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Guilherme Basílio
OS SABERES LOCAIS E O NOVO CURRÍCULO DO ENSINO BÁSICO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO / CURRÍCULO
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em convenio com a Univewrsidade
Pedagógica de Moçambique
2006
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Guilherme Basílio
OS SABERES LOCAIS E O NOVO CURRÍCULO DO ENSINO BÁSICO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO / CURRÍCULO
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em convenio com a Univewrsidade
Pedagógica de Moçambique
2006
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Guilherme Basílio
Os Saberes Locais e o novo Currículo do Ensino Básico
Mestrado em Educação / Currículo
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Catótica de São Paulo, como exigência parcial
para a obtenção do Título de Mestre em Educação/Currículo,
sob a orientação do Prof. Doutor Antonio Chizzotti e a co-
orientação do Prof. Doutor José P. Castiano.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em convenio com a Univewrsidade
Pedagógica de Moçambique
2006
Banca Examinadora
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Notas Prévias
1. A presente Dissertação foi produzida no âmbito do Convênio inter-institucional entre a
Pontifíficia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em
Educação/Currículo, e a Universidade Pedagógica de Moçambique.
2. A presente Dissertação foi escrita de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa
usada em Moçambique.
DEDICATÓRIA
Dedico esta dissertação ao meu pai, Basílio Ramos e à minha irmã Helena Basílio, nomes
que aqui eternizo;
à minha mãe, Maria da Conceição;
à minha filha, Helena Guilherme Basílio;
à minha esposa, Isabel Augusto;
aos meus estimados irmãos
Evaristo Basílio, Margarida Básilio e Deolinda Basílio;
e ao meu padrinho, Constantino Cadeira.
AGRADECIMENTOS
Quero manifestar os meus agradecimentos a todos aqueles que contribuíram para que fosse
possível a realização deste trabalho. Não conseguirei mencionar todas as pessoas que deram
sua contribuição diferenciada e valiosa. Embora haja essa limitação, merecem um destaque as
seguintes Instituições e pessoas singulares.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação/Currículo da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo e à Universidade Pedagógica de Moçambique que, através dum Convénio inter-
Institucional assinado por Prof. Doutor Alípio Márcio Dias Casali, por parte da PUC-SP e,
Prof. Doutor Carlos Machili, por parte da UP - Moçambique, obreiros incansáveis do
programa que proporcionaram a oportunidade para que o curso do mestrado fosse possível e
que se realizasse a presente dissertação.
Ao Prof. Doutor Carlos Machili, Reitor da Universidade Pedagógica de Moçambique, pela sua
abertura ao Convénio e seu papel na manutenção do Curso.
Ao meu Orientador, Prof. Doutor Antonio Chizzotti, pela sua assistência dedicada e calorosa,
pelas suas valiosas contribuições, pelo seu gesto de amizade, solidariedade, acolhimento, pela
sua paciência na orientação e, sobretudo, pelos seus conselhos, um apreço muito especial.
Ao meu Co-Orientador, Prof. Doutor José P. Castiano, pela sua presença nos momentos
apropriados da dissertação, pelo seu gesto de amizade e solidariedade, pela sua inspiração,
pelo seu espírito incomparável de iluminar nos momentos de incerteza e da ambigüidade, vai
uma palavra especial de gratidão.
Ao Prof. Doutor Alípio Márcio Dias Casali, Coordenador do convénio pela PUC-SP, pela sua
inquestionável contribuição, confiança e apoio na conclusão do curso e, sobretudo pela
amizade, vai uma palavra de gratidão.
Aos meus Professores, Prof. Doutor Fernando José de Almeida, Prof. Doutor, Douglas Santos,
Prof. Doutora Terezinha de Azeredo Rios e aos assistentes Prof. Doutora Hildizina Norberto
Dias, Prof. Doutora Stela Duarte, pelas suas ajudas na realização desta dissertação, vai o meu
muito obrigado.
Aos meus colegas de mestrado pela cooperação, compreensão e solidariedade.
Aos meus colegas da Faculdade dr. Ernesto Chambisse, Prof. Doutor Singulane e, em
particular do Departamento de Filosofia, Prof. Doutor Manuel Mucheta Cureva, dr. José
Cossa, dr. Vicente Raúl Likwekwe, dr. Bernardino Cordeiro Feliciano, dr. Zeferino Uarrota,
dr. Nhamire Húo pela tolerância, compreensão, solidariedade e ajuda na produção desta
dissertação, o meu muito obrigado.
Aos directores das Escolas Primárias Completas 7 de Abril e Monapo-Sede; ao director
pedagógico Celestino Maua; ao técnico da educação Alves Alfredo Nahia, ao representante da
UDEBA Marcos Augusto Mapinguisse e aos professores das escolas mencionadas pela ajuda
na recolha de dados, muito obrigado.
Aos meus pais Basílio Ramos (nome eternizado nesta dissertação) e Maria da Conceição, que
souberam mandar-me à escola e; aos meus irmãos, Evaristo Basílio, Margarida Basílio e
Deolinda Basílio, que suportaram viver a sós. À minha esposa Isabel Augusto e minha filha
Helena Guilherme Basílio que lhes coube a solidão provocada por mim em momentos de
viagens. Ao meu padrinho, Constantino Cadeira, que me encorajou, uma palavra de gratidão.
Guilherme Basílio
________________________
RESUMO
O trabalho discute a questão de saberes locais e o novo currículo do Ensino Básico com
finalidade de resgatar aqueles para a escola. Esta discussão é fundamentada pela
institucionalização do currículo local que abre a possibilidade de integrar os conteúdos e as
práticas locais nos programas do ensino. A finalidade da introdução do currículo local nos
programas do Ensino é reduzir a distância entre a cultura da escola moderna e a cultura
tradicional local.
O novo currículo do Ensino Básico integra a “componente” do currículo local para criar
aprendizagem relevante e resgatar os saberes locais para a escola. Esta tese sustenta que as
escolas devem resgatar a cultura autóctone e o seu valor intrínseco. Defende-se que a inclusão
dos saberes locais na escola pode facilitar aprendizagem e contextualizar as condições sócio-
culturais locais. Com a introdução do currículo local, cria-se um espaço de convivência dos
saberes local e universal e lança-se um desafio aos professores no sentido de serem
responsáveis na produção e sistematização do conhecimento. O referencial teórico do trabalho
é buscado em teoria curricular de Moreira e Silva (2002) assim como as teses defendidas por
Geertz (1997) e Gramsci (2004). O material empírico foi recolhido com base nos relatórios e
documentos do INDE (1999 e 2004).
A necessidade de melhorar a aprendizagem na escola e enraizar o aluno na sua respectiva
cultural levou a transformação do currículo moçambicano do ensino Básico. A partir da
reforma curricular, a pesquisa prioriza as percepções sobre os saberes locais e avalia os
métodos de integração de conteúdos e práticas locais relevantes nas escolas experimentais
localizadas na Província de Nampula. Assim, foram observadas as aulas com a finalidade de
avaliar o processo de integração dos saberes locais e realizadas as entrevistas aos professores,
alunos e pessoas das comunidades com o objectivo de recolher a percepção sobre os saberes
locais a serem integrados no Ensino Básico.
PALAVRAS-CHAVE Ensino Básico - Currículo Moçambique - Saber Local Cultura.
ABSTRACT
The paper discusses the local knowledge and the new curriculum of Basic Education with the
aim of rescuing it to School. This discussion is supported by the institutionalization of local
curriculum which opens possibility of integrating the local contents and practices in the
education programs. The reason for integrating the local curriculum in to the education
programs is to reduce the distance between two cultures; the modern School and the local
traditional. The new curriculum of Basic Education integrate a local curriculum component to
create relevant learning and for rescing local knowledge to School. This thesis supports the
idea that the schools must rescue autochthonou’s culture and its intrinsic values.
It is argued that the inclusion of local knowledge in the school can facilitate the learning
process and contextualize the local socio-cultural conditions. With the introduction of local
curriculum a local knowledge a sociability space is open and a challenge is launched to the
teachers in order to take responsibility in the production and systematization of knowlodge.
The theoretical support for this work is based on the curriculum theory of Moreira and Silva
(2002) as well as the theses of Geertz (1997) and Gramsci (2004). The empiric material was
collected based on the reports of INDE documents (1999 2004).
The need to better the learning in schools and to set students in their cultural perspective
brought transformation for Mozambican curriculum of Basic Education. From the curricular
reformation the research gave priority to perception about the local knowledge and assesses
the method of integration of relevant local contents and practices in the target schools located
in Nampula province. Lessons were observed with the objective of evaluating this process of
integrating local knowledge into new curriculum. In addition to interview with teachers,
students and the community people’s views about their culture were also collected for their
integration into the Basic Education curriculum.
KEY-WORDS Basic education Curriculum Mozambique Local Knowlodge Cultural
SUMÁRIO
0. INTRODUÇÃO 15
CAPITULO I
DISCURSO SOBRE OS SABERES LOCAIS 22
1.1 Conceptualização dos saberes locais 23
1.2 Fundamentação dos saberes locais 29
1.3 Tipologia dos saberes locais 40
1.4 O programa de legitimação dos saberes locais 45
1.5 Métodos de disseminação dos saberes locais 52
1.6 A cultura local como espaço de coesão de discursos sociais 56
1.7 O universal e o local: Uma abordagem epistemológica e educacional 61
CAPÍTULO II
UM OLHAR SOBRE O CURRÍCULO NACIONAL DO ENSINO BÁSICO 66
2.1 As políticas e as teorias curriculares do novo currículo do Ensino Básico 67
2.2 As inovações no currículo do Ensino Básico 78
2.3 A Estrutura do Novo Currículo: Áreas e disciplinas curriculares 83
CAPÍTULO III
OS SABERES LOCAIS NO CURRÍCULO DO ENSINO BÁSICO EM MOÇAMBIQUE 88
3.1 Os professores e a selecção de conteúdos 89
3.2 Percepções dos professores sobre os saberes locais 93
3.3 A relação dos saberes locais com os saberes escolares 97
3.4. Estratégias de integração dos saberes locais na sala de aulas 103
3.5 As dificuldades e as recomendações do currículo local nas escolas estudadas 112
3.6 Os Professores como “intelectuais orgânicos” 116
CONCLUSÃO 122
BIBLIOGRAFIA 126
APÊNDICES 130
Apêndice 1. Guião de entrevistas 130
Apêndice 2. Brochura do currículo local da EPC 7 de Abril Cidade Nampula 133
QUADROS
Quadro 1. Exemplos de conteúdos locais propostos pelo INDE 77
Quadro 2. Exemplos de integração dos conteúdos locais no plano temático proposto pelo
INDE 78
Quadro 3. Tipos de saberes locais categorizados a partir do trabalho de campo 101
Quadro 4. Exemplos de programação pedagógica de conteúdos locais 102
Quadro 5. Modelo de programação pedagógica das aulas 106
Quadro 6. Modelo de integração de conteúdos locais por extensão 107
SIGLAS E ABREVIATURAS
EP1 Ensino Primário do 1º Grau
EP2 Ensino Primário do 2º Grau
EPC - Escola Primária Completa
DST - Doenças de Transmissão Sexual
INDE - Instituto Nacional de Desenvolvimento de Educação
MEC - Ministério de Educação e Cultura
PCEB - Plano Currícular do Ensino Básico
SNE Sistema Nacional de Educação
UDEBA Unidade de Desenvolvimento da Educação Básica
ZIP - Zona de Influência Pedagógica
15
INTRODUÇÃO
O presente trabalho se focaliza no estudo sobre os saberes locais e o novo currículo do Ensino
Básico. O seu objectivo é reflectir sobre a inclusão dos saberes locais no currículo do Ensino
Básico. O estudo dos saberes locais tem uma grande importância na actualidade porque eles
estão ligados à cultura, ou seja, às temáticas especificas da vida quotidiana dos alunos. Pela
sua estreita ligação com a cultura são resgatados para a escola com o intuito de revitalizar a
cultura e dinamizar o processo de ensino e aprendizagem ligando a escola com a comunidade.
No capítulo da Educação é crucial resgatar o valor intrínseco dos saberes locais para prática
pedagógica.
Os saberes locais se localizam nas comunidades e podem ser temas transversais aos currículos.
Eles são um conjunto de conhecimentos, práticas, atitudes, habilidades e experiências que se
partilham no quotidiano. Os saberes locais são transmitidos, hoje, nas escolas devido à sua
relevância para aprendizagem e ao seu significado cultural. Essa relevância não só se regista
no ensino, mas também na política, na agricultura, na saúde e na cultura.
Considerando a relevância dos saberes locais o novo currículo do Ensino Básico criou um
espaço para abordagem dos mesmos. O novo currículo institucionalizou os saberes locais
através do currículo local. No currículo do Ensino Básico se definiram e se acomodaram 20%
do tempo previsto para o tratamento de conteúdos locais que se consideram relevantes para
aprendizagem.
É a partir da relevância das culturas que as reflexões em torno dos saberes locais e sua
articulação na escola começaram a dominar os dois âmbitos: filosófico e educacional. No
16
âmbito filosófico e educacional porque estes se cruzam no tratamento das questões do saber.
Ao se cruzarem, se relacionam na definição dos currículos nacional e local. A filosofia
intervem para questionar os critérios de produção e disseminação do saber, a natureza e o
valor do saber e o tipo de saber que a escola tende a socializar para tornar aprendizagem dos
alunos mais relevante e eficaz. A Educação preocupa-se em conceber currículos não só
meramente técnicos, mas também que abrangem as esferas sociais e culturais e aplicá-los.
Ora, o currículo antigo do Sistema Nacional de Educação (SNE) de Moçambique promulgado
pela lei 4\83 de 23 de Março de 1983 e revisto pela lei 6\92 de 6 de Maio trazia a questão de
círculos de interesse, ligação escola e comunidade. Mas ainda não tinha institucionalizado um
tempo determinado para abordagens dos saberes autóctones locais na sala de aula. A ligação
entre a escola e a comunidade era entendida mais no sentido de envolvimento dos pais e
encarregados de educação nas reuniões das escolas e não no sentido de contribuir na produção
do saber para a escola.
O novo currículo do Ensino Básico, fruto da transformação curricular de 2002, traz a
preocupação de envolver a comunidade na produção dos saberes locais para a prática
pedagógica. Este currículo tende a cruzar vertical e horizontalmente os conteúdos escolares
com os saberes locais. Para abordagem efectiva dos saberes locais no currículo Nacional o
Ministério de Educação e Cultura (MEC) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento da
Educação (INDE) introduziram uma componente denominada “currículo local”, cujos
conteúdos provém da cultura local.
O termo “cultura local” em uso nesta dissertação refere-se às diferentes maneiras pelas quais
os grupos humanos vivem e dão sentido às circunstâncias e às condições de sua vida. Essas
maneiras constituem a base dos saberes locais. Assim, é cultura local o conjunto de processos
históricos colectivos vividos no quotidiano. Segundo Giroux (1997: 167) “os homens formam
seus pressupostos e intenções dentro das estruturas fornecidas por seu repertório cultural”. O
conceito de “cultura” concebido conforme o modelo exposto acima, será repetido várias vezes
para justificar que ela é o fundamento dos saberes locais como conjunto de traduções de vida
concreta dos indivíduos.
17
A cultura deve ser um dos potenciais fortes na construção de um currículo , sobretudo quando
se trata de um currículo que queira adequar-se aos contextos locais e regionais. Ela é o fruto de
construção humana. A cultura nasce com o espírito humano. Nela estão inscritos os saberes
locais. A escola ao socializar o conhecimento difunde a cultura. Assim, a cultura tem de ser
reconhecida, respeitada e resgatada para a escola.
O reconhecimento, o respeito e o resgate da cultura, sobretudo, a cultura local, visam reduzir o
distanciamento entre a cultura universal e a cultura autóctone do aluno. O currículo do Ensino
Básico desafiou-se no sentido de eliminar a distancia e harmonizar as culturas que se
encontravam em oposição. De facto, o não resgate dos saberes locais para a escola contribuía
para a exclusão da cultura original (nactiva) do aprendente e, por conseguinte, o seu
desenquadramento cultural. Daí os questionamentos: Como a escola resgata os saberes
locais para realização da prática pedagógica? Ou seja, como é que a escola organiza o
quotidiano para melhorar a aprendizagem? Que tipo de saberes comunitários a escola
precisa de integrar para reduzir o distanciamento?
Estes questionamentos trazem o pressuposto de que a escola não pode prescindir dos saberes
locais para constituir-se em centro de cultura para a sociedade. Para clarificar a discussão,
determina-se como objecto da pesquisa os saberes locais e o novo currículo do ensino básico.
O objectivo geral da pesquisa é reflectir sobre a inclusão dos saberes locais no currículo do
Ensino Básico. A partir do geral se definem os objectivos específicos, a saber: conhecer o
estatuto dos saberes locais no currículo moçambicano; deduzir a tipologia dos saberes locais
com relevância para o Ensino Básico e analisar os processos de produção e legitimação dos
saberes locais. As hipóteses avançadas são: com o resgate da cultura local na escola oficial
pode-se diminuir a marginalização da cultura do aprendente, assentar o aluno na sua cultura e
reduzir a distância entre o saber universal e o saber local através da cooperação entre eles.
A escolha deste tema tem duas razões: a primeira prende-se com o facto de a escola estar
virada para o reconhecimento da diversidade cultural, das culturas locais e os saberes nelas
veiculados. Nesta razão articulada com a experiência da docência vê-se uma necessidade de
18
casar os saberes culturais locais com os saberes curriculares para tornar a prática pedagógica
mais próxima do aluno. E, a segunda razão está marcada pela experiência vivida e o
conhecimento adquirido através de leituras. Com a segunda razão o pressuposto é de que o
trabalho terá uma orientação etnográfica constituindo-se na apreensão e interpretação dos
saberes locais. Este pressuposto fundamenta-se em Clifford Geertz (1997) no seu livro O
saber Local onde constata que todos os fenômenos sociais, políticos, jurídicos, culturais são
fenômenos locais. Nesse livro, Geertz analisa de forma comparativa os factos antropológicos e
as leis jurídicas e afirma que “a navegação, a jardinagem, e a poesia, o direito e a etnografia
também são artesanatos locais: funcionam à luz do saber local” (Geertz, 1997: 249). Ainda
alargando mais esta justificativa incorpora-se a crítica social e epistemológica que Lyotard
(1989) desenvolve sobre a Modernidade. A crítica à Modernidade caracteriza-se pela
descrença às grandes narrativas. Essa descrença pôs em crise o modelo da racionalidade
científica universal e criou um espírito voltado para as racionalidades locais. Na mesma esteira
de argumentação, Boaventura de Sousa Santos no seu livro Um Discurso sobre as Ciências,
(1997), defende a crise do paradigma dominante. Crise esta que se carateriza pela interacção
de pluralidade de condições sociais e teóricas
1
. Estas críticas pretendem trazer, à luz da razão,
a simbiose entre o conhecimento escolar e o saber tradicional local enraizado na cultura e no
sujeito. Embora estas críticas iluminassem para uma abordagem sobre as questões relevantes,
ainda não havia espaço adequado em Moçambique para se expor dentro da educação. Porém, a
inquietação sobre a importância das culturas locais sempre esteve na origem de todas leituras
desenvolvidas no quadrante educativo. Com a introdução do currículo local no Ensino Básico
criara-se a oportunidade institucional para um resgate das culturas diversas de Moçambique,
no sentido de chamá-las a contribuir para a melhoria da aprendizagem.
A introdução do currículo local abre espaço para discutir a relevância das culturas locais na
escola. Na verdade, a inclusão dos elementos das culturas locais facilita uma aprendizagem
1
Boaventura de Sousa Santos apresenta como condições sociais e teóricas que conduziram à crise do paradigma
dominante a relatividade da simultaneidade, a emergência da química quântica, o rigor da medição posto em
causa pela química quântica, os avanços do conhecimento nos domínios da microfísica e biologia, a análise das
condições sociais, dos contextos culturais, dos modelos organizacionais da investigação científica, antes
acantonada no campo separado e estanque da sociologia da ciência, que ganhou espaço na reflexão
epistemológica e a preocupação sobre o conteúdo conhecimento científico do que a sua forma. Esta última
questão impulsiona Santos a afirmar que o conhecimento científico moderno é conhecimento desiludido e infeliz
por transformar o sujeito em ser autômato. (Santos, 1997: 23-36).
19
que leve o aluno a executar as actividades que lhe permitam resolver os problemas do seu dia-
a-dia. Com a institucionalização dos saberes locais na escola, resolver-se-ia o problema da
exclusão da cultura do aluno.
Em relação ao quadro teórico, a pesquisa vai se fundamentar na análise sócio -antropológica
dos saberes culturais com base em autores que discutem o currículo como construção cultural.
Os autores Michael Apple (2000), Antonio Gramsci (2004), Rosa Maria Torres (2001)
servirão para fundamentar as políticas educativas que conduziram a reforma curricular no
sentido de legitimação dos saberes (local e universal). Ainda neles se exploram os
instrumentos úteis para fundamentar as políticas de construção do conhecimento local e
universal. Alargar-se-á a perspectiva teórica usando-se como fundamento as ferramentas da
Sociologia do conhecimento escolar para a compreensão da origem de estudos curriculares.
Toma-se como referência para compreensão da questão do currículo, Bobbitt (1918), Antonio
Flávio Moreira e Tomaz Tadeu da Silva (2002) e Gimeno J. Sacristán (2000) que discutem o
currículo como construção social e cultural. A pesquisa recorre ainda a Jean-François Lyotard
(1989), Boaventura de Sousa Santos (1997) para compreender a relação entre o saber local e o
conhecimento escolar. Recorre-se ainda às obras de Clifford Geertz A Interpretação das
culturas (1989) e O saber local (1997), respectivamente, para a compreensão e fundamentação
da cultura local. Neste autor se pretende explorar a ideia do saber local e a sua manifestação.
Em Jacques Delors (1996) e Edgar Morin (2000) a atenção vai para a categorização dos
saberes.
A proposta do INDE constituirá instrumento básico por ser a instituição oficial que esteve
envolvida com a reforma curricular e com a concepção dos instrumentos analíticos para a
introdução do novo currículo. Interessa estudar como esta instituição define o currículo,
currículo local e as estratégias para a sua implementação. Toma-se ainda como referência às
pesquisas locais, sobre o currículo local, feitas por José P. Castiano (2000 e 2003) nas
Províncias de Manica e Inhambane e o trabalho de doutoramento de Jô Capece (2001). Com
estes autores o interesse prende-se na concepção de um currículo que resgata e articula as
práticas quotidianas na escola.
20
Neste caso, a pesquisa analisa o fenômeno “saberes locais” e o seu resgate na escola e. avalia
os momentos estruturais da integração dos saberes locais na sala de aula. Nela pretende-se a
apreender e interpretar os fenômenos culturais. Para apreensão dos saberes locais e avaliação
dos momentos estruturais da sua integração se fez uma observação participante seguindo-se
assim um estudo de cunho etnográfico, ou seja, de natureza qualitativa. Realizou-se um estudo
do campo que decorreu no norte de Moçambique, na Província de Nampula, particularmente,
nas Escolas Primárias Completas (EPC) “7 de Abril” e Monapo-Sede. A escolha destas
escolas se deve a duas razões: a primeira porque foram escolas experimentais e têm mais
experiência no tratamento do currículo local e a segunda prende-se pelas razões cultural e
sociolingüística do autor.
A pesquisa centralizou-se na interpretação de textos, nas entrevistas e na observação das aulas
para compreender os mecanismos de definição, integração e socialização dos saberes lo cais.
As entrevistas foram dirigidas aos professores, alunos, pais e encarregados da educação e
pessoas das comunidades. Para permitir que o entrevistado exprima um discurso livre sobre o
currículo local e os saberes locais, as entrevistas foram semi-estruturadas e semi-abertas. As
entrevistas livres permitem captar as informações do entrevistado. Trata-se, portanto, segundo
Chizzotti (2003: 57), de entrevistas dirigidas que se estabelecem entre “um pesquisador que
pretende colher informações sobre os fenômenos e os indivíduos que detenham essas
informações e possam emiti-las”. Nessas entrevistas se cria uma atmosfera de influência
recíproca entre o entrevistador e o entrevistado. Tal como descrevem Lüdke e André (1986:
33), “nas entrevistas não totalmente estruturadas, onde não há imposição de uma ordem
rígida de questões, o entrevistado discorre sobre o tema proposto com base nas informações
que detém e que no fundo são a verdadeira razão da entrevista”.
Foram registadas e analisadas todas as informações individuais e colectivas fornecidas pelos
entrevistados respeitando o vocabulário e o modelo das respostas. Foram também analisados
os dados recolhidos na observação das aulas. Os professores entrevistados e assistidos
leccionam nas escolas indicadas e as pessoas entrevistadas vivem nas comunidades em volta
das escolas que tornam objecto do estudo. Na sala de aula foram observados os métodos para
integração dos conteúdos locais e como se exploram os 20% reservados para atender os
21
saberes locais. Para se compreender melhor a discussão sobre os saberes locais no currículo do
Ensino Básico dividiu-se o trabalho em três capítulos.
No primeiro capítulo discute-se a questão dos saberes locais, a sua produção nas comunidades,
a tipologia, o problema de legitimação dos saberes, os métodos de disseminação dos mesmos,
a cultura local como espaço de encontro de discursos sociais e o universal e o local: uma
abordagem epistemológica e educacional. Para fundamentar este capítulo trabalhar-se-á com a
literatura que discute os saberes locais e sua legitimação tendo-se como referências teóricas
autores como Clifford Geertz (1997) Jacques Delors (1996), e Antonio Gramsci (2004). Ainda
será usado o material coleccionado pelo INDE (1999), fruto da recolha feita por esta
Instituição sobre “os conteúdos relevantes de aprendizagem”.
No segundo capítulo deste trabalho trata a questão do currículo nacional como um conjunto de
saberes estruturados e transmitidos na Escola. Assim, o currículo será analisado do ponto de
vista dos fundamentos políticos e teóricos, das Inovações e da estrutura. Para fundamentar este
capítulo serão trazidos autores que discutem as teorias curriculares, como: Antonio Flávio
Moreira e Tomaz Tadeu da Silva (2002), Tomaz Tadeu da Silva (2000), Gimeno J. Sacristán
(2000) e outros. Os materiais documentais locais em análise serão o Plano Curricular do
Ensino Básico (1999), os Programas do Ensino Básico do 1
o
, 2
o
e 3
o
Ciclos (2003) produzidos
por INDE.
No capítulo terceiro analisa-se a relação entre os saberes lo cais e os saberes escolares
veiculados pela escola oficial. Discute-se a relevância do professor como “intelectual
Orgânico” na recolha dos dados para o currículo local. Esta relação é consubstanciada e
institucionalizada pela introdução do currículo local na escola moçambicana. Deste modo, o
terceiro capítulo constitui uma síntese dos capítulos anteriores. A base empírica é sustentada
pelo relatório do trabalho de campo realizado na Província de Nampula.
22
CAPÍTULO I
DISCURSO SOBRE OS SABERES LOCAIS
Os saberes locais fazem parte das temáticas mais discutidas, hoje, no campo de educação. São
discutidos porque o paradigma educacional tende a adaptar-se às condições concretas da vida
das pessoas. A tendência de resgatar a cultura autóctone para trazer na prática educativa fez
com que o currículo do Ensino Básico abrisse um espaço para reflexão das temáticas
específicas locais da vida das comunidades. No contexto actual, a escola se interessa, para
sustentar a sua prática educativa, pela sua inserção na comunidade e pelo reconhecimento de
saberes localizados nela. O interesse pela comunidade tem como objectivo estabelecer as
relações de diálogo entre a própria comunidade e a escola, entre os saberes locais das
comunidades e os saberes universais para o desenvolvimento da prática educativa. É a partir
dessa visão que se define como objectivo deste capítulo à análise dos “saberes locais” para o
seu resgate na escola. Assim, o capítulo está subdividido em 7 subcapítulos: conceptualização
dos saberes locais; fundamentação dos saberes locais; tipologia dos saberes locais; problema
da legitimação dos saberes locais, métodos de disseminação dos saberes locais, cultura local
como espaço de coesão de discursos sociais e, o universal e o local: uma abordagem
epistemológica e educacional.
23
1.1 Conceptualização dos saberes locais
O pressuposto defendido logo a partida é: escutar a tradição e situar-se nela constitui um
caminho para encontrar estatuto axiológico da cultura autóctone. Esse pressuposto é legitimo
nas práticas educacionais e exprime implicitamente a necessidade de conciliar o cientifico e o
cultural como forma de criar um espaço para a cultura local. Portanto, situar-se na tradição é
uma estratégia epistemológica para revitalizar e resgatar os saberes locais. Ao escutar-se a
cultura autóctone tem-se como objectivo reconhecer o valor dos saberes locais num universo
do saber escolar.
Abordagem sobre os saberes locais não é totalmente uma coisa nova no sistema escolar. O
currículo colonial já previa a integração dos saberes locais. E a partir desta perspectiva, os
antropólogos missionários discursavam em volta dos saberes locais, das culturas locais e das
línguas locais. Porém, os objectivos e métodos pautavam-se no processo de evangelização e
dominação portuguesa. A cultural local era tomada como uma questão estratégica para
converter e assimilar os africanos. A intenção era usar os saberes locais para realizar com
facilidade o processo de colonização e de conversão.
Em Moçambique, o primeiro trabalho realizado por missionários ligados aos saberes locais foi
o estudo etno-linguístico. Este trabalho consistiu em estudar as línguas locais para traduzir a
Bíblia. Traduzir a Bíblia em língua local implicava conhecer a cultura do povo falante dessa
língua. Ora, os antropólogos implicados no processo passavam muito tempo a conversar com
os velhos para compreender as suas construções culturais. As línguas locais serviam de meio
para apreender os saberes locais. Contudo, a tradução da Bíblia em línguas locais trazia
implicações políticas e culturais no seio dos nativos. Implicações políticas e culturais porque
alguns conceitos locais eram reajustados segundo a intenção dos colonizadores. As línguas
locais e os saberes locais eram instrumentalizados para facilitar o trabalho dos colonizadores
em África. Assim, na produção e organização do conhecimento escolar, os saberes locais eram
segregados.
24
O currículo introduzido em 1983 também discutia a questão dos saberes locais na perspectiva
de círculos de interesse. Os círculos de interesse eram entendidos apenas como ligação
escola/comunidade e não como o resgate dos saberes localizados nas culturas locais para a
escola. Atenção não foi para a ligação dos saberes, mas sim das pessoas.
Hoje, retoma-se a questão dos saberes locais não para instrumentalizá-los, mas para encontrar
o seu estatuto epistemológico e resgatar o seu significado intrínseco para a escola. É por
resgate que se pode afirmar que os saberes locais têm um corpo de verdades legitimas para
aprendizagem escolar. A profundidade das verdades imanentes nos saberes locais é avaliada
através do seu manejo e utilidade nas comunidades. É com esta linha de pensamento que se
discute a noção dos saberes, nesta dissertação, distinguindo-se de conhecimento; a noção do
local e dos saberes locais.
A primeira questão prende-se na noção dos saberes. O termo “saber” significa, em primeira
mão, ter conhecimento. No sentido fenomenológico, conhecer é ter consciência de alguma
coisa, é apreender o objecto, é captar os fenômenos em suas diversas manifestações. No acto
de conhecer se estabelece uma relação entre o sujeito e o objecto. O sujeito apreende as
qualidades do objecto e o objeto com a sua passividade deixa-se conhecer. O objecto é a coisa
que se pretende conhecer, seja ele material, cultural, ou espiritual e humano.
O ponto de partida é que os saberes não se reduzem ao puro conhecimento nem ao conjunto de
enunciados denotativos. No sentido em que se aborda a questão, os saberes são um conjunto
de enunciados que carregam consigo mesmos as noções de saber ser e estar, saber fazer,
saber escutar e o conhecer. Assim, os “saberes” abrangem uma gama de informações
sistemáticas e não sistemáticas. Lyotard (1989) analisando a pragmática do saber narrativo
discute em volta do que são saberes. Para ele, os saberes se fundamentam na competência que
excede a determinação e aplicação do mero critério da verdade. Os saberes dizem respeito à
eficiência, à justiça e felicidade, à beleza e normatividade. Lyotard afirma que o saber é
aquilo que torna qualquer pessoa capaz de proferir bons enunciados denotativos, mas
também bons enunciados prescritivos, bons enunciados avaliativos” (Lyotard, 1989: 47).
