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Cristiane Konyi Brandão
CONSIDERAÇÕES SOBRE O SENTIDO DO ERRO NA
ESCRITA DE CRIANÇAS NA PERSPECTIVA DO
FONOAUDIÓLOGO E DO PROFESSOR
MESTRADO EM FONOAUDIOLOGIA
PUC
SÃO PAULO / 2006
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Cristiane Konyi Brandão
CONSIDERAÇÕES SOBRE O SENTIDO DO ERRO NA
ESCRITA DE CRIANÇAS NA PERSPECTIVA DO
FONOAUDIÓLOGO E DO PROFESSOR
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Fonoaudiologia, sob orientação da
Professora Doutora Suzana Magalhães Maia.
Programa de Estudos Pós-Graduados em Fonoaudiologia da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC
São Paulo / 2006
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Banca Examinadora
Prof (a) Dr (a)_____________________________
Prof (a) Dr (a)_____________________________
Prof (a) Dr (a)_____________________________
AGRADECIMENTOS
Á Deus minha fortaleza e refúgio.
À Dra. Suzana Magalhães Maia, minha orientadora pela dedicação, atenção e
confiança no meu projeto.
Á Profa. Dra. Lucia Masini (Lucinha), meu anjo da guarda, que me ajudou de
forma incondicional a realizar esse projeto sempre com muito carinho,
profissionalismo e amor.
À Claúdia Perrotta pelos encaminhamentos valiosos na conclusão desse trabalho.
À todos os professores do mestrado que proporcionaram novas reflexões para
minha vida profissional.
À Marli pela atenção, paciência e amizade.
À Cinthia Babler, uma amiga que conheci no final do Mestrado, mas que valeu
para uma vida inteira, por tanto carinho, realizando um trabalho valiosíssimo e
belo.
À Banca examinadora pela atenção, compreensão e sugestões que colaboraram
muito para execução do trabalho.
Às alunas da graduação do curso de Fonoaudiologia, Giovanna Rocco e Beatriz
Marques, pela transcrição das fitas e por tanto carinho que se propuseram a me
ajudar.
Às minhas amigas de Mestrado, Erica Soares, Karen Costa, Juliana Rollo, Claudia
Zanforlin, Isabela Cortês, Iamara Rios, Ana Maria Parizzi e Marisa Feital.
Em especial, quero agradecer às minhas grandes amigas, Erica pelas longas
conversas sempre enriquecedoras e a Karen por sempre me atender e ajudar
quando precisei.
À amiga e irmã, Bete Almeida, pelo apoio incondicional e pela amizade sincera e
infinita.
À Valéria uma amiga que me ajuda a ser eu mesma.
Aos profissionais, fonoaudiólogos e professores que aceitaram participar da
pesquisa.
À minha família que devo tudo, especialmente, pela confiança que depositaram
em mim para realizar esse projeto.
Aos meus pais a quem devo minha vida e todo carinho, afeto e ternura.
À minha mãe, Cida, que é minha companheira, fortaleza e tudo de mais rico que
tenho na vida e ao meu pai, Luiz (memorian) que amo mais que a mim mesma e
que deve estar orgulhoso por eu ter realizado mais esse projeto, sem eles nada
disso seria possível.
À minha avó, Yolanda, amor da minha vida que é um exemplo de dedicação,
espiritualidade, aconchego, perseverança e fé, obrigada pelas orações.
Aos meus grandes amigos que entenderam minhas ausências nos finais de
semana, Luiz e Soraia, Erica e Paulo e a pequena Letícia.
À minha irmã Mônica, ao meu cunhado Carlito e ao meu sobrinho Gustavo (filho)
que amo de paixão, pelo exemplo de família, amor, carinho, afeto e pela confiança
que sempre depositaram em mim.
Ao meu marido, minha alma gêmea, a quem devo todo meu amor e agradeço pelo
incentivo, confiança, pelos conselhos e por tanta dedicação, cumplicidade,
respeito e principalmente, por estar sempre ao meu lado, e me compreender. Te
amo!!!
À Capes pela bolsa concedida.
RESUMO
INTRODUÇÃO-Este trabalho surgiu da necessidade de refletir sobre o sentido do
erro no campo da linguagem escrita na Fonoaudiologia; visto que tal área tem
recebido maior atenção de pesquisadores dada à diversidade de aspectos
observados na constante demanda clínica. O que ocorre é que crescentemente
são feitos encaminhamentos, prioritariamente por professores que trabalham com
crianças em idade escolar - a partir dos 07 anos de idade - que apresentam
dificuldades de aprendizagem. É possível notar que o encaminhamento escolar
acontece, geralmente, devido à constatação de erros nas produções de tais
crianças. O que podemos observar no contexto clínico é que em muitos casos os
professores encontram dificuldades em como lidar com o aparecimento do erro em
sala de aula e, por isso, a necessidade dos encaminhamentos a profissionais
como os fonoaudiólogos que enfocam seu trabalho na linguagem e, neste caso
em particular, com a linguagem escrita.OBJETIVO-O objetivo desse trabalho foi
investigar o sentido do erro na escrita de crianças na perspectiva do fonoaudiólogo
e do professor, além de buscar as possíveis articulações existentes entre tais
visões. MÉTODO-Para tanto foi realizada uma pesquisa qualitativa utilizando a
técnica de grupo focal com um grupo de fonoaudiólogos e um grupo de
professores.RESULTADO-A pesquisa trouxe como resultado que em suas
interpretações os fonoaudiólogos procuram interpretar o erro numa visão mais
ampla e conceitual como encontramos em práticas discursivas apoiadas no
conceito de letramento, enquanto que os professores ainda direcionam seu olhar
para o erro enquanto alvo, falha reduzindo a escrita em atividades estritamente
escolares.CONCLUSÃO-Esperamos que essa pesquisa possibilite um novo olhar
para os erros na escrita de crianças contribuindo tanto para o fonoaudiólogo
quanto para o professor.
Palavras chave: linguagem escrita, erro, Fonoaudiologia, grupo focal.
ABSTRACT
INTRODUCTION-This work results from the necessity of reflecting about the errors
committed in the field of written language of
speech and hearing therapist once this
area has been demanding more attention from the researchers due to the diversity
of aspects that are observed in constant clinical demand. The fact is that we note
an increase in the leading of patients done mainly by teachers who work with
children in school age - from 7 years old on - that present difficulty in learning. It's
possible to note that when the patient is leaded by the school, it's usually because
of errors committed by the children in their production. We can observe in the
clinical context that in many cases the teachers find difficult to deal with the
appearance of errors inside the classroom and this way they decide to lead the
children to a professional
speech and hearing therapist like a that focus its work in
the language, and particularly in this case in the written language. OBJECTIVE-
The objective of this work was to investigate the sense of the errors in the written
language of the children taking into account the perspective of the
speech and
hearing therapist
and the teacher, besides looking to find possible articulations that
may arise in both visions. METHOD-This way, we carried out a qualitative
research where we utilized the technique of focal group with the presence of
speech and hearing therapist
and teachers. RESULT- The research brought as a
result that the
speech and hearing therapist tend to interpret the errors in a more
wide and conceptual vision, such as we find in discoursive practices supported on
the "letramento" concept, while the teachers still direct their look to the error as an
"target", a fault reducing the writing in strictly school activities. CONCLUSION- We
hope this search to make possible a new look to the errors in the
speech and
hearing therapist speech and hearing therapist
written language of children and
also to contribute to professionals like and teachers.
Key words: written language, errors, Phonologies, focal group.
SUMÁRIO
Página:
INTRODUÇÃO............................................................................................
1
1. REVISÃO DE LITERATURA................................................................... 4
1.1. VISÃO ASSOCIACIONISTA ................................................................ 7
1.2. VISÃO ASSOCIACIONISTA NO ÂMBITO ESCOLAR ........................ 12
1.3. VISÃO CONSTRUTIVISTA .................................................................. 14
1.4. VISÃO CONSTRUTIVISTA NO ÂMBITO ESCOLAR .......................... 22
1.5. VISÃO HISTÓRICO-CULTURAL ..................................................... 25
1.6. VISÃO HISTÓRICO-CULTURAL NO ÂMBITO ESCOLAR..................
34
2. PERCURSO METODOLÓGICO .............................................................. 38
2.1.PLANEJAMENTO
...............................................................
39
2.2. CARACTERIZAÇÃO DO MODERADOR ............................................ 40
2.3. CARACTERIZAÇÃO DOS FONOAUDIÓLOGOS ................................. 41
2.4. CARACTERIZAÇÃO DOS PROFESSORES ........................................ 43
2.5. ESCOLHA DO MATERIAL .................................................................
44
3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS.........................................
47
4.AVALIAÇÃO INTRA-GRUPO E INTER-GRUPO......................................
79
4.1 AVALIAÇÃO INTRA-GRUPO.................................................................. 79
4.2 AVALIAÇÃO INTER-GRUPO..................................................................
81
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................
82
BIBLIOGRAFIA.............................................................................................
84
ANEXOS........................................................................................................ 88
1
INTRODUÇÃO
Este trabalho versa o estudo da linguagem escrita na Fonoaudiologia visto que
tal área tem recebido maior atenção de pesquisadores, dada à diversidade de aspectos
observados na constante demanda clínica. Os encaminhamentos realizados são
prioritariamente realizados por professores que trabalham com crianças em idade
escolar - a partir dos 07 anos de idade - que apresentam dificuldades de aprendizagem.
É possível observar que o encaminhamento escolar acontece, geralmente, devido aos
erros constatados nas produções de tais crianças. O que podemos observar é que em
muitos casos os professores encontram dificuldades em como trabalhar a questão do
erro em sala de aula e por isso a necessidade dos encaminhamentos a profissionais
como os fonoaudiólogos que enfocam seu trabalho na linguagem e neste caso em
particular na linguagem escrita. A literatura aponta que, na visão do professor, os erros
são considerados como indícios de dificuldades na aprendizagem (BARCELLOS,
2003).
Ao deparar-se com essas questões no contexto clínico – terapêutico, o
fonoaudiólogo busca compreender as razões pelas quais os profissionais da escola
julgaram relevantes para a realização de tal encaminhamento e assim, refletir sobre a
interpretação subjacente a cada caso em particular.
Considerar o sentido que o erro tem para o educador e para o fonoaudiólogo faz-
se questão imprescindível de ser discutida nesse trabalho. Tanto o fonoaudiólogo
quanto o professor embasam suas práticas em construtos teóricos que norteiam suas
concepções de erro. Assim, é preciso debruçar-se sobre os pontos de convergência e
divergência de tais práticas e, desse modo, investigar os sentidos do erro presentes
tanto para um quanto para outro profissional e em que medida a perspectiva de ambos
é levada em consideração em seus respectivos trabalhos tendo em vista um mesmo
foco: paciente/aluno.
2
Cabe ressaltar que tanto a Fonoaudiologia como a Pedagogia têm se
empenhado em interpretar e refletir sobre as dificuldades das crianças em relação à
escrita e especialmente com o erro fator este que possibilita interpretações distintas de
ambas as áreas inspiradas no contexto em que se apresentam.
Diante de tais apontamentos, este trabalho propõe a compreensão das
perspectivas teóricas que abarcam a noção do que é erro e a maneira de avaliá-lo e
tratá-lo na clínica fonoaudiológica. Já na prática pedagógica a compreensão teórica nos
levará a pensar como o professor irá trabalhar e interpretar o erro em sala de aula, fator
esse que dependerá do seu referencial teórico/ metodológico adotado. Para tanto, nos
debruçaremos sobre as seguintes perspectivas que propõem uma teorização sobre o
processo de aquisição da linguagem escrita.
Uma primeira perspectiva que será destacada tem como seus representantes
AJURIAGUERRA & AUZIAS (1975) que partem de abordagens associacionistas e
tradicionais de aprendizagem em relação à escrita considerando-a como transcrição da
oralidade. Nesta abordagem, qualquer alteração, falha ou erro na escrita serão
considerados como um distúrbio; partindo desse enquadre o sujeito/criança será
receptor do conhecimento que é de domínio do outro.
Uma outra perspectiva parte de dizeres construtivistas embasados em Piaget
tendo como seu representante FERREIRO (1986); esta concepção inaugura um novo
olhar para a clínica e principalmente para a escrita, contribuindo para a superação da
visão restrita na qual aprender a escrever é simplesmente a aprendizagem de uma
técnica; tratando a escrita como objeto conceitual.
Uma última perspectiva sócio – histórica a merecer destaque, é representada por
VYGOTSKY (1935), que vem resgatar o papel do outro como fundamental. A escrita
será entendida enquanto fruto social, ou seja, a criança constrói seus conhecimentos na
interação com o mundo, interação essa permeada pela presença do outro.
3
Tomamos como objetivo central deste estudo à investigação dos sentidos do
erro na escrita de crianças em idade escolar do ponto de vista dos fonoaudiólogos e
dos professores, além de discutir as possíveis articulações existentes entre tais visões.
Pretendemos, portanto, lançar um olhar diferenciado à queixa de escrita trazida à
clínica fonoaudiológica, contribuindo para a produção de conhecimentos na
Fonoaudiologia e na área da educação escolar.
Acreditamos que esse trabalho possa contribuir tanto para a Fonoaudiologia
como a Pedagogia, possibilitando um novo olhar para o sentido dos erros na escrita de
crianças e suas possíveis interpretações.
4
_________________________________________________________________
1. REVISÃO DE LITERATURA
Tradicionalmente, alfabetização é entendida como processo de aquisição do
código alfabético, em que a escrita representa a transcrição de sons em fonemas.
Atribui-se uma simplicidade ao sistema alfabético, acreditando que para facilitar ainda
mais a tarefa de alfabetizar, deve-se desvendar, todos os mistérios, ingressando
imediatamente nos códigos. Em uma sociedade constituída por um grande número de
analfabetos e marcada por práticas de leitura e escrita muito reduzidas, essa prática de
alfabetização parece suficiente para a diferenciação de indivíduos alfabetizados dos
analfabetos.
Vemos que o analfabetismo e a complexidade de nossa sociedade atual exigem
uma crescente transformação ao acesso a escrita, marcada principalmente pelo apelo
que o mundo letrado exerce. É nesse contexto de grandes transformações sociais que
surge o termo “letramento”. (SOARES, 2004)
TFOUNI (1997) considera que alfabetização e letramento estão interligados, mas
distintos quanto à sua funcionalidade. Para a autora, a alfabetização é algo pertencente
ao âmbito individual, que se apresenta de duas formas: como processo de aquisição de
habilidades de leitura e escrita de maneira individual e como processo de
representação (simbolização), portanto, alfabetização envolve níveis de complexidade.
Já o letramento investiga não somente quem é alfabetizado, mas também quem não é,
deslocando-se desta forma do individual para o social voltando-se para os aspectos
sócio-históricos da aquisição da escrita.TFOUNI (1997), conclui que não existem
pessoas iletradas, pois mesmo entre os não-alfabetizados há características dos
alfabetizados.
SOARES (2004), também compromissada com as questões da escrita, iniciou
uma discussão através de uma diferenciação entre letramento e alfabetização. Para a
autora o termo alfabetização significa “ensina a ler”, relacionando a escrita a um código,
5
porém, o indivíduo que aprende a ler e escrever não necessariamente adquire
competência para leitura e escrita, para envolver-se com práticas sociais, como: livros,
jornais, revistas; daí o surgimento do letramento.Para a autora um indivíduo pode não
saber ler e escrever, contudo, se está inserido em um meio de fortes práticas sociais
com a escrita, se interessa em ouvir uma música ou se solicita à ajuda de um
alfabetizado para ler um letreiro, por exemplo, de certa forma ele é considerado letrado,
da mesma forma a criança que ainda não se alfabetizou, folheia revistas, compra gibis,
ouve histórias contadas pelos pais etc.
Ao direcionarmos essa discussão do letramento à Fonoaudiologia veremos que
esse conceito pode ser muito útil na prática clínica fonoaudiológica com a linguagem
escrita.GARCIA (2004) em seu texto “Fonoaudiologia e Letramento” faz uma discussão
sobre as práticas fonoaudiológicas e a escrita, trazendo reflexões que podem contribuir
com os trabalhos voltados para os chamados “distúrbios de leitura e escrita”. A autora
inicia um debate sobre um dos grandes desafios dos profissionais da Fonoaudiologia:
os procedimentos diagnósticos a serem adotados que caracterizam o quadro de um
distúrbio de escrita.
Com freqüência, vemos que os sintomas de escrita aparecem na escola, por
fatores sociais ou familiares, porém se a relação do paciente é de sofrimento com a
linguagem escrita, a autora diz que essa é razão suficiente para a intervenção
fonoaudiológica.
O fonoaudiólogo, segundo GARCIA (op.cit p.29), deve considerar a prática do
professor em sala de aula, mas sem necessariamente reproduzir práticas escolares no
consultório, a fim de compreender o motivo dos encaminhamentos feitos pela escola à
clínica fonoaudiológica e, por outro lado, para assimilar as reflexões acerca da
aprendizagem da escrita. A autora mostra que uma das práticas que podem contribuir
com o trabalho da linguagem escrita é encontrada nos Parâmetros Curriculares
6
Nacionais (PCN) acerca da concepção enunciativa-discursiva
1
e o conceito de
letramento.
A contribuição que o conceito de letramento pode trazer a prática
fonoaudiológica é, ao contrário da alfabetização (que considera o indivíduo alfabetizado
quando já domina o código da escrita); o letramento não faz essa divisão é contínuo,
não tem limite, estando o sujeito sempre em contato com práticas letradas. Sendo
assim, as práticas letradas podem favorecer que o fonoaudiólogo não se aproxime das
práticas escolares que valorizam o erro de escrita das crianças, reduzindo-a a correção
e a avaliação.
Essa diferenciação entre letramento e alfabetização faz-se necessária, uma vez
que para compreendermos o fazer fonoaudiológico e pedagógico e como o erro é
entendido, é preciso um aprofundamento nas principais correntes teóricas que tratam
da aquisição do conhecimento, o que será feito na revisão de literatura à seguir.
1
Ver Bakthin, M. Marxismo e filosofia da linguagem.São Paulo: Hucitec, 1998 e ORLANDI, E. Análise do
Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 1999.
7
1.1 VISÃO ASSOCIACIONISTA
Nos estudos associacionistas em relação à linguagem escrita o enfoque está na
estimulação de aspectos perceptuais, auditivos e visuais sendo considerados pré-
requisitos básicos para o sucesso da alfabetização e conseqüentemente para o
aprendizado da leitura e da escrita.
AJURIAGUERRA & AUZIAS (1975) são representantes desta vertente e
oferecem-nos um estudo sobre as condições prévias para o desenvolvimento da escrita
na criança.Segundo os autores, todo indivíduo normal, dado seu nível de
desenvolvimento poderá desenvolver a escrita, porém, seu potencial dependerá da
integridade e maturação dos aspectos motores, visuais e perceptuais que garantirão a
aprendizagem da escrita. Nessa proposta a escrita será considerada como código e,
portanto, transcrição da oralidade. Sendo assim, qualquer erro que a criança apresentar
na escrita será punido e alvo de correção, pois foge a norma culta e reveladora de um
distúrbio.
