homem a tomasse nos braços, ela não sentiria através dos noivos
nenhuma doçura muito doce; seria ao contrário, como suco ácido de
limão” e que “seria madeira seca perto do fogo, torcendo-se prestes
a estalar”(estou traduzindo do francês)
171
.
Um amor tão forte que ela só podia esgotar a paixão através do ódio.
(...) Não estava maduro para entender que, em Joana ou em Clarice,
“o ódio pode transformar-se em amor”, não sendo mais do que “uma
procura de amor”. Não soube liberá-la do “medo de não amar”.
Talvez, como Otávio, eu não tivesse amado “como uma mulher que se
abandona” e tivesse necessidade de que ela fosse “fria e segura”.
Acabei dizendo, “como na infância, quase vitorioso: não tenho
culpa”.
(...) Nunca cheguei a compreender a intensidade de um ciúme, sempre
negando e profundamente reprimido por Joana e Clarice, que fizesse
com que detestassem Otávio e Maury.
(...) Lídia, ao contrário, e que também é uma faceta de Clarice, “não
tem medo do prazer e o aceita sem remorso” (página 173). Perdoe-
me, meu benzinho, de não ter sabido, em dezesseis anos de
casamento, realizar a reconciliação de ambas. Não ter sabido
convencer Joana de que ela e Lídia eram, e são, a mesma pessoa em
Clarice. Joana não precisava invejar Lídia nem você precisava
invejar as famosas “mulheres doces” que se interpuseram entre nós,
nesses dezesseis anos, e de quem você sentia ciúme, inconfessado e
reprimido, que explodia em raiva
172
.
Com essas premissas, não seria de estranhar que Joana visse o
casamento como um fim, como a morte (páginas 182 a 183). Não
seria de estranhar que Joana quisesse ter um filho de Otávio, para
depois abandonar o marido, devolvendo este a Lídia. Perfeitamente
lógico que Clarice, cumprindo mais ou menos o destino de Joana,
devolvesse a “beleza” do Maury ao mundo, às “mulheres doces e
meigas”. Poderia continuar citando mas teria que copiar inteiro esse
grande livro, profundo documento e depoimento de uma alma de
mulher adolescente de uma grande artista. Desculpe-me, meu bem,
invadir dessa forma e possivelmente com enormes distorções, uma
seara que você guarda tão “pudorosamente” (existe a palavra?). Não
posso conformar-me, porém. Sem tornar, fora de brincadeira,
literalmente a analogia, não posso conformar-me com o fato de você
estar palmilhando, de certa forma, na vida real, o destino de Joana.
Com toda a sinceridade, sem falar nos filhos que, por força das
circunstâncias, acabarão gradativamente “perdendo o pai”,
reduzindo este a um mero financiador de sua vida e estudos. Com
toda a sinceridade, o propósito desta carta é dizer-lhe que, sofrendo
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171 Ibidem , p.318.
172 Ibidem , p.319.