25
O que está subjacente no trecho citado é que o saber é mais abrangente. Ele inclui os
enunc iados científicos e culturais. Os enunciados científicos se fundamentam na metodologia
e os culturais na vida como um todo. Os critérios de validação dos enunciados culturais e
científicos são muito diferentes. Está se usando o termo critério apenas para se mostrar que o
conhecimento científico é aceite pela sua validade universal e o saber pela sua práxis nos
grupos sociais. Os critérios de validação distinguem-se exactamente pela produção e pelo
consumo dos saberes. A produção do saber é diferente da do conhecimento cientifico. Pois, o
conhecimento científico diz respeito ao conjunto dos enunciados susceptíveis de serem
declarados verdadeiros ou falsos, que denotam ou descrevem objectos, com exclusão de todos
os outros enunciados (cf. Lyotard, 1998: 46) e a sua performatividade é universal.
Os enunciados científicos são geridos pela Ciência. A Ciência é um subconjunto do saber. Ela
é constituída por enunciados denotativos e impõe as seguintes condições: a primeira, que os
objectos a que se refere sejam acessíveis à observação explicita; a segunda que decida se cada
um destes enunciados pertence ou não à linguagem científica e, a terceira que os objectos em
análise sejam compreendidos a partir das suas manifestações e contextos em que se inscrevem.
De acordo com estas condições expostas a ciência torna-se uma actividade intelectual e um
processo social fruto de construções culturais.
Retomando a terceira condição nota-se claramente o interesse objectivo das ciências sociais.
Em ciências sociais defende-se que o conhecimento acontece quando se capta e se desvenda o
significado dos fenômenos. No processo do conhecimento se impõem duas categorias
fundamentais denominadas o tempo e o espaço. Na construção da Ciência os sujeitos sociais e
culturais intervêm interpretando e dando significado aos fenômenos dentro das categorias
acima expostas. Mas, a ciência procura explicar e compreender os fenômenos naturais e
humanos. Nas Ciências Sociais e Humanas conhecer é apreender e interpretar o significado
dos fenômenos. Segundo Filho e Gamboa, em Ciências sociais e humanas, conhecer é
compreender os fenômenos em suas diversas manifestações e contextos” (Filho e Gamboa,
2001: 95). Esta forma de conceber o conhecimento é diferente para as Ciências Naturais e
exige o reconhecimento do sujeito. O sujeito que interpreta e dá sentido à sua vida quotidiana.
26
A segunda questão focaliza-se na noção do local. O objectivo, aqui, é definir o local para
facilitar a conceptualização dos saberes locais. O pressuposto é: todos os discursos são
localizados no espaço, como uma das categorias fundamentais para o conhecimento. A noção
do local não se refere apenas ao espaço localizado geograficamente, mas aos discursos
educativos produzidos por pessoas duma determinada comunidade. Refere-se aos discursos de
pertença comunitária que desempenham uma função na educação dos jovens da mesma
comunidade. A questão do local é discutida por educadores com o objectivo de reconhecer a
sua relevância na acção pedagógica. O conceito do local é trazido ao campo da educação para
estabelecer uma ligação entre o discurso global e o discurso comunitário tradicional. Isto
significa que os organizadores das políticas educativas se centralizam nas comunidades de
referência dos actores locais e dos processos de regulação internacional.
Teodoro (2003), a quem se recorre para fundamentar este ponto, discute, na nota introdutória
do seu livro Globalização e Educação, a problemática do local e do global. Ele entende que a
preocupação dos sistemas educacionais é definir as identidades locais entendidas como
responsáveis na produção de discursos comunitários não no sentido geográfico, mas no
sentido de uma pertença a certas comunidades discursivas. Ainda Teodoro citando Nóvoa,
advoga que a busca dos discursos pertencentes a determinadas comunidades ou culturas diz
respeito à “uma reorganização dos espaços educativos, através de regulações econômicas e
políticas que atravessam as fronteiras dos diferentes países” (Nóvoa apud Teodoro, 2003: 14).
No contexto de discurso localista abre-se um espaço para a heterogeneidade e complexidade.
Mas um discurso é considerado local quando tem um carácter regional e caracteriza os falantes
de uma determinada comunidade ou cultura situada no espaço. Melhor, o discurso é localista
quando é produzido nas comunidades locais e tem uma referência ao desenvolvimento
regional.
A terceira questão centraliza-se nos saberes locais. Todo discurso que se focaliza em volta dos
saberes locais é um discurso etnográfico, pois é uma descrição da cultura. É um discurso que
se centraliza na cultura tradicional autóctone onde os saberes locais se enraízam. Esse tipo de
discurso descreve como um determinado povo dá sentido à sua vida, como se relaciona e quais
as prescrições morais aceites. Clifford Geertz (1997) afirma repetidas vezes que toda a
27
Etnografia funciona à luz do saber local. Geertz sustenta que para um etnógrafo “as formas de
saber são sempre e inevitavelmente locais, inseparáveis de seus instrumentos e de seus
invólucros” (Geertz, 1997: 10). O antropólogo Geertz analisa vários fenômenos culturais de
diversos povos para mostrar que os saberes locais se manifestam “através de uma série de
formas simbólicas facialmente observáveis, um repertório elaborado de designações” (id. 95).
Para ele, o mundo é um palco onde os actores fazem as suas construções culturais. Essas
construções caracterizam a maneira como cada povo vive, convive e representam o universo
dos saberes locais.
Todo o universo de saberes, como: os direitos costumeiros, os mitos, as religiões, as línguas, a
agricultura, a arquitectura, a música, as artes, a literatura, artesanato, a pintura, os fenômenos
sócio-culturais, a economia, a imaginação, a moral e a política têm a sua origem na localidade.
Estes são construções de grupos sociais localizadas nas comunidades e funcionam à luz da
cultura local, portanto, do saber local. Por conseguinte, são designados de saberes locais. Usa-
se o termo saberes locais não se restringindo apenas às formas de saberes nativos, mas
estendendo-se para todas as formas de saber que se produzem e se capturam nas comunidades.
Obviamente o estudo dos saberes locais pretende apreender as formas como os grupos sociais
locais produzem seus mundos, ordenam os seus discursos, estruturam as regras que norteiam o
seu comportamento e como dão significados aos acontecimentos quotidianos. Trata-se de um
estudo que questiona sobre como as comunidades organizam e orientam as suas vidas. Esse
estudo se situa na história e torna-se história. O estudo etnográfico compreende e interpreta a
cultura. Os saberes locais estão ligados à cultura e à vida das pessoas. Na verdade, os saberes
locais resultam de informações localizadas nos grupos humanos e servem para a definição de
um padrão de vida quotidiana. Os saberes locais são base do meio humano vivido como
constitutivo do conteúdo. Eles são solidificados e cristalizados pelas comunidades para sua
transmissão às gerações vindouras.
Como foi dito, os saberes locais se oferecem sob forma de cultura popular ordenada em torno
do prazer, do mito, de tabus, de crença, de diversão e educação, de rituais e da sobrevivência.
Nas comunidades tradicionais eles se resumem em habilidade, práticas, atitudes, experiências,
28
mitos, valores e modos de relacionamento com os antepassados e deuses. A sua disseminação
obedece aos padrões estabelecidos pela comunidade.
Mas uma abordagem sobre os saberes locais não pode prescindir da abordagem sobre o saber
universal. O saber local se dá dentro do universal e vice-versa. Para que o saber local não se
reduza a pura descrição de divertimentos populares deve, ao reconhecer as diferenças
culturais, respeitar a totalidade. Para consubstanciar esta idéia recorre-se a Peter McLaren que
afirma que: “(...), enquanto as educadoras devem afirmar os conhecimentos sociopolíticos e
os posicionamentos éticos ‘locais’ dos seus alunos e alunas, o conceito da totalidade não
pode ser abandonado completamente” (McLaren, 2000: 81). McLaren deu razão a Frederic
Jameson quando este destacou que:
As lutas locais (...) são eficientes somente na medida em que elas também se mantiverem
enquanto imagens ou alegorias para alguma transformação sistêmica maior. A política
tem que operar nos níveis micro e macro simultaneamente; uma modesta limitação às
reformas locais dentro do sistema é razoável, mas prova, com freqüência, uma
desmoralização política (Jameson apud McLaren, 2000: 81).
McLaren viu a necessidade de se colocar no mesmo “departamento” os dois saberes,
acreditando que nem toda universalização violenta o local e vice-versa. Ele critica a cultura
homogeneizadora que sustenta a existência de uma narrativa mestra. A narrativa mestra tem de
dialogar com a narrativa local. McLaren recorre a Zavarzaden e Merton que, segundo ele,
constataram que “o entendimento do global é uma forma de explicação que é relacional e
transdisciplinar e que produz um volume de ‘efeitos-de-conhecimento’ de cultura ao relatar
várias seqüências culturais” (McLaren, 2000: 85).
Tanto para McLaren como para o espírito da dissertação, os saberes locais são abordados com
vista ao conhecimento curricular no sentido que eles sejam integrados na escola. Por isso, há
uma centralidade nas construções culturais, morais, artísticas e religiosas que tinham sido
instrumentalizadas. Há uma nova visão sobre as culturas excluídas na produção e veiculação
do conhecimento. A nova Filosofia da educação pretende combater as diferenças culturais, a
apropriar e resgatar os saberes locais para a escola.
29
Capece (2001) procura anotar a importância dos saberes locais para combater o fracasso
escolar. Ele mostra que o resgate dos saberes locais na instituição escolar ganhou dinamismo
com a intervenção dos responsáveis do projecto da área de educação prioritária de Liverpool.
Este autor, recorrendo a Forquin, constata que o que a escola veicula vai ao encontro dos
alunos da classe média porque a pedagogia desenvolvida não se baseia na vida das
comunidades e nas características do meio local. Capece inspira-se em Midwinter citado por
Forquin (1993) que constatou que:
O fracasso escolar das crianças dos bairros desfavorecidos exigia uma abordagem
pedagógica radicalmente nova, que devia se apoiar sistematicamente nas características
culturais da comunidade na qual vive a criança e procurar estabelecer (ou restabelecer)
uma coerência entre a escola e o meio (Forquin, apud Capece, 2001:192).
Para posicionar os saberes locais, o conhecimento escolar dado às crianças deve atender as
culturas locais e os grupos sociais eliminando a distância entre o local e o universal.
1.2 Fundamentação dos saberes locais
A fundamentação dos saberes locais pode ser feita em três vertentes: socio-antropológica,
filosófica e educacional, das quais serão expostas a seguir.
A primeira vertente é socio-antropológica e baseia-se fundamentalmente em Geertz (1997)
que descreve uma análise do saber local. Esta vertente é legitima porque o problema de
validação de saberes locais está ligado à emergência dos estudos antropológicos. Os estudos
socio-antropológicos sustentam o reconhecimento do valor social e gnosiológico da cultura
local, base do saber local. O pressuposto básico é: a cultura pode dinamizar a aprendizagem e
a escola pode socializá-la. Com este propósito, os antropólogos sociais interessaram-se pelos
aspectos culturais. Tais aspectos interferem na estrutura cognitiva do aluno. Eles são o objecto
de estudo de Antropologia. A Antropologia enquanto disciplina procura compreender e
30
interpretar o comportamento dos grupos humanos e suas construções culturais. Na prática,
fazer a Antropologia é desenvolver uma pesquisa de cunho etnográfico, ou seja, é interpretar
as culturas. Desenvolver a Etnografia é, de forma epistemológica, justificar que o
conhecimento se constrói a partir da compreensão de significados localizados em contextos
culturais em que são produzidos. A Etnografia discute sobre o reconhecimento do valor
intrínseco da cultura local. Geertz (1989), queria mostrar a importância das comunidades na
modelagem dos saberes locais e na estruturação dos seus discursos e afirma que a
interpretação antropológica faz a leitura do que acontece nas comunidades para se
compreender como as pessoas estruturam o seu conhecimento. Ele descreveu os modus
vivendi de vários povos americanos e africanos.
O objectivo de Geertz na sua descrição é o de identificar e recolher os aspectos relevantes da
cultura local para a sua sistematização e transmissão. Isto impulsiona a interrogação do
estatuto axiológico da cultura vivida para a escola. Ainda, com a emergência dos estudos
culturais, os currículos tenderam a articular-se com aquilo que se chama neste trabalho de
saberes locais. Estes reflorescem em debates actuais como forma de reconhecimento da
existência de um contrato entre as culturas (tradicional e moderna). Os estudos culturais ao
operarem uma reversão na tendência naturalizada admitem, partindo de um ponto de
referência, configurar um movimento das margens contra o centro. Melhor, aposta-se nas
epistemologias das culturas tradicionais contra a tendência fixa de considerar uma cultura
única a partir de um centro hegemônico.
Em África, estudos sobre as culturas foram levados a cabo por antropólogos missionários
ocidentais que publicaram escritos em defesa duma cultura única. Esses estudos tinham uma
tendência colonial e visavam conhecer o “outro” como diferente. Sendo assim, os seus
discursos denotavam as culturas africanas na terceira pessoa. Os antropólogos elaboraram as
categorias racionais para explicar como os africanos pensam e desenvolvem as suas relações.
Trata-se de discursos que reflectiam sobre os saberes tradicionais endógenos
2
, dos quais os
antropólogos e etnofilósofos usavam para deduzir e interpretar a lógica racional dos povos
2
Expressão adoptada por Hountondji para significar os saberes produzidos e existentes nas comunidades
africanas. A estes saberes o INDE chamou de “necessidades relevantes de aprendizagem” e nesta dissertação se
designam de “saberes locais”.
31
africanos. Esses estudiosos apropriaram-se dos saberes autóctones locais considerando-se de
porta-vozes fiéis na produção dos mesmos no seio das comunidades. Neste sentido, mudaram-
se as formas de conceber a verdade local e deu-se mais importância a lógica européia. O que
ficou de fora é a tomada de consciência de que o discurso sobre os saberes locais, num mundo
global onde convivem culturas diferentes, é paradoxal no sentido em que a comunidade pode
ser tomada como fábrica na qual os saberes são constituídos, a cultura pode ser concebida
como território onde os saberes se modelam e, a escola como costura onde estes se aliavam,
reestruturam e se organizam.
No campo da Educação a cultura local foi descrita em terceira mão. A descrição da cultura
local no currículo tinha como objectivo facilitar a dominação. De facto, a Educação se
caracterizava pela atitude de subordinação, mantendo o mito da superioridade do colonizador.
Na escola transmitia-se a cultura portuguesa e o complexo de inferioridade às populações
locais. A abordagem educacional tinha sido dominada pelas reflexões que tendem a favorecer
o poder colonial que se “fazia sentir” quer nos funcionários do aparelho colonial, quer nos
intelectuais e educadores do aparato burocrático, quer nos missionários, antropólogos e
cientistas comprometidos com o pacto colonial. Estes faziam inventários, como se afirmou,
das culturas e tradições africanas, modelando a imagem de um negro inferior. A educação
oferecida aos africanos, para além de silenciar os discursos africanos, desenhava uma criança
com dupla característica ou dois comportamentos: um europeu e outro africano. Os objectivos
das escolas palpitavam-se em "civilizar ou aculturar" os indígenas aos moldes dos
colonizadores.
Estudos sociológicos feitos em Moçambique fazem a crítica ao procedimento dos
colonizadores que renegaram o direito de intelectualidade aos actores sociais africanos.
Renegaram a intelectualidade no sentido de que os colonizadores expropriaram e apropriaram-
se da cultura e do saber local dos africanos. Elisio Macamo (2004) expõe a questão de
expropriação e apropriação dos saberes locais africanos pelos colonizadores. Macamo aborda
isso no seu livro A Leitura Sociológica: Um Manual Introdutório de 2004, inspirando-se num
artigo “A Natureza, a biodiversidade e o conhecimento local: qual o papel do cientista
social?”, da antropóloga moçambicana Paula Meneses. Meneses critica os colonizadores por
32
estes reduzirem o saber local em saber apolítico, não-econômico e supersticioso. Macamo
retoma o artigo de Meneses para descobrir a sua cientificidade.
O discurso de Macamo interessa neste trabalho porque versa sobre a expropriação e a
apropriação do saber. Isto é, a reestruturação e a apresentação do saber local com
características diferentes dos produtores tradicionais locais. De facto, os colonizadores
dominaram e se impuseram à cultura dos africanos para depois lhes tirar o conhecimento e as
tradições. Numa primeira fase, eles se manifestaram como actores sociais externos e, na
segunda como intermediários no saber apropriarando-se do saber produzido nas comunidades.
Na visão do colonizador todo o saber que não respondesse as intenções determinadas era
considerado de superstição. Para contrapor-se a esta posição Meneses faz uma crítica.
Macamo retoma a crítica de Meneses para mostrar o valor do saber local. Ele procura
cientificar o saber local no sentido de despí-lo da visão negativa. Na óptica do autor, os
saberes locais são (...) expropriados e apropriados por actores externos à sua produção
original sendo os legítimos proprietários produtores excluídos dos benefícios da sua obra
(Macamo, 2004: 95). O saber local é expropriado ao verdadeiro produtor e capitalizado por
empresas e por cientistas. O que facilitou a expropriação e apropriação do saber local foi à
ciência. Por isso, organizar o saber local para ser transmitido na escola é o que preocupa os
educadores no dia-a-dia.
No período colonial a hipótese de se criar um currículo que pudesse resgatar os saberes locais
era impensável. Os saberes locais eram encarados como instrumentos para compreender a
racionalidade dos povos africanos para depois dominá-los. O conhecimento sobre os saberes
locais era um veiculo para cumprir os objectivos de missionação e de colonização. Os
colonizadores reduziam o valor dos saberes localizados nas culturas em instrumentos, ou seja,
em superstição. Por outra, detinham instrumentos para legitimar as construções culturais locais
em saber ou não. Essa legitimação externa fazia com que os africanos pudessem ver a
realidade quotidiana à luz da cultura dos colonizadores. Contudo, alguns pensadores como
James Africanus Beale Horton (1868) e Edward Wilmot Blyden (1857) contestavam a questão
da inferioridade dos africanos. Estes pensadores começaram a reflectir sobre os programas do
33
ensino com o intuito de transformá-los em programas inclusivos. Eles estavam preocupados
em construir um currículo que introduzisse as aprendizagens relevantes para as sociedades
africanas. A idéia era fundar escolas que pudessem contextualizar as condições específicas do
continente. Enquanto Horton (1868) defendia a necessidade de as línguas africanas serem
escritas e ensinadas na escola e a complementaridade do ensino geral com o ensino técnico
profissional, Blyden (1857) desenvolvia, em primeira mão, a idéia de “revitalização da cultura
dos africanos” (Castiano et al., 2005: 202).
Segundo Castiano, Horton sugeria um currículo virado às condições locais dos africanos. De
facto, “quanto ao currículo, ele ‘abria a mão’ para que os alunos, para além de aprenderem a
ler, escrever e contar, também tivessem algumas matérias ou mesmo disciplinas que se
julgassem adequadas às condições regionais” (Castiano et. al., 2005: 199). O seu intuito era
de construir uma escola enraizada na cultura africana, Blyden estabelece contactos com as
comunidades locais e interessa-se pelas civilizações mais antigas em África. Ele estava certo
de que para operar uma reforma educacional precisava conhecer as culturas e línguas
africanas. Conhecendo as culturas e línguas africanas podiam se desenhar um currículo que se
adequasse às condições próprias dos africanos e as escolas seriam a principal arma para
combater o mito da superioridade da cultura ocidental perante as culturas tradicionais locais
africanas.
Por outro lado, Blyden (1857) reconhecia o valor de cada cultura e as diferenças culturais. Ele
era de opinião que cada cultura tivesse que se desenvolver sem influência negativa de outras
culturas, pois constatava que a cultura européia socializada pela educação colonial sufocava e
até destruía as culturas locais africanas. A educação fundamentada na missionação inculcava
uma crença que substituía as religiões africanas em superstições e magias. Para ultrapassar
este cenário, Blyden propunha uma escola que tivesse como desafio à introdução de
disciplinas como Leis e Costumes Indígenas, Religiões africanas, Sistemas políticos
Indígenas, Música africana, Mitologia africana assim como História, Geografia, Geologia e
Botânica de África” (Blyden apud Castiano et. al. 2005, 205). Na opinião de Castiano o
currículo proposto por Blyden viria, por um lado, a defender e revitalizar as culturas africanas
e, por outro, a possibilitar o ensino de línguas locais e integração de conteúdos locais.
34
As ideologias de Horton e Blyden concentram-se nas culturas tradicionais locais dos africanos
estimulando a definição de um currículo que integre os saberes locais no mundo moderno. Um
mundo que se caracteriza pela existência de duas sociedades com discursos bem distintos que
apontam para coexistência de duas esferas: a esfera tradicional e a moderna. No domínio do
conhecimento esse mundo enfatiza, actualmente, o conhecimento científico e o conhecimento
vulgar ou o senso comum que se intercruzam. Economicamente se desenvolve, no mundo
moderno, um discurso que é dirigido para economia global e economia local e, no campo da
educação, a reflexão assenta sobre, como secunda Castiano (2003: 3), a “educação formal com
padrões morais e estruturais de modernidade e educação tradicional” que ocorre a nível local
tendo como base de legitimação as comunidades concretas e autoridades locais.
Na estrutura do novo currículo se fazem sentir as abordagens de âmbito nacional e local
norteadas pela Escola Moderna. A presença da Escola Moderna como ordenadora faz com que
estes dois se subordinem ao currículo universal. No esforço da territorialização curricular, a
tendência dominante é substituir as grandes narrativas coloniais pelos pequenos discursos que
reivindicam os direitos de reconhecimento do seu espaço de acção e a representação dos
diferentes grupos culturais.
O que se pode salvar nestas dicotomias é a disputa pela harmonização das diferenças
existentes de forma a administrá-las e a integrá-las num mundo inofensivamente plural. Trata-
se de gerir a dialéctica entre “o ser e o não ser”; em linguagem de Parmênides, o saber e o não
saber; o conhecimento vulgar e o conhecimento científico e, os saberes locais e saberes
escolares. O crucial é que se compreenda que as aspirações à universalização do conhecimento
sejam desenvolvidas sem o desrespeito aos saberes locais.
A segunda vertente é filosófica. Nela a pesquisa procura fundamentar-se em Boaventura de
Sousa Santos que discute a questão do “paradigma dominante”
3
das ciências experimentais. A
3
O termo paradigma dominante em uso nesta dissertação se cunha a Boaventura de Sousa Santos (1997) e refere-
se ao modelo de racionalidade criado pela ciência moderna e desenvolvido a partir da revolução científica do
século XVI centrada no campo das ciências naturais. Este paradigma defendeu as idéias matemáticas como sendo
idéias adequadas para construção do conhecimento rigoroso e profundo.
35
utilização do termo ‘paradigma dominante’ nessa pesquisa não pretende penalizar a Ciência
Moderna, mas serve para mostrar que o saber se desenvolveu no domínio das ciências naturais
usando métodos apropriados de carácter quantitativo. A crítica que se pode fazer é que o
paradigma das ciências naturais teve a presunção exclusivista em relação ao saber local. Essa
presunção se nota na medida em que nega o carácter racional a todas as formas de
conhecimento que não se pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras
metodológicas” (Santos, 1997: 11).
O ‘paradigma dominante’ considerou como sendo o saber todo aquele que usa os métodos
racionais e universais. A racionalidade e universalidade foram princípios da Matemática. A
Matemática considerava que os seus postulados eram claros e distintos a partir dos quais se
construía o conhecimento profundo e rigoroso. Segundo Santos (1997), o conhecimento era
tratado em duas perspectivas: a primeira diz que “conhecer significa quantificar”; nesta
justifica-se que o rigor da ciência passa pelo critério das medições e, a segunda, diz que
conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar as relações
sistemáticas entre o que se separou” (ibid: 15). Com base nestas concepções, o conhecimento
veiculado pela escola é aquele que é susceptível a experimentação, observação e classificação.
Santos (1997) faz uma crítica a esse modelo de raciona lidade que apenas pretendeu privilegiar
o funcionamento da ciência em detrimento dos fenômenos sociais. Para ele o conhecimento se
reduz apenas a quantificação, mas também a compreensão dos fenômenos. O conhecimento
compreensivo se inscreve nas ciências sociais. Tendo visto a necessidade de definir o estatuto
dos fenômenos sociais, Santos defendeu a criação duma ciência social que estudasse o
comportamento humano e procurasse compreender os fenômenos sociais a partir das atitudes
mentais e dos significados que os homens dão as suas acções. Com as críticas, Santos advoga
a emergência de um outro paradigma que vai se interessar pelo saber dos sujeitos locais. Ele
afirma que as ciências sociais não estão procurando apenas aquela racionalidade universal,
mas repercurtem-se nas disputas quotidianas da vida local.
O novo paradigma iria dar a possibilidade de as ciências sociais reflectirem e defenderem que
todo o saber científico é social, local e total no sentido de que é produzido pelos sujeitos
36
localizados numa cultura vivida e /ou numa sociedade. Esta crítica ao paradigma dominante
traz um novo horizonte que permite discutir as questões de valor, da ética, da compreensão
dos grupos, do senso comum e do tema do saber local. E a escola, hoje, pautando-se no
paradigma emergente precisa e discute o saber tendo como horizonte à universalidade e
localidade. A pesquisa recorre a este pressuposto para a afirmar, como constatou Santos, que:
O saber constituiu-se em redor de temas que em dado momento são adaptados por grupos
sociais concretos como projectos de vida locais, sejam-os a reconstruir a história de um
lugar, manter um espaço verde, construir um computador adequado às necessidades
locais, fazer baixar a taxa de mortalidade infantil, inventar um novo instrumento musical,
erradicar uma doença, etc., etc. (ibid: 47).
O saber que conhece a sua origem na localidade tem um estatuto axiológico para a escola e
pode ser explorado e sistematizado. Santos abre um horizonte para se discutir a possibilidade
de saber local produzido pelos grupos sociais e sua relação com o saber universal.
Tomando-se a realidade moçambicana, a escola teve duas fases. Na primeira, ela esteve
organizada obedecendo a um padrão colonial que se arrastou até depois da independência.
Nesse currículo, obedecendo-se apenas ao paradigma dominante, os saberes locais não tinham
sido sistematizados e institucionalizados com o objectivo de resgatar o seu valor intrínseco. Na
segunda, o INDE propõe 20% do tempo para inserção de saberes locais, comunitários,
quotidianos na sala. Neste currículo prioriza-se a diversidade cultural e sustenta-se um
cruzamento entre a cultura universal com a cultura local.
Para realçar a idéia de cruzamento Lyotard (1989) relaciona o saber local com o saber
científico. Ele entende que o saber científico não é só o conjunto de enunciados, mas é
também o saber voltado à vida quotidiana. A escola tem obrigação de ensinar esse saber. O
saber quotidiano é abrangente e prático e diz respeito à vida da localidade. A relação que
Lyotard faz entre o saber local e o saber cientifico é legítima. Porque o saber se auto-afirma
como saber científico recorrendo o saber local. Por isso, Lyotard afirma que o saber
científico não pode saber e fazer saber que ele é verdadeiro saber sem recorrer a outro saber,
narrativa, que é para ele o não saber, em cuja ausência ele é obrigado a pressupor-se a si
37
mesmo, caindo assim no que condena, a repetição do próprio, o preconceito” (Lyotard, 1989:
64).
A terceira vertente é a educacional. Nesta vertente os fundamentos sobre os saberes locais são
construídos com referência aos estudos curriculares, culturais introduzidos pela sociologia do
conhecimento. Com relação aos estudos curriculares toma-se como referência à preocupação
do INDE em introduzir o currículo local. Esta preocupação terá sido fomentada e alimentada
pela Igreja que, primeiro traduziu o seu instrumento de fé (Bíblia) em línguas locais e luta pela
dignidade humana exigindo que a escola priorizasse a questão de valores. Por outro lado, o
INDE constatou que depois do Ensino Básico o aluno não está preparado para responder os
desafios da vida e para resolver esta questão propõe a gestão do saber fazer, saber conviver e
saber ser na escola. Estes saberes pertencem à escala de saberes locais e precisam de uma
fundamentação pedagógica.
No último quartel do século XX, a Escola de Birninghan, na Inglaterra interessou-se pelas
questões culturais na definição do currículo. As discussões desenvolvidas nessa escola em
volta das culturas tinham como objecto reformular os sistemas educativos adequando-os às
condições culturais locais dos alunos. A finalidade das discussões era incluir as culturas na
decisão do saber escolar. As discussões em volta da educação terminaram com florescimento
de dois grupos com os objectivos diferentes. Um grupo interessou-se pela reforma educacional
associada aos imperativos das empresas. Este transformou a escola em um centro de
treinamento para responder a demanda do mercado. Assim, a função da escola foi gerenciar os
conhecimentos e habilidades para o mercado. O outro que se impõe na Inglaterra e nos
Estados Unidos estava virado pelos aspectos culturais. O objectivo deste último grupo era de
construir uma escola livre e democrática com características de equidade e justiça social. Esse
grupo designado culturalista caracterizou-se pela defesa da diversidade cultural e étnica.
O interesse pelos aspectos culturais e étnicos foi ponto de partida para os pensadores
conceberem a escola como espaço de intercâmbio cultural. Neste sentido o currículo foi
definido não apenas como uma questão técnica, mas também social e cultural. Valorizaram-se
mais as necessidades básicas de aprendizagem e as questões ligadas a cultura local. As
38
políticas educacionais foram definidas em função das exigências das comunidades. O
currículo tendeu adequar-se aos contextos locais, regionais, nacionais.
A adequação da Educação aos contextos locais foi um tema discutido na conferência de
Jomtein, em 1990 e, registado no relatório “Educação para Todos” de Rosa Maria Torres
(2001). Segundo Torres, a adequação às necessidades locais foi anunciada como imperativo
para o desenvolvimento de cada país. Tal adequação passa pela flexibilização do currículo.
Para Torres, a flexibilidade e adaptabilidade aos contextos locais são um parágrafo
obrigatório em quase todos os documentos internacionais e, concretamente, naqueles
produzidos na década de 90 pelas quatro agências que patrocinaram a Educação para
Todos”, (Torres, 2001: 18).
Esta autora trouxe incentivos para que cada país adapte princípios e metas às próprias
condições e aos contextos próprios e, estabeleça um programa que incorpore os diferentes
saberes produzidos nas culturas. Deste modo, compete a cada país desenhar uma política
curricular que responda às necessidades relevantes de aprendizagem. O propósito é que cada
país defina as estratégias diferenciadas para as diferentes regiões assim como dentro de cada
uma delas e mesmo no interior do país.
A melhoria da qualidade de educação não pode prescindir-se da cultura autóctone e do seu
valor para a escola. A qualidade do ensino tem de ser abordada tendo-se em conta a
diversidade cultural e as experiências dos alunos na sala de aula. A autora supracitada
acrescenta ainda que:
Assumir a diversidade implica uma virada profunda nos modos convencionais de pensar e
fazer a educação, política e reforma educativa, tanto nacional como internacionalmente,
tanto dentro como fora do sistema escolar. Significa distanciar-se da tendência usual de
pensar e fazer a educação a partir de visões centralizadas e homogêneas para um país
inteiro, para toda uma região ou até mesmo para ‘os países em desenvolvimento’(...).
Implica assumir que cada país deverá definir políticas pensadas a partir da própria
realidade, políticas relevantes e aprofundadas ao seu contexto, história, cultura, tradição
educativa, e que levem em conta o nível de desenvolvimento de suas instituições (id: 81).
39
Se se encarar a escola como local de convivência das culturas, as políticas educativas serão
desenhadas em função da cultura local e universal. A escola reconstituirá centro de encontro
entre o saber escolar e os saberes locais. A escola constituirá local público e democrático onde
o aluno aprende a respeitar a diversidade e adquire o conhecimento e as habilidades para viver
em uma democracia. Neste contexto as escolas não serão definidas apenas como extensões do
trabalho, mas como esferas públicas democraticamente construídas em torno de formas de
investigação crítica que dignificam o diálogo cultural e a criatividade humana.
A adequação aos contextos locais atendendo a diversidade cultural foi um desejo defendido na
definição do currículo do Ensino básico em Moçambique. De facto, no novo currículo nota-se
o espírito da pedagogia crítica e sensível às culturas ao se tomar conta à diversidade cultural e
a centralidade no aluno. Na verdade, a relevância do currículo, segundo INDE e MEC (2003:
8), está na constatação de que a “educação tem de ter em conta da diversidade de indivíduos e
dos grupos sociais, para que se torne num factor, por excelência, de coesão social e não de
exclusão”.