Dentro desta perspectiva na Fonoaudiologia destaca-se o trabalho de TEDESCO
(1997). Para a autora o aprendizado da leitura e da escrita está vinculado a fatores
como o domínio da linguagem e a capacidade de simbolização, sendo que o seu
desenvolvimento depende de condições internas (sujeito como organismo) e condições
externas (estímulos recebidos) de modo a oferecer subsídios para investigação de um
possível distúrbio. Ainda nessa perspectiva teórica, a concepção de escrita é
caracterizada pela relação estabelecida entre fonema/ grafema, pela utilização de
regras ortográficas, organização do traçado; de forma que a leitura adequada é
caracterizada pela decodificação de símbolos gráficos em seqüência e uso de
pontuações entre outros aspectos formais da escrita. A autora relata que para
compreendermos um distúrbio:
precisamos entender que as freqüentes alterações de esquema
corporal, localização espacial,temporal e lateralidade citadas na literatura
8
especializada no assunto são manifestações das alterações no processo de
desenvolvimento da linguagem e como conseqüência, também do aprendizado
específico da leitura e escrita. Sem perder de vista que estes aspectos da
linguagem são de fundamental importância na avaliação, e muitas vezes, o
ponto de partida para a tratamento, não podemos ignorar que a suspeita de um
distúrbio do aprendizado baseai-se nos parâmetros de uma leitura- escrita ideal,
cuja organização seja determinada pela perfeição da forma e do contudo
gráfico”. (p.912)
Assim, as manifestações de distúrbio são caracterizadas, segundo TEDESCO
(1997) pelo que denomina de desvio de forma, que é representada por trocas,
omissões ou inversões grafêmicas (trocas de natureza perceptual auditiva ou visual);
além do quadro de disgrafia e alterações no ritmo da leitura e desvio no conteúdo da
leitura e da escrita, caracterizado por uma dificuldade de compreensão gráfica.
Ao ser constatado um distúrbio, o procedimento indicado é a terapia com o
objetivo de corrigir os erros cometidos pelas crianças. A avaliação é inaugurada pela
anamnese, cujo objetivo é “a coleta de instrumentos gerais a partir da queixa, para
posterior investigação e análise dos dados relevantes no processo de pesquisa
diagnóstica” (p. 915). Na avaliação, o terapeuta não faz uso de testes padronizados a
priori, somente quando necessário, em busca de valorizar as atividades informais de
interesse da criança, como livros e jogos, pois acredita que desta forma é possível
verificar a natureza das manifestações. Assim, ao se confirmar um quadro patológico,
inicia-se o processo terapêutico, considerado o primeiro passo para o trabalho de
motivação do paciente com a escrita, que ocorre a medida que esta for ganhando
significados diferentes para a criança.
Na concepção de TEDESCO (1997) a escrita, considerada transcrição da
oralidade, está eminentemente vinculada a aspectos perceptuais e motores como se o
desenvolvimento e aprimoramento dessas habilidades viabilizassem o processo da
escrita formal. Desse modo, pode-se verificar nesta perspectiva que o erro de escrita
cometido pelas crianças, é indicador de um distúrbio do aprendizado, valorizando a
9
escrita somente em seu caráter gráfico de relação biunívoca entre oralidade (som) e
escrita (letras); o olhar dado ao erro enquanto estatuto patológico leva a clínica a um
lugar de correção e apontamento dos erros cometidos na escrita.
Com base nesses pressupostos -a escrita como transcrição da oralidade - foi
elaborado em 1981
2
o exame TIPITI na área fonoaudiológica, como “um instrumento
que permitisse avaliar o desempenho lingüístico de indivíduos que procuram
profissionais ligados à área de distúrbios da comunicação” também se enquadram
nessa visão. (BRAZ, H. A & PELLICCIOTTI, T.H, p.83).Este exame pretende avaliar a
emissão e recepção da comunicação oral e escrita, (sendo que tais provas partem do
ponto de vista que a oralidade é matéria prima para a escrita) e propõe atividades
complementares da investigação que englobam aspectos considerados como pré -
requisitos para a alfabetização, como: percepção auditiva/visual, memória
visual/auditiva, discriminação auditiva/visual, lateralidade, noção espacial.
JARDINI (2003) elabora um livro com exercícios propostos através da prática
reabilitadora denominada de multissensorial (Fono – Vísuo -Articulatório) e alia inputs
neurológicos (sons-fonemas) aos visuais (letras-grafemas) e aos cinestésicos
(boquinhas articulemas) direcionado a professores (podendo ser aplicado em sala de
aula) e fonoaudiólogos, elaborado especialmente para os promover o sucesso do
aprendizado da leitura e escrita de crianças que não conseguem alfabetizar-se,como,
por exemplo a dislexia
3
.
Alguns exercícios trazidos nesta obra são pertinentes à categoria de consciência
fonológica e/ou cinestésica para correção de erros cometidos pelas crianças. Foram
elaborados uma série de exercícios específicos para dar conta das trocas de letras e
automatização do conteúdo, que devem ser trabalhados de acordo com o sintoma
2
BRAZ, H. A; PELLICCIOTTI, T.H.F. Exame de linguagem: TIPITI. 3ª edição. São Paulo: Minj, 1981.
3
Embasada em Capovilla (2002) adota a definição de dislexia como “ alterações resultantes de limitações sensoriais
discretas ou anomalias na organização dinâmica dos circuitos cerebrais responsáveis pela coordenação vísuo-
audiomotora. Os indivíduos acometidos são portadores de diferenças de aprendizagem específicas, não tratando-se
portanto de uma patologia e sim de um modo diferente de pensar, não uma incapacidade”. (op.cit, p.17)
10
apresentado pela criança. Alguns exemplos são: troca de /b/ por /d/, memória, atenção,
análise-síntese, etc. Para entendermos melhor como é realizada a aplicabilidade do
“Método das Boquinhas”, iremos detalhar minuciosamente o passo a passo da técnica.
O ponto de partida é a fala e seus sons (fonemas), pré-requisito para a aquisição
das letras (grafemas) como na consciência fonológica, porém, acrescenta-se os pontos
de articulação de cada letra ao ser pronunciada isoladamente (articulemas-boquinhas).
Desta forma o “modelo das boquinhas” é considerado pela autora não um método
cinestésico, mas multissensorial, que estimula a criança a lidar e pensar com a língua
escrita; mecanismo este que auxiliará a desenvolver auto-monitoramento e destrezas
metacognitivas importantes para a construção e interpretação de textos. Equivale dizer
que a criança é ensinada que primeiro deve pensar no que vai escrever, na palavra que
deseja; em seguida deve usar o recurso articulatório da “Boquinha” - falando o que vai
escrever. A partir de então, sua orelha detecta o som, isto é, os fonemas envolvidos; e,
finalmente, vai decodificar em letras, grafemas.Se a criança seguir essas etapas,
certamente vai acertar a palavra, contudo, se passa do primeiro ponto para o último
apressadamente poderá escrever a palavra cometendo erros, devendo começar tudo
de novo.
A fim de exemplificar a aplicabilidade do método, a autora descreve uma
situação em sala de aula na qual o professor, diante do erro, deve ir até a lousa e
reproduzir o erro, sem identificar o aluno que o cometeu, desafiando a classe a detectá-
lo. Em seguida, o educador deve oferecer soluções após as respostas serem dadas
pelos alunos.
Ex. (a criança escreveu /amaralo/ em lugar de /amarelo/)
Prof: Qual a diferença que vemos entre as duas palavras?
Alunos: a letra /a/ no lugar do /e /(apoio visual)
Prof: E quando falamos a palavra errada, que diferença de sons podemos ouvir?
11
Alunos: o som de/ a/ no lugar do/ e/
Prof: Qual a diferença que vemos ao articular a e e?
Alunos: no /a/ a boca é mais aberta e no /e/ é mais fechada
Prof: E se ao errarmos, tivéssemos trocado o /o/ pelo /e/, qual palavra teríamos
escrito?
Alunos: /amarole/
Existe, nessa perspectiva, uma classe de categorias para os erros, são eles:
erros de aquisição (fases iniciais da alfabetização), erros específicos (disgrafias), erros
fonológicos (alteram o som da palavra), erros ortográficos (não alteram o som), erros
gramaticais (não alteram o som, mas o significado),erros contextuais(alteram o
significado e compreensão da leitura).
Para JARDINI (2003) na metodologia do “Método das Boquinhas”, errar passa a
ter conotação de mais uma forma de aprender, forma em que o conhecimento é
lapidado, analisado, contrariando a atitude do professor é de apontador de erros e
delator de falhas que a criança possa a cometer na escrita, aqui toda a criança que erra
é denominada de criança de risco. Como podemos observar, o erro cometido pelas
crianças dentro dessa perspectiva é o alvo, de modo a que “o fonoaudiólogo que se filia
a essa visão simplista de linguagem toma a língua escrita como um código (transcrição
da oralidade) e o sujeito como um ser passivo, sinalizando para o uso de práticas
descontextualizadas com a prática da escrita como ditado, cópia somente em caráter
grafocêntrica”.(Massi, 2003)
12
1.2 VISÃO ASSOCIACIONISTA NO ÂMBITO ESCOLAR
Na prática pedagógica, o método tradicional denominado de sintético,
fundamentalmente se aproxima dessa visão, pois consiste na correspondência entre
oral e escrito, entre o som e a grafia. Estabelece a correspondência a partir dos
elementos mínimos (que são as letras), em um processo que consiste em ir das partes
para o todo.
Nesse método a criança é ensinada a pronunciar as letras, estabelecendo-se as
regras de sonorização da escrita no seu idioma correspondente. Os métodos
alfabéticos mais tradicionais aceitam essa postura. Posteriormente, sob a influência da
lingüística, desenvolve-se o Método Fônico propondo que a grafia inicie-se pelo fonema
(unidade mínima do som da fala) e associe-se a sua representação gráfica. A partir
desse método, é preciso que o sujeito seja capaz de isolar e reconhecer os diferentes
fonemas de seu idioma, para poder, a seguir, relaciona-los aos sinais gráficos.
Partindo desses pressupostos, a ênfase está na análise auditiva para que os
sons sejam separados e estabelecidos nas correspondências grafema-fonema (letra-
som). Os princípios do método são: pronúncia correta para evitar confusões entre
fonemas, grafias de formas semelhantes devem ser apresentadas separadamente para
evitar confusões visuais entre elas, ensinar um par de grafema-fonema de cada vez,
sem passar para o outro enquanto associação não estiver bem memorizada e iniciar
com os casos de ortografia regular, isto é, palavras nas quais a grafia coincida com a
pronúncia.
Na aprendizagem e, posteriormente, a leitura com a compreensão primeiro lugar,
está a mecânica da leitura (decifração do texto) sendo que posteriormente se teria à
leitura com a compreensão, culminado em uma leitura expressiva com entonação.
13
Sejam quais forem as divergências entre os defensores do método sintético,
todas as correntes concordam com o seguinte: inicialmente a aprendizagem da leitura e
escrita é uma questão mecânica; trata-se de adquirir uma técnica para decifrar o texto,
porque se concebe a escrita como a transcrição gráfica da linguagem oral e ler equivale
a decodificar o escrito em som.
As cartilhas para alfabetização, construídas como referencial a partir desse
método são elaboradas na tentativa de coordenar todos esses princípios e
pressupostos evitando confusões auditivas e visuais; apresentar um fonema e seu
grafema correspondente por vez e trabalhar com os casos de ortografia regular. Por
isso, a utilização das sílabas sem sentido acaba acarretando a dissociação do som em
relação ao significado e, portanto, a leitura da fala.
Encontramos na aplicação desse método fônico a proposição da aprendizagem
em dois momentos descontínuos: quando não se sabe, é necessário passar por uma
atividade mecânica e quando se sabe, chega-se à compreensão (leitura compreensiva).
O aluno é considerado como um ser passivo, que deve estar pronto para receber
as informações de como lidar com o código, através de um professor que detendo o
conhecimento, encara o problema como algo metodológico, sem a preocupação de
investigar se os alunos adquiriram conhecimento ou não. O professor, portanto, passa
do simples para o complexo, propondo ao aluno uma série de atividades
descontextualizadas com a escrita, deixando de lado a sua capacidade de pensar sobre
o próprio saber lingüístico.
Assim, práticas alfabetizadoras baseadas nessa perspectiva, revelam uma
imagem empobrecida da língua escrita e uma imagem empobrecida de quem aprende.
14
Deslocando a questão para a valorização de outros aspectos, encontramos
outras perspectivas de atuação no contexto-clínico fonoaudiológico e pedagógico,
especialmente com a linguagem escrita. Uma outra perspectiva, é oriunda da vertente
cognitivista determinada pelas contribuições de Piaget, Ferreiro e Teberosky.
1.3 VISÃO CONSTRUTIVISTA
De acordo com a visão construtivista representada por Jean Piaget “o sujeito é
aquele que procura ativamente compreender o mundo que o rodeia e trata de resolver
as interrogações que este mundo provoca. É um sujeito que aprende basicamente
através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo e que constrói suas próprias
categorias de pensamento ao mesmo tempo em que organiza o mundo” (FERREIRO E
TEBEROSKY, 1986). Dessa forma, o sujeito é aquele que procura ativamente
compreender as coisas do mundo que o rodeia e trata de resolver as interrogações que
este mundo provoca “é um sujeito que aprende basicamente através de suas próprias
ações sobre os objetos do mundo e que constrói suas próprias categorias de
pensamento ao mesmo tempo em que organiza seu mundo” (op.cit, p.26).
Para melhor detalhamento desta perspectiva, parte-se da reflexão de FERREIRO
E TEBEROSKY (1996) que são as principais representantes da teoria cognitivista de
Piaget e desenvolveram um estudo de como as crianças chegam a aprender a ler e
escrever.
FERREIRO (2001) estava interessada em desmistificar a idéia associacionista
em relação à escrita que norteava as práticas educacionais até então , considerando -a
como código de transcrição da oralidade. O que interessava era verificar como se dava
a construção desse sistema de representação e suas regras de produção.Esta visão é
oriunda de estudos desenvolvidos por uma perspectiva cognitivista do desenvolvimento,
na qual se destaca o deslocamento da questão mecânica encontrada na perspectiva
15
associacionista - anteriormente descrita - que concebe a escrita como código de
transcrição da oralidade, para ser considerada como representação.
A diferença essencial existente é que a escrita sendo considerada como
codificação, faz com que alguns elementos (fonemas-grafemas)sejam pré-
determinantes para aquisição da linguagem, por outro lado,ao toma-la enquanto
representação, nem os elementos nem as relações estão pré – determinados, pois sua
aprendizagem se converte na apropriação de um novo objeto de conhecimento( a
escrita), ou seja, em uma aprendizagem conceitual não sendo transcrição da oralidade.
A distinção entre sistema de codificação e sistema de representação não é
apenas terminológica, suas conseqüências marcam diferenças significativas na
alfabetização. Ao ser considerada como transcrição, ocorrendo a conversão de unidade
sonora em gráficas, coloca-se as modalidades de discriminação visual e auditiva em
primeiro plano. Embasada numa concepção como essa, à escrita será concebida
somente como uma técnica para a aquisição da leitura e escrita. O embasamento nessa
concepção, centram-se na exercitação discriminatória dos elementos (fonemas-
grafemas) sem questionamento sobre as unidades utilizadas, reduzindo assim a
linguagem a uma série de sons (contraste sonoro ao nível de significante) separando o
significante sonoro do significado destruindo assim o signo lingüístico.
A idéia central da perspectiva construtivista é a de “... conhecer como as crianças
chegam a ser leitores no sentido psicogenético -antes de sê-lono sentido das formas
terminais do processo”.(1986 p.260)
Partindo da noção de construção, FERREIRO (2001) distingue três períodos
para elucidar a evolução psicogenética da escrita; o primeiro período é o caracterizado
pela distinção entre o modo de representação icônico e não icônico qual seja, a
diferenciação entre marcas gráficas figurativas (desenho) e não figurativas
(escrita).Assim, primeiro período, a criança alcança a distinção entre desenhar e
escrever, ou seja, a distinção entre marcas gráficas figurativas e as não figurativas. O
16
desenho demonstra um domínio do icônico, onde as formas do grafismo reproduzem a
forma dos objetos. Na escrita, as formas dos grafismos não reproduzem a forma dos
objetos e nem sua ordenação espacial reproduz o contorno dos mesmos. Neste
período, a arbitrariedade das formas utilizadas e a ordenação linear das mesmas, são
as primeiras características manifestadas da escrita pré-escolar. As crianças não
demandam esforços intelectuais para inventar letras novas, mas adotam a forma das
letras da sociedade tal e qual as receberam.
Entretanto, as crianças dedicam um grande esforço intelectual à construção de
formas de diferenciação entre as escritas, o que caracteriza o período seguinte.
Inicialmente, os critérios de diferenciação são intrafigurais e consistem no
estabelecimento das propriedades que um texto escrito deve possuir para ser
interpretado. Esses critérios intrafigurais se expressam de dois modos: 1-na
preocupação apresentada pela criança tanto com a quantidade mínima de grafias-
geralmente três- que uma escrita deve possuir para dizer algo e 2- como a variação
interna necessária para que uma série de grafias possa ser interpretada.
O avanço para o momento seguinte é marcado pela busca de diferenciação entre
as escritas produzidas. As crianças exploram agora critérios que lhes permitem, às
vezes, variações entre a quantidade de letras de uma escrita para outra, de forma a
obter escritas diferentes. Às vezes, as crianças procuram variar o repertório de letras
utilizando uma escrita para outra ou variando a posição das mesmas letras sem
modificar a quantidade.
Como demonstra FERREIRO (2001), nestes períodos iniciais, as produções
escritas das crianças não estão reguladas por semelhanças ou diferenças entre os
significados sonoros. A preocupação com a propriedade sonora do significante marca o
ingresso no terceiro período desta evolução, o silábico. É quando a criança descobre
que as partes da escrita (letras) podem corresponder outras partes (sílabas). O sujeito
cognoscente descobre, então, que a quantidade de letras com que vai escrever pode
ter correspondência com a quantidade de partes que se reconhece na emissão oral. Na
17
evolução deste período silábico, a criança estabelece que, em sua escrita, cada sílaba
deve ser representada por uma letra, sem omitir sílabas e sem repetir letras.No entanto,
nem sempre o valor sonoro das letras é utilizado. Para algumas crianças, qualquer letra
pode ser representar qualquer sílaba; para outra, vogais ou consoantes da sílaba em
questão podem ser empregadas para representá-la.
Neste nível, uma concepção precedente - a de que é -necessária uma
quantidade mínima de três grafias para que uma escrita possa ser lida-entra em conflito
com a hipótese silábica. De acordo com a hipótese silábica, uma palavra monossílaba
ou dissílaba escrita, portanto, com uma ou duas grafias, não poderá ser aceita como
significando alguma coisa.Além disso, ocorrem as contradições entre as interpretações
silábicas e a escrita produzida pelos adultos.
Utilizando o modelo piagetiano da equilibração, FERREIRO (1986) explica que
essas contradições vão desestabilizar progressivamente a hipótese silábica, levando a
criança a procurar uma análise da palavra que se aproxime mais da fonética.
Comprometendo-se em um novo processo de construção, a criança avança para o
período silábico-alfabético, o qual é marcado pela transição entre esquemas em via de
serem abandonados e os esquemas futuros a serem construídos. A criança ainda não
descartou totalmente a hipótese silábica, mas mesmo assim começa a analisar a
palavra em termos de sílabas e fonemas, produzindo, conseqüentemente, uma escrita
que algumas grafias representam as primeiras e outras, as posteriores.Não se trata de
omissão de letras e sim da incorporação de grafias rumo à escrita alfabética.
No período da escrita alfabética, a criança representa, com cada grafia, um
fonema da língua. Contudo, não se pode considerar este nível como o ponto terminal
do conhecimento do sistema de representação. As crianças nesse nível ainda resolvem
os problemas ortográficos, pois a identidade do som não garante a identidade das
letras, nem a identidade das letras a dos sons. Assim, as interpretações que a criança
dá à escrita ao longo do seu percurso nos diferentes níveis, constituem o processo
através do qual se dá a alfabetização.
