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Rogério Rodolfo Baptista
A mediação emocional na constituição de um
grupo comunitário
PSICOLOGIA SOCIAL
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo
2006
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Rogério Rodolfo Baptista
A mediação emocional na constituição de um
grupo comunitário
Dissertação apresentada à
Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do Grau
de MESTRE em Psicologia
Social, sob a orientação da
Profa. Dra. Bader S. Sawaia.
PSICOLOGIA SOCIAL
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo
2006
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Banca examinadora
4
Agradecimentos
A Professora Silvia Lane, que foi a orientadora deste trabalho em praticamente todo seu
desenvolvimento, mas não pode vê-lo terminado. Dizer Saudades, Alegria, Carisma e
muitas outras emoções ainda seriam pouco para definir nosso sentimento para com nossa
mestra.
Aos colegas do Núcleo Categorias Fundamentais do Psiquismo pelas constantes e
fecundas conversas desenvolvidas no nosso Núcleo, pelo companheirismo e apoio mútuo
em todos os momentos que vivemos, sejam eles de alegrias ou tristezas.
Aos amigos Eliete, Liciane e Andréia pelas críticas e ricas contribuições em todo processo
desse trabalho.
Aos professores do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Social pela fértil e
inesquecível experiência do conhecimento.
Ao CNPq pelo financiamento da pesquisa, pois sem este teria sido inviável sua realização.
A Professora Lucília Reboredo, da UNIMEP, pela semente que plantou e pelo incentivo,
sem eles, com certeza, teria sido ainda mais difícil concretizar essa meta.
A Larissa, por sua compreensão e carinho.
A Carla por tudo, essa conquista é tanto minha quanto sua.
5
Resumo
O tema dessa pesquisa é o grupo, ela teve como objetivo investigar o processo grupal e
sua mediação na configuração da consciência das pessoas participantes de uma ONG
inserida em uma comunidade periférica de uma cidade do interior paulista, destacando
seus aspectos afetivos, que ora são mobilizadores de ações, ora são paralizantes e fazem o
grupo retroceder. Os aspectos afetivos estão presentes em todos os processos sociais de
uma comunidade e nos grupos, pois é nele que ocorre a condição necessária para a
formação do psiquismo, da consciência crítica e da construção da identidade, tornando-o
um local privilegiado para a pesquisa do psicólogo social.
Esse grupo atravessou vários momentos e as emoções estavam sempre presentes, ora
como fundo, ora como figura, às vezes nomeadas, outras reprimidas, mas sempre
apareciam nos discursos e nas ações. Nesse processo, vimos que há uma estreita relação
entre o poder e as emoções, que podem tanto impulsionar o grupo para o avanço da
consciência de seus membros e para a ação coletiva, como paralisá-lo ou mesmo destruí-
lo. O grupo configurou-se como um lugar para se falar e um lugar para se calar, pois as
emoções, como a revolta e o medo, apareceram nesse processo e faziam com que o grupo
fosse um lugar onde as poderiam falar de seus problemas e também um lugar onde
também eram reprimidos seus sentimentos. Por fim, o grupo não suportou os conflitos e as
diversas conseqüências deles e se desfez, porém deixando algumas conquistas para a
comunidade.
6
Abstract
The subject this research is the group with aim scrutiny the group process and this
mediation in the consciosness in the people of the ONG inside one perifherical community in
the inner paulist, to stand out your affective aspects. Sometimes mobilize action, sometimes to
draw up and to make the group to go back. The affective aspects are happen in all social
process in one community and the groups, because in these to take place the necessary
condition to form the mind, critique conscioness and bilding identidity, to becam one spot
unique to search af the social psichologist.
This group cross over manifold moments and emotions are always presents, sometimesat
backdrop, sometimes like figure sharped as much as named and the other to keep down, but
always to come out in the discution and action. In the process our view closed relation
between power and emotion somewhat to make group integrate as well as to draw up. the
group to shap like the place to speech or to be quit, since the emotion like uprising and the
afraid, to come out in the process to make the group one spot where the peolple shoald speak
the yor problem as the place where the emotion supress too. Finilly the group don't suport the
conflict and your consequence and break down to leave off a lot of achievement to
community.
7
Sumário
Introdução................................................................................................................................08
Parte I - Categorias de Análise..............................................................................................09
1 - Processo Grupal, Afetividade e Consciência..................................................................09
1.1. Uma visão socio-histórica dos fenômenos psicológicos...........................................09
1.2. Afetividade..................................................................................................................12
1.3. Sobre o Processo Grupal...........................................................................................19
1.4. Afetividade e Consciência no Processo Grupal.......................................................30
Parte IIMétodo da Pesquisa................................................................................................62
2.1 -Algumas palavras sobre o método............................................................................62
2.2 - Procedimentos da pesquisa......................................................................................65
Parte IIIAnálise dos dados..................................................................................................67
3.1- O grupo.......................................................................................................................67
3.2 - História e características da comunidade...............................................................69
3.3 - Estudo do processo grupal: consciência e afetividade...........................................74
Parte IV Conclusões...........................................................................................................118
Parte V Bibliografia...........................................................................................................122
Parte VIAnexos..................................................................................................................127
8
Introdução
Essa pesquisa se insere no núcleo de pesquisa Categorias Fundamentais do Psiquismo
e utiliza do referencial teórico da psicologia social, cuja marca é a leitura sócio-histórica dos
fenômenos psicológicos. Seu tema de estudo é o grupo, escolhido por ser a condição
necessária para a formação do psiquismo, da consciência crítica e da construção da
identidade, quer seja individual ou coletiva e revela-se um campo de ação fundamental para o
psicólogo social.
A escolha do objeto recaiu em um grupo participante de uma ONG (Organização Não
Governamental), inserido dentro de uma comunidade no subúrbio em uma cidade do interior
de São Paulo, que por sua vez é parte de uma sociedade onde os indivíduos são
cotidianamente colocados numa condição alienante. A consciência crítica do sujeito perante a
realidade depende de muitos fatores e a mediação do grupo tem um papel fundamental nesse
processo. Pretende-se investigar como ocorre a mediação do grupo na configuração da
consciência desses sujeitos, destacando seus aspectos afetivos, que ora são mobilizadores de
ações, ora são paralizantes e fazem o grupo retroceder. O objetivo é analisar o processo
grupal, ou seja, o movimento grupal como mobilizador da ação coletiva desse grupo
destacando o papel dos aspectos afetivos, que muitas vezes é esquecido na psicologia social.
Nosso método de investigação foi a observação-participante. O pesquisador se inseriu
nesse grupo e o acompanhou em suas atividades por mais de um ano. Nesse período pudemos
ver, sentir e viver muitos acontecimentos, estados de mobilização desse grupo, entradas e
saídas de pessoas, alianças e amizades que se formaram e se diluíram nesse processo.
9
Parte I
Categorias de análise
1 - Processo Grupal, Afetividade e Consciência.
1.1 - Uma visão Sócio-Histórica dos fenômenos psicológicos
Primeiro e resumidamente serão apresentadas as bases epistemológicas, que numa
visão materialista-histórica e dialética de ciência, são necessárias para contextualizar a
concepção sobre grupo utilizada nessa pesquisa. O principal representante dessa linha é o
russo L.S. Vigotski. Esse autor, ao analisar o que ele chamou de crise da psicologia, propôs a
construção de um conhecimento em novas bases epistemológicas, diferente daquele
predominante na sua época, principalmente o idealismo e o positivismo. Dessa forma, propôs
uma nova abordagem para o estudo dos fenômenos psicológicos e, conseqüentemente, um
novo método de investigação e análise. Ele não queria “reformular” os métodos antigos, mas
criar um novo que estivesse em afinidade com o método dialético/histórico. (Vigotski, 1998,
p.77). Ele queria criar uma Psicologia Geral, que daria conta do que as outras teorias
estudavam de forma fragmentada e desarticulada através de múltiplas microteorias que se
excluíam entre si. Importante lembrar que Vigotski se preocupou em abrir campos de
pesquisa, dando novos horizontes e método para a psicologia, sua contribuição foi tão rica que
muitos de seus seguidores puderam dar continuidade aos seus estudos por diversas áreas. Ele
nos deixou uma forma diferente de fazer ciência, onde os diferentes conceitos desenvolvidos
se apresentam em uma inter-relação de continuidade progressiva e cada vez mais complexa,
que continuamente vai dando passos na própria construção teórica sem esgotar em nenhuma
delas. (Gonzalez Rey, 1996, p.76).
Vigotski se preocupou em construir uma psicologia com bases materialistas históricas
e dialéticas. Ele chamou a atenção para a importância da consciência, da linguagem e do
pensamento, pois estes se desenvolvem a partir das ações realizadas pelo indivíduo
1
. Para
Vigotski, toda Função Psicológica Superior, um dia foi externa, pois foi social em algum
momento, não há uma cisão entre o afeto e o pensamento, nem entre objetividade e
10
subjetividade, pois seu entendimento do psiquismo é dialético. Assim podemos entender que
o psiquismo é o resultado de processos de significação e sentido que caracterizam todos os
cenários da vida social, sendo uma integração complexa e contraditória, portanto dialética,
entre o indivíduo e a sociedade (González Rey, 2003).
O ser humano é caracterizado pelo o que Heller (1985, p.31) chamou de uma
antinomia básica, ou seja, nós nascemos com um organismo, no qual o código genético está
inscrito, mas somente as condições para que a “existência da espécie humana” , referindo-se
a isso como “a essência muda da espécie” (stumme Gattungsmässigkeit) e ao mesmo tempo,
esse organismo é um sistema independente e indissiocrático, que se volta para o mundo como
tal e pode integrar ou incorporar tudo, mas só partindo de si mesmo e nunca transcendendo
esse “eu”. Isso significa que tudo que nos torna humanos de fato, ou seja, todos os elementos
que constituem a existência de nossa espécie são externos ao organismo e são encontrados nas
nossas relações interpessoais em geral, na linguagem, nos objetos e seus usos, nas
modalidades de ações, nas objetivações, a essa característica chama-se de “caráter próprio da
espécie” (eigentliche Gattungsmässigkeit). Para Leontiev (1978, p.273), o homem vem ao
mundo sem defesa e desarmado e possui ao nascer somente uma aptidão que o distingue de
seus antepassados animais: a aptidão para formar aptidões especificamente humanas. Para
Heller nossa existência humana é a solução dessa antinomia, mas ao mesmo tempo essa
contradição nunca poderá ser resolvida por completo. Somos seres finitos, finitos em espaço e
tempo e em nossa capacidade de armazenar informações e é esse processo de solução que
constitui nosso Ego.
O homem é um ser ativo, social e histórico, pois que ele age sobre o mundo, sobre a
natureza, o transformando e com isso também se transformando, numa relação dialética entre
a natureza e a história. O homem produz o necessário para sua vida através de sua ação no
mundo, através de seu trabalho e necessariamente de forma coletiva. Nesse processo ele
estabelece, ao mesmo tempo, relação com a natureza e com as demais pessoas, de forma que
essas relações se determinam reciprocamente. Portanto, a forma que cada indivíduo organiza
sua atividade está determinada pela maneira que a sociedade organiza-se para o trabalho.
A ação do homem sobre a realidade, que ocorre sempre em sociedade, é um processo
histórico. Na atividade, quando o homem produz os bens necessários à sua satisfação de suas
necessidades, ele também estabelece novos parâmetros na sua relação com a natureza, esse
1
Leontiev aprofundou seus estudos sobre a Atividade e propôs as categorias fundamentais do psiquismo
humano: a consciência, a atividade e a personalidade e ajudou a desvelar conceitos sobre a mediação da
linguagem, demonstrando a diferença entre significados e sentidos pessoais. (Lane, 1999, p.13).
11
ato cria novas necessidades que deverão ser satisfeitas em algum momento. Isso altera as
relações sociais nas quais ocorre esse processo, de forma que vão desenvolvendo essas
necessidades humanas e, conseqüentemente, as maneiras para satisfazê-las. Esse é um
processo de transformação constante das necessidades e da atividade dos homens e das
relações que estabelecem entre si para produção de nossa existência.
A historicidade é uma noção básica para a compreensão sócio-histórica dos fenômenos
psicológicos (Gonçalves, 2001, p.36), e segundo Molon (2003, p. 48) esse é o principal ponto
de convergência das diferentes interpretações da obra de Vigotski, ou seja, é um pressuposto
básico que é o entendimento das leis sócio-históricas, e não mais a ordem das leis naturais e
do estritamente biológico como compreendido por outras teorias psicológicas, que rege o
desenvolvimento psicológico do homem. Podemos dizer que cada indivíduo aprende a ser um
homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe
ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da
sociedade humana. (Leontiev, 1978, p.267).
Dessa forma o homem tem que adquirir suas habilidades para sobreviver em
sociedade. E esse desenvolvimento se dá na relação do homem com a cultura, como seus
objetos e com os outros homens. Esse contato sempre é mediado pela linguagem (através de
seus significados e sentidos), pelas emoções, pelo pensamento e pelos grupos sociais (Lane,
1999, p.14). Esse desenvolvimento tem uma única fonte e origem: os produtos da evolução
sócio-histórica, ou seja, são os objetos e esses fenômenos que encerram em si a atividade das
gerações precedentes e resulta de todo o desenvolvimento intelectual do gênero humano.
(Leontiev, 1978, p.267).
Coletivamente esse desenvolvimento está relacionado com a forma de divisão social e
econômica da sociedade, principalmente com a divisão social do trabalho. As diferenças entre
os homens é o produto, não das diferenças biológicas naturais, mas da desigualdade
econômica, da desigualdade das classes sociais e da diversidade consecutiva das suas relações
com as aquisições que encarnam todas as aptidões e faculdades da condição humana,
formadas no decurso de um processo socio-histórico. (Leontiev, 1978, p.267). A divisão
social do trabalho, tem como conseqüência imediata a alienação econômica e também que
atividade material e intelectual se separem, fazendo com que a concentração da cultura
intelectual esteja nas mãos de uma classe dominante.
Dessa forma, vimos que o homem não nasce dotado das aquisições históricas da
humanidade, estas são incorporadas, não nele diretamente, mas no mundo que o rodeia, em
seus objetos, na cultura humana e somente se apropriando deles que se adquire as aptidões e
12
faculdades verdadeiramente humanas. Porém em uma sociedade de classes as possibilidades
para essas aquisições têm limites, que são determinados pela estreiteza e pelo caráter
obrigatório e restrito de própria atividade que a maioria da população está submetida, ou seja,
as lutas pela sobrevivência imediata limitam essas possibilidades. (Leontiev, 1978, p.283).
Nessa relação com o mundo o homem pode transformá-lo e a si mesmo vai se
transformando, é quando as mediações se tornam presentes, pela linguagem e pelas emoções,
que segundo Lane (1997, p.19) são as duas mediações fundamentais na constituição do
indivíduo. Elas permitem a comunicação com o outro, seja expressiva ou verbal. Essas duas
mediações estão na base de todo conhecimento, da construção do saber e conhecer o mundo,
através das representações sociais, imaginação, fantasia e das ações cotidianas.
Foi Vigotski um dos primeiros a entender a função da linguagem na formação do
psiquismo, (Vigotski, 2000, p.30), demonstrou como se dá a mediação da linguagem através
dos signos, que são proporcionados pela cultura e seus significados. Vigotski, ao desvelar a
função semiótica da linguagem, propôs um modelo explicativo de como os signos
dialeticamente formavam todas as Funções Psicológicas Superiores, incluindo os afetos.
1.2 - Afetividade
Por que se estudar a Afetividade? Qual a importância desse tema para a Psicologia
Social? Como a afetividade pode ser entendida no interior de um grupo? Essas foram as
primeiras questões que mostraram-se ao iniciar essa pesquisa. As pesquisas e práticas em
psicologia social nos últimos 20 anos têm apontado para a necessidade de incluirmos nas
pesquisas um aspecto, que por muitos motivos, geralmente é esquecido: as emoções. Porém,
Montero (2004, p. 274) aponta que a supressão do tema afetividade não é um problema
exclusivo da psicologia social, pois parece ocorrer em muitas outras áreas da psicologia,
parece que é o mal dos cientistas, presos ainda em modelos racionalistas e descritivos das
ciências, mesmo nas ciências humanas. Anteriormente Lane (1995,p.56), já constatava a
importância das emoções como uma mediação, que em conjunto com a linguagem e o
pensamento, formavam aspectos importantes para a pesquisa em psicologia social. Lane
(1995,p.57) também apontou para importância de se estudar as emoções na sua natureza
social e seu caráter comunicativo, pois elas se constituem numa forma de linguagem que pode
tanto desencadear o desenvolvimento da consciência quanto fragmentá-la. Por isso, para essa
13
pesquisa é fundamental compreendermos a relação Grupo e Afetividade, enquanto categorias
dialéticas de análise.
O tema emoções está presente, inserido, de alguma forma, em todas as teorias da
psicologia e também desperta muito interesse em outras ciências como a Antropologia,
Filosofia e Neurologia. Além, é claro, de estar presente em todas as formas de arte como a
música, a literatura, o teatro, as artes plásticas. Porém, na maioria das teorias da psicologia, as
emoções não tem constituído uma parte orgânica na construção de suas teorias (Gonzalez
Rey, 1999, p. 39). O autor também aponta que é uma tendência da ciência psicológica a
obsessão pela objetividade do conhecimento produzido e isso está presente em praticamente
toda corrente teórica da psicologia, desde o positivismo metodológico, com seu caráter
experimental e quantitativo, passando pela psicanálise, por meio de sua concepção
biologicista universal da natureza humana; na teoria da atividade, pela compreensão
externalista e mecanicista na formação do psíquico; e na psicologia orientada para a
definição semiótica da subjetividade, pela consideração do signo como elemento mais
objetivo, que permitirá uma compreensão social objetiva do psíquico. (Gonzalez Rey, 1999,
p. 39).
Ágnes Heller (1985, p.17) em seu livro Teoria de los sentimientos se propõe a
formular sobre a função antropológica geral do sentimento. A autora faz uma análise histórica
de como o tema emoções foi tratado no decorrer da história do conhecimento, inicialmente na
filosofia clássica, onde os sentimentos têm relação direta com as virtudes, depois na época
medieval, na sua relação com a moral e a religiosidade e finalmente na época burguesa. Nessa
última, os sentimentos são identificados, nas diversas teorias, de forma reducionista, ou seja, o
mundo dos sentimentos (e conseqüentemente o mundo da ação moral, pois não tinham
separação) são edificados sobre os sentimentos básicos ou derivados deles. Essas
aproximações teóricas abriram espaço para a oposição entre afeto e razão. Kant aceita a teoria
dos reducionismo egoísta em relação ao sentimento e os confronta com a idéia de uma razão
pura, que é fonte e depósito da moralidade. Ele mantém a trindade vontade, conhecimento e
afeto, assim o sentimento ainda está relacionado a moral, mesmo que de forma essencialmente
negativa.
Na Segunda metade do século XIX, surge a ideologia do racionalismo instrumental,
onde essa trindade tende a ser psicologizada com o surgimento da psicologia como disciplina
separada. Assim, os estudos dos sentimentos, fundamentados no empírico, começam a se
separar da idéia de moralidade, deixando esta última para a Filosofia. (Heller, 1985, p.10-11).
14
Na psicanálise freudiana, os sentimentos ocupam um lugar negativo, com um traço do
pessimismo antropológico. Também há uma separação, pois o Ego é o orgânico do
pensamento e da ação na linha do racionalismo instrumental, que, dessa forma entendido é
separado em dois lados: O Id , com instintos e afetos e o Superego, com a cultura e seus
valores. O sentimento diminuído ao instinto, a razão e a moral se constituem em três mundos
separados. (Heller, 1985, p.11).
O Behaviorismo, uma forma típica da psicologia positivista, considera os sentimentos
como simplesmente um elemento nocivo na atividade do racionalismo instrumental. Na
psicologia tem-se mantido em muitas teorias essa dicotomia sentimento e ação racional,
mesmo que se enfatize as emoções em contrapartida da razão, o que promove também uma
cisão, ou seja, o negativo não é o sentimento mas a razão. Esse tipo de pensamento está
presente em Jung, ao se desviar de Freud rumo ao irracionalismo. A contestação dessa
separação foi realizada por filósofos como Hurssel, Lukacs e Wittgenstein, que procuraram
através de metodologias diferentes, demonstrar a unidade do sentimento e pensamento,
contrapondo-se as psicologias positivista e irracionalista. Na psicologia também surgiram
tendência que contestavam essa dicotomia, como a Gestalt, Neofreudismo(Heller, 1985,
p.12), e a Psicologia Socio-Histórica.
Alguns autores defendem a idéia que Vigotski entrou na Psicologia através de seu
interesse pelo estudo das emoções, elas foram sua porta de entrada (Lane, 1995, p.115) e
mais, a teoria das emoções ocupam um lugar de alicerce em sua obra (Sawaia, 2000). Seus
estudos sobre a emoção estética que a obra de arte desperta no indivíduo deu origem a sua
primeira obra na área da psicologia, o livro Psicologia da Arte. É nesse livro que se encontra
o primeiro estudo de Vigotski sobre as emoções, ele analisa os aspectos da arte nas suas
funções social e humana, na sua reação estética. Vigotski analisa como a imaginação e a
fantasia estão envolvidas com a esfera emocional do psiquismo, mesmo que a expressão
artística apareça como um pensamento lógico, e que a finalidade e a direção são dadas pela
emoção. A atividade da imaginação representa uma descarga de afetos, pois toda obra de arte
(fábula, novela, tragédia) encerra em si uma contradição emocional, que suscita vários
sentimentos opostos entre si, que podemos chamar de catarse. (Vigotski, 2001, p.269). Após
esse trabalho seus interesses voltaram-se para outros campos da psicologia como a
consciência, pensamento e a linguagem, talvez porque ele estava envolvido pelo contexto
histórico e social de seu país, pós-revolução de 1917, e na demanda que as ciências eram
submetidas pelo estado para ajudarem na construção do novo homem comunista, porém
Vigotski nunca abandonou a temática, pelo contrário, como dissemos acima, as emoções têm
15
um papel fundamental em sua construção da teoria histórico cultural. Apesar disso, ele
postergou um novo estudo específico sobre as emoções até a década de 30, que trata das
emoções, comparando Descartes e Espinosa, em um manuscrito datado de 1933 sobre ao
assunto foi encontrado postumamente em seus arquivos pessoais, com a primeira parte
dedicada a Descartes. Esse texto foi finalmente publicado na íntegra no sexto volume das
obras completas com o titulo “A teoria das emoções. Uma intervenção histórico-
psicológica”
2
(Van der Veer & Valsiner, 1996, p. 377).
Vigotski em uma de suas conferências, que foi chamada de “As emoções e seu
desenvolvimento na idade infantil”, na tradução em espanhol, faz uma retrospectiva dos
estudos sobre as emoções da psicologia da época. Ele estuda vários cientistas como: Darwin,
James e Lange
3
, Cannon
4
, Freud, Adler
5
, Buhler, Clarède, Lewin, além de estudos sobre
psicopatologias. Nessas incursões ele fez uma análise de cada autor com suas contribuições e
o limites que as teorias traziam, tecendo críticas consistentes. Isso inclusive fazia parte do
modo de fazer ciência de Vigotski, a interlocução com os principais autores de sua época,
muitas vezes de áreas distintas, expondo com seu estilo claro as idéias desses autores,
procurando não fazer simplesmente uma síntese, mas considerando todos os conhecimentos,
conhecendo suas possibilidades e contradições. Esse era um estilo de escrever de Vigotski que
está incorporado em seu método dialético. Aqui faremos um resumo das principais
contribuições e críticas de Vigotski a esses autores e, inspirados nesse mesmo método,
tentaremos encontrar as linhas de pensamentos que o levaram a formular sua hipótese sobre as
emoções e sua relação com as demais categorias do psiquismo.
A principal crítica é que as teorias existentes ainda estavam concebidas dentro de um
naturalismo puro. Isso, segundo Vigotski tem relação com as idéias de Darwim e sua teoria da
evolução, para esse autor os sentimentos do homem, que eram considerados como o “Sacra
2
Esse trabalho foi publicado em francês no ano de 1998 sob o título Theórie des émotions: estudo histórico-
psychologique, pelas Editoras L´Harmantan e em 2004 em espanhol com o título Teoría de las emociones:
estudio histórico-psicológico, pela Editora AKAL. (ver bibliografia). Nas notas da edição francesa diz que
Vigotski teria dado vários nomes para esse manuscrito como: Doutrina de Descartes e de Spinoza sobre as
paixões a luz da psiconeurologia contemporânea; Espinoza; Problemas das emoções, Teoria das emoções,
porém trata-se do mesmo texto.
3
William James, psicólogo e Carl Lange, fisiologista dinamarquês.
4
Walter Cannon (1871-1945). Fisiologista norte americano. Especialista nos mecanismos de comportamento
emocional. Construiu o princípio da unidade da regulação humoral nervosa.
5
Alfred Adler (1870-1937). Médico e psicólogo alemão, criador do sistema da psicologia individual. Semelhante
a Freud na interpretação do papel da atração na vida psíquica. O papel central em seu sistema psicológico que
ocupa o problema da compensação, interpretada como um mecanismo universal da atividade psíquica do
homem.
16
sanctoreum” interior da alma humana, são de origem animal, ....(Vigotski, 1990, p.403). A
concepção darwiniana do homem trouxe conseqüências para o estudo das emoções. Uma
conseqüência é a sua forte influencia na chamada escola Inglesa da psicologia da época, tanto
por suas idéias e também pelo poder do pensamento escolástico medieval incorporado junto
as suas idéias. A conseqüência foi que a direção dos estudos apontavam para que as emoções
fossem reprimidas, afinal as paixões terrenas do homem, suas inclinações egoístas, suas
emoções, relacionadas com as preocupações acerca de seu próprio corpo, são, na realidade,
de origem animal (Vigotski, 1990, p.403), e portanto inferiores e deviam ser reprimidas ou ,
se possível, extintas. As emoções, entendidas dessa forma, revelam uma tendência que até
hoje está presente do caráter negativo das emoções, e isso teria uma origem animal, selvagem:
os movimentos expressivos que acompanham nosso temor são considerados, ..., como restos
rudimentares de reações animais na fuga e na defesa, e os movimentos expressivos que
acompanham nossa ira se consideram como reação de ataque dos nossos antecessores
animais. (Vigotski, 1990, p.403).
Dessa concepção Vigotski cita como conseqüência a idéia corrente na época de que
quanto mais o homem evoluísse mais ele se afastaria das emoções, esse “resquício animal”
debilitado. Vigotski critica essa visão, pois assinala que não conseguem dar conta do estudo
das emoções especificamente humanas e tem conseqüências drásticas na educação das
crianças, pois as ações não são direcionadas para entender como as emoções se constróem na
idade infantil, mas como fazer para reprimi-las, sufocá-las, Na verdade, segundo Vigotski,
isso representaria a morte psíquica do indivíduo. (Vigotski, 1990, p.403).
No manuscrito de 1933, faz uma análise (também citado em Vigotski, 1990, p.405)
das dessas construções científicas sobre as emoções dos cientistas William James e Carl
Lange, sendo uma das mais divulgadas e aceitas. Em sua teoria James e Lange propunham
que as mudanças fisiológicas que acompanhavam as emoções (reguladas pelo sistema
nervoso autônomo)- como tremor e suor eram resultados direto da percepção de um
estímulo ameaçador. O “sentimento” da emoção viria em seguida e essas reações
periféricas. (Van der Veer & Valsiner, 1996, p. 378). Nessa perspectiva ficamos tristes
porque choramos, bravos porque atacamos, com medo porque trememos e não choramos,
atacamos ou trememos pelo fato de estarmos tristes, bravos ou com medo, conforme for o
caso. (James apud Van der Veer & Valsiner, 1996, p. 378). A tese fundamental de James era
que as emoções são um reflexo de modificações orgânicas em nossa consciência. (Lane
(1995,p.120). O estudo das emoções somente do ponto de vista biológico trouxe um
problema: não era possível explicar como surgem os sentimentos propriamente humanos.
17
Assim, como comenta Lane (1995,p.119), surge a necessidade de dividir as emoções em
inferiores e superiores, a primeira tinha uma origem orgânica e a segunda uma outra natureza,
essa tarefa foi realizada por James, ao fazer cisão entre os tipos de emoções. As inferiores são
herdadas dos animais, como por exemplo: o terror, a ira, a fúria, mas isso não se aplicava a
outros tipos de emoções como o sentimento religioso, o amor, a sensação estética, que são
chamadas de emoções superiores. (Vigotski, 1990, p.406). Isso foi bem aceito pela sociedade
e pela comunidade científica, afinal não contrapunham a noção de homem presente na época.
Isso revela uma face de James, pois era um pragmático e não se interessava pela natureza dos
fenômenos que estudava e por isso dizia que os interesses práticos de seus estudos para a
sociedade bastava-se o conhecimento que as emoções se dividiam entre superiores e
inferiores. (Vigotski, 1990, p.407).
Vigotski critica essa teoria, pois conduzia a um dualismo, característico da psicologia
intuitiva e descritiva e, mais importante, essas teorias colocaram a pedra para a criação de
toda uma série de teorias metafísicas na doutrina das emoções. Neste sentido, a teoria de
James e Lange representou um passo atrás em comparação com os trabalhos de Darwin e
com a corrente que se desenvolveu imediatamente a partir dela. (Vigotski, 1990, p.407).
Outra crítica que Vigotski faz é que a teoria de Lange não se sustenta em bases empíricas e
também era uma teoria basicamente fisiológica e não considerava o aspecto psicológico das
emoções. E que em grande medida essa teoria era equivalente a teoria aferente (centrípeta) de
Descartes apresentada em As Paixões da Alma, (Van der Veer & Valsiner, 1996, p. 379) pois
davam uma explicação essencialmente determinista e causal das emoções e destacavam a
descrição de processos corporais (Van der Veer & Valsiner, 1996, p. 381). As emoções vistas
dessa forma seriam praticamente imutáveis e em ultima análise, inatas. A falta de uma visão
desenvolvimentista das emoções, e também histórica, nessa teoria pode ser explicada, ao
menos parcialmente, pela base dualista mente (alma) e corpo que está impregnada nessa
teoria, pois nessa concepção não é possível imaginar que emoções “inferiores” (do corpo),
possam se transformar em emoções “superiores” (da alma), pois são de naturezas diferentes.
Da mesma forma ficou difícil explicar uma vida emocional que se conecte com outras
instâncias psicológicas do indivíduo e sua consciência. (Van der Veer & Valsiner, 1996, p.
382).
Vigotski usa os experimentos de Cannon (mesmo não concordando com toda sua
teoria) para demonstrar que as diversidades das expressões corporais dependiam nem tanto da
qualidade das emoções, mas do grau de sua intensidade e manifestação, ou seja, as expressões
corporais iguais poderiam ser originadas por emoções distintas, por exemplo, as emoções tão
18
distintas como fúria, ira, medo, terror tem a mesma expressão corporal. (Vigotski, 1990,
p.409). Mas a principal contribuição de Cannon, segundo Vigotski, foi demonstrar que a vida
emocional não estava nos órgãos periféricos, e sim que o substrato da vida emocional é o
cérebro. Os trabalhos dele pôs fim a doutrina da vida emocional do homem como “um estado
dentro do outro”. (Vigotski, 1990, p.413).
Continuando em sua conferência, Vigotski analisa as contribuições de Freud nesse
campo e o considerou um dos primeiros a investigar esse campo não de forma experimental
mas, clinicamente e se constituiu como sendo a principal das investigações posteriores nesse
campo. Freud estudou a psicopatologia da vida emocional, intervindo e negando que o mais
importante no estudo da emoção são os componentes orgânicos que a acompanham. Freud
demonstrou como são ambivalentes as emoções nas etapas do desenvolvimento do homem,
isto é, as emoções não são imutáveis, elas mudaram no decorrer do desenvolvimento infantil e
tem significados e sentidos diferentes no adulto. Demonstrou que a vida emocional não pode
ser compreendida independentemente das outras esferas do psiquismo. Porém Vigotski critica
a Freud pelos limites de sua teoria afirmando que ele era um naturalista, interpretando a
psique do homem como um processo puramente natural e que enfocava as mudanças
dinâmicas das emoções somente dentro de determinados limites naturalistas. (Vigotski, 1990,
p.414)
Em seguida, Vigotski também analisa as contribuições de Adler. Sua contribuição
básica é propor que as emoções estão relacionadas com a formação do caráter humano, estão
na estrutura de seu caráter e este determina um círculo da vida emocional, que por sua vez,
determinam a expressão dessas emoções. A partir dessa linha de pensamento muda-se a
concepção que as emoções são uma exceção, mas é começada a ser relacionada com os
momentos de formação da personalidade. (Vigotski, 1990, p.414).
Na teoria de Buhler sobre as estágios do prazer, Vigotski assinala sua contribuição no
estudo da psicologia do desenvolvimento infantil. Assinalando como o prazer na idade infantil
muda de lugar no sistemas das demais funções psíquicas, e ao contrário Freud, a não-primazia
do principio do prazer no desenvolvimento infantil. Mas critica que essas conclusões ainda
são um “pálido reflexo” da expressão de toda diversidade possível da vida emocional,
diversidade que constitui o conteúdo real do desenvolvimento da vida emocional da criança.
(Vigotski, 1990 p.417).
Das contribuições de Claparède, Vigotski destaca que conseguiu separar
experimentalmente os conceitos de sentimentos e emoções, sendo processos que se
comunicam constantemente, porém são de essências distintas. Também conseguiu demonstrar
19
como as emoções têm estreito relacionamento com as demais instâncias da vida psíquica.
(Vigotski, 1990, p.419).
Em Lewin, Vigotski destaca como ele demonstrou de forma experimental a complicada
dinâmica das reações emocionais dentro do sistema da outros processos psíquicos. Sua
formulação básica é que as emoções não podem ser vistas como isoladas, independentes da
vida psíquica. (Vigotski, 1990, p.420). Esse é um ponto central na teoria dos sentimentos de
Agnes Heller: a unidade pensamento e sentimento. Na sua obra também pretende demonstrar
que o campo de ação permitido pela nossa sociedade, e o pensamento por ele gerado, produz e
fixam sentimentos individualistas que reproduzem alienação dos próprios sentimentos.
(Heller, 1985, p.13).
Concluindo essa conferência, Vigotski aponta para as duas principais correntes que
analisou, de um lado as investigações anatômicas e fisiológicas e do outro as investigações
psicológicas, e como essas correntes se encontram nos estudos de psicopatologia, fazendo
uma breve análise dos afetos nos autistas. (Vigotski, 1990, p.421).
1.3 - Sobre o Processo Grupal
Também é importante falarmos um pouco sobre nossa concepção de grupo, visto que
nossa pesquisa se estende a um grupo de pessoas participantes de uma ONG, por isso é
entendermos como esse grupo se constrói e se desenvolve. Para tal, nos referenciamos em
autores que fazem uma leitura dialética dos grupos e a uma posição materialista histórica em
sua compreensão.
O grupo usualmente é entendido como um conjunto de pessoas que interagem entre si
e compartilha normas e objetivos em comum (Martins, 2003, p. 202), visão tradicionalmente
ligada à teoria de K. Lewin (Lane, 1984, p. 78). Porém deve-se atentar que na vida cotidiana
estão presentes diversas formas de interações e relacionamentos entre as pessoas que se
chama de grupos, usa-se esse mesmo termo para a família, amigos, a igreja e tantos outros,
porém adverte Martin-Baró (1983, p. 190) que o uso do termo “grupo” indiscriminadamente
para realidades tão distintas serve de filtro ideológico pois assimila de forma unilateral e
distorcida a diversidade da natureza e sentido dos diversos grupos que existem em cada
circunstância histórica e que tem um significado social real. Por isso, tanto Lane (1984, p.84)
20
quanto Martin-Baró (1983, p.205) falam em processo grupal, em lugar do termo “grupo”, com
isso querem recuperar o caráter histórico e dialético dos grupos em sua análise.
