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Sônia Maria Rezende Camargo de Miranda
CIDADANIA EM CONSTRUÇÃO: POSSIBILIDADES E
LIMITES NO PROCESSO DE “EXCLUSÃO”/INCLUSÃO
SOCIAL NO NÚCLEO COOPERATIVA DE LIXO DO REAL
PARQUE
Doutorado em Ciências Sociais
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
São Paulo
2006
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II
Sônia Maria Rezende Camargo de Miranda
CIDADANIA EM CONSTRUÇÃO: POSSIBILIDADES E
LIMITES NO PROCESSO DE “EXCLUSÃO”/INCLUSÃO
SOCIAL NO NÚCLEO COOPERATIVA DE LIXO DO REAL
PARQUE
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Doutora em Ciências Sociais, sob orientação da
Prof
a
Dr
a
Noemia Lazzareschi.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
São Paulo
2006
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III
FOLHA DE APROVAÇÃO
BANCA EXAMINADORA
IV
AUTORIZAÇÃO
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura: ______________________________ São Paulo, 31 de Agosto de 2006.
V
DEDICATÓRIA
In memorian
À minha mãe,
Que recitava esta poesia quando eu era ainda uma criança, e hoje a trago na
lembrança...
Ao meu pai que viveu esta poesia:
Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.
Gonçalves Dias
A canção dos Tamoios
Confesso que foi necessário repeti - lá muitas vezes durante esta
caminhada...
Obrigada pelos princípios de vida que vocês me deixaram...
VI
AGRADECIMENTOS
À DEUS,
Por me deixar existir...
AO MEU ESPOSO FERNANDO,
Companheiro incondicional que cuidou de mim o tempo todo, para que eu pudesse
vencer mais esta batalha...
AS MINHAS FILHAS CHRISTIANE e FABIANA,
Razão da minha existência...
AO MEU QUERIDO PAULO CEZAR AUGUSTO,
Que não mediu esforços e dedicou horas de seu descanso com seu competente
suporte estatístico e também pela paciência e disponibilidade durante todo este
trabalho.
AO MEU QUERIDO PAULO GUERRA,
Pelo incentivo constante, pela força e pelo apoio.
A MINHA QUERIDA SOBRINHA ELAINE,
Pela ajuda nos mapas cartográficos
AOS MEUS DEMAIS FAMILIARES,
Nilce minha irmã, Adriane, e meus irmãos.
AOS MORADORES DA FAVELA REAL PARQUE,
Por terem acreditado e confiado em mim.
À TODOS OS FUNCIONÁRIOS DO CENTRO DE SAÚDE REAL PARQUE,
Em especial a enfermeira Tamie, uma verdadeira amiga.
VII
À TODOS OS APOIADORES DO PROJETO,
Foram tantos que diretamente ou indiretamente contribuíram que é possível nomeá-
los.
À QUERIDA LÍDIA
Que lutou comigo para a realização deste trabalho.
Á MINHA ORIENTADORA,
Prof
a
Dr
a
Noemia Lazzareschi que me acolheu, confiou em mim e não mediu
esforços para a realização deste trabalho. Esta vitória é nossa!
À BANCA DE QUALIFICAÇÂO.
Prof
a
Dra. Marisa do Espírito Santo Borin e Dra. Tamara Cianciarullo pelas
recomendações, que foram fundamentais para o caminhar desta tese.
AOS PROFESORES COORDENADORES:
Dra. Denise Marroni e Dr. José Fiusa; Dra. Ariadne da Silva Fonseca e Dra. Juliane
Pozeti de Campos, pelo incentivo, pelo apoio, pela força, que foram fundamentais
para que eu pudesse chegar até aqui.
À UNIA
Prof
a
Celina, pelo apoio constante através da bolsa auxilio/Tese, que muito me
ajudou, e também pelo carinho.
À TODAS AS MINHAS COLEGAS DE TRABALHO
Da Faculdade de Enfermagem que sempre me apoiaram e me compreenderam em
especial a Valéria, Álvaro e Clavdia.
AO MEU QUERIDO AMIGO DA PMSP
Rogério, que supriu todas as minhas dificuldades de informática me ajudando sem
medir esforços.
Enfim a todos aqueles que diretamente ou indiretamente contribuíram com este
trabalho e não foi possível nomear.
VIII
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Distribuição segundo o número de moradores do Distrito de
Saúde Escola Butantã, Município de São Paulo, 2004
61
Gráfico 2 Distribuição da população residente, segundo faixa etária,
região do Morumbi, São Paulo, 2000 63
Gráfico 3 Distribuição da população residente segundo espécie e tipo de
domicílio, região do Morumbi, São Paulo, 2000 64
Gráfico 4 Distribuição segundo população por sexo, residente por setor
censitário, região do Morumbi, São Paulo, 2000 66
Gráfico 5 Distribuição segundo o sexo, dos Programas Sociais, dos
moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003
76
Gráfico 6 Distribuição segundo o estado civil, nos Programas Sociais, dos
moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003
77
Gráfico 7 Distribuição segundo a idade média, nos Programas Sociais,
dos moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003 78
Gráfico 8 Distribuição segundo a escolaridade, nos Programas Sociais,
dos moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003 79
Gráfico 9 Distribuição segundo o tipo de necessidades especiais, nos
Programas Sociais, dos moradores da favela do Real Parque,
São Paulo, 2003
80
Gráfico 10 Distribuição segundo a situação no mercado de trabalho, nos
Programas Sociais, dos moradores da favela do Real Parque,
São Paulo, 2003 81
Gráfico 11 Distribuição segundo o abastecimento de água, nos Programas
Sociais, dos moradores da favela do Real Parque, São Paulo,
2003 82
Gráfico 12 Distribuição segundo o escoamento sanitário, nos Programas
Sociais, dos moradores da favela do Real Parque, São Paulo,
2003 83
Gráfico 13 Distribuição segundo a iluminação, nos Programas Sociais, dos
moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003
84
Gráfico 14 Distribuição segundo o destino do lixo, nos Programas Sociais,
dos moradores da favela do Real Parque, São Paulo, 2003
85
Gráfico 15 Distribuição das cooperativas por ramo, Brasil, 2003 127
Gráfico 16 Distribuição segundo o número de cooperados, Brasil, 2003 128
Gráfico 17 Distribuição segundo o número de cooperativas por região,
Brasil, 2003 129
Gráfico 18 Distribuição segundo a participação das cooperativas na
produção agrícola brasileira, Brasil, 2003 130
Gráfico 19 Distribuição segundo a participação de mulheres no quadro de
empregados das cooperativas, Brasil, 2003
130
IX
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Distribuição quanto ao número de moradores do Distrito de
Saúde Escola Butantã, Município de São Paulo, 2004
60
Tabela 2 Distribuição da população residente, segundo faixa etária,
região do Morumbi, São Paulo, 2000 66
X
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Dados indicativos da situação da favelização no Município de
São Paulo, 2004 44
Quadro 2 Distribuição segundo a variação da população total e condições
de moradia, São Paulo, 1991-2000 48
Quadro 3 Distribuição do número de moradores e média de moradores
por domicílio, região do Morumbi, São Paulo, 2000 64
Quadro 4 Distribuição segundo escolaridade da população residente,
região do Morumbi, São Paulo, 2000
65
XI
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Rede da Coleta Seletiva Solidária
160
XII
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 Distritos de Saúde do Município de São Paulo
59
Mapa 2 Unidades Básicas de Saúde do Distrito de Saúde Escola
Butantã
60
Mapa 3 Vista do Real Parque por satélite e as classes sociais
especificadas
89
Mapa 4 Mapa da área que abrange a favela do Real Parque
89
XIII
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Vista aérea da favela 89
Foto 2 Vista aérea da favela área demarcada 90
Foto 3 Foto aérea da favela do Real Parque 247
Foto 4 Apartamentos próximos à favela 248
Foto 5 Favela Real Parque 249
Foto 6 Favela Real Parque 249
Foto 7 Local onde houve desmoronamento de barracos no córrego 250
Foto 8 Festa das crianças do Real Parque 251
Foto 9 Meninos catadores de lixo reciclável, da Favela Real Parque:
contraste social
252
Foto 10 Meninos catadores de lixo reciclável, da Favela Real Parque:
contraste social.
252
Foto 11 Local cedido para o funcionamento do ReciclaReal 253
Foto 12 Coleta de lixo feita por carroças 254
Foto 13 Primeiro carro de coleta de lixo do ReciclaReal 255
Foto 14 Segundo carro de coleta de lixo do ReciclaReal 255
Foto 15 Local usado como banheiro do ReciclaReal 256
Foto 16 Recicladora do Real Parque 257
Foto 17 Recicladora com avental do ReciclaReal 258
LISTA DE SIGLAS
ABC Região da Grande São Paulo: Santo André, São Bernardo do Campo e São
Caetano do Sul
ACI Aliança Cooperativa Internacional
AIT Associação Internacional dos Trabalhadores
ANR Associação Nacional de Recicladores
ANTEAG Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão
APA Atenção Primária Ambiental
BANESPA Banco do Estado de São Paulo
BNH Banco Nacional da Habitação
BPC Benefício de Prestação Continuada
CEMPRE-- Compromisso Empresarial com a Reciclagem ( associação)
CETESB Companhia de Tecnologia de Saneamento ambiental
CIT Centro Integrado do Trabalhador
CNC Conselho Nacional de Cooperativismo
CNUMAD Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento
COOPMARE Cooperativa dos Catadores Autônomos de Papel Aparas e Materiais
Recicláveis
COPASADHS Conferência Pan-americana sobre Saúde e Ambiente no
Desenvolvimento Humano Sustentável
CPAs Cooperativas de Produção Agropecuária
CGC -- Cadastro Geral de Contribuinte
CPSs Cooperativas de Prestação de Serviços
CPT Comissão Pastoral da Terra
CRAS Centros de Referência da Assistência Social
XV
CSII Centro de Saúde II
DIEESE Departamento Interestadual de Estatística e Estudos Sócio-econômicos
DSE Distrito de Saúde Escola Butantã
FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador
FIPE Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
FIPE-SEHAB Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Secretaria Municipal
da Habitação
GUNM Grande União Nacional Moral das Classes Produtoras
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana (sigla em inglês)
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICE Instituto de Cidadania Empresarial
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
INAF Indicador de Analfabetismo Funcional
INOCOOPS Instituto Nacional de Orientação às Cooperativas
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas
IPTU Imposto Predial e o Imposto Territorial Urbano
LIMPURB Departamento de Limpeza Pública
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MEC Ministério de Educação e Cultura
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OCB Organizações das Cooperativas Brasileiras
OCE Organização das Cooperativas Estadual
OIT Organização Internacional do Trabalho
ONGs Organizações Não-Governamentais
ONU Organização das Nações Unidas
OPAS Organização Pan-americana de Saúde
OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
PAIF Programa de Atenção Integral à Família
PANTEC Plano Territorial de Qualificação do Município de São Paulo
PCOUC Programa Capacitação Ocupacional e Utilidade Coletiva
PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PIA População em Idade Ativa
PMSP Prefeitura Municipal de São Paulo
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
PNDU Política Nacional de Desenvolvimento Urbano
PNRS Política Nacional de Resíduos Sólidos
PR Sigla do Estado do Paraná
PSF Programa da Saúde da Família
sd sem data
SDTS Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade
SEADE Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
SENACOOP Secretaria Nacional de Cooperativas
SIG Sistema de Informação Geográfica
SMS Secretaria Municipal de Saúde
sp sem página
UBS Unidade Básica de Saúde
UNESP Universidade Estadual Paulista
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNIEMP Fórum Permanente das Relações Universidade-Empresa
USD Dólar americano
XVII
USP Universidade de São Paulo
XVIII
RESUMO
A partir do envolvimento profissional da autora, com a favela Real
Parque no cargo diretora técnica do Centro de Saúde Real Parque (Unidade Básica
de Saúde), de 1987 a 2002, surgiu a idéia de um projeto de coleta seletiva de
resíduos sólidos e organização um sistema de cooperativa para a geração de renda
sustentável com o intuito de minimizar a pobreza da população favelada do Bairro
Real Parque, situado na zona sul de São Paulo, uma das regiões mais nobres da
cidade, pertencente ao distrito administrativo do Morumbi, palco da constatação de
contrastes gritantes entre uma população rica e privilegiada, moradora dos
condomínios altamente luxuosos e outra, tão socialmente desprotegida, moradora
da favela do Real Parque. Com o objetivo de verificar se é possível a construção da
cidadania em seus direitos políticos, civis e sociais com a formação de um núcleo
cooperativa no Real Parque ReciclaReal, a presente pesquisa de cunho social
empírico, denominada pesquisa-ação, revela dados demográficos, quantitativos e
qualitativos que compreendem a realidade local e sugere a economia solidária como
nova forma de organização social e alternativa de inclusão daqueles que se
encontram em inserção no mercado de trabalho extremamente desfavorável.
Fundamentada em autores que refletem questões sobre a construção da cidadania,
observa-se que o conjunto de transformações econômicas, tecnológicas e sociais, a
partir do século XX, tem produzido impactos positivos e negativos. Com relação a
estes, pode-se citar, o desemprego que, principalmente no Brasil, trouxe inúmeras
conseqüências para as classes mais desfavorecidas. Tais efeitos também
provocaram aumento no consumo, proliferando o lixo e agravando o problema
ambiental que, paradoxalmente, constitui o meio de subsistência de muitos. Neste
aspecto, esta pesquisa evidencia que as cooperativas de coleta seletiva de lixo,
além de beneficiarem uma parcela “excluída” socialmente, colaboram em sua
inserção e emancipação social em vários aspectos: no sentido ecológico (resgatar
as agruras do meio-ambiente), no sentido econômico (recuperação dos insumos
com economia da matéria primária e geração de renda), no sentido cultural (a nova
cultura de separação do lixo), no sentido educativo (sensibilização dos moradores
dos malefícios causados pelo lixo), no sentido social (interação entre os moradores
do bairro das classes sociais distintas), no sentido simbólico (o dispor de uma
identidade), no sentido psicológico (sentimento de dignidade e auto-estima) e no
sentido cidadão (a construção dos direito civis, políticos e sociais). Enfim, a aparição
de um novo personagem no cenário social: os higienistas ambientais,
transformadores da realidade. Destaca-se a revelação de uma nova cidadania a
partir da “capacidade de realizar funcionamentos”, como afirma Sen (2001) quando
permitem-se sair do encarniçamento social de pessoas “coisificadas” e se
transformam em homens cidadãos. Isto pode ser conseguido através do Trabalhador
Social, a partir do “método da roda”, um “espaço” de mediação entre os “diferentes”,
em ações que se mobilizam e proporcionam melhorias sociais em organizações
governamentais como uma Unidade Básica de Saúde, com propostas objetivas e de
alcance real. Cabe ressaltar que os moradores de favelas, neste caso, do Real
Parque, mesmo em condições precárias de saúde, são capazes de ser produtivos e
obter renda que garanta sua subsistência desde que sejam participativos de uma
organização econômica baseada na igualdade, solidariedade e interdependência.
Palavras chaves: cidadania, cooperativa, resíduos sólidos, favela, inclusão social.
XX
ABSTRACT
Resulting from the author’s personal involvement with the favela Real Parque,
holding a position of Technical Director at the Centro de Saúde Real Parque (Health
Center Base Unit) from 1987 to 2002, an idea arose to set up a project for selective
gathering of waste solids, which involved the organization of a cooperative system
that would generate sustainable income for the people, having in focus the
minimization of poverty of the “Real Parque favela” residents. The “favela” is located
in the south side of São Paulo, which is one of the most wealthy regions of the city,
attached to the Morumbi Administrative District, where the difference between the
rich and wealthy population, living in luxurious condominiums, contrasts clamorously
with the socially destitute residents of the “favela Real Parque”. With the objective of
verifying whether there is a possibility for building up citizenship, with political, civic
and social rights, by forming a cooperative nucleus called ReciclaReal at the “Real
Parque”, this survey is being conducted in a socially empiric manner called ‘action-
survey’, while revealing quantitative and qualitative demographic details, which
comprehensively includes the local reality and suggests ‘solidarity economics’ as a
new form of social organization, and an alternative for inclusion of those whose
insertion in the job market is extremely difficult. Based upon authors who have
pondered on matters regarding the build-up of citizenship, it is evident that the
combined economic, social and technological transformations that occurred since the
beginning of the 20
th
century have produced both positive and negative aspects.
Regarding the latter, we can mention unemployment as having brought about
innumerable consequences to the less-favored classes, particularly in Brazil. These
effects also brought about an increase in consumerism, thereby increasing discarded
waste and aggravating the environmental problems, which paradoxically constitutes
the means of subsistence for many people. In this aspect, this survey demonstrates
that the cooperatives for selective collection of garbage allows benefits for the
socially excluded strata and assists towards their insertion and social emancipation,
covering several aspects: in the ecologic sense (rescuing the afflictions of the
environment), in the economic sense (recovering inputs, saving raw materials and
generating incomes), in the cultural sense (introducing a new culture of waste
selection and separation), in the educational sense (making people aware of the
harmfulness brought by garbage), in the social sense (interaction between residents
of a neighborhood who have different social backgrounds), in the symbolic sense
(owning an identity), in the psychological sense (a feeling of dignity and self-esteem)
and in the sense of citizenship (building up civil, political and social rights). Thus, the
appearance of a new personage in the social scenario: the Environmental Hygienist,
a person who can transform reality. It is noteworthy that there is revelation of a new
citizenship, resulting from the “capabilities to perform faculties” as mentioned by Sen
(2001), when it is admissible to leave the social animosity of robotized people, and
they become full-fledged human citizens. This might be obtained through the Social
Laborer, as a result of the ‘wheel method’ an intermediation gap between different
people in actions that mobilize and grant social improvements at government
organizations, such as the “Unidade Básica de Saúde” health centers, with objective
proposals and within tangible reach. It should be pointed out that the residents of
“favelas”, in this case the Real Parque, even under precarious health circumstances,
are capable of being productive and to earn an income that can assure their
subsistence, provided they participate in an economic organization, based on
equality, solidarity and interdependence.
Key words: citizenship, cooperative, solid waste, “favela” (shanty town), social
inclusion.
XXII
SUMÁRIO
Introdução 01
Cap. I. O Caminhar metodológico 32
1.1 Tipo de estudo 32
1.2 Objetivo prático 34
1.3 Objetivos específicos 35
1.4 Objetivos de conhecimento 35
1.5 Momentos da investigação 37
1.6 Fases do desenvolvimento do projeto 38
1.7 Local de estudo: o cenário 39
1.8 O sujeito 39
1.9 Coleta de dados 39
1.10 Resultados e discussão dos dados 40
Cap. II. A História das favelas paulistanas 42
2.1 As Políticas Públicas 53
Cap. III. Local de estudo: o cenário 58
3.1 Localização da área de abrangência do Distrito de Saúde Escola
Butantã
60
3.2 Características sócio-econômicas e culturais do Distrito
Administrativo do Morumbi
62
3.3 O bairro Real Parque 67
3.4 A favela Real Parque 71
3.4.1 Indicadores dos Programas Sociais, na favela Real Parque
75
Cap. IV. O diagnóstico participativo das necessidades da população do Real
Parque 91
4.1 O desmoronamento dos barracos do córrego: da cidadania
negada ao nascimento da cidadania
95
4.1.1 A eleição do Conselho Gestor 103
4.1.1.a Conselhos Comunitários em São Paulo 106
4.1.2 O Orçamento Participativo 109
4.1.3 O sujeito desejante: um novo sujeito em constituição 110
4.2 O significado da festa das crianças 111
Cap. V. Economia solidária: uma alternativa de inclusão social” 114
5.1 Filosofia do cooperativismo 114
5.2 A economia solidária no Brasil 119
5.2.1 Cooperativismo: conceito e definição 122
5.3 Economia solidária: possibilidades e limites 131
Cap. VI. Quando tudo começou: o núcleo do Real Parque 137
6.1 A questão ambiental 137
6.2 O problema do lixo no Brasil 140
6.3 O problema do lixo em São Paulo 145
XXIII
6.4 Marcos conceituais 147
6.5 As cooperativas de lixo 149
6.6 A formação do núcleo de cooperados do Real Parque: o
ReciclaReal
150
Cap. VII. Os coletores de lixo do ReciclaReal: uma cidadania em constituição
163
7.1 A cidadania na visão dos recicladores de lixo do ReciclaReal 163
7.2 Um breve perfil dos sujeitos 164
7.2.1 Cooperados que trabalham no núcleo ReciclaReal 165
7.2.2 Cooperados do ReciclaReal que trabalham na CooperAção 165
7.3 A tentativa de inclusão dos excluídos através do núcleo de
cooperativa do Real Parque: O ReciclaReal 166
Cap. VIII. Limites e possibilidades: desafios enfrentados pelos participantes
do núcleo cooperativa de lixo ReciclaReal 179
8.1 Limites e dificuldades 180
8.1.1 Estruturais 180
8.1.2 Falta de Recursos Financeiros: Condições do local para o
funcionamento do ReciclaReal
181
8.1.3 Falta de Recursos Financeiros: dificuldades no transporte
do lixo
182
8.1.4 Falta de recursos financeiros: inexistência de um galpão
para funcionamento adequado 183
8.1.5 O conteúdo ergonômico do trabalho 185
8.1.6 A Falta de Equipamentos de Proteção individual (EPI) de
segurança do trabalho
188
8.1.7 O sofrimento Psíquico também aparece nas Cooperativas
de lixo 188
8.1.8 Alguns princípios Básicos do Cooperativismo devem ser
aprimorados 190
8.1.8.a Hierarquia de comando 191
8.1.8.b A transparência das transações comerciais 194
8.1.9 Dificuldades de Gestão de Pessoas 195
8.1.10 Dificuldades na gestão do próprio negócio: os
atravessadores do lixo 196
8.1.11 Debilidade das Políticas Públicas 198
8.2 Possibilidades 200
8.2.1 Possibilidades encontradas pelos participantes do núcleo-
cooperativa de lixo ReciclaReal
200
8.2.2 O Despertar da consciência coletiva dos recicladores do
Real Parque: solidariedade e interdependência
200
8.2.3 Uma nova cidadania em construção: “a capacidade de
realizar funcionamentos” 207
8.2.4 A cidadania em movimento: liberdade de expressão,
participação e o exercício político. 210
8.2.5 A interdependência e a solidariedade: Empresários,
profissionais liberais e favelados sentam na mesma roda 212
8.2.6 A saúde e as possibilidades em relação ao trabalho 215
8.2.6.a O binômio: saúde x doença x força de trabalho 216
8.2.7 O trabalho em transformação: Taylorismo X Criatividade na
reciclagem do lixo
219
XXIV
8.2.8 A globalização, o consumo e a nova cultura do lixo no
bairro Real Parque
222
Considerações Finais 226
Referências Bibliográficas 233
Anexos 247
Apêndices 281
1
CIDADANIA EM CONSTRUÇÃO: POSSIBILIDADES E
LIMITES NO PROCESSO DE “EXCLUSÃO”/INCLUSÃO
SOCIAL NO NÚCLEO COOPERATIVA DE LIXO DO REAL
PARQUE
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem por objeto a construção da cidadania a
partir de uma cooperativa de lixo como alternativa de trabalho e renda para pessoas
“excluídas socialmente”
1
cuja inserção no mercado de trabalho é extremamente
desfavorável
2
, já que se encontram afastadas do mercado formal e informal por falta
de empregabilidade
3
: os moradores da favela do Real Parque, na cidade de São
Paulo.
1
O conceito exclusão entre aspas, “exclusão”, será usado na presente investigação, para designar
pessoas cuja inserção no mercado de trabalho é extremamente desfavorável. Esta opção deve-se ao
esgarçamento do conceito e as diversas polêmicas que o mesmo tem causado entre os intelectuais.
O termo exclusão solicita um complemento. Excluído de que? A maioria dos excluídos não está fora
do planeta nem de seus paises onde vivem. Possuem uma relação de interdependência com os seres
que se relacionam. Da mesma maneira tem acesso aos meios de comunicação de massa,
responsável pela socialização cultural. Possuem desejos de consumo mesmo que não tenham
condições de satisfazê-los. A dificuldade ou a não satisfação dos mesmos para preencher as
necessidades humanas básicas está relacionada à inserção extremamente desfavorável no mercado
de trabalho. Uma das causas fundamentais de exclusão social da nossa época é o desemprego
estrutural. (ASSMANN e SUNG, 2000).
Para Borin (2003), o termo “exclusão social”, não é um conceito e tampouco algo novo, expressa uma
situação social, resultante de um processo dinâmico, estabelecido por inúmeras transformações,
ocorridas no universo produtivo. Destacando ainda a fala de Martins (1997), a autora comenta que
inexiste a exclusão, havendo certas contradições, ao se espelhar no modelo capitalista. O termo em
pauta, sugere o “não pertencimento”, o “sobrante” da existência social, criando um imaginário
social, de que são indivíduos sem direitos autênticos, convivendo contíguos ao mundo dos
“integrados”.
Para aprofundar mais este conceito ver também, Gilberto Dupas, Economia global e exclusão social,
Paz e Terra, 1999.
2
Expressão utilizada por Assmann, H. e Sung M.S., em seu livro Competência e Sensibilidade
solidária: educar para a esperança, Petrópolis: Vozes, 2000, p.90.
3
Empregabilidade: este termo passou a fazer parte do vocabulário organizacional embora não
conste ainda nos dicionários. O termo equivalente é employability nos Estados Unidos e significa a
“condição de dar emprego ao que sabe, a habilidade de obter ou manter um emprego ou trabalho”
(MINARELLI, 1995, p. 37 apud em MARIN RUEDA, MARTINS E CAMPOS, 2004, p.1).
Empregabilidade pode ser compreendida por todas as ações realizadas por uma pessoa, com o
objetivo de desenvolver conhecimentos, atitudes e habilidades favoráveis a conseguir um trabalho,
seja ele formal ou informal.
2
A complexidade de que se reveste a relação trabalho e cidadania
nos remete, ainda de maneira sucinta, ao entendimento desses dois conceitos no
contexto atual da globalização para que se possa favorecer a compreensão do
objeto eleito desta investigação.
O trabalho é uma categoria sociológica chave, porque pelo trabalho
os homens produzem a história. Só os homens trabalham os animais não o fazem.
As formigas e as abelhas não possuem o processo mental do trabalho. É através do
trabalho que o homem age na natureza e a transforma para dela tirar as condições
materiais de sobrevivência e a produção da consciência. “O que distingue o pior
arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de
transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalhador, aparece um
resultado que já existia antes, idealmente na imaginação do trabalhador” (MARX,
1988, p.202). Foi a partir desta concepção filosófica de trabalho, que Marx construiu
toda a sua critica da sociedade capitalista.
Diversos autores têm discutido os significados do trabalho para
descobrir qual é a sua influência sobre os trabalhadores. Segundo Mills (1969), o
trabalho tem vários significados: ganha-pão, vida interior; expiação, expressão de si
mesmo, dever inelutável e desenvolvimento da natureza humana. “O trabalho não
tem nenhum significado intrínseco” (p.233). O trabalho não tem nenhum significado
próprio e o seu significado está ligado àquilo que ele representa para o indivíduo em
todo o seu viver, refletindo em satisfação ou frustração. Mesmo que o trabalhador
não tenha consciência, o trabalho é o “produto liquido de sua atividade” e o que as
pessoas pensam dele, conseqüentemente repercute na sua personalidade. (MILLS
1969).
O trabalho, como modo de produção da vida em suas diferentes
manifestações na história, ao longo do tempo, circulou os mais variados significados.
Para os gregos, sobretudo para Aristóteles, o trabalho foi considerado enobrecedor
do ser humano, era aquele que permitia o desenvolvimento de suas potencialidades:
inteligência, criatividade, espírito crítico e iniciativa, ou seja, o trabalho de
concepção, de elaboração mental, do projeto do processo e do resultado. O
trabalho manual era entendido então na Grécia antiga, como a execução de um
projeto mental de trabalho elaborado por outra pessoa. Ao ser executado por outra
3
pessoa tornava-se um trabalho mecânico realizado por escravos, seres inferiores,
”pois embrutecia o espírito, e tornava o homem incapaz para a ptica da virtude”
(MILLS, 1969, p.233).
Para o cristianismo em seus primórdios, o trabalho era uma punição
e servia para a expiação dos pecados, mas em seus fins últimos, era visto como
caridade, saúde do corpo e da alma e afastar os maus pensamentos. Para Santo
Agostinho, este deveria ser obrigatório para os monges, mas alternado com orações.
Nos mosteiros, o trabalho intelectual (ler e copiar) efetuado pelos monges, era visto
como inferior à meditação sobre as questões divinas. (MILLS, 1969)
Foi Lutero quem estabeleceu o trabalho como ‘base e chave da
vida’, e uma ‘vocação’ e o caminho religioso para salvação’. (Mills, 1969, p.234).
Max Weber (1973) em seu livro: “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”,
observa que os protestantes eram mais hábeis no comércio que os católicos. Esta
relação de fé e sucesso econômico relacionada à religião exerce uma profunda
influência sobre a vida econômica. Mais especificamente, a teologia e a ética do
calvinismo foram fatores essenciais ao desenvolvimento do capitalismo do norte da
Europa e dos Estados Unidos.
Durante o Renascimento, o trabalho era concebido como um
estímulo para o desenvolvimento do homem. Para Leonardo da Vinci era visto como
arte e criação, uma ação inteligente. É nas sociedades capitalistas que o trabalho
passou a representar para três quartos dos trabalhadores, apenas a execução das
ordens ou cumprimento de um projeto e desta maneira deixou de permitir a
realização do ser humano em suas potencialidades, tornando um trabalho alienante
e alienado. Não só alienante e alienado porque o produto do trabalho não lhes
pertence, mas alienante e alienado porque a partir da nova organização capitalista
do trabalho, passou a ser monopólio de uma gerência científica. Mills (1969)
enfatiza que a alienação do trabalho significa que as horas mais ativas de uma vida
estão sendo utilizadas para ganhar dinheiro. A alienação significa “tédio e frustração
do potencial criador, do aspecto produtivo da personalidade (p.254). Se de um lado,
o trabalhador deve buscar desenvolver todos os valores fora do trabalho; neste,
deve ser sério, não pode rir e até falar enquanto trabalha, mas sim obedecer às
regras da empresa.
4
Para Mills (1969), o artesanato é um modelo idealizado de satisfação
de trabalho e se distingue nos seguintes aspectos: obedece a um processo de
criação; não separa o produto do seu criador; o trabalhador é livre para desenvolver
seu conhecimento e habilidades; enfim é livre para organizar seu trabalho; além
disso, não há separação entre o trabalho, divertimento e a cultura. Os mesmos se
tornam unos e determinam o seu modo de subsistência e de viver.
Desta maneira o prazer do trabalho artesanal está no próprio
trabalho, na realização do produto, na arte de fazê-lo, no processo de finalização do
mesmo que ultrapassa outras motivações secundárias como o dinheiro e a
reputação. Para o artesão o fundamental não é melhorar o seu prestígio na
comunidade, mas sim a satisfação proporcionada pelo trabalho que o leva a uma
espécie de paixão, que lhe é suficiente. O que é necessário no trabalho artesanal é
o vínculo psicológico que se estabelece entre o produtor e o produto. Mesmo que o
produtor não seja legalmente proprietário, deve conhecer psicologicamente o
produto e isto inclui matéria-prima, labor e habilidade. A vantagem material é uma
recompensa suplementar subordinada à arte que continuará a existir por si mesma.
O artesão imagina o produto acabado, antecipa o seu prazer na vitória final e isto lhe
compensa as fases de monotonia e trabalho mecânico. O trabalhador é livre e inicia
a sua atividade com liberdade e pode modificar sua forma técnica de criação. Ele é
dono de sua atividade e de si mesmo. Ao desenvolver sua habilidade também
desenvolve a si mesmo. É o auto-aperfeiçoamento que ocorre não como um objetivo
posterior, mas algo cumulativo, “o trabalho representa uma confissão e revelação do
mundo” porque ele vive no trabalho, do trabalho, passando a ser um divertimento e
cultura. Divertimento devido à satisfação, ao prazer, ou seja, algo agradável; livre,
porém sério como o brincar para as crianças. É livre como o trabalho de um
compositor. “Ele trabalha e brinca (...) o trabalho é um poema” (p.240). No modelo
artesanal, consumo e produção se reúnem no mesmo ato, são ao mesmo tempo
jogo e trabalho e instrumento da cultura. Desta maneira o trabalho é um lazer porque
traz em seus momentos de descanso as qualidades desenvolvidas nas horas de
trabalho reafirmando os seus valores. Para renovar a sua criatividade, ele necessita
relaxar-se, abrir-se às novas influências, ter períodos intermitentes de lazer
necessários a sua individualidade e desenvolvimento da sensibilidade. Segundo
Henry James citado por Mills (1969), o trabalho artesanal representa ‘aquela espécie
5
de atenção relaxada e meditativa necessária para produzir e apreciar a obras de
arte. ’
A passagem do mundo rural do pequeno empresário para a
sociedade urbana levou a separação do homem e seu processo de produção e sua
alienação. Em quase todas as ocupações os empregados vendem a sua
independência e a sua capacidade de tomar decisões. Dimensiona-se que 10 ou 12
milhões de pessoas trabalharam em tarefas inferiores às suas capacidades durante
os anos 30. Cada vez mais aumenta o número de trabalhadores que executam
tarefas inferiores à sua capacidade de trabalho. Esta alienação objetiva é
conseqüência do capitalismo moderno e da divisão de trabalho. No contrato ele
vende sua energia, a sua capacidade e seu tempo a outrem. Dentro desta divisão o
trabalhador não realiza do começo ao fim o processo de produção, o que significa
que seu trabalho fica separado perdendo a sua significação, embora “o processo é
invisível para ele”. Mesmo na categoria de colarinhos brancos, isto também ocorre
devido à impossibilidade de usar a razão individual, pela “centralização das decisões
e a racionalização formal da burocracia (p.243). O homem deixa de ser livre para
criar, modificar e torna-se objeto de manipulação. O artesanato hoje, limita-se a um
mínimo de profissionais liberais e intelectuais privilegiados (MILLS, 1969).
Marx e Engels já falavam no Manifesto Comunista (1948) que:
O desenvolvimento da maquinaria e a divisão de trabalho levam o trabalho
dos proletários a perder o caráter independente e com isso qualquer
atrativo para o operário. Esse se torna um simples acessório da máquina,
do qual só se requer a operação mais simples, mais monótona, mais fácil
de aprender. Em decorrência as despesas causadas pelo operário
reduzem-se quase exclusivamente aos meios de subsistência de que
necessita para a manutenção e para reprodução de sua espécie. Mas o
preço de uma mercadoria e, portanto, o do trabalho
4
, é igual ao seu custo
de produção. Logo à medida que crescem a maquinaria e a divisão de
trabalho, cresce também a massa de trabalho, quer através do aumento
das horas de trabalho, quer através do aumento do trabalho exigido num
certo tempo, quer através da aceleração da velocidade das máquinas, etc.
(MARX e ENGELS; 2004, p.52)
Acreditamos que numa sociedade capitalista, o direito ao trabalho
apesar da perda de seu caráter independente e de atrativo para o operário, é um
4
Segundo notas de rodapé em O Manifesto Comunista, “valor de trabalho” e “preço do trabalho”
foram substituídos posteriormente pelos autores por “valor da força de trabalho” e “preço da força de
trabalho.”(MARX E ENGELS, 2004, p.52)
6
daqueles mais sagrados do cidadão porque, sem ele, o indivíduo não tem acesso à
alimentação, à habitação, à educação de bom nível, à assistência médica de
qualidade, ao lazer, enfim, aos direitos sociais. É fundamental ter trabalho para que
o indivíduo exerça seus plenos direitos à cidadania.
Para Chauí (1995), a origem da palavra cidadania ocorreu no
período socrático ou antropológico. Com o desenvolvimento das cidades, do
comércio, do artesanato e das artes militares, Atenas tornou-se centro da vida social
política e cultural da Grécia, vivendo o seu período de esplendor. Foi a época de
maior florescimento da democracia. A democracia grega possuía duas
características importantes: igualdade de todos os homens adultos e livres perante a
lei e o direito de todos os cidadãos participarem diretamente do governo da cidade,
da pólis. Deve-se ressaltar que estavam excluídos da cidadania as mulheres,
escravos, crianças, e velhos que os gregos chamavam de dependentes. Os
estrangeiros também estavam excluídos. De outro modo, a democracia direta ou por
eleição de representantes, garantia a participação de todos os cidadãos no governo
e o que deles participavam tinham o direito de discutir, defender as suas opiniões
sobre as decisões da cidade. Desponta a figura política do cidadão. Surge, a partir
de então, a arte do saber falar e ser capaz de persuadir. Passar a existir os sofistas,
mestres de oratória ensinada aos jovens.
Mas democracia hoje significa distribuição mais eqüitativa de renda.
Não há democracia se o individuo não exerce os direitos sociais ou seja alimentação
moradia, lazer, educação, saúde. Trabalho e a sobreviver com dignidade.
Para Marshall (1965), o conceito de cidadania é ditado pela história
e não pela lógica e divide-se em três partes:
Estas três peças, ou elementos são;
civil, político e social. O elemento
civil é composto dos direitos necessários para a liberdade individual, a
liberdade da pessoa, a liberdade do discurso, o pensamento e a fé, o
direito a própria propriedade, concluir contratos válidos, e o direito à
justiça. O último é de uma ordem diferente da outra, porque é o direito de
defender e afirmar todos os direitos que são únicos em termos da
igualdade devido à lei. Isto mostra-nos que as instituições associadas o
mais diretamente com os direitos civis são as cortes de justiça. Pelo
elemento político eu significo o direito de participar no exercício do poder
político, como um membro de um corpo investido com autoridade política
ou como um eleitor dos membros de tal corpo. As instituições
correspondentes são parlamento e conselhos do governo local. Pelo
7
elemento social eu significo a um bem-estar econômico e a segurança de
viver a vida civilizada de acordo com os padrões que prevalecem na
sociedade. As instituições conectadas ou mais próximas com esses
direitos são o sistema educacional e os serviços sociais.
5
(Marshall, 1965,
p. 78-79).
Todos os direitos do cidadão brasileiro se acham assegurados pela
Constituição. No entanto, muitas vezes, não são concretizados por falta de políticas
públicas. Alguns têm acesso a quase todos os direitos, enquanto outros, a grande
maioria, não, em virtude da inexistência de uma renda ou, quiçá, do salário abaixo
do mínimo preconizado.
Para Covre (1995), ser cidadão significa não apenas ter direitos,
mas também deveres, oriundos da Carta da Organização das Nações Unidas
(ONU), 1948, das cartas de Direito dos Estados Unidos, 1776, e da Revolução
Francesa, 1789, que apresentam como proposta de cidadania o fato de "que todos
os homens são iguais ainda que perante a lei, sem discriminação de raça, credo ou
cor” (p.17). Cabe a todos “o domínio sobre seu corpo e sua vida, o acesso a um
salário condizente para promover a própria vida, o direito à educação, à saúde, à
habitação, ao lazer” (p.17). E mais: “é direito de todos, poderem expressar-se
livremente, militar em partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais,
lutar por seus valores. Enfim, ter uma vida digna de ser homem" (p.9). A autora
ainda acrescenta que esses são os direitos do cidadão, mas que seus deveres
também não devem ser esquecidos, ou seja, "de ter responsabilidade em conjunto
com a coletividade", "cumprir normas", "fazer parte do governo direta ou
indiretamente” (p.9) através do voto, de movimentos sociais. Ressalta que as
pessoas pensam que a cidadania envolve apenas direitos e ficam desatentas ao fato
de que elas próprias são agentes de mudança, pois podem apresentar propostas e
preconizar igualdade de condições para todos os membros da sociedade, desde que
empunhem como "arma" a Constituição.
Mas, exercer os direitos de cidadão e construir a cidadania tornam
necessária a democracia. Chauí (1995) destaca que a democracia é o único regime
político que permite a ocorrência de conflitos dentro de uma sociedade. Trabalha
suas necessidades e interesses mediante as disputas entre partidos políticos e
eleições, uma vez que os institui como direitos e os exigem respeitados. Os
5
Tradução e grifos nossos.
8
movimentos sociais e as associações permitem “um contrapoder social” que limita o
poder do Estado. A democracia, por estar sempre aberta a novas formas de
existência e transformações, objetiva a liberdade de trabalhar as diferentes
concepções e ideologias
6
.
Refere-se, ainda aos principais obstáculos da democracia atual, ao
fato de que a sociedade democrática se acha dividida em classes sociais, ou seja,
ricos e pobres, com interesses conflitantes, embora a ideologia insista em afirmar
que todos sejam iguais.
Nesta mesma direção, a autora mencionada enfatiza que nos países
onde o capitalismo avançou, a exploração dos trabalhadores diminuiu,
principalmente com o Estado do Bem-estar Social. A exploração recaiu nos países
emergentes. A situação da democracia se tornou muito frágil nos dias atuais,
conseqüente à produção capitalista, à economia flexível e à política neoliberal.
Abandonou-se a política de Bem-estar Social (política que garante os direitos
sociais), adotando a política de Estado mínimo, que afasta a interferência do Estado
no planejamento econômico. Com novas tecnologias, automação da produção,
velocidade da informação, comunicação e distribuição de produtos, houve grandes
mudanças nas forças produtivas, alterou-se o processo de trabalho, conduzindo ao
desemprego em massa, mesmo nos países de capitalismo avançado. Isto explica
os movimentos contra imigrantes e migrantes e a “exclusão” social, cultural e política
que está atingindo também os países emergentes, como é o caso do Brasil.
Desta maneira, a conquista obtida pelos trabalhadores de ter
trabalho e direitos outrora, quando o capital se ampliava e reproduzia com absorção
da mão de obra no mercado de trabalho, perdeu-se, e caminha-se para a sua
marginalização, já que o mercado não carece de “massas trabalhadoras” e, portanto,
não precisa manter os direitos sociais e econômicos dos trabalhadores e não
necessita mais de seus serviços.
6
Chauí (1995) entende ideologia como manifestação das idéias e da consciência... A ideologia
permite a unificação dos homens numa identidade social: mesma língua, religião, nação, raça e
outros. Este fenômeno tem como total função não permitir o verdadeiro conhecimento das relações
de produção e forças produtivas dissimulando a divisão de trabalho entre dominados e explorados.
As desigualdades passam a ser vistas ilusoriamente como falta de capacidade, ou seja, diferença de
talentos entre os homens.
9
As economias mundiais têm passado por processo de transformação
de paradigmas tecnológicos que se iniciam em economias avançadas para as
menos desenvolvidas. Para entender a dinâmica da sociedade contemporânea e
suas principais mutações no mundo do trabalho, faz-se necessário distinguir na
história, o final do século XVIII, com a Revolução Industrial, na Inglaterra, como
referência histórica da noção de trabalho criada na modernidade. É na virada do
século XIX para o século XX que acontece o nascimento do taylorismo e no século
XX o fordismo.
Uma análise retrospectiva faz-se necessária para melhor
entendimento do acirramento da crise do desemprego no mundo global e de
maneira mais acentuada nos países emergentes como o Brasil.
Os paradigmas do processo produtivo taylorista se firmaram em
1911, com a publicação de Taylor do seu livro: Princípios de Administração
Cientifica. O fordismo se iniciou em 1914 e após a segunda guerra mundial em
1945, ocorreu a sua universalização, sendo aceito no mundo inteiro. Tais princípios
implicavam em conhecimentos simples, de tarefas repetitivas, sem demandar
elevado grau de qualificação. Taylor reduziu o homem a gestos e movimentos, sem
capacidade de desenvolver atividades mentais, que após uma aprendizagem rápida,
funcionava como uma “máquina”, sem necessidade de pensar. Desta forma, quase
nenhuma qualidade intelectual do trabalhador era necessária. Isto causou resultados
dramáticos com conseqüências humanas e sociais. O taylorismo gerou muitos
empregos, mas degradou o trabalho.
Ford permitiu a produção em série, fabricar quantidades enormes de
determinado produto padronizado. Seu esquema caracterizava pelo trabalho
ritmado, coordenado e econômico, produção em massa, através de maquinário, mão
de obra e matéria prima padronizada, mas sem a preocupação das repentinas
mudanças de mercado com suas flutuações, tanto no mercado nacional como no
internacional. O fordismo teve seu ápice no período posterior à Segunda Guerra
Mundial, nas décadas de 1950 e 1960.
O fordismo em meados dos anos 60 conheceu o seu declínio,
emergindo nos anos 70 em contrapartida, à microeletrônica e à informática,
sugerindo o que alguns autores consideram uma sociedade de informação. Vários
10
foram os nomes dados a esta nova transformação: hipermodernidade; pós-
modernidade. De qualquer maneira, o que estava marcada para os autores, era a
passagem controlada da racionalidade instrumental, que sufocava singularidades
para, provavelmente num momento seguinte, “emergir sinais de subjetividade e
diferença” (NASCIMENTO, 1997, p.78).
Nas décadas de 70 e 80, as altas taxas de inflação e a crise do
petróleo em 1973, levam ao colapso o sistema econômico, obrigando uma nova
reestruturação para a sobrevivência das indústrias. São necessários novos tipos de
mercados, outras áreas geográficas e mão de obra barata. Desponta um sistema
inteiramente novo, distinto, confronto direto com o fordismo, denominado por Harvey
(1992) de acumulação flexível. Este se apóia em novas formas flexíveis de atuação
de processo de trabalho, de mercado de trabalho, de produtos e padrões de
consumo.
Com o uso de novas tecnologias produtivas como os robôs, cria-se o
gerenciamento de estoques em ‘just-in-time’, que diminui a redução física de
armazenagem e adequada quantidade de material necessária à produção. Este tipo
de gerenciamento surge no Japão na indústria automobilística, denominada de
toyotismo
7
. Isto gera uma série de transformações e desmembramentos no mundo
do trabalho: desconcentração em unidades menores de produção e flexibilidade de
contratos a favor de trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado. Com a
comunicação via satélite e compressão de tempo e espaço, favorece-se a
diminuição dos custos com transportes, com transmissão imediata das decisões num
espaço cada vez mais amplo. Estas mudanças na produção exigem aceleração do
ritmo na inovação do produto e exploração de nichos de mercado altamente
especializados em pequena escala e estabelecem um aumento de empregos no
setor de serviços a partir dos anos 70. (HARVEY; 1992),
7
Não se trata aqui de uma revolução tecnológica, mas um aperfeiçoamento tecnológico ou uma
revolução administrativa. São novos métodos de gerenciamento provenientes de empresas
japonesas, nas fabricas Toyota, (daí deriva o seu nome), obtidos em companhias automobilísticas,
cuja competitividade e produtividade impõem uma nova fórmula de sucesso. Contrário ao fordismo,
produção em massa padronizada, o novo sistema ao contrário, flexível, tem como características
capacidade rápida de produção por meio de máquinas e movimentação da mão de obra numa
economia global.
11
Mas é necessário acelerar também o consumo, diminuindo a meia
vida do produto. No setor de vestuários, por exemplo, a vida média diminuiu pela
metade em relação ao tempo fordista, que era de cinco a sete anos. Outras
manobras são feitas para aumentar o consumo, condução de modas fugazes e uso
de artifícios que induzam a necessidade.
Todas estas características vieram refletir sem dúvida na
empregabilidade, destacando-se dois tipos de trabalhadores: um que se ocupa na
posição central, que são “empregados em tempo integral” e “condição permanente”.
“Possuem maior segurança”, boas “perspectivas de promoção e reciclagem”,
“pensão”, “seguro” e outros salários indiretos. São altamente especializados devido
a sua competência, capazes de compreender o processo de produção e a dinâmica
do mercado; Tomam decisões rápidas e inovadoras. São pessoas adaptáveis,
flexíveis e geograficamente móveis, ou seja, movimentam-se a qualquer lugar que
for necessário; dominam a linguagem técnica dos computadores e falam vários
idiomas. Estão aptos a trabalhar em várias partes do mundo. Compreendem todo o
processo de trabalho e são capazes de tomar decisões rápidas dentro do mercado
de consumo, o que exige conhecimento de economia e tendências de mercado.
Acompanham a moda e são capazes de formar verdadeiros times, liderando
trabalhadores (HARVEY, 1992).
O outro grupo, denominados periféricos, abrange dois subgrupos
distintos: o primeiro formado por trabalhadores de tempo integral, cujas habilidades
estão facilmente disponíveis no mercado de trabalho e podem ser substituídos por
máquinas ou outros trabalhadores. Trata-se de trabalho rotineiro executado por
“pessoal do setor financeiro”, “secretárias” e “aqueles que executam trabalho manual
menos especializado”. O segundo é formado por trabalhadores em tempo parcial,
com contrato parcial de trabalho, subcontratado e com menos segurança de
emprego. Numericamente são maiores, porém possuem menor segurança na sua
empregabilidade. (HARVEY, 1992).
A “atual tendência dos mercados de trabalho é reduzir o numero de
trabalhadores ‘centrais’ e empregar cada vez mais uma força de trabalho que
facilmente pode ser demitida sem custos quando as coisas ficam ruins“. (HARVEY;
1992; p.144)
12
Para Harvey (1992), estes arranjos flexíveis têm como mudança
mais radical, o aumento da subcontratação e do trabalho temporário. 70% das firmas
britânicas relataram este tipo de contrato entre 1982 e 1985. Tais mudanças
acarretam efeitos maléficos quando se pensa em termos dos direitos sociais ,tais
como: os direitos de pensão, níveis salariais, segurança no emprego, cobertura de
seguro, (no Brasil, seguro- desemprego). Enfim, “torna-se clara a precarização do
trabalho: os empregos estáveis dão lugar ao trabalho temporário, o tempo integral
cede ao tempo parcial, com perda significativa de salário e nível de vida.”
(Nascimento, 1997, 90), e pode-se acrescentar a perda dos direitos sociais do
cidadão.
De outro modo, a subcontratação abre oportunidades para abrir
pequenos negócios e o retorno a sistemas mais antigos, como trabalho doméstico
artesanal e familiar. Há, da mesma forma, o florescimento de outros tipos de
exploração de formas de trabalho e de produção, principalmente nas grandes
cidades: Nova Yorque, Los Angeles, dominadas por grupos imigrantes. É o que
assistimos em relação à subcontratação de mão de obra de bolivianos na indústria
têxtil do bairro do Brás em São Paulo. Outro modo de subcontratação foi a
exploração da força de trabalho das mulheres em tempo parcial, substituindo
trabalhadores homens com melhor remuneração. A subcontratação, sem dúvida,
permitiu atender a uma variedade maior de necessidades de mercado, produção de
pequenos lotes e a superação do sistema fordista.
Novas experiências, nestas mesmas décadas, no domínio industrial
começaram a tomar forma. A acumulação flexível leva a maciças fusões, alianças
estratégicas em que se mantêm as marcas apesar das fusões, (Harvey; 1992), como
as que ocorreram aqui no Brasil, Santander x Banespa, Sadia x Perdigão para citar
apenas algumas. Isto traz, como conseqüência, a diminuição de postos de trabalho
e diversificações corporativas com unidades produtivas em locais mais baratos e a
globalização da produção que desestrutura o mercado de trabalho.
Concomitantemente, algumas marcas, terceirizam a sua produção,
não possuem fábrica, tendo como vantagem a adaptação da mercadoria às
tendências da região, como é o caso da Nike e da Benetton. Em outras palavras,
são novos sistemas de coordenação implantados com arranjos de subcontratação
13
de pequenos negócios que agregam em torno de poderosas organizações
financeiras ou de marketing. Nada é produzido diretamente, mas estas poderosas
organizações transmitem ordens para um conjunto de produtores independentes.
(HARVEY; 1992).
Estas transformações ocorridas no século XX de caráter global, (não
só em uma determinada região ou nação) são comandadas por gigantescos blocos
de capital atuando em diferentes setores, com produção em escala global, regional e
em redes. Global porque “o capital, a matéria prima, o trabalho, a administração, a
informação, a tecnologia e os mercados” que compõem à atividade produtiva, o
consumo e a circulação estão organizados em escala global. Em rede, porque
existe uma conexão entre os agentes econômicos, a produtividade gerada e a
concorrência. Há uma rede global em interação entre redes empresariais.
(CASTELLS, 1999) Estas empresas “não possuem mais nacionalidade” na
afirmação de Corsi (1997, p.104). Seus interesses estão espalhados pelo mundo.
Estabelecem políticas de vendas, pesquisas e planejamento dos investimentos. O
capital tende a crescer num processo de desterritorialização com a formação de
mercado financeiro global.
Harvey (1992) aponta para dois novos movimentos utilizados nas
últimas décadas do século XX, de grande importância a respeito da globalização: as
informações precisas e atualizadas, uma nova “mercadoria muito valorizada” e a
reorganização do sistema financeiro global.
O primeiro, chamado de economia Informacional por Castells
(1999), caracteriza-se por um conjunto de tecnologias: telecomunicações /
radiodifusão, microeletrônica, computação, com um forte aliado à análise
instantânea de dados, tais como, as mudanças de modas, de gostos e tendências
do mercado. O segundo movimento, destacado por Harvey (1992), trata-se da
reorganização do sistema financeiro global. Isto significa que, além da capacidade
de respostas rápidas de variação de câmbio, exigem-se do trabalhador
conhecimentos técnicos, científicos, políticos e de mudanças de governo, bem como
estar “antenado” às iniciativas dos competidores, preocupação inexistente na época
do fordismo. “O próprio saber torna-se uma mercadoria-chave a ser produzida e
vendida.” (HARVEY; 1992; p.145). Reforça-se a máxima do filósofo inglês do século
14
XVI, Francis Bacon: “Saber é Poder”. Dentro deste novo contexto, “a produtividade
não é um objetivo em si”, comenta Castells (1999, p.119).
O uso de computadores e comunicações eletrônicas favorece a
coordenação do fluxo de informações e o fluxo financeiro em “rapidez de tempo,
espaço e moeda”. Harvey (1992) e Castells (1999) compartilham da mesma opinião:
o tempo futuro vive no tempo presente.
Tudo isso atrelado com o crescimento do “empreendimentismo com
papéis”, ou seja, obter lucros a partir da variação das moedas e taxas de juros,
lucros financeiros, sem dar importância à produção de bens e serviços. Empresas e
nações não buscam a tecnologia pela própria tecnologia, mas estão motivadas pelo
lucro e aumento do valor de suas ações. A “lucratividade e a competitividade são os
verdadeiros determinantes da inovação tecnológica e do crescimento da
produtividade.” (CASTELLS; 1999; p.136). Marx, hoje não reconheceria mais a
famosa fórmula D (dinheiro) ? M (mercadoria) ? D’ (dinheiro), (MARX, 1988,
p.170), pois esta se encontra obsoleta. O dinheiro permite fazer dinheiro sem
produção de mercadorias. A informação e o conhecimento sempre foram
valorizados no crescimento da economia, mas diante deste novo paradigma,
transformaram-se em um “gigante” que “possibilita que a própria informação se torne
o produto do processo produtivo” (p.119). É uma terceira Revolução Industrial
comparada a uma nova fonte de energia como a eletricidade e o motor a vapor.
Considera-se pela primeira vez na história, um elemento fundamental: a mente
humana como um elemento decisivo e uma força direta da produção.
De outro modo, Santos (2002) argumenta que, apesar de sua
grande importância, a globalização não resulta somente da economia
informacional, mas, de um conjunto de fatos e decisões políticas como o consenso
de Washington
8
. Os Estados centrais e os demais países que o adotaram, o fizeram
8
O Consenso de Washington diz respeito, à visão americana sobre a condução política e
econômica dos paises periféricos do mundo inteiro, de forma mais direta os da América Latina, mais
endividados, submetidos à hegemonia norte americana. Neste consenso há três planos: todas as
agências econômicas dos paises periféricos devem aplicar um rigoroso equilíbrio e austeridade fiscal
que passa por um programa de reformas administrativas, previdenciárias e fiscais e corte nos gastos
públicos. Estas agências devem buscar estabilidade monetária como prioridade primeira. Para
estabilizar, é necessária uma política fiscal dura com cortes contribuições sociais, reforma
previdenciária, corte nos salários dos funcionários públicos. A segunda ordem do consenso é
“desonerar fiscalmente o capital”, para que possa aumentar a competitividade no mercado
internacional e flexibilização dos mercados de trabalho. E o terceiro propunha, o modelo de
15
com certa autonomia, demonstrando uma decisão política. “A globalização
hegemônica é um produto de decisões de Estados nacionais. A
desregulamentação da economia, por exemplo, tem sido um ato eminentemente
político” (p.50), em que os Estados nacionais cedem às pressões do Consenso de
Washington, embora os muitos que o adotaram, o fizeram por falta de alternativas.
É fundamental lembrar que este ato não deixa de ser uma decisão política.
Concomitantemente, é neste processo de mundialização que a
produção internacionaliza-se e a regulação deixa de ser nacional. O Estado abdica
da sua função maior que é “controlar/limitar a desigualdade social“ (NASCIMENTO,
1997, p.84). E, consequentemente, a desigualdade aumenta. Além do mais, para
fazer cumprir o consenso de Washington é necessário economizar, reduzir os gastos
sociais, combater a inflação e o déficit público. Isto leva à diminuição de investimento
em saúde, educação, habitação e ao estreitamento dos direitos sociais do cidadão.
A privatização das empresas estatais, outra regra do jogo, como ocorreu no Brasil
com os serviços de telecomunicações e a Vale do Rio Doce, por exemplo, levou ao
enxugamento do número de funcionários e aumento do desemprego e diminuição de
postos de trabalhos nestas empresas, por terceirização de serviços. A
desregulamentação dos mercados oprime as empresas nacionais que não
conseguem competir com os preços das multinacionais. A globalização econômica,
portanto, tem como traços principais, segundo Santos:
Economia dominada pelo sistema financeiro; investimento em escala
global; processo de produção flexível e multilocais; baixos custos de
transportes; revolução na economia da informação e comunicação;
desregularão das economias nacionais; preeminência das agencias
financeiras multilaterais; emergência de três grandes capitalismos
transnacionais: o americano, baseado no EUA e nas relações privilegiadas
deste pais com o Canadá, o México e a América Latina; O japonês,
baseado no Japão e nas sua relações privilegiadas com os quatro
pequenos tigres e com o resto da Ásia; e o europeu, baseado na União
Européia e nas relações privilegiadas desta com a Europa de leste e com
Norte de África.(SANTOS, 2002, p.29).
Vários autores, no entanto concordam: Resende (1997), Dowbor
(1996,1997), Iannni (1997), Sposati (1997), Castells (1999), Santos (2002) que com
o espaço no capitalismo, se globaliza, com universalização e deslocamento de
substituição de importações, desregulação dos mercados, sobretudo o financeiro e do trabalho;
privatização; abertura comercial; direito de propriedade de serviços e intelectual, sobretudo na zona
16
procedimentos administrativos racional-legais, antes de competência quase que
exclusiva do Estado nacional. A economia se globaliza enquanto os sistemas de
governo perdem a sua governabilidade, sua autonomia e deixam de exercer sua
função de modo soberano, com o papel regulador e coordenador do
desenvolvimento econômico e social. Há reversão de suas competências para a
gama de organizações internacionais e transacionais, portadoras de uma nova
legitimidade e uma nova ordem como a ONU, a FMI, BIRD, a bolsa de Nova York,
de Londres, de Tóquio ou as ONGs configurando-se na crise do Estado nacional. A
soberania dos Estados mais fracos está ameaçada não pelos Estados poderosos,
mas, sobretudo pelas agencias internacionais financeiras empresas multinacionais e
transnacionais. É o “encolhimento” do Estado nos dizeres de Santos (2002).
Precisamos com isso “construir uma alternativa ao individualismo e a concorrência
ao neoliberalismo. Precisamos articular uma sociedade solidária, capaz de também
construir formas de economia solidária.” (SPOSATI, 1997, P.46)
Resende (1997) afirma que a globalização é a perversa filha legítima
do capitalismo cuja árvore é de tronco europeu com suas ramificações periféricas
nas colônias. “É uma era planetária eurocêntrica que se afirma pela violência,
destruição, escravidão e pela extorção feroz das Américas, da África, da Ásia e da
Oceania. É uma mundialização de conflitos entre imperialismo concorrentes...” (p.31)
É Paulo Freire (1997, p.249-250) que clama em seu discurso
quando fala da ética do mercado:
A liberdade do comércio sem limite é licenciosidade do lucro. Vira privilégio de
uns poucos que, em condições favoráveis, robustece seu poder contra os direitos
de muitos, inclusive o direito de sobreviver. (...) O desemprego no mundo não é,
como disse e tenho repetido uma fatalidade. É antes o resultado de uma
globalização da economia e de avanços tecnológicos a que vem faltando o dever
ser de uma ética realmente a serviço do ser humano e não do lucro e da gulodice
das minorias que comandam o mundo. (...) A um avanço tecnológico que ameaça
a milhares de mulheres e de homens de perder seu trabalho deveria
corresponder outro avanço tecnológico que estivesse a serviço do atendimento
das vitimas do progresso anterior. (...) Não se trata, acrescentamos de inibir a
pesquisa e frear os avanços, mas pó-los a serviço dos seres humanos.
De acordo com Rodríguez (2002), o impacto da globalização e os
seus efeitos deletérios e excludentes tendem cada vez mais a acentuar o ”fosso
crescente entre ricos e pobres”, em escala global, de Norte a Sul. Parece que a
fronteira. Palestra proferida pelo Professor José Luis Fiori (da UFRJ) em setembro de 1996, no
17
mensagem do capitalismo é a de que “pode [se] viver sem estas pessoas” como
aponta o pensamento de Friedmann (1992). Sua participação na sociedade de
consumo se reduz meramente a ”ver vitrines” no dizer de Moody (1997), ambos os
autores, citados por Rodríguez acima.
Concorda-se com Rodriguez quando o mesmo menciona que a
globalização vem aprofundar este problema, mas não é e nem pode ser o bode
expiatório para todos os malefícios econômicos. Vários autores indicam que a
globalização tem o poder de desestruturar mercados de trabalho e deixar uma
população “a ver navios”, mas em compensação pode elevar o nível de vida de
outras populações favorecidas por ela. Não se pode, portanto, afirmar que a
globalização só oferece prejuízos sociais. Castells (1999) se refere a isto. “A nova
economia afeta tudo e a todos, mas é inclusiva e exclusiva ao mesmo tempo; os
limites da inclusão variam em todas as sociedades, dependendo das instituições,
das políticas e dos regulamentos.” (p.203). Devido à globalização, as empresas são
obrigadas a diminuir os seus custos, como vimos acima, e se vê obrigada a deslocar
fábricas de um local para outro que encontre estas condições dimensionadas.
Quando isto ocorre, deixa uma população “a ver navios” e, no entanto, permite que
outra seja favorecida. Sposati (1997) vem corroborar com esta idéia e expressa:
enquanto a China, por exemplo, dispõe de mão de obra barata, e acaba sendo
favorecida por este processo, os americanos, tem visto reduzido os seus postos de
trabalho.
Segundo alguns autores, o impacto tecnológico surgido com a
globalização levou à resultados positivos: progressos ocorreram na área da saúde,
na informação e outros e dessa maneira a globalização não pode ser de todo
censurada. É necessário abandonar o negativismo da evolução afirma Miranda
(2000), quando se tem o olhar retrospectivo e festejar alguns avanços alcançados:
no passado as guerras eram a lógica do dia a dia; a escravidão era generalizada; as
pessoas morriam de epidemias hoje totalmente controladas pela existência de
vacinas, antibióticos; a longevidade alcança médias em torno dos 70 anos. Em
contrapartida, Dowbor (1997), nos lembra não podemos nos esquecer dos seus
malefícios: o transporte moderno leva a uma rede de distribuição de drogas que
matam milhões de pessoas, as pesquisas de laboratório em genética avançam sem
Centro Cultural do Banco do Brasil.
18
muito controle e regulamentação; armas letais são cada vez mais vendidas.
Acrescenta-se a isto, a fabricação de armas biológicas; a técnica da agricultura de
alimentos geneticamente modificados, os transgênicos, com efeitos na própria
biodiversidade podendo interferir na segurança alimentar e no equilíbrio ecológico,
sintetizando a falta de ética e solidariedade humana.
Santos (2002), e Castells (1999) tendem a reconhecer que a
globalização produz assimetrias, é seletiva, e tem uma geometria variável, mas
desestruturou a hierarquia econômica do mundo e pôs fim a idéia de divisão de
paises do hemisfério norte e sul, na medida em que a novíssima divisão
internacional de trabalho não ocorre entre paises, mas entre agentes econômicos e
posições distintas na economia global. Esta é a grande diferença da economia
global para a economia-mundo. Para Castells: ”uma economia global é algo
diferente: é uma economia com capacidade de funcionar com unidade em tempo
real, em escala planetária” (1999, p.142).
Estamos diante de uma nova estrutura internacional. Umas das
mais dramáticas transformações da globalização econômica neoliberal está em
concentrar a riqueza nas mãos das multinacionais. Das 100 maiores economias do
mundo, quase 50% (47) são multinacionais. O comércio possui 70% de empresas
multinacionais. Mais de um terço do produto industrial mundial é produzido por
estas empresas e uma porcentagem ainda maior transita entre elas. O impacto
dessas empresas em relação à desigualdade de classes em escala mundial tem sido
amplamente discutido. Cerca de 1 bilhão e meio de pessoas, ou seja, um quarto da
população mundial vive na pobreza absoluta
9
, com rendimento inferior a um dólar
por dia. Segundo relatório do Banco Mundial de 1995, nos países pobres onde
vivem 85,2% da população mundial, detém-se 21,5% do rendimento mundial,
9
Pobreza absoluta: é entendida como a situação “em que se encontram membros de uma
determinada sociedade de despossuídos de recursos suficientes para viver dignamente ou não que
não têm as condições mínimas para suprir as suas necessidades básicas. Vida digna e necessidades
básicas constituem sempre, definições sociais e históricas, variando, no entanto, no tempo e no
espaço.” (NASCIMENTO, 2000, apud BORIN, 2003) No entanto Borin complementa: a pobreza com
privação absoluta tem como referencial a renda necessária a manutenção biológica do individuo e
está relacionada aos padrões mínimos de necessidades. No entanto a palavra “necessidade” contém
uma cilada, e é “carregada de subjetividade”. Por estar relacionada a valores, cada cidadão tem uma
necessidade.
A este respeito ver também Amartya Sen, Desigualdade reexaminada, 2001.
19
enquanto 14,8% da população dos paises mais ricos detêm 78,5% do rendimento
mundial. Há 25 anos, a concentração de riqueza conseqüente à globalização
naquele país líder deste modelo econômico, EUA, atingia proporções espantosas.
No final na década de 80, 1% das famílias norte-americanas detinha 40% da riqueza
do país e as 20% mais ricas detinham 80% da sua riqueza. (SANTOS, 2002)
O novo relatório do Banco assinala disparidades alarmantes entre a
qualidade de vida nos países ricos e nos pobres. Enquanto sete de cada
1.000 crianças nos países ricos morrem antes dos cinco anos de idade,
esse número eleva-se a 121 de cada 1.000 crianças nos países mais
pobres. Enquanto 14 de cada 100.000 nascimentos vivos nos países ricos
resultam em mortalidade materna, essa taxa pode atingir 1.000 mortes por
100.000 nascimentos vivos nos países pobres. E enquanto os países ricos
atingiram a meta de educar todas as meninas no nível de primeiro grau,
esse progresso fica muito atrás em lugares como o Sudeste asiático onde
apenas 61% delas completam o ensino de primeiro grau. (BANCO
MUNDIAL, 2003)
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2006), há
no mundo aproximadamente 180 milhões de pessoas em situação de desemprego
denominado “aberto”, ou seja, aquelas que procuram emprego, mas acabam sem ter
o que fazer. Um terço destas pertence à população jovem com faixa etária entre 15
a 24 anos.
Daniel Martinez, diretor geral da OIT na América e no Caribe, na
Oficina Regional da OIT realizada em Lima em 2005, ao analisar as taxas de
desemprego dos países da América Latina, afirmou que estes estão decrescendo.
O desemprego vem afetando mais mulheres e jovens. (OIT, 2006). No entanto,
informações da Pesquisa de Empregos e Desempregos (PED, 2006) realizada pelo
SEADE e DIEESE, mostram que na região metropolitana de São Paulo, em março
de 2006, houve um aumento do desemprego em relação ao mês anterior (fevereiro),
de 16,3% para 16,9% quando se aborda o desemprego total
10
.
Em síntese, podemos perceber que as exigências atuais de
empregabilidade são bem diferentes de outrora, por ocasião das sociedades
industriais em que os trabalhadores do campo tiveram somente que aprender o
funcionamento das máquinas e adaptar-se ao estilo de vida das cidades. No mundo
10
Desemprego total: De acordo com os dados do DIEESE, significa desemprego aberto mais oculto
pelo trabalho precário, mais oculto pelo desalento. Disponível em: <http://www.dieese.org.br/
esp/real/estjun96.xml>. Acesso em: 28 jul. 2006
20
global, os trabalhadores devem dominar a linguagem da informática e das máquinas
de alta tecnologia, possuir raciocínio rápido e abstrato, ter iniciativa, ser criativos,
competitivos, comunicativos, dominar demais idiomas, estar muito bem informados,
além de ter que ser líderes para formarem verdadeiros times. Isto não se aprende
nas ruas e não se adquire em escolas de baixo nível. É necessária uma educação
transversal com abordagem transdisciplinar, desenvolvendo a criatividade do aluno,
problematizando a realidade que o cerca, para que se possa ter uma boa inserção
no mercado de trabalho.