18
O trabalho sobre a Psicogênese da língua escrita contribuiu para a superação da
visão restrita que aprender a escrever é simplesmente a aprendizagem de uma técnica.
Esta perspectiva teórica apresentou a possibilidade de tratar a escrita como objeto
conceitual. A escrita, sob o ponto de vista psicogenético, além de ser um instrumento
de origem social, a escrita é também um sistema de representação de uma língua.
Aprender a ler e a escrever requer a compreensão de como esse sistema funciona e o
que ele representa.
Na perspectiva ferreiriana a noção de erro é entendida enquanto construtivo, pois
à medida que se diz que o conhecimento será construído na relação criança-objeto,
todo e qualquer pensamento da criança sobre a escrita terá o estatuto de hipótese e,
portanto, constitutivo do processo de construção. O erro aqui assume uma nova
significação, é interpretado com indicador de uma atividade organizadora e
assimiladora, essencial para progredir. É também indício que o sujeito não incorpora
passivamente as informações do seu meio, mas que as assimila aos seus esquemas,
mesmo que muitas vezes esses sejam ineficazes e tenham de modificar-se ou
organizar-se de maneira mais adequada.
Assim, o erro revela apenas um momento transitório em que os indivíduos se
encontram na seqüência temporal em que é construído o conhecimento, devendo,
portanto avançar, desde que o sujeito perceba o conflito gerado entre o que já conhecia
e a informação nova, ou ainda, que o indivíduo procure superar o conflito, elaborando
um novo conhecimento que o devolverá o equilíbrio. Em outras palavras, a criança
dotada de uma inteligência ativa, constrói seu conhecimento sobre a escrita. Aqui, a
criança é matriz de conhecimento, resgatando o processo ativo de construção de
hipóteses.A criança, através de seu conflito cognitivo, tornará possíveis novas
possibilidades de conhecimento. O papel outro (adulto) será de desequilibrar o estado
de equilíbrio que se encontra a criança até acomodar.Podemos compreender, portanto,
que a construção do conhecimento pela criança é individual, fruto da relação que ela
estabelecer com a escrita.
19
Como representante da vertente piagetiana na Fonoaudiologia trago o trabalho
de ZORZI (1995,1998) discutindo como trabalha com a escrita na clínica
fonoaudiológica e principalmente como interpreta o erro, tema central dessa
dissertação. Na produção científica da Fonoaudiologia encontramos outros autores que
se embasam nessa concepção e que desenvolveram seus trabalhos com a leitura e
escrita de crianças deficientes auditivas. São os trabalhos de destaque como de
NOVAES (1981), MENDES (1994), MOYSÉS (1995), LODI (1996), FRAGOSO (2000),
e GAROLLA (2001).
Nesse trabalho a discussão centra-se no trabalho de ZORZI (1995, 1998) pelos
seus apontamentos em relação ao erro em específico na Fonoaudiologia e na Escola.
Em artigo publicado por ZORZI (1995) intitulado de “Dificuldades na Leitura e
Escrita: Contribuições da Fonoaudiologia” descreve o caso de um menino com 08 anos
que apresentava queixa na escrita. Segundo dados da professora, a criança estava
escrevendo mal as palavras porque trocava muitas letras” (1995 p.303) e foi sugerida
avaliação fonoaudiológica.Zorzi (1995) tinha como objetivo “fazer uma análise
fonoaudiológica do que pode ser um distúrbio de leitura - escrita, optei por procurar
apresentar como a Fonoaudiologia está envolvida nesta problemática e como pode
tentar contribuir para uma melhor compreensão e tratamento de tais dificuldades
(op.cit, p.294).
Desse modo, para analisar os dados obtidos, o fonoaudiólogo partiu de duas
hipóteses: a primeira, de que todas as crianças escrevem espontaneamente e que ao
se depararem com palavras não familiarizadas cometem erros, entendidos aqui como
conflitos – obstáculos no processo da apropriação da escrita” e a segunda hipótese é
a de que o sistema ortográfico apresenta características ou propriedades diversas, com
maior ou menor complexidade, o que resultaria em apropriações diferentes por parte de
quem aprende a escrever”(1995 p.27). Devemos destacar o que ZORZI denomina de
20
conflitos, o que na teoria cognitiva seria: “um progresso no conhecimento não será
obtido senão através de um conflito cognitivo, isto é, quando a presença de um objeto
não assimilável force o indivíduo a modificar seus esquemas assimiladores, ou seja, a
realizar um esforço de acomodação que tenda a incorporar o que resultava
inassimilável... da mesma
maneira, porém, que não é qualquer atividade intelectual,
tampouco qualquer conflito cognitivo que permite um progresso no
conhecimento”.(1995 p.31)
A partir de tais considerações, o autor observou na avaliação:
Na Linguagem oral: apresentava alterações de fala com tendência ao
ensurdecimento de fonemas sonoros e uma imprecisão articulatória relacionada,
provavelmente por problema respiratório. O desenvolvimento cognitivo de acordo
com a faixa etária: estágio operatório-concreto. A Leitura e escrita: leitura pouco
fluente dificuldade em construções CVC e CCV
4
na escrita há ocorrência de erros
ortográficos, sintático-semântico, produção de narrativas pouco desenvolvidas
apresentando texto confuso e justapostas como na oralidade (ênfase minha).
ZORZI (1995) afirma que por apresentar falhas na oralidade que atingiam o
domínio articulatório, passavam pelo domínio gramatical até a construção de narrativas,
ou seja, ao mesmo tempo em que estimulava a linguagem, visava conscientizar o
domínio prático e conceitual da linguagem tanto na oralidade quanto na escrita.
Segundo CALHETA (1997) “esses dois níveis de domínio da linguagem são
entendidos enquanto lugar de possíveis problemas manifestados na escrita seja na
forma de erros ortográficos, da não habilidade de construir narrativas ou da não
elaboração adequada de frases (domínio prático), seja pela consideração de que só
haverá problemas de escrita se houver alterações no uso da linguagem oral (domínio
conceitual)” (p.44). Consideramos pertinentes os apontamentos de Calheta (1997) e
Leite (2000) que dizem que ao tentar sustentar a diferenciação entre oralidade e escrita,
o autor se aproxima das modalidades que compreendem o erro como transcrição da
4
Consoante-vogal-consoante, consoante-consoante-vogal
21
oralidade. Ao estimular, perde-se então a idéia de construção em relação à escrita, não
sendo esta a conceitualização que vemos em Ferreiro (1986).
Em seu livro intitulado “Aprender a escrever” – a apropriação do sistema
ortográfico , ZORZI (1998) tem como objetivo analisar aspectos da apropriação do
sistema ortográfico pelas crianças, levando em consideração os erros que produzem na
escrita. Para tanto, analisou produções de escrita de 514 crianças das quatro primeiras
séries do ensino fundamental para avaliar todo o processo de apropriação da escrita e
verificando a ocorrência dos principais erros na alfabetização.
Nesse caminho, classificou as alterações ortográficas em 10 categorias que
comumente são encontradas, a saber: representação múltipla, apoio na oralidade,
omissão de letras, junção ou separação das palavras, confusão em terminações am e
ão, generalização de regras, substituição de grafemas surdos –sonoros, acréscimo de
letras, letras parecidas, inversão de letras.Com este estudo verificou que série a série
há uma diminuição dos erros pelas crianças, mas este quadro não é compartilhado por
todas as crianças o que para o autor indica que “a criança, provavelmente não está
conseguindo elaborar novas hipóteses, que está estabilizando formas elementares de
conceber a escrita” (1998 p.105). A partir deste conceito, Zorzi traz uma discussão
sobre como esses erros são interpretados principalmente no âmbito escolar, nas
palavras do autor: há uma tendência muito acentuada de considera-los, indistintamente,
como patológicos, tendência esta que tem levado à criação artificial de
pseudodistúrbios de aprendizagem “(op.cit, p.107)
Concluindo, acreditamos que o autor, na busca de que a inspiração ferreriana
contemplasse sua atuação, procurou justificativas para os erros cometidos pelas
crianças na escrita e os classificou em categorias, no sentido de diferenciar o erro
patológico da norma/esperado; entretanto, esse procedimento também pode ser
considerado um indicador da necessidade de se criar critérios para direcionar o
processo terapêutico.
22
A partir das discussões realizadas na Fonoaudiologia faz-se importante nesse
capítulo à discussão sobre a concepção piagetiana no âmbito escolar.Logo de início faz
- se necessário ressaltarmos que a teoria de Piaget, não fora elaborada pelo autor com
o propósito de ser aplicada no processo de ensino-aprendizagem. No entanto, através
das produções de FERREIRO E TEBEROSKY (1986) pautadas na teoria construtivista,
a obra de Piaget foi paulatinamente sendo adaptada ao contexto da educação escolar
brasileira.
1.4 VISÃO CONSTRUTIVISTA NO ÂMBITO ESCOLAR
Numa prática pedagógica pautada pelo construtivismo, é necessário que o
professor compreenda a hipótese
5
que a criança está trabalhando, de modo que possa
ser possível problematizá-la, através de informações e práticas sendo que as
contradições gerem o avanço em direção a hipótese mais avançada. Ao analisar o
modo como a criança lida com a escrita no início de seu processo de compreensão do
sistema, observa-se que os erros que ela comete têm lógica particular, isto é, que não é
em absoluto transmitida pelo adulto. Isso se observa em crianças tanto de classes
populares, quanto nas quais o ambiente lingüístico e de escrita é rico em informações
(FERREIRO &TEBEROSKY, 1986). Os chamados erros construtivos são etapas de um
processo que indicam a atividade do sujeito e que são necessárias para a compreensão
do objeto em todos os seus aspectos. Quando por exemplo, a criança diz “fazi” (e não
“faz”) ela demonstra uma atividade sobre a língua que não é “captada” pela observação
pura e simples. Os adultos, de maneira geral não falam, assim, mesmo em meios
populares. Esse erro acontece com qualquer criança, de qualquer condição social ou
cultural. Um outro exemplo, agora na escrita, é quando a criança escreve de modo
silábico: uma letra para cada sílaba identificada na fala ( “BA “para bala).
No processo de aquisição da leitura e escrita, encontramos erros, os quais fazem
parte das contradições e conflitos inerentes ao processo.
5
Segundo Ferreiro e Teberosky (1986) a criança passa por 03 grandes hipóteses até a escrita formal, já
discutida anteriormente nessa dissertação.
23
DAVIS E ESPÓSITO (1989), discutem a questão se todos os erros possam ser
considerados construtivos e propõem três alternativas para a análise de erros
apresentados pelas crianças no período de alfabetização:
A primeira alternativa é a de que a criança possui estrutura de pensamento
necessária à resolução da tarefa, mas seleciona inadequadamente para tal. Supõe-se
que a criança já dispõe do conjunto de esquemas necessários para tal tarefa; portanto,
o erro cometido neste caso, não se refere à construção de conhecimento e sim ao
emprego ou aprimoramento dos conhecimentos já construídos. Assim, os erros não
podem ser considerados construtivos, o que ocorre são erros de sistematização do
código escrito, de distração, falta de treino etc. Esta tarefa depende da observação do
professor, que deve possuir um conhecimento aprofundado das etapas pelas quais
deve passar a construção da lógica do sistema de representação.
Outra alternativa é a de que a criança errou porque a estrutura de pensamento
que possui não é suficiente para solucionar uma tarefa. Ou seja, a criança dispõe de
todos os esquemas de ação requeridos pela tarefa. Sem uma clara compreensão do
que lhe cabe realizar e, portanto, sem elementos suficientes para optar por um
determinado curso de ação, só lhe resta proceder por tentativa e erro, fazendo
correções em seu modo de agir, conforme os êxitos ou fracassos. Agora sim, trata-se
de erros construtivos, à medida que neste processo a criança modifica suas ações e
sua forma de conceber o problema. A fonte desses erros reside em desequilíbrios na
forma de atuar do mecanismo de assimilação dos esquemas de ação, o que aciona o
processo de equilibração majorante.
A terceira alternativa é a de que a criança errou por não possuir a estrutura de
pensamento necessária à resolução da tarefa, o que lhe impossibilita a compreensão
do que lhe é solicitado. Ou seja, a criança não é capaz de assimilar o problema como
perturbador, pois o seu sistema cognitivo não se encontra suficientemente
desenvolvido, de maneira que a sua concepção não lhe pareça perturbadora. As
24
autoras citam o caso da criança pré-silábica que, vivendo num meio repleto de material
impresso, não construiu ainda a noção de palavra, de letra, de frases, etc. A maneira
como redige não lhe causa estranheza: permanecendo ignoradas, as contradições
entre a escrita pré-silábica e a alfabética não se constituírem em problemas. Por isso,
comete erros sistemáticos.
Ao se deparar com estas situações, cabe ao professor levar as crianças a
perceberem as contradições, ultrapassando, desta forma, sua antiga forma de operar.
O professor não pode construir, pelo aluno as estruturas cognitivas que lhe permitam a
tomada de consciência das contradições em sua forma de pensar. Ele pode, isto sim,
criar na sala de aula um ambiente propício ao diálogo, fazendo com que as crianças
possam pensar, agir por suas ações.
A partir dos princípios construtivistas, podemos dizer que uma prática
pedagógica que considera a aprendizagem da linguagem escrita como construção de
um sistema de representação deve seguir este caminho: partir dos conhecimentos que
os alunos já possuem, ou seja, dos seus sistemas de significação; apresentar
problemas à maximização do desenvolvimento e não apenas à busca de resultados,
tendo como referencia o processo de construção do conhecimento; aceitar os erros que
indicam progressos na estrutura cognitiva da criança; levar os alunos a tomarem
consciência dos erros cometidos, percebendo-se como problemas a serem enfrentados.
Alguns pesquisadores brasileiros têm dedicado-se também a realizar pesquisas
sobre a alfabetização no âmbito construtivista, dentre eles: TELMA WEISZ (1986),
GROSSI (1983, 1984,1989), REGO E CARRAHER (1986) como também profissionais
da lingüística como, KATO (1984, 1985, 1986) e LUIZ CARLOS CAGLIARI (1981, 1982,
1984, 1985, 1986, 1989).
25
1.5 VISÃO HISTÓRICO-CULTURAL
Passamos agora a uma perspectiva de caráter histórico-cultural.O autor que
tomamos por base nesta concepção é VYGOTSKY (1994), mesmo sabendo que a
teoria histórico-cultural não é obra sua individual - mas constituti-se numa Escola, da
qual VYGOTSKY foi líder, detivemos-nos nosso estudo a suas idéias.
Para VYGOSTSKY (1994), a criança desde o nascimento, está em constante
interação com os adultos, que compartilham com ela seus modos de viver, fazer,
pensar sobre as coisas, integrando-a aos significados produzidos historicamente, ou
seja, as atividades que realiza são interpretadas pelos adultos adquirindo significado ao
grupo cultural que pertence. Assim, as reações naturais, biologicamente herdadas,
entrelaçam-se aos processos culturais, transformando-se em modo de ação e
representação.
Segundo a abordagem histórico-cultural, a relação entre homem-meio será
sempre mediada por produtos culturais, como o instrumento e o signo, e pelo outro que
tem papel fundamental. Para VYGOTSKY (1994), o signo “instrumento psicológico” é
utilizado para representar algo, como a palavra e a linguagem.
Vygotsky concebe a linguagem como um instrumento imprescindível para a ação
e regulação do pensamento; portanto, de grande significado no desenvolvimento
intelectual e cultural da criança. Logo, com a ajuda da fala, a criança é capaz de
transformar e organizar sua atividade prática, começando a fazer uso de instrumentos
especificamente humanos, iniciando o controle do próprio ambiente que a cerca.
Segundo ele, a fala acompanha a atividade prática, assim “fala e ação fazem parte de
uma mesma função psicológica complexa, dirigida para a solução do problema
(VYGOTSKY, 1994, p.28).
Para VYGOTSKY (1994), os processos psicológicos superiores são mediados
pela linguagem. Afirma, ainda, que o homem só constrói conhecimento na relação com
o próximo por intermédio da linguagem. Para ele, quanto mais complexa for a ação
exigida da criança, maior importância à fala irá adquirir.
26
Segundo CALIL (1991), Vygotsky afirma que a linguagem, essencialmente social,
é utilizada como instrumento para a solução de problemas, sendo assim “desde o início
a fala da criança é social, porém ela a usa sem diferenciação da própria ação, de forma
sincrética, multifuncional e global. Em seguida, a fala da criança se divide em fala
comunicativa e fala egocêntrica” (Calil, op.cit, p.16). Logo, a linguagem, enquanto
instrumento para a solução de problemas, só ocorre quando criança internaliza a fala
socializada. Sobre isso, Vygotsky diz que:
A maior mudança na capacidade das crianças para usar a linguagem como um
instrumento para a solução de problemas acontece um pouco mais tarde no seu
desenvolvimento, no momento em que a fala socializada (que foi previamente utilizada
para dirigir-se a um adulto) é internalizada. Ao invés de apelar para o adulto, às
crianças passam a si mesmas; a linguagem passa, assim, a adquiri uma função
intrapessoal além do seu uso interpessoal” (1994 p.30). Equivale dizer, a atividade
interpessoal se transforma em intrapessoal quando o indivíduo toma consciência e
adquire o controle da aprendizagem que internaliza. Assim, para Vygotsky, todas as
funções psicológicas superiores são relações sociais internalizadas.Desse modo,
abordagem histórico-cultural considera que toda função psicológica se desenvolve em
dois planos: primeiro no plano interpessoal para o plano intrapessoal, ou seja, as
nossas maneiras de pensar e agir são resultados da apropriação de formas culturais de
ação e pensamento.
Para Vygotsky, a linguagem é uma atividade criadora de conhecimento. Assim, a
aquisição da escrita, como forma de linguagem, acarreta mudanças no indivíduo. A
escrita é um simbolismo de 2
a
ordem, a qual tem mediação da fala. Segundo Vygotsky
é gradativamente que a linguagem falada (simbolismo de 1
a
ordem) vai tornando
possível a apreensão simbólica direta através dos signos escritos. Portanto, a
linguagem falada é que irá permitir a apreensão do caráter simbólico da escrita.Assim
como o desenho, a leitura, é uma manifestação concreta dos signos, para VYGOTSKY
(1994) o signo “constitui um meio da atividade interna para o controle do próprio
indivíduo; o signo é orientado internamente” (p.62)
27
Vygotsky e seus colaboradores, entre eles Luria e Leontiev (1988),
desenvolveram um estudo sobre a escrita, destacando como condição fundamental à
presença do outro no processo de construção do conhecimento acerca da escrita.
Vygotsky concebe a linguagem escrita como um sistema particular de símbolos e
signos que designam os sons e as palavras da linguagem falada, e não como uma
habilidade motora.Segundo ele, para compreendermos a construção da escrita temos
que nos reportar à história do desenvolvimento dos signos nas crianças. Vygotsky, fala
da pré-história da linguagem escrita; para ele, a história começa com o gesto,
considerado um signo visual - “... os gestos são a escrita no ar...” (op.cit, p. 121)
Reportando-nos à história do desenvolvimento dos signos, o simbolismo no
brinquedo também faz com que a criança atribua a função de signo ao objeto e lhe dê
significado. Assim, a representação simbólica no brinquedo auxilia a linguagem escrita.
Vygotsky destaca ainda a importância do desenho como sendo algo preliminar e
motivador para o desenvolvimento da linguagem escrita. Segundo ele, o desenho é
uma linguagem gráfica, baseado na linguagem verbal. Posteriormente, o desenho de
uma criança torna-se uma linguagem escrita real, na qual, com a tarefa de representar
simbolicamente frases, ela desenha uma figura para cada palavra. Esse processo é
essencial para o desenvolvimento da escrita.