Para Matin-Baró (1983, p. 205-206), uma teoria psicossocial sobre os grupos humanos
(processo grupal) que seja mais adequada deve seguir três condições:
a) Deve dar conta da realidade social do grupo enquanto tal, como realidade
não redutível às características pessoais dos seus dos indivíduos que
constituem o grupo (...), no entanto, deve integrar os aspectos pessoais,
isto é, as particularidades próprias de seus membros. Só assim grupo
aparecerá em seu caráter dialético, como lugar privilegiado, onde o
pessoal conflui com o social e o social se individualiza.
b) Deve ser suficientemente compreensivo para incluir tanto os grupos
pequenos quanto o grupo grande (...).
c) Deve incluir como um de seus aspectos básicos o caráter histórico dos
grupos humanos. Isso exige remeter cada grupo a sua circunstância
concreta e ao processo social que o configurou, sem assumir, portanto que
os grupos formalmente semelhantes tenham o mesmo sentido ou
constituam uma realidade idêntica nem descartar que grupos diferentes
podem representar fenômenos equivalentes em contextos e situações
históricas distintas.
6
A compreensão materialista dialética da relação indivíduo-grupo também é assinalada
por Lane como uma forma de superação da dicotomia teórica que persiste entre o pessoal e
social, o particular e o universal:
Dessa forma, a análise do processo grupal nos permite captar o dialético
indivíduo-grupo, onde a dupla negação caracteriza a superação existente e
quando o indivíduo e grupo se tornam agentes da história socia l, membros
indissociáveis da totalidade histórica que os produziu e a qual eles
transformam por suas atividades indissociáveis. (Lane, 1984c, p. 17)
Lane (1984b, p. 84-87) também aponta outras características como fundamentais para
a análise dos processos grupais sob a perspectiva do materialismo dialético. A primeira
suposição é que devemos entender o homem como estamos lidando como um homem
alienado, ou seja, suas representações e sua consciência de si e do outro são sempre, ao menos
num primeiro momento, fundamentalmente desencontradas das determinações concretas que
a produziram. Ele sempre possui dois tipos de vivência: a subjetiva e a objetiva. A primeira é
marcada pela ideologia, onde cada um se representa como um indivíduo livre, capaz de se
auto determinar, “consciente” de sua própria ação e representação, mediado pelas emoções,
que mesmo imerso na cotidianidade, reproduz a ideologia do sistema capitalista, na relação
6
Tradução do autor da edição em espanhol.
21
dominador e dominado, o individualismo. Por outro lado, também possui uma vivência
objetiva, onde as ações e interações estão sempre sujeitadas aos papéis sociais que executa no
cotidiano, restringindo essas interações ao nível do permitido e do desejado para a
manutenção do status quo. Na análise dos grupos devemos considerar essas duas vivências e
as contradições que se expressam nas ações, pensamentos e sentimentos dos indivíduos
gerados por esse contraste. Em segundo lugar, devemos considerar que todo grupo existe
dentro de uma instituição, seja a família, universidade, ONG e o Estado. Isso tem implicações
importantes em sua análise, pois toda instituição tem regras, interesses de pessoas e grupos
distintos (sejam explícitos ou não), determinantes históricos, sociais e políticos. O grupo é
mediador da ideologia dominante na sociedade, pois ele solidifica e é portador dos
determinismos das macroestruturas sociais (Martin-baró, 1983, p. 224). Na compreensão do
processo grupal devemos entender como foi a formação desse grupo, seus determinantes
individuais e coletivos (interesses, condições iniciais, envolvidos, etc) e sua relação com as
instituições qual pertence. Entender o processo histórico
7
desse grupo e situá-lo no tempo e
espaço. Em terceiro lugar, a história de vida de cada membro do grupo é de fundamental
importância no desenrolar do processo grupal, pois ela se faz presente na forma que cada
pessoa participa seja na forma que age, que se posiciona, que se coloca, que se aliena, que se
perde e que se encontra ao longo do processo. Lane (1984b, p. 85). Lane foi cada vez mais
no decorrer das últimas décadas vendo a importância do estudo das emoções nos grupos,
entendendo as emoções como medição importante na constituição dos sujeitos e na ação
coletiva. Assim, no processo grupal deve-se considerar, como citado acima, os dois níveis de
análise: a vivência subjetiva e as determinações concretas do processo, pois o grupo é a
interação de intersubjetividades. Esses dois níveis se co-determinam, mas é no segundo que a
dialética pode se desenvolver, através de como são desempenhados os papéis. Compreender
as vivências subjetivas e as representações ideológicas do grupo é importante, pois elas
refletem o grau de com que se mascara as determinações concretas ou que se deixam emergir
como consciência prática.
Segundo Martin-Baró (1983, p.206) um grupo poderia ser definido como estrutura de
vínculos e relações entre pessoas que canaliza em cada circunstância suas necessidades
individuais e ou os interesses coletivos. Isso significa que um grupo é antes de qualquer coisa
uma estrutura social, uma realidade total e não pode ser reduzida a soma dos indivíduos, pois
estão sujeitos a ideologia e a representação como instituição na sociedade, por exemplo, uma
7
Também citado anteriormente por Marin-Baró (1983, p. 205-20).
22
família é mais que pais e filhos, onde estão presentes as relações que são influenciadas pela
forma de constituição familiar dominante, enquanto representação social, e isso determina em
algum nível as relações e vínculos entre si. Os grupos também “canalizam” de alguma forma
as necessidades pessoais e os interesses coletivos, que podem se coerentes entre si ou não. As
necessidades coletivas podem ser tanto do grupo imediato, quanto representarem as demandas
mais amplas de uma sociedade, de forma estrutural. Os grupos são formados e sobrevivem
somente quando respondem, de alguma forma, as exigências, sejam explícitas ou não, de um
determinado ordenamento social concreto.
Para Martin-Baró (1983, p.194) existem seis critérios que definem um grupo:
primeiro, as pessoas devem-se perceber como membros, e ter consciência dos vínculos que os
unem, somente quando se percebem relacionados com os outros é que podem atuar em função
dessa relação e assim possuir uma realidade psicossocial. Segundo, uma pessoa somente se
agrega a um grupo na medida em que esse grupo satisfaz, de alguma forma, as necessidades e
motivações dessa pessoa. Quando isso não acontece, o grupo tende a se desfazer ou a pessoa a
abandona-o. Terceiro, as pessoas formam grupos porque querem satisfazer objetivos comuns,
mesmo com motivações distintas. Quarto, a unidade de um grupo esta no funcionamento do
grupo como tal, na sua organização funcional, ou seja, nos papéis assumidos, que se definem
mutuamente, nas normas e valores compartilhados. Quinto, um grupo existe na medida em
que as pessoas necessitam de alguma forma do outro para atingir seus objetivos, ou seja,
quando há a necessidade de interdependência. Sexto, um grupo existe na medida em que há
interação entre seus membros, a ação de um influencia as ações dos demais.
Em conseqüência dessas características, Martin-Baró (1983, p.208) define como
parâmetros válidos para se analisar um grupo são: (1) a identidade do grupo, isto é, a
definição do que o caracteriza como tal frente a outros grupos; (2) o poder de que dispõe o
grupo em sua relação com os demais grupos mais a significação social do que produz essa
atividade grupal.
A identidade grupal não significa que todos os membros tenham as mesmas
características, mas requer que exista uma totalidade, uma unidade de conjunto que essa
totalidade permita diferenciar o grupo de outros grupos. Existem três aspectos que formam a
identidade de um grupo: (1) sua formalização organizativa; (2) suas relações com os outros
grupos e (3) a consciência de seus membros. (Martin-Baró, 1983, p.208).
A formalização organizativa ser refere aos dois aspectos: todo grupo tem alguma
forma de organização e as pessoas ficam sujeitas a suas normas caso participem destes. Essas
normas podem ser formais ou informais, rígidas ou flexíveis, estáveis ou passageiras, mas
23
sempre existem critérios para se participar de um grupo. Em um grupo há uma definição de
suas partes, isto é, uma regulamentação das relações entre os membros do grupo através da
distribuição de tarefas, cargos formais ou não (são os papéis atribuídos pelo grupo) e
atribuições de responsabilidades e ações. No interior de um grupo, a divisão de papéis e a
estratificação não é resultado somente de uma dinâmica autônoma, de forças que emergem
originalmente através da interação de seus membros, mas o grupo é um lugar social onde se
atualiza e se solidificam as forças existentes em uma sociedade através dos papéis
desempenhados, pois estes são os determinantes básicos tanto da estratificação social quanto
da identidade do próprio indivíduo. Esses papéis representam o tipo de comportamento ou
atuação que os outros esperam de um indivíduo em uma determinada posição social. (Martin-
Baró, 1983, p.210). Existe uma forte pressão por parte de grupos ou pessoas, para que as
pessoas se submetam ao que os demais esperam delas em cada circunstância significativa da
vida social, essa pressão vem de quem mais se beneficiam de uma determinada ordem social e
o indivíduo experimenta de uma forma, mais ou menos clara, essa expectativa (Martin-Baró,
1983, p.321), pois esses mesmos papéis sociais existem no nível das vivências subjetivas,
enquanto representação ideológica. (Lane, 1984b, p. 85). Esses papéis sociais desempenhados
pelo indivíduo nas suas relações representam à interação efetiva no nível das determinações
concretas onde reproduzem a estrutura relacional característica do sistema (relação
dominador-dominado) (Lane, 1984b, p. 85), e com freqüência servem de veículo de opressão
(Martin-Baró, 1983, p.322). Eles são gerados socialmente, em geral como estereótipo,
subjetivamente representados como representações sociais, tornando as expectativas sociais
mais simplista e rígida. Esse papel encerra contradições, que em geral, se tornam presentes no
plano do discurso formal ou de valores “oficiais”, no que esse discurso esconde, no que esses
valores negam. Porém as pessoas podem não assumir esses papéis passivamente, pois frente
ao papel exigido, o indivíduo responde com seu comportamento concreto, com sua particular
execução da atividade requerida, portanto, o indivíduo assume sua personagem dentro do
papel, que é a sua forma própria de representar o papel.
Muitos fatores interferem no desempenho desse papel no grupo, como: as condições
externas e as possibilidades concretas de exercer esse papel, ou seja, a disponibilidade de
recursos e a necessidade de adequação as circunstâncias. As condições do próprio indivíduo,
como suas habilidades, afetividade, valores e conhecimentos. A compreensão que a pessoa
tem do papel exigido, sua percepção do que é exigido e a representação social desse papel. 4)
o conflito entre as exigências de um determinado papel e as demandas de outros papéis
também assumidos pelo indivíduo. A contrariedade das exigências que ao indivíduo em uma
24
determinada posição se exige, onde são exigidas posições contrárias por pessoas ou grupos
diferentes. O marco de referência em que se realiza o papel, a quem as pessoas se comparam
ao assumir o papel. Ao assumir um papel as pessoas podem assumir uma série de referências,
sociais e pessoais, no que permite a pessoa interpretar o papel seja na demanda normativa
explícita ou, com freqüência, implícita. Porém devemos compreender que não é o marco de
referência das pessoas que as levam a realizar de uma ou outra maneira o papel mas é a
execução dos papéis que as levam a mudar seu marco de referência, pois a realidade antecede
a consciência e a ação, e por isso, a execução dos papéis é que levam aos valores e referências
que lhe dão sentido, como o exemplo já citado, onde o trabalhador assume um cargo de chefia
e com isso mudará suas referências para desempenhar esse papel. (Martin-Baró, 1983, p.324).
Quando os membros de um grupo se diferenciam conforme alguma característica de status
externa, essa diferença de status determina a hierarquia de poder e prestígio no interior do
grupo, tanto se essa característica se relaciona com a atividade do grupo ou não. Porém o
grupo pode gerar forças novas, mas devemos sempre considerar que são interdependentes da
realidade macrossocial. (Martin-Baró, 1983, p.277). Em todos esses processos, as emoções
têm um papel fundamental na constituição desse papel no grupo.
Os grupos também mantêm relações com outros grupos e isso contribui para definir
sua identidade enquanto tal e posteriormente a mantê-la. Nessas relações se estabelecem
vínculos que podem ser negativos ou positivos, colaborativos ou competitivos, formais ou
informais, de dominação ou resistência. Portanto, o grupo surge na dialética intergrupal que se
produz historicamente em uma sociedade. Também devemos considerar que, em última
instância, o aspecto que mais define um grupo, frente aos outros, provem de sua conexão,
explícita ou não, com as exigências, necessidades e interesses de uma classe social, pois o
grupo tem uma função de ser, entre outras coisas, o intermediário ideológico de uma
sociedade. O essencial dessa relação não se estriba tanto na formalidade dos intercâmbios
(quem se relaciona com quem, quando e como), senão em seu sentido sócio-histórico, isto é, o
que significa socialmente essa relação e que conseqüências produzem tanto para sociedade
como para as próprias pessoas envolvidas nessas relações. Ao cumprir sua função social, o
grupo produz efeitos diferentes para as classes que compõem a sociedade, mas também
efeitos diferentes para os diversos membros do grupo. (Martin-Baró, 1983, p.212, 312).
Outro fator que define a identidade grupal é a consciência que os indivíduos têm de
pertencer ao grupo. O que envolve também o sentimento de pertencer a esse grupo. É
diferente pertencer a um grupo e ter a consciência ou o sentimento de pertencer a esse grupo.
A primeira trata-se de um fato concreto, objetivo, a segunda de um saber subjetivo, com laços
25
emocionais. A consciência de pertencer a um grupo pode ser verificada quando o indivíduo
toma esse grupo como uma referência importante na constituição de sua própria identidade ou
tem um papel importante em sua vida. Esse envolvimento pode ser intenso ou crucial ou
também pode ser muito superficial ou circunstancial. Essa referência pode se dar de formas
diferentes para o indivíduo: primeiro, o indivíduo pode usar o grupo de forma instrumental,
para adquirir uma referência que seja socialmente interessante ou vantajoso para ele. Por
exemplo, participar de um clube; a segunda forma é quando o indivíduo recebe, direto ou
indiretamente, orientações, valores e normas do grupo, mediante as quais vai regular seu
comportamento, seja no interior do grupo, sejam naqueles aspectos que o grupo interfere e
mesmo em toda sua vida social. Um exemplo disso são as instituições religiosas. E terceiro, o
indivíduo se reconhece como parte de um grupo que o determina e o condiciona, aceitando ou
não. Por exemplo, os descendentes nipônicos no Brasil, estão sujeitos a serem influenciados,
gostem ou não. O indivíduo também pode ter conhecimento da identidade do grupo do qual se
sente parte, podendo utilizar essa identidade em seu benefício próprio e mesmo assim manter
uma distância subjetiva ou objetiva desse grupo. Da mesma forma, uma pessoa que se sente
pertencente a um grupo, sendo que a identidade grupal é determinante de sua própria
identidade, e desejar afastar-se e mesmo não mais fazer parte deste grupo, se emprenhará em
formar uma identidade que o distancie desse grupo. Por exemplo, uma pessoa homossexual
que deseje não ser identificada como tal, se empenhará em afastar seu comportamento do
estereotipo social do homossexual. Outro aspecto é que as pessoas fazem parte de diversos
grupos simultaneamente, podendo gerar sobreposição de papéis, ou seja, quando ela participa
de um grupo onde as normas que regulam um papel exigem um comportamento contrário, ao
menos parcialmente, ao que exigem as normas próprias de outro papel em outro grupo, por
exemplo, um funcionário de uma empresa que é promovido a supervisor de pessoal, agora
entra em um novo grupo, os dirigentes da empresa, mas ainda é um funcionário. Sua
identidade vai depender de como assume os dois papéis, sendo que as emoções, seu
envolvimento afetivo e sua consciência de classe quanto as suas expectativas sobre a nova
função influenciarão nesse desempenho. (Martin-Baró, 1983, p.214). Os grupos possuem o
que Martin-Baró (1983, p.220) chamou de “imbricação mútua”, ou seja, os grupos se
sobrepõem, em cada situação, e se entrelaçam, direta ou indiretamente, através de seus
membros, formando uma rede. Isso gera identidades grupais parcialmente comuns com
fronteiras difusas, com poderes compartilhados por vários grupos e ações que podem
repercutir em diversos grupos, mesmo que eles não tenham participado diretamente dessas
atividades.
26
A referência grupal terá para as pessoas um caráter normativo ou instrumental,
positivo ou negativo, da qual seus membros desejariam libertar-se ou não, na medida da sua
identificação como o grupo, isto é, da sua aceitação do grupo e o quanto assumirem os
objetivos grupais como algo de si mesmas. A identidade grupal tem duas faces: uma face fora
em uma face de dentro, ou seja, a face de fora é dada pela relação do grupo com outros grupos
e pessoas, numa relação de espelho, isto é, frente aos que os outros grupos lhe dão, lhe
exigem, lhe atribuem e esperam dele, enquanto a face de dentro é definida pela consciência
que os membros tem do próprio grupo e do que o grupo representa para elas. As duas faces se
co-relacionam e determinam a base concreta que define tanto a identidade grupal (assumida
pelo grupo) e a identidade concedida (a identidade outorgada e permitida que é dada pelo
outros grupos). (Martin-Baró, 1983, p.215).
Segundo Martin-Baró (1983, p.215), o poder não é um objeto, que possa ser
quantificado, também não é abstrato, ele emerge nas relações sociais concretas, por causa das
diferenças de recursos que dispõe os indivíduos, grupos ou populações inteiras. Então,
devemos analisar o poder grupal através das diferenças de recursos que cada grupo dispõe na
sua relação com os demais grupos. Assim um grupo será mais poderoso na medida em que
dispor e aplicar os recursos disponíveis, considerando sua diversidade e importância, em suas
relações com os outros grupos, para alcançar seus objetivos e ou impor sua vontade. O grupo
ganhará mais poder na sua relação com os demais grupos à medida que conseguir dar reposta
a uma demanda social, seja ela material ou simbólica, objetiva ou subjetivamente importante.
O grau de autonomia ou de dependência de um grupo dependerá dos recursos que dispõe para
ganhar poder na vida social. O surgimento de um grupo depende das condições concretas e da
consciência e sua sobrevivência depende do poder que obtém. Por isso, o grupo tende a gerar
mecanismos para manter a demanda de seus produtos ou serviços, ou tendem a buscar
estender sei poder a outros campos, adquirindo recursos distintos aos requeridos para
satisfazer inicialmente a necessidade que lhe deu origem. Esse poder deve estar disperso na
estrutura organizativa para que seja possível a satisfação sistemática de seus interesses através
de uma ação eficaz no interior da sociedade.
A maneira que um grupo toma decisões demonstra como se dão as relações de poder
no seu interior. Existem três questões que devemos analisar sobre esse processo, primeiro:
Quem decide? Essa questão revela como o poder é distribuído no interior de um grupo, se a
decisão é tomada por uma única pessoa, um líder, que é uma forma de dominação, ou se o
grupo toma essa decisão coletivamente. A segunda questão é: Como se toma a decisão? Ela
revela como se chega a um a decisão e revela os mecanismos de poder na estrutura e vida do
27
grupo, também relativos a participação das pessoas no funcionamento grupal e a consciência,
pessoal e grupal, sobre a identidade e fins do grupo. E por último: Quais são as conseqüências
da decisão grupal. Por que decide? A quem beneficia? A quem prejudica? Essas questões
mostram os interesses sociais e revela o caráter ideológico das opções grupais. (Martin-Baró,
1983, p.278). As questões emocionais no processo decisório do grupo são fundamentais
nesse processo.
Outro aspecto que define a identidade de um grupo é o que ele produz, ou seja, sua
tarefa específica, seu produto, é tudo que o grupo consegue produzir coletivamente, seja
material ou simbólico. A existência e a sobrevivência de um grupo dependerá da capacidade
coletiva de realizar ações significativas em uma determinada circunstância e situação
histórica, pois ele cumpre uma função, isto é, o grupo satisfaz, de alguma forma, uma
necessidade ou responde a uma exigência da sociedade estabelecida. A identidade de um
grupo não lhe vem formalmente do objeto de sua tarefa (por exemplo na educação ou saúde),
mas da maneira específica que o grupo aborda o objeto. A atividade grupal tem uma dupla
função: uma frente à sociedade e aos demais grupos e outra frente aos membros do próprio
grupo. Na primeira, um grupo deve ser capaz de realizar algo significativo na vida social,
deve demonstrar capacidade de realizar os interesses coletivos que representa, para a
afirmação de sua identidade grupal. Internamente a ação é importante para obter a realização
dos objetivos que correspondem às aspirações individuais e coletivas de seus membros, assim
fazendo com que os membros sintam importância em participar desse grupo. Na medida em
que o trabalho realizado pelo grupo constitui uma porta de entrada para as necessidades
traçadas pela sociedade, a atividade do grupo tem um impacto objetivo sobre a realidade
social e este impacto (positivo ou negativo, maior ou menor) acarretará uma retroalimentação
segundo a satisfação ou insatisfação da população ou setores demandantes dessa necessidade
e essa retro-alimentação tenderão a confirmar a expectativa dos papéis no grupo, inclusive do
estereótipo, e em conseqüência o encargo social do grupo. (Martin-Baró, 1983, p.331).
Sartre (Reboredo, 1995) fazendo uma análise dos moradores de Paris na época da
Revolução Francesa, e como um teórico existencialista, procurou resgatar o indivíduo e sua
subjetividade na teoria marxista. Propôs o estudo de grupos com a idéia de projeto permitindo
assim materializar o lugar do indivíduo no processo grupal. A noção de indivíduo como
projeto significa que ele nunca estará acabado, concluído. Ele nasce com potencialidades para
se afirmar na condição humana e a busca através de um processo humanizador para sair cada
vez mais da condição de não humano para humano, apesar de não existirem pessoas que
28
estejam inteiramente nesses pólos. O indivíduo nunca chegará à condição de humano
integralmente pois existem valores que foram internalizados pelo sujeito que vão contra esse
projeto de humanização e nenhuma pessoa é não humano totalmente porque sempre existem
traços de humanização , portanto o homem é um ser em movimento constante. Estudando a
relação indivíduo e grupo é possível analisar esse movimento de construção do sujeito dentro
do processo grupal. O indivíduo é visto como: Projeto, Método, Práxis e Mediação. O
Processo de constituição dos sujeitos está ligado ao contexto histórico, social, econômico e as
condições materiais como determinantes de sua subjetividade, assim relacionados a uma
temporalidade histórica. O movimento grupal evolui a partir das transformações nos
relacionamentos interpessoais, e requerem que os indivíduos avancem a consciência de si e do
social. O movimento de consciência relaciona-se com a qualidade das relações sociais
vivenciadas no movimento de constituição do indivíduo. O grupo é uma totalização em
processo. Há momentos no grupo que se inter-relacionam e o levam da condição de não
grupo para a condição de grupo. Para Sartre (Reboredo, 1995, 38), o processo de constituição
de um grupo passa por seis estágios ou momentos: Serialidade (Agrupamento), Fusão da
Serialidade, Juramento, Organização, Fraternidade-Terror, Institucionalização. E cada
momento condiciona o seguinte. Assim se uma pessoa toma consciência de sua alienação e do
seu isolamento cria o germe para Fusão, elevando-se a Fusão, condiciona o aparecimento do
Juramento, com este a Organização, evoluindo assim para a Fraternidade-terror e criando
as condições para o momento de Institucionalização. A passagem de um momento para outro
não é regida por uma lei imutável, mas se constitui em um processo. Cada momento possui
uma implicação significativa que levará ao outro, numa relação dialética de significados. Em
cada momento, parte-se de um sistema de significações criadas, que vão sendo assumidas no
momento seguinte.
Reboredo (1995) também diz ser necessário para analisar o processo grupal que
devemos considerar que os grupos possuem três dimensões: 1) Dimensão Operativa: está
relacionado as produções materiais do grupo e sua organização para consegui-las, como por
exemplo: organização para o trabalho, sua qualidade, estatutos e normas, comunicação, etc. 2)
Dimensão Valorativa: são os valores e crenças individuais e culturais/sociais presentes na
ação das pessoas, relacionado ao significado social da ação. 3) Dimensão Afetiva: trata-se de
como as pessoas sentem e percebem a ação individual e coletiva. Relacionado ao sentido
individual.
29
No primeiro momento, a Serialidade, ainda não existe um grupo, mas um
agrupamento de pessoas. A Serialidade consiste em relações entre indivíduos que compõem
uma série, nela os indivíduos realiza no cotidiano a relação de solidão, reciprocidade e
unificação de exteriores. Nesse momento há ausência de objetivos comuns, os indivíduos não
estão preocupados com os outros, seus projetos são individualistas. O que os congrega são
motivos circunstanciais e nem sempre estão claros para todos. Os indivíduos são
indiferenciados e há uma visão massificada das pessoas e por isso, tem-se a noção que todos
são substituíveis. Há muita competição interna no grupo e o outro é visto como uma ameaça.
Nesse momento o outro assume a condição de “coisa”. Os sentimentos e sensações mais
presentes são: o sentimento de solidão e desconfiança. Porém, nesse momento ocorre uma
implicação significativa que pode gerar um avanço para o grupo, nesse momento percebe-se
um início da percepção das necessidades pessoais, há conflito entre os interesses pessoais e a
sobrevivência do indivíduo e do grupo. (Reboredo, 1995, 39).
A Fusão da Serialidade constitui o primeiro momento após a superação da
Serialidade, nele se supera a inércia que condiciona o afastamento e a solidão dos indivíduos.
Nesse momento o grupo tem consciência da tarefa comum e cada um depende do outro. O
grupo tem certa estabilidade nos papéis como nos temas. Há um início da percepção que
existem objetivos e necessidades comuns a todos, começam a surgir os primeiro indícios de
organização. As decisões começam a ser analisadas e discutidas no coletivo. Ocorrem práticas
reflexivas para a manutenção do grupo e a relação de seus membros se constitui em uma
comunidade que atua sobre si mesma. Surge o sentimento que é necessário haver uma relação
de interdependência entre os membros do grupo. Porém para a consolidação desse momento é
necessário um espaço em um campo espacial próprio unificado pelos participantes. Também é
necessária certa tensão gerada pelas necessidades, mas não basta a necessidades é necessário
que no cenário tenha alguém que condicione o seu aparecimento e alguém que a faça aparecer
como uma ameaça, dando lhe um significado humano a necessidade. (Reboredo, 1995, 41).
No momento do Juramento, as pessoas vivem mais intensamente, que na Fusão, a
condição de pertinência ao grupo. É o momento da reciprocidade mediada, que não pode ser
confundida com contrato, mas como uma maneira de evitar a dispersão. Há vários momentos
de conflitos internos e há o estabelecimento, pelo grupo, de instrumentos reguladores de ações
individuais e coletivas para evitar a dispersão do grupo, reduzindo a liberdade individual e
priorizando o interesse coletivo. Existe o estabelecimento de um acordo, mesmo que não
nomeado, para não dispersão do grupo. Há uma grande mudança nas relações interpessoais e
30
principalmente em seus aspectos afetivos. Do ponto de vista afetivo, o medo de dispersão
torna-se mais forte e aparece o sentimento de “todos somos irmãos”. Estabelecimento de
estatuto como regulador das ações que se sobrepõe a qualquer medida baseada no poder
jurídico. (Reboredo, 1995, 43).
No momento anterior, O Juramento, busca-se uma totalização que gera as condições
para o momento seguinte: A Organização. Há uma reorganização interna nesse momento. O
grupo prioriza a questão do poder, tomando consciência de sua unidade prática, com a
perspectiva do objetivo conscientemente perseguido, por isso há uma redefinição do poder no
grupo. Organização do grupo torna-se mais eficaz e estabelecem meios para lidar com as
condições objetivas. A divisão de papéis e a definição de tarefas específicas são baseadas na
qualificação pessoal. Há o sentido de liberdade como prática coletiva e aumenta o sentimento
de pertença ao grupo, e como conseqüência há maior segurança e o clima torna-se mais leve.
Porém, a necessidade da divisão das tarefas e o enfrentamento do poder criam uma situação
de perigo para a soberania de todos. (Reboredo, 1995, 44).
O momento de Fraternidade-Terror começa a esboçar-se quando grupo entra na fase
de Organização, mas seu germe está no Juramento, onde o temor pela dispersão é constante.
Nesse momento há ações mais duras para controlar as possibilidades de fuga, desvio e não
participação. Há o estabelecimento de um estatuto comum de forma declarada. Aumenta o
sentido de ameaça do grupo e as pessoas tem ações individualistas. Predomina o terror da
dispersão do grupo e volta para a Serialidade. Os sentimentos de desconfiança aumentam.
Nesse momento dá início a uma cristalização dos papéis no grupo. (Reboredo, 1995, 45).
A Institucionalização significa a separação dos membros do grupo. A diversidade de
tarefas impõe a cisão e a especialização dos indivíduos, possibilitando a formação de
subgrupos e aumentando as possibilidades de dispersão. Há uma perda da mobilidade grupal,
um aumento do autoritarismo e a cristalização das relações, que leva a cristalização de papéis
e a ameaça da burocratização do grupo. É a morte do grupo. Há o sentido de perda da
liberdade. E aumenta o sentimento de ameaça, pois há o perigo da volta a Serialidade e a
alienação. A Institucionalização é uma necessidade para o grupo possa reorientar sua práxis,
mesmo criando o contraponto da estratificação. (Reboredo, 1995, 46).
1.4 - Afetividade e Consciência no Processo Grupal.
31
A relação entre o movimento de consciência do sujeito e as emoções já foi assinalada
em outras pesquisas como citado por Lane (1995 p. 56). Em uma delas (Sawaia, 1987), estuda
como o movimento de consciência de algumas mulheres faveladas parecia ser impulsionado
por emoções que levavam a reflexão e a ação. As emoções possuem uma natureza social e um
caráter comunicativo, ou seja, elas constituem uma linguagem, cujas mensagens podem tanto
desencadear o desenvolvimento da consciência, como fragmentá-la. (Lane, 1995, p. 57).
Os termos emoções, sentimentos e afetividade têm significados diferentes. Emoções
são reações, sensações corporais e psicológicas, perceptíveis pelo indivíduo, elas tem um
caráter comunicativo, empírico e geralmente ocupam uma posição de “figura” (pensando na
relação figura-fundo da Gestalt), já os sentimentos são mais duradouros ,que ora ocupariam a
posição de “figura”, ora de “fundo”. Um exemplo: A tristeza enquanto emoção eu constato
pela expressão facial, pelas lágrimas. A tristeza como sentimento, ela se oculta no “fundo”,
enquanto a pessoa desempenha suas atividades cotidianas e é levada a se preocupar com
outros detalhes der sua vida. Porém se alguém lhe perguntar “Como vai você?” ou “Como
você está?” certamente a tristeza se tornará “figura” e ela me responderá “Triste”. Lane
(1995, p. 98).
A Afetividade forma em conjunto com a Consciência, a Atividade e a Identidade, as
categorias fundamentais do psiquismo, que estão em mútua interdependência, imbricadas uma
pelas outra e mediadas pelo pensamento, emoções e linguagem.
Vigotski aponta que o intelecto e o afeto são indissociáveis. Ao fazer uma análise
sobre as doutrinas das emoções de sua época, conforme dito anteriormente, colocou o
problema da emoção dentro do marco do conhecimento da “nova” psicologia (Lane &
Camargo, 1995, p.122). Sua abordagem representa um rompimento com a epistemologia
vigente na época. Ele utilizou o materialismo histórico e a dialética para compreender as
emoções e sua relação com as demais funções psicológicas. Portanto, a emoção no trabalho
de Vigotski, como os outros aspectos da vida psíquica, deve ser compreendida a partir dos
pressupostos metodológicos formulados por ele (Lane & Camargo, 1995, p.123).
Ao estudar as emoções ele rebela-se contra a epistemologia da causalidade mecanicista
e do dualismo intelecto/emoção, mente/corpo e subjetividade/objetividade, buscando-se um
estudo histórico desse fenômeno. Criticando a visão racionalista presente na psicologia. Ele
coloca a problemática das emoções como um tema central para o estudo do psiquismo, não de
forma isolado ao intelecto, mas em conjunto com as demais funções psíquicas, entendendo
suas conexões dialéticas e não por suas qualidades intrínsecas. (Sawaia,2000a). Assim para o
32
entendimento das emoções para Vigotski devemos fazer relação com as outras instâncias do
psiquismo: a consciência, o pensamento e a linguagem.
No texto “El problema e Método de Investigação” de 1934, ele afirma que a primeira
questão que levanta quando se fala da relação entre pensamento e linguagem é a conexão
entre intelecto e afeto. E que o estudo desta relação não é novidade em Psicologia, sempre foi
seu objeto de estudo, mas pela lógica causal mecanicista, alvo de sua crítica ferrenha.
(Sawaia, 2000). Para ele o fracasso da explicação mecanicista causal implica a
impossibilidade lógica de uma explicação causal para os processos psicológicos como tal
(Van der Veer & Valsiner, 1996, p. 384), por isso propõe uma nova visão sobre as emoções,
elas devem ser entendidas não como mais um conceito e de forma isolada mas como um
processo, que envolve todas as outras funções psicológicas.
...é necessário analisar as relações entre o intelecto e o afeto que formam o
ponto central de todo problema que nos interessa não como uma coisa, mas
como um processo”. (Vigotski, 1990, p.227)
Portanto, Vigotski não fazia a cisão entre o intelecto e o afeto, pois todo pensamento
tem uma base afetivo-volitiva. As emoções e os sentimentos possuem duas características
fundamentais para Vigotski: possuem um caráter social e outro histórico. Sua visão histórica
nos diz que o sentimento se altera nos meios ideológicos e psicológicos, apesar de que se
apoiar num certo radical biológico, em virtude do qual surge essa emoção, e que as emoções
complexas (sentimentos) aparecem historicamente e são a combinação de relações que
surgem em conseqüência da vida histórica, combinação que se dá no transcurso do processo
evolutivo das emoções. (Vigotski, 1996 p.127) E ainda, essas emoções se conectam as outras
funções psicológicas superiores, como a consciência e a personalidade. No processo do
desenvolvimento ontogenético, as emoções humanas entram em conexão com as normas
gerais relativas tanto a auto-consciência e da personalidade como à consciência da
realidade. Meu desprezo por outra pessoa entra em conexão com a valorização desta pessoa,
com a compreensão dela. Nesta complicada síntese é onde transcorre nossa vida. O
desenvolvimento histórico dos afetos ou das emoções consiste fundamentalmente em que se
alteram as conexões iniciais em que se produziram e surgem uma nova ordem e novas
conexões.(Vigotski, 1996 p.128)
É necessário além de entender os sentimentos como histórico, devemos compreendê-
los como mediadores sociais em conjunto com a linguagem e os signos. Admitir que o
pensamento depende do afeto é fazer pouca coisa, é preciso ir mais além, passar do estudo
33
metafísico ao estudo histórico dos fenômenos: é necessário examinar as relações entre o
intelecto e o afeto, e destes com os signos sociais, evitando reducionismos e dualismos.
(Sawaia,2000 apud Vigotski, 1977,p.343).
