos casos, um amigo íntimo, um
estranho que sobrevivia a expensas da vítima, que lhe fornecia
alimentação, assistência médica e hospitalar, medicamentos, educação, há
muitos anos...”. Conclui que o “(...) o parentesco, quando se trata de
pessoas da família não deve ir além do 3º grau (...).”
150
No que se refere ao argumento de enriquecimento ilícito tecido pelos
negativistas, refuta Augusto Zenun
151
ao pontificar que “No enriquecimento
ilícito exige-se relação entre causa e efeito e, assim, estaria reconhecendo
a existência da causa, que seria o dano moral, o qual não quer que se
repare sob o falso de se dar o enriquecimento sem causa, quando, em real
verdade, o dano existe e causa efeitos maléficos, inutilizando os benefícios
que o autor sempre recebera da vítima.”
Mas além da inexistência de previsão legal sobre a indenizabilidade do
dano moral e dificuldade na aferição da real existência da dor, pontos
combatidos entre negativistas e positivistas, outro aspecto relevante
interferiu no debate, qual seja, a forma pela qual se indenizaria o indivíduo
lesado moralmente, já que para os negativistas, o dinheiro e os
sentimentos íntimos seriam extremamente diversos, e não se poderia
estabelecer equivalência entre valores profundamente heterogêneos. Para
eles a dor não teria preço.
Para os negativistas, citando Pires de Lima, “(...) nem o Estado, nem o
senso comum, os únicos legisladores que conheço, estabeleceram alguma
150
Augusto Zenun, Dano moral, p.46
151
Augusto Zenun, Dano moral, cit, p. 41
146
equivalência entre uma dada quantidade de dano pecuniário e outra de
dano moral ou entre este e uma soma de dinheiro. E, por outro lado, nunca
se viu estabelecer-se na vida de todos os dias, um comércio de dores, dos
afetos, dos desânimos e de todos os outros bens imateriais. E nem se
objete que também no juízo criminal se compensam dores morais e às
vezes até com uma pena pecuniária, porque esta pena não tem o caráter
de ressarcimento, cuja função é a equivalência, mas traduz-se antes num
misto de expiação e de vingança e não é estabelecida com o fim único de
indenizar o ofendido”.
152
Cunha Gonçalves
153
refutou o entendimento e assim esclareceu:
1º) Não é impossível calcular a indenização de qualquer dano moral de
natureza afetiva, visto que nos casos de injúria, difamação, falsa acusação
e violação de mulher virgem, a lei manda reparar estes danos (arts. 1.389 a
1.391 do Código Civil Português) (e, no brasileiro, correspondem aos arts.
1.547/1.550, dizemos nós) e, por igual processo, é possível fixar a
reparação dos demais prejuízos de patrimônio moral.
2º) Para a indenização pecuniária do dano moral não se valia a dor moral
de quem a reclama, mas sim, e sempre, o prejuízo patrimonial reflexo. A
dor é, apenas, a causa segunda deste prejuízo, cuja causa primeira é o
acidente ou o fato determinante dessa dor. Há neste ponto, grave
equívoco. Demais, uma vida humana tem o seu valor. Sabe-se qual a
capacidade de trabalho e quais os proventos do morto, qual a sua idade e
152
Artur Oscar de Oliveira Deda, A reparação, cit., p. 22 e 23
153
Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, vol. XII, tomo II, p. 542 apud Augusto Zenun, Dano moral,
cit., p. 47 e 48
147
saúde, a duração provável de sua vida. Com todos estes elementos é fácil
calcular o prejuízo que a morte dum indivíduo causou aos que dele
dependiam. De igual modo, não é difícil calcular o que uma pessoa perdeu
ou perderá por efeito do choque moral e da sua conseqüente depressão
física, com incapacidade de trabalho e perda de rendimento.
3º) A indenização não tem de ser, forçosamente, equivalente ao perigo.
Não há tal equivalência nos casos de injuria, difamação ou violação, a que
aludem os arts. 2.389/2.391 do Código Civil português, ou arts.
1.547/1.550, do Código Civil brasileiro. Estes artigos mostram bem que a
expressão ‘perdas e danos’ ou palavra “indenização”, têm dois sentidos ou
duas acepções. Com efeito, a indenização pode ser, ora compensatória,
ora sucedânea ou satisfatória. Em relação ao dano moral, a indenização
pecuniária não é totalmente compensatória, não é a reintegração que,
aliás, não se verifica no prejuízo material, já quando o objeto destruído é
aliás, substituível, já quando o dano é materialmente irreparável, como um
quadro raro queimado, uma jarra antiga de Sévres reduzida a cacos, uma
cicatriz funda no rosto, um olho vazado ou a cegueira, a mão esfacelada,
uma perna claudicante ou amputada. Não há dinheiro que possa
compensar tais prejuízos; e, contudo, indenizam-se. Não é o preço da dor
– embora esta expressão esteja sendo usada como inexata autonomásia
do dano moral; é o instrumento de alguns confortos e algumas distrações,
de lenitivos ao desgosto, de um possível prazer, que amorteça a dor; é o
meio de substituir-se os recursos, os alimentos ou a herança que do morto
se recebiam ou poderiam advir em ocasião oportuna. Não é remédio que
produza a cura do mal, mas sim, um calmante. Não se trata de suprimir o
passado, mas sim, de melhorar o futuro. O dinheiro tudo isto pode
proporcionar (...).”
148
No mesmo sentido Antonio Jeová dos Santos
154
, ao tratar da função do
dinheiro nas satisfações morais. Segundo o autor, “(...) O conhecimento
integral do homem, ainda quando se refira a distintas ordens de idéias,
mesmo que se refiram ao espírito e ao corpo, não se alcançará
independente da alma e do corpo. O material é capaz de provocar no
homem gozos e prazeres. Estes constituem os sensuais, morais ou
intelectuais, movimentos da alma e, portanto, movimentos imateriais. Uma
boa música satisfaz o sentido da audição, um belo ato produz em que o
realiza uma satisfação moral, o bom êxito científico é origem para o sábio
de gozos intelectuais. Tudo isso pode ser conseguido ou ajudado a
conseguir com o dinheiro. A função deste, de par ao motivo dos danos
morais produzidos e da reparação devida, cujo objeto seria o
restabelecimento da situação moral anterior, pela colocação em paz das
pernas, às inquietações, das aflições, das feridas causadas às afeições
legítimas, das dores morais produzidas pelo agravo físico ou moral, não
seria a de substituir o dano por seu equivalente em dinheiro por ser este e
aquele de distinta natureza, senão a de dar à vítima um meio adequado
para fazer desaparecer ou, pelo menos para neutralizar ou, sequer seja,
para atenuar seus efeitos.”
Pois bem, o fato é que não se poderia pensar na não indenizabilidade do
dano moral pelo frágil argumento de que os bens imateriais (honra,
integridade etc) não teriam preço. Se assim fosse, estaria admitida a
ocorrência de lesão moral, deixando, todavia, de admitir-se a reprovação
de um ato ofensor, ao contrário de todo e qualquer princípio que norteia o
154
Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p. 61 e 62
149
ordenamento jurídico. Seria o mesmo que dizer à sociedade que a prática
de ofensa moral estaria liberada, acarretando verdadeiro incentivo à
desordem e desequilíbrio sociais.
Tal afirmação negativista poderia até ser justificável, embora sempre
reprovável, à época em que, historicamente, o homem não era o eixo
central do direito, mas sim a propriedade e o patrimônio, como ocorreu,
principalmente no período em que imperava o liberalismo econômico no
mundo, sem a intervenção estatal na prática dos atos individuais (liberdade
e propriedade). Na atualidade, em que o mundo se volta em favor da
inviolabilidade da pessoa humana e da primazia do homem sobre o mundo
dos bens patrimoniais é inegável que a máxima de Antonio Jeová
Santos
155
, qual seja, “Proteção à pessoa, sempre”, impera de maneira
absoluta.
Certo, no entanto, que o ideal seria que a reparação ocorresse in natura,
com a reposição da coisa lesionada ao estado anterior, de forma que
atingiríamos a maneira mais adequada de ressarcimento. Todavia, em
tema de direitos personalíssimos isso praticamente não ocorre, por ser
impossível, por exemplo, devolver-se uma perna ou a vida retirada.
Conforme esposado anteriormente, o pagamento de uma soma em
dinheiro nestes casos, serve apenas para amenizar o mal infligido, porque
não há o retorno ao statu quo ante.
Os dois últimos pontos debatidos entre negativistas e positivistas, os quais
perduram latentes, ainda na atualidade, dizem respeito, primeiramente, ao
155
Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p. 43
150
fato de ser conferido ao juiz poder ilimitado, já que a ele cabe a decisão,
não só quanto à existência do dano moral, mas também quanto à forma de
sua reparação. E o segundo, objeto do presente estudo, seria a
indenização a ser conferida ao lesado, já que o bem moral afetado não
ostentaria reparabilidade ou retorno ao seu estado anterior.
Para os contraditores da tese positivista, a reparação dos danos morais
implicaria, inelutavelmente, conceder excessivo poder ao juiz, na fixação
do quantum a ser pago pelo ofensor. “Os danos apatrimoniais seriam
insuscetíveis de rigorosa estimação pecuniária e haveria sempre o perigo
do arbítrio judicial. Qualquer soma poderia ser fixada, ainda que a mais
absurda, a título de indenização”
156
.
Por outro lado, os positivistas se amparavam no simples entendimento de
que a mera dificuldade de ordem prática não se deve erigir em
impossibilidade jurídica. Afirmou Aguiar Dias
157
que “em matéria de dano
moral, o arbítrio é até da essência das coisas”.
Com razão os positivistas, faltando, porém, desde há muito, o consenso
necessário entre eles sobre quais os critérios a serem seguidos pela justiça
para fixar a indenização, permanecendo entre nós ainda, as seguintes
dúvidas: Será que deixar para o juiz, sob a crença de seu pudente arbítrio,
a tarefa de mensurar a indenização seria a maneira mais pudente e justa
para a fixação do montante indenizatório? A simples determinação de que
156
Baudry, Lacantiere e Barde, Les obligations. Traité théorique et pratique de droit civil. 3ª ed., Paris:
Librarie du Recueil Sirey, 1925, Vol. IV, apud Roberto H. Brebbia, El daño moral. Rosário: Orbir, 1967, p.
102
157
José Aguiar Dias, Da responsabilidade civil, p. 778 apud Artur Oscar de Oliveira Deda, A reparação,
cit., p. 29
151
os julgamentos e avaliações dos danos morais se dêem pautados na
eqüidade, como ocorre atualmente no Brasil, seria suficiente para a
garantia de que a vítima estaria realmente amparada, recebendo justa
indenização? Como permaneceriam as disparidades entre as condições
pessoais de cada julgador e as conseqüentes disparidades de julgamentos
entre casos semelhantes ou até mesmo com idênticos objetos? Estaria
assegurada a isonomia, o equilíbrio das relações jurídicas e a segurança
social? Impor critérios objetivos, pautados em limites tarifados para cada
tipo de dor seria a solução para encontrar a igualdade de tratamento das
vítimas? Regulamentar, vez por todas, os parâmetros alçados pela
jurisprudência e doutrina para avaliação do dano moral resolveria a
problemática? Por outro lado, a imposição de tarifamento de prévio
conhecimento da sociedade, não poderia ser a tranqüilidade para os
ofensores de maior poder aquisitivo, já que poderiam até mesmo
provisionar tais valores em sua contabilidade? Da mesma forma, o
tarifamento prévio não poderia ser um incentivo para as pretensas vítimas
que auxiliam a denominada “indústria do dano moral”?
Enfim, um dos grandes desafios neste início de século é encontrar pautas
que mostrem a forma como se deve chegar ao valor do dano moral,
atendendo, da melhor forma o ideal de justiça sempre buscado por toda a
humanidade. Entretanto, antes que passemos, neste estudo, a enfrentar tal
desafio, importa deixar registrado como se deu a superação da discussão
acerca da indenizabilidade do dano moral, passando o patrimonialismo de
outrora a ceder lugar ao personalismo.
152
3.4. Reconhecimento do dano moral como objeto de indenização e a
substituição do patrimônio pela pessoa
Os debates sobre a questão de o dano moral ser indenizável,
reconhecendo-se o mal feito aos bens imateriais de um indivíduo,
perduraram por muito tempo, cessando com a unificação mundial do
entendimento, que se curvou, vez por todas, à necessidade do dano moral
ser objeto de indenização.
Porém, tal reconhecimento não se deu sem justificativas que o
amparassem, já que como já dito anteriormente, o direito caminha no
compasso das necessidades sociais, na dinâmica do cenário histórico e
político de cada povo, adequando-se aos fatos e valores.
Se ao introduzir o tema da indenizabilidade dos danos morais,
mencionamos a influência da legislação francesa, consubstanciada na sua
norma substantiva de 1804, no sentido de que o patrimônio era o bem
maior considerado à época, sem preocupações com o homem, em seus
mais profundos sentimentos e bens imateriais, a evolução da sociedade
perdurou e os valores perseguidos passaram a ser outros que não a
propriedade, o materialismo e o individualismo exacerbado. O homem foi
erigido ao bem maior, assumindo o papel de eixo central do direito.
Não obstante a história e filosofia sempre tenham reconhecido a existência
de direitos inerentes ao homem, também chamados de direitos humanos,
153
justificando-os, segundo Alexandre de Moraes
158
, ora como inatos ou
naturais, anteriores, assim, ao próprio ordenamento jurídico (teoria
jusnaturalista), ou ainda, como resultado da criação das leis, enquanto
legítima manifestação da soberania popular (teoria positivista), ou também,
como resultado da formação de uma consciência social (teoria moralista),
somente “(...) depois da Segunda Guerra Mundial, tem início todo um
processo de internacionalização dos direitos da personalidade (direitos
humanos), pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada
pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10.12.1948, e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de
São José da Costa Rica, 1969”.
159
Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos:
“Artigo I – Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação
umas às outras com espírito de fraternidade;
Artigo II – Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer
espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de
outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou
qualquer outra condição.”
Assim há, nos parece, um ponto de partida para a ruptura da concepção
tradicional do direito até então patrimonialista, que restou arruinada no
158
Alexandre de Moraes, Direitos humanos, cit., p. 34 e 35
159
Enrique Banchio, Daño y protección a la persona apud Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p. 186 a
188
154
período pós-guerra. O ser humano começa a ser resgatado como pessoa,
não só enquanto produtor de riquezas, mas pelo que vale em si mesmo, na
integralidade de suas projeções, sejam materiais ou espirituais.
De acordo com Antonio Jeová Santos
160
, ao citar Jorge Mosset Iturraspe,
“Essa é uma visão do direito tendo como sentido a atitude pessoal
entrelaçada com a vida comunitária. É o ‘homem situado’. Não se trata de
aplicação do direito alternativo. O personalismo ‘é a corrente de
pensamento que, fundada na filosofia da existência, coloca o ser humano
como centro e eixo da meditação jusfilosófica dentro de uma dimensão de
coexistencialidade. Supõe uma reação contra todo tipo de individualismo e
de patrimonialismo exacerbados e extremos. O solidarismo está situado
nas antípodas do individualismo, o qual, segundo Monier, é um sistema de
costumes, de sentimentos, de idéias e de instituições que organiza o
indivíduo sobre estas atitudes de isolamento e de defesa. Foi a ideologia e
a estrutura dominante na sociedade burguesa ocidental, entre os séculos
XVIII e XIX, que produziu a imagem de um homem abstrato, sem ligações
com a comunidade. Deus soberano no coração de uma liberdade sem
direção nem medida, que desde o primeiro momento volta para os outros
com desconfiança, o cálculo e a reivindicação’.”
Também Valério Augusto Ribeiro
161
ao enunciar que: “O ser humano passa
de mero instrumento idealizado pela pandectística alemã, como elemento
160
Antonio Jeová Santos, Função social, lesão e onerosidade excessiva nos contrato, São Paulo: Método,
2002, p. 125
161
Valério Augusto Ribeiro. Os direitos da personalidade vistos sob a perspectiva da dicotomia clássica
Direito público/ Direito Privado. In: César Fiuza (org.) Curso avançado de direito civil. São Paulo:
Thomson – IOB, 2005, v.I, p. 91.
155
da relação jurídica na mentalidade proprietária, para o valor primordial do
ordenamento jurídico, pelo simples fato de ser humano.”
Nesse contexto e aos poucos, verificou-se que as referências aos “direitos
das pessoas”, passou a expor o homem como valor fonte de todos os
direitos e não mais, como o homem abstrato, que era medido pela riqueza
que produzia. Mudaram os valores e as legislações passaram a
acompanhar a dinâmica, no caminho da personalização do direito civil.
Foi assim com o Código Civil português de 1966, instituído pelo Decreto-
Lei nº 47 344, de 25 de Novembro de 1966 (Atualizado até à Lei 59/99, de
3 de Junho), em seus artigos 70 e seguintes, que tratam da tutela geral da
personalidade, com a Lei Francesa de 17.07.1970 e o Código Civil
Peruano de 1984, que trouxeram ao plano do direito objetivo o respeito à
vida privada. O mesmo ocorreu, em tempo muito anterior, precisamente em
1900, com o Código Civil alemão, lembrado por José Jairo Gomes
162
, que
segundo o autor “(...) reconheceu alguns dos direitos da personalidade, a
exemplo do direito à vida, à saúde, ao corpo, à liberdade, à honra e ao
nome.
Assim, de acordo com Pietro Perlingieri
163
, destacado por Antonio Jeová
Santos, “O Direito Civil reapropria-se, por alguns aspectos, da sua
originária vocação de jus civile, destinado a exercer a tutela dos direitos
civis em uma nova síntese, cuja consciência normativa tem importância
histórica.”
162
José Jairo Gomes, Responsabilidade civil, cit., p. 247
163
Pietro Perlingeri, Perfis do direito civil, Trad. Maria Cristina de Cicco, Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.
33.
156
O mesmo ocorreu com as Constituições dos países, que passaram a
assegurar os direitos humanos, sob a forma de direitos fundamentais
garantidos, de maneira que, a inviolabidade da pessoa humana e sua
dignidade passaram à categoria de princípios consagrados. Os reclamos
da sociedade e, fundamentalmente, a realidade, não podiam mais ser
ignorados.
Diante dessa esperada e alcançada evolução, tornou-se inevitável a
aceitação do dano moral e de sua indenizabilidade ampla, entendido o
termo como as lesões produzidas na alma, no íntimo, na psique da vítima,
que afetam sua dignidade enquanto ser humano, atingindo seus direitos da
personalidade, e que, por isso, merecem proteção jurídica, por meio de
indenização. Pensamento em contrário seria consagrar a impunidade do
ofensor, em detrimento dos mais elevados valores de justiça, notadamente
de valores humanos de uma importância transcendente, valores da alma,
da essência, de valores que são os responsáveis pela verdadeira
existência do homem enquanto ser humano.
164
No Brasil, não foi diferente. A sociedade mudou, se transformou e evoluiu,
principalmente no decorrer do século XX, quando as transformações pelas
quais passou foram incomensuráveis, notadamente no campo das relações
obrigacionais contratuais e extracontratuais e do Biodireito. Das
descobertas científicas à evolução do pensamento humano, das
elocubrações filosóficas, sociológicas, às descobertas da medicina, as
mudanças foram e continuam sendo surpreendentes. Os valores são
164
Rodrigo Mendes Delgado, O valor, cit., p.121
157
outros, os fatos são outros e, por via de conseqüência, o direito também é
outro. O homem, sem dúvida, deve ser preservado.
Assim, resultado de anos de tramitação de um Projeto de Lei elaborado na
década de 70, que buscava adequar a norma substantiva à realidade,
nasceu o Código Civil de 2002, que embora tenha sido objeto de críticas,
por não ter tratado de assuntos existentes na modernidade, como a
internet, os contratos de franquia, de leasing, de factoring entre outros que
invadiram o cotidiano brasileiro e mundial, não deixou de se afastar do
patrimonialismo, ao sabor da legislação mundial formada na segunda
metade do século XX, complementando, com o reconhecimento dos
direitos da personalidade e as previsões relativas à responsabilidade civil
extensível aos danos morais, os princípios constitucionais que
asseguraram a inviolabilidade do ser humano e sua dignidade como bens
supremos.
De fato, o Código Civil foi elaborado sob três grandes pilares, que
demonstraram, vez por todas, o rompimento do individualismo que
permeava do Código Civil de 1916. Trata-se da eticidade, da operabilidade
e da sociabilidade.
Por eticidade, logo pensamos na presença dos valores éticos no
ordenamento jurídico, ao lado dos valores técnicos, ou da técnica jurídica,
conquistada ao longo dos tempos. A operabilidade, por sua vez, tem por
fundamento a tentativa de estabelecer previsões normativas de fácil
interpretação, visando sua aplicação pelo operador do direito. Neste
158
sentido, a assertiva de Miguel Reale
165
é a de que “o Direito que não se
executa – já dizia Hering na sua imaginação criadora – é como chama que
não aquece, luz que não ilumina. O Direito é feito para ser realizado; é para
ser operado.”
Por fim, a sociabilidade, aspecto que nos interessa, e muito, no presente
estudo, já que se trará do princípio que coloca o homem como “ser
situado”, não mais “isolado”, encarado em meio à comunidade em que
atua, acompanhando, assim, a modificação operada na sociedade
moderna.
Seguindo tais pilares, o Código Civil trouxe considerável evolução no que
diz respeito à pessoa, valorizando-a como ser humano e bem supremo,
tanto é que dedicou o plano primário da lei substantiva para assegurar os
direitos da personalidade (artigos 12 a 21), deixando em segundo plano, as
questões relacionadas ao patrimônio. Dessa forma, nossa legislação civil
atrelou-se à Constituição Federal de 1988, ficando amplamente
assegurada a dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade,
sendo inaceitável, neste contexto, o desprezo aos danos morais.
Oportuna a colocação de André Gustavo Côrrea de Andrade
166
, ao
destacar que “No âmbito da responsabilidade civil, com a consagração no
texto constitucional e, mais recentemente, no plano infraconstitucional do
direito genérico à indenização do dano moral, o princípio da dignidade
humana também passou a ocupar lugar de destaque. É no referido
165
Miguel Reale, O Projeto do novo Código Civil, p.10 apud Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p.55
166
André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral, cit., p. 28
159
princípio que a reparabilidade do dano moral encontra seu fundamento, e
dele podem ser extraídas as regras do alterum non laedere e do suum
cuique tribuere. O suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu) e o
alterum non laedere (não lesar os outros) constituem, ao lado do honeste
vivere (viver honestamente), os três preceitos fundamentais do direito
romano, atribuídos a Ulpiano e registrados no Digesto.”
Reconhecido o dano moral em sua amplitude, resta entre nós, definirmos
qual será a forma de sua avaliação, a partir do fundamento jurídico que se
adotar, e qual será o critério para a fixação do montante indenizatório,
questões tais, que pressupõem o debate das teses existentes na doutrina
nacional e mundial, além dos critérios adotados em outros países.
Augusto Zenun
167
ao citar Ávio Brasil, traz à lume as regras estabelecidas
pelo autor, para fins de arbitramento dos danos morais:
“1ª regra: que a satisfação pecuniária não produza um enriquecimento
ilícito à custa do empobrecimento alheio;
2ª regra: equilíbrio entre o caso em exame e as normas gerais, de um caso
de equivalência, tendo em vista: I – curva de sensibilidade: a) em relação à
pessoa que reclama a indenização; b) em relação ao nível comum sobre o
que possa produzir, numa pessoa normal, tal ou qual incidente; c) grau de
educação da vítima; d) seus princípios religiosos; II – influencia do meio
considerado: a) repercussão pública; b) posição social da vítima do dano.
167
Augusto Zenun, Dano moral, cit., p. 87
160
3ª regra: considerar-se a espécie de fato, se é de ordem puramente civil, se
comercial, ou se envolve matéria criminal.4ª regra: que a extensão da
repercussão seja um triplo à repercussão da notícia que causou o dano;
5ª regra: constatar-se nos casos de simples acidentes, se, além do prejuízo
físico da perda do órgão ou membro, há prejuízo de ordem estética (...)”
É exatamente quanto à referidas “regras” que começou juridicamente a
dificuldade, ainda presente, de se estabelecer a natureza indenizatória em
se tratando de danos morais.
3.5. Reparação do dano moral
Superada a questão sobre se o dano à pessoa deve ser objeto de
indenização e reconhecido o malfeito aos direitos inerentes à
personalidade, o grande desafio deste século é encontrar critérios que
mostrem qual a natureza que a indenização deve assumir, bem como qual
o caminho a ser seguido para se chegar à quantificação do dano moral.
A construção da teoria da responsabilidade civil encontra-se fundada na
idéia de reparação, ou seja, assegurar à vítima lesada a recomposição da
situação anterior ao dano por ela sofrido. Mais ainda, os novos conceitos
que se desenham no plano da responsabilidade, não mais buscam a
somente a satisfação individual, mas guardam objetivo muito maior, ou
seja, impedir as condutas lesivas que ofendam à dignidade da pessoa
humana e os direitos que lhes são inerentes, atendendo aos anseios
sociais, fundados na convivência humana que deve existir entre pessoas
em qualquer lugar da sociedade civilizada.
161
Nesses termos, oportuno o ensinamento de José Jairo Gomes
168
, ao
delinear que “A personalidade reveste o ser humano, inculcando-lhe o
status de pessoa; com ela giza-se a socialidade inerente ao espaço
humano, abrindo-se as vias para a participação nas relações jurídico-
econômico-sociais. Sem as emanações da personalidade não poderia o
ser humano ingressar e ter trânsito no mundo sóciojurídico-político, sendo
elas, portanto, necessárias para a promoção do seu progresso e na
realização da vida social. A ordem jurídica capta e reconhece tais
emanações como sendo bens de primeira grandeza, direitos fundamentais,
essenciais à pessoas, outorgando-lhes proteção. Assim, o direito à vida, ao
nome, à identidade, à integridade física e psíquica, à liberdade de
pensamento e de crença são bens cuja preservação é necessária para que
a pessoa seja reconhecida como tal no ambiente social e nele se expanda,
existindo e atuando com honra e dignidade perante os seus semelhantes.
Trata-se, portanto, de bens necessários à própria existência da sociedade
humana.”
Segundo André Gustavo Corrêa de Andrade
169
, “Indenizar, ressarcir e
reparar são termos utilizados pela doutrina e pela jurisprudência de forma
mais ou menos intercambiável. E, efetivamente, as definições dadas pelos
léxicos a tais vocábulos autorizam essa permuta. Na conceituação de cada
uma dessas palavras encontra-se alusão às demais. Assim é que a
expressão indenizar é definida como: ‘Dar indenização ou reparação;
compensar, ressarcir.’ O termo ressarcir é definido como: ‘Indenizar,
168
José Jairo Gomes, Responsabilidade civil, cit., p. 244
169
André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral, cit., p. 145
162
compensar, reparar.’. O vocábulo reparar possui como primeira acepção:
‘Fazer reparo ou conserto em; consertar, restaurar, refazer’, mas, logo
adiante, é encontrado no sentido de: ‘Indenizar, compensar, ressarcir.’.
