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ANGELA ELZA FORTES DE ALMEIDA PRADO
FAMÍLIA EM TRÂNSITO:
Tecendo Redes Sociais
MESTRADO: PSICOLOGIA CLÍNICA
PUC/SP
2006
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ANGELA ELZA FORTES DE ALMEIDA PRADO
FAMÍLIA EM TRÂNSITO:
Tecendo Redes Sociais
Disse
rtação de Mestrado apresentada
como exigência parcial para a obtenção do
título de Mestre em Psicologia Clínica, à
Comissão Julgadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob
a orientação da Profª. Dra. Ceneide Maria
de Oliveira Cerveny
PUC/SP
2006
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COMISSÃO JULGADORA
____________________________
____________________________
____________________________
AGRADECIMENTOS
No trajeto deste trabalho pude contar com a colaboração de muitas pessoas especiais,
as quais gostaria de agradecer de forma especial:
À Professora Dra Ceneide Maria de Oliveira Cerveny, minha querida orientadora,
agradeço pela forma como conduziu minhas idéias e enriqueceu-as com as suas, pela maneira
como trouxe suas reflexões críticas sobre meu trabalho, pela confiança e acima de tudo pelo
respeito. Com sua orientação, eu realmente me senti respeitada como orientanda. Também,
gostaria de agradecer por toda paciência e acolhimento que teve comigo, durante o ano de
2005. Muito Obrigada.
À Professora Dra Rosa Macedo, agradeço pelo seu profundo conhecimento, dividido
ao longo do curso de pós-graduação e especialmente por ter sido tão acolhedora quando tanto
precisei. Muito Obrigada.
À Professora Dra Marilza Terezinha Soares de Souza e ao Professor Dr. Antonio da
Costa Ciampa, pelas orientações e direcionamentos recebidos durante o exame de
qualificação, o que fez uma grande diferença no meu trabalho.
Agradeço também às amigas e colegas de jornada, pelo carinho e importante
colaboração na realização dessa pesquisa.
À Vera, nossa secretária, pela prontidão em me auxiliar, sempre que necessário.
Meus agradecimentos ao CNPQ pela concessão da bolsa.
Ao Marcelo, pela disponibilidade em me ajudar nas intermináveis digitações, tabelas,
diagramações, entre outros. Sua ajuda foi de grande valia. Muito Obrigada.
À minha querida amiga Tereza B. P. Monteiro, que tão carinhosamente, me ajudou
com as revisões de texto. Agradeço também ao Renan, à Júlia e à Beatriz pela compreensão e
paciência. Vocês sempre serão muito importantes na minha vida.
Aos meus pais, minha eterna gratidão por todos ensinamentos e por ter compartilhado
comigo essa jornada de vida.
Aos meus filhos, Rafael, Flávia, com os quais venho aprendendo, a cada etapa de
nossas vidas, uma nova maneira de ser mãe. Poder formar com vocês uma família é minha
grande conquista e minha maior felicidade. Amo muito vocês.
Minha enorme gratidão ao meu companheiro Sérgio, pela forma carinhosa que soube
perdoar minhas ausências neste momento, por toda compreensão e todo apoio, para que eu
pudesse estar nessa empreitada com tranqüilidade. Muito obrigada por tudo que vivemos e
por tudo que ainda viveremos juntos. Te amo muito.
Por fim, gostaria de expressar minha eterna gratidão a todos aqueles que dividiram
comigo suas histórias. Sem vocês a construção desse conhecimento não teria sido possível.
A ILUSÃO DO MIGRANTE
Carlos Drummond de Andrade
Quando vim da minha terra,
se é que vim da minha terra
(não estou morto por lá?),
a correnteza do rio
me sussurrou vagamente
que eu havia de quedar lá onde me despedia.
Os morros, empaledecidos
no entrecerrar-se da tarde,
pareciam me dizer
que não se pode voltar,
porque tudo é conseqüência
de um certo nascer ali.
Quando vim, se é que vim
de algum para outro lugar,
o mundo girava, alheio
à minha baça pessoa,
e no seu giro entrevi
que não se vai nem se volta
de sítio algum a nenhum.
Que carregamos as coisas,
moldura da nossa vida,
rígida cerca de arame,
na mais anônima célula,
e um chão, um riso, uma voz
ressoam incessantemente
em nossas fundas paredes.
Novas coisas, sucedendo-se,
iludem a nossa fome
de primitivo alimento.
As descobertas são máscaras
do mais obscuro real,
essa ferida alastrada
na pele de nossas almas
Quando vim da minha terra,
não vim,perdi-me no espaço,
na ilusão de ter saído.
Ai de mim, nunca saí.
Lá estou eu, enterrado
por baixo das falas mansas,
por baixo de negras sombras,
por baixo de lavras de ouro,
por baixo de gerações,
por baixo, eu sei, de mim mesmo,
estive vivente enganado, enganoso.
RESUMO
Este estudo teve por objetivo analisar e compreender como acontece a formação e
manutenção das redes sociais, a partir da experiência de famílias que vivenciam a migração
interna, por motivos de mudança ou transferência de emprego de um dos cônjuges. O trabalho
foi realizado utilizando-se a metodologia de pesquisa qualitativa, com a abordagem no Estudo
de Caso. Os participantes foram quatro casais que atenderam os critérios previamente
estabelecidos, sendo convidados pelo recurso “bola de neve”. Como instrumento de trabalho
foi adotado, a entrevista semi-estruturada e o Mapa da Rede Social dos participantes. Para a
análise de dados, utilizou-se a análise qualitativa para compreensão do fenômeno. O
conhecimento que emergiu dos dados analisados, revelou que as Redes Sociais mais
importantes estão fundamentadas nas relações de parentesco, de amizade, de trabalho e na
origem comum. Essas relações são adaptadas no decorrer do tempo e são reforçadas pela
experiência comum da migração. O processo migratório pode trazer crescimento,
desenvolvimento e inúmeras transformações significativas nos relacionamentos familiares,
desde que exista abertura e adaptação às novas redes, além de uma relação saudável com a
antiga, demonstrando a importância que as Redes Sociais exercem na migração, e que a
migração por si, é um processo de construção de Redes Sociais, que tanto depende quanto
reforça as relações sociais através do tempo e do espaço.
Palavras Chave : Migração – Redes Sociais – Família em Trânsito
ABSTRACT
The purpose of this study was to analyze and comprehend the formation and maintenance of
the Social Network, from the experience of families that live the internal migrations, either by
moving reasons or job transfers from one of the consorts. The study was accomplished
through the use of the qualitative resource methodology, with the Case Study approach. The
participants were formed by four married couples who attended all the criteria previously
established, being invited by the “snowball” resource. The half-structured interview was
adapted as a tool work, as well as the Social Network Map of the participants. The qualitative
analysis was used for the comprehension of the phenomena. The knowledge demonstrated
with the data analysis revealed that the most important Social Network are those based on
family, friendship and work relationships, and also in the common experience of the
migration. The migratory process can bring growth, development and countless meaningful
transformations to the family relationships, once there is opening and adaptation to the new
connections, and a healthy relation with the old ones, demonstrating the importance that the
Social Network take on the migration. The migration by itself is a process of Social Network
formation that reinforces the social relationships through time and space.
Keywords: Migration – Social Network – Family in Transit
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1 ............................................................................................................................. 1
MIGRAÇÃO .............................................................................................................................. 1
1.1 CONCEITO.................................................................................................................... 1
1.2 MIGRAÇÃO NO CONTEXTO HISTÓRICO .............................................................. 1
1.3 MIGRAÇÃO INTERNA NO BRASIL.......................................................................... 3
1.4 MIGRAÇÃO NA ATUALIDADE ................................................................................ 5
1.5 MIGRAÇÃO – UMA VISÃO SISTÊMICA ................................................................. 5
CAPÍTULO 2 ........................................................................................................................... 11
REDES SOCIAIS..................................................................................................................... 11
2.1 CONCEITO.................................................................................................................... 11
2.2 MODELO DA REDE SOCIAL ..................................................................................... 14
2.2.1 Características Estruturais das Redes..................................................................... 16
2.2.2 Funções da Rede..................................................................................................... 17
2.2.3 Atributos do Vínculo.............................................................................................. 18
2.3. FORMAÇÃO E MANUTENÇÃO DAS REDES......................................................... 19
2.4 IMPORTÂNCIA DAS REDES SOCIAIS..................................................................... 20
CAPÍTULO 3 ........................................................................................................................... 23
FAMÍLIAS EM TRÂNSITO ................................................................................................... 23
3.1 UMA FORMA DE MIGRAÇÃO ................................................................................ 23
3.2. PERDAS E GANHOS .................................................................................................. 26
3.2.1 Luto pela Família e Amigos.................................................................................... 27
3.2.2 Luto pelo contexto geográfico................................................................................. 27
3.2.3 Rituais...................................................................................................................... 28
3.2.4 Objetos Transicionais.............................................................................................. 28
3.2.5 Famílias substitutas ................................................................................................. 29
CAPÍTULO 4 ........................................................................................................................... 30
FAMÍLIAS EM TRÂNSITO E REDES SOCIAIS.................................................................. 30
4.1 REDES SOCIAIS – GÊNERO ...................................................................................... 32
4.2 REDES SOCIAIS – ETNIA........................................................................................... 33
4.3 REDES SOCIAIS – CICLO VITAL.............................................................................. 34
CAPÍTULO 5 ........................................................................................................................... 42
MÉTODO................................................................................................................................. 42
5.1 REFLEXÕES SOBRE A ESCOLHA METODOLÓGICA........................................... 42
5.2 A ESCOLHA DO MÉTODO DE PESQUISA ............................................................. 44
5.2.1 Participantes ............................................................................................................ 45
5.2.2 Procedimento para Coleta de Dados ....................................................................... 46
5.2.3 Instrumentos............................................................................................................ 47
5.2.4 Análise de Dados..................................................................................................... 48
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS .............................................................................. 50
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................... 87
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................... 91
ANEXOS.................................................................................................................................. 95
INTRODUÇÃO
Para iniciar, gostaria de contextualizar este estudo, pois assim o leitor poderá ter
melhor entendimento desta pesquisa. Para isso, acredito ser interessante salientar que resido e
atuo profissionalmente em Poços de Caldas, cidade com 150.000 habitantes, localizada no Sul
de Minas Gerais, a 290 km de São Paulo e 560 km de Belo Horizonte. É uma cidade turística,
com grande beleza natural e muita tranqüilidade, o que justifica a grande procura das pessoas
para residirem aqui, mas ela também abriga algumas empresas multinacionais, como Alcoa,
Rhodia, Danone e Ferrero Rocher. Com isso, tem-se notado grande fluxo de famílias
chegando à cidade ou partindo dela, em função destas empresas. Mas elas não são as únicas
responsáveis por essa migração; encontramos também, nesta população, gerentes de bancos e
professores universitários, entre outros profissionais.
Assim, observa-se o aparecimento de um novo universo e, minha curiosidade, é o de
compreender como funcionam algumas destas famílias migrantes, principalmente em relação
às suas redes sociais, como conservam as redes que são deixadas para trás e que lugar ocupam
as novas.
Este movimento é parte integrante do processo de “globalização”, palavra tão em
moda atualmente, e como toda palavra em moda existe uma tendência a ter um mesmo
destino: tornar-se opaca em conseqüência de ter-se tantas tentativas de explicação. Mas,
mesmo assim, achei interessante me posicionar diante deste fenômeno, uma vez que este
fenômeno fará parte desta pesquisa.
Concordo com Bauman (1999), quando diz que a globalização tanto divide como une.
Conjuntamente, os dois processos intimamente relacionados diferenciam nitidamente as
condições existenciais inteiras e de vários segmentos de cada população. Para alguns,
globalização significa liberdade, expansão e conquistas, para outros pode parecer o inverso,
trazendo junto um destino indesejado. Assim, observa-se que com a globalização, muitas
empresas, universidades e outros órgãos ampliam seus territórios de influência por diversos
lugares e, para isso, carregam temporariamente seus empregados de uma sede para outra.
Percebe-se também a constante expansão das oportunidades por todo o planeta. Assim sendo,
presenciamos grande trânsito de famílias, que saem em busca de novos desafios profissionais,
fazendo emergir novo contexto nos atendimentos clínicos, ou seja, de indivíduos ou famílias,
que mudam de cidade, Estado ou país, temporariamente, mas com a ‘passagem de volta’
comprada, que sem data marcada. Esse fato, muitas vezes, acarreta problemas de
relacionamento e adaptação.
Foi a partir da observação prática na minha clínica, que surgiu o interesse por esta
realidade, tendo em vista o aumento de clientes com esse tipo de experiência que procuram
atendimento psicoterápico.
Neste contexto, na maioria das vezes, encontro famílias em que o marido é o
responsável pela transferência e pela mudança. Ele sai para trabalhar e cabe à mulher os
cuidados com os filhos, perdendo muitas vezes a oportunidade de levar adiante seu plano de
desenvolvimento profissional. Pelas minhas observações, acredito que o que pode parecer
uma família moderna, em movimento, na realidade pode encobrir uma das formas mais
tradicionais de modelo familiar, no qual a mulher tem a função de dona-de-casa, esposa e
mãe, enquanto ao homem cabe a função de provedor.
Não poderia deixar de citar, casos em que as mulheres são as responsáveis pela
mudança da família, quando são transferidas no emprego. Nestes casos, que representam
minoria, se formam diversos modelos familiares. Ora, o marido assume as funções de cuidar
da casa e dos filhos; ora, ele vai procurar se inserir profissionalmente no novo local de morada
e, às vezes, faz a opção de não acompanhar a família, formando na maioria das vezes a
‘família acordeão’, que se encontra apenas nos fins-de-semana.
De qualquer forma, não há dúvidas de que a estrutura familiar está passando por
grandes transformações e, entendo, que é preciso compreender e identificar quais são os
elementos envolvidos nestas mudanças. Acredito que este contexto de migração, o qual estou
interessada em estudar, faça parte destas mudanças que acarretam novas estruturas familiares.
Durante o processo de migração uma quebra na rede social de apoio, muitos laços sociais
são deixados para trás e, nem sempre, as novas relações satisfazem as necessidades pessoais.
Observa-se que as famílias em trânsito precisam vencer alguns desafios a mais, além dos
obstáculos inerentes ao curso do processo de uma família que não se submeta a tal
empreendimento. Por isso, talvez seja necessário compreender um pouco os obstáculos pelos
quais passam as famílias em trânsito, para poder entender melhor os fatores estressantes e os
conflitos familiares inerentes ao processo deste tipo de migração.
Por falar em migração, gostaria de citar que durante minha jornada, enquanto estudava
o tema na literatura, a palavra ‘migração’ parecia não representar muito bem o que eu estava
querendo dizer sobre as famílias que se mudam, em função da transferência ou mudança de
emprego de um dos cônjuges. Por isso, resolvi adotar o termo ‘famílias em trânsito’ para este
estudo, como sendo as que migram de cidade ou Estado, por um período de tempo
indeterminado. Em geral, são formadas por famílias de executivos de empresas, professores
universitários, esportistas e empregados de órgãos públicos ou federais, que migram de forma
transitória.
Pela palavra ‘migração’ entende-se o ato de mudar, deslocar-se periodicamente e/ou
permanentemente de uma região, cidade, Estado, país ou até de um bairro para outro
(Dicionário Aurélio,1999). Já ‘famílias em trânsito’ são as que estão em processo de
migração, mas com a idéia de que o local para o qual estão sendo transferidas é uma
passagem, apenas não se sabe por quanto tempo, mas a volta é uma referência que se conhece
desde o principio. Em alguns casos, pode-se saber aquando vão ficar no lugar de destino,
por terem um contrato com limite de tempo estabelecido. Mas, na maioria das vezes, não se
sabe quando vai ser o regresso, podendo inclusive ser esta família transferida para outro lugar
de destino. Em geral, são famílias que carregam na bagagem de vida várias experiências de
migrações transitórias.
A mudança, por si só, é fator de estresse, e as famílias em trânsito estão expostas a
adaptações que não são fáceis, nem tão glamurosas como são vistas por quem está de fora.
Muitas vezes, os integrantes destas famílias são vistos como pessoas privilegiadas, que estão
tendo uma experiência atraente e excitante, sem nenhum componente negativo, que, em
geral, estão indo em busca de melhores condições econômicas.
Como cita Koremblum (2004), existe um paradoxo que se assemelha à ‘jaula de ouro’.
O cônjuge (geralmente a mulher) e os filhos acompanham a decisão, fazendo com que toda
família assuma o desafio. Uma das dificuldades mais importantes que surge nestas famílias se
refere à formação e manutenção de suas redes sociais. Além da rede social familiar, temos de
observar que cada integrante deste sistema tem suas próprias redes, que sofrerão impactos
nesta mudança.
Assim, tendo esse panorama como ponto de partida, propus-me a responder ao
seguinte problema de pesquisa: como as famílias que migram, em função de um de seus
elementos ter mudado ou sido transferido no emprego, atuam com suas antigas e novas redes
sociais?
Para isso, os objetivos deste estudo foram configurados da seguinte forma:
Objetivo geral: Compreender como acontece a formação e manutenção das redes
sociais, a partir da experiência de famílias que vivenciam a migração interna, por motivos de
mudança ou transferência de emprego de um dos cônjuges.
Objetivos específicos: Compreender os seguintes aspectos:
- Qual a importância da antiga rede social da família em trânsito no seu processo
migratório?
- Qual a importância da nova rede social da família em trânsito no seu processo
migratório?
- Como se caracteriza a relação da família em trânsito com suas redes sociais, tanto as
antigas como as novas, durante a migração?
- Quais os fatores que influenciam nessa relação?
Espero, com isso, que o resultado desta pesquisa possa gerar discussões e práticas,
que venham a se transformar em ações de auxílio para os profissionais envolvidos com
famílias que passam por esse tipo de experiência, e que este estudo possa ter importantes
implicações preventivas e terapêuticas.
1
CAPÍTULO 1
MIGRAÇÃO
1.1 CONCEITO
Entende-se por migrar o ato de mudar, deslocar-se periodicamente e/ou
permanentemente de uma região, cidade, país, Estado ou de um bairro para outro.
(Dicionário Aurélio, 1999)
Neste estudo, proponho compreender um tipo de migração interna, que é o
movimento das pessoas que se processa dentro de um mesmo país. Segundo Silva
(1999), este movimento pode se apresentar de maneiras distintas, que podem ser:
-
Migração Inter-Regional – a que se realiza entre regiões.
-
Migração Intra-Regional – a que se realiza dentro de uma mesma região.
-
Transumância nome dado aos deslocamentos populacionais temporários
relacionados às estações do ano, às atividades econômicas, às condições
climáticas, entre outros.
-
Êxodo Rural – também denominado migração campo-cidade.
Nesta pesquisa, estou tentando compreender a migração inter e intra-regional,
uma vez que estaremos estudando famílias que se mudam de cidade ou Estado, em
função da transferência de emprego de um dos cônjuges.
1.2 MIGRAÇÃO NO CONTEXTO HISTÓRICO
A migração dos povos faz parte da história da humanidade. Desde os tempos
primórdios, o homem vive em constantes deslocamentos, buscando melhores condições
de vida. A luta pela sobrevivência sempre atuou como o fator responsável pelo êxodo de
populações inteiras, em busca de uma terra onde o alimento fosse mais fácil de ser
obtido. Faz parte das crenças do universo judaico-cristão a promessa que Deus fez a
2
Moisés, contida no Livro do Êxodo: Ide para a Terra onde corre o leite e o mel”,
portanto uma terra de promissão, onde ... incorpora-se a idéia de uma nova
realidade, de um espaço novo e diferente e, no fundo, é o mito que cada indivíduo
carrega dentro de si, da esperança de vivenciar uma realidade melhor.” (Santos,1999,
p.141).
Assim, observa-se já na história a migração ligada exclusivamente aos fatores
positivos, a busca por um outro lugar melhor para se viver, que, a primeira vista, contém
apenas aspectos positivos. Entretanto, os migrantes contam que na verdade têm de
trabalhar muito para adquirir um pedaço de terra, para ocupar o seu espaço, e percebem
que nem tudo é esse ‘paraíso terrestre’. Também encontram dificuldades, sofrimento e
saudades da sua terra e dos familiares que ficam.
Movimentos migratórios são uma constante na história mundial. Populações se
deslocam para fugir de guerras, perseguições ou simplesmente em busca de melhores
condições de vida. No Brasil, encontramos esse movimento muito relacionado à busca
de trabalho e melhores condições de vida, principalmente nas cidades grandes. Mas a
cidade não consegue absorver toda população migrante, e boa parte dessa população
não encontra emprego e acaba marginalizada e menos favorecida economicamente,
acabando por ter de viver em favelas ou mesmo nas ruas. (IBGE,28.09.2005)
Mas nem sempre a migração ocorre nas famílias em situações precárias, ou seja,
nem sempre a migração é provocada por questões econômicas. As pessoas podem ser
movidas a migrar por razões diferentes. Os fatores que podem influir nesse processo e
os que mais têm sido encontrados o: alternativa de estudo, oferta de emprego, busca
por uma cidade com mais atrativos ou mais segurança e transferência no trabalho. E é
justamente nesse último fator que estará voltado o maior interesse desta pesquisa.
No Brasil, a história da migração está diretamente ligada à própria história e
formação do país. Desde seu descobrimento em 1500, pelos portugueses, o país
começou a receber diferentes povos, principalmente, para trabalhos escravos vindos da
África.
O primeiro registro oficial da imigração no Brasil data de 1808, quando o
príncipe D. João baixou um decreto criando condições para atrair imigrantes não
lusitanos para o Brasil. (IBGE, 2005)
3
Durante todo século XIX e até meados do século XX, o Brasil recebeu enorme
fluxo de imigrantes de diversas nacionalidades. A maioria desses imigrantes pertencia
as camadas pobres da população européia e era formada por pequenos comerciantes,
operários e artesãos que viviam situações particulares em seu país de origem, como
guerra, conflitos religiosos e crises sócio-econômicas, das quais estavam fugindo.
1.3 MIGRAÇÃO INTERNA NO BRASIL
O processo imigratório continua acontecendo no Brasil, principalmente com a
chegada dos imigrantes asiáticos. Mas aqui também encontramos forte corrente
migratória que, como qualquer outro fenômeno social de grande significado na vida
sócio-econômica da nação, faz parte de um processo global de mudanças, que merece
ser estudada em suas diversas nuances.
A grande maioria dos estudos de migração interna (Balan,1979; Silva,1999;
Singer,1995; Menezes,2000) é freqüentemente direcionada para a análise comparativa
de fluxos populacionais e seu significado social. Assim os estudos indicam que, no
Brasil, as migrações internas passaram a ocorrer com maior intensidade na década de
30, quando uma série de mudanças estruturais na economia e na política levou à
construção de um ambiente propício à mobilidade interna da mão-de-obra. Aquela
década marcou a passagem da fase de exportação de produtos agrícolas para o
incremento do mercado interno, fazendo com que a agricultura entrasse em retração
para abrir espaço para a instalação de indústrias. Essa mudança foi mais expressiva nos
Estados do Sudeste (principalmente São Paulo), redefinindo as relações econômicas
inter-regionais, mas mantendo os desequilíbrios decorrentes da economia exportadora,
com a dominação nacional das economias do Sudeste.
Essas desigualdades regionais podem ser encaradas como o fator principal das
migrações internas, que acompanham a industrialização nos moldes capitalista. Com
isso, as regiões favorecidas não cessam de acumular vantagens, enquanto as
desfavorecidas sofrem um empobrecimento relativo.
A partir da década de 30, o mercado consumidor, a mão-de-obra especializada e
a infra-estrutura do país definiram o eixo Rio-SP como área de centralização política e
4
econômica. Naquela década, São Paulo superou o Rio de Janeiro na área industrial,
favorecido pela migração de trabalhadores, além dos avanços tecnológicos e industriais
e pela diversificação da agricultura, gerando novo complexo nas relações campo-cidade.
Os fatores que mais contribuíram para a intensificação da migração interna, que
se estendeu a a década de 60, foram a crise do ca e a industrialização, que se
desenvolveu mais no Sudeste. Em contrapartida, o Nordeste passou a enfrentar um
período de retração, fornecendo mão-de-obra para as indústrias do Sudeste. Durante a
década de 50-60, ocorreu grande fluxo migratório para a região do Centro-Oeste, com a
construção e instalação de Brasília.
Segundo Balan (1979), o deslocamento das populações de diversos pontos do
país em direção ao Sudeste provocou grande crescimento populacional, durante os
últimos 60 anos. Talvez o impacto mais expressivo das migrações internas no Brasil,
após 1930, tenha ocorrido nos grandes centros urbanos, justificando a definição de
Singer, que diz que: a industrialização força a redefinição das relações entre campo
cidade, reformulando os desequilíbrios inter-regionais.” (1995, p .48 )
Talvez para entender o processo brasileiro de urbanização e industrialização seja
necessário analisar e compreender o processo migratório interno, que ocorreu no país
nos últimos 60 anos.
O censo de 1970 (IBGE, 28.09.2005) mostrou novo processo em curso em
relação às cidades. Desde então, verificou-se uma multiplicação do número de grandes
cidades, sem, contudo, estabelecer o fim dos contrastes verificados entre os dois
extremos, ou seja, Sudeste e Nordeste. As grandes cidades surgiram ou aumentaram em
todo país, devido a um intenso movimento migratório de âmbito nacional. Essas cidades
se espalharam de modo heterogêneo, refletindo o crescimento econômico diferenciado
das regiões. Entretanto, verificou-se uma centralização econômica, industrial e
financeira no Sul e Sudeste, o que justifica a concentração de muitas cidades grandes
nessas regiões.
5
1.4 MIGRAÇÃO NA ATUALIDADE
A literatura referente à migração indica, na maioria das vezes, estudos relativos
aos fluxos migratórios para as grandes cidades, com migrantes pouco qualificados
inserindo-se no mercado de trabalho, em profissões menos valorizadas, que não exigem
qualificação profissional e, em conseqüência, com menor remuneração. (Singer, 1995;
Balan, 1979; Silva, 1999 ; Santos,1999)
Nos dias atuais, entretanto, muitos movimentos migratórios ocorrem em direção
às diversas regiões do Brasil. O fator econômico sempre foi um dos atrativos das
grandes cidades, mas atualmente muitas pessoas têm trocado os centros urbanos pelos
interioranos em busca de melhor qualidade de vida e mais segurança, o que tem
provocado descentralização das atividades econômicas. (Singer, 1995)
É importante chamar a atenção para um fenômeno que tem acontecido na
sociedade brasileira, em relação à migração interna, que é o deslocamento para a
‘mobilidade social’, ou seja, a possibilidade que o indivíduo tem de mover-se na escala
social, por meio de uma bem sucedida mobilidade ocupacional e melhoria no padrão de
renda, no lugar de destino.
Também é válido lembrar que nem todos os migrantes provêm de uma classe
desfavorecida social e econômica. Parcela expressiva é originária de uma classe com
boas condições culturais e econômicas, e a migração não altera essa condição. Em geral,
eles apresentam menor dificuldade em se estruturarem para as questões práticas que
envolvem a migração, como local de moradia, manutenção dos filhos em boas escolas e
participação de clubes sociais, entre outras.
1.5 MIGRAÇÃO – UMA VISÃO SISTÊMICA
Para Ludwig Von Bertalanffy (1968), a Teoria Geral dos Sistemas define
sistemas como um complexo de elementos em interação, elementos esses que
correspondem a subsistemas e que, em uma relação de retroalimentação e
interdependência, compõem o sistema mais amplo.
6
Assim podemos dizer que somos seres em relação, que temos nossa influência e
somos influenciados por sistemas dos quais fazemos parte. Concordo com Sluzki
(1997) quando diz que, dentro de um modelo sistêmico, podemos dizer que a família
pode ser pensada como um sistema de relações, e acredito que o mesmo vale para o
indivíduo. Isso significa que somos produtos do sistema, ao mesmo tempo em que
somos produtores dele.
Entende-se por sistemas as totalidades que não podem ser reduzidas às suas
partes menores, sendo classificados como abertos ou fechados. Os sistemas fechados
possuem circulação de energia, mas não podem trocar essa energia ou matéria com o
meio. Já os sistemas abertos também possuem circulação de energia, mas podem
realizar trocas, tanto com o meio como internamente com as suas partes. São essas
trocas que garantem a continuidade de sua existência, por meio dessa possibilidade de
mudança e capacidade de reprodução. E é dentro dessa classificação, ou seja, o de
sistema aberto, que encontramos os sistemas familiar e individual.
Assim como Feijó, acredito que “vivemos numa amplitude de contextos e de
relações, através das quais confirmamos e reconstruímos nossa identidade, que é um
processo dinâmico e infinito, individual e social” (2002, pg.10).
Esta é uma das facetas que pretendo estudar, observando e compreendendo os
diversos conjuntos de elementos das redes sociais. Para entender a migração, dentro de
uma visão sistêmica, é preciso entender primeiro quais são os princípios que regem os
sistemas abertos, propostos por Bertalanffy (1968), para depois correlacioná-los ao
processo migratório. Diante disso, tem-se o seguinte:
Homeostase é a disposição natural que a família possui de manter-se em um
padrão preestabelecido de relacionamentos, criando dispositivos que impeçam
mudanças nesse padrão. Durante o processo migratório, os dispositivos lançados pelas
famílias, no sentido de não alterar seus padrões de relações, podem se tornar fatores
muito estressantes para todos, produzindo uma rigidez absoluta e impedindo o
desenvolvimento de seus membros.
Morfogênese designa a transformação estrutural e funcional na família, de
maneira a configurar uma evolução em termos qualitativos da mesma. É a capacidade
de transformação por meio da flexibilidade e adaptabilidade. Sendo assim, entendo que
este é um princípio muito importante para se entender o processo migratório, pois a
7
família que tiver maior capacidade de flexibilização e adaptação poderá dar um salto
qualitativo nas suas relações e enfrentar os obstáculos de maneira mais positiva. Mas
também é importante destacar que uma família em morfogênese constante levaria seu
sistema ao caos. Seria um movimento permanente, sem equilíbrio, sem pausa. Por isso,
para que a família consiga se desenvolver como sistema e promover o mesmo para seus
componentes como indivíduos, é necessário que transite alternadamente entre a
homeostase e a morfogênese.
Feedback, quando positivo, amplia a atividade do sistema, enquanto negativo,
corrige esta atividade. Acredito que a família poderá ter, em alguns momentos,
respostas positivas e, em outros, negativas, frente aos obstáculos que irão encontrando
pelo caminho da migração. Esses resultados ajudarão a determinar as relações que
ocorre dentro desta.
Causalidade circular é entendida como as mudanças ocorridas em um membro
da família, que irão incidir e influenciar na vida dos demais. No processo migratório,
quando o indivíduo ou a família desloca-se do local onde vive para residir em outro,
uma modificação no sistema, que vai repercutir em todos os sub-sistemas que fazem
parte do sistema em questão.
Não-somatividade é quando as partes do todo não podem ser vistas de forma
isolada. Todo sistema é maior que a soma de suas partes. Assim, podemos
compreender os indivíduos ou as famílias em processo de migração dentro de seu
contexto interacional. Nessa etapa, a tarefa do indivíduo ou da família migrante será o
de reconstruir este sistema em um novo lugar, sem precisar destruir ou manter uma
relação destrutiva com o anterior. Como diz Marra “...trata-se de certa forma de tornar
familiar algo que é estranho e/ou conseguir se distanciar de coisas tão familiares, tão
próximas, sem negá-las ou deixar de validá-las enquanto referencial.” (1997, p. 32)
Essa situação vai exigir a coordenação de dois movimentos, o de incorporar o
novo e o de preservar o antigo. Essa exigência pode ser geradora de estresse,
principalmente no estágio inicial desse processo, para todos os membros da família.
Diante das exigências das situações ameaçadoras, o sistema busca recursos
necessários para enfrentar as ameaças. Esta condição é que se denomina estresse. Esse
fator pode motivar as pessoas a superar obstáculos, mas também pode paralisá-la,
8
principalmente quando esta se sente sobrecarregada, sofrendo a presença contínua do
agente estressor.
Concordo com Souza, quando diz que:
O resultado vai depender da interação das capacidades familiares de
enfrentamento com as tentativas de alcançar as demandas de
adaptação e ajustamento. A crise acontece quando o desequilíbrio
permanece ou a demanda se situa além das capacidades de
enfrentamento, ocasionando uma quebra no curso de
desenvolvimento, levando a melhora ou a piora do funcionamento
familiar. A família consegue um resultado satisfatório quando reduz
o nível de demandas, aumentando suas capacidades e ou
transformando seus significados pelos quais interpreta a situação.
(2003, p. 44)
Segundo Walsh, existe um sistema de crenças pelo qual a família interpreta e
atribui significados às situações que enfrenta no decorrer da vida, e algumas delas são as
situações de estresse (2001).
Assim, a avaliação de um evento como sendo estressante ou não, tal como o
deslocamento da família para um local diferente da sua origem, depende das condições
de como se essa mudança, do vel econômico, da fase do ciclo vital em que se
encontra, dos valores culturais, entre outros, que podem dar um significado que facilite
ou dificulte o enfrentamento.
Existe também, junto da enorme quantidade de definições do termo estresse,
grande número de escalas para classificar os agentes estressantes. Na maioria delas,
encontramos a mudança de local de residência como um dos fatores causadores de
estresse, ficando atrás somente das perdas por falecimento e divórcios.
A família sente-se mais segura diante do que já conhece, com suas formas de
funcionamento e padrões de resposta, que estão de acordo com a própria dinâmica
interna, mas também estão expostas à dinâmica externa, às quais exercem muita
influência sobre ela. O lugar onde a família habita é determinante para estes padrões,
condutas e modalidades. As diferenças entre o que é normal e o que não é podem variar
muito entre diferentes culturas. O que é visto como normal para uma cultura pode ser
muito mal entendido por outra. Este é um dos motivos pelo qual a homeostase familiar
se encontra ameaçada ao ter de enfrentar o estresse da mudança. Em algum momento,
cada integrante da família vai experimentar de alguma maneira, em maior ou
9
menor grau, a ameaça de sua segurança pelo desconhecido, podendo experimentar a
sensação de desamparo.(Koremblum,2003)
Naturalmente, a família recebe estímulos de seu mundo interno e externo, e
numa família em trânsito esses estímulos são dimensionados de maneira mais efetiva.
Alguns excedem a capacidade da família de se ajustar, e quando isso ocorre, pode
provocar estresse familiar.
Sendo assim, talvez o estresse familiar possa ser considerado como um estado
derivado do desequilíbrio real entre a demanda (mudança) e a capacidade de satisfazê-la
(recursos).(McCubbin&McCubbin,Thompson,1997)
Nos períodos de muito estresse, é mais provável que as pessoas empreguem
respostas mais antigas e conhecidas, mesmo quando estas não são adequadas à situação
atual. Isto acontece porque, geralmente, as antigas respostas trazem a sensação de
proteção necessária para a situação, ou seja, seria como navegar nas incertezas do novo
lugar, movendo-se num espaço simbólico protegido. Seria como, diante da ameaça da
nova realidade, retornar a uma resposta anterior conhecida, que traz alívio diante da
sensação do desprotegido.
Outra questão importante a ser citada é que o estresse tem dimensão
acumulativa. Por exemplo, uma família _ que na ocasião de sua mudança tem os filhos
em idade escolar, um dos avós enfermo que reside com eles e a mãe grávida _
provavelmente terá diferentes demandas para serem satisfeitas. E esta situação, muito
comum, inclui suficiente estresse acumulativo para que a família possa entrar em crise.
(Koremblum,2003)
Segundo Falicov (1988), uma família em crise perde a capacidade de
reestabelecer o equilíbrio e para adaptar-se tem de aprender a fazer mudanças nas
relações entre seus membros. As crises ocorrem quando uma família já não pode utilizar
seus recursos de forma positiva para enfrentar os desafios inerentes à situação.
No desenvolvimento de uma família, é esperada a mudança de antigas regras e
aquisição de novas aprendizagens. Sabe-se que as famílias na trajetória de seu ciclo vital
enfrentam inúmeros fatores estressantes, mas as famílias em trânsito têm de desenvolver
maior número de recursos para enfrentar os desafios que representam as mudanças.
(Mock,in McGoldrick,2003)
10
Assim, a migração é uma das situações que provocam desorganização, exigindo
reorganização posterior. Como toda situação estressante, nunca a primeira mudança é
igual à segunda e assim por diante. A família aprende a conhecer-se e a conhecer
diferentes alternativas de ação diante das situações que se repetem e, assim, desenvolver
os mecanismos equilibradores para os momentos de maior desordem e exigência, com
base nas experiências anteriores.
Entre esses mecanismos equilibradores está a capacidade de elaborar, criar e
flexibilizar. A família que manifesta a flexibilidade, permitindo a independência e
identidade própria de seus membros, possui certo grau de equilíbrio para suportar os
desafios a que fica exposta num processo de migração. Em contrapartida, a falta desses
mecanismos acarreta resistência à mudança, resultando, em geral, na formação e
manutenção de um sintoma, cuja função é manter a homeostase familiar. (Souza, 2003)
Durante o processo de mudança aparecem situações confusas e estressantes,
como ter de escolher a casa onde morar, o colégio dos filhos, entre outros. Se as
decisões são tomadas em conjunto, com toda a família participando, o estresse
provocado pela mudança pode ser compartilhado e seus efeitos atenuados. quando
ocorre o inverso, com as decisões tomadas de forma unilateral, as soluções são vividas
de forma negativa, principalmente por aqueles que eram contrários a mudança.
Tudo vai depender de como a família se organiza frente a essas demandas, ou
seja, se vai ser capaz de configurar um modelo evolutivo em termos qualitativos ou se
acaba gerando formas disfuncionais de interagir no sistema. A família pode negar a
antiga realidade para atender às atuais exigências, ou então, ao contrário, ficar presa à
antiga realidade, de forma tão intensa, dificultando o vínculo e o processo de adaptação
ao novo contexto. No movimento feito pela família em trânsito, é que pode se observar
como ela trabalha o equilíbrio entre a sua homeostase e a morfogênese, ou se mantém
em uma dessas condições.
Para Feijó (2002), parece ser inevitável que, durante o processo de migração, os
indivíduos transitem entre o ‘antigo’ e o ‘atual’. O que passa a ser disfuncional é o fato
de a família em trânsito se fixar num desses referenciais. Diante disso, proponho refletir
no próximo capítulo a importância das redes sociais para o migrante.
11
CAPÍTULO 2
REDES SOCIAIS
2.1 CONCEITO
Dentro de minha posição ética e concepção de conhecimento, pretendo
percorrer o tema em questão com espírito curioso e explorador, pois não acredito que
exista uma única definição de rede social. Entretanto, é preciso uma definição, e esta
será provisória com fins operativos e não normativos.
Fundamentarei este estudo no aporte da Teoria Geral dos Sistemas, criada por
Ludwing von Bertalanffy, citado anteriormente, que diz que o sistema não pode ser
compreendido a partir da constituição de seus elementos, ou por uma somatória das
relações fixas, mas deve-se considerar o sistema como sendo mais que a soma de suas
partes.
Talvez seja conveniente neste ponto resumir as características do pensamento
sistêmico. O primeiro critério é a mudança das partes para o todo. Os sistemas vivos são
totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas às suas partes
menores. (Bertalanffy,1973; Maturana, 2001; Capra,1996)
Na mudança do pensamento mecanicista para o pensamento sistêmico, a
relação entre as partes e o todo foi invertida. A ciência cartesiana acreditava que em
qualquer sistema complexo, o comportamento do todo podia ser analisado em termos
das propriedades de suas partes. a ciência sistêmica mostra que os sistemas vivos não
podem ser compreendidos por meio de análise, mas podem ser entendidos dentro de
um contexto maior. Deste modo, o pensamento sistêmico é um pensamento contextual.
Outro critério do pensamento sistêmico é que o que denominamos parte é
apenas um padrão numa teia inseparável de relações. Portanto, a mudança das partes
para o todo também pode ser vista como uma mudança de objetos para relações. Para o
pensador sistêmico, as relações são fundamentais. A percepção do mundo vivo, como
12
uma rede de relações, tornou o pensar em termos de redes outra característica do
pensamento sistêmico (Vasconcelos, 2003).
Nos sistemas, como observa Morin (1983), o todo organizado produz
qualidades e propriedades que não existem nas partes tomadas isoladamente. Um
sistema vivo como o corpo humano é um bom exemplo. Formado por partes diferentes
uma das outras, quando isoladas, são incompletas, irrealizadas. Só o todo é capaz de
lhes proporcionar a plenitude de suas possibilidades e capacidades.
A noção de sistemas abertos na biologia abriu portas para um pensamento mais
dinâmico, que deixou visível as conexões e as interações transformadoras. Mesmo
assim, foram necessárias algumas décadas até chegar a um pensamento não linear e aos
sistemas complexos evolutivos. (Maturana, 2001) A perspectiva dos sistemas não
lineares compreende o mundo social como imensa rede de interações na qual nada se
pode definir de maneira absolutamente independente, as propriedades não estão nos
integrantes, mas entre eles, o seu comportamento é definido por suas conexões com o
resto do sistema.
Dentro desta visão, entendo a rede social como algo em constante construção e
de extensa capacidade de formação, podendo adotar múltiplas formas. Por isso, ao
estudar as redes sociais, deve-se sempre levar em consideração que somos parte da rede
que queremos conhecer, e que a forma de interagir com ela é que vai gerar um
significado próprio.
Ao estudar as redes sociais, encontro um emaranhado de variáveis e unidades
de informações presentes na situação.
Concordo com Dabas (1993), quando diz que o termo ‘redes sociais’ pode ser
aplicado a dois fenômenos:
a um grupo de interações espontâneas que podem ser descritas num dado
momento e que aparecem num contexto definido pela presença de certas
práticas;
outra, em que se tem a intenção de organizar essas interações de um modo
mais formal, traçando uma fronteira ou limite, gerando assim novo nível de
complexidade, uma nova dimensão .
13
O tema redes sociais tem sido estudado sob diferentes perspectivas. Na
abordagem sistêmica da terapia familiar, tem se considerado como função da rede social
o desenvolvimento e os intercâmbios interpessoais. Nos trabalhos comunitários, ocupa
importante posição como fator de análise. Pode-se falar de lugares e situações
diferentes, como saúde, educação, trabalho, cultura, justiça, habitação, entre outras, mas
para entender melhor cada uma dessas variáveis deve-se compreender a relação entre
elas. (Dabas, 1993; Sluzki, 1997).
Nos últimos anos, os estudos sobre migração têm se beneficiado de forte
interesse pela área de redes sociais. muito tempo, os antropólogos têm estudado o
tema, mas apenas nas últimas décadas as pesquisas começaram a explorar melhor sua
importância dentro de outros contextos, como nas situações de violência urbana,
ocupação de terras, entre outras (Martes, 2003; DeBiaggi e Paiva ,2004).
Teoricamente, as redes sociais ocupam lugar importante na migração, porém
têm sido pouco estudadas sob o prisma da família e das relações interpessoais do
migrante. Diante disso, pode-se ter noção da importância dos laços sociais e de
conteúdo (solidariedade, serviços, entre outros), que integram o processo de migração.
Nesta pesquisa, recorro às idéias de Sluzki, que descreve os mecanismos e
funções das redes sociais, como:
... a soma de todas as relações que um indivíduo percebe como
significativas ou define como diferenciadas da massa anônima da
sociedade. Essa rede corresponde ao nicho interpessoal da pessoa e
contribui substancialmente para seu próprio reconhecimento como
indivíduo e para a sua auto-imagem. (1997, p. 41)
Mas antes de entrar no assunto em si, é interessante lembrar que, como o próprio
Sluzki cita, a definição da fronteira da rede social significativa do indivíduo pode ser
especificada por ele mesmo.
Todavia, traçar a fronteira da rede social significativa é, em certa medida,
arbitrária, uma vez que inclui redes mais amplas e conjuntos mais vastos, que integram
os grupos informais. Exemplo disso são os grupos que cuidam da logística no processo
de migração dos brasileiros para os Estados Unidos que formam uma teia de relações
sociais, que une migrantes e não migrantes, que liga comunidades de origem a lugares
específicos das sociedades de destino.
14
Delinear a rede social significativa do indivíduo ajuda a não me perder na
imensidão da rede. Considero assim, de grande importância, ter este direcionamento
bem pontuado no presente estudo, uma vez que estarei tentando compreender qual a
importância e a função da rede social antiga e atual, para as famílias em processo de
migração, devido à transferência ou mudança de emprego de um dos cônjuges. Como a
rede social é móvel, complexa e interligada, é praticamente impossível delimitá-la; por
isso, reforço que estarei estudando uma micro-rede, que é parte de uma rede maior, que
se liga a várias outras redes.
Para melhor entendimento deste processo, utilizo o esquema de redes sociais
adotado por Sluzki, demonstrado abaixo (1997)
2.2 MODELO DA REDE SOCIAL
Este autor sugere um mapa nimo, que inclui todos os indivíduos que fazem
parte da rede social de uma determinada pessoa. O mapa (Anexo II), pode ser
sistematizado em quatro quadrantes:
família;
amizades;
relações de trabalho ou escolares;
relações comunitárias, de serviços ou de credo.
Esses quadrantes se subdividem em três áreas:
1. O círculo interno de relações íntimas inclui:
familiares diretos com contato cotidiano;
amigos próximos.
2. O círculo intermediário de relações pessoais com menor grau de
compromisso inclui:
relações sociais e profissionais com contato pessoal, porém sem intimidade;
amizades sociais;
familiares intermediários.
15
3. O círculo externo de conhecidos e relações ocasionais inclui:
conhecidos de escola ou trabalho;
bons vizinhos;
freqüentadores da mesma paróquia.
A rede pode também, ser avaliada em termos de suas características
estruturais, das funções das redes, e dos atributos dos vínculos. Em síntese, pode-se
considerar o seguinte esquema:
Características Estruturais das Redes
tamanho
densidade
composição (distribuição)
dispersão
homogeneidade/heterogeneidade
atributos de vínculos específicos
Funções da Rede
companhia social
apoio emocional
guia cognitivo e de conselhos
regulação social
ajuda material e de serviços
acesso a novos contatos
Atributos dos Vínculos das Redes
função predominante
multidimensionalidade
reciprocidade
intensidade (compromisso)
freqüência dos contatos
história
16
2.2.1 Características Estruturais das Redes
Tamanho: Compreende o número de pessoas da rede. Redes de tamanho médio
são mais efetivas do que as pequenas ou as muito numerosas.
as redes mínimas são menos eficazes em situações de sobrecarga ou tensão
de longa duração, que seus membros começam a evitar o contato para não haver
sobrecarga ou tendem também a sobrecarregar-se;
as redes muito numerosas correm o risco de sofrer a falta de ação, baseada
na suposição de que alguém deve estar cuidando do problema.
