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TERESA CRISTINA SANTOS SILVA
A CONSTRUÇÃO DAS PRÁTICAS DE INTEGRALIDADE NO
COTIDIANO DE UMA EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA
Belo Horizonte
Escola de Enfermagem da UFMG
2006
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TERESA CRISTINA SANTOS SILVA
A CONSTRUÇÃO DAS PRÁTICAS DE INTEGRALIDADE NO
COTIDIANO DE UMA EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Enfermagem da Escola de
Enfermagem da Universidade Federal de
Minas Gerais, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em
Enfermagem.
Orientadora: Profª Drª Cláudia Maria de
Mattos Penna
Belo Horizonte
Escola de Enfermagem da UFMG
2006
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FICHA CATALOGRÁFICA
Silva, Teresa Cristina Santos
S586c A construção das práticas de integralidade no cotidiano de uma
equipe de saúde da família/Teresa Cristina Santos Silva. Belo
Horizonte, 2006
149f.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas
Gerais. Escola de Enfermagem
Área de concentração: Enfermagem
Orientadora: Cláudia Maria de Mattos Penna
1.Programa Saúde da Família 2.Prática profissional/tendências
3.Equipe de assistência ao paciente/tendências 4.Prestação de
cuidados de saúde/tendências 5.Reforma do setor saúde 6.SUS(BR)
7.Pesquisa qualitativa 8.Sociologia I.Título
NLM: WA 308
CDU: 614.2 : 362.17
3
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
ESCOLA DE ENFERMAGEM
CURSO DE MESTRADO
Dissertação intitulada A CONSTRUÇÃO DAS PRÁTICAS DE INTEGRALIDADE NO
COTIDIANO DE UMA EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA, de autoria de TERESA
CRISTINA SANTOS SILVA, analisada pela banca examinadora constituída pelas
seguintes professoras:
_____________________________________________________
Drª Cláudia Maria de Mattos Penna (Orientadora)
_____________________________________________________
Drª Roseni Rosângela de Sena (Titular)
_____________________________________________________
Drª Maria José Menezes Brito (Titular)
_____________________________________________________
Drª Marilda Alves (Suplente)
_____________________________________________________
Drª Matilde M. Miranda Cadete (Suplente)
Belo Horizonte,
4
À minha mãe, Therezinha, amiga de todas as horas.
Ao meu pai, Célio (in memoriam), que foi um grande exemplo
em toda minha vida. Saudades.
Ao meu companheiro Wagner e aos meus filhos Raíssa e
Hugo, pelo carinho, pela compreensão pelos momentos que
deixamos de partilhar em razão desse trabalho.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, obrigado por sua presença em minha vida!
À orientadora e amiga, Cláudia Penna, que com muita tranqüilidade me ouviu,
orientou, incentivou e respeitou meu ritmo. Obrigado pela sua presença constante e
por me fazer ver o mundo com um novo olhar.
Às Professoras Marília Alves e Maria José Brito, pela amizade e contribuições no
desenvolvimento deste estudo.
Aos colegas do Mestrado, em especial à Kênia, à Luciene, à Shirley, ao Clayton, à
Isabela, ao Rodrigo, à Wilma, à Fernanda e à Danielle Sandra, pelo incentivo, pela
amizade, pela convivência gratificante, pelas discussões e pela cooperação mútuas
na realização dos trabalhos.
Ao gerente e aos funcionários da UBS deste estudo, principalmente aqueles que se
dispuseram a participar como sujeitos, na certeza de que muito contribuíram com a
vivência profissional.
Ao gerente e colegas do Centro de Saúde Heliópolis, no qual atuo, pela
compreensão em relação ao meu envolvimento com este trabalho e pelo apoio para
a sua realização.
À amiga Ana Cristina Sabino, pela força e pela coragem, nas quais me espelho para
prosseguir nesta caminhada.
A toda a minha família, especialmente minha sogra, D. Jandira, pela torcida e pelo
apoio constante.
A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho.
RESUMO
Trata-se de um estudo de caso qualitativo, fundamentado na sociologia
compreensiva de Michel Maffesoli, que teve como objetivo compreender as práticas
de integralidade no cotidiano de uma equipe de saúde da Família (ESF) de Belo
Horizonte, na perspectiva dos trabalhadores da saúde. A coleta de dados foi
realizada no período de março a junho de 2005, por meio de entrevistas individuais
com roteiro semi-estruturado e de observação direta do trabalho cotidiano da ESF de
uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do Distrito Sanitário Norte. Para os dados de
fonte secundária foram utilizados documentos obtidos na instituição. Foram
entrevistados nove trabalhadores de uma ESF e quatro informantes-chave, sendo
um médico, uma enfermeira, um auxiliar de enfermagem e a gerente da unidade. Os
dados foram analisados utilizando-se a técnica da análise de conteúdo temática
proposta por Bardin (1995) e Minayo (1998). Da análise dos dados emergiram duas
categorias empíricas: uma historia construída na pratica cotidiana – mudanças
vividas; e as práticas de integralidade como construção cotidiana, esta dividida em
três subcategorias: as práticas de integralidade vivenciadas, dificuldades
encontradas e espaços de interação. A análise fundamentada na sociologia
compreensiva permitiu com um “olhar de dentro”, mostrar como vem se constituindo
o processo de construção do SUS em Belo Horizonte. A compreensão dos dados
desvelou que, no cotidiano, os trabalhadores da ESF vêm desenvolvendo práticas
permeadas de integralidade, mesmo sem utilizar esse termo, pois eles agem de
acordo com suas noções, e não como a formalidade da organização e o discurso
teórico do BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL determinam. As ações da ESF revelam
uma postura acolhedora, com criação de vínculo e uma responsabilização com o
usuário. Inclusive a tentativa da resolução dos problemas em nível local, mesmo
diante de algumas dificuldades tais como: falta de sistema de referência e contra-
referência, de condições de trabalho tanto materiais quanto físicas e deficiência de
profissionais. Essas práticas se dão a partir de um trabalho coletivo que se configura
no respeito as diferenças, pois o trabalhador de saúde reconhece que, na alteridade,
na diferença do outro, tanto da equipe quanto o usuário, que se consegue construir
um projeto comum, com diferentes olhares e não um único. Por meio dos relatos,
evidenciou-se que os sujeitos vivenciam momentos de articulação de suas ações e
interações, revelando uma tendência em superar a fragmentação. Assim como
buscam momentos para estar junto com o outro compartilhando um sentimento
comum, que se caracteriza como “socialidade”. Em outros utilizam mecanismos de
resistência, que mostram um querer viver, ou seja, dos “respiradouros” para oxigenar
sua prática cotidiana evitando uma hipoxia, decorrente da sobrecarga de trabalho e
da cobrança constante em ter de produzir resultados. Então, cabe à gestão
relativizar a racionalidade do projeto com as várias nuanças repletas de
subjetividade que acontecem no dia-a-dia do trabalho das ESFs, bem como propor
espaços de reflexão conjunta com os trabalhadores da saúde para, assim,
reconhecer que os discursos desses atores sociais e suas práticas são essenciais
para a construção da integralidade do cuidado e da atenção.
7
ABSTRACT
This is a qualitative case study, based on the comprehensive sociology of Michel
Maffesoli, with the objective of understanding practices of integrality in the daily
routine of a Family Health Team from Belo Horizonte, State of Minas Gerais, Brazil,
from the point of view of the health workers. Data collection was carried out from
March to June 2005, with individual interviews using a semi-structured outline and
direct observation of daily work in the Family Health Team of a Basic Health Unit in
the North Sanitary District. Secondary sources were documents from the institution.
Nine health workers from the team and four key-informers were interviewed. This
included a doctor, a nurse, a nursing auxiliary and the health unit manager. The data
was analyzed using the content analysis technique proposed by Bardin (1995) and
Minayo (1998). An analysis of the data showed two empirical categories: a history
built on daily practice – changes experienced; and practices of integrality, as a daily
construct, divided into three sub-categories: experienced practices of integrality,
difficulties faced and interaction spaces. The analysis, based on comprehensive
sociology, made it possible, with a “look from the inside”, to show how the process of
building the national health system has happened in Belo Horizonte. The
understanding of the data showed that in their daily routine, the family health team
workers develop practices filled with integrality, even though they do not use this
term, because they act according to their own understanding and not according to
the formal construct of the organization or the theoretical discourse determined by
BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL. The work of the family health team has shown a
receptive posture, creating a relationship and taking responsibility for patients. They
attempt to solve problems at the local level, often with great difficulty, such as: a lack
of a system of referral and counter-referral, a lack of materials or premises and a lack
of training. Those practices are carried out in collective work which respects
differences, because health workers recognize that in alterity, in the difference of the
other, both of the team and the patients, it is possible to build a common project, with
different gazes, and not a single one. Through the accounts, it became clear that the
subjects lived moments of expressing their actions and interactions, revealing a
tendency to overcome fragmentation, as when they seek moments to be with others
sharing a common feeling described as “sociability”. In others, mechanisms of
resistance are used to show a will to live, that is, “breathers” to ventilate their daily
practice, avoiding hypoxia of the overload of work and the constant demands to
produce results. It is, therefore, the task of management to make relative the
rationality of the project with the several nuances full of subjectivity which occur in the
day-to-day work of the Family Health Teams, as well as to make available
opportunities for joint reflection with the health workers in order to recognize the
discourse of these social actors and their practice, which are so essential to build the
integrality of health care and attention.
8
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 –
FIGURA 2 –
FIGURA 3 –
FIGURA 4 –
Linha de produção do cuidado...........................................................
Articulação dos conceitos ..................................................................
Distrito Sanitário Norte segundo área de abrangência e risco...........
Área de abrangência da UBS por equipes de Saúde da Família e
risco...................................................................................................
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40
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACS – Agente Comunitário de Saúde
ACD – Auxiliar de Consultório Dentário
CEP-SMSA/PBH –
Comitê de Ética em Pesquisa – Secretaria Municipal de Saúde /
Prefeitura de Belo Horizonte
CERSAM – Centro de Referência de Saúde Mental
CME – Central de Materiais Esterilizados
COEP-UFMG –
Comitê de Ética em Pesquisa – Universidade Federal de Minas
Gerais
DN – Declaração de Nascimento
ESB – Equipe de Saúde Bucal
ESF – Equipe de Saúde da Família
GEREPI – Gerência de Epidemiologia
NOB – Norma Operacional Básica
OMS – Organização Mundial de Saúde
PAB – Piso Assistencial Básico
PACS – Programa de Agente Comunitário de Saúde
PPI – Programação Pactuada Integral
PSF – Programa de Saúde da Família
SMSA – Secretaria Municipal de Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
UBS – Unidade Básica de Saúde
UPA – Unidade de Pronto Atendimento
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................
1.1 Construção do SUS em Belo Horizonte ...............................................................
1.2 O PSF como estratégia de mudança....................................................................
1.3 Noções de integralidade.......................................................................................
2 TRAJETÓRIA TEÓRICO-METODOLÓGICA .........................................................
2.1 Cenário da pesquisa ............................................................................................
2.2 Sujeitos da pesquisa ............................................................................................
2.3 Instrumentos e procedimentos para coleta de dados ..........................................
2.4 Análise dos dados ...............................................................................................
3 COMPREENSÃO DOS DADOS............................................................................
3.1 Uma história construída na prática cotidiana: mudanças vividas.......................
3.2 As práticas de integralidade como construção cotidiana....................................
3.2.1 As práticas de integralidade vivenciadas.........................................................
3.2.2 Dificuldades encontradas.................................................................................
3.2.3 Espaços de interação.......................................................................................
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................
REFERÊNCIAS..........................................................................................................
ANEXOS...................................................................................................................
ANEXO 1 – Termo de consentimento livre e esclarecimento.....................................
ANEXO 2 – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa SMSA/PBH...........................
ANEXO 3 – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa UFMG...................................
ANEXO 4 – Roteiro de entrevista.............................................................................
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10
1 INTRODUÇÃO
A escolha do tema A Construção das Práticas de Integralidade no
Cotidiano de uma equipe de saúde da Família surge de minhas inquietações,
observações e experiências da vida profissional, nesses quase vinte anos, como
enfermeira. Durante esse período, pude vivenciar mudanças importantes, tanto na
área hospitalar quanto na atenção básica, a partir de 1988, com a criação do
Sistema Único de Saúde (SUS). Essas mudanças foram influenciadas pelo
Movimento da Reforma Sanitária, que tinha como propostas incorporadas pelas
políticas de saúde o trabalho em equipe e a integralidade das ações, pois entende
que “essas formas de trabalho que representam melhor qualidade dos serviços
prestados no setor” (PEDUZZI, 1998, p. 2).
A década de 1990 foi marcada pelo estabelecimento de novas formas de
financiamento das ações e serviços de saúde, pelo avanço no processo de
municipalização, no qual se destacou o município de Belo Horizonte, e pela criação
do Programa de Saúde da Família (PSF), uma estratégia de mudança do modelo de
atenção à saúde. Esta considerada, na verdade, pelo Ministério da Saúde “o
instrumento de uma política de universalização da cobertura da atenção básica,
portanto, um espaço de reorganização do processo de trabalho em saúde nesse
nível” (BRASIL, 2004b, p. 13).
A implementação do SUS, então, desencadeou mudanças concretas nos
serviços de saúde de Belo Horizonte, principalmente com a implantação do
acolhimento e do Programa de Saúde da Família/BHVIDA: SAÚDE INTEGRAL nas
Unidades Básicas de Saúde (UBS).
Encontro-me, portanto, inserida nesse contexto de mudanças desde
minha graduação em Enfermagem, que coincide com o Movimento de Reforma
Sanitária. Nesse período, posso afirmar que venho participando do processo de
construção do SUS em Belo Horizonte, além de constatar meu crescimento
profissional, principalmente a partir de 1995, quando ingressei como enfermeira na
atenção básica de saúde do município, em decorrência da implantação do Projeto
Vida e da estratégia do acolhimento. Essas estratégias possibilitaram discussões e
11
mudanças reais no processo de trabalho em saúde, principalmente no que tange à
enfermagem, por ter assumido sobremaneira a implantação dessas mudanças.
Contribui nesse processo atuando como membro de uma ESF e como
representante dos enfermeiros na Mesa Municipal de Negociação do SUS de Belo
Horizonte, constituída de grupos de discussão sobre as estratégias de
implementação do modelo de saúde proposto. Tais discussões se deram em níveis
local, distrital e central, desde a implantação do PACS, quando atuei como
coordenadora dos agentes comunitários de saúde de uma UBS da regional norte, no
período de transição para PSF (BHVIDA SAÚDE INTEGRAL). Em decorrência dessa
atuação, tive uma visão tanto da macroestrutura como da microestrutura do projeto,
contribuindo, portanto, juntamente com outros trabalhadores da saúde, para a
estruturação do BHVIDA: SAÚDE INTEGRAL.
Nesse sentido, vivenciei o movimento de mudança iniciado com o
acolhimento, que permitiu um atendimento humanizado e a ampliação do acesso
aos serviços de saúde, assim como participei das mudanças até hoje, principalmente
após a implantação do PACS e posteriormente do PSF.
A proposta do Programa de Saúde da Família (PSF) desenhou-se, desde
o início, segundo Mattos (2002), em torno da integralidade, com o sentido de
articular as ações de promoção, de prevenção e assistenciais, e teve como
pressuposto desse princípio, o trabalho em equipe para alcançar os objetivos do
programa, como ressalta Pedrosa e Teles (2001). Tendo em vista esse fato,
enfrentei dificuldades para atuar na perspectiva dessa proposta, tais como: as
atividades eram autônomas e desarticuladas entre as diversas categorias; às vezes,
as relações interpessoais eram tensas gerando conflitos; as ações de saúde eram
predominantemente individuais e curativas voltadas para atender à demanda
espontânea, priorizando a consulta médica; havia falta de espaço de articulação dos
saberes e práticas entre os trabalhadores, necessário para o cuidado integral à
saúde.
Outra questão que se vivencia no cotidiano da UBS é a falta de
entendimento e envolvimento de alguns trabalhadores da saúde em relação ao
acolhimento. Para eles, essa estratégia deveria ser realizada por apenas
determinada categoria, enquanto a outra caberia a medicalização dos problemas
que eles apresentassem. Com isso há efetiva dificuldade em estabelecer um
12
“vínculo de acolhida” e de responsabilização da equipe pelo cuidado integral da
saúde coletiva e individual, conforme ressalta Campos (1994).
Comparada ao projeto, talvez não se possa afirmar, ainda, que a prática
cotidiana das Equipes de Saúde da Família esteja voltada para a integralidade das
ações, ou seja, de ver o indivíduo como um todo na sua singularidade, além da
própria integralidade do sistema de saúde. Vive-se num momento de transição, no
qual os trabalhadores da saúde, dada a sua formação e prática predominantemente
centradas no modelo tradicional biomédico, ainda parecem enxergar o indivíduo
adoecido, isolado, fragmentado, sem inserção em contexto social e familiar. Dessa
forma, torna-se difícil reconhecer as necessidades de saúde das pessoas nas suas
dimensões individual, singular e, também, coletiva. Acresce-se a isso a falta de
articulação das ações assistenciais com as de promoção à saúde, sem uma
integração visível entre os diversos serviços de saúde, ou seja, não há um sistema
de referência e contra referência efetivo que facilite o “caminhar” do usuário na rede.
Aliam-se a isso também as dificuldades estruturais do projeto BH VIDA:
SAÚDE INTEGRAL enfrentadas pela equipe no seu cotidiano, tais como: um formato
rígido na composição da ESF; a falta de recursos materiais, físicos e humanos;
relações, por vezes, tensas entre trabalhador-trabalhador, trabalhador-usuário e
gestores.
Conscientes de que esses fatores dificultam o trabalho da ESF e
interferem na construção coletiva da melhor qualidade na atenção à saúde, alguns
profissionais buscaram estratégias perante a gestão central da Secretaria de Saúde.
Propuseram-se espaços dialógicos, com a criação da Mesa Municipal de
Negociação do SUS de Belo Horizonte, para discussões que relativizassem a
macropolítica do PSF e as questões vividas no dia-a-dia dos serviços de saúde.
Reconheceu-se, portanto, certo desencontro entre o projeto idealizado e as práticas
efetivamente realizadas.
Entretanto, se de um lado o projeto BHVIDA: SAÚDE INTEGRAL busca a
almejada Integralidade a partir da reorganização dos processos de trabalho na
atenção básica, com assistência multiprofissional, “operando através de diretrizes
como a do acolhimento e vinculação de clientela, onde a equipe se responsabiliza
pelo seu cuidado” (FRANCO e MAGALHÃES JÚNIOR, 2003, p. 129), de outro, as
práticas cotidianas das Equipes de Saúde da Família, ainda, encontram-se voltadas
13
para a produção por procedimentos, para o atendimento de uma grande demanda
espontânea, desenvolvendo atividades, como evidenciado por Leite (2001, p. 24),
parcelares e, na maioria das vezes, desarticuladas. As relações entre
as distintas categorias profissionais presentes no trabalho das
unidades básicas de saúde são hierárquicas, ou seja, a equipe é
formada por profissionais com determinados conhecimentos
distintos, na qual um profissional desconhece a potencialidade do
outro e reproduz a divisão social do trabalho com relações verticais
de mando e autoridade.
Diante do contexto de construção do SUS em Belo Horizonte e da
proposta do BHVIDA: SAÚDE INTEGRAL, das reflexões durante minha vivência
profissional desde a implantação do acolhimento, na coordenação do PACS e
atualmente no PSF, constitui-se como problema deste estudo a existência de um
hiato entre o que está sendo preconizado sobre o trabalho da equipe no BHVIDA:
SAÚDE INTEGRAL na perspectiva da integralidade e a prática cotidiana dos
trabalhadores da saúde na Estratégia de Saúde da Família. Dessa forma, surgem as
seguintes indagações:
• Como os trabalhadores da ESF têm construído a integralidade em suas
práticas cotidianas?
• Que concepções permeiam a prática dos trabalhadores no contexto da
Saúde da Família?
O foco encontra-se, pois, no trabalho cotidiano da ESF, por entender que
este constitui a base da proposta da estratégia de reorganização do modelo de
atenção à saúde, pois o trabalhador é, segundo Peduzzi (1998, p. 13), agente e
sujeito histórico-social. [...] A cada momento faz opções de adesão ou resistência a
um dado modo de organização do trabalho, inscrevendo ou não novas
possibilidades no trabalho coletivo do qual é partícipe”.
Este estudo baseia-se na premissa de que o modo como os trabalhadores
da saúde concebem o que é equipe resulta na forma de interação entre eles e na
articulação ou não dos seus saberes e práticas, sendo um dos fatores para se
alcançar ou não a tão almejada integralidade das ações. Além disso, de acordo com
Pinheiro e Luz (2003), a integralidade se estrutura a partir de uma ação social que
14
pode incluir os aspectos objetivos e subjetivos resultantes da relação dos atores em
suas práticas no cotidiano dos serviços de saúde.
Nesse sentido, torna-se relevante o estudo deste tema, neste momento
atual de reorganização do modelo de atenção que vem adotando como estratégia de
mudança o Programa de Saúde da Família, que tem como pilar de sustentação o
trabalho em equipe. Tornam-se necessárias reflexões sobre a sua efetiva
implantação, principalmente a partir do olhar dos trabalhadores de saúde que estão
inseridos nas equipes, por entender que eles contribuem para a efetivação ou não
desta proposta.
Assim, este estudo tem como objetivo compreender as práticas de
integralidade no cotidiano de uma equipe de Saúde da Família de Belo Horizonte na
perspectiva dos trabalhadores da saúde.
1.1 CONSTRUÇÃO DO SUS EM BELO HORIZONTE
No Brasil, no final da década de 1970, observa-se uma forte crise fiscal do
Estado com repercussão na Previdência Social que coincide com o esgotamento do
modelo assistencial privatista (MENDES, 1993). A crise no setor de saúde
possibilitou a expansão dos movimentos sociais e formulação de propostas
alternativas de atenção à saúde, como extensão de cobertura dos serviços e
reconhecimento do direito à saúde, expressas pelo movimento de reforma sanitária.
As resoluções da VIII Conferência Nacional de Saúde (1986), marco do
Movimento de Reforma Sanitária, deram parâmetros para Constituição brasileira de
1988 e direcionaram mudanças no setor saúde com a criação do Sistema Único de
Saúde (SUS).
A Reforma, como parte de um processo social de construção do SUS,
está referenciada ideologicamente ao paradigma sanitário, que reflete uma
concepção ampliada de processo saúde/doença e assistencial da promoção da
saúde (MENDES, 1993). Segundo a Nova Constituição, “saúde é um direito de todos
e um dever do Estado assegurado mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
15
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”
(BRASIL, 1988, art. 196).
A efetivação do SUS só se dá em 1990, com a regulamentação das Leis
Orgânicas da Saúde (n. 8.080 e n. 8.142), estabelecendo princípios e diretrizes
operacionais para a organização da saúde no País. Os princípios doutrinários do
SUS, a universalidade, a eqüidade e a integralidade fundamentam as diretrizes
operacionais, a descentralização da gestão dos estados e municípios, a
hierarquização e a regionalização dos serviços e a participação e o controle social
efetivo dos conselhos e conferências da saúde (BRASIL, 1990a; BRASIL, 1990b). A
organização operacional do SUS evoluiu mediante a edição de três normas
operacionais básicas: NOB/91, NOB/93, NOB/96.
O processo de construção do SUS, ao ser desenvolvido sobre esses
princípios, “visa reduzir o hiato ainda existente entre os direitos sociais e a
capacidade efetiva de oferta de ações e serviços públicos de saúde à população”
(BRASIL, 2000, p. 316).
Na última década, como um dos avanços no processo de consolidação do
SUS, merece destaque a descentralização com efetiva municipalização (BRASIL,
2000). Belo Horizonte foi um dos municípios que mais contribuíram para o avanço do
processo de municipalização no País (CAMPOS et al., 1998). Inicia a construção de
um modelo de Vigilância à Saúde com a formação dos Distritos Sanitários, definição
de territórios de responsabilidades segundo riscos sociais e epidemiológicos (REIS
et al., 1998).
Em 1993, tomou posse, em Belo Horizonte, o “governo democrático
popular” que, por intermédio da sua Secretaria de Saúde, buscou “a gestão plena do
Sistema de Saúde, a efetiva descentralização, a radicalização da universalidade do
acesso, a garantia da integralidade das ações, o aprofundamento do controle social,
caminhando em direção oposta à política neoliberal, no campo das políticas sociais”
(REIS et al., 1998, p. 385).
No período entre 1993 e 1996, a Secretaria de Saúde assumiu a
autonomia na definição de sua política de saúde e na construção de seu modelo
tecno-assistencial, com a implementação de projetos como da Vigilância à
Mortalidade Infantil (Projeto Vida) e da estratégia de estruturação do processo de
trabalho com o acolhimento nas Unidades Básicas (CAMPOS et al., 1998).
16
O acolhimento, como estratégia para reconfigurar o processo de trabalho
nas Unidades Básicas, pretendia, segundo Malta et al. (1998): melhorar o acesso
dos usuários aos serviços de saúde; humanizar as relações entre profissionais de
saúde e usuários; aperfeiçoar o trabalho em equipe, com a integração e a
complementaridade das atividades exercidas por cada categoria; aumentar a
responsabilização dos profissionais de saúde em relação aos problemas concretos
vividos pelos usuários em seu contexto existencial e elevar os coeficientes de
vínculo e confiança entre eles.
Observou-se com o acolhimento uma mudança significativa, tanto
quantitativa como qualitativamente, no trabalho dos enfermeiros e dos auxiliares de
enfermagem, mas com pouco envolvimento dos médicos, o que gerou estresses e
conflitos. Malta et al. (1998, p. 138) afirmam que essa mudança permitiu profunda
reflexão dos problemas anteriormente existentes no serviço tais como:
área física inadequada, insuficiência quantitativa e de capacitação de
recursos humanos, falta de protocolos, dificuldade de obtenção de
apoio diagnóstico e de consultas especializadas, falta de
medicamentos, ambulâncias e leitos, falhas dos processos
gerenciais, enfim, inúmeros problemas, que não eram novidade para
as equipes.
O acolhimento, apesar de parcialmente implantado, mudou o perfil de
atendimento nas Unidades, pressionando o sistema para a busca da superação de
suas insuficiências, principalmente a organização da retaguarda em casos de
urgência e leitos para internação, um fator fundamental descrito por Veloso e Matos
(1998) para a continuidade dessa forma de trabalhar.
Nesse mesmo período, coincide uma série de transformações, avanços,
recuos e momentos de paralisia do SUS em todo o País com as crises no
financiamento, a implantação da NOB/93 e a discussão e a publicação da NOB/96
(SANTOS, 1998).
A NOB/93 foi editada para normatizar a descentralização dos serviços de
saúde, além de criar as Comissões Intergestores Bipartites e Tripartites e de prever
mecanismos de transferências de recursos fundo a fundo nos diferentes níveis de
gestão (incipiente, parcial e semiplena) dos estados e municípios (BRASIL, 1993).
17
As determinações da NOB/96 (BRASIL, 1996) só vieram a ser
implantadas no início de 1998 (ainda em vigor), estabelecendo a Programação
Pactuada Integral (PPI), criando o Piso Assistencial Básico (PAB) e prevendo novas
formas de gestão para estados (gestão avançada e plena do sistema estadual) e
municípios (gestão plena da atenção básica e do sistema municipal). A NOB/96
previu a reordenação do modelo de atenção à saúde com repasse financeiro
garantido e diferenciado para os municípios que implantassem o Programa de
Agente Comunitário (PACS) e o Programa de Saúde da Família (PSF).
A discussão sobre a adequação da proposta do Ministério da Saúde para
a implantação do PSF na realidade de Belo Horizonte iniciou-se em 1998, com o
Projeto BH Saúde (BELO HORIZONTE, 1999). Esse projeto piloto contou com 22
equipes em 22 dos 129 Centros de Saúde do município (BELO HORIZONTE, 2001).
No primeiro semestre de 2000, por intermédio do PACS/PROGRAMA BH
VIDA, foram incorporados 2.625 agentes comunitários de saúde (BELO
HORIZONTE, 2001). Esses agentes foram capacitados para exercer atividades de
cadastramento dos usuários, de vigilância, educação e promoção da saúde, sob a
coordenação dos enfermeiros. A partir de 2001, formaram-se as primeiras ESFs
“enquanto alternativa de ampliação de serviços e reorganização da rede básica”
(BELO HORIZONTE, 2001, p. 11).
Em 2002, iniciou-se
uma mudança no formato organizacional da atenção básica em BH,
através da contratação de centenas de profissionais compondo cerca
de 400 equipes de saúde da família, conforme programa vertical do
MS, sendo parte através do pessoal já existente e parte por contratar
nova força de trabalho (BELO HORIZONTE, 2003 a, p. 2).
Em 2003, por questões políticas, houve uma mudança de gestor da
Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA-BH). O atual secretário, ao
assumir, apresentou um documento, intitulado BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL (BELO
HORIZONTE, 2003a, p. 2), destacando evidências de grandes problemas “na
estrutura física e recursos logísticos da rede própria, na questão dos recursos
humanos em todas as suas dimensões (contratação, formação, desenvolvimento e
gestão do processo de trabalho) e na organização local do processo assistencial,
que precisavam ser rapidamente enfrentados”.
18
Lançou, ainda, como lema a ser buscado pela gestão, a construção de
um sistema integral de saúde, no qual a integralidade prevista nas diretrizes do SUS
fosse prioritária na reorganização da atenção à saúde no município. Foram, então,
estabelecidos grupos de trabalho para discussão e propostas em relação aos temas:
“Caracterização das equipes de saúde da família”; “ACS”; “Processo de trabalho”;
“Territorização” e “Saúde Mental”, com a participação de profissionais de saúde dos
níveis local, distrital e central da SMSA. A discussão e a aprovação de propostas nas
Oficinas de Pactuação da Organização da Atenção nas UBS resultaram na
construção e divulgação de um documento intitulado “Recomendações para a
organização da atenção básica” (BELO HORIZONTE, 2003b).
Nesse documento, estão incluídos os temas centrais para a
reorganização da atenção básica, sendo que ao tema “Processo de trabalho”,
considerou-se como referencial teórico Rivera (1995 p. 147-148), que apresenta as
características das organizações das instituições de saúde que levam a uma grande
complexidade em sua gestão, tais como:
1. Diversidade de atores / trabalhadores com ampla autonomia no
desempenho dos seus trabalhos;
2. Coordenação do trabalho a partir de saberes, normas e práticas
adquiridas fora das organizações prestadoras de serviço, em nível
dos centros formadores e das associações profissionais;
3. Difícil padronização dos processos de trabalho específicos,
devido à diversidade dos cuidados, à imprevisibilidade da demanda,
e devido ao componente interativo e comunicacional de todo ato de
produção individual;
4. Problemas centrados na coordenação das categorias
profissionais que formam as equipes de saúde e dificuldade no
estabelecimento de critérios claros de avaliação e de imputabilidade
de responsabilidades.
Estão citadas, ainda, as questões apontadas por Merhy et al. (1997),
relativas à “micropolítica do trabalho vivo em ato na saúde”, a grande autonomia dos
trabalhadores no fazer em saúde, o conjunto de autogovernos em operação e o jogo
de interesses organizados como forças sociais (BELO HORIZONTE, 2003b, p. 7).
O objetivo desse documento da SMSA-BH foi definir as operações e
ações consideradas necessárias para a pactuação com a rede básica, partindo das
afirmativas desses dois autores, e buscar a reorganização do processo de trabalho
nas UBS, com base nas diretrizes assistenciais de garantia de acesso; no
19
estabelecimento de vínculo entre profissionais e usuários com responsabilização do
cuidado; na autonomização do usuário; no trabalho em equipe, intersetorialidade; na
assistência integral, equânime e resolutiva (BELO HORIZONTE, 2003b).
Além dessas diretrizes, o BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL propõe que a
produção do cuidado deve ser vista de forma sistêmica e integrada aos demais
níveis assistenciais, com fluxos guiados pelo projeto terapêutico do usuário e que
garanta acesso seguro às tecnologias necessárias à assistência. Ou seja, essa
proposta da SMSA trabalha com a imagem de uma linha de produção do cuidado
(FIG. 1) que viabilize um fluxo do usuário, da rede básica, ou qualquer outro lugar de
entrada no sistema, para os diversos serviços de saúde. (FRANCO; MAGALHÃES;
JÚNIOR, 2003).
FIGURA 1 – Linha de produção do cuidado
Fonte: FRANCO, MAGALHÃES, 2003, p.130.
Esses autores ressaltam que desenvolver as linhas do cuidado,
inicialmente na atenção ao idoso, à criança, materna, aos casos agudos, às doenças
cardiovasculares e Saúde Bucal, e colocá-las operando é uma inovação nas
propostas assistenciais do SUS, concretizando no cotidiano a idéia de integralidade.
De acordo, ainda, com essa proposta, esses autores consideram que um dos
desafios para se ter uma assistência integral à saúde começa pela reorganização
dos processos de trabalho na rede básica, com a formação de equipes
multiprofissionais que tenham como objeto da atenção não somente o indivíduo com
a sua doença, mas também com a sua subjetividade, inserido num contexto social e
familiar.
20
1.2 O PSF COMO ESTRATÉGIA DE MUDANÇA
Desde a implantação do PSF, o número de equipes e de municípios vem
se expandindo em todo território brasileiro. Em janeiro de 2004, já haviam sido
implantadas 19.182 equipes de saúde da família em 4.498 municípios, o que
representa 80,9 % dos municípios do Brasil, oferecendo uma cobertura de 35,9% da
população (BRASIL, 2004a). Em relação a Belo Horizonte, em 2003 havia 484
equipes em atividades com mais de 2.500 agentes comunitários de saúde,
atendendo a quase 1,5 milhão de pessoas (BELO HORIZONTE, 2003a).
Atualmente, o município detém o maior percentual de cobertura da população do
País em grandes centros urbanos, com atuação de 2.200 agentes comunitários,
cobrindo 75% de um contingente de aproximadamente 2,3 milhões de habitantes
(BRASIL, 2005).
Os primeiros agentes comunitários da saúde surgiram em 1991, e a partir
de 1994 inicia-se o PSF como uma continuidade e aperfeiçoamento do PACS
(CAMPOS; BELISÁRIO, 2001; MERHY, 2001), formando as primeiras equipes de
saúde da família, que assumiram responsabilidade por determinada população.
O Ministério da Saúde (MS) considera o PACS como estratégia de
transição para o PSF (BRASIL, 2001), visando à reorganização da atenção básica
como eixo de reorientação do modelo assistencial, por meio da mudança do objeto
de atenção, forma de atuação, interdisciplinar e multidisciplinar, com uma equipe
composta por um médico generalista, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagem
e de quatro a seis agentes comunitários de saúde (ACS). Além disso, pressupõe a
reorganização da prática assistencial para responder a uma nova concepção de
saúde não mais centrada somente na assistência à doença, mas também na
promoção da qualidade de vida (BRASIL, 1997).
A proposta “Saúde da Família”, segundo Reis e Hortale (2004), aponta
modificações importantes. É marcada por diferentes orientações políticas e
ideológicas, o que desencadeia interpretações e posicionamento de alguns autores
(FRANCO e MERHY; MALTA e SANTOS) a respeito das dimensões e alcance do
PSF.
21
Franco e Merhy (1999, p. 6) afirmam que o PSF reconhece que a
mudança do modelo assistencial se dá a partir da reorganização do processo de
trabalho. “Partindo de uma crítica ao atual modelo, que tem nas ações e saberes
médicos a centralidade dos modos de fazer a assistência”, esse programa propõe
um novo modo de operar o trabalho em saúde estruturado a partir de equipes
multiprofissionais. Apesar disso, nada garante uma ruptura no modelo hegemônico
atual, médico-centrada, porque o PSF “aposta em uma mudança centrada na
estrutura, ou seja, o desenho no qual opera o serviço, mas não opera de modo
amplo nos microprocessos do trabalho em saúde, nos fazeres do cotidiano de cada
profissional”, que realmente definem o perfil da assistência (FRANCO; MERHY,
1999, p. 4).
Esses autores criticam o centralismo e o engessamento da proposta do
MS quando ela predetermina o formato único da equipe, as funções de cada
profissional, a estrutura, o cadastro das famílias e o levantamento dos problemas de
saúde, garantindo o financiamento das equipes de PSF somente aos municípios que
seguirem rigorosamente essas normas.
Diante dessas imposições do MS, os municípios passaram a implantar o
PSF segundo um modelo predeterminado, adequando-se “a um formato único de
prestação de assistência, muitas vezes desconhecendo a sua realidade
epidemiológica, as características da rede e os recursos humanos existentes”
(MALTA; SANTOS, 2003, p. 256).
Uma questão fundamental que permeia as discussões na SMSA-BH e os
documentos do Ministério da Saúde (BRASIL, 1998) é a de considerar o
estabelecimento de equipes multiprofissionais como um dos elementos-chave para o
desenvolvimento do trabalho na Estratégia de Saúde da Família.
Um problema significativo a ser enfrentado nesse processo de expansão
do PSF e de seu impacto sobre a organização e resolutividade do sistema de saúde
refere-se à questão dos recursos humanos disponíveis para o programa,
destacando-se os aspectos relacionados à formação profissional do médico e
demais participantes das equipes, tais como "a insuficiência de profissionais, o
despreparo e a precária qualificação dos mesmos” (CAETANO; DAIN, 2002, p. 16).
22
Essa “carência de profissionais em termos quantitativos e qualitativos” é
apontada por Campos e Belisário (2001) como um problema grave na implantação
do PSF, ou seja, para atender de imediato
a este desafio de estabelecer um plano de ação que se volte para um
olhar vigilante e uma ação cuidadora sustentados por uma atuação
multiprofissional e iluminados por uma construção interdisciplinar,
com responsabilidade integral sobre a população adscrita, sendo
esta compreendida como parceira da equipe de saúde (ALMEIDA e
MISHIMA, 2001, p. 151).
Os autores supracitados defendem, ainda, que esse movimento exige um
processo de formação e educação permanente de todos os profissionais das
equipes. Campos e Belisário (2001) sugerem também aprofundamento da discussão
na academia e nos pólos de educação sobre essa formação e capacitação.
