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MAYARA SILVA MENDES
Conflitos religiosos e relações políticas
no Pará (1930-1941)
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO - 2006
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM HISTÓRIA
Conflitos religiosos e relações políticas
no Pará (1930-1941)
MAYARA SILVA MENDES
SÃO PAULO
2006
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MAYARA SILVA MENDES
Conflitos religiosos e relações políticas
no Pará (1930-1941)
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo - PUC/SP como
exigência parcial para obtenção do
título de MESTRE em História Social,
sob a orientação da Profª Doutora
Márcia Mansor D’Aléssio.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
AGOSTO 2006
3
BANCA EXAMINADORA
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4
A mim, evidentemente.
A todos que acreditaram que eu seria
capaz de chegar até aqui. E ir além...
5
A G R A D E C I M E N T O S
“É bom olhar pra trás e admirar a vida que soubemos fazer...”
O que são estes senão a literal impressão daqueles que, comigo,
construíram este trabalho??? Não saberia dar outra definição àqueles que
vierem a ser citados e àqueles que, porventura, fugirem à memória nesse
momento de escrita. Cada um, a sua maneira, estão impressos nesta
dissertação, seja com uma palavra, um e-mail, um telefonema, uma
mensagem, um sorriso ou um puxão de orelha...
Agradeço a Deus pelas oportunidades e por ter me dado força
quando me senti fraca. Hoje percebo que sou cercada e habitada pela
paz!!
Aos meus pais, José Ferreira e Maria Inalda, agradeço o amor,
preocupação e confiança. A vocês, minha eterna gratidão, estendida
também a meus familiares.
Ao CNPQ, que me permitiu fazer esse mestrado com uma bolsa de
estudos, pois sem esta não teria condições de largar uma vida no Pará
para construir outra em São Paulo.
Ao Gaia, professor e amigo que, numa sexta-feira santa, ficou
andando em volta de uma mesa enquanto eu tentava tomar nota do que
ele dizia que deveria constar em meu projeto de mestrado, o qual deveria
estar pronto em apenas alguns dias. Obrigada por acreditar.
Márcia D’Aléssio, minha orientadora, mulher de admirável
intelectualidade, obrigada pela oportunidade de convivência e
aprendizado, pela paciência e respeito diante de meus limites intelectuais
e por ter permitido que eu trilhasse meu caminho nesta dissertação.
Deslizes são inteiramente assumidos por mim.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em História da
PUC-SP, pelo aprendizado e edificação do conhecimento. Professora
6
Yara Khoury, agradeço a disponibilidade e gentileza; à Antonieta
Antonacci, agradeço o sorriso, o final de semana inesquecível na praia e a
paixão pelas coisas simples da vida...
Ainda com os professores, quero agradecer a leitura atenta e
minuciosa feita pelo Professor Fernando Torres-Londoño e Professora
Teresa Malatian na banca de qualificação. Obrigada pelas
recomendações. É importante um outro olhar quando já estamos
acostumados ao texto!!! Assumo as falhas e as indicações não
incorporadas nesta dissertação.
Aos moradores da República Nossa Senhora de Nazaré, na Rua
Caiubí, obrigada por ter me acolhido ainda na entrevista e por terem
permitido minha morada neste lugar. Érika, Liliane e Moisés, entre o final
do relatório e os passeios para me apresentar São Paulo, valeu o esforço.
Ao Leno, pela notícia da aprovação e por ter cuidado de minha matrícula e
à Érika, pelos momentos de desabafo e convivência. Sua doçura e seu
sorriso amenizaram a dificuldade e o frio dos primeiros dias em Sampa!!!
Karine, obrigada por tudo. Só nós sabemos o que passamos em
Sampa, principalmente quando a saudade nos maltratava aos domingos...
tantas madrugadas de estudo entre tantas fotos decoradas pela saudade.
A vida nos proporcionou um grande “encontro-desencontro-reencontro”...
e isso só nós sabemos.
Sandra, Fernandinha, Emília, Simei, Terezinha e Amilton,
companheiros de turma admiráveis. Obrigada pela companhia, pela força
e por ajudar a suportar a saudade de casa. A Betinha, Andréia, Iara e
Marcelão, funcionários da PUC tão simpáticos e prestativos, sempre
prontos a resolver meus ‘pepinos’.
Aos que fizeram essa caminhada menos penosa. Companhias que
conheci, reencontrei e outras que já se perderam, mas fizeram desta
estada em São Paulo um período de grandes e importantes descobertas...
Adilson e Cristina, obrigada pelos vinhos, pelas experiências partilhadas e
7
pelo carinho, Luciano, pelas descobertas culturais tão encantadoras desta
metrópole, Agenor, pela alegria e incentivo, Zilmar, pela beleza poética da
madrugada paulistana com vodka e kiwi, a Socorro, Íris e Lucélia,
obrigada por terem me recebido na qualificação e pela saudade da bela
Belém compartilhada no Círio “à la Sampa”, Allanzinho, valeu as
distrações, Carol, minha amiga “Tchuca”, obrigada pela amizade, pelos
babados e baladas que compartilhamos dentro e fora da academia.
Saindo de Sampa e voltando às terras paraenses, quero agradecer
à família ceadepeana, que apoiou minha ida para São Paulo e me acolheu
quando voltei ao Pará. Às meninas do CEADEP – Centro de
Aprendizagem e Desenvolvimento Percepção –, Ruth, Élida, Elane e a
todos da escola, obrigada pela amizade, pela companhia nas praias, pelas
despedidas na casa da Ruth e outros tantos encontros.
AU’s Mala, meus vizinhos, obrigada pelas notícias via e-mail, pelas
despedidas em cada viagem, pelos dias de Pacuquara e pelos
carnavais!!!
Agradeço imensamente à Magna, Jane, Débora, Keila e Thelma,
pelo que aprontamos em casa ou nos reggaes da vida...
Meu agradecimento àqueles que, academicamente, ajudaram-me a
caminhar com este trabalho: Liliane, Moisés, Coca, Gerson, Maira, Érika,
Carol, Lu e Fabiano.
Ao Benilton Marcos, obrigada pelo amor que descobri ao teu lado –
ou longe – mas que o tempo provou que relações são muito relativas...
Aos amigos e amores que, de uma maneira ou outra, vieram e se
foram, que contribuíram nesta construção e que não leram seus nomes
nessas poucas páginas, certamente estão guardados na memória da
saudade, tão longe e tão dentro do coração...
8
“Se é tão duro enfrentar a censura
institucionalizada em um Estado, se é duro
conviver, no cotidiano, com o autoritarismo
das chefias, imagine-se o embate interno
entre a consciência treinada para a rotina e
as verdades absolutas, e as inquietudes que
alimentam o vulcão das incertezas.
(Cremilda Medina)
9
R E S U M O
Esta dissertação procurou discutir os conflitos religiosos e as relações
políticas no Pará entre 1930 e 1941, tendo como cenário político os
acontecimentos de 30 e o bispado de Dom Antônio de Almeida Lustosa.
Nesse período, percebemos que alguns padres se posicionaram contra a
estrutura política vigente, tomando atitudes que não agradaram nem aos
dirigentes políticos, nem os superiores católicos paraenses, o que os
levou a uma censura religiosa. Envolvidos com processos eleitorais ou
desvio de patrimônio católico, Padre José Maria do Lago, Padre José
Foulquier, Padre Leandro Pinheiro e Padre Alcides Paranhos foram
forçados a repensarem seu comportamento enquanto sacerdotes diante à
sociedade. Trabalhando com ofícios, correspondências, atas episcopais,
circulares, cartas pastorais e jornais da época, o trabalho discute as ações
destes religiosos e a posição – e ação – da Igreja católica e da
Interventoria locais diante de tais atitudes, consideradas, por políticos da
época, de politiqueiras.
PALAVRAS-CHAVE: Igreja Católica, política, censura, padre, Dom
Lustosa, revolução de 30, Círculo Operário, Pará.
10
A B S T R A C T
This disssertation aimed at discussing religious conflicts and political
relations in Pará between 1930 and 1941 against the political background
of the events of the 1930’s and of the tenure of Dom Antônio de Almeida
Lustosa as bishop of Pará. In this period, some priests have positioned
themselves against the political status quo, taking some attitudes that
pleased neither the political bosses nor the local catholic hierarchy, which
provoked a censure on them. Involved with electoral lawsuits or
defalcation of catholic property, Father José Maria do Lago, Father José
Foulquier, Father Leandro Pinheiro and Father Alcides Paranhos were
forced to rethink their sacerdotal behavior towards society. Working with
different kinds of official documents and newspapers, this work discusses
the actions of such religious men and the positions – and actions – of the
Catholic Church and of the local Governments concerning these attitudes,
which were classified, by some politicians of that time, as petty politics.
KEY WORDS: Catholic Church, politics, censorship, priest, Dom Lustosa,
1930 revolution, working class circle, Pará.
11
S U M Á R I O
Apresentação ......................................................................................... 13
Capítulo I - As ligações entre o poder civil e religioso no Pará .........35
1.1. – “A Neocristandade: um projeto restaurador” .........................35
1.2. – A ação do laicato: A Ação Católica, A Ordem e o Centro Dom
Vital..................................................................................................48
1.3. – E no Pará, Igreja e Estado.....................................................65
Capítulo II - Da Revolução à Cristianização ....................................... 75
2.1. – 1930: o Pará na Revolução ................................................ 75
2.2. – Os novos personagens entram na nova política: do
Presidente ao Padre Prefeito ......................................................... 95
2.3. – A Recristianização da sociedade: o assistencialismo religioso
de Dom Lustosa ........................................................................... 114
2.4. – Religião e Religiosidade em Dom Lustosa ...................... 125
Capítulo III - “... não confundir participação política com
militância”..............................................................................................139
3.1. – Da missa à eleição: a política de Padre Lago......................139
3.2. – Com os operários e com a polícia: Padre Foulquier............160
3.3. – Outras tensões religiosas....................................................176
12
Considerações finais.............................................................................183
Fontes.................................................................................................... 188
Referências Bibliográficas................................................................... 194
Anexos....................................................................................................203
13
A P R E S E N T A Ç Ã O
14
“Não constitui erro afirmar que a História do Pará é
basicamente a crônica da participação religiosa nos
mais diversos períodos com respectivos conflitos, já
que a cada momento há um caso a ser contado
sobre alguma guerra, intriga, briga, rixa ou morte.”
(“O legado de Dom Irineu Joffily”. O Liberal, Belém,
19 de março de 2001)
A motivação inicial para pensar estas questões partiu de uma
experiência pessoal. Há alguns anos – 1998 –, quando “militante” da
Coordenação da Pastoral da Juventude – PJ – da cidade de Castanhal,
no Pará, a referida coordenação foi censurada pelo pároco da Paróquia
de São José, Monsenhor Aderson Neder, por ter organizado um ‘Dia
Nacional da Juventude’, utilizando instrumentos de percussão e cantos
baseados na Teologia da Libertação, os quais falavam de problemas
sociais, do descaso das autoridades diante das injustiças sofridas pelos
pobres e oprimidos”, cantos que pregavam o diálogo com outras
religiões, além de conclamar os fiéis a vestirem-se de vermelho, em
homenagem ao “sangue dos mártires”. Apesar do êxito do evento, a
primeira providência tomada por Neder foi afastar todo o pessoal da
organização, enviando cartas de afastamento a toda à Coordenação da
Pastoral da Juventude, dissolvendo-a e proibindo seus membros, que
eram catequistas, de exercerem qualquer atividade na paróquia, não
recebendo nenhum dos afastados nem respondendo a qualquer tentativa
de contato como e-mails, cartas ou audiências. Dizem que associou
nossos ideais libertadores às idéias políticas de esquerda, visto tratar-se
de ano eleitoral, e acusou-nos de estarmos fazendo propaganda política.
Apesar da tentativa de nos silenciar, a PJ local lançou um manifesto
para toda a cidade, detalhando as arbitrariedades do pároco, o que dividiu
15
opiniões a seu respeito, deixando-o enraivecido com o grupo que o
procurou para esclarecer aqueles acontecimentos.
1
E assim, por conta do silêncio que nos foi imposto, apaixonei-me
pelo tema, pela idéia de estudar a censura dentro da Igreja católica,
mesmo num período anterior à minha experiência de vida, pois o fato de
ter procurado um diálogo e tê-lo negado levou-me a um encantamento
com esse tipo de assunto. Algum tempo depois, ao procurar um tema para
monografia, recebi como sugestão de um professor, que conheceu esta
experiência, pesquisar o episcopado de Dom Lustosa, por se tratar de um
bispo populista
2
.
A partir deste estudo, percebi nas fontes outras posturas deste
religioso que não apenas a de sacerdote: visualizei um bispo repressor,
conservador, prezando pelas boas relações com o Estado e pelo bom
comportamento dos religiosos paraenses, mesmo que isso implicasse em
atitudes extremas, como o afastamento de algum padre. Assim, interessa-
me perceber os jogos de interesses que envolvem o poder religioso e civil,
tema que, a cada dia, me encanta, aguça minha curiosidade e me deixa
insatisfeita com as disputas por espaços que a Igreja pratica
interessadamente.
Pensar disputas pelo poder entre diferentes grupos sociais é tarefa
trabalhosa, principalmente quando estamos lidando com religião e política,
temas tão delicados e tão caros a alguns. Assim, ousamos penetrar neste
mundo que envolve as relações entre o clero paraense e o governo local,
a fim de perceber as aproximações e conflitos que envolveram as
instâncias religiosa e política no Pará, entre os anos 1930 e 1941,
buscando os vestígios do episcopado de Dom Antônio de Almeida
Lustosa e como este desenvolveu seu trabalho junto à Arquidiocese de
1
O TROMBONE. Este era o nome do manifesto lançado pelos componentes da Pastoral da
Juventude que foram afastados pelo padre e, que mais tarde, deu nome a um jornal de
estudantes secundaristas da cidade de Castanhal.
2
Após amadurecer as leituras sobre o período, questionamos a expressão “populista”, questão
que será debatida nas páginas seguintes.
16
Belém no sentido de colaborar com a manutenção da ordem pública
estabelecida pela Interventoria de Magalhães Barata, chegando a
“censurar” alguns padres que tiveram uma postura política diferente
daquela recomendada pelo bispo, sendo chamados de “politiqueiros
3
.
Dom Lustosa nasceu em 11 de fevereiro de 1886 em São João Del
Rei, Minas Gerais. De origem nobre, renunciou às mordomias da vida
material e dedicou-se à vocação religiosa. Salesiano, ordenou-se
presbytero em 28 de janeiro de 1912 e ocupou muitos cargos até ser
nomeado bispo do Pará. Seguindo a tradição de o norte receber religiosos
da região mineira de Mariana, não fugiu à regra e, depois de atuar como
professor em Corumbá, Mato Grosso, foi nomeado para a Arquidiocese da
capital paraense e, em função das inúmeras ocupações, tomou posse por
procuração em 15 de novembro de 1931.
De uma admirável intelectualidade, deixou muitos escritos, dentre
os quais a biografia de Dom Macedo Costa. Foi o continuador do
processo de Romanização no Pará, realizando visitas pastorais pelo
interior do estado, agindo “inspirado” pelas práticas do então Interventor
daquele momento histórico: Magalhães Barata.
Assim, o assistencialismo da política transferiu-se para o lado
religioso, auxiliando Dom Lustosa na expansão de seus ideais. Em 1941,
foi transferido para Fortaleza-CE, permanecendo ali até pedir dispensa,
recolhendo-se num asilo religioso em Pernambuco, onde faleceu a 14 de
agosto de 1974.
Discutir religião católica e seus desdobramentos implica desafiar as
estruturas tão consolidadas por esta instituição ao longo de séculos de
existência. Sempre se considerou perigoso “mexer” com este assunto
quando se trata de sua associação com a política, uma parceria tão
oficial
4
por muito tempo e tão disfarçada em outro momento.
3
Termo encontrado em algumas fontes.
4
Oficial, neste caso, refere-se ao catolicismo como religião oficial do Brasil quando dos tempos
do Império.
17
Assim, o alvo central de nosso estudo consiste em perceber os
conflitos internos da Igreja Católica
5
, como a diferença de pensamento
dos religiosos, procurando mapear as experiências de um pequeno grupo
que foi repreendido pelo alto clero por tomar atitudes que não agradavam
o topo da hierarquia católica no estado, como se envolver em pleitos
eleitorais e assumir cargos públicos, ações essas que rendeu a esses
padres a alcunha de “politiqueiros” por parte de algumas autoridades
locais. Essas questões resultaram em afastamentos de religiosos, intrigas
com lideranças políticas locais, além de problemas com os superiores
envolvidos no conflito, como foi o caso do Padre José Maria do Lago, que,
ao participar do pleito eleitoral de Marapanim
6
, foi advertido pelo bispo e
ameaçado pelos políticos locais.
Além deste, também buscamos os vestígios das ações do Padre
Leandro Pinheiro quando envolvido na ‘Revolução’
7
de 1930, ocasião em
que foi preso, tendo assumido a Prefeitura da capital paraense após a
vitória do movimento. Este foi mais um religioso que se posicionou contra
toda uma estrutura de governo montada pelo varguismo e respaldada pela
Igreja, estrutura esta que remete a uma determinada ordem
8
, cuja
concepção pretendemos refletir neste trabalho.
Além do Padre Lago e Pinheiro, buscamos analisar o campo de
atuação de outros religiosos que provocaram conflitos com seus
superiores e com o poder público por atuarem diferente da grande maioria
5
Segundo Azzi deve-se levar em conta o conceito de Igreja vigente nessa época. Quando se
fala em Igreja Católica, geralmente se subtende a Igreja docente, isto é, a hierarquia
eclesiástica. Os bispos se consideravam então os legítimos intérpretes das aspirações do povo
católico. Como chefes da Igreja, os prelados sabiam o que era mais condizente para a afirmação
da fé católica, e aos fiéis cabia obedecer. Para saber mais, ver AZZI, Riolando. O Episcopado
Brasileiro frente à Revolução de 30. Síntese Política Econômica Social. (SPES) – Nova fase.
São Paulo, v. 20, nº 20, set/dez 1980.
6
Município do nordeste paraense, distante cerca de 140 Km da capital, Belém.
7
Referimo-nos a esta palavra entre aspas com a consciência de que existe uma discussão em
torno do termo, se houve ou não uma revolução, discussão esta que não se faz relevante neste
trabalho. Tratamos os acontecimentos como uma grande transformação neste período que
atingiu todas as esferas sociais.
8
Leia-se “ordem” a manutenção do estado de coisas, o status quo social e, principalmente,
político.
18
do clero. O Padre José Foulquier e o Padre Alcides Paranhos são dois
bons modelos. Enquanto o primeiro teve os artigos censurados pela
polícia durante o Estado Novo, o outro fora acusado de compactuar com
os roubos que vinham ocorrendo na paróquia de Vigia, outro município do
interior do estado, permitir esmolações de santos, além de namorar as
freiras da cidade.
Nesse contexto, julgamos necessário falar sobre a temporalidade da
pesquisa, cujo marco cronológico situa-se entre os anos de 1930-1941.
Esta delimitação tem parâmetros advindos de certos acontecimentos, a
saber: em 1930, o país passara por uma ‘Revolução’, com a ascensão do
gaúcho Getúlio Vargas à presidência do Brasil. Com ele, a estrutura
política nacional passou por uma reestruturação com a nomeação de
Interventores para os Estados, onde estes passariam a governar de
acordo com as diretrizes do governo federal.
No Pará, esses acontecimentos não foram diferentes. Para lá foi
enviado o Coronel Magalhães Barata, militar que participou da Revolução
de 1924 e ajudara a organizar o movimento revolucionário de 30 no
estado. Governou entre os anos de 30 a 35, implementando uma política
assistencialista para com a população e empreendendo inúmeras viagens
ao interior do estado, a fim de verificar a situação de vida de seus
“eleitores”
9
, governando para e junto ao povo. Barata não foi um
“governante de gabinete” e, quando nele estava, recebia os populares no
palácio, resolvendo questões que iam de problemas imobiliários a um
roubo de galinhas.
Pretendemos, nesse contexto, perceber o posicionamento e
justificativas políticas e religiosas da Igreja Católica frente a esses
acontecimentos e o por quê de suas atitudes repressoras contra os
padres insurretos e em que medida tais atitudes atingiam a autoridade do
9
As aspas colocadas nesta palavra denunciam o caráter do processo ao qual Barata chegou ao
poder. Nesse primeiro momento, o então Interventor fora escolhido pela Junta Revolucionária do
estado. Somente quando volta ao poder, na década de 40, é que o militar é eleito pelo povo.
19
bispo e da Arquidiocese paraense para com o governo no que diz respeito
à parceria de manutenção da ordem pública no estado, desnudando,
assim, uma disputa por espaços no que diz respeito às relações entre a
Igreja paraense e a política local.
Nas Cartas Pastorais
10
de Dom Lustosa, bem como nas Circulares
por ele expedidas, podemos perceber o vocabulário do bispo e as
expressões por ele empregadas, para que possamos analisar sua
maneira de se expressar. Assim, identificar as palavras que iam “da reza
ao discurso” é importante para compreender os discursos do bispo
quando do diálogo com os padres ‘politiqueiros’ e as atitudes por ele
tomadas.
Em contraposição a esta fala, encontramos nos jornais uma
linguagem diferente sobre a censura imposta e sofrida pelos padres que
se envolveram com a política partidária. Neste sentido, uma leitura a
contrapelo possibilitaria apreendermos as posições tomadas pelos grupos
sociais diante da ousada relação padres-política, além de analisarmos os
discursos presentes, diferentes do discurso religioso, o que nos permite
perceber uma visão diferente da concepção da Igreja sobre essas
disputas por espaços que provocaram conflitos entre as instituições
política e religiosa.
Dessa maneira, perceber as contendas que se deram entre alguns
religiosos que não se adequavam às recomendações e ações das
autoridades diocesanas constitui-se em inquietação fundamental de nosso
10
As Cartas Pastorais são importantes documentos para entendermos as influências do
catolicismo nesse momento histórico e, principalmente, do pensamento da autoridade
diocesana. Esses escritos remetem-se a Encíclicas e/ou a assuntos relacionados à política e à
posição da Igreja católica diante de determinado fato de seu interesse. Verificamos que, no
bispado de Dom Lustosa, foram divulgadas Cartas Pastorais e muitas Circulares, as quais
também tratavam de assuntos ligados ao interesse da Igreja e, conseqüentemente, de e sobre
seus fiéis.A pastoral é sempre um documento hierárquico, do bispo para os padres e fiéis, de
caráter vertical, que sempre indica como a Igreja se autocompreende e como entende a
sociedade na qual está inserida. O bispo é sempre o poder e a verdade. Por ser um documento
vertical, tem um evidente aspecto coercitivo. A autoridade episcopal, diante de um mandato
conferido por Deus por intermédio do Papa, impõe ao clero uma visão de mundo a ser acatada.
In: ALMEIDA, Alceste Pinheiro de. O Cardeal Arcoverde a reorganização eclesiástica. Tese. São
Paulo: USP, 2003. p. 138.
20
trabalho, procurando vestígios de suas atitudes “politiqueiras”. Utilizamos
como cenário o episcopado de Dom Lustosa, o qual dirigindo a
Arquidiocese de Belém entre 1931-1941, praticou um “assistencialismo
religioso”, abençoando e discursando, do ribeirinho do interior ao operário
da fábrica e, mantendo a ordem, buscando aproximação junto ao Estado e
contribuindo com o "fazer política", seja na prática religiosa, seja na
censura política no meio eclesiástico.
Sendo assim, pensamos questões como: Que tipo de ações foram
movidas pelos religiosos contestadores, dentre os quais estavam o Padre
Lago, o Padre Foulquier, o Padre Leandro Pinheiro e o Padre Alcides
Paranhos? Qual o significado de suas atitudes naquele momento
histórico? Até que ponto não incomodavam os governantes e o alto clero,
representado por Dom Lustosa? O que fizera o bispo para frear ou
esconder esses “desvios” de comportamento desses religiosos? Em que
momentos os interesses de Lustosa convergiam com os do Estado no que
diz respeito à manutenção de uma ordem que seria conveniente para
ambas as instituições, ordem esta que os padres ‘politiqueiros’ estariam
se insurgindo? Como se apresentava a Igreja católica naquele momento?
Como se apresentava a Igreja Católica paraense para que o bispo não
apoiasse as atitudes dos padres citados anteriormente?
Identificar os projetos e ações políticas movidas por uma fração do
clero católico, bem como a possibilidade de translado dessa postura para
o conjunto social é bastante significativa para nossa pesquisa, o que pode
nos ajudar a identificar e caracterizar a conjuntura política do Estado
nesse momento, permitindo um esclarecimento acerca das condições em
que atuaram os padres que experimentaram o controle e censura por
parte do governo estadual e pelas autoridades religiosas.
Nesse período verificamos muitas agitações no cenário político
nacional, como a reorganização do Estado brasileiro empreendida por
Vargas e afirmada pelos Interventores, o incentivo à industrialização, a
21
tentativa comunista de tomada de poder, a experiência de um governo
autoritário, etc. No campo religioso, podemos identificar a atuação de Dom
Sebastião Leme
11
e a inauguração do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro,
em 1931 e a campanha pela aprovação dos artigos da Constituição
referentes à família e à educação em 1934 como momentos de relação
próxima entre o poder civil e o poder eclesiástico dentro do recorte
histórico selecionado para a pesquisa.
Para pensar a ‘revolução’ de 30 no Pará, dispomos da obra de
Creso Coimbra, coronel reformado do Exército brasileiro que venceu o
concurso de comemoração ao Cinqüentenário da Revolução de 30 com a
monografia “A Revolução de 30 no Pará – análise, crítica e interpretação
da história
12
. Apesar de ser bastante descritiva, é a maior, se não a única
referência sobre os acontecimentos de 30 no estado. Além deste fator,
este livro “se basta” por trazer, quase na íntegra, grande parte das
reportagens jornalísticas sobre os acontecimentos “revolucionários”, o que
nos oferece a possibilidade de trabalhar com documentos que já “não
existem mais”
13
para a pesquisa. A questão em Coimbra é a falta de
diálogo com as fontes. Na introdução, deixa claro que procurava “a cada
momento, surpreender e definir as causas, o desenvolvimento, e as
conseqüências de cada episódio, para formar uma argumentação
coerente, unitária, sólida e sem rachaduras.
14
Em seu terceiro e quarto
capítulos, tratou diretamente da ‘revolução’ no Pará, de seus
11
Segundo AZZI (1980), “as bases do entendimento entre Igreja e Estado” foram se fortalecendo
a partir da década de 20, “conforme a grande aspiração de Dom Leme e do episcopado em
geral”, num momento em que, para o autor, essa (re) aproximação facilitaria a “participação da
Igreja na nova ordem política e social.
12
COIMBRA, Creso. A Revolução de 30 no Pará: análise, crítica e interpretação da
história.Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1981.
13
Esta foi e ainda é uma grande dificuldade. Ao fazer o levantamento de fontes para o projeto,
os jornais encontravam-se disponíveis para consulta no setor de Microfilmagem da Biblioteca
Pública Arthur Viana – CENTUR, em Belém. Ao retornar para fazer a pesquisa de fato, a única
informação recebida foi que aqueles jornais nunca existiram ali. Assim, a obra de Coimbra nos
“conforta” minimamente no que diz respeito às fontes jornalísticas sobre o início dos anos 30 no
Pará, porém levanta dúvidas sobre a veracidade das reportagens.
14
COIMBRA. A Revolução de 30 no Pará. Op. Cit. p. 278.
22
desdobramentos e as transformações ocorridas no estado com a
organização do movimento vitorioso.
A obra, de característica descritiva, nos permite apreender alguns
aspectos importantes para nosso trabalho, como a organização espacial
da cidade, os ícones do movimento revolucionário e os do governo, as
estratégias que fizeram a ‘revolução’ de 30 e 32 e as que a impediram, o
perfil da sociedade da época, o perfil do novo governante e a recepção
deste por parte do povo e das esferas institucionais, além de citar, mesmo
em passagens rápidas, a participação de alguns religiosos nesse
processo.
Buscando refletir sobre o caráter do novo governo que se instaurara
no país com o movimento de 30, temos na obra “Dialética da
Colonização”, de Alfredo Bosi, uma referência. Nesta, o autor pensa a
construção do projeto político varguista baseado na idéia de um Estado-
nação, de um Brasil uno, pensando até que ponto os ideais positivistas
constituíram a arqueologia da modernização brasileira promovida pelo
Estado centralizador de Vargas. Assim, o castilhismo-gaúcho foi
inspirador da construção do Estado brasileiro pós-30, distinguindo-se dos
demais estados por sua
tendência de atribuir ao poder público a função de promover e,
no limite, controlar os rumos do desenvolvimento econômico
(...) seu lugar parece ser o do sábio ordenador que só intervém
quando as carências de uma classe exigem, pela intermediação
dos poderes públicos, a suplência de outra classe.
15
Neste sentido, consideramos fundamental discutir o projeto político
varguista e as práticas empreendidas nesse processo. Por muito tempo, a
historiografia
16
o tratou como “populista”, porém neste trabalho
15
BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 282.
16
Os questionamentos sobre o uso do termo “populismo” na historiografia dos anos 30 foi posto
em questão primeiramente por Ângela de Castro Gomes, na obra A invenção do Trabalhismo,
ainda na década de 80. Depois desta obra de referência, outros autores dedicaram-se às
análises sobre o tema, como Jorge Ferreira, que na obra “Trabalhadores do Brasil – o imaginário
23
questionamos este conceito, optando por trabalhar com palavras como
trabalhismo e assistencialismo, por entender que esta categoria satisfaz a
idéia de que o Estado não tinha total domínio sobre os trabalhadores e
que estes realizavam “escolhas segundo o horizonte de um campo de
possibilidades
17
, constituindo-se sujeitos ativos do processo histórico
analisado, não se deixando, portanto, serem marionetes no jogo político.
18
Abordagens da História Cultural, da nova História Política e da
História Social Inglesa, influenciaram uma corrente revisionista que vêm
produzindo uma nova historiografia sobre o tema, recusando a idéia de
um populismo na política brasileira. “Aos poucos, uma vertente da
historiografia brasileira, influenciada por reflexões revisionistas, recusou a
imagem, tão solidificada, do ‘populismo na política brasileira’’
19
. Desta,
podemos citar uma obra organizada por Jorge Ferreira, “O Populismo e
sua história: debate e crítica”, a qual, trazendo nomes como Ângela de
Castro Gomes, Daniel Aarão Reis Filho, Maria Helena Capelato e Lucília
de Almeida Neves, oferecem uma rica reflexão sobre as questões que
envolvem os anos 30, como a idéia de populismo, sua construção e
desconstrução ao optar pelo uso da palavra trabalhismo, além da política
para e com os trabalhadores. Esta leitura merece relevante atenção para
este trabalho na medida em que nos permite pensar, baseada numa
historiografia atual, as práticas varguistas, procurando “transportá-las”
para o cenário social paraense, a fim de identificarmos as atitudes de
Barata e em que dimensão Lustosa apropriou-se de tais práticas para
concretizar seu episcopado e convergir seu discurso com o do governo.
popular (1930-1945)” discute a atuação dos trabalhadores enquanto sujeitos políticos,
defendendo o espaço e ação conscientes de um grupo social – os trabalhadores – que a
historiografia tratava como passivos. Estas questões estão melhor discutidas ao longo do texto.
17
GOMES, Ângela de Castro. “O populismo e as Ciências Sociais no Brasil: notas sobre a
trajetória de um conceito”. In: FERREIRA, Jorge. O populismo e sua história – debate e crítica.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 46.
18
Sobre a atuação de outras forças sociais quando do movimento político dos anos 30 e o
questionamento de uma memória construída pelos vencedores, ver VESENTINI, Carlos Alberto.
A teia do fato – uma proposta de estudo sobre a Memória Histórica. São Paulo: Hucitec –
História Social, USP, 1997.
19
FERREIRA. O populismo e sua história. Op. cit. p. 13.
24
Os autores citados acima versam sobre diversas categorias que
envolvem o objeto principal da obra, discutindo a noção de populismo, seu
uso na América Latina, a construção do termo trabalhismo e a questão do
sindicalismo. Este último, segundo Castro Gomes
20
, merece relevância
pelo fato de que a historiografia tradicional não legitimou os trabalhadores
como protagonistas da história, sendo o “sindicalismo populista” visto
como uma via de mão única, com os trabalhadores sendo instrumentos de
manipulação passiva por parte do governo, como se não tivessem
capacidade associativa” e articulação de grupo.
No primeiro artigo desta coletânea, “O Populismo e as Ciências
Sociais no Brasil
21
, Ângela de Castro Gomes elenca três fatores que
contribuíram para a solidificação do conceito de populismo no Brasil:
primeiro, define o populismo como uma política de massas
22
, fenômeno
da sociedade complexa moderna, onde tais trabalhadores não adquiriram
consciência e sentimento de classe, ou seja, não estão envolvidos na
política enquanto tal. Desta idéia também compartilha Alfredo Bosi
23
,
quando este autor argumenta que, na constituição do Estado-Providência,
os trabalhadores eram massa de manobra das elites dirigentes. Para
Gomes, “só a superação desta condição de massificação permitiria a
libertação do populismo ou, o que seria quase o mesmo, a aquisição da
verdadeira consciência de classe
24
. Em segundo, diante da necessidade
de conquistar apoio das massas emergentes, a classe dominante se volta
para as massas, a fim de controlá-las e manipulá-las. Por fim, e para
complementar as necessidades da classe dominante, surgiria o líder
20
Idem. Introdução, p. 15.
21
GOMES, Ângela de Castro. “O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a
trajetória de um conceito”. In: FERREIRA. O populismo e sua história. Op. cit.
22
Leia-se ‘massas’ os trabalhadores que “ainda” não tinham consciência de sua própria classe.
In: FERREIRA. O populismo e sua história. Op. cit. Introdução, p. 09.
23
BOSI. Dialética da Colonização. Op. cit.
24
GOMES, Ângela de Castro. “O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a
trajetória de um conceito”. In: FERREIRA. O populismo e sua história. Op. cit. p. 25.
25
populista, “homem carregado de carisma, capaz de mobilizar as massas e
empolgar o poder”.
25
Jorge Ferreira
26
, baseando-se nos estudos sobre os fenômenos
populistas na América Latina, entende que os líderes populistas surgiram
da necessidade de um governante “mão-de-ferro”, dentro de uma
sociedade atrasada, de camponeses que vieram para as cidades e que
encontraram no líder carismático a sua base de apoio, não percebendo os
reais interesses do governo, tornando-se, assim, instrumento de
manipulação nas mãos do Estado.
No que se refere à segunda geração
27
, os estudiosos acreditavam
que os atores sociais tinham consciência de suas ações, passando a
estabelecer um diálogo com outros intelectuais, como cientistas políticos e
historiadores. Este grupo, a partir do início dos anos 80, passou a
questionar a Teoria da Modernização, na qual o Estado organizava as
classes e dominava o comportamento da classe trabalhadora, passando a
pensar esta enquanto formadora de pensamento e não apenas como
massa de manobra. Segundo Jorge Ferreira, “o que se questiona é
abordar as relações entre Estado e classe trabalhadora a partir de
paradigmas explicativos (...) centrados na repressão e manipulação.
28
Nos anos 80, muitos historiadores brasileiros identificaram seus
estudos com a História Cultural. Em termos gerais, argumentava-se que
as elites não tinham o domínio sobre a produção de idéias, corroborando
a hipótese de que os demais atores sociais, como os trabalhadores, têm
vontade própria
29
e agem no sentido de, senão não em seu favor, não se
prejudicarem dentro do processo ao qual encontram-se incluídos.
25
Idem.
26
FERREIRA, Jorge. “O nome e a coisa: o populismo na política brasileira”. In: FERREIRA. O
populismo e sua história. Op. cit. p. 67.
27
As análises sobre o conceito de populismo dividem-se em três gerações. Neste trabalho,
optamos por discutir apenas a segunda geração, a qual enquadra-se nossa concepção de
trabalhismo.
28
Idem. p. 87.
29
Idem. p.75.
26
Para Jorge Ferreira, no artigo “O nome e a coisa: o populismo na
política brasileira”, o trabalhismo é compreendido como um “conjunto de
experiências políticas, econômicas, sociais, ideológicas e culturais
30
,
expressando uma consciência de classe, vivendo sua própria história
31
.
Sobre a questão da Romanização
32
ou Reforma Católica,
trabalhamos com autores como José Oscar Beozzo
33
e Raymundo
Heraldo Maués
34
, os quais discutem as estratégias utilizadas pela Igreja
para reaproximar o povo da Igreja enquanto instituição e frear as práticas
de religiosidade popular. Nesse esforço em institucionalizar a fé, a
paroquialização é ferramenta fundamental, pois permite “a presença e a
influência da Igreja hierárquica junto a uma população, especialmente no
mundo rural, que durante séculos elaborou criativamente sua religiosidade
à margem das instituições clericais
35
. No diálogo com estes e outros
autores, percebemos que a estrutura interna de poder da Igreja continuou
a mesma, o que ocorreu foi o fortalecimento e a ampliação do poder dos
bispos, que crescia à medida que sua influência ganhava notoriedade e
respeito por vários organismos da sociedade civil e do povo e, em
especial, a classe média, grande interessada na ordem vigente.
30
FERREIRA, Jorge. “O nome e a coisa: o populismo na política brasileira”. In: FERREIRA. O
populismo e sua história. Op. cit. p. 103.
31
Para uma análise do processo revolucionário baseada na luta de classes, ver DE DECCA,
Edgar Salvadori. 1930, o silêncio dos vencidos: memória, história e revolução. São Paulo:
Brasiliense, 2004. 2ª reimpressão.
32
Essa Reforma do catolicismo, mais tarde chamado de Romanização é entendido como o
movimento de reeuropeização do Catolicismo de características centralizadoras e sob a
autoridade papal. É um movimento de inspiração eminentemente hierárquica e clerical”. In:
ARAÚJO, José Carlos Souza. Igreja Católica no Brasil: um estudo de mentalidade ideológica.
São Paulo: Paulinas, 1986, p. 22. MAUÉS, Raymundo Heraldo. Uma outra “invenção” da
Amazônia. Belém: Cejup, 1999, p. 120. Em outras palavras, tratava-se de reaproximar o povo da
Igreja enquanto instituição, de recristianizar os fiéis, reconquistá-los, tudo sob a direção da Santa
Sé.
33
BEOZZO, José Oscar. Irmandades, santuários e capelinhas de beira de estrada. In: REB,
1997, dezembro, p. 748.
34
MAUÉS, Raymundo Heraldo. “As atribulações de um doutor eclesiástico na Amazônia na
passagem do século XIX ou como a política mexe com a Igreja Católica. "In: MARIN, Rosa
Elizabeth Acevedo. (org.) A escrita da história paraense. Belém: NAEA/UFPA, 1998, p. 140.
MAUÉS. Uma outra “invenção” da Amazônia. Op. cit.
35
CASTILLO, José Manuel Sanz del. “O Movimento de Reforma e a ‘paroquialização’ do espaço
eclesial do século XIX ao XX”. In: TORRES-LONDOÑO, Fernando (org.). Paróquia e
comunidade no Brasil - perspectiva histórica. São Paulo: Paulus, 1997. p. 92.
27
Foi neste contexto, de um novo modelo de Igreja, que Dom Lustosa
assumiu a arquidiocese de Belém, abrangendo todo seu espaço
geográfico, inclusive o interior, incluindo a região do Salgado
36
, com uma
população dispersa, em pequenas cidades, vilas e povoações, de difícil
acesso, com um número muito pequeno de sacerdotes e inúmeras
capelas rurais que praticavam os mais diversos ‘catolicismos’, fundindo-o
com as práticas religiosas populares. Durante seu episcopado, iriam se
criar as principais condições para a consolidação do movimento de
Reforma da Igreja, dentro de seus limites possíveis, na área da
Arquidiocese. Essas condições, porém, já eram favorecidas e tinham seus
rumos traçados por todo um trabalho anterior, em plano nacional, de
recomposição das relações com o Estado, dirigidas pelo Cardeal Leme,
que foi uma grande figura religiosa no meio político. Essa afirmação talvez
se explique pelo fato de ter tido uma formação clerical baseada na
obediência e na disciplina, o que nos leva a pensar sua aceitação entre os
grupos católicos com tendências autoritárias. Residindo no Rio de Janeiro,
liderou o processo de reaproximação da Igreja Católica com o Estado a
partir dos anos 20.
No que diz respeito à reaproximação entre a instituição eclesiástica
e a civil, tomamos como base destas análises os trabalhos de Riolando
Azzi
37
. Em “A Neocristandade: um projeto restaurador”, o autor discute
essa aproximação real, não apenas de discurso e de “gabinete”. A ligação
entre ambos ultrapassa os documentos formais e invade o campo do
36
A região do Salgado, área de produção pesqueira no litoral do estado, abrange o nordeste
paraense, onde se concentra a área de atuação dos padres aqui discutidos. Municípios como
Marapanim, Vigia e Curuçá, citados ao longo do texto, localizam-se nessa região. Na definição
de Dom Lustosa, o Salgado é uma “região litorânea, na costa muito recortada do Pará, que vai
de Belém à foz do rio Quatipuru. Assim se denomina por sentir a influência das águas salgadas.
LUSTOSA, Dom Antônio de Almeida. No estuário amazônico - à margem da visita pastoral.
Belém. Conselho Estadual de Cultura, 1976, p. 21.
37
Conferir AZZI, Riolando. A neocristandade: um projeto restaurador. São Paulo: Ed. Paulus,
1994. AZZI, Riolando. “A reforma católica na Amazônia, 1850/1870”. In: Religião e Sociedade –
vol. 10, 1983. AZZI. O Episcopado Brasileiro frente à Revolução de 30.op. cit. AZZI, Riolando. “O
início da Restauração Católica no Brasil. 1920-1930 (II)”. In: Síntese Política Econômica Social
(SPES).
28
público, como as visitas de Dom Leme aos presidentes Washington Luís e
Getúlio Vargas e a construção e inauguração do Cristo Redentor, em
1931, com a presença do presidente Vargas.
Michael Foucault
38
soma as análises para pensar a questão do uso
– e abuso – do poder, da autoridade constituída e da relação que se
estabelece entre os sujeitos sociais. Para Foucault, “não existe algo
unitário e global chamado poder, mas unicamente formas díspares,
heterogêneas, em constante transformação
39
. Logo, também
identificamos a Igreja enquanto poder diferenciado do Estado, mas
também afinado com seu projeto, tanto que, nas entrelinhas de seu
discurso, pregava uma ordem a qual o governo tinha interesse em
preservar. No Pará, o episcopado de Dom Lustosa esteve afinado com a
Interventoria de Magalhães Barata, no sentido de utilizarem práticas
políticas semelhantes e de defenderem uma ordem comum.
Além das contribuições teóricas foucaultianas, temos na leitura de
Alcir Lenharo, em Sacralização da Política
40
, uma outra importante
referência para pensar as relações de poder que estavam dadas no
recorte histórico desta pesquisa, em especial no Estado Novo.
Ainda no que se refere às questões de poder, podemos citar um
estudo que contribui bastante em nossas reflexões acerca da censura
sofrida pelos padres que queremos analisar neste trabalho. É a coletânea
organizada por Maria Luiza Tucci Carneiro, “Minorias Silenciadas
41
.
Concordamos com a autora quando diz que a “repressão às idéias e aos
intelectuais integrou projetos políticos articulados em diferentes momentos
38
Cf. FOUCAULT, Michael. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. Vigiar e Punir:
nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987. A verdade e as
formas jurídicas. Tradução de Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais. Rio
de Janeiro: NAU editora, 2003.
39
FOUCAULT. Microfísica do poder. Op.cit. Introdução, p. X.
40
LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinas: Papirus, 1986.
41
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci.(org.) Minorias Silenciadas: história da censura no Brasil. São
Paulo: Edusp/Fapesp/Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 21.
29
da nossa história.”
42
Esta obra preocupa-se com os limites impostos à
circulação de idéias “subversivas” e ao direito à palavra, preocupação esta
que norteará as atitudes dos religiosos do alto clero ao silenciar os padres
taxados de “politiqueiros”, como Padre Lago.
Sobre as fontes utilizadas nesta pesquisa, a documentação religiosa
trocada entre a Arquidiocese de Belém e outras instituições – disponível
para consulta na Biblioteca da Arquidiocese de Belém – tiveram
significativa importância, contribuindo para dar maior clareza dos
acontecimentos político-religiosos ou ‘religiosos-conflituosos’
43
que
ocorreram no Pará dos anos 30, durante o episcopado de Dom Antônio de
Almeida Lustosa. Considerá-las peças-chave da montagem do cenário
anteriormente citado não significa tomá-las como verdade, pois, ainda que
qualquer método possa ser útil para nos aproximar do real histórico com
maior fidelidade, as fontes são “falíveis, e cada uma delas possui força
variável em situações diferentes.
44
Sendo assim, buscamos vários
documentos que nos permitam contribuir para o entendimento sobre a
censura religiosa, as disputas internas da Igreja Católica paraense e os
posicionamentos políticos que as autoridades religiosas tomavam.
As fontes coletadas para este trabalho encontram-se em diversas
instituições de pesquisa de Belém e constituem-se, basicamente, de
ofícios e correspondências trocadas no meio religioso e político, ofícios e
cartas trocadas entre as instâncias políticas municipal e estadual,
Anuários da Arquidiocese de Belém, Atas episcopais, o periódico católico
A Palavra, os jornais O Estado do Pará, A Vanguarda e Folha do Norte,
Relatórios do governo, Cartas Pastorais, Circulares e a Revista Quero.
42
Idem. p. 20.
43
Entende-se 'religioso-conflituoso' o jogo de interesses entre a política partidária e suas idéias e
a religião e seus conceitos. As duas, oficialmente, caminhavam separadas, mas existiam
aqueles que insistiam em 'misturá-las' e tal atitude não agradava a maioria dos políticos e dos
religiosos.
44
THOMPSON, Paul. A voz do passado: História Oral. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 176.
30
Um tipo de fonte, de primeira importância – tanto impressa quanto
manuscrita –, que nos remete à problemática discutida, são os ofícios e
correspondências trocadas entre o bispado e as instituições políticas
(como a Prefeitura Municipal de Belém e o governo do Estado), buscando
uma parceria para manter a ordem social e elogiando a atuação do bispo
pela “colaboração” que dava afastando possíveis açõessubversivas”,
que, provavelmente eram influenciadas por idéias “extremistas”.
45
Estes
documentos retratam, literalmente, o uso da censura para silenciar os
religiosos taxados pelo bispo de “extremistas”. Sendo documentos
reservados em uma caixa no Arquivo da Cúria, foram reprografados com
autorização da Biblioteca da Arquidiocese de Belém e constituem-se em
rica massa documental para que, após o cruzamento com outras fontes e
com a leitura bibliográfica, possamos apreender na prática religiosa, a
censura que uma parcela da ordem eclesiástica paraense sofreu por
expor um pensamento diferente daquele permitido pela hierarquia
eclesiástica.
Os ofícios e cartas trocados com o governo municipal e estadual
permitem visualizar a relação que se construiu entre o poder eclesiástico e
político no Estado, pois, apesar de viajar bastante, Lustosa estabeleceu
sólidas relações na capital, sendo recebido várias vezes pela Prefeitura
Municipal de Belém
46
, sendo muito bem tratado e elogiado por parte da
autoridade local, Abelardo Condurú.