Geralmente o processo migratório traz, num primeiro momento, a redução da
rede social pessoal, principalmente para quem acompanha o indivíduo que está em
processo de mudança ou transferência de emprego, gerando estresse na família. É
comum encontrar no indivíduo responsável pela mudança, a maior sobrecarga pela
felicidade da família.
Densidade: conexão entre os membros da rede social, em que os amigos do
indivíduo são amigos entre si.
o nível de densidade médio favorece a máxima efetividade do grupo;
o nível de densidade alto favorece a conformidade de seus membros,
pressionando os indivíduos a se adaptarem às regras do grupo, promovendo a inclusão
ou exclusão destes no sistema;
o nível de densidade baixa reduz a efetividade pelo distanciamento das
relações entre as pessoas.
A densidade também tem grande importância no processo migratório.
Dependendo de como se encontra, colabora no sentido de permitir a inclusão ou
exclusão do indivíduo na formação de novas redes ou a manutenção das antigas.
Composição ou Distribuição: refere-se à proporção do total de membros que
está localizado em cada quadrante e cada círculo.
redes muito localizadas são menos flexíveis e efetivas;
redes muito amplas são menos eficazes, com menor capacidade de reação.
17
Assim, pode-se entender que o indivíduo, que tem uma rede muito localizada,
geralmente, mostra-se mais dependente de outras pessoas e, provavelmente, sofrerá os
reflexos desta separação no seu processo migratório.
Dispersão: significa a distância geográfica entre os membros e os recursos
utilizados para sua manutenção.
Através da dispersão pode-se compreender de que forma o migrante mantém
seus vínculos com sua antiga rede social. Estudos indicam que, na maioria das vezes, a
acessibilidade à rede social, que fica para trás, acontece muito por telefone, cartas e
algumas visitas. Esse processo sofreu grande transformação graças à internet, que criou
novas possibilidades de acesso às antigas redes.
Homogeneidade ou Heterogeneidade Demográfica e Sócio-Cultural: diz
respeito à idade, sexo, cultura e nível sócio-econômico, com vantagens e inconvenientes
em termos de identidade, reconhecimento de sinais de estresse, ativação e utilização.
Por ser este um tema muito complexo, estarei retornando a ele no capítulo
Migração e Redes Sociais, em que explanarei melhor a repercussão destas condições
nos temas em questão.
Vínculos Específicos: refere-se ao compromisso, à intensidade da relação, à
durabilidade, à história em comum, entre outros fatores.
Este pode ser um dos pontos que também ajudam a entender por que a migração
é, na maioria das vezes, um processo estressante. Dependendo dos vínculos que são
deixados para trás e da importância que estes têm para as pessoas, pode ser muito difícil
a separação.
2.2.2 Funções da Rede
As funções da rede são determinadas pelo tipo de intercâmbio entre seus
membros. E isto inclui as seguintes funções:
Companhia Social: a realização de atividades conjuntas ou simplesmente
compartilhar uma rotina;
18
Apoio emocional: refere-se aos intercâmbios pessoais em que prevalecem a
compreensão e o apoio, geralmente provenientes de relações íntimas;
Guia Cognitivo e de Conselhos: interações destinadas a compartilhar
informações pessoais ou sociais, atender expectativas e servir de referência;
Regulação Social: diz respeito à reafirmação de responsabilidades e papéis,
além da adequação do comportamento às expectativas sociais;
Ajuda material e de serviços: colaboração específica com base em
conhecimentos de especialista ou ajuda física, atendimentos e atuação de agentes de
saúde;
Acesso a novos contatos: novas conexões com pessoas e redes, que, até
então, não faziam parte da rede social do indivíduo.
Cada relação tem sua função e isso pode variar em diferentes momentos da vida,
em seus diversos contatos. Portanto, as funções têm a ver com a relação entre a pessoa e
a rede e esta pode ser compreendida por meio do significado, que a pessoa atribui as
mesmas.
2.2.3 Atributos do Vínculo
Cada vínculo, na rede social, pode ser analisado em relação a seus atributos, ou
seja:
Funções predominantes: Compreende a função ou a combinação de funções
que caracterizam a maneira predominante desse vínculo;
Multidimensionalidade: Refere-se a quantas funções desempenha uma
mesma rede;
Reciprocidade: Refere-se à existência de um mesmo tipo de função entre os
dois pontos, ou seja, se um desempenha função equivalente ao que recebe do outro;
Intensidade: é o compromisso com a relação;
Freqüência de contatos: Compreende a maneira e a freqüência de contatos
com integrantes da rede;
História: desde quando se conhecem e os fatores que estimularam o início e
manutenção do vínculo.
19
2.3. FORMAÇÃO E MANUTENÇÃO DAS REDES
Pertencemos a inúmeras redes que se entrelaçam. Uma rede social, em virtude
do processo em torno do qual ela se organiza, pode abrigar várias redes sociais. Uma
família que migra deixa para trás uma rede de pessoas significativas, muitas vezes
necessitando criar novas redes de imediato e, talvez, precisando se distanciar da antiga
para poder se vincular a outra. Vários são os caminhos que determinarão a formação de
novas redes e a manutenção das antigas na trajetória das famílias, em seu processo de
desenvolvimento.(Dabas,1993)
A partir do nascimento, passamos a pertencer a diversas redes: a rede familiar,
que estabelece relações com pais, avós, tios, irmãos, entre outros; a rede profissional,
que nos assiste desde nosso nascimento, como os médicos e enfermeiros; a rede social,
geralmente formada por amigos de nossos pais, que vêm nos visitar, e assim por diante.
Assim, me parece interessante a idéia dada por Dabas (1993) de que a rede
social é um processo de construção permanente, tanto individual como coletivo.
Concordo com a proposta de que a rede social é um sistema aberto e que, por meio de
um intercâmbio dinâmico entre seus integrantes e com integrantes de outros grupos
sociais, possibilita a potencialização dos seus recursos. Cada membro de uma família,
de um grupo ou de uma instituição se enriquece pelas múltiplas relações que
desenvolve.
Posso então dizer que a formação da rede social se configura de maneira
ampla, conectando-se de várias formas, com outras redes, sendo, praticamente,
impossível delimitá-la e representá-la em sua totalidade.
Fazemos parte das redes por diversos motivos. Algumas são pré-existentes
(ao nascer, fazemos parte de determinada família), outras por caminhos que se cruzam
(como estudar na mesma classe) e outras por interesse comum (como fazer parte de uma
academia de ginástica).
Com o tempo, muitas dessas relações, que vão se modificando, podem deixar
de existir, principalmente nas famílias que migram. Embora muitos desses laços sejam
rompidos, seus significados permanecem e podem ser ativados e desativados por meio
da memória, da experiência e dos reencontros.
20
Percebo, então, que a formação da rede é um processo dinâmico. A cada
encontro de amigos que foram distanciados pela migração, ocorre um episódio único,
no qual suas identidades são reconstruídas e do qual, provavelmente, saem diferentes,
sendo produtores e produtos dos novos significados que transformam essa rede.
São vários os recursos acionados para manter as redes sociais do indivíduo,
desde o seu pensamento, quando ativa na memória momentos significativos de alguma
história vivenciada com uma ou mais pessoas, até o uso de telefone, cartas, visitas,
internet, entre outros. Como exemplo, tenho encontrado, em minha experiência clínica,
avós que moram longe e que usam o telefone para falar com os netos. Elas dificilmente
aceitam a existência de um distanciamento afetivo, em razão de uma distância
geográfica. As ligações telefônicas substituem as visitas e impedem que os laços se
afrouxem. Outros parecem não ver dificuldade em fazer suas malas para ir ao encontro
dos netos, ainda que as distâncias sejam longas. E quando pergunto o que os estimula a
viajarem, a resposta, na maioria das vezes, é o desejo de fortalecer o vínculo familiar
com seus descendentes.
2.4 IMPORTÂNCIA DAS REDES SOCIAIS
Toda família tem como função básica oferecer condições para que seus integrantes
sintam-se pertencentes a este sistema (Bowen, 1978). A meu ver, não é possível separar o
processo individual do social na construção da identidade e de significados. Somos seres em
relação, sistemas que são parte de muitos outros sistemas, que neles influenciam e por eles
são influenciados. Vivemos numa amplitude de contextos e de relações, através dos quais
confirmamos e reconstruímos nossa identidade, que é um processo dinâmico, infinito,
individual e social.
Portanto, entendo que, pertencer e ser diferente ao mesmo tempo, é importante
na relação que o indivíduo tem com a rede. Poder escolher os próprios caminhos e ter
sua visão legitimada pela rede, contribui para a afirmação da sua própria identidade,
como para seu desenvolvimento pessoal.
Segundo Andolfi (1989), a pessoa atinge a diferenciação:
21
... através da troca com outros sistemas, onde ela aprende novas
formas de relação, exercendo funções diferentes daquelas que exerce
em seu sistema familiar. A capacidade de mudar, de deslocar-se de
um lugar para outro, de participar, de separar-se, de pertencer a
diversos sub-sistemas permite a possibilidade de exercer funções
únicas, de trocar e adquirir outras, e de expressar desse modo,
outros aspectos mais diferenciados de si mesmo. Esse processo de
separação-individuação requer que a família passe por fases de
desorganização, na medida em que o equilíbrio de um estágio é
rompido em preparação para a mudança para um estágio mais
adequado. Essas fases de instabilidade, caracterizadas por confusão
e incerteza, marcam a passagem para um novo equilíbrio funcional.
Isso pode acontecer somente se a família é capaz de tolerar a
diferenciação de seus membros. (p.19)
Concordo com o pensamento de Andolfi, quando percebo que famílias coesas
apresentam apoio mútuo, tolerância e respeito frente às diferentes respostas que seus
integrantes têm diante dos desafios que as mudanças provocam. Nas famílias
aglutinadas
1
, percebo que qualquer movimento de diferenciação pode ser visto como
deslealdade ou mesmo ameaça ao sistema (Minuchin,1992). E, em famílias desligadas
2
,
cada integrante fica ilhado em sua busca de pertencer a outros subsistemas,
responsabilizando-se sozinho por seu novo trajeto.
Vários estudos foram realizados por pesquisadores (Castle,1998; Dabas,1993;
Najmanovich,2002; Nunes,2002) que constataram a importância da rede em situações
de estresse, como doenças, migração, divórcio, desemprego, entre outros. Muitos desses
trabalhos foram apresentados por Sluzki (1997), que identificou que a falta de relações
sociais favorece os sinais extremos de estresse, como doenças e suicídio. No processo
de migração, o autor diz que é comum encontrar maior abuso de álcool e violência
familiar, além do aumento de separações e aumento na quantidade de acidentes e
doenças, entre crianças e adultos. O autor diz que:
Existe forte evidência de que uma rede social pessoal estável,
sensível, ativa e confiável protege a pessoa contra doenças, atua
como agente de ajuda e encaminhamento, afeta a pertinência e a
rapidez da utilização de serviços de saúde, acelera os processos de
cura e aumenta a sobrevida, ou seja, é geradora de saúde.
(Sluzki,
1997, pág. 67)
1
Família aglutinada, promove grande proximidade entre os membros que a integram, interagem
intensamente, mas há falta de diferenciação entre eles. (Minuchin, 1992).
2
Família desligada, na qual não conexões fortes entre seus membros, que se relacionam muito pouco
entre si. (Minuchin, 1992)
22
Ele defende ainda que a rede afeta a saúde do indivíduo e que a doença dele
também afeta sua rede. Concordo e correlaciono essa influência com a migração da
mesma forma, pois penso que, a rede social do indivíduo afeta o seu processo
migratório, da mesma forma que a migração afeta a sua rede social. Diante de tais
reflexões, reservo o próximo capítulo para tratar de algumas questões que dão base a
esta pesquisa.
23
CAPÍTULO 3
FAMÍLIAS EM TRÂNSITO
3.1 UMA FORMA DE MIGRAÇÃO
Grande parte da migração profissionalmente qualificada consiste no que se
denominam“profissionais transeuntes”, que são executivos e profissionais enviados por
suas respectivas empresas para locais determinados por elas” (Koremblum, 2004,
p.21).
Segundo Singer (1995), a migração de profissionais qualificados tem
aumentado rapidamente nas décadas de 80 e 90 e constitui elemento chave no processo
da globalização.
Em geral, o profissional que migra leva junto sua família nuclear, o que faz dela
também uma família migrante, ou como chamo neste estudo, uma família em trânsito.
Seguindo o pensamento de Sluzki (1997), entendo que o movimento da família em
trânsito não é uma situação de vida excepcional, mas se converte em uma forma de
existir.
Então, poderíamos questionar o que difere uma família em trânsito de uma que
não é. Talvez as que migram passem por situações que as distinguem da maioria das
famílias que não passam por essas experiências. Geralmente são famílias que se
esforçam para se reorganizar e se adaptar às novas situações, como transformar o novo
lugar, até então desconhecido, em seu novo lugar e seu novo cotidiano.
Se a família não consegue efetivar esse processo de maneira adequada, essa
condição pode se transformar num problema familiar. Como por exemplo, quando
algum dos seus integrantes, geralmente apresentado como o paciente identificado,
carrega toda dificuldade de adaptação ao novo lugar e deixa para o resto da família a
falsa sensação de que ela se adapta fácil e rapidamente. (Carter e McGoldrick,1995)
24
Para Koremblum (2003), maioria das famílias em trânsito muda de cidade em
função de um de seus membros, geralmente o pai, ter boa oportunidade profissional,
trazendo principalmente melhora no aspecto econômico. No campo pessoal, o
funcionário acredita que, com sua mudança ou transferência, vai obter novos desafios
profissionais, cargos com mais responsabilidades, além de fazer parte de uma elite
social, com promoção no seu status profissional.
Entretanto, em alguns casos, como já foi mencionado, as mulheres são as
responsáveis pela transferência e, nesse caso, pode-se encontrar uma situação em que é
muito mais difícil para o homem seguir a esposa, do que o inverso. Minha prática
clínica mostra que, na maioria das vezes, os homens acompanham as mulheres numa
transferência de emprego apenas quando estão desempregados ou seu salário é menor
do que o dela.
Koremblum, em seus estudos, afirma que, na maioria das vezes, nas famílias em
trânsito, as mulheres ocupam-se da casa e dos filhos, e os homens do trabalho e de
prover o sustento da família, funcionando como os modelos de famílias tradicionais e
conservadoras .
Algumas mulheres experimentam essa realidade sem problemas, porém,
outras que podem manifestar alguma inquietude por terem de interromper sua carreira
profissional. O fato pode provocar algumas dificuldades, que devem ser bem negociadas
pelo casal, para poder seguir em sua empreitada conjugal e/ou parental. Não é raro
encontrar mulheres que, ao acompanhar seus maridos nas mudanças por transferência de
emprego, reagem com sintomas depressivos ou tendências destrutivas. Entre esses
casais, em que a mulher está subordinada à carreira do homem, é muito difícil ocorrer
desenvolvimento profissional para os dois, que pode gerar grande risco de se separação.
As empresas, em geral, oferecem muitos benefícios aos executivos, mas por isso
também fazem grandes exigências. Na maioria dos casos, os funcionários têm de viajar
muito, ausentando-se de casa e deixando para a mulher encargos, como a
responsabilidade pelo andamento da casa e a educação dos filhos. Esse tipo de família
funciona como a típica família patriarcal, na qual a mulher ocupa-se com tudo que é de
’dentro’ e o homem com tudo que é de ‘fora’. Entende-se por de ‘dentro’ os filhos e as
questões domésticas, e de ‘fora’ o trabalho e o sustento. (DeBiaggi e Paiva,2004)
25
Às vezes, essas famílias são seduzidas por algumas questões, como aumento de
salário, acréscimo de benefícios oferecidos pela empresa, promoção social, que não
contemplam algumas variáveis fundamentais para que esta experiência tenha sucesso. A
flexibilidade, por exemplo, é uma característica essencial para famílias que desejam
migrar. As famílias flexíveis enfrentam mais facilmente as mudanças e se adaptam
melhor a elas. As que não são suficientemente flexíveis experimentam conflitos que,
muitas vezes, podem ser transformados em sintomas. Outra característica essencial é a
adaptabilidade, uma vez que cada integrante da família, que se muda temporariamente,
perde muito dos papéis que desempenhava em sua antiga comunidade, como membro
de um grupo familiar extenso, de um grupo de trabalho, de um grupo de amigos, entre
outros. E para que essa família consiga ultrapassar os desafios, é necessário que tenha
boa cota de adaptação, sendo capaz de mudar, em algumas situações, sua estrutura de
poder, as relações de papéis e regras de relações em resposta ao estresse situacional ou
evolutivo.
Concordo com Koremlum (2004), quando cita que são muitas as questões
inseridas nesse contexto, mas algumas parecem ser de vital importância, para que o
processo de mudança seja uma experiência de aprendizagem e crescimento para o
indivíduo e sua família, que podem ser definidas como:
bom equilíbrio pessoal;
boa coesão familiar;
aceitação das perdas;
elaboração dos novos desafios.
Assim, acredito que se, por um lado, as pessoas podem experimentar
sentimentos de dor, pelo que deixaram para trás, também podem experimentar sensação
de força ao se ver capazes de superar os obstáculos do processo de migrar para outro
local, e perceber o ganho que adquirem com essa nova experiência.
26
3.2. PERDAS E GANHOS
Como foi citado no capítulo anterior, as pessoas experimentam sentimentos de dor
pelo que deixaram para trás. Portanto, parece ser importante estudar alguns dos
desafios pelos quais as famílias em trânsito provavelmente têm de enfrentar.
Apesar de, na maioria das vezes, as famílias que se mudam por troca ou
transferência de emprego de um dos cônjuges terem uma série de vantagens e
benefícios, elas também têm perdas que, se forem bem elaboradas, podem se
transformar no primeiro passo para o êxito do luto migratório.
Assim como as famílias migrantes, as famílias em trânsito tendem a fechar-se
sobre si mesmas. No momento da mudança fazem esse movimento como uma defesa
para reforçar sua identidade e, conforme cada família, irá abrindo-se com o tempo
(Sluzki, in McGoldrick, 2003). Uma certa abertura não aumenta o nível de
diferenciação da família, mas reduz a ansiedade, permitindo que seus integrantes
sintam-se motivados a iniciar um processo de diferenciação. Para Bowen (1978), o
processo de diferenciação, ocorre nas famílias que permitem que seus integrantes
tornem-se autônomos e independentes, para enfrentar de forma satisfatória, os
momentos de estresse, angústia e tensão, como um modelo de interação de cada um,
tornando-os capazes de se envolverem em todas as gamas de relações, sem necessidade
de dominar o outro, ou de ser dominado. Enquanto que, as famílias indiferenciadas,
funcionam como dificultadoras do desenvolvimento de seus membros, em que cada um
pensa, sente e funciona pelos demais. São famílias sem fronteiras hierárquicas definidas,
com limites e regras embaraçadas.
No inicio do processo de mudança, quando a ansiedade é alta, é comum notar
um nível alto de indiferenciação entre os integrantes da família (McGoldrick,2003). Em
geral, observa-se que se o pai e principalmente a mãe mostram dificuldades importantes
na adaptação, no local de destino, é comum que um de seus filhos mantenham a mesma
atitude. Mas também pode ocorrer de um dos filhos apresentar atitudes completamente
opostas a dos pais, desqualificando e negando tudo que deixou pra trás ou negando o
novo, como forma de agredi-los.
A perda desorganiza a capacidade de encontrar sentido na experiência, e o luto é
a reação frente a essa situação. Após toda perda significativa é necessário um tempo
27
para o luto. Durante os primeiros tempos de ajustes da família em seu novo destino, é
comum seus membros experimentarem sentimentos de solidão, tristeza, vazio e
desamparo. Diante disso, é freqüente responderem a situação negando tais reações, em
vez de elaborarem o luto pela dor das perdas. É importante para a família aceitar as
perdas e entender que cada integrante vai experimentá-la de forma diferente. O luto que
pode ser elaborado em seis meses para um dos integrantes, pode levar um ano para
outro. (McGoldrick, 2003)
Para a família em trânsito, os lutos têm uma condição especial, a perda não é
definitiva, uma vez que a partida não é para sempre, mas implica numa privação. A
família está num novo contexto, distante do anterior. Está adaptando-se a novos
companheiros e experiências, que muito provavelmente também não serão definitivos.
Por isso, pode-se dizer que é uma perda especial, mas, de qualquer forma, significa uma
perda.
3.2.1 Luto pela Família e Amigos
Nas situações de migração transitória, a família se distancia de seu ambiente
familiar e de seus amigos por um tempo indeterminado. Apesar de saber que a família
vai voltar, nunca voltará igual. Os filhos terão crescido e deverão existir experiências
importantes que não foram compartilhadas. Por isso, principalmente para os filhos da
família em trânsito, essa situação pode-se apresentar como grande dificuldade. A
ausência do grupo familiar extenso diminui a riqueza de suas relações familiares e as
possibilidades de encontrar figuras de identificação, que podem atuar como modelo de
crescimento pessoal e redes de ajuda. (Mock, in McGoldrick,2003)
3.2.2 Luto pelo contexto geográfico
Em alguns casos, famílias podem mudar de uma cidade de praia para uma de
montanha, de uma metrópole para uma cidade pequena de interior, de uma cidade de
clima quente para uma de clima frio e assim por diante. A geografia determina parte da
experiência, podendo colaborar na formação de algumas dificuldades a ser enfrentadas
por alguns integrantes da família. Observei algumas pessoas que relatam estarem
28
acostumadas, por exemplo, com o calor, tolerar muito mal o frio e trazer o discurso de
que o frio as deprimem. Por isso, o tema geografia é importante de ser lembrado, porque
também pode ser um disparador de conflitos (Koremblum,2003).
Pode-se incluir nesse tema a questão da segurança, na qual famílias acostumadas
a viver numa cidade do interior, segura e tranqüila, mudam-se para uma cidade grande,
com violência e podem viver a experiência como um verdadeiro drama. Então, pode ser
normal que, no início, exista excesso de cuidados por parte dessas pessoas, e este
movimento está relacionado ao tempo que a pessoa necessita para elaborar o luto pela
perda da segurança.
3.2.3 Rituais
Os rituais de despedida e os de chegada podem ajudar a família a reiniciar a rede
de vínculos, aliviar os sofrimentos e articular os processos que expressam relações
sentidas, como quebradas ou perdidas. A função essencial dos rituais é oferecer um
suporte social e emocional, que facilite as experiências de transformação e mudança,
assegurando e garantindo a continuidade numa determinada ordem.
Fazer uma reunião para despedir-se dos amigos e família ajuda a fechar uma
etapa e a continuar o trajeto da melhor maneira possível. O ritual de chegada, para dar
boas-vindas, quando organizado pelas pessoas do local de destino, também tem papel
fundamental na maneira como a família em trânsito vai iniciar sua adaptação no novo
local da morada. (Koremblum,2003)
3.2.4 Objetos Transicionais
Winnicott (1993) descreve como objeto transicional aquele que constitue uma
zona intermediária entre a realidade interior e a exterior. O autor diz que na infância a
zona intermediária é necessária para a iniciação de uma relação entre a criança e o
mundo. Esse objeto pode ser um ursinho de pelúcia, um travesseiro, uma manta ou
qualquer outro objeto que transmita apoio à criança.
As famílias em trânsito também utilizam-se de objetos transitórios para ajudá-los
na mudança, recorrendo, na maioria dos casos, a objetos transicionais, que as vinculem
com os lugares e pessoas com as quais já conviveram. Esses objetos variam e podem ser
29
desde um quadro até um armário repleto de objetos. Decorar a nova casa com essas
peças pode trazer a sensação de estar sempre ‘em casa’.
Os álbuns de fotografia também cumprem o papel de objetos transicionais,
que guardam recordações e imagens dos lugares e das histórias da família.
3.2.5 Famílias Substitutas
Em geral, a família em trânsito recria uma família com laços afetivos muito
fortes em seu local de destino, depois de um determinado tempo de permanência .
Bowen (1979) diz que as pessoas que se distanciam da família tendem a ir
buscar, nas suas relações sociais, vínculos afetivos próximos aos que mantinham
anteriormente, para ajudar a reduzir a ansiedade.
Assim, observo que as famílias quando chegam em seu destino, na maioria das
vezes, vinculam-se a vizinhos, membros da sua comunidade ou do trabalho, de maneira
a substituir os laços familiares e que exercem funções de apoio. Formam-se vínculos
com outras famílias, que também estão fora de seu local de origem.
Observo que, muitas vezes, antes da mudança, a família estava acostumada a
passar seu fim de semana com a família extensa, para o almoço de domingo, ou
qualquer outro tipo de encontro. Depois da mudança, os fins de semana podem ser
vividos, a princípio, como um grande vazio. Mas com a construção da nova rede de
amigos, esse ritual pode ser resgatado e, pelo valor da experiência vivida, pode-se
compreender um dos fatores que colaboram para que seja intenso e profundo os
vínculos entre companheiros de outras famílias em trânsito. E é esse o ponto que
abordarei adiante, ou seja, como o ciclo vital, a etnia e o gênero influenciam nas redes
sociais das famílias em trânsito.
30
CAPÍTULO 4
FAMÍLIAS EM TRÂNSITO E REDES SOCIAIS
Nos últimos anos, os estudos sobre migração têm se beneficiado de um forte
interesse pela área de redes sociais. Recentes estudos referentes sobre o tema têm levado
alguns a concluir que o reconhecimento da sua importância é um dos desenvolvimentos
centrais nos estudos da migração. (Assis,2003;Martes,2003; DiBiaggi e Paiva,2004)
Concordo com Sluzki, quando diz que: A migração na família em geral era
vivenciada como algo dilacerante algumas gerações atrás. Hoje esta experiência poder
ser prevista mais como regra do que como exceção” (1997, p.88), uma vez que cada
vez mais famílias mudam de localização geográfica, por razões diversas e por fazer
parte de uma sociedade em constante mutação.
Apesar do caráter normativo, manifestações claras de estresse, por pessoas que
migraram, tais como sinais psicossomáticos e interpessoais, tendem a ser vistas fora do
contexto, como reações idiossincráticas, individuais e patológicas, sem considerar o
impacto do processo migratório sobre a vida dessas pessoas.
Quando uma família se muda geograficamente, cada membro abandona vários
segmentos de sua rede social pessoal. Alguns vínculos são mantidos, por meio de cartas,
chamadas telefônicas, internet ou outras formas de comunicação, mas muitos outros se
perdem do mapa interpessoal, emocional e funcional.
Sluzki (1997) considera que, em função dessas perdas, em teoria, o período de
migração deveria corresponder a um período de luto pessoal. Porém, esse processo é
minimizado e evitado em função das necessidades prioritárias de adaptação ao novo
ambiente desde a sobrevivência até a aprendizagem de novas regras interpessoais e
das praticidades da vida cotidiana.
Segundo Marra (1997), esta é uma questão paradoxal, uma vez que, se por um
lado o indivíduo ou família sofre uma separação sentida como perda ou morte,
correspondendo a uma vivência de luto, em contrapartida ocorre um encontro entre
31
ele(s), com o nascimento de uma nova rede social, neste novo lugar, exigindo dedicação
e adaptação. O transitar entre esses dois movimentos, em geral, provoca sintomas de
estresse na família em trânsito.
Essa nova situação sobrecarrega as relações familiares, deixando um vazio. Com
isso, cada membro da família fica na expectativa de que o outro ocupe o espaço deixado
pelos amigos e familiares da antiga morada. Mas isto, geralmente, ocorre quando o
outro também se encontra carente e sobrecarregado, necessitando de atenção.
Em resumo, pode-se dizer que a rede social pessoal é um sistema dinâmico, que
evolui com o tempo, e as circunstâncias de uma migração pode empobrecer e
transfigurar a rede coletiva da família e a rede individual de cada membro. Comparada à
rede social anterior, a nova rede social, segundo Sluzki (1997), geralmente, tende a ser
menor em tamanho, tem distribuição mais irregular entre os quadrantes (família,
amigos, trabalho e comunidade), mostra menor densidade (conexão entre os membros),
tem menos histórias em comum e repertório mais estreito das funções sociais, é menos
multidimensional (menor variedade de funções em cada vínculo) e é menos intensa
(lealdade e reciprocidade). Tudo isso caracteriza uma rede insuficiente e, portanto, mais
propensa à sobrecarga (mais expectativas centradas em menos relações) e ao
desequilíbrio (crises interpessoais e individuais).
A meu ver, numa visão mais dinâmica e não linear das redes sociais, entendo
que o conjunto de interações nas relações pode provocar desequilíbrios, uma vez que
pequenas mudanças em um dos integrantes alteram todo o sistema. Assim, as redes
sociais vão sendo construídas, sem que nada possa ser definido de maneira
independente - as propriedades não estão nos indivíduos, mas entre eles. O
comportando de qualquer um deles é definido por suas conexões com o resto do
sistema.
Enfim, entendo o papel das redes sociais não no processo migratório, mas em
todos os outros contextos, como sistemas abertos, que, embora possam comportar
regularidade e estabilidade, são mais suscetíveis às mudanças, apresentando dinamismo,
mobilidade e plasticidade.
Ao analisar a importância das redes sociais na migração, entendo que o acesso
dos indivíduos a essas redes e às trocas que nelas ocorrem dependem de vários aspectos,
32
como etnia, classe social, gênero e ciclo vital. Daí a importância do estudo sobre a
migração dentro de uma abordagem sistêmica.
Para isso, irei explanar, a seguir, um pouco sobre os diferentes aspectos que
interferem no processo entre as famílias em trânsito e as redes sociais.
4.1 REDES SOCIAIS – GÊNERO
Acredito ser de grande importância a questão de gênero para a análise das redes
sociais nas migrações. Pouco encontrei na literatura questões que abordassem o tema e
acredito que este mereça estudos mais aprofundados. (Martes,2003; Santos,1999;
DiBiaggi e Paiva;2004).
É interessante observar que, na maioria das vezes, a mulher é vista como a que
acompanha o marido no processo migratório. Este tipo de análise não encobre a
participação da mesma, como também não percebe que a migração ocorre articulada a
uma complexa rede de relações sociais, em que a mulher tem importante participação.
Os estudos de gênero ajudam a compreender os movimentos migratórios
contemporâneos. Segundo Assis (in Martes,2003), nos estudos clássicos de migração, as
mulheres eram descritas apenas como acompanhantes do marido ou familiares, como se
não trilhassem seu próprio caminho. No passado e no presente, embora mulheres e
homens, em sua maioria, migrem em grupos familiares, elas também migram sozinhas,
em busca de autonomia, para fugir de poucas oportunidades ou de discriminação do
lugar de origem.
Os estudos realizados por Chant (1992) destacam que, apenas recentemente, a
participação feminina no processo migratório foi incluída dentro da teoria geral das
migrações. Como conseqüência, as razões e as características da mobilidade
diferenciada por nero não eram adequadamente enfocadas. Eram considerados
migrantes apenas os indivíduos do gênero masculino. Portanto, mesmo tendo
conhecimento da seletividade da migração por sexo, até recentemente poucos trabalhos
enfocavam as análises no impacto dos fluxos migratórios nas relações de gênero.
Segundo Bilac (in Patarra,1995), a partir da década de 70 é que o gênero
feminino começa a ser considerado nas migrações internacionais, quando a participação
da mulher no mercado de trabalho se torna mais intensa.
33
Ainda, segundo a autora, no processo migratório, as mulheres e os homens
aparecem como indivíduos que conectam os dois lugares o de origem e o atual por
meio de redes sociais. Mas, ela observa que, entre o grupo de migrantes para os Estados
Unidos, as mulheres se utilizam muito mais da ajuda fornecida por parentes e articulam
as redes entre os demais domicílios, enquanto os homens contam mais com a ajuda dos
amigos. Ao longo desse processo, as famílias vão se estruturando entre os dois lugares,
e os dados indicam que na migração as mulheres, geralmente, têm maior autonomia,
enquanto os homens sentem que perdem ou, pelo menos, têm de repartir sua autoridade.
Estas questões indicam rearranjos familiares e de gênero.
Numa pesquisa realizada por DeBiaggi e Paiva (2004) encontram-se a influência
do meio cultural nos padrões da organização familiar e a importância da categoria
gênero nos estudos migratórios. As transformações que ocorrem nos casais indicam
uma mudança em suas crenças com relação aos seus papéis, enquanto homens ou
mulheres. Nesse contexto, observa-se que as representações do masculino e feminino
são diferentes das que os migrantes foram socializados, podendo alterar seus papéis na
relação com o(a) companheiro(a). Neste estudo feito com brasileiros que migraram para
os Estados Unidos, a autora encontra mudanças no comportamento e nas atitudes dos
integrantes dessas famílias, citando que os homens, muitas vezes, acabam tendo maior
envolvimento com os filhos e maior participação nas tarefas domésticas, enquanto que
algumas mulheres acabam exercendo maior autoridade na família. Com essa pesquisa, a
migração pode ser produtora de mudanças nos padrões de nero, como também ser
afetada como produto dessas questões.
Sendo assim, entendo que a família migrante não pode ser vista apenas como a
que perde os laços sociais, mas como a que tem suas relações reconstruídas em um
contexto no qual também se redefinem as relações de gênero.
4.2 REDES SOCIAIS – ETNIA
Etnicidade corresponde à “condição de povo” que se relaciona à
nossa combinação de raça, religião e história cultural
independentemente dos membros perceberem o que têm em comum
uns com os outros. Ela descreve aquilo que é transmitido pela família
ao longo das gerações e reforçado pela comunidade que o cerca.
34
Mas ela é mais que raça, religião, ou origem nacional e geográfica.
Ela envolve processos conscientes e inconscientes que preencham
uma profunda necessidade psicológica de identidade e continuidade
histórica. Ela une aqueles que se consideram semelhantes em virtude
de sua ascendência comum, real ou fictícia, e que são assim
considerados pelos outros. (Carter e McGoldrick, 1995, p.65)
Concordando com a descrição citada acima, acredito que uma identidade étnica
origina-se na herança ancestral do indivíduo que não pode ser mudada, embora possa
ser negada ou ignorada. Uma identidade étnica refere-se ao indivíduo como membro de
um grupo étnico e aos sentimentos e atitudes que acompanham esse pertencimento.
Segundo Marra (1997), a etnicidade direciona a forma como encaramos a vida e
a morte, o que caracteriza forte referência de identidade, podendo ser seletiva, unindo
ou separando as pessoas, agrupando ou distanciando e tornando-se um elo invisível que
nos liga aos nossos antepassados e nos a garantia de continuidade histórica. Gostaria
de apenas acrescentar à idéia da autora, que a etnicidade é a base para a forma de como
nos relacionamos com o grupo do qual fazemos parte.
A lealdade, as tradições, o apego aos valores, a aceitação de novas normas
culturais e a fidelidade à própria etnia vão ser fatores, que tanto podem dificultar como
facilitar o processo migratório na sua relação com as redes sociais.
Antes da migração, os indivíduos nem sempre têm noção de sua própria
etnicidade. Seus costumes, estilo de vida, rituais, entre outros, eram vistos como
naturais. A migração, como notou Erikson (1998 ), torna as diferenças muito evidentes
e traz à tona a consciência da identidade de seu grupo. O migrante, ao chegar no local
de destino, inicialmente, se sente como “um peixe fora d´água”, mas, com o tempo, vai
se integrando ao cenário, se vendo e sendo visto pelos outros como um grupo étnico.
Portanto, podemos dizer que, este sentimento de pertencer a um grupo étnico, é
dinâmico e evolutivo, muda tanto no aspecto individual como no grupal.
4.3 REDES SOCIAIS – CICLO VITAL
Segundo McGoldrick (2003), a migração é um processo significativo na vida das
famílias, no qual poderia se acrescentar um estágio extra no desenvolvimento do seu
35
ciclo vital. O ajuste às novas situações afeta os membros da família de modo diferente,
dependendo da fase do ciclo vital que se encontra no momento da transição. Os
fenômenos que caracterizam e definem o ciclo vital familiar referem-se ao movimento e
transição. Envolvem ritmo, mudanças, equilíbrio e flexibilidade.
Para Cerveny:
...o Ciclo Vital Familiar é um conjunto de etapas ou fases definidas
sob alguns critérios (idade dos pais, dos filhos, tempo de união de um
casal, entre outros) pelos quais as famílias passam desde o início de
sua constituição em uma geração, até a morte do ou dos indivíduos
que a iniciaram. (2002, pág. 21)
Ainda segundo Cerveny (1997), o ciclo vital deve estar associado à noção do
desenvolvimento, movimento, ordenação e etapas, quer seja no ciclo de vida individual
ou familiar. A autora destaca a importância dos estudos de Erik Erikson, que enfatiza a
realidade psicossocial no desenvolvimento humano, apontando a dificuldade de se
compreender o ciclo de vida individual separado do seu contexto social.
Diferentes autores dividiram o ciclo vital familiar em números distintos de
etapas, mas, como estarei estudando famílias brasileiras, escolhi a divisão sugerida por
Cerveny. Em 1995, ela propôs uma caracterização de ciclo vital familiar diferente da
disponível na literatura estrangeira, que depois foi analisada e comprovada por meio de
uma pesquisa desenvolvida em 1996/1997 por Cerveny, Berthoud e colaboradores,
realizada com famílias paulistas de classe média. Portanto, acredito que esta divisão é a
mais próxima da realidade que estarei estudando.
A nova proposta está dividida em quatro etapas, não rigidamente circunscritas,
que são:
1. Família na fase de aquisição;
2. Família na fase adolescente;
3. Família na fase madura;
4. Família na fase última.
Estas etapas do desenvolvimento, com suas dificuldades naturais, são esperadas
e inerentes a todos os indivíduos. Com isso, a família cruza as etapas de crescimento de
cada um de seus membros com as etapas e movimento intrínseco dela mesma.
Segundo Falicov (1988), a mudança de etapas vai exigir reorganização da
família, com desenvolvimento de recursos próprios, com novas regras e mudanças de
36
papéis. Entendo assim que, cada grupo familiar viverá essa mudança de modo diferente,
de acordo com a etapa que está atravessando, tanto a família como seus integrantes. A
mudança não será igual para filhos pequenos como para os adolescentes, e também não
será igual para um casal recém-casado, como para os que têm muitos anos de casados.
Os efeitos ainda diferem de acordo com o número de mudanças que essa família
realizou. De qualquer maneira, um integrante será mais afetado do que outro,
dependendo da etapa do ciclo vital em que se encontra.
1. FASE DE AQUISIÇÃO
“...Esta primeira fase do ciclo vital da família inclui a escolha do parceiro,
formação do casal, a chegada do primeiro filho que transforma o jovem casal em nova
família e a vida com filhos pequenos.” (Berthoud, 1997, pág. 49)
Casais que migram sem ter filhos geralmente negociam algumas diferenças
importantes do sistema, como a definição dos papéis de gênero, as fronteiras em torno
do casal dentro do sistema familiar e a forma de cada um se relacionar com o meio
social.
Quando as famílias migram com crianças pequenas podem ter seus laços
afetivos fortalecidos, mas correm o risco de ter uma reversão de hierarquias geracionais
(Carter e McGoldrick, 1995). Isto porque, em geral, as crianças têm maior facilidade de
se adaptar às novas culturas e, na maioria das vezes, as redes sociais que são deixadas
para trás são as mesmas de seus pais. Com isso, elas podem assumir a tarefa de ter de
interpretar a nova cultura para os pais. Assim, podem sentir falta de uma autoridade
adulta afetiva para apoiá-las, e se sentir responsáveis por esses pais, correndo o risco de
paralisarem algumas questões do desenvolvimento do seu ciclo vital.
Também acontece de essas crianças serem alvos das constantes negociações
com a família de origem, no caso de elas permanecerem no local de partida, pois tanto
os avós como as crianças exigem mais contatos. Observa-se que os encontros podem ser
menos freqüentes, mas as conversas telefônicas mais intensas.
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Na maioria das vezes, observa-se que crianças pequenas têm mais facilidade
para as mudanças, já que seu mundo, em geral, é sua família de origem. Com isso, o que
consideram mais significativo, muda com elas.
O que talvez se tenha de levar em conta, no caso das crianças pequenas, é o
comportamento da mãe, de como vivencia a mudança, transmitindo essa experiência à
criança.
Também é fundamental considerar a forma de comunicação da família com
seus filhos pequenos. Às vezes, a família considera que mudanças não são coisas para
crianças dar palpite e acabam não falando abertamente com elas. Com isso, ocultam
coisas necessárias à preparação da mudança, gerando grande inquietude; por isso,
mudanças sem explicações podem se transformar em experiências negativas.
2. FASE ADOLESCENTE
Nesta fase, segundo Cerveny (2002), a família passa por uma nova configuração
de “alinhamento de crises evolutivas”, ou seja, ao mesmo tempo que os filhos estão
passando da infância para a adolescência e desta para a jovem maturidade, os pais
vivem a transição da meia idade, e os avós, geralmente, entram na velhice, provocando,
assim, o fenômeno adolescente da família. Sendo assim, a família adolescente não
significa necessariamente “família com filhos adolescentes”, mas o período em que todo
sistema familiar “adolesce”, em que todos vivenciam um período significativo de
mudanças evolutivas de transição entre fases da vida.
As famílias que migram com seus filhos adolescentes, em geral, enfrentam
mais dificuldades, porque estes já possuem rede social própria, como amigos(as),
namorados(as), entre outros, e assim, também, passam por um processo de luto próprio.
Com isso, deixam uma imagem, um reflexo, uma referência, em plena busca de
identidade.
Geralmente nesta fase, os adolescentes reagem negativamente aos pais,
culpando-os por se sentirem arrancados de sua vida anterior à mudança, sem terem sido
consultados ou, se foram, sentem que seu voto não foi respeitado. É um momento, em
que a identidade é muito frágil, e se torna necessário um marco de referência seguro.
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Por isso, de todas as etapas do ciclo vital familiar, este parece ser o mais
complicado para a família em trânsito, no qual os filhos, na maioria das vezes, não
querem acompanhar os pais, mas não são independentes o suficiente para ficarem
sozinhos. Além disso, estas famílias terão menos tempo juntos, como unidade, antes que
seus filhos sigam seu próprio caminho. Assim a família tem de trabalhar com múltiplas
transições e conflitos transgeracionais ao mesmo tempo. Paralelamente, terão de lidar
com a distância dos avós, que, na maioria das vezes, permanece no local de origem,
podendo ser perturbador, principalmente, quando eles ficam doentes, dependentes ou
morrem. Nesta fase, os adultos podem passar por grande estresse por não conseguirem
cumprir suas obrigações para com seus pais, sendo comum surgir sintomas nos
adolescentes, diante do sofrimento não expressado dos pais.
3. FASE MADURA
Esta fase do ciclo vital caracteriza-se por uma situação de transição, que
envolve uma série de transformações em sua estrutura e dinâmica, requerendo alguns
ajustes de seus membros. Neste momento, a família passa por divisão (autonomia, saída
dos filhos de casa), multiplicação (entrada de novos membros, como genros, noras,
netos) e diminuição (perda de entes queridos). Diante disso, a família adquire novos
significados, novas formas de funcionamento, novos deságios e novas expectativas.
Na dinâmica da família na fase madura normalmente existem
recordações do passado atuando no presente, principalmente pelas
escolhas não realizadas. Quando alcançam a fase madura as pessoas
viveram duas fases anteriores cheias de acontecimentos,
realizações, conflitos e aquisições. Na nossa realidade social
econômica, onde as únicas permanências são as mudanças, as
famílias se treinaram o suficiente na sua flexibilidade para
encarar os desafios que ainda virão. (Cerveny e Oliveira, 2002,
pág.126).
Nesta etapa, geralmente os filhos estão mais independentes, muitos deles
são universitários e, com isso, começam as separações, nas quais nem sempre os
filhos podem acompanhar os pais nas mudanças, porque, às vezes, não querem trocar
de universidade ou por não ter o seu curso no local de destino. Nesse caso, pode ocorrer
39
uma situação em que a mulher se dividida entre o filho, que fica sozinho no local de
origem, ou seguir acompanhando o marido. Este pode ser um dilema para o casal, já que
é um momento, em que, geralmente, o homem está vislumbrando um progresso
profissional e social, e a mulher começa a sentir uma certa decadência em sua
valorização, principalmente, as que se dedicam à casa e à criação dos filhos, pois estes
já não necessitam mais tanto dela.
Esta etapa é marcada pelo balanço e reconstrução, na qual, muitas vezes, o
casal se sozinho outra vez, fazendo uma revisão do passado, depois de muitos anos
de convivência. Analisam como construíram sua história e como querem continuá-la.
A mãe em trânsito, na maioria das vezes, não pode desenvolver sua profissão e
se dedica aos filhos e ao marido. O trabalho das adaptações familiares quase sempre
fica sob sua responsabilidade, e isso a mantém ocupada por todo esse tempo. As
mudanças dificultam a continuidade da sua profissão. Toda uma vida se construiu em
torno de seus filhos, atenta a suas etapas evolutivas, a horários, estados emocionais,
êxitos e fracassos.
Atravessar o desafio da mudança nesta fase dependerá muito de como o casal
vai estruturar esta nova realidade. O êxito ou fracasso está diretamente relacionado à
forma como o casal viveu as fases anteriores do seu ciclo vital e de que maneira ocorreu
a diferenciação nesta família.
Para a família em trânsito, as fases de desenvolvimento podem ser muito
marcantes, já que, às vezes, se chega no lugar de destino numa certa etapa do ciclo e, se
parte para outro, ou se retorna ao lugar de origem em outra fase de seu ciclo vital.
Muitas vezes, se chega ao lugar de destino com os filhos pequenos e se parte com eles já
na fase adolescente. Então, cada etapa da vida se encontra associada a um lugar
diferente. Sendo assim, penso que as famílias que nascem e se desenvolvem sempre no
mesmo lugar, na maioria das vezes, podem não perceber com tanta clareza a passagem
de uma etapa para outra, mas isso fica mais evidente nas famílias em trânsito. A própria
organização da mudança propicia este processo, uma vez que, quando mudamos,
fazemos uma limpeza em nossos pertences, o que implica numa revisão e organização
do que será descartado e o que seguirá com a mudança para o novo local de destino.
Como os objetos guardam grande parte de nossa história, ao lidar com a organização da
mudança, temos de entrar em contato com recordações de pessoas, lugares e momentos
40
intimamente ligados às etapas do ciclo vital da família. Assim, estas etapas se delimitam
com muita clareza, pois se terá a certeza de que algo não mais se repetirá, como a
permanência naquele lugar, a ausência de determinado vizinho e assim por diante. Outro
fator que deve ser levado em consideração diz respeito à permanência dos pais idosos
no local de origem, principalmente quando estão adoecendo. Essa situação pode
potencializar o estresse.
