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FERNANDA TRESINARI BERTINATO MOSCHELLA
“Ó DEUS, EU QUERO CANTAR E TOCAR”:
A MÚSICA E OS INSTRUMENTOS MUSICAIS NO SALTÉRIO DAVÍDICO
Pontifícia Universidade Católica
São Paulo – 2006
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FERNANDA TRESINARI BERTINATO MOSCHELLA
“Ó DEUS, EU QUERO CANTAR E TOCAR”:
A MÚSICA E OS INSTRUMENTOS MUSICAIS NO SALTÉRIO DAVÍDICO
Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do
grau de Mestre em Ciências da Religião à Comissão Julgadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Frank Usarski.
São Paulo – 2006
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BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
a Alexandre Moschella
a Carin Zwilling
AGRADECIMENTOS
Quando um trabalho como este chega ao fim, já envolvemos tanta gente
que imagino ser impossível lembrar de todos que merecem estar aqui.
Em primeiro lugar quero agradecer a meu marido, Alexandre Moschella,
pelo apoio, compreensão, correção dos textos e discussão das idéias.
À Carin Zwilling, por ter me apresentado o Programa de Ciências da
Religião da PUC-SP, pelo material de pesquisa que me cedeu e, pelo amor que
sempre teve por mim.
Ao meu primeiro orientador Frei Gorgulho, pela paciência e dedicação em
me ajudar com a parte teológica e com a língua hebraica, sem os quais não faria
este trabalho. Além disso, Frei Gorgulho me ensinou muito sobre a vida e sobre a
morte.
Ao meu segundo orientador Frank Usarski, pelos votos de confiança e pelos
ensinamentos ao longo do curso.
A todos os professores do programa de Ciências da Religião da PUC-SP,
pela ajuda direta e indireta.
À Andréia, secretária do programa, dos professores e dos alunos.
Aos meus colegas de curso, Andrei, Cristiane, Denise, Elizabeth, ... , e em
especial, a Márcia Zaia.
À Marina Brito e Ana Flora Anderson.
Aos meus amigos e colegas de trabalho pelo carinho e dedicação na
gravação do cd.
Aos meus pais, por respeitarem minha ausência.
À Cíntia Kallás, pelo apoio que sempre me dá.
A Adveniat, pela bolsa de estudos a mim concedida.
A Dom José Francisco, que, através da arquidiocese de Pouso Alegre-MG,
prontamente requisitou a bolsa da Adveniat.
A CAPES, pela bolsa concedida na última etapa da pesquisa, e
Aos meus alunos, por nutrirem em mim o interesse pela pesquisa.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo mostrar como a música dos salmos era
realizada pelos levitas, responsáveis pela celebração do culto no Segundo Templo
de Jerusalém; mostrar quais eram os instrumentos musicais utilizados por eles,
bem como suas características e origens; a escrita musical desenvolvida e a
função que a música exercia naquela comunidade.
Palavras-chave: música e religião; música na Antigüidade; música na Bíblia;
música e instrumentos musicais no Segundo Templo de Jerusalém; Estética da
Religião; Ciências da Religião; Musicologia.
ABSTRACT
The purpose of this work is to study the characteristics of the Psalm music
made by the levites, the ones responsable for the celebration of the cult at the
Second Jerusalem Temple; to show which musical instruments they used, their
characteristics and origins; and also the musical notation developed in that
community and its music function.
Keywords: music and religion; music in Antiquity; music of the Bible; music
and musical instruments at the Second Jerusalem Temple; Aesthetics of Religion;
Science of Religion; Musicology.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................. 12
I -
A MÚSICA E A RELIGIÃO............................................................................... 15
1. A música..................................................................................................... 15
1.1 Matéria-prima............................................................................................ 15
1.2 Percepção da música............................................................................... 16
2. A função da música nas religiões............................................................... 25
2.1 Hinduísmo............................................................................................ 27
2.2 Budismo............................................................................................... 30
2.3 Mitologia grega.................................................................................... 33
2.4 Cristianismo......................................................................................... 37
2.4.1 A igreja cristã primitiva................................................................ 37
2.4.2 Protestantismo............................................................................ 48
2.4.3 As igrejas modernas................................................................... 51
2.5 Religiões afro-brasileiras......................................................................52
3. O saltério davídico e a música........................................................................... 55
II - OS INSTRUMENTOS DE CORDAS, SOPRO E PERCUSSÃO NO SALTÉRIO
DAVÍDICO.............................................................................................................. 65
1. Relação das referências musicais no Livro dos Salmos .............................. 67
2. Relação das referências musicais nos Livros das Crônicas ........................ 82
3. Descrição dos instrumentos musicais citados no saltério davídico ............ 85
3.1 Os instrumentos de cordas .................................................................... 85
3.1.1 Kinor - רונכ
..................................................................................... 85
3.1.2 Nevel - לבנ .................................................................................. 88
3.1.3 Asor - רשע 103..................... .............................................................
3.2 Os instrumentos de sopro ................................................................. 104
3.2.1 Shofar - רפוש ............................................................................ 104
3.2.2 Ugab - בגוע .............................................................................. 109
3.2.3 Hasosera - הרצוצח .................................................................. 110
3.3 Os instrumentos de percussão .......................................................... 112
3.3.1 Tof - ףות .................................................................................. 112
3.3.2 Pa’amon - ׀וםעפ ....... .......................... ................................ 116
3.3.3 Selslim e Msiltayim - םילצלצ e םיתליצמ 118................................
3.3.4 Mna’na’im - םינענמ 119..................................................................
4. Indicações aparentemente musicais nos cabeçalhos dos Salmos ..... 121
III - OS SINAIS MASSORÉTICOS ..................................................................... 125
1. Breve histórico........................................................................................... 125
2. Os sinais massoréticos ............................................................................. 128
3. A interpretação musical dos sinais ........................................................... 131
4. A quironomia.............................................................................................. 137
5. Decifrando os sinais massoréticos............................................................ 139
6. Transcrição de um salmo........................................................................... 145
6.1 Importância da elaboração melódica................................................... 145
6.2 Realização do salmo 150..................................................................... 147
CONCLUSÃO...................................................................................................... 150
APÊNDICE.......................................................................................................... 151
ANEXO............................................................................................................... 164
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................... 165
INTRODUÇÃO
Como alaudista e professora de História da Música, tenho grande interesse
pela Música Antiga, ramo da Música que se dedica à pesquisa dos instrumentos
utilizados em épocas passadas, em especial na Idade Média, no Renascimento e
no Barroco, da maneira pela qual eram tocados tais instrumentos e da linguagem
musical própria de cada um destes períodos. Durante a Idade Média, os
instrumentos eram usados quase que exclusivamente na música profana; a
música erudita era a música puramente vocal feita pela igreja cristã. Com o
advento da polifonia, no século XIII na França, na região da Provença, os
instrumentos começaram a integrar este cenário da música estudada, mas apenas
como duplicação da linha melódica de uma ou outra voz. A igreja unificava a
estética e o repertório musicais na Europa, independentemente de fronteiras
territoriais. Somente durante o Renascimento, época em que cada país começa a
produzir sua própria música, é que a música instrumental se desvincula da música
vocal.
No entanto, o estudo da Música Antiga ainda é pouco explorado em nosso
país, que mantém ótimas pesquisas sobre as formas atuais da música. Em alguns
países da Europa e nos Estados Unidos, encontramos pesquisas sobre os
detalhes físicos de um determinado instrumento, sobre a maneira mais adequada
de tocá-lo, e também um resgate dos manuscritos das partituras; e na maioria das
vezes tem-se um grupo de instrumentistas especializados para interpretar esse
gênero de música pesquisada.
É possível encontrar estudos sobre os instrumentos, a estética e a relação
da sociedade com a música a partir da Idade Média, considerada o início da
História da Música Ocidental. Sabemos que o alaúde medieval tinha quatro cordas
simples e era tocado com um plectro - uma pena, na maioria das vezes. No
Renascimento, com o desenvolvimento da polifonia, o alaúde passou a possuir
seis cordas duplas, o que possibilitava um considerável aumento sonoro, e era
tocado com os dedos. Também é sabido que no século XVI, na Inglaterra, era
12
necessário saber tocar este instrumento para ser considerado bom cortesão; no
entanto, na Idade Média, qualquer espécie de instrumento só era usada na música
feita nas ruas, como parte integrante da música profana, realizada geralmente
para acompanhar a dança.
Este estudo sobre a música, os instrumentos, a estética vigente e a relação
da sociedade com a música é limitado dramaticamente quando falamos da
Antiguidade, em especial em Israel/ Palestina. Temos relatos na Bíblia mostrando
que este povo louvava a Deus com instrumentos, contudo são raros os estudos
elucidando que instrumentos eram aqueles, que forma de música faziam, se era
monofônica ou polifônica, se a música instrumental era vinculada ou não à música
vocal, ou ainda se esta música era realizada por músicos profissionais ou pela
população em geral.
O pensamento ocidental tem como base as culturas greco-romana e
judaica. Assim, é de fundamental importância para o ententimento do
desenvolvimento musical saber como era a música feita pelos hebreus, suas
características essenciais, os instrumentos utilizados por eles e a natureza e o
grau de envolvimento da sociedade com esta arte. O objeto de estudo deste
trabalho é a música elaborada e executada pelos levitas, responsáveis pela liturgia
do Segundo Templo de Jerusalém.
Por meio da Bíblia, em especial a Bíblia Hebraica, pode-se ter uma clara
noção de que a música era parte integrante do cotidiano daquele povo, que a
usava como expressão de sua oração, entendida por eles como o sentimento mais
profundo do ser humano.
O objetivo deste trabalho é descrever a função da música no culto levítico,
relatar os instrumentos musicais citados no Saltério, suas características e suas
origens e analisar musicalmente os sinais massoréticos.
Como não são comuns em nosso país pesquisas interdisciplinares sobre
música e religião, este estudo terá como referências principais alguns trabalhos já
realizados no exterior com grande reconhecimento científico, tais como:
- The History of Musical Instruments, de Curt Sachs, publicado em Nova
13
York pela Norton & Company em 1940. Este livro é até hoje considerado a
principal referência sobre a origem e o desenvolvimento dos instrumentos
musicais em geral, e não somente os relatados na Bíblia;
- Music in Ancient Israel / Palestine – Arqueological, Written, and
Comparative Sources, de Joachim Braun, publicado em Cambridge pela
Eerdmans Publishing Company, em 2002. Neste trabalho, o notável musicólogo
Joachim Braun analisa a música da região de Canaã, desde a Idade da Pedra até
o século IV d.C. Não é um estudo específico da “música na Bíblia”, ou da “música
nos tempos bíblicos”, mas sim uma investigação de períodos históricos e culturas
que influenciaram as pessoas e a música desta região;
- The Music of the Bible Revealed – The deciphering of a millenary notation.
Neste trabalho, realizado na França pela renomada musicóloga Suzanne Haik-
Vantoura e traduzido para o inglês, a autora analisa musicalmente os sinais
massoréticos presentes em toda a Bíblia. É um estudo inovador e aclamado tanto
no meio musical quanto no meio de estudiosos da cultura judaica. Foi publicado
na França em 1978 e, em inglês, pela Bibal Press, em 1991.
14
I - A MÚSICA E A RELIGIÃO
I.1 A MÚSICA
“A música é uma chave para os mais profundos segredos de nossa
mente”.
1
I.1.1 MATÉRIA-PRIMA
A história humana, desde o início, é povoada por sons. Enquanto vibração
(onda) que se propaga pelo ar, chegando ao ouvido e sendo percebida pelo
cérebro, o som povoa a existência humana em cada uma de suas fases ao longo
da história. Em estado caótico, o som da floresta, do rio, das aves, dos outros
animais povoa o ambiente primitivo. Também em estado caótico, o som das
fábricas, dos carros, dos aviões povoa o ambiente moderno.
Mas em qualquer ambiente habitado pelo ser humano o som tem sempre o
potencial de ser usado como matéria-prima de uma arte – a música. Esta é a
organização do mundo sonoro pela mente humana. É uma tentativa de
estabelecer ordem em meio ao caos sonoro do ambiente. Melhor ainda: como
todas as outras artes, é uma tentativa de dialogar com este caos por meio de
ordens propostas. Como diz Wisnik:
O som do mundo é ruído, o mundo se apresenta para nós a todo momento
através de freqüências irregulares e caóticas com as quais a música trabalha para
extrair-lhes uma ordenação (ordenação que contém também margens de
instabilidade, com certos padrões sonoros interferindo sobre outros).
2
1
JOURDAIN, Robert. Música, Cérebro e Êxtase, p. 9.
2
WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido, p. 30.
15
A música se realiza pela organização dos fenômenos sonoros ao longo do
tempo. Por se suceder no tempo, os sons formam um ritmo
3
– uma repetição
identificável de eventos sonoros. Este ritmo está ligado aos ritmos do corpo (por
exemplo: a circulação sanguínea, a respiração, os batimentos cardíacos) e
também aos ritmos do mundo externo (por exemplo, a periodicidade dos
fenômenos naturais, como o dia e a noite ou o sol e a chuva). Como fenômeno
onde os eventos sonoros são recorrentes e apresentam periodicidade, a música
se insere dinamicamente num contexto cultural:
Toda cultura possui o seu próprio ritmo, no sentido em que a experiência
consciente é ordenada em ciclos de mudanças de estação, de crescimento físico,
de empreendimento econômico, de profundeza ou de amplitude genealógica, de
vida presente e vida futura, de sucessão política ou de outros fatos periódicos
quaisquer aos quais se confere uma significação.
4
I.1.2 PERCEPÇÃO DA MÚSICA
Só no século XIX os cientistas começaram a estudar a música em seus
laboratórios. O primeiro passo dado foi com a acústica, que consiste na ciência do
som em si, suas leis regentes e os fenômenos dele derivados. Segundo o
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o termo acústico é derivado da palavra
grega akoustikós, “que diz respeito ao ouvido”. Depois da acústica, veio a
psicoacústica, ou seja, a ciência destinada a estudar o modo pelo qual as mentes
humanas percebem o som. Posteriormente, foi desenvolvida a psicoacústica
musical, cuja finalidade é examinar todos os possíveis aspectos da percepção e
do fazer musicais. Por meio desta ciência, foi diagnosticado que nenhuma outra
atividade exige tanto do cérebro quanto o fazer musical, pois este envolve uma
3
Há um glossário de termos musicais no apêndice.
4
BLACKING, John. Apud. MORAES, J. Jota de. O que é Música, p.19.
16
atividade intensa de centenas de músculos, dos olhos e dos ouvidos, a fim de
decodificar e interpretar símbolos. Além disso, são requisitadas a memória e as
emoções; tudo isso em intercâmbio, para que nenhuma das várias atividade entre
em choque.
De acordo com Regina Bendix
5
, o som tem o poder de ajudar a construir a
identidade cultural, numa dimensão irracional, emocional, e com forte potencial
aglutinador. Também estimula o discernimento e o conhecimento ao oferecer
referenciais para a construção da linguagem.
Segundo a autora, os prazeres e desprazeres do ouvido alimentam tanto
o corpo quanto a mente, e evocam uma complexa mistura de reações psicológicas
emocionais e racionais.
Segundo Paul Stoller
6
, uma apreciação mais profunda do som poderia
nos fazer considerar sob uma nova ótica sua natureza dinâmica, uma porta aberta
à compreensão do sentimento cultural.
Houve, no passado, estudos de fenômenos como a saudade do lar,
onde os acadêmicos reconheceram que os sentimentos de nostalgia estavam
ligados a impressões sensoriais e memórias do som da linguagem e da canção ou
do cheiro dos alimentos. Mas a própria expressão “saudade do lar” mostra que os
aspectos somáticos do fenômeno foram considerados cruciais e a saudade do lar
encontrou atenção acadêmica na medicina e na psiquiatria, mas não no estudo da
cultura expressiva. A inclusão mais recente das preocupações com as dimensões
social, relacional, comunicativa e cultural das emoções na antropologia se
concentrou desproporcionalmente em culturas não-ocidentais, pré-
industrializadas, “homogêneas”, e é só na etnomusicologia que o envolvimento na
realidade vivida em sociedades complexas começa a se manifestar.
5
BENDIX, Regina.The Pleasures of the ear: toward an ethnography of listening.
6
Cf. Sound in Songhay Cultural Experience, p. 559-70 apud BENDIX, Regina. The Pleasures of the ear:
Toward na Ethnography of Listening
17
Yu-Fu Tuan propõe:
O som pode elevar a emoção humana a um nível mais intenso do que a
visão sozinha. Manchetes ‘gritantes’ no jornal da manhã atraem nossa atenção
mas não afetam nosso coração. Fotos de desastres podem causar mais reação.
Mas seremos totalmente envolvidos pelo som da sirene de uma ambulância ou por
gritos de dor, raiva ou desespero.
7
Richard Shase acredita que o folclore genuíno não precisava do selo de
aprovação de um folclorista profissional, porque
“você sabe pelo sentimento (...), por alguma coisa indefinível dentro
de você quando você ouve a canção cantada, ou a história contada, ou a
melodia tocada.”
8
Diferentemente dos olhos, os ouvidos não podem ser fechados para
deter a incessante exposição a sons que precisam ser classificados.
“Nada é mais exclusivamente nacional e mais individual do
que os prazeres do ouvido”.
9
O ouvido é um lugar enormemente importante para selecionar e mediar,
em meio a esta paisagem sonora gigantesca, quem somos e quem queremos ser;
adaptando Herder ao presente: nada é tão individualista e tão transcultural quanto
os prazeres do ouvido.
7
Cf. BENDIX, Regina. Op. cit.
8
SHASE. Apud. BENDIX, Regina. The Pleasures of the ear: Toward na Ethnography of Listening.
9
Herder. Apud. BENDIX, Regina. The Pleasures of the ear: Toward na Ethnography of Listening.
18
Nos dias de hoje, exemplos do mundo inteiro nos lembram que a música
não é sempre, ou nem mesmo habitualmente, algo que ouvimos por prazer.
Particularmente nas sociedades industriais modernas, a música está em toda
parte e embutida em tudo, lembra-nos Jourdain.
10
Acordamos com a música do
rádio dos nossos relógios, depois a usamos durante o café da manhã, para juntar
energia, durante a hora do rush, para nos acalmar, durante o trabalho, para nos
anestesiar, e para relaxar, no fim do dia. E somos bombardeados com música não
solicitada. Uma hora vendo televisão é acompanhada por dúzias de melodias
projetadas para atrair adrenalina, lágrimas ou dinheiro de consumo. A música
serve para fazer operários de fábricas produzirem mais e as galinhas produzirem
mais ovos, segundo pesquisas recentes. Já foi usada para curar, hipnotizar,
reduzir a dor e como auxiliar de memorização. Dançamos ao som de música,
fazemos compras em supermercados ou shopping centers ouvindo música,
limpamos a casa ouvindo música, fazemos ginástica ouvindo música e
namoramos ouvindo música. E, vez ou outra, nos sentamos e ouvimos música
atentamente, seja em casa, em salas de concerto ou em igrejas. A conseqüência
desta situação é que, quanto mais somos cercados por música, menos
participamos, e um cérebro carente de experiência musical é, necessariamente,
um cérebro carente de discernimento musical.
Antigamente, a música elaborada era rara e extremamente elitista, podia
ser encontrada nas cortes, em casas de concertos ou nas igrejas. Os ouvidos
famintos procuravam prazer em tudo que passava por seu caminho. Agora, com o
advento da tecnologia, a música favorita do ouvinte está sempre ao seu alcance e
basta apertar um botão para ser posto em contato com novas idéias musicais.
Mais importante ainda: onde antes atraía freqüentemente uma atenção total, a
música agora tornou-se tão comum que às vezes é até usada como objeto de
decoração, algo para ser notado, mas não realmente observado.
Esta idéia de música ambiente, na verdade, não é nova. Há relatos dela na
Roma antiga, e até antes disso. A diferença é que, em Roma, a música ambiente
10
Cf. JOURDAIN, Robert. Op. cit., p. 305 a 307.
19
existia para divertir as pessoas enquanto o teatro, a luta ou o sacrifício não
começavam. Hoje, a música é tão gratuita quanto o ar, quando era antes uma
extravagância dos ricos ou tinha uma função específica dentro da religião. Ter a
música disponível em toda parte a toda hora tirou-a de seu antigo papel básico de
fonte de prazer, tornando-a, sobretudo, um meio de melhorar o estado de espírito.
Enquanto a música, outrora, nutria um deleite, fosse na sala de concertos, na
praça da vila ou para louvar a Deus, agora um perpétuo banquete de canções
serve apenas para acalmar um paladar embotado, diz Jourdain
11
. Vivemos numa
era de disseminada obesidade musical.
Jourdain é muito preciso quando diz que, ao experimentarmos música
ambiente, ouvimos passivamente, em vez de escutar ativamente. Diz:
Triunfamos sobre esse caos não ouvindo, passivamente, com nossos
troncos do cérebro, mas escutando, ativamente, com o córtex cerebral, que busca
dispositivos e padrões familiares na música. A audição é conduzida pela
antecipação. Mesmo quando uma peça é inteiramente nova para nossos ouvidos,
nós a entendemos porque percebemos partes constitutivas que já conhecemos
bem. Um objeto musical não é tanto algo que bate em nossos cérebros, e sim
muito mais, algo que nossos cérebros vão lá e captam, através de sua
antecipação.
Falando de modo amplo, só antecipamos o que já conhecemos.
Reconhecemos – re-conhecemos – dispositivos musicais. Isso significa que, de
várias maneiras, lembramos esses dispositivos a partir de experiências anteriores.
Dessa forma, a memória é essencial na percepção da música.
12
Toda e qualquer música é constituída basicamente por dois elementos: o
ritmo e a harmonia. Afirma-se, freqüentemente, que o ritmo é o aspecto mais
"natural" da música; que o ser vivo chega à música a partir das pulsações do
próprio corpo. Platão se opõe a esta idéia, afirmando que, embora o corpo dos
11
JOURDAIN, Robert. Op. cit., p. 314.
12
Ibid, p. 315.
20
seres humanos seja muito parecido com o dos animais, mostramos muito mais
atividade rítmica e exercemos um controle muito maior sobre o ritmo, em tudo o
que fazemos. Segundo ele, "o ritmo vem da mente e não do corpo"
13
. E, segundo
Jourdain,
O ritmo tem a ver com agrupamento, com reunião dos conteúdos do mundo
em conjuntos discerníveis. É inerente a todos os tipos de cognição, não apenas à
música. (...) Quando as pessoas insistem que o ritmo vem do corpo, elas se
referem, na verdade, ao prazem que obtêm representando o ritmo em seu sistema
motor. A maneira como esse prazer surge é questão diferente de como surge o
ritmo em si.
14
A escuta da harmonia é mais difícil. Quando a música é mais símples, sua
redenção está nas palavras. As palavras funcionam como um lembrete útil para as
mentes musicalmente pouco desenvolvidas. A harmonia aprimorada só é
compreensível quando as sucessões de acordes são ouvidos como vozes
múltiplas. Assim, a harmonia exige a sofisticação de uma escuta polifônica, diz
Jourdain
15
. E, com a preferência pela harmonia, vem um gosto pelos instrumentos
tocados com “bom tom”, para produzirem um coro lúcido de sons harmônicos.
Instrumentos carregados de barulho, como a guitarra elétrica, são anátema para o
ouvinte da harmonia.
No mundo ocidental, a harmonia se tornou a obsessão da música clássica,
tanto profana quanto sacra.
Segundo estudos feitos pela psicologia, os prazeres mais profundos
experimentados pelo ser humano estão nas relações mais profundas. Assim
sendo, terá mais prazer ao ouvir uma música relativavemte complexa e elaborada
aquele que já possui elementos suficientes para reconhecer os padrões familiares
na música.
13
JOURDAIN, Robert. Op. cit.., p. 197.
14
Ibid., p. 197e 199.
15
Ibid., p 328.
21
Assim, os ocidentais não podem ouvir uma escala chinesa sem tentar
percebê-la como uma escala ocidental desafinada. A percepção da música
chinesa, quando chega a ser alcançada, vem lentamente, à medida que o córtex
auditivo adquire nova flexibilidade, por meio de uma longa exposição.
Segundo Jourdain, não existe uma tipologia de ouvintes. Cada ser humano
tem seu próprio estilo de ouvir, uma tendência a prestar atenção a certas
características da música, deixando outras de lado. Algumas pessoas sentem uma
atração especial pela melodia, outras, pela harmonia, ritmo, fraseado ou forma.
Todas ouvem cada aspecto apenas em certas medidas.
Estudos mostram que os ouvintes quase sempre preferem música carente
de informações a música contendo um excesso de informações. Também se
descobriu que, quando ficam mais velhas, e suas habilidades de escuta
aumentam, as pessoas tendem a preferir música cada vez mais complexa,
carregada de informações. O caso inverso, em que os ouvintes partem da
preferência pelo complexo e vão para a música simples, é praticamente
desconhecido.
16
O gosto musical está intimamente ligado à noção do papel que a música
deve desempenhar na vida da pessoa. Para muitos, a função da música
ultrapassa todas as considerações em torno da qualidade musical. Antes de mais
nada, as pessoas fazem uso da música para melhorar seu estado de espírito.
A música suscita emoções, tanto negativas quanto positivas. Com isso,
aperfeiçoa momentaneamente nossas vidas emocionais individuais. O significado
que sentimos não está na música como tal, mas em nossas próprias reações ao
mundo, reações que carregamos sempre conosco. A música serve para
aperfeiçoar essas reações, para torná-las mais belas. Assim, a música confere
dignidade a experiências que, com freqüência, estão longe de ser dignas. Porém,
a música afeta mais as pessoas que já têm uma existência profundamente
emocional.
16
Cf. JOURDAIN, Robert. Op. cit., p. 332.
22
Há um curioso relato de um médico especialista em mal de Parkinson,
chamado Oliver Sacks, que descobriu que a música podia ser um tratamento
extraordinariamente efetivo para os sintomas desta terrível doença.
Num minuto, a Srta. D. estava comprimida, travada e bloqueada, ou com
espasmos, cheia de tiques, algaraviando – como uma espécie de bomba humana;
no momento seguinte, com o som da música vindo de um rádio ou um gramofone,
vinha o completo desaparecimento de todos estes fenômenos obstrutivo-
explosivos e sua substituição por uma feliz descontração e fluxo de movimentos,
enquanto a Srta. D., repentinamente livre de seus automatismos, “regia”
sorridentemente a música ou se levantava e dançava, ao seu som.
