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UNIVERSIDADE PAULISTA UNIP
PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
LISBELA E O PRISIONEIRO:
DO TEXTO VERBAL À TRANSMUTAÇÃO AUDIOVISUAL
IVAN DALIBERTO FRUGOLI
São Paulo
2006
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UNIVERSIDADE PAULISTA UNIP
PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
LISBELA E O PRISIONEIRO:
DO TEXTO VERBAL À TRANSMUTAÇÃO AUDIOVISUAL
IVAN DALIBERTO FRUGOLI
Dissertação apresentada ao curso de
Mestrado em Comunicação da
Universidade Paulista UNIP, para
obtenção do título de mestre em
Comunicação, sob orientação da Profa.
Dra. Anna Maria Balogh.
São Paulo
2006
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Frugoli, Ivan Daliberto
Lisbela e o prisioneiro: do texto verbal à transmutação audiovisual.
/ Ivan Dalberto Frugoli. São Paulo, 2006.
133 f.
Dissertação ( Mestrado ) Apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação da Universidade Paulista,
São Paulo, 2006.
Área de Concentração: Comunicação e Cultura Midiática.
“Orientação: Profª. Anna Maria Balogh”
1. Transmutação textual. 2. Intertextualidade. 3. Metalinguagem
4. Audiovisual. I. Título
4
FOLHA DE APROVAÇÃO
______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
5
DEDICATÓRIA
A Deus, aos meus pais, irmãos, esposa e corpo docente do programa de
mestrado.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as pessoas que entenderam meus erros e acertos ao
longo deste mestrado, em especial a minha orientadora Profa. Dra. Anna Maria
Balogh, pela dedicação, sabedoria e maestria com que conduziu e orientou este
trabalho. Obrigado pelo empenho, pela confiança e pela pessoa que demonstrou
ser durante meu percurso.
Ao Prof. Dr. Antonio Adami, pela disponibilidade, acesso, dedicação e
eficiência oferecidos em minha jornada acadêmica.
Ao Prof. Dr. João Massarolo, da UFSCar, que se mostrou extremamente
atencioso e colaborou enormemente com suas observações e direcionamentos
muito acertados para a resolução deste trabalho.
Agradeço aos meus pais Pedro Américo Frugoli e Anarlete Daliberto Frugoli
simplesmente por tudo (meus super-heróis); aos meus irmãos Alexandre e Marcio
Daliberto Frugoli por existirem em minha vida; à minha esposa Fabiana Stringher
por me acompanhar e me dar força nos momentos em que mais precisei; e aos
meus sobrinhos lindos.
Aos meus amigos Martin Eikmeier e Elvis Wanderley pelas conversas
inteligentes que ajudaram o desenvolvimento deste trabalho, e a todos os meus
amigos que contribuíram, cada um da sua forma, na construção do meu caráter.
Obrigado a Deus pela saúde e oportunidades de aprendizado que tem me
oferecido ao longo da vida.
7
SUMÁRIO
RESUMO...............................................................................................................................8
INTRODUÇÃO......................................................................................................................10
1 - O FILME........................................................................................................................12
1.1 - O CINEMA EM BREVE RELATO ............................................................................12
1.2 - SOM: DO CINEMA MUDO PARA LISBELA E O PRISIONEIRO.................................18
1.3 - A MÚSICA NO FILME ............................................................................................26
1.4 - OS RECURSOS VISUAIS NA CONSTRUÇÃO DO SENTIDO ....................................39
1.5 - O CINEMA FALADO DE GUEL ARRAES ...............................................................59
2 - METALINGUAGEM .........................................................................................................62
2.1 - A FÔRMA DO FILME .............................................................................................62
2.2 - DECUPAGEM E METALINGUAGEM NA OBRA FÍLMICA..........................................64
3 - TRANSMUTAÇÃO: DO VERBAL AO AUDIOVISUAL ...................................................75
3.1 - TRANSMUTAÇÃO TEXTUAL ..................................................................................75
3.2 - TRADUZIBILIDADE DAS OBRAS ............................................................................77
3.3 - OBRA DE SAÍDA X OBRA DE CHEGADA...............................................................81
3.4 - TRANSMUTAÇÃO EM LISBELA E O PRISIONEIRO..................................................82
3.5 - ANÁLISE DAS ESTRUTURAS.................................................................................84
3.5.1 - O PERCURSO GERATIVO.............................................................................84
3.5.2 - NÍVEL FUNDAMENTAL...................................................................................86
3.5.3 - O NÍVEL NARRATIVO....................................................................................91
3.5.3.1 - MANIPULAÇÃO....................................................................................94
3.5.3.2 - COMPETÊNCIA.......................................................................... 97
3.5.3.3 - PERFORMANCE................................................................................100
3.5.3.4 - SANÇÃO NA OBRA ........................................................................... 104
3.5.4 - O NÍVEL DISCURSIVO...............................................................................105
3.5.4.1 - TEMA................................................................................................106
3.5.4.2 - TEMPORALIZAÇÃO...........................................................................108
3.5.4.3 - ESPACIALIZAÇÃO.............................................................................110
3.5.4.4 - ACTORIALIZAÇÃO.............................................................................112
4 - INTERTEXTUALIDADE E TRANSMUTAÇÃO..................................................................115
4.1 - LISBELA E O PRISIONEIRO: REVISITAÇÃO OU RAÍZES NORDESTINAS?...........115
4.2 - GUEL ARRAES, INTERTEXTUALIDADE E PROD. CONTEMPORÂNEAS ...............118
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................130
8
RESUMO
A dissertação de mestrado que será apresentada nas páginas
subseqüentes deste trabalho visa colaborar com os estudos das adaptações e
transmutações do texto verbal para o audiovisual. Para isso, desenvolveremos
nosso trabalho enfocando os elementos constituintes da obra Lisbela e o
Prisioneiro em seu texto original, escrito por Osman Lins, e na obra fílmica dirigida
pelo cineasta Guel Arraes.
Serão abordados neste trabalho os elementos transformadores entre obra
de saída e obra de chegada, analisando-se respectivamente a forma como cada
suporte colabora ou interfere para a constituição da obra transmutada.
Direcionaremos consequentemente nossas análises para os elementos
discursivos e narrativos de ambos os formatos, identificando os possíveis pontos
conjuntivos e disjuntivos entre texto original e adaptado.
9
ABSTRACT
The master's thesis that will be presented on the following pages aims at
collaborating with the studies of adaptation and transmutation of the verbal text into
the audiovisual format. Therefore, we'll develop our work by focusing on the
elements that constitute the original Lisbela e o Prisioneiro, by Osman Lins, and on
the feature film directed by movie - maker Guel Arraes.
This work will approach the transforming elements between original work
and adaptation, respectively analyzing the way each one interferes positively or
negatively with the construction of the adapted work. Consequently, we’ll direct our
analysis to the discursive and narrative elements in both formats, identifying any
possible conjunctive and disjunctive points between original work and adaptation.
10
INTRODUÇÃO
Desde o início da humanidade, o homem sempre demonstrou interesse em
narrar histórias, reproduzir a vida através de desenhos, pinturas, imagens e
contos, histórias essas criadas por sua própria imaginação ou que lhe foram
transmitidas através de gerações e gerações com o ideal de manter as tradições
culturais, os mitos e as lendas de uma sociedade.
Não diferente fizeram os homens da P-História, na tentativa de
perpetuação dos fatos relacionados ao seu dia-a-dia. Conforme demonstrado nas
representações pictográficas deixadas no interior da Gruta de Chauvet, na França,
e datados de mais ou menos 32 mil anos. Os desenhos rupestres lá encontrados
retratam freqüentemente a presença de figuras em situações de movimento,
corridas, ataques individuais e coletivos, revelando a busca em retratar as
situações da vida pré-histórica com características que possibilitassem maior
veracidade dos fatos e, principalmente, que pudessem retratar o movimento das
situações ilustradas (Scientific American Brasil, dezembro de 2004).
A narrativa está presente em qualquer sociedade e em todos os períodos,
como sugere Barthes:
Inumeráveis são as narrativas do mundo. Há em primeiro lugar uma
variedade prodigiosa de gêneros distribuídos entre substâncias
diferentes como se toda matéria fosse boa para que o homem lhe
confiasse suas narrativas: a narrativa pode ser sustentada pela
linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel,
pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas substâncias;
está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na
epopéia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na
pantomima, na pintura (recorde-se a Santa Ursula de Carpaccio), no
vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos, no fait divers, na
conversação. Além disso, sob estas formas quase infinitas, a
11
narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares,
em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história
da humanidade.
1
Com isso, podemos observar que a necessidade de contar histórias está
presente ao longo da diacronia da espécie humana, na qual podemos relacionar
como principais formatos narrativos: o verbal, o teatro, o jornal, o livro, a revista, o
rádio, o cinema, a TV e, mais recentemente, a Internet.
Porém, cabe ressaltar, que à medida que as facilidades de acesso à
informação e difusão das mensagens aumentam em virtude das novas
tecnologias, proporcionalmente as formas de transmissão cultural também sofrem
alterações significativas, nas quais podemos citar como transformações desde
mudanças no conteúdo até mesmo o direcionamento das obras para públicos
diversos e que fogem do perfil a quem era destinada originalmente.
O interesse em desenvolver o trabalho que será apresentado nas páginas
subseqüentes desta dissertação, surgiu durante a apresentação de um seminário
para a disciplina Transformações da Linguagem Audiovisual, lecionada pela Profa.
Dra. Anna Maria Balogh na Universidade Paulista. A partir do contato com nosso
objeto de estudo - Lisbela e o Prisioneiro, iniciaram-se reflexões sobre as
maneiras e os procedimentos de transposição de conteúdos, capazes gerar e
transformar produções culturais pouco visitadas, em sucesso de bilheteria do
cinema nacional.
Sob essa ótica é que discorrerá nossa pesquisa, tendo como enfoque
principal, analisar como a narrativa literária transforma-se diante de sua adaptação
para os meios audiovisuais e, mais precisamente, a maneira como a adaptação da
obra literária e teatral de Osman Lins, é transposta para as telas de cinema com a
direção do cineasta Guel Arraes.
1
BARTHES, Roland. Introdução à Análise Estrutural da Narrativa, 1971, p. 18
12
1 - O FILME
1.1 - O CINEMA EM BREVE RELATO
Muito já se escreveu sobre as origens, dificuldades e percursos percorridos
pelo cinema até que ele se tornasse efetivo dentro das produções artísticas e
culturais do mundo contemporâneo. O estudo apresentado nesta dissertação de
mestrado não tem como foco de suas análises traçar, estudar ou se aprofundar
nas discussões que tangem ao evolucionismo das produções audiovisuais, porém
faz-se pertinente, neste primeiro momento, expormos de maneira breve e sucinta
um pouco da origem e discussão que circunda o nascimento de uma das formas
mais expressivas e democráticas de acesso à cultura das sociedades atuais.
Para muitos, e principalmente para pessoas que não têm conhecimento
técnico sobre a origem dos meios de comunicação de massa, o surgimento, e até
mesmo a invenção do cinema, ficou atribuída ao longo do tempo aos irmãos
Lumière no ano de 1895. Porém, cabe ressaltar que inúmeros são os conceitos de
surgimento do cinema. Não podemos esquecer que as sombras chinesas e as
lanternas mágicas prepararam, muito antes, o caminho para o cinema (ver sessão
de sombras chinesas em Sombras/Schaten, de Robison, e em A Marselha/La
Marseillaise, de Renoir). A descoberta fundamental dos Lumière consiste no
aperfeiçoamento do dispositivo de condução intermitente da película, que tornou
possível o cinematógrafo a partir das invenções dos pioneiros, particularmente
13
Étienne Jules Marey (cronofotógrafo, 1888) e Thomas Edison (cinetoscópio,
1891).
2
Também não podemos deixar de dizer que o surgimento do cinema está
relacionado a um processo de acumulação gradativa de realizações científicas em
diversos campos aparentemente desconexos, partindo dos estudos relacionados à
visão e percepção humana de ilusão de movimento contínuo. Podemos citar
desde um brinquedo construído em Londres por John Paris no início do século
XIX, chamado taumatrópio (que consistia em um pequeno disco montado com
hastes e figuras dos dois lados, que, quando girados por barbantes ou fios,
criavam a ilusão de movimento), até o cientista belga Joseph Plateau, que em sua
tese de doutorado estudou a visão humana e o retardo desta na captação e
processamento da imagem.
3
Assim como esses estudos, outros também antecederam e contribuíram
para o surgimento e florescimento da tecnologia do cinema, e um dos grandes
passos na efetivação do processo foi sem dúvida nenhuma o surgimento da
fotografia por volta de 1839, através da invenção de Louis Daguerre na França.
Após a captação das imagens nos antigos daguerreótipos, a tecnologia da
fotografia continua a evoluir a largos passos, tornando-se cada vez mais
aprimorada e criando em torno de si todo um complexo industrial produzindo
suprimentos químicos, equipamentos e chapas fotográficas.
Processos de chapas úmidas, com produtos químicos sensíveis à
luz suspensos em uma delgada película de colódio no vidro, foram
largamente utilizados por muitos anos. Foi a chapa seca, contudo,
que permitiu a preparação antecipada de chapas fotográficas de
vidro. Isso levou à sua fabricação em bases comerciais, assim como
a distribuição e venda. A câmara miniaturizada e a câmara para
2
MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. 1985:13.
3
DeFleur, Melvin e Ball-Rokeach, Sandra. Teorias da Comunicação de Massa 1989, p.78.
14
amadores foram popularizadas quando essa tecnologia se tornou
acessível.
4
Da difusão das técnicas fotográficas e do domínio das novas tecnologias
surge o filme flexível; invenções e inovações vão surgindo e trazendo juntamente
uma variedade de experimentos capazes de favorecer a captação e projeção das
imagens. A fotografia alia-se ao cronofotógrafo de Jules Marey e ao cinetoscópio
de Thomas Edison, que, unidos à projeção intermitente originada pelos irmãos
Lumière, definem os primórdios do que viria a ser chamado posteriormente de
sétima arte.
O cinema surge como um elemento estranho, rodeado de dúvidas quanto a
sua potencialidade midiática, trazendo junto com ele nada mais nada menos que
um discurso inicial de ser uma invenção sem futuro, pois em suas primeiras
aparições são relatadas apenas demonstrações de pequenas películas retratando
situações da vida cotidiana em breves cenas, como trens chegando à estação,
operários saindo da fábrica, pedestres e ciclistas nas ruas, crianças brincando na
neve e no mar. O movimento e o tempo real eram os espetáculos; e os seres
humanos em suas vidas cotidianas, sua essência. Do ponto de vista técnico, as
primeiras projeções realizadas nos cinematógrafos europeus poderiam ser
definidas somente como registros de imagens, visto que representavam
praticamente fatos documentais e representacionais de alguns acontecimentos,
sem possuir nenhum tipo de apelo ou linguagem específica.
Investimentos foram surgindo e, junto a eles, empresários visionários
também não podiam deixar de explorar esse filão de mercado. Melhorias no
desenvolvimento de equipamentos foram realizadas, patentes foram adquiridas e
todo um movimento foi gerado em torno dessa nova tecnologia.
4
DeFleur, Melvin e Ball-Rokeach, Sandra. Teorias da Comunicação de Massa. Op. Cit. p.89.
15
Inauguram-se as primeiras salas exibidoras na Europa, com preços
acessíveis; o público se posicionava muitas vezes de pé para assistir a curtos
filmes, breves, mas capazes de criar intensa afinidade com seus receptores. A
repercussão e a aceitação pública das imagens em movimento se intensificam,
despertando e exigindo atenção especial na evolução das produções fílmicas do
início do século XX.
Portanto, cabe ressaltar nesse momento que toda essa evolução e
aceitação do cinema referem-se inicialmente ao filme-imagem, pois, devido às
limitações técnicas e até mesmo à resistência de cineastas da época, ainda não
havia surgido o cinema sonoro ou falado. O cinema acaba introduzindo o áudio um
pouco por acaso em 1926, segundo abordagem de Marcel Martin (1990:108).
Segundo o autor, a sonorização do cinema teria ocorrido no momento em que
uma produtora americana, a Warner, encontrando-se à beira da falência, tentou
como solução desesperada essa saída, diante da qual as outras empresas
recuavam por temerem um fracasso comercial.
O público logo acolheu com entusiasmo a novidade, apesar de muitas das
maiores personalidades do cinema (críticos e diretores) manifestarem ceticismo ou
hostilidade. “Os talkies?”, declarou Chaplin, “podem dizer que eu os detesto! Eles
vão acabar com a arte mais antiga do mundo, a arte da pantomima. Aniquilam a
grande beleza do silêncio”
5
.
Outros comentários de grandes cineastas da época também foram feitos
sobre a inovação e implantação dos recursos sonoros no cinema. Eisenstein,
Pudovkin e Alexandrov manifestaram suas expectativas em torno do assunto, no
famoso manifesto de 1928.
Os três cineastas soviéticos começaram por manifestar um temor
que foi o de todas as boas cabeças da época: “O filme sonoro”,
5
Apud. MARCEL, Martin. Op. Cit. p. 108.
16
escrevem, “é uma faca de dois gumes, e é provável que seja
utilizado conforme a lei do menor esforço, isto é, simplesmente para
satisfazer a curiosidade do público”. Mas o maior perigo é talvez a
invasão do cinema “pelos dramas da literatura e outras tentativas de
teatralização na tela. Utilizado desse modo, o som destruirá a arte
da montagem, elemento fundamental do cinema. Pois toda adição
de som a frações de montagem intensificará ainda mais essas
frações, e isso inegavelmente em detrimento da montagem, que
produz seu efeito não por fragmentos, mas, acima de tudo, juntando
ponta com ponta esses fragmentos. (MARTIN, 1990:109).
Verificamos, com isso, que as evoluções tecnológicas dentro da área da
comunicação e seus procedimentos inovadores sempre foram recebidos com
certo receio entre os profissionais e críticos da área. Com o cinema não poderia
ter sido diferente, porém a aceitação do público é que ditará a permanência e
efetivação desses processos inovadores, pois não podemos esquecer que, acima
de tudo, os fatores comerciais prevalecem dentro das produções midiáticas com
finalidades de produção e consumo massificado.
A manifestação de Eisenstein, Pudovkin e Alexandrov, conforme
mencionamos anteriormente, retrata essa preocupação com o futuro das
produções cinematográficas diante desse novo paradigma, e demonstra de
maneira bem contundente a antecipação desses cineastas, no que se tornou uma
das formas mais praticadas no cinema, ou seja, as adaptações narrativas. No
manifesto de 1928, os cineastas expressam suas preocupações com a invasão do
cinema “pelos dramas da literatura e outras tentativas de teatralização na tela”,
exatamente como observamos hoje em dia, com grande parte das produções
audiovisuais revisitando os conteúdos literários, o que justamente acabou se
tornando o foco de nosso trabalho.
Ao longo da evolução das produções cinematográficas, a qual resultará
como geratriz de boa parte das produções audiovisuais contemporâneas,
17
verificamos que inúmeros são os processos de inovação desse meio de
comunicação, que incluem desde estudos da fisiologia do olho humano e
retardamento da captação de imagens gerando ilusão de movimentos contínuos,
passando pelos procedimentos de captura de imagens (desde os daguerreótipos
até os processos mais simplificados de fotografia), desenvolvimento das
tecnologias de projeção em tela, inclusão de sonorização às películas (sem contar
com os cinemas orquestrados), chegando à fase das adaptações narrativas.
Cada elemento constituinte do filme possui variadas formas e
procedimentos de realização. Ao mencionarmos o som, embora sua origem tenha
sido questionada por grande parte dos críticos da época, devemos identificá-lo
como um elemento fundamental nas produções cinematográficas
contemporâneas, e com funções muito bem definidas dentro do discurso fílmico. A
imagem, iluminação e montagem dispensam quaisquer comentários, pois sem
eles não existiria qualquer tipo de produção nessa área.
Sendo assim, e diante da complexidade de elementos de análise de uma
obra fílmica e das manipulações necessárias para efetivação do conteúdo
audiovisual, faz-se pertinente a abordagem de Vanoye em seu livro Análise
Fílmica, conforme segue abaixo:
A análise vem relativizar as imagens “espontaneístas” demais da
criação e da recepção cinematográfica. Estamos cercados por um
dilúvio de imagens. Seu número é tão grande, estão presentes tão
“naturalmente”, são tão fáceis de consumir que nos esquecemos
que são o produto de múltiplas manipulações, complexas, às vezes
muito elaboradas. O desafio da análise talvez seja reforçar o
deslumbramento do espectador, quando merece ficar maravilhado,
mas tornando-o um deslumbramento participante.
Analisar um filme ou um fragmento é despedaçar, descosturar,
desunir, extrair, separar, destacar e denominar materiais que não
são percebidos isoladamente “a olho nu”, pois se é tomado pela
18
totalidade. Parte-se, portanto, do texto fílmico para “desconstruí-lo” e
obter um conjunto de elementos distintos do próprio filme.
6
Com isso, nossas análises partirão para os componentes geradores do
plano de expressão na obra fílmica de Lisbela e o Prisioneiro, que, seguindo as
preocupações de Eisenstein, Pudovkin e Alexandrov, representam exatamente
uma adaptação narrativa da literatura para o cinema, na qual daremos ênfase,
nesse primeiro momento, às análises enfocadas nos elementos sonoros,
imagéticos e verbais que constituem a obra.
1.2 - SOM: DO CINEMA MUDO PARA LISBELA E O PRISIONEIRO
Nas páginas anteriores, traçamos de maneira sucinta o que pode ser
chamado de um breve esboço sobre a origem e evolução do cinema, com a
finalidade de exemplificar as diversas fases e transformações que antecederam o
complexo exercício das produções cinematográficas.
A incorporação do som nas produções fílmicas, tão discutida e questionada
pelos críticos e cineastas mais conservadores da época, passa a receber atenção
especial a partir do momento em que é encarada como uma inovação, capaz de
suprir uma série de dificuldades encontradas nos materiais constituídos
anteriormente “só” por imagens. Citamos as preocupações de Eisenstein,
Pudovkin e Alexandrov, quando questionados sobre a introdução do áudio no
cinema; porém, ao mesmo tempo em que os cineastas viam com certo receio essa
nova realidade, eles demonstravam interesse e entusiasmo no potencial sonoro
introduzido às produções cinematográficas, conforme relata Marcel Martin:
Ao mesmo tempo, porém, os três autores viam com perspicácia a
riqueza da contribuição sonora e sua necessidade ante as
6
VANOYE, Francis. Ensaio sobre a análise fílmica. Editora Papyrus, 2002, p. 15.
19
insuficiências do cinema mudo. “O som, tratado enquanto elemento
novo da montagem (e como elemento independente da imagem
visual), introduzirá inevitavelmente um recurso novo e
extremamente afetivo para exprimir e resolver os problemas
complexos que nos desafiam até o presente e que não temos
podido resolver em virtude da impossibilidade de achar uma solução
contando apenas com elementos visuais.
