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VÂNIA PENAFIERI DE FARIAS
A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS NAS PEÇAS
PUBLICITÁRIAS SOBRE AUTOMÓVEIS:
UM ESTUDO SOBRE A INTERFERÊNCIA CULTURAL
NA GERAÇÃO DE MENSAGENS
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC/SP
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica
SÃO PAULO
2006
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1
VÂNIA PENAFIERI DE FARIAS
Dissertação de Mestrado
A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS NAS PEÇAS
PUBLICITÁRIAS SOBRE AUTOMÓVEIS:
UM ESTUDO SOBRE A INTERFERÊNCIA CULTURAL
NA GERAÇÃO DE MENSAGENS
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Comunicação e Semiótica – área
de concentração: Signos e Significações nas Mídias,
sob a orientação da Profa. Dra. Leda Tenório da
Motta.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC/SP
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica
SÃO PAULO
2006
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2
A Dissertação de Mestrado A Construção de conceitos nas peças
publicitárias sobre automóveis: um estudo sobre a interferência
cultural na geração de mensagens, realizada pela aluna de
mestrado Vânia Penafieri de Farias, no curso de Pós-Graduação em
Comunicação e Semiótica, na área de concentração Signos e
Significações nas Mídias, da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), foi ________________ no dia __/ __/ 2006, tendo
sido avaliada pela Banca composta pelos Professores:
___________________________________________________
Prof(a). Dr(a).
___________________________________________________
Prof(a). Dr(a).
___________________________________________________
Profa. Dra. Leda Tenório da Motta, orientadora
3
Dedico...
Miguel,
que com seus olhinhos matreiros e curiosos, mostra-me,
a cada segundo, a sublimidade da vida.
Luiz Alberto,
amor, amigo, que com sua tenacidade
inspira-me na conquista diária de uma vida feliz.
Lia (a mãe) e Toninho (o pai),
por terem me preparado e me estimulado com tanto carinho
para os caminhos que agora trilho sozinha.
4
Agradeço...
Profa Dra Leda Tenório da Motta,
por seus preciosos apontamentos e atenção constante, imprescindíveis
durante todo o percurso percorrido nesta pesquisa.
Profa Dra Irene Machado,
pelas orientações iniciais, que foram fundamentais para o
delineamento dos caminhos desta dissertação.
Professores Drs Ana Maria Zilocchi e Ivan Santo Barbosa,
pelas riquíssimas contribuições a esta pesquisa quando
o caminho ainda estava sendo iniciado.
Ao querido Lucas,
pelas inúmeras vezes que, com muito carinho, brincou e cuidou do
Miguel, possibilitando-me pequenos fragmentos de tempo,
preciosos para o desenvolvimento desta dissertação.
Lilian,
colega de mestrado, que me deu apoio quando a maternidade
iminente já não permitia as presenças constantes.
5
RESUMO
O estudo está voltado ao exame da construção semiótica de conceitos
de animização e de superdimensionamento do tempo e do espaço, nas
mensagens de automóveis de peças publicitárias impressas. Como a
forma de atuação da publicidade está intrinsecamente relacionada a
hábitos culturais e a tendências comportamentais, propõe-se por meio
do estudo melhor entendimento das relações sígnicas que se formam a
partir de interferências culturais. A pesquisa partiu das hipóteses de que
os cenários criados nas peças publicitárias privilegiam, de um lado, a
individualidade como conceito gerador de unicidade do automóvel, e de
outro, a pluralidade, com a idéia de conquista, de exibição. A outra
hipótese diz respeito à idéia de fuga espacial versus fuga simbólica da
vida cotidiana urbana. A dissertação foi estruturada de forma a
possibilitar: identificação das diversidades presentes no corpus, reflexão
acerca das representações do automóvel na sociedade contemporânea e
possibilidades dialógicas, a partir do conceito de Mikhail Bakhtin, entre os
diversos enunciados presentes nas peças publicitárias.
Palavras-chave: publicidade, semiótica da publicidade, publicidade e
cultura, tempo e espaço nas mensagens publicitárias.
6
ABSTRACT
The study is about the examination of the semiotics building of the
animal aspect and the superdimension of the time and the space, in the
automobile messages on the printed advertising pieces. How the
advertinsing is intrinsically related to cultural habits and behaviour
tendencies, through the study of better understanding of the signal
relations which are formed by cultural interferences. The research has
considered the hypotheses of the landscapes created on the advertising
pieces take the privilage, from one side, the individuality as a generator
concept of the unity of the automobile, on the other hand, the plurality
with the idea of achieveness of exhibition. The other hypothesis is about
the idea of spacial escape idea versus the simbolic run away of the
urban daily life. The paper was structered in a way to make possible:
identification of the present diversities in the corpus, thought about the
automobile representations in the post-modern society and dialogical
possibilities, base don Mikhail Bakhtin concept, among many structures
existing on the advertising pieces.
Key-words: advertising, advertising semiotics, advertising and culture,
time and space on the advertising messages.
7
RESUMEN
El estúdio trata del examen de la construcción semiótica de los
conceptos de animización y superdimensionamento del tiempo y del
espacio, en los mensajes de los autos en las piezas publicitárias
impresas. Cómo la forma de actuación de la publicidad está
intrinsicamente relacionada a costumbres culturales y a tendencias
comportamentales se proponen por intermedio del estúdio de mejor
entendimiento de las relaciones sígnicas que se forman a partir de las
interferencias culturales. La investigación surgió de las hipóteses de que
los cenários creados en las piezas publicitárias que privilegian, por un
lado, la individualidad cómo concepto generador de unicidad del auto, y,
por outro, la pluralidad, con el idea de conquista, de exibición. La outra
hipotesis habla a respecto del idea de fuga espacial versus fuga
simbólica de la vida cotidiana urbana. La disertación fue estructurada de
forma a posibiliar: identificación de las diversidades presentes en el
corpus, reflexión acerca de las representaciones del auto en la sociedad
contemporánea y posibilidades dialógicas, a partir del concepto de
Mikhail Bakhtin, entre los diversos enunciados presentes en las piezas
publicitárias.
Palabras-llave: publicidad, semiótica de la publicidad, publicidad y
cultura, tiempo y espacio en los mensajes publicitários.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................... 15
1. Panorama histórico .........................................................
15
2. As vertentes dicotômicas da publicidade ............................
17
3. A construção de conceitos acerca do automóvel ................. 18
4. Situa
ç
ão de base ............................................................ 19
5. Hipóteses ......................................................................
19
6. Objetivos norteadores .....................................................
20
7. Bases teóricas ...............................................................
21
8. Metodologia ...................................................................
23
8.1. Definição dos critérios de análise / corpus ................
24
9. Estrutura da dissertação .................................................
26
CAPÍTULO I
Publicidade e automóvel: representações na sociedade ....
28
1. O automóvel como personagem na história da sociedade .....
28
1.1. Do cavalo ao carro: um salto na história, uma
permanência no conceito .......................................
28
1.2. A evolução das características técnicas do automóvel
na história ...........................................................
29
1.3. O surgimento do automóvel no Brasil ......................
30
1.4. Surge o superdimensionamento do tempo e do
espa
ç
o ................................................................
32
1.5. Um salto na história ..............................................
33
2.
As diferentes interpretações acerca do automóvel ...............
34
2.1. O objeto das transformações sociais .......................
34
9
2.2. O objeto erotizante ...............................................
36
2.3. O objeto em arte ..................................................
37
3. Acepções acerca do consumo e da mercadoria ...................
40
3.1. O consumo ideológico ...........................................
40
3.2. O consumo e a mercadoria ....................................
41
4. O automóvel na publicidade .............................................
46
4.1. A semiose na construção da mensagem publicitária ..
46
4.2. O contexto da publicidade de automóveis ................
48
5. A publicidade de automóveis como espelho do interlocutor ..
49
5.1. O automóvel como objeto de análise e como objeto
de desejo ............................................................
49
5.2. O automóvel refletido no espelho ........................... 51
CAPÍTULO II
Interferências culturais: diversidades encontradas no
corpus ...............................................................................
54
1.
Pressupostos teóricos .....................................................
54
1.1. A publicidade à luz dos conceitos bakhtinianos de
dialogismo e de enunciado .....................................
54
2. Automóvel e publicidade: contextualiza
ç
ões necessárias ...... 57
2.1. Por uma justificativa para o tema ...........................
57
2.2. A imagem como elemento auxiliar na construção de
sistemas culturais .................................................
58
2.3. O paradoxo da imagem: realidade vs. ficção ............
62
3. O mapa das diversidades: uma análise descritiva ...............
64
3.1. 1ª diversidade - O indivíduo representado na
imagem: presença vs. ausência .............................
64
10
3.2. 2ª diversidade - O entorno criando lugares:
paisagens naturais e urbanas .................................
67
3.3. 3ª diversidade - Hibridização da paisagem: a fusão
de características urbanas e naturais ......................
69
3.4. 4ª diversidade - O entorno na tangência do
destaque: paisagens distorcidas .............................
70
3.5. 5ª diversidade - O automóvel fora de cena: a
mensagem objetiva na imagem subjetiva ................
71
3.6. 6ª diversidade - O automóvel do avesso: o universo
das tecnologias e das comodidades .........................
72
3.7. 7ª diversidade - O automóvel como indício do
entorno ...............................................................
73
3.8. 8ª diversidade - A neutralidade do cenário: um olhar
descontextualizado sobre o automóvel ....................
74
3.9. 9ª diversidade - As cores do carro: sobriedade vs.
despojamento .....................................................
74
3.10. 10ª diversidade - As cores da imagem: o carro e o
cenário em uma só cor ..........................................
77
3.11. 11ª diversidade - Identidades culturais: estética
urbana ................................................................
78
CAPÍTULO III
Diálogos culturais .............................................................
80
1.
Preâmbulos necessários ..................................................
80
2. Conotação vs. denotação na mensagem publicitária ............
82
3. As estratégias lingüísticas e de imagem visual para a
construção do sentido .....................................................
83
11
4. As figuras de linguagem nas peças publicitárias de
automóveis ...................................................................
86
5. As figuras de linguagem em uma análise dialógica ..............
87
5.1. Figura de palavra: Comparação ..............................
88
5.2. Figura de pensamento: Prosopopéia ........................
89
5.3. Figura de palavra: Metonímia .................................
90
5.4. Figura de pensamento: Hipérbole ...........................
91
5.5. Figura de palavra: Metáfora ...................................
92
6. A animização e o superdimensionamento do tempo e do
espaço transformados em promessa .................................
94
7. A interatividade como elemento de atração ........................
97
7.1. Exemplos de anúncios interativos ...........................
98
8.
O apelo à autoridade ......................................................
99
9.
A mensagem erotizante ..................................................
100
10. O suporte como ponte dialógica .......................................
101
11. O diálogo entre peças .....................................................
103
11.1. Características comuns .........................................
104
11.2. Dialogismo pelas referências interiores ao enunciado
conjunto – campanha ...........................................
105
11.2.1. Cronologia dialógica ...................................
105
11.2.2. O diálogo do erótico ...................................
106
CAPÍTULO IV
Confluências dialógicas: a publicidade em diferentes
gêneros .............................................................................
109
1. Apresentação do corpus para análise específica ..................
109
12
2. Televisão: a grande mídia ...............................................
109
3. Publicidade televisiva: nova forma de se ver a dinâmica
seqüencial da televisão ...................................................
111
4. As direções midiáticas da publicidade no Brasil ...................
113
5. A linguagem do anúncio publicitário televisivo ....................
114
6. Peças publicitárias impressas: características básicas de
linguagem .....................................................................
116
6.1. Características básicas de descrição ........................
117
6.2. Peças publicitárias impressas: caminhos
interpretativos .....................................................
118
7. Peças publicitárias televisivas: características básicas de
descrição ......................................................................
120
Storyboard (Peça 1) ........................................................
122
Storyboard (Peça 2) .......................................................
123
7.1. Peças publicitárias televisivas: caminhos
interpretativos .....................................................
124
7.2. Fragmentos dialógicos ...........................................
125
7.3. Signos não-verbais ...............................................
127
7.3.1. Peça televisiva 1 .........................................
127
7.3.2. Peça televisiva 2 .........................................
128
7.4. Signos verbais .....................................................
128
8. Algumas percepções ........................................................................
129
À GUISA DE CONCLUSÃO ................................................... 131
1. O percurso ....................................................................
131
2. A animização do automóvel .............................................
131
3. O superdimensionamento do tempo e do espaço ................
133
4. Os diálogos anteriores, posteriores e paralelos ...................
135
5. O confronto com as hipóteses ..........................................
136
6. Por fim .........................................................................
137
13
REFERÊNCIAS .................................................................... 139
ANEXOS
A. Corpus da pesquisa ........................................................
148
B. CD-ROM Peças publicitárias televisivas ..............................
160
14
Lista de quadros
Quadro 1
Os caminhos interpretativos do consumo ..........
45
Quadro 2
A construção semiótica do signo automóvel na
publicidade ...................................................
47
Quadro 3
A decodificação mental para o entendimento da
metáfora ......................................................
94
Quadro 4
Os caminhos da mensagem com referência ao
suporte ........................................................
102
Quadro 5
Detalhamento técnico ..................................... 121
Lista de gráficos
Gráfico 1
As cores do automóvel nas peças publicitárias ... 76
Gráfico 2
Investimentos publicitários no Brasil ................. 114
Lista de figuras
Figura 1 Peça 1 – Revista Quatro Rodas – agosto de 2004
117
Figura 2 Peça 2 - Revista Playboy - agosto de 2004 ........ 117
15
INTRODUÇÃO
As motivações que levaram à realização desta dissertação estão
pautadas, principalmente, no fascinante universo semiótico das
mensagens publicitárias. Optar pela análise da publicidade tendo como
objeto o automóvel, abriu caminho para inúmeras interpretações a
partir de referências culturais, que obviamente não esgotam as
possibilidades interpretativas dos anúncios, mas que contribuem para
uma reflexão acerca das representações do automóvel na sociedade
contemporânea.
Foram essas inúmeras possibilidades interpretativas que instigaram a
efetiva realização desta pesquisa, cuja autora, formada em
Comunicação Social e, portanto, interessada na construção das
mensagens nesse âmbito, possui também um olhar de
interlocutora/consumidora, que certamente é fascinada pelo
emaranhado de significações que borbulham nas peças publicitárias.
Estudar a publicidade dos automóveis por meio da semiótica
representa, também, de forma pessoal, aceitar o desafio de ver a
publicidade além de muros mercadológicos: uma publicidade sem
restrições de interpretação, extramuros.
1. Panorama histórico
Já há alguns séculos a publicidade é tida como atividade presente nas
diversas relações de uma sociedade. É possível que mesmo as
civilizações mais antigas já utilizassem a publicidade – mesmo que de
16
forma rudimentar – para o estímulo à circulação e à troca de
mercadorias. Foi em meados do século XIX, período em que se iniciou o
aumento na circulação de produtos de consumo, que a publicidade se
fortaleceu como atividade e adquiriu papel cada vez mais importante
nas relações da sociedade.
O surgimento das diversas mídias que passaram a diversificar os
processos de comunicação fez com que a publicidade se reinventasse,
transformando-se intrinsecamente à sociedade, tendo como
instrumentos os próprios produtos da tecnologia – recursos de última
geração para interagir com o interlocutor.
Em um cenário paralelo, porém análogo à publicidade, sob o ponto de
vista evolutivo, o automóvel ganha força em termos de produção em
meados do século XIX, a partir da chamada II Revolução Industrial, que
desencadeou processos de produção industrial em ritmo acelerado. No
Brasil o automóvel surge de maneira significativa no início do século XX,
junto com uma infindável gama de produtos fabricados em série, e teve
seu deslanche nos anos 1950 – com o governo de Juscelino Kubitschek
–, a partir da abertura do mercado para as empresas estrangeiras.
No entanto, muito possivelmente nenhuma outra mercadoria tenha
mudado tanto o modo de vida da sociedade como ocorreu com o
automóvel. Talvez seja possível acreditar que o automóvel tenha
reinventado a forma de se ver o mundo, tenha redesenhado rotas e
localidades para que pudesse ser harmoniosamente incorporado.
17
2. As vertentes dicotômicas da publicidade
Ao refletirmos sobre a forma de atuação da publicidade é possível
apontar duas vertentes opostas para o estudo da mesma. A primeira
sugere que a publicidade seja estimuladora de hábitos e
comportamentos; mais do que criar desejos para um determinado
produto veiculado, ela se propõe a criar necessidades, interpretadas
como legítimas pelo interlocutor. É a idéia de que a publicidade atue
com ineditismo, de que ela sempre esteja um passo à frente na criação
de tendências.
A segunda vertente sugere que a publicidade não seja criadora de
necessidades, que ela aja de forma reativa – com modo de ação
afastado do ineditismo –, e diretamente relacionada aos sintomas da
cultura. Nesse contexto a publicidade faz leituras da cultura a partir de
modelos gerais de hábitos e de comportamentos e devolve a ela
produtos com discurso apelativo, fortalecendo as necessidades já
existentes, porém nem sempre explícitas na sociedade. Podemos
entender que esses modelos gerais já existem na cultura, e apenas são
resgatados e traduzidos pela publicidade por meio de signos e
interpretados pelo indivíduo como conceitos.
Essas duas formas possíveis de entendimento da publicidade – e ao
mesmo tempo contrárias – tornaram-se reveladoras de uma forte
inquietação para a definição do problema e dos objetivos desta
pesquisa. Isso porque a escolha de uma dessas vertentes tornou-se o
próprio eixo de abordagem da pesquisa.
Como a idéia central para o estudo das peças publicitárias diz respeito
às diversidades retratadas nos cenários automobilísticos criados pela
publicidade, em uma leitura da cultura, é a segunda vertente que nos
18
interessará aqui, pois o contexto da cultura diz respeito a manifestações
legítimas, que dificilmente poderiam ter sido forjadas pela publicidade.
A publicidade não cria desejos ou necessidades, mas os recupera
enfaticamente e oportunamente ao evidenciar a falta ou a carência
objetiva presentes nas relações sociais. Sendo assim, é justamente
nessa segunda possibilidade de interpretação da publicidade que nossa
justificativa vem incidir.
3. A construção de conceitos acerca do automóvel
Pelo fato de o automóvel possuir características tão enraizadas na
sociedade, e ocupar posição de destaque em diversos cenários sociais –
como as relações familiares e de trabalho –, podemos ver essas raízes
emergirem na publicidade por meio das peças publicitárias de
automóveis, que a partir de sintomas da cultura, criam conceitos de
animização. Mais do que humanizar o automóvel, esse conceito concede
a ele status de alma, de vivacidade, minimizando os atributos técnicos
da máquina para atribuir-lhe unicidade. Isso faz do automóvel um
modelo de companhia, de amigo.
Em um cenário de produções em série e de máquinas para quase todas
as necessidades, ainda é possível 'sonhar' com a personalização do
automóvel, que concretamente não possui identidade, e sim
características gerais (estendidas a milhares de outros modelos de
automóveis) e específicas (estendidas ao menos para toda a produção
seriada do mesmo modelo).
A construção de um segundo conceito também percebido nas peças
publicitárias de automóveis é o superdimensionamento do tempo e do
espaço dentro de um discurso retórico, portanto ideológico. Como
exposto acima, o automóvel tornou-se um bem de consumo tão
19
poderoso que foi capaz de demandar mudanças significativas no modo
de se viver, alterando referências no tempo gasto para diferentes
deslocamentos. No entanto, a publicidade amparada nos próprios
sintomas culturais eleva a relação de tempo e de espaço percebidos no
automóvel para patamares quase inalcançáveis, atribuindo-lhe
superpoderes. No modo de vida amplamente urbano, ambiente em que
a publicidade prolifera, o grande desejo é transpor barreiras – seja de
tempo ou de espaço –, é chegar primeiro. Desse modo, a publicidade
minimiza a função de deslocamento e apresenta o automóvel com
características de ubiqüidade, tornando-se paradoxo com a produção
desse produto, que é marcada objetivamente pelo tempo, pela
obsolescência material e simbólica.
4. Situação de base
Tendo por corpus deste estudo peças publicitárias principalmente
impressas, que menos enfatizam suas características como meio de
deslocamento, a pesquisa propõe um exame sobre a construção das
mensagens que geram conceitos de animização e de
superdimensionamento do tempo e do espaço, partindo-se das
diversidades de realidade ou de cotidiano retratadas pela publicidade e
tendo como base os sintomas culturais, que são inseridos, reiterados e
amplificados nas peças publicitárias, incluindo-se também as impressas.
5. Hipóteses
A pesquisa partiu de duas hipóteses, tendo cada uma a sua dualidade.
A primeira hipótese diz respeito aos cenários criados nas peças
publicitárias, que com suas diversidades sígnicas, privilegiam, de um
20
lado, a individualidade como conceito gerador de unicidade do
automóvel, e de outro, a pluralidade, com a idéia de conquista, de
exibição.
O modo de vida urbano gera necessidades maiores de aproveitamento
do tempo e faz com que a publicidade traduza tais necessidades e
apresente ao interlocutor soluções simbólicas para reinvenções do modo
de vida. A partir do conceito de superdimensionamento do tempo e do
espaço, a segunda hipótese pautou-se nas propostas: 1. de fuga
espacial à vida cotidiana urbana, por meio da promessa de aventura
inserida nos anúncios de automóveis, e 2. de fuga simbólica à vida
cotidiana urbana, por meio da promessa de um novo mundo que se
forma dentro do automóvel.
6. Objetivos norteadores
Buscou-se com este estudo discutir de que forma as mensagens são
construídas, levando-se em conta as interferências culturais, para a
geração de conceitos acerca do automóvel.
De forma direta e pontual também se buscou pelo estudo identificar as
muitas representações do automóvel na sociedade, as diversidades
dialógicas existentes no discurso das peças publicitárias impressas e
como se dá o diálogo de linguagens publicitárias diferentes – impressa e
televisiva.
21
7. Bases teóricas
Ao compreendermos a publicidade de forma macro, ou seja, a atividade
de tornar algo público por meio dos meios de comunicação, com o
objetivo final de consumo, é importante refletirmos que, para que esse
processo ocorra, o criador da publicidade, ou agente da enunciação,
utiliza-se de linguagem “hibridizada”, complexa – adaptada aos
diferentes veículos de comunicação –, para se comunicar com o seu
interlocutor.
Na busca por dar um panorama do cenário em que a publicidade está
inserida, foram abordadas obras que, de alguma forma, contribuíram
para o entendimento dessa atividade, cujos autores viram na
publicidade uma ferramenta para a construção de conceitos.
Para dar corpo à reflexão sobre a posição do automóvel na sociedade e
sobre as interferências culturais que nele são projetadas, abordamos
prioritariamente três autores: Jean Baudrillard, Roland Barthes e
Marshall McLuhan. É oportuno salientar que não buscamos, a priori,
pontos de convergências ou comparativos, mas sim referências que
pudessem elevar a compreensão das representações do automóvel
dentro do corpus estabelecido para a pesquisa.
Por fim, para podermos compreender as interferências culturais
presentes nas mensagens transmitidas a partir das peças publicitárias
de automóveis, utilizamos o conceito de dialogismo proposto por Mikhail
Bakhtin, que, em um âmbito mais amplo que o da comunicação verbal,
pressupõe a existência necessária de relação entre enunciados. Bakhtin
(2003, p. 272) afirma que
22
todo falante é por si mesmo um respondente em maior
ou menor grau: porque ele não é o primeiro a ter violado
o eterno silêncio do universo, e pressupõe não só a
existência do sistema da língua que usa, mas também de
alguns enunciados antecedentes – dos seus e alheios –
com os quais o seu enunciado entra nessas ou naquelas
relações (baseia-se neles, polemiza com eles,
simplesmente os pressupõe já conhecidos do ouvinte).
Cada enunciado é um elo na corrente complexamente
organizada de outros enunciados.
O conceito em questão será aplicado em dois momentos da pesquisa:
na análise das peças publicitárias com o interlocutor, pressupondo
representações a partir de interferências culturais e na análise das
peças publicitárias impressas versus peças publicitárias televisivas.
Ainda seguindo os conceitos bakhtinianos, consideramos que cada
campo de utilização da língua elabora tipos diferentes de enunciados, os
quais o autor denominou como gêneros do discurso, e no caso das
peças publicitárias, gêneros discursivos secundários, que
surgem nas condições de um convívio cultural mais
complexo e relativamente mais desenvolvido e
organizado (...). No processo de sua formação eles
incorporam e reelaboram diversos gêneros primários
(simples), que se formaram nas condições da
comunicação discursiva imediata. (BAKHTIN, 2003,
p. 263)
Entender os enunciados ou os gêneros discursivos como produtos de
relação da “história da linguagem e da história da sociedade”
(BAKHTIN, 2003, p. 268) abre um campo de investigação vasto para o
estudo das interferências culturais nas peças publicitárias, que se
formam a partir da língua e que se estruturam por meio de sintomas
culturais.