17
O Dr. Sacks descobriu que muitos de seus pacientes reagem assim à
música; mas também descobriu que a música é um remédio instável. O paciente,
antes de mais nada, precisa ser musicalmente sensível, para ser dominado pela
música. Além disso, a música precisa ser exatamente do tipo certo. Muito ritmo
pode fazer o paciente entrar em espasmos, e uma melodia símples e monótona
revela-se fraca demais para trazer grande benefício. É preciso música bem feita
tocada de maneira fluente; com ritmo, mas embutida em melodia fluente, diz ele. A
música só pode ajudar um paciente com Parkinson se for de um tipo que
corresponda ao gosto desse paciente.
A mágica que a música faz com os pacientes do Dr. Sacks não é diferente
da que faz com todos nós. Ela nos tira de nossos hábitos mentais congelados e
faz nossas mentes se movimentarem como habitualmente não são capazes.
Quando estamos embebidos em música, podemos ter entendimentos que
superam nossa existência mundana, que cessam quando o som pára. A música
deixa nossas mentes momentaneamente mais capazes.
A existência da música é tão antiga quanto a existência do homem. E o fato
de ser encontrada em todas as culturas do mundo, por mais tecnologicamnete
17
SACKS, Oliver. Awakenings. Apud. JOURDAIN, Robert. Música, Cérebro e Êxtase, p. 380.
23
primitivas que sejam, indica que a música é algo a que os serem humanos têm
acesso com bastante facilidade.
Segundo alguns antropólogos, a música evoluiu, de início, para fortalecer
os laços da comunidade e resolver conflitos. E, se ela surgiu para tal fim, deve sua
existência às emoções. Ora, é exercitando ou aplacando emoções que
estabelecemos relação com outros seres humanos, ou supra-humanos. Assim
sendo, a música, de alguma forma, corporifica a emoção. A música nos dá meios
para exercitar nossas emoções e desta forma estabelecer relação com outros
seres humanos.
É possível levar a música para nossas próprias situações de vida; assim
sendo, podemos fazer dela o que quisermos. A música idealiza tanto as emoções
negativas quanto as positivas. O “significado” que sentimos não está na música
como tal, mas sim em nossas próprias reações ao mundo.
(...) O sentido interior, a percepção-de-si abstrata é o que a música
apreende e, desse modo, também coloca em movimento a sede das
transformações interiores, o coração e o ânimo como este ponto central
concentrado simples do homem inteiro.
18
Há uma idéia clássica de que o prazer e a dor são intrínsecos à natureza de
toda e qualquer experiência que permeia a nossa existência. Assim, o organismo
luta para manter o equilíbrio com o meio ambiente. O cérebro é capaz de produzir
substâncias especiais para aliviar a dor ou provocar felicidade. Ao receber
estímulos, entre eles os da música, os neurônios especiais produzem uma
substância chamada endorfina, cuja finalidade é aliviar a sensação de dor. Mas,
se a endorfina é liberada quando não existe dor nenhuma para ser
contrabalançada, o resultado é uma grande euforia. Isso explica, em grande parte,
como os hindus são capazes de ficar horas e horas tocando e cantando ragas, ou
18
HEGEL, G. W. F. Cursos de Estética, vol. III, p. 292.
24
então porque o Salmo 104, 33 diz: “Cantarei a Iahweh enquanto eu viver, louvarei
o meu Deus enquanto existir”.
Quando a sensação de prazer chega ao extremo, é possível descrevê-la
como êxtase. Mas, segundo Jourdain
19
, o êxtase pode ser mais do que prazer
extremo, pode ir além de causar arrepios. O êxtase dissolve as fronteiras do nosso
ser, revela nossos laços com o mundo externo, fazendo-nos mergulhar em
sentimentos “oceânicos”.
Uma característica que define o êxtase é a sua proximidade. Êxtase não é
nenhum acontecimento esplêndido como um pôr-do-sol deslumbrante, que ocorre
no mundo externo, diante de nossos olhos e ouvidos. O êxtase acontece com
nossos eus. É uma rápida transformação do conhecedor, e não meramente uma
transformação da experiência do conhecedor. E a música parece ser a mais
imediata de todas as artes, e, portanto, a mais extasiante.
A música dá os meios para experimentarmos relações muito mais
profundas do que as encontradas por nós no cotidiano. (...) É por esse motivo que
a música pode ser transcendente. Durante alguns momentos, ela nos torna
maiores do que realmente somos, e o mundo, mais ordenado do que realmente
é.
20
I.2 A FUNÇÃO DA MÚSICA NAS RELIGIÕES
Enquanto atitude de ordenação do mundo, a música tem papel de coesão
social. A emissão consciente de um som, por vários membros de uma
comunidade, é a imposição de uma ordem em meio ao caos. Wisnik diz:
19
Cf. JOURDAIN, Robert. Op. cit, p. 411 e 412.
20
JOURDAIN, Robert. Op. cit, p. 415 e 416.
25
Um único som afinado, cantado em uníssono por um grupo humano, tem o
poder mágico de evocar uma fundação cósmica: insemina-se coletivamente, no
meio dos ruídos do mundo, um princípio ordenador. Sobre uma freqüência
invisível, trava-se um acordo (...) que projeta não só o fundamento de um cosmos
sonoro, mas também do universo social.
21
No período histórico em que se insere este trabalho, a busca por esse
acordo realiza-se como experiência do sagrado:
Nas sociedades pré-capitalistas (...) a música foi vivida como uma
experiência do sagrado, justamente porque nela se trava, a cada vez, a luta
cósmica e caótica entre o som e o ruído.
22
Segundo Hegel,
apenas quando no elemento sensível dos sons e em sua figuração variada
se expressa algo de espiritual de modo adequado, a música também se eleva à
verdadeira arte, independentemente se este conteúdo alcança por si
expressamente sua designação mais precisa por meio de palavras ou se deve ser
sentido mais indeterminadamente a partir dos sons e de suas relações
harmoniosas e animações melódicas.
23
A humanidade, ao buscar um contato com o transcendente, quase sempre
fez uso da música. Isto é evidente tanto no Oriente quanto no Ocidente, com
diferentes formas ou técnicas musicais e com uso variado de instrumentos. Em
cada religião, a música tem uma função distinta, instrumentos característicos, uma
notação própria e ocupa um lugar distinto dentro do culto. A música tem variações
21
WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido, p. 30.
22
Ibid., p. 30 e 31.
23
HEGEL, G. W. F. Op. cit., p. 289
26
que podem ir da instrospecção, como no Budismo, ao êxtase, como buscavam os
judeus no Segundo Templo de Jerusalém.
Para cada estilo musical existe um estilo de expectativa musical. Várias
culturas, camadas sociais e tipos de personalidade fazem exigências diferentes
com relação à música. Algumas pessoas usam a música como estimulante; outras,
como tranquilizante; algumas procuram intensidade e beleza; outras, distração e
barulheira; algumas exigem o simbolismo do mundo em torno delas; outras
deliciam-se com a pura abstração. (Jourdain, 1998)
24
Serão apresentadas aqui religiões que usam algumas características da
música de forma semelhante à dos levitas. Os principais aspectos abordados
serão: quais os instrumentos usados, quem pratica a música (leigos, fiéis,
sacerdotes ou profissionais da música) e qual a função da música dentro desta
religião. A música dos levitas será abordada no tópico seguinte deste mesmo
capítulo.
I.2.1 HINDUÍSMO
No Hinduísmo, o músico é o responsável por traduzir a música do universo
para os seres que não são capazes de captá-la, os não-músicos. Os hinduístas
acreditam no poder da música de suscitar sentimentos específicos, chamados
nava rasa (nove sentimentos/emoções). São eles: shingara - romântico e erótico;
hasya – humorístico; karuna – patético; raudra – raivoso; veera – heróico; vibhatsa
– repugnante; adbhuta – surpreendente; shanta – pacífico.
Nos mantras, o ritmo das palavras é uma representação das vibrações
cósmicas. A oração consiste na recitação suave de fórmulas sagradas – os
mantras – repetidas indefinidamente.
24
JOURDAIN, Robert. Op. cit., p. 17.
27
O sistema musical indiano, que consiste em ragas (compostos melódicos
derivados de uma escala), tem origem nos hinos védicos, ou seja, data de dois mil
anos. As ragas são os veículos pelos quais a essência pode ser percebida – são o
coração da música indiana. Consistem em uma forma melódica sobre a qual o
músico improvisa, sempre inspirado pelos grandes mestres. Cada raga é
dominada principalmente por uma das nava rasa, ou seja, os nove
sentimentos/emoções citados acima. As ragas podem também estar relacionadas
com uma determinada parte do dia (dia ou noite) ou estação do ano (primavera,
verão, outono ou inverno), que representa o ciclo da vida de cada pessoa. Para os
hinduístas, cada momento do dia, como o alvorecer, o crepúsculo e a noite, está
relacionado com um determinado sentimento.
Uma raga é a projeção do espírito do artista, uma manifestação de suas
sensibilidades e de seus sentimentos mais profundos. E a qualidade espiritual e a
maneira de expressão do artista não podem ser aprendidas em livros, e sim por
meio de seu desenvolvimento como ser humano e sua relação pessoal com seu
guru.
Os estudos espirituais, incluindo aí a música, equilibram e purificam a
mente. Servem como auxiliares indiretos para se alcançar moksa, ou seja, a
finalidade espiritual mais profunda do ser humano, que consiste na libertação
definitiva pela alma da prisão da matéria e do ciclo de reencarnações (samsara),
por meios que dependerão da linha filosófica ou religiosa em questão Esta
libertação culmina no renascimento final da alma como Brama ou brâman. A arte,
assim como todo o conhecimento védico, é aprendido/ensinado pela tradição oral,
seja na relação mestre-discípulo, pai-filho ou irmão mais velho-irmão mais novo.
Para os hinduístas, a arte propicia aos seres humanos um estado de pureza
e sutileza único, que é a essência de nossa própia natureza, e consiste na prática
de todas as habilidades refinadas que enriquecem nosso estar no mundo,
trazendo nutrição, completude e prazer
25
à vida. Tanto para o artista quanto para o
espectador, a contemplação do divino torna-se um meio de transcender o
25
Ananda em sânscrito. Significa prazer no sentido de felicidade interior e espiritual; independedos sentidos.
28
ego/personalidade limitado, raiz de todo nosso sofrimento. O artista, no caso o
músico, é o agente de libertação: ele imita o ato criativo original (consciência -
matéria) e as formas que ele cria facilitam o caminho inverso (matéria –
consciência).
Os artistas podem vir de qualquer classe social (casta), mas em geral são
brahmins. Seguno o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, brahmins, ou
brâmanes, são os membros hereditários da casta sacerdotal, a primeira da
tradicional estratificação social indiana; brame, brâmene, braminá, brâmine Os
sacerdotes de Brama se dedicam (hoje não exclusivamente e não
obrigatoriamente) aos deuses, através do estudo e recitação das sagradas
escrituras, assim como da execução do
cerimonial religioso; descendentes dos
arianos invasores da península da Índia, só consolidaram sua hegemonia social
(juntamente com o sistema de castas) no período bramanista da religião indiana.
Instrumentos indianos. Relevo do séc II a.C.
26
26
Curt SACHS, The History of Musical Instruments, p. 160.
29
Os principais instrumentos utilizados na música indiana são:
- tabla: um par de pequenos tambores utilizados para acompanhar tanto a
música vocal como a instrumental, e a
- cítara: instrumento de cordas capaz de fazer melodias, muito utilizado na
improvisação das ragas.
cítara
27
I.2.2 BUDISMO
No budismo, alguns instrumentos musicais são usados para indicar o
começo e o fim da meditação, realizada com a recitação de mantras, ou seja,
melodias simples repetidas continuamente.
Na música praticada pela corte da China antiga, orquestras eram formadas
com mais de mil intérpretes, com a finalidade de produzir um som suficientemente
alto que pudesse ser ouvido no céu.
27
http:// www. ravishankar.org
30
P’ip’a- instrumento chinês da
Dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C.)
28
Biwa – instrumento japonês do sec
VIII d.C.
29
28
Curt SACHS, op. cit, p. 189.
29
Ibid., p. 177.
31
Há uma bela história que retrata bem o papel da música nesta cultura:
Em um venerado santuário conservava-se uma harpa mágica, da qual,
segundo os antigos oráculos, brotaria uma melodia maravilhosa no dia em que
fosse dedilhada por um artista capaz de tocá-la devidamente. Atraídos pelo
oráculo, e na esperança de se tornar famosos, muitos iam ao santuário, garantiam
que eram grandes harpistas e pediam para que lhes deixassem tentar tocar a
harpa mágica. Mas todos fracassavam: do instrumento só saíam os mais
desagradáveis ruídos.
Tanto os monges que viviam no santuário como todo o povo do lugar já
haviam quase perdido as esperanças de que pudesse aparecer alguém capaz de
tocar aquele instrumento misterioso quando, um dia, apresentou-se ali um homem
chamado Pei-Woh. Era um desconhecido, e ninguém imaginava que chegaria a
conseguir aquilo em que tantos músicos célebres haviam fracassado. Mas, ao
observar a maneira humilde e respeitosa com que Pei-Woh abria os braços para
receber o instrumento, todos começaram a desconfiar que, finalmente, talvez
estivesse para se produzir a maravilha tão esperada.
De fato. Começou a dedilhar a harpa com suma delicadeza, como se
estivesse acariciando as cordas com seus dedos. Tinha-se a sensação de que a
harpa e o harpista haviam sido fundidos em um único ser; era como se as cordas
da harpa movessem os dedos de Pei-Woh, em seus agilíssimos movimentos.
Durante bastante tempo, que a todos pareceu um mero instante, os monges do
santuário e os fiéis que tiveram a sorte de encontrar-se ali naquele dia extasiaram-
se ouvindo uma melodia com a qual sequer poderiam ter sonhado.
Quando por fim Pei-Woh acabou de tocar e devolveu com grande
reverência a harpa aos monges do santuário, estes, maravilhados, perguntaram-
lhe como conseguira tocar aquela música com um instrumento do qual os mais
famosos solistas não haviam sido capazes de tirar sequer uma nota afinada.
Então, Pei-Woh lhes respondeu, com grande humildade:
- Todos os que me precederam na tentativa chegaram com o propósito de
utilizar a harpa mágica para cantar a si mesmos. Eu, ao contrário, apenas me
submeti inteiramente a ela, e emprestei-lhe meus dedos, para que não fosse eu a
32
lhe impor minha música, mas que ela pudesse cantar tudo o que leva dentro de si.
Então, a madeira da harpa, que havia sido uma árvore centenária em uma floresta,
vibrou para cantar o rítmo do sol e da noite, os resplendores da aurora e do ocaso,
a força do vento, o rumor da chuva, o silêncio das nevadas, o calor do verão e o
frio do inverno, a ilusão de tantas primaveras e a tristeza do outono; em suma, sua
história de árvore. É um instrumento maravilhoso, que não pode ser tocado por
aqueles que estão demasiadamente cheios de si mesmos. É preciso esvaziar-se
diante da harpa, para deixar que ela mesma cante.
30
I.2.3 MITOLOGIA GREGA
Na Grécia antiga, a música tinha poderes mágicos. As pessoas acreditavam
que, por meio da música, eram capazes de curar doenças, purificar o corpo e o
espírito e operar milagres no reino na natureza.
Os gregos, além de também acreditar no poder da música de suscitar
paixões, designavam instrumentos específicos para o culto de cada divindade,
como por exemplo a lira para Apolo e o aulo para Dionísio.
A lira e sua variante de maiores dimensões, a cítara, eram instrumentos de
cinco e sete cordas. Mais tarde, chegaram a ter até onze cordas. Estes
instrumentos foram trazidos para a Grécia da Ásia Menor e eram tocados para
acompanhar o canto ou recitação de poemas ou em solos.
30
RAGUER, Hilari. Para Compreender os Salmos, Pefácio.
33
Apolo – vaso grego
31
O aulo era um instrumento de palheta simples ou dupla, muitas vezes com
dois tubos. Tinha um timbre estridente e penetrante, e assossiava-se a um certo
tipo de poema, o ditirambo, no culto de Dionísio. Acredita-se que o culto de
Dioníso deu origem ao teatro grego.
31
Music and Civilisation. The British Museum Yearbook 4 p. 76.
34
Mulher tocando aulo
32
A maior parte dos exemplos de música grega que se tem hoje em dia
provém de períodos relativamente tardios, ou seja, cerca de 200 a.C.
A escrita musical grega era composta de pequenos sinais grafados acima
do texto, de maneira bem parecida com o texto massorético. Mas a escrita grega
não era neumática; cada grau da escala tinha um sinal específico para representá-
lo. Cada grau da escala era representado por uma letra do alfabeto grego.
Quanto aos aspectos técnicos, a música grega também se assemelhava à
música hebraica: era monofônica, ou seja, uma melodia sem harmonia ou
contraponto. Muitas vezes os instrumentos embelezavam a melodia cantada por
um grupo de cantores, criando uma heterofonia. Além disso, a música grega era
quase inteiramente improvisada. Estava sempre assossiada à palavra, à dança ou
a ambas; sua melodia e seu ritmo estavam intimamente ligados à melodia e ao
ritmo da poesia.
32
Donald GROUT e Claude PALISCA. História da Música Ocidental, p. 18.
35
Escrita musical grega. Séc III-II a.C.
33
As teorias musicais gregas compreendiam:
1 – as descrições sistemáticas dos modelos e dos materiais da composição
musical, e
2 – as doutrinas sobre a natureza da música, o seu lugar no cosmos, os
seus efeitos e a forma conveniente de usá-la na sociedade humana.
A palavra música, oriunda de musa, sugere que para os gregos a música
era concebida como algo comum à todas as atividades que diziam respeito à
busca da beleza e da verdade.
Nos ensinamentos de Pitágoras e de seus seguidores, a música e a
aritmética não eram disciplinas separadas; os números eram considerados a
chave de todo o universo espiritual e físico. Assim, o sistema dos sons e ritmos
musicais, sendo regido pelo número, exemplificava a harmonia do cosmos e
correspondia a essa harmonia. Platão expôs esta doutrina de forma mais completa
e sistemática na República e no Timeu, onde também discorreu sobre o papel da
música na educação do ser humano.
33
HAÏK-VANTOURA, Suzanne. The Music of the Bible Revealed, p.54.
36
Dentro da concepção pitagórica da música como microcosmos, ou seja, um
sistema de tons e ritmos regido pelas mesmas leis matemáticas que operam no
conjunto da criação visível e invisível, está a doutrina dos etos, que se refere às
qualidades e efeitos morais da música. Nesta concepção, a música não era
apenas uma uma imagem passiva do sistema ordenado do universo; e sim uma
força capaz de afetar o universo, daí a atribuição dos milagres aos músicos
lendários da mitologia. A música também produzia efeitos sobre a vontade e,
conseqüentemente, sobre o caráter e a conduta dos seres humanos.
O modo como a música agia sobre a vontade foi explicado por Aristóteles
34
por meio da doutrina da imitação. A música, diz ele, imita diretamente, isto é,
representa as paixões ou estados da alma – brandura, ira, coragem, temperança,
bem como seus opostos e outras qualidades; daí que, quando ouvimos um trecho
musical que imita uma determinada paixão, ficamos imbuídos desta mesma
paixão; e se durante um lapso de tempo suficientemente longo ouvirmos o tipo de
música que desperta paixões ignóbeis, todo o nosso caráter tomará uma forma
ignóbil. Em resumo, se ouvirmos música inadequada, tornar-nos-emos pessoas
más; em contrapartida, se ouvirmos a música adequada, tenderemos a tornar-nos
pessoas boas
35
.
I.2.4 CRISTIANISMO
I.2.4.1 A IGREJA CRISTÃ PRIMITIVA
Algumas características da música da Grécia e das sociedades orientais-
helenísticas do Mediterrâneo oriental foram absorvidas pela igreja cristã em seus
dois ou três primeiros séculos de existência. Mas alguns aspectos da vida musical
antiga foram rejeitados, como por exemplo a idéia de cultivar a música pelo prazer
34
Cf. ARISTÓTELES. Política; PLATÃO. Leis apud GROUT e PALISCA. História da Múisca Ocidental, p.
20.
35
PLATÃO. República apud GROUT e PALISCA. História da Música Ocidental, p. 21.
37
que ela proporciona. Tais aspectos foram considerados impróprios para a igreja,
pois esta sentia a necessidade de desviar os convertidos de tudo o que os ligava
ao seu passado pagão.
À medida que a igreja cristã primitiva se expandia de Jerusalém para a Ásia
Menor e para o Ocidente, chegando à Africa e à Europa, ia acumulando elementos
musicais provenientes de diversas regiões. Os mosteiros e igrejas da Síria tiveram
um papel importante no desenvolvimento do canto dos salmos e hinos. Segundo
Grout e Palisca
36
, o canto dos hinos é a primeira atividade musical documentada
da igreja cristã.
As igrejas orientais, na ausência de uma autoridade central forte,
desenvolveram liturgias diferentes nas várias regiões. Algumas inferências podem
ser feitas quanto aos primórdios da música religiosa no Oriente, embora não
subsistam manuscritos anteriores ao século IX com a música usada nestes ritos
orientais.
A prática musical bizantina deixou marcas no cantochão ocidental,
particularmente na classificação do repertório em oito modos e num certo número
de cânticos importados pelo Ocidente em momentos diversos entre os séculos VI
e IX. As peças mais características da música medieval bizantina eram os hinos.
Existem dois tipos principais de hinos: os stichera e os kanones. Os stichera eram
cantados entre os versículos dos salmos normais do ofício. Um kanon era uma
composição em nove partes, baseada nos nove cânticos ou odes da Bíblia; são
eles:
1 – cântico de Moisés depois da passagem do Mar Vermelho, Ex 15, 1-19;
2 – cântico de Moisés antes de morrer, Dt 32, 1-43;
3 – cântico de Ana, 1Sm 2, 1-10;
4 – cântico de Habacuc, Hab 3, 2-19;
5 – cântico de Isaías, Is 26, 9-19;
36
Cf. GROUT e PALISCA. Op. cit., p. 36.
38
6 – cântico de Jonas, Jn 2, 3-10;
7 – cântico das três crianças, primeira parte, Dn 3, 26-45, 55-56;
8 - cântico das três crianças, segunda parte, Dn 3, 57-58;
9 – cântico da Virgem Maria, Magnificat, Lc 1, 46-55.
Os textos dos kanones bizantinos não eram criações inteiramente originais,
mas sim colagens de frases estereotipadas. Do mesmo modo, suas melodias
também não eram inteiramente originais; eram construídas segundo padrões
melódicos pré-existentes, assim como as ragas hindus.
No Ocidente, assim como no Oriente, as igrejas locais eram, de início,
relativamente independentes. Embora partilhassem, é claro, de uma ampla gama
de práticas comuns, é provável, segundo Grout e Palisca
37
, que cada região do
Ocidente tenha recebido a herança oriental de forma ligeiramente diferente.
Foi então que começou o uso de cantarem hinos e salmos como os
orientais, a fim de que os fiéis não se acabrunhassem com o tédio e a tristeza.
Esse uso subsiste até hoje e foi imitado pela maior parte das comunidades de fiéis,
espalhados por todo o mundo.
38
Essas diferenças originais combinaram-se com as condições locais
particulares, dando origem a várias liturgias e corpos de cânticos distintos entre os
séc. V e VIII. Com o passar do tempo, a maioria das versões locais desapareceu
ou foi absorvida pela prática uniforme que tinha em Roma a sua autoridade
central.
Durante o séc. VII e o princípio do séc. VIII, o controle da Europa Ocidental
estava repartido entre os Lombardos, Francos e Godos, e cada uma destas
divisões políticas tinha o seu repertório de cânticos. Na Gália, território que
correspondia à França atual, havia o canto galicano, no sul da Itália, o
37
Ibid. p. 37 e 38.
38
AGOSTINHO, Santo. Confissões, p. 248.
39
benaventino, em Roma, o romano antigo, na Espanha, o visigótico ou moçárabe, e
na região de Milão, o ambrosiano. Mais tarde, a Inglaterra desenvolveu o seu
próprio dialeto do canto gregoriano, chamado sarum, e que subsistiu do final da
Idade Média até a Reforma Protestante.
O cantochão, ou cantus firmus, era constituído de uma única linha
melódica, que oscilava para cima e para baixo, entre meio e dois graus, evitando
saltos dramáticos, com quase todas as notas sustentadas por longo tempo e sem
qualquer marcação de compasso, a não ser o ritmo natural da linguagem falada.
Estes cantos, que estão na origem da música ocidental, não passavam de orações
enfeitadas, nas quais se estabelecia para os sons vogais uma altura (diapasão)
fixa. Eram as palavras, em vez dos tons, que deveriam ser mais importantes para
os cantores.
O papa Gregório (590-604) regulamentou e uniformizou os cantos e, por
isso, esse repertório recebeu o nome de gregoriano. Depois de Carlos Magno ter
sido coroado, no ano de 800, como chefe do Sacro Império Romano, ele e seus
sucessores procuraram impor o repertório gregoriano e suprimir os diversos
dialetos do cantochão, como o céltico, o galicano, o moçárabe e o ambrosiano,
mas não conseguiram eliminar por completo os usos locais. De 374 a 397 Santo
Ambrósio foi bispo de Milão, o mais importante centro da igreja ocidental depois
de Roma, a quem se deve a introdução da salmodia em responsório no Ocidente.
O papa Gregório também propôs uma fundamental orientação sobre a música na
igreja medieval. As partes musicais da liturgia foram delegadas a cantores
treinados, e os responsos passaram a ser realizados pelos diáconos, porém o uso
de instrumentos foi restringido até o advento da polifonia.
40
Papa Gregório
39
Do séc. V ao séc. VII, muitos papas se empenharam na revisão da liturgia
da música. A Regra de São Bento (c. de 520), conjunto de instruções
determinando a forma de organizar um mosteiro, menciona um chantre, mas não
indica quais eram os seus deveres. Nos séculos seguintes, porém, o chantre
monástico tornou-se uma figura-chave do panorama musical, uma vez que era
responsável pela organização da biblioteca e do scritporium e orientava a
celebração da liturgia. No séc. VIII existia já em Roma uma schola cantorum, um
grupo bem definido de cantores e professores incumbidos de formar rapazes e
homens como músicos da igreja.
Segundo Grout e Palisca
40
, os cânticos da igreja romana são um dos
grandes tesouros da civilização ocidental. Constituem um dos mais antigos
repertórios vocais ainda em uso no mundo inteiro e incluem algumas das mais
notáveis realizações melódicas de todos os tempos. Ainda assim, seria um erro
considerá-los puramente como música para ser ouvida em apreciação estética,
pois não é possível separá-los do seu contexto e do seu propósito litúrgicos.