Por isso, Favoreto e Camargo Jr. (2002) criticam a posição dos
sanitaristas e dos gestores em relação ao PSF quando enfatizam as formas de
organização, controle, regulação e normatização dos processos de trabalho,
subentendendo que as mudanças na dinâmica do trabalho das equipes e os novos
produtos que poderão ser alcançados surgirão a partir da simples exposição dos
profissionais de saúde a outros cenários de práticas e pela facilitação do acesso da
população aos médicos e enfermeiros. Esses autores concluem que tais
posicionamentos desconsideram que as
mudanças nas condições e nos cenários das práticas não são,
necessariamente, acompanhadas por um novo entendimento, por
parte dos profissionais, de seus papéis e novos elementos em jogo
em suas intervenções. É preciso considerar e aprofundar a discussão
sobre os saberes e as crenças que podem estruturar as práticas da
saúde da família que esses profissionais virão a desenvolver em seu
cotidiano (FAVORETO; CAMARGO Jr., 2002 p. 64).
Merhy (1997) considera que essas novas práticas materializam-se em
“tecnologia de trabalho”, ou seja, o conjunto de conhecimentos e ações aplicados à
produção de algo, no caso, produzir saúde. Esse conhecimento pode estar
materializado em máquinas e instrumentos ou em recursos teóricos e técnicas
estruturadas, como tecnologias duras e leve-duras, respectivamente, lugares
próprios do “trabalho morto”. De outro lado, esse conhecimento pode estar disperso
nas experiências e modos singulares de cada profissional de saúde operar seu
23
“trabalho vivo em ato”, isto é, o que ocorre no momento mesmo em que ele se
realiza.
Merhy (1997,1998) afirma, ainda, que todo profissional de saúde deveria
ser capacitado, pelo menos, para atuar no terreno específico das tecnologias leves –
modos de produzir acolhimento, responsabilizações e vínculos –, nas quais se
inscreve o “trabalho vivo em ato”, ou seja, ao âmbito do trabalho que está em
processo e que está em ação no cotidiano. Ressalta, assim, a importância da
subjetividade, inerente às tecnologias leves, na reorganização do processo de
trabalho “centrado no usuário”.
As ações de saúde são representadas diretamente pela assistência que
produzem, e esta é vista como o produto do processo de trabalho que, segundo
Pires (1998, p. 161), tem como finalidade
a ação terapêutica de saúde; como objeto – o indivíduo ou grupos
doentes, sadios ou expostos a risco, necessitando medidas
curativas, preservar a saúde ou prevenir doenças; como instrumental
de trabalho – os instrumentos e as condutas que representam o nível
técnico do conhecimento que é o saber de saúde e o produto final é
a própria prestação da assistência de saúde que é produzida no
mesmo momento que é consumida.
A autora ressalta, ainda, que o trabalho em saúde sofreu influência das
organizações produtivas hegemônicas (taylorismo e fordismo), assim como vem
sofrendo das mudanças tecnológicas e os modos de organização dos processos de
trabalho da atualidade. Hoje, majoritamente, é um trabalho coletivo institucionalizado
realizado por diversos profissionais de saúde e trabalhadores treinados não
específicos da saúde. O médico é o elemento central do processo assistencial. Além
de dominar o processo de trabalho em saúde, delega partes do trabalho assistencial
a outros profissionais de saúde. A assistência é fragmentada, resultante de um
trabalho parcelado e compartimentalizado, com algumas características do trabalho
do tipo artesanal, conforme reafirma Merhy (2002).
Então, surge a estratégia de saúde da família que busca reorganizar o
processo de trabalho na UBS, no sentido de configurar, assim,
uma nova concepção de trabalho, uma nova forma de vínculo entre
os membros de uma equipe, diferentemente do modelo biomédico
tradicional, permitindo maior diversidade das ações e busca
24
permanente do consenso. Sob essa perspectiva, o papel do
profissional de saúde é aliar-se à família no cumprimento de sua
missão, fortalecendo-a e proporcionando o apoio necessário ao
desempenho de suas responsabilidades, jamais tentando substituí-la
(BRASIL, 2000, p. 317).
Reis e Hortale (2004, p. 493) apresentam os pressupostos que devem
nortear a organização das práticas de saúde voltadas à família e que são parte de
uma estratégia para induzir mudanças tanto pela intervenção sobre a dinâmica do
mercado de trabalho em saúde, quanto pela reestruturação do processo de trabalho:
“o reconhecimento da saúde como direito de cidadania, eleição da família e seu
espaço social como núcleo básico de abordagem, prestação de atenção integral,
humanização das práticas de saúde, participação comunitária”.
Schraiber et al. (1999) afirmam que a necessidade de recomposição dos
trabalhos especializados na direção da integralidade da atenção deve-se ao caráter
interdisciplinar do objeto de trabalho em saúde. Ou seja, um objeto que envolve as
relações sociais e o social propriamente dito, as expressões emocionais e afetivas,
assim como o biológico que traduz, por intermédio da saúde e da doença, as
condições e razões socioculturais e históricas dos indivíduos e grupos (MINAYO,
1991).
Nesse sentido, Almeida e Mishima (2001 p. 150) apontam como um dos
grandes desafios para as equipes de saúde que vêm se inserindo na Saúde da
Família, a abertura para um trabalho com maior horizontalidade e flexibilidade dos
diferentes poderes que possibilite maior autonomia e criatividade dos agentes e
maior integração da equipe.
As autoras advertem que se não houver uma integração da equipe corre-
se “o risco de repetir o modelo de atenção desumanizado, fragmentado, centrado na
recuperação biológico individual e com rígida divisão do trabalho e desigual
valoração social dos diversos trabalhos” (ALMEIDA; MISHINA, 2001, p. 151).
Piancastelli, Faria e Silveira (2000, p. 46) argumentam que as dificuldades
do trabalho em equipe, na prática, se devem às diferentes concepções sobre o
conceito de equipe e apresentam algumas definições: “Conjunto ou grupo de
pessoas que desempenham uma tarefa ou trabalho”, não importando o
significado/objetivo que esse tem para um e nem as relações interpessoais;
“Conjunto ou grupo de pessoas que partilham de um mesmo objetivo”, não
25
importando como cada um pretende alcançá-lo; “Conjunto ou grupo de pessoas que
ao desenvolver uma tarefa ou trabalho, almejam um objetivo único, obtido pelo
consenso/negociação”; “Conjunto ou grupo de pessoas que tem objetivos comuns e
está engajado em alcançá-los de forma compartilhada”; “Conjunto ou grupo de
pessoas com habilidades complementares umas com as outras pelo objetivo
comum, obtidos pela negociação entre os atores sociais envolvidos no plano de
trabalho bem definido”.
Os mesmos autores salientam ainda que, quando nos referimos ao
trabalho de equipe, não há como conceber equipe como algo que se passa à
margem do processo de trabalho. E em relação ao funcionamento das equipes, elas
podem apresentar diferenças significativas em razão do tipo de trabalho que
executa, por exemplo, a equipe do time de futebol e a de uma orquestra sinfônica.
Para Peduzzi (1998), equipe, etimologicamente, está associada à
realização de um trabalho compartilhado entre vários indivíduos que têm um objetivo
comum a alcançar. O sucesso é o trabalho coletivo. A autora, com base nessa
distinção, propõe duas modalidades de trabalho em equipe: “equipe agrupamento”,
em que ocorre a justaposição das ações e o agrupamento dos agentes; e “equipe
integração”, em que ocorre a articulação das ações e a interação dos agentes.
Salienta que a integração entre os elementos da equipe depende de vários fatores,
dentre eles a comunicação, a autonomia, o poder, a intersubjetividade entre os
agentes, a construção de um projeto assistencial comum.
Alves et al. (2004) afirmam que, hoje, os consultores e estudiosos da
dinâmica das organizações discutem intensamente os conceitos de grupo, equipe e
times de trabalho e consideram equipe, numa versão mais atual, como um time de
trabalho, entendida como um conjunto de indivíduos que buscam uma ação comum,
com determinado fim. O trabalho em equipe pressupõe que os membros do time
sejam cooperadores de uma atividade comum; desempenhem vários papéis e
funções; tenham autonomia relativa, espaço para criatividade e sentimento de
pertença.
Para o trabalho em ESF, torna-se necessário, dado seu objeto de
intervenção intrinsecamente complexo, ou seja, a saúde e a doença do indivíduo e
da família no seu âmbito social, inter-relacionar variados conhecimentos e práticas,
26
que apontam na direção da multiprofissionalidade e interdisciplinaridade
(ALMEIDA;
MISHINA, 2001).
No entanto, multiprofissionalidade é entendida como a atuação conjunta
de várias categorias profissionais, e a interdisciplinaridade como a integração de
várias disciplinas e áreas do conhecimento, tendo, assim, caráter epistemológico.
Dessa forma, Peduzzi
(1998, p. 66) salienta que não se pode transformar
imediatamente o trabalho em equipe multiprofissional em interdisciplinar, mas
considerá-lo certamente “como uma prática que expressa repercussões das
possibilidades de integração das disciplinas científicas”.
Sendo assim, a interdisciplinaridade, segundo Leite (2001, p. 25), é “como
um caminho que se apresenta aos trabalhadores na busca da compreensão integral
do ser humano”, quando se estabelece ligação entre o âmbito científico e os
complexos problemas da realidade, referente à vida, à saúde, à doença. Na prática
cotidiana, porém, a autora observa que existem vários obstáculos à efetividade da
interdisciplinaridade, pois “não basta reunir vários especialistas de diversas
disciplinas, porque isso não garante o avanço do conhecimento interdisciplinar” (p.
27).
A construção dessa interdisciplinaridade na equipe de saúde se dá na
identificação e respeito pelo “núcleo de competência” e responsabilidades de cada
profissional, ou seja, o conjunto de saberes e responsabilidades específicos de cada
um e pelo “campo de competência” e responsabilidade comum ou confluente a
vários profissionais ou especialidades
(CAMPOS, 1997). Entretanto, para
proporcionar uma ação integral é necessário flexibilidade nos limites das
competências de cada profissional, pois o núcleo de competência de cada um,
isoladamente, não dá conta da complexidade do atendimento das necessidades de
saúde
(ALMEIDA; MISHINA, 2001).
Então, as dificuldades em relação à interdisciplinaridade vão desde sua
conceituação até sua operacionalização, ou seja
reorganizar o saber para o novo conhecimento, ter ousadia de inovar,
ter competência, humildade, simplicidade de atitudes não são
atributos e tarefas fáceis de serem conciliados. O verdadeiro trabalho
interdisciplinar é duro e árduo, de realização difícil e coerente com a
realidade concreta (LEITE, 2001, p. 28).
27
Considerar, ainda, que, a busca dessa interdisciplinaridade é um processo
permanente de construção e desconstrução, de renovação de relações e de
enfrentamento de desafios (FEURWERKER; SENA, 1998).
Pinheiro (2004) ressalta que a interdisciplinaridade é um dos pontos
críticos do PSF que mais tem a ver com a integralidade, pois se vive o desafio da
produção e reprodução do conhecimento quando se busca a inter-relação e a
integração de disciplinas, cada área com a sua fronteira. Por isso, Matumoto (2003)
afirma que é preciso superar as delimitações de poder-saber instituídas pelas
disciplinas e admitir a possibilidade de conviver com as diferenças.
Então, no setor saúde foi proposto o trabalho em equipe, segundo
Gomes, Pinheiro, Guizardi (2005, p. 114), “como forma de garantir uma pluralidade
de olhares e saberes sobre saúde, como estratégia para proporcionar um
atendimento mais integral”. Portanto, para aprofundar mais sobre essas questões,
buscou-se, a princípio, um levantamento bibliográfico sobre as noções de
integralidade não apenas no que concerne como um princípio norteador do SUS
(BRASIL, 1988), mas também como práticas, das experiências vividas e construídas
cotidianamente (PINHEIRO, 2003).
1.3 NOÇÕES DE INTEGRALIDADE
A integralidade é um princípio norteador do Sistema Único de Saúde,
expresso como “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas,
sem prejuízo dos serviços assistenciais”
(BRASIL, 1988, art. 198). Por isso, desde o
início, a proposta do PSF foi desenhada em torno do princípio da integralidade
(MATTOS, 2002), que remete a uma dupla dimensão, ou seja, uma com o sentido de
articular as ações de promoção da saúde, de prevenção de riscos e agravos e
assistenciais em todos os níveis organizacionais do sistema de serviços de saúde. E
uma outra relativa à integralidade do sistema de serviços e à construção dos
chamados “sistemas integrados”
(BRASIL, 2004b).
Portanto, para Giovanella (2000), citado por Campos (2003, p. 577) os
sistemas integrais de saúde deveriam atender às seguintes premissas básicas: “a
28
primazia das ações de promoção e prevenção; a garantia de atenção nos três níveis
de complexidade da assistência médica; a articulação das ações de promoção,
prevenção, cura e recuperação; a abordagem integral do indivíduo e família”.
Pinheiro e Guizardi (2004, p. 22) consideram a integralidade como
princípio e prática produtora de relações, signos e significados. É concebida como
um termo plural, ético e democrático que, quando se constitui em práticas eficazes,
produz efeitos de polifonia, ou seja, quando a “sua prática resulta do embate de
muitas vozes sociais”.
Nesse sentido, Mattos (2001, p. 44), em seu texto sobre “os sentidos da
Integralidade”, faz um convite ao leitor para uma analise crítica “acerca dos
potenciais e limites da noção de integralidade no contexto da construção de
políticas, sistemas e práticas de saúde mais justas”. O autor
apresenta a
integralidade como uma “bandeira de luta”, parte de uma “imagem-objetiva”, sendo,
portanto, um termo polissêmico, ou seja, que tem sido usado de múltiplas formas ou
sentidos. E sugere organizar o princípio da integralidade em três grandes conjuntos
de sentidos, considerando que este termo “implica uma recusa ao reducionismo,
uma recusa à objetivação dos sujeitos e talvez uma afirmação da abertura para o
diálogo” intersubjetivo como forma de apreensão ampliada das necessidades de
ações e serviços de saúde sintonizada com o contexto de cada encontro (MATTOS,
2001, p. 61, MATTOS, 2004).
O primeiro conjunto refere-se aos atributos das práticas dos profissionais
de saúde nos quais a integralidade é exercida mediante a compreensão do conjunto
de necessidades de ações e serviços de saúde que um paciente requer ao buscar a
atenção do profissional. O segundo diz respeito à característica da organização dos
serviços, na qual se critica a dissociação entre as práticas de saúde pública e as
assistenciais. Enquanto o terceiro aplica-se às respostas governamentais que são
dadas aos problemas de saúde da população ou às necessidades de certos grupos
específicos.
Silva Júnior e Mascarenhas (2004, p. 243) ressaltam, conforme
demonstrado pela FIG. 2, que a articulação dos conceitos de acolhimento,
vínculo/responsabilização e qualidade da atenção traduz a integralidade como
atributo das práticas profissionais de saúde e da organização de serviços, sentidos
por eles adotados em razão da polissemia do termo “integralidade”.
29
Processo de
trabalho
Integralidade
Modelo
Assistencial
Processo de
trabalho
Integralidade
Modelo
Assistencial
Processo de trabalho
Integralidade
Modelo Assistencial
FIGURA 2 – Articulação dos conceitos
Fonte: SILVA JÚNIOR; MASCARENHAS, 2004, p. 254.
Os autores, após indagação aos atores envolvidos no processo de
atenção à saúde, concluem que a possibilidade de usar esses conceitos articulados
e operacionalizados permitiria inferir sobre a integralidade e verificar a
direcionalidade da construção do modelo tecno-assistencial coerente com os
princípios do SUS.
Pinheiro (2001 p. 93) considera como principal, dentre os objetivos do
PSF, “garantir a integralidade como eixo condutor das práticas em saúde”. Para
Cecílio (2001, p. 119), a implantação dessa diretriz, na prática, é difícil, pois
“seguimos trabalhando de forma muito fragmentada, respondendo a demandas
pontuais com o que temos em mãos, ou seja, não temos nos ocupado com a
questão da integralidade de uma forma mais completa”, entendida como
“integralidade ampliada”.
Portanto, Pinheiro e Guizardi
(2004, p. 23) afirmam que a dificuldade de
traduzir o conceito de integralidade, “de fato, em novas práticas, [...] acaba por
reduzi-lo a uma soma ou justaposição das ações de cunho coletivo ou preventivo
com as de cunho individual curativo”, permanecendo, assim, como um objetivo de
difícil apreensão e de difícil operacionalização. Sinalizam, ainda, que a compreensão
Qualidade da
atenção
Vínculo/
Responsa-
bilização
zação
Acolhimento
30
da integralidade da atenção não poderá resultar unicamente de sua organização
técnica baseada no saber biomédico na construção das políticas de saúde, mas
como prática social.
Pinheiro e Luz (2003, p. 17) entendem a integralidade “como uma ação
social que resulta da interação democrática entre os atores no cotidiano de suas
práticas na oferta do cuidado de saúde, nos diferentes níveis de atenção do sistema
de saúde”. No entanto, as autoras ressaltam a existência de uma lacuna na
produção do conhecimento sobre os efeitos da integralidade das ações de saúde no
cotidiano dos serviços de saúde, espaços nos quais ela deveria se materializar como
princípio, direito e serviço na atenção e no cuidado em saúde.
Merhy e Franco (2003) também evidenciam que é no espaço da
micropolítica do processo de trabalho, lugar de encontro entre os sujeitos
trabalhadores e usuários, portanto, onde se dá o agir cotidiano, que se pode operar
a integralidade. Por isso, este estudo privilegia o cotidiano do trabalho da equipe de
saúde da Família, pois ele surge como espaço de construção de práticas de
integralidade em saúde.
31
2 TRAJETÓRIA TEÓRICO-METODOLÓGICA
No sentido de compreender as práticas de integralidade no cotidiano de
uma equipe de Saúde da Família na perspectiva dos trabalhadores da saúde, optou-
se por realizar um estudo de caso qualitativo fundamentado na Sociologia
Compreensiva como caminho – uma vez que a pesquisa qualitativa busca o
significado e a intencionalidade dos atos, das relações e das estruturas sociais
(MINAYO, 1998) –, procurando, segundo Bogdan e Biklen (1994), entender e
descrever o processo pelo qual as pessoas constroem significados e em que eles
consistem.
Minayo (2003, p. 197) salienta, ainda, que todo trabalho qualitativo tem,
como núcleo básico, “a pretensão de trabalhar com o significado atribuído pelos
sujeitos aos fatos, relações, práticas e fenômenos sociais: interpretar tanto as
interpretações e práticas quanto as interpretações das práticas”. Contudo, é
necessário esclarecer como serão conduzidas as articulações interpretativas.
Por isso este estudo se inscreve na linha da pesquisa qualitativa com uma
fundamentação teórica sustentada pela Sociologia Compreensiva, pois esta
reconhece a subjetividade como constitutiva do ser social e não se preocupa em
quantificar, mas, sim, em compreender a dinâmica das relações sociais, depositárias
de crenças, valores, atitudes e hábitos, e “consideradas essência e resultado da
atividade humana criadora, afetiva e racional, apreendida através do cotidiano, da
vivência e da explicação do senso comum” (MINAYO, 1998, p. 11). A autora (1999,
p. 17) afirma, também, que “nada pode ser intelectualmente um problema, se não
tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática”, ou seja, das relações
cotidianas.
Além disso, a Sociologia Compreensiva, para Weber, citado por Minayo
(1998, p. 51), nos diz que “as realidades sociais são construídas nos significados e
através deles e só podem ser identificadas na linguagem significativa da interação
social. Por isso, a linguagem, as práticas, as coisas e os acontecimentos são
inseparáveis”.
Então, para se compreender um fato social é preciso analisar as relações
entre os fatos que dão origem ao fenômeno estudado. Para isso, seria crucial
32
compreender o “quotidiano através de construções, formadas pelo sujeito e suas
interações”, conforme afirma Rezende (1997, p. 127).
Considerando que é no cotidiano que ocorrem as relações entre os
trabalhadores que compõem a equipe de Saúde da Família, fez-se a opção em
lançar o olhar da Sociologia Compreensiva fundamentada em Michel Maffesoli sobre
o objeto de estudo em questão. O autor considera que, no cotidiano da existência
das pessoas, as coisas não acontecem com a formalidade que a organização e o
discurso dos teóricos querem que aconteça, o que permite as várias nuanças que
ocorrem das macroestruturas às microestruturas, tentando relativizar as duas. Então,
pode-se considerar que a equipe do PSF além de ter todo seu formalismo, apresenta
seu lado informal (subjetivo, afetual, emocional).
A sociologia compreensiva tem como proposta uma “racionalidade
sensível que propõe relativizar emoção e razão, as microatitudes quotidianas e as
macroações da história, pois ambas compõem a existência da humanidade”
(PENNA, 1997, p. 26). Busca, então, entender o fenômeno social relativizando-o,
uma vez que realidade não é única, não podendo existir
uma verdade única, geral, aplicável em qualquer tempo e lugar, mas
ao contrário, uma multiplicidade de valores que se relativizam uns
aos outros, se completam, se nuançam, se combatem, e valem
menos por si mesmos que por todas as situações, fenômeno,
experiências que supostamente exprimem (MAFFESOLI, 1988, p.
56).
Esse autor dá ênfase à vivência, pois, assim, os elementos subjetivos
integrantes dos fenômenos sociais podem ser reconhecidos. Essa subjetividade não
é privilégio de um indivíduo isolado, mas pertence a uma pessoa que se situa numa
rede de inter-relações. Ele acentua, ainda, que, “antes de qualquer racionalização,
existe uma vivência comum, que pode tomar formas diversas mas que, nem por
isso, exprimem menos o extraordinário querer-viver que constitui toda socialidade”
(MAFFESOLI, 1998, p. 175).
Ressalta o cotidiano como lugar privilegiado da análise social, pois é nele
que se realiza a socialidade, é nele que as interações não são unicamente racionais
ou lógicas, mas enraízam-se profundamente na vida banal e manifestam-se em
“minúsculas situações e práticas”, ou seja, os “pequenos nadas”, sem finalidade,
mas que são ricos de significado e fazem parte do “viver humano”. Essa socialidade
33
é que alicerça as relações sociais, fundamentada na proximidade, na necessidade
do “ser/estar-junto-com” e de pertencer a um grupo, constituindo-se na proxemia.
Na concepção maffesoliana, abordar o cotidiano remete menos um
conteúdo do que uma perspectiva dos fenômenos sociais e contenta-se em
descrever uma “forma” que permite fazer sobressair os fenômenos, as relações, a
manifestação figurativa da socialidade. Para isso, Maffesoli (1984, p. 7 e 8)
considera três pontos essenciais:
O pesquisador não poderá abstrair totalmente de seu objeto de
pesquisa, pois ele deverá reconhecer que participa da vida social,
abolindo a distância entre o sujeito e o objeto, o observador e a coisa
observada e apreciando o vivido por si mesmo;
O ressurgimento da experiência nas práticas sociais e nas
análises – pois, a socialidade já não reside [...] na monovalência da
razão, [...], mas, ao contrário, num misto de sentimentos, paixões,
imagens, diferenças que incita a relativizar as certezas estabelecidas
(religiosas, políticas, teóricas) e remete a uma multiplicidade de
experiências coletivas
A temática do cotidiano exige uma audácia do pensamento de
modo a romper com a lógica político-econômica, sempre presente
nas análises (MAFFESOLI, 1984, p. 78).
A preocupação central da sociologia compreensiva, segundo Maffesoli
(1998, p. 117), se dá com o ato de compreender “melhor o aspecto indefinido,
complexo das situações humanas, de suas significações entrecruzadas que não se
reduzem a uma simples explicação causal”. Isso quer dizer que esta vai ater-se à
apresentação das coisas como elas são, isto é, descrever como os trabalhadores da
ESF têm construído suas práticas cotidianas considerando o princípio da
integralidade, a partir de sua “forma”, que pode lhe dar várias modulações, e não
apenas de seu conteúdo, de seu conceito, que o reduz (MAFFESOLI, 1998; PENNA,
1997).
Maffesoli, além de propor a paixão pelo social tal como ele é, tal como
ele se dá, e não como deveria ser” (1987, p. IX), considera, ainda, que existe uma
estreita conexão entre a Cultura e aquela “cultura” vivida no cotidiano e que constitui
o que ele chama de cimento essencial de toda a vida societal. Para o autor, essa
“cultura”
34
é feita desses pequenos ‘nadas’ que, por sedimentação, constituem
um sistema significante. [...] são coisas que dão conta de uma
sensibilidade coletiva, sem muito que ver com a dominância
econômico-política que caracterizou a Modernidade. Essa
sensibilidade não mais se inscreve numa racionalidade [...], mas é
vivida no presente, e se inscreve num espaço dado [...], faz cultura
no quotidiano. [...] Com efeito, após o período de ‘desencantamento
do mundo’, postulo que se assiste, agora, a um verdadeiro
‘reencantamento do mundo’ [...] que tem como cimento principal uma
emoção ou uma sensibilidade vivida em comum (MAFFESOLI, 1987,
p. 34, 42).
Parte-se, então, do princípio de que a equipe de saúde da família pode
não estar fazendo o trabalho em equipe com a formalidade que os teóricos e o
projeto Saúde Integral quer, mas independentemente disso os trabalhadores da
saúde mantêm relações, desenvolvendo atividades não institucionalizadas com os
usuários no cotidiano, como: passeios no parque, cantigas de roda, arraial da
convivência, caminhadas, barracas educativas, teatro e paródias de músicas com
temas referentes à saúde. Isso exprime, como diria Maffesoli, as várias formas de
socialidade.
Isso tudo nos obriga a reexaminar a análise geral do problema quando se
deduz, a partir de princípios teóricos estabelecidos arbitrariamente, que existe um
hiato entre o que é preconizado no BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL e o vivido no
trabalho cotidiano das equipes de saúde da família em relação à integralidade, e
proceder de forma indutiva, isto é, “partir de baixo, daquilo que existe aqui e agora
[...] perceber em toda a sua concretude os valores cotidianos que partilhamos com
outros, no âmbito de um ideal comunitário” conforme alerta Maffesoli (1998, p. 146).
Nesse sentido, acredita-se que essa abordagem relativista é adequada
para compreender as práticas de integralidade no cotidiano do trabalho da equipe de
Saúde da Família, pois, na concepção maffesoliana, não basta a lógica dos
conceitos redutora e totalitária para análise da vida social, dado o seu aspecto
fragmentado, plural, coletivo e complexo, mas, sim, a lógica dinâmica das
contradições, que exige “a criação de novos conceitos, ou melhor, noções, que
dêem conta da diversidade e especificidade da vida do homem comum, na sua
vivência do dia-a-dia” (PITTA,1997, p. 20).
A escolha desse caminho teórico-metodológico possibilitará a
compreensão do objeto de estudo, pois lida com a subjetividade, com as relações
35
estabelecidas no cotidiano dos sujeitos, buscando compreender o vivido de acordo
com a experiência de quem o viveu em determinado tempo-espaço (PENNA, 1997,
p. 48). Descreve o vivido naquilo que é, contentando-se, assim, em discernir as
visadas dos diferentes atores envolvidos” (MAFFESOLI, 1988, p. 25).
Além disso, Maffesoli (1988, p. 35) considera que todo conhecimento
apresenta dois pólos de tensão que constituem a sua harmonia conflitual: de um
lado, é preciso gerir o saber estabelecido; de outro, sentir o que está em vias de
nascer. Então, é preciso, numa atitude compreensiva, saber “ouvir a relva crescer,
isto é, estar atento às coisas simples e pequenas do cotidiano do trabalho em
equipe do PSF, no qual se vivencia os sentidos da integralidade, interagindo, assim,
com este objeto de estudo e ressaltando o que está presente.
A Sociologia Compreensiva Maffesoliana propõe um relativismo
metodológico que permite a escolha de um método qualitativo tipo estudo de caso,
pois este parte, também, do pressuposto de que a realidade não é única, podendo
ser representada sob diferentes óticas presentes numa situação social, assim como
o próprio ponto de vista do pesquisador sobre a questão (LÜDKE; ANDRE, 1986).
Triviños (1987, p. 133) afirma que, entre os tipos de pesquisa qualitativa,
o estudo de caso talvez seja um dos mais relevantes, pois é uma categoria de
pesquisa em que o objeto é uma unidade que se analisa profundamente e a
complexidade do exame aumenta à medida que se aprofunda no assunto. Com isso
ela permite descrever não só os aspectos políticos e econômicos, mas também,
segundo Maffesoli, o “lado sombra do social”, ou seja, os “pequenos nadas”
presentes no cotidiano das equipes de saúde da família.
A opção pelo estudo de caso qualitativo justifica-se também porque é
uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de
seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o
contexto não estão claramente definidos” (YIN, 2001, p. 32).
Lüdke e André (1986, p. 18) apontam que o estudo de caso apresenta
princípios que se superpõem às características gerais da pesquisa qualitativa, pois
fundamenta-se no pressuposto de que o conhecimento não é algo acabado, mas,
sim, em constante construção. Por isso o pesquisador deverá está sempre atento
aos novos elementos importantes que possam emergir durante o estudo. Além
disso, esse método possibilita o uso de diversas fontes de informação, coletadas em
36
diferentes momentos, em situações variadas e com variedade de informantes. Com
isso, o pesquisador poderá cruzar informações, confirmar ou rejeitar hipóteses,
descobrir novos dados, afastar suposições ou levantar hipóteses alternativas e,
ainda, representar os diferentes e, às vezes, conflitantes pontos de vista presentes
numa situação social.
Portanto, esses autores consideram que esta estratégia de pesquisa
permite a compreensão do objeto estudado como único, uma representação singular
da realidade, multidimensional e historicamente situada, retratando a vida cotidiana
de forma profunda e completa, além de enfatizar a complexidade das situações e
evidenciar a inter-relação dos seus componentes.
2.1 CENÁRIO DA PESQUISA
O cenário deste estudo foi uma das Unidades Básica de Saúde (UBS),
pertencente ao Distrito Sanitário Norte do município de Belo Horizonte, constituída
pela equipe de Saúde da Família na qual os atores desempenham seus papéis
diariamente na cena coletiva, no vivido compartilhado com outro num determinado
tempo-espaço da vida cotidiana.
O Distrito Sanitário Norte de Belo Horizonte ocupa uma área de 34,32
Km
2
, limitando-se com o Município de Santa Luzia e com os Distritos Sanitários de
Venda Nova, Pampulha e Nordeste. Segundo o censo do IBGE/2000, possui uma
população de 193.764 habitantes, com um dos maiores índices de vulnerabilidade,
compondo um quadro de graves contrastes e desigualdade social (BELO
HORIZONTE, 2004a).
O Distrito Sanitário Norte contava, no início da pesquisa, com 58 equipes
de saúde da família, sendo 55 completas e 3 nas quais faltam médicos, e a previsão
de mais uma equipe para ser formada no Centro de Saúde Aarão Reis. Esse distrito
contava, também, com 19 equipes de Saúde Bucal e seis equipes de Saúde Mental,
aproximadamente 45 médicos de apoio, dois homeopatas e um acupunturista (BELO
HORIZONTE, 2004a). Essas equipes estão distribuídas em 16 unidades de saúde,
37
sendo que duas possuem anexo para facilitar o acesso da população e organização
das atividades das ESF.
As Unidades Básicas de Saúde da Regional Norte funcionam de 2ª a 6ª
feira, das 7 às 19 horas. O atendimento de urgência é realizado na Unidade de
Pronto Atendimento (UPA-Norte), funcionando de 24 horas diárias. Além disso, há
uma Central de Materiais Esterilizados (CME), uma Farmácia Distrital e um Centro
de Convivência, mas como não possui um Centro de Referência de Saúde Mental
(CERSAM), os pacientes portadores de sofrimento mental em crise são
encaminhados para o CERSAM/Pampulha.
A existência de equipes de Saúde da Família potencializa a ação de
saúde já que elas criam vínculos e se responsabilizam por uma população adscrita.
O formato de distribuição das equipes segue o critério de vulnerabilidade (risco muito
elevado, risco elevado, médio risco e baixo risco) da população, que busca traduzir
os princípios fundamentais do SUS de descentralização, territorialidade e eqüidade
na tentativa da democratização de suas ações. Esse índice de vulnerabilidade à
saúde evidencia as desigualdades no perfil epidemiológico de grupos sociais
distintos, a partir dos indicadores que utilizam informações sobre o saneamento
básico (água tratada ou não, destino do lixo e dejetos), tipo de habitação, educação
(analfabetismo), renda familiar e taxa de mortalidade infantil (BELO HORIZONTE,
2004b).
A UBS deste estudo existe há quinze anos (reinaugurada em meados de
janeiro de 1990) em prédio de construção própria, que ao longo do tempo vem
sofrendo reformas e ampliação de modo a adequá-lo às atividades desenvolvidas
(FREITAS, 1995). Anteriormente essa unidade, segundo informações dos
entrevistados, funcionou em instalações precárias cedidas pela Associação
Comunitária do Bairro, desde sua fundação no final da década de 1970, somente
com um médico, um auxiliar de enfermagem, dois atendentes de enfermagem, um
dentista e um auxiliar de enfermagem que exercia a função de auxiliar de consultório
dentário. Contava apenas com uma supervisão quinzenal da Secretaria Municipal de
Saúde.
A escolha dessa UBS do Distrito Sanitário Norte justifica-se pela facilidade
de inserção da pesquisadora no campo de pesquisa, primeiramente, por ser
38
enfermeira atuando nessa regional e, também, por ser moradora da área de
abrangência dessa unidade e conhecer, portanto, a realidade local.
A população adscrita à UBS é a mais elevada da Regional Norte, com
20.061 habitantes, representa 10,25% do total da região (BELO HORIZONTE,
2004c). Entretanto, a unidade caracteriza-se por atender a uma população com
índice de vulnerabilidade de 8,7% de elevado risco; 57,4% de médio e 33,8% de
baixo risco sendo, portanto, a única unidade da regional norte que não tem uma área
de muito elevado risco (FIG. 3).
FIGURA 3 – Distrito Sanitário Norte segundo área de abrangência e risco.
Fonte: GERÊNCIA DE EPIDEMIOLOGIA DO DISTRITO NORTE (GEREPI-NORTE), 2005.
Diferencia-se, também, em relação ao seu horário de funcionamento, que
é das 7 às 22 horas, de segunda a sexta-feira. A unidade após as 18 horas conta
com atendimento de um médico generalista e dois auxiliares de enfermagem de uma
mesma ESF, uma ginecologista e enfermeira de apoio.
39
O quadro de funcionários dessa UBS contava, no início do estudo, com
um total de 58 trabalhadores de diferentes categorias, distribuídos da seguinte
forma: uma gerente (enfermeira); dois auxiliares administrativos; dois vigias; dois
trabalhadores de serviços gerais; dois estagiários digitadores; quatro médicos
generalistas; um ginecologista; dois pediatras; um odontólogo; um técnico de higiene
dentário; dois auxiliares de consultório dentário; quatro enfermeiras de PSF; uma
enfermeira de apoio; dez auxiliares de enfermagem; um técnico de laboratório; um
auxiliar de laboratório; dezenove agentes comunitários de saúde e dois agentes
sanitários (Zoonose).
A UBS contava também com quatro equipes de Saúde da Família (ESF 1,
2, 3 e 4). Duas delas foram implantadas em 2001, mas somente uma ESF
permaneceu completa, ou seja, composta por um médico, uma enfermeira, dois
auxiliares de enfermagem e cinco ACS. Na outra, falta um profissional médico. Nas
outras duas equipes implantadas em 2002, somente permaneceu completa uma
ESF, mas na outra falta uma enfermeira. Ocorreu que os profissionais que atuavam
nessas duas incompletas pediram exoneração durante o período da coleta de
dados, mas isso não prejudicou o estudo, pois eles não participavam como sujeitos
desta pesquisa.
Em relação à participação no Curso de Especialização em Saúde da
Família oferecido pelo Pólo de Capacitação em Saúde da Família da Universidade
Federal de Minas Gerais, em convênio com SMSA, somente foram capacitados um
médico generalista e três enfermeiras, sendo que, os médicos generalistas da ESF 3
e da ESF 4 já estão inscritos para próxima turma, com início previsto no mês de
agosto de 2005.
A princípio, foram planejadas, segundo informações da gerente, em
decorrência do número da população adscrita à UBS, cinco equipes de Saúde da
Família, mas a gestão do nível central decidiu, após a redivisão dos setores
censitários pelo IBGE e a reclassificação do índice de vulnerabilidade de risco pela
SMSA (BELO HORIZONTE, 2003b), que não se daria prioridade à implantação de
ESF em área de baixo risco, como era o caso da 5ª ESF nessa unidade. A
população dessa ESF foi, então, redistribuída entre as equipes de Saúde da Família
3 e 4, o que levou à readaptação e à vinculação entre ESF e comunidade, pois
40
houve mudança na área de abrangência das equipes, com transferência e redução
de ACS na UBS.
A gerente também informou que a distribuição da população de cada
equipe foi baseada nos dados do IBGE, censo 2000 (BELO HORIZONTE, 2004c),
da seguinte forma (FIG. 4): 3.524 usuários para ESF 1 (50% elevado; 31,2% médio e
18,8% baixo risco); 4.677 para ESF 2 (84,6% médio e 15,4% baixo risco); 5.786 para
ESF 3 (60,7% médio e 39,3% baixo risco); 6.080 para ESF 4 (48,6% médio e 51,4%
baixo risco).
FIGURA 4 – Área de abrangência da UBS por equipes de Saúde da Família e risco.
Fonte: GEREPI-NORTE, 2005.
A quantidade de pessoas por ESF contraria as recomendações do
Ministério da Saúde, que preconiza até no máximo 4.500 pessoas por equipe
(BRASIL, 2001), e também da SMSA, que limita em até 4.000 pessoas de risco
41
médio por equipe (BELO HORIZONTE, 2003b), e isso influencia no trabalho das
equipes de Saúde da Família, segundo os entrevistados.
A questão de excesso de famílias por equipes também está presente em
relação à Saúde Bucal, pois a unidade dispõe, dada a dificuldade de lotação dos
profissionais, somente de uma equipe de Saúde Bucal (ESB), composta por um
odontólogo, um técnico de higiene dentário, um auxiliar de consultório dentário
(ACD) e outro ACD de apoio, com a responsabilidade de atender a toda a população
adscrita. O preconizado pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2004c), entretanto, é de
que deve ser implantada uma ESB para cada duas equipes de Saúde da Família e
que atenda, em média, 6.900 habitantes cada uma.