Para Heller (1985) sentir significa estar implicado em algo. Esse algo pode ser outro
ser humano, um conceito, ou mesmo, um processo, um problema, uma situação, outro
sentimento, mesmo que esse “algo” não seja determinado concretamente. Essa implicação
pode ser positiva ou negativa, ativa ou reativa, direta ou indireta. A implicação não é um
fenômeno concomitante, ela simplesmente não só acompanha o pensamento, a ação, reação,
etc, mas a própria implicação é o fator construtivo inerente dessa ação, pensamento, reação.
Teoricamente o limite inferior de implicação seria zero, ou seja, como na expressão “estar
indiferente a uma situação”, mas isso é absurdo, pois a implicação zero significaria ausência
de emoções, o que é impossível. A implicação zero existe como uma tendência e o que existe
é uma implicação mínima, no caso, por exemplo, nas atividades repetitivas, como trocar de
roupa, dirigir, etc. Já o limite superior de implicação é determinado pelo organismo e pelas
circunstâncias sociais. Pois a sociedade, através de sua cultura, costumes e ritos, trata de
regular a intensidade de expressão dos sentimentos, inclusive de seus conteúdos, cria-se uma
Política da Afetividade. Porém o limite extremo também está sujeito às limitações do
organismo, pelo limite tolerável para a homeostase biológica. Por exemplo, no luto cada
sociedade com seus costumes e ritos determinam a duração, intensidade, expressão de
sentimentos aceitáveis para a situação, porém esses limites também não podem exceder os
limites biológicos das pessoas. Da mesma forma quando uma pessoa excede os limites
descritos pela sociedade são tratadas como patológicas, é o caso da mãe que perdeu um filho e
mantêm o quarto intacto por anos.
Até nas ações ditas repetitivas, como trocar de roupa, lavar louça, escovar os dentes,
os sentimentos estão presentes, mesmo quando têm um papel mínimo, porque nossa
implicação pode estar em outras coisas, porém se aparece algum obstáculo para a execução da
ação volta nossa implicação para ela. Essas ações podem ter um significado para nós em si, o
que aumenta nossa implicação. Os sentimentos jogam papéis de figura e fundo em nossa
consciência, quando o sentimento está no foco de nossa consciência é figura e quando está
fora dele é fundo. Por exemplo, o sentimento de medo perante o perigo é figura, e o medo de
voar de avião pode ser fundo quando não estou voando ou não pretendo voar, porém quando,
aparece ao menos, a possibilidade de voar, esse medo pode tornar-se figura novamente.
Nas relações interpessoais (desde que não sejam repetitiva ou meramente funcionais) a
implicação joga um papel necessariamente de figura, isto é, inevitavelmente aflora de vez em
34
quando ao foco da consciência. Isso ocorre com o amor, amizade, desprezo, simpatia, raiva.
Mesmo que não permaneça no foco da consciência o tempo todo, como figura, de maneira
contínua, essas implicações nas relações humanas permanecem como fundo, quando
executamos outras ações, por exemplo, no caso do amor por uma pessoa, quando estamos
fazendo um trabalho esse sentimento está como fundo em nossa consciência, mas basta algo
que nos faça lembrar dessa pessoa para que esse sentimento se torne presente e seja figura
novamente. O que determina a relação figura fundo é, em parte, objetivo e finalidade da ação,
em geral não há solução normal de problemas, seleção de meios, percepção, nem pensamento
sem uma implicação no fundo. (Heller, 1985, p.24-25).
Para Heller (1985, p.31) o ser humano é caracterizado por uma antinomia básica:
nossa carga biológica e genética, a filogênese; nossa formação enquanto indivíduos humanos
dados na relação dialética com a cultural e outros homens, a ontogênese. Assim o homem
deve apropriar-se das tarefas do mundo desde seu nascimento, ele deve aprender a viver nesse
mundo, utilizando os instrumentos que a sociedade usa, inclusive os simbólicos, como a
linguagem. Nessa relação com o mundo ele desenvolve seu psiquismo, que inclui o processo
de apropriação, objetivação e expressão de si mesmo, que são diversos aspectos do mesmo
processo. A ação, o pensamento e o sentimento caracterizam todas as manifestações da vida
humana, e não podem ser separados, mas apenas funcionalmente e didaticamente. Não existe
pensamento sem sentimento, não existe ação sem pensamento, nem ação sem ambos. (Heller,
1985, p.34). Os sentimentos não podem se diferenciar sem conceitualização (conhecimento),
assim como o desenvolvimento do Ego avança com a diferenciação e com a contínua
reintegração das funções. Como dissemos anteriormente, para Heller, sentir significa estar
implicado, e isto está relacionado com a função homeostática de nossos sentimentos, ou seja,
o Ego seleciona entre as tarefas proporcionadas pelo mundo. Esse processo de seleção se
orienta a sustentar a homeostase do organismo que não é meramente biológica, mas também
social, não podemos nos sustentar ou reproduzirmos sem um senso de um entorno social
determinado, assegurando a continuidade do nosso Ego.
Essa relação com o mundo é intencional, ou seja, ele não somente seleciona, mas cria
ativamente seu próprio mundo, não simplesmente atua, percebe, pensa, seleciona, sente para
selecionar o que o mundo nos dá, mas também me realizo, faz coerente meu mundo, dá
sentido a ele, põe um pouco de mim em tudo que percebo, penso, faço e sinto. Em ambos os
casos geralmente o sentimento está presente como fundo. Dessa forma, a implicação é a
função reguladora do organismo social em sua relação com o mundo, é o que guia a
preservação da coerência e continuidade do mundo subjetivo do sujeito, como extensão do
35
mundo social. Portanto, estar implicado significa regular a apropriação do mundo desde o
ponto de vista da extensão e preservação do Ego, partindo do próprio organismo social.
(Heller, 1985, p.35-36).
Outro aspecto importante levantado por Heller (1985, p.39-44) é a pseudo-separação
8
sentimento e pensamento na consciência cotidiana, ela atribui esse fenômeno a dois fatores:
primeiro, os sentimentos que estão no fundo não são vistos como sentimentos. Se esse
sentimento não for aparente, como figura, não é considerado como tal. Em segundo lugar, é
que somente poucos em uma multicitude de tipos de sentimentos são considerados como tal,
ou seja, os afetos como temor, raiva, ira, etc. Há uma hirearquização dos sentimentos no
cotidiano, dos mais importantes e louváveis, aos menos importantes e os indesejáveis.
Terceiro, o contraste entre o sentimento e pensamento se estende ao caráter. Numa sociedade
com essa hierarquia o homem pode ser mais sensível ou menos sensível, pois a ela prescreve
valores, que são também selecionados por nós, e esses nos suscitam sentimentos particulares,
vivemos nesse conflito entre os sentimentos e os valores.
A vontade é um desejo direcionado para um fim e para algo. E em geral estamos
implicados nesse algo, pois existem emoções concretas e polifônicas
9
, que conectam com o
objetivo de minha vontade. Portanto, esses sentimentos podem ser gerados socialmente de três
formas: através das normas, através das exortações e através dos ritos sociais. As normas não
produzem o sentimento diretamente, mas são uma indicação para eles, por exemplo quando
pensamos no mandamento bíblico “Honras teu pai e tua mãe” , ele não se dirigi para alguém
especificamente mas para todos. Se alguém atua de forma a aceitar e seguir esta norma, mas
não sente o sentimento de respeito, age conforme uma convenção social externa, porém se
ajusta a norma., que poderá gerar um sentimento de respeito ou, no caso de eu acreditar nessa
norma e não conseguir realizá-la, um sentimento de culpa. Por outro lado, durante a
socialização primária
10
e secundária
11
aprendemos a sentir também através de exortações, que
8
Pseudo-separação = a separação entre o pensamento e o sentimento é meramente fictícia, ou seja, uma
fantasia imposta pela vida cotidiana. Um fenômeno com origens e conseqüências ideológicas.
9
Emoções polifônicas = aqui me referencio a idéia de Polifonia, como na teoria da enunciação de Baktin (2004),
como uma pluralidade de vozes. Da mesma forma, nossa implicação emocional tem a participação de diversas
vozes, através da cultura e das outras pessoas.
10
Socialização Primária = “ocorre dentro da família, e os aspectos internalizados serão aqueles decorrentes da
inserção da família numa determinada classe social, através da percepção que seus pais possuem do mundo, e do
próprio caráter institucional da família” (Lane, 1984b, p.84).
11
Socialização Secundária = “decorre da própria complexidade existente nas relações de produção, levando o
indivíduo a internalizar as funções mais específicas das instituições, as subdivisões do mundo concreto e as
36
nos dizem diretamente como e o que devemos sentir, por exemplo, quando nos dizem “tenha
vergonha disto”, “tenha medo daquilo”, essas exortações podem nos indicar que futuramente
esses sentimentos apareceram na pessoa. Os ritos sociais são os meios conscientes ou não
mais eficazes para ensinar-nos como sentir sejam ritos que estão na vida cotidiana como o
luto e o lazer, sejamos ritos institucionalizados como a confissão na igreja católica ou a
catarse na psicanálise. .(Heller, 1985, p.47-50).
Os sentimentos também têm uma função homeostática no conhecimento por três
razões; primeiro, porque o sentimento tem a função de selecionar, através de sua implicação,
em todas as instancias da percepção, selecionando aquilo que estamos implicados positivos ou
negativamente, direta ou indiretamente; segundo, um ato de inteligência, pensamento,
imaginação, não pode existir empiricamente, é impossível sem implicação, isso significa que
aprendizagem e sentimento são inseparáveis, não há dicotomia entre razão e afeto, entre
conhecimento e sentimento, apreendo aquilo que estou implicado de alguma forma. A
investigação, a formulação de problemas, raciocínios, sempre se derivam de algum
sentimento, é indissociável o pensamento e o afeto, (Vigotski, 1996 p.126), que pode ser o
sentimento de curiosidade, de “estar intrigado por algo”, o que surge em ultima instancia
como a “sede de conhecimento”, que é a implicação do conhecer, seja na extensão do que já é
conhecido ou não, seja por nossos próprios interesses ou de outras pessoas; e terceiro, o
sentimento tem a função de selecionar, ou seja, reter ou rechaçar uma informação, seja de
forma consciente ou não, atuando nos processos de memória, pois toda percepção,
pensamentos, ações imaginação, fantasias são armazenadas em nossa memória junto com as
implicações específicas correspondentes a esses fenômenos, que podem ser sentimentos de
figura ou fundo.
Além do pensamento, a imaginação e a memória também têm fortes vínculos
emotivos. A atividade da imaginação está estreitamente ligada ao movimento dos
sentimentos. Ela é uma atividade muito rica de momentos afetivos. (Vigotski, 1990, p.427).E
ainda: Se analisarmos, finalmente, o vínculo, de ambos os processos, imaginação e
pensamento, com a afetividade e a participação dos processos emocionais nos pensamentos,
veremos que tanto a imaginação como o pensamento realista podem caracterizar-se por uma
elevadíssima emocionabilidade e que entre eles não existe contradição. (Vigotski,
1990,p.436). Para Heller (1985, p.51-64). Sentimento tem um duplo papel na memória: um
processo de seleção e um processo de recordação. Luria, (1999, p.31) em um relato clínico-
representações ideológicas da sociedade, de forma a incorporar uma visão de mundo que mantenha “ajustado” e,
conseqüentemente, alienado das determinações concretas que definem suas relações sociais” (Lane, 1984b, p.84)
37
experimental de um mnemonista profissional apresenta o processo de lembrança dessa pessoa
(chamada de senhor S.), demonstrando como ele associava nomes, números, frases a lugares e
pessoas que tinham um sentido pessoal claramente emocionalmente investido. Podemos
verificar que para Vigotski, a emoções estão numa relação dialética com as demais funções
psicológicas superiores.
A ação, o pensamento e o sentimento são potencialidades do homem que se
diferenciam e ao mesmo tempo se conectam no processo de desenvolvimento do sujeito, é
durante esse processo de diferenciação e reintegração que o homem aprende a sentir. O sentir
faz parte da filogênese do ser humano, mas cada sentimento particular está relacionado de
algum modo com aprendizagem, e isso é dar um significado ao sentir, quer dizer que os
sentimentos impulsivos (os instintos) como sinais biológicos, por exemplo a fome, não são
aprendidos mas o processo de diferenciação está vinculado a aprendizagem, portanto nós
aprendemos a sentir, a diferenciar nossos impulsos, nossos sinais biológicos. Por exemplo,
saber que a dor no estômago e o desconforto é fome, isso foi adquirido através da
aprendizagem no processo social de inter-relacionamentos cotidianos. Para a autora, esse
processo de aprendizagem tem algumas características: primeiro, nós, antes de tudo,
aprendemos que sentimos, ou seja, aprendemos que aquelas sensações físicas que temos (dor,
desconforto, fome, excitação, sudorese, e outras) são emoções e sentimentos, isso acontece
desde o início na socialização primária, é o adulto que insere criança nessa compreensão, que
nomeia isso, que dá um significado, que o insere nesse mundo simbólico; em segundo lugar,
aprendemos a diferenciar dentro dos sentimentos os graus de intensidade, ou seja,
aprendemos, a saber, o que é mais forte e o que é mais fraco com relação aos sentimentos, por
exemplo, da fome novamente, nós aprendemos a nomear os sentimentos e colocá-los em uma
hierarquia dos mais fracos aos mais fortes, isso é dado socialmente na cultura, como já
dissemos, pois o que é aceito como tolerável em uma sociedade pode não ser em outra; e
devemos aprender qual conduta adotar em relação aos nossos impulsos, que repercute sobre
nosso próprio sentimento, quanto a peridiocidade e intensidade, no caso da fome, aprende o
quanto e quando comer, o que comer, o que não comer. No caso da sexualidade isso se torna
muito claro, aprendemos o que é permitido e o que não é permitido e que é “normal” e o que é
“patológico”, fazendo com que os indivíduos sintam essas determinações sociais na própria
pele.
Aprendemos a identificar não somente os sentimentos, mas também seu objeto, por
exemplo, quando o bebê põe as mãos nas fezes, ele tem que ouvir muito as frases “que nojo”,
“caca”, até que o estímulo chegue a produzir o sentimento de nojo. Outro fator interessante é
38
que aprendemos a identificar e entender os afetos dos outros, mesmo antes da linguagem. Na
relação mãe-bebê isso se torna muito aparente, o bebê aprende a decifrar os tons de voz da
mãe, as expressões, o jeito que a mãe o segura, várias pesquisas demonstraram a importância
do afeto nessa relação e como o bebê aprende nesse processo. Como já dissemos, a expressão
do afeto não é algo aprendido, porém o que o afeto suscita em mim é uma conseqüência da
aprendizagem, a expressão da raiva, por exemplo, pode ser igual mas o “motivo” pode der
diferente, isso é aprendido. A aquisição do pensamento verbal é um rito de aprendizagem dos
sentimentos nas mais diversas relações. A denominação de um sentimento é necessária, e
mais ainda, decisiva, pois á condição para sua identificação seja consciente ou não, mas
também porque, em geral, os objetos dos afetos não podem ser dados socialmente sem
denominação. Essa denominação e diferenciação aparecem antes mesmo da linguagem verbal,
como signos de sentimentos, por exemplo, quando dizemos “arghh” quando o bebê põe as
mãos nas fezes, não é a expressão verbal que conta, mas ela em seu contexto desenvolve o
sentimento de asco.
Já o processo de diferenciação se aprimora através da linguagem, inclusive
determinando quais grupos de objetos podem se dirigidos certos grupos de afetos, por tanto a
aprendizagem dos sentimentos está baseada na expressão, linguagem e cognição. Essa
designação dos objetos do afeto é baseada mais na inteligência que no treinamento, pois faz
que seja possível que o afeto seja independente da experiência pessoal e também permite o
desenvolvimento da fantasia em relação aos afetos, conseguimos transcender os objetos e
generalizar os afetos para outros, O preconceito está baseado nesse tipo de regra. Porém essa
generalização tem, teoricamente, um limite, se a pessoa nunca experimentou esse tipo de afeto
só sua denominação não é capaz de produzi-lo, pois a aprendizagem dos sentimentos depende
da experiência pessoal também, porém como já dissemos, faz parte da socialização do
indivíduo tomar contato com os diversos tipos de sentimentos.
Uma outra característica importante na aprendizagem dos sentimentos é que
aprendemos a “encaixar” o conceito emocional com os sentimentos do indivíduo, com isso
queremos dizer o seguinte: o indivíduo possui emoções que são idiossincráticas, seja, são
particulares, mesmo que esteja dentro de uma escala filogenética, cada indivíduo possui
reações, graus, intensidade diferentes de suas emoções, assim no processo de aprendizagem,
dento de sua cultura, ele aprende a nomear esse conjunto de sinais biológicos como
determinados sentimentos e para isso é necessário se aproximar de um conceito emocional já
existente, o sentimento que está em mim se refere a um conceito emocional já existente e
conhecido, portanto eu “encaixo” nele o que estou sentindo de duas formas: Limitando-me
39
aos tipos mais importantes identificando de forma lenta e laboriosa com um conceito já
conhecido ou os outros a identificam para mim com um conceito emocional e eu o aceito. Por
exemplo, sabemos que existe o “amor” antes de nos apaixonarmos. Dessa forma é essencial o
significado e o sentido na relação com o outro. O sentimento tem uma função comunicativa
também. Assim “encaixamos” nossas emoções com os conceitos emocionais já existentes na
cultura. Sentimos algo e não sabemos o que sentimos, por isso buscamos um “conceito” que
se aproxime dos nossos sentimentos. (Heller, 1985, p.146-161).
Vigotski (2001, p.127) também estudou sobre aprendizagem do comportamento
emocional e sua influência na educação infantil. O autor sempre considerou a natureza
biológica das emoções, porém criticou a visão que reduz as emoções a suas manifestações
biológicas e fisiológicas. As influências dessa visão ainda hoje estão presentes na ciência e no
senso comum
12
. Vigotski critica essa visão e diz que apesar dos instintos serem parte
fundante das emoções, para compreendê-las precisamos ir além, precisamos entender a
natureza psicológica das emoções. Desse ponto de vista, o comportamento é um processo de
interação entre o organismo e o meio (Vigotski, 2001, p.135). Nessa relação Vigotski aponta
que existem três tipos possibilidades: a primeira, quando o organismo sente sua superioridade
sobre o meio, nessa situação o comportamento se desenvolve sem maiores restrições e realiza
uma adaptação de nível excelente com mínimo de dispêndio de energia. Numa Segunda
maneira, o meio é que tem a supremacia e a superioridade sobre o organismo, nessas
condições o comportamento se desenvolve com dificuldades para adaptar-se com um grande
custo de energia. E o terceiro modo é quando o organismo e o meio estão em certo equilíbrio
e nenhuma parte tem supremacia ou superioridade sobre a outra. Esses três casos são a base
para o desenvolvimento do comportamento emocional, pois, desde a origem das emoções, em
suas formas mais instintivas de comportamento, elas são resultado de uma avaliação que o
organismo faz em relação ao meio onde vive. Por exemplo: os sentimentos de satisfação,
força, segurança , chamados sentimentos positivos tem relação com primeiro tipo. Já os
sentimentos, chamados negativos, como; depressão, debilidade, sofrimento, pertencem ao
segundo grupo. E só no terceiro modo é que essa correlação trará uma indiferença emocional
em relação ao comportamento, portanto:
12
Recentemente a rede Globo de televisão apresentou no telejornal “Fantástico” uma série de reportagens
intituladas “O Instinto Humano”, onde ficavam bem claro os comportamentos humanos como: amor, medo,
sexo, e outros eram determinados unicamente pelos instintos biológicos. Sempre no início da apresentação o
locutor anunciava: “Essas informações consideram somente a biologia e a genética, não estamos considerando a
cultura”. Como se isso fosse possível.
40
..., deve-se entender a emoção como reação nos momentos críticos e
catastróficos do comportamento, tanto como os de equilíbrio, como súmula e
resultado do comportamento que dita a cada instante e de forma imediata as
formas de comportamento subsequente. (Vigotski, 2001, p. 136).
As emoções possuem um papel ativo na organização de todo comportamento e é o
movimento da natureza ativa das emoções que constitui o traço mais importante na teoria da
natureza psicológica das emoções. Vigotski diz que é incorreto pensar que as emoções
representam uma vivência meramente passiva do organismo, mas, pelo contrário, é o
entendimento da natureza ativa das emoções no comportamento e na formação do psiquismo
uma das contribuições mais importantes da teoria histórico-cultural nos estudos das emoções.
Gonzales Rey (1999, p. 47) aponta para essa tendência, relacionando ainda as questões das
necessidades, afirmando que as emoções são constitutivas e constituintes das necessidades ,
pois representam a unidade essencial na constituição dessas necessidades e , ao mesmo tempo,
aparecem com resultado delas. Dessa forma apontando para uma re-significação do lugar as
emoções na constituição da subjetividade. As emoções são os organizadores internos do nosso
comportamento, de nossas reações, que retesam , excitam, estimulam ou inibem essas ou
aquelas reações, as emoções precedem toda a ação humana. (Vigotski, 2001, p. 139)
Considerando essas características, Vigotski expõe como aprendemos a sentir sob seu
ponto de vista. Para ele, a aprendizagem dos sentimentos é como qualquer outro mecanismo
de educação e pode haver uma interferência do educador. Mas ele também chama a atenção
que o homem atual tudo está em um estado que ele chama de “automatizado”, ou seja, suas
impressões singulares se fundiram de tal modo a conceitos que a vida transcorre
pacificamente, sem lhe prender nem afetar o psiquismo e, em termos emocionais, essa vida
desprovida de alegria e tristeza, sem nítidos abalos, mas também sem grandes alegrias, cria
a base para aquele calibre dos sentimentos que na linguagem literária russa há muito tempo
recebeu a denominação de sentimento pequeno-burguês. (Vigotski, 2001, p.144).
O homem aprende desde sua infância os sentimentos em conjunto com as
expectativas, costumes e valores sociais. Todos os grupos que participamos desde a infância
têm um papel fundamental nesse processo, pois são veículos de socialização das pessoas.
Uma das formas é a comunicação e a valoração dos sentimentos que são acompanhadas pela
explicação dos conceitos emocionais. Os sentimentos são regulados socialmente mediante a
avaliação e o autocontrole que já aparece com a regulação da expressão do afeto, ou seja, cada
cultura já “ensina” seu membro como deve sentir iniciando pela valorização ou não das
expressões de um determinado afeto. Não devemos mostrar nosso medo, asco, raiva em
41
relação a um ou outro determinado objeto, porém devemos demonstrar para aqueles. Esse
controle das expressões de determinados afetos, geralmente acontece quando os afetos são
valorados de forma negativa e julgamos ruim sua presença. Na medida em que interiorizamos
a relação com os afetos nesse ou naquele caso, a expressão será diferente da expressão
original desse afeto e se tornará uma expressão de emoção cada vez mais idiossincrática.
Portanto aprendemos as emoções de forma indireta, mediante a relação com os afetos; junto
com sua valoração, sua preferência, seleção ou apreciação negativa e também diretamente,
aprendendo os conteúdos dos conceitos emocionais, seus significados. As normas morais
gerais sempre fazem parte dos hábitos emocionais, por isso devemos aprender a coexistir com
nossos próprios hábitos emocionais. Segundo Heller (1985, p.168) pode ter três atitudes
referentes a isso: primeira delas, nunca aprender a coexistir com esses hábitos emocionais, a
conseqüência seria um conflito permanente consigo mesmo, caracterizado com um sentimento
de culpa constante; a segunda forma, á aprender a viver em paz com seus hábitos emocionais
de forma inautêntica, aprender a viver com eles sejam bons ou maus para mim e para os
outros; Enfim, uma terceira forma, aprender a viver com eles de forma autêntica,e a pré
condição para isso é o auto-conhecimento crítico, mas conviver com eles não significa
simplesmente “viver em paz” com nossos hábitos emocionais . nós podemos viver em paz
com os hábitos que consideramos positivos e nos esforçar para contrapesar os que
consideramos negativos. Isso significa a regulação consciente da conduta que tem sua origem
em hábitos emocionais negativos, ou seja, uma consciência crítica perante si mesmo e o
mundo.
A relação dos valores dos indivíduos e os sentimentos também são apontados por
Heller (l985, p. 170), porém as normas sociais são gerais e só podem nos orientar como
normas abstratas, nos guiando desse modo. Por exemplo, a norma social: “devemos amar
nossos pais”, ela é uma norma mais geral e nunca podem ser “encaixadas” completamente
com meus sentimentos situacionais e cognitivos específicos, tendo em vista que podem até ser
contraditórios e complexos, pois em um mesmo acontecimento sentimental podemos aplicar
normas distintas, assim aprender a sentir também significa que o indivíduo precisa aprender a
se relacionar com cada um dos nossos sentimentos em relação às normas sociais. Muitos
indivíduos não conseguem perceber a idiossincrasia de seus sentimentos e os submetem quase
totalmente as normas sociais. Podemos perceber isso em muitos atos das religiões
fundamentalistas, onde uma norma social, com um fundo religioso, faz com que homens e
mulheres se submetam a autoflagelo, penitências (como nas religiões neopetencostais), até
suicídios coletivos ou individuais (um exemplo terrível são os homens-bomba no Oriente
42
Médio), onde sentimentos de cada indivíduo são submetidos às normas rígidas regulando sua
vida em todos os sentidos através de seus sentimentos como culpa, necessidade de aceitação e
tantos outros.
Essa reflexão, mesmo situada no tempo e espaço, nos traz argumentos interessantes
quanto à posição da psicologia em seu papel de interventora nessa realidade. Mas adiante,
falando da educação, Vigotski diz que o momento da emoção e do interesse deve
necessariamente servir de ponto de partida a qualquer trabalho e educativo (Vigotski, 2001,
p.145). Sendo esse um dos maiores defeitos da educação atual e podemos replicar esse
conceito para a psicologia, legitimando o estudo das emoções como um campo de estudo e
ação dessa ciência.
Nos seus estudos, Vigotsky também defendia que todo pensamento tinha uma base
afetivo-volitiva na vida psíquica (Vigotski, 2001, p.16) e que todo processo volitivo é
inicialmente social, coletivo, interpsicológico (Vigotski, 1996, p.113). Assim, o pensamento
não está separado da emoção, pelo contrário, eles existem necessariamente um em relação ao
outro e são significados socialmente:
A forma de pensar, que junto com o sistema de conceitos nos foi imposta pelo
meio que nos rodeia, inclui também nossos sentimentos. Não sentimos
simplesmente: o sentimento é percebido por nós sob a forma de ciúme, cólera,
ultraje, ofensa. Se dissermos que desprezamos alguém, o fato de nomear os
sentimentos faz com que estes variem, já que mantêm uma certa relação com
nossos pensamentos. (Vigotski, 1996 p.126).
Um estudo sobre as emoções deve considerar as raízes históricas e sociais do
comportamento humano, como González Rey (2003, p.242) sugere ao caracterizar a
subjetividade como social, pois pretendia romper com a idéia que se encontra arraigada nos
psicólogos que o psiquismo não é um fenômeno individual, para trazer a discussão que o
psiquismo se forma dialeticamente no nível social e individual, demonstrando sua gênese
histórico social. Assim quando se fala em emoções ou sentimentos não falamos de coisas
abstratas, mas de uma função mediadora, pois as emoções e a linguagem são vistas como
mediações fundamentais na constituição do indivíduo, ambas permitindo a comunicação com
o outro, seja ela expressiva, seja ela verbal, essas mediações estão na base da construção do
saber, manifestado através de representações sociais, da imaginação e mesmo da fantasia, mas
também das ações, de projetos e de suas revisões. (Lane, 1997, p.19).
Outro conceito chave é que o de ação mediada, pois a emoções complexas são as
combinações de relações que surgem em conseqüência da vida histórica e adquirem sentido
43
em relações específicas, ou seja, o sistema das Funções Psicológicas Superiores é de origem
social, funda-se na atitude social para comigo mesmo e se caracteriza pelo translado das
relações coletivas para o interior da personalidade e é mediado por um sistema conceitual,
cristalizado e institucionalizado como os significados dicionarizados, senso comum,
ideologia, bem como pelo valor que a sociedade dá tal e qual função...Por conseguinte, os
afetos (emoção e sentimentos) são ideologizados e históricos. (Sawaia, 2000). As emoções e a
ação humana estão inteiramente ligadas, pois a emoção caracteriza o estado do sujeito ante
toda a ação, ou seja, as emoções estão estreitamente associadas às ações, por meio das quais
caracterizam o sujeito no espaço de suas relações sociais, entrando assim no cenário da
cultura. (González Rey, 2003, p.242). Nós somos o que pensamos, sentimos e como
comunicamos isso ao mundo, como diz Lane (1995):
Emoção, linguagem e pensamento são mediações que levam à ação, portanto
somos as atividades que desenvolvemos, somos a consciência que reflete o
mundo e somos a afetividade que ama e odeia este mundo, e com esta
bagagem nos identificamos e somos identificados por aqueles que nos cercam.
Outro aspecto importante na teoria sócio histórica sobre as emoções é a não
desconsideração do corpo, muito pelo contrário, é no corpo que esta a materialidade das
emoções, porém sua visão não é dualista, mas sim dialética. Ele criticava as posições de
Darwin e James & Lange, e não aceitava a idéia de que existissem as emoções inferiores (do
corpo) e emoções superiores (alma), para ele as emoções também são funções mediadas, são
sentimentos humanos superiores, pois, até o próprio organismo reage aos significados, de
forma que as sinapses cerebrais são mediadas socialmente. (Sawaia, 2000)
Para Vigotski, a consciência tem uma tríplice natureza: consciência (pensamento),
sentimento e vontade. (Vigotski,1999, p.78). O psicólogo russo compreendia a consciência
em sua relação com as demais funções psicológicas e alertava sobre o caráter social e ativo
dela. A consciência deve ser entendida como um sistema integrado, em processo permanente,
que transforma as produções simbólicas em construções singulares. (Aguiar, 2001, p. 98). É
através de sua relação com meio externo que o homem constitui a consciência, o homem está
em relação com o mundo, interferindo nele, através da atividade, principalmente o trabalho, e
ao mesmo tempo é afetado por ele, construindo seus registros. O homem ao construir seus
registros (psicológicos), o faz na relação com o mundo, objetivando sua subjetividade e
subjetivando sua objetividade. O psicológico se constitui não no homem, mas na relação com
44
o mundo sociocultural. (Aguiar, 2001, p. 96). E a consciência deve ser entendida nessa
relação subjetividade/objetividade, pois:
A subjetividade é construída na relação dialética entre o indivíduo e a
sociedade e suas instituições, ambas utilizam mediações das emoções,
da linguagem, dos grupos, a fim de apresentar uma
objetividade/subjetividade questionável, responsável por uma
subjetividade na quais estes códigos substituem a realidade. Assim,
objetividade/subjetividade como unidade dialética é mediada por uma
estrutura denominada Subjetividade Social
13
a qual, através de códigos
afetivos e lingüisticos garantem a manutenção do status quo. (Lane,
2002, p.17).
A subjetividade, e a consciência se desenvolvem imersas nessa realidade, porém, não
de maneira passiva, mas ativa, por isso devemos considerar que essa realidade é a expressão
do campo de valores que a interpretam e ao mesmo tempo é o desenvolvimento concreto das
forças produtivas. Nessa dinâmica histórica que os planos subjetivos e objetivos estão em
constante interação, um determinando o outro. O indivíduo é o sujeito singular dessa
dinâmica e assim como recebe pronta a base material (dada pela sua inserção de classe) e os
valores (o plano de socialização), também é agente ativo da transformação social
independente de ter ou não consciência do fato. (Furtado, 2002, p. 92).
Segundo Dellari Jr (2000, p. 70), em uma pesquisa sobre o significado da consciência
e da linguagem na teoria de Vigotski, afirma que há quatro pontos importantes que devemos
ressaltar sobre os estudos de Vigotski sobre a consciência, o primeiro diz respeito às relações
de determinação entre “vida” e “consciência”, que de certo modo afasta a abordagem
histórico-cultural das tendências modernas (principalmente a cartesiana), a consciência como
emergente da vida. O segundo são as especificidades cognoscitivas e reflexivas da
consciência como movimento constitutivo da vida propriamente dita, a consciência como
distanciamento e reflexão. O terceiro, refere-se aos limites deste caráter cognoscitivo e
reflexivo em função dos aspectos afetivos da consciência e, portanto sua parcialidade, a
consciência como presença e parcialidade, e por último , a constituição da gênese social da
consciência, que só pode ser compreendido e explicado enquanto mediação semiótica, a
consciência como função de relações sociais.
13
Segundo Fernando González Rey (nota da autora).
45
Luria (1991, p. 71) , Leontiev (1978, p. 69), e posteriormente Lane (1996, p.95)
assinalam que a atividade consciente do homem difere acentuadamente do comportamento
animal. Essa passagem à consciência é, na verdade, o início de uma etapa superior do
desenvolvimento psíquico, ou seja, do processo histórico de hominização que se deu através
do desenvolvimento da linguagem. Existem três traços básicos que diferem um do outro
(Luria, 1991, p.71-73): primeiro, a atividade consciente do homem não está obrigatoriamente
ligado a motivos biológicos, ou seja, nossos principais comportamentos não se baseiam em
quaisquer inclinações ou necessidades biológicas, mas, via de regra, os atos humanos são
regidos por complexas necessidades, chamadas de “superiores”. São exemplos dessas
necessidades superiores (o que se compreendeu mais tarde que estão submetidas a um fator
potencializador , a volição) a necessidade de comunicação, a necessidade de ser útil a
sociedade, de ocupar posições nesta, necessidade de status e reconhecimento. O
desenvolvimento do psiquismo não é entendido de forma idealista, ou seja, sem uma base
corpórea e biológica, porém admite-se que esses processos são de natureza qualitativamente
diferentes, e mais, admite que estão na pré-história das funções superiores. Luria (1991, p.
72), aponta que, inclusive, nos encontramos freqüentemente em situações em que a atividade
consciente, além de não se sujeitar às necessidades e influências biológicas, elas são
contrárias, entrando em conflito com elas e chegando até a reprimi-las. Porém, Vigotski
também não queria repetir o erro das linhas subjetivistas da psicologia de sua época, que
ignoravam o organismo e viam a subjetividade como algo sem bases biológicas, na verdade,
essa é uma das principais características de sua psicologia a unidade corpo-mente, organismo-
psiquismo.
Vigotski se opõe ao determinismo biológico do psiquismo, essa diferenciação de sua
teoria torna-se ainda mais importante hoje com o retorno dessa concepção devido,
principalmente, ao avanço das neurociências. Tem-se dado importância demasiada aos fatores
biológicos, há uma reificação das características genéticas e das funções fisiológicas do
cérebro, ainda aprisionados numa visão mecanicista de ciência. Muitos estudos sobre os
sentimentos e emoções têm sido realizados nesse sentido e tem sido usado como referências
por muitos profissionais e pesquisas em diferentes áreas do conhecimento como educação,
psicologia, trabalho.
O segundo traço importante sobre a atividade consciente do homem, em oposição ao
do animal, é que ela não é, necessariamente, determinada por impressões imediatas, recebidas
do meio, ou por vestígios dessa experiência, ou seja, o homem não se orienta somente pela
46
impressão imediata da situação exterior, mas do conhecimento que detêm das leis interiores
dessa situação, seu comportamento não é “imediato” (sem mediação) mas sim “mediado”
(com a mediação da linguagem). (Luria, 1991, p. 72).