Esse tipo de fonte fortalece nossa análise por se tratar de uma
documentação de caráter oficial, no caso, do governo para a instituição
religiosa do estado. Aqui podemos perceber as disputas pelo poder e por
espaços que se travava naquele momento, uma vez que temos desde
45
Extremista, nesse contexto, diz respeito aos grupos organizados ou não que se sublevaram à
ordem estabelecida. Grupos tidos como baderneiros, revolucionários que desejavam dar outros
rumos aos programas políticos e sociais então vigentes e estabelecidos como ordem. Além
desta, “colaboração” e “subversivas” são algumas das palavras que faziam parte do vocabulário
de diálogo entre Lustosa e os órgãos do governo.
46
“O arcebispo do Pará na Prefeitura Municipal de Belém”. Folha do Norte. Belém, 24 de
dezembro de 1931, p. 01.
31
ofícios de Filinto Muller à Dom Lustosa como cartas do Padre Lago
detalhando uma emboscada armada para ele a mando de políticos.
Os Anuários da Arquidiocese de Belém e as Atas Episcopais nos
permitem perceber a movimentação dos padres ao longo do período
estudado, como a renovação ou não das provisões
47
dos religiosos.
Ainda pensando no discurso da Igreja, na pessoa de Lustosa, o
jornal católico A Palavra,
48
encontrado na Biblioteca da Arquidiocese de
Belém, nos oferece uma documentação com uma linguagem religiosa,
retratando o ponto de vista do clero paraense. Neste tipo de fonte, a Igreja
se apresenta expressando suas palavras, mostrando suas “boas ações” e
os grandes feitos dos religiosos.
Para contrapor o discurso religioso e os feitos publicados pel’A
Palavra, trabalhamos também com outros periódicos, como os jornais O
Estado do Pará, A Vanguarda
49
e Folha do Norte,
50
veículos oficiais
importantes por serem documentos que fogem da linguagem da Cúria,
num primeiro momento, e do poder civil, em um segundo. Sua relevância
encontra-se na sua dimensão social, sendo importantes meios
comunicativos que circulavam livremente entre a população, ao passo que
A Palavra alcança, numa primeira instância, apenas os católicos mais
atuantes. Apesar disso, raramente esses jornais comentavam os conflitos
existentes “nos bastidores” do poder eclesiástico paraense.
47
Provisão é a autorização que o Arcebispo concede a cada padre no final do ano, autorizando-
o ou não a permanecer no lugar que se encontrava, ou transferindo-o ou repreendendo-o com a
suspensão desta, como aconteceu com o Padre Leandro Pinheiro que, em fins de 1930, quando
já desfrutava da condição de Prefeito Municipal de Belém, teve sua provisão negada pelo fato de
estar envolvido com a política partidária.
48
Jornal religioso de publicação bissemanal, órgão dos interesses da sociedade e da família,
redigido por Paulino de Brito e Alfredo Chaves, circulou sob a responsabilidade da Arquidiocese
de Belém”, entre os anos 1910 e 1941. In: Jornais Paraoaras: catálogo. Belém: SECULT, 1985.
49
Jornal independente, circulou em Belém entre os anos 1937 a 1962.
50
Jornal de circulação diária, independente, noticioso, político e literário. Circulou em Belém
entre os anos de 1896 e 1976. Depois de perseguições políticas e troca de proprietários, o jornal
foi vendido em 1973 a Rômulo Maiorana, que fez carreira na história da imprensa paraense
fundando, anos depois, O Liberal. Este, atualmente, é um jornal diário e o de maior circulação no
estado.
32
Os Relatórios elaborados pelo governo do estado e disponíveis para
consulta no Arquivo Público do Pará contribuem com uma documentação
que nos permite perceber a aproximação entre a instituição religiosa e a
política, compreendendo, assim, suas atitudes uniformes
51
e o consenso
no que diz respeito à censura.
No primeiro capítulo, pretendemos discutir o processo de
reaproximação entre a Igreja e o Estado no Brasil e, em especial, no Pará
(1930-1941). Também chamada Neocristandade
52
, esta prática consistiu
numa parceria que fortaleceu as duas instituições e levou a Igreja a
desenvolver um projeto para trazer de volta à militância religiosa o povo
católico, com a revista A Ordem, o Centro Dom Vital, a Ação Católica e a
Confederação Nacional dos Operários Católicos.
Na relação que se estreitou entre o bispo Dom Irineu Joffily
53
e o
Interventor Magalhães Barata (1930), o embate em torno da corda do círio
é algo que nos chama a atenção neste capítulo. Ao passo que o primeiro
proibiu o atrelamento da corda à santa no percurso do tradicional Círio de
Nossa Senhora de Nazaré e o segundo, ao assumir o referido posto,
liberou, consolidou nesta atitude grande simpatia e popularidade.
54
Além
do exposto, algo importante a se discutir é a questão da propaganda feita
51
Uniformes, neste sentido, refere-se ao alinhamento ideológico, de manutenção da ordem, do
controle sobre as massas, do carisma para com o povo e da censura, se julgassem necessário.
52
Termo atribuído por Thomas Bruneau para referir-se à reaproximação entre a Igreja e o
Estado, no início do século XX.
53
Dom Irineu Joffily dirigiu a Arquidiocese de Belém entre 1925 e 1931, incentivando ações
religiosas que reforçariam a presença católica no estado, como a construção do Colégio Nazaré
e a entrega do Colégio do Carmo para os Salesianos. Realizou algumas visitas pastorais e
insistiu no funcionamento do Seminário Arquidiocesano, mas o mau funcionamento impediu este
de continuar funcionando. Apesar de sua formação humanística e progressista, logo arrumou
celeuma com os paraenses ao proibir a tradicional corda no Círio. Por conta da indisposição que
este fato resultou, afastou-se do cargo em setembro de 1930 e renunciou ao cargo em maio do
ano seguinte, deixando o episcopado paraense vacante por alguns meses até a chegada de
Dom Lustosa. Nesse período, o Vigário Capitular, Argymiro Pantoja respondeu pela
Arquidiocese, mas não desenvolveu nenhum trabalho pastoral que se compare às ações que
Lustosa empreendeu desde que chegou no Pará, em dezembro de 1931. In: “O legado de Dom
Irineu Joffily”. O liberal, Belém, 19 de março de 2001.
54
CARVALHO, Dalva Barbosa. A Corda no Círio de Nazaré – Simbolismo dentro de uma prática
religiosa. Monografia. Belém: UFPA, 1998. Esta monografia, apesar de centralizar sua discussão
no conflito em torno da Corda do Círio, não traz a Circular expedida por Dom Irineu Joffily
proibindo o uso desta.
33
em torno da promulgação da Constituição de 1934 no estado, a qual o
bispo empenhou-se em recomendar aprovação às autoridades locais,
como o chefe de polícia do estado.
No segundo capítulo problematizamos a questão da ‘Revolução’ de
30, se houve ou não uma revolução e em que medida isso alterou a vida
política e social do país. De modo particular, procuramos analisar como se
deu a ‘revolução’ no Pará, identificando as estratégias usadas pelos
revolucionários e que medidas o governo tentou tomar para permanecer
no poder, procurando visualizar a posição tomada pela Igreja Católica
paraense diante desse processo.
Com o sucesso da revolução, a estrutura política do país sofreu
modificações, pois o presidente Vargas a reorganizara a sua maneira,
nomeando Interventores para os estados da Federação. No caso do Pará,
Magalhães Barata foi o escolhido. Ao tomar posse, baixou uma série de
medidas que o ligaram fortemente à população e criaram em torno do
Interventor uma grande admiração popular.
As ações do presidente e do Interventor configuram-se como
práticas políticas que se construíram no contato com a população, em
especial com os trabalhadores, uma vez que nesse período é que o país
acelera seu processo industrial e sua política trabalhista. É nesse contexto
que se constrói as relações entre o governo e o trabalhador, baseadas na
conivência de ambas as partes, nem total manipulação do governo, nem
total alienação dos trabalhadores.
Além disso, analisamos a atuação do padre Leandro Pinheiro, que
esteve envolvido nos acontecimentos de 30, e que chegou a ser preso
tempos antes da ‘revolução’ por esconder Magalhães Barata, que fora ao
Pará organizar o movimento.
Ainda no segundo capítulo, buscamos fazer uma associação entre a
prática política do Interventor Magalhães Barata e o bispo Dom Antônio de
Almeida Lustosa, pois o mesmo contato direto com o povo que o primeiro
34
teve, o segundo também procedeu de maneira semelhante, indo até o
povo, seja na capital ou no interior, revelando atitudes que conferiram aos
sujeitos citados grande admiração popular.
Além desse aspecto, buscamos entender a prática do projeto de
Recristianização da sociedade difundido por Pio XI, também conhecido
como Reforma Católica ou Romanização, projeto este que foi expandido –
no Pará – por Dom Lustosa, discutindo o conceito de religião e
religiosidade para o bispo.
A “religião”, discursada pelo bispo, remete a idéia da presença
eclesiástica – associações, prelazias, seminários – pelo estado, no
sentido oficial, institucional/sacramental do termo, enquanto “religiosidade”
transmite a idéia da religiosidade popular, da devoção sem o
acompanhamento de um religioso ‘oficial’, sem o comando de alguém
sacramentado, pois o bispo visitou lugares longínquos e até ‘esquecidos’
pelos prelados anteriores. Era necessário recuperar a essência da religião
em espaços impregnados de religiosidade. Esses termos, presentes nos
termos de Dom Lustosa, estão melhor discutidos nas páginas seguintes.
Para o terceiro e último capítulo, discutimos os conflitos que
existiram entre o alto e o baixo clero paraenses no recorte histórico
selecionado para o trabalho, procurando perceber os limites impostos pela
Igreja relacionados às atitudes dos padres que acabaram se envolvendo
com a política, no sentido partidário do termo e o que fez para que
freassem suas ações.
No estado, Lustosa, sendo a maior autoridade religiosa, era quem
respondia pelas atitudes de todos os religiosos. Essa responsabilidade o
levou a empenhar-se em “trazer de volta” ao trabalho religioso o Padre
Leandro Pinheiro, o Padre Foulquier e também o Padre Lago, mesmo
que, para isso, precisasse repreender suas ações.
Este último enfrentou uma questão complicada: foi impedido de
realizar o Círio de Vigia, município do interior do Pará, por conta de
35
contendas com as autoridades locais. Já não bastasse, também teve
problemas em São Caetano de Odivelas, onde quase brigou com o
prefeito pela posse das chaves da Igreja, caso que requereu intervenção
da polícia da capital, dada a gravidade do fato. O desenrolar deste
acontecimento acabou em inquérito, no qual o prefeito da cidade acusara
o Padre de “politiqueiro e integralista”.
36
C A P Í T U L O I
A S L I G A Ç Õ E S E N T R E O
P O D E R C I V I L E
R E L I G I O S O N O P A R Á
37
1.1. – “A Neocristandade: um projeto restaurador”
“Restaurar todas as coisas em Cristo.”
55
Enquanto a Reforma Católica consistia numa reorganização interna
da Igreja, a Restauração buscou a efetivação dessa religião junto ao
poder político. Em termos gerais, a partir do início do século XX,
especificamente dos anos 20 em diante, a instituição religiosa passou a
colaborar com o Estado através de um discurso moralizante,
evangelizando e procurando manter a ideologia do grupo dominante
hegemônica, condenando práticas consideradas, por parte do estado,
subversivas. Com essas atitudes, a Igreja buscou legitimar o poder dos
governos seguintes, no sentido de “se mostrar” capaz de colaborar com o
Estado, conquistando o prestígio político perdido quando da proclamação
da República, e a conseqüente laicização do Estado republicano, mas que
poderia ser retomado, dependeria da dedicação e da importância que a
Igreja desse às questões políticas. Com essa aliança retomada, poder-se-
ia melhor expandir seus ideais religiosos, e políticos também.
Kenneth Serbin, em trabalho sobre a relação entre a Igreja e o
Estado durante a ditadura militar no Brasil, discute o diálogo estabelecido
“nas sombras” do regime. O autor coloca em questão que criar e manter
um diálogo entre as duas instituições parecia “inútil”, mas tinham a
consciência de que precisavam uma da outra.
Os generais queriam a benção dos bispos ao seu regime, e os
prelados queriam a garantia dos privilégios e do espaço
doutrinal concedidos à Igreja, de uma forma ou de outra, desde
o início da história do Brasil.
(...) Os dois lados se atraíam reciprocamente porque
compartilhavam um profundo compromisso com a fé católica e
55
DIAS, Romualdo. Imagens de Ordem – a Doutrina Católica sobre autoridade no Brasil (1922-
1933). São Paulo: UNESP, 1996. p. 53.
38
uma preocupação quanto aos danos nas relações entre a Igreja
e o Estado.
56
Essa aliança, necessária para ambos os poderes, os levou a manter
um diálogo secreto durante os anos ditatoriais, realizando reuniões
periódicas, as quais ficaram conhecidas como Comissão Bipartite, de
onde o autor partiu para compreender o jogo de interesses políticos,
morais e institucionais da Igreja. Não pretendemos, com essa leitura,
comparar a intimidade das instituições nos anos 30 e nos anos 60, mas
visualizar que a necessidade de parceria entre a organização política e
eclesiástica não se dera por uma questão de legislação social ou pelo
perigo do comunismo, mas sim pela necessidade da instituição religiosa
de mostrar seu lugar junto à sociedade e ser reconhecida pelo Estado,
zelando pela paz pública e evitando a subversão.
Nos anos 30, a Igreja percebera que a conjuntura nacional tomava
novos rumos, encarando essa mudança como o momento de entrar em
cena novamente. Não que estivesse apagada, mas que a situação era
oportuna para reestabelecer as relações oficiais com o Estado. Para tanto,
aparições públicas passaram a ser protagonizadas pelas instituições, num
regime de colaboração que se estenderia por todo o governo Vargas.
Segundo Riolando Azzi, o “elemento fundamental da Restauração
Católica é o esforço para que, efetivamente, a fé católica volte a ser um
dos elementos constitutivos da sociedade”.
57
Com esta premissa, a Igreja
procurava mostrar que sua influência se constituía num “baluarte de
estabilidade social
58
e para a transmissão da fé, para que assim,
conseguisse afirmar-se no mundo sem abrir mão de seus dogmas, já
reafirmados com a Reforma. A esse processo de reconhecimento da
Igreja pelo Estado também se convencionou chamar de Neocristandade.
56
SERBIN, Kenneth P. Diálogos na sombra – Bispos e militares, tortura e justiça social na
ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 34.
57
AZZI. A neocristandade. Op. cit.
58
SERBIN. Diálogos na sombra. Op. cit. p. 82.
39
O poder político via na Igreja um valioso apoio para a
manutenção da ordem pública, conturbada pelos movimentos
revolucionários que caracterizaram o período. A Igreja, por sua
vez, se considerava como elemento importante no país para a
manutenção da ordem constituída através da pregação de
valores morais e religiosos.
59
Dessa maneira, o poder do discurso da Igreja casava com as
necessidades de controle da massa, sendo que, a instituição religiosa,
fortemente hierarquizada... constituía um modelo de resistência contra as
tentativas de subversão da ordem social”, sendo este tipo de colaboração
que o governo procurava em suas parcerias políticas.
O dirigente deste processo, em termos religiosos, foi o cardeal
Leme, terceiro arcebispo do Rio de Janeiro e o segundo cardeal brasileiro.
Paulista, cursou o Seminário Maior em Roma, ordenando-se em 28 de
outubro de 1904, aos vinte nove anos de idade, pelo Cardeal Arcoverde.
Foi bispo de Olinda, onde, em 1916, publicou uma Carta Pastoral
saudando esta Diocese, lançando o programa teológico-político que traria
as diretrizes básicas do projeto restaurador no Brasil sob sua liderança.
Em 1921, foi transferido para o Rio de Janeiro como bispo auxiliar, com
direito a sucessão do Cardeal Arcoverde.
Na Carta Pastoral de 1916, chamava atenção para os problemas
que a Igreja Católica no Brasil enfrentava e que precisava superar, como
a
fragilidade da Igreja institucional, as deficiências das práticas
religiosas populares, a falta de padres, o estado precário da
educação religiosa, a ausência de intelectuais católicos, a
limitada influência política da Igreja e sua depauperada situação
financeira. Dom Sebastião argumentava que o Brasil era uma
nação católica e que a Igreja deveria tirar proveito desse fato e
marcar uma presença muito mais forte na sociedade. A Igreja
precisava cristianizar as principais instituições sociais,
59
AZZI, Riolando. O início da Restauração Católica no Brasil. 1920-1930 (II). In: Síntese Política
Econômica Social (SPES).
40
desenvolver um quadro de intelectuais católicos e alinhar as
práticas religiosas populares aos procedimentos ortodoxos.
60
Para ele, o problema do Brasil era estar sendo governado por
sujeitos que não tinham compromisso com a religião católica, o que
levava aos excessos de atitudes da maioria das pessoas e enfraquecia a
religião em si. A falta de padres, a deficiência interna da Igreja institucional
e falta de espaço e reconhecimento políticos reduziam a Igreja a uma
instituição sem muita influência no meio sócio-político e isso precisava ser
recuperado. Para tanto, uma revisão das atitudes da Igreja no Brasil era
necessária. Romualdo Dias, ao comentar a Carta Pastoral de 1916, diz:
Diante do grande mal do Brasil, resumido no desrespeito à lei, o remédio
está na doutrina cristã, definida como freio poderoso para todas as
ambições”.
61
Com o lema “Um só coração e uma só alma”, conclamava os fiéis a
se voltarem para a religião como forma de reorganizar o meio social,
assolado de vaidades humanas.
Antes de Dom Leme, esse pacto de mútua colaboração já
apresentava seus sinais. Segundo Azzi, em 1924 já se podia perceber
essa relação, num banquete oferecido aos bispos no Itamarati. Neste
encontro, o representante do presidente Artur Bernardes, Félix Pacheco,
chamara atenção para a necessidade do país se “refazer na disciplina” e,
para tanto, a ajuda da Igreja seria essencial, pois este era um objetivo
tanto do poder temporal quanto espiritual.
Com a revolução de 30, o episcopado brasileiro entendeu que uma
nova fase política se iniciara, sendo uma boa oportunidade para deixar de
lado o espírito “liberal e laicista” da primeira república e recuperar o
prestígio e influência políticas perdidas com o início da república e isso só
60
MAINWARING, Scott. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). 1ª reimpressão. São
Paulo: Brasiliense, 2004, p. 41.
61
DIAS. Imagens de ordem. Op. cit. p. 53.
41
se conseguiria com uma colaboração efetiva entre o poder político e o
poder eclesiástico.
Nesse contexto, a Igreja, instituição fortemente hierarquizada,
disciplinada e conservadora dentro de seus limites, precisava se adaptar
às condições sociais e políticas que se forjavam no cenário brasileiro.
Escreveu Teresa Malatian a esse respeito:
(...) além de considerar a Igreja Católica como instituição que
extrapola os limites do nacional, sujeita a orientações forâneas que devem
ser adaptadas às condições que particularizam uma determinada
sociedade, é preciso ter presente que ela não constitui um bloco
monolítico, mas abriga correntes e posicionamentos distintos que não se
reduzem a uma única voz. É possível identificar, num dado momento
histórico, vários tipos de catolicismo, o que não invalida a predominância
de um deles, em nível de discursos e práticas da Santa Sé.
62
Uma mudança interna era necessária para que a instituição
religiosa tivesse reconhecimento e prestígio junto ao Estado,
aproximando-se deste e colaborando com a ordem pública.
Para essa Neocristandade ser praticada no Brasil, houve uma
investida da Igreja Católica junto ao Estado e, na ‘revolução’ de 30,
quando ficou
evidenciado que o movimento revolucionário não era de origem
comunista, a Igreja Católica não viu razão para hostilizá-lo. Pelo
contrário: afigurou-se aos líderes do episcopado que era
chegado o momento de lutar para que a nova ordem a ser
implantada pela Segunda República fosse de caráter
nitidamente cristão.
63
62
MALATIAN, Teresa. Império e Missão – um novo monarquismo brasileiro. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 2001. (Brasiliana Novos Estudos, vol.6). p. 15-16.
63
AZZI. O Episcopado Brasileiro frente à Revolução de 30. Op. cit.
42
O que se percebe entre a Reforma e a Restauração Católica é que
a estrutura interna de poder da Igreja continuava a mesma, o que ocorreu
foi uma transformação nas ações dos religiosos, como o fortalecimento e
a ampliação do poder dos bispos, que crescia à medida que sua influência
ganha notoriedade e respeito dos vários organismos da sociedade civil e
do povo, e em especial, a classe média, maior interessada na ordem
vigente.
Por conta das condições que o país se encontrava naquele
momento, com turbulências sociais e ameaças de inimigos comuns, como
os comunistas, apresentava-se o palco para que a Igreja tivesse “entrada”
na cena política, propagandeando a ordem e a autoridade como valores
supremos para uma vida em sociedade, principalmente por que muitos
valores pregados pela Igreja, como a ordem, o nacionalismo, o patriotismo
e o anti-comunismo coincidiam com a “orientação de Vargas.”
64
... a aliança entre o Estado e a Igreja garantiria afirmação dos
dogmas desta e contribuía para afastar os inimigos, sendo,
portanto, relação favorável para ambos, pois havia inimigos
comuns que desejavam combater. Sem dúvida os mais
temíveis eram o comunismo e o anarquismo. (...) Nestas
condições, foi possível uma aproximação bastante
significativa.
65
Essa aproximação entre o Estado e a Igreja no Brasil é chamada
Neocristandade. Termo atribuído por Thomas Bruneau, a Restauração
consistia numa ‘parceria’ entre a população e a religião para abrandar as
manifestações que ameaçassem a boa ordem ou que representassem
perigo à legitimidade dos dogmas católicos. De acordo com Lenharo,
trata-se de união lucrativa para ambos, pois, “não sem menos razão, os
homens públicos devem ter se apercebido da capacidade do
‘Estado/Igreja’ de forjar mecanismos para moldar a sua massa, ‘mansa e
64
MAINWARING. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). Op. cit. p. 47.
65
AZZI. A neocristandade. Op. cit.
43
menos danosa’, com movimentos orientados par escoar e fluir
lentamente
66
, e para tanto, a instituição religiosa atuava como
legitimadora das ações realizadas pelo Estado. Diz Thomas Bruneau a
esse respeito:
a legitimidade da Igreja é uma vantagem preciosa para o
governo. Vargas compreendeu isso, e fez tudo para ganhar a
aprovação da Igreja. A compreensão que resultou da
cooperação Vargas-Leme pode muito bem ter facilitado o
governo de Vargas, e certamente ajudou a Igreja a reformular a
sua abordagem de influência.
67
Para Scott Mainwaring, a cristandade foi a maneira encontrada pela
Igreja Católica para se fazer mais presente na sociedade sem modificá-la
significativamente. Segundo este autor, “o modelo da neocristandade era
uma forma de se lidar com a fragilidade da instituição sem modificar de
maneira significativa a natureza conservadora da mesma.
68
Desde que a
Igreja passou a respaldar oficialmente o governo brasileiro, conseguiu
mais espaço para “amainar o descontentamento da ‘massa sofredora’
69
e, como retribuição, defendia sua religião e fazia política nas assembléias
dos operários, propagandeando a moral católica e o pensamento político
do povo, tornando instituições como “a pátria, a família, a autoridade, a
civilização, o cristianismo, a moral, as garantidoras de uma identidade
nacional”.
70
Uma primeira vitória institucional da influência católica no governo
varguista foi o Decreto de 30 de abril de 1931, o qual admitiu o ensino
religioso nas escolas públicas, antecipando a Constituição de 1934. O
decreto assinado por Vargas foi articulado por Francisco Campos, na
66
LENHARO. Sacralização da política. Op. cit. p. 157.
67
BRUNEAU, Thomas. O Catolicismo Brasileiro em Transição. São Paulo: Editora Loyola, 1974.
p. 78.
68
MAINWARING. Igreja católica e política no Brasil. Op. Cit. p. 43.
69
LENHARO. Sacralização da política. Op. Cit.
70
DUTRA, Eliana. O fantasma do outro: espectros totalitários na cena brasileira dos anos 30.
Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/Marco Zero, v. 12, n° 23/24, 1992. p. 136.
44
época Ministro da Educação e uma das personalidades mais influentes
durante todo o período Vargas. Declaradamente católico, Campos foi um
grande intelectual católico e político, defensor da aproximação entre os
poderes civil e eclesiástico nos anos 30.
Nessa busca de espaço, a instituição religiosa usou artifícios que
lhes rendesse prestígio e provocasse tal aproximação. A fundação de
seminários, a inauguração da estátua do Cristo Redentor no Corcovado
em 1933, os diversos pronunciamentos em Cartas Pastorais, a atuação da
LEC e a fundação de conventos no interior – como no Pará - são
exemplos dessa grandeza aparente que buscava cada vez mais o
reconhecimento da sociedade e do Estado, procurando, dessa forma,
concretizar o projeto restaurador no país, o qual não foi implementado
com 'neutralidade', pois carregava significativos interesses políticos por
trás de suas ações, principalmente no que diz respeito à manutenção da
ordem. Embora a hierarquia eclesiástica afirme que a Igreja Católica não
assumiu posição partidária, "de forma mais ou menos consciente os
bispos mantêm uma posição política bem definida, isto é, declaram-se
firmes defensores da ordem estabelecida”.
71
É nesse campo do imaginário e do poder de discurso que o Estado
permite uma reaproximação com a Igreja, como demonstra Riolando Azzi:
"(...) um meio de afastar o clero urbano da política, em vista de suas
idéias liberais (...) sendo a Igreja então considerada como o sustentáculo
da ordem estabelecida."
72
No caso do Pará, a Igreja, primeiramente representada pelo
episcopado de Dom Irineu Joffily (1925-1930), procurou manter-se neutra
nos assuntos de política, manifestando-se no momento de deposição de
Eurico Valle em 30, celebrando a paz trazida por este ato e, já na
Interventoria de Barata, quando proibiu o uso da corda no Círio de Nossa
71
AZZI. O Episcopado Brasileiro frente à Revolução de 30. Op. cit.
72
AZZI. “A reforma católica na Amazônia, 1850/1870”. Op. cit. p. 21-30.
45
Senhora de Nazaré, fato este que o afastou da população e desagradou
os dirigentes políticos.
73
Seu sucessor, Dom Antônio de Almeida Lustosa (1931-1941), foi
quem efetivamente promoveu essa estreita relação com o Estado, com
visitas, declarações públicas de colaboração entre ambos os poderes e
atitudes – religiosas, mas com cunho político – que o fizeram o bispo
restaurador no Pará. Em um processo religioso com prática originada da
política, Lustosa alcançou reconhecimento por parte do Estado, conseguiu
com que o Interventor reconhecesse seu governo enquanto mantenedor
da ordem estabelecida, percebendo em suas ações uma contribuição na
antipropaganda ao comunismo. Tal aproximação fez parte da estratégia
católica de “estabelecer um pacto de aliança com os governadores do
país em defesa do poder constituído, em oposição aos movimentos
revolucionários que visavam alterar o regime político e a ordem social
74
.
Evidências dessa convivência amigável podem ser encontradas na
mensagem apresentada à Assembléia Constituinte do estado em 1935:
O Clero e o meu governo – aos meus sentimentos de catholico
sincero e consciente, muito satisfaz registrar a cordialidade
sempre reinante entre o meu governo e o eminente Chefe do
Clero da minha terra. Não foi uma nem poucas as vezes que se
tentou perturbar esse espírito de cordialidade. Exulto,
entretanto, em reconhecer a sabia, nobre e discreta attitude de
sua exc. Reverendíssima, o sr. Arcebispo D. Antonio de
Almeida Lustosa, a cujos pés se quebraram, innocuamente, os
vagalhões do mais estreito e desvairado partidarismo que já
ennegreceu as páginas da história política do Pará. Fructo do
meu sentimento de crente, o auxílio que pude, prestei a
diversas instituições catholicas inclusive igrejas do interior do
73
Esse vai-vem da Igreja, que ora se posta neutra, ora atua a favor ou contra o Estado é
resultado do seu esforço em defender seus interesses, uma vez que as circunstâncias sociais e
políticas é que moldam a necessidade – ou não – de participação da Igreja nos processos sócio-
políticos. In: MAINWARING. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). Op. cit. p. 18. Sobre
a necessidade de mudança da Igreja para adequar-se aos processos históricos, ver ALVES,
Márcio Moreira. A Igreja e a política no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979. ROMANO, Roberto.
Brasil: Igreja contra Estado – Crítica ao populismo católico. São Paulo: Kairós,1979.
74
AZZI. O episcopado brasileiro frente à revolução de 30. Op. Cit.
46
Estado, e s. exc. sempre e sempre teve as homenagens do
meu profundo respeito.
75
Nesta mensagem, o Interventor fala das ameaças de quebra da
cordialidade” sempre existente entre ele e o bispo, ressaltando que a
união de ambos resistiu às tentativas de desestabilização da ordem
política, elogiando Lustosa por suas atitudes “sábias” e “discretas” em
relação ao partidarismo no estado, o que nos leva a pensar que o bispo
teve algumas questões de cunho político-partidário para resolver, como,
por exemplo, frear a atuação do padre Leandro Pinheiro e do Padre José
Maria do Lago.
Além dos elogios referentes às atitudes políticas de Lustosa, Barata
destaca o auxílio dado a “diversas instituições católicas”, comentário este
que nos permite pensar numa colaboração financeira-estrutural entre as
instituições religiosa e política em questão.
No Pará, essa proximidade é mais observada na Interventoria de
Magalhães Barata (1930-1935), uma vez que é nessa época que o bispo
colocará em prática seu plano religioso, sendo os primeiros anos os mais
intensos de seu governo, com exceção da fundação da Ação Católica,
fundada no Pará em 30 de outubro de 1938, por Dom Lustosa, segundo
informa Alberto Gaudêncio Ramos, em Cronologia Eclesiástica da
Amazônia.
Com o desenrolar da década de 30, a Igreja se educou a estar ao
lado do governo, culminando este apoio em 1937, enquanto o regime
preparava um golpe para continuar no poder. Frente a este
acontecimento, a Igreja lançou uma Carta Pastoral aos católicos do país,
toda centrada na luta contra o comunismo, abrindo legitimidade moral
para o golpe. Não pense que o documento se restringia a uma
75
PARÁ, Interventor Federal, 1930-1935 (Joaquim de Magalhães Cardoso Barata). Mensagem
apresentada à Assembléia Constituinte do Estado em 4 de abril de 1935. Belém: Officinas
Graphicas do Instituto Dom Macedo Costa, 1935.
47
condenação apenas de ordem religiosa, mas trazia ‘conselhos’ aos fiéis e
à comunidade católica em geral:
Pedi a Deus que preserve do flagelo do comunismo ateu o
nosso querido Brasil; pedi-lhe que assista as nossas
autoridades no cumprimento dos árduos deveres de conservar
a ordem social e defender o patrimônio da nossa civilização
ameaçada.
76
Neste momento político, o apoio intelectual prestado pela Igreja foi
de fundamental importância, cujas imagens e símbolos foram utilizados
estrategicamente pelos ideólogos do poder. Assim, com a instituição
eclesiástica respaldando o regime autoritário que se impunha, o Estado
Novo (1937-1945) fincou suas raízes e implantou no país um regime
político repressor e censurador, baseado em sólidos princípios de direita,
como a “defesa de uma ordem autoritária, a repulsa ao individualismo em
todos os campos da vida social e política, o apego às tradições, o papel
relevante do Estado na organização da sociedade.”
77
Esta censura
também esteve presente nas ações do episcopado paraense, quando este
silenciou os religiosos “mais exaltados” que queriam tornar pública suas
opiniões, nem sempre condizentes com as da Igreja Católica, como
evidenciam as fontes pesquisadas. Um exemplo é o padre José Maria do
Lago, o qual, envolvido em questões políticas locais, foi alvo da ira de
seus inimigos políticos. Disse Lago após o atentado: “Exceptuando o
insignificante ferimento de unha em meu rosto não tive a menor luxação.
Todos os [arreganhos] sobre mim de nada valeram.
78
Apesar dessas ações de apoio à política autoritária, a Igreja sempre
procurou passar a imagem de uma instituição pacificadora e justa,
principalmente com seus programas de evangelização, os quais
76
LENHARO. Sacralização da política. Op. Cit. p. 190. Citando “O Comunismo Ateu”.
77
FAUSTO, Boris. O pensamento nacionalista autoritário. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2001. p. 15.
78
Carta de Padre Lago a Dom Lustosa em 16 de outubro de 1934. Documento arquivado na
Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Documentos recebidos – 1700 a março de 1953.
48
buscavam reunir o número máximo de fiéis em torno da instituição
religiosa, com uma massa populacional organizada e controlada, do jeito
que o governo queria, mas sem deixar de apoiar as elites na construção
de uma nova ordem no país, baseada no autoritarismo, censura e
repressão, com uma atitude que nem sempre a favorecia unicamente,
mas que se moldava na tentativa de aproximar os objetivos entre a
religião e a política: parceria, ordem e massa controlada.
79
José Oscar Beozzo, em “A Igreja entre a Revolução de 30, o Estado
Novo e a redemocratização”, faz uma análise do momento em que a
Igreja percebeu que tinha uma oportunidade de conquistar espaço na
sociedade e na política. A emergência de novos grupos sociais, como a
classe média e o operariado levou a instituição religiosa a se renovar, a
repensar sua posição no meio social. Acrescido a essa conjuntura,
internamente, a Igreja católica brasileira buscava um momento para
restaurar-se, aproximando-se do Estado, firmando uma parceria política
de manutenção da situação vigente que, a partir daí, cresceu cada vez
mais.
80
Scott Mainwaring, em Igreja Católica e política no Brasil (1916-
1985), fala sobre os modelos de Igreja, afirmando que suas opções de
apoio político é que moldam seu comportamento diante do social e do
político e é justamente por essas opções que a instituição religiosa vai
tomando novas feições, modificando-se internamente e adequando-se ao
meio para que seu papel fosse reconhecido pelo novo processo político
que estava gerando novas concepções de sociedade. Diz Mainwaring a
esse respeito:
79
Sobre um estudo mais aprofundado sobre as massas, ver CANETTI, Elias. Massa e poder.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
80
BEOZZO, José Oscar. “A Igreja entre a Revolução de 30, o Estado Novo e a
redemocratização.” In: FAUSTO, Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III, 4°
vol. São Paulo: Difel, 1984. p. 273.
49
No caso dos interesses da instituição, a noção do exercício de
influência não é politicamente neutra. A influência da Igreja
pode ser tanto uma questão de qual
grupo ela escolhe
(conscientemente ou não) para favorecer, como também de
quanta
influência ela exerce (...) Todos os modelos tem um
impacto político. A questão não é se
a Igreja está envolvida na
política, mas como
ela está envolvida.
81
No Pará, a Igreja católica, “enquanto instituição, mantinha-se em
rigoroso e discreto silêncio, não tomando partido e apenas observando o
que se passava na esfera política.
82
Apesar desta declaração, sabemos
que a oficialidade da Igreja católica paraense diante do movimento de 30,
posicionava-se a favor da harmonia social, contribuindo, assim, na
manutenção da ordem pública vigente naquela época, pois assim, não
correria perigo de ver alguma mudança mais significativa na estrutura
social e política do estado e, para isso, o trabalho pastoral era o veículo
do discurso moralizante da instituição religiosa.
1.2. – A ação do laicato: a Ação Católica, A Ordem e o Centro Dom
Vital
“Se uma organização ou movimento religioso
acredita que sua missão exige um envolvimento
político, os conflitos políticos afetam a sua
concepção de fé.”
83
Mais do que simplesmente espiritualizar, era preciso convencer os
fiéis a uma “verdade” religiosa, sendo necessário evangelizá-los e, além
81
MAINWARING. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). Op. cit. p. 11 e 19. Adaptado.
grifos do autor. Outro autor, Reginaldo Prandi, também discute a questão da construção da
religião: “a construção de religiões é um processo constante de empréstimos, substituições de
símbolos e práticas e redefinição de sentidos.” PRANDI, Reginaldo. “As Religiões, a Cidade e o
Mundo.” In: PIERUCCI, Antônio Flávio. PRANDI, Reginaldo (orgs.). A realidade social das
religiões no Brasil – Religião, sociedade e política. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 33.
82
Folha do Norte, 09 de outubro de 1930. In: COIMBRA. A Revolução de 30 no Pará. Op. cit. p.
189.
83
Idem. p. 25.
50
disso, convertê-los, tornando-os fiéis a uma crença e instituição religiosas.
São ações nesse sentido que a Igreja católica sempre executou para se
firmar como religião oficial, e que lhe garantisse alguns privilégios como
instituição social.
De forma análoga, podemos pensar essa necessidade de prática
evangelizadora à atuação do Estado, pois se a Igreja precisa de fiéis para
se legitimar enquanto tal, um Estado não existe se não tiver cidadãos a
quem governar e que apóie tal governo. Portanto, podemos perceber a
importância mútua entre Igreja e fiéis e/ou Estado e cidadãos. Porém, não
é essa a principal questão. Saindo do plano entre o indivíduo e a
instituição, seja ela religiosa ou civil, cheguemos a outro, caro a este
estudo, que é a relação entre essas duas instituições sociais supracitadas.
Sobre a atuação destas, as idéias mais recorrentes sobre suas
funções são as de que: enquanto o Estado gere a vida do cidadão através
da ação política, a Igreja o faz por meio de uma evangelização voltada
para a atuação do indivíduo junto à Igreja e à sociedade que, no contexto
privilegiado aqui, se denomina Ação Católica. Essas definições de papéis
servem exclusivamente para diferenciá-las em um primeiro momento.
Sabemos que suas práticas não são tão individuais ou restritas. Como
afirmarmos, se o ato de evangelizar é necessário para firmar a religião
enquanto instituição social arrebanhando fiéis e, por isso, são práticas
análogas as atuações do Estado, então ambas são práticas políticas.
Sobre essa similaridade, citando Alfredo Rocco, Antônio Gramsci
nos mostra que, na relação entre Estado e Igreja, as práticas são as
mesmas, pois confluem num ponto, nas ações sociais.
Mas como no conceito de Política não cabe apenas a proteção
da ordem jurídica do estado, mas também tudo quanto se refere
às providências de ordem econômico-social, é bem difícil [...] a
priori, considerar a Ação Católica excluída de toda ação
51
Política, quando em seu âmbito se compreendem a ação social
e econômica e a educação espiritual da juventude
84
.
Ainda relacionado à importância da atuação da Igreja Católica na
sociedade brasileira, diz Damião Duque Farias:
É exatamente no campo da ordem social que a Igreja brasileira
procurou dar mostras de que sua presença na sociedade
nacional seria indispensável; na avaliação dos católicos,
somente a Igreja possuiria força moral e valores sociais,
sedimentados ao longo dos séculos, para orientar o povo e os
fiéis no respeito à ordem e às autoridades legitimadas por Deus
de acordo com a doutrina.
85
A importância de se constatar essa semelhança, se faz nesse
momento para mostrarmos por que a Igreja queria uma reaproximação
com o Estado. Podemos dizer que a convergência de objetivos
relacionados à ordem social entre essas duas instituições é um motivo
bastante forte para essa reaproximação por parte da Igreja, neste período
de transformações pelas quais o Brasil passava no início do século XX,
em especial, na década de 1930.
É evidente que essa não é a única explicação para o estreitamento
da Igreja Católica com o Estado brasileiro. Esse processo esteve
permeado por diversas questões. Uma delas é que a reaproximação entre
ambos não partiu somente por parte da Igreja. O novo governo que surgiu
após o movimento de 1930, também a procurou, pois precisava não só de
legitimação moral, mas de apoio da massa de fiéis católicos, que por sua
vez, se constituía num eleitorado em potencial. Portanto, esse processo
estava constituído por interesses recíprocos entre essas duas instituições
sociais.
84
Alfredo Rocco APUD GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Temas de Cultura. Ação
católica. Americanismo e fordismo. Vol. 4. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 59.
85
FARIAS, Damião Duque de. Em defesa da ordem – Aspectos da Práxis Conservadora
Católica no Meio Operário em São Paulo (1930-1945). São Paulo: Editora Hucitec, USP, 1998.
p. 93.
52
Artur César Isaia nos mostra que o momento propício para essa
reaproximação por parte da Igreja para com o Estado, foi o movimento de
1930 que colocou Getúlio Vargas no poder central do País. Vargas foi
visto a partir daquele momento como meio, possibilidade e oportunidade
ideal para a relação da Igreja com o Estado devido sua experiência
castilhista no Rio Grande do Sul onde a Arquidiocese estadual mantinha
boas relações com o poder público instituído
86
. Algo a se notar neste
estado neste período de renovação da política brasileira, é que o bispo
Dom João Becker é considerado o primeiro religioso a apoiar
declaradamente o movimento de 30, chegando a abençoar as forças
revolucionárias gaúchas, o que explica sua boa relação com o governo e
o apoio dado no início do circulismo neste estado.
87
Mas sobre o período
anterior a 1930, em que a Igreja Católica permaneceu com poucos
privilégios, principalmente os políticos, Sérgio Miceli, afirma que:
Tornou-se praticamente um clichê o argumento corrente que
consiste em datar o movimento de separação entre Estado e a
Igreja (1890) como início de um ‘período de trevas’ do ponto de
vista do poder político da corporação eclesiástica prolongando-
se até o renascimento institucional no período Vargas, que
coincide com a gestão centralizada do cardeal Leme
88
.
Essa visão ou clichê da decadência da Igreja católica bastante
recorrente na historiografia reduziria muito o entendimento sobre a
trajetória, atuação e conseqüentemente a história da Igreja Católica no
Brasil no período da República Velha. Para Miceli, a Igreja Católica
sempre se constituiu como uma “fração” da elite no Brasil. Por isso, em
86
A discussão principal deste trabalho gira em torno da questão religiosa e política no Rio
Grande do Sul. O autor mostra a experiência da arquidiocese de Porto Alegre junto ao Governo
Federal e as atuações de D. João Becker para a reaproximação entre a Igreja e o Estado. ISAIA,
Artur César. O Cajado da ordem: catolicismo e projeto político no Rio Grande do Sul: D. João
Becker e o autoritarismo. Tese de doutorado em história. São Paulo: USP, 1992.
87
Sobre o papel de Dom João Becker diante do movimento de 1930, ver SOUZA, Jessie Jane
Vieira de. Círculos Operários – A Igreja Católica e o mundo do trabalho no Brasil. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 2002. p. 219. FARIAS. Em defesa da ordem. Op. cit. p. 101.
88
MICELI, Sérgio. A elite eclesiástica brasileira. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S. A.,
1998. p.152.
53
vez de decadência, o autor fala de um movimento de “construção
institucional” em que “a exemplo do que sucedeu no exército, a Igreja
Católica logrou êxito considerável em múltiplas frentes de atuação
89
,
valendo-se de estratégias e manobras para cobrar determinados
privilégios perante o Estado.
Miceli mostra que essas conquistas possibilitaram e despertaram o
interesse do movimento de 1930 sobre essa elite eclesiástica, uma vez
que “o próprio Vargas preocupava-se em apagar qualquer possibilidade
de arranhar-se o tradicional apoio desfrutado por ele entre o clero católico
e os fiéis
90
, o que mostra que a separação entre Estado e Igreja não a
deixou de mãos atadas. Porém, ainda assim, a Igreja tinha interesse em
recuperar seus privilégios perdidos, mesmo modificando-se internamente
para isso.
Como foi observado acima, o processo de reaproximação também
era interesse do então Estado nascente dos grandes acontecimentos de
1930. Além do número de fiéis que se constituiria em satisfatório número
de leitores para o governo, a Igreja tinha o papel e o poder de moralizar,
dentro de uma nova perspectiva, as consciências ou mentalidades de
seus fiéis, disciplinando os cidadãos do novo governo instaurado por
Getúlio.
Esta transformação, somada a uma formação
seminarística montada segundo os padrões romanos, tem
evidentemente, conseqüências na vida e na mentalidade do
clero. Na medida em que este se romaniza e liberaliza, tende
também a se urbanizar e elitizar. O clero do interior ou das
cidades não deixa, evidentemente, de estar presente junto ao
povo. Mas entre o homem do povo e o padre a distância se
89
Sobre essas conquistas da Igreja podemos dizer que ela, “estabilizou suas fontes de receita e
recuperou seu patrimônio imobiliário, reconstruiu e ‘modernizou’ suas casas de formação e
seminário, dinamizou consideravelmente sua presença territorial, ‘moralizou’, profissionalizou e
ampliou seus quadros de pessoal, ainda que para tanto tivesse que apelar maciçamente à
importação de mão–de-obra religiosa diversificou a pauta de serviços escolares, que passou
praticamente a monopolizar, celebrou alianças com facções oligárquicas estaduais, em suma a
Igreja católica viabilizou-se como empreendimento religioso e como organização burocrática”.
Idem. p. 153.
90
ISAIA. O Cajado da ordem. Op. Cit. p. 124.
54
acentua do ponto de vista cultural e ideológico, desde o
momento em que a formação intelectual do segundo se faz de
acordo com padrões romanizantes e que sua posição política
se identifica com a dos grupos que detêm o poder.
91
Por parte da Igreja Católica, as vantagens que tiraria do apoio ao
Estado, era o interesse em reaver e ter reconhecidas as prerrogativas
católicas, que era um dos principais objetivos da instituição eclesiástica.
Aliás, quando esteve junto com os dirigentes do movimento de 30, tentou
a formulação de uma constituição, assim como do processo de
regeneração do país aos moldes extremamente católicos, o que
demonstra a intensidade do interesse político de sua parte. Por isso, Isaia
escreve que a Igreja Católica tinha grande interesse na
reconstitucionalização do país, preocupação mor da política orientada por
d. Leme” exatamente porque essa constituição reconheceria tais
prerrogativas. Mas isso não seria tarefa fácil, a Igreja também se sentia
ameaçada por questões as mais diversas, como o laicismo, o espiritismo
e o comunismo, os quais ameaçavam a moral cristã e deveriam ser
combatidos.
Na Circular n° 26, de 23 de setembro de 1934, Dom Lustosa se
manifesta a esse respeito: “o espiritismo – tão severamente prohibido
pela Igreja – é uma grande zombaria de Deus – zombaria tanto mais
offensiva quanto mais encoberta com apparencias de religiosidade.
Mais tarde, em outra Circular, de caráter confidencial, o bispo
procura mostrar aos demais padres algumas estratégias para a formação
do povo católico, tentando afastar os perigos indicados anteriormente e
desenvolver com maior intensidade a fé do povo.
91
MOURA, Sérgio Lobo de. ALMEIDA, José Maria Gouvêa de. “A Igreja na primeira república.”
In: FAUSTO, Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III, 2° vol. 7ª ed. São
Paulo: Bertrand Brasil, 2004. p.321-342. Com um clero reformado e disciplinado, a Igreja
conseguia espaço no campo político. Com as Circulares expedidas por Dom Lustosa e a revista
Quero, discutidas nas páginas seguintes, encontramos uma reflexão mais profunda sobre o
papel da Igreja na conjuntura política pós-30 e de seu esforço em se fazer mais presente na
sociedade.
55
Para obviar aos males que impedem mais rápido
desenvolvimento de fé em nossas paróquias e mais sólida
formação cristã do nosso povo, algo mais se póde fazer.
Vejamos alguns meios que nos podem ser utilíssimos (...)
Espírito Santo que em nós acenda o fogo
do seu amor (...)
procuremos que não falte alguma associação especial (...)
repitamos os avisos
em todas as missas dos Domingos e Dias
Santos (...) Embora a preocupação espiritual dos párocos seja a
espiritual, contudo seus interesses temporais muito lucrarão
com seu trabalho perseverante e metodico, pois há fontes de
auxílios materiais inteiramente e tancadas porque esquecidas.