Cada vocábulo traz, em maior ou menor intensidade, a noção primeira de
restauração de um estado anterior. A finalidade precípua da indenização
ou reparação seria, pois, a de restabelecimento ou reconstituição de uma
situação anterior que existiria se não tivesse ocorrido o evento danoso.
Indenizar, nesse sentido, significa ressarcir o prejuízo ou tornar indene a
vítima, cobrindo todo o dano por ela experimentado.”
Todavia, há situações em que nos depararmos com a impossibilidade de
devolver-se ao lesionado o estado que se encontrava antes da ocorrência
da lesão, sendo irremovível o mal causado. É o que ocorre com ato que
causa a perda de membro do corpo, ou que importa da morte de alguém
querido. Clayton Reis
170
atribui às definições da reparação um caráter
acentuadamente patrimonialístico, “(...) afinal, somente os bens materiais
são suscetíveis de ser reconstituídos ao estado que se encontravam antes
do prejuízo causado.
Para fundamentar a possibilidade de indenizabilidade do dano moral
justifica o autor
171
que a doutrina e jurisprudência “metamorfosearam a
palavra reparação, outorgando-lhe um sentido de compensação ou
satisfação da vítima; afinal, nada há para ser reparado na esfera dos danos
morais. E nem poderia ser, se considerarmos que nos encontramos
perante prejuízos de natureza eminentemente subjetiva.”
170
Clayton Reis, Os novos rumos, cit., p. 123
171
Clayton Reis, Os novos rumos, cit. p. 125-126
163
Quando a restituição ao estado anterior é impossível, a indenização não
será revestida da intenção de reparar em seu sentido etimológico de
devolver ao agravado o estado anterior, mas servirá como meio de
apaziguar o espírito, comumente, por meio do pagamento de soma em
dinheiro, pela qual se busca, de certa forma, minimizar o sofrimento,
falando-se de reparação por compensação, diferente da reparação in
natura ou específica.
A reparação por equivalência, aplicável em sua plenitude somente aos
danos patrimoniais, vem expressa no art. 847 do Código Civil de 2002, que
assim dispõe: “Se o devedor não puder cumprir a prestação na espécie
ajustada, substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente.”
A reparação do dano moral, por sua vez, pressupõe a idéia de que o
lesionado está sendo indenizado de forma presumida, haja vista não haver
certeza efetiva de que a vítima se sinta realmente confortada ante o mal
que lhe foi causado. Nesse sentido, Jacques Flour e Jean-Luc, citados por
Clayton Reis
172
bem observam que “os homens não reagem todos da
mesma forma frente ao que atinge sua honra ou frente a morte de um
parente (...) a dor é insuscetível de prova; o grau de intensidade que ela
atinge, é insuscetível de medida. Em decorrência dos fatos, tudo só pode
repousar sobre presunções.”
Se o prejuízo causado à vítima é indiscutível, primando a ordem jurídica
pelo seu ressarcimento ou reparação, ainda que mediante a paga de
importância em dinheiro, a aludida reparação suscita dúvidas quanto à
172
Clayton Reis, Os novos rumos, cit. 127
164
natureza que deve assumir e qual função deve cumprir em relação ao
agravado e também, no seio da coletividade.
Referidas dúvidas induzem questionamentos, alguns já expostos ao
tratarmos da indenizabilidade do dano moral e outros como: Qual o valor
que se deve atribuir para a mais justa satisfação da vítima? O valor a ser
considerado deve ser arbitrado com a finalidade de compensar o
lesionado, sem considerar a conduta do ofensor, a gravidade da conduta e
a necessidade de prevenção quanto à prática de danos? Seria justo que o
quantum fosse fixado com o objetivo de punir o ofensor, já que o processo
de reparação de danos teria como maior pressuposto intrínseco a
recomposição do patrimônio do lesionado?
Dentro desse quadro, duas grandes correntes doutrinárias se compuseram
a fim de estabelecer a função da indenização, auxiliando, assim, os
envolvidos no processo de reparação na avaliação e fixação do valor
indenizatório, nos casos em que o retorno ao estado anterior se revela
impossível. Trata-se da corrente que entrega a natureza da indenização à
idéia de punição ou pena privada, e da corrente que acredita ser sua
função estritamente compensatória, não havendo fundamento que ampare
a concessão de valor maior que o prejuízo sofrido, considerando-se, é
claro, a compensação por aproximação do ideal.
3.5.1. A indenização como pena privada
O estudo das finalidades da pena é essencial para o exame crítico da
questão aqui enfocada. O cabimento de uma indenização com natureza de
165
pena, por meio da qual se busca a punição de alguém, deve ser avaliada
segundo os objetivos e finalidades da responsabilidade civil, especialmente
no que toca ao dano moral.
Por tal motivo, importa uma breve análise da pena como instituto jurídico,
para a qual utilizaremos as lições de José de Oliveira Ascensão
173
, para
quem a pena se caracteriza como uma das espécies de sanção, que por
sua vez pode ser definida como “uma conseqüência desfavorável
normativamente prevista para o caso de violação de uma regra, e pela qual
se reforça a imperatividade desta.”
As sanções, segundo o autor, podem ser classificadas de acordo com a
função que exercem, podendo ser divididas em: “compulsórias,
reconstitutivas, compensatórias, preventivas e punitivas.”
A sanção compulsória seria medida que visa compelir o devedor à
realização da conduta que deveria ter realizado. A sanção reconstitutiva
seria a medida que impõe a reconstituição do estado anterior à
transgressão da ordem jurídica, podendo-se mencionar como exemplo a
busca e apreensão de um bem. A sanção compensatória seria a medida
que impõe o pagamento de certa soma em dinheiro como atenuação do
dano e diante da impossibilidade de se determinar o retorno da coisa ao
seu estado anterior. A sanção punitiva seria a medida que consiste em
reprovação jurídica da conduta ilícita e que serve de castigo ou retribuição.
A sanção preventiva seria a medida que visa prevenir violações futuras por
parte daquele que já transgrediu a ordem jurídica.
173
José de Oliveira Ascensão, O Direito: introdução e teoria geral, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 55.
166
A pena, como uma das formas de sanção, estaria enquadrada como
sanção punitiva e preventiva, porquanto os dois fundamentos que a
sustentam são a retribuão e a prevenção. No sentido da retribuição, o mal
se retribuiria com o mal, sendo certo que a partir de referida premissa a
igualdade no ordenamento jurídico estaria restaurada. Na função retributiva
da pena está presente certo sentimento de vingança, a marca negativa da
Lei de Talião.
No sentido de prevenção, a pena seria aplicada com o intuito de impedir a
prática de delitos ou emendar aqueles que já delinqüiram para que não
cometam outros. A prevenção poderia ser geral, pela qual se haveria a
suposição de que a pena cominada em abstrato intimidaria a todos os
potenciais infratores. De outro lado, a prevenção poderia ser especial,
atuando em concreto sobre o criminoso, de modo que estaria impedido
fisicamente de praticar delitos, se sobre ele fosse aplicada pena restritiva
de liberdade, atuando, se assim não fosse, com caráter intimidativo para
que não voltasse a delinqüir.
A legislação penal moderna tem admitido para a pena, os dois
fundamentos, o de retribuição e de prevenção.
No âmbito da responsabilidade civil, a natureza da indenização como pena
privada é discutida entre os autores. De acordo com Wesley de Oliveira
Louzada Bernardo
174
, “Uma das questões mais delicadas e controvertidas
do presente estudo diz respeito à adoção, entre nós, dos danos punitivos
174
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo, Dano moral, cit., p.173-174
167
(punitive damages) quando da fixação da reparação dos danos morais.
Instituto originário do direito anglo-saxão, de bases completamente
diferentes do nosso, de matriz romano-germânica, os punitive damages,
atualmente aplicados com mais freqüência nos Estados Unidos e de lá
‘importados’ consistem, basicamente, em acrescentar à reparação um valor
extra como multa civil, infligindo ao causador do dano uma pena, que teria
duplo sentido: pretérito, punindo o agressor; e futuro, no sentido de
desestimular o agressor e todos aqueles que tomarem conhecimento da
sentença a repetir atos da mesma natureza (desestímulo).”
Para os opositores, dentre eles Clayton Reis
175
, embora não negue a
existência de um certo caráter punitivo na indenização, na medida em que
implica para o ofensor em perda de parte de seu patrimônio a fim de
satisfazer ou compensar o agravado “(...) há uma nítida confusão entre os
conceitos de dever jurídico de responsabilidade e sanção. O dever, que
não é sanção, é o procedimento determinado pela norma jurídica, cujo
desvio do agente poderá resultar na obrigação (sanção) de indenizar, em
virtude do prejuízo antijurídico causado. Por outro lado, a responsabilidade
não pode ser considerada um dever, senão uma relação entre pessoas,
nascida em virtude de uma ação ex delicto de uma delas em face da outra.
Assim, se A comete contra B ato ilícito, com resultado danoso, nasce a
responsabilidade entre ambos em virtude do não atendimento, por A, a um
dever de conduta. Nesse caso, A poderá ressarcir espontaneamente o
prejuízo causado por B, fato que não poderá ser considerado como
sanção. Todavia, na hipótese de A não indenizar voluntariamente o dano
175
Clayton Reis, Os novos rumos, cit., p. 137-138
168
perpetrado, sofrerá sanção adequada à lesão, mediante a subtração
compulsória do patrimônio correspondente, ao dano através da execução
compulsória.”
Dessa forma, o dever de ressarcir os prejuízos causados à vítima não seria
sanção, mas um dever subsidiário, correspondente à indenização
compulsória do prejuízo aplicado por meio do órgão aplicador do Direito.
Ademais, complementa o autor, “(...) não nos parece justo e mesmo
adequado que o caráter de pena seja compatível com o espírito do
processo indenizatório. Afinal, não obstante a expressiva influência dos
conceitos históricos apontados, não se justifica que o direito civil,
diversamente do direito penal, tenha uma função penalística. A função da
indenização deve, no nosso modo de entender, constituir não um
procedimento de vingança privada e voluntária, mas uma forma de reparar
e aplacar o sentimento de vingança nas pessoas lesionadas. O dano
reparado exerce importante função no espírito da vítima, eis que, na
medida em que a ressarce do prejuízo sofrido, contribui ao mesmo tempo
para sua satisfação. Estes fatores serão capazes de neutralizar as forças
ofensivas do lesionado, produto da sua reação em face da ação lesiva
decorrente da violação de seu direito. (...) É inescondível esse poder de
dissuasão existente nas normas, direcionando, substancialmente na
moralização da conduta do agente agressor. No entanto, esse controle
punitivo é exercido pelo Estado através do direito penal, que objetiva a
proteção dos bens materiais e imateriais da pessoa e do próprio Estado,
dentro do princípio da legalidade – nullum crime, nulla poena sine lege.
Não nos parece adequado, assim, que a responsabilidade civil, tenha como
169
pressuposto formal a punição do infrator, esquecendo-se da sua função
principal residente na reparação dos danos.
No mesmo sentido se manifesta Artur Oscar de Oliveira Deda
176
afirmando
que “(...) A prática do ato ilícito determina o dever de reparar o dano
conseqüente. Se o transviamento da conduta humana corresponder a
violação da lei penal, o indivíduo que se revelou socialmente perigoso deve
ser punido. A norma cujo preceito foi transgredido prevê a pena aplicável
ao transgressor. A pena é, portanto a sanção criminal. Se, porém, o ato
ilícito compreender-se no âmbito do direito civil, não há pena a aplicar. Não
há sanção penal, mas civil, que corresponde ao dever de reparar o dano.
A sanção civil é a indenização”.
Georges Ripert
177
defendeu a natureza da indenização por dano moral
como pena privada. Ocorrido um dano moral puro, as ações das vítimas
seriam intentadas unicamente com o objetivo de obter uma forma de punir
o autor do dano. Para o autor “(...) seria imoral dizer que aquele que foi
atingido nos seus sentimentos se consolaria graças à indenização que
recebesse (...) As perdas e danos não têm o caráter de indenização, mas o
caráter exemplar. Se há delito penal, a vítima pede que se acrescente
alguma coisa a uma pena pública insuficiente ou mal graduada; se não há
delito penal, a vítima denuncia o culpado que soube escapar-se por entre
as malhas da lei penal. Há pena privada, porque tem que se pronunciar a
pena sob o aspecto de reparação”.
176
Artur Oscar de Oliveira Deda, A reparação, cit. p. 11
177
Georges Ripert, A regra moral nas obrigações civis, Campinas: Bookseller, 2000, p. 338.
170
Entre nós, não são poucos os que defendem a natureza punitiva da
indenização por dano moral, embora em sua unanimidade, reconheçam ser
formada por um misto de compensação e punição, não se curvando à
teoria da natureza exclusivamente punitiva, conforme assinalado por
Georges Ripert. Quanto à dúplice natureza da indenização, item a ser
abordado oportunamente, podem ser mencionados dentre outros
doutrinadores, André Gustavo Corrêa de Andrade, Caio Mário da Silva
Pereira, Maria Helena Diniz, Antônio Jeová Santos e Carlos Alberto Bittar.
3.5.2. Reparação como compensação ou satisfação
A corrente doutrinária que defende a indenização por danos morais como
estrita compensação para a vítima, tem seu fundamento maior na
preocupação com a satisfação do lesionado, ou seja, a responsabilidade
civil estaria presente em nosso ordenamento para ressarcir o dano, ainda
que de modo imperfeito, por meio de pagamento de um equivalente
pecuniário, que presumidamente aproximaria a compensação do ideal ante
o mal que fora causado. O instituto da responsabilidade civil não teria por
fundamento a punição do ofensor, mas sim proteger a figura da vítima, por
meio da condenação ao pagamento de indenização suficiente de acordo
com a extensão da lesão.
A primeira controvérsia que surge acerca da teoria está relacionada à
terminologia utilizada, discutindo-se se a melhor terminologia seria
indenização como forma de compensação ou como forma de satisfação.
171
Nesse sentido Roberto Brebbia
178
aduz que “somente admite indenização
compensatória o dano suscetível de ser avaliado adequadamente em
dinheiro, como no caso do dano material em geral; mas quando o dano não
admite uma estimativa pecuniária, como ocorre com o dano moral, a
indenização pecuniária deve assumir uma função de satisfação da vítima.
A compensação estaria, portanto, vinculada aos danos patrimoniais,
enquanto a satisfação, aos danos extrapatrimoniais.”
Em que pesem as terminologias, doutrina e jurisprudência têm empregado
as expressões como sinônimas, intercambiáveis, de forma que assim o
faremos no presente estudo para evitar equívocos.
Compensatória ou satisfativa, para os adeptos da teoria, a indenização por
dano moral não seria pena, mas forma de apaziguar os sofrimentos
ocasionados pelo agente do ato ilícito, ainda que os sentimentos sejam
insuscetíveis de mensuração.
Nesses termos ao citar Wilson Melo da Silva e Alfredo Orgaz, Artur Oscar
de Oliveira Deda
179
justifica a ausência da natureza de pena privada à
indenização decorrente do dano moral, discorrendo que “Adverte-se,
porém, que, nos dias de hoje, seria um contra-senso afirmar a indenização-
pena, pois o ‘juízo cível não é de punição, mas de simples reparação’. Até
mesmo certas sanções de direito civil, como a cláusula penal – apesar de
seu nome -, têm caráter indenizatório e não penal, conforme observa Von
178
Roberto Brebbia, El daño, cit., p. 69
179
Artur Oscar de Oliveira Deda, A reparação, cit., p. 23-24 apud Wilson Melo da Silva, O dano e sua
reparação, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 346 e Alfredo Orgaz, El daño resarcible, Ed.
Argentina, 1952, p. 231
172
Thur. O mesmo se diga das arras, acrescenta Alfredo Orgaz. Em livro
publicado em 1867, José da Silva Costa afirmou que ‘a satisfação
vindicativa...está fora do plano da justiça social, onde a vingança não tem
império, por envolver claro antagonismo com o ars boni et aequi da
legendária legislação.”
Da mesma forma se manifesta Clayton Reis
180
para quem “(...) não há
entre os dois institutos – o penal e o cível – coerência para o efeito de
adoção de um sistema duplo de indenização, para atender à mesma
pretensão, mesmo porque, o referido sistema não se ajusta aos objetivos
da responsabilidade civil que é o de satisfazer amplamente a vítima, ou
seja, ausente de conteúdos limitativos como àqueles existentes no direito
penal. Ademais, configurar-se-ia um acúmulo indevido de indenizações,
caso fosse adotado o ressarcimento penal e o civil. O ofensor seria
compelido a pagar duplamente pela mesma ação lesiva (...).”
Na mesma linha Rodrigo Mendes Delgado
181
para quem “As lesões que se
verificam dentro do âmbito privado, envolvendo, geralmente, duas ou mais
pessoas, devem ser resolvidas entre estas pessoas, no âmbito privado.
Não há porque envolver toda a sociedade. Os interesses desta apenas são
lesados conjuntamente com os interesses particulares no âmbito penal.
Adotar o sistema em testilha seria criar um inaceitável sistema paralelo,
que se situaria entre o âmbito civil e o penal: seria um sistema misto, um
sistema civil-penal, um sistema eclético, inadmissível, e impraticável dentro
da técnica jurídica, pois são ramos que possuem particularidades muito
180
Clayton Reis, Os novos rumos, cit., p. 223
181
Rodrigo Mendes Delgado, O valor, cit, p. 219-221
173
específicas que os distinguem e os colocam em lados diametralmente
opostos (...) Punir é função do direito penal, não do direito civil (...).
Embora não seja adepto da teoria meramente compensatória ou punitiva
da indenização, mas sim do seu caráter misto, André Gustavo Corrêa de
Andrade
182
apresenta argumento contrário quanto à dicotomia do Direito
Civil e Direito Penal, aduzindo que “O Direito Civil, por sua vez, está repleto
de exemplos de sanções ou penas privadas para os atos culpáveis, as
quais podem tomar a forma de exclusão de algum benefício a que teria
direito o autor do ato ou consistir na imposição de uma verba sem relação
direta com o prejuízo real ou efetivo do lesado (...) No direito pátrio não são
poucos os exemplos de institutos típicos de Direito Civil de indisfarçável
cariz punitivo. Não é preciso mais do que uma breve reflexão para lembrar
alguns desses institutos. Juros de mora: (...) O que denuncia a natureza
penal da figura é a circunstância de ser ela aplicável ainda que o devedor
possa comprovar que o credor nenhum dano teve com a mora, o que é
incompatível com a idéia de reparação. Cláusula penal (art. 416 do Código
Civil): A cláusula penal, como o próprio nome indica, é figura que exerce
função tipicamente punitiva, na medida em que sua imposição independe
da comprovação e até da alegação de prejuízo. É suficiente o
descumprimento de uma obrigação (...) Os influxos de um ramo do Direito
no outro são evidentes, demonstrando que a separação entre Direito Penal
e Direito Civil é mais de ordem metodológica ou didática do que lógico-
jurídica. Essa divisão ou ramificação do Direito não constitui, portanto,
argumento válido contra a idéia de pena privada como forma de reação
jurídica ou sanção para certos ilícitos civis de maior gravidade.”
182
André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral, cit., p. 248
174
Não seriam os agravos morais, também e em regra, passíveis de
reparação, no sentido utilizado para se restabelecer o estado anterior,
como ocorre com o dano patrimonial.
Augusto Zenun
183
faz colocação interessante quanto à natureza
compensatória do dano moral e sua reparabilidade. Defende o autor que o
dano moral é reparável, porquanto não se indeniza o sofrimento e a dor,
que não têm preço, mas “proporciona-se ao ofendido o recurso para se
distrair, para se recuperar, mas isto importa em despesas, custa dinheiro,
que deve ser pago pelo ofensor, e aí está o sucedâneo (...). Por meio do
sucedâneo o ofendido recebe do ofensor o necessário para se distrair, o
que se dá em forma de reparação.”
Nesse mesmo sentido, Christino Almeida do Valle
184
pondera que “(...) a
alegria, o prazer e o entretenimento, que somente o dinheiro é capaz de
permitir, ajudam a proporcionar euforia às pessoas. Isso enseja o
afastamento, o mais possível, dos sofrimentos físicos e morais. Por isso, os
danos morais, ainda que ditos irreparáveis, não podem deixar de ter sua
reparação (...) Ainda que a compensação não seja absoluta, pode haver
uma parcela mínima dela suficiente para a amenização. O que não deixa
de constituir compensação.”
3.6. Críticas à teoria da pena privada
183
Augusto Zenun , Dano moral, cit., p. 123
184
Christino Almeida do Valle, Dano moral, Rio de Janeiro: Aide, 1993, p. 46
175
Afirmamos alhures a existência de controvérsia acerca da natureza da
indenização a título de dano moral, existindo duas correntes doutrinárias
distintas que defendem, respectivamente, o caráter punitivo da
indenização, por meio do qual além da satisfação ou compensação à
vítima, a indenização deveria ser aplicada com cariz de penalidade ao
ofensor, e o caráter compensatório da indenização, através do qual, a sua
função seria reparar o mal sofrido pela vítima, segundo a gravidade da
lesão e com a maior aproximação possível do ideal, levando-se em conta a
subjetividade da extensão do sofrimento de pessoa para pessoa.
Os seguidores da corrente que defende a indenização como compensação,
renegam o caráter punitivo, também conhecido como pena privada e teoria
do valor do desestímulo. Apresentam suas razões:
3.6.1. Ofensa ao princípio constitucional da legalidade e
incompatibilidade com os princípios que norteiam a responsabilidade
civil
A aplicação de indenização com caráter punitivo afrontaria o princípio da
legalidade, já que a Constituição Federal prevê expressamente no art. 5º,
XXXIX, que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
previa cominação legal, de modo que uma pena somente poderia ser
aplicada face à existência de fato típico, sendo punível somente o crime
previsto em lei.
176
Nesse sentido se pronunciaram Luiz Virgílio P. Penteado Manente e
Antonio Marzagão Barbuto Neto
185
, afirmando que “(...) As sanções
jurídicas que naturalmente tem função de punição/desestímulo são as
penas estabelecidas pelo Direito Penal. São as penas, estabelecidas por
leis prévias, que visam causar mal ao agente (função retributiva da pena) e
prevenir outros ilícitos (função educativa da pena). E é exatamente estas
duas características, retribuição e educação, que diferenciam a pena das
demais sanções jurídicas, como a multa administrativa e a indenização
decorrente da responsabilidade civil. Assim, ao se admitir a possibilidade
de que a indenização por danos morais possa representar valor superior à
compensação pelo dano efetivamente sofrido, de forma a
punir/desestimular o agente, estaríamos diante de verdadeira punição
criminal, matéria absolutamente estranha ao Direito Civil e ao instituto da
responsabilidade civil, contrariando-se, portanto, o princípio constitucional
da legalidade. Com efeito, punir pelo arbitramento judicial no âmbito civil
seria conferir poderes ao Poder Judiciário sem autorização legal. É ferir
direitos e garantias individuais; é a própria negação do Estado Democrático
de Direito.”
Da mesma forma, a aceitação da indenização como pena privada violaria a
sistemática da responsabilidade civil e de todos os seus princípios
norteadores, que se fundamentariam em dois postulados, quais sejam, o
princípio do ressarcimento e o princípio da compensação, o primeiro
inerente à reparação integral dos danos materiais, retornando a vítima ao
185
Luiz Virgílio P. Penteado Manente e Antonio Marzagão Barbuto Neto, Indenizações milionárias:o
caráter punitivo da indenização por dano moral, CONJUR, 06.jul.2002, acessado em 23 jan. 2006,
disponível em:<http://conjur.estadao.com.br/static/text/27901,1
>
177
estado anterior, e o segundo, relativo à indenização por danos morais, pelo
qual determina-se que o agente entregue à vítima algo que compense o
sofrimento que lhe foi infligido.
Nessa linha persistem os autores
186
argumentando que “(...) Já com
relação aos danos morais, não há como se obter um ressarcimento, pois
as dores da alma e o sofrimento não podem ser quantificados
matematicamente, como no exemplo acima. Dessa maneira, a indenização
arbitrada judicialmente terá o condão de tão e somente compensar o dano
de natureza moral, proporcionando à vítima um bem que lhe atenue o
sofrimento experimentado. Não é outra a leitura que se extrai da
Constituição Brasileira que, em seu artigo 5°, inciso X, expressamente
prevê que ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação’. Indenizar significa justamente ressarcir,
compensar, função cumprida integralmente pela verba condenatória a título
de danos materiais e pela verba condenatória a título de danos morais,
respectivamente. Conclui-se, portanto, que nos termos dos princípios
norteadores do instituto da responsabilidade civil, a indenização a título de
danos morais deve ter caráter exclusivamente compensatório. Nota-se,
portanto, que a lei fundamental, ao se utilizar da expressão "indenização"
pelos danos morais, atem-se à noção de compensação, própria do instituto
da responsabilidade civil, não havendo, portanto, qualquer menção a um
plus indenizatório a título de punição/desestímulo (...).”
186
Luiz Virgílio P. Penteado Manente e Antonio Marzagão Barbuto Neto, Indenizações milionárias, cit.
178
No mesmo passo argumenta Clayton Reis
187
que “(...) O princípio
predominante da responsabilidade civil sempre primou pela reparação in
natura, já que consagra o ideal no processo indenizatório. Segundo define
Américo Luis Martins da Silva ‘a reparação constitui o ato pelo qual alguém
está obrigado a restabelecer o status quo ante é restabelecer as coisas
conforme o seu estado original (restitutio in integrum – restituição integral –
dever de quem lesa a outrem de reparar o dano)’. Todavia, nem sempre
será possível a reposição in natura do dano, segundo já observado na
esfera dos danos não patrimoniais, assumindo a indenização, dessa forma,
um caráter basicamente compensatório. (...) No Brasil, o princípio da
indenização integral estabeleceu bases sólidas a partir do advento da
Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 5º, V, determinou que
‘...é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo...’. Não resta
dúvida de que a intenção desejada pelo legislador consistiu na
circunstância de que, todo e qualquer dano (patrimonial e não patrimonial),
seja medido na sua extensão, para o fim de atribuir ao lesado, a ´titulo de
indenização, o valor equivalente ao prejuízo havido.”
3.6.2. Banalização do instituto e incentivo à “indústria do dano moral”
Aceitar-se a teoria do valor do desestímulo ou punição ao ofensor, seria
avalizar a aplicação de penalidades pecuniárias exorbitantes, que fugiriam
à finalidade do instituto da responsabilidade civil de compensar a vítima e
estimulariam o desejo inerente ao ser humano que habita um mundo
capitalista, de angariar recursos financeiros a qualquer custo, ainda que
desprovida de fundamento a sua pretensão.
187
Clayton Reis, Os novos rumos, cit. p.149-150
179
Desta forma, tudo passaria a ser matéria de reparação por dano moral,
fugindo à finalidade do instituto, qual seja, garantir a compensação da
vítima, voltando-se essencialmente, para o enriquecimento sem causa. A
aceitação da função punitiva, assim, mancharia o direito de todo cidadão
acessar o Poder Judiciário, ante um incontável número de ações absurdas,
nas quais se postulariam as mais exóticas providências do julgador.
