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JORDANA LIMA DE MOURA THADEI
TEMAS TRANSVERSAIS E LETRAMENTO NAS SÉRIES
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: PARA ALÉM DA
TRANSVERSALIDADE TEMÁTICA
MESTRADO
LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2006
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JORDANA LIMA DE MOURA THADEI
TEMAS TRANSVERSAIS E LETRAMENTO NAS SÉRIES
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: PARA ALÉM DA
TRANSVERSALIDADE TEMÁTICA
Dissertação de mestrado apresentada à
Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Lingüística Aplicada e
Estudos da Linguagem Linha de Pesquisa:
Linguagem e Educação, sob orientação da
Prof
a
. Dr
a
. Roxane Helena Rodrigues Rojo.
LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2006
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BANCA EXAMINADORA
Aprovada em:
___/___/___
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq, pelo apoio financeiro a esta pesquisa;
À Roxane, pelo respeito às idéias, ainda imprecisas, de uma aluna iniciante e assustada
com o mundo acadêmico; pelas oportunidades de vivenciar e construir novos
aprendizados em atividades e projetos paralelos à dissertação, ensinando-me, com isso,
não só o conteúdo teórico, mas o uso de tudo o que estudamos na prática pedagógica e de
pesquisa; por sua dedicação e desprendimento, sobretudo na fase final do trabalho.
Ao Biro, que esteve ao meu lado durante esta jornada, aos meus pais, aos meus irmãos
Roger e Babi, pelo apoio incondicional e por partilharem comigo a satisfação de cada
conquista.
A minha avó Maria, pelo apoio, incentivo e interesse de educadora em minha pesquisa.
Ao meu tio Cléber, grande responsável pelo meu letramento literário.
Aos colegas do grupo de Seminário de Orientação, Andréa Alencar, Laura Breda,
Aparecida Biruel, Sueli da Costa, Simone Padilha, Adelma Barros Mendes, Cláudia
Barros, Margarida Heluy, Cristina Pedrosa, Rosângela Pereira, Aparecida Gonçalves e
Geraldo Tadeu pelas leituras cuidadosas e pelas contribuições nos diferentes momentos
da pesquisa.
Às amigas Sandra Pellaro e Luciane Nigro, pelo ouvido paciente nos momentos de
angústia e incerteza e pelo incentivo constante.
À amiga, Denise Delegá, pela colaboração durante o curso e em diversos momentos da
pesquisa.
À Otília Ninin, pela acolhida e pelas orientações desde os primeiros momentos no LAEL.
À direção da EMEB Prefeito Aldino Pinotti, representada por Sandra e Iolanda, pelo
apoio e incentivo.
Aos amigos Fernando Penteriche e Cláuton Quintão, pelas contribuições no uso da
informática.
Aos professores Alípio Casali e Jacqueline Barbosa pelas contribuições na fase final da
pesquisa.
Aos amigos Izabella Martins e Mauro Sobhie, pelos momentos de descontração,
fundamentais para que esta caminhada se tornasse mais suave.
RESUMO
Temas Transversais e Letramento nas séries iniciais do Ensino Fundamental: para
além da transversalidade temática.
Esta dissertação tem como objetivo investigar a contribuição do desenvolvimento de
projetos temáticos situados para a construção/ampliação do letramento. Os projetos
investigados foram desenvolvidos com alunos do 2º ano do 2º ciclo (4ª série), pela
própria pesquisadora. Referem-se a dois dos Temas Transversais propostos pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) – Orientação Sexual e Saúdee constituem o
corpus da nossa pesquisa. Como investigação da prática da própria pesquisadora, esta
pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa-ação. Utilizando uma metodologia descritivo-
interpretativa, procura-se investigar a abordagem da língua/linguagem/gêneros nos
projetos, considerando, para tanto, as práticas e eventos de letramento, os gêneros que
circularam nos projetos e como foram abordados em eventos de leitura, escrita e
oralidade. Para isso, fundamenta-se, em um primeiro momento, nas teorias de letramento,
tendo em conta seu percurso conceitual, seus modelos, sua natureza plural e situada, suas
relações com a escola e com a formação do professor e a constante emergência de
letramentos contemporâneos. Em um segundo momento, fundamenta-se em estudos
referentes a práticas culturalmente sensíveis, especialmente a pedagogia de projetos.
Retoma os conceitos de transversalidade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade e
os analisa à luz dos PCNs, procurando estabelecer uma relação entre as práticas que se
pautam nestes conceitos e a construção do(s) letramento(s). Para finalizar, estabelece
alguns critérios a serem considerados para a seleção e a abordagem de gêneros no
desenvolvimento de projetos temáticos e apresenta caminhos e dificuldades a serem
superadas para a implementação das práticas sugeridas.
Palavras-chave: Letramento, leitura, temas transversais, projetos, gênero.
ABSTRACT
Transversal Themes and Literacy in the Beginning Degrees of Elementary School:
beyond thematic transversality.
This dissertation aims at investigating the contribution of thematic projects
development to the construction/widening of literacy. The thematic projects investigated
were developed with students from the fourth grade by the researcher herself. They refer
to two of the Transversal Themes proposed by Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) Sexual Orientation and Health and they are the corpus of our research. As an
investigation of the researcher practices, this research is characterized as an action-
research. Using a descriptive-interpretative methodology, it attempts to investigating the
approach of language/genre in the projects, considering, as so, the practices and events of
literacy, the genre within the projects and how they were approached in reading, writing
and oral events. To fulfill that, it is based, first of all, in theories of literacy considering
its conceptual trajectory, its patterns, its plural and situated nature, its relations with the
school and with the teacher’s development and a consistent emerging of contemporary
literacy. Secondly, it is based on studies referring to the culturally sensitive practices,
specially the pedagogy of projects. It resumes the transversality concepts,
interdisciplinarity and transdiciplinarity and it analyses these concepts considering the
PCNs, attempting to establish a relation between the practices that are based on these
concepts and the construction of literacy(ies). Finally, it establishes some criteria to be
considered in the selection and approach to genre in the development of thematic projects
and it presents ways and difficulties to be overcome in the implementation of the
suggested practices.
Key-words: Literacy, reading, transversal themes, projects, genre.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................
08
CAPÍTULO 1 - LETRAMENTO(S): A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO
E O DESAFIO PARA A ESCOLA BRASILEIRA ............
13
1.1.
LEITURA E LETRAMENTO .......................................................... 13
1.2.
LETRAMENTO NO BRASIL: O CONTEXTO SÓCIO-
HISTÓRICO ......................................................................................
19
1.3.
LEITURAS/LETRAMENTO DO PROFESSOR: UM
LETRAMENTO ESCOLAR? ...........................................................
27
1.4.
LETRAMENTOS SITUADOS OU OS DIFERENTES
LETRAMENTOS (DES)ENVOLVIDOS EM CONTEXTOS
SOCIAIS DIVERSOS .......................................................................
37
1.5.
ORALIDADE E ESCOLA: UM CAMINHO A PERCORRER .......
41
1.6.
LETRAMENTO DIGITAL: UMA EXIGÊNCIA DO MUNDO
CONTEMPORÂNEO .......................................................................
45
CAPÍTULO 2 - LETRAMENTO NO CONTEXTO ESCOLAR E
CURRÍCULO: CONSIDERAÇÕES SOBRE
DOCUMENTOS, TEORIAS E PRÁTICAS .......................
53
2.1.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNs): UMA
BREVE CONTEXTUALIZAÇÀO SÓCIO-HISTÓRICA ..............
53
2.2.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNs) E
LETRAMENTO ................................................................................
56
2.3.
A TRANSVERSALIDADE NO CONTEXTO DOS PCN ............... 60
2.4.
TRANSVERSALIDADE, INTERDISCIPLINARIDADE E
TRANSDISCIPLINARIDADE: DIFERENÇAS
FUNDAMENTAIS ............................................................................
64
2.5.
RELAÇÒES INTERDISCIPLINARES E SUAS IMPLICAÇÕES
NA CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO CULTURALMENTE
SENSÍVEL ........................................................................................
67
2.6.
PROJETOS DE TRABALHO: CONSIDERAÇÒES SOBRE
IDÉIAS FUNDANTES .....................................................................
72
2.7.
PROJETOS DE TRABALHO: A ESCOLA COMO AGÊNCIA
CULTURAL ......................................................................................
79
CAPÍTULO 3 - METODOLOGIA .................................................................
84
3.1.
ASPECTOS QUE CARACTERIZAM ESTA PESQUISA COMO
UM TRABALHO DE LINGÜÍSTICA APLICADA E SUA
EFETIVIDADE .................................................................................
84
3.2.
CARACTERIZAÇÃO DO FAZER TEÓRICO ................................ 86
3.3.
O QUE CARACTERIZA ESTA PESQUISA COMO
TRANSDISCIPLINAR? CARACTERIZAÇÃO DO CAMPO DA
PESQUISA ........................................................................................
88
3.4.
CARACTERIZAÇÃO DA METODOLOGIA ................................. 89
3.5.
CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO DA PESQUISA .............. 91
3.6.
O PROJETO DE ORIENTAÇÀO SEXUAL ....................................... 94
3.7.
O PROJETO COMBATENDO UM BANDO MALVADO ................. 102
CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DE DADOS ..........................................................
113
4.1.
NATUREZA DOS PROJETOS ........................................................ 113
4.2.
EVENTOS DE LETRAMENTO PRESENTES NOS PROJETOS .. 124
4.3.
TEXTOS E GÊNEROS QUE CIRCULARAM NOS PROJETOS ...
134
4.4.
PRÁTICAS DE LEITURA ............................................................... 154
4.5.
PRÁTICAS DE ESCRITA ................................................................ 162
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... ..........
170
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................
178
ANEXOS ................................................................................................................
191
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1
MODELOS AUTÔNOMO E IDEOLÓGICO DE LETRAMENTO 15
Quadro 2
FREQÜÊNCIA DO TERMO LETRAMENTO NOS PCNs de 1º e
2º CICLOS DO ENSINO FUNDAMENTAL ..................................
56
Quadro 3
GÊNEROS QUE CIRCULARAM NO EIXO CORPO: MATRIZ
DA SEXUALIDADE ..........................................................................
134
Quadro 4
GÊNEROS QUE CIRCULARAM NO EIXO RELAÇÒES DE
GÊNERO ...........................................................................................
135
Quadro 5
GÊNEROS QUE CIRCULARAM NO EIXO DSTs e AIDS ............
135
Quadro 6
GÊNEROS UTILIZADOS NOS PRODUTOS FINAIS DO
PROJETO ORIENTAÇÀO SEXUAL .............................................. 135
Quadro 7
GÊNEROS QUE CIRCULARAM NO PROJETO
COMBATENDO UM BANDO MALVADO ......................................
141
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1
OCORRÊNCIA DE EVENTOS DE LETRAMENTO POR EIXO
TEMÁTICO – PROJETO ORIENTAÇÀO SEXUAL ..........................
125
Gráfico 2
EVENTOS DE LETRAMENTO NO PROJETO COMBATENDO
UM BANDO MALVADO .....................................................................
131
Gráfico 3
GÊNEROS DE TEXTO QUE CIRCULARAM NO PROJETO
ORIENTAÇÃO SEXUAL .....................................................................
136
Gráfico 4
GÊNEROS QUE CIRCULARAM NO PROJETO COMBATENDO
UM BANDO MALVADO .....................................................................
141
Introdução
8
INTRODUÇÃO
Dentre os problemas sociais que assolam o Brasil, a melhoria na qualidade do
ensino, sobretudo o ensino da leitura e da escrita, ocupa uma posição de destaque nas
pesquisas, projetos e medidas adotadas nas últimas décadas. Embora o domínio do uso da
escrita não seja uma preocupação exclusiva do nosso país, os dados referentes às
capacidades leitoras dos brasileiros, apresentados pelo Índice Nacional de Alfabetismo
Funcional (INAF/2005) intensificam nossa preocupação com a condição de leitor do
brasileiro. A pesquisa revela que apenas 26% da população brasileira apresentam nível
pleno de leitura e escrita, sendo 7% analfabeta absoluta. Nestas condições, quase 70%
desta população apresenta condições de leitura correspondentes aos níveis básico e
rudimentar.
Sem desprezar a relevância do índice de analfabetismo no nosso país, preocupam-
nos os quase 70% de brasileiros que, apesar de terem passado pela escola, não se
mostram capazes de ir além da localização de informações em textos ou enunciados
curtos. Atingida a condição de alfabetizados, os brasileiros que compõem este índice
mostram-se em condição de desigualdade daqueles outros 26% que fazem um uso pleno
da leitura e da escrita. Esse distanciamento entre estes grupos de leitores nos levou a
questionar se, neste caso, os dois grupos teriam as mesmas condições e acesso ao
exercício da cidadania, tão apregoada em documentos e propostas educacionais. Esta
situação nos fez questionar, ainda, que práticas de leitura e escrita a escola vem
desenvolvendo e como as desenvolve, no sentido da formação de leitores competentes
diante das exigências sociais e reais. Ou seja, qual a contribuição das práticas escolares
para a construção do letramento ou para o uso social da linguagem?
Cientes da importância da proposição de práticas pedagógicas significativas e
contextualizadas na realidade do aluno e procurando trabalhar desta forma, ao
aprofundarmos nosso contato com as teorias do letramento, suas dimensões individual ou
social, os modelos autônomo ou ideológico e os diferentes letramentos que se
desenvolvem em diferentes contextos, despertamos o interesse em investigar nossa
própria prática, no sentido de verificar possíveis relações entre o desenvolvimento de
práticas pedagógicas situadas, contextualizadas e a construção / ampliação do letramento
Introdução
9
e, ainda, se estas práticas faziam diferença em relação a práticas tradicionais. Esse
interesse passou, então, a constituir o objetivo de nossa pesquisa de mestrado.
Preocupados em avaliar nossa própria prática e sua contribuição para a construção
do letramento dos alunos, o que apresentamos aqui é resultado de uma pesquisa-ação
realizada sobre dois projetos temáticos desenvolvidos pela pesquisadora, com série do
Ensino Fundamental de uma escola pública de São Bernardo do Campo - SP, em período
que antecedeu o nosso ingresso no mestrado, portanto, projetos pré-teóricos.
Como corpus da pesquisa, selecionamos os documentos comprobatórios do
desenvolvimento destes projetos, que abordam dois dos cinco Temas Transversais
propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de e ciclos (1ª a séries), a
saber, Orientação Sexual, cujo projeto recebeu a mesma denominação e Saúde, cujo
projeto abordou o combate e prevenção às verminoses e recebeu a denominação de
Combatendo um Bando Malvado.
Interessados na investigação de nossa prática docente, os projetos que integram o
corpus foram analisados da perspectiva das atividades propostas aos alunos, não sendo do
nosso interesse, nesta pesquisa, investigar o desempenho dos alunos. Sendo assim, para
nortear nossa investigação, elencamos inicialmente questões referentes às capacidades
leitoras (des)envolvidas nas atividades propostas aos alunos. No decorrer da análise, ao
identificarmos semelhanças e diferenças na abordagem da língua/linguagem nos dois
projetos que constituíam nosso corpus, percebemos a insuficiência desse recorte sobre a
leitura e passamos, então, a observar, também, outros eventos e abordagens da
língua/linguagem que corroboram na construção do letramento, como a interface com a
oralidade e as propostas de escrita.
Essa ampliação do nosso olhar nos colocou no caminho da observação dos
gêneros que circularam nos dois projetos e a maneira como foram abordados em cada um
deles, possibilitando uma observação mais cuidadosa sobre a nossa abordagem de
gêneros propostos para leitura e para escrita. Sendo assim, as questões de pesquisa
passaram a ser:
Que eventos de letramento se exercem sobre os textos que circulam nos
projetos?
Introdução
10
Que textos (reais, de circulação extra-escolar e/ou didatizados, orais e/ou
escritos) são utilizados na abordagem dos Temas Transversais? De que
gêneros?
Que práticas de leitura (cognitivas, interativas ou discursivas) são
utilizadas na abordagem dos Temas Transversais?
Como é abordada a produção de textos nos projetos de trabalho
analisados?
Como se o papel do professor como mediador na construção do
letramento, nestes projetos? Faz diferença em relação a práticas mais
consolidadas?
Como pesquisa situada no campo da Lingüística Aplicada e em permanente
diálogo com a Educação, procuramos fundamentá-la teoricamente em dois capítulos,
referentes a estas duas áreas. No Capítulo 1 recorremos aos estudos e pesquisas sobre
Leitura e Letramento(s), suas concepções e modelos, as interfaces da construção do
letramento com as diferentes práticas letradas (escritas, orais, digitais etc.), fruto de
exigências de um mundo em constantes transformações e, conseqüentemente, da
emergência de letramentos contemporâneos. Neste capítulo, abordamos, ainda, as
relações existentes entre letramento e escola e o letramento no contexto da formação de
professores.
A pesquisa teórica que resultou neste capítulo nos possibilitou o acesso a um
quadro geral sobre o letramento, conforme se observará, em que, dentre outros fatores, o
conhecimento dos modelos de letramento fazem-se fundamentais ao estudo do tema.
Apresentados inicialmente por Street (1984) e mencionados por demais pesquisadores do
letramento, o modelo autônomo de letramento caracteriza-se por considerar as
habilidades cognitivas como condição para a mobilidade social, abordando o texto como
um produto acabado em si mesmo, desvinculado do contexto social. O modelo ideológico
de letramento concebe-o como uma pluralidade de práticas letradas socialmente
contextualizadas, que transcendem os limites da escola. Sendo assim, toma o texto como
objeto lingüístico social, inexistente fora do seu contexto sócio-cultural.
Introdução
11
Nossa pesquisa insere-se no grupo daqueles que defendem o modelo ideológico
de letramento, por considerarmos a construção do letramento nas séries iniciais do Ensino
Fundamental como um problema de uso social da linguagem.
No Capítulo 2, abordamos as relações entre práticas escolares culturalmente
sensíveis e letramento. Partindo da análise de termos como letramento,
interdisciplinaridade e transversalidade no contexto dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), recorremos a alguns estudos sobre práticas pedagógicas situadas,
dentre elas a Pedagogia de Projetos e suas origens. Discutimos transdisciplinaridade,
temas transversais e projetos de ensino transversais e transdisciplinares, argumentando
que os projetos pedagógicos podem ser uma forma interessante de dar conta das
mudanças didáticas necessárias aos novos tipos e níveis de letramento socialmente
requeridos.
O Capítulo 3 traz a justificativa da inserção desta pesquisa no campo da
Lingüística Aplicada e, portanto, sua natureza transdisciplinar. Nele, apresentamos as
possíveis contribuições para os estudos sobre letramento e para as práticas desenvolvidas
em sala de aula. Descrevemos os projetos investigados, nosso corpus (Orientação Sexual
e Combatendo um Bando Malvado), o contexto (pré-teórico) em que foram
desenvolvidos e as metodologias utilizadas para a coleta (pesquisa-ação) e para a análise
dos dados (análise documental), incluindo as categorias de análise que nortearam nossa
investigação sobre os projetos desenvolvidos.
No Capítulo 4, apresentamos a análise dos dados referentes a cada projeto
desenvolvido, segundo as categorias descritas no capítulo de Metodologia, observando
pontos de aproximação e de distanciamento entre a natureza dos dois projetos e as
abordagens da leitura, da escrita e da oralidade em cada um deles, procurando identificar
que gêneros circularam nestas práticas e como foram abordados.
Encerramos nosso estudo com as Considerações Finais, em que, procuramos
refletir sobre as diferentes capacidades mobilizadas e abordagem de gêneros nos dois
projetos, suas decorrências e implicações para a construção do letramento, que
constituem os resultados aos quais chegamos. A partir destes resultados, procuramos
definir alguns critérios que consideramos relevantes à seleção e abordagem dos textos em
gêneros diversos em um projeto temático, apontando caminhos para a efetivação de uma
Introdução
12
prática pedagógica situada, na qual um projeto temático possa abordar sistemática e
aprofundadamente, além do tema, os textos que o veiculam, ou seja, o que se pode
aprender sobre o texto, no aprendizado sobre o tema?
Desse modo, consideramos que apesar de uma pesquisa voltada para nossa
própria prática, a contribuição deste estudo às áreas nele envolvidas insere-se na sua pré-
disposição à mudança na abordagem, em geral, exclusivamente temática de temas sociais,
propondo a consideração dos textos em gêneros específicos (e suas esferas de circulação)
que veiculam estes temas e sua tomada como objeto de ensino-aprendizagem,
contribuindo, desse modo, para uma eficiência no uso social da linguagem.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
13
CAPÍTULO 1
LETRAMENTO(S): A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO E O DESAFIO PARA A
ESCOLA BRASILEIRA
1.1. Leitura e Letramento
Um dos grandes desafios da educação brasileira e de muitos países do mundo
refere-se à construção do letramento e às capacidades de leitura dos alunos. Pesquisas
nacionais e internacionais vêm apontando baixos índices de desempenho de alunos
brasileiros em leitura e escrita ou em atividades que requerem essas capacidades, mesmo
após alguns anos de escolaridade.
Segundo pesquisa do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF/2005),
26% dos brasileiros entre 15 e 64 anos demonstram habilidades plenas de leitura e
escrita, entendidas pela pesquisa como capacidades de ler textos mais longos, comparar
informações em diferentes textos e estabelecer relação entre estas informações. Os dados
indicam que 7% dos brasileiros encontram-se em condição de analfabetismo absoluto e
38% são capazes somente de localizar informações em textos curtos, capacidade
correspondente a um vel básico de leitura. Os cerca de 30% restantes, mostram-se
capazes apenas de localizar informações em um enunciado curto, como uma frase,
equivalente ao nível rudimentar de alfabetização.
A pesquisa revela, ainda, que não mudanças significativas nos níveis de
alfabetismo funcional
1
da população brasileira. Os dados referentes ao ano de 2005
confirmam os quadros apresentados em 2003 e 2001, com pequena e gradativa redução
no índice de analfabetismo absoluto e aumento do índice de nível básico de
alfabetização
2
. No entanto, constata que a escola reafirma-se como principal fator de
promoção das habilidades e práticas de leitura da população, pois, somente entre a
população que apresenta pelo menos 8 anos de escolaridade é que os níveis básico e
pleno de alfabetização ultrapassam 80%.
1
Segundo o relatório do INAF/2005, “é considerada alfabetizada funcional a pessoa capaz de utilizar a
leitura e escrita para fazer frente às demandas de seu contexto social e usar essas habilidades para
continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida” (INAF/2005: 4).
2
Índices do INAF/2003: alfabetização plena 25%; analfabetismo absoluto: 8%; nível sico de
alfabetização: 38%.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
14
Durante muito tempo, a leitura foi conceituada como capacidade de
decodificação, ou seja, de extrair e juntar os sons representados pelas letras (“ler de
carreirinha” era uma expressão usada para diferenciar os que decodificavam com
fluência daquele que reconhecia o nome das letras, mas não sabia “juntá-las” – soletrava).
Com o passar dos anos e desenvolvimento de novas pesquisas, o conceito de
leitura foi se modificando, à medida que novas capacidades envolvidas na leitura foram
estudadas e que novas exigências sociais se consolidaram. A decodificação não foi mais
suficiente para a conceituação do processo de leitura, que passou a abranger também
outros aspectos cognitivos, como a compreensão, posteriormente vista como interação
leitor-texto e leitor-autor por meio das pistas deixadas pelos textos.
Hoje, a concepção que se tem de leitura inclui capacidades lingüísticas e
discursivas (que exigem o posicionamento do leitor em relação ao discurso, relacionando-
o a outros anteriores e posteriores, gerando novos discursos). Não se trata de substituir os
conceitos anteriores, mas de modificá-los, já que tanto a decodificação quanto a
compreensão (interação leitor/texto/autor) são algumas das capacidades envolvidas no ato
de ler, mas não o constituem por si sós.
As transformações por que passou o conceito de leitura implicaram em
modificações nos conceitos de texto e de leitor. Essas modificações integraram o
contexto no qual surgiu o conceito de letramento. Segundo Rojo, as pesquisas no campo
do letramento o definem como um conjunto de práticas sociais ligadas, de uma ou de
outra maneira, à escrita, em contextos específicos, para objetivos específicos (Rojo,
2001: 235, citando Scribner & Cole, 1981).
No dizer de Soares,
“[...] Letramento não é pura e simplesmente um conjunto de
habilidades individuais; é o conjunto de práticas sociais
ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem
em seu contexto social.” (Soares, 1998: 72).
Segundo Kleiman (1995), o termo letramento foi usado pela primeira vez no
Brasil por Mary Kato, em 1986
3
. Para chegar à atual definição, enfrentou diversas
3
Até bem pouco tempo, o termo letramento não constava em nossos dicionários, conforme afirma Kleiman
(1995). Atualmente, o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001/2004) traz o termo letramento e o
define como “conjunto de práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de material
escrito”.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
15
dificuldades provenientes da própria complexidade do conceito e da variedade de estudos
referentes ao tema.
Dentre os pesquisadores do campo do letramento, Street (1984) aponta duas
concepções de letramento, o modelo autônomo que pressupõe uma única forma de
letramento e ressalta o desenvolvimento de capacidades cognitivas como condição para
mobilidade social – e o modelo ideológico – que entende o letramento como uma
pluralidade de práticas letradas, cultural e socialmente determinadas, que extrapolam os
limites da escola, abarcando diversos contextos sociais.
Soares (1998) aborda as dimensões individual e social do letramento. Segundo
ela, na dimensão individual, o letramento é visto como um atributo pessoal e idéia de
posse das habilidades de ler e escrever. Na dimensão social, o letramento é visto como
um fenômeno cultural, que envolve atividades sociais que exigem o uso da língua escrita.
Estes modos de conceber o letramento apresentam, no nosso entender, semelhanças sobre
diversos aspectos envolvidos no letramento, conforme apresentamos no Quadro1
4
:
Modelo autônomo de letramento
Modelo ideológico de letramento
Práticas de leitura e escrita ligadas apenas à
lógica interna do texto, desvinculadas do
contexto social e tratadas como produto
acabado em si mesmo.
Práticas de leitura e escrita determinadas
pelos contextos social e cultural.
Texto tomado como objeto de estudo. Texto tomado como objeto lingüístico-
social, que não existe fora da prática social
(parte integrante dela).
Distinção clara entre as modalidades oral e
escrita da língua, sendo a primeira
considerada mais simples que a segunda e
portanto, culturalmente menos valorizada
nas sociedades letradas e como objeto de
ensino-aprendizagem.
Relação mutuamente constitutiva entre as
modalidades oral e escrita da língua.
Exclusão da dicotomia oral/escrito.
Quadro 1 – Modelos autônomo e ideológico de letramento
4
Neste Quadro, usamos os termos letramento autônomo e letramento ideológico por constatarmos, na
bibliografia especializada, que esta é a terminologia mais usada para se referir aos modelos de letramento.
Vale mencionar, que as características aqui descritas aproximam-se, também, do que Soares (1998)
denomina dimensões individual e social do letramento.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
16
A diversidade de dimensões do letramento pode justificar a existência de
diferentes definições para o termo. Além disso, as atividades que envolvem a língua
escrita estão relacionadas à estrutura de cada sociedade, impossibilitando a formação de
um conceito de letramento comum a todos os contextos.
A tentativa de se precisar um conceito de letramento deveu-se, entre outros
aspectos, à necessidade de avaliá-lo e medi-lo. Para isso, era necessária uma definição
que possibilitasse a determinação de critérios para diferenciar letrado e não-letrado.
Conforme indica Soares (1998), diversas foram as formas estudadas para a medição do
letramento (auto-avaliação, tempo de escolaridade, conclusão de série escolar, estudos
por amostragem, censos etc.). Hoje, sabe-se que o letramento não pode ser medido sem
se considerar as práticas sociais, os propósitos, o momento e o contexto desse letramento
(letramento situado). Não se trata de encontrar a fronteira entre letrado e não-letrado, mas
de identificar diferentes níveis e tipos de letramento.
Pesquisas vêm demonstrando a tendência atual à concepção de letramentos no
plural (Soares, 1998; Barton, Hamilton & Ivanic, 2000; Rojo, 2001a), decorrente da
perspectiva ideológica e referente a processos de letramento em contextos diferenciados
(família, escola, igreja etc.) Dessa forma, as práticas escolares passam a ser vistas como
um dos tipos de letramento, o letramento escolar.
Por letramento escolar estamos entendendo a escolarização de práticas de leitura e
escrita que, devido ao contexto específico em que se desenvolvem, comumente enfocam
linearmente algumas das capacidades (geralmente cognitivas) envolvidas no uso da
leitura e da escrita, que são avaliadas, periodicamente, por meio de provas e testes,
conforme os valores atribuídos a estes usos no contexto escolar, independente do nível
(básico ou superior) de escolaridade. Segundo Rojo (2001b), uma prática burocratizada
da leitura e da escrita, processo e produto da escolarização que, no nosso entender, nem
sempre atende às necessidades da vida em uma sociedade letrada.
Soares (1998) manifesta sua preocupação com a visão reducionista e limitada que
a escola pode apresentar do letramento escolar, desenvolvendo comportamentos de
letramento que não capacitam os alunos para os usos da leitura e da escrita fora do
contexto escolar.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
17
Na opinião de Jurado (2003), o processo de escolarização da leitura e da escrita
promove uma divisão da língua em partes e as hierarquiza (por meio de memorização de
conceitos e normas gramaticais), distanciando-se do saber das práticas sociais de uso da
língua e (super)valorizando a escrita em detrimento da fala.
Figueiredo (2005) considera que, havendo um letramento específico à escola e
outros externos a esta instituição, nem sempre o primeiro encontra utilidade fora do seu
espaço de origem. Segundo ela, não é raro um indivíduo letrado via escolarização
encontrar dificuldade em uma situação comunicativa social que exige uma prática não
desenvolvida pelo letramento escolar. Por sua vez, o letramento desenvolvido em
contextos sociais extra-escolares, geralmente, não é valorizado pela escola, revertendo
em dificuldades de adaptação do aluno às práticas escolares e, conseqüentemente, em
evasão e repetência.
Rojo (2001a) atribui a limitação do letramento escolar menos aos objetos letrados
postos em circulação na sala de aula e mais à maneira monologal e monovocal como o
trabalhados, prevalecendo a autoridade do livro didático e do discurso do professor. Em
outros estudos (Rojo, 1998; Rojo & Batista, 2003) salienta(m), ainda, a precariedade do
trabalho com a oralidade como objeto de ensino e o pouco reconhecimento dos gêneros
orais como objetos a serem ensinados no livro didático, característicos do letramento
escolar.
Esse breve panorama sobre como o letramento escolar é concebido por alguns dos
pesquisadores da área nos possibilita avaliar uma concepção se não negativa, no mínimo
restrita deste tipo de letramento
5
. No entanto, embora com suas limitações, é provável
que a aprendizagem dos procedimentos de leitura, escrita e linguagem oral em contextos
públicos dificilmente ocorra se não for trabalhada pela escola, principal agência de
letramento nas sociedades urbanas. Entendemos que o lugar de destaque da escola como
agência de letramento deve-se à institucionalização dos saberes referentes à leitura e à
escrita e à sua função (ainda que não atingida plenamente) de inserir seus alunos em
práticas sociais mais amplas de usos da linguagem oral e escrita. Neste sentido,
identificamos um paradoxo: a principal agência de letramento a escola desenvolve
5
O termo letramento escolar também é encontrado, na bibliografia especializada, referindo-se ao tipo de
letramento desenvolvido na escola sem, contudo, assumir qualquer conotação de valor (positivo ou
negativo).
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
18
um letramento o letramento escolar que, segundo os estudos da área, apresenta-se
restrito e insuficiente às necessidades de uma sociedade letrada atual.
Segundo os PCNs de Língua Portuguesa de 1
a
a 4
a
séries do Ensino Fundamental
(MEC/SEF, 1997), o domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação
social efetiva. Esse documento atribui à escola a responsabilidade de garantir aos alunos
o acesso aos saberes lingüísticos necessários ao exercício da cidadania.
Por saberes lingüísticos entendemos não o domínio da língua escrita enquanto uso
de sobrevivência, mas a compreensão ativa e responsiva que se espera decorrer da leitura
e escuta; a expressão e comunicação por meio de textos que se espera ocorrer no uso da
fala e da escrita e a reflexão sobre a linguagem para sua compreensão e uso adequado
que se espera decorrer das situações didáticas.
Por cidadania entendemos não o conjunto de direitos e deveres do cidadão, ou
seja, uma cidadania concedida, em que nem sempre as condições de acesso a esses
direitos e deveres são viabilizadas, mas uma cidadania construída (Figueiredo, 2005) a
partir de valores e práticas que se desenvolvem (e conseqüentemente se alteram)
historicamente
6
, pautados nos princípios da inclusão, ética, igualdade e democracia. Estes
princípios, entendemos, pressupõem o direito de acesso ao conhecimento decorrente das
constantes transformações tecnocientíficas e suas implicações políticas, econômicas e
sociais.
A partir do exposto, concluímos que, embora as práticas de leitura e escrita
comumente desenvolvidas na escola letramento escolar se aproximem bastante do
modelo autônomo de letramento, os PCNs propõem o desenvolvimento de práticas que
partam do contexto social dos alunos (práticas situadas) e voltem a esse contexto, de
forma ampliada e funcional, num contínuo espiral, aproximando-se, no nosso
entendimento, da concepção de modelo ideológico de letramento.
Portanto, garantir ao aluno o acesso e a incorporação de saberes lingüístico-
discursivos necessários ao exercício da cidadania exige da escola uma prática que
conceba o aprendizado da língua não como aprendizado de palavras, letras e regras,
mas também de seus significados culturais, seu contexto de produção e sua manifestação
6
Conforme estudos de Figueiredo (2005), o conceito de cidadania sofreu alterações referentes às idéias de
eqüidade que atualmente apresenta na sociedade moderna ocidental e, ainda hoje, difere de uma sociedade
para outra, conforme seu processo histórico-cultural.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
19
por meio de textos orais, escritos e multimodais
7
. Exige a valorização da linguagem oral,
que, embora construída anteriormente à entrada do aluno na escola (no que diz respeito a
alguns gêneros, em geral, primários), deve constituir objeto de ensino quanto à
adequação de seu uso mediante diferentes situações comunicativas e quanto ao domínio
dos gêneros orais formais públicos. Exige a consciência de que, como principal agência
de letramento, não deve deixar os eventos de letramento a cargo exclusivo da disciplina
de Língua Portuguesa, situando-os de forma transversal às diferentes disciplinas. Exige,
ainda, a consciência de que desenvolver práticas situadas de letramento significa
respeitar a pluralidade cultural do país. Enfim, exige a transformação das práticas de
leitura e escrita que caracterizam o letramento tal qual se apresenta, atualmente, no
contexto escolar.
1.2. Letramento no Brasil: o contexto sócio-histórico.
Conforme mencionamos, o termo letramento foi usado pela primeira vez no
Brasil por Mary Kato, na década de 80, em seguida à ampliação do conceito de
alfabetizado para funcionalmente alfabetizado pela Unesco, em final da década de 70,
conforme destaca Soares (2003).
Entretanto, salienta a autora, o contexto em que emergem os pressupostos do
letramento diferem entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento como o
Brasil. Nos primeiros, a questão do letramento surge de forma independente da questão
da aprendizagem básica da alfabetização, a partir da constatação de que a população,
embora alfabetizada, não participava de forma competente das práticas sociais de uso da
leitura e escrita. Nos segundos, especificamente o Brasil, o movimento acontece em
direção contrária, muitas vezes mesclando os conceitos de alfabetização e letramento,
com predomínio desse último, apesar dos esforços da produção acadêmica para definir as
especificidades de cada processo, sem, contudo, deixar de considerar sua
indissociabilidade.
7
Estamos entendendo por textos multimodais aqueles que apresentam linguagens diversificadas (imagem,
imagem em movimento, gráficos, tabelas, boxes informativos, gestos etc.), que não a verbal.
Entretanto, vale salientar, temos conhecimento de que a própria disposição gráfica do texto no papel ou na
tela do computador pode ser considerada, por alguns autores (Dionísio, 2004), uma característica
multimodal.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
20
A autora atribui a aproximação dos dois conceitos no Brasil a vários fatores. Em
primeiro lugar, a evolução sofrida pelo conceito de alfabetizado nos censos
demográficos, especificamente da década de 40 quando se considerava alfabetizado
aquele que declarasse saber ler e escrever para a década de 50 quando alfabetizado
passou a ser aquele capaz de escrever um bilhete simples –, demonstrando aí não só saber
ler e escrever, mas exercer uma prática de leitura e escrita. Em segundo lugar, a autora
destaca o tratamento dado pela mídia às questões de alfabetização no Brasil, equiparando
os conceitos de alfabetização e letramento.
Para Soares (2003), a prevalência do conceito de letramento sobre o de
alfabetização no Brasil deve-se a uma gama de equívocos sobre os estudos liderados por
Emília Ferreiro
8
e de falsas inferências sobre a mudança de perspectivas behavioristas
para cognitivas e, posteriormente, sócio-cognitivas da alfabetização, em que termos como
tradicional e método assumiram uma conotação negativa, gerando a crença de que o
contato com o sistema de escrita por si era suficiente para se atingir os conhecimentos
sobre o seu funcionamento a alfabetização. Essa crença fez com que a faceta lingüística
da alfabetização ocupasse posição menos privilegiada em relação à faceta psicológica.
Nas palavras da autora (Soares, 2003: 9), “talvez se possa dizer que, para a prática da
alfabetização, tinha-se, anteriormente, um método, e nenhuma teoria; com a mudança de
concepção sobre o processo de aprendizagem da língua escrita, passou-se a ter uma
teoria, e nenhum método”.