2.2 SUJEITOS DA PESQUISA
Neste estudo, optou-se por assumir a proposição de Minayo (1998) de
que na pesquisa qualitativa a preocupação na seleção da amostra deve estar
voltada para o aprofundamento e abrangência da compreensão de um determinado
grupo social em vez de buscar números capazes de levar a uma simples
generalização dos resultados.
A escolha dos sujeitos foi intencional, ou seja, “os indivíduos sociais que
têm uma vinculação mais significativa para o problema a ser investigado”
(DESLANDES, 1999, p. 43). Os sujeitos desta pesquisa constituíram-se de nove
trabalhadores de uma equipe da Saúde da Família, ou seja, um médico, uma
enfermeira, duas auxiliares de enfermagem e cinco agentes comunitários de saúde,
que atuam na UBS da Regional Norte de Belo Horizonte. Como critério de inclusão
desses sujeitos, só faria parte da pesquisa a equipe completa, independentemente
do vínculo empregatício dos trabalhadores, efetivos, contratados ou municipalizados.
A escolha dessa equipe se deu aleatoriamente, conforme disponibilidade e
concordância dos trabalhadores da saúde em participar da pesquisa.
A equipe de Saúde da Família que participou deste estudo foi implantada
a partir de julho de 2002 e contava, no início, somente com dois auxiliares de
enfermagem, seis ACS e um médico generalista contratado e, posteriormente, com
42
uma enfermeira transferida de uma ESF de outra UBS da Regional Norte. Essa ESF,
durante os primeiros anos, sofreu várias mudanças em relação aos agentes
comunitários, em decorrência da redivisão dos territórios de abrangência das
equipes da unidade, instituída pela SMSA. Mas os outros integrantes permanecem
até hoje, sendo que o médico generalista foi efetivado após concurso.
Durante o estudo, considerando que a flexibilidade da metodologia
permite tal conduta (LÜDKE; ANDRE, 1986), foram incluídos quatro informantes-
chave, que se ofereceram para participar do estudo e se relacionam com essa
equipe no seu trabalho cotidiano, a saber, a gerente, que anteriormente atuava
como enfermeira, e três trabalhadores da saúde da primeira ESF implantada nessa
unidade. Desses, uma auxiliar de enfermagem e um médico, que estão nessa UBS
desde que ela funcionava em outro local, a primeira desde a sua fundação e o
segundo, a partir do final da década de 1980. Havia também uma enfermeira que
ingressou na atenção básica na década de 1990 e coordenou o PACS nessa
unidade e, portanto, participou de todo o processo de implantação do BHVIDA:
SAÚDE INTEGRAL.
A faixa etária dos sujeitos variou entre 29 e 63 anos, sendo dois somente
do sexo masculino. O tempo de trabalho no PACS/PSF gira em torno de três a cinco
anos. Somente os cinco agentes comunitários são terceirizados pela SMSA; os
demais são efetivos, com previsão de aposentadoria de duas auxiliares de
enfermagem para mês de julho deste ano. Isto mostra que todos os entrevistados
vivenciaram o processo de implantação do BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL.
Todos os sujeitos desta pesquisa foram informados sobre o tipo e objetivo
da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento (ANEXO
1) em cumprimento à Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, sobre
pesquisa com seres humanos, antes de realizadas as entrevistas. As entrevistas
foram agendadas previamente, de acordo com a disponibilidade dos entrevistados,
gravadas para garantir a fidedignidade dos dados, sendo preservados o anonimato e
a utilização das informações somente para fim desta pesquisa. As entrevistas foram,
então, identificadas pelas iniciais da letra correspondente a cada profissão e seguida
de um número de acordo com a quantidade de cada categoria profissional
entrevistada: médico- M1 e M2; enfermeiro- E1, E2 e E3; auxiliar de enfermagem-
43
AE1, AE2 e AE3; agentes comunitários de saúde- ACS1; ACS2; ACS3; ACS4 e
ACS5.
2.3 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS PARA COLETA DE DADOS
Uma vez definido como cenário uma UBS do Distrito Norte, foi feito
contato com gestor distrital e com a gerente da unidade para a apresentação do
projeto e a solicitação de autorização para coleta de dados. Antes de iniciar o
trabalho de campo, o projeto foi encaminhado e aprovado pelos Comitês de Ética e
Pesquisa da SMSA-PBH (ANEXO 2) e da UFMG – COEP/UFMG (ANEXO 3).
A obtenção dos dados da experiência se deu por meio das descrições dos
sujeitos que as vivenciam e da observação direta do trabalho cotidiano da ESF. Os
significados desses eventos ocorreram de março a junho de 2005.
Nesse sentido, para compreender o objeto de estudo sob a ótica dos
trabalhadores da saúde, utilizou-se entrevista individual com um roteiro semi-
estruturado (ANEXO 4) para a obtenção dos dados primários, pois, segundo Cruz
Neto (1999, p. 57), esse instrumento “se insere como meio de coleta dos fatos
relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objeto da pesquisa que vivenciam uma
determinada realidade que está sendo focalizada”.
A entrevista possibilitou, por meio da fala dos sujeitos, a obtenção dos
dados referentes a “fatos; idéias, crenças, maneiras de sentir, maneiras de atuar;
conduta ou comportamentos presentes ou futuro; razões conscientes ou
inconscientes de determinadas crenças, sentimentos”, conforme afirma Jahoda,
citado por Minayo (1998, p. 108). Fez emergir a visão, os juízos e as relevâncias a
respeito dos fatos e das relações que compõem o objeto, do ponto de vista dos
atores sociais, permitindo, também, ampliar e aprofundar a comunicação entre o
entrevistador e entrevistado.
Machado (1997, p. 40) considera que por meio da entrevista pode-se
compreender as percepções da situação real existencial do sujeito, ou seja, “os
construtos que participam da experiência do senso comum do mundo intersubjetivo
da vida cotidiana”.
44
A coleta dos dados se deu até o momento em que ocorreu a repetividade
dos discursos, chegando, então, à saturação das informações, ou seja, a partir do
ponto que estas se tornaram redundantes (BODGAN; BIKLEN, 1994).
Os dados primários foram coletados mediante observação direta dos
eventos do dia-a-dia do grupo estudado, no sentido de “captar uma variedade de
situações ou fenômenos que não são obtidos por meio de perguntas, uma vez que,
observados diretamente na própria realidade, transmitem o que há de mais
imponderável e evasivo na vida real” (CRUZ NETO, 1999, p. 60); ou seja, a
experiência em suas diversas dimensões, o vivido, em toda sua concretude, o
sentimento ou a paixão (MAFFESOLI, 1987).
Essa técnica de coleta de dados possibilitou um contato pessoal e estreito
do pesquisador com o seu objeto de estudo, levando a uma proximidade com a
“perspectiva dos sujeitos” e à apreensão do significado que eles atribuem à
realidade que os cerca e às suas próprias ações (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Isso
permitiu ao pesquisador selecionar os sujeitos da pesquisa com maior segurança e
pertinência e, posteriormente, com os dados coletados, complementar a análise das
entrevistas.
A opção pela observação direta do trabalho cotidiano das equipes de
Saúde da Família não é no sentido de simplesmente olhar esse fenômeno social,
mas, sim, de destacar seus aspectos aparentes e mais profundos, captando suas
contradições, dinamismos e relações (TRIVIÑOS, 1987, p. 153).
Para a coleta dos dados secundários foram utilizados documentos obtidos
na instituição, ou seja, projetos do Ministério da Saúde e da SMSA-BH, atas de
reuniões e relatórios sobre o trabalho da equipe de Saúde da Família.
A utilização desses documentos não serviu apenas como fonte de
informações contextualizadas, mas surgiu num determinado contexto que fornece
informações sobre esse contexto. Além disso, são retiradas evidências que
fundamentam afirmações e declarações do pesquisador. A escolha por mais de uma
técnica para a coleta de dados se aplica a um dos princípios do estudo de caso
(LÜDKE; ANDRÉ, 1986).
As anotações de campo referentes às descrições e reflexões sobre as
ações, atitudes e expressões verbais e não verbais dos sujeitos durante as
entrevistas individuais e a observação direta foram registradas num diário de campo
45
imediatamente após cada observação e posteriormente analisadas. Fez-se, em
seguida, a triangulação dos dados, ou seja, as múltiplas informações como prova
eficiente de validação foram combinadas e confrontadas (MINAYO, 1998).
2.4 ANÁLISE DOS DADOS
Para a compreensão dos dados empíricos, utilizou-se a técnica de análise
de conteúdo temática, pois por meio dela busca-se, mediante a leitura de primeiro
plano, atingir o que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das
aparências do que está sendo comunicado. Relacionaram-se, assim,
estruturas semânticas (significantes) com estruturas sociológicas
(significados) dos enunciados. Articula-se a superfície dos textos
descrita e analisada como fatores que determinam suas
características: variáveis psicossociais, contexto cultural, contexto e
processo de produção de mensagem (MINAYO, 1998, p. 203).
A opção pela análise temática consiste na descoberta dos núcleos de
sentido que compõem uma comunicação, de forma que a presença ou freqüência
seja significativa para o objetivo analítico visado (BARDIN, 1995; MINAYO, 1998).
Para isso, foram necessárias as seguintes etapas:
1ª) Pré-análise – Consistiu, após transcrição literal das entrevistas e
leitura flutuante e exaustiva do material e das anotações do diário de campo, na
tentativa de apreender seu conteúdo e desvelar, assim, “mensagens implícitas,
dimensões contraditórias e temas sistematicamente silenciados” (LÜDKE e ANDRÉ,
1986, p. 48). Após as leituras flutuantes e lineares, o material foi organizado de
acordo com as normas de validade (exaustividade, representatividade,
homogeneidade e pertinência) e as unidades de registro, a unidade de contexto, os
recortes, a forma de categorização, a modalidade de codificação e os conceitos
teóricos mais gerais que orientaram a etapa desta análise foram determinados.
2ª) Exploração do material – Consistiu na transformação dos dados
brutos. Inicialmente, recortou-se o texto em unidades de registro (palavra, frase ou
46
tema) para a compreensão da fala dos sujeitos. Esses dados foram agregados e
classificados em categorias teóricas ou empíricas, ou seja, “aquelas que têm a
propriedade de conseguir apreender as determinações e as especificidades que se
expressam na realidade empírica” (MINAYO, 1998, p. 94). As categorias empíricas
foram as seguintes:
1 Uma história construída na prática cotidiana: mudanças vividas.
2 As práticas de integralidade como construção cotidiana:
2.1 As práticas de integralidade vivenciadas.
2.2 Dificuldades encontradas
2.3 Espaços de interação
3ª) Tratamento dos resultados obtidos e interpretação – Após a etapa
anterior, as categorias foram analisadas a partir de inferências e interpretações
previstas no referencial teórico levantado ou sugeridas pela leitura do material.
47
3 COMPREENSÃO DOS DADOS
3.1 UMA HISTÓRIA CONSTRUÍDA NA PRÁTICA COTIDIANA: MUDANÇAS
VIVIDAS
O processo de mudança para a construção do SUS na UBS em estudo é
descrito por três grupos distintos de sujeitos. Do primeiro grupo fazem parte os
trabalhadores que estão nela desde sua fundação, no final da década de 1970,
quando a UBS funcionava em outro local. Vivenciaram, portanto, diferentes
propostas de organização da assistência à saúde, antes e depois da instituição do
SUS. O segundo constitui-se de trabalhadores que ingressaram na década de 1990,
para viabilização do Projeto Vida e da estratégia do acolhimento na UBS. E o
terceiro é formado por aqueles trabalhadores incorporados a partir de 2000, com a
implantação do PACS e, conseqüentemente, da estratégia de reorientação do
modelo tecno-assistencial.
Pode-se dizer que esses dois últimos grupos não conviveram com as
experiências anteriores ao SUS, pois já entraram com a proposta em andamento.
Diferentemente do primeiro, no qual se percebe, pelos discursos, nítidas mudanças
na assistência à saúde após a década de 1990, consideradas positivas tanto para o
trabalhador quanto para o usuário. Os sujeitos descreveram o movimento de
mudança ocorrido no cotidiano e as influências que tiveram na reorganização do
processo de trabalho da UBS, contribuindo, assim, para implantação do SUS em
Belo Horizonte.
O relato a seguir retrata como a assistência a saúde na atenção básica
mudou a partir de 1993 com o novo cenário político de Belo Horizonte, ou seja,
Do Patrus pra cá mudou demais. Nossa... aqui era assim: a pessoa
chegava pra marcar a consulta,e ‘ah, num tem mais vaga’. A pessoa
dormia à noite aí pra conseguir uma vaga. Você num tinha essa
abertura que tem hoje de chegar perto do médico e falar com ele:
‘Olha doutor, chegou uma pessoa com uma dor muito forte’, e ele
fala: pega um acesso. Aí ele me dá a receita e eu já vou, antes dele
ver o paciente ele quer que a gente acabe com a febre ou a dor pra
poder examinar. (AE1)
48
A partir da década de 1990, a Secretaria de Saúde tornou-se gestora de
todo o Sistema de Saúde, com autonomia na definição de sua política de saúde. Em
um primeiro momento, observa-se outra lógica de atendimento na UBS, com a
implantação da Vigilância à Mortalidade Infantil – Projeto Vida – e a estratégia de
reestruturação do processo de trabalho com o acolhimento. Posteriormente, houve a
implantação do PACS-BH VIDA, considerada uma estratégia de transição para o
PSF-BH VIDA SAÚDE INTEGRAL.
O processo de discussão do acolhimento nessa UBS iniciou-se em 1996 e
somente em 1997 foi implantado o acolhimento de pediatria (E2) na unidade.
Geralmente era uma enfermeira que fazia o acolhimento das crianças pela manhã e
uma outra à tarde, ou seja, à medida que ia chegando à gente ia acolhendo,
avaliava as crianças que vinham buscar os serviços. E não tínhamos este acesso
que a gente tem hoje de estar indo à comunidade (E2). O acolhimento da pediatria
possibilitou aos profissionais começarem a conhecer a realidade da comunidade
mediante a escuta dos problemas demandados pela população que buscava a
unidade e a criar vínculo com esses usuários. Por isso, eles começaram a se
indignar com as situações vividas pelos adultos, ou seja, a gente saía chateado de
ver... Sete horas da noite já tinha gente com colchãozinho ali fora (E3), para garantir
o acesso a uma ficha para consulta médica no dia seguinte. A partir disso, a gerente
e com a equipe de saúde implantaram, em 1998, o acolhimento do adulto na
unidade, e então conseguimos acabar com a fila, por causa do acolhimento (E3).
Tal estratégia, de acordo com Malta e Merhy (2002, p. 80), permitiu
reflexões coletivas sobre a saúde como direito de cidadania, resgatando no cotidiano
o espaço de trabalho como lugar de sujeitos; e ainda “a ampliação do acesso, a
integralidade na assistência, a resolubilidade, a responsabilização clínica e sanitária,
através das mudanças na micropolítica do processo de trabalho em saúde”. Além
disso, foi possível retomar a reflexão sobre a universalidade na assistência e a
dimensão da governabilidade das equipes locais para que pudessem intervir nas
práticas de saúde.
Paralelamente ao início do acolhimento na UBS, foi sendo implantado o
Projeto Vida, no qual os profissionais tinham de acompanhar todos os recém-
nascidos da área de abrangência de acordo com alguns critérios de risco incluídos
nas declarações de nascimento (DN) recebidas na unidade para a busca ativa
49
(MALTA et al. 1998). Então, cabia à equipe de enfermagem as visitas domiciliares,
em uma busca ativa às crianças faltosas ou de alto risco, isto é, a DN a gente ia nas
casas (AE3):
Eu sempre trabalhei desse tipo que é hoje. Quando começou essa
parte do programa do Projeto Vida, o programa dos recém-nascidos
de riscos, eu tomei a frente. Então desde essa época eu já visito já
passo pras enfermeiras, já passo pro médico, se tinha uma criança
precisando eu já passava pro médico, quer dizer que pra mim a única
coisa que alterou é que agora a gente já tem a equipe formada,
então tem uma pessoa que eu já posso ir direto... Eu parei de mexer
com aquilo depois que entrou as ACSs. (AE1)
Evidencia-se neste discurso uma mudança no processo de trabalho na
UBS, principalmente com o início do acolhimento e do Projeto Vida, e posteriormente
quando começou o processo de implantação do Programa de Agente Comunitário
(PACS). Aí com isso, a demanda do centro de saúde começou a aumentar (E2).
Portanto, a equipe de saúde teve de se reestruturar para atender a toda essa
demanda:
Mas com o PACS a demanda aumentou muito, porque a gente
descobriu as pessoas que até então não sabiam que este centro de
saúde era referência. Eles chegaram querendo assistência. Aí foi um
passe para implantação do PSF, que acabou tendo que ser
implantado mesmo, porque a demanda foi grande, a população tava
querendo. Já que tinha uma mídia toda falando e os ACS divulgando.
À medida que saiu do PACS para ficar como PSF, foi uma coisa até
mais tranqüila, porque a gente já conhecia as nossas áreas. [...] Foi
uma coisa gradual, assim, nunca, os pacientes da outras áreas por
não ter, por exemplo, equipe 3, equipe 4, deixou de ser assistidos
pela equipe 1 e 2. (E2)
Entende-se que o PACS veio para começar a estruturar o serviço que era
o primeiro passo para da introduzindo o PSF (E2), mas antes mesmo da implantação
das primeiras equipes de Saúde da Família em 2001 na UBS observou-se o
aumento da demanda espontânea na unidade, decorrente da divulgação, pelo ACS
e pela mídia, dos serviços ofertados no centro de saúde.
O discurso da enfermeira
revela que aceitou a coordenação dos agentes comunitários nessa UBS, pois não só
ela, mas tanto os profissionais quanto os usuários teriam a ganhar com a
implantação do PACS, ou seja,
50
para mim seria mais tranqüilo porque eu moro perto e também eu
achava que o programa valia pena para nós profissionais de tá
investindo, para melhorar a nossa qualidade da assistência, para a
gente saber mais a respeito da nossa população. Acho que a gente
teria a ganhar com a implantação do PACS. (E2)
O PACS tinha como
objetivo principal daquele momento fazer o
cadastramento das famílias da nossa área de abrangência (E2). Por meio desse
diagnóstico da população, o profissional da saúde pode se aproximar mais da
realidade da comunidade e perceber as deficiências na infra-estrutura da UBS, que
ia desde a falta de estrutura física e de material até de pessoal, necessários para
prestar uma assistência de qualidade e resolutiva:
Os ACS vieram como uma força de trabalho muito grande pra nós,
um apoio porque através deles nós conhecemos a população que a
gente trabalha... A gente tava oferecendo o serviço, mas a gente não
tinha estrutura, assim física, pra da recebendo a população. Número
de funcionários, número de médicos. Eles através do cadastramento
até mesmo para eles serem recebidos eles tinham que falar o que
eles eram e o que o centro de saúde estava oferecendo. [...] eles
traziam os problemas pra gente tentar resolver. E, até então, a gente
não tinha estrutura até pra tá indo na comunidade pra tá resolvendo
os problemas. Porque a nossa atenção era voltada para dentro do
centro de saúde e não pra fora. E aí a gente tentava, como por
exemplo, uma visita domiciliar, eu tinha um clínico de manhã que
atendia 12 consultas e um clínico à tarde pra atender 12 consultas e
era marcação na fila pra quem chegassem primeiro de manhã tinha
direito a consulta. A gente tinha uma vantagem que o M 2, quando o
paciente precisava, ele já ia fazer visita domiciliar em alguns
pacientes. (E2)
Evidenciou-se com o PACS que atenção à saúde na UBS era totalmente
voltada para consulta individual, centrada no profissional médico, que se limitava,
conforme o discurso, a atender 12 consultas, com marcação na fila para quem
chegasse primeiro de manhã tinha direito a consulta. Então, o discurso teórico do BH
VIDA era, a princípio, implantar o PACS considerado assim, segundo o Ministério da
Saúde (BRASIL, 2001), uma estratégia transitória para o estabelecimento de
vínculos entre o serviço de saúde e a população até a implantação do PSF,
enquanto a Saúde da Família seria a estratégia de reorganização da atenção básica
como eixo de reorientação do modelo assistencial. Na verdade, na prática, a partir
do momento em que os problemas da população iam sendo levantados pelos
51
agentes comunitários, estabeleciam-se vínculos. A equipe de saúde buscava
resolutividade, mesmo sem ter estruturado o PSF.
[...] que o objetivo deles nesse programa também é isso é desafogar
os hospitais, pra lá só vai casos que seja de hospital não é isso?
Então desafogou os hospitais, acredito que o objetivo deles era esse,
o que for resolvido na unidade básica da saúde vai ser resolvido no
posto, o posto pode resolver um monte de coisa, pelas equipes de
saúde. Porque antes pessoa passava mal, vomitava, com dor de
cabeça, diarréia, corria pros hospitais, ficava tudo lá nos corredores,
agora com esse negócio de saúde da família, com esse tanto de
informações, então agora ele sabem que não precisam correr pra lá.
(ACS1)
Os objetivos do PSF em si...? de atenção primária à saúde? Então,
quando você tem a atenção primária, você acaba tendo muito mais
trabalho do que ficar tratando doenças que já são crônicas... que já
debilitaram uma paciente... causam internações... Isso sempre tem
um fundo financeiro, porque isso dá menos gasto também. Então, a
prefeitura investe na saúde da família, porque a saúde da família
diminui os gastos de internação de idosos, pra que desafogue um
pouco os hospitais de pronto socorro, as policlínicas, os serviços de
urgência... Então, o PSF faz isso. A gente controla essas doenças
que são as causas principais de morbidade, internações, que são a
hipertensão, diabetes, esses pacientes não vão num hospital
controlar isso. Então, a gente controla isso melhor e faz controle de
natalidade, vacinação de criança... doenças... da pediatria. Então, o
PSF inclui isso e acaba desafogando um pouco o sistema... Talvez
seja esse o grande objetivo. O SUS quer sempre que tenha um
pouquinho de custo. Hoje em dia parece que a finalidade de tudo é
sempre pensar um pouquinho em ganhar, em desafogar... tirar
prejuízo... ter lucro. (M1)
Os enunciados revelam o que se espera com a implantação do PSF no
município de Belo Horizonte, ou seja, a prefeitura investe na saúde da família,
porque diminui os gastos de internação de idosos, para que desafogue um pouco os
hospitais de pronto socorro, as policlínicas, os serviços de urgência. Na verdade, se
não houver reorganização da atenção básica, com investimento na prevenção e na
promoção da saúde, a população tende a buscar os serviços de maior complexidade
e, com isso, a aumentar os gastos e a agravar a crise financeira do setor saúde.
Então, o Ministério da Saúde implantou o PSF “com a expectativa de imprimir nova
dinâmica na organização dos serviços e ações de saúde, com maior integração e
racionalidade na utilização dos níveis de maior complexidade assistencial, e impacto
favorável nos indicadores de saúde da população assistida” (CAETANO; DAIN,
52
2002, p. 13). Portanto, o PSF é considerado como a principal resposta oferecida
pelos órgãos governamentais à crise do modelo assistencial (FRANCO; MERHY,
2003).
Os entrevistados consideram positivas as mudanças provocadas pelo
PSF tanto para os trabalhadores da saúde quanto para os usuários:
Houve uma melhoria, assim, fantástica. [...] eu praticamente nestes
quatro anos, eu já pude perceber qual a carência de cada um. Qual a
maior necessidade que cada um precisa. Isto é bom, porque isso já
traz, já reforça o tratamento. Você saber o que vai fazer... programar
as ações. (M2)
Houve uma mudança pra melhor, porque hoje o usuário que procura
o centro de saúde,... da equipe,... aqueles pacientes que são mais
crônicos, que vêem sempre na unidade ou que participa do grupo ou
que a gente faz visita;a gente conhece. (E2)
Essa mudança trouxe uma melhoria pro povo, porque geralmente,
era mais um grupo fechado, não tinha uma porta aberta assim, a
gente atendia, mas não era como hoje que tem as equipes, cada um
tem referência de chegar e procurar, conseguir, ligar de lá pedindo,
nós estamos precisando de um médico, de uma enfermeira. [...] É
coisa de outro mundo, PSF levar exame na casa da gente. Pessoa
vem até aqui, isso é bom demais. Pra comunidade é muito bom, não
é? (AE3)
[...] foi a melhor coisa que podia acontecer esse PSF, melhor coisa
que aconteceu em Belo Horizonte, porque já tinha várias cidades. [...]
Então o povo tá feliz demais com esse PSE. Os idosos então você
vai fazer visita pra eles, você vê a carinha deles de felicidade quando
o médico chega, eles nunca tiveram isso aqui em Belo Horizonte,...
aquela assistência, aquele carinho, que a pessoa sente quando você
chega... (ACS1)
E agora, com o Programa de Saúde da Família, a gente conhece
melhor as pessoas. Ele não é só um paciente, ele passa a ser... a
fazer parte da vida da gente. [...] porque parece que eles têm uma
amizade, [...] Antigamente era mais... quer dizer, no início, quando
tinha menos médico, era um paternalismo. Agora, num tem esse
paternalismo, mas tem um atendimento, assim, mais integrado. Você
tá mais perto do paciente. Antigamente era assim: num tinha aquele
negócio da equipe tá fazendo seu acolhimento. Quem tava na
portaria marcava a consulta pro médico. [...] Tinha fila lá fora, mas
era tanta gente, que eles não sabiam nem pra quem que ia marcar
[...] Muita gente comprava a ficha da consulta. Agora num existe mais
isso. [...] Eu acho que agora tá melhor... Hoje, ninguém sai sem
marcar uma consulta. Todo mundo que vai no acolhimento no
horário, a gente marca uma consulta. Mesmo que vai depois do
horário, ela num sai sem resposta. Mesmo que não seja só consulta.
Qualquer resposta, qualquer coisa que a pessoa precisar. Que seja
53
uma informação, a gente num sabe, a gente vai ligar pro órgão que a
gente sabe que pode informar. [...] eu pergunto à minha colega.
Então, a gente pode tá sempre conversando, procurando sempre
uma resposta pro paciente. (AE2)
Observa-se que, com o fato de as equipes de Saúde da Família terem
responsabilidade por determinada população, o médico passou a se envolver
também com as questões relacionadas ao acolhimento, pelo menos dando
retaguarda à equipe de enfermagem:
Nosso acolhimento de pediatria sempre foi o dia inteiro. Atualmente
nós estipulamos uma enfermeira que faz o acolhimento de pediatria
de todas as equipes de manhã. No horário de almoço geralmente
tem uma enfermeira aqui na unidade e a tarde, as pessoas vão pro
trabalho de campo, vai pra visita, pros grupos que são na
comunidade. Então a enfermeira que está aqui na unidade,
indiferente da equipe pede pra avaliar a criança, aí avalia. Se tiver
pediatra na unidade e tiver vaga, a gente coloca pra o pediatra e se o
médico da equipe da criança da aí, a gente da encaminhando pro
médico da equipe. Se não tiver médico (o que agora é muito difícil de
estar acontecendo isso) aí o enfermeiro da unidade se tiver
precisando de uma consulta de urgência, manda pra policlínica. Para
ir para policlínica agora tem que até mesmo avaliação médica,
quando ele vê que não pode fazer nada na unidade. [...] Eu vou atrás
do médico que está com mais vaga, que o acolhimento tá mais
tranqüilo e quando eu vejo que o bicho tá pegando, que ninguém
pode ai eu venho oh, M1, por favor, atende pra mim. (riso) Porque o
M1, pra começar ele tem o perfil de médico de urgência e ele atende
aqui em baixo, então, quando é urgente, mesmo, a gente bate e ele
já vai. Quando dá tempo pra chamar os outros médicos das outras
equipes, [...] eu vejo qual médico tá mais folgado, pra também não
sobrecarregar o M1, só porque tá atendendo nesta sala, que ele vai
atender todas as urgências que chegar ali. (E2)
Parece que começou... primeiro E2 ficava fazendo o acolhimento
geral do adulto. Então tinha assim: cinqüenta, sessenta pessoas na
fila a manhã inteira. Na verdade, tinha só duas enfermeiras até eu
chegar, uma fazia de criança e a outra fazia de adulto. Elas
distribuíam tudo para os médicos que estavam atendendo. Aí depois
quando eu cheguei, nós começamos a dividir o acolhimento de
adulto por equipe. E o da pediatria continuou geral, como é até hoje...
Não separou por equipe. Porque tem duas pediatras. Neste caso a
gente ocupa as vagas dos pediatras, caso agudo. (E1)
Mas, hoje em dia é mais fácil de... a pessoa conseguir as coisas.
Antigamente era mais difícil. No sentido de conseguir as consultas...
a pessoa tinha que dormir... passar a noite pra marcar uma consulta.
Hoje em dia num precisa mais disso. Hoje em dia tem tanto perigo,
tanta violência. Eu acho o que cada um puder fazer pra tá ajudando o
outro. Seja um paciente da gente, ou de outro lugar... a gente tem
54
que tá fazendo... Mesmo que num seja da nossa equipe, que num
seja da nossa... comunidade, que pertença a outro posto de saúde.
O primeiro atendimento a gente dá. Nunca nega não. Aí depois a
gente manda procurar o caminho certo. Se puder acompanhar, a
gente acompanha. Se num puder a gente põe eles no caminho. Na
equipe deles, mostra o caminho pra eles. (AE2)
Os sujeitos descrevem o acolhimento como uma postura acolhedora dos
trabalhadores durante todo o tempo, pois eles não se restringem somente a ficar
numa sala determinado horário, mas buscam escutar e dar respostas às demandas
de todo usuário que procura o serviço. Além disso, procuram reorganizar o processo
de trabalho da UBS, que articula as ações de diferentes profissionais de saúde para
prestar uma assistência mais resolutiva. Portanto, entende-se o acolhimento nas
suas três dimensões, apresentadas, por Silva Júnior e Mascarenhas (2004, p. 243-
246): como postura, como técnica e como princípio de reorientação de serviços. O
acolhimento “como postura, pressupõe a atitude, por parte dos profissionais e da
equipe de saúde, de receber, escutar e tratar humanizadamente os usuários e suas
demandas”, abrangendo ainda as relações intra-equipe e equipe-usuário. Na
dimensão técnica, o acolhimento “instrumentaliza a geração de procedimentos e
ações organizadas. Tais ações facilitam o atendimento na escuta, na análise, na
discriminação do risco e na oferta acordada de soluções ou alternativas aos
problemas demandados”. E como reformulador do processo de trabalho ou diretriz
de serviço, o acolhimento pontua problemas e oferece soluções e respostas.
Identificam-se as demandas dos usuários e, com isso, rearticula-se o serviço”.
O acolhimento, então, possibilita que a ESF identifique as necessidades
de saúde da sua população e reorganize suas ações de saúde:
Quando o paciente chega no acolhimento a gente já define,
principalmente do adulto qual enfermeira que vai tá atendendo,
porque geralmente a enfermeira que faz, a não ser que ela tenha
outra atividade ou por alguma falta, o auxiliar da equipe que faz.
Então, a gente já tem a referência ou os auxiliares já sabem pra onde
definir. E o enfermeiro quando ele termina o acolhimento dele,
sempre tem alguém aqui no corredor pra tá avaliando os casos
agudos, porque os casos agudos indiferente da equipe eles são
atendidos. (E2)
Então hoje já tem essa facilidade. Quando a pessoa chega, eu já
posso oferecer alguma coisa. Antes a gente não tinha nada disso.
Você num tinha condições, num tinha gente,... enfermeira... Então
55
era assim, doze consultas e morreu assunto, você não podia marcar
pra depois; tinha que vir de madrugada ou então você tava muito
ruim, você já tinha que mandar pra policlínica. (AE1)
Uma coisa que a gente implementou é o acolhimento feito por mim.
Eu achei isso válido até pra tirar o sufoco que tava. Por que, o
acolhimento feito pela E 2 ela tem uma resolutividade. O acolhimento
feito pelo auxiliar de enfermagem é outra resolutividade. Quando o
acolhimento é feito por mim, essa resolutividade é muito maior. É,
assim, tipo uma consulta mesmo mais objetiva, você vai naquilo que
o paciente veio buscar. Eu faço ele concentrar naquela queixa
principal, naquilo que mais está incomodando ele. [...] quando é
consulta programada, eles vêm falam o que querem, têm o tempo,
pois eu dou toda liberdade, disponível que precisa. Mas no
acolhimento, eu tenho que ser mais objetivo, porque eu vou atender
30 a 40 pessoas. [...] em reunião de equipe, a gente determinou, toda
segunda-feira, eu tô no acolhimento. Eu não agendo nada, porque se
é eu que tô fazendo o acolhimento não tem necessidade de eu
agendar. Então, a agenda fica toda livre pra quem vai pegar o
acolhimento nos outros dias. Isso tem dado uma resolutividade
grande, melhorou bastante a nossa demanda, em termo de não
deixar de acolher ninguém. Então, a gente dá uma resposta pra cada
um que chega aqui na segunda-feira. [...] a gente conseguiu com isso
concentrar todas as consultas naquela semana, pra não ficar jogando
consulta pra semana que vem igual acontecia antes. Acho que é uma
coisa até inédita pra o pessoal dos outros Centros de Saúde,
trabalhar o médico com o acolhimento. (M2)
Os enunciados revelam que as mudanças na lógica do atendimento
provocadas pelo o acolhimento foram mais evidentes após o PSF, pois a equipe, ao
se tornar referência para os usuários, acabam criando vínculos e têm uma atitude
mais acolhedora, procuram dar uma resolutividade para os problemas por eles
demandados.
O PSF possibilitou que o trabalhador de saúde conhecesse as reais
necessidades de saúde do usuário indo ao espaço em que ele vive, seu domicílio, à
comunidade dele, e estabelecesse um vínculo entre eles e uma co-
responsabilização para a resolução dos seus problemas. Isso provocou mudanças
no processo de trabalho da UBS, pois houve a ampliação do acesso do usuário ao
serviço de saúde, uma postura acolhedora da ESF e a integração dos trabalhadores
da saúde, procurando sempre uma resposta para o paciente (AE2).
O objetivo é que nem todas as pessoas têm condições de pagar um
táxi, tem carro próprio... de vim ao posto de saúde. Fica em casa
passando mal, até que caia num estado que precisa chamar o SAMU
ou um serviço qualquer... Pois é, essa parte eu acho que foi
56
excelente na unidade, porque você chega e tem aquele pessoal da
sua equipe com o tempo que você já trabalha eles já te conhecem, já
chegam... vai direto na gente [...] O agente comunitário, o médico ir
na casa, o enfermeiro, auxiliar, todo mundo fazer a visita é muito
importante! (AE1)
Eu só ficava na farmácia à tarde. Mas, agora eu já participo de tudo
na unidade, eu fico rodando, faço um pouco a sala de vacina, fico no
corredor, tem curativo que eu fico só de manhã. Acolhimento eu faço,
quando precisa. Faço grupos, visita, às vezes tenho que fazer
alguma injeção, algum curativo fora. [...] Às vezes até tem uma
escala, mas nem sempre a gente cumpre aquilo ali, sabe? Às vezes
falta uma pessoa a gente tem que modificar. É a enfermeira que faz
rodízio. Ela que define o que a gente vai fazer. Aí delega função.
Uma pessoa vai pra sala de vacina, a outra vai pra recepção. (AE2)
E eu acho que trabalhar também com esse tanto de enfermeira é
mais fácil, do que antigamente quando era duas ou uma. A gente
sofria muito mais. Às vezes eu penso como é que a gente dava conta
de fazer algumas coisas... tanto de coisa e a gente não ficava fora.
Porque antigamente a gente não fazia visita, a gente não ficava lá
vendo todos os curativos... a gente consegue fazer uma escalinha
assim, sabe?..., quando não tem ninguém de licença ou de férias...
em cada setor fica uma enfermeira. Então, uma semana na pediatria,
a gente ainda não conseguiu separar a pediatria... acho que nós não
temos nem interesse de separar, sabe? Mesmo porque pra mim, na
minha equipe seria ótimo! Nós já fizemos um levantamento, a minha
equipe e a 4 é a que menos traz criança. Porque, é... a nossa equipe
é mais adulto. (E1)
Agora eu acho que tá mais dividido, o pessoal tem aquele médico
certo... enfermeira certa. Num fica aquele negócio, um pra um, pra
outro. Acho que ficou muito melhor depois das equipes montadas.
Não tem aquele negócio do pessoal dormir na fila... é atendido no
mesmo dia... eu acho que foi 100% melhor mesmo. A gente passava
aí, tinha pessoal dormindo na fila. Depois das equipes montadas,
isso acabou... a gente que vai atrás das pessoas. A pessoa chega de
manhã, tendo vaga, é atendida no mesmo dia. Eu acho que eles
resolvem bastante. Sempre que trouxe problemas, foi resolvido... O
trabalho da gente, dia-a-dia vai aumentando. Sempre tem uma coisa
nova pra gente fazer. (ACS5)
Observa-se um movimento de mudança no processo de trabalho,
principalmente a partir da implantação do PSF nas unidades, que vem refletindo na
organização da assistência à saúde, apesar de todas as dificuldades enfrentadas
pelas equipes de Saúde da Família. Percebe-se que, com a entrada dos agentes
comunitários de saúde na UBS, um trabalhador leigo e ao mesmo tempo usuário da
comunidade mudou suas relações de trabalho dentro da equipe de saúde. A
princípio, com o PACS, a equipe de saúde não considerava muito o saber do ACS,
57
assim como o usuário. Ao longo do tempo, os trabalhadores de saúde foram
interagindo com o agente comunitário e reconhecendo a importância desse saber,
principalmente após a formação da ESF, para sua prática cotidiana. Isso gerou
mudança na relação não só com ACS, mas também com usuário.
O usuário, a partir do momento em que é chamado a conhecer a
proposta, percebe que o serviço de saúde tem melhorado e o PSF busca melhorar
(ACS3) cada vez mais. Isso faz com que a população participe ativamente desse
processo, como expressa um dos respondentes que aponta que se tem uma
comissão local é atuante, que te ajuda, programa as reuniões de conselho local, não
fica naquela de só cobrar, cobrar (E3). Dessa forma, ela contribui muito para a
efetivação das mudanças, tanto com críticas quanto reconhecendo o trabalho da
ESF.