Em síntese, o jogo e o desenho são antecessores da linguagem escrita. Para as
crianças, inicialmente as palavras (signos) estão diretamente ligadas ao objeto ou
ações. Num segundo momento, a criança cria símbolos para representar a fala.
Posteriormente, percebe o significado da linguagem escrita do mesmo modo que a
linguagem falada. Assim, consegue perceber a escrita discursiva, como mais uma
forma de comunicação. Se, inicialmente a linguagem funciona como instrumento,
quando apropriada, passa a ser função. Portanto, a linguagem é sempre instrumento,
mas nem sempre foi função.
Nessa perspectiva, o erro cometido pelas crianças no período do
desenvolvimento da escrita será considerado como construção social, um exemplo de
sala de aula trazido por (FONTANA E CRUZ, 1997) explicitam essa posição da escrita
28
como construção. Uma sala de aula de 1ª série, com 26 alunos entre 7 ou 8 anos de
zona rural, estão sendo trabalhados pela professora sob o funcionamento e
funcionalidade da escrita,mostrando para as crianças de maneiras formais ou informais
o uso da escrita no contexto social, através de revistas, calendários,leitura de livros, até
que solicita que os alunos escrevam uma notícia no jornal dos alunos. Duas crianças
começam a conversar sobre a torneira que foi consertada no banheiro da escola, mas
que ainda não estava funcionado, decidem então, noticiar esse fato no jornal. O aluno
pergunta para a professora: a gente quer escrever que a torneira está quebrada, tia.
Como que escreve?
Aluno: a torne... é o “e”, né, tia?
Prof. Tem o” e”
Aluno: tá quebra... é o “a” ne´, tia?
Prof. Tem o “a”
Aluno: escreve EA. A professora pede para o aluno ler
Aluno :eeee.aaaa
Prof.eeee.aaaa
Prof. Eu também leio “ea” Vamos ler de outro jeito. Torneira,como Serpa que se
escreve torneira?
Aluno:tor..é o “o”escreve o
Aluno:ne é o “e” escreve e.
Aluno:ra faz a letra a
Prof: agora lê, torneira.
Prof. Você acha que está escrito torneira? pergunta para outro aluno.
29
Aluno:não sei
Prof.vamos ler junto:000eeeaaa, não está faltando nada?ttoorr
Aluno: é “ t”, né tia
Prof. Certo.
Como vemos nesse exemplo, a criança analisa do ponto de vista do
conhecimento que ela já tem de suas convenções. Ao indicar, o modo como elabora a
escrita, possibilita que trabalhe de forma convencional, indo além de seu conhecimento.
A professora faz a análise fonológica, mas os alunos participam ativamente. Nessa
interação a professora, ensina os mecanismos estruturais da escrita, à medida que
oferecer a criança à possibilidade de construir sua escrita, na possibilidade da escrita
ser compartilhada. Nessa atividade, a escrita não se limita somente a transcrição de um
código. Havia uma atividade envolvida que era a notícia do jornal, atribuindo a escrita
uma possibilidade de interlocução, tendo para as crianças um significado social. Essa é
uma condição para que a escrita não se desenvolva “como hábito de mão e dedos, mas
como uma forma nova e complexa de linguagem” (VYGOTSKY, 1994 p.133).
Ao escrever o que pensa, sem copiar, a criança busca classificar e sistematizar
os sons da língua com a sua percepção. Nesse processo, comete erros, são
reveladores do seu processo de construção social da escrita. Smolka, embasada em
VYGOTSKY diz que antes de analisar o erro, é preciso que se valorize a condição de
produção. A autora traz vários exemplos de textos cometidos pelas crianças em fase
inicial da escrita, e esclarece que cabe ao adulto quando perceber o erro de escrita,
mediar com a criança a forma utilizada por ela e as razões de sua adequação, ou não,
ao contexto; ou seja, assinalar o erro, ou escreve-lo da forma correta sem analisar com
a criança os critérios de adequação e inadequação de nada contribui com a escrita
convencional. Para escrever, a criança usa de critérios que já conhece, que já viu
escritos e que correspondem, de alguma forma a sonorização. Para Smolka,
examinando com cuidado o erro cometido pelas crianças, vai confirmando as
regularidades e as sistematizações próprias do processo de elaboração da escrita. Os
30
erros revelam os modos como as crianças procuram organizar as informações e os
conhecimentos que têm” (1997 p.218).
Outro modo de olhar para os erros é não considera-los “negação do
conhecimento”, ou “afirmação da inteligência da criança e da sua capacidade de
pensar”, porque são ambas as coisas ao mesmo tempo; mostram a hipótese da criança
com a escrita, o quanto já aprendeu e compreendeu, quanto a sua função e
organização; e também que pontos precisam ser trabalhados para que com ajuda do
adulto possa avançar em suas elaborações de escrita; um só tempo, o erro indica o que
não precisa ser trabalhado com a criança, pois já é do domínio dela, e o que ainda
exige a intervenção do adulto, por estar em elaboração.
Embasadas nessa concepção na Fonoaudiologia encontramos os trabalhos de
DAUDEN E MORI (1997), MASINI, MARTZ E PERROTTA (1995, 2004), CALHETA
(1997), NAGAMINE (1995).
DAUDEN E MORI (1997), baseadas nessa visão, explicam sua atuação na
clínica fonoaudiológica, apontando que um dos fatores do desinteresse das crianças
pela escrita se deve à relação que já estabeleceram com esse objeto (escrita), sendo
considerada por elas como apontamentos de seus erros tendo caráter puramente
avaliativo e isso deve ser considerado na clínica.
Nas palavras das autoras: “é de fato asseverado que as crianças, quando
chegam à clínica fonoaudiológica em função de dificuldades com a linguagem escrita, já
estabeleceram uma certa forma de operar e de se relacionar com este objeto, a qual
deve ser compreendida pelo fonoaudiólogo. O desinteresse pelas atividades de leitura e
escrita, o desconhecimento acerca de suas funções, as frustrações e inseguranças
geradas, freqüentemente, pelos erros que a criança comete enquanto leitor escritor
constituem, majoritariamente, o quadro com o qual o fonoaudiólogo se depara”. (1997,
p.53)
31
PERROTTA, MÄRTZ E MASINI (1995) que elaboraram um trabalho direcionado
à professores, mas que apresenta relatos e discussões que são complementares as
questões clínicas experienciadas.
As autoras apontam inicialmente algumas concepções de linguagem que
consideram fundamentais, discorrem sobre a perspectiva sócio-histórica para que
posteriormente apresentem textos escritos por crianças no contexto clínico-terapêutico,
enfocando as hipóteses construídas por elas acerca dos erros presentes nas suas
produções.
Um dos exemplos dado pelas autoras ilustra essa idéia. A menina escreve
Lavem o menino sapeca”, quando deveria escrever “Lá vem o menino sapeca”.
Observa-se aqui a predominância da segmentação da oralidade em detrimento da
segmentação da escrita sendo que esta predominância modifica-se gradativamente à
medida que lhe é apresentada novas possibilidades de se relacionar com a linguagem
escrita como livros, gibis.
Segundo as autoras um caminho deve ser trilhado para que a criança faça o uso
convencional da criança, ao lançarem o olhar para as produções e aos seus erros. Nas
palavras das autoras, “em todas as produções apresentadas há a busca, por parte de
quem escreve, daquilo que lhe é mais familiar, mais conhecido, mais possível de usar
para dizer o que ora se lança a dizer por escrito. Antes de qualquer produção ser
entendida como erro, ou mesmo como uma dificuldade maior que possa ser entendida
como dislexia, é importante que o professor, sendo ele o condutor do processo) a
entenda como ousadia(...). Ninguém vai saber das possibilidades que a escrita oferece
se não escrever mais e mais””(op.cit.45)
Desta forma, as autoras concluem que “cabe ao fonoaudiólogo não só
compreender, a partir do erro, a forma como a criança está operando com determinados
aspectos da língua escrita, mas também recortar e interpretar estes erros, num trabalho
32
de ressignificação que caminha na direção de uma escrita convencional e socialmente
aceita”. (op.cit p.57)
Em novo artigo publicado PERROTTA, MASINI E MARTZ (2004) relatam a
história de dois pacientes com história de sofrimento em relação à escrita. O primeiro
caso tratava-se uma moça de dezessete anos que cursava o segundo colegial, com
histórico de repetência escolar e desmotivação e imagem negativa em relação a
condição de ler e escrever. O segundo caso, era um menino de nove anos cursando
terceira série do ensino fundamental com dificuldades de leitura e escrita, sendo
considerado disléxico pela mãe.
Em ambos em casos, dada a natureza do problema a possibilidade de se
trabalhar em um processo terapêutico voltado para práticas discursivas, nas quais a
circulação de gêneros discursivos se fez atuante pode contribuir para a transformação
da relação escrita-sofrimento desses pacientes sendo considerado pelas autoras um
terreno frutífero para o trabalho clínico terapêutico com a escrita.
Em um capítulo de livro PERROTTA (2004) relata o caso de um paciente de 15
anos encaminhado a clínica fonoaudiológica pelos seus erros. Nas palavras da autora:
Perguntei ao João, um paciente de 15 anos, em nosso primeiro encontro: Então, o que
o traz aqui? E ele, um tanto tenso e angustiado, me respondeu: Erros. Na vida?
Retruquei, apontando a generalização que fez de sua dificuldade. E João, especificou,
permitindo-se sorrir: Erros na escola.”
Até a 8ª série J. tinha estudado em uma escola regular, tirando boas notas até
que no colegial seus pais resolvem mudá-lo de escola passando a estudar em uma
escola tradicional de São Paulo, quando começaram seus problemas em relação à
escrita. O encaminhamento foi realizado pela escola mediante seu rendimento escolar e
dificuldades nas produções textuais.
33
No decorrer do processo terapêutico a autora pode observar que J. teve pouco
contato com outros tipos de gêneros, não se preocupando com contexto extraverbal o
que foi sendo ressignificado na clínica pelo contato com outros tipos de gêneros e pelo
brincar dentro de uma concepção winnicottiana.
Concluindo a autora ao se referir ao processo terapêutico diz: “o trabalho
terapêutico fonoaudiológico foi significativo para que ele pudesse elaborar e integrar
aspectos e momentos de sua história, emoldurando, modulando e contextualizando,
pela escrita, o sofrimento trazido inicialmente, genericamente qualificado como erros”.
(op.cit, p.114)
CALHETA (1997), realiza um trabalho com a fundamentação teórica sócio-
histórica representada por VYGOTSKY (1978) e enunciativa de BAKTHIN (1988), e a
partir desses pressupostos objetivou o trabalho na reconstrução de histórias nas quais
a escrita que inicialmente tinha função meramente escolar de apontamentos dos erros
para um trabalho clínico que resultou na ressignificação e re-construção das histórias
com a escrita.
Para esse trabalho fez um estudo com as produções escritas de duas crianças
atendidas na Unidade Básica de Saúde da periferia de São Paulo (UBS) estando com
08 anos, cursando a 2ª série do ensino fundamental e com queixas na escrita.
NAGAMINE (1995) em sua dissertação de mestrado investiga o desenvolvimento
e aprendizagem da linguagem escrita. Como metodologia, utilizou um estudo de caso
de uma criança de onze anos, cursando à 4ª série do ensino fundamental sendo
encaminhada pela escola devido queixas de dificuldades na escrita caracterizadas por
trocas ortográficas, letra ilegível, erros gramaticais e produções textuais confusas e
pobres.
Na entrevista a mãe relata que o filho não tem o hábito de leitura em casa e
também não há incentivo por parte dos familiares.
34
Na avaliação, a autora relata que a criança encontrava dificuldades nos aspectos
discursivos dos textos, sendo caracterizados por uma escrita puramente escolar. Após
avaliação deu início ao atendimento clínico direcionado o trabalho não para a correção
ou supressão dos erros de escrita, mas para os pontos de viragem através de
produções textuais. O atendimento teve duração de 07 meses com êxito, pois a partir
do enfoque dado a escrita, o paciente pode vivenciar sua produção num contexto de
construção e não direcionado para o apontamento de seus erros.
Como podemos observar a clínica da subjetividade aponta para a ressignificação
do erro oferecendo a criança à possibilidade de aprender através deles.
Considerando as perspectivas clínicas apresentadas neste capítulo tivemos
como objetivo principal investigar o que os fonoaudiólogos vêm publicando sobre o
tema, especialmente no que se diz respeito com a linguagem escrita e particularmente
como lidam com a questão do erro na clínica fonoaudiológica.
Acreditamos que este resgate nos proporcionou contemplar que a clínica
fonoaudiológica constituiu-se de formas distintas de acordo com seus pressupostos
partindo de dizeres puramente técnicos para um novo olhar que caminha para o
enfrentamento de novos dizeres e interpretações em relação à linguagem escrita e o
erro, trazendo novas possibilidades de ressignificação.
1.6 VISÃO HISTÓRICO CULTURAL NO ÂMBITO ESCOLAR
Educadores que pretendem utilizar a teoria vygotskyana como fundamentação
teórica têm dado fundamental importância às interações de alunos e professores.
Nesse sentido, procuram privilegiar estratégias que propiciem interações. Assim sendo,
as interações devem estar presentes no cotidiano escolar, como afirma DAVIS (1989
35
p.04) “Se o papel da escola é o de promover a construção de determinados
conhecimentos, é preciso que ela propicie interações onde os alunos participem
ativamente de atividades específicas”. Davis (op.cit) afirma ainda que as crianças não
são absolutamente iguais; cada uma pertence a um grupo com diferentes informações,
estratégias de pensamento e ação, evidenciando-se, assim, a riqueza das interações
sociais, presente no fato de se atribuir a cada parceiro a possibilidade de contribuir no
trabalho partilhado.
Com isso, a autora nos aponta que as interações sociais devem acontecer
sempre que se faça necessária à solução de um problema de forma não isolada. Assim,
afirma que “... cada aluno deve se incumbir de parte do processo de construção de
conhecimentos para que, num esforço, a solução seja alcançada” (1989 p.04).Essa
afirmação ilustra o que chamamos de interação: ação entre, ação partilhada.
No ambiente da sala de aula, verificamos que as interações não devem ocorrer
aleatoriamente, sem metas previamente planejadas; ao contrário, é necessário que o
professor determine e programe as condições do trabalho em grupo, de acordo com
seus objetivos, pois como nos aponta DAVIS (1989) “... nada garante que elas surjam
de forma espontânea ou natural, no cotidiano da instituição” (p.05).
SMOLKA (1988), ao assumir a teoria vygotskyana como base para o seu
trabalho, coloca a linguagem escrita como um processo de construção, interação e
interlocução das crianças. A autora defende a idéia de que a escrita deve servir para
registrar uma idéia, para documentar um fato, enfim, pelo prazer de se comunicar. Para
ela, “no movimento das interações sociais e nos momentos das interlocuções, a
linguagem se cria, se transforma, se constrói, como conhecimento humano” (p.45).
Nesse sentido, a autora concebe a escrita como um processo discursivo. Quando
Smolka coloca a escrita como processo discursivo, remete-nos a indagar o que ocorre
com aquela escrita descontextualizada, sem significado, como, por exemplo, as frases
nas cartilhas alfabetizadoras. Essa indagação nos leva a pensar que tal escrita é
destituída de sentido para quem a utiliza reproduzindo apenas uma função mecânica.
36
Nesse sentido, podemos afirmar que a escrita sem significado dificulta o processo de
internalização da linguagem escrita pela criança.
A função do professor consiste em transmitir conteúdos historicamente
necessários selecionando-os de acordo com a zona de desenvolvimento proximal.Esta
perspectiva imprime mudanças na educação, a primeira é a heterogeneidade que
permite ampliar as capacidades do indivíduo à medida que permite as diferenças de
comportamentos, opiniões e a segunda é que o papel do professor é imprescindível no
desenvolvimento dos indivíduos, não como mero transmissor, mas um mediador. O
pensamento de Vygotsky nos processos de desenvolvimento traz outras implicações na
educação: o redimensionamento e a valorização da imitação dos modelos sociais e do
brinquedo no contexto escolar.
A imitação não se refere a situações descontextualizadas, mas compreensão do
conhecimento externo, possibilitador de aprendizagem, à medida que oferece a criança
à realização de ações que extrapolam suas capacidades reais, mas que fazem parte do
seu nível proximal. A respeito do brinquedo VYGOTSKY (1994) explica que a criança,
buscando satisfazer seus desejos, cria uma forma imaginária que é o brincar, podendo
assim, assumir o papel do adulto e realizar atividades que não seriam possíveis
enquanto criança.O brinquedo favorece a construção de conceitos, pois proporciona o
conhecimento do mundo físico e social, dos objetos e comportamentos humano e
impulsiona processos de desenvolvimento. Esta concepção de brinquedo sugere
mudanças no processo educativo-principalmente no ensino pré-escolar -rompendo a
idéia que brincadeira é passatempo, sem nenhuma importância para a prática
pedagógica e que venham valorizar, estimular atividades no âmbito escolar.
O professor participa ativamente do processo de elaboração conceitual da
criança e nas relações que mantêm, apresentando diferentes contextos de uso da
escrita.A intervenção do professor contribui para o desenvolvimento proximal das
crianças, uma vez que atua sobre atividades psíquicas emergentes, avançando no
raciocínio e começar a se dar conta dele para responder ao outro. O erro nessa
perspectiva evidencia um lugar de construção social. Sendo assim, não cabe ao
37
professor somente corrigir o erro, sua correção e superação exigem procedimentos
diferentes; isso acontece quando o professor faz da correção um momento de estudo
dos processos de elaboração do conhecimento vivido pelas crianças, buscando
discernir o que elas já dominam e o que ainda não, que hipóteses formulam, em que
lógica sustentam sua produção; análise dos acertos e erros, das adequações e
inadequações indicam o caminho a seguir. Planejar o caminho a ser apontado por cada
criança envolve um trabalho de comparar palavras, analisar as regularidades.Esse
trabalho exige a participação do adulto, uma vez que exige habilidades intelectuais que
a criança ainda não domina, sendo assim, compartilha-se tantos as dificuldades quanto
às soluções. No exercício de dizer pela escrita as crianças aprendem e internalizam
mais do que as relações e convenções de um sistema de representação. Elas
aprendem e internalizam modos de interação na sua realidade sociocultural.
38
__________________________________________________________________
2. PERCURSO METODOLÓGICO
Segundo GIL (1995), definir o método é traçar um caminho a ser percorrido para
chegar a um determinado fim. Portanto, é preciso adotar um conjunto de procedimentos
intelectuais e técnicos para atingir o conhecimento e delinear este caminho,
construindo-o de modo coerente com os objetivos a serem alcançados servindo-se de
técnicas compatíveis.
Vários são os métodos que podem ser utilizados na pesquisa científica, porém a
escolha de um determinado caminho e não outro vai depender do objeto de estudo. No
presente trabalho, o interesse foi investigar o sentido do erro na escrita de crianças em
idade escolar na perspectiva do fonoaudiólogo e do professor sendo o delineamento
adotado de pesquisa qualitativa por acreditarmos ser este de melhor enquadre para a
proposta dessa pesquisa.
De acordo com REY (2002), a pesquisa qualitativa: Está orientada à produção
de idéias, ao desenvolvimento da teoria, e nela o essencial é a produção de
pensamento e não o conjunto de dados sobre os quais se buscam significados de
forma despersonalizada na estatística” (p.69).
Segundo BERTHOUD (2000), ao definir a pesquisa qualitativa afirma que:
“Pensar qualitativamente é prescindir de números e da
necessidade de generalizações e, em vez disso, usar as palavras
e suas representações, buscar a consistência, a aplicabilidade e
a transferibilidade dos resultados obtidos. É preocupar-se
igualmente com o conteúdo e contexto, com as subjetividades de
pesquisador e pesquisado e, acima de tudo, ousar”.