O comportamento animal depende de duas fontes: dos programas hereditários de
comportamentos adjacentes ao genótipo e dos resultados da experiência individual. Já o o
homem, diferente do animal , também possui um terceiro tração: o da atividade consciente: a
grande maioria dos conhecimentos, e habilidades do homem se forma por meio da
assimilação da experiência de toda a humanidade, acumulada no processo da história social
e transmissível no processo de aprendizagem. (Luria, 1991, p. 73). Com isso a teoria sócio-
hitórica desenvolve o conceito da gênese social da consciência.
A consciência para Vigotski (1999, p.71) é entendida como um entrelaçamento de
sistemas de reflexos funciona perfeitamente em todo momento consciente. A palavra e a
consciência para Vigotski têm origem social, pois é na linguagem que se encontra
precisamente a fonte do comportamento social e da consciência. (Vigotski, 1999, p.81). E
mais, para Vigotski uma das características principais da consciência é que ela é um sistema
de reflexos reversíveis, ou seja, o homem tem a capacidade de criar reflexos e excitantes, pois
o excitante pode se transformar em reação e vice-versa, por exemplo, na palavra. Baseado
nesse princípio, Vigotski (1999, p. 81-82), diz que o mecanismo do comportamento social e
da consciência é o mesmo:
É aqui que está a raiz da questão do “eu” alheio, do conhecimento da
psique alheia. O mecanismo do conhecimento de si mesmo (autoconsciência)
e o do outro é o mesmo...conhecemos os outros na medida em que
conhecemos a nós mesmos; ao conhecer a cólera alheia reproduzo a minha
própria... na verdade seria mais correto dizer o contrário. Temos consciência
de nós mesmos porque a temos dos demais e pelo mesmo procedimento
através do qual conhecemos os demais, porque nós mesmos em relação a nós
mesmos somos o mesmo que os demais em relação a nós. Tenho consciência
de mim mesmo somente na medida que para mim sou outro, ou seja, porque
posso perceber outra vez os reflexos próprios como excitantes.
Entendendo dessa forma, a constituição do “eu”, da consciência, passa pelo outro, só
é possível no reconhecimento do outro, o que em última instância representa o
autoconhecimento de mim mesmo, pois o mecanismo é o mesmo. Só posso me conhecer nas
relações sociais com as demais pessoas. A experiência determina a consciência, pois a
vertente individual se constrói como derivada e secundária sobre a base do social e segundo
um exato modelo. Vem daí a idéia de dualidade da consciência: a idéia de duplo é a mais
47
próxima da idéia real da consciência. (Vigotski,1999, p. 82). Neste contexto, o sujeito é
constituído por meio da experiência social, histórica e pelo desdobramento da consciência,
que acontece pelo desdobramento na consciência do eu e outro, no sujeito consciente.
(Molon, 2003, p. 87). A consciência é constituída no contato social, é originada social e
historicamente, como experiência duplicada, ou seja, como contato social e como contato
social consigo mesmo (por exemplo, a fala silenciosa e a fala interior).
A consciência também pode ser entendida como sujeito da atividade (Molon, 2003,
p.87), ou seja, a consciência é compreendida como um sistema seletor , um filtro para o
mundo que o modifica de maneira que o indivíduo possa viver, atuar no mundo. O que parece
coerente, imagine se tivéssemos consciência de tudo o tempo todo, não conseguíamos viver
no cotidiano, é o caráter auto-reflexivo da consciência como dissemos acima.
O aparecimento da consciência, segundo Leontiev (1978, p. 69-70), está na
relacionado ao aparecimento do trabalho e, baseado neste, a própria sociedade. A necessidade
de sobrevivência e, posteriormente de comunicação, levaram nosso ancestrais ao trabalho
social e o emprego de instrumentos de trabalho e a linguagem. O trabalho criou a própria
consciência do homem, acarretando transformações biológicas como a transformação e
hominização do cérebro, dos órgãos de atividade externa e dos órgãos dos sentidos. O
trabalho humano possibilitou o desenvolvimento das funções psicológicas, pois ele é uma
atividade originariamente social, uma organização entre as pessoas, mediador da comunicação
e na sua execução é necessário o uso de instrumentos , onde se tornou necessária, desde o
início da humanidade, a divisão técnica do trabalho. (Leontiev, 1978, p. 74). Por isto as
raízes do surgimento da atividade consciente do homem não devem ser procuradas nas
particularidades da “alma” nem no íntimo do organismo humano, mas nas condições sociais
da vida historicamente formadas. (Luria, 1991, p. 75). Na preparação de instrumentos, como
por exemplo, de lanças e facas feitas de pedra e madeira, surge à mudança mais importante da
estrutura geral do comportamento, pois nessa atividade há a separação de uma “ação” que não
é dirigida imediatamente por motivos biológicos e ou imediatos, mas é uma atividade que só
adquire sentido com o emprego posterior dos seus resultados. Surgem as várias operações
auxiliares (cortar, lixar, talhar, amarrar) que representam as etapas dessa atividade e é uma
nova estrutura da atividade consciente do homem, que é o resultado, não do desenvolvimento
natural de propriedades inatas do organismo, mas das novas formas histórico-sociais de
atividade-trabalho. (Luria, 1991, p. 77).
A consciência apresenta limiares, ou seja, nós percebemos o mundo de forma
fragmentada, pois a consciência consegue somente percebê-lo de forma sintetizada e em
48
extratos, pela mediação semiótica, essa ação é necessária para evitar o caos e a
desestruturação do sujeito. Vigotski vai buscar na fisiologia um conceito para explicar essa
característica da consciência como um mecanismo selecionador de comportamentos, a “teoria
do funil”. Nessa teoria podemos imaginar que o mundo se derrame em um orifício largo de
um funil através de milhares de excitações, inclinações, estímulos, etc. No interior desse funil
tem-se uma luta e um enfrentamento contínuo desses elementos. O que sai, em forma de
reações do organismo (comportamento), pelo orifício mais estreito, é uma parte insignificante
das excitações que entraram. O comportamento que se realizou é uma parte insignificante dos
comportamentos possíveis, sendo que essas possibilidades não realizadas podem adotar
formas diversas. Nessa luta, uma pequena força de qualquer elemento, por mais insignificante
que seja, pode determinar o resultado e o sentido do resultante. (Vigotski, 1999, p.69).
Essa é uma característica essencial da consciência, a complexidade de reflexão, pois
nem sempre se resulta num exato refletir, podendo haver alterações da realidade, que
ultrapassam o limite do visível e da experiência imediata, exigindo que se busquem
significados que não são observados diretamente (Molon, 2003, p.87). A realidade não se
confunde com o vivido pelo indivíduo, ou seja, com o sentido que ele atribui:
Na consciência, a imagem da realidade não se confunde com a
do vivido do sujeito: o reflexo é como que << presente >> ao sujeito.
Isto significa que quando tenho consciência de um livro, por exemplo,
ou muito simplesmente consciência de meu próprio pensamento a ele
respeitante, o livro não se confunde na minha consciência com o
sentimento que tenho dele.
A consciência humana distingue a realidade objetiva do seu
reflexo, o que leva a distinguir o mundo das impressões interiores e
torna possível com isso o desenvolvimento da observação de si
mesmo.(Leontiev, 1978, p. 69)
A autoconsciência é a distinção entre a consciência do mundo (pseudo objetivo) e
nossa própria vivência enquanto experiência singular desse mundo. (Leontiev, 1978, p. 74).
Em seu livro “Desenvolvimento Cognitivo” (1990, p.215) , Luria apresenta sua pesquisa com
algumas pessoas, utilizando um método de auto-análise, para o estudo da autoconsciência e
conclui que a estrutura da atividade cognitiva não permanece estática ao longo das diversas
etapas do desenvolvimento histórico e as formas mais importantes de processos cognitivos
percepção, generalização, dedução, raciocínio, imaginação e auto-análise da vida interior
variam quando as condições da vida social mudam e quando rudimentos de conhecimento
são adquiridos. Com isso demonstra que a percepção que a própria pessoa tem de si mesmo
se altera quando algo acontece no ambiente ou quando toma ciência de algum fato novo.
49
Um outro aspecto importante na compreensão da consciência e as emoções é o papel
do inconsciente nesse Vigotski (1996, p. 151) considera que as consciências dos fenômenos
possuem vários graus diferentes, existem coisas que se encontram quase no próprio limite da
consciência e que entram e saem de seu campo com muita facilidade, existem coisas das
quais temos uma vaga consciência, existem impressões vivas, legadas mais ou menos
estreitamente aos sistema real de vivências, por exemplo, os sonhos...é possível admitir
fenômenos psíquicos inconscientes. Assim Vigotski não nega o inconsciente, mas afirma que
o inconsciente é potencialmente consciente. (Vigotski, 1996, p. 156). Também aponta para a
conexão entre o inconsciente e o não-verbal. (Vigotski, 1996, p. 159).
Os fenômenos psicológicos superiores, na teoria sócio-histórica, têm na linguagem seu
fator fundante, pois é o fator fundamental de formação da consciência (Luria, 1991, p.80).
Para Vigotski, as funções psicológicas superiores são mediadas, ou seja, são operações
indiretas que necessitam da presença de um signo mediador, presentes na linguagem, que por
sua vez , pode ser definida como um sistema de códigos por meio dos quais são designados
os objetos do mundo exterior, suas ações, qualidades, relações entre eles, etc. A linguagem é
a segunda condição (além do trabalho social e o uso de instrumentos de trabalho) para a
evolução da atividade consciente no homem. (Luria, 1991, p.77-78). A linguagem altera a
consciência e esta também é alterada pela linguagem. O surgimento da linguagem imprime ao
menos três mudanças essenciais à atividade consciente do homem, falaremos de início da
primeira:
a linguagem permite discriminar esses objetos, dirigir a atenção para
eles e conservá-los na memória. Resulta daí que o homem está em
condições de lidar com os objetos do mundo exterior mesmo quando
eles estão ausentes. É bastante a pronúncia externa ou interna de uma
palavra para o surgimento da imagem do objeto correspondente e o
homem porem-se em condições de operar com essa imagem. Por isso
a linguagem duplica o mundo perceptível, permite conservar a
informação recebida do mundo exterior e cria um mundo de imagens
interiores. (Luria, 1991, p.80, grifos do autor).
Essa característica só pode ser compreendida na origem da linguagem em relação com a
necessidade, que os homens sentem de comunicar. No trabalho, os homens entram
forçosamente em relação e surgem duas necessidades básicas: a necessidade de se executar a
atividade e a necessidade de uma ação sobre os outros, ou seja, de comunicação com os
demais. Mesmo que depois eles mantenham somente a última, fazendo com que o conteúdo
da atividade se fixe na linguagem, significada na palavra. Por isso a produção da linguagem,
como da consciência e do pensamento, está diretamente misturada na origem, à atividade
produtiva, à comunicação material dos homens. (Leontiev, 1978, p. 86-87).
50
(...) as palavras de uma língua não apenas indicam determinadas
coisas como abstraem as propriedades essenciais destas, relacionam as
coisas perceptíveis a determinadas categorias. Essa possibilidade de
assegurar o processo de abstração e generalização representa a
segunda contribuição importantíssima da linguagem para a formação
da consciência... Isto dá a linguagem a possibilidade de tornar-se não
apenas meio de comunicação mas também o veículo mais importante
do pensamento, que assegura a transição do sensorial ao racional na
representação do mundo. (Luria, 1991, p.80-81, grifos do autor).
Para Vigotski (2001, p.388), a generalização e o significado da palavra são sinônimos, ou
seja toda generalização , formação de conceitos é um ato específico , autêntico e indiscutível
do pensamento. Porém, o significado da palavra só é um fenômeno do pensamento na medida
em que o pensamento está relacionado à palavra e nela materializado (uma palavra sem um
entendimento é um som vazio), e por outro lado, um significado só é um fenômeno do
discurso quando o discurso está vinculado ao pensamento. (tem uma função). Assim, um
fenômeno do pensamento discursivo ou da palavra consciente é a unidade do palavra com o
pensamento.
A linguagem é o veículo fundamental de transmissão de informação,
que se formou na história social da humanidade, ou seja, ela cria uma
terceira fonte de evolução dos processos psíquicos que, no estágio do
homem, aproximam-se das duas fontes (os programas do
comportamento transmissíveis por hereditariedade e as formas de
comportamento resultantes da experiência de dado indivíduo) que se
verificam nos animais.
Para Vigotski, a linguagem está nos primórdios do desenvolvimento das funções
psicológicas através da lei genética do desenvolvimento cultural, qualquer função é primeiro
social e interpsicológico e depois psicológico e intrapsicológico, pois a atividade humana não
é internalizada em si, mas é uma atividade significada, como um processo social, mediada
pela linguagem e seus signos, sem se limitar a eles. A consciência se constitui a partir dos
próprios signos, que são em ultima análise construídos pelos homens em suas relações de
trabalho e na cultura. Porém, não devemos confundir os conceitos de signos e instrumentos:
A diferença mais essencial entre signo e instrumento, e a base da
divergência real entre as duas linhas, consiste nas diferentes maneiras
com que elas orientam o comportamento humano. A função do
51
instrumento é servir como um condutor da influência humana sobre o
objeto da atividade; ele é orientado externamente; deve
necessariamente levar a mudanças nos objetos. Constitui um meio
pelo qual a atividade humana externa é dirigida para o controle e
domínio da natureza. O signo, por outro lado, não modifica em nada o
objeto da operação psicológica. Constitui um meio de atividade
interna dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é
orientado internamente. (Vigotski, 2000, p. 72-73, grifos do autor).
A função psicológica superior é a combinação entre o signo e instrumento na atividade
psicológica. O signo é inicialmente um meio de comunicação e depois um meio de
comportamento. Assim, a linguagem reorganiza o processo de percepção do mundo exterior e
cria novas formas de percepções. (Luria, 1991: p.82). Sendo ao mesmo tempo fundante e
modificador de todas as funções psicológicas como a atenção, a memória, imaginação, o
pensamento, as emoções. Isso se dá na unidade dos processos de desenvolvimento biológico e
desenvolvimento cultural, no qual o processo de desenvolvimento psicológico é determinado
tanto pelo orgânico (biológico) como pelo cultural (utilização de instrumentos e signos).
Porém, deve-se considerar que as funções psicológicas: o sentimento, o pensamento e a
vontade, que formam a tríplice natureza social da consciência, são historicamente constituídos
no contexto ideológico, psicológico e cultural (Molon, 2003, p.94) e que as emoções nos
homens são substancialmente diferentes dos animais, pois nestes últimos as reações afetivas
expressas, as únicas possíveis de visualização, estão ligadas diretamente com o êxito ou
fracasso de sua atividade imediata e conservam plenamente sua ligação com o substrato
biológico de suas necessidades e instintos. Já no homem, a existência da linguagem introduz
mudanças na reorganização dessa vivência emocional, tornando nosso mundo emocional
muito mais rico, e muitas vezes, contraditório aos motivos biológicos, levando-nos a formar
sentidos subjetivos afetivos, que podem ser chamados de vivências afetivas, que vão muito
além dos limites das reações afetivas imediatas, sendo inseparáveis do pensamento, que se
processa com a participação imediata da linguagem. (Luria, 1991, p.83). A forma de pensar,
junto com o sistema de conceitos, que representam tanto a realidade externa e quanto nossa
realidade interna, nos foi imposta pelo meio, pela cultura e seus signos, e isso também valem
para os sentimentos, por isso eles são históricos, ou seja, surgem nas relações do sujeito com
as demais pessoas, com a cultura e seus signos, sendo alterados em meios ideológicos e
psicológicos distintos. E, por conseguinte, as emoções mais complexas somente aparecem
historicamente e são a combinação de relações que surgem em conseqüência da vida
histórica , combinação que se dá no transcurso do processo evolutivo das emoções.(Vigotski,
1996, p.126-127).
52
O caráter ideológico do signo também é apontado por Bakhtin (2004, p.95), para ele a
palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. E é
assim que nós percebe-se as palavras: só reage-se àquelas que provocam ressonâncias
ideológicas ou que são concernentes a nossa vida. A linguagem é o espaço privilegiado para a
criação e manutenção ideológica, e é mais que isso, é uma forma de representação dessa
realidade. A ideologia está presente em todas as ações dos grupos humanos através da
linguagem, pois, enquanto produto histórico traz representações, significados e valores
existentes em um grupo social e, como tal é veículo da ideologia do grupo; enquanto para o
indivíduo é também condição necessária para o desenvolvimento do seu pensamento. (Lane,
1984, p. 41).
As mediações emocional e da linguagem são necessárias para mantermos nossas
relações com as demais pessoas, através dos seus elementos comunicativos, e são elas
fundamentais na formação do nosso psiquismo, em suas categorias: consciência, atividade,
afetividade e identidade. (Lane, 1997, p. 18-19). Esta junção entre linguagem, pensamento e
emoção está presente nos significados das palavras, os quais institucionalmente, foram
consolidados nos dicionários, como sinônimos (“neutros”). (Lane, 1997, p. 19-20). Portanto
os signos têm duas características básicas: é um meio de comunicação e um meio de conduta.
É um meio de comunicação, pois se necessita deles para nos comunicarmos com as demais
pessoas, e isso também vale para as emoções. Ao ouvir uma pessoa falar, compreende-se suas
intenções e consegue-se reagir, da mesma forma quando se vê algumas reações emocionais
(lágrimas, expressão facial, etc.) podem-se inferir suas intenções mesmo que não diga uma
única palavra e também se reage a isso. O signo também é um meio de conduta, pois é através
dele que o sujeito é inicialmente controlado pelo outro e posteriormente, orienta seu próprio
controle, ou seja, passa do controle do outro para o autocontrole e a auto-estimulação. (lei
genética do desenvolvimento cultural). (Molon, 2003, p.97). Isso alerta para que a linguagem,
apesar de ter possibilitado todo o desenvolvimento psicológico, e ter tornado os homens seres
ativos, comunicativos e cooperativos também pode paralisar e dominar através dessa
ideologia presente em seus significados.
O significado é a parte mais estável do sentido (Vigotski,1999, p. 186) e das
representações sociais, é aquilo que está cristalizado nos dicionários (Lane, 1999, p. 13). Os
sentidos é o que faz parte dos significados (resultado do significado), mas não foi fixado pelo
signo. (Vigotski,1999, p. 186). Os sentidos nascem da confrontação dos significados, dados
socialmente, e da vivência pessoal dos sujeitos (Lane, 1999, p. 13), surgindo em um contexto
53
específico e que se altera em outros contextos. Os sentidos são particulares, porém não
individuais, ou seja, no sentido atribuído pelo sujeito existe um núcleo mais estável que é o
significado, por isso o correto seria afirmar que o sentido é dialógico, opera na dialogicidade
do social e do particular de forma dialética. A formação de sentidos tem uma carga
emocional muito grande, como fator determinante dessa função psicológica da consciência,
pois o sentido se opera na singularidade.
Outro aspecto importante dos significados na constituição emocional pode ser
encontrado na influência desse componente nas fantasias. Quando o ser humano agrupa tudo
que provaca um efeito emocional coincidível em um único sentido, nos quais os elementos
diferentes são vinculados em um signo emocional aglutinante, pelo tom afetivo comum a
esses elementos. (chamado de “lei do signo emocional comum). (Molon, 2003, p.113). Por
outro lado, a imaginação também influencia nos sentimentos. É a “lei da representação
emocional da realidade” que afirma que todas as formas de representação criadora guardam
em si elementos afetivos. (Molon, 2003, p. 114). Vigotski fala dessa relação dos sentimentos e
com a fantasia na reação estética da obra de arte, em Psicologia da Arte, quando explicita o
que chamou de “lei da realidade emocional”:
Se confundo uma pessoa com um casaco que passou a noite
pendurado em meu quarto, o meu equívoco é patente porque minha
vivência é falsa e a ela não corresponde nenhum conteúdo real.
Entretanto, é absolutamente real o sentimento de pavor que
experimento nesse ato. Assim, todas nossas vivências fantásticas e
irreais transcorrem, no fundo, numa base absolutamente real. Deste
modo, vemos que o sentimento e a fantasia não são dois processos
separados entre si, mas, essencialmente, o mesmo processo, e estamos
autorizados a considerar a fantasia como expressão central da reação
emocional. (Vigotski, 2001, p. 264).
O homem está em relação com o mundo, atua interferindo (atividade), mas, ao mesmo
tempo, também é afetado por essa realidade, constituindo seus registros. A atividade é toda
ação humana, nesse processo, dentro do mundo objetivo, da cultura, do coletivo, do social é
que temos a possibilidade de nos constituirmos como humanos.
As funções psicológicas superiores são produtos e, ao mesmo tempo, produtores do
meio sociocultural em que vivemos, e é através da atividade externa que se criam à
possibilidade de construção da atividade interna. Vigotski (2000, p. 74) chama esse processo
de internalização, que é a reconstrução interna de uma operação externa. Esse processo de
internalização consiste numa série de transformações:
54
a) Uma operação que inicialmente representa uma atividade
externa é reconstruída e começa a ocorrer internamente; b) Um
processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal; c) A
transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal
é o resultado de um longa série de eventos ocorridos ao longo do
desenvolvimento. ( Vigotski, 2000, p.75).
Vigotski (2000, p. 75-76) afirma que todas as funções superiores originam-se das relações
reais entre os indivíduos e que essa internalização das formas culturais de comportamento
envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as operações com os signos.
Assim a compreensão das funções das emoções nesse processo é importante para
compreendermos a essência da atividade humana. A emoção e a ação estão estreitamente
ligadas, pois a primeira caracteriza o estado do sujeito perante a segunda, ou seja, as emoções
por meio das ações situam os sujeito no espaço de suas relações sociais, entrando no cenário
da cultura. O emocionar-se é uma condição humana do domínio da cultura que por sua vez se
vê na gênese cultural das emoções humanas. (González Rey, 2003, p. 242). Para esse autor,
as emoções são registros complexos que, com o desenvolvimento da condição cultural do
homem, passam a ser uma forma de expressão humana perante situações de natureza cultural
que surgem em sistemas de relações e práticas sociais. A emoção tem um papel fundamental
na constituição do sentido das experiências. O sentido da emoção, produzido na experiência,
se manifesta pela relação de uma emoção com outras em espaços simbolicamente
organizados, dentro dos quais as emoções transitam e dessa unidade entre o simbólico e o
emocional, sem que um desses momentos seja “reduzido” ao outro, se define o sentido
subjetivo. (González Rey, 2003, p. 243).
As emoções também têm relações diretas com as necessidades e os motivos. As
necessidades são compreendidas como um sistema emocional em constante desenvolvimento,
pois são estas estados produtores de sentido, associados à atuação do sujeito numa atividade
concreta. Elas não estão presas a esquemas universais e padronizadas, pois apesar da
existência de seu substrato fisiológico, adquirem sentidos em cada ação humana. As emoções
são um sistema de registros pelo qual o indivíduo consegue mobilizar-se subjetivamente para
o desenvolvimento de uma atividade. São as emoções que definem o reconhecimento de
recursos psicológicos para atuar ou não, sendo esse processo mesmo um sentido subjetivo que
expressa, através da emoção, uma síntese complexa de estados, conscientes ou não, que o
sujeito possui perante a dada ação. Em cada atividade surge um conjunto de necessidades que
55
tem um sentido para o sujeito, essas necessidades são formadoras de sentido na
processualidade das diferentes ações e práticas sociais. (González Rey, 2003, p. 2445-246).
Os motivos, diferentemente das necessidades, são sistemas de necessidades que foram
configurados de forma relativamente estável na personalidade e em que sempre participam
núcleos de sentido que atravessam as mais diversas formas de atividade do sujeito, que
poderiam ser dominados como tendências orientadoras de personalidade. (González Rey,
2003, p. 245-246). Os motivos representam configurações subjetivas e são formadores de
sentido, porém não são os determinantes diretos, pois o sentido se integra a outros elementos
de sentido que aparecem no decorrer da própria atividade, que quando se integram a eles
perdem sua especificidade e nexos anteriores. Mesmo assim, os motivos, apresentam
definições relativamente estáveis de sentidos subjetivos associados a certas atividades,
associações e sistemas de significação do sujeito. (González Rey, 2003, p. 247). A atividade
humana depende diretamente das emoções e vice-versa. A emoção é anterior a ação, surge em
na atividade e transforma o sentido atribuído pelo sujeito a essa experiência.
A consciência de si e do social somente aparece no indivíduo quando ele é capaz de
detectar as contradições entre as representações sociais que acredita (por exemplo, os valores
de bom-mau, verdadeiro-falso, certo-errado) e suas atividades desempenhadas na produção da
sua vida material. (Lane, 1984, p. 41). A ideologia está presente na linguagem, pois ela é um
produto histórico, e traz essas representações, significados e valores existentes em um grupo
social, portanto sendo um veículo da ideologia desse grupo. (Lane, 1984, p. 41).
Segundo Martin-Baró (1983, p. 217-218), a consciência que os membros de um grupo
podem ter em relação aos interesses e objetivos coletivos, não determinam à condição de
grupo, pois essa consciência, sua natureza e sentido social, dependem das condições objetivas
do grupo enquanto tal, cujos limites estão condicionados ao “Limite máximo de consciência
possível”, sujeitos à realidade. Mesmo que a consciência sobre os interesses ou objetivos
comuns não determine, ela exclusivamente, o que é um grupo, com freqüência catalisa sua
aparição ou dinamização, orientando e incentivando as pessoas a agirem em prol das metas
comuns ou fazendo com que busquem em níveis novos e superiores de modos de organização
e estruturação coletiva. Um grupo, segundo Martin-Baró (1983, p. 219), surge quando os
interesses de várias pessoas confluem e necessitam de uma canalização em uma circunstância
histórica concreta, filiando-se, assim a um grupo. Quando isso acontece, e os indivíduos têm
consciência, pode levar a cristalização do grupo. Seja que essa consciência corresponda a
interesses reais dos próprios indivíduos ou de uma falsa consciência induzida por um estado
de alienação social. Isso acontece porque o grupo é a materialização de uma consciência
56
coletiva que reflete, verdadeiramente ou não, a demanda interesse tanto pessoal quanto
coletivos de determinados grupos ou pessoas. Por isso, o grupo depende de forma essencial do
contexto macrossocial onde surge, pois refletem essas forças e interesses. A consciência que
seus membros adquiram sobre a estrutura dinâmica, seu próprio comportamento e o dos
demais, em seu grupo será falsa enquanto não tenha uma necessária referencia a esse
contexto. A consciência sobre o grupo deve ser uma consciência do grupo situado, ou seja,
saber que seu grupo é um produto e expressão das forças históricas que configuram a
sociedade. Assim, só na medida em que o grupo se envolve em uma tarefa de mudança, a
consciência sobre os processos experimentados permitirá a seus membros ter novas
perspectivas e ter uma possibilidade de maior liberdade frente aos condicionamentos e
determinismos sociais, até então ignorados ou ideologicamente negados. (Martin-Baró, 1983,
p.304).
Os grupos que participamos em nossas vidas são o lócus da nossa socialização e de
nossas trocas simbólicas e afetivas, é a configuração de intersubjetividades. Tanto nos grupos
primários (grupos onde sua natureza consiste em solidificar e ser portador dos determinismos
macroestruturais sociais, tendo como funções básicas à satisfação das necessidades básicas e a
formação da identidade, sendo a família é ainda o principal) como nos funcionais (que são
aqueles que correspondem a divisão social do trabalho no interior de uma sociedade) e por
fim nos grupos estruturais (que são os grupos mais determinantes numa sociedade, cujo
membros vão agir segundo interesses objetivos derivados da divisão de classes sociais).
Independente de seu tipo, todo grupo humano tem uma estrutura afetiva informal que
determina os comportamentos dos membros (Martin-Baró, 1983, p.224), pois o grupo é uma
das mediações fundamentais na constituição do psiquismo (Lane, 1999, p. 23). O fazer grupal,
suas atividades, gera vínculos entre seus membros, onde os vínculos mais imediatos são
aqueles derivados da complementaridade funcional entre as pessoas para atingirem seus
objetivos e a satisfação de suas necessidades e interesses, mas também geram vínculos
afetivos, seja de caráter positivo ou negativo e por conseqüência também uma identidade
grupal. (Martin-Baró, 1983, p.224).
A atividade grupal produz um efeito na sociedade e essa relação produz um processo
de retro-alimentação avaliativa, mediante o qual a sociedade expressa sua satisfação ou
insatisfação com o serviço ou produto recebido do grupo. Porém, essa avaliação social é
ambígua, por que pode acontecer que um grupo esteja realizando um serviço ou fornecendo
um produto muito satisfatório para os setores dominantes, que dispõe de recursos econômicos
para custear-se desses produtos ou serviços, mas que ao mesmo tempo torna-os inatingíveis
57
para a grande maioria da população, por isso acabam avaliando positivamente o grupo.
Também existe o contrário, quando o serviço ou produto não é satisfatório para os setores no
poder e por isso acaba avaliando negativamente esse grupo. Essa avaliação se dá de várias
maneiras, através da influência desses setores sobre a mídia, sobre o poder público, sobre os
meios de produção. Um exemplo do primeiro caso são os hotéis de primeiro nível no litoral,
que mesmo que sejam prejudiciais para os caiçaras, a mídia ou o poder público podem avaliar
como positivo e necessário para a cidade. Agora, um exemplo do segundo caso, seria por
exemplo os movimentos de luta pela reforma agrária. (Martin-Baró, 1983, p.382). Por isso
devemos analisar historicamente as relações entre os grupos em uma comunidade.
A definição de comunidade é complexa, por isso na verdade a comunidade possui
muitas definições nas ciências sociais. Montero (2004, p. 211) ao pesquisar sobre o tema
indica que existem vários enfoques e que cada um traz conseqüências diversas na autuação do
psicólogo nessa comunidade. Desses enfoques destacamos os três mais presentes na literatura
das ciências sociais. O primeiro enfoque considera a comunidade como algo contaminante,
ou seja, os modos de aproximação da comunidade em que os interventores ou pesquisadores
mantém um discurso que fala de igualdade, mas tomam medidas que mantém a separação
entre o que fazem e a comunidade, é a lógica da higiene, não contaminar-se com a
comunidade, porém essa postura reflete a incapacidade de ver a comunidade e de relacionar-
se com ela. O segundo enfoque consiste em ver a comunidade como deficiente, ou seja, como
incapaz ,débil e enferma, baseada em modelo médico, que só vê as carências, não as forças e
levando a relacionar-se com a comunidade de forma partenalista, clientelista. A comunidade
nessa visão não é capaz, sem apoio externo, de superar sues problemas. O terceiro enfoque é
ver a comunidade como algo puro, que poderia ser contaminado pela ação dos agentes
externos, pois tudo que é proveniente dessa comunidade é perfeito, intocável, e imutável. No
fundo essa pureza sugere uma fragilidade que descarta toda forma de discussão, de
aprendizagem e de transformação, como se a comunidade não fosse capaz de refletir sobre
novas idéias e modos de ação. Neste trabalho temos uma posição mais crítica quanto ao
conceito de comunidade, que não é algo idealizado ou estático, mas em constante movimento,
pois a comunidade é um processo que se constrói e se desconstrói continuamente.
Outra questão importante para esse trabalho é o conceito do Sentido de comunidade.
Na relação indivíduo-comunidade constrói-se muitos processos e um deles é sentido de
comunidade, que pode ser definido como o sentido que tem os membros de uma comunidade
de pertencer, seu sentimento de que os membros se importam uns com os outros e com o
grupo. É uma fé compartilhada de que as necessidades dos membros seriam atendidas
58
mediante o compromisso seu compromisso de estar junto. Os componentes básicos desse
sentido de comunidade seriam: a membresia, que envolve a história e a identidade social
compartilhada pelos membros, os símbolos comuns, a segurança e o apoio emocional, os
diretos e deveres dessa membresia, as gratificações pelo fato de pertencer a uma comunidade
e os limites dessa membresia, também muitos importantes para o sentimento de pertença.
Outro componente seria a influência, ou seja, é a capacidade, tal como é percebida, de um do
indivíduo influenciar, induzir, ou mesmo ser ouvido e conseguir alterar algo na comunidade.
Também pode der entendida como a capacidade de uma comunidade ou um grupo de
influenciar nos comportamentos das pessoas. Outro componente seria a Integração e
satisfação das necessidades, pois refere-se aos benefícios que a pessoa pode receber pelo fato
de pertencer a comunidade em termos de status, respeito, valores compartilhados,
popularidade e ajuda material ou psicológica em momentos de necessidade. E por fim o
sentido de comunidade se relaciona com o compromisso e os laços emocionais
compartilhados, pois pertencer a uma comunidade significa compartilhar datas e
acontecimentos especiais, conhecer as pessoas por seu nome e sobrenome, manter relações
estreitas e afetivas com muitas pessoas, saber que se conta com elas em momentos de alegria
e de tristeza. Este é o componente fundamental no sentido de comunidade, baseado em
relações afetivas. (Montero, 2004, p. 216-217). Porém devemos entender que os sentidos que
a comunidade tem para cada indivíduo é diferente, pois os sentidos são construídos numa
relação ativa com o mundo. Mas o que falamos aqui são fatores que influenciam nesse
processo.
Na comunidade, as relações entre os diversos grupos e pessoas também podem ser
consideradas como relações de dominação
14
à medida que em nossas práticas sociais
reproduzimos a ideologia do sistema capitalista no qual vivemos com seus valores e
condições objetivas decorrentes do meio de produção e sistema de trabalho. A alienação deve
ser considerada como uma relação que se processa no cotidiano. (Guareschi, 2001, p.91).
A vida social humana é dividida em dois âmbitos: a vida cotidiana e a vida não-
cotidiana. Na vida cotidiana estão as objetivações do gênero humano, objetivações genéricas
em si, onde estão os elementos básicos para sua sobrevivência que são a linguagem, os
objetos (utensílios e instrumentos) e os costumes de uma sociedade. Já a vida não-cotidiana,
14
“Dominação é definida como uma “relação” entre pessoas, entre grupos, ou entre pessoas e grupos, através da
qual uma das partes expropria, rouba, se apodera do poder (capacidade) de outros. Por extensão, dominação é
uma relação onde alguém, a pretexto de o outro possuir determinadas qualidades ou características, se apodera
de seus poderes (capacidades) e passa a tratá-lo de maneira desigual. Dominação portanto, é uma relação
assimétrica, desigual, injusta.” (Guareschi, 2001, p.90).
59
que tem sua gênese na primeira e reflete o estágio de desenvolvimento de uma sociedade, se
constitui a partir de objetivações humanas superiores, objetivações genéricas para si, mais
complexas como: a arte, a moral, a política, a filosofia. Vigotski (1999, p.294) aponta para
esse quadro quando fala da arte como catarse emocional, quando o artista está absorto em sua
obra ou quando assistimos à peça teatral. São características da vida cotidiana: a
espontaneidade, probabilidade, economicismo, pragmatismo, ultrageneralização, entonação.
(Heller, 1977, p.293).