7
A sonorização passa a não ser observada somente como uma peça
intrigante dentro das produções cinematográficas, mas começa a adquirir
aceitação e identidade própria diante da enorme gama de possibilidades que ela
pode gerar, desde que bem empregada e articulada dentro dos discursos
narrativos. A evolução técnica e tecnológica, proporcionando meios viáveis de
produzir filmes capazes de gerar som e imagem, inicia uma nova fase na
linguagem do cinema.
Segundo Martin, Eisenstein certa vez teria dito que “O som não foi
introduzido no cinema mudo, mas saiu dele. Surgiu da necessidade que levou
nosso cinema mudo a ultrapassar os limites da pura expressão plástica”.
8
As dificuldades relacionadas nas tentativas de expressar o som através da
imagem podiam ser observadas na maior parte dos filmes que antecederam a
introdução sonora ao cinema. Em muitas cenas, podemos verificar as tentativas
de representar o áudio através da imagem: a introdução do primeiro plano
enfocando o indivíduo gesticulando ou prestando atenção em alguma sonoridade
ausente à cena (que por esse motivo tinha de ser transmitida e subentendida
através da expressão corporal ou de superposição de imagens), era amplamente
explorado.
7
MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. 1990, p.109
8
Id. Ibiden, p. 111.
20
Outra característica do cinema mudo, em suas investidas na superação da
ausência sonora, retratava um trabalho árduo nas técnicas de montagem da
época, conforme relata Martin:
A montagem assumia então um papel considerável na linguagem
fílmica, pois era-se obrigado a intercalar constantemente no enredo
planos explicativos destinados a fornecer ao espectador o motivo
daquilo que seus olhos viam. Se, por exemplo, o diretor desejava
mostrar os operários deixando a fábrica no fim da jornada de
trabalho, via-se na obrigação de intercalar na cena um primeiro
plano da sirene da fábrica soltando vapor. Ou então, se quisesse
fazer “ouvir” um pianista tocando Debussy, devia introduzir o plano
de uma folhagem ou de águas tranqüilas. A imagem tinha então que
assumir sozinha uma pesada tarefa explicativa além de sua
significação própria: intercalação de planos ou montagem rápida
destinadas a sugerir uma impressão sonora.
9
Essas características, dependendo do caso, retratavam quase uma origem
videoclíptica nas produções cinematográficas do cinema mudo, devido ao fato de
as imagens terem de incorporar funções muito além do que o mero significado de
imagem, expondo diversos fragmentos de cenas de maneira a suprir os sentidos
sonoros.
As tão complicadas cenas do cinema mudo, nas quais o narrador devia
exprimir seus sentimentos internos e narrar acontecimentos do ponto de vista
subjetivo, deixam de ser realizadas seguindo somente os princípios de
enquadramento em primeiríssimos planos, câmeras em primeira pessoa, ou
imagens aceleradas/lentas (esses recursos eram utilizados na intenção de
introduzir o público na memória do personagem), mas passam a ser
representadas por locuções em off, que acabam se consolidando nesse papel de
maneira muito eficaz.
9
Op. Cit. p. 113
21
Já nos filmes de ficção científica, não podemos deixar de mencionar os
exageros sonoros realizados por esse gênero cinematográfico, nos quais a
utilização do som contraria todo e qualquer fundamento da Física e dos estudos
das ondas mecânicas longitudinais, e o abuso do som chega a tomar proporções
de sermos capazes de ouvir explosões, tiros e roncos de jatos propulsores em
ambientes onde é impossível reproduzir o som devido à ausência de um meio
material de propagação.
Porém, tentemos imaginar um filme como Star Wars, em que guerras
espaciais são travadas em pleno espaço sideral, sob uma alucinante troca de tiros
(se é assim que podemos chamar), e, em vez de escutarmos explosões e
estampidos provenientes das imagens que estão sendo exibidas, fôssemos
contemplados por um silêncio absoluto. Qual seria a repercussão disso?
Não cabe a nós tentarmos julgar ou avaliar as respostas da pergunta acima,
porém torna-se pertinente retratar de maneira clara e objetiva a importância do
som como característica e elemento fundamental da percepção humana, e que,
por esse motivo, acaba inevitavelmente sendo incorporado nas produções
audiovisuais. Barthes faz uma leitura sobre essas características da percepção do
som, conforme citaremos:
Proporemos três tipos de escuta.
Segundo um primeiro tipo de escuta, o ser vivo dirige sua audição (o
exercício de sua faculdade fisiológica de escutar) para índices;
neste nível, nada distingue o animal do homem: o lobo escuta um
ruído (eventual) de caça, a lebre um ruído (possível) de agressor, a
criança, o namorado escutam os passos que se aproximam e que
poderão ser os passos da mãe ou do ser amado. Esta primeira
escuta é, se assim podemos dizer, um alerta. A segunda é uma
decifração; o que se tenta captar pelo ouvido são signos; aqui, sem
dúvida, é a vez do homem; escuto da mesma maneira que leio, isto
é, mediante certos códigos. A terceira escuta, enfim, cuja
22
abordagem é moderna (o que não quer dizer que seja superior às
duas outras), não visa ou não espera signos determinados,
classificados: não aquilo que é dito, ou emitido, mas aquele que
fala, aquele que emite: deve ser desenvolvida em um espaço
intersubjetivo, em que “escuto” na verdade quer dizer “escuta-me”; a
escuta apodera-se, pois, para transformá-la e lançá-la sem cessar
no jogo da transferência, de uma “significância” geral, que já não é
concebível sem a intervenção do inconsciente.
10
Dessa maneira, podemos observar que Barthes define a de três diferentes
maneiras, estando todas elas totalmente relacionadas às características
fisiológicas e psicológicas do indivíduo.
Martin identifica que o som dentro das produções audiovisuais acaba
adquirindo muito mais que um simples recurso técnico, mas apodera-se de
características: descritivas no decorrer das cenas; contrastes em relação às
imagens; e, até mesmo, a propriedade de tornar os ambientes mais realistas ou
menos realistas dentro de cada produção.
Muitos autores já dedicaram suas pesquisas sob a óptica do som e da
introdução do áudio nas produções cinematográficas, dentre os quais podemos
destacar Marcel Martin em seu livro A Linguagem Cinematográfica (utilizado
amplamente em nossos estudos), que dedicou um capítulo exclusivamente ao
som, intitulado de “Os Fenômenos Sonoros”. Também podemos destacar, dentro
dessa linha de pesquisa, Cláudia Gorbman com seu livro Unheard Melodies,
Roger Manvel e John Huntley The Technique of Film Music e Michel Chion La
Musique au Cinema.
Em nossas abordagens, enfocando os elementos sonoros de Lisbela e o
Prisioneiro, utilizaremos como alicerce os conceitos específicos de som, conforme
10
BARTHES, Roland. O Óbvio e o Obtuso. 1990, p. 217
23
sugeridos pelos autores mencionados, por julgarmos contribuições significativas e
pertinentes dentro de nossa linha de análise.
Em seu livro A Linguagem Cinematográfica, Marcel Martin divide as funções
dos fenômenos sonoros inicialmente como elementos de realismo e continuidade
sonora, expandindo posteriormente suas análises para os argumentos e
características específicas do ruído e da música. Em sua primeira abordagem, o
autor define a utilização do som da seguinte forma:
- Realismo: o som com propriedades de tornar o universo fílmico
mais próximo da realidade; é a compenetração de todos os registros
perceptivos que nos impõe a presença indizível do mundo real;
- Continuidade: enquanto a imagem de um filme é uma seqüência
de fragmentos, a trilha sonora restabelece de certo modo a
continuidade.
11
Nessa primeira abordagem, o autor dedica-se a esmiuçar as características
do áudio na técnica cinematográfica, de maneira que podemos considerá-las
totalmente pertinentes em nosso estudo. Antes de pensarmos em nosso objeto
Lisbela e o Prisioneiro, devemos destacar que os conceitos de som definidos pelo
autor são pertinentes a todo tipo de produção audiovisual. Embora o som também
possa ser utilizado com características simbólicas e metafóricas na constituição de
cenas, podemos dizer que uma das principais características do áudio, com
certeza, é a de proporcionar realismo e continuidade no decorrer das obras.
Em Lisbela e o Prisioneiro, a utilização do som como elemento realístico é
amplamente explorado, indo desde os ruídos capazes de criar a atmosfera dos
ambientes retratados, até mesmo à sonorização com características exclusivas de
continuidade, gerando ganchos necessários para ligação entre uma cena e outra.
11
Op. Cit., p. 114.
24
Referente aos ruídos, Martin dedica atenção especial a esses elementos e
às formas de cooperação dos ruídos na construção dos sentidos, conforme segue
o trecho abaixo:
- Ruídos naturais: todos os fenômenos sonoros que percebemos na
natureza;
- Ruídos humanos: nos quais é preciso diferenciar ruídos mecânicos
(carros, máquinas, etc.) e palavras ruído (falas de personagens
secundários, figurantes, etc. sem que estas interfiram na cena);
- Músicas ruído: as dos filmes musicais, por exemplo, ou que é
produzida por uma estação de rádio (não passa de um fundo
sonoro, mas pode adquirir um valor simbólico).
12
Os ruídos, conforme mencionado, podem surgir dentro da composição da
obra, fornecendo elementos capazes de projetar o espectador em um “mundo
mais próximo do real”.
No início do filme Lisbela e o Prisioneiro, a primeira cena ocorre no interior
de uma sala de cinema sediada em Vitória de Santo Antão PE, na qual a
personagem Lisbela é apresentada ao espectador da obra. Toda a seqüência é
composta por ruídos humanos, através das falas e barulhos feitos pelos figurantes
(pessoas que já se encontram dentro da sala de cinema e aguardam sentadas
pelo início do filme). Todo ruído gerado na cena possui como característica única
a ambientação do indivíduo real na situação por que ele acabara de passar, ou
seja, a mesma sensação que o espectador acabara de experimentar ao chegar ao
cinema para assistir Lisbela e o Prisioneiro, procedimento esse que o introduz e o
projeta para dentro do universo fílmico através de elementos de verossimilhança.
12
Op. Cit., p. 116.
25
Segue trecho do roteiro da obra para simplificar a análise:
Cena 01 - Sala de cinema
(Uma sala de cinema de interior, poucos espectadores. Lisbela e Douglas entram)
DOUGLAS
Vamos sentar aqui?
LISBELA
Vamos puxar mais pra frente. A gente tem que sentar numa distância certa da
tela. Muito longe termina distraindo, perto demais a gente tem que ficar bulindo os
olhos pra ver a cena.
DOUGLAS
Aqui tá beleza?
LISBELA
Um tiquinho mais para o meio. Aqui.
Percebemos, com isso, que a introdução do ruído é o elemento essencial
para dar vida à cena, ou seja, o elemento é incorporado ao filme com a
característica exclusivamente realística. Caso esse recurso não tivesse sido
usado, todo o teor de semelhança com o momento que o espectador acabara de
vivenciar ao chegar à sala de projeção seria totalmente perdido e frigido com
relação ao estímulo pretendido.
A definição de música ruído de Marcel Martin também pode ser observada
no filme, em uma cena em que Lisbela sai do cinema com seu namorado Douglas:
eles entram no carro e ligam o rádio. Nesse momento, Douglas olha-se no espelho
retrovisor e ajeita os cabelos como se fosse um galã de novela; o rádio passa a
executar a música Oh! Carol, de Andrew Sixty. Douglas engata a marcha e parte
em velocidade. Lisbela vê-se entrelaçada entre o cinema e a vida, entre a vida real
e o mundo ficcional; a moça a acaba se sentindo uma verdadeira atriz do cinema
norte-americano.
26
Na cena descrita, a utilização da música ruído age com função simbólica e
narrativa, pois o som acaba se tornando o principal elemento constituinte da
seqüência, e conseguimos identificar que, sem esse ruído, o sentido pretendido
pelo diretor em projetar a personagem para um universo fictício não teria jamais
sido atingido.
Ao ampliarmos as características do ruído, podemos acrescentar a eles
outras modalidades de uso desse recurso, ou seja, da mesma forma que o ruído é
utilizado com grande freqüência como elemento realístico, a sua aplicação com
finalidade de proporcionar o não realismo também pode ser explorada.
Nas produções nacionais, temos como exemplo clássico de ruído não
realístico as cenas em que o caminhão de Mazzaropi, no filme Sai da Frente,
relincha, demonstrando e adjetivando o calhambeque como burro de carga; ou até
mesmo sons capazes de lhe atribuir força bruta, como as cenas em que os ruídos
do carro são tomados pelo som de uma poderosa locomotiva. Nessas formas de
utilização, o som deixa de ser simplesmente áudio e passa a trabalhar como
elemento de metáfora, adquirindo investimentos semânticos capazes de torná-lo
simbolicamente pertinente dentro da composição da cena.
Essa última forma de apresentação do ruído, ou seja, de ruído não
realístico conforme apresentado, não se encontra aplicada à obra cinematográfica
de Lisbela e o Prisioneiro, na qual as utilizações do som e dos ruídos possuem
como características exclusivas maior realismo, continuidade e ritmo do filme.
1.3 - A MÚSICA NO FILME
No que tange às relações da música na constituição da obra fílmica, Marcel
Martin define as características da música em três grandes grupos, sendo eles: o
papel rítmico, o papel dramático e o papel lírico. Já a autora Cláudia Gorbman, em
27
seu livro Unheard Melodies, define essas características seguindo os mesmos
padrões de Martin, mas acrescentando outros pontos de vista na forma de
estruturar suas idéias. Sendo assim, daremos seqüência em nossas análises
utilizando como referência os estudos desenvolvidos por Gorbman e que serão
relacionados a seguir.
Em seu livro Unheard Melodies, a autora empenha-se em estudar os
padrões clássicos das trilhas sonoras dos filmes hollywoodianos e nas evoluções
pelas quais passaram. Embora seus estudos sejam direcionados às produções
norte-americanas, seu modelo de análise acaba se expandindo e torna-se
pertinente dentro de nossas abordagens.
Segundo Gorbman, uma maneira de definir a utilização musical no cinema
pode ser representada seguindo os princípios:
- Invisibilidade: no qual o aparato técnico da música não diegética não deve ser
visível;
- Inaudibilidade: a música não é destinada a ser ouvida conscientemente. Ela
deve subordinar-se aos diálogos, às imagens, aos veículos primários da narrativa;
- Significador de emoção: a trilha musical pode estabelecer climas e enfatizar
emoções particulares sugeridas na narrativa, mas em primeiro lugar e acima de
tudo ela é um significador de emoção por si só;
- Sugestão narrativa: referencial/narrativa a música proporciona sugestões
narrativas e referenciais, indicando pontos de vista, provendo demarcações
formais e estabelecendo ambientação e caráter; conotativa a música interpreta e
ilustra eventos narrativos;
- Continuidade: a música provê continuidade rítmica e formal entre planos, em
transições, entre cenas, preenchendo lacunas.
13
13
GORBMAN, Claudia. Unheard Melodies. 1987, p. 73. Tradução de Cíntia Onofre.
28
Observamos com isso que as definições de Martin acabam sendo
incorporadas nesse modelo, pois a função rítmica, dramática e lírica, conforme
sugere o autor, são sucessivamente abordadas por Gorbman dentro das funções
de continuidade, sugestão narrativa e significação de emoção. A partir dessa
definição de utilização da música nos conteúdos fílmicos, partiremos para nossas
análises, para verificar a pertinência desses conceitos em relação à obra
cinematográfica de Lisbela e o Prisioneiro.
Várias são as aplicabilidades da música nas obras cinematográficas,
porém, para não desgastarmos nossas análises e não tornarmos esse estudo
redundante, abordaremos as classificações conforme sugeridas por Gorbman nas
cenas em que os conceitos trabalhados sejam mais explícitos, facilitando dessa
maneira a abordagem e a exemplificação de nossos estudos.
O conceito de invisibilidade conforme sugerido por Gorbman, no qual o
aparato técnico da música não diegética não deve ser visível, é observado em
praticamente todas as obras fílmicas, não sendo aplicado em raras exceções. Não
só no filme Lisbela e o Prisioneiro, mas na grande maioria das produções
cinematográficas (com exceção aos musicais), a orquestração da música fora do
espaço diegético acaba sendo uma constante, podendo ser comparada com a não
visibilidade das câmeras dentro da captação das imagens.
A invisibilidade dos aparatos técnicos para incorporação da música em
Lisbela e o Prisioneiro é uma constante, conforme já mencionado anteriormente,
porém é pertinente que apresentemos uma cena na qual esse princípio seja bem
representado. Sendo assim, segue a decupagem da cena com suas respectivas
características.
29
Cena 1 Sala de Cinema
Informações
sobre a narrativa
Lisbela e Douglas chegam à sala de cinema e iniciam a
procura por um bom lugar para assistir ao filme. Inicia-se a
projeção do filme na tela e Lisbela começa a narrar o tipo de
filme que eles verão.
Informações
técnicas
Cenas internas.
Ambientação: sala de cinema.
Personagens: Lisbela, Douglas e figurantes.
Seqüência composta por cinco planos: em travelling, o fundo
da sala de cinema é percorrido pela câmera, até que
chegam Lisbela e Douglas; nesse momento os dois
personagens são enquadrados em plano médio. Mais um
travelling é utilizado acompanhando os personagens
andando entre as poltronas. Retomam-se em plano médio
os dois personagens, e Lisbela começa a narrar a sensação
de estar no cinema; nesse momento, Lisbela é enquadrada
em primeiro plano.
Informações
sobre a trilha
musical
Inserção musical não diegética.
A música surge em segundo plano, enquanto Lisbela é
focalizada em primeiro plano, narrando a sensação de estar
no cinema.
Nessa primeira cena, verificamos a utilização da música não diegética e
que corresponde ao conceito de invisibilidade, pois os aparatos técnicos para
execução da música não são visualizados em momento algum. Também podemos
definir nesse primeiro exemplo o princípio de continuidade, visto que, ao iniciar a
execução da música, ocorre um efeito de imagem fade out, que trará a cena
seguinte, na qual a personagem Lisbela narra as cenas que serão exibidas na tela
do cinema.
Embora o conceito de invisibilidade e de música não diegética possa
parecer um tanto quanto óbvio, pelo fato de praticamente todas as músicas
executadas no cinema se enquadrarem nessa definição, também pudemos
observar que a inserção da música diegética foi sutilmente utilizada em Lisbela e o
Prisioneiro, conforme analisaremos a seguir.
30
Cena 36 Rua
Informações
sobre a narrativa
Frederico caminha pelas ruas da cidade. Leléu vem em sua
direção.
Num local mais alto da delegacia Citonho toca a corneta.
De repente Frederico saca a arma: um boi brabo vem em
sua direção. Citonho vê de longe o rebuliço. Corta para
perto; o boi vai pegar Frederico, mas Leléu se coloca entre
os dois, se agarra com o boi e o derruba no chão.
14
Informações
técnicas
Cenas externas.
Ambientação: Rua de Vitória de Santo Antão.
Personagens: Frederico, Leléu, Citonho e figurantes.
Seqüência composta por vários planos exibidos em alta
velocidade: em plano geral aparece Citonho tocando a
corneta (toque militar), inicia-se uma série de cenas picadas
até surgir em plano geral o boi correndo pela rua. Leléu
surge em primeiro plano e domina a fera.
Informações
sobre a trilha
musical
Inserção musical diegética.
O personagem Citonho toca a corneta em cena.
A cena conforme abordamos é uma das poucas dentro da obra fílmica que
se apropriam de sonorização diegética, na qual o aparato técnico de execução da
música é visível na composição da cena. Embora a execução do som não esteja
ocorrendo de fato na cena, pois ele é dublado e interpretado por um personagem.
Sobre essa característica de dublagem ou encenação de execução da
música, Gorbman define que a utilização do som é representada pela
verossimilhança e que, através da representação visual, o receptor pode afirmar
que o som é proveniente daquela fonte.
Dirigindo nossas análises para o conceito de inaudibilidade, conforme
sugerido pela autora, num primeiro momento essa definição nos causa certa
estranheza, já que existe a dificuldade em visualizarmos um elemento sonoro
dentro da configuração de inaudível, pois, se é revelado e definido dessa forma,
14
Roteiro do filme. Globo, 2002.
31
acaba então enquadrado como um elemento não sonoro.
Sendo assim, utilizaremos a definição de inaudibilidade como um elemento
de som subordinando-se aos diálogos, às imagens, aos veículos primários da
narrativa; ou seja, dentro das características de elemento secundário na
composição das cenas, na qual o som poderia até mesmo ser extraído, sem que
gerasse grandes alterações na constituição do todo.
A característica do elemento sonoro dentro do conceito de inaudibilidade
pode ser observada na segunda cena do filme, na qual a música é apresentada
subordinada aos elementos de imagem e ruído, não interferindo e não sugerindo
nenhuma função à cena, a não ser o de estar presente como fundo musical em
terceiro plano, pois, em primeiro plano, estão as imagens e a fala de Leléu
anunciando a venda de seus produtos e, em segundo plano, observa-se a feira, as
pessoas e os ruídos.
Cena 2 - Feira de interior
Informações
sobre a narrativa
Feira de interior, no Nordeste. Leléu está caracterizado
como Mané Gostoso, um conquistador barato (óculos Ray
Ban, topete e costeletas), e anuncia seu produto à maneira
dos camelôs. Enquanto ele fala vemos o movimento da
feira, as pessoas se aproximando e fazendo a roda em volta
dele
15
.
Informações
técnicas
Cenas externas.
Ambientação: feira nordestina.
Personagens: Leléu e figurantes.
Seqüência realizada com um travelling pela feira
acompanhando o carro de Leléu chegando à cidade.
Informações
sobre a trilha
musical
Inserção musical não diegética.
15
Roteiro do filme. Globo, 2002.
32
Partindo nossas análises a música como significadora de emoção,
observamos que dificilmente ela não possuirá essa característica; mesmo em
cenas em que a música é introduzida em segundo plano, ela é capaz de carregar
altos níveis de transmissão sentimental. Segundo Cíntia Onofre:
Para o espectador talvez o motivo mais óbvio da colocação da
música em filmes é que ela propicia emoção. Muitos compositores
não admitem essa forma simplista de denominar a música
concebida para os filmes. Entretanto, se refletirmos, esse
pensamento não é errôneo. A trilha musical composta para uma
seqüência do filme pode realmente estabelecer climas e enfatizar
emoções particulares sugeridas na narrativa. O que não podemos
desprezar é que a música, acima de tudo, é um significador de
emoção por si só; a emoção ocorre pelo envolvimento do
espectador.