39
Música Sacra. História da Música Sacra, p. 9.
40
Cf. GROUT e PALISCA. Op. cit., p. 42.
41
Os Padres da Igreja, responsáveis pela primeira tradução da Bíblia para o
grego, a septuaginta, tinham a convicção de que o valor da música residia em seu
poder de elevar a alma à contemplação das coisas divinas. Acreditavam
firmemente que a música podia influenciar, para melhor ou para pior, o caráter de
quem a ouvia. Os filósofos e os homens da Igreja da alta Idade Média não
desenvolveram nunca a idéia de que a música podia ser ouvida tendo apenas em
vista o gozo estético, o prazer que proporciona a combinação dos sons. Não
negavam que o som da música era agradável, mas defendiam que todos os
prazeres deviam ser julgados segundo o princípio platônico de que as coisas belas
existem para nos lembrarem a beleza perfeita e divina.
Amamos por acaso algo que não seja belo? (...) Se não tivessem harmonia
e encanto, não seríamos atraídos.(...) O costume de cantar na igreja faz com que
os espíritos mais fracos possam, através do prazer dos ouvidos, elevar-se na
devoção. Quando às vezes sucede que a música me sensibilize mais do que a
letra, confesso que peco e mereço castigo.
41
Assim, as belezas aparentes do mundo que apenas inspiram o deleite
egoísta, ou o desejo de posse, devem ser rejeitadas. Esta atitude está na origem
de muitas das afirmações sobre a música que encontramos nos escritos dos
Padres da Igreja, e, mais tarde, nos de alguns teólogos protestantes. Mais
especificamente, essa filosofia determinava que a música fosse serva da religião.
Só é digna de ser ouvida na igreja a música que por meio dos seus encantos abre
a alma aos ensinamentos cristãos e a predispõe para pensamentos santos. Uma
vez que os teólogos não acreditavam que a música sem letra pudesse produzir
tais efeitos, excluíram, a princípio, a música instrumental do culto público, embora
fosse permitido aos fiéis usar uma lira para acompanhar o canto dos hinos e dos
salmos em suas casas e em reuniões informais.
41
AGOSTINHO, Santo. Op. cit., p.105 e 309.
42
Quando estancamos o pranto de Adeodato, Evódio tomou o saltério
e começou a cantar um salmo. Todos de casa respondiam: “Quero cantar a
ti, Senhor, tua justiça e tua misericórdia”.
42
Santo Agostinho estudando em seu aposento
43
A exclusão de certos tipos de música dos serviços religiosos da igreja
primitiva tinha também motivos práticos. As peças vocais mais elaboradas, os
grandes coros, os instrumentos e a dança associavam-se, no espírito dos
convertidos, aos espetáculos pagãos. Enquanto a sensação de prazer ligada a tais
tipos de música não pôde ser transferida do teatro e da praça do mercado para a
igreja, essa música foi objeto de uma grande desconfiança. Antes “ser surdo ao
som dos instrumentos” do que entregar-se a esses “coros diabólicos” e essas
“canções lascivas e pecaminosas”
44
.
Boécio foi a autoridade mais respeitada e mais influente na Idade Média no
domínio da música. A música, diz ele, é a disciplina que se ocupa de examinar
42
AGOSTINHO, Santo. Op. cit., p. 260.
43
Música Sacra. História da Música Sacra, p. 9.
44
Cf. Os Padres da Igreja. Apud. GROUT e PALISCA. Op. cit., p. 43.
43
minuciosamente a diversidade dos sons graves e agudos por meio da razão e dos
sentidos. Por conseguinte, o verdadeiro músico não é o cantor ou aquele que faz
canções por instinto sem conhecer o sentido daquilo que faz, mas o filósofo, o
crítico, aquele que apresenta a faculdade de formular juízos, segundo a
especulação ou razão apropriadas à música, acerca dos modos e ritmos, dos
gêneros das canções, das consonâncias, de todas as coisas respeitantes ao
assunto.
45
São duas as principais categorias dos serviços religiosos:
1 - os ofícios e
2 - a missa.
Os ofícios ou horas canônicas foram codificados pela primeira vez nas
Regras de São Bento (c. 520). Embora sua recitação pública seja geralmente
observada apenas nos mosteiros e em certas igrejas e catedrais, são celebrados
todos os dias, em horas determinadas, sempre pela mesma ordem:
Matinas – antes do nascer do sol;
Laudas - ao alvorescer;
Primas – às 6 da manhã;
Terças – às 9 da manhã;
Sextas – ao meio-dia;
Nonas – 3 da tarde;
Vésperas – ao pôr do sol;
Completas – normalmente logo após as vésperas.
O ofício, celebrado pelo clero secular e pelos membros das ordens
religiosas, compõe-se de orações, salmos, cânticos, antífonas, responsos, hinos e
leituras. A música para os ofícios está compilada num livro litúrgico chamado
Antifonário.
45
Cf. BOÉCIO. De Institutione Musica apud GROUT e PALISCA. História da Música Ocidental, p. 47.
44
A missa é o serviço religioso mais importante da igreja católica. A palavra
missa vem da frase que termina o serviço: Ite, missa est (Ide-vos, a congregação
pode dispersar).
Na igreja católica, a forma plena, cerimonial, de celebrar a missa recebe o
nome de missa solene, e inclui um bom número de peças cantadas por um
celebrante, um diácono e um subdiácono, além do cantochão ou canto polifônico
interpretado por um coro e/ou congregação. A missa rezada, ou missa privada, é
uma versão abreviada e simplificada da missa, onde as palavras são ditas, e não
cantadas.
Os textos de certas partes da missa são invariáveis; outros mudam
conforme a época do ano ou as datas determinadas, festividades ou
comemorações. As partes variáveis são chamadas de próprio da missa e
compreendem: a coleta, a epístola, o evangelho, o prefácio, as orações do pós-
comúnio e outras orações. Os principais momentos musicais do próprio da missa
são: o intróito, o gradual, o aleluia, o trato, o ofertório e o comúnio. As partes
invariáveis da missa são chamadas de ordinário da missa, e compreendem: o
kyrie, o glória, o credo, o sanctus, o benedictus e o agnus dei. Estas partes são
cantadas pelo coro, embora nos primeiros tempos do cristianismo fossem também
cantadas pela congregação. Do séc XVI em diante, são estes os textos mais
abordados pela polifonia.
A música para a missa, tanto para o próprio quanto para o ordinário, vem
compilada num livro litúrgico chamado Graduale. O Liber Usualis, outro livro de
música, contém uma seleção dos cânticos mais freqüentemente utilizados, tanto
do Antiphonale como do Graduale. Os textos da missa e dos ofícios são
compilados, respectivamente, no Missal e no Breviário.
A notação do cantochão é constituída de uma pauta de quatro linhas, uma
das quais é designada por uma clave correspondente a dó ou fá. Estas claves não
indicam alturas de som absolutas; são apenas relativas. As notas, chamadas de
neumas, têm basicamente a mesma duração, independentemente da forma. Um
neuma seguido de um ponto, tem sua duração duplicada. Dois ou mais neumas
45
em sucessão numa mesma linha ou espaço, quando correspondentes a uma
única sílaba, são cantados como se estivessem ligados. Um traço horizontal por
cima de um neuma significa que este deve ser ligeiramente prolongado. Os
neumas devem ser lidos da esquerda para a direita, de maneira normal. O
pequeno sinal que surge no fim de cada linha é uma orientação para indicar a
posição da primeira nota da linha seguinte. Um asterisco no texto mostra onde o
coro substitui o solista.
Notação musical gregoriana
46
Segundo a forma como é cantado, o cantochão pode ser classificado como:
Antifonal - os coros cantam alternadamente,
Responsorial - a voz do solista alterna com o coro,
Direto - sem alternância.
Os cantos em que a maioria ou a totalidade das sílabas correspondem cada
uma a uma respectiva nota são designados silábicos, enquantos os que se
46
Donald GROUT e Claude PALISCA. Op. cit., p. 55.
46
caracterizam por longas passagens melódicas sobre uma única sílaba são
designados melismáticos.
Com o tempo, o registro vocal expandiu-se para notas mais altas e notas
mais baixas, com as quais nem todos os cantores sabiam lidar. E então os cantos
foram separados em duas ou mais linhas vocais (partes), idênticas de todas as
maneiras, exceto por serem separadas por vários graus. As partes eram, em
geral, divididas por meia oitava, formando intervalos considerados mais
consonantes e “perfeitos”. Essa maneira de cantar orações era chamada de
organum e continuou a ser praticada durante centenas de anos. Mas, a partir do
século XI, as parte individuais do organum começaram a seguir caminhos
separados. A parte superior era, freqüentemente, composta de forma mais
complexa do que as outras, com mais ornamentos. As partes superiores
começaram a seguir sua própria linha melódica, algumas vezes movimentando-se
em direções contrárias à voz mais grave. Mesmo asism, todas as vozes
permaneciam sincronizadas pelas mesmas palavras, ou seja, todas as vozes
cantavam o mesmo texto.
Apenas nos séculos XII e XIII ocorreu um desenvolvimento mais decisivo
desse tipo de música. Particularmente na Catedral de Notre Dame, em Paris, um
grupo de monges compositores, em especial Leonin e Perotin, escreveu música
na qual as vozes ou as linhas melódicas saíam de sincronia e se movimentavam
de forma independente por longas extensões de tempo, mas voltando
alternadamete ao uníssono, como no estilo mais antigo. Para os ouvidos
medievais, essa nova música soava revolucionária, e realmente era. O canto se
tornara polifônico.
Embora essa polifonia dos primeiros tempos fornecesse a base para o
sistema harmônico atual, não se pode dizer que os compositores já pensassem
harmonicamente. Eles continuavam a abordar a música como sobreposição de
melodias.
Neste período, coincidindo com a construção das igrejas góticas, o órgão
de tubos rapidamente se desenvolveu. Este instrumento era usado com bastante
47
frequência para acompanhar o órganum, talvez por isso o mesmo nome.
No século XVI, a polifonia sacra foi questionada dentro do Concílio de
Trento (1545 e 1563). As principais queixas diziam respeito ao seu espírito
freqüentemente profano, evidenciado nas missas baseadas em cantus firmus
profanos ou na imitação de chansons, e à complexa polifonia que impossibilitava a
compreensão das palavras da liturgia. Além disso, houve quem criticasse o uso
excessivo de instrumentos ruidosos na igreja e a pronúncia incorreta, a
negligência e a atitude por vezes irreverente dos cantores. O Concílio não abordou
quaisquer aspectos de caráter técnico: não foram especificamente proibidas nem
a polifonia nem a imitação de modelos profanos.
I.2.4.2 PROTESTANTISMO
A partir da Reforma Protestate, a Igreja Luterana propôe um novo padrão
musical a ser usado. Lutero era um amante da música, cantor e compositor de
algum talento e grande admirador da polifonia franco-flamenga; acreditava
profundamente no poder educativo e ético da música e desejava que toda a
congregação participasse de alguma forma da música dos serviços religiosos. Os
protestantes continuaram a cantar missas e motetos em latim e, em certos
lugares, o latim perdurou na liturgia até o séc. XVIII.
A contribuição musical mais característica e mais importante da igreja
luterana foi o hino estrófico cantado pela congragação, que em alemão se
chamava choral ou kirchenlied (canção de igreja). O hino era composto
essencialmente por um texto e uma melodia. Assim como a maior parte da música
do séc. XVI derivou do cantochão, também grande parte da música luterana dos
séculos XVII e XVIII derivou do coral.
Em 1524 foram publicadas quatro coletâneas de corais, e outras se
seguiram em pouco tempo. Originalmente estas canções destinavam-se a ser
cantadas pela congregação em uníssono, sem harmonização e sem
acompanhamento. A notação indica a duração absoluta das notas, ou seja, as
melodias são apresentadas em notação mensural precisa. Provavelmente os
48
corais eram cantados em notas de duração bastante uniforme, talvez com
modificações sugeridas pelo fluir natural das palavras, e com uma pausa de
duração indefinida na nota final de cada frase.
Muitas melodias corais eram de composição nova, mas ainda mais
numerosas eram as que se baseavam, no todo ou em parte, em canções profanas
ou sacras já existentes. Os compositores luteranos logo começaram a escrever
composições polifônicas sobre os corais. Os arranjos polifônicos dos corais não se
destinavam à congregação, mas sim ao coro.
Martinho Lutero pregando e dando a comunhão.
47
Uma forma comum de interpretação dos corais consistia em alternar
estrofes do coral cantadas pelo coro, às vezes dobrada por instrumentos, com
estrofes cantadas em uníssono pela congregação, sem acompanhamento.
No séc. XVI, o canto ainda carecia de acompanhamento de instrumentos. A
partir de 1600, impôs-se gradualmente o hábito de o órgão tocar todas as vozes
enquanto a congregação cantava a melodia.
As igrejas calvinistas desencorajavam a complexidade musical. Assim, as
melodias dos salmos raramente se expandiam para novas formas vocais e
instrumentais e por isso têm um papel muito menos relevante na história geral da
música.
47
Música Sacra. História da Música Sacra, p. 32.
49
João Calvino (1509-1564) proibiu rigarosamente o canto de textos que
não fizessem parte da Bíblia. Reescreveu o saltério em francês, na época em que
morou em Estrasburgo, e destinou-o ao canto congregacional. Os salmos eram
originalmente cantados em uníssono e sem acompanhamento nos serviços
religiosos. Mas, para a devoção doméstica, compunham-se de versões a quatro
vozes ou mais, com a melodia ora no tenor, ora no soprano.. Pouco a pouco,
algumas das versões a quatro vozes começaram a ser também utilizadas no culto
público.
João Calvino
48
48
Ibid., p. 31.
50
Em Zurique, um calvinista chamado Huldreich Zwinglio (1523) suspeitou do
poder “sedutor” da música e baniu da igreja todo tipo de música, artes visuais e
iconografias, mandando pintar todas as paredes do templo de branco.
I.2.4.3 AS IGREJAS MODERNAS
Com o Concílio Vaticano II, ocorrido entre 1962 e 1965, o latim foi
substituído pelas línguas vernáculas e, com isso, o cantochão praticamente
desapareceu dos serviços regulares da igreja católica. Se bem que, em teoria, o
latim continue a ser a língua oficial da igreja e o cantochão, sua música oficial, na
prática os cânticos tradicionais têm sido, em grande medida, substituídos por
música considerada própria para ser cantada por toda a congregação, com
versões simplificadas das melodias mais familiares, canções de composição
recente e experiências no campo dos estilos populares. Quando as melodias
originais são adaptadas ao vernáculo, o caráter musical do canto fica
inevitavelmente alterado, já que o texto conduz a melodia e o ritmo no cantochão.
Nos séculos seguintes, a música nas igrejas seguiu basicamente o mesmo
curso. A igreja católica chegou a encomendar obras a compositores renomados de
cada época; em sua grande maioria, no entanto, as grandes peças sacras escritas
a partir deste momento não foram feitas para o uso nas igrejas.
Essa relação profunda da música com a religião, que determinava toda a
atividade artístico-artesanal, só foi possível, segundo Marilena Chauí
49
, pela
ausência da autonomia das artes. E a autonomia das artes surgiu com a
dessacralização de toda a cultura pelo modo de produção capitalista, que lançou
todas as atividades humanas no mercado. Ao livrar-se do valor de culto, as obras
de arte foram aprisionadas pelo valor de mercado.
Hoje em dia, com o advento das igrejas pentecostais e neo-pentecostais,
nos deparamos com uma tentativa de usar “aquele” poder da música de suscitar
paixões. No entanto, aquele estudo sistemático de música nas igrejas já não
existe mais.
49
Cf. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia, p. 274.
51
Esta secularização se vê nas igrejas neo-pentecostais e no movimento
carismáitico da igreja católica, onde cantar ou tocar é visto como um dom recebido
do Espírito Santo. Assim sendo, o papa João Paulo II escreve em sua Carta aos
Artistas, de 1999:
o artista é capaz de produzir objetos, mas isso de per si não indica nada
sobre as suas disposições morais. Neste caso, não se trata de plasmar-se a si
mesmo, de formar a própria personalidade, mas apenas de fazer frutificar
capacidades operativas, dando forma estética às idéias concebidas pela mente.
I.2.5 RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS
Nas chamadas religiões afro-brasileira, os tambores são os instrumentos
principais.
Os instrumentos de percussão, como os tambores, têm origem em tempos
muito remotos, ora tocados por homens, ora por mulheres. Várias foram as
civilizações que fizeram uso desse tipo de instrumento, como por exemplo a
hebraica e a grega. Mas foram os africanos que fizeram dos tambores os
principais instrumentos da religião. Na África, o atabaque é o instrumento sagrado
por excelência.
O toque dos tambores pode ter um efeito hipnótico sobre as pessoas, tanto
para quem executa quanto para quem ouve. Eles representam o lugar de trânsito
de um mundo a outro.
O candomblé é um modo de vida, uma cultura, além de atuar também como
uma terapia. No Brasil, os escravos trazidos da África continuaram encontrando no
candomblé uma forma de poder praticar seus ritos e ensinar a seus filhos sua fé.
No som dos tambores, os praticantes desta religião encontram uma
transformação anímica para os problemas da vida diária. É praticamente
52
impossível manter-se indiferente ao som dos tambores. Tradicionalmente, os
atabaques são encontrados em três tamanhos diferentes, com afinações e nomes
distintos. Há uma analogia dos três tambores com os três integrantes da
Santíssima Trindade cristã, com os três graus básicos da Maçonaria ou as três
cores primárias. São eles:
Chico – soprano
Repique – contralto
Piano – tenor ou barítono
Fernanda Bertinato e os tambores do Centro Cultural do Candomblé de
São Paulo, SP
50
50
Foto tirada por Betina Schimit em maio de 2006.
53
Cada tambor tem seu toque próprio. Ao soarem juntos, os três instrumentos
realizam a magia do candomblé.
Antigamente, eram quatro tambores, mas com o passar do tempo um deles
foi deixado de lado.
Acredita-se que o tambor é o símbolo do centro do mundo e fala ao mais
profundo de nosso ser. É o elo do universo, capaz de unir o céu, a terra e o
inferno. Ao ser tocado, vivifica esta comunicação cósmica com as três regiões ao
mesmo tempo. É por esse motivo que não é qualquer pessoa que pode tocar o
atabaque, pois não é qualquer pessoa que é capaz de manejar esta comunicação
cósmica.
Por meio do som do atabaque se consegue, também, uma comunicação
com alguém que se encontra em outro plano. Tudo isso é provocado pela magia
dos tambores.
Os negros trazidos da África para o Brasil para trabalhar como escravos
acreditavam que, como haviam sido arrancados de seus lugares sagrados,
podiam recriá-los com a magia dos tambores. Assim, o centro do mundo se
transforma de um espaço objetivo a um subjetivo.
Em um relato, um tocador de atabaque diz que em pouco tempo de
execução entra num estado de hipnose.
51
Diz que é capaz de ver e sentir tudo o
que se passa dentro e fora dos tambores, porém não é capaz de sentir seu próprio
corpo. Diz também que o som dos tambores é ensurdecedor e que ele demora
alguns dias para recuperar a audição normal. Sente que seu corpo está ali, mas
que, espiritualmente, está em outro lugar. O músico descreve esta situação como
algo muito estranho, mas muito bonito.
51
Cf. SANSON, Alfredo. El Tambor: entre el misticismo y la Ciência.
54
Por meio do relato acima, é possível constatar que o som dos tambores
induz a um estado alterado de consciência. O ritmo é capaz de provocar hipnose
tanto em quem toca quanto em quem ouve. Por esse motivo, os candomblecistas
acreditam que os tambores têm alma.
Pode-se concluir que o som dos tambores provoca, em seu entorno, um
centro de transformação, onde circula uma energia superior. E o espaço onde esta
transformação opera é interior, individual. O som funciona aqui como um estímulo
desencadeante de determinados estados psico-físicos. Assim, os tambores, como
um símbolo, representam o centro do mundo, e cada viagem que fazemos a este
espaço interior, voltamos modificados.
I.3 O SALTÉRIO DAVÍDICO E A MÚSICA
Ao surgir nas primeiras sociedades e culturas, o artista era um mago (como
o médico e o astrólogo), um artesão (como o oleiro, o marceneiro, o arquiteto, o
pintor e o escultor) e um iniciado no ofício sagrado (como o músico e o dançarino).
Era um mago porque conhecia os ministérios sagrados; era um artesão ou artífice
porque fabricava os objetos e os instrumentos dos cultos; era um oficiante porque
realizava o ritual por meio das palavras, gestos, sons e danças fixados pela
tradição e pela autoridade religiosa. Era, na qualidade de mago, artífice e detentor
de um ofício que realizava sua arte – ou seja, não era o que hoje chamamos de
“artista”, e sim um servidor religioso. Sua arte, por ser parte inseparável do culto e
do ritual, não se efetuava segundo a vontade individual do artista, isto é, não
provinha da liberdade criadora do técnico-artesão, mas exigia que ele respeitasse
e conservasse as mesmas regras e normas e os mesmos procedimentos para a
fabricação dos gestos e linguagens nos rituais, pois tanto os objetos como os
gestos e palavras haviam sido ensinados ou indicados pelos deuses.
O artífice iniciava-se nos segredos das artes ou técnicas recebendo uma
educação especial, tornando-se um iniciado em mistérios. Aprendia a conhecer a
matéria-prima preestabelecida para o exercício de sua arte, a usar utensílios e
55
instrumentos preestabelecidos para a sua ação, a realizar gestos, pronunciar
palavras, utilizar cores, manipular ervas segundo um receituário fixo e secreto,
conhecido apenas pelos iniciados. O artista era, portanto, oficiante de cultos e
fabricador dos objetos e gestos dos cultos. Seu trabalho nascia de um dom dos
deuses (que deram aos humanos o conhecimento do fogo, dos metais, das
sementes, dos animais, das águas, dos ventos, etc.) e era um dom humano para
os deuses.
Mesmo quando, historicamente, várias sociedades (como a grega, a
romana, a cristã) operam uma divisão social em que os detentores da autoridade
religiosa realizam os cultos, mas já não fabricam os instrumentos, os objetos e os
locais dos cultos, é mantida a relação entre a atividades dos artistas ou artesãos e
a religião. É na qualidade de servidores da autoridade religiosa que estes são
encarregados de tecer os vestuários, fabricar as jóias, produzir os objetos e os
instrumentos, construir os lugares dos cultos, erguer altares, esculpir ou pintar as
figuras dos deuses e de seus representantes, produzir as músicas, realizar as
danças. As grandes obras de arte das sociedades antigas e da sociedade cristã
medieval, assim como da cultura judaica e da cultura islâmica são religiosas.
Templos, catedrais, palácios, cálices, taças, mantos, túnicas, chapéus, colares,
pulseiras, anéis, estátuas, quadros, músicas e instrumentos musicais, gravuras e
ilustrações de manuscritos - tudo isso era encomendado pela autoridade religiosa
e pelos oficiantes dos cultos, que estabeleciam as regras da fabricação,
determinavam os materiais e as formas, as cores, os ritmos, os movimentos, os
sons.
52
A expressão por meio da música sempre foi universal, mas, diferentemente
da Babilônia e do Egito, Israel, durante a época nômade (cerca de 2000 a 1000 a.
C.), não possuia músicos ou dançarinos profissionais. Todo mundo praticava
música, cantava, tocava e dançava durante as atividades cotidianas. Depois do
êxodo do Egito e da travessia do Mar Vermelho, Moisés entoou a canção sagrada
para glorificar o Senhor, e todos se juntaram à voz do líder e, Míriam, sua irmã,
liderou as mulheres no coro de resposta. Quando Saul e Davi retornaram da
52
CHAUÍ, Marilena. Op. cit., p. 273 e 274.
56
vitoriosa batalha contra os filisteus, encontraram as mulheres cantando, dançando
e tocando. Eles ainda expressaram alegria e tristeza impulsivamente com todos os
meios do corpo; sua música ainda exultava e lamentava; vinda de corações
inspirados, inspirava o coração de outros. A música extinguia os demônios da
alma de Saul quando Davi tocava para ele, e o êxtase musical tomava posse dos
videntes de modo que o espírito de Deus descia sobre eles e eles faziam suas
profecias.
As representações artísticas fornecem-nos base para a investigação dos
instrumentos musicais da Mesopotâmia e Egito, mas o contrário se dá quando
estudamos os instrumentos hebraicos. Existem poucos relevos e pinturas para
consultarmos e compreendermos a natureza dos poucos instrumentos citados na
Sagrada Escritura.
Mosiaco romano do séc. I.
53
53
Música Sacra. História da Música Sacra, p. 3.
57
Moedas do tempo da revolta de Bar Kochbá contra o imperador Adriano
(132-135 a. C.) que representam algumas liras e oboés são muito tardias para nos
dar alguma informação sobre os instrumentos bíblicos. A etimologia e as poucas
referências bíblicas e talmúdicas constituem as fontes primárias de pesquisa.
Os levitas dançavam, cantavam e tocavam para seu Deus, com
instrumentos de cordas, sopros e percussão. Também acreditavam no poder
mágico da música, como mostra o episódio relatado em 1Sm 16, 14-23, em que
Davi cura a loucura de Saul tocando sua harpa, ou ainda outro relatado em Jo 6,
12-20, no qual o som das trombetas e a vozearia derrubam as muralhas de Jericó.
Que mais é o Saltério, senão o instrumento espiritual com que o homem
inspirado faz repercutir na terra a doçura das melodias celestiais, como quem
pulsa a lira do Espírito Santo
?
54
O Saltério, considerado a “verdadeira oração de Israel” e também dos
primeiros cristãos, é visto, teologicamente, como uma ascensão do desejo de
salvação, da união plena do povo com Deus. Tem como objetivo comunicar as
vivências e emoções nas quais intervém a pessoa com todas as suas
circunstâncias. Os salmos podem ser vistos como um caminho a ser seguido e ao
mesmo tempo como um diálogo com Deus. Eles falam, ao mesmo tempo, para o
povo e pelo povo. Constituem um microcosmo da Bíblia Hebraica, um livro de
louvor escrito em forma de poemas, e não se pode desconsiderar que a poesia
hebraica é constituída de paralelismos
55
, aliterações
56
e paronomásias
57
, o que
implica um estudo do ritmo e do som das palavras e seus desdobramentos. Assim
como todo poema, os salmos falam por metáforas, ou seja, falam além das
palavras. Estes poemas, segundo a literatura levítica, deviam ser cantados com
54
Santo Ambrósio, em Comentário ao Salmo 1
55
Consiste em dizer algo duas vezes de formas diferentes, repetindo o que já foi dito com outras palavras.