Segundo Rodrigo Mendes Delgado
188
“(...) A teoria do valor do desestímulo
funcionaria ao reverso, como teoria do valor do estímulo, só que tendo por
alvo a pretensa vítima. As pessoas passariam a ter um esmulo a ir
perante o judiciário, não para ver seu direito reconhecido e a lesão sanada,
mas sim, impelidos pela esperança de obterem vantagens vultosas, cifras
milionárias.
Wilson de Melo Silva
189
também se posiciona no sentido de que “(...) dada
a magnitude os sentimentos lesados, em muitos casos, a especulação, a
‘miragem do lucro’, no dizer de Darnburg, teria transformado em palpável
imoralidade aquilo que buscasse defender. Nos caos de morte, por
exemplo, é quando, por excelência, os danos morais se patenteiam em
toda sua incomensurável extensão. E por isso, e em virtude disso, correr-
se-ia o risco, nessas hipóteses, de um maior desmando no arbítrio sem
peias do juiz, com todo o feio cotejo de suas péssimas e prováveis
conseqüências: enriquecimento sem causa, locupletações torpes,
188
Rodrigo Mendes Delgado, O valor, cit., p. 243
189
Wilson de Melo Silva, O dano, cit., p. 492
180
mercadejamentos reprováveis e tudo a coberto do ‘manto nobilíssimo dos
sentimentos afetivos’, numa expressão de Clóvis Bevilácqua.”
3.6.3. Enriquecimento sem causa da vítima
Resultante da aludida banalização do instituto, as vítimas estariam fadadas
ao sucesso, ou seja, estaria facilitado o acesso ao enriquecimento sem
causa, posto que, embora o agravado tenha direito à reparação integral do
prejuízo sofrido, o valor punitivo não se refere propriamente à
compensação do sofrimento ou padecimento, mas importância a maior
desprovida de justo destinatário, de modo que uma vez deferida, estaria
totalmente desamparada de qualquer razão jurídica ou moral para o
locupletamento com a punição do ofensor.
O Código Civil, no caput do art. 944, nesse ponto, estabelece que a
indenização seja conferida na medida da extensão do dano, o que levaria a
crer que toda e qualquer importância determinada acima dos critérios da
compensação, levando-se em conta a gravidade da conduta do agente,
seria considerada enriquecimento sem causa.
Nesses termos o magistério de Sidney Hartung Buarque
190
, ao dispor que
“(...) E muitas vezes é necessário se adotar o princípio que veda o
enriquecimento sem causa, atuando como freio aos excessos de
quantificação do dano moral. A lei civil de 2002, como anteriormente
190
Sidney Hartung Buarque, Da demanda por dano moral na inexecução das obrigações, Rio de Janeiro,
Forense, 2005, p. 75
181
exposto, impõe que a indenização tenha como critério de seu aferimento a
extensão do dano (...).”
Também, Maria Celina Bodin de Moraes
191
, embora se curve ao
posicionamento de que na utilização do caráter punitivo não se admitiria o
enriquecimento sem causa, como se verá adiante, anota que: “Tentando
cumprir funções de natureza antagônica não poderia deixar de ser
paradoxal: dever-se punir o ofensor, mas não ao ponto de enriquecer a
vítima. No entanto, é dedução lógica obrigatória que, sob o ponto de vista
econômico, a vítima sairá, nesses casos, ‘enriquecida’, na medida em que
estará recebendo necessariamente mais do que a compensação do dano
demandaria.”
3.6.4. Degeneração da sociedade e fator de instabilidade social
Os contrários à natureza de pena privada à indenização, justificam a
tentativa de afastá-la de nossa realidade jurídica, também, sob o
argumento de que, uma vez admitida seria fator de retrocesso e
instabilidade social.
Certos de que a gravidade da conduta do ofensor e a punição seriam os
aspectos mais considerados para a determinação da indenização,
deixando, em contrapartida, para segundo plano, a satisfação da vítima, a
sociedade estaria exposta ao desequilíbrio e injustiças sociais. Além disso,
a adoção da teoria do valor do desestímulo ensejaria a vingança, sendo
contraditória a busca da paz social se admitida a utilização de instrumento
191
Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à pessoa, cit., p. 126
182
que certamente serviria para enriquecer alguns e diametralmente,
empobrecer outros, de um dia para outro.
Da mesma forma, para os que negam a natureza punitiva da indenização,
sua aceitação resultaria em um estado de instabilidade social, já que as
pessoas passariam a conviver com o medo de praticar atos, ainda que
aparentemente inofensivos, sob pena de serem processados e punidos.
Nesse sentido, cite-se exemplo de Sergio Pinheiro Marçal
192
: “Vemos
diariamente na imprensa casos ocorridos nos EUA, como o de pais que se
recusam a receber, em suas residências, colegas de seus filhos sem que
estes portem termos que os isente de responsabilidade por qualquer
acidente que eventualmente ocorra durante o dia. Escolas se recusam dar
uma aspirina para um estudante, com receio de que este tenha uma crise
alérgica.”
Rodrigo Mendes Delgado
193
, ferrenho opositor do caráter punitivo da
indenização, acentua que “(...) O que tal teoria procura ressarcir, é o que
se chama de ‘punitive damages’, ou seja, os danos exemplares. Com a
soma milionária que é deferida à pretensa vítima, procura-se dar um
exemplo à sociedade para que os integrantes desta se sintam, como o
próprio nome diz, desestimulados a praticar a mesma atitude que um de
seus integrantes praticou. Isso é tão contra-producente quanto ilógico.
Quer dizer, para que se dê um exemplo à sociedade, alguém tem que se
enriquecer do dia para a noite e, no mesmo sentido, alguém deve sofrer
192
Sergio Pinheiro Marçal, Reparação de danos morais – teoria do valor do desestímulo, Júris Síntese CD-
ROM, n.7 apud Rodrigo Mendes Delgado, op.cit., p. 227
193
Rodrigo Mendes Delgado, O valor, cit., p. 222-223
183
uma ruína financeira. O agente causador do dano deve arriscar sua
sobrevivência e de toda sua família quando se tratar de pessoa física; ou
uma empresa deve correr o risco de abrir falência e gerar, por
conseqüência, grande desemprego, em razão de uma tentativa errônea,
irracional, mesquinha, de se dar um exemplo à sociedade que,
efetivamente, nenhum dano sofreu, em decorrência de um problema que
se travou em seara particular. Com certeza, muitos integrantes da
sociedade nem mesmo tomariam conhecimento de tal fato, não fosse,
evidentemente, a sempre sensacionalista e insensível imprensa que faria
um verdadeiro espetáculo circense para divulgar o caso. O envolvimento
de toda a sociedade, como se nota claramente, é um grande risco (...).”
Além da possível crise no emprego, conseqüência indireta da instabilidade
propagada, também seriam afetados os consumidores e em amplo sentido,
toda a sociedade, já que afligidos pela insegurança de uma potencial
condenação ao pagamento de indenização milionária, empresários
passariam a repassar sua responsabilidade por meio do aumento de preço
nos produtos e serviços.
3.6.5. Incompatibilidade com o sistema jurídico brasileiro
Outra crítica se faz contra a aplicação da teoria do valor do desestímulo,
encontra amparo na realidade social e jurídica do Brasil. Do aspecto social,
defendem os opositores que o país não possui a mesma sistemática
jurídica que a dos países que adotam tal teoria, haja vista se pautarem no
sistema do common law, provinda do direito inglês, que tem como principal
184
fonte de direito a jurisprudência, diferentemente do Brasil, que inspirado no
sistema romano, tem a lei como primeira fonte.
Submetido a um sistema de leis, nosso ordenamento jurídico seria
incompatível com a natureza punitiva da indenização, porquanto não
haveria em nosso sistema normativo, lei que previsse a possibilidade de
impor ao agressor, penalidade além da indenização, vista sob a ótica da
compensação ou satisfação do lesionado.
De fato, o art. 5º, X da Constituição Federal dispõe nesses termos: “São
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral
decorrentes de sua violação”. Assim, segundo os críticos, estaria previsto
pela Carta Maior expressamente o direito limitado à indenização, não
sendo prevista, ao revés, verba destinada aos danos punitivos.
Da mesma forma, nosso Código Civil, não contemplaria expressamente a
aplicação da indenização com caráter punitivo. A regra geral acerca da
matéria encontra-se no art. 944, no qual o limite da indenização se
estabelece de acordo com a extensão do dano, não cogitando de avaliar-
se a gravidade da conduta do ofensor, o que poderia ensejar maior
discussão sobre a possibilidade de se atribuir ao quantum indenizatório
uma parcela de punição.
Mesmo a exceção trazida pelo mesmo dispositivo em seu parágrafo único,
pelo qual o juiz pode reduzir eqüitativamente a indenização em caso de
excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, conferindo
185
relevância à culpa do ofensor, não afetou o caráter essencialmente
compensatório da indenização, já que não prevê a possibilidade do
montante indenizatório superar o dano.
Ainda, a realidade social brasileira, de muito se diferenciaria da americana
ou da inglesa, que utilizam o critério punitivo para a fixação do montante
indenizatório.
Segundo Rodrigo Mendes Delgado
194
, “O estilo de vida que os norte-
americanos adotaram está calcado no mais puro materialismo. Não raras
vezes, o respeito a uma pessoa, na comunidade norte-americana está
inextricavelmente ligado às suas posses. Quanto mais uma pessoa tem
posses, maior será o respeito que desfrutará junto à sua comunidade. O
estilo de vida, enfim, é embasado numa realidade de posses. Perceba-se o
exagero da indenização para o caso citado. Um bilhão de dólares. Isso, no
Brasil, para uma empresa nacional seria, simplesmente, a ruína. (...) São
cifras estratosféricas que não guardam a menor proximidade com a
realidade brasileira. (...) Outro óbice colocar-se-ia, a questão da renda. A
má distribuição de renda e mais, um salário-mínimo infamante ou
difamante, como se queira, pois ambos os adjetivos designam a mesma e
deplorável realidade, e que não garante nem mesmo uma sobrevivência
digna, estão de forma incontestável a justificar a total incompatibilidade de
tal sistema com a realidade do povo brasileiro.”
194
Rodrigo Mendes Delgado, O valor, cit. p. 232-235
186
3.7. Críticas à teoria da compensação ou satisfação da vítima
Da mesma maneira que os adeptos da teoria da compensação, os
seguidores da aplicação do caráter punitivo à indenização apresentam
seus argumentos, no sentido de demonstrar sua total compatibilidade com
o ordenamento jurídico, além de ser resultado da intenção do legislador
pátrio. Baseiam-se nos seguintes aspectos:
3.7.1. Presença do caráter punitivo no sistema normativo brasileiro
Argumentam os defensores que a função punitiva da indenização está
presente no sistema normativo brasileiro, sendo evidente a compatibilidade
de sua aplicação em nossa realidade jurídica.
Com efeito, o Código Brasileiro de Telecomunicações (lei nº 4.117 de
1962), em seu art. 84 já previa que o juiz deveria, na fixação da
indenização, não só observar a extensão do dano, próprio para a análise
da compensação da vítima, mas também, “(...) a situação econômica do
ofensor e a intensidade do ânimo de ofender (...)”, demonstrando, assim,
que além da figura da vítima, importante a análise da gravidade da conduta
do ofensor, por meio da qual, seria possível a aplicação de penalidade
sobre ele.
O mesmo se diga da previsão contida na Lei de Imprensa (Lei nº 5.250 de
1967), que no inciso II do art. 53, confere induvidoso colorido punitivo à
indenização, prescrevendo que: “A intensidade do dolo ou o grau da culpa
do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em
187
ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de
manifestação do pensamento e informação;”
Também a Constituição Federal demonstra que o caráter punitivo da
indenização é plenamente compatível com a realidade brasileira,
apresentando no art. 1º, III, o fundamento necessário para sua aplicação.
Trata-se do princípio da dignidade humana, estudado no presente
estudo, por meio do qual se garante a todo indivíduo o respeito amplo aos
direitos da personalidade, sendo a aplicação de sanção aos ofensores de
tais direitos, consectários lógicos no sentido de cumprimento deste
primado.
Antonio César Rocha Antunes de Siqueira
195
aponta no mesmo sentido e
afirma: “No campo dos direitos da personalidade, constitucionalmente
elevados à categoria de direitos e garantias fundamentais, a interpretação
tradicional das normas de caráter infraconstitucional se mostra insuficiente
para criar um sistema que, antes da função reparadora dos danos
causados, institua meios que atuem de modo preventivo, do desestímulo a
ataques à esfera jurídica de outrem (...)”, sendo necessário como cautela
que sejam compatibilizadas novas técnicas para uma correta interpretação
da vontade do legislador constitucional, a fim de, por conseqüência, seja
atingido um novo estágio de aplicação das normas infraconstitucionais,
desta forma, propiciando meios adequados para a efetiva proteção dos
direitos da personalidade.
195
Antonio César Rocha Antunes de Siqueira, A reparabilidade dos danos não-patrimoniais: em busca de
uma criteriologia, p. 41, apud André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral
, cit., p. 252
188
Também o entendimento de Nelson Rosenvald
196
, ao citar Pietro Perlingieri
e J. J. Gomes Canotilho, que assim esclarece: “(...) Originariamente, a
proteção aos direitos humanos era restrita ao direito público, focalizada na
urgência do acautelamento do particular em face do arbítrio estatal. Em
contrapartida, os direitos da personalidade se reportariam ao direito
privado, em similitude à propriedade, como uma espécie de reserva de
faculdades do indivíduo no sentido de fruição de seus atributos pessoais. A
origem da dicotomia público-privado deita raízes nos movimentos
oitocentistas de codificação e constitucionalismo. A Constituição era
encarregada de dividir os poderes do Estado e frear o seu âmbito de
atuação na esfera da liberdade dos particulares; de outro lado, o Código
Civil regia as relações econômicas entre particulares, com total auto-
suficiência e completude. Não há mais espaço, porém, para dicotomia
entre o direito público e o direito privado. A dignidade da pessoa humana
como elemento fecundante inspira proteção integral, esmaecendo as
fronteiras entre as situações jurídicas inicialmente vinculadas ora aos
direitos humanos, ora aos direitos da personalidade. (...) No instante em
que a dignidade surge como expressão máxima dos direitos da
personalidade, sobeja afirmar que a tutela dos valores espirituais e morais
do ser humano não se resume ao direito privado, encontrando respaldo em
todo o sistema jurídico. Dá extrair-se que em nossa ordem jurídica a
dignidade é núcleo essencial dos direitos fundamentais.”
Tais afirmações teriam encontrado respaldo na doutrina e na
jurisprudência, disseminando-se a idéia de que a Constituição Federal, de
196
Pietro Perlingieri, La personalità umana nellórdinamento giuridico, p. 145 e J. J. Gomes Canotilho,
Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 390 apud Nelson Rosenvald, Dignidade humana e boa-fé
no Código Civil, São Paulo: Saraiva, 2005, p.32-33.
189
forma sistemática, tem força normativa que reclama aplicação
independentemente do concurso do legislador infraconstitucional,
lembrando, no entanto, que mesmo este, houve por bem demonstrar seu
real desejo por meio do Projeto de Lei que altera o art. 944 do Código Civil,
declarando às escâncaras que a mera satisfação da vítima não mais
atende a concepção de responsabilidade civil sob o ponto de vista da
compensação, impondo a punição do ofensor e a reação legítima contra a
lesão e sua ameaça aos princípios constitucionais da mais alta linhagem.
André Gustavo Corrêa de Andrade
197
aponta para complementar que: “(...)
Não é possível contar apenas com a lei penal e com penas públicas para
prevenir a prática de atentados aos direitos da personalidade. A lei
tipicamente penal não tem como prever, em tipos delituosos fechados,
todos os fatos que podem gerar danos injustos, razão pela qual muitas
ofensas à dignidade humana e a de direitos da personalidade constituem
indiferentes penais e, por conseguinte, escapam do alcance da justiça
criminal. Além disso, por razões diversas, nem sempre a sanção
propriamente penal, oriunda de uma sentença penal condenatória, se
mostra suficiente como forma de prevenção de ilícitos. Nesse contexto, a
indenização punitiva constitui instrumento indispensável para a prevenção
de danos aos direitos personalíssimos.”
3.7.2. O necessário acesso de todos à Justiça
Contrariamente à assertiva de que o caráter punitivo serviria de estímulo
aos indivíduos para o ingresso desmedido de ações judiciais, ante a
197
André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral, cit., p. 253
190
“facilidade” de obter renda, muitas vezes, convertidas em cifras milionárias,
os defensores da teoria que reconhece sua existência na indenização,
combatem o argumento.
Primeiramente apontam para a democracia e depois, para o princípio
consagrado pela Constituição Federal, que assegura o acesso de todos à
justiça, afirmando que
198
“O problema da propositura de ações de
indenização temerárias, que buscam especular com o dano moral,
tentando incluir no conceito os fatos mais corriqueiros ou banais, é inerente
à democracia e ao princípio do acesso à justiça. É necessário possibilitar a
todos o acesso à jurisdição para que aqueles que tenham efetivamente
direito possam vê-lo satisfeito ou realizado.”
Em que pese não termos apontado, ainda, nosso posicionamento sobre a
natureza da indenização, de punição ou de compensação, ou ainda a mista
que reúne as duas teorias, afirmamos, desde logo, que o argumento de
crescimento da chamada “indústria do dano moral” não se mostra, por si
só, suficiente para rechaçar a teoria do valor do desestímulo, posto que
contamos com dispositivos legais, especialmente o artigo 17 e seguintes
do Código de Processo Civil que asseguram a aplicação de multa àquele
que “(...) I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou
fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III – Usar do processo
para conseguir objetivo ilegal (...)”, sendo, assim, punido por litigar de má-
fé.”
198
André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral, cit., p. 295
191
No mais, o argumento em questão, no entendimento de Paulo Maximilian
Wilhelm Schonblum
199
, estaria “na contramão do entendimento
vanguardista, repetindo os mesmos outrora utilizados por aqueles que
negavam a própria existência do instituto. Parece que, por dificuldades
particulares de vivenciar e compreender a modernidade, ficam alguns
autores banalizando o sentimento interno das pessoas que buscam no
Judiciário a proteção de valores (honra, credibilidade, reputação,
intimidade, sentimentos, emoções etc), muito mais importantes que outros
de forma veementemente protegidos (carro, dinheiro, imóveis etc).”
Nesse sentido, caberá ao Poder Judiciário frear atitudes maliciosas e punir
com severidade todo aquele que buscar alterar a inteão a que se propõe
o instituto do dano moral, firmando pretensões desarrazoadas. Com a
negativa de tais pleitos, certamente, sobreviria o desestímulo quanto à
propositura e a paulatina diminuição de demandas.
Não caberia frustrar a punição de reais agressores ao patrimônio moral e
excluir importante instrumento de defesa da cidadania, somente ante a
“ameaça legal” de crescimento de número de ações para a apreciação do
Judiciário. O fundamento de resguardo à dignidade humana é muito mais
preocupante e importante que refrear ações temerárias e infundadas.
Tampouco restringir as indenizações por conta do alto número de
demandas seria solução para os problemas da sociedade e do Poder
Judiciário.
199
Paulo Maximilian Wilhelm Schonblum, Dano moral: questões controvertidas. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2003, p. 132
192
Ainda, importa salientar que as chamadas “aventuras jurídicas” não
constituiriam novidade ou exclusividade das ações que tratam dos danos
morais, existindo “aventura” em tantos outros objetos envolvidos em ações
judiciais.
Assim, não haveria motivo algum para a conclusão de que todos os
“aventureiros” seriam aqueles que postulam o reconhecimento de agravo
aos seus direitos imateriais. Muito menos, seria justo aceitar a pecha de
que as ações que envolvem pedido de reparação por danos morais seriam
verdadeira “indústria” que visa o enriquecimento sem causa. A busca do
“lucro fácil” é possível por outros meios, como por exemplo, por meio do
estelionato, das cobranças indevidas, reclamações trabalhistas absurdas
etc.
3.7.3. Da ausência de injusto enriquecimento da vítima
Com a aceitação do caráter punitivo, seus defensores argumentam que
não haveria que se falar em injusto enriquecimento da vítima, haja vista,
não se poder afirmar, até mesmo pelo caráter subjetivo que abraça a
aferição do dano moral, que o valor compensatório seria suficiente para
compensar o agravado pelos efeitos da lesão sofrida. Fala-se em
compensação mais próxima do ideal e não em compensação de integral
equivalência, como ocorre com o ressarcimento de danos materiais. Estar-
se-ia adentrando ao campo das hipóteses, pelo qual não se poderia
sustentar um argumento.
193
No mais, apontam os adeptos da corrente, que o princípio do
enriquecimento sem causa não se aplicaria ao instituto da responsabilidade
decorrente de prática de danos morais, pois neste o que se visa proteger é
a dignidade humana e os direitos da personalidade, cuidando os institutos
em análise, de bens de natureza distinta.
Com efeito, a dignidade não teria preço, não sendo passível de
mensuração a ponto de se poder afirmar de forma contundente o efetivo
enriquecimento da vítima. O preço é aquilo que pode ser substituído por
equivalente e a dignidade, por sua vez, não possuía equivalência com
quantia alguma, estando acima de qualquer preço que a ela se atribua.
Também, a indenização punitiva atua como forma de impedir o lucro do
ofensor com o ato lesivo, não se admitindo, sob pena de ofensa ao direito,
argumentar pela rejeição da hipótese de enriquecimento da vítima,
avaliada sob o aspecto puramente subjetivo, possibilitando, ao contrário,
que o ofensor se beneficie de sua conduta lesiva.
Nessa linha, Julio Manuel Vieira Gomes
200
acentua que “(...) quando o
autor de facto ilícito retira da sua conduta um lucro superior ao dano
causado, a doutrina claramente dominante nos países de civil law encolhe,
resignadamente, os ombros e repete, como se de uma evidência se
tratasse, o dogma de que a obrigação de indemnizar não pode converter-
se numa fonte de enriquecimento para o lesado. Nas expressivas palavras
de Pereira Coelho não se deve, para evitar uma injustiça, cometer outra.”
200
Júlio Manuel Pereira Gomes, O conceito de enriquecimento, o enriquecimento forçado e os vários
paradigmas do enriquecimento sem causa. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 1998, p.795
194
Por fim, Maria Celina Bodin de Moraes
201
, ao tratar do fato da
jurisprudência adotar como um dos critérios para a fixação do dano moral,
a condição econômica da vítima, procurando nitidamente evitar o seu
“injusto”, tece crítica, afirmando que “Pior, o argumento mais utilizado para
justificar a adoção do critério da condição econômica da vítima – o que diz
tratar-se de evitar enriquecimento sem causa – parece configurar um mero
pretexto. Ora, a sentença de um juiz, arbitrando o dano moral, é razão
jurídica mais do que suficiente para impedir que se fale, tecnicamente, de
enriquecimento injustificado. O enriquecimento, se estiver servindo para
abrandar os efeitos nefastos de lesão à dignidade humana, é mais do que
justificado: é devido. Por outro lado, o fato de a vítima mais desfavorecida
receber menos pelo mesmo dano sofrido não responde a qualquer
princípio de justiça.
3.7.4. Inexistência do sentimento de vingança e ausência de
instabilidade econômica e social
Para os adeptos da teoria que contempla a função compensatória da
indenização, admitir a natureza punitiva seria incentivar o sentimento
negativo de vingança na sociedade.
Rebatem os opositores, afirmando que, contrariamente, aplicando-se
indenização que não fique restrita à compensação, mas levando-se em
conta a gravidade da conduta do lesante e atribuindo-lhe pena pecuniária
201
Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à pessoa, cit., p. 302
195
em valor maior, seria prevenir possíveis atos de vingança particular por
parte da vítima, concedendo, ao mesmo tempo, uma resposta à sociedade.
Maria Celina Bodin de Moraes
202
ao tratar do assunto, cita W. Prosser, J.
Wade e V. Schwartz, descrevendo que os “danos punitivos” servem para:
“i) punir o ofensor por seu mau comportamento, ii) evitar possíveis atos de
vingança por parte da vítima; iii) desestimular, preventivamente, o ofensor
e a coletividade de comportamentos socialmente danosos, quando o risco
de ser obrigado a compensar o dano não constituir remédio persuasivo
suficiente; iv) remunerar a vítima por seu empenho na afirmação do próprio
direito, através do qual se consegue um reforço geral da ordem jurídica.”
Outra assertiva em sentido contrário à suposta margem para o incentivo de
vingança, apontado por André Gustavo Corrêa de Andrade
203
seria o fato
da vingança ser um sentimento próprio do indivíduo, inerente à natureza
humana, de forma que “(...) não será o Direito que irá apagar essa
característica do ser humano. O que o Direito pode e deve fazer é conferir
civilidade à reação ao injusto, para impedir ‘olho por olho’. E nada mais
civilizado do que a aplicação de uma sanção pecuniária como retribuição
pelo mal causado.”
Quanto à pretensa instabilidade social e econômica, refutam-na os adeptos
da função punitiva, aduzindo que não se pode admitir a preocupação com
as eventuais conseqüências da punição, mas sim com seus efeitos
primários sobre os indivíduos, de maneira que o valor de desestímulo teria
202
W.Prosser, J. Wade e V. Schwartz. Torts: cases and materials, p. 561 apud Maria Celina Bodin de
Moraes, Danos à pessoa
, cit., p.33-34
203
André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral, cit., p. 296
196
o condão de desencorajar a iniciativa de possíveis agressores, que sem a
punição se vêem muito mais “protegidos” para a prática e reiteração da
conduta ilícita que acarreta o dano moral.
Importaria ponderar ainda, que o aspecto econômico que figura ponto de
insistente preocupação dos opositores não poderia ser mais importante
que o “núcleo central de toda a argumentação (e de todo sentimento)
jurídica repousa em torno do homem e de sua dignidade, cuja valoração
supera largamente as regras da oferta e demanda”, segundo Ramón
Daniel Pizarro
204
.
Por outro lado todas essas objeções econômicas e sociais não passariam
de especulações, já que baseadas em suposições sem nenhum respaldo
concreto, ou seja, com base em dados estatísticos a demonstrar que
realmente a punição está presente em grande parte dos casos, de forma
desmedida, a ponto de refrear a economia e o desenvolvimento social,
causando impacto na empregabilidade e prejzos aos próprios
consumidores, que seriam prejudicados com o eventual repasse de
responsabilidade, consistente na majoração dos preços das mercadorias e
serviços.
Ademais, de acordo com Maria Celina Bodin de Moraes
205
, poderia ser
concebida em nossa doutrina e jurisprudência o apaziguamento da idéia
punitiva, aplicando-se tal função somente como hipótese excepcional, ou
204
Ramón Daniel Pizarro, Daño moral. Buenos Aires: Hammurabi, 2000, p. 389 apud André Gustavo
Corrêa de Andrade, Dano moral
, cit., p.298
205
Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à pessoa, cit., p. 330
197
seja, quando se verificar necessário dar uma resposta à sociedade “(...)
tratando-se, por exemplo, de conduta particularmente ultrajante ou
insultuosa em relação à consciência coletiva, ou, ainda, quando se der o
caso, não incomum, de prática danosa reiterada. O interesse protegido, o
bem-estar da coletividade, justificaria o remédio (...).”