O impacto da globalização tem demonstrado não só o crescimento
do desemprego, a alta competitividade, bem como a deteriorização das relações
sociais, perda da subjetividade de milhões de trabalhadores que foram substituídos
por máquinas, o que permitiu melhores resultados com menores custos.
De outra maneira os que se encontram empregados não são, tão
mais felizes. Henríquez argumenta as conseqüências que este tipo de economia
traz. “Jamais o indivíduo esteve tão encerrado nas malhas das organizações (em
particular das empresas) e tão pouco livre em relação ao seu corpo, ao seu modo de
pensar, à sua psique”
11
(HENRÍQUEZ; 1997 P.19). De outra maneira, Mills (1969),
já previa na década de 60 que o desenvolvimento do homem em uma só faculdade a
custas de todas as outras causava o seu aprisionamento, o que fez A. Ferguson, o
mestre de Adam Smith, dizer que não temos cidadãos livres, somos uma nação de
ilhotas.
Hoje, exigem-se homens multiqualificados e multifuncionais, mas o
“indivíduo continua preso às malhas da organização”. O homem em certas
condições pode ‘ser criador de sua própria história e alcançar sua “autonomia”, a sua
construção social é crer na sua vocação de homem livre e criador, mas se
enganando, “preso a grades sutis” de outros homens que a isto reivindicam.
(HENRÍQUEZ; 1997). Berman, ao falar da modernidade afirma “a sociedade
moderna é um cárcere” em que “as pessoas que aí vivem foram moldadas por suas
[próprias] barras. Somos seres sem espírito, sem coração, sem identidade sexual e
pessoal - quase podíamos dizer: sem ser” apesar de parecer absurdo. São esses
“homens massa” ou “homens ocos” que têm o direito não só de governar a si
11
Grifos nossos.
21
mesmos, mas a massa majoritária, ou seja, governar-nos (BERMAN, 1996, p.27).
Mas, esta é uma outra discussão que delongaria muito tempo e que não é nosso
propósito no momento.
Afirma-se, pois, que a economia atual atingiu níveis acentuados de
crescimento, mas há disparidade entre países ricos e pobres. Dowbor (1997) aponta
com clareza que o fato do desemprego não é devido mais à falta de crescimento
econômico, mas do próprio crescimento econômico. O setor de ponta das empresas
nobres multinacionais, que aplicam o “just-in-time”, reengenharia e outras,
empregam 1,2 milhões no terceiro mundo contra 73 milhões de pessoas em todo o
mundo. A população ativa no terceiro mundo é da ordem de 2,2 bilhões de pessoas.
Abaixo do setor de ponta, cresce o desemprego precário, contando com a mão de
obra terceirizada no setor de transportes, alimentação, garagens e outros. A
empresa como a Nike contrata pessoas com salários ínfimos para que o setor de
ponta da empresa apenas gere o produto.
Diante desta crise em que cada vez mais aumenta o desemprego e
a desigualdade social, exigem-se novas formas de enfrentamento. A economia
solidária não é uma panacéia. Segundo Singer:
É um projeto de organização socioeconômica por princípios opostos ao do
Laissez faire: em lugar da concorrência, a cooperação, em lugar da
seleção darwiniana pelos mecanismos do mercado, a limitação mas não
a eliminação! destes mecanismos pela estruturação de relações
econômicas solidária entre produtores e entre consumidores. (SINGER;
2003, p.9)
Há experiências bem sucedidas na indústria, na agricultura, que
permitem sustentar uma nova alternativa para o capitalismo neste momento histórico
de maneira prática.
Diante deste panorama, como fica o morador da favela, em relação
à sua força de trabalho, já que é pertencente ao grupo mais periférico dos
trabalhadores? O favelado, em sua maioria, encontra-se sob as condições de todas
as iniqüidades: social, econômica, política. Social principalmente, por não ter acesso
ao exercício efetivo dos direitos sociais de cidadania: habitação, alimentação, lazer,
educação. E, ainda que tenha acesso a alguns benefícios de bem-estar social, tais
como: educação e saúde fornecidas pelo poder público, estes se acham muito longe
22
de ser algo de qualidade, ressaltando-se ínfimas exceções, pois não se investe
neste país em educação e saúde.
Embora existam alguns programas federais, estaduais e municipais
de políticas sociais que buscam criar um corpo de proteção social e prover
condições para que indivíduos e famílias possam sair da situação de pobreza,
muitas barreiras e desafios são enfrentados para a sua implementação e
funcionamento. O primeiro deles é a própria situação econômica que o país enfrenta
na atualidade. Estes programas, além de onerosos, requerem recursos que são
escassos, ficam à mercê da vontade política do governante, da capacidade de
enfrentar a politicagem dos adversários, bem como de inúmeros outros desafios.
Moretto e Pochmann (2002) relatam o esforço estratégico vivido recentemente na
Prefeitura de São Paulo, no governo da prefeita Marta Suplicy, referente à
implantação dos programas de inclusão social, pois seu grande entrave é sua
descontinuidade e falta de avaliação, o que produz pequeno impacto sobre a real
situação: a pobreza.
Draibe e Henrique (1988), analisando a crise do Welfare State feita
pela OCDE (1981), acreditam que as dificuldades enfrentadas são conseqüentes à
crise econômica devido ao aspecto financeiro e fazem o seguinte questionamento:
Estes programas sociais estariam promovendo maior equidade social? Faz-se
necessário, portanto, reexaminar estas políticas no sentido de distribuição mais
equilibrada frente à crise política e social e, de fato, orientar para a minimização da
pobreza e desigualdades sociais. Mas, trata-se de uma discussão complexa que
iremos aprofundar mais a frente. O que queremos ressaltar é que há uma parcela
de estudiosos da ala conservadora que acredita que o Bem-estar Social (Welfare
State) não passa de uma cilada, pois cria dependência e fomenta a ociosidade, a
violência e o desemprego dos seus beneficiados. A crise de desemprego é gerada
pela expansão dos gastos sociais excessivos que desestabiliza o Estado em vários
aspectos, gerando o desequilíbrio do orçamento e aumento da inflação mediante a
elevação de tributos, emissão de moedas ou encargos sociais. (DRAIBE e
HENRIQUE, 1988)
É o que assistimos em países ricos, como, por exemplo, a França,
cuja administração pública está entre as dez ou quinze melhores do mundo nos
23
últimos 30 anos e eliminou a pobreza (pelo menos na forma na qual se revela no
mundo, em 80%). O país investiu bilhões de dólares em programas sociais.
muito tempo inexistem favelas e cortiços e há sistema público de saúde, educação e
transporte eficientes. Ninguém sofre de falta de alimentação, abrigo ou vestimenta.
O salário mínimo é de 1.300 euros. Mas, isto não foi suficiente para impedir a
explosão de violência ocorrida em dezembro de 2005 nos bairros mais modestos da
Paris que deixou cerca de 9.000 carros incendiados e causou prejuízos em torno de
500 milhões de euros. O quebra-quebra envolveu trabalhadores imigrantes e seus
descendentes, camada mais pobre e desqualificada de jovens de origem
mulçumana, sem nível de instrução e qualificação profissional que ocupa 30% a 40%
contra 10% da média nacional em relação ao desemprego. É um país com liberdade
econômica à iniciativa individual, mas é o Estado quem decide o que é melhor para o
seu povo. Protege o emprego com leis que foram criadas há décadas e controla a
concorrência entre empregados e empregadores. Tem como atividade econômica
central as estatais e semi-estatais. Apesar de possuir políticas eficientes para
diminuir as desigualdades, criou armadilhas que prendem o país nos dias atuais e
entre a população estabelece-se uma profunda dependência do Estado. O modelo
originou uma cultura antitrabalho, muitas greves e férias duas vezes por ano. Isto
dificulta a expansão da riqueza e de empregos. ”O modelo francês, sem dúvida, deu
certo para eliminar as diferenças. Mas, este sucesso tem se revelado insuficiente: as
pessoas salvas da pobreza ficam congeladas numa situação da qual não podem
sair”. (GUZZO, 2005, p.50)
Recentemente, em março de 2006, assistimos à revolta dos jovens
franceses por ocasião do projeto de lei que impunha a não garantia dos benefícios
sociais do trabalhador ao término do contrato de trabalho. (primeiro emprego). O
governo francês não teve outra saída, a não ser, retirar o projeto de lei de votação.
O desenvolvimento da economia informal demonstra que há
crescimento do subemprego e queda da produtividade e remuneração, direcionando
fatalmente ao aumento da pobreza. Em média, um terço da mão de obra no mundo
está desempregada e/ou subempregada, ou “desocupada” e “sub-ocupada” na
terminologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000)
24
Desta forma, acreditamos que a iniciativa de geração de rendas
articula o social e o econômico, viabilizando de alguma maneira condições mais
dignas de vida, conforme descreve Dowbor (2004, p. 2):
Na realidade, a geração de empregos, como motor de arranque de uma
economia estagnada, tem a virtude de criar o fluxo de demanda
indispensável para pôr em marcha o círculo virtuoso, e de permitir
simultaneamente a redução das tensões sociais que estão se tornando
insuportáveis. É o espaço onde o econômico e o social podem se articular,
um dinamizando o outro. De certa maneira, convergindo com ações
complementares como a promoção das exportações, programas
assistenciais aos mais pobres e outros, a geração de empregos torna-se o
eixo estratégico de redinamização da economia. (...) Não falta o que
fazer. Temos no país um conjunto de atividades que podem ser
estimuladas no curto prazo, e que são intensivas em mão de obra. Trata-
se de projetos que qualquer prefeitura sabe implementar, sendo possível a
sua dinamização no curto prazo.
Marx (2004) no Manifesto Comunista (1948), afirma que não
podemos ficar inertes a estes acontecimentos. Alguma mudança deve ser proposta e
isto pode ser visto com a história da humanidade. Ela nos mostrou que é preciso
assegurar condições para dar continuidade à existência mesmo que esta seja servil;
mas que o servo, durante a servidão conseguiu ser membro da Comuna e o burguês
embrionário conseguiu dominar o absolutismo feudal e se tornar burguês. No
entanto, o operário moderno está caindo cada vez mais “abaixo das condições de
existência de sua própria classe. O operário torna-se pobre e o pauperismo cresce
ainda mais rapidamente do que a população e a riqueza...”. (p.57)
Enfim, o que podemos concluir é que as transformações ocorridas
no mundo do trabalho, a partir do trabalho artesanal até o sistema capitalista e a
globalização têm produzido, nos paises periféricos, cada vez mais desigualdades do
que crescimento com a polarização entre ganhadores e perdedores. Enquanto
muitos acumulam o capital, outros vivem na pobreza marcados pelo desemprego em
uma sociedade cada vez mais injusta.
Nestes países, a “exclusão” econômica é a forma mais contundente
de “exclusão”, pois torna o indivíduo desvinculado das demais redes sociais. O
morador da favela transforma-se na expressão mais nítida desta condição. Ao
perder o emprego, usa o seu seguro-desemprego; esgotadas suas economias,
perde a capacidade de se alimentar, de alugar uma casa e migra para as favelas.
Em geral, tem baixo nível de escolaridade, não possuindo as condições já discutidas
25
anteriormente e exigidas pelo mercado de trabalho. Além disso, são pessoas cuja
aparência, revela a falta de saúde e o modo de vestir não coincide com os padrões
impostos pelo mercado de trabalho. É muito difícil que alguém cuja aparência física
não coincida com os padrões de saúde e beleza exigidos pela sociedade, consiga
emprego. Há uma representação social muito forte em não favorável aos moradores
de favela. Geralmente são vistos como pessoas perigosas, violentas, ligadas ao
tráfego de drogas e, muitas vezes, aparentam fisionomias adoentadas,
envelhecidas, desdentadas, usando roupas simples. Portanto, são vitimas de uma
“exclusão social” anterior à “exclusão” econômica e produtiva de bens. Isto é
percebido no nosso cotidiano quando nos deparamos com alguém na rua ou nas
esquinas dos semáforos. Não se pode afirmar que todos os moradores das favelas
são corretos e idôneos. Mas, o que estou se quer afirmar é que nem todos são
incorretos e inidôneos. Dessa maneira, agimos sempre com preconceito, pois
vivemos no mundo da violência e não sabemos quem é quem.
No Brasil, boa parcela da população se agrupa nas favelas. As
favelas aqui são resultantes da concentração de renda que tem existido desde
sempre.
Cabe aqui salientar que o Brasil é um país marcado historicamente
pelas desigualdades sociais como conseqüência a de seu desenvolvimento
econômico colonial pautado na importação e a exploração de mão de obra escrava e
a “enorme concentração de propriedade fundiária”. A desigualdade social desde a
sua formação foi sua marca não reconhecendo “a cidadania para todos onde a
cidadania dos incluídos é distinta da dos excluídos e, em decorrência, são distintos
os direitos, as oportunidades e os horizontes de vida.” (BORIN, 2003, p.61).
Borin (2003), analisando os trabalhos de Ferreira (2000), argumenta
que a concentração de renda em estratos superiores que caracteriza a pobreza e as
desigualdades nos dias atuais se alimenta em cinco princípios:
O primeiro refere-se às características de nascimento como: raça,
gênero, inteligência/ou riqueza inicial.
O segundo diz respeito às características adquiridas como: nível
educacional e experiência profissional.
26
O terceiro, tem origem nos mecanismos do mercado de trabalho que
agem sobre os dois grupos anteriores, com repercussões acentuadas, nas
diferenças de rendimento. Este grupo se subdivide em outros três, com
características distintas: discriminação, segmentação e projeção. Em relação à
discriminação, esta ocorre relacionada à remuneração dos trabalhadores.
Trabalhadores em postos de trabalho idênticos, com produtividade idêntica, e
salários diferentes relacionados, sobretudo à raça e ao gênero. Por segmentação,
entende-se quando há diferença de remuneração entre trabalhadores idênticos, com
produtividade idêntica em postos distintos. Por projeção, quando se projetam no
cargo, as características do trabalhador que são observáveis. Neste caso, anos de
escolaridade e experiência profissional repercutem no espaço renda.
O quarto princípio se vincula ao fator de produção e aos mercados
de capital. Estes se encontram relacionados às apólices de seguro, preço do
crédito, determinando a inserção de diferentes trabalhadores nas mais variadas
ocupações. A sua renda oscila a partir da oscilação do mercado.
E o quinto e o último grupo, expressa na distribuição de renda
relacionada aos fatores demográficos, formação de domicílios (escolha de parceiros:
por exemplo, homem rico tende a casar com a mulher mais rica ou casais formados
a partir de pessoas ricas e pobres), fertilidade (número de filhos) e coabitação
(moradia com pais, avós).
Estes cinco fatores são determinantes das polaridades entre
pessoas carentes de um lado e pessoa com maior renda de outro.
Diante desta população carente que não tem condições de se
candidatar a um emprego porque não dispõe muitas vezes de um endereço, não tem
escolaridade, não tem dente, porque dente também é saúde, -- o que fazer? Quais
são os caminhos que poderiam conduzir à geração de renda para esta população de
desempregados? Como resgatar um mínimo de dignidade, um mínimo de cidadania
para tais seres que são também humanos? Para uma sociedade mais igualitária,
torna-se necessária uma economia em que os seus membros tivessem mais
solidariedade e menos competitividade. É no alicerce dessas novas concepções
que surge o grande desafio de um novo tipo de produção: a empresa solidária cujos
27
“princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à
liberdade individual.” (SINGER: 2002a; p.10).
É o que ocorre no bairro Real Parque, situado na zona sul de São
Paulo (que se descreverá mais adiante), uma das regiões mais nobres da cidade,
pertencente ao distrito do Morumbi, em que contrastes gritantes entre a população
rica e os despossuídos deixam perplexo o olhar de qualquer visitante. É um
verdadeiro apartheid social em que um mesmo espaço geográfico demarca e separa
ricos e pobres.
Diante deste panorama ora exposto, esta tese embasada na
pesquisa-ação, teve como pretensão em seu objetivo prático, a reinserção social do
morador do Real Parque mediante a formação de uma cooperativa como alternativa
viável de inclusão que levaria ao resgate da democracia (o direito de ter uma renda)
capaz de assegurar-lhe a cidadania em alguns direitos sociais, tais como:
alimentação, moradia de melhor qualidade, em suma condições mínimas de
sobrevivência. A partir da conquista de alguns direitos sociais, a construção de
alguns direitos civis e políticos. Deve-se afirmar que não foi a coleta seletiva em si,
que levou a transformação de consciências dos desempregados: antes domésticas,
cozinheiros, faxineiros, jardineiro, lavador de caminhão. Quando anteriormente
trabalhadores periféricos, não colocaram em movimento a sua cabeça, apenas o
seu corpo. Embora Marx diga que qualquer trabalho coloca o trabalhador em
movimento, esta tese aponta que a transformação social só foi possível através da
mediação do Trabalhador Social ao abrir um espaço democrático entre os
“diferentes” trabalhadores centrais e periféricos para discussões dos problemas
locais a partir do “método da roda” no Centro de Saúde Real Parque. Esta iniciativa
permitiu que se colocasse em movimento o corpo, braços e pernas, mãos e
cabeça. Os mesmos apropriaram-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes
forma útil à vida humana”, o lixo, modificando-o, e ao mesmo tempo modificando a
sua própria natureza” (MARX, 1988, p.202), ou seja, suas consciências.
Na favela Real Parque há aproximadamente 1.373 residências com
4.314 moradores de barracos e prédios Cingapura. Junto à esta comunidade, existe
uma heterogeneidade de povos migrantes do Norte, Nordeste e Minas Gerais,
28
inclusive uma etnia indígena: os índios Pankararu, perfazendo uma média de 580
deles.
Estes migrantes sem qualificação profissional, e em sua maioria
analfabetos, vêm para São Paulo em busca de emprego e sustento. No entanto, ao
chegarem à metrópole, deparam-se com a crise da economia formal. Muitos deles,
após meses em busca de colocação, sem sucesso, lançam mão do trabalho “de
catador”, sem consciência nenhuma do problema que aflige o planeta e o meio
ambiente, apenas lutando para “ganhar alguns trocados” que garantam a sua
sobrevivência mesmo que de forma subumana. Entre os vários catadores,
mesclam-se crianças exploradas pelos catadores adultos e estes pelos donos de
depósito de lixo, tornando-se um comércio. Logo que adquirem certa familiaridade e
segurança com o negócio, compram ou constroem uma carroça que incrementa o
rendimento, chegando-se a perfazer um total mensal de R$ 400,00 (quatrocentos
reais), segundo depoimento de alguns “carroceiros catadores”. Para conseguirem
tal quantia é necessário um extenuante período de trabalho diário.
Neste panorama descrito, assistindo-se à vinda silenciosa da
dengue no ano de 2000, na cidade de São Paulo, é que a autora do presente estudo
se motivou a iniciar um trabalho de coleta seletiva de resíduos sólidos no bairro Real
Parque em conjunto com esta população carente. A motivação para tal deu-se
devido ao envolvimento com esta população como Diretora Técnica do Centro de
Saúde Real Parque (Unidade Básica de Saúde) desde 1987 até 2002 (quando se
aposentou) tendo como eixo do seu trabalho uma preocupação constante com o
modo de vida dessa gente. Durante todos estes anos, viveu-se intensamente a vida
da favela, fazendo nascer crianças nos barracos, (pois muitas vezes as gestantes
não tinham conhecimento dos sinais de parto), vendo morrer pessoas assassinadas
e jogadas no matagal próximo ao posto de saúde, assistindo pais, mães e famílias
trazerem (crianças e adultos) já mortas na unidade para serem ainda socorridas.
Assistiu-se a poucos sorrisos e muitas lágrimas: conflitos familiares, crianças
estupradas pelo padrasto, mulheres espancadas pelos maridos, violências com
armas de fogo e objetos pontiagudos, mães que espacavam seus filhos. Ao mesmo
tempo, assistiu-se desta gente sofrida muita força e coragem, uma força inexplicável
de luta, de garra, insistindo com teimosia a continuar vivendo. Foi uma favelada que
mobilizou os sentimentos da autora e a levou a uma reflexão profunda do viver
29
dessa gente. Nesta ocasião, ao interpelar uma mãe que saíra de seu trabalho para
apanhar o seu filho (no posto), intoxicado por álcool, considerando tudo isto um
verdadeiro absurdo, a favelada ensinou: “a fome é tão desesperadora, que para não
ver o meu filho chorando, muitas vezes, preciso dar um pouco de pinga para ele
dormir.” Não dá para ficar inerte diante dessa situação. O envolvimento com os
moradores da favela foi crescendo dia a dia. Como a autora é enfermeira sanitarista
com visão de que saúde não é apenas ausência de doenças e sim educação,
moradia, lazer, meio ambiente, lançou-se a este desafio que culminou nesta
investigação. À busca de uma alternativa que fizesse face a estes efeitos
excludentes, inspira-se também em teorias educativas e a participação da autora
desta pesquisa na rede social do bairro com várias instituições que conjeturavam
sobre as possibilidades e alternativas de transformação local. Iniciou-se este
percurso, muitas vezes sofrido e desanimador, encontrando muita força interior e
trazendo sempre presente as palavras de Paulo Freire:
O que parece indiscutível é que se pretendemos a libertação dos homens,
não podemos começar por aliená-los. A libertação que é autêntica, que é
a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos
homens. Não é uma palavra amiga, oca, mitigante. É práxis, que implica a
ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-los
(FREIRE, 2002, p. 67).
Sendo a reciclagem dos resíduos sólidos importantes para a
Ecologia, manutenção das condições sanitárias locais e regionais, micro-economia
(geração de renda para os “excluídos” e aproveitamento do material reciclado),
macro-economia, além de outros benefícios, pensou-se em adotar uma “gestão
profissional” deste negócio ao fazer-se uso de recursos tecnológicos, estruturais,
cognitivos, organizacionais e sociais, disponíveis no cenário local e regional. A idéia
do projeto de coleta seletiva solidária de resíduos sólidos surgiu para que se
pudesse agregar todos estes catadores em um sistema de cooperativa de gestão
solidária para a geração de renda sustentável, no sentido de minimizar a pobreza, a
“exclusão” econômica e social, ao lado da formação de consciência ambiental.
Não se pode esquecer de que em se tratando de “lixo”, “nem tudo
que é sólido e estável se volatiliza” (Marx; Engels 2004, p. 48), ou “nem tudo que é
sólido se desmancha no ar” nas palavras de Berman (1986, p.13). Os resíduos
sólidos, além de poluir o meio ambiente, alguns deles, levam anos para degradar e
outros nem chegam a degradar, como é o caso do plástico.
30
A idéia central que norteou esta pesquisa surgiu do seguinte
questionamento: é possível a construção da cidadania em seus direitos sociais na
luta pelo atendimento das necessidades básicas alimentação, moradia a partir da
construção de uma cooperativa? É possível envolver coletivamente os moradores
da favela Real Parque numa discussão mais ampla sobre suas condições de vida e
romper com o cotidiano da alienação, no sentido de pensar, sentir e agir, sendo
agentes de mudança, apresentando propostas que minimizem a desigualdade e
recuperem os seus direitos? É possível um outro tipo de organização
socioeconômica na qual haja cooperação em lugar da concorrência, valendo-se sim
da limitação, porém sem a eliminação? Que tipo de trabalho alternativo poderia ser
pensado para estes moradores da favela que não exija qualificação profissional e
permita a inclusão desse grupo denominado de “trabalhadores periféricos”?
Com o intuito de encontrar respostas a estas indagações iniciais e
de construir junto aos “excluídos” uma sociedade um pouco mais justa, buscou-se
trabalhar com este grupo oprimido. O objetivo inicial foi de travar um conhecimento
dessa realidade e, a partir daí, identificar meios para a superação da situação de
opressão para que se possa desenvolver uma ação local, tornando-se factível
reapropriar um pouco desta cidadania esgotada, desta autonomia perdida, na
conquista de novas maneiras de trabalho. Para dar conta destas questões, foram
desenvolvidos sete capítulos que serão discutidos logo a seguir.
A pesquisa foi desenvolvida em quatro momentos distintos que
serão abordados no capitulo seguinte.
O texto é composto de sete capítulos, além desta introdução, das
considerações finais, e das referências bibliográficas.
O capítulo I apresenta as questões metodológicas. Trata-se de uma
pesquisa social empírica, denominada pesquisa-ação, em que a pesquisadora e a
comunidade em estreita interligação encontraram-se envolvidos para a construção
da cidadania a partir da construção de um núcleo de cooperativa de lixo, na favela
Real Parque.
O capítulo II relata de maneira sucinta a história das favelas
paulistanas.
31
O capítulo III apresenta o local de estudo: o Real Parque. Revelam-
se dados epidemiológicos, demográficos (dados quantitativos) e qualitativos para
melhor compreender a realidade local e como é esta população.
No capítulo IV , enfocam-se o diagnóstico participativo e a
sistematização dos principais problemas apresentados pela população.
O capítulo V apresenta um aceno histórico sobre a economia
solidária, como uma nova forma de organização e alternativa de inclusão, daqueles
que se encontram “excluídos” ou em inserção extremamente desfavorável no
mercado formal e informal de trabalho.
O capítulo VI aborda o processo de formação do núcleo de
cooperativa de lixo no Real Parque e qual foi o seu alcance.
O capítulo VII focaliza os coletores de lixo do ReciclaReal: uma
cidadania em construção. Apresenta como é possível erigir elementos de uma nova
cidadania a partir do trabalho de coleta seletiva solidária.
No capítulo VIII, discorre-se sobre as vantagens e desvantagens do
trabalho cooperativado, abordando aspectos que envolvem sua prática.
32
I. O PERCORRER METODOLÓGICO
1.1 Tipo de estudo
Trata-se de uma pesquisa-ação, que segundo Thiollent (2000, p. 9) :
... é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e
realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de
um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou partipativo.
Esta participação supõe uma forma de ação planejada de caráter
social, educacional e que tem como objetivo central oferecer ao pesquisador e
grupos participantes, meios de “responder com maior eficiência aos problemas da
situação em que vivem em particular sob forma de diretrizes de ação
transformadora” (p. 8). A pesquisa-ação tem o seu real alcance ao que é
denominado nível microssocial (indivíduos, pequenos grupos). Nela, os
pesquisadores desempenham papel ativo na realidade observada, no
acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas para a solução dos
problemas encontrados. Consiste, portanto, em uma ação planejada. Entretanto, a
participação do pesquisador não deve nunca substituir a autonomia do grupo
(Thiollent, 2000).
Este mesmo autor apresenta os três principais aspectos da
estratégia metodológica de uma pesquisa-ação, que foram seguidos pela autora,
cuja síntese é a seguinte:
1. Ampla interação entre pesquisador e pessoas implicadas na investigação;
2. Estabelecimento das prioridades dos problemas pesquisados e das soluções a
serem encaminhadas. O objeto da investigação na realidade não é constituído
apenas pelas pessoas, mas pela situação social em que diferentes problemas são
encontrados.
Para alcançar este aspecto, foi realizado inicialmente um diagnóstico
situacional a partir de dados demográficos (dados quantitativos) para a análise da
33
realidade local. O diagnóstico é uma leitura da realidade que permite a
compreensão (conhecimento ou identificação dos problemas) e a sistematização das
prioridades, inclusive as de saúde de uma população, bem como o conhecimento de
suas características sócio-econômicas e culturais. Em um segundo momento,
procurou-se elaborar um Planejamento Participativo com o qual a população
pudesse discutir seus problemas em busca de soluções para as dificuldades
encontradas. Houve momentos de reflexão da população com a pesquisadora
sobre a realidade concreta num processo dialógico bidirecional democrático, uma
vez que se acredita que só a partir do diálogo e da participação ocorre à
transformação.
3. O objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver ou esclarecer uma situação
observada.
Há em torno do processo todo um acompanhamento das decisões.
Para implantar o embrião da cooperativa denominado ReciclaReal houve um período
de discussão e amadurecimento da situação. Este processo ocorreu entre
06/05/2002 a 07/10/2002, num total de 27 reuniões, quase sempre realizadas
semanalmente. Às vezes, ocorriam duas reuniões na mesma semana. Estas
aconteciam no Centro de Saúde Real Parque, no período das 19h00min. às
22h00min, ocasião em que a autora era a diretora técnica de serviço. Todas as
reuniões foram registradas em atas. Este processo desencadeou a etapa seguinte: a
implantação do ReciclaReal.
A pesquisa-ação pretende que o cientista social coloque os seus
instrumentos a serviço da construção, junto aos excluídos, de uma sociedade mais
igualitária e justa. Permite trabalhar com grupos oprimidos, com o objetivo de
construírem juntos uma realidade vivida, e a partir daí, identificar meios de
superação. São nos movimentos sociais que os excluídos conseguem se
reapropriar de sua identidade e autonomia, com a invenção de novas maneiras de
trabalho, incluindo a produção de conhecimentos.
Segundo Brandão (1990), uma pesquisa problematizadora em
Ciências Sociais implica em recusar os mitos da objetividade e neutralidade para
assumir uma postura intencional política. Não se limita a captar ou constatar como
se vive e fala determinado grupo social, mas como acontece sua postura:
34
Prever o que seria necessário fazer com vistas a dissolver os conflitos e
reforçar a coesão social. (...) O que nos interessa é mergulhar na
espessura do real, captar a lógica dinâmica e contraditória do discurso de
cada ator social e de seu relacionamento com outros atores, visando a
despertar nos dominados o desejo da mudança e a elaborar, com eles, os
meios de sua realização (BRANDÃO, 1990, p. 25).
O mesmo autor afirma que não devem ser esgotadas as alternativas
de novas buscas e caminhos para decifrar a realidade. Brechas que estão
escondidas podem ser descobertas. A realidade não é estática, é dinâmica e, por
isto, é importante interrogar-se sempre. É com este desejo que o cientista social
deve ter como proposta político-pedagógica a pesquisa-ação que busca o
envolvimento do pesquisador no processo de mudança. Desta maneira, ele adota
dupla postura: a de observador crítico e a de participante ativo. Em outras palavras:
A finalidade da pesquisa-ação é de favorecer a aquisição de um
conhecimento e de uma consciência crítica do processo de transformação
pelo grupo que está vivendo este processo, para que ele possa assumir,
de forma cada vez mais lúcida e autônoma seu papel de protagonista e
ator social (BRANDÃO, 1990, p. 27).
O objetivo do pesquisador é clarificar para o grupo, a prática vivida e
preservar uma distância crítica da realidade. A sua verdadeira inserção reside no
limiar entre a identificação com os protagonistas do grupo e a do distanciamento
necessário que lhe permita uma reflexão crítica. Deve observar a rede de relações
sociais em que vive a comunidade com seus desafios e possibilidades de mudanças.
Este trabalho implica em dois momentos distintos: construção inicial de suas
hipóteses de base, a partir de uma problemática, e a verificação da consistência
destas hipóteses iniciais em entrevistas realizadas com os protagonistas da
experiência.
Segundo Thiollent (2000), dois tipos de objetivos da pesquisação:
objetivo prático e o de conhecimento. Assim, a pesquisa ação no Real Parque visou:
1.2 Objetivo prático
Facilitar a reconstrução da cidadania dos moradores de baixa renda
da comunidade Real Parque, a partir da criação de uma estrutura de gestão capaz
35
de criar trabalho para os adultos (homens e mulheres) em sistema de cooperação e
gerar renda para as suas famílias por meio da organização das atividades relativas à
coleta seletiva de resíduos sólidos.
1.3 Objetivos específicos
Relacionados aos cooperativados:
- gerar renda;
- preparar as pessoas para as diferentes ocupações relacionadas ao processo
seletivo de resíduos sólidos, incluindo a gestão do negócio e o desenvolvimento de
uma consciência ambiental;
- resgatar a cidadania.
Relacionados aos moradores da comunidade:
- oferecer oportunidade de inclusão voluntária em atividades de cunho social;
- promover o desenvolvimento da consciência ambiental.
Relacionados à Coordenadoria de Saúde Escola do Butantã:
- incorporar iniciativa pioneira no cenário das políticas públicas com aplicação local e
possibilidades de expansão para outros cenários;
- inovar “boas“ práticas comunitárias;
- desenvolver a produção de novos conhecimentos.
1.4 Objetivos de conhecimento
Analisar as discussões e entrevistas feitas com os moradores da
favela Real Parque no decorrer do processo de planejamento, implantação e
36
funcionamento de um embrião de cooperativa do ReciclaReal que funcionou durante
três anos, até dezembro de 2005, no bairro Real Parque, na região do Morumbi,
zona sul de São Paulo.
Verificar se houve mudança na vida desses moradores favelados,
bem como se houve o resgate dos direitos civis, sociais e políticos de sua cidadania.
Para atingir o objetivo prático foram utilizados o conteúdo das
reuniões efetuadas, as técnicas de sensibilização por meio de filmes a respeito do
problema do lixo e suas conseqüências, palestras, discussão das questões que
permeavam o problema e sua possível resolução. Na fase de implantação do núcleo
de cooperativa, foram construídos folders para sua distribuição nos prédios do
bairro, informando a população sobre o projeto e condições de adesão, como
também, orientando-a sobre a coleta seletiva de lixo (Anexos B1 e B2). Para atingir
o objetivo de conhecimento, foram utilizadas entrevistas individuais e as anotações
das reuniões registradas.
Thiollent (2000, p. 26) observa que:
... no desenvolvimento da pesquisa-ação, os pesquisadores recorrem a
métodos e técnicas de grupos para lidar com a dimensão coletiva e
interativa da investigação e também técnicas de registro, de
processamento e de exposição de resultados. Em certos casos os
convencionais questionários e as entrevista são utilizados como meio de
informação complementar. Também a documentação disponível é
levantada. Em certos momentos da investigação recorre-se igualmente a
outros tipos de técnicas: diagnósticos de situação, resolução de
problemas, mapeamento de representações individual, etc. Na parte
“informativa” da investigação, técnicas didáticas e técnicas de divulgação
ou comunicação, inclusive audiovisual, também fazem parte dos recursos
mobilizados para o desenvolvimento da pesquisa-ação.
Para Minayo (1994), a entrevista é o procedimento no qual o
pesquisador busca obter informações contidas na fala dos atores sociais. É uma
conversa a dois com propósitos de colher informações sobre determinado tema
científico. Com esse procedimento, colhem-se dados objetivos e subjetivos. Os
primeiros podem ser também obtidos através de fontes secundárias, tais como
censos, estatísticas e outras formas de registros; os segundos relacionam-se aos
valores, às atitudes e às opiniões dos sujeitos entrevistados.
37
Lakatos e Marconi (2001) afirmam que a receptividade e a
espontaneidade do entrevistador, durante a entrevista, resultam na obtenção de
informações valiosas. O entrevistador com essa postura pode favorecer um clima
descontraído, contribuindo para que se percam o medo e o constrangimento,
desinibindo a fala do entrevistado.
1.5 Momentos da investigação
Na primeira etapa, ocorreu a realização de um diagnóstico
situacional, que se deu a partir do levantamento de dados quantitativos e dados
demográficos que possibilitassem uma análise da realidade local. Tal diagnóstico
favoreceu a compreensão (conhecimento ou identificação dos problemas) e
conduziu à sistematização de problemas e necessidades de saúde de uma
população, revelando inclusive suas características sócio-econômicas e culturais.
O segundo momento consistiu em elaborar um Diagnóstico
Participativo com o qual a população discutisse seus problemas, visando a encontrar
soluções para as suas dificuldades, a fim de que houvesse uma reflexão entre a
população e a pesquisadora sobre a realidade concreta. Este processo
desencadeou a etapa seguinte.
O terceiro momento representa um estudo prático compreendendo a
formação da cooperativa no bairro, a ReciclaReal, mediante a realização de reuniões
(18 registradas em atas análise documental) com os participantes do projeto, em
um total de 104 reuniões.
E, finalmente, o estudo constou ainda da análise de depoimentos
dos atores envolvidos, quatro deles realizados com recicladores do ReciclaReal, do
Real Parque e quatro com os recicladores que representam este núcleo (do Real
Parque) na CooperAção, cooperativa-mãe da região sul e posterior análise inspirada
na análise de discurso, apoiada na literatura sobre o assunto.
38
1.6 Fases do desenvolvimento do projeto
Inicialmente, há que se destacar o envolvimento de alguns membros
da comunidade que cederam, por dois anos, em regime de comodato, um terreno de
2.455m² para a implementação do Projeto ReciclaReal. (Anexo C)
Por outro lado, as atividades da primeira fase foram arcadas pelas
instituições envolvidas: Centro de Saúde Real Parque
12
, Distrito de Saúde Escola
Butantã e Prefeitura Municipal de São Paulo mais especificamente a Secretária
Municipal de Serviços e Obras.
As atividades das fases seguintes foram:
Realização de um curso a respeito de coleta seletiva sobre resíduos sólidos,
com apoio da CIT, (Centro Integrado do Trabalhador) e do FAT (fundo do Amparo ao
Trabalhador), a pessoas interessadas da comunidade
13
na sede do Centro de saúde
Real Parque. Participaram 30 interessados.
Esta fase ficou extremamente prejudicada. Seriam realizadas a partir de
recursos adquiridos junto à agência de fomentos (para onde o projeto foi
encaminhado) a construção de infra-estrutura adequada para o funcionamento da
cooperativa no terreno cedido, como também compras de equipamentos que dariam
sustentação ao projeto, como: caminhão para transporte de material, prensas,
balanças e outros. O projeto foi enviado ao Banco Mundial, no entanto, não se
conseguiu o recurso, perdendo-o para uma cidade do interior de São Paulo.
Articulação com as instituições de ensino do bairro (faculdade de
administração hospitalar) que em parceria entrariam no processo de capacitação de
operadores de lixo reciclável do bairro, criando possibilidades de ensino, pesquisa e
extensão. Esta fase também ficou prejudicada por falta de recursos.
12
O Centro de Saúde do Real Parque é o nome da Unidade Básica de Saúde do bairro do mesmo
nome.
13
Quando falamos em comunidade estamos nos referindo as, cinco comunidades que existem no
Bairro Real Parque: a dos moradores das favelas Real Parque, Panorama e Porto Seguro, a dos
índios Pankararu e da classe alta.
39
A partir da quarta fase o Projeto teve sustentação própria, incluindo a gestão
do lixo e a construção de uma nova cidadania.
Era pretensão inicial a disseminação da tecnologia leve produzida e
passível de ser replicada em outros cenários da cidade de São Paulo, caso
houvesse recurso para tal.
1.7 Local de estudo: o cenário
O cenário é o bairro do Real Parque, zona sul de São Paulo,
conforme já explicitado anteriormente, por se tratar de um local em que surgiu a
oportunidade de se conhecer mais de perto a comunidade, devido à atuação da
pesquisadora enquanto diretora técnica da UBS da região. (Foto 1, 2 e 3 no capítulo
3)
1.8 O sujeito
Os sujeitos deste estudo são os coletores de lixo do bairro que
tiveram o desejo de construção de um trabalho coletivo, organizado, voltado ao
interesse de obtenção de renda, a partir da formação de uma cooperativa. Os
sujeitos foram entrevistados, respeitando os princípios de anonimato, da participação
consentida e esclarecida. (Anexo D)
1.9 Coleta de dados
Foram utilizadas na coleta de dados, entrevistas não estruturadas.
A entrevista pode ser caracterizada como informal, não-estruturada quando se torna
uma conversação apenas, tendo como objetivo precípuo a coleta de dados.
Antes de mais nada (...) é preciso fazer perguntas abertas para um
conjunto de indivíduos de alguma forma representativos desta coletividade
40
e deixar que estes indivíduos se expressem mais ou menos livremente, ou
seja, que produzam discursos. Ou seja, para se saber o que uma pessoa
ou um conjunto de pessoas pensam é preciso perguntar de modo a
ensejar que as pessoas expressem um pensamento, ou seja, um discurso,
o que só pode ser feito através de questões abertas. A questão fechada
não enseja a expressão de um pensamento e sim a expressão de uma
adesão (forçada) a um pensamento preexistente (LEFÈVRE; LEFÈVRE;
TEIXEIRA, 2003, p. 7).
Iniciou-se a entrevista em clima de conversa, a partir da seguinte
questão: O que mudou na sua vida após a coleta seletiva de lixo solidária? Como
não existiram perguntas fechadas e nem uma ordem pré - fixada para as questões,
as entrevistas evoluíram como um diálogo em que o pesquisador foi introduzindo o
tema gradativamente. O registro foi obtido através de gravação dos depoimentos
dos sujeitos após o seu consentimento, resguardando o anonimato.
Na época destas entrevistas, havia oito pessoas trabalhando no
núcleo do Real Parque. Para captar a diversidade das significações, foram
entrevistadas quatro pessoas que trabalhavam no núcleo ReciclaReal e mais quatro
(pertencentes ao núcleo ReciclaReal), mas que prestavam serviço na Cooperativa
da Vila Leopoldina: CooperAção.
1.10 Resultados e discussão dos dados
O objetivo da autora desta pesquisa foi entender, dentro das
especificidades dos excluídos sociais”, como são construídas as significações de
cidadania neste novo tipo de trabalho, em um núcleo de cooperativa. Buscou-se
apreender estas significações nas intersecções entre o biológico (problemas de
saúde presentes e relacionadas ao trabalho cooperativado), o psicológico (os
sentimentos e as emoções) e o social (as interações grupais), o cultural (no sentido
de uma nova cultura de trabalho, já que ele deixa de ser empregado para se tornar
dono de seu próprio negócio).
Para Thiollent (2000), o objetivo da análise ou descrição é oferecer
ao pesquisador condições de compreensão, decifração, interpretação, análise do
material qualitativo gerado, que pode ser por simples verbalizações, discursos ou
41
argumentações em que a significação ocorre na situação de comunicação
estabelecida.
Para que se chegasse a estas significações, partiu-se do
processamento construído por meio das verbalizações, argumentações e discursos
individuais. Teve-se como pressuposto que as verbalizações expressam como o
indivíduo constrói o mundo ao seu redor e como se orienta para a ação no seu meio
social. Neste sentido, ao solicitar a “verbalização de conteúdos da consciência”,
estamos num movimento de interação. Uma interação criativa tanto para o
pesquisador quanto para o pesquisando.
A partir deste enfoque foi feita a interpretação dos discursos, de
maneira a compreender o significado pessoal e social que têm os coletores de lixo
do ReciclaReal. A análise seguiu os seguintes passos:
1 - Transcrição da entrevista;
2 - Escuta e leitura flutuante do material com o objetivo de ajustar
com rigor o conteúdo falado pela transcrição, observando: a retórica,
o silêncio (o não dito), as hesitações, as falas emocionadas,
importantes fios que permitem compreender a rede de ambigüidades
e contradições;
3 - Definição dos principais temas que emergiram do discurso,
guiados pelo objetivo do pesquisador;
4 - Síntese das idéias e formação de “unidades temáticas”;
5 - Síntese das idéias e formação de “unidades de significação”;
6 - Diálogo entre a literatura e as significações encontradas,
reflexões finais.
42
II. A HISTÓRIA DAS FAVELAS PAULISTANAS
A questão da vulnerabilidade sócio-econômica, relacionada à
questão das favelas, tem sido foco de amplas discussões em que são analisadas as
desigualdades sociais entre ricos e pobres e refletida, principalmente, como
desigualdade de renda e educação. As aglomerações urbanas estão concentradas
nas grandes metrópoles e reúnem domicílios com pouca infra-estrutura de
saneamento básico, de serviços, de saúde, colocando em risco, muitas vezes, a vida
de seus moradores por estarem localizadas em encostas ou vales com rios, morros,
sujeitas a desmoronamentos e inundações. Apesar de alguns autores apontarem
para uma melhoria dos serviços públicos e de vários indicadores sociais, autores
como Kowarick (2001, apud Torres; Marques, 2006) afirmam que o aumento do
desemprego, emprego informal, e da violência em São Paulo são fatores
determinantes do agravamento de uma situação que tem se caracterizado como
dramática.
A precariedade das habitações populacionais em São Paulo data do
início do século XX. O problema atingia, sobretudo, a população mais pobre da
cidade. Mas, atualmente, este contexto vem se agravando cada vez mais
(SAMPAIO; PEREIRA, 2003).
Lemos (1998) afirma que relatórios produzidos por autoridades no
final do século XIX e começo do século XX indicavam uma situação precária em
cortiços insalubres que rodeavam os bairros centrais da cidade. Com a abertura dos
loteamentos no vale do Anhangabaú, aumentou este tipo de habitação e uma
grande preocupação pairava por toda a população, devido às grandes epidemias e
pestes.
Este período, denominado higienismo e sanitarismo, ficou conhecido
pela sugestão das autoridades de demolir os habitáculos e pela recomendação de
os domicílios serem construídos fora do perímetro urbano. Transcorrido o século
XX, houve um crescente aumento no número de habitantes, passando a envolver
não mais uma área central, mas a periferia da cidade: construções elaboradas pelo
próprio morador, em locais desprovidos de urbanização e em terrenos irregulares.
43
No município de São Paulo, estas construções foram comuns até meados do século
XIX (SAMPAIO e PEREIRA, 2003).
Com o processo de industrialização, a partir de 1930, grandes levas
de migrantes são atraídos para a capital. A periferização é uma conseqüência da
expansão da atividade industrial que principia nas décadas de 1930 e 1940, quando
o Brasil é atingido pela queda da bolsa de Nova York e a crise do café. Como a
maioria dos cafeicultores eram italianos, iniciou-se o investimento na
industrialização, criando novos locais de moradia. Para Lemos (1998, sp), durante
as primeiras décadas do século XX, “com o aumento da população urbana em
função do crescimento da atividade industrial, [que] surgem novas formas de
habitação que (...) concorrem para a transformação na estrutura urbana da cidade
de São Paulo”. Até então a pequena cidade de 19.000 habitantes, em 1870, atinge
perto de um milhão de habitantes em 1930.
A mesma autora acredita que a localização de habitações das
classes sócio-econômicas mais baixas na periferia da cidade se acha relacionada ao
processo de verticalização do centro, resultante de sua conseqüente expulsão.
Em meados do século XX, aparecem as favelas vertiginosamente.
Acredita-se que as primeiras, em São Paulo, surgiram em 1940, na Moóca, Lapa,
Ibirapuera, Barra Funda e Vila Prudente (PASTERNAK, 2002). Já em 1957, existiam
141 núcleos, com 8.488 barracos e, aproximadamente, 50 mil favelados
(FINEP/GAP, 1985, p. 66, apud PASTERNAK, 2002). Contudo, o fenômeno da
favelização só irá agudizar em 1970. Entre 1973/1974 esta população se
encontrava em torno de 72mil pessoas correspondendo a 1,1% da população da
cidade. Estimativas feitas para 1975 mostraram que as favelas cresceram,
abrigando 117.237 indivíduos. Pesquisas de campo desenvolvidas pelo Instituto de
Pesquisas Tecnológicas (IPT) mostram que, em 1980, já alcançavam 439.721
pessoas, representando 5,2% da população municipal (PASTERNAK, 2002).
Em 1973, a população favelada correspondia a 1% da população do
município de São Paulo e elevou-se para quase 8% em 1987, ou seja, enquanto a
população de São Paulo cresceu 60%, esta parcela cresceu em mais de 1.000%.
Atualmente, segundo dados do IBGE, a população do município de São Paulo é
44
estimada em 10.927.985 de habitantes, confinados em uma área territorial de
1.523Km
2
(IBGE, 2006).
Segundo a Prefeitura do Município de São Paulo, em 2004, a
situação da favelização do município pode ser demonstrada conforme o Quadro 1, a
seguir:
QUADRO 1
DADOS INDICATIVOS DA SITUAÇÃO DA FAVELIZAÇÃO NO MUNICÍPIO DE SÃO
PAULO, 2004
NÚMERO DE FAVELAS 2.018
POPULAÇÃO RESIDENTE EM FAVELAS 1.160.590
PERCENTUAL DE MORADORES (%) 11.12
TAXA DE CRESCIMENTO POPULACIONAL/ANO (%) 2.97
Fonte: Secretaria de Habitação e Desenvolvimento e Urbanização da Prefeitura do
Município de São Paulo e Companhia de Processamento de Dados de São Paulo
(Prodam), 2004
Entretanto, Torres e Marques (2002) afirmam que a mensuração de
estimativa, inclusão de informações e censos relacionados às ocupações irregulares
permeiam sob uma subestimação de dados.
Uma das propostas de estimativa populacional em favelas no
município de São Paulo, feita por Torres e Marques (2002) e Marques, Torres e
Saraiva (2003), foi “comparar o Censo de Favelas (calculados entre 1987 e 1993),
aos dados dos Censos Demográficos de 1991, 1996 e 2000, relativos aos chamados
setores censitários subnormais” (p. 2). Para esta estimativa foi utilizado o ano de
1996 e o Sistema de Informação Geográfica (SIG). Foi também utilizada a
cartografia oficial da prefeitura paulistana, comparando-a ao desenho de setores
censitários do IBGE. Os mesmos autores sugerem a complexidade metodológica de
gerar estimativas de dados populacionais destes setores, denominados setores
censitários subnormais pelo Censo Demográfico (que substitui muitas vezes o termo
favela), com possíveis erros. Tal fato pode ocorrer devido às dificuldades
operacionais de se realizar entrevistas, a qualidade da cartografia, o tamanho das
45
favelas que, muitas vezes, é desconsiderado pelos setores censitários, e outras.
Devido a tal complexidade, muitas vezes os números passam a ser subestimados ou
sobreestimados. No caso do município de São Paulo, os números são gerados com
a definição de favela associada à propriedade de terra, ou seja, à ocupação de uma
terra pública ou particular.
Ainda de acordo com estes mesmos autores, a complexidade
aparece quando se analisam dados do IBGE e da Prefeitura Municipal de São
Paulo. Segundo o Censo Demográfico, a população total do município de São Paulo
era, em 1980, de 8.493.226 habitantes, havendo nesta época 375.023 habitantes
nos setores subnormais (favelas). Em 2000, a população geral cresceu para
10.434.252 habitantes e a população de subnormais pulou para 896.005, denotando
um crescimento de sua totalidade de 22,8%, e daquela favelada de 139%,
confirmando a grande favelização da metrópole. No entanto, quando se lança mão
dos dados obtidos pelos censos de favelas, (dados da Prefeitura de São Paulo), os
autores anteriormente citados mostram que, em 1993, já se apontava para um valor
superior, sobreestimados de 1.901.892 habitantes contra os 686.072 dos dados do
IBGE. Dada tal confusão, propuseram seus estudos, baseados em novo método,
adrede já descrito, concluíram que o número estimado de habitantes em favelas, em
1991 e em 2000, era de 890 mil e 1,160 milhões de pessoas, respectivamente, e o
número de domicílios era de 196 e 287 mil para as duas datas censitárias, o que
resultaria em uma densidade domiciliar de 4,5 e 4,0 habitantes por domicílio.
Os autores puderam concluir, pois, que a população favelada tem
crescido em taxas superiores aos dados do Município e dos setores subnormais do
IBGE (2000). Embora subestimados, no período de 1991 a 2000 houve um
crescimento importante da população favelada numa taxa de 3,7 ao ano,
perfazendo-se uma média 4 vezes maior que a da metrópole. Este crescimento é
devido à maior elevação da área total das favelas que subiu em sua ocupação de
360 para 380 hectares, demonstrando um acréscimo da favelização do município de
São Paulo.
A grande transformação na cidade global ocorreu de 1985 para o
ano de 2000. O pessoal que estava empregado na indústria, na região
metropolitana, decresceu de 29,8% para 17,8%, indicando uma mudança de
46
atividade econômica de industrial para serviços, caracterizada por uma mistura de
empregos: aqueles de alta qualificação e remuneração opondo-se aos empregos de
baixa qualificação e mal remunerados (PASTERNAK, 2002).
Ainda de acordo com a autora acima, na década de 90, com o
crescimento periférico da cidade, verificou-se uma mudança da tríade: “lote irregular,
casa própria, autoconstrução” por favelização. As favelas de São Paulo estão
situadas nas zonas sul e norte do município, em áreas de proteção ambiental, junto
à represas, na zona sul e nas encostas da Serra da Cantareira, ao norte. Nestas
áreas, somam-se 72,2% das moradias faveladas.
Em relação à infra-estrutura, os dados do Censo Demográfico de
1991 e da pesquisa FIPE-SEHAB de 1993, revelam o seguinte quadro para as casas
faveladas: 99,6% possuem energia elétrica; 89,6%, água encanada fornecida pelo
serviço público. Apenas 26% estão ligadas à rede de esgoto e, quanto ao lixo,
apesar da melhoria apresentada, 63,8% (88,4% pela FIPE) possuem coleta regular
de lixo. As tortuosidades das vielas são o maior entrave para a coleta do lixo. Para
maior facilidade, normalmente, é colocado em containers que ficam localizados em
pontos estratégicos da favela, permitindo sua retirada (PASTERNAK, 2002).
A densidade demográfica calculada em 1987 é de 446,2 habitantes
por hectare
14
, o que mostra um urbanismo de baixa qualidade devido à falta de infra-
estrutura. Em relação à forma de construção, de duas décadas para cá também
vem sofrendo transformações. Os barracos de madeira estão sendo substituídos
por alvenaria, com cobertura de laje e muitas vezes verticalizados. Segundo o
censo de 1991, 66,5% das casas tinha paredes externas de alvenaria (74,2% pela
FIPE) e 87,7%, cobertura de telhado ou laje (97,1% pela FIPE). Apenas 7,5%, em
1993, não possuíam sanitários ou utilizava sanitário coletivo (PASTERNAK, 2002).
Em relação à demografia dos favelados, percebem-se algumas
peculiaridades: 40% eram menores de 15 anos em 1991, quando em 1996, este
percentual no município eram de 37%. Em relação à cor, a proporção de negros e
pardos alcança 53%, quando no município era de 29,8% em 1991. Entre chefes de
família favelados, em 1991, mais de 80% são naturais de outros municípios e 73,7%,
14
Hectare: medida agrária equivalente à 100 ares ou 10.000 m².
47
proveniente principalmente do nordeste. Esta proporção foi de 69,4%, em 1996.
(PASTERNAK, 2002).
No que diz respeito à população favelada, 36,8% têm um rendimento
maior do que dois salários mínimos.
Referente à escolaridade, os dados indicam que a proporção de
analfabetos girava em torno de 26% em 1991, para o município como um todo. O
perfil ocupacional está entre os três universos: domésticos, ambulantes e biscateiros
e, surpreendentemente, 63,3% da população favelada possuem carteira assinada,
um percentual maior do que o do município como um todo que é de 62%.
Incorporaram o mundo econômico e são consumidores de bens industriais (usados e
novos) e de serviços. Dentre os objetos adquiridos, encontram-se o fogão, o
refrigerador, presentes em 76% dos domicílios e em 32%, a televisão colorida. Até
mesmo outros eletrodomésticos como máquina de lavar roupa, lavar pratos e
computador, já aparecem nas moradias dos favelados (PASTERNAK, 2002).
Sampaio e Pereira (2003, p. 5) afirmam que:
O direito à moradia digna é garantido pelo artigo 6 da Constituição da
República. O Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo,
tratando dos objetivos da política municipal de habitação, em seu artigo 79,
parágrafo único, esclarece o seu significado: "moradia digna é aquela que
dispõe de instalações sanitárias adequadas que garantam as condições de
habitabilidade, e que seja atendida por serviços públicos essenciais, entre
eles: água, esgoto, energia elétrica, iluminação pública, coleta de lixo,
pavimentação e transporte coletivo, com acesso aos equipamentos sociais
básicos".
Portanto, o direito à moradia digna é um direito que pertence ao
cidadão e deveria ser uma das prioridades fundamentais das políticas habitacionais
em São Paulo. A população favelada está na ordem de mais de um milhão de
habitantes, superando a população da maioria das capitais do Brasil. De acordo
com as informações de Sampaio e Pereira (2003), observa-se que nas últimas
décadas ela cresceu em praticamente todos os seus subtipos: favelados,
encortiçados, domicílios improvisados e moradores de rua. É o que podemos
conferir no quadro a seguir:
48
QUADRO 2
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO A VARIAÇÃO DA POPULAÇÃO TOTAL E CONDIÇÕES DE
MORADIA, SÃO PAULO, 1991-2000
1991 2000 CRESCIMENTO %
POPULAÇÃO TOTAL 9.646.185 10.434.252 8
FAVELADOS 644.907 909.628 41
ENCORTIÇADOS 73.169 909.628 60
DOMICÍLIOS IMPROVISADOS 20.843 41.942 101
MORADORES DE RUA 4.549 8.200 80
Fonte: Censos 1991 e 2000 do FIBGE, pesquisa da PMSP (para moradores de rua) e plano do
governo da Sempla. Cf.: Folha de S. Paulo, 28 jul. 2003.
O grau de pauperização, na última década, deve-se à falta de ação
social efetiva por parte dos governantes locais, ao declínio da renda familiar e ao
desemprego industrial que, certamente, condicionam a família a procurar um
domicílio inferior e mais barato. Entretanto, está havendo uma transformação dessa
realidade. Hoje, a olhos vistos, observamos que na maior favela de São Paulo, a
favela Heliópolis
15
, ocorre a verticalização, por inexistência de espaço para abrigar
os filhos constituintes de famílias, bem como com o objetivo de criar espaços de uso
comercial dentro da economia informal, para locação ou uso próprio. É grave a
situação, apesar da taxa de desemprego estar decrescendo. De 2003 para 2005,
como indicam os dados do IPEA (2005), o número de desempregados saltou de
12,3%, em 2003 para 11,55%, em 2004 e 9,8%, em 2005. No entanto, há maior
seletividade assinalada no mercado de trabalho, beneficiando aqueles que têm nível
de escolaridade maior.
Segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região
Metropolitana de São Paulo (PED), em março de 2006, em pesquisa realizada pela
Fundação SEADE e DIEESE, mostra-se que entre fevereiro a março de 2006, a taxa
15
A favela Heliópolis possui 80 mil moradores, ocupando cerca de 1 milhão de metros quadrados
entre os bairros Ipiranga e São Caetano do Sul. Enfrenta hoje problemas estruturais: 40% das casas
não têm esgoto; mais de 60% das ruas não são asfaltadas; mais de 250 famílias moram em barracos
que podem desabar a qualquer momento com a chuva. Disponível em
http://www.tvcultura.com.br/caminhos/07heliopolis/terra.heliopolis.htm; acesso em 18/06/06.
49
de desemprego aberto
16
, na região metropolitana de São Paulo, cresceu de 10,2%
para 10,9% e o desemprego oculto
17
passou de 6,1% para 6,0%, resultando no
aumento da taxa de desemprego total de 16,3%, para 16,9%, estimando um
contingente de desempregados na ordem 1.695 000 pessoas, com acréscimo de 49
mil em relação ao mês anterior. Este aumento é decorrente da eliminação de 118 mil
“ocupações
18
, e a saída de 69 mil pessoas do “mercado de trabalho”. Neste
mesmo mês (março de 2006) foram estimadas 156 mil pessoas em desemprego
oculto pelo desalento e 5.917.000 inativos
19
com 10 anos ou mais. Estas
informações são muito interessantes porque provavelmente é a faixa em que se
encontram os catadores de lixo. Além de estes dados traduzirem o crescimento de
desemprego, explicam o aumento do número de moradores das favelas. Se
considerarmos os dados do PED (2006), que demonstram que a população
economicamente ativa é de 15.948 mil, temos como resultado uma taxa de 9,8% de
pessoas em desemprego oculto pelo desalento.
Leite (2005) ressalta que as transformações ocorridas no mundo
econômico, político e tecnológico, em relação ao mercado de trabalho, não se
referem apenas ao aumento das taxas de desemprego. É preciso visualizar outra
16
Segundo Gobato e Santos (sd), o PED faz a seguinte classificação É empregado o termo de
desemprego aberto: pessoas de 10 anos ou mais que procuraram trabalho de maneira efetiva nos
30 dias anteriores ao da entrevista e não exerceram nenhum trabalho nos últimos 7 dias. Gobato e
Santos (sd).
17
Segundo o PED, o termo desemprego oculto pelo trabalho precário: inclui as pessoas de 10
anos e mais que, simultaneamente à procura de trabalho nos últimos 30 dias ou em até 12 meses,
realizaram trabalhos descontínuos e irregulares, com ganhos avulsos e variáveis, ou realizaram
trabalho familiar não remunerado. Gobato e Santos (sd);
O termo desemprego oculto pelo desalento: inclui pessoas de 10 anos ou mais sem trabalho,
porém com disposição e disponibilidade para trabalhar. Não procuraram emprego nos últimos 30 dias,
devido a desestímulos do mercado de trabalho, como dificuldades para ingresso ou reingresso no
mercado, mas apresentaram procura efetiva de trabalho nos últimos 12 meses. Gobato e Santos (sd).
18
O PED emprega o termo a população ocupada pessoas que exercem qualquer trabalho
remunerado, independentemente da procura, regularidade, intensidade e excepcional idade do
trabalho. Inclui os empregados com ou sem carteira assinada; também os que trabalham em seu
próprio negócio pelo menos 15 horas por semana, e aqueles que tinham trabalho, mas não
trabalharam por um motivo específico (féria, licença, falta involuntária ao trabalho, greve, doença,
más condições de tempo ou outro impedimento temporário independente de sua vontade, tal como
quebra de máquina, limitação de produção, etc.). A partir daqui pode-se definir a taxa de desemprego
aberto como o percentual da população desocupada em relação à população economicamente ativa
(igual a pessoas ocupadas mais as desocupadas). Gobato e Santos (sd).
19
Os inativos ou a população economicamente não ativa é constituída por estudantes, donos de
casa, aposentados, etc. Considera-se somente inativas, pessoas quando não estão inseridos em
alguma atividade econômica. Gobato e Santos (sd).
50
questão importante: a qualidade do vínculo empregatício. Constata-se um aumento
do trabalho sem carteira assinada, impedindo o acesso do cidadão aos seus direitos
trabalhistas tais como: 13º salário, licença - maternidade, férias e aposentadoria,
dentre outros. Estas transformações estão ocorrendo especialmente no conjunto
das empresas com a nova estrutura da economia flexível. Há uma assimetria de
poder, concentrado na empresa líder de maior valor agregado e com tecnologia de
ponta que vai enfraquecendo as demais empresas com menor poder ao longo das
cadeias. Finaliza-se com os trabalhadores nos últimos níveis de fornecimento, cujos
trabalhos são repetitivos e destituídos de conteúdo.
Na década de 1990, a mesma população “rica” contribuía com 65%
na participação da renda contra 12% do contingente mais pobre, demonstrando uma
perda de 6% entre os 50% mais carentes (DEMO, 1996).
Isso mostra que houve empobrecimento da população nas últimas
décadas, porém a desigualdade elevada, de modo não ambíguo, fez com que o
bem-estar (renda absoluta e renda relativa poder de compra) entre os mais pobres
caísse, apesar do crescimento na média de renda da população total.
Pasternak (2002) oferece outra explicação: se as favelas não estão
crescendo por migração, há indícios que denotam a ”mobilidade residencial”, ou
seja, há movimentação dentro do mesmo espaço geográfico. Trabalhadores pobres
que não têm condições de morar em local mais adequado encontram na favela a
solução para a sua moradia.
Enfatizamos que para a população carente, a possibilidade do subsídio
habitacional deve ser considerada, uma vez que a moradia deve fazer
parte da política social contra a pobreza. O empobrecimento é um
processo que acaba por impedir que as pessoas tenham estruturas
familiares com capacidade suficiente para desenvolver um projeto de vida
digna na sociedade contemporânea. Ainda mais se assumirmos que a
pobreza que pode trazer consigo a marginalidade e criar obstáculos
quase intransponíveis para o acesso às oportunidades deveria ser
responsabilidade do poder público, que por sua vez deveria criar condições
para o desenvolvimento e a inserção social, estando aí compreendido
acesso à moradia digna (SAMPAIO e PEREIRA, 2003, p. 12).
A moradia faz parte dos direitos sociais da cidadania, sim, mas as
ações das políticas sociais vêm sofrendo forte excrutínio que pode ocorrer por dois
motivos: o primeiro, ligado à crise econômica mundial da década de 70, que originou
um questionamento do papel do Estado; e o segundo, modelo burocrático de
51
administração publica que não daria conta de responder às mudanças sociais que
ocorreram na sociedade.
Há necessidades cruciais, no panorama ora descrito, de ações
focalizadas nos pobres para que se alcance mais justiça social. No entanto, elas
exigem altos custos do Estado e políticas sociais direcionadas a estes segmentos.
Para muitos autores, houve um período virtuoso entre o Welfare
State e a política econômica Keynesiana: aquela que regula e estimula o
crescimento econômico e permite o crescimento das políticas sociais. No entanto,
com a crise atual da maioria dos paises capitalistas, gerou-se um impacto em todos
os setores, ou seja, econômico, político e social. O crescimento inflacionário, as
altas taxas de desemprego, a desorganização do sistema financeiro, as alterações
tecnológicas levam à redefinição dos papéis das instituições sociais e políticas. A
tentativa de conjugar crescimento econômico e assegurar políticas contra as
desigualdades sociais, aumentando os gastos do governo, parece estar abalada.
Não querendo aprofundar na questão da crise do Welfare State, pois
não é esta a intenção da pesquisa, necessário é que se destaque, no entanto, de
forma sintética, que existem dois grupos divergentes a respeito: os progressistas
pensam que se deve caminhar cada vez mais para diminuir a desigualdade social e
a pobreza; o grupo conservador, assinala que a expansão de gastos sociais, por
parte do Estado, leva ao desequilíbrio, gerando déficit público, cujo desequilíbrio
orçamentário se reflete na atividade produtiva, provocando inflação e desemprego
(DRAIBE; HENRIQUE,1988).
No entanto, alguns autores defendem que a política do Bem-estar
Social não deve ser universalista ou massificada em suas formas de atendimento,
pois impede o estabelecimento de prioridades “no interior de políticas sociais”,
ocasionando o grande exagero na burocratização e centralização, por serem
executadas por instituições públicas. A opção pela focalização ocorreu em alguns
países como Canadá e Austrália com experiências positivas, porque conseguiram a
manutenção da igualdade social, com diminuição do desemprego (DRAIBE;
HENRIQUE, 1988).
52
A maioria dos analistas da OCDE acredita que a grande crise do
Welfare State esteja na estrutura atual dos programas sociais. Eles estão resolvendo
o problema do desemprego e da fome? E qual o reflexo que isto produziu na
economia? (DRAIBE; HENRIQUE, 1988).
Um exemplo dessa estratégia ocorreu recentemente no governo
municipal de São Paulo. Ao iniciar o governo, Marta Suplicy, em 2001, encontrou o
município de São Paulo numa situação social complicada, com baixo crescimento
econômico, número crescente de desempregados e significativa ““exclusão” social”.
Por meio da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade, (SDTS),
implementaram-se quatro programas caracterizados por redistributivos: Bolsa
trabalho, Começar de novo, Garantia de Renda Mínima e o Programa Ação Coletiva
de Trabalho, também chamado de Operação Trabalho. O que havia de novidade
nestes programas é que eles rompiam com a lógica assistencialista de proteção
social: ? emprego ? renda ? contribuição ? benefícios sociais. Este novo modelo
de base não-contributivo de combate à pobreza, é focalizado naquele contingente de
pessoas que ficam fora da proteção social contributiva e permitem-lhe criar
condições para que recuperem sua dignidade humana, redirecionando o leme de
suas vidas. Apesar dos programas distribuírem benefícios monetários, acham-se
condicionados ao ingresso e manutenção das crianças na escola (Renda Mínima);
permanência na escola, capacitação e formação (Bolsa Trabalho); aquisição de
competências (Começar de novo); valorização das habilidades para ações de
utilidade pública (Operação Trabalho) (SOUZA et al, 2002).
O Programa Começar de novo, do Município de São Paulo, por
exemplo, para pessoas a partir do 40 anos de idade com dificuldade de inserção no
mercado de trabalho, contemplava uma capacitação dos envolvidos e discussão de
saídas como a formação de cooperativas, criação de mecanismos de independência
ou “buscar a porta de saída”.
Para outros observadores, não há na verdade uma crise, mas a
inexistência de mecanismos efetivos de solução dos problemas da pobreza
mediante a deficiência na distribuição de renda, tais como: prover inadequadamente
as famílias de baixa renda; incapacidade de estender atividades aos trabalhadores
em tempo parcial de serviço, discriminação das mulheres. O papel curativo de alívio
53
à pobreza é amplamente criticado pelos progressistas. Admite-se que em período
de crise econômica ocorre uma desestabilização dos programas sociais (DRAIBE;
HENRIQUE,1988).