Com a formação das equipes de Saúde da Família na UBS, vários
problemas vêm sendo resolvidos em menor tempo do que na época em que contava
com apenas uma equipe. No entanto, inicialmente, pelo vínculo que já havia se
estabelecido entre trabalhadores e usuários, nota-se que a redistribuição das
famílias entre as outras equipes gerou muito mais um sentimento de perda e de
insatisfação:
Eu lamento um pouco, de não poder servir as outras, também, os
pacientes que eu deixei de atender. Foi uma coisa talvez um pouco
triste que os pacientes, quando me vêm, assim, que são das outras
equipes, foram muitos anos de convivência. E isso, aí, ficou a
saudade de não tá podendo atender eles com aquela atenção que eu
dava (risos). Eles lamentam isso, e eu também lamento. Talvez, mas,
assim, isso é coisa que a gente vai vencendo aos poucos (risos).
Este cordão umbilical que fica (risos). No mais eu estou muito
satisfeito. (M2)
Quem fez o cadastro lá foi eu, que o setor era meu. Depois dividiu
com aquela divisão do IBGE passou pra ela... Então eu conheço
muita gente da área dela. Fora isso, não tem nada não. Nossa
equipe é tudo normal... Gosto demais. (ACS5)
A divisão foi essa equipe tal vai assumir tal área. Foi aquela divisão
que eles fizeram que eu não participei. A comunidade brigava demais
com a gente. [...] A gente sentiu a demanda muito maior, trabalhou
dobrado e deu o que tinha mesmo, pra poder conseguir chegar onde
nós estamos agora que tá mais tranqüilo... o povo já aceitou mais
que era só briga. Saiu da equipe do M2? Há, brigavam na secretaria,
eu não saio. Ainda existe umas pessoas, que fica resistente, tenta
furar fila, vem a noite, passa o bico, ele não sabe falar não, nem a
58
gente, porque fica com dó. Acostumou demais, sabe quando você
acostuma com a pessoa, que você não aceita outro, que tudo do
outro dá errado? A gente sente que dá errado? Então, foi difícil pro
povo, mas de repente eu me adaptei também, é bom. Pessoal agora
trata a gente muito bem, tem maior carinho com a gente, comunidade
toda. (AE3)
Durante o processo de formação das equipes, ocorreram muitas
transferências de ACS de uma equipe para outra intra e interunidades. Houve
redução de algumas microáreas de responsabilidade dos agentes comunitários,
imposta pela SMSA em razão de uma nova divisão dos setores censitários pelo
IBGE 2000 e uma reclassificação de vulnerabilidade de risco das mesmas (BELO
HORIZONTE, 2003b). Essas mudanças não levaram em consideração o vínculo já
estabelecido entre o trabalhador-trabalhador, o usuário-equipe, mas principalmente
entre o ACS com os usuários cadastrados por ele.
No princípio eu não queria vim não, mas não teve jeito... ‘Ou você vai
ou vai ser mandada embora’. Me colocaram num pacote e eu vim.
Modo de falar, mandaram o setor e me colocaram dentro e
mandaram junto. O pacote é o setor. No princípio eu não queria não.
Eu acostumei lá, com o pessoal,... Depois eu me adaptei bem... Eu
fui muito bem recebida... Aí fui acostumando... Hoje não quero sair
daqui mais não... Me dou bem com todo mundo... não tem nada
contra ninguém... (ACS5)
Gerou uma insegurança muito grande. No início eles tavam
morrendo de medo, primeiro porque não ia formar a equipe 5 e ficou
todo mundo com medo de ser mandado embora, porque quando
falaram que tinha essa redivisão, eles começaram a ficar
apreensivos aí, teve essa idéia de tá reaproveitando e os agentes
acharam que tinha que trocar mesmo, porque tavam com alguns
vícios, não tavam tão legal. Mas deu uma outra chance... aí depois,
deu tudo legal. (E1)
Essa insegurança apontada e o receio de serem mandados embora
resultaram da forma como o processo de implantação das ESF foi gerenciado,
principalmente pelos níveis central e distrital, dada a redução do número de equipes.
O fato é que ele havia sido definido pela gerência local, a priori, com base no
cadastramento familiar realizado pelos ACS, o que criou uma expectativa, tanto dos
trabalhadores de saúde quanto dos usuários, de que cinco equipes seriam
implantadas. Entretanto, a SMSA, ao determinar a quantidade de equipes em cada
UBS, de acordo com o censo IBGE 2000 e a vulnerabilidade de risco (BELO
59
HORIZONTE, 2004b; 2004c), não considerou tal cadastramento, o que reduziu de
cinco para quatro o número de equipes da UBS. Dessa forma, a incerteza da
implantação de uma quinta equipe conforme planejado pelo nível local, desestimulou
os trabalhadores da saúde a criar vínculo, grupo, responsabilidade com a população.
Assim, até a definição das equipes de Saúde da Família, nota-se uma
precariedade no atendimento prestado:
Mas, no início eu reparava assim: eu não queria criar vínculo nenhum
com a equipe 5. Porque... até então, eu achava: não vou ficar criando
vínculo porque depois pra tirar esse vínculo é difícil. Então o que nós
fizemos: nós... no grupo de hipertenso, por exemplo, a gente não
chamava ninguém da equipe 5. Então, os ACS ficavam meio assim,
desligados participavam pouco... sabe? De vez em quando pediam
pra vir um ou outro paciente no grupo porque o paciente era mais
complicado... A gente fazia as visitas de acamados. Mas, assim: criar
vínculo, grupo, responsabilidade, a gente tava tentando evitar. (E 1)
A gente não tinha equipe, [...] formou a primeira, um, dois, três e a
quatro e sobrou a cinco, então nós ficamos assim, sem trabalho no
posto, mas, trabalhando pra área sem tá, sem ter quinta equipe, aí a
gente participava das reuniões [...] mas sem compromisso de
convidar os hipertensos. Eu não trazia problema nenhum, só quando
era problema mais sério... Visita, não tinha, não tinha médico,
consulta normal. [...] Antes eu não tinha objetivo, a gente só
participava das reuniões pra aprender alguma coisa, mas nós não
tínhamos uma enfermeira pra cuidar daquele acamado, fazer visita, a
gente só olhava o básico, cadastrava, acompanhava as crianças,
acompanhava os idosos [...] aí depois que assumiram a gente, aí a
gente tinha um médico, tinha uma enfermeira, tinha os auxiliares, aí
nós podíamos trazer os problemas da nossa população pra equipe.
(ACS1)
Os sujeitos, ao descrevem a trajetória de implantação da ESF em estudo
na UBS, apontam que as mudanças no processo de trabalho ocorreram após a
entrada da enfermeira:
No início a gente tava sem equipe, um trabalho sem equipe montada
tipo é, planejando, faltava médico. (ACS3)
Eu já cheguei no posto e comecei a atender, me deram...consultas,
consultas, num tinha...não haviam grupos, não haviam...esse tipo de
coisa. No início eu fui atendendo, atendendo, atendendo. Depois que
a E 1 chegou que começou a se organizar. (M1)
[...] quando eu entrei ele (médico) já tinha uns cinco meses, quatro
meses... ele já tava aqui. Auxiliar e os ACS sem enfermeira. Já era
60
uma equipe de Saúde da Família, mas uma equipe simples, num
tava atuando, tava determinando a área. (E1)
A composição inicial da equipe foi apenas com o médico e duas auxiliares
de enfermagem, com os ACS realizando o cadastramento da população da área.
Prevaleceu a lógica de atendimento individual pautado em consultas médicas diante
das demandas individuais. O planejamento e a organização das atividades da
equipe de acordo com a lógica da Estratégia de Saúde da Família somente se
iniciaram após o ingresso da enfermeira. Atualmente, a equipe se reúne
quinzenalmente para refletir, planejar e avaliar o trabalho coletivo. As reuniões são
coordenadas pela enfermeira, que apresenta alguns pontos relacionados à
organização do processo de trabalho da equipe e da UBS para serem socializados e
discutidos conjuntamente.
É evidente que o PSF contribuiu para a reorganização do processo de
trabalho dessa UBS, com a formação de equipe multiprofissional atuante numa
perspectiva interdisciplinar, uma vez que o trabalhador de saúde, principalmente o
médico, percebeu que é um tipo de trabalho diferente, muito importante e muito bom,
porque você tem oportunidade, não se está sozinho, tem como discutir o caso com a
sua equipe, você troca informações (M2). Ou seja, é uma estratégia que possibilitou
ao trabalhador ter uma nova concepção de trabalho não centrado em um único
profissional, mas dando-lhe a oportunidade de estabelecer novos tipos de relações
com outro trabalhador e também com o usuário, construindo a integralidade no
cotidiano do serviço.
3.2 AS PRÁTICAS DE INTEGRALIDADE COMO CONSTRUÇÃO COTIDIANA
As evidências do material empírico nos levam a compreensão de que é no
cotidiano do trabalho da ESF que se constroem as práticas de integralidade, a partir
das diferentes formas que os sujeitos as vivenciam.
61
3.2.1 As práticas de integralidade vivenciadas
A dificuldade de explicitação do que é integralidade pelos sujeitos da
pesquisa não significa que as ações na prática diária dos trabalhadores não estejam
permeadas por ela. Essa dificuldade talvez resulte da polissemia que esse termo
apresenta, com diferentes sentidos e usos, pelo fato de as pessoas, de acordo com
Mattos (2001) e parafraseando Maffesoli (1988), não viverem a rigidez dos
conceitos, e sim a maleabilidade das noções. Os discursos expressam momentos de
silêncio, de dúvidas e revelações de uma ausência de reflexão sobre este termo.
(silêncio) O que eu entendo de integralidade? (silêncio) O que eu vou
falar aqui de integralidade? (silêncio) Deixa eu tentar... porque às
vezes ele tá tão misturado na cabeça que eu não consigo...
formular... (E1)
... eu num tô muito por dentro da integralidade. Entendeu? Eu num tô
muito por dentro dessa palavra não. (silêncio)... Integralidade... da
equipe? ...no programa? (silêncio)... Hum... integralidade, eu acho
que...(silêncio)...Eu acho que num vou saber te responder não
(risos). No programa eu num vou saber não. (AE2)
não sei... se é isso... (risos) (silêncio)... Não sei o que eu vou te
falar... Não sei onde que você quer chegar com esse negócio, né?
Não sei... (silêncio) (ACS5)
É o que eu entendo, mas o significado certinho eu não sei não. (AE3)
Integralidade... eu sei, mas eu não sei expressar. (ACS4)
Integralidade? Integralidade é, explica que é integralidade, só me
falar que é integralidade, eu vou saber. Ah, não sei não. (ACS2)
... é difícil, sabe, eu, talvez nunca tenha parado muito pra pensar
nisso não! (M1)
Entende-se, então, que os sujeitos não conseguem definir o termo
integralidade por não terem realizado uma reflexão sobre ele antes. Mas é
importante ressaltar, de acordo com Maffesoli (1998, p. 18), que o vivido no cotidiano
ultrapassa a rigidez dos conceitos, que sempre “impõem, se impõem, brutalizam, em
lugar de deixar ser o desenvolvimento natural das coisas”. Por isso, esse autor
62
considera que no cotidiano as pessoas não se formatam concepções, mas, sim,
vivenciam-se experiências.
Na realidade, não existe uma explicação semântica para o termo
integralidade, que foi criada no contexto do SUS e pode ser compreendida como a
“qualidade de integral” (TEIXEIRA, 2003, p. 89). Integral, por sua vez significa: “Adj.
Total, inteiro, global” e, ainda, diz-se de “cereal que não sofreu beneficiamento;
alimento preparado com cereal integral” (FERREIRA, 1999). Por isso mesmo é que
um dos sujeitos entende que a “SAÚDE INTEGRAL”, a integralidade, é igual a
farinha integral, pois essa é mais enriquecida com ingredientes, o que torna a massa
com mais vigor, ou seja, vários profissionais ou diferentes serviços, sem confusão,
um respeitando o outro, formam um atendimento completo, integral, para o usuário.
Compara-se, assim, a integralidade com a farinha integral, como se fosse uma
farinha acrescida de mais nutrientes.
Integral deve ser tudo. Bom, uma coisa integral é uma coisa que
abrange tudo. Você tem direito... igual a farinha integral, ela é
enriquecida com mais coisa. [...] Nós não tínhamos, nós tínhamos a
farinha pura. Aí hoje em dia já tem a farinha integral. Então ali eles
põe vitamina, põe cálcio, põe isso, põe aquilo. Quer dizer, você faz...
o bolo, o pão e fica mais... tem mais substância, tem mais vitamina,
mais vigor. Vários ingredientes a mais do que a farinha pura. Eu
relaciono por isso, porque chega a pessoa, ela tá com um problema,
não pode ser resolvido aqui, aí a gente manda prum hospital, vai
prum médico especialista, aí ele faz o que for preciso fazer... quer
dizer, a pessoa recebe um atendimento completo. De vários
profissionais. É por exemplo, chega uma pessoa, uma gestante
sentindo dor aí eu pego e passo... quer dizer eu sou um ingrediente.
Bom, eu seria a farinha,... aí eu falo com E 1, é outro ingrediente, um
a mais. Aí ela liga lá pro Sofia Feldman e já manda a pessoa pra lá, e
lá vai ser a totalidade. Vai completar o pão (risos). É... vários
profissionais pra formar um atendimento só. Quer dizer que nós
somos assim, as farinhas e os ingredientes pra formar o atendimento
perfeito. Ferro, cálcio, as vitaminas. Cada pessoa sendo um
ingrediente. E elas todas, as pessoas unidas em torno daquele
paciente, dar o atendimento que ele precisa. Ele que vai receber o
alimento,... com vários ingredientes... com várias pessoas me
ajudando. Todo mundo me ajudou. Saiu um trabalho em equipe. E
sem confusão... a gente respeitando o serviço do outro. [...] Eu acho
que nós aqui a gente somos ingrediente pra formar o pão. O pão
seria aquele atendimento que o paciente precisa. O atendimento
dentro das possibilidades de ter feito o máximo, do que a gente pode
oferecer. Que eu não posso garantir que uma pessoa vá lá pra
policlínica e vai ser atendido, que até aqui nós amassamos, fizemos
aquela massa como devia, agora pra sair daqui e entregou lá a gente
63
não sabe como que vai sair lá. Enquanto tá sob nosso controle, nós
fazemos a massa direitinho. (AE1)
Neste discurso, estabelece-se que cada trabalhador de saúde é como um
ingrediente indispensável e que a partir de um trabalho em equipe forma-se o pão, o
alimento, para suprir as necessidades do usuário, ou seja, prestar uma assistência
integral, mas enquanto ele estiver sob o cuidado da ESF.
É certo que a integralidade pressupõe um trabalho em equipe.
Concordamos, então, com a afirmativa de Fortuna (2003, p. 55) de que nem sempre
o trabalho em equipe é totalização, união, portanto, não se devem adotar conceitos,
pois eles aprisionam. Por isso, essa autora construiu uma alegoria sobre o
imaginário dos trabalhadores de saúde em relação ao trabalho de equipe,
comparando-o com alimentos que movimentam os trabalhadores na busca da
equipe. E uma de suas formulações alegóricas é a equipe bolo, isto é, uma “mistura
onde os ingredientes iniciais se mesclam, se transformam, formando outra coisa, o
fogo, o fermento, a forma, fazem da farinha, ovos e de tudo mais uma massa
crescida e saborosa. Todos juntos, misturados, todos fazem tudo, a massa cresce,
dá certo porque se unifica nas provocações do fogo”. Mas ela ainda ressalta que
nem sempre isso é possível. Ou seja, no trabalho cotidiano da ESF, busca-se
reorganizar o processo de trabalho, numa perspectiva interdisciplinar, para prestar
uma assistência de qualidade e resolutiva, mas às vezes é necessário outro tipo de
ingrediente, um profissional em outro serviço para prestar um cuidado integral. Mas
não se pode garantir que o usuário terá esse tipo de acesso ou se será bem
recebido pela equipe de saúde de outro serviço.
A massa dá certo que pode desandar é a falta de cada um cumprir a
sua obrigação. [...] se cada um de nós, isso aqui é uma engrenagem,
nós sabemos que nosso serviço é aquele ali, se nós não cumprirmos
com nossa obrigação a massa num vai dar certo... tá faltando algum
ingrediente. Ou ficar muito molhada, ou muito dura, ou esfarinhada,
alguma coisa assim. Você sabe que o usuário tá sentindo bem a
resposta, viu? Às vezes, muitos falam assim: gente, se não fosse
esse posto aqui não sei o que seria de nós viu, aqui é tão bom, a
gente chega aqui, tudo que a gente precisa... outros já chega e já
fala que não tem nada, que não consegue nada, mas pelo menos ele
ouve de alguns que consegue... a massa pelo menos pra alguns tá
dando certo, se não tá dando pra todos, não consegue uma coisa
assim, integral. [...] A equipe sente isso que cada um de nós dá o
máximo. Agora se pro usuário, pra gerência se nós estamos
64
realmente igual ao desejado, isso aí a gente não sabe... cada um de
nós dá a sua parte. (AE1)
E a alegoria descrita acima seria, então, uma das formas de mostrar como
a ESF deste estudo busca desenvolver as práticas de integralidade no cotidiano da
ESF, pois o médico, a enfermeira, os auxiliares de enfermagem e os agentes
comunitários, “todos juntos”, vêm tentando dá o máximo, mesmo que não esteja
como aquilo que é esperado. Ou seja, como diria Fortuna (2003, p. 55), “nem
sempre o bolo cresce e fica gostoso”, pois a massa pode desandar se o profissional
de saúde deixar de fazer a sua parte, não interagir com o outro.
Revela-se, também, que a integralidade resulta da interação entre
trabalhadores de saúde dentro da ESF, ou seja, a gente conseguir todo mundo
falando mais ou menos a mesma língua. Entender o que o colega está falando
também (E1), no sentido de respeitar as diferenças existentes dentro do grupo. Isso
significa, segundo Peduzzi e Schraiber (2005), estabelecer uma modalidade de
comunicação que busca o entendimento e o reconhecimento mútuo entre os
membros da ESF.
Nesse sentido, parte-se das noções que os trabalhadores de saúde têm
sobre seu trabalho coletivo para compreender suas práticas de integralidade, em vez
de se deixar, segundo Maffesoli (1998), aprisionar pela rigidez dos conceitos
teóricos, que determina o que deve ser a verdade. Portanto, os sujeitos, ao falarem
das suas práticas cotidianas, demonstram sua compreensão sobre a integralidade,
muitas vezes permeadas pelas concepções teóricas, como expresso nestes
discursos:
A gente faz muito essa parte de ouvir mesmo o usuário... não
resolver só a dor de barriga dele, mas resolver todo... o problema. De
tá fazendo os encaminhamentos, de tá atendendo o paciente como
um todo. Então, eu acho que o PSF pega a integralidade nessa parte
de atender o paciente como um todo, tentar resolver todo o problema
dele, por exemplo, uma mulher, atender a hipertensão dela, a parte
ginecológica, até a parte emocional... muitas vezes a gente acaba se
envolvendo, que a gente pega muito na unidade. (E1)
Se eu tenho é, por exemplo, problemas sociais graves, que a gente
enfrenta no dia-a-dia, que eles trazem as queixas pra gente no
acolhimento. A gente escuta isso deles. A gente gostaria de tá
criando, mais áreas de lazer, é estes centros culturais, isto que a
65
gente gostaria de ter um retorno mais rápido que são demorados.
(M2)
Revela-se, então, uma postura de ouvir mesmo o usuário para conhecer
não só seus problemas relacionados à doença, mas também os psicossociais e
prestar, assim, uma assistência integral e resolutiva.
A gente tem muito paciente que a maioria das vezes, eles querem
ser ouvidos. Saem do consultório sem nenhuma, nenhum papel. Sem
nada. Eles querem ser ouvidos. Às vezes no acolhimento, aqueles
que já conhecem, eles vêm pra serem ouvidos... você pergunta: e aí?
Você veio por quê? O que tá acontecendo? Ah... tudo. Ou então, não
fala nada. Quando eles não falam nada, você já fica atento, porque
na cabeça dele tem um tanto de coisa. Que aí ele fala: não... nada
não... tô precisando de fazer não sei o quê,... e aí quando você vai
ver, é um paciente que tem várias demandas. Não é só aquele nada
que ele falou. Então assim, eu acho que é atender o paciente como
um todo e atender a família como um todo. Então, eu acho que
precisa conhecer a família toda. Criar esse vínculo. (E1)
Essa atitude de ouvir o usuário além da sua queixa e também do não dito,
quando eles não falam nada, você já fica atento, revela uma postura de escuta
acolhedora, pois os sujeitos identificam as necessidades mais silenciosas que não
são demandadas diretamente. Isso, portanto, exige do “profissional de saúde uma
reflexão sobre o usuário, enquanto sujeito portador de individualidade, para quem os
serviços de saúde são oferecidos” (SILVA JUNIOR; MASCARENHAS, 2004, p. 244)
e uma mudança na sua prática cotidiana para atender o paciente e a família como
um todo.
A postura acolhedora é observada desde o acolhimento do usuário na
UBS, quando o ACS prioriza o atendimento daquele com maior vulnerabilidade de
risco ou mais agudo e não segue a “ordem burra da fila”, ou seja, ordem de
chegada.
Então é uma forma de você conhecer seu usuário, tando nessa
escala do acolhimento... a gente vem, pra já identificar [...] se é da
equipe tal, ele entra na sala com aquele papelzinho, a enfermeira já
sabe de qual área que ele é... É esse o trabalho [...] dar preferência
pro idoso, eles vão ser acolhidos primeiro. [...] e tudo que a
enfermeira precisar nós vão lá buscar. [...] o acolhimento da criança é
separado. Antes a gente até ajudava, ia lá colocava as mães tal
direitinho, aí depois as mães criam problema, agora tem uma
enfermeira que acolhe lá na sala, e já dá o número da fichinha. [...] O
66
acolhimento, nas equipes pode ser feito pela auxiliar, se a enfermeira
tiver em outra função. [...] a gente fala com a enfermeira, na hora que
terminar aí dá uma olhadinha nele aqui porque ele não tá passando
bem, não tá conseguindo ficar lá fora, ela larga lá o acolhimento
esperando e vai olha ele, [...] ela vai fazer o acolhimento ali, ela já
passa pro médico, coloca a ficha dele primeiro. (ACS1)
Mas, a urgência, a gente tem que ficar muito esperto com ela, que as
pessoas passam a gente pra trás. Então, a gente tem que tá sempre
conversando com o médico ou com a enfermeira. Quando eu tô no
acolhimento, quando aparece alguém assim, aí eu falo: E 1, como é
que eu faço? Já preparei o soro e falou que tá com diarréia, desde
ontem... a gente já fica ali, observando. Se a gente realmente
perceber que tá indo no banheiro toda hora, aí tudo bem. Ele
(médico) atende no consultório. Ou se tiver que encaminhar ele
encaminha pra alguma coisa. [...] Sempre que eu ponho a urgência
pra ele, eu pergunto depois se era mesmo urgência, o que aconteceu
com o paciente se foi encaminhado pra alguma coisa. Ele fala. (AE2)
Considera-se que essa atitude acolhedora por parte dos trabalhadores da
ESF possibilita a criação de vínculo com o usuário, como afirma Merhy (1994,
p.138), ou seja, um encontro entre sujeitos no qual se estabelecem relações tão
próximas e tão claras que o profissional de saúde se sente “responsável pela vida e
pela morte do paciente, dentro de uma dada possibilidade de intervenção nem
burocratizada, nem impessoal”. Nesse tipo de relação, o profissional integra-se com
a comunidade e se torna referência para ela. Portanto, criar esse vínculo (E 1)
implica a responsabilização pela resolução do problema do usuário no sistema de
saúde, pois, a partir do momento em que ele tem acesso garantido num serviço de
saúde e é acolhido por um profissional que se sensibiliza com o seu sofrimento,
estabelece-se uma relação de responsabilidade pelo cuidado integral do usuário:
É... dá uma resposta ao cidadão. A partir do momento que ele te
procurou, entendeu? você abrir... a porta de entrada,... tudo é o posto
de saúde que é a porta de entrada... até o final do tratamento
daquela pessoa. Seja uma cirurgia, qualquer coisa. Até a volta ao
posto de saúde com o problema resolvido. Acompanhar aquela
pessoa e tê o retorno... Seja... satisfatório ou não. Desde que entrou
na nossa equipe, a gente tem que tá acompanhando essa pessoa...
ao menos que a pessoa fuja... num queira mais o tratamento, vai
embora... E aí vai procurar e não acha também... num mora aqui... Aí
a gente fica perdido. (AE2)
Tanto as atitudes observadas no trabalho cotidiano da equipe como os
discursos dos sujeitos reafirmam tal postura de escuta, de vínculo e de
67
responsabilização pelo usuário que, segundo Silva Júnior e Mascarenhas (2004),
traduzem à integralidade como um dos sentidos atribuído por Mattos (2001) de uma
“boa” prática dos profissionais. Ou seja, os relatos assinalam o que esse autor afirma
ser integralidade, um valor que se expressa na forma como os trabalhadores da
saúde respondem aos usuários que os procuram e na recusa em reduzi-los somente
à sua doença, mas com a capacidade de apreender suas necessidades de modo
mais integral.
Você conhecer a pessoa assim: do lado direito ao lado avesso. [...]
Você entra assim, com tudo na vida da pessoa... Você sabe assim,
tudo da pessoa, o que diz respeito à saúde você tá dentro... Pra mim
é isso... É integral mesmo... um problema da família... Eu acho
assim: que a equipe, ela... passou a viver assim esse problema das
pessoas. (ACS2)
E ele (médico da ESF) tem esse perfil de deixar o paciente falar, que
às vezes eu acho que esse PSF é isso. Às vezes o paciente chega
aqui e fala, fala,.. que não é nem dele. É da família dele, é do
pessoal da casa. Mas, ele tá doente por causa daquele problema.
Então, se você ajudar a resolver aquele problema na casa, você
resolve o problema dele. Então, eu acho que integralidade é isso,
atender o paciente. (E1)
Integralidade, não é quando é juntar, integrar não é? Tudo o que
acontece na área, o que acontece talvez no centro de saúde, tudo,
eu acho, não sei se tô certa. Lá fora ajudar os usuários e aqui pra
passar o que a gente tá, sabendo lá fora, é isso? Pra equipe. Tentar
solucionar os problemas dos usuários. (ACS4)
As práticas de integralidade reveladas nos discursos e observadas no
cotidiano da ESF mostram uma visão ampliada das necessidades de saúde, quando
o trabalhador escuta tanto os problemas pessoais do usuário quanto os relacionados
à sua família, estabelecendo, assim, um vínculo entre equipe-usuário/família e uma
co-responsabilização pelos sujeitos. Isso demonstra que a ESF valoriza, segundo
Merhy (1997), o uso das tecnologias leves, pois se estabelece entre o trabalhador e
o usuário, o encontro da subjetividade, no qual os trabalhadores da equipe se
relacionam com sujeitos e não com objetos durante os atendimentos individuais e
coletivos.
Portanto, nota-se que a implantação do PSF na USB gerou uma mudança
no processo de trabalho dos profissionais de saúde. Estes, ao desenvolverem
atividades de vigilância à saúde, têm a oportunidade de conhecer e conviver com o
68
paciente mais diretamente, criando vínculos entre eles e o usuário, que é uma das
premissas da estratégia. Considera-se que trabalhar no PSF dá ao trabalhador de
saúde a possibilidade
... até assim, de... melhoria de salário .... e também a gente tem mais
oportunidade de tá conhecendo o paciente, de tá convivendo com o
paciente mais diretamente. Tem uns casos de paciente que só ia ali,
pegava um remédio que ele usava... a gente num tinha aquele
conhecimento com o paciente. Agora eu acho que a gente conhece
mais a comunidade. Igual, ‘eu moro aqui! Trabalho aqui!’ e muita
gente eu não conhecia, mas as pessoas me conheciam, mas eu não
sabia quem era, mesmo trabalhando na farmácia [...] tem horas que
a gente olha só pra frente, [...] às vezes num dá tempo nem de
conversar com a pessoa. (AE2)
A reestruturação do modelo de atenção à saúde de Belo Horizonte, dessa
forma, vem fazendo com que os trabalhadores de saúde reorganizem seu processo
de trabalho na lógica da Estratégia da Saúde da Família. Observam-se na
micropolítica do trabalho cotidiano da equipe os membros da ESF agindo e
interagindo com seu meio, atuando como autores e atores que contracenam com
outros autores e atores, construindo, assim, o trabalho coletivo. O reconhecimento
da necessidade de mudança do processo de trabalho pelos profissionais, numa
perspectiva interdisciplinar, articulando ações curativas e preventivas voltadas para o
indivíduo e a comunidade, advém da vivência no cotidiano do PSF, e não apenas
daquilo que propõe o discurso teórico. É nítido que a prática pressupõe ação –
reflexão – ação:
Então, com o tempo eu vi que... a finalidade de se trabalhar em
equipe é que as coisas simplesmente funcionam melhor! Se fosse
uma coisa mais... solta... mais... individual..., mas quando eu vejo
que a prática me mostra algumas coisas que a teoria me mostraria
com mais tempo... mesmo eu não me preocupando muito com isso, a
gente vai se inserindo nesse trabalho, nessa equipe de PSF... eu não
sabia que ia ser assim... organizado... reuniões... palestras...
discussão de caso por caso... eu conhecer tanta gente e tantos
problemas da minha equipe. Eu pensei que ia ser uma coisa mais...
superficial. Então, hoje vejo que eu já tô inserido nesse sistema, e o
nosso trabalho,... eu vejo que funciona, chega a ponto de eu
conseguir uma medicação, pra um paciente com representante, que
outra não funciona e o agente de saúde levar até a casa do paciente.
E o agente de saúde trazer até a mim notícia daquele paciente... e...
os pacientes ficarem... tão satisfeitos e gratos. Que eles fazem o
possível pra seguir o que você recomendou. (M1)
69
O enunciado revela que a prática no PSF coloca o trabalhador da saúde
diante de certos desafios no seu cotidiano que o faz refletir sobre sua maneira de
agir e de pensar. Essa é uma condição, de acordo com Ceccim (2005, p. 165),
indispensável para a pessoa decidir mudar, pois a “vivência e/ou a reflexão sobre as
práticas vividas é que podem produzir o contato como o desconforto e, depois, a
disposição para produzir alternativas de práticas e de conceitos, para enfrentar o
desafio de produzir transformações”.
Entretanto, aponta-se ainda uma herança do modelo curativo exigido pela
população, a qual também precisa compreender a existência de outras
possibilidades de se fazer saúde fundamentada na integralidade:
... a própria população ainda da muito voltada pra assistência dentro
do centro de saúde. Eles valorizam muito pouco as ações educativas
que a gente faz lá fora. Então, às vezes a demanda a nível de
assistência é muito grande e o que impede a gente tá saindo pro
campo mesmo pra fazer nossas visitas, dar um passeio na favela e
orientando o pessoal que fica sentado na beira do córrego. Então,
falta melhorar muito ainda é esse tipo de educação, a gente trabalhar
educando a população e trabalhando com a promoção da saúde.
(E2)
Assim é que a vivência no PSF faz com que os sujeitos reconheçam a
necessidade de trabalhar educando a população e trabalhando com a promoção, de
aprimorar as ações de educação para saúde, pois é importante que o usuário se
aproprie dos conhecimentos e direitos para melhorar suas condições de vida e
adquirir autonomia para viver.
Eu acho isso importante, você também ser conselheiro, não ser só
médico, não ser só enfermeira. Então, eles aprenderam isso com a
gente. Eles agora já sabem como é que fala, buscar os seus direitos
em relação as pendências que ficam. Então, a gente passa muito
isso pra eles, o que eles têm que lutar também o que eles devem
fazer lazeres, culturas, esportes. O que puder fazer, não visando só,
ação de saúde em si, é tudo. (M2)
Na organização do processo de trabalho com ações tanto curativas
quanto preventivas, de promoção, centrado no usuário, com informações que
70
possam fazer com que ele participe mais, a ESF é reconhecida por parte da
comunidade:
A finalidade desse trabalho em equipe é ajudar as pessoas, a
população, é cuidar, prevenir doenças, orientar que a gente dá
orientação o dia inteirinho, tem vez sábado e domingo. Então eu
acho isso bom eu poder informar as pessoas do que tá acontecendo,
como é que funciona isso aqui e elas vêm naquele horário e depois
elas passam pra gente, ‘Ó, adorei, foi bom, você me indicou aquele
horário, foi naquele horário realmente que eu resolvi aquele tipo de
problema’. Então aquele retorno que vem da pessoa, ‘Ó tá ótimo,
unidade de vocês tá funcionando muito bem, nós tão adorando, que
continue assim, vocês são ótimos, o médico... a enfermeira...’ Isso é
prazeroso, te dá prazer, vê resultado naquilo que você faz que é
andar o dia inteiro nesse sol, chuva, quando você vê aquele
resultado você fica feliz, eu fico muito satisfeita. E todo mundo unido,
a equipe, todo mundo trabalhando pra prevenir e curar doenças.
(ACS1)
... prefiro a minha equipe. Parece que tem assim mais união entre a
E1, M1, AE1... eu adoro trabalhar... então por isso que eu procuro
fazer o que eu posso e o que eu não posso, porque... a maior
satisfação minha é quando eu vou na casa de um usuário e que eles
falam: Nossa, a E1, M1, vocês tão de parabéns, suas equipes são
excelentes! É uma coisa gratificante você fazer um serviço, pessoa
reconhecer não é. Quem não gosta de ser elogiada. Como também
tem alguma crítica. (ACS4)
Evidencia-se nos discursos uma tentativa de mudança da lógica do
processo de trabalho da equipe mais centrado nas necessidades de saúde do
usuário, como proposto por Cecílio (2001, p.114): necessidades de ter ‘boas
condições de vida’, “ter acesso e se poder consumir toda tecnologia de saúde capaz
de melhorar e prolongar a vida”; necessidade de ter vínculos (a)efetivos com uma
equipe e/ou profissional, que significa mais do que a adscrição a um serviço.
Significa, sim, o encontro de subjetividades e a necessidade de ter autonomia no
seu modo de levar a vida por meio da informação e da educação em saúde.
Isso amplia uma visão sobre a saúde:
Então assim, eu percebo sim, que houve uma diferença, antes a
gente não sabia a história daquela família, agora não, você já
conhece a família, eu percebo isso muito deles assim, em reunião,
você vê a pessoa conversando tudo, a respeito assim,... sabe que a
família, sabe que o irmão, sabe que o pai é hipertenso, que a mãe é
hipertensa, coisa que a gente sabia eventualmente. Inclusive até eu
como gerente, acaba a gente se envolvendo. Eu tenho aqueles
71
pacientes que eram conhecidos da época de enfermeira e você
percebe assim, a diferença que agora a gente conhece de forma
diferente a pessoa, é outro olhar, você não olha só pra aquela dor de
barriga daquele paciente. Isso aí foi bem visível mesmo, é até assim
bom pra gente parar e pensar como é que melhorou depois do PSF.
(E3)
Assim, a ESF conhece de forma diferente a pessoa: não apenas olha a
doença, mas passa a ver o usuário como um sujeito na sua singularidade inserido
num contexto social e familiar. E é esse novo olhar da ESF que permite a
materialização da integralidade no cotidiano do trabalho.
Percebe-se que os sujeitos apresentam uma concepção mais ampla de
saúde quando assinalam que a integralidade das ações visa à compreensão do
indivíduo no todo, ou seja, atender às suas necessidades no seu contexto familiar e
social:
Têm integralidade, as ações visando atender o indivíduo
integralmente, numa visão holística mesma. Vamos atender o
individuo tentar ter uma visão dele tanto da saúde física, mental,
espiritual. (E2)
Porque integralidade é mesmo integração mesmo... entre o usuário,
o acesso ao usuário mais fácil. O ACS menos burocrático... entender
o usuário como um todo... não atender só aquela parte dele ali,
aquela doença dele... atender ele como um todo. Às vezes o ACS ele
traz o problema pra gente. Lá da família. Eu acho que é mais ou
menos isso mesmo. Então, a gente tenta atender o paciente com o
problema dele. (E1)
Integralidade é você olhar a saúde como todos os âmbitos, todos os
campos, que ela abrange. O conceito da saúde é muito amplo, não é
só um bem estar físico, engloba, também, o bem estar social, o bem
estar familiar, o bem estar financeiro, então cultural. Então, eu acho
que a gente tem que olhar como um todo, a gente num olhar só a
parte ruim, a ausência de doença. Saúde num significa só isso,
saúde significa é muito mais amplo. (M2)
Os enunciados revelam que o termo saúde é muito mais amplo do que a
expressão, bem-estar físico, mental e social, portanto, concordam de certa forma
com Penna (1997, p. 73), que diz que a saúde vai mais além do que equilíbrio-
desequílibro entre homem e meio ambiente do conceito proposto pela Organização
72
Mundial de Saúde (OMS)
1
. Como também não pode ser considerada como
resultante das formas de organização social da produção, ou seja, “como a
somatória de outras tantas condições, que se precisa ter, para alcançá-la”, como a
concepção que fundamenta o SUS
2
.
É necessário, portanto, considerar uma nova concepção de saúde, como
proposta por Vaistman (1992, p. 171), que recupere o
significado do indivíduo em sua singularidade e subjetividade na
relação com os outros e com o mundo. Pensar a saúde hoje passa
então por pensar o indivíduo em sua organização da vida cotidiana,
[...] não só através do trabalho, mas também do lazer- ou da sua
ausência, por exemplo- do afeto, da sexualidade, das relações com o
meio ambiente. Uma concepção ampliada de saúde passaria então
por pensar a recriação da vida sobre novas bases, onde a instituição
da sociedade pudesse atender o mais plenamente à atenção das
diferentes e singulares necessidades humanas.