Na vida cotidiana agimos pela espontaneidade, isto é, agimos e pensamos sem uma
reflexão crítica e consciente. Isso acontece porque é necessário viver o cotidiano de forma
prática, ou seja, não podemos parar para refletir sobre cada ação cotidiana. Assim, nas
relações sociais agimos de forma espontânea, não refletida, e assim vamos formando nossos
costumes e hábitos. Também agimos através da probabilidade, ou seja, não precisamos
determinar para cada ação com um rigor o que vai acontecer, isso é aprendido através da
educação no mundo, se já fizemos isso ou se já vimos alguém fazer, então temos grandes
chances de prever os resultados e isto basta. Outro aspecto importante é o economicismo, ou
seja na vida cotidiana, tendemos a pensar e agir de forma a economizar o máximo possível de
tempo e esforço físico e intelectual. Segundo Montero (2004, p. 256) nas relações
comunitárias, o ser humano acaba construindo um campo habitual de conhecimento, no qual
codifica e organiza a realidade através de processos de habituação e normalização das
situações adversas e de familiarização de novas circunstâncias adequando-as as habituais,
integrando-as dentro do já conhecido e fazendo-as similares, semelhantes a esse já conhecido
e, portanto, familiares. Um efeito desse processo são as baixas expectativas de mudanças das
circunstâncias da vida, uma vez que se percebe as circunstâncias alternativas como distantes,
impossíveis, alheias, ou fora do alcance das pessoas que se encontram numa situação difícil.
A continuidade de certas ações, pensamentos e sentimentos tendem a permanecerem
ou se reproduzirem em decorrência de sua eficácia na vida cotidiana. Da mesma forma, o
pragmatismo, é caracterizado pela ação e pensamento sem uma reflexão mais aprofundada,
não temos interesse na vida cotidiana em refletirmos filosoficamente, por exemplo, em cada
ação ou pensamento, eles são determinados muito mais por sua funcionalidade e viabilidade
do que por razões de ordem teórica ou filosófica. Na vida cotidiana agimos baseados nas
generalizações tradicionalmente aceitas e difundidas pela sociedade, as suas representações
sociais, ou segundo nossa generalização de nossas próprias experiências. Esse processo leva
também ao que Montero (2004, p. 256) chamou de processo de naturalização, ou seja, encara-se
um conceito, uma idéia, ou mesmo uma situação, como se fosse um ser, atribuindo-lhe
60
preferências e ações, valores e tendências. Naturaliza-se o social, as coisas são assim porque
são. Segundo Heller (1977) são exemplos dessas ultrageneralizações: os juízos provisórios, o
preconceito e analogia. Outro aspecto importante é a entonação, ou seja, é uma espécie de tom
afetivo que existe em volta da pessoa, é uma espécie de ultrageneralização emocional, que
tem como função a avaliação das outras pessoas e a comunicação, pois o pensamento
cotidiano aparece sempre saturado de percepções, ou muito próximo a elas, e carregado
sempre de sentimentos (Heller, 1977, p.341-342). Para Heller a presença dessas formas de
pensamento, ação e sentimentos não são necessariamente um problema, mas quando elas se
cristalizam e os indivíduos não são capazes de romper com esses padrões acontece a
alienação, pois o indivíduo não consegue em nenhum momento transcender essas
características.
Vendo por esse prisma, a questão da afetividade e, sua relação com a consciência de si
e social, não pode ser tratada como um tema exclusivamente particular, mas torna-se um
fenômeno social que perpassa as esferas do cotidiano e seus grupos onde vivemos. Os afetos
estão presentes em qualquer grupo e os fenômenos afetivos que lhes são subjacentes, no
desenvolvimento de suas atividades. Esses aspectos influenciam determinantemente nos
resultados alcançados pelo grupo, pois o permeiam, direcionam ou redirecionam as relações
pessoais e as ações frente a determinadas situações com as quais estamos envolvidos. (Vieira,
2000, p.13). Para entender concretamente essa manifestação emocional, devemos estudar a
estreita relação entre desenvolvimento da consciência e da linguagem em face da ideologia
presente nas significações institucionalizadas das palavras e mediadas nos processos de
relações sociais práticas e de comunicação (Friedman, 1995, p.135), tanto intergrupo quanto
intragrupo, entendendo que essa tomada de consciência é um processo de construção social,
como todo conhecimento, e não simplesmente um descobrir ou colocar a luz sobre algo que já
está lá. (Martin-Baró, 1983, p.382), para isso uma das saídas propostas por Montero (2004, p.
261), com base em Freire (1979) é a problematização do cotidiano nas relações comunitárias,
pois é um processo que analisa criticamente o “ser no mundo”, descartando o caráter natural
de certos fenômenos e refletindo sobre suas causas e conseqüências. Esse processo de
problematização conduz a desnaturalização , pois ao problematizar o caráter essencial e
natural atribuídos a certos fatos ou relações, se revelam contradições, assim como seu
caráter ligado a interesses sociais ou políticos e suas limitações a respeito da capacidade de
avançar ou de superar situações negativas ou limitantes. Ao investigarmos e trabalharmos
junto a grupos e comunidades devemos considerar a questão da afetividade nos processos de
problematização, de desnaturalização e conscientização dessa população. Segundo Montero
61
(2004, p. 281) a afetividade interveem em todos os processos comunitários e particularmente
evidente em alguns deles como: A participação ou não das pessoas em movimentos,
influenciando seu compromisso com a comunidade. Nos processos de Problematização e
Conscientização dessas pessoas, na formação de uma identidade comunitária e no sentido de
comunidade, no rechaço dessa comunidade por parte das pessoas, na geração de movimentos
de resistência e de protesto no seu interior e na dinamização da ação comunitária.
A afetividade (emoção e sentimento) é um universo particular de estudo e de
ação social transformadora que supera a cisão universal/particular e mente/
corpo. Ela é a dimensão particular de uma ação política: encontrar um meio de
entrar no que há de mais singular da vida social e coletiva, em sua
singularidade, para promover a transformação social. (Sawaia, 2000)
62
Parte II
Método da Pesquisa
1 - Algumas palavras sobre o método.
Essa pesquisa busca investigar o processo de constituição de um grupo, destacando os
aspectos afetivos desse processo. Para isso buscou-se um método que permitisse analisar esse
processo grupal em sua totalidade e olhar sua processualidade cotidiana.
As orientações metodológicas dessa pesquisa são fundamentadas no método dialético
e no materialismo histórico, pois é dentro deles que vamos encontrar os pressupostos
epistemológicos para reconstrução de um conhecimento que atenda à realidade social e ao
cotidiano de cada indivíduo e que permite uma intervenção efetiva na rede de relações que
define cada indivíduo objeto da Psicologia Social (Lane, 1984c, p. 16-17).
Foi Vigotski, e posteriormente a Troika (o próprio Vigotski , Leontiev e Luria), que
implementou o método proposto por Marx , o materialismo histórico, na psicologia. O
elemento-chave desse método para o estudo do comportamento humano decorre de sua
compreensão do contraste estabelecido por Engels entre as abordagens naturalísticas e
dialética na compreensão da história humana, ou seja, Engels afirmava que, na abordagem
dialética, admitindo a influência da natureza sobre o homem, o homem age sobre ela , e cria,
através das mudanças nela provocadas, novas condições para a sua existência. O homem age
sobre a natureza e esta sobre ele, numa relação dialética. Isso traz uma nova forma de
compreender o psiquismo, um novo método e uma nova estrutura analítica. (Vigotski, 2000,
p. 80). Essa nova abordagem de análise é alicerçada em três princípios fundamentais: Analisar
processos e não objetos; explicação versus descrição; o problema do “comportamento
fossilizado” (Vigotski, 2000, p. 81-84)
No primeiro princípio, Analisar processos e não objetos, Vigotski (2000, p. 81)
destaca a importância de se estudar os processos e não os objetos, então deve-se perceber os
fenômenos não como estáticos mas sim dinâmicos e em mudança. Para entendermos um
processo, primeiro devemos fazer uma exposição dinâmica dos principais pontos constituintes
da história dos processos, nesse sentido a tarefa básica da pesquisa obviamente se torna uma
reconstrução de cada estágio no desenvolvimento do processo: deve-se fazer com que o
processo retorne aos seus estágios iniciais. (Vigotski, 2000, p. 82).
63
O segundo princípio reflete sua insatisfação sobre um dos procedimentos mais
enraizados da psicologia em sua época, a descrição, principalmente em referência a
psicologia introspectiva e associacionista. Sua crítica é ao mesmo tempo simples e profunda:
a simples descrição não revela as relações dinâmico-causais reais subjacentes ao fenômeno e
prender-se a descrições nominais tinha pouco proveito para a psicologia, pois retomando uma
idéia de Marx, de que se a essência dos fenômenos correspondesse exatamente a sua
aparência, então toda a ciência seria inútil. Assim, um novo tipo de análise objetiva deveria
procurar mostrar a essência dos fenômenos psicológicos ao invés de focalizar-se em suas
características perceptíveis, não que esses últimos não fossem importantes, mas somente eles
são insuficientes. A psicologia deve fazer uma análise que inclua tanto as manifestações
externas quanto o processo em estudo, determinando suas relações dinâmico-causais.
(Vigotski, 2000, p. 82-84).
Por último, Vigotski afirma que um dos principais desafios na análise é estudar os
processos que passaram por um período bastante longo de tempo e tornaram-se fossilizados,
ou seja, esses comportamentos tornaram-se mecanizados, automáticos e, na maioria das vezes,
perderam sua aparência original, e a sua aparência externa nada diz sobre sua natureza
interna. (Vigotski, 2000, p. 84). Em função disso, há a necessidade de estudarmos os
fenômenos de maneira dinâmica e histórica, não nos concentrando-nos no produto do
desenvolvimento, mas no próprio processo de estabelecimento das formas psicológicas
superiores, ou seja, o estudo do caráter histórico é fundamental nesse processo. Com isso
Vigotski afirma que estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la no processo de
mudança: esse é o requisito básico do método dialético. (Vigotski, 2000, p. 85-86). Esses três
aspectos são importantes na abordagem adotada aqui para analisar o processo grupal.
Outro aspecto que nos baseamos na definição da metodologia dessa pesquisa foi o
conceito e a prática da Pesquisa Participante, nela a lógica é qualitativa, embora não despreze
os dados quantificáveis; sua arena é política, embora possa incorporar a técnica; seu método é
o desvelamento das relações, contradições, conflitos, desigualdades, tendências impositivas,
ideologias. Aspectos importantes na investigação do processo grupal. Seu modo de existência
é a participação dos envolvidos no problema, já não mais percebidos como objeto.
Diagnóstico da situação, a execução da investigação e os resultados que alcança são
colocados em discussão, na busca da geração de conhecimento, através da análise e da síntese
coletivas. Não propõe a generalização dos resultados, mas o conhecimento gerado permite
que outras práticas dele as valham. Criticamente. (Vergara, 1988. p.27). Seu objetivo é
64
integrar: Investigação Social, Trabalho Educacional e a Intervenção na Realidade. (Vergara,
1988. p.27).
O método da pesquisa participante também oferece limites e riscos, mas é um
poderoso meio para a construção da cidadania:
A pesquisa participante oferece limites e riscos, mas não se pode deixar de
considerar que, adequadamente processada, oferece também contribuições
para o exercício da cidadania, na medida em que busca o comparecimento das
pessoas à arena política, como participantes criticamente conscientes de sua
prática. (Vergara, 1988. p.28).
Esses princípios que norteiam esse estudo são compatíveis com a conjugação
investigar/intervir, baseando-se em métodos participativos de investigação, chamados de
Pesquisa Ação (Thiollent, 2002) e Pesquisa Participante (Brandão, 1981). Será, porém,
utilizado o termo Observação Participante, como uma tradução mais precisa desse fazer
pesquisa. (Sawaia, 1987, p.33).
A opção foi investigar o cotidiano dessas pessoas, através da participação
direta do pesquisador no grupo. O psicólogo que trabalha com grupos comunitários deve
assumir uma posição clara, não de uma pseudo neutralidade científica, mas de compromisso
com as causas populares. Essa postura traz conseqüências tanto em sua atuação, quanto nas
alternativas metodológicas utilizadas, pois essas devem estar em consonância com o princípio
de que a relação sujeito-objeto é dinâmica e não estática, onde o pesquisador está
comprometido com seu objeto de estudo, acompanhando-o em seu desenvolvimento histórico.
(Reboredo, 1982, p.41). O que significa que o pesquisador deve “fazer com” e não “fazer
para” (Freire, 1983, p.146), a iniciativa para mudanças deve ser das próprias pessoas da
comunidade, o pesquisador deve auxiliá-los no desvelamento das determinações históricas de
sua condição de vida, mas para isso é necessário a problematização desse cotidiano via fatos
reais. A metodologia utilizada visa investigar constituição desse grupo, o que também resulta
em um conhecimento da comunidade onde está inserido. Foi escolhido o grupo como
categoria de análise privilegiada. Essa escolha se deve aos seguintes fatores: É no grupo que
podemos conhecer as determinações sociais que agem sobre o indivíduo, e sua ação como
sujeito histórico, portanto, a análise do processo grupal permite captar esse dialético
indivíduo-grupo, analisar a questão da consciência e alienação tanto individual quanto
coletiva, através desse processo que envolve pensamento e ação, mediados pela linguagem e
os afetos (Lane, 1984, p.42).
65
2 - Procedimentos da Pesquisa
Os procedimentos de pesquisa foram planejados conforme os objetivos da pesquisa.
Uma vez que se pretendia uma observação participante, a aproximação com o grupo e a
inclusão do pesquisador neste era fundamental, pois um dos objetivos era poder participar
ativamente nas atividades realizadas pelo grupo, participando de seu cotidiano e, assim, poder
observar, e muitas vezes intervir, junto a essas pessoas. A pesquisa teve as seguintes etapas:
um primeiro momento exploratório (de aproximação) e um segundo momento de participação
ativa no grupo.
No primeiro momento, ocorrido no segundo semestre de 2004, o pesquisador chegou
ao grupo da seguinte forma: o pesquisador é morador da cidade onde a comunidade está
inserida e conhecendo alguns dos problemas do bairro através da mídia local, como por
exemplo, a questão da prostituição e da violência, se propôs a procurar algum grupo no bairro
que estivesse realizando algum trabalho em prol dessa comunidade, pois estava interessado
em pesquisar um grupo que de alguma forma estivesse em um processo de possível
construção de uma consciência crítica e ação em prol de uma comunidade. Primeiro o
pesquisador chegou à comunidade e localizou junto à prefeitura local se existia algum grupo
com essas características, o administrador local indicou uma associação de moradores que
estava em processo de formação com a ajuda do P.S.F. (Programa Saúde da Família).
Chegando a esse PSF, me informei com a coordenadora do PSF sobre a associação, expus
minhas intenções e que foi bem recebido pela coordenadora e o convidou para participar das
reuniões desse grupo que pretendia fundar essa associação. A partir de então, o pesquisador ia
até o bairro uma vez por semana para participar de reuniões do grupo, e posteriormente
também para outros eventos promovidos por esse grupo. Em algumas ocasiões foram
realizadas algumas entrevistas com alguns sujeitos do grupo para aprofundar algum tema e
também para complementar algumas informações. Todas as reuniões eram gravadas em fita
cassete e o pesquisador fazia anotações em um diário de campo. Também eram fotografados
alguns encontros e eventos do grupo. Esse acompanhamento durou aproximadamente um ano.
Em paralelo, foi realizada uma pesquisa documental sobre o bairro no acervo da biblioteca
municipal, colhendo informações em jornais e revistas regionais. Portanto, todo o material
utilizado para análise foi proveniente das seguintes fontes: anotações do diário de campo,
entrevistas, gravações em fita cassete e fotos, documentação oficial ou não (levantamento
66
histórico do bairro, infra-estrutura, serviços, e outros), jornais, transcrição dos diálogos do
grupo nos momentos que se reuniram.
Todo o material colhido, ou seja, as discussões nas reuniões e as anotações do diário
do campo foram transcritas e organizadas em uma folha de registro, conforme o modelo de
cédula de campo. Ver anexo 02. Foram mantidos a forma original das falas, ou seja, suas
características pessoais como linguagem coloquial e erros gramaticais, pois consideramos que
isso é importante para compreensão das pessoas e seu meio.
Após essa organização, todo esse material foi analisado da seguinte forma: primeiro
foi realizada uma leitura por completo do material, buscando identificar o processo grupal, ou
seja, verificar como foi o movimento de constituição desse grupo, quais foram às fases que
passou, quais elementos o afetaram, como os afetos emergiam nesse processo e como eram
lidados no grupo, como se deram as relações de poder nesse grupo, quais foram a ações
tomadas por esse grupo, como eles se organizavam, como eles se identificavam e outros
aspectos importantes para a compreensão dessas processualidade. Depois essas informações
foram organizadas em um “Mapa temporal dos eventos do grupo” (ver anexo), separando em
momentos do grupo e em subcategorias dentro desses momentos, sempre analisando como
cada subcategoria se relacionava com os aspectos afetivos e com a consciência. Analisando as
ações e o discurso do grupo. Basicamente foram analisados os discursos e os significados
atribuídos pelos membros do grupo a esses momentos, com isso pretendeu-se verificar a
processo grupal e como os afetos interferiam nas ações desse grupo.
67
Parte III
Análise dos dados
3.1 – O grupo
O grupo pesquisado era formado por aproximadamente 15 pessoas que eram mais
constantes nas atividades, que podemos dividir da seguinte forma: Os profissionais do P.S.F.
(os agentes comunitários de saúde, a supervisora e a médica) e os moradores. A seguir uma,
dos identificação dos participantes desse grupo, segundo as siglas que utilizadas no decorrer
da dissertação:
Dra. é a médica do PSF, responsável pelo posto de saúde local e idealizadora da
ONG.
M Agente comunitário de saúde, feminino, 30 anos.
Re supervisora do PSF, feminino, 40 anos.
V - Agente comunitário de saúde, feminino, 25 anos.
M.J. - Agente comunitário de saúde, feminino, 30 anos.
G - Agente comunitário de saúde, feminino, 40 anos.
L - Agente comunitário de saúde, feminino, 40 anos.
Sr.O morador do bairro, aposentado, 55 anos.
Sr. E - morador do bairro, aposentado, 60 anos.
R - morador do bairro, advogado, 30 anos.
Sil. - morador do bairro, doméstica, 25 anos.
D. A. - morador do bairro, aposentada, 60 anos.
D. At. - morador do bairro, do lar, 50 anos.
S - morador do bairro, aposentada, 50 anos.
L - morador do bairro, desempregado, 30 anos.
Ver. L vereador do município.
Ver. R - vereador do município.
P pesquisador.
Na análise dos dados, verificou-se que o grupo passou por vários momentos ou fases,
das quais é feito um resumo abaixo:
68
Primeiro momento, o surgimento do grupo. O grupo surgiu por iniciativa dos
profissionais do PSF do bairro. O objetivo desde o início era cumprir uma norma do programa
federal saúde da família que prevê que o PSF local crie grupos na comunidade onde está
inserido com o objetivo de promover saúde coletiva. Inicialmente os agentes de saúde, sob a
orientação da médica do Programa, escolheram várias pessoas e para participarem e as
convidaram. Assim, marcaram as primeiras reuniões desse grupo, onde a intenção era fundar
uma associação de moradores para apoiar os trabalhos do PSF. Desde o início, a participação
no grupo foi delimitada pela equipe do PSF, delimitando também seus objetivos para serem
coerentes com o que desejavam. A primeira reunião desse grupo ocorreu no dia 28/04/2004.
Inicialmente o grupo era composto por aproximadamente 24 pessoas, ele foi composta por
homens e mulheres de diversas idades, porém com prevalência de pessoas de meia idade (pós
45 anos). Eles começaram a se reunir em um local cedido por um dos membros e
posteriormente conseguiram local (um antigo posto policial) que foi cedido pela prefeitura.
Os fatos que se pode destacar desse primeiro momento são: a “eleição” da primeira diretoria,
a transformação de associação em ONG, a formulação de um estatuto e o início do processo
de registro na prefeitura local. Em todos esses momentos ocorreram fatos muitos importantes
para o processo grupal e são analisados adiante.
Um segundo momento, “a luta no grupo e a luta pelo grupo”. Nesse momento, que
iniciou após uns seis meses da primeira reunião e durou até praticamente o final do grupo
alguns acontecimentos externos ao grupo e internos levaram as pessoas entrarem e um
conflito constante, em uma luta pelo poder, nesse momento o grupo torna-se um “lugar para
falar” e um “lugar para se calar”. Desse momento podemos destacar os seguintes aspectos,
que também serão analisados adiante: a relação tempestuosa entre a médica e a equipe do
PSF; a eleição de um novo prefeito; o possível desligamento ou transferência de alguns
funcionários do PSF; a relação entre os membros da diretoria e a médica; a organização das
atividades do grupo; o afastamento da médica; a exposição do grupo perante a mídia local
(reivindicações pela comunidade); formação de subgrupos e a luta pelo poder.
E um terceiro momento, a “quebra do grupo”. Nesse momento, o grupo começa a se
desfazer. O acirramento dos conflitos internos e a incompatibilidade dos interesses pessoais e
coletivos fazem com que as pessoas comecem a sair do grupo. Podem-se destacar os seguintes
fatos desse momento: o acirramento dos conflitos internos devido a luta pelo poder no grupo
devido aos interesses pessoais (médica e diretoria); a desistência da diretoria; o “esfriamento”
do grupo; o reaparecimento da médica; o surgimento de novas pessoas; o final do grupo.
69
Em todos esses momentos ocorreram fatos importantes para a história desse processo grupal,
onde pode-se observar como os afetos podem influenciar nas ações de um coletivo e como
eles são importantes no processo de formação da consciência dos indivíduos. Mais adiante
serão retomados esses momentos e analisados sob ótica sócio-histórica do processo desse
grupo.
3.2 – História e características da comunidade
Em seguida, faz-se um breve relato sobre a comunidade onde ao grupo está inserido,
pois é importante conhecer o contexto onde essas pessoas vivem e um pouco dos fatores que
influenciam seu cotidiano.
O grupo estava localizado no Bairro Praia Azul, em Americana (uma cidade de
aproximadamente 200.000 habitantes), interior de São Paulo. A região é composta por 14
bairros e a represa do Salto Grande (formada pelo represamento do rio Atibaia, para
fornecimento de água para uma hidroelétrica), que genericamente são conhecidos como
Região das Praias. Existem aproximadamente 14.000 habitantes nessa área porém essa é uma
região com pouca densidade demográfica, pois somente partir da década de 80 que o bairro
foi povoado mais intensamente. O primeiro bairro surgiu na década de 30. Nas décadas de 60
e 70 houve a transformação da orla da represa do Salto Grande, em área turística. Nesse
período tornou-se um ponto turístico muito freqüentado por pessoas da região, outros estados
e até países. Surgem muitos hotéis nesse período. As águas da represa são límpidas e atraem
muitos banhistas. Muitas pessoas do bairro trabalhavam no segmento turístico montando
barracas para vender alimentos, alugando barcos para passeios e nos próprios hotéis e
restaurantes. Como se pode verificar nas fotos dessa época que foram cedidas por um dos
membros do grupo.
70
(Turistas na Praia Azul em 1969)
(Família à beira da Represa na década de 70)
71
(Turistas à beira da Represa na década de 70)
No final década de 70 e início de 80, as águas da represa começam a ficar poluídas
devido aos despejos de detritos residências e industriais provenientes de muitas cidades da
região que despejam seu esgoto em rios que desembocam na represa. Hoje esse é um dos
maiores problemas ambientais da região. A poluição das águas se agravou cada vez mais e fez
com que o turismo entrasse em declínio, fazendo com que os turistas progressivamente
desaparecessem e com que muitos hotéis da região fossem fechados ou transformados em
motéis. Dessa época, restou somente um hotel, que praticamente não possui hóspedes. A água
da represa tornou-se progressivamente imprópria para o banho, levando ao surgimento de
aguapés em toda sua superfície (denunciando o desequilíbrio ecológico da represa). Nas
décadas de 80 e 90 houve uma explosão demográfica na região, novos formaram-se, mesmo
sem estrutura e de forma desordenada. Hoje a região convive com vários problemas como a
falta de infra-estrutura (falta pavimentação e esgoto e não há 100% de água tratada disponível
para os moradores) e sociais como a violência, tráfico de drogas e a prostituição. Esse último
problema é apontado pelos membros do grupo como uns dos principais, pois se dizem
estigmatizados. Segundo um levantamento da secretaria da saúde municipal, existe em torno
de 200 profissionais do sexo que trabalham nas ruas do bairro, das quais cinco moram no
bairro e as demais são provenientes de outros bairros da cidade ou de cidades da região. Umas
das principais reclamações que apareceram nas discussões do grupo é que essas mulheres
utilizam-se do espaço público do bairro (ruas e praças) como ponto de prostituição e que
fazem isso, em sua maioria, durante o dia. Numa foto abaixo é mostrado um dos principais
72
locais onde ocorre essa prática. Outros problemas denunciados pelos moradores são a
discriminações sofridas devido a essa situação, onde as mulheres do bairro são estigmatizadas
como prostitutas quando vão em outros locais da cidade. Abaixo segue algumas fotos que
retratam a região nos dias de hoje.
(Rua do bairro Praia Azul em 2005, próxima a Orla da Represa, principal ponto de prostituição do bairro)
73
(Vista da Praia Azul e da Represa do Salto Grande em 2005)
(O Hotel Porto Fino, um dos mais luxuosos, que faliu na década de 80)
(Animais ocupam o lugar o que antes era freqüentado por turistas)
74
(Uma das áreas ocupadas no bairro: moradias precárias)
3.3 - Estudo do processo grupal: consciência e afetividade
Nesse momento, faremos a análise dos dados provenientes de todos os instrumentos
utilizados nessa pesquisa, como as transcrições dos discursos do grupo nas reuniões, as
observações do pesquisador do diário de campo e as entrevistas (como forma complementar
de informação). Foi escolhida a forma de Narrativa para expor a história do grupo e
concomitantemente analisar esse movimento grupal, investigando na constituição desse grupo
as manifestações da consciência, destacando seus aspectos afetivos.
Então que comece a história.
O texto será exposto de tal forma que demonstre a processualidade desse grupo,
falando os momentos de agregação e “costurando” com outros fatos que foram ouvidos e
vistos nos “bastidores” dessas reuniões, em momentos informais e interessantes, relatando
fatos observados, sensações e sentimentos experimentados, conflitos vividos, alegrias
experimentadas.
75
Como dito acima, quando cheguei à comunidade em abril de 2004, fui informado por
uma assistente social da prefeitura que o P.S.F. (Programa da Saúde da Família) do bairro
estava organizando uma associação de moradores na região. Essa associação surgiu por
iniciativa da equipe do PSF, mais precisamente da médica, com o objetivo de servir como
ponto apoio para os trabalhos do PSF, já que uma das premissas desse programa é que a
comunidade tenha atividades em grupo junto com a equipe do PSF. Nesse sentido foi dado
início a essa associação. A composição inicial foi realizada da seguinte forma, cada agente de
saúde “escolheu” duas ou mais pessoas para convidar para participar. A escolha estava
condicionada a aprovação da médica. Assim, desde o início houve uma seleção das pessoas
que participariam, segundo critérios pessoais da médica que não ficaram claros nesse primeiro
momento.
Os grupos podem se formar por vários motivos e a maneira como ocorre essa
formação revela vários aspectos importantes sobre esse grupo. Como o grupo se formou é
uma questão crucial para entendermos seu processo, porém, talvez mais importante ainda,
sejam as questões: Porque o grupo se formou? Porque dessa maneira? A primeira questão nos
revela aspectos dinâmicos do grupo e sua relação com a comunidade, já a segunda diz
respeito à função social que o grupo representa naquele momento histórico, pois ele emerge
nessa comunidade nesse exato momento e tem uma função, no contexto comunitário, mas
também no ordenamento social que o gerou.
O grupo foi formado dentro de um contexto que responde a duas situações diferentes
mas imbricadas: primeiro, a iniciativa de formação de um grupo, que pudesse servir de apoio
para as atividades do PSF do bairro, foi de uma única pessoa, demonstrando assim que, desde
o início, o grupo tinha uma função delineada por outro, por um terceiro, e que esses interesses
pessoais (sendo que a formação de um grupo de apoio na comunidade é uma obrigatoriedade
dentro das normas do Programa Saúde da Família, e portanto de interesse pessoal-profissional
dessa pessoa) mesmo com pretensões de ajudar a comunidade, demarcaram desde o início os
limites e ações desse grupo, e que muitas vezes se sobressaíram a alguns interesses mais
coletivos (como a livre participação de todos os moradores dos bairros, independentemente de
área de abrangência do PSF). Outra situação, é que a formação desse grupo, mesmo sendo por
iniciativa de uma única pessoa, de alguma forma, corresponde à eclosão de forças sociais na
comunidade que estavam latentes, respondendo a necessidades objetivas e subjetivas das
pessoas dessa comunidade. Como exemplo da primeira, podemos citar a necessidade de
muitos moradores em lutar por asfaltamento, esgoto, limpeza, segurança e como exemplo da
segunda, podemos citar a dificuldade que muitos enfrentam que é a discriminação sofrida por
76
morarem nesse bairro. Assim, no início principalmente, essas pessoas vislumbravam o grupo
como um instrumento e uma possibilidade de superação ou, ao menos, de alívio e melhoria
dessas condições de vida, portanto essa formação aconteceu de certa forma, indiretamente,
como conseqüência da discriminação e segregação social, geradas socialmente na cidade. A
formação do grupo nessa comunidade tem aspectos tanto mais concretos quanto afetivos, já
que as condições concretas como a falta de bens públicos, a insegurança, podem levar as
outras questões como a discriminação e o preconceito, interferindo tanto na representação
social que essas pessoas têm da comunidade onde vivem quanto de si mesmas como
moradores e cidadãos. Como nos referimos acima, a afetividade interfere, e muitas vezes são
definidoras, da formação espontânea de um grupo numa comunidade. No caso da ONG,
tivemos várias situações quanto às participações iniciais das pessoas. Os agentes de saúde e a
médica do PSF convidaram os moradores que freqüentavam o posto de saúde local para que
participassem de uma associação de moradores. Porém esse convite não foi tão democrático
assim, houve conchavos para o convencimento de algumas pessoas para a participação, não
em forma de coerção violenta, mas por certo constrangimento e troca de favores, que
revelaram interesses pessoais (no caso de algumas pessoas que tinham privilégios externos
pessoais ao participarem do grupo, como terem uma atendimento preferencial no posto de
saúde), mas também tivemos muitos casos onde as pessoas visavam principalmente os
interesses coletivos, com uma real preocupação com a comunidade onde vivem.
Sr. E: “ Eu tenho orgulho de morar aqui, tenho amigos aqui. Mas não adianta ter
orgulho de morar aqui e quando citamos o nome do bairro lá na cidade, em outros bairros, nós
somos discriminados, a verdade é essa. Não foge disso. Então nós precisamos, no começo do
ano, fazer uma comissão, ver os problemas reais e levar ao conhecimento do prefeito, fazer
uma reunião e falar com os vereadores, para nós reivindicarmos, agora um sozinho ir lá não
adianta. Temos que fazer uma comissão, apresentar um projeto e depois cobrar, é isso que
precisamos”.
( Sr. E - 15/12/04- Reunião Geral da ONG.)
São vários fatores influenciaram na participação das pessoas, porém é diferente
pertencer a um grupo e ter a consciência de pertencer a esse grupo. A primeira trata-se de um
fato concreto, objetivo, a segunda de um saber subjetivo, com laços emocionais. A
consciência do indivíduo para a participação em um grupo pode ser tanto uma consciência
que corresponda a interesses reais dos próprios indivíduos ou de uma falsa consciência
induzida por um estado de alienação social. Isso acontece também porque o grupo é a
materialização de uma consciência coletiva que reflete, verdadeiramente ou não, a demanda
interesses tanto pessoais quanto coletivos de determinados grupos ou pessoas. Uma pessoa
77
pode pertencer a um grupo e não ter consciência que é membro deste, ou mesmo essa
consciência pode ser falsa, induzida pela ordem social, representada por membros do próprio
grupo ou instituições. A consciência que os indivíduos têm de pertencer ao grupo é um fator
que define a identidade grupal, ou seja, o quanto o indivíduo toma como referência o grupo,
seja conscientemente ou não. A consciência de pertencer a um grupo pode ser verificada
quando o indivíduo toma esse grupo como uma referência importante na constituição de sua
própria identidade ou tem um papel importante em sua vida. Também devemos considerar
que estamos falando de pessoas inseridas numa realidade alienante, onde a plena consciência
não é possível, ou ao menos, integrada, pois a consciência é de certa forma fragmentada e
seletiva, pois é um filtro para o mundo que o modifica de maneira que o indivíduo vive e atua
no mundo. A consciência é constituída no contato social, como experiência duplicada, ou seja,
como contato social e como contato social consigo mesmo. Nessa relação com os grupos, o
sujeito vai desenvolvendo sua consciência que pode ser crítica ou somente reproduzir, em
maior escala, o discurso ideológico do qual o grupo é portador. As emoções têm um papel
fundamental na participação ou não de uma pessoa em um grupo. A “escolha afetiva” por um
grupo está relacionada também as necessidades e motivos individuais. Percebe-se isso em
vários momentos, quando alguns indivíduos hora manifestavam uma consciência mais crítica,
ora, os mesmos indivíduos, mostram-se como reprodutores de discursos preconceituosos e
alienantes. E também quando diziam que gostavam ou não de participar do grupo, que se
sentiam bem ou não ao participar do grupo.
Sr. E Uma organização como a ONG devia ser como uma espécie de lazer...é
gostoso participar... procurar o bem do bairro...deve participar com prazer, acho que isso é
muito essencial. Agora...Será isso, será aquilo... essa contradição...é horrível, já um
sacrifício...eu sempre participei com prazer...Não desmotivado.. não pode.
( Sr. E 03/03/2005- Reunião Geral da ONG.)
O envolvimento que o indivíduo tem com o grupo pode ser intenso e crucial ou
também pode ser muito superficial e circunstancial. O que vai determinar esse envolvimento
são muitos fatores, entre eles o quanto o grupo representa o suprimento das expectativas tanto
objetivas quanto subjetivas dessas pessoas. O indivíduo toma o grupo como referência de
formas diferentes: o indivíduo pode usar o grupo de forma instrumental, para adquirir uma
referência que seja socialmente interessante ou vantajoso para ele. No caso da Ong, algumas
pessoas se interessaram, inicialmente ao menos, em participar, pois viam vantagens pessoais,
como por exemplo, serem melhores atendidas no PSF, pois se diferenciariam dos outros
78
moradores perante a equipe. O status diferenciado que a pessoa recebe ao participar desse
grupo promove uma alteração na sua motivação em participar. As pessoas recebem, direto ou
indiretamente, orientações, valores e normas do grupo, mediante as quais vai regular seu
comportamento, seja no interior do grupo, sejam naqueles aspectos que o grupo interfere e
mesmo em toda sua vida social. A mediação do grupo ocorria mais dentro do próprio grupo,
através do controle que o outro produz em sua relação com os demais.
Temos que considerar que o grupo nesse momento estava iniciando. Em Abril de 2004
foi realizada a primeira reunião dessa associação. Participaram moradores convidados e a
equipe do PSF. Na primeira reunião que participei (era a segunda reunião que aconteceu) foi
“eleita” a primeira diretoria da associação. Coloquei a palavra eleição entre aspas porque foi
muito interessante como se deu esse fato. Segue uma descrição sumária do que aconteceu:
Já no início da reunião, a médica monopolizava os discursos e foi escolhendo quem
ela queria que assumisse um cargo:
Dra.: - Fulano, você aceita esse cargo? Aceita, né...Ciclano, você pode ser o
tesoureiro...Quem mais se habilita, que tal você..
(28/07/2004 Reunião Geral).