92
E assim, com um trabalho constante de evangelização e controle
dos fiéis, Lustosa dirigia o episcopado e, no campo político, Magalhães
Barata e Vargas lideravam com firmeza a política nacional, também no
sentido de afastar possíveis perigos que viessem a ameaçar o bom
andamento do regime. Até
o golpe de 1937 passa a ser visto como integrante do ‘esforço
regenerado’ inaugurado com a revolução de 1930. O mesmo
‘Moisés regenerador’ (Vargas), que salvou o Estado brasileiro
da corrupção oligárquica, agora salvava-o da anarquia
comunista e da guerra civil, restituindo novamente a identidade
nacional.
93
Mas esse movimento de reaproximação da Igreja com o Estado,
mesmo que diante de interesses recíprocos em que os ideais do
movimento de 1930 estavam de acordo com a doutrina Católica, não foi
tão simples assim. Havia uma divisão entre algumas Arquidioceses, como
as do Rio Grande do Sul, onde nem todas as Dioceses apoiaram o
Interventor Federal. A posição dessas dioceses estava de acordo com
outros interesses políticos que divergiam dos do Interventor Federal neste
estado. Além disso, metodistas e outros intelectuais se manifestaram
contra os privilégios da Igreja católica na nova Constituição, o que
exemplifica como foi complexa e heterogênea a relação entre as
instituições política e religiosa no Brasil e, principalmente, dentro da Igreja
92
Circular n° 45, de 7 de abril de 1936.
93
Idem. p.176.
56
Católica, uma vez que o exemplo da divisão de posições políticas no Rio
Grande do Sul é apenas um exemplo da diversidade de direções que os
religiosos católicos tomavam diante dos grandes acontecimentos que
mudaram os rumos da política do Brasil a partir dos anos 30.
O movimento de convergência tinha de ambas as instituições o
interesse político. Sabemos que o interesse do Estado em andar de mãos
dadas com a Igreja Católica era que esta detinha o poder de um discurso
de convencimento forte, uma capacidade de reunir grandes números de
fiéis que, para o governo, eram eleitores em potencial. A questão era que
a Igreja havia perdido muitos privilégios e as idéias de modernidade em
voga naquele momento eram discordantes dos princípios cristãos
católicos, o que fez com que a instituição religiosa perdesse um número
significativo de fiéis para outras religiões, como o espiritismo e o
protestantismo, crenças então fortemente combatidas pelos católicos.
Para recuperar essa massa que daria sustentação não só à Igreja
como instituição, mas ao Estado também, era preciso reencaminhar os
fiéis à Igreja, fazendo um movimento de recristianização ou recatolização,
como preferem alguns autores, que pode ser entendido como uma
cruzada da era contemporânea. Nesse contexto, a Ação Católica foi o
veículo para essa cruzada, que tinha como principais objetivos o combate
ao laicismo e o incentivo à participação dos leigos na Igreja.
Implementada ainda em meados do século XIX
94
, a Ação Católica
reapareceu nos objetivos de Pio XI no século XX, o qual ficou conhecido
como o Papa da “Ação Católica”. Era o pontífice que queria trazer mais
fiéis para o rebanho do seu pontificado. Em uma simples definição, a Ação
Católica consistia em um processo formação, de preparação de cristãos
leigos, para em seguida evangelizar e trazer mais e mais novos cristãos
para dentro da Igreja católica no mundo inteiro.
94
GRAMSCI. Cadernos do cárcere. Op. cit. p. 47-49.
57
No Brasil, oficialmente, a Ação Católica iniciou em 1935, quando
seus estatutos foram promulgados em 9
de junho daquele ano. Mas a
ação de combate à posição contrária aos princípios filosóficos e políticos
da sociedade moderna que chamou de neopaganismo materialista, já se
fazia presente desde 1922, quando Dom Leme, Arcebispo do Rio de
Janeiro, lançou os estatutos da Confederação Católica cujo título era Ação
Católica. Esse estatuto trazia todas as diretrizes básicas desse novo
movimento reformador da igreja. Ainda nesse mesmo ano era fundado por
Jackson de Figueiredo
95
o Centro Dom Vital.
Na análise de Romualdo Dias, o Centro Dom Vital surgiu de fins de
doutrinação e princípios de autoridade/autoritarismo e tinha como fins,
catolizar as leis e recatolizar a intelectualidade, objetivos que,
evidentemente, mostram a aplicação do interesse católico por parte do
instituto que, apesar de privilegiar o trabalho dos intelectuais, sentia a
necessidade de, assim como a Ação Católica, trazer para sua ação outras
categorias sociais como os leigos, que implementariam uma
evangelização de acordo com os princípios absorvidos no Centro.
Esses leigos, em sua maioria de classe média urbana, compunham
uma espécie de exército para executar o plano do apostolado, ou seja,
evangelizar os fiéis dentro dos princípios básicos da Ação Católica. Nesse
sentido, o Centro Dom Vital pode ser entendido como uma das ações
concretas da própria Ação Católica, mesmo que essa não estivesse
95
Jackson de Figueiredo foi o intelectual escolhido pela “alta hierarquia” da Igreja Católica
brasileira para iniciar o movimento de “reação espiritual nacional”, o qual contava com a
participação dos leigos. Nesse contexto, a revista A Ordem e o Centro Dom Vital foram criados
estrategicamente para a produção e divulgação de uma cultura católica notadamente entre os
intelectuais, católicos ou não. Adaptado de FARIAS. Em defesa da ordem. Op. cit. p.41. O
trabalho de Renata Simões discute a noção de ordem que o reacionário Jackson tinha,
consistindo na idéia de que “um governo cuja estrutura não tivesse em consonância com a
ordem divina cristã, católica, estaria destinado à falência. Parece-nos que o termo ‘ordem’ tem,
na linguagem jacksoniana, algo de cooperação e, ao mesmo tempo, de informação; algo de
colaboração, mas que, levado às últimas conseqüências, implicaria uma superação de todo
governo fruto da revolução-do-menos. É observável, também, que Jackson não foi um adorador
da ordem, isto é, não via na ordem um fim em si mesma, mas apenas uma força de ‘depuração
social’.” Conferir SIMÕES, Renata Duarte. Integralismo e Ação Católica: sistematizando as
propostas políticas e educacionais de Plínio Salgado, Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso
Lima no período de 1921 a 1945. Dissertação. São Paulo: PUC/SP, 2005. p. 69-70.
58
atuando oficialmente no período em que o instituto foi inaugurado,
dispondo de práticas e instrumentos para se fazer uma ação católica no
período anterior a sua oficialidade no Brasil.
Dentro desse projeto de evangelização, segundo José Oscar
Beozzo, “a tarefa coroamento de todas as outras, repensar a cultura
nacional à luz da fé”, foi a fundação de uma Universidade Católica, em
1942, que significou uma expansão do alcance da Igreja no campo
educacional. Não bastasse o ensino religioso nas escolas, o que atingia a
população mais carente, a existência de uma Universidade Católica
significava o ensino para os jovens oriundos da elite brasileira,
abrangendo, assim, grande parte das etapas educacionais: do primário ao
universitário.
Na tarefa de educar e intelectualizar, o principal instrumento de
divulgação e, porque não dizer de evangelização e doutrinação do Centro
Dom Vital foi a revista A Ordem. Criada pelo mesmo Jackson de
Figueiredo, tornou-se porta-voz da intelectualidade católica, mas também
servia para combater os inimigos da Igreja, particularmente os comunistas
e também ao racionalismo científico, individualismo, filosofia burguesa e
proletária, além de todos os “ismos” trazidos pela sociedade moderna:
comunismo (já mencionado), anarquismo, modernismo, liberalismo,
socialismo. Para afastar esses fantasmas da sociedade, um governo
centralizado, hierarquizado, encarnado em um indivíduo determinado,
num soberano, galgado com o apoio de uma elite esclarecida e formada
nos ideais positivos e não pela mobilização do povo”, seria a solução para
a harmonização social do país.
96
De uma posição ou princípio autoritário, tendo a frente o próprio
Jackson de Figueiredo, a revista passou por uma nova mudança de
96
Toda ação política deveria vir de ‘cima para baixo’, isto é, das elites e do Governo imbuídos
do espírito de fé, agindo sobre o povo, e nunca o inverso. O povo, para Jackson, assim como
para Plínio Salgado, seria incapaz de se autogovernar.” Cf SIMÕES. Integralismo e Ação
Católica. Op. cit. p. 74.
59
orientação, estabelecendo um diálogo com a chamada modernidade
quando Alceu Amoroso Lima tomou a frente do Centro e da revista, por
ocasião da morte de Jackson e, a partir daí, priorizou a liberdade e
universalidade. Isso não significa dizer que esta revista passou a aceitar
as outras filosofias. Sua função continuou com a mesma importância
como instrumento de ação, permanecendo no combate aos inimigos da
Igreja. Essa mudança de orientação pode ser entendida como a
substituição do autoritarismo pela liberdade/universalidade dentro do
Centro e na revista, continuando a praticar a ação católica, ou seja,
recuperando e convertendo fiéis à fé cristã, e nesse ínterim, realizando
também uma ação política
97
.
Essa característica política da Ação Católica foi enfatizada
propositalmente e não poderia ser de outra maneira, porque essa visão
vai contra a própria definição do que seria a ação católica como
poderemos ver em momento oportuno.
Liliane Goudinho afirma que a Ação Católica em Belém se deu três
anos após ser oficializada nacionalmente. Em uma circular de 28
de
março de 1938, o bispo D. Lustosa “anunciou a todos os fiéis o início da
execução dos planos de ação católica no Pará
98
, porém, em outra
Circular de n° 22, publicada em 21 de junho de 1934, em Belém, o mesmo
bispo apresentava informações e comentários sobre a Ação Católica,
ressaltando sua definição, deveres e ações. Sobre esta ação mostra que:
si os leigos maus se unem para destruir o reino de Christo,
cumpre que os leigos bons se unam para a defesa e
desdobramento desse reino.
A organização mais completa desse exercito de
combatentes pela boa causa, causa sagrada de nossa religião,
é precisamente a Acção Cathólica.
(...) cooperar para a vida religiosa, diffundir a cultura
christã, christianizar a família, deffender os direitos e a
97
Sobre essa análise do Centro Dom Vital Cf DIAS. Imagens de ordem. Op. Cit. p. 89-96.
98
GOUDINHO, Liliane do Socorro Cavalcante. Mulheres em Ação... (católica): Belém
(1939/1947). Dissertação. São Paulo: PUC/SP, 2005. p.86.
60
liberdade da Igreja, cooperar no campo escolar, propagar a bôa
imprensa, moralizar os costumes, trabalhar pela solução christã
da questão social, informar toda a vida civil no sentimento
christão.
99
Assim foi apresentada a Ação Católica aos paraenses, enfatizando
sua ação evangelizadora, doutrinária e política, sob a convocação dos
leigos que iriam compor o corpo missionário para doutrinar e chamar para
a Igreja Católica do Pará mais fiéis. Dom Lustosa ressalta a importância
do indivíduo leigo, que era uma das principais diretrizes do movimento,
que complementaria o trabalho dos sacerdotes, pois estes últimos
encontravam-se em número bastante reduzido para essa ação no estado,
por isso
são, pois chamados todos os leigos à grande obra de auxiliar o
clero no apostolado
que, primariamente lhe incumbe. De facto,
o christão recebe na confirmação o caráter de soldado
de
Christo. Pôde-se dizer que é o sacramento da chrisma que
torna apto o christão para o apostolado. A Acção Social é sem
duvida uma santa milícia
.
100
Mais uma vez ressaltado o caráter de uma cruzada na Ação
Católica – AC, Goudinho nos lembra que no período da oficialização da
AC em Belém, a cidade vivia no clima da guerra que ocorria na Europa e
a capital paraense, sentindo seus efeitos, deu espaço para que a
conclamação para esse movimento tivesse um incentivo a mais para se
utilizar do discurso de uma guerra santa.
A circular citada anteriormente mostra que, mesmo antes de sua
oficialização em Belém, esse movimento de ação restauradora dos
princípios católicos, já era se não praticado por um instituto católico ou
uma revista, mas pelo menos era conhecido na capital do Pará. Assim, o
bispo considerou que havia “alguma organização católica em nossa
arquidiocese, que o elemento leigo, em muitas parochias, participa de
99
Circular n° 22, de 21 de junho de 1934.
100
Idem. Grifos do autor.
61
bom grado do apostolado hierárquico”, mas apesar disso, reconhecia que
a ação desse apostolado estava longe do ideal, pois a organização deste
nos moldes da Ação Católica ainda estava incompleta, finalizando o
documento conclamando todos os fiéis a participarem dessa santa milícia.
Liliane Goudinho concorda com a idéia de que “havia um forte apelo para
que o laicato se aproximasse, mas o leigo deveria estar dentro de uma
rígida hierarquia imposta pelo estatuto
101
,o que permitia grande controle
por parte da Igreja sobre esses fiéis. Essa tentativa de controle era
resultado das orientações políticas do Vaticano que pregava a
necessidade de “reagrupar as diversas instituições católicas em torno de
uma direção central à maneira da Ação Católica, recém implantada em
alguns países europeus.
102
Scott Mainwaring também compartilha da idéia de que os
instrumentos leigos para o retorno dos fiéis à prática católica eram
controlados pela hierarquia. Para ele, não só a Ação Católica, como
também a União Popular (MG), a Liga Brasileira das Senhoras Católicas,
a Aliança Feminina, a Congregação Mariana, os Círculos Operários e a
Juventude Universitária Católica, cada um a seu tempo, eram
estritamente controlados pela hierarquia, afirmando uma presença
católica mais forte nas instituições e no Estado.”
103
A exemplo do que acontecia na Arquidiocese do Rio de Janeiro, que
dispunha de uma imprensa para propagar as idéias da intelectualidade
católica, por meio da revista A Ordem, em Belém, esse instrumento foi a
revista “Quero”, inaugurada em setembro de 1938, mesmo ano de
implementação oficial da Ação Católica no Pará.
A revista “Quero” foi um órgão da associação feminina católica de
Belém e trazia em seus artigos discussões sobre o valor e a função social
101
GOUDINHO. Mulheres em Ação... (católica). Op. cit. p. 80.
102
MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1922-1945). São Paulo: DIFEL,
1979. p. 53.
103
MAINWARING. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). Op. cit. p. 47.
62
da mulher enquanto cristã católica, além de discutir outros assuntos que,
mesmo indiretamente, constituíam-se como ato político, além,
evidentemente, de pregar a obediência à hierarquia católica, como
apresentou a revista n° 36, de abril de 1941, que tem na capa, Dom
Antônio de Almeida Lustosa: “Vêr no Bispo tôda a Hierarquia, a quem jurei
fidelidade.
104
Na edição de abril de 1940 a mesma revista estampava um texto
especificando “O que não é a Ação Católica” e dentro dessas
particularidades, cultura, movimento desportivo, movimento econômico,
não se enquadravam como características fundamentais da AC.
105
Porém,
mais interessante para nós foi a primeira característica negada, a de que
a Ação Católica não é um movimento político, diferentemente do que
consideramos neste trabalho. Mas o que seria política na concepção das
editoras dessa revista? Segundo o argumento que nega o caráter político,
a Ação Católica se distanciava deste, porque não exercia atividade
partidária, ou seja, entendiam a política como um movimento que
obedecia à direção de um partido.
A Acção Católica não é um movimento político
A A. C. não pode exercer uma actividade partidária, que separa
e divide as almas. A A. C. não deve confundir-se com as
organizações que têm em vista, primariamente, fins políticos.
106
Sabemos que a ação desse grupo de mulheres não se
concretizaria, como muitas vezes não ocorreu, se não fizessem sem
política. As próprias diretrizes da Ação Católica, em seu estatuto geral,
determinavam uma doutrinação ou evangelização com o objetivo de
conquista que, por sua vez, contribuiria para aumentar o número de
104
Revista Quero, vol. 36, outubro de 1941.
105
A obra do Padre J. B. Portocarrero Costa, Ação Católica – conceito, programa, organização,
também traz uma discussão sobre os preceitos da Ação Católica envolvendo política, movimento
desportivo e economia. Para saber mais, ver COSTA, J. B. Portocarrero. Ação Católica
conceito, programa, organização. Rio de Janeiro. Editora ABC, 1937.
106
“O que não é a Acção Católica.” Revista Quero, vol. 18, abril de 1940. p. 15.
63
católicos no mundo inteiro e alcançaria o status de religião oficial, o que
evidentemente se constitui num ato político. Diz ainda a mesma
reportagem “Quero” a esse respeito:
Se não te inscrevêste na juventude feminina católica:
não és da Acção Católica,
porque a tua “acção” move-se fora do quadro oficial da A.
C. e alheia ao seu fim supremo:
RESTAURAR TUDO EM CRISTO
isto é: salvar almas para Jesus
em união com a Igreja.
Para obedeceres ao Papa, deves ser uma unidade
pessoal e conciente, sim, mas agindo no todo – da grande
milícia leiga, que o mesmo Papa organizou
para multiplicar os
braços da Hierarquia.
Sobre os efeitos da Ação Católica na vida do indivíduo, um manual,
Elementos de Ação Católica”, traz os direitos e deveres dos católicos
junto à sociedade. São eles:
PRECEITOS NEGATIVOS
1° Não ter uma consciência política oposta à consciência
religiosa.
2° Não ficar inativo e indiferente.
3° Não fazer intervir a A. C. na política partidária.
CONSELHOS NEGATIVOS
1° Não ingressar num partido sem autorização expressa
da A. C.
2° Não se utilizar da Religião para patrocinar qualquer
Partido político.
3° Não subordinar os interesses católicos ao triunfo de um
partido.
4° Não repelir o que há de bom e honesto nos partidos
contrários.
5° Não cooperar em revoluções injustas ou meramente
pessoais e partidárias.
CONSELHOS PRÁTICOS
1° Intervir em assuntos políticos.
2° Desempenhar cargos públicos.
3° Pertencer a qualquer partido político, que nada
contenha em seu programa de hostil à Fé.
PRECEITOS POSITIVOS
1° Interessar-se pela vida pública.
2° Fazer boa política.
3° Colaborar com o voto, nos regimes eleitorais.
64
4° Estar sempre pronto a colaborar com os governos
honestos e bem intencionados.
5° Cumprir as obrigações cívicas além do voto, como
sejam o imposto, o júri, o serviço militar ou civil, etc.
6° Unir-se, nos momentos difíceis, mesmo com sacrifício
dos respectivos partidos e de ideais de ordem particular.
7°Unir-se sempre em torno dos princípios fundamentais.
107
Sobre os resultados da Ação Católica no Pará, Goudinho mostra a
presença de alguns obstáculos que tornou este movimento não muito
satisfatório: enquanto o apostolado se desempenhava bastante eficaz por
parte das mulheres, a ação católica dos homens deixava a desejar. Ao
mesmo tempo em que a Igreja precisava de mais leigos para auxiliar no
trabalho que era exclusividade do sacerdote, a mesma Igreja combatia
alguns movimentos elogiosos do catolicismo popular, porque estes não
obedeciam, principalmente, as diretrizes impostas por essa nova ação.
Esses movimentos populares também não queriam obedecer a tais
orientações, pois estas pregavam, como já foi colocado, uma atividade
apostólica de convencimento e conquista
108
. No caso das irmandades
religiosas criadas ainda no século XIX, desligadas ou autônomas das
diretrizes da Igreja Católica, podemos dizer que sua atuação era menos
política do que a Ação Católica, pois foram combatidas pela Arquidiocese
de Belém, menos por não estarem “regularizadas” ou “legalizadas” junto à
igreja, do que por não colaborarem com uma expansão da fé católica.
Segundo Goudinho, “durante a restauração os bispos assumiram o
mesmo papel que os reformadores quanto às expressões religiosas que
não estavam dentro da mentalidade tridentina”. Com isso, “as festas e o
arraiais dedicados aos santos, características tão forte da religiosidade
paraense, estavam sendo cada vez mais controlados e normatizados
109
.
107
LIMA, Alceu Amoroso Lima. Elementos de Ação Católica. Rio de Janeiro: Editora ABC, 1938.
108
Além disso,a autonomia dessas comunidades religiosas estava ameaçada, mesmo a
proposta da Ação Católica, assegurasse tal autonomia, ela não foi garantida na prática como
mostra Goudinho. Elas ainda teriam de pagar uma taxa para os dirigentes da Ação Católica.
GOUDINHO. Mulheres em Ação... (católica) Op. cit.
109
Idem, p. 87.
65
Esse controle e tentativa de mudanças nas manifestações de religiosidade
do catolicismo popular obedeciam aos objetivos da criação dos
Congressos Eucarísticos que, em vez dos santos,
difundiram a devoção a Jesus Sacramentado com ampla
catequese doutrinária sobre o valor e a necessidade da
eucaristia e com incentivo da prática da comunhão (...) além de
possuírem um valor catequético, os Congressos sobressaem,
entre os eventos de massas, por seus significados políticos,
uma vez que se apresentam como meios de fortalecimento da
unidade e de legitimação da hierarquia.
110
No entanto, o caráter devocional da religiosidade popular não
desapareceu. Segundo Damião Duque Farias, “houve uma reapropriação
dos fiéis ao manterem suas relações de devoção e proteção com as
santidades, mediante uma relação individual e não mais coletiva
111
que,
na maioria das vezes, visava compensações para a vida terrena e para a
vida após a morte.
Além dessas tentativas de mudar e moldar a religiosidade católica
popular, os Congressos Eucarísticos tinham o objetivo de aglutinar o
maior numero de fiéis para mostrar e reivindicar o espaço público que
sentia ter perdido. O Congresso Eucarístico de 1922 foi um exemplo
desse esforço de mostrar esse poder de reunir milhares de pessoas para
expor seu “exército” e sua força.
112
Em 1931, diante do primeiro escalão do governo, a Igreja Católica
realizou um grande evento que foi capaz de aglutinar a massa católica em
grande número, o que mostrou ao Estado a força unificadora que a Igreja
110
DIAS. Imagens de ordem. Op. cit . p. 108. No recorte temporal desta dissertação, nenhum
Congresso Eucarístico foi registrado no Pará.
111
FARIAS. Em defesa da ordem. Op. cit. p. 148.
112
Não foram encontrados documentos referentes à participação do Pará nos Congressos
Eucarísticos Nacionais. No período republicano, praticamente, não existem estudos sobre as
ordens religiosas nem sobre a existência de Congressos Eucarísticos no estado, com exceção
do trabalho de José Augusto Silva Sarmanho, que discute a presença das Conferências
Vicentinas no Pará entre 1900 e 1920. Conferir SARMANHO, José Augusto Silva. Conferências
Vicentinas: caridade e controle eclesiástico em Belém (1900-1920). Monografia. Belém: UFPA,
2003.
66
representava. A Aclamação de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do
Brasil, reunia um número bastante significativo de pessoas para mostrar a
força espiritual do catolicismo diante da Santa negra. Segundo Romualdo
Dias, diante da manifestação e da grandiosidade do evento a Nossa
senhora Aparecida
o governo assistiu a esse espetáculo, comparado em força a
um verdadeiro plebiscito e reconheceu no Brasil um povo
crente. Lembramos que no ano anterior, no dia 16 de julho, o
Papa Pio XI havia proclamado Nossa Senhora Aparecida
Padroeira Oficial do Brasil.
113
Seguindo a mesma linha de convergir a crença católica centrada
mais em Deus do que nos santos, foi proclamada uma Encíclica que
determinava articulações entre a obra restauradora católica e a imagem
de Cristo o que fez com que fosse inaugurado no Rio de Janeiro, ainda
em 1931, uma gigantesca estátua do Cristo Redentor, no Corcovado,
diante da presença de 45 bispos de todo o Brasil, segundo José Oscar
Beozzo
114
. Para Damião Farias, a imagem de Cristo no alto de um morro,
permitindo um grande alcance de visão, elevava a importância e
imponência do catolicismo, definindo seu papel e seu controle diante da
sociedade, pois se tratava de uma
face pública de um movimento mais abrangente que a Igreja
Católica articulava visando a recristianizaçao do país,
conseguindo, com isso, manter seus privilégios e sua
supremacia religiosa sobre a sociedade nacional. Este
movimento penetrou todos os poros da sociedade, atingindo a
vida pública e privada dos brasileiros, exercendo aí o seu
controle.
115
Sobre esse mesmo assunto, escreveu Romualdo Dias:
113
Idem. p. 129.
114
BEOZZO, José Oscar. “A Igreja entre a Revolução de 30, o Estado Novo e a
redemocratização.” In: FAUSTO (org.). História Geral da Civilização Brasileira. Op. cit. p. 297.
115
FARIAS. Em defesa da ordem. Op. cit. p. 98.
67
A dimensão do monumento seria marca da dimensão da obra
restauradora da Igreja Católica do Brasil. Os atributos da
redenção deveriam estar apresentados na imagem, na sua
forma. Os braços abertos representariam a acolhida de toda a
humanidade sofredora. Uma imagem poderia sustentar uma
prática permanente: os fiéis estariam sendo convidados, a cada
vez que olhassem para aquela imagem, a se manterem devotos
ao Sagrado Coração de Jesus, uma devoção que seria
fortalecida com o culto sempre celebrado nas primeiras sextas-
feiras de cada mês.
116
Diante da grandiosidade desses movimentos, o Estado percebeu a
importância de uma parceria com a instituição religiosa, aumentando as
aparições públicas e os atos simbólicos entre os dois poderes. Segundo
Damião Farias, “o Estado, ao sacralizar seus atos, apropria-se de valores
religiosos aceitos socialmente, podendo com isso penetrar nos vários
grupos sociais instituindo novas relações de poder.”
117
1.3. – E no Pará, Igreja e Estado...
Das relações que se estabeleceram entre o governo paraense e a
autoridade eclesiástica, destacamos alguns documentos que exprimem tal
relação, que iam desde problemas de cunho religioso – restauração de
uma igreja – a conflitos políticos – padres envolvidos em processos
eleitorais.
De todas as contendas identificadas no levantamento de fontes, a
questão da corda do círio talvez seja a maior delas, ainda no episcopado
de Dom Irineu Joffily, quando este proibiu a corda que acompanhava a
berlinda da santa no círio de Nossa Senhora de Nazaré, alegando que
aquela simbologia nada tinha a ver com a devoção à santa. Esta corda,
que envolve a berlinda, é carregada pelos romeiros que pagam
116
DIAS. Imagens de ordem. Op. cit . p. 127-128.
117
FARIAS. Em defesa da ordem. Op. cit. p. 101.
68
promessas e, naquela época, era como se os fiéis não tivessem mais
aquele símbolo de sacrifício. A cada ano, a corda do círio arrasta mais
pessoas que, em meio a um verdadeiro tumulto, demonstram sua
devoção à santa.
Em reação a esta determinação, o povo, sentindo-se lesado em sua
fé, fez grande campanha, principalmente na imprensa, para que a
‘Circular do Círio’
118
perdesse a validade.
Em 30, o novo Interventor, Magalhães Barata, em nome do respeito
ao direito de exercício da fé do povo e, como medida para se aproximar
deste, revogou a Circular, ordenando o retorno da Corda atrelado à
berlinda, atitude que lhe rendeu prestígios e muitos elogios no estado, não
apenas por parte da população como de parte do clero que foi contra a
‘Circular do Círio’.
Pouco se escreveu sobre este episódio. Carlos Rocque, biógrafo de
Barata, discutiu o assunto, utilizando o jornal católico A Palavra:
só havia dois princípios, a cuja luz ela (a questão) deveria ser
resolvida. O primeiro, era que a Igreja Católica fora fundada por
Jesus Cristo como sociedade perfeita no seu gênero, e,
portanto, independia na sua esfera da ação dos poderes
seculares, que deviam acatar as suas decisões ainda mesmo
na lei da separação. O segundo consistia que o chefe da Igreja
não recebera do povo (isto é, dos fiéis) o poder que desfrutava,
mas imediatamente de Deus.
Daí duas conclusões a deduzir: uma, que na Igreja, em matéria
de costume, dogma e mesmo disciplina, nunca se poderia
afirmar licitamente ‘o povo quer, o povo manda’; outra, que todo
o fiel católico, se o fosse de verdade, estava obrigado a
obedecer ao que fosse determinado pela legítima autoridade
eclesiástica, enquanto não fosse mandado o contrário por quem
tivesse direito de fazê-lo.
119
118
Circular expedida por Dom Irineu, em 21 de abril de 1926, que proibia o uso da corda na
procissão do círio. É citada sua existência em algumas fontes, mas a circular não foi encontrada.
119
“A questão do Círio de Nossa Senhora de Nazareth”. A Palavra, Belém, 20 de setembro de
1926. In: ROCQUE, Carlos. Magalhães Barata: o homem, a lenda, o político. Belém: SECULT,
1999, p. 208.
69
Ao afirmar que o poder do padre vem de Deus, o jornal esclarecera
a autoridade incontestável do sacerdote, uma vez que seus ‘poderes’ são
atribuídos diretamente de Deus, cabendo a ele honrar e zelar pela fé do
povo, ao passo que os fiéis verdadeiramente católicos deveriam obedecer
a “legítima autoridade eclesiástica”, ao invés de acatarem outra ordem,
que seria a do Interventor.
Assim, a atitude de Barata feriu o dogma da autoridade sacerdotal,
levando o bispo a indisposições com parte da sociedade, fazendo com
que o clima do episcopado paraense ficasse insustentável, levando Dom
Irineu a pedir seu afastamento em 30, incluindo, dentre outros fatores, o
desconforto causado pela questão da Corda do Círio que foi revogada
pelo Interventor. Publicou O Liberal a esse respeito:
O que ele enfrentou a partir daquele momento não foi nada
além do que o próprio Joffily dizendo a si mesmo que a
convicção e a fé são inabaláveis. Daí porque pediu seu
afastamento. Deixou como legado ao povo o direito do exercício
pleno da fé, fez com que todos o vencessem para que a fé
jamais perdesse o sentido.
120
Já no episcopado de Dom Lustosa, encontramos uma gama maior
de documentação que comprove a estreita relação que existia entre o
bispo e o poder político paraense, afirmada nesta dissertação. A seguir,
discutimos algumas fontes que exemplificam tal ligação.
Um caso, ocorrido no interior, diz respeito à construção de uma
casa para as religiosas do Prata
121
, as quais encontravam-se de mudança
para a Colônia a fim de dedicarem-se ao trabalho com os hansenianos
isolados neste lugar. O governador José Malcher, reconhecendo a missão
que as freiras assumiam, aprovou o pedido da diocese de Belém para que
120
“O Legado de Dom Irineu Joffily”. O Liberal, 19 de março de 2001.
121
Lazarópolis do Prata é uma colônia destinada aos portadores de Hanseníase. Este lugarejo
dista cerca de 150 km da capital, Belém. Para lá eram e são levados os portadores dessa
doença para que fiquem ‘isolados’ do contato com as pessoas que não possuem tal doença.
Apesar de hoje já existir controle da moléstia e da colônia abrigar pessoas sadias, a Colônia do
Prata ainda é vista como lugar de ‘leprosos’.
70
o governo do estado providenciasse uma residência para as irmãs. O
documento termina com o ‘apreço’ de Malcher: “Tenho especial satisfação
em attender ás solicitações de V. Exc. tanto mais quanto as sei todas
dictadas pelo bem e amor do próximo.
122
Essa satisfação de atender às solicitações de ambas as partes
sempre permeou os contatos entre os religiosos e os políticos,
ressaltando-se a influência que a religião poderia exercer junto ao Estado.
O appello do povo catholico deste Municipio, pedindo a
restauração da Parochia de Na. Sa. Da Victoria, e a
conseqüente designação de um vigario.
... e como intimamente creio na excellencia do poder espiritual,
do qual o poder temporal jamais deverá se divorciar, junto ao
appello do povo o meu particular.
123
Pelas palavras do prefeito de Marapanim, Alderico Castilho, o poder
no município parecia estar desfalcado em virtude da falta de atuação
maciça do poder espiritual, daí o pedido de um vigário para a localidade,
pois só assim o povo seria melhor assistenciado pela prática católica, o
que contribuiria no controle ideológico (entendendo ideológico o campo
social e político) do povo.
Em 1938, num outro município do interior, Jambu-açú, o vigário
Antonio Callado D’Almeida enviou uma carta a Dom Lustosa na qual
tratava da visita deste àquele município, adiantando que seria bem
recebido por ele e pelo prefeito, o qual se aproximara “muito affavel” e
aguardara a presença do bispo para abençoar aquele lugar.
124
122
Oficio do governo do Estado – Governador José Malcher – ao bispo Dom Lustosa, em 23 de
abril de 1936. Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Documentos
recebidos – 1700 a março de 1953.
123
Ofício da Prefeitura Municipal de Marapanim – Alderico Lima de Castilho – ao bispo Dom
Lustosa, em 11 de abril de 1932. Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém.
In: Documentos recebidos – 1700 a março de 1953.
124
Carta do Padre Antonio Callado a Dom Lustosa – 28 de outubro de 1938. Documento
arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Documentos recebidos - 1700 a março de
1953.
71
Apesar de alguns documentos religiosos apresentarem um
conteúdo de ligações políticas concretas, como os dois últimos casos, o
episcopado de Dom Lustosa fez questão de, ainda em seu início, tornar
pública uma Circular que tratava do envolvimento dos católicos na política
partidária. Neste documento, a Liga Eleitoral Católica – LEC é o fio
condutor da consciência do indivíduo na hora de votar e
questão palpitante pela qual nenhum catolico e sobretudo
nenhum sacerdote se póde desinteressar.
Chegamos a conjunturas tais, de importância tão
excepcional para a vida da Igreja em nossa Pátria, que não nos
podemos furtar aos incômodos que os negocios públicos
trazem consigo.
125
Entendemos que os ‘incômodos dos negócios públicos’ referem-se
às artimanhas políticas e, apesar de pregar o não envolvimento, era
preciso conhecer a conjuntura que se apresentava, percebendo que
forças políticas estavam em jogo e que interesses prevaleciam. Assim, a
LEC serviria como um canal de conhecimento e defesa dos interesses
católicos em relação ao jogo de forças políticas que se apresentava numa
determinada situação. Continua o documento:
Defendamos a Igreja que para nós seus filhos, afim de
salva-la dos golpes que tentam vibrar contra ela dentro de
nossa Pátria.
A Liga Eleitoral Católica não é partido político. O
Episcopado Brasileiro não quer a organisação de partido
político católico porque a julga desaconselhada pelas
circunstancias em que se encontra a Igreja no Brasil.
Dois meses depois desta Circular, o chefe da Arquidiocese
paraense recebe um ofício de Dom Leme, em caráter confidencial e
reservado:
125
Circular n° 10, de 30 de janeiro de 1933.
72
... se publique a proposta dos artigos do ante projecto da
Constituição relativos á religião, família, ensino, telegraphe ao
Dr. Oswaldo Aranha, autor, ou Dr. Mellho Franco, presidente da
Commissão.
Objectivo do telegramma é prestigiar a proposta, garantir a
approvaçao e neutralizar o movimento contrario.
Seria conveniente conseguir ahi muitos telegrammas
nesse sentido; muitos e de pessoas notáveis.
... Excusado dizer que o projecto satisfaz plenamente.
126
Importa-nos observar o envolvimento do alto clero brasileiro em
campanha pelos artigos constitucionais que tratassem dos interesses da
religião católica. Se não fosse tão relevante para a Igreja, teria ela feito
campanha ‘interna’, dado o caráter reservado do documento, para ter a
religião, a família e o ensino uma conotação oficialmente católica?
Certamente não. Portanto, compreendemos a carta como um elo de
ligação entre as duas instituições, uma vez que a Igreja vê na Constituição
de 34 a possibilidade de ser, novamente, religião oficial no Brasil,
carregando, assim, seus valores para a família e, principalmente, para o
ensino.
Depois de recebê-la, Lustosa tratou de contactar as “pessoas
notáveis” do estado, dentre as quais o Dr. Samuel Mac-Dowell. Em 1935,
já com o projeto constitucional aprovado, o bispo agradece Mac-Dowell
pela atenção reservada aos artigos sobre religião, família e ensino,
alegando que a falta de orientação religiosa poderia ter prejudicado a
elaboração – na verdade, a influência religiosa – da nova Constituição.
... na constituição em antagonismo com a consciência
católica (...) anular diretamente as reivindicações católicas da
Constituição Federal, a Constituinte Estadual, si fosse mal
orientado [poderia] dificultar tanto a aplicação dos direitos
[consagrados] dos católicos, que praticamente os neutralisaria.
Com relação ao casamento religioso com efeitos civis a
conquista foi quase só moral, para ser aproveitada essa
126
Carta de Dom Leme para Dom Lustosa – 13 de março de 1933. Documento arquivado na
Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Documentos Recebidos – 1700 a março de 1953.
73
disposição da Constituição (Art. 146) (...) para termos uma bôa
Constituição.
127
No dia da promulgação da Constituição no Pará, Dom Lustosa,
reforçando os agradecimentos pelos pontos constitucionais atendidos,
enviou carta a toda equipe
128
responsável pela promulgação da nova carta
constitucional agradecendo o atendimento ao “reclamo da consciência
religiosa”, prestando à Igreja um “assinalado serviço”, uma vez que o título
“Educação e Família” traz em seu texto orientações católicas. Assim, a
Igreja estava novamente na lei brasileira e mais disposta ainda a atuar ao
lado do Estado, dado o seu reconhecimento oficial, uma vez que este
tinha um alcance que se perduraria por gerações futuras como uma
instituição incontestável e intocável.
129
A seguir, o conteúdo da carta:
Neste dia da promulgação da Constituição do Estado, sinto
o dever de significar a V. Excia em meu nome, em nome do
Clero e de todos os católicos paraenses o reconhecimento mais
profundo e sincero por tudo quanto fez V. Excia no seio da
Assembléia Constituinte, a fim de serem atendidos os reclamos
da consciência religiosa as aspirações do nosso pôvo católico.
... V. Excia acaba de prestar á Igreja um assinalado
serviço. O alcance prático das leis, que nos interessam, de
modo especial, do título aureo – Educação e Família –
representam garantias preciosas para que a Religião possa
desembaraçadamente levar seu benefício influxo ao nosso
povo.
130
127
Carta de Dom Lustosa para Samuel Mac-Dowell – 2 de maio de 1935. Documento arquivado
na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Correspondências Expedidas. 1700 a 1979. Grifo do
autor. Dom Lustosa, depois de aprovado o artigo sobre o casamento religioso, publicou uma
carta pastoral, orientando os fiéis sobre esse assunto. Por não considerarmos relevante, a
“Carta Pastoral sobre o artigo 146 da Constituição Federal” não está discutida neste trabalho.
128
Dr. Samuel Mac-Dowell – Presidente; Dr. Antonino Melo – Relator; Dr. Souza Castro –
membro; Dr. Otavio Meira – membro; Cel. Aristides Reis e Silva – membro; Sr. Djalma Machado
– membro; Dr. Bianor – membro. A maioria desses homens atuava diretamente na política
paraense, carregando significativo peso político em seus nomes e em suas ações.
129
Sobre o alcance histórico representado pela história oficial, ver ALMEIDA, Maria das Graças
Andrade Ataide de. “Caça às bruxas: repressão e censura na interventoria Agamenon
Magalhães (1937-1945).” In: CARNEIRO (org.). Minorias Silenciadas. Op. cit. p. 237-261.
130
Carta de Dom Lustosa para os membros da Comissão da Constituição paraense – 02 de
agosto de 1935. Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In:
Correspondências Expedidas. 1700 a 1979.
74
A pessoa do Dr. Samuel Mac-Dowell se torna tão importante nesse
contexto de aprovação dos artigos da Constituição de interesse da Igreja
que, após todo o processo, Alceu Amoroso Lima envia, pessoalmente,
correspondência a Mac-Dowell agradecendo seus ‘gestos’ e colaboração
para a Igreja Católica no Pará.
Devo, não obstante, confessar-lhe que o seu gesto para
commigo teve o grande mérito de despertar mais no meu
espírito a noção dos compromissos assumidos para com a
Igreja de Nosso Senhor e reavivar os nossos propósitos de, em
defeza das grandes verdades de que é depositaria, não recuar
nunca deante dos seus tão mais infelizes quanto audaciosos
inimigos.
131
Apesar do compromisso político entre Igreja e Estado no Pará a
atuação de ambos não alcança todas as localidades do estado, dando
margem para o trabalho de pessoas que ou faziam propaganda política
contra o governo, ou provocavam intrigas entre as duas instituições
citadas anteriormente. Para melhor esclarecer esta afirmativa,
comentamos um caso ocorrido em 1933, quando o Interventor Magalhães
Barata enviou ofício ao bispo levando ao conhecimento deste “todos os
átos praticados por subordinados de V. Excia que, servindo a designios
extranhos á nossa religião, mirem estabelecer atritos de que resultem
malentendidos em o meu governo e o de V. Excia. Revma.
132
O
documento segue dizendo que os problemas ocorreram em Santarém,
cidade distante de Belém, o que pode justificar o não conhecimento, por
parte do bispo, do acontecido.
No Pará, a dificuldade de comunicação com os municípios mais
distantes é algo que necessitamos destacar. Por um lado, as notícias – e
131
Carta de Alceu Amoroso Lima a Dr. Samuel Mac-Dowell – 20 de novembro de 1934.
Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Documentos Recebidos –
1700 a março de 1953.
132
Ofício do governo do Estado – Interventor Magalhães Barata – ao bispo Dom Lustosa, em 20
de junho de 1933. Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In:
Documentos recebidos – 1700 a março de 1953.
75
as idéias – demoravam algum tempo para chegar, seja ela boa ou ruim.
Por exemplo, em relação ao caso citado anteriormente, verificamos a falta
de informação do bispo sobre os acontecidos no município justamente
pela demora das notícias. Por outro, toda essa distância que até hoje
existe ainda em alguns lugarejos paraenses, favorecia o trabalho
daqueles responsáveis por “medir” as notícias e os acontecimentos.
Falando especificamente, a seleção do que viria ou não ser
divulgado à população foi responsabilidade, nos estados, do DEIP -
Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda, órgãos que faziam
forte fiscalização sobre todo tipo de propaganda nas cidades. Espécie de
‘braço’ do DIP, o DEIP foi a confirmação e ação de toda a censura
promovida pelo varguismo. No Pará, Lindolfo Mesquita exerceu o cargo
de Diretor Geral deste departamento, sendo o responsável pela
"varredura" de tudo o que seria divulgado, selecionando para circulação
somente aquilo que não maculasse o governo. Fiel escudeiro do Major
Barata, Mesquita esteve a seu lado até em viagens internacionais, a fim
de conter qualquer manifestação de protesto que atravessasse o caminho
do interventor, mesmo em territórios não paraenses. Na visita às Guianas,
discursou enaltecendo seu chefe, defendendo-o protetor dos
descamisados paraenses, elevando seus feitos e sua bandeira pelos
"menos favorecidos", como diz o próprio Mesquita.
Na obra Molambos na corda
133
, o diretor do DEIP/PA discute e
assume a díspare distribuição da renda no estado, admitindo que seria
conveniente o governo resolver o problema, mas acaba deixando claro
que o assunto pode ser comentado, mas não discutido, não permitindo -
em outras palavras, censurando - que a população comum citasse os
nomes daqueles que se privilegiavam da concentração de renda. Lindolfo
faz questão de destacar que cabe ao governo 'resolver' o problema.
133
MESQUITA, Lindolfo. Molambos na corda. Belém: H Barra, 1962.
76
Fica claro nesta posição de Mesquita, que a má distribuição de
renda não deve ser discutida pelo povo e sim pelo governo, por aqueles
que concentram as maiores somas de capital e, logo, não estariam
interessados em estudar um mecanismo de redistribuição de renda no
estado. Em função dessa inércia, os mais exaltados partiram para a ação
tentando criticar publicamente a falta de ação do governo e acabaram
sendo silenciados pela atuação do DEIP do Pará. É desse Departamento
e desse princípio que o governo promove a censura à Igreja. Conter os
padres insurretos contra o regime vigente, que tentavam discutir as
desigualdades sociais e a política foi tarefa constante do DEIP paraense.
Em 1934 e 39, por exemplo, temos ações politiqueiras de padres
paraenses envolvendo embates que exigiram presença da Polícia Civil do
Distrito Federal.
77
C A P Í T U L O I I
D A R E V O L U Ç Ã O À
C R I S T I A N I Z A Ç Ã O
78
2.1. – 1930: o Pará na revolução
Getúlio Vargas deslocou-se de trem a São
Paulo e daí seguiu para o Rio, onde chegou
precedido por 3 mil soldados gaúchos. O homem
que, no comando da nação, iria insistir no tema da
unidade nacional, fez questão de fazer transparecer,
naquele momento, seus traços regionais.
Desembarcou na capital da República em uniforme
militar, ostentando um grande chapéu dos pampas.
O simbolismo do triunfo regional se completou
quando os gaúchos foram amarrar seus cavalos em
um obelisco existente na Avenida Rio Branco. A
posse de Getúlio Vargas na presidência, a 3 de
novembro de 1930, marcou o fim da Primeira
República e o início de novos tempos, naquela altura
ainda mal definidos.
134
A citação acima lembra o momento em que a ‘revolução’ chegara
ao poder máximo do país: a presidência. Nesta, Getúlio Vargas,
representante dos diversos grupos inconformados com a situação
oligárquica na qual vivera o país, assumira o comando com a incumbência
de dar ao Brasil um tom mais “nacional”, com novas estratégias de poder,
com a construção de um projeto que “combine estabilidade política, ordem
social e desenvolvimento econômico
135
. Esta ‘tranqüilidade’ política seria
alcançada com a interiorização da economia e o desenvolvimento do
mercado interno, criando, assim, uma “coesão grupal que refundaria a
nação
136
e que traria novos ares ao país, conferindo-lhe uma
característica de progresso.
O aparato montado para receber o novo presidente permite
percebermos que algo mudara: o país teria, a partir daquele momento, um
governante que não pertencia ao eixo São Paulo – Minas, mas sim,
134
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 12. ed. São Paulo: Edusp, 2004, p. 325.
135
GOMES, Ângela de Castro. “Empresariado e legislação social na década de 30”.In: GOMES,
Ângela de Castro (org.) A Revolução de 30 – Seminário Internacional. Brasília: UNB, 1983, p.
279. (Coleção Temas Brasileiros).
136
D’ALÉSSIO. Márcia Mansor. “Estado-nação e construções identitárias. Uma leitura do
período Vargas.” In: SEIXAS, Jacy A. BRESCIANI. Maria Stella. BREPOHL, Marion (orgs.)
Razão e paixão na política. Brasília: UNB, 2002, p. 167-168.
79
representante dos pampas gaúchos, que vinha tomar posse ostentando
suas características regionais.
Logo depois da posse, Vargas recebeu a visita do cardeal Dom
Sebastião Leme, ocasião em que proferiram palestras de cordialidade.
Noticiou o jornal católico A Palavra a esse respeito:
A Egreja é bondosa e patriótica.
O dr. Getulio disse a D. Sebastião que a Revolução Brasileira
estava integralizada na Religião.
– Os exercitos marcharam assistidos por capellães catholicos.
O movimento estalou no dia de Santa Terezinha, e essa
coincidência fôra muito notada.
137
A presença tão imediata de Sebastião Leme no Catete nos leva a
pensar sobre a pressa que a Igreja Católica brasileira tinha em ‘fazer
parte’ do novo regime ou, ao menos, tê-lo a seu favor. Para tanto, uma
visita logo após a posse e as coincidências sobre a data do movimento
tentavam afirmar a presença católica perante o Estado, principalmente
quando Leme se dirige ao novo governante:
No Rio de Janeiro, neste movimento, o clero e o povo
dirigem preces a Deus pela felicidade pessoal de v. exc. e pelo
êxito da sua missão governamental.