Para a família em trânsito, esta é uma etapa muito complicada, em que se vive
de culpas, por não poder estar ao lado dos pais, como se gostaria. Percebo em minha
prática clínica, quando atendo famílias com este tipo de vivência, que um de seus
maiores medos é o de acontecer alguma coisa com seus pais e eles não estarem
presentes. Por isso, geralmente, esta etapa é vivida com muitos conflitos e culpas, sem
se saber muito bem o que fazer e onde estar.
4. FASE ÚLTIMA
A fase última representa um período de análise, fechamento e sínteses da vida,
mas pode também trazer à tona situações que não foram bem resolvidas, deixando
lacunas na história da família. A maneira como a família irá vivenciar esta fase depende
de como foram vividas as etapas anteriores do ciclo vital.
A plenitude dessa fase depende do balanço intergeracional. Se este é
positivo a fase última continua sendo um período de realizações. Se o
balanço for negativo, a impossibilidade temporal de mudanças cria
depressão e isolamento. A fase última portanto, depende quase que
integralmente de como foram vividas as outras fases do ciclo vital.
(Cerveny e Berthoud, 2002, pág. 169).
A migração já é especialmente difícil por si e se torna mais complicada para
as pessoas idosas, principalmente, porque necessitam de maiores cuidados e se
estiverem longe da família, provavelmente, irão depender de estranhos. Observo que,
geralmente, as pessoas migram nesta fase se a permanência em seu local de origem
se tornou impossível por circunstâncias próprias, como o idoso que fica viúvo e se muda
para perto de familiares, sem um novo projeto de vida.
41
Uma família tem de superar muitos desafios para avançar no desenvolvimento
de seu ciclo vital, principalmente, nos momentos de transição entre essas fases, que
podem ser muito estressantes. Sendo assim, as famílias terão de ultrapassar algumas
situações críticas previsíveis e talvez algumas imprevisíveis.
Situações críticas previsíveis são as ligadas às situações ou acontecimentos de
caráter evolutivo, ou seja, ligadas ao processo vital de desenvolvimento do ser humano
e aos papéis sociais dele esperados, com as peculiaridades inerentes ao contexto social
cultural em que esteja inserido, como nascimento, casamento e aposentadoria, entre
outros. Já as situações críticas imprevisíveis são as que resultam de uma situação
inesperada que pode ser, entre outras coisas, um acidente, o nascimento de um filho
portador de deficiência e uma migração. (Carter e McGoldrick,1995)
E esta será uma das vertentes desta pesquisa, ou seja, tentar compreender como
as famílias que vivenciam a migração, por conseqüência da mudança ou transferência
de emprego de um dos cônjuges, passam pelas situações críticas previsíveis
relacionadas à formação e manutenção de suas redes sociais e que, em dado contexto,
terão de acrescentar as dificuldades inerentes a esta situação.
42
CAPÍTULO 5
MÉTODO
5.1 REFLEXÕES SOBRE A ESCOLHA METODOLÓGICA
“Metodologia é um modo de pensar sobre, e estudar a realidade social.”
(Strauss e Corbin,1998,p.3, apud Berthoud,2000,p.101).
“Por metodologia, eu compreendo os princípios e valores que guiam os
processos de pesquisa.” (Gilgun et al,1992, p.26, apud Berthoud, 2000, p.101)
...metodologia pode ser compreendida como a busca por um caminho
de investigação a ser trilhado de modo individual e criativo pelo
pesquisador, que se guia por princípios gerais filosóficos e éticos,
que se direciona por interesses e opções teóricas e pessoais e que
encontra, assim, um estilo e maneiras particulares de percorrer um
caminho que é de todos. (Berthoud,2000,p.102)
Compreendo a metodologia como uma forma de obter conhecimento
sobre o mundo e o que está vinculada a um contexto maior, ou seja,
que tem, como pano de fundo, questões ontológicas e
epistemológicas do pesquisador. (Oliveira,2005,p.145)
Concordo com as citações acima, pois entendo a metodologia de pesquisa
como uma postura filosófica frente à arte de investigar a realidade. Assim, compreendo
que a metodologia é o caminho que o pesquisador escolhe para investigar seu objeto de
estudo, sustentado pelos conjuntos de crenças, conceitos, valores e normas. Este
caminho determina qual a relação possível entre o mundo que ele se propõe a conhecer
e o mundo a ser conhecido, sendo ele produto e produtor deste mesmo universo.
Meus estudos e vivência em pesquisas, me levaram a optar, neste momento,
pela metodologia qualitativa. Considero que algumas características da pesquisa
qualitativa são de total relevância para minha pesquisa, que é ter a possibilidade de um
aprofundamento e abrangência sobre o que está sendo estudado, num jogo de relação e
43
integração do fenômeno investigado em sua totalidade. Na pesquisa qualitativa, a
realidade é construída na relação entre o pesquisador e o pesquisado, proporcionando
melhor compreensão da situação. Esta relação está na base da visão sistêmica
construtivista, entendendo que o observador faz parte de toda complexidade do sistema
observado e isto reforça minha forma de compreender a realidade como co-construída,
contextual e multifacetada.
Assim, entendo que a metodologia qualitativa não busca um mundo a ser
descoberto, mas a ser construído. Não se procura mais uma verdade absoluta, mas uma
verdade que vale no tempo e espaço. Neste contexto, compreendo que o conhecimento é
co-construído, num processo em que o pesquisador constrói significados junto com as
pessoas envolvidas no fenômeno para interpretar a realidade. Segundo Gadamer
(2004), interpretar é explicitar a compreensão do fenômeno, e é neste sentido que utilizo
a palavra ‘interpretar’.
Para se compreender a natureza da pesquisa qualitativa, é interessante analisar
algumas definições defendidas por estudiosos que muito têm colaborado neste campo:
Sob o termo ‘pesquisa qualitativa’ queremos significar qualquer tipo
de pesquisa que produza descobertas não encontradas através de
procedimentos estatísticos ou outros modos de quantificação. Pode
se referir à pesquisa sobre a vida do indivíduo, experiências vividas,
comportamentos, emoções e sentimentos, assim como sobre
funcionamento organizacional, movimentos sociais, fenômenos
culturais e interações entre as nações. (Strauss e Corbin apud
Berthoud, 2000, p.103).
Pesquisa qualitativa é definida como o processo utilizado para dar
sentido a dados que são representados por palavras ou figuras e não
por números. O processo de pesquisa qualitativa inclui modos de
conceitualizar, coletar, analisar e interpretar os dados. (Gildun et
al,1992 in Berthoud,2000, p103).
“Pesquisa qualitativa é entrar na experiência das pessoas para poder
compreende-las, é ouvir suas histórias e identificar as idéias centrais.” (Gilgun, 2004)
3
Essas definições mostram aspectos importantes da pesquisa qualitativa, entre
os quais compreendo que ela busca um significado e não uma essência, o que me
3
Citação verbal de Jane Gilgun na Conferência Internacional do Brasil de Pesquisa
Qualitativa, em março de 2004.
44
permite conhecer o mundo do outro. Assim, sua abordagem de análise não se baseia em
números, ou seja, na quantificação, em vez disso, usa as palavras e suas representações.
Na pesquisa qualitativa, o pesquisador não busca descobrir a realidade objetiva
de seu objeto de estudo, mas sabe que tal conhecimento será construído na relação
pesquisador-pesquisado, levando em consideração a subjetividade dos envolvidos na
pesquisa.
Não poderia deixar de destacar a questão da generalização. A pesquisa
qualitativa não tem como objetivo generalizar, mas utilizar-se da transferência, ou seja,
a possibilidade de tal conhecimento ser útil em outras situações semelhantes.
Esse movimento dinâmico e interativo faz da pesquisa qualitativa um
processo holístico, no qual o pesquisado e o pesquisador são partes de um mesmo todo,
que pode ser compreendido dentro de uma visão total e contextual. Sendo assim,
minha posição, como pesquisadora, não é neutra. Minha visão de mundo e meus
fundamentos vão determinar a intencionalidade, a natureza, a finalidade da pesquisa e a
escolha dos instrumentos metodológicos. O fato de também ser uma migrante me coloca
na posição de estar participando como pesquisadora, tendo presente este fato na leitura
de meus dados de pesquisa.
Acredito que a pesquisa qualitativa pode proporcionar maior flexibilidade no
planejamento, pois permite a escolha de uma amostragem com número reduzido de
participantes, contribuindo para alcançar o objetivo.
Enfim, por minha preocupação com o conteúdo e o contexto, com as
subjetividades de pesquisador e pesquisado e por ter um pensamento qualitativo sobre o
estudo a que me proponho, no qual procuro usar as palavras e seus significados,
buscando dar aplicabilidade e transferibilidade dos resultados, acredito que a pesquisa
qualitativa me permitirá ousar um pouco em minha trajetória como pesquisadora.
5.2 A ESCOLHA DO MÉTODO DE PESQUISA
Método de pesquisa é um conjunto de procedimentos e técnicas utilizados
para se coletar e analisar os dados,” (Strauss & Corbin, 1998, apud Oliveira,
2005,p.150).
45
“O método fornece-nos os meios para se alcançar o objetivo proposto, ou seja,
são as ferramentas das quais fazemos uso na pesquisa, a fim de responder nossa
questão.” (Oliveira, 2005, p.150)
Concordo com as definições citadas acima, pois entendo por método, o
caminho de investigação que estou seguindo para chegar às respostas de minhas
questões. Considero que um bom método é aquele que ajuda a conhecer melhor o
fenômeno ao qual me proponho estudar, possibilitando o entendimento de um possível
significado para tal fenômeno. Entendo ainda que a escolha da metodologia é tarefa de
grande responsabilidade para que possa realizar um trabalho científico com seriedade.
Uma das primeiras preocupações, como pesquisadora, é a coerência entre meus
pressupostos da pesquisa e o método de trabalho a ser adotado.
Como já foi citado anteriormente, a escolha pela pesquisa qualitativa deu-se em
função do objetivo do meu estudo, que é investigar a experiência das pessoas,
envolvendo principalmente aspectos subjetivos de suas vivências. Entre os vários
delineamentos da pesquisa qualitativa, fiz a opção pelo Estudo de Caso.
O Estudo de Caso é, como entrevista, a mais antiga técnica e a mais utilizada
em Ciências Humanas, tanto na prática, como na pesquisa. Tem como finalidade o
exame de um ou mais casos representativos, do qual se extraem temas e conceitos que
são explicados, para que as pessoas entendam o fenômeno (Denzin; Lincoln; 1994).
Este fato influenciou minha escolha por esta forma de pesquisa, pois vai ao encontro de
minhas necessidades, que é o de estudar famílias que se mudam, de cidade ou Estado,
em função da mudança ou transferência de emprego de um dos cônjuges, e o Estudo de
Caso permite ao pesquisador poder estudar um conjunto de casos para entender este
fenômeno. Neste caso, não seria um estudo coletivo, mas um estudo instrumental
ampliado a diversos casos.
Acredito ainda que, o Estudo de Caso é tanto o processo de aprendizagem
sobre o caso, quanto sobre o produto do nosso aprendizado, o que traz coerência entre
meus pressupostos de pesquisa e o método de trabalho que estou adotando.
5.2.1 Participantes
Participam desta pesquisa casais, que atenderam os seguintes critérios:
46
Casais com experiência de ter migrado de cidade ou Estado em função da
mudança ou transferência de emprego de um dos cônjuges;
Casais que estejam no local de destino há pelo menos três anos;
Casais provenientes de classe socioeconômica e cultural média, assim
considerada segundo os indicadores de qualidade de vida, além de salário,
escolaridade, tipo de habitação, entre outros;
Casais com filhos pequenos até a idade de 12 anos.
Optou-se por casais com vivência no local de destino pelo menos três anos,
por considerar esse tempo o suficiente para que eles tenham construído uma rede social
significativa. E os filhos de até 12 anos de famílias em trânsito, demonstram, na maioria
das vezes, terem como rede social a família e os colegas de escola, facilitando assim o
foco de estudo.
5.2.2 Procedimento para Coleta de Dados
Os participantes são convidados pelo recurso chamado ‘bola de neve’, que
consiste em localizar pessoas mediante indicação de seus conhecidos que,
progressivamente, vão indicando outras pessoas que se encaixem nos critérios citados
anteriormente. Assim, foi pedido a cada participante que indicasse outras pessoas de seu
contato, que tivessem experiência semelhante, para que pudessem ser convidados por
mim. Após a indicação, foi feito um contato telefônico com essas pessoas, convidando-
as a participarem da pesquisa e, na ocasião, foram informadas do objetivo. As
entrevistas foram feitas no meu consultório, tomando-se o cuidado para marcar o dia e
a hora conveniente para o entrevistado.
Os participantes foram questionados se concordavam em ter novo contato, caso
necessário. Foi explicado que, durante a análise dos dados, poderia aparecer algo
importante que mereceria ser melhor investigado e o quanto isso poderia contribuir para
a pesquisa.
Também foi esclarecido a necessidade do uso do gravador, como forma do
registro da conversa, com a devida explicação sobre a transcrição literal da fita.
Os participantes receberam uma cópia da transcrição das fitas, para verificar se
estavam de acordo ou gostariam de alterar alguns dados, e foram informados sobre o
47
sigilo da pesquisa, sendo preservados seus nomes ou quaisquer referências que
pudessem identificá-los.
Eles assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, no qual foram
discriminados os itens citados acima e foram comunicados da possibilidade deste
material ser utilizado em apresentações e/ou publicações posteriores (Anexo I).
5.2.3 Instrumentos
Durante a entrevista foram utilizados dois instrumentos complementares: a
entrevista semi-estruturada e o Mapa da Rede Social do participante. Elegi meus pontos
de interesse, nas entrevistas semi-estruturadas, para explorá-los numa conversação
dialógica estabelecida com o entrevistado. o Mapa da Rede Social contribuiu para
melhor visualização da formação e manutenção das redes sociais dos participantes,
facilitando o processo para a análise de dados. O Mapa de Rede Social utilizado foi o
sugerido por Sluzki (1997), conforme já explicado capítulo III (Anexo 2).
O conjunto de habitantes desse mapa mínimo constitui a rede social do
informante e, sem dúvida, é um registro estático do momento ou de algum momento do
passado. Mas acredito ser uma ferramenta que possa ajudar tanto o pesquisador, como o
pesquisado, a demonstrar a construção da sua rede social.
Para que esse processo fosse enriquecido, os entrevistados construiram dois
mapas de rede, o antigo (anterior à mudança para o local de destino) e o atual. Assim, se
tornou possível verificar o movimento das pessoas que fizeram e as que fazem parte da
rede social da família, se registrando se houve aumento ou redução de intimidade.
Em relação à entrevista semi-estruturada, o foco do tema da conversação parte
de tópicos estabelecidos, a priori, que servem de base para outras questões espontâneas,
podendo ampliar o seguinte roteiro de investigação:
Explorar como foi a trajetória de mudança(s) feita pela família;
Quais os principais desafios enfrentados para a formação das novas redes
sociais;
Que lugar ocupa os vínculos estabelecidos com a nova rede social na vida
desta família.
Como ficaram os vínculos com a rede social do lugar de origem;
48
Quais os recursos utilizados pela família, na manutenção da antiga rede
social;
Quais os recursos foram utilizados pela família, na construção de sua nova
rede social;
Que papel teve a antiga rede social na adaptação da família em seu novo
local de destino;
Que papel tem a nova rede social da família em seu processo de adaptação.
5.2.4 Análise de Dados
Foi utilizada a análise qualitativa para compreensão do fenômeno. É um
processo de examinar, interpretar, reduzir e ordenar os dados qualitativos, para que
pudessem ser explicados. Durante esse processo, como pesquisadora, reli várias vezes
as entrevistas, procurando temas, conceitos e padrões regulares, observando as
semelhanças e as diferenças dos detalhes, sempre tomando cuidado de fazer esta análise
dentro de um delineamento contextual. Para isso, explorei os dados, tentando achar o
que cada palavra me dizia, para que pudessem conduzir minhas constatações.
Em seguida às leituras de assimilação de todo material, trabalhei com a
categorização, ou seja, agrupei várias sub-categorias que se aproximavam para formar
uma categoria e então compreender melhor os dados colhidos durante as entrevistas,
procurando entender que significado as pessoas davam para o evento. Para o processo
de categorização, foi utilizado o critério de repetição -investigação daquilo que cada um
tem em comum com o outro - e o de relevância - ponto de destaque no conjunto do
material coletado, sem que necessariamente apresente certa repetição.
Durante a análise qualitativa, levei em consideração também, a minha
experiência na análise dos significados que as pessoas atribuíam as suas vivências,
entendendo que os dados de minha pesquisa refletiam tanto seus participantes como a
minha.
Apresento a seguir, o resultado da minha construção de análise, classificado em
cinco categorias:
1. Iniciando a Mudança;
2. Deixando a Antiga Rede;
49
3. Encontrando a Nova Rede Social;
4. Criando novas redes sociais;
5. Mantendo as Redes Sociais.
50
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
A análise dos dados desse estudo, são provenientes de entrevistas feitas com
quatro casais, todos com filhos pequenos, sendo que três deles estão numa etapa de
transição da fase de aquisição para a fase adolescente e um, vivenciando a fase da
aquisição em seu ciclo vital familiar. Somente um casal fez a mudança em função da
transferência de emprego do marido, que é funcionário de uma multinacional; outro
casal, mudou de cidade pela mudança de emprego da mulher, que é professora
universitária, e, os outros dois casais são funcionários públicos federais, tendo a
oportunidade de conseguir a transferência de local de emprego para o casal.
Neste capítulo, apresento as categorias construídas a partir da análise qualitativa
de conteúdo, buscando ao longo da apresentação discutir os dados empíricos com os
fundamentos teóricos que embasam esta discussão.
No processo de análise dos dados, podem ser observados cinco fenômenos aqui
conceituados, como Iniciando a Mudança, Deixando a Antiga Rede, Encontrando a
Nova Rede Social, Criando Novas Redes Sociais, Mantendo as Redes Sociais. Cada
um desses complexos processos envolve aspectos que podem ser melhor compreendidos
na análise das categorias e sub-categorias. Apresento a seguir, uma tabela para melhor
configuração dos conceitos e categorias, fazendo a explanação a seguir:
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Sub-Categorias Sub-Categorias Categoria/Fenômeno
Desejo
Expectativa
Motivos
Apoio
Boicote
Apoio Familiar
Iniciando a Mudança
Culpa e Preocupação
Medo
Sofrimento
Sentimentos despertados
com a mudança
Deixar lugares
Deixar amigos
Perdendo contato
Distância Geográfica
Falta de Convivência
Perdas
Influência da antiga rede social
na migração
Adaptar-se ao lugar
Adaptar-se às pessoas
Falta de Acolhimento
Dificuldades da chegada
Sendo acolhido
Reencontros
Orientação
Recebendo apoio
Encontrando a nova rede social
Inserção Social
Etnia
Gênero
Ciclo Vital
Estado Civil
Inclusão e
Exclusão
Convites
Estamos todos no mesmo
barco
Uma só rede
Famílias substitutas
Redes dos filhos
Tecendo redes
Muito unidos
Isolamento
Falta de Tempo
Resistência à nova relação
Família recolhida
Criando novas redes sociais
Encontros
Telefonemas
e-mails
Visitas
Contribuindo para manter a
rede anterior
Levando a família
Levando os amigos
Carregando antigas redes
Mantendo as Redes Sociais
52
A primeira categoria denominada Iniciando a Mudança, demonstra alguns dos
motivos que levam a família a enfrentar um processo de migração, como lidam com o
apoio familiar ou falta dele, e quais os sentimentos despertados nessa etapa. .
Encontrei nas respostas situações de desagrado profissional ou pessoal que motivaram o
desejo de mudar de emprego, em busca de novos desafios. Estas experiências vêm
carregadas de expectativas e desejos.
M: ... depois que me formei, a cidade para que eu queria não apresentava
perspectiva de trabalho, eu não senti tanto assim, porque é uma aventura, eu estava
conquistando coisas e tal..., mas o desejo e a vontade de começar uma vida nova era
muito forte também.”
A: “..a gente sabia que para melhorar tinha que ir atrás, cair na estrada.”
V: Queriam que a gente progredisse, nem que para isso a gente tivesse que
ficar longe delas...”
P: “Sabia que era a decisão certa, com os problemas que estava dando entre o
H. e minha mãe, era melhor mesmo a gente ir para longe e ficar distante de tudo isso.”
Apoio familiar é outro aspecto a ser compreendido, que demonstra como a
família de origem pode colaborar ou dificultar no processo de migração da família em
trânsito. O apoio da família de origem é um aspecto que pode ajudar a família em
trânsito a fazer a transição de maneira mais confortável.
M: “.. nessa mudança foi diferente, tive todo apoio deles (família), meu pai
falou ‘Vai mesmo, vai ser melhor para vocês’. E essa força me ajudou muito.”
H: “... acho que também não foi difícil, porque nossa família não se opôs, acho
que até queriam que a gente ficasse por perto, mas não boicotaram a gente em nada.”
53
V: “... elas apoiaram bastante a nossa vinda para cá... Ajudou bastante, porque
eles queriam que a gente conseguisse.”
R: “...o fato da gente ter o aval da família, com certeza ajuda muito você a
fazer essa opção.”
Mas o movimento inverso da antiga rede social da família influi negativamente
na nova empreitada, dificultando a adaptação no seu destino. Quando surge a falta de
apoio, o boicote da família de origem, geralmente, a família em trânsito lida com forças
opostas, ou seja, por um lado tenta se adaptar ao novo lugar e por outro, alimenta as
expectativas da família extensa de que a transição não está dando certo e que ocorre
um provável retorno.
P: Dificultaram demais. Faziam chantagem emocional o tempo todo. era
difícil ficar longe deles, e eles não colaboravam de jeito nenhum..”
“Não acreditavam e tentaram boicotar outra vez, culpando o M. por estar
separando a gente outra vez, aí foi mais difícil...”
O terceiro aspecto desta categoria aparece como os sentimentos despertados
com a mudança, na qual a família pode lidar de forma estressante ou não, dependendo
dos vínculos que ficaram para trás.
Medo é um sentimento muito presente nesta fase da mudança e pode ser
potencializado ou amenizado por influências da rede social que fica para trás, mas não
chega a impedir a família de fazer a mudança.
P: “...me dava muito medo, porque eles goravam minha ida para o Norte, antes
mesmo da mudança e ficavam dizendo ‘Isso não vai dar certo...’ e não deu.”
H: “... mas é uma mudança muito grande, muito medo de lidar com o novo,
... dava medo, mas ao mesmo tempo aguçava.”
54
Culpa e preocupação são sentimentos despertados nas pessoas que partem. O
fato de privarem as pessoas que ficam no local de destino, da sua companhia, é um
aspecto que desperta a culpa. E isso causa grande preocupação, uma vez que, na maioria
das vezes, estão com seus pais envelhecendo e têm probabilidade de adoecer, ficando
difícil para a família que partiu estar junto deles o quanto gostariam. Estes conflitos
gerados pela distância geográfica entre a família de origem e a em trânsito são fontes de
estresse, que pode ser um fator significativo na migração.
F: “... uma das coisas mais difíceis de se morar longe é que você fica com a
sensação que não vai dar tempo de aproveitar as pessoas que você gosta, o quanto
queria...”
H: “... morro de medo da minha mãe precisar de mim e eu não estar para
ajudar.”
C: ... a gente ia todo fim de semana... e o papai doente... eu sabia que ia ter ele
por pouco tempo, então você tem que fazer as coisas em vida, depois que morre não
adianta..., mas que é uma fonte de estresse é..., quanto mais distante, mas preocupado
você fica com a saúde dos que ficaram e principalmente com os que estão
envelhecendo... a gente se culpa por não dar a assistência que gostaríamos de dar, mas
tentamos fazer o possível.”
P: “... quando chega aqui, muito medo, assim,... não sabe se vai ver o avô
de novo, a avó, a mãe...Tenho medo deles ficarem doentes, e eu não poder fazer nada,
ou de acontecer o pior... de morrerem mesmo e eu achar que podia ter aproveitado
mais, é como eu me sentisse culpada por estar privando eles da nossa companhia.”
R: “.. a gente fica mais preocupado é com a saúde das mães, que estão
ficando velhas e sem saúde... nossa preocupação mesmo é com a saúde delas, e da
gente estar longe e não poder ajudar muito.”
Os sentimentos citados acima, podem ter grande influência nos sofrimentos
despertados e experimentados , principalmente, na primeira mudança.
55
M: “... desde que eu saí lá de casa, ela saiu em pedaços, ... duas sentiram muito
minha saída...nossa!!! Três... meu pai sentiu muito minha mãe também... era a primeira
mudança... sofreram (os pais), mas não dificultaram... eu me lembro que na minha casa
muita gente ficou triste”
P: “... era difícil para mim, ver ela chorando toda vez que falava com a avó.”
“... os primeiros meses da mudança foram muito sofridos para ela.”
Deixando a Antiga Rede é a segunda categoria que mostra a forma como a
família lida com a antiga rede social, que pode acontecer de forma estressante, ou não,
dependendo dos atributos e vínculos específicos que são atribuídos às pessoas que
permanecem no local de origem. Nesta etapa a família tem de enfrentar suas perdas,
que foram relatadas como sendo um processo desconfortável para a maioria dos
integrantes da família.
Deixar lugares é um desafio importante que a família enfrenta na sua migração.
Dependendo do vínculo que as pessoas têm com o lugar de origem, esta questão pode
ser vivida como um processo desgastante.
A: “... aliás uma das coisas que me faz muita falta, são as ruas planas da minha
cidade..., me dá a sensação de liberdade.”
F: “... até o clima interfere, sinto muita falta do calor da minha cidade...”
“... quando a gente muda para longe, até o cenário faz falta, eu sentia falta do
cheiro das plantas, da comida, do calor...”
V: “... no começo sentia muita falta do calor, da praia...”
56
Deixar amigos denota um movimento menos estressante para os membros da
família. Muito vai depender em que etapa do ciclo vital ela se encontra. Provavelmente,
este seria um processo doloroso de ser vivido por adolescentes, mas, como estou
entrevistando adultos, esta parece ser uma questão não muito desgastante de ser vivida
por eles.
F: “... estas amigas estavam também indo cuidar da vida delas... eu tinha que
pensar na minha. A gente se gosta muito, mas não foi complicado não, não lembro de
sofrer por isso.”
H: “... mas também foi normal esse distanciamento dos amigos, sem neuras,
alguns já ficaram tão para trás, que nem me lembro muito.”
P: “... acho que o começo é difícil, mas numa tabela de 0 a 10, eu daria 5 para a
dor de deixar os amigos e 10 para deixar a família. Então é bem diferente.”
Perdendo contato mostra quais os mecanismos que contribuem para que a
família em trânsito perdendo o contato com pessoas de sua antiga rede social. Os
movimentos mais apontados pelos entrevistados como prováveis responsáveis pela
perda do contato social anterior são:
Distância geográfica, que demonstra como ela pode colaborar para o
enfraquecimento, ou mesmo, para a perda das redes sociais pessoais. Pude observar que
quanto mais distante ficar o local de destino do local de origem, mais difícil é a
manutenção das redes sociais pessoais, e geralmente maiores vão ser os requisitos para
que os membros da família mantenham estas redes.
H: “... a distância da cidade atual com a de origem afastou os amigos... A
distância de 600 km para ver a gente... não vem não.”
57
C: “... claro que a distância impede de estar próximo, mas não de coração (em
relação aos amigos).”
“... porque a gente não tinha em que se apegar lá, então a gente ia para nossa
cidade de origem, porque a gente estava a 70 km da nossa terra.”
F: “... a distância geográfica se não for bem cuidada distancia você de toda sua
família, e isso uma hora vai repercutir no casal, sempre digo isso para o H.”
R: “É, mais os que a gente perdeu o contato foi porque aqui fica longe, e é
difícil para eles virem para cá, agora imagina você que ficou a mais de 3000 km de
distância, quem você vai conservar de amizade da Bahia? Essa distância fala mais
alto, não tem jeito, a gente que acaba tendo mais que ir ver o pessoal...”
E a Falta de Convivência é outro indicador apontado por eles. Pude observar
que a convivência com os amigos da rede social anterior à mudança fica prejudicada,
porque na maioria das vezes, a família em trânsito tem de priorizar o contato com sua
família de origem em seus retornos para visita, não sobrando muito tempo para estar
com os amigos.
P: “... conservar amizades é difícil, o que sinto é que você até mantém, mas é de
outra maneira, você não está vivendo ali do lado, compartilhando as coisas no aqui
agora... a falta de contato esfria... a gente não faz mais tantas histórias juntas, vive
mais de lembranças. Isso une, mas também distancia.”
M: “Acho que estar distante, não ter uma convivência mais próxima, também
distancia as pessoas.”
H: “... os amigos, quando a gente vai para nossa cidade falam ‘Você não
apareceu, não ligou...’, porque a gente fica muito absorvido pela família, ...se a gente
tivesse uma convivência mais diária...”
58
“...porque quando a gente vai para Belo Horizonte, a gente fica muito
absorvido pela família.”
F: “...a gente não consegue manter os amigos, porque quando vamos para nossa
cidade a família absorve muito.”
C: “... acho que a falta de contato pessoal afasta muito a gente dos amigos.”
“... com as perdas e doenças da família, toda vez que eu ia para casa, me via na
obrigação de ficar em casa... e isso me distanciou um pouco do pessoal.”
V: “É! O Alexandre e a Heloisa sempre vêm para cá. Os outros é mais difícil, logo
que a gente mudou, eles não vinham muito, vai perdendo o contato, mesmo porque a gente
nem tinha muitas condições de receber...”
“... porque se o tempo é curto, você tem que dar mais assistência para a família
e não vai ter tempo para os amigos, outra coisa é que eles também têm a vida deles lá,
e nem sempre podem ficar disponíveis, então é bom ir com tempo para poder matar a
saudade de todo mundo.”
Encontrando a Nova Rede Social é o fenômeno que mostra que rumo pode
tomar a adaptação da família em seu lugar de destino, dependendo das contribuições ou
não das novas relações sociais. Observou-se que quando a família é confrontada, com as
dificuldades e conflitos gerados pelo seu processo migratório, pode ter seu estresse e
ansiedade amenizados ou potencializados, dependendo de como é acolhida pelas
pessoas do lugar de destino.
Dificuldades da chegada pode ser considerada a situação em que a família entra
em contato com o novo, e isto exige certo esforço de cada integrante para que assimile
os novos recursos e papéis dessa trajetória. Aqui, as novas redes sociais têm papel
significativo para facilitar ou dificultar esse processo.
A: “... o maior obstáculo, é você chegar novo na cidade.”
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H: “... difícil adaptar a mudança, cidade nova, muito longe... é uma mudança
muito grande, só eu e ela.”
V: ... e vinha a depressão, que eu ficava muito triste por estar sozinha... e sem
conhecer ninguém!”
“... eu andava de ônibus, nossa muito difícil... e à noite... eu vivia uma solidão,
eu sentia uma tristeza imensa... sozinha, grávida, sem ninguém.”
Os entrevistados mencionaram três movimentos para superar as dificuldades da
mudança e se adaptar ao novo processo.
Adaptar-se ao lugar é o movimento que as pessoas fazem para se identificar
com o local de destino. Esse processo é muito importante para se estabelecer o
sentimento de pertencimento do indivíduo ao novo contexto em que está inserido.
Observou-se que a resistência de adaptação ao lugar de destino pode dificultar o
processo de construção da nova rede social da família em trânsito, o inverso, parece
colaborar de forma positiva, deixando as pessoas mais à vontade em seus novos locais
de moradia.
V: “... primeiro eu senti muito o clima porque eu vim pra em maio, e o
inverno lá no Rio é superquente, então... eu estranhei muito o clima. No começo, sentia
muita falta do calor, da praia... Também atrapalhou..., eu senti muito. Eu andava na
rua com aquele frio todo porque eu morava em um bairro perto da montanha...”
C: “... eu estranhava o calor, era muito quente, em compensação aqui é
muito frio, acho que demorou uns três invernos para eu acostumar com esse frio.”
F: “... até o clima interfere na adaptação. Aqui é muito frio, mas quando penso
como aqui é lindo, tudo aqui vale a pena.”
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M: “... até o lugar contribuiu na adaptação, é uma cidade muito boa de se viver,
gostosa, tranqüila e segura... a natureza aqui é generosa.”
P: “... a cidade é outra coisa, aliás tem uma estrutura muito melhor que a nossa
cidade... tem escolas melhores, tem muita música...”
R: “... no começo não foi fácil, não gostava não, hoje a gente acostumou e
até estranho o calor do Rio, ...acho que na época da adaptação, tudo fica mais difícil,
você fica vendo o que deixou para trás e não o que vai ganhar, então até o clima
interfere, mas depois você vai se acostumando...”
Adaptar-se às pessoas apresenta a maneira pela qual os integrantes da família
vão construindo novas relações sociais, para que também desenvolvam seus sentimentos
de pertencimento, estabelecendo uma relação saudável com a nova rede social.
C: “O pessoal da Caixa era ótimo. Fazia churrasco..., a gente se freqüentava. A
gente também chamava eles para irem lá em casa. Período bom.”
A: “... foi uma das cidades que mais eu tive amigos. Mas ninguém era de lá.
Você tem que colaborar..., ir aceitando que as pessoas façam parte do seu dia..., as
novas, ir se adaptando a elas. Mas eu tinha mais afinidade com os de fora.”
F: “... vai ampliar as chances de fazer novos amigos aqui... e tem pessoas na
mesma situação, que estão vindo para cá agora, sem família... agora também temos que
dar chance dos outros se aproximarem.”
M: “... esses amigos do trabalho a gente criou um vínculo assim..., faz
churrasco, sai junto.”
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V: “... Pensando bem até que a gente fez amigos no serviço de ir lá em casa, eu não
sei dizer porque a gente fica com a sensação de que não são tão amigos, parece que o lugar
daqueles que faziam parte da nossa vida não pode ser ocupado, mas tem esses sim.”
A Falta de acolhimento pelas pessoas situadas no local de destino aparece como
uma situação geradora de forte estresse para os integrantes da família em trânsito, podendo
ser responsável por alguns sintomas emocionais.
V: “... ninguém, ninguém, ninguém. Nem o pessoal do trabalho eu considerava, o
único que me convidou pra fazer alguma coisa foi um rapaz de outra cidade, quer dizer,
falou que ia me convidar... mas não convidou, ficou falando... ameaçou... então eu
senti uma solidão imensa, então quando o R. não vinha final de semana era horrível pra mim
ficar sozinha no final de semana que ele não vinha... primeiro que eu passava mal... e vinha
a depressão.”
M: “... que eu tenho lembranças, mais era da minha mãe ... , meio que com depressão
... não assim tão forte..., porque ela ficava sozinha ali com os filhos, não conhecia ninguém
..., no começo ninguém foi recepcionar ela não, disso eu tenho até lembrança...”
Recebendo Apoio é o que define como é importante o apoio recebido na
chegada, facilitando a adaptação da família em trânsito em seu lugar de destino. Poder
contar com alguém, para facilitar essa transição, parece trazer para os integrantes da
família em trânsito a sensação de conforto, que ajuda a diminuir a ansiedade frente à
nova situação.
Sendo acolhido pelas pessoas, que estão fixadas no local de destino contribui
positivamente para o desenvolvimento saudável nesta nova etapa da família. Muitas
vezes, a acolhida é feita pelos companheiros do local de trabalho.
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C: “... o pessoal da Caixa me recebeu superbem..., fomos muito bem
acolhidos..., ela me ajudou muito quando eu vim para cá, me recebeu superbem..., mas
também ela é de fora e sabe como é importante a gente ser acolhido.”
A: ... eu tive um apoio muito grande de um juiz, nunca tinha visto, não era
amigo e tal. Mas me ajudou muito quando cheguei.”
H: “... posso dizer que meus colegas de serviço me receberam muito bem, e isso
ajudou muito na minha adaptação.”
M: “... uma pessoa muito legal quando a gente chegou aqui foi a Dani..., então
esse casal foi muito legal com a gente nesse ponto de suporte, de ajuda.”
P: “... quando a gente chegou, a gente criou um vínculo muito bacana, é como
se a gente tivesse resgatado alguma coisa (referente a um casal que deu suporte)...,
quando a gente chegou aqui, tive apoio de um pessoal do serviço dele, quer dizer das
esposas.”
É interessante destacar que os entrevistados, muitas vezes, foram acolhidos por
pessoas que faziam parte da rede social da família de mudanças anteriores, em que
ocorre um Reencontro com amigos. E isto parece trazer um sentimento confortador
para as pessoas.
C: “... tem uma amiga da minha cidade natal..., mora aqui..., foi bom ter ela
aqui.. .faz eu me sentir em casa....A Clara não queria mudar, deixar as amiguinhas,
principalmente a Mariana, mas essa menina mudou para bem perto daqui, então todo
fim de semana era uma na casa da outra.”
P: “A Dani e a Sônia eram do Norte, a gente morou juntas lá, mas não tive
essa afinidade..., você chegar e encontrar caras conhecidas é muito confortável.”
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M: “Nessa mudança, tudo foi mais fácil, até porque eu conhecia muita gente,
que desceu lá do Norte e já estava aqui, então tudo estava mais fácil.”
Mas, em algumas situações, isso pode dificultar o processo de novos nculos
para as pessoas que chegam ao lugar de destino.
A: “... a vez que a Clara trouxe uma criança para dormir aqui em casa, foi
um ano e meio..., porque ela tem duas priminhas aqui..., eu acho que isso também
influencia.”
A Orientações dadas por colegas que estão fixados no local de destino pode
ajudar a superar as dificuldades. Essas orientações contribuem para os integrantes da
família em trânsito se localizarem nas suas atividades diárias, podendo diminuir o
desgaste por ter de se virarem sozinhos e descobrir o novo de forma menos estressante.
M: “... a P. teve muitas dicas dessas vizinhas, coisas práticas, ajudaram muito”.
P: ... elas me ajudaram muito na minha chegada aqui, elas me orientaram
muito quando cheguei e até hoje me socorrem... a Dani foi fantástica, nos levou em
colégios, bairro...”
Criando Novas Redes Sociais foi o quarto fenômeno observado nesta análise.
Esta categoria evidencia a grande transformação que ocorre na dinâmica familiar
durante a migração. Procurei compreender como são feitos os caminhos da família em
trânsito na construção da sua nova rede social, e observei que esta categoria é formada
por dois processos fundamentais.
Inclusão e Exclusão apresentam os sinais que podem ajudar ou dificultar as
famílias a perceber com quem irão construir suas novas redes sociais. Neste movimento
a família aparece tanto como sendo produto, como produtora da situação.
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C: “ Ninguém nunca chamou a gente para freqüentar lugar nenhum lá.”
A: “A gente não tinha chance lá. Eles excluíam a gente.”
“... eu nunca fui convidado para tomar café na casa de ninguém.”
A: “... os atrativos são muito maiores na sua cidade... seus amigos estão lá, sua
família está lá, e a proximidade facilita, você vai embora... não faço a menor questão
de participar desta roda.”
C: “... a gente foi muito bairrista, não construímos uma rede legal..., toda sexta-
feira a gente ia para nossa cidade natal... e isso dá um corte muito grande nas
amizades dela... porque a gente não tem em quem se apegar lá, então a gente ia para
nossa cidade de origem.”
E: “E vocês tinham com quem contar nesta fase? F: - Não.
E:- Isso fez falta? F:- Até agora não.”
H: “... quando a Marcinha nasceu, a gente se bastava, como se fosse um.”
V: “Agora aqui nós temos alguns amigos, mas não é a mesma coisa. Não sei se
é porque o tempo passou e a gente ficou mais exigente...”
Neste aspecto, aparecem diferentes questões que interferem no processo de
migração. Estas questões podem ser referentes a gênero, inserção social, etnia e ciclo
vital e todas parecem desempenhar papel significativo na formação de redes sociais no
processo migratório. Observei na análise desta pesquisa que pessoas provenientes da
mesma classe social, geralmente, tendem a se vincular mais facilmente. Outro fator que
sobressai é a questão do estado civil, o fato de ser casado ou solteiro tem interferência
na formação de redes próprias.
Inserção Social aparece desempenhando um papel significativo na formação das
redes sociais da família em trânsito, colaborando para excluir ou incluir seus membros
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no novo contexto, de acordo com as suas exigências. Nesta pesquisa verificou-se que,
geralmente, existe uma tendência de as famílias em trânsito serem mais suscetíveis a
desenvolver laços com pessoas que pertencem ao mesmo grupo profissional ou que têm
o mesmo nível de recursos. A diferença social aparece como grande colaboradora do
processo de exclusão.
C: “Social. Porque a gente achou que essa questão do A. ser promotor, colocou
uma barreira muito grande...”
“... ele era pedreiro, muito simples, mas a gente também era e me sentia bem
com eles...”
“... tudo na cidade roda em torno do clube..., e se você não é sócio, está fora da
roda.”
A: “... mas ela não é uma cidade democrática, é uma cidade por exemplo que o
mecânico de carro está destinado a ser mecânico de carro a vida inteira, e o cara vai
ser tratado como mecânico de carro...”
“... mas fazem questão de manter esse vínculo, casam-se entre si...”
“... Mas eu acho que não vai ter muita dificuldade de fazer amigos, porque aqui
são seis promotores....”
“... você não tem acesso, mesmo a pessoa que força o acesso vai sentir barreira.
Mesmo se ele for uma pessoa muito rica.”
V: ”Um outro obstáculo também pra gente nessa adaptação toda foi nosso trabalho.”
R: A própria profissão ajuda a afastar as pessoas da gente, ou a aproximar,
mas no nosso caso, é mais por interesse. Eu acho.”
Considerando a etnia como forte referência de identidade, que pode selecionar,
unir ou separar as pessoas, em função das lealdades, tradições e apego aos valores,
encontrei as seguintes respostas:
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A: “... a gente não tinha chance de fazer amigos lá, o povo da cidade sofreu
uma influência muito grande do carioca. E o carioca com toda superficialidade do
carioca... só se relaciona com pessoas mais ecléticas da cidade.”
“... tem até hoje a família tradicional... uma bobajada, uma besteirada, mas
fazem questão de manter esse vínculo, casam-se entre si.”
“... é uma cidade que se desenvolveu pelo café... são famílias muito antigas que
têm na cidade... lá tem essa coisa de tradicionalismo.”
R:”... Na verdade o que a gente sente aqui é que existe um resquício de
coronelismo. Quem você é, se é filho de quem, sobrenome, o quê que você faz, então
eles pegam a ficha completa...”
Na minha análise observei que os novos vínculos da família começam muito em
torno da rede que é trazida pelo marido, quando ele é o responsável pela transferência.
O que diz muito sobre as questões de gênero.
P: “... não consigo apontar uma pessoa que eu tenha introduzido na nossa
relação, vieram todos do lado dele.”
“... se você for ver, quando cheguei aqui tive apoio do pessoal do serviço dele,
quer dizer, das esposas, mas era por conta dele; e, se a gente faz um programa
diferente, sempre tem a turma do serviço dele. Se eu for fazer alguma coisa com as
minhas colegas da faculdade, ele não participa. Acho que acaba predominando a turma
dele, mas isso não me incomoda.”
Mas também, aparecem respostas que indicam a mulher como tendo uma
maneira diferente de construir e manter suas amizades, além de ser a maior responsável
pela rede social da família fora do contexto profissional do marido. Isso no caso da
mudança estar sendo feita em função da transferência de emprego dele. Já no caso dos
dois estarem mudando em função do emprego, essas diferenças não aparecem como tão
significativas.
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A: “Com eles eu tenho um contato além do profissional. De vez em quando, a
gente se fala, não é como mulher, que a toda hora tem que se falar... ela é muito mais
aberta, os contatos quem faz mais aqui em casa é ela.., (quanto ao contato com os
amigos) não é essa coisa, assim meio visceral.”
M: “... hoje em dia, até muitas mulheres vieram pra porque tinham assim o
principal emprego, elas é que bancam... são a maior fonte de renda da família e
acabam vindo alguns maridos que abrem mão, deve ser difícil para eles, porque elas
têm uma rede de amigas mais feminina, e eles têm que se adaptar a isso, homem é
sempre mais difícil para essas coisas, tem isso aqui, e muito.”
“Acho que a visão de homem e mulher pra amizade é muito diferente, porque
quando você fala de amigo mesmo, o primeiro que me vem na cabeça é um amigo de
infância mesmo. A gente cresceu junto e até a faculdade a gente foi junto, não fazia o
mesmo curso, mas a gente tava ali junto...e depois que casou separou, mas a gente
nunca perdeu o contato. Acho que a amizade do homem é mais duradoura.”
Dependendo da etapa do ciclo vital em que se encontra a família, a mudança de
cidade a afetará de maneira especial, podendo colaborar de maneira significativa para o
processo de inclusão ou exclusão desta família em seu novo contexto.
H: “Eu acho que as pessoas que estão passando os mesmos momentos de vida
que a gente ficam mais próxima.”
F: “É que a gente estava no início do casamento também,... então eu falo para
ele que a gente não fez esforço nenhum para fazer amizades.”
M; “Então a gente mudou para o norte,... foi uma surpresa muito boa, porque
eu acho que eu estava no início da minha vida de casado, a gente se dando muito bem e
teve a oportunidade de ficar só nós...”
P: “... foi mais difícil por um lado, porque agora tinha quatro netos para
distanciar.”
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V: Também depende do momento da nossa vida, tivemos amizades que nós
fizemos tão boa, que aqui nós não conseguimos fazer como de lá, por causa do
momento. nós éramos solteiros, vivíamos outras coisas. Então aqui talvez não tenha
surgido uma amizade tão boa quanto a de lá por causa disso.”
“Eu acho que depende do momento da vida, da idade, tudo. Antes a gente estava
mais aberto, né? Hoje em dia é mais difícil, os interesses vão mudando, porque com criança
pequena a gente acaba se isolando mais ainda.”
O Estado Civil parece ser uma das condições que também influi não na
criação de novas redes sociais, como também na manutenção das anteriores.
H: “Aquele que não casou, não tem filhos, acho que fica mais distante.”
V: ... nós éramos solteiros, vivíamos outras coisas, tanto nós como nossos
amigos eram mais disponíveis para se encontrar, depois que vem filhos, isso muda para
todo mundo, fica mais difícil.”
Tecendo redes aparece como um movimento facilitador para diminuir o
estresse vivido pelas famílias em trânsito no início da sua migração. Geralmente os
companheiros de serviço aparecem como os principais agentes facilitadores na
formação das primeiras redes sociais da família.