O dia-a-dia do PSF mostra a necessidade de se reorganizar o processo
de trabalho de acordo com uma concepção ampliada de saúde, ou seja, de
reconstruir o seu modo de pensar e desenvolver a clínica, conforme afirma Campos
(2003, p. 154), “tomando não apenas a doença, mas o sujeito enfermo (o biológico,
o subjetivo e o social do processo saúde e doença)”, como relatado a seguir:
Um exemplo que eu acho que venha ser integralidade, nós temos
uma paciente que vinha no curativo com uma ferida muito feia,
reclamava muito de dor e que eu tava lidando com impaciência com
ela, todo dia pegava remédio e não sarava aquela ferida [...] Aí, nós
descobrimos que ela é diabética,... nós começamos a aprofundar um
pouquinho mais nela. [...] O problema não era a ferida. E aí o ACS foi
trazendo pra mim: o lugar que ela mora é muito precário... Os filhos
são catadores de papel. [...] Aí, chegamos lá pra fazer o curativo [...]
a situação dela é muito ruim mesmo. Não tem banheiro, não tem
água, a luz é puxada do vizinho, e não tem um lugar pra tomar
banho, não tem um banheiro, o mínimo, não tem. E uma casa feita
de lona... Então, o problema dela é por aí. [...] depois que a gente
sentou e foi ver qual que era o problema dela, [...] orientando que ela
1
A OMS conceitua saúde “como um estado de relativo equilíbrio de forma e função do organismo,
que resulta de um ajustamento dinâmico satisfatório às forças que tendem a perturbá-lo. Não é um
interrelacionamento passivo entre matéria orgânica e as forças que agem sobre ela, mas uma
resposta ativa no sentido de reajustamento” (LEAVELL, CLARK apud PENNA, 1997, p. 71).
2
Concepção de saúde do SUS citada por Penna (1997, p. 73): “Em sentido mais abrangente, a saúde
é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho,
transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso a serviços de saúde. E,
assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social de produção, as quais podem
gerar desigualdades nos níveis de vida”.
73
precisa de controlar o diabetes dela pra cicatrizar a ferida. Ir lá fazer
os curativos dela quando ela não der conta de vir aqui. [...] Então, o
que eu vejo na integração da equipe foi nessa parte aí. Se a gente
tivesse tratado... sem saber nada da vida dela, ela tava chorando até
hoje e essa cicatrização num tava boa. Hoje eu a vejo, tá rindo,
brincando, batendo papo, sabe? [...] Então, depois que teve o PSF,
que a gente pôde ir lá ver a realidade da paciente, a gente entendeu
ela melhor, pra poder ajudar não só cuidar da ferida,... A gente
atendeu ela como um todo, escutou, viu os problemas, tentamos
ajudar, família toda... onde é que ela podia conseguir os recursos...
conseguimos algumas doações pra ela, quer dizer, melhoramos um
pouquinho a qualidade de vida, e atendemos no problema que ela
tinha primário que era a ferida, cicatrizando. Ela não tem uma
qualidade de vida ótima, mas melhorou um pouquinho, tá? Isso
porque a equipe interferiu ali. É a gente tentar fazer alguma coisa,
em equipe, não foi eu sozinha que fiz, o ACS trouxe, o problema, e a
gente junto conseguiu fazer alguma coisa por ela. Então, eu acho
que mais ou menos, integralidade é isso. Que eu entendo. (E1)
A prática de integralidade manifestada neste relato só foi possível graças
à integração da equipe e representa a articulação de ações preventivas e
assistenciais da ESF no contexto de vida do usuário, pois envolve, segundo Mattos
(2004, p. 1.414), de um lado, apreensão ampliada das necessidades e, de outro, a
análise do
significado para o outro das demandas manifestas e das ofertas que
podem ser feitas para responder às necessidades apreendidas,
tendo em vista tanto o contexto imediato do encontro como o
contexto da própria vida do outro, de modo a selecionar aquilo que
deve ser feito de imediato e gerar estratégias de produzir novos
encontros em contextos mais adequados àquelas ofertas
impertinentes no contexto específico daquele encontro.
Percebe-se que a ESF vem procurando, em cada encontro do sujeito com
a equipe, adequar suas ofertas de ações de saúde ao contexto específico daquela
situação. Entende-se, portanto, que esse esforço de traduzir e atender da melhor
forma possível às necessidades de saúde dos usuários no âmbito de cada serviço
resulta, segundo Cecílio (2001), na “integralidade focalizada”.
Os relatos dos sujeitos
revelam a integralidade como fruto do trabalho em equipe; é a interação, a
articulação e trocas de saberes e práticas na ESF e, também, com outras equipes da
unidade para uma assistência mais resolutiva, ou seja,
Integralidade é... união da equipe poder ir atrás, em busca das
pessoas que precisa,... das negligências das mães que infelizmente
74
cometem... É... união que faz aquela integralidade pra ir atrás, pra
descobrir os problemas. No entanto não tem isso não, união
completa não... A equipe é como eu te falei. Não tem essa união...
Eu pelo menos da minha parte, eu acho que eu faço por onde. Ela
tenta resolver o problema. Marca pra mãe vir se mãe não vem corre
atrás... Vai até nas últimas, né? Tenta. (ACS5)
Integralidade pra mim é unir o útil ao agradável em todas as
questões, não seria isso? Que as coisas não sejam de equipe
diferenciadas, quer dizer, cada um vai resolver o problema da sua
equipe, mas tudo aquilo que for conscientizado que é o melhor, que
não seja individual pra cada equipe, que seja prestado entre as
enfermeiras, cada coisa que for descoberta de melhor trabalho.
Então integralidade que eu entendo, tem que ser todos com a
mesma busca ativa, com o mesmo ideal de resolver todos os
problemas e buscando soluções de outra forma, quem tiver mais
conhecimento, que seja a enfermeira ou o médico, tá sempre
levando aquilo que é de melhor pra todos. (ACS3)
Nota-se que estes discursos acima convergem para um outro sentido da
integralidade que se relaciona aos aspectos da organização dos serviços, pois,
segundo Mattos (2001, p. 51), “a postura do profissional é algo fundamental para a
integralidade, mas em muitas situações a integralidade só se realizará com a
incorporação e redefinição da equipe de saúde e de seu processo de trabalho”.
Assim, as equipes de Saúde da Família de acordo com a proposta do BH VIDA:
SAÚDE INTEGRAL (FRANCO; MAGALHÃES JÚNIOR, 2003), tem como um dos
desafios para a assistência integral à saúde começar com a reorganização do seu
processo de trabalho, a partir de equipes multiprofissionais que operem por meio de
diretrizes como acolhimento, vínculo e responsabilização do cuidado. O projeto vê a
produção do cuidado de forma sistêmica e integrada aos diversos serviços de saúde,
como uma rede de cuidados progressivos centrada no usuário.
Esta proposta da SMSA de trabalhar com a imagem de uma linha do
cuidado na rede de assistência integral busca romper com a idéia de pirâmide que
pensa o Sistema de Saúde “com fluxos ascendentes e descendentes de usuários
acessando níveis diferenciados de complexidade tecnológica” (CECÍLIO, 1997, p.
469). É que, segundo esse autor, é necessário pensar novos fluxos e circuitos
dentro do Sistema, redesenhados a partir dos desejos e necessidades dos usuários
e da incorporação de novas tecnologias de trabalho e de gestão. Isso implica
“oferecer a tecnologia certa, no espaço certo e na ocasião mais adequada” e
75
construir, assim, um Sistema de Saúde mais humanizado e comprometido com a
vida das pessoas.
É importante ressaltar que a viabilização dessa proposta não se dá por
normas e protocolos, e sim a partir do “desejo” de aderir ao projeto e da discussão
conjunta entre os gestores, trabalhadores e usuários de como esse se dará na
prática. Além disso, também a partir da vontade política para organizar um grande
pacto na rede assistencial que garanta (FRANCO; MAGALHÃES JÚNIOR, 2003, p.
131):
Disponibilidade de recursos que devem alimentar as linhas de
cuidados;
Fluxos assistenciais centradas no usuário, facilitando o seu
‘caminhar na rede’;
Instrumentos que garantam uma referência segura aos diversos
níveis de complexidade da atenção;
Garantia de contra-referência para as ESFs na Unidade Básica,
onde deve dar-se o vínculo e acompanhamento permanente da
clientela sob cuidados da rede assistencial;
Determinação de que a equipe da Unidade Básica é responsável
pela gestão do projeto terapêutico que será executado na linha do
cuidado, garantindo acompanhamento seguro do usuário. Análise
permanente das prioridades assistenciais para orientar os
encaminhamentos;
Gestão colegiada envolvendo os diversos atores que controlam
recursos assistenciais;
Busca da garantia da intersetorialidade como política estruturante
na intervenção positiva também na questão dos processos de saúde
e doença.
É evidente que o projeto da SMSA, teoricamente, é muito bem
desenhado, mas não pode ser uma proposta que engesse, pois os sujeitos têm
formas diferenciadas de expressar as idéias do BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL.
Bem, quando você falou integralidade, você tá falando de saúde
integral, eu acho que... pra passar... a idéia de que... o paciente tá
sendo abordado como um todo... o sistema tá funcionando... pra
tratar a família toda. (M1)
Integrou a... acho que é unificação,
né? Mais ou menos isso? Da
saúde... Porque aqui você pode ser integrado aqui, na policlínica, o
que não tem condição de resolver aqui, manda pra policlínica que eu
acho que é muito importante. (AE3)
76
Integrar? Integralidade. Integrar é juntar, unir isso, unir a, integrar a
saúde, é unir as outras, como é que fala, unir pra um só objetivo que
é prevenir, curar, saúde, ali tá unindo de juntar, tá unindo a unidade,
hospital é é é, que mais, é união, que você vê a unidade junto com o
hospital, junto com as UPA. É porque eles são três etapas, primeiro
vem a unidade de saúde básica, que é o posto, aí tá com problema
lá, uma emergência, vai pra UPA, aí na UPA ele vai ficar na
observação várias horas ali, vai ser medicado, urgente e tal, se for o
caso, dependendo dos exames é que ele vai ser, dali ele vai ficar
aguardando o leito pra ir prum hospital pra internação pra tratamento.
É unir os três serviços. (ACS1)
Evidencia-se que a integralidade é entendida como a unificação da saúde,
no sentido de integrar os três serviços, pois na prática cotidiana ainda existe uma
desarticulação no Sistema que dificulta a garantia da referência e a contra-referência
do usuário na rede de cuidados progressivos. Isso aponta para uma tarefa da gestão
do sistema para se conseguir um atendimento digno, em todas as instâncias, não
somente como responsabilização da ESF o “caminhar do usuário na rede”.
Seria assim, por exemplo, um trabalho mais perfeito. É um trabalho
mais, por exemplo, da Secretaria de Saúde que taria atendendo
todas as necessidades da comunidade, do cidadão. Tudo que ele
precisa, desde a prevenção até o curativo. Por exemplo, se a pessoa
precisa de uma consulta especializada, entendeu? Pra pessoa
conseguir aquilo tudo dentro do SUS. (AE2)
Entende-se a integralidade, também, como a integração de todo o
sistema de saúde, no sentido de articular as ações preventivas e assistenciais em
toda a rede para garantir o acesso do usuário a todas as tecnologias necessárias
para atender às suas necessidades. Considera-se que, apesar de o princípio da
integralidade ser entendido dessa forma, é ainda, de acordo com Silva, Pinheiro,
Machado (2003, p. 235), um “grande” desafio para a consolidação do SUS, a
garantia do acesso universal com efetividade e a resolutividade em todo o sistema.
Integralidade é a gente conseguir dar um atendimento digno, em
todas as instâncias, nem sempre a gente consegue devido a uma
série de dificuldades, e eu acho que já consegui muita coisa, só que
é um problema muito grande, Belo Horizonte é muito grande pra
você chegar e já conseguir... ter toda essa integralidade que o SUS
fala. [...] Aqui a gente consegue dentro da nossa instância, o que
depender da gente, então isso gera também muito
descontentamento, porque a pessoa vai naquela ânsia querendo
ajudar e chega pára num local. Então, a pessoa fica até um pouco
77
frustrada, de não conseguir andar, mas tem as recompensas que
quando a gente consegue, a gente fica tão feliz, principalmente
quando tem muitos que voltam satisfeitos falando que teve um
atendimento excelente no hospital também... Então, esse negócio de
integralidade, de compromisso, eu acho que o fundamental se você
tiver compromisso com seu serviço... você consegue resolver tudo,
pelo menos dá um encaminhamento pras coisas. (E3)
Um dos problemas vivenciados no PSF é a dificuldade de
encaminhamento do usuário para as especialidades, o serviço de urgência e
internação, dado o número reduzido de especialistas na rede, o limite de consultas
por especialista e a grande demanda que busca esses serviços não só de
moradores de Belo Horizonte, mas também de outros municípios. Portanto,
evidencia-se a comunicação por escrito, após o contato prévio por telefone
autorizando o encaminhamento, como uma forma de integração entre os diversos
níveis de complexidade de atenção, muito utilizada para referenciar o usuário
formalmente no sistema, mas não para contra referenciá-lo. Para Cecílio (2001), a
integralidade só será possível mediante uma “boa” articulação entre os serviços,
cada um cumprindo sua parte, contra-referenciando de forma responsável para o
serviço que encaminhou. É o que se pode ver nos discursos a seguir:
Existe, assim, a comunicação, por exemplo, a unidade básica aqui
ela comunica com a UPA e a UPA recebe aquele paciente que tá
passando mal, que não pode ter atendimento aqui porque nós não
temos recurso aqui pra atender ele, existe essa comunicação entre a
unidade e as UPAs, que fala que é secundária, e a UPA tem com
hospitais porque através dali é que eles vão acionar a Central de
Leitos se for o caso, pra levar para os hospitais pra internação.
(ACS1)
... essa integralidade têm que haver dentro do posto também, as
equipes se unirem. Dentro da equipe, tem com as outras equipes e
tem também com as UPAs, os hospitais. Somos nós todas as
equipes todas juntas, nós temos também essa relação boa entre nós,
nós temos reuniões onde que participa todas as equipes. (ACS1)
Percebe-se, da vivência no trabalho na UBS, que por mais envolvido, por
mais motivado que o trabalhador de saúde esteja com seu trabalho, por mais
integrado que esteja à equipe, não consegue atingir todo o objetivo da integralidade.
Como salienta Cecílio (2001, p. 117), por melhor que seja a equipe, os
trabalhadores, a comunicação entre eles e a coordenação de suas práticas, a
78
integralidade está além do espaço singular dos serviços de saúde, pois ela é
objetivo de rede, isto é, integralidade ampliada, que busca uma perspectiva de rede,
também, de ação social, de intersetorialidade.
Nesse sentido, cabe aos profissionais da Saúde da Família identificar os
problemas da comunidade e a maior responsabilização para buscar ações
intersetoriais. Portanto, o ACS traduz para a equipe a realidade da comunidade e,
conseqüentemente, os trabalhadores de saúde da ESF reconhecem a importância
dessa tradução reorganizando seu processo de trabalho com ações tanto na
unidade quanto no domicilio e na comunidade, voltadas também para promoção da
saúde numa perspectiva de intersetorialidade. O ACS também faz o caminho
inverso, traduz para a comunidade como é o funcionamento da ESF e os serviços
prestados na UBS. Isso possibilita a construção de novos vínculos entre a
comunidade e a equipe e amplia o acesso ao serviço de saúde:
Então eu acho importante isso, a gente sempre tá ensinando, sempre
passando informações pros outros. [...] Eu acho excelente. Por
exemplo, a gente tem elas (ACS) pra trazer a notícia. Como que a
gente ia saber que numa casa tal, tal, tal tem um acamado, se a
gente fica aqui o tempo todo atendendo e não tem tempo de nada?
Então a gente precisava desse funcionário pra trazer pra gente
arranjar um tempo praquela família que tá com um acamado, porque,
às vezes, você vai lá até num tem assim o que fazer, mas você tem o
que orientar. (AE1)
Então, você tem chances de buscar a intersetorialidade, de melhorar
alguma coisa do nível social. A gente se vê até numa situação
inusitada, às vezes, de ter que ligar para zoonose, pedir uma
avaliação de uma área de risco, o que pode ser feito buscar um
conhecimento maior para ser aplicado ali... Você busca informações
sobre outros setores comunidade, em relação, a área de lazer, busca
criação de grupos de ginástica, grupo de dança... Eu não tinha o
domínio sobre área, como nós vamos programar aquilo... era, assim
um apoio total da equipe, desde médico até agente comunitário,
trazendo, coordenando, cada um com seu, suas informações, seus
conhecimentos. A gente está sempre buscando parceiras... Então o
trabalho em equipe envolve tudo, não só o trabalho em equipe em si,
da minha equipe, como as parcerias que a gente consegue com a
comunidade e com os outros setores da prefeitura... um trabalho que
surtiu efeito [...] a gente visita creche, vai em asilos, faz palestras em
igreja, faz visitas domiciliares, você participa da vida da comunidade.
Então, é um outro lado de si trabalhar. Então, a integralidade é tudo
isso, você visando ações comunitárias de um modo geral. Não só na
ausência de doença, mas olhando, também, o que falta pra aquela
área, o que falta pra aquela comunidade, quais as carências que elas
têm em relação aos outros setores, as pendências, aquilo que eles
79
buscam. A gente ajuda, organiza isso também. Então, a gente
orienta às vezes, até em termos de orientação. Eles não sabem, nem
alguém procurar, como resolver aquele problema. (M2)
Apesar de a ESF ter mais chances de buscar a intersetorialidade, não
cabe ao setor de saúde a maior responsabilização por isso, pois a intersetorialidade
surge numa perspectiva de solução integrada, decorrente da incapacidade das
políticas setoriais fragmentadas de superar os problemas vividos pela população. As
mudanças necessárias incluem aproximar os responsáveis dos diversos setores e a
leitura das necessidades do coletivo: “cada serviço sediado numa dada comunidade
compõe uma rede de ação social. Essa rede deve articular-se para identificar os
problemas e encaminhar soluções integradas” (JUNQUEIRA, citado por BRASIL,
2004b, p. 48). Isso porque a complexidade dos problemas sociais, segundo
Junqueira (2004, p. 27), “exige um olhar que não se esgota no âmbito de uma única
política social”.
Observa-se no cotidiano do PSF que a intersetorialidade ainda apresenta
desafios de gestão e operacionalização. Ou seja, as equipes de Saúde da Família
nem sempre conseguem articular ações conjuntas com os outros setores, porque
cada qual mantém a sua lógica e as suas prioridades, apesar de atuarem no mesmo
território e para a mesma população.
No entanto, a ESF tem que priorizar o atendimento aos idosos por uma
reivindicação da própria comunidade para que se cumpra o estatuto do idoso, assim
como, entende-se que
... dentro do programa, eles... têm uma prioridade pra atender... A
mulher... tem o idoso... todos têm prioridade. Num tem? Então, eu
acho que é uma integralidade de... todas as faixas de idade... todas
as pessoas que precisam... de um trabalho da equipe, do programa.
(AE2)
O discurso revela que no PSF, além do idoso, todas as pessoas que
precisam [...] de um trabalho da equipe, do programa, têm prioridade também, ou
seja, a equipe tem de priorizar os grupos populacionais de maior vulnerabilidade de
risco, garantir acesso igual para os desiguais e acesso universal e igualitário a uma
pessoa ou grupo de pessoas aos cuidados de que necessitem (BELO HORIZONTE,
2003b). Expressa-se aqui como a integralidade se relaciona aos princípios de
80
eqüidade e universalidade constituindo, segundo Cecílio (2001, p. 113), “um
conceito tríplice, entrelaçado, quase um signo”, no qual está implícito a busca pela
superação das injustiças sociais, pela cidadania e pela saúde como direito de todos.
Essa concepção ampliada de integralidade nos permite perceber a prática vivida no
cotidiano do trabalho da ESF refletida no BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL e repensar a
organização desse projeto que resulte em possibilidade de integralidade na
micropolítica da ESF, ou seja, enxergar de acordo com esse mesmo autor (2001, p.
119), como o “micro” está no “macro” e o “macro” no “micro”. Portanto, considerar,
ainda, que cabe à gestão mediar essas duas dimensões de forma participativa
(CAMPOS, 2003).
Nesse sentido, é fundamental que a gestão perceba que é preciso
relativizar o “dever ser” instituído pelo projeto, “o que é” vivido na prática cotidiana,
mas nunca se contrapondo. Não mais pensar a prática de integralidade tal como ela
deveria ser, mas, sim, coerente com Maffesoli (1998), tal como ela é, pois,
consciente da polissemia da realidade social, faz-se necessário
reconhecer que não há um Sentido estabelecido de uma vez por
todas, mas, muito pelo contrário, uma pluralidade de situações
pontuais, e que podem variar de um momento ao outro. Trata-se aí,
claro, de uma das conseqüências da ênfase posta sobre o presente e
do retorno em massa deste nas práticas e representações próprias
aos diversos atores sociais. Trata-se, igualmente, de uma
manifestação do relativismo, que retoma importância em todos os
domínios e cujos efeitos ainda não foram integralmente avaliados”
(MAFFESOLI, 1998, p. 115).
Entender, assim, que a integralidade não pode ser trabalhada como um
conceito fechado, pois, como imagem objetiva, tem múltiplos sentidos e usos que
possibilitam que diferentes atores sociais expressem por meio desse termo suas
aspirações de transformações em algumas características das práticas do cuidado,
do modo de organização dos serviços ou, mesmo, das políticas (MATTOS;
PINHEIRO; KOIFMAN, 2005). Portanto, uma imagem objetiva não diz como a
realidade deve ser, mas resulta, de acordo com Pinheiro e Guizardi (2004), da
prática social, produtora de relações, signos e significados das várias vozes sociais
que dão sentidos a esse termo no cotidiano dos serviços de saúde.
Percebe-se que essas questões vêm sendo consideradas tanto pelo
trabalhador da saúde da Atenção Básica que vem reivindicando sua participação
81
nas discussões sobre o BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL, desde a implantação do
PACS/ BH VIDA, como também pela atual gestão da SMSA, que criou espaços de
discussões entre gestores e trabalhadores, como a Mesa Municipal de Negociação
do SUS, colegiado gestor local, grupos de trabalhos temáticos e Oficinas de
Pactuação da Organização da Atenção nas UBS, que resultaram na construção de
um documento intitulado “Recomendações para organização da atenção básica”
(BELO HORIZONTE, 2003b).
Então, a partir do momento que a gestão da SMSA dá essa abertura para
a negociação das relações entre trabalhadores e gestores, evidencia-se que o
projeto BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL não é uma verdade pronta e absoluta, portanto
necessita dos discursos dos atores sociais e de suas práticas no cotidiano dos
serviços de saúde para enfrentar as dificuldades encontradas na construção da
integralidade do cuidado e da atenção.
3.2.2 As dificuldades encontradas
Evidenciam-se, na UBS, dificuldades em relação à estrutura física, aos
recursos materiais e humanos e à organização do processo de trabalho, antes
mesmo da implantação das equipes de Saúde da Família, e que deveriam ser
enfrentadas pela gestão local. Porém, mesmo com tais dificuldades reconhecidas
pela SMSA (BELO HORIZONTE, 2003a), as equipes de Saúde da Família foram
montadas e cabe aos trabalhadores de saúde prestar uma assistência de qualidade,
resolutiva e integral:
Nós precisávamos inclusive pra montar as outras equipes tivemos
que fazer adequação da área física, porque, antigamente, onde estão
os consultórios era o laboratório. Deve que esperar liberar e construir
um outro laboratório, para tirar o pessoal que estava lotado aqui, pra
prefeitura vir fazer os consultórios pra poder montar. [...] Então, teve
que dividir até os horários pra adequar todas as equipes pra tá
atendendo. (E2)
82
A UBS, a princípio, teve de sofrer uma adequação da área física para
comportar as quatro equipes de Saúde da Família juntamente com os médicos e a
enfermeira de apoio, a equipe de Saúde Bucal e os setores da unidade. Além disso,
os profissionais da saúde dividiram até os horários para adequar o atendimento das
equipes, mesmo após a reforma da unidade. Assim, as equipes vêm enfrentando o
desafio de prestar uma assistência de qualidade e resolutiva a todo tipo de demanda
que chega à UBS, mesmo com recursos escassos:
Então, falta recursos materiais, por exemplo, agora aqui unidade de
saúde virou meio... urgência, também. Nós somos a referência da
comunidade, tudo drena pra cá, e daqui a gente vai drenar pra UPA,
tá sendo assim. Então, chega nós não temos recursos materiais,
materiais de consumo mesmo, equipo de soro, scalpe, nós temos
muita demanda pra este tipo de assistência aqui, todo dia a gente
chega tem um paciente com sorinho ligado... Nós viramos a
referência na comunidade, inclusive até mesmo pra ir pro... vou pra
lá que eles me arrumam uma ambulância, e me mandam pra onde te
ver que ir. (E2)
O PSF evidenciou, além da deficiência de uma estrutura física adequada
para atendimento à população, a falta de recursos materiais necessários para
prestar assistência, a partir do momento em que a UBS tornou-se uma referência na
comunidade, diversificando inclusive suas atividades e aumentando o número de
pessoas atendidas:
[...] tinha muita gente aqui que nunca vinha no posto de saúde, nunca
veio, e agora todo mundo vem, onde a demanda ficou lá... É muito
mais trabalho do que antes. Antes a gente trabalhava seis horas. Eu
percebo que melhorou. Antigamente dava um trabalho, nem tanto
funcionário também, pra quem trabalhava tendo que lixar as agulhas
pra fazer a injeção, aquela multidão de agulha e hoje já vem tudo
descartável, então muito fácil hoje. Percebo não, é a realidade. Vivi.
[...] Teve os medicamentos e assim, todo mundo tinha, que a
comunidade, a população era pouquinha, agora nada que chega não
dá mais. Chega medicamento hoje de manhã, à tarde acabou. Então
é assim, tudo, cada tempo é um tempo. (AE3)
Se, de um lado, algumas facilidades são apontadas, como o uso de
descartáveis que contribui, inclusive, para a melhoria do atendimento, de outro, o
aumento da demanda evidencia uma falha estratégica, por exemplo, na aquisição de
83
medicamentos pela população, pois chega medicamento hoje de manhã, à tarde
acabou.
Esse aumento de demanda revela um problema, presente desde o início
da implantação do programa em Belo Horizonte, que dificulta a sua
operacionalização como planejado pela SMSA:
É lógico que o trabalho aumentou a gente, às vezes, fica
sobrecarregado, a demanda cresceu. Houve, vamos supor, não sei
se isto pode ser chamado de um ponto negativo. Mas, em termo de
trabalho aumentou, sem dúvida duplicou, a gente trabalha mais. A
demanda tá muito grande, a gente não está conseguindo ficar só
atendendo o pessoal da equipe, um problema que tá ainda sem
solução, porque não tem como, assim, as equipes, nós temos só
três, agora que nós perdemos mais uma médica de uma outra
equipe, resolveu sair. Então, nós estamos sempre, assim, um tem
que apoiar uma outra, tem que atender um paciente de outra. [...] a
gente não consegue ficar só com os pacientes da nossa equipe. Este
é um problema que está desde o início do PSF. [...] Então, é... seria
bom se a gente pudesse dedicar todo este tempo só a minha equipe,
aos pacientes da minha área. Coisa que ainda não tem como, por
causa da deficiência de recursos humanos. (M2)
A realidade vivida na UBS após o PSF revela que o trabalho aumentou,
sem dúvida duplicou. Trabalha-se mais e uma equipe precisa apoiar a outra, por
causa da deficiência de recursos humanos. Isso é ressaltado por uma das
respondentes ao afirmar que pelo excesso de serviço [...] ultimamente está sendo
muito solicitado as enfermeiras, muito mesmo, serviço triplicou (AE 1).
O que a gente nota é uma sobrecarga de trabalho, nós temos todas
as atividades da equipe, mas o centro de saúde continua. [...]
aumentou o número de enfermeiros e o número de horas de
auxiliares, mas a vacina é o tempo todo, a farmácia o tempo todo, a
avaliação aqui no corredor, verificação da PA, fazendo micro e
terapia de reidratação oral. Estas atividades continuam enquanto
tiver demanda a gente tá avaliando. Então, às vezes, a gente, nossa
quem vai ficar aqui? Nós, ainda por cima temos que contar com as
licenças e faltas por algum motivo [...] Então, nossa ninguém vai
poder sair, como é que vão duas pessoas pro grupo e o outro fica
aqui. Isso todos os dias a gente tem que fazer essa avaliação, quem
tá onde e quem vai poder sair. As quatro enfermeiras e a gerente,
também, de vez enquanto quem olha o problema primeiro, vai tá
tentando encaminhar. [...] Eles não gostam, porque eles falam assim,
que eles têm responsabilidades, eles gostam de fazer. Ai, a gente
fica assim, olha infelizmente não vai poder deixar a unidade
descoberta. (E2)
84
Apesar do aumento quantitativo de profissionais e de carga horária,
passando de seis para oito horas diárias, percebe-se que o número de auxiliares de
enfermagem é ainda insuficiente para atender às demandas da ESF e dos setores
da UBS. O fato é que se convive, neste momento de transição, com um modelo
tradicional de atendimento da demanda espontânea e a proposta do PSF que
propõe uma mudança nesta lógica. Além disso, espera-se uma redução no número
de auxiliares de enfermagem na UBS, pois quatro delas vão aposentar, uma está até
de licença (E 2), e nestes casos não existe na SMSA uma política de reposição
desses funcionários.
Eu acho assim, que é acúmulo de serviço, a falta de funcionário,
porque infelizmente a gente trabalha por três, por quatro. [...] Eu acho
assim, aqui a gente trabalha demais e a quantidade de funcionário é
muito pouca pra demanda daqui. Que a tendência é só aumentar.
Nossa, aumentou a demanda demais! Triplicou! Aqui tem que se
desdobrar, aqui não tem aquele negócio de dizer assim: porque você
é enfermeira você vai fazer só aquilo, você é auxiliar você faz aquilo,
aqui você faz de tudo. [...] vê agora a campanha, nós vamos pegar
os ACS pra anotar; porque como é que você vai preparar a vacina,
aplicar, anotar, com a fila rodando quarteirão? Aqui também a gente
abre a vacina, a fila já foi assim, já voltou e já tá lá do outro lado. E
outra coisa, aqui a gente, mesmo que você esteja escalado pra um
local, não tem como você ficar só naquele local. Às vezes as
meninas tão na vacina, eu to no acolhimento, tem gente no corredor
pra olhar pressão; quem tá desocupado na vacina corre lá na... quem
tá desocupado na farmácia vai fazer outra coisa... Eu acho que o
maior problema aqui é falta de funcionário, de auxiliar de
enfermagem. Se tivesse mais não ia precisar das enfermeiras largar
o serviço delas pra fazer o da gente. (AE1)
Evidencia-se que o número reduzido de funcionários, principalmente de
auxiliar de enfermagem, que o médico (M 2) diz erradamente enfermeiro, influencia o
atendimento da ESF para os respondentes, limita a implantação dos objetivos
propostos pelo programa de forma integral:
Os ‘enfermeiros’ são, assim, eu acho que elas estão ainda muito
apegadas ao Centro de Saúde. Em termo de PSF em si são os que
mais tão sendo é..., como fala? Prejudicados no trabalho de campo
que o PSF precisa, porque devido esta falta de recursos humanos,
de escassez de equipe, a gente não pode liberar eles pra ir numa
casa, por exemplo, medir uma pressão, fazer controle, um
acompanhamento daquele paciente, fazer um curativo, que às vezes,
85
a gente demanda isso na nossa equipe. Se sair, se a gente libera o
‘enfermeiro’, o posto de saúde fica sem. [...] Tem um horário fixo pra
elas ficarem no grupo. Então, isso limita um pouco. Não, a
enfermeira nem tanto, tem mais liberdade. Ela fica, programa as
ações dela de acordo com cronograma, tudo da equipe. Os auxiliares
que são mais prejudicados, que tem tempo pra ficar num
determinado local, não pode. Tem que ficar mais a disposição do
Centro de Saúde do que propriamente da equipe. Então, eu não sinto
eles assim só da equipe, da nossa equipe. Eles são do Centro de
Saúde, porque têm que dá uma cobertura total ao posto de saúde.
Eu acho que eu me sinto mais médico do PSF e a E 2 também, mas,
assim, é lógico que as nossas ações são mais voltadas pra equipe.
As dos auxiliares nem tanto. As dos auxiliares são mais voltadas pro
Centro de Saúde como um todo. Então, eles não podem se dedicar
tanto como nós, quanto eu e a enfermeira. Visando só a equipe, só
área de abrangência, só a comunidade da nossa equipe. [...] Eles
não podem ficar. Eles têm que cobrir o que é demanda do Centro de
Saúde e não a demanda da equipe. Isso pra mim seja um outro
ponto negativo que a gente tem vivenciando. Mas esperamos que,
então, com ao passar dos anos isso vá melhorar. Que eles, a gente
possa dá funcionando, a equipe integral,
visando só aquela
comunidade em si, que é o objetivo do PSF. Então, a gente espera
isso no futuro se concretize (risos). (M2)
[...] a questão das visitas domiciliares, os auxiliares da minha equipe
ficam muito..., além de ter número de carro pra visita, porque os
horários não coincidem, por causa de arrumar carro pra visita e
também na questão da saída da unidade pra tá indo no campo, por
causa do número de pessoal, porque eu acho que precisa mais
pessoas de apoio. Então, recursos materiais e humanos mesmos pra
gente tá dando o apoio na unidade pra gente poder ficar mais livre
pra fazer o trabalho do PSF. (E2)
[...] às vezes não dá pro auxiliar vim, acontece muito quando a
unidade tá cheia de gente pra atender, aí só vai ACS e o médico.
(ACS1)
Salienta-se que a ESF, além das dificuldades em relação à estrutura
física, material e de pessoal que efetivamente possa participar do trabalho da
equipe, ainda não pode desenvolver uma prática integrada com a equipe da
odontologia, dada a falta de profissionais dessa área. Isso inviabiliza a implantação
da proposta de reorganização da atenção à Saúde Bucal integrada ao PSF nesta
unidade, uma vez que essa proposta define que deve ser implantada uma equipe de
saúde bucal (ESB) para cada duas equipes de Saúde da Família nos municípios
com uma população superior a 6.900 habitantes como uma das estratégias para a
incorporação das ações de saúde bucal no PSF (BRASIL, 2004c).
86
[...] mandamos para eles, pra eles resolver. Eles têm o acolhimento
deles, o serviço deles não enquadra no nosso não. Chega uma
pessoa lá ‘ah, tá com dor de dente, tá assim precisando de algum
atendimento’ aí ele sobe a escada e vai na sala da odontologia,
conversa com a auxiliar do dentista e vê o que pode fazer. Nós não
intervimos no serviço deles, nós não sabemos como que funciona
[...] mas sempre teve só uma equipe mesmo. (AE1)
Uma das questões apontada para a deficiência de recursos humanos, é a
grande rotatividade de profissionais, principalmente de médicos, que queiram aderir
à proposta do PSF:
Tem muita rotatividade de médico. Nestes quatro anos, nós tivemos
uns quatro a cinco que não chega a ficar nem um ano,... contratos.
[...] inclusive dois que queriam ficar, tiveram que mudar, porque os do
concurso optaram ficar aqui. Então, teve que ceder o lugar pra eles.
Então, dois saíram, mas sem querer. Eram dois profissionais, que a
comunidade estava gostando muito, mas infelizmente eles tiveram
que ser transferidos. O efetivo, também, já pediu exoneração. Eu
acho, assim, eles entram muito recente, eles não conhecem o
trabalho, este novo modelo de atenção à saúde, que é o PSF. Então,
eu acho que os profissionais estão entrando despreparados Nesse
sentido, não em termo de conhecimento, mas pro objetivo que é
trabalhar em equipe, neste novo modelo de atendimento, o médico
generalista. Talvez, haja um pouco de insegurança. Eu sinto isso,
uma falta de preparo melhor neste aspecto do emocional do
profissional. Eu não senti tanto, porque eu logo tive o curso. Eu tive
oportunidade, eu acho que eu fui privilegiado neste aspecto, porque
eu entrei no final do ano e já tive o curso totalmente à disposição. [...]
Então, eu acho que faltou mesmo o preparo pra esta área. O pessoal
saber que eles têm que procurar e não ficar esperando tudo de mão
beijada, têm que correr atrás. Ou então, não era aquilo que eles
queriam também. Mesmo porque é uma outra realidade de trabalho.
Às vezes, aquele médico quer mais ficar só com um certo tipo de
cliente, não quer ser generalista. Entra, depois vê a realidade e quer
mudar. Então, eu acho que foi isso que aconteceu como esta
rotatividade que nós vemos tendo nestes quatro anos. (M2)
Para solucionar tal problema, a SMSA realizou, em 2004, um concurso
público de médicos e enfermeiros exclusivo para o PSF. A princípio, a efetivação dos
profissionais aprovados por concurso gerou muita transferência entre as unidades,
pois os primeiros colocados podiam optar pelas UBS, onde queriam trabalhar.
Inclusive, aqueles que queriam ficar, tiveram que mudar, porque os do concurso
optaram ficar aqui, independentemente do vínculo já estabelecido com a
comunidade e com os outros membros da equipe. Entretanto, mesmo após a
87
realização do concurso, a contratação temporária continua existindo, pois alguns
desses profissionais não quiseram aderir ao PSF e outros que aderiram,
principalmente os médicos, ao entrar em contato com esta outra realidade de
trabalho, percebem que não era aquilo que eles queriam também, ser generalista e,
às vezes, pedem exoneração:
Eu acho que aqui deu certo, tá dando certo, mesmo os médicos que
entraram e saíram por motivo deles, agora com o concurso que
venho mais fixo pra cá. Eu acho que caminha mais, porque você
tendo estabilidade você vai ficar aqui, você não vai ficar mudando de
centro de saúde todo dia. [...] Então, assim, isso da muita
instabilidade profissional, às vezes, até motivação pra ele não
trabalhar, mas agora, não ele vai saber que ele vai sair daqui só se
ele quiser. (E2)
O problema é que, para solucionar a falta de pessoal da saúde até a
realização de um concurso público, geralmente moroso, a SMSA faz contratos
temporários por um período de dois anos, o que gera instabilidade profissional, pois,
após esse tempo, o profissional é obrigado a sair por força de legislação. Além disso
o fato de os profissionais entrarem despreparados para trabalhar em equipe, diante
de um novo modelo de atenção à saúde, faz com que a rotatividade aumente,
tornando o processo do PSF moroso.