De outra maneira, o argumento do grupo conservador é de que a
crise está aí devido à expansão dos gastos sociais excessivos, identificando-se,
portanto, com um lado perverso dos programas sociais que desestabiliza o Estado e
o funcionamento da economia em vários aspectos, podendo ser levado em
consideração: o aumento do gasto público com programas sociais, que induz ao
desequilíbrio do orçamento e aumento da inflação quer pela elevação de tributos,
e/ou emissão de moedas e encargos sociais. Elevadas cargas de contribuição dos
empregadores faz com que o preço dos produtos perca a capacidade competitiva
externa. A extensão dos programas conduz ao aumento de empregos públicos que
não são produtivos. Os defensores dessa linha acreditam que à medida em que o
Estado assume o papel de “pai”, incentiva a responsabilidade do cidadão de sair da
situação em que se encontra e o deixa no imobilismo, gerando a resignação, o
aumento da violência e promiscuidade sexual (DRAIBE; HENRIQUE,1988).
A criação de empregos, tais como “as frentes de trabalho” criadas
pelo governo em situações de crise ou calamidade, como a seca do Nordeste, são
soluções temporárias, tornando o trabalho opcional, pois favorece uma dependência
do Estado e produz uma fonte de desemprego em seu final. As licenças por
invalidez conduzem inúmeras vezes, a atitudes fraudulentas que encorajam a
aposentadoria precoce (DRAIBE; HENRIQUE, 1988).
2.1 As Políticas Públicas
Mesmo com mecanismos anacrônicos de políticas de Bem-estar
Social, os governos federal, estadual e municipal vêm, de maneira desincronizada,
fornecendo, cada um a seu modo, programas que incentivam a diminuição do
desemprego. Segundo o Ministério do Programa Social e Combate à Fome (2006),
os Programas Federais são os seguintes:
54
O Bolsa Família: unificou todos os benefícios sociais (Bolsa Escola,
Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e o Auxílio Gás) em um único Programa cuja
transferência de renda é destinada às famílias em situação de pobreza, com renda
per capita de até R$ 100,00 (cem reais) mensais. Foi criado para minimizar a miséria
e a “exclusão social”, e também promover a emancipação das famílias mais pobres.
O Programa de Atenção à Pessoa Idosa: dirigido a idosos com 60
anos ou mais, cujo objetivo é promover sua autonomia, integração e participação
efetiva na sociedade.
O Programa de Atenção Integral à Família (PAIF): trata-se de um
serviço continuado de proteção social básica desenvolvido para famílias que, em
decorrência da pobreza, são privadas de renda e do acesso a serviços públicos, com
vínculos afetivos frágeis, discriminadas por questões de gênero, etnia, deficiência,
idade, entre outras. Funcionam nos Centros de Referência da Assistência Social
(CRAS), mais conhecidos como "Casas da Família".
Beneficio de Prestação Continuada (BPC): é um benefício de um
salário mínimo mensal pago às pessoas idosas com 65 (sessenta e cinco) anos de
idade ou mais, portadoras de deficiência, incapacitadas para o trabalho e para a vida
independente.
Atenção às Pessoas Portadoras de Deficiência: voltado às pessoas
com deficiência, vulnerabilizadas pela situação de pobreza ou de risco pessoal e
social.
Atenção à Criança de 0 a 6 anos: apoio técnico e financeiro a
programas e projetos para crianças na faixa etária de 0 a 6 anos de idade que, em
decorrência da pobreza, estão vulneráveis, privadas de renda e do acesso a
serviços públicos, com vínculos familiares e afetivos frágeis, discriminadas por
questões de gênero, etnia, deficiência, idade, entre outras, bem como suas famílias.
Deve ser priorizado o atendimento de crianças na faixa etária de 0 a 3 anos,
executados por Estados, Municípios, Distrito Federal e entidades sociais, destinados
ao atendimento de crianças vulnerabilizadas pela pobreza e suas famílias.
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI): é um
programa de transferência direta de renda do governo federal para famílias de
55
crianças na faixa etária dos 7 aos 15 anos e adolescentes, envolvidos no trabalho
precoce.
Projeto Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano: ação
de assistência social destinada a jovens entre 15 e 17 anos, visando ao
desenvolvimento pessoal, social e comunitário. Proporciona capacitação teórica e
prática, por meio de atividades, preparando-os para futuras inserções no mercado.
Concede, também, diretamente ao jovem, uma bolsa durante os 12 meses em que
ele estiver inserido no programa e atuando em sua comunidade.
Segundo a Secretária Estadual de Assistência e Desenvolvimento
Social de São Paulo (2006), são os seguintes Programas Sociais de Estado, de
transferência de renda:
O Programa Renda Cidadã: tem por objetivo atender famílias de
baixa renda com o apoio financeiro temporário de R$ 60,00 (sessenta reais).
Abrange todos os municípios do Estado de São Paulo, com foco em locais de
extrema vulnerabilidade social.
O Projeto Ação Jovem: promove o retorno à escola de jovens, de 15
a 24 anos, para completar a escolaridade básica. É um auxílio para criar estímulos
àqueles que não puderam freqüentar a escola na idade apropriada, a fim de que
completem agora seus estudos.
A Secretária Municipal do Trabalho (2006) possui os seguintes
Programas Sociais Municipais:
O Renda Mínima: é um recurso em dinheiro pago pela Prefeitura de
São Paulo às famílias de baixa renda para crianças de 7 a 15 anos que devem
freqüentar a escola. As famílias recebem uma bolsa de até R$ 220,00 (hoje, em
média, R$ 120,00). Atualmente, 186 mil famílias estão incluídas neste programa.
Têm direito ao benefício, as famílias com renda mensal por pessoa da família de até
meio salário, hoje R$ 100,00.
Inclusão Eficiente: O objetivo principal é fazer a intermediação de
vagas das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. O cadastro também
56
serve como base para que as duas secretarias saibam quais e quantas vagas são
necessárias na promoção de cursos de capacitação profissional.
O Programa Capacitação Ocupacional e Utilidade Coletiva
(PCOUC): visa a dar atenção ao trabalhador desempregado ou em situação de risco
de desemprego, bem como o subempregado, proporcionando-lhe a oportunidade de
valorizar habilidades vocacionais e desenvolver novas habilidades ocupacionais.
Promove cursos voltados para a demanda do mercado.
O Capacita Sampa: é uma iniciativa da Prefeitura de São Paulo, por
meio da Secretaria do Trabalho, que oferece cursos gratuitos de capacitação
profissional para jovens de baixa renda com o intuito de facilitar a sua entrada no
mercado de trabalho.
PLANTEQ: fornece cursos de qualificação profissional, orientados
para suprir a demanda de mercado, voltados para o modelo estratégico e o
fortalecimento da gestão de resultados, e o Plano Territorial de Qualificação do
Município de São Paulo, por meio de cursos.
INSTITUTO CRIAR: Para jovens entre 16 e 20 anos, estudante de
escola pública (ou ter bolsa em escola particular). Requisitos: estar no mínimo na
7.
a
série ou já ter terminado o ensino médio, ter o compromisso de freqüentar o
curso e o horário vespertino livre para as aulas. São 10 oficinas que vão encaminhar
os jovens a estágios nas principais empresas de audiovisual de São Paulo.
O Programa Operação Trabalho (POT): foi criado para oferecer
oportunidade de colocação profissional para desempregados com baixa
escolaridade, por meio de ações municipais integradas e articuladas, com diversas
parcerias do poder público municipal e com a sociedade civil.
A São Paulo Confia: é uma Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público (Oscip), que oferece crédito a pessoas de baixa renda que não
conseguem acesso a financiamento no sistema bancário tradicional, por terem
restrições cadastrais.
Apesar de o governo investir em alguns Programas Sociais, como já
se comentou no início deste trabalho, eles não estão solucionando os problemas da
57
pobreza. Não se quer com isto dizer, que nada se deva fazer. No entanto, são
necessárias políticas sociais que levem os indivíduos à sua autonomia e
independência mínima, desenvolvimento humano, equidade, qualidade de vida a
serem buscados (Sposati, 1996), e não a cultura de antitrabalho como está
ocorrendo na França. É necessário diminuir as desigualdades, sem de outro lado
produzir uma profunda dependência em relação ao Estado. É o que podemos
verificar na reportagem da revista eletrônica: Com Ciência. O Fórum Permanente
das Relações Universidade-Empresa (UNIEMP) e a Secretaria de Segurança
Pública do Estado de São Paulo, em um estudo que analisa a totalidade dos boletins
de ocorrência registrados no período entre outubro de 2000 a setembro de 2003,
apontam para o alto índice de desemprego e a diminuição de renda, refletindo no
aumento do número de roubos e furtos na cidade de São Paulo. O crime passa a
ser uma alternativa possível para a sobrevivência pela falta de perspectivas de se
recolocar no mercado de trabalho ou conseguir um emprego informal, atrelados à
insuficiência dos mecanismos de proteção social.
58
III. LOCAL DE ESTUDO: O CENÁRIO
O cenário deste estudo foi o bairro do Real Parque, zona sul de São
Paulo, conforme já explicitado anteriormente, por ser o local em que a autora teve a
oportunidade de conhecer mais de perto esta comunidade devido à atuação como
enfermeira e diretora técnica da UBS.
A luta política por justiça social exige que se conheça a realidade
que se quer transformar. São Paulo é uma cidade desigual e ainda discrepante
quanto à oferta e qualidade de vida em seus diferentes distritos, estando distribuída
em 96 distritos sanitários (Fig. 1), através da Lei Municipal n.
0
11.220, de 20 de maio
de 1992. (SPOSATI, 2001). Esta definição de distritos foi feita através de critério
puramente administrativo, no sentido de se manter e preservar o equilíbrio da
extensão territorial.
Segundo Sposati (2000), com as transformações no mundo do
trabalho, foi preciso pensar numa outra lógica de entender as novas exclusões
sociais em suas diferentes formas. As relações sociais estão cada vez mais
complexas, dada a heterogeneidade da realidade social que estimula a não - visão
do outro diferente, entretanto, é preciso pensar em paradigmas inovadores de
mudanças pautadas nas desigualdades. A ruptura do tecido social, com a
“exclusão” e a violência, deve pautar uma preocupação ética a ser desenvolvida no
patamar da dignidade humana. Por outro lado, não devem ser confundidas pobreza
e “exclusão”. Ainda conforme Sposati (2000):
Os pobres tornam-se mais pobres porque são excluídos dos meios através
dos quais suas condições poderiam melhorar, e os ricos mais ricos, porque
consolidam suas bases de poder (...) Neste sentido, “exclusão” é mais que
pobreza, um estado de não ter (...) de apartação, de negação como
decisão histórica, e culturalmente humana de criar interdições. Revela-se,
com ela um sentido humano perverso (...) (p. 8-9).
A região de estudo deste trabalho foi o Real Parque que pertence ao
Distrito de Saúde Escola (DSE) Butantã, dividida em cinco outros distritos
administrativos. O Real Parque pertence ao distrito administrativo do Morumbi
59
(Figura 2) e dispõe da UBS Dr. Paulo Mangabeira Albernaz Filho, mais conhecido
como Centro de Saúde Real Parque
20
, nosso loco profissional até 2003.
MAPA 1
DISTRITOS DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
Fonte: SMS CE Info/Divulgação
20
Doravante denominar-se-á assim a UBS.
60
3.1 Localização da área de abrangência da Coordenadoria de Saúde do Butantã
MAPA 2
UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE DO DISTRITO DE SAÚDE ESCOLA BUTANTÃ
Fonte: Distrito de Saúde Escola Butantã
21
.
TABELA 1
DISTRIBUIÇÃO QUANTO AO NÚMERO DE MORADORES DO DISTRITO DE
SAÚDE ESCOLA BUTANTÃ, MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2004
MESORREGIÕES, MICRORREGIÕES, MUNICÍPIOS,
DISTRITOS, SUBDISTRITOS E BAIRROS
NÚMERO DE HABITANTES
SÃO PAULO 10.434.252
BUTANTÃ 52.649
RAPOSO TAVARES 91.204
RIO PEQUENO 111.756
MORUMBI 35.036
VILA SÔNIA 87.379
TOTAL SP/BT 377.576
Fonte: Distrito de Saúde Escola Butantã
21
Atualmente, o Distrito de Saúde Escola Butantã é denominado Supervisão Técnica de Saúde do
Butantã, a partir de 2005.
61
GRÁFICO 1
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO O NÚMERO DE MORADORES DO DISTRITO DE
SAÚDE ESCOLA BUTANTÃ, MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2000
Fonte: Distrito de Saúde Escola Butantã
O Real Parque, local deste estudo, pertence ao Distrito
Administrativo do Morumbi que tem uma população estimada de 35.036 habitantes
(IBGE, 2000) e apresenta o maior índice de renda média familiar do Distrito do
Butantã, com um valor aproximado de R$ 4.566,06, não retratando o equívoco
presente no bairro em que vivem, os moradores das três favelas da região. A
população é assistida pelo CSll Real Parque. A Secretaria Municipal de Saúde não
mantém nenhum outro Serviço de Atenção Primária na região, apenas esta unidade,
municipalizada em 8 de junho de 2001.
Devido à precariedade de referências de atenção secundária e
hospitalar na região, o CSll Real Parque também absorve atividades desta natureza,
em caráter emergencial.
-
20 000
40 000
60 000
80 000
100 000
120 000
Morumbi
Butantã
Vila Sônia
Rap
Tavares
Rio Pequeno
62
3.2 Características sócio-econômicas e culturais do Distrito Administrativo do
Morumbi
Como o bairro do Real Parque está situado no Distrito Administrativo
do Morumbi, quando a autora iniciou seu trabalho contava apenas com informações
existentes a partir deste distrito, por dificuldade de acesso aos dados específicos no
Censo do IBGE. Por este motivo, todo o planejamento situacional foi baseado
inicialmente em dados do Morumbi. Apenas mais tarde se obteve acesso àqueles
mais próximos do Real Parque, por meio de um programa pela internet, o que
possibilitou, via mapas cartográficos, a seleção desta região específica e o acesso
aos dados sócio-demográficos (extraídos do IBGE, Censo 2000). Este é o motivo
pelo qual são colocados os dados iniciais, para que se possa, então, conceber a
visão de um outro lado diferente, o do morador da favela, que ficam diluídos,
escondendo a ruptura do tecido social, pautada pela “exclusão” e a violência, como
se observar-se-á adiante.
Em relação ao abastecimento de água, dados do IBGE informam
que 99,93% da população (de um total de 16.388 domicílios) possuem
abastecimento de água da rede pública, 129 domicílios da região possuem-no
apenas no terreno e não na residência. Os demais se abastecem de poço ou
nascente.
Em relação ao esgotamento sanitário por tipo e existência em
domicílios particulares e permanentes no Real Parque, 96,1% utilizam rede geral e
fossa séptica. Do total de 9.578 domicílios, 421 detêm fossa séptica; 198, fossa
rudimentar; 118, valas; 20, em rios; oito, em outros escoadouros; 26, não utilizam
nem banheiro nem sanitário.
De acordo com o que é revelado nos dados do IBGE, o destino do
lixo da região do Morumbi não consta que este está sendo jogado no rio. O que se
sabe como verdadeiro é que 25 domicílios jogam-no em terrenos baldios; um enterra
na propriedade; dez queimam; 612 utilizam caçamba do serviço de limpeza e 8.930
utilizam o serviço de coleta da prefeitura. Contudo, tais informações são totalmente
contrárias à realidade vivenciada pela autora, pois existe muito lixo jogado nas
63
imediações da Marginal Pinheiros e pelos becos da favela, o que gera uma
população incontável de ratos na região.
GRÁFICO 2
DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO RESIDENTE, SEGUNDO FAIXA ETÁRIA,
REGIÃO DO MORUMBI, SÃO PAULO, 2000
0,67%
0,61%
3,23%
3,34%
10,59%
10,69%
19,67%
15,72%
13,54%
11,23%
5,95%
4,76%
Menor de 1
ano
1 a 4 anos 5 a 19 anos 20 a 39 anos 40 a 60 anos 60 ou mais
Feminino Masculino
Fonte: IBGE, 2000
Observam-se pelos dados oficiais, de acordo com o Gráfico 2, que a
população do Morumbi é composta de jovens, em plena força de trabalho. Nota-se
também que há uma redução acentuada da população com faixa etária maior de
sessenta anos . Este dado leva a concluir que a população morre cedo ou, no caso
dos favelados, voltam ao seu Estado de origem. Acredita-se, portanto, que deva ser
priorizado o atendimento aos adultos e às mulheres.
64
GRÁFICO 3
DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO RESIDENTE, SEGUNDO ESPÉCIE E TIPO DE
DOMICÍLIO, REGIÃO DO MORUMBI, SÃO PAULO, 2000
57,11%
42,60%
0,29% 0,45% 0,77%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Morumbi
Casa
Apartamento
Cômodo
Improvisado
Unidade de habitação em domicilio coletivo
Fonte: IBGE, 2000
O Gráfico 3, revela que na região do Morumbi 57,11%, mais da
metade da população, optam por residir em casa, e 42,6% moram em apartamento.
No entanto, os dados oficiais de moradia improvisada não correspondem à
realidade, visto que no Morumbi há distorções nos dados apresentados pelo IBGE,
pois há três favelas: favela Real Parque, que se estima 4.500 habitantes; favela
Panorama, 3.000 habitantes; favela Porto Seguro, 2.000 habitantes.
QUADRO 3
DISTRIBUIÇÃO DO NÚMERO DE MORADORES E MÉDIA DE MORADORES POR
DOMICÍLIO, REGIÃO DO MORUMBI, SÃO PAULO, 2000
REGIÃO DOMICÍLIOS
PARTICULARES
NÚMERO DE
MORADORES
MÉDIA DE MORADORES POR
DOMICÍLIO
MORUMBI 9.758 35.036 3,59
Fonte: IBGE, 2000
Pelo quadro 3, pode-se detectar que na região do Morumbi os dados
oficiais revelam que a média de moradores por domicílio é pequena, 3,59, retratando
65
índices de países desenvolvidos, o que leva a refletir que os dados ora
apresentados estão diluídos entre nível sócio-econômico alto e baixo. A observação
cotidiana, porém, indica que a média de moradores por domicílio na favela é de
cinco pessoas ou até mais.
QUADRO 4
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO ESCOLARIDADE DA POPULAÇÃO RESIDENTE,
REGIÃO DO MORUMBI, SÃO PAULO, 2000
ESCOLARIDADE 5 E 6 7 A 14 15 A 17 18 A 29 30 A 39 40 A 60 + DE 60
POPULAÇÃO
TOTAL
866 3.721 1.587 7.907 5.765 8.678 3.755
POPULAÇÃO
ALFABETIZADA
33,14% 94,46%
98,80% 97,56% 96,25% 96,68% 96,25%
POPULAÇÃO NÃO
ALFABETIZADA
66,86% 5,54% 1,20% 2,44% 3,75% 3,32% 3,75%
Fonte: IBGE, 2000
O Quadro 4 indica que há um índice de 14,46% de população não
alfabetizada na faixa etária de 15 anos à 60 anos e mais, na região do Morumbi.
Confrontando com os dados brasileiros do PNDU (2006), este índice está bastante
elevado, considerando que a taxa de analfabetismo no Brasil nesta mesma faixa
etária é de 11%. Comparando estes dados com os índices americanos, a
disparidade é ainda maior. Os dados encontrados no site SuaPesquisa.com/EUA
mostram um índice de apenas 5% em 2000. Verificamos que realmente temos muito
que caminhar em relação à alfabetização da nossa população. Interessante notar
que, tratando-se da região do Morumbi, em que os dados se encontram diluídos
devido à classe alta, a taxa de 14,46% está muito acima da média de países
desenvolvidos, bem como os dados apresentados no Brasil.
66
TABELA 2
DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO RESIDENTE, SEGUNDO FAIXA ETÁRIA,
REGIÃO DO MORUMBI, SÃO PAULO, 2000
MENOR
DE 1
ANO
1 A 4
ANOS
5 A 19
ANOS
20 A 39
ANOS
40 A 60
ANOS
ACIMA
DE 60
ANOS
TOTAL %
FEMININO 233 1130 3710 6891 4743 2086 18793 53,64
MASCULINO 215 1169 3746 5509 3935 1669 16243 46,36
TOTAL 448 2299 7456 12400 8678 3755 35036 100
Fonte: IBGE, 2000
Verifica-se pela Tabela 2, que há um número discretamente maior
de população feminina em relação à população masculina, comprovando-se mais
uma vez que deve ser dada prioridade à população feminina. A população na faixa
etária de 20 a 39 anos, é a que possui maior quantidade de indivíduos residentes na
região do Morumbi, em plena força de trabalho.
GRÁFICO 4
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO POPULAÇÃO POR SEXO, RESIDENTE POR SETOR
CENSITÁRIO, REGIÃO DO MORUMBI, SÃO PAULO, 2000
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
11 12 13 14 15 16 17 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 48 49 50 51 52
Setor
Feminino
Masculino
Fonte: IBGE, 2000
67
Este gráfico vem confirmar os dados da tabela 2, segundo os quais
existe uma concentração igualitária feminina e masculina, com número mais
acentuado de mulheres apenas no setor censitário 37.
Sintetizando, podemos observar que as características sócio-
econômicas e culturais do distrito administrativo do Morumbi é composta de jovens
de 20 a 39 anos, em plena força de trabalho, distribuídos quase que equitativamente
em população masculina e feminina. A população total de 99,71% vive em casa e
apartamento, tendo uma média de moradores por domicílio de 3,57 habitantes,
apresenta um índice de 14,46% de população não alfabetizada na faixa etária de 15
anos a 60 anos e mais, na região do Morumbi.
3.3 O bairro Real Parque
O bairro Real Parque, no distrito Morumbi, é uma amostra de um
pequeno Brasil, pois aí existe um pouco de tudo: nordestinos, mineiros, índios,
aristocracia (moradores empresários, cônsules, artistas), alta burguesia e todas as
demais classes sociais. Dados de mapeamento, via mapas cartográficos, baseados
nas informações do IBGE (2000), permitiram a projeção de alguns dados que serão
apresentados.
Entretanto, tornam-se necessárias algumas considerações sobre os
indicadores de pobreza. Não é propósito deste trabalho discutir as diversas
abordagens de classificação da pobreza
22
por não se tratar do tema desta
investigação. No entanto, far-se-á breve comentário sobre o Relatório da Política
Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU, 2006). O PNDU é um grande pacto de
construção da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, pautado na ação
democrática, descentralizado e com participação popular, visando à coordenação e
à integração dos investimentos e ações do Ministério de Estado das Cidades. Este
relatório funciona como pano de fundo no sentido de não restringir a análise da
pobreza à mera carência material e à insuficiência de renda. Trata-se, no entanto, de
22
Para se aprofundar neste tema, recomenda-se consultar: Combate à pobreza, de Pedro Demo.
68
um fenômeno complexo, mensurável por diversas metodologias e que têm como
ponto de partida a insuficiência de renda que estabelece a chamada linha de
pobreza, parâmetro de atendimento às necessidades básicas do indivíduo, em
tempo e lugar determinados, e de indigência que leva em conta apenas o
atendimento das necessidades alimentares. A educação é ressaltada como
indicador de desenvolvimento humano, embora receba algumas críticas no sentido
de como é vista. Demo (1996) considera que o relatório aborda educação com a
restrita visão de “adquirir conhecimentos” (DEMO, 1996, p. 71-72), ficando na esfera
do treinamento. A tendência moderna das teorias educacionais defende a
importância “do saber pensar e do aprender a aprender” (DEMO, 1996, p. 72), e não
a do “adquirir conhecimentos” para que o indivíduo possa enfrentar o desafio do
poder econômico e político. A face qualitativa da pobreza no que se refere à
educação é “a dificuldade de uma população dotada de apenas 4 anos de
escolaridade intervir e inovar, pois a rigor ‘não sabe pensar’” (DEMO, 1996, p.75).
O relatório coloca também que o crescimento econômico é
importante para o crescimento humano, mas não é em si o objetivo último do
processo e que por si mesmo não garante a melhoria do nível de vida da população.
Também ressalta que a pobreza constitui fonte de degradação ambiental, o que
Demo discorda por observar que quem polui o meio ambiente não são os pobres e
sim os ricos. Para este autor é importante vislumbrar uma ótica da pobreza com
outras facetas qualitativas, como cidadania e participação popular associativa e não
restringir o problema da pobreza à questão de renda apenas.
Prates (1990) aponta que, embora ocorram algumas críticas em
relação a este tipo de abordagem, considerando que a renda é uma variável
subjetiva, e não se pode determinar precisamente quais as necessidades
individuais, uma vez que variam de individuo para individuo, existe uma vasta
aceitação como indicador da existência da pobreza. Assim sendo, considera-se
pobre a família que possui a renda abaixo do que se considera um mínimo
determinado - da linha de pobreza (aquela que não possui recursos para obter
alimentação, habitação, lazer, transporte) - usualmente aprovados pela sociedade à
qual pertencem, levando-se em conta certo nível nutricional, habitacional, vestuário,
transporte e afins. Feitas estas considerações iniciais, passa-se a considerar o fator
renda nesta análise, pois se trata de um dos mais gritantes fatores do bairro Real
69
Parque, embora se dê realce a dados qualitativos, como é o eixo orientador do
relatório do PNUD.
No bairro Real Parque, sem excluir os moradores da favela, ressalta-
se a classe mais rica que, com uma renda média mensal do responsável, por
domicílio, de 37 salários mínimos 42% dos responsáveis possuem curso superior,
com média de 11 anos de estudo. A idade média do responsável pelo domicílio é de
45 anos sendo que 27% das mulheres são responsáveis pelo domicílio. A
densidade demográfica é de 7.622 habitantes por Km
2
. Há, em média, 4 residentes
por domicílio, 0,78 banheiros por habitante, sendo que do total de domicílios, 59%,
são próprios e quitados.
Quando se eliminam os excluídos (favelados) desta prospectiva, os
dados tornam-se mais elevados ainda, o que mostra com clareza o grande contraste
social. A renda média mensal de 37 salários mínimos sobe para 47. O percentual
de pessoas com nível superior salta de 42% para 52%, e os anos de estudo do
responsável pelo domicílio vão de 11 anos para 12 anos. A idade média do
responsável pelo domicilio se eleva de 45 para 47 anos. O percentual de mulheres
responsáveis por domicílio decresce de 27% para 26%. A densidade geográfica de
7.622 hab/Km
2
cai para 6.072 hab/Km
2
. O número de residentes por domicílio vai de
4 para 3. O número de banheiros por habitante sobe de 0,78 para 0,94, e o
percentual de 59% de domicílios próprios quitados se eleva para 67%.
Mais adiante, serão discutidos os dados da favela Real Parque, mas
não é difícil perceber as diferenças gritantes que chamam a atenção de qualquer
observador logo no primeiro momento. De um lado, prédios magníficos e bem
elaborados, pertencentes à classe A1, de São Paulo e, de outro, as favelas do Real
Parque, também conhecidas como favela da Mandioca. Outras duas favelas fazem
parte da área do Real Parque: a favela Panorama e a Porto Seguro. Junto a essa
heterogeneidade local, há nas duas primeiras favelas uma etnia indígena: os índios
Pankararu, que se encontram dispersos entre barracos e num prédio do Cingapura.
Apresentam-se, em anexo, fotos diversas colhidas pela autora, que
ilustram o que se vem discutindo e para que se tenha uma idéia da realidade local:
70
A população Indígena perfaz um total de 580 índios Pankararu,
23
moradores de barracos nas favelas Panorama, Real Parque e no prédio Cingapura.
Embora este não seja o foco da pesquisa, um estudo mais
aprofundado acerca dos índios Pankararu deve ser priorizado, pois trata-se de
índios que moram em favelas ou em prédio do Cingapura, na região do Morumbi,
São Paulo, ao lado de uma classe privilegiada e que, sem dúvida , ressalta a
diversidade . Por isso, torna-se relevante inserir um breve histórico desta etnia.
Os Pankararu são remanescentes de um grupo mais amplo de
índios do sertão ou Tapuia. Supõe-se que eram habitantes do litoral, quando foram
expulsos pela expansão dos Tupis. Como encontraram resistência do grupo Jê em
seu avanço para o Oeste, estabeleceram-se no vale do rio São Francisco, na altura
da cachoeira Paulo Afonso, no limite entre os Estados da Bahia e Pernambuco.
O dialeto falado pelos Pankararu apresenta elementos da língua Jê
e Tupi. Remonta ao século XVll o primeiro encontro dos Pankararu com os
missionários, que em processo de catequização, fundaram o aldeamento de Brejo
dos Padres, no interior de Pernambuco, onde hoje se encontram os municípios de
Petrolândia e Tacaratu.
No século passado, o Imperador Dom Pedro ll concedeu a posse de
terra de 14 mil hectares aos Pankararu, por terem participado da Guerra do
Paraguai. Durante o Governo Getúlio Vargas foi feita uma segunda demarcação e
esta área foi reduzida a 8.100 hectares. Em DOU
24
, 14 jul. 1987, é homologada a
demarcação da área indígena Pankararu, pelo presidente José Sarney.
A presença de posseiros na reserva Brejo dos Padres está
provavelmente associada ao avanço de pequenos agricultores durante o ciclo da
cana-de-açúcar no Nordeste quando se inicia, então, a partir da década de 40, o
conflito entre os índios e os posseiros. Em 1979, com o começo das obras da
Hidroelétrica de Itaparica, no rio São Francisco, centenas de famílias de posseiros
foram desalojadas do local e nova invasão das terras Pankararu ocorreu. A
diminuição da reserva pela presença de posseiros, favoreceu, desde a década de
23
Dado fornecido pelo Sr. Frederico, Presidente da Associação dos Índios Pankararu.
24
Diário Oficial da União.
71
50, a migração dos índios aos centros urbanos do Sul. As primeiras famílias que se
fixaram em São Paulo o fizeram no Real Parque, em pequenas casas ou chácaras,
na época da construção do Estádio Cícero Pompeu de Toledo.
Segundo alguns relatos, o número de índios habitantes na favela
Real Parque já chegou a mil. Há de se notar que sua maior concentração é no bairro
Real Parque, porém existem famílias nos bairros Paraisópolis, Grajaú, Capão
Redondo, Embu e Guarulhos.
Segundo depoimento dos representantes dos indígenas em São
Paulo, atualmente, 30% dos índios estão desempregados. Dentre as ocupações
mais comuns entre os homens, estão as de: vigia, porteiro, faxineiro e trabalhador da
construção civil. Entre as mulheres, as de empregada doméstica ou faxineira.
3.4 A favela Real Parque
Constitui-se num polígono e é delimitada ao norte pela Conde de
Itaguaí, ao sul pela marginal Pinheiros, a leste pela Duquesa de Goiás e a oeste
pela rua Cezar Valejo. (Fotos, 1, 2, no texto 3, 5, 6 em anexo)
Conforme já se mencionou anteriormente, as informações aqui
apresentadas foram extraídas via mapas cartográficos, (Mapa 3) baseados nas
informações do IBGE (2000). Tais informações revelam que existem 650 domicílios,
com 2.747 habitantes nesta área assinalada com a seguinte distribuição: 1% de
habitantes da classe
25
A, 4% da classe B, 14% da classe C, 67% da classe D e 13%
da classe E. A classe dominante da favela é a classe D. A renda média mensal é de
três salários- mínimos, sendo que o responsável pelo domicilio tem em média cinco
anos de estudo e 35 anos de idade.
25
Foi utilizado o Critério de Classificação Econômica Brasil (2006), da ABEP (Associação Nacional de
Empresas de Pesquisa) com base no levantamento Sócio-Econômico do IBOPE (2000) que estima o
poder de compras das pessoas e famílias urbanas (apêndice 1) A classe A1 corresponde a classe A
do Real Parque; A classe A2 corresponde a Classe AB do Real Parque; a Classe B1 corresponde a
classe B do Real Parque; a Classe B2 corresponde a Classe BC do Real Parque e as demais D e E
são idênticas. (Anexo E)
72
Em 2003, foi realizada uma pesquisa participante pelo Projeto
Casulo, vinculado ao Instituto de Cidadania Empresarial, que trouxe à lume outros
dados. Há um número maior de domicílios, ou seja, 821 domicílios na favela: 63 no
alojamento, 489 nos apartamentos do Cingapura, somando-se um total de 1.373
residências com 4.314 moradores. A média de moradores por domicílio é de 3,9
pessoas. Em relação à escolaridade do responsável, apontam-se os seguintes
dados: 39% estudou até a 4.
a
série do ensino fundamental; 33% até a 8.
a
série; 16%
, analfabetos e 1% , o nível universitário.
Deixando de lado estas divergências de cunho estatístico, o que se
quer priorizar é que coexiste lado a lado uma população cuja diversidade de renda e
de escolaridade é insofismável.
Segundo o relatório do PNUD, o índice de qualidade e de força de
trabalho aumenta com o número de anos completos de escolaridade do trabalhador.
Segundo estes dados, o índice do Brasil, diante dos países latino-americanos, é
anacrônico. Há apenas dois países com índices semelhantes: Bolívia e Honduras,
cuja população apresenta em média quatro anos de escolaridade. A média
brasileira é duas vezes menor àquela do Cone Sul. De outra maneira, é preciso
salientar que, na atualidade, diante da economia neoliberal e flexível, não basta ter
anos de escolaridade, mas sua atualização contínua, aliada à capacidade de
resolver problemas, a partir do conhecimento. É a questão da educação, já citada
anteriormente, “o aprender a aprender” e rejeitar o analfabetismo funcional
26
que
leva a empresa a ter prejuízos enormes. Para que o analfabetismo funcional se
erradique só existe uma saída: educar e treinar para a qualidade. Segundo o
Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF, 2006), é questionável se quatro anos
26
Segundo o professor e Consultor de Empresas para Programas de Engenharia da Qualidade,
Antropologia Empresarial e Gestão Ambiental, Paulo Augusto Botelho: Analfabetismo Funcional não
se trata de pessoas que não sabem ler, escrever e contar; mas daquelas que não conseguem
compreender a palavra escrita e nem pensar. Os manuais de procedimento são ignorados e os
computadores provocam arrepios. Preferem ouvir explicações verbais de colegas e diante do chefe
isso quando ele é um chefe fazem de conta que entendem tudo mas posteriormente saem
perguntando como deve ser realizado o serviço. Agem por tentativa e erro. Calcula-se que existam
no Brasil, aproximadamente 70% deles na população economicamente ativa e no mundo há em torno
de 800 e 900 milhões deles. Geralmente, são pessoas que têm até o quarto ano de ensino
fundamental, mas podem-se encontrar pessoas com nível de cargos-chaves em empresas públicas
ou privadas. Elas não possuem habilidades de leitura compreensiva, escrita e cálculo para fazer
frente às necessidades de profissionalização e tampouco da vida sócio-cultural. Disponível em:
<www.paulobotelho.com.br>. Acesso em: 26 fev. 2006, às 22h00min.
73
de escolaridade garantem o alfabetismo funcional. O conceito é relativo, pois
depende das demandas de leitura e escrita colocadas pela sociedade. Na América
do Norte e na Europa, tomam-se oito ou nove anos como patamar mínimo para se
atingir o alfabetismo funcional.
Considerada a questão do analfabetismo funcional, que atinge a
população brasileira, fica clara a “exclusão social” a que estão submetidos estes
moradores. O que se costuma historicamente destacar são as carências materiais,
tais como: insuficiência de renda, fome, desemprego, todas proeminentes, mas não
as mais cruciais, pois dentre elas encontra-se a “exclusão” de caráter político. Neste
contexto, busca-se apoio novamente nas palavras de Demo:
Politicamente pobre é pessoa que sequer consegue saber que é pobre.
Quer dizer, não há pobreza mais comprometedora do que a ignorância
representando esta situação de mais grave indignidade social. A rigor
trata-se do pobre que não tem ‘oportunidade’ de sair da pobreza, porque
ainda é apenas ‘objeto’ dela. Pobreza é fazer a riqueza do outro, sem dela
participar. É vangloriar da opulência do patrão sem perceber que ela foi,
pelo menos em parte, injustamente apropriada. O pobre não tem como
sair da pobreza, se não descobrir criticamente que é injustamente pobre.
(...) Passar fome é problema social muito comprometedor, mas não saber
que se passa fome injustamente é o que torna a fome fonte de privilégios
históricos. Portanto a fome sinaliza menos uma situação de carência de
alimentos, do que sua apropriação injusta. De fato, produzir alimentos não
é mis problema tecnológico, importante. A humanidade teria facilmente o
desconforto da obesidade, do que da magreza. Se maiorias passam fome,
é porque, de um lado, a fome é politicamente mantida por razões de
apropriação injusta da riqueza, e, de outro já não é possível produzir a
necessária riqueza de maneira sustentável (2002, p. 97).
Portanto, é a educação com qualidade que pode construir um sujeito
emancipatório, isto é, que saia da alienação e da ignorância através da inclusão na
política, conquistando a cidadania pessoal sem descriminação.
O Censo do IBGE (2000) afere que aproximadamente 31% das
mulheres da favela Real Parque são chefe de família. Na pesquisa de mestrado,
desenvolvida pela autora deste trabalho, na favela Real Parque este dado já havia
se confirmado. Verificou-se que a maioria dos sujeitos (mulheres no climatério)
estava sem companheiro e atuava como chefe de família devido a mudanças no
relacionamento com o companheiro. Alguns meses após o casamento, estas, na
maioria das vezes, associam-se ao alcoolismo. O companheiro/marido ou o ex-
companheiro eram referidos com sentimentos de ódio, mágoa, insegurança, solidão,
74
decepção e rejeição. Desta maneira, “acabavam vivendo sozinhas”. Trata-se de
uma “significação cristalizada” ligada à situação de gênero e classe. (MIRANDA,
1996).
Os dados da favela Real Parque mostram uma densidade
populacional altíssima de 27.584 hab/Km
2
, diagnosticando que a maioria dos
barracos é de pequenas dimensões, apinhado, além do fato de que os moradores do
Cingapura vivem em prédios que possuem quatro andares, o que contribui para que
este dado seja tão elevado. Os domicílios concentram, em média, 4 pessoas
residentes, com uma distribuição de 0,22% de banheiros por habitante.
Os dados da pesquisa participante, realizada pelo Projeto Casulo
(2003), mostram que os responsáveis pela família são em quase a sua maioria
(63,7%) de nordestinos, advindos principalmente de Pernambuco, que chegam à
capital de São Paulo em busca de novas oportunidades de trabalho. No geral, são
assim distribuídos: 25,2% são de Pernambuco; 17,8%, da Bahia; 8,1%, da Paraíba;
6,5%, do Ceará; 3,4%, de Alagoas e 2,7%, do Maranhão. Apenas 15,5% são
oriundos da cidade de São Paulo; além de 12,7% procedentes de Minas Gerais e
8,1% provenientes de outros Estados ou de locais desconhecidos. Acredita-se que
tais dados refletem melhor a realidade por terem sido obtidos por jovens da
comunidade, através de pesquisa participante.
É interessante se observar que os moradores da favela são em sua
maioria do nordeste, região em que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é
de 0,6 em Pernambuco e Rio Grande do Norte, que ocupam a 116.ª a 117.ª
posições atrás da Guatemala, Bolívia, El Salvador e Honduras; Maranhão se
encontra entre a 124.ª e a 125.ª posições; e Ceará na 126.ª posição; Piauí e
Alagoas, nas 127.ª e 128.ª posições. O último lugar é ocupado pela Paraíba, com
um IDH abaixo de 0,5, correspondendo a uma posição inferior à 131.ª. Cabe
ressaltar que o Brasil, em 1995, ocupava a 63.ª posição, com um IDH de 0,804 que,
se comparado ao do Canadá, que ocupa a 1.ª posição com IDH 0,950, a distância é
considerável (DEMO, 1996).
Nesta mesma investigação (do Projeto Casulo), foram apontados os
principais problemas da favela pelos depoentes: a falta de emprego, 17%; a questão
das drogas, 15%; problemas com segurança, 11%; saúde, 10%; limpeza pública,
75
9%; habitação, 9%; alcoolismo, 8%; lazer, 8%; transporte, 6%; escola. 6%; e outros
1%. Ao indagar à comunidade quem pode resolver os problemas, 40% acreditam
que é o poder público, mas a maioria, 48%, crê que é a própria comunidade,
organizada através de movimentos sociais, que deve encontrar a solução para a
construção da cidadania. Mas, apesar da consciência política, não existe o
envolvimento das pessoas, pois 73% dos entrevistados não possuem ninguém da
família que tenha participação social-comunitária. (INSTITUTO DE CIDADANIA
EMPRESARIAL, 2003)
Demo (2001) refere-se à “constrangedora miséria política” em que o
país está submergido. De fato, quanto à filiação, nas regiões metropolitanas do
Brasil, apenas 14,5% são filiados aos sindicatos e 10% a órgãos comunitários, o que
demonstra que a cidadania organizada é extremamente frágil, contando com poucos
militantes que batalham pelos direitos à cidadania. Por isso, percebe-se que a
insuficiência de renda está associada à injustiça histórica, responsável pela
desigualdade que permeia a sociedade.
O principal lazer da favela é ouvir música, encontrar com os amigos,
ver TV e praticar esportes (INSTITUTO DE CIDADANIA EMPRESARIAL, 2003).
3.4.1 Indicadores dos Programas Sociais, na favela Real Parque
Para aprofundar os dados a respeito dessa população marginalizada
(1.318 pessoas) procurou-se analisar os indicadores dos programas sociais, “Renda
Mínima”, “Bolsa Trabalho” e “Começar de Novo” com base em um levantamento
realizado pela Prefeitura Municipal de São Paulo, em junho de 2003. Os dados
revelam o seguinte:
Há na favela Real Parque uma população de 4.314 habitantes
(Casulo, 2003), sendo que 1318 pertencem ao Programas Sociais acima citados,
perfazendo um porcentagem de 30,55% de adesão aos mesmos., destacando que a
idade desses indivíduos oscilou entre 17 e 48 anos.
76
GRÁFICO 5
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO O SEXO, DOS PROGRAMAS SOCIAIS DOS
MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO, 2003
Fonte: PMSP/SDTS Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003
O Gráfico 5 revela a distribuição, por gênero, dos moradores do Real
Parque, inseridos nos Programas Sociais, de acordo com o de Renda Mínima, Bolsa
Trabalho e Começar de Novo. Observa-se aqui que a ala feminina se destaca pela
presença, com um percentual bem mais elevado, nos três aspectos estudados. A
mulher, portanto, faz-se presente em 88,00% nos de Renda Mínima, enquanto que
os homens apenas em 11,40%.
Já no de Bolsa Trabalho, encontram-se 54,10% delas e deles há
uma queda em relação à porcentagem delas, em aproximadamente 10%,
detectando-se 49,90%, da presença destes últimos. Contabilizam-se também 15% a
mais da presença feminina (57,10%), no Começar de Novo, quando comparado ao
sexo oposto (41,90%).
11,40%
45,90%
42,90%
88,60%
54,10%
57,10%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
Masculino Feminino
Sexo
Renda Mínima Bolsa Trabalho Começar de Novo
77
GRÁFICO 6
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO, O ESTADO CIVIL DOS PROGRAMAS SOCIAIS DOS
MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO, 2003
Fonte: PMSP/SDTS Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003
Aqui no Gráfico 6, quando se compara o estado civil, solteiros em
relação a casados, nota-se que a presença de casados é bem menor e até ínfima
2,80% no caso do Programa Social de Bolsa Trabalho, contra a presença quase que
maciça dos solteiros (97,20%) neste programa.
No Começar de Novo, também é menor a presença dos indivíduos
casados, perfazendo um total de 36,10% e dos solteiros é quase o dobro dos
anteriores, contando com 63,90% daqueles que não têm um companheiro (a) fixo.
Já naquele de Renda Mínima, que compareceram a este Programa Social, 76% são
solteiros, enquanto que apenas 1/3 daquela porcentagem são de casados (24%).
Casado Solteiro
Renda Mínima
Começar de Novo
Bolsa Trabalho
2,80%
97,20%
36,10%
63,90%
24,00% 76,00%
Estado Civil
78
GRÁFICO 7
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO, A IDADE MÉDIA DOS PROGRAMAS SOCIAIS DOS
MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO, 2003
Fonte: PMSP/SDTS Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003
A idade média dos indivíduos que compareceram aos Programas
Sociais de Renda Mínima, girou em torno de 34 anos, enquanto que no Bolsa
Trabalho permaneceu em 17 anos e aos 48 anos ficou por conta daqueles que
estiveram no Começar de Novo, num período em que alguns já começam a buscar a
aposentadoria, é o que revela o Gráfico 7.
34
17
48
0
10
20
30
40
50
A
n
o
s
Idade Média
Idade Média
Renda Mínima Bolsa Trabalho Começar de Novo
79
GRÁFICO 8
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO, A ESCOLARIDADE DOS PROGRAMAS SOCIAIS
DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO, 2003
Fonte: PMSP/SDTS Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003
Visualizam-se no Gráfico 8 alguns dados interessantes nos extremos
de escolaridade, nos três programas: Renda Mínima (RM), Bolsa Trabalho (BT) e
Começar de Novo (CN): a porcentagem daqueles que tenham chegado ao cursos
Superiores, quer de modo completo/incompleto é mínima ou inexistente (RM, 0,50%;
BT, 0,90% e CN, 0,00%). De analfabetos a porcentagem também é inexpressiva
(RM, 4,40%; BT, 0,00% e CN, 12,70%). É de se destacar, no entanto, a quase
paridade havida entre o pessoal do BT 1.
a
a 3.
a
série do Ensino Médio (65,10%) e
os indivíduos do CN 1.
a
a 4.
a
séries do Ensino Fundamental (69,10%). Quanto
àqueles que tenham feito da 3.
a
à 8.
a
séries do Ensino Fundamental, nos três
programas, a porcentagem variou de forma decrescente de RM para CN, de 38,10%
para 15,50%. Nos demais, aconteceram oscilações bem marcantes.
4,40%
47,50%
38,10%
9,50%
0,50%
0,00%
6,60%
27,40%
65,10%
0,90%
12,70%
69,10%
15,50%
2,70%
0,00%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Renda Mínima Bolsa Trabalho Começar de Novo
Escolaridade
Analfabeto 1ª a 4ª série Ensino Fundamental
5ª a 8ª série Ensino Fundamental 1ª a 3ª série Ensino Médio
Superior completo/incompleto
80
GRÁFICO 9
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO TIPO DE NECESSIDADES ESPECIAIS DOS
PROGRAMAS SOCIAIS DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE,
SÃO PAULO, 2003
Fonte: PMSP/SDTS Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003
Quanto ao Tipo de Necessidades Especiais, apresentadas pelos
moradores do Real Parque, nos três Programas Sociais, ali desenvolvidos, descritos
aqui neste Gráfico 9, detecta-se que no CN, 40% apresentaram aquelas de caráter
físico, 20% do tipo visual e 40% de outras causas. No BT, no entanto, observa-se
que a maior porcentagem (98,20%) são daqueles sem declaração, contra 1,80% de
caráter visual. Já no RM percebe-se que a porcentagem é idêntica naqueles com
necessidades especiais do tipo físico; 34,40% de caráter visual, 9,40% do tipo
auditivo e 15,60% de outras.
40,60% 34,40%
9,40%
15,60%
1,80%
98,20%
40,00% 20,00% 40,00%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Renda Mínima
Bolsa Trabalho
Começar de Novo
Tipo de Necessidades Especiais
Física Visual Auditiva Outras Sem Declaração
81
GRÁFICO 10
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO A SITUACÃO NO MERCADO DE TRABALHO, DOS
PROGRAMAS SOCIAIS DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE,
SÃO PAULO, 2003
Fonte: PMSP/SDTS Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003
Destacam-se os seguintes aspectos no Gráfico 10: o grupo do RM
inicia com 10,50% de assalariados, com carteira assinada, decrescendo nas demais
categorias, atingindo o pico máximo (31,00%) com desempregados; e
permanecendo ao redor desta faixa também os que fazem “bico” e os que são do lar,
indo para a média de 1,00% a 1,50%, com aqueles das duas últimas categorias. Os
de BT quase zeram em porcentagem nas primeiras quatro categorias, o mesmo
acontecendo com os do grupo CN. A partir daí eles se diversificam: este último
atinge o pico máximo com 56,30% daqueles que fazem “bico”, passando antes por
43,70% dos desempregados, voltando a zerar nas categorias restantes. Já o grupo
intermediário (BT), sobe um pouco com desempregados (22,00%), caindo nas duas
categorias seguintes, mas atinge o ápice com estudante (57,00%), voltando a cair
novamente (8,00%), com quem nunca trabalhou. Este aqui é o grupo que mais
oscilou quanto aos dados obtidos.
Situação no Mercado de Trabalho
10,50%
3,30%
31,00%
26,30%
25,70%
22,00%
8,00%
3,00%
57,00%
43,70%
56,30%
0,50%
0,30%
0,90% 1,50%
1,00%
1,00%
8,00%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Assalariado c/ carteira
Assalariado s/ carteira
Ambulante
Aposentado/Pensionista
Desempregado
Faz "bico"
Do Lar
Estudante
Nunca trabalhou
Renda Mínima Bolsa Trabalho Começar de Novo
82
GRÁFICO 11
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO O ABASTECIMENTO DE ÁGUA NOS PROGRAMAS
SOCIAIS DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO,
2003
Fonte: PMSP/SDTS Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003
Referente ao abastecimento de água, conforme relatado no Gráfico
11, percebe-se que todos os indivíduos presentes nos três programas Sociais,
aproximadamente 86,00% a 88,00% abastecem-se de água advinda da rede; 2,70%,
do grupo Bolsa Trabalho, é a porcentagem máxima que faz uso de poço. É,
contudo, ínfima a porcentagem que pega água de carro pipa e no máximo 11,90%,
do grupo Começar de Novo, que fazem uso de água cedida da vizinhança. Este é
um dos dados favoráveis atribuídos aos moradores do Real Parque.
Rede
Poço
Carro Pipa
Cedida
88,20%
0,80%
0,40%
10,60%
86,50%
2,70%
0,90%
9,90%
88,10%
0,00%
0,00%
11,90%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
Renda Mínima
Bolsa Trabalho
Começar de Novo
83
GRÁFICO 12
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO O ESCOAMENTO SANITÁRIO NOS PROGRAMAS
SOCIAIS DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO,
2003
Fonte: PMSP/SDTS Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003
Quanto ao escoamento sanitário para estes moradores do Real
Parque, participantes dos três grupos dos Programas Sociais (RM, BT e CN),
segundo o Gráfico 12, detecta-se que os níveis de porcentagem de variação situam-
se nos 5,00% entre eles. Assim, tem-se no Começar de Novo (6,70%) como
máximo dentre aqueles cuja fossa é depositada em céu aberto, e como mínimo de
porcentagem os de Bolsa Trabalho (1,80%). Nos de fossa séptica, a variação de
porcentagem foi mínima, não chegando a 1,00% entre os três grupos de
participantes de Programas Sociais. A maioria dos indivíduos faz uso de rede de
esgoto, com uma variação de porcentagem entre 84,00% para os do grupo Começar
de Novo e 88,30% para os do grupo Bolsa Trabalho. Aproxima-se a porcentagem
dos 100,00%, que é o ideal proposto pela OMS. O que se pretende mostrar com
estas informações é a real dimensão da lesão do tecido social, numa mesma área
geográfica, em que se contrasta a desigualdade econômica e social entre ricos e
Escoamento Sanitário
86,90%
4,50%
88,30%
1,80%
84,00%
9,30%
6,70%
8,60%
9,90%
Rede
Fossa
Séptica
Céu aberto
Renda Mínima Bolsa Trabalho Começar de Novo
84
pobres. Enquanto a classe A, ganha em média 47 salários mínimos, perfazendo-se
atualmente em R$14.100,00, os excluídos percebem um total de 3 salários mínimos,
ou seja, R$ 900,00 (abr./2006)
27
, convivendo lado a lado com uma grande
desigualdade e a apatia dos mais abastados, que muito pouco fazem por estes
habitantes.
GRÁFICO 13
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO A ILUMINACÃO, NOS PROGRAMAS SOCIAIS DOS
MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO, 2003
Fonte: PMSP/SDTS Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003
No Gráfico 13, a iluminação encontra-se distribuída entre os
usuários de rede elétrica e ligação elétrica de puxadores (“gato”), em 50,00% para
cada uma destas categorias, isto de praticamente toda a população dos três grupos
de pessoas situadas nos Programas Sociais (RM, BT, e CN). Há uma porcentagem
desprezível de quem use querosene/gás e de quem não se utilize da rede elétrica,
dada a facilidade proveniente desta.
27
Ao se fazer a projeção cartográfica da área, alguns prédios muito próximos da favela Real Parque
foram inseridos, não sendo possível eliminá-los, distorcendo os dados, elevando a renda familiar dos
57,10%
42,90%
0,00%
0,00%
47,70%
52,30%
0,00%
0,00%
52,80%
46,90%
0,20% 0,10%
Rede elétrica
Ligação
elétrica
puxada/"gato"
Querosene/Gás
Não tem
Renda Mínima
Bolsa Trabalho
Começar de Novo
Iluminação
85
GRÁFICO 14
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO O DESTINO DO LIXO NOS PROGRAMAS SOCIAIS
DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO, 2003
Fonte: PMSP/SDTS Indicadores dos Programas Sociais, jun. 2003
No Gráfico 14, encontra-se relatado o destino do lixo, conforme os
moradores do Real Parque, presentes nos três Programas Sociais, quando se
observa que para os três grupos, as informações ficaram semelhantes para os
quatro diferentes meios de coleta. Visualiza-se aqui que a maioria dispõe de coleta
regular, variando em 10% de RM (76,00%), BT (69,40%) e CN (79,00%). Entre
20,00% e 30,00% variou a porcentagem daqueles que se utilizam da coleta eventual
(RM, 22,00%, BT, 27,90% e CN, 20,20%); quase ninguém mais costuma queimar o
lixo queimado, na atualidade, e um mínimo de porcentagem o joga a céu aberto, não
chegando nem a 2%.
Sintetizando estes dados, detecta-se que a presença feminina é
maciça em relação à masculina. Pode-se inferir que a mulher na favela Real Parque
está mais preocupada com sua subsistência do que o homem. Há uma
moradores da favela.
Destino do Lixo
0,00%
2,70%
0,00%
0,80%
76,00%
22,00%
1,80%
0,20%
69,40%
27,90%
79,00%
20,20%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
Coleta Regular Coleta Eventual Queimado Jogado
Renda Mínima Bolsa Trabalho Começar de Novo
86
predominância dos solteiros e de pessoas que possuem como escolaridade o ensino
fundamental e ensino médio. Dentre os portadores de necessidades especiais,
destacam-se aqueles com problemas físicos e visuais. No que diz respeito à
situação de inserção no mercado de trabalho, percebe-se um ápice de indivíduos
que “fazem bico” principalmente no Programa Começar de Novo e de estudantes no
de Bolsa Trabalho. Praticamente toda a favela é abastecida por água da rede
publica, no entanto, aproximadamente, 13,5% têm seu esgoto correndo a céu aberto
ou recolhido em fossa séptica. Em relação à luz, o abastecimento girou em torno de
50% da rede oficial e 50% clandestinos - “o famoso gato”. Vale lembrar neste
momento que o incêndio ocorrido em 2003 na favela, foi por conta destas ligações
que não conferem nenhuma segurança. A coletablica de lixo acontece duas
vezes por semana, porém existem vários locais em que se visualizam lixões a céu
aberto.
Por outro lado, ressalta-se que o Projeto Casulo é uma Ong que
atua no bairro Real Parque, mantida pelo Instituto de Cidadania Empresarial (ICE),
formada por empresários de grande potencial econômico no país. Tem como
missão: “contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população do Real
Parque e Jardim Panorama, por meio do desenvolvimento comunitário, que prioriza
o jovem como agente estratégico de transformação social” (Projeto Casulo, 2006).
Atua no desenvolvimento da cultura local; na educação, no que se refere ao
desenvolvimento de habilidades e competências de inclusão social; ação
comunitária desenvolvendo lideranças que favoreçam o desenvolvimento econômico
da região e empreendedorismo para capacitar o jovem à geração de renda. Possui
um Conselho gestor em que participam três empresários da região: quatro
representantes da favela, três representantes dos jovens, um representante do
poder público e três representantes do ICE.
Mas, apesar do esforço do Projeto Casulo, existe uma população
marginalizada que se encontra descolada de sua cidadania e, principalmente, de
seus direitos sociais. No entanto, esta tem causado grande incômodo à maioria dos
moradores da classe A, que não sabe o que fazer, pois de dentro dos seus
encastelados apartamentos visualizam uma paisagem desagradável, construída de
barracos, miséria e lixo.
87
Outro problema diz respeito à questão imobiliária. Apartamentos
próximos a uma favela são desvalorizados. (Foto 4 em anexo) Na atuação como
enfermeira e na convivência com os moradores do bairro durante 18 anos, a autora
pôde perceber algumas atitudes etnocêntricas. Rocha (1984) explica que o
etnocentrismo é uma visão segundo a qual um grupo é pensado e sentido como o
centro de tudo e de todos os outros. O grupo do “eu” que se acha melhor, superior,
pois possui o saber, o trabalho, o progresso e o outro é o grupo do anormal,
ininteligível, atrasado. Ao outro, nega-se a autonomia de falar de si mesmo.
Portanto, existem dois grupos: o “grupo dos favelados” visto pelo “grupo dos ricos”
como um bando de vagabundos, traficantes e ladrões, rotulados naturalmente como
preguiçosos. Paulo Freire (1987, p. 60) ao falar sobre os oprimidos” afirma:, o que
pretende os opressores “é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação
que os oprime, isto é adaptando-os a situação melhor que os dominem e ainda
recebem o nome simpático de assistidos.São casos individuais, meros
marginalizados’ que discrepam da fisionomia da sociedade”. Esta é organizada,
boa, e justa. “Os oprimidos como casos individuais, são patologia da sociedade sã,
que precisa, por isto mesmo, ajustá-los a ela, mudando-lhes a mentalidade de
homens ineptos e preguiçosos”.
Muitos movimentos ocorreram no bairro, por parte da classe A, para
que estes fossem afastados. O projeto Cingapura, por exemplo, foi uma tentativa de
isolamento, em que se construiria um bosque entre os prédios Cingapura e os
prédios de alto luxo (um cordão verde de isolamento) para separar as castas, projeto
que não conseguiu ser efetivado em seu objetivo final. Este cenário mostra um
espaço desorientado, compartilhado no cotidiano, que propicia reflexão às questões
da cidadania. Que cidadania é esta em que os espaços são hierarquizados pela
classe social? Para Dowbor (1996, p. 8-10), é essencial o "empowerment", ou
recuperação da cidadania, através do espaço local, do espaço de vida do cidadão.
(...) Transferir a cidadania para níveis cada vez mais amplos, e cada vez mais
distantes do cidadão, é transferir o poder significativo para mega-estruturas
multinacionais, enquanto se dilui a cidadania no anonimato”.
Ressalta-se que, em termos de construção da cidadania e
democracia, devem estas ser repensadas no contexto da globalização. Hoje, se
discutem as transformações do mundo globalizado para além do Estado Nação, do
88
mundo do século XIX, não globalizado, que eram partes que permitiam conhecer
aspectos de um todo. Com o mundo globalizado, a complexidade da dinâmica social
se deslocou das relações domésticas para as das relações globais. ”Portanto a
complexidade situa-se num espaço transnacional comum a todas as nações.” (LEIS,
2002, p. 199). Transportando estas idéias para o Real Parque, pode-se afirmar que
se tem aí um “bairro globalizado”, palco de todas as diversidades: pretos, índios e
brancos; pobres, indigentes e ricos; universitários e analfabetos; empresários e
artistas; cônsul e empregadas domésticas, faxineiras, vigias, pedreiros; barracos e
apartamentos de alto luxo; lixo e piscinas; carros importados e carroças. Distintas
dimensões da sociedade coexistem nos âmbitos cultural, econômico, ambiental e
político, transformando o processo da construção da cidadania divergente, não
compatível com o interesse comum e, sim, com o de grupos. Em suma, uma
“cidadania caótica”, minguada. Para conquistar a sua cidadania, o grupo
discriminado reivindica direitos de ser igual como os demais. No entanto, é
necessário que a classe dominante aceite e aprove esta igualdade para que haja a
sua assimilação. Como isto não ocorre, ou ocorre parcialmente, o grupo da minoria
se volta para si mesmo e procura manter a sua especificidade e a sua liberdade.
Constrói os seus guetos, a sua religião e a sua própria linguagem, “a linguagem da
favela”. É neste ponto que cresce o conflito entre ambos e a inferioridade é
internalizada, tornando-se difícil a coexistência. A indiferença existe, mas ela é
velada e não revelada, de ambos os lados. De um lado, homens engravatados,
presos em suas redomas, com medo de seqüestros e assaltos; de outro, homens
com medo de passar fome. O sentimento é o mesmo: medo, mas sentido por
subjetividades diferentes.
89
MAPA 3
Vista do Real Parque, por satélite e as classes sociais especificadas
FOTO 1 MAPA 4
Vista aérea da favela
90
FOTO 2
Vista aérea da favela área demarcada
Fonte: Google.
91
IV. O DIAGNÓSTICO PARTICIPATIVO DAS NECESSIDADES DA
POPULAÇÃO DO REAL PARQUE
Este capítulo relata como ocorreu o terceiro momento desta
investigação, em que se propôs fazer uma leitura da realidade que permitisse a
compreensão e a sistematização de problemas e necessidades da população do
Real Parque, analisando as dificuldades enfrentadas e suas possíveis mudanças.
Trata-se do diagnóstico participativo que, segundo Gutiérrez (2001),
é uma metodologia utilizada por grupos que, face à crise econômica, tem a
pretensão de desenvolver uma visão sócio - política global, que vise à transformação
da realidade por meio de estratégias metodológicas adequadas. O que se busca
colher neste tipo de diagnóstico são informações para identificar as necessidades
sentidas pela população que correspondem a problemas reais e não reais, e àqueles
não sentidos, mas reais. Traz em seus propósitos, a priorização das necessidades
mais importantes, a formulação de objetivos e a identificação de recursos. Torna,
portanto, um processo contínuo retro-alimentado na medida em que se vai
desvendando a realidade e esta se transforma.
Como trabalhadores da saúde, parte-se da premissa de que, para
trabalhar na saúde, tem-se que optar por uma concepção centrada na sua vigilância
e qualidade de vida, ancoradas na definição na Lei Orgânica 8080/90 art. 2.
0
,
parágrafo 3. (BRASIL, 1990).
A saúde tem como fator determinante e condicionante, entre outros, a
alimentação, a moradia, o saneamento, o meio ambiente, o trabalho, a
renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso a bens e serviços
essenciais. Os níveis de saúde da população expressam a organização
social e econômica do país.
Para isto, foram feitas dezoito reuniões realizadas no período de
27/02/2002 a 29/07/2002, todas registradas em ata, ocasiões em que foi colocada a
visão de saúde desta pesquisadora. Optou-se, dentre os diversos paradigmas
existentes, pelo Método da Roda e o “paradigma da avaliação emancipatória”. O
Método da Roda nada mais é do que a:
92
Aposta na democracia institucional não somente como um meio para
impulsionar mudanças sociais, mas como um fim em si mesmo, processos
que objetivem a construção de espaços coletivos. Entendendo-se por
Espaços Coletivos arranjos concretos de tempo e lugar, em que o poder
esteja em jogo; e onde, de fato, se analisem problemas e se tomem
deliberações (CAMPOS, 2000, p. 42).
O “paradigma da avaliação emancipatória”, segundo Saul (2001),
visa à análise e à crítica da realidade para transformá-la. É utilizada para avaliação
de programas educacionais e sociais. Tem dois objetivos principais: “iluminar o
caminho da transformação e beneficiar as audiências em termos de torná-las auto-
determinantes” (SAUL, 2001, p.105). O primeiro objetivo, declara o autor, é
necessário para conhecer o real e comprometer-se com o futuro, naquilo que se
quer ver transformado e modificado. O segundo visa permitir que os sujeitos de sua
própria história façam parte dela a partir de uma consciência critica, capaz de
direcionar suas ações de acordo com seus valores eleitos. Os conceitos básicos
desta proposta são: emancipação, decisão democrática, transformação e crítica
educativa. Transportando essas idéias para o cenário da saúde, foram utilizados
estes três primeiros elementos citados, porém adaptados ao foco de intervenção,
considerando-se que a emancipação prevê a consciência crítica.
Freire (1987, p. 84) também esclarece que: “Esta consiste em
desvelar a realidade e penetrar na essência do objeto para analisá-lo”. Portanto, a
conscientização não é existir fora da realidade. Ela só poderá existir na “práxis”, no
ato de ação-reflexão. Implica em uma unidade dialética em que os homens “fazem e
refazem o mundo”. A conscientização não se fundamenta na separação: de um lado
o mundo e do outro os homens. Pelo contrário, o que se pretende é a relação
“homem-mundo”. O processo dialógico deve ser entendido pelo “encontro entre os
homens, mediatizados pelo mundo (...) Uma educação que se emancipa não se faz
de ‘A’ para ‘B’ ou de ‘A’ sobre ‘B’, mas de ‘A’ com ‘B’, mediatizados pelo mundo”.
Os temas que apareceram nestas dezoito reuniões analisadas
foram: habitação, a festa das crianças, o problema local do lixo, formação do
conselho gestor do Centro de Saúde Real Parque, Prevenção da Dengue, a
Reforma do Centro de Saúde e a Implantação do Programa da Saúde da Família
(PSF), na Unidade.
93
Utilizando o Método da Roda, de Campos (2000), elegeu-se, pela
maior facilidade, a Unidade de Saúde como espaço coletivo por ser trabalhadora do
local. Acredita-se que o espaço público deva ser cedido à população como local
para que ocorram fóruns democráticos e o exercício da cidadania, em que arranjos
concretos se estabeleçam de fato e haja deliberações e decisões após a análise dos
problemas. As reuniões eram semanais e abertas à toda a comunidade, sempre
incentivando a participação das três favelas da região: Jardim Panorama; Real
Parque e Porto Seguro. A pauta das reuniões era feita no seu início,
democraticamente, com os componentes do grupo. Ao final da reunião, passavam-
se alguns informes necessários sobre campanhas de vacinação, dificuldades
estruturais enfrentadas pela unidade como, por exemplo: a falta de medicamentos,
escassez de funcionários e outros, além das negociações conseguidas com a
Coordenadoria de Saúde. Pelo fato de a autora atuar como facilitadora do processo,
sua participação nunca substituiu a autonomia do grupo. Visava sempre “despertar o
desejo de mudança” do grupo e “elaborar com eles os meios de realização”, nas
palavras de Brandão (1990, p.25). Conhecer o verdadeiro tal como se apresentava e
tentar captar esta dinâmica contraditória na fala de cada ator social. Desta maneira,
permitir que aqueles que fazem parte de sua história, construam a sua própria
história e direcionem ações a partir de uma reflexão crítica e valorativa (SAUL,
2001). É claro que se tinha consciência de que a presença e o olhar da
pesquisadora não conseguiriam captar o real com toda a sua neutralidade. Como o
próprio Oliveira (2000) afirma, a partir do momento que se parte para uma
investigação empírica, o olhar do observador já alterou previamente. Existe uma
espécie de refração da imagem apreendida pelo esquema conceitual formador. O
ouvir é outra faculdade que deve, junto com o olhar, servir de duas muletas no
exercício da investigação.
A caminhada da pesquisa é sempre difícil, sujeita a muitas quedas. É
nesse ímpeto de conhecer que o ouvir, complementando o olhar, participa
das mesmas precondições desse último, na medida em que está
preparado para eliminar todos os ruídos que lhe pareçam insignificantes,
isto é, que não façam nenhum sentido do corpus teórico de sua disciplina
ou para o paradigma no interior do qual o pesquisador foi treinado
(OLIVEIRA, 2000, p. 21).
Nesta etapa, foi utilizada a observação participante que tem
chamado a atenção como ferramenta de coleta de dados, pois permite que os atos
94
de olhar e ouvir, que encerram qualidades peculiares, em que “a cultura do outro ‘de
dentro’ em sua verdadeira interioridade” (OLIVEIRA, 2000, p. 34) aflora. Esta
abordagem guarda uma superioridade sobre os procedimentos tradicionais, tais
como a entrevista. Trata-se de um espaço semântico que se abre, através do
diálogo, entre iguais, sem o receio de estar contaminando os elementos do próprio
discurso. “O ouvir ganha em qualidade e altera uma relação, qual estrada de mão
única, em uma de mão dupla, portanto uma verdadeira interação” (OLIVEIRA, 2000,
p. 24).
Por questões didáticas, apenas para facilitar o entendimento, as
reuniões e os temas que surgiram, encontram-se no ANEXO F.
As necessidades mais gritantes que foram apontadas pelos
moradores do Real Parque eram na época e o são até hoje: habitação e o desejo da
implantação da coleta seletiva do lixo. Optou-se por trabalhar com a coleta seletiva
de resíduo sólido, por vários motivos: 1) Pelo fato de a autora ser profissional da
área da saúde, podendo exercer uma ação mais efetiva, uma vez que se trabalharia
com variáveis dependentes da vontade própria e da população, e não com variáveis
independentes (instituições governamentais); 2) A coleta do resíduo sólido
contribuiria para o resgate da cidadania, para a geração de renda sustentável com o
intuito de minimizar a pobreza, a “exclusão social”, ao lado da formação de
consciência ambiental; e 3) O trabalho estaria diretamente atrelado à saúde em sua
determinação social e às ações preventivas contra a dengue, leptospirose e demais
moléstias causadas pelo lixo.