A: “... eu tinha amigo no Fórum, Sr. Celso,... mas é gente mais ligada à minha
área. O Alfredo também..., todo dia eu estava com as mesmas pessoas, então eu fiz um
vínculo legal..., o pessoal do serviço de hoje ficaria no centro do mapa.”
F: “... agora com o trabalho novo, eu considero que vai ampliar as chances de
fazer novos amigos aqui.”
H. Posso dizer que meus colegas de serviço me receberam muito bem, e isso
ajudou muito na minha adaptação.”
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M: “... no Norte nós fizemos muitos amigos, que nós conhecemos todos por
causa do trabalho... você cria um vínculo muito mais forte no trabalho, no ambiente de
trabalho, pelo menos é o que acontece comigo.”
R: O Roberto ele era colega meu de trabalho... E veio pra cá, então eu acho...
a V. também fez amizade com a Micheline que é esposa dele, eles tinham uma menina
também, então tinha todo esse funil também. Só que em função do trabalho.”
Os Convites recebidos pelas famílias em trânsito em seu novo local de morada
têm grande importância no processo de formação de novas redes.
C: “... o pessoal da Caixa era ótimo. Faziam churrasco, convidavam a gente...
a gente também chamava eles para irem lá em casa.”
M: “... então a gente vai na casa dos outros, eles convidam, fazem churrasco,
saem juntos..”
H: “... a gente tem necessidade, faz falta a ausência de amigos para convidar
para um jantar ou para ir na casa deles.”
Estamos todos no mesmo barco” foi a metáfora utilizada para explicar como
se formam os vínculos com mais consistência, geralmente com outras famílias que
também estão fora do seu local de origem.
M: “... quando você está inserido nos mesmos interesses da turma, os laços se
estreitam.”
P: “... acho que é porque estamos todas na mesma situação aqui, isto facilita,
todas estão aqui sem família para acudir, porque todas vieram porque os maridos
foram transferidos..., então fizemos nossa tribo e uma ajuda a outra.”
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A: “... outra coisa interessante foi que fizemos uma rede de pessoas, na maioria
que estavam ali também vindos de outros lugares..., estamos todos no mesmo barco e
isso unia mais ainda.”
R: Mas eles também são de fora. É interessante isso, na escola você isso, tem a
panela dos pais que viveram na cidade, acho que foram colegas na adolescência, cresceram
juntos, então nessa panela ninguém entra, e a outra panela é do pessoal que foi chegando
aqui por causa de serviço, então está todo mundo no mesmo barco e isso acaba
aproximando o outro grupo.”
Observou-se também que, quando os dois são responsáveis pela mudança de
local de moradia, em função da transferência de emprego, parece haver maior
dificuldade para construir novas redes sociais fora do âmbito profissional, dificultando o
nível de diferenciação entre seus integrantes. Ter uma rede parece ser um dos
desafios a ser vencidos pela família em trânsito.
H: Também acho que por a gente trabalhar junto atrapalha um pouco, porque
a gente já as mesmas pessoas o dia todo, fica junto com elas o dia todo, se vai
sair, vai ser com elas outra vez, é duro..., acho que é diferente se a F. tivesse as amigas
dela e trouxesse em casa com os maridos, ou o contrário, eu tivesse meus amigos e
trouxesse em casa com as mulheres, sempre se conheceria gente diferente para
conversar outras coisas, acho que isso é o que falta, conhecer gente de outros lugares.”
V: Não! A gente teve esse contato, mas deu errado... não quer dizer que
errado agora com outras pessoas, que a gente ficou com muito receio. porque
acabou dando errado... atrapalhou nosso trabalho, entendeu? Então a gente prefere
não misturar, infelizmente... existe muito conflito no nosso trabalho. A gente também
não convida para ir em casa para não misturar as coisas, só alguns que já conhecemos
há mais tempo.”
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R: Isso complica muito, porque nós não conhecemos pessoas em separado, a gente
vive o mesmo grupo, então é sempre a mesma coisa, se você vai sair é sempre o mesmo
papo..., isso é muito ruim, não se renova, fica sempre igual.”
Famílias substitutas é o aspecto que mostra a importância que as pessoas têm
em recriar laços afetivos tão forte no local de destino, como se reconstruíssem suas
famílias. Como foi citado anteriormente, Bowen (1978) diz que este recurso ajuda a
diminuir a ansiedade gerada pela distância da própria família. Outro fator interessante é
que, geralmente, este vínculo se forma com outras famílias que também não estão em
seu local de origem, com as quais se compartilham o mesmo tipo de experiência.
P: “A Dani e a Sonia, elas são minha família aqui e no meio minhas vizinhas
também.”
A: “Ela acordava de manhã cedo e falava ‘Olha, fiz pão hoje’, e passava assim
pela janela. Adotou a gente, ficou sendo nossa família lá.”
C: “... e então a gente virou uma família só...e é até hoje.”
As Redes Sociais que se constroem por influência das Redes dos filhos parece
ser de grande importância na criação dos novos vínculos da família em trânsito.
C: “Para aproximar as crianças, e então a gente virou uma família só.”
A: “...a Clara ainda era pequena, e na cidade D foi se formando uma rede
por conta dela.”
“... acho que a gente está fazendo muito por conta dela, tem as amigas que vem
aqui, então a gente conhece os pais.”
“... agora tem dois pais de amigas dela que ficaram muito próximos de mim,... a
gente vai caminhar todo fim de semana que eu estou aqui, e depois programa alguma
coisa com a família.”
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P: Na verdade, as amizades que tenho feito são mais por conta das crianças, se
não tivesse elas, tenho certeza que estaria restrito aos amigos do M ...”
M: “... o Valmir, eu conheci a partir da minha enteada e nós nos tornamos
grandes amigos.”
R: “... a Amanda já estava tendo seus programinhas, e queira ou não queira, a
gente acabava se socializando por conta disso, porque você acaba tendo que levar ou
buscar num lugar, aí fica esperando e acaba conversando com alguém...”
V: Nós conhecemos os pais e até fizemos amizades... tem o Amilcar, a
Andréia.”
Família recolhida é outro processo analisado no fenômeno Criando Novas
Redes Sociais. Aqui aparecem questões que ajudam a compreender como alguns fatores
podem colaborar para o empobrecimento da rede social familiar e como isso pode
influenciar sua dinâmica.
Muito unidos é o aspecto que demarca a forma como a família enfrenta os
primeiros tempos em seu movimento migratório. Diante de algumas dificuldades de
construção de novas redes sociais, se voltam para si mesma, empobrecendo assim sua
rede social e sobrecarregando os papéis desempenhados por cada um no sistema. Nessa
situação, cada integrante se torna responsável por satisfazer muitas das necessidades do
outro, podendo gerar alto nível de estresse.
M: “Só que para mim sobrecarregava, porque ela não tinha com quem se
relacionar o dia todo, e às vezes eu não dava conta da carência dela.”
P: “... a gente estava pensando em voltar, fomos com esse pensamento, então,
não ficamos preocupados em fazer amigos.”
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C: “... é difícil ter a família longe, por outro lado foi bom porque fez a gente
ficar mais unido.”
V: “A gente se uniu mais...”
O movimento anterior leva a família ao isolamento, como uma das tendências
que a família pode apresentar diante das dificuldades que o processo de adaptação ao
novo lugar exige de seus integrantes. Assim, esta família pode empobrecer sua rede
social e, novamente, sobrecarregar os papéis desempenhados pelos membros do seu
sistema familiar.
A: “Não tinha amigos, até porque a C. viajava muito e eu ficava muito tempo
sozinho... e viajando muito nos finais de semana para a casa de nossos pais..., então
você acaba que mais isolado e...”
F: “Porque a gente veio, queria ficar em lua de mel, então não precisava de
outro casal, de outra família, não precisava de nada.”
R: “Hoje, por falta dessa estrutura familiar, essa estrutura maior, nós ficamos
nós, nós dois como casal, a nossa parte de família..., os dois, a gente teve que abdicar
disso, de ter a família maior perto da gente, e acaba que a gente fica mais isolado.”
Falta de tempo parece ser uma das formas que contribuem para o
enfraquecimento da relação social. Com a mudança, o ritmo de vida de toda família
pode ser alterado. Para quem vem por motivo do trabalho, geralmente, fica mais
sobrecarregado pelas novas atividades profissionais, e o cônjuge que acompanha pode
estar mais ocupado em administrar as outras tarefas familiares, ou também se ocupando
em se recolocar profissionalmente. Por fim, os filhos também podem estar investindo
mais tempo em suas novas adaptações. Com isso, geralmente, acontece de a família
aproveitar mais o tempo que pode, para estar mais próxima da sua família de origem ou
dos amigos mais íntimos, se distanciando, assim, dos outros tipos de relações sociais.
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C: “A gente vive no meio de pessoas que não têm tempo, a gente não tem
tempo de construir amizades..., não fiz vínculo nenhum, não dava, era chegar, dar aula
e ir embora, está todo mundo numa correria só.”
“...e quando a gente mudou para cá, mais ou menos 5 anos, chega a notícia
que o papai estava com câncer..., ele morreu um ano..., a gente ia literalmente todos
os finais de semana para casa.”
A: “... ela ficava 8 horas por dia sentada na frente de um computador lendo e
escrevendo. É altamente solitário, você não tem tempo de se relacionar.”
P: “... nós temos quatro filhos. A Luiza com 12 anos, a Paula de 8, a Lívia de 7 e
o Daniel de 6. Então, com essa escadinha, nem dava tempo, eles vieram muito novinhos
para cá, acho que eu podia estar onde estivesse que não teria tempo para muita coisa
não, era mãe 24 horas por dia, não tinha muito tempo para amigos não.”
R: “... não sobrava muito tempo para a gente ficar junto, e isso distancia.”
V: ... porque se o tempo é curto... não vai ter tempo para os amigos, outra coisa é
que eles também têm a vida deles lá, e nem sempre podem ficar disponíveis, então é bom ir
com tempo para poder matar a saudades de todo mundo.”
Resistindo à nova relação traduz o sentimento gerado, principalmente, pelas
pessoas que carregam em sua trajetória várias histórias de mudança, pois temem
construir novos laços de amizade e sofrer pela ruptura em função de nova troca de
cidade.
A: “... eu acho que ela tem medo de fazer laços de amizades mais fortes e ser
cortado depois.”
F: “... então tinha medo de me apegar às pessoas e depois sofrer com a
separação, às vezes, penso que repito isso aqui.”
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Mantendo as Redes Sociais é a quinta categoria que elaborei para definir como
as famílias em trânsito mantêm as relações sociais ativas em suas vidas, por meio de
suas trajetórias. Também nesta categoria vamos observar o que acontece com outras
redes sociais, que acabam se distanciando.
Contribuindo para manter a rede anterior mostra quais as formas utilizadas
pela família em trânsito para manter viva suas relações sociais anteriores à mudança.
Encontros é uma das maneiras que ajuda a manter as relações sociais pessoais.
Esta forma de manutenção parece ocorrer mais com as pessoas que têm um significado
especial dentro da rede social, isto é, com os familiares e amigos mais íntimos.
R: “Quando a gente vai para o Rio, a gente se encontra.”
H: “Tem que encontrar se quiser manter viva uma amizade, tem que
encontrar.”
C:”... que a gente tem grandes amigos, e a gente quer encontrar com eles,
porque é com quem você tem liberdade de conversar o que bem entender, que você quer
encontrar, porque essas são as amizades que ficam..”
Telefonemas e e-mails demonstram ser recursos fortes, utilizados pelas famílias
em trânsito para manter ativa as redes sociais que foram construídas em seu trajeto de
mudanças de local. A falta desses recursos colabora pode provocar a ruptura com a
antiga rede social.
C: “... esses vizinhos eram muito bons para a gente..., a gente foi embora e não
criou laço, nunca mais ninguém ligou para ninguém lá...”
“... agora nós somos mais no telefone, às vezes e-mail.”
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A: “... um tipo de amizade que a gente sabe que está quando precisa, mas
tem que cuidar, por isso de vez em quando a gente se liga.”
“... conservar amizades, mais basicamente através de telefonemas.”
F: “Eu mantenho através de telefonemas e internet. Eu estou sempre falando,
porque é mais um meio de comunicação...”
H: “E a gente tenta manter o vínculo... eu ligo, eles ligam, passam e-mail.”
P: “... porque a gente tem se comunicado muito pela internet e telefone, então a
gente está ficando mais próxima.”
“... a gente se comunica muito pela internet, telefonamos também, elas também
me ligam.”
M: “... meu pai comprou um fax para ficar passando coisa, eu senti que eles
estavam sentindo muita falta.”
R:”... Falam por telefone, falamos por e-mail. tem aquele contato mesmo, a
mesma coisa de antes. Não é a mesma coisa, né? Mas aquele contato de desabafar, de ligar ,
de falar alguma coisa que está passando, de momentos difíceis... isso continua a mesma
coisa. O fato de telefonar ajuda muito. Se estou muito triste, pego no telefone e ligo
mesmo.”
Visitas demonstram ser outra forma que contribui para manter vivas as relações.
Elas também ocorrem entre amigos mais íntimos e a família de origem.
P: “... uma grande amiga da minha cidade foi me visitar lá, foi ela o marido e o
filho que é meu afilhado, foram passear, minha mãe foi duas ou três vezes e meu pai
foi duas vezes nesse período de um ano.”
H: “Quando a Marcinha nasceu, foi o maior reboliço, veio todo mundo, a
família inteira veio visitar.”
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R: “Quando a gente vai pro Rio, a gente se encontra. Às vezes eles vêm aqui.”
V: O Alexandre e a Heloisa sempre vêm para cá, por isso também que nossa
amizade fica mais forte.”
Carregando antigas redes é o movimento que aparece no processo de migração
da família em trânsito para manter as redes sociais construídas antes da mudança. Este
parece ser um movimento que ajuda a diminuir a ansiedade diante do desafio de
construir novas redes, além de trazer a confortável sensação de pertencimento.
Levando a família é o recurso utilizado, quando possível, para manter próxima
alguns integrantes que fazem parte da família extensa.
C: “... na verdade, eu que ajudei na mudança da família da minha irmã e foi o
A. que arrumou emprego para ela aqui..., é muito bom ter ela aqui.”
V: “... ter alguém da família junto da gente é muito bom, você sabe que pode
contar com alguém.”
R:”Para ajudar ela e ela ajudar a V...., se ela ficasse na Bahia ia ter poucas
oportunidades, então a gente pensou, se ela vier pode progredir também, e como a V. se
sentia muito sozinha, era uma maneira de ter alguém da família por perto.”
Levando amigos demonstra que, às vezes, algumas relações feitas quando as
famílias em trânsito estão longe de seu local de origem se constroem de maneira tão
forte, que parecem ocupar o lugar da família na rede social pessoal, a ponto de se tentar
carregar junto, quando possível, em suas mudanças.
C: “... a Francisca é da Cidade C, e desde ela foi embora comigo para a
Cidade D e veio comigo para cá.”
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M: “... e quando eu voltei pra minha cidade de origem, ela ia todo dia na
loja, até ela tava trabalhando em outra casa, quando vê, eu cheguei pra ela e falei
‘Glória, você quer trabalhar em casa?’ ... ah, foi eu falar e no dia seguinte ela tinha
pedido demissão e está (risos) trabalhando até hoje. E agora ela está aqui, é o braço
direito em casa... então ela está criando meus filhos, ela tem muito carinho com
eles... tem hora que eu chamo atenção de alguém e ela me xinga: ‘não, não pode
fazer isso!’”
DISCUSSÃO DOS DADOS
Na discussão dos dados, buscarei discutir os aspectos que considero relevantes
em relação ao conhecimento adquirido durante as abordagens teóricas, nas quais
fundamentei minha pesquisa, ou seja, a Teoria Geral dos Sistemas e a Teoria das Redes
Sociais (Sluzki). Discutirei também os aspectos que se destacaram na realidade
investigada, que é a de compreender como se constroem e se mantêm as Redes Sociais
das Famílias em Trânsito.
Inicio a análise pelas idéias e conceitos da Teoria Sistêmica, que se
correlacionam com a dinâmica e funcionamento da Família em Trânsito, principalmente
em relação às suas Redes Sociais.
Como foi citado, o conceito homeostase se relaciona com a idéia de que as
relações entre os integrantes de uma família podem se manter constantes, através do
tempo, em condições de equilíbrio. a morfogênese é mantida por uma força
facilitadora e promotora de mudanças. Com essas duas forças juntas e alternadas, uma
promovendo a mudança e a outra a estabilidade, o crescimento familiar se torna possível
em qualquer contexto, inclusive no da migração.
Esses dois fundamentos aparecem claramente nas categorias Deixando a Antiga
Rede Social e Encontrando a Nova Rede Social, em que os integrantes apresentam
um movimento alternado entre elaborar suas perdas, resistindo a aceitar as mudanças, e
em adaptar-se ao novo lugar e à nova Rede Social, aceitando as novas configurações
trazidas pela mudança.
79
Confirmei, por meio da análise, o que havia citado anteriormente sobre outro
fundamento da Teoria Geral dos Sistemas, ou seja, o feedback. Acreditava que uma
família em processo de migração poderia ter, em alguns momentos, respostas positivas
e, em outros, negativas frente aos obstáculos que encontra pelo caminho. Esse processo
ficou bem evidente na subcategoria Tecendo Redes, em que a família amplia as
atividades de seu sistema e, o contrário, na subcategoria Família Recolhida, na qual ela
dá uma resposta negativa ao novo processo, se isolando e dificultando o acesso às novas
Redes Sociais.
O fundamento Causalidade Circular pode ser encontrado com maior destaque na
subcategoria Apoio Familiar, na qual, se evidencia como vai se repercutir em cada
integrante da Família em Trânsito o apoio ou não dos familiares que permaneceram no
local de origem. E, por último, a Não-Somatividade, que diz que as partes do todo não
podem ser vistas de forma isolada, então, acredito que só podemos compreender a
Família em Trânsito dentro de seu contexto interacional, no qual ela reconstrói o seu
sistema no novo lugar, sem ter de destruir o que ficou para trás. E esse processo aparece
claramente entre duas subcategorias: a Contribuindo para Manter a Relação, na qual
as famílias fazem o movimento de visitar, encontrar, telefonar ou enviar e-mails para as
pessoas que ficaram para trás em suas trajetórias, como forma de manter os vínculos e
Tecendo Redes, em que a família permite que as novas mudanças façam parte do
sistema.
Nesse segundo momento, pretendo correlacionar e discutir as informações
encontradas na minha pesquisa com as idéias de Sluzki sobre as Redes Sociais.
Para iniciar, comentarei as questões relativas às Características Estruturais
das Redes Sociais.
Em relação ao tamanho das Redes Sociais da Família em Trânsito pode-se
observar que, no início da migração, elas tendem a ser menores, sendo influenciadas por
alguns movimentos, como aparece nas subcategorias Deixando Amigos, Perdendo
Contato, Distância Geográfica, Falta de Convivência, Falta de Tempo, Isolamento
e Resistindo à Nova Relação. Esses movimentos colaboram para que ocorra tal
situação.
Dependendo da modalidade da família e com a passagem do tempo, esta Rede
Social pode-se ampliar, como nos mostra a subcategoria Tecendo Redes, em conjunto
80
com os dados contidos na subcategoria Contribuindo para Manter a Relação, na qual
a família acrescenta novos integrantes a sua Rede Social.
Sluzki diz que, através da dispersão, pode-se compreender de que forma o
migrante mantém seus vínculos com sua antiga Rede Social. As subcategorias
Telefonemas, E-mails e Visitas confirmam as idéias do autor, indicando os vários
movimentos que a família faz para manter sua antiga Rede Social.
Ele diz também que, por meio do significado dos Atributos e Vínculos
Específicos dado pelas pessoas às antigas Redes Sociais, pode-se entender por que a
migração é, na maioria das vezes, um processo estressante. No fenômeno Deixando a
Antiga Rede, esta idéia aparece de forma clara, em especial na subcategoria
Sentimentos Despertados com a Mudança, na qual a Culpa e a Preocupação por
deixar Redes Sociais importantes para trás, principalmente os familiares, são fontes de
estresse na maioria dos integrantes da família.
Na análise dos dados, notei que as Antigas Redes Sociais aparecem cumprindo a
função de Apoio Emocional, como demonstra a
subcategoria Apoio Familiar, na qual observa-se que o êxito no processo migratório
pode ser influenciada negativamente ou positivamente por esse movimento.
Enquanto que, a Nova Rede Social, aparece com as funções de Guia Cognitivo e
Apoio Emocional. Observa-se esse movimento, principalmente, no início do processo
migratório, em que a Família em Trânsito recebe orientações necessárias para o início
de sua adaptação ao novo local, como está demonstrado nas subcategorias Recebendo
Apoio e Orientações. Na subcategoria Ser Acolhido fica clara a importância da Nova
Rede Social quando ela cumpre a função de oferecer apoio emocional à Família em
Trânsito, começando a despertar seu sentimento de ‘pertencimento’ ao novo grupo,
condição tão necessária à boa construção do processo migratório.
Sluzki diz ainda que familiares migrantes tendem a fechar-se sobre si mesmos.
Fazem esse movimento como uma defesa para reforçar sua identidade, abrindo-se com
o tempo, conforme a modalidade de cada família. A subcategoria Família Recolhida
confirma essa idéia, contendo experiências relatadas pela Família em Trânsito sobre as
questões de isolamento e retração que vivenciam, principalmente, ao iniciar sua jornada
como migrante.
81
Também foram citadas outras questões que integram o processo migratório das
Famílias em Trânsito e, é com elas que irei correlacionar os dados encontrados em
minha pesquisa.
Alguns fatores colaboram para a exclusão ou inclusão das Famílias em Trânsito
no local de destino. O fenômeno Criando Novas Redes Sociais mostra, por meio de
sua subcategoria Inclusão-Exclusão, sinais relacionados à Etnia, Gênero, Inserção
Social, Ciclo Vital e Estado Civil como um dos responsáveis pelo êxito ou fracasso na
construção das Redes Sociais da Família em Trânsito, em seu processo de mudança.
Na questão do Ciclo Vital, observou-se que famílias em trânsito que se
encontram na Fase de Aquisição tendem a permanecer mais fechadas, se isolando e
resistindo de forma mais efetiva à idéia de permitir a entrada de outras pessoas na sua
Rede Social. Por outro lado, famílias com filhos pequenos, principalmente as que
começam a entrar na transição para a Fase Adolescente, se mostram mais abertas para a
construção de Novas Redes Sociais, além de ser influenciadas pelas Redes Sociais dos
filhos, nas quais acabam se relacionando com os pais dos amigos deles, ampliando
assim seus contatos.
Outro fator importante, que interfere na formação e manutenção das Redes
Sociais Família em trânsito, é a distância geográfica em relação à antiga Rede. Através
da subcategoria Distância Geográfica, observei que, quanto maior a distância entre o
local de origem e o de destino, maiores são as dificuldades para se manter a antiga Rede
Social da família; em contrapartida, essa distância parece colaborar para a construção de
novas Redes Sociais. Ocorre também o inverso, ou seja, se a distância geográfica entre
o local de origem e o de destino não for um grande dificultador para se fazer esse trajeto
com maior freqüência, percebe-se que a Família em Trânsito não se empenha muito em
construir novas Redes Sociais, preferindo utilizar seus recursos para manter as antigas.
Na subcategoria Famílias Substitutas observa-se como é importante esse
acontecimento para as Famílias em Trânsito. Bowen (1979) diz que, para diminuir a
ansiedade da migração, as pessoas tendem a ir buscar vínculos afetivos próximos aos
que mantinham nas suas relações sociais. Esse movimento aparece no encontro das
famílias substitutas, na qual a Família em Trânsito tem a oportunidade de recriar laços
afetivos significativos. Ainda nesse movimento, observei que, na maioria das vezes, as
82
famílias que exercem o papel de substitutas também são migrantes ou vivenciaram
esta experiência.
Na questão de gênero, é importante salientar que, em três das quatro famílias
entrevistadas, as mulheres foram as responsáveis iniciais pela mudança, em função de
seus empregos. Mas quando considero o tema formação e manutenção das Redes,
observo que ainda é a mulher a maior responsável pela Rede Social da Família fora do
contexto profissional. No caso de ser o marido o responsável pela mudança, prevalece
sua Rede Social, geralmente, trazida do ambiente profissional. Entretanto, quando os
dois estão fazendo a transição, essas diferenças não ficam tão evidentes. Ainda que, as
mulheres apareçam como as responsáveis pela circulação de informações nas Redes
Sociais e pela manutenção dos laços com quem ficou para trás. Esses dados aparecem
bem delineados na subcategoria Gênero.
Etnia é outro fator que aparece como grande colaborador no processo de
Inclusão-Exclusão da Família em Trânsito. Observei que elas relatam maior dificuldade
em formar novos vínculos com integrantes da comunidade atual, quando são originárias
do local. Neste caso, também temos o movimento inverso, proveniente da Família em
Trânsito, quando se identifica como ‘Não somos igual a eles’, o que provoca certo
distanciamento e dificulta a construção de novas redes sociais.
Esta forte referência de identidade pode unir ou separar as pessoas, algumas
vezes em função de lealdades e tradições. Assim os dados revelaram, através da
subcategoria Tecendo Redes, que as pessoas acabam tendo maior facilidade em se
vincular a outras que também estejam passando por um processo de migração. A esse
movimento dei o nome de Estamos no Mesmo Barco, expressão extraída da própria
fala dos entrevistados e que parece caracterizar tão bem a situação.
Inserção Social também é um fator que impacta de forma positiva ou negativa
na formação e manutenção das Redes Sociais da Família em Trânsito. Na subcategoria
Inclusão-Exclusão, verifiquei que, na maioria das vezes, as pessoas desenvolvem mais
facilmente vínculos com outras do mesmo grupo profissional ou que com o mesmo
nível de recursos. Esta constatação confirma a idéia de alguns estudiosos no assunto
(Sluzki, 1997; Dabas, 1993; MacGoldrick, 2003; Mack 2003; Capuano, 2003), quando
dizem que a diferença social é grande colaboradora do processo de exclusão na
migração.
83
RESUMINDO
Acredito que, através da análise e discussão dos dados, atingi o objetivo que
propus estudar, que foi o de compreender como acontece a formação e a manutenção
das Redes Sociais, a partir da experiência das famílias que vivenciam a migração
interna, por motivos de mudança ou transferência de emprego de um dos cônjuges.
Sobre a importância da antiga Rede Social da Família em Trânsito no processo
migratório
A antiga Rede Social da Família em Trânsito exerce papel fundamental no
processo de migração. O apoio emocional pode ajudar a Família em Trânsito a fazer a
mudança e a permanecer no local de destino de forma mais confortável, sentindo-se
mais à vontade para investir seus recursos na nova empreitada, inclusive na construção
de novas Redes Sociais.
Entretanto se ocorre o inverso, na qual a antiga Rede Social da Família
em Trânsito não apóia o evento, o impacto pode ser muito negativo para seu processo
migratório. Quando isso acontece, a família pode se fixar num movimento de
homeostase, não conseguindo dar um salto qualitativo em sua nova trajetória,
permanecendo, na maioria das vezes, numa situação estressante, sem conseguir
construir novos vínculos de maneira satisfatória.
Sobre a importância da Nova Rede Social da Família em Trânsito no seu processo
migratório
A nova Rede Social da Família em Trânsito afeta de maneira significativa a
forma como se desenvolve seu processo migratório. Criar Novas Redes Sociais
significativas ajuda a despertar o sentimento de ‘pertencimento’ nos integrantes da
84
Família em Trânsito, questão discutida anteriormente, tão necessária ao bom
desenvolvimento pessoal e familiar.
Quando a Família em Trânsito atribui um significado importante aos vínculos da
sua nova Rede Social, observa-se maior comprometimento com o novo local de
moradia, desde participar de algum movimento religioso, como utilizar os serviços
disponíveis na comunidade, como médico, dentista, barbeiro, entre outros.
Sobre como se caracteriza a relação da Família em Trânsito com suas Antigas
e Novas Redes Sociais.
A Família em Trânsito tem sentimento de dívida em relação à antiga Rede
Social, sentindo-se culpada por privar da sua companhia as pessoas que ficam no local
de destino.
Outra característica importante é a preocupação da Família em Trânsito,
principalmente, em relação às questões de saúde dos familiares que permanecem no
local de origem.
Deixar familiares e amigos para trás provoca desgaste em todos integrantes da
família, que, na maioria das vezes, tentam criar novas formas de manter esses vínculos.
Observou-se, também que a Rede Social dos amigos que permaneceram no local
de origem fica prejudicada, no que diz respeito aos encontros com a Família em
Trânsito, quando esta retorna para fazer visitas , uma vez que o tempo disponível e a
atenção têm de ser divididos entre os dois núcleos, mas a família de origem absorve um
espaço maior.
A Criação das Novas Redes Sociais também é um processo desafiador, no qual
as Famílias em Trânsito, dependendo de sua modalidade, se empenham de maneira mais
significativa ou não, nessa construção.
Fatores que influenciam nessa relação
Os Motivos pelos quais as Famílias em Trânsito se mudam são fatores
importantes, que influenciam de maneira positiva ou negativa suas relações
85
com as Redes Sociais. Quando o desejo e a expectativa de se mudar para
melhor, observa-se um favorecimento para a construção de boas relações
com suas Redes Sociais.
Apoio Familiar é um evento impactante que pode afetar de forma
significativa a maneira como a Família em Trânsito vivenciará seu processo
migratório.
A experiência de viver a migração faz com que a Família em Trânsito
vivencie uma série de Perdas, mas também Ganhos, nos quais suas
relações são reconstruídas em um novo contexto.
As dificuldades iniciais exigem esforço de cada integrante da família e
podem ser potencializadas ou amenizadas por influência do comportamento
de suas redes sociais.
Fatores como Inserção Social, Etnia, Gênero, Ciclo Vital e Estado Civil
estão muito presentes no processo de inclusão e exclusão da Família em
Trânsito, influenciando de forma significativa a construção de suas
Novas Redes Sociais.
Criar novas Redes Sociais depende tanto da Família em Trânsito, como dos
integrantes da Nova Rede Social. Convidar o novo amigo para um almoço,
ou ser convidado; receber dicas sobre o novo local de morada e ser receptiva
a elas; aproximar-se de outros pais por intermédio dos filhos, entre outros
movimentos, parecem ser fatores importantes que contribuem na construção
de Novas Redes Sociais.
Quando acontece o movimento inverso, no qual a Família em Trânsito se
isola e resiste em construir novas relações interpessoais, ocorre o
empobrecimento de suas Redes Sociais.
É importante manter a convivência e o contato para conseguir conservar a
antiga Rede Social. Se estes movimentos não forem praticados, a tendência
das relações se dissiparem é muito grande.
Levar alguns integrantes da família de origem ou mesmo amigos da Família
em Trânsito para o novo local, também aparece como um fator que contribui
para que seus integrantes se sintam mais confortáveis no processo
migratório.
86
E para finalizar, observei que, quanto maior a distância entre o local de
origem com o de destino, maiores são as probabilidades da Família em
Trânsito construir novos vínculos sociais e afetivos significativos, com sua
Nova Rede Social. Quando o inverso acontece, eles tendem a investir mais
na manutenção das Antigas Redes Sociais, do que na criação das novas.
87
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Até que ponto uma pesquisa científica pode conter considerações pessoais e
vivências do pesquisador envolvidas com as do seu objeto de pesquisa? Durante muito
tempo me questionei sobre isso e acho que agora, ao concluir esta dissertação de
mestrado, sinto-me tranqüila ao escrever este capítulo final, que poderia ser intitulado
como “Minha Trajetória como Pesquisadora”.
Entrei no curso de mestrado com um projeto para estudar famílias com filhos
portadores de necessidades especiais. Mas, no decorrer do tempo, um novo fenômeno
foi chamando minha atenção, ao observar o crescimento, no meu consultório, de
pacientes cujas famílias encontravam-se numa situação de mudança de cidade, em
função da transferência de emprego deles próprios ou de algum integrante. Ao
acompanhar esses casos, alguma coisa foi me inquietando, me deixando curiosa em
compreender os fatores envolvidos neste processo, para poder entender melhor como as
famílias se reorganizam diante do desafio de mudar de cidade. Tudo isso mexeu muito
comigo e me fez lembrar da minha própria trajetória de vida, uma vez que, também
cheguei a Poços de Caldas (MG), 14 anos, acompanhando meu marido numa
transferência de emprego.
Diante disso e por considerar muito atual este fenômeno, resolvi me lançar
nesta empreitada com a certeza de que o presente trabalho poderá auxiliar muitos casos.
No início pensei em explorar questões ligadas à identidade e os reflexos que teriam nos
fatores de pertencimento e diferenciação. Entretanto, no seu decorrer, fiquei mais
atraída em explorar melhor as questões relativas às redes sociais das famílias,
compreender como seus integrantes se interagiam com as redes antigas e como
formavam as novas. Mudei o foco porque entendo que estas redes têm papel
fundamental no sucesso do processo migratório da família.
Definida a meta, tornou-se necessário definir a metodologia a ser adotada e a
estratégia a seguir. Nesta fase, minha dificuldade foi fazer as escolhas certas e nos
momentos certos para elaborar meu projeto de pesquisa. Entendi que não existe o
melhor método a ser adotado e que podemos utilizar diversas metodologias, incluindo,
inclusive, minhas considerações éticas e filosóficas. Sendo assim, optei pela pesquisa
88
qualitativa construtivista, porque me daria a chance de estudar com maior profundidade
meu objeto de estudo. Concordo com Berthoud quando diz que a maior dificuldade do
pesquisador é o momento em que tem de fazer suas opções metodológicas. Não é tarefa
fácil transformar um trabalho acadêmico em leitura de fácil compreensão e de interesse.
Durante a execução do trabalho proposto, fui compreendendo que a pesquisa
funciona como uma orquestra, em que o pesquisador pode ter toda a técnica necessária à
execução do instrumento, mas se o conjunto não estiver afinado e o instrumento não for
tocado com a alma, a música não provocará grandes emoções em seus ouvintes. Assim é
a pesquisa; se não fizer sentido para quem a executa, será difícil transmitir seus
resultados.
Duas vivências me fizeram compreender melhor este processo. Ao participar do
curso de Análise de Dados, com a Dra Juliet M. Corbin, durante a Conferência
Internacional do Brasil de Pesquisa Qualitativa em março de 2004, pude perceber a
união que existe entre a ciência e a arte na pesquisa qualitativa. Segundo a Dra. Corbin,
a ciência é sistemática, analítica, rigorosa, disciplinada e crítica; e a arte é exploradora,
brincalhona, metafórica, criativa e cheia de insights. Ela diz que o pesquisador tem de
ser tudo isso quando desenvolve uma análise qualitativa. E foi com esse espírito que me
lancei nesta empreitada. Enquanto fazia a análise das entrevistas, analisava a emoção
contida no relato e incluía a minha vivência, uma vez que era a minha experiência
pessoal que estava presente naquele momento para analisar as vozes, os sentimentos e
os significados dos entrevistados.
Outra grande contribuição foi a de construir com minha orientadora, a Dra.
Ceneide, meu próprio genograma, instrumento muito utilizado atualmente na Terapia de
Casal e Família. O genograma é uma representação gráfica multigeracional da família,
com as relações e interações familiares, que tem se mostrado muito eficiente para o
entendimento das relações, vínculos, mitos e padrões das famílias de origem.
Utilizamos a construção do genograma num espaço de reflexão, focando a relação
existente entre o tema escolhido para a pesquisa e a trajetória da minha vida. E foi a
partir desta vivência que descobri o motivo da escolha, o que colaborou para que eu
pudesse me apropriar das questões que realmente desejava estudar. Assim, atribuo a
essas duas experiências toda a transformação que ocorreu em minha forma de enxergar
o processo de pesquisa.
89
E seguindo os conselhos da Dra. Corbin e da Dra. Ceneide, resolvi relatar os
sentimentos despertados em mim, durante o processo de análise de dados. Lembro que
durante a aula da Dra. Corbin, achei interessante sua proposta, mas não entendi muito
bem o que seria isso. Entretanto, durante a análise das minhas entrevistas, pude
compreender, de forma natural, o que ela queria dizer e fiquei emocionada com essa
descoberta. Senti o que é “tocar uma pesquisa com a alma”.
E para traduzir um pouco dos sentimentos despertados em mim, durante a
pesquisa, utilizo uma frase de Marcel Proust, que diz: “... o ato real do descobrimento
não consiste em encontrar novas terras, mas sim em ver com novos olhos.”
A proposta de Proust me direciona para dois afluentes. O primeiro me leva a
refletir sobre os fatores que podem ser trabalhados com as famílias em processo de
migração, com o propósito de ajudá-las “a ver com novos olhos”. Pelas entrevistas e
minha prática clínica, acredito que institucionalizar um espaço de escuta, com objetivo
de estimular uma comunicação franca entre os integrantes da família, pode contribuir de
forma positiva para o processo de migração. Utilizar esse espaço para desenvolver
recursos, como flexibilidade, criatividade, adaptabilidade, entre outros, pode ser de
grande ajuda.
O segundo afluente refere-se ao meu novo olhar sobre as Redes Sociais,
quando pude compreender como foram diferentes os significados dados pelos
participantes da pesquisa em relação às suas redes. Pude entender que realmente não
poderiam ser iguais, porque cada um tem a sua história, viveu num lugar diferente e
teve experiência distinta. Além disso, cada participante pensa em Rede Social imerso
em sua própria rede, graças aos outros, com os outros e influenciados pelos outros.
Esta compreensão foi acontecendo lentamente, conforme procurava retratar as
características da Família em Trânsito e as transformações que ocorrem com suas Redes
Sociais durante seu processo migratório. Concordo com Oliveira (2000) quando diz que
não é possível captar numa foto toda a paisagem que está a nossa volta, mas apenas um
ângulo, um foco e um momento. Assim, também ocorre numa pesquisa. Muitos outros
‘retratos’ podem ser tirados. Mas acredito que, sob os focos específicos escolhidos para
a realização desta pesquisa, consegui alcançar o objetivo proposto, por ter respondido à
questão que formulei no início deste trabalho, a de compreender como acontece a
90
formação e a manutenção das Redes Sociais, a partir da experiência de famílias que
vivenciaram a migração interna por mudança ou transferência de emprego.
Observei a família e suas redes sociais sob um olhar sistêmico, levando em
consideração os fatores biopsicosociais e culturais que envolvem os reflexos do
processo migratório. Nesta visão, a Rede Social, apresentou-se de forma variável, com
extensa capacidade de formação, podendo adotar múltiplas formas, que tanto o
pesquisador como os pesquisados faziam parte da rede que se procurava conhecer. A
interação dos participantes com ela fez emergir uma maneira específica de entendê-la.
O estudo revelou que as Redes Sociais mais importantes estão fundamentadas
nas relações de parentesco, amizade, trabalho e na origem comum. Essas relações são
adaptadas no decorrer do tempo e são reforçadas pela experiência comum da migração.
A teia de relações sociais interligadas é mantida ou perdida por um conjunto de
expectativas mútuas e de comportamento, que apóia ou não o movimento da Família em
Trânsito, une ou separa o migrante e o não-migrante, liga ou não a comunidade de
origem a lugares de destino, fazendo parte do processo bem sucedido ou não da
migração familiar.
Este trabalho demonstra a importância que as Redes Sociais exercem no
processo migratório das Famílias em Trânsito e propõe rever as relações com as antigas
redes, que até então serviam de referência sobre quem são e o lugar a que pertencem.
Também avalia a construção de novas redes, que possibilitam as famílias se sentir
pertencentes e rever quem são, num novo contexto, época e local.
O processo migratório pode trazer crescimento, desenvolvimento e inúmeras
transformações significativas nos relacionamentos familiares, desde que exista abertura
e adaptação às novas redes, além de uma relação saudável com a antiga. Por isso,
acredito que a migração é um processo de construção de Redes Sociais, que tanto
depende quanto reforça as relações sociais através do tempo e do espaço.
Assim, considero que este é um trabalho preliminar e, embora traga
contribuições relevantes aos que estudam e atuam junto às famílias, certamente não
aborda toda diversidade do universo da Família em Trânsito, mas abre caminho para
outras investigações que possam enriquecer o conhecimento sobre o tema.
91
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WINNICOT,D. W. A Família e o Desenvolvimento Individual. São Paulo: Martins
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95
ANEXOS
96
ANEXO I
Termo de Livre Consentimento Esclarecido
Eu,___________________________________________________________________,
portador da Cédula de Identidade RG________________, residente à______________,
bairro______________________, CEP_________,
Cidade__________________________, autorizo a utilização dos dados obtidos nas
entrevistas com Ângela Elza Fortes de Almeida Prado, psicóloga – CRP 11271/04, para
fins de ensino e pesquisa sobre Família em Trânsito _ Tecendo Redes Sociais, cujo
objetivo é o de compreender como famílias, que passam pelo processo de migração em
função da transferência de emprego de um dos cônjuges, são afetadas nas características
estruturais e nas funções de sua rede social antes e depois da transição.
Declaro estar ciente de que:
- Qualquer publicação deste material excluirá toda informação que permita a
identificação dos participantes por parte de terceiros.
- Os participantes estão autorizados a encerrar sua participação no trabalho a
qualquer momento que julguem necessário.
- As entrevistas serão gravadas e, logo após o uso (restrito ao pesquisador),
serão desgravadas.
- O conteúdo das entrevistas será transcrito.
- A identidade dos participantes será preservada e o anonimato respeitado e
assegurado.
____________________,_____de____________________de_______
Assinatura do Participante: ___________________________________________
Assinatura do Entrevistador: __________________________________________
97
ANEXO II
Mapa da Rede Social
AMIZADES FAMÍLIA
RELAÇÕES DE
TRABALHO OU
ESTUDO
RELAÇÕES
COMUNITÁRIAS
RELAÇÕES COM
SISTEMAS DE
SAÚDE E
AGÊNCIAS
SOCIAIS
98
ANEXO III
Genograma e Breve Relato das Famílias Participantes
GENOGRAMA DA FAMÍLIA I
BREVE RELATO DA FAMÍLIA I
Esta família é composta por três pessoas. Ângelo, o pai (45 anos) que é
Promotor Público. Claudia, a mãe (42 anos) que é professora universitária e Clara, a filha
(10 anos) que é estudante.
Em 16 anos de casados, carregam em sua trajetória de vida cinco mudanças de
cidade. Todas as mudanças aconteceram em função da transferência ou troca de emprego.
As quatro primeiras aconteceram em função do emprego do marido, apesar das escolhas
serem do casal e o pedido de transferência também serem deles, uma vez que estavam
tentando estar cada vez mais próximos da cidade de origem deles. A última mudança
aconteceu 5 anos, em função do emprego da esposa e o marido conseguiu se
A
45
C
10
C
42
99
estabelecer como Promotor numa cidade há 30 km do local da moradia deles e do emprego
dela.
É interessante observar, que as famílias de origem deste casal, também carrega
na bagagem, mudanças de cidades, em função da transferência de emprego de seus pais.
Atualmente este casal reside a uma distância de mais ou menos 300 km de sua
cidade de origem.
ENTREVISTA COM O CASAL CLÁUDIA E ANGELO
E= Entrevistadora A= Ângelo C= Cláudia
Após realizado o rapport pela entrevistadora, a entrevista seguiu da seguinte
maneira:
E Vou pedir para vocês me falarem o nome de vocês e como começou essa história de mudança na vida de
vocês, por onde vocês andaram e como vocês chegaram aqui; um pouquinho disso.
A - Começou porque, na realidade a gente é de uma mesma cidade aqui no sul de Minas. E a Cláudia
trabalhava na Caixa Econômica Federal e eu trabalhava numa, antes de exercer a profissão que eu exerço,
eu trabalhava numa empresa em Campinas. E, tava ficando difícil porque essa empresa me chamou para
trabalhar em Campo Grande...
E – Mato Grosso?
A – Mato Grosso do Sul. E eu... muito pouco, pequeno, e tal, e eu desisti desse emprego e acabei ficando em
minha cidade de origem, e me dediquei ao estudo e depois eu passei no concurso para o Ministério Público.
E, como Promotor eu tinha que escolher aonde eu ia. Então eu fui designado para a primeira comarca que
foi na cidade A; a gente não era nem casado. Mas a gente sabia que para melhorar, tinha que ir atrás e cair
na estrada
C – É, foi quando a gente se casou.
A – Foi quando a gente se casou. Eu fui nomeado em julho, junho de 90, né?
C – Foi, 90.
A – Junho de 90, que eu fui nomeado para a cidade A... não é Sul de Minas, é bem longe... E eu fui nomeado
em junho e a gente casou em setembro do mesmo ano; e a Cláudia foi transferida para lá, para me
acompanhar.
E – Pela Caixa?
A Pela Caixa. Ela foi trabalhando na Caixa, e eu exercendo a minha profissão de Promotor. Aí depois,
nós casamos em setembro, eu tava desde junho...
C – Em janeiro a gente...
A Casamos em setembro, e em fevereiro eu fui transferido para a cidade B, que fica a mais ou menos 500
km de nossa cidade natal.
100
C – que nesse meio tempo, era começo de casamento e eu trabalhava na Caixa Federal. Quando a gente
foi, a gente se casou em setembro, e em janeiro, eu resolvi sair da Caixa Federal. E eu tinha feito meu
mestrado.
A – Você estava fazendo a dissertação.
C – Então, eu não gostava do trabalho da Caixa. Eu chegava da Caixa e não dava pra eu trabalhar porque
minha cabeça tava horrível porque eu trabalhava com tudo que eu não gostava. Não dava pra eu ler o
material que eu tinha recolhido pra eu fazer a dissertação.
A Na realidade ela não estava infeliz por causa da mudança, tava mais infeliz por causa do trabalho. A
mudança até que não fez... o lugar era agradabilíssimo, era gente muito simples...
C – As pessoas eram encantadoras. Fiz amizade com as vizinhas, nasceu um menino nessa época, era um tal
de trocar presentes, sempre a gente teve essa relação... eu estranhava o calor, era muito quente, em
compensação aqui é muito frio, acho que demorou uns 3 invernos para acostumar com esse frio.
E – E você?
A Não tive muita dificuldade não, porque sou calorento, aqui o, mas morria de calor, não gostava
não, na verdade quando a gente invoca, tudo é motivo.
E – E pelas pessoas,como foram recebidos?
C – Muito bem acolhidos. Por todos os lugares por onde passamos.
C A Caixa. O pessoal da Caixa era ótimo, me receberam muito bem. Fazia churrasco... a gente se
freqüentava. A gente também chamava eles para irem em casa. Período muito bom.
E – Quando vocês foram para a cidade A, que tipo de apoio vocês tiveram das pessoas?