Outra questão ressaltada é o perfil do trabalhador que irá atuar na
Atenção Básica, sua crença e comprometimento com o projeto político de mudança
como uma forma de garantir a efetivação da proposta do BH VIDA SAÚDE
INTEGRAL na prática. No discurso expressa-se que é importante repensar a forma
de seleção e avaliação de desempenho dos profissionais que atuam na ESF.
Reconhecer, segundo Leite (2001, p. 214), que, às vezes, existem alguns
impedimentos para a construção desse “novo saber, fazer e ser”, tais como a
formação do profissional em direção à especialização, “o aprisionamento dos
sujeitos no seu fazer específico como estratégia de manutenção de poder, as
inseguranças vividas pelos trabalhadores diante das inúmeras contradições
presentes, as limitações decorrentes da restrita composição da equipe”.
Agora o que eu mais condeno no serviço público é o concurso,
passa..., vem pro serviço público sem fazer uma avaliação, se a
pessoa tem perfil pro serviço público que é completamente diferente
88
trabalhar num hospital, trabalhar no seu consultório particular, do que
trabalhar numa unidade. [...] se a pessoa não tiver perfil, não gostar
do serviço público, não vai adiante, você não consegue implantar
nada... eles não conseguem nem trabalhar em equipe, eles não
deixam desenvolver o trabalho. [...] equipes, que o médico tem perfil
de saúde pública, que a enfermeira é compromissada, se engaja
mesmo no programa, aí você percebe trabalho de equipe direitinho,
pessoal bem enturmado, os ACS traz, leva os problemas, o médico
que vai atrás, ele não fica só parado aqui, tenta resolver de outra
forma o problema. Eu acho que depende mais é da enfermeira, na
equipe. Agora o que eu percebo é que depende muito do perfil, que
tem aquele agente comunitário que nasceu praquilo, que gosta então
ele faz, ele trás as coisas, agora eu tenho uns agentes comunitários
que se você falar pra fazer A, ele só faz A, e não olha em redor do A
um milímetro. (E3)
Essa deficiência de profissionais, tanto quantitativamente quanto
qualitativamente, é um problema grave para a implantação e a expansão da
estratégia da Saúde da Família, que precisa do envolvimento não só dos gestores,
mas também da academia e dos pólos de educação permanente (CAETANO; DAIN,
2002; CAMPOS; BELISÁRIO, 2001):
O curso me possibilitou dominar as áreas que eu tinha mais
dificuldade. Eu também, procurei suprir as minhas carências na área
da ginecologia, na área da pediatria. Então, a parte prática, eu tinha
que me virar com ela. A parte prática não tem no curso. A parte
prática, eu tinha que fazer meus estágios, sozinho; procurar como
que era uma consulta de pré-natal, como que era colher uma
citologia. (M2)
Por meio do discurso, percebe-se que o M2 reconhece que o curso de
especialização do PSF possibilita ao profissional médico capacitação teórica,
enquanto a parte prática depende de esforços individuais, ou seja, a mudança na
prática do profissional da ESF depende de uma busca pessoal de capacitação com
os outros profissionais de apoio, como o pediatra e o ginecologista, pois a parte
prática não tem no curso. Com exceção do módulo sobre trabalho em equipe, que é
o único momento do curso que possibilita uma discussão sobre a prática, por
oferecer a proposta pedagógica da problematização de como “trabalhar aprendendo
e como aprender trabalhando” (SANTANA, 2000, p. 12). É um modulo no qual a
equipe repensa a sua prática e elabora uma proposta de intervenção para ser
implementada e discutida na UBS no cotidiano do trabalho. O discurso da enfermeira
que já participou desse modulo com uma ESF da qual ela fazia parte em outra
89
unidade reforça que é importante esse treinamento em equipe, pois ela acredita que
fica mais fácil trabalhar com a equipe, depois que eles entenderem a importância da
responsabilidade compartilhada:
Quando a equipe fizer o treinamento em equipe, pra mim vai ficar
mais fácil trabalhar com a equipe. Porque às vezes eu acho que as
responsabilidades estão muito nas minhas costas. Eu sinto que eu tô
mais sobrecarregada. As coisas estão... não que sejam fáceis pra
eles, mas tá muito diluído, chegam pra eles muito diluído. Então,
acaba eu me preocupando, às vezes acordando de manhã e
pensando: meu Deus! O que eu vou fazer amanhã? Sobre o que eu
vou falar no grupo? (E1)
O enunciado acima expressa que enquanto todos os membros da ESF
não tiverem um momento de reflexão sobre o que é trabalhar em equipe, na lógica
da estratégia da Saúde da Família, com um tempo para discussão e planejamento
conjunto para atender às demandas dos setores da UBS, os profissionais da saúde
vão estar sempre se sentindo sobrecarregados.
A proposta do PSF busca, então, a reorganização do processo de
trabalho na UBS a partir de equipes multiprofissionais, com ações integradas que
possibilite, além do estabelecimento de vínculo entre usuário e profissionais de
saúde, maior acesso ao serviço de saúde e assistência integral e resolutiva. No
entanto, evidencia-se que na prática, apesar da integração da equipe, ainda falta um
novo entendimento, por parte dos trabalhadores de saúde, de suas novas
atribuições como membros de uma ESF. Considera-se que é necessária a
capacitação de todos sobre o trabalho em equipe, pois a enfermeira acaba se
sentindo sobrecarregada com a coordenação sozinha de todas as atividades da
ESF. De acordo com o relato abaixo,
o trabalho em equipe seria organizar mais o serviço e dar condições
da equipe de avançar mais. É organizar, dividir tarefas... as funções
na equipe pra gente poder atender um número maior de usuário e
com melhor qualidade. Acho que aquele negócio de cada um ir
fazendo uma coisa atropelado, sem organização, sem tá dividindo o
serviço, fica cansativo. Do meu lado eu tô me sentindo um pouco
cansada. E acho que o resultado não é o que a gente espera, se não
tiver uma equipe integrada... Apesar da nossa equipe, entre a gente
tem uma integração, acho que tá faltando é sistematizar mesmo o
que é trabalho em equipe. Qual que é a função de cada um. Eu já
falei lá nas reuniões o que eu lembro, mas eu acho que é desde o
90
treinamento. Você tem que botar na cabeça, olha, trabalho em
equipe é isso... Nós estamos precisando fazer isso aqui. Porque eu
tento dividir a tarefa, mas eu não consigo dividir. Eu fico mais... de
coordenadora que manda fazer tudo, mas não consigo diluir o meu
serviço. Eu fico com a parte mais pesada. Eu acho que por causa
desta característica mesmo a da equipe não ter feito o curso, então,
só eu da equipe fiz o curso... eu tenho essa iniciativa de sair
dividindo, mas não consigo mostrar pra eles que aquilo ali é
importante, é função daquela pessoa. Passa como se eu tivesse
distribuindo a tarefa, então fez a tarefa tá bom. Não tem iniciativa de
tá falando, de tá participando. (E1)
Revela-se neste discurso a necessidade de um processo educativo para
todos os membros da ESF, mas ainda se tem arraigada a idéia da formatação, ou
seja, que se botar na cabeça que trabalho em equipe é isso, eles mudarão a forma
de agir. Na verdade, esse tipo de capacitação que se baseia somente na
transmissão do conhecimento, segundo Ceccim (2004/2005, p. 161), não se mostra
eficaz na incorporação de novos conceitos e princípios às práticas estabelecidas.
Por isso, concordamos com o autor quando ele diz que é necessário um processo
educativo incorporado ao cotidiano do trabalho que possa orientar as iniciativas de
desenvolvimento dos profissionais e das estratégias de transformação das práticas
de saúde. Ou seja, a Educação Permanente em Saúde,
ao mesmo tempo em que disputa pela atualização cotidiana das
práticas segundo os mais recentes aportes teóricos, metodológicos,
científicos e tecnológicos disponíveis, insere-se em uma necessária
construção de relações e processos que vão do interior das equipes
em atuação conjunta, – implicando seus agentes –, às práticas
organizacionais, – implicando a instituição e/ou o setor da saúde –, e
às práticas interinstitucionais e/ou intersetoriais, – implicando as
políticas nas quais se inscrevem os atos de saúde.
Dessa forma, acredita-se que a Educação Permanente em Saúde
possibilitará aos trabalhadores da ESF a percepção de suas necessidades e de que
devem se envolver na organização do processo de trabalho da equipe para que ele
não fique centrado na figura do médico ou da enfermeira. Do contrário, é o que se
constata, hoje, a enfermeira assume nitidamente o papel de coordenação da ESF
delegado pela equipe e aceita essa posição mesmo sentindo que fica com a parte
mais pesada. Ou seja, a enfermeira da ESF é apontada como a coordenadora que
manda fazer e distribui a tarefa, enquanto os outros membros da equipe entendem
91
que é para seguir somente o que é mandado, sem desenvolver iniciativa e
participação.
Então, eu deixo a E2 mais assim como chefe de equipe, ela tem mais
liberdade. Então, eu deixo ela mais coordenando de um modo geral.
(M2)
... a E1, ela é um tudo ali, ela é uma psicóloga, ela tenta solucionar,
então ela foi uma pessoa pra coordenar uma equipe, ela não
diferencia, se ela tiver que falar uma coisa comigo, ela fala. E a gente
aceita com todo respeito, entre equipe, é porque ela respeita a gente,
a gente sabe que ela quer o melhor pra nós, pra todos em geral, mas
ela busca solucionar o problema de todo mundo, ela é uma terapia
na equipe. (ACS3)
De acordo com a proposta, existem no PSF atribuições predefinidas que
são específicas para cada membro que integra a ESF e outras comuns a todos, que
devem ser seguidas pela equipe. (BRASIL, 2001). O Ministério da Saúde, ao
implantar o PSF num molde preestabelecido, espera que os profissionais da ESF
estejam preparados para dar soluções aos principais problemas de saúde da
comunidade, organizando suas atividades em torno do planejamento de ações
assistenciais, preventivas e de promoção, num trabalho em equipe com enfoque
interdisciplinar e com abordagem integral à família. Entretanto, no cotidiano do
trabalho onde realmente acontecem, elas podem ser geridas de diferentes formas.
Uma luta diária na qual a ESF deve buscar a resolutividade dos
problemas que se apresentam e cada um tem um papel a desenvolver:
A finalidade desse programa... da equipe... é procurar resolver o
problema, porque a equipe realmente ela preocupa com o problema,
a gente leva o problema, que o agente de saúde, a obrigação dele é
levar o problema pra equipe. (ACS2)
A finalidade mesmo é essa... pra ter um número de pessoas,
atendimento... Eu acho que o objetivo é ir atrás das pessoas, que tão
em falta, a vacina de criança, os acamados... Ir atrás das gestantes.
A gente vai atrás, na busca ativa e passa pra equipe. A equipe
depois vai à casa. É... tentar resolver, quando é possível. (ACS5)
Evidencia-se, então, que o ACS entende como sua obrigação levar os
problemas para a equipe e tentar resolver, quando é possível. Portanto, cabe-lhe:
identificar as necessidades da população adscrita; buscá-las ativamente e comunicar
os possíveis problemas encontrados à ESF. Ou seja, o Ministério da Saúde
92
considera o ACS como “elo” entre a comunidade e a equipe de saúde. No entanto, o
agente comunitário, por ser ao mesmo tempo um membro da comunidade e da
equipe, não poderia ser apenas um “elo” com a população, no sentido de ser
somente um veículo de comunicação. Deveria, sim, ser considerado, segundo Silva
et al. (2004), um “laço”, pois o ACS possibilita a criação de vínculo, de ampliação do
acesso tanto ao serviço de saúde quanto ao cuidado e a reorganização do trabalho
em equipe, modificando atitudes herdadas do modelo tradicional de saúde:
O trabalho em equipe é assim, nós agentes de saúde somos os
buscadores dos problemas, nós levamos o problema pra equipe
solucionar. A gente aprendeu, a nossa equipe, só aqueles que não
tem possibilidade de ser resolvido entre o médico e a enfermeira que
precisa do auxílio da gerente que é levado, porque é uma forma da
equipe tá evoluindo. (ACS3)
Eu brinco, a gente fica igual fofoqueira, vai na casa do usuário, passa
pro médico, pra enfermeira. Eu acho bom trabalho em equipe. Que
uma só, duas não consegue, igual a visita, o agente que vai mostrar
onde é a casa do usuário, que o médico, a enfermeira nem sempre
sabe, a não ser os antigos que eles já foram. [...] amanhã, eu já
estou lá pra saber como que o paciente ta... eu trago notícia, ele já
melhorou muito. É um leva-e-traz. (ACS4)
Qualquer coisa que tem passa pra enfermeira. Se a enfermeira num
ta, a gente passa pra gerente ou pros auxiliares. Uma visita, uma
queixa, tudo a gente passa pra ela. (ACS5)
... a equipe, o agente de saúde foi feito pra ajudar. O agente de
saúde, ele não é só agente de saúde, eu acho que ele é um pouco
psicólogo, porque a gente entra na família,... na casa, sem querer a
pessoa vai se soltando pra gente. Aí a gente vai e passa pra equipe.
Aí a equipe vê um jeito, uma solução de tentar resolver o problema
daquela família. [...] A gente tenta resolver entre a equipe mesmo. Se
é um problema de saúde a gente tenta agendar a consulta. O médico
consulta, a gente vai e visita. Se é um problema que não dá pra
equipe solucionar passa pra gerente. Ela tenta resolver de outras
formas se for possível, mas sempre procura resolver o problema.
(ACS2)
Os enunciados evidenciam que os próprios agentes comunitários se
reconhecem não só como elo, os buscadores dos problemas, fofoqueira, leva-e-traz,
ou seja, o ACS não é só agente de saúde, é um pouco psicólogo, que escuta e se
identifica com o usuário e suas necessidades, pois ele possibilita a criação de um
“laço” afetivo entre a ESF e a família, fomentando, assim, o vínculo e a co-
93
responsabilização da equipe e também da gerente para a resolução dos problemas
identificados.
Existe, porém, uma questão ética suscitada pela ESF em relação à
privacidade das informações relativas ao usuário obtidas pelo o ACS: esse
trabalhador possui uma situação singular na ESF, uma vez que reside na área de
atuação da equipe e não é um profissional submetido ao controle de conselho ético
de nenhuma profissão. No entanto, é o próprio ACS que expressa essa preocupação
em relação ao sigilo das informações obtidas nos domicílios referentes ao usuário,
que segundo ele devem ser somente compartilhadas dentro da ESF. Isso revela,
portanto, uma postura ética do agente comunitário:
Esse trabalho nosso [...] Você vai na casa da pessoa você não tem
que ficar falando o que você viu na casa da pessoa. [...] você
descobre muita coisa que só a equipe fica sabendo e você tem que
discutir em equipe. Não precisa outros ficarem sabendo, que era tudo
discutido junto com todos os agentes de saúde em vez de separado.
Então eu achei importante por causa disso: a equipe. (ACS2)
Em relação às atribuições do ACS no município de Belo Horizonte, além
do cadastramento, do acompanhamento e do encaminhamento dos usuários ao
ESF, feito por meio das visitas domiciliares, o agente comunitário marca consulta,
leva exame e medicamento no domicilio para os acamados ou pessoas com
dificuldade para deambular:
A partir do momento que eu passei a fazer parte da família dela, que
eu entrei dentro da casa dela, ela já começou a contar comigo. [...]
marcava uma consulta pra ela, eu já levava um exame pra ela, eu
pegava remédio pro marido dela. [...] eu fui uma amiga que ajudava
onde ela não encontrou nos vizinhos, que o marido dela tava
morrendo em cima da cama e ela não tinha condições de levar ele no
médico e nem sair e deixar ele sozinho. [...] um problema que o
agente de saúde resolveu de levar um remédio, de fazer isso e
aquilo. (ACS2)
Eu acho que eles (ACS) tem um limite também pra atender as
comunidade. Eles num tem que tá levando medicamento pras
pessoas na casa, eles não foram contratados pra isso. A menos que
seja uma pessoa a-ca-ma-da, não tem ninguém pra ir buscar o
remédio. (AE2)
94
O enunciado a seguir revela que o ACS se sente importante por levar os
problemas para a equipe, acompanhar e cobrar as questões relacionadas à saúde
das famílias, mesmo que não seja do interesse do usuário as orientações dadas:
Assim é ótimo esse programa. Porque a mãe querendo ou não o
agente de saúde tá obrigando, tá sendo assim uma obrigação na
vida daquela família,... a mãe a fazer uma coisa que às vezes ela
não queria fazer. Porque quem vê um agente de saúde às vezes não
dá nada pra um agente de saúde, mas se a pessoa parar pra pensar
o quando o agente de saúde é importante... Porque ele leva os
problemas pra equipe, ele cadastra a pessoa pro cartão do PSF, ele
fica em cima do acamado, se tá sendo bem cuidado, se tá sendo
bem olhado, se tá tomando remédio direito, se a vacinação tá em
cima, leva a lista de acamados pro posto ir atrás pra poder vacinar...,
orientando sobre a dengue, orientando sobre camisinha. Se tem um
exame a gente tem que levar o exame pra pessoa,... pode tá sol ou
chuva. Então... eles têm medo da gente... Às vezes atende a gente
até pela grade lá do portão... A gente fica lá: ‘Ó, se não levar o
conselho tutelar vai vir aqui’... Aí a gente pensa que não vai levar e
no outro dia a mãe tá lá com o menino. Às vezes não recebe a gente,
mas escuta o que a gente fala e leva. (ACS2)
Esse papel híbrido do agente comunitário pode ser um elemento
facilitador como dificultador para a ESF, pois, como membro da comunidade, ele se
considera também usuário e, portanto, quer que os outros membros da equipe e a
gerente o tratem como tal.
O discurso do ACS revela que existe uma contradição, pois é cobrado do
agente comunitário que ele deve escutar e acolher o usuário, mas há momentos em
que os profissionais da equipe e a gerente não o escutam e não compreendem os
problemas pessoais que o impedem de participar de alguma atividade da ESF.
O agente de saúde ele é muito cobrado... A gente vai procurar
resolver um problema... ‘Ô, hoje não dá pra eu participar de uma
reunião’, alguma coisa assim... Se tem um enfermeiro, um auxiliar ou
até mesmo um agente de saúde que está estressado... às vezes não
tenta compreender o outro. E, eu acho nessa vida, a gente tem que
ser compreensivo porque a obrigação do ACS é compreender o
usuário... escutar. Então às vezes a gente fica chateado porque um
enfermeiro, um auxiliar, sei lá... alguém do posto... Às vezes as
auxiliares mesmo não compreendem os ACS, aí fica aquela picuinha
sabe... de auxiliar com ACS... (ACS2)
O enunciado acima nos faz refletir que é preciso considerar o trabalhador
de saúde em relação à sua subjetividade, procurar escutá-lo e compreendê-lo, pois,
95
do contrário, isso pode gerar insatisfação, atritos e mal-entendidos. Como
evidenciado neste discurso, os agentes comunitários se sentem discriminados no
Centro de Saúde, pois eles têm de trabalhar somente na rua, por isso eles não têm
direito a lanche, vale-refeição, um local adequado destinado exclusivamente a eles
na UBS. Mas, às vezes, eles estão escalados para trabalhar dentro da UBS no
acolhimento:
Nós, ACS aqui, pra falar a verdade a gente se sente discriminado no
centro de saúde porque às vezes você vai conversar com um auxiliar
alguma coisa eles te dão cada rachada que você fica até sem rumo.
Às vezes a gente fica na escala no posto, a gente tá na rua, vai pra
escala e fica morrendo de fome, não almoçou... Às vezes tem até um
lanche alguma coisa assim sobrando, mas o agente de saúde não
tem direito, a gente tem que pedir. Assim, às vezes eu posso tá
enganada, mas o ACS ali no posto eu acho que é muito
discriminado. A gente tinha uma sala nossa, puseram a gente num
quartinho lá no fundo. Só vai reduzindo o horário da gente que tá
certo, o agente de saúde tem que ficar na rua, mas às vezes ele tem
que ficar no posto, ele tem que resolver alguma coisa no posto... Ele
tem que ir no posto pegar um exame, ele tem que resolver algum
problema. Até pra consulta às vezes é difícil. (ACS2)
Entende-se que existe no ACS um sentimento de inferioridade em relação
aos outros membros da ESF e acredita-se que alguns dos motivos sejam estes: por
ele ser um membro da comunidade, por não ter uma formação profissional, por ser
terceirizado e por não ter os mesmos direitos que os funcionários públicos:
Olha, eles [ACS] são... meio arredios com a gente. Mas, num deixa
de tá assim, integrados com a gente, não. É que às vezes eles
acham, não sei, tem hora que parece que eles acham que a gente,
quer dizer, já foi até comentado que a gente quer diminuí-los. Eles
acham que a nossa função é melhor do que a deles. Num é...! Todo
mundo precisa de todo mundo. Eles acham que nós não precisamos
deles. Com a gente eles num fala não. Mas, uns entre os outros, a
gente sempre fica sabendo. Porque às vezes tem certas coisas que a
gente precisa que eles façam pra gente. Eles não querem fazer, mas
fazem. (AE2)
Às vezes eles ficam meio arredios com a gente por causa... que eles
acham que a gente não quer fazer as coisas pra eles, mas o
problema é que a gente tem as normas a seguir. E às vezes eles não
entendem. Sabem das normas, porque tudo é discutido na nossa
equipe, nas nossas reuniões. E sempre tem alguma coisinha assim
que eles querem prioridade. A gente num pode fica dando prioridade
pruma pessoa que trabalha junto com a gente e sabe das normas! A
gente pode até abrir um precedente, mas não num horário de aperto.
96
Eles ficam contra a gente, por causa dessas coisas. Entendeu?
Esses pequenos detalhes... (risos) Uma coisa boba. (AE2)
Hoje a gente se dá bem, conversa o que é necessário, comprimenta,
tá sempre... numa boa. Mas, muitas vezes a gente num tem aquela
amizade, aquela... intimidade, sabe? A gente convive bem. Eles tem
alguns atritos de vez em quando, questão deles lá. Com relação ao
nosso trabalho, já foi superado. Agora eles entendem melhor. Às
vezes ainda querem alguma coisinha, mas já... sabem como é o
regulamento... aí já fica mais responsável. Porque antes, eu acho
que eles pensava que eles podiam... a gente tinha que fazer pra eles,
porque eles tavam servindo a comunidade. (AE2)
Coitadinhas [ACS], elas... coitadas, elas se sentiram assim... quando
elas entraram, elas ficaram assim muito desentrosadas. Mas aqui
entre nós, não tem esse problema, a gente chama todo mundo pra
participar de tudo. Então aqui elas foram logo entrosando. (AE1)
Os agentes comunitários tiveram dificuldade de entrosamento no início do
trabalho na unidade, principalmente em relação aos auxiliares de enfermagem, pois
eles acham que a função destes é melhor que a do ACS, o que, de certa maneira,
incentivou-os a fazer o curso de auxiliar de enfermagem. Já os auxiliares entendem
que os agentes comunitários, como trabalhadores de saúde, devem seguir as
normas da unidade e não querer privilégios por estarem servindo a comunidade.
É importante ressaltar que, após a implantação do PSF, houve
sobrecarga de trabalho para as equipes e, conseqüentemente, aumento no nível de
tensão nos trabalhadores de saúde, gerando conflitos, licenças médicas e faltas no
trabalho. Os discursos expressam que as dificuldades nas relações interpessoais
dentro ESF compromete o trabalho da equipe. Isso fica evidente quando não existe
ajuda mútua e afinidade entre os membros da ESF, pois se adota o individualismo
como uma postura dentro da equipe: Eu faço a minha parte e pronto:
A vantagem de fazer papel em equipe é a gente tem com quem
dividir... A que dividia a área comigo, ela me ajudava, eu ajudava ela.
Eu queria ter uma pessoa assim... aqui num tem... Eu não posso
contar com minha vizinha de área. [...] Gosto do posto... Sou muito
bem recebida na minha área. Não tenho nada de queixar... Eu não
tenho nada contra os ACS não... só acho chato não poder contar
com eles. Eu queria que fosse uma equipe mais unida, mas
infelizmente a gente não é... Mas, tá tudo bem... Tenho nada contra
não... Eu faço a minha parte e pronto. (ACS5)
Ah, no começo era bem mais unido, um compreendia o outro, um
tentava ajudar o outro, agora já é mais assim... Não sei se é devido
ao serviço ter aumentado... Tá todo mundo mais estressado, mais
97
cansado... E aí um não pode nem brincar com o outro porque o outro
já tá dando mal resposta no outro... Aí começa aquela... confusão
boba, uma coisa que não precisa daquilo... tem agente de saúde
agora que fica sem conversar um com o outro... Fica uma coisa difícil
porque às vezes tem uma visita pra fazer. (ACS2)
No cotidiano do trabalho da ESF, percebe-se um estresse gerado tanto
pela sobrecarga de trabalho e pelos conflitos entre trabalhador-trabalhador, como
nas interações entre trabalhador-usuário, pois cabe à ESF a responsabilização, a
assistência integral e a resolutividade dos problemas de saúde da população
adscrita. O enunciado a seguir evidencia que a ESF cria vínculo com o usuário e a
família, e isso implica responsabilidade pela resolução de todos os problemas
identificados:
Todo mundo tá tão estressado que eu acho que a equipe tem
problema porque depois que mudou o programa nós passamos
assim a ter os problemas da gente com os problemas de outra
família... aquilo mexe muito com a cabeça da gente... Eu acho que a
equipe, ela se tornou a família de todo mundo... Se tornou a família
dos usuários todos faz parte da equipe... Os usuários que têm
problema na nossa área, a gente tá ali com o problema junto com
eles. Eles não podem resolver o nosso, nós que temos que resolver
o deles. Nós estamos vivendo com os problemas deles, você tem
que resolver aquele problema. Se você não resolve, você fica
preocupada... Eu sou assim, eu fico chateada com aquilo. Enquanto
eu não vejo a solução daquele problema eu não fico na boa, eu
quero resolver... A equipe se integrou completamente com as
famílias [...] a gente toma amor pelas pessoas. Quando a gente
perde um usuário, às vezes a gente até chora. Eu me sinto
responsável por aquelas famílias,... em ajudar aquelas famílias que
precisam. (ACS2)
Assim, na tentativa de prestar cuidado integral centrado no
usuário/família, a ESF encontra, no dia-a-dia do trabalho, limitações que a impedem
de resolver determinados problemas de saúde, o que, muitas vezes, não é bem
aceito pela comunidade. Isso porque, á medida que a referência para resolução dos
problemas, tanto de saúde como sociais, é de responsabilidade da equipe, sendo
até mesmo veiculado pela mídia que a população deve procurar as UBS próximas às
residências para atendimento de suas demandas, espera-se uma solução, o que
nem sempre acontece:
98
O objetivo da equipe é tentar ajudar em partes assim, de doenças,
até mesmo psicológico, a gente conversa e tenta ajuda a família o
máximo que puder. Só quando não tem jeito mesmo, não tem
recurso, a família não aceita que a equipe não tem como ajudar.
(ACS2)
Se, de um lado, os discursos revelam uma postura de escuta acolhedora,
que cria vínculo e responsabilização com os usuários, demonstrando uma prática na
perspectiva da integralidade, de outro, os próprios sujeitos ainda reforçam a lógica
do modelo curativo, pois
[...] a gente ainda tá voltado muito pro curativo, porque a população
está procurando muito a gente com isso mesmo, pro curativo. Você
vê o nosso acolhimento é enorme, a gente fala assim: Ah! Meu Deus
do céu, esse acolhimento não vai acabar nunca, não? Não é possível
tá todo mundo doente, todo mundo precisando de médico, de
consulta médica. Acaba a gente ouve muita coisa, mas ai, a gente
fala assim: meu filho, mas é realmente você está com a dor, um
lombalgia. Você trabalha com que? Vai ver é outras coisas que estão
gerando a doença dele. Vou mandar o cara mudar de serviço, sendo
que é só aquilo que ele sabe fazer. Então, é muito complicado. (E2)
Evidencia-se, aqui, que o trabalho cotidiano da UBS ainda está voltado
para a consulta médica, para o atendimento da demanda espontânea, da cura de
doença, de pronto atendimento, pois a própria enfermeira, que é uma referência na
UBS e para o trabalho em equipe, reafirma a lógica do modelo médico hegemônico,
que não mudou. Ou seja, quando ela não se cita como um profissional que o usuário
procura, independentemente de ter ou não médico na unidade, querendo o
acolhimento, que é feito principalmente pela enfermeira, a consulta de enfermagem,
a vacinação e outros atendimentos de enfermagem.
Da mesma forma, que outras atividades, como por exemplo, o “grupo de
dança” e o “grupo de ginástica”, que a equipe estruturou, consideradas de lazer,
lúdicas e, atualmente, não são mais realizadas:
Nós temos grupo de dança, tá parado agora, porque tá arrumando a
igreja, não tá tendo salão, temos o grupo de ginástica. É
maravilhoso! O povo vai, aquelas velhinhas tadinha, chega lá quase
morta. (AE3)
Antigamente eu tinha um grupo de ginástica, foi até muito bom, lá na
igreja. O pessoal tá até cobrando pra gente voltar, mas a igreja tá em
reforma. E assim, tô até com dificuldade de voltar agora, porque a
99
demanda do centro de saúde aumentou tanto, que pra gente sair da
unidade tem que da programando de tantas em tantas horas eu
posso tá saindo. (E2)
Apesar dos usuários cobrarem o retorno dos grupos de dança e de
ginástica e dos sujeitos reconhecerem que essas experiências vividas foram
positivas tanto para os trabalhadores como para a população, a ESF não reorganiza
esse tipo de atividade em outros locais na comunidade, o que poderia contribuir para
diminuir a demanda espontânea na unidade.
Na verdade, vêm-se seguindo a lógica do modelo curativo, pois o que é
cobrada da equipe e avaliada é a produtividade, independe se eles têm ou não
postura acolhedora, se eles estabelecem ou não vínculo e responsabilização pelo
usuário. Isso reflete na lógica do atendimento na UBS, com aumento da demanda
tanto por consultas médicas quanto por atividades de enfermagem, como
acolhimento, vacinação, dispensação de medicação, curativos, avaliação e
verificação de dados vitais; o que dificulta, principalmente para o auxiliar de
enfermagem, devido número reduzido deste funcionário, de participar dos grupos
operativos e das visitas domiciliares junto com a ESF.
O pessoal fica falando: Ah, você tem que preencher papéis... eu
sempre falei: não! Eu gosto de resolver, gosto de atender. Mas, eu
tenho idéia que seja isso... quer dizer, integralidade é abordar o
máximo possível os problemas... tentar prevenir... e... num sei! (M1)
O enunciado expressa que existe uma cobrança em relação ao
preenchimento de papéis para mostrar a produtividade, enquanto, para o
trabalhador, o que é importante são as respostas que consegue dar aos problemas
demandados pelo o usuário.
Evidencia-se, então, uma dicotomia entre o discurso e a prática do BH
VIDA SAÚDE INTEGRAL (BELO HORIZONTE, 2003b), pois o projeto tem como
imagem-objeto a integralidade, mas a avaliação do processo de trabalho da equipe
se restringe muito mais à produtividade do serviço, ou seja, à quantidade de
atendimento, visitas domiciliares e grupos operativos realizados do que a produção
do cuidado integral. Essa cobrança de produção por procedimento é muito mais para
atender à exigência do Ministério da Saúde no que se refere ao repasse do
100
financiamento do PSF do que para uma avaliação conjunta com a equipe do
processo e do impacto qualitativo na comunidade:
Eu acho que o trabalho em equipe vai ajudar a gente até mesmo
quando mais tarde, pegar uma estatística e ver o que é que melhorou
com a saúde da família a partir da hora que ver a quantidade que nós
começamos atender e a organizar melhor. [...] dados da nossa
equipe que tem, são dados das ACS e dados meus. Então, assim,
visita domiciliar, eu faço a produção minha e dele. Porque senão, ele
não faz. E aí vai parecer que a equipe não faz visita domiciliar. Não
vai tá lá computado. Ele não conseguiu ainda perceber que a
produção é... eu acho que eu tive essa dificuldade de entender isso
no início. Eu não conseguia entender que a produção é importante
pra equipe. São dados pra gente poder tá avaliando até como é que
essa equipe tá indo. Onde é que nós precisamos atuar mais. (E1)
O enunciado revela que os dados da produção gerados pela ESF que
deveriam auxiliar no planejamento e na organização do trabalho da equipe não são
incorporados na prática dos profissionais, dada a falta de confiabilidade e de
entendimento da importância da utilização deles.
Outro fator limitante para a integralidade apontado pela ESF é a
burocracia nas instituições, que dificulta a interação e a integração dos serviços de
saúde com os demais setores.
Às vezes, a gente não consegui chegar, ao final daquele objetivo, por
mera burocracia, nem é limitação financeira. Então, eu acho que a
integralidade ela seria, ela tem que aprimorar mais nisso aí. Deixar a
burocracia de lado, cada um fazer sua parte cada um procurando se
ajudar um com outro... todos tão buscando um mesmo objetivo. É
melhorar a qualidade de vida da comunidade. É a gente se entender
mais ter mais comunicação, trocar mais informações, eu acho que
falta isso, também, pra gente mostrar pros outros setores, que a
comunicação é importante. E então a gente tem tanta burocracia que
dificulta. Às vezes, a gente tem que marcar, com fulano, pra poder
conseguir aquele objetivo. Se fosse umas coisas mais simples a
gente resolveria mais coisas também. Então, a integralidade tem que
existir, tem que aprimorar mais o lado burocrático. Eu acho as coisas
tem que se tornar mais fácies, mais acessíveis, pra gente buscar um
objetivo. (M2)
Ressalta-se que para desenvolver práticas de integralidade é preciso
repensar a estrutura burocrática das instituições e valorizar a comunicação como
importante forma de integração da saúde com os outros setores, no sentido de
resolver questões relacionadas ao limite de ação do setor saúde para atender às
101
necessidades referentes às condições de vida da comunidade. Conforme revela o
enunciado, a limitação da ação do profissional de saúde em relação às questões
ambientais que interferem na saúde da população decorre da falta de resolutividade
de outras áreas. Portanto, é necessário que haja, como nos afirma Junqueira citado
por Paula et al. (2004), uma articulação intersetorial com intervenção, por exemplo,
na área de saneamento básico, como no caso relatado:
Que a gente pudesse falar, assim, estamos a todo vapor, tá tudo
dando certo. Então, infelizmente a gente esbarra nessas questões,
ai, de não tá podendo resolver tudo. A gente faz a nossa parte, eu
faço com toda dedicação possível mais esbarra nessas limitações
que infelizmente não são rápidas, estes retornos. [...] Então, eu digo
o retorno é Nesse sentido de não ter a resposta imediata para aquela
ação que a gente busca, melhoria da qualidade de vida daquela
comunidade. Que isso o PSF colocou a tona, porque é muito amplo,
se vai trabalhar com todas as áreas... não adianta eu ir só lá
prescrever um vermífugo pra aquela criança, sendo que no outro dia
ele vai dá lá brincando na água contaminada, pegando o mesmo
verme, aquele círculo vicioso continua. Então, quer dizer se não há
participação, se não tem o retorno daquela área que precisa ser
saneada, ali resolver o problema. O papel de médico vai ficar um
pouco limitado. Quer dizer eu preciso disto, também, o saneamento
seja feito. (M2)
Destaca-se a necessidade de eliminar as barreiras que impedem a ESF
de ser mais resolutiva, assim como de melhoria das condições de trabalho, desde
estrutura física e materiais, mas principalmente que os trabalhadores de saúde
sejam valorizados “como sujeitos sociais em processo de relação (relações atuais,
passadas, históricas, sociais, culturais, de poder), no qual produzem as práticas de
saúde, não sendo, assim, mais um dentre os muitos recursos necessários, como
materiais e físicos” (FORTUNA et al. 2002, p. 19). Portanto, considerar os
trabalhadores de saúde, como potenciais sujeitos da mudança e de reformuladores
das práticas que buscam, no dia-a-dia do trabalho do PSF, formas de enfrentar as
dificuldades nos diferentes espaços de interação existentes.
102
3.2.3 Espaços de interação
É importante ressaltar as reuniões tanto de equipe quanto da gerente com
todas as equipes juntas (M2) como um dos espaços que possibilitam aos
profissionais o conhecimento do trabalho uns dos outros, como também das outras
equipes, a discussão dos problemas vivenciados no cotidiano da UBS e a busca de
soluções compartilhadas. Pois
eles todos tem liberdade de falar o que querem. A gente tem a
reunião de equipe, também, pra isso. A cada quinze dias a gente faz
uma reunião só entre a gente pra gente ver e avaliar os nossos
trabalhos e programar os próximos, o que a gente vai fazer. [...] Eu to
sempre, conversando com eles, mesmo sem poder o tempo todo, as
meninas estão passando as informações, os agentes comunitários. A
primeira coisa que eu chego, eu procuro saber informações do que
está acontecendo em cada área de abrangência. Então, antes de eu
começar o atendimento, eu vou busco informações, uma coisa de
mais urgência que precisa ser resolvida. Eu dou ampla liberdade pra
elas , pra tá me comunicando tudo que acontece, dialogando comigo
o que a gente precisa de mudar. (M2)
Aqui na nossa equipe nós todos temos um retorno [...] o
entrosamento é geral, num tem essa dificuldade não. (AE1)
As reuniões de equipe, portanto constituem um importante espaço para
reflexão conjunta de alguns problemas de saúde apresentados pelos usuários
identificados por todos os membros da equipe. A ESF, além das reuniões periódicas,
também tem outros espaços para articulação de saberes, práticas e interação entre
os trabalhadores de saúde no dia-a-dia do trabalho. Esses encontros permitem “a
distinção e a recomposição dos trabalhos parcelares em totalidades nas quais cada
trabalhador possa reconhecer-se, simultaneamente, como agente do trabalho e
sujeito histórico-social” (PEDUZZI; PALMA, 1996, p. 241). É o que confirma o
discurso a seguir:
Eu vejo como proveitoso, porque eu acho que a gente tem que
trabalhar em equipe não só dentro da minha equipe, mas também
trocar idéia com os outros. Porque cada um tem uma maneira
diferente, por mais padronizado que seja, a gente tem uma certa
liberdade pra criar coisas novas. Então, a gente busca informações
com os outros colegas, o que eles estão implementando de novo. [...]