Entretanto, ela salienta que defender a especificidade da alfabetização não implica
dissociá-la do processo de letramento, uma vez que a entrada da criança no mundo da
escrita se simultaneamente por esses dois processos, demarcando sua
interdependência. Para Soares, a alfabetização se por meio de atividades de
letramento, que, por sua vez, só podem se desenvolver na dependência da alfabetização.
Ao contrário de Ferreiro (apud Soares, 2003) que rejeita a coexistência dos dois
termos, Soares considera conveniente a manutenção dos termos devido à natureza
8
Pesquisadora formada por Piaget na Universidade de Genebra, que investigou a “Psicogênese da ngua
Escrita”, deslocando a investigação de “como se ensina” para “como se aprende” a ler e escrever. Suas
principais idéias são que a alfabetização nada tem de mecânica e que a criança constrói um sistema
interpretativo, pensa, raciocina e inventa, buscando compreender esse objeto social complexo que é a
escrita. No Brasil, a linha de alfabetização fundamentada nos postulados de Ferreiro recebeu o nome de
Construtivismo.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
21
fundamentalmente diferente dos dois processos, que envolvem conhecimentos,
habilidades e capacidades específicos, os quais demandam, conseqüentemente,
procedimentos metodológicos distintos. Concordamos com a autora, ao considerar como
outro fator de conveniência para a distinção dos termos a necessidade de recuperação da
especificidade da alfabetização, perdida pela prevalência do letramento e responsável por
alguns fracassos na alfabetização.
Todo e qualquer acontecimento pode ser compreendido se relacionado à sua
realidade social, ao seu contexto histórico. Assim também acontece com as relações entre
o indivíduo e a língua. Portanto, para se conhecer sobre o(s) letramento(s) dos brasileiros,
especificamente sobre suas relações com a leitura (e/ou materiais impressos), mesmo em
dados numéricos, torna-se necessário extrapolar a consideração escolar que a leitura /
escrita durante muitos anos recebeu (e ainda recebe). Requer analisá-las como realidade
social e política.
Em pesquisa bibliográfica de cunho histórico, identificamos dois movimentos de
aproximação do cidadão brasileiro à necessidade de uso da escrita, originários de
contextos diferentes. Por um lado, uma necessidade política gerada pela impossibilidade
do voto do analfabeto. Por outro, uma necessidade econômica gerada pela
inacessibilidade do analfabeto ao mercado de trabalho de um país em recente processo de
industrialização, após a Segunda Guerra Mundial entendida aqui também como uma
necessidade do cidadão brasileiro.
Para destacarmos as origens do primeiro movimento, optamos por mencionar os
estudos de Paiva (1990) que revelam que os índices brasileiros de analfabetismo, embora
conhecidos desde 1872, ganharam atenção a partir da reforma eleitoral de 1882 que
derrubou a barreira de renda, mas proibiu o voto ao analfabeto. O fato de a maioria da
população brasileira não saber ler e escrever, portanto, passou a constituir um problema
político.
As mudanças na sociedade brasileira, como a industrialização e o processo de
urbanização, que ilustram o movimento originário de uma necessidade econômica, também
podem contextualizar alguns dos fatores que exemplificam as relações dos indivíduos com
a leitura. Para aqueles que viviam em comunidades rurais e migraram para os centros
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
22
urbanos, essas mudanças originaram uma nova forma de se relacionar com a língua. A
comunicação e transmissão de conhecimentos apoiados basicamente na oralidade
tornaram-se insuficientes face às exigências da industrialização e da vida em sociedades
urbanizadas. A sobrevivência nos grandes centros passou a exigir o domínio letrado da
leitura e da escrita, propiciado pela escola.
No entanto, apesar destes dois movimentos que impulsionaram as campanhas de
alfabetização, ainda hoje a questão do acesso à cultura letrada (e não à escola e à
alfabetização) é pauta de discussões e pesquisas na área educacional. Em conformidade
com a concepção humanista e social para a qual tendem os estudos e propostas
educacionais, capacidades outras, além da alfabetização, fazem-se necessárias na garantia
de uma redução de desigualdades sociais.
Decorrido um século de mudanças e de desenvolvimento acelerado desde os
primeiros movimentos de alfabetização, na última década, surgem, ainda, novas formas
de se relacionar com a língua e a leitura, a partir da emergência das diferentes tecnologias
da informação e da comunicação. A revolução tecnológica, que consideramos aqui um
terceiro movimento, determinou a necessidade de outras adaptações no contato com a
língua/linguagem, não para aqueles que migram, mas para todos os que integram uma
sociedade urbana, letrada e informatizada. A simples condição de alfabetizado não
garante, hoje em dia, uma interação efetiva em diferentes esferas da vida social. A
própria escola importante agência de letramento ainda encontra dificuldades em lidar
com a diversidade sócio-cultural do alunado, com as capacidades críticas e discursivas e
com as novas tecnologias da comunicação e informação, necessárias à participação social
efetiva.
Da mesma forma, até bem pouco tempo, a maioria dos materiais didáticos
disponíveis desconsiderava a diversidade cultural do alunado, preocupando-se apenas em
apresentar “bons modelos de textos”, que representam a norma culta e a literatura do
cânone, hierarquizando-os e ajudando a determinar aqueles que deveriam ser valorizados
e os que deveriam ser banidos do mundo das letras
9
.
9
No próximo tópico, aprofundaremos um pouco mais esse tema.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
23
Esse panorama, embora já bastante alterado, conforme mostram pesquisas sobre o
livro didático e sobre o letramento no Brasil, pode justificar alguns mitos e equívocos
relacionados à leitura do brasileiro. Segundo Abreu (2003), pesquisa recente (Retrato da
Leitura no Brasil / 2001) revela, nas palavras da autora, novidades, que não sustentam a
propagada crise da leitura no Brasil e o adjetivo de nação iletrada. Conforme a
conclusão da autora sobre a análise dos resultados das duas pesquisas, os brasileiros não
lêem como alimentam o mercado editorial do país
10
. Entretanto, isso não significa que
a questão do letramento no Brasil esteja resolvida, pois, conforme descrito anteriormente,
o INAF/2005 indica que apenas 26% da população brasileira atinge um nível de
capacidades plenas de leitura e escrita.
De acordo com a análise de Abreu (2003), a pesquisa citada indica que não se
trata de convencer a população sobre os prazeres ou a importância da leitura por meio de
campanhas, mas de possibilitar o acesso aos bens culturais, o que não se faz apenas pela
alfabetização, construção de escolas e bibliotecas, mas também pela redução das
desigualdades sociais brasileiras.
Nosso posicionamento é de que a redução destas desigualdades se dá também pelo
trabalho efetivo da escola tanto com o contato com materiais impressos como com o
desenvolvimento das capacidades leitoras exigidas pelos materiais que ela produz ou
coloca em circulação. No entanto, pesquisas referentes à formação do professor (Kramer
& Oswald, 2002; Andrade, 2004) revelam certo despreparo dos cursos de formação para
abordarem as capacidades leitoras nas práticas de leitura que propõem, pouco
colaborando para que estas capacidades sejam, gradativamente, incorporadas nas
experiências cotidianas do aluno-professor como leitor. Este fato nos leva a questionar as
condições deste aluno-professor para a formação de futuros leitores.
Além disso, consideramos que, ao nos referirmos a “acesso aos bens culturais”, é
preciso refletir sobre quais bens culturais estamos valorizando. Afirmar que é preciso
possibilitar o acesso a estes bens a uma camada da população pode equivaler a afirmar
10
O caderno Prosa & Verso do jornal O GLOBO fev./ 2006 debateu alguns dos Mitos e verdades do
mercado editorial”, confrontando pesquisas, expondo opinião de especialistas e apresentando programas
governamentais e não-governamentais de incentivo à leitura. A série de 3 reportagens levanta alguns
questionamentos a respeito de cálculos e relações que as pesquisas (na maioria de cunho mercadológico)
estabelecem com as práticas de leitura dos brasileiros. (Bertol, R. 04 e 18/02; McMillan, D. 11/02).
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
24
que esta camada é desprovida de bens culturais. O que temos observado em estudos
recentes, que serão discutidos no capítulo dois, é o reconhecimento da necessidade de a
escola se abrir para a cultura do aluno, construindo um currículo culturalmente sensível.
Neste sentido, Rojo & Batista (2003) sugerem o acesso às produções literárias
pelo caminho do rap ou do funk, mais próximos ao alunado ou a leitura do artigo de
opinião a partir da análise de formas jornalísticas de persuasão de um programa como o
Brasil Urgente. Esses autores adotam a metáfora de Oswald de Andrade, ao postularem
que, na construção do letramento das camadas populares, é possível chegar à química
pelo chá de erva-doce.
Segundo Abreu (2003), a idéia de que o país é iletrado relaciona-se à concepção
vigente de leitura, que desconsidera as leituras correntes, que as pessoas comuns realizam
em seu cotidiano. A centralização na leitura do livro e, muitas vezes, de obras
consagradas acarreta o desconhecimento de práticas, objetos e modos de ler distintos
daqueles valorizados pelos meios eruditos
11
. Acarreta, ainda, uma apreciação valorativa
preconceituosa sobre a leitura, inferiorizando o leitor que não usufrui da literatura
consagrada como modelar. Como assinala Abreu (1999), é provável que a um
desempregado seja muito mais interessante um Guia do Trabalhador, editado pelo próprio
autor, um metalúrgico, que a viagem e o conhecimento de mundo proporcionados pelos
livros e alta literatura.
Abreu (2003) observa uma estreita relação entre leitura e escola, devido a grande
parte dos impressos presentes nas casas serem livros escolares (livros didáticos,
dicionários, enciclopédias e livros infantis) e ainda um afastamento progressivo da
literatura à medida que os anos escolares vão se distanciando. Acreditamos que esse fato
possa ser influenciado por programas governamentais, desenvolvidos pelo Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), como o Programa Nacional do
11
Segundo Abreu (2003), a pesquisa Retrato da Leitura no Brasil mostra que a condição econômica é um
fator de interferência no contato com a literatura. A pesquisa mostra que a literatura é mais presente entre
os mais ricos, enquanto os mais pobres (classes D e E) têm maior contato com a bíblia e textos religiosos,
o que revela uma maior penetração da igreja que da escola nas leituras destas famílias.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
25
Livro Didático (PNLD)
12
, que tem por objetivo oferecer a alunos e professores de escolas
públicas dicionários e livros didáticos de diversas disciplinas para melhoria do processo
ensino-aprendizagem desenvolvido em sala de aula, e o Programa Nacional Biblioteca da
Escola (PNBE)
13
que objetiva democratizar o acesso de alunos e professores à cultura e à
informação, incentivando a formação de alunos e professores leitores, por meio da
distribuição gratuita às bibliotecas escolares de obras de referência, literárias e de apoio à
formação de professores das escolas públicas do Ensino Fundamental, programa este que
também foi responsável pela distribuição recente de obras literárias a alunos de diferentes
níveis escolares, intitulada “A literatura em minha casa”
14
.
Abreu (2003) identifica, ainda, uma associação entre escola e leitura de obras
literárias, cuja responsabilidade é atribuída exclusivamente ao professor de Língua
Portuguesa, que tem o texto literário como objeto de leitura privilegiado. Em decorrência
dessas associações escola-leitura, escola-literatura, a pesquisa Retrato da leitura no
Brasil, conforme menciona Abreu (2003), revela que o grau de instrução afeta
significativamente o contato com a literatura. Entretanto, a autora lembra que o contato
(adquirir, colecionar livros) não implica necessariamente a leitura desses livros.
No entanto, outras pesquisas (Kramer & Oswald, 2002; Andrade, 2004)
apresentam um panorama que pode contradizer alguns destes dados. Estas pesquisas,
realizadas em cursos de formação de professores em níveis médio e superior
respectivamente, revelam a quase ausência da leitura literária na escola de formação e o
predomínio, no caso da formação em nível superior, de textos científicos fotocopiados,
em detrimento do suporte livro.
Por sua vez, segundo o site do Ministério da Educação e do Desporto (Política de
Formação de Leitores), a distribuição de acervos às escolas, por si só, não tem
contribuído para a reversão dos indicadores de desempenho crítico em leitura, divulgados
pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB).
12
A partir de 2004, foi também criado um Programa equivalente para o Ensino Médio, o Programa
Nacional do Livro de Ensino Médio (PNLEM), que distribuirá, em 2006, livros de várias disciplinas a
alunos de todo o Brasil.
13
Instituído em 1995, o PNBE foi temporariamente desativado no governo atual.
14
Coleção composta por cinco livros de diferentes gêneros de texto, geralmente, poesias, contos, novelas,
literatura universal e teatro ou literatura popular.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
26
Neste sentido, vale questionar se a qualificação de nação iletrada pode ser
considerada um mito em um país onde pouco mais de ¼ da população apresenta
capacidades plenas de leitura e escrita e, ainda, onde este índice não apresenta alteração
significativa ao longo de três avaliações (2001, 2003, 2005), apesar da existência de
políticas de formação de leitores. O fato de o contato com o acervo (didático, literário, de
referência etc.) distribuído às escolas não contribuir para a alteração no desempenho da
leitura sugere, no nosso entender, a necessidade de a escola propiciar mais que o simples
acesso a estes materiais. Sugere que esta instituição tome as capacidades leitoras
envolvidas em diferentes leituras como objetos de ensino-aprendizagem, com o intuito de
promover mudanças significativas no desempenho do leitor brasileiro. Sugere, ainda,
uma reavaliação na formação de professores, no que tange à concepção de leitor e de
formador de leitores
15
.
Embora as pesquisas mencionadas esbocem um panorama geral da leitura no
Brasil reencontrado em muitos estudos de casos isolados, como os de Paes de Barros
(2005) e de Alencar (2005) –, acreditamos que sua maior contribuição tenha sido
apresentar o quanto desconhecemos sobre a leitura do brasileiro e, retomando um ponto
abordado, de que maneira a questão conceitual pode obscurecer a realidade da leitura
no Brasil. Além de saber quantas pessoas têm acesso a esse ou aquele objeto de leitura, é
preciso saber o que determina essa escolha e qual a relação do indivíduo com certos
textos ou suportes. Ou seja, são necessárias pesquisas sobre os letramentos situados.
Para exemplificar a complexidade de se trabalhar de forma descontextualizada
com questões referentes a livros e leitura, Abreu (1999) recorre aos resultados de uma
pesquisa realizada pelo Ibope (fev. / 99) que constata que 71% dos moradores do Rio de
Janeiro lêem jornal diariamente. Ela questiona o significado dessa informação,
argumentando que uma análise superficial tanto possibilita inferir que os cariocas são
muito bem informados e, portanto, podem ter uma visão crítica da realidade, quanto
possibilita acreditar que eles se interessam por futebol e sensacionalismo, uma vez que
não sabemos a que tipo de publicação a pesquisa se refere, nem qual sessão do jornal
recebe a preferência dos leitores e nem o que motiva a escolha deste objeto de leitura.
15
A este respeito, discutiremos um pouco mais no próximo tópico.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
27
Abreu (1999) observa ainda que nenhuma das fontes consultadas para análise da
leitura no Brasil aborda a publicação e venda de romances de banca ou outro gênero
popular, como o cordel, denotando a exclusão de alguns segmentos sociais e gêneros de
textos e de leituras. Observamos que os neros digitais ou a leitura em ambiente virtual
também quase não são abordados nessas pesquisas.
Nesse sentido, parece prudente considerar que, ao pesquisarmos sobre os
materiais lidos com mais freqüência, as formas de acesso a esses materiais, modos e
motivações para a leitura, estamos atuando sobre um recorte dos inúmeros fatores
(sociais, culturais, econômicos etc.) que envolvem as relações de um povo com a ngua
escrita e dos diversos níveis e tipos de letramentos existentes em uma dada cultura.
Como educadores, deparamo-nos com um fato que se nos apresenta como um
desafio: considerando a prática educativa a grande responsável pela associação leitura-
escola ou leitura para fins escolares, o que entendemos como uma visão reducionista de
leitura, cabe à própria escola, como principal agência de letramento, repensar seus
conceitos de leitura, entendendo-os de forma ampla e abrangente, propondo uma
pluralidade de práticas letradas que transcendam seus limites e atinjam diferentes
contextos sociais.
Esse desafio ganha maiores proporções ao questionarmos: o que compreendemos
por entender o conceito de leitura de forma ampla e abrangente? O que entendemos por
propor uma pluralidade de práticas letradas? Goulart (2003) afirma que a participação
em uma sociedade letrada inclui conhecimentos, atitudes e procedimentos de diversas
áreas do conhecimento (práticos, filosóficos, científicos e artísticos), associados a
diferentes práticas, instituições e agentes sociais. Nesse sentido, entendemos que o
desafio da escola na construção do letramento está em reconhecer outros tipos de
letramentos, que não o escolar, mas também aqueles propiciados por outras esferas
culturais colaboradoras dessa construção e ainda em promover a interdiscursividade entre
os textos produzidos pelas diversas formas de entender e organizar o mundo.
1.3. Leituras/Letramento do Professor: um letramento escolar?
A necessidade de se legitimar outras leituras que não as escolares vêm
direcionando o interesse dos pesquisadores (Batista, 1998; Kleiman, 2001; Soares, 2001;
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
28
Guedes-Pinto, 2001; Almeida, 2001; Kramer & Oswald, 2002; Andrade, 2004) para as
leituras e o letramento do professor, sobretudo daqueles que se dedicam ao ensino da
língua e daqueles que introduzem os alunos nas práticas socioculturais de uma sociedade
letrada – os alfabetizadores.
Conforme mencionam Batista (1998), Kleiman (2001), Soares (2001) e Guedes-
Pinto (2001), a imagem pública dos professores, expressa pela academia e imprensa,
revela sérias falhas em sua formação como leitor, abrindo espaço para o questionamento:
o professor é um não-leitor?
16
Segundo Batista (1998), o próprio fato de nos
perguntarmos se o professor é não-leitor implica admitir que os professores realmente
não sejam leitores representação que o autor descarta logo no início do artigo, devido
ao fato de o professor estar inserido em um universo letrado. Em sentido semelhante,
Kleiman (2001) considera que, independente da resposta que se atribua a esta pergunta,
importa o fato de tanto imprensa quanto academia sentirem-se autorizadas a questionar o
letramento daquele que tem em suas mãos a formação de leitores.
No contexto deste questionamento, identificamos diversas pesquisas a respeito
das práticas de leitura e do letramento dos(as) professores(as)
17
, da concepção de
professor-leitor, do discurso oficial escolar sobre leitura e, em alguns casos, das relações
das práticas de leitura com a formação do professor, tendo como sujeitos das pesquisas
desde alfabetizadores até os formadores de professores.
Diante da multiplicidade de questões envolvidas no letramento do(a)
professor(a), tomaremos como ponto de partida as alterações ocorridas na concepção de
professor-leitor segundo os livros didáticos, conforme nos apresenta Soares (2001). A
autora pesquisou duas obras adotadas em períodos distintos: Antologia Nacional
amplamente utilizada nas escolas brasileiras desde o final do século XIX até os anos 30
do século XX e, menos intensamente, nas décadas de 40, 50 e 60, e Estudo dirigido de
16
Tema de importante congresso sobre leitura no país, o COLE – Congresso de Leitura do Brasil.
17
Kleiman (2001) usa o gênero feminino do substantivo devido à constatação da grande predominância de
mulheres no quadro do magistério. Kramer & Oswald (2002), embora utilizem o substantivo (professor)
no gênero masculino, dão ênfase à constatação da feminização do magistério primário.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
29
Português
livro de grande sucesso nos anos 70, que marcou uma nova concepção de
professor, a partir daquele momento
18
.
De acordo com Soares (2001), a Antologia Nacional foi utilizada durante 74 anos,
sobretudo no Sudeste, e teve 43 edições
19
. Constituía-se em uma coletânea de textos,
cujos critérios de escolha pautavam-se na representatividade e legitimidade no campo
literário. Em princípio, apresentou uma predominância de autores portugueses, embora
incluísse alguns brasileiros. Posteriormente, a proporção das nacionalidades dos autores
foi sendo gradativamente equiparada até a última edição. Os textos selecionados eram
organizados por fases literárias e apresentados dos mais recentes para os mais antigos,
com a justificativa dos autores de que primeiro deve-se saber como se fala para depois
aprender como se falava.
Para Soares (2001), destes dados pode-se inferir uma concepção de leitura escolar
como leitura de autores portugueses, e de professor como leitor e conhecedor das
literaturas portuguesa e brasileira, assim como dos movimentos literários. Estes dados
revelam, ainda, a pressuposição de um professor com domínio da língua conforme se
falava e de suas modalidades passadas. A autora interpreta a progressiva nacionalização
da leitura escolar como uma alteração tanto na concepção de leitura escolar como na
concepção de professor formador de leitores e, portanto, conhecedor da literatura
brasileira, mais que da portuguesa.
Os critérios de escolha dos temas moralidade e honestidade revelam, segundo
Soares (2001), uma concepção de leitura escolar, nas primeiras décadas do século XX,
como instrumento de formação ética e preservação da moral e dos bons costumes. Por
sua vez, uma adaptação (redução) no tamanho dos textos, no início da década de 40,
indica que os textos longos não eram mais considerados adequados à leitura escolar,
como os apresentados nas edições anteriores
20
.
A presença quase exclusiva de textos e apenas Noções elementares de sintaxe da
proposição simples e da proposição composta, substituída a partir da 38ª edição – 1959
18
Ambos os livros referem-se ao ensino do Português para o que se chamava curso secundário, hoje
equivalente ao final do Ensino Fundamental e Ensino Médio.
19
Ver também, a respeito, Razzini (2000) e Razzini (2002).
20
Segundo Soares (2001) nas edições anteriores à década de 40 raros eram os textos que não apresentavam
5, 6 ou 7 páginas.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
30
pela Nomenclatura Gramatical Brasileira e a ausência de exercícios ou sugestão de
atividades de literatura ou de língua, conforme indica Soares (2001), evidenciam a
concepção de professor autônomo para planejar e executar suas aulas, capaz de utilizar os
textos didaticamente para formar bons leitores, tanto no que diz respeito à língua quanto à
literatura.
No entanto, a partir da década de 50, os livros didáticos das diversas disciplinas
começaram a esboçar uma metodologia de ensino, que foi se tornando cada vez mais
explícita. Conforme Soares (2001) observa, na área de leitura esta tendência se
evidenciou pela orientação cada vez mais minuciosa da ação do professor no sentido de
formar leitores, revelando, nos livros didáticos das últimas décadas do século XX, uma
concepção de leitura escolar e de professor-leitor bastante diversa daquela apresentada
pela Antologia Nacional, em que a formação de leitores dispensava orientações ao
professor, bastando-lhe a apresentação de uma coletânea de textos representativos da
literatura de prestígio. Neste contexto, na década de 70, o Estudo dirigido de Português
inaugura uma fase em que as orientações para a ação do professor se concretizam de
forma plena no livro didático.
A autora indica, ainda, outras alterações concomitantes à concepção de professor-
leitor como, por exemplo, o desmembramento progressivo do volume único em um
volume para cada série e o deslocamento, gradativo, na autoria dos livros didáticos, de
cientistas, intelectuais e professores universitários para professores em exercício nos
níveis para os quais se destinavam os livros
21
. Soares (2001) interpreta esta alteração
como uma possível decorrência da democratização do ensino
22
, ocorrida a partir dos anos
60 que, modificando o perfil dos professores e do alunado, parece ter diminuído o
prestígio dos níveis de ensino elementar e médio, caracterizando a produção didática para
estes níveis como atividade menos nobre no campo científico e, com isso, deixando de
atrair autores de alta qualificação educacional.
No entanto, a autora considera que as diferenças encontradas nas duas coleções,
no que tange às concepções de leitura escolar e de professor-leitor, o se devem à
21
Soares (2001) salienta que este não é o caso das obras analisadas em sua pesquisa.
22
A autora considera esta democratização do ensino no sentido restrito do termo: ampliação do número de
escolas e de vagas.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
31
qualificação dos autores de ambas as obras, mas ao contexto sócio-econômico e
educacional de cada época. Ela relata que a apresentação da coleção Estudo dirigido de
Português menciona o objetivo de atender a todos os professores e a todos os alunos,
independente da situação em que se encontrem, revelando, com isso, o reconhecimento
da diversidade sócio-cultural existente entre alunos e entre professores, oriunda da
democratização do ensino.
Outra característica analisada pela autora é a presença, na coleção Estudo dirigido
de Português, de aulas planejadas e assuntos organizados passo a passo, em linguagem
acessível ao aluno, modificando o papel do professor de expositor para orientador do
trabalho do aluno, podendo contar, para isso, com as respostas aos exercícios e
orientações metodológicas presentes no Livro do Professor
23
.
A partir desta análise, Soares (2001) indica as mudanças ocorridas na concepção
de professor como leitor e como formador de leitores do início do século XX para a
década de 70 deste mesmo século. A concepção de professor-leitor se altera de um
professor conhecedor de língua e literatura, capaz de definir sua metodologia de trabalho
com textos para um professor que necessita não dos textos, mas também da orientação
metodológica tanto para a leitura como para a interpretação, além de atividades com
respostas às questões de compreensão e interpretação dos textos. Entretanto, a autora
salienta que este último perfil do professor não traduz uma incapacidade do professor
para definir uma metodologia de trabalho. Revela o reconhecimento da formação e das
condições de trabalho insuficientes ao preparo das aulas.
Em resumo, Soares (2001) considera que a mudança na concepção do professor-
leitor e do professor formador de leitores está relacionada a três fatores: a) modificação
do alunado, em decorrência da democratização do ensino que ampliou o direito à
escolaridade aos filhos de trabalhadores; b) multiplicação das agências de formação de
professores, em decorrência da demanda desencadeada pelo aumento de alunos nas
escolas
24
; e c) necessidade de amplo recrutamento de professores, conseqüentemente,
23
A edição de um Livro do Professor é inaugurada nesta época e se apresenta como uma novidade em
relação a coleções mais antigas.
24
Segundo a autora, muitas destas agências não apresentavam condições de oferecer formação adequada ao
professor. Somam-se a isso as mudanças na concepção do ensino de língua, ocorridas na década de 60, a
partir dos estudos das Ciências Lingüísticas, ainda muito recentes no Brasil e, principalmente, nas
propostas de aplicação ao ensino da língua materna, resultando em uma formação de menor qualidade.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
32
utilizando critérios menos seletivos, conduzindo a rebaixamento salarial e depreciação do
trabalho docente.
Soares (2001) conclui que estas mudanças determinaram as transformações
ocorridas nos livros didáticos, que se tornaram cada vez mais autônomos e independentes
em relação ao professor. Segundo ela, a concepção atual do professor (especialmente o de
Português) é a de pouco familiarizado com a leitura e a de um leitor de textos de
qualidade questionável. Características que, conforme a autora, servem aos editores como
justificativa para as orientações minuciosas ao aluno e para a presença de respostas no
Livro do Professor. No entanto, considera que a concepção de professor-leitor presente
nos livros didáticos das últimas décadas não corresponde a um mau leitor, mas a um
professor que, por razões sociais, econômicas e políticas, não tem as condições
necessárias ao pleno exercício da atividade educacional.
Entendemos que, ao tentar suprir as lacunas na formação do professor (o que
julgamos necessário), o livro didático parece desobrigar o professor de outras leituras,
além daquelas que informam a prática escolar. Conforme aponta Britto (1998),
profissionalmente, o professor não necessita de outras leituras. Além disso, como
cidadão, tem pouco acesso a estas outras leituras, tanto pelos vínculos culturais
estabelecidos, como pela condição sócio-econômica, perpetuando-se, assim, o professor
como um leitor-escolar ou, no dizer deste autor, um leitor interditado.
Batista (1998) e Kleiman (2001) mencionam estudos sobre a condição social do
professor de Língua Portuguesa e do professor alfabetizador no Brasil, respectivamente,
que constatam que a grande maioria destes professores se origina de famílias de pouca
ou nenhuma escolaridade. Em pesquisa realizada em três escolas de formação de
professores, Kramer & Oswald (2002) reiteram o perfil do professor (principalmente o
das séries iniciais do Ensino Fundamental) como originário de uma parcela menos
favorecida da população e identificam uma “feminização
25
e proletarização do
magistério primário” (Kramer & Oswald, 2002:11). Segundo estas autoras, a imagem
dos professores de não-leitores ou de leitores restritos é atribuída, na maioria das vezes,
a esse distanciamento dos bens culturais valorizados.
25
Sobre o progressivo ingresso feminino no magistério, ver Galvão (2001).
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
33
Segundo Batista (1998), o fato de boa parte dos professores constituírem a
primeira geração do grupo familiar a ser submetida a uma escolarização de longa
duração pode refletir na predominância de um modo escolar de contato com a escrita,
em prejuízo do contato com seus usos não-escolares, devido ao distanciamento familiar
do “capital cultural”. Segundo ele, desprovidos da herança ou transmissão
intergeracional de práticas cotidianas, gratuitas e desinteressadas de leitura, os
professores teriam se constituído leitores escolares e tenderiam a investir nas
competências escolares, adquiridas escolarmente, em função de um ensinamento.
No entanto, Kleiman (2001) questiona se o estrato social do professor seria tão
importante a ponto de se sobrepor aos muitos anos de escolaridade e ao letramento que
ele construiu na escola. A partir das considerações de Batista (1998), arriscaríamo-nos a
dizer que não é exatamente o estrato social do professor que determina sua condição de
leitor, mas as condições de contato com a escrita, decorrentes deste estrato mais ou
menos favorecedor da diversidade de práticas letradas. Além disso, se considerarmos
que o letramento que este professor construiu na escola atende quase que
exclusivamente às necessidades escolares, pouco interagindo com as práticas de leitura e
escrita que circulam em esferas sociais extra-escolares, concluiremos que ele pouco
altera os modos de contato do professor com a escrita que circula fora da escola.
Com estas reflexões, julgamos prudente reafirmar que, ao tratarmos do
letramento escolar, não podemos nos restringir ao trabalho realizado com o aluno até o
Ensino Médio, conforme parece sugerir a bibliografia especializada
26
. No nosso modo
de ver, é fundamental que se amplie a noção de letramento escolar, incluindo uma
reavaliação das práticas desenvolvidas também no Ensino Superior, que forma os
professores dos níveis básicos de escolarização.
No que tange ao letramento literário, entendemos, juntamente com Kleiman
(2001), que a literatura deve constituir os ensinamentos de qualquer área, por ser um
produto humano de preservação de nossa memória e herança cultural. Percebemos, na
literatura especializada, grande preocupação em aproximar o professor da literatura tida
26
Em nosso estudo bibliográfico, pouco encontramos o termo letramento escolar referindo-se ao
letramento do professor.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
34
como legítima. Reconhecemos a importância da formação do professor-leitor literário
para o seu ofício de formador de leitores. No entanto, concordamos com Kleiman (2001)
que outras práticas de letramento, como as relacionadas à oralidade do professor, são
igualmente importantes no processo de ensinar a ler e escrever, porém, nem sempre são
mencionadas pelas pesquisas acadêmicas ou na formação de professores.
A partir do exposto, parece-nos, então, que o letramento propiciado pela escola
de formação de professores não serve à própria escola, que o chamado letramento-
escolar toma uma conotação de restrição e incompletude. Neste contexto, partilhamos
com Kramer & Oswald (2002) do questionamento sobre qual seria o papel da escola
formadora de professores diante do aluno (futuro professor) que não teve leituras
anteriores (ou seriam exteriores?) à escola; partilhamos, também, do questionamento
sobre que práticas de leitura a escola de formação de professores vem desenvolvendo no
sentido de propiciar condições para que o professor se constitua leitor e formador de
leitores.
Ao pesquisarem experiências de leitura e escrita em salas de aula do curso
Normal (nível médio)
27
, estas autoras relatam que, embora a escola pareça compreender
que saber ler envolve a produção de sentidos, as práticas observadas apresentaram
características mecanicistas, evidenciando uma forte preocupação com as técnicas da
leitura oral (das alunas-futuras-professoras), em detrimento da produção de sentidos.
De acordo com as observações de Kramer & Oswald (2002), o professor
formador demonstra ter consciência de que memorização mecânica e cópia compulsória
não fazem sentido na alfabetização de crianças. No entanto, utiliza destas práticas com
os alunos (futuros professores) para que estes memorizem o que não deve ser feito. Estas
autoras constatam, ainda, práticas que consideram como uso inadequado da literatura na
escola, nas quais os textos literários perdem a dimensão de gratuidade e passam a
integrar as leituras escolares. Observaram, também, exercícios repetitivos e abordagem
gramatical de modo mecânico. Segundo elas, estas atividades revelam situações em que
se ensina a ler e escrever, mas em que pouco se escreve ou lê.
27
Atualmente, o curso Normal em nível de Ensino Médio está extinto. A habilitação do magistério de a
4ª séries é adquirida no curso Normal Superior.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
35
No contexto da formação universitária, Andrade (2004) enfatiza a necessidade
de ler e escrever na formação de professores como um fator inerente ao processo
pedagógico. No entanto, a autora afirma que o professor universitário se abstém de
tornar estas práticas uma conduta regulada de forma explícita. Segundo ela, no decorrer
dos quatro anos de formação, os alunos incorporam como deve ser feito (a leitura e a
escrita) sem, no entanto, terem sido ensinados.
Em um curso de formação inicial de Pedagogia, dentre outros temas
correlacionados, Andrade (2004) pesquisou a concepção e o planejamento da escrita e
da leitura pelos professores universitários e constatou que a leitura é o instrumento base
para a condução das aulas. O conjunto de textos selecionados compõe-se, basicamente,
de artigos científicos de revistas especializadas, capítulos de livros e capítulos de
manuais de disciplinas da educação e constitui, na maioria das vezes, a unidade de
planejamento pedagógico, equivalendo, em alguns casos, à própria aula. Segundo a
autora, os professores atribuem a texto um sentido sempre acadêmico e a leitura que
esperam dele consiste em saber suas condições de produção, as idéias nas quais avança
e, por fim, a proposição de uma crítica.
De acordo com Andrade (2004), as estratégias pedagógicas utilizadas pelos
professores universitários para trabalhar a leitura consistem em perguntas-chave (8),
leitura oralizada (5), debate coletivo sobre o texto (5), leitura integral (3) e apresentação
oral (2)
28
, sendo que o debate e a apresentação oral constituem mais uma tentativa que
uma prática, em virtude da parca participação dos alunos, conforme informam os
entrevistados.
Para Andrade (2004), estas estratégias revelam uma preocupação com o contato
com o texto em sua íntegra como modo de garantir a apreensão de seus conteúdos pelo
aluno. Não há, segundo ela, uma abordagem dos diferentes tipos de leitura
correspondentes às diferenças textuais ou às especificidades de cada texto. A autora
considera que as estratégias utilizadas pelos professores circunscrevem uma concepção
de leitura restrita ao texto acadêmico.
28
Os números entre parênteses revelam o número de professores usuários de cada estratégia.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
36
Andrade (2004) observa que não uma preocupação em abordar os processos
de escolha dos textos a serem lidos e nem das diferenças entre os textos selecionados,
pouco se abordando sobre tipos de textos. Ela nota, ainda, pouca preocupação com o
interesse e motivação do aluno para a leitura e o prazer que estas leituras possam
proporcionar. Segundo ela, dos quatorze professores universitários entrevistados, apenas
dois manifestam o reconhecimento da necessidade de se abordar outros textos, além dos
acadêmicos, na formação universitária.
Se a leitura do texto acadêmico constitui instrumento básico de condução das
aulas, a escrita, por sua vez, parece funcionar como instrumento de avaliação da leitura,
ocupando uma posição secundária nas práticas de sala de aula (basicamente provas e
trabalhos), conforme observa Andrade (2004).
Do mesmo modo, a expressão oral parece constituir outra forma de avaliar a
leitura do aluno-professor. Assim como a expectativa de que ele escreva sobre o que
leu, espera-se que fale sobre estas leituras. Segundo a autora, como a expressão oral não
se efetiva, muitos professores concluem que o aluno não leu. Daí, provavelmente, a
generalização de que “os alunos não lêem”. No entanto, embora Andrade (2004) registre
as ausências de participação em debates, discussões e elaboração de perguntas de
entendimento, citadas pelos professores universitários, não se observou registros de que
estas formas de exploração do texto lido tenham sido trabalhadas em aula.
Entendemos que as pesquisas descritas revelam que a escola de formação de
professores parece saber o que exigir e o que transmitir, ainda que teoricamente, a seus
alunos, futuros professores, no que tange às práticas de leitura e escrita. Entretanto, os
cursos de formação apresentam indícios de um distanciamento entre a teoria que
ensinam e a prática que desenvolvem. Se, por um lado, há uma grande preocupação com
(a ausência do) letramento literário do aluno-professor, por outro, não verificamos
práticas que favoreçam a construção desse tipo de letramento. Se, por um lado,
questiona-se a capacidade leitora do aluno-professor, por outro, percebemos o trabalho
com a leitura mais voltado para aspectos instrumentais ou que não toma as capacidades
leitoras como objeto de ensino-aprendizagem. Se, por um lado, existe uma queixa da
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
37
escola quanto à capacidade de expressão escrita e oral do aluno-futuro-professor, por
outro, não observamos um ensino voltado para o desenvolvimento destas capacidades.
No nosso entender, esta situação confirma o fato, constatado pela academia,
de que a formação docente não incide diretamente na prática pedagógica. Para que isso
ocorra, julgamos necessário que esta formação se desloque da posição de estoque de
informações e ocupe um espaço de formação onde o aluno-professor vivencie práticas
contextualizadas de leitura e escrita, as quais possa incorporar em seu horizonte de
experiências para, assim, propiciar experiências semelhantes a seus alunos.