A A gente teve apoio, não digo nem que a Cláudia teve, eu tive um apoio grande de um Juiz, que é muito
meu amigo até hoje, que é o Ricardo que hoje em outra cidade. Eu tive um apoio muito grande dele,
nunca tinha visto, não era amigo e tal.Mas me ajudou muito quando cheguei lá.
E – E essa amizade você conserva até hoje?
A – Não, a gente não se freqüenta mais, mas seguramente se eu ligar pra ele hoje, eu tenho um amigo lá e se
ele ligar pra mim aqui, seguramente ele tem um amigo aqui.
C Dessas pessoas que você quase não encontra, mas que você pode contar. Claro que a distância impede
de estar próximo, mas não do coração.
A É. Inclusive com relação à Cláudia, uns três anos atrás eu precisei dele, liguei pra ele, e ele
arrumou, praticamente arrumou o emprego pra Cláudia na cidade onde ele estava morando. Antes dela
vir pra cá. Aí... fomos pra a cidade B.
C – Fomos para a cidade B e...
A – Super bem recebidos também.
C É, na cidade B eu tinha saído da Caixa. Então eu tava num período em que eu estava desempregada
por conta da dissertação. Então a nossa vida era muito assim, vivíamos na estrada. Porque eu tinha que
ir para São Paulo pra ter contato com orientador, e...
A – Mais ou menos o que você está fazendo.
C A cidade B está mais perto de Belo Horizonte. Então fica na Fernão Dias, né, perto da Fernão Dias
mas, é bem mais próximo de Belo Horizonte do que de o Paulo. E nessa época, aí o Ângelo no
Ministério Público lá...
A – Ganhando mal...
101
C – É. Ganhando malíssimamente. Foi uma fase dura mesmo. É, mas assim, as pessoas que a gente
encontrou, lá. A gente alugou a casa e o dono da casa era nosso vizinho.
A Vizinho de porta. Literalmente de porta, porque a casa dele, ele tinha feito duas casas, eram
praticamente geminadas, né?
C – Ele era pedreiro, muito simples, mas a gente também era e me sentia bem com eles.
A – É, tinha um metro assim de distância.
C – Janela pra outra.
A De uma janela pra outra. Então era uma coisa muito interessante, você ouvia tudo o que acontecia na
casa dele. Um passava açúcar para o outro. Ela acordava de manhã cedo e falava “fiz pão hoje” e passava
assim pela janela. Adotou a gente, ficou sendo a nossa família lá.
C A gente ficou um ano na cidade B. Foi um ano na cidade B. Clara não tinha nascido, nada ainda.
Final de semana quase sempre viajávamos...
E E como que interferiu essa coisa de vocês estarem viajando. Como que vocês fizeram contato com as
pessoas da cidade, também conseguiram fazer uns amigos?
A – Não foi uma rede grande não, lá na cidade B principalmente, né?
C – É
A Teve, eu tinha amigo, por exemplo, no Forum, Seu Celso, que a gente ficou na casa dele, tal, mas é
gente mais ligada à área minha, né. O Alfredo também...
C – Não tinha amigo de sair, de ir pra barzinho... não tinha não.
A Até porque a Cláudia viajava muito e eu ficava muito tempo sozinho, e sozinho eu ficava mais em casa.
Tinha muito trabalho também, trabalhava muito em casa. Por incrível que pareça era uma das poucas casas
naquela época que tinha computador dentro.
A Nem no Forum tinha. Então por exemplo, se eu quisesse trabalhar mais rápido, eu trabalhava mais
dentro de casa do que no Forum às vezes.
C – Era uma fase dura financeira que, pra gente comprar um computador; foi idéia do Ângelo. Ele foi muito
parceiro meu quando eu fui sair da Caixa. Quando ele viu que eu tava insatisfeita na cidade A, ele falou
“Cláudia saia disso, você vai ser infeliz a vida inteira?”. Bom, vou voltar pra esse mestrado, vou voltar a
fazer essas coisas. na cidade B a gente não tinha dinheiro pra comprar o computador, a gente pediu
emprestado...
A – Emprestado com o cunhado.
C Demoramos um ano pra pagar. Porque falou assim, nossa isso aqui vai ser uma ferramenta
maravilhosa de trabalho.
A – E foi mesmo.
C – Foi mesmo. Aí nesse ano a gente ficou lá, então a gente tinha contato com esses vizinhos...
A – Você apresentou a dissertação quando você estava na cidade B?
C Estava na cidade C. Aí esses vizinhos eram muito bons pra gente. Muito bons. A dona, como é que ela
chamava ? Dona... já, eu lembro o nome dela. Mas então bom, a gente foi embora e não criou laço,
nunca mais ninguém telefonou pra ninguém lá da cidade B.
A – Dona Edi.
C – Dona Edi. Nesse ano, aí o Ângelo conseguiu uma...
A – Uma permuta.
102
C Uma permuta para a cidade C. Então ó, de setembro, o Ângelo foi antes, de junho de 89 até janeiro de
90...
A – Junho de 90 até janeiro de 91.
C – Cidade B e cidade C.
A – Aí, na cidade C nós passamos mais tempo.
C – Três anos. Nós ficamos três anos na cidade C...
A – Três anos na cidade C.
C – Agora a cidade C já é mais perto que aqui...
A – Pertinho de nossa cidade de origem.
C – Então já estava...
A – Setenta quilômetros de “casa”.
E – Foi de propósito que vocês foram voltando, para ficarem mais perto de casa?
C – Exatamente.
A – Pro Sul de Minas. Que era o que a Cláudia queria.
C – Aí foi nessa época, aí acabou a minha dissertação...
A – Mas você ainda...
C – De mestrado. Aí eu parei...
A – Mas você ainda estava viajando, ainda.
C – Tava...
A – Na cidade C, no começo você viajou muito.
C – Viajei bastante.
A – Quando você ficou grávida da Clara é que você diminuiu...
C Comecei o doutorado. Quando eu fiquei grávida da Clara. É, na gravidez da Clara eu tava fazendo
doutorado.
A – Ah, é. Foi.
E – E vocês acham que isso interferiu de que maneira na construção de novas amizades?
C Na cidade C nós ficamos três anos. Também andando muito. Por que nessa época eu ficava...Acho que
não estava muito preocupada com amizades, porque a gente já estava mais perto da família.
A ficava perto de casa. Perto de casa que eu falo porque a gente, rodou, rodou, mas na realidade a
gente nunca saiu desse ... familiar.
C – Mas na cidade C a gente teve mais resistência.
E – Por que?
C Social. Por que a gente achou que essa questão do Ângelo ser Promotor, colocou uma barreira muito
grande....
103
A – Puseram uma barreira grande.
C Uma cidade pequena, que era, que as pessoas o recebiam a gente assim como pessoa. Primeiro via
“O Promotor”, então aí a gente notava que mudava o ...
A – Tratamento.
C – Tratamento não era natural. Então você não conseguia fazer amigos. Era uma coisa assim “Ai, eu estou
te chamando para...”. Ah, o! Ninguém nunca chamou a gente pra freqüentar lugar nenhum lá. Assim,
questões de delicadeza: o Juiz que ele trabalhou não foi receptivo, falar “olha, venham jantar, eu vou te
chamar”.
E – Assar uma maminha...
A – É.
C Não tinha essa, essa postura de receber. As pessoas poucas que eu conheci lá, tentei ter um contato de
sair, ir para um bar, tudo, gente que parecia ter vida semelhante à nossa. Teve algum problema de uma
mesa, você lembra? Uma coisa esquisita, que... Ah! Eu conheci a mulher, muito boazinha e a gente fazia
ginástica, a gente marcou de ir encontrar num bar. O marido dela não foi sentar com a gente, não!
E – Por que?
C Uai, deixou ela sentada com a gente e ficou numa mesa do lado. Eu falei “que coisa esquisita”. Então
você vê que tinha uma barreira, um... Não consegui entender.
E – E vocês atribuíram...
A – Não lembro desse trem, não. Com quem foi esse trem?
C – Aquela Lílian que fazia ginástica...
A – Ah.... foi.
C Uma coisa, nós ficamos o sem graça, a moça ficou desapontadíssima porque o homem nem na mesa
não sentou.
E – Por que?
C – Não, não sabemos.
A – Uai, vai saber.
C Falou que tava com a turma dele e na hora que ela fosse embora que passasse lá. Acho que ela
combinou na verdade, de certo ela combinou com a gente e não falou com o marido; ele deve ter ficado
bravo, alguma coisa... Então o contato que a gente tinha também, era com os vizinhos, eu tinha uma
vizinha idosa encantadora... Dona Geralda, avó da Raquel.
A – É...
C Então a família dela que também era vizinha minha, então a menininha ia, os meninos filhos dela
sempre estavam em casa; e tinha um amigo do Ângelo que gosta de pescar também...
A – Era sobrinho dela.
C Era sobrinho dela. Que consertava televisão. Então a gente encontrava. Então eram as únicas
pessoas que...entendiam a gente como a gente era. E o interessante que eram todas mais simples.
A – Eram as mais simples.
C – E ele consertava televisão, ele tinha um filho deficiente.
A – Dois.
104
C – Dois. Um mais que o outro. E a gente ia pra um barzinho do lado...
A – E ia pra casa dele também, fazer churrasco.
C - ... e tinha peixe. Ele ia pra casa, foi a única pessoa lá... que, que a gente conseguiu ter uma coisa boa...
E – Mas nas outras cidades você também estava como Promotor...e não sentiram tanto essa barreira?
C – Mas não era assim.
A – Não era dessa forma.
C – Desse impacto não.
A – Sempre tem, sabe. Uma certa visão meia...
C – Cidade menor, pior né.
A ...esquisita da autoridade, né. De, de coisa “nossa, ele é Promotor”, ...pé atrás. Mas na cidade que eu
mais senti isso realmente foi na cidade C, isso é verdade. Na cidade A, por exemplo, não senti isso em nada.
Na cidade A a gente ia pra casa de...talvez porque a Cláudia tivesse mais acesso.
C – Com outras pessoas.
A Com outras pessoas, no trabalho tinha mais gente. Depois o trabalho dela passou a ser extremamente
solitário porque ela ficava no computador, lendo e escrevendo. Então é um, ficava oito horas por dia
sentada na frente de um computador lendo e escrevendo, lendo e escrevendo. E é altamente solitário, você
não tem tempo de se relacionar...
C – Verdade.
A ... você não tem tempo de... Então acabou ficando eu fazendo esse tipo de trabalho; tanto na
cidade B quanto na cidade C. Então acho que o círculo de amizades foi diminuindo.
C – É...
A - ...e viajando muito nos finais de semana para a casa de nossos pais para ver as famílias, né. Então você
acaba que mais isolado e não sente necessidade de fazer novos amigos.
E – É, interessante.
A - ...então esse negócio de migrante, que você faz, eu acho que essa pesquisa é superinteressante, mas o
migrante de região muito próxima, ele acaba não sendo muito migrante, não. Eu acho que ele não deixa de,
de ter os dois pés na cidade onde ele está, porque qualquer aperto você corre prá lá, qualquer coisa vo
corre pra lá.
E – É verdade.
A Ou então a cidade vem até você, seu pai te liga “olha eu doente, vem aqui”. A disponibilidade sua é
grande. E os atrativos naturais da sua cidade são muito maiores do que a cidade onde você está. Seus
amigos estão lá, sua rede está de família, de amigos. E a proximidade faz com que você facilite, você vai
embora, né. Se eu sair daqui agora, são seis e meia, é...
C – Dez e meia você está na nossa cidade. Em 4 horas eu estou lá.
A - ...dez horas eu tô tomando cerveja com o meu pai.
C – Eu fui lá hoje, e já estou de volta...
A – Então eu vou com muito mais facilidade. Agora, se eu tivesse morando em Montes Claros.
C – É.
A – Se eu tivesse morando em Uberlândia, se eu tivesse morando em Manga.
105
E – Onde fica Manga?
A – Uma cidade lá no Norte de Minas.
E – Mas na cidade C, tinha essa facilidade pela...
A – Tinha, pela proximidade.
E O que interferiu mais na dificuldade de se fazer novos amigos: a proximidade da família de vocês ou a
barreira pela profissão?
A – Eu acho que foi pela proximidade da família.
C Porque a gente não tinha em quê se apegar lá, então a gente ia para nossa cidade de origem, porque a
gente tava a setenta quilômetros da nossa terra que a gente tem grandes amigos, e a gente quer encontrar
com eles, porque é com quem você tem liberdade de conversar o que bem entender, que você quer
encontrar, porque essas são as amizades que ficam... Quando a gente ficava na cidade C, os amigos iam
para lá. O Henrique, esse que era amigo nosso da cidade C, tava junto quando as pessoas iam, ele fazia
parte. Mas, quando não tinha nada em contato com o Henrique “Ah, não vai pintar nada”, “Vamos pra
casa”. Então a gente, efetivamente final de semana a gente tava lá com nossas famílias.
A Mas é interessante a cidade C também, tenho certeza porque mostrou em pesquisa, é interessante
porque a cidade C é uma cidade que foi, foi influenciada pelos cariocas. A gente não tinha chance de
fazer amizades.
E – Ah, é verdade?
A Por causa de ser circuito das águas. E na cidade C por causa de gente rica.....eu acho uma bobagem
esse trem. Mas isso na década de, durante toda a primeira metade do século vinte por exemplo, era uma
coisa fantástica porque, ia fazer Estação de Águas. Getúlio Vargas ia fazer Estação de Águas na cidade C.
Ficava um mês na cidade C. Quer dizer, ele deixava o Rio pra ficar um mês na cidade C circulando.....
Então, a cidade em si, o povo da cidade, sofreu uma influência muito grande do carioca. E o carioca com
toda a superficialidade do carioca. Sabe, então aquela coisa de, de se relacionar com as pessoas mais
ecléticas da cidade, pá, pá, pá, os visitantes. Então acho que, a cidade ficou com esse tipo de, de cacoete do
carioca, sabe.
C – É uma cidade pequena.
A – Pequena, uma cidade desse tamaninho. É pobre.
E – E na cidade C vocês ficaram quanto tempo?
C A – Três anos.
C – Pra depois de lá, a gente vai pra cidade D. Que também ficamos três anos.
A – E aí a cidade D é longe de suas cidade de origem?
C A – A cidade D é cem, cento e dez quilômetros. É bem perto.
C – O lugar mais longe foi a cidade A.
A – É a gente veio de longe pra mais perto e estamos voltando.
E – Vocês foram rodeando, né?
C A – É.
E – Aí já tinha a Clara?
A – Já tinha a Clara.
C – A Clara nasceu em na cidade C. Na verdade ela nasceu lá em nossa cidade de origem...
106
A – Mas quando a gente tava morando na cidade C.
E – E a Clara morou até quantos anos na cidade C?
A – Tinha de dois pra três, né?
C – Não, um pra dois que ela saiu da cidade C, porque na cidade C ela... a Francisca que trabalha comigo
aqui até hoje... A Francisca é da cidade C, de um lugarejo perto, e desde a cidade C ela foi embora
comigo para a cidade D e veio embora comigo pra cá. Então, ela foi praticamente a única babá da Clara.
Por causa dessa coisa de...
A – Ela ainda trabalha aqui, vai fazer... oito ou nove.
C – Nove anos.
E – Ela está mudando junto com vocês?
C e A – É!
C – Porque aí, por causa dessa coisa de eu estudar, viajar, eu precisava de alguém que segurasse as pontas
na hora que eu não tivesse.
A – E de confiança também.
C a Francisca foi ficando. foi embora pra cidade D, hoje é amiga da Clara, o é mais babá da
Clara. E, arruma a casa, tudo...
E – E aí, como é que foi chegar na cidade D?
C – Então. Aí na cidade C, a Clara ía pra uma escolinha, que só tinha uma escola e a escola era engraçada.
E – Uma escola só?
C – Era... e a Francisca ia junto...
A – Na cidade C.
C É, na cidade C. Porque eu tinha combinado o seguinte, eu não queria que ela, ela não precisava
efetivamente da escola, tinha parque, tinha tudo, mas eu queria que ela tivesse contato com mais crianças.
Mas a escola era fraquíssima, porque as professoras, eu via, elas não tinham o menor pendor para arte de
educar, nem de nada, nem de brincar, porque elas ficavam tudo “morta” e as crianças...
A – Quebrando o pau!
C – Não, mas elas não tinham a menor criatividade com... então a Francisca era melhor que a professora.
C – Clara ia quando ela queria. O dia que não queria, ia passear, ia pro parque. Aí, na cidade D, quando a
gente foi, nós mudamos pra um prédio, fomos uns dos primeiros moradores do prédio. E foi ótimo, porque
foi uma moça de Belo Horizonte, eu fui acho que a terceira moradora, nós fomos.
A – É.
C – A primeira quem foi? A segunda foi a Cláudia. Ah, tinha umas... não, a Cláudia foi depois da gente. E a
gente morava no sexto andar. Logo que a gente mudou. E logo em seguida, foi uma família de Belo
Horizonte, prá lá. E na hora que eu vi o caminhão de mudanças chegando no prédio, e eu vi aquela.... ah!
No sétimo andar.
A – Em cima do nosso.
C Em cima do... exatamente em cima do nosso. Eu falei, vou fazer um pão de queijo. Eles tinham três
filhos... e vou lá levar pra essa moça que tá arrumando mudança, né?
A – Ela escutou barulho de criança.
107
C Assei pão de queijo e fui , me apresentei, se ela precisasse de alguma coisa. Aí, resumindo, ficamos
grandes amigas.
A – Viraram irmãs. Até hoje.
C Os filhos dela, ela tem três filhos, uma com dezesseis, a Camila tem uns treze... e o Pedro... com dez.
Então as portas nossas ficavam abertas, da cozinha, porque as crianças amanheciam e transitavam e era
uma coisa tão natural. Um dormia na casa do outro de vez em quando. Era assim, quando a gente queria
chamar , a gente nem subia no elevador, só subia a escada batia na porta e descia que sabia que era a
gente.
E –Vocês atribuem a aproximação com essa família, mais por conta de que?.
C Para aproximar as crianças, e então a gente virou uma família só. Por que a gente parecia um
casamento de almas. E é até hoje, né.
E Mas é interessante, né, porque vocês falam da cidade ser próxima da cidade de origem de vocês, né. A
cidade C vocês não fizeram mais... nem um vínculo desse. Essa também é uma cidade próxima e vocês
fizeram.
A Mas na cidade C a Clara ainda era pequena, e na cidade D foi se formando uma rede por conta
dela. Outra coisa interessante, foi que fizemos uma rede de pessoas na maioria que estavam ali também
vindos de outros lugares.
C – Nesse prédio também tinha...
A - ...uma família que tinha vindo do Paraná.
C – Vinda do Paraná. Então o prédio, na verdade... tinha a Cláudia, ela veio de Belo Horizonte pra cidade
D, o marido dela foi transferido.
E – Ela também tava chegando?
A – Tava.
C Ela também estava chegando. E esse casal do Paraque tinha uma filha que morava com eles e duas
que moravam fora, estudavam.
A – Era gerente do Bradesco.
C Era do Bradesco. Então, no prédio, a gente que se uniu. Ele levava brinquedo pra Clara. Sabe aquelas
Coca-Cola que tinha antigamente que era de plástico?
E – Sei.
C Ele trazia pra ela. O nome dele era Adílson, era muito divertido. Tinha mais gente, tinha... o Maurão,
então a gente fez uma turma animada.
A – Na cidade D fizemos uma rede, realmente.
C – Mas o povo muito fechado. Isso o Ângelo pode contar porque ele...
A – É, a cidade D... você conhece a fama da cidade D, não conhece?
E – Nunca fui.
A Cidade de gente fechada, e é muito pior do que a fama. Acho que é porque tem muitas montanhas
(risos)...aliás uma das coisas que me faz muita falta por até hoje, são as ruas planas da minha cidade...me
dá a sensação de liberdade, mas voltando à fama...
C – A fama é boa...
108
A - ... perto do que é o povo. Porque a cidade D é uma cidade que desenvolveu pelo café. Pela quantidade
de café que tinha. E muito grande, as fazendas eram muito grandes, e muito antigas, o famílias antigas
que têm na cidade D. Então cresceu com algumas famílias muito ricas.
C – Tradicionais. Lá tem aquela coisa de tradicionalismo.
A É tradicionais. Eles são muito mais ligados a Belo Horizonte do que a São Paulo, porque aqui é
completamente ao contrário, vo vai a Belo Horizonte quando você precisa mexer alguma coisa de
Governo, de Estado, você precisa de Belo Horizonte. O resto é todo feito aqui, vosabe disso, você
jamais faria um doutorado na PUC na Católica em Belo Horizonte, até pela dificuldade de acesso, não é
verdade? Aqui você pega um ônibus e quatro horas está em São Paulo. Belo Horizonte são nove horas de
viagem, pra você ir daqui pra Belo Horizonte. Inconcebível vofazer um, qualquer coisa que não seja
rapidamente e voltar, ? E é muito, tem um pessoal muito ligado a Belo Horizonte e um pessoal, muito
pouca gente e muito dinheiro. É claro que isso com o tempo veio diluindo a cidade, mas ela não é uma
cidade democrática, é uma cidade por exemplo que o mecânico de carro é mecânico de carro e tá destinado
a ser mecânico de carro a vida inteira, e o cara vai ser tratado como mecânico de carro; é diferente do que
acontece na nossa cidade de origem por exemplo. Lá é uma cidade altamente democrática, não tem grandes
barreiras, grandes famílias tradicionais, como tem na cidade D. Que tem até hoje a tradicional família;
os Resendes, não sei o quê, uma bobajada, uma besteirada; mas fazem questão de manter esse vínculo,
casam-se entre si. Então a cidade D, o povo da cidade D, você não tem acesso, se você quiser forçar um
acesso, mesmo a pessoa que força o acesso vai sentir barreira. Mesmo se ele for uma pessoa muito rica.
Chegar uma pessoa lá de alto poder aquisitivo e que tente entrar, vazar naquelas coisas lá, vai ter
dificuldade.
C – É uma sociedade fechada.
A – Fechada demais.
C – Tudo roda na cidade D em torno do Clube . É um clube tradicionalíssimo.
A – Um clube maravilhoso que tem lá. É lindo, lindo, lindo.
C – Então as famílias se encontram no clube, tem dança no clube.
A – Tem os bailes do clube.
E – E vocês, tinham acesso ao clube?
C Não. Primeiro que a gente não tinha dinheiro pra ficar sócio do clube, e se você o é sócio, está fora
da roda.
A – Começou daí.
C – A gente ia construir.
A – A gente tava construindo.
C – Só que o clube era caro.
A – Não, e depois eu não faço a menor questão de participar dessa roda.
E – Ah, é.
C – Mas se a gente ficasse lá.
A – Seria por causa da Clara até pra poder... ia acabar ficando.
C – ...encontrar com os amigos do colégio.
A É verdade. Mas se eu pudesse evitar até o fim da minha vida participar desse tipo de panela, eu evito.
Não tenho o menor saco pra esse tipo de conversa, pra esse tipo de coisa. Na cidade D tem essa coisa.
C – E o Ângelo não.... o ambiente de trabalho dele.
109
A O ambiente de trabalho era ruim. Por que eu cansei de ver, por exemplo eu ia na casa desse primo da
Cláudia que é uma inha, é médico lá, que tinha, recebia colegas e altos médicos lá, também dessa
tradicional família da cidade D, lá os caras, todo bonitão postado lá e, de repente chegava lá no Forum pra
desquitar da mulher e ficava brigando por causa de panela. Entendeu? Então era uma coisa completamente
falsa o que eu, o que eles aparentam e o que realmente o. Porque numa, sentado na mesa do juiz e
promotor, a mulher e o marido na hora de discutir o quê vai ficar com quem, é que você o caráter de
cada um, não é verdade? E o cara vai ter que se expor ou então vai ter prejuízo, então ele vai se expor de
uma maneira, e aí eu via toda a fina estampa e que por dentro isso não...
E – E com o pessoal do trabalho, aí do Forum quando você chegou na cidade D?
A – Eu trabalhei três anos na cidade D, no Forum da cidade D. Mais um pouquinho.
C – É você ficou mais que eu.
A Mais um pouco. Eu nunca fui convidado pra tomar um café na casa de ninguém. Ô, você vai lá em casa
fazer, assar uma carninha, fazer um churrasquinho. Não. P tomar uma xícara de café, eu nunca fui
convidado.
E – E você atribui isso um pouco...
A – À cidade. Sem dúvida. Foi uma das cidades que eu mais tive amigos. Mas ninguém era de lá. Estávamos
todos no mesmo barco e você também tem que colaborar, ir aceitando que as pessoas façam parte do seu
dia...as novas, ir se adaptando a elas. Mas eu tinha mais afinidade com os de fora.
C – É. Não, tinha um.
A – Um só. É ninguém era de lá.
A – A não ser o Rogério que é diferenciado, né.
C - ... Eu falava assim, mas você o pode ficar reclamando do povo da cidade D. Vonão pode falar
porque lá na cidade D, eu trabalhava em outras cidades.
A – Na realidade ela não morava lá na cidade D. Ela morava em três cidades.
C – Os meus amigos que são de fora.
A – Ela dormia na cidade D, dava aula na cidade E e na cidade F.
C – Por isso que a gente veio pra cá, por isso que desaguamos na cidade E.
A Por isso que a gente veio pra cá. Porque aqui, ela parou de andar, abriu mão de dar aulas na cidade F
porque também, né, e eu tenho a chance de vir pra cá no final do ano.
C – É.
E – E você trabalha aonde?
A – Eu trabalho na cidade G!
C – Ele vai e volta todo dia.
A – Tá bom pra você? Eu vou e volto todo dia pra cidade G. É interessante, né?
E -. Então, até a cidade D, essas mudanças são atribuídas assim por conta das suas transferências.
A Até a cidade D por conta de mim não, da cidade C para a cidade D foi por conta da Cláudia porque
na cidade D já tinha faculdade de Direito.
C É. A pretensão nossa, era que todo mundo falava: a cidade D é uma cidade boa, boa pra se viver e o
Forum o Ângelo tinha uma vara cível que é o que ele gosta...
A – É.
110
C – E eu tava acabando meu doutorado e tinha a vontade de, sempre tive de dar aula, e lá tem a faculdade,
como a gente tinha optado por não voltar para nossa cidade natal. A gente queria ficar perto de nossa
cidade mas sem estar lá. Pelo trabalho do Ângelo, pela questão familiar que a família dele é de lá e a gente
acha que fica muito envolvido.
A – Ah, tive muitas chances de voltar pra nossa cidade de origem...
C É. A gente optou por não voltar. Aí, Como a cidade D, depois que eu acabei o doutorado, eu tive uma
decepção muito grande com a faculdade de lá. Porque eu fiz o doutorado, tudo, e falei, bom agora eu vou
pedir um emprego aqui, onde que eu tô morando, né? Com a maior ilusão que fosse dar tudo certo. E eu, na
ânsia de emprego comecei a trabalhar e o diretor da faculdade me levou na conversa e eu trabalhei dois
meses, não, o primeiro mês; ele não acertou salário comigo.
A – É. Pai de um colega meu. Pai de um promotor.
C - Não acertou salário. Na hora que eu recebi meu salário eu falei, não posso me submeter a isso. Pra quê
que você estuda tanto pra você ser equiparada no chão? Aí entramos em negociação, que não teve essa
negociação. E houve um mal estar muito grande que ele não queria assumir que ele tinha falado que ele não
queria pagar salário maior, ele jogava pro presidente da Fundação; aí o presidente da Fundação jogava e
ia pra ele. Então ficou uma coisa, horrorosa sabe? fiquei lá, não trabalhei nem três meses, né? No
segundo mês...
A – Saiu brigada.
C Discuti. Escrevi depois pra ele colocando todas as minhas decepções, porque ué, você quer que joga
limpo, né? Aí, fiquei desempregada. E a Cláudia essa amiga minha...
A – Não. Aí foi quando eu liguei pro Ricardo, esse que eu te falei que é meu amigo.
C – Foi.
A – Eu falei: Cláudia vamos ver esse negócio pra você porque você ficar fazendo mestrado e doutorado sem
você trabalhar depois, vovai acabar ficando doida, vai ficar louca. E eu liguei pra esse Ricardo, fazia
uns quatro, quase oito anos, que a gente não se falava.
E – Você não tinha nenhum tipo de contato com as pessoas que foi deixando para trás?
A Mantinha. Mantinha contato com ele. Ligava, às vezes por telefone. Aí eu liguei pra ele e falei “Ô
Ricardo, a Cláudia tá assim, assim, assado.” Ele falou assim: “Ô, vem pra cá, agora!”.
C – É.
A – Falei, eu vou mesmo. E ele já dava aula na...
C – Na Universidade de lá.
A Dava aula , e “não vem pra agora, fica aqui em casa, tal”. nós fomos, eu e a Cláudia, fomos
embora pra lá. Aí chegamos lá, a Cláudia foi pra...
C – Cidade H, quer dizer...
A Fazer entrevista, chegou na cidade H, chegou lá no campus, eu falei “Ah! Você vai lá e fala, porque.
Eu tenho sempre esse negócio de deixar ela ir na frente pra resolver as coisas dela porque senão fica
sempre o promotor atrás, o cara “esse é meu marido. Tá, o quê você faz? Ah! É promotor e tal!”, aí, né,
acaba, o pessoal acaba tendo um outro tipo de visão até da minha presença. Então ela foi e tal. Aí, a
Cláudia ia fazer o quê na cidade H?
C – Essa Cláudia que é amiga nossa. Que ela chama Cláudia também.
E – Cláudia que morava em cima?
A – É
111
C – Essa amiga minha. Ela chegou lá em casa e falou: “Cláudia”, no início eu ia começar viajando, depois
mudar e assim. Ela falou “Cláudia, pra quê essa história de ir lá pro fim do mundo, longe de tudo e não sei
o quê”. Eu tenho uma irmã que mora perto da cidade H. “Vovai ficar naquela lonjura, e não sei o quê.
Porque que vonão liga pra, se for pra você ficar viajando, porque que você não vai pra Belo Horizonte?
Porque depois o Ângelo pode ir pra lá, vonuma capital, longe por longe vonuma cidade grande.
E você aqui na cidade D, é mais perto você ir pra Belo Horizonte do que você ir para a cidade H”.
Porque eu ia ter que ir de ônibus, que primeiro eu achei que eu fosse de avião, mas era de ônibus. Eu falei,
você sabe que eu acho que ela certa? Liguei pra Universidade, mas as coisas acho que quando têm que
acontecer, Deus é mais mesmo. Eu liguei no curso de Direito. A hora que eu falei com o coordenador, se
tinha vaga, pra ter concurso, a contratação, que eu ia mandar meu currículo, ele falou “manda” , ele me
ligou e falou “olha....”
A – No mesmo dia, né, que chegou o currículo ele te ligou.
C – Você tá na cidade D. Mandou por fax, não sei. Ele falou assim: você ta na cidade D, pra você não seria
mais interessante ir pra cidade E? Porque vai abrir concurso no campus dessa cidade. Eu falei, ah! Não
acredito! Falou... você vai procurar o professor Marco Antônio. Imediatamente eu vim pra cá. Fiz
inscrição, aí fiz o concurso.
E – E aí ficou aqui.
C – E fui aprovada. Bom, aí, como eu tava lá na cidade D, nisso...
A – Você não tava dando aula na cidade F?
C – Aconteceu tudo junto. Não, foi tudo exatamente no mesmo semestre.
A – Tudo bem confuso igual a tua vida mesmo.
C – Tudo assim. É, aí lá na cidade F me chamaram...
A – É desse jeito.
C A faculdade de entrou em negociação comigo, exatamente na época daqui do concurso. foi uma
época dura, porque era começo, você não pode falar não, né. Eu fiquei, eu ia dar aula na cidade F segunda-
feira às seis da manhã. De manhãzinha. Eu ia segunda e voltava terça.
A – Você ia às cinco e meia.
C – É. Cinco e meia da manhã. E voltava terça na hora do almoço. Aí ficava terça...
A – Dormia terça, quarta.
C – Terça e quarta, aí vinha pra cá na quinta e voltava no sábado. E a Clara nisso tava com cinco anos.
A – Eu e a Clara, e a Clara com cinco anos.
C – A Clara ficou muito com o Ângelo. Eu tinha, nós tivemos problema. Primeiro na época da cidade C.
A – Não, você teve problema sério na cidade C.
C Então, com a Clara pequena. Porque quando eu tava fazendo doutorado, ela era nenen. Meses, né.
Meses, não, um aninho. De um acinco anos. Que eu não tinha escritório, eu trabalhava na minha casa; e
ela ficava com, muito com a babá. Então, conclusão, a Clara me rejeitava muito porque, porque ??? que
diabo de mãe que é essa que fica nesse computador aqui e não dá atenção.
A – E vai com o pai, né.
C – Se eu tivesse talvez alugado uma sala, “não estou aqui”, “fui para o meu trabalho”.
E – Eu sei.
C – Então acho que na cabeça dela isso pesou muito, você ter uma mãe presente, ausente. E de fato...
112
A – É, na época foi mesmo.
C – Foi aí...
A – Porque aí quem fazia comida era eu...
C – Tudo.
A – Quem fazia dormir, era eu.
C – E de manhã o Ângelo não trabalhava.
A – Quem dava banho não, porque aí eu não tava nem lá.
C - Mas era questão muito, de você estar presente; pra uma criança entender isso, por mais que eu
mostrasse “Olha a mamãe trabalhando”. Hoje, eu ainda converso muito com ela sobre isso. Falo “vo
lembra aquela época que foi assim, assim, assado? Então, era porque a gente precisava, eu precisava.
Espero que hoje ela consiga deglutir melhor. Mas foi uma fase muito dura pra mim, pra ela, pro Ângelo
porque, porque ele tinha que se fazer de dois, e pra ela entender; e agora...
A – Não, pra ela entender, não. Pra eu entender também.
C – É. Mas você já é adulto.
A – É.
E – Quais pessoas ajudaram nessa fase?
C Realmente o teve muito com quem contar. Tinha a Claudia que se precisava estava ali. Eu contava
mesmo era com o Ângelo e a Fran que trabalhava em casa. Nessas horas a gente como é difícil ter a
família longe. Por outro lado foi bom porque fez a gente ficar mais unido. A gente tinha que se virar.
A – Você se vira, né.
C E em, na cidade D, também o Ângelo ficou muito. Quer dizer, se eu não tivesse um apoio, se a gente
não tivesse trabalhado junto, o nosso casamento tinha desabado.
A Mas naquela época até precisava mesmo. Eu costumo falar e é verdade mesmo. Que o casamento nosso
durou um mestrado e um doutorado. Sobreviveu a um mestrado e a um doutorado; com filho no meio e
construindo casa. Aí, na cidade D além de ter, mas nessa época, eu dava tanto força não porque
precisava da força, porque era vontade dela, mas por outro motivo também, a gente precisava acabar a
casa, precisa acabar de construir. E o que ela tava ganhando, às vezes, dava quase que equiparava ao meu
salário, então era uma força, uma segunda força salarial dentro da casa, que se você dispensar, você vai
passar apertado. Não tem jeito.
E – Lógico.
A Então, praticamente ela foi quase que, quase que obrigada a cumprir essa tripla jornada , de e e
professora em duas universidades, por causa, até por causa de uma condição de trabalho dela.
E Nessa fase onde vocês buscavam um apoio, assim por exemplo, você trabalhando, pedreiro ligava, e às
vezes vocês estavam trabalhando, mas tinha que resolver...vocês podiam contar com ajuda de alguém?.
A Eu pegava a Clara na escola todo dia e depois passava na obra, porque não tinha com quem contar
não. Acho que essa foi uma das conseqüências de não ter feito mais amigos. Acabei fazendo um bom
relacionamento com o dono de uma loja de construção, que me ajudou muito, porque se tinha alguma coisa
mais urgente, eu ligava e ele mandava. Mas foi um bom relacionamento comercial, só isso.
C Tudo ele comprava cedo porque ele não trabalha de manhã. A grande vantagem que ajudou muito
nisso, talvez se o Ângelo trabalhasse oito horas por dia fora de casa, iria complicar as minhas viagens. Mas
como ele tinha meio período, mesmo que trabalhando, era um apoio fundamental. Aí lá, depois que a
gente acabou a construção, aí eu tirei licença na cidade E. Eu fiquei um ano e meio de licença. Exatamente,
porque eu vou ficar com um emprego, fico presente em casa, porque eu não precisava de tanto, porque aí eu
113
tinha pago as dívidas de construção e etc. Quando fez um ano e meio que eu tava de licença aqui, o
diretor daqui me chamou e falou “Olha, ou você volta, ou você está despedida”.
A – Ou você pede demissão.
C – Não, aí eu peguei e tirei licença na cidade F e vim pra cá.
A – Foi.
E – Aqui, qual era a sua relação com as pessoas até você vir morar aqui?
C Puramente profissional. Tinha pessoas que eu gostava. Tem o Paulo, a Maria José. São meus
colegas. Eles também moram fora, até hoje, no interior do estado de São Paulo, e vem para dar aula,
duas vezes por semana. Então a gente sempre quebrou e quebra o galho um do outro até hoje. Se precisa
trocar o dia de aula de algum de nós, a gente faz numa boa. Mas também são amigos que não vem na minha
casa. Agora enquanto estamos conversando também estou pensando. A gente vive no meio de pessoas
que não tem tempo, a gente não tem tempo de construir amizades. As relações ficam mais na
superficialidade, ou nas necessidades, como é o caso com o Paulo e a Maria José.
E – E agora, que vocês moram aqui, isso mudou?
A – Um pouco. Mas a gente veio porque coincidiu de abrir uma vaga para Procurador Geral ,e o meu chefe,
me ligou e falou que poderia ter uma vaga na cidade G, que é aqui encostado. foi quando eu falei pra
Cláudia, tem uma vaga na cidade G, pra gente ir morar na cidade E, porque a Cláudia sempre quis dar
aula na Universidade daqui e não na Universidade da cidade F. A opção dela sempre foi aqui.
C – Aqui era melhor profissionalmente.
A – Aí surgiu essa oportunidade de a Cláudia, na realidade, foi um tiro no escuro, né?
C – É.
A – Porque a Cláudia mudou em dezembro de dois mil.
C – Não tem 5 anos que nós estamos aqui. A Clara veio comigo.
E – E como foi a Clara deixar os amiguinhos lá, como que foi...
C – Não foi legal não. Mas a Cláudia, minha amiga, mudou antes da gente, os maiores amigos dela.
E – Pra onde foi a Cláudia? (amiga)
C Para nossa cidade de origem. Mas a Clara não queria mudar não. Disse para nós que não queria
deixar os amiguinhos, principalmente, uma menina chamada Mariana, mas essa menina também mudou,
para perto daqui, porque o pai era bancário. E acabou que elas ficaram perto, porque essa cidade é vizinha
daqui, então todo fim de semana era uma na casa da outra, mas depois isso foi espaçando, até hoje elas se
encontram, mas com menos freqüência.
E – E com os amigos lá da cidade D? Como vocês mantêm o relacionamento?
C A Clara escreve cartas, ela adora escrever. Mas isso foi rareando e foi distanciando ela das
amiguinhas. Agora nós...é mais no telefone, às vezes e-mail. Mas com quem eu mais fiquei junto foi com a
Claudia. A gente se sempre que dá. Acho que a falta de contato pessoal distancia muito a gente dos
amigos, mas parece que quem saiu da cidade é que fica com a obrigação de procurar
E – E aqui, como vocês foram construindo as relações. Quem foram as pessoas importantes para vocês?
C – Desde que a gente veio pra cá, definitivamente, s viemos pra cá, nós mudamos em dezembro, tiramos
férias em janeiro. Fevereiro começou a luta. Foi isso mesmo. E cinco anos, quer dizer, faz cinco anos
que s estamos aqui. E cinco anos atrás, bom, minha vida foi meio conturbada, desde a adolescência,
porque eu perdi um irmão com, quando eu tinha dezoito eu perdi um irmão com vinte e um. faz vinte e
dois anos. Depois, seis anos atrás eu perdi um outro irmão com trinta e oito anos de enfarte. E cinco
anos atrás, quando a gente morava aqui, chega a notícia que meu pai estava com câncer. Então, o papai
morreu sem saber que tinha câncer. Foi um ano, a gente ia, literalmente, todos os finais de semana.
114
Porque a minha mãe também não sabia. Que a gente preservou, porque não tava tendo, ele não tinha o que
fazer, porque ele tinha um problema cardíaco grave que não tinha o que fazer...
A – Cardíaco e pulmonar.
C É, ele tinha enfisema e tinha que fazer ponte de safena, mamária, que não podia ser feita a cirurgia
cardíaca por conta da enfisema. Então quando descobriu o câncer nele, não tinha método pra fazer, porque
ele não ia resistir a outro tratamento, né. Então nós falamos assim, vamos, arriscamos, vamos deixar até
onde der pra, pra não sofrer, porque que não tem tratamento o que vai adiantar, você tem um mal que
não vai ser tratado. Então a gente administrava isso. Mas que é uma fonte de estresse ,é...quanto mais
distante, mais preocupado você fica com a saúde dos que ficaram e principalmente dos que estão
envelhecendo.
E – Você tem outros irmãos?
C um irmão homem. Nós somos, éramos em seis. Ficou na minha cidade um mais velho só, que é o
meu irmão. A outra mora em outra cidade de Minas, a outra mora aqui e os dois faleceram. Então a
mamãe, a gente fazia toda a ponte, os irmãos. Muito pouca gente dos irmãos sabiam. Teve irmão do
papai, que a gente também ficava com dó de contar, que nem ficou sabendo. A família do papai é da capital.
Meu pai também mudou de cidade com nossa família por causa da transferência de emprego, ele era
bancário. E a família do Ângelo também mudou em função do emprego, o pai dele trabalhava na Receita
Federal e foi transferido, na verdade eles mudaram 3 vezes de cidade. Mas voltando ao assunto meus
amigos achavam que eu detestava a cidade . Porque eles falavam assim,- uai, mas, você morando aqui,
acho que você detesta aqui, você fala que gosta mas você não para aqui!! Eu falava, não tem como, porque
a gente ia final de semana... primeiro porque o Henrique tinha morrido, aquela coisa toda, e o papai
doente, eu sabia que ia ter ele por pouco tempo, então você tem que fazer as coisas em vida, depois que
morre não adianta.
E – Claro.
C Então a gente ia muito. E fui. E agora que s estamos tentando assentar. Mas como o Ângelo falou,
como você fica assentada aqui e acontece as coisas lá, e agora a gente teve notícia de que o irmão do meu
pai também está com câncer e ele tem uma filha só, e a mulher dele está com Alzheimer. E a nossa família é
muito unida do lado, principalmente do lado do papai. E ligou uma prima minha , ela me ligou, sabe dessas
primas que fica uma pessoa mais da nossa idade, todos os problemas na nossa cidade, ela que acaba
resolvendo de quem é mais velho. Coitada. Aí ela me ligou e falou: “Ó, o Tio Breno foi internado, tudo, não
bom, e, ficou”, ela dormiu com ele uma noite e como eu não tinha aula, eu fui para lá, dormi com ele,
peguei o ônibus e voltei. Não tem o menor sentido a gente não fazer essa coisa toda. Então, na verdade é
isso, a gente ainda aqui, mas agora a proposta é essa. Minha mãe bem de saúde, o pai do Ângelo
também, ficou viúvo, bem de saúde; a gente falou, ó, agora, a gente tem que ficar porque senão a gente
vai viver eternamente com outros, e com os problemas dos outros.
E que você entrou na família, como que a família de origem de vocês foi participando dessa vida de
vocês? Onde que ela, como que eles iam, eles participavam da mudança, ou eles davam apoio, ou iam
visitar? Como que vocês faziam essa ponte entre vocês e a família? Principalmente quando vocês estavam
longe...
A – Na realidade mesmo, a gente nunca saiu da nossa cidade natal.
C – É. Porque a gente ia muito pra lá.
A – Na realidade a gente ia constantemente.
E – Mas isso mais quando estavam mais perto de casa? Quero dizer em termos de distância.
A – Acho que em todas as etapas.
C – É, é sim.
A – A gente nunca saiu.
C – Porque mesmo na cidade A, que era mais longe a gente ficou muito pouco tempo lá.
E – É verdade.
115
A – Muito pouco tempo e...
C E pra ir pra São Paulo, que sempre também tinha desculpa, nós vamos pra São Paulo por causa do
doutorado. Mas pra ir pra São Paulo...
A – Passava na cidade de nossos pais.
C – Obrigatoriamente você passava em casa. Caminho! Estrada Fernão Dias.
A Esse apoio familiar nunca faltou pra nada, mas... Eles estavam o tempo todo cientes e conscientes de
que a gente ia estar de qualquer maneira lá, e...
C Era porque a gente ficava meio flutuante, você ficava de segunda a sexta onde a gente morava... e se
tava na cidade B, e ia pra São Paulo, sempre marcava com meu professor no sábado. Porque na sexta-
feira, se tava na cidade B, tinha passado na casa dos nossos pais, dormia lá. Então ele encontrava com o
pai dele, eu encontrava com a minha mãe, pá, pá, pá, , sábado eu ia pra São Paulo. Então você sempre
tinha uma desculpa na verdade pra passar por lá.
E Bom, para facilitar nosso entendimento, vou pedir para vocês me ajudarem a construir um mapa que
mostra a construção da rede social de vocês. Um antes da mudança para esta cidade e outro depois.
Certo?(Dou as instruções e começamos assim):
C – Posso falar primeiro?
A – Aliás, pode ir falando por nós dois e eu vou completando.
C Aqui, vou começar pela família. Bem próximo, tanto a minha como a família dele, pais irmãos, sempre
muito unidos, aqui também entra 2 tios meus e suas famílias, e a avô do Ângelo, ela só não foi mais presente
na nossa vida, por conta da idade. Se pudesse na época da minha bagunça, ela teria largado tudo e vinha
ficar com a Clara.
A – Aliás ela tentou, nós que não deixamos.
C Aqui no meio, tenho uns tios queridos também pelo lado da minha mãe, mas que não tinha muito
contato, porque eles moravam em B.H., então a gente não se via muito, hoje menos ainda, mas às vezes a
gente se encontra na casa da minha mãe, em datas comemorativas.
A Aliás isso é uma coisa que a gente tinha que aprender com sua e. Ela sempre foi de ter umas festas,
que sei que mais serviam de desculpa para reunir a família, porque sempre tinha gente fora. Isso é bem
legal, ajuda a não perder o contato.
C – É verdade. E você quem você colocaria aqui no centro?
A – Os parentes, meus tios e primos, porque a gente tinha um contato, mas não tão forte como você com sua
família.