.As pessoas sem jeito de recusar iam aceitando e ficando. Mas, ao final da reunião,
algumas pessoas comentavam entre si, meio sem jeito, que não queriam um cargo, porém não
disseram isso à médica, talvez por sentirem-se coagidos. Esse fato revela algo de interessante
sobre a relação entre a médica e as pessoas, tanto na ONG quanto na sua equipe. Uma das
pessoas da equipe me disse nessa ocasião que ela centraliza muito as decisões e fez um
desabafo: “De forma autoritária não se consegue nada...” .
Como já disse, a associação foi montada por iniciativa dessa equipe. Sendo que o
objetivo de criar essa associação (que depois virou ONG) era bem claro para a médica. Em
suas palavras a ONG teria como objetivo central o apoio às atividades do PSF e em especial
trabalhar com os adolescentes do bairro: “temos muitos adolescentes no bairro sem ter o que
faze, precisamos ocupá-los”. (Dra, 28/07/2004). Desde o início, a ONG já tinha um objetivo
declarado, se bem que não muito detalhado, que foi elaborado exclusivamente por uma
pessoa.
Nessa primeira reunião que participei foi-se falado muito na necessidade de se
legalizar a associação, de fazer um estatuto para registrá-la, essa preocupação e a discussão
com esse tema tomou a maior parte do tempo dessa reunião e das seguintes também. Em um
79
momento posterior a Associação foi transformada em ONG (Organização Não
Governamental), por sugestão de uma pessoa da própria prefeitura, pois, segundo ela seria
mais fácil seu reconhecimento e legalização. Mais adiante retoma-se essa questão que reflete
como o grupo se relaciona com os demais grupos na comunidade.
O grupo está em seu estágio inicial de formação, portanto ainda não existe um grupo
nesse momento, mas um agrupamento de pessoas. Percebe-se que as pessoas não possuem
objetivos comuns, ou se os possuem ainda não os percebem O que os congrega são motivos
circunstanciais e nem sempre estão claros para todos. Há muita competição interna no grupo
e o outro é visto como uma ameaça. Os sentimentos e sensações mais presentes são: o
sentimento de solidão e desconfiança.
V.: O essencial para nossa ONG que está nascendo agora é saber qual é o nosso
objetivo. Porque nós estamos aqui, então, foi falado, críticas. Isso é válido, mas primeiro temos
que mostrar o que queremos. Não adianta ficar falando, reclamando, se nós não estamos
fazendo, nada, mas primeiro precisamos saber como funciona a ONG, o que é , porque estamos
aqui. O primeiro é saber isso e começar a partir para as ações. Fazer isso acontecer....
(15/12/04- Reunião Geral da ONG)
As relações de poder no grupo revelam muito de sua dinâmica interna/externa e
também como ele se relaciona os demais grupos com quais mantêm relações na comunidade,
ou seja, o quanto há diferenças de recursos que cada grupo dispõe na sua relação com os
demais grupos. Nos trechos abaixo podemos observar dois momentos onde a médica e o Sr.E
manifestam o poder de forma coercitiva sobre o grupo, lembrando sempre que a questão
emocional está diretamente ligada ao exercício desse tipo de poder, gerando medo e fazendo
com que as pessoas se submetam-se a outra dentro do grupo.
Sr. O = também reclama no grupo dos problemas do bairro, confirmando e afirmando
o que o Sr. E dizia, dando mais informações e exemplos dos problemas do bairro.
Sr. E = Diz “O que precisa, é nós moradores do bairro tirar essa imagem horrível que
se tem do bairro. Você vai em uma casa comercial: < onde o Sr. mora?> ai você
responde e a pessoa já fica olhando feio para você, acha que nós somos marginais.
Então, nós precisamos lutar, nossa ONG, se Deus quiser, vamos conseguir, agora só
vamos conseguir alguma coisa com o apoio da administração, senão, não vamos
conseguir nada, se não vamos ficar batendo, falando, falando e nós não conseguimos
nada, fica aquele papo furado e nós precisamos de alguém que faça lá em cima, que
nos apóie e nós esperamos isso do prefeito eleito, esperamos isso dos nossos
vereadores, precisamos de alguma coisa que nos faça ter pelo menos uma satisfação
em dizer: “Eu moro na Praia Azul” era uma maravilha, era lindo isso aqui, porque está
desse jeito, está abandonado. É por isso que estamos reunidos, não é verdade? Pra ver
se conseguirmos solucionar esse problema, agora não adianta ficarmos falando,
falando, falando, se não tiver apoio da parte administrativa.
80
Dra.: Discurso de “dono do grupo”. Tentativa de reprimir as reclamações dos
moradores: “compreendo isso, mas depende de nós, regaçarmos a manga e fazermos
por nós, independente de política, nós temos que criar atividades aqui”.
(15/12/04- Reunião Geral da ONG.)
Pois o poder emerge nas relações sociais concretas, por causa das diferenças de
recursos que dispõe os indivíduos, grupos ou populações inteiras. Nesse caso a médica e a
diretoria possuem uma autoridade diferenciada perante o grupo, seja pela posição diferenciada
de poder que a médica possui perante sua equipe do PSF (afinal é a “chefe” deles) ou pela
representação social do médico na sociedade.
(Local utilizado pelo grupo para seus eventos)
Do ponto de vista interno, as relações de poder dentro de um grupo se constroem
através dos papéis que as pessoas assumem, mas também do confronto direto de idéias e
ações entre os membros do grupo. As relações sociais são construídas cotidianamente dentro
de um grupo, mas também representa, em certo sentido, uma reprodução do modo de vida do
ordenamento social onde está inserido, pois o grupo é veículo para transmissão ideológica da
81
sociedade. Dentro de um grupo as pessoas assumem papéis, ou seja, certo tipo de atuação ou
comportamento esperado desse indivíduo por isso o indivíduo sofre grande pressão, por parte
dos membros do grupo ou de outros grupos e pessoas, para agirem conforme esse papel
exigido. Na verdade, esses papéis são elaborados socialmente, em geral como estereotipo, e
tornam essa expectativa social ainda mais rígida e simplista. Esses papéis também significam
que é formada uma representação social sobre ele, como por exemplo em nosso grupo temos a
médica, que, apesar de estar dento da ONG como mais um membro e nem possuir um cargo
oficialmente, possui um status diferenciado, influenciando seu poder nas relações
interpessoais no grupo. Nesse caso, as pessoas não questionavam muito a médica quando ela
falava, mesmo ao discordar. O mesmo acontecia com o pesquisador, ou com os diretores da
entidade. Em um certo momento, isso fica bem claro:
Nessa reunião duas pessoas dominaram as discussões: a Dra. e o Sr.E. .O Sr. E porém
quando solicitado permitia que os outros falassem, já a Dra. não... parecia que não ouvia o que
os outros falavam. A um certo momento, a Dra. teve que se ausentar e o grupo pareceu
“relaxar”, as pessoas que estavam até então caladas começaram a dar sua opinião.
(28/09/2004 Reunião geral)
Na reação das pessoas em se calarem perante a médica e depois falarem quando esta
precisou ausentar-se, podemos perceber um afeto negativo que da presença dela sobre alguns
membros do grupo. Nesse sentido, podemos dizer a mediação emocional do grupo, nesse caso
negativa, provavelmente um tipo de medo, causa efeitos concretos no diálogo grupal e, em
conseqüência, em suas ações, já que ação, o pensamento e a sentimento caracterizam todas as
manifestações da vida humana, e não podem ser separados. Esses fatores demonstram as
relações de poder no interior do grupo e a representação social do grupo para os membros. O
grupo representa ao mesmo tempo: “um lugar para falar” e “um lugar para se calar”. Ele é
um “lugar para falar” porque é um espaço onde as pessoas podem falar de seus problemas
cotidianos, tanto em relação a sua vida na comunidade quanto sua vida pessoal, mesmo que
até esse momento inicial, muitas pessoas ainda não emitiam suas opiniões no grupo, sendo
que muitas vezes eram subjugados por outras pessoas. Isso nos leva também a outro aspecto
que aparece nesse grupo, mesmo que ele represente um lugar onde teoricamente as pessoas
poderiam falar, ele se constituiu em muitas vezes “um lugar para se calar” . Ele também
representa um local de repressão e opressão, através das relações de poder que se
estabeleceram no grupo, como no exemplo dado acima. Também existiam temas que eram
tabus no grupo, com por exemplo a questão da prostituição no bairro, pois o tema era tocado
82
sutilmente mas não falado claro e diretamente. O autoritarismo de muitos membros,
principalmente de sua liderança formal, fazia com que as pessoas tivessem menos liberdade
de se expressar.
Nesse momento inicial, o poder está centralizado em algumas pessoas no interior do
grupo. A forma como se deu a “eleição” da diretoria demonstra isso, pois os papéis (cargos)
não foram assumidos de forma totalmente espontânea, mas impostos pela médica ao grupo.
Assim ao ser atribuído um papel para uma pessoa ela vai responder com seu comportamento
concreto, com sua particular execução da atividade requerida pelo papel atribuído. A forma
que a pessoa executa esse papel, está ligada, primeira à representação social que a pessoa
possui deste, também a outros fatores como as condições externas de possibilidades (como a
disponibilidades de recursos, adequação as circunstâncias), as condições internas da pessoa
(como suas habilidades, capacidade intelectual e a mobilização afetiva), a compreensão que a
pessoa possui do que é esperado nesse papel; se há conflitos entre as exigências de um
determinado papel e as demandas de outros papéis também assumidos pelo indivíduo, ou seja,
as diferentes exigências que o indivíduo está submetido na execução do papel. Nesse caso,
pode-se dizer que as pessoas assumiram os papéis (os cargos: presidente, vice-presidente,
tesoureiro, secretária, etc). O presidente ao ser “indicado” para o cargo, não assumiu de forma
verdadeira suas funções, na verdade depois dessa primeira reunião pouco apareceu na ONG.
Isso aconteceu também com outros membros do grupo, ao assumirem suas funções. As
emoções têm um papel fundamental nesse movimento, a coerção de algumas pessoas sobre
outras tem no elemento afetivo da comunicação um apoio importante. Muitos membros do
grupo não falavam, pois somente a presença da médica, que representa de alguma forma uma
autoridade, coibia as manifestações. Se considerar que todo pensamento e ação têm uma base
afetivo-volitiva, pode-se verificar que a simples não expressão de suas opiniões, ou melhor a
impossibilidade gerada pelo meio de expor idéias e afetos, serve como instrumento de
dominação e reproduz uma lógica de dominação autoritarismo e o grupo serve como
mediação desse processo.
R “...teve algumas pessoas da diretoria que assumiram o compromisso sem vontade
própria, assumiram imposto isso ...foi uma coisa imposta pelo grupo...e acabou
ficando...e com amadurecimento da ONG , agente vê quem está aqui está interessado,
mas a diretoria perdeu o interesse...e eles não entenderam o papel deles...”
( Sr. E 03/03/2005- Reunião Geral da ONG.)
83
Uma outra forma de repressão dos sentimentos dentro desse grupo, é a seleção por
parte de algumas pessoas, detentoras de um poder sobre os demais, do que são manifestações
adequadas ou não no grupo. Sejam de opiniões, assuntos e mesmo de expressões emocionais.
Um exemplo disso aparece claramente em uma determinada situação, onde há uma maior
abertura para as pessoas falarem e elas começam a falar sobre seus problemas emitindo
opiniões. O grupo se configura ao mesmo tempo um lugar para se calar”, pois quando
essas pessoas emitem suas opiniões são repreendidas e se calam novamente, e um “lugar para
se falar”, demonstrando claramente a relação entre poder e emoção no grupo, essa
ambigüidade aparece em vários momentos, como no trecho abaixo:
Sr. E = Diz “O que precisa, é nós moradores do bairro tirar essa imagem horrível que se tem do bairro. ...
Então, nós precisamos lutar, nossa ONG, se Deus quiser, vamos conseguir, agora só vamos conseguir
alguma coisa com o apoio da administração, senão, não vamos conseguir nada, se não vamos ficar batendo,
falando, falando e nós não conseguimos nada, fica aquele papo furado e nós precisamos de alguém que faça
lá em cima, que nos apóie e nós esperamos isso do prefeito eleito, esperamos isso dos nossos vereadores,
precisamos de alguma coisa que nos faça ter pelo menos uma satisfação em dizer: “Eu moro na Praia Azul”
era uma maravilha, era lindo isso aqui, porque está desse jeito, está abandonado. É por isso que estamos
reunidos, não é verdade? Pra ver se conseguirmos solucionar esse problema, agora não adianta ficarmos
falando, falando, falando, se não tiver apoio da parte administrativa
Dra.: “Nossa ONG não é para brigar, é para construir. A ONG não é para brigar com ninguém, é para
construí, independente de política, entende? Eu digo porque a idéia foi minha, através do PSF...
Nós temos adolescentes na rua, nós vamos dar curso de capacitação, nós vamos ocupá-los de outro forma.
Vamos ocupar o espaço público, para que as profissionais do sexo irem para outro lugar. Não estou
discriminando, mas não estou defendendo, sei que é errado. Também não podemos jogá-las fora, quero dizer
que a ONG... não é de briga, é de mostrar que estamos construindo alguma coisa com esforço de uma
comunidade, de uma área de abrangência limitada em prol de uma comunidade também...
Dra.: “A nossa ONG tem um intuito, reclamar do odor, do asfalto é lá na prefeitura não é coisa da ONG.
Reclamações nós não vamos resolver nada porque nós aqui somos apenas integrantes da ONG”.
(15/12/04- Reunião Geral da ONG)
No fato citado acima, a médica representante do poder dentro do grupo, repreende as
pessoas que falaram dos problemas do bairro como o odor da água, a falta de asfaltamento
segurança inadequada, fazendo com que outras pessoas do grupo, pelo menos nesse momento,
concordem com ela, seja por concordarem com sua opinião ou por medo (no caso abaixo a
pessoa é funcionária da prefeitura e subordinada dela no PSF):
V.: O essencial para nossa ONG que está nascendo agora é saber qual é o nosso objetivo. Porque nós
estamos aqui, então, foi falado, críticas... Ficar brigando por asfalto, esgoto, isso é bla, bla, bla..(em um
tom irônico)”
V: “Estou sentindo de que não seja essencial no momento...”
V.: “nosso objetivo como ONG é outro. Nós precisamos de empenho. O primeiro passo é conhecer os
problemas. Isso é o mais fácil. Passos pequenos, aos poucos”. (ela estava exaltada)
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Outro morador interfere: “ Não é bla, bla, bla...”
(15/12/04- Reunião Geral da ONG)
Mesmo assim, esse conluio para reprimir não passa despercebido por outras pessoas
que protestam e dizem que é sim essencial falar dos problemas ali no grupo, pois talvez seja
um dos únicos lugares onde isso é possível. As reclamações indicam nuances de consciência
crítica das pessoas sobre sua realidade. Na verdade as pessoas sentem sua realidade, mas não
tem oportunidade para falarem dela. E se sentir é estar implicado em algo, a implicação das
pessoas com esses problemas que as atingem diretamente, geram um sentimento de
indignação, necessário e presente nas manifestações de protesto dessas pessoas, e, portanto
não poderiam ser abafados nas reuniões. Os sentimentos jogam papéis de figura e fundo em
nossa consciência, quando o sentimento está no foco de nossa consciência é figura e quando
está fora dele é fundo. Assim o sentimento de indignação torna-se figura nesse momento e
torna-se necessário ser manifestado de alguma forma. Nas relações interpessoais em um
grupo, o quanto é possível essa livre e espontânea manifestação dos sentimentos nos dá uma
pista se as relações são mais pessoais e conscientes ou mais impessoais e instrumentais.
Algumas pessoas, nesse momento do grupo, começam a questionar essa relação de poder e o
discurso homogêneo do grupo, “imposto” por seus líderes. As reações que se seguiram,
começaram ao mesmo tempo proporcionar ao grupo um salto qualitativo, ou seja, começaram
a olhar para si mesmos e verem que tem problemas e objetivos em comum, mas também
começou, nesse momento, um movimento de manobra de alianças dentro do grupo, com
bases afetivas, ou seja, baseadas na cumplicidade e amizade, ou mesmo por interesses
pessoais. Apesar, do conflito nessa última reunião, o grupo começa a demonstrar traços de
uma evolução no seu processo grupal, começam a perceber que existem objetivos e
necessidades comuns a todos e começam a surgir os primeiro indícios de organização.
A relação que o grupo manteve com outros grupos demonstra seu poder perante estes
na comunidade. A ONG, enquanto um coletivo, ela se relaciona diretamente com dois outros
grupos: O PSF (Programa Saúde da Família) e a Prefeitura local.
O primeiro grupo, O PSF, é importante, pois a associação surge pela iniciativa deste
grupo de profissionais e, desde o início, desenvolveu-se uma relação estreita entre os
profissionais do PSF e os moradores que participavam do grupo. Porém, essa relação também
gera outras conseqüências que influenciaram o grupo, das quais podemos citar: o grupo de
moradores vê nos participantes que são funcionários do PSF como essenciais e, mais ainda,
85
como indispensáveis para a manutenção da ONG. Essa relação, no início, é sentida como
benéfica e fundamental para o grupo:
Nós precisamos do pessoal do posto (PSF)...porque vocês têm contato com várias pessoas, nós
temos poucos. Se, por exemplo, não querer mais participar,não vai ... A população freqüenta lá,
então vocês têm mais facilidade de divulgar, falar...
(Sr. E, um morador, se dirigindo a coordenadora do PSF, 03/11/04).
A participação dos profissionais do PSF representa, em certo sentido, segurança para o
grupo, pois fornecem apoio constante, tanto material (como um local para reuniões, mão-de-
obra nas atividades do grupo), quanto emocional (os profissionais do PSF apoiavam os
moradores nas atividades e os incentivavam para a formação da ONG). Mas, essa relação
também traz conseqüências negativas para o grupo. A ONG, em muitos momentos, torna-se
uma extensão do PSF, onde os conflitos gerados entre os membros da equipe eram trazidos
para dentro do grupo. Durante as reuniões, tratava-se também de outros assuntos referentes
exclusivamente ao PSF. Houve também um entrelaçamento e, em muitas ocasiões, conflitos
de papéis, pois os funcionários que aparentemente possuíam uma relação tensa com a médica,
levavam isso para o grupo. Também refletiam dentro do grupo as situações político-
adminstrativas as quais essa equipe estava sujeita, como por exemplo, as eleições, a posse de
um novo prefeito, políticas públicas.
Uma das ACS me revelou que não sabe se poderá continuar participando do grupo, pois
algumas pessoas da secretaria de saúde foram ao PSF e a questionaram sobre a ONG, sobre o
que ela deseja o que querem as pessoas e ela ficou com medo, teme por seu emprego. Tanto
que não quis nem sair na foto tirada nesse dia.
Também me disse que dois vereadores a procuraram querendo saber mais informações sobre a
ONG. (trecho do diário de campo).
(27/01/2004 - Reunião / Montagem da placas para a exposição das fotos)
V “...Não querendo me justificar, mas nós (os ACS) estamos passando por um problema
político.. não podemos nos envolver tanto mais diretamente na ONG...a participação está falha
justamente por isso...”
(21/02/2005 Reunião da Comissão de Eventos)
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(As pessoas do grupo participando de uma técnica grupal)
No cotidiano as pessoas participam de diversos grupos: a família, o grupo de trabalho,
o grupo religioso, etc. E em cada um representa um papel que lhe é atribuído e exigido. No
grupo, o conflito entre o papel de funcionário público do PSF e o de membro da ONG, a
aparecem constantemente, pois em muitas vezes tem exigências contraditórias. O poder
institucional que a médica possui na relação com a equipe é levado para dentro do grupo.
Nesse momento, o grupo não possui recursos suficientes para se impor perante as vontades e
decisões dos membros do PSF, instala-se uma hierarquia não oficial e não declarada entre
moradores e agentes comunitários de saúde. O poder que os agentes possuem dentro do grupo
é diferenciado daquele que um morador e participante tem.
O grupo também se relaciona com a Prefeitura local de diversas formas. Primeiro
através dos próprios membros do PSF, em especial a médica, que de alguma forma são os
representantes dos interesses do poder local e também, diretamente com as pessoas que
controlam os registros de associações na prefeitura e administrador do bairro. O grupo desde o
início, se preocupou com a legalização dessa ONG. E por uma “sugestão” de uma pessoa
responsável por isso na Prefeitura, o que era para ser uma Associação de Moradores, tornou-
se uma ONG. Essa sugestão se deu porque a pessoa disse que como ONG seria mais fácil a
prefeitura aprovar sua criação e legalização do que como uma Associação de Moradores. Já
que como associação, as pessoas teriam mais dificuldade , uma vez que a Prefeitura local não
costumava reconhecer associações de moradores tão facilmente. Neste sentido vemos isso
como uma manobra política da prefeitura, pois era uma tentativa de caracterizar esse grupo
87
não como um conjunto de moradores que lutariam por melhorias no bairro, mas identificá-los
e nomeá-los como uma organização que teriam outros propósitos, talvez menos
inconvenientes e mais confortáveis para as pessoas que estão no poder local. É uma forma de
controle social desse grupo. Dessa forma a associação virou ONG, mas nunca se pretendeu
ser uma ONG, nem sabiam o que era uma ONG. Nessa relação de poder o grupo não dispunha
de elementos críticos que pudessem questionar esse fato, assim isso foi aceito por todos e não
houve questionamentos de qualquer espécie.
Re. Disse que a assistente social da prefeitura sugeriu transformar a
associação de moradores em uma ONG, pois seria mais fácil para registrar e
legalizar.
(25/08/2004 Visita ao bairro)
Após a “eleição da diretoria” e os acontecimentos em uma reunião (em 15/12/04),
onde algumas pessoas questionaram o que era tratado nas reuniões da ONG e falaram sobre
vários problemas, inclusive questionando diretamente a médica sobre a atuação do PSF no
bairro. A médica parece que se sentiu ameaçada e convocou uma reunião somente com os
membros da diretoria de forma sigilosa. Nessa reunião, ela colocou que não queria mais que a
comunidade participasse das reuniões da ONG, pois achava que isso poderia ser ruim para o
grupo.
A Dra. me disse que não gostou da última reunião. Que a ONG não era para servir para isso. E
achava que não devíamos abrir para a comunidade a participação nas reuniões. Na verdade,
proibiu a diretoria (que era escolhida por ela) e ao ACS a chamar mais pessoas para a reunião.
Também fui desmotivado a colocar os cartazes convidando para a reunião do dia 31/12, pois
achava que as pessoas não iriam se interessar e poderiam até destruir o que fizéssemos.
(29/12/2004 Visita ao bairro e PSF)
Nesse momento, torna-se mais uma vez claro as relações de poder dentro do grupo e
aparece mais uma contradição, a inclusão/exclusão da comunidade, a ONG criada para
incluir, acaba excluindo em seu processo. Isso demonstra o poder que a médica ainda possui
sobre a Diretoria que ela escolheu para o grupo. Essas restrições têm alguns motivos, que
mesmo não declarados, influenciaram nessa decisão da médica: o prefeito rival ganhou as
eleições nesse ano e equipe do PSF estava tensa, pois não sabiam se iriam continuar a
trabalhar no bairro e a médica temia perder o emprego, pois não é concursada, somente
contratada. Acredita-se que havia um temor da médica em permitir algum tipo de
88
manifestações no grupo e essas informações chegarem aos seus superiores e ser prejudicada
por isso. Pois os coordenadores da saúde do município já haviam manifestado interesse em
saber o que estava ocorrendo nessa ONG.
Isso representou um retrocesso para o grupo, pois este se submeteu às exigências
externas da médica. A exclusão da comunidade no processo da ONG é sentida como uma
afronta por vários membros do grupo. Isso aparece em diversas falas. Apesar de que a
participação da comunidade sempre foi restrita nessa ONG, pois ela estava condicionada,
desde o início a área de abrangência do PSF, ou seja, somente poderiam participar pessoas
que moravam nesse perímetro. Isso causou protestos diversos, mas não conseguiram mudar a
imposição vinda da diretoria e da médica:
- Por exemplo: tenho meu pai e minha mãe que moram duas ruas para cima da área da
abrangência, eles não podem participar. Como tem que ser da área de abrangência, por
exigência de uma pessoa (referindo-se a médica, em um tom irônico e de desabafo), eu não
posso trazer meu pai e minha mãe aqui, não posso passar por cima dessa exigência. (M.)
- Não precisa ser assim, não precisa morar na área de abrangência do PSF, a princípio não.(R.)
- Mas você sabe que foi desde o início uma exigência, você sabe de quem. (M.)
(03/11/04)
Isso demonstra também a imagem negativa que a médica e os próprios membros da ONG
possuem dos moradores da comunidade. O que é curioso pois eles também pois eles também
moram no bairro e também sofrem discriminação quando vão a algum lugar e se identificam
como moradores desse bairro.
...essa gente ignorante desse bairro... (Sr. E. )
- Muitas vezes essa pessoa não sabe ler...tem que ter o segundo grau... (sr. O)
...infelizmente a realidade aqui é uma: existem tanto ignorantes.. Você vai falar, o outro diz:
<aquilo lá não funciona, você é bobo de ir atrás daquilo>, eu ouço isso daí. Agente luta,mas
quantidade de ignorante que tem aqui é incrível. Experimenta ir você numa casa: <Você está
convidado>: < você é bobo de ir atrás daquilo, não dá nada>. (Sr. E, 03/11/04).
O maior problema nosso é que somos marginalizados, eu sei eu tenho um imóvel aqui, há 30
anos, eu participo de tudo aqui. Infelizmente é um crime você mora no bairro. Nós precisamos
de pessoas que queiram tirar essa...(hesitação)...isso. Quando você vai numa loja, para
preencher o cadastro..já assusta... isso é uma realidade...tem que ter uma imagem bonita do
bairro, se cuidasse disso aqui seria uma maravilha. Não é verdade?
Sr. E = “O que precisa, é nós moradores do bairro tirar essa imagem horrível que se tem do
bairro. Você vai em uma casa comercial: < onde o sr. Mora?> ai você responde e a pessoa já
fica olhando feio para você, acha nós somos marginais.
(sr. E, 03/11/04).
A discriminação sofrida pelos próprios moradores é reproduzida aqui por algumas
pessoas do grupo, levando a exclusão de outras pessoas da comunidade, mas isso não é aceito
89
sem protestos por outras pessoas do grupo, demonstrando indícios de uma consciência mais
crítica perante sua realidade:
...não tem preconceito com as pessoas...? (M. 03/11/04).
- Não tem que ser assim, se era assim antes , podemos mudar.....a caminhada por exemplo, não
participam, .talvez seja por causa dessas exclusões que as pessoas não vem, temos que avaliar
isso. (supervisora de estágio, 03/11/04)”.
...a partir do momento que ela trouxe, trouxe uma coisa que já existia, que já trabalhava, mas
como ela tem.. (...) (hesitação), uma postura de estar colocando e a população de estar
aceitando, então é assim...pela postura como médica ela tem mais fácil o acesso de saber o que
está acontecendo a população. (Re., 03/11/04)”.
...não posso ser escolhido, eu tenho que participar porque eu quero participar, porque eu..
partiu não foi indicado por ninguém (tom de insatisfação)... o que temos que fazer? Vamos
retomar...isso aqui vai continuar... (supervisora de estágio, 03/11/05)”.
Mais uma vez o grupo estigmatiza os moradores do bairro, reclamando da não
participação. Porém não compreendem que o próprio grupo de certa forma repele a
participação de qualquer pessoa da comunidade na ONG, e isso é colocado como falta de
interesse das pessoas ou mesmo como se as pessoas somente tivessem interesses particulares e
não coletivos. Já de antemão classificam os moradores como interesseiros, generalizando e
rotulando a comunidade. Desde o início do grupo uma das principais reclamações do grupo é
a não participação das pessoas nas atividades, pelo menos de forma espontânea e voluntária.
Não participação ou a falta de interesse de outras pessoas do bairro em participar. Nesse
momento algumas pessoas do grupo também apontam para a forma errônea que foi iniciado o
grupo, de forma autoritária.
- Seria legal interessante tentar entender porque as pessoas não querem dar o nome para a
ONG. Se as pessoas têm medo, deve haver um motivo. (Pesquisador, 03/11/04)
- O motivo é a falta de vontade, estou falando...(Sr. O.)
- Mas será que receberam, não seria falta de comunicação. (V.)
- Não, não, é falta de vontade mesmo. Porque a partir do momento que você disser que vai
ganhar três mil reais por mês, todos participam. (Sr. O).
- É, a dificuldade de você achar alguém voluntário é grande, mas eu volto a dizer de novo, isso
aqui não foi divulgado para ter nome suficiente para os cargos. Isso aqui foi escolhido a dedo e
só estamos nós aqui. Desde quando abriu, isso foi apontado, eu quero aquele, e aquele outro.
Isso começou errado, por isso que estou batendo na tecla de fazer essa assembléia geral. (M.)
Pode-se dizer que algumas pessoas no grupo demonstram nesse momento um avanço
na consciência, pois consciência de si e do social somente aparece no indivíduo quando ele é
capaz de detectar as contradições entre as representações sociais que acredita (por exemplo,
os valores de bom-mau, verdadeiro-falso, certo-errado) e suas atividades desempenhadas na
90
produção da sua vida material. A ideologia está presente na linguagem, pois ela é um produto
histórico, e traz essas representações, significados e valores existentes em um grupo social,
portanto sendo um veículo da ideologia desse grupo. Mas a consciência também é
fragmentada ou seja, ela percebe apenas partes de uma realidade. Uma pessoa pode ser crítica
em relação a um assunto ou situação e totalmente conservadora e preconceituosa em outro
momento.
Quando o indivíduo consegue perceber as contradições entre o que ela acredita e a
realidade que a circunda, começa a ter um avanço em sua consciência. As emoções têm um
papel fundamental nesse processo, pois mobilizam as percepções e abrem novos horizontes
para uma nova visão de mundo, quando encontram caminhos para sua expressão. No trecho
de diálogo acima, M. critica a visão do Sr.O, pois está envolvida emocionalmente nesse
processo, ela “sente na pele” as conseqüências desse fato. Essa tomada de consciência é um
processo de construção social, como todo conhecimento. Para isso o indivíduo necessita
refletir sobre sua prática, a práxis, através da problematização do seu cotidiano, descartando
o caráter natural de certos fenômenos e refletindo sobre suas causas e conseqüências. Esse
processo de problematização conduz a desnaturalização, pois ao problematizar o caráter
essencial e natural atribuídos a certos fatos ou relações, se revelam contradições, assim como
seu caráter ligado a interesses sociais ou políticos e suas limitações a respeito da capacidade
de avançar ou de superar situações negativas ou limitantes.
Como conseqüência da última reunião, a comunidade foi excluída da ONG. Em
seqüência foi realizada uma reunião somente com a diretoria da entidade. Essa reunião foi
convocada pela médica, mas ela não participou. A proibição da comunidade participar não foi
tocada nessa reunião, parecia que o tema estava latente, mas não foi dito claramente, tornou-
se um tabu. Retomou-se a questão do estatuto do grupo, preocupação com as regras e normas
para gerir as relações no grupo. Durante meses foi-se tratado muito sobre o estatuto e a
legalização da Ong. Nas reuniões as pessoas utilizavam bastante tempo com isso, o que gerou
até um conflito pois muitos queriam partir para fazer outras coisas, mas a Dra. e algumas
pessoas da diretoria frisavam que só poderiam fazer algo quando fossem legalizados. Ao meu
ver isso, funcionava como uma estratégia, mesmo que não consciente, do grupo para não
discutir outras coisas, principalmente os problemas do bairro, que eram tabus do grupo.
Porém alguns momentos as pessoas percebem isso e tentam dar um novo rumo nas discussões
do grupo:
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Nós já formos errados de não divulgar, ninguém sabe que isso aqui existe, gente... E outra... A
gente faz reunião, só que fica em cima desse registro. Eu acho isso errado. Eu acho que a gente
devia trabalhar independente de registro e de ajuda. O Sr. O. sabe fazer um artesanato. Tem
muita gente que sei então eu acho assim: em uma dessas reuniões a gente senta e decide,
enquanto o estatuto está lá sendo... Registrado ou sendo reprovado... A gente vai fazer o que?
A gente tem tal pessoa, faz tal coisa, vamos divulgar abrir inscrição, vamos se a gente
consegue pelo menos umas dez pessoas para fazer uma aula sobre aquilo, mas não todo mês é
sempre a mesma coisa. (em “um tom mais enérgico e rápido), ou muda presidente ou muda não
sei o que e tem o bendito do estatuto...” (M. 03/11/05)
...e se esse estatuto não for aprovado nunca? Não vai existir a entidade porque o estatuto não
foi aprovado. (M., 03/11/04).
Os sentimentos de indignação e revolta com a situação fazem com que o grupo
se mexa e pense em estratégias para sair da inércia. Agora o grupo, que era composto
essencialmente pela diretoria e os ACS (agentes comunitários de saúde), começaram a
enxergar a necessidade de organização da divisão de tarefas e papéis no grupo, e também
legitima a formação de subgrupos em seu interior. Nessa reunião começa-se uma discussão
sobre o que cada um deve fazer no grupo. Essa discussão é interessante, pois demonstra como
são tomadas as decisões demonstra e como se dão as relações de poder no seu interior. Se por
um lado a divisão de tarefas é necessária a um grupo, pois à medida que dividimos tarefas,
redistribuímos o poder, as responsabilidades, e damos direção àsões. Por outro lado, o
“como” esse processo se dá é definido já pelas relações de poder dentro do grupo, as
habilidades de cada um, mas também as identificações (tanto com o papel, quanto com a
tarefa e até com as pessoas), mostrando o aspecto afetivo nessa escolha. Nesse aspecto a
divisão não é puramente consciência, mas afetivamente mediada pelo grupo. Ao mesmo
tempo em que a divisão é importante, ela oferece um status diferenciado às pessoas, pessoas
em papéis diferentes, status diferente. O trabalho no grupo está atravessado pelas
representações sociais das pessoas, sobre o próprio grupo, sobre a comunidade, e a sociedade.
Nesse momento, o grupo começa a ter consciência que existem tarefas comuns e que cada um
depende do outro. O grupo tem certa estabilidade nos papéis como nos temas. Há um início da
percepção que existem objetivos e necessidades comuns a todos, começam a surgir os
primeiro indícios de organização. As decisões começam a ser analisadas e discutidas no
coletivo. Ocorrem práticas reflexivas para a manutenção do grupo e a relação de sues
membros se constitui em uma comunidade que atua sobre si mesma. Surge o sentimento que é
necessário haver uma relação de interdependência entre os membros do grupo. A tensão
gerada pelas necessidades é necessária para que o grupo se mexa.
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V- “... nós temos que ver, qual é o papel de cada um, qual é a função de cada um... as
pessoas que tem tempo vão se colocar a disposição...”.
(20/04/2005 Reunião Geral da ONG)
(O grupo participando de uma técnica grupal)
O grupo começa a adquirir uma formalização organizativa: formam um estatuto que
gerirá as relações entre os membros e começam a fazer as divisões de papéis em seu interior.
Muitas dessas normas são formais (como o estatuto), mas outras são informais, criadas nas
relações de poder entre as pessoas do grupo, como o controle do que se fala no grupo. Já a
divisão de papéis e a estratificação no interior do grupo emergem originalmente através da
interação de seus membros, mas o grupo é um lugar social onde se atualiza e se solidificam as
forças existentes em uma sociedade através dos papéis desempenhados, pois estes são os
determinantes básicos tanto da estratificação social quanto da identidade do próprio indivíduo.