Concluímos este tópico considerando que as atuais exigências para o trabalho
docente vão além do letramento literário exigido no final do século XIX, conforme nos
apresenta Soares (2001). Atualmente, o trabalho docente faz exigências pertinentes às
rápidas transformações do mundo moderno, em que tão importante quanto aquilo que se
são as práticas que se exercem sobre os materiais propostos (tanto pela escola quanto
pelo mundo) para leitura. Estamos de acordo com Andrade (2004) para quem a formação
do professor deve respaldá-lo para ensinar não conteúdos aos seus alunos, mas ensiná-
los a buscar o saber, a partir da sua condição de leitor de diferentes textos em diferentes
suportes, produzidos em diferentes contextos, além do escolar e, portanto, envolvendo
diferentes capacidades leitoras.
1.4. Letramentos situados ou os diferentes letramentos (des)envolvidos em contextos
sociais diversos
Conforme mencionado anteriormente, o nível de abstração inerente ao termo
letramento e a observação de que diferentes contextos sociais determinam diferentes
práticas de letramento propiciaram o surgimento do termo letramentos. Pesquisadores
integrantes do Grupo de Pesquisa sobre o Letramento da Universidade de Lancaster vêm
estudando e discutindo os letramentos locais desenvolvidos em diferentes contextos
sociais e culturais, como fazendas, famílias, prisões, igrejas, locais de trabalho e
comunidades urbanas específicas. Segundo este grupo de pesquisadores, cada estudo de
letramento situado contribui para a ampliação da concepção de práticas de letramento,
favorecendo a compreensão das relações existentes entre estas e o letramento escolar
(Taylor, 2000).
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
38
Estes pesquisadores consideram importante destacar que, ao se referirem a
letramentos situados, é necessário situá-los não só em contextos sócio-culturais, mas
também no tempo e no espaço e, ainda, nas práticas letradas que transcendem o tempo e o
espaço, como aquelas utilizadas em contextos digitais, consideradas por eles como uma
forma emergente de letramento.
Segundo Barton, Hamilton & Ivanic (2000), as pesquisas realizadas pelos
integrantes do Grupo de Pesquisa sobre o Letramento apresentam como ponto comum: o
entendimento de que as práticas de letramento são parte de um amplo processo social.
Para Barton & Hamilton (2000: 8), este ponto comum sustenta uma teoria social do
letramento, apresentada por eles em um conjunto de seis proposições:
“O letramento pode ser melhor entendido como um conjunto de práticas sociais
que podem ser inferidas a partir de eventos mediados por textos escritos;
Existem diferentes letramentos associados a diferentes domínios da vida;
As práticas de letramento são determinadas por instituições sociais e relações de
poder. Alguns letramentos apresentam um maior domínio que outros;
As práticas de letramento estão inseridas em um amplo campo de práticas sociais
e culturais;
O letramento é historicamente situado; e
As práticas de letramento se transformam e outras novas se desenvolvem por
meio de processos de aprendizagem informal.”
Conforme estes autores, este conjunto de proposições significa que, em uma dada
cultura, existem diferentes letramentos associados a diferentes domínios da vida,
identificados como domínios primários ou privados (a casa) e domínios mais amplos ou
públicos (o trabalho, a escola, a comunidade etc.). Em cada domínio, as pessoas
participam de diferentes práticas e de diferentes eventos de letramento, historicamente
situados. No entanto, para estes autores, estas práticas e eventos de letramento não são
estanques e fixas aos seus domínios de origem, podendo haver uma “infiltração” entre
práticas de diferentes domínios.
Barton & Hamilton (2000) definem as práticas de letramento como meios
culturais gerais nos quais as pessoas utilizam a linguagem escrita. Como práticas sociais,
são constituídas por regras que regulam o uso e distribuição do texto, prescrevendo quem
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
39
os produz e quem tem acesso a eles. Essas práticas constituem um meio para a
compreensão das relações entre atividades de leitura e escrita e as estruturas sociais em
que estão inseridas. Segundo Street (1993) apud Barton & Hamilton (2000), as práticas
de letramento não são unidades observáveis de comportamento. Envolvem valores,
atitudes e relações sociais, que incluem o sentido que as pessoas constroem sobre o
letramento. Deste modo, Barton & Hamilton (2000) consideram importante diferenciar o
termo práticas, no contexto do letramento, do sentido dos termos tarefa ou atividades. A
noção de práticas à qual se referem estes pesquisadores diz respeito aos meios culturais
de se utilizar o letramento.
Os eventos de letramento, por sua vez, são definidos por estes autores como
episódios observáveis de uso de um texto ou textos escritos. Como estes eventos diferem
de acordo com o contexto, a noção de eventos reforça a natureza situada do letramento.
Barton & Hamilton (2000) enfatizam a importância do estudo dos textos e do modo como
são produzidos e usados, para os estudos sobre eventos de letramento. Eles salientam que
o estudo do texto, na perspectiva do letramento, não se restringe à identificação dos
textos envolvidos em um ou outro evento de letramento ou domínio da vida, mas refere-
se também ao significado atribuído à atividade desenvolvida sobre eles. Barton (2000)
enfatiza a necessidade de, em um estudo da linguagem, haver a combinação entre a
análise do texto e a análise das atividades que se exercem sobre o texto.
A partir das considerações sobre o caráter social e a natureza situada do
letramento, remetemo-nos às reflexões de Bakhtin sobre linguagem e enunciação,
segundo as quais, “os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da
linguagem” (Bakhtin, 1952-53/1979: 261). Este uso se por meio de enunciados (orais
e escritos), que refletem as condições específicas e particularidades de cada campo da
comunicação. Estas condições específicas é que determinam o conteúdo temático, o
estilo
29
e a construção composicional que integram o enunciado/texto. Neste sentido,
“cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de
enunciados” (Bakhtin, 1952-53/1979: 262), denominados gêneros do discurso. Em cada
29
Estilo: “[...] seleção de recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua.” (Bakhtin, 1952-52/1979:
261).
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
40
um dos múltiplos campos de atividade humana, circula um repertório de gêneros do
discurso.
Neste ponto de reflexão, estabelecemos uma relação
30
entre os textos (e seus usos) em
diferentes domínios (Barton & Hamilton, 2000) e os gêneros do discurso que circulam
em diferentes campos (esferas) da atividade humana (Bakhtin, 1952-53/1979). Da
mesma forma, percebemos uma relação entre o destaque dado pelos primeiros às
práticas e eventos existentes nos domínios privado e público e a diferenciação que
Bakhtin faz entre gêneros primários e secundários. Sobre os gêneros primários e
secundários, Bakhtin afirma que não se trata de uma diferença funcional. Segundo ele,
“Os gêneros discursivos secundários (complexos romances, dramas,
pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos,
etc.) surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e
relativamente muito desenvolvido e organizado (predominantemente o
escrito) artístico, científico, sociopolítico, etc. No processo de sua
formação eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários
(simples), que se formaram nas condições da comunicação discursiva
imediata.” (Bakhtin, 1952-53/1979: 263).
A título de compreendermos como as considerações descritas até aqui se efetivam
nas atividades contemporâneas, que requerem determinados letramentos, tentaremos
exemplificar o que discutimos. Suponhamos uma situação em que uma pessoa procura
emprego. De acordo com o exposto neste tópico, poderíamos utilizar o seguinte
diagrama:
30
Vale salientar que não se trata de analogia entre as duas análises, mas de uma relação, entendida neste
trabalho como complementar.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
41
1.5. Oralidade e escola: um caminho a percorrer
A transformação sofrida pelos conceitos de leitura, escrita, alfabetização e o
surgimento do termo letramentos nas últimas décadas decorreram da determinação
histórica das demandas sociais de cada época. O que, em outros tempos, foi suficiente
como exigência social de níveis de leitura e escrita e de letramentos, hoje já não é mais.
A exigência de constante atualização das capacidades envolvidas no domínio da
língua e das linguagens acarreta para a escola, principal agência de promoção e acesso ao
conhecimento, o compromisso com a freqüente revisão de conceitos e práticas
pedagógicas. Expandir a capacidade (do aluno) de uso da língua e das linguagens e
promover a aquisição de outras línguas e linguagens em situações lingüisticamente
significativas implica viabilizar o seu acesso à diversidade de textos que circulam em
diferentes esferas, ensinando-o a produzi-los e interpretá-los, por meio do
desenvolvimento de capacidades relacionadas às capacidades lingüísticas de falar, escutar,
ler e escrever. Implica, ainda, tomar o uso eficaz da língua e das linguagens como objeto
de ensino de diferentes disciplinas.
As várias ações político-educacionais ocorridas na ultima década em prol da
melhoria da educação (avaliação dos diversos níveis de ensino e dos livros didáticos,
reforma educacional e elaboração dos PCNs como referenciais), embora ainda
Trabalho
(Domínio da vida humana)
Procura de emprego
(prática de letramento)
Consulta de ofertas de
trabalho
(eventos de letramento)
Produção de currículos
(Evento de letramento)
Cadastramento em empresas
(Evento de letramento)
Possíveis gêneros envolvidos:
Ficha cadastral;
Perfil;
Entrevista;
Documentos pessoais.
Possíveis gêneros envolvidos:
Curriculum Vitae.
Possíveis gêneros envolvidos:
Classificados: impressos e
digitais;
Cartazes;
Placas.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
42
insuficientes, disponibilizaram um panorama dos principais problemas relacionados ao
ensino da língua (concepções ultrapassadas e reducionistas, materiais didáticos
pressupondo uma homogeneidade inexistente entre os alunos, dicotomia oralidade/escrita
etc.) e, também, de propostas para o desenvolvimento da competência discursiva dos
alunos, essencial para a cidadania.
Dentre essas ações para a melhoria da qualidade do ensino de Língua Portuguesa,
sem perder de vista a importância das demais implementações, destacamos a concepção
enunciativa/discursiva adotada pelos PCNs, entre outros fatores, por possibilitar que o
aluno desenvolva capacidades críticas e discursivas que lhe permitem interagir nas mais
diferentes esferas da vida social.
Embora tomemos, neste tópico, a oralidade como objeto de estudo, temos
consciência de que sua sistematização não ocorre desvinculada dos demais eixos de
organização do currículo escolar, permeando não o currículo de Língua Portuguesa
como o de diferentes disciplinas. O tratamento da língua oral como objeto de ensino-
aprendizagem, conforme proposto pelos PCNs, rompe com a dicotomia entre escrita e
oralidade, ainda muito presente na prática escolar.
A despeito de os PCNs (1997) não mencionarem esse aspecto, Rojo (1998b)
constata que pesquisadores de aquisição de linguagem oral tendem a reconhecer uma
relação entre oralidade e letramentos, que não se configura pela passagem automática do
oral para o escrito, mas pela contribuição dos eventos de oralidade para a construção dos
letramentos e de eventos de letramento para a modificação da linguagem oral do falante.
A oralidade é uma das primeiras formas pelas quais a criança participa de práticas de
leitura/escrita. Segundo de Lemos (1988), a escrita ganha sentido para a criança a partir
das práticas orais das quais ela participa. Essa constatação nos leva a pensar na
dependência dos tipos e níveis de letramento escolar e familiar dos quais a criança
participa para a construção dos seus letramentos. Não se trata da quantidade de vezes em
que a criança é inserida em eventos de letramento, mas do modo como ela participa (ativa
ou passivamente) desses eventos e da qualidade das interações orais estabelecidas em
diferentes ambientes sociais.
Assim como, durante muitos anos, a escola supôs que a criança soubesse bem
menos do que realmente sabia sobre a escrita, ela parece acreditar que a criança traz
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
43
todas as capacidades relativas à oralidade constituídas. Esta é, muitas vezes, erroneamente
caracterizada como um processo natural, que antecede a educação formal, bastando o
aluno estar em contato com atividades discursivas orais para que a oralidade se
desenvolva da forma como a escola espera.
Schneuwly (2004: 139) afirma, ao contrário, que o oral não existe; existem os
orais, atividades de linguagem realizadas oralmente, gêneros que se praticam
essencialmente na oralidade. Ou, então, atividades de linguagem que combinam oral e
escrita”. Segundo ele, pouca coisa em comum entre dois gêneros orais, como por
exemplo, a narração de um conto em sala de aula e o relato de uma aventura no pátio da
escola. Os meios lingüísticos (estruturas sintáticas e textuais, utilização da voz, relação
com a escrita) diferem em cada situação, o que justifica a observação das especificidades
de cada gênero e a tomada destes gêneros como objeto de ensino-aprendizagem.
Por se originarem fora da escola, em contextos cotidianos e anteriores à
escolaridade, é provável que os orais ainda não recebam o mesmo tratamento formal que é
dispensado ao ensino-aprendizagem da língua escrita. Em decorrência disso, mais cedo ou
mais tarde, a escola exige do aluno uma capacidade de uso da oralidade que ela mesma
ainda não sabe abordar.
Essa contradição, segundo Barbosa (2000: 154), deve-se ao fato de a escola
trabalhar a oralidade por meio de propostas de discussões coletivas, troca de opiniões,
quando
“[...] o que deveria estar em questão são as diferentes formas de
dizer, determinadas por diferentes situações comunicativas, e não
simplesmente o fato da materialidade do dito pertencer à
modalidade oral ou escrita, regidas por uma espécie de contexto de
produção geral e indiferenciado.”
Em pesquisa realizada com professores de francês (língua materna) a respeito de
suas concepções sobre o oral e seu ensino, Schneuwly (2004) constata que os participantes
da pesquisa apresentam concepções voltadas tanto para aspectos da elocução e da
recitação, quanto das dimensões comunicativas. O autor observa, ainda, a presença de uma
visão de língua como norma e uma dependência do oral em relação à norma escrita
(Schneuwly, 2004: 132). Ele sintetiza as concepções dos professores sobre o oral em, por
um lado, expressões espontâneas sem relação com a escrita, e por outro, o oral cotidiano
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
44
usado nas comunicações. Portanto, ambas as formas escapam à intervenção sistemática. A
sistematização, segundo o autor, acontece no oral que prepara a escrita, por possibilitar
uma primeira formulação de um texto escrito, caracterizando a oralização de um escrito,
ou na leitura em voz alta, que representa 70% das atividades descritas como orais, pelos
professores.
Embora a linguagem oral esteja bastante presente nas salas de aula, indícios de
que seu espaço como objeto de ensino-aprendizagem seja bastante limitado. No Brasil,
apesar de o ensino da oralidade estar contemplado na proposta curricular dos PCNs desde
1997, percebemos que os conhecimentos sobre o desenvolvimento da linguagem oral na
idade escolar são ainda escassos, quando não o equivocados. Esse documento (1997)
afirma que a escola não tomou para si a tarefa de ensinar os usos e formas da língua oral.
E quando o fez, foi de maneira equivocada, tentando impor a variedade lingüística de
prestígio social. Em contrapartida, correspondendo aos propósitos de uma educação que se
pretende colaboradora na construção da cidadania, esses referenciais atribuem à escola a
tarefa de ensinar ao aluno os usos da língua adequados a diferentes situações
comunicativas, capacitando-o para utilizar a linguagem em instâncias públicas e para fazer
uso da língua oral de forma cada vez mais competente. Para que isso aconteça, conforme o
PCN/Língua Portuguesa (1997: 50) é fundamental que a tarefa didática
“[...] se organize de tal maneira que os alunos transitem das
situações mais informais e coloquiais que dominam ao
entrar na escola a outras mais estruturadas e formais, para que
possam conhecer seus modos de funcionamento e aprender a
utilizá-las”.
Nas palavras de Schneuwly (2004: 138), “saber falar, não importa em que língua,
é dominar os gêneros que nela emergiram historicamente, dos mais simples aos mais
complexos” e a forma escolar de sistematização dos gêneros mais complexos parece ser
fundamental para a construção desse saber.
Se a escola encontra dificuldades em impulsionar o trabalho com a oralidade, por
sua vez, os materiais didáticos disponíveis no mercado editorial brasileiro pouco
contribuem para uma transformação desta abordagem. A síntese avaliativa sobre o
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
45
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) / 2004
31
indica que, no conjunto das obras
destinadas à alfabetização, cerca de 10% exploram relações entre a língua oral e a língua
escrita. Prevalece o enfoque da língua oral restrito às interações de sala de aula. No
conjunto das obras de Língua Portuguesa destinadas às quatro primeiras séries do Ensino
Fundamental, a linguagem oral garante sua presença por meio das propostas de discussão,
debate e exposição em sala de aula. Entretanto, o enfoque destinado a estas práticas ainda
não contribui para o desenvolvimento da produção e compreensão de textos falados nos
diversos contextos sociais de uso
32
.
Reconhecemos, em conformidade com Barbosa (2000) e outros (Rojo, 2000;
Schneuwly, 2004; Dolz, Schneuwly & Haller, 2004), que a abordagem da linguagem oral
por meio de gêneros orais, até onde os estudos atuais fundamentam, seria a forma mais
eficiente de ultrapassar as formas de produção oral cotidianas e atingir outras formas mais
institucionais, reguladas por restrições exteriores e predefinidas. A noção de gênero, como
definida por Bakhtin e adotada pelos PCNs, considera a situação de produção, o conteúdo
temático, a forma composicional e o estilo verbal, aspectos que possibilitam a vinculação
do gênero e seu contexto sócio-histórico-cultural de circulação.
Diante deste rápido panorama de caminhos e descaminhos da linguagem oral
presentes na educação, concordamos com Barbosa (2000) ao afirmar que a inclusão do
trabalho com a oralidade como objeto de ensino-aprendizagem nos programas
curriculares representa um avanço no trabalho com o ensino da Língua Portuguesa.
Continuamos a compartilhar as idéias da autora de que, entretanto, a elaboração e
divulgação do documento não implica, e nem seria possível e recomendável, transposição
direta para a sala de aula, envolvendo diversos fatores como adaptação ao contexto
escolar, questões de formação de professores etc.
1.6. Letramento digital: uma exigência do mundo contemporâneo.
Outras situações em que o letramento situado digital pode ser observado e,
conseqüentemente, em que os diferentes gêneros do discurso estão envolvidos nessa
31
O PNLD/2004 avaliou e distribuiu coleções destinadas à Alfabetização e ensino de Língua Portuguesa da
1ª à 4ª séries do Ensino Fundamental, que estão, atualmente, em sala de aula.
32
Ver Mendes (2005), a respeito.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
46
especificidade de letramentos podem ser encontrados em Rojo, Collins & Barbosa
(2005). Neste artigo e, ainda, em Thadei (2005) e Pedrosa (2005), podemos verificar
exemplos específicos de gêneros que circulam na esfera digital e as práticas e eventos de
letramento dos quais esses fazem parte. Nesses trabalhos, observamos ainda as
transformações sofridas por estes gêneros ao circularem em esfera digital.
Assim como o Grupo de Pesquisas sobre o Letramento, conforme nos apresenta
Taylor (2000), entendemos o letramento digital como um dos letramentos emergentes na
contemporaneidade que, devido a suas especificidades e caráter ambíguo de inclusão e
exclusão, merece ser discutido neste capítulo.
Transcender os limites da escola, pluralidade de práticas letradas, diferentes
contextos sociais, conceito abrangente de leitura etc. são expressões comumente usadas
no meio educacional que nos remetem às tecnologias da informação e da comunicação.
Dentre essas tecnologias, destacamos a informática, devido ao impacto que a ferramenta
computacional vem apresentando em diversos aspectos da vida do cidadão (no meio
doméstico, no trabalho, na educação, enfim, no exercício da cidadania votar, opinar,
declarar imposto de renda, distribuir currículos, preencher cadastros etc.) e,
conseqüentemente, na construção de novos tipos de letramentos.
Reconhecemos que abordar o letramento digital em um país que ainda apresenta
altos índices de analfabetismo e baixa escolaridade como principais desafios educacionais
pode parecer contraditório, principalmente se considerarmos as barreiras econômicas e
tecnológicas que dificultam o acesso do cidadão brasileiro à ferramenta computacional.
Entretanto, desconsiderar o uso do computador e, principalmente, da internet na
transposição de barreiras escolares e ampliação do conhecimento de mundo e de outras
formas de sua organização pode significar ignorar o mundo que acontece a nossa volta.
A informática vem se integrando cada dia mais aos ambientes sociais desde a
individualização da ferramenta computacional, ocorrida a partir do desenvolvimento dos
microcomputadores, computadores pessoais e do advento da internet e da comunicação
digital. No entanto, vale questionar: para quem esse aparato tecnológico está disponível?
Segundo Carneiro (2002), um relatório preparado pelo Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD) informa que, embora o número de usuários da internet tenha
aumentado de 150 para 700 milhões em um ano, cerca de 91% desses usuários
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
47
representam apenas 19% da população mundial, concentrados em 29 países que fazem
parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDC). A
autora avalia que, melhor instrumentalizados, alguns grupos podem usufruir de maior
poder de ação e responsabilidade pelo percurso dos avanços tecnológicos e sociais da
humanidade. Seria, portanto, uma ferramenta de exclusão de populações.
Nesse sentido, entendemos que a proposta dos PCNs (1997) de garantir aos
alunos os saberes lingüísticos necessários ao exercício da cidadania inclui o
desenvolvimento de práticas que favoreçam a construção do letramento digital, de
maneira a favorecer a inclusão. Entretanto, não perdemos de vista que, se por um lado o
conhecimento tecnológico pode promover inclusão social, ao possibilitar, por exemplo,
que se atinja ambientes pouco prováveis de se atingir presencialmente, por outro lado,
pode reforçar a exclusão daqueles que têm os fatores econômico, tecnológico e até
mesmo geográfico como barreiras para o acesso a esse tipo de ferramenta. Sob o risco de
nos tornarmos repetitivos, apontamos a escola como a instituição propícia para promover
o contato do aluno com as novas tecnologias da informação e da comunicação, no intuito
de desencadear os letramentos digitais.
Porém, acreditamos que a viabilidade do letramento digital é bem mais complexa
que a mera transposição das barreiras tecnológicas e econômicas. Consideramos que,
para não desenvolvermos apenas o que chamaremos aqui de alfabetização digital
entendida como o domínio da técnica de uso dos meios digitais é preciso ter em mente
a educação como meio de emancipação, o que, no nosso entender, requer um
posicionamento crítico diante dos conteúdos das mensagens veiculadas nas redes de
comunicação, bem como dos modos de perceber o mundo e das novas capacidades que
vão se desenvolvendo no contato com novas mídias.
O letramento digital inclui, mas não se esgota com a (na) alfabetização digital.
Não se trata de utilizar novos instrumentos (tecnológicos) para velhas práticas de sala de
aula, mas de promover interações não lineares entre diversas áreas do conhecimento,
competências, informações e novos saberes. Nessas interações, a utilização do recurso
tecnológico constitui um meio (rico e proveitosos para a melhoria e expansão do ensino),
mas não uma finalidade educacional. As tecnologias da informação e da comunicação
(TIC), especialmente a navegação na internet, quando trabalhadas sob uma perspectiva
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
48
de letramento, ultrapassam a dimensão tecnológica, atingindo uma dimensão cultural que
tanto acrescenta novas formas de aprendizagem quanto exige mudança de percepção e/ou
de re-significação dos conceitos de ensino e aprendizagem.
Conforme abordam Rojo & Moita-Lopes (2004), os usos da linguagem em
práticas sociais contemporâneas exigem, cada vez mais, conhecimentos referentes aos
múltiplos meios semióticos. Segundo eles, esta exigência torna o letramento tradicional
(da letra), insuficiente aos usos da linguagem, constantemente modificados pelos avanços
tecnológicos. Recursos como imagens, imagens em movimento, sons, cores, design
requerem o desenvolvimento de um letramento multissemiótico, que conta da
multimodalidade de textos e hipertextos que circulam socialmente.
Há ainda uma barreira abstrata, e nem por isso menos real, à construção do
letramento digital, que é a resistência e o preconceito do professor frente aos recursos
tecnológicos. Para Carneiro (2002), essa resistência e preconceito devem-se, em grande
parte, à frustração gerada pela falta de familiaridade com a ferramenta computacional e às
representações sociais sobre essa ferramenta, construídas sob forte influência da mídia.
Em pesquisa sobre como a mídia interfere na construção dessas representações, a
autora analisou como as revistas brasileiras sobre assuntos variados e as especializadas
em educação abordam o tema informática e como as revistas de informática abordam o
tema educação. Pela análise das capas, a autora conclui que, nas revistas de assuntos
gerais (Veja, Época), o tema informática é abordado como pouco natural. As crianças
aparecem sozinhas, sem expressividade, muito compenetradas, vestidas como adulto,
dando impressão de alienação e reforçando a idéia de que as pessoas que usam
computador são gênios. Os títulos das capas contribuem para essa representação: “Mestre
dos Pais” (Época 19 de outubro de 1998, apud Carneiro, 2002); “Um gênio em casa
A revolução das crianças na era da informação desconcerta pais e professores” (Veja, 16
de dezembro de 1998, apud Carneiro, 2002); “O micro invade a sala” (Nova Escola
março de 1998, apud Carneiro, 2002). Nessas revistas, a figura central é sempre do sexo
masculino (adulto ou criança), branca e muito bem vestida. A maioria masculina também
acontece nas revistas especializadas (Nova Escola, Globo Ciência), embora na primeira, a
criança pareça mais descontraída. Nas revistas especializadas em informática (Home PC
março de 1995-agosto de 1996 –, apud Carneiro, 2002), aparecem crianças (várias) de
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
49
ambos os sexos. Suas vestimentas são compatíveis com a idade e elas parecem brincar
com as peças do computador. Esse aparece associado a outras fontes de conhecimento e
expressão de prazer nos rostos das crianças. Entretanto, a mulher adulta de uma das
capas aparece num plano de fundo do ambiente retratado, com uma função diversa da
exibida em primeiro plano – o pai com o filho no colo operando um computador.
Carneiro (2002) analisa ainda depoimentos de professores e conclui que há uma
atribuição de poder excessiva à máquina, como se ela fosse autônoma e detentora do
conhecimento, independente da programação humana. Ramal (2000), por sua vez,
menciona as modificações nas relações de poder (dentro da sala de aula) decorrentes do
uso dos instrumentos tecnológicos. Segundo ela, pela primeira vez na escola, a
“tecnologia da dominação” é mais conhecida pelo “dominado”. Aquele a ser educado,
muitas vezes, é o que melhor domina (ainda que de forma acrítica) os instrumentos
simbólicos de poder a tecnologia –, o que, no nosso entender, pode representar uma
ameaça ao lugar de poder tradicionalmente ocupado pelo professor.
Nesse sentido, entendemos que um dos grandes desafios da escola é encontrar o
equilíbrio entre a recusa ostensiva à tecnologia e a aceitação acrítica de um tecnicismo
redutor, favorecido por práticas meramente instrumentais. Outro desafio é a necessidade
de re-significar diversos conceitos relacionados a alfabetização e letramento (ensino,
aprendizagem, texto, leitura etc.), no sentido de fortalecer a identidade do professor como
agente de letramento e de construir uma pedagogia intercultural que ajude a romper com
o monologismo de práticas tradicionais.
Em meio à resistência do professor e a outros tipos de dificuldades em promover
o letramento digital no Brasil, surgem programas e propostas educacionais que parecem
contribuir para a mudança gradativa desse quadro. Programas de formação promovidos
por órgãos governamentais com ou sem parceria com empresas do ramo da informática
vêm propiciando o contato do professor com as tecnologias da informação e da
comunicação, especialmente a informática, no sentido de ampliar seus horizontes
comunicativos, bem como modelizar o trabalho que pode ser desenvolvido na escola.
Esses projetos e programas parecem voltar o olhar para a construção do letramento digital
do professor. Um recurso em expansão no Brasil que vem contribuindo bastante para isso
é a Educação a Distância.
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
50
A Educação a Distância (doravante, EaD) vem conquistando espaço nos campos
de estudo e pesquisa relacionados à área educacional. Hoje em dia, encontramos na
literatura especializada diferentes discursos sobre a EaD, que vão desde a sua aceitação
com fortes críticas e/ou ressalvas (Barreto, 2003), até a argumentação favorável e o
desenvolvimento de pesquisas e produção acadêmica sobre essa forma de educação
(Buzato, 2003; Collins & Ferreira, 2004; Freire, 2005).
Referendada pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/96), o Brasil reconhece a
EaD como um importante recurso de formação e capacitação de professores em serviço.
Consideramos que, em um país como o nosso, com dimensões continentais e, muitas
vezes, desigualdades sócio-culturais refletidas na sua divisão econômico-geográfica, a
EaD tem se revelado uma alternativa bastante prática e eficiente na socialização de novas
descobertas e formação de profissionais, especialmente da área educacional. Entretanto,
temos consciência de que essa forma de educação não caracteriza a solução para os
problemas educacionais brasileiros relativos à igualdade de condições de acesso ao saber
institucionalizado. Muito pelo contrário, não perdemos de vista o seu caráter ambíguo de
globalizadora e excludente, na medida em que rompe a barreira da distância, mas traz
consigo a barreira tecnológica, fortemente ligada ao aspecto econômico.
Em resumo, diante das questões discutidas, consideramos que a construção e/ou
ampliação do letramento no Brasil exige a retomada de questões ainda não superadas,
como a alfabetização da totalidade da população e a ampliação da alfabetização plena ou
dos letramentos.
O fato de o analfabetismo ainda ser expressivo em nosso país parece ser o maior
responsável pela proximidade que se estabelece entre os conceitos de alfabetização e
letramento. Entendemos que o processo de aquisição e apropriação do sistema de escrita
compreendido pela alfabetização constitui um dos aspectos dos letramentos, mas, de
forma alguma, esses termos podem ser equiparados em termos conceituais e
metodológicos. Nesse sentido, julgamos prudente o reconhecimento da especificidade da
alfabetização e de seu desenvolvimento em contextos de letramentos.
Consideramos necessária uma re-significação do conceito de leitura, no sentido de
reconhecer as reais leituras dos brasileiros como objetos valorizados, já que pertinentes às
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
51
práticas sociais dos sujeitos. Acreditamos que a avaliação do grau, nível ou tipo de
letramentos de um povo ou uma cultura se dê não só pelos objetos de leitura, mas
também pelos fatores que determinam a escolha desses objetos, pelas condições de
acesso aos bens culturais, pelo tipo de relação estabelecida com a língua escrita e,
principalmente, pelas capacidades leitoras desenvolvidas ao longo do processo de
letramento escolar ou não. Vale lembrar que a escola, embora ocupe um lugar importante
na construção dos letramentos em nossa cultura, não é o único contexto onde essa
construção acontece. É preciso considerar outros contextos de letramentos (igreja,
associações comunitárias, sindicatos, comunidades virtuais etc.) que incorporam
variáveis históricas e/ou culturais e revelam as marcas de pertencimento de cada grupo.
Os letramentos que se desenvolvem em diferentes contextos – letramento situado
podem constituir importantes pontos de partida na ampliação para outros contextos,
conforme mencionamos na metáfora da química e do chá de erva-doce.
Re-significar o conceito de leitura e reconhecer os objetos reais de leitura implica
incluir novos gêneros, suportes e mídias, também digitais, em conceitos nem tão recentes.
Implica reconhecer que a multimodalidade dos textos digitais e sua estruturação
hipertextual é mais que a justaposição de linguagens diversificadas. É a reunião de
linguagem, vozes e olhares que rompem com o monologismo, a linearidade e a forma
canônica do texto impresso, estabelecendo novas relações entre linguagens, texto, autor,
gênero e suporte.
Até o momento, abordamos o letramento digital de forma incluída no termo
letramentos. Entretanto, vale questionar até quando poderemos nos referir ao letramento
digital como um tipo específico de letramento? Acreditamos que haverá um momento em
que ser letrado incluirá as capacidades de uso social dos gêneros digitais e de uso da
ferramenta computacional como forma de comunicação e de acesso à informação e,
certamente, isso será fator de exclusão. Cada dia mais a escrita chega às crianças por
meio de dispositivos eletrônicos, principalmente no meio familiar
33
. Buzato (2003) supõe
33
Não podemos deixar de mencionar o questionamento de Ramal (2000). Segundo a autora, os estudos de
Piaget, Vygotsky e Ferreiro possibilitaram a re-significação do papel (mais ativo e construtivo) do aluno
no seu processo de aprendizagem, especialmente na alfabetização. Entretanto, ela questiona se ainda
podemos considerar os mesmos estágios de construção da escrita com crianças que m acesso ao
computador antes de se alfabetizarem. Partindo do princípio de que cada método pedagógico revela uma
concepção de ser humano, a autora pondera a necessidade de novas pesquisas que verifiquem quem é o
CAPÍTULO 1 - Letramento(s): a construção do conceito e o desafio para a escola brasileira.
52
que o mesmo aconteça com adultos iletrados ao usarem uma urna eletrônica ou cartões
magnéticos e caixas automáticos, práticas incorporadas aos programas sociais do governo
etc.
A língua, bem como suas formas de uso, de comunicação e de informação não são
estáticas. As capacidades de uso da língua suficientes para os dias de hoje, provavelmente
não serão suficientes para um futuro próximo. Ignorar as tecnologias da informação e da
comunicação e suas rápidas expansão e modificação não significa que não sejamos
afetados por elas. Como educadores, nosso desafio de acompanhar o desenvolvimento
dessas tecnologias requer o cuidado de adotarmos uma postura flexível no uso dessas
tecnologias na prática educacional. Entendemos que acompanhar o desenvolvimento
tecnológico não significa acumular novas atividades, nem tampouco substituir as práticas
pedagógicas correntes por práticas eletrônicas, mas re-significar as formas de ler,
escrever, pensar e aprender. Os conhecimentos envolvidos no uso da ferramenta
computacional e das redes de comunicação não podem ser tomados como meros produtos
da tecnologia, mas como formas de produzir e organizar linguagens e conhecimentos que
transcendem a linearidade e o monologismo da maioria das práticas escolares.
No próximo capítulo, que discute transdisciplinaridade, temas transversais e
projetos de ensino transversais e transdisciplinares, articularemos uma argumentação de
que essa abordagem pode ser uma forma interessante de dar conta das mudanças
didáticas necessárias aos novos tipos e níveis de letramentos socialmente requeridos.
sujeito da educação hoje, levando em conta que ele interage com uma máquina, dispositivo mediador a
partir do qual (re)conhece o mundo.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
53
CAPÍTULO 2
LETRAMENTO NO CONTEXTO ESCOLAR E CURRÍCULO: CONSIDERAÇÕES
SOBRE DOCUMENTOS, TEORIAS E PRÁTICAS.
2.1. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs): uma breve contextualização sócio-
histórica
A título de compreendermos as propostas educacionais sugeridas pelos PCNs,
julgamos conveniente mencionar, mesmo que superficialmente, o contexto político-
econômico em que se dá o surgimento destas propostas.
Conforme analisa Figueiredo (2005), a partir da década de 30 surge uma
preocupação em minimizar os efeitos de desnível social causados pelas políticas
capitalistas liberais, instaladas no início do século XX, e em garantir aos cidadãos direitos
como saúde, educação e pleno emprego. Para isso, era necessário que o Estado
interviesse na economia. No entanto, na década de 70, como efeito desta intervenção,
verifica-se o baixo crescimento econômico do país, seguido de endividamento público e
inflação, o que deu abertura para a instalação do neoliberalismo.
Como conseqüência educacional desta política econômica que apregoa a livre-
concorrência, o individualismo, a competitividade, as propostas educacionais voltam-se
para a formação de indivíduos que atendam a uma demanda mercadológica. A função
social da escola, nesse contexto, era preparar o aluno para a empregabilidade, a qual era
atingida por esforços pessoais, isentando as condições externas e o contextocio-
histórico de quaisquer responsabilidades sobre o sucesso ou fracasso do indivíduo na
conquista e manutenção de um emprego. Neste sentido, a escola se distancia de uma
formação mais humanista, em prol de uma formação que desenvolva valores úteis ao
trabalho: liderança, planejamento, disciplina.
Na década de 90, fica evidente que o neoliberalismo acentuou os problemas
sociais existentes (Suassuna, 1998; Figueiredo, 2005). Surge, então, o Terceiro Setor
como uma proposta de aliar a crença na economia de mercado ao discurso da cidadania,
entendida não como repúdio às injustiças sociais, mas como ação filantrópica (ONGs,
iniciativa privada) que substitui o Estado nas carências às quais ele não atende. Neste
contexto, o neoliberalismo começa a falar de cidadania, porém, re-significando-a à sua
maneira.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
54
Com o advento das Tecnologias de Informação e Comunicação, que favorecem a
comunicação a distância, a globalização ganha novas dimensões e, como conseqüência,
instaura-se uma dependência econômica entre os países, a ponto de uma crise econômica
em uma nação refletir-se em diferentes continentes
34
. Conforme menciona Figueiredo
(2005), como em qualquer sociedade de mercado, estabelece-se uma relação de
dominação entre os países. No entanto, a pesquisadora observa que a dominação a que se
refere difere daquela existente no período colonial (exploração máxima), pois interessa
aos países dominantes que exista certo equilíbrio social nos mercados dominados, a fim
de que se aumente o número de consumidores e se crie mão de obra barata, relativamente
qualificada. O limite desse desenvolvimento, porém, de acordo com as idéias neoliberais,
encerra-se no ponto em que os países dominados possam criar autonomia financeira e
intelectual. Estas idéias, de acordo com os estudos de Figueiredo (2005), justificam o fato
de os órgãos internacionais preferirem uma educação técnica, profissionalizante a uma
educação emancipadora e favorecedora de autonomia intelectual.