103
Tem as reuniões de quinta-feira, que é com todas as equipes juntas,
exatamente pra isso. Tem um espaço da gerente, ela fala dos temas
principais, o que precisa no geral, depois ela dá o espaço pra gente
trocar as informações entre as equipes. Ai, a gente vê, troca idéias,
informa, assim, que um tá fazendo de novo. Então, cada um tem seu
espaço para falar. (M2)
É importante salientar que cada trabalhador, como sujeito social e
trabalhador parcial, tem valores, crenças, projetos próprios e constrói estratégias de
adesão ou recusa as práticas propostas num certo modo de organização. Portanto,
cabe à gestão do serviço de saúde propiciar espaços dialógicos nos quais cada um
tem seu espaço para falar e possibilitar, assim, a integração da equipe de saúde da
UBS ao projeto institucional e a novos projetos. O enunciado abaixo evidencia as
reuniões semanais entre a gerente com todos os funcionários da unidade como um
espaço que cumpre não só esse objetivo, mas também propicia encontros para
comemorar aniversário, um momento de descontração muito bom, até mesmo pra
integralidade, você ri um pouquinho. Como diz Maffesoli (1984), é uma forma de
socialidade, ou seja, um estar junto compartilhando um sentimento que se esgota no
presente.
Eu percebo na reunião semanal... que a pessoa ela consegue, ela se
expõe, mesmo diante de todo mundo. Eu acho a reunião semanal
pra mim foi excelente, eu arrependo de não ter começado isso há
mais tempo, porque é muito bom, até mesmo pra integralidade, você
ri um pouquinho, aí servem um suco, descontrai ali um momentinho.
É um momento que a gente para, tem dia até que o assunto é pouco,
mas aí é bom, eu percebo que o pessoal já abitolou, eles já vêm:
Tem guaraná? Aquela brincadeira assim... é um momento que faz
unir, dá uma união, uma integração da equipe mesmo... A gente
sempre faz a festinha de despedida e de vez em quando a gente faz
de aniversário. (E3)
No discurso acima, a enfermeira reconhece que as reuniões não podem
ser um momento somente para repasse de informações de ordem administrativa,
mas também um espaço de troca de conhecimentos e experiências entre os
trabalhadores onde, além de comemorar aniversários, podem realizar despedidas
dos que saem da unidade, isto é, podem compartilhar sentimentos e emoções. É um
momento de união, uma integração da equipe.
104
É porque ia vir um médico... assumiu a minha equipe... eu ainda não
tinha sido chamado... fizeram uma despedida pra mim, foi a tarde do
choro... eu chorei, o povo chorou, todo mundo chorou... os agentes
da saúde choraram... e as enfermeiras choraram... foi uma
choradeira... foi um dos dias que eu mais vi choro na minha vida. Aí
ele veio aqui, só que quando ele veio ele já viu que alguma coisa
tava errada. O pessoal olhando pra ele meio assim... Alguns assim,
porque vai tomar o meu lugar. Aí ele num veio... ele desistiu. Aí
recebi a carta e aí fui efetivado. Foi ótimo. Todo mundo achou bom...
Eu vi o quanto que o pessoal gostava de mim aqui. (M1)
Elas já fizeram uma festa pra mim melhor do que essa. Nossa
Senhora, pra mim foi uma surpresa. Isso me deu a certeza que
ninguém é insubstituível, que eu saindo daqui, é claro que os outros
vão promover. [...] [...] Aqui toda vida foi assim... esse posto de saúde
é um posto abençoado, que todo mundo que vem aqui... tem o
coração aberto pra aceitar as coisas que existe aqui. O espírito de
comunidade, de amizade, de amor... essa mesma festinha nós
fizemos aqui de ano novo. Então aqui a gente tem esse espírito de
comunhão, de conviver... Tem que ter comunhão senão não tava
acontecendo até hoje. (AE1)
Esse espírito de comunhão presente nas pessoas dessa unidade revela
necessidade que os trabalhadores sentem de estar juntos, de se encontrar para
festejar. Isso expressa, de acordo com Maffesoli (1984, p. 44), um viver em
socialidade, sem interesses predefinidos, mas que dá sustentação a esse grupo, ou
seja,
a comunhão de emoções ou sensações, difundidas nos atos mais
cotidianos ou cristalizados, nos grandes acontecimentos pontuais ou
comemorativos (aniversários, agrupamentos,...) é, stricto sensu, o
que funda a vida social ou que faz lembrar sua fundação. O lúdico
não é, portanto, um divertimento de uso privado mas,
fundamentalmente, o efeito e a conseqüência de toda socialidade em
ato. [...] elas (festas) estruturam toda a existência, tornando-a uma
aventura coletiva que não pode fragmentar-se. Não há dúvida de que
a festa pode adquirir formas múltiplas e bastante tradicionais, mas
ela está presente inclusive nas atividades mais ‘sérias’.
Observa-se na cultura vivida no cotidiano do trabalho da equipe que
existem outras formas de socialidade, nas quais a interação entre trabalhador-
trabalhador e trabalhador-usuário não é unicamente racional, mas também afetual,
3
que se manifesta num “estar junto, compartilhando coisas que possuem significado
3
Afetual, segundo Mafessoli (1996) citado por Pinho (2000, p. 77), “é a demonstração de toda arte,
de todo prazer e carinho. É sentir-se com o outro, sem a possessividade e o apego exagerado”.
105
especial para quem as vive no momento em que as vive” (PENNA, 1997, p. 82). Ou
seja, os “pequenos nadas” sem finalidade são ricos de significado e fazem parte do
“viver humano”, como se pode comprovar no discurso a seguir:
Mas nós começamos a reparar que o pessoal, eles não vão só
porque é grupo de hipertenso e pra ouvir a palestra eles vão para
encontro mesmo ou é para falar alguma coisa com o médico, pra
trocar uma receita ou então pra ter uma atividade mesmo. Então, o
grupo deixou de ser um grupo de hipertensos e diabéticos visando só
o controle... pra ser um grupo de encontro. Então, a maioria vai em
todas as vezes e eles vão de boa vontade e vão pro encontro
mesmo, pra tá conversando, tá batendo papo, pra tá tendo uma
atividade, um lazer. (E1)
Nós temos grupo de dança, tá parado agora, porque tá arrumando a
igreja, não tá tendo salão, temos o grupo de ginástica. É
maravilhoso! O povo vai, aquelas velhinhas... (AE3)
Porque a relação médico/paciente é uma prática e na prática é uma
coisa muito importante... se o paciente não se relaciona bem, não
confia, não faz, não tem aquela preocupação de seguir o que você
pediu... Então, eu acho que... na prática eu vejo que o nosso
trabalho, realmente, é uma coisa que funciona bem, na medida que...
os pacientes gostam desse sistema de... PSF, eles gostam de vim
aqui, depois na hora de ir na reunião, eles gostam de interagir, de
fazer amizade... são amigos nossos... das agentes de saúde e da
enfermeira... e as coisas parecem que tão funcionando, porque
muitos pacientes nossos melhoram... eles vêem que são olhados...
eles tinham problemas que hoje foram resolvidos... que foram
melhorados. (M1)
Os discursos evidenciam essas minúsculas situações e práticas não
institucionalizadas como espaços de encontros entre sujeitos, de interação, de lazer,
que estabelecem o diálogo, o vínculo, a co-responsabilização e, ainda, estimulam a
autonomia dos usuários. Um desses espaços de encontro são os grupos operativos
de portadores de doenças crônico-degenerativas, que conta com a participação de
todos os membros da ESF. Os grupos operativos acontecem quinzenalmente num
local cedido pela Associação do bairro, que facilita o acesso do usuário, pois a UBS
não dispõe de um espaço para desenvolver esse tipo de atividade. Os ACSs são
responsáveis pelo convite à comunidade, mas, independentemente disso, os
usuários procuram o grupo espontaneamente. Cabe aos auxiliares de enfermagem
verificar a pressão arterial e avaliar junto com a enfermeira a necessidade de alguma
orientação, discussão, renovação de receita ou agendamento de consulta. Com isso,
106
a ESF procura reduzir a demanda espontânea que busca o horário de acolhimento
na unidade, organizando,assim, as atividades da equipe.
Além disso, a ESF reconhece que o grupo operativo deixou de ser um
grupo de hipertensos e de diabéticos visando só o controle da doença para ser um
grupo de encontro, como uma atividade, um lazer para os usuários. Por isso, os
membros da equipe vêm refletindo sobre essa prática, procurando diversificar o tipo
de abordagem metodológica, como discussões de dúvidas relativas a qualquer
assunto apresentado pelos os usuários ou após a apresentação de vídeos
educativos referentes não só à doença. Além disso, a equipe também firmou um
convênio informal com uma das academias de ginástica da comunidade, garantindo
uma taxa de mensalidade reduzida para o usuário fazer hidroginástica, num esboço
de intersetorialidade na comunidade. Normalmente, esses encontros são
coordenados pela enfermeira, com a participação do médico, nos quais ela repassa
informações sobre a organização do trabalho da equipe e da UBS e garante um
espaço para o usuário avaliar e dar sugestões sobre novos assuntos e sobre a
dinâmica do grupo.
Entende-se que os trabalhadores de saúde, também, sentem a
necessidade de espaço para o encontro com o outro, dos momentos festivos, pois é
uma forma que encontram de expressar sua afetividade pelo outro, sua criatividade
e de se revigorarem para o trabalho cotidiano do PSF. A festa, os momentos de
descontração, de confraternização, relativizam a existência mesmo dentro de uma
sociedade muito estressada, competitiva. Nesse sentido, Penna (1997, p. 123)
afirma que “o lúdico é esse sentimento compartilhado por todos e que também
fundamenta esse estar junto, como forma de enfrentamento dos vieses da vida”.
Que os membros da minha equipe fazem parte de uma sociedade
que hoje é uma sociedade muito estressada, competitiva e muitos
fazem parte de uma classe média que acabou caindo em poder
aquisitivo nos últimos governos, então, criou-se problemas. Acontece
que isso acaba refletindo um pouco no relacionamento entre elas. E
eu acho que a maioria dos probleminhas que tiveram foram
probleminhas bobos. Ninguém tem problema sério com ninguém. [...]
Por isso que a E1 falou sobre dar uma festinha pra ver se entrosa
mais. É difícil você prever alguma coisa, mas talvez um momento de
descontração, um momento de confraternização. Mas, eu acho que é
uma tentativa válida. Se vai funcionar, talvez o tempo diga... Então,
assim, uma festinha pode até ajudar um pouquinho, mas no fundo as
coisas de base continuam. (M1)
107
O discurso revela que os profissionais da saúde, apesar de uma formação
profissional mais voltada para racionalidade, valorizam as relações afetuais na
dinâmica do trabalho cotidiano da ESF quando percebem a necessidade de dar uma
festinha para maior entrosamento entre os membros da equipe diante dos conflitos
vividos.
Observa-se, na prática cotidiana da UBS, que a ESF segue a lógica
racional da divisão do trabalho, da identidade profissional imposta pelo projeto, ou
seja, a equipe deve ser composta por médico, enfermeiro, auxiliares de enfermagem
e ACS cumprindo determinadas atribuições e objetivos. Isso seria, assim, o que
Maffesoli (1991) chama de “solidariedade mecânica”. Entretanto apesar dessa
racionalidade imposta, a equipe também segue a lógica afetual, da identificação,...
talvez exista isso mesmo porque... a gente tem as afinidades... existem pessoas que
são mais... afim entre aspas (M1). O essencial para as pessoas, segundo Maffesoli
(1996), é o “estar-junto” compartilhando um sentimento comum, uma solidariedade
orgânica que se desenvolve na socialidade. A esse respeito, Bellato e Carvalho
(1998, p. 155) acrescentam:
A socialidade, engendrada por um grupo que partilha afetos e
espaços, longe de ser estável e duradoura, deve ser considerada em
pontilhado, visto que ela se manterá enquanto houver interesses e
sentimentos comuns a serem vividos coletivamente. Dessa forma, a
socialidade é vivida num espaço/tempo próprios, calcados no aqui e
agora, no querer estar juntos, que fogem às concepções utilitaristas e
finalistas das relações sociais mecânicas.
Portanto, no cenário deste estudo, os trabalhadores de saúde vivenciam
tanto relações mecânicas impostas pela organização formal do trabalho, assim como
relações afetivas, pois eles compartilham um sentimento comum que os mantêm
ligados por uma “ética grupal” em microgrupos ou “tribos”
4
. Percebe-se isso, por
exemplo, em alguns agrupamentos de agentes comunitários que se unem em torno
de uma mesma ética para transgredir a ordem imposta pelo projeto e cobrada pela
4
Tribo, segundo Mafessoli (1987, p. 119), é uma “forma social que é a rede: conjunto inorganizado e,
no entanto, sólido, invisível”, servindo como esqueleto sustentador da tessitura social. Essa forma é
regida pela lei da simpatia, da proxemia, do ser-estar junto à toa.
108
gerente, na qual o ACS deve ser responsável por sua microárea e não pode
trabalhar de dupla e muito menos de quarteto.
Antigamente, no princípio, a gente saía pra cidade resolver o
problema do pagamento... pra gente ir lá receber... Ia pra pastelaria
comer pastel... aquela turma, aquela união. Fazia churrasco... depois
só foi tendo aborrecimento daqui prali. Eu não tenho grupo nenhum.
Graças a Deus. Eu combino com todo mundo. Mesmo fora da minha
equipe. Mesmo na equipe que agora estou me procuram, mas eu
não tenho nada contra elas não. Se tiver que falar alguma coisa pro
grupo eu não tenho coragem, não. Tem muitos ACS de outras
equipes que eu me dou super bem. (ACS5)
Aquele vínculo assim que a gente ficar conversando, fim de semana
era sábado, domingo, vinha tudo reunir aqui em casa e fazia chá da
amizade,... (ACS3)
Era melhor até uns seis meses atrás, dentro da própria equipe, com
os próprios agentes, era bem melhor. Parece que a gente era mais
unido. Você presenciou aquele dia, que a gente tava com problema
na equipe. Olha, eu acho assim, eu sou paga pra fazer o serviço, ir
na casa do usuário, entregar as consultas, visitar uma criança, o
acamado. É o que eu tenho que fazer não é? Então isso tá me
causando problema... Incomoda pessoas da própria equipe... Aqui
dentro nós somos equipe, mas do portão pra fora, eu acho que não.
Eu aqui dentro, eu não tenho nada contra ninguém... A partir do
momento que eu vi que eu estava fazendo algumas coisas tava
saindo fora do meu serviço, aí eu parei, aí que começou os grandes
problemas... Aí que começou esse atrito, a partir do momento que eu
falei, pensei não tá certo o que eu tô fazendo. (ACS4)
A gente era tão unido que uma vez nós saímos de quatro escondidos
da gerente, e por azar nosso a gerente pegou, passou na avenida e
viu nós quatro trabalhando juntas. Aí ela falou: - Ah, agora vocês tão
trabalhando de quarteto... E tal, no outro dia veio assim... era
vontade de estar perto um do outro, a necessidade era tanta que a
gente não queria desgrudar. Quando chegava no final do dia e a
gente ia embora, a gente ficava doido pra chegar no outro dia pra
poder ficar perto de novo. Porque era uma amizade tão gostosa [...]
A gente almoçava junto, quase todo final de semana tinha festinha na
casa de um, festinha na casa de outro... E com o tempo isso foi
acabando, foi acabando... E foi saindo um, saindo outro, aí teve que
vir os novatos... aí separaram a gente, os quatro... (ACS2)
Os sujeitos recordam o que mantinha o grupo de ACS mais unido era uma
vontade de estar perto um do outro, pelo simples prazer de estar junto para comer
pastel ou para resolver o problema do pagamento ou no chá da amizade. Nesse
sentido, observa-se na dinâmica do cotidiano da UBS que a motivação dos
trabalhadores ao desenvolverem o trabalho do PSF vai além de agrupá-los em uma
109
ESF e que, assim eles trabalharão, em equipe como determina o projeto. É
necessário considerar que há uma importante ligação afetual entre eles que se
traduz no sentimento de pertencimento a um grupo ou tribo.
No princípio era melhor... antes do PSF, os ACS era mais unido. A
gente saía mais junto... Aí, depois que alguns saíram, entraram
outros, mudou muito... teve muita divisão, separação... Aí
começaram a fazer grupinho de ACS, às vezes uma de uma equipe,
outra de outra... (ACS5)
As que trabalha quase cinco anos, tem as panelinhas, infelizmente
tem. (ACS3)
Ó, não tenho nada a reclamar de ninguém, são ótimos... todos se
entendem tem umas exceções, tem uns que você pode contar na
hora que você precisa de uma ajuda, tem outros que quer te ferrar
mesmo... no começo, com os agentes todos mais velhos, era... não é
menosprezando os que entraram agora... muito mais unido, um
compreendia o outro... Aí veio essa nova turma, teve uma desunião é
uma fofoquinha daqui, uma fofoquinha dali. Nós passamos por muita
coisa juntos, foi muitos treinamentos,... Pra receber cada mês era
num lugar, ia todo mundo junto, um era o braço direito do outro, tava
todo mundo unido ali. Então ninguém queria afundar o outro,... Tudo
que acontecia um tentava ajudar o outro até mesmo sem a gerente
saber. Agora não, a turma nova é assim: eles acham que os mais
velhos querem ser mais do que eles, então fica aquela diferença...
eles querem derrubar os mais velhos, os mais velhos não aceitam, aí
começa aquela guerrinha. (ACS2)
Evidencia-se certo discurso de desunião entre os agentes comunitários
apontado por alguns entrevistados, com a formação de grupinhos, depois do PSF,
da saída de alguns ACS e da entrada de outros. Tais discursos apontam o início de
algumas diferenças e os atritos devido à competitividade entre os ACS mais antigos
e os mais novos. Desvela-se, então, o trabalhador de saúde compartilhando
emoções com outro, um viver junto que “emerge com força suficiente para
desestabilizar o trabalho em equipe, transmutando-o em trabalho em grupo, que tem
seus pilares na relação afetual, na atração-repulsa entre seus membros” (BELLATO;
CARVALHO,1998, p. 157). Nesse grupo, independentemente de como a vida se
apresenta, há um sentimento de pertencimento que confere uma identificação que
não se espelha no dever ser, e, sim, como nos diz Penna (1997, p. 134), no
estar junto, à toa ou não, vivenciando instantes que são importantes
pela sua própria efemeridade. É o experimentar em comum, trocar,
110
ter significados próprios, experienciar sentimentos, sejam eles quais
forem, pois a socialidade não é vivenciada apenas
harmoniosamente, pelo contrário, ela é da ordem do diferente e por
isso conflituosa, por isso compartilhada numa ‘harmonia conflitual’.
Percebe-se que em grupos mais numerosos, com a convivência mais
estreita e a coexistência da alteridade, como os dos agentes comunitários e os de
enfermagem, são mais freqüentes, segundo Bellato e Carvalho (1998), tanto os
conflitos quanto os laços afetuais, o que evidencia a harmonia conflitual que aí reina.
Quando eu cheguei aqui, existia aquela mentalidade, aqueles
grupinhos, aos poucos nós fomos juntando tudo num grupo só. Foi
muito bom isso. Em vez de dividir as equipes continuou a mesma
coisa... acabou aquelas picuinha, e todo mundo é uma pessoa só. A
gente não critica a religião dos outros, a gente tem aqui uma amizade
de coração mesmo. Inclusive a gente conversa a mesma língua, não
deixamos ninguém falar de posto nenhum, nós não aceitamos. Se
você não conseguiu lá talvez é porque no dia aconteceu alguma
coisa que não tinha. Aqui não é diferente de posto nenhum. Todo
posto é igual. A gente não admite que fale de colega, uma coisa que
nós temos aqui é isso. Não é porque nós somos boazinha não
(risos). É porque a gente sabe que chega lá eles vão falar a mesma
coisa de nós, então por que é que a gente vai falar dos outros?
(risos) É a gente já sabe como é que é... fala. Tem gente que pinta
com a gente. (AE1)
A minha equipe é ótima. Maravilhosa! Nós nunca tivemos problemas,
nenhum... falo assim, de ter um funcionário criador de caso... a gente
trabalha muito, muito ligada uma a outra. Nós da enfermagem não
temos muito problema. (AE3)
A divisão da equipe de saúde da UBS em várias equipes de PSF
provocou mudanças no processo de trabalho dos profissionais de saúde, com a
formação de equipes multiprofissionais com a responsabilidade somente por
determinada população na área de abrangência da unidade. Isso estimulou ainda
mais a competividade nas equipes e evidenciou que as relações sociais no trabalho
e na família são permeadas por conflitos.
É muito bom o nosso trabalho, a gente é bastante unido, apesar que,
de vez em quando alguma coisa sai do controle, igual aquilo que
você assistiu, aquilo ali foi a primeira vez que aconteceu aquele
episódio de lavar roupa suja. (ACS1)
111
É o que a gente discute isso na equipe, não tem separação, igual
nasceu união verdadeira na equipe aqui, às vezes a gente se dá tão
bem, que eu acho que gera, gerou um atrito. (ACS3)
Eu acho que a equipe nossa se tornou uma família... Muitas das
vezes a gente tá com um problema... Sem querer a gente começa a
conversar... solta na equipe... A gente conversa... é... tem
discussão... Igual mesmo você ouviu eu falar... a equipe era muito
unida... Agora tá cada uma mais pro lado, sabe... distanciando.
(ACS2)
Durante as observações, alguns conflitos foram observados,
principalmente entre os ACSs, intermediados pela enfermeira em reunião de equipe,
como um episódio de lavar roupa suja, assim como momentos de relações afetivas
entre os membros da ESF e entre as equipes:
Eu acho que a nossa equipe tem um relacionamento bom. A equipe
do centro de saúde toda tem um relacionamento bom. Tem um ou
outro assim, que tem um pouquinho de diferença um com o outro,
mas nós não temos muitos problemas de relacionamento... A gente
tem uma interação, nunca nos estranhamos, sabe? Às vezes acho
até que estranhar faz parte também da integração da equipe, mas a
gente não chegou a esse ponto ainda não, nunca nos estranhamos
não. Só os ACS entre si é que andam... (E1)
Eu acho que mudou muito. A equipe num tá, assim, 100% não. Não
com as enfermeiras, mas com as ACS mesmo. Um defeito... a gente
vai falar alguma coisa, acha ruim... Então, tem hora que a gente vê
as coisa e nem... tem que ficar calada... que às vezes, a gente passa
na rua, um usuário: ‘Ah, fulano de tal tá sumido... num vem cá’ Aí a
gente vai passar pra eles, eles acha ruim’... ‘Ah, você não tem nada a
ver com meu setor’... se a gente tá na mesma equipe, eu acho que a
gente tem que resolver isso dentro da equipe, indiferente se esse
setor é meu [...] eu não posso entrar na área dela nem ela na minha.
Se ela entrar na minha, eu aceito numa boa. Mas eu não posso falar
nada com relação à área dela. Isso atrapalha o serviço. A equipe de
enfermagem não tem nada disso... é só com os ACS mesmo. O resto
tá tudo... normal... com o médico, com as enfermeira, com o
pessoal... não tenho nada contra. Graças a Deus, me dou muito bem
com eles todos. (ACS5)
... a equipe, a gente cria um vínculo de amizade... Às vezes, existem
algumas diferenças... ou... divergências, melhor dizendo, entre algum
ou outro membro da equipe, mas eu acho que de uma maneira geral,
nossa equipe se dá bem. (M1)
Os sujeitos revelam que a equipe tem um relacionamento bom tanto na
ESF quanto com as equipes na UBS, mas reconhecem o estranhar, as divergências,
112
os conflitos como inerentes às relações interpessoais. Entende-se que o trabalho em
equipe é realizado por pessoas em inter-relação, portanto como todo relacionamento
humano pressupõe momentos de entendimento e conflito, de articulação e
desarticulação, não se trata de um status a ser alcançado (FORTUNA, 1999). Os
enunciados revelam como a ESF vivencia o trabalho cotidiano, ou seja,
Aqui tem uma vantagem muito grande, é lógico tem os nossos
problemas, tem dia que a pessoa não tá nem a fim, mesmo, quem
não tá? de tá colaborando. Geralmente, as pessoas colaboram.
Existe isso, tem sempre um enfermeiro na unidade disponível pra tá
avaliando o paciente, eu acho a relação aqui boa. [...] elas têm muita
vontade de trabalhar. [...] Os auxiliares aqui eu tem que tirar o
chapéu pra eles são profissionais muito bons, muito competentes,
eles gostam do que faz, não tenho problema nenhum com eles. Os
médicos, também, as questões médicas que são mais particulares
deles, mas eu vejo que eles têm vontade de trabalhar. E os agentes
comunitários, eu tive alguns problemas com alguns, logo na primeira
remessa que venho pra mim, mas atualmente os agentes que
trabalham comigo são muito bons. No trabalho deles, quando eles
falam comigo, assim, assim, assim, eu posso ir lá checar. E eles, às
vezes, falam que eu trabalho muito. [...] Eu acho que é um lugar bom
de trabalhar. (E2)
Pelo menos a nossa equipe é uma equipe muito integrada. A gente
se dá muito bem como auxiliares. Porque sempre, que uma precisa a
outra tá ali pra cobrir algum horário pra fazer um trabalho... Às vezes
ela falava comigo assim: ‘Vou chegar mais tarde, você faz assim,
assim pra mim’... às vezes eu até cobria o horário dela de manhã.
(AE2)
Tem dia que ele (médico) tá cansado, aí ele fala que a gente tá
dando muito serviço pra ele, mas ele colabora bastante. Se chegar
passando mal mesmo ele não deixa pra depois. Às vezes o outro
médico tá atendendo, aí ele: ‘AE1, esse paciente aí já foi olhado?’.
Eu: ‘já dotor, não é pro senhor não.’ (risos) (AE1)
Eu acho que a gente tá ali pra colaboração mesmo. Colaborar no
sentido num todo, até com a gerente mesmo... Porque, assim, uma
convivência de... informação... de tá procurando saber outras
coisas... não só pra equipe, também pro gerente. Ele também faz
parte da equipe. (AE2)
Os sujeitos expressam o espírito de equipe, de colaboração que existe
entre o trabalhador-trabalhador e entre o trabalhador-gerente, assim como, ao
mesmo tempo, ressaltam o contrário:
113
Trabalhar em equipe é ajudar, é colaborar. [...] Aqui até que o nosso
trabalho tem melhorado bastante. [...] que a gente, nós viemos de
uma equipe que trabalhava muito unido nisso, a gente não passava
aperto, então, de repente que começou esse PSF, passou a divisão
de cada um na sua equipe pra lá. [...] mas isso aí não precisa de ser
se eu tô à toa porque não poder dar a mão pro outro. Porque não sou
daquela equipe. Eu posso dar uma colaboração. [...] Se a menina tá
apertada lá na portaria, precisa de fazer uma ligação policlínica pra
encaminhar um paciente, eu posso tá fazendo isso aí, mesmo que
não seja minha área, meu setor de trabalho. Eu falo assim, tem
pessoas que tem corpo meio mole pra ajudar. (AE3)
Eu não sei encostar serviço. [...] Aqui ainda têm alguns que gosta de
fazer de conta que não tá vendo a gente. Vê esse pessoal novo que
tá começando, a gente vê muito esse tipo de pensamento. (AE1)
Nós somos uma equipe, nós somos uma família, não precisa de
discussão... Tá com problema, chega na pessoa e fala: ‘Não gostei
disso que você falou’. Um se abrir pro outro e ficar ali numa boa. Mas
infelizmente não é assim, eu penso de um jeito e cada um pensa de
outro... Discussão todo lugar tem não existe lugar que não existe
discussão, mas eu gosto da minha equipe. (ACS2)
Observa-se no cotidiano que uma equipe não trabalha todo tempo
exatamente como se preconiza sobre o trabalho em equipe como uma “modalidade
de trabalho coletivo que se configura na relação recíproca entre as intervenções
técnicas e a interação dos agentes” (PEDUZZI, 2001, p. 103), pois nas relações
humanas há momentos de convergências e divergências:
As ACS tão trabalhando mais equipe por equipe, tem aquela
divergência que a gente convive muito bem entre si, vamos bater
papo, mas na hora de resolver, a gente vê as pessoas que são meio
egoísta, quer achar uma solução só pra sua equipe, não quer passar
pras outras. Na minha visão que todos sejam unidos em equipe, o
médico, a enfermeira, as auxiliares, o respeito mútuo entre todos pra
não ter atrito,... queira ou não, você viu que teve, você presenciou e
é uma coisa que desagrada, aquele dia não tive condição de
trabalhar. (ACS3)
Entende-se que trabalhar em equipe é reconhecer que o trabalho só
ocorre com a participação de todos e, ainda, aceitar as diferenças existentes entre
as profissões em prol de um objetivo comum que é saúde do usuário. Isto é, [...] a
equipe não trabalha sozinha, trabalha todo mundo junto e pra equipe render, uma
tem que pelo menos respeitar uma a outra (ACS3). Nesse sentido, encontramos na
114
equipe, segundo Maffesoli (1984, p. 32) “o mecanismo de complementaridade que
se exprime no jogo da diferença”.
A ESF busca a superação da fragmentação do seu trabalho, no qual cada
trabalhador de saúde realiza uma parcela das atividades, quando o próprio médico
reconhece que existem vantagens no PSF, que são complementaridade e a
interdependência das ações, pois o trabalho só se realiza com a participação do
outro:
O programa tem essa vantagem de poder tá contando com o apoio
do outro colega de equipe... Um complementa o trabalho do outro.
Então aquilo que eu iniciei os outros vão complementar. Os ACS vão
fiscalizar, a E2 vai supervisionar e os auxiliares, também. Então, a
gente tem que ter um trabalho em equipe pra eles, porque eu
sozinho não ia dá conta de estar fiscalizando tudo, acompanhando
aquele paciente. Então, a gente fica sabendo notícia deles através
das equipes. Então, trabalhar em equipe para mim foi uma
oportunidade com PSF e acho que foi muito válida, complementa o
trabalho, complementa as ações que a gente inicia. (M2)
Desde que eu entrei, eu brincava que às vezes eu acho que eu já
trabalhava com a E1, porque a gente se entende... Ela me ajuda e eu
a ajudo. Um fica no lugar do outro. E já que existe esse
entrosamento, eu acho que isso facilita, porque... o ambiente... eu
acho que conta muito quando você... tá feliz, quando você brinca,
descontrai... Se eu tivesse num lugar onde eu não gostasse das
pessoas, ou que as pessoas não gostassem de mim eu ia ficar mais
calado,... mais na minha, e... a gente talvez fizesse com que o
serviço fosse mais pesado... A gente fica mais leve de chegar no
posto e brincar... Então, o pessoal bate na porta só pra me dar bom-
dia... Eu gosto de tomar café conversando e, por vezes, ocorre o
aniversário de um... uma festinha na casa de outro... a gente sempre
vai... comparece também... Então, eu acho que trabalhar em equipe
é imprescindível que você tenha um bom relacionamento. (M1)
Revela-se que o profissional médico reconhece a necessidade do outro
para o trabalho ser efetivo, resolutivo e integral, pois numa mesma equipe de Saúde
da Família “as diferentes profissões podem coexistir sem que, necessariamente, se
prejudiquem umas às outras” (MAFFESOLI, 1984, p. 31). O autor nos mostra ainda
que “a complementaridade ou troca são elementos estruturais da socialidade” (p.
31). Isto é, um fica no lugar do outro; ela me ajuda e eu a ajudo; para trabalhar em
equipe é imprescindível que você tenha um bom relacionamento, ou quando o
médico valoriza que o pessoal bate na porta só pra me dar bom-dia.
115
Considera-se, então, que os conflitos vivenciados pela ESF constituem
uma oportunidade de reconstrução da realidade, pois é uma possibilidade que a vida
nos dá de buscar novos rumos, novos caminhos, ou seja, permite aos trabalhadores
de saúde repensar a sua prática e reconstruir cotidianamente um trabalho em
equipe. Diante disso, de acordo com Piancastelli et al., (2000), o trabalho em equipe
implica trabalhar os conflitos, as diferenças existentes entre seus membros.
Portanto, mais que gerenciar conflitos, eles necessitam ser entendidos na sua
dinâmica própria. Ou seja, na equipe, a gente cria um vínculo de amizade (M1), por
isso, segundo Bellato e Carvalho (1998), é preciso considerar o afetual como
mediador das relações sociais, que se faz de pequenos gestos.
Percebe-se, no PSF, que o que garante o trabalho em equipe não é
simplesmente reunir diferentes profissionais cada um com seus saberes e práticas
numa mesma equipe, como a lógica do projeto impõe. Na realidade, dever-se-ia
aprimorar as relações interpessoais, valorizar a ligação afetual com o trabalho, o
sentimento de pertencimento:
É um trabalho que me dá prazer, quando eu vejo que foi feito alguma
coisa, que resolveu o problema, fico feliz com isso. [...] Ah, muito
bom, gosto de tudo, das reuniões, adoro as visitas domiciliares, a
gente faz com muita vontade, com gosto mesmo, você ajudar...
Chega numa casa a pessoa tá ali desanimada, muito doente. Aí
trago o problema pra enfermeira, a gente marca uma consulta pra
ela, ela vem. (ACS1)
Expressa-se, aqui, um sentimento afetual ao trabalho – a gente faz com...
gosto mesmo, um sentimento de prazer, de pertencer à ESF. Esse reconhecimento
gera um sentimento de satisfação, de prazer, de orgulho pelo trabalho desenvolvido,
o que estimula os trabalhadores de saúde a continuar a desenvolver suas
atribuições no PSF. Aprender a trabalhar em equipe apresenta-se como caminho
sem volta e uma vontade de se aprimorar cada vez mais, na tentativa fortalecer a
proposta:
Eu gosto muito do trabalho em equipe. Eu acho que só veio
acrescentar pra mim. Eu não sei como retornar ao passado (risos).
Eu acho que é daqui pra diante, trabalhar cada vez mais, cada elogio
que a gente recebe isso só aprimora mais a vontade de continuar
essa luta. (M2)
116
Existe, então, aquele profissional que adere à proposta de mudança por
gostar do PSF e considerar que é uma emoção a mais:
Assim, uma realidade nova pra mim, que eu encarei com muita
naturalidade. Porque eu já estava fazendo o curso. E também por
gostar do PSF. Eu acho que isto é uma emoção a mais. Eu sempre
tinha vontade de trabalhar no PSF. Então, eu não tive dificuldades,
assim. A pediatria, também, eu já estou atendendo. Eu fiz o estágio
com os pediatras do Centro de Saúde, mesmo. E venho adquirindo a
parte prática ainda, tenho é lógico, eu não vou falar que eu to
perfeito, porque isto aí é só com o tempo. Mas, ainda, tenho só
dúvida muito pequena, que tenho que pedir apoio pra eles. Tem
apoio, também, do ginecologista. Então, assim, aquelas dúvidas
maiores, eu vou discuto com eles. Se necessário, eu encaminho o
caso pra eles, mas assim, sem perder o contato, porque o cliente
sabe que eu estou coordenando tudo, eu estou por trás de tudo.
Mas, assim eu encaminho, mas sempre com suporte, só mais pra
uma avaliação. O paciente vai retornar pra mim. Eu vou saber que eu
tenho todo respaldo do pediatra e do ginecologista. Mas, assim, pelo
tempo que isso está acontecendo são pouquíssimos casos que a
gente tem que encaminhar. Eu acho que o grossão mesmo, num
modo geral, a gente faz 90%. Uns 10% a gente encaminha. Como
generalista, eu acho que você aprende o que a gente tem de suporte
e que o curso, também, passou, dá para gente resolver 90%.(M2)
O enunciado acima revela que a interação entre o generalista e os
profissionais de apoio possibilita, no cotidiano do trabalho, trocas de saberes e
práticas entre eles, e não somente o encaminhamento do usuário sem a
responsabilização da ESF pelo seu caminhar. O médico acredita que, com o apoio
de um outro profissional na prática e com a formação teórica do curso, o trabalho no
PSF dá para se resolver 90%.
Considera-se, então, que para a ESF ser mais resolutiva, mesmo diante
da limitação de recursos, das condições de saúde da comunidade que requerem,
também, ações intersetoriais, o trabalhador de saúde...
... tem que ter muita vontade de trabalhar, pra se trabalhar
integralmente, na visão da integralidade das ações da equipe; tem
que ter muito o querer do profissional trabalhar, a paixão pelo PSF,
sabe. Acho isso importante. Tem que ter, eu to fazendo isso, vamos
fazer juntos pra melhorar pelo menos, não to falando que eu vou
melhorar as condições de saúde da minha favela ali, que teria uma
ação muito mais intersorial, não só aqui do Centro de Saúde, mais
com outras instituições e tudo, mas se a gente conseguir mudar de
uma aqui hoje, sabe. Então, a integralidade da assistência está muito
envolvida com o querer da pessoa. (E2)
117
Evidencia-se que trabalhar no PSF passa pela questão do desejo.
Bergamini, citado por Delziovo (2003) afirma que a paixão é uma força que se
encontra no interior de cada pessoa e que pode estar ligada a um desejo. Ou seja, o
trabalhador da ESF tem de estar motivado e atraído pela proposta, sentir prazer
naquilo que faz e que ele faz parte do projeto não só como ator, mas também como
autor, para desenvolver, assim, um trabalho criativo. Como diz Maffesoli (1984, p.
73), “se não houvesse uma carga mágica na vida de todo o dia, o aspecto mortífero
da automatização venceria a pulsão do querer viver”.
Isso faz com que o trabalhador se sinta parte desse trabalho e, assim,
continue atuando na ESF:
... eu já tive várias vezes com vontade de sair por causa de muita
sobrecarga de serviço... Às vezes o serviço fica pesado... com muito
paciente, muita coisa pra você pensar. Muito problema pra você
resolver. Só que o trabalho em equipe e a amizade que a gente tem
às vezes ajuda você... que aquilo fique mais leve, não só na minha
equipe, mas em todo o posto de saúde. Eu me dou bem com todas
as pessoas.(M1)
Desvela-se que o afeto dá sustentação ao trabalho da equipe mesmo
diante da sobrecarga de serviço. Pois o que torna a prática cotidiana da ESF mais
leve é o trabalho em equipe e a amizade. Essa amizade que envolve os colegas de
trabalho e o sentimento de pertencimento a esse local ficam evidente também, como
expresso pela auxiliar de enfermagem no momento da sua aposentaria: Eu vou com
o meu coração fechado, pois eu sinto aqui como se fosse minha casa.