A partir dos pressupostos apresentados pode-se concluir que os saberes locais são relevantes
para a aprendizagem e, por isso, o seu resgate para a sala é imprescindível. Para isso, é
racional fundamentar o porque do resgate da cultura local para a escola. O novo currículo
parece pretender acabar com a regionalização dos saberes e conceber um projecto voltado à
diversidade cultural, embora o conhecimento progrida dando referência ao universal.
40
1.3 Tipologia dos saberes locais
Analisado o tema da fundamentação dos saberes locais urge delinear os tipos de saberes que
interessam à escola. A comunidade produz e veicula alguns saberes que se pretendem
categorizar neste trabalho. O seu enfoque para escola justifica-se por duas razões: a primeira,
revitalizar o valor intrínseco dos saberes locais e, a segunda, eles favorecem a inserção do
aluno na sua comunidade. A escola administra um conhecimento estruturado em disciplinas
para responder aos problemas duma determinada área e a comunidade serve-se dos saberes
locais para resolver os problemas do dia-a-dia. Os saberes locais estão categorizados em áreas.
A par da categorização, dois autores contemporâneos escrevem sobre a tipologia dos saberes
que a educação deve oferecer. Cada um deles fez a sua categorização. Trata-se de Jacques
Delors (1996) e de Edgar Morin (2000). Por um lado, Delors expôs quatro tipos de saber
considerando-os de pilares fundamentais para educação, designadamente: “aprender a
conhecer”, “aprender a fazer”, “aprender a viver junto” ou “aprender a viver com os outros e
aprender a ser”. Por outro, Morin, centrando-se no problema da complexidade, colocou sete
saberes para a educação. Os sete saberes necessários para a educação do futuro não estão
concentrados em nenhum programa escolar para o seu ensino. Eles abrangem todos os níveis
discutindo problemas específicos. Segundo Morin, dizem respeito aos sete buracos negros
fragmentados pelos programas educativos. Para Morin esses buracos são: o Conhecimento, o
Conhecimento Pertinente, a Identidade Humana, a Compreensão Humana, a Incerteza, a
Condição Planetária e a Antropo-ética. Na óptica de Morin, estes saberes fazem falta nos
programas escolares, porém, não serão desenvolvidos nesta pesquisa. A grande preocupação
dos autores referidos é desenvolver a educação para vida e para o mundo de trabalho. Das
tipologias apresentadas interessa descrever a proposta feita por Delors, que se refere a um
programa de educação para o futuro. Em síntese os saberes delineados por Delors são:
a) Aprender a conhecer aprender a conhecer constitui o primeiro tipo de saber para Delors e
é um saber de carácter científico. Este saber oferece ao aluno estrutura lógica que lhe permita
ler e interpretar o mundo. Com este, o aluno lança-se à descoberta. Delors sustenta que “o
aumento de saberes sob diversos aspectos leva a compreender melhor o ambiente, favorece o
41
despertar da curiosidade intelectual, estimula o sentido crítico e compreende o real mediante
a aquisição de autonomia na capacidade de discernir” (Delors, 1996: 78).
b) Aprender a fazer este é o segundo tipo de saber. Este tipo de saber responde às questões
de como se faz algo, portanto, é um saber prático e está ligado ao profissionalismo. A
preocupação é como o aluno aplica na prática os conhecimentos adquiridos.
c) Aprender a viver juntos é o terceiro tipo de saber e constitui um dos pilares da educação
exposto por Delors e responde ao desafio colocado para as zonas urbanas e semi-urbanas onde
os efeitos de globalização se fazem sentir com grande incidência. Delors afirma que a
educação tem por missão, por um lado, transmitir conhecimentos sobre a diversidade da
espécie humana e, por outro, levar as pessoas a tomar consciência das semelhanças e da
interdependência entre os seres humanos do Planeta” (id: 84).
d) Aprender a ser - o aprender a ser é o quarto tipo do saber que pode ser conjugado com o
saber viver com os outros. Neste saber o aluno desenvolve os juízos de valor para agir com
prudência na sociedade. O aluno reconhece os aspectos corporais, espirituais, estéticos e
sensíveis.
Partindo desta formulação é possível fazer-se uma tipologia de saberes locais. Os saberes que
as comunidades administram comportam os modos de agir, de comportar-se, de fazer
trabalhos, de se relacionar com os transcendentais, de curar as doenças e de resolver os
problemas. Eles são agrupados, à semelhança da tipologia delorsiana, em saber, saber
conviver, saber fazer, saber ser e saber metafísico. Este último se associa às crenças. Os
saberes categorizados fazem parte do capital cultural de grupos sociais. Para mais
compreensão se descreve cada um destes saberes:
a) O saber (do qual faz parte o conhecimento) - é uma categoria que estimula os
indivíduos. Este saber se vincula à narração dos factos históricos da vida da
comunidade. Está na base deste saber as metáforas e alegorias que se usam para
transmitir os ensinamentos. Este saber é ministrado pelos mais velhos (anciãos). Trata-
42
se de uma pedagogia vertical e radical que se impõe de cima para baixo e que se
manifesta nas em todas as áreas de saber local. Crê-se da experiência dos mais velhos.
Em termos de conhecimento os jovens abandonam obedecer a um grupo de velhos e se
submetem ao outro. No entanto, neste saber as crianças aprendem a origem da sua
família, dos reis, origem dos lugares míticos e os importantes rios da região. Aprendem
também a interpretar os fenômenos que se prendem com a desgraça (no caso de
doenças e de falta de chuvas) e os que estão ligados com a felicidade, como:
nascimento de um bebé, boa colheita, etc.
b) O saber conviver - esta área do saber, no espaço comunitário, é dominada,
maioritaramente, por pessoas idosas (anciãs) com experiências sólidas, designadas por
‘enciclopédicos’ tradicionais. O saber ministrado aqui se baseia nos bons modos. Na
escola, este saber está conexo com a disciplina de educação cívica e moral. O objectivo
desta área de saber na comunidade não se funda em transmitir apenas valores morais
aos indivíduos, mas oferecer bases para que os indivíduos desenvolvam a autonomia
moral. Uma vez desenvolvida a autonomia moral, o aluno sabe estimar-se e estar com
os outros. Localmente, saber conviver diz respeito aos modos de comportamento e
pode ser transmitido nos ritos. O conteúdo dos ritos é educação para a vida adulta e
para a família. Nos ritos, as crianças são educadas a respeitar, ter coragem sobre os
acontecimentos, tratar os mortos, assumir a responsabilidade na família, a serem
dedicadas e a cumprirem as regras de higiene.
c) O saber ser - esta área é uma dimensão do saber em que a criança aprende a estimar-
se. Ela se esforça pela sua liberdade e pelo seu reconhecimento social. Neste saber, o
aluno desenvolve os aspectos corporais e estéticos. Aprende também as prescrições
morais e os modos de se relacionar com os outros.
d) O saber metafísico esta área de saber se fundamenta nas crenças. Através dele, a
criança confronta-se com as questões cosmológicas e míticas e desenvolve o aspecto
espiritual. Em Moçambique e, em particular na cultura Macua, uma parte de pessoas
crê na existência de um Ser Supremo e Criador do Mundo. Crê-se também nos seres
43
intermediários entre o Ser Supremo e seres humanos viventes. O Ser Supremo (Deus-
Criador) permeia o ciclo vital desde o nascimento até a morte. Os intermediários são os
antepassados que desempenham uma função social de protecção. As afirmações do
tipo: os antepassados são protectores fundamentam-se na crença de que tudo tem vida,
isto é, a vida continua depois da morte. Os antepassados continuam a conviver com os
vivos, embora pertençam ao mundo invisível. Esta convivência tem a dimensão
espiritual, mas se concretiza nos trabalhos práticos. As pessoas crêem que todos os
benefícios da comunidade são devidos ao respeito aos antepassados. Esta crença se
estende também para os mágicos e especialistas de ritos. Refere-se às pessoas que têm
o poder de expulsar o espírito mau nos viventes. A crença nos antepassados e em Ser
Criador estimula a solidariedade nas crianças. A escola pode relacionar com várias
tradições que valorizam a relação com os antepassados, sejam filosóficas ou grupos
culturais. Ela pode absorver este tipo de conhecimento porque a idéia de que os
antepassados solidificam os laços solidários e estimulam a cooperação favorece
respeito mútuo.
e) O saber fazer - esta área de saber ocupa grande relevo tanto na comunidade assim
como na escola. O saber fazer é indissociável do saber conhecer. Contudo, o saber
fazer responde a questões práticas. O objectivo deste saber é pôr em prática o
conhecimento adquirido, quer na escola formal quer nas comunidades. Constituem
conteúdos do saber fazer a agricultura, escultura, jardinagem, construção, pesca,
culinária, pecuária, etc. Estes respondem à vida prática da comunidade instruídas na
criança. Esta aprende a construir casas, a costurar, abrir machambas, etc. Na escola, o
saber fazer é transmitidos em todas as disciplinas e, muito particularmente na
disciplina de Ofícios. No novo currículo, as disciplinas responsáveis para este tipo de
saber são na sua maioria Educação Visual e Ofícios. Nas comunidades, os especialistas
(detentores) do saber fazer são os homens, as mulheres e os jovens. Nestas
comunidades, as competências são do tipo tradicional e a aprendizagem destina-se à
formação de indivíduos capazes de participar formal e informalmente no
desenvolvimento da região. Porém, o saber fazer traz consigo o adjectivo “bem” que
lhe leva a ganhar a dimensão de competência. De facto, quando se diz que sabe
44
construir, caçar, cozinhar, etc., significa que faz bem e, fazer bem implica ser
competente naquelas/nessas actividades. A competência é exigida tanto na escola bem
como na comunidade. O saber fazer e, sobretudo fazer bem, tem uma dimensão
técnica. Para a fundamentação teórica sobre o saber fazer bem, busca-se Rios que
afirma que:
O saber fazer bem tem uma dimensão técnica: a do saber e do saber fazer, isto é, do
domínio dos conteúdos de que o sujeito necessita para desempenhar o seu papel,
aquilo que se quer deste socialmente articulado com o domínio com as técnicas, das
estratégias que permitem que ele, digamos ‘dê conta do seu recado’, em seu
trabalho (Rios, 2004: 47).
A dimensão técnica do saber fazer tende à formação profissional e moral dos indivíduos. Nas
comunidades, as pessoas imprimem esforço no sentido de ensinar as crianças esta dimensão, a
do saber fazer bem. Esta dimensão tem uma qualidade social.
Os saberes categorizados acima respondem às necessidades das pessoas no seu quotidiano.
Analisados criticamente são formas diferenciadas dos saberes que fazem parte histórica do
convívio e do saber local. As suas formas tradicionais de formação têm grande relevância na
formação individual e moral dos educandos. Uma vez sistematizados perpassam as disciplinas
curriculares do Ensino Básico, tais como: Ciências Sociais, Artes Visuais, Ofícios, Ciências
Naturais, Educação Musical, Educação Moral e Cívica.
45
1.4 O problema de legitimação dos saberes locais
Na legitimação do saber se impõem duas sociedades: a sociedade tradicional e a sociedade
moderna. Ambas procuram se encontrar. As duas sociedades têm o direito de legitimar os
saberes produzidos. A sociedade tradicional é caracterizada pela sua “implantação” na cultura
vivida, nos valores morais e nas práticas quotidianas concretas. A sociedade moderna se
caracteriza pelos progressos da ciência e da técnica modernas.
Para expor a questão de legitimação do saber recorre-se a Boaventura de Sousa Santos e
Antonio Gramsci (2004). Gramsci estudando a situação histórica da Itália observa que o norte
está desenvolvido, e que no sul persiste uma Itália agricola e pouco desenvolvida. Querendo
identificar como o país se mantém unido, mantendo duas estruturas sociais diferentes, trata da
questão ideológica, ou seja, a unidade intelectual e moral que permite cimentar a unidade
política. Para isso, mostra a importância dos intelectuais e seu papel na consolidação da
unidade nacional e na legitimação do saber.
Na sociedade moderna, o saber escolar se legitima através dos padrões das ciências exactas e
humanas. Estas ciências tinham pressuposto de que a escola só devia ensinar os saberes
estruturados e sistematizados, resumidos em saberes científicos. Estes saberes seriam
legitimados pelos cientistas sociais e naturais, com maior incidência para os cientistas naturais.
A partir desta perspectiva, as primeiras noções que a escola inculcava ao aluno diziam respeito
mais às questões naturais do que as sociais. A título de exemplo aponta-se o positivismo de
Augusto Comte que privilegiava as noções das ciências da natureza deixando de fora todas as
manifestações tradicionais de concepções do mundo. Os fenômenos sociais não tinham grande
relevância na escola. Mas com a tomada de consciência das ciências históricas que
reivindicavam a sua unidade normativa, recuperam-se os fenômenos sociais. A partir do
século XIX Wilhelm Dilthey procurou fundamentos para legitimar as ciências históricas. A
modelo kantiano, Dilthey fez a Crítica da Razão Histórica. A sua preocupação era conciliar a
Ciência e a vida. Triunfalmente, trouxe a noção das ciências do espírito que têm como
finalidade compreender a experiência concreta, as expressões da vida interior recusando a
46
presunção objectiva das ciências naturais. Dilthey sublinhava a dinâmica dos fenômenos
humanos e sustentava que as ciências do espírito apreendem as significações intencionais das
actividades históricas do homem. Dilthey, recorrendo a Vico, afirma que a “primeira condição
de possibilidade da ciência histórica consiste em que eu mesmo sou um ser histórico, em que
aquele que investiga a história é o mesmo que a faz” (Dilthey apud Gadamer, 2002: 340).
Dilthey dá fundamento epistemológico às ciências sociais.
Trazendo esses posicionamentos no debate, põe-se em crise a hipótese de que a escola só deve
tomar referência e ensinar o conhecimento cientifico. E porque os padrões das ciências
naturais tornavam-se incapazes de aceder as expressões da vida começavam a respeitar os
padrões das ciências sociais e humanas. Santos retomando a posição de Dilthey afirma que nas
ciências humanas os factos se compreendem e se interpretam. Os cientistas sociais estudam e
determinam o significado das acções dos indivíduos e legitimam as práticas quotidianas, a
cultura, inclusive o saber local.
A questão que se coloca é: como é que a escola se apropria e dá significado ao saber local, ao
saber histórico, ao saber cultural? A escola entra em contacto com as comunidades, através
dos professores para recolher e sistematizar o saber local, o saber histórico e o saber cultural
das pessoas. As pessoas das comunidades detentoras do saber, “enciclopédicos tradicionais”
4
,
disponibilizam os saberes a serem potencializados pela escola. Portanto, o conhecimento
escolar deixa de ser visto apenas como científico e passa a ser também um saber cultural.
Estes dois conhecimentos a escola precisa integrá-los porque são importantes para o
desenvolvimento das habilidades dos alunos.
Para o saber científico o critério de validação é determinado pela sua performatividade, como
afirma Lyotard, pela sua aceitação na comunidade científica, como sustenta kuhn e pelo seu
interesse na acumulação do capital. Quem valida o saber científico é a comunidade
consumidora, o cientista, o capitalista e o empresário. Estes são “intelectuais orgânicos”
(modernos), na linguagem de Gramsci. Este autor descrevendo o modelo histórico de
4
Em Moçambique, o termo “enciclopédicos tradicionais” refere a pessoas detentoras do saber localizadas nas
comunidades e que, nalgumas vezes, servem de fontes de informação.
47
organização social constata que cada grupo social elabora os seus intelectuais que servem de
arquétipo.
Gramsci aponta dois grupos representativos os quais denomina de “intelectuais orgânicos” e
“intelectuais tradicionais” a partir do lugar e da função que ocupam no conjunto das relações
sociais, não restringindo o termo somente ao que é intrínseco as actividades intelectuais. “Os
intelectuais orgânicos” de uma nova ordem econômica estão ligados à produção industrial
urbana, ao mundo da técnica e da produção capitalista avançada. São os organizadores da
função econômica de um segmento social ao qual estão ligados organicamente. São portadores
de uma hegemonia que tende a se expandir por toda a Sociedade Civil e se esforçam para
provocar uma concepção do mundo homogêneo e autônomo.
Gramsci constata que “o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista
da economia política, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito” (Gramsci,
2004: 15). O empresário, neste contexto, representa uma elaboração social superior e possui a
capacidade técnica de organizar e dirigir as tarefas, não só econômicas, mas também políticas
e sociais. Ele é organizador de vários grupos humanos e, sendo assim, tem poder de legitimar
o saber que lhe possibilite manter a sua hegemonia e criar condições para expansão da sua
classe. Esta categoria de intelectuais é elaborada pelo sistema democrático-burocrático
justificada pelas necessidades políticas e, se projecta com o trabalho industrial.
A escola tende a reproduzir esta categoria de intelectuais, embora, também “é o instrumento
para elaborar os intelectuais de diversos níveis” (id: 19). Ela tende a reproduzir as formas de
conhecimento, práticas de linguagens, relações e valores sociais seleccionados pela cultura
mais elaborada. E ao assumir esse lugar e função social, ela tende a expressar uma disputa
sobre que formas de autoridade e de intelectuais são relevantes; sobre que tipo de
conhecimento é válido; sobre que normas de regulação moral e de concepções sobre o passado
e o futuro devem ser legitimadas e transmitidas aos alunos. Está aqui imanente a questão de
poder na validação do saber escolar.
48
A escola elabora um quadro de intelectuais de novas relações sociais que vão impor as
condições pelas quais todos os intelectuais devem cumprir para sua função de sustentar uma
concepção adequada ao lugar que ocupam na estrutura social e legitimar e difundir o saber que
corresponde aos seus interesses. Os intelectuais organicamente vinculados a uma produção
econômica e ao mundo da técnica e desenvolvimento de relações capitalistas consideram que
os saberes necessários são aqueles que correspondem aos seus interesses sociais: o saber
técnico-científico, a produção industrial capitalista.
No que diz respeito ao saber local e ao saber cultural veiculado nas comunidades locais
tradicionais, o critério performático refere-se às necessidades essenciais de produzir a vida e
suprir as necessidades existenciais básicas. Os recursos aos modos de produzir e reproduzir a
viola, a panela, cestos, etc., são fundamentais para a continuidade e sobrevivência social das
comunidades. Quem valida o processo de produção dos instrumentos necessários à vida no
campo são os (as) anciãos (ãs), os líderes locais, professores (as), enfermeiros (as), padres,
chefes das famílias. Estes fazem parte de grupo dos sábios da comunidade designados
“enciclopédicos tradicionais”. Essa categoria de sábios Gramsci denominou de “intelectuais
tradicionais”.
O grupo dos “enciclopédicos tradicionais” emerge da estrutura econômica e social anterior e
representa uma continuidade histórica do primeiro grupo. O que caracteriza os “intelectuais
tradicionais” é a utopia de ter tido autonomia e independência em relação ao grupo dominante,
isto é, eles “acreditam ser ‘independentes’, autônomos, dotados de características próprias
(id: 17).
Os intelectuais tradicionais, usando Gramsci, dividem-se em dois grupos: o primeiro é
constituído por anciãos e líderes locais, organizadores da vida rural (campo). Estes possuem
um padrão de vida superior em relação ao camponês e representam um modelo social de vida
credível na comunidade. Eles são intelectuais no sentido de organizadores da vida tradicional
local e transmitem os saberes indispensáveis à continuidade da vida.
49
O segundo grupo é composto por professores, burocratas, enfermeiros e padres (rurais). Este
grupo ocupa um lugar social e exercem uma função mais próxima da cultura moderna
industrial. Por serem próximos desse segmento social, são verdadeiros mensageiros e elo de
ligação entre a vida tradicional e a vida moderna. Eles tendem a organizar os interesses sociais
de um novo tipo de produção e difundir os conhecimentos necessários a uma nova ordem
econômica e social. Neste grupo o professor ocupa um papel crucial na produção e
socialização do conhecimento. Mas defende uma concepção mais consentânea com o tipo de
produção técnica urbana, em suma, capitalista.
O professor vive dois modos de produção o que lhe leva a mergulhar-se em crise existencial
na abordagem de temas locais. Palme (1992) aborda a questão do professor rural de
Moçambique que vive o mundo moderno e o mundo tradicional. Palme afirma, no seu livro,
que o “professor primário rural é dominado por uma cultura que ele próprio mal domina, mas
cujo último defensor aceita ser” (Palme, 1992: 55). Ao defender a cultura que não domina
assume o trabalho de docência como uma vocação e, ao mesmo tempo, resiste contra as
tendências de reconhecer as línguas e aspectos culturais locais no ensino.
O segundo grupo de intelectuais vinculados aos interesses “modernos” tende, ao legitimar o
saber, difundir os símbolos de uma nova cultura e excluir, na escola, todas as tendências
tradicionais de concepção do mundo para defender a cultura moderna. Não obstante, esse
grupo pelo lugar que ocupa nas relações sociais desempenha o papel de organizador dos
saberes que emergem na comunidade.
Os intelectuais ao validarem os saberes comunitários por conhecimento e reconhecimento das
necessidades existenciais básicas, reconhecem e compreendem também os seus valores e seus
modos de pensar e dizer assumindo o papel de intermediário entre a cultura tradicional e a
moderna representada pela escola. Na comunidade, este grupo é um modelo na organização da
vida social e o camponês sonha fazer parte através dos seus filhos ou sobrinhos. Gramsci trata
este aspecto de modo concreto ao afirmar que até o camponês acredita sempre que pelo
menos um de seus filhos pode se tornar intelectual (sobretudo padre), isto é, tornar-se um
50
senhor, elevando o nível social da família e facilitando a sua vida econômica pelas ligações
que não poderá deixar de estabelecer com outros senhores” (Gramsci, 2004: 23).
Enquanto os intelectuais modernos determinam o modo de organização econômica, social e
política de todos os homens, legitimam apenas o conhecimento científico e impõem que a
escola ensine só este conhecimento. Ao mesmo tempo, organizam a escola em função das
indústrias, do capital e do mercado, legitimando as classes sociais, as propriedades e os
salários. Esta forma de organização tende à universalidade. Ora, o dilema surge quando os
saberes se intercruzam na escola. O saber dos “enciclopédicos tradicionais” entra em crise e
tende a dissolver-se no conhecimento dos “intelectuais modernos”.
O saber local entra em crise na sua produção e na sua integração no conhecimento escolar na
medida em que este se confronta com saber universal. Contudo, a crise não só se verifica no
domínio do conhecimento, mas também nos actores. Por um lado, trata-se do saber local que é
sujeito à estruturação e programação para se articular com o saber escolar. Esta crise vai
abranger os princípios culturais, isto é, algumas manifestações, que não se adequarem ao
conhecimento escolar que serão filtradas e excluídas. Por outro, os actores locais
(organizadores locais) estão confrontados com dois mundos: um da cultura moderna
representada pela escola com todos os padrões científicos e outro da cultura tradicional local
fundamentada pelos mitos, tabus, ritos e provérbios. Os dois determinam a vida social deste
grupo de intelectuais. A questão é que eles se aproximam mais da cultura de grupos e
interesses sociais que não dominam e, para se manterem, tendem a defender esses interesses
afastando-se dos saberes e da cultura tradicional local.
No caso de professores sentem-se desafiados em buscar temas culturais/locais relevantes para
a prática pedagógica. Na sala de aula ficam indecisos se podem ensinar como se prepara
cacana
5
ou como se explora uma informação na internet; se podem usar a biomedicina ou a
medicina tradicional no tratamento dos doentes. De todas as maneiras, este grupo de
intelectuais se submete ao grupo de intelectuais ‘modernos’ que se auto-afirma, subjugando o
5
Cacana é uma erva amarga e resistente a seca que se encontra em Moçambique. As suas folhas são comestíveis
e são usadas para cura algumas doenças, portanto é erva comestível e medicinal.
51
outro. Isto provoca rupturas epistemológicas e culturais. Surge assim o problema da identidade
que influencia a crise curricular, o saber local vai submeter-se ao saber universal e criará uma
ruptura intelectual, moral e política.
Neste contexto, haverá uma perda de relação orgânica entre o saber universal e o saber local
que pode gerar formas extremadas de rupturas morais e políticas. A universalização
homogeneizadora liquida as particularidades e se impõe sobre o local pela força científica e
militar ou a particularidade se converte em fundamentalismo violento para tentar suplantar,
pela força bruta, o poder homogeneizador da universalidade.
Na sociedade artesanal os sujeitos se encontram em todo momento convivendo com a sua
realidade local, mas são pressionados pelo poder homogenizador de uma cultura universal. Na
sociedade industrializada, o trabalhador está cada vez mais sob influência forte de um modo
de produção que lhe impõe o domínio da técnica e da ciência e, portanto, um saber que se
pretende universalizar.
A escola enquanto instituição responsável pela transmissão dos conhecimentos científicos e
todos os saberes práticos do quotidiano deve se aproximar aos grupos sociais que convivem e
produzem os saberes. Ela deve reconhecer os valores de cada saber e legitimar os
conhecimentos e saberes para aprendizagem do aluno.
52
1.5 Métodos de disseminação dos saberes locais
No ponto anterior a reflexão centralizou-se no problema de legitimação do saber local. Nesse
ponto observou-se que enquanto um grupo se interessa e se caracteriza pela manutenção dos
seus intelectuais capitalistas para detenção do poder social, econômico e político, o outro
funciona como elo de ligação entre a comunidade e a cultura dominante. O grupo de
intelectuais modernos usa instrumentos mais elaborados e o grupo de intelectuais tradicionais
usa fundamentalmente a oralidade para produzir e disseminar os seus saberes. O saber
produzido e cultivado por “enciclopédicos tradicionais” é transmitido através da oralidade.
Embora o método da oralidade carece de consistência, quer os intelectuais modernos quer os
tradicionais usam a oralidade como meio de comunicação. A diferença é que para as
comunidades tradicionais locais detêm a oralidade como método essencial da transmissão dos
seus saberes.
Na prática, as comunidades detêm um conjunto de saberes transmitido de geração em geração,
que abrangem tanto a construção, artesanato, como agricultura e a caça. O que quer dizer que
possuem um profundo conhecimento prático dos fenômenos naturais que se conjugam com o
seu bem-estar. Mas este saber é tipicamente empírico e sua transmissão não é sistemática, isto
é, os métodos usados para disseminação deste saber não são programados, nem
sistematizados. Embora não sistemático, o saber empírico constitui a base para execução e
desenvolvimento das actividades diárias das comunidades locais. Assim sendo, este
conhecimento se adquire desde a infância nas actividades diárias e nos ritos de passagem. A
fonte principal da transmissão do saber veiculado por essas comunidades, como se sublinhou,
é a oralidade. Através da oralidade, os homens se comunicam e transmitem seus saberes e
resolvem os seus problemas.
Na transmissão dos saberes que orientam a vida humana nas comunidades prioriza-se a
componente competência e pedagogia centraliza-se mais no transmissor. Na verdade nas
comunidades ocorre um processo de inculcação de conteúdos às crianças acreditando-se que
só o adulto ou o especialista conhece e o valor do que transmite é incontestável. Essa
pedagogia não acredita a implicação da criança no processo de ensino e aprendizagem. Por
53
isso é preciso tornar sempre os saberes prévios significativos oferecendo à criança real valor
de que está sendo trabalhado pelas pessoas adultas.
De certo modo os saberes locais não têm um método estruturado que possa regular a
pedagogia local como o saber escolar, contudo há procedimentos eficazes para a sua difusão.
A falta do método sistemático não retira aos educadores e aos educandos a possibilidade de
agirem com a rigorosidade ética na difusão destes saberes. A fidelidade é necessária porque, o
saber local pode ser, às vezes, programado, mas não sistemático. A transmissão do saber
escolar é programada e a do saber local, nalgumas vezes, acontece de forma espontânea na
vida quotidiana ou em eventos significativos da comunidade. Num dos itens, já se definiu os
saberes locais como sendo aqueles produzidos e veiculados na comunidade. A sua construção
e disseminação são feitas pelas pessoas dotadas de experiência comunitária.
Ora, antes da Modernidade as resoluções dos conflitos, interpretação dos fenômenos naturais e
morais eram feitas pelas pessoas detentoras de experiência e pelos responsáveis comunitários.
O progresso da Ciência trouxe profundas mudanças; a descoberta científica fez com que
surgissem novos métodos de intervir nas questões. Os cientistas foram autorizados a fazer suas
pesquisas sobre os fenômenos seguindo os procedimentos da ciência. Os métodos de
disseminação dos saberes locais que se baseiam na oralidade tendem a ser, progressivamente,
suplantados pela escrita e outros meios. A comunidade começou a credenciar também os
especialistas modernos, como, por exemplo, professores, técnicos, etc., que desempenhavam
um papel cada vez mais crucial na produção e disseminação do saber, em detrimento dos
sábios locais tidos como detentores de conhecimentos e competências especializadas a nível
local. Contudo, a questão de especialização inclui não só os acadêmicos, mas também aos
“intelectuais tradicionais”. Esses dois grupos querem formal ou informalmente, são
reconhecidos como fontes fidedignas na gestão do saber.
É devido ao reconhecimento público a estes especialistas, tal como afirma Santomé (1995:
24), que “se recorrem para solicitar ajuda e conselho, e são os eleitos como fonte de
legitimação pública para impor ou sancionar opções concretas”. Este espírito ocorre nas
sociedades modernas e tradicionais. A porta de especialista e a missão de legitimar se atingem
54
à medida que se conhecem e partilham as teorias e saberes especializados e depois de uma
aprendizagem controlada e avaliada pelas instituições autorizadas.
O objecto de discussão deste item é a oralidade enquanto forma usada pelas comunidades
tradicionais na difusão dos saberes locais. A oralidade é meio pelo qual os grupos humanos
usam para comunicar as suas experiências e conhecimentos. Ela é um meio mais predominante
para as sociedades tradicionais que ainda não desenvolveram a escrita. A difusão das
informações nas sociedades tradicionais é feita em pequenas concentrações familiares
organizadas pelos mais velhos. Esta forma de difundir o saber enquadra-se na pedagogia
vertical. Os detentores de saberes e especialistas encaram as crianças como objectos sem, no
entanto, considerar as suas experiências. A educação é autoritária, radical e imposta de cima
para baixo. Neste processo o importante é o especialista ou o velho. Nas comunidades o
processo educativo está voltado aos velhos e não às crianças. O processo de transmissão de
conhecimentos (educação) que decorre muitas nas cerimônias rituais não encara a criança
como a fonte da educação.
Metodicamente, os especialistas, sábios e educadores comunitários não têm um espaço
determinado para monitorar a educação de forma sistemática, porém o processo decorre em
dois momentos bem diferentes: o primeiro momento é caseiro e, sobretudo, à volta da fogueira
onde os avós explicam às crianças os mitos da região, as histórias de origem de grandes rios da
zona, os lugares sagrados e a força dos antepassados; o segundo é nos ritos de iniciação onde
os especialistas ensinam aos jovens os modos aceites na sociedade, a responsabilidade com as
coisas, a coragem, a resolver os problemas da família e a participar nas cerimônias fúnebres.
Ainda, as crianças são educadas a prevenirem-se das doenças sexuais.
Contudo, a oralidade não se usa apenas nas comunidades e não constitui o único meio para
transmissão do conhecimento. Hoje, a escola reconheceu a importância da oralidade na
transmissão dos saberes locais. Mas o saber universal recorre também a este meio para a sua
disseminação. Por isso, as novas tecnologias de informação e de comunicação tendem à
eliminação as fronteiras exigindo um esforço na modernização das práticas pedagógicas de
forma a criar uma rápida disseminação de saberes.
55
Os saberes científicos e não científicos são disseminados por meios modernos, tecnicamente
avançados. Isto é, são difundidos pela escrita (livros, revistas, documentos, cartas, leis
escritas), ademais pela internet. Não obstante, a presença intensa da globalização na vida de
todas as nações impõe acções decididas no sentido de preservar as identidades locais e as
tradições culturais. Neste sentido, a escola e a comunidade actuam como fonte de
disseminação dos saberes (moderno e tradicional) e das culturas procurando manter as
tradições e identidades locais. A ligação escola\ comunidade faz com que a instituição
educativa cumpra as suas funções de integração dos saberes e conhecimentos.