23
8. Metodologia
Para analisarmos a publicidade como agente mediador de
representações e refletirmos sobre os desejos de consumo do homem
contemporâneo para a aquisição de automóveis, utilizaremos como
método prioritário a análise da mídia impressa revista. Esse veículo de
comunicação possibilita que nos debrucemos sobre as várias linguagens
presentes nas peças publicitárias e de que forma essas linguagens
dialogam no espaço enunciativo. A revista ainda nos traz um grande
potencial de análise, devido a suas especificidades, principalmente o
rico tratamento dado às imagens visuais, não vistas, por exemplo, na
mídia impressa jornal. De acordo com Figueiredo (2005, p. 94)
mídias impressas, mais especificamente revistas,
permitem que o consumidor determine seu tempo de
contato com a mensagem comercial. Em TV e rádio, esse
tempo é definido pelas características intrínsecas da
mídia, ou seja, o tempo é comercializado. Nas impressas,
o tempo de contato do consumidor com o anúncio
depende da nossa
1
capacidade de provocar, de entreter,
de envolver. Por esse motivo, a presença de texto em
anúncios de revista é tão valorizada: ele prolonga o
contato e alonga a conversa com o consumidor.
Para aprofundamento da análise serão considerados os anúncios
publicitários de automóveis que trabalhem, simultaneamente, com as
linguagens visual e verbal-escrita, ou seja, representando o automóvel
em um cenário contextualizado, contendo obrigatoriamente a
mensagem escrita. De acordo com Dondis (1997, p. 12), “em textos
impressos, a palavra é o elemento fundamental, enquanto os fatores
visuais, como o cenário físico, o formato e a ilustração, são secundários
ou necessários apenas como apoio”. No entanto, vale complementar
que a imagem para uma abordagem semiótica é fator essencial para
1
O autor coloca-se na posição de profissional de publicidade, a quem cabe o
planejamento das estratégias publicitárias.
24
uma análise completa, pois ela será associada e comparada à
linguagem escrita.
8.1. Definição dos critérios de análise / corpus
De acordo com a metodologia explicitada, optou-se por fazer um
recorte atual das campanhas publicitárias impressas em revistas. Para
isso foram escolhidas duas revistas de circulação nacional e líderes em
circulação, com temáticas diferenciadas, atingindo diferentes perfis de
leitores: Playboy e Quatro rodas. Sabe-se que muitas peças
publicitárias são veiculadas de maneira idêntica em diferentes revistas.
No entanto, é importante que possam ser identificadas peculiaridades
na forma como são enunciadas e no meio em que se encontram.
A isso se deve a escolha de duas revistas distintas, pois de acordo com
McLuhan (2003, p. 21) “abordagens do estudo dos meios levam em
conta não apenas o ‘conteúdo’, mas o próprio meio e a matriz cultural
em que um meio ou veículo específico atua”. Seguindo essa idéia,
podemos acreditar que além de analisar os anúncios publicitários de
automóveis de forma específica, é também importante compreender o
microambiente da mídia impressa, no caso, a revista.
Os critérios para a escolha das revistas referidas estão amparados na
necessidade de as peças publicitárias serem interpretadas dentro de seu
microambiente. A revista Playboy representa, de forma muito explícita,
os interesses masculinos. Além do nu feminino – que talvez possa ser
visto como um dos ícones centrais nas representações masculinas –, a
revista incorpora grande caráter publicitário, em que possivelmente
propõe vender mais que produtos, mas estilos. Não bastasse, o
25
ambiente erotizado ou erotizante de Playboy corresponde à idéia de
uma "animização" do objeto automóvel.
Já a revista Quatro Rodas foi escolhida por representar o próprio objeto
escolhido – o automóvel. Também dirigida, principalmente, ao público
masculino, é uma revista que propõe criar identidades para os
automóveis, associando-lhes tanto atributos tangíveis quanto
intangíveis. Há ainda um importante elo entre as duas revistas, que é a
linguagem identitária, ou seja, a criação de personagens-leitores: os
“apaixonados por mulheres” e os “apaixonados por carros”. Esse é um
importante fator a ser considerado, visto que alguns dos possíveis
objetivos da publicidade são suscitar paixões e criar modelos.
As duas revistas, embora tenham um perfil voltado para o interlocutor
masculino, não foram escolhidas por esse motivo, visto que nosso
estudo não parte, prioritariamente, para abordagens de gênero. Essas
revistas foram escolhidas pela característica de aglutinação de grande
material publicitário sobre automóveis, que não diferem, de forma
significativa, de peças veiculadas em outras revistas, mas que
concentram um material mais diversificado. Em outras palavras, as
revistas escolhidas representam suportes ideais para o mapeamento
das diversidades encontradas nas peças publicitárias de automóveis.
Optou-se, assim, por analisar as inserções publicitárias contidas nas
revistas citadas no período de junho a dezembro de 2004.
O ano de 2004 foi escolhido por representar uma boa resposta ao
aquecimento do mercado automobilístico
2
, além de garantir relativa
atualidade do material analisado. O período escolhido – 2º semestre –
garante uma boa abrangência das inserções, além de ser neste período
2
De acordo com o Anuário da Indústria Automobilística Brasileira – Anfavea, 2005.
26
que os novos modelos são lançados no mercado e apresentados por
meio de publicidade.
9. Estrutura da dissertação
De modo geral procurou-se dar ao conteúdo proposto para a
dissertação uma idéia de conjunto, de continuidade, por meio do qual a
exposição dos assuntos facilitasse entender os cenários dialógicos
presentes na publicidade de automóveis, que são construídos a partir
de interferências culturais para a fixação de conceitos de animização e
de superdimensionamento do tempo e do espaço.
O primeiro capítulo, “Publicidade e Automóvel: representações na
sociedade”, parte da necessidade de contextualizar a publicidade e o
automóvel em nossa sociedade, além de buscar conceitos sobre
consumo, marca, mercadoria e erotização associados ao automóvel na
sociedade contemporânea. Para a reflexão acerca dos signos do
automóvel foram considerados prioritariamente os autores Baudrillard,
Barthes e Mcluhan, que incluem em suas produções ricas alises e
críticas quanto aos temas expostos, incluindo importantes reflexões sobre a
forma como a publicidade e o automóvel – ou ainda como a publicidade dos
automóveis – fazem uso de referências culturais e ideológicas.
No segundo capítulo, “Interferências culturais: diversidades encontradas
no corpus”, propõe-se um estudo dividido em duas partes. Como a
segunda parte se caracteriza, a priori, como uma análise descritiva, que
pretende unir as peças publicitárias em blocos de diversidades, na
primeira parte foram abordados os referenciais teóricos que
subsidiaram a análise do corpus. Como referencial teórico prioritário,
abordamos o conceito de dialogismo proposto por Bakhtin, como base
27
para a leitura dos signos culturais presentes nas peças publicitárias.
Segundo o autor, o diálogo pode ser encontrado em várias formas da
comunicação verbal, inclusive nos textos impressos, sendo que
o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de
uma discussão ideológica em grande escala: ele responde
a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e
objeções potenciais, procura apoio etc. (BAKHTIN, 2004,
p. 123)
Com isso entendemos que as peças publicitárias representam uma forte
manifestação dialógica da cultura.
O terceiro capítulo, “Diálogos culturais”, buscou traçar um plano de
análise que possibilitasse apresentar os diferentes sentidos da
publicidade de automóveis a partir do cruzamento interpretativo da
imagem visual e do texto lingüístico, tendo como fio condutor o conceito
de dialogismo.
No quarto e último capítulo, “Confluências dialógicas: a publicidade em
diferentes gêneros”, estima-se que se tenham criado possibilidades
para uma necessária retomada da análise ancorada no dialogismo, a
partir da leitura dos signos encontrados em peças publicitárias
impressas (selecionadas a partir do corpus pré-definido) e televisivas
(peças televisivas equivalentes às impressas selecionadas, ou seja, de
uma mesma campanha publicitária).
A proposição deste estudo certamente não esgota as incontáveis
representações do automóvel na sociedade e as inúmeras
interpretações que fazemos dele a partir da publicidade, mas buscamos,
com a contribuição da semiótica russa, por intermédio dos conceitos de
Mikhail Bakhtin, aglutinar conceitos e percepções para um melhor
entendimento de nossa cultura e das escolhas – racionais ou emocionais
– que fazemos a partir dela.
28
CAPÍTULO I
PUBLICIDADE E AUTOMÓVEL: REPRESENTAÇÕES NA
SOCIEDADE
Com o propósito de contextualizar e ao mesmo tempo propor reflexões
acerca do objeto deste estudo, é importante que, de saída, possamos
enumerar as abordagens acerca do automóvel e da publicidade, e mais
ainda, da publicidade dos automóveis, que serão levadas em
consideração neste primeiro capítulo:
1. o automóvel como personagem na história da sociedade;
2. as diferentes interpretações acerca do automóvel;
3. acepções acerca do consumo e da mercadoria;
4. o automóvel na publicidade;
5. a publicidade de automóvel como espelho do interlocutor.
1. O automóvel como personagem na história da sociedade
1.1. Do cavalo ao carro: um salto na história, uma permanência
no conceito
Muitos animais foram e ainda são utilizados pelo homem na atividade
de locomoção. No entanto, dentre muitos, o cavalo é o que mais
simboliza essa supressão da necessidade humana. Além de o cavalo
possuir resistência para percorrer longas distâncias, é também dotado
de muita agilidade, podendo alcançar velocidade considerável em seus
29
percursos. Essas características o diferenciam de outros animais
utilizados para o transporte.
Embora ainda hoje muitos indivíduos usem o animal como principal
meio de transporte – sendo fator condicionante o desenvolvimento da
região, atividades exercidas etc – o automóvel representa a transição
de um padrão de deslocamento, representa a inserção da máquina em
uma das mais importantes atividades do mundo moderno: a locomoção
individual ou em pequeno grupo para curtas ou longas distâncias.
Na era “gestacional” do automóvel, o carro era puxado a cavalos. A
partir daí começaram as grandes invenções do homem, como o motor a
vapor e os veículos elétricos alimentados por baterias. Simbolicamente,
o automóvel continuou sendo puxado por cavalos, pois a potência dos
motores passou a ser caracterizada pelo nome do animal, como por
exemplo “motor com 20 cavalos de potência”.
1.2. A evolução das características técnicas do automóvel na
história
3
Entre 1860 e 1870, diversas experiências isoladas em toda a Europa
representaram enorme contribuição para o aparecimento do carro com
características próximas às que conhecemos hoje, principalmente com a
utilização da gasolina como combustível. Mas foi nos Estados Unidos
que o segundo grande passo para a popularização e evolução definitiva
do automóvel aconteceu, graças ao pioneirismo de Henry Ford. O seu
conceito inovador, de produção de veículos em série logo se estendeu
para outros segmentos industriais, fazendo surgir as linhas de
3
Os dados históricos contidos nos itens 1.2, 1.3 e 1.4 foram desenvolvidos,
prioritariamente, a partir da obra de Kurt Hünninghaus.
30
montagem e toda uma revolução nos métodos e conceitos de fabricação
da época.
1894 – lançamento do automóvel com volante;
1895 – lançamento do primeiro automóvel fechado e dos primeiros
pneus para automóveis;
1898 – construção do primeiro motor de quatro cilindros em linha;
1899 – inserção do pára-brisas como acessório extra;
1903 – surge o automóvel com amortecedores;
1905/1906 – nos Estados Unidos surgem os pára-choques;
1915 – também nos Estados Unidos aparecem os “limpadores de pára-
brisas”;
1916 - aparecem nos EUA as luzes de freio acionadas pelo pedal;
1923 – a Dodge fabrica a primeira carroceria fechada totalmente em
aço. A Fiat, na Itália, monta uma coluna de direção ajustável.
4
1.3. O surgimento do automóvel no Brasil
No Brasil, foi o Estado de São Paulo o primeiro a mostrar no país, em
1893, um automóvel, em sua capital. A cidade, que na época contava
4
História do automóvel. Disponível em
http://www.agetrans.pop.com.br/transportes/historia1.html. Acesso em 5/2/2006.
31
com 200 mil habitantes, abriu caminho para passar um carro aberto
com rodas de borracha. Era um automóvel a vapor com caldeira,
fornalha e chaminé, levando dois passageiros, e o mais surpreendente,
movia-se por si mesmo nas ruas “fervilhantes” do centro da cidade.
A novidade, por si só, já foi geradora de muito tumulto e espanto, pois
há muitos anos os paulistanos utilizavam o tílburi e outros carros a
tração animal. Não foi sem dificuldade que admitiram um instrumento
de locomoção que rodava sem patas e sem trilhos. O espanto vivido
na época pode ser representado pela frase de Hünninghaus (1963,
p. 203)
é o tal veículo inventado na Europa que assinala sua
presença em São Paulo, a máquina infernal que não
precisa de burro para andar e tem cavalos que não se
vêem.
Aquela época ainda teve outros elementos de conturbação; a política
vivia momentos delicados na presidência de Prudente de Morais, tendo
o país que enfrentar a invasão do Amapá pelos franceses e a ocupação
da Ilha da Trindade pelos ingleses.
Em 1903, a Cidade de São Paulo possuía uma frota de seis automóveis
circulando por suas ruas. O aumento da frota foi rápido, tanto em São
Paulo como em outros estados. No ano seguinte o automóvel chegou a
Campinas e a Bragança, e a Cidade de São Paulo passou a contar com
84 carros, sendo necessário um regulamento
5
para o novo meio de
transporte. Na Cidade do Rio de Janeiro o automóvel também alcançou
5
O regulamento tornava obrigatórias a matrícula do veículo e a carta de habilitação
do motorista. Determinava ainda restrições de velocidade em locais estreitos ou de
muita circulação de pedestres. O limite de velocidade nesses casos era de “um homem
a passo”.
32
rápida disseminação; em 1906, já havia cerca de 35 carros circulando
por ela.
1.4. Surge o superdimensionamento do tempo e do espaço
Passado o espanto inicial e tendo o automóvel conquistado os
brasileiros no final do Século XIX e início do Século XX, o próximo
passo foi o “desbravar caminhos”. Em abril de 1908, o conde francês
Lesdain concluiu uma meta audaciosa: ir do Rio de Janeiro a São Paulo
dirigindo um automóvel. Foram 33 dias de centenas de quilômetros
enfrentando caminhos tortuosos e com condições precárias. Tal
aventura foi de inegável importância para o reposicionamento do
automóvel, que passava de um simples meio de locomoção para um
vencedor de grandes obstáculos, como a distância. O automóvel foi
também personagem imprescindível na história da construção das
estradas brasileiras. O feito do nobre francês abriu caminho para o
tráfego na futura Via Dutra e trouxe a certeza de ser possível fazer
viagens de longo percurso no território nacional.
O acontecimento inspirou a jovens paulistas a também fazerem seus
roteiros a bordo de seus automóveis. Um grupo de aventureiros, que
viajaria em dois carros, tinha como meta o trecho São Paulo-Santos.
Para enfrentar as dificuldades do percurso e facilitar manobras, os
automóveis não levavam pára-lamas e nem portas. A viagem durou
cerca de 36 horas e meia, das quais 23 realmente rodadas.
As duas viagens, tidas como importantes conquistas na época,
influenciaram de maneira decisiva o desenvolvimento do
automobilismo no Brasil, servindo de incentivo para aqueles que ainda
possuíam algum tipo de restrição com relação ao automóvel.
33
As viagens trouxeram também a reflexão sobre a necessidade de se
construir novos caminhos, é a idéia da conquista de um novo tempo e
de outros espaços, conforme relata Hünninghaus (1963, p. 211):
a repercussão maior de ambas as travessias é o
despertar da consciência dos homens públicos para o
problema da construção das vias que possam assegurar
livre trânsito ao novo veículo. É agora a missão mais
importante assegurar intercomunicações.
O automóvel traz ao Brasil a possibilidade de abrir caminhos nunca
antes percorridos e acaba tornando-se o principal objeto de discurso
do governo da época. O presidente Washington Luís tinha como lema
“governar é abrir estradas”. Grandes trajetos
6
foram percorridos no
decorrer do Século XX, assinalando a ascensão do automóvel, que
prometia não ver apogeu.
1.5. Um salto na história
A política de desenvolvimento que chegou ao Brasil trazida pelo
automóvel continuou seu caminho por todo o século XX. A chegada da
fábrica da Ford abriu caminho para os carros nacionais e possibilitou
em 1923, o primeiro Salão do Automóvel, realizado onde hoje é a
Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Mesmo com as
dificuldades enfrentadas durante as 1ª e 2ª Guerras Mundiais, o país
viu despontar inúmeros modelos, acessórios e tecnologias de
combustível.
6
Em 1913, foi feita a primeira viagem automobilística de São Paulo a Curitiba; em
1925, a primeira caravana de automóveis cobriu o trajeto da Rodovia São Paulo-Rio.
Em 1940, foi realizada a travessia São Paulo-Fortaleza. Em 1941, chegou-se a Foz do
Iguaçu. Em 1962, a Belém-Brasília foi percorrida pelos primeiros automóveis.
34
Mas foi somente na chamada Era Collor que o país “abriu as portas”
para os veículos importados, fato que fez com que grandes
montadoras oferecessem lançamentos quase simultâneos de seus
produtos mundiais.
Em 2005, o país contabilizava aproximadamente 170 milhões de
habitantes
7
, sendo que já existe um carro para cada oito habitantes.
Apesar de pormenorizarmos os dados relativos ao Brasil, é notória a
importância e a evolução do automóvel em todas as áreas urbanas do
mundo.
2. As diferentes interpretações acerca do automóvel
Dada a importância do automóvel em nossa sociedade, podendo até ser
caracterizado com status superior ao de bem de consumo durável,
neste ponto do capítulo serão abordados conceitos e reflexões sobre o
automóvel, com base prioritária nos autores Jean Baudrillard, Marshall
Mcluhan e Roland Barthes.
2.1. O objeto das transformações sociais
Ao visualizarmos o automóvel tal como foi entendido por McLuhan,
encontramos uma das muitas extensões do homem, associado inclusive
a outras extensões possíveis, como o vestuário ou o lar, em que ele
afirma:
7
De acordo com informações coletadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), a partir do Censo de 2000. Disponível em
www.ibge.org.br. Acesso
em 24/10/2005.
35
o vestuário e a habitação, como extensões da pele e dos
mecanismos de controle térmico, são meios de
comunicação (...) porque moldam e recombinam as
estruturas da associação e da comunidade humanas.
(MCLUHAN, 2003, p. 149).
O mesmo autor, dando continuidade ao raciocínio, inclui o automóvel
nessa rede de extensões humanas: “o carro se tornou uma peça de
roupa sem o qual nos sentimos inseguros, despidos e incompletos no
complexo urbano”. (2003, p. 246), e ressalta as transformações nos
cenários urbanos desencadeadas pelo automóvel, ressaltando que este
“criou auto-estradas e logradouros que não apenas eram muito
parecidos em todas as partes da Terra como também acessíveis a
todos”. (2003, p. 251) Além disso, Mcluhan (2003, p. 253) ressalta que
o automóvel
separou trabalho e domicílio, como nunca antes se
observara. Fragmentou cada cidade em dezenas de
subúrbios e estendeu muitas das formas da vida urbana
ao longo das auto-estradas, até que estas viessem a
parecer cidades ininterruptas. Criou as selvas de asfalto,
cobrindo de asfalto e concreto 60.000 km2 de áreas
verdes e agradáveis.
Na análise de Mcluhan acerca do automóvel, fica evidente sua posição
em ressaltar as transformações geográficas desencadeadas a partir do
surgimento do automóvel, em decorrência da forte relação de
dependência do homem pela máquina. O autor sinalizou que o
automóvel seria rapidamente substituído por sucessores eletrônicos,
mas hoje é possível observar que tal sucessão ocorreu apenas no
âmbito das novas tecnologias que foram incorporadas ao automóvel, e
não no sentido de substituição. Da mesma forma que Mcluhan (2003)
atribuiu ao automóvel o termo “noiva mecânica”, talvez hoje possamos
atribuir-lhe o termo “esposa eletrônica”, cujo divórcio esteja muito
longe de ser cogitado.
36
2.2. O objeto erotizante
Jean Baudrillard analisa o automóvel a partir de sua relação com o
universo doméstico e a posição específica e destacada que este ocupa
nas relações familiares e, conseqüentemente, nas relações sociais. O
autor recorre à teoria psicanalítica para caracterizar o automóvel como
objeto erotizante, afirmando que
Com o domínio sobre o espaço como signo abstrato do
mundo real, nele o exercício do poder vem a ser projeção
narcisista. Pensemos no valor ‘erótico’ do veículo ou da
velocidade: pelo levantamento dos tabus sociais ao
mesmo tempo que da responsabilidade imediata, a
mobilidade do automóvel desata todo um sistema de
resistências tanto para consigo como para com os outros:
tônus, vivacidade, entusiasmo, audácia, tudo isto é
devido à gratuidade da situação automóvel – por outro
lado ela favorece a relação erótica pela intercessão de
uma projeção narcisista dupla no mesmo objeto fálico (o
carro) ou na mesma função fálica objetivada (a
velocidade). (BAUDRILLARD, 2004, p.77).
O conceito de superdimensionamento do tempo e do espaço a que nos
referimos na introdução desta dissertação pode ser entendido, a partir
de Baudrillard, como um conceito erotizante, afinal tal conceito faz uso
de um dos atributos do automóvel – a velocidade – e cria uma cadeia
de signos com possibilidades de interpretantes associados à força, ao
conforto, à confiança etc. Barthes (1997) também destaca o automóvel
com características de erotização, ao apontar como amorosa a relação
entre homem e máquina.
Baudrillard ressalta ainda o aspecto feminino que o objeto carro
incorpora para maximizar seu poder nas relações de consumo,
enfatizando que
37
é preciso ver no carro um objeto-mulher. Se toda a
publicidade dele fala como tal: flexível, de raça,
confortável, prático, obediente, ardente etc., isto
combina com a feminização generalizada dos objetos no
mundo publicitário, sendo a mulher-objeto o esquema de
persuasão, a mais eficaz mitologia social. Todos os
objetos, o carro também portanto fazem-se mulher para
serem comprados. Mas tal fato é o resultado de um
sistema cultural. (BAUDRILLARD, 2004, p. 77-78).
No entanto, é importante ressaltar um ponto colocado pelo próprio
autor, que menciona o modo de vida moderno com que os casais se
relacionam, sendo que tudo visa a fazer dos objetos “o alimento da
relação e da relação (sexual, conjugal, familiar, microssocial) um
quadro para o consumo dos objetos”, (BAUDRILLARD, 2004, p. 77).
O que queremos dizer é que certamente o automóvel guarda
características de objeto-mulher
8
, mas que para ser incorporado na
relação familiar moderna (extremamente complexa e, portanto,
demandadora de projeções narcisistas associadas tanto à mulher
quanto ao homem), é também trabalhado pela publicidade como
objeto-homem. Afinal, é recorrente na publicidade de automóveis a
associação com características de um universo semiótico masculino,
como força, resistência, durabilidade, coragem, ousadia.
2.3. O objeto em arte
É fato inegável a forma como o automóvel passou a adquirir
importância na sociedade contemporânea. Os inúmeros avanços
tecnológicos conquistados pela indústria automotiva, inegavelmente
8
Tais características podem ser encontradas até mesmo no uso da linguagem, como
por exemplo, o termo “automobile”, que é utilizado na língua francesa de modo
feminino.
38
impulsionados pelo mundo capitalista, não só elevaram seus atributos
de máquina, como tornaram-no esteticamente harmonioso.
É sabido que o termo estética possui inúmeras interpretações, que vão
desde o uso vulgar como “estética corporal” até os complexos conceitos
encontrados nos campos da arte e da filosofia. É exatamente devido a
esse universo de complexidades em que a estética repousa, que se faz
necessária uma sucinta caracterização do automóvel em termos
estéticos.
O conceito de estética associado ao automóvel vai ao encontro do
pensamento de Hegel, que em uma associação direta com o belo,
entende que só seja possível atribuir características de belo a
determinado objeto quando contextualizamos tal objeto em sua
história, ou seja, quando a beleza muda de face e de aspecto através
dos tempos. E essa mudança depende mais da cultura e da visão de
mundo vigente do que de uma exigência interna do belo.
É nesse cenário de influências culturais diretas, e no âmbito das artes
industriais, que o automóvel pode ser entendido na sociedade em
termos estéticos. A beleza do automóvel, elevada em seus mais
sensíveis significados, assim como colocado por Hegel, assume um
caráter perpétuo e constantemente atualizado, tendo acompanhado a
transformação da sociedade e adquirido ao longo dos tempos o que
podemos chamar de harmonia estética.
Nesse contexto, não podemos deixar de mencionar a arte. Neste
sentido, o automóvel é elevado a um patamar muito distante de sua
origem material (a partir de grandes produções em série, em sistemas
quase que totalmente automatizados), atribuindo-lhe característica de
unicidade, assim como as grandes obras de arte. Roland Barthes (1997,
39
p. 140) referindo-se ao lançamento de um novo modelo de automóvel
da Citroën – montadora de automóveis francesamenciona que é
possível visualizar
uma nova fenomenologia do ajustamento, como se
passasse de um mundo de elementos soldados a um
mundo de elementos justapostos, que se agüentam pela
virtude exclusiva da sua forma maravilhosa.
Assim como Baudrillard, Barthes também insere o automóvel no
universo doméstico. Trata-se da idéia não de um segundo lar, mas sim
um anexo do lar
9
, em que o conforto e a comodidade ganham tanta ou
maior importância quanto a velocidade. Tal idéia é ressaltada por
Barthes (1997, p. 140) com a frase “passa-se, de modo evidente, de
uma alquimia da velocidade a uma gula da condução”.