Por fim, o risco de instabilidade social e econômica na realidade brasileira
seria mínimo, pois ao contrário do sistema vigente no common law, em que
a fixação da indenização é realizada por um júri, composto de pessoas
leigas e sem a experiência de um juiz experiente, nosso sistema determina
que é do juiz togado a competência para apreciar os fatos e julgar, fixando,
por conseqüência, e ser for o caso, a indenização devida. Não se poderia
negar que, embora existam disparidades quanto aos valores atribuídos nos
casos judiciais, estaríamos livres dos julgamentos dotados de elementos
passionais, face ao princípio da imparcialidade estabelecido pelo nosso
ordenamento jurídico.
3.8. A natureza compensatória-punitiva dos danos morais
Da análise das duas teorias ou correntes doutrinárias assinaladas, quais
sejam, da que encontra no dano moral a natureza de compensação para a
vítima, e da punição, também conhecida como teoria do valor do
desestímulo, chegamos a um ponto muito importante do estudo proposto,
haja vista o objetivo proposto, qual seja, tratar dos critérios para fixação do
dano moral.
198
Conforme verificado, as duas correntes, completamente antagônicas,
apresentam razões e objeções convincentes, que profundamente
estudadas pela doutrina e pela jurisprudência, levaram a maioria de nossos
doutrinadores e juristas à conclusão de que nem uma, nem outra, poderia
ser aplicada integralmente, haja vista a necessidade de se adaptar ao
nosso sistema jurídico, à realidade brasileira e aos fundamentos da
responsabilidade civil à luz da atualidade.
Surgiu, desta feita, uma terceira corrente doutrinária e jurisprudencial, que
apontou para uma mesclagem das duas funções, de maneira que, para os
seus adeptos, a indenização por dano moral, deve cumprir, conjuntamente,
a função compensatória e a função punitiva, possibilitando, assim, o
integral cumprimento da finalidade e dos fundamentos da responsabilidade
civil.
Com efeito, a teoria reconhece que além da compensação do agravado, a
indenização deferida deve estar revestida do caráter punitivo,
desencorajando o ofensor, e muitas vezes, servindo de resposta à
sociedade.
Interessante o magistério de Carlos Roberto Gonçalves
206
, nesse sentido,
afirmando: “Tem prevalecido, no entanto, o entendimento de que a
reparação pecuniária do dano moral tem duplo caráter: compensatório para
a vítima e punitivo para o ofensor. Ao mesmo tempo que serve de lenitivo,
de consolo, de uma espécie de compensação para atenuação do
206
Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade civil, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 584
199
sofrimento havido, atua com sanção ao lesante, como fator de desestímulo,
a fim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem.”
Na mesma linha Maria Helena Diniz
207
ao aduzir que “(...) a reparação do
dano moral não tem apenas a natureza penal, visto que envolve uma
satisfação da vítima, representando uma compensação, ante a
impossibilidade de se estabelecer perfeita equivalência entre o dano e o
ressarcimento. A reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena
e de satisfação compensatória. Não se pode negar sua função: a) penal,
constituindo uma sanção imposta ao ofensor, visando a diminuição de seu
patrimônio, pela indenização, paga ao ofendido, visto que o bem jurídico da
pessoa – integridade física, moral e intelectual, não poderá ser violado
impunemente, subtraindo-se o seu ofensor às conseqüências de seu ato
por não serem reparáveis; e b) satisfatória ou compensatória, pois como
dano moral constitui um menoscabo a interesses jurídicos
extrapatrimoniais, provocando sentimentos que não têm preço, a reparação
pecuniária visa proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenue a
ofensa causada. Não se trata, como vimos, de uma indenização de sua
dor, da perda de sua tranqüilidade ou prazer de viver, mas de uma
compensação pelo dano e injustiça que sofreu, suscetível de proporcionar
uma vantagem ao ofendido, pois ele poderá, com a soma de dinheiro
recebida, procurar atender às satisfações materiais ou ideais que repute
convenientes, atenuando assim, em parte seu sofrimento.”
207
Maria Helena Diniz, Curso, cit., 106-107
200
Adolpho Paiva Faria Júnior
208
, também adepto da teoria mista, esclarece
no mesmo passo que “É inevitável a especulação sobre uma outra
natureza a ser emprestada à reparação por dano moral, ou seja, o seu
caráter compensatório ou punitivo. O satisfativo ou compensatório, como
acima, é de entendimento pacífico, mas o seu aspecto punitivo não pode
ser esquecido, pois é justamente o que leva ao ofensor ensinamentos
sobre uma melhor conduta, mais refletida, menos descuidada ou
negligente. Toda diminuição de patrimônio, imposta a alguém,
necessariamente, impõe-lhe uma maior reflexão de suas causas.”
Mesma posição adota Cáio Mario da Silva Pereira
209
, ao afirmar que
“Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se
deslocado para a convergência de duas forças: ‘caráter punitivo’ para que
o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela
ofensa que praticou; e o ‘caráter compensatório’ para a vítima, que
receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do
mal sofrido.”
Também para Américo Luís Martins da Silva
210
“(...) a compensação do
dano moral exerce nitidamente duas funções: a) a função de expiação (em
relação ao culpado ou quem causa a lesão); e b) a função de satisfação
(em relação à vítima ou ofendido (...).”
208
Adolpho Paiva Faria Júnior, op. cit., p. 70
209
Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade, cit., p. 55
210
Américo Luís Martins da Silva, O dano, cit., p. 62
201
Antonio Jeová Santos
211
concorda com essa postura e esclarece que “A
indenização do dano moral, além do caráter ressarcitório, deve servir como
sanção exemplar. A determinação do montante indenizatório deve ser
fixado tendo em vista a gravidade objetiva do dano causado e a
repercussão que o dano teve na vida do prejudicado, o valor que faça com
que o ofensor se evada de novas indenizações, evitando outras infrações
danosas. Conjuga-se, assim, a teoria da sanção exemplar à do caráter
ressarcitório, para que se tenha o esboço do quantum na fixação do dano
moral.”
Em consonância com a diretriz adotada pela doutrina, o posicionamento de
nossos Tribunais tem demonstrado nítida adoção do caráter punitivo-
compensatório para a indenização por dano moral. Veja-se a respeito,
entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e de outros
Tribunais Regionais:
“ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL – PERDA DE FUNÇÃO
DO BRAÇO – CIRURGIA MAL SUCEDIDA EM HOSPITAL PÚBLICO –
DANO MORAL – VALOR DA INDENIZAÇÃO.
1. O valor do dano moral tem sido enfrentado no STJ com o escopo de
atender a sua dupla função: reparar o dano buscando minimizar a dor da
vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir.
2. Posição jurisprudencial que contorna o óbice da Súmula 7/STJ, pela
valoração jurídica da prova.
3. Fixação de valor que não observa regra fixa, oscilando de acordo com
os contornos fáticos e circunstanciais.
211
Antônio Jeová Santos, Dano moral, cit., p. 162
202
4. Acórdão que fixou o valor do dano moral, à época, em aproximadamente
84 (oitenta e quatro) salários-mínimos que se mantém.
5. Recurso especial improvido.”
(STJ, 2ª Turma, REsp 696850/RO, Recurso Especial 2004/0149384-2,
Relatora Ministra Eliana Calmon; j. 06.12.2005, DJ 19.12.2005, p.349)
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS -
QUANTUM ARBITRADO MODERADAMENTE – SENTENÇA
CONFIRMADA - RECURSO DESPROVIDO. Tratando-se de acidente de
trânsito, a responsabilidade civil, mais especificamente o dano moral, firma-
se em três requisitos: o ato culposo do agente, o dano moral suportado
pela vítima e o nexo causal entre o dano e a conduta culposa. Em
relação a fixação do valor da indenização por dano moral, deve-se atentar
para vários fatores, entre eles: a) a intensidade e duração da dor sofrida; b)
a gravidade do fato causador do dano; c) a condição pessoal (idade, sexo,
etc.) e social do lesado; d) o grau de culpa do lesante; e) a situação
econômica do lesante. Linear é a doutrina ao determinar que a reparação
dos danos morais tem duas finalidades: indenizar pecuniariamente o
ofendido, alcançando-lhe a oportunidade de obter meios de amenizar a dor
experimentada em função da agressão moral, em um misto de
compensação e satisfação e punir o causador do dano moral, inibindo
novos episódios lesivos, nefastos ao convívio social.” (TJSC, Apelação
cível 2005.003572-3, Rel.: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, J.:
02.08.2005)
“CIVIL- AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL- APELADA
INDEVIDAMENTE INSCRITA NOS CADASTROS DO SERVIÇO DE
203
PROTEÇÃO AO CRÉDITO - SPC - INDENIZAÇÃO PELO DANO
MATERIAL CORRETAMENTE FIXADA NA SENTENÇA - EM RELAÇÃO
AO DANO MORAL O VALOR ARBITRADO NA DECISÃO HOSTILIZADA
NÃO SE DEMONSTROU REPARATÓRIO PARA A APELANTE NEM
PENALIZANTE PARA A APELADA - VALOR INDENIZATÓRIO ELEVADO
PARA CINQUENTA VEZES O VALOR DA PRESTAÇÃO NEGATIVADA -
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I) - A indevida inclusão da
Apelante nos cadastros do Serviço de Proteção ao Crédito - SPC se
afigura injusta em razão da Recorrente haver adimplido com suas
obrigações perante a Apelada. No que tange aos danos materiais a
decisão injuriada fixou corretamente o valor indenizatório. Quanto aos
danos morais, merece reparo, pois o valor arbitrado naquele decisum não
se harmonizou com a Teoria do Desestímulo, que reza que a indenização
por dano moral deve ser reparatória, proporcionalmente ao dano sofrido, e
penalizante, que tenha repercussão no patrimônio do ofensor que deve ser
desencorajado a praticar condutas semelhantes, razão pela qual a verba
indenizatória foi elevada para cinqüenta (50) vezes o valor da prestação
negativada. II) - Indiscrepantemente, deu-se provimento parcial ao
recurso.” (TJPE, Apelação Cível 83162-1, Des. Rel.: Siqueira Campos, 6ª
Câmara Cível, j.: 17.09.2002, DJ 03.01.2003)
“RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS. INSTITUIÇÃO
BANCÁRIA. NEGATIVAÇÃO INDEVIDA. QUANTIFICAÇÃO ADEQUADA.
O banco procedeu a abertura de conta corrente e emitia talonário de
cheques em nome da autora, sem o seu conhecimento e aquiescência,
ensejando a inclusão indevida nos cadastros de inadimplentes, por
devolução de cheques sem provisão de fundos e bloqueio de sua conta
204
salário do Banerj, por determinação do Banco Central. Nesse contexto,
afigura-se a responsabilidade civil objetiva da instituição financeira, por
evidente defeito na prestação de serviço, fundada no art. 14, caput e
parágrafo primeiro, da Lei n º 8.078/90 e na teoria do risco empresarial,
considerando que quem retira proveito de uma atividade de risco, com
probabilidade de danos, obtendo vantagens, lucros, benefícios deve arcar
com os prejuízos perpetrado. O dano moral decorrente da lesão de
sentimento, bem integrante da personalidade da autora, violando o dever
de respeito à honra, ao bom nome e a credibilidade da pessoa nas
relações comerciais, resulta evidente ipso facto e, por isso, independe de
prova específica. Não merece reparo o decreto monocrático com relação
ao arbitramento da indenização por danos morais, considerando como
parâmetros: o dano, a situação anterior (status quo ante financeiro e
econômico das pessoas envolvidas as circunstâncias do caso e a
gravidade da falta cometida pelo lesante. Em tais circunstâncias, a sanção
dos danos morais decretada, no valor correspondente a 80 salários
mínimos, guarda ampla compatibilidade com os princípios clássicos da
razoabilidade, equidade, Justiça e de vedação do enriquecimento sem
causa. Não obstante, converte-se a indenização em moeda corrente nesta
data, incidindo correção monetária oficial (Prov. nº CGJ/RJ), desde então.
Com efeito, a reparação dos danos e prejuízos não patrimoniais ancora-se
nos princípios: a) neminem Iaedere; b) restitutio in integro; c) id quod in
interest - restauração do interesse violado em quantum eqüitativo. No caso
de danos morais, atribui-se a tônica ao princípio id quod interest ante a
impossibilidade de restituição integral, na perspectiva das funções 1)
punitiva - desestimulo - (punitive dommage), na prática de ato ilícito; 2)
compensatória, no caso de falta não intencional, cometida pelo lesante, e,
205
3) satisfatória - conferida ao lesado, pelo conforto da vitória da Justiça
sobre a impunidade. DESPROVIMENTO DE AMBOS OS RECURSOS.
(TJRJ, 6ª Câmara Cível, Apelaçãovel 2004.001.00524, Rel. Des.
Roberto de Abreu e Silva, j.: 27.04.2004)
“Como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça "sobrevindo, em razão de
ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos
sentimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral,
passível de indenização" (4ª T., REsp nº 8.768-0/SP, rel. Min. Barros
Monteiro). - Qualquer pessoa medianamente correta e consciente de seus
direitos e deveres se sente ofendida e humilhada quando, após ter
cumprido sua obrigação de pagar, ainda que com atraso, tem seu
fornecimento de energia elétrica cortado. - A indenização por danos morais
visa não somente reparar, ainda que minimamente, os danos
experimentados pela vítima, mas, também, servir como fator de
desestímulo ao agente, de forma a inibir a prática de novos atos lesivos -
Ao se fixar o valor da indenização por danos morais deve-se, além de se
procurar minimizar o sofrimento da vítima, constituir um fator de
desestímulo ao agente, de modo a impedir-lhe a prática de novos atos
lesivos.” (TJMG, Apelação Cível 1.0702.03.063917-4/001(1), Rel. Des.:
Edivaldo George dos Santos, j.: 02.08.2005, DOE: 01.09.2005)
Não obstante a prevalência da dupla função, conforme se demonstrou,
seus adeptos apontam para a necessidade de observação de alguns
critérios para a aplicação do caráter punitivo, concluindo-se que, apesar de
aceito, deve ser utilizado com reservas.
206
3.9. Critérios para aplicação da função punitiva
Para os doutrinadores brasileiros, dentre eles André Gustavo Corrêa de
Andrade, Antônio Jeová Santos, Maria Celina Bodin Moraes e Wesley de
Oliveira Louzada Bernardo Louzada, para a aplicação da indenização com
caráter punitivo devem ser observados alguns pressupostos, dentre os
quais podemos mencionar os seguintes:
3.9.1. Culpa grave do agressor
Não obstante a evolução do instituto da responsabilidade civil e a
consagração da responsabilidade objetiva baseada no risco, a culpa do
ofensor subsiste como fundamento geral para o dever de indenizar.
Para que seja reconhecida a indenização compensatória em favor do
ofendido, bastará a verificação da ocorrência do dano e a culpa do agente,
sendo indiferente para a fixação do quantum a avaliação do grau de
culpabilidade que seja atribuído ao ofensor.
Vale dizer que seja leve, grave ou levíssima, detectada a culpa do agressor
e a ocorrência do dano que afete os bens inerentes à personalidade do
ofendido, a indenização será sempre devida, baseada na extensão do
dano, buscando-se a satisfação da vítima.
Ao contrário, para a aplicação da função punitiva, é fundamental que seja
estabelecido o grau de culpa do ofensor, de forma que essa penalidade
ficaria reservada somente aos casos em que os danos decorressem de
207
dolo ou culpa grave, atuando o agressor com intenção lesiva ou com
indiferença pelo direito alheio, rescindindo na conduta ilícita.
O dolo é a vontade consciente dirigida à produção de um resultado,
podendo ficar caracterizado também, como dolo eventual, nas hipóteses
em que o sujeito aceita e admite o risco de produzir o resultado lesivo. A
culpa grave, por sua vez, pode ser caracterizada como o ato praticado com
imprudência, negligência ou imperícia, em que o agente deixa de observar
o dever mínimo de cautela que a todos incumbe, incorrendo em grosseira
falta de atenção.
Para os adeptos da aplicação do caráter punitivo com reservas, referido
caráter jamais somente poderia ser aplicado aos casos em que se
evidenciasse a culpa leve ou levíssima, pois em tais casos não se
justificaria as finalidades da punição, quais sejam, retribuir, dissuadir o
ofensor e demonstrar total reprovabilidade da conduta. A culpa leve
poderia ser identificada como a falta de observância de um cuidado
ordinário, exigível do homem médio, e a culpa levíssima, identificada pela
falta de observância de um cuidado extraordinário, próprio de um homem
extremamente prudente.
Quanto à aplicação da função punitiva aos casos em que o agente atua
com culpa grave ou dolo, assim é o magistério de Antonio Jeová Santos
212
:
“(...) O repetidor, que não se cansa de irrogar a terceiros, conduta que, em
sua gênese, origine danos morais, deve pagar mais do que aquele que
somente por acaso e sem recidiva, incorre no ilícito. Uma maior
212
Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p. 160
208
indenização servirá para que o franco descumpridor de obrigações seja
inibido em sua atividade que depaupera o íntimo do ser humano. A
indenização, por conseqüência, pode ser elevada e ir mais além do que o
menoscabo realmente causado, porque o magistrado considerará que,
diante do dolo ou da culpa grave, ou da recidiva permanente, deve aplicar
quantia mais elevada com aquele intuito sancionador. Somente assim, com
um certo valor que castigue o comportamento doloso, poderão ser
desmanteladas eventuais propostas de o ofensor continuar propagando
danos morais.”
Matilde Zavala de Gonzales
213
, citada por André Gustavo Corrêa de
Andrade entende que para a aplicação da penalidade é indiferente a
aferição subjetiva do grau de culpabilidade do agente, afirmando que
“Basta uma conduta objetivamente desqualificada do ponto de vista social,
desvaliosa por inércia, indiferença até o próximo, desídia, abuso de uma
posição privilegiada (...). Porém, ousamos discordar da assertiva, porque a
aplicação generalizada da punição, sem aferição do grau de culpa do
agressor poderia ensejar a injustiça e desequilíbrio das relações jurídicas.
Outrossim, conforme apontado alhures, o objetivo da punição é penalizar a
conduta totalmente reprovável, do agente que atua com desprezo aos
direitos de outrem e que não se incomoda com as reincidências, o que não
se justifica nos casos de culpa leve ou levíssima.
213
Matilde Zavala Gonzalez, Resarcimiento de daños. Pressupuestos y funciones del derecho de daños,
Buenos Aires: Hammurabi, 1999, v.4, p. 580.
209
3.9.2. Responsabilidade objetiva
Os casos de responsabilidade objetiva estariam dispensados da aplicação
da função punitiva, porquanto em tais ocorrências não se verifica a culpa
do ofensor para o deferimento de indenização, mas tão somente o risco
que sua atividade proporciona. São os casos previstos em lei,
caracterizados por fato de terceiro (artigo 932 do Código Civil) ou por fato
das coisas e dos animais (artigos 936, 937 e 938 do Código Civil).
A punição somente seria justificável se, mesmo objetiva a
responsabilidade, a culpa grave do responsável ficasse comprovada. André
Gustavo Corrêa de Andrade
214
ao tratar do dano moral praticado por
empregados ou prepostos, no exercício de suas atividades aos seus
empregadores, exemplifica aduzindo que (...) Assim, por exemplo, quando
demonstrado que aqueles que agiram autorizados por estes ou seguindo
suas instruções; ou quando tiver o empregado sido incumbido de função
para a qual não estava devidamente qualificado (...).”
Antonio Jeová Santos
215
complementa nesse sentido ao esclarecer que
“Poder-se-ia objetar que nos casos de dano moral em que não há culpa,
em que a responsabilidade é objetiva, o caráter ressarcitório sobressai em
toda a sua grandeza, porque nesta hipótese não se valora a conduta do
agressor. Nem por isso, a conjugação do efeito desestimulador com o
ressarcitório, deve ser abandonada (...).”
214
André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral, cit., p. 289
215
Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p. 163
210
3.9.3. Caráter punitivo como exemplo à sociedade e nos casos de
danos difusos ou coletivos
Além das exceções apontadas, Maria Celina Bodin de Moraes
216
, aponta
maiores restrições para o reconhecimento da função punitiva, entendendo
que embora aplicável, deverá ser admitida somente nos casos de extrema
relevância social, para que se assegure um exemplo à sociedade, ou
ainda, nos casos em que grande número de pessoas são agredidas, como
ocorre ordinariamente nas relações de consumo de no Direito Ambiental.
Justifica a autora que “É de admitir-se, pois, como exceção, uma figura
semelhante à do dano punitivo, em sua função de exmplaridade, quando
for imperioso dar uma resposta à sociedade, isto é, à consciência social,
tratando-se, por exemplo, de confuta particularmente ultrajante, ou
insultuosa, em relação à consciência coletiva, ou, ainda, quando se der ao
caso, não incomum, de prática danosa reiterada. (...) É de aceitar-se,
ainda, um caráter punitivo na reparação de dano moral para situações
potencialmente causadoras de lesões a um grande número de pessoas,
como ocorre nos direitos difusos, tanto na relação de consumo quanto no
Direito Ambiental. Aqui, a ratio será a função preventivo-precautória, que o
caráter punitivo inegavelmente detém, em relação às dimensões do
universo a ser protegido.
216
Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à pessoa, cit., p. 263
211
3.9.4. Demais ressalvas doutrinárias
Outras ressalvas quanto à adoção da função punitiva são apontadas pelos
doutrinadores brasileiros, podendo-se mencionar as elencadas por Wesley
de Oliveira Louzada Bernardo
217
, para quem a indenização punitiva
somente poderia ser aplicada nos casos previstos em lei e apenas nos
casos em que o dano caracterizar-se causa de lucro para o ofensor.
Assim se manifesta o autor: “(...) Entretanto, há que se observar alguns
pontos: A) Necessidade de fixação legislativa: para a adoção dos danos
punitivos, tendo em vista seu caráter de penalidade, entendemos
imprescindível a edição de Lei autorizativa, dando ao juiz esta possibilidade
e fixando seus estritos limites de atuação; B) Fixação, em lei, do caso-tipo:
entendemos que em uma única circunstância se justificaria a adoção dos
danos preventivos, qual seja, naqueles casos em que o dano constituir-se
em causa de lucro para o ofensor. Tal se verifica em casos, por exemplo,
de danos morais causados por veículos de comunicação, quando, no mais
das vezes, mesmo após a indenização de caráter compensatório o veículo
de comunicação experimenta lucro, consistente no aumento das vendas de
exemplares (no caso de jornais e revistas) e conseqüente aumento no
faturamento de anúncios publicitários (...);”
217
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo, Dano moral, cit., p. 179-180
212
3.10. Da superação doutrinária acerca da dúplice função da
indenização e da problemática em torno dos critérios para avaliação
do dano moral
Já afirmamos anteriormente que a doutrina dominante e a jurisprudência
de nosso país se curvou à conjunção dos dois critérios, compensatório e
punitivo, para a fixação da indenização por dano moral. Complementamos
o estudo com as ressalvas apresentadas por alguns estudiosos quanto à
aplicação da função punitiva.
Em que pese termos avançado grande passo segundo o objetivo que
pretendemos alcançar, inegável que as teorias apresentadas, por si só e
na prática vivenciada em nossos Tribunais, não se mostram suficientes
para revelar o quantum indenizatório devido nos casos concretos em que
são discutidas as práticas de dano moral.
Nos valemos aqui e para introduzir a discussão acerca dos critérios para a
fixação do valor indenizatório, do ensinamento de Antonio Jeová Santos
218
que afirma nesse sentido que “Muito embora esse critério duplo seja o
adequado, o problema da indenização do dano moral não fica superado.
Enquanto essas teorias ficam no âmbito da especulação, sem o trepidar do
dia-a-dia, é inegável o mérito. Porém, não são suficientes para encontrar-
se o quantum relativo ao ressarcimento. Ditos critérios servem como ponto
de partida para o correto encaminhamento do pensamento na direção do
montante a ser fixado. Porém, não é o local de chegada. Não será a
218
Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p. 164
213
admissão de qualquer teoria que fará o juiz saber se fixou a indenização
adequada, reduzida ou elevada.”
Diante da dificuldade de se proceder à reparação in natura em se tratando
de danos morais, diante da dificuldade das partes chegarem a uma
composição amigável quanto ao valor a título de indenização por danos
morais, bem como à falta de critérios legais que orientem para a fixação do
montante indenizatório, nos informa a realidade que o juiz tem em suas
mãos a difícil tarefa de atribuí-lo, valendo-se de critérios subjetivos,
avalizados pela doutrina e jurisprudência, inclusive no que diz respeito à
aplicação da função punitiva, haja vista a ausência de previsão legal
expressa sobre o assunto, embora se defenda que nossa legislação
constitucional e civil admitem a indenização ampla, tanto porque se trata de
ofensa a princípio consagrado pela Constituição Federal, qual seja, a
dignidade humana, como em razão da norma material, posto garantir ao
lesado a indenização que lhe seja mais favorável.
Diferentemente dos danos materiais, em que é possível a aferição precisa
do prejuízo sofrido pela vítima, com a conseqüente reparação in natura, o
mesmo, geralmente, não ocorre com o dano moral, posto não haver
fórmula ou receita matemática que possibilite aferir com exatidão o
sofrimento ou os efeitos dele decorrentes sobre o agravado,
transformando-o em indenização pecuniária.
Não há no Direito Civil, como ocorre com o tratamento dado aos crimes no
Direito Penal, um dano moral que corresponda à uma pena, estabelecida
no mínimo e máximo, por meio do qual o juiz tem os parâmetros para a
214
fixação do valor a título de indenização. Da mesma forma, não há tabela de
tarifamento dos danos. O que verificamos na prática e na atualidade, na
maioria dos casos e como já afirmado, nada mais é do que o prudente
arbítrio do juiz, a quem devemos confiar as causas, aguardando sejam
apreciadas e julgadas com maior proximidade do ideal, sem prejuízos à
vítima e ao agressor, dentro dos princípios do equilíbrio, da razoabilidade,
da proporcionalidade e da segurança jurídica, além de outros critérios
subjetivos adotados pela doutrina e jurisprudência pátria, conforme se verá
a seguir.
Todavia, embora a prática nos informe que o critério do arbitramento
judicial prevalece entre nós, outros permanecem como objeto de discussão
e de sugestão por parte de doutrinadores e legisladores, na busca de
solucionar o problema de sua avaliação.