Dois fatos que surgiram nas discussões feitas foram bastante
impressionantes na época: o desmoronamento dos barracos do córrego, quando os
desabrigados saem da apatia e do conformismo, do esvaziamento da organização
popular para uma verdadeira construção de cidadania e a festa das crianças que
parecia ser algo muito importante para a população e que, naquele momento, a
pesquisadora não conseguia entender tal significado, ocorrendo isto somente mais
tarde.
Neste período também ocorreu a consciência do movimento que
emergia em relação à cidadania. A percepção daqueles atores sociais se
transformava como se fosse preciso uma tragédia para acordá-los de seus direitos.
95
Percebeu-se que eram diferentes os significados que apontavam, mas ao mesmo
tempo iguais em sua significação. Existiam ações e reivindicações dirigidas ao
aparelho estatal, com visões de mundo diferentes: enquanto a preocupação dos
despossuídos era pela moradia, a preocupação da classe mais abastada, que
também freqüentava as reuniões, era a canalização do córrego.
4.1 O desmoronamento dos barracos do córrego: da cidadania negada ao
nascimento da cidadania
Com as fortes chuvas de janeiro de 2002, o córrego (Foto 7 em
anexo) que cruza a Rua Duquesa de Goiás (atualmente canalizado, por onde passa
a avenida nova, ainda sem nome 2006), no bairro Real Parque, possuía um
terreno em declive, com barracos pendurados em suas margens, e que vieram a
desmoronar, deixando 64 pessoas desabrigadas. Dezessete famílias moradoras do
córrego não abandonaram seus barracos, em risco iminente de desmoronamento.
Na primeira reunião registrada em ata, datada em 27/02/2002,
aparece o problema, com a fala da líder que emergiu quando da catástrofe. Sua fala
assumia um tom de segurança, e embora de estatura baixa e franzina, mostrou-se
forte e resoluta interiormente. Tomou conhecimento de que no dia do
desmoronamento as pessoas tinham ficado desesperadas, pois haviam perdido
quase todos os parcos pertences: geladeira, fogão, móveis, roupas. Na noite da
catástrofe, a população invadira o alojamento Cingapura, pela ausência de uma
solução viável por parte da Secretária Municipal de Habitação e da Regional do
Butantã. Este se encontrava interditado para oportuna demolição, pois corria risco
de desmoronamento desde sua desocupação, uma vez que foi moradia provisória
dos favelados, por ocasião da construção dos prédios do Cingapura, no governo
Paulo Maluf, na marginal Pinheiros.
No primeiro momento, houve a vontade daquela gente invadir a
Escola Municipal, mas após rápidas discussões entre os desabrigados, pois chovia
torrencialmente, e eles precisavam salvar o pouco que lhes restava, concluíram que
a Escola poderia prejudicar seus próprios filhos que lá freqüentavam. Não tiveram
96
dúvida: Invadiram o alojamento, enfrentando o vigia e aí se acomodaram da melhor
maneira que puderam, permanecendo até duas famílias no mesmo compartimento.
Foi neste momento, diante do risco de vida a que foram submetidos e com os
poucos valores materiais que haviam sido resgatados, no meio do sentimento de
desespero, que os desabrigados do Real Parque mostraram-se por inteiro. Como
relata Heller (1970), é no cotidiano que o homem se mostra por inteiro em todos os
aspectos de sua personalidade e individualidade, colocando para fora todas as suas
capacidades intelectuais, os seus sentimentos, paixões, e idéias. Apesar dessas
capacidades não poderem se realizar em sua plena potencialidade, têm seu grau de
significação e de importância. E foi exatamente o que se presenciou neste momento
de tensão, em que todos os desvalidos, “descamisados”, se uniam e reuniam as
forças que lhes restavam para resolver uma exigência da vida cotidiana. É o
momento em que ocorre a conscientização e o coletivo exerce sua força
transformadora.
Os alojamentos nada mais eram do que construções de tábuas, com
divisões quadradas, cuja separação era feita por madeira. A população de ratos e
baratas repartia com seus moradores os compartimentos do alojamento em busca
de alimentos. Os banheiros e áreas de lavanderia eram comuns. Isto causava
muitos desentendimentos em relação ao uso e ao direito de cada um, à escala feita
pela líder em relação ao horário do banho, higiene das instalações após o seu uso e
a lavagem de roupas entre os seus usuários.
Esta situação, com o decorrer do tempo, tornou-se em muitos
momentos, insustentável, em decorrência principalmente da falta de liberdade e
privacidade (pois o alojamento, apesar das condições precárias, era fisicamente
melhor do que muitos dos antigos barracos). Fortes atritos ocorriam entre os
ocupantes, surgindo brigas e discussões entre as mulheres principalmente, pela
proximidade compartilhada entre crianças, companheiros de família nuclear
diferente, dividindo o mesmo espaço físico.
A situação daqueles que vivem em barracos não está longe desta
triste realidade. Os barracos são muito próximos uns dos outros. A família
constituída de vários filhos (em média, quatro ou cinco, no Real Parque) vive, muitas
vezes, em pequenos cubículos sem nenhuma divisão, sem liberdade alguma. A
97
liberdade de diálogo privado é o outro lado da mesma moeda, já que tudo o que se
fala se escuta através do vazio das tábuas colocadas irregularmente na horizontal e
algumas sobrepostas, constituindo as “paredes” que deixam frestas por onde
passam luz, calor, frio, barulho e também a esperança de um dia poder mudar.
Trata-se de uma desfiguração da própria subjetividade, tornando suas relações
interpessoais caóticas. Esta liberdade entende-se ser como aquela a que se refere
Heller (1970), da satisfação do próprio Eu. O Eu que tem fome, sede, sente dores
físicas e psíquicas, de quem nascem afetos e paixões. Este Eu que dispõe de uma
dinâmica em torno das necessidades humanas que devem ser preenchidas,
relacionadas diretamente aos direitos universais do indivíduo e do processo do
direito à cidadania. Mas o que é cidadania? Deixe por um momento esta indagação
para posterior reflexão.
A liberdade é um direito político, conforme já mencionado. E o
direito à vida privada também. Mas, neste caso, assiste-se à total “exclusão” da
liberdade individual do favelado, agravada pelas condições de moradia provisória
que piora para aqueles que, morando em barracos, condições indignas para um ser
humano, não possuem sequer algum nível de privacidade.
Os favelados, em situação de abandono pelas autoridades, não
conquistaram a liberdade mais básica e fundamental do ser humano, que é a de se
alimentar, dormir, vestir e amar. Esta situação permaneceu durante anos e ainda
permanece até hoje, com 26 famílias que continuam morando no alojamento novo,
(que fora posteriormente construído), sem nenhuma solução definitiva, por total
descaso do governo municipal.
Embora a autora pudesse constatar que a cidadania vinha sendo
tecida fio a fio com reuniões de reivindicações, solicitações e visitas das autoridades,
percebia que havia, em alguns momentos, certa descrença por parte dos moradores
em relação aos representantes políticos, uma vez que existe aí a crença de que os
políticos são todos iguais e de que não adianta lutar.
Na época, duas propostas foram oferecidas pela prefeitura para
resolver o problema: passagem de ônibus de retorno à sua terra natal para toda a
família, (pois a maioria era do Nordeste) ou R$ 5.000,00 para comprar outro barraco
em outro bairro, como forma de indenização.
98
Numa das reuniões, a líder do córrego disse o seguinte:
Existem hoje vinte e três famílias no alojamento e segundo a... (referindo-
se à representante municipal da habitação) não haverá liberação de verba
para comprar os barracos... Mas... Mesmo assim.... Os moradores estão
inebriados com a oferta de cinco mil reais.
Noutro momento seguinte, ela informou:
Os moradores só me respeitam porque moro lá com eles, mas eles não
respeitam o (referindo-se ao presidente e vice-presidente da Associação
dos Moradores do Real Parque, recentemente eleitos na época).
Conforme comentado anteriormente iniciaram-se as reuniões no
Centro de Saúde, local que serviu como espaço de discussão, com o objetivo de
perceber as necessidades sentidas pela população, através do Método da Roda.
Todos os moradores do bairro foram convidados.
A primeira reunião girou praticamente em torno dos desabrigados, e
após muita discussão, foi sugerido por um dos presentes que se fizesse uma
pesquisa junto aos moradores a respeito da real situação e se descrevesse num
relatório tudo o que estava acontecendo para que fosse entregue à Administração
Regional
28
e à Secretária de Habitação. Este relatório foi elaborado pelos
moradores e entregue, três meses após, ao Secretário da Habitação (em abril),
relato registrado em ata do dia 10/04/2002. Abordava-se no relatório a situação dos
moradores desabrigados e solicitava-se urgência na solução dos problemas. O
número de famílias morando no alojamento naquele momento era de 23, além de
outras 16 que se encontravam vivendo junto ao córrego, em condições de risco.
Ocorreu, posteriormente, o aumento das famílias no alojamento devido às fortes
chuvas que continuaram e o possível risco de desmoronamento de mais barracos de
outros morros da favela Real Parque. Não havia mais condições de alojar ninguém,
mas a líder do córrego, compadecida, diante da lentidão das autoridades, sempre
dava um jeitinho. É claro que isto causava revolta e reclamações dos moradores
contra a líder e um outro líder do córrego, que tentava exercer a democracia,
colocando os assuntos discutidos em votação. Existia, no entanto, sempre um
discurso velado coercitivo do tipo “se vocês não colaborarem comigo, não poderei
continuar brigando por vocês na Prefeitura”.
28
Hoje, na atual estrutura administrativa, é denominada de subprefeitura.
99
Algum tempo depois, tornou-se evidente para a pesquisadora que a
idéia dos desabrigados era a de receber a indenização do barraco e, quando as
coisas se acalmassem, reconstruiriam os mesmos ali naquele lugar e, então, tudo
continuaria de forma idêntica. Portanto, o problema na verdade não se resolveria,
mas viraria um círculo vicioso, como um moto contínuo. Segundo Sawaia, esta
tendência de burlar as regras, mostra-se em forma de indiferença, uma característica
dos moradores de favelas (1990, p. 47):
...na situação de miserável é preciso socializar a desgraça, solidarizar-se
na troca de favores entre os pares. Por ser uma luta de sobrevivência do
capitalismo, carece, porém, pensar em si mesmo, é ‘preciso tirar vantagem
em tudo’. Assim, a vítima é também algoz de seus pares, reavivando a
competição entre vencedores e vencidos.
O que se tem na favela é a unidade na miséria, e não a solidariedade entre
os iguais.
Por ocasião da visita que se fez ao alojamento, percebeu-se que
muitos deles passavam fome e outras necessidades humanas básicas.não
atendidas Uma mobilização foi realizada em todo o bairro e em supermercados
locais, visando a obter ajuda das mais diversas formas, principalmente alimentação,
através de uma carta aberta à população redigida pelo presidente da Associação
Amigos do Bairro e por esta autora. Uma grande cadeia de supermercados das
imediações levou um caminhão “lotado” de alimentos, que foi distribuído pela
liderança do córrego, em forma de cestas básicas. Tomou-se conhecimento, mais
tarde, de que não houve justiça na distribuição, mas tal fato não foi passível de
verificação. O discurso vigente era de igualdade e fraternidade. Será que mais uma
vez alguém tentou levar vantagem? Aconteceram também doações de madeira para
a construção de barracos, de roupas, de agasalhos, de utensílios e de outras coisas
mais.
O que se verificou durante as visitas ao alojamento é que as
pessoas se apresentavam como que vazias de perspectivas diante da situação em
que se encontravam. Sentiam, no entanto, que o mais importante naquele momento
era lutar pela sobrevivência. O comportamento era de apatia, com relatos de
embriaguez, o que ocasionava brigas entre os moradores, desrespeitando as
normas estipuladas por eles mesmos para manter a ordem coletiva, talvez como
forma de sanar a angústia e a solidão em que se encontravam...
100
Outro problema grave que ocorreu foi em relação ao esgoto que
passava a céu aberto, próximo ao alojamento apelidado pelos favelados de
“Piscinão”, que servia como risco de acidentes para os moradores, principalmente
para as crianças, além de albergar uma grande quantidade de ratos, baratas, que
poderiam desencadear doenças. Levou muito tempo para o governo local resolver
tal situação e, mais uma vez, ficou registrado o descaso dos representantes
governamentais.
Poucos desabrigados participaram das reuniões feitas no “Centro de
Saúde”, com exceção da “presidente da Associação do Córrego”
29
, assim
denominada, e mais um morador desabrigado que fazia parte desta associação, e
que estavam sempre presentes. De outro modo, os desabrigados participaram de
maneira maciça nas reuniões feitas pelas lideranças do córrego. Percebeu-se aqui
que, mesmo antes de formalizar uma associação, ela se constrói nas idéias e passa
a representar um futuro desejo do sujeito. Ao invadirem o alojamento em risco de
desmoronamento, arriscando a sua própria segurança e vida, mostraram uma forma
de pressão popular na conquista de seus direitos sociais, visto que a única coisa que
teriam a perder seria a própria vida.
É na cidadania negada, na ausência, no sofrimento, que a favela é
acordada para o exercício da cidadania. Dentre as conquistas dos direitos sociais, a
habitação é apontada por Covre (1995) e Vieira (2004) como de segunda geração.
Estes direitos foram conquistados no século XX, a partir dos movimentos operário e
sindical. São os direitos que dizem respeito às necessidades humanas básicas
como: alimentação, saúde, educação, aposentadoria, seguro desemprego, ou seja,
aqueles que garantem acessibilidade aos meios de bem-estar social e
sobrevivência.
Em seus estudos, Maslow (sd), psicólogo americano, aponta para a
hierarquia das necessidades humanas básicas, tendo como primeiras, as
fisiológicas, seguidas das de segurança, de afetividade, de estima e de realização.
Considera como necessidades fisiológicas: alimento, água e sono,
que são as mais importantes de todas para este psicólogo. Um indivíduo com fome
29
AAssociação do Córrego foi montada em caráter de emergência com os moradores que
moravam próximo ao córrego devido ao desmoronamento dos barracos
101
sonha com a comida. A compra de um carro fica secundária nesta circunstância.
Como necessidades de segurança, menciona serem: a busca de segurança física,
estabilidade no mundo, na preferência das coisas familiares em detrimento das não
familiares. Ou do conhecido em troca do desconhecido. Para Maslow, ainda, a
tendência de quase todo mundo é a de abraçar uma religião ou uma filosofia de
vida, motivada pela procura de segurança, como também a compra de seguros e
vários tipos de imóveis. As necessidades afetivas são representadas, neste estágio,
quando a pessoa começa a sentir necessidade de amor, afeição, e enquadramento
social. Sente a ausência de amigos, de familiares e/ou de filhos. A necessidade de
pertencer a uma turma é altamente importante, como por exemplo, a fraternidade e
o matrimônio; a paternidade é o primus motor. As necessidades de auto-estima são
percebidas quando as necessidades afetivas estão mais ou menos satisfeitas, e,
então, a necessidade de auto-estima, auto-respeito, reputação, status, surge,
incluindo o desejo de força, independência e autoconfiança, além de
reconhecimento ou estima aos olhos dos outros. Nessa fase as pessoas trocam as
marcas de seus carros por marcas mais caras, e a propaganda deixa subentendido
isso. Pessoas que têm a sua auto-estima elevada têm carros e outras coisas mais
caras. Aqui “o que a gente pode ser tem que ser”, representam as necessidades de
realização: o artista tem que pintar, o professor tem que ensinar, todos têm que dar o
seu recado. Esta necessidade é o desejo de auto-satisfação, de realização do seu
potencial. É nesse ponto que as necessidades cognitivas parecem tornar-se mais
importantes, filosofar por amor ao conhecimento. Na hierarquia de Maslow somente
um dos estágios prepondera no momento, embora outros estejam influindo.
Para os moradores da favela Real Parque, de uma maneira geral, a
hierarquia de necessidades difere, e muito, das defendidas por Maslow. Para eles, a
saúde é a primeira necessidade apontada, vindo em seguida a habitação junto com
saneamento básico, com posto policial (segurança), lazer e, por último, morar fora
da área de risco. Segundo o depoimento de um morador do prédio Cingapura, na
favela Real Parque e membro da Associação Amigos do Bairro Real Parque:
Em primeira prioridade seria a liberação do posto para ter um atendimento
mais eficaz, na área de saúde, este seria um ponto mais prioridade.
Segundo, ter uma moradia digna, com mais higiene, como por exemplo,
até o Cingapura, a gente tem um exemplo de ser. Se não tem como fazer
o Cingapura, tê (ter) a liberdade de abrir um espaço para o próprio
morador estar fazendo a sua própria casa, desde que respeite a ordem da
102
urbanização, que é uma coisa muito difícil nesta área mas..., isto num
impede da gente tentar fazer um.... Elaborar um projeto, com a própria
população para tá (estar), é... Procurando fazer a... moradia dele.
Juntamente com a moradia, tá envolvendo também a parte de
saneamento básico, que é o essencial, mas... o que mais precisa nesta
área é o saneamento básico, pois aqui tem esgoto a céu aberto. Terceiro
seria mais... como se diz... aqui tem muitas coisas, coisas simples de ser
feita que, o posto policial, uma área de lazer, mais grande que a gente
possa tá desfrutando um pouco com nossos filhos porque aqui a gente não
tem área de lazer. O meu filho vive praticamente trancado e não é isso
que a gente qué para os nossos filhos. Qué uma área que dê espaço...
Para desenvolver melhor, pra não tá pensando em coisas que não deveria
pensá. Tem várias coisa que a gente poderia tá colocando também né...
A parte da área de risco, a gente tem bastante também. Temos orientação
também... as pessoas vem para nos orientá, mas eu não sei o que
acontece que.. .não consegue, fazê... Consegue o objetivo de trazê as
pessoas prá... dá orientação, as pessoa prá.... tá orientando.... pessoas
prá tá orientando com fazê, prá tê um espaço mais adequado. E... o
problema de moradia... Mais o foco maior de dificuldade daqui é moradia.
Então, tê pessoas que possa analisa situações, que possa vê, achá uma
saída prá... a gente consiga revertê esta situação.
Na reunião do dia 8/05/2002, contou-se com a presença da
representante da Regional do Butantã, que se comprometeu com os presentes a
realizar uma visita junto com o engenheiro do município no dia 13/05 a fim de que
este fizesse nova vistoria dos barracos situados na área de risco (no córrego) e ao
pessoal do abrigo, para melhor diagnóstico da situação e posterior negociação com
o secretário da habitação.
Pela primeira vez apareceu á reunião, no dia 26/06/2002, um
empresário do bairro com a intenção de canalizar o córrego por meio de um trabalho
em mutirão, sob orientação da prefeitura. Esta seria uma solução pertinente e
definitiva para que não ocorressem mais os desmoronamentos dos barracos. Mas,
para isto seria preciso muita negociação dos moradores que lá permanecessem,
mesmo correndo risco de vida. As negociações eram difíceis e a liderança muito
pouco conseguia. Cabe aí mais uma reflexão: não representaria esta recusa uma
coragem individualizada e um desejo de lutar pelos seus direitos sociais de
cidadania?
No dia 5/07/2002, contou-se com a presença do subprefeito da
Regional do Butantã na reunião. Dentre todas as suas falas, comentou sobre a
viabilidade da canalização do córrego, que poderia se transformar, posteriormente,
em uma avenida. Acreditava, porém, ser difícil a desapropriação do terreno e a
103
disponibilidade de verba para tal. Sugeriu, então, a limpeza do mesmo, a
urbanização e a arborização da área para evitar que continuasse a ser um depósito
de lixo, como estava acontecendo. Colocou que a questão da habitação do Real
Parque, Panorama e Porto Seguro é complexa. Alegou problemas de verba para
resolver o impasse. Sugeriu também leiloar áreas para grandes empresas na base
de troca. As empresas ficariam com o terreno e construiriam prédios populares em
outras áreas (ressalta-se que o terreno neste bairro tem um valor imobiliário
altíssimo). Ficou acertada, então, a proposta de uma reunião ampliada e também de
se organizar uma comissão da habitação, marcada para o dia 15/07/2002. Telles
(1990) afirma que a ação tutelar do Estado, em relação aos direitos, não tem como
referência a noção de igualdade, mas uma lógica que fica por conta do critério
tutelar que define quem será credenciado aos serviços assistenciais ou não. Resiste
reconhecer aqueles que não possuem trabalho, confundem-nos com vadiagem e em
sua concepção de cidadania acredita que as reivindicações legítimas excluem a
liberdade política, confundida como transgressão e desrespeito à ordem.
Como comenta Demo (2001), a cidadania é a capacidade
estratégica de saber intervir de maneira alternativa. Não se consegue controlar os
governantes, mas é possível argumentar, discutir, enfrentar e sugerir a eles, por
meio de um coletivo organizado, a se tornarem sujeitos de sua própria história, e isto
os sujeitos do \Real Parque já vinham fazendo
4.1.1 A eleição do Conselho Gestor do Real Parque
A eleição do Conselho Gestor do Real Parque foi marcada para o
dia 20/07/2002. Observou-se que os moradores que freqüentavam as reuniões
estavam motivados pelo desejo de melhores condições de vida e conquista de seus
direitos, mas não demonstravam muito interesse em participar “oficialmente” do
Conselho Gestor da UBS.
Para melhor elucidação, explicaremos sucintamente o que vem a ser
o Conselho Gestor.
104
A Conferência Nacional de Saúde foi criada no ano 1937, através da
lei 378 que tinha como atribuição assessorar o então Ministério da Educação e
Saúde Pública, em parceria com o Conselho Nacional de Educação. No entanto, o
marco importante de transformações em participação popular e de formulação de
novas políticas publicas de saúde, com proposta de um novo modelo de assistência,
foi Sistema Único de Saúde (SUS) tem cujo catalisador a 8ª Conferencia Nacional de
Saúde realizada em 1986. Esta não se limitava apenas a reformas econômica e
administrativa, mas numa revisão geral da legislação, constituindo o que se chamou
de Reforma Sanitária. A participação popular surge no conceito de saúde como
podemos verificar:
Á saúde não devendo ser conquistada pela população em suas lutas
cotidianas. (...) Deste conceito amplo de saúde e desta noção de direito
como conquista social emerge a idéia de que o pleno exercício do direito à
saúde implica garantir: (...) a participação da população na organização,
gestão e controle dos serviços e ações de saúde. (...)
A evolução histórica desta sociedade desigual ocorreu quase na presença
de um Estado autoritário, culminando no regime militar, que desenvolveu
uma política social voltada para o controle das classes dominadas,
impedindo o estabelecimento de canais eficazes para as demandas sociais
e a correção das distorções geradas pelo modelo econômico (...)
debilidade da organização da sociedade civil, com escassa
participação popular no processo de formulação e controle de
políticas e dos serviços de saúde. (...) e excessiva centralização das
decisões e dos recursos em nível federal.(...) Para assegurar uma
Assembléia Nacional Constituinte livre, soberana, democrática, popular e
exclusiva (...) estimular a participação da população organizada nos
núcleos decisórios, no vários níveis, assegurando o controle social
sobre as ações do Estado. (...) É necessário que se intensifique o
movimento de mobilização popular para garantir que a constituinte inclua a
saúde entre as questões que merecerão atenção prioritária.
30
(BRASIL,
1986)
Mas, só a partir da Constituição de 1988, que efetivamente se tem a
garantia de participação da comunidade na gestão dos serviços de saúde. com os
objetivos: avaliar a situação da saúde, formular novas propostas e atuar no controle
da execução das políticas publicas de saúde. Foi a partir de 1988, quando
promulgada a nova Constituição Brasileira, que temos garantido por lei a
participação popular conforme os seguintes artigos:
Art 1º parágrafo Único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente (...)
30
Grifos nossos.
105
Art.198.
III. Participação da comunidade
31
.
(BRASIL, 1988)
Salientamos que a participação da Comunidade, segundo
Nascimento, no custeio das despesas da seguridade social
8
aparecem no artigo 195
da Constituição. Por outro lado, participa na gestão administrativa, como afirmado no
artigo 194 da mesma Carta Magna:
A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os
direitos relativos a saúde, a previdência e assistência social .(....) VII
caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a
participação da comunidade. (NASCIMENTO, 1991)
A participação da comunidade no SUS é assegurada pela lei federal
8080/90, votada em 19/09/1990, que regulamenta as ações de serviços de saúde de
em todo o território nacional e enfatiza a participação da comunidade através do
Conselho Nacional de Saúde, como podemos verificar:
Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e a recuperação da
saúde; a organização dos serviços correspondentes e dá outras
providencias.
Art.7º - As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados
contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde
(SUS) são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art.198
da Constituição Federal, obedecendo ainda os seguintes princípios (...).
VIII participação da comunidade. (São Paulo, 1991)
Com a promulgação da Constituição de 1988, a participação social
foi regulamentada, valorizada e percebida como um importante instrumento na
construção de um novo jeito de fazer saúde, cujos princípios eram a integralização
da assistência e a descentralização das ações de saúde.
Em 1990, a lei federal nº 8.142/90 institui os conselhos e as
conferências de saúde, como instrumento de controle social a partir da participação
de vários segmentos da sociedade, acompanhando o governo na implantação e
definição de políticas públicas de saúde. Esta lei vem regulamentar a participação
dos vários segmentos da população na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS).
Em seu artigo 1º cria as instâncias colegiadas, como as Conferências de Saúde e os
Conselhos de Saúde. (GOHN, 2001)
31
Grifos nossos.
106
4.1.1.a Conselhos Comunitários em São Paulo
Para Gohn (2000), aparecem três tipos de conselhos no século XX
no cenário nacional. Os conselhos comunitários, criados para participarem da
administração municipal, no final dos anos 1970; os populares, que surgem dos
movimentos populares e setores organizados da população; os institucionalizados,
que participam da gestão publica criados através do ato do legislativo que são os
conselhos gestores e o conselho de representantes previsto pela lei Orgânica
Municipal de São Paulo. (GOHN, 2001)
Os conselhos comunitários, em São Paulo, partiram de setores
organizados da sociedade, administradores e governos. Criados em 1960, foram
propostos por Adhemar de Barros no Governo do Estado de São Paulo. (GOHN,
2001)
Em 1979 foram criados pela Prefeitura do Município de São Paulo,
conseqüente às mobilizações sociais e políticas, os conselhos comunitários. O então
prefeito da época, Reynaldo de Barros, cria o Conselho Comunitário denominado na
época de “forças comunitárias”. (GOHN, 2001)
Em 1984, no governo Montoro, foram criados os Conselhos na
Secretária da Família e Bem Estar Social (FABES), com o objetivo de criar canais de
participação popular. Teve-se nesta época a preocupação de não institucionalizá-los
para que os grupos se pudessem expressar com naturalidade e espontaneidade.
(GOHN, 2001)
Os Conselhos Populares (CPs) surgiram em oposição ao regime
militar pelo partido de esquerda e tinham como núcleo central a participação popular.
Eles surgem como um espaço de organização dos movimentos sociais de massa,
não exclusivamente sindicais, nem político-partidários. Vale ressaltar dois exemplos
significativos: o Conselho Popular de Campinas, no início dos anos 1980 e o da
zona leste de São Paulo criado em 1976 pelos sanitaristas dos postos de saúde
articulados ao partido comunista da região e as CEB. (GOHN, 2001)
107
Os conselhos gestores têm como papel mediar a relação entre a
sociedade e o Estado e representa a participação da população, estabelecida de
maneira concreta pela Constituição Federal e pela Lei Orgânica n
o
8080. Implica no
planejamento das ações de saúde com a participação dos usuários, movimentos
sociais, funcionários e poder público. Tem como papel elencar prioridades a partir
das dificuldades sentidas em seu meio ambiente, a construção de um planejamento
conjunto, com ênfase na discussão das prioridades, levando o gestor sempre a
repensar sua prática, fazendo os ajustes necessários para um atendimento com
qualidade. A sua importância é reconhecida de forma oficial, pois, como já vimos
anteriormente, o repasse financeiro de verbas federais só poderá ocorrer aos
estados e municípios a partir da existência dos conselhos, legislação em vigor desde
1996. Devemos estar atentos que estes são diferentes dos conselhos populares,
porque estes últimos são constituídos apenas por representantes da sociedade civil,
não tendo seu papel oficializado junto ao poder publico. Estes deveriam funcionar
como fontes de captação das reivindicações da população em geral, e depois
repassadas ao Conselho Gestor para as possíveis negociações. No entanto, na
prática isto não ocorre devido os diferentes interesses políticos, que acabam
cindindo o objetivo comum.
Para que haja implantação dos conselhos de saúde há necessidade
de sua regulamentação por leis estaduais e municipais. No município de São Paulo,
o decreto n
o
42.005 regulamenta a lei 13.325 de 8 de fevereiro de 2002, que dispõe
sobre a organização de conselhos gestores do Sistema Único de Saúde. Os
conselhos Gestores de unidades de saúde têm composição tripartide, com no
mínimo 4 (quatro) e no máximo 16 (dezesseis) membros e o mesmo número de
suplentes (SÃO PAULO, 2002) sendo 50% de representações de usuários, 25% de
representantes dos trabalhadores de saúde e 25% de representantes da direção da
unidade respectiva.
Competem aos Conselhos Gestores, observadas as diretrizes do
Sistema Único de Saúde: Não só propor como também acompanhar, avaliar e
fiscalizar os serviços e as ações de saúde prestada à população, bem como solicitar
informações de caráter técnico administrativo, econômico, financeiro e operacional,
relativas à respectiva unidade, acompanhar o orçamento participativo; participar da
elaboração e do controle da execução orçamentária; definir estratégias de ação
108
visando à integração do trabalho da unidade aos Planos locais, regionais, municipal
e estadual de saúde, assim como os planos, programas e projetos intersetoriais.
(SÃO PAULO, 2002)
Como podemos observar, os Conselhos Gestores, popularmente
ditos Conselhos de saúde, têm caráter deliberativo e atuam propondo medidas que
visam aperfeiçoar o planejamento de saúde, e acompanham a sua organização
fazendo uma constante avaliação e controle. Mas não é só isso, eles deverão
acompanhar o orçamento econômico financeiro e operacional e participar da
elaboração e controle da execução orçamentária; além disso, devem ter acesso a
todas as informações neste nível. A eles deverão ser encaminhadas todas as
reivindicações, queixas e denúncias que deverão ser averiguadas e respondidas.
Em relação às Conferências de Saúde estas têm caráter consultivo.
A transformação social ocorre quando o sujeito perde a sua atitude
solipsista para tornar sujeito coletivo, cuja ação se dá através da participação
popular. Isto garante o despertar da consciência que através das lutas lhes
asseguram o exercício da cidadania. A própria ação de discutir os problemas em
roda, refletir, é válida na construção da subjetividade, mesmo que isso não reverta
concretamente no resultado pretendido. A construção da auto-estima vai se dando a
partir de pequenas lutas, que se concretizam e se substanciam operando mudanças
subjetivas graduais e crescentes em que renasce o sentimento de esperança, “que
as coisas podem mudar...” apesar das dificuldades.
A institucionalização dos movimentos populares (Conselhos
Gestores) na gestão do SUS coloca em sua legalidade o planejamento,
acompanhamento e fiscalização da execução das políticas de saúde, que, sem
dúvida, é um avanço na adoção de medidas que possam interferir na gestão. No
entanto, há uma série de criticas a este respeito. Eles realmente cumprem este
papel consultivo e/ou deliberativo? O próprio papel dos conselheiros na prática não
está bem definido. Desta maneira, muitas vezes eles se perdem em sua atuação e
não sabem até que ponto podem operar e onde encontram os seus limites. No
Município de São Paulo, na gestão de 2000 a 2004, várias capacitações foram feitas
para sanar esta lacuna. De outra maneira observamos que muitos gestores de
Saúde, e até alguns na escala de gestão municipal de demais Municípios, não
109
encaram a participação popular como algo pertinente, tendo-a como perda de tempo
ou um sério obstáculo à sua governabilidade. São consciências dominadoras,
reflexos da ideologia burguesa e da política neoliberal, em que o Estado deixa de ser
um promotor de Bem Estar Social para cumprir as metas definidas pelo Fundo
Monetário Internacional e Banco Mundial.
Cabe ao gestor local atenção a todo este percurso histórico, bem
como à realidade contemporânea a fim de que se construa um fazer em saúde com
a comunidade, potencializando seus recursos, sua capacidade instalada (seja
individual, familiar ou coletiva), acrescendo aí a questão do “cuidar em saúde
responsável”, tanto por parte do individuo, dos grupos, da família e/ou da
comunidade. Mais do que garantir acesso e direitos já estabelecidos por lei, há
outras demandas as quais o serviço de saúde precisa estar atento, até por conta do
próprio alargamento do conceito de saúde. Questões como: emprego, renda, lazer,
habitação, transporte e outros, são agregados aos interesses da participação
popular em saúde. Falamos daí de desafios da contemporaneidade.
Embora o Conselho Gestor represente importante canal de
expressão das lutas populares, de caráter deliberativo, na viabilização das políticas
sociais e esteja amparado em forma de lei pela nossa Carta Magna, segundo as
palavras de Gohn (2001), alguns analistas desacreditam nos mesmos, como
participação ativa e real. A pesquisadora chegou a pensar que esta falta de
motivação e interesse, estivesse focalizada na descrença do seu real impacto
quanto à resolução dos problemas.
4.1.2 Orçamento Partipativo
Na reunião do dia 22/07/2002, houve intensos debates para definir
as propostas a serem levadas à reunião dia 31/07, referente ao Orçamento
Participativo. Constitui-se este num canal democrático em que a população elege as
prioridades do bairro, consideradas impreteríveis para levá-las até ao prefeito.
Foram escolhidas três delas: saúde, educação e habitação. As propostas colocadas
em votação em relação à saúde foram: criar um Núcleo de Atenção à Mulher;
110
aumentar o quadro de médicos especialistas no ambulatório de especialidades;
elevar os números de leitos no Hospital Sara; ampliar o Pronto Socorro
Bandeirantes; e implantar um Centro de Referência ao Idoso. Na saúde, foi eleita,
então, como prioridade a construção de um Centro de Referência à Saúde da
Mulher, com 19 votos, contra 11 votos sobre os ambulatórios de especialidades e
demais propostas, com um voto. Em relação à habitação, foi feita uma pesquisa
participante junto à população para saber que tipo de habitação a população
preferiria, casa ou apartamentos; referente à educação, foi solicitada a ampliação de
vagas para o ensino fundamental, pois existiam, segundo os moradores, muitas
crianças fora da escola.
4.1.3 O sujeito desejante: Um novo sujeito em constituição
O que torna fundamental, neste momento, é analisar como foram
sendo produzidas as mudanças no comportamento da comunidade e como a
motivação estava presente com nova ideologia dominante, a ideologia da luta, da
desalienação, a negociação com o poder local desempenhando papel inovador e de
conquista dos direitos políticos e sociais. Tais transformações sociais foram fruto de
se fazerem reconhecer, do afloramento do seu valor e de sua dignidade. Foi dentro
da diversidade que se manifestou o espírito de união, acompanhado pelo
aparecimento de um novo sujeito: um sujeito desejante. Todo o indivíduo sente
desejo aquele que não o sente está morto na vida.
Para Manzini-Covre (1996), o refletir sobre o “ser desejante” leva a
pensar em Freud e entender o aparelho psíquico que sustenta os sentimentos, as
idéias, os desejos e o Desejo. E, assim, utilizando Fausto de Goethe, citado por
Berman (1986), explica-se com muita clareza a importância do “Desejo” diferente de
“desejo”. “Desejo”, não diz “respeito a coisas” e nem à “satisfação de
necessidades”, mas está no “âmbito do simbólico”. É a força propulsora, a luz que
reascende na alma para a vida, para o movimento e ação, ou seja, a pulsação de
vida é a “antecipação da própria alegria de desejar”, ou seja, “ter desejos é falar
111
deles”. Os seres desejantes são denominados de sujeitos em constituição, como se
pode verificar nas palavras desta autora:
Eu diria que os munícipes que se representam mais por seus grupos
líderes, de participar e pugnar via pastoral, de se fazerem representar ou
participar diretamente em conselhos, grupos que lutam por estabelecer
melhorias em geral da população local constituem hoje exemplar de
sujeitos em constituição (...) hoje o sujeito em constituição marca-se pelo
ator do lugar (pensado como espaço físico, mas principalmente, como
espaço de experiência (p. 113).
Para ela, “o indivíduo em constituição” é uma categoria que se dá na
intersubjetividade. É através da relação com o outro que é possível constituir o
próprio eu e foi isto que se assistiu a partir do momento em que estes indivíduos
saíram do sujeito individual, criaram um sujeito coletivo, conforme afirma Sader
(1988, p. 55)
Quando uso a noção de sujeito coletivo é no sentido de uma coletividade
onde se elabora uma identidade e se organizam práticas através das quais
seus membros pretendem defender seus interesses e expressar suas
vontades, constituindo-se nestas lutas.
Neste momento, pode-se responder a uma das indagações iniciais
formuladas: É possível envolver coletivamente os moradores da favela Real Parque
numa discussão mais ampla sobre suas condições de vida e romper com o cotidiano
da alienação, no sentido de pensar, sentir e agir, sendo agentes de mudança,
apresentando propostas que minimizem a desigualdade e recupere os seus direitos.
4.2 O significado da festa das crianças
Tal como a força propulsora de Fausto de Goethe, os moradores da
favela do Real Parque possuíram umDesejo”, que não diz a “respeito a coisas” e
nem à “satisfação de necessidades”, mas se encontrava no “âmbito do simbólico”. É
a força propulsora que leva para o movimento da alma e para a ação, ou seja, a
pulsação de vida é a “antecipação da própria alegria de desejar”, ou seja, “ter
desejos é falar deles”, como se nota nas palavras de Bill, organizador da festa das
crianças e morador da favela Real Parque:
112
A idéia da festa das crianças foi exatamente, no foco da moradia, morava
no alojamento, junto com rato, barata, cheio de água e esgoto, e não tinha
um espaço para brincar e então fiquei analisando e decidi focalizar mais o
dia das crianças e tá fazendo uma festa para duzentas e oitenta crianças
em 1999. A partir daí a gente mudou prá cá em final de 2000 e decidimos
fazer a nossa, festa aqui no Real Parque. Fizemos a estimativa de 1500
pessoas, tudo que a gente conseguiu deu o suficiente, a gente fez
sossegado, com uma boa ajuda o pessoal do Anhembi até hoje eles nos
ajuda. Hoje a gente tem a estimativa de cinco mil pessoas, e muito mais
pessoas está nos ajudando. As pessoas mais do bairro mesmo que me
ajuda, a própria rua mesmo nos ajuda. O nosso pedido é feito com
material, porque é uma coisa que a gente não tem muita dor de cabeça. A
gente prefere mais o material, a pessoa trais o material e a gente vai é
recebendo e utilizando. Então a gente tem alguns comerciantes, pessoas
dos condomínios próprios, da classe alta. Tem muitas pessoas que nos
ajuda. Temos o Novo Hotel, tem a GAK que é nossa vizinha muito tempo,
tem a Tom Brasil, que é do nosso coração do começo ao fim e até hoje. A
Tom Brasil nos ajuda com material para trabalhar, fogão mesa, cadeira,
material que a gente precisa mesmo. O contato foi conseguido através de
um irmão meu que trabalha lá, ele é o humor e também responsável por
esta festa: Jose Ramos. Ele é também organizador desta festa. A partir
daí, acabei desenvolvendo com ele, e ajudando ele e hoje nós, não
sentimos tanta dificuldade para realizar uma festa como esta. Este ano a
gente estimou 1.200 crianças numa faixa etária de zero a seis anos. .Mas
de zero a deis anos nós temos em torno de 2.000 crianças. A
programação da festa a gente começa, este ano a gente começou, a
abertura com o Recapa (um conjunto de musica: banda) com desfile na
área da favela, convidando todas as pessoas para participar da festa, as
deis horas da manhã, e após a missa do padre, celebra a missa em
homenagem as crianças e a Nossa Senhora Aparecida. A partir daí a
gente dá início aos comes e bebes das 11:30 ao meio dia, até as cinco da
tarde. Temos várias barracas: duas de refrigerante, uma de doce, uma de
pipoca, duas de cachorro quente e uma de refrigerante. Temos um grupo
de voluntários e todos os anos eles ajudam e cada grupo, responsabiliza
pela sua própria barraca. A gente deixa a vontade, só não quer que eles
pega e joga fora, desperdício. Pode levar pra casa a gente deixa, não tira
o direito de levá prá casa. A gente sabe que...muita gente não tem o que
comê em casa.a partir daí a gente deixa libera o que tá levando, prá casa.
A gente estima de 20 a 25 pessoa a 30 que ajudam nas barracas. Na
realidade a gente tem aquele amor muito grande porque você acha que
sente bem. Eu mesmo, no meu caso, sinto muito bem com Nossa
Senhora Aparecida, a gente realiza esta festa com a graça de Deus, e dela
também. Todo ano dá tudo certo até mais que a gente pensa, então, todo
ano eu agradeço muito a Deus, e a Nossa Aparecida por ter conseguido...
conseguir a.... conseguir colocar o que a gente pensava, de fazer... A
gente pensa eu... é muita coisa, mas é tão pouco que gente nem imagina.
(Bill)
Ao perguntar ao Bill: o que você sente no final do dia, além do
cansaço? Respondeu:
Na realidade não é nem cansaço, não chega a senti... (ele parou de falar e
chorou silenciosamente). Eu mesmo na minha opinião sinto tão feliz... (não
conseguiu continuar a falar).
113
Depois de alguns minutos ele retoma e diz:
No final da festa a gente sente realizado, porque a gente peitou fazê, e a
gente fez há sete anos atrás e até hoje, e cada vez mais consegue o
objetivo dessa festa. A satisfação da gente... consegui... e ter conseguido
fazer esta festa... com apoio de muita gente, nos ajuda, nos ajudou e nos
vai ajudá... cada ano que passa tem mais uma pessoa a mais, hoje a gente
sente a satisfação do final da festa, é de muito feliz. É uma riqueza muito
forte. A gente gasta muito pouco para fazer uma coisa muito grande...
(Bill)
Acredita-se que esta festa (Foto 8 em anexo) é a única forma
coletiva de lazer de que gozam as crianças faveladas do Real Parque, sem esquecer
de que algumas trabalham como “catadores de lixo”. De outra forma é neste
momento que há um certo resgate da cidadania, lembrando que o lazer constituí
uma necessidade básica fundamental, inserida nos direitos sociais e prevista na lei
8.080 da Constituição Federal.
Além disto, podemos observar que esta população continua
existindo em dois tempos. Sawaia (1994a) já havia informado que as mulheres
faveladas possuem dois tempos: o Tempo de Viver e o Tempo de Morrer. Esta
autora pôde-confirmar estas significações, no seu estudo com mulheres climatéricas
do Real Parque. (Dissertação de Mestrado). Para as mulheres faveladas, o “Tempo
de Viver” é tempo do “despertar para emoções”, do “agir com coragem”, e da “luta
contra a angústia”. É o tempo em que “o pensamento se cola na ação”. É quando se
sentem mais potentes para agir. O “Tempo de Morrer” corresponde àquele tempo
em que há “falta de controle absoluto do que ocorre”, em que elas se sentem
“aprisionadas” e se entregam ao “auto-abandono”, ao “estado de letargia”. “O
mundo é uma realidade afetivamente neutra”, onde há a “cristalização da angústia” e
o “adormecimento intelectual” (SAWAIA, 1994a).
Pode-se verificar que os moradores da favela Real Parque circulam
entre estes dois momentos, como pôde-se observar nos relatos: desmoronamento
dos barracos e festa das crianças. Ambos demonstram que o “tempo de viver” pode
ser aquele em que tudo se perdeu, mas que se estimula “o agir com coragem”, a
“luta contra a angústia”, em que o “pensamento se transforma em ação”.
114
V. ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA ALTERNATIVA DE INCLUSÃO
SOCIAL
5.1 Filosofia do cooperativismo
Este capítulo pretende mostrar de maneira sumária como surgiu a
filosofia do cooperativismo como alternativa ao capitalismo e como saída para
solucionar a “exclusão social” no mundo do trabalho.
O conjunto de transformações econômicas, sociais e tecnológicas
ocorridas com a primeira revolução industrial, na segunda metade do século XVIII,
teve seu berço na Inglaterra, por uma série de razões: a grande riqueza do subsolo
em minerais, como carvão, ferro, estanho, cobre e sal; uma vasta rede fluvial
navegável; localização geográfica que permitiu que a Inglaterra ficasse fora das
guerras continentais; bem como outros fatores, tais como: a substituição do cultivo
pela criação de ovelhas e conseqüente migração dos camponeses para as cidades
que ficaram à disposição dos empresários, sujeitando-se a baixos salários.
A.exploração do trabalho nas fábricas não tinha limites: eram longas as jornadas de
trabalho e as crianças eram colocadas no trabalho logo que conseguiam se
sustentar. Isto levava à debilitação dos trabalhadores fisicamente, tendo com
conseqüência altos índices de morbidade e mortalidade (SINGER, 2002a).
Após o longo ciclo de guerras na Europa, provocada pela Revolução
Francesa que se encerrou apenas em 1815, com a vitória britânica sobre Napoleão,
em Warterloo, a Inglaterra enfrentou um período de grande depressão. Conta a
história que foi Robert Owen quem diagnosticou que a crise se devia à dissipação da
demanda de armamentos, navios e demais produtos consumidos na guerra, o que
conduziu ao desemprego, ou seja, trabalhadores até então ocupados com a
produção bélica, eram obrigados a reverter esta situação (SINGER, 2002a).
Assim, Owen, britânico, então proprietário de um complexo têxtil em
New Lanark, decidiu na primeira década do século XIX restringir a jornada de
trabalho e proibir o emprego infantil. Isto resultou no aumento da produtividade e ele
115
passou a ser motivo de grande admiração em todo o mundo. Em 1817, Owen
apresentou ao governo britânico um plano, em que o fundo do sustento aos pobres
fosse revertido na compra de terras para a construção de “aldeias cooperativas”.
Viveriam aí cerca de 1.200 pessoas que produziriam o seu próprio sustento e os
excedentes da produção poderiam ser trocados em outras aldeias (SINGER, 2002a).
Owen tentou mostrar que haveria imensa economia ao reinserir os pobres na
produção ao invés de ajudá-los. O governo britânico, no entanto, negou-se a
implementar este novo plano. Com a perda da admiração da classe rica e
desgostoso com a rejeição de suas idéias, mudou-se para o Estados Unidos com a
intenção de implantar uma Aldeia Cooperativa, num meio social menos
“contaminado”. Tratava-se não apenas de nova forma de economia, mas de uma
mudança nas relações sociais, criada em 1825, em New Harmony, no Estado de
Indiana, na qual Owen ficou na liderança até 1829, quando desiludido pelas
constantes cisões, voltou para a Inglaterra. Mas enquanto permaneceu distante da
terra natal, seus discípulos colocaram em prática as idéias por ele suscitadas,
criando sociedades cooperativas por todos os lugares, vindo a coincidir com a perda
gradativa do poder dos sindicatos (SINGER, 2002a).
A primeira cooperativa owenista foi composta por um grupo de
jornalistas e gráficos em Londres, criada por George Mudie em 1821, que publicou o
jornal The Economist e durou até 1822. Em 1823, foi criada a London Cooperative
Society, com o jornal The Political Economists and Universal Philanthropist. Em
1826, criou-se a Comunidade de Orbiston, liderada por Abram Combe, que se
preocupava com a educação e o sistema de pagamento funcionava por hora. Durou
apenas um ano, devido a sua morte.
Outra importante iniciativa liderada pelo Dr. William King (conhecido
como médico dos pobres), em 1827, foi a Brighton Co-operative Trading Association
(Associação Cooperativa de Troca de Brighton), composta por operários, que
desenvolveu o cultivo de legumes para venda. Em 1828, foi publicado um jornal:
The Co-operator, no qual foram expostos os princípios do cooperativismo. Este
aponta, em meados de 1929, cerca de 70 cooperativas, posteriormente, perfizeram-
se num total de 130. E, no final do ano, foram registradas pelo jornal cerca de 300
delas, seu último número (COLE 1944; apud SINGER, 2002a).
116
O cooperativismo e o owenismo se tornaram tão fortes que foram
assumidos pelos movimentos sindicais. Um dos lideres destacados foi John Doherty
que organizou os fiandeiros de algodão em um sindicato nacional, em 1929. Entre
1833-34 foi fundada a primeira central sindical internacional: O Grand Nacional
Consolidated Trades Unions. A criação de cooperativas patrocinadas pelos
sindicatos ou a união de grupos de trabalhadores do mesmo oficio levou inúmeras
vezes a novas iniciativas de como atuarem por conta própria e, desta maneira, a
greve passou a ter outro sentido. Ao invés de instrumento de reivindicações e
melhorias de trabalho, começou a ser vista como a substituição de seus
empregadores no mercado de trabalho pela autogestão (SINGER, 2002a).
Ao lado dessas cooperativas operárias surgiram também as
“cooperativas integrais” que se vincularam à produção e consumo. Foram elas que
deram origem aos armazéns cooperativos, com troca de produto por produto, sem
uso do dinheiro. Empregavam seus membros e consumiam seus próprios produtos.
Posteriormente passaram atuar como “bazares de troca” ou “clube de toca”, com
moeda própria. Assim que Owen retornou à Inglaterra, investiu nesta idéia e criou a
Bolsa Nacional de Trabalho Eqüitativo cuja finalidade era a troca dos produtos entre
os cooperados. Em muitas cidades como Liverpool, Glasgow, Birmingham floresceu
esta idéia. Algum tempo depois, Owen transferiu a gerência da Bolsa Nacional a um
Comitê Sindical de Londres. (SINGER, 2002a)
As trocas nestas bolsas, conforme já se mencionou, foram
intermediadas por moedas próprias. Singer (2002a) relata que os bens oferecidos
eram avaliados pelo tempo médio ou horas de trabalho. Cada bem passou a ser
avaliado por um comitê formado por profissionais do ramo. Adotou-se como padrão
um operário que ganhasse seis dinheiros por hora. A hora de trabalho, acima desse
valor, era aumentada na mesma proporção. Isto fez que o trabalho de valor menor
fosse pago com o mesmo valor da hora trabalho e não avaliado pelo valor do
mercado. “As bolsas de trabalho eqüitativo excluíam o lucro industrial na formação
de seus preços”, é o que informa o autor (p.32).
Esta Bolsa Nacional de Trabalho Eqüitativo funcionou até 1834,
quando foram encerradas suas atividades por derrota dos operários. Owen, no
entanto, continuou sua luta contra os capitalistas, tentando unificar todos os
117
operários da construção e suplantar os empreiteiros privados, na luta pela criação de
um sistema alternativo ao capitalismo. Propôs, em 1833, a formação da Grande
Guilda Nacional dos Construtores da Grã-Bretanha para assumir todo este tipo de
indústria. Propôs também, em Londres, a criação da Grande União Nacional Moral
das Classes Produtivas do Reino Unido que, segundo Cole (1944, apud SINGER,
1996), era constituída por delegados de todos os ramos de atividades e que tinha o
objetivo de unificá-los na indústria do país (SINGER, 2002a). Ainda no mesmo ano,
1833, é aprovada a legislação Factory Act que estabelece algumas condições
protetoras ao trabalhador, mas que por outro lado, recusa a limitação da jornada de
trabalho de dez para oito horas, o que resultou numa reação dos sindicalistas
liderados por Owen. Finalmente, houve reação por parte dos empregadores que
resolveram fazer um lock-out e demitir todos os trabalhadores pertencentes aos
Sindicatos dos Trabalhadores da Construção. Isto determinou a derrota dos
trabalhadores que tiveram que deixar o sindicato, caso quisessem voltar ao trabalho
(SINGER, 2002a).
Além disso, meses mais tarde, todos os sindicalizados das
industriais têxteis também foram demitidos. Como resposta, os operários criaram
novas cooperativas e tentaram vender os seus produtos em todo o país. A Grande
União Nacional Moral das Classes Produtoras (GUNM) tentou manter os operários
desempregados através de fundos recolhidos de seus associados. Com a
multiplicação destes, em todas as partes do país, a GUNM não conseguiu manter
estes. Com a condenação dos trabalhadores em Dorchester, em março 1834, as
associações de ofício foram deixando o sindicato, extinguindo-se no final de1834. A
GUNM e seus associados aboliram seus juramentos, que faziam parte da cerimônia
de iniciação sindical, pois fornecia base para as condenações de Dorchester.
Mas em face da crescente militância dos empregadores e da declarada
hostilidade do governo, os sindicalistas em muitas áreas começaram a
perder o ânimo. Owen e seus discípulos puseram-se à frente da demanda
pela libertação dos trabalhadores de Dorchester e entraram na GUNM em
bloco, na esperança de salvar a situação. Mas a greve sem sucesso dos
alfaiates de Londres-que em seu decorrer cobriram Londres de cartazes
anunciando que estavam partindo em bloco para a Produção Cooperativa
piorou seriamente a situação e os empregadores de Yorkshire,
retomando à ofensiva do ano anterior, conseguiram em maio e junho
quebrar o poder do Sindicato de Leeds. O Sindicato dos Trabalhadores da
Construção também estava ruindo face a repetidos ataques (...). E uma
após a outra, as associações de ofício foram deixando o sindicato, que no
118
fim de 1834 se extinguiu. As oficinas de cooperativas de Derby tiveram de
fechar, e os homens foram obrigados a voltar ao trabalho nas condições
impostas pelos empregadores. O Sindicato dos Oleiros, que montou uma
olaria em junho de 1834, teve que abandoná-la seis meses depois. A
grande aventura sindical estava chegando a um fim sem glória. (COLE
1944, p.29, apud SINGER, 2002a, p. 34-35).
De qualquer maneira, o cooperativismo, como modo de produção
alternativo ao capitalismo, tornou-se um movimento forte que passou a ser chamado
mais tarde de República Cooperativa e, sem dúvida alguma, deixou um rastro
marcante neste momento histórico da Grã-Bretanha. A figura principal que sintetizou
este pensamento foi Owen, o grande protagonista da economia solidária do século
XIX.
Para completar estas considerações, não se pode deixar de buscar,
sucintamente, a experiência francesa, na figura de Charles Fourier, cujo sonho era
de que algum capitalista se interessasse pelo seu projeto. Este socialista utópico
acreditava que cada pessoa poderia encontrar o trabalho que viesse ao encontro de
suas paixões e trabalhar pelo prazer e não pela remuneração. Surge, então, a idéia
de falanstério, comunidade de 1.800 pessoas que oferece a liberdade de escolha de
trabalho. Difere da Aldeia Cooperativa de Owen porque não é coletivista. O
resultado do trabalho seria repartido em proporções fixas sendo 5/12 pelo trabalho;
4/12 pelo capital investido e 3/12 pelo talento. Para que não houvesse a polaridade
entre ricos e pobres, alguns mecanismos seriam criados, ou seja, os acionistas
pequenos teriam um rendimento maior, proporcionalmente, em relação aos grandes.
Todos, independentemente de trabalharem ou não, teriam uma renda mínima
decente, pois trabalhariam por paixão. O sistema de Fourier é uma variedade do
socialismo centrado na liberdade individual. Defendia ele que, para viver
dignamente, é necessária uma renda mínima cidadã. Fourier teve importantes
discípulos tais como: Muiron, Considerant, Godin, M
me
. Vigoureux que
estabeleceram a chamada Escola Associativa. Essas idéias floresceram após sua
morte em 1837, abrangendo 3.700 membros. (SINGER, 2002a).
A importância do “movimento cooperativo” foi enaltecida em 28 de
setembro de 1864, em Londres, no manifesto de lançamento da Associação
Internacional dos Trabalhadores (AIT) redigido por Marx. Ressalta ele a vitória da
economia política da classe operária. Para Marx, ficou comprovado que a produção,
em larga escala, poderia ocorrer sem a existência de patrões e que os meios de
119
trabalho não precisavam ser monopolizados. Também reconheceu que o trabalho
escravo e servil é uma forma transitória, com tendências a desaparecer, diante do
trabalho associado, feito com alegria e satisfação. O trabalho cooperativo:
Se mantido dentro do estreito círculo dos esforços casuais de operários,
isolados, jamais conseguirá, deter o crescimento da progressão
geométrica do monopólio, libertar as massas, ou sequer aliviar de maneira
perceptível, o peso de sua miséria (...) Para salvar as massas laboriosas, o
trabalho cooperativo deveria ser desenvolvido em dimensões nacionais (...)
(MARX, sd, p. 319-320).
Enfatizava Marx a importância da união entre os operários, já que
existem em grande número. E pontua que o número por si só nada representa. Há
de existir o laço de fraternidade entre si, dirigido pelo conhecimento, pois quando
este é negligenciado, está fadado ao fracasso comum (MARX, sd).
5.2 A economia solidária no Brasil
A época que surge a economia solidária no Brasil é bastante
controvertida entre os autores. Segundo as Organizações das Cooperativas
Brasileiras (OCB, 2005), no entanto, a sociedade solidária já existia no tempo dos
jesuítas, em 1610, firmada no trabalho coletivo e de auxílio mútuo (mutirão), movidos
pelo amor cristão, uma prática encontrada entre os indígenas em que o interesse
econômico era secundário ao bem-estar do indivíduo e da família. Este modelo
durou mais de 150 anos. No entanto, esta idéia é questionada por outros autores.
Magera (2003), ao citar Darci Ribeiro, (1997), comenta que os índios “deveriam
trabalhar para o seu sustento” e eram convocados para o trabalho obrigatório de
construção de igrejas e de interesse público. Em síntese, viviam em verdadeiros
cativeiros jesuítas.
Parece que o grande marco do nascimento do cooperativismo no
Brasil data de 1847. O médico francês Jean Maurice Faivre, influenciado pelas idéias
de Charles Fourier, fundou um grupo europeu, a colônia Tereza Rosa, no sertão do
Paraná, organizada em bases cooperativas (OCB, 2005).
120
De maneira oposta, Silva et al (2003) comentam que as primeiras
experiências de cooperativismo brasileiro remontam ao século XIX, com a criação da
Associação Cooperativa dos Empregados, em 1891, em Limeira, SP e em 1894,
com a Cooperativa de Consumo de Camaragibe, no Estado de Pernambuco. Em
1902, no Rio Grande do Sul, surgiram experiências com caixas rurais e em 1907, as
primeiras cooperativas ligadas à agropecuária.
Apontam os autores acima ainda que há um desenvolvimento desta
prática a partir de 1932, estimulado pelo Poder Público, através da reestruturarão
das atividades agrícolas e da lei básica do cooperativismo brasileiro, de 1932. Esta
especifica melhor suas bases de funcionamento, diferindo-se de outras associações.
Na primeira metade do século XX, as cooperativas agrícolas mostraram-se
importantes como uma das responsáveis pelo conjunto teórico doutrinário do
movimento.
Para Singer (2002b), a economia solidária surgiu como resposta à
grande crise de 1981/1983 quando muitas indústrias pediram concordata. Nesta
época, surge a formação de três cooperativas: a que assume a indústria de fogões
em Porto Alegre, a Cooperminas, que explora uma mina de carvão em Santa
Catarina, e as cooperativas que operam as malhas Parahyba de cobertores em São
José dos Campos, SP e em Recife. Decorrente do declínio econômico nas décadas
de 80 e 90, o sindicato criou formas de associação dos trabalhadores de empresas
que, em vias de desaparecer, deu posteriormente lugar à formação de cooperativas.
Em 1991, devido à abertura do mercado à importação, entra em
crise a grande fábrica de sapatos de Franca (Makerly), conduzindo-se à falência.
Ela empregava 482 trabalhadores. Para evitar que houvesse um grande número de
desempregados, o Sindicato dos Sapateiros pede ajuda ao Sindicato dos Químicos
de São Paulo. Apoiados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Sócio-econômicos (DIEESE), os trabalhadores propuseram comprar o maquinário
por 600 mil dólares. Após acirrada luta, os trabalhadores conseguem um
empréstimo no BANESPA, permanecendo 49% das ações nas mãos do banco.
Com este acordo, a Makerly se tornou uma sociedade anônima e não uma
cooperativa, controlada pelos trabalhadores, funcionou com êxito até 1995, quando
121
houve a intervenção do BANESPA, pelo governo federal, que encerrou a linha de
crédito colocando um fim definitivo em suas atividades (SINGER, 2002b).
Em 1994, foi realizado em São Paulo o 1.
0
Encontro dos
Trabalhadores em Empresas de Autogestão, com representantes de seis empresas.
Neste evento decidiu-se criar a Associação Nacional dos Trabalhadores em
Empresas de Autogestão (ANTEAG). De origem sindical, acaba se transformando
posteriormente numa organização independente do sindicalismo com o objetivo de
ajudar os trabalhadores na luta pelos seus postos de trabalho e colocar um fim na
subordinação ao capital (SINGER, 2002b).
Como se pode observar é complexo determinar um marco inicial
para este movimento no Brasil. Talvez seja necessário aprofundar-se em cada tipo
ou ramo de cooperativa, pois cada uma delas apresenta sua história, suas
dificuldades ou facilidades, geradas pelo próprio governo, na maioria das vezes.
Os princípios cooperativos, segundo a OCB (2003), são as linhas
orientadoras através das quais as cooperativas levam os seus valores à prática. Ei-
las:
1 - Adesão voluntária e livre As cooperativas são organizações
voluntárias, abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus serviços e
a assumir as responsabilidades como membros, sem discriminações de
sexo, sociais, raciais, políticas e religiosas.
2 - Gestão democrática e livre As cooperativas são organizações
democráticas, controladas pelos seus membros, que participam ativamente
na formulação das suas políticas e na tomada de decisões. Os homens e
as mulheres, eleitos como representantes dos demais membros, são
responsáveis perante estes. Nas cooperativas de primeiro grau, os
membros têm igual direito de voto (um membro, um voto). As cooperativas
de grau superior são também organizadas de maneira democrática.
3 - Participação econômica dos membros Os membros contribuem
eqüitativamente para o capital das suas cooperativas e controlam-no
democraticamente. Parte desse capital é, normalmente, propriedade
comum da cooperativa. Os membros recebem, habitualmente, se houver,
uma remuneração limitada ao capital integralizado, como condição de sua
adesão. Os membros destinam os excedentes a uma ou mais das
seguintes finalidades:
1 - Desenvolvimento das suas cooperativas, eventualmente através da
criação de reservas, parte das quais, pelo menos será, indivisível.
2 - Benefícios aos membros na proporção das suas transações com a
cooperativa.
122
3 - Apoio a outras atividades aprovadas pelos membros.
4 - Autonomia e independência As cooperativas são organizações
autônomas, de ajuda mútua, controladas pelos seus membros. Se
firmarem acordos com outras organizações, incluindo instituições públicas,
ou recorrerem a capital externo, devem fazê-lo em condições que
assegurem o controle democrático pelos seus membros e mantenham a
autonomia da cooperativa.
5 - Educação, formação e informação As cooperativas promovem a
educação e a formação dos seus membros, dos representantes eleitos e
dos trabalhadores, de forma que estes possam contribuir, eficazmente,
para o desenvolvimento das suas cooperativas. Informam ao público em
geral, particularmente, aos jovens e aos líderes de opinião sobre a
natureza e as vantagens da cooperação.
6 - Intercooperação As cooperativas servem de forma mais eficaz aos
seus membros e dão mais força ao movimento cooperativo, trabalhando
em conjunto, através das estruturas locais, regionais, nacionais e
internacionais.
7 - Interesse pela comunidade As cooperativas trabalham para o
desenvolvimento sustentado das suas comunidades, através de políticas
aprovadas pelos membros.
Sintetizando, os princípios do cooperativismo, constituem um modo
de produção que ao lado de outro modo de produção - o capitalismo, é voltado para
os interesse e valores de um grupo cuja filosofia esta pautada em organizações que
possuem autonomia e independência, controladas pelos seus membros, e trabalho
em conjunto. A adesão é voluntária; gestão democrática e livre; e participação
econômica em todos os sentidos, desde a sua contribuição inicial, (o capital) para a
adesão, como a criação de fundos de reservas aprovadas pelos seus membros. A
informação e a formação são outro ponto a ressaltar. Todos os seus membros
devem ser capacitados a respeito do que é uma cooperativa, mantidos atualizados e
informados, bem como seus representantes eleitos e outros trabalhadores que
possam contribuir para a sua eficácia.
5.2.1 Cooperativismo: conceito e definição
O cooperativismo foi implantado, oficialmente, no bairro Rochdale,
na cidade de Manchester, na Inglaterra, com 27 tecelões, em 21 de dezembro de
1844. Naquele momento, o objetivo era buscar uma nova alternativa econômica
123
frente ao capitalismo, à exploração da jornada de trabalho dos trabalhadores que
eram subjugados (trabalhavam até 16 horas/dia), à exploração de crianças e ao
crescente desemprego advindo da revolução industrial. A partir daí, a pequena
cooperativa chamada de “Beco de Sapo”, dava origem ao movimento cooperativista.
O impulso para a criação dessa cooperativa provavelmente foi devido ao insucesso
de uma greve dos tecelões.
Trata-se da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), entidade
independente, não-governamental, que coordena as cooperativas do mundo todo.
Com sede em Genebra, Suíça, fundada em 1895, com 222 membros de 88 países
ativos em todos os setores da economia, a ACI e a OCB definem cooperativa como
sendo:
Uma associação autônoma de pessoas que se unem, voluntariamente,
para satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais
comuns, por meio de uma empresa de propriedade coletiva e
democraticamente gerida. As cooperativas baseiam-se em valores de
ajuda mútua e responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e
solidariedade. Na tradição dos seus fundadores, os membros das
cooperativas acreditam nos valores éticos da honestidade, transparência,
responsabilidade social e preocupação pelo seu semelhante (ACI, 2005;
OCB, 2003).
Para Rodríguez (2002), o associativismo assenta-se sobre dois
postulados: uma economia baseada em princípios não capitalistas de “cooperação e
mutualidade” e uma crítica ao poder centralizado do Estado, às várias correntes
políticas e ao federalismo (que constitui a ocorrência de leis distintas para a mesma
situação nas unidades federadas, de um mesmo país) que, no caso do Brasil, não é
tão acentuado.
Inspira-se em valores de autonomia, igualdade, democracia,
eqüidade, solidariedade e democracia participativa. Desta maneira, os
trabalhadores se tornam proprietários de sua própria empresa, donos de seu próprio
negócio com condições de decisão de maneira igualitária, independentemente da
soma (capital) com que contribuíram. Acabam as cooperativas com a dicotomia
entre capital e trabalho e a propriedade individual, características das empresas
convencionais. Embora o movimento cooperativista tenha crescido muito desde o
seu surgimento, não amadureceu o suficiente para se tornar uma ideologia coerente.
124
Vem demonstrando, no entanto, em todo o território nacional e internacional, uma
alternativa contra a hegemonia econômica da globalização (RODRIGUÉZ, 2002).
Atualmente o cooperativismo é amparado, no Brasil, pela Lei n.
0
5.764/71, de 16 de dezembro de 1971. Estrutura-se esta Lei em 117 artigos e exige
um número mínimo de 20 sócios para a sua formação. A OCB é o órgão de
instância nacional. E a Organização das Cooperativas Estadual (OCE) é o órgão em
nível estadual.
A Lei n.
0
5.764/71 define as cooperativas como “sociedades de
pessoas, com forma e natureza jurídica próprias de natureza civil, não sujeitas à
falência, constituídas para prestar serviços aos seus associados, distinguindo das
demais sociedades...” (LEI n.
0
5.764, 1971, p. 1). Esta nova forma de inclusão
social, inserida numa economia solidária, segundo Magera (2003, p.39), se dá por
“associações de pessoas que se unem, voluntariamente, para alcançar objetivos na
área econômica, social e cultural”. (BRASIL, 2003)
No Brasil, foi no governo de João Figueiredo, quando se inicia a
abertura política pós-64, através do Decreto n.
0
90.393 de 30 de outubro de 1984,
que é criada, no Ministério da Agricultura, diretamente subordinada ao Ministro de
Estado, a Secretaria Nacional de Cooperativismo (SENACOOP), que em seu artigo
2.º tem como objetivo:
1 - Fomentar, prestar assistência técnica, coordenar e fiscalizar as
atividades relativas à expressão do sistema cooperativista e do
associativismo rural, de conformidade com as diretrizes do Conselho
Nacional de Cooperativismo (CNC) (SENACOOP, 2005, sp).
Em 10 de novembro de 1999, Fernando Henrique Cardoso, então
presidente da República do Brasil, sancionou a Lei n.
0
9.867, estabelecendo normas
para a criação de Cooperativas Sociais, dedicadas a pessoas em “desvantagem”
para que tivessem a oportunidade de inserção no mercado de trabalho. São
consideradas pessoas em desvantagem: os deficientes físicos e sensoriais; os
deficientes psíquicos e mentais; e os dependentes químicos, com ocupações
definidas. (BRASIL, 1999)
Para Silva et al (2003), diferenças regionais no cooperativismo
brasileiro se devem à forte influência de imigrantes japoneses, alemães, italianos
125
que já vieram de seus países trazendo experiências neste campo. Estes mesmos
autores citam ainda cinco fatores que parecem estar fortalecendo o caráter de
inclusão social no cooperativismo no Brasil: 1) revitalização dos conceitos e da
prática cooperativa; 2) o crescimento do desemprego dentro da economia formal; 3)
a globalização que impõe um novo caráter competitivo; 4) estímulo das práticas
auto-geridas; e 5) mais discussões em torno do desenvolvimento local e idéia de
economia social e terceiro setor.
