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custa se recolheu no começo do anno de 1773, trazendo esperanças
mais animadoras. (...)
Nesse mesmo anno de 1773 se recolheu para Portugal o Exm. Sr. Conde
de Valladares e ficou suspenso o reconhecimento d´aquelle sertão, aliás
perigoso, não só pelos quilombos de negros fugidos, como pela má
visinhança do Gentio Cayapó
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, que subindo das partes e capitania de
Goyas, patrulhavam e defendiam aquellas terras, chegando a offender
e sobressaltar os últimos moradores confinantes nas partes do rio S.
Francisco. (Gomes da Silva; 1902: 708-9. Grifos nossos).
Segundo Dornas Filho, a destruição dos “quilombos da margem esquerda do São
Francisco até os confins da Farinha Podre
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”(1956: 74) resultou em maior conhecimento
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À denominação Cayapó faz-se necessária uma breve reflexão. De acordo com os estudos de Terence Turner
(1992: 311), “Kayapó” é um nome de origem tupi, que significa literalmente “como macaco” ou “cara de
macaco”. Essa seria uma atribuição dada pelos portugueses e brasileiros colonizadores à ocupação indígena
na ampla região que abrange o norte do estado de São Paulo, extremo oeste de Minas Gerais, sul de Goiás,
Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e sul do estado do Pará. Segundo T. Turner, o nome “Kayapó” atualmente
refere-se ao etnônimo de um povo indígena de origem jê que ocupa o norte do estado do Mato Grosso e sul do
estado do Pará, conhecidos como Kayapó setentrionais. A auto-denominação desse povo é “Mebengokre”,
que significa “gente do espaço dentro da(s) ou entre a(s) água(s)”. Esses são os Kayapó contemporâneos
amplamente divulgados na mídia nacional e internacional. No caso do uso da denominação Cayapó nas
citações históricas aqui registradas, esse nome remete ao que os estudiosos (Turner, 1992; Giraldin, 1997)
denominam de os Kayapó meridionais, ou seja, aqueles que habitaram o norte de São Paulo, oeste de Minas
Gerais (Triângulo Mineiro), sul e sudoeste do estado de Goiás, leste do Mato Grosso e leste e sudeste do atual
Mato Grosso do Sul (Giraldin; 1997: 57). Todavia, essa vasta região mapeada como ocupação kayapó possui
poucos dados etnográficos, o que dificulta a análise acerca da especificidade da atribuição dessa
denominação. Os dados pesquisados (Turner; 1992; Giraldin; 1997; Ataídes; 1998) não nos oferecem
informações suficientes para afirmarmos com segurança que essa denominação referia-se a um único povo. Se
aquela era uma denominação externa, atribuída por colonizadores, e que possui significado como “cara de
macaco”, é possível pensar no fato dessa ser uma referência a vários povos indígenas que possuíam apenas
fisionomia similar. Segundo Turner, “a aplicação dos mesmos nomes tribais a vários povos distintos, e de
nomes diferentes para o mesmo povo, tanto por parte dos escritores europeus quanto de informantes
indígenas, e a falta de esclarecimento, na maior parte das fontes, quanto aos critérios para identificar ou
distinguir os grupos a que se referem reflete muitas das confusões já registradas que assolam a pesquisa etno-
histórica em fontes dos séculos XVII, XVIII e até muitas do século XIX” (1992: 312).
Giraldin, em seu estudo sobre os Cayapó e Panará, apresenta e constata o vínculo entre os Cayapó
(Kayapó meridionais) e o povo Panará, que atualmente ocupa o sul do Pará. No entanto, esse estudo não
apresenta dados suficientes para afirmarmos que o coletivo populacional indígena identificado na literatura
como Cayapó ou Kayapó meridionais se configura como um só povo indígena.
Dessa forma, o registro do nome Cayapó nas citações do presente texto não nos permite aqui
afirmarmos que se refere a um povo específico, mas sim à presença indígena na região do Triângulo Mineiro,
que possuí vínculos com a presença e história indígena da região do norte de São Paulo, sul de Goiás, leste do
Mato Grosso do Sul e sul do Mato Grosso dos séculos XVII, XVIII e XIX.
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“No início do século passado, esta região funcionou como o principal elo de ligação para tropeiros que
cruzavam as terras paulistas e mineiras em busca dos campos prósperos goianos. Estrategicamente - o local
que pode ser compreendido hoje como o antigo Sertão da Farinha Podre, limita-se entre as regiões do Alto
Paranaíba e Triangulo Mineiro. É estranho falar em Farinha Podre. Mas, era assim que os viajantes
encontravam presos em árvores pelos caminhos, o restante dos mantimentos deixados por tropas que
passaram pela região anteriormente. Na expectativa de um breve retorno, acondicionavam alimentos em certo
ponto da estrada; aliviando assim, o peso das bagagens. Boa parte dos tropeiros firmava residência pelas