Américo Luis Martins da Silva
219
aponta as modalidades para a reparação
do dano moral, quais sejam: “(...) por acordo entre o ofensor e o ofendido,
ou por quem a obrigação de indenizar e o ofendido (reparação
convencional) – reparação cujo quantum é fixado pela vontade dos
interessados); b) em alguns casos, por determinação de lei (reparação
legal – reparação cujo quantum é fixado na lei); e por arbitramento admitido
em sentença judicial (reparação judicial – reparação cujo quantum é fixado
por sentença judicial).” Wesley de Oliveira Louzada Bernardo
220
, inclui
entre as modalidade, o que intitula de ‘tabelamento judicial’. Entre outros,
219
Américo Luís Martins da Silva, O dano moral, cit., p. 371
220
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo, Dano moral, cit., p. 157
215
Nehemias Domingos de Melo
221
, ao tratar da fixação do quantum
indenizatório, anota, ainda, a modalidade da reparação in natura.
Todas as modalidades mencionadas serão a seguir apresentadas, de
forma a possibilitar uma definitiva conclusão acerca de qual seria o critério
mais apropriado para a fixação do montante indenizatório.
3.10.1. Reparação in natura
A reparação in natura, conforme já ilustrado, é a modalidade pela qual se
restitui ao lesado o statu quo ante. Referida modalidade, para a doutrina
dominante, seria a forma mais perfeita de recomposição do dano moral e
deveria ser observada antes de se verificar a sua inviabilidade e decidir-se
pela fixação de indenização em pecúnia.
Nesse sentido, se manifesta Américo Luís Martins da Silva
222
,
mencionando que “(...) a reparação do dano moral constitui um problema
que deve ser solucionado pela reparação in natura nas hipóteses em que a
reparação pode assumir aspecto não pecuniário, principalmente quando
utilizada para fazer cessar a ocorrência do dano moral (publicação de
resposta, carta de boa referência, realização de matrimônio etc.) e pela
compensação pecuniária nas hipóteses em que a reparação não pode
assumir aspecto in natura, principalmente quando utilizada para compensar
danos morais já consumados no passado.”
221
Nehemias Domingos de Melo, Dano moral: problemática: do cabimento à fixação do quantum, São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, cit., p. 163
222
Américo Luis Martins da Silva, O dano moral, cit., p. 306
216
Ocorre que, conforme já ilustrado anteriormente, a reparação in natura, nos
casos em que de discute o dano moral, nem sempre é possível de verifica-
se, apresentando-se viável em hipóteses bastante restritas, como
acontece, por exemplo, com a retratação de notícia difamatória ou
injuriosa, não sendo possível, por outro lado, na maioria dos casos em que
se verifica a agressão aos demais direitos da personalidade.
Não obstante seja a melhor maneira para que se verifique a reparação do
dano moral, a maioria dos doutrinadores entende que a reparação natural
não exclui o direito do lesado de postular a reparação pecuniária por
equivalência. O fundamento encontra amparo, no sentido de que mesmo
com a restituição ao estado anterior, os efeitos da ofensa podem alcançar
propagação e podem permanecer no ofendido, refletindo em outros setores
de sua vida, como a vida privada e a vida profissional. É o que ocorre com
a notícia que difama injusta e publicamente uma pessoa ou uma empresa,
que ainda que se cuide de retratar, não apaga os seus efeitos no estado de
ânimo do ofendido e perante a sociedade.
Oportuna, nesses termos, a lição de André Gustavo Corrêa de Andrade
223
,
que afirma: “Em caso de ofensa à honra por meio da imprensa, a vítima
pode obter a publicação de uma retratação do ofensor no mesmo jornal e
com o mesmo destaque dado à ofensa. Pode, ainda, publicar uma réplica
ou a sentença condenatória do autor à custa deste. Mas essa reparação,
justamente porque atua apenas sobre as conseqüências externas do dano
moral e, mesmo assim, sem que haja segurança acerca de sua eficácia,
não dispensa a indenização em dinheiro.”
223
André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral, cit. p. 148
217
A propósito o entendimento de Antonio Jeova Santos
224
a respeito: “A
retificação da publicação que atingiu a honra de alguém, tanto pode ser
tida como suficiente e apta para borrar a aleivosia, como não. A publicação
da retificação, ou da resposta, não inibe, nem impede o pedido de
ressarcimento, mas é uma hipótese de ressarcimento in natura do dano
moral. Essas diferentes formas de reparação não se excluem.”
Podemos mencionar também como exemplo de caso em que a reparação
natural não se mostra como recurso para neutralizar totalmente o prejuízo
sofrido pela vítima, uma pessoa que tenha sofrido agressão física em sua
face, que resultou em deformidade. Embora se possa submetê-la, à custa
do ofensor, a um procedimento de cirurgia plástica, a vítima, certamente,
continuará a sofrer em seu estado anímico os efeitos da lesão. Poderá,
ainda, sofrer conseqüências de ordem externa, em suas relações sociais e
em suas atividades profissionais, principalmente, se sua beleza física for
fator preponderante para o seu trabalho, como acontece com as modelos e
atrizes.
Em que pese compartilharmos do entendimento apresentado, há quem se
contraponha, como se observa do posicionamento adotado por Mirna
Cianci
225
. Assim se coloca a autora: “Na verdade, insta traçar paralelo com
o dano material, que, recomposto, representa integral satisfação, não
gerando direito a qualquer adicional, senão à conta do ilícito
enriquecimento do credor. Não decidiu sob esse parâmetro o E. Superior
224
Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p. 155
225
Mirna Cianci, O valor da reparação moral, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 61
218
Tribunal de Justiça, ao conferir à vítima de publicação pela imprensa de
notícia difamadora, indenização por dano moral e direito de resposta,
revelando-se verdadeiro bis in idem.
A crítica que se faz ao alegado é a de que não há como se comparar o
dano moral com o dano meramente material, haja vista possuírem
naturezas diversas, de forma que o primeiro atinge bem material, passível
de estrita avaliação ou restituição, por meio da entrega da coisa afetada à
vítima ou equivalente reparação em dinheiro, enquanto que, o segundo,
atingindo bem ideal, impede a reparação de forma específica, restando
apenas a possibilidade de concessão dos sucedâneos ou derivativos
através da indenização pecuniária.
É claro que não podemos deixar de anotar, que na hipótese de efetivação
da reparação natural, o juiz deverá considerar a conduta do ofensor, a fim
de fixar o montante indenizatório de forma mais justa.
3.10.2. Reparação convencional
A reparação convencional ocorre nos casos em que as partes envolvidas
resolvem, por meio de composição amigável, qual será o quantum
indenizatório para a vítima.
Embora seja uma modalidade adequada, haja vista o montante da
indenização ser objeto de decisão dos próprios envolvidos, presumindo-se
que fiquem satisfeitos com o resultado obtido, a realidade indica que
219
poucas são as chances de transação entre as partes quando a questão se
volta aos danos morais.
É o que se infere da ponderação feita por Antonio Jeová Santos
226
,
conforme se observa: “A incerteza que grassa nesse campo, impede
acordos. É quase nula a transação em pedidos de indenizações por danos
morais. Como nada existe de certo, as partes ficam sem saber qual o valor
justo para minorar a dor espiritual padecida pela vítima. Ora o autor pede
quantia fora dos padrões normais, ora é o réu que se recusa a pagar a
quantia pedida por entender que o valor é muito superior ao que vale o
menoscabo espiritual do ofendido.“
No entanto, acrescenta Leonardo A. Colombo
227
que “(...) quando há
seguro, aumentam as possibilidades da reparação convencional. Via de
regra, a companhia seguradora toma a iniciativa de promovê-la. Mas se a
vítima não concordar com a estimativa a que procede habitualmente o
segurador, ou preferir dirigir-se ao ofensor, outro recurso não tem que a via
judicial.”
Denota-se do exposto, que embora adequado, o critério se apresenta
restritivo às situações em que as partes aceitam, cada qual de seu lado,
abrir mão de seus interesses, transacionando direitos, em vez de submeter
a questão à apreciação judicial.
226
Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p. 150
227
Leonardo A. Colombo, Culpa aquiliana (cuasidelitos). 2 ed. Buenos Aires: TEA. 1947, p. 793, apud
Américo Luis Martins da Silva, O dano moral
, cit., p. 372
220
3.10.3. Arbitramento judicial e critérios apontados pela doutrina e
jurisprudência para a fixação do valor indenizatório
O arbitramento, ou de acordo com Américo Luis Martins da Silva
228
, a
reparação judicial, ocorre “(...) nos casos em que a prestação de indenizar
é delimitada por sentença judicial, ou seja, se as partes interessadas na
fixação em funções dos elementos constitutivos da composição não
chegam a um acordo e têm de recorrer ao arbitramento judicial para tornar
líquida a prestação.”
No campo de danos morais, o arbitramento judicial é a modalidade que tem
maior aplicação, encontrando-se previsto em lei. Segundo Américo Luis
Martins da Silva
229
, “O art. 946 do Código Civil de 2002 dispõe que ‘se a
obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição
fixando a indenização devida pelo inadimplemento, apurar-se-á o valor das
perdas e danos na forma que a lei processual determinar’. E a lei
processual atualmente em vigor estabelece que ‘far-se-á a liquidação por
arbitramento quando: I – determinado pela sentença ou convencionado
pelas partes; II – o exigir a natureza do objeto da liquidação’ (art. 606 do
Código de Processo Civil). Portanto, quando a obrigação for indeterminada,
e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a reparação devida
pelo inadimplemento, a indenização ou compensação (reparação civil)
deve ser fixada por arbitramento ou por artigos, na forma dos arts. 607, 608
e 609 do Código de Processo Civil, com as alterações determinadas pela
Lei 8.898, de 29.06.1994.”
228
Américo Luis Martins da Silva, O dano moral, cit., p. 373
229
Américo Luis Martins da Silva, O dano moral, cit., p. 376
221
Para o arbitramento judicial, o magistrado poderá se valer do auxílio de
peritos judiciais, especializados tecnicamente com relação à matéria
debatida nos autos, porém, para sua decisão e fixação do quantum
indenizatório, o juiz não fica adstrito ao que o laudo pericial concluir,
consoante previsão constante do art. 436 do Código de Processo Civil.
Geralmente, nos casos em que discute a existência de dano moral
decorrente de lesões à integridade física da pessoa, nas quais o juiz
procura avaliar a extensão do dano, sob o ponto de vista quantitativo,
socorre-se do auxílio técnico de um perito. É o que ocorre, por exemplo,
com um destro que teve os movimentos de sua mão direita inutilizados por
conduta lesiva de outrem. Para avaliar a extensão do prejuízo, verificando
os seus reflexos nos demais setores da vida do ofendido, como em sua
vida profissional, por exemplo, pode o magistrado convocar um médico
especializado, que declinará se a lesão é temporária ou definitiva,
impossibilitando ou não o exercício de suas atividades laborais. Também
pode se valer do auxílio de um psiquiatra para avaliar eventuais traumas ou
reflexos da lesão sofrida, por exemplo, em caso de estupro.
Esse mecanismo que a lei confere para a hipótese de arbitramento judicial,
qual seja, conferir os elementos técnicos e científicos para que o juiz possa
decidir a causa, sem dúvida, é um grande auxiliador para que o magistrado
possa alcançar uma decisão mais próxima do ideal de justiça.
Não se trata de transferência de competência para peritos decidam o valor
do dano moral, como afirmam alguns na intenção de apontar descrédito ao
222
arbitramento judicial como melhor forma de avaliação e liquidação, mas
sim de acrescer aos motivos de convencimento do juiz o parecer emitido
por um especialista, para que ele, pautado nos elementos constitutivos de
sua convicção e nos eventuais parâmetros ditados por lei, possa decidir da
melhor forma possível.
Mencionamos que nossa legislação não aponta parâmetros numéricos que
sirvam de suporte para as decisões judiciais nos casos em que são
avaliados e valorados os danos morais. Frente a isso, o magistrado age
dentro de seu prudente arbítrio, revestido de especial dificuldade,
porquanto auxiliado por critérios subjetivos, que se solidificaram doutrinária
e jurisprudencialmente. Referidos critérios, confiados ao prudente arbítrio
do juiz, em que pesem louváveis e preciosos para todo o ordenamento,
necessitam de alguns contornos importantes, para que na prática, possam
ser considerados, em conjunto, como o melhor caminho para a fixação da
indenização por dano moral.
Celina Maria Bodin de Moraes
230
aponta que “com poucas variações,
podem ser considerados aceites os seguintes dados para a avaliação do
dano moral: (i) o grau de culpa e intensidade do dolo do ofensor (a
dimensão da culpa); (ii) a situação econômica do ofensor; (iii) a natureza, a
gravidade e a repercussão da ofensa (a amplitude do dano); (iv) as
condições pessoais da vítima (posição social, política, econômica e v) a
intensidade de seu sofrimento.”
230
Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à pessoa, cit, p. 296-297
223
Wesley de Oliveira Bernardo Louzada
231
, por sua vez, aponta que o
arbitramento judicial “(...) segue uma série de fatores, tais como a extensão
do dano, o grau de culpa do agente, a penalização do agente, a situação
econômica das partes, a razoabilidade e proporcionalidade.”
Sidney Hartung Buarque
232
, na mesma linha, acentua que Assim, visto o
caráter reparatório do dano moral em relação à vítima e ao agente,
recomendam-se critérios para se obter o justo valor indenizatório. Neste
aspecto, deve-se levar em conta a gravidade do dano e a capacidade da
vítima para o arbitramento do quantum indenizatório, de um lado, e do
outro lado, o grau de culpa do agente e sua possibilidade econômica de
responder pelo valor arbitrado. Na adequação dessas circunstâncias,
poderá se atingir um valor que se considere em sintonia com o caso
concreto.”
De maneira similar, Rui Stocco
233
aponta as seguintes regras para a
aferição do montante indenizatório:
“a) o magistrado nunca deverá arbitrar a indenização tomando como base
apenas as possibilidades do devedor;
b) também não deverá o julgador fixar a indenização com base somente
nas necessidades da vítima;
c) não se deve impor uma indenização que ultrapasse a capacidade
econômica do agente, levando-o à insolvência;
231
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo, Dano moral, cit., p. 118
232
Sidney Hartung Buarque, Da demanda, cit., p. 73
233
Rui Stocco, Responsabilidade, cit., p. 816.
224
d) a indenização não pode ser causa de ruína para quem paga, nem fonte
de enriquecimento para quem recebe;
e) deverá o julgador fixá-la buscando o equilíbrio, através do critério
eqüitativo e de prudência, segundo as posses do autor do dano e as
necessidades da vítima e de acordo com a situação socioeconômica de
ambos;
f) na indenização por dano moral o preço e ‘afeição’ não pode superar o
preço de mercado da própria coisa;
g) na indenização por dano moral a quantia a ser fixada não pode ser
absolutamente insignificante, mas servir para distrair e aplacar a dor do
ofendido e dissuadir o autor da ofensa da prática de outros atentados,
tendo em vista o seu caráter preventivo e repressivo;
h) na fixação do valor do dano moral o julgador deverá ter em conta, ainda
e notadamente, a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a
natureza e repercussão da ofensa e sua posição social e política. Deverá,
também, considerar a intensidade do dolo e o grau de culpa do agente.”
Maria Helena Diniz
234
, no nosso entendimento, de maneira mais completa,
aborda as seguintes regras a serem seguidas para a fixação do quantum
indenizatório:
“a) evitar indenização simbólica e enriquecimento sem justa causa, ilícita
ou injusto da vítima. A indenização não poderá ter valor superior ao dano,
nem deverá subordinar-se à situação de penúria do lesado; nem poderá
234
Maria Helena Diniz, O problema da liquidação do dano moral e dos critérios para a fixação do quantum
indenizatório, In: Atualidades Jurídicas, São Paulo, Saraiva, 2000, v. 2, p. 266
225
conceder a uma vítima rica indenização inferior ao prejuízo sofrido,
alegando que sua fortuna permitiria suportar o excedente do menoscabo;
b) não aceitar tarifação, porque esta requer despersonalização e
desumanização, e evitar porcentagem do dano patrimonial;
c) diferenciar o montante indenizatório segundo a gravidade, a extensão e
natureza da lesão;
d) verificar a repercussão pública provocada pelo fato lesivo e as
circunstâncias fáticas;
e) atentar para as peculiaridades do caso e para o caráter anti-social da
conduta lesiva;
f) averiguar não só os benefícios obtidos pelo lesante com o ilícito, mas
também a sua atitude ulterior e situação econômica;
g) apurar o real valor do prejuízo sofrido pela vítima;
h) levar em conta o contexto econômico do País; no Brasil não haverá
lugar para indenizações de grande porte, como a vista nos Estados Unidos;
i) verificar a intensidade do dolo ou o grau de culpa do lesante;
j) basear-se em prova firme e convincente do dano;
k) analisar a pessoa o lesado, considerando a intensidade de seu
sofrimento, seus princípios religiosos, sua posição social ou política, sua
condição profissional e seu grau de educação e cultura;
l) procurar a harmonização das reparações em casos semelhantes;
m) aplicar o critério do justum ante as circunstâncias particulares do caso
sub judice (LICC, art 5), buscando sempre, com cautela e prudência
objetiva, a eqüidade.”
Concluindo a doutrinadora se manifesta alertando que “na quantificação do
dano moral, o arbitramento deverá, portanto, ser feito com bom-senso e
226
moderação (CC, art. 944), proporcionalmente ao grau de culpa, sendo caso
de responsabilidade civil subjetiva, à gravidade da ofensa, ao nível
socioeconômico do lesante, à realidade da vida e às particularidades do
caso sub examine.
Da exposição, denota-se que os critérios apontados, embora uns se
mostrem mais completos que outros, não sofrem maiores alterações entre
os doutrinadores, acontecendo o mesmo entre nossos julgados. São
sempre utilizados em conjunto, para fins de motivação e fundamentação
para a fixação do valor indenizatório, embora alguns autores, entre eles
Maria Celina Bodin de Moraes e Wesley de Oliveira Louzada Bernardo,
defendam que na maioria dos casos padeçam de real e suficiente
explanação dos motivos de seu convencimento, bem como dos motivos
lógicos que levaram o magistrado a conceder uma determinada
importância e não outra, muitas vezes rechaçando aquela postulada pela
vítima.
a. Dimensão da culpa do ofensor
Conforme já explicitado anteriormente, muitos autores, entre eles Maria
Helena Diniz, Antonio Jeová Santos, André Gustavo Correa de Andrade e
Sidney Hartung Buarque entendem que o grau de culpa do agressor deve
figurar como um dos aspectos para a valoração do quantum indenizatório,
posição com a qual não concordam Maria Celina Bodin de Moraes e
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo.
227
Para aqueles que entendem que a dimensão da culpa é essencial para a
aferição do valor indenizatório, o principal argumento é o de que somente
os atos praticados com dolo ou culpa grave devem ser relevados para fins
de aplicação de punição exemplar, não devendo incidir, no entanto, nos
casos em que a culpa for caracterizada como leve ou levíssima.
Os defensores da verificação do grau de culpa são também defensores,
ferrenhos ou moderados, da aplicação da indenização punitiva, daí porque
se preocupam com a culpabilidade do agressor, de forma que será
majorada conforme se verifique maior grau de reprovabilidade na conduta.
Seria injusto que alguém que atuou com prudência extraordinária ou fora
dos parâmetros conhecidos pelo homem médio, fosse penalizado além da
compensação da vítima.
Outro argumento dos adeptos do exame da dimensão da culpa é o de que
somente com a utilização desse critério é que seria possível prevenir os
danos morais com maior eficiência, pois sabedores de que a
reprovabilidade da conduta seria aferida, os agressores estariam menos
dispostos a praticá-los ou reiterá-los.
Os opositores desse critério apresentam algumas justificativas. A duas
primeiras seriam de ordem legal. O artigo 944 do Código Civil seria enfático
ao dispor que a reparação mede-se pela extensão do dano, demonstrando
a intenção do legislador no sentido de que o fundamento da
responsabilidade civil seria compensar a vítima, colocando-a em lugar de
destaque, e não a pessoa do ofensor, quando de trata de aplicar a parcela
punitiva.
228
Também o parágrafo único do mesmo artigo citado, ao estabelecer que “Se
houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano,
poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”, possibilitaria tão
somente a redução e não a majoração da condenação, de forma que não
estaria autorizada a indenização punitiva, e por via de conseqüência,
inócua seria a avaliação da gravidade da conduta do ofensor.
Em sentido contrário, André Gustavo Corrêa de Andrade
235
rebate a
argumentação e aponta que “A exceção trazida pelo parágrafo único do
art.944, pelo qual o juiz poderá reduzir eqüitativamente a indenização em
caso de excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e do dano,
rompe com longa tradição civilista pátria, conferindo relevância à culpa do
agente como critério para a estimativa do montante indenizatório.”
Ainda, conquanto humildemente não concordemos com a assertiva por
entendermos lhe faltar justificativa plausível, afirma Wesley de Oliveira
Louzada Bernardo
236
que “(...) o grau de culpa e extensão do dano são
opostos e mutuamente excludentes. Ou se repara tendo em vista a
gravidade extensão do dano ou se repara tendo em vista a gravidade da
culpa. E entendemos que a extensão do dano é parâmetro muito mais
eficaz.
Na verdade, aos nossos olhos, não há fundamento que ampare a alegada
exclusão mútua, havendo sim, ampla afinidade dos dois fatores, quais
235
André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral, cit., p. 250
236
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo, Dano moral, cit, p. 171
229
sejam, da extensão do dano e da aferição da gravidade da conduta do
ofensor, já que os dois critérios buscam fins que se complementam, a
compensação e punição, tendo o principal objetivo de satisfazer
integralmente a vítima e dar uma resposta ou exemplo à sociedade.
Por último, aqueles que se opõem à aferição da culpa, fundamentam sua
discordância, afirmando que independentemente do grau de culpa do
agente, caberia sempre a indenização de toda a extensão do dano, mesmo
sendo a culpa leve ou levíssima, posto que, mesmo em tais hipóteses, há a
possibilidade do dano gerado ser considerado grave ou gravíssimo.
Nesse aspecto, também havemos que discordar do argumento, haja vista o
critério em análise ter como objetivo a aferição da reprovabilidade da
conduta do agressor e não a extensão do dano. Por óbvio que se ofensa
for de grave alcance, o magistrado terá nesse aspecto um dos pontos de
apoio para a fixação da indenização, critério este que embora deva ser
analisado em conjunto com os demais, se revela independente da
verificação da gravidade do dano.
No entanto, não podemos deixar de anotar que a regra não pode ser
observada de maneira rígida, devendo o magistrado, pautado na sua
sensibilidade e experiência comum, averiguar em que condições a culpa
leve ocorreu. Assim, por exemplo, no caso de uma empresa conhecida
nacionalmente, que tem por hábito lançar os nomes de seus consumidores
no rol dos maus pagadores, sem análise prévia dos casos concretos, sua
culpa, em regra, considerada leve, passaria a ser enquadrada como grave,
230
levando-se à aplicação da indenização punitiva com o fito de dissuadir e
prevenir novos danos à sociedade.
b. Extensão do dano
A extensão do dano, ou seja, sua gravidade e conseqüências para a vítima
aparecem como mais um critério analisado pelo juiz a fim de quantificar a
indenização pelo agravo moral devido. Nesse sentido, embora se
apresente como critério consagrado pela doutrina e jurisprudência, o
próprio Código Civil tratou de estampá-lo em seu art. 944, que estabelece
que: “A indenização mede-se pela extensão do dano.”
Equivale dizer que, na avaliação do caso concreto, o magistrado deve estar
atento a fim de satisfazer ou compensar a vítima, concedendo-a
indenização mais próxima do ideal, já que o dano moral é insuscetível de
valoração por equivalência, como acontece com dos danos materiais.
Referido critério é aceito unanimemente entre os doutrinadores e adotado
na totalidade dos julgados, já que é pacífico o entendimento de que o
principal fundamento da responsabilidade civil é a satisfação da vítima,
levando-se em conta a extensão do dano que sofreu, sendo o critério
punitivo, para os seus defensores, o seu complemento, com o sentido de
prevenção e punição, levando-se em conta a gravidade da conduta do
agressor.
231
A medida da extensão do dano pode ser aferida à luz de vários aspectos.
Ensina Wesley de Oliveira Bernardo Louzada
237
que “O primeiro e mais
evidente é o aspecto da dignidade humana atingido”. Nesses termos a
observação do magistrado deverá ser feita levando-se em conta a
gradação entre os direitos da personalidade envolvidos, conquanto essas
gradações possam experimentar variações de acordo com os costumes,
cultura do local e experiência comum. Poderíamos mencionar como
exemplo a exposição da honra e imagem de uma pessoa, que ficaria
superada por uma lesão à sua liberdade sexual ou uma lesão à sua
integridade física com a perda de um membro ou deformação permanente.
A avaliação da gradação em um determinado território, onde são
conhecidos os seus valores, geralmente ocorre com uniformidade entre os
magistrados, haja vista a sensibilidade se apresentar, senão equivalente,
bastante semelhante a todos julgadores.
O segundo aspecto para fins de avaliação da extensão do dano, apontado
pelo autor, é a dimensão temporal da lesão, sua transitoriedade ou
definitividade para a vítima.
Um dano físico que não incapacita totalmente a vítima para o exercício de
suas atividades laborais, portanto, caracterizada como temporária,
certamente, será superada por uma incapacidade definitiva que a impedirá
de exercer sua profissão. O mesmo se diga de um dano público à honra,
que tenha sido objeto de retratação por parte do ofensor e um dano à
honra, da mesma natureza, sem qualquer reparação. No caso, a retratação
237
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo, Dano moral, cit. p. 166
232
pode apagar mais brevemente as marcas e as más recordações da notícia
veiculada, embora muitas vezes não seja suficiente para reparar o mal
sofrido. Todavia, dentro do aspecto sugerido, qual seja, o tempo de
duração do dano, não há como negar que o dano retratado mostra-se mais
passageiro para o agravado que a lesão sem correção da notícia
desonrosa.
Na seqüência sugerida, o último aspecto mencionado seria a avaliação da
repercussão do dano, repercutindo muito mais, certamente a lesão
veiculada em rede de televisão do que aquela que se restringe ao âmbito
familiar. Nesse sentido, podemos enunciar julgado proferido em Apelação
Cível julgada pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, em 07 de agosto de 2002, tendo como Relator o juiz Nagib Slaibi
Filho
238
, em que figurou como vítima de ofensa à honra e imagem o então
Procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por meio de notícia
veiculada em jornal de grande circulação e disponibilizada na internet em
site de grande prestígio. O trecho do voto que considerou a avaliação da
repercussão do dano merece transcrição:
“(...) Nessa perspectiva, levando em conta os elementos que avultam no
caso, passa-se ao arbitramento da quantia com a qual se pretende reparar
a lesão à personalidade moral do ofendido.
Inicia-se com a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), equivalentes na
data do julgamento a cem salários mínimos, verba que comumente este
órgão fracionário estabelece para a reparação do dano moral sofrido em
238
Nagib Slaibi Filho, Arbitramento de dano moral pelo abuso do direito de informação em sítio da
Internet. Acessado em 06. fev. 2006, Disponível em <www.nagib.net
>
233
decorrência de danos morais ao consumidor por indevida anotação no
cadastro de inadimplentes.