Começa a parte mais difícil della: - a reorganização e
reconstrução do paiz.
Todos os meus votos e os da Egreja são pelo êxito da sua
missão.
A providência assistirá v. exc.
138
Apesar da busca de parceria ser uma constante, oficialmente, a
Igreja tinha o compromisso ‘moral’ de manter-se neutra nos assuntos de
política. Disse o Cardeal Sebastião Leme a esse respeito, quando da
revolução de 30:
137
“O cardeal no Catete”. A Palavra. Belém, 07 de dezembro de 1930.
138
Idem.
80
O episcopado brasileiro faz questão absoluta de que o clero
continue na sua missão exclusivamente pastoral, alheio de todas
as questões de política partidária, que não impliquem assumptos
de religião e moral.
Dentro desses princípios, sem nenhuma idéa de organização
partidaria é obvio que, por dever de fé e patriotismo, não darão
os catholicos apoio eleitoral a partidos ou candidatos contrários
às liberdades e aspirações religiosas, fazendo, assim, selecção
opportuna, conforme o exigirem as circunstâncias.
Ninguém se arreceu, de qualquer iniciativa de lucta religiosa da
parte dos catholicos, que só querem paz, ordem, disciplina e
tranqüilidade para a família brasileira.
139
A reportagem nos passa a idéia de que a Igreja católica no Brasil
manteve uma postura de neutralidade diante dos acontecimentos de
1930, porém, isso não se verifica na prática, uma vez que o próprio Dom
Leme foi quem trabalhou no sentido de reaproximar a instituição religiosa
da civil dos anos 20 em diante, com o intuito de recuperar um espaço no
cenário social que fora perdido com a proclamação da República e a
conseqüente laicização do Estado.
Para tanto, fez-se necessário ter uma retórica que garantisse a
conquista deste espaço ao mesmo tempo em que a própria Igreja se
mostrava afastada dos assuntos de política. No caso do Pará, ter controle
da situação exigiu de Dom Lustosa um carisma e um discurso que
garantisse o controle sobre as massas, principalmente no recorte histórico
desta pesquisa, haja vista que em 1938, o Brasil “experimentava” um
governo com caráter autoritário, o Estado Novo, que para Adalberto
Paranhos, “viera pôr fim às perspectivas de ‘anarquia e desintegração
nacional’, atendendo a um clamor da ‘opinião pública’”.
140
Algo a se notar
é que a Igreja ‘abençoa’ atitudes extremas por parte do governo para que
a ordem seja mantida.
139
“Clero e política”. A Palavra. Belém, 18 de dezembro de 1931, p. 01.
140
PARANHOS, Adalberto. O roubo da fala – origens da ideologia do trabalhismo no Brasil. São
Paulo: Boitempo, 1999, p. 42.
81
O agudo anticomunismo, que atendia aos interesses imediatos
da Igreja enquanto instituição em nível mundial, serviria aqui de
eficiente instrumento para denunciar, isolar, desmoralizar o
adversário e fornecer ao Estado uma legitimidade especial para
as suas práticas repressivas.
141
Este capítulo não se propõe a detalhar a cerimônia de posse de
Vargas nem suas primeiras visitas e sim chamar a atenção para as
mudanças estruturais que o país conhecera com a ‘revolução’ no Brasil e,
em especial, no Pará, a qual trazia, como primeira imagem, a idéia de que
o Brasil seria governado pelos gaúchos, quando, na verdade, Vargas
reunira os anseios dos “vitoriosos de 30
142
, que compunham um quadro
heterogêneo e, conseqüentemente, com diversos interesses que, com o
passar do tempo, foram se intensificando e causando desestabilidade do
governo ‘revolucionário’. Segundo Boris Fausto, “eles tinham-se unido
contra um mesmo adversário, com perspectivas diversas
143
: enquanto os
velhos oligarcas almejavam mais poder em sua área de atuação, os mais
jovens, como os tenentes, buscavam uma reformulação do sistema
político, com a centralização do poder e algumas reformas sociais
144
.
Disse Aspásia Camargo a respeito dos acontecimentos de 1930:
Não sendo uma revolução no sentido clássico, sobretudo
porque não mobiliza de maneira autônoma classes subalternas,
nem por isso deixam de ser relevantes e significativas as
transformações que se desencadeiam no bojo desta revolução
das elites.
145
Com este posicionamento, Camargo define o caráter dos
acontecimentos de 30: uma ação das elites políticas com um projeto
141
LENHARO. Sacralização da política. Op. cit. p.190.
142
FAUSTO. História do Brasil. Op. cit. p. 326.
143
Idem. p. 326.
144
Sobre o debate de projetos entre esses grupos, ver GOMES, Ângela Maria de Castro.
(coord.) Regionalismo e centralização política – Partidos e Constituinte nos anos 30. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1980. (Brasil – Século XX.)
145
CAMARGO, Aspásia. “A Revolução das elites: conflitos regionais e centralização política.” In:
GOMES (org.) A Revolução de 30 – Seminário Internacional. Op. Cit. p. 16. (grifo da autora.).
82
modernizador para o país. Apesar de a população não ter participado
ativamente do processo, a revolução aconteceu, feita pelos donos do
poder, o que já se basta por promover significativas mudanças nas
condições políticas, as quais atingiriam, mais tarde, a vida de toda a
população. Em suma, o que mudou neste processo foram os governantes,
os donos do poder. O que estava em jogo na ‘revolução’ era uma disputa
de poderes entre os grupos oligarcas que insistiam em permanecer no
comando do governo federal e os grupos não ligados a estes, que viram
em Getúlio Vargas um possível representante de seus interesses.
* * *
No Pará, a ‘revolução’ tivera origem desde o movimento de 1924,
movimento este que nada teve a ver com a revolta do Forte de
Copacabana e sim foi um reflexo da tentativa de sublevação do General
Izidoro Dias Lopes de tentar derrubar o governo central. As ações
aconteceram em dias diferentes das ações do sul, fato este que
enfraqueceu os acontecimentos no estado e, aliado ao pouco número de
adeptos, os quais ainda foram divididos durante a empreitada,
enfraqueceu o poder de combate dos revoltosos e provocou a morte do
capitão Assis de Vasconcelos, líder do movimento. Além desse
sentimento de vingança dos revolucionários de 24 para com as forças
militares do governo, o povo paraense acumulara, nos anos seguintes, a
amargura e repressão do governo de Dionísio Ausier Bentes (1924-1929),
que conduzira o estado com violência policial, perseguições pessoais
através dos processos já arquivados pela Justiça, com abusiva
distribuição de terras no estado – concessões feitas a parentes, amigos,
correligionários e auxiliares categorizados do governo que foram
envolvidos nas negociatas – além de censurar a imprensa, como, por
83
exemplo, invadir e fechar o jornal ‘O Estado do Pará’, e o cerco à Folha do
Norte.
O “empastelamento”
146
d’O Estado do Pará foi apenas mais um ato
arbitrário do governador contra a imprensa paraense. Na madrugada do
dia 21 de janeiro de 1928, uma bomba explodiu nas imediações da
Central de Polícia, tendo a culpa recaída sobre os componentes do
referido jornal, considerado de oposição ao governador e que mais tarde
seria o órgão oficial da revolução no Estado. Este foi o pretexto invocado
pela polícia para impedir a circulação do jornal, cercando a redação com
soldados de infantaria e cavalaria.
Cercado o prédio, a força oficial danificou tudo o que ali havia, não
poupando nem o Consulado Chileno que funcionava em uma das salas do
mesmo edifício. Foram presos todos os funcionários do Jornal, inclusive
Alcindo Cacella, redator principal, e Mário Chermont, que não pertencia ao
jornal e que, mais tarde, tomara parte ativa no movimento de 30. A
justificativa dada pelo chefe de polícia do Estado era que estava proibida
a “circulação do mesmo até segunda ordem atento ao fato de estar
vigorado em todo o país o estado de sítio, com o que se conformaram.”
147
As ruas do bairro comercial de Belém, onde funcionava a tipografia
do jornal, ficaram desertas em função da violência empregada que causou
medo na população. Por elas, só podiam ser vistas, além de
pouquíssimos civis que se aventuraram em sair, soldados e piquetes de
cavalaria, o que instalou um clima de Estado de Sítio na capital paraense.
O jornal, apesar de ter sido proibido de circular, só não cumpriu a
determinação do governo pelo fato de Paulo Maranhão
148
ter assumido o
compromisso de imprimir O Estado do Pará nas oficinas na Folha do
Norte. Por isso, a Folha também foi sitiada e nos dias seguintes novas
146
Termo conferido por Creso Coimbra para referir-se à invasão e fechamento deste jornal.
147
Informação publicada no jornal Folha do Norte, de 09 de outubro de 1930. In: COIMBRA. A
Revolução de 30 no Pará. Op. cit. p. 177.
148
Político influente e proprietário do jornal O Estado do Pará.
84
prisões foram efetuadas, como a do enviado especial de O Globo, do Rio
de Janeiro, e do padre Cupertino Contente, redator d’O Estado.
Com essa violência, o governo conseguiu aumentar a dura oposição
da imprensa, a qual só iria alavancar com as críticas ao governo. Além
das reportagens locais, jornais de todo o país noticiaram o “vandalismo do
empastelamento, e daí por diante passaram a hostilizar duramente o
então governador do Pará.
149
Tudo isso só poderia gerar um clima de
profundo e largo descontentamento para com o governo, “no sentido
vertical e horizontal ... alimentando os germes da revolta, que haveria de
vir, e de se tornar vitoriosa, em 1930.
150
Depois de Dionísio Bentes, assumira o governo Eurico Valle, que
dirigiu o Estado com prioridades diferentes das de Bentes, indeferindo
muitos dos pedidos de concessões de terras, incentivando a
industrialização de artefatos de borracha, o plantio do café, do cacau e
outros produtos agrícolas exportáveis, na tentativa de reerguer a
economia do estado que naquele momento estava abalada, com as
contas públicas negativas desde 1922. Para tanto, impulsionou a
construção de rodovias para a circulação das mercadorias, manteve
entendimentos com agricultores, incentivando o plantio do café e do
cacau, além de outros produtos exportáveis, substituiu Intendentes
relapsos, em cujas mãos sumiam as rendas públicas sem a menor
aplicação, ou mesmo sem uma simples justificativa.
151
Enquanto o governador tomara tais medidas, chegara o ano de
1930, que agitaria a política nacional. No Pará, o ambiente era tranqüilo,
dadas as medidas empreendidas pelo governador, mas a “ambiência
nacional envolvia os espíritos numa crise inquietadora e imprevisível.
Outubro chegou sem que ninguém percebesse no Pará, que logo nos
149
COIMBRA. A Revolução de 30 no Pará. Op. cit. p. 124.
150
Idem. p. 119.
151
Idem. p. 135-6.
85
primeiros dias, o vendaval da revolução atingiria todos os quadrantes da
pátria.”
152
O jornal católico A Palavra, conhecendo o clima de luta política que
se instaurara no país e que, possivelmente, chegaria ao estado, noticiou
em 17 de agosto de 1930:
Vae derramada por ahi uma ânsia incontida de revolução.
Aqui e ali, em toda parte, sente-se que já fez mania falar-
se de revolução e que uma sublevação geral vae sendo
encarada como meio efficaz para a solução dos varios e
complexos problemas que determinarão a transformação moral
do paiz.
153
A reportagem nos permite pensar que, apesar do clima político estar
tranqüilo na capital paraense, o movimento sedicioso se organizara no
restante do país, sendo praticamente inevitável que o estado ficasse de
fora desta luta, posto que a transformação moral do país seria geral,
segundo o que informava o jornal citado. Para tanto, os “pescadores de
águas turvas, os espertalhões” esperavam apenas a hora dos homens do
governo cochilarem para “arriar o poder, desfazer a ordem”, levando o
país à revolução.
Em Belém, a noite do dia 03 de outubro parecia calma. O
governador fora ao teatro acompanhado da família e lá ficara sabendo
que a ordem estava ameaçada no sul do país. Não bastasse esse alerta,
um guarda da polícia marítima avistou no cais algumas pessoas suspeitas
que tomavam o rebocador “Wanda”, avisando imediatamente a Força
Pública do Estado que, a essa altura, já estava de prontidão, temendo
uma ação militar da oposição, composta pelos remanescentes de 24, os
quais, embebidos pelo ar de ‘revolução’ que se instaurou nos últimos
meses de 30, viam a possibilidade de derrubar o governo Bentes. Junto
com esta denúncia, confirmou-se estar a bordo do “Wanda” o Tenente
152
Idem. p. 142.
153
“Pelo Brasil”. A Palavra. Belém, 17 de agosto de 1930.
86
Olympio Pinto Pampolha, oficial da Força Pública que socorreu o capitão
Augusto Assis de Vasconcelos em 1924, permitindo ao governo deduzir
que os sujeitos que naquele momento preparavam-se para sublevar a
ordem no Estado eram os mesmos envolvidos nas primeiras fracassadas
intentonas revolucionárias
154
.
Uma vez perseguido o “Wanda” e os tripulantes presos, afundara a
primeira tentativa de se fazer a ‘revolução’ no Pará: a munição que os
revolucionários roubaram foi abandonada, ao invés de ter sido destruída,
inutilizada, presenteando o inimigo com 122 mil tiros que seriam usados
pelos sediciosos. Para Creso Coimbra, “a revolução se perdeu no Curro
Velho. Aqueles cunhetes abandonados na lama representavam as
perdidas esperanças de vitória.
155
Acreditamos que a ‘revolução’ não tenha se perdido no Curro Velho,
mas sim da estratégia e planejamento que faltou aos revoltosos, pois,
mesmo descobertos, tiveram a chance de atacar por outros lados, como a
ocupação do 26° BC – Batalhão de Caçadores, que chegou a acontecer,
mas que acabou enfraquecendo pelas ordens e contra-ordens que
circulavam entre os revolucionários.
Frustrada a primeira empreitada revolucionária, o governo tratou de
neutralizar a ação dos que eram apontados como envolvidos do
movimento rebelde. Foram recolhidos Mário Chermont
156
, Abel Chermont,
o Tenente Olympio Pampolha, Juventino Alves Bezerra
157
, Bernardo
Bittencourt
158
, e o capataz João Jorge Correia. A polícia logo passou a
procurar o padre Leandro Pinheiro, que já estivera preso anteriormente e
154
Idem. p. 143, referindo-se ao movimento de 1924.
155
Idem. p. 145.
156
Este estava no prédio que funcionava O Estado do Pará quando as forças oficias chegaram
para fechar o jornal.
157
Tenente reformado que tinha “velhas idéias revolucionárias” e que, em 1924, assumiu o
comando dos revoltosos do 26° BC, depois que correu a notícia da morte de Assis de
Vasconcelos. Folha do Norte, 05 de outubro de 1930. In: COIMBRA. A Revolução de 30 no
Pará. Op. cit. p. 143.
158
Proprietário da Livraria Bittencourt, que havia fretado o “Wanda”, sob o pretexto de ir buscar
uma senhora doente no Mosqueiro, para que os revolucionários não causassem desconfiança
nos guardas do governo.
87
foi participante direto do processo em Belém. Aqui, reafirmamos nossa
intenção de pensar o Padre Leandro Pinheiro como um expoente desses
acontecimentos, não apenas como um cidadão interessado na melhoria
de vida do povo, como também enquanto religioso, o qual, teoricamente,
não deveria se envolver com assuntos de política. Portanto, analisar seu
posicionamento diante da ‘revolução’ e da religião faz-se pertinente na
medida em que imbricamos estas faces políticas no movimento de 30 no
Pará.
A esta altura dos acontecimentos, a estratégia do governo era deter
os “cabeças” do movimento, para que os revolucionários ficassem sem
suas lideranças. Com essa desmobilização, a ‘revolução’ no Pará perdera
o rumo e se atrasara, sendo desencadeada com mais de 48 horas de
atraso, perdendo, assim, as vantagens do fator surpresa, o que deu
espaço para as forças do governo se organizarem para repelir os ataques.
Os revolucionários paraenses eram informados sobre o que acontecia no
restante do país por alguns correligionários seus fora do estado, como o
Tenente Magalhães Barata, que fora ao Pará preparar a revolução e, que
mais tarde, assumiu a Interventoria. Inicialmente, queriam derrubar o
governo de Dionísio Bentes, para diminuir as injustiças e vingar o fracasso
de 24, mas acabaram envolvidos por outras questões, mais nacionais,
ligadas ao grupo de Vargas.
Apesar disso, os revolucionários arquitetaram e levaram a efeito
uma operação de ‘diversão’, com a finalidade de desviar a atenção das
autoridades, da população, da polícia militar e, principalmente, do Corpo
de Bombeiros, neutralizando assim a atuação de alguns dos defensores
da legalidade: tratava-se de um incêndio na chácara do senador Antônio
Facíola, localizada na Avenida Tito Franco, um pouco afastada da cidade.
Enquanto as atenções se voltavam para o acontecido, os revoltosos, com
o grosso da tropa, tomariam pontos estratégicos da cidade, ocupando as
Avenidas Nazaré, São Jerônimo, São Braz, Benjamin Constant,
88
Boaventura da Silva e Ruy Barbosa, com a finalidade de atacar e ocupar o
quartel do Esquadrão de Cavalaria da Brigada Militar do Estado. Além
deste, um outro grupo buscava o centro da cidade, com a ocupação da
Praça da República, tendo como objetivo principal conquistar o Quartel
General do Exército e o Palácio do Governo.
Tendo conquistado os principais pontos militares, os revolucionários
poderiam tomar o restante da cidade sem resistências e dominar o espaço
urbano, o que lhes daria segurança em termos de domínio de território.
Com a tomada dos pontos estratégicos da cidade, poderiam partir para a
conquista de seu restante. A visão do controle do que se via e o senso de
direção gerava uma sensação de sucesso do movimento sedicioso,
garantindo a continuidade das ocupões e aumentando a estima dos
revolucionários.
...uma boa imagem ambiental oferece a seu possuidor um
importante sentimento de segurança emocional. Ele pode
estabelecer uma relação harmoniosa entre ele e o mundo à sua
volta. Isso é o extremo oposto do medo que decorre da
desorientação
159
.
E assim como aconteceu em 24, os participantes do movimento
revolucionário de 30 dividiram a tropa em vários destacamentos, tentando
realizar ataques simultâneos. A questão é que, se esse foi o erro dos
revoltosos de 24, os de 30 permaneceram no mesmo. Da necessidade de
conquistar diversos pontos da cidade, os contingentes ficaram pequenos e
fracos diante do número dos defensores da legalidade. Disse Creso
Coimbra a esse respeito: “Esfacelada, a tropa revolucionária não teve
força para dominar os múltiplos objetivos que pretendia e que precisava
conquistar.” Fracassada, a tropa retirara-se para o interior em busca de
reforços de outras tropas do Maranhão, onde os revolucionários obtinham
relativo sucesso na tomada do governo.
159
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade.o Paulo: Martins Fontes, 1997, p.05.
89
A estratégia não teve efeito diante da ação das forças do governo,
levando o contingente sedicioso a recuar para o interior do estado a fim de
reorganizar suas ações. Apesar disso, a instabilidade e falta de
centralidade na sistematização das ações impediram os resultados
esperados.
Enquanto isso, na capital, instalara-se um clima de guerra. O jornal
Folha do Norte e A Palavra noticiaram a impressão que o movimento
revolucionário causava nas pessoas que transitavam pelas ruas quando
dos primeiros disparos. Um primeiro comentário refere-se à Praça Justo
Chermont, que acolhera diversas famílias que ali freqüentavam as casas
de diversão que rodeavam a referida praça. Quando ouviram os tiros, o
pânico foi horrível, não só homens, como mulheres e crianças
atropelavam-se, correndo em várias direções ... a notícia correu
célebre pelos pontos da cidade, os mais freqüentados, como
Praça da República que, dentro em pouco, estava quase
deserta ... os ânimos estavam exaltadíssimos e descargas
repetiam-se de vez em quando.
160
... Às 9 horas, justamente, quando as casas de diversão ainda
regorgitavam de assistentes ouviram-se alguns disparos e logo
se espalhou a noticia de se haver levantado o 26 B/C.
Não foi pequeno o pânico e logo em todos os sentidos se
viam passar homens, mulheres, creanças que tomando os
bondes que se enchiam rapidamente, automoveis ou mesmo a
pé, demandavam suas residências!
Era a revolução, enfim.
161
Para montar o cenário que se instaurou em Belém naquele
momento, tomamos como base a leitura da imprensa, apesar da
consciência de que esta pode ter distorcido um ou outro acontecimento
que viesse a prejudicar algum grupo político privilegiado. Por volta das 11
160
“A Revolta do 26° BC”. Folha do Norte, Belém, 07 de outubro de 1930. In: COIMBRA. A
Revolução de 30 no Pará. Op. cit. p. 149. Sobre as movimentações dos sujeitos sociais, mesmo
aqueles que não ganharam expressividade pela história oficial, diz Lynch: “O observador deve
ter um papel ativo na percepção do mundo e uma participação criativa no desenvolvimento de
sua imagem. Deve ser capaz de transformar essa imagem de modo a ajustá-la a necessidades
variáveis”. Conferir LYNCH. A imagem da cidade. Op. cit. p. 06.
161
“A sublevação do 26° B/C”. A Palavra, Belém, 12 de outubro de 1930.
90
horas da noite, a capital ficara em silêncio, mas às 3 da madrugada,
Belém era acordada por formidável fuzilaria”, tentando os sediciosos
ocuparem os espaços oficiais do governo. Foram recebidos a bala pelos
legalistas e por duas horas, o combate foi intenso, não conseguindo os
revoltosos alcançar nenhum de seus objetivos.
Depois das inúteis tentativas de tomada do Palácio do Governo, do
Quartel General e dos quartéis do Grupo Misto, do Batalhão de Infantaria
e do Esquadrão de Cavalaria da Força Pública, os revoltosos do 26° BC
resolveram dar seguimento ao plano anteriormente traçado, de retirarem-
se para Bragança pela Estrada de Ferro para juntarem-se com as tropas
do Maranhão, a fim de reforçar a tropa para, então, retornar para Belém.
Esta fuga foi narrada pela imprensa, apontando os danos provocados
pelos sediciosos, como os postes e as linhas de iluminação pública, como
noticiou o jornal Folha do Norte, de 07 de outubro de 1930:
Estes, em grupos, seguiam pela avenida Gentil Bittencourt,
danificando os postes e as linhas de iluminação pública até a
Estação de São Braz onde, exaltados, e ameaçando os
funcionários que ali estavam, diligenciaram para a composição
de dois trens (...) Os maquinistas presentes à chegada dos
sediciosos haviam fugido, de sorte que os graxeiros foram
obrigados, sob ameaça de morte, a subir às máquinas para
dirigi-las. Depois de embarcarem vários volumes de munições e
bagagens, os dois trens puseram-se em movimento (...) Os
revoltosos, que fugiam, disparavam tiros constantemente pela
avenida Tito Franco até o Entroncamento, espalhando o terror
entre os habitantes da margem da via férrea, da qual
arrancavam os trilhos. Já naquela estação, como nas demais –
Ananindeua, Marituba e Benevides – os sediciosos, alguns sob
exaltação alcoólica, continuaram a série de perigosos
desatinos.
A reportagem traz ao leitor a imagem de uma cidade revolucionada
e os meios pelos quais os revolucionários conseguiram fugir: tomando o
trem, ameaçando os maquinistas e forçando-os a dirigir. É possível que a
imprensa tenha detalhado as ações com tal intensidade para que o leitor
visualizasse o clima tenso que se criou para esta fuga, como o medo que
91
os sediciosos provocavam na população ao longo do trajeto para o
Maranhão.
Enquanto os revoltosos viajavam para Bragança, o governo
continuava a conter os que ficaram, empreendendo ações diversas,
dentre as quais destacamos o recolhimento do Padre Clotário de Alencar,
cura da Sé, ao quartel do Batalhão de Infantaria da Força Pública, sob
acusação de haver protegido o tenente Magalhães Barata quando este
esteve em Belém coordenando a revolução com seus companheiros. Aqui
identificamos mais um religioso simpatizante dos acontecimentos que
agitaram Belém em outubro de 1930, porém este não teve participação
ativa no movimento, ao contrário do Pe. Leandro Pinheiro. Sua atuação
limitou-se a esconder o major Barata na Igreja da Sé, em função do perigo
que este corria quando esteve clandestinamente na capital antes da
‘revolução’.
A polícia apurara que, antes de ser escondido pelo Padre Leandro
Pinheiro no Asilo de Alienados, Barata fora acolhido por Clotário de
Alencar na Sé, no centro da cidade de Belém.
162
Apesar da atuação de
religiosos no movimento, enquanto instituição,
Após a revolta do 26° BC, quando aquelas tropas já se
tinham retirado para a zona da estrada de ferro de Bragança
(...) o Arcebispo Metropolitano, dom. João Ireneo Joffily (...) foi
ao Palácio, congratular-se com o governador Eurico Valle, pela
vitória das forças do governo contra os revoltosos.
163
Assim, a oficialidade da Igreja Católica no Pará, sempre obediente
aos preceitos romanos de missão exclusivamente evangelizadora e
afastada do partidarismo, não tomara parte nos acontecimentos, expondo-
se somente quando o governo reprimiu a ação sediciosa afastando as
tropas da cidade, o que aliviou os perigos de conflito e o clima tenso que a
162
Folha do Norte, 07 de outubro de 1930. In: COIMBRA. A Revolução de 30 no Pará. Op. cit. p.
155.
163
Folha do Norte, 09 de outubro de 1930. In: COIMBRA. A Revolução de 30 no Pará. Op. cit. p.
189-190.
92
cidade respirava, levando o bispo a cumprimentar o governador por sua
atitude firme de combate às ações desordeiras dos revolucionários.
Sobre as ações sediciosas ocorridas no espaço urbano de Belém, a
imprensa buscara depoimentos com as mais variadas origens, buscando
dar ares de tragédia ao movimento, publicando testemunhos desde um
civil preso no quartel quanto de anônimos que narraram os ‘horrores’
vividos no Largo de Nazaré
164
naquela noite. Sob o título “O que ocorreu
no largo de Nazaré”, o Folha do Norte, de 07 de outubro de 1930, através
de um depoente anônimo, publicara a impressão que a população teve do
assalto dos sediciosos ao quartel de polícia.
No referido Largo, encontravam-se muitas famílias, dada a época
das festividades do Círio de Nazaré e a existência de cinemas no mesmo
complexo. Do quartel do 26° BC, que ficara ao lado do Largo, ouviram-se
fortes detonações” e uma intensa movimentação de militares. “Era a
revolução. A favor ou contra o governo (...) aqui e ali, descargas cerradas
ou tiros isolados atroavam os ares. Visivelmente repetia-se a tragédia de
26 de julho de 1924
165
. Esse era o clima de guerra que se instalara na
capital quando as tropas revolucionárias ocuparam o 26° BC, pondo em
cheque o “pânico” intenso que a imprensa paraense publicara, permitindo
pensarmos estas reações de uma outra forma que não seja
necessariamente o desespero, dado o controle que os sediciosos tinham
sobre a cidade.
De manhã cedo, os padres celebravam, acolitando-se
mutuamente. Fora, passava algum padeiro, ou leiteiro, ou
criado que, obtida a licença dos sentinelas, perambulava
livremente. Soldados iam às compras para o rancho. Aliás, pelo
que disse um dos homens, tinham tomado posse do Mercado
de São Braz e do trem de carne verde. Os soldados deitados
em pequenas trincheiras no meio da rua, mostravam-se
alegres. Dispondo de muitas munições, tinham confiança na
164
O Largo de Nazaré é composto pela Basílica de Nazaré, o parque de diversões, a praça,
cinemas e lanchonetes. Ao lado deste complexo estava o quartel policial.
165
“O que ocorreu no largo de Nazaré”. Folha do Norte, Belém, 07 de outubro de 1930. In:
COIMBRA. A Revolução de 30 no Pará. Op. cit. p. 157.
93
vitória. E dirigiam, com boas palavras, o êxodo da pobre gente
dos fundos da 14 de março, na ilharga do quartel.
166
A imprensa noticiou o clima de tranqüilidade que se encontrava os
arredores do 26° Batalhão de Caçadores, dando a impressão de que a
posição dos revolucionários garantia aos participantes do movimento uma
segurança em termos de local estratégico. A Basílica de Nazaré, que
ficava ao lado do 26° BC, deu aos soldados uma proteção, pois as
estruturas da Basílica são grandes, com duas torres altas que serviram de
local de sentinela para os sediciosos que guardavam aquela região.
Assim, uma das torres foi tomada apesar do protesto dos padres Giorgio e
Dubois, alegando a necessidade de guardar os arredores com a
promessa de que a estrutura da Igreja não fosse abalada, o que não se
verifica, dados os tiros que a atingiram.
Assim, o quartel ficara protegido e preparado para o combate com
as forças legalistas que lá aparecessem. Os revoltosos, posicionados em
torno do 26° BC, demonstravam frustração, cansaço e fome. Outros,
recrutados forçadamente nas ruas,
labutavam constrangidos sob ameaça. (...) desaparecia o
entusiasmo. Tresnoitados, esfomeados, esgotados, alguns
amotinados invejavam os muitos camaradas que tinham fugido.
Outros lamentavam tamanha tragédia nas proximidades do
Círio. Não poucos manifestavam o desejo de ganhar o largo.
Um rapaz, paisano, estava para cair de fraco. Um cavalheiro
repetia que fora arregimentado a pulso. E alguns pediam uma
medalhinha aos padres. Três vezes a padiola passava com um
morto. Um soldado ferido chegava amparado pelos colegas.
Aos poucos, infiltrava-se, nos ânimos deprimidos, a certeza da
derrota. Para cúmulo de desmoralização houve contra ordem
(...) tantas indecisões descoroçoavam a tropa, que já não sabia
mais a quem devia obedecer.
167
A apatia tomara conta daqueles que seriam os responsáveis de
fazer a ‘revolução’ no Pará e o ambiente era de reorganização social,
166
Idem. p. 158.
167
Idem.
94
segundo a reportagem. A falha do roubo da artilharia com o rebocador
“Wanda”, a morte inesperada do líder Castilhos França, e o preparo das
forças oficias do governo em número muito maior, fez com que a
deserção fosse significativa, principalmente quando as reservas
alimentares e estruturais faltaram aos revolucionários. Foram tomados por
um sentimento de arrependimento e lamento. Vez por outra, a padiola
passava com um morto e os feridos apareciam constantemente em busca
de socorro.
A reportagem da Folha do Norte citada anteriormente chama
atenção para o desânimo das tropas e a falta de planejamento do
movimento e, além de tudo isso, Coimbra identificou também grupos
desgarrados, os quais bêbados, espalhavam tiros ‘perdidos’ pela cidade,
alcoolizados, já desiludidos pela falta de direcionamento da ‘revolução’,
falando até em tomar a Cadeia de São José para soltar os condenados e
incorporá-los à tropa revoltada.
A contra-ordem dada pelas lideranças do movimento atrapalhou
ainda mais a direção dos que já se sentiam perdidos na ‘revolução’. Dado
o preparo das forças governistas, a ordem era para recolher e se
deslocarem para o trem que se encontrava atrás do quartel. Enquanto
isso, alguns soldados tentavam despistar os policiais, mas o esforço foi
em vão:
antes do meio dia, o quartel foi ocupado pela Polícia. Houve
trocas de balas ... finalmente, as descargas fratricidas cederam
lugar às salvas triunfais. Afluíram caminhões carregados de
policiais, que davam vivas à legalidade. E, ao meio-dia, o sino
novo da Basílica lançava as notas do Anjo do Senhor, para
avisar a cidade de que a luta findara.
168
Assim, as forças legalistas ocuparam o quartel do 26° BC, que se
sublevara no Pará. A imprensa noticiara a retomada do poder e as últimas
notícias sobre o andamento da ‘revolução’ no resto do país chegavam por
168
Idem. p. 159.
95
rádios particulares, fato este que fugia do controle do governo. Segundo
Coimbra, “o governo, numa manobra defensiva, não se cansava de alertar
a população para que não desse crédito àquelas informações particulares
que eram tendenciosas e exageradas.
169
Com o objetivo de diminuir ainda mais a liberdade da imprensa
paraense e aproveitando a vigência do Estado de Sítio instalado pelo
governo federal, o governo organizou a censura aos serviços telefônicos e
ao noticiário da imprensa, ficando a Folha do Norte limitada aos
despachos do 3° prefeito, Dr. Lúcio Mello. Deste modo, os paraenses
ficaram praticamente isolados do que acontecera realmente no resto do
país, ficando informado apenas das notícias que o governo liberava, que
iam no sentido de que o movimento estaria controlado e que se
empreendia uma contra revolução para restabelecer a ordem no Brasil,
quando, na verdade, as autoridades, na pessoa do chefe de polícia
Augusto Rangel de Borborema, redigiram um documento que “distorcia os
fatos e veiculava inverdades sobre a real situação, numa desesperada
tentativa de criar um clima favorável aos que defendiam o sistema político
que agonizava
170
, argumentando que a revolução estava dominada e que
os sediciosos teriam se retirado para Bragança, de onde não mais
retornariam por estarem os trilhos da Estrada de Ferro danificados.
Controlada a imprensa e os ânimos populares, os dias se passaram
na capital paraense como se tudo tivesse voltado ao normal, porém, no
dia 24 de outubro de 1930, chegaram a Belém os primeiros boatos de que
o presidente teria sido deposto. Com receio de uma reação popular
violenta, a festa de Nazaré foi paralisada, o comércio fechou e parte da
população, mais prudente, recolheu-se em suas residências. Enquanto
uns refugiavam-se, outros tomaram as ruas do centro comercial de Belém,
dirigindo-se para o prédio d’O Estado do Pará, onde reclamaram
169
Idem. p. 161.
170
Folha do Norte, 08 de outubro de 1930. In: COIMBRA. A Revolução de 30 no Pará. Op. cit. p.
178.
96
explicações, sendo informados de que o governo federal havia sido
substituído por uma Junta. Imediatamente, de maneira espontânea,
formou-se uma passeata que levava à frente, desfraldada, a Bandeira
Nacional rumo ao Palácio do governo.
Eduardo e Guilherme Chermont intercederam pelo povo junto a
Eurico Valle, lhes dizendo que, na qualidade de governador do Estado,
aguardara ali toda a sorte dos acontecimentos e, que se tivesse de passar
adiante o governo, que o fizesse a pessoas que tivessem o mesmo amor
por aquela terra que o próprio tinha.
Ao receber o telegrama oficial do triunfo da ‘revolução’, Valle
mandou chamar todos os revoltosos presos, leu o referido documento, fez
memorável discurso e renunciou ao cargo, deixando o governo do Estado
com saldo positivo em suas receitas e solicitando a formação da Junta
Revolucionária do Estado para que este não ficasse vacante.
Dessa maneira, Eurico Valle deixou o comando do governo estadual
paraense, saindo do Palácio acompanhado dos revolucionários
anteriormente presos por suas ordens e, aplaudido pela população,
dirigira-se à residência da família Bacelar, onde se hospedara, uma vez
que, como já não era mais governador, não retornaria para a residência
oficial. Assim, o Pará entrou na etapa revolucionária de escolher um novo
representante, tendo para isso se formado uma Junta Governativa,
composta pelo Tenente Ismaelino de Castro, o Capitão de Fragata
Antônio Rogério Coimbra e Dr. Mário Midosi Chermont. Estes nomearam
para os principais postos administrativos os seguintes homens: Padre
Leandro Pinheiro para a Secretaria Geral do Estado, Alcindo Cacella
171
para a Fazenda e outros
172
.
171
Redator-chefe do jornal O Estado do Pará.
172
César Coutinho de Oliveira para a Chefia de Polícia; José Carneiro da Gama Malcher para a
Intendência de Belém, além de outros cargos de primeira importância, como a Procuradoria
Geral do Estado e o Comando da Força Pública.
97
Tomadas as primeiras providências, chegara a Belém em 11 de
novembro, uma comitiva oficial que tinha a incumbência de organizar o
novo governo. Assim, José Américo de Almeida, Juarez Távora, Joaquim
de Magalhães Cardoso Barata, Agildo Barata Ribeiro e Waldemar
Monteiro foram recebidos por Landry Salles, pela Junta Governativa, a
oficialidade recém-nomeada e a população que, curiosa, presenciara a
chegada dos políticos que ‘dariam rumo’ ao governo paraense.
Na nova conjuntura política, os Interventores federais foram
elementos fundamentais na constituição da nação, que, para Ângela de
Castro Gomes, era
pensada como uma coletividade cujo progresso político e
econômico não se vincula à determinação e à participação do
corpo de cidadãos. Estes, na verdade, não seriam capazes de
detectar seus próprios interesses, sendo continuamente
ludibriados pelos profissionais da política liberal. O ‘interesse
geral’ é, portanto, algo divisado pelos que governam, não sendo
fruto da conjunção de interesses individuais livres.
173
Assim, entendemos que, para a boa organização do novo governo, os
Interventores seriam elementos fundamentais, uma vez que a eles era
atribuída a missão de arregimentar forças políticas estaduais, bem como
sua integração a nível nacional.
Feitos os primeiros discursos, os recém-chegados e os revolucionários
paraenses reuniram-se para decidirem o Interventor Federal do Estado,
recaindo a escolha sobre Magalhães Barata, por este ser paraense e o
mais antigo do Exército. Creso Coimbra argumenta que esta escolha foi
feita, dentre os fatores já citados, pela pressão exercida por Barata e
contra a vontade de Juarez Távora, que o considerava impulsivo e
violento. Assim, o novo Interventor tomou posse em 12 de novembro de
1930, com um programa revolucionário para cumprir e com um mandato
temporário que acabara se estendendo pelos próximos cinco anos.
173
GOMES (coord.) Regionalismo e centralização política. Op. cit. p. 32.
98
2.2. – Os novos personagens entram na nova política: do Presidente
ao Padre Prefeito
“Em toda questão política late uma questão teológica.”
(A Palavra, 1933)
Ao assumir a Interventoria paraense, Barata, assim como Vargas,
buscando garantir a sustentabilidade do novo governo inaugurado com a
‘Revolução’ de 30, fez uso de práticas políticas que, por muitos anos, a
historiografia denominou Populismo. Estilo de época, essa “maneira” de
governar consistiu numa aproximação entre o chefe político e o povo.
Grosso modo, trata-se do estreito contato, físico e político entre estes, um
aperto de mão ou uma audiência particular.
No que diz respeito ao projeto político varguista, o que mais nos
chamou atenção foi o esforço do governo em construir uma identidade
para o país, neutralizando
poderes locais que impediam uma orientação unificada na
condução do país. Assim, a emergência da nação moderna,
naquele momento, significava a vitória de uma concepção
altamente centralizada de poder que deveria fortalecer-se para
enfrentar a reação dos poderosíssimos chefes locais.
174
Do ponto de vista econômico, a integração e a consolidação do
Estado-nação seria a “chave do sucesso” da ‘revolução’, pois se
considerou que a nação tinha “necessidade de integração racial e reforço
da unidade territorial, moral, cultural e política.”
175
, mas tinha como maior
empecilho o domínio dos oligarcas que concentravam o poder em suas
174
D’ALÉSSIO. “Estado-nação e construções identitárias. Uma leitura do período Vargas.” In:
SEIXAS. BREPOHL (orgs.) Razão e paixão na política. Op. cit. p. 161.
175
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Propaganda Política e Construção da Identidade Nacional
Coletiva. In: Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/Contexto, vol. 16, n° 31 e 32,
1996; CAMARGO. “A Revolução das elites: conflitos regionais e centralização política.” In:
GOMES (org.) A Revolução de 30. Op. cit. FAUSTO. História do Brasil. Op. cit. FAUSTO. “A
revolução de 30.” In: MOTA, Carlos Guilherme. (org.) Brasil em perspectiva. São Paulo: Difel,
1977.
99
mãos. Assim, Vargas representava os interessados em diversificar a
economia e industrializar o país. Para tanto, era necessário tornar o Brasil,
tão fragmentado, em um só. Este foi o projeto de integração nacional, que
o presidente viria a organizar segundo os interesses e conveniências do
grupo que chegara ao poder, tomando como uma das primeiras
providências a nomeação de Interventores para os estados, para que
pudesse fiscalizar de perto a nova organização da política nacional.
No Pará, o Interventor Magalhães Barata buscou, com suas
atitudes, firmar uma ideologia
176
que prezava pela manutenção do estado
de coisas e pelo apoio – ao menos aparente – de toda a sociedade, para
com o Estado, sendo este revestido de poderes para representar todo
grupo social. Era preciso, portanto, que a sociedade reconhecesse o
Baratismo
177
enquanto regime que representasse seus interesses para
que o Interventor pudesse conduzir com estabilidade o seu governo.
178
176
É operando no campo do imaginário que o Estado procura escamotear o conflito e manter a
aparência de universalidade, ou como diz Marilena Chauí, seria o “ocultamento ou dissimulação
do real”. É justamente nesse ponto que se sustenta o discurso do nacional, pois a ideologia
nacionalista é um discurso unificador e, além de manter a aparência da sociedade
universalizada e individual, transfere os conflitos e as divisões para fora do campo nacional. A
ideologia, segundo a mesma autora, consiste justamente nas transformações das idéias da
classe dominante em idéias dominantes na sociedade. Para que isso ocorra, o conjunto das
idéias e visões de mundo precisa ser convertido em “sendo comum”. É preciso a distribuição
dessas visões de mundo através da religião, da escola, dos meios de comunicação, dos partidos
políticos, etc. Ver CHAUÍ, Marilena de Souza. Cultura e Democracia: o discurso competente.
São Paulo: Cortez, 1990. CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é Ideologia.Coleção Primeiros
Passos. São Paulo: Brasiliense, 1987.
177
Baratismo – nome atribuído ao governo do Interventor Magalhães Barata (1930-1935) no
Pará. Formou-se o “mito baratista”, por sua prática política de agir.
178
Dulce Pandolfi, na obra Regionalismo e centralização política, apresenta uma monografia
intitulada “A trajetória do Norte: uma tentativa de ascenso político”, onde discute o papel da
região mencionada na ‘revolução’ de 30 e os impactos nela provocados, atribuindo
especificidades para cada estado. Apesar de seu foco central ser a análise do estado de
Pernambuco, faz um mapeamento das Interventorias do norte, identificando os Interventores de
Pernambuco e do Pará como os que melhor desenvolveram uma “prática política renovadora,
onde a busca de apoio nos setores urbanos era uma constante.” PANDOLFI, Dulce Chaves. “A
trajetória do Norte: uma tentativa de Ascenso político.” In: GOMES. Regionalismo e
centralização política. Op. cit.
100
O papel da Ideologia nos governos de massas foi sempre, ou quase
sempre, empregada como mecanismo de aquisição de poder
179
. O
domínio do discurso sobre a maioria das pessoas na busca da paz social
criava uma ilusão de que tudo seria resolvido pelo chefe político. Para
isto, entendemos ideologia como a operadora de imagens, criadora de
ilusões, que produz uma determinada visão, sendo aquilo que encanta e,
portanto, esconde a dominação. A ideologia dos anos 30, trabalhada e
bem expressada através da imprensa e outros meios de comunicação
disponíveis, quase sempre ocultava o aparelho de repressão social, que o
Estado personificado na figura do líder, dominava. Diz Jorge Ferreira a
respeito da dominação:
O que importa, aqui, é a sugestão de que dominação de uma
classe social sobre outra não se impõe apenas pela força, pelo
poder repressivo de Estado, como era comum pensar, mas que
sua eficácia ocorre ao se conjugar com as instâncias
‘persuasivas’ da sociedade.
180
O autor considera que não é possível pensar o governo Vargas
somente a partir das estratégias de persuasão, repressão e das idéias
formuladas pelos intelectuais que construíram uma imagem do regime
sem atentar para a ação do povo, suas crenças, idéias e valores, no
sentido de “analisar como os trabalhadores e as pessoas comuns o
receberam, apropriaram-se dele, reagiram e mesmo resistiram a ele
181
,
numa situação de conivência de ambas as partes, nem total manipulação
do governo, nem total alienação dos trabalhadores, conferindo a estes, a
situação de sujeitos históricos atuantes.
179
Expomos a idéia de ideologia para questionar o poder desta diante de um povo que conduz
sua própria história, como discutimos nas linhas anteriores. Não negamos sua eficácia, apenas
indagamos sua predominância, como se os sujeitos não tivessem consciência de suas ações.
180
FERREIRA, Jorge. “O nome e a coisa: o populismo na política brasileira”. In: FERREIRA. O
populismo e sua história. Op. cit. p. 85.
181
FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil – o imaginário popular – 1930-1945. Rio de
Janeiro: FGV, 1997, p. 16.
101
Portanto, reconhecimento de valores, identificação de
interesses e cumplicidade certamente explicam melhor as
relações entre Estado e classe trabalhadora após 1930 do que
tão somente vitimizar os operários, tratá-los como uma
categoria facilmente manipulável pelos ditadores e lamentar
seus supostos ‘desvios’.
182
A partir do exposto por Ferreira e fazendo uma leitura do caso
específico do Pará, identificamos o Major Magalhães Barata como o
símbolo local da conciliação entre o Estado e o povo, o que lhe conferiu
uma certa estabilidade de governo. Outros estudos apontam essa
constância no governo baratista, como Dulce Pandolfi, que afirma que
somente o Pará e Pernambuco tiveram Interventorias estáveis
politicamente no período do Governo Provisório. “Os casos de maior
estabilidade se dão basicamente nos estados onde, apesar do
rompimento com a antiga prática oligárquica, o embricamento do
interventor com as forças sociais é bastante forte”.
183
Essa afirmação pode ser percebida com o desenrolar da
Interventoria de Barata, pois, desde seu início obteve o apoio da maioria
absoluta da população paraense, apoio esse conquistado desde as
primeiras medidas tomadas, como, por exemplo, a volta ao patrimônio do
Estado das terras nas quais estavam os castanhais, regulamentando os
arrendamentos daquela área, pretendendo moralizar a atividade extrativa
que ali se desenvolvia. Essa medida ganhou dimensões por apoiar o
trabalho local e incentivar o desenvolvimento da economia do estado.
Apesar da aparente dominância da Interventoria de Magalhães Barata no
estado, não podemos assumir a hegemonia de seu governo enquanto
182
FERREIRA. Trabalhadores do Brasil. Op. cit. p. 127. Sobre a gratidão dos trabalhadores para
com o presidente ver também FERREIRA, Jorge. “O nome e a coisa: o populismo na política
brasileira”. In: FERREIRA. O populismo e sua história. Op. cit. p. 83.
183
PANDOLFI, Dulce Chaves. “A trajetória do Norte: uma tentativa de Ascenso político.” In:
GOMES. (coord.) Regionalismo e centralização política. Op. cit. p. 351.
102
totalidade, pois, apesar desta ser “sempre dominante, jamais será total ou
exclusiva”.
184
Exemplo da falta de homogeneidade do Baratismo foram as greves
ocorridas em Belém, especialmente em 1934, quando, juntamente com
Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande no Norte, os setores de
transportes, comunicação e bancos organizaram paralisações que
preocuparam o governo.