Mesmo porque a velocidade, embora ainda seja uma das características
mais contundentes para atribuir ao automóvel status de poder, tornou-
se na sociedade moderna atributo simbólico, pois nas grandes
metrópoles, levar a cabo a velocidade por meio de um automóvel é
ação cada vez mais difícil, ora pelas dificuldades geradas pelas grandes
cidades, como tráfego com excesso de veículos, vias com escassez de
possibilidades de velocidade, ora pelas penalidades que são impostas
por meio de multas a quem se utilize da velocidade além do permitido,
ora pelas campanhas públicas que enfatizam a segurança em
detrimento da velocidade.
9
A idéia de segundo lar pressupõe uma hierarquização, como se um fosse mais
importante que o outro no âmbito privado, o que não deve ser considerado no
contexto aqui apresentado. O que se pretende com a denominação de anexo do lar é
uma interpretação de continuidade do lar, como se a escolha por estar dentro de casa
ou dentro do automóvel fosse situacional, sendo que ambos podem atender ao
conceito de “lar” em suas devidas peculiaridades.
40
3. Acepções acerca do consumo e da mercadoria
3.1. O consumo ideológico
Com relação ao termo consumo – muito associado à atividade da
publicidade – podemos classificar como sendo “o ato ou efeito de
consumir; gasto; extração de mercadorias; aplicação das riquezas na
satisfação das necessidades econômicas do homem”. (FERREIRA, 1975,
p. 371).
Todavia, para nos desvincularmos do caráter econômico do termo e
atribuirmos conotação de relação sígnica, trataremos consumo como foi
explicitado por Baudrillard, sendo “uma atividade de manipulação
sistemática de signos” (2004, p. 206), afirmando ainda que
o que é consumido nunca são os objetos e sim a própria
relação – a um só tempo significada e ausente, incluída e
excluída – é a idéia da relação que se consome na série
de objetos que a deixa visível. (BAUDRILLARD, 2004,
p. 207).
É importante que definamos de saída a forma conceitual adotada, pois o
que pretendemos neste estudo é o universo de interpretações para
representações do automóvel. Quanto a isso Baudrillard (2004, p. 206)
afirma que
o consumo é um modo ativo de relação (não apenas com
os objetos mas com a coletividade e com o mundo), um
modo de atividade sistemática e de resposta global no
qual se funda todo nosso sistema cultural.
O autor ainda complementa: “é preciso estabelecer que não são os
objetos e os produtos materiais que são objeto de consumo: estes são
41
apenas objeto da necessidade e da satisfação”. (BAUDRILLARD, 2004,
p. 206).
Ao atribuirmos essa forma de abordagem para o termo consumo,
descartamos a idéia passiva de absorção de mensagens pelo
interlocutor das peças publicitárias e trabalhamos com o conceito de ser
o consumo “uma prática idealista total, sistemática, que ultrapassa de
longe a relação com os objetos e a relação interindividual para se
estender a todos os registros da história, da comunicação e da cultura”.
(BAUDRILLARD, 2004, p. 209).
3.2. O consumo e a mercadoria
Quando falamos de evolução do automóvel não estamos referindo-nos
somente a seus atributos tecnológicos, que a cada dia são
modernizados, mas tocamos também na evolução ou na mutação com
que a imagem do automóvel se transforma para mostrar a sua
modernização incessante. Ou seja, abordamos aqui o forte papel do
automóvel como mercadoria, que escreve seu próprio fim para ressurgir
triunfante. É o conceito de obsolescência planejada, a grande pílula
injetora do ciclo capitalista. É como se houvesse um acordo silencioso
entre mercado e consumidor, ou melhor, entre publicidade e
interlocutor, pois
o consumidor não é decepcionado pela revelação dos
truques da publicidade ou pelo conhecimento da
obsolescência planejada dos produtos que consome. Não
há, portanto, oposição entre consumidor “consciente” ou
“alienado”, ambos são duas facetas do mesmo sujeito.
(TEIXEIRA, 1997, p. 160).
42
Em outras palavras, a própria idéia do consumo gera necessidades de
renovação, tanto para o consumo material – gerado a partir do capital,
como para o consumo ideológico – gerado a partir de atitudes, idéias,
em que podemos incluir a publicidade.
Baudrillard (2004), em sua análise de modelos seriados coloca que as
inovações mercadológicas, que acarretam, conseqüentemente,
substituições por outros modelos, são amparadas por três fatores
cruciais: sua função (pois outros produtos mais modernos dariam conta
da substituição), sua qualidade (a substituição também seria motivada
pela diminuição da vida útil da mercadoria), e sua apresentação (a
“embalagem” é esteticamente colocada fora de moda).
O autor ressalta que apesar da aparente “revolução” na essência de
determinada mercadoria quando de sua substituição, tal percepção é
ilusória, pois apesar dos modelos serem substituídos com uma retórica
de renovação, são percebidas modificações pequenas, nuanças, que
geralmente não modificam o conceito da mercadoria e nem tampouco
sua funcionalidade de maneira significativa.
As reais mudanças de conceito ocorrem no âmbito das séries, e não dos
modelos. Mudanças essas bastante concretas e não inseridas na idéia
de obsolescência planejada. Enfatizando a idéia de modelo e série,
Baudrillard (2004, p. 157) afirma:
aquilo que é dado como ‘estilo’ no fundo não passa de
um estereótipo, generalização sem nuanças de um
detalhe ou de um aspecto particular. É que a nuança (na
unidade) é atribuída ao modelo enquanto que a diferença
(na uniformidade) à série.
43
Wolfgang Fritz Haug descreveu em outros termos o que chamamos aqui
por obsolescência planejada, explicando que a saída encontrada para o
aumento do consumo, mesmo para produtos duráveis, não seria
diminuir sua qualidade – diferencial competitivo na cadeia do consumo
– mas modificar o seu aspecto, atribuir-lhe um certo embelezamento.
Marcondes Filho, ao expor o conceito de estética da mercadoria de
Haug, argumenta que
uma técnica mais radical ataca não somente o valor de
uso objetivo de um produto para reduzir seu tempo de
utilização na esfera do consumo e para regular
antecipadamente a procura; ela começa pela estética da
mercadoria. Por meio da renovação periódica da
aparência de uma mercadoria, ela reduz o tempo de
duração na esfera do consumo dos objetos ainda em
funcionamento do respectivo tipo de mercadoria.
(MARCONDES FILHO, 1988, p. 176).
A partir de pontos de vistas diferentes, e de certa forma antagônicos,
acerca das técnicas usadas para se chegar à obsolescência planejada, é
oportuno colocar que ao analisarmos o automóvel, verificamos que a
substituição permanente desse bem de consumo gira em torno de
mudanças funcionais sutis e de mudanças de apresentação (novo
design).
No entanto, não se evidencia, no contexto do objeto automóvel, a
aparente queda na qualidade ou mesmo a diminuição da vida útil,
mesmo porque o automóvel, além de ter um custo relativamente
elevado, é o típico objeto cuja obsolescência é particular para cada
segmento da sociedade, ou seja, enquanto um determinado modelo de
automóvel passa a ser entendido como obsoleto para determinado
nicho de consumidores, para outros pode passar a ser o desejo de
consumo.
44
Inúmeros modelos de automóveis são lançados anualmente no
mercado, a publicidade os “animiza”, tornando-os supercarros e o
interlocutor consome a idéia de que o seu veículo já não serve mais. É a
busca incessante pelo “carro do ano”. Por outro lado, enquanto as
necessidades nunca se satisfazem, o mercado se auto-regula,
oferecendo para outros perfis de públicos sonhos em formato de
seminovos.
Mesmo com essa renovação incessante de modelos automobilísticos,
que estão sob as grandes asas do capitalismo, a própria situação de
consumo cria a ilusão de que
o livre mercado nos iguala a todos enquanto
consumidores. Se ainda persiste uma diferença entre os
consumidores quanto ao que consomem, eles são todavia
igualados pelo ato de consumir. A falha inerente a esse
novo projeto utópico, porém, é que o consumo não cria
um novo laço social. Não há laço entre consumidores,
apenas separação entre aqueles que possuem e os que
não possuem. (TEIXEIRA, 1997, p. 164).
No entanto, é interessante observar que ao encararmos o consumo
como foi colocado no início deste item, podemos entender que não há
utopia, que há, sim, uma separação entre aqueles que possuem e
aqueles que não possuem o objeto em si, mas que sob o ponto de vista
de consumo dos signos, o interlocutor, sem distinção, é capaz de
decodificar a mensagem de uma determinada peça publicitária de
automóvel a partir de influências culturais (cf. Quadro 1).
45
INFLUÊNCIAS CULTURAIS
Publicidade de automóvel
Signos associados ao Signos associados ao
consumo material consumo simbólico
Interlocutor
d
e
c
o
d
i
f
i
c
a
ç
ã
o
Quadro 1 – Os caminhos interpretativos do consumo
Embora nos refiramos ao termo consumo no sentido de consumo dos
signos, e conseqüentemente, de interpretação, é importante não
esquecer do automóvel como mercadoria, afinal essa é a primeira
representação, em uma cadeia de signos complexos, se pensarmos no
automóvel como objeto da publicidade. Ainda mais porque não pode
haver uma dissociação dos signos mercadoria e a infinidade de outros
signos gerados pela publicidade por meio do automóvel. Quanto a isso
Marcondes Filho nota que é necessário atentar para dois pontos:
por um lado, o contexto da produção e difusão de
mercadorias e, por outro, o da consciência e necessidade
dos homens. De fato, o mundo de aparências da
propaganda e das diversões, em cuja produção estão
hoje envolvidas indústrias inteiras, representa um poder
condicionante que atinge desde a vida e a percepção dos
seres humanos em seu dia-a-dia até o mais profundo de
sua intimidade. (MARCONDES FILHO, 1988, p. 165).
46
Com isso é possível dizer que todo o jogo semiótico produzido pela
publicidade – que é justamente passar do objeto a um discurso que o
suplante – seja uma conseqüência do objeto em si ser uma mercadoria,
e estar envolvido na teia capitalista do valor de troca.
4. O automóvel na publicidade
4.1. A semiose
10
na construção da mensagem publicitária
É evidente a maneira como a publicidade evoluiu no decorrer das
décadas. Passou de meros anúncios de venda para complexos
enunciados carregados de significação.
A complexidade cada vez maior do objeto dinâmico – descrito por
Santaella (2001a, p. 45) como sendo “aquilo que determina o signo e
ao qual o signo se aplica” – nos signos das peças publicitárias marca a
tendência de uma interação entre o agente da enunciação e o
interlocutor, pautada nas interferências culturais. Esse contexto
cultural, que é inerente ao objeto dinâmico, funcionando como fator
decisivo para a geração de determinados interpretantes, foi ressaltado
por Santaella (2001a, p. 45) da seguinte maneira:
todo o contexto dinâmico particular, a ‘realidade’ que
circunda o signo se constitui em seu objeto dinâmico.
Trata-se, portanto, daquilo com que o intérprete de um
signo deve estar familiarizado ou se familiarizar, quer
dizer, com que o intérprete deve ter tido ou ter
experiência colateral ao signo para que o signo possa ser
interpretado.
10
Que pode ser entendida como a própria ação do signo, ou seja, o caminho triádico
entre signo, objeto e interpretante, que determina a lógica de determinada
interpretação. (SANTAELLA, 2001a)
47
A essa experiência colateral ou familiarização descrita por Santaella,
podemos entender como a interação do interlocutor com o seu
ambiente decodificador. A interação com o meio na decodificação da
mensagem publicitária também foi abordada por McLuhan (2003,
p. 255), enfatizando que
os anúncios (...) tendem a se afastar da imagem que o
consumidor faz do produto, aproximando-se da imagem
de um processo do produtor. A chamada imagem
corporativa do processo inclui o consumidor no papel de
produtor, igualmente.
De uma maneira análoga, esse afastamento que o consumidor faz do
produto pode ser entendido como o caminho de interpretação que
chega até o objeto dinâmico a partir de interferências culturais, tendo
como direcionamento interpretativo o objeto imediato, este definido por
Santaella (2004a, p. 59) como o objeto que está “dentro do signo, no
próprio signo, diz respeito ao modo como o objeto dinâmico (aquilo que
o signo substitui) está representado no signo”. Tal semiose pode ser
melhor compreendida a partir do Quadro 2.
Objeto dinâmico
(contexto cultural do
interlocutor)
Interferências culturais
Objeto imediato
(a partir de
características
internas do signo)
Signo automóvel
Quadro 2 A construção semiótica do signo automóvel na publicidade
48
4.2. O contexto da publicidade de automóveis
Se no início do século passado a publicidade era feita de maneira
bastante simples – pois os atributos de persuasão eram bastante
limitados, restritos basicamente à linguagem escrita, com disseminação
local –, a realidade que encontramos na segunda metade do século
passado e mais ainda neste século que se inicia é uma infinidade de
técnicas munidas de grandes tecnologias e com poder de comunicação
em massa.
Certamente a publicidade alcançou grande salto com o aumento da
produção industrial pelo aperfeiçoamento tecnológico e pelo advento da
mídia impressa, do rádio, da televisão e agora da internet, citando as
mais expressivas, aproveitando o grande potencial de disseminação da
informação e dos comportamentos culturais. “O século XX viu o
telefone, o cinema, o rádio, a televisão se tornarem objetos de consumo
de massa, mas também instrumentos essenciais para a vida cotidiana”.
(SILVERSTONE, 2002, p. 17).
Se a forma de se fazer publicidade mudou muito, também mudou a
mensagem transmitida pela publicidade. É neste ponto que vimos
evidenciar-se a confluência de conceitos entre publicidade e
propaganda, pois os anúncios publicitários passaram a trazer conteúdo
ideológico e persuasivo, não só demonstrando o produto com intuito de
venda, mas principalmente incorporando o objeto da publicidade em
cenários representativos da sociedade, com o intuito de vender idéias,
além de produtos. Quanto a isso, Baudrillard (2004, p. 184) enuncia
que
a persuasão (...) não visa tanto à ‘compulsão’ de compra
e ao condicionamento pelos objetos, quanto à adesão ao
consenso social que este discurso sugere: o objeto é um
serviço, é uma relação pessoal entre você e a sociedade.
49
Ao pensarmos em meados do século passado, o consenso social
descrito por Baudrillard pode ser entendido de acordo com as
manifestações culturais da época. Nesse contexto, homens e mulheres
possuíam papéis muito distintos na sociedade, a idéia do homem
provedor e da mulher dona-de-casa era maciçamente trabalhada pela
publicidade, independente do produto-objeto ofertado ao interlocutor, a
partir de tendências diagnosticadas na sociedade.
Algumas peças publicitárias de automóvel evidenciam esses papéis
assumidos por homens e mulheres, que hoje estão totalmente
metamorfoseados em virtude do grande avanço da mulher no mercado
de trabalho e, conseqüentemente, maior distanciamento das questões
meramente domésticas.
Essa clara evolução dos papéis da mulher na publicidade de automóveis
foi apontada por Perracini (2004), enfatizando não só a evolução, mas
também a multiplicidade de papéis, pois é possível observar a mulher
em caráter meramente decorativo (que ainda persiste), além de outras
representações que marcam o atual cenário sócio-econômico nas
divisões de gênero, em que a mulher atingiu, finalmente, a condição de
consumidora final do produto, ao lado do homem.
5. A publicidade de automóveis como espelho do interlocutor
5.1. O automóvel como objeto de análise e como objeto de
desejo
Pode-se entender que o automóvel seja um bem de consumo altamente
desejável, cobiçado, não somente por seu valor em moeda – o
investimento é geralmente alto se comparado a outros bens de
50
consumo, como por exemplo, os domésticos – mas por possuir
características interpretativas de um sistema cultural complexo, pois a
característica primordial que marca o automóvel como produto (sua
funcionalidade), torna-se frágil diante do fortalecimento de outros
signos não-associados à função prática do deslocamento, mas aos
signos de ambiência do deslocamento, à estética, à velocidade e a sua
relação tempo e espaço. E, conseqüentemente, o prestígio, signo que
sustenta todo o sistema de signos de necessidades psicológicas e não-
respondidas – de forma consciente – pelos atributos tangíveis do
automóvel. Baudrillard (2005, p. 21) afirma que
também o miraculado do consumo serve de todo um
dispositivo de objectos simulacros e de sinais
característicos da felicidade, esperando em seguida (no
desespero, diria um moralista) que a felicidade ali venha
poisar-se.
Ao entendermos essa citação para aplicabilidade no automóvel, a
felicidade citada por Baudrillard transforma-se em tradução de uma
cultura amplamente capitalista, em estilo de vida. A felicidade
representada pelo automóvel é a tradução de um espelho, que o
indivíduo imagina refletir seus próprios atributos, mas que, acima de
qualquer coisa, reflete a imagem distorcida de posse, pois o que se
pode possuir é o automóvel como produto, sendo que a felicidade que é
vendida intrinsecamente no carro nunca pode ser associada ao
indivíduo de maneira desfeita, pois é um sistema de signos
pertencentes à máquina, que só é possível usufruir, de maneira ilusória,
enquanto possuidor do automóvel.
Barbosa, ao analisar a relação do interlocutor com o discurso
publicitário, enfatiza que
51
suas próprias fantasias são desviadas para produtos
enquanto suas vidas escorrem entre os dedos. (...) no
máximo chegam ao objeto, à ilusão e à aparência; mas ao
seu desejo mesmo quase jamais. (BARBOSA, 1995,
p. 49).
De forma mais simples, é possível usufruir o prestígio de maneira
distorcida, que só virá a partir da posse do carro. Por isso Baudrillard
(2004, p. 174) afirma que a publicidade é pura conotação, visto não
vender o objeto em si, mas os sistemas de signos que são incorporados
ao automóvel a partir de influências oriundas da cultura.
5.2. O automóvel refletido no espelho
É evidente o poder que o automóvel exerce na sociedade em geral –
por todas as transformações no modo de vida observadas desde o seu
surgimento – e nos indivíduos de maneira particular – na busca por
procurar no automóvel a satisfação para necessidades não ligadas ao
objeto carro, e sim associadas a um prazer quase sexual, uma ligação
íntima e insólita. Roland Barthes descreve essa relação quase amorosa
entre homem versus máquina da seguinte maneira:
(...) é a grande fase táctil da descoberta, o momento em
que o maravilhoso visual vai sofrer o assalto racional do
tacto (porque o tacto é o mais desmistificador de todos
os sentidos, ao contrário da vista, que é o mais mágico):
toca-se com a mão nas chapas, nas junturas, apalpam-se
os estofos e as almofadas, experimentam-se os assentos,
acariciam-se as portas em face do volante, mima-se a
condução com todo o corpo. (BARTHES, 1997, p. 141).
O texto acima refere-se ao momento em que o indivíduo descobre o
automóvel em uma feira de exposição, sendo relatado como o primeiro
encontro. Embora a publicidade não possa assegurar ao indivíduo a
experiência acima, já que não é pautada no tato, é capaz de oferecer ao
52
interlocutor uma experiência mental complexa. Não há o contato físico,
mas um apalpar com os olhos, operação que busca nos anúncios
publicitários de automóveis muito mais que imagens e informações,
busca de signos que lhe assegurem satisfações em diferentes níveis.
A essa complexidade de relações entre o homem e a máquina, cumpre-
nos aplicar o conceito de narcisismo, que segundo Freud (1968, p. 249)
designa os casos em que “o indivíduo toma como objeto sexual o seu
próprio corpo e o contempla com prazer, acaricia-o e beija-o, até
chegar à completa satisfação”. Tal conceito está fundamentado no
contexto psicanalítico, mas como em muitos outros casos, devido a sua
complexidade de interpretação, pode ser expandido em outros
contextos. Desse modo, pode-se colocar que o automóvel – até porque
continua o corpo dos sujeitos, como percebeu McLuhan (2003) – acaba
tomando o lugar do EU, funcionando como espelho para o interlocutor,
pois ao mesmo tempo que reflete os próprios desejos do interlocutor,
suas necessidades, seus ideais, é capaz de refratar, distorcer a
mensagem desse espelho, devolvendo ao interlocutor uma imagem
falsamente refletida, mas entendida como legítima a partir da retórica
publicitária.
A publicidade constrói o automóvel a partir de conceitos ideais oriundos
da cultura e “a aparência que seduz é como um espelho no qual o
desejo se olha e se reconhece como objetivo”. (MARCONDES FILHO,
1988, p. 184).
Perez (2004, p. 48), em seu estudo de caracterização da marca
também nos fornece a clara noção de espelho no universo semiótico da
publicidade, afirmando que
53
o espaço perceptual da marca pode ser utilizado como
um espelho que reflete o estilo de vida e os valores do
consumidor atual ou potencial. Uma marca pode
funcionar como portadora de projeções no qual o
anunciante, a empresa e a agência projetam os valores
e as sensibilidades do consumidor, ou como um
distintivo, um meio de expressar e de reforçar nossas
identidades pessoais e culturais.
A idéia de que as peças publicitárias funcionam como verdadeiros
espelhos para o interlocutor também pode ser vista por Haug, quando
menciona o poder de sedução da mercadoria. A partir de Haug,
Marcondes Filho (1988, p. 84) diz que
impõem-se, diante dos homens, inúmeras séries de
imagens, que buscam assemelhar-se a espelhos, que
procuram empatia, que aspiram observar seu íntimo,
trazer segredos à superfície e espalhá-los por ela. Nessas
imagens, os aspectos da insatisfação duradoura dos
homens, em sua essência, lhes são continuamente
revelados. A aparência atua como se anunciasse a
satisfação; ela adivinha os desejos das pessoas, através
de seus olhos, e os traz à luz na superfície da
mercadoria.
O consumo das peças publicitárias de automóveis dá-se por meio de
signos ideais, traduzidos da própria cultura, por isso, espelhadas nos
desejos do interlocutor.
54
CAPÍTULO II
INTERFERÊNCIAS CULTURAIS: DIVERSIDADES
ENCONTRADAS NO CORPUS
1. Pressupostos teóricos
1.1. A publicidade à luz dos conceitos bakhtinianos de
dialogismo e de enunciado
Como a segunda parte deste capítulo se caracteriza, a priori, como uma
análise descritiva, que pretende unir as peças publicitárias em blocos de
diversidades, abordaremos nesta primeira parte o referencial teórico
que subsidiará a análise do corpus, que consiste no conceito de
dialogismo proposto por Mikhail Bakhtin, como base para a leitura dos
signos culturais presentes nas peças publicitárias.
Segundo o autor, o diálogo pode ser encontrado em várias formas da
comunicação verbal, inclusive nos textos impressos, sendo que
o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de
uma discussão ideológica em grande escala: ele responde
a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e
objeções potenciais, procura apoio etc. (BAKHTIN, 2004,
p. 123).
Com isso, entendemos que as peças publicitárias representam uma
forte manifestação dialógica da cultura.
55
À medida que nos dispomos a estudar a publicidade a partir de peças
publicitárias impressas e em outros suportes midiáticos (como a
publicidade televisiva, que será abordada no Capítulo IV), parece-nos
essencial darmos enfoque à teoria bakhtiniana, ancorada no dialogismo,
visto que representa um frutífero campo de pensamento para estudos
das interferências culturais em peças publicitárias, pois "toda a vida da
linguagem, seja qual for o seu campo de emprego (a linguagem
cotidiana, a prática, a científica, a artística, etc.), está impregnada de
relações dialógicas", (BAKHTIN apud SOUZA, 2002, p. 57) estando a
publicidade inserida nesses campos.
Conforme afirma Bakhtin (2003), a vida humana está totalmente
condicionada à linguagem, e essa se manifesta de diferentes maneiras,
o que dependerá do contexto em que foi gerada, das interferências
culturais e da própria natureza dos agentes da linguagem. De certa
forma Bakhtin (2003, p. 262) apresenta essa idéia ao mencionar que
o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional
– estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e
são igualmente determinados pela especificidade de um
determinado campo da comunicação.
É nesses campos da comunicação, que o autor visualiza “tipos estáveis
de enunciados” e os denomina como gêneros do discurso. É importante
que possamos situar tal compreensão de Bakhtin, pois se é possível que
caracterizemos diversos tipos de enunciados nas peças publicitárias,
tanto nas impressas como nas televisivas, de forma mais abrangente, a
publicidade – grande abarcadora de nosso corpus – faz parte do que o
autor denominou como gênero discursivo secundário.
Para encontrarmos a compreensão das peças publicitárias no contexto
bakhtiniano, podemos entender que cada peça publicitária possa ser um
56
enunciado concreto. Isso de acordo com as características colocadas por
Bakhtin, que são: "a) aspecto conteúdo/sentido: conceito - a
designação de um objeto; b) aspecto expressivo: imagem; c) aspecto
emotivo-volitivo: entonação - expressa minha atitude valorativa sobre o
objeto" (SOUZA, 2002, p. 86). Vale ressaltar que o conceito entonação,
que é claramente observado nas peças televisivas, pode ser
caracterizado nas peças impressas como o texto escrito, pois é possível
observar inúmeros recursos lingüísticos e de disposição visual nos
textos publicitários, na busca por gerar determinado interpretante.