16
Em Lisbela e o Prisioneiro (até mesmo pela característica de a obra ser
uma comédia romântica), a utilização da música como recurso de significação da
emoção acaba se tornando uma constante no decorrer do filme; inúmeras são as
cenas que poderíamos relacionar a esse conceito. Ao mesmo tempo em que a
música age induzindo os sentimentos, ela também serve ao diretor Guel Arraes
como uma poderosa ferramenta narrativa, pois o entrelaçamento de música,
emoção e estruturação narrativa é nitidamente percebido durante as cenas.
Em uma das cenas do filme, na qual Lisbela encontra-se pela primeira vez
com Leléu e este acaba se apaixonando pela moça, a música é introduzida de
forma primorosa na seqüência. A sutileza com que música é executada e a
maneira como ela é extraída do conteúdo, retratam exatamente a sensibilidade e
expressão dos personagens.
16
ONOFRE, Cíntia Campolina. O Zoom nas Trilhas da Vera Cruz. Campinas, 2005, p. 51.
33
Para demonstrarmos de maneira mais incisiva a música como significação
da emoção e como estruturação da narrativa, recorreremos, em nossa próxima
análise, ao trecho extraído do roteiro cinematográfico.
Cena 31 Interior da barraca
LELEU (OFF)
Senhoras e Senhores, eu peço aos que sofrem do coração que se retirem do
recinto. A cena que vamos assistir agora pode abalar o sistema nervoso das
pessoas mais sensíveis.
Música, ruídos de selva e transformação da mulher em gorila. Este urra, quebra as
grades e parte pra cima do povo que sai correndo. O gorila pega Lisbela, Douglas
tenta voltar mas ao dar de cara com a fera sai em disparada. Lisbela olha o gorila,
alisa seu rosto carinhosamente em planos semelhantes e montados em paralelos
com os do seriado “Metamorfoses da Alma” onde a Mocinha está frente ao Steve-
Monstro. Até que a mocinha dá o antídoto pra o Dr. Steve e corta para Lisbela
arrancando a máscara do gorila e vendo Leleu.
LISBELA
Eu sabia que era truque!
LELEU
E a melhor parte foi sumir com todo mundo.
LISBELA
E como é que faz a transformação?
LELEU (Vai demonstrando a transformação, fazendo Lisbela virar gorila, conforme
vai explicando)
Eu vou lhe mostrar. Fique desse lado que está iluminado que eu fico aqui no
escuro de forma que primeiro só se vê a senhora. Conforme eu vou apagando a
luz do seu lado eu vou aumentando a luz no macaco e um jogo de espelhos vai
34
projetando minha imagem por cima da sua de maneira que parece que a senhora
está se transformando em gorila.
LISBELA
É como uma máquina do tempo, fazendo a gente virar o que foi há milhares de
anos atrás.
LELEU
(Vai tirando a fantasia de macaco) Mas pode funcionar também como uma
máquina do amor.
LISBELA
E existe lá máquina pra isso?
LELEU
Quando a gente ama uma pessoa o que é que a gente mais quer nesse mundo?
LISBELA
Ficar bem juntinho dela.
LELEU
(Durante o poema ele vai invertendo as luzes de maneira que ele se transforma
nela) Tão juntinho, tão juntinho até que, como diz o poeta:
“Transforma-se o amador na coisa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho, logo, mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada”.
LISBELA
Achei mais bonita ainda essa máquina do amor.
LELEU
Pois fique quieta e feche os olhos. (Ele vai dando a volta por trás em direção ao
lado dela) Eu vou lhe mostrar agora como é que funciona a máquina do desejo.
Ele chega no lado dela, vai abraçá-la por trás e vê que é só a imagem.
LELEU
Eita, cadê?
Vemos que ela está do outro lado.
LISBELA (Sai correndo)
35
É que eu liguei a máquina da ilusão.
17
(Inicia-se a música)
“...Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu e ela é nobre
Não vale a pena sonhar...”
(A Deusa da Minha Rua, de Newton Teixeira e Jorge Faraj)
A utilização da música não diegética nessa cena, corresponde tanto a
induzir o espectador do ponto de vista emocional como a representar a paixão
repentina de Leléu, levando o som a ser o recurso explorado em primeiro plano,
no qual a música acaba por apropriar-se de toda a cena.
Embora a expressão corporal do personagem demonstre seu amor à
primeira vista, é a música quem se encarrega de toda a dramaticidade e
sensibilidade da cena, tomando para si a fala de Leléu e, principalmente, narrando
todo o enredo da obra fílmica, na qual um artista que possui uma vida sem
perspectiva ou rumo vê-se apaixonado por uma jovem de família rica e nobre,
exatamente como o narrado na letra da música.
Outra cena que não poderíamos deixar de analisar, e na qual também
verificamos a música agindo como significadora de emoção e narrativa, é a cena
em que Leléu se despede de Inaura, para entregar-se definitivamente ao amor de
Lisbela, e que discorre da seguinte forma:
Cena - Ruas
Leleu e Inaura estão fugindo.
INAURA
Agora a gente vai viver em paz.
LELEU
17
Roteiro do filme. Globo, 2002.
36
Só viver, pra mim já está ótimo.
(Barulho de tiros. Leleu se joga no chão assustado)
LELEU
Danou-se! Botaram o exército todo pra me pegar.
INAURA
É não, homem. São os fogos.
LELEU
Fogos?
INAURA
(Indicando os fogos na direção da Igreja) Pro casamento! A noiva deve estar
entrando na igreja agora, só isso. Ave Maria, com você meu coração vive
disparando. Quando não é paixão é alvoroço.
LELEU (Olhando os fogos)
O meu é de paixão e de alvoroço.
INAURA
Você tem razão: querer bem e se aventurar. É assim que a vida merece ser vivida.
LELEU
É, mas mesmo pra um homem mulherengo assim que nem eu, tem uma hora que
o coração quer sossegar.
INAURA
É que a paixão está virando amor, meu bem. Eu sinto a mesma coisa por você.
LELEU
Mas eu estou falando é de outra coisa...
INAURA
(Com segundas intenções) Eu já sei que coisa é essa seu sem vergonha...
LELEU
Não é isso não, quer dizer... é isso também... mas é que o coração da gente só
sossega ao lado da metade que completa ele.
INAURA
E a sua metade se chama Lisbela.
LELEU
37
Estava difícil dizer. Ainda bem que você disse.
INAURA
Preferi dizer eu mesma, pra não morrer ouvindo da sua boca.
LELEU
A Dona Lisbela é até menos carnuda, menos mulherão que você, mas é nela que
eu estou enganchado.
INAURA
O que você tem para oferecer a ela? A mim você já desgraçou. Mas a ela não.
Está casando agora. Vai ser mãe, dona de casa, tem um futuro inteiro pela frente.
Fique comigo por amor a ela.
LELEU
Ninguém ama por tabela. Eu tenho que ir. Essas coisas não têm explicação.
INAURA
Então deixe eu ir também. Ela não vai nem ficar sabendo.
LELEU
E você acha que isso presta?
INAURA
E você acha que está prestando desse outro jeito? Você não vive sem ela, eu
também não vivo sem você.
LELEU
Posso não, Inaura. E mesmo que eu pudesse você ia terminar com raiva de mim.
E dizem que para cada mulher que odeia um homem, é um ano a menos que ele
vive. (Sai)
INAURA
Pois então você está já se acabando.
18
(Inicia-se a música)
“Sei que aí dentro ainda mora um pedacinho de mim
Um grande amor não se acaba assim
Feito espumas ao vento
18
Roteiro do filme. Globo, 2002.
38
Não é coisa de momento
Raiva passageira
Mania que dá e passa feito brincadeira
O amor deixa marcas que não dá pra apagar
Sei que errei e estou aqui pra te pedir perdão
Cabeça doida, coração na mão
Desejo pegando fogo...”
(Espumas ao vento, de Acioly Neto)
O filme prossegue com Inaura se maquiando e a música toma conta de
toda a cena, narrando os sentimentos de uma mulher que acaba de ser deixada
pelo homem desejado. Nesse mesmo momento é mostrado Leléu partindo para o
encontro de Lisbela.
Nos dois exemplos apresentados, conseguimos visualizar praticamente
todos os conceitos de uso da música como significação de emoção e sugestão
narrativa, segundo o conceito de Gorbman.
O princípio de continuidade conforme sugerido pela autora, da música
provendo continuidade rítmica e formal entre planos, em transições, entre cenas,
preenchendo lacunas, é um conceito aplicado quase na integra das obras
cinematográficas. Podendo ser considerada até mesmo um tanto quanto óbvio
dentro de nossos estudos.
Sendo assim, trabalharemos um breve exemplo da utilização desse recurso
em Lisbela e o Prisioneiro, como sugere a decupagem a seguir.
Informações
sobre a narrativa
Lisbela conversa com seu pai (Tenente Guedes), que lhe dá
conselhos sobre a vida de casado e tenta falar sobre sexo
com a filha.
Informações
técnicas
Cena interna.
Ambientação: casa de Lisbela.
Personagens: Tenente Guedes e Lisbela.
39
Tenente Guedes e sua filha tentam conversar sobre sexo
(plano médio); quando Lisbela questiona o pai sobre
obedecer ao marido ou não, o pai da moça fica encabulado
e abraça sua filha, dizendo para ela obedecer, mas só um
pouquinho. Inicia-se som de fanfarra e a cena é cortada e
alterada para uma externa que mostra o carro de Leléu
chegando à cidade.
Informações
sobre a trilha
musical
Inserção musical diegética.
Na cena analisada, a música diegética é utilizada com a função de
continuidade, pois se inicia o som de fanfarra enquanto a moça ainda conversa
com seu pai dentro de casa; corta-se a cena e parte a imagem para uma tomada
externa, na qual visualizamos a banda tocando na rua e o carro de Leléu
chegando à cidade. A música, nesse caso, é utilizada como elemento de fusão e
continuação entre uma cena e outra, podendo ser definida até mesmo como um
instrumento da montagem fílmica.
Com isso, demonstramos algumas formas de utilização dos ruídos e das
músicas no plano de expressão da obra fílmica de Lisbela e o Prisioneiro,
observando que os conceitos de sonorização nas produções audiovisuais são
nitidamente visíveis e aplicáveis dentro do nosso objeto de estudo. Porém, quando
falamos nos elementos do plano de expressão constituindo o discurso narrativo,
não podemos deixar de enfocar nossas atenções nos conteúdos da imagem,
sendo estes a base de toda obra cinematográfica, cujas análises iniciaremos a
seguir.
1.4 - OS RECURSOS VISUAIS NA CONSTRUÇÃO DO SENTIDO
Podemos dizer que a construção do sentido de uma obra cinematográfica
faz-se a partir de diversos elementos do plano de expressão e do discurso
40
narrativo, os quais se inter-relacionam em um ambiente propício e adequado para
sua efetivação.
Tais elementos conforme mencionados podem ser analisados por um
pesquisador isoladamente, assim como um fragmento, no qual o enfoque pode ser
direcionado nas músicas, no som, nos ruídos, na fotografia, na iluminação, e
assim por diante. Porém, cabe ressaltar que, para o público comum, esses
fragmentos não devem ser percebidos e absorvidos isoladamente, mas sim
tomados pela totalidade da cena.
Cada recurso audiovisual possui especificidade, identidade e
funcionalidades distintas, e essas características pertinentes a cada recurso
(quando utilizadas isoladamente) podem ser consideradas extremamente limitadas
se comparadas a sua utilização em conjunto com outros elementos, pois sua
beleza e riqueza na construção da expressão são potencializadas a partir do
momento em que ocorre a mescla entre imagem, som, palavra, iluminação, cor,
edição e montagem da peça.
A respeito disso, faz-se pertinente a colocação de Michel Chion em seu livro
Lê Son Au Ciéma, “É engano achar que o som é mais autônomo quando situado
fora do campo visual; pelo contrário, é a imagem que, a seu bel-prazer, lhe dá e
lhe retira todo o impacto. (CHION, Michel. La Mus ique au Cinema. 1982, p. 56)
Com isso, verificamos que cada recurso possui interdependência, sem que
um se sobressaia ao outro, mas sim, conforme já abordamos, que cada um
desses elementos participe de maneira homogênea na construção dos sentidos.
Embora a obra fílmica seja constituída por uma série de recursos, cabe
dizer que a imagem é a essência do cinema, pois é através dos códigos visuais
que se constitui toda a obra cinematográfica, bem como toda sua força de
persuasão, identificação e fidelização com público. Na imagem, o espectador se
41
projeta para um universo paralelo, encontrando o conforto, a emoção ou até
mesmo o estranhamento do que está sendo exibido, conforme relata Martin:
A imagem reproduz o real, para em seguida, em segundo grau e
eventualmente, afetar nossos sentimentos e, por fim, em terceiro
grau e sempre facultativamente, adquirir uma significação ideológica
e moral. Esse esquema corresponde ao papel da imagem tal como
definido por Eisenstein, para quem a imagem nos conduza ao
sentimento (ao movimento afetivo) e, deste, a idéia.
19
Da mesma forma que estudamos a utilização do som como elemento
discursivo nas produções audiovisuais, daremos enfoque aos diversos
procedimentos de manipulação da imagem, para que essa possa ser explorada e
corresponder com eficácia ao papel que lhe é atribuído.
Para isso, iniciaremos nossos estudos com foco nos recursos da imagem,
abordando inicialmente os conceitos da montagem cinematográfica, na qual
utilizaremos, como ponto de partida a proposta de Eisenstein:
O fragmento A, derivado dos elementos do tema em
desenvolvimento, e o fragmento B, derivado da mesma fonte, ao
serem justapostos fazem surgir a imagem na qual o conteúdo do
tema é personificado de forma mais clara.
Ou:
A representação A e a representação B devem ser selecionadas
entre os muitos possíveis aspectos do tema em desenvolvimento,
devem ser procuradas de modo que a justaposição isto é, a
justaposição destes precisos elementos e não de elementos
alternativos suscite na percepção e nos sentidos do espectador, a
mais completa imagem deste tema preciso.
20
19
MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. 1990, p. 28
20
Eisenstein, Sergei. O Sentido do Filme. 1990, p. 51
42
Seguindo proposta do autor, verificamos a importância no domínio dos
códigos compositivos de uma obra para a construção da imagem e sentido
pretendido, sendo que a construção destes, não se faz única e exclusivamente
através dos próprios códigos da imagem, mas sim, através de vários elementos
extraídos de campos diversos, que favorecem e enobrecem a construção do todo.
Dessa forma, podemos afirmar que técnica da montagem cinematográfica
acaba se tornando um dos grandes elementos na construção da imagem fílmica, e
conseqüentemente do plano de expressão, pois é através desse recurso que a
obra ganhará forma em seu conteúdo.
Em seu livro A Estética do Filme, Jacques Aumont também presta sua
colaboração na definição da montagem cinematográfica, na qual o autor propõe
que a montagem é o princípio que rege a organização de elementos fílmicos
visuais e sonoros, ou de agrupamentos de tais elementos, justapondo-os,
encadeando-os e/ou organizando sua duração.
21
Com isso, verificamos que Aumont revela sua preocupação em relacionar o
procedimento da montagem, relacionando-o dentro de uma organização lógica e
cronológica para desenvolvimento do conteúdo narrativo.
Diante dessas propostas, cabe abordarmos os estudos de Marcel Martin, o
qual nos revela que existem distinções entre uma montagem narrativa e uma
montagem expressiva.
Na montagem narrativa, o aspecto mais simples e imediato da
montagem consiste em reunir, numa seqüência lógica ou
cronológica e tendo em vista contar uma história, planos que
possuem individualmente um conteúdo fatual, e contribui assim para
que a ação progrida do ponto de vista dramático (o encadeamento
21
Op. Cit. 1995, p. 62
43
dos elementos da ação segundo uma relação de causalidade) e
psicológico (a compreensão do drama pelo espectador). Em
segundo lugar, temos a montagem expressiva, baseada em
justaposições de planos cujo objetivo é produzir um efeito direto e
preciso pelo choque de duas imagens; neste caso, a montagem
busca exprimir por si mesma um sentimento ou uma idéia; já não é
mais um meio, mas um fim: longe de ter como ideal apagar-se
diante da continuidade, facilitando ao máximo as ligações de um
plano a outro, procura, ao contrário, produzir constantemente efeitos
de ruptura no pensamento do espectador, fazê-lo saltar
intelectualmente para que seja mais viva nele a influência de uma
idéia expressa pelo diretor e traduzida pelo confronto dos planos.
22
Segundo Martin, a montagem narrativa tem como objetivo relatar uma ação
e o desenrolar de uma seqüência de acontecimentos. Apóia-se às vezes em
relações de plano a plano, mas envolve sobretudo as relações de cena a cena ou
de seqüência a seqüência, levando-nos a considerar o filme uma totalidade
significativa.
23
O autor define a montagem narrativa em quatro grupos, sendo eles: a
montagem linear, montagem invertida, montagem alterada e montagem paralela,
as quais são definidas da seguinte forma:
Montagem linear: é a organização do filme que comporta uma ação única,
exposta numa seqüência de cenas colocadas em ordem lógica e cronológica.
Montagem invertida: montagens que subvertem a ordem cronológica em proveito
de uma temporalidade subjetiva e eminentemente dramática, indo e voltando do
passado ao presente.
22
MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. 1990, p. 132
23
Op. Cit. p. 155.
44
Montagem alternada: montagem por paralelismo baseada na contemporaneidade
estrita de duas (ou várias) ações que se justapõem, as quais acabam na maioria
das vezes por se juntar no final do filme.
Montagem paralela: duas ou mais ações são abordadas ao mesmo tempo pela
intercalação de fragmentos pertencentes a cada uma delas, alternadamente, a fim
de fazer surgir uma significação de seu confronto. Aqui, a contemporaneidade das
ações não é mais absolutamente necessária, o que faz com que esse tipo de
montagem paralela seja o mais sutil e também o mais vigoroso.
De acordo com as definições de Martin, identificamos que a obra fílmica de
Lisbela e o Prisoneiro se enquadra mais adequadamente no conceito de
montagem paralela, pois toda a narrativa discorre em paralelismo com outra obra
cinematográfica, a qual se encontra inserida dentro do próprio filme. A inserção
dos fragmentos de um filme dentro de um outro filme (no qual ambos se
desenvolvem paralelamente nas principais cenas da obra) norteia praticamente
todas as realizações das ações, das funções dos personagens e,
respectivamente, dos programas narrativos existentes nesta produção.
Também observamos no filme que as ações de Leléu circulando pelos
rumos da vida e chegando a Vitória de Santo Antão, cidade que proporcionará o
encontro do personagem com seu objeto de desejo Lisbela, ocorre em
paralelismo ao programa narrativo de Frederico Evandro, o qual permanece sua
caçada incessante atrás de Leléu, para retomar a honra e se vingar da traição que
Leléu cometeu ao se relacionar com Inaura (esposa de Frederico na obra fílmica,
e irmã de Frederico Evandro na obra original-literária/teatral).
Dentro dessa visão, também poderíamos enquadrar o filme no conceito de
montagem alternada, pois as ações dos personagens e de seus respectivos
programas narrativos discorrem paralelamente e encontram-se ao final da história,
resultando assim o desfecho e resolução da obra. Porém, achamos melhor
45
empregar o conceito de montagem paralela, por notarmos que essa também
contempla as ações em simultaneidade, favorecendo ainda a inserção de
fragmentos sem a preocupação de contemporaneidade, nas quais entrariam tanto
os programas narrativos paralelos como a inserção de um filme dentro de outro
filme.
Ao darmos ênfase na montagem expressiva como sugerida pelo autor,
observamos que é nessa montagem que todo o sentido da obra se concretiza, no
qual os recursos de imagem utilizados constroem a relação de interação,
identificação, aproximação, distanciamento e as mais variadas sensações de
sentimentos capazes de serem produzidas através das imagens fílmicas. É nessa
definição de montagem que o espectador assimila os códigos, que passam a
representar estímulos específicos, condicionados à capacidade criadora das
câmeras e de seus diretores.
Outro ponto fundamental para abordamos em nossas análises é a utilização
dos planos, para construção dos sentidos, segundo Eisenstein:
O plano não é um elemento da montagem.
O plano é uma célula da montagem.
Exatamente como as células, em sua divisão, formam um fenômeno
de outra ordem, que é o organismo ou embrião, do mesmo modo no
outro lado da transição dialética de um plano há a montagem.
24
Cabe ressaltarmos que, na obra fílmica de Lisbela e o Prisioneiro, a
alternância dos planos é efetuada em ritmos frenéticos, chegando a ser até
mesmo sufocante em algumas cenas, pois a variação de planos gerais para
primeiros planos e primeiríssimos planos é digna de causar fadiga em
espectadores com os sentidos um pouco mais apurados.
24
EISENSTEIN, Sergei. A Forma do Filme. 1990, p. 42
46
Essa característica é nitidamente identificada pela influência profissional de
Guel Arraes em produções anteriormente realizadas para a TV, entre as quais
podemos citar sua atuação em programas como Armação Ilimitada, TV Pirata,
Dóris para Maiores e, mais recentemente, nas séries Cena Aberta, Sexo Frágil,
Brasil Total e o quadro “Retrato Falado” (exibido durante as apresentações do
Fantástico) da Rede Globo de Televisão. Em todas essas produções, o ritmo
acelerado acabou por se tornar uma assinatura do diretor.
É fato que a obra original de Lisbela e o Prisioneiro, escrita por Osman Lins,
também oferece ritmo um tanto quanto acelerado, mas bem menos intenso, se
comparada com a obra fílmica que analisamos.
Nas próximas páginas, analisaremos imagens que exemplificarão o ritmo
acelerado da obra, em uma seqüência do filme.
47
48
49
50
Partindo para o estudo das imagens conforme apresentadas, verificamos,
em primeiro lugar, a presença da montagem paralela (como já havíamos definido
anteriormente), e também podemos identificar o ritmo extremamente acelerado na
composição da seqüência. Para analisarmos o ritmo imposto pelo filme, bem como
os planos que o constituem, utilizaremos legendas da seguinte forma: GPG
Grande Plano Geral; PG Plano Geral; PM Plano Médio; PA Plano
Americano; MPP Meio Primeiro Plano; PP Primeiro Plano; PPP
Primeiríssimo Plano.
Sendo assim, segue tabela com as respectivas informações:
Imagem Tempo do
filme
(minutos)
Ambientação Som Plano Movimento
1
5:35 Ambiente externo:
feira de rua
Fala do
personagem e
ruídos do
ambiente
MPP Câmera
estática
2
5:41 Ambiente externo:
feira de rua
Fala do
personagem e
ruídos do
ambiente
PG Câmera
estática
3
5:42 Ambiente externo:
feira de rua
Fala do
personagem e
ruídos do
ambiente
MPP Câmera
estática
4
5:44 Ambiente externo:
feira de rua
Fala do
personagem e
ruídos do
ambiente
MPP Câmera
estática
5
5:45 Ambiente externo:
feira de rua
Fala do
personagem e
ruídos do
ambiente
PG Câmera
estática
6
5:52 Ambiente externo:
feira de rua
Fala do
personagem e
ruídos do
ambiente
PP Câmera
estática
7
5:54 Ambiente externo:
feira de rua
Fala do
personagem e
ruídos do
ambiente
MPP Câmera
estática
8
5:56 Ambiente externo:
feira de rua
Fala do
personagem e
PPP Câmera
estática
51
ruídos do
ambiente
9
5:59 Ambiente interno:
cena paralela
laboratório do Dr.