Observa-se que o apoio do governo a estas iniciativas populares
acontece de maneira pálida no decorrer da história, não impedindo, porém, sua
ascensão.
As cooperativas recebem classificações de acordo com sua forma e
ramo/tipo. Quanto à forma, podem ser: abertas: quando qualquer pessoa pode se
associar sem qualquer critério ou impedimento; fechadas: quando as pessoas são
ligadas pelo mesmo objetivo, ou seja, a mesma empresa, profissão, sindicato.
Quanto ao ramo/tipo, podem ser: Cooperativas de Produção e/ou
Serviço: os associados negociam produtos/serviços e não a força de trabalho,
assumem o risco empresarial pertinente ao ramo e o resultado é dividido de acordo
com a contribuição dada (trabalho). É o caso particular desta investigação:
cooperativa de trabalhadores de materiais recicláveis; Cooperativas de mão de obra:
os cooperados vendem sua força de trabalho e não o produto do trabalho.
Geralmente é oferecida a empresas em forma de trabalho temporário; Organizações
comunitárias de produção: são formadas por pessoas que vivem num mesmo local e
têm interesses comuns coletivos. Ex.: Cooperativa de Produção Agropecuária do
Brasil, cujos cooperados são os trabalhadores rurais (MAGERA, 2003).
O cooperativismo brasileiro, segundo a OCB (2003), está atualmente
estruturado em treze ramos, a saber: agropecuário, crédito, habitação, consumo,
educação, mineral, especiais, produção, saúde, lazer, turismo, transporte de cargas
e passageiros e infra-estrutura. A cooperativa de consumo é dedicada às compras
de artigos de consumo para os cooperados; as de crédito, destinadas a promover a
poupança e financiar os empreendimentos ou as necessidades dos seus
associados. Realizam operações de tipo bancárias e funcionam com a fiscalização
do Banco Central do Brasil. Fazem parte do Sistema Financeiro Nacional,
126
regulamentado pela constituição. Educacional, são aquelas formadas por alunos e
professores e pais de alunos de escola agrícola e agem diretamente no primeiro e
segundo ciclo. Possuem poucas vagas e práticas pedagógicas limitadas, além do
alto custo; as tuteladas, amparadas pela Lei n.
0
9.867, dedicam-se às pessoas em
desvantagem, conforme já citado. Habitacional, voltada à construção de conjuntos
habitacionais como o antigo BNH, e Instituto Nacional de Orientação às
Cooperativas (INOCOOPS). Com a extinção do primeiro, partiu-se para o auto-
financiamento. Infra-estrutura, destinada a atender serviços essenciais, como
energia e telefonia. Mineração, ligada à extração, industrialização importação e
exportação de minerais. Produção, dedicada à produção de bens e produtos, antigo
ramo agropecuário. Saúde, preocupada com a promoção e preservação da saúde.
Trabalho, inerente à atividade profissional de pessoas em comum para a realização
de tarefas coletivas. Turismo e lazer prestam serviços turísticos, entretenimento,
esportes, artísticos e hotelaria. Transporte, atua na prestação de serviços de
transportes de cargas e passageiros (JUVÊNCIO; ANDRADE; PANZUTTI, 2000).
O ano de fundação da mais antiga cooperativa, ainda em
funcionamento no país, foi o de 1902 (OCB, 2003). Há um total de 5.762
cooperados, com 7.355 cooperativas regulares e 81 cooperativas centrais, em 27
unidades federadas do Brasil, contribuindo com 182 mil empregos, e USD$ 1,09 com
uma participação de 6% do PIB brasileiro. 11 milhões de brasileiros são usuários
das cooperativas médicas. Três milhões de brasileiros são usuários das
cooperativas odontológicas. Cinco mil é a frota própria de veículos das cooperativas
de Transporte. 11.000 é o número de alunos que freqüentam escolas -
cooperativadas. (OCB, 2003)
Dez mil unidades residenciais estão sendo construídas pelas
cooperativas habitacionais. 2.137 é o número de pontos de atendimento das
Cooperativas de Crédito. 115.000 quilômetros é a extensão da rede elétrica das
Cooperativas de Infra-estrutura. (OCB, 2003)
O principal representante do cooperativismo brasileiro é o ramo do
trabalho com 2.024 cooperativas, seguido pelas cooperativas agropecuárias com
1.519 delas. No entanto, quem possui mais cooperados é o ramo do consumo
seguido do de crédito. (OCB, 2003)
127
Elaboração : GETEC Fonte: Núcleo de Banco de Dados da OCB - Dezembro/2003
706
172
158
12
2.024
878
113
34
314
7
303
1.115
1.519
AGROPECUÁRIO
CONSUMO
CRÉDITO
EDUCACIONAL
ESPECIAL
HABITACIONAL
INFRAESTRUTURA
MINERAL
PRODUÇÃO
SAÚDE
TRABALHO
TURISMO E LAZER
TRANSPORTE
Alguns gráficos são apresentados a seguir a fim de favorecer melhor
visibilidade da situação das cooperativas no Brasil e revelar os dados mais recentes
da OCB.
GRÁFICO 15
DISTRIBUIÇÃO DAS COOPERATIVAS POR RAMO, BRASIL, 2003
Fonte: OCB, 2003
Conforme o Gráfico 15, existe maior número de cooperativas de
trabalho, seguido do ramo agropecuário.
128
GRÁFICO 16
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO O NÚMERO DE COOPERADOS POR RAMO NO
BRASIL, 2003
Fonte: OCB, 2003
O Gráfico 16 mostra que o número de cooperados é maior no ramo
de consumo, seguido o de crédito e de agropecuário.
Elaboração : GETEC Fonte: Núcleo de Banco de Dados da OCB - Dezembro/2003 11
COOPERADOS
POR RAMO
48.552
396
311.856
261.871
9.559
48.830
575.256
104.908
2.083
98.970
1.439.644
1.920.311
940.482
0 200.000 400.000 600.000 800.000 1.000.0001.200.0001.400.0001.600.0001.800.000
2.000.000
AGROPECUÁRIO
CONSUMO
CRÉDITO
EDUCACIONAL
ESPECIAL
HABITACIONAL
INFRAESTRUTURA
MINERAL
PRODUÇÃO
SAÚDE
TRABALHO
TURISMO E LAZER
TRANSPORTE
129
GRÁFICO 17
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO O NÚMERO DE COOPERATIVAS POR REGIÃO,
BRASIL, 2003
Fonte: OCB, 2003
A região que mais possui cooperativas é a região do sudeste,
seguida pelo nordeste, segundo as demonstrações do Gráfico 17.
Dos Estados, o que possui maior número de cooperativas é o Rio de
Janeiro com 1.201, seguido de São Paulo, o segundo maior com 1.000 e Minas
Gerais, com 805.
Na região do nordeste, o maior número pertence ao estado da
Bahia, com 396, seguido do Ceará, com 302 cooperativas.
Elaboração : GETEC Fonte: N úcleo de Banco de Dados da OCB - Dezembro/2003 13
COOPERATIVAS
POR REGIÃO
708
1.634
582
3.161
1.270
-
500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
3.500
Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul
130
GRÁFICO 18
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO A PARTICIPAÇÃO DAS COOPERATIVAS NA
PRODUÇÃO AGRÍCOLA BRASILEIRA, BRASIL, 2003
Fonte: OCB, 2003
A maior cadeia de produção é a do ramo agropecuário, representado
pelo trigo, cevada, leite, aveia, soja, algodão, segundo verificado no Gráfico 18.
Trata-se de um dos mais fortes ramos com relação a empregos gerados e negócios.
GRÁFICO 19
DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NO QUADRO
DE EMPREGADOS DAS COOPERATIVAS, BRASIL, 2003
Fonte: OCB, 2003
Elaboração : GETEC Fonte: Núcleo de Banco de Dados da OCB - Dezembro/2003 25
Participação das Mulheres
no Quadro de Empregados
das Cooperativas
Masculino
60%
Feminino
40%
68.558
102.837
Elaboração : GETEC Fonte: Núcleo de Banco de Dados da OCB - Dezembro/2003 18
PARTICIPAÇÃO DAS
COOPERATIVAS NA PRODUÇÃO
AGRÍCOLA BRASILEIRA
TRIGO
62,19%
CEVADA 44,19%
AVEIA 39,21%
LEITE 39,70%
ALGODÃO 38,91%
SUÍNOS 31,52%
SOJA 29,40%
CAFÉ 27,97%
ALHO 22,47%
UVA 19,17%
MILHO 16,68%
ARROZ 11,36%
FEIJÃO 11,18%
131
O quadro de mulheres empregadas em cooperativas é
significativamente grande, conforme se verifica no Gráfico 19, demonstrando uma
inclusão das mesmas no mercado de trabalho cooperativado.
De acordo com informações da OCB (2003), nos anos de 1997 e
1998, houve uma involução do número de cooperativas agrícolas, mas a partir de
1999 está ocorrendo aumento gradativo das mesmas.
5.3 Economia solidária: possibilidades e limites
A implantação da economia solidária em empresa falida ou a falir
enfrenta uma série de etapas decisivas, pois os trabalhadores precisam: 1) aceitar
trocar os seus créditos trabalhistas por cotas de capital; 2) acreditar que são
capazes de assumir coletivamente a empresa; e 3) ser capazes de administrá-la. A
questão determinante do processo de economia solidária, conforme afirma Singer
(2002b), encontra-se na união e na solidariedade dos trabalhadores, tendo em vista
que:
A questão crucial do processo está em levar aos trabalhadores os
princípios da economia solidária, convencendo-os a se unirem numa
empresa em que todos são donos por igual, cada um com direito a voto,
empenhados solidariamente em transformar um patrimônio sucateado num
novo empreendimento solvável (SINGER, 2002 b, p. 87).
Os fatores que levam os trabalhadores a assumirem riscos e a se
apossarem da empresa reside, geralmente, na relação entre a possibilidade de
arrumarem outro emprego ou não e o grau de união e confiança entre si. Outra
etapa decisiva é conseguir passar a empresa para as mãos dos trabalhadores,
necessitando até de apoio externo. Muitas vezes, para assumir uma empresa falida,
requer-se crédito volumoso que só pode ser conseguido em bancos oficiais. Como
grande desafio, no entanto, é necessário resgatar a confiabilidade dos clientes e
fornecedores. Isto sem esquecer o sacrifício que deve ser feito, no início, pelos
trabalhadores para obterem uma retirada mínima, ou seja, apenas o suficiente de
acordo com suas necessidades básicas. Obviamente isto ocorre, às vezes, em troca
de cestas básicas, com o intuito de reerguer a empresa. Passado este período mais
132
crítico, instala-se um momento de normalidade em que os trabalhadores escolhidos
para administrar buscam a realização de um curso gerencial que visa a contribuir
com seus conhecimentos e favorece a adquirir novas habilidades (SINGER, 2002 b).
Segundo Silva et al (2003), ancorados em Pires (1999), um dos
principais desafios da cooperativa brasileira encontra-se na adaptação ao novo
modelo econômico do mundo contemporâneo, concernente à globalização, e isto
traz um duplo apelo: o da emancipação econômica e o da emancipação política. Há
também grandes desafios a serem enfrentados pelo desenvolvimento sustentável: o
fato de que a maioria das cooperativas está baseada em recursos não renováveis, o
que se constitui numa ameaça às futuras gerações; a globalização da solidariedade;
e a existência de uma cooperação qualificada, contando com políticas públicas
nacionais que favoreçam estes projetos (SILVA et al, 2003).
Alguns governos municipais, a partir de 2000, começaram a priorizar
a economia solidária, tais como o governo do Rio Grande do Sul, de Olívio Dutra.
Em 2001, como as iniciativas se multiplicaram, a ANTEAG prestava assessoria a
160 empresas solidárias em todo o Brasil, a maior delas, a Usina Catende com
3.200 famílias (SINGER, 2002b).
Outra iniciativa surgida, com o mesmo objetivo da ANTEAG, na
região do grande ABC, foi a Unisol. Criada em 1999, constitui-se numa associação
de cooperativas que, embora no momento esteja atuando em sua região, pretende
estender-se por todo o Estado de São Paulo e o Brasil. Conta com uma incubadora
de Cooperativas populares, ligadas à Fundação de Santo André (Instituição
Municipal de Ensino Superior) (SINGER, 2002 b).
A Unisol nasceu no grande ABC, oriunda da força de dois sindicatos
importantes: o dos metalúrgicos e o dos químicos, o primeiro mais poderoso.
Concentram-se nesta região as montadoras de carro, cuja maioria estabelece-se em
São Bernardo do Campo, com fábricas instaladas nos municípios vizinhos. Em
1978, o Sindicato dos Metalúrgicos fez uma greve, com ocupação de uma das
fábricas pelos trabalhadores e levantou uma grande bandeira de luta em todo o país,
a de ir contra a eliminação de postos de trabalho pela indústria. É um sindicalismo
que sugere novas políticas públicas no setor da indústria e, a partir de seu 2.º
Congresso, realizado em 1996, propôs aos trabalhadores a formação de
133
cooperativas. Depois, em 1998, estabeleceu um protocolo de intenções para troca
de informações de experiências ocorridas na região da Emília Romagna, na Itália
(Oda, 2000 apud Singer, 2002b, p. 93), o que resultou em visitas de delegações
brasileiras à Itália e vice-versa (SINGER, 2002b).
Informa ainda este mesmo autor que, enquanto ocorriam
concomitantemente estes avanços de cunho internacional, no meio interno ocorria
crise na Conforja, localizada em Diadema, que iniciou a operação de resgate por
postos de trabalho, a partir de 1996, em sintonia com o sindicato. A Conforja era
uma empresa metalúrgica que se estabeleceu em Diadema nos anos de 1968, com
vistas à produção de conexões de aço forjado e tubulações. Era a única fornecedora
da Petrobrás que se empenhava na exploração de petróleo na costa brasileira.
Tinha alto faturamento com 1.170 empregados. Em 1980, passou a diversificar suas
atividades, tornando-se uma multi-empresa que fabricava máquinas, rolamentos,
plásticos, além de negociar frutas, minérios e madeira. Liderava o mercado de 70%
dos produtos forjados. Com a abertura do mercado interno às importações, em
1990, pelo presidente Fernando Collor, a coisa mudou de figura. Subitamente, a
empresa foi invadida por competidores estrangeiros e passou a ter prejuízos. Entrou
em crise de forma lenta e gradual até que, em 1994, o principal acionista do Conforja
propôs transformá-la em co-gestão. Isto gerou intenso debate entre os
trabalhadores. Em 1995, foi assinada a carta de intenções de co-gestão entre os
trabalhadores e a empresa. Apesar do sacrifício destes em diminuir sua jornada de
trabalho de 44 para 40 horas, os salários continuaram a atrasar e a crise prosseguiu.
Em julho de 1997, após um plebiscito realizado entre os trabalhadores, optou-se
pelo rompimento da co-gestão. Diante deste quadro, o filho do dono da empresa
resolveu entregar a gestão à uma cooperativa. Da empresa foram formadas quatro
cooperativas: a Coopertratt, que assumiu a gestão dos negócios; a Cooperlafe,
voltada para a laminação de anéis e forjados especiais; a Coopercon, que se
dedicou a conexões tubulares e a Cooperfor, (Forja). As sobras das quatro
cooperativas foram de 300 mil reais, em 1998 e 209 mil reais em 1999. A prática da
auto-gestão tornou-se habitual nas quatro cooperativas. Em cada uma delas
também existia o Conselho Administrativo Estatutário e um coordenador geral para
exercer a função de chefia, exercida por um dos ex-chefes da Conforja. Apesar do
134
grande poder de que dispunham os seus coordenadores, as decisões eram
submetidas a assembléias gerais (SINGER, 2002 b).
Embora se saiba que a auto-gestão não deixa de ser uma realidade,
Oda (2001), apud Singer (2002 b, p. 102), revela que o coordenador da Cooperlafe é
categórico em afirmar que:
Não conseguimos mudar a mentalidade dos trabalhadores [pois] eles ainda
são muitos dependentes de um patrão. A mudança de filosofia [...] só
ocorrerá mediante a participação deles em curso sobre cooperativismo
(ODA, 2001, apud SINGER, 2002b, p. 102).
Estes cursos, acrescenta o coordenador, proporcionariam “uma
maior autonomia para a tomada de decisões sobre produção, além de possibilidade
aos sócios pensarem no negócio estrategicamente e não em curto prazo” (ODA,
2001, apud SINGER, 2002 b, p. 102).
O cooperativismo também foi gradualmente aceito pelo Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil (MST), após uma resistência inicial
devido aos modelos anteriores, como das grandes empresas agro-industriais que
tinham uma política de exploração aos trabalhadores.
O MST é uma forma de movimento pela reforma agrária no Brasil.
Começou na época de João Goulart Jango quando este assumiu a Presidência
da República, com a renúncia do então presidente Jânio Quadros, em 1961. Com o
golpe militar de 1964, as lutas populares sofreram violenta repressão. Nesse
mesmo ano, o presidente-marechal Castelo Branco decretou a primeira Lei de
Reforma Agrária no Brasil: o Estatuto da Terra. Durante os anos da ditadura, apesar
de os trabalhadores rurais serem perseguidos, aconteceram as primeiras ocupações
de terra, não como um movimento organizado, mas influenciados pela ala
progressista da Igreja Católica, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975. Em
janeiro de 1984, ocorre em Cascavel, Paraná, o primeiro encontro do MST em que
se reafirmou a necessidade da ocupação como uma ferramenta legítima das massas
trabalhadoras e trabalhadores rurais. Iniciava-se, desta maneira, um movimento
com objetivos e linha política definidos (MST, 2005).
O programa do MST tem como objetivos: buscar a unidade entre as
organizações do campo e da cidade; fazer lutas massivas; intensificar a organização
135
dos pobres; ajudar na construção do Projeto Popular para o Brasil; desenvolver a
solidariedade e os novos valores; e impulsionar a revolução cultural (MST, 2005).
Foi organizado, em 1988, o Manual de Cooperação Agrícola do
MST. Em 1989, o MST tenta organizar a produção nos assentamentos a partir da
experiência das Ligas Camponesas que dispõem a formação de cooperativas de
produção auto - gestionárias. As primeiras Cooperativas de Produção Agropecuária
(CPAs) surgiram no Rio Grande do Sul: a Coopanor e a Cooptil (SINGER, 2002 b).
As CPAs apresentam um plano de produção coletiva em que cada
cooperado participa de trabalho socializado. Há um planejamento na divisão de
trabalho, pois deixa de ser um modelo individualista no qual o agricultor se expõe a
riscos sozinho. As CPAs foram inspiradas no modelo de Cuba, onde existe pouca
autonomia. Revelaram-se várias deficiências técnicas e administrativas, entre elas:
“avaliar a contribuição de cada um ao produto e portanto definir regras de divisão
entre eles, do rendimento obtido” (SINGER, 2002 b, p. 105). Para compensar as
falhas, foi criado o Curso Técnico em Administração de Cooperativas, no Rio Grande
do Sul, mas, mesmo assim, as CPAs passam por grande crise, talvez porque a
maioria dos assentados prefere a pequena produção, com menor padrão de vida e
maior risco, sujeitando-se à oscilação de preços agrícolas no mercado (SINGER,
2002b).
Como as CPAs não são muito aceitas pelos camponeses, o MST
tem desenvolvido outras formas de cooperação, como a da comercialização, que
permite maior vantagem em termos de preços e organização de compras e vendas
em comum. São as chamadas Cooperativas de Prestação de Serviços (CPSs) que
preservam a individualidade do camponês. O MST evita a divisão entre os CPAs e
CPSs e estimula continuamente a solidariedade como um modelo de movimento
popular que deve se desenvolvido continuamente (SINGER, 2002 b).
Ao finalizar este capítulo, informa-se que o aumento do
cooperativismo no Brasil reflete a falta de acesso dos excluídos ao emprego formal,
com conseqüente eliminação social. Muitos vivem ainda presos na “engrenagem da
pobreza” e o associativismo é apenas uma alternativa para sair da fome.
Reconhece-se, no entanto, que esta nova práxis social exercita o sentimento de
solidariedade e catalisa o exercício da cidadania como mecanismo para se eliminar
136
a “exclusão”. O “ser cooperativista” traduz uma prática que representa também a
busca de autonomia e desenvolvimento local por meio da ajuda mútua. No caso dos
coletores de lixo do Real Parque, a cooperativa de resíduos sólidos ou de lixo, como
é chamada, seria uma forma de inclusão social e uma alternativa de eliminar a fome.
Apesar da prática cooperativista ser uma plataforma do atual
governo federal, como forma de geração de renda e trabalho, necessita de alguns
ajustes. É necessário “redefinir o perfil dos cooperados e reconquistar a
credibilidade” junto à sociedade. (SILVA et al, 2003)
137
VI. QUANDO TUDO COMEÇOU: O NÚCLEO DO REAL PARQUE
Este capítulo pretende explanar como se deu a formação do núcleo
da cooperativa de lixo do Real Parque. Antes, porém, far-se-á uma breve
explanação do que tem sido proposta como política ambiental no mundo, o que diz a
nossa Carta Magna e o problema do lixo no Brasil, no estado e no município de São
Paulo.
6.1 A questão ambiental
A dinâmica do descarte começou ficar evidente na sociedade a partir
dos anos 60, período de transição do sistema fordista para a acumulação flexível,
período em que ficou acentuada a efemeridade dos produtos, como mecanismo de
aceleração do giro dos bens no consumo. Nasce a cultura da descartabilidade,
conseqüente à produção de mercadorias: pratos, copos, talheres, embalagens
guardanapos, roupas etc. Isto expressa jogar fora bens produzidos, criando um
grande problema ambiental sobre o que fazer com o lixo. (HARVEY, 1992)
Os problemas sócio-ambientais têm se tornado foco de amplas
discussões a partir da década de 70, com a Conferência de Estocolmo (1972) e a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD) em 1992, no Rio de Janeiro, também conhecida por Eco 92, em que foi
desenvolvido um documento, com 179 países participantes a Agenda 21, que se
constitui numa tentativa de realizar, em escala planetária, um método de proteção
ambiental, justiça social e eficiência econômica (OPAS (a), 2006). Em conferências
realizadas em anos anteriores e a partir da Eco 92, ficou evidenciada que a proteção
do meio ambiente e da saúde é o centro de um novo modelo de desenvolvimento a
ser criado, denominado de “desenvolvimento humano sustentável”, centrado na
dimensão humana. Organismos internacionais como OMS, OPAS, UNICEF e
governos assumiram compromissos de atuar nos problemas de saúde ambiental em
suas respectivas áreas. Um dos aspectos mais relevantes destes esforços é a
138
participação da população nas possíveis soluções no que tange às suas
necessidades. Tais compromissos já tinham sido expressos na Conferência
Internacional sobre Atenção à Saúde, em Alma-Ata, na Rússia, em 1978, que
destacou principalmente o trabalho inter-setorial para alcançar a saúde. Com o
surgimento das novas tecnologias e com o advento do desenvolvimento industrial, o
crescimento do desemprego e a fome no mundo passaram a ser vistos como
problema, não só na área da saúde, mas também do meio ambiente. A Eco 92
advertiu o mundo de que se deve estabelecer um vínculo positivo entre o
crescimento econômico e o ambiente sustentável e em seu princípio de n.
0
10
proclamou a participação e a informação de todos os cidadãos, revelando a melhor
maneira de se tratar as questões ambientais. (VIEIRA, BREDARIOL, 1998)
A Carta Pan-americana, acordada na Conferência Pan-americana
sobre Saúde e Ambiente no Desenvolvimento Humano Sustentável (COPASADHS),
realizada em Washington (1995), estabelece que:
A participação dos indivíduos e das comunidades para manter e melhorar
seus ambientes de vida deve ser promovida e apoiada. A participação
comunitária deve basear-se em estratégias para o desenvolvimento
sustentável incluindo a atenção primária do ambiente, a atenção primária à
saúde e a educação das crianças e adultos. Em cada nível da
organização social e política devem-se estimular e apoiar redes de
interesses e pessoas que atuem em colaboração, a fim de fomentar a
integração de preocupações e recursos setoriais nos processos de
desenvolvimento (OPAS (a), 1999, p. 16).
Segundo a OPAS (a) (1999), a conceituação de Atenção Primária
Ambiental (APA), foi pela primeira vez utilizada na Itália, em 1991. Este conceito
sofreu várias transformações e hoje se constitui numa síntese de várias conferências
realizadas entre 1995 e 1998, em atenção ambiental:
A atenção primária ambiental (APA) é uma estratégia de ação ambiental,
basicamente preventiva e participativa em nível local, que reconhece o
direito do ser humano de viver em um ambiente saudável e adequado, e a
ser informado sobre os riscos do ambiente em relação à saúde, bem-estar
e sobrevivência, ao mesmo tempo em que define suas responsabilidades e
deveres em relação à proteção, conservação e recuperação do ambiente e
da saúde. Constitui-se, assim, em uma proposta de associação organizada
e voluntária (OPAS (a), 1999, p. 28).
Tem como princípios básicos: participação da comunidade,
organização, prevenção e proteção ambiental, solidariedade e eqüidade,
integralidade, diversidade que visa a assegurar e a viabilizar transformações
139
importantes a partir da conscientização e da participação comunitária através de
políticas ambientais do Estado. A política ambiental deve ser organizada a partir de
ações que garantam sua organização na defesa dos direitos ambientais, buscando
iniciativas que minimizem o dano ambiental através da educação, pesquisa,
participação cidadã, o que implica no compromisso dos cidadãos e do Estado em
assegurar um meio-ambiente saudável, de co-responsabilidades, respeitando a
diversidade do ecossistema.
Os seis princípios básicos da APA são complementados pelas
seguintes características: descentralização, implica em transferir capacidades reais
tanto políticas, técnicas, financeiras e administrativas a instâncias regionais e locais.
A mais importante é a municipal, pois a população pode “desenvolver sua
capacidade de decisão sobre assuntos comuns e cotidianos”; intersetorialidade e
interdisciplinaridade, vistas sob várias óticas, ou seja, organizações de base,
municípios, comissões de vizinhança e ONGs; co-gestão pública - privada e
autogestão, propiciar espaços de discussão e solução conjunta dos problemas e
desenvolver sua própria capacidade de gestão na elaboração, execução e manejo
financeiro dos projetos. Isto se constitui num importante desafio para o Estado e
especialmente para as ONGs em que momento, entregar estas ferramentas à
população; coordenação, desenvolver instâncias de coordenação entre instituições
e grupos. Trabalho pró-ativos que administrem os problemas locais, de acordo com
sua capacidade tecnológica, normativa e com a disponibilidade de recursos;
eficiência, permite utilizar os recursos disponíveis da maneira mais apropriada para a
proteção ambiental, abrindo espaço à inovação, à diversidade de atividades,
metodologias e práticas locais; autonomia política e funcional, os atores locais não
devem perder sua autonomia. Suas ações e declarações sempre têm que refletir o
sentimento de quem representam.
A Constituição Federal, promulgada em 6 de outubro de 1988,
garante em seu capitulo VI, artigo 225, referente ao meio ambiente, que:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações. (...) Para assegurar a efetividade desse
direito, incube ao Poder Público (...) promover a educação ambiental em
todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação
do meio ambiente. (BRASIL, 1988, p. 140-141).
140
Embora faça parte da Lei Magna e esta garanta a participação
social, o que se assiste é um escasso comprometimento do Poder Público e baixa
participação referente a assuntos relacionados aos resíduos sólidos.
6.2 O problema do lixo no Brasil
O Brasil produz cerca de 125.000 toneladas diárias de lixo urbano.
Somente 15% têm seu destino em aterro sanitário; 67% vão para lugares a céu
aberto; 13% para aterro controlado e apenas uma pequena parte, 5% a 10%,
reciclados. (MAGERA, 2003).
De acordo com Froes (2005), consultor da área ambiental, é
preocupante a situação dos resíduos sólidos no Brasil por falta de uma política
adequada. A maioria dos municípios brasileiros, em torno de 80% (mais de 5,5 mil),
não recebe nenhum tipo de tratamento e tem seus resíduos sólidos domiciliares e
industriais destinados a lixões. Na grande maioria das cidades brasileiras, a coleta
regular não ultrapassa os 60% de seus respectivos territórios. Provavelmente, mais
de 500 mil pessoas sobrevivam da “catação” de materiais recicláveis no país,
mercado que gera mais de um milhão de empregos.
Em outras palavras: nem sempre os lixos são coletados pelo poder
público. Dados da Subsecretaria de Comunicação Institucional da Secretaria-Geral
da Presidência da República (2005) mostram que a coleta de lixo cresceu 2,7%
entre 2003 e 2004. Em 1999, havia 20,0% das residências sem atendimento por
serviço de coleta de lixo e em cinco anos, esta parcela caiu para 14,2%. Apesar
destes dados mostrarem uma melhora, a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio (PNAD) do IBGE, (2000) revela que o Brasil destina cerca de 64% dos
seus resíduos, sem tratamento, ora degradando o solo (em lixões), ora em cursos
d’água e ora no ar. Esta disposição inadequada é um grave problema de Saúde
Pública, comprometendo muitas vezes o abastecimento doméstico de água, de
forma permanente. Constitui-se, portanto, num dos agravantes importantes para o
recrudescimento de epidemias, como a dengue e a febre amarela.
141
Dados da UNICEF mostram que os catadores estão presentes em
3.800 municípios brasileiros. Estima-se que 10 a 20% dos resíduos urbanos
acabam alimentando 90% das indústrias de reciclagem de plástico, vidro, papel,
alumínio e ferro, fazendo do país um dos campeões mundiais de reciclagem de
alumínio. Se, por um lado, isto é um dado bastante positivo, contribuindo para a
limpeza do planeta, por outro, é um meio de subsistência de muitos, apresentando
um quadro de como as pessoas vivem em condições subumanas. Detecta-se, desta
maneira, a discrepância da distribuição de renda que se concentra em apenas 10%
da população, gerando enorme quantidade de lixo, enquanto quase um terço dos
habitantes do país passa fome. Em alguns países como o Japão, a reciclagem de
materiais está associada à modernidade, enquanto que no Brasil, liga-se às
condições de subsistência, devido à miséria de parte da população (PROGRAMA
NACIONAL LIXO & CIDADANIA, 2005).
O lixo do Brasil é considerado um dos mais ricos do mundo,
contendo uma quantidade enorme de materiais que poderiam ser reciclados. É
constituído de objetos de todos os tipos como papel, papelão, vidros, plásticos,
algumas vezes, objetos de valor e alimentos vencidos que, muitas vezes, são o
único meio de sobrevivência de milhares de pessoas que vivem à margem da
sociedade.
O Brasil tornou-se atualmente o campeão em reciclagem de latas de
alumínio, ultrapassando o índice de reciclagem
32
dos EUA e Japão. Em 1989, o
índice de reciclagem de latas no Brasil era em torno de 40,40%, em 1996, este
índice atingiu 70%, (CALDERONI, 1999). O alumínio dos materiais recicláveis é o
que mais tem valor, pois apresenta como vantagem não degradar e pode ser
reciclado inúmeras vezes, sem perder suas características no processo de
aproveitamento, diferente de outros materiais, como as garrafas plásticas que,
quando recicladas, não podem ser utilizadas para guardar alimentos. Por isso, o seu
valor residual é muito alto. 75 latinhas de alumínio correspondem a 1 kg de alumínio
e são utilizados apenas 5% da energia que seria utilizada na produção, a partir do
alumínio primário. Reciclar alumínio tem o gasto de 1/10 dos custos da mineração e
32
Por índice de reciclagem entende-se o percentual representado entre o total de latas usadas na
reciclagem e o total de latas fabricadas, no mesmo período. (CALDERONI, 1999)
142
refino do minério a partir da bauxita
33
. Segundo a Alcoa do Brasil (2006), reciclar
uma lata de alumínio economiza a luz elétrica que daria para o funcionamento de
uma televisão durante três horas. Uma lata reciclada volta às prateleiras do
supermercado em 90 dias, mas Calderoni é ainda mais otimista afirmando que 42
dias é o ciclo completo entre consumo/reciclagem/consumo. Em 2004, segundo
dados da Compromisso Empresarial com a Reciclagem, associação sem fins
lucrativos dedicado à promoção de reciclagem, o Brasil reciclou 9 bilhões de latas de
alumínio, representando 121 toneladas (CEMPRE, 2006). Este dado representa que
95,7 % de produção de latas foram recicladas em 2004, números que superam
paises industrializados, como o Japão e Estados Unidos. Em 2004, os USA
recuperaram apenas 51% de suas latinhas. Uma lata de alumínio demora 100 anos
para degradar na natureza. (CEMPRE, 2006). Em termos de controle ambiental,
afirma Calderoni (1999), quem ganha com a reciclagem é a natureza, pois consegue
reduzir 97% de poluição da água, 95% da poluição do ar, quando comparada à
poluição que a matéria prima virgem produziria. Além do mais, a bauxita tem os seus
dias contados, com duração estimada em cerca de 50 a 100 anos no mundo. O que
se pode inferir com estes dados é que bilhões que estavam perdidos no lixo, podem
ser recuperados conseqüentes à economia obtida pela bauxita, como também pela
energia. Esta economia é feita sem nenhum esforço das prefeituras, pois os
catadores de latas de alumínio se, de um lado, estão limpando o planeta, o fazem
sem nenhuma consciência, por outro lado, o fazem, para tirar a sua subsistência,
com uma remuneração mensal de 300,00/mês segundo Calderoni (1999).
O vidro, semelhante ao alumínio, pode ser reciclado inúmeras vezes
sem sofrer degradação e perda de qualidade. 46% das embalagens de vidro são
recicladas no Brasil. Destes, 40% são oriundos das indústrias de envaze, 40% do
mercado difuso, 10% de bares, restaurantes e hotéis e 10% refugo da indústria.
Além de voltar a produção de embalagens, pode ser usado na composição de
asfalto para a pavimentação, construção de sistema de drenagem para enchentes,
produção de fibras de vidro, bijuterias e tintas reflexivas. Os vidros para reciclagem
não podem conter espelhos, lâmpadas, cristais, vidro usado em automóveis, por
terem composição química diferente e, se misturados, perdem a qualidade, podendo
33
Bauxita: é o minério de alumino responsável pela quase totalidade de produção de alumínio
primário. (CALDERONI, 1999)
143
causar trincas nas embalagens. Os cacos não podem estar misturados com terra,
louças, pedras e cerâmicas, da mesma maneira, poderá haver a formação
microparticulas. Eles devem ser separados pela cor, para que não haja alterações
do padrão e de valor agregado ao produto. Os frascos de medicamentos podem ser
reciclados se medidas cautelosas forem tomadas, como serem coletados
separadamente, se não estiverem contaminados. (CEMPRE, 2006)
A reciclagem de papel é diferente da lata de alumínio e vidro. O
papel perde muito em suas propriedades ao ser reciclado. No Brasil, ainda não
existe a cultura do papel reciclado como nos paises adiantados, tais como os Estado
Unidos, onde mais da metade dos pais de escritório é reciclada. No entanto, o
que há a ressaltar é que em muitos casos, o custo da fabricação de papel a partir do
papel reciclado é maior que a partir da celulose virgem. (CEMPRE, 2006).
A maior demanda (86%) de papel reciclado se origina das indústrias
e comércio. Em 2004, 33% do papel que circularam no Brasil foi advieram do papel
reciclável, em torno de duas mil toneladas. No Brasil, existem 22 tipos de aparas,
nome genérico dado ao resíd uo de papel industrial ou doméstico. As aparas mais
nobres são aquelas que não têm impressão ou qualquer revestimento, as
denominadas "brancas de primeira". São consideradas aparas mistas aquelas
formadas pela mistura de vários tipos de papéis. (CEMPRE, 2006).
O lixo que advém do papel de escritório é formado por diversos tipos
de papéis, assim a coleta deve ser separada em categorias. O papel branco (de
computador) é o mais valioso. Com menor valor, são os papéis que contem
diferentes fibras e cores, os denominados mesclados, também coletados para
reciclagem. Os papéis vegetais, parafinados, carbono, plastificados e metalizados,
não são encaminhados para reciclagem, bem como papéis usados para fins
sanitários. (CEMPRE, 2006).
Nos Estados Unidos, em 2003, o papel de escritório constituía 3,3%
do lixo. O papel demora a degradar em aterros quando não há contato com ar e
água, mas, em local seco pode permanecer durante anos. Nos Estados Unidos,
foram encontrados em aterros, jornais da década de 50, ainda em condições de
serem lidos. (CEMPRE, 2006).
144
O papel ondulado, popularmente chamado de papelão, embora o
termo não seja tecnicamente correto, é usado basicamente em caixas para
transporte de produtos para fábricas, depósitos, escritórios e residências. Este
material tem uma camada intermediária de papel entre suas partes exteriores,
disposta em ondulações, na forma de uma sanfona. É classificado conforme sua
resistência e teor de mistura com outros tipos de papel em três categorias. No Brasil,
foram reciclados, em 2004 79% do volume total de papel ondulado. Nos EUA, a
recuperação de embalagens de Papelão Ondulado atingiu em 2003, 74%. O valor do
papel ondulado varia muito conforme a região e o preparo do material após a
separação do lixo. Em São Paulo, o papel e o papelão - incluindo o papel ondulado -
correspondem a 18.8% do lixo. Em São Paulo, o papel e papelão corresponderam a
11% do peso do lixo urbano em 2003. (CEMPRE, 2006).
O Plástico filme é uma película plástica normalmente usada como
sacos de lixo, sacolas de supermercados, embalagens de leite (exceto tetrapak),
lonas agrícolas (impermeáveis para proteção de grãos já colhidos, preservação de
umidade do solo, e estufas para culturas sensíveis) e proteção de alimentos que vão
ao microondas e geladeira. Os principais consumidores de plástico filme separado
do lixo são as empresas que fabricam artefatos plásticos com matéria prima
reciclável, como eletrodutos e sacos de lixo. No Brasil, o maior mercado é o da
reciclagem primária, em que não existe uma separação por tipo de resina.
Economizam-se até 50% de energia com o uso de plástico reciclado. (CEMPRE,
2006).
No Brasil, em media 16,5% dos plásticos rígidos e filme são
reciclados, o que equivale a cerca de 200 mil toneladas por ano. Na Europa, há anos
a taxa de reciclagem é de 22%, sendo que em alguns países, a prática é regulada
por legislações rigorosas diferentemente do Brasil, onde a reciclagem acontece de
forma espontânea. Ele é de difícil degradação nos aterros sanitários. Atualmente
esta sendo estudada sua substituição por plásticos biodegradáveis e
fotodegradáveis (que se degradam pela ação da luz). (CEMPRE, 2006).
O plástico rígido é a matéria-prima básica de diversos
produtos.Cerca de 77% das embalagens no Brasil são plásticas, tais como
recipientes para produtos de garrafas de refrigerantes, limpeza e higiene, potes de
145
alimentos, baldes, utensílios domésticos, fibras têxteis, tubos e conexões, calçados,
eletrodomésticos, além de outros produtos. O consumo brasileiro é em torno de 3,9
milhões de toneladas de plástico por ano. O plástico pode ser reprocessado,
gerando novos artefatos plásticos na produção de baldes, cabides, garrafas de água
sanitária, conduítes e acessórios para automóveis, além de gerar energia.
(CEMPRE, 2006).
De um total de plásticos rígidos e filme, 16,5% dos consumidos no
Brasil retornam à produção como matéria-prima, sendo que, destes, 60% advêm dos
resíduos industriais e 60% do lixo urbano. (CEMPRE, 2006).
Segundo dados recentes do Ministério do Desenvolvimento Social,
com base em 76 municípios, no Brasil, existem cerca de 1,8 milhões de pessoas que
vivem nas ruas do lixo. Cerca de 45.000 crianças, em todo o Brasil, trabalham na
catação de lixo, sendo que 30% delas se acham marginalizadas da escola
(PROGRAMA NACIONAL LIXO & CIDADANIA, 2005).
6.3 O problema do lixo em São Paulo
Dados da CESTEB (2005), em relação ao Estado de São Paulo, em
um estudo realizado entre 1997 e 2004, revela que, este é responsável pela geração
de 18.232 toneladas de lixo domiciliares por dia. Em 1997, 37,7%, eram dispostos
em aterros com condições inadequadas. Em 2004, apenas 8,3% se encontravam
nestas condições, o que demonstra uma melhora de 29,4%. Estes dados revelam
um investimento do governo estadual no que tange às questões do meio ambiente.
Mas, somente a cidade de São Paulo é responsável, em média, por 54,8% de
produção de resíduos sólidos (COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO
AMBIENTAL, 2005).
Segundo dados da LIMPURB (Departamento de Limpeza Pública),
na gestão da prefeita Marta Suplicy, o município de São Paulo produzia cerca de 13
a 15 mil toneladas de resíduos por dia, dez mil gerados nos domicílios que quase em
sua totalidade destinavam-se aos aterros sanitários de Bandeirantes e São João,
146
com previsão de vida útil limitada a 4 anos, grande parte jogada a céu aberto,
caracterizando uma ameaça à saúde pública, muitas vezes de forma irreversível
(PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, sd).
Segundo Dowbor (2001), os efeitos da infiltração de chorume, que
causam poluição do solo e dos lençóis freáticos subterrâneos e que terminam por
afetar a água, são incalculáveis. O lixão de Santo Amaro tem hoje mais de 35
milhões de toneladas acumuladas de lixo. Deste total, cerca de 4 a 5 mil poderiam
ser recicladas se a sociedade e os órgãos públicos estivessem organizados em
torno deste objetivo. Esta reciclagem de resíduos sólidos poderia representar para
as prefeituras uma economia da ordem de 5 a 12% do seu orçamento anual,
possibilitando o financiamento de iniciativas sociais importantes para a inclusão das
comunidades de baixa renda (MAGERA, 2003).
Somente 14% dos resíduos domésticos são destinados à usina de
compostagem de São Mateus e Vila Leopoldina. Os dados apontam 2.660
toneladas diárias passíveis de reciclagem. Não obstante, além da coleta regular
realizada pelo Poder Público, parte dos resíduos sólidos, é depositada em terrenos
baldios, córregos e nos rios Pinheiros e Tamanduateí, causando impactos no meio
ambiente e na saúde humana (PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, sd).
Segundo dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
(FIPE) (1998, apud PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, sd), existem
cerca de 8 mil pessoas morando nas ruas de São Paulo que sobrevivem
provavelmente de materiais recicláveis. Este trabalho é realizado em condições
indignas e é comum viverem sob os viadutos, pontes e terrenos baldios, catadores
misturados com o lixo. Geralmente, utilizam carrinhos de mão e carroças, chegando
a transportar de 150 a 200 quilos e, em algumas situações, até 400 quilos. Os
mesmos não pertencem a nenhuma cooperativa. Outros, mais organizados, utilizam
caminhões. Ao lado destes catadores, outro grupo se alia aos moradores de rua, os
sucateiros que constituem a forma intermediária do comércio do lixo e exploram os
catadores, pagando-lhes preços irrisórios, referentes aos materiais recolhidos.
Agravando ainda mais a situação, um número significativo de crianças integra este
quadro.
147
Uma prática de gestão ambiental consciente, além de contribuir com
a preservação do meio ambiente, gera importante contingente de empregos com
renda mensal/média em torno de R$ 350,00, oportunizando um processo
ocupacional às populações de baixa renda e ainda, quando organizada, retira deste
cenário as crianças dos chamados “lixões”.
6.4 Marcos conceituais
Os marcos conceituais, a seguir apresentados, são importantes para
a fundamentação das ações, intervenções e pesquisas que serão desenvolvidas no
contexto deste projeto/investigação visando à geração de novos conhecimentos.
Resíduos sólidos A denominação de resíduos sólidos para o lixo
reciclável constitui a atual denominação do lixo não orgânico, considerado como
material inútil aquilo que se joga fora, posto em lugar público. São considerados
resíduos não orgânicos, em sua maior parte, aqueles constituídos de: embalagens
plásticas, metal (alumínio, ferro e cobre), vidro, papel, papelão, garrafas, e móveis
inutilizados, produzidos pelas unidades domésticas (casas ou apartamentos) e
comerciais. Nesta pesquisa, serão caracterizados por resíduos não orgânicos
aqueles originados no cotidiano do bairro Real Parque. São materiais que, após
sofrerem um processo de separação e categorização, podem ser comercializados ou
submetidos a processos artesanais, adquirindo uma reconfiguração, como por
exemplo, na reutilização de móveis descartados.
Reciclagem É um processo por meio do qual qualquer material ou
produto que tenha sido utilizado em seu propósito inicial é descartado, jogado fora, e
passa a ser reintroduzido no mercado, transformado em um novo produto, seja igual
ou semelhante ao anterior, ou assumindo novas características distintas das iniciais,
criando um novo valor de troca (DUSTON, 1993, apud MAGERA, 2003) e gerando
empregos e renda.
Catadores e catadoras são considerados aqueles que fazem
catação nas ruas, atuando de forma isolada, desprezados pela sociedade e
148
considerados como pessoas mendigas. Dentro do Programa de Coleta Seletiva
Solidária de Lixo são entendidos “como parte de um coletivo cuja atuação tem sido
fundamental na limpeza pública urbana, e na viabilização do processo de reciclagem
como alternativa de minimização do desemprego” (PREFEITURA DO MUNICÍPIO
DE SÃO PAULO, sd, p.10).
Educação ambiental uma prática pedagógica não de transmissão
de conhecimentos, mas para a utilização dos recursos naturais de forma racional em
que há a participação dos cidadãos nas discussões e decisões do meio ambiente.
A consciência ambiental se dá através da educação ambiental (REIGOTA, 1998).
Qualidade de vida desde 1940, quando o desempenho da
economia passou a ser avaliado de forma sistematizada, objetivava-se o
crescimento econômico, buscando o desenvolvimento do fluxo de bens e serviços
comercializados. No decorrer destes últimos sessenta anos, relatórios e estudos de
campo realizados por sociólogos, economistas, psicólogos e outros profissionais,
analisaram, pesquisaram e discutiram diferentes aspectos do bem-estar e da
qualidade de vida nos cenários local, regional e mundial (SEN, 2001).
Chegou-se à conclusão de que os indicadores de qualidade de vida
devem contemplar tanto as medidas de aspectos objetivos como subjetivos, ambas
representando dimensões complementares acerca da satisfação das necessidades
no contexto sócio-econômico e no contexto cultural em que as pessoas se inserem.
O desenvolvimento econômico tem de estar relacionado principalmente com a
melhoria da vida que as pessoas percebem e das liberdades que desfrutam, afirma
Sen (2001). A qualidade de vida, neste projeto, refere-se à percepção sobre os
benefícios da inserção das pessoas desempregadas no mercado produtivo e à
geração de renda, capaz de proporcionar satisfação das necessidades consideradas
básicas pelos cooperativados.
6.5 As cooperativas de lixo
149
Conforme já descrito, a alternativa das cooperativas baseadas na
filosofia de Owen, não é uma experiência recente. As cooperativas de lixo aparecem
também como uma opção para as pessoas que se encontram fora do mercado de
trabalho, e sem escolaridade, principalmente nas grandes cidades, face aos efeitos
perversos da globalização neoliberal e do capitalismo. É comum gravar na memória
a imagem de pessoas vasculhando os sacos de lixo em busca de material reciclável
para vender. Tem sido uma das alternativas utilizadas face às condições de
desemprego, que imperam principalmente no hemisfério sul. Pode-se visualizar
experiências concretas dessa alternativa com habitantes de favelas no Brasil,
coletores das cidades indianas e recicladores da Colômbia. De uma maneira geral,
especialmente na América Latina esta experiência vem se centrando em âmbito
local.
Segundo Crúzio (2001), a cooperativa de reciclagem de lixo é uma
sociedade coletiva e democrática informal de catadores que se organizam para
obterem maior força no poder de negociação. É uma implantação de cunho
socialista que tem características próprias: adesão voluntária, com número limitado
de associados; deliberação por assembléias; neutralidade de discriminação racial,
religiosa, gênero e cor; independência e autonomia de seus associados que
obedecem a diretrizes gerais de seus estatutos; objetivo comum; autogestão;
liberdade de associação e não associação; variabilidade do capital social
representado por quotas-parte. Pelas suas características, exige posturas
individuais e em grupo, organização do trabalho e encaminhamento de conflitos no
ambiente de trabalho.
Em 1990, em Bogotá, existiam 94 cooperativas das quais 88 faziam
parte da Associação Nacional de Recicladores (ANR). Algumas cooperativas
fizeram avanços econômicos e prosperaram, não só executaram serviço de limpeza
como também de reciclagem do lixo domiciliário, industrial, transformação do
material reciclável, além de comercializarem-no nas cooperativas de vendas.
(RODRIGUÉZ, 2002).
Mas, a organização de catadores de lixo em cooperativas ainda é
incipiente no Brasil. O que mais preocupa é que esta fatia da população não se
encontra regularizada, na forma de associações ou cooperativas, o que a torna
150
vulnerável às ondas das políticas de resíduos sólidos. O grande avanço é a Política
Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) que vem realizando discussões e trabalhos e
deveria ter apresentado até o final de 2005, na câmara dos deputados, uma lei que a
regulamentasse. Todas as prefeituras, cuja população for superior a 100 mil
habitantes, deverão, num prazo máximo de dois anos, implantar um sistema próprio
de coleta seletiva (FROES, 2005).
Para vários estudiosos, a grande preocupação é a privatização deste
serviço para empresas que viabilizem, com certa tecnologia, a coleta “verticalizada,
a fim de baratear seus produtos. Isto afetará todos os coletores de lixo que
provavelmente não serão aproveitados neste trabalho, como ocorreu na experiência
da Colômbia /Bogotá. Ao invés da inclusão total ,serão re-excluídos.
Sendo a reciclagem dos resíduos sólidos importante para a ecologia,
para a manutenção das condições sanitárias locais e regionais, para a micro-
economia (geração de renda para os excluídos e aproveitamento do material
reciclado), para a macroeconomia, além de outros benefícios, pensou-se em adotar
uma “gestão profissional” deste negócio, utilizando recursos tecnológicos,
estruturais, cognitivos, organizacionais e sociais disponíveis no cenário local e
regional.
6.6 A formação do núcleo de cooperados do Real Parque
Tal qual descreve Henríquez a respeito do catador da Colômbia, o
catador do bairro do Real Parque não difere muito em seu perfil. Encontra-se na
faixa etária de 20 a 50 anos, geralmente são homens, mas também há mulheres,
velhos e inclusive crianças. (Fotos 9 e 10 em anexo). A maioria não completou o
ensino fundamental. Exercem três tipos de atividades diferentes: primeiramente, os
catadores de ruas que, com carrinhos de mão, recolhem o material reciclável dos
sacos de lixo e dos contêineres, com uma jornada de oito horas de trabalho; na
segunda modalidade, estão aqueles que perambulam pelos arredores do bairro,
como na Rua Carlos Berrini, e nas dos bairros próximos, como o do Brooklin, nas
feiras livres, escritórios ou em residências; em terceiro, aqueles que terceirizam os
151
serviços, pagando quantias irrisórias para crianças e mulheres que coletam o lixo em
carroças. Este grupo geralmente possui caminhões ou peruas e trabalham também
com ferro velho.
A imagem que se tem do catador é de alguém perigoso, indigente,
alguém também “descartável”. Apesar do baixo rendimento e condições de trabalho,
não se trata de uma ocupação temporária. A permanência no trabalho se deve às
poucas oportunidades no emprego formal, à independência e à liberdade de
trabalhar por conta própria. Isto, sem dúvida, contribui para um comportamento
individualista e concorrencial que dificulta a organização dos catadores em
cooperativas, exigindo-lhes mudanças de valores e sentimentos de solidariedade e
colaboração.
A partir de setembro de 2001, foi apresentada pelos Serviços e
Obras da Prefeitura de São Paulo, a proposta do programa de Coleta Seletiva
Solidária, comprometida com o problema de resíduos sólidos da cidade, que veio a
coincidir com o desejo da população do Real Parque, fruto das discussões que
ocorriam já há alguns meses. A população do Real Parque se encontrava em
consonância com a proposta da OPAS que defendia a atenção primária ambiental
(APA), basicamente preventiva e participativa, em nível local, com a colaboração dos
indivíduos e das comunidades.
A proposta da Coleta Seletiva Solidária da prefeitura de São Paulo
tinha como pressuposto básico a inclusão social de pessoas desempregadas e a
minimização dos problemas sociais, fruto de várias discussões da problemática com
a sociedade civil em fóruns, seminários, reuniões e outros eventos. 180 instituições
participaram do conjunto de fóruns, entre elas, associações e cooperativas de
catadores e demais entidades comunitárias. Os catadores atuam na cidade de São
Paulo há mais de 50 anos, época que fundaram a Cooperativa dos Catadores
Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Recicláveis (COOPMARE), a primeira
cooperativa de catadores de lixo do Brasil. Organizada para atuar com os catadores
de materiais recicláveis, contou com o apoio da gestão de Luiza Erundina, durante o
período de 1989 a 1992. Vem obtendo resultados relevantes, contando,
recentemente, com o apoio do presidente Lula e do ministro do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS), Patrus Ananias, em 23 de dezembro de 2005, que
152
assinou um novo convênio, após apresentar os resultados obtidos do convênio
anterior. O convênio anterior possibilitou a inauguração de 36 centros de
treinamento e referência, a realização de 16 congressos, 12 encontros de lideranças
e a habilitação de 1.350 catadores.
Com o acirramento da crise econômica e o aumento do
desemprego, o número de catadores cresceu na cidade de São Paulo, o que
coincidiu com uma série de debates em âmbito mundial sobre os problemas
ecológicos causados pelo lixo, desencadeando uma série de discussões a respeito
da economia sustentável.
Em março de 2000, foi instituído o Fórum Recicla São Paulo,
formado pela união de várias experiências de coletas seletivas de lixo comunitárias,
cooperativas associativas e de pessoas autônomas da Grande São Paulo, visando à
troca de experiências entre as pessoas que trabalham nestes projetos e à busca de
novas formas de trabalho conjunto que possibilitassem uma melhoria na qualidade
de vida e na qualidade do trabalho da população de baixa renda envolvida nesta
atividade. Reuniu mais de 1.200 pessoas e 70 grupos de todas as regiões da cidade
(zonas leste, sul, oeste, norte e centro), com o objetivo de trocar experiências e
construir uma rede articulada de coletores. A partir deste fórum, foi produzida a
“Carta de Princípios” (apêndice I), que norteava a organização daqueles grupos.
Estes fóruns realizavam assembléias mensais, com a participação de todas as
regiões. Em junho de 2000, foi criado um Comitê Metropolitano de Catadores, cuja
meta era a mobilização e organização local para o 1.º Congresso Nacional de
Catadores de Materiais Reaproveitáveis em junho de 2001, em Brasília e durou três
dias, contando com a participação de 1.600 trabalhadores de dezessete estados do
país, que elaboraram propostas para a criação do catador como categoria
profissional e da sua inclusão na Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Outras propostas foram discutidas, tais como a integração de todos
os municípios e Estados no sistema de coleta seletiva e a formação de empresas
sociais de reciclagem (ver apêndice II), Carta de Brasília, sobre o Encontro Nacional
de Catadores. Cabe salientar que foi a região leste, no ano 2000, com a realização
do seminário “Coleta Seletiva: Zona Leste Faz” que impulsionou a realização
posterior deste trabalho.
153
A idéia de coleta seletiva solidária, no Real Parque, surgiu ancorada
no Fórum do Recicla São Paulo e a partir de discussões, já relatadas, nas quais se
utilizaram o Método da Roda e o diagnóstico participativo. O início das discussões
sobre o lixo das favelas Real Parque e Panorama surgiu principalmente devido à
insatisfação da comunidade com o seu acúmulo em terrenos baldios; a
irregularidade da coleta feita pela prefeitura; a insuficiência de números de
caçambas e sua má distribuição nas imediações dos prédios do Cingapura que
culminou numa população grande de ratos e baratas, colocando em risco a saúde
da comunidade, expondo-a a várias doenças como leptospirose e outras,
principalmente, a epidemia da dengue que chegava à cidade de São Paulo, em
2000. A chegada da dengue em São Paulo assustou a população que, até então,
vivia de uma certa maneira acomodada com o problema. Como é de conhecimento
geral, latas, garrafas, pneus e outros permitem o acúmulo de água são
extraordinários criadouros do mosquito Aedes aegypi, transmissor da dengue e da
febre amarela. A existência de vielas estreitas e íngremes dificulta os serviços de
limpeza e coleta nas favelas, sendo excelente criadouro para vários outros vetores.
A partir de reuniões iniciadas em fevereiro de 2002, foi traçado um
diagnóstico participativo que culminou na necessidade e desejo da população do
Real Parque quanto à formação de uma cooperativa de lixo a partir da coleta
seletiva de resíduos sólidos, o que veio coincidir com o propósito da autora no
sentido de fazer algo por aquela gente, não somente em prol de sua saúde, mas
também pela sua inclusão.
A idéia era de que, além dos resultados quantitativos relacionados
ao aproveitamento dos materiais coletados, se destacasse a articulação das
pessoas em nível local, gerando um movimento de construção de um novo tecido
social, constituído por sujeitos que, além de articular segmentos diversos em torno
de um trabalho coletivo organizado, voltado para a preservação ambiental dos
espaços do viver saudável, estaria exercitando os seus direitos e deveres de
cidadão, o que permitiria ao sujeito, a partir dessa prática social, nas palavras de
Manzini-Covre (1996, p.113) “sair de um sujeito provisório para vir a compor um
sujeito em constituição”.
154
Por outro lado, pensou-se na importância dos processos de
formação e capacitação dos operadores do lixo reciclável e na sua influência sobre
as condições ambientais locais, acrescentando-lhes oportunidades surgidas de
experiências inovadoras dos processos de ensino, pesquisa e extensão e que
poderiam ser incorporadas por instituições de ensino envolvidas com o bairro. No
entanto, esta segunda idéia não germinou, devido ao projeto ter sido encaminhado
ao Banco Mundial, mas não foi contemplado, ocasionando a sua inviabilidade por
falta de condições econômicas.
Diante desta limitação inicial, foi realizada uma articulação com a
Coordenadoria de Saúde do Butantã/Prefeitura Municipal de São Paulo e as
Associações de Moradores da área, além de outros parceiros que, incorporados
nesta trajetória, demonstraram a viabilidade do Projeto em termos operacionais e as
possibilidades de gerar um importante impacto social.
Para começar um projeto desta envergadura, percebe-se que à
medida que os acontecimentos se sucedem as cortinas do cenário vão se abrindo,
as idéias clareando, tanto para os envolvidos como para aquele que os assiste,
neste caso, o pesquisador. Houve a necessidade do grupo envolvido ensaiar a peça,
para depois entrar em cena. Desta maneira, várias reuniões ocorreram antes da
implantação do projeto para maior compreensão do assunto.
Inicialmente, há de se destacar o envolvimento de alguns membros
da comunidade, inclusive de alguns empresários que perceberam a oportunidade de
minimizar o aumento da violência no bairro, principalmente em relação a assaltos e
seqüestros - relâmpago. Estes, então, interessaram-se pela implementação do
projeto e o iniciaram através de sua participação nas reuniões. De uma maneira
geral, os moradores ficaram entusiasmados com a idéia e o primeiro passo foi
procurar um terreno para a instalação do projeto e colocá-lo no papel.
A primeira iniciativa a tomar foi convidar um técnico da Secretária de
Serviços de Obras da Prefeitura Municipal de São Paulo, envolvido com o Programa
da Coleta Seletiva, para falar às pessoas interessadas como funcionaria este
programa. Na reunião do dia 7/08/2002, contou-se com a presença de uma técnica
que explanou o Programa de Coleta Seletiva Solidária e a responsabilidade cidadã,
os tipos de lixo existentes: o doméstico, das vias públicas, feiras livres, industrial,
155
construção e dos serviços de saúde; os perigos de se queimarem móveis e
colchões; os prejuízos que causam os lixos depositados nas margens dos rios e
suas conseqüências na proliferação de vetores; diferenças entre aterro e lixão;
esclarecendo:
Cada pessoa produz cerca de 1.200Kg de lixo por dia. O custo que a
prefeitura de São Paulo tem com o lixo é cerca de R$ 1.300 milhões de
reais por dia, verba suficiente para a construção de uma escola. Para
ajudar o meio ambiente devemos utilizar o cinco “Rs”: Reduzir: evitar a
geração do lixo; Reutilizar: reaproveitar: tudo o que puder; Reciclar: coleta
seletiva; Responsabilidade: com o meio ambiente; Respeitar: o coletivo.
(Técnica da Secretaria de Serviços de Obras da Prefeitura Municipal de
São Paulo, 2002).
Participaram da reunião 16 pessoas. Todas bastante atentas à
explicação, fizeram perguntas e esclareceram dúvidas. No seu final, foi sugerido,
por um dos presentes, convidar o grupo da incubadora da USP para talvez assumir
este projeto embrionário e, assim, fazer possível visita ao Projeto Vira-Lata, o que
ocorreu no sábado seguinte, com oito dos participantes.
Na reunião seguinte, dois universitários da incubadora da USP,
Robson e Marilia
34
compareceram à reunião. O papel da incubadora é de “orientar
sobre todas as etapas e passos a serem seguidos”, comentou um deles. Assim,
demonstrou-se a importância da união, da iniciativa, da decisão de todos e
recomendou-se:
Começar o mais rápido possível, e paulatinamente, não precisa começar
com muitas pessoas e muitos prédios. Primeiro fechar com o prédio
próximo do terreno e procurar saber qual o material a ser visado.
Pesquisar o material para que possa vender, venda casada, juntar com
outro projeto e vender o material em conjunto que pode ser mais rentável.
(Roberto, 2002).
Tanto Robson quanto Marilia colocaram-se à disposição para
possíveis esclarecimentos, mas enfatizaram que, sem o convênio com a prefeitura,
ficaria difícil assumirem o projeto como um compromisso formal. Também foi
salientada a importância de um trabalho com os moradores dos prédios.
Na reunião do dia 14/10/2002, outros dois universitários, Silmara e
Flávio, do grupo de Ensino e Pesquisa e Extensão Multidisciplinar, que trabalhavam
com o Projeto das incubadoras da USP, compareceram à reunião, colocando-se à
34
Os nomes foram trocados para manter o anonimato.
156
disposição. Esclareceram mais uma vez o papel da incubadora, “que é de orientar e
ajudar na formação das cooperativas”. Convidaram os presentes para a participação
no Fórum Lixo e Cidadania, promovido pelo Instituto Polis, e destacaram a sua
importância. Incentivaram o grupo para a formação da cooperativa, ressaltando a
“qualidade” do lixo do bairro como um lixo caro, rico. Comprometeram-se a fazer um
relatório e levá-lo para outros membros do grupo a fim de que discutissem a
viabilidade de serem incluídos, ou não, no projeto das incubadoras.
Enquanto transcorriam as reuniões para esclarecimento do assunto,
todos estavam em busca de um terreno que oferecesse condições para a
implantação do programa. Cabe salientar que as reuniões contavam com a
participação de alguns empresários e outros moradores do bairro, da classe alta
sensibilizados com a situação de “exclusão”.
Após diversas buscas, algumas possibilidades de local foram
levantadas. Um empresário, dono de um desses terrenos, foi contatado. Foi cedido
por dois anos em comodato um terreno de 2.455m² para a implementação do Projeto
batizado de ReciclaReal. O contrato do terreno foi assinado em 7/10/2002. Nas
cláusulas do contrato constava a obrigatoriedade do pagamento do IPTU do terreno
que era alta, em torno de R$ 350,00 reais mensais. Isto assustou bastante o grupo,
tendo em vista a possibilidade de o projeto não conseguir arcar com esta quantia.
Assinou-se o contrato com a esperança de conseguir a isenção deste imposto, já
que se tratava de um projeto social de ação solidária, coordenado pela própria
prefeitura de São Paulo. Foi marcada reunião com o subprefeito da época e com o
engenheiro da Secretaria de Serviços e Obras que ficou responsável de contactuar
diretamente a prefeita Marta Suplicy e efetuar esta negociação. O terreno estava
bastante sujo e com muito mato (Foto 11 em anexo) e tinha outro agravante: o
esgoto que corria a céu aberto, procedente dos barracos acima e do comércio da
Rua Conde de Itaguaí.
Na reunião do dia 16/10/2002, o grupo achou que deveria chamar o
subprefeito da Regional do Butantã para conhecer o terreno da reciclagem e solicitar
ajuda quanto à sua limpeza e reforçar a solicitação da isenção de pagamento do
IPTU, marcada para o dia 18/10 às 11h. Uma comissão composta de dez pessoas
do projeto deveria acompanhar a visita. Também nesta reunião foi sugerida a idéia
157
de se fazer uma feijoada para arrecadar dinheiro para a compra de um carro para a
coleta seletiva.
Por ocasião da visita, acresceram outras demandas de solicitação
ao subprefeito: a canalização do esgoto do terreno e uma máquina para limpeza do
terreno. No entanto, embora houvesse inúmeras reivindicações, foi alegado a não
possibilidade da intervenção do Poder Público de canalizar o esgoto, por se tratar de
um terreno particular e a situação continuou na mesma. A limpeza foi feita por um
participante do ReciclaReal (Foto 11) e, quanto ao esgoto, conversou-se
individualmente com cada morador e donos do comércio, para o seu desvio em
direção ao esgoto central. Os comerciantes atenderam ao pedido e os moradores
dos barracos, alguns deles até tomaram providências. Outros, infelizmente, nada
fizeram.
Ocorreu a visita de representantes de vários projetos de reciclagem,
dentre eles o do “Reciclázaro” e do projeto “Vira Lata”, quando foram enfatizados os
benefícios da reutilização do lixo que, além da educação ambiental, acresciam-se a
geração de renda. Foi também ressaltado pelos representantes desses projetos o
conceito primordial para que qualquer projeto fosse viabilizado: a união e as cinco
palavras-chaves da educação ambiental: recusar; repensar; reduzir; reutilizar e
reciclar.
Foi realizado um curso de 40 horas a respeito da coleta seletiva
sobre resíduos sólidos com o apoio da CIT, (Centro Integrado do Trabalhador) e do
FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) que teve início no dia 18/11/2002, das 14h
às 17h, na sede do Centro de Saúde Real Parque. Este curso foi ministrado pelo
presidente do projeto Vira Lata e os participantes, receberam uma ajuda de custo
diária, de R$ 3,80 reais para alimentação. Toda a comunidade do bairro Real
Parque foi convidada e participaram cerca de 30 interessados. Foi solicitado a todos
os inscritos que recolhessem por uma semana papéis de todos os tipos (jornais,
revistas), plástico, alumínio e vidro para servir de apoio no primeiro dia de aula.
Ajudaria a “explicar os valores e destinos dados a estes materiais e a agressão
causada à natureza, cada vez que não reciclamos”, disse Wilson. Também foi feita
pelos interessados uma visita à Central da Vila Leopoldina, no dia 20/11/2002, para
que conhecessem o seu funcionamento. Todos os interessados no início do projeto
158
foram capacitados; no entanto, percebeu-se que existia a necessidade de que esta
capacitação fosse repetida de tempos em tempos, devido à rotatividade dos
membros. Nesta questão, percebe-se que são necessárias não somente ações
educativas quanto à coleta seletiva, (separação do lixo seco e úmido), os princípios
da cooperativa, mas também o despertar do trabalho em grupo. É preciso capacitar
os coletores sobre a importância de ter uma equipe forte e coesa. As pessoas
entram e saem do projeto devido a atritos de relacionamento e por terem a ilusão de
que trabalhando sozinhos irão ganhar mais.
Em 9/12/2002, foi escolhido um dos catadores que participavam do
projeto para participar do Fórum Latino-americano, que seria realizado em
Florianópolis no dia 22/01/2003 e São Paulo tinha direito a 92 vagas. A região
oeste, à qual pertencia o ReciclaReal, dispunha de seis vagas, uma vaga do
ReciclaReal. Haveria um pacote com passagem, hospedagem e alimentação, mais
uma ajuda de custo de 100,00 reais. Foi feita uma coleta entre os participantes e
arrecadou-se mais uma quantia de R$ 124,50 para as despesas.
A partir destes contatos, o embrião do núcleo de coleta seletiva já
estava formado, batizado com o nome de ReciclaReal. Já se iniciava de maneira
rudimentar a coleta seletiva com carroças. Os catadores do bairro foram convidados
a participar das discussões e do grupo. O grupo do ReciclaReal, que contava com
vinte pessoas, entre catadores, interessados e apoiadores, foi convidado para
participar do programa de Coleta Seletiva Solidária de São Paulo, aderindo a uma
das quatorze centrais de triagem que seriam criadas pela prefeitura. O bairro Real
Parque geograficamente estaria ligado à central da Vila Leopoldina, juntamente com
os demais grupos de catadores de coleta seletiva da zona oeste da cidade de São
Paulo. Para a operacionalização na central da Vila Leopoldina, foi constituída a
“cooperativa-mãe” em que participariam todos os grupos que já atuavam de forma
organizada na coleta seletiva desta área da cidade. O Real Parque contribuiu
inicialmente com três pessoas para a constituição da cooperativa, denominada
CooperAção, junto à Central da Vila Leopoldina, responsável pela
operacionalização: recebimento do material, armazenamento, compactação,
pesagem e comercialização da produção advinda dos núcleos do município de São
Paulo. Para tal, foi celebrado um convênio, instrumento que deu legalidade junto a
Secretaria de Serviços e Obras (LIMPURB). O objetivo era obter grandes volumes
159
de resíduo sólidos, o que permitiria a negociação direta com os recicladores
(indústria) evitando-se, desta forma, intermediários e exploração dos catadores,
obtendo, conseqüentemente, melhores preços. A figura, a seguir, ilustra a rede de
coleta.