185
Na tentativa de evitar esses conflitos, o Interventor, logo ao assumir,
procurou desmontar as estruturas políticas sobre as quais se organizavam
os antigos grupos políticos, confiscando o prédio que servia de sede do
Partido Republicano Federal e o jornal que funcionava como seu órgão de
imprensa, o Correio do Pará. Essa atitude nos permite pensar a pressa de
Barata em apagar da memória paraense
186
as estruturas de poder até
então hegemônicas no estado, diluindo, inclusive, o meio comunicativo
desses grupos, que representava uma ligação entre os “derrotados pela
revolução” e o povo que por tanto tempo foi enganado pelos federalistas.
Diz o decreto:
CONSIDERANDO que nesse abismo insondável de
prevaricações, abusos de poder, chantagem e tantos outros
absurdos inconfessáveis, se procurou formar o partido
conhecido por P.R.F. ajeitando em seu seio a criação de um
jornal “O República”, ora “O Correio do Pará”, para o fim
exclusivo de multiplicar favores aos adeptos e felizes dirigentes,
conseguindo verbas do município para o jornal, para eleições,
para festas especiais, e, ainda, para louvaminhas ao governo
que os protegiam.
(...) CONSIDERANDO que todo o dinheiro dessas várias
aplicações representa não só as energias do povo paraense,
184
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p.116.
185
FAUSTO. História do Brasil. Op. cit. p. 358.
186
Além do Correio do Pará, a Interventoria proibiu também, a “circulação dos jornais ‘O Espião’,
de Oscar Santos, e ‘A Pirralha’, de Da Silva Maia, que se dedicavam à exploração de
escândalos da vida particular dos cidadãos”. In: COIMBRA. A Revolução de 30 no Pará. Op. cit.
p. 295.
103
mas o produto dos impostos e taxas arrancadas aos
contribuintes (...) DECRETO:
- Art. 1° - ficam confiscados todos os mecanismos e mais
aparelhamentos de tipografia e oficinas de impressão existentes
no “Correio do Pará”, e assim como o prédio à Rua 13 de Maio,
27, nesta capital, que serviu de sede ao P.R.F., com todos os
móveis e utensílios ali existentes.
187
Ainda em relação às medidas revolucionárias de Barata, uma se
destaca por ter conferido ao Interventor, segundo o jornalista Carlos
Rocque “de imediato, grande popularidade entre os beneficiados e o
começo da surda oposição entre as classes conservadoras”
188
: a questão
da redução dos aluguéis. Esta determinação lhe custou a censura
189
da
classe abastada do Estado, que interpretava a atitude como prejuízo,
dado o peso econômico do decreto.
Justificando a crise econômica pela qual passava o Estado naquele
momento, o Interventor, na tentativa de desafogar as “classes
desprotegidas
190
e atendendo ao problema de moradia das classes
pobres ou remediadas que considerava de alta relevância, determinou a
redução do aluguel dos prédios residenciais. Esta medida, como não
poderia deixar de ser, rendeu enorme prestígio popular a Magalhães
Barata e contribuiu significativamente na consolidação do governo
‘revolucionário’ no Pará, pois, com este decreto, o delegado estadual
aproximara de si a maior parte do eleitorado do estado. Para José Alves
Júnior, essa medida “trouxe grandes dividendos políticos para Magalhães
Barata, cuja popularidade cresceu no seio das camadas populares
187
Decretos e Portarias do Governo do Estado do Pará, de 1929 a 1931.
188
ROCQUE. Magalhães Barata. Op. cit. p. 175.
189
“Censura” e “classe abastada” são termos utilizados pelo jornalista Carlos Rocque, que
escreveu a maior biografia de Magalhães Barata. ROCQUE. Magalhães Barata. Op. cit. p. 174.
190
Termo utilizado pelo Interventor para classificar a população.
104
paraenses, garantindo que pessoalmente fiscalizaria a execução do
decreto”.
191
Eis parte do documento:
Atendendo a que é missão dos governos estudar os assuntos
de interesse primário par ao povo, e, assim como o da
alimentação, portanto, a que o mesmo direito que impulsiona o
poder público para delimitar os preços dos gêneros de primeira
necessidade para a sua manutenção coletiva, é que o mesmo
autorizou este de legislar sobre os aluguéis de casas, decreta:
Art. 1° - Ficam reduzidas de 25% a contar de 1° de dezembro
próximo vindouro as rendas de todos os prédios urbanos
existentes no Estado do Pará, cujos aluguéis mensais forem até
150$000, inclusive;
Art. 2° - Ficam reduzidas de 30% a contar de 1° de dezembro p.
v. as rendas de todos os prédios urbanos existentes no território
do estado do Pará, cujos aluguéis mensais forem de mais de rs.
150$000 até rs. 300$000, inclusive.
192
Quinze dias depois, o Interventor baixou outro ato em
complementação ao primeiro. Nele, definia melhor as condições do
pagamento. Dizia o artigo 1° que o benefício caberia apenas aos que
estivessem em dia com o locador. O parágrafo 1° considerava em dia o
locatário que efetuasse pagamento até o dia 15 do mês seguinte ao mês
vencido. O parágrafo 2° assegurava ao locador todas as garantias
constitucionais estabelecidas pelo Código Civil. Caso houvesse algum
problema, a parte interessada deveria acionar a pessoa do Interventor, o
qual mandaria peritos avaliarem a situação, na condição de que os
interessados estivessem sujeitos à sentença dos avaliadores.
193
Este decreto nos parece interessante para pensarmos sobre a
personalidade política do Interventor paraense. No texto do documento,
191
ALVES JÚNIOR, José. “A Revolução de 30 no Pará: A 1ª Interventoria de Magalhães Barata
(1930-1935).” In: ALVES FILHO, Armando. ALVES JÚNIOR, José. MAIA NETO, José. Pontos de
História da Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2000.
192
ROCQUE. Magalhães Barata. Op. cit. p. 175.
193
Decretos e Portarias do Governo do Estado do Pará, de 1929 a 1931.
105
deixa claro, caso existisse algum impasse, ele mesmo resolveria,
convergindo para si a função de fiscal, quando, na verdade, isso seria
dever dos juízes de Direito. Ao centralizar as decisões, Barata perdera
muito tempo ouvindo os reclamantes – que não foram poucos – e deixara
de analisar outros casos de maior importância. Creso Coimbra diz que tal
centralismo político mostrava avisão limitada que o delegado da
revolução tinha sobre o desempenho da função governamental, e sua
tendência centralizadora, sempre prejudicial no estadista.”
194
O decreto de redução do preço dos aluguéis no Pará, para o
Interventor, não seria tão prejudicial, pois, para os padrões de vida do
estado, uma residência de 250$000 era uma casa “bem paga” e qualquer
outra que ultrapassasse esse valor só poderia ser ocupada por uma
pessoa que “dispunha de capital”, além do que o decreto paraense teve
um caráter mais “liberal” do que nos estados do Amazonas, Pernambuco
e São Paulo, que fizeram o abatimento generalizado em 30%. Estes foram
os argumentos que Barata utilizou para justificar o ato ao presidente
Vargas que o interpelou sobre a redução dos aluguéis, justificando os
preços e defendendo a situação difícil que o povo se encontrava:
ocupadas por gente pobre ou remediada, gente que, em luta
com a crise, reclamava continuadamente contra a alta posta em
prática por diversos proprietários, e que ameaça crescer,
cabendo ao meu governo, atender ao assunto, para dar-lhe um
remédio que considerasse a justiça das reclamações, evitando
abuso por parte dos senhores.
195
Diante dessa situação, cabia ao Interventor aliviar o sofrimento no
qual vivia aquela população, agindo no sentido de dar-lhes melhores
condições de vida. Essa justificativa, dada tanto ao presidente quanto ao
194
COIMBRA. A Revolução de 30 no Pará. Op. cit. p. 282.
195
ROCQUE. Magalhães Barata. Op. cit. p. 176.
106
povo, fez de Magalhães Barata um “mito”, construído, principalmente, pela
inovação de seu governo. Diz Carlos Rocque a esse respeito:
Conseguia (...) admiração do povo dos subúrbios, conseguiu de
igual modo, pode-se dizer, a idolatria do nosso caboclo, do
interiorano (...) percorreu com sua equipe de trabalho, todo o
Pará, de ponta a ponta (...) pela primeira vez, o roceiro, o
pescador, os comerciantes das localidades mais distantes, viam
de perto um governador, apertavam a mão de um chefe de
estado.
196
Além destes, outros decretos revolucionários
197
contribuíram para a
estruturação de um governo assistencialista no Pará e também para a
formação de uma oposição que, aos poucos e silenciosamente, foi se
constituindo no estado. Constituída pelas camadas sociais de maior
renda, estes grupos viam o Interventor afastar-se delas, dados os
decretos que beneficiavam a população de baixa renda, passando a
considerá-lo uma ameaça a seus interesses, tanto políticos como
econômicos.
Os atos desferidos contra as indústrias... ao lado da
redução dos aluguéis... ia criando um descontentamento
crescente no seio das camadas sociais de maior renda,
consideradas erradamente como elites, que viam o Interventor
afastar-se delas, e o consideravam uma ameaça a seus
interesses. Começavam... a fazer contra o governo surda
196
ROCQUE, Carlos. História dos Municípios do Pará. Belém: A Província do Pará/ CEJUP,
1998, p.177-179.
197
Em entrevista concedida a “O Jornal” da cadeia dos Diários Associados do Rio de Janeiro e
transcrita em O Estado do Pará, em 08 de março de 1931, Magalhães Barata argumentara que,
desde o início de seu governo, preocupou-se com o problema da carestia, determinando
algumas medidas que viessem à aliviar as classes remediadas. Seriam elas: “A redução dos
aluguéis de casa, que foi imitada por outros governos; a instituição de feiras livres; a criação de
uma vara judiciária, para dirimir gratuitamente o direito dos pobres; a solução rápida de questões
agrárias, constituídas em maioria pela usurpação por parte dos poderosos; o alvitre, que vai ser
posto em prática, da criação de bondes especiais para operários, tudo isto atesta frisamente que
aqui se cumpre o programa revolucionário”. Isto, aliado ao contato físico entre governante e
governado, conferia, a cada dia, prestígio político ao Interventor, consolidando o ‘programa
revolucionário’ no estado. In: COIMBRA. A Revolução de 30 no Pará. Op. cit. p. 316.
107
oposição, e a tentar criar entraves aos seus propósitos, em
represália à sua orientação política.
Com esse intuito, duas firmas de Belém anunciaram que
iriam reduzir de 25% os salários de seus empregados. O
quantum estipulado de 25% era bem significativo, e referia-se,
com certeza, à redução dos aluguéis decretado poucos dias
antes. Era uma resposta, uma represália, dos proprietários e
comerciantes à medida tomada por Magalhães Barata.
Os prejudicados, na tentativa de recorrer a Barata, fizeram uma
passeata para chamar a atenção da população e do governante, o que
surtiu efeito, pois quando recebidos em sua residência, não hesitou em
afirmar-lhes que não poderia deixar de atender seus apelos e que tomaria
enérgicas providências” que resultaram na anulação da redução dos
salários, dando total assistência aos trabalhadores. Assim em poucas
horas, os comerciários conquistaram uma vitória que seria refletida no
prestígio político ao Interventor junto ao povo.
198
No que diz respeito às medidas que afetaram os industriais,
podemos citar o corte de incentivos dados pelos governos anteriores à
instalação de fábricas no estado. Assim, a Fábrica de Cerveja
Paraense
199
, a Fábrica Palmeira
200
e a fábrica de vidro
201
viram-se em
situação difícil, uma vez que as medidas que Barata vinha tomando iam
no sentido de anular os incentivos às incipientes indústrias que tentavam
se firmar no Estado. Essas atitudes, por uma conseqüência do mercado,
geraria demissões, o que tiraria o poder de compra da população e
agravaria a situação de vida de muitas pessoas, convergindo com alguns
198
Folha do Norte, 10 de dezembro de 1930. In: COIMBRA. A Revolução de 30 no Pará. Op. cit.
p. 287.
199
Na lei que dispensava 10 anos de impostos a esta empresa, havia uma cláusula que
estabelecia que este benefício não poderia ser estendido a nenhuma outra empresa.
200
Fábrica de grande importância neste período que produzia alimentos em geral. Em 1924, foi
incendiada, acidente que levou o governador a isentá-la de taxas e impostos por 10 anos. Esse
período foi considerado demasiadamente longo por Barata, levando-o a revogar o decreto que
beneficiava a referida fábrica.
201
Esta ficou somente no projeto. A lei que concedia 5 anos de isenção de impostos a fábrica de
vidro foi revogada por Barata com a justificativa de que a firma já teria recebido o benefício pelo
mesmo prazo anteriormente.
108
problemas que uma pequena parte da população já vinha sentindo, como
os funcionários públicos, que tiveram seus cargos reduzidos e foram
proibidos de acumular cargos, afetando, principalmente, os professores.
Ainda sobre a estreita relação entre o Interventor e a população,
escreveu Clóvis Meira, em “Barata, no centenário de nascimento”, que era
capaz de gestos e atitudes as “mais simples e humildes”, inclusive de
sentar em um banco tosco, tomar café, beber água em uma cuia, e
mesmo comer do almoço simples que lhe era oferecido.
202
Essa
simplicidade lhe conferiu, em suas andanças pelo interior, grande número
de pessoas ao seu redor, momento em que “botava o verbo(...).
Linguagem simples, muito bem apreendida e compreendida, o que
intrigava aos seus opositores, que não conseguiram imitá-lo ou copiá-lo.
A visão que os populares tinham ia no sentido de ser ele a
esperança dos que necessitavam de proteção, “falando como alguém
jamais falou aos seus caboclos
203
. fazendo dele uma espécie de “pai dos
pobres”, procurando manter contato direto com a população, recebendo
os trabalhadores de diversas categorias, os quais faziam pedidos e
queixas. Inaugurou o “governo itinerante”
204
, que percorria subúrbios e
interiores, levando médicos, alimentos, roupas, dentistas e todo tipo de
assistência à população carente. “Magalhães Barata inaugurou um novo
estilo de administração, que constituía um elo de ligação muito forte com
as massas. A interiorização de seu governo foi uma forma inovadora.
205
No que se refere ao posicionamento da Igreja Católica quando do
movimento de 30 no Pará, temos como expoente o Padre Leandro
202
MEIRA, Clóvis. Barata, no centenário de nascimento. Belém: Imprensa Oficial, 1989, p.57.
203
Idem.
204
RODRIGUES, Denise de Souza Simões. Pará/1935: um estudo sobre liderança e conflitos.
Rio de Janeiro: Imprensa Universitária, 1978.
205
LIMA, Maria Inez Oliveira de. Magalhães Barata: um líder populista no Pará (1930-1935).
Monografia apresentada ao Curso de História para obtenção do Grau de bacharel e licenciado
em História. Belém: UFPA, 1999, p. 89.
109
Pinheiro
206
, paraense, ordenado em Roma em 1916, pertencente ao Clero
Secular do Estado
207
, destacando-se por seus envolvimentos na política
partidária e simpatizante da causa ‘revolucionária’ em 30. Quando ainda
se organizava o movimento no estado, Padre Pinheiro chegou a ser preso
sob acusação de esconder o tenente Magalhães Barata por “15 dias
208
,
no Asilo de Alienados, quando este oficial, fugido da prisão, estivera em
Belém para entrar em contacto com os demais companheiros de
conspiração e articular o movimento.
O jornal Folha do Norte publicou uma reportagem em 05 de
setembro de 1930, sobre este acontecimento, registrando vários títulos
para a matéria, a fim de chamar a atenção para a importância do fato.
Diziam as manchetes da reportagem:
Pretendiam subverter a ordem publica e implantar, no
Estado, um regimen de insegurança e de terror.
Perspectivas de um movimento sedicioso, tramado na
sombra, e que a polícia paraense conseguiu destruir em poucos
instantes, com a detenção da figura principal.
O tenente Barata, chegado ha dias por avião sob nome
supposto, foi preso, bem como o padre Leandro Pinheiro, que o
occultava no presbyterio do Asylo de Alienados.
A ‘FOLHA DO NORTE’, que primeiro noticiou a chegada e
estadia do antigo official revolucionario no Pará, relata os
acontecimentos de hontem.
209
206
“Nasceu em Quatipurú, Pará, em 23 de maio de 1893, estudou no externato Paixão e
Seminário Maior (Pará), formou-se pela Universidade Gregoriana de Roma Bacharel e
Licenciado em Teologia. Doutorando em Medicina Veterinária da Faculdade de Agronomia do
Pará. Sacerdote agrônomo e Prefeito Municipal de Belém. Foi Secretário Geral do Estado de 24
de outubro de 1930 a 13 de novembro de 1930. Foi sócio do Clube 3 de outubro e 24 de
outubro. Pertenceu a Sociedade Beneficente Artística Paraense e foi membro do Instituto
Histórico e Geográfico do Pará, membro da comissão executiva do Partido Liberal do Pará.” In:
Personalidades do Brasil. The British Chamber of Commerce. São Paulo.
207
Anuário da Archidiocese de Belém – Pará – Anno de 1935. Documento Arquivado na
Biblioteca da Arquidiocese de Belém.
208
“A projectada mashorca ...” . Folha do Norte, Belém, 06 de setembro de 1930.
209
“Pretendiam subverter a ordem publica e implantar, no Estado, um regimen de insegurança e
de terror.” Folha do Norte, Belém, 05 de setembro de 1930.
110
A quantidades de ‘chamadas’ nos leva à algumas reflexões sobre a
organização do “movimento subversivo
210
no Pará. O primeiro título é o
mais destacado, tratando da pretensão de realizar um movimento político
que traria “insegurança e terror” para o Estado, além de desestruturar a
ordem pública. O segundo destaque tratava sobre o movimento que fora
tramado na sombra”, mas a eficácia da polícia paraense fora superior,
descobrindo os planos dos sediciosos e prendendo a figura principal que,
segundo o jornal, seria Magalhães Barata, que chegara ao Pará
clandestinamente, com nome falso e, escondido no Asilo de Alienados, foi
preso juntamente com o padre Leandro Pinheiro.
Além de todas essas informações nos títulos das reportagens, a
Folha dera destaque para o fato de que era aquele jornal o primeiro que
noticiara a “chegada e estadia do antigo official revolucionario no Pará.” O
restante do texto trata da ação bem sucedida da polícia paraense na
busca pelo tenente e a ligação deste com a “antiga Alliança Liberal”.
A polícia, com tenacidade, perseguia as suas diligencias
visando especialmente conhecidos elementos perturbadores da
ordem publica, e hontem, depois de grandes esforços,
conseguiu ter indícios do paradeiro do tenente Barata.
(...) Dessa conferencia resultou ser dada uma busca no
presbytero do Asylo dos Alienados, onde reside o padre
Leandro Pinheiro, conhecido como propagandista
revolucionário e cujas ideas, francamente anarchistas, pregava
na praça publica.
211
O padre Pinheiro, desde o início, teve parte na conspiração e
ajudava os tenentes revoltosos, numa atitude eminentemente pessoal de
contribuir para o processo revolucionário, ação esta que não condizia com
o comportamento dos religiosos do estado que deveriam estar de fora dos
210
Idem.
211
Idem.
111
acontecimentos políticos, daí ser visto como inimigo duplo: em função da
política e da sua atitude subversiva enquanto religioso.
Enquanto a ‘revolução' estava em curso, o superior de Pinheiro era
Dom Irineu Joffily, que esteve à frente da Arquidiocese paraense entre
1925 e 1930, quando viajou para o sul do país
212
, de onde não mais
retornou, renunciando ao cargo. Por isso, optamos por não discutir a
presença deste bispo no processo revolucionário, dados os não-
esclarecimentos sobre sua presença no estado.
Nos dias subseqüentes, a Folha do Norte fizera publicar uma série
de três reportagens
213
sobre “As monstruosidades do comunismo”,
endereçadas ao padre Leandro Pinheiro e a seus companheiros de
insânia. A primeira trata mais diretamente do que teria levado Padre
Pinheiro e o tenente Barata a envolverem-se no movimento subversivo,
assim já denominado pelo jornal. Com um recado “especial” para o
religioso, o periódico perguntara ao leitor quem sabia das “ideas por que
se bate, o sr. Padre Leandro Pinheiro, que perdeu, há muito tempo, o
‘controle’ da sua cabeça, dos seus sentimentos e do apreço que deve às
funções de seu elevado sacerdocio?
214
, ‘jogando’ para o indivíduo a
responsabilidade de responder o que acontecera com a mente do
sacerdote para que enveredasse pelo campo da desordem, da política
subversiva.
212
Há controvérsias sobre a data de saída de Irineu Joffily do estado. Dom Alberto Ramos, em
Cronologia eclesiástica da Amazônia, data sua retirada em dezembro de 1930, enquanto que
Creso Coimbra, baseado em reportagem da Folha do Norte de 09 de outubro de 1930, diz que
Joffily esteve no Palácio do governo congratulando o governador Eurico Valle por este ter
vencido os revoltosos, ao passo que O Liberal, de 19 de março de 2001, que tratou do legado do
bispo, noticiou que estivera afastado desde setembro de 1930. Conferir RAMOS, Dom Alberto
Gaudêncio. Cronologia Eclesiástica da Amazônia. Manaus: Tipografia Fenise, 1952, p. 77.
COIMBRA. A Revolução de 30 no Pará. Op. cit. p. 190. “O legado de Dom Irineu Joffily”. O
Liberal, Belém, 19 de março de 2001.
213
Esse foi o número de reportagens com o mesmo título que encontramos na Folha neste
período. Todas tem o mesmo título e são endereçadas ao Padre Leandro Pinheiro e a seus
companheiros de insânia. Esse número pode ser maior, pois há uma falha na seqüência dos
jornais microfilmados que encontramos tais reportagens.
214
“As monstruosidades do communismo – ao sr. Padre Leandro Pinheiro e aos seus
companheiros de insânia”. Folha do Norte, Belém, 06 de setembro de 1930.
112
A continuação da matéria trata do caso da Rússia, exemplo de país
devastado pela “monstruosidade” do comunismo, argumentando que este
é um dos peores systemas do socialismo. Este toma vários
nomes, em conformidade com os seus objetivos, que se
confundem, entretanto, numa só palavra – a destruição (...)
Qualquer que seja a mascara em que occulte a face, é o
monstro de cem garras implacáveis, espoliando, iniquamente, o
homem de suas terras producção, capitães, instrumentos de
trabalho...
215
De todas as fontes analisadas para esta dissertação, esta é a única
que faz algum tipo de ligação entre um dos religiosos que estudamos e o
comunismo. A reportagem não chega a chamá-lo de comunista, porém
endereça-lhe textos que tratam da situação na qual a Rússia comunista se
encontrava, na esperança de convencê-lo de que esta não dera certo com
o regime citado, falando de crianças abandonadas e outras criminosas,
doentes e mal cuidadas, sem educação, mulheres a serviço de todos os
homens, férrea censura na imprensa, liberdade total dos bens materiais,
como se nada fosse de ninguém e a desordem reinasse.
216
Todos esses
exemplos tinham o intuito de levar o padre a pensar sobre sua postura
política diante da conjuntura russa e retornasse à sua missão sacerdotal.
Apesar disso, reafirmamos, em nenhum momento o padre é taxado de
comunista ou algo parecido, o adjetivo mais próximo foi publicado na
reportagem de 05 de setembro, quando a Folha dissera que pregara
idéias “francamente anarchistas”. A seguir, mais trechos da primeira
reportagem sobre as “monstruosidades do comunismo”:
A base do communismo é a servidão e a espoliação... Ele
maneja os utensílios do vandalismo contra a essência da ordem
215
Idem.
216
Idem. “As monstruosidades do communismo – ao sr. Padre Leandro Pinheiro e aos seus
companheiros de insania.” Folha do Norte, Belém, 09 de setembro de 1930.
113
tradicional, reduzindo tudo a nada, convertendo a sua presa a
servo da gleba, a besta de carga, sem energias sem
capacidade para se dirigir por movimentos próprios.
Ninguém pode dizer: isto me pertence – [pessoa ou
haveres] porque ninguém, na realidade, é dono de coisa
alguma.
A mulher que nas sociedades civilisadas é objecto de
attençoes e [cuidados] particulares, passa à categoria
egualmente de bem commun, do qual cada homem tem o
direito de se utilizar, conforme as Theorias de Fourier na sua
“Associação Universal.
217
Enquanto o movimento acontecia de fato, o padre passou a ser
procurado enquanto um dos organizadores e, depois de esconder-se por
algumas horas, se apresentou ao chefe de polícia e foi recolhido ao
quartel do Esquadrão de Cavalaria da Brigada Militar do Estado.
218
Com a saída de Eurico Valle e a suposta vitória da revolução, a
Junta Governativa nomeou para o cargo de Secretário Geral do Estado o
Padre Leandro Pinheiro, cargo que ocupou por pouco tempo, pois, com a
chegada de Magalhães Barata e a organização do novo governo, o padre
foi nomeado Prefeito de Belém. Este fato provocou incômodos entre este
e o poder eclesiástico paraense, pois os religiosos com poderes mais
concentrados não aprovava o envolvimento de um religioso no processo
revolucionário, atitude esta que causou desconforto na Cúria belenense,
chegando a ponto de o Padre-prefeito oferecer suas provisões ao
bispado, assinando como padre e como prefeito da capital, dando-lhes a
oportunidade de afastá-lo ou não das atividades sacerdotais, uma vez que
as provisões são renovadas anualmente. Nestas, o religioso pede para
que continue com a mesma responsabilidade que exercera no ano que
findara. No caso da provisão de Leandro Pinheiro em fins de 1930, além
de pedir a mesma missão, deixa nas mãos do clero secular qualquer
decisão que pudesse ser tomada a seu respeito.
217
Idem.
218
Folha do Norte, 05 de outubro de 1930. In: COIMBRA. A Revolução de 30 no Pará. Op. cit. p.
146.
114
O abaixo assignado sacerdote do clero secular desta
Archidiocese, vem mui respeitosamente, depositar em mãos de
V. Ex. Rvdma. as suas provisões do corrente anno e ao mesmo
tempo pedir a renovação das mesmas, caso não mande V.
Excia. o contrário.
Esperando deferimento,
Belém, 31 de dezembro de 1930.
Pe. Leandro Pinheiro
Prefeito Municipal de Belém.
219
Em 1933, já no bispado de Dom Lustosa, Padre Pinheiro ainda
encontrava-se envolvido na política. O referido bispo, incomodado com
isto, visto ter que responder por todos os religiosos da Arquidiocese,
aproveitou a oportunidade de renovação das previsões para enviar
correspondência de “caráter íntimo” – segundo as palavras de Lustosa – a
Pinheiro, recomendando-lhe uma reflexão sobre sua condição religiosa e
política, não renovando suas provisões. Consideramos que essa atitude
por parte do bispo foi autoritária e transpareceu a rigidez com que a Igreja
Católica paraense conduzira não apenas sua imagem como a postura
religiosa de seus sacerdotes.
Devo confessar que não tive coragem de assinar suas
novas provisões. Não quero dizer com isso que V. Rm. ficará
sem o uso de ordens. O que quero é deixar todo o anno desta
tremenda responsabilidade sobre a consciência de V. Rm..
Portanto, si V. Rm. póde em consciência
exercer as ordens de
que, no ano passado, tinha faculdades pra exercer, eu, por
enquanto, não lhe proíbo o uso dos mesmos.
220
Lustosa justifica sua atitude reconhecendo o esforço de Pinheiro em
continuar com suas atividades sacerdotais, mas não considerava
suficiente para um dever de religioso, o qual deveria ter dedicação
219
Carta de Leandro Pinheiro a Dom Lustosa – 31 de dezembro de 1930. Documento arquivado
na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Correspondências Recebidas. 1700 a março de
1953.
220
Carta de Dom Lustosa ao Padre Leandro Pinheiro – 10 de janeiro de 1933 – sobre seu
envolvimento na política partidária e as implicações disso para com seus deveres religiosos.
Grifo do autor. Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In:
Correspondências Expedidas. 1700 a 1979.
115
exclusiva para a evangelização, deixando a política para os outros
homens.
O bispo lamentara mais ainda a falta de clero na região, o que
limitava a área da atuação católica no estado
221
. Pensava nas “almas
necessitadas de consolidação de fé”. Não bastasse isso, o referido padre
ainda enveredara pelo campo da política. Essa atitude, que Pinheiro
insistia em seguir, levou Dom Lustosa a pedir-lhe uma reflexão sobre o
caminho o qual seguira e assim perceber que caminhava para uma
direção errada e, por seu respeito e caráter, se libertar dele, a fim de que
ele não precisasse tomar alguma providência que viesse a ameaçar sua
missão sacerdotal, pois, a continuação daquela situação não seria
possível, dado o mal que estaria fazendo a si próprio e a outras pessoas
que se viam incomodados por seus desvios.
... peço-lhe, pelo amor de Deus, não me obrigue a lançar
mão de alguma medida enérgica.
Em má hora V. Rm. enveredou pela politica tão nociva a
sua alma (...) Qualquer sacrifício que V. Rm. faça é pequeno
para reabilitar o seu nome e reparar o mal que tem feito tantos
com a impressão que causa seu procedimento.
222
Diante da continuação das atividades políticas do Padre Pinheiro,
Dom Lustosa enviou outra correspondência – que não foi publicada –
evidenciando o cansaço em “chamar ao bom caminho” o padre e que
suas “boas promessas de emenda de vida” estavam sendo desmentidas
221
Sobre esse assunto Lustosa tratara todo o seu governo na Arquidiocese paraense. Exemplo
do ‘chamado’ e incentivo aos jovens religiosos é a Circular n° 11, de 28 de fevereiro de 1933,
onde convoca uma reunião para “prover o futuro da Archidiocese ameaçado por falta de
sacerdotes (...) é indispensável conseguirmos auxilio pra a reforma do predio do seminario, da
Igreja do seminário – Santo Alexandre – e sobretudo para custear a educação dos seminaristas
que, ao menos nos primeiros tempos, serão pobres, na quase totalidade.” Uma outra Circular –
n° 23, de 09 de julho de 1934, chama atenção para o problema das vocações sacerdotais.
Nesta, Lustosa fala da proporção de “1 sacerdote para umas 23.000 almas! Levando-se em
conta ainda a extençao territorial, difficuldades de communicações, desigualdade de distribuição
dos sacerdotes entre a população – pode-se ter alguma idéa da premente necessidade que
temos do augmento de clero.
222
Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Correspondências
Expedidas. 1700 a 1979.
116
por “fatos graves”. Baseado nessas argumentações, o bispo, nas suas
atribuições de líder religioso e condutor dos princípios católicos no estado,
viria, com aquela carta, punir Padre Leandro por sua atuação política, na
tentativa de que ele se arrependesse de sua militância e voltasse
exclusivamente para suas atividades religiosas. Vejamos a seguir a carta
na íntegra:
Fazemos saber que tenho sido baldados nossos reiterados
esforços para chamar ao bom caminho o Padre Leandro
Pinheiro, desta Arquidiocese, residente nesta Capitã, e que
suas boas promessas de emenda de vida foram ainda
ultimamente desmentidas por fatos graves, com grande somos
obrigados, com grande pezar somos obrigados a confirmar a
‘pena de suspensão a divinis
’, que já lhe haviamos inflingido, e
a tirar dessa pena os limites que lhe haviamos assinado, pois
só vigorava nas paroquias desta cidade – é o que fazemos com
as presentes letras .
Queira Deus misericordioso tocar o coração de [to] infeliz
sacerdote.dando-lhe sincero arrependimento, afim de que ele
possa ainda reparar os escândalos e conseguir a salvação de
sua alma.
223
Assim, podemos pensar o Padre Leandro Pinheiro como exemplo
de reação política de uma parcela do clero paraense diante da posição da
Igreja católica paraense de sempre estar ‘de fora’ da política, ao menos
declaradamente, configurando-se uma exceção, que, levado por motivos
pessoais e de pensamento, esteve diretamente envolvido na organização
do movimento de 30 no estado, sendo preso e assumindo cargos
administrativos no governo e na prefeitura de Belém, sendo um
representante de uma minoria religiosa que sustentou uma posição
política que não estava de acordo com aquela que seria mais conveniente
para a Igreja naquele momento. Essa atitude incomodou os que estavam
no poder, os quais denominavam “ordem” a sua própria situação de
dominância.
223
Carta endereçada ao Padre Leandro Pinheiro, punindo-o pela sua infiltração na política.
Escrita por Dom Lustosa, foi enviada em 09 de outubro de 1933. Documento arquivado na
Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Correspondências Expedidas. 1700 a 1979.
117
2.3. – A Recristianização da sociedade: o assistencialismo religioso
de Dom Lustosa
Cada tempo tem sua marca específica, definida
pelas ações dos sujeitos históricos e pelos valores
que o conformam.
224
A atitude hostil da alta hierarquia do clero paraense para com o
padre Pinheiro justifica-se, dentre outros fatores, pelos direcionamentos
religiosos que o catolicismo vinha recebendo desde o final do século XIX.
Tratava-se do processo de Romanização ou Reforma Católica, sendo este
o esforço da Igreja Católica em fortalecer a religião no sentido
institucional/sacramental do termo, incentivando as vocações religiosas –
e, naquele contexto, padre Leandro Pinheiro estava indo de encontro às
atividades sacerdotais, afastando-se desta para exercer funções políticas,
atitude que a Igreja interpretou como se estivesse renegando a batina. Tal
movimento era direcionado apenas aos ensinamentos e dogmas
religiosos, procurando consolidar a instituição eclesiástica, mantê-la
neutra em assuntos de política, enfraquecendo a devoção popular, vista
como “‘adoração’ de figuras e imagens dos santos, que iam além do
conceito teológico católico de render mais que homenagem, sendo mais
semelhante à idolatria
225
, não legitimando a prática de outros rituais que
exigissem algum tipo de devoção. Tratava-se de uma reforma moral e
intelectual do clero e da melhoria dos seminários e seminaristas. Aliado a
isso, os bispos reformadores procuravam trazer o maior número de
sacerdotes estrangeiros para ajudar no trabalho de mudança da Igreja,
procurando disciplinar os centros populares de devoção.
Essas ações estavam direcionadas pela Igreja européia
romanizada, a qual seguia o modelo tridentino que, segundo Fernando
224
NEVES, Lucília de Almeida. Trabalhismo, nacionalismo e desenvolvimentismo: um projeto
para o Brasil (1945-1964). In: FERREIRA. O populismo e sua história. Op. cit. p. 170.
225
MAUÉS. Uma outra “invenção” da Amazônia. Op. cit. p. 123.
118
Torres-Londoño, tanto o Concílio de Trento quanto o Concílio de Latrão
tentaram afirmar a Igreja
entre os poderes civis por meio da autoridade papal e do poder
dos bispos. Os sacramentos como espaço privilegiado da fé, a
reforma do clero pelo incremento de seminários, a autoridade
plena dos bispos, a paróquia como célula básica da Igreja e a
visita pastoral como instrumento corretivo de abuso.
226
Com essas metas a serem cumpridas, a Reforma Católica
procurava legitimar os dogmas do catolicismo e do celibato e fazer
propaganda antiliberal, enquanto a Restauração Católica consistiu na
legitimação efetiva dessa religião, fazê-la reconhecida pela sociedade e
junto ao Estado
227
. Riolando Azzi escreve que não se trata de
restabelecer o “modelo antigo de Igreja, e sim procurar fortalecer o poder
espiritual e, ao mesmo tempo, colaborar com o Estado na manutenção da
ordem pública, aproximando, efetivamente, a instituição religiosa da
instituição política.
Segundo o antropólogo Raymundo Heraldo Maués, que estuda,
dentre outras formas de religiosidade, a Romanização na Amazônia
228
, a
Reforma interessava ao governo
como um meio de afastar o clero urbano da política, em vista de
suas idéias liberais (...) Havia nesse período uma concordância
básica entre o poder civil e o eclesiástico, sendo a Igreja então
considerada como o sustentáculo da ordem estabelecida.
229
Um dos bispos reformadores que mais se destacaram nesse
processo, no Pará, foi Dom Irineu Joffily, terceiro arcebispo do Pará, o
qual empreendeu insistente prática romanizadora no estado, dirigindo a
226
TORRES-LONDOÑO. Fernando. A outra família – Concubinato, Igreja e Escândalo na
Colônia. São Paulo: Loyola, 1999, p. 121.
227
Mas não na prática, como agiu o Padre Leandro Pinheiro.
228
MAUÉS, Raymundo Heraldo. Padres, pajés, santos e festas: catolicismo popular e controle
eclesiástico. Um estudo antropológico numa área do interior da Amazônia. Belém: CEJUP, 1995.
MAUÉS. Uma outra “invenção” da Amazônia. Op. cit.
229
AZZI, Riolando apud MAUÉS: 1995, p. 22.
119
Arquidiocese de Belém entre 1925-1931 e incentivando ações religiosas
que reforçaram a presença católica no estado, como a construção do
Colégio Nazaré e a entrega do Colégio do Carmo para os Salesianos.
Realizou visitas pastorais, abriu freguesias, benzeu muitas pias batismais
e insistiu no funcionamento do Seminário Arquidiocesano, mas o mau
funcionamento impediu este de continuar funcionando. Apesar de sua
formação humanística e progressista, logo arrumou celeuma com os
paraenses ao proibir a tradicional corda no Círio e, por conta da
indisposição que este fato resultou, afastou-se do cargo em setembro de
1930 e renunciou ao cargo em maio do ano seguinte, deixando o
episcopado paraense vacante por alguns meses até a chegada de Dom
Lustosa. Nesse período, o Vigário Capitular, Argymiro Pantoja, respondeu
pela Arquidiocese, mas não desenvolveu nenhum trabalho pastoral que se
compare às ações que Lustosa empreendeu desde que chegou no Pará,
em dezembro de 1931.
230
Foi embebido nesse contexto que Dom Antônio de Almeida Lustosa
chegou a Belém no início da década de 30, apresentando um projeto de
mudança para toda a Arquidiocese, como publicou o jornal católico A
Palavra, em 20 de dezembro de 1931:
Nossa fé deve tornar-se sentimental e mais viril, menos
externa e mais medular. O dever social, a boa imprensa, as
mutualidades e a evangelização dos pobres e, em geral, as
obras de assistência são manifestações de fé, manifestações
essas que não podem ficar no segundo plano.
231
Para Paulo Fernando Diel, “era necessário também, reformar o
imaginário religioso do povo, substituindo suas crenças de cunho
devocional, leigo e familiar, por expressões religiosas de caráter mais
230
Informações encontradas na reportagem “O legado de Dom Irineu Joffily”. A Palavra, Belém,
19 de março de 2001.
231
“Dom Antônio de Almeida Lustosa toma posse na séde belemense.A Palavra. Belém, 20 de
dezembro de 1931, p. 01.
120
clerical, com ênfase no aspecto sacramental.”
232
Essa necessidade de
mudança na prática religiosa norteou os trabalhos de Dom Lustosa no
Pará, pois uma prioridade de seu bispado foram as visitas pastorais que
realizou pelo interior do estado, a fim de concretizar o catolicismo
tradicional, entendido aqui como a Igreja enquanto instituição
sacramentada – templo, padres, freiras, sacramentos. Assim, os fiéis
ficariam mais voltados para as atividades religiosas dentro da Igreja e não
se preocupariam com outros assuntos, como a política.
Nessas condições, Dom Lustosa criou em torno de si uma
admiração muito grande por parte do povo. Considerado um intelectual
233
,
no sentido de ter um vocabulário nem sempre acessível ao conhecimento
dos interioranos, fato este que aumentava a admiração e a persuasão de
sua palavra, a qual procurou convencer
234
o interiorano, dando espaço
para o prelado injetar na mente do caboclo o apoio à ordem instituída,
uma vez que lhe era vantajoso perpetuar o governante, dada a
assistência
235
que recebiam da Interventoria. Em seus discursos e
pregações, sempre encontrava espaço para lembrar das vantagens da
manutenção do estado de coisas, além de afastar idéias que não lhe
interessavam, como o comunismo e o protestantismo. Sobre esta religião
escreveu Lustosa em seu livro “À Margem da Visita Pastoral”:
232
DIEL, Paulo Fernando. “A paróquia no Brasil na restauração católica durante a primeira
República.” In: TORRES-LONDOÑO(org.). Paróquia e comunidade no Brasil. Op. cit. p. 145.
233
Antônio Gramsci, depois da experiência de 10 anos encarcerado pelo governo fascista de
Mussolini, retomou seus estudos sobre religião. Nesse sentido, ao interrogar-se sobre o papel
dos clérigos na sociedade, “esclarece a noção de intelectual, isto é, o produtor de ideologia.
Com isso, Lustosa configura-se como um produtor da ideologia católica, a qual tinha um empatia
pelo corpo de idéias que o governo carregava, logo, o discurso católico contribuía com o Estado
na preservação da hierarquia social. Para saber mais, ver PORTELLI, Hugues. Gramsci e a
questão religiosa. Prefácio. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 12.
234
Convencer, neste caso, refere-se ao controle de opiniões que o bispo promovia em parceria
com o Estado. Difundir em seus sermões as boas ações do governo e a preocupação da Igreja
Católica em assistir/atender esse povo ajudava a criar, na mente do interiorano, um cenário
agradável para aquela ordem social, repugnando a idéia de alteração social. Portanto, uma
possível mudança no quadro político poderia manchar/atrapalhar o trabalho de assistência
desenvolvido pelos padres e principalmente pelo Estado, nas figuras de Lustosa e Barata,
respectivamente.
235
É certo que toda a população não teve essa assistência. Referimo-nos à grande maioria das
pessoas que o assistencialismo de Barata alcançou.
121
O paraense é naturalmente avesso ao protestantismo.
Apesar da propaganda que os norte-americanos fazem das
doutrinas nefastas do protestantismo, muito pouco conseguiu
difundir-se em nosso meio.
(O TUPINAMBÁ – 1935 – p. 170)
Havia em Curral Panema uma família humilde, nascida e
criada na religião católica. A grande falta de sacerdotes que
tanto se lamenta nesta Arquidiocese, faz que nesse e noutros
lugares a população rural fique privada de instrução religiosa.
Porém, o dólar norte-americano derrama por toda a parte
improvisados “pastores” onde não há sacerdote para impedir
que os erros da seita iludam os pobres moradores do interior
das paróquias. Coisa lastimável porque a missão protestante se
reduz a substituir, no máximo, crença por crença. Eu disse, no
máximo, porque geralmente o que essa propaganda faz é
destruir a fé.
Não faz muito, um deputado norte-americano, clamava
contra este trabalho, lançando em rosto aos protestantes a obra
nefasta de destruição da fé que eles realizam nos países da
América, lançando-lhes na alma a semente da dúvida.
Infelizmente, nossos patrícios da zona rural, sem meios de se
defender, do embaixador da verdade, por vezes cai vítima
desses emissários.
(OS INDESEJÁVEIS – 1932 – grifos nossos, p. 366)
É importante perceber como o bispo justifica o crescimento do
protestantismo: de um lado, o apoio financeiro e o discurso dos “pastores”;
de outro, a carência religiosa do povo, desassistida pela falta de religiosos
católicos, cenário propício para a ‘disseminação’ de posturas religiosas
diferentes das idéias da Igreja Católica, pois para alguns clérigos, o
protestantismo fazia parte de “um plano norte-americano para dominar a
América Latina e destruir o Catolicismo, e o espiritismo era uma
expressão da ignorância religiosa popular.
236
Notamos, também, o
investimento feito pelo “dólar norte-americano” em enviar “improvisados
pastores” para propagar a “missão protestante”. O bispo justifica o
crescimento do protestantismo não apenas pela facilidade financeira do
que o próprio Lustosa chama de “seita”, como pela falta de religiosos que
236
MAINWARING. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). Op. cit. p. 54.
122
defendam os “pobres moradores do interior das paróquias”, denunciando
uma falta de estrutura – humana ou financeira – por parte da Igreja
Católica no Pará e que tentava amenizar com suas ‘idas e vindas’ pelo
interior do estado, buscando reafirmar o catolicismo em um espaço
carente de instrução religiosa.
Um outro ponto que podemos destacar das linhas de Lustosa são
os objetivos desses pastores. Por duas vezes, o bispo fala em ‘destruição
da fé’ e trata o protestantismo como ‘seita’, condenando veementemente a
missão protestante”, uma vez que semeavam a dúvida nos interioranos,
que ora sentiam-se fervorosamente católicos, ora se viam ‘desassistidos’
pela própria religião, dada a falta de sacerdotes. Além da religião
protestante, o bispo ainda “enfrentava” o conhecimento que hoje
conhecemos como ‘popular’, natural, tradicional.
Sobre este mesmo assunto, Lustosa expediu uma Circular, em 28
de junho de 1935, a qual reafirmava seu pensamento da dificuldade de
dar assistência a toda população rural e reconhecia o ‘fio’ de devoção que
o povo ainda carregava:
Impressionante o estado atual da nossa população rural!
Realmente causa compaixão o abandono espiritual em que se
encontra grande parte de muitas das nossas paróquias. Nosso
povo conserva ainda alguma fé de maneira quasi miraculosa. E
de que se alimenta essa fé?
237
Na continuidade da Circular, o bispo especula o que poderia manter
viva a fé do interiorano, pois a assistência religiosa quase não chegava
aos lugares mais longínquos e muitos quase não praticavam os
sacramentos católicos, salvo o batismo, que se constituía uma prioridade,
pois sem este, o indivíduo seria pagão, não existindo aos olhos de Deus.
Além de reconhecer o esforço da fé, admite que as novas gerações “se
torna um pouco menos que pagã” e que, para aumentar ainda mais a
237
Circular n° 34, de 28 de junho de 1935.
123
preocupação dos religiosos católicos em “dar conta” do todo populacional,
havia a presença dos “propagandistas protestantes”, uma vez que estes
dispunham de uma certa facilidade para deslocarem-se e se fazerem
presentes nas bimbocas paraenses,
primeiro porque contam com o dollar norteamericano, depois
porque é fácil estipendiar um pastor que se improvisa de um dia
para outro. Um homem quasi analfabeto que decóre dous
textos biblicos e saiba deblaterar contra o clero, os sacramentos
etc. não é difícil encontrar. Além desse perigo protestante, vê-
se a pobre fé do nosso povo assediada pelos erros funestos do
espiritismo que, sob fórmas diversas, serpenteia no interior.
238
Além da crítica que Lustosa faz à preparação ministerial dos
missionários protestantes, a Circular chama a atenção para o zelo que os
católicos deviam ter para com os interioranos, alertando para a
importância do “trabalho de desobriga”, que consiste em cumprir o mínimo
que a Igreja Católica prega em relação aos sacramentos: a confissão e
comunhão no mínimo, uma vez no ano. Essa atitude revigoraria a fé do
povo e incentivaria outras práticas católicas, como o catecismo, a
organizações de associações e a fundação de novas capelas
239
, práticas
essas que seriam resultado da boa organização do trabalho de desobriga,
sendo “benefícios incalculáveis” para a sustentabilidade do catolicismo
nos espaços onde a assistência religiosa era deficiente.
238
Idem. Lustosa trata especificamente sobre o Espiritismo na Circular n° 26, de 23 de setembro
de 1934, argumentando que “Que se segue dahi para os catholicos? 1) Nenhum catholico póde
ser espirita, sob pena de ser excluído dos sacramentos da Igreja. 2) Um catholico não póde
assistir a sessões espiritas, nem por méra curiosidade, nem com assistencia, meramente
passiva. 3) Não póde consultar medicos espiritas nem usar remedios espiritas. 4) Não póde
auxiliar, de qualquer maneira, as instituições, asylos, hospitaes, etc., mantidos pelo espiritismo.
(...) Promettamos a Deus acatar as suas prohibições, que veem através da Igreja, e fujamos do
espiritismo tão nefasto às nossas almas.