Aumenta-se de outro tanto, considerando o nível social ocupado pelo
ofendido, integrante do mais alto grau da carreira do Ministério Público
estadual, instituição essencial à Administração da Justiça e ao Estado
Democrático de Direito.
Concede-se outro tanto, pois o ofensor é jornalista que se tornou
verdadeiro ícone da sua profissão, com relevantes serviços prestados e
com a alta credibilidade que inspira aos cidadãos.
Mais vinte mil reais porque a expressão abafador de escândalos se mostra
altamente ofensiva a um membro do Ministério Público, a quem incumbe
constitucionalmente a titularidade das ações penais públicas.
E mais vinte mil reais em face do extraordinário alcance do sítio
www.no.com.br
, como nele ainda consta ao ser acessado pelo signatário
durante o julgamento: Ao longo de dois anos, www.no.com.br tornou-se o
endereço jornalístico de maior prestígio na Internet brasileira e alcançou
marcas de mais de 1.500.000 pageviews mensais, apesar de jamais ter
feito qualquer campanha publicitária.
Ante tais considerações, arbitrava em R$ 100.000,00 (cem mil reais) a
reparação da ofensa moral sofrida pelo terceiro apelante e que deve ser
suportada solidariamente pelos primeiro e segundo apelantes, contando-se
juros à taxa legal e correção monetária a partir da data do julgamento em
atenção à vetusta regra in iliquidis non fit mora (...).”
Na hipótese a repercussão do agravo se deu em âmbito nacional, por meio
de imprensa escrita, acessível a um grande número de leitores,
234
diferentemente se ocorresse sem exposição na mídia, mas tão somente e
diretamente à vítima.
c. Nível econômico do ofensor e da vítima
Mais um critério adotado pela jurisprudência e doutrina ao apontar os
meios pelos quais se verifica possível a aferição do valor do dano moral é o
porte econômico das partes envolvidas, a vítima e o agressor.
O critério estaria pautado na preocupação de observar as possibilidades
financeiras do ofensor, evitando-se a sua ruína decorrente da fixação de
indenização “exagerada”, e o porte econômico da vítima, buscando impedir
o enriquecimento sem causa.
Maria Celina Bodin de Moares
239
explicita que “(...) o critério do porte
econômico da vítima é o que mais controvérsias enseja.”
De fato, pelo critério sugerido, a fixação da indenização deveria ser feita
levando-se em conta a situação econômica do ofendido, de forma que,
segundo os ensinamentos da autora
240
“(...) tem o efeito de atribuir menos
a quem tem menos, e mais a quem tem mais.”
Este, porém, não é o entendimento de Rodrigo Mendes Delgado
241
para
quem a indenização não deve proporcionar “(...) à vítima, todavia, um valor
exorbitante e divorciado da realidade, o que seria um enriquecimento ilícito
239
Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à pessoa, cit., p. 298
240
Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à pessoa, cit., p. 298
241
Rodrigo Mendes Delgado, O valor, cit., p. 377-378
235
e indevido, que ocasionaria ao ofensor sua ruína, por meio de valores
estratosféricos e irreais, totalmente em descompasso com a realidade da
própria sociedade brasileira. Se isto ocorrer, não se estará diante de um
processo para reparação de danos, mas sim, de um processo cujo único
resultado é inverter o papel dos contendores. Aquele que figurou como
vítima, agora se torna ofensor, e o ofensor se torna vítima, pois o
arbitramento de um valor milionário que propicie o enriquecimento indevido
de uma parte e a ruína da outra, é um expediente contraproducente e que
gera danos muito maiores do que o dano original. Em suma, é pagar um
dano com outro dano. Assim, a necessidade da ponderação, do bom
senso, se impõe.”
Contrariamente também se manifesta Carlos Roberto Gonçalves
242
afirmando que “O critério de se levar em consideração, no arbitramento do
quantum, causa, a princípio, certa perplexidade, podendo ser indagado em
que medida teria influência sobre a dimensão do sofrimento por ele
experimentado. Indagam alguns se a dor do pobre vale menos que a do
rico. É evidente que o sofrimento moral dos afortunados não é mais
profundo do que o das demais pessoas. Porém, o critério de se atentar
para a situação econômica do lesado, no arbitramento dos danos morais,
pode ser utilizado porque, como já ressaltado, a reparação não deve
buscar uma equivalência com a dor, mas ser suficiente para trazer um
consolo ao beneficiário, uma compensação pelo mal que lhe causaram.”
Não obstante seja complexa a matéria, revelando-se extremamente difícil
pender para um dos lados apontados, tendemos ao posicionamento de que
242
Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade, cit., p. 595
236
a averiguação da posição econômica da vítima não deve ser levada em
consideração para a fixação do montante indenizatório e apresentamos
como justificativa o principal argumento, de natureza civil-constitucional, de
que, uma vez que a indenização será maior ou menor dependendo-se das
condições financeiras da vítima, certamente se revelaria contrária ao
princípio da igualdade preconizado na Constituição Federal, ferindo,
também, o princípio que resguarda a dignidade da pessoa humana.
De acordo com os critérios de hierarquia e da gradação de valores que
devem ser avaliados para a fixação do valor do dano, certamente a
igualdade e dignidade da pessoa humana se revelam de maior
importância, merecendo maior proteção se confrontado com a hipótese de
ruína do ofensor.
Neste aspecto e com propriedade Maria Celina Bodin de Moraes
243
anota
que “(...) o fato de a vítima mais desfavorecida receber menos pelo mesmo
dano sofrido não corresponde a qualquer princípio de justiça (...)”. E
complementa Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho
244
, que “(...)
A injúria irrogada contra uma pessoa abastada e contra outra de poucas
posses macula do mesmo modo a honra de ambos. Por que a honra do
abastado vale mais do que a honra do pobre? (...).”
Por outro lado, se a condição econômica da vítima fosse considerada para
fins de indenização, a finalidade punitiva nem sempre se faria cumprir em
relação às vítimas menos favorecidas, que em comparação com as de
243
Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à pessoa, cit., p. 302
244
Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Direito de informação e liberdade de expressão. Rio de
Janeiro: Renovar, 1999, p. 246
237
maior poder econômico ficariam mais expostas aos agravos morais. Ainda,
o argumento de indevido enriquecimento do lesionado, não estaria de
acordo com o principal fundamento da responsabilidade civil, qual seja,
verificar integral satisfação da vítima, tomando-a em primeiro lugar. Ao
contrário, ficaria demonstrado um juízo de maior preocupação com o
ofensor, o que certamente destoaria da finalidade indenizatória, seja ela
meramente compensatória ou aliada à punição.
Outrossim, demais não é ressaltar que a problemática da admissão do
critério que considera importante a aferição da situação financeira da
vítima, poderia dar ensejo às disparidades entre casos de igual natureza e
efeito para as vítimas, sejam pobres ou ricas, gerando injustiça,
insegurança e desequilíbrio das relações jurídicas. Não há como negar que
mais ou menos favorecidos, os efeitos de uma lesão alcançam a mesma
extensão para os agravados, como ocorre, por exemplo, com a morte de
um filho.
O mesmo se diga quanto à sustentação dos opositores de que não é a com
a dor que se procura uma equivalência, mas sim busca-se com a
indenização um consolo para a vítima. Nesse sentido, a reparação com o
objetivo de consolar, também independeria da situação econômica do
lesado, haja vista a necessidade dos supedâneos ou derivativos também
se mostrarem idênticos, tanto para ricos, quanto para pobres.
No entanto, em que pese o posicionamento que adotamos, frisamos a
necessidade de que as indenizações sejam fixadas de acordo e em
consonância com os demais critérios sugeridos, levando-se em conta,
238
principalmente, conforme sugerido por Maria Helena Diniz
245
, a realidade
brasileira e o contexto econômico do país, que certamente não suportaria a
fixação de valores milionários.
Com relação à situação do ofensor entendemos que se faz necessária para
a fixação do valor indenizatório, pois sua completa desconsideração
poderia ensejar não o enriquecimento indevido da vítima, conforme já
apontado, mas exorbitar da função compensatória-punitiva que se admite
para o quantum indenizatório. O valor, nesse caso, deve ser fixado
observando-se a eficácia do papel de prevenção da prática de novos
danos, atendendo de maneira suficiente os propósitos do caráter punitivo,
de forma que afete ou no mínimo, incomode o agressor. Nessa linha, antes
de manifestar preocupação com alegado enriquecimento da vítima, a
indenização deve levar em consideração as possibilidades financeiras do
ofensor, de maneira que ocorra a dissuasão e a retribuição.
Carlos Alberto Bittar
246
se manifesta, afirmando que a indenização por dano
moral: “(...) deve traduzir-se em montante que represente advertência ao
lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou
o evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância
compatível com o vulto dos interesses do conflito, refletindo-se, de modo
expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a
resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve,
pois, ser quantia economicamente significativa, em razão das
potencialidades do patrimônio do lesante.”
245
Maria Helena Diniz, O problema, cit., p. 266
246
Carlos Alberto Bittar, Reparação civil por danos morais, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1994,
p. 220
239
A propósito, sobre o critério, atenta Yussef Said Cahali
247
que “Vem se
acentuando, porém, nos tribunais, a recomendação no sentido de que
também seja considerada a situação econômica do responsável pela
indenização, o que se mostra compatível com a função sancionatória ou
punitiva, e admonitória da condenação por danos morais; e, por outro lado,
poderá levar a um arbitramento moderado e compatível com a
possibilidade de, sob o aspecto prático, ser executado eficazmente.”
Por outro lado, Wesley de Oliveira Louzada Bernardo
248
, contrário à análise
do nível econômico do ofensor, anota que “(...) este não deve ser levado
em consideração a fim de exacerbar sua condenação (...)”, e justifica:
“Tendo em vista que adotamos critério da extensão do dano como
fundamental, pouco importa, para sua valoração, ser seu causador
pessoas de posses ou carente de recursos. O montante indenizatório não
poderá ser elevado a esse pretexto, sob pena de entregar-se à vítima valor
que não lhe pertence e de atribuir ao dano moral caráter aleatório.”
Ao se atentar para as condições pessoais do ofensor, fixando montante
diferenciado para cada caso, em consonância com as suas possibilidades
financeiras, não se estaria afrontando o princípio da igualdade e isonomia,
como ocorreria com a vítima se o seu patrimônio fosse condição para a
fixação da indenização.
247
Yussef Said Cahali, Dano, cit., p. 191
248
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo, Dano moral, cit. p. 182
240
De fato, enquanto o valor punitivo seria variável de acordo com a fortuna
do agressor, o dano, sua extensão, e ainda as maneiras de oferecer bem-
estar e conforto não sofreriam variação alguma, segundo a vítima que
atingisse, tivesse ou não maiores possibilidades financeiras. No primeiro
caso, se aplicaria o princípio da igualdade substancial, cuja medida prevê a
necessidade de tratar as pessoas, quando desiguais, em conformidade
com sua desigualdade, e os iguais, de acordo com sua igualdade. No
segundo caso, relacionado à vítima, se verificaria a aplicação da igualdade
formal, segundo a qual todos são iguais perante a lei.
Importa deixar claro, antes que passemos à análise do próximo critério
sugerido, que embora tenhamos utilizado o termo “fortuna” ou nível
econômico” para fazer referência à capacidade econômica do ofensor, este
não deve ser entendido como o “patrimônio” que ostenta, afinal pode ele
possuir vasto patrimônio, sem contudo possuir a referida capacidade
econômica para suportar uma indenização maior, em face do caráter
punitivo que se defende. Nesse caso, levando-se em conta tão somente o
patrimônio do agressor, majorando-se a indenização, sem dúvida que
estaria o magistrado extrapolando a função punitiva que se pretende seja
aplicada como complementação à função compensatória, punindo com
demasia o agressor, sem atender ao preceito de justiça que se aguarda
com o arbitramento.
Nesse sentido, oportuna a lição de Carlos Edison Monteiro Filho
249
, que
rejeita se deva perquirir a situação em que vive a vítima. Aduz o autor que
“(...) Faz-se mister separar a capacidade econômica do ofensor, que
249
Carlos Edison Monteiro Filho, Elementos, cit., p. 150
241
evidentemente deve ser tomada em consideração pelo juiz, a fim de evitar
uma indenização impraticável ou irrisória em face do caso concreto, da
situação em que vive a vítima, que por si só não determina uma
diferenciação de grau na apuração do valor do ressarcimento, vale dizer,
não possui o condão de apontar um valor maior ou menor da reparação.
Procedendo-se assim se atende não somente a razões mais objetivas,
como também de justiça (...).”
d. Condições pessoais da vítima e do ofensor
Embora nos curvemos ao entendimento de que as condições financeiras
da vítima não devam ser consideradas para o arbitramento da indenização
por dano moral, haja vista os argumentos expendidos no item anterior, e
principalmente, face à ausência de enriquecimento ilícito, porquanto
assegurado ao lesionado ampla reparão em atendimento ao princípio da
dignidade da pessoa humana, quanto às suas condições pessoais,
verificamos a necessidade de serem observadas, pois constituem elemento
importante para a estimativa do montante indenizatório.
De fato, de acordo com André Gustavo Grandinetti
250
“(...) a aferição da
lesão deve levar em conta circunstâncias pessoais da vítima, mais
objetivamente consideradas (...)”, já que particularidades podem ser
verificadas de uma pessoa para outra, conduzindo ao entendimento de que
a conduta lesiva, em cada caso, adquire um determinado grau de
reprovabilidade, conduzindo a majoração ou não do quantum debeatur.
250
Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Direito de, cit., p. 246
242
Seria o caso, por exemplo, de violência sexual contra uma criança de 3
(três) anos, em que o suposto agressor, o adolescente Robson Xavier
Francelino de Andrade, de 15 (quinze) anos de idade, acabou assassinado
pela mãe da vítima dentro da sala de Atendimento da Delegacia da Mulher
de São Carlos, no Estado de São Paulo, com um golpe de facada no
pescoço. O caso assumiu repercussão nacional, por meio de todos os
noticiários e jornais de grande circulação
251
. Ou ainda, a hipótese de abuso
contra deficientes mentais, sem condições de discernimento de seus atos e
de entendimento em geral.
Por óbvio que tais particularidades, por demonstrar indiscutível abuso pelo
agressor da fragilidade da situação pessoal em que se encontra a vítima,
deverá implicar para o magistrado, tanto na análise do caso, quanto no
arbitramento, motivo a ser considerado, impondo, por conseqüência, a
majoração da indenização.
As condições pessoais da vítima também devem envolver o status que
assume na sociedade, verificando-se seu grau cultural, sua profissão ou
ocupação, afinal não há como desprezar que seria mais reprovável a
conduta lesiva contra a honra, por exemplo, de um artista ou de outra
pessoa com notoriedade pública. Outrossim, não há como desconsiderar
que um dano contra o nome de uma pessoa analfabeta, inscrevendo-a
como mau pagadora nos órgãos competentes após assinar contrato de
adesão de cartão de crédito, sem condições para arcar com anuidade,
seria muito mais grave que a mesma conduta lesiva praticada contra
251
Jornal da tarde, Caderno A, Polícia, Solidariedade à mulher que matou agressor do filho, p. 6, publicado
em 09 fev. 2006
243
pessoa que ostenta condição de universitário, presumindo-se estar apto a
entender, ainda que genericamente, os termos contratuais que assinou. Tal
critério, observamos, complementa o parâmetro da extensão do dano, já
tratado no presente trabalho.
Maria Celina Bodin de Moraes
252
concorda com a necessidade de
averiguação das singularidades da vítima e tece exemplo a respeito,
afirmando que “(...) considera-se especial o dano ao ouvido de um
mergulhador que adora nadar, mesmo que o faça amadoristicamente, ou
para quem se dileta a ouvir música."
No que tange ao ofensor, além de seu nível econômico, revela-se de
importância que suas condições pessoais sirvam como critério de análise
de influência para a fixação do valor do dano moral.
Com efeito, não há como se negar que o dano causado por um agente
público, com abuso de função ou de seu cargo seja mais censurável que
outro causado por particular. Ou ainda, que um dano causado por uma filha
contra seus pais, como aconteceu no caso envolvendo a “Família
Rischttofen”, no qual Suzana Rischttofen, teria participado do assassinato
de seus pais a pauladas enquanto dormiam em sua residência.
Por fim, não poderíamos deixar de mencionar o caso da menina Letícia
Maria Cassiano
253
, que teria sido jogada na lagoa da Pampulha, em Belo
Horizonte, no Estado de Minas Gerais, contando com apenas 2 (dois)
252
Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à pessoa, cit., p. 311
253
Revista Veja, edição 1942, ano 39, n 5, Seção “Datas”, matéria publicada em 08.02.2006, p. 82
244
meses de idade, tendo sido encontrada dentro de um saco de lixo, por um
casal que caminhava no local. O caso, a exemplo dos demais citados,
alcançou repercussão internacional e encontra-se na fase de averiguação
policial, figurando como suspeita sua mãe, Simone Cassiano da Silva, de
27 (vinte e sete) anos, que alega sofrer de problemas mentais.
e. Lucro ilícito do ofensor
A grandeza do proveito econômico obtido pelo ofensor com a prática do
dano moral também deve ser parâmetro para a avaliação judicial e
arbitramento do valor indenizatório, haja vista não se admitir que o
agressor possa calcular o risco de praticar dano, contabilizando que o lucro
que obterá com o ilícito compensará ou será maior que valor indenizatório
a ser pago à vítima.
Não raro empresas de grande porte utilizam tal artifício, qual seja, a
contabilização de prejuízo e lucro, preferindo a prática do dano moral
consciente a abster-se do mesmo, pois têm a certeza de que eventual ação
movida pela vítima e posterior condenação ao pagamento de indenização
por dano moral será infinitamente inferior ao valor que haverá que
desembolsar por determinação da justiça.
Não raro também, embora tenham consciência da prática do dano, muitas
vezes reiterado, com o nítido intuito de prejudicar a vítima e desestimular
outras, também atingidas por dano da mesma natureza, referidas
empresas, se valendo dos inúmeros recursos garantidos por nosso sistema
processual e de equipe de advogados especializados, têm por “política”
245
conduzirem o processo movido até que se esgotem todos os expedientes
previstos em lei. Nesse cenário, indiscutível que o procedimento deve ser
levado em conta para fins de majoração da indenização, sob pena de, ao
contrário, avalizar um sistema de contabilidade incoerente com os
princípios de justiça e o que se espera com a aplicação das regras de
direito.
Como exemplo da conduta que objetiva o lucro ilícito poderíamos
mencionar os grandes veículos de comunicação, que apesar da liberdade
de imprensa, muitas vezes, para chamar a atenção do público e levar a
cabo a venda de inúmeros de exemplares de jornais e revistas, ou então,
aumentar a audiência de seus programas de televisão, divulgam notícias
difamantes ou que expõem ao ridículo, ao questionar da sexualidade de
algum artista ou algum outro ente público.
Quanto à apuração do lucro ilícito pelo lesante, André Gustavo Corrêa de
Andrade
254
pondera que “Com freqüência o valor do proveito injusto será
de dificultosa ou, até, impossível apuração. É bastante que esse ganho
possa ser considerado como provável, ainda que não possa ser
precisamente determinado. Caberá ao julgador, então, estabelecer o
quantum indenizatório por estimativa, valendo-se de presunções e
analogias. Há que considerar não apenas o lucro atual, mas também o
lucro futuro, pois em alguns casos é possível presumir que o ato ilícito
venha a constituir fonte de proveito para o agente ao longo do tempo. A
dificuldade está em comprovar o lucro futuro, porque dependente de
presunção que pode não ser confiável. Aplicável aqui o critério da
254
André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral, cit., p. 253
246
razoabilidade, para considerar apenas aquilo que o lesante razoavelmente
lucraria com o ilícito.”
f. Contexto e realidade econômica brasileira
Embora tenhamos concluído, em conformidade com a maioria da doutrina
brasileira, que a indenização deva carregar consigo um misto de
compensação à vítima e pena ao ofensor, importa para a quantifcação da
indenização, que o magistrado atente para a situação econômica e seu o
contexto dentro da realidade brasileira, de forma que não se verifique
extrapolação da função punitiva, causando desestabilização das empresas
e eventual repasse de custos aos consumidores.
Humberto Theodoro Júnior
255
, embora repugne a função punitiva para a
indenização por dano moral, faz ressalva quanto ao aspecto em
comentário, que se faz importante transcrever:
“Por último, tem preocupado a economia nacional, a avalanche de
demandas em torno do dano moral, terreno em que, à falta de parâmetros
legais, a liberdade judicial conduz, muitas vezes, a arbitramentos de
indenizações milionárias (...). O ‘custo Brasil’, destarte, se agrava por obra
de tal postura jurisprudencial. É uma ilusão pensar que se podem extrair do
meio produtivo reparações mirabolantes sem que isto deixe de influir sobre
a economia nacional. O mundo econômico é formado por vasos
comunicantes. Tudo o que se exige de sacrifício dos meios de produção
transforma-se incontinenti em custos dos bens produzidos. Quem irá
255
Humberto Theodoro Junior, Dano moral, 4ª ed., atual. e ampl., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 64
247
responder por esses custos majorados é a sociedade consumidora como
um todo. Se o empresário onerado não conseguir repassar o custo para os
preços finais, seu negócio se arruinará, e mais uma vez quem suportará a
conseqüência mais grave será a sociedade, porque do desestímulo à
produção lucrativa decorrem, imediatamente, o fechamento de empresas, a
redução de empregos e a escassez de produtos indispensáveis. Quando,
pois, se tem uma causa de dano moral a ser decidida na Justiça, é
necessário que o julgador se conscientize de que de sua orientação
depende todo um sistema político, social e econômico. O reflexo de sua
decisão não se esgota na solução do conflito individual que, no momento,
deve compor. Da postura judicial em cada caso singular nasce, pelo
somatório dos julgamentos, o clima geral do meio socio-econômico, que
obviamente será de desânimo empresarial se, além dos encargos
tributários e sociais, tiver ainda que suportar o peso do paternalismo dos
tribunais.”
Em que pese a importância da ressalva conforme aludimos, na prática,
temos visto que a Justiça em geral, tem observado o critério em exame, de
forma que as indenizações fixadas não alcançam montantes milionários
conforme a preocupação traduzida pelo autor. Dessa forma, não se verifica
em nosso contexto o alcance das drásticas conseqüências citadas, mas ao
contrário, as indenizações arbitradas, na maioria das vezes, não têm se
mostrado suficientes para a punição e prevenção de condutas lesivas,
principalmente para os ofensores de grande porte, como as empresas de
telefonia, as empresas aéreas, as emissoras de televisão, jornais e
revistas, as instituições financeiras e de cartões de crédito, as empresas de
convênios médicos, entre outras, que insistem em praticar e reiterar a
248
conduta lesiva sem a mínima preocupação com as conseqüências de seus
atos.
Em todo caso, sempre por cautela, o judiciário tem na realidade econômica
do país, um parâmetro importante a observar, dentre os demais apontados.
Caberia até mesmo, a sugestão de que a redução de casos de danos
morais causados e conseqüente diminuição de número de processos
dessa natureza, gerassem incentivos, talvez de natureza fiscal, para os
ofensores, no caso de pessoas jurídicas, de forma a motivar cuidado e
cautela quanto às suas condutas.
Outra sugestão seria intensificar os programas de responsabilidade social
das empresas, combinadas com uma gestão de qualidade, auxiliadas pela
divulgação em veículos de comunicação, para conhecimento de todos,
visando o comprometimento daqueles que se propuseram a aderir, no
cumprimento de suas metas sociais, o que implica, primeiramente, elevar a
dignidade da pessoa humana, preservando-a de eventuais atos lesivos.
Afinal, impedir que as indenizações sejam majoradas em razão do caráter
punitivo e diante da presunção de ruína financeira, demonstrando-se
intensa preocupação com a situação econômica do agressor, em especial
com as empresas, minimiza a importância que o lesionado possui no
sistema de responsabilidade civil, além de não resolver o problema relativo
à sua integral satisfação, tampouco servir para prevenir as condutas
lesivas, o que sem dúvida, acaba por prejudicar a sociedade como um
todo.
249
A propósito, o entendimento de Zavala de Gonzales e Rodolfo Martin
256
,
que afirmam que “(...) como regra, a vítima não deve lucrar pelo fato lesivo;
porém, todavia mais irritante é que o ofensor seja quem lucre e que,
ademais, permaneça em situação que nada o impede (a ele e a outros)
reiterar a atividade nociva. Ante o dilema entre danos lucrativos e culpas
lucrativas, nos inclinamos contra estas últimas, que são mais negativas,
porque estão cimentadas na causação de um prejuízo que não foi
merecido e que é rentável para o ofensor.”
g – Princípios da razoabilidade, proporcionalidade e a eqüidade
Não raro nossos julgados mencionam a utilização dos princípios da
razoabilidade, da proporcionalidade e da eqüidade como critérios para a
fixação do valor indenizatório, visando justificar o caminho percorrido até a
decisão final e arbitramento pecuniário.
Segundo Fábio Corrêa Souza de Oliveira
257
, o princípio da razoabilidade
seria aquele que visa “(...) limitar e condicionar, logicamente, a
discricionariedade para que esta não se transforme em arbitrariedade,
tendo especial importância no julgamento das questões difíceis (...).”
O princípio da proporcionalidade, por sua vez, de acordo com Gilmar
Pereira Mendes
258
, citado por Helena Elias, seria o princípio “(...) também
256
Zavala de Gonzales e Rodolfo Martin, Responsabilidad por daños em el tercer milenio, p. 192, apud
Antonio Jeová Santos, Dano moral
, cit., p. 159
257
Fábio Corrêa Souza de Oliveira, Por uma teoria de princípios: O princípio constitucional da
razoabilidade. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, p. 92.
258
Gilmar Ferreira Mendes. Os direitos individuais e suas limitações: breves reflexões. In: Hermenêutica
constitucional e direitos fundamentais, p. 246-275, apud Helena Elias, O dano moral na jurisprudência do
STJ. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004, p. 149
250
conhecido como princípio da vedação do excesso, tem forte presença no
Direito Constitucional e se relaciona ao exercício discricionário da função
legislativa, e assim, ao controle dos limites da liberdade do legislador,
envolvendo a idéia de apreciação da necessidade e adequação da
providência.” Complementa a autora
259
que “(...) Não é difícil alcançar,
assim, a conclusão de que se trata de um princípio que ilumina o exercício
de qualquer função pública, sendo aplicável, de igual modo, ao exercício
da função jurisdicional, como princípio orientador da atividade de
interpretar e aplicar o direito. Assim, em sentido amplo, a
proporcionalidade, identificando-se com o princípio da proibição do
excesso, é parâmetro de controle de atuação daqueles que exercem
função pública de qualquer espécie, especialmente no campo das
atividades discricionárias, em que a lei confere margem de opção ao
agente público.”
Jarbas Luiz dos Santos
260
, por sua vez, anota que “(...)trata-se a
proporcionalidade de um sobreprincípio fornecedor de parâmetros para
aferição da Justiça em todos e quaisquer atos do Poder Público, concebida
a Justiça como fator axiológico fundante do Direito.”