C Do serviço, eu não colocaria ninguém tão próximo. Aqui no meio tinha o pessoal da Caixa. Tinha uma
amiga em especial, a Mara, que a gente conversava muito, mas não se freqüentava a casa uma da outra. Eu
perdi o contato com toda essa gente. Não telefonei mais, não escrevi... tudo passa não é...E o pessoal da
Universidade da cidade F eu colocaria aqui no mais distante, porque não fiz vínculo nenhum, não dava, era
chegar dar aula e ia embora, porque estava preocupada com outras coisas, na verdade nem sei direito quem
eram meus colegas. A Universidade tem isso, você entra faz teu serviço e pouco conversa com os outros,
todo mundo numa correria só.
A para mim era diferente, todo dia eu estava com as mesmas pessoas, então criei um vínculo legal, fiz
muitos amigos de serviço, como disse ninguém era de chamar para ir na casa um do outro. Mas fiz
amizades como o Ricardo, aquele que acudiu a Claudia, que é diferente, se a gente precisa pode contar um
com o outro, tem o Flávio que é assim também, mas são todos promotores. Então acho que acaba fazendo
uma rede de interesses, e com alguns você tem mais afinidade e as coisas acontecem diferente. Com eles eu
tenho contato além do profissional. De vez em quando a gente se fala, não é como mulher que a toda hora
tem que se falar. Então acho que colocaria mais próximo, o Ricardo, o Flávio e o Marcos. No centro, a
Eline, que era muito ativa e prestativa, vivia quebrando o meu galho lá. E mais distante os funcionários que
trabalhavam diretamente comigo, foram importantes enquanto duraram (risos).
116
C – Amigos... bom tive muitos amigos que deixei para trás na minha cidade de origem,muito queridos, tinha
a Carol, a Joana, a Paola, essas eram amigas que sempre que dava eu ia visita-las. Essas eram próximas.
E – E elas te visitavam?
C – Não, também eu nunca estava em casa de fim de semana.
A – Nem na semana. (risos)
C Ou porque eu estava morando longe, e elas reclamavam, mas como eu ia sempre para casa dos nossos
pais, eu ia encontrando com elas, que foi acontecendo o seguinte, com as perdas e doenças da família,
toda vez que eu ia para casa, me via na obrigação de ficar em casa, pensava: quanto tempo ainda vou ter
com meu pai?E isso me distanciou um pouco do pessoal,mas se a gente se encontra, parece que nos vimos
ontem. Acho que aqui podemos falar de nós, de amigos feito por nós. Por exemplo, o S. Celso, que nos
alugou a casa com a esposa dele, a D. Edi, o Henrique, aquele que consertava televisão ...
A – Tem o Alfredo, que a gente fez uma boa amizade...
C – É verdade...teve a Raquel, a Liliam, só que todos no centro, mais para a periferia,elas duas eu poria na
periferia, agora a Claudia minha amiga, bem no centro até hoje, O Maurão com a família, aliás todo
pessoal do prédio que a gente morou na cidade D, fica aqui no centro. Com eles a gente ainda tem contato,
raros, por telefone, mas tem, não nos vimos mais.
A – Acho que tá na hora da gente fazer uma festa para encontrar esse pessoal, ia ser bem legal.
C Agora de serviços, vou te falar, a gente sempre continuou com os médicos da nossa cidade de origem.
Até dentista, a gente ia . Era um primo do Ângelo que atendia a gente, nem que fosse no domingo. Era
uma coisa... Foi difícil fazer alguma troca Na cidade A o Ângelo gostava de ir cortar o cabelo num senhor,
porque ele conversava um pouco, acho que foi uma das primeiras pessoas que ele conheceu lá. Na cidade
D teve uma professora de ginástica, que eu me relacionei bem, mas a coisa não vingou. Acho que colocaria
no centro, os prestadores de serviço da nossa cidade natal, e bem distante a professora de ginástica, a
manicure, ia lá correndo e mal conversava, não sei e você Ângelo, onde colocaria o barbeiro?
A Acho que no meio... sabe tava pensando... a gente foi muito bairrista, não construímos uma rede legal,
nessa trajetória, temos que prestar mais atenção nisso, e mudar isso aqui em Poços de Caldas.
C – É verdade, também tava vendo isso.
E – E o que vocês fariam diferente?
A Acho até que estamos fazendo, muito por conta da Clara, tem as amigas que vem aqui, então a gente
conhece os pais... mas digo mesmo de ter o suprimento para nossas necessidades aqui,médico, dentista,
etc...etc...e tal.
E – E hoje, quem são as pessoas que vocês colocariam no mapa?
A Os meus amigos que estavam continuaria, aliás devo colocar o Paulão e o Xavier, que eram
meus amigos das antigas, amigão mesmo, a gente se fala sempre, eles vieram aqui nos ver...foi muito
bom. E agora tem dois pais de amigas da Clara que ficaram muito próximo de mim. É o Fernando e o
Paulo, a gente vai caminhar todo fim de semana que eu estou aqui, e depois programa alguma coisa com as
famílias.
C Para mim , a Claudia continua bem junto, as que estavam no centro, hoje estão mais distantes, a
falta de contato distancia, mas entraram duas pessoas , que são as esposas do Paulo e do Fernando, a
Maíra e a Marta, que tem sido muito legal. Do serviço, as que estavam ficaram tão distantes, que nem
colocaria mais e hoje colocaria o pessoal da Universidade como um todo no meio, a não ser meus dois
amigos do interior de São Paulo, que às vezes eles vêem dormir aqui, porque eles continuam nômades, mas
ficou uma amizade além do serviço, então eles estariam aqui perto. E você?
A O pessoal do serviço de hoje, que é na cidade G, ficaria no centro, e os anteriores cairiam fora, não
fazem mais parte, a não ser o Ricardo, o Flávio, e o Marcos, que continuam no mesmo lugar.
E – E você atribui à que o fato deles permanecerem no mesmo lugar?
117
A Não sei, foi alguma coisa que construímos, uma amizade, um tipo de amizade que a gente sabe que está
quando precisa, mas tem que cuidar também, por isso de vez em quando a gente se liga e diz: -E aí,
irmão, tudo beleza?Como vão as coisas? E assim vai indo, acho que é o querer bem e não perder de vista.
C Agora família continua tudo junto, meus tios de B.H. que ficaram mais distantes. Agora os que eram
próximos continuam próximos. Irmão, cunhados e os sobrinhos que cresceram...agora é um tal de ligar e
dizer: -tia vou passar uns dias das minhas férias aí, posso? Mas isso é ótimo. Por outro lado, é uma fase
difícil, porque estamos tendo os pais e tios envelhecendo e morrendo. A gente se culpa por o dar a
assistência que gostaríamos de dar, mas tentamos fazer o possível, agora tem a Clara, ela quando tem
programa aqui, não quer ir, então já viu, mas isso é uma das coisas mais difíceis para lidar. Não sei...e para
você?
A – Concordo, mas tem que dar um jeito.
C A Clara o que é interessante, eu acho que é do gênio dela, ela é alegrinha e falante, s o sentimos
assim um impacto. Porque eu tinha uma preocupação, falava Nossa Senhora, sair de da cidade D agora...
escola, as coleguinhas, a sala dela era uma coisa encantadora, todo mundo era amigo, cada dia um ia na
casa de um, uma ia dormir na casa da outra, em casa era raríssimo o dia que o tinha uma criança ou
outra... fazendo dever.
A – Se você prestar atenção, a primeira vez que a Clara trouxe uma criança pra dormir aqui em casa, foi há
um ano e meio.
C – Mas é por causa das meninas do Henrique.
A Você pode, sempre perguntar. Eu acho que isso também influencia. Porque ela tem duas priminhas
aqui. Eu acho que isso também influencia. Não é isso, não. Eu acho que ela tem medo. De fazer laços de
amizade mais fortes e ser cortado depois.
C Não, mas eu acho que também, depois que a gente começou a ficar mais aqui, o que eu senti é que
assim, primeiro no COC era problema de van, que ela ia de van, mas aí o papai ficou doente e eu ia toda
sexta-feira. Então o quê que acontece: as crianças começam a se freqüentar às sextas-feiras, que é onde que
não tem dever, onde que não tem aula de inglês, etc, etc, etc.
A – Aqui?
C – Aqui. E toda sexta-feira a gente ia pra nossa cidade natal. Então, eu notei, esse ano que começou,
ela já, que nós não fomos pra casa dos nossos pais toda semana, embora a gente ainda esteja indo, mas ela
foi dormir em casa de amiguinha agora... amiguinha veio dormir aqui. Mas começou... de sexta-feira.
Tanto é que a mãe da amiguinha que me ligou, a semana passada que ela foi pra casa de uma amiguinha ,
conversando com a e dela, ela falou, ah, então, a Ana Luísa sempre quis que a Clara viesse aqui, mas
ela falou que a Clara viajava toda semana, então, como essa sexta-feira ela falou que a Clara vai ficar,
então. Porque essa questão da gente saindo, um corte muito grande nas amizades dela, nas coisas
dela.
E -. Agora e isso a gente pode colocar como um desafio; agora, além desse, que outros, quais os desafios que
vocês acham que tiveram nas mudanças, na chegada nas cidades. São diferentes, mas quais foram os
maiores?
A – O maior problema que você fala que a gente encontrou?
E – É os maiores desafios, maiores obstáculos.
A Eu acho que foi de se relacionar mesmo. Acho que o maior obstáculo é esse, é vochegar novo na
cidade, né? Vamos tirar esse negócio de ser Promotor, acho que qualquer pessoa seria isso; mais ainda por
ser, porque aí você fica sempre, você não sabe quem é quem, de repente você tendo que relacionar com
um, voé amigo de um cara, daqui a dois meses você na casa dele e de repente o cara aparece sentado
lá como réu. Você não tem essa, esse controle, você não tem, as pessoas estão se aproximando de você, você
não tem esse controle. Então pra se posicionar, voacaba ficando um pouco na defensiva, também, né.
Acho que isso é uma coisa, então, eu não sei, eu não tenho nenhum, acho que o maior desafio é se
relacionar socialmente. Com pessoas da cidade.
E – E dos que vocês conseguiram, o que fazem para conservar as amizades?
118
A – Mais basicamente através de telefonema.
C É. Quem ficou mesmo de todas essas mudanças, pessoa que continua presente, quem mais ficou foi a
Cláudia. Essa que ficou, ela ficou porque ela o é como o Ricardo que ele sabe que se precisar, vai ter.
Não, mas ela está presente. Antes de ontem eu conversei com ela no telefone, as crianças vêm pra nas
férias, não agora em dezembro, mas na outra, a menina dela veio...
E – E com o Ângelo, o marido da Cláudia tem essa mesma ligação?
A Tem, tem, assim, não ficou, não é como é a Cláudia, as duas Cláudias. Não é essa coisa, assim meio,
visceral quase, não. Mas é... homem é diferente, não tem essa coisa de, de precisar ter esse contato físico,
por exemplo, eu fiquei seis, cinco, seis anos sem falar com o Ricardo e eu tinha certeza, passei a mão no
telefone, liguei pra ele, “ô como é que é, tudo bom? Não, vem pra cá”, tinha certeza que isso ia acontecer e
acabou acontecendo. Mas não tem essa necessidade. Homem, não sei.
C – Mas é porque você é mais fechado.
A – Eu sou mais fechado que você.
C – Tem isso, o Ângelo, ele é mais restrito.
A Sem vida. Ela é muito mais aberta, quer dizer, os contatos quem faz mais aqui em casa é ela. Mesmo
se for assim, uma coisa social, quem faz, por exemplo, se tiver que vir aqui em casa pra, se tiver que alguém
vir aqui em casa pra jantar, almoçar ou um churrasco, alguma coisa, seguramente o convite viria a partir
dela.
C – É, os contatos sempre acontecem...
A – Por sua causa.
C - ... eu que monto. na cidade D se a gente ia fazer um, sempre a gente tava reunindo, mas eu sou a
primeira que fala: vamos fazer um churrasco? Ele que é o churrasqueiro, ele que faz. Bom, mas aí, eu chego
pra ele e falo: ó, eu marquei um churrasco. Olha eu marquei um churrasco, tem problema pra você? Às
vezes o Ângelo é mais, o Ângelo é mais resistente. Ele é mais resistente! “Nossa! Mas churrasco hoje?” Até
ele deglutir a idéia de acontecer, ele é mais fechado. depois que ele recebe, ele acha maravilhoso, faz
com o maior carinho. Mas ele é mais fechado, então as pessoas às vezes falam assim “Nossa!”, conhece o
Ângelo e fala assim: Nossa! O Ângelo é tão, o jóia, ele não parece porque ele é tão fechado, assim. Eu
falo assim: não é, porque ele é meio tímido, então as coisas acontecem mais devagar.
A – É, no trato social você é melhor mesmo.
E – E aqui na cidade, você participa do quê?
A – Aqui em Poços?
E – É.
A Faço basicamente o que qualquer dona de casa faz, porque a Cláudia continua saindo muito de casa.
Porque ela tem a Universidade pra dar aula, ela vai, por exemplo, ela chega domingo à noite aqui, eu vejo
ela domingo à noite, depois eu vou voltar a ter tempo de conversar com a Cláudia na quarta-feira de
manhã! Depois que ela chega, porque ela tem aula segunda-feira de manhã, eu acordo e vou pra ginástica,
ela acorda e vai pra aula; terça-feira, aliás, segunda-feira à tarde eu não estou aqui e ela tem, ela o tem
aula; eu chego segunda-feira à noite ela está na aula; na terça-feira de manhã, eu acordo pra ir à
ginástica, ela acorda pra ir pra aula; eu volto, é, eu acabando de sair do almoço, ela chegando da
aula; aí, ela fica em casa e eu vou embora trabalhar; aí, quando eu chego de Andradas, ela está na
Universidade de novo.
C – Não! Quarta-feira?
A Terça. Aí, na quarta-feira de manhã, ela acorda, vai dar aula, vai chegar aqui em casa dez horas, dez e
meia, quando a gente consegue conversar de domingo.
C – É que meus horários são segunda, terça e quarta, de manhã.
119
A – Então, a gente mora junto! E quando não...
C - Eu já perguntei qual é o horário ideal, qual que é o meu horário ideal?
E É que eu perguntei, não, eu perguntei pra ele assim: como que ele vive essa cidade, ele falou: “eu faço
tudo que uma dona de casa faz”.
C – Ah! Mas não é assim, não!
A – É sim senhora! Eu não vou no supermercado?
C – Esse mês você não foi nem uma vez ainda, bem.
A – Estamos em dezembro, tem três finais de semana.
C Eu vou fazer agora é o seguinte, quando eu for fazer o meu horário, vou falar pra ele ir. Então ele faz,
ele chega pra coordenadora e fala assim, olha, peraí, deixa eu ver qual que serve pra ela, pra ver onde que
ele se adapta.
A – Se tiver essa chance.
C – E as amigas ???
E – E você, Cláudia? O quê que você vive da cidade, além da Universidade?
A Na realidade a gente não tem muita, aqui em Poços, eu acho que não vai ter muita dificuldade não.
Sabe porque? Eu acho que esse fator que a Cláudia falou, realmente irrita mesmo, essa coisa de ter viajado
muito, final de semana e tal...
C – Eu não quero essa vida. Eu não quero.
A Isso com certeza atrapalhou muito! E tem atrapalhado muito. Mas eu acho que não vai ter muita
dificuldade de fazer amigos, porque aqui são seis promotores; dos seis, tem três que são da mesma cidade
da gente; desses três, tem dois que foram colegas dela desde a infância. Então, não tem essa, muito essa,
não vai ter muito essa dificuldade...
C - Essa resistência.
A - ... essa resistência, né. Eu fui na casa de um deles, todos eles querem que a Cláudia e tal. E tendo
casa aqui, a gente vai construir também aqui, que a gente vendeu pra construir aqui. A gente comprou
terreno, vamos construir aqui de novo. Outra obra.
C – Aqui tem a Denise, que é minha irmã.
E- Ela já estava aqui quando você chegou?
C- Não, ela também veio porque o marido dela foi transferido de emprego, faz quase 4 anos que eles estão
aqui, na verdade, eu é que ajudei na mudança deles. Ela trabalha aqui perto e foi o A. que arrumou
emprego para ela..mas foi muito bom ter ela aqui, fez eu me sentir um pouco em casa. E eu tenho uma
amiga da minha cidade natal, quer dizer, na verdade ela é de Vitória, também, e é casada, morou lá e agora
faz arquitetura aqui, o marido dela é gerente de banco, então viu, também não para. Tem a Terezinha,
vizinha, que tem a Cristina, Alessandra. Ela me ajudou muito quando vim para cá, me recebeu super-bem,
sabe aquilo que fiz na cidade D, quando levei pão de queijo para minha vizinha quando ela chegou de
mudança, a Terezinha fez isso comigo, mas ela também é de fora, então entende das coisas. Então, quando
eu tenho uma folga, a Terezinha diz: vem tomar café aqui em casa, eu faço um café à tarde, ai! Mas o meu
café é meio assim, se me chamam na Universidade, eu largo o povo tomando café, “Ó, vocês ficam que
eu , já, daqui a pouco eu volto”. Então às vezes eu, a minha vida tem sido assim. Meu horário agora
melhor, esse semestre, então s conseguimos, nós fomos ao cinema; semana coisa que até, semestre
passado não tinha acontecido. Ah...esqueci de colocar elas no mapa atual. Vou r as quatro aqui no
intermediário.
A – É verdade.
120
C – E a minha, durante a semana, a minha vida gira mesmo em torno da Universidade, que eu sou
extremamente caseira, também. Então não tem essa, “Ah! Vou andar pra rua, e vou ali”, não. O meu
recanto é esse aqui, é o dia inteiro. Porque eu gosto, eu gosto, quando o tem nada pra fazer, eu arrumo
alguma coisa pra ler, eu sou caseira, então não tem essa coisa de muita necessidade de ficar... Com os
amigos, encontro com os amigos, chamo, saio, mas não sabe, o cotidiano é muito cotidiano mesmo. Fico
sentadinha, ou estou preparando uma aula, ou estou fazendo... Pra vover uma coisa, dar aula, eu acho
interessante por causa do Ângelo; bacana porque é assim, prepara, você estuda, e Direito do Trabalho
muda muito. Então você não pode ficar desatualizando. Da onde que você tem que lendo coisa que
chegando, então é revista que chega, você tem que preparar uma aula de uma maneira diferente da
que você já preparou semestre passado. Tem professor que nem liga, mas a gente que gosta tá dentro do que
você está fazendo. Eu não estou professora, eu sou professora. Então, e que eu gosto, é um prazer, eu
aqui, não precisa de sair de casa, nem nada, então, não tenho vontade de fazer outra coisa assim...
E – E da comunidade, vocês participam de alguma maneira...
C e A (risos) Acho que temos mesmo que começar a viver as coisas daqui...olha isso...a nossa rede está
diminuindo, tinha que aumentar, mas infelizmente, a verdade é que não temos ainda quem pôr aí.o, tem
sim lembrei, (diz C. )...Tem a pediatra da Clara, as professoras, que a gente tem bastante contato, mas são
mais as pessoas que tem alguma ligação profissional, mais por conta da Clara. Eu apedi uma dica
para uma amiga e tentei marcar uma consulta com o ginecologista daqui, mas ainda não deu certo o
horário. Mas estas pessoas ficariam na borda, não no centro.
A vendo, como essa coisa de ser bairrista atrapalha a vida. Essa é uma cidade muito boa, tem tudo e
aposto que muito melhor que em nossa cidade de origem, mas na verdade a gente usa de desculpa, para
ficar voltando lá. É complicado.
E Mas bem interessante, vocês me ajudaram muito. tenho que agradecer. Acho que é o suficiente
para eu entender ...Gostaria realmente de agradecer a colaboração de vocês...mas se vocês querem
adicionar algo...
C – Se fosse ficar falando, ia ficar a noite toda. Essa conversa foi boa para mim também, não foi? (olhando
para o marido)
A – Com certeza, nós também agradecemos a oportunidade que tivemos de refletir sobre algumas coisas.
121
Rede anterior
FAMÍLIA
SERVIÇO
COMUNIDADE AMIGOS
Rede dele – cor azul
Rede dela – cor rosa
Rede do casal – cor verde
D. Geralda
Rogério
Maurão e família do
prédio
Pais e irmãos
2 tios e família
Avô
Ricardo,
Flávio e
Marcos
Mara, Paulo,
M. José e pessoal
da Caixa
Eline
Tios maternos
Tios e primos
Carol, Joana,
Paola e Cláudia
Paulão
Xavier
Barbeiro
Médico e Dentista
Professora de Ginástica
Manicure
S.Celso,D. Edi Henrique Alfredo
Raquel e Liliam
Maurão Adilson
Amigos da
Unifenas
122
Rede Atual
FAMÍLIA
SERVIÇO
COMUNIDADE AMIGOS
Rede dele – cor azul
Rede dela – cor rosa
Rede do casal – cor verde
Pediatra
Professoras da
filha
04 novas amigas
Tios
Pais, irmãos
cunhados,
sobrinhos
Avô
Ricardo,
Marcos e
Flávio
Cláudia,
Maíra e Marta
Paulão,
Xavier,
Fernando e
Paulo
Colegas da PUC
Paulo e M. José
Colegas do Fórum
123
GENOGRAMA DA FAMÍLIA II
BREVE RELATO DA FAMÍLIA II
Esta família é composta pelo pai (Renato), com 38 anos, funcionário público; pela
mãe (Vilma), com 39 anos, também funcionária pública; e por duas filhas, Amanda de 10
anos e Maria Clara de 9 meses.
A história de mudança desta família, começa pela e, quando ainda solteira, que
sai da Bahia, seu local de origem, para o Rio de Janeiro, em busca de melhores condições
de trabalho e crescimento profissional. Durante um curso preparatório para concursos,
conhece seu atual marido, que também estava se preparando para prestar concursos. O
casamento e a mudança de local acontecem quase que paralelamente. Eles estão casados
11 anos e 10 anos morando no sul de Minas. Os dois foram aprovados no mesmo
concurso de Receita Federal, mas como a classificação dela foi melhor, acabou sendo
R
38
V
39
A
10
MC
9
124
convocada primeiro que ele, com o privilégio de poder escolher a cidade para ser locada.
Depois de 6 meses, ele consegue a convocação e pode estar na mesma cidade que ela, mas
no início, ficaram 6 meses morando em cidades diferentes.
Neste caso, não houve um único responsável pela mudança, uma vez que os dois
trabalham juntos e no mesmo local. Esta é a primeira mudança da família, e pelo relato
deles, não existe a intenção nem de mudar, nem de retornar às suas cidades de origem.
Atualmente eles residem a uma distância de 600 km da cidade de origem dele, e 3000
km da cidade dela.
ENTREVISTA COM O CASAL VILMA E RENATO
E= Entrevistadora V= Vilma R= Renato
Após realizado o rapport pela entrevistadora, a entrevista seguiu-se da seguinte
maneira:
E: Bom, gostaria que vocês me contassem a história de como é que vocês vieram parar aqui, quanto tempo
vocês estão aqui...
R: Bom, a princípio, nós nos conhecemos no Rio num curso preparatório para concurso... e nós já
namorávamos quando nós viemos prestar concurso para Minas Gerais.
E: E porque vocês escolheram Minas?
V: Qualquer coisa... vonão sabe. Nós fizemos o Federal, mas na realidade nós queríamos sair do Rio de
Janeiro, a gente queria morar no interior. Nosso objetivo era passar no concurso, mas morar no interior,
nossa opção era morar no interior mesmo. A gente queria morar no interior, aí nós passamos para Minas e
aí nós escolhemos o sul de Minas. Aí só depois que a gente foi chamado que teve a votação... eles colocaram
esta cidade na lista, e o R foi chamado 6 meses depois. s casamos e eu vim pra cá, e o R. ficou no Rio
trabalhando, aí 6 meses depois ele veio.
E: Mas vocês prestaram o concurso juntos?
V e R: Juntos!
R: Só que a classificação dela foi melhor, e eu tive que aguardar.
V: Ele ficou 6meses lá no Rio, e eu fiquei aqui grávida da Amanda... sòzinha aqui.
E: Você estava grávida?
R: Grávida! E sem ter com quem contar, foi muito difícil.
V: Porque realmente a gente não conhecia ninguém, não tinha ninguém da família aqui.
E: E como foi chegar aqui sem conhecer ninguém?
V: Muito difícil! Porque daí o pessoal lá, os colegas de trabalho nosso, indicaram referências, imóveis para
alugar, mas nós não conhecíamos nada! Então s alugamos um imóvel ruim, longe do centro, porque a
125
gente não conhecia, a gente não conhecia o mercado imobiliário daqui, não conhecia as ruas, os bairros,
saber referências... Eu tive referência de uma pessoa que foi uma referência ruim... s alugamos um
apartamento ruim.
E: No primeiro momento quem deu dica, essas coisas todas, foi o pessoal do serviço ou...
V: Foram os colegas do trabalho... nós fomos pela indicação deles e foi ruim, foi uma péssima
indicação. Aí eu fiquei 6 meses aqui sozinha, o R vinha final de semana.
E: E de quanto tempo você estava grávida?
V: Quando eu vim para cá eu estava de 2meses.
R: Foi início de gravidez inclusive eu vinha todo final de semana, e inclusive nós descobrimos juntos que ela
estava grávida. Eu vim pra um final de semana e a M não estava se sentindo bem, fomos fazer um
exame e aí descobrimos que ela estava grávida.
E: A família ficou toda no Rio?
V: Toda lá, parentes, amigos... eu ficava sòzinha, passava mal, mas eu não sou do Rio eu sou baiana.
E: E o que você estava fazendo no Rio?
V: Eu estava estudando. Estudava e morava lá, já trabalhava lá.
E: Então você já tinha deixado sua família na Bahia?
V: Já, já.
E: E você é do Rio? Sua família é do Rio?
R: Toda do Rio.
E: E como foi deixar a família?
V: Foi difícil... eu estava mais acostumada porque eu estavano Rio sòzinha também, mas eu tinha alguns
parentes lá, mas tinha amigos. Nós tínhamos amigos então... bons amigos, amigos de muito tempo, né?
Aquela referência, companheiros, e nós sentimos uma diferença muito grande aqui... no relacionamento
aqui.
E: Porque?
V: As pessoas são muito fechadas aqui. Lá no Rio as pessoas são mais abertas, é uma coisa mais leve.
E: E nesse meio tempo você não teve ninguém...
V: Ninguém, ninguém, ninguém. Nem o pessoal do trabalho eu considerava, o único que me convidou pra
fazer alguma coisa foi um rapaz de outra cidade, quer dizer, falou que ia me convidar... assim... ficou
falando que ia me convidar pra passar um final de semana na casa dele com a esposa, mas não convidou, só
ficou falando... ameaçou... então eu senti uma solidão imensa, então quando o R. não vinha final de
semana era horrível pra mim ficar sozinha final de semana que ele não vinha... primeiro que eu passava
mal... e vinha a depressão, que eu ficava muito triste por estar sòzinha, neste momento da gravidez. E sem
conhecer ninguém! Sem conhecer ninguém! Achava as pessoas aqui muito fechadas, e ainda acho!
E: No início, você tinha outros contatos, além do pessoal do serviço?
V: Não, eu trabalhava e voltava para casa, ficava preocupada com a gravidez, e não saia não, acho que
isso também colaborou para que eu ficasse mais sòzinha ainda.
E: E como você arrumou um médico aqui? Como foi isso?
V: Eu fui conhecer o médico conversando com os pais de uma criança em uma lanchonete. E conversando
ele viu que eu estava grávida e indicou o médico deles... que Graças à Deus foi uma boa indicação. Mas no
começo foi horrível, a noite então...primeiro eu senti muito o clima porque eu vim pra em maio, e o
126
inverno lá no Rio é super quente, então... eu estranhei muito o clima. No começo sentia muita falta do calor,
da praia...
E: Você acha que o clima também atrapalhou na adaptação?
V: Também atrapalhou. Também atrapalhou, eu senti muito. Eu andava na rua com aquele frio todo porque
eu morava em um bairro perto da montanha, por isso que eu falei que foi uma péssima indicação: morei
ruim, caro e longe. Na época sem carro, sem dinheiro para pegar táxi... eu andava de ônibus, nossa muito
difícil... e a noite... eu vivia uma solidão, eu sentia uma tristeza imensa... sòzinha, grávida, sem ninguém.
E:E você também sentiu essa dificuldade com o frio daqui?
R: Também, no começo não foi fácil, não gostava não, hoje a gente acostumou e até estranho o calor do
Rio, mas também agora a gente mora numa casa super ensolarada. Acho que na época da adaptação, tudo
fica mais difícil, você fica vendo o que deixou para trás e o o que vai ganhar, então até o clima interfere,
mas depois você vai se acostumando, acho que a V. sentiu mais que eu.
E: E você de lá, como é que você ficava R?
R: Então, eu ficava aflito tanto é que uma das vezes que eu vim pra cá e a V. estava passando mal, eu peguei
um avião pra ir até São Paulo e depois um ônibus pra vir pra cá porque ela estava passando mal, nem água
parava no estômago dela, aí eu vim pra cuidar dela...
V: Quando ele ia embora no domingo à noite, me dava uma tristeza tão grande, que eu olhava a janela do
apartamento, aquela névoa toda lá, eu me sentia triste por causa do inverno... a desculpa era que eu
estava triste por causa do clima, mas não, era por tudo, né? Era a solidão, a dificuldade no trabalho porque
eu trabalhar na cidade vizinha, eu dava plantão lá, eu trabalhava à noite.
R: E passava mal durante a noite.
V: Ia de ônibus para lá, passava mal, então foi tudo! Nossa... foi muito difícil!
E: E isso quanto tempo faz?
V: Vai fazer 10 anos. Agora. Dia 13 de maio vai fazer 10 anos que eu estou aqui , que eu comecei a
trabalhar aqui.
E: Então começou no frio mesmo...
V: Eu estranhei o clima, estranhei as pessoas, estava longe de todo mundo... eu tenho certeza que se fosse
em uma outra situação, se eu tivesse no Rio ou na Bahia, eu acho que eu teria conseguido me
aproximar mais, foi difícil na parte de relacionamento
E: E você atribui isso a quê?
V: Não sei! Eu acho as pessoas aqui com um formalismo muito exagerado, eu acho que existe um
formalismo muito grande.
R: Na verdade o que a gente sente aqui é que existe um resquício de coronelismo. Quem você é, se é filho de
quem, sobrenome, o quê que você faz, então eles pegam a ficha completa...
V: Agora aqui nós temos alguns amigos, mas o é a mesma coisa. Não sei se é porque o tempo passou e a
gente ficou mais exigente também... a gente fica comparando com o Rio ou a Bahia, mas é diferente.
E: E lá no Rio... quem vocês deixaram lá no Rio?
R: Família e amigos.
V: Muitos amigos, muitos amigos. Até hoje nós não conseguimos amigos aqui como nós tínhamos lá.
E: E como vocês mantém essa amizade... o que acontece nessa amizade de que não acontece com o
daqui?
V: Eu acho que a amizade lá é uma coisa mais leve, eu sinto que a amizade aqui não é a mesma coisa de lá.
127
R: Eu acredito que muitos amigos que nós fizemos em tempo de escola, a V. foi da Marinha, então na
Marinha ela fez amizade, eu acho que tem muito disso. Eu tenho muitos amigos que foram padrinhos de
casamento nosso, é padrinho da Amanda, e, depois a gente foi padrinho de casamento deles, né? E essa
amizade existe desde os 18anos, então é uma coisa forte de viver determinados momentos, de muita história
juntos, então é uma bagagem que a gente traz de que aqui a gente não tem. Exatamente por isso, porque
existe esse formalismo.
V: Também depende do momento da nossa vida, tivemos amizades que nós fizemos tão boa, que aqui nós
não conseguimos fazer como de lá, por causa do momento.nós éramos solteiros, vivíamos outras coisas,
tanto nós como nossos amigos eram mais disponíveis para se encontrar, depois que vem filhos, isso muda
para todo mundo, fica mais difícil. Então aqui, talvez não tenha surgido uma amizade tão boa quanto a de
por causa disso. Talvez a gente tenha se afastado um pouco por causa da família, então, realmente essa
amizade que eu tenho são amizades de momentos muito difíceis que passávamos juntos. Momentos de
busca, de tudo. Realmente é diferente, momentos de vida diferente... mas a amizade faz falta.
E: E aqui quando vocês vieram vocês tamm estavam em uma construção de vida...estavam começando a
vida a dois...
V: Tava, tava.
R: Bom, tivemos colegas aqui como o Roberto e a Micheline mas que por conta do trabalho foram embora.
E: O Roberto e a Micheline eram de onde?
R: O Roberto, ele a princípio é mineiro...
E: Mas eu digo assim: é do serviço ou...
R: O Roberto ele era colega meu de trabalho. Ele fez concurso pra Receita Federal e passou, né? E veio pra
, então eu acho... a V. também fez amizade com a Micheline que é esposa dele, eles tinham uma menina
também, então tinha todo esse funil também. que em função do trabalho, ele foi transferido. Então, esse
casal que nós tivemos mais amizade, mais entrosamento assim. Foi embora por causa do trabalho.
V: Eu acho que depende do momento da vida, da idade, tudo. Antes a gente estava mais aberto, né? Hoje em
dia é mais difícil, os interesses vão mudando...
E: Mas isso é assim mesmo.
V: Mas o que eu notei é que aqui uma diferença muito grande apesar de tudo. Mesmo com pessoas que
estão passando pelas mesmas coisas que você, é mais difícil. Talvez agora ficar mais difícil ainda,
porque com criança pequena, a gente acaba se isolando mais ainda.
R: É verdade, a Amanda estava tendo seus programinhas, e queira ou o queira, a gente acabava se
socializando por conta disso, porque você acaba tendo que levar ou buscar num lugar, fica esperando e
acaba conversando com alguém, agora com a Clarinha, tudo fica corrido, um vai levar porque o outro
tem que ficar com ela em casa e vai em cima da hora, então acho que esse momento nosso é difícil,
quer dizer , é mais complicado para construir amizades.
E: E quais foram os maiores desafios que vocês acham que aconteceram na adaptação de vocês aqui... ou
obstáculos...
R: Primeiro: Não conhecia nada, totalmente sem referência. Porque quando você muda mas já tem
referência, tem amizade, alguma coisa assim, é mais fácil, né? Segundo: Nós passamos alguns momentos
difíceis de casamento, adaptação, e faltava para gente o apoio da família, de amigos mais chegados que a
gente tinha liberdade pra conversar, né? Que a gente não tinha aqui. Então eu acho que os grandes desafios
foram esses porque quando você tem um problema, mas você tem alguém importante pra compartilhar, pra
você se abrir... até alguém de fora que goste de você e vai ver a situação de uma forma diferente. Então a
gente sentiu muita dificuldade nesse aspecto, né V.?
V.: É, talvez se a gente tivesse conseguido isso com alguém aqui... mas às vezes eu me questiono.
R: É porque na verdade o quê que aconteceu... pessoas que a gente procurou se relacionar, na verdade
queriam interferir na nossa vida. Uma coisa é você ouvir, sugerir; e outra coisa é a pessoa querer interferir
de forma descarada na vida da gente, né? Agora falar, dar conselhos é ótimo! Mas essas pessoas quiseram
128
manipular, quiseram tentar... nessa situação, entrar demais aí... a gente se fechou. Exatamente porque a
gente percebeu isso, diferente dos amigos que nós temos no Rio que não fariam dessa forma.
V: Um outro obstáculo também pra gente nessa adaptação toda foi nosso trabalho.
E: Porque?
R: Nós somos fiscais do Estado, então aqui tem muitas pessoas na escola da Amanda que são comerciantes,
industriais, que nós vigiamos...
V: Na realidade eles vêm a gente como maus profissionais...
R: Não! Como inimigos!
V: Como inimigos. Então, na realidade a sociedade o gosta do nosso trabalho. O que a sociedade não vê
é que s trabalhamos em prol da sociedade. Eles o enxergam isso, eles enxergam o posto que é
recatado, né? E de uma forma negativa.
E: Então quer dizer que a profissão também ajuda...ou atrapalha...
R: A própria profissão ajuda a afastar as pessoas da gente, ou a a aproximar, mas no nosso caso, é mais
por interesse.Eu acho.
V: Então as pessoas não chegam na gente. Poucas pessoas fora do nosso ambiente de trabalho são
verdadeiras. Agora a maioria não é, mas como eles não gostam do nosso trabalho acabam não gostando da
gente.
R: Ou o contrário.
V: Eles rotulam.
E: Tinha que mudar o nome da profissão, né?
R: É.
V: Eles rotulam, né?
R: Só pra ilustrar, a Amanda estava fazendo fisioterapia, eu não sei como, eu não falei, o rapaz quis
aproveitar enquanto eu estava aguardando a fisioterapia da Amanda, ele queria tirar dúvidas, saber como
é, como o é. Uma pessoa que eu não conhecia. Uma coisa é a pessoa já ter um contato comigo e você vai
conversar... mas ele não, do nada ele veio... pô.
V: O que eu acho realmente é que a maioria não gosta da nossa atividade então passa a não gostar da
gente também. Eles rotulam nosso trabalho com nossa vida pessoal.
E: certo,,,Bom, acho que agora vou convidar vocês a fazer um mapa da rede social de vocês, isso facilita
a gente entender melhor esse processo, entender como vocês foram lidando com os antigos e com os novos
vínculos aqui... isso aqui representa as pessoas que vocês deixaram pra traz, quem fazia parte antes de vocês
virem pra cá, quem fazia parte da vida de vocês. Então, quem fazia parte da vida de vocês como família.
Aqui são as pessoas que são bem próximas, aqui mais ou menos, e aqui um pouco mais distante. Então
vamos começar pela família que aí já dá pra gente conversar bastante coisa. Quem são as pessoas que estão
bem pertinho?
V: Mãe, irmão e irmã.
E: Você tem pai?
V: Não! Eu não tenho pai, só mãe e irmão.
E: Então mãe, irmão, você falou irmã?
V: Também, tem uma irmã.
E : E sua?
129
R: Só mãe e um irmão.
E: Tá. Fazia parte da vida de vocês alguém mais da família? Parentes, tios...
V: Não.
E: Nada, nada...
V: Não.
E: A família era pequena?
V: Era pequena, a do R só tem a mãe dele e um irmão. Tem um tio dele mas... Por isso que nós quisemos ter
uma irmãzinha pra Amanda, né? A gente pensou muito porque ela ia ser filha única, e a gente pensou muito
porque a família é muito pequena. tinha a Amanda de criança na família. Então as duas famílias são
muito pequenas, fica muito restrito a isso. A minha família nem tanto, mas a do R. , eu tinha medo quando a
gente falou que ia prestar concurso e que talvez teríamos que mudar, porque eu tinha mudado, mas ele
vivia em casa e era o apoio para a mãe.
E: E como as famílias reagiram quando vocês decidiram prestar concurso...
V: Super bem! Foi uma surpresa, tanto a mãe do R quando a minha ficaram super felizes porque elas
queriam que a gente passasse no concurso, no fundo elas queria que a gente tivesse um emprego melhor,
né? Queriam que a gente progredisse, nem que para isso, a gente tivesse que ficar longe delas. Outra coisa
interessante foi de saber que as duas famílias torciam para a gente sair do Rio e que fosse morar no
interior, por causa da violência de lá, elas achavam que não era lugar de se criar filhos, e tinham medo por
nós também, então no fim deu tudo certo, elas apoiaram bastante a nossa vinda para cá.
E: E o fatos de eles reagirem bem ajudou nessa decisão...
V: Ajudou bastante. Porque eles queriam que a gente conseguisse. Como eu já falei, eu até pensei que a mãe
do R na época fosse interferir bastante, mas não. Também porque minha mãe ainda tem minha irmã e um
irmão, né? E ela tinha o R e o irmão do R, e o irmão do R é muito ausente em casa, o R é que ficava
mais, ajudava mais, que fazia mais companhia para ela e tudo, e quando o R saiu eu pensei que ela fosse
sentir bastante, mas não. Ela encarou bem, ela ficou muito bem, ela encarou de uma forma muito positiva.
R: O fato da gente ter o aval da família, com certeza ajuda muito você a fazer essa opção, acho que quando
a família não concorda, você deve sempre se sentir culpado pelo desconforto que traz para as pessoas que
ficam. Até os amigos é difícil de deixar.
E: E amigos, quem fazia parte dessa rede como amigos.
V: Tem o Alessandro que é padrinho da Amanda...
E: Onde?
V: Bem no meinho, pertinho no centro
E: Quem mais?
V: Tem a cia que é uma amiga minha da Marinha, a Isa, a Cláudia, nossa são várias... que agora eu
posso até estar sendo injusta...ah, Odete, Fátima, Beth.
E: E você R?
R: O Alessandro também, acho que meu maior contato foi o Alessandro mesmo. Tinha uns colegas da
escola, mas não com contato muito próximo, na minha casa não tinha muito essa de ir gente lá. Acho que eu
poria o Marcão, o Davi, e o Tecão, mas aqui no meio, a gente fazia alguns programas juntos, isso quando a
gente era moleque, depois a coisa foi mudando, porque a gente tinha que trabalhar, aí todos foram
trabalhar moleque, então sobrava o fim de semana, não sobrava muito tempo para a gente ficar junto, e
isso distancia, mas são pessoas que lembro até hoje com carinho.
E: E quem ficaria aqui, ou aqui mais distante.
130
V: Ah... em parentes tinha duas primas minhas que eu gostava bastante. Agora amigos, nós tínhamos alguns
amigos só que a gente foi perdendo contato.
E: Então... mas eles faziam parte da sua rede antes, não é?
V: Faziam.
E: E quais os nomes deles?
V: Maurício...
E: Ficariam onde?
V: No meio.
E: Maurício...
V: Maurício, Willian.
E: E deixa eu perguntar uma coisa, esses amigos que eram próximos, o que foi acontecendo depois que
vocês vieram pra cá, que movimentação vocês fizeram para conservar a amizade? Vocês conservam essas
amizades?
R e V: Conservamos!
R: Quando a gente vai pro Rio, a gente se encontra. Ás vezes eles vêm aqui. Falam por telefone, falamos por
e-mail. tem aquele contato mesmo, a mesma coisa de antes. Não é a mesma coisa, né? Mas aquele
contato de desabafar, de ligar , de falar alguma coisa que está passando, de momentos difíceis... isso
continua a mesma coisa. O fato de telefonar ajuda muito. Se estou muito triste, pego no telefone e ligo
mesmo.
E: Então por telefone, ou e-mail, ou senão vai lá... eles costumam vir pra cá?
V: É! O Alexandre e a Heloisa sempre vêm para cá, por isso também que nossa amizade fica mais forte. Os
outros é mais difícil, logo que a gente mudou, eles não vinham muito, vai perdendo o contato, mesmo
porque a gente nem tinha muita condições de receber, mas depois a coisa foi melhorando e eles começaram
a vir, eles que eu digo, é mais o Alexandre com a mulher e a Heloisa.
R: É, mais os que a gente perdeu o contato foi porque aqui fica longe, e é difícil para eles virem para ,
agora imagina você que ficou a mais de 3000km de distância, quem você vai conservar de amizade da
Bahia? Essa distância fala mais alto, não tem jeito, a gente que acaba tendo mais que ir ver o pessoal, a
não ser a Heloísa, o Alexandre... que vem, o resto é a gente que tem que ir ver.
V: Mas a gente também faz questão de quando vamos para lá, de ficar com eles, por isso que procuramos ir
mais para nas férias, para dar mais tempo, porque se o tempo é curto, você tem que dar mais assistência
para a família e não vai ter tempo para os amigos, outra coisa é que eles também tem a vida deles lá, e nem
sempre podem ficar disponíveis, então é bom ir com tempo para poder matar a saudades de todo mundo.
E: E com a família como é que vocês cuidam disso?
V: Ah... com a família a mãe do R é mais difícil vir por causa da idade. Ela vem geralmente no Natal, e
minha família a mesma coisa.
R: A minha mãe tem uma série de problemas de saúde, então fica difícil ela vir, meu irmão é mais desligado,
então não vem, e a família da V. ... fica difícil pelo lado financeiro, saí muito caro para eles virem sempre
aqui, mas quando a gente ajuda na viagem e a mãe dela vem, mas todas as férias de fim de ano, nós
vamos, repartimos entre os dois lugares.
E: E com eles, como se mantém o contato?
R: Nas férias e por telefone, com eles é por telefone, a gente fica mais preocupado é com a saúde das
mães, que estão ficando velhas e sem saúde, mas o fato de eu ter um irmão lá, traz um pouco de
conforto, mas a nossa preocupação mesmo é com a saúde delas e da gente estar longe e o poder ajudar
muito.
131
V: No meu caso, minha mãe não quer vir pra cá. Ela não quer vir... então eu não sofro muito por causa
disso. Já fiz a proposta e ela não quer. Ela não se adapta aqui, ela está melhor lá. Eu não acho que ela está
melhor lá, ela diz que está... porque longe da família, mora sozinha porque meu irmão não mora lá com ela,
meu irmão vive em São Paulo... então eu acho que ela não está bem sem a família. Vem pra cá chora...
chora uns 10dias antes de voltar, e quando chega chora um mês, mas ela diz que está bem, não quer vir,
então eu não posso sofrer mais ainda por causa disso.
R: Bom, comigo eu tenho um irmão que tem toda a vida lá... então meu irmão ainda mora com minha mãe...
então ela diz que o pode se mudar, mas preocupado... nossa... ela diz que ainda tem que cuidar dele, um
baita de um marmanjo, mas mãe, já viu.
E: Mas o fato do seu irmão estar lá não te tranqüiliza?
R: Sim, muito. Mas mesmo assim, ela fez uma cirurgia e a gente foi pra lá, quando minha avó foi internada
também. A gente mantém contato toda semana, toda semana a gente está se falando, então essa
preocupação maior só se reflete quando ocorre uma emergência. Essa preocupação maior, né?
V: Mas também tem um outro lado que eu vou falar, que pode ser aegoísmo, mas se elas estivessem aqui
elas iriam interferir muito na nossa vida.
R: É! Aquele negócio... eu me dou muito bem com a minha sogra porque ela está bem longe...(risos)
V: Pode ser brincadeira de sogra ou não, a realidade é essa. Se elas estivessem aqui, elas iriam interferir
R: É verdade, mas a gente se acostuma...
E: E do trabalho, quem eram as pessoas que vocês tinham relações de trabalho?
V: Comigo são as mesmas que eu te falei. A Cláudia e a Beth. A Heloisa também eu conheci por causa do
trabalho.
E: Mas elas viraram amigas?
V: É, a Heloisa virou madrinha também.
E: Então elas passaram do trabalho...
V: É. No trabalho era um relacionamento mais superficial, não era... fora que a gente ficava mais junto.
Eu considero como fora do trabalho, porque ficamos muito amigas. Agora do trabalho, eu colocaria, a
D. Zefa, que era servente lá, muito legal, meu chefe, o João, e duas colegas que ficaram amigas de
serviço mesmo, mas lá dentro a gente se dava muito bem, a Ana e a Eliana.