Steve
Efeito sonoro
(continuidade)
e início da fala
do
personagem
montagem
paralela
PP Zoom out
10
6:06 Ambiente interno:
cena paralela
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense) e
fala do
personagem
montagem
paralela
PPP Câmera
estática
11
6:10 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense) e
fala do
personagem
montagem
paralela
PPP Câmera
estática
12
6:12 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense) e
fala do
personagem
montagem
paralela
PPP Câmera
estática
13
6:13 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense) e
fala do
personagem
montagem
paralela
MPP Zoom in
14
6:21 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense) e
fala do
personagem
PP Câmera
estática
15
6:28 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense) e
PM Câmera
estática
52
fala do
personagem
16
6:29 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense),
ruído ambiente
e fala do
personagem
MPP Travelling
horizontal
17
6:33 Ambiente interno:
quarto
Música
significadora
de emoção
(suspense),
ruído ambiente
e fala da
personagem
PP Zoom out
18
6:34 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense)
PP Câmera
estática
19
6:35 Ambiente interno:
quarto
Música
significadora
de emoção
(suspense), e
fala da
personagem
PP Panorâmica
horizontal
20
6:38 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense), e
ruídos
MPP Câmera
estática
21
6:40 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense)
PP Câmera
estática
22
6:41 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense)
PG Câmera
estática
23
6:42 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense)
PP Câmera
estática
24
6:43 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense)
PG Panorâmica
horizontal
25
6:44 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
MPP Câmera
estática
53
(suspense)
26
6:46 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense) e
grito da
personagem
PP Câmera
estática
27
6:47 Ambiente interno:
sala de cinema
Música
significadora
de emoção
(suspense) e
grito da
personagem
PP Câmera
estática
28
6:48 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense) e
grito da
personagem
MPP Câmera
estática
29
6:49 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense) e
grito da
personagem
MPP Câmera
estática
30
6:50 Ambiente interno:
laboratório do Dr.
Steve
Música
significadora
de emoção
(suspense) e
grito da
personagem
MPP Travelling in
Verificamos que, no tempo de um minuto e vinte e cinco segundos, alterna-
se a cena em trinta planos, o que demonstra o ritmo extremamente rápido do
filme, se comparado à grande maioria das produções cinematográficas. É fato que
devemos levar em consideração que a seqüência escolhida trata-se de uma cena
de suspense, e constituída de intercalação entre narrativa principal e paralela, o
que pode requerer certa intensificação na aceleração do filme, mas que não
justifica tamanha alternância.
Em filmes de guerra como O Resgate do Soldado Ryan, dirigido por Steven
Spielberg, nas cenas que retratam o “Dia D”, quando os soldados desembarcam
54
na Normandia sob intenso fogo cruzado, a variação de planos fica por volta de um
plano a cada cinco segundos, ou seja, bem menos intensa que a proporção de um
plano para cada três segundos, se comparada com a cena analisada de Lisbela e
o Prisioneiro.
Ao enfocarmos nossos estudos nos enquadramentos que constituem a obra
fílmica, podemos mencionar que a prática do enquadramento com referencial
simbólico é sutilmente utilizada em Lisbela e o Prisioneiro. Identificamos que a
simbologia explorada através desse recurso fica por conta dos constantes
enquadramentos de grades e ambientes fechados nas cenas que possuem
Lisbela em foco: a utilização desse recurso possui o objetivo claro de mostrar as
limitações e barreiras impostas pelo pai e namorado da moça de família.
Outro recurso técnico e simbólico do enquadramento utilizado durante o
filme, fica por conta das cenas em que aparece o Tenente Guedes se impondo
sobre as pessoas através de seu poder de polícia, ou nas cenas em que o
matador Frederico Evandro é apresentado ao público. A utilização dos recursos de
plongée e contra-plongée, nesses momentos, são explorados conforme nos
sugerem as imagens extraídas do filme:
Imposição de Tenente Guedes Imposição de Frederico Evandro
55
Nas cenas da narrativa paralela à de Lisbela e o Prisioneiro, ou seja, do
filme dentro do filme, tais situações de enquadramento também são exploradas:
aparecem o mocinho e o bandido, alternando-se em enquadramento de plongée e
contra-plongée, dependendo da situação retratada.
Mocinho sofrendo imposição Imposição do vilão
Enfocando nossos estudos nos elementos considerados por Martin como
elementos não específicos do filme, sendo eles: iluminação, vestuário, cenário e
cor, observamos que as características de iluminação pertinentes de serem
analisadas dizem respeito mais diretamente ao personagem Frederico Evandro, o
qual é apresentado para os espectadores em ambiente geralmente escuro e
regado ao som de heavy metal (trilha sonora de acompanhamento das cenas
composta por Zé Ramalho e Sepultura), o que estimula a percepção do público
sobre às características do personagem.
Quanto ao figurino de Lisbela e o Prisioneiro, identificamos que ele é uma
unidade expressiva bem representada na obra, pois se configura como um dos
elementos não específicos mais bem definidos no filme, caracterizando e
representando os personagens de maneira eficiente. O vestuário empregado na
obra acaba reforçando o perfil dos personagens e figurativizando o estilo e gênero
do fílmico.
56
Segundo Martin, o figurino no cinema pode ser definido de três formas,
sendo elas:
1 Realistas: ou seja, de acordo com a realidade histórica, pelo
menos nos filmes em que o figurinista se reporta a documentos de
época e demonstra a preocupação de exatidão ante as exigências
indumentárias dos artistas.
2 Para-realistas: o figurinista inspira-se na moda da época, mas
procedendo a uma estilização. A preocupação com o estilo e a
beleza prevalece sobre a exatidão pura e simples.
3 Simbólicos: a exatidão histórica não importa, e o vestuário tem
antes de tudo a missão de traduzir simbolicamente caracteres, tipos
sociais ou estados de alma.
25
Verificamos, então, que o figurino explorado no filme se encaixa
perfeitamente na definição de figurino simbólico, pois toda a vestimenta é
idealizada com a preocupação de construir estereótipos, capazes de enfatizar
características psicológicas e artísticas dos personagem em questão, como
seguem nas imagens.
Leléu (mulherengo e canastrão) Lisbela (ingênua e sonhadora)
25
MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. 1990, p. 63
57
Frederico Evandro (temido matador) Ten. Guedes e Citonho (autoridade)
Douglas (playboy) Inaura (sensual e sedutora)
Outro ponto significativo em nosso objeto de estudo é o cenário constituinte
da obra, pois verificamos que neste elemento fílmico a caracterização do Nordeste
brasileiro é enaltecida através de um cenário produzido e sobrecarregada de cores
quentes, capazes de reforçar as características típicas das periferias nordestinas.
Se utilizarmos as definições de Martin em seu livro A Linguagem
Cinematográfica, veremos que o cenário pode ser representado das seguintes
formas:
1 Realista: é a de Renoir e da maior parte dos diretores italianos,
soviéticos e americanos, por exemplo. Nessa perspectiva, o cenário
não tem outra implicação além de sua própria materialidade, não
significa senão aquilo que é.
58
2 Impressionista: o cenário é escolhido em função da dominante
psicologia da ação, condiciona e reflete ao mesmo tempo o drama
dos personagens; é a paisagem estado de alma para os românticos.
3 Expressionista: enquanto o cenário impressionista é em geral
natural, o expressionista é quase sempre criado artificialmente,
tendo em vista sugerir uma impressão plástica que coincida com a
dominante psicológica da ação.
26
Verificaremos que, no cenário de Lisbela e o Prisioneiro, mesclam-se os
conceitos de impressionismo e expressionismo, pois, por mais que as cenas
discorram em ambientes naturais e que reflitam os dramas dos personagens com
suas respectivas funções psicológicas, observamos uma maciça preocupação na
produção do filme em construir e tornar o ambiente mais propício para o
desenvolvimento do discurso.
A acentuação das cores presentes nos figurinos, carros e cenários do filme
acaba forçando um universo simbólico extremamente manipulado do Nordeste
brasileiro, no qual podemos identificar que, em praticamente todas as cenas, a
saturação das cores, principalmente primárias, acaba se tornando uma constante
é praticamente um super-estímulo cromático.
Outro ponto importante de relacionarmos quanto à utilização das cores é
que as cenas de Lisbela e o Prisioneiro e as do filme dentro do filme são bem
delimitadas pela relação de contraste existente entre as duas narrativas paralelas,
pois uma faz uso incessante das cores, e a outra trabalha na íntegra com imagens
em preto-e-branco, mostrando exatamente o distanciamento entre as duas
narrativas.
A utilização das cores, conforme mencionado, pode ser claramente
observada em todas as imagens anteriormente exploradas em nosso trabalho,
dispensando-se a inserção de novas fotografias com finalidades ilustrativas.
26
Op. Cit. p. 65
59
1.5 - O CINEMA FALADO DE GUEL ARRAES
Na obra fílmica, conforme já mencionamos em nossas abordagens
anteriores, principalmente referentes às montagens e aos planos que constituem o
filme, identificamos a característica do diretor Guel Arraes em se apropriar de
recursos televisivos na sua atuação.
Verificamos que os ritmos impostos nos planos e na montagem
cinematográfica retomam e muito os padrões da telenovela brasileira, e tais
características podem ser observadas nos diálogos presentes no filme, em que as
falas e os diálogos também seguem um ritmo extremamente acelerado.
Em entrevista concedida à revista Época, o diretor Guel Arraes fala sobre o
filme Lisbela e o Prisioneiro, e sua relação com a TV e o cinema:
Época: Lisbela é sua estréia em cinema ou uma continuação de
Auto da Compadecida e Caramuru?
Guel Arraes: Em produção, é sim, trabalhei com dois milhões e sete
meses a mais, com mais tempo para elaborar o material. Tive
profissionais trabalhando com mais tranqüilidade. A trilha sonora,
por exemplo. Algumas compostas para meu trabalho na televisão
foram feitas em cima da hora. Mas nas opções técnicas, na direção,
não vejo diferença. Faria igual se fosse para a televisão, a diferença
é mais de estrutura e menos de estética.
Época: Não acha que cinema e televisão, cada vez mais, estão
próximos em suas linguagens?
Guel Arraes: Na prática essa diferença não existe. Isso é teoria.
27
Se utilizarmos o conceito de Martin:
27
Revista Época, 18 de agosto de 2003.
60
O maior perigo que correm os diretores no que diz respeito ao
diálogo é o de fazer prevalecer a explicação verbal sobre a
expressão visual: estou querendo dizer que todo enredo puramente
verbal deveria se reduzir ao mínimo em cinema, já que a imagem é
capaz de mostrar os acontecimentos, mas sobretudo que, através
dos meios à sua disposição (a metáfora e o símbolo em particular,
mas também os movimentos de câmera, os ângulos de filmagem, os
enquadramentos, os ruídos), o filme pode significar sem ter que
dizer, ou seja, pode transpor o sentido da linguagem verbal para o
da expressão plástica.
28
Vemos com isso que a superficialidade dos elementos técnicos
empregados em Lisbela e o Prisioneiro resulta inevitavelmente nas características
descritas por Martin, pois a fala, que deveria ser um elemento complementar às
imagens, acaba se apropriando de discursos explicativos, suprindo uma ausência
do aproveitamento dos recursos imagéticos na produção, ou seja, o diálogo passa
a representar, em grande parte do filme, um elemento em primeiro plano.
Martin ainda nos fornece algumas especificações de diálogos, sendo elas:
Diálogos teatrais: aqueles escritos como se fossem para o teatro e
feitos para serem ditos diante da câmera como diante do poço da
orquestra.
Diálogos literários: a elipse, a alusão, o meio-tom e o silêncio fazem-
se aqui presentes.
Diálogos realistas: isto é, cotidianos, mais falados do que escritos, e
traduzindo uma preocupação de se exprimir da forma usual, com
naturalidade, simplicidade e clareza.
29
Seguindo essa proposta, Lisbela e o Prisioneiro se enquadraria mais
adequadamente no conceito de diálogo teatral, não pelo motivo de o filme ser
28
MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. 1990, p. 177
29
Id. Ibidem p. 181
61
adaptado do roteiro literário/teatral de Osman Lins, mas pelo fato de
incessantemente priorizar a fala no decorrer da obra.
No caso da obra fílmica, trabalhar com as características do diálogo
conforme abordadas em nossa análise, seríamos obrigados a concordar com
Eisenstein, Pudovkin e Alexandrov, no manifesto de 1928, no qual os autores se
mostravam preocupados com a utilização do som seguindo a lei do menor esforço,
ou pela invasão do cinema pelos dramas da literatura e outras tentativas de
teatralização na tela, pois, antes de tudo, a obra cinematográfica deve preservar
suas características técnicas, linguagem e autonomia fílmica.
62
2 - METALINGUAGEM
2.1 - A FÔRMA DO FILME
Na obra fílmica de Lisbela e o Prisioneiro, podemos identificar uma maciça
existência de elementos metalingüísticos agindo na constituição do filme, ou seja,
de artifícios utilizados pelo diretor Guel Arraes e sua equipe, com a intenção de
mostrar ao espectador a própria teoria do cinema e a arte da produção
cinematográfica. Cabe, nesse momento, definirmos o que estamos chamando
neste estudo por recurso metalingüístico e, para isso, utilizaremos a definição
sugerida por Joan Ferres:
Fala-se de função metalingüística quando, no ato comunicativo, o
interesse centra-se no próprio código. Quer dizer, quando se utiliza
um código para fazer um discurso sobre o próprio código. No caso
do vídeo, fala-se de função metalingüística quando se utiliza a
imagem em movimento para fazer um discurso a respeito da
linguagem audiovisual ou, simplesmente, para facilitar a
aprendizagem dessa forma de expressão.
30
Enfocando nosso estudo em Lisbela e o Prisioneiro, identificamos que o
roteiro da obra cinematográfica foi escrito por Guel Arraes, Jorge Furtado e Pedro
Cardoso, os quais podemos classificar como produtores que utilizam
30
FERRÉS, Joan. Funções do Vídeo no Ensino. 1996, p. 59
63
incessantemente os elementos metalingüísticos em seus projetos. Ao citarmos
Jorge Furtado, podemos verificar que, em seus curtas Ilhas das Flores, 1989; O
Sanduíche, 2000; e no longa O Homem que Copiava (2002), os recursos
metalingüísticos apresentam-se de forma diversificada e amplamente explorados.
A mesma situação se repete com Pedro Cardoso, que, atuando em parceria
com Guel Arraes e Jorge Furtado, ajudou a produzir respectivamente Lisbela e o
Prisioneiro e O Homem que Copiava, ambos incorporando tais recursos.
Com Guel Arraes, a utilização de códigos capazes de explorar e explicar a
própria estrutura audiovisual origina-se por outros meios e influências,
principalmente quando relacionados ao percurso profissional do diretor. Guel
Arraes aprendeu sua profissão na Escola do Cinema-Verité, ou seja, um braço
documental da Nouvelle Vague francesa, e trabalhou por um curto período como
assistente de Jean-Luc Godard, o qual podemos considerar como um dos maiores
influenciadores da prática metalingüística no cinema.
O cinema da era Godard transformou-se no auge de uma
metalinguagem crítica, que questionava e, por vezes, celebrava, o
cinema clássico. Esse cinema consagrou o emprego de
procedimentos metalingüísticos e acabou por se unir a uma
considerável produção teórica sobre a linguagem cinematográfica
com vigorosos debates, revistas especializadas, etc. A reflexividade
dominou os cinemas novos.
31
Em entrevista concedida à revista IstoÉ Gente no ano 2000, o diretor de
Lisbela e o Prisioneiro assume a influência de Godard em sua forma de atuar,
dizendo que essa influência se faz mais presente pela influência artística dos
filmes do que propriamente pelo fato de ter atuado com o diretor francês.
32
31
SOUZA, Christiane Pereira. A Construção em Abismo como Construção Crítica em 8 ½ de
Fellini. 2003, p. 41
32
Entrevista concedida à revista IstoÉ Gente no ano 2000, edição 59.
64
Sendo assim, e considerando as influências do diretor e dos roteiristas de
nosso objeto de estudo, podemos dizer que o resultado do filme não poderia ser
diferente, ou seja, a incorporação de elementos metalingüísticos na constituição
da obra.
2.2 - DECUPAGEM E METALINGUAGEM NA OBRA FÍLMICA
Para realizarmos nossas análises e organizá-las de maneira coerente,
faremos neste momento uma decupagem das cenas que possuam
representatividade para os estudos da metalinguagem, expondo de maneira clara
e objetiva as formas como tais elementos agem na construção da obra.
Logo nas primeiras cenas do filme, a protagonista Lisbela entra em uma
sala de cinema acompanhada de seu noivo Douglas. Toda a situação de estar
naquele ambiente passa a ser narrada pela personagem, que aborda desde a
melhor posição para assistir a um filme até mesmo a sensação de vivenciar as
projeções em tela.
Nesse momento, a personagem começa a descrever o gênero do filme a
que ela e seu acompanhante irão assistir. Iniciam-se os créditos na tela do cinema
em que Lisbela se encontra e, conseqüentemente, do filme em que ela mesma é
personagem. A moça narra as características dos personagens que serão
apresentados no decorrer da obra, dizendo até mesmo a ordem e seqüência em
que os capítulos acontecerão.
Todas as características da narrativa são destacadas pela personagem,
podendo ser identificadas até mesmo as funções dos personagens do filme,
conforme observaremos no trecho extraído do roteiro cinematográfico:
65
DOUGLAS
Que tipo de filme é esse?
LISBELA
Comédia romântica com aventura. Tem um mocinho namorador que nunca se
apaixonou por ninguém até conhecer a mocinha. Tem uma mocinha que sofre
bem muito porque o amor do mocinho é cheio de problemas. Tem um bandido que
só quer saber de matar o mocinho ou de ficar com a mocinha ou as duas coisas.
Tem também mais uma ruma de personagens, uma mulher que também quer o
mocinho mas ele não quer nada com ela, tem uns que ficam fazendo graça para
animar a história. O mocinho quer conquistar a mocinha mas também tem que
fazer o trabalho dele, que é salvar alguém e prender o bandido. As duas coisas se
misturam, o trabalho do mocinho e o amor da mocinha. No fim de tudo o mocinho
e a mocinha ficam juntos e o bandido se lasca.
DOUGLAS
Você já viu?
LISBELA
Não, mas todos são assim.
DOUGLAS
Qual é a graça?
LISBELA
A graça não é saber o que acontece. É saber como acontece. E quando acontece.
(As luzes diminuem)
LISBELA
Shh. Vai começar. Eu adoro esta parte. A luz vai apagando devagarzinho, o
mundo lá fora vai se apagando devagarzinho, os olhos da gente vão se abrindo.
Daqui a pouco a gente nem vai mais lembrar que está aqui. A gente vai conhecer
um monte de pessoas novas, um monte de problemas que a gente não pode
resolver, só eles podem. Vamos ver como. E quando. Vai começar.
A cena estudada é riquíssima no que tange à utilização da metalinguagem,
pois verificamos que os códigos audiovisuais são explorados com a função de
66
gerar reflexão sobre a teoria narrativa e sobre as próprias características do
cinema. Na apresentação dos personagens, já conseguimos identificar inclusive o
sujeito, anti-sujeito, ajudantes, oponentes e objeto valor da trama, os quais
estudaremos de maneira mais incisiva em nosso próximo capítulo.
Ao analisarmos a fala de Lisbela: “O mundo lá fora vai se apagando
devagarzinho, os olhos da gente vão se abrindo. Daqui a pouco a gente nem vai
mais lembrar que está aqui”, identificamos que a personagem está retratando
exatamente uma das principais características do cinema: a de introduzir o
indivíduo em um mundo ficcional através de elementos de verossimilhança, ou da
característica polimórfica conforme menciona Morin em seu livro O Cinema ou o
Homem Imaginário:
A participação polimórfica ultrapassa o quadro das personagens.
Todas as técnicas cinematográficas concorrem para mergulhar o
espectador, tanto na atmosfera, quanto na ação do filme. A
transformação do tempo e do espaço, os movimentos da câmera, as
incessantes mudanças de ângulo de visão tendem a arrastar os
próprios objetos para o circuito afetivo.
33
Sendo assim, identificamos que a abordagem de Morin, na qual o cinema
gera uma situação de projeção / identificação com o espectador, introduzindo-o
em um universo fílmico, está totalmente relacionada com a sensação narrada por
Lisbela. O ato de ir ao cinema, sentar numa sala escura, estar cercado por um
silêncio muitas vezes interrompido por ruídos, músicas, sussurros, luzes e
projeções de imagens em movimento incidem sobre os espectadores introduzindo-
os em um mundo “real” que se abre diante de seus olhos.
Quando Lisbela diz que “a graça não é saber o que acontece. Mas é saber
como acontece. E quando acontece”, o diretor Guel Arraes está jogando com a
rigidez das narrativas constantemente exploradas na produção cinematográfica,
33
MORIN, Edgar. O Cinema ou o Homem Imaginário. 1982, p. 182
67
ou seja, os padrões existentes entre os diversos gêneros fílmicos. Segundo a
autora Ana Maria Balogh:
Por maiores que possam ser as objeções no tocante à classificação
por gêneros, ao caráter restritivo e estático dessas tipologias, não
resta dúvida de que constitui um instrumento útil para delimitar o
alcance de processos de recepção e agilizar o reconhecimento e a
leitura de marcas estruturais próprias de cada gênero.
34
Vemos com isso que, embora os padrões existam, a maneira como se
desenvolve o conteúdo da obra é que torna a prática e recepção das produções
cinematográficas atraentes, ou seja, o interessante não é expor o que acontece,
mas sim como e quando acontece.
Ainda na primeira cena do filme, observamos que Lisbela nos apresenta
uma espécie de sinopse do que será exibido, mencionando inclusive que o
conteúdo se trata de uma comédia romântica com aventura. Ao dar continuidade à
sua fala, a personagem nos fornece o gênero da obra, ou seja, uma narrativa pela
conquista do amor, que é sobrecarregado de problemas e impedimentos,
configurando dessa maneira o padrão melodramático, conforme nos sugere
Balogh:
Segundo Thornburn, as características básicas do gênero
permanecem, muda o entendimento de atributos antes
menosprezados. Para ele, o melodrama implica uma fantasia
reconfortante manifesta nos finais felizes ou moralísticos, redutivos
e/ou arbitrários, mas que correspondem ao nosso desejo de fugir do
real. Essa estrutura pressupõe simplificações morais como a
inserção de crimes e criminosos dentro de paradigmas de conflito
moral, conforme alegorias do bem e do mal e nas quais o bem
quase sempre vence.
