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Como vocês chegaram ao tom de humor e leveza para narrar a história?
Queríamos contar um pouco desta fábula meio à maneira modernista, neo-tropicalista,
aplicada às cores, música, elementos de chanchada, que são as principais influências da
nossa geração. E esta mistura nos possibilitaria também falar do Brasil de hoje. Não fizemos
o épico próprio a essas ocasiões comemorativas, até porque o Brasil permite este humor e
fantasia, uma abordagem menos sisuda da História. O filme tem este tom evocativo, para
comemorar nossa nacionalidade, nosso sentimento. E escolhemos o tom de comédia
romântica, um ar de utopia abordado com leveza e humor para falar desses nossos 500 anos.
Como foi para você inventar o Brasil?
Uma emoção muito particular. O projeto teve muito a ver como o meu reencontro com o
Brasil há 20 anos. Vivi muito tempo fora, e fiquei deslumbrando quando voltei. Viajei de
Belém ao Rio de carro, de ônibus, encantado com a paisagem, com a beleza das brasileiras e
dos brasileiros. Por mais que eu estivesse ligado às coisas do Brasil, talvez pela ditadura, a
minha visão do país tenha ficado meio sisuda. Cheguei logo depois da abertura, quando tudo
parecia possível. E a história de Caramuru tem um aspecto interessante: ele tem a
possibilidade de voltar para a França, mas escolheu viver no Brasil. A sua ligação com o país
começou como necessidade e terminou como opção. Nesse sentido, também é uma história
exemplar, quase uma bula de como virar brasileiro.
No tratamento da história, houve a preocupação em ser politicamente correto?
Houve a preocupação em sermos evocativos, em comemorar os 500 anos como uma festa
para celebrar o nascimento do Brasil. O filme não tem culpa, ele nasce de um sentimento de
amor pelo Brasil, de querer gostar de ser brasileiro, o que permite também uma irreverência
à História, com respeito mas com criatividade. Muitas informações históricas estão no
subtexto, e o conhecimento da época nos permitiu alguns anacronismos: a rigor, o visual de
Isabelle deveria ser mais recatado, típico do início do Renascimento, mas optamos por um
visual mais arrojado, para mostrar uma mulher à frente do seu tempo. As regras sexuais de
nossos índios eram muito diferentes da dos europeus e isso nos inspirou a contar o
nascimento do Brasil a partir de um casal com certa liberdade sexual e de relacionamento, e
com uma particularidade: este primeiro casal já era um triângulo permitido.
Como vocês chegaram à representação dos índios?
Em A Invenção do Brasil todos os personagens são brasileiros - de Paraguaçu a Caramuru.
Como eu disse, Macunaíma foi um pouco a luz que orientou o projeto, e ele é índio e vira
branco e é brasileiro. Por mais que se diga que descendemos de índios, brancos e negros, se
colocássemos uma índia para fazer o papel de mocinha em um filme ou seriado de TV, ela
seria vista com olhar estrangeiro. Assim, as índias do filme são quase garotas de praia, mas
funcionando como índias de época. Já o Caramuru representaria aquele estrangeiro que
existe dentro de nós: quando vamos a uma favela, também nos sentimos meio gringos diante
de uma escola de samba. As roupas das índias foram resultado de muita pesquisa e só utiliza
material natural, como cascas de cocos, resinas, cordas, escamas de peixes, penas. A
maquiagem, quase futurista, também foi uma recriação. A maior questão da interpretação da
Camila e da Déborah foi definir como falariam. Enquanto a maior parte do elenco usa um
português um pouco mais castiço, elas falam um português arrevesado, um “macunaimês”,
com expressões da Bahia, do Sul, do Nordeste. E essa prosódia deveria ser a mais natural
possível.
Como você trabalhou com o elenco?
O mesmo método de O Auto: muita leitura, muito ensaio, muita marcação, como no teatro.
Escolhemos atrizes da nova geração para representar o Brasil, enquanto a Europa vem
representada por atores mais experientes. O Selton foi a confirmação do que eu já achava em