Segundo ela, estes órgãos internacionais (Banco Interamericano de
Desenvolvimento BID; Organização Mundial de Comércio OMC; Fundo Monetário
Internacional FMI; Banco Mundial BM) ganham importância gradativa na regulação
dos interesses econômicos mundiais, ao financiarem programas de desenvolvimento
social, sobretudo os relativos a educação, com o objetivo de auxiliarem o
desenvolvimento econômico dos países menos desenvolvidos e prepará-los para as
exigências do mundo atual
35
.
Acreditando que a educação pode afetar a economia do país, os documentos
produzidos pelos programas de desenvolvimento social visam garantir uma educação
adaptada ao mercado globalizado, por meio da ampliação da educação e da proposição de
reformas educativas. Entretanto, no final da década de 90, os ideários neoliberais,
34
O mundo ‘globalizado’, na verdade, é um mundo dividido em grandes blocos econômicos, e o sucesso
do capitalismo depende da padronização dos costumes e mecanismos de consumo” (Suassuna, 1998: 176).
Isso, de certa forma, explica a semelhança dos processos políticos vividos pelos países da América Latina.
Nessa conjuntura, insere-se a discussão sobre qualidade de ensino e justifica-se a submissão de países
como Brasil, Argentina e Chile a um sistema internacional de avaliação da qualidade de ensino, que dará
início a um processo de padronização do ensino-aprendizagem.
35
O Banco Mundial foi um dos financiadores da Conferência Mundial de Educação para Todos 1990
Jomtien – Tailândia. Convocação da Unesco, Unicef, PNUD e Banco Mundial.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
55
influenciados pelo Terceiro Setor, deparam-se com a crescente resistência de alguns
educadores e seus esforços em direcionar as políticas educacionais para uma formação
mais humanista e mais voltada para a cidadania. De acordo com Figueiredo (2005), é
neste momento de tensão entre estas duas tendências que surgem os PCNs. Suassuna
(1998) explicita os fenômenos variados no campo da educação que caracterizam a
conjuntura nacional na qual os PCNs são propostos: interesses do empresariado pela
qualificação técnica do trabalhador, aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), reforma do ensino médio e profissionalizante, repasse de verbas às
escolas, investimentos em equipamentos de educação a distância, avaliação de cursos
superiores (provão) etc.
O Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003), que expressa os
compromissos de satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem para todos, de
universalizar a educação fundamental e de ampliar as oportunidades de aprendizagem
para crianças, jovens e adultos, assumido internacionalmente na conferência Mundial de
Educação para Todos, em consonância com a Constituição Federal de 1988, afirma a
necessidade da elaboração de parâmetros curriculares capazes de orientar o
desenvolvimento de práticas de qualidade no ensino obrigatório das escolas brasileiras.
Neste contexto, em 1997, os PCNs são apresentados
36
ao professor como um “[...]
elemento catalisador de ações na busca de uma melhoria da qualidade da educação
brasileira [...] (Brasil/MEC, 1997: 13). Fruto da participação de professores,
especialistas, técnicos em educação e consultores educacionais, o documento foge à
tradição da proposição de objetivos e conteúdos curriculares pré-determinados (“grades”)
e investe em um aparato teórico-metodológico que evidencia sua preocupação com o
desenvolvimento de capacidades do aluno, processo no qual os conteúdos curriculares
atuam como meios para esse desenvolvimento e não como fins específicos. Neste sentido,
os PCNs (Brasil/MEC, 1997) ressaltam a necessidade da elaboração de currículos
condizentes com as diversidades étnica, cultural, regional e política do país, para que se
possa garantir a igualdade de acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente
relevantes. Por isso, são propostos como parâmetros.
36
Segundo Suassuna (1998), a proposição (“imposição”) dos PCNs se deu de forma unilateral por não
viabilizar o debate e a delimitação do espaço de elaboração da contrapalavra, não sendo, dessa forma,
representativo de um amplo diálogo nacional.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
56
2.2. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e Letramento.
Como preocupação central nas discussões sobre a melhoria na qualidade de
ensino figura o ensino de Língua Portuguesa. Conforme indicam os PCNs referentes a
esta disciplina escolar do e ciclos (1ª a série)
37
(1997), a questão da leitura e da
escrita, mais especificamente, ensinar a ler e escrever, vem configurando o eixo da
discussão sobre fracasso escolar, embora esse documento enfatize, também, a grande
necessidade de se superar a dificuldade da escola em garantir o uso eficaz da linguagem.
Consideramos desnecessário mencionar a importância da alfabetização para a
garantia de uma educação de qualidade. Neste tópico, interessa-nos identificar o lugar
ocupado pelo letramento nas preocupações evidenciadas pelos PCNs. Para isso,
recorremos a uma breve análise da freqüência e dos contextos em que este termo se
apresenta no referido documento. Em análise da freqüência
38
do termo letramento nos
dez volumes dos PCNs de e ciclos do Ensino Fundamental, identificamos apenas
cinco (5) ocorrências, enquanto do termo alfabetização foram localizados quarenta e dois
(42) empregos, distribuídos conforme o quadro 2:
Documento / volume Alfabetização Letramento
Introdução, Vol. 1 04 -
Língua Portuguesa, Vol. 2 33 05*
Matemática, Vol. 3 - -
Ciências Naturais, Vol. 4 01 -
História, Vol. 5.1 02 -
Geografia ,Vol. 5.2 01 -
Arte, Vol. 6 - -
Educação Física ,Vol. 7 01 -
Temas Transversais e Ética, Vol. 8 - -
Meio Ambiente e Saúde, Vol. 9 - -
Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, Vol. 10 - -
Quadro 2
Freqüência do termo letramento nos PCNs de e 2º ciclos do Ensino Fundamental.
*
Dos cinco empregos do termo letramento, um (1) refere-se à bibliografia.
37
Língua Portuguesa. Volume 2.
38
Utilizamos a ferramenta computacional Word Smith Tools para análise de freqüência das palavras
alfabetização e letramento na versão on-line dos PCNs de e 2º ciclos do Ensino Fundamental.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
57
A tulo de analisarmos os contextos de ocorrência do termo letramento,
reproduzimos os trechos nos quais esse termo aparece.
“Essa responsabilidade [referindo-se a garantir a todos os alunos o
acesso aos saberes lingüísticos necessários para o exercício da
cidadania] é tanto maior quanto menor for o grau de letramento
5
das comunidades em que vivem os alunos. Considerando os
diferentes níveis de conhecimento prévio, cabe à escola promover
a sua ampliação de forma que, progressivamente, durante os oito
anos do ensino fundamental, cada aluno se torne capaz de
interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a
palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais
variadas situações” (PCNs, 1997: 23, ênfase adicionada).
Referente a este trecho, a nota de rodapé menciona:
“5. Letramento, aqui, é entendido como produto da participação
em práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico e
tecnologia. São práticas discursivas que precisam da escrita para
torná-las significativas, ainda que às vezes não envolvam as
atividades específicas de ler ou escrever. Dessa concepção decorre
o entendimento de que, nas sociedades urbanas modernas, não
existe grau zero de letramento, pois nelas é impossível não
participar, de alguma forma, de algumas dessas práticas” (PCNs,
1997: 23, ênfase adicionada).
Nos trechos acima, podemos verificar uma associação entre letramento e os textos
que circulam socialmente e, ainda, o destaque da responsabilidade da escola em
promover o contato com esses textos e em tomá-los como objeto de ensino ao longo dos
anos escolares. No entanto, vale observar que estes trechos mencionam graus e níveis de
letramento. No nosso entender, estes termos nos remetem a uma idéia quantitativa e
valorativa. Não verificamos referência a diferentes tipos de letramento ou a letramentos
no plural, embora essa idéia pareça estar implícita na menção às práticas letradas da
sociedade urbana moderna. Entretanto, acreditamos que a identificação dessa idéia
implícita, requer um leitor familiarizado com as teorias de letramento, podendo passar
despercebida pelo leitor que tem os PCNs como fonte maior de formação e atualização de
conhecimentos. Da maneira implícita, como a idéia de letramentos múltiplos aparece no
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
58
texto, pode-se inferir que o documento pressupõe um leitor conhecedor da existência e da
função de diferentes práticas situadas de letramento na constituição dos letramentos
39
.
Ressaltamos nessa análise a ausência do termo no plural letramentos, o que
entendemos como um aspecto que reforça a não aparição do termo numa perspectiva de
valorização de letramentos múltiplos.
O termo letramento também é verificado em uma nota de rodapé (PCNs, 1997:
34), segundo a qual “conhecimento letrado é aquele construído nas práticas sociais de
letramento, tal como especificado na nota 5”.
No tópico Língua escrita: usos e formas, o termo letramento aparece relacionado
à construção do conhecimento sobre gêneros orais e escritos, conforme observamos:
“Apesar de apresentadas como dois sub-blocos, é necessário que se
compreenda que leitura e escrita são práticas complementares,
fortemente relacionadas, que se modificam mutuamente no
processo de letramento a escrita transforma a fala (a
constituição da “fala letrada”) e a fala influencia a escrita (o
aparecimento de “traços da oralidade” nos textos escritos). São
práticas que permitem ao aluno construir seu conhecimento sobre
os diferentes gêneros, sobre os procedimentos mais adequados para
lê-los e escrevê-los e sobre as circunstâncias de uso da escrita”
(PCNs, 1997: 52, ênfase adicionada).
No nosso entender, este trecho evidencia uma preocupação do PCN Língua
Portuguesa em salientar para o professor a relação existente entre leitura e escrita e entre
oralidade e escrita e, sobretudo, em abordar o letramento como um processo que se
constitui na interação entre diferentes práticas letradas, que utilizam diferentes gêneros,
de diferentes contextos de circulação. Enfatiza, ainda, a tomada destes gêneros como
objetos de ensino no que tange às especificidades de gêneros orais e gêneros escritos,
bem como ao desenvolvimento de capacidades necessárias à leitura / compreensão e
produção de cada um deles.
Ao tratar dos procedimentos adequados à leitura e à escrita de textos em
diferentes gêneros orais e escritos, é provável que o leitor que domina as teorias de
letramento e as teorias de gênero às quais recorrem esse documento, entenda que os
39
Em pesquisa exploratória, Silva (2001) detecta problemas textuais dos PCN Língua Portuguesa (1º e 2º
ciclos), como documento de divulgação e de formação do professor, evidenciados pela ausência de
familiaridade do leitor/professor com diversos conceitos presentes no texto, dentre eles o de letramento e,
ainda, a simplificação destes conceitos, tornando-os incompreensíveis.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
59
“procedimentos adequados” à leitura e escrita referem-se ao conhecimento de que cada
gênero do discurso é constituído por conteúdo temático, estilo (recursos léxicos,
fraseológicos e gramaticais) e forma composicional próprios (Bakhtin, 1952-53/1979). É
provável, também, que este tipo de leitor entenda que tais procedimentos relacionam-se
às diversas estratégias de leitura mobilizadas no ato de ler. Entretanto, embora estes
aspectos sejam mencionados em outros pontos do documento, vale ressaltar a
necessidade de reafirmar sua relação com a construção dos letramentos. Mais uma vez,
acreditamos que a identificação destes aspectos pode não ser atingida por um leitor que
tenha este documento como referência teórico-metodológica básica.
A quinta ocorrência do termo letramento está localizada na bibliografia
40
e é a
única referência que apresenta esse termo no título, apesar de haver outras que abordem
leitura.
Embora consideremos que a diferença quantitativa de emprego dos termos
alfabetização e letramento não seja desprezível, a análise qualitativa dos trechos
apresentados pode desfazer uma possível impressão de que esse documento privilegie o
trabalho com a alfabetização em detrimento das propostas de desenvolvimento e
ampliação dos letramentos.
No mesmo sentido, a proposta de abordagem dos conteúdos, bem como dos eixos
em torno dos quais esses conteúdos se organizam (língua oral e escrita e análise e
reflexão sobre a língua) revelam uma preocupação com a construção e/ou ampliação dos
letramentos, uma vez que enfatizam a importância de abordar estes conteúdos como
meios de atuação em práticas sociais de uso da escrita e não como objetos de
conhecimentos restritos ao espaço escolar.
O PCN Língua Portuguesa menciona, ainda, a possibilidade de uma abordagem
transversal desta disciplina, pelo fato de a língua ser um veículo de representações,
concepções e valores socioculturais e pelo seu caráter de intervenção social. Neste
sentido, recomenda a inclusão dos temas transversais
41
(Ética, Pluralidade Cultural, Meio
Ambiente, Saúde e Orientação Sexual) por tratarem de questões do espaço público, que
40
“KLEIMAN, A. B. (org.) Os significados do letramento. Campinas: Mercado de Letras, 1995.” (PCNs,
1997: 138).
41
Temas de relevância social e abrangência nacional, recomendados pelos PCNs.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
60
requerem uma participação responsável dos cidadãos na sua gestão e/ou transformação.
Para que esta participação responsável ocorra, este documento considera fundamentais o
trabalho com situações de reflexão sobre a língua como veículo de valores e o ensino aos
alunos do uso das diferentes formas de linguagem verbal (oral e escrita), o que implica na
proposição da transversalidade entre os referidos temas e a disciplina Língua Portuguesa.
No entanto, se, por um lado, o tratamento didático dos conteúdos referentes à
disciplina Língua Portuguesa compensa, nos PCNs, a pouca menção ao termo letramento,
por outro, a concentração deste termo no volume relativo a esta disciplina nos leva a
questionar a efetividade da afirmação de que todas as disciplinas escolares têm a
responsabilidade de ensinar a utilizar os textos dos quais fazem uso.
Considerando o conceito de letramento adotado pelos PCNs, conforme
explicitado no trecho referente à nota 5 da página 23 do volume de Língua Portuguesa, e
considerando que este documento atribui à escola, e não exclusivamente à disciplina
Língua Portuguesa, a responsabilidade de capacitar o aluno para o uso eficaz da
linguagem escrita em diferentes situações sociais (PCNs, 1997: 31), vale questionar o
motivo de o termo letramento restringir-se ao volume de Língua Portuguesa.
Entendemos que, em um documento que propõe a ruptura com a fragmentação e
com a linearidade curricular em favor de uma prática pedagógica interdisciplinar e
transversal, o letramento deve figurar entre os objetivos gerais das diferentes disciplinas e
áreas do conhecimento escolares, assim como diferentes práticas letradas devem ser
incorporadas à abordagem das disciplinas escolares diversas. Neste sentido, concordamos
com Kleiman & Morais (1999) ao afirmarem que, sendo a escola a principal responsável
pela introdução do aluno no uso da escrita na sociedade, torna-se contraditório deixar
essa responsabilidade a cargo exclusivo de uma disciplina.
2.3. A Transversalidade no contexto dos PCNs
Os temas transversais surgiram de questionamentos sobre a estrutura curricular
ocidental, que privilegia disciplinas, como Matemática, Biologia, Física, História e as
manifestações artísticas e literárias.
Moreno (1993/2001) justifica a valorização dessas disciplinas como uma herança
da cultura grega clássica que foi incorporada pelos romanos e disseminada como valor
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
61
hegemônico a todo o domínio romano. Na verdade, houve uma difusão dessa cultura
intelectualizada e elitista, desconsiderando os saberes da vida cotidiana, até então
reservados às mulheres e aos escravos.
O currículo tradicional não inclui saberes cotidianos considerados necessários à
maioria da população, o que fez surgir movimentos questionadores do currículo vigente
em diversos países, propondo temas como saúde, ética, meio ambiente, igualdade de
oportunidades, relação capital-trabalho e a educação dos sentimentos.
Um dos países que mais se aprofundou nas propostas dos Temas Transversais foi
a Espanha, sistematizando-as em sua reforma educacional de 1989, com o objetivo de
reduzir a distância entre o desenvolvimento tecnológico e o da cidadania.
A Lei Básica de Reforma Educativa Espanhola justificou o debate sobre os Temas
Transversais como uma necessidade surgida “num contexto novo de emergência de
valores pós-materialistas, na transição à ultra modernidade, diante da constatação da forte
deterioração que o humanismo sofreu após um século de vertiginoso desenvolvimento
material sem orientação moral” (Yus, 1998: 09). Essa posição foi adotada por alguns
países que incorporavam valores humanos em suas reformas educacionais.
No Brasil (Brasil/MEC, 1997), as questões sociais eram discutidas no meio
educacional. Algumas vezes, chegavam a constituir novas áreas. Entretanto, essa
abordagem não mais atendia às necessidades educacionais atuais. A escola optou por dar
um tratamento transversal às questões sociais e valores humanos. Esses valores
integraram os PCNs como temas transversais, que se constituem em “um conjunto de
temas que aparecem transversalizados nas áreas definidas, isto é, permeando a
concepção, os objetivos, os conteúdos e as orientações didáticas de cada área, no decorrer
de toda a escolaridade obrigatória” (PCNs, 1997: 64).
A necessidade de se abordarem temáticas sociais na escola gerou uma diversidade
de denominações para os temas como saúde, consumo, sexualidade etc., algumas vezes
denotando a condição de conteúdo educativo (temas, matérias etc.) e outras vezes seu
papel na estruturação do currículo (eixos, linhas). Esse procedimento recebeu a
denominação de “transversais” devido à sua posição em relação às áreas clássicas do
currículo, como língua, matemática, ciências etc. (Yus, 1998).
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
62
O conceito de transversalidade surge da tentativa de reduzir a distância entre os
conteúdos das áreas rigorosamente divididas. O domínio de determinada carga de
conteúdos por si não é suficiente para uma educação globalizada e transformadora da
realidade. Não se trata de agregar novos temas ou áreas de ensino ao currículo existente,
mas de abordar a dimensão social do ensino; de tornar o ensino disciplinar e acadêmico
mais humano, voltado para a formação de atitudes e valores, conforme as necessidades
oriundas de um mundo em constante desenvolvimento.
Ao nos referirmos ao termo transversal, sabemos que se trata de educar para a
vida em sociedade no que tange à saúde, à paz, à convivência, à igualdade de
oportunidades entre os sexos e raças, ao consumo e ao meio ambiente. No entanto, até se
chegar ao conceito atual, houve um processo de evolução que se deparou com entraves
metodológicos como colocar os temas transversais em prática? e também conceituais
– como são concebidos conceitualmente?
Segundo Gavídia (2002), a construção da dimensão metodológica da
transversalidade ocorreu em três etapas:
Ausência de conceito: o currículo espanhol abordava os temas que viriam a
ser os transversais sem, contudo, se referir ao termo transversal.
Necessidade de um tratamento contínuo: momento de amadurecimento das
propostas curriculares e desmembramento dos conteúdos em conceitos,
procedimentos e atitudes, que devem estar presentes no decorrer de toda a
disciplina.
Abordagem a partir dos projetos curriculares e educacionais: momento em que
a escola começou a desenvolver projetos curriculares e educacionais e, tendo
em mente os objetivos e conteúdos de todas as disciplinas e áreas, concluiu
que muitos objetivos podiam ser atingidos por meio do trabalho com temas
transversais.
Nesse contexto social, pode-se falar em transversalidade, pois a
manifestação de elementos comuns e complementares, transversais entre áreas.
“A questão já não é a consideração pontual e isolada de
problemas de saúde no tema 4, de questões ambientais na lição 7
ou de questões de sexualidade no estudo do aparelho reprodutor.”
“[...] A transversalidade consiste em uma colocação séria,
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
63
integradora, não-repetitiva, contextualizadora da problemática
que as pessoas, como indivíduos e como grupo, possuem no
momento” (Gavídia, 2002: 19-20).
A esse respeito, os PCNs Temas Transversais (1997), parecem estabelecer um
contraponto, ao afirmarem que
“As áreas convencionais devem acolher as questões dos Temas
Transversais de forma que seus conteúdos as explicitem e seus
objetivos sejam contemplados. Por exemplo, na área de Ciências
Naturais, ao ensinar sobre o corpo humano, incluem-se os
principais órgãos e funções do aparelho reprodutor masculino e
feminino, relacionando seu amadurecimento às mudanças no
corpo e no comportamento de meninos e meninas durante a
puberdade e respeitando as diferenças individuais.” (PCNs, 1997:
37).
Esse contraponto se desfaz quando o mesmo documento afirma que “o estudo do
corpo humano não se restringe à dimensão biológica, mas coloca esse conhecimento a
serviço da compreensão da diferença de gênero (conteúdo de Orientação Sexual) e do
respeito à diferença (conteúdo de Ética)” (PCNs,
1997: 37). E ainda argumenta que
existem afinidades entre algumas disciplinas e temas transversais, cuja desconsideração
implicaria no risco de se cair em um formalismo mecânico.
Gavídia (2002) concorda com esta posição, porque considera que as condições
para o tratamento adequado dos temas transversais estão na sua consideração a partir do
projeto curricular, da reflexão e da contribuição de todas as matérias para a formação e
educação dos alunos, uma vez que as disciplinas se inter-relacionam e têm como elo de
ligação os temas transversais. Para ele, a importância dos temas transversais está na sua
concepção e no seu tratamento em sala de aula e não na forma como se organizam no
currículo (linhas ou áreas).
Tanto o processo evolutivo metodológico quanto conceitual contribuem para a
conceituação do que hoje compreendemos por transversalidade. Há algumas divergências
quanto à organização dos temas no currículo (linhas, áreas, espaços de transversalidade),
mas reconhecemos um ponto comum entre os autores citados, que também é
compartilhado pelos PCNs.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
64
“A perspectiva transversal aponta uma transformação da prática
pedagógica, pois rompe a limitação da atuação dos professores às
atividades formais e amplia a sua responsabilidade com a sua
formação dos alunos. Os Temas Transversais permeiam
necessariamente toda prática educativa que abarca relações entre
os alunos, entre professores e alunos e entre diferentes membros
da comunidade escolar.” (PCNs, 1997: 38).
2.4. Transversalidade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade: diferenças
fundamentais
Tratar do conceito de interdisciplinaridade exige retomar a conotação pedagógica
de disciplina. No contexto escolar, o termo disciplina remete a duas idéias distintas, mas
não necessariamente opostas: a de ordem (controle) e a divisão do conhecimento em
áreas, o que pode se manifestar como uma forma de controle e mensuração do saber.
A disciplina como parcelamento do saber tem sua origem na busca de formas
viáveis de disponibilizar ao aluno a enorme gama de conhecimentos socialmente
acumulados. Essa compartimentalização do saber tem como efeito colateral a super-
especialização do professor e, conseqüentemente, do aluno. Impossibilita que ambos
sejam capazes de estabelecer conexão entre as diversas áreas do conhecimento e destas
com o mundo.
Nas últimas décadas, o termo interdisciplinaridade permeia o meio educacional
como uma proposta de integração das áreas do conhecimento. No entanto, hoje
verificamos que a interdisciplinaridade não é suficiente para a concretização do
conhecimento globalizado, embora seja um dos aspectos desta globalização.
Interdisciplinaridade e transversalidade questionam a fragmentação e alienação do
saber. Os PCNs (1997) ressaltam que ambos os conceitos apontam a necessidade de
transformar a visão que se tem do conhecimento como algo inerte, pronto e acabado, de
que o aluno se apropria. Diferem, entretanto, no sentido de que a interdisciplinaridade diz
respeito à relação entre as disciplinas e a não linearidade do conhecimento, enquanto a
transversalidade refere-se à dimensão da didática, pois propõe aprender na realidade, da
realidade, dando sentido social ao estudo das áreas convencionais, justificando o
aprendizado.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
65
Conceitualmente diferentes, interdisciplinaridade e transversalidade se
complementam, pois esta última não seria viável sem a articulação das diferentes áreas do
conhecimento uma vez que, conforme Kleiman & Moraes (2000), a principal função da
escola não é a de informar o aluno, mas a de propiciar condições para que possa
compreender as informações que circulam no mundo e controlar seu próprio processo de
formação. Neste sentido, a transversalidade, por meio da articulação das áreas do
conhecimento e destas com questões significativas de vida real, inclui o sujeito na
produção do seu conhecimento.
Os PCNs (1997) não mencionam o termo transdisciplinaridade. Entretanto, esse
termo vem sendo utilizado no meio educacional algumas décadas. Originário de uma
proposta de diálogo das diversas ciências com a arte, a literatura e poesia e a experiência
interior do ser humano, tem como pontos comuns com a interdisciplinaridade e a
transversalidade o rompimento com o saber compartimentado e a valorização de saberes
que transcendem as ciências, incluindo as dimensões filosóficas, ideológicas e políticas
que influenciam na compreensão do ser humano.
A transdisciplinaridade busca a colaboração de diversas abordagens teórico-
metodológicas para a articulação de um objeto comum, colocando diversas disciplinas
em relação para o enfoque de um objeto único. Desta forma, ao invés de confrontar,
reúne diversas teorias, percebendo nelas o que afeta o objeto em questão, considerando
os diferentes ângulos da realidade e os aproximando num movimento não de
integração, mas também de interação, em que a ação colaborativa prevalece sobre a ação
individual. Essa soma de esforços redefine o objeto de estudo, criando uma nova
perspectiva científica, um novo espaço de conhecimentos ou, como caracterizado por
Rojo (no prelo) um excedente de visão (numa acepção bakhtiniana do termo) em relação
ao objeto.
A transdisciplinaridade difere da interdisciplinaridade principalmente por
propor a ruptura da divisão do conhecimento em disciplinas. Enquanto a
interdisciplinaridade busca a articulação entre as disciplinas, mas mantém sua
organização no estudo disciplinar, a transdisciplinaridade recebe a colaboração de
diversas disciplinas e de conhecimentos que estão além e/ou entre as disciplinas na
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
66
abordagem de um objeto comum. Nesse sentido, podemos dizer que a
transdisciplinaridade constitui um passo além da interdisciplinaridade, por assumir uma
dimensão epistemológica e um caráter de postura e atitude investigativas.
De acordo com Gibbons et al. (1995) apud Hernández (1998), uma concepção
transdisciplinar do conhecimento apresenta algumas características:
1. Refere-se a um marco global de trabalho, que reúne esforços de diferentes
indivíduos e diferentes conhecimentos, que, a partir de um consenso teórico,
redefinem um novo objeto de estudo que não se reduz a fragmentos disciplinares;
2. A solução do problema abordado reúne conhecimentos empíricos e teóricos que,
originários de um contexto particular, não podem ser localizados em uma
disciplina;
3. A comunicação dos resultados vincula-se ao seu processo de produção e leva em
conta os participantes do mesmo, diferindo do modelo tradicional de pesquisa,
em que a audiência prioritária é a própria comunidade de pesquisa;
4. Tem um caráter dinâmico: o problema de pesquisa é móvel. Uma solução pode
servir como ponto de partida ou de referência de novas pesquisas, possibilitando
uma diversidade de desenvolvimentos futuros ou de aplicações.
Ao analisar estas características, Hernández (1998) reconhece que o ensino na
escola distancia-se bastante do modo como o conhecimento é tratado nas pesquisas, mas
acredita na possibilidade de se estabelecer um paralelismo entre o planejamento
transdisciplinar na pesquisa e no ensino, num currículo integrado, que objetiva a
integração de saberes tradicionalmente fora da escola, a partir de “temas-problema”
(Hernández, 1998: 52) abordados por práticas que possibilitam o desenvolvimento de
capacidades autônomas de pesquisa, interpretação e representação da informação.
Segundo ele, para se efetivar esse paralelismo, é necessário que a atitude
transdisciplinar, existente em outras áreas do conhecimento, assuma lugar no campo da
educação, partindo de questionamentos sobre o porquê de determinadas disciplinas e não
outras e de questionamentos sobre a função de determinadas disciplinas no currículo.
Entendemos que estes e outros questionamentos se traduzem na necessidade de
repensarmos o saber escolar e a função da escola, tal como se apresenta nos dias de hoje.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
67
Retomando o objeto desta pesquisa os letramentos –, podemos dizer que seu
percurso conceitual e, conseqüentemente, metodológico evidencia seu caráter
transdisciplinar, uma vez que se constitui como um novo objeto, redefinido a partir da
ampliação da gama de ciências (sociologia, antropologia, psicologias, pedagogia,
lingüística, lingüística aplicada, sociolingüística etc.), conhecimentos e contextos
envolvidos nas capacidades e práticas de leitura e escrita. Enquanto conhecimento
gerado transdisciplinarmente, o letramento não pode ser reduzido a uma única disciplina
dentre as disciplinas colaboradoras na sua formação.
2.5. Relações interdisciplinares e suas implicações na construção de um currículo
culturalmente sensível
Na prática pedagógica, as relações interdisciplinares que se estabelecem tanto no
paradigma da interdisciplinaridade quanto no paradigma da transdisciplinaridade
decorrem da superação de uma visão de currículo monocultural. Entendemos que superar
esta visão sobre o currículo implica entendê-lo na sua multi-referencialidade e
transversalidade, considerando a diversidade cultural que constitui o contexto escolar
(multiculturalismo). Implica, além disso, abrir espaço para as inter-relações que se
estabelecem entre estas culturas diversas, tomando esta diversidade como um aspecto
positivo e enriquecedor para o currículo (interculturalismo).
Nas últimas décadas, as pesquisas e discussões sobre currículo multicultural e
intercultural vêm conquistando espaço no cenário educacional nacional e internacional
sob diferentes perspectivas. Sob uma perspectiva metodológica, destacam-se os trabalhos
de Hernández (1998) e Hernández & Ventura (1996/1998), que divulgam idéias
questionadoras da maneira singular de se representar a realidade, expressa por uma
organização disciplinar do currículo acadêmico como única forma possível de ensinar.
Entendemos que, sendo o currículo constituído por matérias cuja escolha se deu muito
mais por circunstâncias históricas que pela sua necessidade, caberia à escola situar os
contextos sócio-históricos em que estes currículos foram produzidos, considerando que
diferentes culturas e diferentes tempos históricos interpretam a realidade de diferentes
maneiras. Desta perspectiva, torna-se necessário questionar o conhecimento fixo e as
visões unilaterais que impõem um único ponto de vista como verdade absoluta.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
68
Do nosso ponto de vista, é inquestionável a importância do conhecimento e
cultura locais do aluno para o processo de aprendizado. Acreditamos que a inserção na
escola destes conhecimentos e culturas que não são, necessariamente, de natureza
acadêmica, mas, originários do senso comum ou de experiências cotidianas do aluno,
podem caracterizar uma tentativa de aproximação entre culturas valorizadas pela escola
(acadêmico) e culturas (locais) extra-escolares (não científico). Entendemos que
desenvolver uma prática pedagógica que vincule o conhecimento socialmente válido para
a escola e o conhecimento não científico implica alterar a organização espacial escolar,
concebendo diferentes espaços de trabalho e de aprendizagem. Implica desenvolver um
olhar crítico sobre os materiais utilizados na escola e sobre como são utilizados.
Partindo de uma visão de que, hoje em dia, a divisão disciplinar do conhecimento
funciona como uma barreira à expansão do saber, Hernández (1998) defende a
necessidade de se repensar a organização fragmentária do conhecimento na escola e de se
implementar uma proposta de currículo integrado, cujo papel seria o de educar para
aprender e dar sentido, ensinando o aluno a pesquisar a partir de problemas referentes à
vida real, o que também é uma forma de enfrentar o dilema da seleção de conteúdos,
diante da multiplicidade de temas de estudos que são oferecidos e demandados em
diferentes sociedades e culturas.
Padilha (2004) identifica um crescente interesse, no Brasil, tanto por parte de
pesquisadores (Silva, 1999; Candau, 2000; Dayrell, 2001) quanto dos docentes, pelos
estudos sobre currículo. Segundo ele, este fato deve-se à divulgação dos baixos
desempenhos escolares de estudantes brasileiros em diferentes pesquisas.
Numa perspectiva teórico-conceitual, Padilha (2004) observa uma evolução nas
concepções de currículo, que vão desde sua redução aos componentes curriculares que
devem integrar um currículo até o conceito amplo de currículo como relação de poder,
trajetória, percurso e identidade. Segundo este autor, estas diferentes concepções se
fundamentam em diferentes teorias do currículo. Para melhor compreender estas
concepções, o autor recorre à classificação proposta por Silva (1999), que divide as
teorias do currículo em três grupos: teorias tradicionais, teorias críticas e teorias s-
críticas. De maneira bastante resumida, Silva (1999) define as teorias tradicionais do
currículo como aquelas que enfatizam ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia,
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
69
didática, organização, planejamento, eficiência e objetivos. As teorias críticas se
caracterizam por enfatizar ideologia, reprodução cultural e social, poder, classe social,
capitalismo, relações sociais de produção, conscientização, emancipação e libertação,
currículo oculto, resistência. Já as teorias pós-críticas enfatizam identidade, alteridade,
diferença, subjetividade, significação e discurso, saber-poder, representação, cultura,
gênero, raça, etnia, sexualidade, multiculturalismo (Silva, 1999: 17).
Segundo Silva (1999), as teorias tradicionais se apresentam como neutras e
desinteressadas, tendo os saberes dominantes e as técnicas para o seu ensino definidos
previamente, ocupando-se da transmissão do conhecimento inquestionável. As teorias
críticas e pós-críticas questionam o porquê de se trabalhar determinados conteúdos e não
outros, procurando identificar a ideologia que se oculta em cada escolha. A partir destes
estudos, Padilha (2004) conclui que, diferentemente do caráter prescritivo apresentado
pelos conceitos iniciais de currículo, a amplitude dos conceitos atuais volta-se para a
necessidade de compreendermos o papel do currículo na escola, de nos reconhecermos
como sujeitos históricos e, portanto, construtores do currículo, de formularmos uma
pedagogia que seja culturalmente relevante sem se afastar do conhecimento formal.
Outros pesquisadores como Dayrell (2001) e Candau (2000) se ocupam das
discussões sobre as relações entre o particular e o universal, inerentes à diversidade
cultural que constitui o contexto escolar. Em pesquisa realizada em duas escolas públicas
noturnas de Belo Horizonte, Dayrell (2001) problematiza o modelo homogeneizante da
instituição escolar em que, independente de sexo, idade, origem social e experiências
vivenciadas, todos são considerados igualmente alunos e procuram a escola a partir das
mesmas necessidades. Para este autor, “à homogeneização dos atores como alunos
corresponde a homogeneização da instituição escolar, compreendida como universal”
(Dayrell, 2001: 2). Ele afirma, ainda, que, sob o discurso da democratização da escola e
educação para a cidadania, a perspectiva homogeneizante nega os particularismos das
especificidades culturais em prol de uma cidadania universal. Para o pesquisador, uma
outra forma de compreender os alunos é analisá-los na ótica da diversidade cultural,
considerando o acúmulo de suas experiências vivenciadas em múltiplos espaços, através
das quais elaboram sua própria cultura, atribuem sentido e significado ao mundo.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
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Nesta perspectiva, Dayrell considera que nenhum indivíduo nasce homem, mas se
constitui como tal, de acordo com o grupo social no qual está inserido (macro-estrutura).
Ao mesmo tempo, ele não é simplesmente moldado pelas condições estruturais, mas
também pela vida social cotidiana, com suas próprias estruturas e características, que lhe
permitem dar um sentido particular às condições que determinam sua vida. Segundo o
autor, “são as relações sociais que verdadeiramente educam” (Dayrell, 2001: 4). Para ele,
“A educação ocorre nos mais diferentes espaços e situações sociais,
num complexo de experiências, relações e atividades, cujos limites estão
fixados pela estrutura material e simbólica da sociedade, em
determinado momento histórico. Nesse campo educativo amplo, estão
incluídas as instituições (família, escola, igreja etc.), assim como
também o cotidiano difuso do trabalho, do bairro, do lazer, etc.”
(Dayrell, 2001: 4).
Concordamos com o autor ao considerar que a diversidade cultural não pode ser
explicada apenas pela dimensão das classes sociais. É preciso levar em conta a
velocidade das transformações mundiais, que interferem no plano individual, devido ao
acesso diferenciado às informações, gerando uma heterogeneidade mais ampla. Segundo
Dayrell, esta heterogeneidade reflete-se nos projetos individuais do aluno, dos quais a
escola faz parte. Portanto, os alunos que chegam à escola são sujeitos socioculturais com
saberes, culturas e projetos mais ou menos conscientes, frutos de suas vivências. Neste
contexto, a escola se constitui polissêmica, por ser significada de diferentes formas por
alunos e professores, de acordo com as culturas, os projetos e os grupos sociais que nela
vivem. Diferentes significados, obviamente, demandam diferentes papéis a cumprir.
Segundo ele, é preciso superar a concepção de escola como espaço de instrução e
reconstruí-la como espaço de formação humana que propicia a ampliação de
experiências.
Em sentido semelhante, Candau (2000) identifica o monoculturalismo como uma
característica ainda presente nas escolas de hoje, revelada pela desconexão entre a cultura
escolar e a culturas sociais de referência do aluno. Sacristán (1995) apud Candau (2000)
afirma que tanto a escola quanto os materiais que ela utiliza pouco mostram as culturas
locais, as culturas juvenis, o modo de vida rural ou temas como racismo, xenofobia etc.
Em análise realizada por Candau (2000), a autora confirma estas afirmações e observa
que a escola parece ser pouco permeável à multiculturalidade da sociedade na qual se
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
71
insere. A autora acredita que, no afã de garantir a todos o acesso ao conhecimento
sistematizado, a escola acabou por criar uma cultura escolar padronizada, ritualística,
formal, pouco dinâmica, que enfatiza a transmissão de conhecimentos referentes à cultura
ocidental, considerados universais. Candau enfatiza a dificuldade da cultura escolar
cristalizada em se adaptar a novas tecnologias e linguagens diversificadas que se renovam
no cotidiano. Ela nos chama a atenção para a homogeneidade do cotidiano de diferentes
escolas, como os símbolos, a organização do tempo e do espaço, as festividades e
celebrações. Para a autora,
“Mudam as culturas sociais de referência mas a cultura da escola
parece gozar de uma capacidade de se auto-construir
independentemente e sem interagir com estes universos. É possível
detectar um ‘congelamento’ da cultura da escola que, na maioria dos
casos, a torna ‘estranha’ aos seus habitantes
(Candau, 2000: 4).