160
FIGURA 1 REDE DA COLETA SELETIVA SOLIDÁRIA
Fonte: Secretaria Municipal de Serviços e Obras (modelo adaptado pela autora)
INSTRUMENTO LEGAL: CONVÊNIO
COOPERATIVA X SECRETÁRIA DE SERVIÇOS E
OBRAS LIMPURB
SECRETARIA DE SERVIÇOS E OBRAS
INFRA-ESTRUTURA
EQUIPAMENTOS
TRANSPORTE
APOIO LOGÍSTICO PARA COLETA
FORMAÇÃO, CAPACITAÇÃO E INCUBAÇÃO
SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO, TRABALHO E
SOLIDARIEDADE
* INSTITUIÇÃO CONTRATADA PELA SECRETARIA
* PARTICIPAÇÃO DOS JOVENS BOLSISTAS DO
PROGRAMA BOLSA TRABALHO-EDUCAÇÃO AMBIENTAL
COOPERATIVA:
TODOS PARTICIPAM DA
COOPERATIVA;
TODOS PARTICIPAM DA
FORMAÇÃO, CAPACITAÇÃO E
INCUBAÇÃO
FORTALECIMENTO DE NÚCLEOS
DE COLETA COM EQUIPAMENTOS:
PRENSA E BALANÇA
EM ÁREA PÚBLICA
NÚCLEO
GRUPOS
GRUPOS
NÚCLEO
REAL
PARQUE
CENTRAL DE TRIAGEM:
COOPERAÇÃO
ARMAZENAMENTO,
BENEFICIAMENTO E
COMERCIALIZAÇÃO
COMERCIALIZAÇÃO
PARCERIA COM AS
EMPRESAS
RECICLADORAS
161
O ReciclaReal iniciou com três participantes, depois sete e em
alguns momentos o número chegou a ser de dezesseis participantes, dez mulheres
e seis homens, sendo que um deles era o motorista.
A idéia inicial foi sensibilizar os zeladores dos prédios de alto padrão
e os do Cingapura para o problema ambiental e a separação domiciliária, porque era
claro que a integração de todos os atores sociais no projeto seria fundamental,
seguida da dos técnicos e dos representantes do sistema municipal da região para
assegurar a sustentabilidade do projeto. Também era a intenção do projeto o
envolvimento de todos os atores sociais da indústria, do comércio, pequenas
empresas e escolas da região.
Foi feito um folder e distribuído aos prédios (Anexos B1, B2 e B3),
mas como não se contava com recursos econômicos, foi feito em pequena
quantidade. Em alguns prédios foram realizadas reuniões com os síndicos. Cada
prédio deveria ter dois tipos de tambores de plásticos de 60 litros: um para os
recicláveis e outro para o lixo molhado. Seriam recolhidos duas vezes por semana.
Os prédios não foram escolhidos, mas eles próprios foram definindo sua
participação. Com a adesão de 18 deles, chegou-se, em alguns momentos, a ter
uma quantidade de resíduos capaz de contemplar a cada um dos oito participantes
com o valor de R$550, 00 reais. Foi feito um convite por escrito aos zeladores dos
prédios de alto padrão e prédios Cingapura para discussão da coleta seletiva. Nesta
reunião, compareceram três zeladores dos prédios de alto padrão e oito dos prédios
do Cingapura. Foi passado um filme sobre o lixo, sobre a dengue e discutidas as
suas conseqüências deletérias à saúde da comunidade. Contou-se como facilitador
do processo, o responsável pelo “Setor de Zoonoses”, da Prefeitura Municipal de
São Paulo.
O projeto chegou a sustentar dezesseis famílias que estavam
desempregadas e sessenta crianças. Também foi pago o IPTU do terreno pelos
participantes do núcleo até o início de 2005 quando, com a mudança do prefeito do
município, o projeto perdeu sua continuidade devido a inúmeras dificuldades (não se
conseguiu a isenção do IPTU, embora se tenha tentado junto à prefeita de São
Paulo. De acordo com advogados da região, esta não tinha constitucionalmente
condições de isentar este imposto).
162
O projeto esteve em funcionamento por cerca de três anos, de 2002
até o final de 2005, em condições precárias de instalações. Muitas dificuldades
foram encontradas e serão alvo de um próximo capítulo. Apesar de se tentar a
obtenção de recursos à agência de fomento e empresas particulares para a
construção do galpão no terreno (cedido em comodato por dois anos) e compra dos
equipamentos necessários para o projeto, como: prensas; balança; caminhão para o
transporte do lixo, isto não foi conseguido devido ao terreno não ser público. Existia
uma fila de espera de mais ou menos vinte pessoas para entrar no projeto,
aguardando a adesão de maior número de prédios.
A coleta era feita duas vezes por semana, no início com carroças
(Foto 12 em anexo) e posteriormente com uma Caravan velha, com mais de 20 anos
de uso, adaptada como caminhonete, através de cortes em sua lataria (Fotos 13 e
14 em anexo ). Após um ano e meio de funcionamento, foi adquirida uma
caminhonete C10, ano 1974, com a ajuda da população e da Associação Amigos do
Real Parque, o que demonstra que uma boa parcela da população estava envolvida
com o projeto.
O núcleo foi liderado todo este tempo por uma mulher (Maria) que
possui até a 7.
a
série do ensino fundamental e voltou a estudar em 2004. Os demais
não possuem o ensino fundamental.
Quase todo o material era levado à Vila Leopoldina pelo caminhão
da prefeitura, uma vez por semana, onde era prensado, fardado e vendido. Havia
algumas dificuldades em vencer os atravessadores e vender para as grandes
empresas. O Tetrapack, o vidro e as sacolas de plástico eram enviadas à Vila
Leopoldina para que houvesse melhor negociação.
163
VII. OS COLETORES DE LIXO DO RECICLAREAL: UMA CIDADANIA
EM CONSTITUIÇÃO
Neste capitulo, são apresentadas as entrevistas feitas com os
sujeitos, após quase dois anos de funcionamento do projeto, para captar o social e o
subjetivo através das suas falas em situação social concretamente vivenciada em
uma cooperativa. A literatura aponta para a economia solidária como uma
alternativa de economia, capaz de recuperar a dignidade e os direitos humanos e
intervir na correlação de forças na economia globalizada e flexibilizada, já discutidos
na introdução. Permite, portanto, equilibrar as forças nos dois sentidos: de um lado,
a economia capitalista; e de outro, os excluídos do mercado de trabalho, não no
sentido de lhes igualar, mas de conduzi-los à uma condição de vida mais digna e
intervir na conquista de cidadania.
Volta-se agora à pergunta inicial:
É possível a construção da cidadania para o exercício dos direitos
sociais básicas de alimentação, moradia a partir da construção de uma cooperativa?
É possível um outro tipo de organização socioeconômica onde haja cooperação em
lugar da concorrência, valendo-se sim da limitação, porém sem a eliminação? Que
tipo de trabalho alternativo poderia ser pensado para estes moradores da favela que
não exija qualificação profissional e permita a inclusão desse grupo que se encontra
em desemprego oculto pelo desalento?
7.1 A cidadania na visão dos recicladores de lixo do ReciclaReal
Neste momento, a pesquisa-ação se volta para “os sentidos de
cidadania” sob a ótica dos recicladores de lixo do ReciclaReal, a partir da análise
das entrevistas realizadas.
164
Mediante os depoimentos dos entrevistados, tentar-se-á mostrar
como se dão as relações sociais para a conquista dos direitos de cidadania. Antes,
porém, uma apresentação dos sujeitos da presente pesquisa.
Na verdade, esta pesquisa foi realizada com oito cooperativados,
cinco do sexo feminino e três do sexo masculino, moradores do bairro Real Parque
que trabalhavam no grupo do ReciclaReal (quatro deles) e na CooperAção, na Vila
Leopoldina (quatro deles). Como já foi explanado anteriormente, o ReciclaReal foi
apenas um “Núcleo de Cooperativa”, que funcionou no bairro Real Parque ligado à
Cooperativa da Vila Leopoldina, uma espécie de “Cooperativa Mãe” onde era
alojado o apoio logístico e maior infra-estrutura.
Por ocasião das entrevistas, havia oito pessoas trabalhando no
núcleo do Real Parque. Para captar a diversidade das significações, foram
entrevistados quatro que trabalhavam no núcleo ReciclaReal, e mais quatro,
pertencentes ao núcleo ReciclaReal mas que trabalhavam na Cooperativa da Vila
Leopoldina: CooperAção. Em assembléia da CooperAção, havia sido decidido que
cada núcleo deveria participar com cinco de seus membros na CooperAção. O Real
Parque contribuiria com quatro, devido à distância e dificuldades de condução para o
local. 35
7.2 Um breve perfil dos sujeitos
Os sujeitos desta pesquisa foram os coletores de lixo do bairro Real
Parque que tiveram o desejo de construção de um trabalho coletivo organizado para
a economia solidária e a preservação ambiental, sob a forma de cooperativa. Foram
eles os entrevistados, respeitando os princípios de anonimato, da participação
consentida e esclarecida. Eram alguns recém-chegados à capital e outros que já
moravam em São Paulo há alguns anos.
35
O trajeto do Real Parque até a Vila Leopoldina demorava em média duas horas. 30 minutos do
Real Parque, caminhando até a estação de trem Morumbi. Neste local, tomava-se o trem e descia na
estação Presidente Altino. Fazia-se a baldeação com destino à estação da Vila Leopoldina.
Caminhava-se cerca de 40 minutos a pé até ao local de destino.
165
Os oito cooperados foram escolhidos aleatoriamente, ou seja, a
aqueles que se encontravam presentes no terreno do ReciclaReal ou na
CooperAção no momento da entrevista.
7.2.1 Cooperados que trabalhavam no núcleo ReciclaReal:
Maria: natural de Pernambuco, 35 anos, amasiada, estudou até a 7.
a
série do
ensino fundamental, branca, desempregada há três anos. Antes, era
cozinheira. Tem uma filha.
Tiago: natural de Pernambuco, 22 anos, amasiado, analfabeto, negro,
desempregado há três anos. Trabalhava antes como jardineiro. Tem um filho
dependente de drogas consideradas ilícitas.
José: natural de Pernambuco, casado, 34 anos, amasiado, analfabeto, negro,
desempregado há dois anos. Antes, lavador de caminhão. Não informou o
número de filhos.
Madalena: natural da Bahia, 38 anos, amasiada, analfabeta, negra, sete anos
desempregada. Seis filhos. Faxineira. Moradora do alojamento do Real
Parque. Perdeu tudo no incêndio da favela.
7.2.2 Cooperados que trabalhavam na CooperAção:
Fátima: natural do Paraná, 32 anos, separada, estudou até a 6.
a
série do
ensino fundamental, branca, desempregada. Antes, faxineira. Tinha uma filha
que faleceu de HIV.
Paulo: natural de Pernambuco, 30 anos, solteiro, analfabeto, branco,
desempregado há dois anos. Antes, ajudante de cozinha. Mora em São
Paulo há seis anos.
Rosa: natural do Paraná, 33 anos, amasiada, 3ª série do ensino fundamental,
branco, desempregada há um ano. Antes, auxiliar de limpeza. Tem cinco
filhos.
Imaculada: natural do Paraná, 32 anos, amasiada, analfabeta, negra, dois
anos desempregada. Antes, auxiliar de limpeza. Tem cinco filhos.
166
A faixa etária dos cooperados variou de 22 a 38 anos. Quatro deles
eram de Pernambuco, um da Bahia (Nordeste) 3 dos Paraná (Sudeste). Cinco deles
eram analfabetos, três deles tinham o ensino fundamental incompleto. Em relação à
situação de emprego, todos eram trabalhadores de serviços gerais: quatro deles
trabalhavam com serviço de limpeza, dois na cozinha, um como jardineiro e um
como lavador de caminhão.
7.3 A tentativa de inclusão dos excluídos através do núcleo de cooperativa do
Real Parque: o ReciclaReal
Todos os sujeitos pesquisados encontravam-se desempregados
no momento em que aderiram ao ReciclaReal.
Antes de trabalhar no ReciclaReal, eu trabalhava como cozinheira, e nos
finais de semana eu fazia bico de segurança no salão de festas. Fazia
bolo de aniversário, salgadinho e ainda continuo entregando meus
salgadinhos, só que agora eu só entrego salgadinhos num bar só, mas eu
ainda continuo fazendo meus salgadinhos. (Maria do ReciclaReal)
Eu trabalhei de segurança, trabalhei de auxiliar de limpeza, trabalhei em
restaurante. Na cozinha lavando panela. É... mas depois eu saí, fiquei
desempregado e vim prá cá. Dois anos.... quando eu vim prá cá, a
cooperativa já estava funcionando. (Paulo da CooperAção)
Eu resolvi trabalhar aqui porque eu já estava dois anos parada. Estava
desempregada, dois anos desempregada. (Imaculada da CooperAção)
Bom, eu fiquei parada muito tempo, estava até passando necessidade,
aí foi quando eu fiquei sabendo da coleta seletiva, aí eu conversei com um
padre que tem lá perto de casa, que ele também é envolvido com coleta...
Padre Tião, aí ele foi conversou com o Sr. Wilson, com a menina lá, e
conseguiram uma vaga para mim, e ajudou bastante, né? Pelo menos eu
pago alguma coisa para minha filha, pelo menos a comida deles não está
faltando, que nem tava faltando a uns tempos aqui. E eu dou graças a
Deus de ter arrumado pelo menos aqui... (Fátima da CooperAção)
Trabalho aqui há dois meses. Antes eu trabalhava lavando caminhão em
Pernambuco. Comecei a trabalhar com meu irmão. Lavar caminhão é
bom, dá prá sair mais dinheiro, mas o problema é o desemprego, sabe?
Tem a profissão, mas não tem o emprego... já recebi R$ 214,00. (...) Eu
vim prá São Paulo prá trabalhar, e depois com o tempo voltá, prá
conseguir alguma coisa na vida, com a mulher que eu tenho. (...) A gente
[referindo-se a situação de desemprego], uma pessoa fraca uma
pessoa fraca mas se tiver fé em Deus a gente consegue. Pode
demorar um tempo, passar um tempo (...) Eu deixei a mulher lá no norte.
167
Sinto... Aí o jeito é trabalhar aqui não está muito bom, mas aqui é
melhor do que lá... Toda noite eu rezo, eu tenho uma oração tá bom
demais, ela conversa comigo, telefona prá mim... É... vai completar um
mês... (José do ReciclaReal)
Eu perdi tudo no incêndio há dois anos e estou há 8 meses no Recicla
sinto bem porque não estou desempregada e o dinheiro tem ajudado.
Não é muito, mas ajuda. Prá mim mudou muita coisa, que eu tava...
[desempregada]. Esse pouco que eu ganho já dá prá mim comprar um ...
Eu compro comida pros meus filhos, pra ele (referindo ao companheiro)
comprei uma televisãozinha a cores, que a gente ia ver na casa dos
outros... Essas coisas que sobram, dá mandar pra ele. (Madalena do
ReciclaReal)
Hoje me considero uma pessoa feliz... Antes não... Agora sim. Eu não
sentia feliz. Estava parada. É. Sei que chega aquele dia e posso comprar
minhas coisas, num falta nada... Aí eu fico mais feliz. (Rosa da
CooperAção)
É que eu sinto mais a vontade, o pessoal aqui é conhecido... Aí e a gente
sente mais a vontade e trabalha. Antes tava desempregado... Três
anos. Nada consegui emprego, estava ruim de emprego. (Tiago do
ReciclaReal)
Os sujeitos entrevistados se encontravam no momento da pesquisa,
em uma faixa etária de plena força de trabalho. Referem-se a estar “parados” ou
sem emprego há dois ou três anos. É comum esta expressão estar “parados”, como
se percebe nos depoimentos da Rosa e Fátima. Segundo Singer (2003, p. 31) “os
pobres raramente podem se dar ao luxo de ficar ‘desempregados’. Os pobres ficam
"parados quando a procura por seus serviços cessa, mas eles não podem
permanecer nesta situação muito tempo”... Se isto ocorrer estão sujeitos a passar
fome, como é o caso da Fátima. Quatro dos entrevistados fazem referência à
palavra desemprego. É o caso de Paulo, Marcelo, Madalena e Tiago. Parece estar
havendo mudança no vocabulário de “parado” para “desempregado, pelo menos no
que diz respeito a estes sujeitos. “Tem a profissão”, diz Tiago, mas “não tem
emprego”.
Todos trabalhavam antes e faziam parte do “grupo periférico de
tempo integral”, cujas habilidades são facilmente disponíveis no mercado de trabalho
e também substituídos facilmente por máquinas ou outros trabalhadores.
Numericamente, apresentam maior flexibilidade e menor segurança no emprego,
como já enfatizado por Harvey (1992). A vulnerabilidade desses trabalhadores em
relação ao emprego é muito grande e a qualquer momento são expurgados e
168
substituídos. Pertencem a profissões como: cozinheira, ajudante de cozinha,
faxineira, jardineiro, lavador de caminhão, auxiliar de limpeza.
Quando desempregados ficam muito tempo perambulando em
busca de emprego ou qualquer ocupação que lhes dê renda. Como não foram
capazes de melhorar profissionalmente e nem em termos de educação formal,
deparam-se com a concorrência que é muito grande, não conseguem alterar o seu
destino. Desta maneira, ficam expostos à própria sorte, incapazes de se organizar e
produzir uma outra história. Como se pode verificar, cinco dos entrevistados eram
analfabetos e os outros três, possuíam o ensino fundamental incompleto.
Demo (2001, p. 87) afirma que “além do capital expropriar o
trabalhador, também o imbeciliza, reduzindo-o a objeto de manipulação”.
Ao lado da pobreza material existe a pobreza política que “ressalta no
pobre para além da condição de expropriado materialmente, o fato de que
o expropriado é ignorante ou mantido ignorante com respeito a esta
condição. (...) Gramsci talvez tenha sido a voz mais forte nesta direção:
para retirar o pobre da pobreza, condição fundamental é superar sua
ignorância....
36
(DEMO, 2001, p. 88).
Schwartzman (2004) menciona que, estudos realizados por diversos
economistas, ressaltam que existe uma forte relação entre educação e competência
tecnológica. Investir em educação traz retornos privados e sociais expressivos. O
Banco Mundial vem divulgando pesquisas nos últimos anos em que a política
educacional e o desenvolvimento cientifico são condições chaves para o
crescimento econômico. O mesmo autor, endossando as palavras de Durkheim e
Sarmiento, afirma que: “... o conhecimento tornou-se o fator mais importante no
desenvolvimento econômico” (p. 150).
36
Schwartzman (2004) afirma que em relação à questão da educação, existe uma grande polêmica
entre os autores. Os sociólogos levantam duas questões a respeito da educação institucionalizada. A
primeira que ao desenvolver competências no estudante, transfere-se o filtro às pessoas que terão
posições de poder, renda e prestigio. Independente da habilidade técnica e profissional, a educação
formal passa a ser um critério de seleção. Em segundo lugar, o acesso a cargos mais valorizados
estaria sempre atrelado à qualificação formal e diplomas. Em tal tendência há o perigo de “substituir
o conteúdo pela forma”.
Na América Latina a expansão da educação não vem sendo acompanhada por aumento de
habilidades da população, visto o ensino formal ser alienante e não problematizador. Para maior
aprofundamento sobre o assunto ver: Simon Schwartzman: Pobreza, exclusão e modernidade: uma
introdução ao mundo contemporâneo, 2004; e Pedro Demo: Cidadania pequena, 2001.
169
Todos os entrevistados eram provenientes de outras regiões do
Brasil: Nordeste e, mais especificamente, Pernambuco. Deslocaram-se de regiões
do Brasil onde a pobreza é maior do que a de grandes cidades, como São Paulo.
Cidade que está presente no imaginário de todos aqueles que não têm
empregabilidade em sua terra natal.
Como já vimos anteriormente, a taxa de desemprego diminuiu nos
últimos tempos (2003, 2004, 2005) na metrópole de São Paulo. Segundo dados
apontados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2005): de 12,3%
em 2003 para 11,5% em 2004 e 9,8% em 2005 mas, em 2006. Os dados do PED
em pesquisa realizada pelo SEADE e DIEESE, apontam um aumento de 16,3% para
16,9% no que se refere ao desemprego total (aberto e oculto). Na verdade, não há
emprego para todos. A não-inserção no mercado de trabalho leva à não-inserção
social e familiar. Para que sejam satisfeitas as necessidades humanas básicas é
necessário ter renda. E se estas necessidades não são satisfeitas, perde-se a
dignidade. É o que foi retratado nos depoimentos seguintes.
Para os cooperados do ReciclaReal, trabalhar na cooperativa tem
um significado que vem antes do significado de cidadania. Resgata o sentido moral,
que vincula o individuo à vida e à vontade de ter um futuro e direito a ter esperança:
dignidade humana, o respeito a si mesmo, capacidade de valorizar mais a vida.
Também significa aprendizagem, amadurecimento, bem como abrir uma
perspectiva de aumentar o seu rendimento se trabalhar mais. A renda depende do
esforço pessoal e da dedicação em coletar e vender cada vez mais, como se verifica
no seguinte depoimento:
As coisas boas que mudaram na minha vida, é que hoje em dia eu tenho
mais dignidade; hoje em dia eu aprendi mais. (...) aprendi a dar mais
valor às coisas; hoje em dia eu sei que eu posso e vou conseguir cada
mês que se passa um dinheiro a mais; aprendi o que é reciclagem,
porque eu não sabia nada disso. (Maria do ReciclaReal)
É um trabalho em que as pessoas se sentem mais à vontade,
valorizadas e com mais força de enfrentar a vida, com “potência de agir
37
, como
37
“... um indivíduo é antes de mais uma essência singular, um grau de potência. (...) esse grau de
potência corresponde um certo poder de ser afectado.(...) esse poder de ser afectado é
necessariamente preenchido pelas afecções.(...) Há duas espécies de afecções: as acções, que se
explicam pela natureza do indivíduo afectado e derivam de sua essência; e as paixões que se
explicam ‘por outra coisa’ e provêm do exterior. O poder de afectado apresenta-se então como
170
relata Deleuze (sd) ao comentar sobre Spinoza, recuperando os fracassos
enfrentados na vida. Eles querem provar que são capazes. É o que se nota no
depoimento de Tiago e Madalena.
É que eu me sinto mais à vontade, o pessoal aqui é conhecido... Aí a
gente se sente mais à vontade e trabalha. (Tiago do ReciclaReal)
Eu me sinto bem, mais valorizado porque sou jardineiro e estou
desempregado há três anos e tive esta oportunidade de emprego. Nesses
três anos eu procurei emprego eu não consegui, estava ruim de
emprego. Tinha preocupação em ganhar dinheiro. (Tiago do
ReciclaReal)
Meu irmão também gostou, saiu porque precisou, mas ele também gostou,
ele modificou o seu comportamento, valorizou mais a sua capacidade
e amadureceu bastante. Meu irmão falava que aqui era legal, que não
queria sair daqui... Meu irmão também gostou do serviço, saiu daqui
chorando. Com saudades e chorando... (Tiago do ReciclaReal)
É bom trabalhar aqui... Depois tá todo mundo rindo, nada de chorar,
quando tem alguém de cara fechada,... não tem nada a ver o meu
problema com a cara feia... Dar risada, falar besteira... Nada de briga, de
cara feia... Dando risada e não chorando... Poder enfrentar a vida como
ela é... a realidade ...eu não vou abaixar a cabeça e começar a
chorar... (Madalena do ReciclaReal)
Apesar de os sujeitos afirmarem que trabalham mais à vontade,
preferem ter um emprego formal, acreditam que trabalhar registrado é melhor.
Sem dúvida, trabalhar com carteira assinada garante os direitos sociais de um
salário fixo que não oscila em decorrência das vendas e do preço do mercado dos
resíduos sólidos. Além disso, garante outros direitos trabalhistas, repouso semanal
remunerado, ticket refeição, vale transporte, férias remuneradas, 13º salário, auxilio
doença, aposentadoria, fundo de garantia e outros mais. Isto tem um peso muito
grande para o trabalhador, que no caso do trabalho cooperativado, inexiste.
potência de agir, quando se supõe preenchido por afecções activas, e apresenta-se como potência
de padecer, quando é ocupado pelas paixões.(...) o próprio da paixão, em qualquer caso, consiste
em preencher o nosso poder de sermos afectados separando-nos da nossa potência de agir,
mantendo-nos separados dessa potência. Porém, quando encontramos um corpo exterior que não
concorda com o nosso (isto é, cuja relação não se compõe com a nossa), tudo ocorre como se a
potência desse corpo se opusesse à nossa potência, operando uma subtracção, uma fixação:
dizemos nesse caso que a nossa potência de agir é diminuída ou impedida, é que as paixões
correspondentes são de tristeza. Pelo contrário, quando encontramos um corpo que convém com a
nossa natureza, é cuja relação se compõe com a nossa, dizemos que a sua potência se adiciona à
nossa: as paixões que nos afectam são então de alegria (aumenta ou é favorecida a nossa potência
de agir). Essa alegria é ainda uma paixão, dado que tem uma causa exterior: permanecemos ainda
separados da nossa potência de agir, não a possuímos formalmente. Esta potência de agir, contudo,
não deixa por isso de aumentar proporcionalmente; ‘aproximamo-nos’ do ponto de conversão, do
ponto de transmutação que nos tornará senhores dela, e por isso dignos de acção, de alegrias
activas.” (Deleuze; 1975-1976:39-40)
171
Acrescenta-se a isto, o fato de que, quando se está empregado com carteira
assinada e perde-se o emprego tem garantido a sobrevivência por seis meses, com
o auxílio desemprego e ainda condução livre durante três meses, que permite a
busca de uma nova colocação. De outra maneira, a oscilação da renda no trabalho
cooperativado traz instabilidades aos sujeitos, que não conseguem programar seus
gastos e pagamentos, gerando certa insegurança. Muitas vezes, o dinheiro [que
ganham] não dá para suprir as necessidades básicas, como por exemplo, o
relatado neste depoimento:
Se deu trezentos reais eu não sei.... coisa lá desse dinheiro aí, tá no
banco, porque é prá esse mês aí... Não sei. Aqui, nós tiramos cinqüenta
reais, cinqüenta e um reais. Isso já passou o mês, um mês ruim. Em
média aqui a gente tira, é que a gente tem despesa, dá prá tirar uns
quatrocentos “contos” , mas nós tiramos a despesa, aí ficamos com
duzentos “conto” , cento e oitenta. Duzentos e cinqüenta eu conto... No
máximo, ou prá trás. (Paulo da CooperAção)
Trabalhar aqui prá mim ia ser a mesma coisa, apesar de que ser
registrada tem vários benefícios, que trabalhar numa empresa carteira
registrada que aqui não tem. Salário fixo mesmo, não tem esse negócio
de diminuir nem abaixar. Aumentar de vez em quando é, uma vez por
ano. Eu tiro em média de duzentos, duzentos e setenta reais.
(Imaculada da CooperAção)
Também resgata o respeito pelo outro, e permite maior
responsabilidade e interesse pelo seu grupo social, como é o caso de recuperação
de usuários de droga e álcool. Estes são vistos pela família, pelo grupo e pela
sociedade como “fracassados”. A partir da união de pessoas com interesse comum,
como na formação de uma cooperativa, é possível que alguém do grupo se sinta na
obrigação de apoiar outros, que são duplamente excluídos. Nasce um sentimento de
solidariedade humana, mesmo num país como o nosso com inúmeros problemas
sociais, econômicos e políticos.
Tirar dois meninos que eram bandidos perigosos daqui do Real Parque,
eles não temiam nem a polícia, e hoje em dia são duas pessoas dignas,
capazes, honestas, trabalhadoras; consegui também um alcoólatra, que
hoje em dia não bebe mais, apesar que ele aprendeu todo serviço
direitinho, mas eu até internei ele, por causa do excesso de bebida, uma
dosagem muito forte que ele tomou de álcool, ele passou dois dias
internado, então eu consegui tudo isso , graças à ajuda da... Quando nós
temos algum problema, eu corro e ligo prá ela, encho o saco dela de
sábado, domingo, feriado e tudo. Isso prá mim foram às coisas boas, ela
está pronta a nos ajudar a qualquer momento. (Maria do ReciclaReal)
172
Meu filho também trabalhou aqui e foi bom porque ele se ocupou ficou
mais sério, [referindo-se ao filho que era usuário de droga] ele gostou
deste trabalho. Deveria ter mais apoio de empresários esta é a minha
sugestão, se tiver mais apoio vai empregar muita gente... Melhorou muito
o comportamento dele vida de moleque... amadureceu mais um
pouquinho. (Tiago do ReciclaReal)
O meu desejo é que trinta ou cinqüenta famílias estejam trabalhando. Tive
problemas de drogas e álcool na minha família com meu marido, ele
jogava e bebia e eu não controlava porque trabalhava em casa de família
e não podia sair para ver o que estava acontecendo. Depois da
reciclagem, eu tenho mais tempo para ir a casa e hoje o meu marido
não bebe, só joga um pouco porque ele sabe que eu estou perto dele.
(Maria do ReciclaReal)
Permite também a inclusão dos índios Pankararu, que convivem
com dupla “exclusão”: vivem fora de suas terras, por invasão dos posseiros na
região dos Brejos dos Padres, em Pernambuco, além de serem marginalizados do
direito de emprego ou renda por não terem bom nível de escolaridade e serem
considerados preguiçosos.
A História do Brasil mostra que os índios sempre foram explorados.
Os franceses e portugueses não tiveram nenhum constrangimento em explorar a
mão de obra do índio. O relacionamento econômico, em princípio, acontecia através
de trocas de bens: facas, machados espelhos e chapéus por toras de pau brasil.
Posteriormente, com o Brasil colônia e o ciclo da cana de açúcar, a mão de obra
indígena foi obtida com o trabalho escravo e alienado. A História também relata que,
apesar do índio ser reconhecido por ter direitos específicos, sofreu tantos
preconceitos quanto os africanos. Hoje, a principal luta em relação aos seus direitos
de cidadania diz respeito à reconquista de suas terras, ao fortalecimento da sua
economia e à participação política, como foi o caso de Juruna, índio xavante, no
cenário nacional eleito à Câmara dos Deputados, em 1982 (GOMES, 2003).
...vai começar só dia primeiro. Só que assim, como o povo lá quer o
índio, (referindo-se ao índio Pankararu) esqueci agora o nome dele,
porque eu fiquei falando de primeiro dia, que a gente vinha pra cá ajudar,
então como ele foi prá Leopoldina comigo ontem me ajudar no material, o
pessoal, gostou e quer [que ele] ir trabalhar lá... tudo certinho, então não
posso agora dispensar o coitado aqui até o dia primeiro (...) lá. Aí a
partir do dia primeiro se estiver legalizado mesmo, aí ele vai prá lá, porque
vai ter uma reunião quarta-feira, prá poder resolver se vai ser dia primeiro
mesmo ou não... (Maria do ReciclaReal)
É um trabalho que não há “exclusão” de pessoas mais velhas que,
normalmente, são excluídas do mercado formal de trabalho.
173
Eu sempre gostei de mexer com a comunidade, fazer comida, mexer com
desabrigado. Já fui desabrigada e dividia tudo com os outros. Quando a
gente passa dos trinta e vai procurar emprego já está velha. Com este
projeto voltei a estudar. (Maria do ReciclaReal)
[Referindo-se ao projeto] Porque a batalha ainda está por vir, mas a gente
não baixa a cabeça, a gente sempre pensa que nós vamos conseguir,
porque nós podemos. E as coisas ruins que tem é que... (Maria do
ReciclaReal)
Muitas vezes, este sentimento de solidariedade é formado por
vínculo de interesse mútuo, na base da troca: se você me ajuda e eu lhe ajudo
também.
...tem uma senhorinha, ela que junta garrafa para nós, ela atravessa a
ponte para ir pegar garrafa para nós, ela traz garrafa para nós, e chega
aqui eu dou um cigarro prá ela, se eu consigo roupa, se alguém me der
roupa, eu dou uma roupinha prá ela, então ela vai do outro lado da ponte
buscar material de reciclagem para nós, e ela quer trabalhar conosco todo
dia, então... (Maria do ReciclaReal)
Desenvolve-se a necessidade de trabalhar em equipe, respeitar o
outro em suas diferenças:
... ter calma e paciência prendi a lidar mais com o povo; aprendi a ter
mais calma, mais paciência; consegui poder ajudar os outros, nós
somos uma equipe grande. (Maria do ReciclaReal)
Sentimentos de mobilização do coletivo, e trabalho com a
comunidade:
...O que me mobilizou foi quando eu fui na primeira convocação da reunião
lá no posto, que você falou que ia nos ajudar, que você explicou tudo
direitinho do que era o projeto de reciclagem, de qual era a finalidade de
poder ajudar a comunidade, então eu me interessei, porque eu sempre
quis esse negócio de ajudar as pessoas; eu sempre fui uma pessoa
que gosta de ajudar, antigamente aqui no Real Parque eu tinha a fama de
enterrar velho, eu era a mulher que enterrava os velhos. Porque os
velhinhos que não podiam, sabiam marcar uma consulta médica, não
sabiam ir no INSS, não sabiam como pegar remédio; eu pegava remédio
para esses velhinhos, eu os ajudava com o negócio de médico para
resolver no INSS, então quando os velhinhos morriam e não tinham
família, as vezes tinham família, mas a família não procurava, aí eu corria
pro IML prá fazer o enterro, tudo direitinho para ninguém pagar nada,
arrumava carro... (Maria do ReciclaReal)
Também significa maior liberdade para resolver os seus problemas,
demonstrando que há uma outra condição de trabalhador, diferente do emprego
formal, pois ele é dono de seu próprio negócio.
174
Aqui é bom... Porque quando a gente precisa sair para resolver coisas a
gente pode e é aceito ninguém fala nada. (Maria do ReciclaReal)
Trabalhar na reciclagem significa ter um trabalho o mesmo que ter
uma renda: resgata alguns dos direitos sociais. Permite-lhes não necessitar de viver
da assistência social do bairro em que distribui cestas básicas aos mais
necessitados, com as quais nem sempre conseguem suprir suas demandas. As
pessoas que vivem numa condição de precariedade econômica e social revelam “o
peso” da “exclusão”, precisando [muitas vezes] alimentar-se do lixo. A
possibilidade de reinserção, através da cooperativa, recupera alguns dos direitos
sociais. “Ter uma renda, mesmo que seja uma quantia de dois mil francos por mês,
permite-lhe, ao menos temporariamente, subir um degrau na escala da hierarquia
social" como afirma Paugam (2003). Algumas vezes, permite adquirir bens
necessários ao bem-estar humano, respeitar normas de higiene do corpo, como uma
cama para dormir e uma televisão.
O fato de ter condições de comprar algumas coisas leva à sensação
de não faltar nada. Constata-se que algumas delas não internalizaram as normas
de consumo da modernidade e não possuem expectativas de um nível mais elevado
de vida.
Hoje a nossa renda é de R$ 278,00, tirando imposto do terreno levando
em conta que estávamos sem carro, com o carro queremos passar dos
300,00. Este dinheiro ajuda a comprar comida. Quando não temos
dinheiro, pegamos do lixo até carne já encontramos e lavamos e
fritamos e comemos nós aproveitamos as sobras. Quando temos
dinheiro vamos no mercado e compramos comida e dividimos com todos
ou quando recebemos doações, outro dia nos deram arroz.. Os armários
da cozinha vieram do lixo e deu prá organizar as comidas dentro dele.
(Sebastiana)
Hoje, eu almoço aqui, né? Arroz, feijão, que é a comida... Um ovo e...
(Madalena do ReciclaReal)
Sei que chega aquele dia e posso comprar minhas coisas, num falta
nada... aí eu fico mais feliz. (Fátima da CooperAção)
O que mudou no meu coração é que eu estou mais a vontade, conheço
todos me sinto bem e mais valorizado, estou desempregado há três anos
eu era jardineiro e com esta oportunidade de trabalho eu conheci mais
coisas e tenho meu dinheiro pra comprar o que eu quero. (Tiago do
ReciclaReal)
O pouco que eu ganho eu compro comida, comprei beliche e tv, eu me
sinto feliz por dentro. (Fátima da CooperAção)
175
Outros, pelo contrário, têm consciência maior de sua condição de
miséria. Constroem um sonho: sair do barraco e construir ou comprar uma casa.
Simbolicamente, barraco está atrelado à condição de marginalidade e de status das
populações que se inserem no último grau de situação de pobreza. É necessário
subir na escala social e comprar ou construir uma casa. Mas, para isto, é necessária
uma divisão de renda com o companheiro: aquele que compra o alimento, outras
coisas ligadas às necessidades humanas básicas e o material para construção da
casa.
O dinheiro que ganho é gasto com as compras. [existe uma divisão entre
ela e o companheiro] é divisão, porque a gente mora em barraco, e a
gente está querendo construir, e o salário dele é para comprar o material
e o meu é para as compras. (Imaculada da CooperAção)
...Meu grande sonho mesmo é comprar minha casa. (Fátima da
CooperAção)
Em relação à cidadania, já descrita no capítulo anterior, percebe-se
que a alimentação e moradia, pertencentes aos direitos sociais, são apontadas
como prioridade pelos cooperativados, coincidindo em parte com o depoimento do
membro da Associação Amigos do Bairro Real Parque, que considerava a saúde e
moradia como primordiais.
Em primeira prioridade seria a liberação do posto para ter um atendimento
mais eficaz, na área de saúde, este seria um ponto mais prioridade.
Segundo, ter uma moradia digna, com mais higiene, como por exemplo.
(Membro da Associação Amigos do Bairro Real Parque).
No entanto, nem sempre o sonho está ligado só às coisas
materiais, e, sim, crescer no trabalho, ao êthos que Boff aponta como morada
humana, em que o indivíduo constrói a seu modo. Não é algo pronto, mas sempre a
ser construído. “O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu
para si” (BOFF, 1997, p. 90). E para um dos cooperados o seu “sonho é crescer no
serviço e crescer por dentro”.
Eu sinto mais feliz. Mais feliz... está registrada num lugar... Eu nunca
vou sair... Com certeza, com o galpão (referindo ao galpão que não
existia) eu saio pra trabalhar. Ajudaria muitas mulheres que está passando
fome como eu, agora pelo menos eu tenho o que comer... Já me ajuda
bastante. (Madalena do ReciclaReal)
O meu maior sonho é... Olha, é, eu crescer no meu serviço, e crescer
por dentro também, porque tem hora que a gente desanima, dá até
vontade de chorar... (Fátima da CooperAção)
176
Ter direito à educação é um direito social ao qual nem sempre as
pessoas têm acesso, impedindo a inserção ao mercado de trabalho, como
observado no capitulo anterior. Muitas vezes, o sonho não acabou e está ligado à
educação de si próprio ou dos filhos para que estes não venham ter a mesma sorte.
Uma coisa também que eu quero conseguir, vou conseguir é por minha
filha na faculdade. (Fátima da CooperAção)
Por outro lado, ter um trabalho não significa apenas suprir as
necessidades humanas básicas, mas voltar a estudar, crescer, evoluir, conforme
este depoimento:
A minha vida mudou. Eu posso reaproveitar os alimentos, valorizo o
trabalho, voltei a estudar, obtive maior conhecimento com pessoas e
empresários. Quando estava em casa de família era o contrário. (Maria do
ReciclaReal)
Mas, muitas vezes, o sonho de estudar pode ficar parado e
estagnado. Não se pode crescer mais.
Estudei até a sexta série Ah, acho que eu não tenho mais paciência de
estudar não. (Fátima da CooperAção)
A primeira vez que eu estudei, eu saí e não entrei mais na escola. Não
estudei o técnico nem nada. Só assino o nome... E ler leio só um
pouquinho. (Paulo da CooperAção)
Mas, em relação ao trabalho de reciclagem, todos devem ter a
mesma chance de aprender e crescer:
Eu acho que todos devem ter a mesma chance. Porque se... Eu sei ler,
eu não sei escrever direito, mas se você não me der oportunidade de ler
escrever como eu vou aprender. Tem muita coisa lá que... Por exemplo, a
senhora não sabe o que é um material, se ele não der chance para a
senhora aprender, como a senhora vai aprender? Não é verdade, então é
isso. (Fátima da CooperAção)
Eu estou com uma colega minha morando em casa, porque ela não tem
onde ficar e a mãe dela mora longe, ela tá morando lá, só que ela também
está desempregada, e eu ia até tentar falar, ver se eu conseguia
colocar ela também pra trabalhar aqui... eu mostrava o serviço prá ela,
só que não pega gente que não sabe o serviço. (Fátima da CooperAção)
É um trabalho que ajuda na inserção social, na conquista de alguns
dos direitos sociais e leva à uma consciência ambiental:
Este trabalho compensa porque a gente ganha mas também limpa a
cidade. Não é um trabalho pesado, mas é muito corrido. (Sebastiana)
177
Por enquanto porque aqui a gente trabalha à vontade, fica à vontade prá
fazer o serviço direito. Tem esperança, trabalha à vontade, não fica mais
esperando serviço. É bom, né, dos dois lados. De repente quem lucra
mais é a cidade. (Tiago do ReciclaReal)
Para trabalhar na reciclagem, é necessário que alguém assuma o
serviço doméstico. Ao contrário da experiência de Bogotá, em que as mulheres
carregam juntos os seus filhos, na carroça de lixo, os recicladores do Real Parque
deixam os seus filhos em casa.
Minha filha de treze anos me ajuda bastante, né? Ela já faz comidinha. Ela
que cuida do nenê então eu chego em casa, tomo meu banho e vou
dormir... se me der vontade eu vou, se não der... (Madalena do
ReciclaReal)
Aí ela falou, como que eu faço pra ajudar nas despesas? Eu acho que o
melhor jeito que tem é você cuidar bem dos meus filhos, cuidando dos
meus filhos responsabilidade, porque não adianta eu colocar uma pessoa
para pagar, para ajudar a pagar o aluguel e depois a pessoa for embora,
como eu vou ficar? Então eu já sei que tenho a responsabilidade de fazer
minhas coisas. Entendeu? Sempre foi assim... A minha tristeza vem desde
os dezesseis anos. (Fátima da CooperAção)
A liberdade de falar, um dos direitos civis, aparece extremamente
pálido por ser uma prática que não foi se construindo ao longo do tempo. O
exercício da democracia causa uma sensação de estranheza já que na favela o que
vale é a lei do mais forte. Normalmente, existem os pés de patos, isto é os
justiceiros que colocam a “ordem no pedaço”. Não matam trabalhadores, mas fazem
justiça com as suas próprias mãos, eliminando os que estão conturbando a ordem
por eles estabelecida. O poder falar” deixa perdido, é perda de tempo.
Não funciona, porque quanto mais a gente fala fica perdido, é perda de
tempo essas reuniões. A gente faz essas reuniões porque a gente quer
de fazer, mas é perda de tempo. (Paulo da CooperAção)
Prá mim (falar) não funciona nenhuma... Na assembléia pode funcionar...
Não funciona, prá mim não funciona. (Paulo da CooperAção)
Só eu e o seu Francisco, e o tesoureiro Nazareno... (referindo-se a uma
decisão de assembléia) Não é o nosso tema. Como aqui quem ganha é a
maioria, aí nós perdemos. Se o seu Francisco chegasse na hora certa;
estava eu e o Nazareno, nós podíamos ganhar, mas o “homem” chegou
atrasado, o pessoal já tinha combinado, eu e o cara só... Não tinha mais
ninguém..., quem ganha é a maioria. (Paulo da CooperAção)
Pode-se sintetizar, a partir das falas dos excluídos, que a
cooperativa de lixo melhora a qualidade de vida e resgata parte dos direitos sociais
(alimentação, trabalho, educação) e políticos (liberdade de participação em reuniões
178
e assembléias com direito a voto), e civis (liberdade de falar, ir e vir) como também
expressa valores de construção coletiva de certa cordialidade, a “aceitação de si
mesmo e a alteridade: aceitação do outro”. Há um sentimento de responsabilidade e
solidariedade com aqueles que se encontram marginalizados pelas drogas e com os
indígenas. Resgata um sentimento diferente dos direitos garantidos pela legislação,
e, mais ainda, algo mais profundo que não pode ser expresso por leis como a
“dignidade de si mesmo e a dignidade para com o outro”, lutar por seus valores.
Enfim, há um “consentir” de ter uma vida digna a partir de apenas algumas
necessidades básicas satisfeitas. Permite também que o indivíduo tenha um sonho,
um desejo. Mesmo que seja apenas um sonho, já que lhe é permitido sonhar... Ter
uma casa e não um barraco, ter uma cama, ter uma televisão, continuar a estudar ou
colocar o filho na faculdade.
179
VIII. LIMITES E POSSIBILIDADES: DESAFIOS ENFRENTADOS
PELOS PARTICIPANTES DO NÚCLEO-COOPERATIVA DE LIXO
RECICLAREAL
Neste capítulo, temos a pretensão de debruçar o nosso olhar na
especificidade da vivência do trabalhador cooperativado, desejando chamar a
atenção para os limites, dificuldades e possibilidades enfrentadas pelos cooperados
do núcleo ReciclaReal.
38
A análise será feita especificando-se o local de atuação do
trabalhador devido às experiências diferenciadas que emergem dos discursos.
Buscou-se captar aquilo que escapa à observação objetiva: o subjetivo. São
sentimentos múltiplos relacionados às possibilidades e dificuldades ou limitações
enfrentadas pelo grupo. No entanto aqui o pesquisador não deixou de utilizar a sua
observação objetiva.
Em relação às limitações ou dificuldades pode-se observar:
Falta de recursos financeiros: condições do local para o funcionamento do
ReciclaReal;
Falta de recursos financeiros: dificuldades no transporte do lixo;
Falta de recursos financeiros: inexistência de um galpão para funcionamento
adequado;
O conteúdo ergonômico do trabalho;
Falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI);
O sofrimento psíquico também aparece nas cooperativas de lixo;
Alguns princípios básicos do cooperativismo devem ser aprimorados;
38
Queremos lembrar o leitor que o núcleo ReciclaReal que funcionava no bairro Real Parque, não
chegou a ser uma cooperativa independente, como era a pretensão inicial. Todos os cooperados dos
núcleos e inclusive do ReciclaReal eram cooperados da CooperAção, a cooperativa mãe. Por existir
uma norma, segundo a qual, cada núcleo colaboraria com cinco de seus trabalhadores, o ReciclaReal
colaborava com quatro deles, no momento da entrevista. Quando nos referirmos “à CooperAção”
estamos nos referindo aos “trabalhadores do núcleo ReciclaReal que prestavam serviço na
CooperAção”, devido a este acordo.
180
Dificuldades de gestão de pessoas;
Dificuldades de gestão do próprio negócio;
A debilidade das políticas públicas.
Em relação às possibilidades, pode-se observar:
O despertar da consciência coletiva dos recicladores do Real Parque;
Uma nova cidadania em construção: a capacidade de realizar
funcionamentos;
A cidadania em movimento: liberdade de expressão, participação e o
exercício político;
O conteúdo ergonômico do trabalho;
A interdependência e a solidariedade: empresários, profissionais liberais e
favelados sentam na mesma roda;
A saúde e possibilidades em relação ao trabalho;
O trabalho em transformação: do taylorismo x a criatividade na reciclagem de
lixo;
A globalização e o consumo na construção de uma nova cultura do lixo no
bairro Real Parque.
8.1 Limites e dificuldades
8.1.1 Estruturais
Mas é preciso ter garra... É preciso ter força... É preciso ter gana... (Milton
Nascimento)
181
Realmente nem tudo são flores... É preciso força, coragem para
enfrentar os diversos desafios que surgiram desde o início da sua implantação,
durante seu funcionamento, que acabou declinando três anos depois. Como já dito,
o ReciclaReal funcionou em um terreno cedido em regime de comodato por dois
anos através de um empresário da região e, após este prazo, se estendeu por mais
um ano.
8.1.2 Falta de recursos financeiros: Condições do local para o funcionamento
do ReciclaReal
A primeira dificuldade encontrada no núcleo de cooperação
ReciclaReal foi em relação ao terreno (Foto 11 em anexo), que se encontrava sujo,
com muito mato e esgoto que corria a céu aberto dos barracos vizinhos e do
comércio que fazia divisa com o local. Os três primeiros participantes que deram
início ao projeto capinaram com enxada e limparam o terreno. O Projeto Casulo
emprestou um trator para fazer a rampa que daria acesso ao caminhão da prefeitura
nos dias de retirada do lixo para levar à Central da Leopoldina, onde funcionava a
CooperAção, a “Cooperativa mãe”. O esgoto que corria a céu aberto foi minimizado
paulatinamente após conversas com cada morador e comerciantes.
Quando vimos o terreno e o homem aceitou ceder o terreno, era cheio
de entulho e não podia tocar fogo pra queimar. O lixo não cabia nas
caçambas porque senão os outros moradores não podiam armazenar... O
problema é queimar o lixo... Outro dia jogaram um sofá e não temos pra
quem reclamar. Tem que liberar pra queimar. (Maria do ReciclaReal)
O projeto contava com o apoio de várias instituições do bairro tais
como: a Creche Visconde, a Escola Municipal, a igreja católica na pessoa do pároco,
o Projeto Casulo, a Associação de Moradores do Real Parque, (associação dos
moradores da favela, cujo presidente trabalhou um período no Projeto), a Sociedade
Amigos do Bairro (SAB), que representava o movimento dos moradores da classe
alta do bairro, alguns empresários residentes do bairro, (em número de quatro), um
advogado, e os funcionários do Centro de Saúde local. A idéia de reciclagem de lixo
surgiu de uma empresária que freqüentava as reuniões e participava das discussões
que culminaram neste projeto, dando apoio o tempo todo, o que foi fundamental.
182
Apesar do apoio encontrado, houve dificuldades com “alguns moleques” da favela,
no início, como aponta o depoimento de Maria:
No início tinha... Uma privada que foi trazida para fazer um banheiro e
os moleques fizeram “cocô” e esfregaram a sujeira nas paredes.
Estragaram o portão com um pau de sebo e não pagaram o prejuízo.
(Maria do ReciclaReal)
No decorrer do Projeto, estes mesmos “moleques” entravam no
terreno para soltar pipa, embora tivessem o espaço do Casulo para outras atividades
esportivas e culturais, como o futebol, o teatro, a dança, o que vem confirmar a
importância de espaço livre para o lazer:
Os moleques continuam entrando dez ou quinze fica soltando pipa, eu
reclamo, mas não adianta. Eles ficam soltando pipa nos fios de alta
tensão, eles se machucaram. Um menino levou oito pontos no pé, e
eu ajudei, cuidei dele... Arrumei comida pra ele... Mas a mãe dele ficou
brava porque não aceita... Ela quer o caminho do bem... Ela já teve dois
filhos na FEBEM. Mas ele se recuperou... Veja bem, nós temos o Casulo,
tem quadras de futebol, tem computação e teatro, mas eles não querem
isto, eles querem e soltar pipa.. (Maria do ReciclaReal)
8.1.3 Falta de recursos financeiros: dificuldades no transporte do lixo
A dificuldade seguinte foi a etapa de coleta de lixo, propriamente
dita, feita no início com carroça (Foto 12 em anexo). Isto exigia muita força física,
considerando que o bairro é acidentado, com muitas subidas e descidas. Eram
coletados em média 100 quilos por dia, num total de 2 toneladas/mês. Basicamente,
o material coletado era papelão, vidro e garrafas de plástico (pet) e plástico,
materiais que, apesar de leves, formam um grande volume, precisando de várias
viagens diárias. Jornal e latas de alumínio raramente chegavam nestas coletas,
pois, por serem considerados “materiais nobres”, eram coletados pelos demais
catadores que saqueavam os lixos deixados para a retirada do ReciclaReal ou
mesmo nem iam para a coleta seletiva, pois os próprios funcionários dos
condomínios os retinham para comercialização própria. Funcionou desta maneira
mais ou menos três meses até que conseguiram comprar um carro velho, marca
Caravan, de cor branca e, em seguida, um outro carro Caravan adaptado como
caminhonete, que passou a fazer a coleta. Isto quando este não quebrava e,
183
conseqüentemente, retornava a coleta de maneira precária com a carroça. Muitas
vezes, era necessário “empurrar” ou “fazer ligações diretas” em seu motor para
funcionar: (Fotos 13 e 14 em anexo)
A gente tem um carrinho velho, que já está muito ruim. Precisava de um
carro melhor, né? (Tiago do ReciclaReal)
Acho que precisa o que todo mundo acha, fazer um galpão... e um carro
melhor, um galpão.... mas tem que ter um carro melhor. Se tivesse numa
condição boa, tava bom. Mas o problema é que ele está quebrando, de
manhã pra pegar tem que empurrar muito. (José do ReciclaReal)
O que está faltando aqui é carrinho, né? Esse daqui não dá, ta sempre
quebrando né?...(Madalena do ReciclaReal)
Nessa equipe agora nós estamos em oito, e está chegando mais de oito
agora a partir de segunda-feira para trabalhar. Porque foi muito difícil, nós
não tínhamos carro, nós não tínhamos nada, nós puxávamos carroça,
depois conseguimos um carrinho, com muito sacrifício, há pouco
tempo o carrinho quebrou, a mãe do projeto, essa é que é a grande
poderosa de tudo, nos ajudou a conseguir um carro melhor, (...), e agora
nós vamos batalhar mais ainda; consegui também com o apoio da Sônia,
com a ajuda dela... (Maria do ReciclaReal)
8.1.4 Falta de recursos financeiros: inexistência de um galpão para
funcionamento adequado
O Núcleo do ReciclaReal não possuía a infra-estrutura da Vila
Leopoldina. Esta possui um galpão de reciclagem que constitui o “coração”, o “chão
da fábrica”, nos dizeres de Nicolau (2003). É neste local que se processa o trabalho
de separação em que são dispostos sob uma esteira rolante todos os tipos de
resíduos sólidos (plásticos, vidros, papelão, papel e metal e outros) e, numa prática
cadenciada, tal como uma linha de produção atrelada à concepção taylorizada, os
materiais eram separados e colocados em containeres dispostos em área próxima.
Estes eram levados às prensas para serem compactados, e depois de alinhados em
fardos e levados aos caminhões que adentravam o pátio, destinavam o material ao
local que seria vendido.
Em contrapartida, no Real Parque existia apenas o terreno em chão
batido onde se construíra um pequeno abrigo, “tipo barraco” com madeiras
encontradas no lixo e que pouco “abrigava” as pessoas que ali trabalhavam sob sol
184
ou chuva (Foto 15 em anexo). Havia outra precária construção com instalação
sanitária, uma pequena cozinha com fogão, armários e uma cama (todos os objetos
encontrados no lixo), que serviam de apoio a algumas necessidades humanas
básicas. Quando o material chegava, era amontoado no terreno a céu aberto (o que
muitas vezes, devido a intempéries se deterioravam, como por exemplo, o papel e o
papelão que, com a chuva, molhavam, dificultando a sua venda). O material, depois
de separado em containeres, era recolhido pelo caminhão da prefeitura uma ou duas
vezes por semana, dependendo da necessidade a ser atendida. Na realidade, o
ReciclaReal tinha a pretensão de tornar-se uma cooperativa independente no futuro,
o que não foi possível devido a inúmeros obstáculos que serão discutidos
posteriormente, portanto, permaneceu funcionando em condições precárias em toda
a sua existência.
Não foi possível a aquisição de recursos para a construção do
galpão, embora um arquiteto gentilmente tivesse executado a planta. Era necessário
material (tijolos, areia, cimento) para sua construção. Os próprios cooperados
ficariam responsáveis pela construção e havia também muitos empresários com
intenção de ajudar o projeto realizando doações. Por exemplo, uma empresa de
Minas Gerais, especialista em estruturas metálicas, doou à empresária da região,
apoiadora do Projeto, todo o material para a construção do galpão. Mas, devido à
distância, não foi possível o transporte gratuito. A falta de CGC (Cadastro Geral de
Contribuinte) do ReciclaReal também dificultou a doação de prensas e balanças por
parte de entidades tanto públicas quanto privadas.
O que tou sentido falta aqui por enquanto dar uma arrumada aqui, fazer
um galpão, né? Dar uma arrumada... pra caber mais coisas. Arrumar
aqueles materiais... (Tiago do RecilaReal)
Acho que precisa o que todo mundo acha, fazer um galpão... e um carro
melhor, um galpão.... mas tem que ter um carro melhor. Se ela estivesse
numa condição boa, tava bom. Mas o problema é que ela está quebrando,
de manhã pra pegar tem que empurrar muito. (José do ReciclaReal)
Os cooperados tinham a esperança que algum empresário
comprasse a “idéia do Projeto”.
Precisa de um empresário sério... Isto pra valorizar mais os materiais. É,
ter o dinheirinho pra gente comprar as coisas de casa. Todo mundo aqui
precisava de ajuda de um empresário, pra fazer esse galpão... pra caber
mais material. Ia ser melhor pra todo mundo. (Tiago do ReciclaReal)
185
Olha, o que eu falaria pra esse projeto, é ter empresário que pudesse de
boa vontade doar alguma coisa pra gente... do coração de cada um,
quem sabe não aparece ? (Madalena do ReciclaReal)
Quando chovia, o barracão pouco abrigava os coletores e isto
dificultava o seu trabalho e, às vezes, os deixava doentes.
Aí tem que ter um carro aqui, e fazer um galpão porque na chuva
ninguém trabalha, fica parado. Quando as coisas melhorarem vai
trabalhar mais gente, aqui... Umas 20 pessoas. (José do ReciclaReal)
Precisa de um galpão porque se chove... aí o que acontece, não fica
mais a vontade pra trabalhar mais. Outro dia, fiquei aqui com chuva e
fiquei com uma febre tão forte, que eu tive que parar e ir pra casa tomar
remédio... (Madalena do ReciclaReal)
Além disso, o ReciclaReal não possuía prensa. O material era
prensado na Central da Vila Leopoldina na CooperAção. Com isto, o material
acumulado ocupava um volume de espaço muito grande. Enquanto contava com o
apoio do caminhão da prefeitura alocado para CooperAção, que apanhava o
material sempre que necessário, o projeto fluiu sem problemas. Mas, com a
mudança da administração municipal, ocorrida em 2005, este serviço foi
gradativamente descontinuado. Apesar de o material estar acondicionado nos
containeres, embalado em sacos plásticos e em caçambas, o visual do local não era
muito agradável, dando muitas vezes a impressão de “bagunça.” Os vizinhos dos
prédios de classe alta em torno do terreno começaram a reclamar.
Coincidentemente, iniciaram-se as multas da prefeitura sob alegação: “Não manter
terreno não edificado, limpo e capinado”, que foi sucessivamente repetindo-se ao
longo de quatro meses, a partir de março de 2005. Tal fato aliado ao compromisso
de pagamento do IPTU e à maior dificuldade de comercialização do material
juntamente com o da Central, fez com que o retorno financeiro declinasse, levando à
inviabilidade do projeto.
8.1.5 O conteúdo ergonômico do trabalho
O conteúdo ergonômico do trabalho de reciclagem é também uma
das limitações apresentadas. Dejours (1992), no que refere à satisfação do individuo
no trabalho, cita o conteúdo ergonômico do trabalho, negligenciado muitas vezes. A
186
inadaptação do conteúdo ergonômico é responsável por sofrimentos somáticos que
determinam as doenças do aparelho psíquico. As intervenções devem ser feitas a
partir da vivência coletiva sem deixar de valorizar a vivência subjetiva a curto e longo
prazo. Muitas vezes, uma intervenção ergonômica de correção, levando em conta as
questões subjetivas, tem uma posição privilegiada porque traduz as aspirações do
aparelho psíquico que levam à satisfação concreta e simbólica. As satisfações
concretas estão relacionadas ao corpo biológico e ao bem estar físico, ou seja,
subtrair do corpo a nocividade do trabalho. A satisfação simbólica diz respeito às
significações: o significado e o sentido que o trabalho tem para o indivíduo,
relacionados ao desejo.
As satisfações concretas relacionadas ao corpo biológico, como
subtrair do corpo a nocividade do trabalho com intervenções, tais como melhoria de
postura e alívio da carga de trabalho, refletem na diminuição das lombalgias do
trabalhador, cervicalgias que vão ajudar em sua satisfação e maior produtividade.
No entanto, o autor comenta que, muitas vezes, o trabalho com
forte carga pesada é a única defesa funcional que o trabalhador tem para aliviar os
efeitos do trabalho e manter o equilíbrio. É o caso relatado, em seu livro, de um
trabalhador de armazém de uma fábrica que controlava as atividades de sua equipe
e também “punha a mão na massa”. Por insistência da esposa, trocou este serviço
pesado por um mais leve numa companhia de seguros. O resultado foi a não
adaptação ao trabalho sedentário que lhe precipitou uma descompensação
psiquiátrica. Muitos trabalhadores necessitam de trabalhos pesados para o seu
equilíbrio psíquico. É o que se pode verificar no seguinte depoimento:
O serviço mais cansativo aqui dona Sônia, é para “carregar” o
caminhão com aqueles grandão. Tem a empilhadeira, só que em cima
do caminhão a gente tem de arrumar, aí a gente “se mata” mesmo,
porque é muito pesado. Aí é no “muque” mesmo que tem que arrumar
né? É na força se eu trabalhar muito no caminhão, “no carrega e
descarrega”, aí fica cansativo. Amanhã eu vou ficar cansado, vai chegar
material de todas as centrais, eu acho que a carreta já está encostada ali
pra carregar amanhã, entendeu? Aí, carregar amanhã... Fica um pouco
cansativo, né? Vai vir material de todas as centrais para carregar uma
carreta, fica muito cansativo. (Paulo da CooperAção)
É neste sentido que alguns cooperados consideram até leve o
trabalho:
187
Não precisa de muita força para prensar Porque nenhum trabalho me
cansa, porque se cansasse realmente, não estaria com essas unhas que
eu tenho. Porque isso já foi até falado aqui dentro também. (Fátima da
CooperAção)
A monotonia e a rotina traduzem sofrimento e insatisfação. Certos
sujeitos apresentam aptidão no campo intelectual com predisposição para atividades
mentais de contabilidade, cálculo matemático ou em profissões de caráter social.
Estas pessoas são mental e psicossomaticamente fracas. Se lhe interditarem o
trabalho, são fortes candidatas a uma doença coronariana, após dias ou semanas.
(DEJOURS, 1992).
Em suma, a insatisfação com o trabalho não se refere somente ao
conteúdo relacionado ao bem estar físico, ao soma: corpo, mas ao seu conteúdo
simbólico. Esta insatisfação pode causar um impacto mental, resultante de uma
frustração que pode levar à doenças somáticas (do corpo).
A insatisfação em relação com o conteúdo significativo da tarefa engendra
um sofrimento cujo ponto de impacto é, antes de tudo, mental em oposição
ao sofrimento resultante do conteúdo ergonômico da tarefa. Todavia, o
sofrimento mental resultante de uma frustração em nível do conteúdo
significativo da tarefa pode, igualmente, levar a doenças somáticas.
(DEJOURS, 1992, p.61)
Em relação aos cooperados do lixo, a ergonomia é fundamental,
pois trabalhar na mesma posição é muito cansativo. Desta forma, é necessária a
mudança de posição durante o trabalho.
Eu sinto cansaço só nas minhas pernas. Eu trabalho sentada depois
fico de pé, depois eu pego e sento de novo, porque onde eu estou
trabalhando é assim, que é lá no galpão. Então tem vezes que o material
está alto, aí tem que ficar em pé, depois senta, quando vai abaixando.
(Imaculada da CooperAção)
Trabalhar não muito tempo sentado, mas se mexendo, porque você fica
parada assim, num lugar, só virando pode até dar um mal jeito no corpo, e
nas pernas de ficar sentada. .(Fátima da CooperAção)
Muitas vezes, o trabalhador chegava cansado para o trabalho
porque o ponto de ônibus ficava muito longe da cooperativa.
O trabalho aqui eu acho tranqüilo... O que cansa mais é a caminhada
que eu faço para pegar o ônibus... Ando muito. Depois quando eu desço
do ônibus eu ando mais uns quinze minutos... ando uma meia hora... de
manhã e à tarde... e cansaço... só nas minhas pernas. (Rosa da
CooperAção)
188
8.1.6 Falta de Equipamentos de Proteção individual (EPI) de segurança do
trabalho
O material na CooperAção, após separado, era prensado no caso do
papel, papelão e latas de alumínio (cerveja e refrigerantes). O plástico era também
prensado. Todos estes materiais ofereciam riscos ao serem prensados, pois a
prensa poderia ir ao encontro de uma parte do membro superior (dedos, mãos). O
vidro era separado por cores e, na maioria das vezes, para diminuir o volume. Esta
operação era de grande risco, pois poderia respingar algum estilhaço e atingir
qualquer parte do corpo, inclusive os olhos, o que ocorreu com uma de nossas
cooperadas, mostrando a importância do uso de Equipamentos de Proteção
Individual (EPI): óculos protetores, botas, aventais e luvas. Isto não acontecia.
Quando eu vim pra cá, eu comecei a trabalhar num vidro, comecei a
trabalhar junto com o Pinguinha... Trabalhar no vidro é assim... a gente
separa as cores, tira os alumínios, a gente tira os alumínios dos
vidros, descasca, separa tudo direitinho. O marrom é marrom, o verde é
verde, e o branco é branco. Quando estiver em cima da caçamba, na
caçamba, é que quebra. Mas aqui, pode quebrar aqui também, é melhor
quebrar dentro da caçamba mesmo né?(...) tem que quebrar o vidro, pra
ficar menor o volume É... Mas, tem que derreter a mesma coisa lá! E aí
quando o vidro está bom eu ponho o vidro dentro do tambor, se eu quiser
quebrar eu quebro, se não quiser eu deixo e tiro que é mais leve pra botar
em cima do caminhão e nós levamos já pra fabrica. (Paulo da
CooperAção)
Além disto, era fundamental a lavagem das mãos após contato com
resíduos sólidos, que, porventura, encontravam-se sujos e úmidos. Devia evitar o
uso de anéis, pulseiras que dificultam o trabalho da separação de materiais e assim,
sua possível contaminação com microrganismos presentes no lixo.
8.1.7 O sofrimento psíquico também aparece nas cooperativas de lixo
Mas, outros distúrbios aparecem nos coletores decorrentes do
sofrimento psíquico causado pelas intercorrências da vida, como é o caso de Fátima:
189
e exige uma atuação diferenciada do Trabalhador Social, denominado de
maternagem por Winnicott.
Eu tinha uma filha, e há uns cinco anos, ela teve meningite, e depois eu
descobri depois que ela faleceu que ela não era minha filha. Ela foi
trocada no hospital. Foi quando fizeram autópsia nela, e descobriram que
ela tinha uma doença... e eu não tinha... ( respiração profunda). Só que ela
morreu eu peguei muito amor nela sabe, aí ela teve meningite, depois da
meningite teve tuberculose, depois da tuberculose teve pneumonia, veio a
meningite depois a pneumonia, aí depois curaram a meningite, porque a
meningite era perigosa, depois veio a pneumonia e depois ela teve
tuberculose, que ela pegou da família do meu ex-marido, mas ninguém fala
que foi, ninguém nunca admite que fez isso. Ela nasceu com HIV. Eu não
sabia. Não, porque assim que eu fiquei sabendo que ela tinha meningite, aí
fizeram exame de sangue, fizeram exame de sangue em mim, lá no Emílio
Ribas, fizeram vários exames e todos deram negativo, tanto na parte do
meu marido, quanto na minha parte, aí deu negativo, aí chegando lá eles
resolveram fazer o exame de DNA, porque a gente não sabe se ela é
realmente sua filha... Porque a gente já fez mais de dez exames e não
constou nada. Deu sempre negativo, então alguma coisa tem errado, aí
deram pra ela, vir embora, pra ela vir embora que ela melhorou um pouco,
mas vai fazer tratamento. Todo mês eu a levava, aí quando chegou ela em
casa, passou o domingo super bem, chegou na segunda-feira ela ficou
ruim, e ela morreu nos meus braços... (Fátima CooperAção)
Separei do meu marido porque ele não gostava de trabalhar. Ele não
bebia. Tinha vezes que ele não comprava as coisas, ele mandava pra mãe
dele... comprar as coisas dentro de casa... Porque quando eu fiquei
sabendo que era o mercado, que era um açougue, uma feira, eu fiquei
sabendo depois que eu me separei. Faz uns cinco anos eu acho. Eu já
tinha separado dele, porque ele não queria saber nem de ir no hospital
para olhar a menina, fiquei seis meses no hospital trancada junto com ela
porque ninguém... eu ia sozinha, porque ninguém queria ir.(...) eu caí em
depressão. (...) Olha, eu faço mais força para ficar sem, sem os remédios,
porque tem... porque eu não posso..., porque eu tenho que cuidar dela e
não posso ficar preocupada vinte e quatro horas.(Fátima da CooperAção )
Winnicott (1970)
39
, ao falar do papel de enfermeiras em relação à
cura, nos diz que: “a identidade pessoal que é essencial a todo ser humano só pode
se realizar de fato em cada indivíduo em função de uma maternagem satisfatória, e
de um suprimento ambiental do tipo do ‘segurar’ durante os estágios de imaturidade.