56
Consiste na repetição de fonemas, sobretudo consonantais, que contribuem para a extrutura e a
expressividade do verso.
57
Uso de palavras semelhantes no som e diferentes no sentido.
58
acompanhamento de instrumentos de cordas (kinor e nevel), de sopros (shofar,
ugav) e percussão (tof).
Quando a Bíblia teve sua primeira tradução para o grego, também chamada
de septuaginta, o kinor e o nevel foram, na maioria das vezes, traduzidos como
psalterio, que era um instrumento de cordas grego. Daí o uso recorrente do nome
Psalterio, ou Saltério, em português, para designar o livro bíblico.
No período abordado por esta pesquisa, a época do Segundo Templo de
Jerusalém, a música vocal, com texto religioso, era quase sempre acompanhada
por instrumentos (cordas, sopros e percussão). A música era instrumentalizada de
acordo com o caráter de cada salmo, a fim de intensificar a mensagem, e com a
ocasião para a qual era feito. Era uma comunhão perfeita da arte com os
instrumentistas, os próprios levitas, que expressavam, por meio da música, os
sentimentos ligados ao texto dos salmos. Para ilustrar o fato da música ter um
papél importante na vida religiosa dos hebreus, podemos citar o salmo 81, 3-4:
Elevai a música, soai o tof,
O kinor e o nevel;
Soai o shofar pelo novo mês,
Na lua cheia, no dia da nossa festa.
Ou ainda o salmo 150, 3-6:
Louvai-o com toque de shofar,
Louvai-o com nevel e kinor;
Louvai-o com dança e tof,
Louvai-o com cordas e ugab;
Louvai-o com selslim,
Louvai-o com selsle teruah!
59
Todo ser que respira louve a Iahweh!
Os levitas, membros da tribo de Levi, eram os sacerdotes responsáveis
pela celebração litúrgica e pela interpretação musical dos salmos. Eram em sua
maioria músicos profissionais, incluindo compositores, cantores e instrumentistas.
Tinham direito a um dízimo próprio e habitavam as cidades levíticas, sem
territoriedade; alguns moravam dentro do próprio Templo de Jerusalém e outros
nos arredores, como descrito em 1Cr 9, 33:
Eis os cantores, chefes de famílias levíticas. Moravam nas dependências
do Templo, livres de outras funções, pois estavam em serviço dia e noite.
Depois da destruição do Templo, no ano de 70 d.C., os membros das
famílias levíticas (que normalmente ainda hoje levam o sobrenome Levi ou uma de
suas variantes) não tinham mais nenhuma função cultual.
Os levitas eram considerados capazes de revelar o próprio ser de Deus por
meio da transcendência. Primeiro experimentavam esta transcendência com sua
música e então compartilhavam-na com os fiéis por meio da liturgia. Sua
musicalidade foi descrita nos 150 salmos que constituem o Saltério. Os salmos
foram escritos na época pós-exílica
58
, em que o povo, privado de sua
independência política, gozava ainda de certa autonomia reconhecida pelo
dominador persa: vivia sob a direção dos sacerdotes, segundo as normas da lei de
Moisés. O Templo e suas festividades eram o centro da vida daquela comunidade
e a música era parte fundamental do culto. A importância da música, em especial
a música instrumental, no culto levítico pode ser exemplificada pelo Salmo 49,5:
“sobre o kinor resolvo meu enigma.”
58
Como referência sobre a cronologia e data dos Salmos foi usada a Bíblia de Jerusalém e The Psalms in
Israel’s Worship, de Sigmund Mowinckel, editado em Oxford pela Basil Blackwell, em 1962
60
O Salmo 137, 2-4 ilustra essa época pós-exílica e mostra qual o
instrumento usado para acompanhar um canto meditativo, melancólico e
carregado de saudade:
Nos salgueiros que ali estavam
Penduramos nossos kinnorot.
Lá, os que nos exilaram
Pediam canções,
Nossos raptores queriam alegria:
“Cantai-nos um canto de Sião!”
Como poderíamos cantar
Um canto de Iahweh
Numa terra estrangeira?
A música exprime o inefável e, por isso, em praticamente toda a história da
humanidade foi usada como meio de manifestação da religiosidade, dos povos
mais primitivos aos atuais. Por meio da música, o povo hebreu exprimia seus
desejos, medos, alegrias e esperanças.
O Salmo 47 mostra claramente a importância da música, em especial a
música instrumental. Ela é mostrada como algo necessário e sublime, capaz de
unir o homem a Deus.
Tocai para o nosso Deus, tocai,
Tocai para o nosso Rei, tocai!
Pois o rei de toda a Terra é Deus:
Tocai música para mostrá-lo!
Em outros momentos a música é capaz de produzir efeitos catárticos, assim
61
como os tambores do candomblé, levando tantos os ouvintes quanto os músicos
ao êxtase, se imaginamos a qualidade e a potência sonora capaz de ser realizada
conforme esta passagem de 1Cr 23, 3-5:
Foi feito um recenseamento dos levitas, de trinta anos para cima. Contados
um por um, seu número foi de trinta e oito mil homens; vinte e quatro mil dentre
eles presidiram os ofícios da casa de Iahweh, seis mil eram escribas e juízes,
quatro mil porteiros e quatro mil louvavam a Iahweh com os instrumentos que Davi
tinha feito para esse fim.
Ou ainda, como relatado em 1Cr 13, 8:
Davi e todo o Israel dançavam diante de Deus com todas as suas forças,
cantando ao som dos nevalim, kinorot, mitsiltaim e hasoserot.
Outra fato importante percebido nos relatos musicais do Saltério é que o tof,
instrumento de percussão descrito aqui no Capítulo I, era quase que
exclusivamente tocado por mulheres. O Salmo 68, 26 - 27:
Os cantores à frente, atrás os músicos,
No meio as jovens, soando tof.
Em coros, eles bendizem a Deus:
É Iahweh, desde a origem de Israel.
62
Esta liturgia levítica é uma revelação da transcendência de Deus. Como os
levitas viviam em comunhão com Deus, podem ser considerados justos por
excelência.
A celebração litúrgica é a manifestação pública da força libertadora do
SAGRADO na integração e na constituição
de um POVO.
59
Teologicamente, o Livro dos Salmos é a grande experiência de Deus, da
vida vivida em comunidade na liturgia do Templo de Jerusalém. Os 150 salmos
são apresentados como ascensão do desejo, o que significava para os hebreus a
união plena com Deus; trata-se de uma busca constante do Deus transcendente, e
por isso cada salmo pode ser considerado uma experiência mística
60
, fornecendo
elementos para penetrarmos na essência de Deus, da fecundidade e da vida.
Viver os salmos significa descobrir o sorriso de Deus.
O canto das salmos mostra a vitalidade da liturgia que se celebra no
Templo. Os salmos, com sua longa história, apresentam-se como a memória e o
louvor dos pobres, na esperança do Deus que vem. Os agentes da liturgia são
cantores e liturgistas que, através do canto, reúnem o povo para celebrar a realeza
em favor de seu povo libertado. O canto dos salmos é expressão de uma liturgia
profética.
61
A partir da exegese de Samuel Terrien,
62
cada salmo expressa uma
situação específica da vida do justo, e o Livro dos Salmos, como um todo, é
estudado como um livro dividido em cinco partes, ou cinco pequenos livros, a
partir de um prólogo:
59
GORGULHO, Gilberto e ANDERSON, Ana Flora. A Força Libertadora do Sagrado, São Paulo, 2004.
60
Mística é uma busca incessante por Deus. A experiência mística não tolera mediocridade nem
superficialidade.
61
GORGULHO, Gilberto e ANDERSON, Ana Flora. Op. cit.
62
Exegeta judeu francês radicado nos Estados Unidos. Em Comentário dos Salmos, publicado em Nova York
pela editora Duble Day, em 2003, propôe uma nova visão exegética do saltério.
63
Prólogo: Salmos 1 e 2
Livro 1: Salmos 3 a 41
Livro 2: Salmos 42 a 72
Livro 3: Salmos 73 a 89
Livro 4: Salmos 90 a 106
Livro 5: Salmos 107 a 150
Segundo esta exegese, cada um destes pequenos livros trata de um
assunto em especial, sendo que a vida do justo é apresentada num crescimento
contínuo:
Livro 1: Desejo de Salvação
Livro 2: Desejo de Deus
Livro 3: Paradoxo da Crise
Livro 4: Fragilidade Humana
Livro 5: Grande Aleluia
64
II. OS INSTRUMENTOS DE CORDAS, SOPRO E PERCUSSÃO NO SALTÉRIO
DAVÍDICO
O estudo dos instrumentos musicais citados na Bíblia ainda não é nada
comum em nosso país. Sabemos da existência de vários instrumentos, que são de
cordas, sopro e percussão, mas as traduções da Bíblia para o português não são
muito claras ao referir-se a esses instrumentos, chegando às vezes, a ser
contraditórias, como por exemplo no Salmo 9,1, traduzido assim:
“Do mestre de canto. Para oboé e harpa. Salmo. De Davi”, pela Bíblia de
Jerusalém, Paulus, 1998 ;
“Ao regente do coro: som forte; para o solista. Salmo de Davi”, pela Bíblia
Sagrada, Edição da Família, Vozes, 2002; e
“Ao regente do coro: adaptado a ‘Mutela-bem’- Salmo de Davi”, pela Bíblia
Sagrada, versão da tradução de João Ferreira de Almeida, Imprensa Bíblica
Brasileira, 1991.
Ou no Salmo 57, 9, assim traduzido:
“Desperta, glória minha, desperta cítara e harpa”, pela Bíblia de Jerusalém ;
Paulus, 1998 ;
“Desperta minha alma! Harpa e cítara despertai!” pela Bíblia Sagrada,
Edição da Família, Vozes, 2002; e
“Desperta, minha alma; despertai alaúde e harpa” pela Bíblia Sagrada,
versão da tradução de João Ferreira de Almeida, Imprensa Bíblica Brasileira,
1991.
Ou ainda, no Salmo 68, 26, assim traduzido:
65
“Os cantores à frente, atrás os músicos, no meio as jovens, soando
tamborins”, pela Bíblia de Jerusalém ; Paulus, 1998 ;
“À frente os cantores, atrás os músicos; no meio as moças tocando
pandeiros”, pela Bíblia Sagrada, Edição da Família, Vozes, 2002; e
“Iam na frente os cantores, atrás os tocadores de instrumentos, no meio as
donzelas que tocavam adufes”, pela Bíblia Sagrada, versão da tradução de João
Ferreira de Almeida, Imprensa Bíblica Brasileira, 1991.
Até mesmo para aqueles que têm acesso à língua hebraica não é clara a
natureza dos instrumentos citados, visto que eles se perderam com a destruição
do Templo de Jerusalém pela invasão romana. Hoje em dia, nas sinagogas
ortodoxas, os cantos são realizados à capela, ou seja, são cantados sem
acompanhamento instrumental, e somente na celebração de Ano Novo, o shofar,
instrumento de sopro citado na Bíblia, é tocado em um momento especial do culto.
Já nas sinagogas mais modernas, como a da Congregação Israelita Paulista
(CIP), os cantos são acompanhados por um órgão, e em geral o organista é um
músico profissional, podendo ser judeu ou não. Outros instrumentos não podem
fazer parte do serviço religioso. O shofar também é tocado nas celebrações de
Ano Novo das sinagogas mais liberais.
Neste capítulo será apresentado uma relação com todas as referências
musicais escritas no Saltério Davídico e nos Livros das Crônicas, que são livros
cujo objetivo é relatar a história do reino de Judá, mostrando Davi como fundador
do culto levítico em jerusalém. O Primeiro Livro das Crônicas relata uma longa
genealogia, partindo de Adão e chegando a Davi, considerado pelos cronistas o
centro da história. Davi prepara a Tenda da Reunião para o culto que ele mesmo
organizou, realiza o translado da Arca e nomeia levitas específicos para cada
função, incluindo a manutenção dos instrumentos musicais e a regência do coro.
Aqui será apresentada a tradução conforme a Bíblia de Jerusalém, como
exemplo em português, comentada em notas segundo a Bíblia da Bibliothèque de
la Pléiade, que apresenta explicações bastante contundentes do exegeta frances
Édouard Dhorme. Como as traduções da Bíblia para o português apresentam
66
instrumentos diferentes para o mesmo termo hebraico, será relatado o nome
original do instrumento.
Logo após relação das referências musicais, será feita uma identificação e
descrição de todos os instrumentos musicais mencionados nos salmos. As
indicações musicais presentes no primeiro versículo de alguns salmos serão
discutidas no ítem 4 deste mesmo capítulo.
II.1 RELAÇÃO DAS REFERÊNCIAS MUSICAIS NO LIVRO DOS SALMOS
Salmo 3: 1 Salmo de Davi. Quando fugia de seu filho Absalão.
5 Em voz alta eu grito a Iahweh
Salmo 4: 1 Do mestre de canto
63
. Com instrumentos de corda. Salmo. De
Davi.
Salmo 5: 1 Do mestre de canto. Para flautas
64
. Salmo. De Davi.
Salmo 6: 1 Do mestre de canto. Com instrumentos de corda. Sobre a oitava.
Salmo. De Davi.
Salmo 7: 1 Lamentação. De Davi. Ele a cantou para Iahweh, a propósito de
Cuch, o benjaminita
65
18 Eu agradecerei a Iahweh a sua justiça, quero tocar
66
ao nome do
Altíssimo
Salmo 8: 1 Do mestre de canto. Sobre a... de Gat
67
. Salmo. De Davi.
63
Do hebraico manasseah, o que dirige.
64
Com instrumentos de sopro, na Bíblia da Bibliothèque de la Pléiade. Em hebraico é nehiloth, que deriva de
halil, uma flauta.
65
Segundo a Bíblia da Bibliothèque de la Pléiade, Confissão, do hebraico higgayon, que Davi cantou a
Yahweh a propósito de Cuch, o beijaminita. Cuch é o mensageiro que anunciou a Davi a morte de Absalão.
Contudo, o epíteto “benjaminita” sugere antes um inimigo de Davi.
66
Do hebraico zamar , que pode ser traduzido como salmodiar, tocar um instrumento (de cordas) ou cantar
com acompanhamento instrumental.
67
Salmo 9: 1 Do mestre de canto. Para oboé
68
e harpa
69
. Salmo. De Davi.
3 Eu me alegro e exulto em ti, e toco a teu nome, ó Altíssimo!
12 Tocai para Iahweh, que habita em Sião; narrai entre os povos as
suas façanhas
Salmo 11: 1 Do mestre de canto. De Davi.
Salmo 12: 1 Do mestre de canto. Para instrumentos de 8 cordas
70
. Salmo. De
Davi.
Salmo 13: 1 Do mestre de canto. Salmo. De Davi.
Salmo 14: 1 Do mestre de canto. De Davi.
Salmo 16: 1 À meia voz
71
. De Davi.
Salmo 18: 1 Do mestre de canto. De Davi, servo de Iahweh, que dirigiu a Iahweh
as palavras deste cântico, quando Iahweh o libertou de todos os seus inimigos e
da mão de Saul.
50 Por isso eu te louvo entre as nações, Iahweh, e toco em honra de
teu nome.
Salmo 19: 1 Do mestre de canto. Salmo. De Davi.
Salmo 20: 1 Do mestre de canto. Salmo. De Davi.
Salmo 21: 1 Do mestre de canto. Salmo. De Davi.
67
Segundo a Bíblia da Bibliothèque de la Pléiade: “Sur la gittite” (“Para gittit” ). A Bíblia de Jerusalém
apresenta Gat como uma possível harpa ou uma melodia de origem filistéia. A Bíblia da Bibliothèque de la
Pléiade afirma que “Para gittit” é uma “indicação de um instrumento musical”, mas lembra que a Septuagenta
liga o hebraico gittit a gat, no significado de “prensa de vinho”, e que o termo pode referir-se também à vila
filistéia de Gat.
68
“Em surdina”, segundo a Bíblia da Bibliothèque de la Pléiade. O termo original, traduzido ora como
“oboé”, ora como “em surdina”, é alamot,que literalmente quer dizer donzela.
69
Segundo a Bíblia de Jerusalém, o hebraico pode ser traduzido literalmente como “sobre a ária de morrer
para o filho”.
70
Segundo a Bíblia da Bibliothèque de la Pléiade: “À oitava.”
71
Segundo a Bíblia da Bibliothèque de la Pléiade: “À meia-voz.” Diz a publicação: “O termo técnico miktan
reaparece nos títulos dos Salmos 56 e 60. Conforme o significado do assírio-babilônio katamu, ‘cobrir’,
empregado no sentido de ‘cerrar’ os lábios, vemos na indicação miktan a ação de salmodiar à meia-voz, lábios
cerrados.”
68
14 Levanta-te com força, Iahweh! Nós cantaremos e tocaremos ao teu
poder.
Salmo 22: 1 Do mestre de canto. Sobre “A corça da manhã”
72
. Salmo. De Davi.
Salmo 27: 6 Agora minha cabeça se ergue sobre os inimigos que me cercam;
sacrificarei em sua tenda sacrifícios de aclamação. Cantarei, tocarei em honra de
Iahweh!
Salmo 30: 1 Salmo. Cântico para a dedicação da casa. De Davi.
5 Tocai para Iahweh, fiéis seus, celebrai sua memória sagrada
12 Transformaste o meu luto em dança,
Tiraste meu pano grosseiro e me cingiste de alegria.
13 Por isso meu coração te cantará sem mais se calar.
Iahweh, meu Deus, eu te louvarei para sempre.
Salmo 31: 1 Do mestre de canto. Salmo. De Davi.
Salmo 32: 7 Tu és um refúgio para mim,
Tu me preservas da angústia
E me envolves com cantos de libertação.
Salmo 33: 2 Celebrai a Iahweh com kinor,
Tocai-lhe o nevel asor;
3 Cantai-lhe um cântico novo,
Tocai com arte na hora da ovação!
Salmo 35: 27 Cantem e fiquem alegres os que desejam minha justiça, e digam
constantemente: “Iahweh é grande! Ele deseja a paz ao meu servo!”
Salmo 36: 1 Do mestre de canto. Do servidor de Iahweh. De Davi.
Salmo 39: 1 Do mestre de canto. De Iedutum. Salmo. De Davi.
72
Segundo a Bíblia da Bibliothèque de la Pléiade e a Bíblia de Jerusalém, trata-se de um canto baseado em
uma ária profana chamada “corsa da manhã”.
69
Salmo 40: 1 Do mestre de canto. De Davi. Salmo.
4 Pôs em minha boca um cântico novo,
Louvor ao nosso Deus;
Muitos verão e temerão
E confiarão em Iahweh.
Salmo 41: 1 Do mestre de canto. Salmo. De Davi.
Salmo 42: 1 Do mestre de canto. Poema. Dos filhos de Coré.
9 De dia Iahweh manda o seu amor,
E durante a noite
Eu cantarei uma prece
Ao Deus da minha vida.
Salmo 43
73
: 4 Eu irei ao altar de Deus,
Ao Deus que me alegra.
Vou exultar e celebrar-te com o kinor
Ó Deus, o meu Deus
Salmo 44: 1 Do mestre de canto. Dos filhos de Coré. Poema.
Salmo 45: 1 Do mestre de canto. Sobre a ária “Os lírios”. Dos filhos de coré.
Poema. Canto de amor.
74
Salmo 46: 1 Do mestre de canto. Dos filhos de Coré. Com oboé
75
. Cântico.
Salmo 47: 1 Do mestre de canto. Dos filhos de Coré. Salmo
2 Povos todos, batei palmas, aclamai a Deus com gritos alegres!
73
O Salmo 43 é continuação do Salmo 42.
74
Confome alguns, este Salmo poderia ter sido canto profano para as núpcias de rei israelita, Salomão,
Jeroboão II ou Acab. Mas as tradições judaica e cristã o interpretam com referências às núpcias do Rei-
Messias com Israel, e a liturgia por sua vez estende a alegoria, aplicando-a a Nossa Senhora. O poeta dirige-
se primeiramente ao Rei-Messias, aplicando-lhe os atributos de Iahweh e de Emanuel, depois à rainha.
75
“Em surdina”, segundo a Bíblia da Bibliothèque de la Pléiade. O termo hebraico é alamot.
70
6 Deus sobe por entre ovações,
Iahweh, ao clamor do shofar,
7 Tocai para o nosso Deus, tocai,
Tocai para o nosso Rei, tocai!
8 Pois o rei de toda a Terra é Deus:
Tocai com maestria!
9 Deus é rei acima das nações,
Senta-se Deus em seu trono sagrado.
Salmo 48: 1 Cântico. Salmo. Dos filhos de Coré.
Salmo 49: 1 Do mestre de canto. Dos filhos de Coré. Salmo.
5 Inclino meu ouvido a um provérbio
E com o kinor resolvo meu enigma.
Salmo 50: 1 Salmo. De Asaf.
Salmo 51: 1 Do mestre de canto. Salmo. De Davi.
10 Faze-me ouvir o júbilo e a alegria,
E dancem os ossos que esmagaste.
Esconde a tua face dos meus pecados
E apaga minhas iniquilidades todas.
Salmo 52: 1 Do mestre de canto. Poema. De Davi.
Salmo 53: 1 Do mestre de canto. Para a doença
76
. Poema. De Davi.
Salmo 54: 1 Do mestre de canto. Com instrumentos de corda. Poema. De Davi.
Salmo 55: 1 Do mestre de canto. Com instrumentos de corda. Poema. De Davi.
Salmo 56: 1 Do mestre de canto. Sobre “A opressão dos príncipes distantes”
77
.
De Davi. À meia voz. Quando os filisteus o prenderam em Gat.
76
“Em coro”, segundo a Bíblia da Bibliothèque de la Pléiade.
71
Salmo 57: 1 Do mestre de canto. “Não destruas”. De Davi. À meia voz. Quando
fugia de Saul, na caverna.
8 Meu coração está firme, ó Deus,
Meu coração está firme;
Quero cantar e tocar para ti!
9 Desperta, glória minha
78
,
Desperta, kinor e nevel,
Vou despertar a aurora!
Salmo 58: 1 Do mestre de canto. “Não destruas”. De Davi. À meia voz
4 Os ímpios se desviaram desde o seio materno,
Desde o ventre já falam mentiras;
5 Têm veneno como veneno de serpente, são como víbora surda, que
tapa os ouvidos
6 Para não ouvir a voz dos encantadores,
Do mais hábil em praticar encantamentos.
Salmo 59: 1 Do mestre de canto. “Não destruas”. De Davi. À meia voz. Quando
Saul mandou vigiar sua casa, para o matar
79
.
18 Ó força minha, tocarei para ti,
Porque foste uma fortaleza para mim,
Ó Deus, a quem amo!
Salmo 60: 1 Do mestre de canto. Sobre “O lírio é o preceito”. À meia voz. De
Davi. Para ensinar.
Salmo 61: 1 Do mestre de canto. Com instrumentos de corda. De Davi.
77
“A pomba dos deuses distantes”, segundo a Bíblia da Bibliothèque de la Pléiade.
78
Do hebraico nefesh, o mais profundo do ser.
79
Segundo a Bíblia da Bibliothèque de la Pléiade, trata-se de uma alusão a 1Sm 19,2
72
9 Assim tocarei ao teu nome sem cessar,
Dia por dia cumprindo meus votos.
Salmo 62: 1 Do mestre de canto... Iedutum. Salmo. De Davi.
Salmo 63: 5 Eu me saciarei como de óleo e gordura,
E com alegria nos lábios minha boca te louvará.
Salmo 64: 1 Do mestre de canto. Salmo. De Davi.
Salmo 65: 1 Do mestre de canto. Salmo. De Davi. Cântico.
14 Clama-se
80
, cantam-se hinos.
Salmo 66: 1 Do mestre de canto. Cântico. Salmo.
Aclamai a Deus, terra inteira,
2 Cantai a glória do seu nome,
Dai glória ao seu louvor.
3 Dizei a Deus:”Quão terríveis são tuas obras!”
Por causa do teu imenso poder
Teus inimigos te adulam;
4 A terra se prostra à tua frente,
Cantando salmos a ti, cantando ao teu nome!
Salmo 67: 1 Do mestre de canto. Com instrumentos de corda. Salmo. Cântico.
Salmo 68: 1 Do mestre de canto. De Davi. Salmo. Cântico.
26 Os cantores à frente, atrás os músicos,
No meio as jovens, soando tof.
27 Em coros, eles bendizem a Deus:
É Iahweh, desde a origem de Israel.
80
Lit.: “eles aclamam, até mesmo cantam”.
73
33 Cantai a Deus, reinos da terra,
Tocai para o Cavaleiro dos céus, os céus antigos.
Salmo 69: 1 Do mestre de canto. Sobre a ária “Os lírios”. De Davi.
31 Louvarei com um cântico o nome de Deus,
E o engrandecerei com ação de graças;
32 Isto agrada a Iahweh mais que um touro,
Mais que um novilho com chifres e cascos.
Salmo 70: 1 Do mestre de canto. De Davi. Para comemoração.
Salmo 71: 22 Quanto a mim, eu te celebrarei com com o nevel,
Por tua verdade, meu Deus;
Tocarei kinor em tua honra,
Ó santo de Israel!
Salmo 73: 1 Salmo. De Asaf.
Salmo 74: 1 Poema. De Asaf.
Salmo 75: 1 Do mestre de canto.”Não destruas”. Salmo. De Asaf. Cântico.
10 Quanto a mim, anunciarei para sempre,
Tocarei para o Deus de Jacó.
Salmo 76: 1 Do mestre de canto. Com instrumentos de corda. Salmo. De Asaf.
Cântico.
Salmo 77: 1 Do mestre de canto... Iedutum. De Asaf. Salmo.
2 A Deus a minha voz: eu grito
A Deus a minha voz: ele me ouve!
Salmo 78: 1 Poema de Asaf.
Povo meu, escuta minha lei,
Dá ouvido às palavras de minha boca.
74
63 Seus jovens foram devorados pelo fogo
E suas virgens não tiveram canto de núpcias.
Salmo 79: 1 Salmo. De Asaf.
Salmo 80: 1 Do mestre de canto. Sobre a ária “Os lírios são os preceitos”. De
Asaf.
Salmo 81: 1 Do mestre de canto. Sobre a... de Gat
81
. De Asaf.
3 Elevai a música, soai o tof,
O kinor suave e o nevel;
4 Tocai shofar, na lua nova,
No dia da nossa festa.
Salmo 82: 1 Salmo. De Asaf.