Essas características foram formuladas inicialmente para explicar a
dimensão da palavra completa, mas, posteriormente, encontraram
lugar dentre as características do enunciado concreto. Ainda para inserir
a publicidade na categoria de enunciado, vale ressaltar que para
Bakhtin, não existem enunciados neutros, pois "um enunciado (...)
concreto sempre é dado num contexto cultural e semântico-axiológico
(científico, artístico, político, etc.) (...)". (BAKHTIN apud SOUZA, 2002,
p. 86).
Vale ressaltar que o conceito de enunciado aqui tratado é o de
enunciado concreto, ou seja, que possui autor (a voz ou as vozes da
peça publicitária) e interlocutor (o personagem que interage e dialoga
com o autor) e que foi definido pelo semioticista russo como o
enunciado que estabelece uma infinidade de conexões com o contexto
extraverbal da vida, e que, separados desse contexto perdem quase
toda a sua significação.
O termo enunciado também pode ser compreendido como texto, no
sentido amplo de mensagem com forte carga de influências culturais,
pois de acordo com Barros (2003, p. 1), pode-se assim definir
enunciado:
57
aproxima-se da concepção atual de texto. O texto é
considerado hoje tanto como objeto de significação, ou
seja, como um 'tecido' organizado e estruturado, quanto
como objeto de comunicação, ou melhor, objeto de uma
cultura, cujo sentido depende, em suma, do contexto
socioistórico. Conciliam-se, nessa concepção de texto ou
na idéia de enunciado de Bakhtin, abordagens externas e
internas da linguagem. O texto-enunciado recupera
estatuto pleno de objeto discursivo, social e histórico.
Assim, as peças publicitárias – impressas e televisivas - podem ser
entendidas tanto como textos quanto como enunciados oriundos da
cultura, que só existem na concretude dos valores, dos conceitos e dos
desejos manifestados pela sociedade.
Os conceitos bakhtinianos, assim como foram aqui apresentados,
constituem fundamentação teórica prioritária para a análise dialógica
das peças publicitárias no decorrer da dissertação.
2. Automóvel e publicidade: contextualizações necessárias
2.1. Por uma justificativa para o tema
É importante ressaltar que a análise não recairá sobre o automóvel
propriamente dito, ou seja, seus atributos tecnológicos. Teremos como
objeto de estudo o entorno que se forma a partir do automóvel, a
construção sígnica do automóvel como marca, como personificação na
cultura.
Desde a antiguidade o homem buscou meios de locomoção que pudesse
facilitar suas atividades, tanto pela otimização do tempo, como pelo
acúmulo de energia, visto que o esforço resultante da locomoção
poderia ser transferido para um animal, no início, e para a máquina, até
os dias de hoje.
58
Analisar peças publicitárias de automóveis abre um campo riquíssimo
para os estudos da cultura, pois o automóvel, bem de consumo de alto
preço, faz parte da história da sociedade contemporânea, tendo
evoluído ao lado do homem nesses últimos cem anos.
2.2. A imagem como elemento auxiliar na construção de sistemas
culturais
Ao atribuirmos um recorte para a nossa análise – peças publicitárias de
automóveis veiculadas em duas revistas no período de seis meses –
deparamo-nos com um corpus extremamente amplo, porém rico para
explorações de aspectos comuns, e ao mesmo tempo com
possibilidades de explorações por especificidades em cada peça. A essas
características múltiplas ou particulares de nosso corpus, chamaremos
de diversidades. É justamente apontando esse universo de diversidades
que poderemos chegar às interferências culturais na geração de
sistemas de signos presentes nessas peças.
O recorte da análise contempla 47 peças publicitárias
11
, sendo que,
neste primeiro momento, o olhar será repousado sobre as diversidades
apresentadas na imagem. O texto verbal-escrito presente nas peças
será abordado no Capítulo III. A justificativa para tal critério
metodológico pode ser entendida a partir da complexidade dessas
linguagens na construção e no diálogo desses sistemas de signos – as
peças publicitárias.
Ao partirmos de uma idéia central de que a publicidade age por meio de
signos presentes na cultura, podemos entender que as peças
11
apresentadas no Anexo A.
59
publicitárias são compostas por sistemas de signos que buscam
espelhar os fenômenos culturais, e os codifica de forma ideológica na
construção de mensagens.
Partindo de um conceito simples de publicidade, pode-se dizer que é “a
arte de exercer uma ação psicológica sobre o público com fins
comerciais ou políticos”. (FERREIRA, 1975, p. 1156). A partir desse
conceito é possível compreender que tal ação psicológica não teria êxito
sobre um determinado público se a publicidade não representasse os
signos culturais na ideologia de um produto vendável, o produto de seu
produto criador: a publicidade. Afinal, a publicidade também pode ser
entendida como produto, visto que é o primeiro sistema de signos a ser
consumido, incorporado e absorvido pela cultura, pela sociedade, pois
de acordo com Baudrillard (2004, p. 175),
se resistimos cada vez mais ao imperativo publicitário,
tornamo-nos ao contrário cada vez mais sensíveis ao
indicativo da publicidade, isto é, à sua própria existência
enquanto segundo produto de consumo e manifestação
de uma cultura. É nesta medida que nela ¨acreditamos¨;
o que consumimos nela é o luxo de uma sociedade que
se dá a ver como autoridade distribuidora de bens e que
é ¨superada¨ em uma cultura.
Nesse contexto da publicidade como sistema de representações sociais
e culturais, cumpre-nos ressaltar a inegável importância da imagem
visual e da visualidade na construção dos enunciados publicitários, ao
lado de outros elementos que ocupam o espaço enunciativo das peças
publicitárias, conforme destaca Barthes:
a imagem já não ilustra a palavra; é a palavra que,
estruturalmente, é parasita da imagem; essa inversão
tem seu preço: nos moldes tradicionais de ilustração, a
imagem funcionava como uma volta episódica à
denotação, a partir de uma mensagem principal (o
texto), que era sentido como conotado, já que
60
necessitava precisamente de uma ilustração; na relação
atual, a imagem já não vem esclarecer ou realizar a
palavra; é a palavra que vem sublimar, patetizar ou
racionalizar a imagem. (BARTHES, 1990, p. 20).
Diferentemente de Barthes, que assinala a importância da imagem em
detrimento da palavra, Santaella (2005, p. 54-55) ao mencionar os
conceitos de Kalverkämper atribui três formas de relação imagem-texto
que devem ser levadas em consideração. A primeira diz respeito à
redundância, que é quando “a imagem é inferior ao texto e
simplesmente o complementa
12
, sendo portanto, redundante”. A
segunda relação é caracterizada como informatividade, sendo que “a
imagem é superior ao texto e, portanto, o domina, já que ela é mais
informativa do que ele”. E por fim há a relação de complementaridade,
em que “imagem e texto têm a mesma importância. A imagem é, nesse
caso, integrada ao texto”.
Tais conceitos foram colocados partindo-se da idéia genérica de
imagem. Ao afunilarmos a idéia de imagem visual no contexto da
publicidade, Barthes (1990) é enfático com relação à importância do
texto lingüístico, afirmando que esse funciona como um “filtro” na
geração de sentidos, possibilitando determinadas interpretações e
eliminando outras.
Quanto a isso, o autor coloca que nos casos de fixação, em que
podemos incluir as mensagens publicitárias
a linguagem tem, evidentemente, uma função
elucidativa, mas esta elucidação é seletiva; trata-se de
12
Para um melhor entendimento sobre os conceitos, proporia substituir a palavra
‘complementa’ por ‘repete’, por entender que o termo, tal como está, é contraditório
com a redundância, que leva o nome da relação explicitada. Além disso, a terceira
relação descrita possui o caráter de complementaridade, o que faz com que seja
necessário um melhor esclarecimento dos termos usados.
61
uma metalinguagem aplicada não à totalidade da
mensagem icônica, mas unicamente a alguns de seus
signos; o texto é realmente a possibilidade do criador (e,
logo, a sociedade) de exercer um controle sobre a
imagem. (BARTHES, 1990, p. 33).
No contexto publicitário, a imagem visual geralmente possui a força
para atrair a atenção do interlocutor, que em um primeiro momento
não fixa o olhar por mais de 10 segundos
13
. Quanto a isso,
o poder de fixar a atenção e conseguir do consumidor
uma rápida assimilação da mensagem está ligado
intimamente à simplicidade da imagem, à sua precisão,
ao destaque dado ao fator que mais interesse represente,
isto é, ao foco onde se centraliza a idéia a ser assimilada.
(FARINA, 1990, p. 175).
Levando em conta tanto o que foi exposto por Barthes, como por
Santaella a partir dos conceitos de Kalverkämper, é importante
ressaltar que quando falamos em publicidade, embora a força da
imagem visual – que é evidentemente ressaltada pelas tecnologias cada
vez mais avançadas de produção gráfica – muitas vezes se sobreponha
ao texto lingüístico, podendo essa relação ser caracterizada como
informatividade, as outras relações possíveis entre texto-imagem
também são encontradas na publicidade.
Embora a prática aponte quase sempre para algum tipo de relação
imagem-texto, há também aquelas peças que fazem uso
estrategicamente, ora da imagem, ora do texto, sem necessariamente
interligá-las. Tal estratégia é geralmente associada ao teaser
14
, que na
busca por atrair a atenção do interlocutor e provocar expectativa, tem a
13
De acordo com o professor Modesto Farina (1990, p. 177), nossa atenção
normalmente se fixa em um objeto de 2 a 10 segundos.
14
Chamada publicitária que recorre a enunciados incompletos com fim de gerar
expectativa no interlocutor, que tende a ficar no aguardo de uma próxima peça
publicitária, mais elucidativa.
62
opção de trabalhar com a imagem com contexto duvidoso, ou ao
contrário, o texto lingüístico é colocado em sentido dúbio, sem qualquer
imagem complementar.
Embora nesses casos a publicidade faça uso dos recursos de imagem e
de texto separados, esses são geralmente parte de uma campanha, e
embora representem uma peça publicitária, precisam de peças
complementares, que lhes assegurem sentido pleno.
Nesse sentido, é muito comum encontrarmos peças publicitárias de
automóveis que tragam a idéia central em sua imagem, porém a
importância atribuída ao texto lingüístico é explícita, pois além de
trazerem mensagens complementares da imagem ou informações
técnicas do veículo, direcionam o interlocutor a determinadas
interpretações.
2.3. O paradoxo da imagem: realidade vs. ficção
Os gêneros discursivos presentes em um texto publicitário formam
fortes indícios da influência cultural e do modo como esses signos
culturais podem ser interpretados. No entanto, para a publicidade a
imagem visual é um elemento imprescindível para captar a atenção do
interlocutor. De acordo com Barthes (1990, p. 28),
Em publicidade, a significação da imagem é, certamente,
intencional: são certos atributos do produto que formam
a priori os significados da mensagem publicitária, e estes
significados devem ser transmitidos tão claramente
quanto possível; se a imagem contém signos, teremos
certeza que em publicidade, esses signos são plenos,
formados com vistas a uma melhor leitura: a mensagem
publicitária é franca, ou pelo menos, enfática.
63
Nesse sentido, a imagem, por possuir amplo sistema de signos (de
cores, de ambiência, de situação entre outros) é um forte ícone do que
se deseja retratar, sendo a imagem e o texto lingüístico mecanismos
complementares para a geração do sentido.
As peças publicitárias de automóveis exploram de forma massiva a
utilização da imagem, mas não simplesmente a fotografia como
imagem, pois se assim fosse, existiria, mesmo que de forma bastante
discutível, o conceito de veracidade, a idéia de que tal imagem pode
não mais existir, porém em algum momento se fez presente.
No entanto, a publicidade adere aos mais modernos recursos
tecnológicos para “criar” uma imagem fotográfica e assim retratar um
sistema harmônico de signos, que na verdade são modelos humanos
descontextualizados, paisagens fictícias em um espaço que nunca
existiu. Barthes (1990, p. 37), em seu estudo sobre a imagem
denotada, ressalta essa questão colocando que “quanto mais a técnica
desenvolve a difusão das informações (especialmente das imagens),
mais fornece meios de mascarar o sentido construído sob a aparência
do sentido original”.
Nem todas as peças publicitárias analisadas remetem a esse mundo
irreal, e por isso ideal; algumas ainda contextualizam o automóvel de
forma fotográfica convencional, dando a idéia de realidade, pois de
acordo com Barthes (1990) na fotografia não é possível negar que a
coisa esteve lá. Há uma dualidade: de realidade e de passado. Esse
talvez ainda seja o grande trunfo da fotografia concreta em detrimento
do que podemos chamar de “fotografia criada”, espelhada não na
circunstância, mas naquilo que pode ser interpretado como ideal.
64
As imagens serão, neste primeiro momento, analisadas a partir de seus
aspectos comuns, sistemas de signos que além de trabalharem como
ícone, indicam ou simbolizam outros signos, não associados ao objeto
representado na peça, mas associados a signos que buscam refletir – o
reflexo criado pela distorção da idéia do espelho – um modelo ideal,
elevando o automóvel a uma categoria bem superior a que ele
realmente pertence: bem de consumo para deslocamento.
3. O mapa das diversidades: uma análise descritiva
3.1. 1ª diversidade – O indivíduo representado na imagem:
presença vs. ausência
Na maioria das peças analisadas neste trabalho, as imagens trazem o
automóvel em destaque absoluto, único, fortalecendo ainda mais o
conceito de personificação, como se naquela imagem impressa o
automóvel pudesse ganhar vida, ou melhor, levar a vivacidade, a
emoção para o interlocutor.
Nas imagens em que há presença de pessoas, há diferentes formas de
aparição. Há aquelas em que o indivíduo aparece de forma obscura
dentro do automóvel, principalmente nas peças em que são retratados
veículos em movimento. A decisão por ocultar a imagem do indivíduo é
clara, fica evidente que o indivíduo é um mero coadjuvante da cena,
sendo identificado apenas por sua silhueta. Nessa situação há um forte
contraponto entre o homem e a máquina, pois apesar da evidência do
poder do indivíduo na condução da máquina, submetendo-a ao seu
comando, o automóvel transforma-se em conceito de personalidade, de
independência, de força.
65
Das peças apresentadas, poucas abordam o indivíduo de forma
destacada. Dentre essas, podemos destacar a presença do homem
sozinho, do casal, de um grupo de pessoas, e de forma bastante
reduzida, a da mulher sozinha.
As peças que abordam a presença apenas do homem como elemento de
destaque o mostram sempre fora do veículo. A peça do automóvel
Nissan Frontier Serrana aparece em duas versões, com uma diferença
bastante sutil. Na Figura 34 o homem – vestindo jeans, camisa azul e
chapéu de cowboy – aparece apoiado na traseira da picape,
vislumbrando do alto de um morro um pequeno vilarejo (com fortes
signos associativos ao nome da série do automóvel – Serrana). Há na
imagem signos que indicam que ter chegado a tal destino só foi possível
devido ao “poder” do automóvel.
Na outra peça do mesmo automóvel (cf. Figura 42) é mostrada
exatamente a mesma imagem, porém o homem não usa chapéu. Faz-se
aí uma leitura de que não importa o estilo do indivíduo, o tipo de vida
que ele leve, o automóvel sempre irá atender os seus desejos.
A peça publicitária do Novo Corolla Fielder (cf. Figura 27) mostra um
homem por trás do automóvel, vestindo terno e gravata, sorrindo e
acenando em direção ao olhar do interlocutor, como quem sorri para
uma câmera. O aceno presente nessa imagem pode simbolizar o aceno
de uma celebridade.
Outras duas peças publicitárias, também do modelo Corolla (cf. Figuras
39 e 41) apresentam diversas pessoas em um mesmo ambiente. Na
primeira há o destaque explícito para a figura masculina, pois o homem
encontra-se fisicamente mais próximo ao veículo. Entre as diferenças
sutis das peças do mesmo automóvel, há que se constatar a idéia de
66
glamour encontrada na primeira, seja pelas roupas usadas pelos
modelos, seja pela iluminação do cenário explicitamente digitalizado,
com muitas luzes em um ambiente noturno. No outro exemplo, um
cenário também artificial, há uma ambientação diurna, com pessoas
vestindo roupas esportivas e segurando raquetes de tênis.
As três peças publicitárias do modelo Corolla remetem a um estilo de
vida em que a elegância predomina; o número grande de pessoas, na
maior parte jovens, presentes nas peças aludem a uma vida social
intensa. Esse conceito fica ainda mais claro se fizermos breve
comparação à peça publicitária televisiva para lançamento desse
mesmo automóvel, estrelado pelo ator norte-americano Brad Pitt. O
sistema de signos presentes na figura de Pitt é refletido posteriormente
nas peças publicitárias impressas, reafirmando signos intrínsecos ao
automóvel, como beleza, sofisticação, charme, jovialidade (em
contraste aos modelos anteriores, associados a perfis conservadores).
A peça publicitária do veículo EcoSport (cf. Figura 25) ilustra um casal
dentro do carro, não de forma destacada, porém bastante nítida. Com o
automóvel andando por entre a água, o homem aparece dirigindo o
veículo, porém com influência explícita da mulher, que aponta para uma
direção ou simplesmente para um fato a ser observado. Tal figura
remete à importância de ambos para a escolha de um automóvel, pois
embora o homem ainda seja o principal condutor, a mulher pode ser,
muitas vezes, grande influenciadora das escolhas masculinas.
A peça publicitária do automóvel Ford Fiesta, que traz a mulher como
destaque (cf. Figura 6), só pode ser entendida se analisarmos a
campanha como um todo, pois em outra peça desse mesmo automóvel
há o destaque para o homem (cf. Figura 30). Aqui, o que fica em
evidência é o estilo da pessoa vinculado ao carro; a mulher e o homem
67
jovens são os ícones dos modelos ideais, as roupas utilizadas –
despojadas e coloridas – indicam o perfil de quem procura pelo novo
Ford Fiesta: arrojo, modernidade, despojamento. Características essas
transmitidas e incorporadas ao veículo.
Nessas peças publicitárias não se sabe até onde vai o indivíduo e onde
começa o carro. É justamente essa idéia de uma coisa só, de um só
elemento, de o carro ser a própria extensão do indivíduo, que a
publicidade busca fortalecer por meio de tais peças.
3.2. 2ª diversidade – O entorno criando lugares: paisagens
naturais e urbanas
As peças publicitárias que trazem cenários representando a natureza,
geralmente estão associadas a automóveis tidos como utilitários ou com
modelos esportivos. Em paisagens secas (com ausência de água) há o
predomínio do sentido de aridez. Essa idéia pode ser perfeitamente
visualizada nas Figuras 11, 12 e 26.
Na Figura 11 a Pick-up Ranger aparece estacionada sob um amanhecer
ou entardecer, em terreno árido e com vegetação característica de
regiões desérticas. O mesmo conceito de natureza sem vegetação
abundante é visto na Figura 26, em que a Pick-up Strada surge
estacionada em um imenso descampado, sob a mesma iluminação
nascente ou poente. Apesar de o automóvel estar destacado em
primeiro plano, é clara a idéia de vastidão diante do horizonte
apresentado. A Figura 12 remete a Pajero TR4 a um terreno acidentado,
até mesmo montanhoso, em um cenário explicitamente artificial, em
que os diamantes incrustados no terreno rochoso aludem ao próprio
símbolo da Mitsubishi. Já as Figuras 25 e 40
apresentam os veículos
68
literalmente andando sobre águas. Na primeira há a alusão de o veículo
EcoSport adentrar o mar partindo de uma praia; na segunda figura o
automóvel Doblò Adventure atravessa uma pequena cachoeira.
As peças em terrenos secos apresentam os automóveis sempre de
maneira estática; já as que contemplam água, trazem os veículos em
movimento, em uma representação de que nada é intransponível. Nos
cinco exemplos citados fica a idéia de que esses automóveis são
sinônimos de aventura, de força; capazes de levar o interlocutor para
as regiões mais inusitadas e nunca antes desbravadas.
As peças publicitárias que apresentam o automóvel dentro de uma
perspectiva urbana buscam refletir a completa harmonia entre o carro e
o entorno, pois os carros, quando em movimento, parecem desfilar nas
ruas e avenidas, pois a idéia de velocidade não é prioritariamente
trabalhada nessas imagens. Podemos observar essa característica nas
Figuras 2, 31 e 35.
A Figura 2 mostra o automóvel Pajero Sport trafegando em um
ambiente conhecidamente paulista, a Marginal Pinheiros. Com muitos
edifícios em segundo plano, sugere-se que o veículo esteja em
movimento devido a sua posição na pista (faixa da esquerda), e ao sutil
tratamento de imagem dado nas rodas, com sugestão de movimento.
A Figura 31 também apresenta o cenário tipicamente urbano, porém
não de fácil reconhecimento. A imagem apresenta o veículo Fox em
uma rua ou avenida, com detalhes de uma construção de muitos
pilares. É possível ter a ligeira impressão do movimento do carro devido
a seu posicionamento no cenário (aparenta estar em local de trânsito
rápido), no entanto constata-se que o carro esteja estacionado, detalhe
percebido pela ausência de motorista no carro.
69
A Figura 35
mostra o veículo Mercedes Classe C trafegando sobre uma
ponte, com águas aparentemente límpidas correndo sob ela. A
iluminação solar trabalhada nessa imagem parece forte, mas ao
observarmos a posição da sombra do carro, sugere-se que seja no
amanhecer ou entardecer. O cenário não é facilmente reconhecível e só
temos a certeza que se trata de uma paisagem brasileira ao atentarmos
para uma instrução na pista, escrita em Língua Portuguesa. Fica claro o
movimento do carro, pois as rodas recebem tratamento especial na
fotografia e o veículo circula em local sabidamente proibido para
estacionamento.
A Figura 27 apresenta o automóvel Corolla Fielder estacionado no que
parece ser um hall de um grande edifício comercial, sob uma iluminação
diurna. Na Figura 39 o veículo Corolla aparece estacionado também em
frente a um edifício, no entanto trata-se de um cenário noturno e há
indícios de atividades sociais ocorrendo, e não profissionais.
A descrição dessa diversidade merece destaque na Figura 5. Nela o veículo
Peugeot 206 aparece estacionado em rua tipicamente residencial, com
destaque para um muro “grafitado”, que ocupa todo o espaço horizontal da
imagem. Aqui, uma importante expressão da cultura popular brasileira, na
qual diversos temas são retratados em muros com traços artisticamente
precisos, é comparada ao veículo apresentado, identificado por seu modelo
arrojado, com curvas modernas e fora dos padrões.
3.3. 3ª diversidade – hibridização da paisagem: a fusão de
características urbanas e naturais
É possível observar dentre o corpus selecionado peças que apresentam
cenário híbrido no que se refere às características de ambiente. A Figura
70
45
traz o veículo Nissan Sentra em local aparentemente paradisíaco:
muitos coqueiros e mar ao fundo iluminados por um sol aparentemente
baixo. Apesar da natureza explícita, o carro aparece estacionado em
uma alameda pavimentada. O carro, apresentado pela própria peça
como sofisticado e luxuoso e, de certa forma revestido de muita
sobriedade, adquire contornos sígnicos mais leves ao interagir com a
paisagem natural apresentada na peça.
As Figuras 15 e 36
apresentam o mesmo Ford Fiesta Sedan. As imagens
mostram cenários com imagens estrategicamente invertidas: enquanto
o automóvel da Figura 15 está inserido em paisagem natural, porém
envolvido por arcos que remetem a um ambiente urbano, a Figura 36
mostra o automóvel em um cenário urbano sendo envolvido por arcos
que mostram cenário de montanha. A paisagem urbana desta última
peça mostra fortes ícones do centro da Cidade de São Paulo. O conceito
de superdimensionamento do tempo e do espaço pode ser observado
nessas últimas duas peças citadas, pois os cenários mesclados (urbanos
e naturais) formam signos indiciais de poder por meio da onipresença e
da inexistência de barreiras.
3.4. 4ª diversidade - O entorno na tangência do destaque:
paisagens distorcidas
As Figuras 8, 18 e 32 apresentam o veículo Stilo Connect no mesmo
cenário, porém optamos por classificá-las como figuras distintas devido
ao enunciado verbal-escrito possibilitar situações diferentes em cada
uma delas. Nas três figuras o automóvel aparece transitando em uma
grande via. A imagem dos prédios distorcidos constrói possíveis
significados de alta velocidade e de desligamento do mundo exterior,
como se o universo fosse o próprio interior do automóvel.
71
As Figuras 16, 29 e 37
, que mostram os veículos Peugeot 307 (em duas
peças), e Audi A6, respectivamente, também conotam uma situação de
alta velocidade. Já a Figura 20
, mais do que representar a velocidade,
busca construir um conceito de liberdade, (pois retrata o automóvel
conversível, que pode ser entendido como indício de liberdade, já que
não há o suposto enclausuramento de um automóvel convencional),
além de transitar em uma via com o mar ao fundo, também distorcido e
com associação de velocidade.
A Figura 17 apresenta o entorno distorcido (com características
totalmente neutras) como estratégia de destaque para o carro, um
Honda Fit, de cor vibrante e contrastante com o fundo. Nessa peça não
há nenhum indício de velocidade, visto que o automóvel está
visivelmente estático.