Então eu tenho que aposentar agora, eu vou com o meu coração
fechado,... é eu sinto sei lá, isso aqui pra mim é minha vida, minha
casa, eu sinto aqui como fosse minha casa, entendeu? Que eu posso
ajudar as pessoas, que eu posso resolver alguma coisa que tiver no
meu alcance, quando eu não posso, eu tenho alguém que acima de
mim que pode resolver, então eu acho muito gratificante, eu acho
muito legal. É meu coração tá fechadinho. (AE3)
Nesse sentido, os trabalhadores, no seu cotidiano, demonstram, nos
pequenos gestos, uma ligação afetual com o centro de saúde, como se fosse a casa
deles. Um local com sua carga afetiva na qual surge a necessidade do estar junto,
que Maffesoli (1984, p. 58) chama de espacialização da socialidade, ou seja, “onde
118
tudo junto adquire corpo é um lugar dinâmico, feito de ódios e amores, de conflitos e
distensões, é uma ‘casa’ objetiva e subjetiva onde uma socialidade é vivida
diariamente, na palidez e no brilho, fundada como toda situação mundana, no limite”.
É o que se observa no discurso a seguir:
Todo mundo tem aquele carinho, isso eu acho muito bonito porque
você não se sente melhor do que ninguém e essa união, eu acho
integralidade é isso aí, é de todos usuários, de todos os agentes, a
equipe toda no geral, fica feliz. Não importa se o paciente é de outra
ACS, ou minha, quando se tem a noticia de que melhorou é um
motivo de alegria pra todo mundo. Foi o resultado de uma equipe, de
um trabalho de uma equipe. Eu acho que isso é integralidade, que
não importa eu ter um trabalho pra mim sozinha, se eu encontro
alguém que chega pra mim e pergunta, com o mesmo prazer que eu
respondo pra um usuário meu eu respondo pra outro, e é isso que às
vezes eu acho que as ACS das outras equipes, no geral, não tão
acostumada com isso. Eu não acho que o usuário é meu, é
propriedade minha só eu que posso solucionar o problema dele.
(ACS3)
Então, compreende-se o centro de saúde como um local no qual se deve
considerar essa necessidade do estar junto – não só entre os trabalhadores, mas
também entre eles e os usuários. É nesse encontro trabalhador-usuário, encontro
entre sujeitos, com suas subjetividades, a partir desse laço afetivo, que se constrói o
vínculo, a co-responsabilização e se produz um cuidado integral.
No entanto, para trabalhar na ESF com essas diretrizes é necessário que
o profissional da saúde, além da competência técnica, como evidenciado pelo
médico (M1), não se mostre muito distante, ou muito superior ou inacessível, pois se
ele agir dessa forma no seu cotidiano não construirá a integralidade da atenção e do
cuidado:
Quando você não se mostra muito distante, ou muito superior ou
inacessível, isso fica mais fácil. Então, eu sinto que isso me ajuda no
meu trabalho porque no fundo eu vejo que muitas pessoas, elas
precisam muito de... serem ouvidas nos problemas, problemas
familiares, problemas pessoais. Então, assim, se o médico... tiver
aquele perfil teórico, muito é... científico, talvez... ele deixe passar
muita coisa. Então, você ouve, conversa, ri, você ajuda a pessoa da
forma que você pode. Nem sempre você tem que ser médico pra
ajudar o paciente. Tenho que ser amigo, mas existe um limite.
Porque amigo não é aquele que dá conselhos... Amigo, porque você,
às vezes, estende a mão, pára e conversa sobre outro assunto...
umas coisas assim que você vê que o paciente acaba pegando por
119
você um carinho que... é uma coisa diferente. Que extrapola um
pouco o relacionamento médico/paciente. A gente tem que saber
dosar isso, mas a amizade é uma coisa que... eu fiz com muita gente
aqui no posto, gente que me chama pra almoçar... gente que queria
me ver no meio de convívio dos amigos. Eu acho que é porque... eu
converso, eu atendo todo mundo, tenho atenção pra todo mundo...
Às vezes eu não resolvo o problema de todo mundo, mas eu, pelo
menos atendo... Tem gente que, não! não! Manda falar só amanhã...
não sei o quê? Tem isso. (M1)
O enunciado revela que nem sempre o profissional tem que ser médico
para ajudar o paciente, mas ser um amigo. Não para (r) conselhos e sim para
estende(r) a mão, para(r) e conversa(r); ou seja, que considere o usuário não como
objeto da sua ação, mas, sim, sujeito com sua subjetividade. Na prática cotidiana do
PSF, percebe-se que os trabalhadores de saúde vêm reconhecendo a necessidade
de se trabalhar cada vez mais com as tecnologias relacionais (leves) que se referem
à subjetividade, à afetividade, à escuta, ao vínculo, à responsabilização com o
usuário do que priorizar o uso das tecnologias leves-duras e duras. Além disso, eles
consideram importante a contribuição de cada profissão com seu olhar, seu núcleo
específico de conhecimento e a integração entre eles para atender à complexidade
das necessidades de saúde do usuário.
Neste momento de transição entre dois modelos de atenção à saúde, a
reorganização do processo de trabalho na lógica da Estratégia da Saúde da Família
vem possibilitando que a relação de trabalho construída entre o médico e a
enfermeira na ESF resulte numa assistência integral e resolutiva, pois a enfermeira
coordena as atividades da ESF para que seja centrada no usuário.
[...] num era bem o meu perfil de ser organizado. Então, a E1 me
completa nisso. Ela organiza bem as coisas e eu, na medida do
possível, sigo... as coisas propostas. [...] Olha, com o tempo de...
trabalho, eu comecei a entender e vi que as coisas funcionam...
melhor. Então essas coisas de reunir e discutir esses estados de
paciente por paciente... Aconteceu isso e isso com ele... As ACS
interagem e passam pra gente alguns casos e a E1 ajuda a definir
planos do que fazer, como a gente vai lidar... e como que a gente vai
aproveitar o tempo, melhor que a gente tem... Hoje tá com a agenda
cheia, vamos cortar sua agenda da tarde, vamos fazer uma visita,
porque tem aquele paciente que precisa mais. (M1)
Ele (médico) faz o serviço dele, atende os pacientes, pode botar lá
20 pacientes para ele atender que ele atende. Mas programar, fazer
uma coisa de acompanhamento, de controle, isso a gente tem que
120
ajudar ele a fazer. Fazer por ele. Então, a agenda dele, quem resolve
a agenda dele toda sou eu. (E1)
Atualmente, as enfermeiras têm a função de planejar e coordenar tanto as
atividades da ESF, dos auxiliares de enfermagem e dos agentes comunitários dessa
equipe, como dos setores da UBS (imunização, farmácia, curativo, limpeza e
desinfecção dos artigos e área física), além de substituir a gerente, na ausência
desta, e, ainda, gerenciar os conflitos resultantes da vivência coletiva das diferenças
na ESF, no grupo de enfermagem e na ACS:
Mas o relacionamento deles entre si, eu acho que é bom, com
médico, enfermeiro, até quando tem alguma rusgazinha, a
enfermeira normalmente pára, chama, conversa, jogo aberto,
falando, porque senão quando começa aquele tititi, vira aquele
tumulto. (E3)
Nossa equipe às vezes uma desavença, um desacordo entre os
ACS. Eu me vejo lá no papel de tá fazendo... chamando todo
mundo... tentando interagir todo mundo pra ver se a gente une um
pouco mais. (E1)
Isso ocorre porque compete à enfermeira a gerência da assistência de
enfermagem, com a coordenação dos auxiliares de enfermagem, mas também,
segundo o projeto (BELO HORIZONTE, 2003b), a dos agentes comunitários. Nota-
se, entretanto, que as enfermeiras do PSF estão envolvidas com novos desafios do
trabalho na estratégia da Saúde da Família, pois seu espaço de ação está indo além
dos muros dos centros de saúde, chegando até a família e outras instituições, dando
outras dimensões à gerência da assistência de enfermagem. A enfermeira, em
decorrência do seu processo de formação voltado para o cuidado, no qual se adota
mais tecnologias leves e leves-duras, e a abrangência de seu fazer e saber, possui
um arsenal que lhe permite criar articulações com os vários atores da ESF (LEITE,
2001).
Evidencia-se um esforço dos trabalhadores em mudar o trabalho técnico
verticalmente hierarquizado para um trabalho com interação social entre eles,
possibilitando a autonomia e a criatividade no fazer coletivo e, decorrente disso, a
construção conceitual e prática do trabalho em equipe (CECCIM, 2005):
121
Aquilo que a gente programou e no final obtive o êxito, se o paciente,
também, ficou satisfeito, se ele conseguiu fazer tudo que foi
determinado. Então, quer dizer, as ações integradas, eu no meu
campo, a E 2 complementando aquilo que eu faço, os ACS trazendo
as informações, que é muito valiosa. Então, a finalidade do trabalho
em equipe é essa, a gente visando o bem-estar do paciente, com a
ajuda de todos, cada um fazendo sua parte. Cada um, contribuindo
com seu grau de conhecimento, são ações integradas. (M2)
Ressalte-se que o trabalho cotidiano do PSF vem possibilitando aos
trabalhadores de saúde construir uma concepção de equipe centrada não no
trabalho do médico, ou seja, cada um, contribuindo com seu grau de conhecimento
[...] visando o bem-estar do paciente. Entende-se, assim, que o discurso do próprio
médico se refere a um valor ético a ser compartilhado pelos profissionais, pois a
equipe tem como objetivo comum atender às necessidades de saúde do usuário.
É importante ressaltar que os trabalhadores de saúde da ESF estão
sempre buscando, mediante o diálogo entre eles, informações que possam resolver
os problemas apresentados pelos usuários:
[...] tem uma comunicação sim com a equipe que nós trabalhamos.
Quando eu trago ele (usuário), eu fico sabendo, mas às vezes não,
que de repente passou mal, eu fico sabendo depois quando eu vou
fazer uma busca ativa na casa deles. A enfermeira passa a
orientação todinha pra gente, aí a gente fica sabendo através da
chefe de enfermagem, chefe da equipe, que paciente internou, que
ele teve um enfarte. Você vai lá saber como é que ele tá, quando ele
chega do hospital. O hospital manda agora procurar o posto de
saúde, quando ele sai da internação, aí a gente vai lá vê se tá
precisando de alguma coisa. (ACS1)
Porque eu acho que a gente, pra trabalhar, a gente tem que tá
conversando com todo mundo, seja o que aconteceu algum atrito,
qualquer coisa, a gente profissionalmente tem que tá conversando.
Faz parte da ética... Eu acho que pra tá contribuindo um com o
outro... contribuindo com a comunidade mesmo, contribuindo com o
próprio trabalho, com a equipe mesmo. [...] tá integrando, informando
alguma coisa pro outro. Por exemplo, se chega alguma coisa, eu
tenho que passar pra minha equipe, mesmo que não seja da minha
equipe e não tem outra pessoa da equipe lá, você que tá cuidando.
Então, quer dizer, a gente tem que ter uma comunicação. Tem que tá
sempre comunicando. Às vezes, tem falhas. A gente, às vezes não
recebe... informação... tem uma paciente que foi lá num horário, que
precisa voltar depois. (AE2)
Eu converso com todas, eu já tive a oportunidade de sentar e
conversar, mesmo antes da E1. Já tive oportunidade porque todas
elas, graças a Deus, eu trato como filhas e elas me respeitam então
122
elas aceitam eu conversar. Então todo problema elas me contam isso
assim, assim. Eu chamo e converso... Agora, eu tô fazendo isso,
num é eu que quero fazer isso não. É ordem do serviço. Eu tô
seguindo ordens. Num tô fazendo nada por minha conta, eu deixei
claro pra ele. A gente deve conversar do que ficar de tititi, porque
aquilo ali foi uma série de tititi. Ah, melhorou demais... eu percebi que
melhorou muito. (AE1)
Os entrevistados fazem referência à importância da comunicação entre os
diferentes membros da ESF não só para evitar os conflitos, como também para
resolvê-los, possibilitando, assim, a integração da equipe.
Da minha equipe é bom na compreensão, na amizade. Procura tá
sempre se entendendo, qualquer coisa que a gente precisa dentro da
equipe, a gente tá conversando direitinho a gente consegue, assim, o
que é possível. As coisas que a gente precisa, que seja com uma
consulta, que seja pra um favor. (AE2)
Mas é muito bom, eu tenho relacionamento excelente com médico,
com E1, com as duas auxiliares sem problema nenhum e tenho com
as agentes também. (ACS1)
Acho que eu me encaixei numa equipe ótima. Porque eu vejo os
outros agentes de saúde reclamando da equipe, reclamando comigo
disso e disso, da minha eu não tenho nada pra reclamar não... no
começo da auxiliar de enfermagem tinha... Cobrava muito, ela
gostava de mandar muito e às vezes a gente ia fazer visita num
lugar, ela chamava atenção da gente na frente das pessoas sem
precisar, uma coisa boba... Aí depois com o passar do tempo eu fui
passando a conviver com ela e vi que era o jeito dela, não fazia por
maldade, entendeu? (ACS2)
Observa-se que, apesar de o relacionamento entre os membros de ESF
ser considerado bom na compreensão, na amizade, existe uma relação de poder
não muito explícita nas falas, mas percebida no cotidiano do trabalho da equipe:
Apesar de eu e ele nunca ter tido nenhum problema, nem com as
auxiliares de enfermagem, ele com elas também, então a equipe,
assim, a enfermagem e o médico trabalham tranqüilo. Existe um
respeito, uma hierarquia ali junto, existe até um respeito à opinião do
outro... (E1)
Até que a gente se entende bem, sabe? Tudo, assim, que a gente
tem pra fazer a gente tem conversado com M1. Se tem algum
problema eu chego perto da E1, passo pra ela... e ela vem até a
gente, se tiver alguma coisa que tá incomodando ele, ela fala,... igual
a marcação de quando a gente tá fazendo acolhimento, às vezes ele
fala: ‘Ah! Porque às vezes tá colocando alguma coisa pra mim que
123
fala que é urgência, mas não é’. Mas igual eu falo, às vezes a gente
não sabe. A gente acha que é urgência pra nós, porque nós não
temos como avaliar como médico. Aí, o que a gente faz: a gente
passa pra ele. Aí ele chega pra nós: ‘Ah... não é urgência’. Às vezes
se a pessoa chega e fala assim: ‘tô com muita dor’. A gente não vê
dor. Ninguém. Aí chega no consultório, já é outra coisa. Não é mais
aquilo. Mas ele não sabe o que a pessoa falou com a gente lá fora.
Que a pessoa fala só pra entrar no consultório. Então, isso aí ele
reclama, às vezes, tem razão... Apesar de quê ele não gosta que
bate muito na porta não, mas a gente bate assim mesmo. Num briga
nem nada não. O médico é... bom pra relacionar com ele. Bom, a
menos que a gente peça uma coisa impossível pra ele (risos). (AE2)
Entende-se que a relação de poder na ESF segue a lógica da divisão
técnica e social do trabalho, existindo uma submissão do auxiliar de enfermagem ao
trabalho do médico e da enfermeira para encaminhar o usuário, mas essa interação
se dá por meio do diálogo, do respeito ao limite do outro.
Esse tipo submissão do trabalho manual ao intelectual acontece também
em relação ao trabalho do ACS, pois não só a gerente, mas todos os outros
membros da ESF delegam atividades a agente comunitário. Essa relação de
submissão de um saber sobre um outro reflete muito a forma como o usuário
também tem de estar submisso à ação dos profissionais de saúde.
Conseqüentemente, o agente comunitário se sente dono do usuário, exercendo
sobre ele essa mesma relação de poder/saber, mas ele tem o poder de seguir ou
não as ordens do agente comunitário.
De alguma forma, todas as pessoas são ao
mesmo tempo dotadas de poder e sofrem sua ação.
Portanto, como o poder é intrínseco às pessoas e as relações entre elas e
como toda relação é em rede, conseqüentemente, o poder também circula em rede,
perpassa por todos os indivíduos. Não se pode, assim, tomar o poder como um
fenômeno de dominação de uma classe profissional sobre outros, pois, segundo
Foucault (1979, p. 183), “nas suas malhas, os indivíduos não só circulam, mas estão
sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo
inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão”.
Então, percebe-se que a questão do poder está institucionalizada, e como
o ACS é institucionalizado ele tem o poder sobre alguém. O ACS acaba
reproduzindo o modelo hegemônico que centraliza as ações de saúde em um único
profissional, por exemplo, quando o médico diz que deixa a enfermeira fazer a
coordenação da equipe. Assim, o agente comunitário também se considera o centro
124
do processo do trabalho, pois ele afirma que os outros membros da ESF só
trabalham se o ACS passar informações sobre a população, ou seja,
o agente comunitário pra te falar a verdade o agente comunitário eu
acho que é tudo na equipe. É a cabeça da equipe, porque se não for
o agente comunitário não tem o trabalho da equipe. Porque a equipe
não vai descobrir nunca, o enfermeiro, o médico não vai descobrir o
que tá se passando com a população, o que tá passando dentro da
casa de uma pessoa. Então o trabalho do agente de saúde é o que?
Ir, visitar as famílias todo mês, procurar trazer o problema pra equipe,
a equipe procurar resolver... Então é assim: o agente de saúde...
Ele... É tudo na equipe: só passa o problema, o médico vai lá e
resolve e pronto. É isso, o agente de saúde pra mim é o cabeça da
equipe... Pra equipe resolver. Às vezes até mesmo ele resolve até
mesmo sozinho, se for possível ele resolve. (ACS2)
Emerge do relato do ACS uma busca ou disputa por um poder dentro da
ESF que Foucault (1979, p. XIV) evidencia como jogo de poder nas relações. Para o
autor, o poder não é um objeto, algo que se toma ou se dá, não é uma propriedade
que se possui ou não, mas, sim, uma relação de forças. Ou seja, “não existe de um
lado os que têm o poder e de outro aqueles que se encontram dele aleijados.
Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de
poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce”.
Entende-se que as atitudes e os discursos dos agentes comunitários são
efeitos do poder, principalmente quando um grupo de ACS não repassa as
informações referentes ao usuário/família ou não segue as normas estabelecidas
pela gerente ou pela enfermeira. Nesse sentido, o agente comunitário sofre o poder
da gerente e dos outros membros da ESF, mas como ACS não é o tempo todo
vitima deste poder, ele exerce um contrapoder, uma resistência.
Diante, então, da exigência por produtividade, percebem-se, na prática da
ESF, alguns mecanismos de troca simbólica entre trabalhador-trabalhador,
trabalhador-gerente, para garantir a efetivação da proposta. Os enunciados
evidenciam esse mecanismo de troca, que acontece principalmente entre o médico e
gerente, pois o profissional faz a sua produção, mas não aceita cobrança em relação
ao seu horário de trabalho. Isso é permitido pela gerente, pela dificuldade de lotação
de médico para aderir ao PSF. Portanto, ela tenta relativizar o que a macroestrutura
do projeto BH VIDA SAÚDE INTEGRAL exige do profissional, com as várias
nuanças que ocorrem na micropolítica do trabalho cotidiano da ESF, ou seja,
125
[...] enquanto que tá trabalhando, que tá dentro das normas, também
não pode extrapolar, dando resultado, a população ficou satisfeita, é
isso aí que eu tô querendo, funcionário satisfeito, população
satisfeita. (E3)
A única coisa que ela (gerente) me pede é pra fazer minhas
produções... meus papéis... Então ela não me fala nada, ela vê que
eu faço o meu trabalho... não me cobra... se eu acabar 5 minutos
mais cedo, eu vou mais cedo... tem dia que eu acabo 1 hora mais
tarde, eu vou mais tarde também, não vou cobrar hora extra... Então
fica uma cooperação. Eu vejo que eu coopero e as pessoas
cooperam. Eu não me sinto bem sendo cobrado. (M1)
Nesse sentido, evidencia-se o “jogo duplo” que a gerente faz para manter,
principalmente, o médico trabalhando na lógica da ESF. A própria gestão do nível
central e distrital no discurso diz que a carga horária de trabalho no PSF é de
quarenta horas semanais e que não existe mais limite de doze consultas por quatro
horas de trabalho. Na prática, porém, ela permite a liberação desse profissional uma
vez por semana para dar plantão em outro local e a retribuição dessas horas durante
os outros dias. Além disso, a gerente continua aceitando a limitação do número de
consultas que muitos médicos ainda impõem, contanto que atenda a produtividade
exigida. Com isso, a gestão prioriza uma categoria, principalmente pela forma
diferenciada de remuneração salarial, reforçando o modelo hegemônico, centrado no
médico.
Na dinâmica do trabalho cotidiano da ESF, evidenciam-se, como em
todas as relações sociais, momentos de ajuda mútua, de colaboração entre os
trabalhadores de saúde. Além disso, há, também, momentos de resistência, pois
existem vários micropoderes que circulam em rede, de forma sutil. Há aquele ACSs
que transgride as ordens e as normas impostas pela gestão ou por outro membro da
ESF e faz com outros também transgridam, fingindo que aceitam o que foi
determinado, mas, na verdade, não aceitam. E uma das conseqüências dessa
duplicidade é o mecanismo de astúcia, que permite uma resistência, conservando,
assim, o próprio indivíduo (NASCIMENTO, 1999). A essa resistência passiva aos
poderes instituídos ou não, Maffesoli (1987) chama de “centralidade subterrânea”, e
é ela que permite a relativização desses mesmos poderes e assegura a vida em
sociedade. Essa centralidade em ação constante no fazer social não é única, mas
múltiplas estratégias dissimuladas de resistência que se apresentam nos pequenos
126
gestos e ações insignificantes da vida cotidiana, como o jogo duplo, a astúcia, a
transgressão, o lúdico, o corpo mole e o faz-de-conta-que-faz, mas não faz.
Não cabe aqui, segundo Nascimento (1995, p. 44), julgar, condenar,
explicar, mas, sim, buscar compreender que essas estratégias subterrâneas podem
ser entendidas como “válvulas de escape” que permitem quebrar o ritmo estressante
do trabalho e, ainda, que elas só funcionam em decorrência da afetividade, da
solidariedade orgânica presentes no grupo. Expressam, portanto, “uma forma de
viver, de ser e de estar com o outro e no mundo”. Percebe-se isso, principalmente,
quando os trabalhadores de saúde festejam juntos, brincam um com outro, partilham
sentimentos e idéias nas reuniões de equipe, nos corredores, na cozinha no horário
do cafezinho ou almoço, nos momentos de confraternização e, também, nos grupos
de encontros com os usuários.
Essa solidariedade orgânica presente nessas diversas formas de
socialidade possibilita que os trabalhadores de saúde se aproximem uns dos outros
– trabalhador-trabalhador ou trabalhador-usuário –, ocorrendo, assim, a relativização
dos poderes e a criação do vínculo entre eles. Com isso, evidencia-se a necessidade
de estar junto com o outro, o que não produz procedimentos, como impõe o projeto
BH VIDA SAÚDE INTEGRAL. O trabalho da equipe, aqui mostrado e discutido, vai
além das relações mecânicas geralmente impostas, mas aponta possibilidades que,
aliadas, podem produzir um cuidado integral que os trabalhadores de saúde e os
usuários desejam. Ou seja, a construção das práticas de integralidade no cotidiano
da ESF.
127
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar este estudo, no qual se buscou compreender as práticas de
integralidade no trabalho cotidiano da ESF, constato que seu desenvolvimento
serviu para uma reflexão sobre minha própria prática como enfermeira de uma ESF.
Antes de iniciar este estudo, acreditava na existência de um hiato entre
aquilo que se encontra definido e descrito no projeto e o trabalho da ESF, ou seja,
as práticas de integralidade não estavam acontecendo no cotidiano das equipes. A
aproximação com a literatura, o encontro com alguns autores não só através dos
livros, mas também em oficina realizada no último Congresso da Rede Unida em
2005, possibilitou-me ampliar o olhar e descobrir as várias possibilidades de
desenvolver a integralidade na prática cotidiana. Constato que o desconhecimento
do termo ou, muitas vezes, a ausência do discurso teórico da proposta do BH VIDA:
SAÚDE INTEGRAL não significa que a integralidade não esteja sendo construída no
cotidiano da assistência em saúde.
Nesses encontros, compreendi que a integralidade não é apenas um
principio do SUS, mas uma bandeira de luta do movimento de reforma sanitária.
Parte de uma “imagem objetivo”, repleta de valores que devem ser defendidos e
que, de acordo com Mattos (2003, p. 41), “tenta indicar a direção que queremos
imprimir à transformação da realidade”, mas não impor como ela deve ser. Portanto,
a integralidade é termo polissêmico e polifônico, ao qual não se pode atribui um
conceito fechado, mas sentidos distintos construídos na prática cotidiana resultantes
do embate de diferentes vozes sociais, conforme ressaltam Pinheiro e Guizardi
(2004).
Então, para alcançar meu objetivo, lancei um olhar sobre o cotidiano do
trabalho da ESF, pois é nesse espaço que se dá a micropolítica do processo de
trabalho e no qual se constroem as práticas de integralidade.
Por isso, busquei num encontro com a literatura e nas orientações dadas
um caminho teórico metodológico, como o estudo de caso qualitativo fundamentado
na sociologia compreensiva de Michel Maffesoli, que me permitiu olhar aquilo que é
dado, aquilo que “é”, apreendendo o subjacente a partir das aparências expressas
no cotidiano, e não aquilo que “deve ser”.
128
Nesse sentido, desvelou-se, por meio desse novo olhar, que no cotidiano
os trabalhadores da ESF agem de acordo com as diferentes noções que eles têm
sobre esse assunto, desenvolvendo práticas permeadas de integralidade, embora
elas não se apresentem, muitas vezes, com a formalidade que a organização e o
discurso teórico do projeto determinam que deva ser.
Observou-se, também, a multiplicidade de experiências coletivas
baseadas não na institucionalização e na racionalização da vida (do trabalho), mas
nas relações banais do dia-a-dia da equipe vividas no presente. Integrar na análise a
subjetividade, o sentimento, a emoção, o lúdico, “cuja eficácia multiforme não se
pode mais negar, na vida de nossas sociedades [...] constitui, queiramos ou não, o
elemento de base da ‘construção’ social da realidade” (MAFFESOLI, 1996, p. 106).
A partir das categorias empíricas, os sujeitos vivenciam momentos de
articulação de suas ações e interação entre eles, revelando uma tendência em
superar a fragmentação. Ou seja, os trabalhadores da Saúde da Família
reconhecem a necessidade do trabalho do outro, a vantagem da complementaridade
e da interdependência das ações para prestar uma assistência integral e resolutiva.
Além disso, eles expressam conhecimento do que o outro é capaz de fazer, que
existe uma colaboração, cooperação e solidariedade entre eles. Consideram, ainda,
as reuniões na ESF e entre as equipes da UBS não apenas como espaço para
discussões e construção coletiva de consensos sobre as necessidades de saúde da
população e dificuldades vivenciadas pela equipe, mas também para vivenciarem
momentos de encontro com o outro, de descontração, enfim, no que se caracteriza
como “socialidade”, pois isso faz parte das relações humanas que ocorrem no
mundo do trabalho.
Dessa forma, revelou-se que as pessoas dessa UBS buscam
oportunidades para estarem juntos à toa, o que expressa um espírito de comunhão,
uma necessidade de conviver compartilhando um sentimento comum, que
proporciona momentos de alegria, um revigoramento, ajudando-os a enfrentar os
desafios do PSF no dia-a dia de trabalho e favorecer, ainda, a integração do grupo.
Nesse sentido, depreende-se que as pessoas dessa UBS estão numa
vida de entrega ao trabalho do PSF com tanta afetividade, possibilidade e
criatividade que fazem muito além daquilo que foi definido no projeto, expressando-
se, assim, a integralidade nas relações humanas.
129
Se de um lado há uma cobrança formal para a produção de resultados
imediatos aos trabalhadores da saúde, com avaliação em relação ao número de
atendimentos ou procedimentos realizados, uma produtividade do que é
quantificável e apresentado na folha de produção mensal, de outro, evidencia-se a
valorização e a criação do vínculo, da escuta, as relações entre trabalhadores e
destes com os usuários, que estão inscritos na subjetividade, ou seja, o uso das
tecnologias leves que produz um cuidado integral.
Entende-se que o projeto não pode ser considerado, apesar de muito bem
desenhado teoricamente, uma verdade única, ou seja, não pode se tornar uma
“camisa-de-força”, que padroniza normas, protocolos, atribuições e metas para
serem seguidas pelas equipes de Saúde da Família, com avaliação somente
quantitativa do impacto das ações. Torna-se fundamental a reformulação do discurso
e da racionalidade dessa proposta para evitar o engessamento. Além disso, deve-se
considerar que cabe à gestão do serviço intervir na melhoria das condições de
trabalho e reconhecer a subjetividade do trabalhador, ou seja, as formas que estão
inscritas no cotidiano dos trabalhadores, que mostram um querer viver, um vitalismo
do grupo que vai além da objetividade do programa. Pois os trabalhadores utilizam
mecanismos de resistência, ou seja, das transgressões às normas, do jogo duplo, do
corpo mole, como diria Rezende (1995), dos “respiradouros” para oxigenar sua
prática cotidiana evitando uma hipoxia, decorrente da sobrecarga de trabalho e da
cobrança constante em ter de produzir resultados.
Portanto, não se pode querer que a implantação do BH Vida se dê de
forma igualitária, que o fato de se trabalhar em um mesmo lugar, ao mesmo tempo,
por si, já se constitua em um trabalho em equipe no qual se busca a resolutividade
dos problemas de saúde da população. O trabalho cotidiano em saúde apresenta-se
permeado pelas diferenças de seus atores, de suas singularidades e subjetividades;
ou seja, o que está em jogo na micropolítica das relações, segundo Merhy (2005), é
um conjunto de alteridades que se interagem.
Por isso, concorda-se com alguns autores (MAFFESOLI, 1984;
REZENDE, 1995; PENNA, 1997; BELLATO; CARVALHO, 1998) que afirmam que no
cotidiano de trabalho se vive uma harmonia conflitual, fundada na diferença, que
permite a complementaridade, as trocas, mas não são isentas de conflitos. Estes
deveriam ser considerados como uma oportunidade para o trabalhador repensar a
130
sua prática e reconstruir, respeitando as diferenças, um trabalho em equipe, pois ele
ocorre quando o trabalhador de saúde reconhece que, na alteridade, consegue-se
construir um projeto comum, que se faz com diferentes olhares, e não apenas com
um único olhar.
Assim, a análise das categorias fundamentada na sociologia
compreensiva permitiu com um “olhar de dentro”, mostrar como vem se constituindo
o processo de construção do SUS, permeado pelas práticas de integralidade no
cotidiano. Essas se dão a partir de um trabalho coletivo que se configura no respeito
ao outro, que chega totalmente diferente, tanto da equipe quanto o usuário e
apreende que a partir dessas diferenças se podem somar e crescer.
Desvelaram-se, ainda, as várias nuanças da macro e da micropolítica do
PSF de Belo Horizonte. Se ainda carrega uma herança positivista que racionalmente
planeja e avalia quantitativamente o trabalho das ESF, da ordem da objetividade,
reconhecida como necessária, inscrevem-se no cotidiano das equipes estratégias
subjetivas, singulares, que possibilitam a implementação de um cuidado permeado
de integralidade.
Dessa forma, o que se delineia como mudança no agir cotidiano da saúde
não é apenas o discurso teórico do projeto, mas a vivência no trabalho cotidiano, no
enfrentamento dos desafios, nas discussões e trocas de saberes entre os
trabalhadores. Uma observação mais atenta sobre as ações da ESF revela
caminhos para a integralidade, evidenciando, assim, que a prática está sendo
ressignificada. Nota-se a existência de uma postura acolhedora da ESF, da criação
do vinculo com usuário, de responsabilização e, inclusive, a tentativa da resolução
dos problemas em nível local, mesmo diante da falta de um sistema de referência e
contra-referência, de condições de trabalho e deficiência de profissionais.
Saliente-se, porém, que o PSF não pode ser pensado como uma
estratégia de transformação isoladamente do restante da rede de assistência à
saúde de Belo Horizonte. Portanto, não cabe à ESF a grande responsabilidade de
garantir o caminhar do usuário e a busca da intersetorialidade para se alcançar a
integralidade ampliada, mas, sim, igualmente, de todos os atores envolvidos na rede
de cuidados progressivos. Então, cabe à gestão relativizar a racionalidade do projeto
com as várias nuanças repletas de subjetividade que acontecem no dia-a-dia do
trabalho das ESFs, bem como propor espaços de reflexão conjunta com os
131
trabalhadores da saúde para, assim, reconhecer que os discursos desses atores
sociais e suas práticas são essenciais para a construção da integralidade do cuidado
e da atenção.
Além disso, diante da carência quantitativa e qualitativa de profissionais
para atuar no processo de construção do SUS em Belo Horizonte, aponta-se, ainda,
como tarefa da gestão propor não treinamentos pontuais descontextualizados do
cotidiano de trabalho do PSF, mas priorizar a Educação Permanente em Saúde.
Esta deve ser entendida, de acordo com Ceccim (2005, p. 173), como lugar central e
finalístico das políticas de saúde, que reafirme a importância do trabalhador como
protagonista efetivo desse processo. Dessa forma, retiram-se “os trabalhadores da
condição de ‘recursos’ para o estatuto de atores sociais das reformas, do trabalho,
das lutas pelo direito à saúde e do ordenamento de práticas acolhedoras e
resolutivas de gestão e de atenção à saúde”.
Ressalte-se a importância de incluir, também, o usuário como
protagonista desse processo, estabelecendo-se, assim, uma relação entre sujeitos-
trabalhador-usuário para a produção do cuidado integral. Portanto, sugerem-se
estudos que indaguem como os usuários concebem o cuidado prestado pela ESF.
Nesse sentido, espera-se que este estudo possa ampliar as discussões
sobre a integralidade enquanto “pensar” e “fazer”, subsidiando a prática, a formação
e a capacitação dos profissionais de saúde, e contribuindo, assim, para preencher a
lacuna de conhecimento no que diz respeito às práticas de integralidade no trabalho
cotidiano dos serviços de saúde.
132
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145
ANEXOS
146
ANEXO 1
Termo de consentimento livre e esclarecido
Eu, Teresa Cristina Santos Silva, aluna matriculada regular no Curso de Mestrado da Escola
de Enfermagem da Universidade de Minas Gerais, estou realizando uma pesquisa para a obtenção
de título de Mestre, sob a orientação da professora Drª Cláudia Maria de Mattos Penna, docente
desta Escola.
A pesquisa tem o título, provisório,de Integralidade das ações: um desafio para o
trabalho em equipe no PSF em Belo Horizonte. Trata-se de um estudo de caso que utiliza uma
abordagem qualitativa fundamentada na Sociologia Compreensiva, com base em Michel Maffesoli.
Este estudo tem como objetivo compreender a integralidade no trabalho em equipe, na perspectiva
dos trabalhadores de saúde, no PSF, em Belo Horizonte.
Espera-se que este estudo possa ampliar as discussões sobre integralidade como “pensar”
e “fazer”, subsidiando a prática, a formação e a capacitação dos profissionais de saúde e contribuir,
assim, para preencher a lacuna de conhecimento no que diz respeito aos efeitos da integralidade das
ações no cotidiano dos serviços de saúde.
Para a coleta dos dados, realizarei a observação direta do trabalho cotidiano da equipe de
saúde da família e uma entrevista individual agendada previamente, de acordo com seu
consentimento. A entrevista será gravada em fita cassete para garantir a fidedignidade dos dados e
transcrita, sendo garantido o anonimato. A utilização destas informações será somente para fim desta
pesquisa e divulgação na defesa da dissertação, em eventos científicos e revistas da área da saúde.
as fitas cassetes com as entrevistas serão arquivadas sob responsabilidade do pesquisador até o
término do mestrado e elaboração dos artigos, por um período de mais ou menos três anos quando
serão destruídas.
Sua colaboração é voluntária e será muito importante para a realização desta pesquisa, por
isso solicito sua participação como informante. O seu consentimento em participar da pesquisa deve
considerar também, que o projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética e Pesquisa da
UFMG e da SMSA-BH, tendo sido aprovado.
Você poderá fazer todas as perguntas que julgar necessárias para o esclarecimento de
suas dúvidas acerca dos riscos, benefícios, procedimentos e outros, tendo a liberdade de retirar o seu
consentimento e deixar de participar do estudo, se assim o desejar, sem penalização alguma, bem
como ter acesso ao conteúdo das suas informações transcritas.
Agradecendo sua colaboração, solicito a declaração de seu consentimento livre e
esclarecido neste documento.
Atenciosamente,
Teresa Cristina Santos Silva
Eu _______________________________________________________________________
R.G. n.º ________________________, aceito participar como voluntário (a) da referida
pesquisa, e afirmo que fui devidamente informado (a) sobre a finalidade e objetivos do estudo.
Belo Horizonte, ____de __________________200__.
Assinatura do participante _____________________________________
Nome da pesquisadora: Teresa Cristina Santos Silva – Tel.: (31) 99352990
Nome da Orientadora: Prof. Dra. Cláudia Maria de Mattos Penna – Tel.: (31) 3248 9869
COEP – Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG – Tel.: (31) 3499-4592
CEP – Comitê de Ética em Pesquisa da SMSA-BH – Tel. (31) 3277-8222
147
ANEXO 2
148
ANEXO 3
149
ANEXO 4
Roteiro de entrevista
Data: .......................
Nome: ................................................................................................... Idade:: ..............
Local de trabalho: ............................................................................................................
Profissão: ....................................................... Data de admissão: ................................
Equipe de Saúde da Família.............................Tempo de serviço no PSF......................
¾ Descreva como é trabalhar em equipe no PSF.
¾ Descreva a finalidade e o objetivo do trabalho em equipe para você.
¾ Descreva como é o relacionamento entre os membros da equipe de Saúde da
Família.
¾ Descreva o que é integralidade para você e que relação existe entre ela e o trabalho
em equipe no PSF.
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