Salmo 83: 1 Salmo. Cântico. De Asaf.
Salmo 84: 1 Do mestre do coro. Sobre a... de Gat. Dos filhos de Coré.
82
Salmo.
Salmo 85: 1 Do mestre de canto. Dos filhos de Coré. Salmo.
Salmo 87: 1 Dos filhos de Coré. Salmo. Cântico.
Salmo 88: 1 Cântico. Salmo. Dos filhos de Coré. Do mestre de canto. Para a
doença.
83
Para a aflição. Poema. De Emã, o ezraíta.
2 Iahweh, meu Deus salvador,
De noite eu grito a ti:
3 Que minha prece chegue a ti,
Inclina teu ouvido ao meu grito.
Salmo 89: 1 Poema. De Etã, o ezraíta.
2 Cantarei para sempre o amor de Iahweh,
81
Cf. nota 67.
82
Ibid
83
Cf. nota 76.
75
Minha boca anunciará tua verdade de geração em geração
Salmo 92: 1 Salmo. Cântico. Para o dia de sábado.
2 É bom celebrar a Iahweh
E tocar ao teu nome ó altíssimo;
3 Anunciar pela manhã teu amor
E tua fidelidade pelas noites;
4 Com o asor e o nevel,
E as vibrações
84
do kinor.
Salmo 95: 1 Vinde, exultemos em Iahweh,
Aclamemos o rochedo que nos salva;
2 Entremos com louvor em sua presença,
Vamos aclamá-lo com música.
Salmo 96: 1 Cantai a Iahweh um cântico novo!
Terra inteira, cantai a Iahweh!
2 Cantai a Iahweh, bendizei o seu nome!
Proclamai sua salvação, dia após dia,
3 Anunciai sua glória por entre as nações,
Pelos povos todos as suas maravilhas!
Salmo 98: 1 Salmo.
Cantai a Iahweh um cântico novo,
Pois ele fez maravilhas,
A salvação lhe veio de sua direita,
De seu braço santíssimo.
84
Do hebraico higaion, que quer dizer meditação, murmúrio. Designa uma modulação musical, segundo a
Bíblia da Bibliothèque de la Pléiade.
76
5 Tocai para Iahweh o kinor
E os instrumentos hassosserot;
Ao som do shofar
85
Aclamai diante do rei Iahweh!
Salmo 100:
86
1 Salmo. Para Ação de Graças.
4 Entrai por suas portas dando graças,
Com cantos de louvor pelos seus átrios,
Celebrai-o, bendizei o seu nome.
Salmo 101: 1 De Davi. Salmo.
Cantai o amor e o direito,
A ti, Iahweh, quero tocar;
Salmo 103: 1 De Davi.
20 Bendizei a Iahweh, anjos seus,
Executores poderosos da sua palavra,
Obedientes ao som da sua palavra.
Salmo 104: 33 Cantarei a Iahweh enquanto eu viver,
Louvarei o meu Deus enquanto existir.
Salmo 105: 2 Cantai para ele, tocai,
Recitai suas maravilhas todas!
Salmo 108: 1 Cântico. Salmo. De Davi.
2 Meu coração está firme, ó Deus,
- eu quero cantar e tocar! –
85
Estes toques, que acompanhavam em Israel a vinda dos reis, acompanham a entronização de Iahweh, para
quem eles haviam ressoado no Sinai.
86
Este hino doxológico termina a série dos Salmos do reino de Iahweh (Sl 93s). Era recitado, talvez, ao se
entrar no santuário para oferecer os sacrifícios de comunhão.
77
Vamos, glória minha,
3 Desperta nevel e kinor,
Despertarei a aurora!
4 Quero louvar-te entre os povos, Iahweh,
Tocar para ti em meio às nações;
Salmo 109: 1 Do mestre de canto. De Davi. Salmo.
30 Celebrarei a Iahweh em alta voz,
Louvando-o em meio à multidão;
Salmo 115: 7 Têm mãos, mas não tocam;
Têm pé, mas não andam;
Não há um murmúrio em sua garganta.
Salmo 116: 1 Eu amo a Iahweh, porque ele ouve
Minha voz suplicante,
2 Ele inclina seu ouvido para mim
No dia em que eu o invoco.
Salmo 118:
87
14 Minha força e meu canto é Iahweh,
Ele foi a minha salvação!
Salmo 119: 54 Teus estatutos são cânticos para mim,
Para minha casa de peregrino.
172 Que minha língua cante a tua promessa,
Pois teus mandamentos todos são justiça.
Salmo 120: 1 Cântico das subidas
88
.
87
Este cântico encerra o Hallel (cf. Sl 113) Um invitatório precede o hino de ação de graças posto nos lábios
da comunidade personificada, completado pelo livrinho de respostas, recitado por diversos grupos quando a
procissão entrava no Templo.
78
Salmo 121: 1 Cântico para as subidas.
Salmo 122: 1 Cântico das subidas. De Davi.
Salmo 123: 1 Cântico das subidas.
Salmo 124: 1 Cântico das subidas. De Davi.
Salmo 125: 1 Cântico das subidas.
Salmo 126: 1 Cântico das subidas.
Quando Iahweh fez voltar os exilados de Sião,
Ficamos como quem sonha:
2 A boca se nos encheu de riso,
E a língua de canções...
5 Os que semeiam com lágrimas,
Ceifam em meio a canções.
6 Vão andando e chorando
Ao levar a semente;
Ao voltar, voltam cantando,
Trazendo seus feixes.
Salmo 127: 1 Cântico das subidas. De Salomão.
Salmo 128: 1 Cântico das subidas.
Salmo 129: 1 Cântico das subidas.
Salmo 130: 1 Cântico das subidas.
Salmo 131: 1 Cântico das subidas. De Davi.
Salmo 132: 1 Cântico das subidas.
88
Os Cânticos das subidas sem dúvida eram cantados pelos peregrinos a caminho de Jerusalém. À exceção do
Salmo 132, são formados de versos “elegíacos”, com estíquios desiguais, e utilizam freqüentemente o “ritmo
gradual”: as mesmas palavras ou expressões são retomadas em eco de um verso para outro.
79
Salmo 133: 1 Cântico das subidas. De Davi.
Salmo 134: 1 Cântico das subidas.
Salmo 135: 3 Louvai a Iahweh, pois Iahweh é bom,
Tocai ao seu nome, pois ele é agradável.
Salmo 137: 2 Nos salgueiros que ali estavam
Penduramos nossos kinorot.
3 Lá, os que nos exilaram
Pediam canções,
Nossos raptores queriam alegria:
“Cantai-nos um canto de Sião!”
4 Como poderíamos cantar
Um canto de Iahweh
Numa terra estrangeira?
Salmo 138: 1 De Davi.
Eu te celebro, Iahweh, de todo o coração
Pois ouvistes as palavras de minha boca.
Na presença dos anjos eu canto a ti.
Salmo 139: 1 Do mestre de canto. De Davi. Salmo.
Salmo 140: 1 Do mestre de canto. Salmo. De Davi.
Salmo 144: 1 De Davi.
9 Ó Deus, eu canto a ti um cântico novo,
Vou tocar para ti o nevel asor.
Salmo 145: 1 Louvor. De Davi.
5 Tua fama é esplendor de glória:
80
Cantarei o relato das tuas maravilhas.
Falarão do poder dos teus terrores,
E eu cantarei a tua grandeza.
Salmo 146: 2 Enquanto eu viver, louvarei a Iahweh,
Tocarei ao meu Deus, enquanto existir!
Salmo 147: 1 Louvai a Iahweh, pois é bom cantar
Ao nosso Deus – doce é o louvor.
7 Alternai a Iahweh o louvor,
Cantai ao nosso Deus com o kinor.
Salmo 149: 1 Aleluia!
Cantai a Iahweh um cântico novo,
Seu lovor na assembléia de seus fiéis!
3 Louvem seu nome com danças,
Toquem para ele o kinor e o tof!
Salmo 150: 3 Louvai-o com toque de shofar,
Louvai-o com nevel e kinor;
4 Louvai-o com dança e tof,
Louvai-o com cordas e ugab;
5 Louvai-o com selslim,
Louvai-o com selsle teruah!
6 Todo ser que respira louve a Iahweh!
Aleluia.
81
II. 2 RELAÇÃO DAS REFERÊNCIAS MUSICAIS NOS LIVROS DAS CRÔNICAS
Os Livros das Crônicas I e II são livros históricos que descrevem o culto
levítico do Segundo Templo de Jerusalém organizado por Davi. O texto especifica
as funções dos levitas relacionadas à música.
1Cr 6, 16-32
Os cantores - Eis os que Davi encarregou de dirigir o canto no Templo de
Iahweh, quando a Arca teve aí o seu lugar de repouso. Estiveram a serviço do
canto diante da habitação da Tenda da Reunião até que Salomão construiu em
Jerusalém o templo de Iahweh, e exerciam o seu ofício em conformidade com o
regulamento.
Eis os que estavam em função e seus filhos:
Entre os filhos de Caat: Emã o cantor, filho de Joel, filho de Samuel, filho de
Elcana, filho de Jeram, filho de Eliel, filho de Tou, filho de Suf, filho de Elcana, filho
de Maat, filho de Amasai, filho de Elcana, filho de Joel, filho de Azarias, filho de
Sofonias, filho de Taat, filho de Asir, filho de Abiasaf, filho de Coré, filho de Isaar,
filho de Caat, filho de Levi, filho de Israel.
Seu irmão Asaf ficava à sua direita: Asaf filho de Baraquias, filho de Samaé,
filho de Miguel, filho de Basaías, filho de Melquias, filho de Atanai, filho de Zara,
filho de Adaías, filho de Etã, filho de Zama, filho de Semei, filho de Jet, filho de
Gersam, filho de Levi.
À esquerda, seus irmãos, filhos de Merari: Etã, filho de Cusi, filho de Abdi,
82
filho de Maloc, filho de Hasabias, filho de Amasias, filho de Helcias, filho de Amasi,
filho de Boni, filho de Somer, filho de Mooli, filho de Musi, filho de Merari, filho de
Levi.
1Cr 9, 33
Eis os cantores, chefes de famílias levíticas. Moravam nas dependências do
Templo, livres de outras funções, pois estavam em serviço dia e noite.
1Cr 13, 8
Davi e todo o Israel dançavam diante de Deus com todas as suas forças,
cantando ao som dos nevalim, kinorot, mitsiltaim e hasoserot.
1Cr 15, 16-24
Davi ordenou aos chefes dos levitas que dispusessem seus irmãos, os
cantores, com todos os instrumentos de acompanhamento, nevalim, kinorot e
mitsitaim, para que pudessem ser ouvidos tocando uma música que enchia de
alegria. Os levitas nomearam Emã, filho de Joel, Asaf, um de seus irmãos, filho de
Baraquias, Etã, filho de Casaías, um dos meraritas, seus irmãos. Eles tinham
consigo seus irmãos da segunda ordem: Zacarias, Bem, Jaziel, Semiramot, Jaiel,
Ani, Eliab, Banaías, Maasias, Matatias, Elifalu, Miquenias, Obed-Edom, Jeiel, os
porteiros: Emã, Asaf e Etã, os cantores, tocavam com força os mitsiltaim.
Zacarias, Aziel, Semiramot, Jaiel, Ani, Eliab, Maasias, Banaías tocavam nevalim
alamot. Matatias, Elifalu, Miquenias, Obed-Edom, Jeiel e Ozazias marcavam o
rítmo, tocando kinorot na oitava inferior. Conenias, chefe dos levitas encarregados
do transporte, orientava o transporte
89
, pois era perito nisso. Baraquias e Elcana
exerciam a função de porteiros junto à Arca. Os sacerdotes Sebanias, Josafá,
Natanael, Amasi, Zacarias, Banaías e Eliezer tocavam hasoserot diante da Arca
de Deus. Obed-Edom e Jeías eram porteiros junto à Arca.
1Cr 16, 4-6
O serviço dos levitas diante da Arca – Davi colocou diante da Arca de
Iahweh levitas encarregados do serviço para celebrar, glorificar e louvar a Iahweh,
89
N. T. Do heb. massa, significa também elevação da voz.
83
Deus de Israel; primeiro Asaf, em segundo lugar Zacarias, depois Jeiel,
Semiramot, Jaiel, Matatias, Eliab, Banaías, Obed-Edom e Jeiel. Eles tocavam com
os instrumentos nevalim e kinorot, enquanto Asaf fazia ressoar os mitsitaim. Os
sacerdotes Banaías e Jaziel não cessavam de tocar tseserot diante da Arca da
Aliança de Deus.
1Cr 16, 42
Na companhia deles estava Emã e Iedutum, encarregados de tocar
mitsiltaim e instrumentos que acompanhavam os cânticos divinos.
1Cr 23, 3-5
Foi feito um recenseamento dos levitas, de trinta anos para cima. Contados
um por um, seu número foi de trinta e oito mil homens; vinte e quatro mil dentre
eles presidiram os ofícios da casa de Iahweh, seis mil eram escribas e juízes,
quatro mil porteiros e quatro mil louvavam a Iahweh com os instrumentos que Davi
tinha feito para esse fim.
1Cr 25,1-6
Os cantores – Para o serviço, Davi e os oficiais colocaram à parte os filhos
de Asaf, de Emã e de Ieditum, os profetas que se serviam de kinorot, nevalim e
mitsiltaim, e contaram-se os homens destinados a esse serviço.
Dos filhos de Asaf: Zacur, José, Natanias, Asrela; os filhos de Asaf
dependiam de seu pai, que profetizava sob a direção do rei.
Quanto a Iedutum: filhos de Iedutum: Godolias, Sori, Jesías, Hasabias,
Matatias; eram seis, sob a direção de seu pai, Iedutum, que profetizava ao som do
kinor em honra e louvor de Iahweh.
Quanto a Emã: filhos de Emã: Boquias, Matanias, Oziel, Subael, Jerimot,
Hananias, Hanani, o grande, Gedelti, e o muito alto Ezer, Jesbacasa, Meiloti, Otir,
Maaziot. Todos esses eram filhos de Emã, o vidente do rei que transmitia as
palavras de Deus, para exaltar seu poder. Deus deu a Emã quatorze filhos e três
filhas; todos eles cantavam no Templo de Iahweh sob a direção de seu pai, ao
som dos mitsiltaim, nevalim e kinorot, para o serviço do Templo de Deus, sob as
84
ordens do rei.
2Cr 5, 12-13
... ; os levitas cantores em sua totalidade: Asaf, Emã e Iedutum, com seus
filhos e irmãos, estavam revestidos de linho puro e tocavam mitsiltaim, nevalin e
kinorot, permaneceram ao oriente do altar, e cento e vinte sacerdotes os
acompanhavam tocando hassosserot. Cada um dos que tocavam mahatseserim
ou cantavam, louvavam e celebravam Iahweh a uma só voz; elevando a voz com
hasoserot, mitsiltaim e os instrumentos de acompanhamento, celebravam a
Iahweh, “porque ele é bom, porque o seu amor é para sempre” – a Casa se
encheu com a nuvem da glória de Iahweh.
2Cr 7, 6
Os sacerdotes conservaram-se de pé exercendo suas funções, e os levitas
celebravam Iahweh com os instrumentos que Davi fizera para acompanhar os
cânticos de Iahweh, “porque o seu amor é para sempre”. Eram eles que
executavam os louvores compostos por Davi. A seu lado, os sacerdotes tocavam
mahatseserim e todo o Israel se mantinha de pé.
II.3 DESCRIÇÃO DOS INSTRUMENTOS MUSICAIS CITADOS NO SALTÉRIO
DAVÍDICO
II.3.1 OS INSTRUMENTOS DE CORDAS
II.3.1.1 KINOR -
רונכ
[No hebraico moderno kinor é violino.]
A palavra tem duas formas de plural: uma masculina, Kinorîm, e outra
feminina, Kinorót.
85
Sua etimologia é desconhecida. O uso deste termo como referência a um
instrumento musical é confirmado em todo o Oriente Médio antes mesmo do
Antigo Testamento, provavelmente já em 3.000 a.C. Trata-se de um termo cultural
de origem desconhecida que transcende barreiras lingüísticas e geográficas.
Acredita-se que a forma do instrumento foi modificada ao longo do tempo.
Uma carta do século XVIII dos arquivos de Mari menciona liras como
kinaratim, a forma plural de kinaru. Essa raiz também foi incorporada a nomes de
deidades como o kinyras cananeu, fenício e cipriota, entre outros. Ela aparece
ainda em topônimos como knrt, da grande lista de nomes de Thutmose III de
Karnak, e Mar de Quineret (Nm 34,11). Além disso, como uma designação de
“madeira”, o termo pode ser identificado na 18ª e na 19ª dinastias egípcias, onde
knwrw, como uma palavra semita adotada pelos egípcios, refere-se claramente a
uma lira.
O kinor tem um significado central dentre os instrumentos mencionados na
Bíbla Hebraica. É um dos dois primeiros instrumentos mencionados na Bíblia. Em
Gen 4:21 “O nome de seu irmão era Jubal: ele foi o pai de todos os que tocam
kinor e ugab.”
Foi este o famoso instrumento que, mais tarde, o Rei Davi dominou, e que
por milhares de anos foi chamado erroneamente de “harpa do Rei Davi”.
Os primeiros tradutores foram mais cautelosos. A palavra foi traduzida
como kithara em 20 das 42 referências na Septuaginta, a mais antiga tradução
grega da Bíblia, feita por 72 estudiosos em Alexandria dos séculos 3 a 1 a.C; em
outras 17 referências, foi interpretada com a palavra kinira, da mesma família.
Também aparecem as palavras psalterion e órganon. A Vulgata, versão latina feita
por São Jerônimo por volta de 400 d.C., apresenta cithara em todos os 37 casos.
Conclui-se então que o kinor era uma lira do tipo das que os gregos chamavam
kithara. Qualquer dúvida é solucionada pelo fato de que k٠n٠r designava a mesma
lira no Egito.
A Bíblia fornece poucos detalhes, mas indica que o instrumento era feito de
madeira, provavelmente de ciprestes comuns, embora na época dos reis as
86
madeiras exóticas e os metais preciosos também fossem usados como
decorações de elektron – ou seja, uma composição de ouro e prata, ou âmbar
amarelo. Quanto à forma, moedas feitas na Palestina entre 132 e 135 d.C.
mostram vários desenhos de kitharas com contornos curvos e barras horizontais;
no entanto, considerando que estas moedas foram fabricadas dois mil anos depois
da época do Gênesis e entre 1.200 e 1.300 anos depois do Rei Davi, precisamos
ter cuidado com uma fonte tão tardia. Uma segunda referência, o comentário de
Abraham bem Meir ibn Ezra sobre o Livro de Daniel, é ainda mais recente (século
12 d.C.). Mesmo assim, segundo Sachs, sua afirmação de que o kinor tinha a
forma de um candelabro soa particularmente confiável. O antigo candelabro
judaico, com seus braços paralelos arranjados em semicírculo, pode facilmente
ser comparado com khitaras cretenses, micenianas, cipriotas, fenícias e gregas
antigas – isto é, aquelas liras que, cronológica e geograficamente, são próximas
da lira hebraica. Sem dúvida esta lira pequena e redonda era segurada numa
posição inclinada, com a extremidade superior afastada do instrumentista, como
todas as liras sírias daquele tempo.
As cordas, minnîn, ou men no singular, eram feitas de tripa de carneiro,
mais precisamente uma parte do intestino delgado.
Somente no período pós-bíblico foi possível saber sobre o número de
cordas que o kinor possuía: seis, segundo São Jerônimo, e sete, segundo Arak.
Segundo Flávio Josefo
90
, historiador judeu e general do Exército romano (nascido
em 37 d.C. em Jerusalém), elas eram pinçadas com um plectro, e eram dez
cordas, como na lira etíope bagannâ. Elas provavelmente eram afinadas no modo
pentatônico
91
, sem semitons, percorrendo duas oitavas, como as cordas do
instrumento etíope.
O plectro indica que o kinor era um instrumento de acompanhamento. O
fato é confirmado por I Crônicas 16, 42, onde o kinor e o nevel, as “ferramentas do
canto”
92
, são contrastados pelas trombetas e címbalos. Isto poderia também
90
Cf. SACHS, Curt. Op. cit., p. 107.
91
Escala de cinco notas.
92
Kle sir, em hebraico.
87
significar “instrumentos melódicos”; mas em II Crônicas 9, 11, o Kinor e o nevel
são descritos como instrumentos de acompanhamento
93
. Também era possível
ser tocado simplesmente com os dedos, gerando um som mais confortante, como
quando Davi tocou para confortar Saul (1 Sm 16,23).
Supõe-se que as melodias que o kinor tocava ou acompanhava eram
alegres, e não combinavam com tristeza. Os judeus se recusavam a tocar este
instrumento durante o exilio na Babilônia. Eles penduraram seus kinorot nos
salgueiros; como eles poderiam “cantar um canto de Iahweh numa terra
estrangeira”?
94
O kinor era alegre, e quando os profetas advertiam as pessoas,
ameaçavam silenciar o kinor, símbolo de alegria e felicidade, a menos que as
pessoas desistissem de pecar. Os instrumentos eram destinados a ocasiões e
humores bem definidos.
Estava presente em celebrações seculares (Gn 31,27; Is 24,8), em períodos
de lamento ou luto (Jo 30,31), de louvor, e durante o transporte da Arca da Aliança
(2 Sm 6,5; 1 Cr 15, 16; Sl 43,4; 98,5; 150,3). Também podia ser usado por
prostitutas e feiticeiras (Is 23,16; Jo 21,12), em conexão com curas miraculosas (1
Sm 16,16) e com êxtase profético (1Sm 10,5).
II.3.1.2 NEVEL -
לבנ
[No hebraico moderno nevel é harpa.]
Sua forma plural é nevalim.
Instrumento de cordas; mas de que tipo? Uma harpa, uma lira, um alaúde?
Segundo Sachs, o alaúde, instrumento com duas ou três cordas nas civilizações
93
Lsarim, em hebraico. Literalmente, abaixo dos cantores. Esta qualificação para o kinor e o nevel se repete
em I Rs, 12.
Em I Sm 16, 23 é relatado que o jovem Davi pegou seu kinor para tocar diante de Saul “e tocou com sua
mão”. Do hebraico, veniggen vyado. O relato de tocar com as mãos pode ser supérfulo, se considerdo como
uma maneira não usual de se tocar o kinor, contrastando com a maneira usual. Isto dá ênfase ao relato bíblico.
A interpretação “sem um plectro” é confirmada, pois de acordo com a passagem citada, Davi não cantava.
O fato de se tocar harpa sem um plectro ocorreu tanto no Egito quanto na Grécia, onde se praticava o que eles
chamavam psilê kithárisis, em oposição a kithrodia, ou o tocar com um plectro para acompanhar uma canção.
94
Referência ao Salmo 137, cujo subtítulo é “Canto do exilado”. Este Salmo evoca a lembrança da queda de
Jerusalém em 587 e do exílio na Babilônia.
88
antigas, deve ser excluído. O historiador Flávio Josefo (nascido em 37 d.C. em
Jerusalém) relata que era um instrumento com doze cordas pinçadas com os
dedos nus. O fato de ser dedilhado é confirmado pelo profeta Amós (6,5) que, com
o nevel, usa o verbo parat, para “colher fruto”. No entanto, as alternativas
possíveis são uma cítara, uma lira e uma harpa.
A etimologia desta palavra é ambígua, uma vez que sua origem nbl pode
ser vocalizada de duas maneiras diferentes, naval ou nevel. O derivado hebraico e
assírio naval (ou nabal) pode significar “degenerar-se”, “ritualmente impuro”,
“mau”, “obsceno”, “vilão”, “carcaça”, bem como “chama”. Além do mais, o
hebraico, ugarítico e sírio nevel (ou nebel) pode significar “jarro”, “saco de couro”
ou “vaso para líquidos” e “instrumento de cordas” (1 Sm 10,3). Uma recente
descoberta feita por um arqueólogo grego chamado Dimitrios Pandermalis
95
, em
Dion, Grécia, oferece uma evidência indireta, mas convincente, para a
interpretação do nevel bíblico como uma lira. Ele descobriu uma estela funerária
do período romano na qual, pela primeira vez, aparece um texto acompanhando a
iconografia do nevel. Nesta pedra, uma lira em relevo aparece próxima da imagem
do culto de nábla (nevel) esculpida (Pandermalis, 1997).
Em vinte e oito ocorrências da palavra nevel na Bíblia, vinte e duas estão
associadas com o kinor. Isto porque suas funções eram parecidas. O nevel está
relacionado com os levitas (1 Cr 15,16; 25,1), com o transporte da Arca (2 Sm 6,5;
1Cr 13,8), na dedicação do muro (Ne 12,27), durante celebrações de vitória (2 Cr
20, 28) e como instrumento de êxtase profético (1 Sm 10,5).
O nevel era feito do mesmo material que o kinor, de sândalo, e
provavelmente era tocado com os dedos, sem plectro. Suas cordas eram feitas de
intestino de ovelhas, enquanto as do kinor provinham de intestino de porcos. Alem
disso, o tratado Arachin II:6 diz que o nevel é mais sonoro que o kinor. No entanto,
ele deve ter uma afinação mais ampla e mais grave que o kinor. Se o nevel é uma
harpa e tem cordas mais longas que o kinor, então o kinor é mais agudo e o nevel,
mais grave. Assim sendo, o nevel provavelmente servia de tenor ou baixo na
orquestra do Segundo Templo.
95
Cf. BRAUN, Joachim. Music in ancient Israel/Palestine, p. 22.
89
O Talmude
96
oferece poucas informações acerca destes instrumentos.
Sobre o número de nevalim no culto, relata: “não menos que dois e não mais que
seis”, mas “nunca menos que nove kinorot, e outros podem ser adicionados”.
A Septuaginta apresenta três diferentes termos para as diversas passagens
onde o nevel aparece: quatorze vezes nabla, oito vezes psalterion e uma vez
kithara. A Vulgata apresenta a palavra psalterium dezessete vezes. A palavra
nabla não nos acrescenta nada além de uma forma grega do próprio nevel, mas a
palavra psalterium nos remete a um tipo de harpa. Os bizantinos Suidas relataram,
no século IX d.C., que psalterion e nabla se referiam ao mesmo instrumento, e o
judeu Saadia disse em um comentário sobre o Livro de Daniel, no século XII d.C.,
que o psantrîn aramaico era um nevel.