Pensa-se que é racional o uso de outros meios para difusão do conhecimento local. De facto, o
Sistema Nacional de Educação recomenda a utilização outros meios quotidianos para que a
prática pedagógica aconteça sem sobre-saltos na sala de aula. O regate do saber local tem por
fim minimizar o problema de marginalização da cultura do aluno. O conhecimento prévio dos
alunos cumpre um papel fundamental nos processos de aprendizagem e para tal é necessário
definir uma pedagogia que se centre na cultura dos alunos. Os alunos trazem à sala de aula as
experiências quotidianas e com elas constroem casas, a intervêm na agricultura, a cultivam
atitudes éticas, etc. Essas experiências são transmitidas por um grupo etário credível na
comunidade.
Nas comunidades tradicionais todos os fenômenos, em suas diversas manifestações e
contextos, são interpretados com base na oralidade. Geertz (2000), interpretando a cultura dos
“Azande” (um povo que vê tudo sob máquina de feitiçaria) recorre ao pensamento de Evans-
Pritchard, a quem afirma que: os azandinos administram suas actividades económicas
segundo um conjunto de conhecimentos, transmitidos de geração em geração pela oralidade
que abrangem tanto a construção e artesanato, como agricultura e a caça” (Geertz, 2000:
121). Essa comunidade possui um profundo conhecimento prático dos aspectos da natureza
relacionados com o seu bem-estar. Um bem-estar que, obviamente, não era transmitido na
escola oficial, mas por meio de lendas de uma forma lenta. Este conhecimento torna-se
suficiente para execução de trabalhos quotidianos. A componente oral é usada em todas
56
culturas e nas salas de aula. É algo que faz com que haja uma continuidade do sistema da
educação popular.
O currículo do ensino básico propõe que o aluno saiba contar recorrendo ao seu meio sem
divorciar-se dos métodos aceites universalmente, saiba a história do seu povo e como respeitar
as pessoas. Esta questão não pode ser compreendida como um retorno à comunidade
primitiva: trata-se de explorar o local para enriquecer os conteúdos da aprendizagem que
possam influenciar o desenvolvimento da região e do país.
1.6 Cultura local como espaço de coesão de discursos sociais
6
Neste subcapítulo a abordagem vai para a cultura local como lugar privilegiado de discursos
sociais locais. Os discursos sociais construídos numa cultura determinada estão a par para o
desenvolvimento social e cultural das pessoas nas comunidades. Quando os discursos são
ordenados tornam-se saberes. Cada cultura constitui-se através dos saberes que nela se
produzem.
Os grupos sociais constroem o conhecimento que a escola veicula dependendo das políticas
educacionais em maior ou menor grau. Esses grupos ordenam discursos, fazem histórias, têm
seus hábitos e costumes, enfim, têm um determinado modo de se relacionar e de apresentar os
seus discursos na comunidade. Os discursos e as histórias reflectem a realidade cultural que
pode ser resgatada para a escola. Estes discursos estão articulados com vista ao
desenvolvimento regional, local ou do país. O país é compreendido como espaço de culturas
locais e discursos sociais.
Na Sociedade contemporânea, os investigadores e educadores tendem a conciliar a cultura
moderna e a cultura tradicional, o saber universal e o saber local. A institucionalização de um
espaço para abordagem dos saberes locais na escola moçambicana é um momento ímpar de
6
Sob-item adaptado a partir da pesquisa realizada por José P. Castiano intitulada: Currículo Local como Espaço
Social de Coexistência de Discursos: Comunicação apresentada na Conferência Nacional de OSSREA, em 2000.
57
intervenção e convivência de diversas culturas. É a superação da dialéctica entre “o tradicional
e o moderno” feita através do diálogo entre as culturas. Por isso, a diligência é ligar prática
social e cultural com a prática pedagógica, buscando os saberes locais para a escola.
A escola inculca, ao mesmo tempo, no aluno a cultura universal e a cultura local para cumprir
o propósito pedagógico. A escola busca as duas culturas para mostrar o seu valor intrínseco na
produção do conhecimento. Ela oferece aos alunos as ferramentas para a construção do mundo
da cultura e dos discursos educacionais.
A cultura local é o lugar por onde se cruzam os discursos sociais. Os discursos sobre o
desenvolvimento local ou regional têm espaço se for compreendido o homem e a cultura que
ele próprio constrói. O homem elabora discursos em função aos saberes imanentes na sua
cultura. Conhecendo a cultura pode-se conhecer o homem e as relações sociais que ele
estabelece com outros homens. Nas construções culturais permanece o espírito humano. E
para conhecer o homem é necessário conhecer a sua cultura.
O antropólogo Geertz, no seu livro intitulado Interpretação das culturas de (1989), deixa claro
de que interpretar uma cultura requer compreender o homem em suas manifestações, em suas
relações comerciais e a sua estrutura cognitiva. Por isso, ele diz:
Se a interpretação antropológica está construindo uma leitura do que acontece, então
divorciá-la do que acontece do que nessa ocasião ou naquele lugar, pessoas específicas
dizem, o que elas fazem, o que é feito a elas, a partir de todo o vasto negócio do mundo é
divorciá-la das suas aplicações e torná-las vazia (Geertz, 1989: 13).
Este antropólogo compreende a indissociabilidade do homem com as suas práticas sociais. O
seu pano de fundo é compreender e interpretar as culturas. Para compreender o homem
balinês, preocupou-se com o funcionamento das coisas e nas relações sociais dos homens
daquela sociedade. Fez anotações informais sobre as experiências quotidianas. Para
desenvolver o seu trabalho etnográfico estudou as manifestações visíveis e a interação das
estruturas. Geertz seguiu o caminho de Dilthey ao basear-se na compreensão e interpretação
das manifestações humanas. Ora, para interpretar uma cultura é necessário mergulhar-se nela
58
para apreender o sentido explícito e o implícito. Esse mergulho pressupõe uma compreensão
para depois poder interpretar. O conceito de compreensão é usado nas ciências históricas e é
útil para o trabalho etnográfico.
Os significados de uma cultura são compreendidos e interpretados. Esta afirmação quer
significar que os factos humanos são “ supostamente compreendidos. O significado da
cultura é compreendido pelo sujeito que a molda. A cultura local é feita e vivida pelos
homens. Todos os discursos são proferidos por esses homens, independentemente, da natureza
do discurso. A escola transmite um modo de vida que é compreendido pelos agentes que o
constroem. Os sujeitos em comunidade têm uma forma de comunicar as práticas que
determinam o que a escola usa para produzir o conhecimento. As experiências vividas são
interpretadas como fluxo do discurso social.
O desafio da escola é resgatar as práticas quotidianas para perpassar a prática pedagógica.
Ora, o discurso local tem como base os estudos culturais orientados pela definição social da
cultura, segundo a qual a cultura é pensada como fundamento do conhecimento estruturado e
não estruturado.
Marisa Vorraber Costa (2000), no seu artigo sobre os Estudos culturais para além das
fronteiras disciplinares, apresenta três perspectivas da cultura. A primeira é antropológica e
frisa que “a cultura é a descrição de um modo de vida”; a segunda sustenta que “a cultura
expressa certos significados e valores” e, a terceira defende que “a tarefa de análise cultural é
o exame de significações e valores implícitos e explícitos em certo modo de vida, em uma
certa cultura”.(Costa, 2000: 24). Estas perspectivas trazem significado da análise social da
educação ao resgatar os valores da vida.
O recurso à cultura serve para mostrar que ela ocupa um papel importante na produção e
definição dos saberes, universal e local, disseminados pela escola. A referência à cultura
desperta os discursos silenciados. Na produção do conhecimento escolar a cultura tem espaço
privilegiado. Por isso, é preciso resgatar as culturas reprimidas pela a escola. A introdução do
currículo local visa salvar os saberes locais excluídos no sistema do ensino geral. O currículo
59
local reafirma a coesão do paradigma moderno com o não moderno e responde, como observa
Castiano, a perspectiva da necessidade de transcender a coexistência silenciosa de
discursos” (Castiano, 2003: 13). A escola tem por missão escutar a cultura local promovendo-
a para uma visão totalitária.
Edgar Morin (2003), no seu livro Os sete saberes necessários para educação do futuro,
considera que a educação precisa, ao mesmo tempo, trabalhar a unidade da espécie humana de
forma integrada com a idéia de diversidade. Os valores que a educação transmite são
incorporados pela criança desde a infância, portanto, a tarefa que ela assume agora é mostrar
ao aluno como se compreende para depois compreender os outros e a humanidade, em geral,
partindo da sua cultura. Os saberes não podem e nem devem assassinar a curiosidade das
crianças.
A separação de discursos é assinalada como a “mediocridade” da escola. Os educadores e os
antropólogos sociais interessados pelas etnografias trazem de volta as formas de reprodução
do conhecimento local. Fazem descrições dos aspectos culturais para compreender que os
conteúdos locais são relevantes para a escola. Ora, fazer uma descrição “densa” como Geertz
salienta, é estabelecer relações, seleccionar informantes, transcrever textos, levantar
genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por diante” (Geertz, 1989:5) como
um reconhecimento da cultura.
Hoje, a escola procura difundir o conhecimento curricular em paralelo com os saberes locais.
O saber local é tomado como a base de todos os saberes. A pesquisa sobre os saberes locais
tem por fim resgatar o valor da cultura. Os discursos englobantes tinham silenciado os
discursos nativos. Eles viam os saberes locais como meras descrições. O que significa que na
esfera pública não se discutia a questão dos saberes locais para o ensino.
As descrições negativas dos saberes locais são típicas dos antropólogos ligados ao sistema de
colonização que supervalorizavam as suas culturas em detrimento das outras. Eles
interpretavam a cultura local reapropriando-se apenas dos aspectos positivos. Esta é a tarefa da
“descrição densa”. Ela nasce como um discurso em que o pesquisador sabe que o seu público
60
é outra cultura e orgulha-se, como diz Castiano, por não incorrer o risco de ser contradito
como porta-voz fiel da sua comunidade. O antropólogo descreve aquilo que pensa sobre a
cultura em causa. O antropólogo não tem a chave de uma outra cultura senão a sua. O
conhecimento que ele detém sobre a cultura do outro é analógico e é da terceira mão. O
antropólogo Geertz afirma que “somente um nativo faz a interpretação em primeira mão: é a
sua cultura” (id: 11). O estrangeiro reduz o nativo àquilo que ele pensa. Mas Geertz aconselha
aos antropólogos a tomarem consciência de que “compreender a cultura de um povo expõe
observar a sua normalidade sem reduzir a sua particularidade” (ide: 10).
A questão da coesão de discursos em educação torna-se pertinente porque os estudos culturais
facilitam abordagem de cunho etnográfico. A Educação desafia-se no sentido de eliminar as
divergências entre o saber universal e o saber local que era marginalizado. O reconhecimento
da diversidade e da cultura do aprendiz constitui a linguagem que domina os discursos em
educação.
A compreensão actual da tríade entre a escola, a sociedade e a cultura na produção e
sistematização do conhecimento deixa um campo de convivência dos discursos moderno e
tradicional. O termo “tradicional” é contestado por antropólogos por se considerar que designa
uma posição de inferioridade.
A coesão de discursos sociais em Moçambique é verificável na saúde, na educação, na
agricultura e na política. Na saúde a tendência é de ligar a Biomedicina com a “medicina
popular africana”. Os técnicos da saúde criam um espaço de intercâmbio com os praticantes da
medicina popular. A razão é porque o Sistema Nacional da Saúde em Moçambique reconhece
a sua incapacidade de atingir todos pontos do país para responder as necessidades locais
pessoas e quão importante é a medicina popular africana na cura de doenças. De facto, a
medicina formal cobre cerca de 40% da população moçambicana e o resto recorre a outras
formas de tratamento com o pressuposto de que as plantas medicinais africanas são eficazes no
tratamento de diversas doenças. O Ministério da Saúde reconhece os conhecedores das plantas
medicinais como praticantes legais de medicina informal.
61
Na agricultura o debate prende-se no encontro entre as práticas rudimentares e as
mecanizadas. Fala-se da ligação entre a agricultura de subsistência e a mecanizada. Na política
há um reconhecimento de líderes locais para facilitar a governação. Em conformidade desse
reconhecimento na programação dos eventos políticos são envolvidos os líderes locais e para
os estimular lhes dão algum subsídio. O intuito é não criar mais a fragmentação, pois os dois
lados concorrem para o desenvolvimento regional e do país. Na educação, o fenômeno é
bastante claro com a introdução do currículo local como forma de melhorar a aprendizagem. A
coesão do discurso marca uma etapa do pensamento educacional que se designa “etapa de
pequenos relatos” que reivindicavam os seus direitos de reconhecimento. É etapa de glória de
grupos culturais, de harmonização das diferenças de forma a torná-las parte integrante de uma
sociedade pluralista.
O erro que tinha sido perpetuado pela escola moderna está relacionado ao distanciamento
entre a cultura local tradicional e a escola. Esse distanciamento com relação à cultura traduz-se
como o estranhamento e afastamento da vida e dos momentos de reprodução dos alunos. A
escola devia se sentir feliz indo ao encontro da vida real das crianças, jovens e adultos. Nesse
sentido, a missão dos educadores é estabelecer um vínculo entre a escola moderna e as
culturas tradicionais locais para fazer passar o significado que a escola tem para a cultura
tradicional.
1.7 O universal e o local: Uma abordagem epistemológica e educacional
O ponto de partida é: o saber universal não pode saber e fazer saber que ele é legitimo sem
recorrer outro saber (saber local) que para ele pressupõe ser não saber. A partir deste
pressuposto, a literatura educacional mostra-se decisiva na crítica contra os fundamentos da
cultura moderna socializados pela escola, no que diz respeito ao conhecimento. Os
fundamentos que serviram a cultura moderna giravam em volta de que a escola tem de
privilegiar o conhecimento científico como único verdadeiro.
62
O conhecimento científico fornece bases aos alunos para a leitura e a interpretação do mundo.
O conhecimento científico que a escola socializa está ligado à necessidade de construção de
uma história ou uma cultura universal. A construção de uma única cultura supervalorizou o
princípio da emancipação do homem da natureza através da técnica, das garantias meta-sociais
através da razão.
Nesse projecto as culturas locais não foram tomadas como referência na produção do
conhecimento. A exclusão das culturas tradicionais locais implica a marginalização da cultura
do aluno. Esta exclusão foi fomentada pela Modernidade que, usando a técnica, dominou o
espaço geopolítico, social, epistemológico, educacional e cultural. A escola foi socializando a
concepção moderna de construir a sociedade vinculada na racionalidade e no progresso.
Tomaz Tadeu da Silva (2000), descreve que:
As noções de educação, Pedagogia e currículo estão solidamente vinculados na
Modernidade e nas idéias modernas. A educação, tal como a conhecemos hoje, é
instituição moderna por excelência. O seu objectivo consiste em transmitir o conhecimento
científico, em formar um ser humano supostamente racional e autônomo e em moldar os
cidadãos da moderna democracia representativa (Silva, 2000: 114-115).
As escolas foram concebidas como centro de debate e de produção de princípios que
sustentam o conhecimento científico universal. Elas estabeleceram-se no lugar de
ordenamento de saberes e poderes universais. Os currículos e a organização da escola tendem
a responder o discurso da racionalidade e do progresso. Na estrutura organizacional da escola
reflecte-se uma universalidade homogeneizadora. A escola moderna sempre se colocou ao
lado do conhecimento científico e universal para assegurar os objectivos das grandes
narrativas, da cultura e da história universal que controlam todo o saber. Como defende Tadeu
da Silva, as ‘grandes narrativas’ são a expressão da vontade de domínio e controle dos
modernos” (id: 115).
O grupo defensor de estudos culturais se associa ao pós-moderno para resistir contra o espírito
moderno. O pós-moderno confronta-se, na vertente social, política, filosófica e
epistemológica, com o moderno. Este confronto corresponde ao questionamento sobre os
63
princípios e pressupostos do pensamento político e social estabelecido e desenvolvido desde a
emergência do Iluminismo.
O que caracteriza o pós-moderno é desconfiança profunda com relação às pretensões
totalizantes do saber. Ele questiona as noções da razão, racionalidade e progresso instituído
pelo Iluminismo. Em nome da razão e do progresso tinha sido implantado sistema cruel de
subjugação. Tais sistemas retiraram o valor histórico às culturas locais. O pós-moderno tolera
a diversidade e vai ao encontro das culturas tradicionais locais supervalorizando os modos de
vida prática das pessoas.
A escola, desde o início, foi concebida como um lugar onde se trabalha e se ordena o
conhecimento aceite no universo científico. Mas a validade universal do conhecimento
científico está em função do saber local. Isto é, o conhecimento científico se auto-afirma como
universal recorrendo a outras formas de saber. Entre o saber local e o saber universal há um
vínculo. Basta recordar-se que o conhecimento está dentro do saber e o saber diz respeito não
apenas ao conjunto de enunciados denotativos, mas também ao conjunto de enunciados que
fluem nas comunidades e que a escola é chamada a reapropriar.
O conhecimento científico universal se encontra com o saber local e ambos se legitimam.
Casali (2001) mostra a necessidade de se abordar os dois saberes na escola. Ele nota a
indissociabilidade epistémica e ética entre o “saber”, “saber fazer” e “proceder”. Casali,
(2001: 109), afirma que “a teoria e a prática pedagógica devem considerar como igualmente
legítimas três pretensões de validade dos saberes (epísteme) e dos procederes (ética): a
universalidade, parcialidade e singularidade”. A idéia de inseparabilidade dos saberes pode
ser encontrada em Friedrich D.E. Schleiermacher (2001).
O saber universal existe tendo referência ao saber particular. O saber universal se compreende
na relação que estabelece com o particular. Ele aparece sob forma particular dando influência
ao saber local. Schleiermacher fala da relação entre o universal e o particular. Ele afirma que
o particular contém em si algo que ultrapassa a sua particularidade e manifesta a presença
do universal” (Schleiermacher, 2001: 13). O objectivo de Schleiermacher é compreender o
64
pensamento particular contido num discurso universal para afirmar a validade universal
pensada dentro das possibilidades de uma determinada linguagem.
Na relação entre o universal e o particular há uma interdependência. Com efeito, o todo é
apenas compreendido em função das partes que este compõe e vice-versa. O que pressupõe a
existência de um vínculo. Este vínculo é, hoje, visível na educação com a introdução dos
saberes locais no currículo. A linguagem do currículo versa sobre a unidade intrínseca e
extrínseca entre as duas formas de saber na construção do conhecimento. Esta unidade não vai
retirar o carácter e a validade de cada um no seu todo, mas vai propor o diálogo. Trata-se de
criar um espaço em que, enquanto o universal se assume como legitimador, deixa-se
influenciar pelo local.
A relação estreita dos saberes universal e local é visível na educação. Antonio Teodoro (2003),
crítico da globalização, nota uma convivência dos fenômenos locais e globais. Na sua óptica, o
fenômeno da globalização foi alimentado pelos países desenvolvidos que quando se juntam
com os países não desenvolvidos, obrigam-nos a copiar os sistemas políticos, educativos e
econômicos. Este fenômeno destrói e silencia as culturas locais ao impor as suas políticas. De
facto, os países subdesenvolvidos definem suas políticas educativas e econômicas com vista às
políticas globalizantes.
A análise do fenômeno global, hoje, remata a observância de sistemas sociais localizados que
discutem a questão da economia de subsistência, da economia local. Estes sistemas têm
relevâ ncia, pois falam de integração de fenômenos locais. A integração de fenômenos locais
mostra que não existe uma globalização genuína que não recorra aos fenômenos locais. A
globalização se auto-afirma em função de um determinado localismo. O que significa que se
pensa na globalização partindo dos fenômenos locais. A racionalidade deste discurso está no
reconhecimento dos saberes locais. Os saberes locais reclamam o seu o estatuto
epistemológico e histórico dentro da cultura universal. A reclamação é justa porque os saberes
locais são conteúdos relevantes de aprendizagem. Eles não se opõem aos saberes universais,
mas exigem o seu reconhecimento.
65
McMichael, a quem Teodoro cita, frisa que:
Para ser sustentável, uma comunidade global deve situar as suas necessidades
comunitárias no contexto histórico mundial que as envolve. Isso significa compreender
não somente como essa comunidade se integrou no contexto dos processos e das relações
globais (como os mercados instituídos), mas também como é que os seus membros se
podem empoderar (empower) a si próprio através desse mesmo contexto (...) (id: 62).
O espaço nacional se abre dando importância aos fenômenos localizados no global e
localmente. A relação entre o global e o local leva o universal a se manifestar não apenas sob a
forma de uma cultura bem estruturada e determinante, mas também sob a forma de uma
cultura aberta aos fenômenos localizados.
66
CAPÍTULO II
UM OLHAR SOBRE O NOVO CURRÍCULO DO ENSINO BÁSICO
Neste capitulo se pretende analisar o novo currículo do Ensino Básico. Descrever o currículo
do Ensino Básico em Moçambique pressupõe lançar um olhar crítico para as políticas e as
teorias subjacentes e a sua estrutura. Reflectir sobre o currículo é uma tarefa que obriga defini-
lo como um conjunto de práticas culturais organizadas para a escola, ou seja, conjunto de
saberes estruturados em áreas e disciplinas científicas a serem transmitidas na escola oficial. O
currículo do Ensino Básico em Moçambique foi definido tendo-se em conta as teorias críticas
que favorecem a pedagogia voltada aos saberes culturais para permitir uma abordagem
integrada. As políticas visam adequar a educação aos contextos práticos para responder às
necessidades sociais. Adaptação do currículo aos contextos práticos significa cruzar o
conhecimento escolar com o saber local. Para se compreender melhor tal adaptação e a
centralidade na cultura do aluno serão analisados e interpretados os documentos do INDE para
perceber-se o espírito do novo currículo do Ensino Básico. Também será trazida a literatura
crítica sobre o currículo. Este capítulo subdivide-se em três pontos fundamentais: Políticas e
teorias subjacentes no currículo, as inovações e estrutura do novo currículo.
67
2.1 As políticas e as teorias curriculares do novo currículo do Ensino Básico
Moçambique viveu cinco séculos de dominação portuguesa. Neste período o sistema de
educação estava vinculado aos programas, aos conteúdos e aos objectivos do sistema de
educação português. Para que os objectivos da educação portuguesa fossem mantidos, no
território moçambicano desenvolviam-se, em paralelo, dois tipos de ensino: ensino oficial
controlado e destinado à formação dos filhos dos colonizadores e, ensino indígena destinado à
formação dos moçambicanos. Estes dois ensinos pressuponham a existência de dois currículos
aparentemente opostos. A vinculação da educação ao sistema português criava uma lacuna nos
alunos moçambicanos, no que diz respeito aos desafios da sua vida, do seu mundo e dos seus
direitos.
Alcançada a Independência, em 1975, a preocupação do governo moçambicano pautou-se na
reconstrução de um currículo que pudesse adequar-se às novas condições; condições que
pudessem atingir as necessidades práticas e culturais do povo moçambicano. A reconstrução
de um currículo conduzia a uma definição da política educacional tipicamente moçambicana e
autônoma em relação ao outro tipo de currículo, sobretudo, o currículo português. É com este
intuito que se introduziu, em 1983, o Sistema Nacional de Educação (SNE) pela lei 4/83 de 23
de Março de 1983. Não obstante, as condições socioeconômicas e políticas se apoiavam no
sistema da economia do mercado, facto que levou ao reajustamento do currículo, em 1992,
pela Lei 6/92, de 6 de Maio. Embora reajustado, nesse currículo, o Ensino Básico não permitia
uma abordagem integrada de conteúdos e nem aquilo que se chama de inovações levando,
assim, a concepção do novo currículo, em 2002.
O currículo concebido em 2002 pretende trazer uma nova visão político-teórica. Segundo
Castiano et al. (2005), a transformação curricular do Ensino Básico visa responder três
questões, nomeadamente: a expansão das oportunidades educativas, a melhoria da qualidade
do ensino e uma administração escolar descentralizada. A estas questões, se acrescenta uma
quarta, que está vinculada à adaptação do sistema educativo às novas condições. Esta
justificativa interage com as teorias usadas para a concepção do novo currículo. O novo
currículo do Ensino Básico centra-se no aluno e numa pedagogia sensível às culturas
68
priorizando assim, por um lado, as teorias tradicionais e, por outro, as teorias críticas ou pós-
críticas e, sobretudo o construtivismo.
As teorias justificam-se pala vocação ou objectivo do currículo. Na verdade o currículo do
Ensino Básico está voltado para a formação das habilidades e das competências dos indivíduos
para o mercado e para a valorização das culturas diversas. O que significa que
metodologicamente o currículo focaliza-se no aluno, no construtivismo, reflexividade e na
diversidade cultural capitalizando os grupos sociais. A idéia subjacente ao propósito centrado
no aluno é capitalizar os saberes que orientam a vida humana que não provém da esfera
científica. Pois, os desafios propostos para o ser humano estão bem longe de serem esgotados
pela ciência. Por um lado, a ciência reconhece a existência de outras áreas de saber que
oferecem respostas para as necessidades locais dos homens. Por outro, os pesquisadores de
educação se deram conta que os saberes oriundos das práticas sociais nem sempre estão
incorporados nos saberes acadêmicos e escolares. Essa constatação fez com que na definição
do currículo se buscasse políticas e teorias que ofereçam sensibilidade aos conhecimentos
tácitos, as práticas sociais, as experiências acumuladas e o quotidiano que têm papel crucial na
orientação da vida humana.
No âmbito geral, as políticas educacionais para o Ensino Básico tendem a responder a quatro
questões no âmbito do desenvolvimento do país. A primeira focaliza-se na expansão das
oportunidades educativas. Trata-se da distribuição da rede escolar consubstanciada na
extensão do Ensino Básico. Os grupos sociais e as populações manifestaram ao governo o
interesse de ver os seus filhos na escola. Esse interesse obrigou o governo a maximizar as
oportunidades para o Ensino Básico.
A extensão do Ensino Básico compreendeu o aumento de acesso à escolaridade e o aumento
das Escolas Primárias Completas. Para o governo o interesse de maximizar a educação básica
significa expansão do bem-estar social. A universalização do Ensino Básico estava subscrito
no plano de combate ao analfabetismo e à pobreza e a consolidação da paz e da unidade
Nacional. Para se executar esse plano, em 2004, o governo moçambicano anunciou o ensino
69
gratuito da 1ª a 7ª classes abolindo o pagamento de taxas de matriculas no Ensino Básico e
aumentou Escolas Primárias Completas no país como forma de diversificar as oportunidades.
A segunda pauta-se na melhoria da qualidade do ensino. A oferta da educação qualitativa
centraliza-se na formação contínua de professores, na distribuição gratuita do material escolar
e na reforma curricular. O problema da qualidade de ensino foi levantado pela sociedade. A
Sociedade civil deparava-se com a fraca qualidade da educação oferecida pela escola
moçambicana. A fraca qualidade do ensino constituía “batata quente” porque se constatava
que o aluno depois do Ensino Básico ainda continuava com maiores dificuldades de escrita, de
expressão, de cálculo, de moralidade e de interpretar o seu mundo, em suma, prevalecia o
déficit epistemológico e moral. Esses problemas eram enormes ou porque 45% de professores
não são formados ou porque regista-se a falta do material didáctico ou porque os conteúdos
não eram adequados às condições socioeconômicas e culturais do país. As populações exigiam
que o Estado resolvesse esses problemas operando uma reforma curricular.
Nesse sentido, a melhoria da qualidade significaria a adequação de conteúdos curriculares às
condições econômicas, políticas, sociais e culturais, a formação de professores e distribuição
do material. Ela se centralizaria no reajustamento dos conteúdos e também das condições
administrativas das escolas. No reajustamento dos conteúdos, a política foi de resgatar as
culturas autóctones com seus valores intrínsecos para a escola.
A terceira fixou-se na descentralização da administração escolar. As escolas enquanto esferas
públicas, locais de trabalho compreendidas como uma rede de conexões dentro das quais se
operam construções históricas e sociais deviam ser descentralizadas para responder as
questões locais. A descentralização da administração escolar constitui uma grande mudança no
sistema do ensino. O Estado descentraliza-se a gestão do ensino dando oportunidade aos
governos locais ao modelo dos Municípios que respondem as necessidades locais sem, no
entanto, prescindir do governo central. O processo da descentralização da gestão escolar
acontece em simultâneo com a descentralização do governo baseada na criação do sistema de
municipalização (governo que detém autonomia local no sistema da gestão da coisa pública).
A filosofia da descentralização é criar escolas autônomas na administração local. Graças a essa
70
filosofia as direcções provinciais e distritais foram concedidas o poder de formar e capacitar
professores e de definir políticas educativas regionais e locais, de recrutar o corpo docente e de
fazer parcerias.
A quarta diz respeito à adaptação do sistema educacional às novas condições sócio-
económicas. Nos últimos anos Moçambique conheceu o fenômeno globalização e sistema
econômico se impôs em todos quadrantes. O sistema econômico mexe a organização do
conhecimento escolar. As novas tecnologias se impuseram sobre o sistema escolar e os
consultores viram-se obrigados a construir um currículo que se articule com as condições
sócio-económicas locais e globais. Trata-se de duas realidades que dialogam dentro da
educação: modernizada e rudimentar. Uma vez constatada que a educação não acompanhava
os progressos econômicos e sociais, o sistema educativo deveria se adaptar as condições do
mercado actual dedicando-se à formação de pessoas que possam flexibilizar a economia local
e reflectir sobre os desafios sociais. Quer dizer, a educação devia ser um factor de
transformação social e econômica. Essa educação não iria interessar-se apenas ao
conhecimento escolar, mas mergulhar-se-ia nas culturas locais para fazer uma simbiose. E,
porque todo o sistema por mais bem elaborado que seja se não é eficaz, ou seja, não se adequa
às condições práticas actuais deve ser reformulado, o currículo do Ensino Básico seria o
primeiro a sofrer a transformação curricular.
As políticas apresentadas influenciaram os fazedores a adaptarem as teorias sensíveis às
culturas e a concentrarem-se na formação de indivíduos que possam responder as exigências
do mercado. De facto, reconhecendo-se o papel da Educação Básica na socialização das
crianças, na aquisição do conhecimento, habilidades, competências e valores para o
desenvolvimento harmonioso da personalidade, reformularam-se os programas do Ensino
Básico para responder as inquietações da sociedade moçambicana. O princípio subjacente na
reforma foi de esboçar um currículo que adequasse as necessidades relevantes de
aprendizagem dos alunos.
Analisando os programas do 1
o
, 2
o
e 3
o
ciclo s, pode-se afirmar que os princípios que
nortearam a definição do novo currículo do Ensino Básico visam a:
71
Concepção da escola mais como agente de transformação do que como meio de
transmissão do conhecimento; o reconhecimento da necessidade de formação integral da
personalidade (...); a exigência de programas flexíveis que se adequem à realidade:
características locais, pontos de partida e ritmos de aprendizagem diversificados e
predomínio dos aspectos relativos ao desenvolvimento das capacidades de análise, síntese
e ao estimulo da criatividade, da livre crítica, do sentido de responsabilidade e da
capacidade de integração em grupo (INDE e MEC, 2003: XI).
O espírito do currículo em estudo é levar o aluno a desenvolver os saberes necessários para o
desenvolvimento local e nacional. Isto é, formação de indivíduos capazes de se integrarem na
vida e aplicarem os conhecimentos adquiridos para o desenvolvimento da comunidade e do
país.
Já foi anunciada que a filosofia do novo currículo fundamenta-se numa pedagogia centrada no
aluno e na cultura. Neste caso o esforço é de levar o aluno a conhecer aspectos da
personalidade, da cidadania, da diversidade cultural, da manutenção da democracia, do
intercâmbio cultural e a desenvolver conhecimentos, valores, comportamentos, capacidades e
habilidades que lhe permitirão a valorizar as relações humanas, a interpretar os fenômenos
sócio-culturais, políticos, econômicos e naturais.
Na parte introdutória do Plano Curricular do Ensino Básico (PCEB) está presente a teoria
multicultural. Os construtores deste currículo advogam que a Educação Básica deve introduzir
o aluno na cultura universal sem que ele perca a sua cultura. A escola como garante da vida
social forma os cidadãos capazes de se integrarem no mundo global conservando a identidade
pessoal e cultural. O aluno deve ser capaz de preservar a cultura moçambicana e a unidade
nacional.
A relevância do novo currículo está em introduzir uma educação que se dá conta da
diversidade dos indivíduos e das culturas e vai ao encontro do aluno nas suas condições locais.
Uma educação que aposta para o desenvolvimento das competências e habilidades para
72
estimular a competitividade do aluno no mercado local e internacional e ofereça instrumentos
de análise da vida humana.