A eqüidade por fim, e de acordo com os ensinamentos de Miguel Reale
261
é na sua essência “(...) a justiça bem aplicada, ou seja, prudentemente
aplicada ao caso. A eqüidade, no fundo, é, repetimos, o momento dinâmico
da concreção da justiça em suas múltiplas formas. (...).”
259
Helena Elias, O dano moral, cit., p. 150
260
Jarbas Luiz dos Santos, Princípio da proporcionalidade – Concepção grega de justiça como fundamento
filosófico, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 74
261
Miguel Reale, Lições, cit., p. 125
251
Das definições apresentadas difícil não é a conclusão de que ambos,
visando evitar os julgamentos arbitrários, sem fundamento, ou os
julgamentos pautados no excesso, desproporcionais ao caso concreto, têm
como principal finalidade a busca da realização do julgamento por
eqüidade, ou seja, alcançar a mais justa decisão de forma a justiça seja
realizada.
O julgamento por eqüidade encontra-se previsto no artigo 127 do Código
de Processo Civil que preleciona o seguinte: ”O juiz só decidirá por
eqüidade nos casos previstos em lei.” Em que pese à primeira vista se
pensar que a eqüidade estaria excluída nos casos de ausência de previsão
e autorização legal, é entendimento pacificado em nosso Tribunais, bem
como entre os doutrinadores brasileiros, que o julgamento por eqüidade
pode ser utilizado ainda que a lei não a autorize expressamente.
Com efeito, trata-se de princípio, porquanto base sobre o qual as normas
jurídicas são construídas, devendo ser observado antes mesmo da
aplicação da lei. Não há, assim, motivo algum para que se negue sua
ampla e irrestrita aplicação, tendo vista o seu maior objetivo, qual seja,
alcançar a justiça no caso concreto.
Celso Agrícola Barbi
262
, ao tratar do dispositivo previsto na norma
processual esclarece que “(...) não significa excluir a aplicação da eqüidade
fora dos casos de autorização, porque o direito continua a ser ars boni et
262
Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1992, v. 1, p.
318
252
aqui (...), concluindo que “(...) a eqüidade, como meio de interpretação da
norma legal, para uma justa aplicação ao caso concreto sujeito a
julgamento, não depende de autorização expressa do legislador (...)”,
sendo necessária, “(...) para os casos em que o juiz deva aplicar a
eqüidade, em vez de aplicar o texto legal (...)”.
Na mesma linha Rodrigo Mendes Delgado
263
, tendo como parâmetro a
previsão contida no artigo 944 do Código Civil de 2002, expõe que “Como
deflui da dicção do artigo supra citado, a eqüidade adentrou o ordenamento
jurídico civil brasileiro. Não se justifica mais a postura retrógrada da
repulsividade a esse importante instrumento de equilíbrio, de adequação
da lei ao caso concreto. O artigo em referência prevê a eqüidade
secundum legem, ou seja, a eqüidade segundo a lei, isso, em decorrência
de expressa previsão legal. É a eqüidade que decorre da lei, da letra da lei.
Vislumbra-se aqui, um argumento muito importante e contundente contra o
posicionamento da ala mais extremada da ciência jurídica. Se o que os
legalistas pregam é o apego irrestrito à lei, diante da expressa previsão que
foi feita pelo legislador de 2002, não há mais argumento plausível para se
repudiar a utilização da eqüidade, isso porque agora, a mesma é lei.
Decorre da lei. Mesmo que se proceda a um apego exegético, ou seja, um
apego à interpretação de palavra da lei, não há mais como negar ou
repudiar a eqüidade. A mesma agora, é lei. Entrementes, mesmo que o
novo Código Civil não tivesse feito uma previsão expressa da eqüidade, a
mesma deveria estar sempre no espírito do julgador. Seria a eqüidade
praeter legem, fora da lei, mas da lei escrita, codificada, jamais da lei
natural, da lei em seu espírito, encarada enquanto instrumento viabilizador
263
Rodrigo Mendes Delgado, O valor, cit. p. 357-358
253
da convivência humana. Assim, fica, definitivamente insculpido no
ordenamento jurídico civil brasileiro, a eqüidade, e espero que os
magistrados façam dela bom uso.”
A jurisprudência, conforme já anotado, também se posiciona nesse sentido
ao comentar o artigo 127 do Código de Processo Civil, como se evidencia
em julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso
Especial 48.176-7/SP, em que figurou como relator o Min. Eduardo Ribeiro,
cuja ementa se transcreve:
“A proibição de que o juiz decida por eqüidade, salvo quando autorizado
por lei, significa que não haverá de substituir a aplicação do direito positivo
por seus critérios pessoais de justiça. Não há de ser entendida, entretanto,
como vedando se busque alcançar a justiça no caso concreto, com
atenção ao disposto no artigo 5º da Lei de Introdução.”
Assim, seguindo os ensinamentos do autor
264
, “Por mais prolixo que seja o
conceito de justiça, além de ambíguo e inexato a questão é que, pelo
menos, superficialmente, é inegável que o sentimento de justiça feita não
se coaduna com o de cupidez. E se o magistrado se respaldar pelos
critérios de razoabilidade, proporcionalidade e bom senso, além da
eqüidade, estará, sem maiores entraves e elucubrações, senão fazendo
justiça, no sentido filosófico e supremo da expressão, pelo menos
cumprindo os misteres supremos do Direito.”
264
Rodrigo Mendes Delgado, O valor, cit., p. 379
254
Não obstante se mostrem, ao nosso ver, os mais importantes critérios a
serem observados pelo magistrado a fim de fixar a quantia indenizatória,
por se tratarem de princípios aos quais a aplicação e a interpretação de
todas as regras jurídicas se subordinam, há autores que embora não os
neguem, tecem rigorosas e, ao nosso ver, pertinentes críticas, quanto à
sua utilização nas fundamentações dos julgados.
Com efeito, Wesley de Oliveira Louzada Bernardo e Maria Celina Bodin de
Moraes, embora reconheçam a especial importância da utilização dos
princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da eqüidade, como
parâmetros para a aferição da justa indenização por dano moral, apontam
para o fato de que, em verdade, tais princípios não são verificáveis na
grande maioria dos julgados proferidos, sendo essa a principal dificuldade
sobre a qual reside a problemática da fixação da indenização por dano
moral.
A propósito, com muita propriedade, aponta Wesley de Oliveira Louzada
Bernardo
265
que “(...) de uma análise detalhada, vê-se que a razoabilidade
é utilizada, no mais das vezes, como mera desculpa, como ‘a lógica do
mais ou menos certo’, já que os julgados que se utilizam do mesmo
princípio apresentam, por vezes, resultados em muito destoantes. (...) O
que se conclui é que a razoabilidade e proporcionalidade não são, em
nosso contexto jurisprudencial, verificáveis na sentença, servindo como
verdadeira ‘excludente de responsabilidade’ do magistrado ao fixar ou
reformar a sentença. Ora se diz fundado no citado princípio para fixar o
montante, sem qualquer fundamentação; ora diz que o princípio foi
265
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo, Dano moral, cit., p. 187
255
ofendido, a fim de modificar o valor, sem demonstrar, entretanto, onde se
situa a ofensa. Deveria a razoabilidade incidir sim, em todas as sentenças
que envolvem dano moral, como ferramenta à ponderação dos interesses
envolvidos, a fim de servir como mais um parâmetro na busca da justa
indenização, o que infelizmente, não se verifica na prática.”
À luz de sua exposição o autor conclui que “Desta forma, entendemos que
a razoabilidade e proporcionalidade deverão nortear todos os julgamentos
envolvendo dano moral. E, diga-se de passagem, não somente no que
tange à segunda fase, ou seja, na apuração do quantum debeatur, mas
também na apuração do quantum an debeatur, exercendo um duplo efeito:
servir, de um lado, de instrumento hábil a possibilitar ao magistrado a
verificação da existência do dano e, mantendo o mesmo critério, na fixação
do valor reparatório; e, por outro lado, possibilitar às partes a verificação da
razoabilidade não somente do quantum, mas também das razões
expendidas para a obtenção de tal valor. Se a sentença, inevitavelmente,
vem informada por convicções de seu prolator, tais convicções deverão ser
explicitadas e fundamentadas, a fim de que se possa aquilatar sua
conformação aos princípios e valores que fundamentam o ordenamento
jurídico. (...) Torna-se, assim, imprescindível à consolidação da
reparabilidade do dano moral a imediata adoção, não mais como mera
peça de retórica, do princípio da razoabilidade em todas as decisões que
envolvem o tema, o que levará a uma uniformização das decisões apta a
afastar as maiores resistências, fundadas em um suposto caráter aleatório
e, ao mesmo tempo, afastar as tentativas de uniformização via
tabelamento, que poderiam levar a uma reparabilidade restrita do dano
moral. Se não levará à uniformidade perfeita perseguida por aqueles que
256
defendem o tabelamento, em suas diversas espécies, a razoabilidade,
associada à dignidade da pessoa humana, como princípios condutores da
concessão das reparações de dano extrapatrimonial pode ser a grande
chave para a fixação do caráter científico do tema, sem, contudo, haver a
necessidade de renúncia à busca da igualdade substancial.”
Em vista dos entendimentos transcritos, nos parece acertado o
posicionamento de que os princípios elencados, desde que utilizados com
efetividade pelos magistrados em seus julgamentos, de forma que se
possa concebê-los com ampla certeza, trará para a fixação do dano moral
uma louvável solução. As partes envolvidas, a sociedade e até mesmo os
Tribunais Superiores terão a possibilidade de aferir a concretude ou não do
que se persegue com o instituto da responsabilidade civil ao tratar da
indenização por dano moral, qual seja, a busca mais próxima do ideal de
justiça.
h - Reparação legal da indenização ou tarifação
A reparação legal é a modalidade que ocorre nos casos taxativos em que a
prestação de indenizar é delimitada na própria lei. Nos casos de reparação
de danos materiais, podemos citar a título de exemplo, o previsto no art.
949 do Código Civil, que trata da lesão corporal simples, em que o
ferimento não resulta deformidade nem incapacidade para o trabalho.
Determina o dispositivo expressamente, que a indenização assegure o
pagamento das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da
convalescença.
257
Não obstante, para os casos de danos morais, conforme já ressaltamos,
inexistem parâmetros objetivos aos quais o juiz deva se submeter para a
fixação do montante indenizatório, pautando-se ele nos critérios utilizados
pela jurisprudência e doutrina, além dos princípios que orientam nosso
ordenamento jurídico, sempre na busca da eqüidade.
À inexistência de norma expressa que aponte critérios objetivos para a
fixação do valor indenizatório, amparados pelo argumento de que não se
poderia conferir tão amplo poder aos magistrados, sob pena de entregar-se
a questão ao mais completo subjetivismo, ou ainda, sob a assertiva de que
o arbitramento judicial geraria decisões díspares e desencontradas, que
poderiam violar o princípio da isonomia, outra maneira suscitada por alguns
doutrinadores para que se chegue ao valor indenizatório em razão de dano
moral é a tarifação ou tabelamento, por meio do qual seriam prefixadas e
limitadas as indenizações, ou de acordo com o tipo de conduta lesiva ou
com base no grau de culpa do ofensor.
Nossa legislação, em casos específicos, procurando limitar os valores de
indenização por danos morais, previu, no passado, o sistema de
indenização tarifada, como ocorreu com o Código Brasileiro de
Telecomunicações (Lei n 4.117/62), revogado parcialmente pelo Decreto
Lei n 236/67, que estipulava a indenização variável entre 5 e 100 salários
mínimos, com o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565 de
19.12.1986), alterada pela Lei nº 9.614/98 e com a Lei de Imprensa (Lei n
5.250/67), nos artigos 51 e 52, todos já comentados no presente estudo. A
par de tais previsões, verifica-se, que embora em menor ocorrência, alguns
258
julgados ainda se valem, por analogia, dos limites expostos em tais normas
para fins de julgamentos. É o que se verifica o julgado abaixo transcrito:
“Transporte Aéreo. Danos Pessoais. Ação de Indenização. Dano Moral.
Conforme o entendimento da turma, a indenização ‘há de ser restrita ao
valor legalmente tarifado’. Voto vencido do relator: em tal caso, a
indenização limitada não exclui a indenização por dano moral. Recurso
Especial não conhecido, vencido, em parte, o relator.” (STJ – 3 T. – Resp.
51372/94 RJ – Rel. Min. Nilson Naves – DJ 19.12.1994, p. 35.313).”
266
Entretanto, conforme anota Nehemias Domingos de Melo
267
, “Diversos
autores, e mesmo a jurisprudência, vem se firmando no sentido de que as
limitações constantes em tratados (exemplo o de Varsóvia) e mesmo em
leis infraconstitucionais (a exemplo a Lei de Imprensa) foram derrogados
com a entrada em vigor da Carta Constitucional de 1988.E complementa
o autor citando Luiz Antonio Scavone Junior
268
que “(...) após a
Constituição Federal de 1988, não há mais falar-se em qualquer tarifação
da indenização por danos morais, quer decorrente do Código Civil, quer
decorrente de legislação extravagante (...) nos termos do art. 5, V e X, não
há limitação para a reparação dos danos morais.”
Na jurisprudência consolidada após a Constituição Federal de 1988, não
obstante tenha se afirmado que ainda, parcos julgados se valham das
266
JUIS (Jurisprudência Informatizada Saraiva) – v. 7, apud Paulo Maximilian Wilhelm Sconblum, Dano
moral, cit, p. 119
267
Nehemias Domingos de Melo, Dano moral, cit., 165
268
Luiz Antonio Scavone Junior, Obrigações: abordagem didática, 2ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, p.
253.
259
legislações tarifárias citadas, de forma majoritária, encontra-se arestos que
negam a tarifação:
Ainda quanto à jurisprudência majoritária, não poderíamos deixar de anotar
o entendimento exarado no voto do Desembargador Cezar Peluso, do
Tribunal de Justiça de São Paulo, que demonstrou, à evidência, o atrito e a
desarmonia entre tabelar e as previsões contidas na Constituição Federal,
devendo-se, por óbvio, decidir-se pela prevalência da norma constitucional.
Para fins de demonstração, transcreve-se em parte o referido acórdão
269
:
“Já não vige, ou, segundo reza a doutrina de igual conseqüência prática,
perdeu seu fundamento de validez, a norma inserta no art. 52 da Lei
Federal 5.250, de 09.02.1967, porque, incompatível com o alcance das
regras estatuídas no art. 5, incisos V e X, da atua Constituição da
República, não foi por esta recepcionada (...) A admitir por absurdo que,
legitimando a restrição indenizatória da lei subalterna, a garantia
constitucional da liberdade de imprensa significasse autorização para
amesquinhar o valor pecuniário da indenização do dano moral, isso
equivaleria a devorar todo o conteúdo substancial do direito à integridade
moral, degradando-o ao nível de mera enunciação simbólica, ou arremedo
de direito (...).“
Nesse sentido aponta Maria Helena Diniz
270
ao tratar da aplicação
analógica da Lei de Imprensa, que “Fácil é perceber que essa lei poderá
servir de parâmetro, balizando o raciocínio judicial, mas não deverá ser
269
Acórdão publicado na JTJ-LEX 189/236-243 apud Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p. 170-171
270
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 101-102
260
utilizada em todos os casos, deixando a vítima sem o adequado
ressarcimento. Em boa hora o STJ, em nova súmula, resolve: A
indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de
Imprensa.”
Conquanto as sugestões legislativas tenham oferecido suporte, por certo
tempo, para que as indenizações fossem tarifadas segundo os
apontamentos lá estabelecidos, ainda permanece entre nós, a discussão
entre a aplicação de um sistema tarifado de indenização por dano moral,
havendo, inclusive, conforme já expusemos no item que tratou da sua
trajetória legislativa, doutrinária e jurisprudencial, projeto de lei que busca
aprovação do tabelamento.
Fazemos referência ao antigo Projeto de Lei nº 150/1999, substituído no
Senado Federal pelo Projeto de Lei nº 7.124/2002, que juntamente com os
Projetos de Lei n 1.914/2003 e 1.443/2003 a ele apensados e já tratados
anteriormente, aguardam parecer e aprovação da Câmara dos Deputados.
O substitutivo aprovado pelo Senado Federal sugere em seu artigo 7º,
parágrafo 1, a tarifação da indenização por dano moral, conjugando, no
parágrafo 2, a necessidade de verificação por parte do magistrado, dos
parâmetros que já vêm sendo observados pela jurisprudência pátria,
tratando, inclusive, dos casos de reincidência e indiferença do ofensor,
hipóteses para as quais a indenização seria elevada para o triplo daquela
fixada no caso concreto.
261
Segundo o Projeto, as indenizações seguiriam o seguinte padrão: ofensa
moral classificada como leve, seria indenizada ao máximo de R$ 20.000,00
(vinte mil reais); em sendo considerada média, limitada ao teto de R$
90.000,00 (noventa mil reais) e, finalmente, em sendo considerada grave
poderia atingir o limite de R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais). Na
reincidência, ou diante da indiferença do ofensor, a indenização poderia ser
majorada até o triplo da indenização fixada.
A apresentação do Projeto se fez com a seguinte justificação:
“Num país de dimensões continentais como o nosso, limitar-se a lei civil a
referir que o juiz deverá agir “eqüitativamente, na conformidade das
circunstâncias do caso”, como parâmetros para a fixação da indenização
por danos morais, é temerário. O julgador deve ter um balizamento da lei,
ainda que mínimo, pois, como assevera HUMBERTO THEODORO
JÚNIOR, em sua obra Dano Moral
(Ed. Juarez de Oliveira, 3ª ed., 2000,
p.36):
‘Impõe-se a rigorosa observância dos padrões adotados pela doutrina e
jurisprudência, inclusive dentro da experiência registrada no direito
comparado, para evitar-se que as ações de reparação de dano moral se
transformem em expedientes de extorsão ou de espertezas maliciosas e
injustificáveis.’
Cremos que o novo parágrafo que pretendemos ver inserido ao art. 953 do
Código Civil auxiliará os magistrados brasileiros a alcançarem um
arbitramento justo e equânime na fixação do dano moral, em benefício de
toda a coletividade.
262
Estamos certos, assim, de contar com o apoio dos nobres Pares para a
aprovação deste projeto de lei.”
Conforme se observa, a justificativa pautou-se na insegurança de deixar ao
prudente arbítrio do juiz a tarefa de avaliar e mensurar o quantum
indenizatório, preferindo a isso, o tabelamento conforme a gravidade da
ofensa. Porém, ao estabelecer critérios fundados no grau da ofensa
praticada (leve, média e grave), deixou o Projeto de apresentar quais
seriam referidas ofensas, deixando novamente, ao arbítrio do magistrado a
tarefa de decidi-las.
Para os adeptos da tarifação, entre eles Humberto Theodoro Junior
271
, com
a adoção do critério poderia “(...) evitar-se o excesso de subjetivismo dos
julgadores que, fatalmente, levaria à ruína o princípio constitucional da
isonomia, o melhor caminho, de lege ferenda, seria o de dispor-se em lei
acerca de parâmetros e tarifas, sempre flexíveis para que as
peculiaridades do caso concreto pudessem também ser valorizados pela
sentença (...).”. Conclui o doutrinador que “(...) enquanto isto não ocorrer, a
sociedade ficará intranqüila e submetida aos humores e tendências
pessoais de cada juiz. Casos absolutamente iguais receberão tratamento
absurdamente diverso. As causas de dano moral se apresentarão, como é
habitual, com um caráter puramente lotérico”.
271
Humberto Theodoro Junior, Tutela jurisdicional dos direitos em matéria de responsabilidade civil.
Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 12, jul./ago. 2001, p. 14
263
Guilherme Calmon Nogueira da Gama
272
, citado por Wesley de Oliveira
Louzada Bernardo, da mesma maneira, tendo como paradigma o sistema
de responsabilidade penal, defende o tabelamento e afirma que “Desse
modo, conveniente seria que a lei civil, acompanhando o paradigma da
legislação penal – e, obviamente, adaptando-a para o contexto da
responsabilidade patrimonial – estabelecesse os tetos mínimo e máximo
para cada hipótese de dano moral, levando em conta o bem jurídico
atingido, em harmonia com a escala de valores dos bens constitucionais
tutelados pelo artigo 5º, da Magna Carta.”
Cláudio Antonio Soares Levada
273
compartilha do mesmo entendimento e
afirma que: “Dever-se-á, igualmente, prever os limites de valores para que
o montante indenizatório se encontrasse sempre, dentro dessa delimitação,
após a consideração dos aspectos objetivos e subjetivos, concernentes ao
fato em si, ao comportamento do agente e da vítima e às conseqüências
geradas da violação moral sofrida pela vítima.”
Chegou o autor a sugerir a alteração do antigo artigo 1.553 do Código Civil
de 1916, que passaria, em seu parágrafo 1º a vigorar com a seguinte
redação: “Avaliada a extensão do dano moral, o juiz arbitrará o montante
indenizatório, entre o mínimo de um e o máximo de quinhentos salários
mínimos. Se julgar adequado ao caso concreto, poderá cominar prestação
de fazer ou não fazer, isolada ou cumulativamente à pena pecuniária. (...).”
272
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Critérios para a fixação da reparação do dano moral, p. 219-
250, apud Wesley de Oliveira Louzada Bernardo, Dano moral
, cit., p. 154
273
Cláudio Antonio Soares Levada, Liquidação, cit., p. 69
264
Clayton Reis
274
, da mesma forma, propõe a criação de um sistema de
tabelamento, no qual o valor da indenização se resolverá por meio de uma
equação matemática. O autor sugere que sejam criadas, primeiramente,
duas tabelas, a primeira relativa aos danos morais decorrentes de ações
físicas e a segunda, de danos decorrentes de atos ou fatos.
A primeira tabela divide as lesões, respectivamente, em lesão física
transitória/leve (ferimentos); lesão física permanente/grave (aleijão); e
lesão física gravíssima (morte), estabelecendo os mínimos e máximos de
valores, estabelecidos em número de salários mínimos, de forma que, as
indenizações seriam fixadas, na ordem, entre 10 (dez) e 100 (cem) salários
mínimos; 100 (cem) e 300 (trezentos) salários mínimos; e 300 (trezentos) e
10.800 (dez mil e oitocentos) salários mínimos.
A segunda tabela, por sua vez, estipula que para os casos de lesão
psíquica leve, a indenização deverá ser fixada entre 5 (cinco) e 50
(cinqüenta) salários mínimos; nos casos de lesão psíquica grave, a
variação iria de 50 (cinqüenta) a 500 (quinhentos) salários mínimos, e por
fim, nas hipóteses de lesão psíquica gravíssima, a indenização estaria
limitada entre 500 (quinhentos) e 3.600 (três mil e seiscentos) salários
mínimos.
Posteriormente, para que a equação matemática possa ser levada a efeito
pelo magistrado, o doutrinador apresenta outras duas tabelas, a primeira
com a fórmula a ser aplicada, por meio da qual o juiz deverá levar em
conta os seguintes “elementos de equação”: valor da indenização, situação
274
Clayton Reis, Avaliação, cit., p. 101
265
econômica da vítima, situação econômica do réu, magnitude do dano,
quociente de entendimento. A segunda tabela apresenta os valores de
indenização a serem conferidos, que será variável conforme a situação
econômica do réu, a magnitude do dano, a situação econômica da vítima e
o quociente de entendimento do lesionado.
Não obstante a defesa por alguns do sistema tarifado de indenização, bem
como a louvável tentativa de solucionar as dificuldades relativas à
avaliação do valor do dano moral, os seus opositores apresentam
argumentação bastante sustentável contra sua aplicação em nosso
ordenamento jurídico.
Baseiam-se referidos opositores, primeiramente, no argumento de que a
tarifação mitigaria o princípio da eqüidade, porquanto o juiz estaria sempre
limitado aos números prefixados para a aplicação da justiça ao caso
concreto, ficando impedido de atribuir a cada um o que seria seu efetivo
direito, dentro do seu prudente arbítrio, aliado aos critérios da
razoabilidade, proporcionalidade, segurança e equilíbrio das relações
jurídicas. Nesse sentido, não haveria como se admitir deixar a busca do
ideal de justiça aos critérios matemáticos, inaplicáveis às relações
estabelecidas entre os indivíduos, já que dotadas de peculiaridades e
singularidades incompatíveis com dados numéricos precisos para todo e
qualquer caso.
Nesse sentido, Silvio de Salvo Venosa
275
, esclarece que “(...) De qualquer
modo, em princípio, a tarifação ou qualquer estudo matemático não é
275
Silvio de Salvo Venosa, Direito civil, cit., p. 284-285
266
critério adequado para danos morais em geral, porque amordaça a
distribuição da Justiça: como é ainda nova a disseminação dessa
modalidade de indenização em nossos tribunais, chegar-se-á, certamente,
em breve tempo, a balizamento razoável imposto pela própria
jurisprudência (...).”
No que tange às particularidades de cada indivíduo e de cada situação
posta para avaliação e julgamento, demonstram-se aspectos de extrema
relevância em se tratando de questão de ordem tão subjetiva como se
revela o dano moral. Seria, nesse sentido, incompatível com a referida
subjetividade e as singularidades apresentadas em cada um dos casos
submetidos à apreciação, que se fixasse, baseado em uma tabela
genérica, um valor equivalente para todos, afinal, em se tratando de dano
moral, a mesma situação pode atingir de forma diversa cada pessoa.
Outro aspecto suscitado em desfavor da tarifação seria, como já apontado,
a inconstitucionalidade do critério, já que a Constituição Federal
asseguraria o princípio da indenizabilidade irrestrita, conforme previsões
constantes dos incisos V e X, do artigo 5, demonstrando-se incompatível
com a Norma Maior estatuir limite prévio e abstrato à indenização.
Nesse sentido, Antonio Jeová Santos
276
mostra-se enfático: “Qualquer
tentativa em tarifar a indenização do dano moral pode redundar em rotunda
inconstitucionalidade. O princípio geral de não causar dano a outrem, o
neminem laedere, tem hierarquia constitucional. Em conseqüência, não
existe possibilidade de pôr limitação à indenização do dano moral.”
276
Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p.170
267
A propósito e nessa mesma linha Wesley de Oliveira Bernardo Louzada
277
,
ao criticar o Projeto de Lei que procura alterar o art. 953 do Código Civil,
assevera que “O legislador infraconstitucional ao estabelecer limites rígidos
para a indenização do dano moral, quebra o princípio da proporcionalidade
constitucionalmente assegurado, bem como restringe um direito que o
constituinte, assegurou de forma ampla, sem qualquer peia, no inc. X do
mesmo art. 5º, o que nos leva a concluir pela inconstitucionalidade também
do artigo 7º do Projeto de Lei.”
Mais uma assertiva contrária é apresentada no sentido de que, ao revés do
sustentado pelos adeptos de um sistema tarifado, inexistiriam disparidades
nos julgados com a adoção definitiva do sistema de arbitramento judicial,
uma vez que os julgamentos se apresentariam devidamente
fundamentados, de forma que não só as partes envolvidas, mas toda a
sociedade, poderiam chegar a conclusão de que, no caso em concreto
buscou-se o máximo do ideal de justiça. Afinal, reitere-se que cada
contenda apresenta suas peculiaridades, não havendo que se aguardar
sejam todas julgadas de maneira idêntica.