Tanto a palavra grega psalterion quanto sua equivalente latina referem-se a
uma harpa vertical, e os pais da Igreja, tais como São Jerônimo, responsável pela
Vulgata e conseqüentemente pela tradução psalterium, definem este instrumento
como tendo “o corpo acima”: psalterium lignum illud concavum unde sonus
redditur superius habet – ou seja, o instrumento era segurado de modo que o
corpo ficava acima da vara horizontal. Isto é de fato a característica específica de
uma harpa vertical.
Em I Cr 15, 20, são mencionados nevalim al-alamot e kinorim al-hasminit. A
usual interpretação é guiada pelo significado verbal dos dois epítetos, alma
96
Segundo o Vademecum para o Estudo da Bíblia: Em hebraico, estudo. É o conjunto da lei oral, constituído
pela Mishná e pela Gemará. Foi elaborado nas escolas rabínicas e babilônicas. Existem dois Talmudes, o
Palestino ou jerosolimitano (Jerushalmi) e o babilônico (Bavli). O primeiro, mais breve, foi elaborado do séc
III d.C até o início do séc V, e comenta 39 do 63 tratados da Mishná. O segundo, três vezes maior, foi
elaborado do séc III d.C até o fim do séc VI, e comenta 36 tratados e meio da Mishná. Compreende dois
milhões e quinhentas mil palavras e quase seis mil páginas, sendo, dentre os dois, o que se firmou como a
mais autêntica expressão da Torá oral. Escritos em aramaico (respectivamente palestino e babilônico) e em
hebraico, recolhem uma imensidade de materal não somente jurídico e normativo. Há, portanto, sobretudo no
Talmude babilônico, lendas, folclore, episódios sobre a vida e o martírio dos mestres, orações, crenças
populares, ditos, etc., que derivam do ensinamento vivo dos amoreus. O conteúdo normativo é amplamente
discutidocom uma dialética refinada. Para cada opinião são apresentados o autor ou a corrente dos que a
transmitiram. A última elaboração redacionaldeveu-se aos mestre saboreus dos séc VI-VII. A editio princeps
do Talmude babilônico, do qual se reproduz sempre a numeração da folha e da página, foi feita pelo editor
cristão Daniel Bomberg, de Veneza, em 1520-23. O Talmude foi repetidamente censurado e submetido a
questionamentos no mundo cristão até a Idade Moderna.
90
significa donzela e hasminit, oito
97
. O nevel alma deve ser interpretado como um
instrumento soprano, e o kinor hasminit como uma lira afinada uma oitava abaixo
da afinação do nevel. Segundo Sachs, esta tradução é arbitrária e errônea. Os
dois epítetos não pertencem à mesma categoria e não podem ser interpretados
como uma comparação entre a afinação de dois instrumentos. Se a oitava mais
aguda fosse expressada pela idéia de “donzela”, esperaríamos que a oitava mais
grave fosse expressada por “homem”, do mesmo modo que os gregos distinguiam
entre auloi parthenikoi, paidinikoi e andreioi.
97
Cf. II.4
91
Relevo com tocadores de lira, Nineveh
98
.
98
The British Museum Yearbook, Music and Civilisation 4.
92
Tocador de lira egípcio, 18ª dinastia
99
99
Curt SACHS. Op. cit, p. 112.
93
Harpista egípcio, 18ª dinastia
100
100
Ibid.
94
Tocador de lira semita 1900 a.C.
101
101
Ibid.
95
Kithara
102
102
Ibid., p. 128.
96
lira grega
103
103
Ibid.
97
“Este é Davi tocando nevel
104
104
Cartão postal de Jerusalém, 1998
98
Artefatos de Israel/Palestina com contornos de lira ou harpa
105
:
Negev, desenho na pedra, 2000 a.C. Meguido, mármore, sécs. XII/XIII a.C.
Meguido, séc. XI a.C. Ashdod, séc. X a.C.
Ashdod, séc. VIII a.C. Batash, séc. X a.C. ‘Ajrud, séc. VIII a.C.
105
Joaquim BRAUN, Music in Ancient Israel/Palestine, p. Xxxii – xxxvi.
99
PU, sécs. X-VIII a.C. Nebo, sécs. X-VIII a.C. PU, sécs. X-VIII a.C.
Tell Keisan, sécs. IX-VII a.C. PU, sécs. IX-VII a.C.
PU, sécs. IX-VII a.C. PU, séc. IV a.C.
100
Petra, sécs. II-I a.C. Deserto de Harra, séc. I a.C.
PU, 125-110 a.C. Caesarea, sécs. II-III
Samaria, período romano Bar-Kokhba, séc. II
101
PU, séc. I
PU, sécs. II-III Gaza, sécs. III-IV
PU, período romano Sepphoris, séc. V Gaza, séc. VI
102
II.3.1.3 ASOR - רשע
A palavra significa dez. Até hoje, ninguém teve dúvidas de que os Salmos
33, 92 e 144 descrevem um instrumento com dez cordas. Nos Salmos 33 e 144,
asor é seguido do termo nevel, sem nenhuma conjunção: “cantai a Ele com o
nevel asor” . Muitos exegetas traduzem como um nevel de dez cordas, mas esta
interpretação se contradiz no Salmo 92, onde há ‘alê-‘asor wa‘alê-nevel. Assim, é
possível dizer que asor e nevel são instrumentos distintos. É mencionado com o
nevel nos salmos 33 e 144, e com o nevel e o kinor no salmo 92.
O asor é um instrumento, e provavelmente não é uma lira nem uma harpa,
segundo Sachs
106
, pois é mencionado com o nevel no Salmo 33 e 144, e com
ambos, kinor e nevel, no Salmo 92. Há uma outra possível família de instrumentos
de cordas: as cítaras.
Mas as cítaras não existiam no Egito nem na Assíria, as duas grandes
monarquias do Oriente Médio. Mas os vizinhos mais civilizados de Israel eram os
fenícios, que usavam um tipo estranho de cítara. Duas espécies deste instrumento
foram entalhadas num objeto de marfim do século 8 a.C., no Museu Britânico, n°
118179, vindo da Assíria. Neste relevo, a parte posterior destas duas cítaras não
pode ser vista, e não é possível determinar sequer se é plana ou abaulada. A
parte da frente, ao contrário, é clara; e consiste numa pequena moldura retangular
com cordas transversais e paralelas aos lados menores. A posição é
perpendicular na mão do instrumentista, e as mulheres tocavam com os dedos,
sem plectro. O ponto principal é o número de cordas: provavelmente dez em uma
cítara e claramente dez na outra.
O asor poderia ser tal como uma cítara fenícia.
Esta interpretação é confirmada pela estranha e ilustrada carta atribuída a
São Jerônimo e endereçada a Dardanus. Sob o título psalterium decachordum, o
artista descreve uma cítara retangular, exatamente a forma da cítara fenícia, e o
autor explica: “Ela tem dez cordas, como está escrito: Devo louvá-Lo com o
106
Curt SACHS, The History of Musical Instruments, p. 117.
103
saltério de dez cordas”, e acrescenta: “forma quadrata”, expondo, no tipo de
simbolismo tão caro aos pais da Igreja, que as dez cordas significavam os dez
mandamentos e as quatro versões do evangelho.
Figura 20: Psalterium decacordum
107
II.3.2 OS INSTRUMENTOS DE SOPRO
II.3.2.1 SHOFAR -
רפוש
Shofar significa chifre.
Possui duas formas de plural: uma feminina, shofarot, e outra masculina,
shofarim.
O shofar é o instrumento mais mencionado na Bíblia Hebraica: está
presente em setenta e quatro passagens. A Septuaginta e a Vulgata o traduziram
como sálpinx em algumas passagens e tuba em outras.
É o único instrumento judaico litúrgico que sobreviveu à destruição do
Segundo Templo de Jerusalém pelos romanos e é usado ainda hoje nos cultos
sinagogais. Em comunidades ortodoxas é tocado durante o serviço de Lua Nova,
e na Europa Oriental até mesmo em cerimônias de exorcismo; e em todas as
sinagogas, liberais e ortodoxas, o Ano Novo e o Dia da Expiação terminam com os
violentos e respeitáveis sopros do tradicional shofar.
107
Ibid., p. 118
104
O Talmude
108
apresentou muito precisamente as duas formas de uso do
shofar (um chifre reto para as festas de Ano Novo e um curvo, com bocal de ouro,
para os dias de jejum), os materiais dos quais o shofar podia ser feito (bovino era
proibido), em que grau ele podia ser consertado sem se tornar inválido, as
ocasiões nas quais ele podia ser usado e como. Hoje em dia, ele é usado somente
durante o Elul (décimo segundo mês do ano civil judaico), na festa de Ano Novo
(Rosh ha-Shanah) e no Yom Kippur. No Ano Novo é tocado três vezes durante o
serviço religioso, simbolicamente para conclamar Israel à união e chamar todos os
judeus ao arrependimento e a Deus; e todos os judeus homens adultos têm a
obrigação de ouvir o shofar neste dia. A cada vez quatro chamados são soprados
em combinações variadas.
Em sessenta e nove das setenta e quatro ocorrências na Bíblia Hebraica, o
shofar aparece como um instrumento solista, podendo acomodar uma grande
variedade de situações, evocando uma atmosfera mágica ou escatológica, ou
funcionando simbolicamente, tendo um toque específico para cada situação.
A Michná
109
diz somente que os toques devem ser “longo”, “curto”, “calmo”,
“sustentado” ou “articulado”. E, por volta do século IV, o Rabino Abbahu de
Cesareia fixou os termos tequiha como o toque longo, teruah como o articulado e
sevarim como o quebrado. Com o passar do tempo, o tequiah se desdobrou em
tequiah e tequiah guedola.
Estes quatro tipos de toque são:
108
Cf. nota 96.
109
Segundo o Vademecum para o Estudo da Bíblia, michná em hebraico é repetição, estudo. Compilação
sistemática da lei oral, feita pelo rabi Yehuda Há Nassi, em torno do fim do séc. II d.C., inicialmente em
forma oral e depois por escrito. Está dividida em 63 tratados, agrupados em seis ordens, que codificam todas
as normas relativas ao culto, aos relacionamentos sociais, ao direito civil e penal, ao matrimônio, à pureza e
impureza, etc. A partir do início do séc III, a Mishná tornou-se o principal instrumento usado no ensino; com
suas interpretações deu origem ao Talmude.
105
1) Tequiah (sopro): uma appoggiatura na tônica que antecede um longo
sopro na quinta;
2) Sevarim (quebra): uma rápida alternância entre a tônica e a quinta;
3) Teruah (estrondo): um trêmulo na tônica terminado na quinta;
4) Tequiah guedola (grande sopro): com um sostenuto mais longo na
quinta, sempre tocada no fim.
Quanto às durações métricas relativas destas fanfarras, o tratado talmúdico
Rosh-hashana IV:9 prescreve esta proporção: 1tequiah = 3 teruah = 9 sevarim
Esta regra, formulada no mais tardar na época talmúdica – isto é, nos
séculos I ou II a.C., mas provavelmente muito antes -, tem uma notável
semelhança com o chamado modus perfectus da teoria musical medieval,
segundo Sachs
110
, que arranjava os valores métricos em três: 1 (nota) maxima = 3
longas = 9 breves
O shofar está relacionado tanto com o culto, com presságio de poderes
transcendentais, no dia da expiação, na festa da lua nova e no dia da penitência,
110
Cf. Curt SACHS. Op. cit., p. 110.
106
quanto com festividades seculares, como no translado da Arca, em guerras,
celebrações de vitórias e triunfos.
O ritual antigo distingue dois tipos de shofarim, um feito de chifre de bodes
selvagens, ou cabras montesas, para as cerimônias de Lua Nova, outro de
carneiro, para os Dias de Jejum.
É uma trombeta feita de chifre amaciado pelo calor e moldado na forma de
um corpo reto com uma campana curva (embora nem a Bíblia nem o Talmude
mencionem estes detalhes). Os intervalos musicais obtidos, embora sempre
considerados o segundo e o terceiro harmônicos, variam de quartas a sextas. Os
instrumentos do norte da Europa (tradição asquenaze) normalmente não têm um
bocal moldado e a embocadura é deixada numa forma irregular oval. Os
instrumentos israelenses e do sul da Europa (tradição sefardi) normalmente têm a
extremidade do chifre moldada na forma de um bocal miniatura de trompete ou
trompa e a embocadura tem aproximadamente o tamanho daquela da corneta.
Decorações e inscrições entalhadas não são incomuns.
Sachs
111
e Braun
112
divergem quanto ao instrumento citado em Js 6,4-5.
Sachs acredita ser o shofar o instrumento capaz de derrubar as muralhas de
Jericó, enquanto Braum acedita ser outro instrumento, o qeren hayyobel (chifre de
carneiro), também citado em Jo 6,5.
111
Cf. Ibid., p. 111.
112
Cf. Joachim BRAUN. Op. cit., p. 27.
107
Mosaico do período helênico
113
Mosaico do período helênico
114
113
Ibid., p. 258.
114
Ibid., p. 257.
108
II.3.2.2 UGABבגוע
[Em hebraico moderno, ugab é órgão.]
É o outro dos dois primeiros instrumentos mencionados na Bíblia. Em Gen
4:21 “O nome de seu irmão era Jubal: ele foi o pai de todos os que tocam kinor e
ugab.” Este instrumento raramente é citado na Bíblia; além desta passagem
aparece em dois outros livros, em Jó 21:12 e 30:31 e no Salmo 150. Em Jo 30,31
foi usado como um instrumento de lamento, junto com o kinor; como um
instrumento do mal, em Jo 21,12 e na doxologia final dos Salmos, Sl 150,4, junto
com tof e dança.
Em todas as passagens, a palavra se refere a um instrumento que
contrasta com os instrumentos de corda, mas não é oferecida nenhuma
informação detalhada. A etimologia tampouco ajuda muito; na melhor das
hipóteses, Ugab pode estar relacionado a agab, que significa “estava apaixonado”.
Se isto é verdade, Sachs
115
acredita que a interpretação “flauta” é a mais indicada,
já que entre os instrumentos de sopro as flautas eram as mais intimamente
associadas ao encanto amoroso.
A Septuaginta utilizou vários termos para designá-lo, incluindo kithára,
órganon e psalmós. Já a Vulgata foi um pouco mais cautelosa, traduzindo-o como
abbuba (um instrumento parecido com o oboé) e organum.
Muitos exegetas traduzem ugab como flauta de pan. Segundo Sachs, isto é
sem dúvida incorreto; as primeiras evidências da flauta de pan no Oriente Próximo
surgem quase dois mil anos depois da época descrita no livro do Gênesis. Outra
razão é lingüística. A língua hebraica tinha uma palavra mais adequada para
expressar o som claro de um instrumento tão pequeno – o verbo seriqa, “ele
apitou”. A cor escura da palavra ugab mais provavelmente reflete o timbre
profundo, semelhante ao da vogal “u”, de uma flauta longa, larga e vertical.
Deve-se supor, acredita Sachs, que este instrumento, normalmente tocado
por pastores, existiu na Palestina, como existiu na Suméria (tigi), Egito (mat) e
115
Cf. Curt SACHS. Op. cit., p. 106.
109
mais tarde no Oriente Médio - Israel/Palestina (nay). Se originalmente ugab era
uma flauta vertical, o termo pode ter se tornado geral mais tarde, assim como o
termo mat em egípcio inicialmente significava uma flauta vertical e, depois, todos
os sopros, incluindo oboés e clarinetas.
II.3.2.3 HASOSERA -
הרצוצח
[No hebraico moderno hasosera é trompete ou corneta.]
A forma plural é hasoserot.
Sua etimologia é incerta. Possivelmente deriva do significado gritar,
lamentar, refletindo uma onomatopéia.
A Septuaginta e a Vulgata o traduzem como sálpinx e tuba,
respectivamente.
O termo aparece três vezes na literaura pré-exílica (duas vezes em 2Rs e
uma vez em Os) como um instrumento associado à guerra e a celebrações e
festivais. Depois do exílio, hasosera se tornou um instrumento do culto, associado
aos sacerdotes.
Dois termos são usados para descrever o som deste instrumento: tequiah,
que corresponde a um som poderoso e sustentado, usado quando se reunia o
acampamento ou seus líderes; e teruah, que corresponde a um som curto, usado
para levantar acampamento, atacar o inimigo ou em conexão com repreensão por
parte de Deus.
O instrumento é bem representado em Nm 10,1-2,9-10 :
“Iahweh falou a Moisés e disse: ‘Faze para ti duas trombetas; tu as fará de
prata batida. Servir-te-ão para convocar a comunidade e para dar o sinal de
partida aos acampamentos’”. “tocarei as trombetas com fragor e aclamações: a
vossa lembrança será evocada diante de Iahweh, vosso Deus, e sereis salvos dos
vossos inimigos. Nos vossos dias de festas, solenidades ou neomênias, tocarei as
110
trombetas nos vossos holocaustos e sacrifícios de comunhão, e elas serão como
memória diante do vosso Deus”.
Esta idéia de atrair a atenção de Deus para seus fiéis por meio de um som
poderoso é primitiva e não condiz com o elevado judaísmo dos profetas como
pregado por Elias. Quando, no Monte Carmelo, os sacerdotes pagãos gritaram
para Baal, Elias zombou e lhes disse: “Gritai mais alto; pois, sendo um deus, ele
pode estar conversando ou fazendo negócios ou, então, viajando; talvez esteja
dormindo e acordará!” (1 R 18,27).
No entanto, o pensamento popular apegou-se a esta concepção ingênua. O
hábito de soprar trombetas e gritar encontra um paralelo em ritos egípcios. Num
sarcófago do último período romano da antiguidade egípcia, um adorador é
retratado soprando uma trombeta para Osiris.
A forma externa da trombeta hebraica também correspondia à trombeta
egípcia. Flávio Josefo
116
descreveu o hasosera como um tubo reto, “com pouco
menos que um cúbito”, terminando numa campânula.
O uso das trombetas judaicas em pares, por outro lado, provavelmente não
repetia os egípcios. A ordem de Deus foi: “Faze para ti duas trombetas.” Embora
não seja egípcia, esta dualidade não se limitava à Palestina. Trombetas de metal
curvas da Idade do Bronze nórdica eram quase sempre encontradas em pares;
trombetas de metal gêmeas eram tocadas simultaneamente no Afeganistão
antigo, como ainda são na Índia e no Tibete modernos; o mesmo vale para as
trombetas de madeira da Lituânia, Romênia e Chile. Segundo Sachs
117
, pares de
trombetas têm raízes em velhas idéias de simetria. As duas deviam ser tocadas
simultaneamente ou alternadamente e, neste último caso, com notas iguais ou
diferentes. Ambos os costumes são preservados na Índia moderna.
Os especialistas com freqüência confundem hasosera e shofar, dadas suas
funções e simbolismos similares; no entanto, o hasosera é claramente um
116
Cf. Ibid., p. 113.
117
Cf. Ibid.
111
instrumento de culto, símbolo do poder institucionalizado do Segundo Templo,
enquanto o shofar, desde tempos imemoriais, é um instrumento associado ao
fenômeno mágico e místico da teofania.
II.3.3 OS INSTRUMENTOS DE PERCUSSÃO
II.3.3.1 TOF -
ףות
[No hebraico moderno tof é um pequeno tambor.]
A raíz ugarítica tp (tambor) é provavelmente onomatopéica.
A Septuaginta e a Vulgata traduziram o termo como týmpanon e tympanum.
Em Gen 31, 27, o arameu Labão censura seu genro Jacó por fugir com
Raquel e Lia: “Por que fugiste secretamente e me enganaste em vez de me
advertir, para que eu te despedisse na alegria e com cânticos, com tupîm e
kinorot”. Tupîm é o plural da palavra hebraica tof, que corresponde ao duff árabe,
ao mtpp fenício, ao tbu egípcio, ao dop ugarítico, ao tupe aramaico, ao dub
sumério e ao týpanon grego. Estes nomes dizem respeito ao antigo tambor de aro
semita, encontrado na Mesopotâmia e no Egito e, mais tarde, na Grécia e em
Roma. É um tambor feito de um aro de madeira e muito provavelmente com duas
peles, sem nenhum chocalho ou baqueta. Na Palestina, as peles eram recolhidas
dos esconderijos de animais com chifres, carneiros ou cabras selvagens, segundo
uma passagem do tratado talmúdico Qinnim III 6. Era quase exclusivamente
tocado por mulheres, não só pelos judeus como em outros países onde também
foi encontrado. “E a profetisa Mírian, irmã de Aaron, pegou um pequeno tambor
em suas mãos; e todas as mulheres saíram atrás dela, com pequenos tambores e
com danças”; a infeliz filha de Jefté “saiu ao encontro dele com pequenos
tambores e com danças”; e as judias deram as boas-vindas aos conquistadores
depois da vitória sobre os filisteus “com tamborins”. Embora os tambores não
112
sejam mencionados na Bíblia em cermônias de casamento, é certo que eles eram
usados nos casamentos judaicos, assim como são usados hoje em dia em todo o
Oriente. “Divulgue o casamento e soe o tambor”, disse Mohamed. A passagem no
Talmude refere-se ao uso de um tambor chamado erus (de aras, que significa
“comprometer-se”), e não tof. Se os lexicógrafos estão certos ao identificar erus
com tof, o tambor mencionado provavelmente era bem grande, pois as mulheres
às vezes sentavam-se sobre ele quando lamentavam.
O mesmo tratado talmúdico que fala do erus também menciona um objeto
chamado niqatmon. Este termo é considerado um instrumento musical por alguns
tradutores do Talmude. Etmologicamente anqitmin designa um braço, ou uma
perna artificial. Se este termo significa um instrumento, pode referir-se às típicas
claves egípcias feitas de madeira ou marfim, esculpidas para formar um braço
humano com a mão, tocadas exclusivamente por mulheres; ou às claves em forma
de bota dos gregos. Mas isso, segundo Sachs
118
, é mera especulação.
Na maioria das vezes aparece em contexto secular, em geral relacionado
com erotismo sexual e virilidade feminina, como em Jz 11,34 e Jr 31,4.
118
Cf. Ibid., p. 109.
113
Mulher em terracota, Achzib
119
119
Joaquim BRAUN. Op. cit., p. 120.
114
Mulher em terracota, Shiqmona
120
120
Ibid., p. 121.
115
II.3.3.2 PA’AMON - ׀וםעפ
Era um pequeno sino (campainha) ou um guizo. A etimologia óbvia é o
verbo pa’am, “bater”.
O Livro do Êxodo 28, 34-35 instrui Aarão a usar esses instrumentos
pendurados em seu manto, para que seja ouvido ao entrar ou sair do santuário. O
sino é usado como uma defesa contra os maus espíritos. Os demônios gostam de
freqüentar santuários e entradas. No entanto, o Sumo Sacerdote não precisa se
proteger quando está num lugar sagrado, e sim quando entra e sai.
Sinos e guizos na bainha não foram usados somente em Israel. Os índios
sul-americanos, assim como os xamãs da Sibéria, também os usavam. Na Idade
Média, eles adornavam o homem elegante. Nos séculos XIV e XV, eram um
acessório quase indispensável para pessoas requintadas. Finalmente, eles foram
costurados à roupa dos bobos da corte nos carnavais e em danças.
A Bíblia Hebraica associa ao pa’amon a função de exorcismo; já Flavio
Josefo acredita na simbologia de iluminação dos sacerdotes; Philo de Alexandria,
na simbologia da harmonia cósmica; e o Rabino Jonathan, na penitência.
116
Sino encontrado em Massada
121
Sino encontrado em Caesaera
122
121
Ibid., p. 200.
122
Ibid.
117
Sino encontrado em Jerusalém
123
II.3.3.3 SELSLIM e MSILTAYIM -
לצלצםי e צמםיתלי
A interpretação dos termos msiltayim e selslim (o slasal talmúdico) não é
difícil. Ambos remetem ao verbo salal, colisão. A terminação -ayim de um deles
sugere um objeto de duas partes; termos relacionados em outras línguas orientais,
como zil em árabe e turco, salasil em arábe e sil-sil em tibetano, significam
címbalos; finalmente, a Septuaginta traduziu as 72 ocorrências de ambos os
termos em hebraico como a palavra grega kimbala. Então a interpretação
címbalos” (pratos) pode ser considerada correta, segundo Sachs
124
.
123
Ibid., p. 201.
124
Ibid., p. 122.
118
A Bíblia menciona dois tipos diferentes de selslim: selse sama e selsle
teruah. O adjetivo sama significa “claro”, e terua, assim como o shofar,
“barulhento”. A distinção indicada por estes atributos não é restrita aos címbalos
judaicos. Os tibetanos, por exemplo, usam dois tipos de címbalos; um tipo, de
bordas largas, é segurado em posição horizontal e recebe um suave golpe em um
movimento vertical para o culto das divindades do céu; e outro tipo, de bordas
estreitas, é segurado em posição vertical e golpeado vigorosamente num
movimento horizontal para o culto das divindades da Terra. Esta distinção parece
geral em toda a Ásia, tanto no passado como no presente. O relevo no templo
hindu-javanês de Borobudur em Java, cavado em cerca de 800 d.C., mostra a
clara diferença entre as duas formas de címbalos e a maneira de tocá-los. Os dois
tipos foram encontrados na Europa medieval.
A Bíblia não fornece mais detalhes sobre os címbalos. Eles são
mencionados no tratado talmúdico Arachin: “No Templo havia um címbalo de
metal com um som suave.”
Címbalos encontrados em Meguido
125
II.3.3.4 MNA’NA’IM -
םינענמ
Este instrumento é citado apenas uma vez em toda a Bíblia. O Segundo
Livro de Daniel descreve como a Arca da Aliança foi transportada para Jerusalém,
e como Davi, com toda a casa de Israel, tocou diante dela instrumentos de corda,
125
Ibid., p. 109.
119
tambores, címbalos e mna’na’im. Se este termo vem do verbo nua, sacudir, o
nome deve se aplicar a um vaso com chocalhos. Um chocalho datado de cerca de
1000 a.C. foi escavado em Tell bet-Mirsun, perto de Hebron, e mais tarde
chocalhos de barro foram encontrados em vários lugares da Palestina. Mas estes
chocalhos pareciam mais brinquedos de criança que objetos de cerimônia.
Alguns estudiosos interpretam mnaanim como um sistro
126
, já que esta
palavra provavelmente significa um instrumento “chacoalhado”. Sachs
127
não
concorda com esta idéia, alegando que o sistro está muito relacionado ao culto a
Isis para encontrar lugar no ritual judeu. Mas escavações posteriores na Suméria
provam que o sistro existia sem nenhuma ligação com o culto a Isis. Portanto, o
mna’na’im poderia ser um sistro.