O ideal de desenvolver as competências e habilidades do aluno para confrontar-se com o
mundo do mercado moderno está ligado às teorias tradicionais do currículo. A colocação das
teorias partindo do currículo do Ensino Básico é uma opção pessoal movida conjugada pelo
espírito que levou a reforma curricular do Ensino Básico em Moçambique.
A introdução das pedagogias viradas para as culturas no currículo é uma crítica evidente ao
modelo tecnicista do currículo antigo. O modelo tecnicista que predominava no currículo
antigo do Ensino Básico e que ocupa alguma percentagem no currículo em estudo
fundamenta-se nas teorias tradicionais que concebem o currículo como uma questão de
organização e da técnica. Na verdade as teorias tradicionais estavam voltadas a questões
técnicas. Estas questões mobilizaram Bobbitt (1918) a olhar a escola nos moldes de uma
empresa e a sugerir que ela funcionasse ao estilo de uma empresa. A partir dos objectivos das
empresas, a escola definiria os seus objectivos tendo em vista as habilidades necessárias para
exercer “com eficiência” as ocupações profissionais.
Bobbitt estava voltado a uma educação centrada no mercado. Ele concebia uma educação que
pudesse oferecer as habilidades básicas para diversas ocupações profissionais adultas. O seu
princípio era “eficiência”. Segundo Bobbitt (1918), “o sistema educacional deveria ser tão
eficiente quanto qualquer outra empresa econômica” (Bobbitt apud Silva, 2000: 19). Sendo o
sistema educacional eficiente, poder-se-ia mapear as habilidades requeridas nas empresas que
permitissem organizar um currículo.
Ao contrário de Bobbitt, Antonio F. Moreira e Tomaz Tadeu da Silva (2002) tratam o
currículo não apenas como uma questão técnica, mas também cultural e epistemológica. Ora,
na origem do currículo como campo de estudo o propósito foi de planejar e controlar
cientificamente as actividades pedagógicas procurando adequá-las com as actividades
industriais. Mas Moreira e Silva afirmam que a escola é um instrumento de transformação
econômica, social e cultural e o currículo é definido como um meio de controle social e
73
cultural. A escola responsabiliza-se em inculcar os valores, as condutas e hábitos adequados
no aluno.
Moreira e Silva mostram duas tendências que se impõem na educação; uma virada à
elaboração de um currículo que valorizasse os interesses do aluno e a outra a construção
científica de um currículo que desenvolvesse os aspectos da personalidade adulta então
consideradas desejáveis” (Moreira e Silva, 2002: 11). A primeira se identifica com o currículo
em estudo e se fundamenta na pedagogia centrada no aluno.
Uma outra forma de ver o currículo do Ensino Básico é fundamentá-lo com base nas teses
expostas pelas teorias críticas e pós-críticas. O substracto dessas teorias é encarar a escola
como local de valorização da diversidade cultural. Mas a diversidade cultural convive com o
fenômeno de homogeneização cultural. O que significa que enquanto se tornam visíveis às
manifestações e expressões culturais de grupos sociais verificam-se no interior delas formas
culturais produzidas e socializadas pela cultura homogeneizadora.
A diversidade cultural é fundamental para que aconteça a prática pedagógica. O respeito à
diversidade cultural é bem sublinhado no currículo do ensino Básico. O respeito, a tolerância e
a convivência específica entre as diferentes culturas são temas do mutilcuturalismo enquanto
movimento de reivindicação dos grupos culturais dominados. É movimento de reivindicação
no sentido de que os grupos sociais exigem o reconhecimento nacional e internacional das
suas manifestações e expressões culturais. Silva (2000) reconhece que o multiculturalismo
representa um instrumento básico de luta política. Ele vai mais longe afirmando que o
multiculturalismo transfere para o terreno político uma compreensão da diversidade cultural
que esteve restrita, durante muito tempo, a campos especializados como Antropologia” (Silva,
2000: 88).
Partindo dessa visão crítica o currículo é definido em vista às culturas diversas. O currículo é
entendido como uma moldura cultural organizada para a escola. Ele é definido a partir do
contexto local, nacional e universal. O currículo obedece às determinações sociais, históricas,
74
culturais e políticas. Ele está implicado nas relações de poder e nos interesses dos grupos
sociais.
Na Inglaterra o estudo do currículo como campo especializado surgiu como reivindicação da
Sociologia da Educação. Na década 70, a Inglaterra começa a interessar-se pela Sociologia do
currículo. A Sociologia do currículo vem intensificar a crítica às teorias tradicionais de
educação e a questionar-se sobre a organização e os resultados do conhecimento. Ela discute
sobre as condições do conhecimento concebido como produto social. A Sociologia da
Educação defendia que o conhecimento é produzido na sociedade e o currículo é desenhado
obedecendo-se os parâmetros sociais e culturais. Para sublinhar a importância da cultura e da
sociedade na produção do conhecimento escolar, Moreira e Silva afirmam que:
O currículo é considerado um artefacto social e cultural. Isso significa que ele é colocado
na moldura mais ampla de suas determinações sociais, de sua história, de sua produção
contextual. O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão
desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder,
o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz
identidades individuais e sociais particulares (Moreira e Silva 2002: 7-8).
Segundo os autores supracitados, o currículo tem uma história vinculada às formas específicas
de organização da sociedade e está enraizado nas determinações sócio -históricas e culturais. A
pesquisa reconhece a cultura como base do conhecimento e defende que o currículo tem de ser
desenhado sob ponto de vista da cultura dos alunos. Para alargar o horizonte fundamenta-se
em comentários de Pacheco (1999). A pesquisa busca a concepção de Pacheco, segundo a qual
o currículo é “um conjunto de disciplinas ou como um grupo de conteúdos que reforça o que
deve ser ensinado nas escolas” (Pacheco, 1999: 15). Pacheco vai mais longe afirmando que o
currículo é um conjunto de materiais, resultados de aprendizagem, de objectivos de
aprendizagem, ou seja, o currículo é um conjunto de experiências que são apresentadas ao
aluno sob tutela da escola. Contudo, Pacheco expõe as noções de um currículo prescrito
enquanto tende tornar-se um conhecimento oficial determinado por um grupo social
pertencente à cultura dominante.
75
A visão de Pacheco ressalva a definição do currículo como um resultado planificado com vista
a responder os interesses da classe dominante. Esta concepção foi apontada por Apple (2000)
que defende que na construção do currículo oficial, nascem questões do poder versadas sobre
o que conta como conhecimento, as formas nas quais ele está organizado, quem tem poder
de ensiná-lo, o que conta como demonstração apropriada de sua aprendizagem (...), a quem é
permitido fazer estas questões e responde-las” (Apple, 2000: 54). Apple defende que na
acepção do currículo existe sempre uma política do conhecimento oficial que perpectua a
cultura dominante.
Mas o currículo é entendido também como uma guia de experiência que o aluno obtém na
escola. A tentativa de compreender o que é o currículo fez com que se buscasse Sacristán
(2000). Sacristán define o currículo como sendo um:
Programa de actividades planejadas, devidamente, sequencializadas, ordenadas
metodologicamente (...), como concretização do plano de reprodutor para a escola de
determinada sociedade, contendo conhecimentos, valores e atitudes; o currículo como
experiência recriada nos alunos por meio da qual podem desenvolver-se (...) (Sacristàn,
2000:14).
Sacristán mostra-se interessado pelos aspectos culturais na construção do currículo e afirma
que o “currículo é mecanismo através do qual o conhecimento é distribuído socialmente. (...)
o currículo passa a ser considerado como uma invenção social que reflecte escolhas
conscientes” (Sacristán, 2000: 15).
Estas concepções permitem pôr em questão o conceito do currículo local apresentado pelo
INDE, porque não o define como conjunto de conhecimentos extraídos da cultura e
organizados e programados para a escola, mas como componente que integra as práticas
relevantes para aprendizagem. Apesar disso, o que persiste é que o currículo está implicado na
cultura. O currículo não é apenas um volume de documentos que o professor manipula, mas
também um conjunto de experiências quotidianas, as quais o aluno leva consigo para a sala de
aula.
76
A idéia de valorizar a experiência do aluno no processo de ensino/aprendizagem pode ser
rebuscada na pedagogia crítica de Giroux e Simon (2002). Estes autores defendem a função
social das escolas enquanto instituições que revitalizam os sujeitos pensantes. Segundo Giroux
e Simon, as escolas são formas sociais que ampliam as capacidades humanas, a fim de
habilitar as pessoas a intervir na formação de suas próprias subjectividades e a serem
capazes de exercer o poder (...)” (Giroux e Simon, 2002: 95). Nesta perspectiva, as escolas
respondem a uma forma peculiar de vida organizada dos sujeitos.
As concepções expostas acima podem ser encontradas no currículo do Ensino Básico. A título
de exemplo é a introdução do currículo local que integra aspectos da cultura local. O currículo
local não é um conjunto de conhecimentos programados, mas sim conteúdos relevantes para
aprendizagem local. Trata-se duma componente do currículo nacional que aprofunda os
conteúdos centralmente definidos ou ainda que define novos conteúdos visando o
desenvolvimento de conhecimentos, atitudes e práticas relevantes nos alunos, de e para a
comunidade em que a escola se insere” (INDE, 2004: 4).
O currículo se alimenta da cultura local e por isso se institucionalizaram 20% do tempo global
para abordagem de conteúdos locais relevantes para a vida dos alunos e das pessoas nas
comunidades. O currículo local alimenta-se através dos saberes veiculados nas comunidades.
Ele sobrevive com base nos saberes culturais. Os conteúdos que constituem o currículo local
são definidos por intervenientes na educação da criança, como: professores, alunos, pais e
encarregados de educação, líderes e autoridades locais, representantes das Instituições afins e
das organizações comunitárias.
O currículo local resulta de conteúdos recolhidos nas comunidades através de entrevistas
dirigidas aos intervenientes da educação mencionados acima. Por meio das entrevistas se
definem os saberes locais que se integram no currículo. A determinação dos conteúdos para o
currículo é a preocupação dos vários grupos sociais. Segundo Castiano (2003), “o imperativo
de introduzir os conteúdos locais foi expresso por diferentes grupos sociais” (Castiano,
2003:5), com o objectivo de eliminar o déficit epistemológico oferecendo ferramentas ao
aluno para a leitura e a interpretação dos fenômenos naturais e sociais da região. Neste
77
contexto, os conteúdos escolhidos correspondem as actividades dos grupos sociais e são
arrumados obedecendo-se ao modelo proposto por INDE apresentado no quadro abaixo:
Quadro 1. Exemplos de conteúdos locais propostos pelo INDE
Exemplos de conteúdos locais sugeridos:
Cultura (hábitos sociais, estórias, cerimônias, canções e danças tradicionais, línguas locais, formas de conduta na
comunidade, relações de parentesco, rituais da comunidade); Artesanato (olaria típica da comunidade, tecelagem
típica da comunidade: cestos, cestarias, vassouras, chapéus, peneiras, carrinhos de arames; latoaria típica da
comunidade: baldes, coadores e canecas...); História da Comunidade (origem do nome dos lugares, lugares de
interesse histórico, acontecimentos históricos, história econômica); Carpintaria (barcos, cadeiras, mesas, etc.);
Construção (casas típicas da zona, casa de caniço, madeira, blocos, fabrico de blocos, etc.); Culinária (noções
básicas da culinária típica da comunidade); Desporto (jogos tradicionais); Agro-pecuária (cultura e pecuária
desenvolvidas na comunidade, tratamento do solo, criação de animais de pequena espécie); Saúde (doenças
freqüentes na comunidade, formas de prevenção e cura e as plantas medicinais); Pesca (tipos de pesca praticado
na comunidade, (fabrico de redes e). Armadilhas típicas, (formas de conservação do produto da pesca); Corte e
Costura (costura, conserto de roupas, bainha, bordada e crochê); Segurança rodoviária (noções básicas sobre as
regras de trânsito); Pintura (pintura de murais, batuque); Profissões (electricidade, mecânica, canalização e
soldadura).
Fonte: INDE, 2004: 10-11
No quadro, estão representados os conteúdos locais propostos para o currículo local a serem
integrados na escola oficial. Estes bem seleccionados são abordados de forma aprofundada e
extensiva tendo-se em conta os conteúdos centralmente definidos. No quadro abaixo se expõe
o exemplo de integração de conteúdos locais no plano temático.
78
Quadro 2. Exemplo de integração dos conteúdos locais no plano temático proposto pelo INDE.
Tema do
currículo
local
Disciplina Unidade temática Tema da aula Conteúdo Classe Interveniente
no processo de
ensino
Canção da
região
Educação
musical
Educação vocal e
canto
Canções e
danças da
região
Mapico, Tufo,
Makwaela,
Marrabenta,
Etc.
2
a
classe
Professor e
elemento da
comunidade
que entende
das danças
Culinária Português Não consta do
programa
(enquadramento
por extensão)
Pratos típicos
da
comunidade
Receita dos
pratos
principais e
típicos da
comunidade
4
a
classe
Professor,
alunos/ um
cozinheiro de
renome na
comunidade.
Fonte: INDE, 2004: 7.
Neste quadro dá-se mais atenção aos conteúdos da vida quotidiana e a explicitação das
concepções dos sujeitos comunitários na técnica selectiva do conhecimento. Nele estão
representados os saberes fazer e conhecer.
2.2 As inovações no currículo do Ensino Básico
No âmbito de transformação curricular, um dos aspectos que chama atenção diz respeito às
Inovações. A forma como está estruturado o novo currículo permite uma abordagem integrada
equacionando-se os objectivos em todos os ciclos. Esta maneira de se configurar o currículo
representa uma grande inovação no sistema nacional do ensino.
No concreto, o novo currículo apresenta nove inovações que se articulam entre si criando um
dinamismo. São inovações os Ciclos de Aprendizagem, o Ensino Básico Integrado, o
Currículo Local, a Distribuição de professores, a Promoção Semi-automática ou Progressão
normal, a Introdução de Línguas Moçambicanas, a Introdução de Língua Inglesa, a Introdução
79
de Ofícios e a Introdução de Educação Moral e Cívica. Estas inovações serão analisadas neste
trabalho com o propósito de mostrar a intencionalidade de cada uma para o novo currículo.
A primeira inovação diz respeito aos Ciclos de Aprendizagem. O novo currículo apresenta sete
classes organizadas em dois graus. Trata-se do Ensino Primário do 1
o
Grau (EP1) e do Ensino
Primário do 2
o
Grau (EP2). Esta estrutura é uma continuidade do sistema anterior. A grande
novidade é que o EP1 está dividido em dois ciclos de aprendizagem: o 1
o
ciclo corresponde a
1
a
e 2
a
classes e, o 2
o
ciclo compreende a 3
a
, 4
a
e 5
a
classes. E o EP2 corresponde ao 3
o
ciclo e
absorve a 6
a
e 7
a
classes. Estes ciclos são denominados de unidades de aprendizagem com
objectivo de desenvolver habilidades e competências específicas. Nas unidades ocorrem
momentos deferentes de aprendizagem que se completam mutuamente. Portanto, o 1
o
ciclo
desenvolve, no aluno, as habilidades e competências de leitura e escrita assim como realização
de operações básicas que se resumem em cálculos, na subtração, na multiplicação e divisão de
números e nas noções de higiene pessoal e de relação com os outros. O 2
o
ciclo aprofunda os
conhecimentos adquiridos no ciclo anterior e introduz novas aprendizagens e o 3
o
ciclo
consolida e amplia os conhecimentos e habilidades adquiridas nos ciclos anteriores preparando
o aluno para continuar os estudos no ensino secundário.
A segunda inovação é o Ensino Básico Integrado
7
. Ela é uma das grandes inovações no
sistema educacional. O Ensino Básico Integrado articula sete classes em termos de objectivos,
da estrutura, dos conteúdos, do material didáctico, de conhecimentos e valores e até o sistema
de avaliação. O ensino integrado estimulou a criação de Escolas Completas que absorvam 1
a
a
7
a
classes. Neste ensino, o aluno vai desenvolver as habilidades, conhecimentos e valores de
modo articulado e integrado de todas as áreas de aprendizagem que compõe o currículo, o que
significa que haverá contemplação das actividades extra curriculares. O Programa do Ensino
Básico visa desenvolver uma pedagogia fundada na cultura e um ensino baseado na
comunicação. Um ensino que vai potenciar e acomodar a vivência cultural. O novo currículo
7
Segundo PCEB, Ensino Básico Integrado, em Moçambique, é “o Ensino Primário Completo de sete classes
articulado do ponto de vista de estrutura objectivos, conteúdos, material didáctico e da própria prática
pedagógica. O Ensino Básico Integrado caracteriza-se por desenvolver, no aluno, habilidades, conhecimentos e
valores de forma articulada e integrada de todas as áreas de aprendizagem, que compõe o currículo, conjugados
com as actividades extracurriculares e apoiado por um sistema de avaliação que integra as componentes
sumativa e formativa, sem perder de vista a influência do currículo oculto”. (INDE e MEC, 1999: 28).
80
foi estruturado de tal modo que a abordagem dos conteúdos seja integrada e, ao mesmo tempo,
se adapte com flexibilidade à realidade dos alunos. A abordagem integrada de conteúdos
influenciou a organização estrutural do currículo do Ensino Básico de que se falará no sub
capítulo que se segue.
A terceira inovação é o Currículo Local
8
. Esta inovação é muito importante, pois permite a
integração dos aspectos culturais locais. Ela constitui o centro de destaque neste trabalho por
ser espaço onde se integram os conteúdos relevantes para aprendizagem local. O currículo
local não é um conjunto de conhecimentos programados para a escola, mas um conjunto de
conteúdos com relevância para aprendizagem local.
Nesta inovação está aberto um desafio para abordagem dos saberes locais. Pois, nele estão
previstos 20% do tempo para abordagem dos conteúdos provenientes da cultura local. A
definição do tempo para a articulação do currículo local e a sua intencionalidade constitui
grande novidade. A intencionalidade da introdução desta componente é resgatar o valor da
cultura local com vista à formação de cidadãos capazes de articular a cultura local com a
cultura moderna sem, portanto, instrumentalizar uma e supervalorizar outra.
O currículo local ressalva a cultura local e permite a inclusão do aluno na sua própria cultura.
Ele incide sobre a experiência da vida quotidiana das pessoas. O currículo local traz à sala de
aula os saberes construídos no interior da comunidade. Como se pode ver em Douglas Santos,
só para fundamentar a idéia, a experiência de cada comunidade acaba por definir suas
identidades e é com tais experiências que cada um dos nossos alunos entrará na escola e se
relacionará com os conteúdos que, série após série, vão sendo estudados em sala de aula
(Santos, 2003: 24).
A idéia expressa é que os conteúdos que formam o currículo local são provenientes da
comunidade implicando assim uma negociação entre as instituições educativas e as
comunidades. Entende-se de comunidade a todos intervenientes no processo da educação da
8
A introdução do currículo local é uma questão estratégica para abordagem de conteúdos relevantes para
aprendizagem local. Não se trata de um conjunto de conhecimentos programados para a escola, mas apenas
introdução diversificada de saberes locais em cada disciplina.
81
criança: professores, líderes locais, alunos, pais e encarregados de educação e representantes
das instituições da saúde, agricultura, educação e cultura, meio ambiente. Para a recolha de
conteúdos se realizam as entrevistas junto à comunidade. Com o currículo local, já não se trata
apenas de envolver a comunidade nas reuniões da escola como se fazia no currículo antigo,
mas recolher nela, através das entrevistas, os saberes locais a serem resgatados para escola. A
comunidade disponibiliza os saberes para aprendizagem relevante dos filhos. Aqui o professor
não só desempenha o papel burocrático da escola, mas produz e organiza os saberes locais. O
professor responde e corresponde a demanda vital das culturas. Ele organiza os saberes locais
e articula-os com o conhecimento escolar no sistema formal de educação.
A quarta inovação é a distribuição de professores. A política educacional visa reduzir o
número de professores no 2
o
Grau. No currículo antigo, cada professor leccionam uma
disciplina no 2
o
grau. A estrutura do novo currículo combate acumulação de professores no 2
o
grau. Os professores são distribuídos obedecendo-se o modelo organizacional das disciplinas.
O novo currículo está estruturado em áreas para facilitar a distribuição de professores. Neste
sentido, o 1
o
grau (1
o
e 2
o
ciclos) é leccionado por um professor e o 2
o
(3
o
ciclo) é leccionado
por três a quatro professores. O que significa que um professor poderá leccionar três a quatro
disciplinas curriculares. Os professores são capacitados para cobrir uma ou duas áreas
curriculares.
Esta distribuição pode trazer algum perigo para os professores no tratamento das matérias,
pois os currículos utilizados para a formação de professores ainda são monovalentes, por um
lado, e, por outro, a reforma do Ensino Básico ocorreu num momento em que a Universidade
Pedagógica (UP), instituição que forma os professores abandona o regime de polivalência.
A promoção semi-automática ou progressão normal constitui a quinta inovação. Esta
inovação está ligada aos ciclos de aprendizagem e fundamenta-se na avaliação formativa.
Trata-se de promoção do aluno por ciclos de aprendizagem. Dentro do mesmo ciclo o aluno
progride e é acompanhado de modo que resolva os problemas de aprendizagem.
82
No fim de cada ciclo o aluno é submetido ao exame que lhe dá acesso a passagem de um ciclo
para o outro. A promoção em ciclos visa resolver a questão de repetências. Esta inovação abre
a possibilidade de negociação entre a escola e os pais e encarregados de educação na
determinação da passagem do aluno que tenha dificuldades no processo de aprendizagem.
Uma outra inovação que pode ser encontrada no antigo currículo do Ensino Básico é a
introdução das línguas moçambicanas. Ela constitui a sexta inovação e pretende responder a
voz da sociedade civil. Duas razões estão na origem da introdução das línguas moçambicanas.
A primeira justifica-se pelo facto de muitas crianças usarem o Português como segunda língua
e, a outra se prende no facto de as crianças não saberem ler e escrever as línguas locais. Esta
inovação é importante porque as línguas assumem duas tarefas: comunicação e transmissão de
aspectos culturais. As línguas maternas determinam a identidade do aluno e o grupo
lingüístico a que pertence. Assim, os sistemas educacionais privilegiam, no ensino, a línguas
maternas, pois elas são patrimônios culturais da comunidade.
Em Moçambique a introdução de línguas maternas é feita em três modelos. O primeiro é o
ensino bilíngüe que visa o ensino de línguas locais maternas na primeira classe e o português
aparece como disciplina. Porém, da 2
a
classe para diante a língua de ensino passa a ser
Português e a língua materna torna-se disciplina; o segundo é o ensino monolingue em que o
Português é língua de ensino recorrendo-se as línguas locais e, o terceiro é o ensino
monolingue em Português. Algumas crianças urbanas usam a língua portuguesa como língua
mãe. O Português é, ao mesmo tempo, a língua do ensino e disciplina. A língua local é
opcional. Porém, esta é uma das inovações mais resistidas pelos professores.
A introdução da Língua inglesa constitui a sétima inovação no novo currículo. A língua
inglesa se lecciona no 3
o
ciclo com fundamento de que ela é língua de comunicação
internacional usada no domínio do conhecimento cientifico e nas transações comerciais. A
razão é que Moçambique está rodeado de países falantes da língua inglesa e que os níveis
secundário e universitário já vinham leccionando o inglês como disciplina.
83
A oitava inovação é a introdução de Ofícios esta disciplina visa desenvolver as habilidades e
competências que possam facilitar a integração do aluno na comunidade. Esta é relevante
porque responde as necessidades básicas de aprendizagem. A disciplina de ofícios cobre 75%
daquilo que foi definido como currículo local, pelo menos nas escolas estudas e é confundida
como currículo local.
Por último coloca-se a nona inovação. Trata-se da introdução da Educação Moral e Cívica
esta inovação se lecciona no 2
o
e 3
o
ciclos nas disciplinas de ciências sociais. Ela visa oferecer
fundamentos relativos aos valores patrióticos, morais, cívicos, artísticos e religiosos. Nesta
disciplina o aluno aprende os seus direitos, dignidade, autonomia e as questões da cidadania.
Todas as inovações estão descritas no Plano Curricular do Ensino Básico. Elas não dizem
respeito apenas aos ciclos, mas também às mudanças de nível macro e micro que incidem
sobre os conteúdos de aprendizagem e os métodos de ensino. Elas dizem respeito ao
acréscimo ou perca de alguns conteúdos nas disciplinas que o antigo currículo preconizava. As
inovações apresentadas acima estão agrupadas em áreas para facilitar os professores e
dinamizar a aprendizagem. A arrumação de conteúdos de aprendizagem em áreas é outro
aspecto que será tratado a seguir.
2.3 Estrutura do novo currículo: áreas e disciplinas curriculares
O novo currículo apresenta uma peculiaridade do ponto de vista estrutural. Os conteúdos do
novo currículo estão arrumados de forma a permitir uma abordagem integrada. As disciplinas
aparecem ordenadas em áreas, porém cada uma é autônoma em termos de conteúdos. Esta
estrutura articula-se com os objectivos preconizados no Ensino Básico.
Em termos de objectivos em cada ciclo de aprendizagem priorizou-se o desenvolvimento de
habilidade e competências, consolidação da unidade nacional, desenvolvimento de
atitudes/valores e hábitos, valorização do patrimônio cultural, tomada de consciência da
84
diversidade cultural e ampliação dos conhecimentos científicos para a interpretação de
fenômenos naturais e sociais. De facto, uns objectivos do Ensino Básico são, entre outros:
a) Proporcionar à criança um desenvolvimento integral e harmonioso;
b) Capacitar a criança, o jovem e o adulto com um conjunto de padrões de conduta, que o
tornarão um membro activo e exemplar na comunidade e um cidadão responsável na
sociedade;
c) Capacitar a criança, o jovem e o adulto para desenvolver valores e atitudes positivas
para a sociedade em que vive;
d) Dar à criança, ao jovem e ao adulto a oportunidade de apreciar a sua cultura,
incluindo a língua, as tradições e padrões de comportamento;
(...).
p) Desenvolver capacidade e habilidades para conceber e produzir artigos de artesanato;
q) Aplicar os conhecimentos adquiridos na vida quotidiana (INDE, 1999: 22).
Quanto à metodologia, os programas orientam-se ao ensino centrado no aluno e à pedagogia
sensível às culturas. A finalidade é desenvolver, no aluno, as habilidades e as competências.
Trata-se, portanto, de uma metodologia fundamentada no construtivismo e na aprendizagem
reflexiva visando uma abordagem interdisciplinar e integrada dos conteúdos, enfim, um ensino
orientado para a actividade
9
. A estrutura curricular do Ensino Básico vai ao encontro dos
objectivos e dos métodos definidos facilitando a articulação dos conteúdos de forma integrada.
Estruturalmente, os conteúdos estão organizados em três áreas curriculares. Cada área é
constituída por um grupo de disciplinas; a saber: Comunicação e Ciências Sociais,
Matemática e Ciências Naturais e Actividades Práticas e Tecnologias.
A primeira área denomina-se de Comunicação e Ciências Sociais. Ela é constituída por seis
disciplinas, nomeadamente: Língua Portuguesa, Línguas moçambicanas, Língua Inglesa, Educação
Musical, Ciências Sociais e Educação Moral e Cívica. Esta última é consagrada ao 2º Grau. Os
objectivos preconizados neste grupo de disciplinas são:
9
O texto foi tirado dos Programas do Ensino básico e interpretado por autor. Por isso sofreu alguma
transformação, (cf. INDE e MEC, 2003: XVII).
85
1) Dotar os alunos de capacidades e habilidades para comunicar, oralmente e por
escrito;
2) Utilizar as competências que os alunos já possuem para iniciação à leitura e escrita;
3) Proporcionar, ao aluno, o vocabulário essencial para a comunicação;
4) Cultivar o interesse e o talento musical;
5) Estimular no aluno para desenvolvimento das competências de compreensão e
localização dos acontecimentos históricos e aspectos físico-geográficos no espaço e no
tempo;
6) Formar a personalidade do indivíduo (INDE e MEC, 1999:37-38).
A segunda área é chamada de Matemática e Ciências Naturais. É composta por disciplinas
que têm por objecto a natureza. Esta área divide-se em Matemática e Ciências naturais. A
Matemática tem como objectivo desenvolver competências e habilidades para contar e
calcular, classificar e medir as grandezas, organizar tabelas e gráficos. As Ciências Naturais
contém os conteúdos de Biologia, Química e Física. Com esta disciplina, o aluno aprende a
interpretar os fenômenos naturais e habilita-se a utilizar os recursos naturais.
A terceira área designa-se por Actividades Práticas e Tecnologias. Esta área foi denominada
no antigo currículo por Educação Visual e Tecnologias. Subdivide-se em disciplinas de
Ofícios, Educação Visual e Educação Física. A primeira disciplina tem como objectivo
desenvolver no aluno habilidades e competências para actividades práticas úteis à sua vida.
Esta disciplina pretende ligar actividade cognitiva com actividade prática. Tendo em vista que
nesta se privilegia habilidades e competências. A pesquisa sugere novos conteúdos a esta área;
são conteúdos relativos à economia doméstica. Os conteúdos ligados à economia domestica
ofereceriam noções básicas ao aluno para que ele aprenda a gerir a vida econômica pessoal e
da sua família. Nesta área está presente o currículo local.
A ordenação de conteúdos e áreas foi concebida para permitir a formação e distribuição de
professores em ciclos de aprendizagem. A filosofia desta estrutura é resolver dois problemas
cruciais: um ligado a “interdisciplinaridade entre as matérias que se oferecem em diferentes
classes e disciplinas para que sejam ensinadas de forma harmoniosa e sistemática” (Castiano
et. al., 2005: 120). Para responder à questão da interdisciplinaridade o professor é capacitado
86
de forma atender um bloco de disciplinas e os conteúdos duma classe são arrumados de
maneira a articularem-se com os da outra. Outro problema que resolve é a ligação entre a
escola e a comunidade, ou seja, articulação das actividades educativas da escola oficial com as
práticas extracurriculares. Trata-se de envolver a prática quotidiana do aluno na sala
reconhecendo a diversidade cultural, lingüística e social. Neste segundo problema há
necessidade de ligar o currículo local com o currículo escolar.
A ligação entre o currículo local e o escolar oferece uma nova visão de construir o
conhecimento. A estrutura do novo currículo do Ensino Básico e os métodos nele
preconizados mostra a persistência de teorias críticas. Sem dúvida a defesa de uma pedagogia
sensível às culturas aparece como crítica ao modelo tradicional de conceber a escola e o
currículo. De facto, a teoria tradicional concebia as escolas como locais de instrução ou
treinamento. As escolas veiculavam o conhecimento objectivo. Mas, a partir da pedagogia
crítica, recorrendo-se a Giroux (1997), as escolas são espaços sociais, políticos e culturais.
Elas são “locais democráticos dedicados a formas de fortalecer o self e o social” (Giroux,
1997: 28).
A teoria educacional crítica eminente no novo currículo oferece variedades modelos de análise
da escola e do conhecimento. Como se pode notar nos objectivos, nesse currículo, as escolas
são áreas de acomodação de grupos econômicos e culturais bem diferentes. E o conhecimento
é definido como uma construção particular da cultura. Por um lado, defende-se a escola como
instituição essencial para a manutenção e desenvolvimento da democracia e da unidade
nacional e, por outro, lança-se um desafio para o professor, como gente transformadora, na
construção do conhecimento a ser veiculado pela escola. Portanto, o professor é encarado não
apenas como técnico especialista, cuja tarefa é administrar e implementar os programas
curriculares, mas também como quem se apropria criticamente do currículo que satisfaça os
objectivos pedagógicos específicos e envolve-se na produção do saber.
Por último, o que se pode dizer sobre a estrutura é a grande novidade de permitir abordagem
integrada e possuir tendências de ligar o saber administrado pela escola e o saber localizado
nas comunidades. Portanto, é uma estrutura que facilmente se adapta às condições culturais e
87
sócio políticas. Essa estrutura obriga os professores a se dedicarem para fazer uma ponte entre
os saberes locais e escolares.