R: Eu era muito querido no trabalho, eu tive bastante contato com o Francisco, que me deu muitas
oportunidades dentro do trabalho... ele foi muito importante pra mim. Acho que colocaria ele bem
perto.Agora o resto eu colocaria no meio, acho que são uns oito, pode por aí 8 amigos, para resumir um
pouco.
V: Acho que isso é mais porque ele já esqueceu o nome de todos...(risos)
R: Não é não quer ver: tem o Fernando, dois Marcos, o Rafael, o Daniel, o Carlão, o Alexandre e o Sergião.
Agora com esses, eu perdi totalmente o contato, a gente não se viu mais, nem se falou mais, então nem sei o
que é da vida deles
E: E na comunidade, você tinha algum vínculo com médico, dentista, você tinha sua manicure... sei lá...
gente da comunidade, o padeiro, o açougueiro...
V: Não, não, não... aí é mais difícil. Aqui é mais fácil de fazer esse vínculo, conversar, conhecer seu
médico... esse contato todo no Rio não tem. Nem com a própria comunidade não tem. Na vídeo locadora
que a gente pegava, não tinha... realmente aqui a gente fala, já conhece. Lá não, lá é difícil, a gente fica no
anonimato. Aqui o, aqui você tem esse contato... por exemplo, na farmácia todo mundo conhece a
gente, pergunta se eu estou me sentindo bem, das crianças... é claro que não existe aquele relacionamento
profundo, aquela amizade profunda, mas em compensação é... isso existe mais... e isso é bom, é bem
gostoso.
132
E: Tá. Então vamos colocar quem faz parte hoje. Hoje... da rede de vocês. Então de família, no meio, quem
faz parte hoje?
R: Aí já tem as filhas, nossos dois tesouros essas são bem pertinho, e o resto as mesmas pessoas, né?
V: As mesmas pessoas... que agora tem um namorado da minha irmã que se aproximou muito. Essa
minha irmã veio morar aqui e o namorado dela se aproximou muito... então ele está sempre presente e
ajuda a gente também.
R: Nossa, eu esqueci de colocar a minha avó, que morava com a gente, ela faleceu, mas fazia parte da
minha vida e muito, era mãe da minha mãe, põe ela bem pertinho na anterior.
E: Pode deixar...aqui?
R: Isso.
E: Bom voltando à sua irmã,porque ela está morando aqui?
V: Ela veio estudar aqui.
E: E faz quanto tempo?
V: Já faz uns 7anos, ela veio fazer faculdade aqui com a gente.
E: Mas você que convidou ou...
V: Eu que convidei, s pagamos a faculdade dela, tudo e ela conseguiu um emprego, né? Só que
agora ela passou no concurso daqui e enquanto ela não é chamada ela olha a Clarinha pra mim. É como se
ela tivesse retribuindo porque no começo ela ficou muito insegura de vir, ficou pensando que estava
atrapalhando nossas vidas, né?
E: E porque vocês pensaram em trazer ela?
R: Para ajudar ela e ela ajudar a V., se ela ficasse na Bahia, ia ter poucas oportunidades, então a gente
pensou, se ela vier pode progredir também, e como a V. se sentia muito sòzinha, era uma maneira de ter
alguém da família por perto.
E: E o fato de ela ser sua irmã... de estar aqui, o que traz...
V: Tranqüilidade. Ter alguém da família junto da gente é muito bom, você sabe que pode contar com
alguém. A Amanda também se apegou muito à ela, e as duas se amam. Foi ótimo ela estar aqui.
E: E esse namorado dela, entrou na família?
V: Entrou na família, ele ajuda muito também... tem uma troca, né? Muito boa, pra gente, ele é da família.
E: E essas primas continuam aqui?
V: Não, eu perdi o contato com elas... Elas foram morar em Santa Catarina e eu perdi o contato.
E: O que aconteceu para perder o contato?
V: Não telefonei mais, elas também não, a coisa vai esmorecendo, se você não se falar e não se ver de vez
em quando, a coisa murcha.
E: E amigos, quem vocês colocam aqui perto?
V: Hoje... o Alexandre e a Heloisa. Tem a esposa do Alexandre, a Lúcia. E do trabalho, então realmente
como a gente falou, nosso trabalho é um grande obstáculo para fazer amizades, até no próprio trabalho
mesmo é muito confuso... então, agora que nós temos dois colegas no trabalho, mas a gente evita uma
profundidade maior por causa dos conflitos que tem lá no trabalho.
E: O pessoal do trabalho não é de ir em casa...
133
V: Não!
E: Vocês não encontram fora?
V: Não! A gente teve esse contato mas deu errado... não quer dizer que errado agora com outras
pessoas, só que a gente ficou com muito receio. Aí porque acabou dando errado... atrapalhou nosso
trabalho, entendeu? Então a gente prefere não misturar, infelizmente... existe muito conflito no nosso
trabalho. A gente também não convida para ir em casa para não misturar as coisas, alguns que
conhecemos a mais tempo.
R: Isso complica muito, porque nós não conhecemos pessoas em separado, a gente vive o mesmo grupo,
então é sempre a mesma coisa, se você vai sair é sempre o mesmo papo...isso é muito ruim, não se renova,
fica sempre igual.
E: E voces aqui, trabalham no mesmo departamento...
V: Na mesma sala.
E: Na mesma sala... mas tem pessoas que você considera como colegas de trabalho?
V: Tem, tem, tem colegas que eu gosto bastante... Augusto, Bruno, Tel, Fernanda e Denise.
E: Mas onde você colocaria eles?
V: No meio... eles freqüentam em casa, vão, fazem visita, até bem informais. Eu gosto bastante deles...
aquilo que eu gosto, uma coisa bem informal, aquela amizade informal, aquela amizade gostosa... eles são
assim. Pensando bem até que a gente fez amigos no serviço de ir lá em casa, eu não sei dizer porque a gente
fica com a sensação de que não são tão amigos, parece que o lugar daqueles que faziam parte da nossa vida
não pode ser ocupado, mas tem esses sim.
E: E você R.? Quem colocaria como amigos do serviço?
R: O mesmo que ela falou, é tudo junto. Acho que a gente até poderia colocar mais longe duas pessoas, que
são do serviço, mas na verdade agente nem se conhece pessoalmente, porque eles ficam em B.H., mas a
gente se fala por telefone todos os dias, faz mais de 5 anos, porque o trabalho requer, e acabou que
acabamos amigos, porque conversamos de outras coisas, é o Hélio e o Pedro, acho que eu colocaria mais
longe, aí...
V: Para mim pode colocar esses dois também, mais a Marta que é a mesma situação.
E: Agora da comunidade tem até a moça da farmácia...
V: Tem a moça da farmácia, da locadora, do restaurante. Uma vez a cozinheira foi em casa cozinhar
para mim... e a gente fez amizade porque ela é baiana, e ela adora as meninas... Eu adoro ela! Eu adoro
ela! Na verdade conheci muita gente boa com o tempo, e vivendo a cidade, mas é diferente. Agora tem gente
muito legal, que a gente gosta muito e sabemos que eles também gostam muito da gente.
E: Quem são?
V: Tem o dentista... o médico, o médico pediatra, ah e tem a moça da loja de roupa... acho que só.
E: E eles ficariam onde?
V: O dentista, o médico, o pediatra, a cozinheira e a Joana, que é da loja, ficariam bem pertinho, porque
hoje quando a gente vai na consulta, é pra mais de uma hora, a gente conversa de tudo, a gente realmente
criou uma intimidade com eles, não de ir em casa, mas de conversar muito, e tudo que a gente precisa a
gente liga pra uma dessas pessoas, elas socorrem a gente cada uma na sua área, e às vezes até fora dela,
sabe porque eu digo isso, é porque por exemplo, a gente estava construindo uma casa agora a pouco e o
nosso médico também, então quando a gente fazia cotação de preço de alguma coisa que interessava a ele,
a gente passava para ele e ele também fazia isso com a gente, às vezes dava alguma dica e ajudava mesmo,
então esses laços foram ficando mais próximos. Já os outros eu colocaria aqui no meio, que você acha R.?
R: É isso mesmo...
134
E: E com a Amanda, através da Amanda, que influência ela teve na construção da rede de vocês ?
V: Aumentou um pouco. Nós conhecemos os pais e até fizemos amizades... tem o Amilcar, a Andréia.
R: Mas eles também são de fora. É interessante isso, na escola você isso, tem a panela dos pais que
viveram na cidade, acho que foram colegas na adolescência, cresceram juntos, então nessa panela ninguém
entra, e a outra panela é do pessoal que foi chegando aqui por causa de serviço, então está todo mundo no
mesmo barco e isso acaba aproximando o outro grupo.
E: E entra onde?
R: Acho que aqui entra o Amilcar, a Andréia, a Nelma e o Gilmar.
E: Eles são pais de coleguinhas da Amanda?
R e V: Isso!
R: Nós conhecemos através da escola.
V: Aí nós fizemos um contato grande com os pais. Mas aí deu errado também.
E: E como está agora esses contatos?
R: Mais superficial, mais por conta das crianças, se precisar eu pego, levo entrego, eles também fazem isso,
mas fica mais para atender as necessidades dos filhos. Mas é isso...de amigos mesmo ficaram poucos.
E: Acho que está bem, mas enquanto a gente conversava, me ficaram algumas questões que gostaria de
perguntar, tal como, quando vocês falaram que quando vieram ficaram muito sòzinhos aqui, isso impactou
de que maneira em vocês?
V: A gente se uniu mais...
R: Hoje, por falta dessa estrutura familiar, essa estrutura maior, nós ficamos só nós, nós dois como casal, a
nossa parte de família... os dois, a gente teve que abdicar disso, de ter a família maior perto da gente, e
acaba que a gente fica mais isolado.
V: E agora com a Clara, a gente nem consegue fazer refeição juntos... faz 8 meses que a gente não senta pra
fazer refeição juntos. Porque o tem com quem contar, sabe aquela avó que todo mundo sonha, não tem
não...
R: Mas com todo prazer, porque compensa, né?
E: E agora, e quando vocês realmente precisam de uma ajuda, quem apóia?
V: Ninguém, a não ser minha irmã. Quando minha irmã não estava aqui, ninguém, né? Teve uma vez que o
R. ficou internado pra operar, ele ficou no hospital, eu fiquei com ele, e a Amanda ficou na creche. Aí, de
noite, uma esposa de um colega de trabalho, do Augusto, se ofereceu pra ficar com ela. Foi a única que se
ofereceu, e a gente não é de pedir.
E: Bom... então nessa hora...
V: Nessa hora sempre surge alguém que uma força. Quando eu tive a Clara agora, precisava levar a
Amanda no médico fazer uma ressonância no braço, uma colega levou. Eu tive ajuda de uma mãe que
pegava a Amanda na escola, levava, levava no inglês, pegava, mas a gente não quer... É diferente, se você
tem um respaldo familiar você pode sair com mais freqüência, porque é uma coisa mais natural. Por
exemplo, a Amanda às vezes quer ir no cinema, se tivesse uma avó, ela levaria com maior prazer, mas como
não dá pra gente levar, ela não vai.
E: Essas pessoas que te ajudaram...entrariam no mapa?
M: pus lá, não pus? É o Augusto e a esposa dele, que ela não é do trabalho, foi através dele, mas ela
não trabalha lá.
E: Qual o nome dela?
135
V: Sílvia.
E: E entraria onde?
V: Acho que aqui, em amigos, mas no meio.
E: Bom acho que está bem, vocês gostariam de acrescentar alguma coisa mais?
V: Nossa, acho que é tanta coisa, mexe com tanta coisa que eu nem lembrava muito, acho que depois pode
ser que eu lembre, se eu lembrar te ligo, pode?
E: Pode sim.E você?
R: Acho que não.
E: Então gostaria de agradecer, e lembrar que se ficar alguma coisa que gostaria de pesquisar melhor, volto a
contatar vocês, certo? Por enquanto muito obrigada mesmo.
136
Mapa anterior
FAMÍLIA
TRABALHO
COMUNIDADE AMIGOS
Legenda:
Rede dela - rosa
Rede dele - azul
Rede do casal - verde
Alexandre, Heloísa
Lúcia,Isa, Claudia,
Odete, Fátima,
Beth
Maurício, William
Tecão, Davi,
Marcão
Mãe, irmão, avó
Mãe, irmão, irmã
Duas primas
Francisco
D.Zefa,chefe,
João,Ana
e Eliana
Fernando,
2 Marcos,
Rafael, Daniel,
Carlão,
Alexandre,
Sergião
137
Rede atual
FAMÍLIA
TRABALHO
COMUNIDADE AMIGOS
Legenda:
Rede dela - rosa
Rede dele – azul
Rede do casal - verde
Filhas
Mãe, irmão
Irmã ,
namorado da irmã
Alexandre ,
Heloisa e Lucia
Amilcar,
Andreia,
Nelma,
Gilmar e
Sílvia
Augusto, Bruno,
Tel, Fernanda ,Denise
Augusto, Bruno, Tel,
Fernanda ,Denise
Hélio, Pedro e Marta
Dentista, médico,
pediatra, cozinheira,
Joana
Moça d
a
farmácia e
da locadora
138
GENOGRAMA DA FAMÍLIA III
BREVE RELATO DA FAMÍLIA III
Esta família é composta por Marco (38 anos),pai, que ocupa o cargo de gerência
de uma empresa multinacional na cidade atual de moradia deles, pela mãe, que se chama
Paula (35 anos) e que atualmente não exerce sua profissão, que é de professora de teatro, e
é estudante de Pedagogia.
Eles tem 4 filhos, sendo que a primeira, a Laura (11 anos), é filha da Paula com
seu primeiro marido, pois ela tinha um casamento anterior. Os outros 3 são: Pedro(8
anos); Lucas(7 anos) e Daniela(6 anos).
Em mais ou menos 10 anos de relacionamento, esse casal passou por 3 histórias
de mudança de cidade para residirem, em função da mudança de emprego do marido.
A primeira mudança foi para o norte do país, onde ficaram 1 ano e 3 meses,
depois retornaram à cidade de origem, em função da abertura de um comércio e lá
permaneceram por 3 anos. Como esse empreendimento não teve muito sucesso, por
M
38
P
35
L
11
38
L
7
P
8
D
6
139
problemas pessoais, M. voltou a procurar emprego,e através de um amigo que tinha sido
seu colega de trabalho lá no Norte e que agora também trabalha na cidade atual da família,
M. consegue uma boa colocação e a família volta a se mudar. Estão nesta cidade mais
ou menos 4 anos.
È importante observar que as famílias de origem deste casal, também trazem em
sua bagagem, histórias de mudanças de cidades em função de mudança de emprego.
Atualmente esta família reside mais ou menos 500 km de distância de suas
famílias de origem.
ENTREVISTA COM O CASAL PAULA E MARCO
E= Entrevistadora P=Paula
M= Marco
Após realizado o rapport, a entrevista seguiu-se da seguinte maneira:
E: Bom, gostaria que vocês me contassem um pouco da história de vocês, relacionado à mudança de cidade,
dessa trajetória . O por que da mudança?
M:Tudo isso por conta de emprego, eu vim parar aqui por conta do meu trabalho.
E: E quanto tempo faz que vocês estão aqui?
P: De 4 para 5 anos.
M: Meu Deus! Já faz tudo isso?
P: É ,bem, está pensando, o tempo passa.
E : E como tem sido a vida aqui para vocês?
P : Agoraestá bem melhor, mas adaptar toda nossa creche, não foi fácil, nós temos 4 filhos. A Luiza com
12 anos, a Paula de 8 ,a Lívia de 7 e o Daniel de 6.Então com essa escadinha nem dava tempo, eles vieram
muito novinhos para cá, acho que eu podia estar onde estivesse que não teria tempo para muita coisa
não,era mãe 24 horas por dia,não tinha muito tempo para amigos não. Agora estou até me atrevendo a
fazer uma faculdade, em fevereiro começo a fazer Pedagogia, e isso vai me ajudar muito, se não for no
profissional, pelo menos em casa vou ter uma boa clientela. Mas vai me ajudar a pelo menos falar com
adultos, em alguma hora do dia, porque senão é criança, além do que vou começar a conhecer gente e a
fazer novas amizades...
E: Então, já que você falou em amizades, vamos começar nossa conversa fazendo um Mapa da Rede Social
de vocês, para facilitar a visualização e me ajudar a entender melhor, porque pelo jeito essa família é bem
grande. Nós vamos construir dois mapas, um da rede anterior à vinda de vocês pra Poços e o outro mapa
contendo a rede atual de vocês. Nós temos aqui um círculo dividido em quatro quadrantes que vocês vão
incluir as pessoas que fizeram e depois as pessoas que fazem parte da vida de vocês dentro de um contexto
de família, trabalho, amigos e comunidade. Cada quadrante é dividido em três partes: os que ficam mais
próximos do centro são as pessoas mais próximas de vocês; no meio são as pessoas que vocês têm contato
mas não são tão íntimas; e os da borda são os relacionamentos mais ocasionais, certo? Vamos começar. Aqui
140
vale todas as pessoas que fizeram parte da vida de vocês antes de vocês virem pra Poços. Se a gente pensar
em família, quais as pessoas que fizeram parte da vida de vocês?
M: Essa é fácil: Pai, mãe,e a princípio eu tinha deixado a Glória, que era uma pessoa que trabalhava lá em
casa e ajudou a me criar, mas desde quando eu fui pra uma outra cidade , ela saiu em pedaços (risos)...
depois que eu saí , ela saiu de casa. Ela me ligava toda semana, pra saber se tava tudo bem e sem ser a
cobrar e eu em Belo Horizonte, quando eu mudei pro Norte a mesma coisa. E quando eu voltei pra
minha cidade de origem, ela ia todo dia na loja, até ela tava trabalhando em outra casa, aí quando
eu cheguei pra ela e falei “Glória, vo quer trabalhar em casa? Tudo, eu posso pagar isso. Minha
casa... minha família mudou, eu tenho filhos, esposa. Porque ela teve muito contato com minha namorada
antiga, então a coisa tava meio assim... ah, foi eu falar e no dia seguinte ela tinha pedido demissão e
(risos) trabalhando até hoje. E agora ela aqui, é o braço direito em casa... então ela criando meus
filhos , ela tem muito carinho com eles... tem hora que eu chamo atenção de alguém lá e ela me xinga: “não,
não pode fazer isso!”
E: Mas na época você teve que deixá-la? Como foi?
M: É que assim, ela é empregada, mas a gente nem trata ela como empregada. Foi ela quem me criou, ela
trabalhava com meus pais muitos anos, e quando eu fui pra Belo Horizonte trabalhar, porque até então
minha família morava em outra cidade...
D: Esse tem história de mudança que não acaba mais... (risos)
M: É verdade,desde que eu me lembre, assim... meu pai é representante comercial, então ele era uma pessoa
que viajava muito, e eu ficava em casa, com os irmãos e com minha e, então meu pai era assim, vai e
volta, quando sexta-feira chegava a gente ficava feliz, porque tinha presentes e tal, e hoje em dia eu me vejo
fazendo isso também...como viajo muito, quando volto trago presentes para as crianças, ou a Paula compra
e deixa guardado para eu entregar, então ... eu nasci em B.H. e logo quando eu tinha dois anos de idade
meu pai e minha e mudaram pra outra cidade , e eles deixaram as famílias em B.H., evidente foram
morar em outra cidade sem parentes... sem primos, sem avós, sem tios, sem nada... então, meio que a gente
foi construindo uma coisa ali que era a gente só... e fomos fazendo amigos .Que eu tenho lembranças, mais
era da minha mãe ... meio que com depressão ... não assim tão forte..., porque ela ficava sozinha ali com os
filhos, não conhecia ninguém ... disso eu tenho até lembrança, e agora penso, o que fez ela sair disso ...
talvez as amizades que ela criou de pessoas no prédio que a gente morava, também foi desenvolver algum
tipo de trabalho , de fazer coisas, minha mãe sempre gostou de fazer pão , ela era muito habilidosa com as
coisas que ela fazia... fazia pijaminha pra gente, costurava ... essas coisas assim... mas por prazer e não
trabalhando em empresa. Bom , então pegando esse gancho, passando um pouco, eu me formei, e depois
que eu me formei, a cidade, para o que eu queria ,não apresentava muita perspectiva de trabalho, e eu
acabei conseguindo uma oportunidade logo depois que eu formei.Fui pra Belo Horizonte, logo no início
morei com uma tia, porque ainda não dava para eu pagar aluguel, mas assim que eu pude , acho que depois
de um ano que eu tava , eu fui morar sozinho de fato mesmo... aluguei um apartamento, comprei as
coisas e tal e fui morar sozinho. Eu mesmo não senti tanto assim de estar saindo porque pra mim tudo era
uma aventura, eu tava conquistando coisas e tal.Eu lembro que na minha casa muita gente ficou triste.
E: Que pessoas que ficaram triste?
M: Duas sentiram muito ... nossa!!! Três .Meu pai sentiu muito, minha mãe também.E ... eu fiquei uns
quatro em Belo Horizonte,de quatro a cinco anos e ... pra encurtar um pouco esse pedacinho foi... eu tive
uma história desde novinho com a Paula que assim ... um meio que paquerava o outro na nossa cidade de
origem, mas nunca tinha acontecido nada. A gente nunca se encontrava assim... ou ela tava namorando ou
eu ... e tal. E um belo dia aconteceu de a gente (risos) .. um belo dia eu fui pra nossa cidade e sempre
assim, quando eu saía ela tava com namorado e eu tava lá sozinho ou vice e versa ela tava sozinha e eu tava
com namorada... nunca encontrava .Um belo dia ela saiu e eu encontrei ela ... ela já não estava mais com o
pai da Luiza, que é minha enteada, porque a Paula tinha casado com outra pessoa nesse intervalo... e a
gente acabou se encontrando em um bar eu tocando minha vida e ela tocando a vida dela.E nesse dia a
gente ficou conversando, finalmente ela sozinha e eu sozinho.Pronto. nesse dia a gente ficou junto... pra
nunca mais separar mesmo.Aí eu contei isso porque eu morava em Belo Horizonte sozinho e quando eu
comecei a namorar a Paula, ela morava na nossa cidade,ela tinha a vida dela, trabalhando, tinha a filha
dela... ela morava sozinha num apartamento e começou a dar vontade muito grande de a gente ficar junto e
coisa. que se ela fosse para Belo Horizonte, a condição de vida que eu tinha, ia dar uma caída, porque ,
tipo assim... era mais despesas, essas coisas.E eu voltar para nossa cidade, também não tinha nada pra
fazer lá,né? E aí eu comecei a procurar emprego, eu tava muito bem onde eu tava, tava bem colocado, tinha
uma vida legal... morava em um apartamento legal... então pra mim tava muito bom, mas ,tinha carro legal..
então pra mim tava muito bom, mas não daria pra gente, eu comecei a procurar... achei um anuncio no
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jornal que falava de um lugar que dava casa... escola para filhos... estas coisas todas, ? que era no
Norte, né! E nesse meio tempo aconteceu uma coisa assim a menstruação dela começou a atrasar e aí foi
meio que acontecendo e eu falei: “ eu achei um anúncio em tal lugar que fala isso, isso e isso.Só que é lá no
Norte.Eu vou mandar meu currículo, você topa ir comigo? E ela “topo”, então : “então eu vou mandar ,
hein...” e ela :”Pode mandar que eu topo” “Então tá bom”, então mandei.E nesse meio tempo esse negócio
de menstruação atrasada...Entraram em contato comigo e eu comecei a fazer aqueles testes de seleção e eu
fiquei um mês fazendo esses testes de seleção.Nesse mês ela acabou fazendo um exame, a gente foi passear
em outra cidade, a mãe dela foi também e eu falei assim... ela pegou o exame e eu falei assim: “não abre
não, vamos abrir lá no passeio,pra ver o que tem aí,né?vamos abrir juntos”, mas já meio certo, ela
enjoando, vomitava... aí chegou na hora de abrir assim e eu falei assim: “Vamos fazer uma coisa, antes
de abrir isso aí, pra não ficar parecendo que foi por causa disso, vamos casar? Vamos casar?”Antes de
abrir “Quero” então tá” ela abriu e não tava grávida(risos).Que bom que não tava porque eu tinha
acabado um relacionamento de muito tempo e teve meio assim... resistência... Com homem nessa hora é o
pior cafajeste.”nossa... voacabou com a vida da menina ...” que eu acho que eu ia fazer ela muito
infeliz se eu casasse com ela, então ... não tava, e nesse meio tempo que isso aconteceu eu fazendo esses
testes, essas provas de seleção acabou acontecendo que a vaga foi minha e o que aconteceu , em julho
tinha que ir, era um lugar que não era uma cidade, era um projeto no meio da Amazônia, era um projeto...
você chega de avião ou de barco, fui, fiquei um mês e voltei pra casa, tinha vila, casa essas
coisas era muito legal , só tive lembranças boas lá.Aí voltei pra casar, voltei sozinho de novo. A Paula ainda
ficou pra terminar o ano letivo , ela ainda tinha aula e depois que ela foi essa foi a primeira
mudança assim com ela, casando a gente foi.
P:Ele já contou a história toda sòzinho, mas bem que eu te falei que ele já tinha muita história de
mudanças. Agora você percebeu, ele foi um pouco antes, mas nós dois praticamente chegamos juntos,
porque os amigos de serviço eram novos para ele também. Então isso fez a gente ficar mais juntos ainda.
Além do que estávamos em plena lua de mel.
E:É verdade. Bem interessante, mas voltando ao mapa ,que outras pessoas importantes da família você
colocaria aqui? Além dos seus pais e a Maria da Glória, teve mais alguém da família que era muito próximo
de você?
M: Tinha meus irmãos também.
E: Quantos irmãos?
M: São três irmãos.
E: E você P, que pessoas você colocaria no centrinho?
P: Minha mãe, meu pai, minha irmã, meu avô e minha madrinha.
E: E aqui um pouco mais distante?
P: Minhas primas: Cristina, Camila, Mariana e Taís, são quatro.
E: Mais alguém?
P: Acho que eu colocaria meus tios também. E acho que na parte de fora eu colocaria os primos mais
distantes, que já não tenho... que quando encontra é aquela conversa: “E aí? Como tá?”
E: E qual é o nome dos seus primos?
P: Thiago, o Edu, o Jorginho e o Ricardo, são quatro primos...deixa eu pensar aqui...eu não posso deixa-las
ali, elas são meu dengo, meu chamego, elas ficam aqui também. E se minha avó souber que eu coloquei meu
avô e não coloquei ela, ela me deserda, ela para de rezar pra mim à noite.
E: E pra você M, não tão próximo de você, que estaria em uma outra faixa, tem alguém importante que fazia
parte da família?
M: Não...pelo fato de meus pais se mudarem de Belo Horizonte para outra cidade quando eu tinha 2anos,
minha família sempre foi muito restrita...não que eu não tenha...eu tenho minha avó, minhas tias...mas é
mais distante. Eu tenho uma tia de Belo Horizonte que quando eu terminei a faculdade eu consegui
coincidentemente um trabalho em Belo Horizonte, e aí ela me abrigou na casa dela durante um tempo até eu
ter condições de me bancar sozinho.
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E: Elas você colocaria onde, aqui mais perto ou aqui?
M: Aqui.
E: Agora deixa eu explicar uma coisa, quando eu falar amigos, a gente tem aqui um quadrante que é do
trabalho e um quadrante que é só de amigos...se vocês pensarem em um amigo que vocês fizeram a partir do
trabalho ou relacionado com o trabalho, a gente coloca no próximo quadrante. Agora eu quero saber os
amigos que não tem nenhuma relação com o trabalho. Então, vocês deixaram muitos amigos por aí?
P: Hoje em dia é só a Luciana.
E: Pensa antes de Poços.
P: A Luciana, a Andréia, também a Nilza, a Karla e a Juniele...Deixa eu ver, acho que eu passaria a
Andréia para cá, porque nesta época a gente não tava mais assim contando tudo uma pra outra, porque
assim...logo que nós nos casamos, nós mudamos para o Norte e ficamos um tempo. que aí, a saudade
começou a apertar e surgiu uma proposta do meu avô para trabalhar na nossa cidade de origem. Para nós
abrirmos uma loja em sociedade com minha mãe. Para resumir um pouco a história, algumas amizades
deram uma esfriada depois desse tempo no Projeto do Norte.
E: Você acha que isso aconteceu porque?
P: Acho que quando a gente saí, na volta já não encontra as coisas do jeito que deixou. Elas também foram
viver outras coisas que eu não fiz mais parte, então se você não tem um contato direto, você já não faz parte
da história. Conservar amizades é difícil, o que sinto é que você até mantém, mas é de outra maneira, você
já não está vivendo ali do lado, compartilhando as coisas no aqui e agora, sei lá... a falta de contato esfria.
E: E como foi deixar as amigas?
P: Acho que no começo é difícil, mas numa tabela de 0 a 10, eu daria 5 para a dor de deixar os amigos e 10
para dor de deixar a família. É bem diferente.
E: E você M?
M: Acho que a visão de homem e mulher pra amizade é muito diferente, porque quando você fala de amigo
mesmo, o primeiro que me vem na cabeça, é um amigo de infância mesmo. A gente cresceu junto e até a
faculdade a gente foi junto, não fazia o mesmo curso mas a gente tava ali junto...e depois que casou
separou, mas a gente nunca perdeu o contato. Acho que a amizade do homem é mais duradoura.
E: E qual o nome dele?
M: Tonho. Esse é amigão! Eu tive outros amigos desse ciclo de fora. Tinha um que chama Eurico, outro que
chama Valmir. O Valmir eu conheci a partir da minha enteada e s nos tornamos grandes amigos! O
Eurico não, o Eurico foi na minha cidade...eu posso dizer que em Belo Horizonte alguns amigos eu deixei, o
Silvio...mas aí já era do trabalho porque eu fiquei amigo dele por causa do trabalho.
E: Então é aqui?
M: É! E em Belo Horizonte fora do trabalho eu não fiz amigos.
E: E no Norte, você fez amigos?
M: Sim, nós fizemos muitos amigos, só que nós conhecemos todos por causa do trabalho...
P: Também lá nem tinha como não ser, né?
M: Pois é. É que no Norte, era um projeto que as pessoas só vão para lá se for para trabalhar nesse projeto,
então todas as pessoas que estavam lá tinham esse vínculo do trabalho.
E: E você conheceu pessoas, que não através do Marco?
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P: Não consigo apontar uma pessoa que eu tenha introduzido na nossa relação. Foi pouco tempo, aí o que é
que eu fiz, uma professora pediu que eu fizesse uma peça de teatro com os meninos, então eu acabei me
envolvendo e relacionando com crianças ou com adolescentes.
E: E para quem você ligava quando tinha vontade de conversar?
P: Com certeza para minha cidade, ainda mais que a gente não pagava telefone. Eu acho que foi uma
coisa meio atípica, porque pra você morar no Norte você tem que ter uma meta...vamos ficar assim no
máximo 5 anos, então era a meta da gente ficar 5 anos, mas como existia a oportunidade e ele já não estava
assim..satisfeito...acho que como a gente ficava pensando em voltar, fomos com esse pensamento então,
não ficamos preocupados em fazer amigos, e também estávamos em lua de mel, a gente queria mais era
ficar nós dois mesmos.
M: Com certeza, que para mim sobrecarregava, porque ela não tinha muito com quem se relacionar o
dia inteiro, e às vezes eu não dava conta da carência dela.
E: E quando você voltou para sua cidade, apesar de ter sido pouco tempo que ficou fora, como encontrou as
pessoas que deixou para trás?
P: Familiares sempre estão , de braços abertos, do mesmo jeito. Sempre acho uma coisa fortíssima, muito
forte e...agora de amizade... tenho 3 amigas que não muda nunca...e os outros assim, que eu considerava
muito que conversava muito, que você percebe assim...que não faziam mais parte, porque também mudou
muita coisa na minha vida, na vida deles... eu casei e fui embora, porque enquanto eu era solteira...eu acho
que existia uma rede muito maior e meu marido é muito ciumento, você não quer então eu não faço, então
acho que isto contribuiu muito pras relações ficarem restritas...assim de amizades, os amigos homens que
trabalharam comigo...assim,se bem que ele não fazia muita diferença porque a maioria era homossexual e
não ameaçava muito, então assim, os amigos homens o eram muitos, então restringia às mulheres. Eu
acho basicamente que estas pessoas continuaram muito chegadas, muito amigas, uma delas meu marido
fala que não, ela não é sua amiga é puro interesse, ela não é sua amiga.
M: E não é mesmo, eu acho.
E: Então vamos falar dos amigos que fizeram parte a partir do trabalho, quem entra ?
M: Eu vou falar do meu primeiro chefe que até hoje eu falo com ele que chama José Carlos , mas a gente
chama ele de Zé. Um cara que se chama Juliano...o Silvio. Ah, tem um amigo que eu fiz em Belo Horizonte
que se chama Júnior.
E: Ele era do trabalho ou não?
M: A relação era a seguinte: ele era um fornecedor...e aí faz visitas...essas coisas.
E: Então foi através do trabalho, e você colocaria ele aqui ou aqui?
M: Pode ser mais distante. E do Norte tem aqueles que acabaram vindo para cá, principalmente o
Fabiano Moreira e o Paulo César.
E: E eles são onde, aqui no mapa?
M: Esses são aqui, agora estão aqui, mas já eram de lá também. Eles antes eram aqui...eu colocaria os dois
nessa parte. É...de antes, pra falar de amigo íntimo eu só colocaria o Tonho como amigo mesmo.
E: E para você P, quem entra do trabalho?
P: O Toninho, o Toninho foi um grande amigo, mas era uma pessoa que eu o conseguia encontrar muito
além do trabalho...era uma pessoa que eu não conseguia me abrir. Nesse espaçinho aqui eu colocaria o
Carlinhos, e neste aqui eu colocaria o Vilela e a Vaina. Depois, quando nós voltamos pra nossa cidade, nós
abrimos uma loja, mas os funcionários da loja acho que eu não tinha ninguém com quem eu tivesse...que
fizesse parte da minha vida. Mentira! Tinha sim, mas o sei se posso colocar aqui. É o Mazinho. Ele
trabalhava na loja. Nossa...meu menino era enlouquecido de paixão por ele, e ele morava no mesmo sítio
que nós, né? que em outra casa. Então, ele ia pra casa com a gente...ele era...acabava sendo um amigo
pra gente. Agora eu não sei se ele entra no trabalho...é uma mistura...igual a Nilza, mas eu acho que ele
podia ficar aqui porque a gente era amigo mesmo depois que ele não trabalhava mais na loja. Acho que é só
pelo o que eu me lembro.
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E: E como estão essas relações hoje?
P: Distante
E: Por que?
P: A distância de lugar, a falta de contato, não tem jeito...
M: Acho que é um conjunto de coisas. Quando você está inserido nos mesmos interesses da turma, os laços
se estreitam, principalmente quando se é jovem, tudo é festa, todo mundo é amigo, depois a coisa muda.
Acho que estar distante, não ter uma convivência mais próxima também distancia as pessoas. Você tem que
cuidar, ligar de vez em quando, mas como já disse, acho que mulher tem mais essa necessidade. Sei lá...
E: Você cuida?
M: Deveria cuidar mais.
E: Agora então vamos passar para comunidade, seja dentista, médico, cabeleireiro, padeiro, jornaleiro ou
qualquer pessoa da comunidade que vocês tiveram algum vínculo.
P: Posso falar primeiro, amor? Bom, tem uma amiga muito querida que se ela imaginar que eu ainda não
falei o nome dela, ela é capaz de enfartar. O nome dela é Aline, ela foi minha aluna e hoje ela está no Rio de
Janeiro. Agora eu não sei se ela entra na comunidade ou no trabalho
E: Onde você colocaria ela?
P: Ela fica ali...ela queria ta ali dentro, mas ela vai ficar...porque a gente tem se comunicado muito pela
internet e telefone, então a gente ta ficando mais próxima. Ah! Tem o grupo do teatro, mas olha o que
aconteceu: o grupo de teatro da minha cidade, eu fiquei muito tempo, que quando eu saí, o grupo
tomou outro rumo. A Nilza era a diretora desse grupo e fazia parte do grupo a Andréia, a Luciana, a Nilza e
o Toninho. Então era uma coisa assim...com quem eu tinha que manter um ciclo, a gente acabou mantendo,
mas começou a entrar muita criança, muito adolescente e o grupo tomou outra cara...Nossa! eu ia me
esquecendo do Pablo, que foi meu aluno e meu padrinho de casamento de tão querido que ele é, bota ele
junto com a Aline!
E: Mas e da comunidade ?
P: Mas se eles forem relevantes, né? ou com quem eu me encontrava, a questão de relevância foi o
meu ginecologista que fez o parto das minhas duas ultimas filhas, o Valter, ele fez a da primeira, e
morreu..., a Rosangela que foi minha depiladora.
E: Esse grupo era seu, não tem nada a ver com o M?
P: Nada! Esse era meu.
E: E você M, da comunidade você deixou alguém?
M: Eu sempre tive muita amizade com as pessoas que trabalharam para mim, por exemplo, nós tínhamos 10
funcionários na loja...nossa, quando a gente foi embora eles fizeram placas, cartazes, foi uma choradeira.
Então, eram as pessoas que a gente convivia mais. Eu conhecia também o dono da loja ao lado e na rua
onde morávamos, nós conhecíamos os vizinhos...com esse pessoal eu tinha um bom relacionamento.
E: E você colocaria eles onde?
M: Aqui.
E: Agora vamos pensar na rede daqui. Na rede atual, da família, quem continua fazendo parte da rede de
vocês? Quem vocês consideram mais próximos de vocês hoje como família?
M: Essa é fácil! Os mesmos que eu falei lá: pai, mãe, irmãos e a Maria da Glória.
E: E agora entrariam esposa e filhos...
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M: Ah, esses seriam na frente de todo mundo. E vopode colocar eles na outra também porque no Norte,
eles já faziam parte.
P: Nossa é verdade! Comigo também!
M: Então pode colocar a Paula, a Lívia e o Daniel. O Daniel nasceu meio que a gente indo embora, mas já
fazia parte porque eu conversava bastante com ele dentro da barriga dela.
E: E os pais, irmãos, continuam fazendo parte onde?
M: No mesmo lugar, no Natal todo mundo vem pra cá, alugam uma van...é uma festa!!!
E: E para você P?
P: Também todos continuam no mesmo lugar
E: E as primas continuam no mesmo lugar?
P: Não, põe fora.
E: Porque?
P: Acho que é a mesma história que eu te falei trás, a gente não faz mais tantas histórias juntas, vive
mais de lembrança. Isso une, mas também distancia.
E: E os tios?
P: Minha madrinha pode passar para este daqui, porque a gente se fala muito pouco...e isto também foi
distanciando.
E: E hoje, quem faz parte da rede de vocês quando eu falo de amigos, quem fica aqui dentro?
P: A Dani e a Sônia, elas é que o minha família aqui, é uma coisa muito legal mesmo, elas me ajudaram
muito na minha chegada aqui, elas me orientaram, davam dicas, me ajudaram muito, e até hoje me
socorrem, também eu com essa monte de filhos... e você chegar e encontrar umas caras conhecidas, é muito
confortável,e no meio as minhas vizinhas, também vem sendo criada uma amizade muito legal. Para eu
estar aqui hoje, cada filho está na casa de uma vizinha, porque senão não dava. Então posso contar com
elas, mas elas também pode contar comigo. Acho que porque estamos todas na mesma situação aqui, isso
facilita, todas estão aqui sem família para acudir, porque todas vieram porque os maridos foram
transferidos. Uma o marido é gerente de banco e a outra o marido é juiz...então fizemos a nossa tribo, e
uma ajuda a outra, isso é uma coisa muito legal que acontece, se votiver aberto para isso. Outra coisa
que ajuda são as crianças, por conta delas vou fazendo novas amizades, é com a mãe deste ou daquele, ah!
Coloca aqui a mãe da Carol, a Ana. Ela também tem sido muito legal. Na verdade, as amizades que tenho
feito são mais por conta das crianças, se não tivesse elas, tenho certeza que estaria restrito aos amigos do
M porque se você for ver, quando cheguei aqui tive apoio do pessoal do serviço dele, quer dizer, das
esposas, mas era por conta dele; e, se a gente faz um programa diferente, sempre tem a turma do serviço
dele. Se eu for fazer alguma coisa com as minhas colegas da faculdade, ele não participa. Acho que acaba
predominando é a turma dele, mas isso não me incomoda. Agora também estou começando a fazer uma
turma de teatro aqui, e isso me faz criar alma nova.
E: E você, M, concorda com a P, que por conta das crianças fica mais fácil fazer amizades?
M: Sem dúvidas.
E: E quem de amigos faz parte da sua rede? O Tonho, continua fazendo parte aqui?
M: Faz.
E: E como vocês continuam esse vínculo? O que vocês utilizam para manter esse contato?
M: Telefone...só! Não com tanta freqüência, mas um tem certeza que o outro é muito amigo. Por exemplo,
outro dia, de vez em quando a gente liga, fala um tempão pra saber o que está acontecendo. E mesmo na
distancia a gente fica sabendo o que está acontecendo porque quando ele encontra meu pai ele pergunta o
que ta acontecendo...então a gente tem sempre notícias.
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E: E os amigos, que faziam parte aqui, que estavam...como o Valmir e o Eurico, eles continuam fazendo
parte hoje?
M: Eu acho que mais distante porque a gente perdeu o contato.
E: E hoje entra alguém novo aqui?
M: Aqui pode por o Fabiano e o Paulo César.
E: Mas eles trabalham com você?
M: É.
E: E os dois continuam ocupando o mesmo espaço?
M: Sim. E poderia por outros nomes como Heliton...esse cara foi meu motorista que me levava pra o
Paulo sempre e a gente criou um vínculo legal de amizade.
E: E esses que já faziam parte, o Fabiano, o Silvio, estaria hoje aqui ou aqui?
M: Aí.
E: E tem alguém que você colocaria na comunidade?
M: Você poderia colocar os vizinhos como a P. falou, porque através das crianças nós fizemos um bom
relacionamento com os vizinhos. A P. teve muita dica dessas vizinhas, coisas práticas, uma fala: -olha o
óleo ta mais barato lá; -a melhor padaria da cidade é em tal lugar. Principalmente as vizinhas que tinham
filhos pequenos, ajudaram muito mesmo. Não, acho que eles entram como amigos, da comunidade, a gente
se vinculou muito foi com os dicos do Centro de Orientação da empresa, eles acabaram indicando o
dentista para a gente. Agora a P. faz amizade com todo mundo, então ela é amiga da caixa do super-
mercado, como é mesmo o nome dela?
P: Débora, eu converso mesmo, tem uma senhora que faz umas bolachinhas que são demais, sou freguesa
dela, e quando eu não apareço para pegar as bolachas, ela liga para ver se está tudo bem com as crianças.
E: Como é o nome dela?
P: D.Terezinha.
E: Onde você colocaria ela?
P: No meio.
E: E os médicos e o dentista, aqui, aqui ou aqui?
M: Você pode por no meio. Agora tem uma coisa, esses amigos do trabalho a gente criou um vínculo
assim...então a gente vai na casa dos outros, faz churrasco, saí junto...então são pessoas de amigos e de
trabalho.
E: Então na sua rede, você considera que as pessoas mais próximas, que você saí, vai em churrasco, são mais
provenientes do trabalho ou...
M: Totalmente. Na rua também faço, eventualmente, mas muito mais forte no trabalho. Você cria um
vínculo muito mais forte no trabalho, no ambiente de trabalho...pelo menos é o que acontece comigo!
E: E quando vocês chegaram aqui em Poços, vocês tiveram apoio de quem? Quais as pessoas que te
recepcionaram, deram dicas...
M: Uma pessoa muito legal quando a gente chegou aqui foi a Dani, que não tinha tanta intimidade com
você, né bem? Então esse casal foi muito legal com a gente nesse ponto de suporte, de ajuda...
P: A Dani foi fantástica, nos levou em colégios pras crianças, bairro...e o mais engraçado é que esse casal,
embora a gente tinha conhecido eles no Norte, o tínhamos muito contato lá, e quando a gente chegou
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aqui, a gente criou um vínculo muito bacana, é como se a gente tivesse resgatado alguma coisa, não sei
explicar direito...
E:O que foi difícil deixar para trás?
P:A família e os amigos...sem dúvida.Mas para todo ganho tem uma perda, e eu tinha feito minha
escolha.Deixar as pessoas para trás é complicado, mas o desejo e a vontade de começar uma vida nova era
muito forte também.
M: No começo eu falei das minhas histórias de mudanças, mas ela também tem, né bem?
P: É verdade porque eu trabalhei desde, com 17 anos eu dava aula de teatro na escola era uma
criançada, as crianças foram crescendo...amizades com as famílias...com as mães. É eu acho que eu era
muito querida das crianças e isso aproximava muito as mães, mas amizade...amizade mesmo desde a
infância, que na verdade eu nasci no Rio e fui morar em na cidade da minha mãe, em Minas Gerais, com
dez anos... : Porque meu pai se formou em medicina no Rio...não ele formou em outra cidade, mudou pro
Rio. Minha mãe casou e foi morar no Rio, minha mãe quando eu tinha dez anos se separou do meu pai, e
voltou pra casa dos pais ...então minha mudança começou cedo. Eu com 18 anos fui morar no Rio pra
estudar teatro, não satisfeita com o teatro que vi , voltei pra minha cidade...queria fazer o teatro escola
não queria o teatro profissional. E enfim na minha cidade...assim...as amizades que eu deixei, que são
importantes pra mim até hoje não passam de 4, são duas amigas que estudamos juntas, fizemos teatro
juntas, fizemos vários cursos juntas, que é a Andréia e a Luciana e a Nilza que me adotou no teatro que
foi minha patroa...o tempo todo que eu tava lá, assim de amizade.
E : Como você faz para conservar estas amizades?
P : A gente se comunica muito pela internet, telefonamos também, elas também me ligam, e quando vou
para tenho que achar um jeito de ir ver, se sei que não vou ter tempo, nem aviso que vou, senão elas
ficam bravas.
E: E a família?
P: A minha família é...que eu sinto falta demais...minha avó.
E: Foi difícil deixar essas pessoas?
P: O deixar, a decisão em si, não. Sabia que era a decisão certa, com os problemas que estava tendo entre
A. e minha mãe era melhor mesmo a gente ir para longe e ficar distante de tudo isso. Mas a hora do deixar
é muito dolorido. Aí, quando chega aqui, muito medo, assim, e acho que é assim, o sabe se vai ver a
avô de novo, a avó, a mãe.
E: Você tem avós e avôs?