39
Para que alcançássemos nosso objetivo foi feita a escolha dentro do
delineamento qualitativo pela técnica sendo denominada de Grupo Focal que para
BERTHOUD (2000):
se baseia em discussões grupais para coletar dados a respeito de um tópico
pré-determinado pelo pesquisador. A principal fonte de dados é o debate, a discussão
entre os participantes, pois é por meio das comparações e trocas feitas por estes, que o
pesquisador tem a oportunidade de perceber não só as semelhanças e diferenças entre
as pessoas, mas especialmente, as fontes de suas diferenças ou semelhanças , através
das relações que surgem durante as discussões”. (p.110). O Grupo Focal não é uma
técnica isolada só para a coleta de dados de grupos, mas um processo que envolve três
etapas: planejamento, execução e análise.
Como a técnica de Grupo Focal é ainda pouco encontrada em pesquisas
científicas na Fonoaudiologia sendo mais referendada na Psicologia Clínica, fez-se
necessária uma descrição minuciosa de suas etapas de forma a tornar o mais
compreensível possível a importância de sua aplicabilidade e escolha nesta
dissertação.
2.1 PLANEJAMENTO
Iniciamos o planejamento pensando na composição e formação dos Grupos
Focais de maneira a atendermos os critérios da técnica que sugeria a formação de no
mínimo 06 participantes para constituírem os grupos como esclarece MORGAN (1997)
com relação ao tamanho dos grupos, não existe uma regra rígida, normalmente o ideal
é de 06 a 10 participantes para maior possibilidade de aprofundamento das questões
entre os participantes”.
Para essa pesquisa formamos dois Grupos Focais, um de Fonoaudiólogos e
outro de Professores, nossa proposta inicial foi constituir cada grupo com 06
participantes, porém não foi possível devido à incompatibilidade de horários e datas dos
participantes convidados, fator este que não prejudicou a coleta nem a análise dos
dados.
40
Ainda fazendo parte do planejamento e da composição dos grupos a técnica de
Grupo Focal sugeria a escolha de um determinado estilo para condução dos grupos e
neste caso escolhemos o do moderador.“O moderador guia a discussão, tendo a tarefa
de elaborar as questões, mas deixa a discussão ocorrer livremente entre os
participantes, só interferindo se necessário”.(BERTHOUD, 2000, p.121).
Neste caso o pesquisador (co-moderador) pode objetivar no início dos encontros
as propostas a serem discutidas, passando a partir daí, a condução dos grupos para o
moderador que auxiliou na moderação dos grupos, observou o comportamento dos
participantes, auxiliou nas atitudes dos participantes que eventualmente perturbassem o
grupo, avaliou o andamento, interferiu quando necessário e fez as anotações por
escrito para serem reunidas pós - grupos com a análise dos dados do co-
moderador.Para fazer o papel do moderador do Grupo dos Fonoaudiólogos o critério
adotado foi à escolha de um profissional fonoaudiólogo que tivesse experiência com
escrita; o mesmo profissional fonoaudiólogo realizou a condução dos Professores fator
este que contribuiu para maior rigor frente às interpretações realizadas dos grupos
focais. Para tanto, foi feito um convite a um fonoaudiólogo que aceitou participar da
pesquisa e que atendia ao critério escolhido.
2.2 CARACTERIZAÇÃO DO MODERADOR
Fonoaudióloga, 26 anos formada há 06 anos pela Puc-Sp; Atualmente tem sua
experiência clínica voltada tanto para a Audiologia em indicação de aparelho em
empresa especializada, quanto na clínica atendendo casos de leitura e escrita. Na
Faculdade, fez iniciação científica sobre escrita de surdos, trabalho este que mereceu
publicação em revista científica da área. Atende casos de escrita, e acredita que o
contexto clínico - terapêutico deva estar sempre respaldado na realidade de vivência da
criança com a escrita como também na escolar. Acredita que os profissionais da área
devam publicar mais sobre escrita, fator este que a impulsionou a participar da
pesquisa.
41
Para a composição dos grupos focais fez-se também um outro critério.Para o
grupo dos fonoaudiólogos estes deveriam ter sua atuação clínica voltada para a área da
linguagem e que atendessem pacientes com queixa na escrita, sendo que o tempo de
experiência não foi uma variável considerada por acharmos interessante misturar tipos
de formação.O critério para a formação do grupo dos Professores consistiu em sua
atuação em sala de aula, preferencialmente, no ensino fundamental. Esta escolha
justificou-se pela demanda dos encaminhamentos realizados pelos professores para a
clínica fonoaudiológica e suas dúvidas em relação à produção de escrita de seus
alunos em sala de aula.
De modo a atender os critérios para a seleção dos profissionais, foi feito um
contato prévio com cada participante para esclarecimento e confiabilidade de sua
participação na pesquisa. Com a aceitação do participante foi-lhe entregue o termo de
consentimento (anexo) sendo exigência da comissão ética, ficando acertado local, data
e hora dos encontros.Estando os grupos formados e atendendo aos critérios
estabelecidos segue descrição da caracterização dos participantes de ambos os
Grupos Focais:
2.3 CARACTERIZAÇÃO DOS FONOAUDIÓLOGOS
F1 –Fonoaudióloga, 23 anos, formada há 2 anos pelo Centro Universitário Lusíada -
Santos/SP. Durante a graduação não teve a possibilidade de atender sujeitos com as
ditas patologias de leitura e escrita. Logo após a graduação, ingressou no Curso de
Especialização em Linguagem pela -PUC-SP (2004-2005), o que a motivou na busca
pela especialização e aprofundamento em questões de linguagem. Nesse período, fez
estágio com um grupo de sujeitos que apresentavam afasia, onde teve a primeira
oportunidade de trabalhar com as questões sintomatológicas da escrita. Findo o
estágio, iniciou o atendimento fonoaudiológico (2005- até os dias atuais) em consultório
- particular e por convênios - no qual têm contato com sujeitos com as ditas patologias
de linguagem oral e escrita, voz, motricidade oral. Ingressou no Mestrado em
fonoaudiologia na PUC-SP em agosto de 2005 por conta do encantamento pela área de
42
pesquisa, uma vez pretende dar continuidade às pesquisas, com a finalidade de
literalizar sobre a área e cada vez mais contribuindo para a cientificidade da
Fonoaudiologia.
F2 – Fonoaudióloga, 33 anos, formada há 10 anos pela PUC-SP, atende crianças com
problemas na escrita em Unidades de Saúde. Realiza projetos em escolas junto a
professores, acreditando que o trabalho em parceria contribui para melhor
entendimento dos reais quadros denominados distúrbios de leitura e escrita na escola;
isso porque recebe um grande número de crianças para atendimento, mas se depara
com uma realidade que muitas vezes poderia ser trabalhada em sala de aula. Acredita
na importância dos aspectos sociais, para o sucesso da escrita e não considera que a
escola trabalhe voltada para o olhar da escrita como forma de comunicação, mas sim
como correção.
F3-Fonoaudióloga, 23 anos, formada 03 anos pela PUC-SP,
sua formação inicial foi
como professora. Fez o curso Normal e foi aí que começou a se aproximar da
Fonoaudiologia, pois as crianças com dificuldades de aprendizagem lhe instigavam.
Novamente se deparou com a problemática das crianças com dificuldades de
aprendizagem, mas agora na atenção básica. Isso porque a maior demanda que
chega ao serviço de fonoaudiologia é justamente a de crianças que apresentam
alguma dificuldade no processo de aprendizagem. Relata observar que a maioria das
crianças que são encaminhadas, não possuem nenhum comprometimento cognitivo ou
motor que justificasse tais dificuldades. Enfatiza a influência do ambiente em que elas
vivem nesse problema, possuem um contato muito restrito com o universo da leitura e
da escrita. Fez curso de Aprimoramento em Saúde Coletiva e atualmente está no
Mestrado em Fonoaudiologia (ambos da PUC-SP) dando continuidade à pesquisa e
estudos nessa área.
F4 _ Fonoaudióloga, 32 anos, formada há dois anos, pela Faculdade Metodista de São
Paulo (UMESP), sua primeira formação foi Odontologia, mas não a exerce;
Por ter
43
estudado mais de 10 anos de música, piano erudito e canto popular, iniciou um trabalho
ministrando aulas particulares de canto popular e em escolas, durante 6 anos. Nesse
período suas inquietações surgiram e lhe instigaram a cursar a Fonoaudiologia.
Atende
casos de crianças com problemas de escrita no consultório e enfatiza fortemente que
nos atendimentos com escrita a importância está em se buscar outras formas para as
crianças vivenciarem a escrita, por exemplo, através de gêneros como cartas, jornais
etc e não uma terapia somente enfocada nos erros ortográficos
. Mas as questões de
linguagem sempre lhe despertaram um grande interesse, uma vez que sempre gostou e
pode vivenciar momentos indescritíveis com relação à leitura e escrita. Recentemente
iniciou o mestrado na Puc-Sp, pois o meio acadêmico e de pesquisa sempre
lhe encantaram, já que nas duas graduações foi monitora de muitas disciplinas.
2.4 CARACTERIZAÇÃO DOS PROFESSORES
P1- Pedagoga, 30 anos, formada há 12 anos pela Universidade São Marcos –SP.
Atualmente está em sala de alfabetização em colégio particular. Já trabalhou em
escolas públicas e particulares sendo que já teve experiências metodológicas tanto em
caráter tradicional quanto construtivista. Acredita que o método construtivista é o mais
rico para a criança mediante possibilidades de exploração e vivência pela criança.Para
ela a criança que é capaz de construir em cima de suas capacidades amplia seus
conhecimentos favorecendo o senso crítico e reflexivo.
P2- Pedagoga, 40 anos, formada há 20 anos pela Faculdade Integridade de Guarulhos
–SP. Atualmente, está em sala aula acompanhando crianças no 2ª série do ensino
fundamental em escola particular e também no ensino público. Sente diferenças entre a
realidade de uma escola pública e particular. Para ela a criança da escola pública ainda
tem seu acesso limitado em relação à leitura escrita, e isso interfere no seu
conhecimento e aprendizagem; acredita que elas apresentam mais problemas de
alfabetização e, considera que esse quadro leva a um número representativo de
encaminhamentos terapêuticos. Acredita que se o professor assumisse melhor seu
papel em sala de aula esse quadro poderia ser modificado.
44
P3- Pedagoga, 24 anos, formada há 04 anos pela Universidade São Marcos-SP.
Atualmente está acompanhando crianças na pré-escola e alfabetização em escola
pública. Para ela, não é somente o ensino que garante uma aprendizagem satisfatória.
Acredita que a criança deva ser motivada para ler e escrever devendo encontrar um
sentido algo que muitas vezes fica descaracterizado na escola. Para ela se a criança for
trabalhada desde pequena com a conscientização do papel social da leitura e escrita
em muito irá aprender e se motivar.
P4- Pedagoga, 38 anos, formada há 10 anos pela Faculdade Integrada de Guarulhos,
acompanha crianças em sala de aula em fase de alfabetização em escola particular.
Não teve a experiência de escola pública. Sempre trabalhou na mesma escola que
adotou nos últimos 04 anos o construtivismo. Foi difícil a adaptação, pois já estava
acostumada com o método mais tradicional de alfabetização, mas observa bons
resultados na prática.
P5 – Pedagoga, 42 anos, formada pela Universidade São Marcos, acompanha crianças
em sala de aula que se encontram na 2ª série do ensino fundamental, em escola
particular. O método adotado pela escola é o tradicional. Teve experiência no método
construtivista em escolas anteriores, mas não se adaptou pela aplicabilidade do método
em sala de aula; para ela, as atividades ficavam sem critérios e regras pré-
estabelecidas, tirando a autoridade do professor em sala de aula.
2.5 ESCOLHA DO MATERIAL
A última etapa do planejamento foi à escolha do material a ser apresentado para
os dois grupos de Fonoaudiólogos e Professores. A escolha do material foi muito
discutida pelo pesquisador que acreditava ser esta uma decisão importantíssima para o
objetivo que se pretendia atingir na pesquisa.Desta forma, foi feita a escolha de se
apresentar a ambos os Grupos Focais, produção de textos escritos de crianças que
foram encaminhadas pela escola para avaliação fonoaudiológica, devido suas queixas
na escrita. Alguns casos necessitaram do atendimento clínico terapêutico e outros não;
45
às vezes a escola achava que deveria ser realizado o atendimento e o fonoaudiólogo
não; O inverso também ocorreu em alguns casos.
O material foi cedido por um fonoaudiólogo da área que atendeu e avaliou os
casos fornecendo os dados sobre as crianças e condutas realizadas frente aos casos.
Trata-se de um material de pacientes que já terminaram seus processos terapêuticos e
que dados mais significativos de suas histórias pessoais bem como nomes verdadeiros
foram omitidos ou transformados para preservação de suas identidades. Foram
consultados registros de 05 crianças para análise dos dados, porém mediante
discussão selecionou-se registros de 03 crianças por atenderem melhor a proposta e
por apresentarem conteúdos mais relevantes para o objetivo da pesquisa.
Foi realizado um encontro com o Grupo dos Fonoaudiólogos e um encontro e na
semana seguinte com o Grupo dos Professores de acordo com a data prevista para sua
realização e execução sendo que o tempo de duração foi aproximadamente duas horas
em cada grupo. No encontro com o Grupo dos Fonoaudiólogos estavam presentes 04
participantes-fonoaudiólogos para discussão no Grupo Focal, 01 moderador para
auxiliar a discussão e o 01 co-moderador. No Grupo de Professores estiveram
presentes 05 participantes - professores no Grupo Focal, 01 moderador para auxiliar a
discussão e o 01co-moderador.
Os encontros foram filmados e posteriormente transcritos para serem discutidos na
análise dos dados e seguidos de anotações feitas pelo moderador e co-moderador em
relação às impressões dos grupos. Faz-se indispensável ressaltar que a pesquisadora
atuava somente nas observações dos grupos cabendo a moderadora o papel de
interferir quando necessário e atender as dúvidas dos grupos em questão.
Na apresentação do material a ambos os grupos não foi referida nenhuma informação
sobre a criança como: idade, escolaridade, pois se esperava que a partir das
discussões feitas entre os participantes de ambos os Grupos Focais em relação aos
textos e a escrita das crianças , eles descrevessem os aspectos que achassem
46
relevantes nos 03 casos apresentados, sendo somente referido a solicitação para que a
criança realizasse a determinada produção. Esta escolha de não se revelar os dados
das crianças foi importante, para se pensar em que perspectiva teórica os participantes
se inspiram para as questões da escrita. Explico, mediante o construto teórico no qual
cada participante se referencia podemos estudar que concepção de linguagem ele
adota e, portanto que sentido será dado ao erro de escrita nas produções por ele
analisadas.
A partir do recebimento dos textos, o moderador realizou algumas questões
subjetivas para os grupos de modo a despertar alguns apontamentos necessários a
avaliação, como: Quantos anos vocês acham que esta criança pode ter?Qual
escolaridade?Que interpretação vocês fazem da escrita desta criança?Há algum
detalhe que chama a atenção?
Para identificação dos fonoaudiólogos e sigilo dos nomes foi adotado o seguinte
critério de reconhecimento e interpretação: F1, F2, F3, F4, para o Grupo dos
fonoaudiólogos e para o Grupo dos os professores: P1, P2, P3, P4, P5.
47
_________________________________________________________________
3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Este capítulo foi estruturado da seguinte maneira: primeiramente é apresentado
o texto 1 da Criança 1; em seguida, constam as interpretações dos dois grupos focais
sobre esse texto e, por fim, a análise dos dados. O mesmo procedimento é adotado no
texto 2 e no texto 3 dessa criança. Já com as crianças 2 e 3, são apresentadas todas
as produções escritas selecionadas, depois as interpretações dos dois grupos focais e,
em seguida, a análise dos dados. Isso ocorreu para nos mantermos fiéis à situação
vivida juntos aos participantes, que solicitaram ao mediador que conhecessem todos os
textos de cada criança para depois emitir suas opiniões.
No final do capítulo, são apresentadas breves observações sobre o
funcionamento de cada grupo focal e uma comparação entre eles, com a identificação
de semelhanças e diferenças na interpretação que efetuaram das produções em foco.
Apresentação dos textos:
Legenda: M: Moderador P: Professores F: Fonoaudiólogos
Criança 1
Serão apresentadas 03 produções de escrita da criança 1 na seqüência a seguir:
Produção 1- nome: Carta a Serafina.
Essa produção de escrita foi elaborada pela criança 1 após a leitura de um livro
infantil,comentando e sugerindo sua opinião a personagem principal do texto Serafina,
o título escolhido para essa escrita foi Carta a Serafina.
Produção 2- nome: Jogo de Stop
48
Atividade de escrita -Jogo de Stop. Esse registro da produção escrita é resultado da
atividade Jogo de stop, que obedecendo às regras, inicialmente fez-se o sorteio de uma
letra e em seguida cada participante escreveu o máximo de coisas sugeridas com a
inicial da letra sorteada.
Produção 3- Nome: Lista de Palavras.
Essa produção de escrita foi resultado de uma brincadeira que a criança 1, após
escutar a música: “Criança não trabalha”, escreveu as palavras que lembrava na
canção.
Interpretação dos Grupos Focais
Produção 1- nome: “Carta a Serafina”
Grupo de Fonoaudiólogos
M -
neste trabalho foi solicitada à criança que escrevesse após a leitura do livro infantil uma carta para
Serafina, personagem do livro, dizendo suas impressões.
Se vocês tiverem alguma dúvida me chamem. É importante vocês discutirem em todos os casos, quantos
anos vocês acham que tem a criança, escolaridade, e reparem se algo chama a atenção de vocês e
depois podem começar a colocar suas opiniões para o grupo.
1
-F1então, engraçado que ela (criança) se coloca no lugar de quem fez a estória, ela está usando
tudo em primeira pessoa, como se fosse o autor, então isso é legal desse lado, por outro lado tem toda a
questão da concordância.
2-F4- e da sintaxe.
3-F1-
ela está ainda com uma relação com a língua que ainda não consegue seguir corretamente as
regras como, por exemplo: me curtiu.
4-F3-
e tem um apoio na oralidade e também um apoio no que foi lido. Ela entende o que o livro passou
de alguma forma, ela se identificou, então, eu acho que se vê do que a linguagem é capaz.
49
5-F4- se a gente considerasse só uma visão de escrita, íamos identificar apenas o apoio na oralidade,
que não tem regras gramaticais, a escrita não é isso, então depende do livro do gênero do discurso que
está sendo usado.
6-F2-
a gente não tem a idade nem a escolaridade, mas essa escrita demonstra uma etapa da
aprendizagem onde se apóia na oralidade para escrever.
7-F4- se a gente fosse pensar na terapia só como uma questão corretiva, não íamos ter bom resultado.
Grupo de Professores
1-P3- eu ficaria com uma 2ª série, oscilando entre 08 ou 09 anos ele já tem domínio de muitas palavras e
na 1ª série não teria, a não ser que fosse um aluno mais estimulado, mas eu me pego na estrutura do
texto.
2-P1-eu acho que é uma criança mais nova.
3-P2-O texto dele está muito curto e uma criança mais velha escreve melhor
4-P4-é eu concordo.
Análise dos dados
Com relação ao texto 1 – “Carta a Serafina” – da criança 1, podemos observar aqui que
os fonoaudiólogos preocuparam-se em relacionar os erros apresentados pela criança
com a fase de aquisição da escrita em que se encontrava a criança como podemos ver
nos segmentos discursivos, a seguir:
F1- ela está ainda com uma relação com a língua que ainda não consegue seguir corretamente as regras
como, por exemplo: me curtiu.