Nesse sentido, embora não acreditemos no argumento relativo às alegadas
disparidades nas decisões judiciais, pelos argumentos expendidos, não se
277
Wesley de Oliveira Louzada Bernardo, Dano moral, cit., p. 148
268
descartaria a orientação sugerida por Antonio Jeová Santos
278
, no sentido
de que a jurisprudência consolide a harmonia entre as decisões, de forma
que, “(...) estabelecendo comparação diante de caso similar, poderá o juiz
valer-se do que foi decidido pelo Tribunal, para calibrar o montante da
indenização. Essa forma de ver a quantificação do dano moral, impedirá a
loteria jurídica a que as vítimas se submetem. Ora é conferido valor
enorme para um tipo de lesão e, à vezes, importância muito menor, para
desespero das vítimas e mal-estar do Poder Judiciário. A harmonização de
cifras em casos similares, ou gradação (para mais ou para menos), diante
do que o Tribunal já consolidou, será fonte de afastamento destes temores
e o fim da loteria jurídica.”
Para Carlos Roberto Gonçalves
279
“Não tem aplicação, em nosso país o
critério da tarifação, pelo qual o quantum das indenizações é prefixado. O
inconveniente desse critério é que, conhecendo antecipadamente o valor a
ser pago, as pessoas podem avaliar as conseqüências da prática do ato
ilícito e as confrontar com as vantagens que, em contrapartida, poderão
obter, como no caso do dano à imagem, e concluir que vale a pena, no
caso, infringir a lei.”
278
Antonio Jeová Santos, Dano moral, cit., p. 191
279
Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade, cit., p. 596-587
269
4. CRITÉRIOS PARA A FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO NO
DIREITO COMPARADO
4.1. Direito português
Sobre a obrigação de indenizar, o Código Civil Português
280
aprovado pelo
Decreto-Lei nº 47344, de 25 de novembro de 1966, dispõe no art. 562º que
“Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que
existiria, se não tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
Prevendo a indenização pecuniária como uma das modalidades de reparar,
em seu art. 566º, 3, estabelece que “Se não puder ser averiguado o valor
exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que
tiver provados.”
281
Especialmente ao tratar dos danos morais, aos quais denomina de “danos
não patrimoniais”, e dos critérios para sua quantificação, preceitua nos arts.
496º e 494º o seguinte:
“Artigo 496º. 1. Na fixação de imndenização deve atender-se aos danos
não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o direito à imndenização por danos não patrimoniais
cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e
bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou
280
Código Civil Português actualizado, Coimbra: Almedina, 2006, p. 140
281
Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará eqüitativamente dentro dos limites
que tiver provados.
270
outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os
representem.
3. O montante da imndenização será fixado equitativamente pelo Tribunal
tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo
494º, no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não
patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com
direito a imndenização nos termos do número anterior.”
282
“Art. 494º. Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a
imndenização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que
corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do
agente, a situação econômica deste e do lesado e as demais
circunstâncias do caso o justifiquem.”
283
Das previsões legais contidas no ordenamento jurídico português verifica-
se, num primeiro momento, antes mesmo da análise dos critérios para sua
quantificação, que a regra para a satisfação do prejuízo moral e material é
a reparação natural, ou retorno das coisas ao seu estado anterior.
282
“Artigo 496º
1. Na fixação de indenização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a
tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o direito à indenização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge
não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou
outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3. O montante da indenização será fixado equitativamente pelo Tribunal tendo em atenção, em qualquer
caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º, no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não
patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indenização nos termos do
número anterior.
283
“Art. 494º
Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indenização ser fixada, equitativamente, em
montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a
situação econômica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.”
271
Verifica-se, também, certa limitação legal à indenizabilidade do dano moral,
inexistente em nosso sistema, haja vista a sua vinculação à gravidade do
prejuízo. Neste ponto, é possível denotar a existência de um primeiro
requisito, ao qual a futura indenização fica condicionada, ou seja, somente
será indenizável o dano não patrimonial que “pela sua gravidade, mereçam
a tutela do direito.”
Ao tratar do assunto, Armando Braga
284
corrobora o entendimento e aduz:
“O dano moral, por outro lado, consistente nos sofrimentos e nas
ansiedades, causados pelo evento lesivo, vê limitada a sua reparação aos
casos que, “(...) pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º,
n. 1 do Código Civil português).”
Demonstrando limitação quanto aos casos em que o dano moral seria
passível de indenização, o sistema legal português, de maneira
semelhante ao nosso ordenamento jurídico, não deixa de prestigiar os
direitos da personalidade como fundamentais da pessoa humana,
garantindo-lhes proteção em nível constitucional.
Referida proteção, nos leva a crer que, assim como ocorre em nossa
realidade jurídica, ainda que Código Civil Português imponha limitação
para a indenização do dano moral, ante a aferição da gravidade, não deixa
de colocar como direito maior a ser observado, a preservação da dignidade
humana, prevista no art.1º da Constituição da República Portuguesa, e de
todos os demais direitos fundamentais dela decorrentes.
284
Armando Braga, A reparação do dano corporal na responsabilidade civil extracontratual, Coimbra:
Almedina, 2005, p. 46-47
272
Ou seja, o entendimento que nos cabe é que em todo caso, a aferição da
gravidade do dano ficaria para um segundo plano de avaliação,
considerado como de valor supremo e de maior importância, uma primeira
premissa, qual seja, proteger os direitos inerentes à personalidade do
homem, dos quais podemos mencionar, de forma não taxativa, a
inviolabilidade da vida humana (art. 24º da Constituição da República
Portuguesa), direito à integridade pessoal nas vertentes física e moral (art.
25º da Constituição da República Portuguesa), direito à proteção da saúde
(art. 64º da Constituição da República Portuguesa), entre outros.
De fato, a gravidade seria uma linha divisória, com o objetivo de avaliar os
direitos ou bens juridicamente tutelados daqueles que não se revestem do
mínimo de gravidade e que não se situam no âmbito de proteção legal. Isto
é, a regra sempre será a indenizabilidade do dano moral, pautada no
princípio da reparação integral do dano, conforme resulta do art. 562º do
Código Civil Português.
Segundo as palavras de Armando Braga
285
, “esta solução fundamenta-se
no princípio da boa fé e também no disposto no art. 398º, n. 2, relativo ao
conteúdo da prestação, segundo o qual, embora a prestação não necessite
de revestir valor pecuniário, deve, em todo o caso, corresponder a um
interesse do credor digno de protecção legal.”
285
Armando Braga, A reparação, cit., p.228. “esta solução fundamenta-se no princípio da boa fé e também
no disposto no art. 398º, n. 2, relativo ao conteúdo da prestação, segundo o qual, embora a prestação não
necessite de revestir valor pecuniário, deve, em todo o caso, corresponder a um interesse do credor digno de
proteção legal.”
273
Num momento seguinte, após as breves considerações sobre o dano moral
e o contexto no qual se insere no sistema jurídico português, seguindo o
foco do estudo proposto, qual seja, da análise dos critérios para a
quantificação do dano moral, o direito português, semelhantemente ao
nosso sistema, aponta critério pautado na eqüidade, ficando a cargo e
arbítrio judicial a aferição do quantum indenizatório.
A eqüidade, todavia, em atenção ao disposto no art. 494º já mencionado,
fica vinculada à aferição do grau de culpabilidade do agente, da situação
econômica da vítima e do agressor e demais circunstâncias que o caso
justifique. Por conta de tais requisitos, possível a conclusão de que a
responsabilidade civil extracontratual no Direito português não assume
natureza meramente reparadora, com vista ao retorno da situação anterior,
mas também preventiva e, eventualmente, sancionatória.
Ao tratar da questão, Armando Braga
286
pontua que “Paradoxalmente, a
reparação da agressão e lesão destes direitos fundamentais da pessoa
humana encontra, entre nós e não só, mecanismos geradores de profunda
incerteza e insegurança jurídicas (...) A reparação deste direito ainda
assume uma feição casuística: cada tribunal, ou melhor, cada julgador
decide atribuir-lhe determinado valor, sem que a lei forneça critérios
objectivos, correndo-se o risco de a equidade denegar arbitrariedade.”
286
Armando Braga, A reparação, cit., p. 18. “Paradoxalmente, a reparação da agressão e lesão destes
direitos fundamentais da pessoa humana encontra, entre nós e não só, mecanismos geradores de profunda
incerteza e insegurança jurídicas (...) A reparação deste direito ainda assume uma feição casuística: cada
tribunal, ou melhor, cada julgador decide atribuir-lhe determinado valor, sem que a lei forneça critérios
objetivos, correndo-se o risco de a equidade denegar arbitrariedade”.
274
Ao discorrer sobre a matéria no Direito português, António Santos Abrantes
Bernardes
287
preceitua que “Em qualquer dos casos não se encontram na
lei positiva parâmetros obcjetivos para sua quantificação, tendo o legislador
remetido para os tribunais essa tarefa com recurso às regras de equidade.
Após um longo período marcada pela atribuição de imndenizações
reduzidas, que, na análise de Menezes Cordeiro, constitui uma ‘página
negra, na nossa jurisprudência’, a jurisprudência vem revelando uma maior
aproximação aos quantitativos socialmente reputados mais ‘justos’.”
E continua levando em conta os métodos quantificativos adotados por
outros países: “Em alguns ordenamentos jurídicos, perante a análise dos
montantes alcançados por esta via ou face à disparidade de valores, têm
sido experimentadas outras vias, com introdução de factores dotados de
maior objectividade, sendo também entre nós discutida a aprovação de
medidas que introduzam balizas mais seguras à quantificação das
imndenizações, com vista a conferir mais objectividade e justiça ao
sistema, evitando as discrepâncias proporcionadas pela prevalência
atribuída à figura da equidade.”
288
287
António Santos Abrantes Geraldes, Imndenização dos danos reflexos. In: Temas de responsabilidade
civil, Vol. II, Coimbra: Almedina, 2005, p. 23-24. “Em qualquer dos casos não se encontram na lei positiva
parâmetros objetivos para sua quantificação, tendo o legislador remetido para os tribunais essa tarefa com
recurso às regras de equidade. Após um longo período marcada pela atribuição de indenizações reduzidas,
que, na análise de Menezes Cordeiro, constitui uma ‘página negra, na nossa jurisprudência’, a jurisprudência
vem revelando uma maior aproximação aos quantitativos socialmente reputados mais ‘justos’.”
288
António Santos Abrantes Geraldes, Imndenização, cit., p. 24. “Em alguns ordenamentos jurídicos, perante
a análise dos montantes alcançados por esta via ou face à disparidade de valores, têm sido experimentadas
outras vias, com introdução de fatores dotados de maior objetividade, sendo também entre nós discutida a
aprovação de medidas que introduzam balizas mais seguras à quantificação das indenizações, com vista a
conferir mais objetividade e justiça ao sistema, evitando as discrepâncias proporcionadas pela prevalência
atribuída à figura da equidade.”
275
Indubitável, à luz da exposição doutrinária portuguesa, que o sistema que
prevalece atualmente, como ocorre com o entendimento manifestado pela
maioria da doutrina pátria, enseja descontentamento, sob o argumento de
que faltam para a quantificação, critérios objetivos, fato que levaria à
incerteza e insegurança jurídicas, porquanto haveria disparidade de valores
para casos semelhantes.
Ao dissertar sobre o sistema vigente no direito brasileiro, já manifestamos
certa ressalva quanto ao entendimento, no sentido que os critérios
existentes podem ser considerados objetivos, desde que fundamentados
de maneira individualizada pelo magistrado.
4.2. Quantificação do dano moral no direito argentino
De modo semelhante ao que ocorre em nosso país, os doutrinadores
argentinos encontram dificuldades quanto à melhor maneira de proceder à
quantificação do dano moral.
Carlos Alberto Ghersi
289
ao tratar do assunto, inicia afirmando que “Una de
las cuestiones más controvertidas y difíceles es la atinente a como medir el
daño en término de valor, cuantificarlo en moneda o dinero y realizar la
transferencia de recursos al damnificado.”
289
Carlos Alberto Ghersi, Teoria general de la reparación de daños, 2ª ed., Astrea: Buenos Aires, 1999, p.
337. “Uma das questões mais controvertidas e difíceis é a atinente a como medir o dano em termo de valor,
quantificá-lo em moeda ou dinheiro e realizar a transferência de recursos ao danificado.”
276
Rámon Daniel Pizarro
290
, da mesma forma dispõe que “La valoración del
daño moral y la quantificación de la indenmnización constituyen motivos de
auténtica preocupación para jueces e abogados. Buena prueba de ello la
encontramos en los repertórios de jurisprudência, que exhiben critérios
judiciales en extremo disímeles, impregnados de marcado subjetivismo,
que muchas veces sale del âmbito de la discrecionalidad para incursionar,
peligrosamente, en el de la arbitrariedad.”
No Direito Argentino, assim como no Brasileiro, não há sistema tarifário de
quantificação para o dano moral, de forma que o arbitramento do valor à
vítima fica a cargo do juiz.
Roberto H. Brebbia, citado por Maria Francisca Carneiro
291
, aponto que a
definição do montante da indenização por dano moral deve levar em contar
vários dois aspectos, a saber:
“a) El primero trata de la gravedad objetiva del daño. Significa valuar la
extensión y profundida de la lesión, en sus aspectos concretos: tiempo
290
Rámon Daniel Pizarro, Daño moral. Prevención. Reparación. Punición. El daño moral en las diversas
ramas del derecho, 2ª ed.., Hammurabi: Buenos Aires, 2004, p. 417. “A valoração do dano moral e a
quantificação da indenização constituem motivos de autêntica preocupação para juízes e advogados. Boa
prova disto encontramos nos repertórios de jurisprudência, que exibem critérios judiciais no extremo
incompatíveis, impregnados de marcado subjetivismo, que muitas vezes sai do âmbito da discricionariedade
para ingressar, perigosamente, na arbitrariedade.”
291
Roberto H. Brebbia, El daño moral, p. 233 e seguintes apud María Francisca Carneiro, Método de
valuación del daño moral, Buenos Aires: Hammurabi, 2001, p. 69. “a) O primeiro trata da gravidade
objetiva do dano. Significa valorar a extensão e profundidade da lesão, em seus aspectos concretos: tempo
para a cura e recuperação, intenção do agente, meios empregados, seqüelas deixadas, conseqüências de
ordem material, etc.
b) O segundo leva em consideração a personalidade, extremamente importante, pois os danos morais nascem
da lesão sofrida no componente pisquíco-espiritual do prejudicado.”
277
para la cura y recuperación, intencionalidad del agente, médios empleados,
secuelas dejadas, consecuencias de orden material, etcétera.
b) El segundo lleva en consideración la personalidad, extremadamente
importante, pues los daños morales nacen de la lesión sufrida em el
componente pisquíco-espiritual del prejudicado.”
A autora acrescenta aos aspectos mencionados por Brebbia, alguns
outros, à semelhança do entendimento que vêm sendo sedimentado por
parte da jurisprudência e doutrina brasileiras, quais sejam:
“a) La situación familiar y social de la víctima: los vínculos familiares de
mayor o menor grado del perjudicado con los miembros de un grupo
biológico, la posición y función ejercidas en esse grupo, a fortiori, el
concepto o reputación social de la víctima, factor muy importante,
especialmente en los casos de ataque a la honra y a la honestidad.
b) La receptividad particular de la víctima: respecto a una condición
fisiológica específica del individuo, o mismo sobre la estructura psicológica
de la personalidad que hace al sujeto más o menos vulnerable, susceptible,
resistente a esta o aquella forma de dolor.
c) La gravedad de la falta cometida: debe repercutir el monto de la
reparación e una medida equivalente a la gravedad y extensión en que se
ha incurrido. La gravedad de la falta puede, al mismo tiempo, determinar la
dimensión y constituir la pauta para estimar el prejuicio.
d) La personalidad del autor de lacto ilícito: así como ocurre en el derecho
penal, los antecedentes y un supuesto grado de “peligrosidad” del agente,
así como las características de su índole, repercuten significativamente
278
para efectivizar el monto de la indeminización debida a la víctima del dano
moral.
292
A semelhança com o direito brasileiro, além dos aspectos que são
sugeridos para a fixação do dano moral, se estende à preocupação com o
papel do magistrado, já que a ele cabe a tarefa de quantificar a
indenização. O argumento dos doutrinadores se refere às possíveis
disparidades entre decisões e incongruências de valores conferidos às
vítimas.
Neste sentido, Ramón Daniel Pizarro
293
é enfático ao afirmar que “De nada
sirve que elaboremos eruditos critérios doctrinarios em torno al concepto
de dano moral, a su regimen legal o a la natureza de la indemnización, si a
292
Maria Francisca Carneiro, Método, cit., 69-70. “a) A situação familiar e social da vítima: os vínculos
familiares de maior ou menor grau do prejudicado com os membros de um grupo biológico, a posicão e
função exercidas nesse grupo, a fortiori, o conceito ou reputação social da vítima, fator muito importante,
especialmente nos casos de ataque à honra e à honestidade.
b) A receptividade particular da vítima: respeito a uma condição fisiológica específica do indivíduo, ou
mesmo sobre a estrutura psicológica da personalidade que deixe o sujeito mais ou menos vulnerável,
suscetível, resistente a esta ou aquela forma de dor.
c) A gravidade da falta cometida: deve repercutir o montante da reparação e uma medida equivalente da
gravidade e extensão em que se tenha incorrido. A gravidade da falta pode, ao mesmo tempo, determinar a
dimensão e constituir a pauta para estimar o prejuízo.
d) A personalidade do autor do ato ilícito: assim como ocorre no direito penal, os antecedentes e um suposto
grau de “periculosidade” do agente, assim como as características de sua índole, repercutem
significativamente para tornar efetivo o montante da indenização devida à vítima do dano moral.”
293
Ramón Daniel Pizarro, Daño moral, cit., p. 417-418. “De nada serve que elaboremos eruditos critérios
doutrinários em torno do conceito de dano moral, do seu regime legal ou da natureza da indenização, se na
hora de fixar pautas para sua valoração surgem soluções inadequadas. É verdadeiramente penoso comprovar
esta realidade em numerosos casos judiciais, naqueles que – às vezes por falta de interpretação da lei e em
outras por apego às velhas concepções, superadas pela realidade – se manda pagar indenizações simbólicas,
carentes de virtualidade para reparar plenamente o prejuízo causado. Não é menos preocupante comprovar a
falta de critérios relativamente uniformes para calibrar qualitativa e quantitativamente o dano moral, que será
convertido em um grave problema para o advogado na hora de assessorar o seu cliente. Como explicar a uma
pessoa que não tem conhecimentos técnicos sobre questões jurídicas (e, às vezes, também a quem os tem!),
que a valoração e determinação da quantia do dano moral em ‘seu caso concreto’ pode variar segundo o
tribunal aonde se radique a causa? (...)”
279
la hora de fijar pautas para su valoración se brindan soluciones
inadecuadas. Es verdaderamente penoso comprobar esta realidad en
numerosos fallos judiciales, en los que – as veces por desinterpretación de
la ley y en otras por apego a viejas concepciones, superadas por la
realidad – se manda pagar indemnizaciones simbólicas, carentes de
virtualidad para reparar plenamente el perjuicio causado. No es menos
preocupante comprobar la falta de critérios relativamente uniformes para
calibrar cualitativa y cuantitativamente el daño moral, que suele convertirse
en un grave problema para el abogado a la hora de asesorar a su cliente.
Como explicarle a una persona que no tiene conocimientos técnicos sobre
cuestiones jurídicas (y, as veces, también a quien los tiene!), que la
valoración y determinación de la cuantía del dano moral en ‘su caso
concreto’ puede variar según el tribunal adonde se radique la causa? (...)”
Quanto à natureza que a indenização por danos morais assume no campo
doutrinário do Direito argentino, ressaltamos que se trata de assunto que
tem gerado ampla discussão, exatamente como acontece em nosso país.
Neste sentido, oportuna a lição de Roberto H. Brebbia
294
ao afirmar que “ha
sido matéria de amplia discusión el carácter que asume el pago de una
suma de diñero al damnificado por parte del ofensor, a raíz de la comisión
de un hecho generador de un agravio moral. Constituye una verdadera
indeminización o una pena?”
294
Roberto H. Brebbia, El daño, cit., p. 224. “tem sido matéria de ampla discussão o caráter que assume o
pagamento de uma soma de dinheiro ao danificado por parte do ofensor, a fonte da comissão de um direito
gerador de um agravo moral. Constitui uma verdadeira indenização ou uma pena?”
280
Para o autor, a indenização por dano moral assume uma função satisfativa
ou compensatória, não devendo ser fixada de acordo com a gravidade da
culpa do ofensor, mas sim, segundo a extensão do dano causado à vítima.
Argumenta o doutrinador que nenhum dos textos legais argentinos autoriza
a suposição de que a indenização por dano moral deve ser fixada levando-
se em conta uma função penal. Neste sentido, os artigos 1077, 1078, 1079,
1081, 1082 e 1083 do Código Civil Argentino deixariam clara a intenção do
legislador de que a indenização por dano moral seria tão somente para
compensar a vítima pelo dano sofrido e não a punição do ofensor.
281
CONCLUSÕES
Não obstante alguns entendam que deixar a fixação do valor relativo ao
dano moral ao arbítrio do judiciário é um procedimento frágil e perigoso,
haja vista a subjetividade com que pode ser tratada, gerando disparidades
entre julgamentos que analisam danos da mesma espécie, entendemos
que este se verifica, ainda, o melhor caminho para que a indenização
alcance seus objetivos, quais sejam, satisfazer plenamente a vítima e
desestimular o ofensor.
Tal posicionamento encontra adeptos na maioria da doutrina, que mesmo a
par das dificuldades ainda presentes, à falta de parâmetros numéricos para
a mensuração do valor do dano, entendem que tal tarefa deve ser confiada
ao magistrado, que dotado de prudente arbítrio e amparado por todos os
critérios sugeridos pela doutrina e consolidados pela jurisprudência, seria o
mais apto a encontrar a mais justa indenização, vislumbrando a
compensação do lesionado e a necessidade de prevenir condutas lesivas.
De fato, preleciona Maria Helena Diniz
295
que: “(...) Realmente, na
reparação por dano moral o juiz deverá apelar para o que lhe parecer
eqüitativo ou justo, mas ele agirá sempre com um prudente arbítrio,
ouvindo as razões da parte, verificando os elementos probatórios, fixando
moderadamente uma indenização. Portanto, ao fixar o quantum da
indenização, o juiz não procederá a seu bel-prazer, mas como homem de
responsabilidade, examinando as circunstâncias de cada caso, decidindo
295
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 98-102
282
com fundamento e moderação. Arbítrio prudente e moderado, assevera
Artur Oscar de Oliveira Deda, não é o mesmo que arbitrariedade. Além
disso, sua decisão será examinada pelas instâncias superiores, e esse
arbítrio está autorizado por lei (CPC, arts. 606 a 611), sendo aquele arbítrio
prudente até mesmo concedido ao juiz, em muitos casos, inclusive nos de
danos patrimoniais. Assim sendo, não há que se falar em excessivo poder
concedido ao juiz.” E complementa a autora que “(...) Na reparação do
dano moral o juiz determina, por eqüidade, levando em conta as
circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que
deverá corresponder à leo e não ser equivalente, por ser impossível tal
equivalência.” Seguindo o raciocínio, conclui a doutrinadora que “Parece-
nos que deverá haver uma moderação na quantificação do montante
indenizatório do dano moral, sem falar na necessidade de previsão legal
contendo critérios objetivos a serem seguidos pelo órgão judicante no
arbitramento. Na liquidação judicial, o magistrado tem, ante a fluidez e a
subjetividade do sofrimento, o dever de apurar, com seu prudente arbítrio,
os critérios a serem seguidos e o quantum debeatur, tendo por standard o
homem médio da sociedade ao examinar a gravidade do fato e a dimensão
do dano moral ocorrido e ao ponderar os elementos probatórios.”
No mesmo sentido Carlos Roberto Gonçalves
296
, que baseado nas
previsões legais constantes da norma material (art. 946 do Código Civil) e
da norma processual (artigos 606 e seguintes do Código de Processo
Civil), aduz o seguinte: “Predomina entre nós o critério do arbitramento pelo
juiz, a teor do disposto no art. 1.533 do Código Civil de 1916. O novo
diploma civil mantém a fórmula ao determinar, no art. 946, que se apurem
296
Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade, cit., p. 587
283
as perdas e danos na forma que a lei processual determinar. O Código de
Processo Civil prevê a liquidação por artigos e por arbitramento, sendo
esta a forma mais adequada para a quantificação do dano moral.”
Porém, não podemos deixar de apontar que para que se alcance o objetivo
proposto pelo instituto da responsabilidade civil, o arbitramento judicial
deve ser realizado de forma objetiva, ou seja, com clara e fundamentada
justificativa dos motivos determinantes de sua decisão, apontando-se para
cada um dos parâmetros já sugeridos. Com tal procedimento, motivadas as
decisões a exemplo daquela proferida por Nagib Slaibi, evidentemente, não
se haverá que repudiar a atuação dos magistrados, com base na
disparidade das decisões. Devidamente justificadas em cada caso
concreto, tal argumento ficará fora de cogitação.
Sobre essa necessidade, já demonstramos, se manifestou Wesley de
Oliveira Louzada Bernardo. André Gustavo Corrêa de Andrade
297
acompanha o posicionamento e esclarece que “A motivação das decisões
judiciais, que no Direito Brasileiro constitui princípio constitucional, é
fundamental para garantir à parte interessada a revisão da decisão,
impugnando, refutando e debatendo as razões e os critérios utilizados. É a
fundamentação do julgado que possibilita o controle da sua racionalidade.
O estabelecimento do montante a ser pago, à falta de critérios objetivos,
depende da prudente discrição do juiz, a qual não é sinônimo de arbítrio.
Ao magistrado cabe, para se desincumbir de seu mister, utilizar a ‘balança
da mente e o metro do espírito. Descarta-se, porém, desde logo, a simples
menção a um critério de razoabilidade como justificativa para a fixação do
297
André Gustavo Corrêa de Andrade, Dano moral, cit., p. 318
284
quantum indenizatório. Ao julgador, cabe, com a objetividade possível,
justificar o valor estabelecido, destacando as circunstâncias de fato
relevantes para a estimativa a indenização.”
Enfim, não se pode negar a preocupação social e legislativa com a
definição de critérios objetivos para a fixação da forma de indenizar, e,
além disso, do valor que se reverterá a fim de suprir a lesão, sendo a
matéria, ainda, palco de inúmeros debates.
No entanto, entendemos que devidamente utilizados, os critérios sugeridos
pela doutrina e recepcionados pela jurisprudência nacional, são suficientes
para embasar a fixação da indenização por dano moral, de forma a
assegurar-lhe congruência e justiça, afastando-se, assim, os rumores de
possível insegurança jurídica.
285
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