3.5. 5ª diversidade - O automóvel fora de cena: a mensagem
objetiva na imagem subjetiva
A presença visual do automóvel nas peças que compõem o corpus é
algo constante, tendo sido o automóvel apresentado integralmente e
por vários ângulos, em partes ou a partir de seu interior. Apenas uma
peça (cf. Figura 21), apresenta o automóvel de forma subjetiva, sem
mostrá-lo na imagem. É apresentado um homem caminhando por uma
estrada acompanhado por seu cão sob uma chuva torrencial. A imagem,
por si só, não faz nenhuma referência ao automóvel Gol. A
compreensão do enunciado como um todo só é possível com a
associação do enunciado verbal-escrito, que atribuiu ao cão simbolismo
ao signo automóvel Gol. Por outro lado o carro adquire status de
animização ao lhe serem atribuídas características intrínsecas ao cão,
como confiança, robustez, força, resistência e amizade.
72
É evidente que um enunciado concreto construído sem a visibilidade de
seu personagem principal pode sofrer alteração em seu sentido. No
entanto, a mensagem foi construída a partir de um pré-conhecimento
do próprio interlocutor, que mesmo sem visualizar o objeto automóvel,
cria o signo mental Gol a partir de suas próprias referências culturais.
Nesse caso, atribuiu-se maior importância à representação do
automóvel no contexto social e cultural, e não a sua identidade visual.
O signo visual do automóvel que possa ser gerado a partir da leitura da
peça pode estar associado a todas as variações de modelo que o
automóvel já experimentou. No entanto, independentemente da forma
como esse signo é mentalizado, ele induz à geração de interpretante
que sempre terá a mesma linha ideológica, ou seja, o automóvel
valente e que se mantém sempre fiel às expectativas do dono.
O ideal de valentia também é construído na peça representada pela
Figura 19, que dessa vez mostra o automóvel comparado ao cão, tendo
ambos recebido o mesmo destaque visual na peça publicitária.
3.6. 6ª diversidade - O automóvel do avesso: o universo das
tecnologias e das comodidades
Em muitas das peças analisadas é possível observar detalhes técnicos
do veículo em menor destaque. Esses detalhes, geralmente recriados
nas partes inferiores das imagens, referem-se a detalhes externos como
rodas e motores, ou a detalhes internos, como volantes e revestimento
de bancos.
No entanto, a Figura 1 mostra-nos um câmbio automático em close-up
e em página espelhada. O destaque para o moderno componente do
73
automóvel Peugeot 307 é totalmente exclusivo, visto que o entorno
negro não constrói nenhum outro signo.
Mesmo em uma peça publicitária na qual se privilegiem informações
técnicas é possível identificar conceitos de animização, pois no
enunciado verbal-escrito há fortes indícios associados à individualidade
e à personalidade, uma vez que o câmbio em questão seja capaz de
adaptar-se ao estilo de direção de cada motorista.
3.7. 7ª diversidade - O automóvel como indício do entorno
Existe uma constante na forma como os cenários são apresentados nas
peças publicitárias selecionadas: urbanos, naturais, neutros ou
simplesmente não-cenários
15
, esses últimos apesar de serem abstratos,
trazem consigo grande carga de significação. No entanto, o não-cenário
que se apresenta na Figura 10 tem um significado enunciativo bastante
diferente das peças que o recriam, principalmente para atribuir foco
exclusivo no automóvel.
Essa peça apresenta o automóvel S10 Sertões quase que escondido
pela grande quantidade de lama em sua lataria, com um destaque
inusitado para um aracnídeo encontrado na caçamba do automóvel. A
aranha (encontrada em determinada região do Brasil, de acordo com o
anúncio) e a lama formam fortes indícios culturais do entorno
percorrido pelo automóvel. Este que é caracterizado como um carro
"fora de estrada", que é capaz de enfrentar quaisquer desafios e
ultrapassar quaisquer obstáculos. A construção da "sujeira" foi
reforçada pelo contraste com o não-cenário branco e com o automóvel
igualmente branco.
15
O conceito de não-cenário será abordado de forma completa no Capítulo IV.
74
Outro exemplo de não-cenário pode ser observado nas peças do veículo
Ford Fiesta (cf. Figuras 7 e 30). No entanto nenhuma descrição recairá
nessas peças neste momento, visto que receberão um enfoque bastante
específico no Capítulo IV, pois foram as peças escolhidas para o
confronto dialógico com as peças publicitárias televisivas.
3.8. 8ª diversidade - A neutralidade do cenário: um olhar
descontextualizado sobre o automóvel
Embora seja evidente, a partir da análise do corpus, que a publicidade
de automóveis faz uso corrente de referências sociais, podendo ser
consideradas como interferências culturais, as Figuras 43 e 46 não
buscam muitos referenciais oriundos da cultura.
O que observamos nas duas figuras é a idéia de ação que o carro
propicia, pois ele está associado às palavras aventura e adrenalina. No
entanto, nessas peças os automóveis são os únicos personagens. Nelas
não há evidência da construção de conceitos de animização ou de
superdimensionamento do tempo e do espaço, uma vez que a
mensagem está voltada exclusivamente para detalhes técnicos, como
variedade de opcionais e tecnologias diferenciadas.
3.9. 9ª diversidade - As cores do carro: sobriedade vs.
despojamento
As cores representam, sem dúvida alguma, importante elemento de
fixação e de assimilação da mensagem contida nas peças publicitárias,
afinal a forma em que as cores estão inseridas não podem ser
75
dissociadas do conteúdo, ou em outras palavras, não é possível manter
o sentido ao fragmentar o todo enunciativo.
As peças publicitárias selecionadas apresentam prioritariamente duas
formas de estratégia visual: a cor do carro em contraste com as cores
do entorno ou a cor do carro em equilíbrio com as cores do entorno. Em
qualquer uma das possibilidades ressalta-se o veículo como
personagem principal do enunciado.
Percebe-se que os automóveis são apresentados nas peças a partir de
um rol de cores pouco variável, em que encontramos as cores prata
(como variação da cor cinza), preta e vermelha. De forma muito menos
representativa encontramos automóveis com as cores: amarela, verde,
azul e branca.
É importante ressaltar que, embora a utilização das cores represente de
certa forma uma interferência cultural, não podemos ignorar que
a primeira sensação de cor, antes de sua interpretação
intelectual, acontece no sistema límbico, estritamente
relacionado com a vida vegetativa e emocional. (...) a
interferência fisiológica e psicológica das cores é uma
realidade. (TISKI-FRANCKOWIAK, 2000, p. 131).
Da mesma forma, o impacto das cores apresentadas nas peças
publicitárias de automóveis tende a ser importante, pois
as decisões da massa são inegavelmente influenciadas
pelos aspectos exteriores do automóvel e isso tem de ser
considerado e expressado especialmente na peça
publicitária. A influência da cor, nesse plano, é um
fenômeno recente, mas de grande poder decisivo.
(FARINA, 1990, p. 195).
76
Grosso modo, podemos classificar a incidência das cores dos
automóveis encontradas no corpus pelo gráfico a seguir:
58%
17%
11%
4%
2%
2% 2%
4%
ci
n
za
/
p
r
a
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As cores do automóvel nas peças publicitárias
Gráfico 1 – As cores do automóvel nas peças publicitárias
Fonte: Revistas Playboy e Quatro Rodas - julho a dezembro/2004
A distribuição das cores nos automóveis das peças publicitárias não
representa necessariamente o impacto que cada uma delas exerce
sobre o indivíduo. Sabe-se que o vermelho é tido como uma cor quente,
que provoca inquietação, excitação e estado de alerta, assim como o
amarelo. Por outro lado, as cores cinza e preta são tidas como cores
terciárias e não agem no sistema nervoso do indivíduo da mesma forma
como as cores primárias, mais especificamente as cores quentes-
primárias, no sentido de retenção da atenção.
16
A partir disso, há o indício de que a publicidade por mais que faça uso
do significado das cores e da forma como o indivíduo as percebe,
privilegia na criação dos cenários das peças publicitárias tendências
culturais que apontam a cor cinza com características de harmonia, de
sobriedade moderada e de elegância, assim como o preto. Com relação
à cor cinza, Farina (1990, p.201) destaca que o cinza é usado em
publicidade quando se quer transmitir discrição, neutralidade e
diplomacia.
16
Cores primárias: vermelho, amarelo e azul. Cores secundárias: vermelho-
alaranjado, azul-violeta e verde.
Cores terciárias: preto, cinza, marrons e ocres.
77
Já a cor vermelha não foi utilizada, prioritariamente, para reter a
atenção do interlocutor, mas sim para associar-se à própria
"personalidade do carro", com características de força, liberdade e
agressividade.
3.10. 10ª diversidade - As cores da imagem: o carro e o cenário
em uma só cor
Diferentemente do que se poderia supor, as peças publicitárias não
buscam, de forma geral, destacar o automóvel do seu entorno – o que
poderia facilitar a fixação da imagem do automóvel pelo interlocutor, no
caso, o leitor da revista –, mas sim, incorporá-lo completamente ao
cenário criado. Isso pode ser visualizado nas Figuras 2, 12, 22, 29, 31,
33, 37 e 46. Para recriar a fusão do automóvel com o seu entorno, as
peças são apresentadas em uma só cor e com diferentes tonalidades.
Dentre as técnicas visuais abordadas por Dondis (1997, p. 145), essa
diversidade explora principalmente a unidade como estratégia de
comunicação, sendo a unidade
um equilíbrio adequado de elementos diversos em uma
totalidade que se percebe visualmente. A junção de
muitas unidades deve harmonizar-se de modo tão
completo que passe a ser vista e considerada como uma
única coisa.
A essa tendência monocromática, Farina (1990, p. 193) assinala que
“o anúncio de alta qualidade requer matizes suaves e de poucos
contrastes, às vezes monocromático, usando apenas as discriminações
tonais”.
78
Seguindo a tendência cultural de privilegiar a cor cinza-prata nos
automóveis, as peças que trazem a unidade como técnica principal
tornam as peças um todo acinzentado e harmônico.
3.11. 11ª diversidade - Identidades culturais: estética urbana
Muitas das peças apresentadas no corpus constroem as mensagens no
sentido de remeter o interlocutor a uma situação de identificação, seja
pela atração que determinada imagem sugere, seja pelo desejo que é
gerado pelo cenário criado. No entanto, algumas peças encenam suas
imagens com base em ícones de nossa territorialidade e em
manifestações artísticas.
As Figuras 34 e 42 mostram a Cidade de Ouro Preto vista do alto de um
morro, e a Figura 36 mostra fragmentos da Cidade de São Paulo por
meio de ícones arquitetônicos. Já as Figuras 5 e 44 propõem uma
interação do automóvel com o entorno artístico. A primeira alude a uma
forma de cultura popular emergente: o grafite, já a segunda diz
respeito à arte abstrata. Em todos os casos ficam evidenciadas as
manifestações tipicamente urbanas. Ao analisarmos essas peças em
conjunto podemos entender que o carro, dentro desse sistema de
signos cuja temática é a produção cultural, é representado com status
de arte, ao lado da arquitetura e de obras de arte, tanto popular como
erudita.
Ressaltamos que essa primeira análise sobre as peças publicitárias
focou exclusivamente as diversidades culturais presentes na imagem
visual. É importante frisar que os signos, presentes nos sistemas de
signos que fortalecem a animização do automóvel nas peças
selecionadas, não podem ser interpretados exclusivamente como
79
pertencentes a uma cadeia de iconicidade, indexicalidade ou
simbolismo, pois a mobilidade do signo é contínua, e depende
principalmente dos elementos sígnicos presentes na cultura. Desse
modo, enfatizamos ainda que as percepções semióticas encontradas
não esgotam, absolutamente, outras formas de análise, pois de acordo
com Santaella (2004b, p. 43)
não há nenhum critério apriorístico que possa
infalivelmente decidir como uma dada semiose funciona,
pois tudo depende do contexto de sua atualização e do
aspecto pelo qual ela é observada e analisada. Enfim, não
há receitas prontas para a análise semiótica. Há
conceitos, uma lógica para sua possível aplicação.
Já foi visto que a imagem visual é tida como essencial para a geração
de signos culturais nas mensagens publicitárias. No entanto, para que
seja possível refletir o sentido dialógico das peças publicitárias de
automóveis, faz-se necessária uma abordagem das peças a partir dos
textos lingüísticos. A abordagem dialógica a partir da análise completa
(imagem e texto) das peças publicitárias será considerada no capítulo a
seguir: Diálogos Culturais.
80
CAPÍTULO III
DIÁLOGOS CULTURAIS
1. Preâmbulos necessários
Conforme foi abordado no Capítulo II, a imagem visual é um recurso
usado largamente pela publicidade, que pela facilidade de fixação da
atenção do interlocutor, ganha grande destaque na peças publicitárias
em geral, com destaque para aquelas que utilizam como suporte as
revistas impressas, que hoje são maciçamente produzidas em quatro
cores e permitem recursos tecnológicos avançados no sentido de
otimizar a visualização dos anúncios.
Foi visto também que, ao lado da imagem, a mensagem lingüística
alcança status de delimitadora de sentido, podendo gerar interpretantes
dentro de um rol pré-determinado, ou, em outras palavras, “o texto
conduz o leitor por entre os significados da imagem”. (BARTHES, 1990,
p. 33).
Partindo de uma conceituação semiótica, é possível entender que a
linguagem verbal, em que também inserimos a verbal-escrita,
é o exemplo mais evidente de legi-signo
17
ou sistemas de
legi-signos. Por pertencerem ao sistema de uma língua,
as palavras são interpretadas como representando aquilo
que representam por força das leis desse sistema. Como
quaisquer outros exemplares de legi-signo, no seu
17
A partir da teoria de C. S. Peirce (1975), legi-signo está diretamente associado ao
conceito de símbolo, ou seja, um signo cuja interpretação é regida por uma regra,
uma lei, uma convenção.
81
estatuto de leis, as palavras só tomam parte na
experiência ou têm experiência concreta por meio de
suas manifestações. (SANTAELLA,2001a, p. 262).
Embora o texto lingüístico parta, de acordo com a sua fragmentação, de
um simbolismo, de uma regra convencionada nas características do
alfabeto, nem sempre a mensagem que se forma é denotativa. Ao
pensarmos em peças publicitárias de automóveis, o sentido de
determinado texto lingüístico se forma a partir de uma semiose
complexa, em que é possível chegar a inúmeros interpretantes a partir
da confluência entre imagem e texto, sendo que o texto lingüístico pode
direcionar, muito possivelmente, a interpretantes conotativos gerados a
partir da própria cultura. Segundo Carvalho (2003, p. 106),
o texto publicitário, qualquer que seja a mensagem
implícita, é o testemunho de uma sociedade de consumo
e conduz a uma representação da cultura a que pertence,
permitindo estabelecer uma relação pessoal com a
realidade particular.
Carvalho (2003) coloca ainda que a publicidade trabalha com
conotações culturais, icônicas, indiciais e simbólicas
18
, tanto associadas
à imagem, como ao texto, ou ainda no conjunto de imagem e texto.
18
No que Peirce (1975) classificou em sua Teoria Geral dos Signos como “Uma
Segunda Tricotomia dos Signos” houve a inserção de uma classificação significativa
dos signos, tida inclusive, como básica para o entendimento do tema; trata-se da
classificação de Ícone, Índice (ou Indicador) e Símbolo. Por Ícone entende-se o signo
que pode representar o objeto principalmente por similaridade, independentemente do
seu modo de ser. O Índice pode ser entendido como um signo fortemente associado
ao interpretante. Quando pensamos em Índice, ou seja, quando nos comunicamos por
meio de signos indicadores, levamos muito em conta nossas experiências, a forma
individual de interpretação, e tentamos nos fazer entender por meio da experiência do
outro. Ao mencionarmos o último elemento triádico - o símbolo -, verificamos que não
existe uma ligação direta e semelhança entre signo e objeto, pois é construído por
meio de convenção ou regra; em outras palavras o símbolo deve gerar sempre o
mesmo interpretante, visto que se trata de uma lei ou regularidade, e seu significado
é ampliado por meio do uso e da experiência. Tais entendimentos são necessários,
visto que essa relação triádica ainda será mencionada em outros pontos da
dissertação.
82
Neste capítulo abordaremos a forma como o texto lingüístico
harmoniza-se com a imagem e juntos adquirem sentido dialógico a
partir de interferências culturais.
2. Conotação vs. denotação na mensagem publicitária
Já foi dito por Baudrillard (2004, p. 174) que a publicidade é “pura
conotação”, empregando para isso, sistemas de signos culturais
complexos a partir de recursos de imagem visual e de texto lingüístico.
Diante disso, é oportuno esclarecer as diferenças entre denotação e
conotação no contexto de peças publicitárias, principalmente peças
publicitárias de automóveis.
De acordo com Ferreira (1975, p. 432), a palavra denotar significa
“revelar por meio de notas ou sinais; fazer notar; fazer ver; manifestar,
indicar, mostrar”, ou seja, algo diretamente ligado à explicitação. Já o
termo conotação é convencionado como
relação que se nota entre duas ou mais coisas, sentido
translato, ou subjacente, às vezes de teor subjetivo, que
uma palavra ou expressão pode apresentar
paralelamente à acepção em que é empregada.
(FERREIRA, 1975, p. 367).
Ao termo conotação é importante que associemos a Retórica, que é
definida por Barthes (1990) como o conjunto de signos conotadores.
Em outras palavras, a retórica empregada na publicidade pode ser
compreendida como a idéia que se quer transmitir a partir de uma peça
publicitária, ou um conjunto delas (neste caso, uma campanha
publicitária).
83
Diante disso podemos entender que a publicidade se valha tanto da
conotação como da denotação para construir sentido em suas peças. Ou
seja, geralmente encontramos nas peças publicitárias uma hibridização
entre conotação e denotação. Carvalho (2003), citando Péninou, explica
que quando a publicidade recorre à denotação adere aos conceitos do
objeto em si, de analogia, de informação. Com relação ao ato de
conotar, não há o predomínio da informação, e sim da subjetividade,
baseada na relação do interlocutor com suas referências culturais. Ou
seja,
passar do pólo denotativo de uma palavra para seu pólo
conotativo é, pois, passar de uma retórica lógica, apoiada
no referente, com argumentação baseada no conjunto de
provas intrínsecas ao objeto, para uma retórica
implicativa, apoiada no receptor e com argumentação
baseada nos processos de persuasão, extrínsecos ao
objeto. (CARVALHO, 2003, p. 20-21).
A denotação de uma peça publicitária de automóvel é o discurso
infigurativo, sobre o objeto em si, seus atributos físicos (quando
expostos) e suas características convencionadas. Já a conotação
privilegia a própria relação simbólica entre o interlocutor e o automóvel.
3. As estratégias lingüísticas e de imagem visual para a
construção do sentido
A mensagem publicitária, em seu objetivo de atrair a atenção do
interlocutor e conseguir dele uma atitude favorável ao consumo (seja
esse consumo material ou ideológico) percorre um caminho que pode
ser descrito em cinco etapas (DE PLAS e VERDIER apud CARVALHO,
2003, p. 14): impacto fisiológico, impacto psicológico, manutenção da
atenção, convencimento e determinação de compra.
84
Para aplicabilidade nas peças publicitárias de automóveis é possível
analisar que o impacto fisiológico é a escolha do meio, a visibilidade, a
legibilidade. Nesse sentido, as peças publicitárias do corpus selecionado
para esta pesquisa possibilitam grande impacto no sistema fisiológico,
visto que possuem grande visibilidade, pois ocupam espaço
considerável (página inteira ou página espelhada), além de serem
trabalhadas com sofisticados recursos de cores.
O impacto psicológico pode ser descrito como o efeito surpresa, o
despertar do interesse. Nesse sentido as peças publicitárias descritas no
corpus utilizam as mesmas estratégias do impacto fisiológico, pois a
utilização das cores e do tamanho da peça influi direta ou indiretamente
para o despertar do interesse.
A manutenção da atenção tem uma associação direta com a mensagem
lingüística, pois após atrair a atenção do interlocutor (por meio de
estratégias descritas no impacto fisiológico e no impacto psicológico), é
o texto que prenderá a atenção para uma leitura mais detalhada.
O convencimento tem relação com a junção da mensagem conotativa
com a mensagem denotativa, em que se cria uma retórica favorável
sobre o automóvel de determinada peça publicitária.
A determinação de compra – que neste estudo é tratada como
determinação de consumo, visto que pode ser o consumo de idéias ou
de bens – está associada diretamente ao convencimento, que constrói
sua retórica a partir de referências oriundas da cultura.
A marca, neste caso, pode ser entendida como forte influência cultural,
visto que
85
o objeto (tangível e/ou intangível) revela-se signo
diferencial graças à marca, que cristaliza os elementos
materiais e imateriais do produto ou da organização em
um todo harmônico e significante, disponibilizando-os ao
consumo. (...) Assim, o objeto é consumido, não na sua
materialidade, mas na sua diferença. (ZOZZOLI, 2005,
p. 112).
Diferença esta que é trabalhada pela publicidade como retórica
favorável para o entendimento do objeto de consumo.
A mensagem lingüística, mencionada na etapa da manutenção da
atenção, recorre a inúmeras estratégias para que a atenção com o
interlocutor seja de fato efetiva.
Dentre as estratégias utilizadas pela publicidade para a construção de
enunciado podemos citar as figuras de linguagem (de sintaxe, de
palavras e de pensamento)
19
, a atração e a persuasão pela promessa, a
interatividade com o interlocutor, o apelo à autoridade, a erotização do
objeto, entre outros.
Embora muitas dessas estratégias sejam, em um primeiro momento
aplicadas ao texto lingüístico, podem ser estendidas também ao campo
da imagem visual
20
.
19
Apesar de nem todas as figuras de linguagem serem abordadas nesse estudo, pois
priorizaremos as figuras de linguagem que aparecem nas peças publicitárias de forma
dialógica, cabe mencionar os tipos encontrados em cada caso: figuras de sintaxe
(repetição, anástrofe, elipse, zeugma, silepse, pleonasmo, polissíndeto, assíndeto,
hipérbato, anacoluto, anáfora e aliteração). Figuras de palavras (comparação,
metáfora, metonímia, catacrese, perífrase). Figuras de pensamento (antítese, ironia,
eufemismo, hipérbole, reticência, gradação, apóstrofe, prosopopéia, paradoxo).
(MESQUITA, 1999).
20
Carrascoza menciona tal possibilidade a partir dos estudos de Jacques Durand sobre
figuras retóricas oriundas das relações entre os códigos lingüísticos e visuais em
anúncios. (CARRASCOZA, 1999, p. 37).
86
Para assegurar metodologia à análise dialógica das peças publicitárias
de automóveis, levaremos em conta os elementos descritos abaixo:
- As interferências culturais manifestas nas figuras de linguagem;
- A persuasão pela promessa;
- A credibilidade pela autoridade;
- A erotização do automóvel;
- O suporte como personagem da peça publicitária;
- O diálogo entre peças publicitárias.
4. As figuras de linguagem nas peças publicitárias de automóveis
Esta parte do estudo não tem como objetivo analisar a fundo os
recursos estilísticos presentes nas peças publicitárias de automóveis,
mas sim buscar, a partir do referencial das figuras de linguagem mais
perceptíveis em nosso corpus, situações dialógicas.
A língua, por si só, já se configura como um diálogo por seus falantes.
Embora a palavra de determinada língua seja impregnada de estruturas
normativas, suas infindáveis combinações dialogam com enunciados
anteriores para a concretização do sentido. Bakhtin (2004, p. 95)
afirma que
a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de
um sentido ideológico ou vivencial. É assim que
compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas
que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou
concernentes à vida.
No caso de se analisar peças publicitárias de automóveis, a palavra
carrega ainda um sentido muito mais complexo do que aquele oriundo
87
basicamente da seqüência lingüística. Neste caso a palavra ainda traz o
sentido complementar da imagem visual, que aparece em todas as
peças de nosso corpus.
A essa necessidade de estudar a forma lingüística e o sentido do
enunciado de forma conjunta, Bakhtin (2004, p. 96) enfatiza que “a
língua, no seu uso prático, é inseparável de seu conteúdo ideológico ou
relativo à vida”. O autor ainda explica que
se concedermos um estatuto separado à forma lingüística
vazia de ideologia, só encontraremos sinais e não mais
signos da linguagem. A separação da língua de seu
conteúdo ideológico constitui um dos erros mais
grosseiros do objetivismo abstrato
21
. (BAKHTIN, 2004,
p. 96).
Do mesmo modo, parece-nos pertinente não separar o conteúdo
ideológico da forma lingüística, pois o sentido das relações dialógicas
surge da interação desses dois elementos. “O sentido da palavra é
totalmente determinado por seu contexto”. (BAKHTIN, 2004, p. 106).
5. As figuras de linguagem em uma análise dialógica
Na publicidade figuras de linguagem são utilizadas para ampliar a
expressividade das mensagens e com isso atrair a atenção do
interlocutor.
21
Dentre as proposições sobre o objetivismo abstrato, expostas por Bakhtin, podemos
colocar como caracterização básica que “as ligações lingüísticas específicas nada têm a
ver com valores ideológicos (artísticos, cognitivos ou outros). Não se encontra, na
base dos fatos lingüísticos, nenhum motor ideológico. Entre a palavra e seu sentido
não existe vínculo natural e compreensível para a consciência, nem vínculo artístico.”
(BAKHTIN, 2004, p. 82).
