A percepção estética não é explicada pela semiótica. Na obra de arte, no espaço
artístico, a representação figurativa não é a da semiótica, não remete a símbolos, ícones ou
indícios, mas refere-se ao corpo do artista.
Para José Gil, essa experiência estética ocorre no corpo:
O corpo é referente não só porque constitui o sistema de coordenadas que
dá a sua orientação ao espaço, mas porque é o agente (o operador) da relação real
das coisas entre si: ver uma coisa, depois outra, situar uma em relação à outra, é
percorrer com o corpo a distância que os separa; e todas as distâncias possíveis das
coisas sobre as quais incide a minha vista ao meu corpo. Só a linguagem desliga as
coisas da visão, libertando-as do corpo que deixa de ser o referente imediatamente
dado: a relação dos objetos percebidos no espaço é agora pensada. (Apud GIL,
1996: 51 - O grifo é meu)
O olhar está entre a visão e a linguagem. O olhar é não-verbal.
O olhar escava a visão, imprime sulcos na paisagem, diferencia-a em
múltiplos núcleos de forças, modula a luz e a sombra, introduz os primeiros filtros
seletivos da percepção. Olhar - não ver, unicamente - é dizer as coisas - não ainda
nomeá-las. (Apud GIL, 1996: 52)
Há duas distinções nesta frase que devem ser marcadas, a primeira, que tem percorrido
o texto até aqui, é a diferença entre ver e olhar; a segunda, que é introduzida nesse momento,
é entre dizer e nomear. Conseqüentemente, há duas categorias de palavras, poderíamos pensar
em palavra corpo, e palavra simbólica. Entendo a palavra-corpo na dimensão da “falha
básica”
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teorizada por Balint e palavra-simbólica a do conflito edípico. O analista sente o
clima de seu encontro com o analisando, e vê, ouvindo as palavras-corpo.
São pequenas percepções, unidades infinitesimais, pequenas unidades da visão. O
olhar vai apreender essas pequenas percepções, olhando a atmosfera.
As simpatias, antipatias, amores ou ódios à primeira vista, certamente estão
relacionados à massa primitiva, ao reservatório de experiência que se mistura às imagens
presentes. Não é só um traço, embora o traço mnêmico participe desta experiência, mas faz
parte de um conjunto, trata-se de uma troca que dá a vivência de um clima específico.
Como conseqüência clínica, torna-se impossível interpretar que a vivência do presente
é devida a um passado não elaborado, reprimido. O presente nos toca, e por vezes toca no
reservatório de vivências que dá um colorido próprio àquela situação. Não há, nesta forma de
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Balint, no livro A falha básica: aspectos terapêuticos da regressão, teorizou que há dois níveis de trabalho
analítico, que designou como nível da falha básica e nível edípico. As palavras, segundo o autor, possuem
significados diversos se são faladas no contexto de um ou de outro nível. O nível edípico é, em geral, mais
familiar e menos problemático para o analista; ao contrário, o nível da falha básica exige do analista a
capacidade de ouvir, ver e falar neste nível.
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