A partir das reflexões da autora, entendemos que a universalidade da cultura
escolar se sobrepõe e barra as especificidades das culturas dos habitantes da escola,
revelando que o simples contato com o multiculturalismo do contexto escolar não garante
uma prática pedagógica intercultural em que a cultura escolar e as culturas da escola se
integram e se transformam mutuamente.
Concluímos, deste modo, que, embora sob diferentes perspectivas, os autores aos
quais recorremos apresentam um núcleo comum em suas preocupações com o currículo
escolar: o seu distanciamento do contexto sócio-histórico-cultural da comunidade escolar
e a dificuldade da escola em afrouxar os limites que a separam da realidade, da
necessidade e dos interesses de seus alunos. É provável que a escola não esteja preparada
para reconhecer a existência de interferências externas a ela no processo de construção do
conhecimento. Assim, os temas transversais, oriundos da necessidade de a educação
acompanhar o mundo em constante transformação, defrontam-se com o desencontro
entre o discurso estritamente didático-pedagógico e as linguagens não-escolares, que
dificultam a ligação entre a cultura escolar e as culturas múltiplas.
Dentre as formas de organização curricular vivenciadas pela escola, consideramos
os projetos de trabalho capazes de estabelecer uma ligação entre a cultura escolar, as
culturas extra-escolares e os problemas do mundo contemporâneo, ao valorizarem os
saberes desenvolvidos em contextos escolares resgatando sua função social. Constituem
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
72
um modo de estabelecer relação entre a realidade de vida dos alunos e os saberes
escolarizados. O trabalho pedagógico organizado em projetos exige uma re-significação
dos conceitos de escola, ensino, aprendizagem, aluno, professor, currículo, avaliação etc.
Nesse sentido, desenvolver projetos de trabalho significa adotar uma postura pedagógica
que percebe a escola como agência cultural e de letramentos, rompendo com o
individualismo, a linearidade da interação professor-aluno, a fragmentação do
conhecimento e a valorização (exclusiva) dos saberes escolares.
2.6. Projetos de Trabalho: considerações sobre as idéias fundantes
A concepção de Projetos de Trabalho que circula hoje nos meios acadêmicos e
nas práticas pedagógicas se constitui a partir das idéias de Dewey
42
. A tulo de
contextualização destas idéias, apresentamos, resumidamente, algumas questões
debatidas por Dewey, na década de 30. Em Experiência e Educação, Dewey
(1938/1952) apresenta uma valiosa contribuição à filosofia da educação. Ele analisa tanto
a educação “tradicional” quanto a “progressiva” também chamada de educação “nova”
e descreve as falhas e a insuficiência de ambas. Enfatiza a necessária
complementaridade entre as duas escolas e insiste na importância da aplicação dos
princípios de uma verdadeira filosofia da experiência que, segundo ele, envolve,
fundamentalmente, continuidade e interação entre quem aprende e o que é aprendido.
Em toda a obra, o autor procura esclarecer o significado de experiência e sua
relação com educação, à medida que discute sua concepção na educação tradicional e na
progressiva, recorrendo, para isso, a temas como a necessidade de uma teoria própria, os
critérios de experiência, sua relação com autoridade, controle social, liberdade e, com a
organização progressiva das matérias de estudo.
Ao abordar a educação tradicional versus a educação “nova” ou “progressiva”, o
autor parte do questionamento do pensamento dualista do homem, que formula suas
crenças em termos de isto ou aquilo”, desconsiderando possibilidades intermediárias.
42
John Dewey, pensador norte-americano, que viveu entre 1859 e 1952, buscava a superação dos
dualismos e concebia a realidade como um todo orgânico e sem divisões. Preocupava-se em apontar a
necessidade de ligação entre os conteúdos da educação formal e a experiência comum das pessoas.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
73
Segundo Dewey (1938/1952), a divisão que separa educação tradicional e educação
progressiva se fundamenta num conjunto de idéias que passamos a resumir.
Na educação tradicional, o conteúdo se constitui de informações elaboradas no
passado e transmitidas pela escola a novas gerações, juntamente com regras de conduta
que também se estabeleceram no passado e que determinam a singularidade da
organização da escola como instituição social. Desse modo, pressupõe-se um futuro
semelhante ao passado, um mundo essencialmente estático. O objetivo da escola
tradicional é preparar o jovem para futuras responsabilidades, no que tange aos corpos de
informações organizadas e transmitidas. Aos alunos cabe receber com docilidade e
obediência estas informações. Aos professores, agentes de comunicação do
conhecimento e das habilidades e de imposição das normas de conduta” (Dewey,
1938/1952: 5), cabe colocar o aluno em contato com os representantes do conhecimento e
da sabedoria do passado – os livros.
Segundo o autor, a essência impositiva da escola tradicional e a distância entre o
que se impõe e os que sofrem a imposição inviabilizam a participação ativa do aluno no
que é ensinado. Desse modo, aprender toma o significado de incorporar à mente o
conteúdo dos livros, o qual está além do alcance da experiência individual dos alunos.
Conforme Dewey (1938/1952), nas práticas de educação nova, verificam-se
alguns princípios comuns às diferentes escolas progressivas. Estes princípios
fundamentam-se na oposição e na rejeição às idéias e aos métodos da escola tradicional.
Enquanto esta apresenta uma prática de imposição de cima para baixo, de disciplina
externa, de aprender por livros e professores, de aquisição por exercício e treino isolado,
de preparação para o futuro, as diferentes escolas progressivas valorizam a expressão e
cultivo da individualidade, a atividade livre, o aprendizado por experiência, o proveito
das oportunidades do presente e o contato com um mundo em transformação.
Entretanto, Dewey (1938/1952) considera que tais princípios são abstrações e que
sua concretização depende da interpretação que recebem ao serem postos em prática.
Neste ponto de reflexão, o autor nos alerta para o risco da filosofia do “isto ou aquilo”.
Segundo ele, a filosofia da educação nova pode ser boa, mas não basta rejeitar e se opor
aos métodos da situação que se pretende suplantar, sob o risco de se tomar como chave
para a prática o que é rejeitado, ao invés de descobrir sua própria filosofia. Ele considera
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
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que a idéia fundamental da filosofia da educação mais nova é a de “haver relação íntima e
necessária entre os processos de nossa experiência real e a educação” (Dewey,
1938/1952: 8), daí a necessidade de uma idéia correta de experiência.
Dewey (1938/1952) ressalta que os princípios da nova educação, por si sós, não
resolvem os problemas práticos da educação tradicional, mas levantam para si novos
problemas que deverão ser resolvidos a partir da filosofia da experiência e da proposição
de seus próprios métodos. Para ele, não é abandonando o velho que se resolvem os
problemas. Ele enfatiza a necessidade de uma teoria de experiência.
Segundo o autor, existe o consenso geral de que o pressuposto fundamental para
uma teoria da experiência é a conexão entre educação e experiência pessoal. Entretanto,
ressalta que a crença de que toda educação se concretiza em uma experiência não
significa que toda experiência seja educativa. Ele destaca diferentes tipos de experiências,
que tanto podem impedir o crescimento para novas experiências, quanto serem
agradáveis sem, contudo, serem educativas e, ainda, experiências desconexas e desligadas
umas das outras, que não se articulam cumulativamente.
No escopo desta variedade de experiências, Dewey (1938/1952) considera um
erro a afirmação de que a sala de aula tradicional não proponha experiências. Segundo
ele, esta idéia se afirma ao se propor o aprendizado por experiência em oposição ao plano
da escola tradicional. A verdadeira questão não é a falta de experiências, mas que tipo de
experiências ocorre na sala de aula tradicional, geralmente desconexas de experiências
futuras. Neste sentido, para uma educação pautada na experiência, não basta enfatizar a
necessidade de experiências, mas a qualidade destas experiências no que tange não ao
aspecto imediato de serem agradáveis, mas também enriquecedoras e preparadoras para
novas experiências futuras, aspecto que garante a ela o princípio de continuidade.
Ao abordar os critérios de experiência, Dewey (1938/1952) menciona os
princípios da continuidade e da interação. O princípio universal de continuidade significa
que toda e qualquer experiência se apóia nas experiências anteriores e modifica de algum
modo as experiências futuras, num crescendo contínuo. Entretanto, para o autor, o que
diferencia uma experiência qualquer de uma experiência educativa é o direcionamento
para o qual este crescimento aponta. Ele exemplifica considerando a possibilidade de um
homem crescer como ladrão ou corrupto, mas adverte que o crescimento nesta direção,
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
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do ponto de vista da educação, não cria condições para o subseqüente crescimento geral,
em outras direções. Neste sentido, o que faz do princípio da continuidade uma condição
da experiência educativa é sua aplicabilidade universal e não limitada e restrita a aspectos
isolados.
que se considerar, também, que toda experiência é social. Cada um de nós é o
que é devido ao que experienciou e ao que nos foi transmitido como experiências
humanas anteriores. Ignorar este fato é tratar a experiência como um acontecimento
interno ao ser humano, desvinculado das fontes externas ao homem, que o diferenciam de
outros que tiveram experiências diversas. Dewey (1938/1952) nos alerta sobre a
responsabilidade de o educador considerar que as condições do meio determinam as
experiências do aluno e de identificar, nas situações concretas, que circunstâncias
conduzem a experiências que levem ao crescimento e, ainda, de saber explorar o
ambiente na proposição de experiências saudáveis e válidas.
Segundo o autor, a educação tradicional não exigia que o professor se
familiarizasse com as características da comunidade local para utilizá-las como recurso
educativo. No entanto, um sistema que se baseie na conexão entre educação e
experiência, como a educação progressiva, deve ter em vista estes elementos, o que o
torna mais difícil de se conduzir que a educação tradicional.
Conforme Dewey (1938/1952), o princípio da interação constitui o segundo
princípio fundamental para se interpretar uma experiência educativa. Este princípio
atribui direitos iguais às condições internas e externas da experiência e reconhece a
existência de uma interação entre os dois grupos de condições. A título de ilustração
destas condições, o autor menciona o bebê, que tem necessidades alimentares, de
descanso etc. Segundo ele, estas necessidades da criança não implicam que a mãe deva
alimentá-lo sempre que estiver incomodado, de modo a dispensar a sua responsabilidade
em regular as condições objetivas em que as necessidades devam ser atendidas. Ao invés
das condições objetivas se subordinarem às imediatas necessidades da criança, elas
devem ser organizadas de modo que a interação com os estados imediatos internos se
processe normalmente. Para isso, a mãe lança mão de suas experiências passadas,
representadas por orientações pediátricas que, seguidas com flexibilidade, permitem esta
interação de modo a propiciar conforto ao bebê.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
76
Retomando o contexto da educação escolar, Dewey (1938/1952) afirma que o erro
da educação tradicional não foi enfatizar as condições externas da experiência, mas não
dispensar atenção aos fatores internos que também definem o tipo de experiência que se
tem, violando, desse modo, o princípio da interação. Segundo ele, uma experiência é o
que é porque ocorre uma relação entre um indivíduo e seu meio (pessoas, objetos,
situações). O meio ou ambiente constitui-se das condições, quaisquer que sejam, em
interação com as necessidades pessoais de criar a experiência em curso.
Segundo o autor (1938/1952), continuidade e interação não se separam.
Diferentes situações sucedem umas às outras e, devido ao princípio da continuidade, o
que se aprendeu em uma situação torna-se instrumento para lidar com uma situação
futura, num processo contínuo enquanto vida e aprendizagem aconteçam. Para Dewey
(1938/1952), a unidade substancial desse processo decorre do fator individual, integrante
da experiência. Se esse fator se rompe, o curso da experiência entra em desordem. Sendo
assim, uma experiência educativa válida se dá quando ocorre interação entre as condições
objetivas representadas pelo professor, a maneira como fala, os recursos materiais que
utiliza, o arranjo social em que a pessoa está envolvida e as necessidades e capacidades
de quem está aprendendo.
A esse respeito, Dewey (1938/1952) salienta outra falha da educação tradicional:
a de não considerar as capacidades e os propósitos daqueles a quem ensinar. Segundo ele,
a seleção das condições objetivas requer o conhecimento das necessidades e capacidades
do grupo envolvido no processo de ensino. Ele acrescenta que a qualidade e a eficiência
de métodos e materiais não garantem, por si, qualidade educativa em determinado grupo
ou indivíduo. De acordo com o princípio da interação, a ausência de adaptação das
matérias às necessidades do indivíduo e a dificuldade do indivíduo em se adaptar às
matérias podem tornar uma experiência não-educativa.
Por sua vez, o princípio da continuidade, implica que se leve em conta o futuro
em cada fase do processo educativo. No entanto, mal compreendido, este pressuposto
recai no ensino de habilidades que possam ser necessárias futuramente, revelando uma
idéia equivocada de que a aquisição de certa quantidade de conhecimentos e habilidades
em dada matéria seja suficiente para seu uso correto no futuro. Conforme menciona o
autor (1938/1952), esta prática sacrifica o presente em prol do futuro.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
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A partir deste exame, Dewey (1938/1952) afirma que planos e projetos educativos
fundados em experiências de vida requerem uma filosofia de experiência apoiada nos
dois princípios fundamentais: o de continuidade e o de interação. Conseqüentemente, é
necessária uma clara conceituação do que é experiência e do que distingue uma
experiência educativa de uma experiência não-educativa. Para este autor, o princípio de
que o desenvolvimento da experiência se dá por interação do indivíduo com pessoas e
coisas significa que a educação é um processo social. Sendo assim, o papel do professor,
como membro mais amadurecido do grupo, é o de promover interações e comunicações
que constituem o grupo como comunidade, instituindo um planejamento flexível, que
leve em conta as necessidades e capacidades do grupo.
Conforme observa Dewey (1938/1952), um planejamento que leve estes aspectos
em conta torna-se mais difícil para o professor. É preciso saber dispor e ordenar as
condições para que a matéria ou conteúdo das experiências satisfaçam as necessidades e
capacidades dos alunos, permitindo o livre exercício de suas experiência individuais.
Ao abordar a liberdade de exercício destas experiências, o autor demonstra sua
preocupação em deixar clara a liberdade à qual se refere. Segundo ele (1938/1952), a
única liberdade que importa é a liberdade de inteligência. Para ele, identificar liberdade
como liberdade de movimento é um grande engano. Ele considera este lado físico e
exterior da liberdade indissociável do seu lado interno: a liberdade de pensar, desejar e
decidir. Segundo este autor, embora o problema da educação não se resolva ao se atingir
a liberdade de movimentos, esta se constitui um dos meios de que o professor dispõe para
conhecer as pessoas com quem itratar, uma vez que silêncio, imobilidade e obediência
forçados impossibilitam a revelação da real natureza do aluno.
Para Dewey (1938/1952), os métodos tradicionais que valorizam a passividade e
enfatizam a quietude revelam o caráter não-social deste tipo de educação, no qual a
uniformidade imposta inviabiliza as tendências individuais. Segundo ele, se o fim ideal
da educação é a formação da capacidade do aluno de domínio de si mesmo, é necessário
que este possa, em alguns momentos, colocar em execução os propósitos tomados,
avaliar suas conseqüências, selecionar e ordenar os meios de levar os fins escolhidos a
bom termo. Neste sentido, liberdade não significa simples supressão de controle ou
domínio externo, mas a capacidade de formular propósitos e levá-los a efeito. A questão
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
78
educativa, então, passa a ser: que uso é feito dessa liberdade? A que fim serve? Que
conseqüências advêm dela?
A respeito dos usos da liberdade, Dewey (1938/1952) concorda com a filosofia
da educação progressiva que valoriza a participação do aluno na definição dos propósitos
que dirigem suas atividades no processo de aprendizagem. Ele enfatiza a importância de
se compreender o que é e como funciona um propósito. Para este autor, um propósito
sempre parte de um impulso que, obstruído, converte-se em um desejo. Entretanto, nem
impulso nem desejo são um propósito. Impulso e desejo, em interação com as
circunstâncias ambientais, produzem conseqüências. Um propósito é um objetivo em
vista, que envolve previsão das conseqüências que, por sua vez, envolve a operação da
inteligência. Segundo este autor, numa situação educativa, desejo e impulso não são
objetivos finais. Constituem oportunidade e demanda para a elaboração de um plano e um
método de ação. Esse plano se realizará a partir da análise das condições, realizada a
partir da obtenção das informações necessárias.
Cabe ao professor, portanto, aproveitar as oportunidades. Para isso, é importante
que ele esteja a par das capacidades, necessidades e experiências passadas dos alunos
para que possa, se necessário, sugerir e promover o desenvolvimento da sugestão em
plano ou projeto com a colaboração de sugestões adicionais do grupo. Assim, o plano
será resultado de um esforço coletivo. Desde que a liberdade está nas operações de
observação inteligente, de busca das informações e de julgamento lúcido para a formação
do propósito, a direção dada pelo professor para o exercício da inteligência do aluno é
auxílio à liberdade e não restrição” (Dewey, 1938/1952: 70).
Ao salientar a importância de o professor estar atento às oportunidades indicadas
pelas necessidades e desejos dos alunos, Dewey (1938/1952) considera que em uma
educação concebida em termos de experiência, as matérias curriculares devem derivar de
experiências da vida comum. Neste ponto, a educação tradicional contrasta com a
educação progressiva por partir de fatos e verdades que se encontram fora das
experiências dos alunos. Segundo este autor, é necessário achar o material para
aprendizagem dentro da experiência e, ainda, organizar o seu desdobramento progressivo,
a partir do crescimento em experiência do aluno. Entretanto, ele considera que este
crescimento em experiência não se apenas pelo contato com novas experiências. É
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
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fundamental que os novos conhecimentos estejam ligados aos anteriores e que
representem um avanço na articulação consciente entre eles.
Segundo Dewey (1938/1952), uma vez que o crescimento mental depende das
dificuldades a serem vencidas pelo exercício da inteligência, o educador não deve partir
do conhecimento já organizado, transmitindo-o em pequenas doses. Cabe a ele selecionar
as experiências que suscitem novos problemas e promovam novas formas de observação.
Para este autor, “nenhuma experiência será educativa se não tender a levar
simultaneamente ao conhecimento de mais fatos, a entreter mais idéias e a melhor e
mais organizado arranjo desses fatos e idéias” (Dewey, 1938/1952: 86).
Com a exposição destas idéias, Dewey (1938/1952) afirma sua crença de que a
questão educacional não consiste em educação tradicional versus educação progressiva.
Ele acredita que precisamos de educação pura e simples e justifica sua ênfase na
necessidade de uma adequada filosofia de experiência, por acreditar que faremos
progresso mais segura e rapidamente se buscarmos o que seja educação e as condições
para torná-la uma realidade e não só uma etiqueta.
2.7. Projetos de Trabalho: a escola como agência cultural
Desde a primeira metade do século passado, quando as idéias de Dewey foram
levadas à sala de aula por Kilpatrick, até os dias atuais, diferentes denominações foram
utilizadas para as práticas que se utilizam de projetos, como centros de interesse, métodos
de projetos, trabalho por temas, projetos de trabalho. Na prática pedagógica, muitas vezes
estas terminologias foram utilizadas de forma indistinta. No entanto, essa diversidade de
designações não corresponde a diferentes denominações para uma mesma prática. Há que
se considerar que cada uma delas responde a visões fundamentadas em diferentes
contextos.
Segundo Hernández (1998), nos anos 20, uma primeira visão de projetos é
sustentada pelas idéias de que os projetos devem partir de uma situação problemática,
propor um processo de aprendizagem que vincule o mundo exterior à escola e oferecer
uma alternativa à fragmentação das matérias. Essas idéias, associadas às proposições de
Dewey de se considerar o interesse do aluno, de se abordar atividades com um valor
intrínseco, de se apresentar problemas que despertem nova curiosidade e de se considerar
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
80
a margem de tempo de desenvolvimento de um projeto, vão constituir o Método de
Projetos, definido como uma seqüência de atividades coerentemente ordenadas, na qual
cada atividade prepara a seguinte e transcende a anterior.
Esta visão recebeu críticas quanto ao abandono dos limites disciplinares e quanto à
possibilidade de não se abordar conteúdos que pudessem ser trabalhados
sistematicamente. Embora as críticas tivessem sido rebatidas, a racionalidade tecnológica
instalada no Ocidente após a Segunda Guerra Mundial, fez com que as idéias que
fundamentavam o trabalho com projetos ficassem adormecidas até a década de 60,
quando são retomadas com o nome de Trabalho por Temas.
O ensino por meio de temas funcionou como um mediador entre disciplinas e
experiências próximas aos alunos. Relacionava-se, basicamente, às áreas de história,
geografia e ciências sociais, fato que justifica a idéia, ainda presente na cultura escolar,
de que os projetos de trabalho são adequados ao ensino de temas relacionados ao meio
social e às ciências naturais.
Segundo Hernández (1998) e Hernández & Ventura (1996/1998), a década de 70
é marcada pela prática denominada Centros de Interesse, que busca a aproximação das
disciplinas escolares às experiências dos alunos. Os Centros de Interesse estão
fundamentados no pressuposto de que a aprendizagem se por descoberta e é mais
eficiente quando parte daquilo que interessa aos alunos. Apóiam-se no princípio de que a
educação é uma prática democrática e que, portanto, a decisão sobre o que se deve
aprender deve ser outorgada às assembléias de classe.
A década de 80, marcada pelo impacto das mudanças na forma de entender o
ensino e a aprendizagem e pelas mudanças nas concepções sobre o conhecimento,
provocadas pelo auge do construtivismo, apresenta novamente os projetos como objeto
de interesse.
Estas mudanças trazem consigo uma redefinição de papéis e de práticas escolares,
que possibilitam a percepção da participação ativa do sujeito como pressuposto
necessário à aprendizagem e o redimensionamento das relações humanas na escola. Neste
contexto, em que a escola se constitui um espaço educativo para alunos e professores,
surge a Pedagogia de Projetos. Nesta proposta, muitos projetos se estruturavam em áreas
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
81
do conhecimento ou em categorias, como as apresentadas por Jolibert (1994): projeto
empreendimento, projeto competência e projeto de vida cotidiana
43
, os quais tinham
como característica a culminância em um produto final. Nestas concepções, os projetos
nem sempre viabilizavam a interdisciplinaridade ou apresentavam um desequilíbrio entre
a atenção dispensada ao produto do projeto (que o caracterizava como tal) e ao seu
processo de desenvolvimento. Além disso, a divisão entre empreendimento,
competência/conhecimento e vida cotidiana tornava-se uma contradição em uma prática
que se propunha conceber o sujeito em sua totalidade. Estas contradições geraram
questionamentos sobre o papel das áreas do conhecimento no trabalho com projetos e sua
definição a priori.
Paralelamente a estes questionamentos, percebemos uma transformação e
ampliação do conceito de problematização, característica marcante dos projetos, porém,
até esta época, restrita a perguntas do tipo “o que já sabemos sobre o tema do projeto?” e
“o que queremos saber?”. O novo olhar sobre os projetos, que se instaura a partir de
meados da década de 90, possibilita repensar as relações entre escola e cultura e a postura
da escola diante do desenvolvimento de projetos. Trabalhar por projetos passa a ser mais
que desenvolver projetos em sala de aula (Leite, 1998).
Neste sentido, o percurso dos conceitos referentes a projetos parte de uma
abordagem metodológica, prescritiva, e atinge uma postura pedagógica, que tem como
preocupação refletir sobre o papel da escola na formação do sujeito e sobre a escola como
espaço de cultura, que propicia a conexão entre os saberes acumulados pela humanidade,
o contexto cultural no qual está inserida e os problemas e transformações do mundo
contemporâneo. Como postura pedagógica, os Projetos de Trabalho rompem com a idéia
de que se tem um conteúdo pronto e os projetos são uma forma de apresentá-los aos
alunos, que o receberão passivamente. Questionam a idéia de linearidade, segundo a qual
se ensina da parte ao todo, do mais próximo ao mais distante, do mais fácil para o mais
43
Projetos de vida cotidiana: aqueles que envolvem decisões referentes à existência e o funcionamento da
vida de uma coletividade de adultos e crianças em um lugar particular (escola, série, classe): organização
do espaço, do tempo das atividades, das responsabilidades, das regras e normas, etc. Projeto
empreendimento: projetos de atividades complexas, como organizar uma exposição, realizar uma
excursão, editar um livro, etc. São projetos que exigem planejamento e respondem uma necessidade real.
Projeto competência / conhecimento: são construídos coletivamente, por professor e aluno, a partir da
apresentação e discussão dos conteúdos curriculares. (Jolibert, 1994).
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
82
difícil. Questionam a idéia de uma versão única da realidade e, com isso, possibilitam o
respeito à diversidade cultural e valorizam o percurso de cada aluno ao longo da trajetória
coletiva, num entrelaçamento entre história individual e conhecimento social. Re-
significam os papéis de aluno e de professor no contexto escolar e colocam ambos como
pesquisadores. Re-significam o papel das disciplinas e das áreas do conhecimento, ao
invés de desprezá-las, como equivocadamente (às vezes) se entende, valorizando-as como
recursos culturais.
A postura pedagógica fundamentada nos Projetos de Trabalho abre possibilidades
para uma nova lógica no uso do tempo e do espaço escolares, do material didático e para-
didático, das diversas fontes de informação e dos recursos materiais e humanos
envolvidos na construção do conhecimento. O projeto, segundo Kleiman & Moraes
(1999: 50), permite ver a sala de aula como um “espaço de convergência do cognitivo, do
social e da expressão pessoal na construção de redes de conhecimento”.
Tanto Kleiman & Moraes (1999) quanto Hernández & Ventura (1996/1998)
recorrem respectivamente às metáforas da rede e construção e caleidoscópio para
representar a construção do conhecimento por projetos de trabalho. Essas representações
metafóricas nos levam a acreditar que os Projetos de Trabalho possam ser a forma de
organização curricular apropriada ao trabalho com temas transversais na educação. As
metáforas da rede e do caleidoscópio nos levam a pensar nas relações entre conteúdo e
áreas de conhecimento em função das necessidades subjacentes à aprendizagem. Cada fio
tem sua importância na construção do todo, sustenta e é sustentado por outros fios. Cada
peça muda sua forma e função na movimentação do todo. Assim também acontece no
projeto, em que a natureza do problema é que determina quais instrumentos presentes na
disciplina será necessário utilizar. Desse modo, percebemos o desenvolvimento de
Projetos de Trabalho como uma maneira nem definitiva, nem única, mas viável de
abordar transversal e transdisciplinarmente temas e problemas sociais, levando, ao
mesmo tempo, a processos de aprendizagem diversos, dentre eles, acreditamos, práticas
variadas de letramento.
No entanto, apesar do percurso conceitual descrito, sabemos que a prática
pedagógica de projetos nem sempre acompanha a evolução pela qual passou o conceito.
CAPÍTULO 2 – Letramento no contexto escolar e currículo: considerações sobre documentos, teorias e práticas.
83
Assim como, no início deste tópico, referimo-nos a (e questionamos) diferentes
denominações para uma mesma prática, podemos falar sobre diferentes práticas
chamadas, algumas vezes equivocadamente, de projetos. Entendemos que este fato é
ocasionado por haver diferentes maneiras de se promover aprendizagem significativa,
sem necessariamente se desenvolver um projeto, na concepção de Projetos de Trabalho
que estamos abordando. O fato de se abordar um tema que tenha partido do interesse dos
alunos (Centros de Interesse), ou a abordagem de um tema transversal ao currículo
escolar, em que cada disciplina desenvolve seus estudos específicos a partir deste tema
ou, ainda, organizar uma série de atividades em torno de um tema (Unidades Temáticas)
não implica o desenvolvimento de projetos.
Na prática pedagógica, observamos, ainda, abordagens que se situam na fronteira
entre diferentes concepções de projeto, ora apresentando características que se
aproximam de seqüências didáticas, ora apresentando características que se aproximam
dos projetos de trabalho. Embora não se verifiquem regras ou modelo ideal para o
desenvolvimento de projetos, suas características de plasticidade, abertura ao
imprevisível e o uso de conteúdos não identificáveis a priori, mas emergentes no seu
processo de desenvolvimento nos permitem concordar com Almeida (2001) ao afirmar
que o projeto não é um plano ou roteiro passo a passo ou uma seqüência de atividades
que o professor propõe aos alunos, ao longo de certo período de tempo, culminando
necessariamente na apresentação de um trabalho.
Portanto, entendemos o trabalho com projetos como uma prática em que alunos e
professores colocam seu conhecimento e sua bagagem cultural a serviço da resolução de
questões que norteiam um processo de investigação, utilizando, para isso, diferentes
fontes de informações e (re)organizando tempo, espaço e disciplinas / conteúdos, de
acordo com as demandas do trabalho.
Como vimos na Introdução deste trabalho, a presente pesquisa analisa dois
Projetos de Trabalho abordando temas transversais sobre os quais investigamos a
contribuição para a ampliação e construção dos letramentos. Nos próximos capítulos,
abordamos a metodologia utilizada nesta pesquisa, a descrição dos projetos, a análise dos
dados coletados e as conclusões e decorrências de nossa análise.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
84
CAPÍTULO 3
METODOLOGIA
Neste capítulo, discorremos sobre a metodologia que orientou nossa pesquisa.
Para isso, apresentamos nossos argumentos que justificam essa pesquisa no campo da
Lingüística Aplicada e sua efetividade tanto neste campo quanto no da Educação. Em
seguida, apresentamos as metodologias de coleta e de análise dos dados e a
caracterização dos contextos nos quais se realizaram a pesquisa e os projetos tomados
como objetos de estudo. Para finalizar, apresentamos as categorias de análise e
descrevemos os projetos analisados.
3.1. Aspectos que caracterizam esta pesquisa como um trabalho de Lingüística
Aplicada e sua efetividade
A presente pesquisa caracteriza-se como um trabalho de Lingüística Aplicada por
tomar a linguagem tanto como objeto quanto como ferramenta para o estudo sobre a
construção e/ou ampliação dos letramentos, a partir do desenvolvimento de projetos
temáticos.
O objeto de investigação o letramento nas séries iniciais constitui um
problema de uso social da linguagem. Conforme indicam pesquisas/avaliações de órgãos
oficiais ou de organizações não governamentais (SAEB
44
, SARESP
45
, INAF
46
, Retrato da
Leitura no Brasil
47
), a leitura seja do alunado, seja do conjunto da população
apresenta problemas que abrangem desde o desenvolvimento de capacidades leitoras que
possibilitem romper com a linearidade da decodificação até o acesso a diversidade de
materiais de leitura.
44
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.
45
Avaliação do rendimento escolar dos alunos do Ensino Fundamental ao Ensino Médio, promovida pela
Secretaria de Estado da Educação de São Paulo.
46
Índice Nacional de Alfabetismo Funcional.
47
Pesquisa realizada por A. Franceschini, Análises de Mercado, por solicitação da Câmara Brasileira do
Livro (CBL), Bracelpa (Associação Brasileira de Celulose e Papel), Snel (Sindicato Nacional dos Editores
de Livros) e Abrelivros (Associação Brasileira de Editores de Livros), entre 10 de dezembro de 2000 e 25
de janeiro de 2001 (Abreu, 2003: 34).
CAPÍTULO 3 - Metodologia
85
A linguagem enquanto ferramenta para o estudo sobre os letramentos, nesta
pesquisa, possibilita a análise das concepções de ensino, de aprendiz e, sobretudo, de
letramento reveladas pelos projetos desenvolvidos e veiculadas pelos discursos presentes
nas propostas e na condução das atividades, extensão de outras práticas discursivas das
quais participamos na escola, seja como alunos, seja como educadores.
A pesquisa relaciona a construção do letramento a uma visão de currículo
culturalmente sensível, em que as práticas letradas e de uso da língua/linguagem estão
socialmente contextualizadas, devido à natureza situada do letramento (Barton, 2000:
167). Segundo este autor (2000) e outros, como Gee, Hamilton, Ivanic etc. que compõem
o grupo intitulado NLS (Novos Estudos do Letramento), todo letramento é socialmente
situado, ou seja, localizado em um tempo e lugar (sociais) específicos, o que justifica a
menção a letramentos (no plural), bem como seu estudo e abordagem como uma prática
que é parte de um processo social mais amplo. Este grupo baseia-se na idéia de que os
estudos sobre a leitura e a escrita fazem sentido quando estas constituem práticas
sócio, cultural e historicamente contextualizadas.
Pode-se considerar como outro aspecto que caracteriza esta pesquisa no campo da
Lingüística Aplicada o fato de investigar de que maneira a abordagem da
língua/linguagem (enfocada como multimodal oral, escrita, gráfica, plástica etc.) e dos
gêneros que circularam nos projetos desenvolvidos colaboram para a construção dos
letramentos e para a formação de leitores/produtores capazes de perceberem as diferentes
linguagens sociais veiculadas por diversos gêneros do discurso.
Caracteriza-se, ainda, como uma pesquisa de Lingüística Aplicada por investigar
um objeto desenvolvido no contexto de aplicação, resultando em elaboração do
conhecimento baseado na indissociabilidade entre descoberta e aplicação.
Deste modo, cumpre-nos considerar, então, sua efetividade enquanto pesquisa no
campo da Lingüística Aplicada. Ao refletirmos sobre a efetividade de uma pesquisa que
aborda a construção e/ou ampliação do letramento é preciso pensar em quem se beneficia
com uma pesquisa sobre este tema. Entendemos que a efetividade desta pesquisa
manifesta-se pela contribuição a uma questão social de abrangência nacional a
construção dos letramentos – amplamente discutida e avaliada por órgãos governamentais
e não-governamentais.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
86
A partir do título deste trabalho Temas Transversais e Letramento nas séries
iniciais do Ensino Fundamental: para além da transversalidade temática podemos
identificar sua pré-disposição a propor mudanças na abordagem dos temas transversais,
pressupondo a transversalização não só de temas sociais, mas também dos usos da
língua/linguagem nas diferentes áreas do conhecimento e disciplinas escolares. Neste
sentido, propõe mudanças na prática de sala de aula, no sentido desta prática se
aproximar de uma eficiência na construção e valorização dos diferentes letramentos.
Retomando a questão que norteia esta discussão, vale pensar, também, em que
contribuições esta pesquisa, situada no campo da Lingüística Aplicada, oferece a outras
desenvolvidas em outras áreas, sobre o mesmo tema. Entendemos que, neste aspecto, esta
pesquisa favorece a percepção dos letramentos não como fim a ser atingido (objeto),
mas, também, e simultaneamente, como uma ferramenta pedagógica e lingüística para a
construção e ampliação de outros conhecimentos e capacidades, uma vez que, em sua
análise, descortina-se a necessidade da abordagem da língua/linguagem pela perspectiva
tanto dos textos e discursos, quanto das práticas que se exercem sobre estes.
Como investigadora da própria prática e, portanto, situada em um contexto
particular de produção, esta pesquisa não é passível de generalizações. No entanto, as
considerações elaboradas podem contribuir para a reflexão sobre a transformação da
prática referente não às questões investigadas nesta pesquisa como também para uma
análise contrastiva entre esta e outras práticas que se proponham à construção do
letramento no âmbito escolar.
3.2. Caracterização do fazer teórico
Nossa pesquisa tende a uma caracterização indutiva (no sentido de Eversen,
1996), uma vez que parte do dado as práticas desenvolvidas nos projetos temáticos e a
forma como esses são conduzidos – para as teorias de letramento e de análise do discurso.
Entretanto, podemos afirmar que não se trata de aplicacionismo teórico, uma vez que o
fazer teórico foi-se constituindo no decorrer da investigação.
Por investigar atividades que se originaram nas necessidades específicas do grupo
de alunos com quem os projetos foram desenvolvidos, essa pesquisa foge ao percurso
CAPÍTULO 3 - Metodologia
87
pré-estabelecido de investigação e recorre a alternativas teórico-metodológicas que
possibilitam a redefinição do objeto de estudo.
Iniciamos a análise dos dados desta pesquisa verificando as capacidades de
leitura
48
que circularam nas atividades desenvolvidas nos projetos. No decorrer da
análise, a partir do aprofundamento do contato com as teorias de letramento e com a
teoria da enunciação, percebemos a insuficiência das categorias de análise inicialmente
selecionadas e recorremos às referidas teorias para uma verificação da contribuição da
prática desenvolvida por meio dos projetos, não só no que tange à leitura, mas referente a
uma diversidade de práticas letradas e aos letramentos situados, conforme pode ser
observado na análise dos dados.
Esse novo olhar sobre o objeto de pesquisa nos aproximou de uma análise
reflexiva sobre a própria prática, uma vez que a análise comparativa entre os dois
projetos desenvolvidos foi-se fazendo necessária e descortinando as diferentes
abordagens dos gêneros, da leitura e da produção de texto em cada um deles,
conseqüentes da especificidade de cada tema, de suas condições de produção e de
desenvolvimento e de seus impactos sobre os letramentos. Ao tomarmos consciência das
particularidades dos projetos (tanto no que se refere aos temas, quanto à abordagem),
novas abordagens teóricas se fizeram necessárias.
Sendo assim, nossa análise transitou de uma verificação das capacidades leitoras
envolvidas nas atividades para uma análise de como a abordagem dos gêneros que
circularam nos projetos contribuiu para a construção dos letramentos e de que maneira a
seleção de temas que possibilitam práticas contextualizadas contribuem para o
desenvolvimento de práticas letradas reais e não só escolarizadas.