Mosaico do período helênico
128
126
De acordo com o dicionário Houaiss:
1) trombeta aguda usa. entre os egípcios nos sacrifícios à deusa Ísis;
2) tipo de antiquíssimo chocalho constituído de uma raquete atravessada por varetas com anéis;
3) espécie de marimba com lâminas metálicas.
127
Cf. Curt SACHS. Op. cit., p. 121.
128
Joachim BRAUN. Op. cit., p. 257.
120
II.4 INDICAÇÕES APARENTEMENTE MUSICAIS NOS CABEÇALHOS DOS
SALMOS
Tanto Sachs
129
quanto Braun
130
falam sobre as prováveis indicações
musicais dos cabeçalhos dos Salmos.
Vários termos freqüentemente associados a nomes de instrumentos
musicais, como nginot, gittit ou sosanim, aparecem no cabeçalho de numerosos
salmos. Um exemplo freqüente de tal cabeçalho é lamnaseah binginot mizmor
ledawid.
Não há dúvidas sobre o significado de mizmor le Dawid; a segunda palavra
quer dizer “pertencente a Davi”, enquanto mizmor é uma espécie de poema. A
palavra lamnaseah, usada no cabeçalho de dezenas de Salmos, freqüentemente é
traduzida como “para o músico principal” ou “para o mestre de canto”; mas o
significado correto é “para ser executado”. Mais difícil é entender, segundo
Sachs
131
, as palavras que explicam o modo de execução. Para começar, a palavra
ngina geralmente foi e é concebida como “instrumento de corda”; então,
lamnaseah binginot significaria “para ser executado com instrumentos de corda” e
binginot al-hasminit, “nos instrumentos de oito cordas”. Conseqüentemente, alguns
estudiosos consideram o subtítulo dos Salmos indicações relativas aos
instrumentos pelos quais tais Salmos deveriam ser acompanhados. Em 1921, um
autor inglês, Langdon, sublinhou que os hebreus “classificavam seus salmos e
serviços litúrgicos principalmente pelos nomes dos instrumentos usados em
acompanhamentos”.
Isto é um erro, segundo Sachs
132
. Certamente, afirma ele, conferir tarefas
específicas a instrumentos musicais é muito freqüente nas civilizações orientais.
Mas seria incomum designar diferentes instrumentos para os vários poemas de
129
Cf. SACHS, Curt. Op. cit., p. 124 a 127.
130
Cf. BRAUN, Joachim. Op. cit., p. 37 a 42.
131
Cf. SACHS, Curt. Op. cit., p. 125.
132
Cf. Ibid.
121
uma coleção homogênea de poesia religiosa. Além disso, pergunta Sachs
133
, eram
os salmos realmente acompanhados, ou pelo menos destinados a ser
acompanhados? Em caso positivo, por que não por um kinor ou nevel, um halil
134
ou tof? Embora alguns desses instrumentos sejam mencionados no texto dos
salmos, nenhum é mencionado no cabeçalho; a chamada “classificação segundo
os nomes dos instrumentos usados” na verdade omite todos os nomes de
instrumentos conhecidos.
Os cabeçalhos, por sua vez, mencionam vários termos estranhos: nginot
(Salmos 4, 54, 55, 61, 67, 76), nhilot (5), nginot ha-sminit (6, 12), gittit (8, 81, 84),
mut-leben (9), sosanim (45, 69), ‘alamot (46), ayelit-hasahar (22), idutun (39, 62,
77), mahalat (53, 88), yonat illem rhaqim (56), sosan-edut (60, 80).
À exceção do termo nginot, essas palavras significam: “heranças”, “oitavo”,
“prensa de vinho” ou “proveniente da cidade de Gat”, “morte-branco”, “lírios”,
“donzelas”, “corça da manhã”, “confessores”, “doenças”, “pombo mudo distante”,
“lírio-testemunho”. À primeira vista, esta série é ininteligível; mas de qualquer
modo não é uma “classificação por instrumentos”.
Nem sequer negina é um “instrumento de cordas”? A palavra pertence ao
verbo naga’, “golpear”. Um verbo intermediário, nagan, forma usada em
associação com cordas, lembra-nos da velha expressão alemã die Laute (Harfe,
Zither) schlagen, “golpear o alaúde (harpa, cítara)”. É a conexão com cordas que
levou os filólogos a traduzir ngina como “instrumento de cordas”. Mas isso é
incorreto, adverte Sachs, pois a interpretação não é apoiada por nenhuma
passagem que inclua essa palavra. Em algumas passagens - Salmo 69,13; Jó
39,9; Lamentações 3,14 – a palavra aparentemente é usada com o significado de
uma canção satírica.
Para Sachs e Braun, seria mais sensato comparar o grupo hebraico de
palavras com um grupo grego correspondente. No grupo grego, kruo significa
133
Cf. Ibid.
134
Uma flauta doce no hebraico moderno. Para a época em questão, é uma flauta reta ou curva, feita
provavelmente de ouro, segundo Curt SACHS, op. cit., p. 118-121 . Este instrumento não foi mencionado no
Livro dos Salmos, e por isso não foi descrito neste trabalho.
122
“golpear” e, especialmente, “golpear cordas”, assim como naga’ e nagan em
hebraico; no entanto, seu substantivo, kruma, não significa nenhum instrumento, e
sim uma certa melodia – isto é, “algo tocado”. E é exatamente este o significado
do substantivo pós-bíblico relacionado a naga’, o conhecido nigun, ou “padrão
melódico”. Ngina pode ser a forma mais antiga de nigun.
A música oriental sempre foi e ainda é composta segundo desenhos ou
padrões melódicos bem definidos. Esses padrões melódicos poderiam ser
comparados às três ordens ou estilos gregos na arquitetura, cuja composição
seguia regras detalhadas que o artista era forçado a obedecer; ele só podia seguir
sua interpretação pessoal dentro dos limites dessas especificações. Na música,
melodias usando a mesma escala, e relacionadas umas às outras por seu humor
geral, pertencem a um padrão melódico. Tais padrões são familiares na música
arábica e hindu, onde mais tarde foram chamados de maqamat e ragas.
A lista dos maqamat arábicos tem semelhança surpreendente com os
cabeçalhos hebraicos dos salmos. Se gittit é um negina descrito com o epíteto
geográfico “de Gat”, os árabes também possuem maqamat geográficos, como
isfahan, nahawand ou rehaw, que são nomes de lugares. Números ordinais, como
“o oitavo” da série hebraica, também ocorrem nos maqamat árabes: siga, “o
terceiro”, ou ‘asiran, “o décimo”. Quanto aos termos genéricos, como o hebraico
“heranças”, ou “prensa de vinho”, os maqamat têm títulos como mahur, “pulando”,
ou ‘usaq, “paixão”; e para a “corça da manhã”, eles têm “o amor puro da cerva”.
Combinações curiosas e aparentemente sem sentido, como “morte-branco”,
comparam-se a hifenizações similares em árabe, como higaz-kar, bayat-suri ou
rast-sanbar, que significam uma combinação de dois maqamat.
Como os maqamat e ragas pertencem a determinados humores, podemos
testar nossa interpretação conferindo se os salmos que possuem cabeçalhos
similares têm também o mesmo humor. O material é bastante limitado para tal
investigação, mas é encorajador. Se nos limitamos a examinar os grupos com pelo
menos três salmos, descobrimos que os oito salmos neginot são orações para a
salvação, baseadas na confiança em Deus e em seu poder e magnificência:
123
“Quando te invoco, responde-me, meu justo Deus” ... “Iahweh, não me castigues
com tua ira” ... “Socorro, Iahweh!” ... “Salva-me, ó Deus” ... “Dá ouvido à minha
súplica” ... “Ouve meu grito” ... “Deus, tenha piedade de nós” ... Os três salmos
gittit, ao contrário, são alegres e cheios de grato júbilo: “Iahweh, Senhor nosso,
quão poderoso é teu nome em toda a terra” ... “Gritai de alegria ao Deus, nossa
força” ... “Quão amáveis são tuas moradas”
O problema das palavras “para ser executado...” parece resolvido, à
exceção do termo neginot. Se ngina é o nome hebraico para maqama ou qualquer
idéia similar, e não para um maqama específico, então a expressão “para ser
executado no nginot” precisa de alguma explicação adicional que não podemos
oferecer. É mera especulação sugerir que a palavra em questão poderia significar
tanto “maqama” em geral quanto um determinado tipo de maqama.
124
III. OS SINAIS MASSORÉTICOS
III.1 BREVE HISTÓRICO
A música hebraica foi diretamente influenciada pela egípcia, que, por sua
vez, foi influenciada pelos sumérios. Estas civilizações eram ricas em experiências
musicais. A Suméria tinha uma abundância de ritos religiosos onde a música
constituía o elemento essencial na cerimônia. No Egito, as cerimônias religiosas
eram realizadas secretamente, no interior dos templos; assim, o povo era excluído
também da cerimônia musical, que apresentava alto grau de intensidade.
Em Israel, durante muitas gerações, as cerimônias musicais aconteceram
ao redor da Arca da Aliança, na presença do maior número possível de
participantes – os levitas. Dada a importância da música na vida religiosa dos
hebreus, o rei Davi fundou uma Academia de música sacerdotal para o serviço
divino, composta de quatrocentos levitas com aptidões para a música vocal e
instrumental.
135
Foi no tempo de Davi e Salomão que a música sacra dos hebreus atingiu
seu apogeu histórico, ocupando um espaço amplo e imprescindível no cotidiano
dos serviços religiosos. A decadência política que se seguiu a esta época
representou também a decadência da música inserida no serviço religioso. Com a
destruição do Templo e a dispersão do povo, a música continuou a ser praticada
nas Assembléias, durante as primeiras décadas da era cristã, numa tentativa de
mantê-la viva.
Isso aconteceu até que, entre o século VII e o século X d.C., as chamadas
escolas massoréticas (de massorá
136
, tradição) fixaram o texto bíblico
consonântico (constituído por consoantes) e o enriqueceram com sistemas de
135
Cf. 1Cr 23, 5.
136
conjunto de comentários críticos e gramaticais (soletração, vocalização, divisão em orações e parágrafos
etc.) sobre a Bíblia hebraica, feitos por doutores judeus, chamados de massoretas, com o objetivo de
determinar a forma correta do texto escrito, mantendo-lhe a pureza e evitando que ocorram alterações em sua
transmissão.
125
pontuação (em hebraico, niqud), cujo objetivo era estabelecer, de acordo com o
modelo das escolas siríacas e árabes, a correta leitura vocálica, a acentuação e a
musicalidade.
Ao niqud foram acrescentadas anotações filológicas como a contagem das
letras e das palavras de cada um dos livros, a sinalização da escritura
consonântica irregular e das leituras alternativas (qerê-ketib), anotada nas
margens dos manuscritos (massorá marginal) ou no fim dos livros bíblicos
(massorá final). Além disso, esta meticulosa sinalização serve para alertar o leitor
para qualquer anomalia gráfica ou gramatical do próprio texto.
Foram três as escolas que elaboraram sistemas de niqud concorrentes: a
escola mesopotâmica, a palestina (na região do Higiaz, na atual Arábia
setentrional) e a de Tiberíades, na Galiléia. Desde o século X, considera-se como
o mais autêntico e fiel à tradição antiga o niqud elaborado por duas famílias de
escribas pertencentes à escola de Tiberíades, os Bem Neftali e os Bem Asher. O
texto consonântico e vocálico das escolas tiberienses, denominado “massorético”,
ainda hoje é lido nas edições correntes da Bíblia Hebraica (a Bíblia Hebraica
Stuttgartensia é a transcrição diplomática do manuscrito B19a da Biblioteca
Nacional de São Petersburgo, da escola bensheriana, que leva a data de 1008).
O texto massorético faz uso de:
- pontos vocálicos - sinais para indicar as vogais;
- te’amim (ta’am, no singular), cuja tradução é “apreciar”, corresponde ao
conjunto dos sinais que indicam acentos musicais a ser respeitados na
declamação do texto bíblico;
- dagesh - um ponto grafado dentro de algumas letras; e o
- sof pasuq - dois pontos encontrados no fim de cada verso.
Segundo o Vademecum para o estudo da Bíblia
137
, deve-se observar,
porém, que os fragmentos que restaram de manuscritos da tradição palestina
conservam também variantes antigas e significativas no texto consonântico, e que
137
Cf. Vademecum para o estudo da Bíblia, p. 150.
126
transcrições antigas de palavras e nomes bíblicos revelam diferenças notáveis de
vocalização em relação ao niqud tiberiense – por exemplo, o hebraico
correspondente ao massorético mizmor le Dawid, Salmo de Davi, é transliterado
para o grego como mazmor l-Daueid.
Mas como e quando surgiram os antigos cantos da sinagoga? A musicóloga
judia Johanna Spector
138
acredita que os mais antigos cantos de sinagoga podem
ter surgido já no século 1 d.C. Já Alfred Sendrey observou que os "tropos" ainda
existentes na sinagoga são freqüentemente bastante similares aos maqamat
árabes-persas (estilos musicais igualmente baseados em "tropos" e certos modos
musicais específicos). Segundo ele, como os cantos da sinagoga eram
sobreviventes dos tempos bíblicos, a música de Israel antigo (incluindo a de seu
Templo) era como os maqamat. Mas Johanna Spector
139
tem uma opinião
diferente e mais sensata: os "tropos" usados por muitas sinagogas não são como
os maqamat; eles são maqamat - adotados numa época inicial e adaptados ao
espírito musical judeu. Quando se compara os "tropos" e modos do canto da
sinagoga com aqueles dos maqamat, pode-se ver prontamente quais são os
originais e quais são as adaptações; informações foram perdidas na direção das
versões judias, não das versões árabes-persas.
Os próprios massoretas e seus sucessores só conheciam as formas mais
simples de canto (os da sinagoga) e tentaram definir pouquíssimos grafemas
como marcadores deste canto. As listas de quais grafemas representam quais
significados musicais variam de uma fonte a outra. Assim que a notação em si foi
publicada, as sinagogas adaptaram seus cantos passo a passo para conformá-los
às regras que os massoretas e gramáticos deduziram para a notação. O processo
foi mais longe entre os judeus asquenazes da Europa, na leitura da Torá. Tais
cantos não podem, sob nenhuma lógica (e apesar das freqüentes afirmações em
contrário), representar o significado musical original dos te'amin, pois surgiram
independentemente da notação ou foram desenvolvidos depois da publicação
desta.
138
Cf. www.rakkav.com/kdhinc
139
Cf. Ibid.
127
III.2 OS SINAIS MASSORÉTICOS
O paradigma massorético foi apontado pela primeira vez pelo estudioso
Aharon bem Asher e é aceito como válido por praticamente todos no campo dos
estudos massoréticos. Este paradigma divide os te'amim em três classes:
1) disjuntivos – são os sinais encontrados nas palavras que concluem um
verso ou frase;
2) conjuntivos – são os sinais encontrados nas palavras que se encontram
no meio de uma frase; e
3) o chamado ga'ya – que é um sinal vertical que freqüentemente não é
considerado um ta'am e por isso não é nem disjuntivo nem conjuntivo, mas indica
quão rapido deve-se cantar uma sílaba.
O conjunto dos sinais massoréticos usados para orientar a declamação do
texto bíblico é chamado de te’amim. Porém, a função primária destes sinais é
exegética. O conjunto é constituído de 19 sinais, escritos acima e abaixo do texto,
e dividido em dois sistemas complementares:
1) sistema prosódico - compreende os sinais encontrados no prólogo e
epílogo do Livro de Jó e nos outros livros da Bíblia Hebraica, exceto nos livros dos
Salmos e Provérbios;
2) sistema salmódico - compreende os sinais encontrados nos livros dos
Salmos e Provérbios e na parte central do Livro de Jó.
Os sinais massoréticos, usados para orientar a declamação do texto bíblico,
são grafados acima e abaixo das palavras do próprio texto. O Livro dos Salmos,
Tehilim em hebraico, foi escrito para ser cantado com acompanhamento de
instrumentos musicais e constituía o centro do culto levítico organizado por Davi.
Por isso, contém alguns sinais adicionais, pressupondo uma melodia mais
rebuscada.
O conjunto dos 19 sinais é assim apresentado:
128
Os sinais que têm a mesma forma, mas aparecem escritos em lugares
diferentes no meio do verso, devem ter diferentes funções e portanto representam
diferentes acentos ou te’amim. O silluq (fim), por exemplo, é um sinal vertical
grafado abaixo do texto e marca a última sílaba forte de cada verso. É o mais forte
dos sinais disjuntivos. É chamado de silluq quando encontrado bem no fim de um
verso, e de ga'ya ou meteg em todos os outros lugares, mesmo se encontrado
uma ou duas vezes na mesma palavra como silluq. Trata-se de significados
completamente diferentes para o mesmo sinal no paradigma massorético.
Como um povo nômade, os judeus se fixaram em diferentes partes do
mundo e inevitavelmente incorporaram elementos regionais à sua cultura. Desta
forma, os sinais são interpretados de maneira diferente por culturas diferentes.
Como sua escrita musical é relativa, e não absoluta, cada comunidade judaica a
interpreta de acordo com as teorias musicais da região na qual está inserida, mas
nunca com acompanhamento dos instrumentos mencionados na Bíblia, pois
quase todos aqueles ali relatados se perderam depois da destruição do Templo, à
exceção do chocar.
Segundo a tradição rabínica, os cantos bíblicos foram revelados a Moisés
no Monte Sinai. Até hoje, são ensinados oralmente.
No Brasil, os cantos são realizados quase que exclusivamente à capela e,
tecnicamente, com a estrutura do sistema musical tonal. Em algumas sinagogas
mais liberais, como a da Congregação Israelita Paulista (CIP), os cantos são
acompanhados por um órgão e, em geral, o organista é um músico profissional,
podendo ser judeu ou não. Outros instrumentos não podem fazer parte do serviço
religioso. Mas o shofar também é tocado nas celebrações de Ano Novo das
sinagogas mais liberais.
Neste trabalho, os sinais serão apresentados e interpretados musicalmente
segundo a teoria de Suzanne Haïk-Vantoura, apresentada no livro The Music of
the Bible Revealed. Por meio da interpretação dos sinais massoréticos, é possível
saber como eram as melodias cantadas pelos levitas.
Organista, professora e compositora, Suzanne Haïk-Vantoura nasceu em
129
Paris, França, em 1912 e estudou no Conservatório Nacional Superior de Paris.
Compôs várias obras, entre elas peças de inspiração sacra. Quando a Segunda
Guerra Mundial interrompeu suas atividades, Haïk-Vantoura abordou pela primeira
vez o problema dos sinais para entoação dos cantos na Bíblia Hebraica, tendo
constatado que seu verdadeiro significado fora perdido. Só no fim de 1970, com
seu afastamento do trabalho ativo como compositora e intérprete, Haïk-Vantoura
completou o estudo dos sinais bíblicos. Em 1976, publicou os resultados na
primeira edição francesa do livro citado. Desde então, dedica-se exclusivamente à
publicação e promoção deste trabalho. A edição inglesa usada aqui é uma
tradução da segunda edição francesa, publicada pela Dessain et Tolra, Paris,
1978.
Suzanne Haïk-Vantoura
140
140
Suzanne HAÏK-VANTOURA. Op. cit., contracapa.
130
III.3 A INTERPRETAÇÃO MUSICAL DOS SINAIS
De acordo com o trabalho desenvolvido por Suzanne Haïk-Vantoura
141
,
tanto no sistema prosódico quanto no sistema salmódico os sinais grafados abaixo
das palavras correspondem aos graus básicos da escala. Estes graus são
distribuídos de acordo com as normas musicais usadas ainda hoje - estabelecidas
cerca de dois mil anos antes da nossa era - e correspondem a nossa familiar
escala de dó maior. Alguns estudos divergem sobre a origem desta escala; alguns
acreditam ser o antigo modo lídio, enquanto outros acreditam ser uma herança
babilônica.
O sinal
aparece no fim de todo verso e corresponde à primeira nota da
escala, formalmente chamada de finalis. Hoje em dia a chamamos de tônica. Sua
função é de conclusão. Este sinal pode também ser encontrado no início de
alguns versos.
Alguns sinais aparecem com freqüência pouco antes de uma pausa em um
verso, como por exemplo
e . O significado musical para estes sinais é
análogo e corresponde à meia-cadência, onde se utiliza o quarto e o quinto graus
da escala.
Alguns grupos de sinais freqüentemente aparecem juntos, e várias
deduções da teoria de Suzanne Haïk-Vantoura resultaram da observação deste
fato, como por exemplo: a final ou tônica não corresponde à primeira nota da
escala de dó maior, e sim à terceira nota (um mi, na escala de dó maior). No
sistema salmódico, o sexto grau da escala, também chamado de submediante, é
omitido, e a tônica passa a ser a segunda nota da escala. Mas nenhuma indicação
musical antiga indica ao certo qual modo ou escala se usava. Após várias
tentativas e muito estudo, Suzanne concluiu que se usava uma escala de graus
consecutivos com tons e semitons, onde o sétimo grau tem uma distância de meio
tom da tônica, e o segundo grau, de um tom. Esta estrutura tonal é pertinente
apenas para o sistema salmódico, pois os textos contemplados com o sistema
prosódico são apenas declamados, numa espécie de cantilação, o que permite a
141
TheMusic of the Bible Revealed, p. 31.
131
existência de intervalos menores que meio tom. O mesmo também ocorreu nos
primeiros séculos de existência da igreja cristã, com os chamados tons de
recitação.
Enquanto os sinais grafados abaixo do texto correspondem aos graus da
escala, os sinais grafados acima do texto representam uma ornamentação
daqueles graus. Um sinal sobre uma palavra pode corresponder a uma, duas ou
até três notas para a sílaba afetada, ou seja, correspondem a appoggiaturas e
melismas na construção da melodia. A notação massorética é classificada como
uma notação neumática, e todas as notações neumáticas são considerada
imprecisas. Porém, com a interpretação dos sinais a partir da teoria da Suzanne
Haïk-Vauntoura, esta notação passa a ser bastante precisa.
Quando a primeira palavra do verso não tem nenhum sinal grafado, deve-se
cantar a tônica, ou seja, o sinal
assume a responsabilidade.
Assim como outras melodias litúrgicas da Antigüidade, os hinos cristãos e
as canções folclóricas de várias culturas, estes cantos não tinham indicação
rítimica. Assim sendo, o discurso verbal assume a função de direcionar o ritmo.
Como o texto tem forma diferente, o ritmo dos salmos é diferente do ritmo da
prosa; é mais mensurado, o ritmo silábico tem durações reiteradas.
Os sinais
, e , tão comuns no texto massorético, também aparecem
nas notações palestina e babilônica, mas a notação hebraica é anterior a estas.
Alguns musicólogos comparam esta notação hebraica com a notação bizantina
chamada ekphonetic, pois ambas possuem sinais bastante similares. Mas o
sistema bizantino é menos complexo que o hebraico. Os sinais análogos às duas
cultura são:
, , , , e .
Durante o início da era cristã, outras culturas também desenvolveram sua
escrita musical, como por exemplo as da Armênia, no séc. IV, da Síria, no séc. V,
e da Palestina e Espanha, no séc. VI.
132
Notação massorética – Ex 20, 2-7 (sistema prosódico)
142
Notação massorética – Salmo 137 (sistema salmódico)
143
142
HAÏK-VANTOURA, Suzanne. Op. cit., p. 40.
143
Ibid.
133
Notação bizantina – ekphonetic – Séc. IX
144
144
Ibid., p. 57.
134
Notação babilônica – Séc VI
145
145
Ibid., p. 56.
135
Notação armênia - Séc. IV
146
146
Ibid., p. 55.
136
III.4 A QUIRONOMIA
A quironomia é a arte de representar música por meio de gestos. Foi uma
prática muito comum na Antigüidade. É extremamente útil na continuidade da
transmissão oral da música. À medida que as culturas foram desenvolvendo suas
próprias escritas musicais, a quironomia deixou de ser um hábito.
Não há melodias escritas do Egito antigo, por exemplo, mas podemos ver
várias figuras da época que mostram instrumentistas e cantores fazendo gestos
com as mãos, ou seja, usando a quironomia para representar suas melodias. Em
geral, havia uma pessoa realizando quironomia para cada instrumentista que
estivesse tocando.
É bem provável que estas melodias não passassem de extensões da
inflexão vocal normal e se destinassem a sublinhar o significado das palavras,
para o bem dos ouvintes, tanto os humanos quanto os divinos, e também dos
intérpretes. É razoável supor que a quironomia tinha a mesma função na música
sacra dos hebreus.
Além do Egito, há relatos e relevos que provam a existência da quironomia
também na Índia, onde é usada até hoje, por meio dos mudras, e na Grécia, onde
persistiu até a dominação romana. A dança e a guerra, assim como a música,
tinham sua quironomia específica.
No antigo Egito faraônico, havia uma pessoa específica para realizar a
quironomia para cada instrumentista do grupo. Caso um instrumento fosse capaz
de realizar mais de uma nota ao mesmo tempo, eram necessárias duas ou mais
pessoas para realizar a quironomia, ou seja, cada gesto específico era traduzido
por uma determinada nota musical. Assim, uma símples heterofonia necessitava
de duas ou mais pessoas para realizar a quironomia.
137
Mármore egípcio. Ca. de 2700 a.C.
147
Quironomia no Egito antigo.
148
Com o passar do tempo, a quironomia foi sendo substituída por uma
notação musical cada vez mais precisa. Durante a Idade Média, continuou sendo
usada na Grécia e também pela igreja cristã.
Os sinais massoréticos escritos constituem uma transcrição dos gestos
feitos pelas mãos e/ou pelos dedos. Os sinais encontrados abaixo das palavras
aparentemente transcrevem os gestos produzidos pela mão esquerda e os sinais
acima do texto, os gestos da mão direita. Em muitas sinagogas, hoje, apenas uma
das mãos é usada para produzir gestos.
A quironomia é mencionada na versão completa do Talmude, do séc. VI.
Aaron bem Asher menciona, no último capítulo, a relação da quironomia com a
cantilação tradicional do livro sagrado. No entanto, o Talmude babilônico atribui ao
147
Ibid., p. 74.
148
Ibid., p. 75.
138
Rabi Akiba (ca. 40-135) as instruções para indicar com a mão direita o significado
tonal da leitura da Bíblia. Esta é outra prova da existência da quironomia entre os
hebreus. O famoso intectual judeu Rashi afirma que as mãos são sagradas por
possibilitarem a pontuação do texto sagrado.
149
Em 1Cr 25, 2-7, Davi descreve a função de cada levita responsável pela
música no serviço religioso, mas todos devem seguir as mãos do diretor, diz ele.