P: Tenho duas avós e um avô, a mãe da minha mãe e o pai da minha mãe, e a mãe do meu pai.
E: Por que é mais difícil deixar os mais velhos?
P: Eu sou muito agarrada desde menina (choro de emoção).Tenho medo deles ficarem doentes, e eu não
poder fazer nada, ou de acontecer o pior...de morrerem mesmo e eu achar que podia ter aproveitado mais, é
como eu me sentisse culpada por estar privando eles da nossa companhia. É assim, com a e e o pai eu
falo constantemente, já a minha irmã eu falo muito pouco, eu sinto muito falar tão pouco com ela, a gente se
fala bem pouco...muito menos do que eu queria e assim, acho que esta questão dos mais velhos, lá no Norte,
este tempo todo que eu fiquei lá, eu fiquei sem ver os velhinhos. Era muito dolorido.
E: Lá você ficou quanto tempo?
P: Um ano e três meses, e quando a gente ia descer de férias, aí aconteceu a oportunidade da gente montar
uma loja na nossa cidade, em sociedade com minha mãe e meu marido pensando...mas na hora que eu
pressionei ele porque minha mãe só montaria a loja se eu descesse pra lá junto, pra tá ajudando, porque ela
sozinha achava que não ia dar conta. O meu avô na realidade quis que montasse está loja pra me levar
embora. Foi explícito, hora nenhuma ele tentou mascarar a situação, não, foi pra isso mesmo. E o meu
marido um pouco descontente com algumas situações que estavam acontecendo lá, falou: “Vamos,
mas eu vou pra ser sócio, eu o vou pra ser empregado”. numa condição boa aqui. Aí voltamos...e
assim, foi muito difícil, imagina, porque sociedade com mãe e filha é difícil, imagina com genro e sogra,
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os dois o muito geniosos...todos os dois igualmente geniosos. Nós ficamos 4anos lá, isto bastou pra
acabar com a relação dos dois, eles não se falam ahoje...assim na hora, até na hora de vir embora era
uma relação, você via que era difícil mas tinha aquilo...vamos pela Paula ser civilizados, tinha aquela coisa
assim. E na hora de separar a sociedade foi muito desgastante, muito desgastante mesmo, ele o digeriu a
forma como as coisas aconteceram e o resultado disso é que eles não se falam, e ela quando vem e ele está
em casa, ela precisa ficar num hotel. Quando ele está viajando ela vem e fica na minha casa e tudo.
Qualquer assunto que diz respeito a minha mãe ele não quer saber e se fica sabendo demonstra insatisfeito.
Então...assim, o ruim, aí não sei se é ruim ou bom, se eu tivesse lá, se eu conseguiria uma forma de
desfazer ou reaproximar; também não sei ou se é boa a distância pra poder acalmar um pouco os
ânimos...então ficamos 4anos na nossa cidade, a gente teve contato com este casal do Norte, que é a
Karen e o Dodô...
E: Quem foram as primeiras pessoas que foram te acolheram lá no Norte?
P: Muito engraçado, uma menina...moça, bateu na minha porta e perguntou: “Você é filha do Dr. Jo
Geraldo?” e eu falei “Sou”, ela falou que é esposa do Dodô, o Dodô é filho de um médico que trabalha com
meu pai, e ficou sabendo que eu vinha e foi me visitar...e eu sou amiga dela até hoje. Ela agora está
morando em Curitiba. Do Norte ela foi pro Rio, e do Rio mudaram pra Curitiba, e a gente se fala, conversa
pelo computador e ela é muito querida. Ela...esse casal deu muito suporte pra gente lá, a gente pra eles e
eles pra gente...e num lugar assim muito pequeno e muito restrito a gente acaba se apegando a poucas
pessoas eu acho...não tem como você fazer um círculo enorme de amizades, mas uma amiga foi me visitar
lá, uma grande amiga da minha cidade, foi ela, o marido e o filho que é meu afilhado, foram passear,
minha mãe foi 2 ou 3 vezes, meu pai foi 2 vezes nesse período de um ano.
E: Você acha que as pessoas importantes para você, que foram deixadas na sua cidade contribuíram de que
forma na sua mudança pro Norte?
P: Dificultaram demais. Faziam chantagem emocional o tempo todo. era difícil ficar longe deles, e eles
não colaboravam de jeito nenhum. Acho que também sentiam muito minha falta, mas acho que era mais por
conta da Luiza. Todos eles eram muito apegados a ela. Era difícil para mim ver ela chorando toda vez que
falava com a avó no telefone, e minha mãe fazia questão de dramatizar, então viu... me deixava muito
insegura, porque eles já goravam minha ida para o Norte antes mesmo da mudança...ficavam dizendo; -Isto
não vai dar certo...- e não deu.
E: O retorno do Norte tem a ver com a dificuldade da família da P. estar sofrendo tanto com a separação?
M: Totalmente, sem dúvida. Eles fizeram força contra. Mas também teve outras coisas , teve momentos que
a gente estava feliz, tudo, mas a P. trabalhava na cidade dela, ela sempre foi independente.Inclusive quando
ela foi para o Norte, ela brincava assim: aqui eu não sou a P., aqui eu sou a esposa do M., perde que meio a
identidade e isso incomoda mesmo, é ruim. Então ali, ela não tinha um emprego, não tinha como estudar...
então são coisas complicadas.Hoje em dia, até muitas mulheres vieram pra porque tinham assim o
principal emprego, elas é que bancam... são a maior fonte de renda da família e acabam vindo alguns
maridos que abrem mão, deve ser difícil para eles, porque elas tem uma rede de amigas mais feminina e eles
tem que se adaptar a isso, homem é sempre mais difícil para essas coisas, tem isso aqui,e muito. Então foi
acontecendo uma somatória de coisas.
E: E a sua família?
M: Não eram tão explícitos, mas também achavam muito longe. Sofreram mas não dificultaram. Apesar que
a primeira saída foi mais dolorosa, a que eu fui para B.H., quando eu fui para o Norte foi muito
tranqüilo da minha parte..., o pessoal que ficou da família dela... é que sentiu muito.Ela, vindo pra lá levou
a Luiza , que na época tinha 2 anos... ela ficava no colégio que a mãe dava aula, então era a princesinha ,
todo mundo gostava, todo mundo gostava muito da P., daí toda atenção pra ela, aquela coisa, a família
toda, todo mundo e ela muito agarrada na avó e isso foi uma coisa assim como vai ser isso.Então quando a
gente mudou para o Norte , nós três , foi uma surpresa muito boa, porque eu acho que eu tava no inicio da
minha vida de casado, a gente se dando muito bem e teve a oportunidade de ficar só nós três e quando você
está com família, querendo ou não, é muita gente na sua vida ali. Então a gente tava muito legal,
mas...muita saudade... sentia muita saudade, meu pai comprou um fax só pra ficar passando coisa, eu senti
que eles estavam sentindo muita falta.Já nessa mudança foi diferente, tive todo apoio deles, meu pai falou: -
Vai mesmo, vai ser melhor para vocês. E essa força me ajudou muito.
E: Como isso ajudou na adaptação de vocês?
149
M: Na adaptação daqui foi positivo, nessa mudança, tudo foi mais fácil. Até porque já conhecia muita gente
que desceudo Norte e já estava aqui, a P. conhecia algumas esposas, então tudo estava mais fácil. Até
o lugar contribuiu, é uma cidade muito boa de se viver, gostosa, tranqüila e segura. Muito boa para se criar
filhos, e isso é o que não falta em casa. Desde que a gente mudou, sempre que possível, pegamos os
meninos e vamos por essas roças que tem por aqui, ou ver cachoeiras...a natureza aqui é generosa, e isso
também ajuda. Eu sou suspeito de falar, porque adoro esse lugar, e só de estar longe da minha sogra...
P: Ele adora me provocar...
E: E como reagiu a sua família?
P.Não acreditavam, e tentaram boicotar outra vez, culpando o Marco por estar separando a gente outra
vez, foi mais difícil por um lado, porque agora tinha 4 netos para distanciar, mas mais fácil por outro
lado, porque é mais perto da minha cidade do que no Norte, e eles poderiam vir aqui mais vezes. Pras
crianças...a Luiza a mais velha, bom ela acompanhou tudo, os primeiros meses da mudança foi muito
sofrido pra ela, a Luiza quando pequenininha, ela não tinha pai, ela tinha mãe e avó...meu ex- marido era
muito ausente, o pai dela, ainda era piloto então quando não estava voando ele também não estava em casa,
então minha mãe foi muito presente na vida dela. Acho que isto foi uma das coisas que incomodou muito
meu marido, a interferência da minha mãe na criação, mas o que ficou disto é que a minha mãe é uma
referência muito forte, e um amor incondicional que uma tem pela outra...uma coisa muito bonita, muito
forte...então ela sente a falta da avó, sente muito, sente demais, mas ela está se adaptando, eu acho que com
isto de ver estas coisas com a Luiza, ele não permitia que fosse assim com os filhos dele então os mais
novos já não tem essa ligação com a minha mãe.
M: Então assim eu sinto talvez que a resistência dela é quase nula em relação a mudança, em relação a
adaptação da Luiza, porque os pequenos eu acho que onde a gente , bom pra eles, eu acredito muito
nisto, mais a medida que a criança vai crescendo, o ciclo deles, vai virando uma coisa deles.
E: Como assim?
P: Acho que até uma certa idade, talvez 10 ou 12 anos, você consegue levar eles com você, mas depois eles
já vão tendo seu grupo de amigos, namoradinhas e aí fica mais difícil, por isso, se tiver que mudar outra vez
que não demore muito, porque depois vai ficar difícil.
E: Tem mais alguém que vocês querem acrescentar em algum lugar?
M: Não, acho que não...
P: Espero não ter esquecido de ninguém. Acho que gostaria de falar também que uma coisa, apesar da
provocação do M. também gosto muito dessa cidade e o lugar me faz sentir muito bem, coisa que não
acontecia no Norte, eu não queria ficar lá, o era por conta da minha família, o lugar era muito
esquisito, era um calor que grudava, ele também não gostava, parecia que faltava o ar. Aqui não, a cidade é
outra coisa, aliás tem uma estrutura muito melhor que a nossa cidade, até para as crianças aqui vai ter
mais oportunidade, tem escolas melhores, tem muita música, em cada esquina tem uma escola de sica, é
uma cidade musical, além do que vamos poder conviver com pessoas com outras histórias...lá no Norte não,
todo mundo que morava lá era do Projeto, então ficava um gueto alienado do mundo, era muito esquisito...
M: É verdade, Você via as mesmas caras o dia todo, ia trabalhar, dava de cara com o colega, depois
almoçava junto, trabalhava junto, chegava à noite, se ia no clube, eram as mesmas pessoas, se ia num
barzinho, outra vez as mesmas pessoas, então ficava muito chato, mas como a gente esta em lua de mel, não
fazia a menor falta, que a gente ficava muito isolados, a gente ficava muito a gente, teve lado bom,
mas também acaba desgastando, um tem que dar conta das carências do outro, e isso não é legal. Aqui a
gente tem oportunidade de fazer uma rede com outras pessoas. E também agora tem as crianças, então um
dia vovai levar seu filho na escolinha de futebol e acaba conhecendo um pai que pode ser legal e que
não tem nada a ver com o seu serviço, pode ser uma boa. E aqui a gente não tem do que reclamar, as
pessoas nos acolheram muito bem...
P: É mais você tem que dar chance para outras pessoas que não do seu serviço, você fala mais é super-
resistente.
M: Estou tentando...estou tentando...
E: Interessante. Mais alguma coisa?
150
P: Não.Já falei demais.
E: Não falou não, e você M.?
M: Não que eu me lembre agora não.
E: Então eu gostaria muito de agradecer vocês pela entrevista.
151
Rede anterior
FAMÍLIA
TRABALHO
COMUNIDADE AMIGOS
Legenda:
Rede dela - rosa
Rede dele – azul
Rede do casal - verde
Pais, irmãos, avós
Filha e madrinha
Maria da Glória
Tia de BH
Primas
Cristina
Camila
Mariana
Thaís –
Tios Mané,
Alice e
Amélia
Primos
Thiago –
Edu
Jorginho
e
Ricardo
Toninho
Vilela Vaina
Sílvio, José,
Juliano, Júnior,
Fabiano, Paulo
Vizinho e 10
funcionários
da loja
Júnior
Júnior
Tonho
Luciana , Andréia,
Nilza,Juniele,
Mazinho, Aline e
Pablo
Eurico e
Valmir
Karen e Dodo
Ginecologista e
depiladora
152
Rede atual
FAMÍLIA
TRABALHO
COMUNIDADE AMIGOS
Legenda:
Rede dela - rosa
Rede dele - azul
Rede do casal – verde
Dani e Sônia e
maridos
Tonho
Ana ,Luciana, Andréia,
Aline
Henrique e Valmir
Colegas da faculdade,
Carla, Angélica, Pablo,
Juliana, Nilza,Karen e
Dodô
Pais irmãos avos,
filhos e M. da
Glória
Madrinha
Primos, tios,
primas
Fabiano, Paulo,
Helinton, Sílvio
Luis Carlos
Médicos,
dentista,
D.Terezinha e
Débora
153
GENOGRAMA DA FAMÍLIA IV
BREVE RELATO DA FAMÍLIA IV
Esta família é composta pelo pai, Hélio (36 anos), a mãe,Fabiana (33 anos) e por
Marina uma filha de 1 ano e 6 meses. Os dois cônjuges são funcionários públicos
estaduais e residem na atual cidade há 4 anos.
Essa história começa com F. prestando concurso e escolhendo a cidade para
trabalhar e morar, na época na condição de solteira e nem conhecia H. Mas antes de se
mudar, consegue um treinamento de 1 ano para ficar próximo à sua cidade de origem e foi
que conheceu H. Neste intervalo, ele também foi aprovado no concurso, e consegue
uma vaga numa cidade bem próxima a que F. tinha escolhido para estar colocada. Assim,
os dois casaram e ficaram residindo na cidade de destino de F..
Depois de mais ou menos 1 ano, H. consegue uma transferência para a mesma
cidade que F.. Com isso, os dois passam a trabalhar juntos no mesmo local, mas em
horários diferentes, porque o trabalho funciona em sistema de plantão de 24 horas.
F
33
H
36
M
1a 6m
154
6 meses H. conseguiu uma mudanças de cargo, que exige trabalhar em horário
administrativo, ou seja, das 8:00h às 17:00h; e, 1 mês F. também conseguiu essa troca.
Assim eles estão passando por uma nova adaptação.
É interessante salientar, que também essa família tem em sua bagagem, histórias
de migração de suas famílias de origem, em função de transferência de emprego.
Atualmente, essa família reside a uma distância aproximada de 500 km de sua
cidade de origem, onde residem suas famílias.
ENTREVISTA COM O CASAL FABIANA E HÉLIO
E = Entrevistadora F = Fabiana H = Hélio
Após realizado o rapport, a entrevista seguiu da seguinte maneira:
E: Bom, então vamos conversar um pouquinho sobre a história de vocês relacionado as mudanças de cidades
na vida de vocês, quais os trajetos, quais as mudanças feitas, pra eu entender...
F: A gente é funcionário público, então foi nas opções, quando a gente entra na carreira, tem algumas
cidades pra escolher e... esta cidade foi uma delas no meu caso.
E: Foi sua primeira escolha?
F: Foi a primeira escolha, eu tinha várias cidades no estado de Minas, e a melhor que eu achei foi esta.
Disparadamente a melhor. Tinha norte de Minas, Triângulo Mineiro, tinha coisa muito pequena, muito
ruim...
H: Mas eu nem conhecia ela nessa época...
E: E vocês se conheceram quando?
F: Quando ele fez a opção.
H: Eu entrei na Receita um ano depois dela.
E: Então vocês se conheceram aqui ?
F e H: Não! Não!
H: Mas a F tem uma história com esta cidade, porque a tia dela morou aqui muitos anos.
F: Nada a ver com isso não.
E: Sua família tava onde quando vocês mudaram?
F: Tava toda em Belo Horizonte. Tava toda em BH.
E: E você H, como começou sua história de mudança?
155
H: É porque quando eu fiz o concurso da Receita, o meu concurso era regionalizado, era por região... então
eu passei e fui morar numa cidade como Altinópolis, mas eu estava com esta cidade bem marcada,
porque a F. já estava locada aqui, e eu queria conseguir vir para cá.
E: Então não entendi bem, onde você conheceu a F.?
H: Isso foi em Belo Horizonte, eu tava num departamento especial na região no CEASA, era imenda de
Belo Horizonte, e a F estava prestando serviço lá...
F: Porque eu não estava bem aqui, estava locada aqui, mas como me sentia muito sòzinha, cutuquei até
conseguir voltar, e aí, temporariamente eu voltei, nessa volta de um ano a gente se conheceu e quisemos
casar, aí tivemos que escolher de novo um lugar para morar, ou escolhia o lugar que ele estava locado ou o
que eu estava locada.
H: Aí eu tinha que decidir definitivamente...
E: Então você veio, voltou e depois você veio de novo?
F: Isso!
E: E depois vocês casaram?
H: Aí a gente começou a trabalhar junto, e aí, né...
F: veio a questão: onde a gente vai morar, ou tinha a oportunidade de voltar pra cá, que seria meu local
de locação ou o local que ele estava, que era em Campos Altos, no meio da estrada. a gente pesou os
prós e os contras e aí nós viemos pra cá, e aí ele pediu pra vir pra cá.
H: Tinha que esperar surgir uma vaga, mas deu certo logo.
E: E faz quanto tempo que vocês estão aqui agora?
F: Vai fazer 4 anos em abril...
H: Nós chegamos aqui em abril de 2002...
H: Dois de abril de 2002 nós chegamos aqui em Poços.
E: E quando vocês chegaram aqui vocês já estavam casados?
H e F: Não!
F: Nós casamos em dois meses, mas estávamos resolvendo... na verdade a gente fez o noivado, aquela
coisa pra família, porque não dava pra fazer o casamento rápido lá em Belo Horizonte, né? A idéia era vir e
com mais calma, cuidar do casamento.
E: Sei...e quais foram os maiores desafios que vocês tiveram na mudança pra cá? Os desafios, os obstáculos
que vocês tiveram na mudança...vocês atribuem a quê?
H: Ah, difícil adaptar a mudança, cidade nova, muito longe, assim... longe entre aspas, né? Mas é uma
viagem que se faz de 15 em 15dias, 20 em 20dias, mas mesmo assim é cansativo, né? Mas é uma mudança
muito grande, dá muito medo de lidar com o novo, só eu e ela. Assim, mudança, com a proposta de casar, só
eu e ela...foi muita mudança junta, lugar novo e casamento novo, tudo junto. Dava medo, mas ao mesmo
tempo aguçava, e também acho que não foi tão difícil porque nossa família não se opôs, claro que preferiam
a gente por perto, mas não se opuseram não.
F: Eu... o problema que eu tenho é depois, na adaptação. Na mudança eu acho ótimo, aquela coisa de
novidade, o fato de estar mudando... depois é que eu acho problemático. Depois que passa aquela euforia
da mudança... a novidade, então, a mudança me encanta. A mudança eu adoro: “Ah, vamos o sei o
que?”, eu fico louca pra fazer alguma coisa nova, depois que acabou é que vem a adaptação, é que vem
as questões todas. Até o clima interfere, aqui é muito frio, sinto muita falta do calor da minha cidade, mas
quando penso como é lindo tudo aqui, vale a pena. Onde vou poder criar a Marcinha com essa beleza de
natureza toda. Mas o fato de mudar eu gosto, eu adoro.
156
H: A nossa vida em 4 anos foi muita mudança em pouco tempo. A gente fez muita coisa em pouco tempo. O
que muita gente demora 10anos pra fazer, nós fizemos em 4 anos...
E: Porque ?
H: Ué, nós casamos em 9meses de namoro, mudamos de cidade, casamos aqui ...
F: Fiquei grávida, depois... tive a Marcinha depois de um ano e meio de relacionamento...
H: Veio todo mundo de Belo Horizonte para o casamento. Foi a maior festa, família... vieram umas
150pessoas... tudo diferente, né? Aí depois compramos a casa, nasceu a Marcinha...
F: Foi tudo muito rápido assim. Foi muita novidade, desde que a gente chegou aqui a gente foi pra um
hotel, começamos a olhar apartamento pra alugar. alugamos, depois casamos, depois... muita
correria, né?
E: E vocês tinham com quem contar nessa fase de correria? Alguém ajudou? Teve algum colega que desse
dicas, a imobiliária...não sei...
F: Aqui?
F e H: Não!
E: Fez falta isso?
F: Até agora não.
H: Foi tudo tão rápido... que no começo a gente tava vendo casa pra comprar. Foi tudo tão rápido que
menos de 2meses a gente tinha comprado a casa. Era começo de casamento, então a gente quer fazer
tudo muito junto, e aqui eu só tinha a ela, e ela a mim, então isso fez a gente ficar muito junto
E: Claro! Então vamos entender uma coisa aqui, eu vou colocar aqui como se fosse uma rede de vocês, isso
aqui nós vamos pensar assim: Quais as pessoas que faziam parte da vida de vocês antes da mudança e depois
da mudança, entendeu? Isso é de vocês, não é da F, nem do H, o que fazia parte. Então aqui a gente
tem família, serviço, comunidade e amigo. Vamos começar pela família pra gente poder entender. Quando
você falou que vieram cento e poucas pessoas aqui pro casamento...
F: Cento e trinta.
E: Então vocês tinham uma boa rede...
H: Tinha, alguns amigos que vieram, mas veio mais a família mesmo.
E: Então de família, quem vocês deixaram lá?
H: Pai, mãe, irmã, irmão.
E: Você tem pai e mãe vivos?
H: Tenho.
E: E você F?
F: Pai, mãe avó, tios.
E: Deixa eu colocar aqui como eu vou pôr, porque aqui no meio é quem é muito próximo de vocês. Aqui
é quem é mais ou menos. E aqui é quem era mais distante... Então aqui no centrinho é quem?
H: São meus pais e irmãos. São 8.
E: É isso?
H: Eu tenho tios que ficam nesse miolinho também.
E: Você também tem tios que ficariam no meio?
157
F: Tenho.
E: Quantos?
F: Acho que dois. Dois. Três, que ficariam bem ligados.
E: E você quantos tios teriam aqui?
H: Tenho tia Dulce, tenho um tio que faleceu recentemente, tio Paulo, tia Beth e tia Neusa.
F: Eu tenho mais de oito tios e tias, mas assim que eu posso considerar aí pertinho eu tenho dois.
E: Como era esse relacionamento para que você diferencie como íntimo?
H : Eram tios que estavam sempre em casa, comiam lá, davam palpite, participavam da educação dos
sobrinho, e se eu tinha que pedir alguma coisa para meus pais e eles não estavam, era a mesma coisa pedir
para eles.
E: Do seu lado seriam três?
F: Do meu lado seriam três.
H: Vivos hoje eu tenho: tio Paulo, tia Beth e tia Dulce, que são muito próximos da família, ? Tinha outros
tios por parte de mãe que eram bem próximos da gente mas já faleceram...
E: Mas como a gente está falando de antes, ela estava viva, ela fazia parte, né? Qual o nome dela?
H: Tia Neiva e Tio Raimundo
E: Então, porque o tio Raimundo quando estava vivo, fazia parte daqui quando você estava lá?
H: Não porque quando eu conheci a F. o Raimundo já tinha falecido.
E: Ah, então não.
H: São quatro tios que sempre estiveram presente.
E: Aqui são pessoas que são próximas mas nem tanto. Que pessoas da família vocês colocariam aqui?
H: Parentes.
F: É...
H: Primos, primas.
F: Outros tios, primos.
H: Outros tios, primos.
E: Dos dois lados é a mesma coisa?
H: É, porque assim da família da minha mãe, meus tios, o 14 tios, a família é enorme, é muito agarrada.
Tenho tio que mora em Uberlândia, em Altinópolis... então a gente fica muito tempo sem se encontrar.
Então, tem a família do pai dela também, amor? Você não tem tanta convivência, né? Apesar de estar
mais próxima...É que família grande vai se distribuindo, a minha também mudou de cidade porque meu pai
era vendedor e levou a família para B.H., outros tios também foram trabalhar em outros lugares e se
distanciaram da família, a F. então nem digo, a família do pai dela é do Rio, mas eles moraram até no
Iraque...
E: Verdade F.? Como é isso?
F: É verdade, meu pai é engenheiro, e nós fomos para porque ele foi transferido no emprego dele para
trabalhar numa obra grande, ficamos 5 anos, por isso que eu brinco, quem mudou para o Iraque,
158
qualquer outra mudança é fichinha. Depois fomos morar no Pará, lá ficamos 2 anos, mas depois o
casamento dos meus pais não resistiu, porque minha mãe queria voltar e meu pai queria fazer carreira, ela
sentia muita falta das pessoas, porque ela não trabalhava, vivia deprimida, mas meu pai não queria voltar,
então eles se separaram e eu mais minha irmã, voltamos com ela.
E: Interessante...
F : E pelo que eu vivi, acho que a distância geográfica se o for bem cuidada, distancia vode toda
sua família, e isso uma hora vai repercurtir no casal, sempre digo isso pro H.
H: Olha, é verdade , se a gente tivesse uma convivência mais diária, porque todo mundo tem problema, né?
Família, né? Tem pessoas que a gente tem afinidade muito grande e tem outras que nem tanto...Claro que
aqui a gente sente falta mais daqueles que a gente tem mais afinidade, às vezes sinto falta daquele entra e
sai igual de casa, dos almoços de domingo ,Isso a sensação de você ter uma turma sua, de você
pertencer a algum lugar, isso sinto falta, já a F. acho que nem tanto, porque eles já viviam mais isolados.
F: É verdade, não tinha essa coisa muito de família, quando a gente vinha de férias, todo mundo
queria ver a gente. Principalmente a minha avó, não largava da gente pra nada.
E: E aqui?
F: De família?
E: Isso.
H: Eu tenho uns parentes que tem anos que eu não vejo. Tenho um tio que faleceu recentemente que fazia
uns 15anos que eu não o via.
E: Então aqui também tem tios?
F e H: Tem!
F: Parentes mais distante... tios.Do meu lado seriam...2.
H:E do meu 6.
E: Agora amigos. Que amigos vocês tinham antes da mudança, quem vocês deixaram para trás?
F: Nomes?
E: Pode ser, porque depois vão trocados.
F: Tá, Débora, Isabela, Márcia, Flávia... bem pertinho.
E: E como foi deixá-las?
F: Não foi complicado não. Estas amigas estavam também indo cuidar da vida delas ...e eu tinha que
pensar na minha. A gente se gosta muito, mas não foi complicado não, não lembro de sofrer por isso.
E: E você?
H: Eu tenho um grupo de pessoas, 20, 30, que são amigos bem próximos.
E: Quantos?
H: Umas 25 pessoas.
E: Mas essas 25 pessoas são bem pertinho ou...
H: Perto. Uns casaram, vão morar longe, tem um em São Paulo, outro em Vitória, deu uma ruptura mas a
gente era bem mais próximos. Mas também foi normal esse distanciamento dos amigos, uns ficaram tão
para trás , que nem me lembro muito.
E: E esses que eram bem próximos, vocês tinham contato de que maneira?
159
H: Quando eu comecei a namorar a F eu comecei a perder o contato, o contato já era bem pouco...
E: Mas antes disso.
H: Final de semana... sábado, uma 2 ou 3 vezes por semana, passava um ou ligava e dizia:-Hoje vamos pra
cervejada, e a gente ia. Tem que encontrar se quiser manter viva uma amizade, tem que encontrar.
E: E hoje como é que é esse contato com essas pessoas?
H: Ah, distanciou muito! Afastou muito!
E: E você atribui a quê?
H: A distância da cidade atual a Belo Horizonte... chega feriado, eles querem ir pra praia, querem ir pra
um sitiozinho lá perto, querem descansar. “Ah... vamos andar 500Km para ver a F e o H?” Não vão! Quem
vem é mãe, pai, irmã, irmão.
F: Vó, vô, tia. Se você não ligar, afasta mesmo e fica difícil, é outra história
H: Vinham, já não vem mais. No início, né?
F: Querem conhecer a casa, aí vem todo mundo!
H: Querem conhecer a cidade, aí vem todo mundo!
F: Querem conhecer a Marcinha, aí vem todo mundo!
H: Quando a Marcinha nasceu foi o maior rebuliço, veio todo mundo, a família inteira veio visitar. Agora,
entendeu?
E: E vocês tem alguma outra maneira de manter esse contato? Telefone, internet, não sei... com essas
pessoas?
H: Eu telefono de vez em quando...
F: Eu mantenho através de telefonema e internet. Eu to sempre falando... porque é mais um meio de
comunicação, né? Telefone... aquela coisa de ficar horas no telefone não mais... nem por tempo, nem
por...gastar interurbano ficar horas no telefone... então eu acho que é um meio rápido, e telefonema de vez
em quando, aniversário, conversar um pouco... uma coisa mais rápida.
H: Eu tento evitar ligar muito porque tem muita cobrança, né?
E: Cobrança de que tipo?
H: Os amigos, quando a gente vai para Belo Horizonte, eles falam... você apareceu, não ligou...essas
coisas. Porque quando a gente vai a Belo Horizonte a gente fica muito absorvido pela família...
F: Que não dá tempo!
H: Que a gente não tem como atender. Como é que eu vou chegar dois dias em Belo Horizonte com a F e a
Marcinha e os tios, os avôs não verem a Marcinha...
F: É complicado! Chega a gente fica... a gente fala: “Dessa vez a gente quer ver os amigos, fulano,
fulano, fulano, mas eu o dou conta. A gente o consegue manter os amigos porque a família absorve
muito! Eu tenho uma amiga que todo ano no Natal ela faz uma festinha pra reunir um grupo de amigos, e
nesses 4 anos a gente até hoje não conseguiu ir.
H: Mas eu falo que, com a Marcinha... um filho muda muito.
E: Em que mudou pra voces?
H: Eu acho que as pessoas que estão passando os mesmos momentos de vida que a gente fica mais
próximas. Aquele que não casou, não tem filhos, acho que fica mais distante.
160
E: E aqui, vocês deixaram uma relação. A família, pelo o que eu estou entendendo, vocês tentam manter
indo lá porque eles já não vem tanto, é isso?
H: Isso!
F: No começo tinha aquele negócio mais de apoio.
E: E foi importante esse apoio? Que jeito era esse apoio?
F: Querendo saber onde a gente tava morando, querendo saber se a gente tava bem... acompanhando. Foi
importantíssimo esse apoio.
H: Chegava um irmão, um cunhado, um pai, uma mãe, tios, primos, tudo foi importante!Vinham conferir se
estava tudo em ordem, principalmente da minha família que é grande, mas a mãe da F. também.
F: Na minha gravidez eu recebi visita, né? No finalzinho pra ficar comigo. Eu adorei! Minha avó veio ficar
comigo... no final eu não sabia se eu cuidava dela ou ela de mim...(risos)
H: Quando a gente mora fora... assim longe, a gente sente muito ausência daquele... não daquele jantar
com a família todo domingo, às vezes, tem muitas famílias que tem aquela tradição, que reúnem todo
mundo, papagaio, periquito, cachorro, no domingo. o daquilo, mas, às vezes, quando eu morava em
Belo Horizonte eu ficava 3, 4dias sem ver minha irmã, meu cunhado, meu sobrinho, mas tinha aquilo de vez
em quando: “Vem aqui em casa, tomar um vinho, comer uma pizza...” e aqui não tem isso.
E: Então o que você está dizendo é o que faz falta é que na hora que dá vontade, você não tem...
H: É porque eu acho que a convivência do dia-a-dia é muito desgastante, eu acho que se a gente voltasse
pra Belo Horizonte hoje, eu acho que eu não ia ficar com a mãe dela todo dia, nem com a minha mãe, nem
com meu irmão, nem com minha irmã todo dia... acho que a gente ia se ver uma vez na semana, de 10 em 10
dias... deu saudades, você pega o telefone: “Tô indo aí...”
F: Nem que você passa para ver se está tudo bem. Uma das coisas mais difíceis de se morar longe, é que
você fica com a sensação que não vai dar tempo de aproveitar as pessoas que você gosta, o quanto queria.
H: E o medo deles ficarem doentes e você não poder fazer nada...Ah! Morro de medo da minha mãe
precisar de mim e eu não poder estar para ajudar. Não sei se foi pela perda do meu irmão, a gente ficou
muito sensível a isso...a gente sempre conversa sobre isso. Quando um liga de e diz que está doente, a
gente sempre dá um jeito de ir ver.
F: que agora ficou mais difícil por conta da Marcinha, e ao mesmo tempo me sinto culpada de privar
minha mãe de conviver com a neta. Mas enfim...não dá para contentar todo mundo.
E: E de que maneiras vocês amenizam um pouco isso aqui? Vocês fizeram amigos? Com a vinda da
Marcinha isso facilita, não facilita, dificulta, não sei...
H: Não sei, eu acho que na minha visão pessoal é uma gangorra. Tem épocas que a gente legal. Tem
época que é mais difícil...
F: É. Eu também acho. É verdade!
H: A gente começa a se questionar: “Será que vale a pena?
F: No início do ano, depois do Reveilón, eu falei: “Eu quero ir embora daqui, de qualquer jeito!” Eu
questionei muita coisa.
H: Eu acho que tem épocas que eu, a F, quando a Marcinha nasceu, a gente se bastava... como se fosse um.
F: É que a gente tava no início do casamento também. A gente não viveu uma lua-de-mel, a gente teve um
namoro bem curto, então eu falo pra ele que a gente não fez esforço nenhum pra fazer amizades. Eu acho.
Porque a gente veio, queria ficar em lua-de-mel, então não precisava de outro casal, de outra família, não
precisava de nada! depois com o tempo, a lua-de-mel acaba, as necessidades vão aumentando, né? Aí vem a
Márcia e agora a gente tá assim: precisando começar a fazer alguma coisa, porque eu acho que a gente não
fez a nossa parte.
161
H: É verdade, se for pensar, olhando esse mapa, nós só temos pessoa para colocar na nossa rede anterior à
mudança, daqui não temos ninguém, acho que poderíamos colocar os colegas de trabalho, e mesmo
assim no centro, porque é muito rotativo, tem gente que vem para fronteira, mas já pensando em mudar, na
primeira oportunidade. Nós mesmos trabalhávamos em regime de plantão, agora conseguimos fazer horário
administrativo. Acho que isso também dificultava. É verdade, F. porque era assim. Num dia a F. estava
de plantão, no outro era eu, no outro era nossa folga, a gente queria ficar juntos, e nesse esquema o
tem fim de semana, então enquanto as pessoas estão se divertindo, você está trabalhando. Agora vamos
virar mais normais, vamos trabalhar em horário como a maioria das pessoas, acho que isso vai ajudar.
E: Agora com isso, vocês acham que vão ter mais oportunidade de fazer amigos, ou por exemplo isso que
você falou, às vezes tá com vontade de ter alguém, vamos tomar uma vinho? Vamos fazer não sei o que?
F: Agora que a gente vai começar a fazer amigos, até porque está fazendo muita falta.Tem um casal
mais velho que a gente convive que eu conheci eles em Belo Horizonte.
E: Como vocês se conheceram?
F: Esse casal, ela trabalhou com minha mãe e veio conhecer o companheiro dela aqui através da internet e
casou. Então a vida deu uma volta que ela veio morar aqui. A gente não convive sempre mas quando a
gente sai junto sente um conforto muito grande, sente que é da família, ? É como se fosse uma adoção de
ambas as partes.
H: Isso!
E : Então aqui posso por os colegas de serviço?
H : Isso, no meio, acho que dos dois né? F. Agora antes do meu serviço tinha dois amigões que fiz em
B.H., pode por bem pertinho o Agenor e o Mauro, esses eu não vejo mais, mas sei que se ligar para eles
hoje, é como se o tempo não tivesse mudado.
F : Do meu lado não, o vínculo era igual , pode por como um grupo no meio. Acho que com as mudanças da
minha família eu fiquei com mais receio de fazer amizades, porque não sabia aquando ia ter, e quando
tinha que perder era muito sofrido. Quando a gente muda para longe, até o cenário faz falta, eu sentia falta
do cheiro das plantas, da comida, do calor , imagina das pessoas, então tinha medo de me apegar e depois
de sofrer com a separação, às vezes penso que repito isso aqui.Ele é diferente. Ele tem dificuldade com
esse negócio de comer pizza e depois sair de lá... no social. Agora também estou tendo dificuldade com
isso... eu sempre tive também. Eu sei que a gente precisa mas eu vejo que, ah, é amigo, então a gente chama
pra casa da gente! Então não vou chamar ainda não! Então não é amigo ainda, mas a gente precisa
encontrar um meio termo, né?
E: Mas isso faz falta ou ainda não tá fazendo falta?
H: Faz muita falta!
F: Ah, faz muita falta.
H: A gente sente necessidade, a gente sente ausência de amigos ou para convidar um jantar ou pra ir na
casa deles. “Olha eu to fazendo uma picanha, uma pizza, vem pra cá!” E você chega na casa do cara e
acabou, você se sente em família. Você não tem um laço de sangue mas tem um canal de comunicação muito
forte de amizade. Também acho que por a gente trabalhar junto atrapalha um pouco, porque a gente
as mesmas pessoas o dia todo, fica junto com elas o dia todo, se vai sair, vai ser com elas outra vez, é
duro...acho que é diferente se a F. tivesse as amigas dela e trouxesse em casa com os maridos, ou o
contrário, eu tivesse meus amigos e trouxesse em casa com as mulheres, sempre se conheceria gente
diferente para conversar outras coisas, acho que isso é que falta, conhecer gente de outros lugares.
E: E vocês viviam isso lá?
H: Ah, com certeza, eu principalmente
F: Agora com o horário novo que eu considero que vai ampliar as chances de fazer novos amigos porque
exige que a gente fique mais aqui, e tem pessoas na mesma situação, que estão vindo pra agora, sem
família... não só no serviço, vizinhos...pessoas que vão na academia...
162
E: Tem pessoas na mesma situação?
F: Tem.
E: E isso facilita ou não quando as pessoas estão no mesmo barco?
F: Com certeza facilita. Elas falam: “Ah, eu com saudades da minha irmã, do meu sobrinho, mas eu não
posso ir lá, sabe?” O contato é ainda pequeno, mas tem bastante chance de amizades...
H: No trabalho eu vejo que tem pessoas que convivem anos mas eles não freqüentam a casa umas das
outras. Posso dizer que meus colegas de trabalho me receberam muito bem, e isso ajudou muito na minha
adaptação, mas como colegas de trabalho, não como amigos , meus amigos mesmos estão em Belo
Horizonte. E a gente tenta manter o vínculo...eu ligo, eles ligam, passam e-mail. São pessoas mais queridas
que eu tive relacionamentos lá, são amigos de coração, que eu abro a porta da minha casa quando eles
quiserem.
E: E é isso que vocês estão querendo, ter alguém que vocês abram a casa pra...
H: Com certeza.
E: E na família, que lugar elas estariam ocupando agora no mapa, o que mudaria?
H e F:O mesmo (falam juntos e riem)
H: A gente só ficou mais distante de lugar, mas nada mudou de sentimento.
F: É verdade.
E: Os amigos?
H: Isso. Eles estão no mesmo lugar...não, acho que não, agora acho que iriam para o meio. O que você
acha F.?
F: Do meio para fora, acho que as meninas ficariam no meio agora a sua turma , não sei, acho que alguns
ficariam no meio e outros para fora.
H: É verdade, 2 ficariam bem perto, o Juca e o Luis, os outros no meio, não gosto de pôr eles na borda,
mas na verdade tem uns aí que até cairiam fora.
E: E amigos aqui? Quem vocês colocariam?
H: Acho que aquele casal, (se olham meio espantado),impressionante, mas nós estamos mesmo fracos de
amigos.
E: E onde eu coloco eles?
H: No meio? (perguntando para F.)
F:Acho que sim.
E: Tem certeza que mais ninguém?
F: Teve um detalhe nesse meio tempo que a gente está aqui, que aconteceu muita demanda pra gente em
BH, que a gente viveu só lá mesmo morando aqui.
E: Por exemplo.
F: Nós casamos, fomos viajar de lua-de-mel e no dia seguinte tinha um telefonema da mulher do meu pai
com derrame. eu tava de férias ainda, eu voltei pra imediatamente. Depois deu o câncer da minha
avó, aí eu fui pra lá de 10 em 10dias em 4meses. Aí ele perdeu um irmão... foi muito doloroso. Então, 1ano e
meio pra trás, não agora mas os primeiros 1ano e meio, foi muita demanda pra lá, né? A gente ficou indo
direto, mas direto!!! E isso colaborou pra gente não ficar aqui.
163
H: Então, a gente ficou indo muito em função da família. De doença. Quando a gente está longe, acho que o
que mais medo é das pessoas queridas ficarem doentes e vonão poder estar para ajudar. até
uma culpa. Parece que indo embora você abrevia o tempo que teria para aproveitar com as pessoa que você
quer bem, principalmente os pais que estão envelhecendo, não é fácil.
F: Nós vivíamos mais do que aqui, mesmo estando aqui direto... Agora que s estamos ficando, com o
trabalho também, né? Que exige mais presença aqui. Porque quando era sistema de plantão, a gente tinha
umas folgas. Agora também tem o seguinte, a gente tem que dar mais chance das pessoas se aproximarem,
porque a gente fica muito só a gente e se isola, a gente é muito na nossa...
H: É, mas faz falta, tem momentos que faz falta ter amigos...
E: Em que momentos vocês sentiram mais falta de ter alguém aqui ?
F: Quando a Márcia nasceu, eu achei que, nossa gente! Eu ia trabalhar, vem visita, criar sozinha sem
aquela troca do dia-a-dia... achei bem ruim.
E: Quem veio visitar a Marcinha? As pessoas de fora e as daqui.
F: Todos de fora e daqui todo mundo também.
E: Quem é esse todo mundo?
F: Meus colegas que eu trabalhei aqui na cidade vizinha, a maioria, né? Meu chefe, o círculo do serviço
que a gente tem restrito mas todo mundo foi.
E: E você H, em que momentos você sentiu mais falta de ter alguém aqui perto de você?
H: Eu acho que tem fases que eu estou muito bem aqui, família, tudo, e tem fases que estamos pra baixo...
E: Nessa fase você sente falta de quem?
H: Então, a gente sente falta da família mas não é sentir falta do dia-a-dia, é sentir falta do estar em casa e
ligar pra um e dizer: “O que você está fazendo?”, “Vem aqui pra casa tomar um vinho, comer uma pizza,
eu estou com saudades de vocês”. É disso que a gente sente falta. Tudo tem os prós e os contras, a distância
também tem um outro lado, eu e a F resolvemos nossos problemas, não tem interferências, nem palpites...
F: Isso é muito bom! Não sei se ia conseguir viver com palpites. O H. já está mais acostumado, na casa dele
se vai se comprar um carro novo, todo mundo dá palpite, os tios, os primos chegados, eu já não vivi isso.
E : E na rede da Comunidade? Quem vocês colocariam. Vocês freqüentam algum clube, serviço
religioso...tem médicos...dentista...
F : Isso a gente fez aqui. Eu tenho minha ginecologista, que quem me deu a dica foi uma colega do
serviço. Temos dentista aqui, acabamos até ficando meio amigos dele, porque ele é de outra cidade e
também fica meio só aqui, agora ele arrumou uma namorada, então está melhor. Agora cortar cabelo, só
quando vou para B.H..Ainda não acostumei...o H. arrumou um barbeiro aqui, mas ele é bem velhinho, então
fica aquele contato, assim...profissional. E tem a moça que trabalha com a gente, ela é muito boa para a
Marcinha, então a gente ta fazendo um contato legal com ela, tanto que agora a gente vai viajar para a
praia e vamos levar ela para conhecer o mar, porque ela nunca viu não, ta ficando maluquinha de vontade,
mas ela é uma o na roda para a gente, sem ela ia ficar difícil, então ela pode ficar bem pertinho. Agora
clube, ou igreja, não tem não. Na verdade estou começando a freqüentar um grupo espírita, para estudo da
bíblia, parece bem legal, mas só fui lá 3 vezes, então ainda não sei o que vai virar, mas seria bem legal, tem
um pessoal bem receptivo lá. O H. falou que vai começar ir comigo, né? Bem (olhando para H.)
H. É verdade, acho que temos que por a Maria nessa rede, bem pertinho e bem pertinho também o Dr. João,
que é o pediatra da Marcinha, porque a gente tem a maior confiança nele, e tudo que a gente precisa da
Marcinha, a gente liga pra ele.
E. E da rede anterior da Comunidade? Quem ficou?
H. Eu colocaria perto meu dentista, que ficou meu amigo, da gente sair juntos, o nome dele é Mário, e os
dois garçons de um boteco que a gente freqüentava, eles também acabaram ficando amigos. Do resto o
tinha muito não...cidade grande é diferente.
164
F. Eu coloco bem pertinho minha cabeleireira, que é até hoje a mesma, ela corta o cabelo da minha avó, da
minha mãe e da minha irmã, então é da família. Acho que pode por distante, dentista , médico, porque
não fiz vínculos com eles não, era muito profissional. Que eu lembre é só.
E. Teria alguma coisa que vocês gostariam de acrescentar?
H. Acho que o, acho que falei demais, é muita coisa, conforme a gente vai falando vai associando a
outras, isso dá muita conversa.
F.(ri) É verdade. Nem eu tinha percebido como a gente tá sem amigos, foi bom...
E: Então eu gostaria de agradecer demais pela atenção e disponibilidade.
165
Mapa anterior
FAMÍLIA
TRABALHO
COMUNIDADE AMIGOS
Legenda:
Rede dela - rosa
Rede dele - azul
Rede do casal - verde
Pais
Irmã, avó e 02 tios
8 irmãos.tia Dulce, tio
Paulo, Tia Neuza, Tio
Raimundo, Tia Neiva,
sobrinhos
Primos e
primas
3 Tios
14 tios
2 Tios
6 tios
Débora, Isabela, Márcia,
Flávia
25 amigos
Agenor e Mauro
Colegas em geral
Dentista e 02
garçons
Cabeleireira
Médico e
dentista
166
Mapa atual
FAMÍLIA
TRABALHO
COMUNIDADE AMIGOS
Legenda:
Rosa: Fala dela
Azul: Fala dele
Verde: casal
Pais
Irmã, 02 tios
8 irmãos.tia
Dulce, tio
Paulo, Tia
Neuza, Tio
Raimundo,
sobrinhos
Primos e
primas
03 tios
14 tios
02 tios
06 tios
02 amigos
Débora, Isabela,
Márcia, Flávia
25 amigos
Casal
Colegas em geral
Maria e Dr.
João
Médicos,
dentista e
barbeiro
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