Atribuímos essa redefinição do objeto de estudo ao distanciamento de seu
universo de referência atingido pela pesquisadora, possibilitado pela mobilidade teórico-
metodológica, característica de um percurso transdisciplinar de investigação, como o que
requer nossa pesquisa.
A redefinição do objeto de estudo certamente implicou alterações nas categorias
de análise, que passaram a ser:
48
Ver Rojo (2004) a respeito.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
88
Aspectos divergentes ou convergentes entre os projetos quanto à
abordagem da língua/linguagem;
Eventos de letramento ocorridos em cada projeto;
Gêneros que circularam e maneira como foram abordados em cada um dos
projetos;
Abordagem da leitura;
Abordagem da produção de textos;
3.3. O que caracteriza esta pesquisa como transdisciplinar? Caracterização do
campo da pesquisa
A pesquisa sobre a qual dissertamos apresenta algumas características que a
situam no campo da transdisciplinaridade. A primeira delas refere-se ao fato de recorrer
à disciplina escolar Língua Portuguesa; a diferentes áreas do conhecimento (Pedagogia,
Sociologia, Psicologia) e, ainda, a uma sub-área da Lingüística Aplicada (teoria
enunciativo-discursiva
49
) para a análise dos dados. No entanto, vale mencionar que a
conjunção destas áreas e sub-áreas não caracteriza uma justaposição de conhecimentos,
mas a contribuição de cada uma delas, por meio de seus diferentes pontos de vista, para a
análise do corpus, que resulta numa teoria própria.
Outro fator que caracteriza esta pesquisa como transdisciplinar refere-se à
investigação de um objeto que se constitui transdisciplinarmente – o letramento situado
uma vez que não se esgota no ensino-aprendizagem da língua materna, mas é
desenvolvido, intencionalmente ou não, pela confluência de diferentes áreas do
conhecimento científico (sociologia, antropologia, psicologia, educação etc.) e disciplinas
escolares (no nosso caso, Ciências e Língua Portuguesa), bem como em diferentes
práticas e contextos sociais.
Além disso, nossa pesquisa investiga a construção dos letramentos a partir de dois
projetos sobre temas transversais, que elaboram novos objetos de ensino (enquanto
conteúdos escolares) e recebem a contribuição de diferentes disciplinas e áreas do
conhecimento sem, contudo, estarem inseridos em uma dessas áreas. Por esta razão, esses
49
Nesta pesquisa, entendemos a teoria enunciativo-discursiva como sub-área da Lingüística Aplicada,
embora tenhamos conhecimento de que alguns autores a concebam como área independente.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
89
projetos definem a escolha das disciplinas e áreas do conhecimento que estão envolvidas,
a partir de seus contextos.
Colabora para a caracterização transdisciplinar desta pesquisa o fato de
preocupar-se com sua efetividade, traduzida pelo interesse na mudança da prática social,
ao investigar a ação da própria pesquisadora na construção dos letramentos e as
necessidades de transformação de práticas e valores, algumas vezes observadas no
próprio desenvolvimento dos projetos.
3.4. Caracterização da metodologia
A pesquisa teve como objetivo investigar a contribuição do desenvolvimento de
dois projetos temáticos na construção e/ou ampliação do letramento das crianças
envolvidas no trabalho. Os projetos analisados referem-se a dois dos cinco temas
transversais
50
sugeridos pelos PCN de a séries do Ensino Fundamental, a saber, o
tema transversal Orientação Sexual, cujo projeto recebeu a mesma denominação
(doravante, OS) e o tema transversal Saúde, cujo projeto foi intitulado Combatendo um
Bando Malvado (doravante, CBM), por abordar um recorte desse tema transversal o
combate e prevenção às verminoses.
Como pesquisa qualitativa, este trabalho utiliza uma metodologia descritivo-
interpretativa situada no contexto escolar. Caracteriza-se como descritiva por apresentar a
prática de sala de aula, tal qual ela aconteceu. E como interpretativa por realizar uma
análise interpretativa dos aspectos lingüístico-discursivos envolvidos nas atividades
desenvolvidas nos projetos, bem como das esferas de produção desses projetos. Analisa
como, além do conteúdo temático desenvolvido nos projetos, a língua/linguagem pode
ser abordada no sentido da construção do letramento e da formação de leitores
conscientes do papel da língua na maneira como nos concebemos e concebemos o
mundo. Ao invés de ocupar-se do objeto em si (o quê?), ocupa-se da problemática
(como?), aqui caracterizada como interesse primário de conhecimento (Eversen, 1996)
que abrange entender, explicar, procurar e/ou aprimorar soluções para um problema
existente, colaborando, assim, para transformações.
Nesse sentido, as questões norteadoras desta pesquisa são:
50
Os temas transversais sugeridos pelos PCNs de 1ª a séries são: Ética, Pluralidade Cultural, Meio
Ambiente, Saúde e Orientação Sexual.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
90
Que eventos de letramento
51
se exercem sobre os textos que
circulam nos projetos?
Que textos (reais, de circulação extra-escolar e/ou didatizados,
orais e/ou escritos) o utilizados na abordagem dos Temas
Transversais? De que gêneros?
Que práticas de leitura (cognitivas, interativas ou discursivas) são
utilizadas na abordagem dos Temas Transversais?
Como é abordada a produção de textos nos projetos de trabalho
analisados?
Como se dá o papel do professor como mediador na construção do
letramento, nestes projetos? Faz diferença em relação a práticas
mais consolidadas?
Para realizar a análise interpretativa a que se propõe essa pesquisa, recorremos a
duas abordagens metodológicas distintas, mas nem por isso incompatíveis, em duas
etapas da pesquisa. Para a coleta de dados, adotamos a metodologia da pesquisa-ação.
Para a análise dos dados coletados, recorremos à análise documental.
A pesquisa-ação, que segundo Moita Lopes (1995) é uma tendência crescente em
Lingüística Aplicada, justifica-se pelo nosso interesse em pesquisar e refletir sobre a
própria prática, buscando uma transformação da ação em sala de aula, condizente com a
responsabilidade social da pesquisa em Lingüística Aplicada. A análise documental
justifica-se pela forma de organização dos registros da prática analisada.
Essa multiplicidade metodológica no percurso de investigação, segundo Signorini
(1995), rompe com a ordem do programa pré-montado e lugar a ações orientadas e
reorientadas em função da especificidade do objeto analisado: projetos desenvolvidos a
partir das necessidades dos alunos.
51
Segundo Barton & Hamilton (2000), eventos de letramento são episódios observáveis que se originam de
práticas de letramento. Estas, por sua vez, não são unidades observáveis de comportamento, mas
envolvem valores, atitudes e relações sociais. São construídas por regras sociais que regulam o uso e
distribuição dos textos.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
91
3.5. Caracterização do contexto da pesquisa
A Escola
A escola tem cerca de 900 alunos, distribuídos ao longo dos dois primeiros ciclos
do Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) e de duas classes integradas (CIs)
52
em cada turno.
Nos dois primeiros ciclos, as classes são compostas por uma média de 35 alunos e, nas
CIs, por no máximo 12 alunos.
Localiza-se em um bairro central e, por esta razão, recebe alunos de diversos
bairros vizinhos, conforme demonstram os cadastros e o índice de usuários de transporte
escolar ou particular, que o bairro não dispõe de transporte público próximo à escola.
Devido a sua localização central, o alunado, composto de filhos e dependentes de
profissionais liberais, autônomos, funcionários públicos, funcionários das grandes
indústrias da região, comerciários, profissionais do lar, auxiliares de serviços gerais,
desempregados etc. apresenta perfil sócio-econômico e instrucional diversificado.
No ano de realização dos projetos, a escola dispunha de biblioteca/laboratório
53
com acervo diversificado (enciclopédias; literatura; literatura infanto-juvenil;
vídeos/DVDs; CDs; revistas especializadas; jornais; gibis; mapas; atlas científicos e
geográficos; jogos e recursos didáticos como planisfério, sistema solar elétrico, balança,
microscópio, dorso humano, TV, videocassete, aparelho de DVD etc.) e laboratório de
informática com um computador para cada duas crianças, impressoras, webcam, scanner,
porém, na época, sem conexão via internet.
O quadro de professores, na ocasião, era composto dos professores regentes
polivalentes, uma professora responsável pelo laboratório de informática (que trabalhava
de forma integrada à sala de aula) e uma professora voluntária que desenvolveu um
trabalho de Arte-Educação. Deste quadro, 95% dos professores possuíam formação de
nível superior e os demais cursavam faculdades, programas de formação continuada ou
aguardavam aposentadoria.
52
Classes que atendem a crianças com necessidades especiais, integradas à escola regular.
53
Devido à municipalização do ensino do município de São Bernardo do Campo, a escola, que
anteriormente atendia aos e ciclos do Ensino Fundamental (5ª a séries) e Ensino Médio, passou a
atender somente os primeiros ciclos do Ensino Fundamental, incluindo os materiais do laboratório de
ciências no acervo da biblioteca.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
92
Os projetos
Os projetos foram desenvolvidos no ano de 2003, com a série do ciclo (4ª
série) pela própria pesquisadora, então professora polivalente da referida série, em uma
escola pública da rede municipal de São Bernardo do Campo - SP. Vale ressaltar que, na
ocasião do desenvolvimento dos projetos, a pesquisadora ainda não havia iniciado o
Mestrado. É somente depois desse início e depois do contato com as teorias de letramento
que desperta o interesse em pesquisar projetos temáticos relacionados à construção do
letramento. É importante salientar, também, que os projetos temáticos o tiveram essa
construção como objetivo. Nesse sentido, estamos analisando, do ponto de vista da
linguagem, da interação e do letramento, projetos que, deste ponto de vista, são pré-
teóricos e mais condizentes com o que correntemente é feito na pedagogia de projetos. O
que justifica a escolha destes trabalhos como objeto de pesquisa é a maneira incidental
como o letramento pode ocorrer em projetos temáticos e, portanto, contextualizados em
relação à realidade dos alunos e o interesse em conhecer as transformações necessárias
a esta prática pedagógica para que o letramento possa ser desenvolvido intencionalmente.
O projeto de OS, em sua terceira edição na escola, foi desenvolvido no primeiro
semestre do ano letivo, com sete turmas
54
, e o de Saúde/CBM, no segundo semestre,
somente com a turma da qual a pesquisadora (então professora) era docente polivalente.
Ambos se originaram de comportamentos dos alunos
55
que revelaram a
necessidade da abordagem dos temas propostos nos projetos. Embora o currículo escolar
incluísse conteúdos referentes aos temas dos projetos, a abordagem desses temas não
atingia a necessidade de formação de valores e mudança de comportamentos em relação à
problemática abordada pelos projetos. Como exemplo, podemos mencionar o conteúdo
de reprodução, pertencente à disciplina de Ciências (4ª série) que, embora integrante da
sexualidade, não garante a formação de valores e a abrangência social, afetiva, emocional
54
Isso se justifica por não ter havido, dentro do grupo de docentes, quem se dispusesse a dividir o trabalho
com a professora ou abordar o tema em sua classe, embora a proposta tivesse recebido boa aceitação. Para
não desenvolver o trabalho com uma única turma ou abordá-lo por diferentes concepções, ficou definido
que a mesma professora faria o trabalho com todas as quartas séries.
55
Orientação Sexual: escrita de bilhetinhos apaixonados, palavrões nas carteiras, paródias musicais
atribuindo conotação sexual às letras de canções.
Combatendo um bando malvado: vômitos, cólicas intestinais, ausência de hábitos de higiene ao usar o
banheiro ou ao se dirigir às refeições (merenda escolar).
CAPÍTULO 3 - Metodologia
93
etc. do tema sexualidade. Outro exemplo é o conteúdo parasitose, igualmente integrante
do conteúdo de Ciências, que aparece freqüentemente isolado das questões ambientais,
sociais, políticas e econômicas que determinam as condições de moradia, de infra-
estrutura sanitária, de informação e formação de hábitos de higiene que, por sua vez,
refletem-se nas condições de saúde e na qualidade de vida.
A abordagem desses temas por meio da pedagogia de projetos objetivou o
desenvolvimento de uma prática reflexiva, contextualizada nas necessidades dos alunos e
que extrapolasse a dimensão conceitual e transmissiva que domina a maioria das práticas
tradicionais, o que resultou em readaptações constantes no desenvolvimento dos projetos,
conforme pode ser observado na descrição dos projetos.
Embora ambos os trabalhos estejam pautados na pedagogia de projetos,
apresentam características bastante distintas entre si, tanto na elaboração como no
desenvolvimento
56
. Essa diferença é marcada, sobretudo, por questões de autoria: no OS,
mais centrada na professora e no CBM, com maior autonomia autoral do aluno. Isso se
justifica pela questão da discutibilidade (Golder, 1996) que diferencia os dois temas.
Desde o seu primeiro ano de realização na escola, o projeto de OS exigiu
cuidados especiais, que antecederam o seu desenvolvimento, como apresentação da
proposta à equipe docente e aos pais, que seria desenvolvido com todas as quartas
séries da escola, abordando um tema nem sempre encarado com naturalidade tanto por
professores como pelas famílias.
Essa apresentação foi feita por meio de uma palestra que justificou a abordagem
do tema, bem como salientou a necessidade da parceria família-escola e orientou os pais
sobre como lidar com dúvidas e comportamentos relativos à sexualidade dos filhos.
Nessa ocasião, os materiais utilizados no trabalho foram colocados em exposição para
apreciação dos pais e/ou responsáveis. Se, por um lado, o projeto OS necessitou de um
contato prévio com os pais, determinado pelas peculiaridades do tema central abordado,
por outro, o projeto CBM manteve contato com a família durante e depois de sua
realização, no sentido de divulgar os conhecimentos construídos.
As circunstâncias em que foram desenvolvidos os projetos nossos objetos de
estudo justificam o registro por meio de notas de campo, produções gráficas dos alunos
56
Ver descrição dos projetos.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
94
e fotografias, que, na ocasião em que ocorreram, o objetivo era somente registrar a
prática. Além disso, o projeto de OS apresenta uma particularidade que impossibilitou
sua gravação em vídeo ou áudio: por ser um tema que, muitas vezes, desperta
constrangimento, garantimos aos alunos a anonimidade das discussões. Além disso, o uso
da câmera de deo poderia acentuar a dificuldade de manifestação dos alunos, inerente
ao próprio tema.
Todas as etapas de ambos os projetos foram registradas, por meio de notas de
campo e de um diário, desde a elaboração, de maneira que o material de análise está
composto pelas propostas de atividades, as atividades realizadas, as notas de campo sobre
como transcorreram as atividades, as produções dos alunos e fotos. Esse material foi
organizado de acordo com a ordem dos acontecimentos em cada projeto e constitui o
corpus sobre o qual realizaremos uma análise documental.
Nos dois próximos tópicos apresentamos a descrição dos projetos e das atividades
desenvolvidas em cada um deles.
3.6. O projeto de Orientação Sexual
57
O projeto OS foi desenvolvido nos anos de 2001, 2002 e 2003, com as quartas
séries de uma escola pública central, da rede municipal de São Bernardo do Campo SP,
semanalmente, durante um semestre.
Pautado nos Temas Transversais propostos pelos PCNs (1997), teve como
objetivo geral contribuir para que os alunos pudessem desenvolver e, futuramente,
exercer sua sexualidade com prazer e responsabilidade.
Para elaboração do projeto e implementação do trabalho, realizamos uma pesquisa
teórica sobre o tema sexualidade, sua abordagem educacional e outras experiências de
Orientação Sexual em escolas.
O trabalho foi desenvolvido, conforme orientação do PCN Temas Transversais,
em três eixos temáticos: Corpo: matriz da sexualidade; Relações de Gênero e Prevenção
a DST e AIDS. Para o desenvolvimento de cada um deles, realizamos um levantamento
da bibliografia infantil disponível na escola e no mercado, bem como uma seleção,
considerando aspectos como estereótipos, preconceitos, valores, veracidade e atualização
57
O quadro-síntese com as atividades desenvolvidas no projeto encontra-se no Anexo.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
95
da terminologia e informações. Além dessa bibliografia infantil, foram utilizados jogos,
letras de músicas, propaganda impressa, gráficos, dorso humano, dinâmicas, etc. O
trabalho foi desenvolvido utilizando textos e suportes autênticos, alguns deles sem
objetivo didático ou relação direta com o tema sexualidade, mas que, contextualizados,
possibilitaram sua utilização nesse tema.
Os fundamentos teóricos, objetivos e materiais utilizados no projeto foram
apresentados aos pais, na ocasião de uma palestra que propunha um trabalho de parceria
entre família e escola na orientação sexual dos alunos e abordava temas como:
o desenvolvimento (construção) da sexualidade;
quem faz a orientação em casa;
quando e como orientar;
a influência da mídia na construção da sexualidade;
jogos corporais;
masturbação;
educar para a prevenção de abuso sexual;
como falar de AIDS (DSTs) com as crianças.
Os pais receberam ainda uma bibliografia comentada, constando de livros de
apoio, tanto para a leitura com crianças e adolescentes, quanto para leitura adulta.
O desenvolvimento do projeto com os alunos considerou suas expectativas e
conhecimentos prévios sobre o tema, levantados em sondagem. Pelas respostas à
pergunta O que você imagina que vamos estudar em orientação sexual?” pudemos
perceber alguns aspectos que nortearam o início do trabalho:
os alunos têm acesso ao léxico relacionado ao tema sexualidade, mas
nem sempre conhecem seus significados;
forte predominância de termos relacionados ao eixo temático
Corpo: matriz da sexualidade, seguido do eixo Prevenção às DSTs e
AIDS e quase não há menção ao eixo Relações de Gênero.
Os dados apontados nesse segundo aspecto justificaram a ordem de abordagem
dos temas, sendo que o primeiro encontro após a sondagem tratou da construção e
registro das regras de funcionamento do grupo, não entrando ainda no tema em questão.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
96
Como produtos finais, realizamos campanhas de solidariedade em prol de casas de
apoio a portadores do vírus HIV e AIDS e, em 2001, um álbum de figurinhas com
desenhos legendados feitos pelos alunos; em 2002, um livro sobre o que foi aprendido
com o projeto, com uma seleção de textos e desenhos dos alunos; em 2003, um glossário
com termos definidos pelos alunos e um momento de realização dos jogos trabalhados no
projeto com as famílias.
Atividades desenvolvidas na realização do projeto
Corpo: matriz da sexualidade:
1. Sondagem sobre as expectativas dos alunos sobre o tema (lista registrada na lousa
pela professora);
2. Construção coletiva de regras de funcionamento do grupo e registro em cartaz
(professor como escriba);
3. Leitura (da professora) do livro A curiosidade premiada”. Questionamento (da
professora aos alunos) sobre os objetivos daquela leitura.
4. Montagem de quebra-cabeças (pelos alunos) de uma menina e um menino nus.
Observação do molde vazado. Exploração oral: Qual é o menino? Que dados você tem
para saber isso? Qual é a menina? Como você sabe? Discussão sobre estereótipos (cabelo
comprido / cabelo curto, roupas etc.). Colocação das peças. Checagem das hipóteses.
5. Exploração oral sobre a provável idade das crianças, semelhanças e diferenças
entre os organismos masculino e feminino, sondagem sobre as transformações corporais
que sofrerão.
6. Termos populares: cada grupo registra em uma folha os nomes populares que
conhece para pênis, vagina, relação sexual, menstruação, gravidez. Leitura na roda
(voluntária) dos “apelidos” registrados. Discussão sobre em que ocasião usamos apelidos
e nomes científicos. Combinado sobre o uso do termo científico no nosso trabalho,
CAPÍTULO 3 - Metodologia
97
podendo o “apelido” ser usado na intimidade familiar ou quando esquecer o nome
científico. Observação de que a professora sempre usará, na aula, o termo científico.
7. Exploração oral de pranchas ilustradas mostrando as transformações corporais no
menino e na menina na infância, adolescência e idade adulta (incluindo aspectos da
higiene corporal). Estabelecimento de relação entre cada fase da vida e interesses e
responsabilidades daquela fase.
8. Registro em folha dos interesses e responsabilidades de cada fase da vida (em
grupo). Apresentação na roda. Discussão entre os grupos. Concordâncias e discordâncias
sobre alguns pontos. Distinção entre puberdade e adolescência (explicação da
professora).
9. Leitura (da professora) de parte do livro O que está acontecendo comigo?Para
cada assunto abordado no livro (pêlos no corpo, mudança de voz, menstruação, produção
de espermatozóides, polução noturna, desenvolvimento dos seios, etc.), a antecipação
com os alunos. O livro procura apresentar a puberdade como um fenômeno universal e
independente de cultura, raça, credo etc. A leitura é sempre interrompida para esclarecer
dúvida dos alunos. A professora repassa as dúvidas para o grupo, pedindo que o grupo
ajude a construir uma resposta ou tenta realizar esta construção gradativamente com o
grupo.
10. Leitura (da professora) de texto Cinderela, cravo e canela” sobre a
universalidade dos incômodos e desconfortos da puberdade. (O texto trata do personagem
dos clássicos infantis, Cinderela, casada com o príncipe, ajudando uma menina de 10
anos a encarar os transtornos da puberdade).
11. Preenchimento de questionário (em grupo), comparando as situações descritas
pela menina do texto e situações vivenciadas pelos alunos. Apresentação no grupo
(voluntária).
CAPÍTULO 3 - Metodologia
98
12. Observação, descrição de pranchas ilustradas mostrando momentos da vida social
dos adolescentes. Discussão sobre uma cena de beijo em uma das pranchas. Temas
surgidos na discussão: “ficar” ou namorar? O que diferencia “ficar” de namorar?
Manifestação de valores transmitidos pelas famílias, alguns aceitam outros rejeitam tais
valores. Relação com programas televisivos em que os personagens “ficam”. De modo
geral, as crianças diferenciam “ficar” e namorar pela presença ou ausência de
compromisso.
13. Leitura (da professora) do livro Educação Sexual”. Exploração oral das
ilustrações. Relação entre o conteúdo deste livro e do outro lido anteriormente (O que
está acontecendo comigo?). Ilustração do parto: discussão no grupo sobre tipos de parto,
nascimento prematuro, aborto (espontâneo e provocado) e leis sobre aborto no Brasil.
14. Retorno às pranchas ilustradas que abordam os temas já antecipados nos livros
(relação sexual, ato sexual, concepção e contracepção, fecundação e gravidez).
Exploração oral dos desenhos, relacionando-os às leituras anteriores. Surgiram muitas
perguntas sobre gêmeos, ereção, sexo anal, destino dos espermatozóides dentro do
organismo, alimentação do bebê no útero, espaço para os gêmeos dentro do útero, etc. Os
temas surgidos com as perguntas foram “devolvidos” às crianças para verificação de seus
conhecimentos prévios a respeito do que perguntavam. As respostas foram construídas no
grupo, considerando o nível de entendimento e explorando o significado das palavras,
conforme sua origem e seu contexto, como no caso de “ereção” (que se origina de ereto),
“anal” (que se origina de ânus) e sexo, que dependendo do contexto pode significar os
gêneros masculino ou feminino (como numa ficha cadastral) ou pode significar relação
sexual (fazer sexo).
15. Relato oral (dos alunos) sobre o que podem notar nos diversos estágios de
formação do bebê, a partir da observação das pranchas ilustradas.
16. Observação e descrição (dos alunos) das pranchas ilustradas que mostram o parto
normal e a cesariana. Exploração das diferenças e semelhanças entre os dois tipos de
CAPÍTULO 3 - Metodologia
99
parto. Discussão sobre cordão umbilical, cesariana marcada com antecedência,
implicações de cada tipo de parto para o bebê e para a mãe.
17. Discussão sobre outras formas de constituir família e diferentes tipos de família.
Relato dos alunos sobre suas configurações familiares (presença de padrasto, madrasta,
avós, irmãos de outras uniões dos pais).
Relações de Gênero:
18. Sondagem com os alunos sobre como o fato de sermos homem ou mulher
determina nossas ações e comportamentos.
19. Histórias que me contaram”: relato (dos alunos) de provérbios, ditos populares
ou histórias que ouviram sobre ser homem e ser mulher. Registro (pela professora) na
lousa. Discussão sobre como (e se) ações ou costumes afetam a masculinidade ou
feminilidade de uma pessoa. Depoimentos dos alunos sobre igualdade na divisão de
tarefas, brincadeira, uso de brincos.
20. Leitura (pela professora) do livro Menino brinca de boneca?”. Discussão sobre
estereótipos e preconceitos impostos pela sociedade. Comparação entre a rotina de um
pai e uma mãe que trabalha fora (relato de um aluno) e análise de um dia da agenda dos
pais apresentado no livro. Elaboração da conclusão em grupo: dupla jornada de trabalho
da mulher.
21. Análise de dois gráficos mostrando a situação do mercado de trabalho para o
homem e para a mulher, em termos de desemprego e rendimentos salariais. Os alunos
compararam os dois gráficos, relataram a desvantagem da posição da mulher em relação
à do homem no mercado de trabalho. Surgiu uma discussão sobre a história do “Dia
Internacional da Mulher” e conquistas trabalhistas já alcançadas pelas mulheres.
22. Mensagens dos meios de comunicação: Como atividade para casa, foi solicitado
aos alunos que observassem comerciais de TV e recortassem de revistas anúncios que
CAPÍTULO 3 - Metodologia
100
utilizavam uma abordagem sexual e/ou erótica para divulgar produtos. Os alunos
relataram alguns comerciais e debateram sobre a exploração, principalmente, do corpo da
mulher na propaganda televisiva. Os recortes de anúncios foram colados em um painel
para análise e discussão. Exploramos principalmente a linguagem visual utilizada no
anúncio e procuramos relacioná-la com o produto anunciado. Muitos alunos verbalizaram
sua conclusão de que a sexualidade é explorada não nos comerciais de carro e cerveja,
mas em diversos produtos como edredom, perfume, jóia, cueca, maquiagem, toalha etc.
Observaram que a grande maioria dos anúncios envolvia mulheres, na maior parte das
vezes seminuas e que nem sempre o produto anunciado se relacionava com nudez.
A atividade das mensagens dos meios de comunicação foi relacionada a um texto
(História em Quadrinhos) do livro didático de língua portuguesa, que mostrava uma
adolescente que folheava uma revista e imaginava os maridos bem sucedidos que
conquistaria se usasse o batom ali anunciado. Para nortear a discussão propusemos duas
questões: que imagem de mulher é transmitida?” e “que imagem de homem é
passada?”.
23. Letras de canção que falam sobre a mulher: ouvimos a música “Garota de
Ipanema”. Discutimos sobre os autores, o que mais conhecíamos desses autores, em que
época foi composta a música, para quem foi composta, etc. Para análise da letra da
canção, distribuída aos alunos, colocamos as seguintes perguntas: 1) De que a música
fala? 2) A música retrata a mulher de uma forma positiva ou negativa (pejorativa)? 3) O
que leva a essa conclusão? 4) referências ao corpo da mulher? 5) Essa referência é
feita de forma grosseira, romântica? 6) A que os autores comparam a mulher retratada
na música? 7) Vocês conhecem outras músicas que falam da mulher, mas de forma
negativa ou pejorativa? 8) Nesse tipo de música, a que a mulher é comparada? Os
alunos citaram o funk como exemplo de depreciação do sexo feminino, retratação da
mulher como objeto sexual e comparação com animais.
24. Atividade em grupo misto: Os alunos registraram e depois discutiram no grupo as
seguintes questões: 1) Gosto de ser menino porque... 2) Gosto de ser menina porque... 3)
CAPÍTULO 3 - Metodologia
101
Não gosto de ser menino porque... 4) Não gosto de ser menina porque... As respostas
trouxeram muitos preconceitos e estereótipos de gênero que foram debatidos no grupo.
Prevenção a DSTs e AIDS
25. Sondagem: O que nós sabemos sobre as DSTs e a AIDS?”. Registro (da
professora) na lousa.
26. Leitura (da professora) de uma história em quadrinhos sobre as formas de
contaminação pelo vírus HIV e sua diferença da AIDS, doença manifestada. A leitura
foi intercalada por explicações, visualização dos desenhos do texto e discussão das
dúvidas ainda existentes sobre o vírus e a contaminação, AZT, tratamentos, casas de
apoio, doenças oportunistas etc.
27. Construção coletiva e registro (da professora) das formas de prevenção às DSTs e
AIDS, a partir das discussões sobre a forma de contaminação.
28. Leitura (da professora) do livro “Daniel e Letícia - falando sobre AIDS”. (conta a
história de um menino que nasceu contaminado pela AIDS e, com isso, conheceu o que é
o preconceito e a solidariedade). Discussão sobre a AIDS em crianças (expectativa de
vida) ou em pessoas de qualquer idade, religião, raça, condição econômica etc.,
desinformação gerando preconceito, discussão sobre solidariedade.
29. Jogo da solidariedade: encarte do livro Daniel e Letícia falando sobre AIDS”.
Jogo de percurso em que os jogadores avançam ou retornam de acordo com suas atitudes
em relação a uma criança contaminada pela AIDS. (Em grupos mistos).
30. Jogo Zig-Zaids: (Jogo de percurso sobre Aids, formas de prevenção,
contaminação e tratamento, com cartelas informativas e perguntas sobre o tema. O
vencedor é quem completa o percurso primeiro e tem como prêmio um preservativo).
Apresentação (professora) da caixa do jogo, identificando o fabricante (FIOCRUZ),
peças componentes, etc. Leitura (da professora) das regras do jogo, adaptação coletiva
CAPÍTULO 3 - Metodologia
102
das regras para o uso com toda a turma dividida em duas equipes. Cada equipe escolhia
um componente para ler cada carta de informação ou pergunta.
31. Preservativo: Antes de premiar a equipe vencedora com o preservativo, fizemos
uma análise da embalagem, sondando com os alunos: preço, fabricantes, onde pode ser
adquirido, de que é feito, o que deve ser observado na embalagem (selo de garantia de
algum órgão fiscalizador de qualidade, data de validade, condições da embalagem).
Leitura das instruções de uso do preservativo e abertura da embalagem.
32. Produção de slogans para uma campanha de conscientização e prevenção às
DSTs e AIDS entre as quartas séries. Apresentação (da professora) de slogans
publicitários como modelos para os alunos.
3.7. Projeto Combatendo um Bando Malvado.
O projeto “Combatendo um bando malvado” foi desenvolvido com o 2
o
ano do 2
o
ciclo do Ensino Fundamental (4
a
série) da mesma escola central da rede municipal de São
Bernardo do Campo SP, mencionada anteriormente. Teve como eixo central os temas
transversais Saúde e Meio Ambiente, propostos pelos PCNs, e desenvolveu-se de forma
interdisciplinar e transversal às disciplinas do currículo tradicional.
Partiu da iniciativa da professora, após observação de hábitos pouco higiênicos
como merendar no chão e não lavar as mãos antes das refeições, de constantes queixas de
náuseas e cólicas intestinais e de manchas nos rostos dos alunos.
Após enfatizar a importância dos hábitos de higiene e da realização anual de
exames de fezes para o controle e prevenção às verminoses, o tema foi abordado na
disciplina de ciências e em reunião de pais. Entretanto, não houve mudança significativa
no comportamento dos alunos, bem como nas queixas apresentadas, o que despertou o
interesse da professora em desenvolver um trabalho que possibilitasse ao aluno refletir
sobre seus hábitos de higiene, suas atitudes diante de ações simples e preventivas
passíveis de serem desenvolvidas tanto em casa quanto na escola, e a relação entre meio
ambiente e saúde.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
103
O trabalho teve como objetivos gerais: envolver o aluno na busca da informação;
valorizar outras fontes de informações além do livro didático e da escola; valorizar o
aluno como responsável na sua aprendizagem; estabelecer comparações e relações entre
as diferentes fontes de informação; utilizar formas diversificadas de registro e
organização das informações pesquisadas; promover mudança de atitudes a partir de
novos conhecimentos, visando uma vida saudável; capacitar os alunos para atuar na
sociedade escolar em favor da melhoria das condições de saúde individual e coletiva.
E como objetivos específicos:
Compreender que a saúde é um conceito dinâmico, de construção permanente,
individual e coletiva.
Perceber a saúde como resultado das relações entre meio físico, econômico,
social e cultural.
Conhecer a ação dos vermes em nosso organismo.
Conhecer as formas de contaminação.
Identificar sintomas das verminoses.
Conhecer possibilidades de diagnóstico e tratamento das verminoses.
Conhecer e adotar atitudes de prevenção às verminoses.
Analisar as próprias atitudes em relação à promoção e preservação da saúde
individual e coletiva.
Avaliar a sua realidade ambiental, verificando exposição aos riscos de
contaminação por verminoses.
Perceber as relações existentes entre verminoses e higiene, entre verminoses e
alimentação e entre verminoses e ausência de saneamento básico.
Perceber-se como co-responsável pela preservação de saúde individual e
coletiva.
Reconhecer a importância do exame de saúde periódico como fator de
proteção à saúde e incentivar a sua prática no meio familiar.
Colaborar com a conservação da limpeza do ambiente escolar e residencial,
incentivando a ampliação desta atitude a outros ambientes públicos, para que
se torne uma prática de vida.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
104
Evitar situações que arrisquem sua saúde ou dos que vivem ao seu entorno.
Promover a socialização de informações e atitudes preventivas às verminoses
e doenças de maneira geral.
O trabalho teve duração de dois meses e meio e procurou envolver a comunidade
escolar e familiar, ao investigar as atitudes do próprio grupo com relação à prevenção às
verminoses, ao valorizar o conhecimento popular como fonte de informação e ao utilizar
diferentes formas de divulgação (os produtos finais) das informações e conhecimentos
adquiridos.
Como produtos finais foram confeccionados jogos de regras, que foram utilizados
juntamente com outras turmas; panfletos informativos, distribuídos a toda a escola e
apresentações de música e peças teatrais para os demais alunos da escola. A elaboração e
realização desses produtos finais constituíram boa parte do projeto, envolvendo novas
pesquisas e consulta aos registros feitos durante o desenvolvimento do projeto,
organizados em portfólio.
A ordem em que as atividades de confecção e/ou apresentação dos produtos finais
aparecem descritas aqui não correspondem a uma seqüência gida, uma vez que muitas
dessas atividades ocorreram simultaneamente.
É importante acrescentar que esse projeto não foi escrito ou definido previamente,
mas no seu decorrer, passando por algumas modificações, em função do interesse dos
alunos e dos objetivos elencados coletivamente.
Atividades desenvolvidas:
1. Leitura (da professora) do livro Um bando malvado
58
(narrativa de aventura /
divulgação científica). Sondagem com os alunos sobre quem seria o bando malvado. Os
alunos levantam hipóteses relativas a violência urbana e corrupção. À medida que se
desenvolve a leitura, a professora checa as hipóteses com os alunos, que acabam por
refutá-las.
58
Um bando malvado, 1986. Estelina S. do Nascimento & Ana Lúcia M. de Rezende. Ilustrações: alunos
da 3
a
e 4
a
séries do 1
o
grau. Belo Horizonte: Graphilivros Editores Ltda. Conta uma história divertida
envolvendo um grupo de vermes que planeja um ataque às crianças, mas é detido por um menino muito
esperto, que descobre o plano de ataque dos vermes.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
105
(Os alunos se interessaram pelo fato do livro ter sido escrito com a participação de
crianças de 3
a
e 4
a
séries e também quiseram produzir um livro).
2. Discussão sobre o que é necessário para se produzir um livro. Listagem do que
seria necessário para produzir um livro sobre o tema em questão. Conclusão de que os
conhecimentos sobre o tema não eram suficientes para compor um livro. Era preciso,
também, obter maiores informações sobre características físicas dos “personagens” do
livro (os vermes), já que pretendiam produzir um livro ilustrado.
3. Listagem das prováveis fontes de consulta sobre as informações necessárias
(livros didáticos, enciclopédias, internet, revistas especializadas e panfletos de postos de
saúde) a partir da pergunta “Onde podemos encontrar informações sobre verminoses?
(A palavra onde usada na pergunta gerou dupla interpretação, ocorrendo respostas
referentes a lugares físicos, como “na biblioteca”, “na escola”, “em casa”, necessitando
sua reformulação, para que se sondasse o suporte do texto que dispunha de tais
informações).
4. Delimitação das verminoses que seriam estudadas (as mesmas referidas no livro
lido pela professora) e abertura de inscrições para os grupos que aprofundariam a
pesquisa em cada verminose. Estabeleceu-se o acordo de que o levantamento das fontes
de pesquisa seria feito por todos os grupos e sobre todos os vermes selecionados.
(Posteriormente, os grupos poderiam trocar o material entre si).
5. Definição coletiva do roteiro de pesquisa:
nome popular do verme;
nome científico;
o que ele provoca nas pessoas;
formas de contaminação;
sintomas;
exame feito para detectar;
tratamento;
CAPÍTULO 3 - Metodologia
106
prevenção e informações adicionais. Verbetes?
(Para se chegar a este roteiro, as sugestões dos alunos foram listadas e
posteriormente foi verificada a relevância dos itens, o que poderia ser unido em um único
item, o que estava repetitivo etc. Alguns grupos questionaram a semelhança de
informações entre os itens o que provoca nas pessoas e sintomas, mas decidiu-se pela
permanência dos dois itens diante da argumentação de um grupo de que nem sempre os
“estragos” que uma verminose pode provocar em uma pessoa é manifestado como
sintoma).
6. Levantamento do material de pesquisa, em casa e na biblioteca da escola.
7. Pesquisa em grupo, em sala de aula. (Os grupos trocaram os materiais de acordo
com as suas necessidades). A pesquisa foi orientada pela professora por meio da
discussão com cada grupo sobre a seleção de informações relevantes, a construção de
texto com planejamento (o roteiro) e o trabalho em equipe.