34
BALOGH, Anna Maria. O Discurso Ficcional na TV. 2001, p. 90
68
Na análise de Oróz, os quatro temas paradigmáticos do melodrama
viriam dos mitos da cultura judaico-cristã: o amor, a paixão, o
incesto e a mulher (1992:29). No tocante ao tema do amor, a autora
distingue o amor do homem pela mulher (1992:50), cujo objetivo
principal é o casamento, do amor-sacrifício, presente sobretudo no
laços filiais e fraternos e que visa propiciar a ascensão social do
ente querido.
35
A análise de Balogh retomando os autores citados no texto define de forma
extremamente pertinente o gênero narrativo de nosso objeto de estudo, no qual
observamos que a fala de Lisbela, na primeira cena do filme, refere-se quase na
íntegra à definição do melodrama, conforme sugerido pela autora.
Em outro exemplo representativo da utilização do conceito metalingüístico,
observamos a personagem Lisbela narrando a utilização da linguagem técnica do
enquadramento e dos planos que constituem a obra fílmica, conforme
apresentaremos abaixo:
Cena 19
Trechinho do seriado, bandido fazendo maldade. Comentário de Lisbela fazendo
ligação para a próxima cena.
LISBELA
Bandido eles sempre mostram de pertinho que é pra gente se assustar com
aquele carão espevitado na tela.
Viu só!
Bandido que é bandido mesmo, fala como se fosse o mocinho, bem educado,
calmo.
Já o mocinho, xinga o tempo todo.
35
BALOGH, Op. Cit. p. 168-169
69
Nesse exemplo, identificamos que as peculiaridades dos enquadramentos,
dos planos e até mesmo dos personagens estereotipados acabam sendo
exploradas nas descrições da personagem. A citação de que o bandido sempre é
mostrado de perto, segundo a fala de Lisbela, é uma leitura técnica da utilização
do primeiríssimo plano, cujas propriedades se tornam eficazes na demonstração
da expressão e dos sentimentos do personagem.
A técnica da trucagem cinematográfica (embora a nomenclatura “trucagem”
não seja bem aceita por alguns autores, por julgarem que o termo tenha caído em
desuso, principalmente pelas classificações atuais de efeitos especiais) também
ganhou destaque no filme, pois observamos, em uma das cenas, que o efeito de
fusão entre imagens, ou seja, a fusão da imagem de uma mulher que se
transforma em macaco é desmistificada com a apresentação dos aparatos
técnicos capazes de reproduzir o efeito.
Vejamos a cena descrita, de acordo com o roteiro do filme:
Cena 31 Interior da barraca
Começa o número. Foco de luz na mulher.
LELEU (OFF)
Senhoras e Senhores, eu peço aos que sofrem do coração que se retirem do
recinto. A cena que vamos assistir agora pode abalar o sistema nervoso das
pessoas mais sensíveis.
(Música, ruídos de selva e transformação da mulher em gorila. Este urra, quebra
as grades e parte pra cima do povo que sai correndo. O gorila pega Lisbela,
Douglas tenta voltar mas ao dar de cara com a fera sai em disparada. Lisbela olha
o gorila, alisa seu rosto carinhosamente em planos semelhantes e montados em
paralelos com os do seriado “Metamorfoses da Alma” onde a Mocinha está frente
70
ao Steve-Monstro. Até que a mocinha dá o antídoto pra o Dr. Steve e corta para
Lisbela arrancando a máscara do gorila e vendo Leleu)
LISBELA
Eu sabia que era truque!
LELEU
E a melhor parte foi sumir com todo mundo.
LISBELA
E como é que faz a transformação?
LELEU (Vai demonstrando a transformação, fazendo Lisbela virar gorila, conforme
vai explicando)
Eu vou lhe mostrar. Fique desse lado que está iluminado que eu fico aqui no
escuro de forma que primeiro só se vê a senhora. Conforme eu vou apagando a
luz do seu lado eu vou aumentando a luz no macaco e um jogo de espelhos vai
projetando minha imagem por cima da sua de maneira que parece que a senhora
está se transformando em gorila.
O termo trucagem adquiriu no passado uma conotação negativa, pois o
emprego de tais recursos como utilização de manequins para substituição de
personagens, alçapões colocados no meio de um caminho para fazer com que um
personagem desaparecesse subitamente, ou cordas amarradas nas costas para
simulações de vôos ficaram caracterizadas, ao longo do tempo, como recursos
técnicos intencionalmente utilizados para “enganar” o público, enquanto os efeitos
especiais tornaram-se uma ferramenta capaz de proporcionar o “quase
impossível”.
Os efeitos especiais podem ser considerados atualmente, e sem sombra de
dúvida, como a vedete da indústria cinematográfica comercial, recebendo
enormes investimentos para o desenvolvimento de softwares e equipamentos
capazes de produzi-los. O cinema virou uma verdadeira vitrine tecnológica para o
mundo das produções audiovisuais.
71
Com essa abordagem, verificamos que a metalinguagem do recurso
aplicado em Lisbela e o Prisioneiro é, em sua mais pura essência, a da trucagem
cinematográfica, pois fica bem clara a intenção do diretor em reproduzir o truque
de forma bem rudimentar, e com o objetivo único e exclusivo de explicitar o
recurso utilizado para iludir o espectador, o que o diferencia da classificação de
efeitos especiais.
Outro ponto importante de analisarmos é a maneira um tanto quanto irônica
como Guel Arraes aborda o seu próprio filme, pois grande parte das seqüências
que compõem a obra é antecipada por Lisbela, fazendo com que o espectador
receba a informação do que acontecerá antes mesmo delas serem exibidas. Logo
na primeira cena, Lisbela nos fornece todo o percurso narrativo da obra, dizendo
até mesmo qual será a resolução do filme. Em uma outra seqüência, a
personagem nos revela previamente o encontro entre sujeito e objeto, conforme
nos mostra o roteiro do filme:
Cena 26 - Sala de cinema
Luz do cinema acende, Lisbela e Douglas vão saindo. Lisbela mais uma vez
imagina como o herói se sairá dessa.
LISBELA
Amanhã vai começar a melhor parte, quando o mocinho encontra a mocinha.
DOUGLAS (Sorrindo)
Como é que você sabe?
LISBELA
Por que já mostrou o mocinho, já mostrou a mocinha, chegou a hora de mostrar os
dois juntos.
Outro ponto importante de abordarmos é o fato de a personagem Lisbela
agir como se fosse a voz do diretor durante o filme, incorporando e explicitando as
72
formas de construção da obra, seguindo as intenções de Guel Arraes, ou seja, ela
funciona como uma espécie de narrador personagem (intradiegético) da obra. A
personagem narra os acontecimentos que acontecerão em um futuro próximo, e
participa deles ao mesmo tempo em que vão acontecendo.
Segundo Martin Eikmeier, citando As Categorias da Narrativa de Todorov, o
narrador e seus personagens podem assumir primordialmente os seguintes níveis:
Narrador > Personagem (a visão “por trás”) O narrador sabe
sempre mais que seus personagens e não se preocupa em revelar
como adquiriu este conhecimento: vê através dos muros da casa
tanto quanto através do crânio de seu herói. Evidentemente, esta
forma apresenta diferentes graus. A superioridade do narrador
pode-se manifestar seja em um conhecimento dos desejos secretos
de alguém (que este alguém ele próprio ignora), seja no
conhecimento simultâneo dos pensamentos de muitos personagens
(do que nenhum deles é capaz), seja simplesmente na narração dos
acontecimentos que não são percebidos por um único personagem.
Narrador = Personagem (a visão “com”) Neste caso o narrador
sabe tanto quanto os personagens, não pode fornecer uma
explicação dos acontecimentos antes de os personagens a terem
encontrado. Aqui também se podem estabelecer muitas distinções.
Narrador < Personagem (a visão “de fora”) Neste caso o narrador
sabe menos que qualquer dos personagens. Pode-nos descrever
unicamente o que se vê, ouve, etc., mas não tem acesso a
nenhuma consciência”.
36
Partindo dessa proposta, identificamos que Lisbela se enquadra
perfeitamente no modelo de Narrador > Personagem (a visão “por trás”), pois a
personagem não narra somente os acontecimentos que estão por vir, mas
36
EIKMEIER, Martin. Trilha Sonora. A Música como Elemento de Sintaxe do Discurso Narrativo no Cinema Estudo de
Caso: “Amadeus”. Dissertação (Mestrado em Multimeios) - Universidade Estadual de Campinas, 2004, p. 59.
73
também ela possui a propriedade de antecipar as falas e penetrar na mente dos
personagens, como nos sugere o roteiro da obra fílmica:
Cena 57 Sala de cinema
Leleu pára na contraluz da porta.
LISBELA
(Feliz) Dessa vez ainda dá pra pegar o filme.
LELEU
(Vem caminhando e entrando na luz) Lisbela, eu...
LISBELA
Já sei: você veio dizer que vai embora.
LELEU
Quem lhe disse?
LISBELA
É igualzinho no cinema: a mocinha está ansiosa esperando o mocinho e
finalmente eles se encontram. Ele vem se aproximando e ela acha que é para dar
um beijo, aí ela vê que o rosto dele está preocupado demais pra isso.
Ela é bestinha coitada, e ainda tenta dizer que o ama, mas o mocinho vai puxando
a conversa pro outro lado, que é sinal de que ele já ensaiou alguma coisa pra
dizer e que nem está ouvindo o que ela diz.
Mas nem precisa dizer mais nada, que todo mundo já entendeu que a mocinha vai
ser largada.
LELEU
Olha Lisbela...
LISBELA
Ah, é, tem também essa parte: ele vai dizendo que não é por querer, que ele é
obrigado a cuidar da mãe doente ou tem que partir pra guerra ou algum motivo de
força maior que eu prefiro nem saber. Porque ou é mentira ou eu vou ficar
gostando mais ainda de você.
74
Verificamos, com isso, que tanto o que tange à estrutura narrativa como às
características técnicas da produção cinematográfica receberam atenção especial
do diretor e de sua equipe com a finalidade de explicitar as diversas formas de
manipulação, e os diversos recursos técnicos que podem ser utilizados para
realização da obra. Através de elementos metalingüísticos, Guel Arraes torna
claras as suas intenções e fornece autonomia para a personagem Lisbela explorar
o universo audiovisual.
Devemos nos ater ao fato de que a obra em questão trata-se de uma
adaptação do título original de Osman Lins, porém os estudos realizados até o
presente momento desta dissertação (capítulo 1 e capítulo 2) são referentes ao
conteúdo da obra adaptada e direcionada ao cinema, pois os elementos sonoros,
imagéticos e metalingüísticos, conforme analisados, são pertinentes à obra fílmica,
não tendo qualquer aplicabilidade à obra original.
75
3 - TRANSMUTAÇÃO: DO
VERBAL AO AUDIOVISUAL
3.1 - TRANSMUTAÇÃO TEXTUAL
Neste momento, ingressaremos nossas análises voltadas à maneira como
cada suporte contribui para a efetivação do conteúdo cinematográfico e às
propriedades inerentes a cada formato, ou seja, enfocaremos nossos estudos no
processo de adaptação da obra literária/tetral, para a obra fílmica de Lisbela e o
Prisioneiro, enfatizando os pontos conjuntivos e disjuntivos existentes no processo
de transmutação da obra.
Ao analisarmos o processo de adaptação de obras que apresentem
diferentes métodos de realização e produção, devemos nos ater primeiramente à
peculiaridade de cada meio utilizado, bem como às características inerentes às
propriedades de cada suporte. Para estudarmos o processo de transposições dos
conteúdos, devemos definir, de maneira breve, o que será chamado nas páginas
subseqüentes de texto transmutado.
Seguindo a proposta teórica de Jakobson para uma tipologia básica das
traduções:
76
1 - A tradução intralingual ou reformulação (rewording) consiste na
interpretação dos signos verbais por meio de outros signos da
mesma língua.
2 - A tradução interlingual ou tradução propriamente dita consiste na
interpretação dos signos verbais por meio de alguma outra língua.
3 - A tradução intersemiótica ou transmutação consiste na
interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos
não-verbais.
37
A definição de texto transmutado, conforme proposta de Jakobson, será o
termo utilizado para definirmos em nossas análises a adaptação do texto
literário/teatral de Osman Lins para o filme dirigido por Guel Arraes, ou seja, a
reorganização dos signos verbais para os signos não-verbais.
A transposição dessas duas formas de textos já se tornou um dos métodos
mais consagrados nas produções midiáticas mundiais, entre as quais podemos
encontrar grandes títulos literários e suas respectivas versões cinematográficas,
demonstrando a potencialidade desse tipo de procedimento que vem recebendo
cada vez mais atenção e investimento por parte da indústria do cinema,
possibilitando o acesso das grandes massas, inclusive a títulos anteriormente
pouco visitados.
Podemos citar nas produções brasileiras e nos mais diversos períodos
algumas adaptações de sucesso, como: Vidas Secas, de Graciliano Ramos e
adaptado por Nelson Pereira dos Santos no ano de 1963; Macunaíma, escrito por
Mario de Andrade em 1928 e que recebeu adaptação para o cinema em 1969;
Olga, adaptado do livro-reportagem do jornalista Fernando Morais, de 1985, e que
teve sua versão voltada aos cinemas recentemente, no ano de 2004.
Direcionando o foco das adaptações agora para produções estrangeiras,
também podemos citar alguns títulos de sucesso e que seguem o mesmo
37
JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. 1969, p. 64-65
77
procedimento, como The Androids Dream of Electric Sheep?, do americano Phillip
K. Dick, e que ficou mais conhecido em sua versão fílmica como Blade Runner,
lançado comercialmente em 1982 e relançado em 1991 numa versão chamada de
“versão do diretor”; Chocolate, de Joanne Harris, adaptado por Lasse Hallström; e
o grande sucesso dos últimos anos, a trilogia de O Senhor dos Anéis, adaptado
por Peter Jackson do livro escrito por J. R. R. Tolkien.
38
Dessa maneira, podemos comprovar que, ao longo da diacronia da cultura,
realizam-se produções culturais que se beneficiam das transmutações das obras
literárias para obras fílmicas, demonstrando a pertinência em se realizar o estudo
aqui apresentado como forma de contribuição para essa área específica.
3.2 - TRADUZIBILIDADE DAS OBRAS
A dificuldade encontrada em se analisar a transposição e possíveis
traduções de conteúdos está associada à abordagem multidisciplinar envolvendo
áreas diversas, tais como: Letras, Lingüística, Comunicação, Semiótica, Teoria do
Cinema, Informática, Computação Gráfica e outras linhas de pesquisa associadas
às análises textuais.
Francis Henrik Aubert, em seu livro As (In)Fidelidades da Tradução:
Servidões e Autonomia do Tradutor (1994), diz:
A fidelidade na tradução caracteriza-se, pois, pela conjuminação de
um certo grau de diversidade com um certo grau de identidade; ela
será, não por deficiência intrínseca ou fortuita, mas por definição,
por essencialidade, um compromisso (instável) entre essas duas
38
As adaptações citadas, foram discutidas e analisadas durante o programa de mestrado na
Universidade Paulista, junto a disciplina: Transformações da linguagem audiovisual, lecionas pela
orientadora desta dissertação e Profa. Dra. Anna Maria Balogh.
78
tendências antagônicas, atingindo sua plenitude nesse
compromisso e nessa instabilidade.
39
Quando falamos de tradução, devemos ter consciência de que não existe
uma tradução ideal, da mesma forma que não existe um receptor ideal para
absorção e leitura única de um conteúdo referido o próprio texto artístico, pela
polissemia e ambigüidade intrínsecas, é passível de variadas interpretações. A
partir do momento em que se cria, ou recria, a produção realizada ganha vida
própria, e conseqüentemente liberdade para leituras e interpretações variadas de
seu conteúdo.
Nem mesmo o próprio autor de uma obra estaria isento de influenciar e
alterar sua própria produção ao transcrevê-la para um outro sistema de signos,
que podem ser: da mesma língua; de uma outra língua; ou de diferentes sistemas
de signos, que neste último caso o definiria como transmutação.
Sendo assim, faz-se pertinente a colocação de Octavio Paz:
Todo texto é único e é, ao mesmo tempo, a tradução de outro texto.
Nenhum texto é completamente original porque a própria língua, em
sua essência, já é uma tradução: em primeiro lugar, do mundo não-
verbal e, em segundo, porque toda frase é a tradução de outro signo
e de outra frase. Entretanto, esse argumento pode ser modificado
sem perder sua validade: todos os textos são originais porque toda
tradução é diferente. Toda tradução é, até certo ponto, uma criação
e, como tal, constitui um texto único.
40
Um dos pontos que mais chamam a atenção no processo de transposição
de obras que carregam as legendas “baseado na obra de” e “adaptado da obra
de” diz respeito às críticas envolvendo a traduzibilidade dos textos. Como já
39
Op. Cit. p. 77
40
PAZ, Octávio. 1971
79
avaliado por Jakobson, a poesia é intraduzível. Se enfocarmos nossas análises
nos estudos desenvolvidos por Anna Maria Balogh, teremos a oportunidade de
verificar que:
O problema da tradução desemboca sempre no plano da expressão
como o elemento diferenciador mais óbvio do processo, tanto na
tradução interlingual quanto na intersemiótica. Naturalmente, o
plano da expressão está ligado ao do conteúdo e aos seus recortes
nos quais cada língua ou cada sistema de representação dividem ao
sentido.
Na transmutação, o mesmo conteúdo, ou parte dele, transita de um
texto a outro. Como, no entanto, se trata de dois textos estéticos, a
íntima coesão entre este conteúdo, que permite o trânsito
intertextual, e uma expressão diversa, que o atualiza, não pode
senão relativizar os diferentes textos de algum modo.
41
Observamos, com isso, que parte dos textos originais utilizados nos
processos de transmutação serve como alicerce para o decorrer das tramas e a
estruturação das narrativas adaptadas, não se aplicando na íntegra, pois, antes de
qualquer influência, a obra cinematográfica deve preservar suas características e
autonomia fílmica. O conteúdo transposto deve ser visto em primeiro lugar como
uma unidade autônoma e única, devido à peculiaridade de cada suporte e às
propriedades inerentes a cada formato textual.
Em outras palavras, o conceituado roteirista americano Syd Field também já
teceu seus comentários a respeito das adaptações, um dos quais mencionaremos
a seguir:
Um romance é um romance, uma peça de teatro é uma peça de
teatro, um roteiro é um roteiro. Adaptar um livro para um roteiro
significa mudar um (o livro) para outro roteiro, e não superpor um ao
41
BALOGH, Anna Maria. Conjunções, Disjunções e Transmutações Da Literatura ao Cinema e à
TV. 2005, p. 51
80
outro. Não um romance filmado ou uma peça de teatro filmada. São
duas formas diferentes. Uma maçã e uma laranja.
Quando você adapta um romance, peça de teatro, artigo ou mesmo
uma canção para roteiro, você está trocando uma pela outra. Está
escrevendo um roteiro baseado em outro material.
42
A dificuldade em manter elevados graus de fidelidade aos elementos da
obra de partida, principalmente no que tange aos conteúdos imagéticos e ao plano
de expressão, dá-se pelo fato de estarmos diante de diferentes “valores
significantes”, o que levou Jakobson a nomear o processo de adaptação como
“recriação”. Visto isso, torna-se pertinente a análise realizada por Anna Maria
Balogh em seu livro Conjunções, Disjunções e Transmutações Da Literatura ao
Cinema e à TV:
Sobre o problema da “recriação”, implícita em qualquer tradução de
textos, sobretudo estéticos, muito já se escreveu. No ensaio “Da
transcrição: poética e semiótica da operação tradutora”, de Haroldo
de Campos, o autor fez uma síntese dos conhecimentos sobre o
tema e propôs uma série de termos instigantes para caracterizar a
tradução do texto regido pela função poética, tais como
“transcrição”, “reimaginação”, “transtextualização”, e o mais
surpreendente: “transluciferação”.
43
Com isso, verificamos que caso a obra adaptada não mantenha sua
autonomia fílmica, estamos diante de um produto extremamente fiel à obra de
partida, o que levou Balogh a classificar esse procedimento de literalização nas
adaptações como “tradução servil” ou “meramente ilustrativa”.
42
FIELD, Syd. Manual do Roteiro. 1982, p. 174
43
Op. Cit. p. 52
81
3.3 - OBRA DE SAÍDA X OBRA DE CHEGADA
Observa-se uma tendência inovadora nas produções midiáticas e nas
formas de consumir os produtos contemporâneos, em grande parte, devido aos
fatores comerciais e às novas tecnologias da comunicação.
No livro O Discurso Ficcional na TV, a autora Anna Maria Balogh dedica o
capítulo O Pantagruel Eletrônico ou A Máquina Antropofágica” aos estudos
suscitados por essa nova realidade de acesso à cultura e a essa visão
diferenciadora de produção em série de obras anteriormente pouco conhecidas
por grande parte do público receptor.
Somos antropofágicos, sim, e nenhum veículo mostra isso de forma
mais contundente que a televisão, não apenas uma “máquina de
fazer doidos”, como diria Stanislaw Ponte Preta, mas uma
verdadeira “máquina antropofágica” que tudo devora e deglute.
44
O consumo dos produtos culturais, bem como a produção de seus
conteúdos são vistos atualmente em ritmos extremamente acelerados, se
comparados às fases que antecederam a massificação dos meios audiovisuais, no
qual podemos destacar como duas tendências: a aceleração temporal e a
serialização dos conteúdos.
Podemos identificar como influenciador nesse processo de transformação a
ampla difusão dos equipamentos capazes de reproduzir as programações
televisivas, demonstrando, assim, a influência das tecnologias nas produções
ligadas à área da comunicação.
Se analisarmos por um outro ponto de vista, veremos que o cinema e a TV
revisitam produções clássicas, ou parte das grandes estruturas narrativas já
44
BALOGH, Anna Maria. O Discurso Ficcional na TV. 2002, p.25
82
consagradas da literatura e mitologia, para criar obras direcionadas às grandes
massas. Convém notar que a ampla difusão gerada pelo cinema e TV está
mesclando parte das produções culturais já desenvolvidas e causando fusão entre
cultura erudita (culta) e cultura popular, da mesma forma que é preciso constatar
que essa mesma indústria cultural tornou bem mais fluidas as fronteiras existentes
entre as artes, inaugurando o que pode ser chamado de trânsito de informações,
conforme observado por Lucia Santaella. Esse trânsito, na verdade, torna-se tão
fluido que não se interrompe dentro da esfera específica dos meios de massa,
mas avança pelas camadas culturais outrora chamadas de eruditas e populares.