F2- a gente não tem a idade nem a escolaridade, mas essa escrita demonstra uma etapa da
aprendizagem onde se apóia na oralidade para escrever.
F3- e tem um apoio na oralidade e também um apoio no que foi lido. Ela entende o que o livro passou de
alguma forma, ela se identificou, então, eu acho que se vê do que a linguagem é capaz.
Desse modo vemos que F1 coloca que a criança está em uma fase que não
segue corretamente as regras gramaticais ao escrever um texto como: sujeito, verbo e
predicado nas frases; F2 coloca que por não ter os dados da escolaridade nem a idade
da criança sua produção aponta para uma etapa da aquisição que a criança se apóia
50
na oralidade para escrever e F3 discute sobre o apoio na oralidade e no texto escrito,
mostrando que a criança ainda não realiza um texto livre. Podemos verificar que para
esses fonoaudiólogos a escrita é representação, havendo um apoio na visão
construtivista representada por FERREIRO (1986) que embasada nos pressupostos
piagetianos considera a escrita como representação simbólica o que significa que a
escrita é objeto conceitual, além de ser um objeto social que representa uma língua.
Portanto, os fonoaudiólogos aqui apresentados consideram que a criança para
aprender a ler e escrever deve compreender como esse sistema funciona e o que lê
representa. A criança constrói seu conhecimento sobre a escrita, através de seu conflito
cognitivo, assim como relatam em suas falas. Os erros apresentados por essa criança
na visão desses fonoaudiólogos são justificados pela etapa de aquisição da criança
com a escrita, fazendo, portanto, parte de sua construção e desenvolvimento.
A análise dos segmentos discursivos dos professores, por sua vez, pareceu
demonstrar que eles estavam apoiados numa visão associacionista de aquisição de
linguagem. Nos estudos do associacionismo em relação à linguagem escrita o enfoque
está na estimulação de aspectos perceptuais, auditivos e visuais sendo considerados
pré-requisitos básicos para o sucesso da alfabetização e conseqüentemente para o
aprendizado da leitura e da escrita. AJURIAGUERRA & AUZIAS (1975) são
representantes desta vertente e ofereceram um estudo sobre as condições prévias para
o desenvolvimento da escrita na criança. Sendo assim, na tentativa de descrevem a
produção da criança vemos que os professores apesar da tentativa de se aproximarem
da visão construtivista suas interpretações se deslocam para uma visão mais tradicional
de escrita e em muito de seus fragmentos demonstram considerar a escrita como
transcrição da oralidade, sendo assim, o erro de escrita apresentado pela criança 1 é
alvo, detector de um possível distúrbio, como vemos nos segmentos discursivos de P2
e P3, a seguir:
P3-eu ficaria com uma 2ª série, oscilando entre 08 ou 09 anos ele já tem domínio de muitas palavras e na
1ª série não teria, a não ser que fosse um aluno mais estimulado, mas eu me pego na estrutura do texto.
P2-O texto dele está muito curto e uma criança mais velha escreve melhor
51
Produção 2- nome: Jogo de stop
Interpretação dos Grupos Focais
Grupo de Fonoaudiólogos
M: Nessa brincadeira do stop, vemos que as letras sorteadas foram:: d, l, m, n f e z. Todas sabem como
são as regras, não é?
1-F1, F2, F3, F4-Sim.
2-F1- é engraçado que hora ele escreve com letra maiúscula hora com letra cursiva.
3-F4- eu acho que está bem coerente até!
4-F1- consegue usar grupos consonantais, mas substituiu /mochila/ por/ muchila
/
5-F2- mostra bem o apoio na oralidade
6-F3- tem que levar em consideração que é uma brincadeira e não precisa ter uma regra.
7-F1- mas, isso mostra como ela se relaciona com a escrita, será que escreve sempre assim em todos os
ângulos?
7-F3- depende, no primeiro texto isso não pareceu até porque era uma leitura mais dirigida.
8-F1- então, ai tá brincando?
9-F3- sim, tá brincando
.
52
Grupo de Professores
M – essa atividade é um jogo de stop, vocês todas conhecem como é feita?
P1,P2,P3,P4- sim.
1-P1- mas ai ele vai pra letra cursiva, depois vai pra de forma ele vai e volta.
2-P2- ele está no limite da mudança
.
3-P3- mas ele está dominando as duas formas, é uma 2ªsérie
.
4-P1- então ele tem 07 ou 08 anos.
5-P3- até 09 anos.
Análise dos Dados
Em relação ao texto 2 –Jogo de stop– da criança 1,vemos que no segmento discursivo
dos fonoaudiólogos F1, F2 se preocuparam com a produção e forma da escrita. Com
podemos verificar nos segmentos discursivos a seguir:
F1-é engraçado que hora ele escreve com letra maiúscula hora com letra cursiva.
F1- consegue usar grupos consonantais, mas substituiu /mochila/ por/ muchila/
F2- mostra bem o apoio na oralidade
Como podemos observar nesses fragmentos há uma preocupação com a escrita
estrutura e como se apresenta. O foco de interesse dos fonoaudiólogos F1, F2 e são
para os erros apresentados por essa criança. Assim, F1 e F2 como observamos na
interpretação da produção anterior dessa criança e novamente aqui se apóiam na visão
construtivista marcada pela etapa da escrita em que a criança se encontra, sendo essa
a justificativa dos erros da criança nos textos. Já o fonoaudiólogo F3, amplia sua forma
de interpretação em relação à produção de escrita da criança, enfatizando a produção
para o aparecimento da escrita considerada como resultado da brincadeira/ jogo e esse
fator parece não ser relevante para os outros entrevistados - que parecem focar seus
olhares para a questão da escrita e seu conteúdo e apontamento dos erros, como
podemos encontrar nos segmentos a seguir de F3:
F3- tem que levar em consideração que é uma brincadeira e não precisa ter uma regra.
F3- depende, no primeiro texto isso não pareceu até porque era uma leitura mais dirigida.
F3-sim, tá brincando
53
Para os professores, em relação ao texto 2, a produção da escrita da criança é
marcada pelos erros que apresenta e assim se aproximam da visão dos fonoaudiólogos
que justificam os erros pela etapa de escrita da criança, com vemos nos segmentos :
1-P1- mas ai ele vai pra letra cursiva, depois vai pra de forma ele vai e volta.
2-P2- ele está no limite da mudança.
3-P3- mas ele está dominando as duas formas, é uma 2ªsérie
Esta visão dos professores fortemente associada ao construtivismo que privilegia
as fases da aquisição da escrita é denominada segundo FERREIRO (1986) pela etapa
silábica - alfabética, que mostra que a criança escreve utilizando as letras que lhe têem
maior significação, assim como os entrevistados consideraram na escrita da criança e
que supostamente os fez pensar na etapa escolar da criança.
54
Produção 3 – Lista de Palavras
Interpretação dos Grupos Focais
Grupo de Fonoaudiólogos
M: nessa atividade foi solicitado que a criança escrevesse o maior número de palavras que reconhecesse
na música apresentada para ela. Após escutar atentamente a música o adulto pediu que ela escrevesse
as palavras que lembrasse.O Nome da música é: ”Criança não trabalha”.é interessante, pois, nessa
música há uma seqüência grande de palavras ditas rapidamente, então a criança deve estar bem atenta
para prestar atenção.
1
-F3- a criança na aquisição não é capaz de escrever com tanta rapidez.
2-F2- ali tem tambor, papelão, lápis.
55
3-F4- ele anotou as palavras que ele conhece.
4-F2- ali tem duas regras, primeiro que não queria escrever uma na frente da outra e depois como era
escrito, dai fez a correção.
5-F1- eu acho que ele se organiza na escrita desta forma
6-F4- eu acho que ele tem uns 8 ou 9 anos
e eu colocaria em atendimento com outro enfoque
7-F2- eu não
8-F3- depende, com 08 ou 09 anos com todo aquele apoio na oralidade? Tem que pensar saber o
histórico familiar e escolar.
9-F4- eu enfocaria não o erro, mas a funcionalidade da escrita para ele, não seria a palavra correta, eu
trabalharia com gêneros utilizaria outros textos para ele vivenciar a questão da escrita, será que lê tem
contato com escrita na casa dele?
10-F2- é isso precisa ver se tem contato em casa, na escola
.
11-F1- precisa ver a relação da escrita com tudo isso, será que há sofrimento com isso?
12-F4- eu investiria
!
13-F2- eu acho que sempre que temos os dados ficamos sujeitados e quando não temos como aqui,
também fica difícil, mas nos faz pensar na questão clínica.
Grupo de Professores
1-P1-ali está escrito tambor?
M – é sim, é tambor.
2-P2- será que você pode repetir as palavras, está um pouco claro na lista de palavras.
M-ok.
3-P1- bom, nós aqui achamos que esta criança está em torno de 07 anos. Ela deve estar na primeira
série e que não tem problemas para ser encaminhada para atendimento é só erros ortográficos, coisa
que pode ser trabalhada na sala de aula.
4-P2- acho que é muita falta de leitura, então falta mais leitura, ditado talvez.
5-P2- também, nós achamos que não tem nada que afirme um encaminhamento, esses erros podem ser
trabalhados na sala de aula.
6-P3- também nós achamos que não tem nada que afirme um encaminhamento; parece que é erro
ortográfico por falta de contato com a escrita e se tiver mais contato com a leitura e escrita irá sanar
essas dificuldades; e representa também no texto dele que escreve de acordo como ele fala, ele escreve
com palavras juntas, unidas.
7-P1- e assim, de acordo com que nós vimos, ele apresenta coisas bem da 1ª série exemplo /tabor/ para/
tambor/.
8-P3- ah! Eu já não acho que é uma criança da 1ª série eu acho que 2ª ou 3ª série a D. acha que é 3ª.P3-
9-eu ficaria com uma 2ª série, oscilando entre 08 ou 09 anos
56
Análise dos Dados
Podemos observar que os fonoaudiólogos F2 e F4 ao analisarem as três
produções de escrita da criança 1, passam a discutir sobre a importância de uma
intervenção clínica nesse caso, levando em consideração sua visão de escrita bem
definida, como vemos a seguir:
F4-eu enfocaria não o erro, mas a funcionalidade da escrita para ele, não seria a palavra correta, eu
trabalharia com gêneros utilizaria outros textos para ele vivenciar a questão da escrita, será que lê tem
contato com escrita na casa dele?
F2- é isso precisa ver se tem contato em casa, na escola.
F1- precisa ver a relação da escrita com tudo isso, será que há sofrimento com isso?
F4- eu investiria!
Como podemos observar o fonoaudiólogo F4, se preocuparia em trabalhar com
essa criança no contexto clínico fonoaudiológico em uma perspectiva que não
enfocasse somente os erros de escrita, mas o processo de construção. Como podemos
ver essa visão nos permite direcionar para o contexto sócio-histórico baseado nos
pressupostos de VYGOSTSKY (1994). Nessa perspectiva a escrita diz que antes de
analisar o erro, é preciso que se valorize a condição de produção. Passando para o
contexto clínico, os modos de participação da criança na relação com o terapeuta
potencializarão a construção de conhecimentos, levando-se em consideração a história
da relação da criança com a linguagem escrita, assim como destaco no segmento de
F1 : F1-precisa ver a relação da escrita com tudo isso, será que há sofrimento com isso?
Para Masini (1999), o fato de a criança apresentar uma relação de sofrimento
com a escrita indica a necessidade de um trabalho fonoaudiológico. Garcia (2004)
também fala da relação de sofrimento da criança com a escrita sendo para ela razão
suficiente para que o fonoaudiólogo trabalhe com a linguagem escrita. Portanto, os
fonoaudiólogos se preocuparam em trabalhar mais a escrita dessa criança do que o
professor que ao interpretar as produções somente pelos erros, direcionou para uma
visão estritamente escolar, como vemos nos segmentos discursivos à seguir:
57
P1-bom, nós aqui achamos que esta criança está em torno de 07 anos. Ela deve estar na primeira série e
que não tem problemas para ser encaminhada para atendimento é só erros ortográficos, coisa que pode
ser trabalhada na sala de aula.
P2- acho que é muita falta de leitura, então falta mais leitura, ditado talvez.
P2- também, nós achamos que não tem nada que afirme um encaminhamento, esses erros podem ser
trabalhados na sala de aula.
-P3- também nós achamos que não tem nada que afirme um encaminhamento; parece que é erro
ortográfico por falta de contato com a escrita e se tiver mais contato com a leitura e escrita irá sanar
essas dificuldades; e representa também no texto dele que escreve de acordo como ele fala, ele escreve
com palavras juntas, unidas.
Já com relação aos fatores idade e escolaridade, ambos os grupos focais levantaram
as mesmas hipóteses:
F4- eu acho que ele tem uns 8 ou 9 anos
P3- eu ficaria com uma 2ª série, oscilando entre 08 ou 09 anos
Como podemos observar esse fator pode ser importante para a determinação do
conceito que fonoaudiólogos e professores pensam em relação à aquisição da escrita e
o que se esperam para determinada idade e escolaridade. Apesar disso, não se
aproximaram para o contexto do trabalho com a escrita propriamente, enquanto o
professor se responsabilizaria de trabalhar a escrita e o erro na sala de aula o
fonoaudiólogo F4 acredita que um trabalho clínico poderia auxiliar essa criança num
enfoque mais amplo e não somente baseado em práticas escolares.
Criança 2
Serão apresentadas 2 produções dessa criança, são elas:
Produção 1- nome: Os monstros
Essa produção é resultado de uma redação feita pela criança que denominou de “Os
monstros”.
Produção 2 - nome: O parque
Produção livre que a criança redigiu uma estória.
58
Interpretação dos Grupos Focais
Por sugestão, os grupos de fonoaudiólogos solicitaram que fossem apresentadas todas
as produções dessa criança 2 em seqüência para que posteriormente, fizessem seus
apontamentos.
59
Produção 2 - nome: O parque
60
Interpretação dos Grupos Focais
Grupo de Fonoaudiólogos
M-vamos agora passar para outro caso, serão apresentadas 02 produções dessa criança, se vocês
tiveram alguma dúvida podem me chamar.
Essa primeira produção é resultado de uma redação livre por parte da criança, onde ela deu o nome de O
monstro e a outra redação deu o nome de: O parque.
1-F1- acho que fica melhor você mostrar todas as produções da criança e depois nós comentamos, pode
ser?
M-por mim, tudo bem, o resto do grupo concorda?
2-F2,F3, F4- sim.
3-F4- interessante à relação que foi feita ai
4-F2- é engraçado, porque a partir de uma brincadeira o que ela vai criar, né.
5-F4- virou um monstro.
6-F2- e porque assim ela se explicava
7-F4- essa é uma criança boa de se trabalhar leitura e escrita; é uma criança que não tem medo de
escrever, e é uma criança que gosta de inventar que inventa, né?
8-F4- e novamente ele tem só uma questão, pela vivência dela. Ela põe o “era uma vez” relacionado a
um tipo de gênero do discurso, depois no meio ela começa a falar de diálogo, mas ela ainda não
consegue saber qual é a estrutura de um diálogo
9-F2- eu penso também, enfim nessas coisas do gênero. Deve ser uma criança, por exemplo, que a
família ou deve ter alguma experiência ou se faz muito presente na casa dela. Porque ela percebe os
erros mesmo não sabendo grafar . Eu acho que essa é uma criança nova, acho que mais nova que a
anterior, porque assim a questão do letramento ta presente desde que a criança é bem novinha você tem
essas memórias como “era uma vez” na estória.
10-F3- o título?
11-F2- é tem o título, e acho que assim foi muito legal!
12-F3- plural né?
13-F2- mas em outros momentos não usa.
F2-mas eu não acho que seja coisa que comprometi, a questão da grafia está muito associada, a mesma
letra que tem sons diferentes, por exemplo: essa
14-F2- não é uma coisa sistemática.
15-F4- o conteúdo ta muito legal!
16-F2- e aí você vê começo, meio e fim.
17-F1- mas está completamente diferente da outra.
61
18-F2- mas ai parece que é uma coisa mais clara que ela tinha mais familiaridade apesar da narrativa e a
estória. Fica mais fácil do que a redação, não sei, acho que pelo tema proposto.
19-F1- eu acho que essa criança tem uns 08 na.os
20-F3- eu acho que um pouco mais nova.
21-F2- também acho que é mais nova.
22-F3- acho que tem mais experiência com a escrita do que a outra.
23-F2- e eu acho que a criança em si vendo o texto, eu não encaminharia para atendimento pelo que ela
faz. Ela não tem uma questão com a escrita, talvez se tivesse algum sofrimento seria do outro, da família,
da escola, porque você percebe que ela
escreve, ela é solta deixa livre as idéias.
24-F4- ela ta coerente com a idade dela.
25-F4- ela deve ser uma criança ótima para trabalhar, desculpe o adjetivo, trabalhar com estórias,
diferentes gêneros, nossa eu, por exemplo, ia adorar eu gosto de escrever também.
26-F3- às vezes eu acho que a gente tem que pensar no papel, mesmo como fono de não atender alguns
casos, mesmo que você ache; porque eu acho que é isso, vaivirar sofrimento uma coisa que é prazer,
não é?Colocar essa menina no atendimento, por mais que todo mundo ache.
27-F4- neste caso a questão não está no erro, não é o erro.
28-F3- não, mas mesmo assim ela vai sair da vida dela para ir para terapia, terapia é terapia.
29-F4- é eu entendi. Não, realmente faz sentido.
Grupo de Professores
M-vou apresentar para vocês outras produções de outra criança. Vou deixar que vocês leiam todos os
textos e depois iniciem a discussão. Fica melhor assim, também?Dessa criança serão apresentadas duas
produções
1-P1-sim, bem melhor.
2-P3- nós achamos que essa aluna possue assim, desbloqueio para escrever. Ela escreve, têm idéias e
escreve sem nenhum tipo de preocupação. Então, isso faz com ela não se preocupe ortograficamente;
ela acaba querendo colocar as suas idéias e têm alguns erros que são erros ortográficos naturais que se
ela fizesse uma revisão ela melhoraria e pela escrita; eu acho que tem uns 08 anos
3-P1- eu já acho que não, ela tem em torno de 08 ou 09 anos pelo tanto que escreve.
4-P2- pela complexidade, né?
5-P1- uma criança com 07 ou 08 anos não tem tanta idéia assim e o importante é o papel do professor.
6-P2- o professor precisa retomar o texto, os erros.
7-P2- no primeiro, não teve tanta preocupação com a estrutura, mas já no segundo a professora já tenha
feito este trabalho, trabalhado neste sentido.
62
Análise dos dados
Vemos que, em relação aos textos da criança 2, os fonoaudiólogos
apresentaram interpretações semelhantes, buscando olhar para o contexto mais sócio-
cultural, mostrando forte influência do conceito de letramento, como vemos nos
segmentos discursivos a seguir:
F4- essa é uma criança boa de se trabalhar leitura e escrita; é uma criança que não tem medo de
escrever, e é uma criança que gosta de inventar que inventa, né?
F4- e novamente ele tem só uma questão, pela vivência dela. Ela põe o “era uma vez” relacionado a um
tipo de gênero do discurso, depois no meio ela começa a falar de diálogo, mas ela ainda não consegue
saber qual é a estrutura de um diálogo.
F2- eu penso também, enfim nessas coisas do gênero. Deve ser uma criança, por exemplo, que a família
ou deve ter alguma experiência ou se faz muito presente na casa dela. Porque ela percebe os erros
mesmo não sabendo grafar . Eu acho que essa é uma criança nova, acho que mais nova que a anterior,
porque assim a questão do letramento ta presente desde que a criança é bem novinha você tem essas
memórias como “era uma vez” na estória
.