8. Apresentação da pesquisa e conclusões do grupo para o restante da classe, por
meio de leitura oral das informações coletadas.
9. Transcrição das informações obtidas pelos grupos para uma tabela (na lousa),
seguindo o roteiro de pesquisa. A professora foi a escriba.
Reprodução e distribuição da tabela constando as informações sobre todas as
verminoses pesquisadas para cada grupo. A tabela, juntamente com outros textos
fotocopiados de fontes de consulta, integraram o portfólio, usado tanto como registro do
trabalho, quanto como material de consulta. Exploração (oral) da professora sobre a
função do portfólio (fonte de consulta e acompanhamento do processo de pesquisa).
Enquanto as verminoses iam sendo apresentadas, muitos alunos relatavam a
presença dessas doenças em algum membro da família. A professora propôs investigar a
incidência de verminoses nas famílias dos alunos e a proposta foi acolhida. Após
sondagem com os alunos sobre a melhor forma de realizar essa pesquisa com a família,
decidiu-se pela entrevista, que foi elaborada na sala de aula.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
107
10. Pesquisa sobre a ocorrência destas doenças nas famílias da classe, por meio de
entrevista, elaborada coletivamente, constando os seguintes itens:
número de pessoas que vivem na casa;
número de pessoas que já apresentou cada um dos vermes pesquisados;
época do último exame preventivo: até 1 ano atrás; entre 1 e 2 anos; entre 2 e
3 anos; entre 3 e 4 anos; entre 4 e 5 anos; há mais de 5 anos; nunca fizeram.
medidas adotadas pela família para não se contaminar por vermes.
Os itens constantes da entrevista resultaram da listagem de todos os itens citados
pelos alunos e posterior análise coletiva da relevância de cada um e do agrupamento
daqueles que se repetiam.
11. Tabulação das informações e organização dos dados em gráficos, utilizando
recursos de informática. (Material anexado ao portfólio). Essa atividade foi realizada
parte na sala de aula tabulação, e parte no laboratório de informática, onde os alunos
tiveram contato com o programa (Excell) apropriado à organização de dados em gráficos
e com os diversos tipos de gráficos e suas especificidades. A atividade foi realizada em
dupla e cada grupo editou 3 tipos de gráficos (verminoses ocorrentes nas famílias, tempo
do último exame preventivo e cuidados mais freqüentes na prevenção às verminoses).
12. Análise dos gráficos para identificação de:
verme de maior incidência nas famílias;
existência de famílias que nunca haviam feito um exame;
medidas simples de prevenção que nem sempre eram adotadas pelas famílias.
13. Conversa sobre as condutas relativas à higiene na escola e reflexão sobre que
atitudes preventivas poderiam ser adotadas. (Dentre as sugestões apontadas foram
verificadas quais estavam ao alcance. Estas foram registradas em um cartaz e afixadas na
parede da classe. Um sabonete líquido passou a ficar à disposição de quem fosse ao
banheiro e na hora do recreio era levado para a lavação das mãos antes da merenda. A
cada dia um aluno ficava responsável por distribuir o sabonete e guardá-lo novamente. Os
CAPÍTULO 3 - Metodologia
108
próprios alunos colaboravam para repor o conteúdo do frasco. Foi combinado que seria
usado somente a mesa para fazer as refeições, deixando de fazê-las sentados no chão.)
Na época em que era desenvolvida a pesquisa, o jornal de maior circulação na
cidade - Diário do Grande ABC - e a revista VEJA São Paulo trouxeram textos
envolvendo a poluição e construção em áreas de mananciais da Represa Billings, que
abastece a região. Esses textos foram reproduzidos e integraram os portfólios.
14. Leitura dos textos:
Veja São Paulo 30/10/02: AMBIENTE Veneno sem fim A poluição
das represas Billings e Guarapiranga seria bem menor se as prefeituras do
ABC utilizassem estação de tratamento de esgotos.;
Diário do Grande ABC (Diarinho Espaço Verde) 17/11/2002: Billings
usa ¼ da sua capacidade;
Diário do Grande ABC (Setecidades) 19/11/02: “Billings 2002” quer
desenvolvimento sustentável da bacia.
Os textos foram lidos um a cada semana e explorados oralmente sobre as
informações referentes ao trabalho, sobre a relação entre meio ambiente e saúde;
condições de vida, e medidas governamentais já adotadas ou negligenciadas.
Paralelamente a essa exploração, verificou-se o suporte de cada texto, sua
periodicidade, sessão em que traz os textos, aspectos específicos da manchete (recursos
visuais, tempo verbal), diagramação de cada texto, forma composicional, linguagem
multimodal (mapas, fotos etc.).
15. Observação do vídeo ESQUISTOSSOMOSE” (TV Escola série Vídeo
Saúde). Discussão sobre os aspectos observados no filme, relação entre o que foi
pesquisado sobre essa verminose e o filme. Exploração oral sobre as relações entre o
filme e a reportagem sobre a Represa Billings (Veja – São Paulo, 30/10/02).
Ao assistirem o filme, as crianças sabiam que relacionariam seu conteúdo aos
problemas de mau uso da Represa Billings. No entanto, a professora deixou a critério dos
alunos anotar ou memorizar as informações condizentes com os textos trabalhados.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
109
16. Produção de texto dissertativo relacionando o vídeo às reportagens sobre a
situação da Represa Billings. (Em grupo).
Outro texto jornalístico (Diário do Grande ABC Setecidades - 20/11/02:
Crianças fazem aula sem banheiro) mostrava as péssimas condições sanitárias em que
algumas crianças de um dos municípios do ABC estavam submetidas, utilizando o mato
como sanitário, por falta de banheiro no container que substituía a escola.
A introdução dos textos jornalísticos (reportagem e notícia) e do vídeo teve como
objetivos: ampliar informações sobre a relação entre saúde e meio ambiente; aproximar o
tema estudado à realidade da região; possibilitar a reflexão sobre medidas individuais,
coletivas e governamentais a respeito da preservação da saúde; valorizar este suporte
59
de
texto como fonte de informação e consulta e, no caso específico do vídeo, conhecer a
evolução, a forma de contaminação e os efeitos, para o organismo, de um dos parasitas
que contamina a água da represa que abastece a região do ABC paulista.
17. Leitura do 4
o
texto e discussão sobre a importância de medidas conjuntas
(população e órgãos do governo) na prevenção e combate a muitas doenças, dentre elas
as verminoses. Essa atividade possibilitou uma discussão de ordem política, pois, embora
todos concordassem com a falta de condições das “classes de lata”, como são conhecidos
os containeres, alguns alunos achavam mais prudente suspender as aulas. Outros
achavam que, não havendo escolas suficientes, o container era melhor que ficar sem
escola. Esses pontos de vista foram expostos e coube à professora trazer a discussão para
a questão das condições sanitárias, todas as vezes que a discussão se desviou do foco de
estudo.
Preocupados em como incluir as novas informações no produto final, um dos
grupos questionou a produção do livro, alegando que era necessário fazer algo mais
59
Sabemos que muitos autores consideram o jornal como um gênero. Entretanto, estamos considerando o
jornal como um suporte de vários gêneros.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
110
barato, que pudesse ser divulgado a todos os alunos da escola, pois o assunto era de muita
importância para ficar restrito a uma única turma. Além disso, o tempo de preparo se
tornava restrito com a aproximação do término do semestre letivo. Após algumas
sugestões, os grupos optaram por encenação de roteiros teatrais criados pelo próprio
grupo ou adaptado do livro trabalhado, bem como a apresentação de música composta
por um dos grupos.
A classe estava familiarizada com apresentações teatrais promovidas dentro da
escola (com grupos profissionais) ou em teatros do município. A partir de proposta da
professora, foram listadas as providências necessárias às apresentações (criação de
roteiro, figurino, cenário etc.), considerando as informações sobre os vermes estudados.
Cada grupo fez a sua escolha por teatro ou música. Por votação, os grupos decidiram que
o figurino se restringiria à máscara, devido ao curto tempo destinado ao preparo.
18. Confecção das máscaras para o teatro, considerando as características
estudadas e o aspecto visual do verme.
Todos os grupos participaram da confecção das máscaras. Cada grupo criou a
máscara referente ao verme pesquisado e todos os grupos utilizaram as mesmas máscaras
nas apresentações.
19. Redação de roteiro teatral (elaborado pelo grupo), composição de letra de
canção e adaptação do livro lido para peça teatral, de acordo com a escolha de cada
grupo. (Essa atividade recebeu maior atenção da professora, agendando as orientações de
cada grupo, enquanto os outros concluíam a confecção das máscaras). Para alguns grupos
foi necessário modelizar um roteiro teatral, pois a marcação das vozes dos personagens se
apresentava pouco definida ou, às vezes, se misturava à do narrador.
Com essas atividades foi necessário mobilizar conhecimentos novos e pré-
existentes para expressar o conteúdo estudado de forma plástica e cênica; transcrever um
texto mudando o gênero; redigir um roteiro teatral; utilizar o portfólio como fonte de
consulta e organizar uma encenação.
CAPÍTULO 3 - Metodologia
111
20. Sondagem sobre o texto panfleto informativo (de postos de saúde). Observação de
panfletos informativos sobre diferentes temas, análise da construção composicional e
linguagem utilizada nesse texto: Os alunos observaram que esse texto apresenta
linguagem fácil, mensagem objetiva e recursos visuais.
21. Levantamento (oral) das informações importantes para um panfleto informativo
sobre verminoses. Informações selecionadas após listagem e análise de relevância:
O que são verminoses?
O que as verminoses podem nos causar?
Como os vermes entram no nosso corpo?
Onde os vermes se instalam em nosso organismo?
Como evitar as verminoses?
22. Produção (em classe e em grupo) de panfleto informativo.
23. Edição do panfleto no laboratório de informática, após pesquisa de figuras para
inserção no texto, a título de recurso visual. Durante a edição, as crianças foram
aprendendo (com orientação da professora especializada) e descobrindo recursos dos
programas que melhor caracterizavam o texto produzido, como marcadores de itens,
formatação em colunas, inserção de figuras, formatação de fontes etc.
24. Apresentação do trabalho de cada dupla (no monitor do laboratório de
informática) e eleição do melhor panfleto (considerando informações, formatação e
recursos visuais) para ser reproduzido e distribuído à comunidade escolar.
Pela falta de espaço físico para todos os grupos ensaiarem suas apresentações
simultaneamente, organizou-se um rodízio. Um dos grupos que se encontrava em fase
mais avançada na preparação da apresentação sugeriu a confecção de jogos sobre o tema.
A sugestão foi considerada uma boa oportunidade de vivenciar os conhecimentos
CAPÍTULO 3 - Metodologia
112
adquiridos, envolver alunos que não se adaptavam à encenação, além de relacionar
conhecimentos de diversas áreas.
Todos os grupos aderiram à confecção dos jogos, que envolviam percurso; cartas
informativas e de perguntas; dados; e uma paródia do programa Show do Milhão (SBT),
com perguntas específicas sobre verminoses.
25. Sondagem sobre as informações constantes em um jogo, desde a sua embalagem.
Observação de modelos de jogos diversos. Relação das informações constantes de jogos
de regras: tabuleiro; listas de peças; informações sobre o fabricante; indicação de faixa
etária adequada; regras de uso e, eventualmente, cartas com informações e / ou perguntas
e comandas de avanço ou recuo dentro de um percurso.
26. Confecção dos jogos, mobilizando conhecimentos de geometria, desenho, língua
portuguesa e das próprias informações e conhecimentos adquiridos e construídos com o
desenvolvimento do trabalho.
27. Confecção da caixa do jogo contendo as informações necessárias à embalagem
do produto (analisada anteriormente).
28. Apresentação dos números ensaiados (teatro / música) às demais turmas do turno
escolar e subseqüente distribuição dos panfletos informativos.
29. Sessão de jogos com a 3
a
série, em que os produtores do jogo explicavam as
regras e monitoravam os grupos formados por outras classes que não participaram do
projeto.
Nos capítulos seguintes, abordamos a análise dos dados descritos neste capítulo,
considerando os eventos de letramento, os gêneros que circularam e como foram
abordados.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
113
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DOS DADOS
Neste capítulo, apresentamos a análise dos projetos Orientação Sexual e
Combatendo um Bando Malvado, objetos desta pesquisa. Para nortear esta análise,
retomamos as categorias de análise descritas no capítulo três.
4.1. Natureza dos projetos
Projeto Orientação Sexual
Conforme estudo realizado no capítulo dois, o trabalho de Orientação Sexual
apresenta características oriundas do contexto e das condições específicas em que se
desenvolveu. Por se tratar de tema que, algumas vezes, gera desconforto aos professores,
recaindo em uma abordagem exclusivamente orgânica do tema, a iniciativa de se
trabalhá-lo, tal como proposto pelos PCNs
60
, em uma das turmas foi expandida a outras
turmas, num consenso entre equipe docente e direção da escola que, o encontrando
outros profissionais que se disponibilizassem a abordar o tema, optou pelo
desenvolvimento do trabalho por uma mesma professora com todas as turmas, gerando
uma reorganização da rotina da série (série destinatária do trabalho). Essa
reorganização, por sua vez, deu ao trabalho características peculiares tanto na forma de
transversalizar o tema, remetendo-nos à questão metodológica discutida no capítulo dois
(como colocar os temas transversais em prática?), quanto na sua estruturação como
projeto de trabalho.
Neste sentido, observamos que a transversalidade, neste trabalho, não caracterizou
um tema social que perpassasse diferentes disciplinas, sem constituir um novo conteúdo
ou disciplina. Ao contrário, ao ser trabalhado com dia e hora marcados e por uma
professora específica, com exceção da turma em que a própria professora era a regente, o
trabalho com a Orientação Sexual ganhou um status de disciplina, ainda que pelo período
restrito ao seu processo de desenvolvimento (cerca de 4 meses), conforme referendado
pelos próprios alunos, que se referiam ao trabalho como “aula de Orientação Sexual”. No
60
Os PCNs (1997) sugerem a abordagem do tema sexualidade em três eixos: Corpo: matriz da
sexualidade; Relações de gênero e Prevenção às Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
114
entanto, apesar desta característica, o trabalho rompeu com os limites entre as disciplinas,
e as colocou a serviço do estudo de um novo conhecimento. Ao invés de o tema perpassar
as diferentes disciplinas, elas é que perpassaram o tema.
Esta forma de se viabilizar a abordagem de um tema transversal foi de encontro às
divergências teóricas sobre sua organização no currículo, conforme discutido no capítulo
dois, e se apoiou no dizer de Gavídia (2002) de que a importância dos temas transversais
está na sua abordagem em sala de aula e não na forma como se organiza no currículo -
como linha ou eixo. Sendo assim, consideramos importante não tanto a forma como o
tema transversal integrou o currículo das séries, mas a dimensão didática na qual o uso
funcional das disciplinas escolares as integrou à realidade, dando sentido social ao estudo
das áreas convencionais, justificando o aprendizado dos conteúdos abordados em cada
disciplina.
No que tange à estruturação, o trabalho, que aqui chamamos de projeto,
apresentou características que ora o aproximavam das práticas anteriores à década de
noventa (Método de Projetos, Centro de Interesse e Unidades Temáticas), ora o
aproximavam de práticas denominadas Projetos de Trabalho. Como exemplo das
primeiras características, podemos identificar o ensino por temas, funcionando como
mediador entre disciplinas/conteúdos e experiências próximas aos alunos, promovendo a
vinculação do mundo externo à escola no processo de aprendizagem e apresentando uma
alternativa à fragmentação das disciplinas.
Entretanto, embora se observe a consideração do interesse do aluno para o
desenvolvimento do trabalho, este interesse não é levado em conta para a definição do
tema a ser estudado. Ainda que a partir da observação de uma necessidade dos alunos,
conforme descrito no capítulo três, o tema do estudo é definido pela professora. O
interesse dos alunos passa a integrar o trabalho na definição do que será estudado dentro
deste tema. Neste aspecto, observamos também a problematização do trabalho condizente
com as práticas que antecedem a década de noventa, ou seja, restrita àquilo que os alunos
imaginam que vão estudar sobre o tema. Conforme descrito no capítulo três, esta foi a
questão problematizadora que teve como respostas uma lista de sub-temas para estudo.
Não houve um problema para investigação, mas tópicos de estudo. Esses tópicos, por sua
vez, serviram como referência para a seleção prévia do material utilizado no trabalho,
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
115
para a distribuição dos sub-temas nos três eixos nos quais se estrutura o tema sexualidade
(segundo os PCNs) e para a organização das seqüências tanto dos eixos como das
atividades.
As seqüências que se apresentam no desenvolvimento do trabalho conferem a ele
um caráter de transposição, de aplicação de um programa elaborado, não previamente,
mas a partir dos primeiros contatos dos alunos com o tema sexualidade. Mesmo havendo
abertura para a inclusão de novas questões ou pontos de discussão no decorrer do
trabalho, conforme observamos na descrição dos dados, estes foram necessariamente
incluídos na seqüência de eixos, determinada a partir da questão problematizadora.
No entanto, entendemos que estas características de práticas mais antigas não
retiram do trabalho seu valor como prática significativa de aprendizagem. Apenas
definem a conceituação da abordagem do que aqui se denomina projeto como estrutura
metodológica ou como postura pedagógica.
Como características de uma prática fundamentada nos pressupostos teóricos dos
Projetos de Trabalho, que ganham força em meados da década de noventa, identificamos
o questionamento de uma visão única da realidade e a valorização da diversidade cultural.
Observamos, também, maior valorização das disciplinas como recurso cultural, cujas
fontes diversificadas de informação transcendem os materiais didáticos
61
, cedendo espaço
aos paradidáticos
62
e aos materiais de circulação social. Estas disciplinas e materiais são
determinados, neste projeto, pela natureza do objeto investigado.
Sendo assim, entendemos que as características deste trabalho o situam, conforme
discutimos no capítulo dois, na fronteira ou zona de transição entre o trabalho por
projetos como metodologia e o trabalho por projetos como postura pedagógica.
Conforme descrito no capítulo três, este trabalho foi desenvolvido segundo os
PCNs, que sugerem a abordagem do tema sexualidade em três eixos: Corpo: Matriz da
sexualidade; Relações de gênero e Prevenção às DSTs e AIDS. Embora apresentados
separadamente, no trabalho pedagógico, estes três eixos se complementam e possibilitam
61
Segundo Choppin (1992), obras produzidas com a finalidade de auxiliar o ensino de uma disciplina, por
meio de uma progressão de conteúdos curriculares.
62
Segundo Choppin (1992: 17), materiais paradidáticos são obras complementares “que têm por função
resumir, intensificar ou aprofundar” conteúdos específicos do currículo de uma disciplina.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
116
a superação de uma abordagem do tema restrita ao aspecto biológico ou a questões
relativas ao sistema reprodutor, conforme se verifica na maioria dos livros didáticos.
A abrangência de questões biológicas, sociais, culturais, éticas, emocionais
possibilitada pela abordagem do tema sexualidade nestes três eixos exigiu o recurso a
diferentes áreas do conhecimento e disciplinas escolares, bem como a outros temas
transversais propostos pelos PCNs.
No eixo Corpo: Matriz da sexualidade, fez-se necessária a distinção entre corpo e
organismo
63
, que determina que a abordagem sobre o corpo deve ir além da sua anatomia
e funcionamento, entendendo-o como um todo integrado (organismo, emoções,
sentimentos de prazer/desprazer). Sendo assim, buscamos, neste eixo, construir noções,
imagens, conceitos e valores a respeito do corpo e da sexualidade. E, para que essa
construção se desse de forma abrangente, procuramos explorar diversas áreas do
conhecimento e disciplinas, como:
Geografia / História: Discussões sobre a universalidade das transformações da
puberdade, independentemente de raça, cor, religião, nacionalidade etc.;
discussão sobre como a sexualidade é vivida em diferentes culturas, em
diferentes épocas e como isso se expressa, por exemplo, por meio do vestuário
(Leitura do livro O que está acontecendo comigo?, atividades 6 e 10) .
Ciências: Ao se estudar o corpo infantil, adulto, feminino e masculino fez-se a
integração entre as dimensões física, emocional e cognitiva que se transformam
paralelamente às transformações biológicas, possibilitando a abordagem do
corpo como um todo e não como a soma de sistemas orgânicos. A disciplina
ciências teve um papel privilegiado neste eixo do trabalho por dar suporte ao
estudo sobre as transformações inerentes à puberdade, sobre concepção,
gravidez, parto e existência de diferentes métodos contraceptivos (Atividades 1,
5, 9, 10, 13, 14, 15, 16).
Ética: Este tema perpassou todos os eixos do trabalho. Neste eixo,
especificamente, procurou-se discutir questões que desenvolvessem o respeito
63
O organismo refere-se à formação biológica dos seres humanos. O corpo, além da estrutura biológica
inclui também o registro de toda experiência na interação com o meio. O organismo atravessado pela
inteligência e desejo se mostrará um corpo, no qual estão incluídas as dimensões da aprendizagem e todas
as potencialidades do indivíduo para a apropriação de suas vivências.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
117
ao próprio corpo e ao corpo do outro; o respeito aos conhecimentos dos colegas
sobre o tema; o fortalecimento da auto-estima em relação ao próprio corpo e à
sexualidade e o respeito aos valores de cada um (atividades 2, 17).
Língua Portuguesa: Neste eixo, a disciplina Língua Portuguesa foi abordada
pela leitura e discussão de diferentes textos, verbais e multimodais, sobre o tema
em estudo. Esta disciplina foi utilizada, também, para os registros e atividades
escritas (construção de regras, listas, registros de atividades em grupo) que, na
versão do trabalho, compuseram o portfólio de cada grupo. Complementam o
conteúdo de Língua Portuguesa, neste eixo, as discussões, relatos e descrições
orais de desenhos e ilustrações sobre o tema estudado e, ainda, o estudo do
léxico adequado ao estudo do tema (Atividades 2, 3, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 15).
No eixo Relações de Gênero fez-se necessária a construção do conceito de gênero
(masculino/feminino), compreendido como o conjunto de representações sociais e
culturais construídas a partir da diferença biológica entre os sexos
64
. A forma como cada
cultura lida com as diferenças de gênero nos conduziu à abordagem de disciplinas como:
Geografia / História: Esta disciplina contribuiu para o desenvolvimento do
trabalho ao explorarmos a desvantagem da mulher em relação ao homem no que
se refere ao mercado de trabalho e salário. Discutimos sobre a origem do “Dia
Internacional da Mulher”, a submissão feminina e comportamentos diferenciados
de homens e mulheres em diferentes culturas e momentos históricos (Atividade
4).
Ética: Discutimos sobre estereótipos de gêneros manifestados por ditos
populares; analisamos a maneira como a mulher é retratada em comerciais da
mídia impressa e televisionada e em músicas atuais e de décadas passadas
(Atividades 2 e 3).
Matemática: A matemática integrou o trabalho, ainda que minimamente, pela
análise de gráficos com as diferenças salariais e de taxa de emprego para homens
e mulheres em quatro estados do país (Atividade 4).
64
Enquanto o sexo diz respeito ao atributo anatômico, no conceito de gênero toma-se o desenvolvimento
das noções de “masculino” e “feminino” como construção social.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
118
Língua Portuguesa: Neste eixo, a disciplina Língua Portuguesa foi abordada
pela leitura e análise de notícias, histórias em quadrinhos, letras de canção, ditos
populares e livros paradidáticos infantis que veiculam valores, apresentam
estereótipos de gênero ou discutem a questão das relações de gênero (masculino e
feminino). Atividades 2, 3, 5, 6, 7.
O eixo Prevenção às Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS visou desvincular
a sexualidade dos tabus e preconceitos, afirmando-a como algo ligado ao prazer e à vida.
Nesse sentido, o enfoque dado à discussão sobre as doenças sexualmente transmissíveis e
AIDS privilegiou a formação de condutas preventivas e a desconstrução do preconceito
gerado pela desinformação. Para isso, recorremos às disciplinas e áreas do conhecimento:
Ética: o tema ética foi abordado, neste eixo, pela discussão sobre a discriminação
e preconceito de que o vítimas os portadores do rus HIV e os doentes de
AIDS; pela proposição da adoção de valores como a solidariedade e o respeito
para com o outro e a participação de todos no combate ao preconceito (Atividades
28 e 29).
Matemática: a matemática teve sua participação, neste eixo, por meio das
leituras que apresentavam índices de crescimento ou diminuição de casos de
AIDS em determinado gênero ou fase da vida (Atividades 28 e 30).
Ciências: A disciplina ciências, também neste eixo, foi bastante privilegiada, pois
integrada ao tema Saúde, exigiu que abordássemos além das formas de se evitar a
contaminação por contato sexual, as formas de contaminação por contato
sangüíneo e aleitamento materno. Ainda sobre a contribuição desta disciplina,
podemos citar o estudo da atuação do vírus no organismo, das doenças
oportunistas, dos tratamentos existentes e da produção de anticorpos
(Atividades 26, 27, 28, 30, 31).
Língua Portuguesa: A disciplina de Língua Portuguesa perpassou todo o eixo
destinado às DSTs e AIDs por trabalharmos com diferentes textos (paradidáticos,
jogos, cartilhas informativas etc.) com os quais foram trabalhados não o
conteúdo referente ao tema, mas o léxico específico ao texto de divulgação
científica e ao tema abordado. Outra contribuição desta disciplina foi a produção,
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
119
pelos alunos, de slogan para uma campanha de conscientização (Atividades 26,
27, 28, 29, 30, 31, 32).
Conforme observamos, contribuíram para o projeto diferentes disciplinas
escolares (Língua Portuguesa, Ciências, História/Geografia, Matemática) e áreas do
conhecimento (Saúde e Ética), estabelecendo-se um rompimento com os limites destas
disciplinas. O estudo de um tema transversal contextualizado pelas necessidades dos
alunos e a maneira como as disciplinas se apresentam no projeto determinadas pela
natureza do objeto e funcionando como recurso à construção de um novo conhecimento –
assim como a preocupação em promover a formação de valores extrapolam o âmbito das
simples relações entre as disciplinas e conferem ao trabalho a característica de uma
prática pedagógica situada. No entanto, no que tange às práticas (específicas) de
letramento, observamos um privilégio do letramento escolar, cujas práticas se
apresentam bastante voltadas para o interior da escola e para os próprios alunos
envolvidos no projeto, talvez pelas questões de discutibilidade que caracterizam o tema
do projeto, conforme veremos mais adiante.
Deste modo, percebemos que o projeto Orientação Sexual acompanha uma
tendência da prática pedagógica, marcada pela prevalência da abordagem do tema, o que
se justifica por se constituir um projeto temático, em contraste à escassa exploração da
língua/linguagem. Enquanto o tema é o foco central do trabalho e, algumas vezes, único,
a língua/linguagem integra o projeto sob dois aspectos: a) como ferramenta para a
abordagem dos temas transversais, por meio da leitura como prática social
contextualizada, da presença de textos em diferentes gêneros, de esferas de circulação
diversas e, ainda, em gêneros multimodais e pela presença de diferentes eventos de
letramento; b) como veículo de valores ou, no dizer de Moita-Lopes (2002: 14), como
constitutiva do “discurso na construção da vida social, especificamente, no modo como
aprendemos a ser quem somos”.
Esta característica aponta para a necessidade da análise de como as práticas de
leitura e escrita, bem como a abordagem dos gêneros discursivos utilizados no projeto
aconteceram, que será discutida nos próximos tópicos.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
120
Projeto Combatendo um Bando Malvado
Conforme descrito no capítulo três, o projeto Combatendo um Bando Malvado
originou-se de uma necessidade da turma
65
com a qual foi desenvolvido. Partindo da
leitura da professora, o projeto teve início com a intenção dos alunos de produzir um
livro, abordando o tema verminoses. Os procedimentos necessários à produção de um
livro sobre um tema em fase inicial de estudo determinaram as práticas que
caracterizaram este projeto, conforme discorremos neste tópico.
O tratamento do tema verminoses como uma questão também social, rompeu com
a sua tradicional redução aos aspectos biológicos, geralmente abordados no conteúdo de
Ciências, no Ensino Fundamental, e estendeu-se à educação para a vida em sociedade.
Amparado em temas transversais parametrizados pelos PCNs (1997), inicialmente Saúde
e, posteriormente, Meio Ambiente, este projeto recorreu a diversos conteúdos e
disciplinas escolares e, ainda, a informações externas ao contexto escolar, que
colaboraram para o estudo do tema sob perspectivas sociais, ambientais e biológicas
referentes à problemática daquela classe de alunos e daquela região.
A inclusão de um enfoque sócio-ambiental em uma prática que, comumente,
restringia-se ao enfoque biológico do tema abriu as portas da escola para o uso de
materiais de circulação social e de diferentes linguagens e tecnologias, valorizando o
conhecimento produzido fora dos limites escolares. Deste modo, a transversalidade
constituiu-se, neste projeto, pela proposição do aprendizado na/sobre a realidade, dando
sentido social ao estudo das áreas convencionais, justificando o aprendizado de seus
conteúdos e relacionando-os com o mundo externo à escola.
Neste sentido, podemos afirmar que, neste projeto, o recorte exercido sobre o
tema verminoses se deslocou do conteúdo específico da disciplina escolar Ciências e
constituiu-se como um novo objeto de estudo contextualmente situado. Caracterizam,
ainda, o projeto sua natureza investigativa, a abordagem do conhecimento a serviço da
pesquisa e construído a partir de pesquisas em fontes diversificadas, a organização em
grupos de trabalho e a mediação exercida pela professora.
65
Manifestações de náuseas, dores abdominais, diarréia e manchas na pele.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
121
A respeito da sua estruturação, destaca-se na descrição do projeto, a sua
organização, inicialmente, em torno de um produto final – a produção de um livro.
Conforme discutido no capítulo dois, o desenvolvimento de um trabalho com esta
característica contraria os estudos mais recentes sobre a prática de projetos de trabalho,
por pressupor que o estudo se desenvolverá em função de um produto. No entanto, a
problematização que se efetivou em torno da produção do livro conferiu ao projeto um
caráter investigativo e favoreceu a participação do aluno na construção do conhecimento
e do letramento. Diferentemente do primeiro projeto analisado, a problematização que se
estabelece neste projeto transcende o questionamento sobre o que queremos saber a
respeito de... Neste projeto, a problematização aborda tanto os procedimentos para a
produção de um livro, quanto as diferentes perspectivas (social, ambiental, biológica)
inerentes ao tema investigado, no contexto daquela comunidade.
Estas características e, ainda, a flexibilidade do projeto, ao alterar o produto final,
em função do objetivo de divulgação, que se delineou a partir da relevância e significação
que o estudo foi adquirindo, restabeleceram sua característica de projeto de trabalho.
Desprovido de um produto pronto a ser transmitido aos alunos, o projeto
Combatendo um Bando Malvado rompeu com a linearidade dos conteúdos, abordando-os
de acordo com as necessidades surgidas no processo de construção dos conhecimentos
referentes ao tema estudado. Sua definição gradativa e constantemente (re)adaptada ao
contexto, seja na escolha das atividades, seja na escolha do produto final, ou nos
conhecimentos envolvidos (escolares ou não) revelaram um projeto culturalmente
sensível, em que a constituição do objeto se deu no próprio fazer. Esta prática propiciou
uma ressignificação nos papéis de aluno e professor, que compartilharam a postura de
pesquisadores.
Ao constituir-se como objeto de estudo no desenvolvimento do projeto, o tema
verminoses, abordado nas perspectivas biológica, ambiental e social recorreu às
disciplinas que ora descrevemos, abordando-as não como conteúdos estanques e
indissociados, mas como recursos à construção de novos conhecimentos e transformação
de condutas:
Língua Portuguesa: Esta disciplina integrou o projeto Combatendo um
Bando Malvado como ferramenta para as outras disciplinas e áreas do
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
122
conhecimento, por meio dos eventos de letramento ocorridos no projetos,
nos quais circularam gêneros orais, escritos e multimodais, tanto para
leitura como para produção. Ressaltamos aqui, a indissociabilidade entre
os eventos de letramento digital ocorridos neste projeto e o uso da língua
nas diversas formas de registro e tratamento de dados que a ferramenta
computacional disponibiliza, além do contato com a linguagem específica
da informática.
Matemática: A matemática foi utilizada na produção de gráficos,
máscaras e jogos. Nos jogos, abordou geometria tanto na elaboração do
percurso (desenho geométrico) como na confecção ou adaptação da caixa
(sólido geométrico) e, ainda, sistema de medidas e cálculos. Nas máscaras,
envolveu medidas e, em alguns casos, desenho geométrico. Neste projeto,
a presença da matemática caracterizou-se por sua associação a outras
disciplinas como Língua Portuguesa (gráfico) e artes (jogos, máscaras).
Artes: Neste projeto, algumas atividades favoreceram o uso de
conhecimentos e habilidades artísticas, como a produção de jogos, a
confecção de máscaras a composição de música, a elaboração de panfletos
(utilizando recursos dos programas WordArt e Clipart) e a montagem e
encenação de peças teatrais. Assim como na matemática, estes
conhecimentos se apresentaram associados a outras disciplinas.
Ética e cidadania: Os temas ética e cidadania integraram o projeto nas
discussões referentes ao uso e preservação de espaços e bens naturais
coletivos (como a represa que abastece a região), às medidas individuais e
coletivas de preservação da saúde, às medidas de preservação ambiental,
sobretudo nas questões relacionadas ao saneamento básico.
Geografia: A disciplina geografia, ainda que minimamente, integrou este
projeto, pela abordagem da cartografia referente à localização da Represa
Billings e as cidades abastecidas por ela. Esta disciplina foi abordada,
também, pela discussão sobre a ocupação de áreas de mananciais e suas
conseqüências ambientais. Como observamos, a geografia mesclou-se aos
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
123
temas transversais Saúde e Meio Ambiente, expandindo a discussão de
uma perspectiva geográfica para uma perspectiva que passa a ser social.
Ciências: Não por acaso, mencionamos esta disciplina por último. Ao
colocá-la nesta posição, intencionamos representar a sua relação constante
de sustentação às demais disciplinas integrantes deste projeto. A disciplina
de ciências, que abrange os temas transversais Saúde e Meio Ambiente,
perpassou o trabalho, desde a leitura que o originou, até os conteúdos e
conhecimentos construídos no decorrer do projeto e socializados por meio
dos produtos finais de divulgação. Privilegiada pelo tema do trabalho
verminoses esta disciplina alternou sua posição, ora como destaque, ora
como “pano de fundo”, nas diferentes perspectivas sob as quais a relação
entre saúde e meio ambiente foi abordada neste projeto.
Assim como no projeto anteriormente analisado, a língua/linguagem integra o
projeto Combatendo um Bando Malvado como ferramenta para a abordagem dos temas
transversais Saúde e Meio Ambiente, por meio da leitura e produção de textos como
práticas sociais contextualizadas, da presença de textos em diferentes gêneros, de esferas
de circulação diversas e, ainda, em gêneros multimodais e pela presença de diferentes
eventos de letramento, incluindo o letramento digital.
Entretanto, a maneira como algumas práticas de leitura e escrita e a abordagem de
gêneros se desenvolvem neste trabalho conferem a ele características que o diferenciam
sutilmente do projeto de Orientação Sexual, no que tange à construção do letramento. Do
mesmo modo, o caráter de divulgação dos produtos produzidos e de orientação da
comunidade escolar a respeito dos conhecimentos construídos sobre o tema revelam uma
prática pedagógica situada e o desenvolvimento de práticas de leitura e escrita que
começam a se diferenciar daquelas que caracterizam um letramento escolar, conforme
podemos observar nos próximos tópicos.
A análise que apresentamos a seguir revela, ainda, uma sensível redução na
discrepância, apresentada no primeiro projeto, entre a atenção dispensada ao tema do
trabalho e aos aspectos lingüísticos envolvidos nas práticas de leitura e escrita, assim
como no modo como alguns gêneros são tratados neste projeto.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
124
4.2. Eventos de letramento presentes nos projetos:
Projeto Orientação Sexual
Conforme a descrição dos projetos, apresentada no capítulo três
66
, o projeto de
Orientação Sexual propiciou diferentes eventos de letramento. Dentre eles, identificamos
dois grupos:
Eventos de letramento com a comunidade:
1. Distribuição de convite para a palestra sobre o projeto de
orientação sexual na escola e o desenvolvimento da sexualidade
infantil;
2. Palestra sobre sexualidade infantil;
3. Apresentação da proposta de trabalho;
4. Exposição do material selecionado para o trabalho;
5. Distribuição, para os pais, de bibliografia comentada sobre o tema;
6. Distribuição de bilhete informando sobre a campanha da
solidariedade e solicitando donativos.
Eventos de letramento com os alunos:
1. Eventos de leitura:
Da professora: livros paradidáticos, pranchas ilustrativas e
informativas (multimodais), livros de divulgação científica
67
, história
em quadrinhos, conto, slogans.
Dos alunos: leitura das produções escritas, gráficos, letras de canção,
peças componentes de jogos, regras de jogo, embalagens dos jogos.
2. Eventos de escrita:
66
Ver quadro-síntese das atividades (ANEXO) realizadas no projeto.
67
Os textos de divulgação científica utilizados neste projeto sempre caracterizaram gêneros híbridos,
mesclando divulgação científica e HQ, divulgação científica e verbete enciclopédico etc.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
125
Da professora: lista, regras de funcionamento do grupo (cartaz),
respostas dos alunos às sondagens de conhecimentos prévios, ditos
populares.
Dos alunos: questionário; registro de conclusão sobre discussão ou
leitura, painel e produtos finais dos trabalhos (álbum de figurinhas
legendadas, livro e glossário).
3. Eventos orais:
Apresentação de atividades realizadas pelos alunos, relato/depoimento,
descrição oral, discussão/conversa.