45
Diante de toda essa mescla, na qual grande parte do público receptor perde
o referencial de qual obra é a de partida e qual é a adaptada, seguiremos o
modelo de Mounin de obra de partida e obra de chegada, em que teremos
respectivamente como alvo de nossas análises o primeiro sendo o roteiro literário
e teatral de Osman Lins e o segundo, o filme dirigido por Guel Arraes.
3.4 - TRANSMUTAÇÃO EM LISBELA E O PRISIONEIRO
Segundo Balogh, na prática, se reconhece como adaptado o filme que
“conta a mesma história” do livro no qual se inspirou, ou seja, a existência de uma
mesma história é o que possibilita o “reconhecimento” da adaptação por parte do
destinatário.
46
A partir da citação anterior, podemos observar que a passagem de um texto
literário para um texto fílmico ocorre em função da manutenção de alguns
elementos em ambos os textos transmitidos através de materialidades e de
seqüencialidades e ritmos diversos.
45
SANTAELLA, Lúcia. Mídia, Cultura e Comunicação. 2002, p.49
46
Op. Cit. p.55
83
A relação intertextual entre o roteiro original e a obra adaptada de Lisbela e
o Prisioneiro se define logo no início das primeiras cenas, nas quais se explicita tal
condição.
O vínculo entre o texto de partida e o de chegada é expresso nos
letreiros do filme, classificando-o como uma produção “baseada na peça de
Osman Lins”.
As estruturas narrativas fazem parte da forma do conteúdo do texto e
constituem o que Metz chamou de códigos não específicos ao falar de cinema.
Ora, é precisamente por constituírem o código comum, tanto do texto literário
quanto do texto fílmico e televisual, que propiciam a passagem de conteúdos do
literário ao fílmico e constituem o ponto incoativo ideal para um percurso
metalingüístico.
47
Seguindo essa proposta e o consagrado modelo de análise das
estruturas sugerido por Greimas, verificaremos quais são as similaridades e
diferenças presentes nas obras, e conseqüentemente os pontos de conjunções e
disjunções entre os títulos que levam o nome de Lisbela e o Prisioneiro.
47
BALOGH, Anna Maria. Conjunções, Disjunções e Transmutações Da Literatura ao Cinema e à TV. 2005, p. 54.
84
3.5 - ANÁLISE DAS ESTRUTURAS
Para realizarmos a análise das estruturas narrativas, utilizaremos a
proposta do percurso gerativo do sentido, tal como sugerido por Greimas:
1 - Gerativa, ou seja, deve estabelecer modelos que apreendam os
níveis de invariância crescente do sentido de tal forma que se
perceba que diferentes elementos do nível de superfície podem
significar a mesma coisa num nível mais profundo;
2 - Sintagmática, isto é, deve explicar não as unidades lexicais que
entram na feitura das frases, mas a produção e a interpretação do
discurso;
3 - Geral, ou seja, deve ter como postulado a unicidade do sentido,
que pode ser manifestado por diferentes planos de expressão.
48
Cumprindo-se dessa maneira,o primeiro requisito da semiótica, que é a
análise do objeto em níveis de pertinência (BALOGH, Anna. 2005).
3.5.1 - O PERCURSO GERATIVO
Seguindo os modelos propostos pela semiótica de dividir em níveis de
pertinência, teremos como primeira unidade de análise o percurso gerativo dos
sentidos.
Podemos definir o percurso gerativo dos sentidos como uma sucessão de
patamares, na qual os diferentes formatos textuais (desde que referentes a uma
narrativa) vão se desenrolando e construindo os sentidos da obra. Os patamares,
conforme mencionado, podem seguir desde um processo mais simples até mesmo
um processo mais complexo, e conseqüentemente podem corresponder a
48
FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 2005, p. 15-16.
85
narrativas constituídas com menos elementos até mesmo outras com maior
número de manipulações e intensidade.
Outro ponto interessante de abordagem é a materialidade constituinte
desse percurso, no qual encontramos elementos dos mais abstratos até
elementos mais concretos para a construção do sentido, sendo o fluxo dessas
informações nos diferentes níveis do percurso que irá configurar o conteúdo e
desenvolvimento narrativo.
Ao mencionarmos os níveis ou patamares do percurso, estamos nos
referindo sucessivamente a três deles, sendo assim: o profundo ou fundamental, o
narrativo e o discursivo, conforme apresentado na figura a seguir.
Em cada um dos níveis apresentados, podemos observar a
existência de componentes sintáxicos e semânticos, e que, conforme abordado
por Fiorin, a sintaxe dos diferentes níveis do percurso gerativo é de ordem
relacional, ou seja, é um conjunto de regras que rege o encadeamento das formas
de conteúdo na sucessão do discurso.
86
A sintaxe dos diversos patamares do percurso tem também um caráter
conceptual, o que significa que cada combinatória de formas produz um
determinado sentido. A distinção entre sintaxe e semântica não decorre do fato de
que uma seja significativa e a outra não, mas de que a sintaxe é mais autônoma
do que a semântica, na medida em que uma mesma relação sintática pode
receber uma variedade imensa de investimentos semânticos.
49
As distinções entre tais elementos, sendo eles sintáxicos e semânticos,
ficarão mais claras a partir do momento em que ingressarmos nossas análises nos
níveis: fundamental, narrativo e discursivo.
3.5.2 - NÍVEL FUNDAMENTAL EM LISBELA E O PRISIONEIRO
A semântica do nível fundamental abriga as categorias semânticas que
estão na base da construção de um texto. Uma categoria semântica fundamenta-
se numa diferença, numa oposição. No entanto, para que dois termos possam ser
apreendidos conjuntamente é preciso que tenha algo em comum e é sobre esse
traço comum que se estabelece uma diferença.
Podemos verificar que, nesse patamar, o nível semântico será apresentado
em caráter de dualidade aos elementos que constituem o programa narrativo, ou
seja, será apresentado sempre em situação de diferença ou numa oposição. O
termo oposto de uma categoria semântica mantém entre si uma relação de
contrariedade; são contrários os termos que estão em relação de pressuposição
recíproca.
50
Sendo assim, podemos constatar que em ambas as obras, tanto no texto de
Osman Lins quanto na obra fílmica de Guel Arraes, a semântica do nível
fundamental também é apresentada através de termos contraditórios, ou seja,
49
FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 2005, p. 21.
50
Id. Ibidem.
87
apresenta-se na forma de Leléu ganhar o amor de Lisbela versus Leléu perder o
amor de Lisbela. Também foram observadas oposições semânticas nas formas
de: liberdade x prisão e felicidade x infelicidade.
Seguindo a proposta de Fiorin para definição da qualificação semântica,
encontramos:
Cada um dos elementos da categoria semântica de base de um
texto recebe a qualificação semântica /euforia/ versus /disforia/.
O termo ao qual foi aplicada a marca /euforia/ é considerado um
valor positivo; aquele a que foi dada a qualificação /disforia/ é visto
como um valor negativo.
51
Sendo assim, observamos que nos momentos em que Leléu está
vivenciando a ausência do amor de Lisbela, ou no processo em que caminha para
a concretização deste feito, ele encontra-se em situação disfórica.
Analisando o trecho extraído da obra literária/teatral, podemos verificar tal
situação.
LISBELA
Leléu, vou pedir para meu pai.
LELÉU
O quê?
LISBELA
Para falar com o juiz. O juiz pode mandar você para o Recife, para a detenção.
LELÉU
Não.
LISBELA
Lá você ficará seguro.
51
Op. Cit. p.23
88
LELÉU
Não quero.
LISBELA
Deixe eu falar com meu pai. Ele detesta-o, gostará de ver-se livre de você.
LELÉU
Quero ficar aqui, dê no que der.
LISBELA
Por que isso?
LELÉU
Não quero ficar longe da senhora. A senhora é minha paz, dona Lisbela. Tudo isso
que a senhora me diz não vale nada. O que vale é que a senhora está aqui.
LISBELA
Você sabe que eu estou para casar. Não deve falar desse modo.
LELÉU
A senhora não é noiva no seu coração. Só é noiva na mão e na palavra.
LISBELA
Pois é, eu dei minha palavra e minha mão.
A presença do estado de disforia também é observada no roteiro
cinematográfico de Guel Arraes, conforme apresentaremos a seguir:
LELÉU
E assim tem sido a minha vida, sempre me perdendo atrás do que é bonito.
LISBELA
E vai terminar trancado numa prisão.
LELÉU
Hoje eu tô vendo o sol quadrado. Mas a vida é minha mãe. Ainda vou viver junto
da senhora.
LISBELA
A gente nunca vai se encontrar. Você está preso na cadeia e eu no casamento.
LELÉU
89
A senhora não é noiva no seu coração. Só é noiva na mão e na palavra.
LISBELA
Pois é, eu dei minha palavra e minha mão.
LELÉU
Eu vou arrumar um modo de fugir daqui e é daqui há pouco. A senhora vai saber
logo, que a coisa vai dar uma complicação doida.
LISBELA
Mas eu não posso fugir do meu casamento.
LELÉU
A senhora não é noiva no seu coração. Só é noiva na mão e na palavra.
LISBELA
Pois é, eu dei minha palavra e minha mão. Você vai ter que me esquecer Leléu.
Observados os problemas e impedimentos para conquistar o amor de
Lisbela, verificamos conseqüentemente o momento de disforia vivido por Leléu, o
qual terá essa situação revertida a partir do momento em que o personagem
estiver em posse de seu amor. A conquista do amor o leva para uma nova
qualificação semântica e, conseqüentemente, à alteração do estado de disforia
para uma situação de euforia.
Apresentados os elementos semânticos do nível fundamental, analisaremos
agora a sintática deste mesmo nível, utilizando o modelo sugerido por Fiorin:
A sintaxe do nível fundamental abrange duas operações: a negação
e a asserção. Na sucessividade de um texto, ocorrem essas duas
operações, o que significa que, dada uma categoria tal que “a”
versus “b”, podem aparecer as seguintes relações:
A) afirmação de “a”, negação de “a”, afirmação de “b”;
B) afirmação de “b”, negação de “b”, afirmação de “a”.
52
52
Op. Cit. p.23
90
Sendo assim, teremos em ambas as versões de Lisbela e o Prisioneiro o
seguinte esquema:
Semântica do Nível Fundamental
Euforia Disforia
Ganhar o amor de Lisbela
Versus
Perder o amor de Lisbela
Oposição Semântica
Ganho versus Perda
Sintática do Nível Fundamental
Termo A Ganhar o amor de Lisbela
Termo B Perder o amor de Lisbela
A
Afirmação de A Negação de A Afirmação de B
Ganhar o amor Não ganhar o amor Perder o amor
B
Afirmação de B Negação de B Afirmação de A
Perder o amor Não perder o amor Ganhar o amor
Nessa análise, tivemos que tomar o cuidado de não desviar o foco de nosso
estudo, em função das divergências na oposição semântica do termo “amor”, pois,
caso trabalhássemos a contrariedade de “amor versus ódio”, estaríamos
cometendo um grande equívoco em nossas análises. Definimos, dessa maneira,
que a forma mais apropriada de trabalharmos a contraditoriedade do nível
91
fundamental foi opor o “ganho do amor” e a “perda do amor de Lisbela”, mantendo
assim a fidelidade dos conteúdos.
3.5.3 - O NÍVEL NARRATIVO
Ao estudarmos o nível narrativo, devemos ter consciência de que nesse
patamar de análise podemos encontrar desde narrativas mínimas, até mesmo
outras extremamente complexas. Para estas serem consideradas como narrativas
mínimas, deverão corresponder sucessivamente a um estado inicial, uma
transformação e um estado final, conforme apontado por Fiorin.
Na sintaxe narrativa, há dois tipos de enunciados elementares:
A - Enunciados de estado: são os que estabelecem uma relação de
junção (disjunção ou conjunção) entre um sujeito e um objeto;
B- Enunciados de fazer: são os que mostram as transformações, os
que correspondem à passagem de um enunciado de estado a
outro.
53
Visto isso, podemos observar que, na obra de Lisbela e o Prisioneiro
(literária/teatral e fílmica), estamos diante de uma narrativa complexa, na qual
diversas mudanças e transformações ocorrem no decorrer da trama, partindo de
um estado inicial a transformar e resultando, conseqüentemente, em um estado
final de conteúdo transformado.
Seguindo a sintaxe narrativa e a proposta de enunciado de estado,
verificamos que, em ambas as obras, o programa narrativo principal se
desenvolve entre as relações dos personagens Leléu e Lisbela, e, conforme já
mencionado em nossos estudos do nível fundamental, é norteado pela conquista
do amor, ou seja, ganhar o amor versus perder o amor.
53
Op. Cit. p. 28.
92
Sendo assim, observamos que o enunciado de estado inicial sugere uma
disjunção entre sujeito e objeto (Leléu e Lisbela), visto que os dois iniciam a
história separadamente. A partir do momento em que a narrativa vai se
desenvolvendo, surge o enunciado de fazer, no qual o personagem Leléu investe
na conquista do futuro amor, o que acaba por resultar em um novo enunciado de
estado, ou seja, a conjunção com o objeto de desejo conquista do amor.
Conforme analisado por Anna Maria Balogh, o esquema de Everaert e
Desmedt, retomando o Group d’Entrevernes, proporciona um bom instrumental de
análise às estruturas e transformações do nível narrativo, servindo, assim, como
referência para os estudos que apresentaremos a seguir.
Esquema de Everaert e Desmedt:
93
As quatro fases apontadas formam a seqüência narrativa canônica
que, unida a um sujeito e a um objeto, constitui o Programa
Narrativo (PN).
(BALOGH, 2005:58-59)
Seguindo este modelo, apresentamos o Programa Narrativo da obra
analisada, levando em consideração que um Programa Narrativo deve ser
constituído a partir da relação de um sujeito com um objeto, o qual
conseqüentemente acarretará um Programa Narrativo Contrário, ou seja, um
Antiprograma Narrativo, constituído este último por um sujeito também contrário
(Anti-sujeito), que luta pelo mesmo objeto valor, sendo o PN constituído das
etapas realizadas para a obtenção (ou não) desse objeto.
Obra Literária/Teatral
PN 1 PRINCIPAL (Amor)
PN 2 (Vingança)
Sujeito Leléu Sujeito Leléu
Anti-sujeito Douglas Anti-sujeito Frederico
Objeto Valor Lisbela Objeto Valor Vingança
Obra Fílmica
PN 1 PRINCIPAL (Amor)
PN 2 (Traição) PN 3 (Amor)
Sujeito Leléu Sujeito Leléu Sujeito Lisbela
Anti-sujeito Douglas Anti-sujeito Frederico Anti-sujeito Inaura
Objeto Valor Lisbela Objeto Valor Vingança Objeto Valor Leléu
Para efetuarmos nossos estudos, consideraremos apenas o Programa
Narrativo Principal, pois é esse que determinará as transformações da obra e
também pelo motivo de ser o tema central dos textos analisados. Excluiremos de
nossas análises os Programas Narrativos 2 e 3, por considerarmos o PN 2 como
94
uma narrativa paralela no decorrer da trama e o PN 3 por se tratar de um
acréscimo existente na obra fílmica.
Considerando que Lisbela e o Prisioneiro constitui uma narrativa complexa,
na qual utilizaremos como referência a seqüência narrativa canônica do modelo de
Entrevernes (Manipulação, Competência, Performance e Sanção), e levando em
conta que a estratégia narrativa do texto se faz a partir do PN, encontraremos a
seguinte configuração de ambos os textos:
54
3.5.3.1 - MANIPULAÇÃO
Segundo Syd Field, em seu livro Manual do Roteiro
55
, sempre que um
personagem começar a ser construído é indispensável para a sua caracterização
pensá-lo da seguinte forma: “O que o seu personagem quer? Qual sua
necessidade? O que o impulsiona para a resolução de sua história?”.
É imperativo que o caminho percorrido por um personagem discorra em
função de uma necessidade ou de um querer, pois é através dessa necessidade
que ele será impulsionado a agir, determinando conseqüentemente o seu percurso
narrativo. Quanto mais complexo for o desejo, maiores serão as complicações em
atingir o objeto valor, mais difíceis serão os caminhos a serem percorridos, maior
será a riqueza do personagem.
Todo drama é conflito. Se você conhece a necessidade do seu
personagem, pode criar obstáculos que preencham essa
necessidade. Como ele vence esses obstáculos é a sua história.
Conflito, luta, vencer obstáculos é o ingrediente primário de todo
drama. Da comédia também. É responsabilidade do escritor gerar
54
BALOGH, Anna Maria. Conjunções, Disjunções e Transmutações Da Literatura ao Cinema e à
TV. 2005, p. 70.
55
Op. Cit. p. 16.
95
conflito suficiente para manter o público, ou o leitor, interessado. A
história tem sempre que mover-se para adiante, na direção de sua
resolução.
56
Dessa maneira, podemos identificar uma ponte extremamente estreita entre
a teoria narrativa e o exercício dos roteiristas na construção dos personagens,
pois diante da teoria narrativa, para que um personagem inicie uma trajetória e
seja levado à ação, é necessário que ele tenha um desejo (querer) ou o dever de
fazer ou obter alguma coisa. Esse desejo ou dever pode nascer dele mesmo
(automanipulação) ou pode ser levado a ele por outro personagem (destinador da
manipulação).
57
Manipulação PN Principal
Nos textos analisados (obra literária e fílmica), vemos que a manipulação é
exercida através da automanipulação de Leléu, o qual é levado pelo desejo de
conquistar o amor de Lisbela, conforme observaremos nos trechos extraídos do
roteiro literário/teatral e cinematográfico:
Obra Literária/Teatral
58
LISBELA
Então, lhe prenderam de novo.
LELÉU
Me prenderam, dona, mas eu acho que valeu a pena. Só poder ver a senhora
outra vez.
LELÉU
...fiquei triste quando não lhe vi naquele dia. A senhora, no circo.
Tinha me batido tantas palmas!
LISBELA
56
FIELD. Op. Cit. p 16
57
BALOGH, Anna Maria. O Discurso Ficcional na TV. 2002, p. 63.
58
O trecho da obra literária foi extraído do livro: LINS, Osman. Lisbela e o Prisioneiro, p. 19-20.
96
Como é que você pode se lembrar de mim? Todo mundo bateu palmas.
LELÉU
Eu só via as da senhora, moça. Num domingo de tarde. A senhora estava na
segunda fila de cadeiras, de blusa branca e uma fita no cabelo. Eu vi.
Obra Fílmica
59
LELÉU
O senhor conhece a filha do delegado?
CITONHO
Dona Lisbela?
LELÉU
Eu sabia que aquela tinha “bela” no nome.
CITONHO
Não se anime não que ali o senhor não apanha nada.
LELÉU
Eu queria que o senhor levasse um recado pra ela.
CITONHO
Isso eu não posso fazer. O delegado é uma fera. E a menina é de família, ainda
por cima noiva.
LELÉU
Com um noivo daquele é até castigo. Deus dá rapadura a banguelo...
CITONHO
E o sujeitinho é metido a carioca. O cabra nasceu em Cabrobró mas só porque
passou um mês no Rio de Janeiro só fala cantando. Mas é rico e o tenente faz
gosto. Não enfie seu carro ali não que você atola.
LELÉU
Tem mais jeito não, já estou enganchado. Desde a hora que olhei pra ela
brilhando mais que as luzes do parque.
59
O trecho citado da obra fílmica foi extraído do roteiro fornecido pela TV Globo.
97
Em ambas as situações apresentadas, verificamos que na trajetória de
Leléu existe a automanipulação em função de um querer (querer o amor de
Lisbela), e o personagem é levado pelo desejo de conquistar seu objeto valor.
Também podemos identificar que, seguindo as técnicas de roteiro e teoria
narrativa, os ingredientes de dificuldade na obtenção do objeto valor (leia-se,
nesse momento, a dificuldade de Leléu em conquistar Lisbela) são amplamente
explorados, pois os obstáculos e impedimentos impostos no decorrer das obras
aparecem e desdobram-se à medida que a trama vai se desenvolvendo.
3.5.3.2 - COMPETÊNCIA
Não basta, no entanto, que o sujeito tenha um querer ou um dever de
executar, uma ação para levar a cabo, um objetivo, um programa narrativo; é
necessário também que ele tenha aptidões, a competência para levar adiante o
que quer.
60
Em muitas obras, presenciamos o desenvolvimento da competência do
sujeito à medida que o personagem vai aprimorando seus conhecimentos e
técnicas para uma finalidade específica. Podemos verificar isso muito nitidamente
em filmes de ação, no qual o guerreiro ou lutador vai melhorando seu
desempenho em função das necessidades de lutar, até que em um determinado
momento do filme o personagem é apresentado com amplos conhecimentos e
habilidades, ou seja, já se encontra preparado para a grande batalha que terá de
enfrentar. Nas obras que apresentam esse modelo de aquisição de uma
modalidade de competência, que o sujeito ainda não tenha, e nas quais ele
desenvolva essa competência durante um período da narrativa, estamos diante de
um Programa Narrativo de Uso.
60
BALOGH, Anna Maria. O Discurso Ficcional na TV. 2002, p. 63.
98
O Programa Narrativo de Uso caracteriza-se pela função da aquisição da
competência do personagem no decorrer da trama, ou seja, o espectador da obra
é envolvido e praticamente participa do processo de preparo do personagem, o
qual, quase sempre, lhe contempla ao final da narrativa com uma apresentação
digna da superação que resultou no nível da competência desejado e,
conseqüentemente, a obtenção de seu objeto valor.
Em Lisbela e o Prisioneiro, essa aquisição de conhecimento ou habilidade
já se mostra estabelecida previamente, ou seja, o personagem Leléu já inicia seu
percurso narrativo possuído de suas competências, que podemos classificar como
dignas de um conquistador e malandro nato. Para destacar essas características,
veremos a maneira como a competência do personagem é apresentada nas duas
obras:
Apresentação da Competência na Obra Literária/Teatral
(Apresentação de Leléu na obra)
CITONHO
Tenente! Leléu é um rapaz tão bom!
TEN. GUEDES
É bom mas por causa dele nós dois estamos sendo processados. Ah, juiz
miserável!
CITONHO
O senhor disse por causa dele? Menas a verdade. Por causa, com licença da
palavra, de V. Sª., que foi o responsável por toda a confusão.
TEN. GUEDES
Citonho, olhe essa falta de prudência. Parece que está desregulado! Além de me
faltar com respeito, querendo defender aquele cafajeste.
CITONHO
Nada disso, Tenente. Continuo dizendo que é um rapaz muito bom.
99
TEN. GUEDES
Bom não sei. Mas com a folha de serviço que ele tem, um casamento no civil,
outro com padre, outro no anabatista, ou na igreja brasileira, outro não sei mais no
quê, fora os defloramentos, pelo menos deve ser gostoso. (Riem, menos Testa-
Seca)
TESTA-SECA
Oito. Oito donzelas ferradas, por esse Brasil velho de guerra. Ele não contou, mas
a gente soube. Oito, e eu nunca tive uma. Mundo mal dividido.