F2- mas ai parece que é uma coisa mais clara que ela tinha mais familiaridade apesar da narrativa e a
estória. Fica mais fácil do que a redação, não sei, acho que pelo tema proposto.
F4- ela deve ser uma criança ótima para trabalhar, desculpe o adjetivo, trabalhar com estórias, diferentes
gêneros, nossa eu, por exemplo, ia adorar eu gosto de escrever
também.
Para os fonoaudiólogos F2 e F4, a escrita dessa criança pode ser resultado de
outras práticas com outros gêneros, como a leitura de livros ou gibis.Essa idéia está
relacionada ao conceito de letramento, que ressalta a importância da utilização das
práticas discursivas com a escrita, como leitura de revistas, jornais e que apresenta a
escrita em seu aspecto mais social. No contexto clínico fonoaudiológico, esse conceito
já vem assumindo grande importância desde os meados dos anos 90, pois, como
GARCIA (2004) apontou recentemente, permite que o fonoaudiólogo lide ao
fonoaudiólogo com outras práticas de escrita que não aquelas se aproximam
estritamente das práticas escolares que somente apontam os erros. A interpretação dos
professores em relação à criança 2, ao contrário do grupo de fonoaudiólogos se
63
baseiam somente na produção de escrita da criança, apesar do que consideraram,
como vemos a seguir:
P3- nós achamos que essa aluna possue assim, desbloqueio para escrever. Ela escreve, têm idéias e
escreve sem nenhum tipo de preocupação. Então, isso faz com ela não se preocupe ortograficamente;
ela acaba querendo colocar as suas idéias e têm alguns erros que são erros ortográficos naturais que se
ela fizesse uma revisão ela melhoraria e pela escrita; eu acho que tem uns 08 anos
P2-o professor precisa retomar o texto, os erros.
P2- no primeiro, não teve tanta preocupação com a estrutura, mas já no segundo a professora já tenha
feito este trabalho, trabalhado neste sentido.
O professor P3 utiliza a palavra desbloqueio para caracterizar a escrita da
criança 2. Podemos perguntar, então: será que se essa criança, ao contrário,
apresentasse algum tipo de bloqueio na escrita isso seria atribuído a alguma patologia?
Talvez o professor pense que qualquer falha na escrita signifique um anúncio de um
possível distúrbio.
Portanto, na tentativa de se distanciar de uma visão associacionista de escrita
apoiada nos pressupostos de AJURIAGUERRA E AZUAIS (1975), vemos que o
professor considera somente o erro como fator de um determinado quadro patológico,
não abrindo possibilidades de outras formas de interpretação.
Parece, então, que a escrita tende a ser trabalhada de forma descontextualizada
no contexto escolar, com destaque para a correção de possíveis erros ortográficos; com
isso, deixa-se de lado a capacidade que a criança tem de pensar sobre o próprio saber
lingüístico. Como podemos observar no segmento discursivo a seguir:
P3- e têm alguns erros que são erros ortográficos naturais que se ela fizesse uma revisão ela melhoraria
e pela escrita; eu acho que tem uns 08 anos.
P2- o professor precisa retomar o texto, os erros.
Em relação à necessidade ou não de um atendimento clínico, os participantes de
ambos os grupos optaram pela segunda posição. Dentro de suas especificidades,
64
vemos que os fonoaudiólogos privilegiaram a escrita e sua situação de produção, sendo
que os erros puderam ser redimensionados e interpretados, principalmente pelo
conceito de letramento. Já os professores, apesar de não apontarem uma questão ou
queixa que justificasse um encaminhamento, ainda ressaltam o erro em suas
interpretações dos textos da criança 2.
Criança 3
Serão apresentadas três produções dessa criança, sendo elas:
Produção1-
Nome: Roteiro de um jornal
Essa produção foi elaborada por escolha da criança em montar um roteiro de jornal,
apoiada no programa Cidade Alerta do apresentador Datena.
Produção 2-
Nome: Artigo de Opinião
Depois de realizar a leitura de revistas a criança aceita escrever um artigo de opinião
sobre o tema de uma reportagem que chamou sua atenção.
Produção 3-
Nome: Atividade de perguntas e respostas
Nessa atividade, após a criança ter lido um artigo histórico, contando sobre o
Descobrimento do Brasil, foram elaboradas perguntas de maneira a ser compreender
como ela colocava suas idéias e observações sobre o texto.
65
Produção 1 - Nome: Roteiro de um jornal
66
Produção 2 - Nome: Artigo de Opinião
67
Produção 3 - Nome: Atividade de perguntas e respostas
Segue as perguntas elaboradas pelo um adulto e na seqüência está a produção da
criança com suas respostas e comentários.
1- Na tripulação de Cabral existiam crianças. Explique com suas palavras porque
elas participavam da tripulação e como se dava a convocação.
2- Como era a vida das crianças no navio?
3- Levando em conta o que conhecemos hoje sobre os direitos das crianças e
adolescentes, na sua opinião, as crianças da tripulação de Cabral tinham seus
direitos respeitados? Justifique sua resposta.
4- O nome Brasil, dado ao nosso país, vem da árvore Pau Brasil que existia em
abundância nesta terra. Podemos dizer que essa é a única explicação para o
nome do nosso país? Justifique sua resposta.
5- Levando em conta o significado da palavra “HY Brazil”, dado a uma ilha na
trajetória de São Brandão, você acha que o nome Brasil, hoje, corresponde à
nossa realidade neste país? Justifique.
68
69
Interpretação dos Grupos Focais
Grupo de Fonoaudiólogos
M - vou apresentar para vocês as produções da última criança a ser discutida por vocês nos
grupos.Vocês preferem observar os textos, lerem e depois discutirem de uma vez só?
1-F1- acho que fica melhor.
2-F2-concordo.
M-ok.Vou passar para vocês os textos e depois vocês começam.
3-F4- Nossa!
4-F2- eu acho com certeza, ele deve assistir direto o programa, né? Acho que ele tem muita intimidade
com o gênero, porque aí tem toda essa questão de localização da câmera como ela faz, em que
momento.
5-F1- ele usa palavras dificílimas!
6-F3- coerentes, né?
7-F4- nossa! eu achei muito impressionante
!
8-F3- o titulo é um roteiro, né? Para onde a câmera vai, o que vai fazer.
9-F4- o comentário que explodiu, ai volta o repórter e o Datena, né?
10-F2: é então, eu acho que tem outra coisa também que aparece.É que não dá pra entender muito a
ortografia, assim, o desenho das letras, acho que é uma criança que tem essa preocupação de reler o
texto, por exemplo: eu acho.
11-F3: é, porque ali era “o cara” né? ,”um cara”, aí depois ele falou um homem, então assim, ta
preocupado como vai se colocar.
12-F2: e sabe que numa notícia de jornal, num programa, ninguém fala “o cara”, então usou os termos
“marginal”, “o homem”.
13-F4: são palavra difíceis, coerente com o contexto.
14-F2: exatamente.
15-F2: sabe que não pode falar palavrão, então, substitui pelo “pi”
?
16-F4: é de repente as reticências são o “pi” dá...
17-F4: Meu Deus! Ele trabalha com gêneros mais complicados, né? Mais difíceis
.
18-F2: Deve ser uma criança mais velha, né?
19-F4: Ou exposta também a muita leitura
.
20-F4: É, é
.
21-F2: E tem coisas na escrita que fazem parte do processo, acho que ele ta numa fase mais.
22-F4: Nossa!
23-F2: Muito legal
24-F4: Essa escrita é praticamente é uma resenha, é um esboço de uma resenha, porque ele opinou.
25-F2: Não, é justamente isso ele lê um artigo.
70
26-F2: Ele até fala isso, ele anuncia isso por leitor, que é através disso.
27-F4: É, ele consegue emitir opinião.
28-F2: E aí, acho assim, mostra também interpretação, ele entendeu a mensagem da entrevista.
29-F4: A história de vida dele deve ser de uma criança que tem acesso a diferentes gêneros.
30-F1: Essa violência que ele marca tanto no outro texto como nesse, mostra que ele deve gostar desses
assuntos policiais.
31-F2: é.
32-F1: Deve ser algo que chama atenção.
33-F2: Parece também que isso fica intrínseco nele, esse discurso para diferentes tipos de gêneros. Ele
fala da questão como a educação pode melhorar as pessoas, sabe da relação disso ou até da
importância de uma estrutura familiar, de como uma pessoa ser boa, o quanto essa falta de estrutura
interfere para uma pessoa ser ruim, enfim, parece uma coisa bem politizada, coisas que não se falam
muito.
34-F4: é preciso saber se ele só escreve coisas sobre esse assunto.
35-F2: Não, parece que ele se interessa pelos dois textos, que foram apresentados, parece que ele se
interessa bastante por essas coisas, até pelo tipo de programa, o artigo, não sei se foi ele que selecionou
ou não?Só isso que eu queria saber.
M. Ele selecionou junto com o adulto que estava com ele.
36-F2: Se foi ele que selecionou, então, parece que são temas que interessam a ele
.
37-F1: Mas também no texto anterior ele fica assistindo Datena, também é muito disso que fala.
38-F2: Então, o quanto isso tá dentro dele, entendeu? Ele se interessa, é o que eu falei, às vezes ele
mostra, assim, um texto discursivo de outros que foi incorporado por ele, né?
39-F1: Será que realmente essa é a opinião dele
?
40-F2: Mas isso é o que se ouve muito, principalmente nesses programas.
41-F1:O quanto isso é verdade?
42-F4: Você ta cogitando que alguém ajudou ele a escrever isso?
43-F1: Não, não é que alguém ajudou, o quanto ele é autor disso que ele ta dizendo aí.
44-F1:tem muitos argumentos que ele usa que eu não sei, parece chavão
.
45-F1- Se tiver mais empregos, mais escolas, nesses programas isso é muito forte, esse chavão mais
emprego, mais escola, não sei até que ponto isso é próprio Del, isso é chavão, entendeu.
46-F2: Sim, mas acho, que isso é marca do discurso, entendeu, não interessa, acho que são marcas do
discurso de pessoas.
47-F3: É aí eu acho que abre para o que ela ta falando, é assim, a gente até agora vem elogiando
pessoas criativas, num primeiro, o roteiro ele transcreveu uma coisa que ele tava vendo, entendeu, grava
a televisão e volta, focalizou, aconteceu tal coisa, o repórter foi, aconteceu isso, focalizou, então quer
dizer, ele se colocou? não, E aí na minha opinião, é o que ela falou, ele escuta tanto isso naqueles
programas “mas o Brasil tem que ser isso, o Brasil tem que ser aquilo”, quer dizer é a opinião dele
realmente?
71
48-F2: Mas acho que também isso tem a ver também com esse tipo de gênero, Porque quando você lê
um artigo você dá opinião, numa narrativa você é muito mais livre para você inventar, trazer coissa, eu
acho que também isso esta de acordo com o gênero.
49-F3: Eu concordo, eu concordo, mas daí vem para aquele nosso trabalho de leitura e escrita, será que
a gente só trata patologia quando ele vem com dificuldades ortográficas?
50-F2: Não.
51-F3: Então, entendeu? Será que esse menino não ta com dificuldade de se colocar e escrever um texto
livre?
52-F2: Mas então, isso não dá pra saber porque o texto apresentado é isso,não dá pra analisar, mas
acho que inclusive o nosso trabalho é você trabalhar também com diferentes tipos de textos, então assim
o que foi apresentado é uma coisa que segue uma regra é mais dirigido.
53-F4: ta coerente.
54-F2: Eu acho que ta coerente com o tipo de gênero
.
55-F4: Agora, se isso é o que ele acha ou não, eu não sei.
56-F1: Mas é outra questão, não é questão da coerência, mas uma questão de autoria de se colocar, de
ser um escritor, como falante não só de quem fala, mas sim ser um falando é diferente de falar. É a
mesma coisa, escrever é diferente de ser escritor, então eu acho que eu estou entrando mais para essa
questão dele se colocar no texto como autor, de ser um escritor.Porque aí parece uma cópia do que ele
já ouviu, das vivências que ele teve, não uma produção.
57-F4: Mas a gente não tem cem por cento de certeza de saber.
58-F2: Eu acho certo, mas eu acho assim, determinados tipos de textos favorecem você ser um autor,
você ser um escritor do que outros mais determinados. Por exemplo, que nem no outro caso, é um
roteiro, não tem como você ser um autor é uma outra coisa, entendeu?
59-F3: Ele é bom em organizar esse texto, ele não colocou a opinião dele em cima ele achou que
embaixo ia ficar melhor porque ele ia dar o fechamento ele tem essa coesão né? Só que ao mesmo
tempo, mais uma vez, como no primeiro texto ele, só transcreve o que ele ta vendo.
60-F2: Como assim?
61-F3: É assim porque quem escreveu o artigo não colocou na minha opinião isso e isso.
62-F2: Mas isso não tem como a gente saber.
63-F1: mas achei essa questão, volto a dizer, essa opinião dele a respeito é muito chavão.
64-F2: Mas então é chavão gente?
65-F1: Será que uma criança ela pensa realmente nisso?
66-F1: Ela acha que o Brasil tinha que ter mais área de lazer, mais esporte pra ela 67-brincar, é uma
opinião de adulto.
68-F4: que base que ele tem para poder saber?
69-F2: Tudo bem, eu concordo que é de adulto, mas eu acho que no nosso discurso o tempo todo à
gente trás marca do discurso dos outros.
70-F1: Mas não tudo isso!
72
71-F2: Não interessa, ele ta trazendo influência dele, as marcas dele, acha que isso mostra.
72-F4: Esse daí ta dando panos pra manga!
73-F3: Esse menino assiste muita televisão.
74-F4: É um menino informado, eu não vejo problema nenhum, sinceramente, tem muita gente adulta
que não ia saber explicar.
75-F1: Parece muito técnico
.
76-F4: Eu também acho que teve um preparo, né, pra responder as questões, parece.
77-F2: E esse asterisco aí em baixo?
M: é para mostrar a referência que ele fez lá em cima no texto.
78-F3: É uma correção não é?Que ele fez dos cartões, né? Então é assim ele se preocupa em escrever
corretamente.
79-F2: Ele não fez nenhuma marca.
80-F4: Mas porque uma criança tem assim toda essa visão e pode ta escrevendo bem é porque alguém
preparou, ajudou, no sentido de fez por ela?
81-F1: Pode ser cópia no sentido de copiar o que ta escrito.
82-F4: Será?
83-F3: É o vocabulário é rico, vamos elogiar o rapaz agora, o vocabulário é rico.
84-F4: Totalmente.
85-F2: É engraçado você viu que no “não”, já colocou, é uma linguagem de abreviação o n e o til em
cima, ta vendo?
86-F4: Ah sim!
87-F2: Eu acho que é mais velha bem mais velha.
88-F4: Exposta a uma internet e tudo mais.
89-F2: Acho que ele tem preocupação com interlocutor
.
90-F4: Total.
91-F2: Eu acredito que ele seja uma criança mais velha uns 12 ou 13 anos.
92-F3: Eu também acho.
93-F4: Ta bem mais exposto né? Acho que uns 11 a 12 anos.
94-F3: E também é uma criança que não tem medo de escrever, né?Porque as respostas dela não são
curtas.
95-F2: Ele argumenta, né?
96-F4: Ele tem poder de argumentação.
97-F2: Não argumentar, ele desenvolve o texto.
98-F4: É, não só é mais desenvolvimento.
99-F4: Existe uma queixa fonoaudiologica da família ou da escola?Porque assim a princípio eu não veria
necessidade, mas precisa ver o que a família e a escola estão trazendo, entendeu? Olhando assim eu
não consigo visualizar, não que ele não mereça investimento, mas de repente ver o processo dele, da
escola ou de repente uma orientação só aos pais, mas precisa ver né, se existe.
73
100-F2: Não eu acho que em todos os caso é fundamental ter outros dados adicionais para você definir,
só pela escrita em si acho que ninguém indicaria para uma terapia.
101-F4: A gente entende a escrita de uma forma ampla não é só uma questão gramatical e sintática.
102-F2: Sim, mas pelo que eu estou percebendo pelo discurso de todas nós, nós temos uma
preocupação com a história, se tem uma queixa, um sofrimento sobre isso para determinar a importância
do tratamento ou não; independente se a pessoa ta escrevendo bem, se tem alguma questão, acho que
é importante focar nisso e tentar fazer um trabalho independente da escrita.
103-F1: então eu acho assim, não só ele como as três crianças, avaliar situações em que ele se coloca
enquanto alguém que pode escrever e ler e pode ser escritor, não foi tão beneficiado para poder analisar
esse outro aspecto.
104-F2: sei lá ou é matéria da escola.
105-F4: Mas a gente não se constitue a partir do outro, a nossa linguagem?
106-F1: Mas não necessariamente do ambiente escolar, mas na nossa sociedade.
107-F4: não, eu falo de um jeito geral. A pessoa constitue a linguagem dela a partir de vários
interlocutores, da escola, da família.
108-F1: Não necessariamente da escola, não è isso que eu to dizendo.Talvez se 109-F1:tivesse um
dado sobre escrever quem eu sou, escreva quem você é, fale um pouco sobre você, eu acho que poderia
trazer outros aspectos que não trazem nesse texto.
110-F3: É que parece meio dirigido não é?
111-F2: Todos os textos?
112-F1: Sim. Em todas as três crianças, as amostras que foram dadas não proporcionavam fazer esse
tipo de leitura, de ta vendo o que elas acham sobre escrever.
Grupo de Professores
M-essas são as produções da última criança a ser discutida; acredito que da forma que estão sendo
colocadas as apresentações estão melhores.Primeiro vocês lêem tudo e depois analisam, é certo?
1-P1-sim, bem melhor.
2-P2- eu acho que escreveu com pressa, é desatenção.
3-P4- quanto aos erros ortográficos ele não tem. É bem crítico, nós acreditamos que ele tem uns 11 ou
12 anos na 5ª ou 6ª série. Ele não tem erros, escreve de uma maneira muito pessoal, ele tem uma letra
um pouco garranchada, mas perfeito o raciocínio.
4-P2- ele não se pegou à estética do texto.
5-P1- ah! Nenhuma.
6-P2- ele está mais preocupado com o texto.Acho que é mais novo, com 11 anos pelo tipo de trabalho, a
escrita, a forma, a sua opinião e este tipo de trabalho é feito na escola então já adquiriu criatividade,
argumentação.
74
Análise dos dados
Como podemos observar, a criança 3 foi a que mais gerou discussões no grupo
de fonoaudiólogos. Os participantes F2 e F4 foram claros em sua concepção de escrita,
voltada para a visão sócio-histórica representada por VYGOSTSKY (1994), como
podemos observar nos segmentos discursivos a seguir:
F2- eu acho com certeza, ele deve assistir direto o programa, né? Acho que ele tem muita intimidade com
o gênero, porque aí tem toda essa questão de localização da câmera como ela faz, em que momento.
F4- nossa! eu achei muito impressionante!
F4- o comentário que explodiu, ai volta o repórter e o Datena, né?
F2: é então, eu acho que tem outra coisa também que aparece.É que não dá pra entender muito a
ortografia, assim, o desenho das letras, acho que é uma criança que tem essa preocupação de reler o
texto, por exemplo: eu acho.
F2: e sabe que numa notícia de jornal, num programa, ninguém fala “o cara”, então usou os termos
“marginal”, “o homem”.
F4: são palavras difíceis, coerentes com o contexto.
F2: exatamente.
F2: sabe que não pode falar palavrão, então, substitui pelo “pi” né?
F4: é de repente as reticências são o “pi” dá...
F4: Meu Deus! Ele trabalha com gêneros mais complicados, né? Mais difíceis.
F2: Deve ser uma criança mais velha, né?