88
As figuras de linguagem encontradas nas peças publicitárias
selecionadas constituem elementos fundamentais para a construção de
enunciados que apresentam o automóvel com conceitos de animização
e de superdimensionamento do tempo e do espaço, além de serem
ressaltadas características como a erotização, o status de arte, o
conceito de espelho, entre outros.
5.1. Figura de palavra: Comparação
Figura 11: presença do elo gramatical “como”. A figura de palavra
estimula o dialogismo ao apresentar o automóvel ao interlocutor numa
comparação com filmes de bangue-bangue. O interlocutor, para
decodificar a mensagem, necessita fazer associação com enunciados
anteriores, neste caso, o conceito ideológico dos filmes de bangue-
bangue. O dialogismo é vislumbrado no próprio agente do enunciado,
que buscou tais referências culturais para criar a comparação, e no
interlocutor, na decodificação da mensagem lingüística e da imagem
visual (visto que a peça traz signos indiciais de um clássico faroeste,
como detalhes em madeira e a existência de um cactus no cenário em
que está inserido o automóvel).
Figura 38: presença do elo gramatical “como”. A comparação do
automóvel com a suposta sala de estar do interlocutor, faz com que
remontemos ao item 2.3 do Capítulo I, que assinala a tendência de o
automóvel representar a ocupação de um espaço particular, íntimo,
protegido. A comparação ainda sugere outras vertentes de
interpretação (que obviamente não se esgotam na análise aqui
apresentada). Além da intimidade, há também o signo da praticidade,
ou seja, mudar a configuração interna do automóvel sem mexer nos
89
bancos é tão ou mais fácil que alterar a composição de uma sala de
estar.
Há também o signo da individualidade, da personalização; pois do
mesmo modo que uma parte do lar é algo íntimo, é na mesma medida
personalizada ao gosto de seu morador, seja por meio de móveis, de
quadros, de enfeites etc. Assim funciona a personalização do automóvel
por meio de seus acessórios, muito embora seja uma mensagem
paradoxal, pois os mesmos acessórios que simbolicamente
personalizam, são fabricados em série – a mesma personalização ao
alcance de milhares de pessoas.
O signo da personalização – principalmente de forma conotada – é
recorrente nas peças publicitárias de automóveis, que utilizam tal
conceito como estratégia para maximização de valor. No entanto, é
possível notar também a idéia de personalização de maneira denotada,
até mesmo de forma imperativa (cf. Figura 43).
5.2. Figura de pensamento: Prosopopéia
A prosopopéia ou personificação consiste em atribuir a seres irracionais
ou a objetos inanimados, características de seres humanos.
(MESQUITA, 1999). Tal figura de pensamento tem seus alicerces muito
próximos do que chamamos nesta dissertação de conceito de
animização do automóvel. O conceito de animização aparece nas peças
de maneira quase sempre conotada.
Os exemplos que escolhemos para representar tal conotação
apresentam, sob o ponto de vista de figura de linguagem, algo como
90
uma “pré-prosopopéia
22
”, visto que a idéia transmitida pela junção da
imagem visual com as mensagens lingüísticas (Figura 19
: “O Gol para
você enfiar o pneu na lama” e Figura 21: “Gol. Sempre fiel a você”)
atribuem ao automóvel (objeto inanimado) um status superior à
máquina, e apesar de o cão ser irracional, a mensagem que se passa é
totalmente emocional, é como dar vida ao automóvel, com os mesmos
atributos de “amizade, lealdade e resistência” encontrados no cão.
A prosopopéia, em sua mais completa acepção, pode ser encontrada na
Figura 17, com o seguinte texto lingüístico: “Tem motor inteligente. Dá
pra ver pela carroceria que escolheu para morar”. Aqui o adjetivo
inteligente, associado ao motor, e ao ato de morar, também associado
ao motor do veículo, sugerem a idéia da personificação.
5.3. Figura de palavra: Metonímia
Podemos relacionar essa figura de linguagem com a existência de um
signo indicial no topo da cadeia de signos de determinada mensagem.
Conforme verificamos na Figura 43
, cujo texto lingüístico em destaque
é “Parecia impossível, mas deu para colocar mais aventura na Ranger”,
traz a clara substituição de um termo por outro. A palavra aventura
substitui a palavra acessórios (que é a idéia central da peça) e carrega
em si uma ampla gama de signos indiciais associados a estilo de vida, a
personalização, a vida off road.
A metonímia também pode ser encontrada na Figura 44
, cujo texto
lingüístico é “uma das poucas obras que os críticos adoram e o público
22
O propósito não é propor nenhuma nomenclatura extra para idéias associadas às
figuras de linguagem, e sim buscar termos que facilitem a explanação do conceito aqui
exposto.
91
entende”. Apesar de o texto não ser explícito ao substituir a palavra
automóvel por obra de arte (pois a peça traz apenas a palavra arte), tal
interpretante tem grande probabilidade de ser criado na mente do
interlocutor, pois o sistema de signos criados nessa peça publicitária a
partir da imagem visual que serve de fundo para o automóvel (pintura
de estilo abstracionista), e a partir de referências culturais dessa
tendência artística expressas no texto lingüístico (a dificuldade de
interpretação de uma obra de arte pelo público leigo e a facilidade por
um público especializado) explicitam a comparação entre elementos tão
díspares em suas características intrínsecas, mas que a publicidade
tornou semelhantes a partir de um discurso sugestivo, oriundo de
diálogos culturais.
5.4. Figura de pensamento: Hipérbole
A hipérbole, figura de linguagem que expressa exagero, pode ser
encontrada na Figura 4, cujo texto lingüístico é “Mitsubishi. Não é saci
nem boitatá, mas já está virando lenda no sertão”. O exagero, expresso
na palavra lenda, cria signos associativos à excelente performance que
o carro conquistou no Rally Internacional dos Sertões
23
.
A palavra lenda, além de funcionar como alicerce da figura de
linguagem, cria o signo indicial de constância, de excelência na
performance. O que é ressaltado no texto não é o fato de a Mitsubishi
ser a ganhadora do Rally Internacional dos Sertões, mas sim a
ganhadora de forma “esmagadora”. A peça publicitária ressalta que a
Mitsubishi “venceu todas as categorias e terminou a prova com 8 carros
entre os 10 primeiros colocados na classificação final da mais longa
23
Competição automobilística off road realizada no Brasil há 16 anos.
92
competição off road da América Latina”. Neste sentido a palavra lenda
traz interpretantes associados à invencibilidade, à resistência, ao
sucesso, entre outros.
5.5. Figura de palavra: Metáfora
A metáfora talvez seja a figura de linguagem mais explorada pela
publicidade, que consiste em empregar uma palavra fora do seu sentido
normal. Por expressar sempre uma imagem mental a partir da qual se
elabora uma comparação, essa figura de linguagem possibilita uma
ampla cadeia de significação a partir de interferências culturais. Nas
peças selecionadas para esta pesquisa, encontramos diversos exemplos
em que a metáfora se aplica.
Figura 2: Nesta peça a metáfora se concretiza por meio dos
interpretantes gerados a partir do texto lingüístico, em
complementaridade com a imagem visual. A partir do texto lingüístico
“Pajero Sport HPE. Você só sabe que está indo para frente quando deixa
um obstáculo para trás” é possível apontar duas vertentes possíveis de
interpretação, embora a cadeia de signos da peça abra espaço para
outras interpretações. A primeira é a associação do texto lingüístico à
imagem visual (várias lombadas na pista por onde o automóvel acabou
de passar). A segunda vertente – e a geradora de sentido para a peça
publicitária – é o diálogo do texto lingüístico já descrito com os demais
textos lingüísticos da peça, que analogicamente representam obstáculos
de vida, obstáculos inclusive extremamente atraentes, positivos,
formando signos de ligação conotada
24
com o automóvel.
24
Chamamos de signos de ligação conotada aqueles signos que dentro do “todo
enunciativo” da peça publicitária possuem uma forte associação, uma certa
interdependência, para juntos transmitirem a idéia central da peça publicitária.
93
Figura 9
: A peça traz o seguinte texto lingüístico em destaque “Se você
vir uma luz no fim do túnel, é a nossa porta do outro lado”. Ao contrário
do exemplo anterior, a imagem visual não auxilia o texto lingüístico
para que o interlocutor faça a decodificação. A única informação
fornecida pela imagem visual é a representação física do automóvel
objeto da publicidade. O slogan do automóvel, presente em outras
peças da mesma campanha (“Compacto para quem vê. Gigante para
quem entra”)
25
possibilita uma provável interpretação da mensagem a
partir da seguinte metáfora: o interior do túnel, do qual se avista uma
luz, seria possivelmente o interior do automóvel, mais precisamente o
espaço entre as duas portas. A palavra gigante – usada no slogan –
ganha sentido a partir do diálogo com o texto em destaque e vice-
versa.
Figura 15
: O texto em destaque traz a seguinte mensagem para o
interlocutor “Curioso esse Fiesta Sedan: não importa de que ângulo
você vê, ele está sempre a 180º dos outros sedans”. Embora a imagem
visual traga signos indiciais para a decodificação – como, por exemplo,
o carro estar envolto por círculos, que geometricamente representariam
360º - a decodificação supostamente
26
completa só viria se o
interlocutor fosse capaz de inserir o automóvel no campo geométrico de
180º. Ou seja, para uma interpretação mais provável, ele teria que
buscar referências em enunciados anteriores, aqui caracterizados como
o sistema de signos oriundos da geometria (cf. Quadro 3
).
25
O slogan descrito também se configura como uma hipérbole, visto que o
gigantismo serve para ressaltar, de maneira ampla, as características do automóvel.
Configura-se também como antítese, pois as palavras compacto e gigantismo formam
dois extremos de interpretação.
26
Embora determinados interpretantes já sejam sugeridos ao interlocutor pela
publicidade, sabe-se que o processo de formação dos signos é feito na mente de cada
indivíduo, a partir de suas diversas bagagens culturais, e, portanto, com
decodificações diversas.
94
Ou seja, o termo 180º não foi utilizado em seu sentido normal, pois
uma das interpretações possíveis, de acordo com o quadro, foi a
substituição da palavra “acima” por “180
o
”. O texto da peça poderia ser
substituído por “Curioso esse Fiesta Sedan: não importa de que ângulo
você vê, ele está sempre acima dos outros sedans”. A palavra ângulo
também é um signo-chave para a decodificação da mensagem, pois
além de remeter à geometria (estratégia de persuasão usada na peça),
ressalta a idéia de se ver o carro por trás, pois sugere que a traseira do
veículo seja o grande destaque do novo modelo.
Novo
Outros Sedans
Novo FordFiesta Sedan
180º
Quadro 3 – A decodificação mental para o entendimento da metáfora
6. A animização e o superdimensionamento do tempo e do
espaço transformados em promessa
A conotação de promessa também pode ser encontrada com certa
recorrência nas peças publicitárias de automóveis selecionadas. A
promessa pode ser caracterizada como a estratégia macro da
persuasão. Afinal, como convencer sobre ou atrair para algo novo, ou
ainda não experimentado? A promessa é o signo da garantia, da
95
atribuição de valor de modo convincente. O que é ofertado pela
publicidade não é o automóvel em si, mas as promessas de felicidade
27
que vem “no pacote”.
Possuir objetos passa a ser sinônimo de alcançar a
felicidade: os artefatos e produtos proporcionam a
salvação do homem, representam bem-estar e êxito.
Sem a auréola que a publicidade lhes confere, seriam
apenas bens de consumo, mas mitificados,
personalizados, adquirem atributos da condição humana.
(CARVALHO, 2003, p.13)
A idéia de promessa pode ser vislumbrada nos seguintes exemplos:
Figura 12: Texto lingüístico: “Imagine o que você pode esperar de um
carro cujo símbolo são três diamantes”. Apesar de a promessa
embutida na mensagem estar conotada (pois nenhum benefício foi de
fato oferecido), a promessa dá-se de forma sugestiva, elegante. A
comparação mental que o interlocutor é convidado a fazer entre o
automóvel e o diamante, remete o primeiro ao status de jóia. A
retórica, travestida de promessa vale-se aqui da eternidade simbólica,
excelente qualidade, força (pois o diamante é o mineral mais resistente
dentre todas as pedras preciosas).
Figura 23
: Texto lingüístico: “Dirigir é só um verbo, até você entrar
nele”. A promessa, em um primeiro momento implícita, transforma-se
em denotação à medida que o interlocutor lê o texto com menor
destaque
28
. Nele as promessas dos atributos tangíveis do automóvel
são apresentadas de forma explícita. No entanto, a promessa vai mais
além. A última frase do texto, com menor destaque, não promete a
27
Conforme descrito no Capítulo I, item 5.1.
28
“Um dia você descobre que merece mais. Mais prazer, mais conforto, mais
segurança. É o dia em que você conhece o novo Honda Civic 2005. Impossível não
desejar o design esportivo, a tecnologia de ponta em cada detalhe e a dirigibilidade
superior. (...) Dê um upgrade na sua vida”.
96
melhoria das condições de dirigibilidade, conforto etc, sugere uma
melhoria no próprio modo de se viver, o que temos aqui é uma previsão
do futuro. Ressalta-se o poder cultural exercido pelo automóvel.
Fig.25: Texto lingüístico: “Seja apresentado a peixes que você só
conhecia no sushi. Novo Ford Ecosport. Agora com tração nas 4 rodas.”
Neste exemplo é possível visualizar a promessa ao interlocutor por meio
da mensagem denotativa que se forma a partir da junção de imagem
visual e texto lingüístico. O sushi sugere a idéia de que a tração nas
quatro rodas possibilitaria o acesso a lugares até então inacessíveis. O
sentido do enunciado fica completo a partir da imagem visual, em que
se vê, explicitamente, um carro quase ‘aquático’, literalmente entrando
no mar, formando signos indiciais de grande resistência em terrenos
com água.
O mesmo sentido de promessa pode ser observado nas Figuras. 34 e
42, cujo texto lingüístico é “Inaugure atalhos”. Prevalece a idéia de
desbravamento, de possibilidades nunca antes pensadas.
Figuras 27, 39 e 41
: Texto lingüístico: “Novo Corolla Fielder. Dias mais
bonitos”. A mensagem, totalmente conotada – afinal o texto em
destaque não faz nenhuma referência direta ao veículo – traz a
promessa de uma nova vida. A interpretação é feita a partir das
referências culturais do interlocutor, que, de forma individual, buscaria
a representação para ‘dias mais bonitos’, sugestionado, em parte, pelas
imagens visuais apresentadas.
Figura 46
: Texto lingüístico: “Novo Clio Hi-Flex. Álcool, gasolina e
adrenalina”. Nesta peça não há complementaridade entre imagem
visual e texto lingüístico para a geração de sentido. A imagem visual
remete unicamente ao automóvel objeto da publicidade, em cenário
97
aparentemente neutro. O texto impresso exprime muito mais do que a
idéia do diferencial do novo modelo – ser bicombustível. A última frase,
com apenas três palavras, representa uma promessa ousada: as
possibilidades de combustível para o automóvel (álcool e gasolina) e a
possibilidade de combustível para o interlocutor (adrenalina). Além da
estratégia publicitária da rima, há a promessa de experiências intensas,
cuja tendência de interpretação é sutilmente sugerida pelo agente
enunciativo por meio da frase “O bicombustível mais potente da
categoria”. Fica a conotação de adrenalina pela promessa de
velocidade.
7. A interatividade como elemento de atração
A interatividade é um recurso usado pela publicidade no intuito de
agregar à peça publicitária impressa mais elementos de retenção por
parte do interlocutor. De acordo com Carrascoza os anúncios interativos
são anúncios criados com a finalidade de levar o leitor a
interagir com o suporte, obrigando-o não apenas a ler,
mas a ter algum tipo de ação para compreender toda a
comunicação. A mensagem não está totalmente ao seu
dispor, ele terá de descobri-la, embora a descoberta não
resulte nunca em uma interpretação plural.
(CARRASCOZA, 1999, p. 166).
Embora o autor tenha caracterizado os anúncios interativos como
discursos incompletos e estrategicamente trabalhados para persuadir o
interlocutor, entendemos que no contexto das peças publicitárias de
automóveis selecionadas a interatividade dá-se também de outra
maneira.
98
Podemos, de maneira complementar, caracterizar os anúncios
interativos como retentores de atenção e não necessariamente
geradores de persuasão, pois nos dois exemplos de anúncios interativos
que veremos a seguir, os elementos de interação não oferecem
nenhuma complementaridade de interpretação. Ou seja, o interlocutor
não precisa exercer de fato nenhuma ação para que o discurso fique
completo; se ele o faz é por outros motivos. Nos dois exemplos há uma
interatividade despreocupada, divertida, com o intuito de inserir o
interlocutor pelo maior tempo possível no universo daquela peça
publicitária.
7.1. Exemplos de anúncios interativos
Figura 1: É fixada sobre a peça publicitária uma tarjeta contendo um
laminado sensível ao calor e o seguinte texto lingüístico: “Coloque o
dedo sobre o quadrado por 10 segundos e descubra que tipo de
motorista você é. (preto): arrojado, (vermelho): apressado, (verde):
moderado, (azul): roda-presa”. A tarjeta dialoga com o texto em
destaque “O câmbio que se adapta à maneira de cada motorista dirigir”.
Há uma explícita complementaridade entre o elemento de interação e o
texto lingüístico. No entanto, o interlocutor já recebe o discurso
completo, independente de interagir ou não com a peça.
Figura 26: A peça ressalta vários diferenciais do automóvel, sendo que
o elemento de interação (várias linhas em branco) dá destaque para um
desses diferenciais – a cabine estendida –, tendo o texto lingüístico
como essencial para a geração de sentido: “Escreva o que quiser. Com
certeza, tudo o que você imaginar vai caber na cabine estendida”.
99
Neste exemplo, como no exemplo anterior, o interlocutor já recebe o
discurso completo. A própria característica de interação do anúncio
sugere que não haja nenhuma ação efetiva, e sim uma ação mental, no
sentido de completar as linhas em branco com os próprios desejos do
interlocutor para a ocupação da cabine estendida.
8. O apelo à autoridade
Os anúncios de apelo à autoridade podem ser caracterizados como
aqueles que buscam atestar, provar as qualidades e os atributos do
automóvel. De acordo com Carrascoza (1999, p. 43), o apelo à
autoridade dá-se pela “utilização de citações de especialistas que dão
seu testemunho favorável, validando assim o que está sendo afirmado”.
A Figura 4, já mencionada no item 5.4, traz como especialista não um
indivíduo, mas sim o próprio evento Rally Internacional dos Sertões,
cujo resultado configura-se como testemunho favorável ao automóvel
objeto da publicidade.
A Figura 16 apresenta o elemento de autoridade como uma série de
recortes de revistas e jornais atestando a qualidade do veículo. O texto
lingüístico em destaque ressalta os testemunhos: “Peugeot 307. Você já
escolheu. E os especialistas também”.
Os anúncios que utilizam o apelo à autoridade, geralmente configuram-
se como mensagens tipicamente denotadas, em que o testemunho
aparece de forma explícita.
100
9. A mensagem erotizante
Conforme visto no Capítulo I, o automóvel guarda características que o
fazem um objeto erotizante. Essa erotização do automóvel está
presente em quase todas as peças publicitárias de forma implícita,
extremamente sutil, sendo a erotização travestida de força, velocidade,
design etc. No entanto, as Figuras 14 e 24 mostram um automóvel
claramente erotizante. A mensagem é quase explícita e dirigida ao
interlocutor masculino.
Texto lingüístico Figura 14: “Se ela acha que tamanho não é
importante, mostre por fora. Se ela acha que é importante, mostre por
dentro”.
Texto lingüístico Figura 24: “Você vai adorar o banco traseiro com
ajuste de distância: ele vai pra frente e pra trás, pra frente e pra trás,
pra frente e pra trás”.
O texto da Figura 14, cuja peça publicitária foi veiculada dois meses
antes da peça constante na Figura 24
, adquire ainda maior caráter
erotizante quando o interlocutor tem acesso à segunda. O diálogo entre
enunciados é nesse exemplo imprescindível para a geração do sentido
de erotização do automóvel.
A explicitação da mensagem pode ser justificada pela revista que serviu
de suporte: Playboy, de forte conotação sexual, cujas matérias são de
interesse prioritariamente masculinos.
101
10. O suporte como ponte dialógica
Dentre as peças publicitárias analisadas, a recorrência de um discurso
direto, dirigido ao interlocutor sem intermediários, é grande. Com isso,
a publicidade busca diminuir o espaço com o interlocutor e impor, de
forma conotada, valores, conceitos, marcas etc. Essa linguagem
envolvente, que busca intimidade com o interlocutor, foi descrita por
Carvalho da seguinte maneira:
Toda a estrutura publicitária sustenta uma argumentação
icônico-lingüística que leva o consumidor a convencer-se
consciente ou inconscientemente. Tem a forma de
diálogo, mas produz uma relação assimétrica, na qual o
emissor, embora use o imperativo, transmite uma
expressão alheia a si própria. O verdadeiro emissor
permanece ausente do circuito da fala; o receptor,
contudo, é atingido pela atenção desse emissor em
relação ao objeto. (CARVALHO, 2003, p. 13).
Dentre os inúmeros elementos de estratégia que a publicidade usa para
atrair a atenção do interlocutor e fixar conceitos, observam-se diálogos
das peças publicitárias com o próprio suporte, no caso desta pesquisa,
com as revistas impressas: Playboy e Quatro Rodas. Recurso que
hibridiza a mensagem ao interlocutor, com discurso sígnico do objeto e
também do suporte. Os caminhos dessa mensagem podem ser
observados no Quadro 4
:
102
Mensagem publicitária sem Mensagem publicitária com
diálogo com o suporte diálogo com o suporte
Agente da enunciação publicitária Agente da enunciação publicitária
Objeto da publicidade Objeto da publicidade / suporte
Mensagem valorativa Mensagem valorativa
Interlocutor Interlocutor
Quadro 4 – Os caminhos da mensagem com referência ao suporte
Tal recurso dialógico pode ser observado nos seguintes exemplos:
Figuras 6 e 30
29
: As duas peças publicitárias de uma mesma campanha
apresentam o mesmo tipo de diálogo com o suporte. A revista, nos dois
casos, aparece como uma personagem da própria situação criada no
anúncio. Texto lingüístico Figura 6: “Quem colocou a dobra da revista
no meu carro?”. Texto lingüístico Figura 30: “Ufa. O meio da revista
quase pegou o meu carro”. O interlocutor, buscando por referências
culturais – fenômeno que Bakhtin (2003) caracteriza como dialogismo
por meio da busca de enunciados anteriores – decodifica a mensagem
tendo no topo da cadeia de signos a idéia do ciúme, do cuidado, do
apego, já culturalmente assimilada pelo interlocutor.
Figura 8: Texto lingüístico: “Poucas coisas no mundo oferecem tanto
prazer para merecer virar pôster desta revista”. A peça publicitária em
questão representa um exemplo da multiplicidade de signos geradores
de sentido. Seguem características importantes:
29
As duas peças publicitárias serão novamente analisadas no Capítulo IV, quando do
diálogo entre linguagens publicitárias (impressa e televisiva).
103
a) O texto lingüístico, único personagem da primeira página do
anúncio propõe ao interlocutor uma busca em suas referências
culturais para a decodificação da mensagem. É preciso recorrer à
própria cultura da revista, seu conteúdo sexual e sua tradição de
trazer pôsteres encartados em todas as edições.
b) O anúncio tem caráter interativo, no sentido do que Carrascoza
(1999) assinalou como discurso incompleto. O interlocutor só
decodifica a mensagem com a efetivação da ação de abrir o
encarte e visualizar o pôster. Ou seja, o interpretante gerado a
partir apenas do texto lingüístico da primeira página,
possivelmente será diferente daquele gerado quando o
interlocutor visualizar o automóvel no pôster, e não a exposição
da nudez feminina.
c) De maneira explícita a mensagem publicitária agrega status de
erotização ao automóvel, por meio do texto lingüístico. Primeiro
porque apresenta o automóvel como fonte de prazer, segundo
porque a opção por colocar a peça em formato de pôster
possibilita interpretação de substituição mulher-carro. O
automóvel, neste caso, é apresentado ao interlocutor
(possivelmente masculino) como um objeto-mulher, conforme
exposto por Baudrillard (2004) e abordado no Capítulo I desta
dissertação.
11. O diálogo entre peças
Do mesmo modo que uma determinada peça publicitária recorre a
enunciados anteriores para a geração de sentido por parte do
interlocutor, o conjunto de peças publicitárias com uma mesma idéia
104
central e com o mesmo objeto (campanha) também recorre à ação
dialógica.
Em outras palavras, as peças publicitárias – desde que pertencentes
a uma mesma campanha
30
– recorrem umas às outras para a
geração de sentido. O interlocutor é capaz de decodificar uma
determinada peça publicitária a partir de suas referências culturais,
no entanto, quando esse mesmo interlocutor tem acesso a uma
segunda peça publicitária relacionada à primeira, no que tange ao
objeto e à ideologia central, ele gera determinada interpretação com
base nas relações dialógicas propostas pela publicidade entre os dois
anúncios.