239
A fundação de capelas tinha uma outra face: reuni-las em torno de uma paróquia. Assim, a
paroquialização alcança, teoricamente, o controle da religiosidade popular ao passar para a
jurisdição do vigário, mas não extingue as práticas, as quais resistem bravamente à tentativa de
controle eclesiástico. Para aprofundar o estudo sobre a integração dos leigos na estrutura
hierárquica católica, conferir OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de. Religião e dominação de classe.
Gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985.
124
Além do combate ao protestantismo, também procurou afastar
outras formas de expressar a religiosidade como, por exemplo, a
pajelança. Vejamos o que o bispo escreveu em “À Margem da Visita
Pastoral”:
Numa das práticas ao povo, o Exmo. Sr. Arcebispo
lamentando alguns extravios da fé, verberou fortemente a
pajelança, pondo a calva à mostra aos pajés que não falecem
na zona. Deu-se, porém, o caso de estar presente, entre os
ouvintes, um conhecido pajé da vizinhança, o qual teve de ouvir
quietinho os encômios à sua arte.
(DO JABUTI AO PAJÉ – 1932, p. 318)
Além dessa prática, percebemos que a droga, a gramática, a
religião, a geografia e o “linguajá” são assuntos bastante presentes nos
escritos de Dom Lustosa sobre a população do interior do estado, que, por
estar desamparada da religião e carente de assistência religiosa,
encontrava-se à margem das práticas católicas e, conseqüentemente, à
margem da visita pastoral do bispo.
A particularidade das ações de Lustosa converge com algumas
práticas do Interventor Magalhães Barata (1930-1935), quando o primeiro
viajou pelo interior do Estado a fim de verificar as condições religiosas do
povo interiorano. Para tanto, palmilhou grande parte do território da
Arquidiocese em visitas pastorais, percorrendo sedes paroquiais, vilas e
povoações, no cumprimento dos deveres de guia espiritual. Seu discurso
carregava uma nova mensagem religiosa com fundo político, no sentido
de combater tudo que viesse a ameaçar o Estado de direito. Para Teresa
Malatian, “houve uma dada atuação católica na política republicana,
mediante utilização de espaços institucionais e apoio da hierarquia, no
sentido conservador/contra-revolucionário.
240
Assim, a Igreja contribuía
240
MALATIAN, Teresa. “O ‘Perigo Vermelho’ e o Catolicismo no Brasil”. In: MALATIAN,
Teresa.(org.) As múltiplas dimensões da política e da narrativa. Franca: UNESP, 2003, p. 173.
Teresa Malatian, neste trecho, cita o trabalho de Rodrigo Patto sobre anticomunismo no Brasil.
125
na manutenção da ordem, uma vez que tratava-se de um momento de
reaproximação entre a instituição religiosa e política, de um momento de
encontros e afinidades ideológicas e, dentre estas, o anticomunismo
241
,
tratando o ideário comunista como atitude corrompida do homem.
Numa das primeiras Cartas Pastorais, datada de 1932, o bispo
dissera que
é impossível reformar o Brasil sem reformar os seus homens.
Por melhores que sejam as leis, por mais modernos e práticos
que sejam os métodos, por mais engenhosos que sejam os
sistemas de administrar, de fiscalizar, de desenvolver
indústrias, de difundir o ensino, etc., tudo é tempo perdido se o
caráter, a consciência do homem estiver corrompida.
242
Assim, com essa linguagem, a Igreja contribuía com o Estado na
preservação da ordem pública, afastando idéias que oferecessem perigo
ao governo, pois, ao abençoar a consciência limpa tanto na religião
quanto na política, o bispo afastava a possibilidade da existência de uma
oposição ao governo, afirmando que a fé é que faria transformações,
deixando sub-entendido que uma mudança de governo poderia afetar a
vida daquele povo. Alceu Amoroso Lima escrevera anos depois algo que
já se praticara no Brasil em nome do processo romanizador: “... a grande
força que une realmente os homens é a fé religiosa
243
.
Todos esses atos foram facilitados pelo “governo itinerante” de Dom
Lustosa, que viajou de barco, canoa, carroça ou mesmo a pé. Essa
“mobilidade” do governo partiu do Interventor Magalhães Barata. Ir ao
povo, ouvi-los e resolver pequenas “pendências” entre as pessoas
aumentou o carisma que o chefe político ia conquistando a cada visita.
241
A Igreja sempre se mostrou contrária ao comunismo, por este pregar a liberdade religiosa e,
muitas vezes, o ateísmo, Direitista e conservadora, segundo Rodrigo Motta, a Igreja lançava
encíclicas que deveriam orientar os católicos a não se envolverem com os comunistas. Sobre
esse assunto, consultar a Encíclica Rerum Novarum, de 1891, quando do pontificado de Leão
XIII e Quadragesimo Anno, de 1931, com Pio XI.
242
LUSTOSA, Antônio de Almeida. Carta Pastoral. Belém: 1932. (Saudando a seus
Diocesanos), p. 05.
243
LIMA, Alceu Amoroso. Pela união nacional. São Paulo: José Olympio Editora, 1942. p.47.
126
Dessa mesma maneira agiu Lustosa. Um bispado “praticamente móvel”,
aonde o chefe religioso ia ao encontro do povo, na tentativa de reforçar o
catolicismo daquela população, afastando, assim, os espectros de outras
religiões e de idéias consideradas “extremistas”.
No caso do bispado de Dom Lustosa, a ideologia católica – de
ordem, anticomunismo
244
, avessa a atitudes extremistas e a toda
transformação social que não lhe reconhecesse – esteve o tempo todo a
serviço da estrutura varguista de governo. Sua mensagem religiosa
também levava esse tipo de discurso, o qual os fiéis ouviam e tinham por
verdade, já que provinha das ‘sábias palavras’ de um sacerdote
245
. Assim,
Dom Lustosa, além da reza, ‘semeava’ um discurso de ordem nas suas
andanças pelo estado, tanto no interior quanto no meio urbano, do
ribeirinho ao operário da cidade
246
.
Nas cidades, as ações políticas de Lustosa concentravam-se no
operariado, pois este era o “alvo” preferido das “bandeiras” comunistas e
anarquistas, as quais a Igreja combatia ferrenhamente. A Confederação
Nacional dos Operários Catholicos tinha por objetivo impedir o
crescimento dessas frentes e controlar ideologica/mentalmente os
trabalhadores, no sentido de serem apenas mão-de-obra trabalhadora,
não reivindicando qualquer ação, discussão ou transformação social,
repulsando a idéia de revolução. “O Estado deveria proibir opúsculos
244
Entendemos que, ao ter atitudes semelhantes às de Barata (governo itinerante), Dom
Lustosa também prezava pela sustentabilidade do governo, contribuindo com o Estado na
manutenção da ordem social, procurando afastar em seus discursos, o espectro da revolução,
do comunismo e, principalmente, desequilibrar possíveis idéias que pudessem ameaçar a
manutenção do estado de coisas. Assim, o discurso do prelado também procurava evitar a
aceitação comunista, evitando, portanto, a contestação da estrutura vigente.
245
Sobre o dever e poder de discurso de um prelado, ver Encíclica Ad Catholici Sacerdotii, de
1935, Pontificado de Pio XI, sobre o sacerdócio católico: “Os lábios do sacerdote devem guardar
a ciência e é de sua boca que requererão a lei... deve possuir plenamente a doutrina da fé e da
moral católica, deve sabê-la propor aos outros, deve saber explanar aos fiéis os dogmas, as leis,
o culto da Igreja de que é ministro”. Documentos de Pio XI. Documentos da Igreja. São Paulo:
Paulus, 2004. p. 484.
246
Sobre este o bispo escreveu uma Carta Pastoral tratando do regulamento das fábricas no
Pará. Por considerarmos não relevante para este trabalho, não exponho a Carta expedida pelo
bispo.
127
incendiários de inspiração marxista, em tom capaz de excitar nas massas
tendências à atuação violenta.
247
Em relação à admiração que o bispo causava nos interioranos, vale
percebê-la nas anotações deixadas por Lustosa:
Em várias localidades pequenas, os habitantes viram pela
primeira vez o Senhor Arcebispo; não tinha havido ainda visita
pastoral à povoação. Era então interessante ouvir como se
dirigiam ao Prelado os humildes habitantes do interior. Algumas
vezes o tratamento era ‘Vossa Alteza’, outras ‘seu Vigário’,
outras ‘Vossa Majestade’ ou ainda ‘Padre Mestre’. Houve um
bom homem que se dirigiu a S. Excia. Dizendo: ‘Divino Mestre’...
(PELO INTERIOR – 1932. p. 395-396)
Além dos apontamentos reunidos em “No estuário amazônico - à
margem da Visita Pastoral”, o bispo deixou outros variados escritos,
dentre eles, a biografia de Dom Macedo Costa,
248
prelado que no final do
século XIX, à frente da Diocese de Belém, enfrentou a Maçonaria e foi um
dos protagonistas da chamada Questão Religiosa, o que de certa forma
veio a contribuir na queda do regime imperial. A inspiração e relevância
dessa obra para Dom Lustosa concentram-se no fato de Macedo Costa
ter sido grande ativista religioso-político naquela época e ter enfrentado o
poder central com “atitude de lutador
249
, defendendo e assumindo suas
convicções religiosas. Esta é, segundo Ernesto Cruz, a maior obra de
Lustosa e este é, “da história que conta dos bispos, (...) a que mais é
recheada de adjetivos.
250
Inicialmente, parece ser contraditório Dom Lustosa escrever a
biografia de Macedo Costa e reprimir a atuação política de padres que
247
FAUSTO. O pensamento nacionalista autoritário. Op. cit.
248
Bispo que foi perseguido e condenado pelo Império por combater a Maçonaria no Pará.
Contribuiu na política do Estado, mas não rejeitou sua condição de prelado. Exemplo para os
olhos de Dom Lustosa, a biografia de Dom Macedo Costa é referência para os estudos desse
bispo e um dos mais importantes livros de Lustosa.
249
LUSTOSA, Antônio de Almeida. Recordando o Cincoentenario da morte de D. Antonio de
Macedo Costa – 10° Bispo do Pará. Belém: Comissão pro comemoração do cincoentenario,
1941. Documento Arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém, p. 15.
250
CRUZ, Ernesto. História do Pará - I. Belém: UFPA, 1963.
128
estavam sob seu comando, como Leandro Pinheiro e José Maria do Lago.
Faz-se necessário esclarecer que a atuação política de Macedo Costa se
fez por este tentar seguir as recomendações romanizadoras de expulsar
das Irmandades religiosas os membros maçons e ter travado embates
com o poder imperial, defendendo seu dever religioso de expulsar os
envolvidos da Maçonaria, sendo condenado a quatro anos de prisão,
juntamente com o bispo de Olinda, Dom Vital de Oliveira.
Érika Amorim, na dissertação “O cotidiano da morte e a
secularização dos cemitérios em Belém na segunda metade do século
XIX (1850/1891)”, escreve que a questão “que envolveu o ‘heróico’ bispo
do Pará deve ser entendida por meio da necessidade da sociedade
brasileira e paraense de combater excessos de ‘religiões’ que não
representavam os interesses nacionais de uma sociedade”.
251
A questão que fez Lustosa admirar a atuação religiosa e política de
Dom Macedo Costa reside no fato de este ter enfrentado o poder imperial
por ter insistido em seguir ar recomendações vindas da Santa Sé, que
seria expulsar os maçons das Irmandades. Como tal atitude feriu muitos
interesses e apenas Macedo Costa e Dom Vital reafirmaram sua postura
enquanto chefes religiosos, levando às últimas conseqüências sua missão
religiosa.
2. 4. – Religião e Religiosidade em Dom Lustosa
“A fé paraense requer um pouco mais de religião e
um pouco menos de religiosidade...Outra tarefa que
se impõe é a unificação dos catholicos. Nosso povo
251
SILVA, Érika Amorim. O cotidiano da morte e a secularização dos cemitérios em Belém na
segunda metade do século XIX (1850/1891). Dissertação. São Paulo: PUC/SP, 2004. p. 130.
Para saber mais sobre a vida religiosa de Dom Macedo Costa, ver CAVALCANTE, Patrícia
Carvalho. A atuação de Dom Macedo Costa no Projeto de Romanização, na Província do Pará.
Monografia. Belém: UFPA, 2002.
129
tem fé, innegavelmente... Falta, apenas, tornar mais
coheso o rebanho.”
(“Dom Antônio de Almeida Lustosa toma posse da
séde belenense”. A Palavra, Belém, 20 de dezembro
de 1931)
O jornal católico A Palavra não poupou elogios na chegada do novo
bispo do Pará, fazendo de sua posse o início de um tempo recheado de
promessas ao povo católico paraense. O jornal publicara, em primeira
página, um extenso texto sobre as atribuições do bispo e as duras tarefas
que o esperavam na Diocese de Belém, dentre as quais a falta de
seminários e de padres.
Definido como prefeito espiritual da região... um pontífice que vem
a ser um magistrado sacro... juiz supremo no religioso... dono da
arquidiocese
252
Lustosa configurou, naquele momento de conflitos
religiosos e políticos
253
, a esperança dos católicos que buscavam a
tranqüilidade espiritual e política pois, as contendas com a Corda do Círio
e o fechamento do Seminário dividiram as opiniões do meio eclesiástico
no estado. Lustosa chegara com a promessa da mudança na
Arquidiocese, “em circunstâncias difíceis” e com uma “crise” na Igreja
local. O jornal considerava a maior delas a falta de padres. Enquanto na
capital a dificuldade para se conseguir um sacerdote para rezar uma
missa de sétimo dia era grande, no interior “a situação é francamente de
arrepiar
254
, uma vez que existiam uma infinidade de freguesias sem
vigário. Essa deficiência dispersava ainda mais os religiosos que ficavam
sem assistência da fé católica e acabavam desligando-se das práticas
252
“Dom Antônio de Almeida Lustosa toma posse da séde belenense”. A Palavra, Belém, 20 de
dezembro de 1931, p. 01.
253
No final da década de 20, ainda no episcopado de Dom Irineu Joffily, a Igreja paraense
sofrera alguns baques, como o fechamento do Seminário Arquidiocesano pelo bispo e a questão
da corda do círio, que provocou intrigas entre o bispo, o governo de Dionísio Ausier Bentes e o
Interventor Magalhães Barata.
254
“Dom Antônio de Almeida Lustosa toma posse da séde belenense”. A Palavra, Belém, 20 de
dezembro de 1931, p. 01.
130
católicas e buscando outras crenças, como a religiosidade popular, o
protestantismo e o espiritismo.
Outro grande problema que o bispo encontrou foi o Seminário com
as portas fechadas. Apesar dos esforços de seu antecessor, Dom Irineu
Joffily, não foi possível mantê-lo aberto. Segundo o jornal, o colégio era
desorganizado, que parecia mero recolhimento de meninos, não
sementeira de vocações”. Sendo assim, foi encerrado para conter as
despesas, que eram muitas e os resultados, praticamente inúteis.
Em 15 de março de 1933, Lustosa reabriu o Seminário Nossa
Senhora da Conceição, entregando-o com um contrato de vinte anos, à
Congregação dos Padres Salesianos. Essa atitude lhe rendeu
consideráveis prestígios religiosos e políticos na sociedade paraense,
uma vez que incentivara a formação sacerdotal dos jovens e prestara
grande benefício para o povo católico que, a partir daquela data, podia
contar com a colaboração dos Salesianos e dos jovens que ali seriam
formados.
255
Desabafou o bispo na reabertura do Seminário: “Afaga-nos a
esperança de despertar, em todos os bons, vivo interesse pela causa da
reconstrução do nosso clero, numericamente reduzido ao extremo.
256
Assim Dom Lustosa assumiu a Arquidiocese de Belém, em meio a
dificuldades que foram amenizadas por seus objetivos de aumentar a
presença da religião católica, enquanto instituição, na vida do paraense.
Esse plano consistiu no esforço do bispo de visitar os confins do estado,
lugarejos nunca antes visitados por um sacerdote, para conferir a situação
da fé do povo, das condições católicas que eram apresentadas e tomar
providências para elevar a devoção dos fiéis.
Consideramos importante discutir a terminologia de alguns termos
na concepção de Dom Lustosa. Baseados em seus discursos e seus
255
ROCHA, Hugo de Oliveira. O Seminário de Belém em comemoração aos sessenta anos de
sua última reabertura. Belém: Falângola, 1993. p. 54.
256
LUSTOSA, Antônio de Almeida. Carta Pastoral por Ocasião da reabertura do Seminário – 15
de março de 1933. Belém: Papelaria Suisso, 1933.
131
escritos, inferimos que a “religião”, discursada pelo bispo, remete a idéia
da presença eclesiástica – associações, prelazias, seminários – pelo
estado, no sentido oficial, institucional/sacramental do termo, enquanto
“religiosidade” refere-se à religiosidade popular, da devoção sem o
acompanhamento de um religioso ‘oficial’, sem o comando de alguém
sacramentado, pois o bispo visitou lugares longínquos e até ‘esquecidos’
pelos prelados anteriores. Era necessário recuperar a essência da religião
em espaços impregnados de religiosidade, mas sem macular a devoção
do povo
257
.
Esse era o maior desafio da recatolização da Igreja, pois nesse
movimento de arrebanhar mais fiéis e/ou reconquistá-los, o clero não
aprovava as práticas da religiosidade popular, o que certamente o impediu
de “‘conquistar mais almas’. As massas, mais distantes do que nunca da
Igreja institucional, continuaram a buscar expressões religiosas fora do
âmbito da Igreja.
258
Entendemos a particularidade das ações de Lustosa em função da
situação na qual se encontrava a população. O bispo procurou valorizar a
linguagem, enriquecer o discurso e reconquistar os fiéis que já estavam
distantes da prática católica. Sua simples presença garantia o retorno à
religião sacramentada. Talvez por isso Dom Lustosa procurou caracterizar
com detalhes todas (ou quase todas) as comunidades pelas quais passou,
singularizando “seus valores, suas convenções de comportamento, o
caráter e a importância de certos relacionamentos”, registrando
cuidadosamente suas visitas pastorais, destacando a particularidade
conferida a cada local, procurando agir de acordo com o ambiente ou
257
Essa preocupação, presente desde o início de seu bispado, também pode ser pensada a
partir dos escritos de David Garrioch, que anos mais tarde, escrevera: “nenhum tipo de
comunicação verbal ou não-verbal, pode ser entendido sem referência ao contexto social no
interior do qual é produzido.” In: GARRIOCH, David. “Insultos verbais na Paris do século XVIII”.
In: BURKE, Peter e PORTER, Roy (orgs.) História Social da Linguagem. São Paulo: UNESP,
1997. p.138.
258
MAINWARING. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). Op. cit. p. 52.
132
situação vivente. Sobre as visitas pastorais, publicou A Palavra em 29 de
julho de 1933:
a quem já se deu o esporte de perquirir a alma do nosso
caboclo e sabe como é difficil e delicada essa tarefa,
surpreende a copia numerosissima de informações curiosas e
interessantes colhidas pelo sr. Arcebispo, cuja posição, por
certo, lhe tolhiam a liberdade dos expedientes e acanhavam,
sem dúvida, o bisonho sempre informante sempre esquivo e
desconfiado.
259
No interior, o discurso voltava-se mais para o apelo da religião –
enquanto instituição sacramentada –, visto a necessidade de reafirmar o
catolicismo nas “bimbocas”
260
paraenses, carentes de assistência religiosa
e deficiente de lideranças preparadas pela própria Igreja, o que acabava
levando muitas pessoas a desligarem-se, em certo modo, do catolicismo,
e buscarem uma religiosidade própria, de caráter mais popular,
constituindo um misticismo religioso, que Dom Lustosa preocupava-se em
retardar, pois a religiosidade popular era vista pelo bispo como “desvio”
religioso, uma vez que as práticas católicas confundiam-se com um
catolicismo popular. Aumentar e divulgar a religião católica em si,
reafirmaria a crença na Igreja. Lustosa não objetivou destruir a
religiosidade do povo, mas buscou freá-la com a presença da religião
institucional e sacramentada, alimentada por suas visitas pastorais e
esforço constante de assistencialismo católico, na tentativa de diminuir a
religião “doméstica, de ‘muito santo e pouca missa’
261
. Na Carta Pastoral
que saúda os diocesanos, disse o bispo:
O maior benfeitor da nossa pátria será o homem, será a
instituição que infundir a Religião na conciencia dos nossos
homens. Só assim estes cumprirão seus deveres. Pois todos os
259
“À margem da visita pastoral.” A Palavra. Belém, 29 de julho de 1933.
260
Termo utilizado por Lustosa para referir-se ao interior do estado, principalmente aqueles mais
longínquos.
261
BEOZZO. “A Igreja entre a Revolução de 30, o Estado Novo e a redemocratização.” In:
FAUSTO. História Geral da Civilização Brasileira. Op. cit. p. 280.
133
desastres de um pôvo nascem da falta do cumprimento dos
deveres, falta que se não corrige sinão pela conciencia formada
nos princípios e na prática da nossa Santa Religião.
262
As ações pastorais de Dom Lustosa refletiram, portanto, as
preocupações do Episcopado brasileiro – colaborar com a ordem social e
institucionalizar a religião –, cuja unidade era garantida pela liderança do
cardeal Leme. E essa influência não deixava de alcançar as paróquias do
interior do estado, tanto para fiéis quanto para os padres, os quais, de
algum modo, acabavam estabelecendo relações estreitas com os
governos locais, procurando colaborar com os mesmos.
Esta religião, bastante particular em sua prática, comandada por
Dom Lustosa, encontra semelhanças com o estudo da religião enquanto
aspecto político discutido por Antônio Gramsci, que a vê como um
aparelho ideológico do Estado, e assim como não existe na instituição
política, a religião não tem uma unidade ideológica, sendo dividida em
sub-religiões, entendendo-a como um conjunto ideológico heterogêneo,
composto pelas vozes dos “diversos grupos que formam a massa dos
fiéis
263
. Sendo assim, a prática religiosa é específica de cada lugar,
particular em sua devoção, em função do local que é apresentado.
Portanto, o Pará se configura como um lugar de muitas singularidades
para a realização de atividades pastorais, dadas as dificuldades que o
espaço geográfico apresenta, daí a necessidade do bispo de conhecer as
condições em que se apresentavam a fé do povo, entendendo as
múltiplas formas de religiosidade do paraense, atendendo do paroquiano
da capital, habituado à instituição religiosa ao ribeirinho que acreditava e
praticava as superstições populares, que podiam ser as rezas das
benzedeiras, os banhos de ervas, os rituais sincréticos para afastar
espíritos, os atrativos amorosos e outros tantos que misturam a prática
262
LUSTOSA. Carta Pastoral. Op. cit. p.05.
263
PORTELLI. Gramsci e a questão religiosa. Op. cit. p. 38.
134
católica com os rituais herdados dos africanos e indígenas que viveram
naquela região.
Toda essa tentativa de manutenção das “práticas habituais
264
e
tradicionais da Igreja fez-se necessária pela sobrevivência da religião, por
uma unidade ideológica – mesmo que aparente – pela permanência da
maioria católica no estado, pela hegemonia da religião tradicional. Esse
projeto de reafirmação e reconquista dos fiéis converge com o processo
de Romanização que, tendo direcionamentos vindos da Santa Sé,
recomendava aos sacerdotes que procurassem institucionalizar o
catolicismo, levando ao povo sua presença concreta, com clérigos, muitos
destes vindos de fora do Brasil, com uma base moral bastante sólida,
intensos trabalhos pastorais e sacramentos, para que o indivíduo visse e
sentisse a presença da religião – católica – em seu cotidiano.
Para Carlos Móises Rodrigues, um outro recurso do processo
romanizador, foi a centralização do poder em torno do bispo Diocesano, o
qual pode ser comparado com o poder e influência dos políticos. Segundo
o autor,
tal centralização foi operada por meio da intensa criação de
novas dioceses por todo o território brasileiro, reestruturando
significativamente a administração eclesiástica. O bispo no
âmbito mais central e o pároco como seu representante nas
diversas paróquias das freguesias do bispado passavam a
exercer uma autoridade compatível com a dos políticos.
265
Foi seguindo tais recomendações que Dom Irineu Joffily e Dom
Lustosa empenharam-se em romanizar o Pará, num momento em que a
Igreja Católica buscava moralizar o clero e fazer-se reconhecida perante a
sociedade com a prática mais intensa dos sacramentos e incentivando
novas devoções, como a do Sagrado Coração de Jesus e da Imaculada
264
Idem. p. 132.
265
RODRIGUES, Carlos Moisés Silva. No tempo das Irmandades: cultura, identidade e
resistência nas irmandades religiosas do Ceará (1864-1900). Dissertação. São Paulo: PUC/SP,
2005. p. 140.
135
Conceição, numa tentativa de diminuir a devoção aos santos populares,
como Santo Antônio, São Sebastião e São Benedito.
Também as festas são romanizadas. Exclui-se do espaço
das igrejas matrizes festas como a de Folia de Reis, Folia do
Divino, as Festas Juninas, as Congadas de Minas. As festas
das novas associações religiosas são promovidas e apoiadas
pelo clero e têm especial relevância na vida paroquial.
A romanização tal e como foi realizada junto à população
num período curto de tempo (1880-1920) e continuada na
época da Restauração foi “violenta”, coercitiva e impositiva.
Desmantelar as práticas religiosas do povo, substituindo-
as por uma religiosidade baseada nos sacramentos, não
respondia à experiência histórica do povo brasileiro.
266
Com essas afirmações, José Manuel Castillo nos leva a pensar que
a romanização não ocorreu sem resistências. A iniciativa de trazer novas
congregações, religiosos estrangeiros e substituir crenças devocionais
populares fez com que a população se sentisse invadida em suas
devoções, resistindo bravamente em suas práticas religiosas,
especialmente no norte do Brasil, onde a carência de padres no interior se
mostrava de maneira mais expressiva.
Assim, não podemos afirmar que o processo romanizador obteve
sucesso em sua totalidade, uma vez que foi praticado de maneira
específica, lidando com particularidades regionais que foram sentidas
quando o povo se mostrou firme em sua crença, continuando a praticar
um catolicismo híbrido, carregado de simbologias próprias.
Rubem Alves, em “O que é religião”, discute a questão da
simbologia na religião. O ‘ver’, ‘sentir’, ‘participar’ faz parte da religião, pois
esta é uma
teia de símbolos, rede de desejos, confissão de espera,
horizonte dos horizontes, a mais fantástica e pretenciosa
tentativa de transubstanciar a natureza.
266
CASTILLO, José Manuel Sanz del. “O Movimento da Reforma e a ‘paroquialização’ do
espaço eclesial do século XIX ao XX”. In: TORRES-LONDOÑO (org.). Paróquia e comunidade
no Brasil. Op. cit. p. 115.
136
Não é composta de itens extraordinários.
coisas
a serem consideradas: altares, santuários,
comidas, perfumes, lugares, capelas, templos, amuletos,
colares, livros...
... e também gestos
, como os silêncios, os olhares, rezas,
encantações, renúncias, canções, poemas, romarias,
procissões, peregrinações, exorcismos, milagres, celebrações,
festas, adorações.
267
Tudo que envolvesse uma simbologia católica estava presente nas
ações do bispo. Incentivar a prática religiosa realizando atividades ligadas
à Igreja – enquanto instituição – dava vigor à visita pastoral, edificava a fé
do povo e amenizava os abusos contra o catolicismo. Altares enfeitados,
batizados e casamentos seguidos de comemorações familiares sempre
marcavam aquele momento sagrado, de vivência da fé. Quase sempre
sob o comando paroquial, os fiéis esperavam ansiosamente pelo dia da
visita, que se constituía em dias de festa católica. Aliado ao clima que
essas ações proporcionavam, os sermões de Dom Lustosa eram um outro
marco. Erudito, de aparência séria, mas sempre disponível, tinha um
discurso com um vocabulário rico, o que confundia – pela complicação de
suas palavras – e encantava os ouvidos de quem o ouviam. Era no
momento de falar que Lustosa reafirmava suas intenções de aproximar o
povo da religião, sempre com palavras de conforto e compromisso
religioso, convocando os fiéis para assumirem os trabalhos pastorais,
principalmente com as crianças, pois estas é que perpetuariam o vínculo
cultural da família para com a Igreja. Disse Lustosa em uma Circular: “As
creanças bem cuidadas espiritualmente são a mais bela esperança da
paróquia... é indispensável o catecismo espiritual.
268
A valorização da
família também era presente nos apelos para o incentivo às vocações
sacerdotais.
267
ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense, 1984. Coleção
Primeiros Passos. p. 22-23.
268
Circular n° 65, de 30 de novembro de 1939.
137
No Pará, o jornal católico A Palavra, sempre a serviço do bispo, foi
o maior divulgador de seus escritos e de sua intelectualidade. Publicava
as Cartas Pastorais redigidas nas visitas pelo estado, as quais duravam
cerca de um mês a um mês e meio. O jornal noticiara o dia de saída e
chegada, o que era rigorosamente anunciado e esperado pelos fiéis
belenenses, como se sentissem falta do chefe religioso. Com tantas
viagens, podemos pensar o episcopado de Dom Lustosa como um
governo um tanto vacante na capital. Foram mais de 300 visitas pelo
interior do estado, com duração de 30 dias, em média. Os articulistas
sempre faziam referência a algum acontecimento religioso ou a alguma
data comemorativa nas quais a ausência do prelado é notória, apesar dos
esforços do vigário capitular, Argymiro Pantoja.
269
Dessas viagens, resultou uma espécie de “diário de bordo”, onde
Dom Lustosa registrou cada visita. Ora como carta pastoral, ora apenas
como informativo, esses registros, foram primeiramente publicados no
jornal católico A Palavra, sob o pseudônimo de “Um Excursionista”
270
.
Num segundo momento, reunidos em pequenos volumes, “À Margem da
Visita Pastoral” reuniu esses escritos do bispo durante os 10 anos de seu
episcopado. Tal obra foi reeditada pelo Conselho Estadual de Cultura,
com um novo título: “No Estuário Amazônico – À Margem da Visita
Pastoral”. Segundo Maria Annunciada Chaves
271
, trata-se de um “conjunto
de apontamentos” feitos por Lustosa, rico nos detalhes dos costumes, da
botânica, da geografia e do “linguajá” do povo. Descreve minuciosamente
os altares enfeitados, as curiosidades gramaticais, demonstrando vasto
conhecimento sobre os “furos e igarapés”, detalhando a geografia da
269
O esforço de “estar presente” na vida da população era reforçado pela imprensa católica, que
para Gramsci, é um dos pilares de explicação da posição conservada da Igreja na sociedade
moderna. In: PORTELLI. Gramsci e a questão religiosa.Op. cit. p. 145.
270
Dom Lustosa sempre escreveu na 3ª pessoa e com pseudônimo, para que os leitores
pensassem ser anotações de um acompanhante de viagem, e não o próprio bispo.
271
Na época da publicação do livro, Maria Annunciada Chaves atuava como Presidente do
Conselho Estadual de Cultura e, por sua condição, redigiu a apresentação do trabalho.
138
região. A seguir, trechos das literárias Cartas Pastorais de Dom Antônio
de Almeida Lustosa:
Pixé, pitiú e iaca (inhaca no Ceará) são vocábulos muito
usados pelo nosso caboclo como sinônimo de fétido. São
termos empregados como substantivos. Diz-se, por exemplo:
não como esta caça porque tem muito pitiú
. Entretanto, pitiú se
emprega também como adjetivo. Diz-se na frase acima tem
muito ou é muito pitiú
. (PALAVRAS E EXPRESSÕES – 1934)
(LUSTOSA, 1976, p.39)
Nada tem de exagerada uma frase como esta: A muça
não
trabalha puco
. De manhã tuma a vassura e varre a casa
tudinha
. Depois leva a tirar água do puço e enche o pote até a
buca
; com a escuva limpa os fatos e as butinas. De tarde vai
utra
vez ao puço; depuis vai levar os duis buis p’ra o pasto e vai
comprar biscuitos
p’ro avú. Huje mesmo ela fui à puvuação e
vultou
. (PRONÚNCIA DIGNA DE ESTUDO – 1933) (LUSTOSA,
1976, p.58)
- Tem semente a pupunha?
- As pequenas não têm. As grandes têm um caruço
duro;
dentro do caruço
tem uma massa branca que é duce cumo
cuco (COM OS FILHOS DOS PESCADORES – 1932)
(LUSTOSA, 1976, p.195).
... nesta viagem pelo Salgado vim a saber que o povinho
humilde e pobre também cultiva o vício elegante. É triste,
profundamente triste, mas inegável. E a classe mais vitimada
pelos terríveis tóxicos é a dos pescadores.
Não se cuide, porém, o comércio clandestino da cocaína.
A coca aqui em uso é a “liamba”. Para usá-la, fazem cigarros
depois de seca, apenas com o que já ficam embriagados. O
mesmo cigarro costuma perambular de boca em boca. O efeito
mais comum do entorpecente traduz-se por um sorriso alvar de
contentamento inconsciente. E casos têm havido de loucura
permanente em conseqüência do terrível vício. (A LIAMBA –
1932) (LUSTOSA, 1976, p.30)
Neste último caso, Dom Lustosa ‘descobre’ que as drogas rondam
até os simples pescadores. Surpreende-se com o preparo artesanal, com
a coletividade no uso, com a embriagues momentânea que causa e que
pode levar a “crimes bárbaros” e a loucura. A “birra”, assim também
139
chamada, é negócio lucrativo, haja vista que seu plantio não tem custo
alto e seu contrabando rende um bom dinheiro. Em função da extensão
do espaço amazônico, a polícia não dá conta de combater todos os focos
da droga, o que facilita seu cultivo e venda clandestinos.
Como “prestação de contas” das Visitas Pastorais, fazia publicar n’A
Palavra uma tabela com os municípios visitados, com o número de
casamentos, confissões, crismas, batizados, comunhões, os números dos
doentes sacramentados e, principalmente, as associações fundadas por
ocasião da visita.
272
Entendia que, assim, mostrava à população que sua
ausência não era em vão, que desenvolvera intenso trabalho de
assistência religiosa pelo interior, levando a religião às “bimbocas”
paraenses.
É notório perceber que o objetivo romanizador do bispo “casou-se”
exatamente às carências da Arquidiocese. Para dar conta de sua missão,
expediu Circulares que discorriam sobre a falta de sacerdotes para o
trabalho de propagação da fé católica, tentando incentivar as vocações
sacerdotais e pedindo ajuda financeira para sustentar os seminários,
como diz a Circular n° 47, de 16 de novembro de 1936, de caráter
confidencial:
Nesta Arquidiocese o cultivo das vocações corresponde a uma
necessidade tão premente que se não cuidarmos com todas as
forças de reconstruir o nosso clero, não poderemos sustar o
mal imenso que já é um fato em muitas das nossas paróquias –
conseqüência do abandono das almas por falta de sacerdotes.
O cultivo das vocações importa a manutenção do nosso
seminário (...) isto nos obriga a apelar para a vossa caridade.
273
272
Exemplo dessa “prestação de contas” está em A PalavraDomingo, 30.04.33, sob o título:
“Archidiocese de Belém – Visitas Pastorais de 1932. – I parte” e na Circular n° 67, de 16 de abril
de 1940. Esta, já no fim de seu governo arquidiocesano, apresenta um breve relato das 266
visitas que já realizara no interior.
273
Circular n° 47, de 16 de novembro de 1936. Ainda sobre a falta de clero na região, ver
Circular n° 23, de 09 de julho de 1934, Circular n° 64, de 30 de setembro de 1939. Diz esta:
Cumpre interessar vivamente os pais e mães de família bem como os meninos, os católicos em
geral pela magna questão da deficiência de clero e inadiável necessidade do cultivo das
140
Além deste apelo de caráter sacerdotal, Dom Lustosa também
procurou incentivar as associações e irmandades religiosas, para que os
interioranos pudessem perceber que um leigo é capaz de representar e
sustentar a presença católica em qualquer lugar, que a presença de um
padre é essencial, mas quando as condições não permitem tal privilégio,
as associações leigas são as responsáveis pela manutenção da
vivacidade católica. Essa “rede organizativa
274
tinha por base a instituição
das prelazias e outros órgãos assitenciais-essenciais, como colégios,
hospitais, orfanatos, oratórios, missões indígenas... Tudo impulsionou o
dinamismo catequético, contribuindo para que a “Igreja recuperasse seu
prestígio e superasse em parte suas crises do início do século”, pois,
como escreve Eduardo Hoornaert sobre a presença da Igreja Católica no
norte do país, “o que caracteriza mesmo a evangelização oficial na
Amazônia é o abandono das populações em termos de assistência
religiosa
275
.
Dom Lustosa procurou preencher essa lacuna, trabalhando
bastante e fundando associações como a de Santa Terezinha, as Irmãs
Servas de Nossa Senhora da Anunciação, as quais vieram para trabalhar
com os Hanseníanos do Prata, o Seminário Nossa Senhora da
Conceição, a Pia União das Filhas de Maria, o Apostolado da Oração,
além de fundar paróquias como a de São Francisco de Assis, em Augusto
Montenegro (atual São Francisco do Pará), de ter atraído ordens
femininas como as Religiosas Angélicas, as Irmãs do Preciosíssimo
Sangue, realizar ‘Semanas Missionárias’ e incentivar as associações
leigas, como a Ação Católica e o Círculo Operário.
276
Toda essa estrutura
vocações. Não é pelo lado pecuniário apenas que a formação do clero deve merecer a
colaboração de todos; cumpre despertar entusiasmo pelo cultivo das vocações.
274
DA MATA, Possidônio. “A Igreja Católica na Amazônia da atualidade”. In: HOORNAERT,
Eduardo. (org.) História da Igreja na Amazônia. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1992, p. 362.
275
HOORNAERT, Eduardo. “O Cristianismo Amazônico”. In: HOORNAERT. (org.) História da
Igreja na Amazônia. Op. cit.
276
RAMOS, Alberto Gaudêncio. Cronologia Eclesiástica do Pará. Belém: Ed. Falângola, 1985, p.
163-172. Sobre a presença de Irmandades e Congregações religiosas no Pará desde o fim do
141
foi ‘montada’ para servir de pontos estratégicos de aproximação entre a
população “desassistida” da Igreja em si.
Diante dessa estrutura, o prelado mineiro investiu nas visitas
pastorais, na tentativa de concretizar seus objetivos assistenciais, levando
religião ao interiorano, realizando batizados, eucaristias, casamentos e
outras cerimônias da Igreja Católica recheadas de simbologias, as quais o
religioso fazia questão de destacar por conter um significado “oficial”
277
,
na sua opinião.
Algo importante a se notar é que, era em nome de uma melhor
assistência religiosa que Lustosa colocava em prática (e, por isso,
também teve facilidades) a Romanização na Amazônia. Seguindo as
orientações de Dom Macedo Costa, que com a ‘Pastoral Coletiva de 1890’
e um documento confidencial destinado aos demais párocos e bispos do
país, chamado ‘Pontos de Reforma na Igreja do Brasil’, recomendou a
prática romanizadora e as visitas pastorais como forma de manter a
população – na sua totalidade, dada a dimensão das visitas – próxima à
instituição eclesiástica.
Essa prática encontrava proximidade com sua intenção de atuação
no campo político: conseguir mais espaço na cena pública. Para tanto,
prezar pela boa imagem do regime e da Igreja católica paraense se fazia
necessário para o bom andamento do governo. A questão que se discute
neste trabalho gira em torno dos conflitos enfrentados diante do
questionamento deste governo com a atuação de padres que tomaram
atitudes diferentes daquelas pretendidas pelas autoridades. É o que
veremos a seguir.
século XIX, ler MAUÉS. Uma outra “invenção” da Amazônia. Op. cit. p. 121. SILVA, Dedival
Brandão da. Os Tambores da Esperança – um estudo sobre cultura, religião, simbolismo e ritual
na Festa de São Benedito da cidade de Bragança. Belém: Falângola, 1997.
277
Neste caso, entende-se como ‘oficial’, todas as manifestações de fé não ligadas à
religiosidade popular.
142
C A P Í T U L O I I I
N Ã O C O N F U N D I R
P A R T I C I P A Ç Ã O P O L Í T I C A
C O M M I L I T Â N C I A
143
3.1. – Da missa à eleição: a política de Padre Lago
“Aquele, calando-se, é tido como sábio; este, de
tanto falar, torna-se odioso.”
(Sirácida 20, 5 – Bíblia Sagrada)
Um desses padres é José Maria Lago da Costa. Nascido em
Óbidos, interior do Pará, foi ordenado em Belém por Dom Santino Maria
da Silva Coutinho em 23 de setembro de 1916 e pertenceu ao Clero
Secular paraense. Em 27 de julho de 1936 foi nomeado Cônego
Catedrático do Cabido Metropolitano de Belém por Dom Antônio de
Almeida Lustosa.
Sobre a vida religiosa de Padre Lago nos restringiremos a discutir o
período em que foi vigário de Curuçá, Inhangapi, Marapanim e São
Caetano de Odivelas, municípios do nordeste paraense – região do
Salgado – entre 11 de janeiro de 1934, quando passou a ser coadjutor da
Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, assumindo como vigário um ano
depois e 16 de fevereiro de 1939, quando assumiu, como vigário, a
Paróquia de Castanhal, também nessa região.
278
Essa abrangência de
paróquias se explica pela carência de sacerdotes na região,
principalmente no interior do estado. Assim, quando havia um padre
disponível, a Arquidiocese colocava em suas mãos a responsabilidade
sobre muitos fiéis, o que abrangia, na maior parte das vezes, mais de um
município.
Alguns meses depois de ter assumido esta paróquia e,
provavelmente, pelo andamento de seu trabalho naqueles locais, Padre
Lago sofreu represálias nos municípios dos quais era vigário, chegando a
ser agredido em um dos casos. Um exemplo desse conflito entre os
poderes civil e eclesiástico foi a agressão sofrida por Lago ao ter se
envolvido no pleito eleitoral no município de Marapanim. Consideramos
278
CUNHA, Paulo de Tarso Monteiro da. História de Curuçá – Curuçá no passado, Curuçá no
presente. Esta obra em mau estado de conservação, não contendo todas as páginas e, dentre
elas a contra-capa contendo o restante da identificação bibliográfica.
144
Padre Lago um ícone dos religiosos que se envolveram com política
partidária e foram censurados pela Igreja católica nos anos 30, no Pará,
por termos identificado mais de um caso de contendas entre este e
políticos de determinadas localidades.
Em carta enviada a Dom Lustosa, conta sua versão, acusando
algumas pessoas conhecidas da cidade e alegando ter sido protegido por
São José, uma vez que tinha sonhado com este na noite anterior,
protegendo-o do perigo. Este caso encaixa-se no silêncio imposto a
alguns representantes do clero paraense, pois as autoridades públicas
levaram o caso para o seu responsável, o bispo Dom Lustosa, que o
aconselhou a não se envolver nas questões partidárias. Em contrapartida,
o padre, na tentativa de ter seu superior a seu lado, buscou ajuda com o
bispo e denunciou seu atentado à imprensa numa atitude de vítima do
acontecido. Vejamos alguns trechos desta correspondência enviada a
Dom Lustosa em 16 de outubro de 1934:
É ainda sob a dolorosa impressão das ocorrências
desenroladas aqui por ocasião do pleito de 14 deste, em
Marapanim, que escrevo esta. Desculpe-me V. E. não poder
historiar bem o feito pelo estado nervoso que ainda estou.
Quando a calma vier melhor narrarei. Basta V. Excia
imaginar o que é um homem desarmado, [manietado] por três
negros capangas para ser alvo da ira de um energúmeno que
se lançou furioso sobre mim, de revolver em punho (apesar d
mandar que atirasse se tivesse coragem e não teve)
procurando dar uns socos e ponta-pés aos quaes aparava com
o meu guarda sol que finalmente me foi tomado pelo Sr.
Ubirajara Carvalho, membro do Partido Liberal e chefe das
arruaças da cidade. Logo que fiquei desarmado da minha ultima
defesa, cessou a lucta.
279
O padre, ainda nervoso com o susto, conta ao bispo os detalhes de
seu ataque: foi cercado por capangas e teve um revólver apontado para
si, numa atitude de ameaça e intimidamento. Padre Lago, lembrando da
proteção de São José e confiando neste, mandou que atirassem, o que
279
Carta de Padre Lago a Dom Lustosa em 16 de outubro de 1934. Documento arquivado na
Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Documentos recebidos – 1700 a março de 1953.
145
não foi feito. Após ter quase levado uns socos e pontapés, sua única
arma, um guarda chuva, lhe foi tomado pelo chefe do Partido Liberal do
município, numa tentativa de deixá-lo completamente sem defesas, mas
assim que isso aconteceu, Padre Lago parou de ser atingido.
O religioso, vítima do atentado, continua a carta escrevendo sobre
seus inimigos políticos:
Ninguém ousou levantar a mão sobre mim nem mesmo os
meus adversarios políticos, na occasião da lucta, onde estive
calmo mantendo me simplesmente na defensiva.
Tive na véspera um sonho que muito impressionou – S.
José salvando me do perigo. Atribuo a sua protecção a ter
sahido illeso da perigosa lucta. Esta é que a verdade. A
gravidade do facto esta na agressão.
280
Tais palavras, enderadas a Dom Lustosa por carta, traduzem os
conflitos decorrentes de um processo eleitoral no interior do estado que
levou aos extremos as relações nada amigáveis entre o religioso e o
político, resultando na emboscada armada para o Padre, que confidenciou
ao bispo ser salvo por São José: "Atribuo a sua protecção a ter sahido
illeso da perigosa lucta", destacando que a gravidade maior do acontecido
está na agressão a um representante da Igreja, um religioso que vive para
pregar a fé, a solidariedade e a paz entre as pessoas.
É instigante costurar as facetas do padre: seu papel religioso, sua
atuação política, sua "salvação" atribuída ao santo e acima de tudo, sua
condição de vítima da censura promovida, neste caso, pelos adversários
de Lago que tentaram silenciá-lo e abrandar suas ações voltadas para a
política, em sua conotação partidária.
O Padre chama atenção para o fato de que ninguém se envolveu na
confusão, apesar de estar sendo presenciada por populares e por
inimigos políticos, como Ubirajara Carvalho, como se tivesse narrando ao
bispo que a emboscada serviria para lhe dar uma lição e para que
280
Idem. Grifos nossos.
146
ninguém descobrisse os mandantes. Assim, ao escrever que ninguém se
envolveu, o padre sentiu-se isolado de apoio, tendo seu guarda chuva
como única defesa.
Finalizando o ocorrido, conta que o que houve de mais grave foi a
agressão sofrida por sua pessoa. Supomos que um acordo político feito
por negociação teria incomodado menos o religioso. Padre Lago termina a
carta dizendo que a partir dali, dedicar-se-ia aos preparativos da festa da
Padroeira de Curuçá e que lá encontraria paz e sossego, distanciando-se
de Marapanim, pois este município estaria sob domínio de pessoas
violentas, sendo essa característica dada pelo religioso e não um adjetivo
recorrente àquele município. Assim, não podemos pensar a cidade de
Marapanim como um local de guerra política, onde se resolve as
desavenças com violência. É preciso manter uma imparcialidade diante
das denominações dadas por Lago.
Cheguei sabbado 13, em Marapanim, passei 14 dia das
eleições e terminadas estas e os incidentes às 8 horas de noite
embarquei para Curuçá onde estou fazendo a festa da
Padroeira e onde ha garantias, paz e socego. Marapanim hoje
está sob o jugo ferreo de um executante peior que o seu
mandatario.