Nessa fase, foi decidido que seriam criadas três comissões para sua organização:
Comissão de Eventos e Doações: para organizar eventos, festas, bazar, doações, campanhas;
Comissão de Comunicação e Administração: que zelaria pela burocracia e comunicação da
ONG e uma Comissão de Educação: que trataria dos cursos que ONG poderia oferecer. Essas
equipes de trabalho serviriam para realizar funções específicas e apresentar resultados para o
grupo. A idéia original era que cada uma delas se organizariam, dentro de sua competência, as
tarefas e apresentariam para o grupo, ora para sua ciência ou para sua aprovação. Essa divisão
93
fez inevitavelmente com que houvesse divisões de novos papéis e do poder de decisão no
grupo. A forma com que foram escolhidas as pessoas para participarem dessas comissões
também foi interessante. No início M. e V. fizeram as sugestões das comissões e pediram para
que as pessoas fossem se inscrevendo, mas houve muita hesitação das pessoas em participar,
isso fez com que ficasse mais nervosa e começasse a indicar ela mesma alguns nomes para
participar, dessa forma parece que foram sendo repetidos os mesmos erros de antes, ou seja,
de forma arbitrária, foram sendo escolhidas as pessoas. Algumas pessoas não gostaram e
reagiram. V. pediu então que as pessoas se candidatassem voluntariamente, o que parece que
funcionou e todas as comissões receberam pessoas interessadas. Essa divisão de funções fez
com que o grupo também formasse novos subgrupos, além dos que já existiam, pois o conflito
anterior com a médica fez com que fossem formados sub-grupos por alianças afetivas e de
resistência. Como a médica parece ter cooptado a Diretoria, ou seja, influenciou-os para que
agissem segundo seus interesses (no caso excluindo a comunidade e tratando de assuntos que
lhe eram interessantes). Formaram-se pelo menos três grupos distintos: a Diretoria (pró-
médica), as Agentes Comunitárias de Saúde (que tinham uma relação tempestuosa com a
médica) e os outros membros do grupo (que são os outros moradores que participavam).
Interessante observar que esses subgrupos se rivalizavam muitas vezes, e geralmente não
diretamente por assuntos pertinentes a ONG, mas por essa preferência quanto à relação com a
dica. A luta pelo poder dentro do grupo se acirrou ainda mais quando foram formadas
essas comissões. O trecho abaixo demonstra um pouco desse conflito entre os subgrupos.
Sr. E intima o sub-grupo das ACS se irão continuar participando ou não.
V “A idéia foi do PSF, mas agora...”
Sr. O Cobra uma postura das ACS.
... momento de muita emoção no grupo. As pessoas começam a verbalizar o que
estavam guardando: birras, mágoas com as demais pessoas do grupo.
Sr.E e Sr. O cobram das ACS que os convites para a população devem ser feitos por
elas.
M- “lavar roupa suja” “quando teve a entrevista no rádio não nos avisaram”.
...
Sr.E “lavando roupa suja” “pedi para você dar um retorno de um assunto e não
deu...”
P intervenção do pesquisador na tentativa de demonstrar que o conflito faz parte de
um processo de crescimento do grupo.
V. assume um papel de conciliação.
V “Esse conflito entre PSF e ONG tem que se resolver... temos que superar...”
R. também assume uma postura de conciliação e esclarecedora.
R temos que aprender a desvencilhar o PSF e a ONG. Não podemos cobrar nada do
PSF, só podemos pedir colaboração... eles têm uma função social diferente da nossa...
mas não podemos perder o nosso foco, para isso temos que ter união e passar por cima
de problemas pessoais, A ONG está tomando proporções que fogem do controle de
uma pessoa só... imagine quando ela ficar maior ainda... então o que eu peço é: vamos
nos unir...”.
94
(03/03/2005 Reunião Geral da ONG)
As emoções são manifestadas nesses momentos de conflito, porém não só neles, no
dia relatado acima demonstra um momento de muita emocionalidade, os sentimentos tornam-
se mais uma vez figura e o medo da dispersão do grupo fica mais forte. Para entendermos a
afetividade devemos estudar a estreita relação entre o desenvolvimento da consciência e da
linguagem frente à ideologia presente nas significações institucionalizadas das palavras e
mediadas nas relações sociais práticas e de comunicação. Nesse trecho duas pessoas usam a
expressão “lavar roupa suja” , nela podemos compreender como a mediação da linguagem e
das emoções são importantes nas relações sócias, pois estas alteram a consciência e esta é
alterada por elas. É na linguagem não é só um meio de comunicação, mas o veículo mais
importante do pensamento, pois transmite e representação do mundo, em seus significados e
sentidos assumidos pelas pessoas. Nesse caso, nomeia-se aquela situação de conflito de “lavar
roupa suja” , um significado social da expressão que é ideológico também, pois quando as
pessoas começam a falar de seus sentimentos abertamente isso tem uma conotação negativa,
mas adiante retomaremos essa análise.
Ao assumirem essas novas funções também assumiram novos papéis no grupo. Esses
papéis sociais desempenhados pelo indivíduo nas suas relações também representam à
interação efetiva no nível das determinações concretas onde são reproduzidos a estrutura
relacional característica do sistema (relação dominador-dominado) (Lane, 1984b, p. 85), e
com freqüência servem de veículo de opressão (Martin-Baró, 1983, p.322). Mas as pessoas
podem não assumir esses papéis passivamente, pois frente ao papel exigido, o indivíduo
responde com seu comportamento concreto, com sua particular execução da atividade
requerida, portanto, o indivíduo assume sua personagem dentro do papel, que é a sua forma
própria de representar o papel. Nesse caso, as pessoas assumiram suas funções e agiram
conforme sua particular forma de ação. A divisão do grupo, com fins operativos, também dá
início a sua “quebra”, ou seja, ele começa a se desfazer, aumentam os conflitos e a luta pelo
poder dentro do grupo e a noção de um “sujeito coletivo” começa a ser cada vez mais
distante. Se por um lado essa divisão causou essa quebra no grupo, por outro o grupo começa
a organizar e implantar novas atividades como: um bazar mensal aberto para a comunidade,
um evento de carnaval para as crianças do bairro e aulas de artesanato para mulheres duas
vezes por semana, ministrada por uma professora voluntária membro do grupo. Nesse sentido
vemos que o grupo começa a se movimentar, apesar dos conflitos internos, e fazer atividades
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que no decorrer do processo, como será demonstrado adiante, também contribuiu para o
avanço da consciência crítica desse grupo, pois ao atuar sobre o mundo, o homem atua
interferindo (atividade), e ao mesmo tempo, também é afetado por essa realidade, constituindo
seus registros. A atividade é toda ação humana, nesse processo, dentro do mundo objetivo, da
cultura, do coletivo, do social é que temos a possibilidade de nos constituirmos como
humanos. Também é nessa troca com as demais pessoas do grupo que possuem a
possibilidade de rever seus valores, conceitos e afetos. A emoção e a ação estão estreitamente
ligadas, pois a primeira caracteriza o estado do sujeito perante a segunda, ou seja, as emoções
por meio das ações situam os sujeitos no espaço de suas relações sociais, entrando no cenário
da cultura. A atividade humana depende diretamente das emoções e vice-versa. A emoção é
anterior à ação, surge em na atividade e transforma o sentido atribuído pelo sujeito a essa
experiência (González Rey, 2003, p. 242). A emoção tem um papel fundamental na
constituição do sentido das experiências. O sentido, produzido na experiência, se manifesta
pela relação de uma emoção com outras em espaços simbolicamente organizados, dentro dos
quais as emoções transitam e dessa unidade entre o simbólico e o emocional, sem que um
desses momentos seja “reduzido” ao outro, se define o sentido.
Nesse momento, algumas pessoas do grupo também começam a apresentar indícios de
uma consciência mais crítica perante a realidade, as pessoas têm ao mesmo tempo uma
postura mais crítica, como por exemplo, aos problemas do bairro, mas também apresentam
discursos e agem de forma a excluir a comunidade. Se não permitem a participação da
comunidade nas reuniões, como iriam ter contato com novas experiências conhecer novos
pontos de vista, pois a experiência pode questionar os conceitos e alterar a consciência,
causando um impacto afetivo, pois a experiência, mediada pelas emoções, muda a consciência
do sujeito. O grupo de certa forma se fecha em si mesmo. A consciência apresenta limiares,
ou seja, só percebemos o mundo de forma sintetizada e em extratos, pela mediação semiótica.
Ela é um reflexo, ou seja, a imagem da realidade não se confunde com o vivido pelo sujeito,
seu sentido, mas a evolução da consciência ocorre quando o sujeito consegue distinguir a
consciência do mundo (a realidade) com sua própria vivência enquanto sujeito singular no
mundo, seus sentidos. No caso das pessoas do grupo, podemos observar que vão se fechando
a essas novas experiências que poderiam alterar suas consciências, pois a constituição do eu,
da consciência, passa pela experiência, pelo outro. Só posso me reconhecer nas relações
sociais com as demais pessoas, é idéia do duplo, ou seja, o sujeito é constituído por meio da
experiência social, histórica e pelo desdobramento da consciência na relação eu-outro.
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(Bazar: uma das atividades realizadas pelo grupo)
Essas comissões começaram a se reunir separadamente. Cada comissão marcou um dia
para sua reunião e convocaram os membros inscritos. Participei de algumas reuniões dessas
comissões. Um fato observado que considero relevante foi que os subgrupos repetem a
mesma forma de organização interna e de tomada de decisão do grupo maior. Em seguida
ilustrarei um fato ocorrido na comissão de eventos como um exemplo disso. A forma que um
grupo decide internamente algum assunto demonstra claramente como é seu funcionamento.
Pois como já dito anteriormente, existem três questões que devemos analisar sobre esse
processo decisório de um grupo, primeiro: Quem decide? Essa questão revela como o poder é
distribuído no interior de um grupo, se a decisão é tomada por uma única pessoa, um líder,
que é uma forma de dominação, ou se o grupo toma essa decisão coletivamente. A segunda
questão é: Como se toma a decisão? Ela revela como se chega a um a decisão e revela os
mecanismos de poder na estrutura e vida do grupo, também relativos à participação das
pessoas no funcionamento grupal e a consciência, pessoal e grupal, sobre a identidade e fins
do grupo. E por último: Quais são as conseqüências da decisão grupal. Por que decide? A
quem beneficia? A quem prejudica? Essas questões mostram os interesses sociais e revela o
caráter ideológico das opções grupais.
Diálogo demonstrando a mediação emocional no grupo em um processo de tomada de decisão,
posteriormente verificando as conseqüências dessa discussão no grupo. Sobre a decisão da ONG fazer um
evento de carnaval para as crianças da comunidade.
M “ vai fazer o carnaval de vocês, fantasia de papel?”
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D. Ant. “Vamos fazer a fantasia e vamos falar com o comércio para ele ajudar, a padaria, a farmácia...”
M. “ mas vai ser que dia isso?”
V “escolher uma data!”
D. Ant. “ Vê que dia aí”.
M. “Vai ser em dia de semana? no dia do carnaval?”
D. Ant. “Vai ser no dia do carnaval. Porque vem jornal, vem a rádio, tudo divulgação.”
V- Carnaval é dia 8, não é?
Sr. E. “V. dá licença, a comemoração de carnaval do PSF vai ser quando?”
M “Dia 8 nós vamos fazer”.
...
Sr. O “ Para fazer nessa data, se a prefeitura não for fazer nós vamos ficar boiando que nem...”.
M- Não...
Sr. O (exaltando-se) Nós precisamos por uma barraca nesse dia para poder arrecadar fundos, essas
coisas...
M. Isso, exatamente (em um tom irônico).
Sr. O. Entendeu?
P. Pode ser feito algum tipo de barraca? A ONG montar uma barrava no dia do carnaval?
...
M. Vai falar com quem, daí?
V A gente conversa com o grupo de comunicação. É o grupo...
Sr. O. Tem que fazer uma ligação para prefeitura... Vê se consegue uma barraca, ou a gente fazer a nossa...
...
Sr. E Na prefeitura é assim: passa pra cá , passa pra lá, no final das contas você sai do jeito que você
entrou...ficam jogando a gente, eu sei porque fui muitas vezes lá...No fim faz contas você vai embora.
M. Então, eu vou conseguir lá...
Sr. O. - Tem que ter um alvará...
Sr. E. Tem que ter uma válvula, um negócio, uma pessoa lá dentro para você se comunicar.
V- Nós temos, a vereadora L..
Sr. O Ela pode ajudar bastante.
...
M Sempre que tiver eventos culturais na cidade, podemos ter uma barraca lá. Só que para isso precisamos
de um alvará.
...
M. A V. consegue o alvará?
V. Preciso de informações: como montar esse alvará? O que escrever? Um esboço.
P O R. pode te ajudar.
V- Colocaria tudo isso no dia 2 na Assembléia Geral, colocaria nossos objetivos e começaria a trabalhar.
...
M. No carnaval mesmo, a festa não tem hora para acabar.
...
P Talvez devêssemos antecipar as nossas.
Sr. O. Ou mudar o horário para a parte da tarde.
P. Ou um dia depois...
(12/01/2005- Reunião da comissão de eventos)
O grupo possui uma característica peculiar. Quando se precisa fazer algo é comum
indicarem uma pessoa e perguntar diretamente: “você faz isso?”. A questão de “quem
decide?” podemos dizer que os assuntos são colocados na discussão do grupo, porém em certo
momento sempre são as mesmas pessoas que decidem (geralmente M e Sr. E). Talvez seja
esse o motivo que causa exaltações emocionais constantes entre Sr. E e M, pois sempre um
quer dar a palavra final. Da mesma forma os mecanismos de decisão, o diálogo dirigido, leva
a uma decisão que geralmente é semelhante à opinião dessas duas pessoas. Podemos ver
como ainda é aceita uma forma mais autoritária de divisão de trabalho, naturalizando as
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relações de dominação. Quem se beneficia? Geralmente as decisões tomadas vão de encontro
da vontade da Diretoria da entidade, não necessariamente do coletivo. Com isso verificamos
que a formalização dos cargos dentro do grupo tem um peso grande, inclusive porque foram
indicados pela médica. As relações de poder e as emoções aparecem novamente nesse trecho,
no momento da decisão de alguma coisa, há uma coação, mesmo que indiretamente, as
emoções tornam-se fundo e os diálogos figura nos discursos, porém os sentimentos estão
muito presentes. Essa pseudo-separação entre sentimento e pensamento na consciência
cotidiana acontece porque os sentimentos que estão no fundo não são vistos como sentimentos
e mesmo somente poucos em uma gama de tipos de sentimentos são considerados como tais,
ou seja, os afetos como temor, raiva, ira, são considerados, quando ainda é figura. Conclui-se
que há uma hirearquização dos sentimentos no cotidiano e no grupo, do mais importante e
louvável, aos menos importantes e os indesejáveis. No grupo isso aparece muito claramente,
quando um sentimento “não louvável” como raiva aparece, ele é reprimido e jogado como
fundo. Essa política da afetividade nos insere cada vez mais em um mundo de não
autenticidade.
O grupo começa a agir, se movimentar. E é nesse momento que ocorre um fato
importante: a médica se afasta de suas funções no PSF por motivos de saúde. Isso trás
conseqüências para o grupo: a médica se afasta fisicamente do grupo, trazendo com isso mais
liberdade para o grupo decidir sobre as questões da ONG, mas também, mesmo a distância,
ela ainda influenciava o grupo, através da Diretoria. Nesse momento, o grupo assume um
potencial de consciência crítica. Os elementos que estão contribuindo para isso são: o
afastamento de um líder que tentava dominar o grupo em prol de seus objetivos pessoais e um
aumento da liberdade dentro do grupo; a aproximação afetiva entre muitos membros, laços de
amizades; a consciência que existem objetivos comuns a todos e que há necessidade de fazer
com que as pessoas trabalharem juntas para os atingirem e avanço na consciência crítica de
muitos membros (ao menos a maior expressão dessas opiniões no grupo).
Podemos verificar que o grupo oscila entre uma consciência do seu poder enquanto
ator social e a dependência, política de “apadrinhamento” tão comum na cultura política
brasileira. Onde um político se vale muitas vezes de um grupo, em parte para auxiliá-lo, mas
também como trampolim político e cabo eleitoral. O Ser. E. admite que é necessário que as
pessoas tenham acesso ao poder público, que também precisamos de uma comissão, ou seja
uma pressão coletiva, mas ainda vê o vereador como um “facilitador” desse processo, uma
“cunha” (ferramenta pontuda usada na marcenaria para abrir fendas na madeira mais
facilmente). Percebe-se que a consciência crítica de alguns membros grupo oscila entre a
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necessidade de utilizar os meios políticos existentes na cidade para conseguir suprir uma
necessidade do grupo e o medo de se “envolver com a política”, ou seja, um receio de serrem
confundidos como partidários de algum vereador, porém há a ilusão de que não se envolvendo
com políticos a ONG não tenha um tom político também, sendo que o agir coletivo sempre
possui um tom político na sociedade. Como podemos ver no diálogo abaixo, quando era
discutido se iria à prefeitura solicitar apoio para fazer um evento na orla da praia.
M. Temos que ir lá (prefeitura) e dizer: Quero fazer isso, mas não tem condições, o que vocês podem
fazer pra mim?
D. Ant. Mas precisamos do alvará.
P. Mas estamos com algo pra brigar... e exigir, pedir para limpar. Mesmo coisa daqui. Como vamos
pedir que arrumem se não temos a proposta de ocupar.
R. O prefeito disse que vai dar atenção a Praia.
P. É ganhar um por um, uma coisa de cada vez.
M E se, se, policia só por aquilo, por enquanto, ser objetivo.
P A comissão de eventos é importante, vai gerar recursos, e dar apoio. Os outros vão depender de
vocês. Por isso, temos que tem um planejamento do ano, é diferente quando se chega para exigir alguma
coisa e se tem um planejamento. Aí uma coisa de cada vez. Qual é o próximo passo?...
Sr. E. - Eu acho que quando, for solicitar alguma coisa na prefeitura, a Vereadora se prontificou. Nós
vamos lá, não sozinhos, mas com ela. Formar uma comissão... Eu me disponho.. mas tem que ir uma
pessoa ... Tem que programar... Senão não consegue. Eu vou Sr. O. vai desde que seja acompanhado de
uma pessoa que tenha acesso, senão não adianta.
Sr. O tem que tem uma pessoa que tem acesso lá.
Sr. E. Sempre acompanhado de um político. Não que eu quero política, mas nós precisamos de um
político lá dentro.
(12/01/2005- Reunião da comissão de eventos)
Por outro lado, as pessoas começam a perceber que a relação com o poder público
local pode não ser tão amistosa agora. As relações que se iniciaram há algum tempo, via
médica e equipe do PSF, foi estremecida, devido a troca de prefeito e toda sua cúpula
administrativa. Com isso, o grupo estava sendo pressionado e questionado pelas autoridades
da cidade como o secretário de obras e a coordenação de saúde pública, aumentando a pressão
sobre a ONG. Como conseqüências disso podem citar: O pedido da ONG para a montagem de
uma barraca de venda de bebidas no carnaval do próprio bairro foi negado, ou melhor, foi
imposta uma condição absurda par fornecer a autorização (a prefeitura exigiu que a ONG
fornecesse água gratuitamente para as todas as pessoas no dia da festa em troca da
autorização). As pessoas na prefeitura que antes disseram que ajudariam a ONG (uma
vereadora e própria primeira-dama do prefeito eleito) nunca mais os receberam, tornaram-se
inacessíveis. O processo de regularização da ONG ficou bloqueado em um departamento da
prefeitura (A ONG ainda não tinha sido registrada, pois dependia de uma carta oficializando a
cessão do prédio onde era ocupada pela ONG, para ter o endereço e essa execução dessa carta
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arrastou-se por meses a fio). Os funcionários do PSF foram impedidos, por seus superiores, de
participarem do grupo, (algumas pessoas da secretaria de saúde foram ao PSF e os
questionaram sobre a ONG, deixando as pessoas com medo, temor por seus empregos). Dois
vereadores procuraram o grupo querendo saber mais informações sobre a ONG e querendo
uma aproximação. Devido a esses fatos algumas pessoas do grupo começam a questionar a
relação entre a ONG e o poder público, se revoltando e se indignando com a manobra política
desses atores sociais. Esse movimento gerou sentimentos de indignação em várias pessoas do
grupo:
Também foi falado que a prefeitura estava dificultando a legalização da ONG, através da burocracia.
O Sr. E: Indignado. “Se não quiserem dar a autorização, nós mudamos de prédio”.
O Sr. E questionou se isso (aproximação dos dois vereadores) era um bom negócio para a ONG.
(27/01/2005 - Reunião / Montagem da placas para a exposição das fotos)
Os objetivos do grupo começaram a ser traçados e discutidos no grupo. Em Janeiro de
2005 foi realizado um evento que contribuiria muito para que o grupo avançasse sua
consciência crítica, mas também, como qualquer ação, essa também teve conseqüências
contraditórias para outros membros. O pesquisador analisando o momento do grupo propôs
uma atividade, baseada na técnica de “temas geradores”
15
de Paulo Freire, onde seria
montada uma exposição de fotos e recortes de jornais relatando sobre a história do bairro.
Também havia a intenção de levar essa exposição para diversos pontos do bairro como
escolas, supermercados, bares, postos de saúde (locais de grande circulação de pessoas) para
que as pessoas pudessem conhecer melhor o bairro onde vivem, suas histórias, sua realidade e
também perante o grupo tinha uma dupla finalidade: Fazer com que o grupo realizasse um
trabalho coletivo, com vistas ao fortalecimento dos vínculos e desenvolver a consciência
crítica dessas pessoas em relação aos problemas do bairro, através da discussão dos fatos que
levaram a atual situação do bairro, estimulando a reflexão sobre o cotidiano dessas pessoas e
proporcionar um espaço para reflexão crítica sobre a realidade. Solicitou-se, então que as
pessoas trouxessem várias recortes de jornais que falassem do bairro, fotos de suas famílias
tiradas no bairro e outros recortes que achassem interessante.
15
A técnica de temas geradores que foi usada por Paulo Freire na alfabetização de adultos consiste apresentar
fotos, recortes de jornal, contar fatos com o objetivo de gerar discussões sobre o tema e fazer com que os
indivíduos caminhem para uma conscientização do seu cotidiano.
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(27/01/2005 - Reunião / Montagem da placas para a exposição das fotos)
Na atividade ocorreram fatos muitos interessantes, desde comentários bem críticos
sobre a realidade, expressões de sentimentos em relação ao bairro e as pessoas que ali vivem.
Na seqüência serão citados alguns trechos que demonstram como as emoções permearam esse
trabalho e seu papel na tomada de consciência. Podemos destacar as discussões surgidas
entorno das fotos e matérias de jornal sobre os problemas de bairro. Em diversos momentos as
pessoas foram mais críticas e construtivas em relação a sua realidade. Nessa atividade
podemos verificar as três dimensões da atividade grupal: Operativa, valorativa e afetiva. Na
Operativa: organização para a tarefa. As atenções estavam bem voltadas para o fazer, mas
também para o refletir. A Valorativa: as pessoas expressavam por vários momentos seus
valores, sobre o sentido de comunidade, as outras pessoas. E Afetiva: seja quando dizia sobre
algo que era bonito mas acabou, seja quando diziam que se sentem indignados pela situação
atual. Em destaque algumas dessas falas. As emoções emergem no grupo não somente em
momento de conflito, mas também de descontração e alegria.
Quando fazemos algo que é valorizado pelo grupo, damos um sentido estético
positivo, a beleza. A atribuição do valor beleza é fundamental para o trabalho grupal. Quando
um grupo produz algo belo, valorizado, isso aumenta sua estima de si, mediado pelo outro. É
o aspecto afetivo da beleza estética do trabalho.
Sr. E: - Está ficando bonito isso...
V Sorri...
(27/01/2005 - Reunião / Montagem da placas para a exposição das fotos)
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Nessa reunião o clima estava mais leve, ou seja, as pessoas relaxaram mais, ficaram
menos tensas, brincaram bastante, se divertiram. Os aparentes conflitos da reunião anterior
foram abrandados, ou tiveram uma trégua. As pessoas puderam expressar mais livremente
suas emoções e opiniões. A emoção de alegria e descontração torna-se figura no grupo.
P O Sr. não quer colar nesse papel aqui Sr. O (trocando o nome da pessoa).
Sr. E. Me corrigindo. É E.
Risos generalizados...
Sr. E Já está trocando meu nome...Fiquei quieto.. (risos).
R. Pior é chamar de “Seu Zé”.
Sr. E “Seu Zé” é duro (risos).
Risos no grupo.
...
(27/01/2005 - Reunião / Montagem da placas para a exposição das fotos)
Talvez, devido a um clima mais favorável, o grupo se torna, mesmo que
momentaneamente , um novo local de trocas afetivas e simbólicas, através de relatos de fatos
exteriores ao grupo, da vida pessoal das pessoas. O que em outros momentos não acontece.
Isso demonstra como os vínculos afetivos favoráveis abrem a possibilidades de novas portas
de comunicação e de trocas simbólicas-afetivas, transformando o grupo num espaço para
falar. Demonstra também uma evolução do grupo. Não para a harmonia e coesão (pensando
no sentido mais clássico do termo), mas em novas possibilidades de trocas da vida cotidiana.
A aparente formalidade, tão presente em outros momentos, do grupo dá lugar a proximidade
e a abertura:
Sr.E Ontem fui levar meu carro para revisão... Aí tem aquela proteção na porta... Eu paguei
cem reais em novembro e hoje me cobraram-me mais... Caro, não é?
(27/01/2005 - Reunião / Montagem da placas para a exposição das fotos)
Em alguns momentos o pesquisador foi mostrando algumas das matérias de jornal e
perguntando as pessoas se lembravam daqueles fatos. (Isso faz parte da técnica). Provocando
uma discussão sobre o tema.
Por exemplo:
Manchete do Jornal: “Guerra de Passeatas incomoda moradores da Praia Azul”.
Sr. E Me lembro, eles ficavam passando de carros em torno do comício do adversário fazendo
barulho.
M É mesmo.
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S. Eles fizeram carreatas sim.
Sr. E. Isso aí é político ignorante.
Outro Exemplo:
Sr. E Pode ser que eles não fazem nada, mas que nós enchemos o saco deles (os políticos), isso sim.
P Começa por aí, não é.
Outro Exemplo:
Sr. E Você sabe de uma coisa, aqui na Praia...você vai conversar com gente...Você fala: Vamos nos
unir.. : << Ahh, aquela porcaria >>. Não pode. Não tem união...Fomos vender uma rifa para a ONG
aqui: << Aquilo lá não é nada, aquilo é uma porcaria >>.
R É fácil reclamar.
(27/01/2005 - Reunião / Montagem da placas para a exposição das fotos)
(Recorte de Jornal utilizado na montagem da exposição 18/02/2005)
Nas falas podemos verificar que o grupo entra em um momento de discussão sobre a
situação do bairro, sua própria situação. No decorrer da técnica, o pesquisador ia colhendo os
recortes de jornal e perguntando o que as pessoas achavam daquilo. Nesse dia muitas
informações interessantes foram dadas pelos participantes, as pesoas davam suas opiniões
lembravam de fatos ocorridos semelhantes, como a manchete acima “Moradores reclamam do
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preconceito”, falam de seus sentimentos sobre os assuntos, sobre o bairro, sobre o grupo. As
emoções ajudam a desvelar aquilo que está latente, o incômodo não nomeado, sentido, mas
muitas vezes negado, da revolta, da indignação pela situação que o morador passa no dia a
dia. Da discriminação, da saudade de outros tempos, que ao menos na memória, foram
melhores que os de hoje, na esperança que os faz vir até aqui. As emoções mobilizaram um
agir crítico sim. A afetividade intervém em todo processo comunitário e mobiliza vários
processos como a participação, o compromisso, a reflexão e avaliação a formação de
identidade comunitária e sentido de comunidade e dinamiza a ação dos grupos na
comunidade.
Esse encontro ajudou a catalisar e dinamizar algumas ações do grupo: o Sr. E, através
de contatos pessoais, conseguiu que um Jornal da cidade e uma rádio se interessasse em
entrevistar o grupo. Assim, marcado o dia os jornalistas vieram para o bairro e fizeram uma
entrevista para o jornal local.
(Membros da ONG no momento da entrevista para um jornal local -18/02/2005)
Na entrevista pode-se notar alguns fatos interessantes: primeiro, o grupo se posicionou
enquanto tal, ou seja, eles falaram em nome de um ser coletivo, em nome da ONG. O grupo
assume um nós, mesmo que esse “nós” não inclua todos os membros do grupo. Essa atitude
pode ser vista como uma das definidoras da identidade grupa; segundo, o sentido dessa ação
para o grupo e para seus membros que participaram da ação por um lado queriam realmente
fazer valer seu direito de protestar, mas também, isso se revelou no final, tinham uma segunda
intenção (a promoção da figura da médica à custa do grupo).
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Durante, a entrevista, entretanto, pudemos notar também o como a consciência crítica
dos membros do grupo é relativa. Se por um lado existem membros que procuram, através da
problematização e historização dos problemas, chegarem às causas fundamentais da atual
situação (mesmo que não extrapolem isso em um nível mais macrosocial), outros membros
focam, ou mesmo culpam determinadas pessoas ou grupos pelos problemas do bairro. Os dois
principais grupos que são os “culpados” pelos problemas do bairro são as “profissionais do
sexo” e “os proprietários de motéis”. Abaixo temos dois trechos das entrevistas cedidas por
dois membros da ONG. No primeiro, o morador tenta achar uma explicação para sua atual
situação, enquanto morador, buscando encontrar as raízes dos problemas na poluição das
águas da represa do Salto Grande. De certa forma é uma visão mais crítica, mas ainda não
conseguiu relacionar essa situação com discriminação sofrida historicamente pelo bairro pelo
poder público, já que a poluição e tudo o mais está inserido numa lógica, onde os interesses
econômicos de alguns grupos (como os industriais da região que depositam seus detritos há
décadas nessa represa) se sobressaem sobre a população em geral (todos os moradores da
região da represa do Salto Grande, que abrange três cidades diferentes).
O problema central da Praia Azul, o principal, todos os outros problemas eles giram entorno da
poluição das águas da represa. Os outros problemas são periféricos, não deixam de ser importantes,
talvez sejam tão importantes quanto. Mas eles giram em torno desse outro problema. Os problemas
secundários são: a falta de asfaltamento público, a fiscalização do poder público dos estabelecimentos
comerciais do bairro e o aumento de motéis, que estão funcionando sem autorização, não sabem se tem
alvará, muitos deles em condições precárias com preços aviltantes, que eu tenho certeza que se fossem
comércios sérios esses preços não seriam praticados. A vinda desses motéis, eles facilitam a
prostituição, o porte e tráfico de drogas...eles usam para usar drogas...também a violência que aumenta
por causa do abandono, então basicamente é isso. Nossa proposta é despertar o interesse do poder
público pelo nosso bairro, porque é um bairro antigo...e até agora não vimos fazerem algo e a resolução
desses problemas é vital para o desenvolvimento do nosso bairro.
(18/02/2005 R. na entrevista do grupo da ONG para o Jornal “O Liberal”)
Mesmo assim, vejo que isso significa um avanço na consciência crítica do indivíduo,
pois ela começa a compreender que o aparente, o imediato, tem raízes sócio-históricas e que
devem comparar sua análise com o imediato, verificando as contradições existentes entre as
representações sociais do que se acredita (por exemplo, que a violência é fruto de indivíduos
maus intencionados simplesmente) com suas atividades desempenhadas na produção da sua
vida material. Porém outros membros do grupo elegem a questão da prostituição em si como
geradora dos problemas do bairro, acusando-as e também os motéis como os principais
causadores dos problemas do bairro, principalmente da estigmatização das pessoas.
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Sr. E- reclama da discriminação sofrida pelos moradores do bairro:
“ ... Essas prostitutas chamam (os motéis)...Na minha opinião, a Praia Azul... quando você vai fazer
uma compra e pede seu cadastro: << Onde o Sr. mora? >>.Na Praia Azul, na rua tal, já é motivo pra,
de... de...preconceito, então é isso que nós precisamos terminar, abolir, nós vamos procurar de toda
maneira fazer festa, atividade sadia, unir crianças, como já fizemos no carnaval... então nossa finalidade
é moralizar o bairro...Isso que é mais importante. ... Infelizmente, nós temos um motel aqui, que é um
verdadeiro...nunca vi... esse que é o principal...é um chamariz de prostituta...esse é horrível...isso traz
uma prostituição terrível para o bairro... estou falando mas é verdade mesmo, tem gente que tem medo
de falar, porque: << Ahh. Não sei o que. >> pode sofrer ameaça, porque já sofreram ameaça, mas
alguém tem que falar, para que esse problema seja resolvido, não é verdade?...Ele dá uma cobertura
para as prostitutas... ”.
Sr. E “ isso aqui é um bairro de turismo, infelizmente é abandonado...Aqui moram famílias boas,
distintas...do jeito que estamos caminhando as pessoas decentes, as pessoas normais...tem bastante
aqui..vão acabando indo embora...E vaio ficar quem? As prostitutas vão dominar nosso ambiente...
Sr.O “...eu mesmo tenho uma filha, minha esposa mesmo, saí para tomar ônibus toma cantada...não
respeitam mesmo...”
(18/02/2005 Sr. E e Sr. O. na entrevista do grupo da ONG para o Jornal “O Liberal”)
Mesmo que a matéria do jornal seja uma versão do próprio repórter sobre o que as
pessoas falaram (pois ele focou muito a questão da prostituição) percebemos que isso mexeu
com o grupo, ficaram mais animados, sentiram-se valorizados, como alguém que tem voz e
pode falar e ter alguém que escuta. Essa atitude foi importante, mas também demonstrou um
outro problema interno no grupo (a questão da disputa entre os subgrupos), pois algumas
pessoas não foram convidadas para participar dessa entrevista e isso gerou um desconforto
nas reuniões seguintes.
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(Jornal “O Liberal” de 24/02/2005, gerado através da entrevista cedida pelos membros
da ONG).
Na reunião seguinte (reunião da comissão de eventos em 21/02/2005), as relações
entre os membros do grupo pareciam mais tensas, havia um clima de questionamento das
atitudes de várias pessoas, entre elas o tesoureiro o Sr. E, porém a questão da entrevista não
foi mencionada por ninguém do subgrupo que participou. Isso nos leva a observar que os
conflitos internos no grupo pelo poder já estavam acontecendo (Mesmo que as questões da
entrevista tivessem o agravado). Foi um dia de muita tensão dentro do grupo, de exaltações de
vozes, de reclamações sobre a exclusão de alguns membros do grupo por outros. A questão
emocional torna-se novamente figura.
Sil O certo seria alguma coisa para deixar em caixa... para nós comprarmos ...alguma coisa...pelo
que estou vendo não tem nada em caixa.
S. - Tem da Ong. Mas não sei se pode ficar gastando, quem tem que resolver isso aí é o grupo
todo... não só o tesoureiro...
M do jeito que você está colocando teria que fazer um caixa 2.
Sil. Exatamente. Para poder...comprar alguma coisa .. precisar fazer uma reunião...
M- não dá.
Sil O que cada grupo (comissão) decidir tem que aceitar...