Para além do mérito que a estrutura consigo traz, pode-se ressaltar alguns problemas. O
primeiro problema é provocado pela concentração de disciplinas em áreas, pois nalgumas
áreas sobressaiem os conteúdos de uma disciplina em detrimento dos conteúdos da outra. Isto
se pode verificar na área de ciências sociais em que a maior parte dos conteúdos é extraída na
disciplina da história do que na disciplina de geografia, ou seja, quase 80% de conteúdos
dizem respeito à História do que a Geografia. O segundo problema diz respeito à divergência
entre a estrutura do novo currículo do Ensino Básico com a estrutura do currículo da
Universidade Pedagógica instituição que forma, actualmente, os professores para o ensino
Básico. Essa divergência ocorre na medida em que no Ensino Básico se introduziu o regime
bivalente e a Universidade Pedagógica suprimiu esse regime introduzindo o regime
monovalente, por um lado. Por outro, o currículo dos Institutos de Magistérios Primários
(IMAPs), instituições vocacionadas à formação de professores primários desde 1997, é de
carácter monovalente. O terceiro problema está ligado a dificuldade que os professores
encontram na articulação dos conteúdos de algumas disciplinas. Pois, a organização do
currículo por áreas tem por objectivo levar o professor a leccionar duas ou três disciplinas.
Quando se trata de leccionar três disciplinas, a questão que se levanta é falta de formação para
atender o regime bivalente.
88
CAPÍTULO III
OS SABERES LOCAIS NO CURRÍCULO DO ENSINO BÁSICO EM MOÇAMBIQUE
Neste capítulo se avaliam os momentos estruturais de concepção, de recolha e de integração
dos saberes locais na escola assim como se propõem as formas de melhorar a integração dos
mesmos no currículo. O ensino dos saberes locais na escola tende a resgatar o valor intrínseco
da cultura, a criar espaço de diálogo entre eles e os saberes escolares e a enraizar o aluno na
sua cultura.
Para compreender a problemática dos saberes locais se desenvolveu um estudo etnográfico
baseado fundamentalmente nas entrevistas aos grupos sociais: professores, pais e encarregados
de educação e outras entidades locais para apreender a realidade mais próxima do que são os
saberes locais. A pesquisa baseou-se também na observação directa das aulas. Isto permitiu
apreender, descrever e interpretar os processos e momentos de integração dos saberes locais na
sala. Este capítulo é fruto do trabalho do campo que decorreu nas Escolas Primárias
Completas “7 de Abril’ e de Monapo-Sede, ambas da Província de Nampula. A escolha destes
lugares obedeu a dois critérios: ao facto de o pesquisador pertencer ao grupo cultural das
comunidades onde as escolas estudadas estão inseridas; portanto por ser falante da língua e-
Makua. E ao facto destas escolas, no momento da pesquisa, terem acumulado certas
experiências no tratamento do currículo local. Assim, o capítulo subdivide-se em cinco pontos:
os professores e a selecção de conteúdos do currículo local; percepções dos professores sobre
os saberes locais; relação dos saberes locais com os saberes escolares; estratégias de
integração dos saberes locais na sala, as dificuldades e as recomendações do currículo local
nas escolas estudadas e, por fim, os professores como intelectuais orgânicos.
89
3.1 Os professores e selecção de conteúdos do currículo local
Para a introdução do novo currículo em Moçambique foi feita uma testagem em todas as
províncias do país. Foram escolhidas duas escolas em cada província para experimentarem o
novo currículo. Na província de Nampula foram escolhidas as Escolas Primárias Completas
(EPCs) “7 de Abril” (escola urbana) e Monapo-Sede (de escola rural). A escolha destas
escolas foi feita pelos técnicos do INDE. O INDE adoptou uma estratégia de supervisionar
directamente as escolas no sentido de acompanhar o projecto desde a concepção até a fase de
implementação.
O acompanhamento concentrou-se na formação do pessoal e na elaboração do guião de
entrevistas que viria a ser aplicado na recolha dos conteúdos para o chamado currículo local.
Por força maior, os instrumentos de implementação foram atestados e controlados pelos
técnicos do INDE e MEC, ao nível nacional e, localmente, pelos técnicos da Província em
coordenação com os representantes das organizações locais de Osuwela
10
e da Unidade de
Desenvolvimento da Educação Básica (UDEBA) daquela Província.
A UDEBA é uma organização financiada pela Embaixada do Reino dos Países Baixos e apóia
na formação do pessoal para o desenvolvimento da Educação Básica. Ela tem vindo a
capacitar professores e técnicos desde 1998, com objectivos de:
Promover actividades inovadoras na Educação Básica; contribuir para a redução das
desistências da rapariga; promover a participação e a comparticipação e sugerir uma
abordagem integrada que consiste na implementação de inovações pedagógicas e
animação comunitária para melhor participação na gestão escolar
11
.
A UDEBA contribui para o desenvolvimento do novo currículo capacitando professores,
técnicos pedagógicos e directores das escolas em matérias de metodologia do ensino,
10
Ossuela é uma expressão macua que significa saber, ter conhecimento. O termo se atribue a uma organização
não governamental, com o lema “melhor formação”, “melhor educação”, que ajuda na capacitação de professores
para o desenvolvimento do currículo local na Província de Nampula. Infelizmente, a pesquisa não teve dados
fornecidos por esta organização, que dizem respeito ao novo currículo, por motivos que não serão mencionados.
11
Informação dada no dia 2 de Agosto de 2005 por Marcos Augusto Mapinguisse, representante da UDEBA.
90
metodologia de recolha de conteúdos para o currículo local, gestão escolar, promoção do
gênero e elaboração do material didáctico que inclui os saberes locais. Portanto, prepara o
pessoal da educação para recolha de saberes locais que são integrados no currículo local.
Forma também um grupo de líderes comunitários, alfabetizadores e os membros do conselho
da escola que colaboram na definição e recolha dos conteúdos locais. Esse grupo torna-se
consultores de algumas temáticas tradicionais locais que têm relevância para a escola. A
UDEBA sensibiliza a comunidade no período de recolha de conteúdos discutindo com energia
as questões do gênero, ritos de iniciação, ligação escola/comunidade, das práticas culturais,
dos direitos e deveres da criança, da liberdade e cidadania, intervenção dos pais e
encarregados de educação na gestão e manutenção da escola.
Voltando ao núcleo do item, interessa referir que para a definição e a integração dos saberes
locais no currículo foram chamados professores a realizarem entrevistas. O objectivo das
entrevistas era recolher os temas/conteúdos locais para o seu resgate na escola. Para que isso
fosse possível, INDE e MEC elaboraram um guião de entrevistas e capacitaram os directores
pedagógicos das escolas, directores e técnicos da educação da Província de Nampula assim
como coordenadores das Zonas de Influencia Pedagógica (ZIPs) e professores com uma
experiência acomodada na área da educação.
A capacitação de professores para o currículo local visava habilitar-lhes para a recolha e para a
integração dos saberes locais. Trata-se de capacitação específica em matérias do currículo
local que consistiu na simulação de aulas integradas multidisciplinares que integravam alguns
exemplos de conteúdos e temas de interesse local. Segundo Alves. N., técnico provincial de
educação, entrevistado pelo pesquisador no dia 16 de Março de 2005, a selecção de
conteúdos/temas de interesse local seguiu três fases:
A primeira fase seguiu-se com a mobilização da população ao nível da Província sobre o
Novo Currículo que integra o currículo local, a segunda foi o levantamento de conteúdos
nas comunidades com base no questionário elaborado por INDE. O questionário foi
dirigido aos alunos, aos professores e às comunidades (pais e encarregados de educação,
líderes locais, lideres religiosos, médicos tradicionais e entidades das instituições afins).
O objectivo do questionário é recolher o quê que os filhos podem e devem aprender. Isto
91
culminou com a elaboração de quadro temático e a terceira foi a elaboração do quadro
temático que culminou com a fase de testagem
12
.
As fases apresentadas se jogam com as descritas por Castiano (2004), fruto da pesquisa local
realizada em Inhambane. Para ele, a recolha e implementação do currículo local passam por
oito fases: a primeira conta com a preparação de entrevistas para levantamento de conteúdos
locais; a segunda é recolha dos conteúdos facilitados pela comunidade, professores e alunos; a
terceira trata-se de registo dos temas; quarta é a elaboração da brochura do currículo local da
escola; a quinta é harmonização e apreciação das brochuras do currículo local de cada escola
pelas ZIPs; a sexta é validação do currículo local de cada escola pelo Comité Distrital de
Validação; a sétima culmina com a planificação analítica da unidade temática e, por fim, a
oitava conta com a preparação da aula.
Os professores fazem entrevistas às pessoas das comunidades, aos pais e encarregados de
educação, aos líderes locais, às instituições públicas afins (como por exemplo, Ministérios da
Cultura e Saúde), com educadores religiosos e civis e depois alistam os temas com base no
protocolo de entrevistas. Terminada a recolha de informações sobre os temas relevantes,
elabora-se uma brochura do currículo local que consiste em enquadrar por disciplinas e classes
os temas alistados respeitando-se a idade e as competências que se pretendem desenvolver. As
brochuras são enviadas a ZIP com o fim de serem apreciados e harmonizados. Uma equipe
composta por técnicos distritais de educação junto com a direcção da ZIP e directores das
escolas se encarrega em consubstanciar os conteúdos. Portanto, a última selecção se realiza
obedecendo-se às questões políticas. Quer dizer, a selecção de conteúdos relevantes de nível
local não apenas segue as opções sociais, epistemológicas e os princípios pedagógicos, mas
também políticas.
Os conteúdos recolhidos nas comunidades são saberes quotidianos que os alunos detêm. Uma
vez colectados são sistematizados e testados para sua programação pedagógica. A selecção
dos saberes locais exige um conhecimento das culturas locais e um domínio de áreas
curriculares para a sua articulação lógica no currículo. A escolha de forma explícita e
12
Informação dada por Alves N. no acto de entrevista feita no dia 16 de Março de 2005, na Província de
Nampula.
92
responsável de conteúdos, sem fugir da função socializadora e formadora da escola e das
políticas educacionais, para o currículo local em Moçambique, está a cargo de professores e
agentes de educação como produtores e organizadores do saber.
A recolha de conteúdos tem em vista responder a preocupação da comunidade moçambicana
em adequar a prática quotidiana com a prática escolar. A ligação escola/comunidade visa
eliminar o distanciamento entre os conteúdos escolares e os da vida quotidiana. Trata-se de
criar uma possibilidade de integrar novos saberes que também têm por objectivo concretizar a
educação de valores locais. Neste contexto, os conteúdos tendem a sublinhar a educação para
cultura, cidadania e responsabilidade, em suma, a educação para a vida. Uma educação que,
partindo do meio cultural e histórico, forma indivíduos que se comprometem com a
comunidade e com a Nação. Uma educação que se adapta às situações concretas e “que não se
formaliza como o formal, mas que vai ao encontro dos educandos nas condições concretas em
que se encontram, nas suas vertentes espiritual (Bildung) e material (prática)” (Ngoenha,
2000: 212). Uma educação que busca os saberes de interesse vital do aluno.
A necessidade de a educação se adaptar às condições quotidianas fez com que as escolas
urbanas intensificassem a educação moral e cívica e as escolas rurais interessassem mais nos
ofícios. Sendo assim os professores recolhem e sistematizam os conteúdos tendo em vista as
preocupações manifestadas pelas populações urbanas e rurais.
A arrumação dos saberes locais na brochura do currículo local obedece a um critério que é
anual, o que significa que cada ano se fazem entrevistas com vista a recolher os
temas\conteúdos importantes para a escola. Auscultação às pessoas das comunidades feita em
cada ano promove o dinamismo e justifica o interesse da ligação escola e comunidade. Trata-
se de um regresso da escola à sociedade por onde ela está inserida. Os conteúdos recolhidos
pelos professores são planejados e ordenados de forma a se construir um currículo escolar que
se casa com a cultura local.
Para analisar o impacto da introdução da proposta inovadora que inclui uma percentagem do
tempo nas actividades curriculares das escolas de Moçambique, a pesquisa feita avaliou, no
93
âmbito do trabalho, o conjunto de concepções sobre os saberes locais e de questões que o
currículo local tende resolver nas Escolas Primárias Completadas, em particular as duas
escolhidas da Província de Nampula, região norte de Moçambique.
3.2 Percepções dos professores sobre os saberes locais
As Escolas Primárias Completas 7 Abril e Monapo-Sede foram escolhidas para a
implementação do novo currículo, na Província de Nampula. Nestas escolas foram formados
professores para introdução e implementação do currículo local. E a partir desses professores
que se pretende explorar algumas noções sobre os saberes locais por eles possuírem
experiências sólidas adquiridas no momento de entrevistas.
O objectivo da pesquisa ao entrevistar maior número de professores foi de recolher as noções
sobre os saberes locais. A razão da maior concentração para este grupo social é porque para
além de ser responsável na recolha e produção, trabalha com os saberes locais na escola tendo
assim maior visão do que são saberes tradicionais locais que devem entrar na prática
pedagógica. E para ter informações credíveis, foram entrevistados 20 professores como
sujeitos que articulam os saberes locais com os escolares, 14 alunos, quatro técnicos de
educação e três líderes locais e as respostas foram sistematizadas. Esta sistematização leva a
compreender como as pessoas entrevistadas entendem de saberes locais. Numa visão geral
sobre a noção dos saberes locais, os professores da EPC 7 de Abril advogam que:
Os saberes locais são um conjunto de conhecimentos, práticas, atitudes, habilidades e
experiências que se transmitem e se comungam num determinado grupo humano. Esses
conhecimentos são constituídos de hábitos, costumes, modos de ser, histórias locais, que
formam uma cultura. Portanto, constituem conteúdos contextualizados na vida
comunitária e quotidiana das pessoas em suas relações locais e concretas
13
.
Esta concepção é ampliada pelos professores da EPC de Monapo-Sede, os quais afirmam que:
13
Trata-se de um depoimento colectivo dado pelos professores da EPC 7 de Abril (Nampula) no acto de
entrevista realizada no dia 29 de Fevereiro de 2005.
94
Os saberes locais são aqueles que respondem a realidade vivenciada pelo aluno no seu
dia-a-dia; aqueles que se juntam com os conhecimentos da escola: como, por exemplo,
olaria, pesca, agricultura, pecuária, comércio, dança e cantos, construção de casas,
artesanato, histórias dos chefes locais, etc
14
.
Na óptica dos entrevistados, os saberes locais visam enraizar o aluno na sua cultura e permitir
a sua articulação no mundo do mercado tradicional e moderno. Os saberes locais arrumados
no currículo local, uma componente que trata e integra os conteúdos relevantes para a
aprendizagem local, facilitam ao aluno a reconhecer a sua cultura e articulá-la com o mundo
de outras culturas, inclusive com a cultura universal. Os professores das duas escolas
estudadas afirmam que a definição dos saberes locais para a sua integração na escola depende
dos interesses da região e das percepções das pessoas da comunidade. A partir dessa
dependência aos interesses locais, a pesquisa vai explorar algumas concepções individuais dos
professores das escolas piloto em torno da problemática dos saberes locais.
O estudo feito em duas escolas encontra um elemento comum sobre os saberes locais. As
respostas dadas pelos professores mostram que o currículo local diz respeito aos conteúdos de
relevância local. Constituindo assim matérias locais a serem leccionadas nas EPCs pecuária,
agricultura, culinária, construção de casas, pesca, artesanato, jardinagem, olaria, medicina
tradicional, ritos de iniciação, danças e cantos da região, histórias dos antigos reis da região,
etc.
Celestino M. director Pedagógico da EPC 7 de Abril, afirma que os saberes locais são aqueles
que dizem respeito à vida quotidiana do aluno e das pessoas. Eles se obtêm através de
entrevistas baseadas no questionário preparado por INDE. A partir das entrevistas recolhem-se
os conteúdos que formam o currículo local. “O objectivo da recolha dos conteúdos locais é de
estabelecer uma união entre a Escola e a comunidade eliminando assim a distância entre a
cultura popular (espaço de produção de saberes locais) e a cultura escolar
15
. Celestino M.
14
Dados facultados pelos professores da EPC de Monapo-Sede, no dia 12 de Março de 2005.
15
Trata-se da percepção do director pedagógico em torno do currículo local no acto de entrevista efectuada no dia
28 de Fevereiro de 2005
95
afirma ainda que “a escola pretende, hoje, criar uma relação entre os hábitos da escola e da
comunidade e facilitar aprendizagem”.
João M. professor de Ofícios da EPC de Monapo-Sede, afirma que a ligação
escola/comunidade tem por objectivo dar continuidade, na escola, o que o aluno aprendeu em
casa e vice-versa. Criar, no aluno, o gosto de desenvolver os hábitos e habilidades que lhes
ajudem a integrar-se na sociedade”. Na óptica dele, trata-se de hábitos e costumes (que os
alunos vivem) desenvolvidos nas comunidades que, uma vez refinados e sistematizados em
conteúdos podem ser transformados em conhecimento programado para a escola.
Um outro depoimento da professora da 3
a
classe, Luisa F. mostra que:
Os saberes locais são conteúdos que podem ser inseridos na escola produzidos
localmente. Estes são provenientes da realidade da zona onde a escola se inscreve e são
diferentes de região para região. São ‘saberes locais’ porque se prendem com a matéria
de interesse local que emociona as crianças
16
.
Na visão de todos os entrevistados a introdução dos saberes locais no currículo é uma
oportunidade para integrar as crianças na cultura de pertença, nos desafios éticos e econômicos
locais para compreender os problemas nacionais.
Segundo os dados recolhidos os ‘saberes locais’ são conteúdos que dizem respeito à vida
quotidiana das pessoas nas suas circunscrições culturais, sociais, econômicas e políticas. Eles
podem ser sistematizados, como se pode ver no item anterior em quatro categorias: saber
fazer, saber ser, saber e saber conviver ou estar. A escola integra tais saberes com finalidade
de preparar os alunos para que possam responder os desafios actuais da sua circunscrição local
e nacional.
Os conteúdos locais estimulam a aprendizagem dos alunos, pois eles partem da vida concreta
(o vivido) para o universal (o pensado). Os alunos conhecem primeiro o que existe
16
Noção dada pela professora Luisa na entrevista realizada no dia 5 de Março de 2005 na EPC 7 de Abril.
96
concretamente em sua vida diária, no ambiente social em que residem e vão ao nível de
abstração mais geral do país. Assim, a tarefa do novo currículo é equacionar de forma
sistemática os aspectos culturais locais com os aspectos da cultura da escola.
Resgatar os saberes locais implica valorizar a cultura autóctone e situar-se nela. A
revalorização da cultura autóctone visa criar um espaço de convivência entre as culturas e
reconhecer a prática quotidiana do aluno na sala de aula. Trata-se de revitalizar a cultura local.
A inclusão da cultura local na escola significa o início de uma revolução cultural para
revitalizar os costumes. A consistência de revitalizar a cultura se justifica pela preocupação ao
respeito do patrimônio histórico de diferentes grupos culturais que forjaram um Estado
politicamente organizado como é Moçambique hoje.
A pesquisa constatou que a noção dos saberes locais nas escolas estudadas está mais
concentrada nos conteúdos relevantes que dizem respeito as actividades realizadas nas
comunidades, tais como: agricultura, culinária, pesca, artesanato, construção de casa, modos
de tratamento das doenças, respeito e cerimônias deixando de fora o saber metafísico e as
questões da cidadania. Portanto, decanta outras construções culturais ligadas aos modelos de
resolução de problemas, direitos costumeiros, organizações familiares, histórias locais,
lideranças locais, actividades espirituais (refere-se às crenças religiosas) e criatividades
individuais que concorrem para aprendizagem relevante do aluno. Estes últimos conteúdos
devem ser capitalizados porque contribuem para mudança de mentalidade no aluno sobre a
concepção da historia local e nacional.
97
3.3 A relação dos saberes locais com os saberes escolares
A relação entre os saberes escolares e saberes culturais locais é estabelecida na escola à
medida que estes saberes se cruzam. O cruzamento relacional entre eles salva e harmoniza os
saberes que estão à margem. Esse cruzamento é necessário porque os saberes escolares são o
eixo do sistema de educação e os saberes locais são à base da educação tradicional. Estes
últimos atravessam os primeiros e ao perpassarem, tornam-se, pela sua pragmática,
indispensáveis para a aprendizagem. É neste sentido que se pode falar de uma relação de
complementaridade entre os dois saberes.
O aprendizado em Matemática, em Ciências Sociais e Naturais, em Educação Cívica e Moral,
em suma, em disciplinas curriculares, resultante do processo de alfabetização tende a
responder às realidades da vida das pessoas no seu meio e levar o aluno a trabalhar os
conhecimentos quotidianos. A missão dos professores é ligar o conhecimento da escola com a
vida prática dos alunos a partir dos exemplos. O espírito de ligar a prática com a teoria, em
Moçambique, é um desafio levado a peito pelos educadores e o MEC, em resposta, introduziu
um espaço para integração das culturas locais. Esse espírito concretizou-se na arrumação dos
conteúdos nos programas do ensino. Por exemplo, o novo currículo contempla os ritos de
iniciação, uma prática local que se realiza em Moçambique com a finalidade de educar as
crianças. O exemplo colocado, embora seja único, pretende demonstrar que há uma relação de
complementaridade entre os conteúdos manejados na comunidade e aqueles que a escola
trabalha.
Os temas locais a serem programados para a sua prática pedagógica dizem respeito, como se
referiu no ponto anterior, à agricultura, à pecuária, à pesca, a pastorícia, à olaria, ao artesanato,
à conservação dos alimentos, à construção de casas, à medicina tradicional, aos ritos de
iniciação, à leitura do alfabeto, às danças e cantos da região, à história da região, à importância
dos rios locais, aos locais históricos e míticos, etc. Estes são temas que atravessam os temas
curriculares oficiais.
98
A consideração de alguns temas é de suma importância e comum para as escolas
experimentais de Nampula. Os temas são definidos em função das necessidades das pessoas
para o desenvolvimento regional e local. A sua consistência depende do interesse das
comunidades e o seu enquadramento no programa não cria rupturas. Por exemplo, um
professor ao tratar a problemática das doenças, na disciplina de ciências naturais é movido a
falar da contribuição da medicina tradicional para a comunidade. Os conteúdos que ele discute
são: a função das plantas e dos animais medicinais nas comunidades. No caso das plantas, a
Escola Primária Completa de Monapo identificou muthukuthi
17
, mulucama
18
, Nrwirwi
19
e
folhas de goiabeira
20
. Segundo dados concedidos no dia 13 de Março de 2005 por director
daquela escola, os professores focalizam a atenção nas plantas mencionadas quando abordam
questões ligadas às doenças que enfermam as crianças. Neste caso trata-se de um saber
medicinal tradicional que se harmoniza com o saber da medicina cientifica.
Este depoimento pressupõe que a medicina tradicional, na comunidade, complementa a
medicina formal cobrindo alguma percentagem na cura de doenças e a escola endossa este
saber para ajudar a Biomedicina. A Biomedicina é um saber que é veiculado pela medicina
formal e pode, em alguns mementos, cruzar-se com a medicina tradicional.
Falando da relação entre o saber local e o saber escolar pode-se afirmar que as matérias
referentes ao artesanato e à olaria estão acomodadas na disciplina de ofícios e se apresentam
como conteúdos à construção de casas, a feitura de chapéus, cestos, bolsas, tapetes, panelas,
vasos, fabrico de blocos, carpintaria, jardinagem, etc. Os objectivos destes saberes são
capacitar os alunos a desenvolverem habilidades e ligá-los com a prática cultural local. Uma
vez adquirida a habilidade o aluno pode se lançar ao mundo do mercado local. Para isso, aos
alunos que carecem de condições para progredir, a escola atribui-lhes um certificado que lhes
possibilite continuar as actividades, na povoação, aprendidas.
17
Muthukuthi cura as dores de cabeça intensivas. Os especialistas usam as folhas e raízes de Muthukuthi para a
cura desta doença.
18
Mulucama é uma planta medicinal que se usa para curar hepatite.
19
As folhas de goiabeira são usadas para cura de dores de barriga
20
Nrwirwi é uma planta trepadeira que se usa para protecção de crianças recém-nascidas contra espíritos maus
99
Na disciplina da música propõe-se como os conteúdos de ensino os cantos de Tufo, Insiripwiti,
Inzope e Inlupatho. Estas danças reportam a vida da comunidade em todos os momentos de
alegria (nascimento de um bebé e colheita) e tristeza (falecimentos, caso de doenças do
século). Segundo o vereador do município de Monapo na área da Educação, Basílio M. M.,
numa entrevista concedida no dia 8/03/05, os dançarinos sensibilizam as crianças a
freqüentarem a escol; as populações a lutarem contra a doença do século, produzirem para o
combate a pobreza e a cultivarem o espírito de respeito”. No Monapo, adianta ele, o
município confia os grupos de danças para difusão das informações sobre as doenças que
enfermam as crianças e sobre ajudas a dar à escola e ao governo local”.
No que diz respeito às histórias locais intervém a disciplina de ciências sociais. A disciplina de
ciências sociais tem como objectivo oferecer ao aluno um quadro lógico dos acontecimentos
da região, localizando-os no tempo e no espaço. A EPC de Monapo-Sede propõe o ensino de
história de Massacre Pastor
21
, ocorrido em Netia, em 1954. Ainda nesta disciplina, no que diz
respeita ao ensino da história local sugeriram alguns heróis, no caso de Cingia e Maruca.
Cingia era o colaborador de Mucutu Muno que resistiu contra os Namarais no Monapo e
Maruca foi chefe de resistência contra a penetração portuguesa em Ituculo
22
. Segundo Aurélio
A. entrevistado no dia nove de Março de 2005, Maruca tinha um lugar mítico chamado
Onlapani, onde rezava antes de se dirigir à guerra. Onlapani, hoje, é um lugar histórico e
espiritual onde a população presta culto aos antepassados. O objectivo do culto é pedir a
Maruca para que lhe proteja contra os males e lhe conceda chuvas (em caso de seca).
Aurélio A. defende que as escolas deveriam priorizar, na língua portuguesa, a leitura e a
escrita do alfabeto. Todas as escolas de Nampula tinham que capitalizar a história da origem
do nome Nampula e das pinturas rupestres de Meconta, localizadas a 70 Km da cidade de
Nampula.
21
Massacre Pastor aconteceu, em 1954, na zona de Netia, distrito de Monapo, resultante da vingança do chefe da
região que perdera seus porcos. Como forma de retaliação ordenou os seus homens que fossem matar todos os
suspeitos na região. Nesse período estava a decorrer uma cerimônia de ritos de iniciação e o exército, em
cumprimento do mandato, matou todas as pessoas que se encontravam naquele lugar. O distrito de Monapo faz
culto em recordação às crianças vitimas anualmente.
22
Não foi possível obter dados sólidos sobre a data em que se deram as resistências.
Ainda se destaca a questão de ritos de iniciação onde se difunde o direito, liberdade,
autonomia do sujeito, responsabilidade, a espiritualidade, o carácter estético e o respeito, em
suma, o saber estar ou conviver, os valores, etc. Nos ritos está imanente um saber que se
caracteriza pela capacidade de compreensão. O sujeito sabe o significado da dor e da emoção,
compreende que a compaixão significa sofrer juntos. Os ritos de iniciação são a componente
da educação informal que cobre 45% da população da Província de Nampula. Estes
desempenham uma função social permeando todos grupos humanos da sociedade macua. Ora,
os macuas caracterizam-se por um comportamento ritual. Esse comportamento é observável
mesmo quando se casa, se ama, se morre, se nasce, se reza, se escolhe um chefe da família e
quando se impõe poder sobre os chefes. Assim sendo, os ritos revelam os valores mais
profundos do comportamento desse povo.
A educação dada nos ritos contribui para a formação da criança naquela sociedade. Neste
contexto, o objectivo é transmitir o respeito, a coragem e a responsabilidade na criança. A
respeito da responsabilidade Otilia J.e Nete S., alunas da Escola Primária Completa 7 de Abril,
de 11 a 12 anos de idade, respectivamente, afirmam:
Nós não podemos nem devemos pensar nem fazer coisas como crianças. Temos que
escolher com quem brincar porque adquirimos o estatuto de adultas, pois nos ritos fomos
educadas a nos comportarmos como adultas e assumirmos responsabilidade dos nossos
irmãos mais novos. Aqui na escola não podemos realizar jogos sem orientação da escola
senão envergonhamos as nossas madrinhas
23
.
Este depoimento denota que a criança depois de passar pelos ritos muda a forma de conceber o
mundo e aprende a distinguir o bem do mal, aprende também a ajudar e respeitar,
responsavelmente, as pessoas. De facto, nas comunidades onde se realizam os ritos de
iniciação como formação integrada, a pessoa passa da fase infantil para fase adulta, deixando-
se a fase da juventude. A criança comporta-se como um adulto. O respeito e a
responsabilidade são saberes comuns geridos pelas escolas formal e informal.
23
Tradução literal do autor, do Macua para o Português.
Os saberes que a comunidade gerencia perpassam os saberes que a escola transmite e podem
estabelecer uma relação de complementaridade entre eles, porque o escolar recorre ao saber
local para a sua confrontação. A escola reabilita os saberes tradicionais das culturas locais para
reconhecer o seu engajamento no desenvolvimento da região e do país.
Os saberes adquiridos na cultura têm uma função educativa e podem ser classificados em
aprender a conhecer, saber fazer, saber ser e estar ou conviver com os outros. Estes saberes
são fragmentados, na escola, em pedagógico, técnico, político, metafísico e ético. O professor
é formado tomando-se como referência esse novo projecto educacional. Ele como educador
preocupa-se não só com o conhecimento, mas também pelo saber fazer, o ser e o estar ou
conviver. Não apenas porque toda a prática, ética, metafísica e política são fundamentos do
conhecimento, mas porque o trabalho escolar é um fazer (uma actividade produtiva), é uma
transmissão de valores, concepção das convicções de ordem religiosa e cosmológica e
definição de políticas para que essas actividades se realizem.
Para explicitar a relação entre os saberes locais e os saberes curriculares a pesquisa apresenta
um quadro que se afasta um pouco em alguns aspectos ao quadro de Dellors na definição dos
saberes onde estão arrumados os saberes resultantes de entrevistas a seres integrados nos
programas.
Quadro 3. Tipos de saberes locais categorizados a partir do trabalho de campo.
Saber (conhecimento) Saber fazer Saber ser Saber conviver
Histórias locais e
regionais, localização
geográfica da região,
agricultura mecanizada,
artesanato, olaria, ritos de
passagem, alfabeto,
medicina tradicional, etc.
Olaria, artesanato,
pecuária, pesca,
agricultura, conservação
de alimentos, medicina
tradicional, construção
de casas etc.
Respeito, autonomia e
reconhecimento do sujeito,
responsabilidade,
espiritualidade, aspectos
estéticos, respeito pelo
corpo e traje etc.
Respeito, Relações
sociais,
convivência, ética
comunitária e
pessoal, bons
modos,
compreensão, etc.
Fonte: Adaptado pelo autor a partir da tipologia de Delors (1996).
Os saberes propostos no quadro se cruzam com os saberes disciplinares e são capitalizáveis na
escola. Eles foram obtidos através das entrevistas (ver o guião de entrevistas no apêndice 1) e
estão em paralelo com os saberes que constam na brochura do currículo local proposto pelo
INDE, (ver apêndice 2). Estes podem ser sistematizados e integrados no programa curricular.
A seguir se sugere o modelo como os professores poderão programar os temas locais. Este
modelo foi proposto pelo INDE e trabalhado pelo pesquisador.
Quadro 4. Exemplo de programação pedagógica dos conteúdos locais.
Tema
Local
Objectivos Disciplina Unidade
temática
Tema da
disciplina
Conteúdos Exemplos Intervenient
es
Class
e
Medicin
a
Tradicio
nal
Conhecer as
plantas
medicinais
Ciências
Naturais
Plantas
Medicinai
s
Saúde e
Meio
ambiente e
Vegetação.
Função das
Plantas
Mulucama,
Muthukuthi,
Nrwirwi.
Professor,
Médico
tradicional.
6ª e 7ª
Canções
da
Região
Conhecer a
função
moral e
didáctica das
canções
Educação
Musical
Ensino de
cantos e
danças da
região
Canções e
danças e o
seu
significado
O papel dos
grupos
culturais
Inlupatho,
Insiripwit,
Inzope e
Tufo.
Professor e
membros da
comunidade
1ª a 7ª
História
s da
região
Saber contar
a historia da
região e
localizar os
acontecimen
tos
Ciências
Sociais
Ensino de
histórias
locais
Os
acontecimen
tos da região
e o papel
dos chefes
Resistências
locais. O
Significado
de nomes e
locais
históricos
O
significado
do nome
Nampula, o
papel dos
chefes
Maruca e
Cingia,
Massacre
Pastor
Professor /
membros da
comunidade
3ª a 7ª
Fonte: Quadro proposto por INDE e trabalhado pelo autor através do trabalho do campo realizado nos dias 28 de
fevereiro a 18 de Março de 2005, em Nampula.