F4: Ou exposta também a muita leitura.
F4: É, é.
F2: E tem coisas na escrita que fazem parte do processo, acho que ele ta numa fase mais.
F4: Nossa!
F2: Muito legal
F2: Não, é justamente isso ele lê um artigo.
F2: Ele até fala isso, ele anuncia isso por leitor, que é através disso.
F4: É, ele consegue emitir opinião.
F2: E aí, acho assim, mostra também interpretação, ele entendeu a mensagem da entrevista.
F4: A história de vida dele deve ser de uma criança que tem acesso a diferentes gêneros.
75
Como podemos observar nesses segmentos, ao interpretarem os textos dessa
criança, os fonoaudiólogos se interessaram por uma nova possibilidade de produção,
diferente da apresentada pelas crianças anteriores, 1 e 2. Para esse Grupo Focal, os
erros cometidos não indicavam um problema; ao contrário, demonstravam uma forma
de produzir, justificada pela escolha da criança em escrever um artigo, algo que, na
visão de F1 e F2, é de difícil realização.
Para F2 e F4, os textos da criança 3 demonstram que ela tem acesso a leituras,
preferencialmente sobre o conteúdo abordado em suas produções, o que, na visão dos
fonoaudiólogos, é fator importante para o desenvolvimento da linguagem, e aponta para
o conceito de letramento, como já discutimos no caso da criança 2. Isso fica claro nos
segmentos a seguir:
F2: Parece também que isso fica intrínseco nele, esse discurso para diferentes tipos de gêneros. Ele fala
da questão como a educação pode melhorar as pessoas, sabe da relação disso ou até da importância de
uma estrutura familiar, de como uma pessoa ser boa, o quanto essa falta de estrutura interfere para uma
pessoa ser ruim, enfim, parece uma coisa bem politizada, coisas que não se falam muito.
F2: Não, parece que ele se interessa pelos dois textos, que foram apresentados, parece que ele se
interessa bastante por essas coisas, até pelo tipo de programa, o artigo, não sei se foi ele que selecionou
ou não?Só isso que eu queria saber.
F2: Se foi ele que selecionou, então, parece que são temas que interessam a ele.
F2: Então, o quanto isso tá dentro dele, entendeu? Ele se interessa, é o que eu falei, às vezes ele
mostra, assim, um texto discursivo de outros que foi incorporado por ele, né?
Já nos segmentos discursivos de F1 e F3 sobre a criança 3, observamos um
direcionamento para a visão associacionista, partindo da noção de que a escrita dela
parece ser fruto de uma ação mecânica de codificação e decodificação, apresentando
um conhecimento que é do domínio do outro e não propriamente dela mesma:
F1: Será que realmente essa é a opinião dele?
F1:O quanto isso é verdade?
F4: Você ta cogitando que alguém ajudou ele a escrever isso?
F1: Não, não é que alguém ajudou, o quanto ele é autor disso que ele ta dizendo aí.
F1:tem muitos argumentos que ele usa que eu não sei, parece chavão.
76
F1: Se tiver mais empregos, mais escolas, nesses programas isso é muito forte, esse chavão mais
emprego, mais escola, não sei até que ponto isso é próprio dele, isso é chavão, entendeu.
F3: É aí eu acho que abre para o que ela ta falando, é assim, a gente até agora vem elogiando pessoas
criativas, num primeiro, o roteiro ele transcreveu uma coisa que ele tava vendo, entendeu, grava a
televisão e volta, focalizou, aconteceu tal coisa, o repórter foi, aconteceu isso, focalizou, então quer dizer,
ele se colocou? não, E aí na minha opinião, é o que ela falou, ele escuta tanto isso naqueles programas
“mas o Brasil tem que ser isso, o Brasil tem que ser aquilo”, quer dizer é a opinião dele realmente?
F3: Eu concordo, eu concordo, mas daí vem para aquele nosso trabalho de leitura e escrita, será que a
gente só trata patologia quando ele vem com dificuldades ortográficas?
F3; Então, entendeu? Será que esse menino não ta com dificuldade de se colocar e escrever um texto
livre?
F1: Mas é outra questão, não é questão da coerência, mas uma questão de autoria de se colocar, de ser
um escritor, como falante não só de quem fala, mas sim ser um falando é diferente de falar. É a mesma
coisa, escrever é diferente de ser escritor, então eu acho que eu estou entrando mais para essa questão
dele se colocar no texto como autor, de ser um escritor.Porque aí parece uma cópia do que ele já ouviu,
das vivências que ele teve, não uma produção.
F3: Ele é bom em organizar esse texto, ele não colocou a opinião dele em cima ele achou que embaixo ia
ficar melhor porque ele ia dar o fechamento ele tem essa coesão né? Só que ao mesmo tempo, mais
uma vez, como no primeiro texto ele, só transcreve o que ele ta vendo.
F3: É assim porque quem escreveu o artigo não colocou na minha opinião isso e isso.
F1: mas achei essa questão, volto a dizer, essa opinião dele a respeito é muito chavão.
F2: Mas então é chavão gente?
F1: Será que uma criança ela pensa realmente nisso?
F1: Ela acha que o Brasil tinha que ter mais área de lazer, mais esporte pra ela brincar, é uma opinião de
adulto.
F4: que base que ele tem para poder saber?
F1: Mas não tudo isso!
F3: Esse menino assiste muita televisão.
F1: Parece muito técnico.
F1: Pode ser cópia no sentido de copiar o que ta escrito.
Nos segmentos discursivos de F2 e F4, ao contrário dos fonoaudiólogos F1 e F3
vemos que:
F2: Sim, mas acho, que isso é marca do discurso, entendeu, não interessa, acho que são marcas do
discurso de pessoas.
77
F2: Mas acho que também isso tem a ver também com esse tipo de gênero, Porque quando você lê um
artigo você dá opinião, numa narrativa você é muito mais livre para você inventar, trazer coisas, eu acho
que também isso esta de acordo com o gênero.
F2: Mas então, isso não dá pra saber porque o texto apresentado é isso, não dá pra analisar, mas acho
que inclusive o nosso trabalho é você trabalhar também com diferentes tipos de textos, então assim o
que foi apresentado é uma coisa que segue uma regra é mais dirigido.
F4: ta coerente.
F2: Eu acho que ta coerente com o tipo de gênero.
F2: Eu acho certo, mas eu acho assim, determinados tipos de textos favorecem você ser um autor, você
ser um escritor do que outros mais determinados. Por exemplo, que nem no outro caso, é um roteiro, não
tem como você ser um autor é uma outra coisa, entendeu?
F4: É um menino informado, eu não vejo problema nenhum, sinceramente, tem muita gente adulta que
não ia saber explicar.
F2: Eu acho que é mais velha bem mais velha.
F4: Exposta a uma internet e tudo mais.
F2: Acho que ele tem preocupação com interlocutor.
F4: Total.
F4: Existe uma queixa fonoaudiologica da família ou da escola?Porque assim a princípio eu não veria
necessidade, mas precisa ver o que a família e a escola estão trazendo, entendeu? Olhando assim eu
não consigo visualizar, não que ele não mereça investimento, mas de repente ver o processo dele, da
escola ou de repente uma orientação só aos pais, mas precisa ver né, se existe.
F2: Não eu acho que em todos os caso é fundamental ter outros dados adicionais para você definir, só
pela escrita em si acho que ninguém indicaria para uma terapia.
F4: A gente entende a escrita de uma forma ampla não é só uma questão gramatical e sintática.
F2: Sim, mas pelo que eu estou percebendo pelo discurso de todas nós, nós temos uma preocupação
com a história, se tem uma queixa, um sofrimento sobre isso para determinar a importância do tratamento
ou não; independente se a pessoa ta escrevendo bem, se tem alguma questão, acho que é importante
focar nisso e tentar fazer um trabalho independente da escrita.
Vemos que F2 e F4 não concordaram com os argumentos de F1 e F3,
mostrando-se mais preocupados com o conteúdo escrito, com a estruturação, e pouco
observando as possibilidades de construção por parte da criança. Pelo que podemos
observar nas interpretações de F1 e F3, o sujeito e a construção da linguagem escrita
são pouco considerados, sendo valorizado, em contrapartida, somente o código escrito.
Já os fonoaudiólogos F2 e F4 concebem a escrita como fruto social e valorizam a
interação com o outro e o discurso deste na construção do conhecimento, como vemos
nos segmentos a seguir:
78
F2: Tudo bem, eu concordo que é de adulto, mas eu acho que no nosso discurso o tempo todo à gente
trás marca do discurso dos outros.
F2: Não interessa, ele ta trazendo influência dele, as marcas dele, acha que isso mostra.
Já os professores, ao discutirem sobre a criança 3, detiveram-se principalmente
à descrição do código escrito. Para eles, os erros cometidos foram ocasionados por
desatenção e pressa, e a grafia era “garranchada”, embora tenham destacado aspectos
como adequação de raciocínio e criatividade. Assim, eles pouco se preocuparam com a
questão dos gêneros discursivos, por exemplo, e praticamente direcionaram suas
argumentações, de forma assertiva, para a idade e escolaridade da criança.
P2- eu acho que escreveu com pressa, é desatenção.
P4- quanto aos erros ortográficos ele não tem. É bem crítico, nós acreditamos que ele tem uns 11 ou 12
anos na 5ª ou 6ª série. Ele não tem erros, escreve de uma maneira muito pessoal, ele tem uma letra um
pouco garranchada, mas perfeito o raciocínio.
P2- ele não se pegou à estética do texto.
P1- ah! Nenhuma.
P2- ele está mais preocupado com o texto.Acho que é mais novo, com 11 anos pelo tipo de trabalho, a
escrita, a forma, a sua opinião e este tipo de trabalho é feito na escola então já adquiriu criatividade,
argumentação.
Vemos então que os fonoaudiólogos F1 e F3 se aproximam dos professores,
apesar de estes pouco opinarem. Em suas interpretações, esses participantes se
fixaram no texto, concebendo a escrita como reprodução, e não construção. Há, nessa
medida, uma valorização do erro.
Na tentativa de serem objetivos, os fonoaudiólogos F1 e F3 se aproximaram das
interpretações e práticas escolares, ao contrário de F2 e F4, que levantaram mais
hipóteses sobre o contexto das produções e pensaram na questão do sujeito que
escreve, na ressignificação da relação deste com sua escrita, levando-o a construir
conhecimentos para além de aspectos gráficos ou ortográficos.
79
Após as gravações o moderador e co-moderador fizeram a análise de cada
grupo intragrupo e intergrupo, ou seja, uma comparação dos grupos focais,
identificando as semelhanças e diferenças entre a interpretação dos fonoaudiólogos e a
dos professores.
4-AVALIAÇÃO INTRA - GRUPO E INTER - GRUPO
4.1 AVALIAÇÃO INTRA-GRUPO
Fonoaudiólogos
Embora no início tenham mostrado certa insegurança em expressar suas
opiniões, talvez por não terem os dados das crianças, os fonoaudiólogos participantes
conseguiram estabelecer uma discussão sobre o tema aqui abordado. Alguns se
colocaram mais, sendo que houve apenas um momento mais polêmico, em relação à
última criança. Não identificamos resistências ou questionamentos que pudessem
interferir no andamento grupo e, assim, as idéias e hipóteses levantadas puderam gerar
reflexões sobre a atividade clínica de cada participante.
Após a apresentação dos textos, interpretação e análise dos grupos focais
podemos observar, referindo-se ao grupo de fonoaudiólogos, que, na tentativa de
conceituarem sua concepção de aquisição de escrita e clínica, muitos se baseiam numa
visão mais conceitual, como encontrada na perspectiva construtivista representada por
FERREIRO (1986) apoiada nos pressupostos piagetianos.
Assim, observamos que, ao analisarem as produções escritas das crianças,
alguns fonoaudiólogos se preocuparam primeiramente em descrevê-las quanto à sua
forma.Um exemplo foi à prevalência do fator apoio na oralidade nessas descrições,
como forma de justificar o erro de aquisição de escrita pela criança.Por outro lado,
outros fonoaudiólogos participantes voltaram para uma visão mais social sobre à
aquisição da escrita, baseado-se nos pressupostos vygotskyanos, dentro de um
80
contexto mais sócio-cultural, valorizando a situação de produção e construção da
criança sobre a sua escrita.
Esse quadro parece vislumbrar uma realidade com relação ao trabalho clínico
fonoaudiológico com a linguagem escrita, ou seja, de acordo com a concepção de
escrita que o fundamenta, o fonoaudiólogo revela como interpreta o erro de escrita e
como exerce a prática.O objetivo desse estudo não era apontar qual seria a perspectiva
mais correta, mas sim considerar novas possibilidades de interpretação e para tanto e
novas formas de se trabalhar com a escrita, o que é enriquecedor tanto para a
Fonoaudiologia quanto para o fonoaudiólogo.
Professores
No início, talvez por ainda não estarem familiarizados com a proposta, os
professores pareciam estar um pouco tensos. Em relação ao outro grupo focal,
solicitaram mais o moderador para esclarecimento de dúvidas e interferiram menos,
estabelecendo discussões mais breves dos casos. Em certos pontos, as impressões
dos professores sobre os materiais das crianças se aproximaram das apresentadas
pelas fonoaudiólogas. Porém, notamos que este grupo se fixou mais na questão dos
erros ortográficos e nos procedimentos, não abrindo possibilidades para maiores
questionamentos ou discussões.
Já com o grupo de professores, mediante suas interpretações, observamos que,
diferentemente dos fonoaudiólogos, há uma preocupação com a forma estrutural da
escrita, de modo que tudo que não corresponde à norma culta é pouco considerado;
sendo assim, notamos prevaleceu para os professores à escrita enquanto transcrição
da oralidade, daí, dependendo da faixa etária da criança, a presença de palavras
erradas era indicativa de algum distúrbio de escrita. Ainda que tente se distanciar dessa
visão mais associacionista, o professor ainda direciona o seu trabalho com a escrita
81
para aplicação de ditados, cópias, atividades pouco enriquecedoras para a criança e
que pouco a motivam para escrever.
4.2 AVALIAÇÃO INTER GRUPO
Os apontamentos anteriores mostram certas diferenças entre esses
profissionais. Porém, em relação às hipóteses sobre idade e escolaridade das três
crianças, professores e fonoaudiólogos se assemelharam.Isso é um fator importante
para ambas as áreas, pois demonstra que esses aspectos podem revelar a
interpretação que tem sido feita perante o texto de uma determinada criança e o que se
espera para determinada faixa etária e escolaridade.
82
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste estudo era elaborar considerações sobre o sentido do erro de
escrita na escrita de crianças, tanto na perspectiva do fonoaudiólogo como do
professor; isso porque este costuma fazer encaminhamentos para a clínica
fonoaudiológica, principalmente em razão dos erros apresentados pelos alunos e pela
dificuldade que encontram de trabalhá-los em sala de aula. No contexto clínico -
terapêutico, o fonoaudiólogo tente compreender as razões desse encaminhamento e,
assim, refletir sobre cada caso em particular.
Assim, foi preciso que nos debruçássemos sobre os pontos de convergência e
divergência da prática clínica e pedagógica para investigar os sentidos do erro para
esses profissionais, e em que medida levam-nos em consideração em seus respectivos
trabalhos, tendo em vista um mesmo foco: paciente/aluno.
Vimos que ao trabalhar e avaliar a escrita de uma criança que apresenta erros, o
fonoaudiólogo leva em consideração não somente o caráter formal, técnico. Há uma
preocupação em investigar, primeiramente, o sentido da escrita para a criança. Como
encontramos em MASINI (1999) e GARCIA (2004), se há sofrimento, é razão suficiente
para um trabalho clínico - fonoaudiológico. Nesse caso, práticas discursivas com escrita
servirão de motivação para a criança trabalhar com seus textos, redimensionado o seu
valor e sua potencialidade. O professor, por outro lado, apesar de reconhecer o erro,
ainda tem dúvidas sobre como trabalha-lo em sala de aula, mas, acaba destacando-o
do todo da produção, o que favorece que o aluno continue com dúvidas e não se sinta
estimulado a escrever. A visão do professor parece, ser muito tradicional, resumindo a
escrita a práticas escolares, sem abrir novas possibilidades de apresenta-la em sala de
aula.
83
Porém, ambos os grupos focais criaram as mesmas hipóteses sobre a provável
escolaridade e idade das crianças em foco, dando-nos a importância da suposta etapa
de aquisição, como também o que esperam para determinada idade e escolaridade.
Ressaltamos que a escolha qualitativa para o delineamento da pesquisa e a
técnica de grupo focal muito favoreceu este estudo.
Trabalhar com a técnica do grupo focal foi uma experiência nova, desafiante e
muito prazerosa. Havia um clima de cumplicidade e companheirismo presente nos
grupos focais, o que produziu insights nas opiniões e vivências dos participantes. A
interação dos participantes durante as discussões permitiu alcançar dados que não
seriam possíveis numa entrevista individual, principalmente pela troca de
experiências.Cada grupo foi único, com suas características próprias e dos seus
participantes. Em comum, todos enriqueceram seus conhecimentos e trouxeram novas
possibilidades para pensarmos sobre a escrita e o erro.
Finalizando, ressaltamos que o procedimento aqui adotado nos permitiu dar voz
para dois grupos de profissionais que lidam com a escrita das crianças em seu
cotidiano. Isso foi de suma importância, especialmente no que diz respeito à clínica
fonoaudiológica, pois pudemos vislumbrar que certa mudança de paradigmas, já tão
presente na teoria, começa a ganhar espaço, também, na prática.
Este trabalho de forma alguma é conclusivo, já que encontramos trabalhos a
respeito da linguagem escrita na área fonoaudiólogica, mas que merecem novas
publicações e aprofundamentos.Com este trabalho, espero ter aberto novas
possibilidades de se continuar a pesquisar sobre a linguagem escrita e sobre o erro,
contribuindo, tanto para a área Fonoaudiológica como a Pedagógica.
84
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88
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Programa de Pós - graduados em Fonoaudiologia
Comitê de Ética
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Nome do Participante_______________________________________________
Endereço_________________________________________________________
1. Título do estudo: “Considerações sobre o sentido do erro na escrita de crianças na perspectiva do
Fonoaudiólogo e do Professor”.
2. Propósito do estudo: o propósito deste estudo é investigar os sentidos do erro na escrita de
crianças em período escolar e as possíveis articulações existentes entre a perspectiva do
fonoaudiólogo e aquelas apresentadas pelo professor.
3. Procedimentos: serão realizados um encontro com o Grupo de Fonoaudiólogos e um encontro com
o Grupo de Professores, aplicando-se a técnica de Grupo Focal.
4. Riscos e desconfortos: Não existem riscos para a elaboração da pesquisa.
5. Benefícios: Compreendo que não existem benefícios para mim como ao participante neste estudo.
6. Direitos do participante: Eu posso me retirar deste estudo a qualquer momento.
7. Confidencialidade: De forma a registrar exatamente o que eu disse nos encontros, um registro em
fita cassete será usado. A fita será ouvida somente pelo investigador principal e pelos membros
autorizados do grupo de pesquisa da........................................ Compreendo que os resultados deste
estudo poderão ser publicados em jornais profissionais ou apresentados em congressos
profissionais, mas que, minhas gravações não serão reveladas a menos que a lei o requisite.
8. Se tiver dúvidas posso telefonar para................................. no número........................................ a
qualquer momento
Eu compreendo meus direitos como um sujeito de pesquisa e voluntariamente consinto em
participar deste estudo. Compreendo sobre o que, como e porque este estudo está sendo feito.
Receberei uma cópia assinada deste formulário de consentimento.
São Paulo, de março de 2006.
Pesquisador Orientador
_____________________ ________________________
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