Analisando as ações do padre e dos mandantes do acontecido,
percebemos a concretização de conflitos políticos que acabaram tendo
um desdobramento religioso, uma vez que Padre Lago se envolveu nas
eleições, o que não agradou alguns políticos locais, dada sua influência
sobre os eleitores que, certamente, não agradavam os dirigentes políticos
do município. Por isso, foi alvo da violência daqueles que fizeram política
“a força”, utilizando a violência como solução para impecilhos eleitorais.
No caso, o Padre José Maria do Lago.
Certamente, não foram somente suas atitudes políticas que
incomodaram os governantes, como também algumas representações
políticas veiculadas nas revistas, folhetos, jornais, rádio, nas artes e tudo
147
aquilo que pudesse vir a manchar a imagem do "regime, das instituições e
do chefe do governo
281
, pois, vez por outra, Padre Lago escrevia sobre
assuntos religiosos ligados a outros acontecimentos, como a política, por
exemplo.
282
Após o ocorrido em Marapanim, enviou telegrama à imprensa
protestando contra atitude dos políticos locais, alegando que “a ira do
governo e seus sequazes contra mim ultimamente foi por este teleg. que
passei quando V. E. estava p. Europa e quando ninguém podia falar.
O trecho citado anteriormente e o que vem a seguir foram
encontrados em meio às correspondências recebidas pela Diocese de
Belém e não estão endereçadas a ninguém. Supomos que seja um anexo
da carta de Padre Lago a Dom Lustosa sobre os conflitos causados pelas
eleições de Marapanim, por ter se sentido intimidado de falar o que
acontecera e pelo conteúdo da nota jornalística que trazia um protesto
contra o Interventor Magalhães Barata.
Peço o obsequio de transcrever em vosso jornal o vosso
protesto, como vigario de quatro parochias de populações
catholicas, ás declarações do major Magalhães Barata
contrarias ás nossas pretensões religiosas, declarações essas
que contradizem as anteriores manifestações de s. exc. nas
vesperas das eleições constituintes e por occasião de sua volta
de PE. – (a) Pe. LAGO. Vigario de Inhangapi, Castanhal,
Curuça, Marapanim.
Não sendo bastante a repressão política sobre o Padre Lago e,
apesar de ter ido para Marapanim após ter apanhado em Curuçá a fim de
organizar o círio, lá também não foi recebido, pois os políticos locais o
esperavam no desembarque, conforme correspondência da diretoria do
Círio de Nossa Senhora de Nazaré ao bispo Dom Lustosa, alegando que
281
CAPELATO, Maria Helena. “Propaganda política e controle dos meios de comunicação”. In:
PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. p. 167/179.
282
Essa informação de que Padre Lago escrevera em jornais e outros meios comunicativos foi
encontrada no jornal A Palavra, mas seus escritos ficaram todos no interior do estado, onde já
não existem documentos dessa época. Pessoalmente visitados, os municípios de São Caetano
de Odivelas, Marapanim, Inhangapi e Curuçá, por terem pequenas instalações, não guardam
“papéis antigos”, como fui informada pelos responsáveis das respectivas paróquias.
148
por perseguições políticas e ameaças do sr. Prefeito
municipal desta localidade ao vigário Pe. José Maria do Lago,
viu-se este impedido de aqui vir, deixando de effectuar a
referida festa que se devia iniciar hoje, conforme estava
marcada, como podemos provar com o testemunho do povo
catolico desta cidade.
283
Padre Lago estava cercado de inimigos políticos nos municípios nos
quais respondia como vigário e a perseguição chegou a ponto de as
atividades religiosas do padre serem suspensas por conta dos problemas
políticos que o envolviam. Diz a carta da diretoria do círio de Marapanim à
Dom Lustosa sobre isso:
(...) pois na hora em que devia chegar aquelle vigario, o
dito prefeito, guardas locaes e capangas já se encontravam no
local de desembarque esperando-o.
Foi um grande prejuízo, visto as despezas já estarem
feitas e o povo do interior ter sido obrigado a regressar, sem ter
a dita de ver celebrar-se, pela primeira vez, o tradicional cyrio,
isto motivado pelas ameaças do referido prefeito ao nosso
querido vigario.
284
O povo católico sentiu-se ferido em sua fé ao ver Padre Lago
impedido de realizar a festa do círio, pois até então, nunca naquele
município uma festa religiosa tinha sido cancelada por contendas políticas
entre os citadinos.
Assim, o silêncio imposto ao padre invade o campo do religioso,
passando a ser visto não apenas como um padre envolvido na política
eleitoral, mas como um religioso que punha em perigo suas atividades
sacerdotais por conta de conflitos em ações que, teórica e aparentemente,
não faziam parte de seu trabalho enquanto padre, no caso, o
envolvimento nos pleitos eleitorais dos municípios dos quais era vigário.
283
Carta da diretoria do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, em Marapanim-PA, a Dom Lustosa
– 4 de novembro de 1934. Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In:
Documentos recebidos – 1700 a março de 1953.
284
Idem.
149
A essa altura dos conflitos, Dom Lustosa não estava nada satisfeito
com as ações de Padre Lago, mas deixaria o castigo deste para mais
adiante, somente quando teve sérios problemas com este em São
Caetano de Odivelas, outro município do nordeste paraense, onde Lago
se posicionou, mais uma vez, contra a estrutura de poder daquele local e
foi perseguido pelas autoridades políticias.
O bispo, em resposta, enviou correspondência à diretoria do círio –
não realizado – agradecendo ter tomado conhecimento das razões que
forçaram a desistência da festa de N.S. de Nazaré
285
que deveria ter
sido realizada em Marapanim, lamentando
Dolorosamente a violencia de que foi vítima o Revmo.
Vigario. Foi um abuso inominável que não ficará impune. Os
infelizes agressores do ministro de Deus incorrem na
excomunhão da Igreja e devem chorar mais cêdo ou mais tarde
o delito cometido. Permita Deus que eles reconheçam o mal
que fizeram e se penitenciem ainda nesta vida.
No documento, Dom Lustosa lamenta a ação daqueles que agiram
contra o padre e, conseqüentemente, contra a fé do povo marapaniense,
dizendo que aquela atitude não ficaria impune, condenando-os a um dos
maiores castigos impostos pela Igreja Católica: a excomunhão,
determinando que pagassem por seus pecados ainda em vida.
Alguns anos depois, em 1938
286
, já nomeado Cônego, José Maria
do Lago se envolveu em mais uma confusão de cunho político que teve
285
Ofício de Dom Lustosa à diretoria da festa do círio de Nossa Senhora de Nazaré – Francisco
Sales Neves, Raimundo Rebelo Filho e Mario Silva, em Marapanim – 7 de novembro de 1934.
Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Correspondências Expedidas.
1700 a 1979.
286
Nesse mesmo ano, “por duas vezes, em março e em maio, os integralistas se levantam
contra o regime. Há pressão sobre a Igreja, pois segundo Getúlio há padres simpatizantes do
movimento e as Congregações Marianas abrigam integralistas. Vargas pede, através de Filinto
Muller, que a Igreja afaste os padres da política e que seja relembrado aos fiéis o preceito da
obediência às autoridades constituídas. No que foi atendido.” Conferir BEOZZO, José Oscar. “A
Igreja entre a Revolução de 30, o Estado Novo e a redemocratização.” In: FAUSTO (org.).
História Geral da Civilização Brasileira. Op. cit. p. 326. Apesar desta referência de Beozzo sobre
padres integralistas, no Pará não identificamos nenhum religioso ligado ao movimento
integralista. Apesar dessa não identificação, citamos Beozzo para visualizar que, no cenário
nacional, existiram padres envolvidos com o movimento citado.
150
reflexos na sua atuação enquanto religioso. Desta vez foi no município de
São Caetano de Odivelas, onde o referido padre também era vigário.
Neste episódio, o prefeito da cidade, Ignacio Santos, acusou Lago
de ter atrapalhado as festividades de São João, o padroeiro da cidade, de
ter provocado intrigas entre as Confrarias e de se envolver com assuntos
que não diziam respeito às suas atividades religiosas, acusando-o, por
isso, de politiqueiro e integralista.
Em carta ao Interventor paraense José Carneiro da Gama Malcher,
o prefeito de São Caetano – Ignacio Santos – conta “a verdade dos fatos
ocorridos (...) deturpada pelo reverendo Padre José Maria do Lago da
Costa
287
, que enviara telegrama a José Malcher e ao Presidente da Corte
de Apelação, o qual, segundo o prefeito, foi publicado pelo jornal “Folha
do Norte”, dava-o como “tendo de modo violento me apossado da Igreja
local a fim de realizar uma festa religiosa, em homenagem a S. João,
Padroeiro da localidade.
Julgamos que a carta foi escrita num tom de defesa por parte do
prefeito, uma vez que considerou a acusação tão séria por ferir sua
autoridade pública e pelo fato de que não se encontrava na localidade no
dia da ocorrência. Justifica-se Ignacio Santos:
Preliminarmente, tenho a declarar não ter comparecido
aos ditos festejos nos dias 23 e 24 de Agosto último, dados pelo
aludido sacerdote como sendo os dias em que foi assaltado o
referido templo, nem nos dias que antecederam a essas festas
de carater religioso. Não tendo ido áquela localidade acima
referidos, não podia ter me apossado como faz crer o Padre
Lago, nos seus telegramas, das chaves da Igreja e
conseqüentemente permitido a realização de átos sacrílegos
por pessoas profanas. Vê-se ante o exposto, que, outras
razoes, quais sejam a de provocar escandalo e colocar sob a
condemnação publica a mais alta autoridade administrativa do
município que não se immiscue em absoluto, em assunto da
alçada da Igreja.
287
Carta do prefeito de São Caetano de Odivelas, Ignacio Santos, ao Interventor José Malcher –
12 de setembro de 1938. Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In:
Documentos recebidos – 1700 a março de 1953.
151
O prefeito se defende dizendo que nunca se opôs à Igreja e que,
por não estar no local, não poderia ter ele roubado as chaves da Igreja e
permitido a entrada de pessoas estranhas para praticar atos sacrílegos
dentro do templo, que isso pode ter acontecido, mas por plano e mando
de outra pessoa.
Na pesquisa, não encontramos os autos aos quais se refere o
prefeito, mas supomos que as perseguições políticas sobre o Cônego
Lago também foram intensas nesse município, fazendo-o calar pela força
da Igreja, pois o prefeito reivindicou punição para o vigário, tanto por parte
do estado, com o Interventor, quanto por parte da Igreja Católica
paraense, na pessoa de Dom Lustosa, sendo que o que nos interessa
nesta dissertação é perceber os conflitos provocados pela atuação do
padre diante do regime, da Igreja e do restante da sociedade. Dessa
maneira, conseguiria paz no município que dirigia, pois seu desejo era
trabalhar pelo engrandecimento da minha terra cuja direção me
foi confiada por V. Excia., é que reitero a vossa valiosa
intervenção como a mais alta autoridade do Estado, para que
junto ao Snr. Arcebispo do Pará obtenha uma solução que
venha trazer harmonia entre o povo de S. Caetano de Odivelas
perturbado pela atitude do representante da Igreja entre nós.
288
Esse assunto iria mais longe ainda, principalmente, no meio
eclesiástico, o que certamente complicou mais o Cônego Lago, pois o
prefeito ainda o acusara de determinadas atitudes que provocaram
divergências entre membros da Confraria de S. João e da Dirétoria
incumbida da construção da Matriz local” e que não agradaram a maioria
dos seus componentes, agravando-se a situação quando o vigário não
permitiu que a Confraria dirigisse as festividades, fato este que instalou
um clima hostil entre as partes, chegando a ser necessária a intervenção
do professor Santana Marques
– filho de São Caetano de Odivelas e
diretor do jornal matutino “O Estado do Pará”, figura influente no meio
288
Idem.
152
jornalístico e político do Pará – para que resolvesse a questão com o
Cônego Lago, no que não foi atendido.
A equipe da diretoria, numa última tentativa, entrou em contato com
Dom Lustosa para conseguir autorização para dirigir a festa, mas Ignacio
Santos alega em sua carta não ter conhecimento do resultado desta visita,
por não se interessar pelos assuntos da Igreja, numa atitude de
separação entre os assuntos relacionados ao seu governo e à Igreja,
devendo cada um cuidar dos seus interesses, sem interferir ou prejudicar
o trabalho do outro.
Apesar do discurso do prefeito de que Estado e Igreja não devem
interferir um no trabalho do outro, o mesmo pede ao Interventor que
execute
valiosa interferência (...) junto ao sr. Arcebispo Metropolitano no
sentido de fazer cessar a perturbação que vem causando esse
sacerdote no município de S. Caetano de Odivelas, cujos átos
desde que para aqui veio, são de franca hostilidade não só ao
Governo de V. Excia. como ao do município (...) pois nossos
municípios de Siqueira Campos e Marapanim praticou átos
identicos, como podem confirmar pessoas residentes unidades
municipais.
289
Ao afirmar que o Cônego Lago possuía um histórico de conflitos
políticos em outros lugares, o prefeito de São Caetano, provavelmente,
teve a intenção de mostrar ao Interventor José Malcher que o religioso,
por onde passava, arrumava confusão com as autoridades municipais por
motivos eleitoreiros e, o que é pior, sempre se colocando contra a
situação vigente, instigando no povo uma consciência política crítica, o
que nem sempre agradava os governantes, levando a repreenderem o
religioso, como aconteceu em Marapanim.
289
Carta do prefeito de São Caetano de Odivelas, Ignacio Santos, ao Interventor José Malcher –
12 de setembro de 1938. Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In:
Documentos recebidos – 1700 a março de 1953.
153
Dessa maneira, o Cônego Lago era “desenhado” para o Interventor
como um religioso “politiqueiro”, que atrapalhava a vida pública tanto do
governo estadual como do municipal e era preciso frear sua atuação,
fazendo-o voltar às atividades exclusivamente católicas, deixando os
assuntos partidários para quem a eles se dedicam profissionalmente, o
que não era o caso do padre. Nesse sentido, pede o prefeito Ignacio
Santos ao Interventor:
Procura o reverendo Padre Lago da Costa, provocar
questões entre o povo prevalecendo-se da sua autoridade
eclesiástica para crear casos entre os componentes das
Irmandades e Confrarias, o que de certo se reflete na vida do
município, obrigando as autoridades a distrair o tempo precioso
aos interesses públicos, para tratar de casos religiosos. Esse
sacerdote, desde que para aqui veiu logo entrou a destruir as
diretorias e as Irmandades que eram compostas de amigos do
Governo, isto a começar pela cidade indo depois ao interior,
onde teve identico procedimento, entregando essas diretorias a
elementos conhecidamente Integralistas
e levando o povo a
murmurar se esse eclesiástico adeto da doutrina do Sigma.
290
Este é um dos dois documentos que fazem alguma referência ao
Integralismo e, pelo fato de o prefeito não definir este termo, não
discutiremos seu conceito por não ter fontes suficientes para tal, mas
arriscamos dizer que esta referência foi feita em alusão à posição política
do padre, que provavelmente era de oposição ao governo, levando este a
interpretá-lo como um indivíduo fora dos padrões “politicamente corretos”
não apenas no campo político-partidário, como no religioso, pois o
prefeito, ao final da carta, o denuncia por desrespeitar a lei “promovendo
enlace católico de pessôas casadas, civilmente, sem prenencher as
formalidades legais” além de cometer outros fatos
reveladores do carater facioso do reverendo Padre Lago da
Costa demonstram o seu intuito de crear casos neste município,
os quais não foram tomados na devida consideração, por
julgarmos que o seu intento não iria adiante e por não
290
Idem. Grifo nosso.
154
querermos alimentar desarmonia entre as autoridades e a
Igreja.
O outro documento que cita a palavra “integralista” é uma carta
enviada por Francisco Portela de Carvalho, Comissário da Capital ao
Chefe de polícia. Trata-se dos problemas que teve o Cônego Lago com os
festejos do círio em São Caetano de Odivelas, o desentendimento com as
Irmandades, com a diretoria do Círio e a proibição religiosa de serem
realizados os festejos, deixando o comissário com a incumbência de dizer
“quem falava a verdade” neste caso. Consideramos este documento de
grande importância por se tratar das palavras de um indivíduo não
envolvido diretamente no conflito, pois, enquanto em Marapanim e no
documento citado nas linhas anteriores as palavras de defesa partiam
diretamente das partes envolvidas no conflito, este a seguir trata da
versão de uma pessoa teoricamente neutra diante do acontecido entre
Padre Lago e o prefeito da cidade, permitindo-nos perceber uma outra
visão do ocorrido, ou a mesma história, porém, contada com outras
palavras.
Portela começa a carta dizendo que o comissário de São João da
Ponta e um morador desta vila procuraram o Cônego Lago para pedirem
permissão para realizarem os festejos do padroeiro daquela vila. O
religioso permitiu com a condição de que o tesoureiro das “Obras de
Reconstrução da Igreja” de São João da Ponta, Antônio Rocha, estivesse
de acordo, pois este era uma pessoa de confiança do sacerdote. Este,
para garantir o negociado com os que o procuraram, enviou uma carta a
Antônio Rocha, a qual ficou retida por 18 dias, não sendo entregue e
causando desarmonia entre os diretores da festa e os diretores das Obras
da Igreja. Ao tomar conhecimento do ocorrido, Lago transferiu a festa para
data indeterminada e os promotores da festa – uma Irmandade já
destituída pelo Cônego – não conformados com a decisão do vigário,
promoveram ladainhas, na Igreja, inclusive uma, pela manha, dia da
155
festa, e a qual foi, pelo seu ritual, considerada como ‘uma paródia de
missa’
291
.
Aqui se manifestam as divergências dentro do meio religioso. A
proibição da realização da festa por Lago e a ‘insistência’ da Irmandade –
em conflito com o vigário – em realizar, mesmo sem o padre, as
festividades, expressam a força de um catolicismo que se impunha pela
prática popular e não pelas ordens – e vontades – de um padre. Assim,
percebemos que, neste município, os efeitos da Romanização não foram
tão sentidos, resistindo um catolicismo rodeado de Irmandades, ainda que
destituídas, apoiadas por um povo ávido em ‘comemorar’ seu santo com
suas ladainhas e arraiais.
O bispo Dom Lustosa, na tentativa de amenizar essas práticas
religiosas não completamente católicas – na visão da Igreja – publicou
circulares condenando a esmolação de santo no interior, festividades com
arraial, ladainhas e outras ações que mesclavam o tradicionalismo
católico com uma religiosidade amazônica resultante da presença africana
e indígena na região e também da falta de presença católica no interior do
estado.
Ainda em 1934, Dom Lustosa tornou pública uma circular que
reprovava “actos religiosos celebrados por pêssoas leigas sem
auctorização da auctoridade eclesiástica”, o que acontecia bastante no
interior do estado, dada a carência de padres. Para o religioso,
o abuso mais freqüente, nesse sentido, dá-se com as
chamadas ladainhas
– nome com que popularmente se designa
o conjuncto de preces e canticos religiosos em louvor de algum
Santo. É claro que, ao invés, seria muito para louvar a iniciativa
particular, reunindo em casas particulares, pessôas piedosas
para a oração e o cântico sacro, si se limitassem taes pessôas
ao acto religioso. A auctoridade eclesiastica longe de
desapprovar taes reuniões, as promoveria.
291
Carta de Francisco Portela de Carvalho, Comissário da Capital, ao Chefe de Polícia – 14 de
setembro de 1938. Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In:
Documentos recebidos – 1700 a março de 1953.
156
Infelizmente, porém, as ladainhas são muitas vezes seguidas
de danças ou são acompanhadas das chamadas festas de
arraial.
292
Continuando a Circular, de n° 24, o bispo disse que a
promiscuidade dos actos religiosos com diversões profanas é cousa
detestável aos olhos de Deus”, condenando a associação entre reza e
festa, entre as ladainhas e os arraiais, práticas que eram comuns no
interior do estado e muitas vezes apoiadas pelos poucos vigários
residentes no interior, justamente por não conseguirem conter a força da
religiosidade popular
293
do paraense.
Terminando a Circular, Lustosa afirma que “se taes festas em a
presença do padre, forem seguidas de bailes ou diversões de arraial, não
lhes é licito tomar parte nellas, pois são prohibidas pela competente
auctoridade eclesiástica”, deixando claro que não reconheceria qualquer
prática que tivesse tais características.
Um ano depois, na Circular n° 38, de 30 de outubro de 1935, a
proibição da esmolação de santo no interior do estado vem respaldada
por ordem policial, dando um caráter mais oficial ao caso:
O dr. Samuel Mac Dowell Filho, na commissão de Chefe de
Policia do Estado, por nomeação legal, etc. A bem da ordem e
da moralidade publicas, e de accordo com a autoridade
eclesiástica, - resolve prohibir terminantemente nas localidades
do interior a pratica da esmolação com imagem,
recommendando a todos os delegados e commissarios de
policia do interior agirem severamente no sentido de tornar
effectiva a presente prohibição.
294
292
Circular, n° 24, de 1934. Grifos do autor.
293
Entendendo religiosidade popular como a mistura de práticas católicas com práticas de uma
religiosidade amazônida advinda da fusão entre índios, negros e brancos, como, por exemplo,
as benzedeiras, os banhos de ervas e as celebrações dos interioranos “católicas” à sua maneira,
com ladainhas e arraiais, como é o caso que analisamos. Nossa concepção de catolicismo
popular complementa-se com a definição de Scott Mainwaring, onde o catolicismo popular é
entendido como “um conjunto de crenças religiosas tradicionais e de práticas desenvolvidas fora
da Igreja institucional. Essa vivencia da fé tem ampla penetração na América Latina. No Brasil, a
distância entre a Igreja institucional e as práticas religiosas populares sempre foi grande.” In:
MAINWARING. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). Op. cit. p. 30.
294
Circular n° 38, de 20 de outubro de 1935. Além desta, outras circulares discutem a proibição
da esmolação dos santos, a existência das ladainhas e arraiais. Diz a Circular n° 42, de 07 de
157
Estas Circulares não foram expedidas por ocasião do conflito em
São Caetano de Odivelas, mas consideramos importante discuti-las para
entendermos que este não foi um fato isolado, que durante todo seu
episcopado Dom Lustosa tentou amenizar tais práticas e, dentro do
período que estudamos, este caso ganhou destaque por ter como
personagem o Cônego Lago, o qual não se harmonizou com a diretoria da
festa do santo padroeiro local. Apesar disso, e agravando mais ainda o
conflito, quando o Cônego solicitou a prestação de contas da inevitável
festividade ao tesoureiro da Irmandade por ele dissolvida, este se recusou
a prestar esclarecimentos sobre os gastos da festa, declarando apenas
que “o dinheiro fora gasto com as despesas dos festejos, quanto a chave
etc. estava pronto a entregar mas da mesma forma por que fôra eleito –
por aclamação popular.
Segundo o comissário da capital, esses foram os motivos que
levaram Lago a telegrafar para a Interventoria e para a Chefia de Polícia,
quando pediu “providencias no sentido de fazer cessar a coação das
autoridades de S. Caetano, impedindo Diretoria das Obras da Igreja de S.
João da Ponta proseguimento dos trabalhos etc.
Nesse contexto, a autoridade religiosa de José Maria do Lago
estava posta em cheque pela religiosidade do povo, e o Cônego, na
tentativa de reaver seu domínio, enviou correspondência às autoridades
políticas civis do estado, solicitando intervenção para que o problema
fosse resolvido.
fevereiro de 1936: “Attendendo ás reclamações da auctoridade ecclesiastica contra os abusos
que se costumam dar nas festas realizadas sem a permissão da mesma autoridade, quer no
interior dos templos catholicos quer nas praças e ruas, resolve prohibir os actos do culto
religioso nos templos ou em publico, sem a permissão da auctoridade ecclesiastica. Samuel
Mac-Dowell Filho, chefe de policia.” Sobre os arraiais, diz a Circular n° 69, de 20 de outubro de
1940: “Os arraiais são reprovados e proibidos, toleramos apenas os que são antigos e
tradicionais (...) quem conhece o fruto espiritual das festas religiosas sem arraial e o das
celebradas com arraial, bem sabe que êle causa imenso prejuiso espiritual. Peior ainda quando
as festas com arraial se fazem sem padre.
158
Enquanto isso, declarava o tesoureiro que não entregaria as chaves
da Igreja, nem paramentos e nem o dinheiro antes de uma eleição de
aclamação, onde a população decidiria quem teria a posse desses
elementos.
O religioso, sabendo do risco que corria de não ver sua autoridade
eclesiástica respaldada caso viesse a perder a eleição, argumentou no
sentido de que não tinha validade a festividade, uma vez que não foi
autorizada pelo vigário, constituindo-se, por isso, atividade não ligada e
não vinculada àquela paróquia, não sendo legitimada sua existência e
nem quem a organizara, no caso, a Irmandade. Diz Francisco Portela, em
sua carta, que Lago disse que não
existem tais privilegios ou cerimonias reconhecidas pela Igreja
sem a confirmação do Vigario da Paroquia, não podendo ter
existência uma dirétoria de Irmandade á revelia da autoridade
eclesiástica.
Quanto a prohibição , por parte das autoridades de S.
Caetano do proseguimento das Obras da Igreja observa-se
uma discordância nos depoimentos pois o tesoureiro das ‘Obras
da Igreja’, Antonio Ferreira da Rocha, e pessôa de toda
confiança do Conego Lago, declara em seu depoimento ‘que
não podiam proseguir as obras por falta de recursos, em virtude
do Comissário local ter prohibido a esmolação do Santo dentro
da Localidade e, em S. Caetano de Odivelas, o prefeito, por sua
vez, apreendera um dos ‘Apêlos’ (lista de pessoas que
concorrem com obulos para obras da Igreja.
295
Insatisfeito, uma vez que a situação não caminhava a seu favor, o
vigário declarou “que os bandos precatorios que tem saído no Município
de S. Caetano de Odivelas tem sido á sua revelia.
Enquanto isso, o poder público, na tentativa de se defender das
acusações que o cônego fazia, declarou, na pessoa do prefeito, que tinha
posse de uma circular
remetida pela Interventoria prohibindo, a pedido do
Arcebispado, que saíam á rua bandos precatórios, com Santos,
295
Idem.
159
angariando esmolas para a Igreja – ‘mas que nunca se opôz a
saída dos mesmos desde que trouxessem o consentimento do
Cônego Lago’.
Ao final de todos os depoimentos, negaram o prefeito, o delegado e
o Comissário de São João da Ponta que tivessem exercido algum tipo de
‘coação’ contra a ação da diretoria das Obras ou contra o próprio Cônego
Lago, esquivando-se de qualquer envolvimento em conflitos com o
representante da Igreja Católica naquele local.
Obviamente, ninguém, principalmente uma pessoa conhecida pela
comunidade, gostaria de desarmonizar-se com a Igreja, com o padre e
com tudo o que o catolicismo representava para aquele povo tão católico
à sua maneira, com suas ladainhas, novenas, esmolações, arraiais e
outras manifestações religiosas populares e, diante de um caso como
este, ao conhecimento de todos, os católicos, provavelmente, não
tomariam o partido dos partidaristas, defendendo seu representante
eclesiástico.
Pensando assim, Francisco Portela termina sua carta ao chefe de
polícia ‘tomando o partido’ do Cônego Lago, afirmando que
não merecem, pois, nenhuma fé, as declarações do sr. Prefeito
de S. Caetano de Odivelas acusando o Cônego de politiqueiro,
Integralista, etc. recurso corriqueiro do qual lançam mão os
acusados que não se podem defender,
como se o prefeito tivesse usado indevidamente dessas palavras,
numa tentativa extremada de acusá-lo de posicionamentos políticos que
estavam sendo postos em questão naquele período, já que se vivia o
Estado Novo.
O prefeito Ignacio Santos, embebido das práticas autoritárias e de
censura então vigentes no Estado Novo, atacou Lago acusando-o
diretamente de Integralista, palavra esta carregada de significados, mas
que para aquele povo simples do interior de um estado ainda distante e
160
pouco envolvido do e no centro econômico e político do país significava,
certamente, oposição ferrenha aos interesses da população
296
. Mas,
apesar de tudo, o Cônego sobressaiu no conflito, mas teve sua imagem
marcada por este conflito que ultrapassou o campo do político e chegou a
complicá-lo em termos religiosos e foi por isso que buscamos estudá-lo
com maiores detalhes.
Algo importante a se notar é a definição que Francisco Portela faz
do delegado de São Caetano e o Comissário de São João da Ponta.
Sobre o primeiro diz Portela: “um rapazola que só sabe agir com
arbitrariedade” e o Comissário “apesar de já edoso é outro de gênio
irrascivel agravado com ‘os goles de aguardante que usa’”,
acrescentando, ainda, que utilizavam não apenas a violência e a
arbitrariedade, como também extorsão, como denuncia na mesma carta
um outro caso ocorrido no mesmo município.
Fui procurado por dois rapazes que haviam sido presos pelo
Delegado que os soltara sob promessa do pagamento de
13$000, cada um. Como nustassem a levar-lhe, eram
freqüentemente intimados, no sitio em que vivem, para áquele
pagamento sob ameaça de nova prisão.
Assim, o comissário da capital, Francisco Portela, mostra a face
corrupta das autoridades locais – e, com isso, mais uma vez, defende o
religioso – e se diz portador do pedido de “dezenas de moradores
daquelas terras, gente pobre e humilde e pacata, para que V. Excia. e o
Exmo. Interventor os liberte da escravidão em que vivem por parte
daquelas autoridades.
297
296
Não é nossa intenção, nesta dissertação, discutir o movimento integralista e nem sua relação
com a Igreja católica. Para um estudo mais aprofundado sobre esse assunto, conferir CAMPOS,
Marcelo Rocha. Integralismo e Catolicismo: proximidades doutrinárias e divergências políticas.
Franca: UNESP, 2002. SIMÕES. Integralismo e Ação Católica. Op. cit.
297
Carta de Francisco Portela de Carvalho, Comissário da Capital, ao Chefe de Polícia – 14 de
setembro de 1938. Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In:
Documentos recebidos – 1700 a março de 1953.
161
O pedido deu certo. Através de um ofício enviado por Deodoro
Mendonça – Secretário do estado – a Dom Lustosa, percebemos que a
Interventoria tomou providências no sentido de atender aos anseios dos
habitantes de São Caetano, pois Deodoro informara ao bispo que o
delegado de polícia fora demitido e que o prefeito tinha sido advertido por
sua “intervenção indébita na ação da autoridade policial da capital e
ordenando-lhe fazer entrega das chaves da egreja á autoridade
eclesiástica local.
298
Dessa perspectiva, a imagem do Cônego Lago diante do povo saiu
ilesa desse conflito, uma vez que, publicamente, os sujeitos repreendidos
foram o delegado e o prefeito. O primeiro, por ter sido dispensado de sua
autoridade policial e o segundo por ter sido recomendado a entregar as
chaves da igreja para o vigário.
Apesar dessa aparência, José Maria do Lago certamente recebeu
alguns ‘conselhos’ do chefe do catolicismo paraense. Dom Lustosa fora
recomendado pela Interventoria à “chamar atenção quanto às atividades
políticas do vigário da freguezia”, o que de certo, foi feito sem que o povo
soubesse da repreensão para com o religioso. Lustosa, enquanto bispo do
estado, era quem recebia as reclamações de quem se sentia incomodado
com a atuação de algum padre que não estivesse condizente com as
práticas do governo. No caso de São Caetano, Lago fôra chamado
atenção por seu posicionamento diante das autoridades públicas do
município, chegando a ponto de acusar o prefeito local, Ignacio Santos, de
permitir atos profanos dentro do templo católico.
Não bastasse esse conflito com a autoridade pública, o vigário
também se indispôs com uma Irmandade que insistia em organizar os
festejos do santo padroeiro. A questão aí é que a referida Irmandade, para
Lago, já não existia mais, pois ele a destituíra de suas funções. Isto fez
298
Ofício de Deodoro de Mendonça – Secretário do estado – a Dom Lustosa – 21 de setembro
de 1938. Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Documentos
recebidos – 1700 a março de 1953.
162
com que os problemas do Cônego se agravassem, pois os
desentendimentos ultrapassaram o campo do político, atingindo o
religioso, configurando-se numa desarmonia entre os fiéis, entendendo-se
estes não apenas o vigário e a Irmandade por ele teoricamente dissolvida,
mas o povo católico em geral, conhecedor das atitudes do padre diante
desta e de sua ação em condenar os festejos realizados sem sua
presença, acusando o povo de estar fazendo uma “paródia de missa”.
Alguns meses depois, em julho de 1939, o bispo de Belém, Dom
Lustosa, recebeu uma carta de um importante representante da polícia
política do Presidente Getúlio Vargas. Filinto Muller escreveu
pessoalmente ao bispo para agradecer-lhe a colaboração contra as
oposições que surgiam no estado e que o religioso ajudara a controlar,
com o intuito de “preservar o pais, em toda a sua extensão territorial, de
convulsões e surtos subversivos
299
.
Segundo Maria Luiza Tucci Carneiro, em “Minorias Silenciadas”, os
homens da República e, em especial nesse caso, Filinto Muller, tinham
uma preocupação especial com a circulação de idéias “revolucionárias”,
“subversivas” e, na qualidade de responsáveis pela harmonização social,
tinham aversão a mudanças sociais “impondo regras em nome da Justiça,
da Ordem e da Segurança Nacional”.
300
Nesse contexto, a Igreja, na busca de espaço e reconhecimento
junto à administração civil, colabora com o Estado para que o status quo
social seja mantido, trabalhando a instituição eclesiástica com o discurso,
com a persuasão, uma vez que a instituição religiosa consegue persuadir
com mais facilidade do que o discurso político. Apesar de todo esse
esforço, “por meio do discurso oral ou escrito, as idéias circularam
seduzindo, reelaborando valores e gerando novas atitudes
301
, e era
299
Ofício de Filinto Muller a Dom Lustosa – 01 de julho de 1939. Documento arquivado na
Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Documentos recebidos – 1700 a março de 1953.
300
CARNEIRO (org.). Minorias Silenciadas. Op. cit. p. 20.
301
Idem. p. 21.
163
justamente esses novos valores e atitudes que o governo se preocupava
em controlar.
O uso da fé como controle ideológico é uma arma de que se valem
muitos religiosos ligados a grupos políticos que estão no poder. Dom
Lustosa foi um deles. Sua atuação junto ao Estado lhe rendeu essa
ligação estreita tanto com a Interventoria paraense quanto com as forças
políticas federais. Nesse caso, o esforço de Filinto Müller se faz evidente
no processo de neocristandade da Igreja católica paraense, pois “todas as
práticas, símbolos, discursos religiosos ou desafiam ou reforçam os
valores dominantes e, em última instância, a forma de dominação
302
,
aproximando a instituição religiosa do Estado, com relações estreitas e
mútua colaboração contra “convulsões e surtos subversivos”. A seguir, a
carta de Muller.
O feliz ensejo da presença de Vossa Excelencia
Reverendíssima, nesta Capital, me permite a oportunidade não
menos feliz de reiterar, mais de perto, os meus melhores
agradecimentos pela colaboração que Vossa Excelencia
Reverendíssima tem emprestado, na Arquidiocése de Belém do
Pará, á campanha contra as ideologias extremistas.
No desejo de preservar o Pais, em toda a sua extensão
territorial, de convulsões e surtos subversivos, esta Chefia
coloca, acima de quaisquer outras, as medidas preventivas, não
somente para desfazer no nascedouro as tentativas extremistas
de subversão da ordem, como também, e principalmente, para
evitar os danos moráis e materiáis ocasionados por um simples
começo de ação.
E, nessa ordem de objetivos, tem esta Chefia constatado e
acompanhado o trabalho que Vossa Excelencia
Reverendíssima desenvolve, envidando todos os esforços
possiveis para a boa formação espiritual do povo. É assim,
portanto com grande honra e satisfação, que me dirijo e visito
Vossa Excelencia Reverendíssima, para testemunhar, mais
uma vez, o meu profundo reconhecimento ao apoio que tem
dispensado a esta Chefia.
Muito atenciosamente,
302
MAINWARING. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). Op. cit. p. 11.
164
Filinto Muller.
303
Evitar a inquietação social sempre esteve na pauta do diálogo entre
as instituições religiosa e civil, pois sua manutenção implica numa certa
estabilidade no poder e é justamente isso que os governantes buscavam.
E a Igreja também.
No caso da carta de Filinto Müller a Dom Lustosa percebemos uma
parceria mútua entre as partes, uma vez que o chefe da polícia mostra-se
satisfeito com a atuação do bispo no sentido de preservar o povo do
‘extremismo’ da oposição, evitando “danos moráis e materiáis” ao povo,
orientando o povo a uma boa formação espiritual.
Por isso, consideramos esta carta um dos mais importantes
documentos deste trabalho, por evidenciar a relação existente entre a
Diocese de Belém e a Polícia da capital federal, que tinha como
convergência a colaboração entre as classes e o Estado, o interesse de
manter-se no poder, o silêncio da oposição e apoiar-se uma na outra para
permanecerem dominando com estas características.
3.2. - Com os operários e com a polícia: Padre Foulquier
Quem se queria excluir da sociedade, quem são os
eleitos, quais são os inimigos objetivos a serem
combatidos, quais os aparelhos utilizados pelo
Estado para operacionalizar essa tarefa?
304
“(...) poderosas organizações, verdadeiros exércitos
como os círculos operários, que lhe permitiram
303
Idem. Grifo nosso.
304
ALMEIDA, Maria das Graças Andrade Ataide de. “Caça às bruxas: repressão e censura na
interventoria Agamenon Magalhães (1937-1945).” In: CARNEIRO (org.). Minorias Silenciadas.
Op. cit. p. 238.
165
intervir no social, tornando-se ‘fermento na
massa’.”
305
Que são os Círculos Operários?
Os Círculos Operários são uma associação de
direito civil constituída por trabalhadores de ambos
os sexos, de qualquer idade e profissão, com o fim
de formar uma organização cristã, forte e perfeita
para defender os interêsses comuns a todos os
trabalhadores.
306
Esta definição foi encontrada em uma pequena cartilha sobre os
Círculos Operários, a Ação Católica e a Ação Social, de 1949. Apesar de
ter sido publicada quase uma década depois do fim do recorte histórico
desta dissertação, seu conceito encaixa-se com as atribuições das
primeiras organizações operárias, ainda no início da década de 30, mais
exatamente em 15 de março 1932, quando foi fundado o primeiro Círculo
Operário em Pelotas, no Rio Grande do Sul
307
, com o objetivo de
catolicizar os trabalhadores, de levar a prática religiosa para dentro das
fábricas, indo além da dimensão do temporal, realizando um trabalho
assistencial.
Para Romualdo Dias,
a organização dos operários se desenvolveu orientada pela
doutrina católica, de caráter anticomunista, corporativista e
assistencialista, com o objetivo de combater o materialismo e a
apostasia na sociedade, e de integrar o operariado à vida civil e
religiosa.
308
Segundo Dias, era afastando o socialismo e corporativizando as
classes que a Igreja conseguia gerenciar a vida do operariado, colocando
305
SOUZA. Círculos Operários. Op. cit. p. 100. A expressão “fermento na massa”, segundo a
autora, é recorrente na literatura católica relativa à ação da Igreja junto às camadas
empobrecidas, seja na literatura pré-Vaticano II ou na produção posterior.
306
Os Círculos Operários – A Ação Católica – A Ação Social. Rio de Janeiro: Confederação
Nacional de Operários Católicos, 1949, p. 03.
307
BEOZZO, José Oscar. “A Igreja entre a Revolução de 30, o Estado Novo e a
redemocratização.” In: FAUSTO (org.). História Geral da Civilização Brasileira. Op. cit. p. 314.
308
DIAS. Imagens de ordem. Op. cit . p. 105.
166
em prática uma política assistencial-materialista baseada nos princípios
católicos e na idéia de uma associação de trabalhadores organizados e
unidos, passando a sensação para a instituição religiosa de que a classe
trabalhadora atuava sob seu controle, palavra essa que interessava o
Estado e fazia com que este visse na Igreja uma parceira para tal
domínio.
Para Jessie Jane Vieira, em seu trabalho sobre os círculos
operários, no qual discute a política social da Igreja Católica e sua política
nas relações com o Estado na construção e execução de um discurso
sobre trabalho urbano no Brasil, diz que o circulismo – projeto teológico-
político da Igreja Católica no Brasil, a partir de 1932, através de círculos
operários –, assim chamado este movimento da Igreja junto ao operariado
é produto do esforço de um catolicismo romanizado e que, por isso, tem
relação direta com o projeto de revitalização da fé católica no país,
respondendo aos apelos da Encíclica Quadragesimo Anno e aos desafios
impostos criados pelas conjuntura política e social do Brasil a partir dos
anos de 1930.
A centralização do poder e da fé da Igreja católica no Brasil permitiu
a esta se reinventar, procurando “dentro de si sua nova linguagem, sua
nova organização, sua nova disciplina, seu novo ser
309
,
dotando-a de um poder simbólico vigoroso, capaz de gerar uma
estratégia de neocristandade que a colocou como intermediária
nas relações entre o Estado e a sociedade. Essa construção,
por sua vez, terminou por identificar catolicidade com cidadania
e por construir uma comunidade marcada pelos valores
disciplinadores do catolicismo.
310
Essa identificação veio como resultado do trabalho de renovação do
catolicismo no Brasil, principalmente com a Ação Católica que, viera para
dinamizar o estudo e a prática da fé entre os leigos, criando organizações
309
ALMEIDA. O Cardeal Arcoverde a reorganização eclesiástica. Op. cit. p. 120
310
SOUZA. Círculos Operários. Op. cit. p. 100.
167
que revitalizassem a atuação do homem religioso diante da sociedade e,
portanto, do Estado. É o caso dos Círculos Operários, que surgiram para
demonstrar ao Estado de que a Igreja tinha plenas condições de atuar na
sociedade, controlando-a na sua dimensão não apenas divina, mas
também no campo temporal, relacionando-os no plano social e político,
legitimando, assim, o plano teológico. Isso se faria pela capacidade da
instituição religiosa em aglutinar todas as classes, constituindo-se como
instrumento de unificação nacional, cabendo ao Estado aproveitar esse
poder centralizador da Igreja, aproximando-se, legitimando-a e
administrando os conflitos sociais com um discurso de harmonia e bem-
estar social, mantendo o equilíbrio que a Igreja se mostrava capaz de
promover entre os homens em sociedade com sua força que superava as
diferenças materiais e temporais.
311
Apesar da aparente hegemonia entre as intenções da Igreja católica
e do Estado brasileiro em ter sob seus controles o maior número possível
de operários, suas concepções de corporação são diferenciadas.
Segundo Roberto Romano, enquanto o
corporativismo de Vargas, visava colocar o Estado como fonte
suprema da ordem social. A Igreja deveria, portanto, aceitar o
papel de coadjuvante no processo de centralização do poder.
Não lhe foi permitido um projeto próprio de vigilância social,
embora lhe fosse novamente aberto o campo das escolas e de
outras instituições que lhe tinham sido barradas pelos governos
positivistas e liberais.
312
O autor continua esta discussão afirmando que, no Estado Novo, a
Igreja já tinha elementos de uma doutrina corporativista própria, mas foi
limitada pela legislação estadonovista, o que com esta se afastasse do
311
Para saber mais sobre as práticas de controle da Igreja no meio operário, ver ALMEIDA,
Paulo Roberto de. Círculos Operários Católicos: práticas de assistência e de controle no Brasil
1932-1945. Dissertação. São Paulo: PUC/SP, 1992.
312
ROMANO. Brasil: Igreja contra Estado. Op. cit. p. 149-150.
168
regime varguista em função da limitação de sua atuação no meio operário
e pela imposição de um “corporativismo secular”.
Diante desses limites, o movimento católico passou por uma
inflexão” no sentido de se enraizar no mundo cultural e conquistar a
consciência popular. O resultado desses novos direcionamentos foi o
aparecimento de universidades católicas e a expansão da “boa imprensa
enquanto a censura do DIPE cortava o caminho aos discursos contrários
ao regime.”
313
Não é nossa intenção discutir os meios de comunicação no
período estudado, mas mostrar que os limites políticos impostos pelo
regime sobre a Igreja no meio sindical fez com que esta canalizasse seu
trabalho pastoral-assistencial para outras frentes, como as universidades
católicas e as organizações juvenis espalhadas pelo Brasil. A exemplo do
Pará, temos a revista Quero como expoente desse processo.
Voltando às primeiras organizações católicas para o operariado,
segundo a cartilha “Os Círculos Operários – A Ação Católica – A Ação
Social”, pretendem os Círculos Operários “colaborar com os poderes
públicos na solução dos problemas sociais, notadamente operários, bem
como no aperfeiçoamento da legislação social”.
A primeira iniciativa da hierarquia católica no sentido de nacionalizar
o modelo dos Círculos Operários foi em 1936, durante a realização do
Congresso Eucarístico de Belo Horizonte, com a presença de
representantes de diversas entidades católicas que se direcionavam para
o meio operário. Neste evento, os congressistas tiraram algumas
resoluções, tais como:
- Formação, sem demora, de uma frente trabalhista cristã
nacional, que congregasse todas as entidades católicas
existentes e por organizar;
- Fundação de Círculos Operários em todos os principais
centros de trabalho;
- Realização de um Congresso Operário Católico Nacional
em 1937, no Rio de Janeiro;
313
Idem. p. 152.
169
- Requisitar, por intermédio de D. Sebastião Leme, a
transferência do P. Brentano para o Rio, a fim de promover a
execução destas resoluções.
314
Dom Leme imediatamente apoiou as reivindicações indicadas
anteriormente e tratou de dar condições para o trabalho do Padre
Leopoldo Brentano, no que contou com o total apoio de Alceu Amoroso
Lima, então presidente do Centro Dom Vital.
Numa primeira instância, as atribuições dos Círculos Operários e da
Confederação Nacional dos Operários Católicos seriam essas, mas seu
desenvolvimento e práticas elucidaram um outro lado desse trabalho
pastoral: a domesticação desse operariado, que esteve, o tempo todo,
contaminado por idéias comunistas e anarquistas. Era preciso ocupar a
mente desses trabalhadores com atividades que não dissessem respeito a
essas práticas e as ações católicas se fizeram presentes para suprir a
ociosidade dos momentos de folga, além da questão de participar de um
movimento para e pela fé, o que empolgava muitos deles.
Para a Igreja, o operário buscava a felicidade fora de casa, no jogo,
com outras mulheres, ações que o faziam perder a noção da moral, onde
perdia o amor da família e se esquecia de Deus. Tudo o que ganhava era
para os prazeres terrenos. Ao invés de proporcionar um mínimo de
conforto para si e sua família, procurava esquecer os problemas nos
‘antros de perdição’.
Na opinião da instituição religiosa, a questão era de fundo moral. O
operário deveria voltar-se aos ensinamentos de Deus, praticar a fé
católica, rezar com sua família e dedicar-se a ela, vivendo para o trabalho,
para a esposa e os filhos. Nos momentos de folga, sua obrigação
consistia em levá-los a lugares decentes e com atividades sadias. Um
desses lugares eram as sedes dos Círculos operários, onde o trabalhador
podia freqüentar e levar a família para domingos de lazer, para assistir
314
Confederação Nacional dos Operários Católicos. Manual do círculo operário. Apud FARIAS.
Em defesa da ordem. Op. cit. p. 190.
170
filmes educativos, peças teatrais e apresentações musicais, alimentando,
assim, seu espírito.
Na verdade, todas essas atividades serviam para ocupar o tempo
ocioso do operário, controlando-o até quando se encontrava fora da
fábrica. Essa era uma estratégia para afastar este indivíduo de reuniões e
organizações políticas, como o comunismo e o anarquismo.