Sil Uma coisa que estou sentindo no grupo é falta de comunicação...está faltando incentivo da
pessoa. Por exemplo...Ir à prefeitura, pegar e ligar: << Eu estou indo à prefeitura, você quer ir
comigo? >> falta isso. O que está acontecendo no nosso grupo é isso. (exaltada)
(21/02/2005 Reunião da Comissão de Eventos)
108
As discussões que geralmente são acaloradas (demonstração das emoções), nos
diálogos as pessoas demonstram mais suas exaltações, quando não gostam, quando
discordam, quando concordam...não se fala em emoções, não as nomeia ou assume-se
claramente: “eu estou irritado com você”, porém elas são notórias...nas entonações, no
volume das vozes, nas expressões e gesticulações. Apesar dos conflitos, os subgrupos têm no
aspecto organizativo um dos principais objetivos do momento, mas isso aparece como uma
forma ganhar poder perante os outros subgrupos, ou seja, eles estão empenhados em produzir
algo, mostrar ação, para ganhar notoriedade no grupo maior. O interessante nessa reunião foi
o questionamento da autoridade do tesoureiro, enquanto um papel atribuído pelo grupo numa
eleição e assumido por um membro, como membro da diretoria. Também as relações de poder
o entendidas como falhas de comunicação. Isso é interessante observar, pois o poder é
questionado. Existem muitos conflitos e há o sentimento que o grupo poderá se desfazer. Por
isso o grupo estabelece instrumentos reguladores de ações individuais e coletivas para evitar
sua dispersão do grupo, reduzindo a liberdade individual e priorizando o interesse coletivo.
Do ponto de vista afetivo, o medo de dispersão torna-se mais forte. O grupo estabelece mais
rigidamente um controle para quem participa ou não das reuniões e apelam novamente para o
estatuto. Quando o grupo separou as tarefas e criaram novos papéis, criou condições para
uma nova Organização, porém essa reorganização interna também gerou uma nova visão do
grupo sobre a questão do poder, tomando consciência de sua unidade prática, com a
perspectiva do objetivo conscientemente perseguido, por isso percebeu-se que há uma
tentativa de uma redefinição do poder no grupo. Mesmo que a organização do grupo tornou-o
mais eficaz e se estabeleceram meios para lidar com as condições objetivas através das
comissões, a necessidade da divisão das tarefas e o enfrentamento do poder criaram uma
situação de perigo para a soberania de todos. Com isso, aumentaram no grupo os conflitos
pelo poder e o temor pela dispersão é constante. Nesse momento as ações são mais duras para
controlar as possibilidades de fuga, desvio e não participação. Há o estabelecimento de um
estatuto comum de forma declarada. Os integrantes do grupo procuram criar regras mais
rígida para que o grupo não se disperse, representado pela rigidez na faltas das reuniões, na
participação de eventos. O sentimento de temor da dispersão do grupo torna-se figura e os
sentimentos de desconfiança aumentam.
M - “a idéia de formar os grupos é exatamente para isso...foi colocado que haveria uma rigidez
na falta da reunião..tem gente que nunca apareceu...e foi colocado para se fazer uma escala...”
109
Sil “ ... em um evento alguns moradores me perguntaram: << Cadê as outras pessoas? >>. Eu
acho que devem vir de qualquer jeito...”.
Sil “...quando tem um evento às pessoas do grupo devem vir...tem que vir... não levar com a
barriga...”
Conflito no grupo. Sil questiona o agir do tesoureiro do grupo. Ela quer saber como o dinheiro
de uma rifa foi empregado.
Sil “ o que eu quero saber é isso.. onde foi usado o dinheiro é nosso direito saber...”.
(21/02/2005 Reunião da Comissão de Eventos)
Os conflitos aumentaram e a desconfiança também. A luta pelo poder interno no grupo
é evidente nesse momento, a emoção aparece a todo o momento nas acaloradas discussões.
Isso aumenta mais quando o mesmo subgrupo (a diretoria) faz uma entrevista para uma rádio
local. A entrevista foi ao ar ao vivo, durante um programa que se chama “A voz do Povo”,
onde um repórter vai toda semana a um bairro, conversa com os moradores, que fazem uma
participação ao vivo, reclamando e falando dos problemas do bairro. Como disse, somente
participaram as pessoas da diretoria da ONG, que não avisaram os demais membros. As
temáticas das falas das pessoas giraram em torno de duas questões: a prostituição e os motéis.
De certa forma, foi o repórter que levou as discussões nesse sentido. Isso seria um fato
interessante para se analisar como a mídia constrói a notícia e reproduz a discriminação e o
estigma social, porém não cabe nesse trabalho essa análise. O que nos interessa é conferir
quais foram às conseqüências desse fato para o grupo e a comunidade.
O repórter entrevistou o Sr.E, o Sr. O, R, P. As perguntas ressaltaram o problema dos
motéis e da prostituição. E as repostas, por esse motivo, não saíram desses temas. Houve
também a participação do S.C. e de um proprietário de um motel do bairro, via telefone. O
S.C. falou sobre os problemas dos motéis em um tom bem irritado, tanto que o apresentador
do programa cortou a participação dele, tirou-o fora do ar. No final do programa o R. falou da
ONG e convidou as pessoas para participarem. O Sr. O e o R. , também no final, tiveram um
comportamento interessante que revelou um pouco da segunda intenção dessa ação como dito
anteriormente, ele pediu a palavra e falou sobre a médica do PSF em forma de
agradecimento. A ambivalência do grupo como um todo em relação médica, se por um lado
ela representa uma opressão sobre o grupo, por outro, alguns membros a apóiam e até se
submetem a fazer suas vontades, como nesse fato. Ficou claro depois que ela havia de alguma
forma, ou instruído ou incentivado para que falasse sobre ela na entrevista. A ambivalência
também é emocional, pois de um lado a temem e por outro se sujeitam a ela.
110
(22/02/2005 Entrevista da ONG para a rádio Você AM 580)
Ele tinha preparado um texto para isso. Interessante dizer que nesse momento a
médica corria o risco de ser demitida, pois ela não era um funcionário concursado e houve um
concurso público recentemente para contratação de novos médicos e ela não prestou o
concurso. Os agradecimentos foram os seguintes:
R “ ...essa ONG ela nasceu graças a uma pessoa que se identificou com os problemas da
Praia Azul, é uma médica ela trabalha no PSF, Dra . M. e nós gostaríamos de aproveitar a
oportunidade para agradecê-la...”
Sr. O “ quero fazer um agradecimento em nome de todos...a Dra. M....tentando melhorar
...obrigado por você existir, sem você o que seria de nós?...
(22/02/2005 Entrevista da ONG para a rádio Você AM 580)
Essa entrevista foi interessante, pois demonstrou um pouco do funcionamento do
grupo. Mas também revelou como uma estratégia de manipulação da médica, usando o grupo
pra interesses próprios. Isso trouxe conseqüências sérias para o grupo, como por exemplo, o
agravamento dos conflitos internos do grupo e o aumento da disputa entre os subgrupos
(subgrupo pró-dica e subgrupo contra médica). Isso também demonstra que o grupo estava
suscetível a ser manipulado por uma pessoa (um líder), ou seja, ele serviu de instrumento
político para essa pessoa, mesmo estando afastada do grupo. Nesse momento, dá-se início a
“quebra do grupo”. No final da entrevista, algumas pessoas do outro subgrupo (contra
médica) ligaram irritados com o que os outros tinham feito, pois não tinham sido avisadas e
111
que só agradeceram a médica e não a equipe. As conseqüências apareceram mais claramente
na próxima reunião, que foi definidora para a continuação ou não desse grupo.
Na reunião seguinte, podemos dizer que se consolidou a cisão do grupo, em um
ambiente muito tenso, onde emergiram os conflitos latentes e também surgiram novos. A
formação de subgrupos por vínculos afetivos e interesses pessoais tornou-se evidente para o
grupo. Houve o risco do grupo realmente acabar, sendo que várias pessoas pediram
exoneração de seus cargos. Nas falas pudemos verificar o caráter comunicativo das emoções,
o quanto impulsionavam as discussões e ao mesmo, o quanto bloqueavam as possíveis
soluções desses conflitos. Nesse episódio o ocorreu um fato interessante, as emoções
começaram a serem nomeadas nas discussões do grupo. Elas sempre estiveram presentes, mas
as pessoas do grupo pouco tomavam contato com suas emoções e sentimentos (ou se
tomavam, não expunham) e muito menos com as emoções dos outros. A questão de como me
sinto nessa situação perante meu colega de grupo e o que isso produz em nossa relação e aos
resultados do grupo, geralmente, não era tocado nas reuniões. O grupo era gerido por uma
pseudo-racionalidade, que excluía ora conscientemente (“não devemos falar de nossos
conflitos”), ora de uma forma não consciente (as questões afetivas são, geralmente, tratadas
no âmbito privado e não no público). Desvelando uma política da afetividade que exclui o
tema emocional das instituições e organizações. Parece que a emoção somente atrapalha e o
assunto deve ser excluído do âmbito público de nossa vida como no trabalho, nas ações que
fazemos em nosso dia a dia para a sobrevivência. As emoções são reservadas para o âmbito
privado, para a família, para a cama. Assim, quando acontece um fato que faz com que as
pessoas tenham que lidar com as emoções no âmbito público, ficam sem jeito, incomodadas e.
geralmente, não sabem como lidar com elas. Nesse sentido, esse momento do grupo foi
praticamente uma “catarse coletiva” onde as pessoas falaram de seus sentimentos (negativos e
positivos) em relação às pessoas e ao grupo como um todo. Porém essa experiência agravou
ainda mais os conflitos existentes entre os sub-grupos e fez como que rompesse a frágil trama
das relações desse grupo comunitário. Numa comunidade, existem vários tipos de relações,
desde as mais solidárias, as de dependência, as centralizadas em si mesmos ou no núcleo
familiar, as instrumentais (vejo o outro como um instrumento para conseguir o meu objetivo)
e outras, mas em todas elas a afetividade das pessoas e seu sentido de comunidade tem um
papel fundamental na determinação da viabilidade e duração dessas relações. Pode-se dizer
que os que os congregavam ainda eram motivos mais circunstancias e de interesse pessoal do
que relações solidárias autênticas com as demais pessoas da comunidade. Com isso, não quero
dizer que não existiam relações afetivas verdadeira, trocas afetivas, entre as pessoas, pois
112
existiam, mas ocorriam muito mais os vínculos formados extra grupo do que pelo contato e os
propósitos firmados nesse coletivo.
Os últimos acontecimentos (as entrevistas) contribuíram para que os conflitos
emergissem. Em uma reunião anterior um dos membros questiona a postura de uma das
pessoas na execução de suas funções de tesoureiro, questiona na verdade o funcionamento do
grupo, porque todas as vezes que precisar comprar alguma coisa, tem que ser aprovado pelo
tesoureiro e a diretoria da ONG. Não se sabe o motivo desse questionamento, porém ele
existiu e isso gerou um conflito interno no grupo, causando um estremecimento nas relações,
porém também funcionou como um “gatilho” para que se disparassem opiniões e sentimentos
que não estavam sendo expressas no grupo. As emoções tornam-se novamente figura. A
seguir colocamos um trecho dessa discussão.
Em seguida o Sr. E, pediu a palavra e a reunião mudou de tom ele falou que estava “magoado” com
“algumas pessoas” que questionaram o que ele estava fazendo com o dinheiro da ONG. Achou um
absurdo e pediu demissão do cargo de tesoureiro, entregando o livro-caixa para uma pessoa. Em seguida
um trecho desse diálogo.
M ela não cobrou oficialmente a ONG, ela só perguntou: << para onde vai o dinheiro da rifa? >> .
Entendeu?
Sil Nós estávamos discutindo sobre o material para ser comprado, tanto que a D. A. falou assim: <<
Dois reais de cada um para começar >> e perguntaram onde estava o dinheiro e ninguém sabia onde
estava o dinheiro.
M Ninguém sabia.
Sil foi optado, para que eu comprasse o material e reembolsasse. Todas as pessoas têm que estar
aberto a saber...Foram falar que eu quero saber... (Irritada)
M Você tem o direito como todos de saber como qualquer um. (muito irritada).
Sil Estou dando um dia meu para erguer isso aqui...já fiz isso. Só que são pessoas ignorantes para
abrir a cabeça para isso... estou sendo voluntária...
M Foi um mal entendido...
M Se toda vez que precisar comprar alguma coisa para ONG, precisar fazer reunião, não vai andar
nunca.
Sr. O Não é assim. É dinheiro. Nós vamos fazer isso. Todo mundo concordou.
Sr. E A ONG tem que ser uma união... Não quero discussão...estamos aqui para um bem só: a Praia
Azul. Agora se haver desavenças, eu caio fora... Não quero que duvidem dos meus atos... (muito
irritado). ... as pessoas têm que primeiro participar...Tudo tem limite, chegamos no limite...(enfático).
D. A Pelo amor de Deus, estava tão bonito, agora vai acabar tudo.
Sr. O Não dá, já tentamos...
Muita emoção no ar, exaltações de vozes...
Sil Eu vou parar, vou fazer o curso na minha casa, eu saio.
F Tem que parar com esse negócio, por a cabeça no lugar, tem que estar preparado para tudo...Vamos
nos unir...parar de fuxico...
Muitas pessoas falando ao mesmo tempo.
Sr. E. Quando se começa é a maior alegria, mas depois vai vendo a realidade...tem pessoas no bairro
que querem colaborar e outras querem puxar o tapete...criticar é a coisa mais fácil que tem...
(03/03/2005 Reunião Geral da ONG)
113
Muitas palavras surgiram nesse dia para nomear, dar um sentido, ao que estava
acontecendo, ou melhor, ao que se estava sentindo: “magoado”, “sentir prazer”,
“desmotivado”. Quando tomam consciência de que estão falando de seus sentimentos
nomeiam isso de “lavar roupa suja”. Essa é uma expressão interessante que nos revela muito
de como a nossa cultura lida com as expressões de nossas opiniões e sentimentos. Desvela
uma política da afetividade perversa. Quando nossas opiniões e sentimentos (em geral
negativos em função do objeto) não estão em conforme com o discurso dominante num grupo,
numa cultura, ou que não fala “aquilo que é permitido”, são taxados como ruins e, portanto
não são bem aceitos num discurso cotidiano “civilizado”. As normas sociais levam as pessoas
a maneiras de sentir, mas normas não produzem o sentimento diretamente, elas servem como
uma indicação, as pessoas agem conforme uma convenção social externa, elas se ajustam a
norma, que por sua vez poderá gerar o sentimento que a norma tentar estabelecer. No caso de
eu acreditar nessa norma e não conseguir realizá-la pode gerar um sentimento de culpa.
Porém ai é que está o interessante: ao expor nossa roupa suja perante as pessoas,
também expomos nossa intimidade, aquilo que temos de mais pessoal. Simbolicamente,
expomos nossos sentimentos e opiniões pessoais, nossos posicionamentos, nossos desejos.
Não é a toa que essa expressão surge nesse momento do grupo, a repressão da expressão do
que se sentia atingiu um grau insuportável e encontrou uma forma de aparecer, através do
conflito. Se pensar bem, os conflitos no interior de um grupo de trabalho, são na verdade uma
forma de resistência dessas pessoas a imposição ideologizada da não expressão de seus
sentimentos e opiniões. O que é “ruim” também é para se mostrar num grupo. Mas diria Paulo
Freire: “nós engolimos nossos opressores” e acabamos reproduzindo dentro do grupo a lógica
dessa ideologia que nos talha que nos cinde, que nos bloqueia e reprime, assim quando
surgem os conflitos nesse dia, algumas pessoas assumem uma postura de “por panos quentes”,
ou seja, de tentarem sufocar esses conflitos. Mas no nosso caso, os efeitos já foram sentidos
pelo grupo., levando as pessoas a mostrarem-se um pouco mais e a se posicionarem a favor de
um ou outro sub-grupo. Nesse ponto isso foi um avanço para o grupo, um crescimento, uma
evolução, porém a trama frágil que os unia não suportou e rompeu. Abaixo segue um outro
diálogo onde aparecem esses fatos comentados.
Sr. E fala da importância do prazer em participar de um grupo.
Sr. E Uma organização como a ONG devia ser como uma espécie de lazer...é gostoso
participar... procurar o bem do bairro...deve participar com prazer, acho que isso é muito
essencial. Agora...Será isso, será aquilo... essa contradição...é horrível, já um sacrifício...eu
sempre participei com prazer...Não desmotivado.. não pode.
114
Sil assume uma postura mais branda no grupo...tentar superar o conflito...
Sr.E “ Precisamos de mais diálogo no grupo.”.
Sr. E intima o sub-grupo das ACS se irão continuar participando ou não.
V A idéia foi do PSF, mas agora...”
Sr. O Cobra uma postura das ACS.
...
Sr.E e Sr. O cobram das ACS que os convites para a população devem ser feitos por elas.
M- “lavar roupa suja” “quando teve a entrevista no rádio não nos avisaram”.
...
Sr.E “lavando roupa suja” “pedi para você dar um retorno de um assunto e não deu...”
V. assume um papel de conciliação.
V “Esse conflito entre PSF e ONG tem que se resolver...temos que superar...”
R. também assume uma postura de conciliação e esclarecedora.
R “ temos que aprender a desvencilhar o PSF e a ONG. não podemos cobrar nada do PSF, só
podemos pedir colaboração...eles tem uma função social diferente da nossa...mas não podemos
perder o nosso foco, para isso temos que ter união e passar por cima de problemas pessoais, A
ONG está tomando proporções que fogem do controle de uma pessoa só...imagine quando ela
ficar maior ainda... então o que eu peço que vamos nos unir...”
(03/03/2005 Reunião Geral da ONG)
Nesse momento de conflito, o grupo começa a expor mais suas opiniões e sentimentos.
Os subgrupos se tornam mais evidentes e os conflitos também. Há o medo do fim do grupo,
pois muitos começam a desistir. Algumas pessoas começam a tentar não deixar que o grupo
acabe. A relação entre os funcionários do PSF e os membros da ONG entra novamente em
pauta. As pessoas retomam as discussões na reunião seguinte num tom de desabafo. Há um
clima de cobrança mútua entre os subgrupos, colocando a responsabilidades pela situação da
ONG ou em outro grupo:
V A ONG tem que se desvincular para a coisa andar...
Onde está às outras pessoas, cadê o tesoureiro, cadê o diretor não está presente?...As coisas
precisam entrar no eixo...
Onde estão as pessoas da comissão de eventos?
R “...teve algumas pessoas da diretoria que quando assumiram o compromisso com vontade
própria, assumiram imposto isso ...foi uma coisa imposta pelo grupo...e acabou ficando...e com
amadurecimento da ONG , agente vê quem está aqui está interessado, mas a diretoria perdeu o
interesse...e eles não entenderam o papel deles...”
V- tenho orgulho de participar da ONG. Lá fora as pessoas estão cientes do que está
acontecendo aqui...mas nós temos que nos organizar aqui dentro...as coisas têm que ser
mudadas...as coisas têm que continuar...
(30/03/2005 Reunião Geral da ONG)
A acusação mútua entre os subgrupos, por exemplo, da exclusão de alguns membros
no dia da entrevista para a mídia, agravaram a situação interna e houve boicote de alguns
membros ativos da diretoria nessa reunião (Sr. E e Sr. O.). No grupo encontram-se
115
explicações para a atual situação do grupo, principalmente responsabilizando a diretoria. O
líder, ou melhor, a ausência de uma liderança, aparece no discurso de algumas pessoas do
grupo como a principal causa dos problemas do grupo.
Sr. E “...eu acho que estamos muito mal orientados, porque com a falta de presidente, aparece
um fala uma coisa...tudo, uma família, um município, um estado tem um chefe. Para nós aqui,
está faltando um chefe... um presidente.. que determine as coisas...eu sempre colaborei mas
tem que ter uma pessoas responsável por todos os atos da ONG.. precisa e nós temos, fica um
falando uma coisa outro falando outra e tumultua e não resolve nada, estou certo?”
Sr. E “ Eu acho que o presidente tem que mandar...eu fui presidente de clube muitos anos,
então tudo que era feito dentro do clube, era eu que mandava...a idéia principal...tem que ter
uma pessoa que mande...”
V “...não queremos que pare mas que funcione, mas tem que existir um líder, eu acho que
devemos fazer uma assembléia geral...convidar pessoas e escolher pessoas que tenham um
perfil para ser presidente...”
V. “ podemos continuar com outra diretoria...”
R Sugestão e orientação de uma nova eleição para diretoria. Fazer chapas para eleição.
(20/04/2005 Reunião Geral da ONG)
A idéia de que um grupo necessita de um líder, ou seja, de uma pessoa que tenha
autoridade sobre os demais membros, aparece aqui como naturalizada. Essa idéia entrou em
um processo de naturalização, onde o papel de uma pessoa que possua um poder diferenciado
sobre os demais é visto como natural, ou mais ainda, como essencial e necessária. Também é
uma reprodução ideológica macrossocial, pois reproduz a ordem social existente, onde
algumas pessoas e grupos possuem um poder diferenciado sobre os demais. A liderança
também pode ser entendida como um processo de dominação social e também uma forma de
projeção (utilizando aqui a noção freudiana) onde cada membro do grupo projeta em uma
única pessoa suas ansiedades e expectativas, e ao mesmo tempo, excluindo-se de sua
responsabilidade como membro de um grupo. Enquanto coloco no outro, em um líder, a
responsabilidade pelos meus fracassos, enquanto grupo, não assumo meus deveres e conflitos
perante as situações de meu cotidiano. O responsável é sempre o outro, o líder do grupo, o
prefeito, o presidente da república. Não que cada um desses não tenha uma parcela no
processo, porém a medida que não assumo minha parcela nesse processo também não sou
capaz de compreender ou de tomar consciência de minhas ações e suas implicações. Esse
processo é histórico e socialmente construído e um dos principais problemas que o psicólogo
comunitário enfrenta em seu trabalho com os grupos. Um outro aspecto fundamental é que
nesse processo temos o fator afetivo como fundamental para a mudança dessa consciência. O
116
avanço da consciência de um grupo em assumir o processo de si mesmo, encontra nas
emoções um fator mobilizador ou paralisante. A alternativa encontrada pelo grupo é eleger
uma nova diretoria como tentativa de não deixar a ONG acabar. Não se avança a consciência
porque as emoções não permitem, tem-se medo, ansiedade de prosseguir, pois consciência
tem uma base afetivo-volitiva. O grupo retorna a um estágio anterior de consciência.
O grupo está se findando, mas acontecem nesse momento novos acontecimentos que
poderiam dar um novo fôlego para esse grupo. O registro da ONG finalmente é aprovado pela
prefeitura e o prédio onde a ONG se reunia é cedido oficialmente. Isso traz uma nova
expectativa para alguns membros, porém os efeitos não são profundos e duradouros
suficientes para que as pessoas voltem para a ONG. Também a médica reaparece nesse
cenário e convoca uma reunião para conversar com a diretoria da ONG. Só que novamente ela
assume um papel autoritário perante o grupo, constrangendo as pessoas a participarem. A
maioria consente essa imposição, porém R., um membro muito ativo anteriormente, decide-se
não participar mais e mantém sua posição até o final.
Dra. M “ Fulano...você vai continuar com a gente, não é? É claro que vai, não é mesmo...”
R. se opõe e disse que veio decidido a encerrar o assunto da ONG na vida dele (nesse momento
ele não mora mais no bairro) para sempre.
(13/07/2005 Reunião da Diretoria da ONG)
A situação do grupo também faz com que outras pessoas queiram assumir os cargos
das pessoas que desistiram, mas o clima em geral é de que não há mais nada a ser dito.
Algumas pessoas querem continuar, mas ainda culpam os demais pelos problemas. Algumas
pessoas retornam ao grupo, porém percebe-se o clima de descontentamento e acusação com
os demais membros do grupo com os quais tiveram algum conflito no passado.
S “ já estamos na luta um ano, quase paramos, mas vamos tentar reativar...e precisamos de
mais pessoas para ajudar a lutar, porque só algumas pessoas não conseguem...”
Sr.E “ nós paramos por causa do registro, depois nós paramos porque chovia mais aqui
dentro que lá fora... aí foi trocado o telhado...agora nós temos tudo, não temos mais motivo
para parar...”
Sr. O. “... ficou um tempo parado...eu me afastei, por sinceridade, por vários comentários que
teve...e nesse período eu já notei coisas estranhas da pessoa que ficou substituindo a mim...
inclusive houve um bazar aí e ninguém sabe o que aconteceu com o dinheiro...”.
(17/08/2005 Curso sobre ONG)
117
(Evento realizado pelo grupo)
Afinal, uma última tentativa é feita pelo grupo, eles decidem organizar um evento no
dia das crianças para os moradores do bairro. Nesse cenário surge um novo ator, é uma pessoa
que já organizava festas no bairro. Essa aproximação no final revela-se como uma forma de
aproveitar-se do grupo, da ONG, de sua legalidade perante a prefeitura. F. faz uma proposta
para a ONG:
F. que possui uma barraca e vende bebida na orla quando há festas que incentivou a
ONG a fazer uma festa. A idéia era fazer uma parceria: ele colocaria o “nome” da
ONG no evento e os membros ajudariam (com verbas para palhaços, colher doações
de doces, ajudar no dia da festa, fornecer o nome da ONG para conseguir a
autorização na prefeitura, etc) e F. faria todos os documentos, divulgação, contrataria
o palhaço e procuraria outros voluntários e venderia as bebidas (dando uma comissão
para a ONG).
Os membros remanescentes da ONG concordam com essa proposta e cumprem o
prometido. Fazem rifas, buscam doações para ajudar na festa e no dia colaboram na execução
do evento. Porém, no final do dia do evento os membros da ONG percebem que F. utilizou-se
do nome da ONG somente para conseguir as autorizações da prefeitura para realizar o evento
e conseguir vender bebidas nesse dia. Sr. E me diz que a ONG nunca mais fará um evento
com essa pessoa, pois foram enganados porque ele não cumpriu o prometido que era dividir o
lucro com a ONG.
No final, soube que F. deu para a ONG um valor (R$ 50,00) de comissão da venda de
bebida. Porém alguns membros me disseram que ficaram descontentes, pois além do dinheiro
ser pouco, F. também utilizou a oportunidade (usando o nome da ONG) para fazer uma festa
118
no dia anterior à noite (coisa que não foi autorizada pela prefeitura) e teve problemas com a
fiscalização da cidade, colocando o nome da ONG em uma situação ruim.
Esses membros acharam que eles e a ONG foram usadas por F. e um dos resultados disso, foi
que não aceitarão mais fazer parceria com F.
F. por sua vez, prometeu que faria muitas coisas pela ONG, porém após o evento, não apareceu
e nem deu notícias para o grupo da ONG.
(09/10/2005 Festa do Dia das Crianças)
Nesse mesmo dia os membros restantes da ONG decidem parar definitivamente com o
grupo. A partir desse momento o grupo se desfez oficialmente e não se encontraram mais e
nem realizaram mais nenhum evento. Foi a morte do grupo. A idéia era manter o registro da
ONG aberto na prefeitura, mas devolver o prédio onde se reuniam. Essa foi meu último
contato pessoal com o grupo. Depois disso somente conseguir fazer contato por telefone, mas
até a atual data as tudo se mantém como foi decidido: o prédio foi cedido para o PSF e as
pessoas não mais se reuniram.
119
Parte IV
Conclusões
Os grupos são locais privilegiados para pesquisa, é onde as intersubjetividades, as
relações sociais cotidianas acontecem, neles vivemos, trabalhamos, sentimos, conquistamos,
perdemos. Neles também, é onde se desenvolve a consciência crítica ou alienada dos sujeitos
perante a realidade. Essa pesquisa pretendia investigar o processo grupal, destacando os
aspectos afetivos, e como esses agem como agentes mobilizadores da ação coletiva. Foi
optado por estudar um grupo participante de uma ONG (Organização Não Governamental),
inserido dentro de uma comunidade com vários problemas sociais como: a falta de infra-
estrutura, a prostituição, a violência, a estigmatização dos moradores. Esse grupo comunitário
atravessou várias fases durante o período que foi acompanhado pelo pesquisador, que viu
nascer e morrer este grupo. Pode-se dizer que o grupo passou pelas seguintes fases: Primeiro,
o surgimento do grupo. Desde o início, os objetivos do grupo foram dirigidos mais por
interesses pessoais e menos por interesses coletivos. Ele surge por iniciativa do PSF do bairro
e acaba cumprindo um papel político do PSF perante a comunidade, servindo como um apoio
e de instrumento de dominação para esse programa. Ele surge de uma forma autoritária e não
democrática, fato evidente na escolha dos membros e na “eleição” da primeira diretoria, a
questão do poder e das emoções como catalisadoras desse processo aparecem a todo o tempo
no grupo, os conflitos internos e a luta pelas posições dentro do grupo demonstram isso. A
questão do poder também aparece na relação do grupo com a administração pública da cidade
de várias formas: desde a pressão para transformar a associação em ONG e depois a luta para
conseguir registra-la, e no dia a dia, com pressões sobre os funcionários do PSF que
participavam da ONG e demora e atrasos no atendimento dos membros da ONG pela
prefeitura local. Em todos esses momentos, foi analisado o quanto a consciência e as emoções
tem um papel fundamental na mobilização coletiva desse grupo. Num segundo momento, “a
luta no grupo e a luta pelo grupo”. O clima no grupo torna-se de conflito constante, seja pela
luta pelo poder interno, seja para lutar pelo grupo, pela sua continuidade e perante o mundo
externo. O grupo torna-se um lugar para falar e um lugar para se calar.
O grupo torna-se um lugar para falar porque é um local onde, pelo menos algumas
vezes, as pessoas podem falar de seus problemas, idéias e sentimentos, torna-se um lugar para
falar porque é um lugar, onde de alguma forma, há possibilidades para se expor e ser ouvido.
Mas também é um lugar para se calar, porque é onde ocorre repressão de idéias e sentimentos,
120
conflitos e frustrações. A questão do poder é constante nas relações, ficando evidente
principalmente nas relações entre: a médica e a equipe do PSF; entre a médica e a diretoria da
ONG; entre a médica e os demais membros da ONG. No grupo, o poder institucional que a
médica possui na relação com sua equipe é levado para dentro do grupo e eles não possuem
recursos suficientes para se impor perante as vontades e decisões dos membros do PSF e da
médica, mostrando que há uma hierarquia não oficial e não declarada entre moradores e
agentes comunitários de saúde e a médica. O poder que os agentes e a médica possuem dentro
do grupo é diferenciado daquele que os outros membros possuem. Essa relação de poder
implica em lutas pelo controle do grupo, por interesses pessoais da médica (utilizando o grupo
para isso), na repressão da espontaneidade das pessoas, formando subgrupos (pró-médica,
contra médica e os demais membros). Essas lutas, muitas vezes veladas, entre esses subgrupos
fazem com que as pessoas minam a cada reunião e atividade a perspectiva que o grupo
continue, até que o grupo se acaba, é o terceiro, a “quebra do grupo”. O acirramento dos
conflitos internos e a incompatibilidade dos interesses pessoais e coletivos fazem com que as
pessoas saiam do grupo. Em todos esses momentos ocorreram fatos importantes para a
história desse processo grupal, onde se pode observar como os afetos podem influenciar nas
ações de um coletivo e como eles são importantes no processo de formação da consciência
dos indivíduos.
Essa pesquisa visava analisar dois aspectos principais nesse processo grupal: a
consciência crítica dessas pessoas perante a realidade e como os afetos influenciaram no
processo de ação desse grupo.
No primeiro item, pode-se ver que a consciência é fragmentada, ora as pessoas manifestavam
opiniões e tinham ações que visavam o bem coletivo e conseguiam ver um pouco além das
aparências cotidianas, ora se mostravam tão conservadores e preconceituosos com as próprias
pessoas a comunidade que pretensamente estariam ajudando com a ONG. Os afetos, os
sentimentos das pessoas perante as outras, seja no próprio grupo, seja em relação a
comunidade enquanto uma representação social variavam em momentos distintos, até para o
mesmo sujeito. Porém o que se notou foi que prevaleceu uma conotação negativa sobre as
pessoas, mas não sobre o bairro. O sentido de comunidade discutido na pesquisa abrange tudo
isso. Conclui-se que essas pessoas que participaram do grupo tinham uma percepção
preconceituosa dos outros moradores da comunidade e que o grupo não conseguiu durante seu
processo mudar essa visão, pelo contrário, o grupo serviu como um reforço dessa
representação.
121
Mas o grupo também conseguiu agir de forma a contribuir com a comunidade,
conseguiram realizar algumas atividades em prol desta. Uma delas onde fica clara a questão
emocional como mobilizadora de ações coletivas. No trabalho feito com a técnica dos temas
geradores, as emoções positivas para com a comunidade aparecem, eles conseguem uma
maior aproximação, começa a enxergar no outro como um aliado e começam agirem mais
coletivamente. Como uma das conseqüências desse dia, o grupo se mobilizou e conseguiram a
atenção da mídia para si e para o bairro.
As emoções se mostraram em vários momentos como mediadoras nesse processo
grupal, muitas delas foram expressas, verbalizadas e ficou subentendido, como o medo, o
temor, a alegria, a mágoa, o amizade. A cada reunião elas estavam presentes ora como figura,
ora como fundo. O grupo criou sua própria lógica, ou política da afetividade, para lidar com
esses afetos, criou-se uma hirearquização dos sentimentos no grupo, do mais importante e
louvável, aos menos importantes e os indesejáveis. Isso aparece claramente, quando um
sentimento “não louvável” como raiva aparece, ele é reprimido e jogado como fundo. Outro
sentimento muito presente no grupo é o temor, o medo, principalmente em relação à médica,
tanto da equipe quanto dos membros do grupo, tanto que quando a médica se afasta o grupo
reage positivamente, conseguindo até realizar algumas atividades sem muitos custos
emocionais. O medo foi paralisante em muitos momentos para o grupo.
O grupo, como lócus das intersubjetividades, tem o potencial tanto para emancipação
quanto para a opressão. Pode ser um lugar para o desenvolvimento de uma consciência crítica
quanto para a alienação social. As emoções nesse processo têm um papel fundamental,
importante, centrais. O quanto mais se caminha para o entendimento do processo emocional
nas formações da consciência e da ação coletiva mais poderemos contribuir para que a
intervenção do psicólogo que trabalha com grupos em uma comunidade.
122
Parte V
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ª
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127
Parte VI
Anexos
128
Anexo 1
Registro de Campo
Pauta de Observação: Comportamentos grupais, processos grupais, participação e dinâmica das reuniões.
1 - Processos grupais
Direção grupal
Funcionamento do grupo
Conflitos grupais
Poder no grupo
Sub-grupos
Formas de controle social
Usos grupais (Normas e Valores no grupo)
Interesses grupais
Comportamento ideológico-político
Coesão ou dissociação grupal
Contradições internas
Consciência de grupo
Projeção e influência na comunidade
Manifestações afetivas
Outros
Pauta de Observação: Participação e dinâmica das reuniões
1 Participação:
Ações concretas desenvolvidas pelos grupos em função de seus grupos.
Capacidade de mobilização.
Mecanismos de decisão de base.
Mecanismos de trabalho.
Obs.: Resenha, interpretação e sugestões.
2 Dinâmicas das reuniões e outros aspectos organizativos:
Preparação das reuniões.
Conteúdos.
Qualidade das idéias expostas.
Papéis assumidos: - quem dinamiza a reunião.
- quem a entrava.
- quem pergunta.
- quem não participa
- quem mobiliza / emociona.
- outros.
Registros de observação:
- qualidade das idéias expostas.
- registro da discussão
- grupo
- afetos.
129
Anexo 2
Mapa temporal dos eventos do grupo.
Data/ Evento/ Assuntos abordados Implicações
Sub-texto afetivo / Implicações
Nas ações
Livros Grátis
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Milhares de Livros para Download:
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