Vejamos algumas peças selecionadas para a exemplificação desta
característica:
Figura 8: veiculação – Agosto/2004 (Playboy)
Figura 32: veiculação – Setembro/2004 (Quatro Rodas)
Figura 18: veiculação – Outubro/2004 (Playboy)
11.1. Características comuns
Ao analisarmos as peças separadamente, é possível constatar as
seguintes características:
30
Cabe ressaltar que essa possibilidade dialógica não exclui as inúmeras outras
possibilidades utilizadas pela publicidade, como por exemplo, o diálogo entre peças
publicitárias de produtos concorrentes. Para ressaltar os atributos de determinado
produto, muitas vezes a peça publicitária insere em seu discurso, de forma implícita, o
produto concorrente, geralmente no sentido pejorativo ou irônico. Neste caso, a
publicidade gera necessidades de diálogos que podem estar inseridos em campanhas
de outros produtos.
105
as três peças abordam o veículo Stilo Connect, tendo como
destaque em todas elas o fato de ser o único modelo que faz
ligações usando apenas o comando de voz;
as três peças trabalham o automóvel com a mesma visualidade
(uma única imagem visual do automóvel é utilizada nas três
peças);
os enunciados das peças publicitárias constantes nas Figuras 8
e 32 são explicitamente dirigidas ao interlocutor masculino,
enquanto o enunciado da Figura 18 não direciona, de maneira
explícita, para determinado gênero de interlocutor.
11.2. Dialogismo pelas referências interiores ao enunciado
conjunto – campanha
Ao analisar as peças de forma conjunta, é possível constatar as
seguintes relações dialógicas:
11.2.1. Cronologia dialógica
A primeira peça (cf. Figura 8) a ser veiculada é explicitamente dirigida
ao interlocutor masculino, pois como já mencionado no item 10 deste
Capítulo, o veículo é travestido de mulher à medida que substitui o
espaço de um nu feminino em uma revista masculina.
Após um mês, a Campanha veicula sua segunda peça (cf. Figura 32).
Novamente o direcionamento ao interlocutor masculino fica explícito
106
devido aos diálogos travados pelo motorista do carro
31
, que remete a
uma suposta interpretação de conquista, e mais do que isso, a sucesso
com as mulheres. Apesar de ter características claras de diálogo, só se
“ouve” uma única voz – a do motorista – mas é o suficiente para que a
peça adquira sentido.
A relação dialógica entre as peças pode ser visualizada na Figura 18
,
veiculada após um mês da veiculação da segunda peça e na mesma
revista da primeira. Para o interlocutor que só tem acesso a esse
anúncio, o gênero masculino não fica tão evidente, apesar de as
construções dos diálogos indicarem, culturalmente, comportamentos
masculinos.
Tal evidência só se torna concreta quando o interlocutor tem a
possibilidade de entrar em contato com os enunciados anteriores
daquela peça (os anúncios já veiculados da campanha) e trazer para a
construção de sua interpretação os signos das duas outras peças.
11.2.2. O diálogo do erótico
O segundo exemplo do diálogo entre as peças envolve anúncios já
analisados no item 9 deste Capítulo. Trata-se da criação de sentido
crescente de erotização do automóvel Fox. Abaixo, as peças
selecionadas:
Figura 31 – Agosto/2004 (Quatro Rodas)
Figura 9 – Agosto/2004 (Playboy)
31
As composições frasais são: “E aí, Paula? Que bom que você ligou”, “Alô, quem é?
Tudo bom, Flávia”, “Cinthia? Como eu não ia lembrar de você?”, “Gisele? Eu ia te ligar
hoje”.
107
Figura 14
– Setembro/2004 (Playboy)
Figura 24
– Dezembro/2004 (Playboy)
Nesta campanha é possível constatar que a relação dialógica para a
construção do sentido erótico do automóvel teve como estratégia a
disposição cronológica das peças. Ou seja:
- as duas primeiras peças a serem veiculadas não direcionam a uma
interpretação relacionada à erotização do automóvel. A idéia central
gira em torno do espaço interno do veículo, apresentado pela seguinte
metáfora: “Se você vir uma luz no fim do túnel, é a nossa porta do
outro lado”.
- a terceira peça veiculada funciona como “ponte dialógica” entre o
espaço interno do veículo (abordado nas peças anteriores) e a
erotização (que ainda seria apresentada na próxima peça);
- a última peça a ser veiculada aborda de maneira mais subjetiva a
questão do espaço interno e ressalta o conceito de erotização. O espaço
interno é mencionado indiretamente por meio do ajuste do banco
traseiro, ficando a erotização mais explícita, ambos os sentidos são
construídos a partir de leitura dialógica com as peças anteriores.
Pelas leituras dos enunciados anteriores, verificou-se que a publicidade
insere o automóvel em um contexto sexual de forma fragmentada e
crescente, cujo ápice só é percebido por aquele interlocutor que acessa
a campanha publicitária em sua pluralidade, sendo sensível às vozes
que se formam dentro e fora de cada peça publicitária.
É importante ressaltar que as campanhas aqui analisadas representam
uma certa parcialidade, pois muitas outras peças, em diferentes
108
revistas, ou mesmo em outros suportes, podem não ter sido
contempladas nesta análise devido a questões metodológicas. No
entanto, entendemos que como nosso corpus abrange um período
considerável de tempo (seis meses), nos dá subsídios para que
diagnostiquemos as relações dialógicas presentes na campanha, mesmo
que parcial, sabendo que possam existir muitas outras relações
dialógicas nas campanhas em suas totalidades.
É possível ver que, no âmbito da publicidade, o dialogismo pode ser
analisado de diversas maneiras, seja por meio de figuras de linguagem,
de estratégias de persuasão e de atração ou ainda para a fixação de
conceitos. Em todas essas situações os enunciados publicitários
necessitam de referências culturais, interagindo e recorrendo a diálogos
anteriores. No Capítulo IV abordaremos as relações dialógicas
presentes em duas diferentes linguagens publicitárias: impressa e
televisiva.
109
CAPÍTULO IV
CONFLUÊNCIAS DIALÓGICAS: A PUBLICIDADE EM
DIFERENTES GÊNEROS
1. Apresentação do corpus para análise específica
A proposta deste capítulo é buscar pontos de dialogismo entre
publicidade televisiva e publicidade impressa, a partir da análise de
duas peças publicitárias televisivas e de outras duas impressas, todas
sobre o veículo Ford Fiesta.
As peças publicitárias impressas contidas nesse estudo foram extraídas
do corpus definido para esta dissertação, que conta com 47 anúncios
publicitários sobre automóveis. As peças publicitárias televisivas foram
escolhidas a partir dos anúncios impressos selecionados, visto que
representam o mesmo objeto: o veículo Ford Fiesta, e fazem parte de
uma mesma campanha publicitária, veiculada no segundo semestre de
2004.
2. Televisão: a grande mídia
Quando pensamos em transformação cultural, disseminação de
tendências e outros infindáveis fenômenos transformadores da
sociedade, pensamos, inevitavelmente, na televisão.
110
É claro que outras formas midiáticas, antigas e recentes – como o rádio
e a internet – representaram e representam fortes influências na forma
de se pensar o mundo e de se criar maneiras de comunicação. Mas
nenhum meio de comunicação alcançou tanto poder de interação
quanto a televisão, com as suas diversas mídias aglutinadas.
É importante, que de partida, definamos o termo mídias aqui
empregado. Embora a palavra mídia tenha significado já pluralizado da
palavra media, seguiremos o que foi colocado por Irene Machado
(2003a, p. 25), afirmando que
media diz respeito aos veículos desenvolvidos pelas
tecnologias de informação e pelas máquinas semióticas;
mídias são uma possibilidade inédita de aglutinar tudo:
processos, veículos, transformações, enfim, mediações.
Essa interpretação vem ao encontro do propósito desse trabalho:
pensar a televisão como agente transformador da sociedade, que faz
releituras da cultura e as transforma em material midiático, muitas
vezes incorporando outros meios, como rádio, revista e internet.
Seguindo esse raciocínio, acreditamos que a dinâmica da televisão não
se baseia simplesmente no conceito de emissor e de receptor de uma
determinada mensagem, e sim que as mensagens televisivas, que
chamamos aqui de material midiático, podem gerar diferentes
significados a partir da leitura de diferentes culturas. Mesmo que esses
materiais midiáticos possam parecer idênticos, ao interagirem com
diferentes culturas, adquirem possibilidade de significados diversos, tal
como foi exposto por Roger Silverstone (2002, p. 204) em seu estudo
sobre as mídias.
111
O poder transformador da televisão a que nos referimos anteriormente
pode ser melhor compreendido a partir do que foi exposto por Sodré
(2003, p. 35), afirmando que a televisão incorpora
técnicas de reprodução desenvolvidas na modernidade,
mas também todo o ethos moderno de organização da
vida social em termos de simultaneidade e de novidade,
ela invade, com projetos de absorção, o campo
existencial do espectador, oferecendo-lhe um espaço e
um tempo simulados.
É exatamente dentro desse ambiente de criação de cenários, de
simulações de realidades produzidas para a televisão que a publicidade
encontra forte abrigo.
3. Publicidade televisiva: nova forma de se ver a dinâmica
seqüencial da televisão
Já foi colocado, na Introdução desta dissertação, que a publicidade age
tornando algo público com o intuito de gerar uma motivação de
consumo, que pode ser tanto como um desejo como uma ação efetiva.
Seja qual for o fim da ação da publicidade, ela não age sem
interferência da cultura, principalmente quando falamos de grandes
mídias, como a televisão.
A publicidade feita por meio de anúncios publicitários é muito mais
antiga do que a televisão, a qual teve a sua implantação no Brasil na
década de 1950. O que se entende por publicidade historicamente
remonta ao começo do Século XVII, com o surgimento de uma classe
média relativamente grande na Grã-Bretanha. Tais anúncios eram feitos
em jornais e revistas. No final do Século XIX, a publicidade, por meio da
propaganda, conseguiu maior propagação, principalmente por conta do
112
avanço da tecnologia na criação e na disseminação de novas mídias
(VESTERGAARD E SCHRODER, 2000).
A inserção da publicidade na mídia televisiva foi gradual,
acompanhando o próprio desenvolvimento e amadurecimento da
televisão. Em 1974, Raymond Williams criou a noção de fluxo
32
para
explicar a dinâmica seqüencial da televisão, que pode ser interpretado
como um forte indício desse amadurecimento. Com o surgimento dos
anúncios publicitários televisivos, houve a necessidade de se
ressemantizar o que antes era conhecido como seqüência de
programação. Williams ainda atribuiu um aspecto negativo ao
surgimento desse fluxo, que segundo ele se tratava de
fluxo irresponsável e de sentimentos e imagens que
atravessavam a exibição de um filme na televisão, com
trechos da narrativa se fundindo com comerciais e
pedaços de filmes anunciados nos intervalos, num
processo confuso e ilógico. (WILLIAM apud RAMOS, 1995,
p. 69).
Por outro lado, Arlindo Machado nos apresenta uma argumentação
positiva acerca das inserções publicitárias televisivas, ressaltando que
o break – 'intervalo comercial' – não é apenas uma
formatação de natureza econômica, imposta pelas
necessidades de financiamento na televisão comercial;
ela tem função organizativa mais precisa, que é garantir,
de um lado, um momento de 'respiração' para absorver a
dispersão (ninguém suportaria, por exemplo duas horas
de debate na televisão sem intervalos), e de outro,
explorar 'ganchos' de tensão que possam despertar o
interesse da audiência, conforme o modelo do corte com
suspense explorado na técnica do folhetim.
(MACHADO, A., 1997, p. 199).
32
O autor concedeu sentido de "experiência de ver TV", mudando o conceito de
seqüência como programação para o conceito de seqüência como fluxo.
113
Hoje não é mais possível pensar a lógica seqüencial da televisão sem a
existência das inserções publicitárias. Muitos programas televisivos
"amarram" suas tramas à existência dos comerciais, que acabam sendo
utilizados como estratégia na criação de expectativa. Na exibição de
filmes, muitas emissoras além de inserirem comerciais a cada 20
minutos em média, inserem pequenas chamadas publicitárias ou
mesmo logomarcas na própria tela de exibição do filme. Mas é preciso
esclarecer que essa prática não pode ser estendida à televisão de um
modo geral. Na TV paga é possível assistir a filmes sem interrupções, o
que significa, geralmente, duas horas sem qualquer tipo de inserção
publicitária.
4. As direções midiáticas da publicidade no Brasil
Hoje algumas tendências apontam para uma publicidade mais
segmentada, buscando menores custos e com público mais focado. No
entanto, a televisão continua sendo a responsável pela maior parte dos
investimentos em mídia (cf. Gráfico 2). Algumas vantagens são
responsáveis por esse alto índice, conforme descrito no Anuário Mídia
Dados 2005 (2005), como entretenimento proporcionado por essa
mídia; cobertura diversificada
nacional, regional ou local; a atração do
espectador pelo impacto dos efeitos de cor, som e movimento; o fato
de atingir todos os públicos, independentemente da faixa etária, classe
social ou grau de instrução.
114
Investimentos publicitários no Brasil
TV - 61%
Jornal - 17,1%
Revista - 8,6%
Rádio - 4,4%
Mídia Exterior - 5,%
TV Assinatura - 2,2%
Internet - 1,7%
Gráfico 2 – Investimentos publicitários no Brasil
Fonte: Mídia Dados (2005, p. 62).
O que provavelmente contribui para a veiculação de anúncios em outras
mídias são as desvantagens associadas à televisão, como descreve
Lupetti (2003, p. 128), pois a televisão não é seletiva; o custo é
elevado e geralmente de difícil negociação; não é adequada para
produtos seletos; o advento do controle remoto facilitou a fuga dos
comerciais; e assim como no rádio, a mensagem não pode ser revista.
5. A linguagem do anúncio publicitário televisivo
A publicidade quando faz uso de propaganda (anúncios publicitários)
passa por verdadeiras metamorfoses para se adequar às diferentes
mídias, pois é evidente que por mais que um determinado anúncio
contenha características comuns, que aparecerão em peças de toda a
campanha; cada peça traz consigo linguagens próprias dos meios de
veiculação que servirão como suporte.
A televisão tem o privilégio de apresentar as linguagens verbal e não-
verbal de forma animada, ou seja, com imagens em movimento, que
podem chegar a uma hibridização complexa (verbal-oral, verbal-escrita,
visual-movimento, visual-estática). A dinâmica da linguagem do
115
anúncio publicitário televisivo exige muito mais atividade cerebral do
que outras, como por exemplo a revista, que utiliza uma linguagem
híbrida mais simplificada (verbal-escrita e visual-estática).
Ao utilizarmos o termo linguagem, referimo-nos "às formas visuais que
são produzidas pelo ser humano e por isso mesmo organizadas como
linguagem. Trata-se de signos que se propõem representar algo do
mundo visível". (Santaella, 2001a, p. 186). Tanto é que no contexto da
semiótica, Santaella (2001a) menciona que os termos “linguagem”,
“representação” e “signo” têm sido tratados de forma equivalente.
É importante salientar que as matrizes da linguagem e do pensamento
(sonora-visual-verbal) não podem ser analisadas separadamente, pois
diante de nosso objeto de estudo, peças publicitárias televisivas, é mais
sensato que utilizemos a linguagem híbrida, pois analisaremos o todo-
enunciativo.
Como a televisão pode ser caracterizada como uma linguagem híbrida,
torna-se necessário classificá-la como uma linguagem visual-sonora,
pois
o conteúdo das imagens no vídeo, cinema e televisão é
sempre tão impositivo na sua figuratividade e registro de
coisas e situações também visíveis fora da imagem que o
aspecto meramente rítmico, temporal das imagens passa
despercebido. (SANTAELLA, 2001a, p. 383).
Em outro ponto Santaella (2001a, p. 386-387) defende a linguagem
verbal existente na televisão, enfatizando que há o
caráter discursivo, verbal, na medida em que são
necessariamente narrativos ou descritivos. Isso quer
dizer que, subjacente ao que costuma ser chamado de
audiovisual, há uma camada de discursividade que
116
sustenta o argumento daquilo que aparece em forma de
som e imagem.
É exatamente essa linguagem híbrida que dá à televisão o grande poder
de envolver e de transportar o espectador para realidades simuladas.
6. Peças publicitárias impressas: características básicas de
linguagem
Como também serão utilizadas neste estudo peças publicitárias
impressas para um estudo dialógico com as peças publicitárias
televisivas, é importante citar que as primeiras são classificadas como
visuais-verbais, conforme enfatiza Santaella (2001a, p. 384):
visual-verbal é a publicidade impressa nos cruzamentos que
estabelece entre imagem, palavra, diagramação de ambos
na página e dos partidos que tira desses cruzamentos,
através de jogos semióticos muito engenhosos.
Também possuidora de uma linguagem híbrida, a revista impressa
possui a grande vantagem de ser a maior dentre as mídias na questão
de permanência entre os consumidores, possuindo um efeito de
comunicação prolongado, apesar de não estar no topo dos
investimentos de publicidade no Brasil, como foi descrito no Gráfico 1 e
Tabela 1. Outros pontos que devem ser considerados são a seleção
mais apurada do público-alvo e o fato de a publicidade contida nesse
tipo de mídia poder ser vista e revista pelo interlocutor, no caso, o
leitor.
117
6.1. Características básicas de descrição
Peça 1 - Revista Quatro
Rodas - agosto de 2004
Homem
j
ovem com roupas
despo
j
adas ao lado do
automóvel Ford Fiesta em
um "não-cenário", em tom
azul vibrante. Anúncio de
página espelhada
.
Figura 1 –Peça 1
Peça 2 - Revista Playboy -
agosto de 2004
Mulher
j
ovem com roupas
despo
j
adas ao lado do
automóvel Ford Fiesta
em
um "não-cenário", em tom
verde vibrante. Anúncio de
página espelhada.
Figura 2 – Peça 2
Optamos pela denominação "não-cenário" diante da carga de
informação contida na visualidade limpa desses anúncios. Não
poderíamos chamar de 'cenário descontextualizado', pois há fortes
sentidos associados ao vazio, tornando-o completamente
contextualizado. Não poderíamos também chamá-lo de 'objeto sem
entorno', pois cairíamos no erro de pensar que o entorno só pode ser
compreendido se for materializado na imagem. Tanto assim, optamos
pelo termo "não-cenário", situação em que os personagens automóvel
118
e indivíduo
são ressaltados, não no anúncio publicitário, e sim em seu
próprio suporte: a revista impressa.
6.2. Peças publicitárias impressas: caminhos interpretativos
O que é ressaltado de imediato nas duas peças é o forte contraste de
cores entre os personagens e o não-cenário. Dondis (1997, p. 108)
expressa que
no processo de articulação visual, o contraste é uma
força vital para a criação de um todo coerente. Em todas
as artes, o contraste é um poderoso instrumento de
expressão, o meio para intensificar o significado, e
portanto, simplificar a comunicação.
Desse modo, fica evidente nas peças o objetivo primeiro diante do
interlocutor: chamar a atenção, chocar, instigar para uma outra
percepção. As peças apresentadas não pretendem transportar o
interlocutor para a realidade simulada constantemente visualizada nas
peças publicitárias de automóveis. Ao contrário, elas entram no campo
ficcional da revista, não a entendendo meramente como suporte, que
ampara cenários idealizados, e sim como personagem da ação e agente
de dialogismo entre as duas peças.
Essa percepção pode ser melhor compreendida ao fragmentarmos
detalhes das peças para possibilitarmos alguns pontos de análise.
Comecemos pelos automóveis, que apresentam cores muito distintas:
cinza-prata e vermelho. Ressalta-se aqui o objetivo da publicidade de
querer atingir diferentes públicos, pois podemos presumir que em nossa
sociedade o cinza-prata está associado a uma certa sobriedade,
enquanto o vermelho estabelece um estilo mais ousado, de certo modo
119
extravagante, conforme já abordado no item 3.9 do Capítulo II. O
homem e a mulher não representam necessariamente modelos de
indivíduos possuidores do automóvel, ou seja, uma segmentação, mas
representam um estilo de vida jovial, desprendido, vivaz. E tal
desprendimento e liberdade podem ser entendidos a partir dos
extremos que se formam entre as cores cinza-prata e vermelha quando
inseridas nos automóveis. Ou seja, entre a neutralidade, a diplomacia e
a discrição de um veículo cinza-prata, e toda a carga de ousadia e de
extravagância de um veículo vermelho, cabe um universo semiótico
gigantesco de interpretações e de projeções
33
.
As frases entre aspas atribuídas aos personagens
34
dos anúncios não
são iguais e nem tampouco semelhantes, mas dialogam diretamente
com o slogan da campanha: Ford Fiesta: quem tem, adora e com os
dizeres do canto inferior esquerdo
35
, pois estão carregadas de potencial
interpretativo associado a apego, a afeto, por meio de hipérbole.
As Peças 1 e 2 são perfeitamente compreendidas em seu contexto
enunciativo se analisadas separadamente. Ambas constroem um perfil
de usuário com estilo de vida jovial e ambas buscam representar uma
forte relação de apego entre o usuário e o automóvel. Porém ao
buscarmos pontos de diálogo entre as duas peças é possível identificar
a forma contrastante como o homem e a mulher se relacionam com o
automóvel e com o próprio suporte da peça publicitária.
33
As projeções aqui descritas referem-se à idéia do espelho narcisista, sendo possível
ao interlocutor ver-se pelas características que a própria cor do carro sugere (idéia
denotada) e também pelas características das cores que não foram explícitas na peça
publicitária (idéia conotada), mas que são passíveis de sentido à medida que se
encontram delimitadas pelo universo gerado a partir das duas cores de interpretações
tão opostas.
34
Peça 1 - "Ufa. O meio da revista quase pegou o meu carro". Peça 2 - "Quem colocou
a dobra da revista no meu carro?".
35
Peças 1 e 2 - Design espetacular, excelente espaço interno e um enorme prazer em
dirigir. Quem tem, morre de ciúmes. Faça um test-drive.
120
Como o personagem da Peça 1
mostra-se satisfeito pelo corte da
revista não ter atingido seu carro, apesar de ele próprio ter sua imagem
recortada pela divisão entre as páginas, é possível interpretar que a
personagem da Peça 2
poderia não ter ficado tão insatisfeita se o corte
da revista atingisse seu corpo, mas preservasse o carro. Fica aqui
evidente o diálogo entre enunciados paralelos
36
.
7. Peças publicitárias televisivas
37
: características básicas de
descrição
Peça 1 – A peça publicitária apresenta dois personagens – homem e
Ford Fiesta – e locutor. A mulher é tida como personagem subjetiva de
forma proposital, pois entende-se que a mesma tenha perdido
importância (e conseqüentemente espaço na seqüência narrativa)
devido à relação do homem com o automóvel.
Peça 2 – A peça publicitária apresenta dois personagens principais –
mulher e Ford Fiesta –, alguns personagens secundários – homem,
cachorro, mãe e amigos, e locutor. A mulher é transportada para dentro
do coração do homem após ter recebido o que parece ser um anel de
noivado. Dentro desse coração ela encontra várias pessoas estimadas
pelo namorado, mas nenhuma delas, nem mesmo ela, tem um espaço
tão grande no coração dele como o automóvel Ford Fiesta.
36
O termo enunciado paralelo foi aqui evidenciado devido às duas peças terem sido
veiculadas simultaneamente (agosto/2004, revistas Playboy e Quatro Rodas). A idéia
de dialogismo empregada para a interpretação de enunciados a partir de enunciados
anteriores, dar-se-á pela ordem de acesso do interlocutor às peças destacadas.
37
As duas peças publicitárias televisivas podem ser visualizadas em formato digital,
CD-ROM, constantes do Anexo B.
121
Peça 1 Peça 2
Plano de
expressão
Utilização de câmera objetiva em todas as cenas. Predomínio de
plano próximo e close-up.
O plano de detalhe é usado para ressaltar a mensagem escrita no
espelho (Peça 1) e descrições de cenário (Peça 2).
Plano de conjunto na última cena, quando homem abraça o
automóvel (Peça 1) e quando o automóvel aparece em destaque
(Peça 2).
Iluminação
Predomínio de luz difusa, com efeito
de iluminação suave.
Predomínio de luz difusa,
com efeito de iluminação
avermelhada, para
fortalecer a possibilidade de
interpretante relacionado
ao signo de interior de um
coração.
Locução
Além da fala dos personagens principais, há locução em off ao
final, para ressaltar o slogan.
Plano de fundo
Cenários representando residência e
garagem. Animação para criar
estrada por onde passa o Ford
Fiesta.
Cenários representando
restaurante e interior de
um coração. Animação para
criar estrada por onde
passa o Ford Fiesta.
Quadro 5 - Detalhamento técnico
122
Storyboard 1 – Peça televisiva 1
123
Storyboard 2 – Peça televisiva 2
124
7.1. Peças publicitárias televisivas: caminhos interpretativos
As peças publicitárias televisivas apresentadas, embora possuam
narrativas diferentes, buscam produzir uma mesma direção de
representação a partir de um signo-chave: coração. O coração é tido
como símbolo que remete a sentimentos positivos como amor, paixão,
adoração e saudade. Dentro de um contexto enunciativo esse signo
pode representar todos esses sentimentos ou somente seu significado
icônico: órgão vital.