Alguns anos depois, já em Fortaleza, Dom Lustosa publicou uma
Carta Pastoral sobre a influência da Igreja no meio operário, condenando,
especificamente, a ação dos comunistas entre os trabalhadores:
Sobre os comunistas: ‘Não é amigo do operário quem dêle
se serve para saturar a sociedade de desassocego e
descontentamento. Não é amigo do operário quem lhe arranca
a fé e o deixa sem a esperança de uma vida melhor. Não é
amigo do operário quem tenta sufocar-lhe nalma os
sentimentos religiosos que nunca podem desaparecer.
315
Ao afirmar repetidas vezes que o comunismo não é amigo do
operário, Lustosa tenta incutir na mente do trabalhador que, além de não
‘ser amigo’, o comunismo tira o que o homem tem de mais precioso: a fé,
e junto desta, a “esperança de uma vida melhor”, levando o homem a
viver desacreditado de crescer na vida. Diz o religioso na mesma Pastoral:
Não há maior crueldade do que roubar ao homem o que ele tem de mais
precioso – a fé.
Em contraposição a tudo de maligno que o comunismo
representava na vida do operário, a fé católica era a salvação e a solução
dos problemas. A prática católica era a maneira que o homem tinha de
“suavizar” o sofrimento de seus problemas e prepará-lo para a “felicidade
da outra vida”. Uma dessas práticas era a educação: por ela o homem se
315
LUSTOSA, Antônio de Almeida. Carta Pastoral – A Igreja – a grande protetora dos operários.
Fortaleza: Tipografia América, 1949. p. 61.
171
elevaria a Deus e caminharia para a salvação.
316
Argumenta Lustosa a
esse respeito na carta pastoral aos operários:
Pela educação cristã, o operário cuidará de empregar bem
o seu tempo e fugirá à ociosidade; dará a sua casa melhor
orientação higiênica e cercará de conforto sóbrio, mas
conveniente, a esposa e os filhos, pois tudo isso concorrerá
para a família se prezar mais.
Com esse discurso, o bispo atraía mais ainda a atenção dos
trabalhadores. A idéia de uma educação religiosa, pautada em valores
morais importantes para os católicos e de qualidade, empolgava muitos
homens que não tinham condição de oferecer um estudo de qualidade
para seus filhos, passando a Igreja a ter papel fundamental na vida
dessas pessoas. Define Lustosa sobre o papel da Igreja na vida do
operário:
Verdadeiro amigo do operário é o que procura suavizar-lhe os
sofrimentos da vida presente – inseparáveis do coração
humano seja êle rico ou pobre – e prepará-lo para a felicidade
da outra vida.
(...) o remédio para tantos males, em ultima analise, há de ser a
volta à vida cristã.
317
Em relação à presença desta Confederação na capital paraense,
baseado nos documentos encontrados na Arquidiocese de Belém,
identificamos a pessoa do Padre Foulquier como o responsável pela
instalação de um ‘braço’ desta organização no Pará. Queremos ressaltar
que não é nosso objetivo discutir o desempenho dessa organização
católico-operária no Pará, e sim perceber a atuação do Padre Foulquier
junto ao núcleo do Círculo Operário no estado.
316
“O programa desenvolvido estará estreitamente ligado a esta concepção de que a luta de
classes será eliminada e a conseqüente cooperação alcançada, na medida em que o
trabalhador preparado para isto, passando por uma formação global – de um espírito de
obediência e aceitação. A educação era entendida sob este ponto de vista e deveria, portanto,
abarcar todos os aspectos da vida do trabalhador, refazendo, inclusive, seus hábitos e valores.”
In: ALMEIDA. Círculos Operários Católicos. Op. cit. p. 71.
317
Idem. p. 25. Grifo do autor.
172
Padre José Foulquier era francês, Jesuíta, pertencente ao Clero
Regular, tinha cargo de dignidade de superior e era responsável pela
Capela de Lourdes.
318
Nosso objetivo neste trabalho é destacar sua
atuação na Diocese de Belém e, em especial, na organização da
Confederação Nacional dos Operários Católicos – CNOC – em Belém.
Segundo Damião Farias, “o elemento estrutural fundamental” da
estrutura hierárquica dos Círculos e Federações Católicas era o
Assistente Eclesiástico, aquele que faria o trabalho direto com os
operários. Apesar de, aparentemente, ser um membro qualquer da
diretoria, possuía autoridade para orientar as organizações em termos
doutrinários, de fé e de moral, cabia-lhes, baseado em estatuto, o direito
de veto, inclusive nas decisões da assembléia,quando tais decisões
contrariassem orientações definidas pela doutrina católica, tanto as
espirituais, quanto as sociais.
319
Na cartilha publicada em 1949 pela Confederação Nacional dos
Operários Católicos, os Círculos Operários necessitavam de “Assistentes
Eclesiásticos esclarecidos, que sejam os dedicados e leais promotores da
concórdia e da coordenação de ambos os movimentos.
320
Apesar das primeiras organizações nacionais operárias datarem de
1932, somente em 1937 registramos alguma intenção em estender esse
movimento para a capital paraense. Registramos algumas
correspondências entre o bispo paraense Dom Lustosa e a Confederação
Nacional dos Operários Católicos, como mostra um ofício do Padre
Leopoldo Brentano, responsável pelo movimento a nível nacional:
318
Não foram encontrados documentos sobre a chegada de Foulquier ao Brasil, em especial em
Belém, mas isso não prejudica nossas análises, uma vez que estas se apóiam nas ações desse
padre na Arquidiocese de Belém. In: Anuário da Archidiocese de Belém – Pará – Anno de 1934.
Documento Arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém.
319
FARIAS. Em defesa da ordem. Op. cit. p. 193.
320
Os Círculos Operários – A Ação Católica – A Ação Social. Rio de Janeiro: Confederação
Nacional de Operários Católicos, 1949. p. 13.
173
Agradecemos a V. Excia. Rvma. o apoio que nos deu em
face da coordenação do movimento operário que estamos
emprehendendo.
Agradecemos também a indicação do Rvmo. Pe. José
Foulquier, S. J., para corresponder comnosco a respeito das
providencias que devemos combinar.
321
Brentano agradece ao bispo paraense a disponibilidade em
estender a Confederação Operária até o Pará e também a indicação do
Padre Foulquier para realizar o trabalho junto ao operariado paraense.
Feito isso, a Arquidiocese tratou de tomar as providências para que
Leopoldo Brentano fosse à Belém organizar os trabalhos e, para esta
ocasião,
convem preparar bem o terreno.
Antes de tudo, encontrar e destacar um padre apto e
disposto, o qual possa dedicar uma bôa parte de seu tempo,
senão todo, ao apostolado entre os operarios. A elle eu darei as
necessarias instrucções, de modo que possa realizar um
trabalho profícuo. Sem isto, minha ida para ahi de pouco
serviria. O sacerdote, sobretudo no começo, é tudo, mesmo
para organizar os beneficios de assistencia material.
322
A intenção em preparar um padre residente em Belém para dirigir o
núcleo da Confederação no estado é a primeira preocupação de Brentano
e, ao anunciar sua visita, pede que preparem o terreno, para que sua
visita não seja em vão, como se pedisse para encaminhar as atividades
antes de sua chegada, para que quando aqui estivesse, apenas
orientasse o que já estivesse preparado. É o que diz o mesmo ofício:
Optimo seria escolher dentre os elementos catholicos
operarios e outros, um grupo, que poderia ser o fundamento da
obra a realizar, e aos quaes eu faria as explicações precisas.
321
Ofício do Padre Leopoldo Brentano a Dom Lustosa – setembro de 1937. Documento
arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Documentos recebidos – 1700 a março
de 1953.
322
Ofício do Padre Leopoldo Brentano a Dom Lustosa – 30 de novembro de 1938. Documento
arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Documentos recebidos – 1700 a março
de 1953.
174
Outrosim, ser-me-ia de utilidade fazer-se um pequeno
levante estatístico sobre a situação do operariado na cidade:
quaes as fabricas, officinas e outras emprezas, numero de
operarios de um e outro sexo; condições de religião moralidade
(em geral), de salário, hygiene, habitação. Si há syndicatos,
qual sua orientação e quaes os chefes principaes. Qual a
disposição dos patrões e chefes.
Brentano queria chegar no Pará e ter um mapa completo da
situação do operariado local: números e estatísticas poderiam dar uma
noção do tamanho do trabalho que teriam, principalmente se tivessem
conhecimento das correntes ou teorias políticas que influenciavam o
operariado paraense, estivesse ele organizado em sindicatos ou não.
Feito esse levantamento, o trabalho seria iniciado voltado para dominar
essas correntes que circulavam entre os trabalhadores, além de se
realizar uma assistência material e espiritual para os trabalhadores.
Utilizando as palavras de Alcir Lenharo, “tratava-se de criar um novo
conceito de trabalho e trabalhador (...) o forjamento do trabalhador
despolitizado, disciplinado e produtivo.
323
As estratégias de espiritualização seriam baseadas no perfil do
trabalhador local e, para tanto, as condições de vida eram imprescindíveis
para o desenvolvimento deste trabalho pastoral para que o
assistencialismo circulista pudesse agir na tentativa de preencher as
lacunas existentes na vida desse operário.
Esse trabalho para reordenar o cotidiano e mente do trabalhador
esteve bastante pautado numa doutrina corporativa, onde a Igreja buscou
organizar as classes em corporações para concentrar poder econômico,
social e político. Segundo Jessie Jane Vieira, o corporativismo da Igreja
era baseado numa descentralização do Estado, sendo, portanto, diferente
da concepção do governo, onde as associações profissionais são parte
integrante do Estado, além de
323
LENHARO. Sacralização da política. Op. cit. p. 15.
175
reformar a sociedade fragmentada na qual o homem não se
reconhecia como membro do corpo social. A Igreja não falava
em Estado corporativo, mas sim em sociedade corporativa,
harmônica, não fragmentada. Para ela, o importante era
reconstruir a sociedade a partir das associações profissionais,
nas quais os interesses econômicos poderiam ser enfrentados
sem confrontos.
324
Alcir Lenharo também discute a questão da colaboração entre as
classes então pregada pelos católicos. Através da Doutrina do Corpo
Místico de Cristo – “as partes que compõem a sociedade foram pensadas
tal como o relacionamento dos órgãos do corpo humano: integradamente
e sem contradições
325
– a Igreja sacralizava a política e legitimava seus
atos. Seu discurso de unidade e interligação entre as partes – patrão e
empregado – soava religiosamente nos ouvidos do operariado e era essa
a intenção da Igreja paraense em ter um núcleo do circulismo católico no
estado. Mas, apesar do esforço em fundar um núcleo da Confederação
Nacional de Operários Católicos no Pará, os documentos religiosos só
registram a fundação de um Círculo Operário em 02 de julho de 1939
326
,
não fornecendo o nome do religioso responsável pela direção dos
trabalhos pastorais no meio operário no momento da fundação do
núcleo
327
, mas reforçamos que o que nos importa neste trabalho é
perceber a atuação do Padre José Foulquier no contexto das primeiras
correspondências trocadas entre a Diocese de Belém e Leopoldo
Brentano.
Teria ele sido indicado por seus bons trabalhos pastorais na Capela
de Lourdes ou por sua atuação política – no sentido partidário do termo?
Certamente a segunda opção, pois alguns documentos mostram que o
324
SOUZA. Círculos Operários. Op. cit. p. 157.
325
Os objetivos do projeto, portanto, visava neutralizar os focos de conflitos sociais, tornando as
classes (órgãos) solidárias umas com as outras.” LENHARO. Sacralização da política. Op. cit. p.
18.
326
RAMOS. Cronologia Eclesiástica da Amazônia. Op. cit. p. 82.
327
Apesar de termos apenas o objetivo de analisar a participação do Padre Foulquier na
organização do núcleo da Confederação Nacional de Operários Católicos, não encontramos
documentos sobre nenhuma organização operária católica ativa em Belém. Sabemos que
existiu, mas que não teve expressão como queria o Padre Leopoldo Brentano.
176
referido padre assumia posições políticas que nem sempre agradavam ao
governo, tanto civil quanto eclesiástico, chegando a ser alvo de atentados
e censura. Apesar disso, foi ele o responsável por corporativizar o
operariado paraense, de promover uma abençoada colaboração entre os
patrões e empregados no estado.
É interessante pensar o padre Foulquier enquanto um religioso
voltado exclusivamente aos trabalhos pastorais e um religioso envolvido
com a política. Nesse último sentido, o dever em sacralizar o político fez
parte da estratégia católica de dominação sobre os trabalhadores,
tornando-os dóceis e maleáveis através de uma política de evangelização
e assistencialismo. E assim o padre agiu no meio das fábricas paraenses,
com um discurso de conformismo corporativo, baseado no perfeito
funcionamento da sociedade e dentro da fábrica, colaborando com o
Estado na prevenção de possíveis reivindicações por parte do operariado,
onde a
sacralização da política visava dotar o Estado de uma
legitimidade escorada em pressupostos mais nobres que os
tirados da ordem política, funcionando como escudo religioso
contra as oposições não debeladas. Da mesma forma, os
canais convencionais, alimentados pela religiosidade, podiam
ser utilizados como condutores mais eficientes dos novos
dispositivos de dominação que o poder engendrava.
328
As atividades de objetivo religioso de Foulquier e o conseqüente
desenvolvimento de sua função em dirigir o núcleo circulista em Belém o
caracterizou como um religioso-político, no sentido de que, se não
conhecesse e se envolvesse com os conflitos provavelmente existentes
no operariado local, não teria conhecimento de “seu rebanho”. Assim,
politizou-se e acabou não agradando por completa a autoridade
eclesiástica do estado, Dom Lustosa, uma vez que algo se modificou em
seu comportamento, como verificamos em seus artigos no jornal católico
328
LENHARO. Sacralização da política. Op. cit. p. 18.
177
A Palavra, quando escreveu sobre assuntos que lhe renderam a
suspensão de sua liberdade de escrita, como mostra um ofício do Chefe
de Polícia do Pará, Salvador Borborema, ao referido jornal, comunicando
que daquela “data em deante, os artigos do padre Foulquier só poderão
ser publicados depois de prévia censura por parte da Policia, estando
desta determinação já devidamente inteirado o respectivo censor.
329
Esse documento foi enviado em março de 1938, em pleno Estado
Novo, momento em que o Brasil passava por uma experiência política
autoritária, “sentindo necessidade de manter a ordem, de conter a ação
dos agentes subversivos, justificando a repressão aos divergentes”.
330
Partindo desse pressuposto, não podemos pensar o Padre José Foulquier
como um sacerdote voltado exclusivamente aos trabalhos pastorais, pois
se assim fosse, não teria chamado a atenção dos censores os seus
artigos publicados n’A Palavra, daí o interesse em desenvolver um estudo
mais aprofundado sobre sua atuação no Pará e, principalmente, à frente
da Confederação Operária Católica no estado.
Cremilda Medina, em seu artigo, “As múltiplas faces da censura”,
fala sobre sua experiência como editora de O Estado de São Paulo nos
tempos da ditadura militar, argumentando que
pela via da conscientização, da racionalidade informativa de
seus depoimentos e de seus atos corajosos contra o regime
autoritário, mas, para além de aprender, sempre me
sensibilizou e ressensibilizou a ousadia do artista de ir lá, no
lugar que ninguém vê – a alma do povo – e recolher o gesto
generoso sem censura nem autocensura (...) uma profunda
conexão dos textos e subtextos humanos.
331
329
Ofício do Chefe de Polícia do Pará, Salvador Borborema, ao jornal A Palavra – 09 de março
de 1938. Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Documentos
recebidos – 1700 a março de 1953.
330
FAUSTO. O pensamento nacionalista autoritário. Op. cit. p. 47.
331
MEDINA, Cremilda. “As múltiplas faces da censura”. In: CARNEIRO (org.). Minorias
Silenciadas. Op. cit. p. 430.
178
Transportando a experiência da autora para o papel de Padre
Foulquier, sem querer correr o risco de sermos anacrônicos, pensamos o
religioso enquanto propagador de idéias que não podiam ser totalmente
controladas pelo poder público, pois seu discurso alcançava a alma do
povo e era justamente isso que incomodava os detentores do poder.
No que se refere aos atentados, existe uma ata da reunião do Clero
Arquidiocesano, realizada no dia 20 de novembro de 1934 que recomenda
ao clero belenense uma visita ao padre Foulquier, que fora vítima de
atentado. Como ações desse tipo se configuravam como um
acontecimento ‘fora do normal’ para aquela época, o caso foi abafado,
não sendo noticiado em nenhum veículo de comunicação do estado.
Tomamos conhecimento apenas pela recomendação feita por Dom
Lustosa na reunião do clero e registrada em documento eclesiástico
oficial.
Ao ler a ata, o presidente “lê uma carta do sr. Arcebispo convidando
o clero para ir cumprimentar o padre Foulquier, pelo attentado de que fora
victima, apresentando-lhe protestos de solidariedade.
332
Alguns meses
depois, aparece o padre Foulquier na organização das Obras de
Propagação da Fé no norte do Brasil, onde é o secretário responsável.
Em reunião com representantes de muitas paróquias da
arquidiocese, Dom Lustosa definiu o que eram as Obras:A Obra de
Propagação da Fé é a grande auxiliar do Papa – ella fornece á S. Sé, os
meios necessários ao progresso da Igreja entre os infiéis
333
e convida a
todos a participarem dos trabalhos que seriam encaminhados,
conclamando as pessoas a se engajarem naquele novo trabalho pastoral,
na tentativa de reunir mais fiéis para a Igreja Católica mundial.
332
Ata da reunião do Clero Arquidiocesano – 20 de novembro de 1934. Documento arquivado na
Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Documentos recebidos – 1700 a março de 1953.
333
Ata da reunião geral dos Rvmos. Vigários e dos encarregados de Collegios e Capellas de
Religiosos – 12 de maio de 1935. Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de
Belém. In: Documentos recebidos – 1700 a março de 1953.
179
Os missionários, enthusiasmados com o ‘Ide’ de Jesus –,
querem partir, dilatando o reinado de Christo, salvando as
almas mas a Obra da Propagação da Fé, também tem soffrido
com a crise mundial.
O bispo justifica essa afirmativa falando da crise de evangelização
pela qual o mundo passava naquele momento. Religiosos eram
destacados para trabalhar no frio Alaska, China, para os sertões do Brasil,
para a protestante América do Norte e para a Europa. Todo esse esforço
era feito em nome da propagação da fé pelo mundo. E aí há um
agravante: as contribuições financeiras eram escassas, tanto para custear
a viagem dos missionários quanto o que deveriam enviar para a Santa Sé.
Tudo isso para justificar o papel do Brasil nesse processo: “O Brazil – um
paiz cattolico, um paiz de missões, no entanto, está quase em ultimo logar
nas esmolas enviadas ao Santo Padre.
Apesar disso, mostra o trabalho evangelizador feito no país e a
dificuldade de fazê-lo sem recursos financeiros, já justificando as poucas
contribuições pelo fato de as Obras de Propagação da Fé não serem
muito conhecidas entre os brasileiros:
Para atrahir o selvagem, não basta a presença do enviado
de Christo – O Missionário precisa de levar-lhes presentes,
remédios, brinquedos, objectos vistosos, capazes de chamar a
attenção dessas – creanças grandes.
(...) É necessário que a Obra de Propagação da Fé seja
conhecida entre nós. A verdadeira caridade não tem limites. É
preciso lembrarmos que os nossos missionários esperam muito
da Obra de Propagação da Fé. Tenham caridade com os
nossos patrícios que ainda não conhecem a nossa Santa
religião. Caridade para os índios, alistando-os.
334
334
Idem.
180
3.3. – Outras tensões religiosas
Este tópico buscou discutir outros conflitos que envolveram a
instituição religiosa e política no Pará dos anos 30. São acontecimentos
que não ganharam muito destaque neste trabalho pela insuficiência de
fontes a serem discutidas. Mas, apesar disso, percebemos o quão foi
intensa e duradoura o jogo de forças existentes entre as duas instituições
supracitadas. O fato de terem, cada uma, uma determinada influência no
meio social, fez com que ora se separassem, ora se unissem em nome da
ordem e da continuidade do controle sobre a sociedade.
Essas influências, para Michel Foucault, são o resultado da ação
dos micro-poderes existentes no meio social, onde Estado e Igreja têm
determinados poderes de persuasão sobre a população. O autor diz que o
Estado sozinho não constitui a “rede de poderes que impera em uma
sociedade”. Foucault não nega a importância da instituição civil sobre uma
sociedade, apenas chama atenção para o fato de que o Estado não seria
o “órgão central e único do poder”, partindo de uma análise onde a
especificidade deveria ser relevante ponto de discussão para se entender
os interesses em jogo.
Nesse ínterim, os poderes locais, específicos, é que definem as
relações de poder em disputa ou em colaboração. Para Foucault, os
micro-poderes”, possuindo
tecnologia e histórias específicas, se relacionam com o nível
mais geral do poder constituído pelo aparelho de Estado.
(...) o poder não como uma dominação global e centralizada
que se pluraliza se difunde e repercute nos outros setores da
vida social de modo homogêneo, mas como tendo uma
existência própria e formas específicas ao nível mais elementar.
O Estado não é o ponto de partida necessário, o foco absoluto
que estaria na origem de todo tipo de poder social... foi muitas
vezes fora dele que se instituíram as relações de poder.
335
335
Nossa intenção não é discutir as teorias de Michel Foucault em profundidade e sim pensar a
questão da especificidade do meio social para se compreender os interesses e as forças em
181
Este poder não tem por objetivo tolir a liberdade dos homens, mas
sim reivindicar a gerência de suas vidas, potencializando suas qualidades
e aperfeiçoando suas capacidades. No caso deste trabalho,
especificamente nas relações entre o Estado e a Igreja, o primeiro se diz
gerente de tudo e de todos, enquanto a Igreja se diz necessária para
controlar os ânimos sociais e fortificar a fé do povo, colaborando no
domínio sobre as mentes dos indivíduos, mantendo-os “satisfeitos” com a
situação vigente. Assim, a sacralização da política pela instituição
religiosa ajudava o governo na manutenção de uma ordem que era
cômoda e dominante para ambos.
Apesar desta parceria, já analisada nos capítulos anteriores, os
desentendimentos também podem ser identificados entre esses dois
poderes. De ordem política ou religiosa, algum dos lados se considerava
mais competente e mais apto para dirigir a vida do indivíduo. Logo, diante
desse poder tão relevante da Igreja, não podemos defini-la, nesse
contexto, como um aparelho ideológico do Estado, uma vez que se trata
de uma instituição com poderes próprios e independentes do governo,
apesar de procurar estar sempre ao lado da situação vigente.
Um exemplo dessa disputa por poder ocorreu em 1933, na capital,
Belém. A prefeitura, sob o comando de Abelardo Condurú, entrou em
conflito com a opinião do bispo sobre a localização de uma imagem, a de
Santo Amaro. Lustosa resolveu que a imagem devia ser transferida da
Basílica de Nazaré para a capela de Val-de-Cans e o prefeito, procurado
por alguns populares, ordenou o retorno da imagem para a Basílica. Este
jogo. Para uma discussão mais aprofundada sobre os micro-poderes e as relações de poder
entre o Estado e outras forças sociais, conferir FOUCAULT. Microfísica do poder. Op. cit. p. XV
e XVI.
182
episódio causou uma certa indisposição que logo foi resolvida entre as
partes.
336
O vai-e-vem da imagem do Santo só pôde ser verificado pelo jogo
de forças que se forjaram nessa questão. Se o prefeito não se achasse no
direito de intervir pelos que o procuraram, não teria interferido na decisão
do bispo e este, percebendo o peso político da pessoa de Condurú, não
“teimou” com o que o prefeito resolveu. Neste caso, o poder político – o
governo – venceu a “queda de braço” com a Igreja, impondo-se como o
responsável pela efetivação da vontade popular, concretizando o que lhe
fora pedido.
Passando para um caso especificamente religioso, em 1936, a
Diocese de Belém foi informada de que um indivíduo estava se passando
por um missionário, percorrendo o nordeste, fingindo-se de sacerdote
para aproximar-se das pessoas e delas tirar algum proveito.
Identificado com o nome de Luiz Zaidan, o “falso sacerdote
337
adquiriu esta identidade por roubar os documentos de um missionário
maronita falecido no Líbano há mais de 10 anos. Só não se sabia como o
indivíduo tomara posse dos documentos.
Este não é o primeiro caso em que um indivíduo se aproveita da
Igreja para benefício próprio. Um outro caso, nada parecido com o
anterior, foi registrado no nordeste paraense, no município de Vigia. Desta
vez, não se trata de um falso padre, mas de um sacristão que roubou
determinado material de construção da Igreja matriz do município.
O responsável pela paróquia, o vigário Padre Alcides Paranhos, já
carregava uma fama de mau sacerdote, indisciplinado e politiqueiro. Este
acontecido aumentou ainda mais a opinião negativa do povo a seu
336
Ofício da Prefeitura Municipal de Belém – Prefeito Abelardo Condurú – para Dom Lustosa,
em 13 de janeiro de 1933. Documento arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In:
Documentos recebidos – 1700 a março de 1953.
337
Ofício da Missão Libaneza Maronita a Dom Lustosa – 09 de março de 1936. Documento
arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Documentos recebidos – 1700 a março
de 1953.
183
respeito, pois, segundo carta de José da Cunha e Silva, morador da
cidade, Dom Lustosa precisava conhecer as “verdades” sobre a pessoa
de Paranhos.
Suas palavras remetem a uma indignação da qual, segundo ele,
partilhava toda a população vigiense. Já há alguns anos, “constrangidos
supportando certas irregularidades revoltantes, na parte tocantes aos
festejos religiosos que estão reduzidíssimos, por culpabilidade tão
somente do parocho.
338
Aqui identificamos mais uma manifestação do
povo diante das festividades em torno de um santo. Neste caso, o redator
da carta diz que o povo sente falta dos festejos religiosos, no que está
subentendido todo o processo: a reza e os arraiais, as ladainhas e as
esmolações.
Além disso, diz José da Cunha que
os vigienses temos a lamentar a desidia que tem havido com a
parte referente as relíquias da nossa Matriz, talvez a mais
importante e mais rica do interior do Pará, que infelizmente hoje
vê-se despida na maior parte da sua ornamentação.
Nas palavras deste, pratas, castiçais e bandejas são alguns dos
objetos que o sacristão, “persona grata do Padre Alcides, apropriou-se
indevidamente dos bens materiais da paróquia de Vigia, além de uma
certa quantidade de cal que também desapareceu, a qual serviria para o
conserto da Igreja Matriz.
Não era a primeira vez que o sacristão José Gaya cometera alguma
irregularidade neste posto. Em dezembro de 1932, como conta José da
Cunha, Gaya enviara representante a Belém para vender determinada
quantidade de prata – pertencente à Igreja. A prata foi levada pelo Sr.
João Souza, proprietário da canoa “Ministro” e por um indivíduo chamado
338
Carta de José da Cunha e Silva a Dom Lustosa – 26 de fevereiro de 1933. Documento
arquivado na Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Documentos recebidos – 1700 a março
de 1953.
184
“Calhacalha”, filho do escrivão de polícia local. Não conseguindo fazer o
negócio, a prata foi devolvida ao “DONO”, José Gaya.
A população, revoltada ao tomar conhecimento do caso, cobrou do
tesoureiro, Sr. Jonas Ferreira, e do Padre Alcides, providências para o
ocorrido, mas
infelizmente assim não aconteceu, como foi provado de que o
Padre Alcides procurou silenciar tudo. (...) José Gaya ufana-se
dizendo que Padre não o põe da Igreja porque tem segredos
com elle que o impossibilitam de ter acção a esta ou aquella
irregularidade de José Gaya.
339
Esta declaração de José Gaya denuncia o padre. Ao perceber que
suas falcatruas estavam sendo descobertas, acusa também o padre
Alcides Paranhos, dizendo que este era cúmplice em seus atos ilícitos, o
que colocou o religioso em maus lençóis, pois sua imagem passou a ser
mais mal vista ainda diante da população, pois antes do ocorrido, o povo
já falava pelas ruas das irregularidades cometidas por Paranhos.
Para piorar a situação do padre, José da Cunha acusa o padre de
não honrar a batina, chamando-o de “politiqueiro
, não presa com
verdadeira santidade a batina que enverga, tendo accusações serissima
em namoros com as filhas de Maria da irmandade da parochia.
340
Esta afirmação de Cunha feriu diretamente o dogma do celibato da
Igreja Católica, fato este que desmoralizou ainda mais o padre e,
certamente, indignou o bispo Dom Lustosa, além de ter deixado a
população decepcionada diante das ações de seu representante
eclesiástico, configurando este caso como mais um exemplo de conflito
entre o poder civil e religioso que alcançou proporções consideráveis, uma
vez que o caso foi conhecido pela população, a qual se levantou contra as
arbitrariedades do padre que desviara os recursos do prédio da Igreja.
339
Idem.
340
Idem. Grifo nosso.
185
Ao final da correspondência, esperavam os vigienses, a punição do
superior religioso paraense ao tomar conhecimento das “verdades que
poderão ser apuradas por um inquérito que não seja por pessoa que se
deixe levar pelas labias do Padre.
Alguns dias depois, em 14 de março de 1933, o tesoureiro da
Comissão da Festa de Nazareth, Jonas Ferreira, enviou carta a Dom
Lustosa confirmando os acontecimentos narrados por José da Cunha
sobre o roubo da cal e da tentativa de venda de um castiçal de prata
pertencente à Igreja matriz de Vigia, extraviada pelo sacristão José Gaya.
Conta Jonas Ferreira que
infelizmente é verdade terem desaparecido 19 paneiros de cal,
cuja procedência não me foi difícil averiguar, levando desde
logo ao conhecimento do Rev. Padre Alcides o facto para que
elle tomasse as providências necessárias.
(...) Quanto as castiçal de prata, nada de positivo posso
afirmar, sabendo, por ouvir dizer, que o sr. João Souza, freteiro
da linha entre Belém e esta cidade, assistiu a tentativa de
venda dum objecto na casa de um judeu, impugnando a tempo
a effectivação do negocio, prevenindo ao referido commerciante
que não comprasse o castiçal, que pertencia á Egreja Matriz da
Vigia e era roubado.
341
Ao relatar os fatos já denunciados pelo Sr. José da Cunha, Jonas
Ferreira fala sobre a gravidade do caso e diz a Dom Lustosa que o
sacristão tinha sido despedido pelo bispo e que, apesar de ser “um pae de
família e de um empregado bem deligente”, foi infiel ao cargo que ocupou,
merecendo punição severa.
Esses casos são apenas alguns exemplos das tensões religiosas
ocorridas no Pará dos anos 30, configurando-se como conflitos que
marcaram o episcopado de Dom Antônio de Almeida Lustosa e
envolveram questões tanto da Igreja, como a tentativa de Romanização
no interior do estado e suas resistências, quanto questões relacionadas
341
Carta de Jonas Ferreira a Dom Lustosa – 14 de março de 1933. Documento arquivado na
Biblioteca da Arquidiocese de Belém. In: Documentos recebidos – 1700 a março de 1953.
186
ao poder civil, fazendo com que alguns religiosos fossem punidos por
suas ações políticas, chegando a ponto de serem chamados de
“politiqueiros” e silenciados em nome da moral, que a Igreja Católica tanto
queria preservar em nome de uma suposta unidade ideológica e luta
contra qualquer dissidência, uma vez que isso é a base para a
centralização e fortalecimento do poder.
342
342
CARNEIRO (org.). Minorias Silenciadas. Op. cit. p. 31.
187
C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S
188
Este trabalho que, por hora, dá uma pausa, suscita uma variedade
de “retalhos” a serem costurados futuramente. As perguntas que hoje
tenho sobre os assuntos tratados nesta dissertação são bem mais do que
as que tinha quando pensei em estudar os padres politiqueiros, suas
ações e repressão pelo regime civil e eclesiástico paraense, dentro de um
contexto romanizador e restaurador, sendo esses movimentos da Igreja
Católica para recuperar seus fiéis e reaproximar-se do Estado.
Hoje olho o passado com outros olhos. Ao vivenciar dias de censura
pela Igreja católica de Castanhal, cultivei um sonho e/ou uma reação
apaixonada de, um dia, escrever sobre a censura da Igreja e suas
conveniências políticas.
Passados alguns anos, a monografia do final de curso de
graduação
343
na Universidade Federal do Pará me deu “brechas” para
adentrar na vida de Antônio de Almeida Lustosa, José Maria do Lago,
Leandro Pinheiro, José Foulquier e outros citados ao longo deste trabalho
e que, de algum modo, satisfizeram minha necessidade pessoal e
exercitaram meu distanciamento do objeto apaixonado.
Identificar padres que tiveram problemas políticos com seus
superiores e com o poder público e o que foi feito diante de suas atitudes
foi a maior busca nesta dissertação. Perceber as ações desses religiosos,
que foram desde perseguições políticas com direito à emboscada a
roubos de materiais pertencentes à paróquia e a reação da Igreja católica
paraense diante desses episódios pouco comuns em sua história, norteou
as discussões.
Pelos caminhos percorridos por esta dissertação, temos o padre
Leandro Pinheiro. Seu posicionamento político desagradou o bispo Dom
Lustosa, autoridade que respondia por todos os religiosos do estado,
fazendo com que Pinheiro fosse afastado de suas atividades sacerdotais
343
MENDES, Mayara Silva. Do Púlpito ao povo: política e religião no episcopado de Dom
Lustosa no Pará (1931-1941). Monografia. Belém: UFPA, 2003.
189
por ter participado do movimento de 30 na capital paraense, agravado
pelo fato de ter sido secretário geral do Estado e prefeito de Belém. No
entendimento do bispo, um religioso não deveria se envolver com política,
uma vez que os preceitos religiosos não permitem o envolvimento com os
assuntos de ordem político-partidária.
Sabemos que isso ficava apenas na prática. A questão é que
Pinheiro talvez não soube se aproximar do governo da maneira que a
Igreja queria. Sim, a Igreja buscava uma aproximação com o Estado, mas
de maneira sutil, conseguindo reconhecimento e não ocupando um cargo
político, como fez o padre-prefeito. Um estudo mais aprofundado sobre o
governo municipal de Pinheiro merece ser feito em função de sua
condição de padre, na busca de um melhor entendimento sobre a parceria
– ou não, neste caso – entre o poder civil e eclesiástico no Pará.
Nesse contexto, o movimento restaurador foi o responsável pelo
esforço católico de se fazer presente e reconhecido pelo Estado. A
conjuntura nacional sensível a mudanças proporcionava um novo cenário
para a atuação da Igreja. A emergência de novas classes sociais, com
destaque para o operariado, e a expansão de doutrinas que não
reconheciam a religião católica, como o comunismo, por exemplo,
constituíam-se numa ameaça tanto para o novo governo que ainda
fincava suas estruturas na política nacional quanto para a instituição
religiosa que, naquele momento, via a oportunidade de ser, novamente,
reconhecida como instituição importante para o alcance do equilíbrio
social.
Adentrando mais ainda na década de 30, encontramos o Padre
José Maria do Lago. Nesse período, atuou na região do Salgado, no
nordeste paraense, onde foi perseguido por indivíduos que o encaravam
como inimigo político, resultando em inquéritos policiais, tentativas de
espancamento e xingamentos. Destacamos aqui que não foi nosso
objetivo adentrar no aspecto policial dos problemas nos quais o padre
190
esteve envolvido, por privilegiarmos o campo religioso em conflito, sendo
estes inquéritos, ricos objetos de futuros estudos.
Ao estudar as ações do Padre Lago, percebemos que seu trabalho
pastoral foi além do recomendado pelo bispo paraense, Dom Lustosa,
recomendações estas que iam no sentido de os religiosos não se
envolverem em processos eleitorais, devendo cuidar apenas das questões
espirituais, deixando o temporal para os homens da política.
O caráter pastoral do trabalho de Lago foi além do “permitido”,
quando, em suas pregações, orientava os fiéis a terem uma consciência
política crítica, que avaliassem em quem votariam e que não se
deixassem enganar por promessas vagas.
Um estudo mais abrangente merece ser feito em torno da figura de
José Maria do Lago. Uma biografia talvez, ou um trabalho em torno de
sua formação religiosa enriqueceria a historiografia sobre a religião no
Pará, uma vez que foi um destacado religioso de seu tempo, indo contra
as estruturas delimitadas pelos meios civil e eclesiástico, desenvolvendo
um trabalho pastoral e político que mesclava assuntos diversos, sendo
essa mistura que não agradava tanto a seus superiores quanto àqueles
que se sentiam incomodados com suas pregações. Assim, entendemos
este padre como um “politiqueiro”, tal como é definido nas fontes,
tomando por “politiqueiro” um clérigo envolvido com os assuntos
partidários, seja de forma direta ou indireta, assumindo um cargo ou
conscientizando o povo.
O caso do padre Alcides Paranhos caminha em uma direção
paralela aos outros religiosos, uma vez que seu problema com o bispo
Dom Lustosa foi de ordem moral, além de política, pois foi acusado de ser
cúmplice no roubo de material que serviria para reparos no templo católico
do município de Vigia, no Pará, além de namorar as freiras da cidade. Seu
comportamento foi reprovado tanto pelos vigienses quanto pelo clero do
estado, sendo o caso levado à polícia. Estes episódios fazem parte de um
191
cenário no qual a Igreja não queria estar: o campo da moralidade deveria
ser o exemplo a ser dado e Paranhos fora de encontro a estas
recomendações religiosas.
No que se refere ao padre José Fouquier, percebemos que foi o
religioso escolhido para direcionar os trabalhos do Círculo Operário da
capital paraense, Belém, por se destacar em seus escritos bem
articulados publicados num jornal do estado, o qual as fontes não
revelaram o nome. Consideramos que isso não prejudicou a percepção da
dimensão de seu alcance, pois não nos interessamos em estudar seu lado
literato e sim seu lado político à frente da organização operária no Pará.
Sua atuação política – com um princípio religioso – chegou a ponto tal que
seus escritos foram proibidos pelo chefe de polícia do estado, como as
fontes mostraram anteriormente.
Isto nos permite pensar esses padres como sujeitos que reagiram a
toda uma estrutura repressora de governo e que contribuíram para uma
maior conscientização política da população. Essas ações iam de
encontro aos interesses da Igreja Católica paraense, que buscava uma
aproximação com a Interventoria de Magalhães Barata, fazendo-se mais
presente junto ao Estado. Esse esforço em mostrar-se interessada na
harmonia social foi orientado pelas diretrizes romanas, baseadas em
princípios sólidos de ordem, disciplina e organização, numa tentativa da
Igreja em recuperar a moralidade do seu clero, multiplicar seus pastores e
contribuir na ordem pública para que, assim, conseguisse novos espaços
num país declaradamente laico, caso do Brasil.
Nesse contexto, Dom Lustosa atuou nessa perspectiva, de passar a
imagem de uma Igreja sólida, presente na sociedade e que poderia
contribuir com o Estado, mostrando-se para este como uma instituição
necessária e capaz de manter a sociedade dentro da normalidade e
ordem públicas.
192
Portanto, o cenário em que os padres discutidos nesta dissertação
atuaram estava permeado de novas experiências, tanto políticas, uma vez
que o país se reorganizara, recebendo um novo governo, novas idéias e
novas classes surgiam, quanto religiosas, num momento em que a Igreja
católica, tanto nacional quanto a paraense, se esforçavam para recuperar
privilégios perdidos com a proclamação do laicismo no Brasil, percebendo
que os grandes acontecimentos de 30 dera uma oportunidade para essa
nova entrada da Igreja católica no cenário político brasileiro.
No Pará esse processo não foi diferente. Ao discutirmos esse
percurso no estado, consideramos que criamos mais perguntas ainda
sobre esse período histórico, o qual, no estado, quase não é pesquisado,
principalmente, sobre a atuação da Igreja católica. Nesse sentido,
esperamos ser este trabalho uma contribuição à historiografia local para
que se desnude e incentive, mais ainda, estudos sobre esse recorte
temporal ainda tão inexplorado.
Apesar de tentar ter respondido a perguntas que nortearam a
dissertação, o desenvolvimento do trabalho nos levou a uma infinidade de
indagações que ficarão, certamente, para futuros estudos. Sim, as
perguntas sempre nos acompanharão, mas é com elas que se faz a
História.
193
F O N T E S
194
1 – Obras
- COIMBRA, Creso. A Revolução de 30 no Pará: análise, crítica e
interpretação da história.Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1981.
- COSTA, J. B. Portocarrero. Ação Católica – conceito, programa,
organização. Rio de Janeiro. Editora ABC, 1937.
- CUNHA, Paulo de Tarso Monteiro da. História de Curuçá – Curuçá no
passado, Curuçá no presente.
- LIMA, Alceu Amoroso Lima. Elementos de Ação Católica. Rio de Janeiro:
Editora ABC, 1938.
- LIMA, Alceu Amoroso. Pela união nacional. São Paulo: José Olympio
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- LUSTOSA, Dom Antônio de Almeida. No estuário amazônico - à margem
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2 – Jornais - impressos
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“O legado de Dom Irineu Joffily”. Belém, 19 de março de 2001.
2.2. - Folha do Norte
“Pretendiam subverter a ordem publica e implantar, no Estado, um
regimen de insegurança e de terror.” Belém, 05 de setembro de 1930.
“A projectada mashorca, reduzida á sua expressão mais simples.” Belém,
06 de setembro de 1930.
“As monstruosidades do communismo – ao sr. Padre Leandro Pinheiro e
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“Pelo Brasil”. Belém, 17 de agosto de 1930.
“A sublevação do 26° B/C”. Belém, 12 de outubro de 1930.
“O cardeal no Catete”. Belém, 07 de dezembro de 1930.
“Clero e política”. Belém, 18 de dezembro de 1931.
“Dom Antônio de Almeida Lustosa toma posse na séde belemense.
Belém, 20 de dezembro de 1931.
“Archidiocese de Belém – Visitas Pastorais de 1932. – I parte”. Belém, 30
de abril de 1933.
“À margem da visita pastoral.” Belém, 29 de julho de 1933.
3 – Decretos e Mensagens - impressos
- Decretos e Portarias do Governo do Estado do Pará, de 1929 a 1931.
- PARÁ, Interventor Federal, 1930-1935 (Joaquim de Magalhães Cardoso
Barata). Mensagem apresentada à Assembléia Constituinte do Estado em
4 de abril de 1935. Belém: Officinas Graphicas do Instituto Dom Macedo
Costa, 1935.
4 – Circulares - datilografadas
- Circular n° 10, de 30 de janeiro de 1933.
- Circular nº 11, de 28 de fevereiro de 1933.
- Circular n° 22, de 21 de junho de 1934.
- Circular n° 23, de 09 de julho de 1934.
196
- Circular n° 24, de 1934.
- Circular n° 26, de 23 de setembro de 1934.
- Circular n° 34, de 28 de junho de 1935.
- Circular n° 38, de 20 de outubro de 1935.
- Circular n° 42, de 07 de fevereiro de 1936.
- Circular n° 45, de 7 de abril de 1936.
- Circular n° 47, de 16 de novembro de 1936.
- Circular n° 64, de 30 de setembro de 1939.
- Circular n° 65, de 30 de novembro de 1939.
- Circular n° 67, de 16 de abril de 1940.
5 – Encíclicas - impressas
- Encíclica Rerum Novarum – 1891 – Pontificado de Leão XIII.
- Encíclica Quadragesimo Anno – 1931 – Pontificado de Pio XI.
- Encíclica Ad Catholici Sacerdotii – 1935 – Pontificado de Pio XI.
6 – Correspondências
- De Leandro Pinheiro para Dom Lustosa – 31 de dezembro de 1930 –
manuscrita.
- De Alderico Lima de Castilho para Dom Lustosa – 11 de abril de 1932 –
datilografada.
- De Dom Lustosa para Leandro Pinheiro – 10 de janeiro de 1933 –
manuscrita.
- De Abelardo Condurú para Dom Lustosa – 13 de janeiro de 1933 –
datilografada.
- De José da Cunha e Silva para Dom Lustosa – 26 de fevereiro de 1933 –
datilografada.
197
- De Dom Leme para Dom Lustosa – 13 de março de 1933 –
datilografada.
- De Jonas Ferreira para Dom Lustosa – 14 de março de 1933 –
manuscrita.
- De Magalhães Barata para Dom Lustosa – 20 de junho de 1933 –
datilografada.
- De Dom Lustosa para Leandro Pinheiro – 09 de outubro de 1933 –
datilografada.
- De José Maria do Lago para Dom Lustosa – 16 de outubro de 1934 –
manuscrita.
- Da Diretoria do Círio de Nossa Senhora de Nazaré (Marapanim) para
Dom Lustosa – 4 de novembro de 1934 - manuscrita.
- De Dom Lustosa à Diretoria da festa do Círio de Nossa Senhora de
Nazaré (Marapanim) – 7 de novembro de 1934 – datilografada.
- De Alceu Amoroso Lima para Samuel Mac-Dowell – 20 de novembro de
1934 – datilografada.
- De Dom Lustosa para Samuel Mac-Dowell – 2 de maio de 1935 –
datilografada.
- De Dom Lustosa para os membros da Comissão da Constituição
paraense – 02 de agosto de 1935 – manuscrita.
- Da Missão Libaneza Maronita para Dom Lustosa – 09 de março de 1936
– datilografada.
- De José Malcher para Dom Lustosa – 23 de abril de 1936 –
datilografada.
- De Leopoldo Brentano para Dom Lustosa – setembro de 1937 –
datilografada.
- De Salvador Borborema para A Palavra – 09 de março de 1938 –
datilografada.
198
- De Ignacio Santos para José Malcher – 12 de setembro de 1938 –
datilografada.
- De Francisco Portela de Carvalho para o Chefe de Polícia – 14 de
setembro de 1938 - datilografada.
- De Deodoro de Mendonça para Dom Lustosa – 21 de setembro de 1938
– datilografada.
- De Antonio Callado para Dom Lustosa – 28 de outubro de 1938 –
manuscrita.
- De Leopoldo Brentano para Dom Lustosa – 30 de novembro de 1938 –
datilografada.
- De Filinto Muller para Dom Lustosa – 01 de julho de 1939 –
datilografada.
7 – Cartas Pastorais
- Carta Pastoral de Dom Lustosa saudando a seus Diocesanos – 1932 –
impressa.
- LUSTOSA, Antônio de Almeida. Carta Pastoral por Ocasião da
reabertura do Seminário – 15 de março de 1933. Belém: Papelaria Suisso,
1933.
- LUSTOSA, Antônio de Almeida. Recordando o Cincoentenario da morte
de D. Antonio de Macedo Costa – 10° Bispo do Pará. Belém: Comissão
pro comemoração do cincoentenario, 1941.
LUSTOSA, Antônio de Almeida. Carta Pastoral – A Igreja – a grande
protetora dos operários. Fortaleza: Tipografia América, 1949.
8 – Outros
- Anuário da Archidiocese de Belém – Pará – Anno de 1934.
- Anuário da Archidiocese de Belém – Pará – Anno de 1935.
- Ata da reunião do Clero Arquidiocesano – 20 de novembro de 1934.
199
- Ata da reunião geral dos Rvmos. Vigários e dos encarregados de
Collegios e Capellas de Religiosos – 12 de maio de 1935.
- Os Círculos Operários – A Ação Católica – A Ação Social. Rio de
Janeiro: Confederação Nacional de Operários Católicos, 1949.
- Revista Quero, vol. 36, outubro de 1941.
- “O que não é a Acção Católica.” Revista Quero, vol. 18, abril de 1940.
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