Neste quadro propõe-se o modelo de programação pedagógica de conteúdos locais cruzando-
se com os definidos centralmente. Este modelo facilita a integração dos conteúdos
mobilizáveis nas diversas disciplinas curriculares. Facilita também a definição dos objectivos
tendo em conta os objectivos gerais. Uma vez definidos objectivos e planificados os conteúdos
locais, o professor desenha as estratégias de integração na sala de aula.
3.4 Estratégias de integração dos saberes locais na sala de aula
Neste item descrevem-se as estratégias de integração dos saberes locais. Esta descrição resulta
da observação directa das aulas nas escolas onde decorreu a pesquisa do campo. A observação
às aulas teve dois objectivos: o primeiro objectivo, avaliar as estratégias metodológicas de
integração dos saberes locais; o segundo, observar se durante a integração são explorados os
20% que se acomodam no currículo local. Para se cumprir tais objectivos foram assistidos 16
professores em duas escolas escolhidas. Os professores assistidos foram de diferentes classes,
partindo da 1
a
a 7
a
, com excepção da 5
a
classe que ainda segue o currículo antigo. Foram
assistidas duas aulas em cada disciplina escolhida por pesquisador, a saber: Ofícios, Ciências
Naturais, Ciências Sociais, Português, Matemática, Educação Cívica e Moral, Educação
Musical e Inglês; somando assim 16 aulas.
No processo de integração, alguns professores atingem os objectivos e exploram da melhor
forma os 20% do currículo local. Outros apresentam dificuldades de duas ordens: uma prende-
se com a falta de formação para matéria do currículo local. De facto, dos 16 professores
assistidos, dez professores tiveram capacitação para o novo currículo e os restantes não têm
formação psicopedagógica. A falta da formação dos professores faz com que não se cumpram
devidamente os critérios estabelecidos pelo PCEB para a matéria do currículo local. Uma
outra dificuldade prende-se com a falta de brochuras do currículo local produzidas pela escola
como meio de apoio. O INDE e o MEC deram oportunidade às escolas para apresentarem as
brochuras de conteúdos locais que, por sua vez, são legitimadas pelos técnicos distritais da
educação. No entanto, as escolas em estudo apóiam-se, ainda, na brochura proposta pelo
INDE. Essa brochura contém conteúdos que precisam de reajustamento para a sua adequação
à realidade local das escolas.
Na dinâmica da integração dos saberes locais na sala de aula os professores seguem dois
métodos sugeridos no PCEB. Um diz respeito ao aprofundamento e o outro à extensão. O
primeiro método consiste em alargar os conteúdos definidos centralmente, incorporando novos
conteúdos (conteúdos locais) em forma de exemplo para facilitar aprendizagem. O segundo
consiste em fazer visitas de estudo organizadas pela escola aos locais de interesse histórico
para recolha de conteúdos culturais locais que poderão ser integrados em diferentes
disciplinas. Este último é difícil, pois, exige uma planificação e o conhecimento das épocas do
ano em que se realizam algumas cerimônias importantes na região. Embora seja difícil, o
método de extensão facilita uma articulação integrada e uma interdisciplinaridade.
Os professores assistidos, em duas escolas, praticam mais a integração por aprofundamento,
por uma simples razão: as escolas ainda não estão bem orientadas metodologicamente para
desenvolver a integração por extensão. Isto é, o INDE propõe o uso do método de extensão,
mas não esclarece as modalidades a serem observadas. Assim as escolas não encontram
fórmulas de enquadrar no seu plano temático os dias de semana para efectuar as visitas de
estudo aos locais significativos.
Quanto ao método de aprofundamento, o único observado, a sua exeqüibilidade depende de
temas, disciplinas e das condições específicas de cada saber. Nele conta também à criatividade
do professor na organização dos exemplos. O professor maneja facilmente os saberes
mobilizáveis deixando de lado os imobilizáveis. Certamente, os professores são obrigados a
introduzir os saberes locais nas aulas partindo da experiência vivida pelos alunos e procura
articulá-los com os conteúdos programados.
Avaliando o processo de integração dos saberes locais conclui-se que os 20% do currículo
local são explorados apenas através dos exemplos. Os professores partem dos objectos locais
da vida quotidiana para introduzir os temas programados. Um exemplo prático, para
fundamentar a afirmação exposta acima, é a aula de Ciências Naturais, com o tema: a função
de diferentes tipos de alimentos, dada pela professora da 3
a
classe, Amélia J. Esta professora
para introduzir a sua aula, começou com uma canção que diz respeito a machamba e os
alimentos. Enquanto cantava com os alunos, ia mostrando os tipos de alimentos típicos da
região que ela trazia. Por cima da mesa, ela guardara ovos, peixe, amendoim, mandioca seca,
tomate e feijão. O objectivo dela foi dinamizar a aula. Terminada a canção, perguntou aos
alunos a utilidade de cada um destes e depois procedeu com a classificação de alimentos em
energéticos, protectores e construtores.
Não se pretende afirmar categoricamente que os alunos aprenderam mais naquela aula, mas
pressupõe-se que estiveram mais em contacto com a realidade local. Pois, os alimentos
mostrados são conhecidos por eles e são de relevância para zona. Esta forma de integração não
é inteiramente nova, a escola já vinha fazendo, mas de forma não institucionalizada.
Para os professores de ofícios essa integração é muito facilitada porque obrigam aos alunos a
trazerem de casa o material a ser usado. E para introduzirem os temas de Tecelagem e Olaria,
da 2ª a 7
a
classes, usam também exemplos concretos, como: peneiras, chapéus de palhas,
esteiras de fabrico local, panelas de barro e outros objectos. Partindo destes, ensinam como se
fazem cestos, pastas, bolsas de mulher, bordado, textura e tecidos. A utilização das técnicas de
entrelaçamento simples (usada para fazer tapetes), de enrolamento (usada para fazer chapéus)
e de tafetá
24
facilita apreensão de conteúdos nas aulas de Ofícios.
Uma aula de Ofícios assistida no Monapo-Sede, organizada por professor Zacarias M. mostrou
uma outra dinâmica. Este professor contratou uma oleira, Wamonela A., para ensinar às
crianças a fazerem panelas de barro. O método usado nessa aula foi tipicamente tradicional
enraizado na prática sob forma de aproximar a vida local dos alunos permitindo integrá-lo na
sua comunidade.
Apesar do sucesso do método de aprofundamento, os professores de Matemática têm
dificuldades em partir da experiência vivida para introduzir alguns conteúdos (no caso de
números aproximados). Esta dificuldade foi constatada na assistência a dois professores que
não serão mencionados. O que se sabe é que os professores daquela disciplina têm
24
Tafetá é uma técnica usada nas fábricas para fazer tecidos. Consiste em pintar o objecto alternadamente
formando um xadrez.
dificuldades de trazer exemplos que pudessem satisfazer os alunos para facilitar a
aprendizagem.
Para além desse método, descreve-se o procedimento que deveria se seguir para a integração
por extensão. A sua descrição obedece à proposta do PCEB. Na integração por extensão
constariam os temas culturais, econômicos e políticos que não estão programados no currículo.
Ela visaria a realização de visitas de estudo aos locais importantes ou às cerimônias
planificadas na zona para explorar os saberes locais. Esta integração pressupõe, naturalmente,
uma planificação e o reajusto do calendário escolar com as actividades culturais da
comunidade. Os professores deveriam consultar o programa do ensino para observar se dentro
de uma unidade didáctica está definido algum conteúdo de aprendizagem local que exige uma
visita de estudo. Ou seja, se o programa das Ciências Sociais contempla um conteúdo que diz
respeito ao culto dos antepassados ou a cerimônia de pedido de chuvas como um conteúdo
cultural local. Se estiver previsto, reservar-se-ia uma aula para se discutir tal conteúdo com os
alunos e se não for previsto efectuar-se-ia uma visita de estudo ao local onde decorrerão as
cerimônias (pedido de chuva ou culto de antepassados). Os temas a serem tratados nesta
segunda forma de integração se caracterizariam pela sua transversalidade podendo perpassar a
grade curricular. Para a sua execução, sem entrar em conflito com o programa, a escola
disponibilizaria um dia lectivo por mês ou por trimestre, pois a abordagem dos conteúdos
locais é coberta por 20% do tempo previsto. Uma boa administração dos 20% corresponde a
um dia lectivo. Nas aulas normais introduzir-se-iam os saberes locais, mas reservando-se uma
6
a
Feira para execução da visita de estudo com vista a aproximar mais a realidade do aluno.
Quadro 5: Modelo do programação pedagógica das aulas.
2ª Feira 3ª Feira 4ª Feira 5ª Feira 6ª Feira
Português (CL) Matemática (CL) Ciências Sociais (CL) Ofícios (CL)
Ciências Naturais (CL) Educação Moral e Cívica (CL) Educação Visual (CL) Inglês (CL)
Matemática (CL) Educação Musical (CL) Português (CL) Ed. Física (CL)
Reservado
para visita
de estudo
Fonte: Proposta de organização de aulas para facilitar a integração por extensão adaptada por pesquisador.
A partir do esquema proposto, os professores programariam os conteúdos tendo em conta os
temas culturais não previstos no programa. Eles seriam programadores e organizadores da
excursão para explorar, a partir dela, os saberes locais. Esta modalidade seria planificada e
executada por grupos de professores. O objectivo seria pôr o aluno em contacto com a sua
realidade e deixar que ele sozinho descreva os fenômenos sociais. Cada professor poderia
descrever os fenômenos, quer dos locais históricos, quer das cerimônias, a partir dos
objectivos da sua disciplina. Feita a descrição, apresenta-se um modelo de integração por
extensão, como sugestão, ao exemplo da proposta feita por Castiano (2004) numa pesquisa
realizada na província de Inhambane.
Quadro 6. Modelo de Integração de conteúdos locais por extensão.
Fonte: A pesquisa inspira-se na proposta e aprimorada por Castiano (2004).
Este modelo permitiria a actualização do aluno sobre as cerimônias importantes da sua região
facilitando assim a aprendizagem e a sua integração na comunidade. Para os professores,
poderia motivar a discussão sobre os saberes locais que a escola deve resgatar. Esta forma de
integração possibilitaria ao professor um olhar interdisciplinar sobre os temas abordados.
A idéia da interdisciplinaridade que se introduz aqui se fundamenta no pressuposto implícito
no livro Temas Transversais e Estratégias do Projecto de Araújo (2003). Araújo aborda os
temas transversais na escola. Este autor propõe que os professores, tendo como conteúdos
Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), explorem informações segundo os objectivos
Culto aos antepassados
(Onlapani)
Ciências naturais
- Descrever o significado e a importância
do lugar;
- Conhecer e analisar a função das plantas
utilizadas para a vida humana;
- diferenciar as plantas espirituais com as
medicinais.
Educação Moral e Cívica
- Saber respeitar os antepassados;
- Analisar o engajamento das
pessoas nas cerimônias;
- Conhecer o significado do
vestuário;
- Analisar o ambiente psicológico,
físico e espiritual
.
Ciências sociais
- Compreender as relações entre o
homem e os deuses;
- Conhecer a função dos
antepassados na resolução dos
problemas espirituais;
- Saber os tabus e rituais;
- Localizar no espaço e no tempo
os acontecimentos.
Português
- Descrever
Os fenómenos e os
utensílios usados;
- Conhecer o papel da
linguagem;
- Conhecer o grau de
parentesco dos crentes.
Educação musical
- Composição musical;
- Descrever
os;instrumentos
musicais típicos da
região (batuque;
guitarra, etc.).
- Conhecer a função da
música:
Matemática
- Quantificar os
objectos utilizados;
- Descrever como se
desenvolve a
Artmética .
da disciplina. Araújo mostra que os materiais didácticos elaborados por ONGs que discutem
sobre essas doenças abrem espaço para que:
Os professores de Ciências façam algumas actividades envolvendo uso de preservativos, o
professor de língua Portuguesa promova dissertações sobre DSTs, a professora de
Matemática realize uma pesquisa na base de dados do Ministério da Saúde buscando
informações estatísticas sobre as DSTs. (Araújo, 2003: 51).
O trecho demonstra que os professores partindo da problemática DSTs podem fazer
abordagens integradas.
Os métodos descritos para as integrações são úteis e eficientes para levar o aluno a
compreender as preocupações com o quotidiano. É importante partir dos saberes produzidos
na comunidade para entrar no saber escolar sem, contudo, praticar o folclorismo. Os métodos
expostos permitem que o indivíduo enquanto se incorpora ao mundo da ciência coloque-se na
sua própria cultura.
O resgate dos saberes locais para a escola leva ao aluno a compreender e a interpretar a sua
cultura. Só para fundamentar a idéia, uma entrevista colectiva concedida por alunos de EPC de
Monapo-Sede, traz o seguinte comentário:
Nós aprendemos mais quando o professor traz os exemplos concretos da nossa cultura. Os
nossos costumes culturais são úteis para aprendizagem. A partir dos costumes culturais
compreendemos os fenômenos sociais e naturais. Os ritos de iniciação, os provérbios, as
cerimônias locais e os mitos fazem parte da cultura local e com eles aprendemos
essencialmente o respeito, dever, o direito, responsabilidade e autonomia. E na escola
aumentamos o respeito, ajuda aos mais idosos e cuidados às crianças. O que aprendemos
em casa e nos ritos de iniciação com os mestres sobre o respeito não foge do que a escola
nos ensina
25
.
25
Trata-se de depoimentos feitos no dia 9 de Março de 2005 pelos alunos da Escola Primária Completa de
Monapo.
Os alunos forneceram também a relação das doenças que enfermam as crianças, como
Sindroma de Imonodificiência Adquirida (SIDA), malária, diarréia, conjuntivite, hérnia. Eles
apontam que, para a cura destas doenças, com excepção de SIDA, muitas vezes se recorrem as
plantas locais. A título de exemplo apontam Cacana e Nakhunhunhu
26
. Ligado à matéria de
saúde e higiene, um aluno da 7
a
classe da EPC de Nampula diz: “quando se introduz aula
sobre saúde e higiene, os professores trazem à sala de aulas plantas para nos ensinar as suas
utilidades”. A abordagem sobre as plantas tradicionais na sala responde o problema de que a
maior parte das pessoas utiliza plantas tradicionais para a cura das doenças e o novo currículo
permite a ligação entre os saberes medicinais locais com os saberes medicinais universais.
Ora, para além dos métodos descritos acima propostos por INDE, pode-se explorar a proposta
de Sacristán. Sacristán discutindo a possibilidade de integrar os conteúdos locais sugere a
integração individual e a integração em grupo que os professores poderão fazer. A primeira
corresponde ao aprofundamento e, a segunda, à extensão. A primeira modalidade é a
integração individual de conteúdos na sala de aula. Aqui os saberes locais são integrados por
um único professor, enquanto sujeito que “distribui e trabalha os conteúdos diversos com um
mesmo grupo de alunos, realizando programações e experiências que englobam aspectos
diversos, e que distribui ao longo de períodos de horários, geralmente, mais amplos de
tempo” (Sacristán, 2000: 77).
Segundo esta idéia, o professor é responsável pela produção e ajustamento dos saberes locais
dentro do saber universal. O professor pode, na introdução de uma matéria, começar pelos
aspectos concretos locais. Começar pelos aspectos culturais locais pressupõe oferecer uma
ferramenta ao aluno para a leitura e a compreensão do mundo físico e espiritual.
A segunda modalidade é a integração em grupo de professores. A integração dos conteúdos
locais em grupo é difícil considerando-se o carácter individual de cada professor, mas é a mais
importante pela comunhão das ideias na definição do que é local. Seguindo os caminhos
abertos por Sacristán, nota-se que:
26
Nakhunhunhu é uma planta de cor de laranja usada na zona norte de Moçambique (Nampula) para cura de
hérnia.
A integração de componentes dentro do currículo, apoiada na profissionalidade
compartilhada, se realiza dentro dos projectos curriculares, que, por meio de equipe de
competências diversificadas, elaboram materiais que os professores poderão consumir
individualmente depois (Sacristãn, 2000: 78).
Os professores dum ciclo podem, organizadamente, escolher uma semana para as excursões
aos locais significativos. Durante o processo cada professor registará o que lhe diz respeito, ou
seja, o que responde a sua disciplina.
A integração feita por um professor é facilitada pelo modelo organizacional dos conteúdos em
áreas. A organização dos conteúdos em áreas é o carácter do currículo do Ensino Básico em
Moçambique. Os conteúdos do 1
o
e 2
o
graus são estruturados em áreas de aprendizagem e
motivam o regime de monodocência. Esta organização visa uma abordagem integrada
contemplando os conteúdos locais em todas as disciplinas.
Além das integrações propostas por INDE, em Moçambique, e por Sacristán, pode-se
enriquecer o discurso de integração dos saberes locais na escola recorrendo-se a Pacheco. Em
Pacheco se encontram novos conceitos de integração dos saberes locais: a “integração vertical
e horizontal”. A integração vertical se faz em diferentes anos e/ ou ciclos de um nível
determinado de ensino, obedecendo a diversas acepções. Pacheco apresentam quatro caminhos
para a integração de conteúdos:
a) A interdependência e conexão entre temas e tópicos dentro de uma mesma matéria no
decurso de períodos limitados ou ciclos prolongados de tempo.
b) A gradualidade na profundidade com que são tratadas as mesmas temáticas,
seguindo-se a seqüência em espiral.
c) A continuidade quanto à valorização de determinadas qualidades do conhecimento
autorgadas nas diferentes disciplinas (...).
d) A continuidade que é dada num período longo de tempo a determinados objectivos
gerais do ensino que dizem respeito a valores, a habilidades fundamentais do aluno
enquanto cidadão (Pacheco, 2000: 27-28).
Estes caminhos justificam a necessidade de integrar a prática educativa tradicional local
relevante no currículo e responde ao modelo taylorista do ensino (organização dos alunos,
distribuição dos professores em áreas do conhecimento especialização e divisão das
actividades didácticas). A integração horizontal engloba os temas programáticos de todas as
disciplinas num determinado ano de escolaridade. Esta depende das motivações de
aprendizagem dos alunos, o que significa que a validade dos conteúdos locais é definida com
base na motivação do aprendiz. Pacheco inspirado em Glatthorn, Ribeiro, D’Hainaut, Tanner e
Tanner, Gimeno e Torres, no desenvolvimento deste assunto apresenta diversos caminhos de
integração horizontal; a saber:
a) Organização pluridisciplinar: correlação entre duas ou mais disciplinas, embora
estas mantenham a sua identidade, sendo os conteúdos estudados no mesmo horizonte
temporal: correlação entre duas ou mais disciplinas (currulum fusion) em que se
fundem os conteúdos de tal modo que dá origem ao novo saber.
b) Integração de destrezas interdisciplinares que podem ser reforçadas por todos os
docentes.
c) Integração de idéias, temas, através da construção de unidades de aprendizagem
globalizantes, numa síntese que deriva de vários campos disciplinares e que
corresponde ao currículo laminado (...).
d) Integração de questões derivadas do contexto local e que são decididas pelos alunos.
e) Integração focalizada nos projectos de trabalhos: questões práticas que constituem
situações problemáticas para os alunos e que requerem múltiplas fontes de
informação, (id: 28-29).
Estas duas últimas formas são variantes de integração total e correspondem a uma abordagem
muito mais avançada do que uma contextualização ou uma fusão curricular. Referem a
maneira como devem ser integrados os conteúdos no sentido geral e não apenas os conteúdos
locais, tal como se discutiu acima.
3.5 As dificuldades e recomendações do currículo local nas escolas estudadas
As dificuldades encontradas no terreno são compreendidas e expostas em três tipos segundo os
directores pedagógicos das EPCs 7 de Abril de Nampula e de Monapo-Sede.
O primeiro tipo de dificuldades está voltado a falta de material de apoio. Os professores
queixam-se da falta do material de apoio para a realização das suas actividades de docência.
No entanto, o novo currículo lança um desafio aos professores para a produção do
conhecimento, porém, a falta do material adequado e estimulante para auxiliar na produção e
sistematização dos saberes faz com que eles estejam limitados na prática curricular. A falta do
material conduz a pouca percepção daquilo que se chama do currículo local e dos saberes que
se possam explorar nas comunidades para aprendizagem escolar. Esta questão se estende para
todas as escolas da Província. Essa falta obriga aos professores a fazerem adaptações. Nesta
linha, os professores ficam desorientados e recorrem ao currículo antigo (o que acontece para
alguns professores). A falta de material constitui grande desculpa, sobretudo para os
professores não formados, para a integração de conteúdos locais.
O segundo tipo de dificuldades tem a ver, primeiro, com a estrutura do plano curricular, no
que diz respeito aos conteúdos locais e, segundo, a própria concepção do currículo local. No
primeiro caso, a arrumação dos conteúdos locais, tal como propõe o INDE, permite a exclusão
de alguns saberes não flexíveis (imobilizáveis) para a sua programação pedagógica. O
programa permite que haja aquilo que Castiano (2003) denominou de “decantação estrutural”
dos temas locais no programa, isto é, o quadro fornecido pelo INDE permite fazer filtração de
conteúdos com mais facilidade para integração e deixar outros de lado criando a
marginalização de alguns saberes. O que se conta na selecção dos conteúdos é a flexibilização
do que o processo pedagógico. Como foi dito, o Plano Curricular do Ensino Básico sugere a
integração por extensão dos temas locais, mas não explica os procedimentos para este método
e os professores acabam não realizando. No segundo caso o currículo local foi reduzido à
disciplina de Ofícios. Esta questão foi apontada pelo Castiano na sua pesquisa sobre O
Currículo Local em Inhambane: da Comunidade a Sala de Aula, realizada em 2004. A
redução do Currículo local aos ofícios traz implicações no uso dos 20%, o que significa que
alguns professores passam todo o tempo a dar conteúdos locais, no caso de ofícios, por um
lado e, por outro, outros ignoram, excluindo a possibilidade de integrá-los. O que se regista, de
modo geral, é a exclusão de alguns saberes locais não flexíveis. Na verdade, a pesquisa
constatou que essa redução do currículo local à disciplina de Ofícios faz com que os
professores de Português e Matemática tenham dificuldades de integrar os saberes locais na
sala de aula.
O terceiro tipo de dificuldades relaciona-se com a falta de formação de professores e da pouca
sensibilização por parte das pessoas das comunidades que fornecem os saberes. A falta de
formação contínua de professores (capacitação) constitui grande problema para o
desenvolvimento do currículo local. A formação oferecida, para introdução do novo currículo,
aos professores foi de curto prazo deixando de lado muitos problemas na definição e
integração dos aspectos locais. Pode-se dizer que se tratou de uma informação sobre o novo
currículo do que formação. A chamada formação de professores foi de duas semanas, facto
que levou os professores não assimilarem bem os métodos de pesquisa e ensino dos saberes
locais. Portanto, 45% de professores que leccionam não tiveram uma formação suficiente. Este
aspecto faz com que não se cumpram os objectivos, o que significa que não se exploram
devidamente o tempo proposto para o currículo local. A falta de formação pode levar o
professor não transmitir, com domínio, a matéria e, por conseguinte, provocar um
estrangulamento dos objectivos de inclusão dos saberes locais no currículo. A outra questão
neste gênero de dificuldades se vincula à sensibilização das pessoas das comunidades. Este
problema se manifesta quando se faz o levantamento de temas locais. Outro problema está
ligado à dificuldade que os professores encaram na recolha de conteúdos. Esta dificuldade
prende-se na recompensa que as pessoas exigem para disponibilizar os saberes que detêm. A
recompensa exigida é em valores monetários e algumas pessoas até negam conceder a
entrevista. Assim sendo, os professores encontram obstáculos em recolhê-los. Para ultrapassar
este problema, a escola devia se abrir muito mais para as comunidades e sensibilizar as
pessoas no sentido de estas colaborarem na recolha de temas.
Ao lado das dificuldades apresentadas se alude, no âmbito de integração, a outra vinculada na
integração de conteúdos por extensão. Esta dificuldade é causada por falta de orientação
metodológica por parte do INDE, pois sugeriu visitas de estudos, mas as escolas não sabem
como articular com o programa. Depois de apresentação destas dificuldades vividas na prática,
a pesquisa faz recomendações. É do interesse comum que o professor se empenhe muito na
recolha e definição de saberes locais. Isto significa que ele deve ser capaz de produzir e
dominar os conceitos de carácter local. O professor deve trabalhar no sentido de levar o aluno
a perceber com clareza a sua realidade e a considerar os valores da sua cultura. Outro aspecto
diz respeito à formação. Na opinião do pesquisador, a formação deve ser um facto contínuo e
organizado pelo governo central e local. E, a relação entre a escola e a comunidade tem de ser
contínua. A escola não pode se apresentar isolada da comunidade, pois, é na comunidade onde
ela se situa e onde se produzem os saberes. Para eliminar o isolamento entre a escola e a
comunidade, o pesquisador recomenda-se que a escola tenha cuidado de observar os
fenômenos culturais e sociais, míticos, religiosos vividos pelas comunidades. Em seguida
expõe de forma sucinta todas as recomendações.
A primeira recomendação diz respeito a diverficação das oportunidades educativas.
Diversificar as ofertas educativas diferenciando: a) os conteúdos, b) tipos de percursos
educativos (participação de educação informal e organização de recursos escolares a serem
distribuídos) e c) criação de métodos locais de aprendizagem adequados para responder os
saberes locais e comunitários (saber fazer).
A segunda recai na formação de professores. Esta recomendação é crucial, pois os professores
constituem o garante do currículo. Portanto, é necessário formar professores, em matéria do
currículo local, que possam trabalhar na recolha dos saberes locais e na harmonização das
brochuras do currículo local da escola e da ZIP.
Como terceira recomendação que o pesquisador deixa é o estímulo às comunidades
facilitadoras dos saberes locais. É preciso trabalhar cuidadosamente com da comunidade na
recolha de conteúdos tradicionais locais para garantir a eficácia dos mesmos na escola.
1
15
A quarta recomendação não menos importante é a revisão do quadro conceptual do currículo
local. O currículo local é definido anualmente com objectivo de actualizar os conteúdos às
necessidades das comunidades e não pode ser reduzido aos ofícios.
A reestruturação do quadro de programação didáctica de temas locais para facilitar um diálogo
entre os saberes na sala de aula constitui a quinta recomendação trazida nesta pesquisa. Para
permitir que os professores explorem a integração por extensão, o método que apresentam
muitas dificuldades, as escolas devem reprogramar o plano didáctico.
A sexta recomendação focaliza-se na preparação e testagem do inquérito disponibilizado pelo
INDE para a recolha de temas locais. É de notar que o inquérido disponibilizado por INDE
nem sempre responde as necessidades locais. Sendo assim, deve ser testado antes da sua
aplicação no campo de recolha de conteúdos.
A disponibilização de meios financeiros e materiais por parte de governo central do Ensino
Básico, para proceder ao levantamento dos saberes locais, é a sétima recomendação muito
importante que a pesquisa traz à vista.
A oitava é a supervisão e monitoria contínuas e sistemáticas no que respeita ao currículo local.
As escolas precisam, para desenvolver a parte do currículo local, supervisão e monitoria
contínuas. Esta recomendação é crucial para controlar a pratica pedagógica.
Prefigura como nona e fundamental recomendação à criação de debates, que envolvam os
professores do Ensino Básico, em torno dos saberes locais. Os debates levariam o professor a
entender melhor a problemática do currículo local e os métodos de produção, dessiminação e
definição de conteúdos locais.
A décima recomendação que deve ser levado a cabo pelas escolas diz respeito à recolha de
conteúdos. A recolha de conteúdos é acompanhada pela elaboração de brochuras das escolas.
As brochuras contêm os temas locais a ser usados pela escola. Sobre este aspecto as escolas
em estudo não têm brochuras actualizadas estando assim amarradas nas propostas do INDE.
A décima primeira recomendação é a melhoria da relação entre a escola e a comunidade. O
novo currículo busca informações nas comunidades e tem de se fortificar a relação entre elas.
A adopção de novas estratégias e reajustamento do calendário das escolas com as actividades
culturais, econômicas e políticas da região para facilitar a integração por extensão, como foi
referenciado num dos itens, constitui a décima segunda recomendação que a pesquisa não vai
deixar de lado.
A décima terceira recomendação recai na alaboração de relatórios de supervisão, documentos
orientadores e fichas de registo de informações sobre o processo de implementação e
desenvolvimento do currículo local.
E por último, recomenda-se a programação pedagógica dos conteúdos locais seleccionados
tendo-se em vista os conteúdos nacionais. Trata-se de planificação de conteúdos harmonizados
de forma articulada para a sua fragmentação.
3.6 Os professores como “intelectuais orgânicos”
Debruçar sobre este tema tem a sua relevância neste trabalho porque, por um lado, eles
desempenham um papel na recolha e estruturação dos saberes e, por outro, estão ligados com
os interesses nacionais para cimentar a unidade cultural e política. Este ponto é discutido com
a intenção de trazer à vista a missão que os professores em todos sos níveis do ensino e o lugar
político eles ocupam na concepção de currículos e na transformação política.
Tradicionalmente, a missão dos professores é reduzida à transmissão do conhecimento e dos
valores. Essa redução a actividades de ensino ofuscava pensar de professores como sujeitos
transformadores das políticas do conhecimento escolar e como organizadores do próprio
conhecimento.
Os desafios da pedagógica crítica para além de concentrarem-se mais no aluno e na cultura na
definição do currículo impulsionam também a encarar os professores como intelectuais e
dirigentes orgânicos. Encarar os professores nesta perspectiva significa repensar a instituição
escolar e a prática pedagógica enquanto responsável na produção de intelectuais de todas as
camadas. O termo “intelectual” não se restringe apenas as actividades acadêmicas, mas
também a capacidade organizadora. Na verdade nenhum grupo social pode prescindir de
actividades organizativas e de criar os seus intelectuais orgânicos. Os intelectuais estarão
vinculados à tarefa de organicidade, de produtividade, da racionalidade e da avaliabilidade. No
sistema formal de educação os professores desenvolvem as actividades pedagógicas, as
demandas vitais das culturas e das políticas educacionais.
A abordagem sobre os professores como “intelectuais orgânicos” tem a sua fundamentação em
Gramsci (2004) e Giroux (1997). Para Gramsci cada grupo social que nasce a partir da
produção econômica cria, para si, uma camada de intelectuais orgânicos. Cada camada de
intelectuais representa um modelo de elaboração social caracterizado pela capacidade orgânica
e dirigente. Só para dizer, o professor como intelectual é um modelo na transmissão dos
valores. De facto, enquanto os capitalistas representam uma elaboração superior e criam os
seus intelectuais, cientistas e políticos, os professores representam uma continuidade histórica
da categoria mais elaborada (superior) que difunde as noções de unidade nacional e de
cidadania. Como um modelo social, os professores operam transformações econômicas e
políticas. Os professores trabalham com a comunidade como um conjunto de pessoas
localizado num determinado contexto histórico com uma determinada organização para
transformarem a realidade educativa e cultural.
A partir das transformações que os professores operam na escola são encarados como
detentores do conhecimento e das políticas educativas. Eles padronizam o conhecimento
escolar com a finalidade de administrar e controlá-lo. Henry A. Giroux (1997) discute também
a problemática de professores como intelectuais. Ele empresta esta noção a Gramsci. Através
da pedagogia crítica, Giroux defende que uma forma de repensar e reestruturar o papel social
dos professores como intelectuais seria encará-los como transformadores. Segundo Giroux, a
categoria de intelectual é importante se esta for pensada em três perspectivas:
Primeiramente, ela oferece uma base teórica para examinar-se a actividade do
docente como forma do trabalho intelectual (...); segunda, ela esclarece os tipos de
condições ideológicas e práticas necessárias para que os professores funcionem como
intelectuais e, terceira ela ajuda a esclarecer o papel que os professores
desempenham na produção e legitimação de interesses políticos, econômicas e sociais
variados através das pedagogias por eles endossadas e utilizadas (Giroux, 1997:
161).
Ao encarar os professores como intelectuais cultiva-se a idéia de que todos os homens são
intelectuais, seja qual for função social e econômica que ocupam. Os homens são intelectuais,
mas nem todos desempenham a função dos intelectuais. Quer dizer, todos os homens têm
capacidade de organizar os grupos sociais e dar significado as suas manifestações quotidianas;
porém, isto só, não lhes credencia o papel de intelectuais. No entanto, os professores por
serem produtores e organizadores dos saberes são encarados como sendo intelectuais.