Apresentação da Competência na Obra Fílmica
Cena 7 do filme (segunda cena de Leléu na obra)
EDITH uma das mulheres da feira, já vem pagando pra Leléu/Mané Gostoso que
está ali pelo seu ponto.
EDITH
Você tem diploma de salafrário, não é?
LELÉU
Tenho mas é falsificado.
EDITH
Gaiato. (Devolvendo o vidro do remédio) Sua garrafada não serviu pra nada, viu?
Dei o frasco todo e meu marido continua lá derrubado.
LELÉU/MANÉ GOSTOSO
É que pra marido tem que ser mais concentrado. E o seu remédio eu misturei com
água pra ter o gosto de lhe ver de novo.
EDITH
E como é que fica meu prejuízo?
LELÉU/MANÉ GOSTOSO (Ele joga o vidro numa caixa vazia)
A senhora quer o seu dinheiro de volta ou a satisfação garantida?
EDITH
Deixe de intimidade, e eu lhe conheço?
100
LELÉU/MANÉ GOSTOSO
Manoel Felício, mais conhecido como Mané Gostoso. E eu não ganhei esse
apelido de graça...
EDITH
Por que é que todo propagandista é mentiroso?
LELÉU/MANÉ GOSTOSO
Eu não. Prometo lhe indenizar pelo dinheiro gasto, pelo tempo desperdiçado e
pelas esperanças perdidas.
Ela vai cedendo.
EDITH
Se depender do seu xarope...
LELÉU/MANÉ GOSTOSO
E eu lá preciso disso. O elixir melhor que tem é a senhora, dona...
Verificamos, com isso, que a apresentação da competência de Leléu é
descrita logo em sua apresentação em ambas as obras analisadas, ficando
subentendido que o personagem já inicia seu percurso dotado de suas habilidades
muito bem definidas, sem que o percurso de aquisição dessas habilidades precise
ser descrito durante a narrativa.
3.5.3.3 - PERFORMANCE
Podemos definir a performance como a fase em que será realizada a
transformação central da narrativa, ou seja, é a ação transformadora, na qual o
sujeito, passado pela manipulação ou automanipulação e já com a competência
adquirida, parte para a execução da ação que o levará ao estado conjuntivo ou
disjuntivo com seu objeto valor.
Na fase da performance, a seqüência narrativa sofre uma “quebra” a partir
da ação transformadora, resultando em uma nova seqüência narrativa. Field, em
101
seu livro Manual do Roteiro, nomeia a performance como ponto de virada ou plot
point, e define esse conceito como o ponto incoativo para a seqüência da trama,
na qual as ações transformadoras/plot points servirão para mover cuidadosamente
a história adiante.
Sendo assim, vemos que a performance existente nas duas obras de
Lisbela e o Prisioneiro é caracterizada nas cenas em que Leléu utiliza sua lábia de
conquistador sobre Lisbela, fazendo com que a garota se apaixone por ele.
Na obra literária, a performance fica subentendida nos encontros
subseqüentes dos personagens, nos quais as cenas vão demonstrando, de forma
gradativa, um aumento de afinidade entre esses personagens. Porém, na obra
fílmica, essa transformação é caracterizada por uma das cenas mais belas da
obra, conforme apresentaremos a seguir:
Cena 44 Sala de cinema
Cena musical bem romântica na tela do cinema. Lisbela na platéia assiste
encantada. Sobre essas imagens.
LELÉU (OFF)
Ô coisa linda. E eu fico pensando que nasci pra isso: pra viver uma coisa bem
grande como essa. E eu sei que ela também sentiu: conheço aquele sangue,
aquele jeito de olhar. O negócio é eu conseguir falar com ela de novo e tudo vai
dar certo. Chego de mansinho e me apresento...
Agora Leléu senta ao lado de Lisbela e continua sua fala.
LELÉU
Leléu Antônio da Anunciação, seu criado.
LISBELA
Eu lembro de você lá do parque.
102
LELÉU
E eu nunca que vou me esquecer da senhora de vestido azul e com essa fitinha
azul no cabelo.
Entrega a fita pra ela.
LISBELA
Obrigada. Muito prazer, Lisbela.
LELÉU
Agora a senhora já me conhece e eu já conheço a senhora. Mas a gente ainda
não se conhece junto. Quem sabe vamos dar uma volta pra ficar se conhecendo?
LISBELA
Não posso. Eu estou esperando meu noivo para ver o filme.
LELÉU
A senhora tem vontade de ser artista de cinema?
LISBELA
Eu não sou nem americana para ser artista.
LELÉU
Oxe! E a senhora nunca ouviu falar em artista nacional, não, é?
LISBELA
Ah, mas aqui no Brasil ninguém tem coragem de fazer as estripolias todas que
eles fazem.
LELÉU
No cinema é fácil. É cheio de truque. Quero ver é esses cabras terem coragem de
pegar uma briga de faca, enfrentar um boi brabo, topar com uma onça no mato ou
botar polícia pra correr.
LISBELA
Mas história de amor bonita mesmo é no cinema.
LELÉU
Pois aposto que a nossa pode ser bem melhor.
LISBELA
Deixa de ser besta. Eu sou noiva. Não lhe dei essa ousadia.
LELÉU
103
A senhora é doce como as chuvas de caju que caem de repente no calor mais
duro de novembro. Linda como o vento num pasto bem grande. Dona Lisbela, a
senhora para mim é a bandeira brasileira. Uma bandeira bem grande. Leléu
Antônio da Anunciação é o mastro para senhora.
E eles se beijam.
Utilizando o conceito de performance/ação e a abordagem de Field com
pontos de virada/plot point, veremos que a seqüência narrativa é dividida em três
atos, conforme sugere a figura a seguir:
Sendo assim, identificamos que a performance que nos direcionará à
resolução da obra consiste na ação transformadora de Lisbela desistir de seu
casamento e entregar-se ao amor de Leléu, conforme nos mostra os seguintes
trechos:
Performance de direcionamento à resolução da obra:
Obra Literária/Teatral
DR. NOÊMIO
Não é nada disso, Lisbelinha. É minha é esposa e devia estar em casa. Por que
você foi?
LISBELA
104
Por que eu tinha de ir. Não podia não ir. Fui com glória! Eu fui feito um andador,
na frente da procissão.
DR. NOÊMIO
Você está variando. Isso é uma profanação.
LISBELA
Fui com banda de música. Quando vi aquele passarinho na gaiola... Pensei que
minha vida, se eu ficasse, ia ser assim, vida de triste, de quem desejou, de quem
quis de corpo e alma e, mesmo assim, não fez. Aí, eu fui. Fui e vou toda vez que
ele me chame. Não precisa nem que ele me fale. Nem que me olhe. Basta estalar
os dedos. Vou feito cão. Mas coroada, vocês me compreendem? Feito uma
rainha.
Obra fílmica
TENENTE
Como é que você teve coragem de renegar seu casamento?
LISBELA
Eu fui por que tinha que ir. Não podia ficar. Pensei que minha vida inteira, se eu
ficasse, ia ser assim, vida de tristeza, de quem desejou, de quem quis de corpo e
alma, e mesmo assim não fez. Aí eu fui, vocês me entendem? Fui e vou toda vez
que ele me chame. Vou feito um cão. Mas coroada, como uma rainha! Vou feito
um andador na frente da procissão.
3.5.3.4 - SANÇÃO NA OBRA LISBELA E O PRISIONEIRO
Na última fase da narrativa, a sanção, é que compactuarão todos os
procedimentos anteriores do nível narrativo, em que verificamos as etapas
percorridas pelos personagens e sua respectiva resolução.
105
A última fase é a sanção. Nela ocorre a constatação de que a
performance se realizou e, por conseguinte, o reconhecimento do
sujeito que operou a transformação.
61
Sendo assim, verificamos que a partir do nível fundamental, o qual nos
proporcionou as oposições semânticas de Leléu ganhar o amor de Lisbela versus
perder o amor de Lisbela, e perante sua automanipulação, que o levou a investir
na conquista pela amada (performance), Leléu obtém êxito de acordo com seus
objetivos, atingindo conseqüentemente o seu nível glorificante.
Em ambas as obras, a sanção é apresentada com Leléu e Lisbela deixando
a cidade de Vitória de Santo Antão, ou seja, a conquista do amor, e
conseqüentemente a conjunção dos personagens. A resolução da narrativa nos
oferece um novo enunciado de estado, em que a situação disfórica apresentada
durante a obra é finalizada pelo estado de euforia entre sujeito e objeto valor.
3.5.4 - O NÍVEL DISCURSIVO
Se partirmos nossas análises levando em consideração que a estrutura
narrativa conforme apresentada norteia a base de uma história, ou seja, oferece-
nos instrumentos capazes de balizar as ações, transformações e funções dos
personagens (actantes) no decorrer de um tempo, gerando conseqüentemente
conjunções e disjunções entre sujeito e objeto, veremos que no nível discursivo é
o momento pelo qual as características dos elementos narrativos tomam corpo e
se materializam para a efetiva construção dos sentidos.
Segundo Balogh no livro O Discurso Ficcional na TV:
61
FIORIN, Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 2005, p.31
106
O nível discursivo opera sobre os mesmos elementos que a análise
narrativa, porém, retoma aspectos que naquela foram deixados de
lado tais como a cobertura figurativa de conteúdos narrativos, os
temas, mecanismos de delegação do saber, modos de organização
dos atores, da espacialidade e da temporalidade etc.
62
Embora muitos dos elementos da linguagem cinematográfica que agem na
construção do discurso fílmico já tenham sido abordados no primeiro e segundo
capítulos desta dissertação, enfocaremos, neste momento, análises relativas às
características discursivas referentes a cada suporte, ou seja, da obra original e da
obra transmutada, enfatizando os pontos conjuntivos e disjuntivos das obras em
questão.
Para isso, desenvolveremos nossos estudos com o foco direcionado ao
tema, temporalização, espacialização e actorialização referente a Lisbela e o
Prisioneiro.
3.5.4.1 - TEMA
As formas narrativas abstratas, como um sujeito em conjunção com
o objeto do seu desejo, são revestidos de temas que as tornam
concretas. Assim, a conjunção com o objeto poderá ser a riqueza
que poderá ser traduzida como roubo de jóias, recebimento de uma
herança, jogo bem-sucedido na bolsa de valores, acerto na quina da
loto etc.
63
Conforme apresentado no estudo das estruturas narrativas, toda trama é
alicerçada em função de uma oposição, ou seja, através de termos antagônicos
que se relacionam, gerando conseqüentemente o desenvolvimento da obra. No
62
Op. Cit. p. 69
63
BALOGH, Anna Maria. O Discurso Ficcional na TV. 2002, p.80
107
nível narrativo, a situação de oposição dos termos que constituem Lisbela e o
Prisioneiro ganha um investimento semântico, sendo ele: ganho do amor versus
perda do amor, direcionando-nos conseqüentemente ao tema das obras
estudadas. Tanto a obra literária/teatral quanto a obra fílmica possuem a mesma
temática, preservando-se as características e o gênero melodramático do título em
questão.
Para Greimas, o autor considera as forças temáticas como:
- Amor (sexual, familiar, manifesto em amizade).
- Fanatismo (religioso ou político).
- Desejo de riquezas (luxo, prazer, beleza, honra, autoridade,
prazeres, orgulho).
- Inveja, ciúme.
- Ódio, desejo de vingança.
- Curiosidade (concreta, vital ou metafísica).
- Desejo de um trabalho ou vocação (religiosa, científica, artística,
de viajar, viver aventuras, de homem de negócios, da vida militar ou
política).
- Desejo de repouso, paz, asilo, liberdade.
64
As definições do autor, conforme mencionado, abarcam quase na íntegra
as possibilidades temáticas discursivas, pois, em praticamente todas as
produções, sejam elas literárias ou fílmicas, acabam sendo enquadradas dentro
dessa proposta.
Se utilizarmos como referência o PN Principal de Lisbela e o Prisioneiro,
veremos que a temática da obra define-se, de acordo com Greimas, pela busca do
amor, ou seja, na conquista de Leléu pelo amor de Lisbela. Porém, se tomarmos
como referência o outro programa narrativo existente nas obras, sendo ele o PN2,
no qual Frederico Evandro vai à caça de Leléu em busca da recuperação da honra
64
GREIMAS, A. Julien. Sémantique Structurale. 1966, p. 181
108
e da vingança, veremos que este segundo programa narrativo contextualiza-se no
padrão do ódio e desejo de vingança, conforme sugerido pelo autor.
3.5.4.2 - TEMPORALIZAÇÃO
A relação do tempo, espaço e actorialização das obras que possuem o
título de Lisbela e o Prisioneiro é o elemento que possui maior diferencial quando
comparadas às obras de saída e de chegada. Ao analisarmos a obra
literária/teatral de Osman Lins, identificamos que todo o decorrer da trama se
passa especificamente no intervalo de dois dias, sendo apenas mencionados fatos
isolados que fujam dessa escala temporal, o que nos revela um conteúdo bem
enxuto se comparado à produção audiovisual.
Ao analisarmos a obra transmutada, verificamos que os fatos isolados da
obra de saída ganham representatividade na construção do filme, sendo
incorporados como elementos constituintes da ordem cronológica do discurso
fílmico. As perambulações de Leléu pelas cidades nordestinas, em que o
personagem vagueia apresentando seus números de artista mambembe, ou de
vendedor de produtos enganosos, são amplamente exploradas no cinema,
enquanto no texto verbal são mencionados apenas como acontecimentos
passados, relatados pelos personagens.
Sobre essa característica, a autora Anna Maria Balogh destaca o seguinte:
No tocante a temporalidade, o discurso audiovisual tem recursos
muito mais restritos do que a literatura. A literatura, por servir-se da
língua, traz nos tempos verbais nuanças temporais muito precisas.
O cinema só dispõe das três temporalidades básicas: presente,
passado e futuro.
65
65
BALOGH, Anna Maria. O Discurso Ficcional na TV. 2002, p.74
109
Outro ponto disjuntivo na temporalidade existente entre a obra de saída e a
obra de chegada diz respeito à seqüência que constitui a narrativa, pois
observamos uma ordem temporal mais concisa e linear no texto literário/teatral,
sendo essa seqüência quebrada e explorada de formas alternadas na produção
cinematográfica, o que demonstra que, embora a narrativa seja a mesma, no nível
discursivo as ordens e formas de expor tais conteúdos são relativizadas em
função das propriedades e especificidades pertinentes a cada suporte.
Na obra fílmica, há uma predominante fragmentação do conteúdo, que
retomará sua consistência a partir das técnicas de montagem capazes de unir os
pontos e de dar sentido às partes de maneira cronológica.
É difícil traçarmos precisamente o motivo dessa fragmentação de conteúdo,
porém podemos atribuir, de maneira hipotética, que parte dessa característica
fractal na produção audiovisual deve-se ao fato de a obra fílmica de Lisbela e o
Prisioneiro ser produzida em parceria com uma empresa televisual (Globo Filmes)
e dirigida por um diretor atuante nesse mesmo meio de comunicação, no qual a
fragmentação de conteúdo acaba se tornando uma constante. O filme possui uma
característica clara, de desmembramento do conteúdo em blocos, capítulos e
ganchos.
O conteúdo do filme pode ser exibido na íntegra, em capítulos ou como
microssérie dentro da grade de exibição televisual, sem que a sua interrupção
interfira na obra. Há uma espécie de fragmentação dos blocos e dos capítulos,
intencionalmente construídos para favorecer sua exploração comercial
independente do cinema.
Também pudemos observar, ao analisar o roteiro cinematográfico, que a
estrutura e ordem inicial sugerida pelo mesmo, foi alterada no processo de edição
e montagem do filme, sendo que as seqüências com características mais lineares
110
acabaram descartadas no produto finalizado, assim como algumas cenas
excluídas da obra.
3.5.4.3 - ESPACIALIZAÇÃO
Na espacialização ocorre uma das maiores disjunções entre as obras que
levam o título de Lisbela e o Prisioneiro. No texto literário/teatral de Osman Lins,
todo o discurso da trama se passa no interior da cadeia de Vitória de Santo Antão
PE, sendo breve uma única passagem que ocorre na calçada da delegacia, ou
seja, os ambientes explorados na obra de saída correspondem totalmente a
espaços internos e ambientes fechados.
As ações que discorrem em outros cenários, que não sejam os
mencionados no parágrafo anterior, são subentendidos pelo receptor da obra,
através da narração dos personagens que se encontram dentro da cadeia,
podendo citar como fato representativo desse procedimento o momento em que
Frederico Evandro diz que viajará até Boa Vista para resolver assuntos de família,
ou pelo próprio personagem Leléu contando aos carcereiros e companheiros de
cela sobre suas viagens e aventuras pelo interior nordestino. Em ambas as
situações descritas, os acontecimentos são narrados brevemente pelos
personagens.
Na obra fílmica, a viagem de Frederico Evandro à Boa Vista e as
experiências e aventuras de Leléu recebem revestimentos imagéticos capazes de
suprir os diálogos explicativos da obra textual, resultando em longas cenas que
favorecerão a expressividade, sentido e cronologia da produção audiovisual.
Um ponto altamente contrastante entre a obra textual e a audiovisual diz
respeito à maneira como o espaço de Leléu é representado nas obras. No texto de
Osman Lins, o personagem aparece única e exclusivamente dentro da cadeia
111
esse é o ambiente explorado na obra. Porém, na produção cinematográfica, Leléu
é retratado seguidamente em planos e cenários abertos, demonstrando, dessa
maneira, o estilo de vida livre e aventureiro do moço é dada maior ênfase à
figura da liberdade do respectivo personagem.
Ao dividirmos a obra audiovisual em uma escala de tempo, verificamos que
em apenas 11% do tempo do filme o personagem passa trancafiado na cadeia de
Vitória de Santo Antão, o que acaba consolidando a maior divergência existente
entre a obra de saída e a obra de chegada, visto que o texto original se passa
integralmente nos ambientes fechados da delegacia.
Partindo para uma análise referente ao espaço da personagem Lisbela,
vemos que no decorrer da obra original é impossível disso ser avaliado, pois, na
obra de Osman Lins, a moça possui um papel secundário no decorrer da trama.
Embora Lisbela seja o objeto valor da narrativa, cedendo até mesmo seu nome ao
título da obra, suas aparições são extremamente limitadas, diferenciando mais
uma vez a obra transmutada da obra original, já que, no filme, a moça é retratada
com maior peso melodramático, tendo sua participação bem mais explorada, se
comparada à obra original.
Na obra cinematográfica, Lisbela é representada em espaços e cenários
fechados ou que remetam a ambientes familiares, tendo suas aparições em locais
públicos, como praças e cinema, sempre acompanhada de seu pai Tenente
Guedes ou do namorado Douglas, o que representa, assim, o universo limítrofe de
uma moça de família que vivencia suas experiências de vida no interior do
Nordeste brasileiro.
A situação de confinamento, conforme mencionado, é revertida a partir do
momento em que a moça conhece Leléu, o qual lhe proporciona liberdade e
conseqüentemente novas classificações no plano de expressão, ou seja, Lisbela
112
passa a ser apresentada sem a supervisão do pai ou namorado, iniciando suas
aparições com enquadramentos, planos e espaços abertos.
3.5.4.4 - ACTORIALIZAÇÃO
Durante o desenvolvimento desta dissertação, tratamos os personagens
que compõem as obras através de seus respectivos nomes para que o andamento
de nossas análises fosse facilitado. Porém, cabe ressaltar que, no nível narrativo,
os personagens são definidos como sujeito, anti-sujeito, oponentes, ajudantes e
objeto valor. É no nível discursivo da obra que esses personagens recebem
respectivamente investimentos semânticos, ou seja, seus nomes, figurinos, perfil e
características figurativas para composição dos personagens.
É muito comum lermos ou assistirmos a uma obra e termos a sensação de
déjà vu. Isso ocorre principalmente quando nos deparamos com conteúdos
exibidos dentro de um mesmo gênero literário ou fílmico. Conforme já abordamos
ao longo desta dissertação, o gênero delimita o percurso e estilo narrativo pelo
qual discorrerá a trama narrativa, e as ações, transformações e actorializações
das obras é que diferenciam um título antigo de uma produção inovadora.
Em muitos casos, até mesmo as ações e transformações no decorrer da
obra são as mesmas, o grande elemento diferenciador se dá justamente no nível
da actorialização. Esse exemplo pode ser identificado principalmente nos filmes de
guerra provenientes do cinema norte americano.
Nos filmes que retratam a guerra do Vietnã, a temática, as ações e as
transformações dos filmes, são praticamente as mesmas, o que as diferencia é a
actorialização dos personagens.
113
Visto isso, apresentaremos os personagens que constituem a obra Lisbela
e o Prisioneiro, apontando consecutivamente as conjunções e disjunções
existentes entre a obra original e a obra transmutada. Segue abaixo a
apresentação dos personagens dividida por obra.
Personagens Obra Literária/Teatral Personagens Obra Fílmica
Lisbela Filha do Tenente Guedes
Lisbela Moça dócil e
apaixonada, aficionada
a cinema
Leléu Aramista e prisioneiro Leléu Malandro conquistador
Citonho Velho carcereiro Citonho Velho carcereiro,
criador de passarinhos
Tenente
Guedes
Delegado Tenente
Guedes
Delegado
Inaura Irmã de Frederico
Evandro (é somente
citada nessa obra)
Inaura Mulher de Frederico
Evandro
Frederico
Evandro
Assassino profissional Frederico
Evandro
Assassino profissional
Dr. Noêmio Advogado, noivo de
Lisbela
Douglas Playboy, noivo de
Lisbela
Francisquinha Amante de Tãozinho
somente citada nessa
obra)
Francisquinha Amante de Citonho
Jaborandi Soldado e corneteiro,
apaixonado por cinema
Heliodoro Cabo de destacamento
Tãozinho Vendedor ambulante de
pássaros
Testa-Seca Preso
Paraíba Preso
Juvenal Soldado
Lapiau
Amigo de circo
de Leléu
No quadro de personagens apresentado, podemos observar uma grande
variação de personagens quando relacionadas às obras de partida e de chegada:
a obra fílmica aparece com um número bem reduzido, se comparada à obra
original. Isso ocorre devido ao fato de algumas funções e características dos
114
personagens da obra literária acabarem incorporadas em um único personagem
da obra adaptada, demonstrando certa economia no que tange à constituição da
obra cinematográfica, como nos sugere o quadro abaixo.