O processo de maturação por si só não pode conduzir o indivíduo através de seu
processo de se tornar indivíduo”. E quando se fala no sentido de “cuidar curar”, a
tendência é de que médicos e enfermeiras entendam no sentido de “tratamento”. O
processo “cuidar curar” pode ser mais importante que o “curar tratamento”.
39
“A cura”, palestra proferida por Winnicott para médicos e enfermeiros na igreja de São Lucas,
Hatfield, em outubro de 1970.
190
E quando estamos no processo de "cuidar curar", estamos sendo
mediadores de uma situação de saúde. E como mediadores, diz Manzini Covre (sd),
estamos de alguma forma sendo cuidados "e é nesse processo que está o possível
encaminhamento de soluções conjuntas para as reivindicações, para os problemas”.
Uma construção solidária da cidadania. Não podemos pensar em solidariedade
dentro de uma cooperativa se o mediador do trabalho, não tem solidariedade com o
sofrimento alheio.
Tem hora que eu entro naquele banheiro que dá uma vontade de chorar,
por causa do nervoso que eu passo aqui. Mas do resto... A gente tem
que batalhar para ser alguém na vida. Tem vezes que eu me sinto mais
fortalecida um pouco, mas tem tempo que não, que era muita pressão, um
quer saber mais do que os outros, aí fica naquela empurra-empurra, um
fala que não, isso aqui está errado, está vendo que está certo, e a
pessoa está falando que está errado. Então vai todo mundo errar.
(Fátima da CooperAção)
O grupo tem um papel importante no “cuidar curar” de acordo com
as idéias defendidas por Winnicott, chamada de “maternagem”. A idéia de
“maternagem” foi elaborado pelo pensador inglês que faz uma releitura das teorias
de Freud. Mello Filho (1995), expondo o pensamento de Winnicott, esclarece-nos
que o grupo tem uma função terapêutica, ou seja, de holding”, que significa
“segurar”. Desse modo, “o grupo recebe e absorve o novo, o recém ‘nascido’, bem
como o paciente em sofrimento ou em regressão, que igualmente precisa sentir-se
‘aninhado’, ‘contido’, componente deste todo que, ao mesmo tempo, o protege”.
Quando perguntado a Fátima o que ela gostava de fazer além de
trabalhar, respondeu que gostava de ficar em casa, em seu cantinho, denotando que
não possuía nenhum tipo de lazer, tão importante para a saúde mental do
trabalhador:
Eu saio, eu saio de final de semana com a minha filha mais velha, quando
a outra não está na casa do pai dela, eu saio com ela. Eu gosto de ficar
dentro da minha casa, é no meu cantinho. Aí eu já faço a comida no fim
de semana. É que sair assim eu não gosto muito não. (Fátima da
CooperAção)
8.1.8 Alguns princípios básicos do cooperativismo devem ser aprimorados
191
Magera (2002) observou em sua pesquisa que, de todas as
cooperativas por ele estudadas, a Cooperativa de Salto tinha algumas
características que infligiam os “Princípios Básicos do Cooperativismo”, tais como:
subcontratação de mão-de-obra barata; desrespeito aos princípios básicos do
cooperativismo com existência de hierarquia de comando; desconhecimento por
parte dos cooperativados sobre o sistema de cooperativa e a respeito da venda dos
produtos; desconhecimento do material selecionado; horário de entrada e saída
controlado por uma coordenadora.
8.1.8.a Hierarquia de comando
Contrariamente, os cooperados da CooperAção relatam a não
existência de uma hierarquia de comando, mas intromissões de pessoas que não
lhe fazem parte, causando uma grande insatisfação em um dos cooperados:
É tem sempre um mandando exclusivamente, porque é o seguinte, aqui
quando as pessoas trabalham certinho, vem uma pessoa lá de fora, vem
uma pessoa lá de Brasília, vem uma pessoa não sei de onde, chega
aqui dá uma sugestão todo mundo abaixa a cabeça para o “cara”
entendeu? Quem inventou esses três turnos foi um cara que veio lá de
fora. O cara veio lá de fora e inventou esses três turnos. Por quê? O gari
não ganha quatrocentos reais, mas nós podíamos ganhar quatrocentos
reais aqui também, como o guarda, se trabalharmos, entendeu? Enquanto
dois trabalham, ficam três parados, aí como é que vai ganhar quatrocentos
reais? Não pode!...(Paulo da Cooperação)
Na assembléia que houve sobre os três turnos, observada pela
autora, decidiu-se que o trabalhador do terceiro turno seria alguém do turno da
manhã ou da tarde que, voluntariamente, optaria por esta extensão da jornada de
trabalho com produção individualizada.
Isto foi questionado por um cooperado sob a argumentação de que,
durante o dia, “a pessoa encostaria o corpo porque o seu estava garantido
(rendimento igual para todos no final do mês) e a noite não parava nem para fumar”,
pois sua quantia em dinheiro por este “serviço extra” seria conseqüente da
produtividade individual.
192
Trabalhar como coletor de lixo nesse projeto de coleta seletiva solidária,
pra mim não mudou nada. Não, pra mim não mudou nada, continua a
mesma coisa. Isso não é nenhuma mudança. Na verdade verdadeira não
mudou, é só o nome que mudou. Que é cooperação?...É porque tem
gente que manda em cima? Um manda outro manda, eu não
entendo!... (Paulo da Cooperação)
Aqui inclusive virou uma empresa, virou uma firma, aqui tem patrão,
porque todo dia você chega e vai bater cartão, você vai assinar.Tem
que assinar, marcar o horário, quem entra, entendeu? Porque isso aqui
virou uma empresa. Não virou uma empresa aqui? Porque isso aqui esse
negócio aqui quem tinha que resolver éramos nós mesmos, tem
quarenta e duas pessoas aqui, eu nem sei se tem quarenta e duas
pessoas aqui, é difícil ter quarenta e duas pessoas aqui, o pessoal fala,
entende?, mais fácil juntar essas quarenta e duas pessoas e falar: vamos
fazer assim, assim, assim, nós resolvemos o problema nós mesmos.
Mas eles não querem, só querem que venha gente lá de fora para
atrapalhar. (Paulo da Cooperação)
Outra grande insatisfação verbalizada é a respeito das mudanças
em relação ao horário
Eu estou satisfeito só que quando a gente está trabalhando sossegado, e
aparece uma coisa que muda o sistema, muda o serviço, muda o
horário, aí eu fico querendo sair... (Paulo da CooperAção)
O negócio do horário a gente não está sabendo, falaram que teve a
reunião falando que ia ter mesmo a mudança de horário, só que
ninguém fala pra gente, nós ficamos sabendo, eu mesma, no meu caso
eu fiquei sabendo da boca de terceiros, e ainda íamos fazer um sorteio
para saber quem ia pegar das seis as duas, porque ninguém fala nada.
(Fátima da CooperAção)
A substituição da autocracia típica da produção capitalista para a
democracia participativa e econômica, a transição da relação operário/patrão, o
entendimento de que não há mais autoridade vertical, e sim igualdade de
oportunidades, participação significativa e tomada de decisões de proprietário,
exigem aprendizagem do novo papel. É um processo extremante difícil
principalmente quando se trata de pessoas que sofreram “exclusão social” a vida
toda, nunca exercitaram o direito de falar, discutir, defender suas idéias, ser cidadão,
conceito tão antigo como no tempo de Sócrates na Grécia antiga. Geralmente
ganham as questões “no grito ou na força”.
No sistema cooperativista não há patrão. Todos devem dar opinião e
resolver as questões conflitantes em assembléia. Todos têm igualdade de voto, mas
isto não significa a inexistência de pessoas que assumam a administração dos
negócios: comercialização, vendas de materiais, execução da contabilidade e
193
tesouraria, que sempre são de responsabilidade de um cooperado com maiores
aptidões para estas atividades. É fundamental que existam pessoas que gerenciem
o negócio, mas participem também da produção em determinadas horas do dia para
que a igualdade se mantenha. Isto acontecia na CooperAção. Mas, muitas vezes,
estes cooperados que exercem o trabalho mais “fino” são confundidos com patrões,
gerentes de empresa.
A estrutura básica de uma cooperativa é composta pela Assembléia
Geral dos Sócios, Conselho Fiscal e Conselho de Administração este último
constituído pelo cargo de presidente, diretor e secretário (organograma apêndice III)
que tem seus cargos obrigatoriamente ocupados por cooperados. Subordinados a
esses, podem existir pessoas contratadas junto ao mercado externo, não
necessariamente cooperados, para exercerem funções exclusivamente executivas,
submetendo suas sugestões às decisões da Assembléia Geral dos Sócios.
(CRÚZIO, 2001)
Como exemplo, podemos citar a maior cooperativa brasileira em
laticínios, a Cooperativa Central de Produtores Rurais de Minas Gerais, mais
conhecida pela marca Itambé. Além de manter o seu mercado interno, já inicia suas
exportações. Possui administração profissional por pessoas preparadas para a
função, porém cooperados, como é o caso de seu presidente que há 38 anos está
na cooperativa. As seis fábricas alcançam a marca de um bilhão de litros de leite
processados por ano. O bom desempenho nas vendas permite que a cooperativa
mantenha o posto de segundo lugar no “ranking” de lacticínios, perdendo somente
para a Nestlé e é considerada a melhor cooperativa do país. Faturou 1,3 bilhões de
reais em 2005. (VIEGAS, 2006).
Em outro momento, Paulo se contradiz, dizendo que é necessário
um supervisor do trabalho para que não haja abuso dos colegas trabalhadores, ou
seja, reitera a idéia de hierarquia. Se não há supervisão, o “pessoal pode passear”
ou “pisar na bola”
Então, mas eu acho que tem que ter uma pessoa para olhar esse
pessoal, os que passeiam e os que não passeiam. Os que pisam na
bola? É isso que tem que ver, mas aqui ninguém vê. Eu estou satisfeito, só
que quando a gente está trabalhando sossegado, e aparece uma coisa
que muda o sistema, muda o serviço, muda o horário, aí eu fico querendo
sair. (Paulo da CooperAção)
194
Ao analisar o tipo de organização vivenciada pela CooperAção e o
ReciclaReal observa-se que se trata de uma organização, que lembra a ”burocrática”
estudada por Max Weber. Para Morgan (1996), a organização burocrática é aquela
que se caracteriza pela precisão. Neste caso, a precisão das embalagens
padronizadas dos resíduos sólidos; rapidez, clareza na regularidade, seleção e
classificação de materiais; confiabilidade (material de qualidade: papelão e papel
sem umidade, latas de cerveja e refrigerantes sem pedras que aumentam o seu
peso). Há divisão de tarefas fixas (separação, classificação, prensagem,
embalagem, pesagem e armazenamento do material), supervisão hierárquica (não
se trata de uma unidade de comando que toma as decisões, mas de representantes
dos demais membros na contabilidade, comercialização dos materiais que detêm
certa autonomia), regras detalhadas com regulamentos (os princípios básicos do
cooperativismo). (MORGAN, 1996)
8.1.8.b A transparência das transações comerciais
Em relação à transparência a respeito das vendas dos materiais,
temos os seguintes depoimentos:
Como as vendas que a gente precisava saber e eles não passam,
entendeu? A gente fica por fora de tudo. Queria só que eles declarassem
o tanto de vendas que teve por mês, os gastos tudo. Para nós
ficarmos ciente do que está acontecendo. Porque se a gente faz uma
boa venda, aí você não sabe com o que foi gasto, e vem um pagamento
pequeno pra você, aí você já fica pensando coisas, que estão te
enrolando. Gostaria que eles fizessem as coisas mais às claras...
(Imaculada da CooperAção)
Como é que é essa história de sistema de conta aqui, quando eles
vêm, eles passam pra você tudo que foi vendido, fazem uma prestação
de conta em assembléia? Eu nunca vi. Igual a gente fazia lá no Real
Parque, lá a Maria levava as notinhas, a gente fazia as contas... Aqui eu
nunca vi... Aqui eu nunca vi, só pela boca dos outros. Se deu trezentos
reais eu não sei... coisa lá desse dinheiro aí, tá no banco, porque é pra
esse mês aí nós tiramos cinqüenta reais, cinqüenta e um reais. Isso já
passou o mês, um mês ruim. (Paulo da CooperAção)
Quero saber sobre o que vende o que não vende. Porque a gente
mesmo que trabalha, não sabe o que a gente está vendendo, a gente vê
caminhão saindo, mas não sabe o quanto que vendeu e... E as pessoas
não falam isso... E aí as pessoas não falam. (Fátima da CooperAção)
195
Pode-se observar que na CooperAção existia, próximo à sala da
administração, um quadro negro em que ficava anotada a produção diária dos
materiais vendidos. Não era realmente especificado o valor, “os preços” de cada
venda efetuada e nem enviado ao ReciclaReal um balanço mensal. Era apenas
comunicado através de reuniões. Na verdade, existia sempre uma desconfiança
entre os sócios que executavam o trabalho de coleta, separação, classificação,
prensagem, empacotamento e aqueles sócios que executavam o trabalho
administrativo. No ReciclaReal havia reuniões com todos os cooperados e faziam-se
as contas eram feitas na presença de todos, por um voluntário que ajudava na
Contabilidade.
8.1.9 Dificuldades de Gestão de Pessoas
No trabalho de campo pode-se observar que muitos conflitos
ocorrem entre os sócios, durante as reuniões deliberativas e, mesmo durante o
trabalho, existem desavenças e burburinhos freqüentes. As freqüentes reuniões
causam descontentamento. Segundo Rodriguéz (2002), estes atritos parecem ser
uma das características comuns dos processos deliberativos, mas no caso do
coletor de lixo da Colômbia há uma dificuldade adicional que é o baixo nível de
escolaridade. Tanto no ReciclaReal quanto na CooperAção isto ocorria.
E se eu não consigo falar alto, se eu não consigo gritar, me dá um nó na
garganta e eu tenho que chorar e nisso eu fico com o corpo todo roxo e
passo mal. Mas aí... eu não consigo falar, se tiver uma pessoa pra eu falar,
eu não consigo chegar e falar. Sabe, os diretores... Os presidentes... Eu
não consigo falar. (Imaculada da CooperAção)
Ou, às vezes, ocorre a omissão para que se consiga ficar em um
cargo mais elevado, por exemplo, o de coordenador. Segundo Sen (2001) a
liberdade é sempre vantajosa. Mas, há um conflito entre a liberdade que por um lado
é uma vantagem e o aumento de liberdade como algo que pode ser desvantajoso,
por outro um aumento de liberdade na “condição de agente” poderá levar a uma
redução da qualidade de bem estar. Nem tudo que a pessoa faz visa seu bem estar.
Para tornar mais clara esta idéia, Sen cita um exemplo: se eu me encontrar em uma
cena de um crime que eu gostaria de evitar, a minha liberdade de agente aumenta,
196
pois posso fazer algo para parar o crime, mas isto resulta na diminuição de meu bem
estar, pois não é agradável ver um crime, posso me ferir ao tentar evitá-lo.
É o que sente Paulo que para não diminuir o seu bem estar, não
lança mão de sua liberdade como coordenador. Foi o que aconteceu com a
Imaculada, (uma cooperada do ReciclaReal) referida pelo Paulo. Esta, ao expor sua
opinião como coordenadora (aumento de liberdade), perdeu o cargo de
coordenadora do ReciclaReal (na CooperAção) e reduziu o seu bem estar. Segundo
o mesmo autor, tem que valer muito a pena para que na condição de agente opte
por sofrer um mal estar.
É, pra mim estar criticando as pessoas eu acho muito chato, pra mim
isso ai é ruim. Porque, cada “cabra” tem que fazer pra si. É, por causa
que eu fazia minhas coisas certas que eu passei pra trabalhar a noite... e
inclusive eu passei pra Imaculada também, pensando que a Imaculada
era..., num sei ai, parece que, Maria falou que ela começou a pisar na bola,
entendeu? Ai fizeram essa reunião aqui pra tirar ela da coordenação e
estou eu aqui. (Paulo da CooperAção)
Olha D. Sônia, aqui é o seguinte coordenador de grupo te “zua”
porque manda nas pessoas, inclusive eu não faço isso porque eu não
sou patrão de ninguém, certo? Porque aqui cada “cabra” faz pra si. Sou
coordenador daqui das pessoas, daqui das pessoas que tem no Real
Parque, eu só faço, eu num mando neles... eu só faço pegar o vale deles,
devolver pra eles, que é minha obrigação, pegar o pagamento, se a Maria
quiser que eu levo pra lá, eu levo, é minha obrigação, e só! (Paulo da
CooperAção)
Quando o grupo não se integra, os sintomas são facilmente
detectáveis nas freqüentes ausências e saídas de seus participantes. Ao contrário,
quando o grupo está coeso e se identifica, os participantes cada vez “mais se
entendem” e passam cada vez mais a ajudar um ao outro. Entretanto, quando ocorre
a saída de um membro importante do grupo, porque ficou doente, ou outro motivo, o
medo da dissolução do grupo ocorre.
8.1.10 Dificuldades na gestão do próprio negócio: os atravessadores do lixo
Em São Paulo, o mercado de lixo esta dividido em três partes: o
catador de lixo, o intermediário formal e informal e, finalmente, as indústrias. Uma
das soluções para evitar o intermediário é a concentração de materiais em local
197
apropriado onde se possa acumular uma quantidade considerável de materiais que
permita uma melhor negociação direta no mercado com a eliminação da ação de
atravessadores. O programa de Coleta Seletiva Solidária apresentada pela
Prefeitura de São Paulo teve como solução a formação de Central de Triagem na
Vila Leopoldina com armazenamento, beneficiamento e comercialização e, com este
objetivo, conseguir um preço melhor. Tornou-se fundamental existir infra-estrutura
municipal de apoio, como ocorreu no governo municipal de São Paulo passado.
Eu não sei Dona Sônia. Mas isso aqui não é um projeto, isso aqui é uma
central. Tá, mas é um projeto de reciclagem, né? Não. Projeto é o Real
Parque lá é projeto, aqui é central. Eu não tenho sugestão nenhuma, por
mim fica assim mesmo. Não tem ninguém para resolver, então fica assim
mesmo. (Paulo da Cooperação)
O lixo coletado no ReciclaReal era encaminhado a esta Central para
ser comercializado. Pelo depoimento a seguir, verificamos que o papelão não ia
direto para a fábrica, provavelmente devido à quantidade que não era grande o
suficiente para o fornecimento direto a indústria.
Aqui não tem intermediário, vai direto pra fabrica. Vende direto. O papelão
não... O papelão vai para o depósito. [Intermediário] A gente vende esse
papelão aqui, lá, próximo a Ponte da Casa Verde, é uma firma lá, aí eu
acho que de lá vai pra fábrica. (Paulo da Cooperação)
Esta problemática também é encontrada nos estudos feitos em
Bogotá sobre os recicladores. Como diz Rodrigues (2002, p.346), ”sem uma
estratégia econômica viável, os recicladores estão condenados à pobreza ou, na
melhor das hipóteses, a dependerem indefinidamente da caridade das organizações
não governamentais, benfeitores individuais, ou entidades governamentais isoladas”.
Para Rodriguéz (2002), o mercado da reciclagem na Colômbia está
dividido entre: a) recicladores de lixo que recuperam o material reciclável. Existem
300 mil deles nas cidades colombianas e 50 mil só em Bogotá; b) os intermediários
formais e informais que compram os materiais dos catadores e, finalmente, c) as
indústrias que adquirem o material recuperado. Estas, em número reduzido, impõem
os seus preços. Como os intermediários se apropriam dos benefícios da reciclagem,
os catadores acabam ganhando menos que um salário mínimo nacional, ou seja,
120 dólares. Segundo o mesmo autor, este mercado de exploração permanece
devido ao estigma de “exclusão” em que são colocados os catadores, explorados
pelos intermediários e donos de indústrias. Como são marginalizados, considerados
198
o lixo da sociedade, vitimas até mesmo de operações de ‘limpeza social’, é o que
lhes resta fazer para manter em sobrevivência.
8.1.11 Debilidade das Políticas Públicas
Outro desafio encontrado é a falta de apoio do governo das cidades,
pela falta de interesse por uma política de “exclusão social”, adotando políticas
voltadas à privatização dos serviços de coleta de lixo, como ocorreu na cidade de
Bogotá. É importante que os governos locais cumpram o que a Carta Magna
preconiza e o sistema de Atenção Primária Ambiental faça parte da agenda das
políticas municipais atrelando o serviço de controle ambiental. Muitas vezes, quando
existem, estas políticas se encontram desestruturadas para responder com eficiência
às demandas da comunidade. Estão centralizadas, com excesso de tecnicismo,
dificultando o caminho do desenvolvimento sustentável.
Muitas vezes, este serviço é entregue às empresas que detêm
tecnologia, competindo com os recicladores, que ficam à sua margem. Estas
empresas não só cuidam da coleta, como também da recuperação do material
reciclável. (RODRIGUÉZ, 2002)
Geralmente, estas atividades econômicas são locais, pois aqueles
que a elas se dedicam não conseguem competir com o capital nacional. Constitui um
modo de produção que não desperta interesse para as empresas transnacionais,
semelhante à venda de artigos de baixa qualidade por ambulantes. Este tipo de
economia proliferou “nas partes do mundo que o capitalismo rejeitou”, nas palavras
de BURBACH, (1997, APUD RODRIGUÉZ, 2002).
Vários autores apontam a importância destas organizações
econômicas se inserirem no mercado nacional e global, terem articulações com o
Estado e entidades nacionais e internacionais para adquirirem a condição
emancipadora e a melhoria das condições de vida, senão estas pessoas estão
fadadas a continuarem à margem da sociedade e este tipo de economia sendo
199
apenas um meio de sobrevivência de seus membros. (SANTOS, 2002;
RODRIGUÉZ, 2002; SANTOS e RODRIGUÉZ 2002; HARVEY, 1992).
200
8.2 Possibilidades
8.2.1 Possibilidades encontradas pelos participantes do núcleo-cooperativa de
lixo ReciclaReal
Muitas foram as possibilidades que pudemos observar na
construção da cidadania a partir da cooperativa de lixo ReciclaReal:
O despertar da consciência coletiva dos recicladores do Real Parque;
Uma nova cidadania: a capacidade de realizar funcionamentos; a cidadania
em movimento: liberdade de expressão, participação e o exercício político;
O conteúdo ergonômico do trabalho;
A interdependência e a solidariedade: empresários, profissionais liberais e
favelados sentam na mesma roda;
A saúde e possibilidades em relação ao trabalho;
O trabalho em transformação: do taylorismo x a criatividade na reciclagem de
lixo;
A globalização e o consumo na construção de uma nova cultura do lixo no
bairro Real Parque.
8.2.2 O despertar da consciência coletiva dos recicladores do Real Parque:
solidariedade e interdependência
O maior desafio da montagem da cooperativa é despertar a
consciência coletiva e a participação efetiva dos cooperados para que haja sucesso.
Este é o ingrediente mais importante. Sem ele, nada sobrevive. Exige persistência,
coragem, garra, trabalhar com afinco e, muitas vezes, uma jornada adicional de
201
trabalho, visto os cooperados serem donos de seu próprio negócio. Além disso,
tratando-se de uma cooperativa de lixo é necessário o apoio geral de toda a
comunidade
40
do bairro no que refere à separação do lixo reciclável do não
reciclável (popularmente chamado de lixo seco e úmido), além do apoio dos órgãos
governamentais.
Um dos aspectos mais significativos que corrobora com a [esta] análise,
remete à compreensão do conceito histórico e dos níveis de consciência
social no que tange ao acesso a direitos básicos dos cidadãos. Da vivência
de um cotidiano de carências e provações, em meio a uma sociedade que
tradicionalmente vem marginalizando alguns de seus setores
componentes, são gerados conformismos e renitências que permeiam o
imaginário social, prejudicando a construção de uma cidadania
verdadeiramente coletiva. (ABRASCO apud PAIVA e GUNTHER, s/d)
Em termos de meio ambiente, é necessário que todos percebam que
se trata de um bem comum e que se necessita de uma ação conjunta de soluções
coletivas em detrimento de interesses particulares. Na fala quase unânime dos
cooperados, há a importância da consciência coletiva. Eles possuem a consciência
de que se não estiverem unidos e solidários uns com os outros, a economia solidária
não produz frutos. É o que se pode verificar nos seguintes depoimentos:
Eu acho que tem que ter mais união, pra gente trabalhar aqui em
equipe, porque uma firma que cresce, cresce sendo uma equipe.
Porque a gente nunca começa do alto, a gente sempre começa do
baixo, a gente tem que começar do baixo pra crescer, e pra isso, a
maioria das pessoas está querendo montar a casa em cima, e aí vai
desmoronar tudo... E aí acabou o Real Parque, e aí? Muita gente vai ficar
sem ajuda. (Imaculada da CooperAção)
De lá do Real Parque, veio as garrafas com água, eu tive de ir lá tirar
porque a menina não prensava assim... Então, fica chato porque elas
falam, vamos separar cada um lá, e nós aqui. Lá é o Real Parque, e aqui
a gente... É o que a gente é do Real Parque sim, mas... Tem que juntar
tudo, dinheiro... Tudo! Mas a gente não está vendo nada disso. No centro
eu vi... Mas depois que a gente veio pra cá eu não vi mais. E fica chato
também, porque aí não cresce nem o Real Parque nem a gente aqui
que faz parte do Real Parque. (Fátima da CooperAção)
40
O debate do termo comunidade apresenta uma diversidade de significados e é discutido pelos mais
diversos autores. Sawaia (1996) comenta que Nisbet (1974) tem uma idéia balizada a respeito: Para
este autor, comunidade “abrange todas as formas de relacionamento caracterizado por um grau de
intimidade pessoal, profundeza emocional, engajamento moral (...) e continuado no tempo. Ela
encontra o seu fundamento no homem visto em sua totalidade e não neste ou naquele papel. Realiza
na fusão de vontades individuais, o que seria impossível numa união que se fundasse por mera
conveniência (...) A comunidade é a fusão do sentimento, e do pensamento, da tradição e da ligação
intencional, da participação e da volição. O elemento que lhe dá vida e movimento é a dialética da
individualidade e da coletividade”.
202
O que eu tenho pra falar, a única coisa assim... Aqui eu estou contente,
de trabalhar aqui, como também no Real Parque, só que é muita
confusão, tem hora que a gente não entende... Eu mesma, no meu
caso não entendo nada, porque uma que eu também não conheço lá
como que é, e acho que a maioria das pessoas de lá não conhecem como
é aqui, então não adianta, uma pessoa aqui, eu julgo lá... e as pessoas
de lá, julgam aqui. A gente não se conhece muito bem, e eu estava
falando uma vez para a Maria que os materiais que a gente não ajuda ela
aqui... mas um dia eu ajudei um rapaz a separar bastante material só que
eu não vi reconhecimento, nem um obrigado sequer.(Rosa da
CooperAção)
O que trabalha mais do que o outro, paga pelo que trabalha menos. E
não tem jeito de resolver, pra todo mundo trabalhar igual. Se o cara
quiser encostar ele encosta mesmo. Encosta e acabou. Não tem como
resolver isso. A Coordenadora Geral ela não passa olhando. Aqui tem cara
que vai pra rua fazer coleta e chega três horas da tarde com um pouquinho
de material, almoça descarrega três horas e fica passeando. Isso não
pode. (Paulo da Cooperação)
Pra você ver, esses três turnos não vão vingar. Sabe por que não vão
vingar? Pra você ver, o cara não tem estrutura para trabalhar a noite inteira
mexendo com o lixo. Vai cochilar, ele não vai trabalhar, vai escorar. Eu
não acabei de falar que as 10h40min, a esteira estava parada, porque a
turma estava reclamando que o lixo estava vazio. A turma do dia vai
trabalhar pra turma da noite com certeza, eu já falei isso para o (....) eu não
quero nem saber... (Paulo da Cooperação)
Pelo discurso acima, notamos que a consciência do espírito coletivo
encontra-se bastante forte nos coletores de lixo da cooperativa do ReciclaReal,
envolvendo espírito de solidariedade e interdependência.
Observou-se que, no núcleo ReciclaReal, as pessoas que aderiam
ao projeto não permaneciam muito tempo. Aprendiam o serviço, depois compravam
uma carroça ou um carro velho e iam trabalhar sozinhos. Existe a cultura de que
trabalhar sozinho significa ganhar mais e isto impede a integração de mais
recicladores informais. Ao vender para o atravessador, apesar de receber valores
menores, recebe-se a contra entrega de material praticamente todos os dias.
Ás vezes a gente fica triste porque as vezes uma pessoa quer o
trabalho, a gente dá o serviço pra pessoa tudo direitinho, a pessoa
aprende todo o trabalho, aprende tudo e depois quer montar o seu
próprio negócio, sozinho. Então isso que as vezes eu fico chateada,
porque eles vem aprende tudo e vão embora.(Maria do ReciclaReal)
É ilusão! É ilusão porque eles não levam direto para grandes empresas,
nós conseguimos levar direto para grandes empresas, e eles não
conseguem, eles levam para o “atravessador”....Aí fica aquela história,
quando eles vêem que está errado, eles querem voltar novamente
para o projeto, querem voltar novamente para cá porque isso nós temos
203
casos com várias pessoas, que saíram, fizeram isso e querem voltar. Só
que fica aquele negócio não é “casa da mãe Joana” para ir e voltar a hora
que quiser, quando eles saem nós temos que repor as pessoas. O
Caipirinha já quis voltar. É, comprou e não deu certo, ele comprou o carro
porque ele tinha recebido a indenização de uma empresa, aí comprou
a perua e falou: “Agora eu vou ganhar o mesmo dinheiro”, aí não
agüentou a manutenção da perua, o combustível da perua, o motorista,
pois eles não sabiam dirigir e aí faliu. Vendeu a perua para pagar para os
outros e agora queria voltar para cá. Só que aí a gente recua e não dá
mais chance, dá a chance para aquele outro que quer realmente. (Maria da
ReciclaReal)
Ele estava aqui com a gente, que é o meu cunhado, mas aí veio aquelas...
lá da Leopoldina, que ele tinha de fazer o curso e tudo e não aceitou, então
agora ele está no curso. Depois ele volta, que é o caso também do Natal,
não sei como é que vai fazer para aceitar o Natal de volta. Porque ele liga
direto “- Moniquinha minha vaga, eu vou trabalhar aí...” Só que esses dois
são exceção, porque eles não saíram porque aprenderam mais, eles
saíram porque foram resolver outras coisas. Então essas são pessoas que
a gente pensa em pegar de volta, o que a gente não aceita de volta são
aqueles que vem fazem as coisas e que não dão certo. Como nós
tivemos o caso do Amilton, o primeiro casamento não deu certo, outra
chance, não deu certo, outra chance, não deu certo, depois eu fui até a
casa da Lídia, ele falou que não queria mais a reciclagem, que queria só o
apoio. Então o apoio não aconteceu nada, então agora ele quer voltar, é
onde a gente não aceita mais essa pessoa, a gente prefere tentar com
outros, já tem dois que querem vir... a mãe do Rodnei, que está
começando a partir de segunda-feira, está vindo pra cá...(Maria do
ReciclaReal)
Neste momento, é necessário deter-se rapidamente nos conceitos
de solidariedade e interdependência para entender com maior profundidade as
questões do coletivo que perpassam o aqui e o antes e se opõem às de
individualidade e egoísmo. Será que estamos predispostos a um convívio solidário?
A palavra solidariedade nos remete a uma teia de campos semânticos, como
afirmam Assman e Sung (2000), ao fazer uma ampla discussão da terminologia.
Indicam os principais pensadores dos últimos tempos: Habermas, em seu estudo
“Justiça e Solidariedade”; o filósofo e contemporâneo Lawrence Kohlberg, um dos
maiores filósofos norte-americanos, conhecido por sua tese, “que pouca gente
alcança a maturidade ética por uma consciência solidária universal”, teoria
pessimista da natureza anti-solidária dos seres humanos; Richard Rorty que
sustenta a tese neo-pragmática, na qual se afirma que, para falar significantemente
de solidariedade é melhor partir da sensibilidade comprovada empiricamente,
acreditando-se que, aos poucos é possível expandir a responsabilidade moral das
pessoas; Durkheim em sua discussão de solidariedade mecânica e a orgânica; e,
recentemente, nos discursos do FMI e Banco Mundial, embora o FMI continue
204
acreditando que a solidariedade só é possível através dos mecanismos de livre-
mercado, sobre o quê não cabe neste momento tecer comentários críticos a
respeito. Inclui-se neste rol a Igreja Católica, com as campanhas da fraternidade, as
ONG(s), as Igrejas Evangélicas da Alemanha, além de textos de educação do MEC,
entre outros tantos
41
. É vasto o leque de referências a respeito de solidariedade.
Na campanha da fraternidade de 1999: “A fraternidade e os
desempregados: sem trabalho... por quê?” na parte II julgar encontra-se o que a
Igreja Católica entende sobre a solidariedade e trabalho.
É urgente enfrentar esta cultura de egoísmo e consumismo com uma outra
cultura. Estamos falando da cultura da solidariedade, da sobriedade e
da subsidiaridade. Ela é a favor da vida e da dignidade humana, de uma
sociedade justa e solidária, e a favor do meio ambiente preservado. Torna
possível um projeto político democrático e solidário. Coloca em primeiro
lugar a pessoa humana em suas relações fraternas, e coloca a economia e
o mercado a serviço da superação da pobreza. (A FRATERNIDADE, 2005)
Vive-se em um mundo complexo com desafios cada vez mais
amplos. Quando se pensava que, com os avanços da tecnologia da modernidade, a
vida seria mais confortável, mais tranqüila e feliz, depara-se com um turbilhão de
problemas que estonteiam a vida do homem. Vive-se em um vazio, em uma rede
cada vez mais diversificada de valores morais, éticos, familiares, já que muitos
outros perderam os seus paradigmas, vistos os últimos acontecimentos no Brasil em
relação aos nossos representantes no Congresso Nacional como a CPI dos bingos;
o “mensalão”; a máfia das ambulâncias, alvo da CPI dos “Sanguessugas”; o
assassinato dos pais pela filha Suzane Vanrishthofen e os irmãos Cravinhos; a
absolvição dos deputados “mensaleiros”; a quebra do sigilo bancário do humilde
caseiro Nildo (por ordem de autoridades da República) e outros acontecimentos
mais, sobre os quais não se irá estender, pois a lista é enorme de exemplos que
afrontam a cidadania. Os valores deixaram de ser valores, perderam a sua força
como paradigma e “em tudo tem que tirar vantagem” na famosa lei do Gerson. Até
os estados de felicidade não são vivenciados como estados da alma, mas
produzidos pelas aventuras e artificialidades.
41
Para maior aprofundamento sobre o assunto consultar Hugo Assmann e Jung Mo Sung,
Competência e sensibilidade solidária: Educar para a esperança. 2000.
205
Parafraseando frases de Morin (2000), a partir de meados do século
XX, a felicidade tem variado em seus significados. Ao mesmo tempo em que é
“idéia-força vivida por milhões de adeptos é também “um mito de projeção imaginária
de arquétipos da felicidade”. Enquanto alguns são felizes arriscando-se a aventuras
e à ação para que a vida fique menos morna, outros preferem a segurança e a
proteção. Desta maneira, a felicidade se torna bipolar e antagônica a todos os riscos.
A tônica tem se colocado sobre a realização individual gerando conflitos entre o
amor e o dever, o interesse pessoal e o coletivo. (MORIN, 2000, p.126).
A mitologia da felicidade hoje não é uma mitologia dos deuses
gregos, mas uma mitologia euforizante com emprego de álcool e de pílulas
tranqüilizantes. O indivíduo se encontra cada vez mais afastado daquilo que é
transcendental e esta mitologia euforizante torna-se o antídoto para a angústia
difusa. Desta maneira, a ”felicidade é efetivamente a religião do individuo moderno,
tão ilusória quanto todas as religiões. Esta religião não tem padres, funciona
industrialmente, é a religião da terra na era da técnica, donde sua aparente
profanidade, mas todos os mitos recaídos do céu são virulentos.” (MORIN, 2000,
p.130).
Realmente não somos animais solidários para além de um circuito
bastante limitado de relacionamentos, no qual conseguimos perceber a
relevância da sociabilidade para as nossas próprias vidas. Para perceber a
conveniência, até para a nossa própria felicidade, da solidariedade como
elemento da sociedade ampla e do planeta terra, precisamos de um salto
que não costuma suceder espontaneamente. (...) Para tornar-nos
solidários num sentido mais abrangente precisamos ascender a um
estágio de consciência e opção, que implica numa conversão a
valores, que não são óbvios em nossa experiência cotidiana.
(ASSMANN E SUNG, 2000, p.31).
Assmann e Sung (2000), inspirados pelas de idéias de Rorty,
esclarecem que a solidariedade é algo que se constrói e não é algo que se encontra
pronto, como predisposição do ser humano.
Quanto à interdependência, os autores acima esclarecem que esta
está relacionada às questões da vida diária, as quais levam a pensar que os homens
são seres sociais independentes e dotados de autonomia. Pensa-se que o que se
faz nada tem a ver com as outras pessoas. Há uma cegueira que impossibilita
enxergar que tudo e todos, seres vivos e não vivos, ”ligam-se”, possuem
interdependência. Esta dificuldade está no fato de se não ter sido preparado para
206
isto, e, além disso, estas interdependências não são vistas a olho nu. As escolas
ministram disciplinas independentes, não conectadas com a realidade, amplamente
impostas pelo saber do professor, enfim, não problematizadas. O imemorável Paulo
Freire fornece esta ampla discussão. É neste sentido que Morin esclarece:
...as mentes formadas pelas disciplinas perdem suas aptidões naturais
para contextualizar os saberes, do mesmo modo que para integrá-los em
seus conjuntos naturais. O enfraquecimento da percepção do global
conduz ao enfraquecimento da responsabilidade (cada qual tende a ser
responsável apenas por sua tarefa especializada) assim como ao
enfraquecimento da solidariedade (cada qual não sente os vínculos
com seus concidadãos) (MORIN. 2004 p. 40-41).
Além disso, afirma Morin (2004), temos a cultura que coloca à
disposição dos indivíduos um conhecimento acumulado com seus paradigmas, que
se reproduz a cada individuo de geração em geração e mantém a complexidade
social e psicológica. Segundo Morin (1997), a cultura constitui-se de normas,
símbolos, mitos e imagens que penetram na intimidade do indivíduo e estas
orientam as suas emoções. Uma cultura fornece pontos imaginários de apoio à vida
prática e vice-versa, que cada um introjeta dentro de si, em sua alma. Este ser semi-
imaginário que se exterioriza é denominado personalidade. Hoje, a cultura de massa
é desenvolvida a partir de uma fabricação maciça de técnicas de difusão de massa,
a “mass media”, que atinge não só a sociedade, mas as estruturas internas da
sociedade, como as famílias e as classes sociais.
Além disso, outras causas determinam o não reconhecimento da
interdependência. Os efeitos benéficos e maléficos das ações levam muito tempo
para voltarem à sua origem. Dependendo da extensão e complexidade, os efeitos
captados demoram mais, sendo menos perceptíveis. É como uma onda feita por
uma pedra que se joga na água, que vai dissipando e perdendo sua força de origem.
A impressão que se tem desse processo em relação à interdependência é que não
se está no mesmo sistema. Tem-se a impressão que não se é interdependente e
que as ações não irão repercutir nas outras pessoas. (ASSMANN E SUNG, 2000,
p.31).
É por isto que não se preocupa com o meio ambiente, a
desigualdade social, com a pobreza, a miséria, o sofrimento porque se tem a ilusão
de que nada tem a ver conosco.
207
Pode-se perceber pela opinião dos autores que a solidariedade e a
interdependência são valores que podem ser aprendidos. Para tornar-nos solidários
num sentido mais abrangente, é preciso ascender à conversão de valores a um
estágio de consciência e opção que não encontramos atualmente em nossos
representantes políticos e tampouco na família.
Durante estes quatro anos de pesquisa no Real Parque, os
moradores da favela tornaram-se mais solidários do que se pensa, pois
conseguiram, sem nenhuma infra-estrutura, nem recurso financeiro e apoio privado
ou governamental (após mudança do governo municipal) manter o projeto durante
três anos.
8.2.3 Uma nova cidadania em construção: “a capacidade de realizar
funcionamentos”
Neste momento, reflete-se sobre a nova cidadania que ocupa um
novo paradigma em relação à cidadania clássica, discutida por Marshall: direitos
civis, políticos e sociais, a partir da cooperativa de lixo com formas de estruturas
operacionais e cognitivas que não deram o resultado que se esperava, mas que,
sem dúvida, levaram a um resultado positivo de desenvolvimento ambiental.
Ao se pensar na montagem de um grupo de reciclagem de lixo,
imediatamente pensou-se que a partir do “setting grupal”, este espaço geraria não
só uma experiência ambiental com geração de renda, mas um espaço potencial com
trocas de experiências e conteúdos emocionais entre toda a comunidade, criando
condições para a realização de “certos funcionamentos”.
O setting grupal
42
foi criado no Centro de Saúde Real Parque,
local em que ocorriam as discussões e reflexões acerca dos problemas da
42
Setting Grupal, segundo Winnicott, refere-se ao espaço e lugar onde iremos viver uma terapia
compartilhada. Espaço onde possa estar contida a necessidade do paciente de jogar, criar e
desenvolver uma experiência terapêutica ou, ao mesmo tempo, os limites contidos nas bordas de
uma folha de papel. (MELLO FILHO, J.,1975)
208
comunidade
43
que culminou na formação do ReciclaReal. Foi um espaço real que
favoreceu o despontar de potenciais ou, nas palavras de Sen, “realizar
funcionamentos” que levariam a uma nova forma ativa de cidadania a partir do
desenvolvimento da criatividade, de novas iniciativas, de diferentes formas de viver e
de se relacionar. Criou-se a consciência
44
de solidariedade e interdependência.
Para Sen (2001), a pobreza deve ser vista em termos de uma
“deficiência de capacidade
45
ao invés de falha em satisfazer as “necessidades
básicas” relacionadas às privações de bens e serviços essenciais à vida humana. O
importante é dar às pessoas condições de realizar certos funcionamentos
46
básicos.
A motivação subjacente talvez possa ser abordada mais diretamente em
termos da realização de certos funcionamentos básicos e da aquisição das
capacidades correspondentes. Na medida em que o raciocínio subjacente
à abordagem das necessidades básicas se relaciona com dar às pessoas
os meios para realizar certos funcionamentos básicos o problema das
variações interpessoais de transformação de mercadorias em
funcionamentos (...) também pode ser evitado, considerando-se
diretamente o espaço de funcionamentos em vez de espaço de
mercadorias. (SEN, 2001, P.172).
A capacidade de realizar funcionamentos difere de funcionamentos
realizados, afirma o autor ao citar o seguinte exemplo: uma pessoa que jejua porque
escolhe é oposto daquele que tem que passar fome devido à falta de meios. Estes
funcionamentos descritos por Sen, na verdade, “lembram” os direitos sociais e
políticos descritos por Marshall. No entanto, entende-se que são mais dinâmicos e
possuem maior abrangência. Trata-se do desenvolvimento do potencial humano
como um todo e não em partes.
43
Queremos ressaltar que se reconhece a princípio no bairro Real Parque de acordo com a definição
de comunidade de Nisbet apud Sawaia, cinco comunidades: a dos moradores das favelas Real
Parque, Panorama e Porto Seguro, a dos índios Pankararu e da classe alta.
44
Consciência vem de o verbo conscientizar que, para Rouanet (1991, apud Sawaia 1996) significa
extirpar a cegueira psíquica, mediação interna pela qual o poder inverte o olhar, reforça e viabiliza a
cegueira e a impotência social, para recuperar a potência de ação.
45
“Capacidade”, no sentido aqui empregado é de oportunidade, condições externas para realizar
funcionamentos “capacidades” refletem “liberdades substantivas”: P é capaz de fazer x, se dada à
oportunidade de fazer x, mas poderia escolher deixar de fazer x.
46
Como funcionamentos, o autor descreve desde os físicos elementares, como estar nutrido, possuir
vestimenta adequada, moradia, evitar as doenças preveníveis, até as mais complexas como fazer
parte da comunidade, falar em público e outra. Estas realizações variam de sociedade para
sociedade.
209
Para Sawaia (1998), a comunidade é um espaço privilegiado, capaz
de dar conta entre o particular e o universal e das três dimensões da vida humana:
intersubjetiva, intrasubjetiva e a social. Devido aos efeitos da globalização que
penetram em todos os espaços geográficos, a individualidade e as velhas formas de
sociabilidade de grupos e classes parece que tendem a desaparecer e dar espaço
para uma nova modalidade de relacionamento humano superficial e indiscriminado.
“Todos dialogam com todos, sem se relacionarem como cidadãos de uma sociedade
mundial. Conquistam-se direitos humanos universais em uma linguagem
mundializada, mas vive-se a incivilidade cotidiana.” (p.2). Apesar de utópico, a
comunidade parece ser a única forma de catalisar e superar o individualismo, a
prática de solidariedade
47
e o entendimento da interdependência
48
. Este espaço cria
uma relação de trocas de experiências entre os membros do grupo, troca de
culturas, processos identificatórios e experiências emocionais. A existência desse
espaço real e a possibilidade de um grupo funcionar em clima de liberdade
favorecem o desenvolvimento de múltiplos fenômenos de criatividade e cria a
possibilidade de pessoas (favelados) se libertarem de sua rigidez, inibições e
resgatarem esta nova forma de cidadania.
Por questões didáticas e encadeamento das idéias, sentiu-se a
necessidade de analisar a fala de uma das cooperadas seqüencialmente, embora já
se tenha analisado em separado, apontando para outras significações anteriores.
Entretanto, neste enfoque, analisar-se-á “a capacidade de realizar funcionamentos”,
uma nova construção de cidadania na fala de Maria do ReciclaReal.
As interações pessoais ocorreram o tempo todo. Houve múltiplas e
diversificadas trocas de experiências: conseguir o terreno, aprender o que é
reciclagem, ter consciência ambiental, despertar a consciência ambiental nos
moradores dos prédios, ter consciência de equipe, lidar com o povo, ter mais
tolerância com o seu semelhante e dar mais valor à vida e às coisas.
Maria, preocupada com a poluição ambiental e o respeito ao direto do outro:
Quando vimos o terreno e o homem aceitou ceder o terreno, era cheio de
entulho e não podia tocar fogo pra queimar. O lixo não cabia nas
47
Solidariedade será tratada de maneira mais aprofundada no capítulo 8.2.5.
48
Interdependência será tratada de maneira mais aprofundada no capítulo 8.2.5.
210
caçambas porque senão os outros moradores não podiam
armazenar... O problema é queimar o lixo...
Maria aprende a lidar com o outro com mais paciência e entender a
importância da equipe:
... ter calma e paciência aprendi a lidar mais com o povo; aprendi a ter
mais calma, mais paciência; consegui poder ajudar os outros, nós
somos uma equipe grande.
Maria resgata a sua dignidade, dá mais valor às coisas e aprende o que é
reciclagem:
As coisas boas que mudaram na minha vida, é que hoje em dia eu tenho
mais dignidade; hoje em dia eu aprendi mais. (...) aprendi a dar mais
valor às coisas; hoje em dia eu sei que eu posso e vou conseguir cada
mês que se passa um dinheiro a mais; aprendi o que é reciclagem,
porque eu não sabia nada disso.
Maria aprende a ser solidária com o outro a partir da consciência de si:
Tirar dois meninos que eram bandidos perigosos daqui do Real Parque,
eles não temiam nem a polícia, e hoje em dia são duas pessoas dignas,
capazes, honestas, trabalhadoras; consegui também um alcoólatra, que
hoje em dia não bebe mais, apesar que ele aprendeu todo serviço
direitinho, mas eu até internei ele, por causa do excesso de bebida, uma
dosagem muito forte que ele tomou de álcool, ele passou dois dias
internado, então eu consegui tudo isso, graças à ajuda da... Quando nós
temos algum problema, eu corro e ligo prá ela, encho o saco dela de
sábado, domingo, feriado e tudo. Isso prá mim foram as coisas boas, ela
está pronta a nos ajudar a qualquer momento.
O meu desejo é que trinta ou cinqüenta famílias estejam trabalhando. Tive
problemas de drogas e álcool na minha família com meu marido, ele
jogava e bebia e eu não controlava porque trabalhava em casa de família
e não podia sair para ver o que estava acontecendo. Depois da
reciclagem, eu tenho mais tempo para ir a casa e hoje o meu marido
não bebe, só joga um pouco porque ele sabe que eu estou perto dele.
8.2.4 A cidadania em movimento: liberdade de expressão, participação e o
exercício político.
Retoma-se, neste momento a questão da comunicação como
instrumento da democracia pela importância que se atribuí ao assunto. Vale salientar
que a pesquisadora como diretora técnica, enfermeira e trabalhadora social estava
211
não só preocupada com o resgate social, mas também em facilitar a construção da
cidadania dos cooperados, mais especificamente, com a sua inclusão no mundo
democrático e no terreno da comunicação, estimulando a falarem, colocarem-se sem
medo, pontuando que não há pensamento certo ou errado, mas apenas idéias
diferentes. Como facilitadora desse processo, teve-se a pretensão de colocar em
movimento a cidadania política engessada, paralisada ou cristalizada.
Fica claro que a cidadania toca mais o social, mas para a conquista
do social é necessário o exercício político em um espaço intersubjetivo. Mesmo que
este espaço não seja compreendido e valorizado no momento, por não ser uma
prática comum na favela, o próprio falar, comunicar, propicia conquistas sociais e o
acesso aos outros direitos da cidadania pode ocorrer em um contexto de “setting
grupal” (reuniões, assembléias).
Essas reuniões... Eu estou entendendo bem mais... no começo eu não
entendia nada mesmo. Só que eu acho que essas reuniões, a maioria
das reuniões que eles fazem não resolve nada. Fica só na conversa e
não resolve nada. Seria importante se eles divulgassem tudo que seria
para ser divulgado. (Fátima da CooperAção)
Quem lembra os tenebrosos tempos dos anos 60 e 70, em que a
ditadura militar se instalou no país e o ato institucional numero 5 fechou o congresso
Nacional, sabe a importância da liberdade de expressão: falar, dar opiniões,
discordar como exercício político de cidadania. Até falar que uma “reunião não
funciona” é uma liberdade de expressão.
É o seguinte, essas reuniões pra mim não valem nada... Não funciona,
porque quanto mais a gente fala fica perdido, é perda de tempo essas
reuniões. .A gente faz essas reuniões porque a gente quer fazer, mas é
perda de tempo. (Paulo da CooperAção)
E eu também acho que esse negócio de pegar as pessoas que já
conhecem o serviço está errado, porque ninguém nasceu sabendo.
Como no meu caso, quando eu entrei aqui eu não sabia o que era “pet”, eu
não sabia o que era isso, eu sabia que era uma garrafinha descartável,
mas não sabia o que era que... a tampinha já é um... E isso é uma pet, pra
mim era tudo igual. (Fátima da CooperAção)
Eu acho que esse projeto, vamos supor, a Marta ganhando... deve
aumentar esse tipo de projeto na cidade de São Paulo... pode ser que
melhore... essa idéia de coleta seletiva de lixo... de uma maneira mais
organizada, mas se o Maluf ganhar... Eu acho que vai fechar... acho que
o Maluf não apóia isso aqui (Paulo da CooperAção)
212
8.2.5 A interdependência e a solidariedade: Empresários, profissionais liberais
e favelados sentam na mesma roda
Foi inspirada no método da roda, após ter lido o livro “um método
para análise e co-gestão de coletivos de Campos (2000), que a pesquisadora sentiu-
se impulsionada a trabalhar com a comunidade (moradores da favela Real Parque)
movida pela teoria de “co-gestão de coletivos” por perceber a possibilidade de
promoção à saúde, bem como possibilitar a fluência de possibilidades e
potencialidades (que não eram poucas no bairro, pela diversidade de culturas, idéias
e ideais). Enfim, sentir como este novo paradigma teórico funcionava na prática.
Como já foi dito, este trabalho se iniciou com um diagnóstico
partipativo das necessidades da população do bairro. Todos do bairro foram
convidados a participar. O convite se dava na própria unidade em que se
aproveitava o contato com a clientela. Aproveitaram-se também todos os contatos
feitos com as instituições, por ocasião das reuniões que ocorriam no seio do bairro.
Observou-se que existia algo em comum entre aqueles das classes privilegiadas e
aqueles moradores da favela. A luta cotidiana não era fácil nem para um nem para
outro. Existia um grande sofrimento psíquico em ambos. E um mesmo sentimento os
permeava: o medo. Enquanto os primeiros era possuídos pelo medo de assalto à
mão armada, “seqüestros relâmpagos”, os segundos tinham medo da fome e da
miséria, agravada pela dificuldade de inserção no mercado formal de trabalho. Sabe-
se que o sofrimento é um sentimento imensurável que paralisa os movimentos,
obnubila o pensamento e obscurece a visão. Realmente não dá para saber qual é o
pior medo: o de não ter segurança de sua própria vida, ser morto com um tiro ou o
medo da fome a ponto de dar pinga para os filhos na hora de dormir para que não
incomodem pedindo comida, como é o caso da moradora da favela Real Parque, já
citada anteriormente neste trabalho. Que mundo é este em que vivemos? Não dá
para saber o que é pior. Mas ambos foram tocados pelo mesmo sentimento: o medo.
Acreditou-se que este momento fosse perfeito para iniciar-se uma discussão.
Realmente não se sabia quais os caminhos a seguir. Mas era necessário começar.
Começaram-se as discussões e pela primeira se viu representantes de todas as
instituições do bairro, empresários, profissionais liberais e favelados sentados no
213
mesmo banco e na mesma roda. (uma verdadeira rede em funcionamento). Eram
interesses e necessidades polissêmicas e formas desiguais de existir. Uma total
diversidade e é nesta diversidade que surge o núcleo do ReciclaReal. As reflexões
que foram surgindo sobre o cotidiano e os problemas locais tocam as mentes e tudo
“se liga”. Todos estão interligados dentro de um mesmo planeta. Toma-se a ciência
da interdependência. A questão humana permeia as discussões. O desamparo e a
impotência convivem lado a lado. É preciso enfrentar e produzir mudanças, é preciso
começar. Como contradição, a semente da solidariedade nasce do medo em virtude
do bem estar de todos. Nasce a preocupação de organizar o que já é velho, mas
que antes passava despercebido. O novo surge a partir de construções coletivas,
interesses pluralizados e diferentes, porém não divergentes. Está na hora de
construir uma sociedade mais digna e justa para todos, para ambos os lados. Isto
pressupõe como principal tarefa levantar os agravantes locais, eleger prioridades,
estabelecer estratégias e mobilizar ações. Dentre os agravantes eleitos, o mais
premente naquele momento foi de possibilitar aos favelados “a capacidade de
realizar funcionamentos”. É necessário que “os excluídos construam a sua própria
inclusão num mundo no qual muito do democrático está no terreno do comunicativo”,
nos dizeres de (MEJÍA, 1996, p. 62-63).
Colocar pessoas com experiências diferentes, trabalhadores
diversificados, (empresários, profissionais liberais, que eram chamados de
apoiadores), numa mesma roda foi uma vivência muito rica e inesquecível. Mas
antes de passar para este relato, necessário se faz lembrar os dois tipos de
trabalhadores existentes hoje no mundo globalizado: os trabalhadores centrais que
são os executivos, aqueles que planejam, tomam decisões, fazem planos em sua
empresa e cultivam o poder. Do outro lado, os trabalhadores periféricos,
acostumados a receber ordens, que cultuam o silêncio, o bom comportamento,
sobre os quais recaem as decisões. Em geral, em seu cotidiano, são reduzidos pela
dominação. Sua subjetividade e criatividade estão estagnadas, reflexo da
administração científica de Taylor. Mesmo hoje, apesar da reorganização do
processo de trabalho, os trabalhadores continuam presos a tarefas repetitivas e
desconectadas. Mesmo que o modo de administrar de Taylor tenha sido superado, a
disciplina e o controle continuam existindo, eixo central do método de gestão.
(CAMPOS, 2000)
214
A organização moderna ou pós-moderna continua sendo autoritária
mesmo com as palavras doces tais como: parceria, integração, desenvolvimento de
recursos humanos e flexibilização. Tudo isto não favorece a democracia ou a
convivência solidária. Os trabalhadores foram infantilizados e apresentados como
seres que não sabem decidir. Esta diferença entre executores e dirigentes cria
subjetividades diferentes. De um, espera-se iniciativa, criatividade, arte de
comandar; de outro, ordem, habilidade e obediência. Em nome da produção
procurou-se criar diferentes expectativas enquanto realização pessoal, felicidade e
acesso de poder. Resumindo:
A racionalidade hegemonia, fundada pelo taylorismo, ainda que modificada
pelas escolas que o sucederam (recursos humanos, estruturalista,
qualidade total etc.) realizou uma habilidosa combinação de técnicas de
gestão que logrou, ao longo deste século, produzir ‘servidão voluntária’ ou
a instauração de vínculos ‘libidinais’ poderosos entre a Organização e os
grupos que a compõe. (CAMPOS, 2000, p.32)
Tal alienação dificulta que sujeitos coloquem a sua potência de agir
nos processos de trabalho. Os espaços coletivos são os locais para que ocorram a
desalienação, o compromisso de solidariedade, o desenvolvimento da capacidade
reflexiva e da autonomia.
Voltando ao raciocínio anterior, foi uma experiência muito gratificante
colocar na mesma roda trabalhadores periféricos (todos os favelados já estiveram
algum dia empregados, embora hoje muitos deles se encontrem no desemprego
oculto por desalento), trabalhadores centrais (a partir de agora serão chamados de
intelectuais) para a discussão da cooperativa de lixo. Era difícil, muitas vezes, os
favelados assimilarem a linguagem destes últimos. Havia um fosso cognoscível. No
entanto, havia exceções como o caso de Maria, quem se referiu, e não se pode
esquecer de Deodato que, além de consertar o carro com peças adaptadas de outro
carro (uma coisa incrível de se ver), inventou uma prensa de latas com sucata do
ferro velho.
Nas reuniões traziam os problemas para debater. Muitas vezes, os
intelectuais tentavam ensinar os princípios de gerenciamento, fazendo-os pensar
que agora eles não eram empregados, mas donos do próprio negócio. Esta frase foi
muitas vezes repetida pelos empresários: “agora vocês são donos do próprio
negócio e é preciso pensar se isto vai compensar ou não”. Isto ocorreu em múltiplas
215
situações, como, por exemplo, quando foi preciso decidir se assumiam ou não o
IPTU do terreno (que era caro), cedido em regime de comodato por um empresário.
Às vezes, percebiam-se perdidos e sentiam a necessidade de ter um
aval dos apoiadores para enfrentarem uma nova situação, resquício da cultura de
trabalho a que estavam acostumados anteriormente: trabalho sem iniciativa,
criatividade, de obediência e de ordem.
Uma das empresárias, totalmente envolvida com o projeto e que não
faltava a nenhuma reunião, foi a apoiadora mais importante porque tomou várias
iniciativas importantes para a sustentação do projeto: providenciou a manufatura dos
uniformes, conseguiu a planta do galpão, as estruturas metálicas para a sua
construção e outras coisas mais. Ao lhe perguntar o que a mobilizou participar
dessas reuniões que ocorriam no Real Parque no projeto da coleta seletiva de lixo,
respondeu:
Foram dois motivos que me levaram a participar desse projeto:
- a questão sócio-ambiental, porque precisamos cuidar do ambiente que
vivemos, aprendendo a selecionar o lixo orgânico das embalagens com
possível reaproveitamento, e que causam profundos problemas na
natureza.
- a possibilidade de criar uma fonte de renda para os menos favorecidos da
favela, desde que o nosso lixo representa uma fonte de riqueza.
Fica, então claro o papel do Trabalhador Social neste processo:
proporcionar um “setting grupal” em momento de ação-reflexão-ação. Isto significa
quebrar a estabilidade que se estabelece na força que está para a mudança e
possibilitar a mudança, a transformação de pessoas “coisificadas” em homens
cidadãos.
8.2.6 A saúde e as possibilidades em relação ao trabalho
Os moradores da favela Real Parque possuem a saúde precária,
mas mesmo assim a cooperativa de lixo possibilita o aproveitamento do potencial de
trabalho que, na economia capitalista, seria um empecilho. Não é porque a pessoa
216
tem um problema de saúde que significa poder ser descartada do mercado de
trabalho.
8.2.6.a O binômio: saúde x doença x força de trabalho
O perfeito equilíbrio em saúde não existe e isto já é tema de amplas
discussões dos mais variados estudiosos e filósofos da área de saúde. Dejours
(1992) afirma que o subproletariado, ou seja, a população que ocupa favelas ou
cortiços na periferia da cidade tem algo que o une: o desemprego, o não-trabalho e
a falta de saúde.
A miséria, doença epidêmica, possui uma defesa à qual o autor dá o
nome de “ideologia defensiva”. Vários autores têm apontado que esta população
possui uma taxa de morbidez acima da população em geral. Os tratamentos são
incompletos por questões de ordem econômica e falta de acesso à assistência
médica, à convalescença e tratamentos de fisioterapia. O alcoolismo é freqüente,
pois é a principal saída para enfrentar a ansiedade da morte, a falta de dinheiro que
não permite assegurar-lhe uma alimentação satisfatória. Muitas das doenças ficam
escondidas e a promiscuidade favorece as doenças infecciosas. A falta de esgoto,
banheiros, depósitos de lixo favorecem as contaminações coletivas. A comida é
pobre e a carne é rara. A subnutrição é observada. Além disso, existe maior
dificuldade de acesso à assistência médica. A doença tem o significado de algo
vergonhoso, um sentimento coletivo. A pessoa doente é encarada como alguém que
cede à passividade, vagabundagem. A cura significa ter ânimo e não sofrer, mesmo
que a enfermidade não desapareça. A hospitalização significa fracasso, ruína. Para
a mulher, a doença não pode paralisar o trabalho porque ela tem que ficar com os
filhos. “O corpo só pode ser aceito no silêncio ’dos órgãos’. Somente o corpo que
trabalha, o corpo produtivo do homem, o corpo trabalhador da mulher são aceitos;
tanto aceitos menos se tiver necessidade de falar deles.” (1992, p.32). O binômio
doença e trabalho criam um conteúdo: a ideologia da vergonha. É a vergonha
instituída. A angústia sentida não é pela destruição do corpo pela doença, mas a
destruição do corpo como força de trabalho.
217
Outro dado encontrado em pesquisa realizado no Real Parque
relacionado ao gênero, referia-se ao corpo. Este é visto praticamente como força de
trabalho. Além do corpo na dimensão biológica, o corpo da mulher favelada tem
uma dimensão ideológica. A mulher favelada apresenta o corpo como “força de
trabalho” ou “gerador de bens”, tal como Boltanski (1979), Mello (1988), Belinguer
(1988), Minayo (1994) estabelecem. Seu corpo significa coragem e força de
trabalho, por isso há poucas queixas de desânimo e cansaço. Talvez, então, seja
este o motivo pelo qual existe pouco questionamento quanto ao valor estético do
corpo: o corpo é bom. Corpo ruim não o é pela falta de beleza ou por representar
um local de queixas. A estética do corpo para a mulher favelada passa pela
capacidade de trabalho, e não pelo envelhecimento. A perda dessa força pode
significar não ter as necessidades básicas. (MIRANDA, 1996). Também Mello, em
sua pesquisa com mulheres de origem mineira, mostra a relação entre a força física
e a terra mãe, nutriente das necessidades básicas.
A terra. A relação com a terra não inclui só as lembranças do trabalho, pois
a terra era a provedora de quase tudo: alimentação e roupa, abrigo e
remédios, iluminação, trens da cozinha e mobiliário. Tudo (...) Mas é uma
terra que já não dá o sustento sem o trabalho das mãos humanas. E o
esforço para obter o sustento depende de todas as mãos disponíveis
(MELLO, 1988: 33).
Boltanski diz que a percepção do corpo é tanto menos consciente
quanto mais é levado a agir fisicamente. “... o esforço físico torna difícil a seleção e a
indicação de sensações doentias ou, se quisermos, introduz ruído na comunicação
entre o sujeito e o seu corpo” (1979: 167-168). Belinguer (1988) também compartilha
com as idéias de Boltanski.
É por isso que a saúde é tão valorizada, como se viu na fala do
representante do membro da Associação Amigos do bairro Real Parque,
constituindo a primeira prioridade na hierarquia defendida por Maslow.
Na pesquisa feita pela autora na sua dissertação de mestrado
intitulada “Tempo de Viver”, os significados do Climatério da mulher favelada, o
corpo, a primeira grande unidade temática, aparece sob três dimensões: a
dimensão biológica, ideológica e estética. O corpo, na dimensão biológica, é sentido
como o local onde se manifestam as sensações doentias, aparecem de maneira
pouco significativa. Na dimensão ideológica do corpo, o grande sentido é o trabalho.
218
É o corpo que gera bens. Em relação a ele, aparecem dois grandes qualificativos:
coragem e cansaço. Em relação à dimensão estética, há pouca referência à perda
da beleza ou aos sinais de envelhecimento. Ela quase inexiste. Portanto, a
dimensão estética aparece pela sua “quase” negação, pois o que prevalece é uma
ênfase no corpo, como corpo bom, mostrando assim um distanciamento dos
valores estéticos. O critério de avaliação de corpo como corpo bom é o trabalho
(MIRANDA, 1996).
Mesmo não sentindo que o corpo está bom, eles teimam em lutar
pela sua subsistência. É o que se pode verificar nestes depoimentos:
É, eu cheguei aqui eu meio doente, e quando eu melhorei aí eu vim
trabalhar. Eu estava com fraqueza, estava muito doente, estava com a
pressão alta, estava com problema de... Estou tratando Eu fui no
médico, a Maria me levou no médico, aí ele viu os exames lá... Não, eu
vou ter de fazer novos exames porque estava em greve. Tomei só aquele
negócio de... Eu tenho problema de fígado e pressão alta. Tomei remédio
e fiquei tomando injeção lá no Posto, e agora fiquei bom, agora daqui um
mês, daqui uns dias eu vou dar um tempinho e fazer novos exames, mas
não estou sentindo nada não. (José do ReciclaReal )
Não, num é medo! Sei l..., eu sempre fui assim, meio fechadona... Só
quando é assim, alguma coisa que eu preciso falar, eu falo. Aí eu solto!
Mas se não é muito nervoso aí... É que as vezes eu fico nervosa.Ah, eu
tenho. Tenho gastrite! (Rosa da CooperAção )
Maria não falou a respeito do galpão e do carro, mas trabalhava
incessantemente no projeto, com sol ou chuva e, muitas vezes, ficou doente com
febre. Sua saúde também não era boa, tinha Diabetes Mellitus e não controlava a
sua glicemia. No segundo ano do projeto, chegou a ficar internada com angina (dor
no peito). Disse-me que tinha tido um infarto.
As condições de saúde daqueles que trabalhavam na CooperAção
não eram diferentes:
... Aí eu peguei e falei está bom, e quando foi na quarta-feira de manhã
levantei, porque eu levantei para colocar a menina na escola. Levantei, ela
foi para a escola, e a pequena ia pra casa do... Ficar com a minha colega
em casa. Aí a menina foi para a escola e eu me senti mal, começou a
formigar o rosto, a mão começou a adormecer e estremecer, aí deixei a
menina na casa do pai dela... Fui pará no Pronto Socorro com a
pressão alta, porque antes de ontem eu saí mais cedo, saí depois do
almoço. Porque estava me dando um mal estar, e formigando a mão,
era a pressão. Aí eu passei no postinho e a pressão estava alta, aí ela
[referindo a funcionária do posto] disse para eu colocar um remédio
debaixo da língua e ia melhorar; eu disse está bem. Tive um trauma com
219
dezesseis anos... é muito forte que eu não gosto nem de lembrar...
Mas por incrível que pareça eu estou me sentindo melhor... Falar... é...
Deixa mais leve. (Fátima da CooperAção)
No momento da entrevista, Fátima não estava tomando nenhum
remédio para hipertensão.
8.2.7 O trabalho em transformação: Taylorismo X Criatividade na reciclagem do
lixo
Dejours (1992) considera o trabalho Taylorizado o trabalho
repetitivo, seja na linha de produção, de escritório, de informática, bancos, cuja
organização é tão rígida que domina tanto as horas de trabalho como o tempo fora
dele.
Para a pesquisadora, o processo (separação e classificação) de
materiais recicláveis, além de repetitivo, é monótono e não exige nenhuma
criatividade. Em relação à classificação de materiais, Imaculada dá um exemplo:
A separação vem da esteira pra gente separar lá dentro. Eu separo pet,
pet colorida, pet branca, pvc, bandejinha, pav, pav branco, colorido. O
que vem da esteira vai pro galpão, e do galpão já vai pra prensa.