Conceber os professores deste modo é conferir-lhes, por um lado, a possibilidade de se
questionarem sobre as suas actividades de docência e, por outro, é admitir que a escola
reproduz esta categoria partindo de um grupo social nascido e desenvolvido como
socioeconômico e transforma-o em intelectuais qualificados, dirigentes e organizadores de
todas as actividades e funções inerentes ao desenvolvimento orgânico de uma sociedade
integral.
Ora, em todos os níveis, os professores são pesquisadores, organizadores e socializadores do
conhecimento. No caso do Ensino Básico (ponto focal da pesquisa) os professores são
responsáveis na pesquisa, na organização e na facilitação dos saberes locais. Eles são
orgânicos das culturas para a sua articulação na cultura escolar. Nesta perspectiva, como
intelectuais, os professores se comprometem na produção e no aprofundamento dos saberes
locais. O seu papel não se reduz apenas ao treinamento de habilidades e práticas, mas na
pesquisa e na definição de políticas do resgate do saber local. Os professores interferem na
definição de políticas educativas enquanto funcionário e se empenham organização e controle
dos saberes locais e dos saberes curriculares.
Giroux (1997) apoiando-se em Gramsci defende que uma forma de questionar a função social
dos professores enquanto intelectuais é tornar a escola um lugar econômico, cultural e social
ligados à questão de poder e controle. Ele afirma que “as escolas são lugares que representam
formas de conhecimento, práticas de linguagens, relações e valores sociais que são selecções
e exclusões particulares da cultura mais ampla” (ibidi: 161). Elas legitimam formas
particulares de vida social. Na verdade as escolas expressam uma disputa sobre que tipo do
conhecimento, que autoridade e que prescrições morais devem ser legitimadas e transmitidas
aos alunos a nível local e nacional.
Para além da disputa, as escolas são concebidas como esferas públicas onde os professores
socializam a linguagem de democracia, paz e liberdade. Através das escolas os professores
permanecem confiantes de que os grupos sociais poderão criar seus próprios intelectuais.
Esses intelectuais fornecerão as habilidades morais e políticas necessárias para o
desenvolvimento das instituições educativas. Os intelectuais como orgânicos trabalharão
essencialmente para cimentar a unidade entre as instituições acadêmicas e as questões
especificas da vida quotidiana.
No Ensino Básico os programas curriculares e as metodologias são construídos no sentido de
permitir que os professores encarem o seu papel de intelectual e trabalhem para emancipação
das culturas. O currículo estimula os professores a fazerem críticas sobre as políticas de
formação e de organização do conhecimento. Os professores decidem sobre que políticas e
sobre que conhecimentos as escolas devem socializar. Eles definem os saberes que devem ser
legitimados e resgatados para a escola. Nesse sentido, a sua prática pedagógica tem, em si, um
carácter intelectual e político.
Os caráctares intelectual e político dos professores se inscrevem na produção, organização,
selecção, socialização dos saberes e na gestão escolar. Os professores se questionam acerca da
acção, dos fins das instituições educativas. Questionam-se sobre a prática pedagógica, as
políticas educativas e administração escolar. Como administradores do conhecimento, os
professores exercem o poder de decisão sobre os saberes e articulam a prática pedagógica com
a prática política. Eles procuram tornar o pedagógico mais político e o político mais
pedagógico. Tornar o pedagógico mais político significa, em linguagem de Giroux, inserir a
escolarização na esfera política, com pressupostos de que as escolas são um meio para definir
o significado de luta em torno das relações de poder. E, tornar o político mais pedagógico
significa integrar nas práticas pedagógicas os interesses políticos de natureza emancipadora,
ou seja, utilizar uma pedagogia que trate os alunos como sujeitos críticos.
Jefferson (2005) inspirando-se em Gramsci discute a questão do intelectual dirigente e
orgânico e ensina a seus alunos que os professores como educadores não podem ter a
presunção de substituir o dirigente político, mas também não devem considerar-se excluídos
da tarefa política de dirigentes”
27
. O desafio que lhes é colocado visa conquistar um espaço
de intelectual dirigente e orgânico na construção de uma nova ordem social e econômica. Os
professores como pesquisadores socializam criticamente as verdades descobertas. Abordagem
sobre os professores como intelectuais orgânicos pretende tornar politicamente possível o
desenvolvimento intelectual dos grupos sociais e cimentar a unidade política e cultural.
Na formação dos professores tem se priorizado, acima de tudo, os conhecimentos
especializados de sua área de ensino, da prática pedagógica e das habilidades necessárias ao
exercício das relações sócio-políticas para a formação da cidadania. A formação da cidadania
é um compromisso político levado a cabo em toda prática pedagógica. O intelectual dirigente
valoriza a dimensão da cidadania, os aspectos sociais, políticos, culturais e ideológicos. Mas
como especialista, os professores são trabalhadores intelectuais da educação desenvolvendo a
prática social e a política nacional. A escola enquanto geradora da qualidade de vida social no
exercício da cidadania obriga os professores a organizar a cultura dos cidadãos. No exercício
educativo, os professores se envolvem nas relações sociais. As relações lhes levam a ma nter-
se ligado com a comunidade onde “pesca” os saberes locais.
Como se descreveu acima, a intelectualidade orgânica e dirigente do professor no Ensino
Básico se prende na produção e na organização dos saberes locais. O professor estrutura os
saberes que respondem as necessidades das comunidades. Na organização dos saberes locais,
27
Esta passagem aparece citada por Jefferson Ildefonso da Silva como comentador de Gramsci e pretende
sublinhar que o professor enquanto desenvolve as actividades escolares assume, em simultâneo, um compromisso
político. <http://www.escolasempartido.org>. Acesso em: 20 set. 2005.
ele torna-se vigilante das culturas autóctones e do saber disponibilizado por elas. Organizar os
saberes locais é um desafio político-social lançado para os professores no âmbito de
desenvolvimento do currículo local. Os professores, através das entrevistas, recolhem e
sistematizam os saberes locais que formam o currículo local. Na recolha de conteúdos locais
os professores tornam-se pesquisadores e críticos, como se referiu acima. Com efeito, eles
resistem os saberes que não se articulam com os conteúdos curriculares. Enquanto resistem,
tomam decisões político-pedagógicas. Os professores avaliam o valor intrínseco da cultura
local para o seu resgate na escola e elaboram o material didáctico que integra os saberes
locais.
Os professores organizam a prática pedagógica. Na prática pedagógica dá-se conta os
interesses da sociedade. É a partir dos interesses das pessoas que se organiza o conhecimento e
o ensino. Os professores, ao organizarem a prática escolar, têm consciência das condições de
vida quotidiana para dar resposta às preocupações sociais. Eles encaram a actividade de
docência como uma vocação social, por isso, a sua missão é formar o homem e operar as
transformações sociais. Eles crêem no valor da prática escolar e nos saberes que produzem
como ponto de partida para o compromisso político da educação.
Os professores, como técnicos especializados na transmissão do conhecimento escolar (missão
tradicional do professor), não só administram e implementam os programas curriculares, mas
desenvolvem criticamente os currículos que satisfaçam os objectivos pedagógicos específicos
sensíveis às culturas. Eles re-equacionam a função das escolas enquanto instituições essenciais
para a manutenção e desenvolvimento da democracia. Posicionam-se com relação ao
conhecimento a ser veiculado pela escola. Em suma, os professores como intelectuais
desempenham as funções de organização, de ordenamento, da racionalidade, da avaliação e de
produtividade dos saberes dentro do sistema educacional e reflectem sobre as teorias e práticas
pedagógicas.
CONCLUSÃO
A tendência de ligar o dualismo “o saber local e o saber universal”, o moderno o tradicional e
local para resolver o problema de aprendizagem na escola é potenciada, hoje, pela educação.
Os educadores reagem contra o dualismo para superar a dicotomia entre o conhecimento
escolar e as práticas da vida quotidiana criando uma síntese entre os elementos conflitantes ou
procurando complementaridades entre os dois mundos aproveitando-se do que é positivo em
cada um deles. A síntese é entendida como um consenso chegado a partir da constatação de
que o saber local e o saber universal ambos são produtos da cultura.
A ideia de criar uma abordagem integrada com vista a trazer o valor pragmático do ensino foi
alimentada a partir da necessidade de concepção de um currículo que torne o aluno capaz de
identificar os conceitos fundamentais, procedimentos típicos de diferentes formas de
conhecimento e as formas de convivência cultural. E com ideal que se justifica a necessidade
de assentar o currículo na pedagogia sensível às culturas. E para fornecer as diferentes formas
do conhecimento de modo integrado fundiram algumas disciplinas e arrumaram-se em
determinadas áreas de aprendizagem. A arrumação em áreas de aprendizagem tem por fim
facilitar a interdisciplinaridade. A interdisciplinaridade é um dos pontos mais relevantes que o
currículo expõe. É de notar que a estrutura curricular, embora organizada em áreas de saber,
tende a perspectiva de especialização.
A fusão de matérias de diferentes disciplinas, como mostra a estrutura, cria dificuldades
metodológicas e didácticas. Dificuldades porque, por um lado, o currículo de formação de
professores não contempla a bivalência e, por outro, a metodologia de ensino de geografia,
penso, é diferente da de ensino de história. Cada uma destas disciplinas tem conteúdos
complexos e valor pragmático do ensino, portanto, mecerem um tratamento cuidadoso e
particular.
Reconheço que se o objectivo do currículo do Ensino Básico é de levar o aluno a se
familiarizar com as grandes formas do saber, as matérias são organizadas no sentido de
eliminar as fronteiras. No entanto, a eliminação das fronteiras não se resumiria na fusão das
disciplinas, mas à aproximação aos saberes culturais locais que são outra parte de saber que o
aluno deve tomar em consideração. A tarefa tinha de ser eliminar as fronteiras entre estas duas
áreas de saber (escolar e local). Nesse sentido, o esforço é capitalizar de forma sistemática os
saberes locais e culturais e articulá-los com os saberes escolares. A integração dos saberes
locais deve ser sistemática implicando a definição clara dos métodos e dos objectivos da sua
introdução no ensino.
A eliminação de fronteiras se mostra fundamentalmente pela preocupação que o novo
currículo do Ensino Básico tem em estabelecer uma ponte entre os saberes locais e os saberes
escolares, embora ainda não trate o currículo local como conjunto de saberes estruturados, sim
como conteúdos relevantes para aprendizagem local. No entanto, não se pode deixar de lado o
espírito do currículo que é cimentar a unidade orgânica dos saberes, assentar o aluno na sua
cultura e levá-lo a reconhecer a interculturalidade. Com base num estudo qualitativo, discuti a
questão dos saberes locais analisando os momentos estruturais da sua integração na sala de
aula e, por fim, categorizei os saberes locais.
Para a realização deste estudo usei a literatura que discute as questões dos saberes locais,
currículo, cultura e fiz um trabalho do campo. O trabalho do campo visava a recolha de dados
sobre os saberes locais e as estratégias da sua integração no currículo. A recolha de dados
sobre os saberes locais foi feita por meio das entrevistas aos professores, directores, alunos e
pessoas das comunidades e a observação participativa das aulas. Da análise das entrevistas
constatei que o currículo do Ensino Básico abriu um espaço para uma abordagem integrada e
para o reconhecimento e valorização de saberes locais na escola.
Discuti a metodologia proposta para integração dos saberes locais no currículo do Ensino
Básico tendo concluido que as escolas priorizam mais o método de aprofundamento do que de
extensão. Procurei esclarecer que a integração dos saberes locais foi institucionalizada pelo
currículo nacional através do currículo local. O currículo local, enquanto componente do
currículo nacional, é constituído pelos saberes que a comunidade produz, dispõe e julga-os de
serem relevantes para a melhoria da vida e da qualidade de educação. Esses saberes são
conhecidos por saberes locais e a escola, hoje, busca-os para revitalizar a cultura dos alunos. A
incorporação dos saberes locais no programa reduz a exclusão da cultura do aprendiz e
estimula aprendizagem.
Foi nesta perspectiva que privilegiei a descrição dos saberes locais enquanto conjunto de
informações processadas localmente que respondem a realidade vivenciada pelo aluno no seu
dia-a-dia e que se juntam com os conhecimentos da escola para facilitar a aprendizagem.
Nesta pesquisa entende-se que o currículo é um conjunto de conteúdos que reforçam o que deve
ser ensinado nas escolas, ou seja, uma cultura organizada para a escola, portanto, o artefacto social e
cultural. Por currículo local como sendo uma componente do currículo nacional que integra os
aspectos relevantes para aprendizagem local. Procurei mostrar que para a recolha e
sistematização dos saberes locais realizam-se entrevistas dirigidas aos pais e encarregados de
educação, líderes comunitários, professores, etc, seguindo-se o guião proposto por INDE, com
a intenção de recolher o que é relevante a nível local para os filhos (as) ou alunos (as).
A exploração dos saberes locais na escola é feita por aprofundamento, método proposto por
INDE. Nele se aprofundam as temáticas previstas no programa através de exemplos locais.
Além deste método, foi proposta a integração por extensão que pressupõe a realização de
visitas de estudo aos locais de interesse histórico e cultural. Os dois métodos visam
contextualizar o aluno nas culturais locais e nas práticas quotidianas para o seu enraizamento
na comunidade. Para a aplicabilidade do último método sugeri que as escolas devessem
reajustar o seu calendário tendo em conta a integração por extensão das actividades ligadas à
cultura local. As escolas devem reservar um dia lectivo para executar as visitas de estudo.
A formação de professores em matéria de currículo local é um ponto não menos importante
que as escolas devem ter em conta, pois é na formação que poderão superar os problemas
ligados às estratégias de integração por extensão. Assumi os professores como intelectuais
organizadores da prática pedagógica e das políticas educativas. O que significa que eles têm
capacidades de organizar o conhecimento e, por isso, devem ser capacitados
metodologicamente para assumirem e desenvolverem a sua tarefa de pesquisadores,
produtores e organizadores dos saberes.
A politização dos saberes locais visa a revitalização da cultura do aluno e a tomada de
consciência de que a escola precisa de quebrar o mito de distanciamento com comunidade por
onde se localiza. A escolas enquanto esferas públicas buscam os saberes locais nas
comunidades possibilitando que o aluno desenvolva a aprendizagem significativa. As escolas
gerenciam o discurso de tolerância, da diversidade cultural e da democracia. Elas procuram
levar o aluno à sua cultura e às questões concretas da sua comunidade local experimentando,
tocando e examinando coisas concretas, o aluno pode mudar as formas de pensar, as
convicções religiosas e cosmológicas. As actividades quotidianas têm um carácter educativo à
medida que exigem ao aluno um exercício mental. Reapropriando as culturas, o aluno
mergulha-se na cultura e cultiva o espírito da interculturalidade.
Para que haja um reassentamento cultural verdadeiro, recomenda-se que antes da fase de
recolha de conteúdos locais haja uma preparação do guião de entrevistas e sensibilização do
pessoal que dispõe de tais conteúdos. Na recolha e legitimação de conteúdos para o currículo
local tem de se priorizar a realidade vivida ou cultura local. Só assim é que se pode falar do
diálogo entre a cultura tradicional local com a cultura da escola. Aliás, a convivência das duas
culturas elimina a dicotomia entre o local e o universal; o tradicional e o moderno. É a
responsabilidade da escola, enquanto instituição vocacionada ao ensino, reconhecer, legitimar
e valorizar as culturas locais para integrá-las no processo ensino/aprendizagem e, ao mesmo
tempo, enraizar o aluno na sua própria cultura, embora haja resistência por parte de
professores na monitorização dos saberes locais e dos conteúdos tradicionais locais.
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PALME, Mikael, O Significado da Escola: Repetência e Desistência na escola moçambicana.
Moçambique: INDE, 1992.
RIOS, Terezinha Azeredo, Ética e Competência, 14 ed. São Paulo: Cortez, 2004.
RODRIGUES, Neidson, Por Uma Nova Escola: O transitório e o permanente na educação,
13 ed. São Paulo: Cortez, 2003.
SACRISTÁN, J. Gimeno, O Currículo: Uma reflexão sobre a prática. São Paulo: Porto
Alegre, 2000.
SANTOMÉ, Jurjo Torres, O Currículo Oculto. Portugal: Porto, 1995.
SANTOS, Boaventura de Sousa, Um Discurso sobre as Ciências a uma Ciência. 9ª ed. Porto:
Afrontamento, 1997.
SANTOS, Douglas, Categorias, Conceitos, e a Sistematização de Algumas Discussões sobre o
Método: Uma Consultoria para Educação Escolar no Amapá. São Paulo, 2003.
SANTOS FILHO, José Camilo e GAMBOA, Sílvio Sánchez, Pesquisa Educacional:
Quantidade Qualidade. São Paulo: Cortez, 2001.
SILVA, Tomaz Tadeu, Teorias do Currículo: Uma introdução-Crítica. Portugal: Porto, 2000.
SILVA, Jefferson Ildefonso, Escola sem Partido. Disponível em:
http://www.escolasempartido.org/. Acesso em: 20 set.2005.
SCHLEIERMACHER, Friedrich, D.E. Hermenêutica: Arte e Técnica da Interpretação.
Petrópolis: Vozes, 2001.
TEODORO, António, Globalização e Educação: Políticas Educacionais e Novos Modos de
Governação. Porto: Afrontamento, 2003.
TORRES, Rosa Maria, Educação para Todos: A tarefa por fazer. Porto Alegre: Tradução de
Daisy Vaz de Moraes: Artmed, 2001.
APÊNDICES
Apêndice 1. Guião de entrevistas
No âmbito de elaboração do trabalho do Mestrado em Educação e Currículo elaborou-se um
guião de entrevistas para a recolha de dados. As entrevistas foram dirigidas a três grupos
sociais: professores e directores, alunos e pessoas das comunidades das escolas completas “7
de Abril” e Monapo-Sede” localizadas na Província de Nampula. As entrevistas tinham como
objectivo colher as percepções sobre o currículo local, os conteúdos locais, ou seja, os saberes
locais a ser integrados no currículo local. As questões foram semi-estruturadas e semi-abertas.
1. Questões dirigidas aos professores e directores
a) O que entende por currículo local?
b) Que problemas se pretendem resolver no currículo local?
c) O que considera de local que deve ser trazido para a sala de aula?
d) O que entende por saberes locais?
e) Como se estruturam os saberes locais para sua integração no currículo local?
f) Como é feita a selecção dos saberes locais para a sua leccionação?
g) O que é comum tanto na escola como na comunidade?
h) Há algum conteúdo que não foi possível integrar? Qual é e porquê?
i) Qual é o critério e em que alturas se recolhem os conteúdos?
j) Quem valida os saberes locais e o currículo local?
k) Como consegue incluir os conteúdos apontados pelas comunidades na sala de aulas?
l) Qual é a contribuição do currículo local para combater a pobreza (material, espiritual,
cultural e intelectual)?
2. Questões dirigidas aos alunos
a) O que vos é permitido fazer e dizer ao nível local?
b) Quais são os temas fundamentais seleccionados que acham que deviam continuar a ser
leccionados nas escolas?
c) Em que tipo de cerimónias participam que tenham carácter didáctico?
d) Quem é professor para vós? Um pai ou detentor do saber?
e) Quais são exemplos práticos que os professores dão nas aulas da carácter local?
f) Os professores têm se dão conta das experiências dos alunos?
g) Quais foram os líderes da região?
h) Quais são os lugares importantes da região?
i) De que males enfermam as crianças e como são combatidos?
j) Quais são as doenças que afectam mais as crianças?
k) Quais são os nomes ligados à história local?
l) Que mitos levam as crianças a abandonarem na escola? E como são combatidos
localmente?
3. Questões dirigidas às pessoas das comunidades
a) Que tipo de cerimônias se realizam com carácter formativo
b) Quem as dirige e em que época são realizadas?
c) Quais são as normas obedecidas?
d) Quais são as doenças que afectam mais as crianças?
e) Quem são os médicos para a cura destas doenças?
f) Que plantas se usam para a cura destas doenças?
g) Como se conservam tais plantas?
h) Quais são as canções e danças da região?
i) Que ensinamentos trazem as canções e as danças?
j) Quem são os praticantes?
l) Que actividades económicas são praticadas na região?
m) Como é que as crianças se integram nestas actividades?
n) Que rios atravessam a região?
o) Como se exploram os recursos desses rios?
p) Que instrumentos locais são usados com fins didácticos?
q) Quais são as cerimónias que têm por objectivo educar as crianças?
r) Que tipo de educação é transmitida?
s) Quem são os mentores desta educação?
t) O que gostariam que as crianças aprendessem na escola?
u) Como estão sendo explorados os conhecimentos definidos a nível local?
v) Que conteúdos acha que a escola devia ensinar aos filhos/filhas?
x) Quais são os conteúdos que acha que as pessoas da comunidade deviam dar mais
contribuição?
Apêndice 2. Brochura do currículo local da EPC 7 de Abril Cidade de Nampula
PROGRAMA DO CURRÍCULO LOCAL
N
o
Disciplina / Área Conteúdos
1 Língua Portuguesa - Ensino do alfabeto
28
- Leitura e escrita
- Danças e canções
- Contos e mitos macuas
- Teatro
- Vestuário (indumentária)
- Organização de exposições
- Poemas
2 Línguas Moçambicanas - Ensino de línguas locais (L1)
- Ensino do alfabeto
- Leitura e escrita
- Danças e canções
- Danças tradicionais
- O vestuário (indumentária)
- Mitos e contos
- Cultura moçambicana
- Teatro
- Poemas
3 Educação Moral e Cívica - Educação patriótica
- Educação moral e cívica e religião
- Limpeza das ruas
- O vestuário (indumentária)
- Educação da rapariga
- Ética (respeito, solidariedade, personalidade,
imparcialidade) Promoção de palestras/ debate
- Teatro
- Respeito pelos idosos e deficientes
4 Educação Musical - Ensino da música e piano
- Actividades culturais
- Danças e canções
- Danças tradicionais
- Cultura moçambicana
- Cursos de música\convívios musicais, poemas.
5 Ciências Sociais - História da região: localidade, distrito e província;
- Religião, cultura e arte;
- Ritos de iniciação
- O vestuário (indumentária)
- Mitos
- Educação da rapariga
- Cultura moçambicana
28
O ensino do alfabeto na primeira deve ser obrigatório.
- Promoção de palestra\debates
- Teatro
- Visitas/ passeio escolar a lugares de interesse
económico, político, recreativo, etc.
6 Ciências Naturais - Primeiros socorros
- Círculos de interesse
- Agricultura
- Pecuária (criação de animais)
- Lavoura das machambas
- Plantio de árvores
- Limpeza das ruas
- Educação da rapariga
- Jornadas de ambiente
- Promoção de palestras/debates sobre saúde e higiene
7 Oficios - Artesanato (chapéus de palhas, carteiras,
bonecos/brinquedos de barro).
- Corte, costura e bordados.
- Culinária
- Tratamento do jardim (jardinagem)
- Carpintaria e sapataria
- Mecânica, serralharia, latoaria e electricidade
- Círculos de interesse
- Dadilografia e informática
- Actividades manuais/laborais
- Negócios de rendimento
- Construção
- Escolas de condução
- Plantio de árvores
- Limpeza das ruas
8 Educação Física - Prática de vários desportos
- Ginástica
- Prática de jogos tradicionais
- Actividades recreativas
- Organização de exposições
9 Educação Visual - Pintura
- Círculos de interesse
- Educação estética
- Organização de exposições
- O vestuário (indumentária)
CURRÍCULO LOCAL
1o CÍCLO 7 DE ABRIL
Tema do CL Disciplina Tema do
Programa
Conteúdos Intervenientes no
processo de ensino
- Família
Danças e canções locais
Contos e mitos macuas
Membros da
comunidade
Língua
Portuguesa
- Escola
Ensino do alfabeto
Leitura e escrita
Professor
- Escola
Ensino das línguas locais
(L1)
Ensino do alfabeto
Leitura e escrita
Professor
Actividades
Culturais
Línguas
Moçambicanas
- Família
Danças e canções
Danças tradicionais
Mitos e contos
Cultura moçambicana
Poema
Membros da
comunidade
Professor
Formação da
personalidade
humana
Educação
para
comunidade
Educação
Moral e Cívica
Educação patriótica
Educação moral cívica
moral
Educação para o respeito
para com as pessoas mais
velhas, nomeadamente
idosos e dificientes
Professor, pais e
encarregados de
Educação
Agro-
pecuária
Pequenas actividades
agrícolas: horta da escola
Criação de animais
Plantio de árvores de
sombra
Professor e
comunidade
Saúde
Ciências
Naturais
Promoção de palestras
sobre a saúde e higiene
Director da escola,
servoços da Saúde
Artesanato
Moldagem
Modelagem
Artesanato: fabrico de
bonecos de barro,
carrinhos de arame, entre
outros brinquedos.
Artesãos e
professores
Meio
Ambiente
Ofícios
Agro-pecuária Limpeza e ornamentação
do recinto escolar
Plantio de árvores
Tratamento do jardim
escolar
professor
Educação
Visual
Desenho
Cor e pintura
Desenho e pintura
Criação de círculo de
interesse
Professor, outras
instituições do
distrito ou
Município
Educação
Física
Danças
Jogos
tradicionais
Prática de várias
modalidades desportivas
Actividades recreativas
Prática de jogos
tradicionais
Professor e
membros da
comunidade
Currículo local
2
o
Ciclo - 7 de Abril
Tema do C.
Local
Disciplina Tema do
programa
Conteúdos Intervenientes no
processo de ensino
Escola
Leitura e escrita
Poemas
Professor
Actividades
culturais
Língua
Portuguesa
Família
Comunidade
Corpo
humano
Danças e canções
Contos e mitos macuas
Teatro
Indumentária (vestuário)
Organização de pequenas
exposições
Serviços de cultura
e Juventude/
Município,
associação de
fotógrafos e outros
artesãos
Escola
Ensino de línguas locais
(L1)
Ensino do alfabeto
Leitura e escrita
Serviços de cultura
e Juventude/
Município
Actividades
culturais
Línguas
Moçambicanas
Comunidade
Danças e Canções
Danças tradicionais locais
Contos e mitos macuas
Teatro
Indumentária (vestuário)
Organização de pequenas
exposições
Poemas
Formação da
personalidade
Educação
Moral e Cívica
Educação patriótica
Educação moral e cívica e
religião
Ética: respeito,
Líderes religiosos
Professores
Comunidade
Serviços de cultura
solidariedade,
personalidade,
imparcialidade, etc.
Teatro
Respeito para com os
idosos e deficientes
Serviços de Acção
Social e Caridade
Educação
para
comunidade
Palestras e debates sobre a
educação para a
comunidade
Director da escola
Educação da
rapariga
Educação da rapariga Comunidade e
escola
Actividades
culturais
Educação
Musical
Educação
rítmica
Educação
vocal e canto
Canções e danças locais
Danças tradicionais
Concursos de danças e
poemas
Membro da
comunidade e
escola
História da
Região
Província
Família
História da: localidade,
distrito e província.
Religião
Práticas culturais e arte
Ritos de iniciação
Mitos
Conselho municipal
ARPAC
Líderes religiosos
Mestres da
comunidade
Educação da
rapariga
Família
Educação da rapariga
Ritos de iniciação
Promoção de palestras e
debates
Comunidade e
escola
(director da escola)
Visitas
Ciências
Sociais
Família
Província
Visitas/ passeio escolar a
lugares de interesses
históricos, culturais,
econômicos, políticos
recreativos, etc.
Professores e outros
sectores de
actividades
Saúde
Agro-
pecuária
Ciências
Naturais
Higiene e
Ambiente
Água
Solo
Os alimentos
Primeiros socorros
Promoção de
palestras/debates sobre a
saúde e higiene
Horta escolar
Lavoura da machamba
escolar
Plantio de árvores de
sombra
Tratamento do jardim
escolar
Director da escola
Serviços de Saúde
Professor
Meio
Ambiente
Higiene e
Ambiente
Limpeza das ruas
Plantio de árvores de
sombra
Jornadas de educação
ambiental
Director da escola
Meio
Ambiente
Agro-
pecuária
Limpeza das ruas
Plantio de árvores de
sombra
Professor
Actividades
culturais
Modelagem
Moldura
Artesanato: chapéu de
palha, carteiras, bonecos, e
brinquedos de carro.
Criação de círculos de
interesse e exposições
Artesãos
Outras instituições
e associações
artísticas
Corte e
costura
Têxteis Corte, costura e bordados. Mestre de
alfaiataria
Construção
Construção
Construção
Mestre de
construção e
membros da
comunidade
Culinária
Ofícios
Culinária
Pratos típicos da zona Membros da
comunidade
Educação
Visual
Desenho
Cor e pintura
Pintura
Educação estética
Círculos de interesse
Organização de exposições
Vestuário (indumentária)
Serviços de cultura
(associa,cão de
fotógrafos e outros
artistas)
Outras instituições
ou sectores
Actividades
desportivas e
recreativas
Educação
Física
Exercícios de
organização e
controlo
Jogos
educacionais
e tradicionais
Danças e
jogos
cantados
Actividades recreativas
Praticas de jogos
tradicionais
Prática de vários desportos
Ginásio
Jogos desportivos
escolares
Professor
Membros da
comunidade
CURRÍCULO LOCAL
3
O
CÍCLO 7 DE ABRIL
Tema do CL
Disciplina Tema do
programa
Conteúdos Intervenientes no
processo do
ensino
Língua Língua
Portuguesa
Escola
Nós e o Meio
Sociedade
Teatro
Contos e mitos macuas
Organização de exposição
Poemas
Vestuário (indumentária)
Professor
Outros sectores
de actividade
Serviços de
cultura
Língua
Local
Línguas
Moçambicanas
Homem e o
meio
Sociedade
Teatro
Contos e mitos macuas
Poemas
Vestuário (indumentária)
Professor
Outros sectores
de actividade
Serviços de
cultura
Teatro Português
Sociedade
Teatro
Educação patriótica
Educação moral, cívica e
religião
Professor
Educação
Moral e Cívica
Família
Homem e o
Meio
A sociedade
O vestuário (indumentária)
Educação da rapariga
Ética: respeito, solidariedade,
personalidade e imparcialidade
Promoção de palestras/debates
Respeito pelos idosos e
deficientes
Educação para a preservação
do meio ambiente
Professor
Líderes religiosos
Comunidade
Professor
Educação
Musical
Educação
rítmica
Educação
vocal e canto
Notação
musical
Teatro
Ensino da música e piano
Actividades culturais
Concursos de músicas e
poemas
Convívios musicais
professor
Ciências
Sociais
O continente
africano
África
Austral
África
Oriental
História da região: localidade,
distrito, Província
Religião
Cultura e arte
Ritos de iniciação
O vestuário (indumentária)
Mitos
Educação da rapariga
Cultura moçambicana
Promoção de palestras/
debates
ARPAC
Líderes religiosos
Mestres da
comunidade
Director da escola
Outros sectores
de actividade
Visitas/passeios escolares a
lugares de interesse
económico, político,
recreativo, etc.
Ciências
Naturais
Plantas
Vacinação
Saúde
reprodutiva e
poluição
Primeiros socorros
Círculos de interesse
agricultura
Serviços de saúde
Professor
Técnicos de
extensão rural
Modelagem
Moldura
Organização de exposições
Artesanato: artigos de cestaria
(chapéus de palha, carteiras,
bonecos/brinquedos de barro)
Criação de círculos de
interesse.
Artesão
Professor
Artesanato
Têxteis
Costura
Corte e costura
Bordados
Mestre de
alfaiataria
Membros da
Costura
Culinária
comunidade
Culinária
Actividades
de
rendimento
Ofícios
Madeira
Metais
Latoaria
Serralharia
Carpintaria
Sapataria
Membros da
comunidade
(mestres)
Construção Construções Construções: feitura de blocos
e construção de casas
Membros da
comunidade
Pintura e
educação
Estética
Educação
Visual
Desenho
Cor e pintura
Recorte,
picotagem
Dobragem e
colagem
Pintura
Criação de círculos de
interesse
Educação estética
Organização de exposições
Professor
Outras
instituições e
sectores de
actividade
Jogos
tradicionais
e ginástica
de base.
Danças e
jogos
tradicionais
Prática de jogos tradicionais
Ginástica
Professor e
membros da
comunidade
Exposições
Educação
Física
Ginástica de
base
Organização de exposições de
material desportivo de
produção local
Professor e
membros da
comunidade
Meio
ambiente
Ofício Agro-
pecuária
Plantio de árvores
Limpeza de ruas
Tratamento de jardim
(jardinagem)
Professor
Vereador do
Município
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