As peças publicitárias, ao apelarem para esse símbolo fazem uso de
uma forte influência oriunda da cultura, que fez desse órgão vital o
símbolo do amor, aparentemente pelos fenômenos de sensação que ele
desencadeia, pois é por meio dos batimentos cardíacos que o coração
sintomatiza os comandos cerebrais, dando-nos a impressão de que ele
seja o centro de nossas ações e reações. Fazendo uso de um símbolo
amplamente difundido pela cultura como alheio à razão, as peças
publicitárias constroem a relação homem vs carro, que a priori é
racional, para uma relação emotiva, sentimental, e até certo ponto
passional.
Nas duas peças o “coração fisgado“ é o masculino, embora ele não seja
o personagem principal na Peça 2. Outro ponto de confluência é a
relação mantida com o automóvel, a relação homem vs mulher é
sempre colocada à prova e perde grau de importância diante do
automóvel. Aqui pode ser apontado um novo indício de interferência
cultural, visto que o matrimônio é tido como uma das mais fortes
instituições da sociedade.
Na Peça 2 o poder apelativo do coração é representado de forma mais
complexa à medida que ele deixa de simbolizar amor/paixão para
125
tornar-se um universo dentro do próprio universo da peça publicitária.
Nesse ponto, ele adquire status de signo indicial de juízo de valor à
medida que cada personagem adquire um espaço dentro desse coração,
claramente delimitado no ambiente semiótico.
As duas peças terminam com uma mesma seqüência de imagem, mas
com algumas diferenças de cores: o Ford Fiesta (prata ou vermelho)
desfila sobre uma pista criada por computação gráfica (vermelha ou
laranja). As diferenças de cores não foram vistas como indicadoras de
significação diferente, mas sim como contrastes às cores utilizadas nos
veículos.
O vento que corre atrás do carro, indicando movimento, é representado
por inúmeros corações. Nessa pista, todas as placas e informações ao
motorista são relacionadas ao sloganquem tem adora” ou ao símbolo
de coração em chamas, representando um forte indício de paixão, de
uma relação incondicional.
Na pista não é possível visualizar um horizonte ou ponto de chegada;
ela cresce de forma imediata, à medida que o carro se desloca. É
importante ressaltar que a pista surge no canto superior da tela,
construindo a sensação de que o carro vem até o interlocutor, pois a
pista é interrompida na parte inferior da tela da televisão, criando um
poder conotativo de continuidade para fora do ambiente televisivo,
chegando até o interlocutor.
7.2. Fragmentos dialógicos
Embora já tenhamos citado algumas interferências culturais que
compuseram o sentido enunciativo das peças apresentadas, não
126
podemos deixar de ressaltar o sentido dialógico predominante na
construção dos enunciados, pois conforme assinala Bakhtin (2003,
p. 371)
não pode haver enunciado isolado. Ele sempre pressupõe
enunciados que o antecedem e o sucedem. Nenhum
enunciado pode ser o primeiro ou o último. Ele é apenas
o elo na cadeia e fora dessa cadeia não pode ser
estudado.
Assim, podemos enfatizar os seguintes “fragmentos dialógicos”
38
:
a) Relação homem vs mulher – o agente da enunciação dialoga com o
sistema básico constituidor da família nas sociedades organizadas. Ao
criar esse diálogo apresenta ao interlocutor uma sugestão de
representação pautada no contexto da narrativa.
b) Coração como símbolo máximo – ao criar associação direta do
coração com o automóvel, o sistema de enunciados das peças dialoga
com a representação cultural presumida do coração e fortalece o carro
com características de animização, concedendo-lhe o status de alma,
visto que ele ganha espaço no que podemos chamar de relação
amorosa.
c) O diálogo das linguagens - ao compararmos as peças publicitárias
televisivas com as peças impressas do Ford Fiesta podemos identificar
como ponto máximo do dialogismo a forma como o sentimento pelo
carro é retratado. A relação amorosa representada nas peças televisivas
não se repete nas impressas de forma explícita, pois estas utilizam a
explicitação para construir uma relação de apego material entre os
personagens retratados.
38
Optamos denominar fragmentos dialógicos as situações que compõem o todo
enunciativo, que só adquirem sentido ao serem contextualizados.
127
No entanto, as peças impressas, ao representarem o ciúme do dono de
um Ford Fiesta por meio de um cuidado irreal, porém extremo (há uma
forte inquietação da personagem - peça impressa 2 -, tanto na imagem
quanto na fala) pelo fato do corte da revista coincidir com parte de seu
automóvel, remete o interlocutor a uma representação baseada em
leituras da própria sociedade, em que o ciúme é um sentimento muito
comum nas relações que envolvem amor e/ou paixão.
O interlocutor, tendo a possibilidade de visualizar tanto a peça impressa
quanto a peça televisiva, pode fazer leituras ainda mais dialógicas,
relacionando toda a campanha a uma relação forte, duradoura, como os
bons relacionamentos amorosos "precisam ser".
Se nas peças televisivas a relação amorosa é representada de forma
intensa, explícita, afinal, como já dissemos anteriormente, o coração é
apresentado inúmeras vezes, e o slogan "quem tem, adora" é
reforçado, ao final, nas peças impressas a interpretação de
relacionamento amoroso é apenas sugerida pelo slogan e pela frase
"quem tem, morre de ciúmes", mas só é explicitada quando buscamos o
dialogismo com a peça televisiva.
7.3. Signos não-verbais
7.3.1. Peça televisiva 1
Quando o homem acorda olha para a mulher dormindo ao seu lado e
manifesta uma expressão de satisfação, possivelmente devido à
lembrança de momentos agradáveis vivenciados na noite anterior.
Porém, ao observarmos que o desfecho destaca o automóvel, podemos
partir para uma nova possibilidade de interpretação, menos imediata e
128
mais dinâmica. O sentido de tal expressão só adquire sentido real
quando entendemos que ao olhar para a mulher ele realmente tenha se
lembrado da noite anterior, porém com pensamentos possivelmente
voltados para o automóvel. Assim, a cena do acordar apresenta duas
correntes de interpretação de signos indiciais da noite anterior: uma
associada à mulher e outra associada ao automóvel.
7.3.2. Peça televisiva 2
O anúncio apresenta-se numa seqüência de dois universos, sendo o
signo coração a chave para a interpretação de todo o enunciado. A
passagem de um universo para o outro dá-se por meio de uma janela
em formato de coração. Trata-se da representação simbólica de um
portal, é a passagem do mundo físico para o imaginário. Nota-se que o
signo janela está carregado de diversas conotações, pois a ação de abrir
a janela nos associa à idéia de liberdade, respirar novos ares. Porém a
janela apresentada no anúncio é uma janela atípica, pois ela "abre para
dentro". É o sentido de buscar toda a sensação de liberdade, de respirar
novos ares, porém sem a idéia de sair, e sim entrar no coração do
amado. E é justamente nesse lugar secreto, apertado, até mesmo
claustrofóbico que acontece o ápice da narrativa, quando a mulher, e
conseqüentemente o interlocutor, encontrarão o Ford Fiesta, num
espaço totalmente privilegiado e destacado, como se o automóvel
desfilasse sem sair do lugar.
7.4. Signos verbais
A mensagem escrita no espelho, apresentada na peça 1, representa um
forte simbolismo relacionado ao amor de alguém por outra pessoa. O
129
personagem, no caso o homem, decodifica tal mensagem de maneira
aparentemente presumível, porém desconstrói o interpretante que
possivelmente se formaria na mente do interlocutor, pois apesar de ter
sido apresentado um sistema de signos que desencadeariam
interpretações relacionadas ao amor entre homem e mulher, o ápice da
peça é quando entra um terceiro elemento na cadeia enunciativa do
anúncio: o automóvel.
O slogan "quem tem, adora" abarca possibilidades extremamente
abrangentes de interpretação. A expressão "quem tem" apesar de ser
bastante delimitadora, pois aparentemente restringe-se aos possuidores
do veículo Ford Fiesta, gera interpretantes associados a futuros
possuidores, algo como: se você tiver, também irá adorar. A palavra
'adora' apresentada no slogan abraça uma cadeia de significação ampla,
que vai desde a conotação de paixão adotada nos anúncios, e portanto
irracional, até a mensagem subjetiva e totalmente racional, pois só é
possível adorar um veículo se você estiver plenamente satisfeito com as
características técnicas, desempenho do carro, credibilidade da
montadora etc. O slogan "quem tem, adora" denota muito mais do que
uma relação de paixão, possui uma forte carga semiótica de
depoimento, de garantia e de promessa.
8. Algumas percepções
As campanhas utilizadas pela publicidade, em que se encontram as
peças televisivas e as impressas representam um aglutinado de
linguagens que geram sistemas semióticos complexos, impregnados de
ideologia, e por isso são capazes de construir conceitos a partir de
interferências oriundas da cultura. Podemos entender que o objetivo
principal de uma campanha seja adquirir um sentido pluralizado, em
130
que as diversas vozes dos diferentes formatos publicitários se
complementam e dialogam numa dinâmica de enunciados inter-
relacionados.
Isso pôde ser encontrado na presente análise, em que a peça
publicitária televisiva, com sua linguagem própria, sua dinâmica
seqüencial eficaz para atrair a atenção do interlocutor só construiu
sentido pleno quando dialogada com a publicidade de linguagem
impressa, gerando uma presumida interação com o interlocutor.
131
À GUISA DE CONCLUSÃO
1. O percurso
A esta etapa do percurso cumpre-nos apontar os principais pontos
abordados na dissertação, bem como confrontar os achados da
pesquisa com as hipóteses levantadas inicialmente no projeto de
pesquisa, que serviram como suporte para as análises desenvolvidas
nos quatro capítulos desta dissertação.
A partir do que foi definido como objetivo geral, buscou-se com este
trabalho apresentar a forma como as interferências culturais estão
presentes na publicidade de automóveis, e como tais interferências
ajudam a construir conceitos acerca desse objeto de tão grande
representação na contemporaneidade.
Com relação aos objetivos específicos, foi possível apresentar algumas
reflexões sobre o automóvel na sociedade contemporânea, que
serviram como base para que fosse possível traçar um mapa de
diversidades sígnicas presentes nas peças publicitárias, tanto na
imagem visual como no texto lingüístico. Tais abordagens
configuraram-se como análise fundamental para um possível
entendimento em relação aos sentidos dialógicos do automóvel na
publicidade impressa, e às formas como essa publicidade dialoga com a
publicidade televisiva.
2. A animização do automóvel
A pesquisa teve como premissa básica o fato de a publicidade construir
nos anúncios de automóveis conceitos de animização e de
132
superdimensionamento do tempo e do espaço. Tal premissa, neste
ponto, parece-nos ainda mais perceptível. Ao cruzarmos as diversas
formas de interpretação acerca do automóvel aqui apresentadas, é
possível constatar que a maneira como o carro é incorporado às
relações sociais conferem-lhe o status de membro da família.
Tal denominação configura-se como uma prosopopéia (afinal, um objeto
inanimado só pode ser membro de uma família pela força de uma figura
de linguagem) e também como uma hipérbole (pois o status de
membro da família é conferido ao automóvel em um ato de exaltação
de sua própria importância na sociedade contemporânea), e adquire
grande carga persuasiva nas peças publicitárias.
Vimos que as peças publicitárias de automóveis, ao buscarem
elementos que fortaleçam a idéia de que este seja um membro da
família, lança mão de recursos associados aos sentimentos mais
comuns nas relações amorosas: é a idéia da paixão, do ciúme, do
apego, da possessividade. O automóvel passa a ser o mais importante
personagem de adoração dentre aqueles que compõem o que podemos
chamar de cadeia de bens de consumo. É o álibi perfeito para a
conquista dos sonhos, da identidade de um indivíduo espelhado em
quatro rodas. “A noção de ‘personalização’ é mais do que um
argumento publicitário: é um conceito ideológico fundamental de uma
sociedade que visa, ‘personalizando’ os objetos e as crenças, integrar
melhor as pessoas”. (BAUDRILLARD, 2004, p. 149).
A personalização descrita por Baudrillard ou a animização do
automóvel, como preferimos denominá-la, tenta de alguma forma
trazer por meio do consumo do automóvel a satisfação plena de uma
relação, o desejo latente. A publicidade é ilusória no sentido de oferecer
133
à sociedade o que realmente lhe falta. Quanto a isso Baudrillard (2004,
p. 186) afirma que
não é mecanicamente que a publicidade veicula os
valores desta sociedade, é mais sutilmente, por sua
função ambígua de presunção – algo entre a posse e a
ausência de posse, ao mesmo tempo designação e prova
de ausência – de que o signo publicitário ‘faz passar’ a
ordem social em sua dupla determinação de gratificação
e repressão.
Pode-se entender que a animização seja um elemento fortemente
relacionado às peças publicitárias de automóveis, configurando-se como
um sintoma cultural gerado a partir das carências dos sujeitos na
sociedade.
3. O superdimensionamento do tempo e do espaço
Juntamente com o conceito de animização, nossa premissa apontava
para o conceito de superdimensionamento do tempo e do espaço. Tal
conceito pôde ser melhor compreendido ao verificarmos que as peças
publicitárias de automóveis oferecem ao interlocutor um “automóvel
biônico”, capaz de seduzir e de satisfazer os desejos latentes dos
consumidores. Claro que tal satisfação fica no plano simbólico, pois atua
no interior de uma teia de simulações.
De fato, diante das análises desenvolvidas é possível apontar que o
conceito de superdimensionamento do tempo e do espaço se faz
presente na quase totalidade das peças publicitárias selecionadas,
funcionando como um dos elementos principais para a construção dos
sentidos do automóvel nos anúncios. Tal conceito pôde ser encontrado
na exaltação da velocidade (por meio da enfatização da potência do
134
motor e da performance do veículo) e da aventura (lugares a serem
descobertos, fuga da vida cotidiana e prazer em conquistar um novo
modo de vida).
Esses dois conceitos, que aqui foram apresentados como os principais
condutores das influências culturais nas peças publicitárias, vão ao
encontro do que Floch (1995, p. 130) denominou como os quatro
grandes tipos de valorização do automóvel encontrados na publicidade,
que são la valorisation pratique, la valorisation utopique, la valorisation
ludique e la valorisation critique.
A valorização prática diz respeito a características como
manuseabilidade, conforto e robustez, enquanto a valorização utópica
engloba elementos como identidade, vida e aventura. Já a valorização
lúdica refere-se a características como luxo e refinamento, ressaltadas
por Floch (1995, p. 131) como la petit folie. Por fim, a valorização
crítica corresponde às características de qualidade, de preço, de custo e
de inovação.
Vimos também que conceitos práticos presentes nos discursos de
marketing, de alguma forma, podem ser relacionados à análise
flochiana e, por conseguinte, aos conceitos aqui explicitados, pois idéias
como custo-benefício e composto de marketing – produto, preço,
promoção e praça – (McCarthy, 1997) de certo modo imbricam-se na
proposição simbólica, que dá sustentação à proposição de prática e de
efetividade.
135
4. Os diálogos anteriores, posteriores e paralelos
O trabalho, desde o início, buscou apoio teórico nas idéias propostas por
M. Bakhtin, que sugeriam grande gama de estudo para a construção de
mensagens publicitárias de automóveis sob influências culturais. Ao
final do estudo a aplicabilidade do conceito de dialogismo mostrou uma
complexa teia de enunciados que se formam e adquirem sentido a
partir das experiências do interlocutor e de sua capacidade de inter-
relacioná-los em sua natureza dialógica.
A esses jogos de leituras e interpretações a partir da natureza dialógica
do enunciado, Brait (2003, p. 25) enfatiza que
A compreensão de um enunciado é sempre dialógica, pois
implica a participação de um terceiro que acaba
penetrando o enunciado na medida em que a
compreensão é um momento constitutivo do enunciado,
do sistema dialógico exigido por ele. Isso significa que,
de alguma maneira, esse terceiro interfere no sentido
total em que se inseriu.
É possível entender que as peças publicitárias de automóveis adquirem
sentido pleno quando seus enunciados são interpretados de forma
cruzada, levando-se em conta os enunciados anteriores, aqueles que se
formam de maneira paralela ou ainda aqueles que existem apenas
como sugestão, que dependerá da carga cultural interpretativa do
interlocutor.
136
5. O confronto com as hipóteses
Devido à complexidade de representação do automóvel na sociedade
contemporânea, as hipóteses associadas a esta pesquisa tornaram-se
igualmente complexas e paradoxais.
A primeira hipótese, formulada a partir de um paradoxo, é a unicidade
versus pluralidade, que quisemos demonstrar neste estudo. Isso porque
ao mesmo tempo em que a publicidade constrói valores associados à
individualidade, ressaltados pela estreita relação entre homem e carro,
há também os valores plurais, de âmbito socializado, pois ressalta-se o
movimento da conquista do carro e, conseqüentemente, de companhia:
é a idéia da sexualidade, da erotização.
Nossa segunda hipótese, que dizia respeito à fuga espacial da vida
cotidiana urbana versus fuga simbólica da vida cotidiana urbana,
também ancorada em um paradoxo, pôde ser comprovada na pesquisa.
Ao mesmo tempo em que as peças publicitárias buscam mostrar o
automóvel com signos relacionados à aventura, à ação, levando o
interlocutor a uma interpretação de deslocamento físico, devido a
possibilidades de roteiros improváveis e longe da estressante agitação
da cidade, por outro lado há a permanência nesse espaço urbano,
estimulada principalmente pela necessidade de gozar do automóvel
junto da sociedade. É o estigma do status do poder, nesse caso o signo
da fuga funciona como principal álibi para um estreitamento, uma
intimidade ainda maior com o automóvel. Aqui o carro é o lar, é a fuga
da agitação da grande metrópole. A fuga não é espacial, e sim
simbólica.
137
6. Por fim
A inquietação por buscar em peças publicitárias de automóveis a
percepção um pouco mais aprofundada sobre as bases de sustentação
de sentido dessas peças abriu caminho para importantes reflexões.
Primeiro sobre o paradoxo de verdade e mentira.
A publicidade mente quando oferece a nossos olhos a ilusão espectral
de determinado objeto, o objeto que só existe enquanto desejo. Por
outro lado, a publicidade é verdadeira quando oferece um pacote de
sonhos a preços que se pode ou não pagar. O interlocutor é capaz de se
deixar seduzir pelo discurso da publicidade, porém não alheio aos
apelos racionais ligados ao produto objeto da publicidade. Quanto à
crença na publicidade, Baudrillard (2004, p. 175-176) afirma que
não acreditamos nela e todavia a mantemos. No fundo a
“demonstração” do produto não persuade ninguém: serve
para racionalizar a compra que de qualquer maneira
precede ou ultrapassa os motivos racionais. Todavia, sem
“crer” neste produto, creio na publicidade que quer me
fazer crer nele.
Não queremos com isso minimizar a importância da persuasão
relacionada ao objeto-fim da publicidade, afinal nem todo anúncio
publicitário restringe-se à “demonstração” do produto, e sim a uma
ideologia, a um modo de vida que não está associado racionalmente ao
objeto, no caso o automóvel. Mas sim, queremos colocar que a
publicidade age a partir das próprias ânsias da sociedade, não lhe
impondo novas tendências ou hábitos, mas oferecendo-lhe soluções,
mesmo que simbólicas, para questões demandadas por ela própria.
Finalizo minhas considerações ressaltando a incrível capacidade da
publicidade de nos fazer ver sem perceber. Vemos e interpretamos os
138
signos presentes nos anúncios de maneira dialógica e sugestionada
pelos próprios agentes da enunciação, porém apenas com um olhar
mais atento na busca dos diálogos anteriores e das interferências
culturais é possível perceber a forte carga ideológica refletida e
refratada na sociedade.
139
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REVISTA QUATRO RODAS. São Paulo edição 528, julho de 2004.
REVISTA QUATRO RODAS. São Paulo edição 529, agosto de 2004.
REVISTA QUATRO RODAS. São Paulo edição 530, setembro de 2004.
REVISTA QUATRO RODAS. São Paulo edição 531, outubro de 2004.
REVISTA QUATRO RODAS. São Paulo edição 532, novembro de 2004.
REVISTA QUATRO RODAS. São Paulo edição 533, dezembro de 2004.
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148
Julho a Dezembro/2004
Pe
ç
as publicitárias com textos lin
g
uísticos em destaque
Figura 1
Peugeot 307 com câmbio
automático Tiptronic System
Porsche.
O câmbio que se adapta à maneira
de cada motorista dirigir.
Figura 2
Pajero Sport HPE. Você só sabe
que está indo para frente quando
deixa um obstáculo para trás.
Figura 3
Quem diria: sua alma gêmea
escondida embaixo de um capô.
Figura 4
Mitsubishi. Não é saci nem boitatá,
mas já está virando lenda no
sertão.
149
Julho a Dezembro/2004
Figura 5
Achou lindo? Entre pra ver o
quanto é confortável. Achou
confortável? Saia pra ver o
quanto é lindo.
Figura 6
“Quem colocou a dobra da revista
no meu carro?”
Figura 7
Novo
2005. Não é fácil lembrar tudo o
que ele tem.
Mercedes-Benz Classe A
150
Julho a Dezembro/2004
Figura 8
Poucas coisas no mundo oferecem tanto prazer para merecer virar
pôster desta revista.
Figura 9
Se você vir uma luz no fim do
nel, é a nossa porta do
outro lado.
Figura 10
Chegou a nova
. Essa vai longe.Sertões
Chevrolet S10
151
Julho a Dezembro/2004
Figura 11
Como num filme de bangue-
bangue. Já chegou batendo em
todo mundo.
Fi
g
ura 12
Ima
g
ine o que você pode
esperar de um carro cu
j
o
símbolo são três diamantes.
Figura 13
Msituarmos tduo e fziemos o
bicmobutsível mias rápdio dsa
rsua.
Fi
g
ura 14
Se ela acha que tamanho não é
importante, mostre por fora. Se
ela acha que é importante,
mostre por dentro.
152
Julho a Dezembro/2004
Figura 15
Curioso esse : não
importa de que ângulo você vê,
ele está sempre a 180 dos
outros sedans.
Fiesta Sedan
o
Figura 16
Peugeot 307. Você já escolheu.
E os especialistas também.
Figura 17
Tem motor
inteligente. Dá pra
ver pela carroceria
que escolheu para
morar.
Figura 18
Chegou .
O primeiro carro
nacional que faz
ligações usando apenas
o comando de voz.
Stilo Connect
Figura 19
Chegou o
. O para
você enfiar o pneu
na lama.
Gol
Rallye Gol
153
Julho a Dezembro/2004
Figura 20
Chegou o .
Que carro é esse?!?!
Peugeot 307 CC
Figura 21
Gol. Sempre fiel a você.
Há 18 anos, o carro mais
vendido do Brasil.
Figura 22
Peugeot 206.
Irresistível.
Figura 23
Dirigir é um
verbo. Avocê
entrar nele.
Figura 24
Você vai adorar o banco
traseiro com ajuste de
distância: ele vai pra
frente e pra trás, pra
frente e pra trás, pra
frente e pra trás.
154
Julho a Dezembro/2004
Figura 25
Seja apresentado a peixes que vo
conhecia no . Novo .
Agora com tração nas 4 rodas.
sushi Ford EcoSport
Figura 26
Escreva o que quiser. Com
certeza, tudo o que você
imaginar vai caber na
cabine estendida.
Figura 27
Novo .
Dias mais bonitos.
Corolla Fielder
Figura 28
A vida também é feita de erros. Bom,
um a menos pra você cometer.
155
Julho a Dezembro/2004
Figura 29
Você não precisa escolher
entre um opcional ou
outro. Basta escolher um
carro que já vem completo.
Figura 30
“Ufa. O meio da revista
quase pegou o meu carro.
Figura 31
Se você vir uma luz no fim
do túnel, é a nossa porta
do outro lado.
Figura 32
Chegou . O
primeiro carro nacional que
faz ligações usando apenas
o comando de voz.
Stilo Connect
156
Julho a Dezembro/2004
Figura 33
Venha fazer um .
Você fica bem no .
test drive
Scénic
Fi
g
ura 34
Inau
g
ure atalhos.
.
Série especial.
Nissan Frontier Serrana
Figura 35
Novo
. A sinaliza
ç
ão vai
obedecer você.
Mercedes-Benz
Classe C
Fi
g
ura 36
Frente a frente com os
outros, o
g
anha fácil. Trás a trás,
então, é de goleada.
Fiesta Sedan
157
Julho a Dezembro/2004
Figura 37
Novo . Faça suas
próprias regras.
Audi A6
Figura 38
É como se fosse a sala da
sua casa: você pode mudar
a disposição dos móveis.
Figura 39
Nova linha .
Dias mais bonitos.
Corolla 2005
Figura 40
T
urismo de aventura? Vá para a
Estrada Real. Turismo histórico-
cultural? Vá para a Estrada Real.
Turismo confortável?
Vá de . Doblò Adventure
158
Julho a Dezembro/2004
Figura 41
Nova linha .
Dias mais bonitos.
Corolla 2005
Fi
g
ura 42
Inau
g
ure atalhos.
.
Série especial.
Nissan Frontier Serrana
Figura 43
Parecia impossível, mas
deu para colocar mais
aventura na . Ranger
Fi
g
ura 44
Uma das poucas obras que
os críticos adoram e o
público entende.
159
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Figura 45
Nissan Sentra.
Esse conforto você não
por aí.
Figura 46
Novo . Álcool,
gasolina e adrenalina.
Clio Hi-Flex
Figura 47
Por fora é pequeno como o nome: .
Por dentro é grande como o
sobrenome: .
Fox
Volkswagen
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