(Imaculada da CooperAção)
Aprendi aí depois eu fui me mandaram lá para o fundo, separar material,
eu fui lá separei, um rapaz que trabalhava lá me elogiou, falou que eu
aprendo rápido; fui trabalhar na frente também, aprendi a mexer na
frente... (Rosa da CooeraAção)
Dejours ainda esclarece que os momentos de repouso que
intercalam o trabalho são necessários e agem no binômio homem-trabalho que
serve de proteção à vida mental do trabalhador. Taylor condena esta pausa,
considerando uma vadiagem operária. Desapropria a liberdade de invenção que, de
fato, é o que torna original cada tarefa.
No filme “Tempos Modernos”, Charles Chaplin interpreta de maneira
fantástica e comediante, como a repetição, a monotonia, a não criatividade e a
uniformização da ação levam à violência no funcionamento mental do trabalhador,
tendo como resposta defensiva a desestruturação da psique. Muitas vezes, o
220
trabalhador interrompe sua tarefa por alguns momentos, necessários para afastar o
tédio, frente a esta atividade. Mas, o controle ligado à linha de produção, com
vigilância constante sobre os trabalhadores, leva ao risco de interpretação
sociológica de vadiagem.
É o que se pode constatar na fala de um morador da favela do Real
Parque que prestava serviço na CooperAção, que ficou muito irritada quando foi
chamada pela diretoria:
O que mais me irrita é que chamem minha atenção sem eu merecer. Eu
trabalhando e os outros falando que eu não estou trabalhando, é com
o que eu mais me irrito. Aconteceu o mês passado, com uma menina, eu
trabalhava aqui na esteira aí me mandaram para o monte, depois eu sai,
passaram alguns minutinhos me chamaram para reunião, a gente estava
separando, porque as meninas estavam todas paradas, e não tinha
material para prensa e eu mais uma funcionária começamos a separar os
materiais que nós já sabíamos. E era rápido, aí foram lá, a coordenadora
foi falar diretamente com a diretoria e eles foram todos lá ver o que
estávamos fazendo, a gente estava separando e ele levou todos nós para
diretoria. Aí lá eu falei que a gente estava trabalhando, que a gente não
estava parada, a gente estava trabalhando. ( Rosa da CooperAção)
Dejours (1992) argumenta que Taylor cometeu um grande engano
ao comparar o homem-operário ao chipanzé, treinando-o, condicionando-o, com
objetivo de evitar movimentos desnecessários e maior produção, transformando-os
em corpos dóceis, isolados e desprovidos de iniciativa. O que se pode afirmar sob o
ponto de vista do rendimento geral é que seu melhor rendimento ocorre quando se
respeita o “equilíbrio fisiológico e, desta forma, leva em conta não somente o
presente, mas também o futuro”. (p.42). Ciampa também se manifesta com a mesma
propriedade:
O ser humano também se transforma, inevitavelmente. Alguns, à custa de
muito trabalho, de muito labor, protelam certas transformações, evitam a
evidência de determinadas mudanças, tentam de alguma forma continuar
sendo o que chegaram a ser num momento de sua vida, sem perceber,
talvez, que estão se transformando numa... réplica, numa cópia daquilo
que não estão sendo, do que foram. De qualquer forma, é o trabalho da
re-posição que sustenta a mesmice. Outros são levados a essa situação,
involuntariamente, quando seu desenvolvimento é de alguma forma
prejudicado, barrado ou impedido; na nossa sociedade, encontramos
milhões de exemplos de pessoas submetidas a condições econômicas
favoráveis, milhares, talvez milhões, de pessoas são impedidas de se
transformar, são forçadas a se reproduzir como réplicas de si,
involuntariamente, a fim de preservar interesses estabelecidos, situações
convenientes, interesses e conveniências que são, se radicalmente
analisados, interesses e conveniências (...) e não do ser humano, que
221
assim permanece um ator preso à mesmice imposta. Se lembrarmos de
Severino, o que era intolerável era a mesmice do lavrador. (‘pois fui
sempre lavrador/lavrador de terra má’ pág.121) (CIAMPA; 1986. pág.165).
É o que se pode verificar nos depoimentos dos trabalhadores da
favela Real Parque que prestavam serviço na Central:
Tem muita coisa... Que nem a esteira a primeira vez que funcionou, a
esteira... estava trabalhando muito bem e rápido, agora, colocaram
para separar papel branco na esteira aí o serviço está caindo, eu estou
sentindo que está caindo... mas muita gente fala que não, que a produção
está ótima, mas eu acho que não. (Rosa da CooperAção)
Eu já falei, mas eles não escutam. Já falei, já cansei de falar para os
coordenadores, mas não adianta... Da esteira, mas não adianta... Eu
produziria mais na esteira... No papel eu sei que eu sou fraca, que eu
não consigo mesmo separar direito. Lá atrás, quando me mandam lá
para trás, eu vou separo os materiais... Então se tem que ficar aqui, a
gente fica aqui e tudo bem... ( Rosa da CooperAção)
A esteira rolante só existe na Central da Vila Leopoldina, na
CooperAção, em que as pessoas faziam a separação de material que era colocado
em containeres.
No entanto, outros cooperativados sentem o trabalho dinâmico e
podem se movimentar, ao contrario do Taylorismo:
depende da pessoa também, porque tem outras pessoas que gostam
de trabalhar sentadas, tem muita gente que gosta de trabalhar em pé,
tem muita gente que já gosta de trabalhar cantando, andando, entendeu?
(Fátima da CooperAção)
Eu deixaria as pessoas fazerem o que ela quisessem primeiro, falava
Ó, você quer trabalhar, onde? Você acha que você vai dar produção ali?
Mas eu quero ver a sua produção. Eu colocaria a pessoa na produção
dela...Porque a gente tem que trabalhar naquilo que gosta. Porque se eu
não estivesse aqui eu seria cozinheira. (Fátima da CooperAção)
Eu fico bem à vontade, o trabalho não é pesado. É meio corrido porque
o pessoal tem que pegar material. Não, não é pesado é corrido.
Cansado a gente fica porque a gente se movimenta muito. Se movimenta
muito, não tem como ficar parado Mas não é um serviço pesado, é
movimentado, né? A gente se movimenta muito...(José do ReciclaReal)
Depois que eu comecei a trabalhar no vidro... quando eu não tinha coisa
pra mim fazer lá, eu ia para a esteira, ia lá para o galpão, empilhar
material, “carregar” caminhão, fazendo do mesmo jeitinho. (Paulo da
CooperAção)
222
8.2.8 A globalização, o consumo e a nova cultura do lixo no bairro Real Parque
Vários estudos apontam que a participação comunitária no Brasil no
que se refere à questão de resíduos sólidos ainda é bastante lívida, exigindo
maiores discussões no que concerne à problemática que contempla a questão do
meio ambiente.
Segundo a OPAS (1999 a), um dos maiores desafios enfrentados na
América Latina e na região do Caribe em relação ao saneamento do meio ambiente,
é aquele relacionado às praticas de mudança de comportamento em relação ao
consumo, que resulta na menor poluição do meio ambiente e na construção de uma
nova cultura: a reciclagem de lixo. Isto envolve ações intersetoriais em interação
com o setor saúde e uma ampla participação da comunidade. Desta maneira, a APA
terá mais sucesso em locais em que o setor público esteja voltado para estas
questões e conte com organizações sociais, ambientais e apoio técnico que facilite a
mobilização da comunidade.
A organização do ReciclaReal como forma de inserção dos coletores
de lixo do bairro foi de extrema importância em vários sentidos:
No sentido ecológico, no que se refere à diminuição do lixo no bairro, após a
limpeza de varias regiões da favela Panorama, favela Porto Seguro e favela
Real Parque (feita pela população). Isto levou à diminuição de roedores
responsáveis por doenças como leptospirose e insetos (baratas), por
exemplo. A limpeza das favelas permitiu que casos autóctones de Dengue
não ocorressem no Real Parque, lembrando que esta epidemia estava
chegando em São Paulo.
Os sentidos resgatados com este trabalho foram múltiplos e todos
são interdependentes, não podendo ser separados. A separação a seguir foi feita
apenas por questões didáticas.
No sentido econômico: o aparecimento de um novo personagem: os agentes
ambientais que podemos mais apropriadamente denominar de higienistas
ambientais, transformadores da realidade. Além de realizar a coleta seletiva
223
do lixo no bairro, o material fornecido à indústria gerava economia de matéria
prima primária, para a fabricação de novos produtos, com preservação do
meio ambiente tanto na obtenção de insumos quanto na não poluição. E
geração de renda do que não possui valia para a sociedade.
No sentido cultural: a construção de uma nova cultura do lixo. Antes, o lixo era
coletado e todo misturado em sacos plásticos. A coleta seletiva determina a
priori a separação do lixo para ser entregue à reciclagem. Isto despertou um
novo tipo de comportamento da população diferente da habitual. Uma nova
cultura se instalava no bairro, entre todos os moradores: o lixo residencial
antes descartado e desprezado agora era separado e recolhido e se
transformava em renda para os moradores com maior dificuldade de inserção
no mercado formal de trabalho.
No sentido educativo: o morador antes não tinha a consciência dos malefícios
e dos problemas causados pelo lixo. Ao fazer contatos com os prédios,
residências, comércios e instituições e explicar sobre a coleta seletiva houve
uma gradual sensibilização dos moradores sobre a sua importância e dos
riscos da poluição ambiental. Criou-se uma nova cultura sobre a separação
do lixo no bairro. A separação e acondicionamento do lixo domiciliar orgânico
(material reciclável: vidro papel, papelão, latas de alumínio, metais, vidros), do
lixo inorgânico (restos de alimentos, cascas de frutas e legumes) em
recipientes grandes de plásticos em cores diferentes colocados na lixeira de
cada prédio. Esta fase contou com o apoio de três empresários (dois do
gênero masculino e uma do gênero feminino), apoiadores do projeto, além de
uma moradora pertencente à classe alta do Real Parque. Cada um deles
conversou com os conhecidos dos prédios vizinhos, outros moradores do
bairro e, gradativamente, foram sendo incorporados novos prédios.
No sentido social: a comunicação e interação com os moradores do bairro
diminuíram o medo e o preconceito dos moradores da classe alta em relação
aos moradores da favela. A elevação da auto-estima, pois sabia ser não mais
um “desempregado”, mas alguém que trabalhava como os demais e, além de
tudo, limpava a cidade, como podemos recordar nos seguintes depoimentos:
224
“Este trabalho compensa, a gente ganha, mas também limpa a cidade” ou “è
bom dos dois lados. De repente quem lucra mais é a cidade.”.
No sentido cidadão: o resgate dos direitos civis, políticos e sociais; de uma
nova cidadania, “a capacidade de realizar funcionamentos” e catalisar
sentimentos de solidariedade e interdependência.
No sentido psicológico: aumento do sentimento de “dignidade humana”, da
auto-estima com maior valorização da vida, levando á mudanças de
comportamentos, contribuindo algumas vezes na minimização da
dependência do álcool e outras drogas.
No sentido simbólico: as inscrições na ordem simbólica podem levar os
indivíduos a adoecer e até a morrer. Dito de outra maneira, “o real é
desenhado pela rede de sentidos inscritas na ordem simbólica” (BIRMAM,
1991, p.8). O homem, como ser simbólico, poderá desenhar em sua mente
significados e sentidos de acordo com os códigos culturais e as relações
sociais, alterando todo o funcionamento biológico, psicológico, emocional e
afetivo. Não é fácil assumir na ordem simbólica a identidade de favelado, de
um não “pertencimento” diante da sociedade. Desta maneira o núcleo de
reciclagem de lixo no bairro do Real Parque: o ReciclaReal funcionou na
recuperação da auto-estima, da dignidade humana em vários momentos.
Ficou evidente por ocasião da identificação com o uso de um uniforme. Para
facilitar a retirada dos materiais nos prédios, foi confeccionado um avental
com o nome ReciclaReal na cor verde (Foto 17 em anexo) que os
recicladores usavam. Para eles além de ser uma forma de identificação, tinha
um valor altamente simbólico. Era como se tivessem encontrando a
identidade perdida, (ou talvez nunca encontrada), ao mesmo tempo em que
despontava a criação de uma nova identidade. Agora, não eram vistos mais
como “alguém qualquer” (para os moradores dos prédios), mas como
recicladores. Cabe ressaltar que era grande o medo dos moradores em
relação aos coletores (antes), sendo muitas vezes confundidos com qualquer
outro morador da favela. A sensibilidade dos zeladores e dos porteiros dos
prédios, neste sentido, foi de extrema importância nesta fase, pois sempre
esclareciam os moradores, que adentravam e saiam de seus prédios,
225
“ressabiados” que se tratava de pessoas “direitas que estavam fazendo a
reciclagem de lixo”. Em relação aos cooperados do ReciclaReal, que
trabalhavam na CooperAção, esta nova cultura foi menos percebida. Lá
existia toda uma estrutura de cooperativa, ou como era apelidada de
“cooperativa mãe” que recebia os materiais de todos os núcleos da região
oeste, bem como fazia a sua própria coleta com caminhões colocados à
disposição pelo Programa de Coleta Seletiva Municipal de São Paulo. Dava-
se apoio a outros núcleos, mesmo em regiões geográficas distintas,
fornecendo o excedente de seu material para ser processado (separação e
classificação) para seus núcleos. O Real Parque era um desses núcleos
atendidos pela Central.
226
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fazer as considerações finais é necessário remeter-se aos
objetivos “prático” e de “conhecimento” desta pesquisa, respondendo às seguintes
questões: É possível facilitar a construção da cidadania dos moradores de baixa
renda da comunidade Real Parque, a partir da criação de uma estrutura capaz de
criar trabalho para adultos (homens e mulheres) em sistema de cooperação e gerar
renda para famílias por meio de atividades relativas à coleta seletiva de resíduos
sólidos? Há possibilidades de mudanças na vida dos favelados e o resgate dos
direitos civis, sociais e políticos de sua cidadania?
A literatura aponta que o conjunto de transformações econômicas,
tecnológicas e sociais ocorridas a partir do século XX, de caráter global, tem
impactos mencionados como positivos e negativos. Os seus efeitos deletérios têm
sido ressaltados com muita ênfase, tais como: o agravamento do problema do
desemprego no mundo e consequentemente, no Brasil; o fosso cada vez maior entre
ricos e pobres; a produção desenfreada de mercadorias com diminuição de sua vida
média (durabilidade); as modas fugazes; o aumento de artifícios para o consumo
que induzem ao estado de necessidade jamais preenchida, criando sempre novos
estados de necessidades, ou seja, o consumo como o ópio da felicidade. Como
conseqüência, houve o aumento dos resíduos sólidos, o lixo, que se, de um lado,
está causando um problema ambiental grave, por outro, paradoxalmente, constitui o
meio de subsistência de muitos. Para Santos (2002), a grande tarefa deste século e
se torna urgente, é pensar e lutar por novas alternativas econômicas e sociais.
Vive numa época em que parece não haver alternativas ao
capitalismo, por ele ter atingido um nível de aceitação sem precedentes na história
da humanidade. É necessário reinventar e se organizar. Mas será que é possível um
outro tipo de organização socioeconômica onde haja cooperação em lugar da
concorrência, valendo-se sim da limitação, porém sem a eliminação?
227
As cooperativas de lixo podem um ser uma alternativa para pessoas excluídas
do mercado formal de trabalho
As cooperativas são alternativas econômicas menos grandiosas e
ambiciosas, mas concretas, e ao mesmo tempo, emancipatórias, que permitem a
possibilidade de renda aos trabalhadores “excluídos” do mercado formal de trabalho.
Esta investigação aponta que a cooperativa de coletores de lixo, do
núcleo Real Parque, o ReciclaReal, foi uma alternativa capaz de melhorar as
condições de vida daqueles cuja inserção no mercado de trabalho é extremamente
desfavorável, contribuindo na construção da cidadania tanto no aspecto subjetivo
(aumento da dignidade, auto estima, respeito a si mesmo) como objetivo (renda e
limpeza ambiental) de seus sujeitos, por meio de uma organização econômica
baseada na igualdade e na solidariedade. Além disso, permitiu a proteção do meio
ambiente e, ao mesmo tempo, resgatar os direitos sociais, mais prementes dos
moradores da favela, como alimentação mais decente, e moradia com um pouco
menos de desconforto.
Neste sentido, foi uma possibilidade de inserção de pessoas que
não possuíam escolaridade, não possuíam saúde, nem tampouco qualificação
técnica e que se encontravam no “desemprego oculto pelo desalento”, com poucas
chances de participarem no mercado formal de trabalho. Como afirma Sen, é
preciso capacitar “as pessoas a realizar funcionamentos”, ou seja, dar oportunidades
externas para que as capacidades internas despontem, reafirmando o poder dos
cidadãos interessados e garantindo-lhes de maneira continua uma renda.
É necessário garantir espaços públicos para discussão, para desenvolver a
cidadania
Foi possível envolver coletivamente os moradores da favela Real
Parque numa discussão mais ampla sobre suas condições de vida e romper com o
cotidiano da alienação, no sentido de pensar, sentir e agir como agentes de
228
mudança, apresentando propostas que minimizem a desigualdade e recuperem os
seus direitos? Os depoimentos apresentados mostraram claramente que os
moradores da favela Real Parque se envolveram com o trabalho, partindo para um
diagnóstico local, levantamento dos problemas e propondo soluções.
Ou seja: os cooperados foram capazes de desenvolver uma
cidadania ativa ao perceberem a liberdade que desfrutavam, bem como seus
benefícios.
Para isto foi necessário garantir o Centro de Saúde como um espaço
público aberto para a discussão dos problemas da comunidade, cumprindo uma
função social mais abrangente, além de sua especifica de assistência a saúde (no
sentido estrito), uma nova forma de incorporar práticas pioneiras no cenário publico
e inovar as “boas” práticas comunitárias.
Não se deve subestimar o peso dos espaços públicos. São
importantes para que se possa estabelecer estratégias de participação popular,
incluindo não só à atenção primária a saúde, mas o desenvolvimento sustentável e o
conceito amplo de saúde, que não é simplesmente ausência de doenças mas
determinado socialmente. Saúde é educação, alimentação, moradia, saneamento,
meio ambiente, trabalho, renda, transporte, lazer e o acesso a bens e serviços
essenciais. Os encontros são decisivos para a mobilização das vontades coletivas e
elevação da auto-estima da comunidade. Torna-se fundamental a organização social
em redes, estimulando todas as instituições locais: escolas, igrejas, empresas,
comércio para que atuem em uma ação coordenada de interdependência e
solidariedade no processo de desenvolvimento humano. É possível sentar na
mesma roda, moradores da favela e intelectuais. Utilizando a imagem de Freud dos
porcos-espinhos que temiam se congelarem, juntaram-se e criaram um espaço
adequado em que pudessem se aquecer do inverno, sem se espetaremum no
outro.
Para Dowbor (1996, p. 8-10), é essencial o "empowerment", ou
recuperação da cidadania, através do espaço local, do espaço de vida do cidadão.
(...) Transferir a cidadania para níveis cada vez mais amplos, e cada vez mais
distantes do cidadão, é transferir o poder significativo para mega-estruturas
multinacionais, enquanto se dilui a cidadania no anonimato”.
229
O governo municipal: uma nova agenda local
Foi importante que as ações do governo municipal, durante o
desenvolver desta pesquisa, também estivessem em busca de novos caminhos para
os problemas sociais, engajados aos interesses e às iniciativas da comunidade. Esta
ação de forma inovadora, de políticas voltadas para desenvolver ações coletivas,
ainda que de forma limitada, catalisou o desenvolvimento de autonomia dos
indivíduos e não sua independência do Estado. O trabalho tornou-se fonte de um
novo aprendizado de todos: governo local, empresas, instituições públicas e/ou
privadas, e “excluídos” imbuídos do mesmo objetivo. Para Daniel (1994), o conteúdo
de uma nova agenda local deve ser para além das prioridades, se faz à luz de
agregar temas de desenvolvimento econômico local, não só na esfera de
distribuição, como também na esfera da produção; o modo de desenvolvimento local
deve ser capaz de envolver a dinâmica da economia local, através da cooperação
entre os tomadores de decisão, publico e privado. É a dinâmica própria, endógena,
que confere a maior sustentabilidade econômica local, dotando-a de autonomia
relativa. É definindo combinações e dosagens adequadas das políticas, na interação
entre os moradores, que se descobrem os melhores caminhos de uma consolidação
efetiva: a auto-organização da comunidade. Não existe receita de bolo! É tecer cada
fio num movimento de ação, reflexão e ação. As sinergias positivas podem ser
produzidas quando se implementa uma dada política fortalecendo outras, permitindo
a economia de recursos.”
A Importância da Coleta Seletiva
Recordando os dados do Real Parque em relação os programas:
Bolsa Trabalho, Renda Mínima e Começar de Novo, (2003) alguns dados são muito
importantes para a nossa reflexão. A faixa etária das pessoas que são contempladas
por estes programas é de 17 a 48 anos, pessoas que estão em plena força de
230
trabalho. Em termos de escolaridade a grande maioria possui apenas o ensino
fundamental. Mais de 50 % fazem bico, ou seja, encontra-se em “desemprego
oculto pelo trabalho precário” ou provavelmente em “desemprego oculto por
desalento”.
Se o governo investisse em coleta seletiva de lixo, organizando
cooperativas como ocorreu no governo municipal passado, que mesmo em
condições estruturais precárias de funcionamento: (galpão, prensas, balanças,
caminhão) alcançou resultados positivos, ao invés de gastar recursos econômicos
em programas sociais, estaria beneficiando uma parcela enorme da população, em
um investimento “quase que único”, em pouco tempo estaria “resgatando” todos os
recursos econômicos investidos, aplicando-os em outras prioridades como educação
e saúde. As cooperativas de lixo contribuem com o problema ambiental e de renda
de muitas pessoas.
Entende-se que a descontinuidade desses programas, por
mudanças de gestão e falta de acompanhamento dos mesmos, o que produz pouco
impacto diante da real situação: a pobreza pode criar a dependência do individuo a“
cristalização da angústia e o pensamento que não cola na ação” (SAWAIA, 1994a,
p. 158)
Esta investigação mostrou que, mesmo moradores da favela em
condições às vezes precárias de saúde, são capazes de ser produtivos e obter
renda que lhes garanta (como garantiu durante três anos) a sua subsistência. Aliás,
não se pode pensar em saúde, quando se trata de morador da favela. O favelado
basicamente não tem saúde, pois suas condições de moradia são precárias, mora
em barraco com vielas cujo esgoto corre a céu aberto, e possui uma alimentação
precária. Se um dos pré-requisitos para adentrar o sistema produtivo capitalista é ter
saúde, fica mais claro que este é um outro fator inibidor que dificulta o acesso das
pessoas ao mercado de trabalho. Além disso, ser morador da favela já carrega a
representação social de que é um doente social.
231
A importância do Trabalhador Social
Não se trata neste momento de avaliar o volume dos resultados
encontrados do ReciclaReal, mas é importante ressaltar a importância do
trabalhador social imbuído de espírito de luta e mudança que busca romper com a
inércia e estabilidade encarnada de uma realidade local. É necessário primeiro
conhecer a realidade na qual se pretende atuar, bem com interagir com a população.
Outro ponto a ressaltar é a mudança cultural que ocorreu na
cidadania do morador da favela. Ele conseguiu enxergar possibilidades, como
também participou e articulou novos interesses, não só através da cooperativa de
lixo, mas também através do “diagnóstico partipativo das necessidades da
população do Real Parque”, do Orçamento Participativo e do Conselho Gestor.
Visto pela ótica da cidadania, houve a construção de uma cultura política nova,
diferente, que é um dos principais eixos da democracia, com o nascimento de um
novo personagem: o higienista ambiental.
Este trabalho do higienista ambiental não presume apenas a limpeza
do meio ambiente e a obtenção de renda, mas um trabalho educativo e de interação
entre ricos e pobres. Este poderá ser mais abrangente com a articulação com as
instituições de ensino locais (que era a pretensão desta pesquisa-ação inicial),
conversando com as crianças em escolas, creches, em um diálogo de iguais,
levando à uma consciência ambiental de base, refletindo sobre os novos valores a
respeito do meio ambiente. É importante desde cedo a criança entender que o meio
ambiente é um bem comum e que é necessário preservá-lo. Fica aqui a sugestão
para que novos pesquisadores invistam nesta ampliação.
É importante ressaltar que se deve pensar na valorização e na
regularização desta atividade que pode se tornar uma profissão digna e não apenas
um “bico”, como é para muitos. Ser um higienista ambiental e não um simples coletor
de lixo, atividade estigmatizada pela sociedade, da qual ele se livra tão logo arrume
uma outra ocupação mais valorizada socialmente.
Finalizando quero deixar o que representou esta pesquisa-ação,
para o pesquisador:
232
Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais
que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de
ocupação, preocupação, de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro.
(LEONARDO BOFF; 1999)
233
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WINNICOTT, D. W. A cura, palestra proferida por Winnicott para médicos e
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247
ANEXO A
FOTO 03
Foto aérea da favela do Real Parque
Fonte: Cedido pelo Projeto Casulo
248
FOTO 04
Apartamentos próximos à favela
Fonte: cedido pelo projeto Casulo
249
FOTOS 05 e 06
Favela Real Parque
Fonte: Autora.
250
FOTO 07
Local onde houve desmoronamento de barracos no córrego.
Fonte: cedido pelo Projeto Casulo
251
FOTO 08
Festa das crianças.
Fonte: cedido pelo organizador da festa das crianças
252
FOTOS 09 e 10
Meninos catadores de lixo reciclável da favela Real Parque: contraste social.
Fonte: Autora
253
FOTO 11
Local cedido e sendo capinado por um cooperado do Núcleo ReciclaReal
Fonte: Autora
254
FOTO 12
Coleta de lixo feita por carroças.
Fonte: Cedido pelo Projeto Casulo
255
FOTO 13
Primeiro carro de coleta de lixo reciclável do ReciclaReal
Fonte: Cedido pelo Projeto Casulo.
FOTO 14
Segundo carro de coleta de lixo reciclável do ReciclaReal.
Fonte: Autora
256
FOTO 15
Local usado como banheiro do Núcleo do ReciclaReal
Fonte: Autora
257
FOTO 16
Reciclador do Real Parque.
Fonte: Cedido pelo Projeto Casulo
258
FOTO 17
Recicladora com avental do ReciclaReal
Fonte: Autora
259
ANEXO B1
Coleta seletiva Recicla Real
Estamos implantando a partir de 28 de abril a Coleta Seletiva
ReciclaReal. Este trabalho está sendo montado no bairro Real Parque tendo algumas parcerias, tais como o
Centro de Saúde Real Parque, alguns empresários, as Faculdades do Instituto de Pesquisa Hospitalar (IPH)
e os moradores da favela Real Parque. Este trabalho vem sendo discutido com os interessados há algum
tempo com o objetivo de formação de uma Cooperativa formada pelos moradores da Favela Real Parque. A
coleta será feita uma vez por semana. Desta maneira ao mesmo tempo em que cuidaremos da melhoria do
meio ambiente, colaboraremos com a melhoria do nosso bairro. Não podemos esquecer também que o
material reciclado não conta na taxa de lixo.Veja alguns benefícios:
1- Redução de problemas ambientais como enchentes.
2- Redução do lixo das favelas e de problemas de saúde relacionadas ao lixo como a dengue.
3- Melhoria das condições socioeconômicas do morador da favela; emprego àqueles que se encontram
excluídos do mercado de trabalho.
4- Formação de agentes ambientais.
5- Desenvolvimento da consciência ecológica de todos os moradores e o exercício de cidadania.
6- Redução do uso da energia e combustíveis pelas industrias, no processo produtivo.
7- Diminuição da extração de elementos naturais como petróleo, bauxita, madeira e água.
Veja abaixo a relação dos materiais que você pode separar:
Papeis: caixas de papelão, jornais revistas, impressos, rascunho, envelopes, papel timbrado.
Exceto celofane e isopor, encerados, papel carbono, fotografias, papeis sanitários, fraldas descartáveis,
fitas e etiquetas adesivas.
Vidros: garrafas de cerveja, garrafões de vidro.
Exceto lâmpadas fluorescentes e ampolas de medicamentos.
Metais: latinhas de cerveja, refrigerantes, panela velha, cobre, alumínio, janela de alumínio, bronze,
chumbo, ferro, geladeira, fogão, ventilador, eletrodomésticos velhos, eletrônicos, radiografias,
computadores.
Exceto: pilhas, baterias.
Entre em contacto conosco que teremos o maior prazer em atendê-lo pelos telefones: Bill tel: 37581850 ou
Mônica tel: 37584322
260
ANEXO B2
Reciclar, Reutilizar e Renovar -
Implante esta idéia:
PAPEL/PAPELÃO
- Economiza recursos naturais, como matéria-prima
(madeira), energia e água. Uma tonelada de papel
reciclado evita o corte de 10 a 12 árvores;
- A fabricação de 1 tonelada de papel reciclado usa
apenas 60% da energia necessária à fabricação da
mesma quantidade de papel virgem;
- Com a utilização de aparas na fabricação de papel,
reduz-se de 10 a 50 vezes a quantidade de água.
Recicláveis Não-Recicláveis
Papelão e caixas Papel sanitário, guardanapo engordurado
Jornais e revistas Copos descartáveis engordurados
Impressos em geral, lista telefônica,
fotocópias “xerox”, folhas de caderno,
rascunhos, aparas de papel, papel
timbrado
Papel carbono, papel metalizado, papel
parafinado, papel plastificado
Papel toalha, envelopes, embalagens
longa vida, cartões
Fotografias, etiquetas adesivas, papel de fax,
papel vegetal
Reciclar, Reutilizar e Renovar - Implante:
PLÁSTICO
- Economiza energia e extração de recursos naturais
(petróleo);
- A ausência do plástico permite no aterro sanitário a
aceleração da decomposição da matéria orgânica,
contribuindo com a permeabilização das camadas de
materiais biologicamente degradáveis, favorecendo a
circulação de gases e líquidos;
- Reduz o volume de lixo depositados em aterros,
aumentando sua vida útil;
- Uma tonelada de plástico reciclado evita a extração
de 1000 litros de petróleo (segundo alguns estudos,
estima-se que se continuarmos a usar petróleo no
ritmo atual, as reservas existentes durarão até aproximadamente o ano de 2020).
Recicláveis Não-Recicláveis
Embalagens de detergentes, shampoo
condicionadores, sacos plásticos, etc.
Embalagens de pasta de dente
Tampas, potes Fraldas descartáveis
Copos descartáveis Embalagens metalizadas
Garrafas de bebidas (refrigerante) Cabos de panela
Cano, peças plásticas de brinquedos Espuma
261
Reciclar, Reutilizar e Renovar - Implante esta idéia:
VIDRO
- O vidro é 100% reciclável, não ocorrendo perda de
material durante o processo de fusão, ou seja, com 1 Kg
de vidro velho, se faz 1 Kg de vidro novo;
- Para cada tonelada reciclada poupamos mais de 1
tonelada de recursos minerais;
- A reciclagem do vidro poupa de 25 a 32% da energia
usada na produção;
- Diminui o do volume de lixo depositado em aterros;
- É o resíduo que mais demora para degradar (aprox.
500 anos).
Recicláveis Não-Recicláveis
Garrafas de bebidas alcoólicas e não
alcoólicas (refrigerantes, cerveja, suco,
água, vinho, etc.)
Espelhos, vidros de janela e box de banheiro,
lâmpadas, cristal
Frascos em geral (molhos, condimentos,
remédios, perfumes e produtos de limpeza)
Ampolas de remédio, formas, travessas e
utensílios de mesa de vidro temperado,
louças, cerâmicas, óculos.
Copos, potes de produtos alimentícios, Tubos de televisão e válvulas
Cacos de embalagens Vidros de automóveis/janela
Reciclar, Reutilizar e Renovar - Implante esta idéia:
METAL
- LATAS DE ALUMÍNIO:
- Economiza 95 % da energia gasta pelo
processo primário na fase de transformação do
minério para metal;
- Uma tonelada de alumínio reciclado evita a
extração de 5 toneladas de minério (o alumínio
provém do beneficiamento da bauxita);
- O material pode ser reciclado infinitas vezes
sem perder suas propriedades;
- Reduz o volume de materiais nos aterros,
prolongando sua vida útil.
Recicláveis Não-Recicláveis
Latas de alumínio e aço, perfis, canos,
panelas sem cabo
Latas de tinta, vernizes, de solventes
químicos, de inseticidas,de aerossóis
Tampas, embalagens metálicas de alimentos
Pilhas, esponjas de aço, clips
262
263
ANEXO B3
264
ANEXO C
CONTRATO DE CESSÃO DE IMÓVEL A TÍTULO DE EMPRÉSTIMO
Os Signatários deste instrumento, de um lado o Sr. , e do outro o
Projeto de Reciclagem de Lixo denominada -`RECICLAREAL`-, representada pelos Srs.
Mônica Maria Leite, RG 36.760.237-4, Maria da Penha Cardoso, 23.419.810-2, Jailton
Ribeiro da Silva, RG 36.336.256-3 e Luis Prudêncio da Silva, RG 20.771.261-5.
O primeiro nomeado aqui designado Cedente Voluntário, sendo proprietário do imóvel
(terreno desocupado de construção oficial), medindo m2, sito a Rua César Vellejo s/nº,
no Real Parque São Paulo, cede, a titulo de empréstimo ao segundo aqui denominado
Entidade Ocupante Autorizada pelo Cedente Voluntário, mediante as cláusulas e
condições:
1. O prazo do presente contrato e de 36 (trinta e seis) meses a iniciar em de setembro de
2.002 e terminar em de outubro de 2.005, para instalação de um Projeto de
reciclagem e comercialização comunitária de lixo, podendo ser renovado de acordo
com ambas as partes. Em não havendo tal acordo, a parte ocupante se obriga a restituir
o imóvel completamente desocupado, nas condições previstas neste contrato, sob pena
de incorrer e sujeitar-se ao disposto no artigo 1196 do código civil brasileiro.
2. O consumo de água, luz, gás, telefone e outros, assim como os encargos e tributos que
incidam ou venham a incidir sobre o imóvel, conservação, seguro e outros decorrentes
de lei, assim como suas respectivas majorações, ficam a cargo da Entidade Ocupante
Autorizada e, o seu não pagamento na época determinada acarretará a rescisão deste.
3. A Entidade Ocupante Autorizada, salvo as obras que importem na segurança do
imóvel, obriga-se por todas as outras, devendo trazer o imóvel cedido a título de
empréstimo em boas condições de higiene e limpeza, para assim restitui-lo quando
findo ou rescindido este contrato, sem direito a retenção ou indenização por qualquer
benfeitoria, ainda que sejam necessárias, as quais ficarão desde logo incorporada ao
imóvel.
4. Obriga-se a Entidade Ocupante Autorizada, a satisfazer todas as exigências dos
poderes públicos a que der a causa, não motivando elas a rescisão deste contrato.
5. Não é permitidas a transferência deste contrato, nem a sublocação, cessão ou
empréstimo total ou parcial do imóvel, sem o prévio consentimento por escrito do
Cedente Voluntário, devendo no caso deste ser dado, agir oportunamente junto com
os representantes da Entidade Ocupante Autorizada, afim de que o imóvel esteja
desimpedido nos termos do presente contrato. Igualmente não é permitido fazer
modificações ou transformações no imóvel, sem autorização prévia por escrito do
Cedente Voluntário.
6. No caso de desapropriação do imóvel cedido a titulo de empréstimo, fica o Cedente
Voluntário desobrigado por todas as cláusulas deste contrato, ressalvadas a Entidade
265
Ocupante Autorizada, tão somente a faculdade de haver dos Poderes
desapropriantes, a indenização a que, por ventura tiver direito.
7. Nenhumas intimações, da Vigilância Sanitárias serão motivas para a Entidade
Ocupante Autorizada e seus representantes abandonarem o imóvel ou pedir rescisão
deste contrato, salvo procedendo vistoria judicial, que apure estar o terreno ameaçando
ruir colocando em risco os ocupantes do imóvel.
8. Não será permitida, a construção neste terreno de moradia que sirva residência para
nenhum dos representantes da Entidade Ocupante Autorizada ou outros, podendo o
Cedente Voluntário rescindir este contrato, imediatamente a informação desta
ocorrência, sem nenhum prejuízo ou indenização aos representantes e a Entidade
Ocupante Autorizada.
9. Para todas as questões oriundas deste contrato, será competentes o FORO da situação
do imóvel, com renúncia de qualquer outro, por mais especial que se apresente.
10. Tudo quanto for devido em razão deste contrato e, que não comportem o processo
executivo, será cobrado em ação competente, ficando a cargo do devedor, em qualquer
caso, honorários do advogado que o credor constituir para ressalva dos seus direitos.
11. Quaisquer estragos ocasionados ao imóvel e suas instalações, bem como as despesas
que o proprietário for obrigado por eventuais modificações feitas no imóvel, pela
Entidade Ocupante Autorizada, serão pagas pela Entidade Ocupante Autorizada.
12. O imóvel, objeto deste contrato, destina-se exclusivamente para fim comercial, não
sendo permitido a comercialização de bebidas alcoólicas ou sua transformação em bar
ou sinônimos, não podendo também a sua destinação ser mudada sem o consentimento
expresso e por escrito do Cedente Voluntário Proprietário.
13. Assim por estarem justos e contratados, assinam o presente em 02 (duas) vias de igual
teor, em presença de testemunhas abaixo.
14. São Paulo, de setembro de 2.002.
266
ANEXO D
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu...................................................................................................................................
....., portador(a) do RG n.
0
................................., com ........... anos de idade,
concordo em participar deste estudo, sobre os coletores de lixo do Real Parque
após ter sido adequadamente esclarecido(a), e informado(a) de que minha
participação é voluntária e sigilosa.
Fui informado (a) terei a possibilidade de desistência a qualquer momento, desde
que consenti em participar do mesmo, e que não poderei retirá-los depois.
____________________________________ ____________
Assinatura do(a) voluntário(a) Data
____________________________________ ____________
Assinatura do(a) investigador(a) Data
267
ANEXO E
CRITÉRIO DE CLASSIFICAÇÃO ECONÔMICA BRASIL
A adoção do mercado a um Critério de Classificação Econômica comum, restabelece a unicidade dos
mecanismos de avaliação do potencial de compra dos consumidores, após alguns anos de existência
de dois critérios. O novo sistema, batizado de Critério de Classificação Econômica Brasil, enfatiza sua
função de estimar o poder de compra das pessoas e famílias urbanas, abandonando a pretensão de
classificar a população em termos de “classes sociais”. A divisão de mercado definida pelas entidades
é, exclusivamente de classes econômicas.
SISTEMA DE PONTOS
Posse de itens
T E M
Não
tem 1 2 3 4 ou +
Televisão em cores 0 2 3 4 5
Rádio 0 1 2 3 4
Banheiro 0 2 3 4 4
Automóvel 0 2 4 5 5
Empregada mensalista 0 2 4 4 4
Aspirador de pó 0 1 1 1 1
Máquina de lavar 0 1 1 1 1
Videocassete e/ou DVD 0 2 2 2 2
Geladeira 0 2 2 2 2
Freezer (aparelho independente ou
parte da geladeira duplex)
0 1 1 1 1
Grau de Instrução do chefe de família
Analfabeto / Primário incompleto 0
Primário completo / Ginasial incompleto 1
Ginasial completo / Colegial incompleto 2
Colegial completo / Superior incompleto 3
Superior completo 5
CORTES DO CRITÉRIO BRASIL
Classe PONTOS TOTAL BRASIL (%)
A1 30-34 1
A2 25-29 5
B1 21-24 9
B2 17-20 14
C 11-16 36
D 6-10 31
E 0-5 4
PROCEDIMENTO NA COLETA DOS ITENS
É importante e necessário que o critério seja aplicado de forma uniforme e precisa. Para tanto, é
fundamental atender integralmente as definições e procedimentos citados a seguir.
Para aparelhos domésticos em geral devemos:
Considerar os seguintes casos
Bem alugado em caráter permanente
Bem emprestado de outro domicílio há mais de 6 meses
Bem quebrado há menos de 6 meses
Não considerar os seguintes casos
268
Bem emprestado para outro domicílio há mais de 6 meses
Bem quebrado há mais de 6 meses
Bem alugado em caráter eventual
Bem de propriedade de empregados ou pensionistas
Televisores
Considerar apenas os televisores em cores. Televisores de uso de empregados domésticos
(declaração espontânea) só devem ser considerados caso tenha(m) sido adquirido(s) pela família
empregadora.
Rádio
Considerar qualquer tipo de rádio no domicílio, mesmo que esteja incorporado a outro equipamento
de som ou televisor. Rádios tipo walkman, conjunto 3 em 1 ou microsystems devem ser considerados,
desde que possam sintonizar as emissoras de rádio convencionais. Não pode ser considerado o rádio
de automóvel.
Banheiro
O que define o banheiro é a existência de vaso sanitário. Considerar todos os banheiros e lavabos
com vaso sanitário, incluindo os de empregada, os localizados fora de casa e os da(s) suite(s). Para
ser considerado, o banheiro tem que ser privativo do domicílio. Banheiros coletivos (que servem a
mais de uma habitação) não devem ser considerados.
Automóvel
Não considerar táxis, vans ou pick-ups usados para fretes, ou qualquer veículo usado para atividades
profissionais. Veículos de uso misto (lazer e profissional) não devem ser considerados.
Empregada doméstica
Considerar apenas os empregados mensalistas, isto é, aqueles que trabalham pelo menos 5 dias por
semana, durmam ou não no emprego. Não esquecer de incluir babás, motoristas, cozinheiras,
copeiras, arrumadeiras, considerando sempre os mensalistas.
Aspirador de Pó
Considerar mesmo que seja portátil e também máquina de limpar a vapor (Vaporetto).
Máquina de Lavar
Perguntar sobre máquina de lavar roupa, mas quando mencionado espontaneamente o tanquinho
deve ser considerado.
Videocassete e/ou DVD
Verificar presença de qualquer tipo de vídeo cassete ou aparelho de DVD.
Geladeira e Freezer
No quadro de pontuação há duas linhas independentes para assinalar a posse de geladeira e freezer
respectivamente. A pontuação entretanto, não é totalmente independente, pois uma geladeira duplex
(de duas portas), vale tantos pontos quanto uma geladeira simples (uma porta) mais um freezer.
As possibilidades são:
Não possui geladeira nem freezer 0 ponto
Possui geladeira simples (não duplex) e não possui freezer 2 pontos
Possui geladeira de duas portas e não possui freezer 3 pontos
Possui geladeira de duas portas e freezer 3 pontos
269
Possui freezer mas não geladeira (caso raro mas aceitável) 1 ponto
Observações Importantes
Este critério foi construído para definir grandes classes que atendam às necessidades de
segmentação (por poder aquisitivo) da grande maioria das empresas. Não pode, entretanto, como
qualquer outro critério, satisfazer todos os usuários em todas as circunstâncias.
Certamente há muitos casos em que o universo a ser pesquisado é de pessoas, digamos, com renda
pessoal mensal acima de US$ 50.000. Em casos como esse, o pesquisador deve procurar outros
critérios de seleção que não o CCEB.
A outra observação é que o CCEB, como os seus antecessores, foi construído com a utilização de
técnicas estatísticas que, como se sabe, sempre se baseiam em coletivos. Em uma determinada
amostra, de determinado tamanho, temos uma determinada probabilidade de classificação correta,
(que, esperamos, seja alta) e uma probabilidade de erro de classificação (que, esperamos, seja
baixa). O que esperamos é que os casos incorretamente classificados sejam pouco numerosos, de
modo a não distorcer significativamente os resultados de nossa investigação.
Nenhum critério, entretanto, tem validade sob uma análise individual. Afirmações freqüentes do tipo
“... conheço um sujeito que é obviamente classe D, mas pelo critério é classe B...” não invalidam o
critério que é feito para funcionar estatisticamente. Servem porém, para nos alertar, quando
trabalhamos na análise individual, ou quase individual, de comportamentos e atitudes (entrevistas em
profundidade e discussões em grupo respectivamente). Numa discussão em grupo um único caso de
má classificação pode pôr a perder todo o grupo. No caso de entrevista em profundidade os prejuízos
são ainda mais óbvios. Além disso, numa pesquisa qualitativa, raramente uma definição de classe
exclusivamente econômica será satisfatória.
Portanto, é de fundamental importância que todo o mercado tenha ciência de que o CCEB, ou
qualquer outro critério econômico, não é suficiente para uma boa classificação em pesquisas
qualitativas. Nesses casos deve-se obter além do CCEB, o máximo de informações (possível, viável,
razoável) sobre os respondentes, incluindo então seus comportamentos de compra, preferências e
interesses, lazer e hobbies e até características de personalidade.
Uma comprovação adicional da conveniência do Critério de Classificação Econômica Brasil é sua
discriminação efetiva do poder de compra entre as diversas regiões brasileiras, revelando importantes
diferenças entre elas.
Distribuição da população por região metropolitanas
CLASSE
TOTAL
GDE
FORT
GDE
REC
GDE
SALV
GDE
BH
GDE
RJ
GDE
SP
GDE
CUR
GDE
POA
DF
A1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3
A2 5 4 4 4 5 4 6 5 5 9
B1 9 5 5 6 8 9 10 10 7 9
B2 14 7 8 11 13 14 16 16 17 12
C 36 21 27 29 38 39 38 36 38 34
D 31 45 42 38 32 31 26 28 28 28
E 4 17 14 10 4 3 2 5 5 4
Renda familiar por classes
Classe Pontos Renda média familiar (R$)
A1 30 a 34 7.793
A2 25 a 29 4.648
B1 21 a 24 2.804
B2 17 a 20 1.669
C 11 a 16 927
D 6 a 10 424
E 0 a 5 207
270
ANEXO F
Temas discutidos nas reuniões
Data Temas discutidos
Número de
pessoas
presentes
27/02/02
Situação atual do CS Real Parque
Formação do Conselho de Saúde
Implantação do PSF
Situação dos favelados no alojamento e do córrego
12 pessoas
06/03/02
Prova de seleção para Implantação do PSF
Demanda reprimida no atendimento dos usuários do
Real Parque
Visita da Sr.
a
Maria Lucia Alkimin, no Real Parque
Canalização do esgoto da favela Jd. Panorama
Esclarecimentos sobre a formação do Conselho de
Saúde Local
Prevenção da dengue
12 pessoas
13/03/02
Formação do Conselho de Saúde Local
Prevenção da dengue
O problema do lixo na favela
Situação dos favelados no alojamento e do córrego
7 pessoas
27/03/02
Situação dos favelados no alojamento e do córrego
O problema do lixo na favela
Informes sobre a Campanha de Prevenção de
Câncer Cervical
9 pessoas
Representantes
dos blocos do
Cingapura
03/04/02
O problema do lixo da favela Real Parque
Mutirão de limpeza
Situação dos favelados no alojamento e do córrego
11 pessoas
10/04/02
Exposição de representantes do Instituto de
Cidadania Empresarial
Situação dos favelados no alojamento e do córrego
Problema do lixo da favela Real Parque
6 pessoas
271
Projeto de creche
Informe da Campanha de Vacinação contra Gripe,
dia 13/04/2002
Falta de funcionários da limpeza na unidade
17/04/02
Participação da comunidade na limpeza da Unidade
de Saúde por falta de funcionários
Falta de motorista para ambulância da Unidade
Necessidade de reforma do Centro de Saúde
A Implantação do PSF
Situação dos favelados no alojamento e do córrego
Problema do lixo da favela Real Parque
Coleta de lixo da favela Porto Seguro
Proposta da reciclagem de lixo
Info
rme sobre o aumento dos casos de dengue no
município de São Paulo
Informes da Campanha de Vacinação contra Gripe
13 pessoas
24/04/02
Reforma do Centro de Saúde e compra da sede
própria
Movimento para aquisição de uma ambulância nova
Reciclagem do lixo (co
nvite de representante da
Regional Butantã para expor sobre o Programa
Municipal de lixo reciclável)
Proposta: reunião com zeladores do prédio para
coleta seletiva do lixo
Programa de Acolhimento da Prefeitura.
Ouvidoria com participação da comunidade
Problema do lixo da favela Panorama
Site do bairro Real Parque
14 pessoas
08/05/02
Presença da representante da habitação da regional
do Butantã
Problema das crianças do Real Parque fora da
sscola
18 pessoas
272
Aula sobre lixo com o Coordenador de Zoonoses
15/05/02
Informe sobre Campanha da Vacinação contra Gripe
nos Índios Pankararu
Confecção do folder (convite) para os zeladores do
bairro
4 pessoas
22/05/02
Discussão sobre o filme sobre o lixo pelo
Coordenador de Zoonoses
Discussão do filme sobre a dengue
I
nforme sobre seminário para o Orçamento
Participativo
21 pessoas
19/06/02
Reciclagem do lixo: presença dos representantes do
Reciclázaro que explica a experiência do Projeto
Formação da equipe para levantamento de terreno
na região para implantação da col
eta seletiva e
programa de reciclagem
Importância da educação ambiental
Informe sobre recicla São Paulo com as cinco
regiões incluindo o Real Parque
Programa Bolsa Alimentação com Ana Fonseca
Projeto Acolher
Colocação do site Real Parque e suas finalidades
:
<www.realparque.com.br>
16 pessoas
26/06/02
Reciclagem do lixo: possível terreno encontrado para
o projeto
Orçamento participativo
Canalização do córrego
Movimento de moradia
Discussão da chapa do Conselho de Saúde
Ouvidoria com participação da comunidade
15 pessoas
03/07/02
Presença do Subprefeito da Regional do Butantã
Canalização do córrego
Problemas em relação à habitação
Eleição do Conselho Gestor
Agendamento das atividades do Projeto Helen Keller
de Saúde Ocular, no bairro Real Parque
14 pessoas
273
10/07/02
Presença de uma convidada que trabalha com
economia solidária
Implantação da coleta de lixo solidária; convidar
responsável das incubadoras USP, para visita ao
Real Parque
Marcar visita ao Projeto Vira Lata
Retirada a comissão para trabalhar no
projeto de
implantação da coleta seletiva do lixo
Eleição do Conselho Gestor, dia 20/07
Bolsa Alimentação: aumento do número, no bairro
Orçamento Participativo, dia 31/07
23 pessoas
15/07/02
Treinamento de voluntários para campanha Helen
Keller, no dia 20/07
Orçamento Participativo
Festa das crianças
Formação da equipe e confecção do pré-
projeto da
coleta seletiva de lixo.
23 pessoas
22/07/02
Orçamento participativo: definir propostas a serem
levadas no dia 31/07
Festa das crianças
Eleição do Conselho Gestor
25 pessoas
29/07/02
Orçamento Participativo
Discussão do problema da habitação
13 pessoas
274
ANEXO G
Fonte: Jornal Circular Real Parque Morumbi (DEZ, 2002, p.08)
275
ANEXO H
276
ANEXO I
ENTREVISTA - MARIA
S- Mônica você me autoriza a gravar esta entrevista?
M- Autorizo.
S- Eu quero que você conte um pouquinho de como começou o projeto do Recicla
Real e como que ele está hoje?
M- O Projeto Recicla Real começou a partir de uma campanha sobre a dengue no
Posto de Saúde, no qual a Sônia era diretora, e de lá surgiu a história de uma
reciclagem, e foi aí que começou tudo, né? E a Sônia nos convidou para uma
reunião, nós fomos para reunião e nessa reunião surgiu um grupo para fazer a
coleta seletiva, um grupo de reciclagem.
S- Faz quanto tempo que o grupo dirige esse projeto?
M- Esse projeto já, que estamos trabalhando vai fazer dois anos agora em outubro, e
que tem a idéia vai fazer três anos.
S- E o que você acha que mudou na sua vida depois que você começou a participar
desse projeto?
M- As coisas boas que mudaram na minha vida , é que hoje em dia eu tenho mais
dignidade; hoje em dia eu aprendi mais; aprendi a dar mais valor as coisas; hoje em
dia eu sei que eu posso e vou conseguir cada mês que se passa um dinheiro a mais;
aprendi o que é reciclagem, porque eu não sabia nada disso; aprendi a lidar mais
com o povo; aprendi a ter mais calma, mais paciência; consegui poder ajudar os
outros, nós somos uma equipe grande.
S- Quantos vocês são?
M- Nessa equipe agora nós estamos em oito, e está chegando mais de oito agora a
partir de segunda-feira para trabalhar. Porque foi muito difícil, nós não tínhamos
carro, nós não tínhamos nada, nós puxávamos carroça, depois conseguimos um
carrinho, com muito sacrifício, há pouco tempo o carrinho quebrou, a mãe do projeto
277
(...), essa é que é a grande poderosa de tudo, nos ajudou a conseguir um carro
melhor, comprou um carro para nós, e agora nós vamos batalhar mais ainda;
consegui também com o apoio dela, com a ajuda dela, tirar dois meninos que eram
bandidos perigosos daqui do Real Parque, eles não temiam nem a polícia, e hoje em
dia são duas pessoas dignas, capazes, honestas, trabalhadoras; consegui também
um alcoólatra, que hoje em dia não bebe mais, apesar que ele aprendeu todo
serviço direitinho, mas eu até o internei por causa do excesso de bebida, uma
dosagem muito forte que ele tomou de álcool, ele passou dois dias internado, então
eu consegui tudo isso , graças a ajuda da Sônia, quando nós temos algum
problema, eu corro e ligo pra ela, encho o saco dela de sábado, domingo, feriado e
tudo. Isso pra mim foram as coisas boas, ela está pronta a nos ajudar a qualquer
momento, porque a batalha ainda está por vir, mas a gente não baixa a cabeça, a
gente sempre pensa que nós vamos conseguir, porque nós podemos. E as coisas
ruins que tem é que ... Ás vezes a gente fica triste porque as vezes uma pessoa quer
o trabalho, a gente dá o serviço pra pessoa tudo direitinho, a pessoa aprende todo o
trabalho, aprende tudo e depois quer montar o seu próprio negócio, sozinho. Então
isso que as vezes eu fico chateada, porque eles vem aprende tudo e vão embora.
S- Por que eles querem montar o próprio negócio?
M- Porque eles acham que montando o próprio negócio, eles vão ganhar mais. É
ilusão! É ilusão porque eles não levam direto para grandes empresas, nós
conseguimos levar direto para grandes empresas, e eles não conseguem, eles
levam para o “atravessador”. Aí fica aquela história, quando eles vêem que está
errado, eles querem voltar novamente para o projeto, querem voltar novamente para
porque isso nós temos casos com várias pessoas, que saíram, fizeram isso e
querem voltar. Só que fica aquele negócio não é “casa da mãe Joana” para ir e
voltar a hora que quiser, quando eles saem nós temos que repor as pessoas.
S- Quem quis voltar já?
M- O Claudimar já quis voltar.
S- O Claudimar foi o que comprou a Kombi?
M- É, comprou e não deu certo, ele comprou o carro porque ele tinha recebido a
indenização de uma empresa, aí comprou a perua e falou : “ -Agora eu vou ganhar
278
o mesmo dinheiro.”, aí não agüentou a manutenção da perua, o combustível da
perua, o motorista, pois eles não sabiam dirigir e aí faliu.Vendeu a perua para pagar
para os outros e agora queria voltar para cá. Só que aí a gente recua e não dá mais
chance, dá a chance para aquele outro que quer realmente.
S- Essa pessoa que você falou que se recuperou do álcool, ele parou de beber?
M- Parou.
S- Ele trabalha hoje aqui?
M- Ele estava aqui com a gente, que é o meu cunhado, mas aí veio aquelas (...) lá
da Leopoldina, que ele tinha de fazer o curso e tudo e não aceitou, então agora ele
está no curso.
S- Mas depois ele volta?
M- Depois ele volta, que é o caso também do Natal, não sei como é que vai fazer
para aceitar o Natal de volta.
S- Mas o Natal depois vocês pegam de volta?
M- Porque ele liga direto “- Mariazinha minha vaga, eu vou trabalhar aí!”
S- Então, pega de volta.
M- Só que esses dois são exceção, porque eles não saíram porque aprenderam
mais, eles saíram porque foram resolver outras coisas. Então essas são pessoas
que a gente pensa em pegar de volta, o que a gente não aceita de volta são aqueles
que vem fazem as coisas e que não dão certo. Como nós tivemos o caso do Amilton,
o primeiro casamento não deu certo, outra chance, não deu certo, outra chance, não
deu certo, depois eu fui até a casa da Egidia, ele falou que não queria mais a
reciclagem, que ter queria só o apoio. Então o apoio não aconteceu nada , então
agora ele quer voltar, é onde a gente não aceita mais essa pessoa, a gente prefere
tentar com outros, já tem dois que querem vir. A mãe do Rodnei, que está
começando a partir de segunda-feira, está vindo pra cá...
S- Quem que vai pra lá, na Vila Leopoldina, você já decidiu?
M- Já, já levei o moço ontem...
279
S- Então são quatro?
M- É, já levei o moço lá ontem, e além dele tem uma senhorinha, ela que junta
garrafa para nós, ela atravessa a ponte para ir pegar garrafa para nós, ela traz
garrafa para nós, e chega aqui eu dou um cigarro pra ela, se eu consigo roupa, se
alguém me der roupa, eu dou uma roupinha pra ela, então ela vai do outro lado da
ponte buscar material de reciclagem para nós, e ela quer trabalhar conosco todo dia,
então...
S- Mas você conseguiu os outros três ?
M- Conseguimos, só que quando eu cheguei na Leopoldina ontem, não vai começar
mais segunda- feira agora.
S- Então dá tempo de você treinar o pessoal aqui?
M- É, vai começar só dia primeiro. Só que assim, como o Índio, esqueci agora o
nome dele, porque eu fiquei falando de primeiro dia, que a gente vinha pra cá ajudar,
então como ele foi pra Leopoldina comigo ontem me ajudar a separar o material, ele
gostou e quer ir trabalhar lá tudo certinho, então não posso agora dispensar o
coitado até o dia primeiro. Aí a partir do dia primeiro se estiver legalizado mesmo aí
ele vai pra lá, porque vai ter uma reunião quarta-feira, pra poder resolver se vai ser
dia primeiro mesmo.
S- Maria, antes de você estar na coleta seletiva solidária, no ReciclaReal, você
estava trabalhando?
M- Estava.
S- Você estava trabalhando com o quê?
M- Eu trabalhava como cozinheira, e nos finais de semana eu fazia bico de
segurança no salão de festas.
S- Você fazia o que mais?
M- Fazia bolo de aniversário, salgadinho e ainda continuo entregando meus
salgadinhos, só que agora eu só entrego salgadinhos num bar só, mas eu ainda
continuo fazendo meus salgadinhos .
280
S- E você optou a trabalhar nesse projeto por quê? O que te mobilizou?
M- O que me mobilizou foi quando eu fui na primeira convocação da reunião lá no
posto, que você falou que ia nos ajudar, que você explicou tudo direitinho do que era
o projeto de reciclagem, de qual era a finalidade de poder ajudar a comunidade,
então eu me interessei, porque eu sempre quis esse negócio de ajudar as pessoas;
eu sempre fui uma pessoa que gosta de ajudar, antigamente aqui no Real Parque eu
tinha a fama de enterrar velho. Eu era a mulher que enterrava os velhos. Porque os
velhinhos que não podiam, sabiam marcar uma consulta médica, não sabiam ir no
INSS, não sabiam como pegar remédio; eu pegava remédio para esses velhinhos,
eu os ajudava com o negócio de médico para resolver no INSS, então quando os
velhinhos morriam e não tinham família, as vezes tinham família, mas a família não
procurava, aí eu corria pro IML pra fazer o enterro, tudo direitinho para ninguém
pagar nada, arrumava carro.
281
APÊNDICES
APÊNDICE I
Carta de Princípios do FÓRUM RECICLA SÃO PAULO Outubro de 2001
O FÓRUM RECICLA SÃO PAULO é formado pela união de várias experiências de
coletas seletivas: comunitárias; cooperativas; associativas e de pessoas autônimas
da Grande São Paulo. Nasceu há um ano e meio da necessidade de trocas de
experiências entre estes projetos e pessoas e da busca de forma de trabalho
conjunto, que possibilitem um melhoria na qualidade de vida da população envolvida
nesta atividade.
Fazem parte deste Fórum hoje, mais de 45 projetos comunitários de diversas
associações e cooperativas de catadores da Grande São Paulo, organizados
regionalmente na metrópole: zona leste; zona sul; zona oeste; zona norte e centro
da cidade de São Paulo. É um movimento que faz articulação local, regional e ao
mesmo tempo, trabalha a articulação destes grupos, num movimento maio na região
metropolitana. Este trabalho não só apresenta resultados quantitativos de
aproveitamento da matéria prima coletada, mas da construção de um novo tecido
social, articulando diversos segmentos, num trabalho coletivo e organizado, em que
se responsabilizam com a qualidade sócio ambiental dos espaços onde vivem.
Nossos Objetivos:
1. Manter a troca de experiências e saberes entre os projetos e com outros
segmentos da sociedade civil: empresas, universidades e poder público;
2. Realizar estudos em grupos para melhorar a administração dos projetos de
coletas seletivas;
3. Possibilitar a utilização de recursos e equipamentos de forma coletiva;
4. Organizar apoio e criar uma central de vendas dos materiais;
5. Ser apoio e referência para novos grupos de coleta;
282
6. Contribuir para a formação de agentes ambientais locais;
7. Contribuir para a criação de laços comunitários mais fortes;
8. Ser conhecidos pela administração pública como prestadores deste serviço;
9. Participar da elaboração de políticas de resíduos sólidos.
Nossos Princípios:
1. Organizar o trabalho no sentido do cooperativismo e ou associativismo, que
prevê:
Participação sem discriminação;
Independência e autonomia dos grupos;
Auto Gestão e controle democrático;
Inter cooperação entre pessoas e grupos;
Comprometimento com a comunidade;
Crescimento do Aprendizado dos participantes.
2. Erradicação do trabalho infantil;
3. Defender a implantação da política de resíduos sólidos com inclusão social
e gestão compartilhada;
4. Atuar no sentido de uma sociedade sustentável nas várias dimensões:
ecológica, econômica, social, cultural e política;
5. Ter comprometimento com a qualidade sócio ambiental local.
283
APÊNDICE II
Carta de Brasília: 1
o
Congresso Nacional de Catadores de Materiais
Recicláveis
Os participantes do 1
o
Congresso Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis,
realizado em Brasília nos dias 4, 5 e 6 de junho de 2001, que contou com a
participação de 1.600 congressistas, entre catadores, técnicos e agentes sociais de
17 estados brasileiros e os 3.000 participantes da 1
a
Marcha Nacional da População
de Rua, no dia 7 de junho do mesmo ano, apresentam a toda a sociedade e às
autoridades responsáveis pela implantação e efetivação das políticas públicas, as
reivindicações e propostas que seguem. E o fazem contando com a força nascida de
um longo processo de articulação, apoiado pelo Fórum Nacional de Estudos sobre a
População de Rua, que teve se ponto alto no 1
o
Encontro Nacional de Catadores de
Papel, realizado em Belo Horizonte, MG, em novembro de 1999, onde decidiu-se
pela organização do presente Congresso.
Consciente de nossa cidadania e da importância do trabalho que desenvolvemos e
das tecnologias por nós elaboradas, já qualificadas em mais de cinco décadas de
atuação cotidiana, tomamos a iniciativa de apresentar ao Congresso Nacional um
ante-projeto de lei que regulamenta a profissão catador de materiais recicláveis e
determina que o processo de industrialização (reciclagem) seja desenvolvido, em
todo o país, prioritariamente, por empresas sociais de catadores de materiais
recicláveis.
1 - Em relação ao Poder Executivo, propomos:
1.1 - Garantia de que, através de convênios e outras formas de repasse, haja
destinação de recursos da assistência social para o fomento e subsídios
dos empreendimentos de catadores de materiais recicláveis que visem sua
inclusão social por meio do trabalho.
1.2 - Inclusão dos catadores de materiais recicláveis no Plano Nacional de
Qualificação Profissional, priorizando sua preparação técnica nas áreas de
gestão de empreendimentos sociais, educação ambiental, coleta seletiva e
recursos tecnológicos de destinação final.
284
1.3 - Adoção de políticas de subsídios que permitam aos catadores de
materiais recicláveis avançar no processo de reciclagem de resíduos
sólidos, possibilitando o aperfeiçoamento tecnológico dos empreendimentos
com a compra de máquinas e equipamentos, como balança, prensas, etc.
1.4 - Definição e implantação, em nível nacional, de uma política de coleta
seletiva que priorize o modelo de gestão integrada dos resíduos sólidos
urbanos, colocando os mesmos sob a gestão dos empreendimentos dos
catadores de materiais recicláveis.
1.5 - Garantia de que a política de saneamento tenha, em todo o país, o caráter
de política pública, assegurando sua dimensão de bem público. Para isso,
sua gestão dever ser responsabilidade do Estado, em seus diversos níveis
de governo, em parceira com a sociedade civil.
1.6 - Priorização da erradicação dos lixões em todo o país, assegurando
recursos públicos para a transferência das famílias que vivem neles e
financiamento para que possam ser implantados projetos de geração de
renda a partir da coleta seletiva recursos públicos para a transferência das
famílias que vivem neles e financiamento para que possam ser implantados
projetos de geração de renda a partir da coleta seletiva. E que haja
destinação de recursos do programa de combate à pobreza para as ações
emergenciais.
2 - Em relação à cadeia produtiva:
2.1 Garantir nas políticas de financiamentos e subsídios, que os recursos
públicos sejam aplicados, prioritariamente na implantação de uma política
de industrialização dos materiais recicláveis que priorizem os projetos
apresentados por empresas sociais de catadores de materiais recicláveis,
garatindo-lhes acesso e domínio sobre a cadeia de reciclagem, como
estratégia de inclusão social e geração de trabalho e renda.
3 - Em vista da cidadania dos moradores de rua:
285
3.1 Reconhecimento, por parte dos governos, em todos os níveis e
instancias, da existência da população de rua, incluindo-a no Censo do
IBGE e garantindo em lei a criação de políticas específicas de atendimento
às pessoas que vivem e trabalham nas ruas, rompendo com todos os tipos
de discriminação.
3.2 Integração plena da população de rua na política habitacional que garanta
e subsidie a construção de casas em áreas urbanizadas e que parta da
recuperação e desapropriação dos espaços ociosos nos centros das
cidades, garantido-lhes o direito à cidade.
3.3 Priorização da geração de oportunidades de trabalho, com garantia de
acesso a todos os direitos trabalhistas, aos moradores de rua, superando
especialmente as discriminações originadas na falta de domicílio e/ou na
indicação de albergues.
3.4 Promoção de políticas públicas de incentivo às associações e
cooperativas de produção e serviços para e com os moradores de rua.
3.5 Garantia de acesso à educação de todos os moradores de rua,
especialmente crianças, em creches e escolas, independente de
comprovante de residência, possibilitando, também, a inclusão das famílias
que moram nas ruas no programa Bolsa-Escola.
3.6 Inclusão dos moradores de rua no Nacional de Qualificação Profissional,
como um segmento em situação de vulnerabilidade social, garantido seu
encaminhamento a formas de trabalho que geram renda.
3.7 Garantia de atendimento no Sistema Único de Saúde SUS aos
moradores de rua, abrindo também sua inclusão nos programas especiais,
como “saúde da família” e similares “saúde mental”, DST/AIDS/HIV e
outros, instituindo “casas-abrigo” para apoio dos que estão em tratamento.
286
Frente à significativa representação destes eventos, não temos mais dúvidas quanto
à força e importância de nosso movimento e acreditamos que a transformação da
realidade atual, será progressiva e crescente.
Acreditamos que a partir deste momento o Estado e a sociedade brasileira não terão
condições de negar o valor do nosso trabalho. Lutaremos para alcançar maior
autonomia e condições adequadas para exercer nossa profissão, comprometendo
Estado e sociedade na construção de parcerias com nossas associações e/ou
cooperativas de trabalho.
Trabalharemos cotidianamente pela erradicação do trabalho infantil e do trabalho
nos lixões, colocando nossa força e nossa tecnologias à serviço da preservação
ambiental e da construção de uma sociedade mais justa.
Pelo fim dos lixões!
Reciclagem feita pelos catadores, já!
287
APÊNDICE III
Estrutura básica de uma Cooperativa
Autoridade suprema da Assembléia Geral dos Sócios.
Autoridade fiscal do Conselho Fiscal (sócios eleitos).
Autoridade deliberativa do presidente eleito no Conselho de Administração.
Autoridade da direção e da secretária eleitas no Conselho de Administração.
Autoridade funcional executora (profissionais contratados).
Fonte: Crúzio, Helnon de Oliveira, Como organizar e administrar uma cooperativa: uma alternativa
para o desemprego. Ro de Janeiro: Editora FGV, 2001, p. 51.
CONSELHO
FISCAL
(associado) (poderes
fiscal e consultivo)
DIRETOR
(associado)
(poder deliberativo)
ASSEMBLÉIA GERAL
DOS SÓCIOS
PRESIDENTE
(associado)
(poder deliberativo)
FUNÇÃO
(contratada) (poder
executor)
FUNÇÃO
(contratada) (poder
executor)
FUNÇÃO
(contratada) (poder
executor)
FUNÇÃO
(contratada) (poder
executor)
SECRETÁRIO
(associado) (poder
deliberativo)
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