Alguns historiadores afirmam que a quironomia representa uma ponte entre
a prática musical da Antigüidade e a notação neumática (ca. séc. IV).
III.5 DECIFRANDO OS SINAIS MASSORÉTICOS
Os sinais grafados abaixo das palavras constituem os graus básicos de
uma escala tonal. Segundo Suzanne Haïk-Vantoura
150
, eles são:
SISTEMA PROSÓDICO
Sinal Nome Etimologia Transcrição
הגר
(Darga) escada
ריוט
(Tevir) quebrado
קליס
(Silluq) final mi (finalis)
אכרמ
(Merka) extensão
הפיט (Tipha) palma sol
149
Cf. HAÏK-VANTOURA, Suzanne. Op. cit., p. 80.
150
The Music of the Bible Revealed, 1991.
139
הנתא
(Atnah) descanso
הנומ
(Munah) colocado si
הפמ (Mapakh) retornado
Os sinais grafados acima das palavras representam as notas subordinadas
àqueles abaixo.
Sinal Nome Etimologia
אטשפ
(Pashta) extensor
גרש (Geresh) expulsão
ישרגהמ
(Gershayim) expulsão dupla
טק־ףקזן
(Zaquef Qaton) elevação
ג־ףקזדלי
(Zaquef Gadol) elevação maior
עיור
(Revi`a) encolhimento
רזפ
(Pazer) dispersão
זקרא
(Zarqa) jorro
לגס
(Segolta) aglomerado
הנטק־אשילת
(Telisha Qetannah) pequena retirada
תג־אשילדהל
(Telisha Gedolah) retirada maior
140
SISTEMA SALMÓDICO (significados complementares)
Sinal Nome Etimologia
גללג
(Galgal) roda
תלשלש (Shalshelet) cadeia
איו־אלרד
(Oleh Veyored) ascendente e descendente
וראיןתק
(Revi`a Qaton) pequeno encolhimento
זלי (Iluz) elevado
רוניצ
(Tsinnor) tubo
CLASSIFICAÇÃO SEGUNDO OS GRAUS BÁSICOS DA ESCALA (SINAIS
INFERIORES)
silluq (final)
: é chamado de “finalis” ou “tônica”.
merka (extensão)
: é o segundo grau.
tevir (quebrado) : outra extensão, mas na direção inversa - o sétimo
grau.
tipha (palma)
: único nome quironômico.
atnah (descanso) : o quarto grau, o local da cadência imperfeita.
munah (colocado)
: o quinto grau, indicando uma cadência em suspenso.
darga (escada)
: o sexto grau uma oitava abaixo, a base da “escada”
141
mapakh (retornado)
: o sexto grau ascendente, o topo da “escada”
Representação dos graus da escala em notação musical moderna
CLASSIFICAÇÃO DOS SINAIS SUPERIORES
pashta (extensor)
: uma designação apropriada para a appoggiatura de uma
segunda acima.
geresh (expulsão)
: uma appoggiatura de uma terça acima.
gershayim (expulsão dupla)
: uma appoggiatura dupla.
zaqef-qaton (pequena elevação)
: esta appoggiatura de uma segunda abaixo
enfatiza a palavra.
142
zaqef-gadol (elevação maior)
: o movimento descendente prolongado enfatiza
ainda mais a palavra.
revi’a (encolhimento) : impossível traduzir melhor este grau repetido que se
torna uma appoggiatura de uma segunda inferior.
pazer (dispersão)
: a dispersão é realmente o efeito produzido por essas três
notas descendentes, incluindo a nota da resolução.
zarqa (jorro)
: o símbolo ornamental de uma appoggiatura dupla de uma
segunda acima e outra abaixo sem resolução.
segolta (aglomerado)
: uma imagem de uma appoggiatura dupla.
telisha-qetannah (pequena retirada)
: caracteriza três notas ascendentes no
fim de uma palavra.
telisha-gedolah (retirada maior)
: é uma cascata de quatro notas, ocorrendo
no início de uma palavra; seu movimento é mais amplo que o citado acima.
Realização dos sinais superiores representada em notação musical moderna
143
OS SINAIS ADICIONAIS DO SISTEMA SALMÓDICO
galgal (roda)
: o sétimo grau, sendo a nota mais baixa ou limite da escala do
sistema salmódico.
oleh-veyored (ascendente e descendente) : representa uma nota mais alta do
que sua resolução mais óbvia.
revi’a-qaton (pequeno encolhimento)
: appoggiatura de uma segunda inferior.
iluz (elevação)
: elevação da altura da nota.
tsinnor (tubo) : A figura melódica “envolve” a si mesma em sua resolução.
144
III.6 TRANSCRIÇÃO DE UM SALMO
A partir dos sinais descritos no item anterior, será apresentada uma
partitura em notação moderna da melodia do salmo 150. Em anexo, encontra-se
um CD com a gravação desta melodia cantada e acompanhada por alaúde (um
substituto para o kinor e o nevel, indisponíveis no Brasil) e percussão.
III.6.1 IMPORTÂNCIA DA ELABORAÇÃO MELÓDICA
Neste caso, o texto, como já foi explicado, é a principal referência para o
ritmo e as alturas das notas. Mas vale ressaltar que, embora elaboradas com o
objetivo primário de reforçar os significados do texto, as melodias dos levitas
respeitavam certos procedimentos de equilíbrio, coerência e distribuição
harmônica – assim como nas práticas musicais representativas de outros períodos
históricos e contextos culturais.
Segundo Jourdain
, cada melodia é uma
145
invenção singular de som, máquina inteligente que torce e faz girarem as
alavancas de nossas mentes, produzindo reações requintadas. Como ocorre com
tantas invenções inteligentes, o funcionamento de uma grande melodia é
inexplicavelmente simples, mas nada óbvio. (...) Uma melodia não é apenas uma
seqüência de notas, mas sim uma seqüência de notas com duração e acentuação
variáveis. (...) O número de possíveis melodias (...) é inconcebivelmente vasto. (...)
Se encurtarmos determinada nota, ou a tirarmos do tempo forte, até mesmo a
mais poderosa melodia morrerá.
151
O autor enumera algumas características sempre presentes na busca da
criação de uma melodia ideal
152
:
- quase todas as notas da melodia são escolhidas da escala de sete notas
que determina sua tonalidade.
- as notas são, em sua maioria, adjacentes; os saltos são poucos, e os
grandes saltos, raros.
- as notas individuais não são excessivamente repetidas, sobretudo em
posições enfatizadas na melodia.
- as resoluções harmônicas, como as cadências, ocorrem em pontos
ritmicamente importantes.
- as acentuações rítmicas realçam o contorno da melodia. As mudanças de
direção da melodia em termos de altura devem, de modo geral, ocorrer em
articulações ritmicamente importantes.
- os saltos sempre aterrissam num dos sete tons da escala, e não nos tons
cromáticos.
151
JOURDAIN, Robert. Op. cit., p. 89 - 90.
152
Cf. JOURDAIN, Robert. Op. cit., p. 121 - 122.
146
III.6.2 REALIZAÇÃO DO SALMO 150
A notação massorética do Salmo 150 é:
A transliteração do hebraico para este salmo é:
Halelu Iá
1 Halelu El becadsho, haleluhú birkia uzó.
2 Haleluhú bigvurotav, Haleluhú Kerov gudlo.
3 Haleluhú betéca shofar, haleluhú benevel vekinor.
4 Haleluhú betof umachol, Haleluhú beminim veugav.
5 Haleluhú betsil’tselê sháma, haleluhú betsil’tselê teruáh.
6 Kol haneshamá tehalel Iá.
Halelu Iá.
147
Tradução para o português:
Aleluia.
1 Louvai a Deus em seu templo,
Louvai-O em seu poderoso firmamento,
2 Louvai-O por suas façanhas,
Louvai-O por sua grandeza imensa!
3 Louvai-O com toque de shofar,
Louvai-O com nevel e kinor;
4 Louvai-O com dança e tof,
Louvai-O com cordas e ugab;
5 Louvai-O com selslim,
Louvai-O com selsle teruah!
6 Todo ser que respira louve a Iahweh!
Aleluia.
148
Partitura feita a partir da realização musical dos sinais massoréticos:
149
CONCLUSÃO
O estudo da relação entre a música e as religiões ainda é bastante carente
em nosso país, mais ainda quando se trata da Antiguidade. E por ser a época
estudada um momento em que tanto a música quanto a religião se consolidavam
na base de sustentação da civilização ocidental, o estudo da relação entre estes
dois campos do saber torna-se altamente necessário.
A importância deste trabalho está no resgate da riqueza da música bíblica
histórica pela descrição e caracterização dos instrumentos que, com exceção do
shofar, se perderam com a destruição do Segundo Templo de Jerusalém.
Também pela reinterpretação das melodias do Saltério, por meio da interpretação
musical dos sinais massoréticos. Para tal usou-se a teoria de Suzanne Haïk –
Vantoura.
O resgate desta música representa uma imensa perspectiva de crescimento
para os musicólogos, enquanto pesquisadores da música, e instrumentistas, que
poderão tocar esta música resgatada, principalmente aqueles que estudam
música antiga; para teólogos e cientistas da religião, como um estudo da estética
da religião; e enfim para grupos religiosos, como uma possibilidade de se cantar
esta música. Esta contribuição se dá não somente como fonte mas também como
sugestão e abertura de novas pesquisas.
Nesse sentido, deseja-se que esta não seja apenas uma conclusão, mas
uma porta que se abra para o estudo da música do mundo antigo nos meios
acadêmicos brasileiros e a maior intercomunicação entre os campos da Estética
da Religião e da Musicologia.
150
APÊNDICE
GLOSSÁRIO DE TERMOS MUSICAIS:
Appoggiatura (Ital.): adorno melódico que apóia e ressalta uma ou várias notas
da melodia. A appoggiatura adquire a metade do valor da nota em que se apoia.
Foi muito utilizada durante o Renascimento e o Barroco, mas sua aplicação não se
fundamentou normativamente até o século XVIII.
Arranjo: modificação de uma partitura para possibilitar a sua execução com
instrumentos diferentes aos originalmente destinados. São comuns as reduções
para piano de complexas partituras orquestrais.
Bemol: alteração que baixa meio tom a nota assinalada. O duplo bemol baixa-a
um tom completo.
Bequadro: signo que anula o efeito da alteração produzido sobre uma nota por
um sustenido ou um bemol anterior.
Binária, forma: movimento simples que consta de duas partes ou seções, AB.
Cadência: fórmula das leis harmônicas tradicionais, empregada para concluir uma
frase ou obra e determinar o seu modo ou tonalidade.
Canto: emissão da voz em forma de melodia. // Peça vocal. // Melodia principal de
uma composição. // Arte de executar corretamente uma peça vocal. // Parte
superior de um conjunto coral.
Cappela (Ita., capela): A partir do século XIV, o termo cappela designava o
conjunto de músicos que pertenciam ao serviço religioso de reis e altos dignatários
eclesiásticos. Por extensão, passou a designar também o lugar onde tocavam.
Clave: signo que se utiliza para relacionar as notas escritas nas linhas de uma
pauta com a sua altura real. Existem três claves: clave de Sol (tessitura aguda),
clave de Dó (tessitura Média) e clave de Fá (tessitura grave).
151
Compasso: unidade de medida que divide qualquer composição musical
mensurada. Regula o ritmo da execução, baseado em divisões pré-estabelecidas,
sujeitas a uma órdem periódica e expressadas em forma de quebrado, onde o
numerador indica o número de notas que inclui cada compasso, e o denominador
a qualidade das mesmas (semibreve, semínima, cocheia). Assim, um compasso
de dois por quatro (2/4) é aquele que tem a duração correspondente a duas
semínimas; um de seis por oito (6/8) a seis colcheias... // Compasso binário é
aquele que se divide em dois tempos e cujo numerador é 2 ou múçtiplo de 2.
Contraponto: vocábulo derivado da expressão punctum contra punctum (nota
contra nota, da época em que as notas eram representadas com pontos), que faz
referência à técnica de combinar e sobrepor diferentes vozes ou linhas melódicas.
// Técnica de composição horizontal.
Cromática, escala: a sucessão convencional dos doze semitons da escala
ocidental.
Declamação: é a arte de recitar obedecendo a umas normas pré-estabelecidas.
Também se refere à arte de ajustar, por meio de centos e inflexões líricas, um
texto literário a uma melodia determinada.
Desafinar: afastar-se do tom ou modo indicado na partitura.
Diapasão (Gr.): registro de uma voz ou instrumento com equivalência escalada. //
Forquilha metálica, inventada em 1711 por J. Shore, que, ao ser batida, produz um
som puro, sem harmônicos, de altura conhecida e constante (lá 3). Utiliza-se para
afinar instrumentos musicais e dar o tom correto aos cantores. Na música
ocidental, o diapasão foi normatizado pela Academia de Ciências e Letras de Paris
(1858) e pela Conferência Internacional de Viena (1885) em 435 vibrações duplas,
ou 870 simples (diapasão normal). Depois, em 1953, a Conferência Internacional
de Londres fixou a freqüência tipo 440 vibrações por segundo. // Também
denomina a parte frontal do braço dos instrumentos sobre o que se estiram as
cordas.
Diatônica, escala: a escala natural; está formada por sete notas (cinco tons e dois
semi-tons).
152
Dissonância: o oposto de consonância. Combinação de dois ou mais sons com
um resultado sonoro subjetivamente desagradável.
: nos países latinas, é a primeira das notas da escala temperada sem
alterações. // Equivalente ao Ut da escala de Guido d’Arezzo, utilizada ainda hoje
em alguns países.
Enarmonia: relação que existe entre as notas que têm tonalidades diferentes e
nomes distintos, mas um mesmo som ou freqüência. Nos instrumentos de teclado
temperado, estas notas se confundem e, por exemplo, uma mesma tecla se emite
o Dó suatenido e o Ré bemol.
Entoação: ação de entoar. Cantar afinadamente.
Escala: ordenação correlativa das notas musicais entre dois sons fundamentais
com os que guardam uma relação proprcional. Na música ocidental empregam-se
duas escalas: a diatônica, formada por oito sons, e a cromática, formada por doze
sons com uma separação de meio tom entre cada um deles.
Extensão: conjunto de notas que podem emitir um instrumento ou voz. O piano ou
o órgão têm a sua extensão claramente delimitada, mas na corda, na madeira e
no metal esta pode depender da capacidade do intérprete. A extensão da voz
humana é, normalmente, de duas oitavas, mas pode ser estendida um tanto,
numa ou noutra direção, com técnicas adequadas.
: nos países latinos é a quarta das notas da escala temperada sem alterações.
Figura: frase ou motivo que, ao ser repetido numa composição, tórna-se
facilmente reconhecível.
Frase: grupo de notas que apresenta uma caracterização melódica determinada
dentro de uma composição.
Freqüência: em acústica, é o parâmetro que regula a altura do som: é
determinada pelo número de vibrações que este produz por segundo. Utiliza o
hércio como unidade de medida.
153
Gregoriano, canto: canto litúrgico da igreja cristã romana, que toma o nome do
papa Gregório I o Grande (540-604). Difundiu-se entre os séculos VI e IX e,
apesar do enriquecimento que adquiriu no século X com novas formas, declinou a
partir do século XIII pela influência da polifonia e da música mensural. Tratam-se
das melodias a uma só voz, diatônicas, de ritmo livre, com textos latinos pouco
extensos e estruturadas sobre oito modos eclesiásticos.
Hino: cântico de louvor que os cristãos elevam a Deus e aos santos.
Diferentemente dos salmos, estão baseados em textos religiosos não bíblicos.
Estendidos ao canto-chão e à polifonia, a reforma luterana propagou depois os
hinos em língua vulgar; geralmente a quatro vozes, originando o coral.
Improvisação: ato de compor espontaneamente uma obra (ou um fragmento
musical) enquanto se está interpretando, sem preparação prévia e sem ter sido
escrita com antecipação. Os últimos vestígios da improvisação desapareceram no
século XIX ao serem anotadas previamente pelo próprio compositor.
Intervalo: é a distância tonal que existe entre duas notas. Devido ao uso das
alterações, esta distância pode não ser exata, pelo qual é necessário especificar o
tipo de intervalo. Pode ser justo, maior, menor, aumentado, diminuto...
: denominação latina da sexta nota da escala diatônica. É o som em que se
afina o diapasão.
Ligadura: linha curva colocada sobre várias notas para indicar que devem ser
tocadas legato, isto é, sem interrupção. Na música vocal, indica que as notas
devem ser executadas numa só sílaba e emissão de voz.
Maestro: termo genérico que hoje se utiliza para designar o regente de uma
orquestra, de um coro, ou um professor de música. Também é o título outorgado
historicamente a certos músicos ou compositores de destaque. No século XVII,
designava o maestro de címbalo, que dirigia a orquestra e tocava o cravo. //
Maestro de capela: músico encarregado da direção musical de uma capela.
Maior, escala: o modelo formado pela secessão das notas Dó, Ré, Mi, Fá, Sol,
Lá, Si e Dó.
154
Melisma: no cantochão, o conjunto de notas cantadas sobre uma mesma sílaba.
Estas passagens denominam-se melismáticas, sendo aplicadas, geralmente, ao
canto gregoriano e ao canto litúrgico oriental.
Melodia: sucessão de notas adequadamente ordenadas em altura e duração e
dotadas de sentido musical. // Também chama-se melodia ao canto produzido por
uma só voz.
Menor, escala: o modelo formado pela sucessão das notas Dó, Ré, Mi bemol, Fá,
Sol, Lá bemol, Si bemol, Dó.
Modo: forma de ordenação das notas musicais dentro de uma escala. Na Grécia
clássica, os modos eram oito: dórico (Mi), frígio (Ré), lídio (Dó), mixolídio (Si),
hipodórico (Lá), hipofrígio (Sol), hipolídio (Fá) e hipomixolídio (Mi). Os modos
eclesiásticos medievais evoluíram até oito modos diferentes, mas um mal-
entendido fez com que se confundissem com os primeiros e fossem
acrescentados outros quatro: eóleo, hipoeóleo, jônico e hipojônico. Na prática,
dois deles demonstraram ser os mais facilmente transportáveis ao sistema tonal,
com o qual acabaram impondo-se aos restantes por razões práticas: o jônico
(modo maior) e o eóleo (modo menor).
Modulação: designa as mudanças de tonalidade (ou de modo) que ocorrem, sem
brusquidão e obedecendo às leis da harmonia, durante uma composição. Podem
ser passageiras ou estáveis, cromáticas ou enarmônicas, etc.
Monodia (Gr.): canto para uma só voz, com ou sem acompanhamento,
denominado assim em contraposição à pluralidade de vozes das composições
polifônicas. Apesar de que o canto gragoriano e o canto dos trovadores sejam
monódicos, a monodia refere-se geralmente ao estilo compositivo que, no começo
do século XVI, caracteriza-se por utilizar uma melodia de tipo recitativo sobre um
simples acompanhamento instrumental. Foi o germe definitivo das primeiras
óperas.
Mordente: adorno musical que, colocado sobre uma nota específica, indica a
alternância rápida de uma nota auxiliar com a real (geralmente, a imediatamente
superior ou inferior). Foi muito utilizado a partir de 1750.
155
Motivo: breve figura melódica ou rítmica e o menor dos elementos analisáveis de
uma frase musical. Apesar de que alguns autores tenham lhe dado uma
importância fundamental, outros apenas lhe concedem um valor teórico muito
limitado.
Neumas: grupo de duas ou mais notas vocalizadas sobre uma mesma sílaba, nas
liturgias de tipo melismático (canto bizantino e gregoriano). Também
denominavam os símbolos de notação utilizados para indicar ao cantor uma idéia
aproximada do sentido da melodia: geralmente, marcava os sons que seriam
produzidos numa única expiração, mas também servia para denominar as alturas
da entoação.
Notação: refere-se ao conjunto de signos escritos utilizados para representar, na
pauta, a altura e a duração dos sons. Ainda que cada civilização tenha utilizado
sua própria notação musical, os primeiros indícios característicos do que depois
passou a ser a notação ocidental apareceram com os neumas, a partir do século
VII.
Oitava: diz-se da distância existente entre duas notas sucessivas de mesmo
nome. A nota superior tem exatamente o dobro de freqüência da anterior.
Organum (Lat.): praticada entre os séculos IX e XIII, é a mais antiga das formas
polifônicas ocidentais. A sua forma mais elementar consiste em dobrar uma linha
de determinado canto à sua quarta ou quinta. Entretanto, pode-se diferenciar
várias categorias, geralmente três: a estrita, a livre (ambos seguem nota por nota
a voz original) e a melismática das escolas de São Marcial e de Notre Dame, onde
se acrescentavam várias notas por cada uma do canto base.
Ornamentação: originalmente, o conjunto de adornos melódicos que o intérprete
acrescentava espontaneamente à sua interpretação. Estes adornos podiam ser
improvisados (appoggiaturas), indicados por escrito na pauta com notações pré-
estabelecidas ou assinalados especificamente na partitura pelo compositor.
Partitura: coleção de folhas de papel pautado, onde são escritas e compiladas
todas as partes que constituem uma obra musical.
156
Plectro: pequeno objeto de metal, madeira ou marfim utilizado para tocar as
cordas de alguns instrumentos (como o alaúde e a cítara). Usa-se, geralmente,
com os instrumentos de cordas de metal.
Polifonia: peça musical composta para várias partes ou vozes, onde todas têm a
mesma importância e um desenvolvimento melódico similar. É uma música de
composição horizontal, na qual se dá uma nítida preferência pelos detalhes
contrapontísticos. Foi muito utilizada do século XIII ao XVII, alcançando o seu
apogeu no século XVIII, com as obras de J. S. Bach.
: nos países latinos, é a segunda das notas da escala temperada sem
alterações.
Recitação: composição de tipo declamatório, recitada sobre um fundo musical de
acompanhamento. // Também designa a forma de cantar a missa sobre uma
mesma nota (nota de recitação).
Regência: a arte de governar a execução musical de um conjunto orquestral,
vocal ou coral. Além de marcar o compasso e garantir a execussão tecnicamente
correta da partitura, o regente assume as funções de intérprete e responsável
final: a ele devem-se as decisões sobre mudança de tempo, agógica, fraseio,
acentuação, etc. O crescimento do número de músicos nas orquestras do século
XVII obrigou o concertino ou o tecladista a marcar com o arco ou a mão certas
indicações de ordem e ritmo, mas a figura moderna do regente de orquestra não
apareceu até o século XX.
Registro: ordenação sonora dos instrumentos e da voz humana de um mesmo
timbre.
Ressonância: cada um dos sons elementais que acompanham o principal na
emissão de uma nota musical, dando seu timbre característico a cad voz ou
instrumento. // A vibração emitida por um instrumento que, transmitida através do
ar a outro que possua a mesma freqüência, faz com que este também vibre. É um
dos efeitos que deve-se controlar com mais cuidado numa sala de concertos.
157
Ritmo: o ritmo constitui, com a melodia, e a harmonia, um dos princípios
fundamentais de qualquer tipo de música. Estuda a forma em que as notas se
agrupam para formar o que se denomina compasso: sua métrica, acentuação ou
velocidade.
Salmodia: as composições musicais que utilizam os textos dos salmos. //
Também é a forma de cantar os salmos.
Schola Cantorum (Lat.): conjunto de cantores especializados em canto
gregoriano e música religiosa. Suas origens remontam-se ao século IV, mas foi
São Gregório Magno quem estabeleceu, no século Vi, em Roma, a primeira
instituição estável importante. Com o tempo, o termo passou a ser aplicado a
qualquer coro litúrgico dedicado ao canto polifônico.
Si: nos países latinos, a sétima nota da escala temperada sem alterações.
Silêncio: pausa. Aquela parte de uma composição, na qual o intérprete não
produz nenhum som. A sua notação na pauta, assim como a das notas musicais,
pode especificar diferentes durações.
Sol: nos países latinos, a quinta das notas da escala temperada sem alterações.
Solista:intérprete vocal ou instrumental encarregado da execução da parte de solo
de uma peça.
Solo: a parte, em uma composição, destinada a ser executada por uma só voz ou
instrumento.
Surdina: artifício de que se valem os executantes para abafar a sonoridade de
seus instrumentos. Nos violinos, violas, violoncelos e demais instrumentos de
arco, consiste na aplicação de um pequeno grampo na parte superior do cavalete
para debilitar as vibrações. No piano, utiliza-se o pedal de surdina e nos
instrumentos de sopro, pequenas peças de madeira, borracha ou polietileno
colocadas manualmente no pavilhão do instrumento.
Tema: idéia, frase ou breve fragmento musical, dotado de personalidade própria
que, por meio de repetições, variações ou desenvolvimentos posteriores,
representa a parte essencial da estrutura de uma composição.
158
Temperada, escala: utilizada atualmente, é a escala que divide uma oitava em
doze semi-tons absolutamente iguais. Começou a ser utilizada em 1690, porém só
recebeu a sua consagração definitiva das mãos de J. S. Bach.
Tessitura: âmbito sonora, registro ou extensão de uma voz ou instrumento desde
as notas mais agudas até as mais graves.
Timbre: cor. A qualidade distingue um som, quando é executado por um
instrumento ou voz, do mesmo som quando é executado por outro instrumento (ou
voz). Depende da quantidade e qualidade de harmônicos que acompanham a
emissão do som fundamental e não da altura ou intensidade do mesmo.
Tom: tonalidade maior ou menor. Dentro da escala cromática há 24 tons, dois
(maior e menor) por cada uma das doze notas que a compõem.
Tonalidade: termo que, desde 1600, dá nome ao som que, numa composição
musical, predomina sobre os outros que constituem a sua escala. // Tom maior e
tom menor.
Tônica: a nota fundamental de uma determinada tonalidade, dentro da qual atua
como um ponto de referência constante.
Transcrição: adaptação de uma composição musical determinada, para ser
executada por um instrumento ou agrupação instrumental diferente do original.
Trêmolo (Ital.): repetição rápida de uma mesma nota que produz um som
semelhante ao do vibrato.
Trino: ornamento musical consistente na alternância rápida e repetida da nota
indicada na partitura com aquela que se encontra um semitom ou um tom acima.
Uníssono: indicação de que todas as vozes da partitura devem ser consideradas
como uma só, coincidindo sobre um mesmo tom ou, se a tessitura das vozes ou
instrumentos o requer, sobre uma oitava inferior ou superior.
Vibrato (Ita.): efeito ondulatório que resulta da variação rápida e regular da altura
de uma nota. Nos instrumentos de corda, por exemplo, consegue-se mediante um
movimento oscilatório do dedo que aperta a corda.
159
ANEXO
160
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