Personagens Obra Literária/Teatral Personagens Obra Fílmica (incorporando outros personagens)
Lisbela Filha do Tenente Guedes Lisbela Moça dócil e apaixonada, aficionada a cinema
Jaborandi Soldado e corneteiro, apaixonado
por cinema
Leléu Aramista e prisioneiro Leléu Malandro conquistador e prisioneiro
Testa-Seca Prisioneiro
Paraíba Prisioneiro
Citonho Velho carcereiro Citonho Velho carcereiro, criador de passarinhos
Juvenal Soldado
Heliodoro Cabo de destacamento
Tãozinho Vendedor ambulante de pássaros
Tenente Guedes Delegado Tenente Guedes Delegado
Inaura Irmã de Frederico Evandro
somente citada nessa obra)
Inaura Mulher de Frederico Evandro
Frederico Evandro Assassino profissional Frederico Evandro Assassino profissional
Dr. Nmio Advogado, noivo de Lisbela Douglas Noivo de Lisbela
Francisquinha Amante de Citonho (é somente
citada nessa obra)
Francisquinha Amante de Citonho
Lapiau Amigo de circo de Leléu NÃO CONSTA NA OBRA
Outro ponto importante de destacarmos é a forma como Lisbela é tratada
na obra original de Osman Lins, pois a personagem, embora seja o título do texto,
é praticamente retratada como elemento secundário da trama, pois suas aparições
são extremamente limitadas se comparadas ao produto audiovisual.
Na obra filmica dirigida por Guel Arraes, Lisbela ganha maior peso
dramático e praticamente uma vida nova, apresentando-se no decorrer da obra de
forma muito mais expressiva e, conseqüentemente, fazendo jus ao título de
Lisbela e o Prisioneiro, pois, no caso contrário, fica até mesmo questionável a
relação entre título e personagem.
115
4 - INTERTEXTUALIDADE E
TRANSMUTAÇÃO
4.1 - LISBELA E O PRISIONEIRO: REVISITAÇÃO OU RAÍZES NORDESTINAS?
Um dos motivos que nos levou a tecer estudos sobre a obra Lisbela e o
Prisioneiro foi justamente a questão de ser uma obra consolidada como sucesso
de crítica e bilheteria no ano de 2003, recebendo premiações diversas e críticas
das mais variadas formas possíveis. Porém, algumas críticas mencionando a falta
de criatividade do cinema nacional, que por esse motivo transpõe conteúdos
literários para as telonas, acabaram nos chamando a atenção de forma especial.
De acordo com o que foi visto ao longo desta dissertação de mestrado, a
transposição de conteúdo literário para o cinema, não é e nem vai deixar de ser
uma tendência do cinema mundial, e muito menos uma falta de criatividade,
conforme mencionado. A transmutação de obras tornou-se uma constante desde o
momento do florescimento e massificação das tecnologias do cinema.
Lisbela e o Prisioneiro também recebeu muitas críticas comparativas,
principalmente relacionando nosso objeto de estudo com outra obra do mesmo
diretor Guel Arraes: O Auto da Compadecida.
As críticas traçando paralelos em torno dessas duas obras comentam sobre
a proximidade dos dois títulos quanto ao conteúdo narrativo, cenários, cores e
116
principalmente ao elenco dos filmes, que nas duas apresentações é formado por
Selton Mello, Bruno Garcia, Marco Nanini e Aramis Trindade.
Não podemos deixar de enxergar que as obras possuem pontos similares
dentro de sua elaboração, porém também não podemos deixar de falar que as
proximidades dos dois conteúdos são inevitáveis diante das origens próprias de
cada uma delas. Em primeiro lugar, estamos analisando dois títulos e duas tramas
narrativas que decorrem no Sertão Nordestino, o qual vem sendo cenário e palco
de grandes produções brasileiras.
O Sertão Nordestino já foi explorado de diversas formas ao longo da
diacronia do cinema nacional, e podemos citar desde representações ideológicas
e de confrontação social até mesmo a abordagem desse ambiente de maneira
irônica, capaz de amenizar e encobrir os problemas existentes nessa região do
País.
As obras fílmicas que apresentam o Sertão Nordestino como cenário
tiveram suas forças declaradas desde a época do Cinema Novo, no qual podemos
destacar como grandes títulos da cinema nacional: Vidas Secas (1963), de Nelson
Pereira dos Santos, que foi amplamente estudado pela autora e doutora Anna
Maria Balogh em seu livro Conjunções, Disjunções e Transmutações Da
Literatura ao Cinema e à TV; e Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber
Rocha.
Ao enfocarmos nossas análises em O Auto da Compadecida e Lisbela e o
Prisioneiro, observamos muitas influências determinantes das proximidades entre
ambas as obras. Como se não bastasse as duas produções serem dirigidas pelo
mesmo diretor Guel Arraes , podemos verificar que o título original de Lisbela e
o Prisioneiro foi escrito por Osman Lins, classificado como um dos grandes
autores nordestinos, mas infelizmente pouco difundido na literatura brasileira.
117
Osman Lins, pernambucano nascido na cidade de Vitória de Santo Antão,
iniciou sua carreira literária quando escreveu Os Gestos (1957) e O Fiel e a Pedra
(1961), Nove Novena (1966), Avalovara (1973) e Rainha dos Cárceres da Grécia
(1976), em que teve a possibilidade de demonstrar pleno domínio das palavras,
técnicas e estilo literário. Os personagens criados em suas produções literárias
sempre foram apresentados de forma riquíssima em suas características e
potencialidades narrativas, variando desde velhos, doentes, crianças, até
mulheres em situações prosaicas da vida.
66
No teatro, Osman Lins também teve sua contribuição, dedicando-se aos
títulos: O Vale sem Sol (menção Honrosa no I Concurso Nacional da Companhia
Tônia, Celi, Autran CTCA; 1958); O Cão do Segundo Livro (1958); Os Animais
Enjaulados (1959); Os Gestos (1960); Guerra do Cansa-Cavalo (prêmio Anchieta,
1965, encenada em 1971 na inauguração do Teatro Municipal de Santo André);
Capa Verde e o Natal (prêmio Narizinho da Comissão Estadual de Teatro, 1965);
Mistério das Figuras de Barro (1974); Santa, Automóvel e Soldado (1975); e
Romance dos Soldados de Herodes (1977).
Retomando as proximidades e similaridades entre Auto da Compadecida e
Lisbela e o Prisioneiro, verificamos que as semelhanças vão além dos cenários e
atores utilizados na constituição dos filmes. O primeiro título, originalmente
desenvolvido para o teatro, tem como autor e compositor Ariano Suassuna,
paraibano nascido na cidade de Nossa Senhora das Neves, hoje conhecida como
João Pessoa, que também teve sua vida influenciada pela cultura nordestina,
assim como Osman Lins e suas influências pernambucanas.
As similaridades e influências nas obras originais que serviram como ponto
de partida para o meio cinematográfico não param por aí, pois, conforme
abordado por Sandra Nitrini:
66
LINS, Osman. Lisbela e o Prisioneiro, Posfácio, p. 112.
118
Lisbela e o Prisioneiro é o fruto de um meticuloso trabalho
preparatório, pois Osman Lins já tinha obtido menção honrosa no I
Concurso Nacional da Companhia Tônia, Celi, Autran, com a peça
O vale do sol, em 1958. Insatisfeito com sua incursão como
dramaturgo, considerando-a deficiente, matricula-se neste mesmo
ano no curso de Dramaturgia da Escola de Belas Artes de Recife,
onde vem a ser aluno de Joel Pontes, de Hermilo Borba Filho e de
Ariano Suassuna. Numa entrevista, Osman Lins mencionara este
último como professor da disciplina de play-writer, que teria exercido
uma possível influência sobre ele no que diz respeito às normas de
composição de Lisbela e o Prisioneiro.
67
Sendo assim, observamos que tanto a composição das obras de saídas,
conseqüentemente influenciadas pelas raízes nordestinas de ambos os autores,
como a influência de Ariano Suassuna sobre o exercício de roteirista de Osman
Lins compactuam para similaridades múltiplas entre suas respectivas obras. Os
textos literários e teatrais que serviram como base para as obras Fílmica dirigidas
por Guel Arraes (que, por sinal, também é pernambucano) estão impregnados de
elementos que entrelaçam as obras, tornando inevitáveis as semelhanças
existentes entre os textos originais e as obras transmutadas.
4.2 GUEL ARRAES, INTERTEXTUALIDADE E PRODUÇÕES
CONTEMPORÂNEAS
Se utilizarmos à tradução do conceito de intertextualidade realizada por
Balogh, a partir dos textos de Kristeva, Rifaterre, Jenny e Genette (Poétique,
1976), veremos que:
O termo intertextualidade designa a transposição de um ou mais
sistemas de signos em um outro. A intertextualidade constitui o
67
NITRINI, Sandra. Lisbela e o Prisioneiro, 2003, p. 113
119
trabalho de transformações e de assimilação de vários textos
operando por um texto centralizador que detém a liderança do
sentido.
68
O processo de transmutação de conteúdos, no qual verificamos o trânsito
de um texto verbal para o audiovisual, define-se por si próprio como
intertextualidade, visto que a adaptação e o fluxo de informação presente nesta
consagrada prática, representa um constante diálogo entre formatos culturais
pertencentes a diferentes suportes, ou seja, de vários textos operando sobre um
texto centralizador, e consequentemente de um meio audiovisual incorporando
vários textos dentro de si.
Ao enfocarmos nossas análises nos elementos intertextuais de Lisbela e o
Prisioneiro, observamos que a obra literária / teatral de Osman Lins, não
contempla este recurso em sua produção, pois caracteriza-se como uma obra
original e autônoma em sua feitoria, porém, ao direcionarmos nossa atenção para
a obra dirigida por Guel Arraes, veremos que a utilização deste recurso, acaba se
tornando uma constante durante o filme.
Se utilizarmos a proposta de Balogh, que nos sugere algumas tipologias e
definições para intertextualidade, veremos que o processo de fluxo textual,
conforme estudado nesta dissertação, define-se pela intertextualidade do texto
literário para o sincrético (cinema e TV) e também do sincrético para o sincrético,
ou seja, a citação e o reaproveitamento do cinema pelo próprio cinema
69
.
Identificamos a intertextualidade do sincrético para o sincrético em Lisbela e
o Prisioneiro, no que tange a proximidade do filme dirigido por Guel Arraes,
quando comparada à obra cinematográfica de Woody Allen, intitulada de A Rosa
Púrpura do Cairo. O filme dirigido por Woody Allen, retrata a vida de uma
68
Balogh. Mídia, Cultura e Comunicação. 2002, p. 79
69
BALOGH, Anna. A criação Intertextual nos processos mediáticos. Significação Revista
Brasileira de semiótica. São Paulo (18): 28 30.
120
garçonete chamada Cecília (Mia Farrow), que sustenta o marido violento e
alcoólatra durante a depressão do pós-guerra americano.
A moça foge da sua triste rotina de vida, assistindo filmes exibidos em uma
sala de cinema, até que em um determinado momento, o herói do filme que
Cecília presencia, rompe os limites da tela e se declara a ela, gerando tumulto nos
outros atores e na continuidade da trama.
A semelhança existente entre o filme de Woody Allen e o de Guel Arraes,
deve-se ao fato que as personagens Cecília e Lisbela, possuem praticamente as
mesmas características, ou seja, ambas vivem em um mundo privado de
liberdade, procuram refúgio nas obras cinematográficas, fantasiam com os atores
de cinema as suas próprias vidas, e entrelaçam-se entre a vida real e o mundo
ficcional.
Outro ponto importante de ser abordado quando analisada a
intertextualidade existente entre as duas obras, diz respeito às cenas em que os
personagens da montagem paralela interagem nos filmes. Como nos sugerem as
imagens abaixo:
Rosa Púrpura do Cairo Lisbela e o Prisioneiro
121
Nas imagens apresentadas, vemos praticamente a mesma composição e
significado das cenas, nas quais os personagens da montagem paralela
gesticulam, conversam e interagem com os personagens da narrativa principal, ou
seja, é um acréscimo existente na obra transmutada de Guel Arraes, que retoma
as mesmas características do filme dirigido por Woody Allen.
Seguindo nossas análises nas relações intertextuais do sincrético ao
sincrético, identificamos outro elemento de semelhança existente entre Lisbela e o
Prisioneiro e a obra escrita e dirigida por Cacá Diegues intitulada de Bye, Bye
Brasil. Em ambas as obras, a figura do artista mambembe é explorada
percorrendo o interior das periferias brasileiras, porém, as similaridades entre os
filmes não ficam somente por conta de retratar a arte mambembe, mas sim, pela
proximidade entre personagens (principalmente de Leléu e Lorde Cigano -
interpretado este último por José Wilker), figurinos, cenários, carros, e até mesmo
nos materiais de divulgação dos filmes, como podemos observar a seguir:
Bye Bye Brasil Lisbela e o Prisioneiro
122
Direcionando nossas análises por uma outra ótica, veremos que a própria
utilização da musica na obra transmutada, é definida como elemento intertextual
do filme, visto que praticamente todas as trilhas executadas durante o percurso
audiovisual, são adaptações de pérolas do cancioneiro popular das décadas de 60
e 70, as quais foram regravadas com novos e sofisticados arranjos.
A musica tema de Lisbela e o Prisioneiro - Você Não Me Ensinou A Te
Esquecer, composta e interpretada originalmente por Fernando Mendes, foi
adaptada e introduzida na obra cinematográfica sob interpretação de Caetano
Veloso, que atribui características dignas e capazes de reforçar o gênero
melodramático do filme, tornando a musica um dos grandes atrativos da obra em
questão.
O transito de informações que define o conceito de intertextualidade na
utilização da música, ocorre pelo motivo que as musicas introduzidas na obra
filmica, não foram criadas originalmente para essa finalidade, ou seja, tratam-se
de músicas compiladas e adaptadas para a prática cinematográfica..
Na constituição de Lisbela e o Prisioneiro, identificamos a marca do diretor
Guel Arraes e a nítida influencia da cinematografia de Jean Luc Godard em sua
forma de atuação. As mesclas entre a linguagem cinematográfica e a arte das
histórias em quadrinhos, estão presentes ao longo de toda a obra, principalmente
nas transições e ações do filme, nas quais introduzem-se textos e mensagens que
sugerem o vínculo entre um capítulo e outro, como nos mostram as imagens a
seguir:
123
A característica de Guel Arraes em mesclar o exercício da produção
audiovisual, a elementos pertinentes a outros suportes, já é conhecido desde o
inicio de seu percurso profissional na rede Globo de televisão, conforme já
analisado por Balogh:
A citação, a transposição de textos literários, musicais, fílmicos e
quadrinhos na TV é freqüente. Talvez o exemplo mais contundente
deste tipo de mutação intertextual seja a série Armação Ilimitada:
parodiava os vídeos clipes, o jornalismo, citava obras de Glauber
Rocha, utilizava onomatopéias e elementos visuais dos quadrinhos.
Curiosamente Armação Ilimitada fazia parte de uma estratégia de
criação de “Novos Formatos” na Globo e trazia nos anos 80, alguns
procedimentos intertextuais (sobretudo a remissão aos quadrinhos)
124
que caracterizaram o cinema de “Nouvelle Vague” francesa, nos
anos 60, sobretudo a cinematografia de Jean Luc Godard.
70
O seriado Armação Ilimitada, conforme abordado pela autora, foi dirigida
inicialmente por Guel Arraes, o qual participou do seriado entre os anos de 1985 a
1987, período esse em que o diretor demonstrou seu pleno domínio e influências
da de “Nouvelle Vague” francesa, na utilização de elementos intertextuais
extraídos de outros suportes,.
Cabe abordar nesse momento que a rede Globo de televisão ao longo de
sua existência, sempre demonstrou certa tendência na antecipação dos “Novos
Formatos” audiovisuais, principalmente em função de seu elevado poderio
tecnológico. Em casos mais recentes, podemos citar a novela Sinhá Moça, dirigida
por Marcelo Travesso e Luiz Antônio Pilar, que utiliza pela primeira vez no Brasil
os padrões de alta definição (High Definition) voltados à produção da telenovela,
proporcionando experimentação e pioneirismo frente a essa nova tecnologia
digital.
A intertextualidade conforme abordada, está se tornando uma das
características mais recorrentes da contemporaneidade, pois não podemos
esquecer que os meios de comunicação provenientes das altas tecnologias, estão
mesclando vários suportes e formatos textuais.
O processo de convergência das mídias, nos quais podemos citar como
meios participantes deste processo, o cinema, a TV, Internet, e-books, rádios web,
e veículos de comunicações impressos que disponibilizam seus conteúdos
eletronicamente, já nos sugerem mudanças significativas e tendências de uma
intertextualidade cada vez mais abrangente de acesso à arte e cultura, na qual
obras e conteúdos acessados, transpostos, citados e revisitados, acabam
70
BALOGH. A criação Intertextual nos processos mediáticos. Significação Revista Brasileira de
semiótica. São Paulo (18): 33
125
tornando difícil até mesmo o discernimento de quais são as fontes de saída e de
chegada frente a essa enorme gama de possibilidades.
Com isso, nos sentimos na obrigação de mencionar que o conceito de
interatividade nos meios de comunicação, no qual o receptor interage e manipula
o conteúdo que deseja acessar, este sim é inovador e na grande maioria
provenientes de conceitos modernos como hipertexto e hipermídia. Porém,
quando falamos nas características de intertextualidade (como a estudada nessa
dissertação), em que o fluxo de informação é transposto para suportes que não
sejam os seus originais, configurando consequentemente a transposição e
transmutação textual, estamos tratando de um conceito bem mais antigo, adotado
e praticado incessantemente ao longo da diacronia da arte e da cultura.
126
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo realizado nessa dissertação de mestrado, teve como objetivo
principal analisar o processo de transmutação do texto verbal para o audiovisual,
direcionando a atenção nos elementos pertinentes a cada suporte e a maneira
como ocorre o fluxo das informações de um meio para outro.
Em um primeiro momento, realizamos análises sobre o som e a música na
obra transmutada de Lisbela e o Prisioneiro, utilizando os conceitos de Marcel
Martin e Cláudia Gorbman. Embora os conceitos de Gorbman tenham sido
originalmente desenvolvidos para analisar os filmes de Hollywood, a aplicabilidade
dos estudos sugeridos pela autora, são facilmente empregados em nosso objeto.
A utilização do som na obra de Guel Arraes, denuncia a característica das
produções cinematográficas brasileiras, que pouco se preocupam com as trilhas
compostas originalmente para os filmes, porém, isso não se trata de um caso
isolado, e sim de um fato freqüente nas produções cinematográficas nacionais.
A maioria das músicas executadas durante o filme, são músicas adaptadas
e compiladas para o cinema, tendo o filme apenas duas faixas compostas
exclusivamente para a obra, porém, a participação desta no decorrer do conteúdo
audiovisual é praticamente nula. Também verificamos o uso da música durante o
percurso fílmico, seguindo os conceitos de Gorbman de continuidade, sugestão
narrativa e significadora de emoção.
A utilização do som como ruído é explorada durante o filme dentro de suas
características de base, ou seja, sob a característica de proporcionar maior
realismo nas cenas.
Pudemos observar que tanto o que tange os elementos sonoros como os
elementos de imagem da obra adaptada, se demonstram um tanto quanto
entrelaçada com a prática televisiva, pois em muitos momentos, a ausência de um
127
melhor aproveitamento dos recursos imagéticos, resulta em enquadramentos,
movimentos de câmera, planos, velocidade dos cortes e fragmentação do
conteúdo, muito próximos aos praticados nas novelas e seriados da TV brasileira,
mais especificamente, da rede Globo de Televisão.
Outro ponto que nos chamou a atenção, é o fato do filme Lisbela e o
Prisioneiro, possuir blocos em seu formato compositivo, ou seja, identificamos que
a obra fílmica nos sugere nitidamente ganchos e links entre uma cena e outra,
possibilitando sua exploração comercial de diversas maneiras, sem que o
conteúdo seja prejudicado. A obra poderia ser exibida por si própria como filme, ou
até mesmo como uma micro-série.
Um ponto extremamente importante de ser abordado sobre a obra
adaptada, e que por esse motivo nos levou a desenvolver um capítulo específico
sobre o tema, diz respeito ao domínio que o diretor Guel Arraes possui em lidar
com os elementos metalingüísticos e intertextuais em sua produção, junto a Jorge
Furtado e Pedro Cardoso, o cineasta criou um roteiro capaz de incorporar tais
elementos de maneira sutil e eficaz, o que explicita a influência de Nouvelle Vague
francesa, e da cinematografia de Godard na forma de atuação do diretor,
conforme ele mesmo declarou em entrevista prévia concedida à Revista Época.
Enfocando nossas análises especificamente no processo de transmutação,
verificamos consequentemente pontos conjuntivos e disjuntivos no processo de
adaptação da obra literária / teatral de Osman Lins, para obra cinematográfica de
Guel Arraes.
O maior ponto conjuntivo existente no processo de adaptação de Lisbela e
o Prisioneiro, diz respeito à estrutura narrativa que compõem as obras. No
Programa Narrativo Principal, o qual foi alvo de nossas análises no terceiro
capítulo deste trabalho, identificamos certa preocupação do diretor Guel Arraes,
em manter a ordem, seqüência e até mesmo parte dos diálogos dos personagens,
128
justificando dessa maneira não somente o título da adaptação, mas também
grande fidelidade na transposição do conteúdo.
Porém, se enfocarmos nossas análises no nível narrativo tomando como
referência o PN2 e PN3, identificaremos consequentemente divergências e
acréscimos existente entre as obras de saída e obra de chegada, configurando
sucessivamente em elementos disjuntivos entre os conteúdos estudados.
A maior diferença existente no PN2 quando comparada a obra original e a
adaptada, corresponde ao fato que na obra literária/teatral, Inaura é irmã de
Frederico Evandro, enquanto na obra audiovisual, a mesma personagem surge
como esposa do temido matador. Se utilizarmos como referência o PN3, veremos
que este é uma criação de Guel Arraes, não possuindo qualquer menção na obra
original.
As maiores divergências observadas entre obra de saída e obra de
chegada, ficam por conta do nível discursivo, e consequentemente no plano de
expressão, como abordado por Balogh:
O problema da tradução desemboca sempre no plano da expressão
como o elemento diferenciador mais óbvio do processo, tanto na
tradução interlingual quanto na intersemiótica. Naturalmente, o
plano da expressão está ligado ao do conteúdo e aos seus recortes
nos quais cada língua ou cada sistema de representação dividem ao
sentido.
71
Com isso, verificamos que no processo de adaptação do conteúdo verbal
para o audiovisual, o maior ponto disjuntivo entre a obra original e obra
transmutada, prevaleceu no plano de expressão, e nos elementos condizentes a
temporalização, espacialização e actorialização. Demonstrando dessa maneira
71
BALOGH, Anna Maria. Conjunções, Disjunções e Transmutações Da Literatura ao Cinema e à
TV. 2005, p. 51
129
que embora a narrativa permaneça com boa parte de sua estrutura inalterada, é o
plano de expressão quem dita grande parte das disjunções em função das
propriedades inerentes a cada suporte.
130
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