O gráfico que se segue indica a ocorrência destes eventos em cada eixo temático
do projeto.
Gráfico 1: Ocorrência de eventos de letramento por eixo temático
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
22
24
26
Eventos de
Escrita da
Professora
Eventos de
Escrita do
Aluno
Eventos
Orais
Eventos de
Leitura da
Professora
Eventos de
Leitura do
Aluno
Corpo: Matriz da
Sexualidade
Relões de
Gênero
Prevenção às
DSTs e AIDS
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
126
Conforme indica o gráfico 1, neste projeto, ocorreu um privilégio dos eventos
orais de letramento, com predomínio da discussão
68
sobre aspectos da sexualidade
estudados em todos os eixos. Acreditamos que este fato se deva ao tema abordado e às
questões que foram surgindo no decorrer das discussões, assim como à não centralidade
da língua escrita nos objetivos do projeto. O uso do léxico pouco familiar aos alunos
contribuiu para o maior destaque nos eventos de discussão oral, pois, em muitas situações
procurou-se favorecer a construção dos significados pelo aluno, o que foi feito a partir
das discussões no grupo. Outro fator que contribuiu para este índice de eventos orais foi o
uso de imagens (pranchas ilustradas) ou materiais concretos (dorso humano,
preservativos, absorventes), que propiciaram a descrição e a discussão sobre diversos
aspectos suscitados pelo material. Nota-se, também, maior presença destes eventos nos
eixos Corpo: matriz da sexualidade e Relações de gênero, pois a participação nos
eventos orais por meio destes gêneros do discurso requer uma experiência vivida ou
conhecida, que é menos comum no eixo Doenças sexualmente transmissíveis / AIDS ou é
menos divulgado nos meios social e familiar.
Em seguida, observam-se os eventos de leitura da professora, sobretudo no eixo
Corpo: matriz da sexualidade. O privilégio da leitura da professora, no nosso entender,
deve-se à existência no mercado e disponibilidade (da escola) de material paradidático
referente a este eixo do trabalho, principalmente livros de divulgação científica
apropriados ao público infantil e pranchas ilustrativas, que também trazem informações
verbais. No entanto, mesmo estando disponíveis no acervo da escola, esse material não
atingia número suficiente para os alunos, ficando esta leitura centralizada na professora.
A diminuição da leitura da professora nos demais eixos coincide com a
modificação no tipo de material utilizado. Sobre o eixo Relações de gênero, na época de
realização do trabalho, havia menor quantidade de material no mercado. Da mesma
forma, a escola dispunha de um único livro paradidático sobre o tema. Neste sentido, na
abordagem deste eixo foram utilizados textos de circulação social, como ditos populares,
peças publicitárias (televisivos e de mídia impressa) ou outros de fácil aquisição pelo
68
Estamos chamando de discussão, neste trabalho, a conversa sobre temas em estudo, sem regras
previamente determinadas, obedecendo somente a ordem de inscrição para participação, manifestada pelo
ato de levantar a mão para falar.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
127
aluno ou reprodução para cada um, como letras de canção, não havendo necessidade de
centralizar a leitura na professora.
Do mesmo modo, a presença de jogos referentes ao eixo Doenças Sexualmente
Transmissíveis / AIDS e a menor quantidade de textos
69
de divulgação científica
apropriados à idade dos alunos justifica o aumento no número de eventos de leitura dos
próprios alunos, pois na abordagem deste eixo recorre-se aos jogos que, além de
existirem em quantidade suficiente para a formação de pequenos grupos de trabalho,
exigiu a leitura de diferentes textos (regras, comandas, instruções, informações dentro do
próprio jogo).
Finalmente, os eventos de escrita, neste projeto, ocupam um lugar de menor
expressividade. Entendemos que esse fato se deve à forte presença de material
paradidático e de circulação social, que supriu os interesses do grupo, não havendo a
necessidade de se produzir materiais. Sendo assim, os eventos de escrita, tanto da
professora quanto dos alunos ficaram a cargo apenas dos registros de listas de temas para
estudo, de sondagens de conhecimento prévio, de conclusões e de atividades realizadas.
Somente na elaboração dos produtos finais é que se observa uma progressão nas
propostas de escrita em cada ano de desenvolvimento do projeto. Conforme explicitado
no capítulo três, no primeiro ano de realização elaborou-se um álbum de figurinhas
legendadas
70
, no ano seguinte um livro ilustrado e no terceiro ano um glossário
71
.
Entretanto, esta progressão parece acontecer no âmbito da proposta geral do trabalho, não
atingindo os alunos, que, sendo o projeto destinado à quarta série, a cada ano estes
alunos se alternam.
69
Vale salientar a existência de inúmeros textos de divulgação como panfletos e cartilhas informativas,
distribuídos gratuitamente pelos postos de saúde e campanhas preventivas. Entretanto, as informações
presentes nestes textos são, basicamente, as mesmas e restringem-se às formas de prevenção e
contaminação da doença. Nossa opção pelos jogos justifica-se pela necessidade de abordar a AIDS
também sob o âmbito social, sobretudo o preconceito e a solidariedade.
70
As figuras foram selecionadas, pelos professores, dos desenhos produzidos pelos alunos, procurando-se
colocar pelo menos um desenho de cada turma envolvida no trabalho. Não houve participação dos alunos
nesta escolha.
71
Ao final da edição do trabalho, com a inclusão de novos jogos, promoveu-se um momento em que os
alunos participantes do projeto, juntamente com os pais e irmãos mais velhos, puderam utilizar os jogos
na escola. Este encontro teve o objetivo de facilitar a discussão familiar sobre o tema sexualidade, por
meio da mediação propiciada pelos jogos utilizados no projeto.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
128
Embora embasado em uma proposta que buscava uma renovação da prática
pedagógica, notamos, neste trabalho, uma seqüência no desenvolvimento das atividades
que acompanha o modelo de boa parte dos livros didáticos e de práticas escolares
consolidadas, que consiste em apresentar um tema, discuti-lo ou estudá-lo e, por último,
produzir um texto. Notamos, ainda, que os textos solicitados nos produtos finais tiveram
como destinatários os próprios alunos, não havendo, portanto, um interlocutor efetivo.
Isso se justifica pelo caráter intimista do tema abordado e do trabalho desenvolvido, que
não teve como objetivo divulgar as discussões e os conhecimentos construídos em cada
turma
72
. Desta forma, a comunicação estabelecida com a comunidade, no início do
desenvolvimento do trabalho, não apresentou continuidade, a não ser na última edição do
projeto, quando os pais foram convidados a utilizar os jogos com as crianças na escola.
Atribuímos este caráter intimista dos produtos finais do trabalho à restrição à
discutibilidade do tema sexualidade que, no nosso entender, não poderia ser partilhado
com os demais alunos da escola, que a série era a série mais avançada da escola e a
abrangêngia do estudo desenvolvido nesta série poderia estar complexa e distante das
questões sobre sexualidade referentes, por exemplo, aos alunos de uma primeira série.
Por esse motivo, o trabalho dirigiu-se à sala de aula (intra-escolar) e não à comunidade, a
não ser por atividades isoladas como a campanha da solidariedade, que arrecadou
donativos para uma casa de apoio a portadores do vírus HIV.
Vale mencionar que a atividade da campanha da solidariedade envolveu uma série
de textos que se destinavam à comunidade, como o bilhete apresentando a campanha e
solicitando donativos, o ofício exigido pela entidade beneficiada constando da descrição
das doações e o recibo emitido pela entidade. No entanto, por este trabalho não ter como
objetivo o desenvolvimento do letramento, estas situações significativas de uso da leitura
e da escrita, determinadas pela elaboração e circulação destes textos, não teve a
participação dos alunos, sendo considerada como um aspecto burocrático do trabalho e
que, portanto, não dizia respeito aos alunos. Esse fato reforça nossa análise de uma
prática intra-escolar, destinada aos próprios alunos e restrita ao conteúdo do tema
estudado.
72
Com o objetivo de incentivar a participação do grupo, garantiu-se aos alunos que o que se discutisse em
um grupo não seria transmitido a outro.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
129
Projeto Combatendo um Bando Malvado
De acordo com a descrição apresentada no capítulo três
73
, o projeto Combatendo
um Bando Malvado envolveu diferentes eventos de letramento. Assim como no primeiro
projeto analisado, identificamos eventos de letramento com a comunidade e com os
alunos participantes do projeto, conforme descrevemos:
Eventos de letramento com a comunidade:
1. Participação da família em entrevista (questionário);
2. Distribuição de panfletos informativos às demais classes e aos
familiares;
3. Apresentação cultural (teatro, teatro de fantoches e música) para as
demais classes;
4. Utilização de jogos com classes de 3ª série.
Eventos de letramento com os alunos:
1. Eventos de leitura:
Da professora: livro paradidático;
Dos alunos: fontes de pesquisa; informações obtidas na pesquisa;
tabela com os dados de todos os grupos de pesquisa; roteiro de
entrevista (questionário); gráficos; reportagens; panfletos
informativos; textos componentes de jogos.
2. Eventos de escrita:
Da professora: listagem de fontes de consulta/pesquisa; registro de
inscrições nos grupos de trabalho; registro das verminoses escolhidas
para pesquisa; registro das sugestões de itens para o roteiro de
pesquisa; transcrição de dados pesquisados para tabela; registro do
roteiro de entrevista (questionário); registro da tabulação dos dados da
entrevista; registro de sugestões de medidas preventivas às
verminoses;
73
Ver quadro síntese das atividades.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
130
Dos alunos: registro do roteiro definitivo de pesquisa; registro dos
dados pesquisados nas fontes de consulta; registro do roteiro de
entrevista (questionário); registro da entrevista com os pais;
transcrição de texto em roteiro teatral / letra de canção; panfletos
informativos; tabela; gráfico; jogos (percursos, regras, embalagens,
instruções de uso, cartas etc.)
3. Eventos Orais: discussão sobre decisões; relato de verminoses
ocorridas na família; análise de gráficos; discussão sobre as próprias
condutas em relação aos dados dos gráficos; sugestões sobre medidas
preventivas às verminoses; comentários sobre o vídeo
Esquistossomose; discussão sobre medidas conjuntas (governo e
população) de prevenção às doenças estudadas; sugestões de produto
final; discussão sobre a viabilidade dos produtos finais; teatro; música.
4. Eventos digitais: construção de gráficos; edição de panfleto informativo.
O gráfico 2 indica a ocorrência dos eventos de letramento no desenvolvimento
deste projeto.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
131
Gráfico 2: Eventos de letramento no projeto
Eventos de letramento no projeto Combatendo um Bando Malvado
8
10
11
1
8
2
0 2 4 6 8 10 12
Escrita da professora
Escrita do aluno
Orais
Leitura da professora
Leitura do aluno
Digitais
Conforme mostra o gráfico 2
74
, neste projeto, encontramos maior equilíbrio, em
relação ao primeiro, entre os eventos de letramento (de leitura, de escrita e orais), a
presença de eventos de letramento digital, além do predomínio das atividades dos alunos.
No projeto Combatendo um Bando Malvado, prevaleceram os eventos de escrita
e, embora os apresentemos separadamente escrita da professora / escrita do aluno é
importante considerar que, mesmo nos momentos em que a professora foi a escriba, a
produção foi coletiva. Retornando à descrição das atividades, no capítulo três, podemos
perceber que nestes eventos, geralmente, a escrita da professora constitui uma ou mais
etapas do texto a ser produzido ou registrado, este sim, pelos alunos.
Acreditamos que o privilégio dos eventos de escrita neste projeto se relacione ao
fato de o trabalho ter surgido do interesse dos próprios alunos em abordar um tema que
fazia parte do currículo escolar, porém, voltado às necessidades específicas daquela
turma. Ao fazer o recorte de um tema, muitas vezes abordado conceitualmente nos livros
didáticos, e direcioná-lo ao contexto cultural daquela turma, abordou-se o aspecto
particular daquilo que era universal. Abordou-se o que foi culturalmente relevante, sem
74
Assim como no projeto de Orientação Sexual, não analisamos aqui os eventos de letramento com a
comunidade.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
132
se afastar do conhecimento formal. Esta prática favoreceu a produção dos textos
utilizados no decorrer do trabalho, pois, a especificidade do trabalho exigiu a produção de
materiais também específicos, a partir de fontes de informações mais amplas e
diversificadas, além daquelas que geralmente circulam na escola.
Sendo assim, diversamente ao primeiro projeto analisado, a produção de textos
escritos, neste projeto, não ocupou uma posição de finalização de uma seqüência de
atividades, mas integrou e permeou todo o trabalho, desempenhando as funções de
registrar sugestões, decisões, direcionamentos e conhecimentos; de estabelecer uma
comunicação com a comunidade e de divulgar conhecimentos construídos no
desenvolvimento do projeto, de instruir sobre a utilização dos jogos. Se o primeiro
projeto analisado nesta pesquisa apresentou uma característica intimista, dirigindo-se aos
próprios alunos participantes, este segundo, por sua vez, dirigiu-se a um interlocutor
extra-classe e, em algumas situações (questionário, panfleto), extra-escolar.
A respeito dessa interlocução, vale mencionar que, diferentemente do projeto de
Orientação Sexual, o projeto Combatendo um Bando Malvado teve boa parte de suas
produções de texto definida, coletivamente, a partir de necessidades surgidas no decorrer
do trabalho e a partir de negociações, avaliação da viabilidade e da funcionalidade do
gênero escolhido em relação ao objetivo e aos interlocutores. Esta característica,
conforme veremos no tópico referente às práticas de escrita, garantiu ao projeto uma
prática permanente de produção de textos.
Seguindo os eventos de escrita, observamos a presença dos eventos orais de
letramento. Em semelhança ao primeiro projeto, a discussão
75
esteve bastante presente
neste segundo. Mais uma vez, a característica de um trabalho culturalmente situado
justifica a presença marcante da oralidade neste projeto, pois, a negociação de roteiros de
pesquisa, o levantamento de fontes de informação e a tomada de decisão sobre diferentes
questões favoreceram a discussão e envolveram a argumentação em diversos momentos
do trabalho. Além disso, a organização dos alunos em grupos de trabalho exigiu a
presença constante da discussão oral para a conclusão das atividades.
75
Revalidamos aqui a observação feita no projeto de Orientação Sexual, de que estamos chamando de
discussão as conversas referentes ao tema de estudo ou para definição de tarefa, tomada de decisões etc.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
133
A presença de atividades em que a oralidade se apóia na escrita também foi
bastante freqüente neste projeto, como a apresentação de resultados de pesquisa aos
demais grupos, a socialização das entrevistas realizadas com a família, a análise de
gráficos e o vídeo de divulgação científica. No entanto, foi a presença, ainda que mínima,
de gêneros orais formais públicos, como o teatro e a música, que marcaram uma
diferença e um avanço, no que tange à oralidade, em relação ao projeto anterior que,
embora tendo privilegiado os eventos de oralidade, não abordou gêneros orais formais
públicos.
Os eventos de leitura, neste projeto, diferenciaram-se consideravelmente daqueles
do projeto anterior. No primeiro prevaleceu a leitura da professora. Os textos lidos, tanto
pela professora como pelos alunos, foram previamente selecionados, conforme descrito
no capítulo três, caracterizando um programa pré-fabricado. Neste segundo projeto,
prevaleceu a leitura do aluno de textos que foram incluídos no trabalho de acordo com a
necessidade e a possibilidade de acesso, caracterizando uma constituição do objeto no
próprio fazer. Diferentemente do primeiro projeto, a leitura não se concentrou na
professora, bem como os textos lidos emergiram das pesquisas e levantamentos de fontes
informativas pelos alunos. Muitos destes textos como, por exemplo, o gráfico, surgiram
de outros textos as entrevistas (questionário), demonstrando estreita relação entre os
textos lidos e os textos produzidos, não necessariamente nesta ordem.
Diferentemente do projeto anterior, neste ocorreu, ainda que timidamente, o uso
da ferramenta computacional e, embora não tenham sido abordados gêneros específicos
da esfera digital, o uso desta ferramenta foi contextualizado a uma prática mais ampla,
desenvolvida na sala de aula, envolvendo a produção de gêneros multimodais. Deste
modo, percebemos um distanciamento de práticas que desvinculam a sala de informática
da sala de aula, comumente observadas na escola.
No tópico seguinte, descrevemos os gêneros que circularam nos projetos e a
maneira como foram abordados nas práticas de leitura e de escrita.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
134
4.3. Textos e gêneros que circularam nos projetos:
Projeto Orientação Sexual
Neste tópico, apresentamos os gêneros de textos que circularam no projeto
76
,
conforme o quadro que se segue. Procuramos analisar, ainda, a maneira como os gêneros
foram abordados no trabalho.
Eixo – Corpo: Matriz da Sexualidade
Atividade Gêneros de textos que circularam neste eixo do projeto
1 Lista
2 Regulamento
3 Narrativa de Aventura
4 Discussão
5 Discussão
6 Discussão; Lista
7 Descrição (oral)
77
8 Discussão
9 Divulgação científica
10 Conto
11 Questionário
12 Discussão
13 Divulgação científica; Discussão
14 Descrição (oral)
78
; Discussão
15 Relato (oral)
16 Descrição (oral)
79
; Discussão
17 Discussão
Quadro 3
Gêneros que circularam no eixo Corpo: matriz da sexualidade.
76
Não estão elencados aqui os gêneros que circularam nos eventos de letramento com a comunidade.
77
Conforme se observa na descrição dos dados, no capítulo três, não se pode afirmar aqui, em que
momento a descrição é um gênero ou em que momento é uma atividade, pois, embora apoiada em uma
ilustração não se prende à verbalização do observado, mas estabelece-se relação entre as ilustrações e
outros textos, discute-se questões suscitadas pela figura e levanta-se hipóteses sobre o que está por vir ao
fato ilustrado.
78
Idem.
79
Idem.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
135
Eixo Relações de Gênero
Atividade Gêneros de textos que circularam neste eixo do projeto
18 Discussão
19 Ditos populares; Relato; Discussão
20 Discussão; Divulgação científica; Agenda de trabalho
21 Gráfico
22 Comercial de TV; Peça publicitária; Discussão; História em
quadrinhos
23 Letra de canção
24 Relato; Discussão
Quadro 4
Gêneros que circularam no eixo Relações de gênero.
Eixo Doenças Sexualmente Transmissíveis / AIDS
Atividade Gêneros de textos que circularam neste eixo do projeto
25 Lista
26 História em quadrinhos/ Campanha de divulgação (híbrido)
27 Lista
28 Divulgação científica / narrativa de ficção (híbrido)
29 Regra de jogo; instruções de jogo; Percurso de jogo
80
30 Regra de jogo; Instruções de jogo; Percurso de jogo; Cartas-perguntas;
Cartas-informativas;
31 Logomarca, Instruções de uso, Endereço do fabricante, Data de
validade, Código de barras; Órgão fiscalizador da qualidade do
produto (Embalagem).
32 Campanha de conscientização
Quadro 5
Gêneros que circularam no eixo Prevenção às DSTs e AIDS.
Produto final do projeto
ano de realização do projeto Álbum de figurinhas legendado
ano de realização do projeto Divulgação científica (livro)
ano de realização do projeto Glossário
Quadro 6
Gêneros utilizados nos produtos finais das edições do projeto OS.
80
O jogo, aqui, não é entendido como nero, mas inclui rios gêneros, que se relacionam entre si. No
dizer de Bazerman (2005) este conjunto de gêneros que se relacionam dentro de uma atividade ou função
constitui um sistema de gêneros.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
136
Gráfico 3: Gêneros de texto que circularam no projeto.
Gêneros que circularam no projeto de Orientação Sexual
13
3
4
1
1
3
1
2
1
1
2
2
1
1
2
2
2
1
1
2
1
1
0 2 4 6 8 10 12 14
Discussão (conversa)
Descrição de imagens
Divulgação científica
Conto
Questionário
Relato/Depoimento
Dito Popular
Gráfico
Comercial de TV
Peça publicitária
História em quadrinhos
Letra de canção
Campanha de divulgação
Narrativa de ficção
Regra de jogo
Percurso de jogo
Logomarca
Instruções de uso
Data de Validade
Fabricante
Álbum de figurinhas
Glossário
Os quadros 3 a 6 e o gráfico 3 nos indicam a circulação de uma variedade de
gêneros no desenvolvimento deste projeto. No entanto, embora os eventos orais de
letramento se destaquem pela forte presença, em termos de diversidade, os gêneros orais
(sem apoio na escrita) restringiram-se a gêneros cotidianos como o relato e a discussão
sobre temas estudados, ocupando uma posição pouco expressiva. Sem a presença de uma
abordagem instrumental destes gêneros, a linguagem oral, neste projeto, teve a função de
veicular informações e viabilizar interações entre professora e alunos. É importante
destacar que esta interação parece ter acontecido unidirecionalmente entre professora e
alunos, pois, não registros de que, nas discussões sobre temas estudados, os alunos
interagissem entre si.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
137
Matêncio (2001) indica pesquisas sobre interação em sala de aula que apontam a
distribuição desigual de conhecimentos não necessariamente lingüísticos entre os
participantes da interação como um fator comprometedor da interlocução e,
conseqüentemente, da interação. Considerando-se que o tema sexualidade envolve um
conjunto de fatores (sociais familiar/escolar, cognitivo, cultural etc.), é compreensível
que existisse uma heterogeneidade bastante evidente no nível de entendimento dos alunos
sobre este tema, expresso logo no início do trabalho, na sondagem inicial sobre seus
conhecimentos e interesses de estudo. Esta heterogeneidade, por sua vez, pode ter
funcionado como um entrave à interação entre alunos, os quais colocaram a professora
como ponto central da interação, que ela aceita as informações do aluno, mesmo que
equivocadas ou impregnadas por mitos e crendices comuns ao tema sem, contudo, validá-
las de imediato, mas propondo a (re)construção de conceitos, a partir de novas
discussões.
Se, por um lado, a abordagem da oralidade no que tange ao ensino de gêneros
orais e no que tange à viabilização da interação em sala de aula o se realizou
plenamente neste projeto, por outro, partilhamos com Moita Lopes (2002) a idéia de que
as situações de discussão sobre diversos aspectos referentes ao tema sexualidade ecoaram
os discursos aos quais nossos alunos estão expostos na família, na escola, na mídia etc. e
nos possibilitaram perceber a relação destes discursos na sua constituição como sujeitos e
o papel da escola na construção de discursos emancipatórios sobre identidades.
A relação dos discursos com a constituição dos alunos como sujeitos pôde ser
observada, por exemplo, ao discutirem sobre “ficar” e namorar (atividade 12), ao
discutirem sobre histórias que me contaram referentes a o que é ser homem e o que é ser
mulher (atividade 19), ao apresentarem suas opiniões sobre ser menino e ser menina
(atividade 24). Ainda que não tenha sido objetivo destas atividades, os temas discutidos
possibilitaram a argumentação, pois, ao manifestarem uma posição, os alunos procuraram
justificá-la por meio de fatos ou idéias. Como desde o início de seu desenvolvimento, o
projeto insistiu no respeito aos valores individuais (familiares) de cada um, restringindo-
se a apresentar os fatos e discuti-los criticamente para que o próprio aluno construísse
suas condições de avaliação e escolha de condutas sexuais futuras, a argumentação que
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
138
surgiu naturalmente
81
nas discussões caracterizou-se, conforme indica Garcia-Debanc
(1996), como especulativa, pois não teve o objetivo de mudar opiniões. Para esta autora,
este é o modelo segundo o qual a escola, comumente, aborda a argumentação.
No que tange à diversidade de gêneros, destacaram-se, neste projeto, os gêneros
escritos e multimodais. Nesta variedade de textos em gêneros diversificados,
identificamos aqueles de circulação social, como a peça publicitária comercial de TV e
anúncio publicitário em revista de assuntos gerais o dito popular, os vários gêneros
presentes nos jogos e embalagens de produtos, letras de canção etc. denominados por
Rojo (2001) de gêneros escolarizados e definidos pela autora como aqueles que circulam
em esferas sociais diversas e são introduzidos na escola, como pretexto para o estudo
lingüístico. Identificamos, ainda, os gêneros escolares, na acepção de Schneuwly & Dolz
(1997/2004), como o questionário, a descrição de ilustração ou objeto, etc. definidos
como produtos culturais da escola.
No entanto, conforme observamos na descrição dos dados (capítulo três), estes
gêneros, sejam eles orais, escritos, multimodais, escolares ou escolarizados não
receberam um tratamento de objeto de ensino-aprendizagem, seja para a leitura, seja para
a produção, mas funcionaram como suporte às atividades. Não observamos uma
abordagem instrumental dos gêneros em circulação, em que se analisa o gênero para
conhecê-lo como tal, mas uma pedagogia de aprender fazendo (imersão), em que o
contato com o gênero, estabelecido basicamente pela leitura, parece ser suficiente para
que o aluno identifique suas propriedades. Na atividade envolvendo peças publicitárias
observamos alguma análise sobre o aspecto não-verbal do gênero. Entretanto, esta análise
esteve voltada para o conteúdo estudado. De maneira semelhante, ao solicitar a produção
de um slogan para uma campanha de conscientização, observamos uma prática de
modelização de um componente (o slogan) de um gênero (campanha de conscientização),
não chegando a se concretizar uma análise.
Esta ausência de análise do gênero e o direcionamento para uma prática de
imersão justificaram nossa menção a gêneros que circularam no desenvolvimento do
projeto, uma vez que estes não foram trabalhados instrumentalmente como objeto de
conhecimento. Acreditamos que, acompanhando uma tendência alertada por Kleiman
81
Usamos o termo naturalmente no sentido de não intencional, não planejado como objetivo da atividade.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
139
& Moraes (1999/2002) referente à leitura e por Bazerman (2005) referente aos gêneros,
as disciplinas que não se referem ao ensino da língua/linguagem, chamadas por
Bazerman (2005: 16) de “não-lingüísticas”, não costumam tomar para si a
responsabilidade do ensino da leitura e/ou do conjunto de gêneros que circulam nas
atividades desenvolvidas nestas disciplinas.
Dolz & Schneuwly (1996/2004) e Schneuwly & Dolz (1997/2004) postulam que
os gêneros orais e escritos podem e devem ser ensinados sistematicamente, por meio de
seqüências e modelos didáticos que, estabelecem uma relação entre o gênero como objeto
e as práticas sociais das quais se originam. Para estes autores, o ensino de gênero deve se
pautar na interação entre fatores como o conhecimento das práticas de linguagem
historicamente acumuladas pelos grupos sociais, a noção de capacidades de linguagem
(capacidades lingüístico-discursivas) necessárias ao aprendiz para a produção de um
gênero e a definição de estratégias de ensino que forneçam, aos alunos, condições de
progredir no aprendizado sobre os gêneros e, aos professores, condições de melhor
mestria dos gêneros.
Concordamos com estes autores quanto à maior eficácia do ensino instrumental
para a construção do conhecimento sobre o gênero. No entanto, não descartamos a
contribuição das práticas por imersão à construção deste conhecimento. Entendemos que
o conhecimento prévio que o aluno traz consigo, ao entrar na escola, é fruto de sua
imersão em práticas sociais de uso de textos em diferentes gêneros, que o possibilitam
identificar alguns aspectos característicos e regulares de alguns gêneros. Entretanto,
reconhecemos que essa possibilidade restringe-se aos gêneros relacionados ao campo
cultural mais imediato de cada aluno, além de apresentar limitações à observação de
propriedades do gênero, que podem necessitar de uma abordagem mais instrumental.
Neste sentido, consideramos que a abordagem utilizada neste projeto privilegiou o
trabalho com gêneros, compreendida aqui como a prática de imersão, e não sobre
gêneros, compreendida como a prática instrumental. Futuramente discutiremos a
contribuição (ou não) desta abordagem dos gêneros na construção/ampliação do
letramento.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
140
Projeto Combatendo um Bando Malvado
Apresentamos os textos e gêneros textuais que circularam no projeto e a
abordagem que receberam no desenvolvimento do trabalho. Os quadros e gráfico que se
seguem classificam e quantificam os gêneros envolvidos no trabalho.
Gêneros que circularam em cada atividade do projeto Combatendo um Bando
Malvado
Atividade Gêneros que circularam no projeto
1 Narrativa de aventura / divulgação científica (híbrido)
2 Discussão; Lista
3 Lista
4 ----------------
5 Roteiro de pesquisa; Lista; Discussão
6 Enciclopédico / Divulgação científica; Didático / Divulgação
científica
7 Enciclopédico / Divulgação científica; Didático / Divulgação
científica
8 ---------------
9 Tabela; Relato
10 Entrevista (questionário)
82
; Lista; Discussão
11 Gráfico
12 Gráfico
13 Discussão; Campanha de conscientização
14 Reportagem; Discussão
15 Filme / divulgação científica (híbrido)
16 Texto dissertativo
83
17 Discussão; Notícia; Lista
18 ----------------
19 Roteiro teatral; Letra de canção
20 Panfleto informativo
21 Discussão; Lista; Panfleto informativo
22 Panfleto informativo
23 Panfleto informativo
24 Panfleto informativo
25 Regras de jogo, instrução, percurso, comandas de jogo
84
etc.
82
Embora descrito como entrevista, o gênero utilizado nesta atividade aproxima-se do questionário.
83
Optamos por manter aqui a mesma forma da descrição da atividade texto dissertativo, por não haver
definição do gênero na proposta. Na análise da abordagem dos gêneros discutiremos sobre a proposta.
84
Estamos chamando de comandas de jogo as instruções que aparecem nos jogos de percurso: avance 3
casas ou volte uma casa, etc.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
141
26 -----------------
27 Logomarca; Indicação de faixa etária; Lista de peças componentes
etc. (Gêneros integrantes de uma embalagem de jogo).
28 Teatro; música
29 Regras de jogo, instruções orais e escritas; percurso, comandas de
jogo.
Quadro 7
Gêneros que circularam no projeto Combatendo um bando malvado.
Gráfico 4: Gêneros de texto que circularam no projeto
0
1
2
3
4
5
6
7
Narrativa de aventura
Discussão
Lista
Roteiro de pesquisa
Divulgação científica
Didático
Tabela
Relato
Questionário
Gráfico
Regras
Reportagem
Filme
Notícia
Roteiro teatral
Letra de caão
Panfleto informativo
Regras de jogo
Instrução
Percurso do jogo
Comandas do jogo
Logomarca
Indicação de faixa etária
Teatro
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
142
De acordo com o quadro 7 e o gráfico 4, observamos a circulação de uma maior
diversidade de gêneros no desenvolvimento deste projeto, em relação ao projeto
analisado anteriormente. Esta diversidade também se mostra bem distribuída entre
gêneros orais, escritos e multimodais, conforme observamos na descrição dos eventos de
letramento e no quadro de textos e gêneros que circularam no trabalho. Vale observar que
entre os gêneros orais, a discussão
85
, assim como no projeto de Orientação Sexual,
ocupou um lugar privilegiado, embora tenha havido, também, a inclusão de gêneros orais
formais públicos, que mantêm relações complexas com a escrita como o teatro, que se
relaciona com o roteiro, e a música
86
, que se relaciona com a letra de canção.
No entanto, não observamos a abordagem instrumental destes gêneros. O teatro,
por exemplo, não foi trabalhado em seus aspectos orais. O trabalho realizado com o teatro
restringiu-se ao roteiro e, ainda assim, especificamente na marcação de vozes, conforme
descrito no capítulo três. A respeito da música, vale mencionar que a escolha do rap
também não foi tomada como objeto de estudo ou de análise, desconsiderando-se sua
forma composicional e a representação discursiva desse ritmo. Segundo o boletim
Cultura Hip Hop (2005), rap quer dizer rhytm and poetry, ritmo e poesia. É a expressão
musical-verbal da cultura Hip Hop
87
, que procura abordar os problemas sociais que
afligem uma população.
Ao tratarmos as verminoses associadas às questões ambientais locais,
significamos a questão como um problema social. Neste sentido, consideramos que a
escolha (dos alunos) do ritmo rap foi bastante adequada ao contexto do trabalho. No
entanto, o desconhecimento da professora sobre a representação deste ritmo como
manifesto de questões sociais fez com que isso passasse despercebido. Vale mencionar,
ainda, que os alunos sabiam produzir o rap, associando o ritmo à mensagem transmitida
com a utilização de bordões fixos. Esses conhecimentos (que a professora não tinha)
85
Conforme já mencionado, estamos chamando de discussão, a conversa sobre o tema em estudo, a
manifestação de opiniões, as tomadas de decisões que ocorreram dentro do projeto.
86
Do minidicionário Luft, música: “O modo de executar uma peça musical por meio de instrumento ou
voz”. Estamos entendendo por música a melodia e a letra de canção.
87
Hip Hop: movimento cultural, de origem jamaicana, importado pelos Estados Unidos, que engloba o rap;
o break, estilo de dança de rua e o grafite, expressão estética, plástica e visual que retratam a realidade dos
excluídos sociais e que podem ser admirados em diversas cidades do mundo (Boletim Cultura Hip Hop,
2005).
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
143
revelaram a abertura do projeto aos conhecimentos extra-escolares, mas também a
dificuldade em transpor este conhecimento social para o ensino/aprendizagem dentro da
escola.
Não mencionamos as apresentações das pesquisas realizadas pelos alunos entre os
gêneros orais que circularam no projeto, por considerá-las como uma atividade de
Leitura, já que se constituíram na leitura em voz alta das anotações realizadas pelo
grupo
88
.
Neste sentido, verificamos que os gêneros orais, com presença significativa no
projeto Combatendo um Bando Malvado, dividiram-se em cotidianos e formais públicos
que foram abordados, predominantemente, por uma prática de imersão, justificada pela
familiaridade dos alunos com os gêneros, conforme mencionado no capítulo três, na
descrição das atividades.
É importante observar, entretanto, que a interação estabelecida via oralidade neste
projeto, diferenciou-se daquela estabelecida no projeto anterior. A discutibilidade do
tema e a postura investigativa tanto da professora quanto dos alunos favoreceram essa
interação, pois ambos se apresentavam em patamares semelhantes de conhecimento sobre
o tema, que este era bastante voltado às necessidades daquela turma. A construção de
um objeto de conhecimento culturalmente situado também contribuiu para que a
interação se deslocasse do eixo professora-aluno para o eixo aluno-aluno, pois todo o
trabalho foi desenvolvido em cooperação no grupo e inter-grupos, já que, conforme
mencionado no capítulo três, o material coletado e construído era de utilização coletiva e
a própria dinâmica do projeto envolveu situações de interação entre alunos como as
pesquisas, os registros, a apresentação das informações pesquisadas, a negociação sobre
os produtos finais, os jogos com outras turmas, os ensaios das peças teatrais etc.
A diversidade de atividades deste projeto e a maior participação dos alunos como
autores e co-autores exigiram diferentes capacidades de leitura, produção verbal e não-
verbal, plástica, cênica etc. Essa característica possibilitou o deslocamento da posição de
par mais competente, ocupada pela professora no projeto anterior, e dividiu esta posição
com outros membros dos grupos. Opostamente ao projeto de Orientação Sexual, a
descentração da professora como par mais competente, neste projeto, favoreceu a
88
Esta atividade será analisada com mais detalhes no tópico referente às práticas de leitura.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
144
ampliação da interação entre alunos. Entendemos que este fato reitera as considerações
de Matencio (2001), mencionadas anteriormente, a respeito da influência da distribuição
desigual de conhecimentos na interação entre interlocutores.
É importante destacar, também, a presença da argumentação nas discussões. A
característica de renegociação constante (na definição de produtos finais, na formação
dos grupos, na troca de materiais etc.), que marcou este projeto, favoreceu a
argumentação em diferentes momentos. Seguindo a definição de Garcia-Debanc (1996),
entendemos que a argumentação que se estabeleceu neste trabalho, caracterizou-se como
argumentação retórica, cujo objetivo foi convencer um auditório a respeito de uma
posição e esteve voltada para uma tomada de decisão, diferentemente da argumentação
que ocorre no projeto de Orientação Sexual.
Ainda sobre a abordagem da linguagem oral neste projeto, cumpre-nos destacar a
valorização das fontes orais de informação e transmissão de conhecimento, sobretudo no
que tange ao tema específico deste projeto verminoses. A este respeito, destacam-se as
informações coletadas na família por meio do questionário e dos relatos dos próprios
alunos.
Além da presença de alguns poucos gêneros orais formais públicos, neste projeto,
observamos uma maior quantidade de gêneros de circulação social como reportagens,
notícias, panfletos informativos, logomarca, instruções etc., denominados por Rojo
(2001) de escolarizados, embora o trabalho não tenha abandonado os textos tipicamente
escolares, no dizer de Schneuwly & Dolz (1997/2004), como os questionários, por
exemplo.
No entanto, apesar do aumento na diversidade de gêneros que circularam no
projeto Combatendo um Bando Malvado, é importante considerar como eles foram
abordados no desenvolvimento do trabalho. Ao voltarmos nosso olhar para o lugar
ocupado pelos gêneros neste projeto, nos remetemos a Schneuwly & Dolz (1997/2004) e
ao exame realizado por estes pesquisadores sobre o funcionamento dos gêneros no
quadro escolar. Segundo eles (1997/2004: 75-76),
“Na missão de ensinar os alunos a escrever, a ler e a falar, a escola,
forçosamente, sempre trabalhou com os gêneros, pois toda forma de
comunicação portanto, também aquela centrada na aprendizagem –
cristaliza-se em formas de linguagem específicas. A particularidade
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
145
da situação escolar reside no seguinte fato que torna a realidade
bastante complexa: um desdobramento que se opera em que o
gênero não é mais instrumento de comunicação somente, mas é, ao
mesmo tempo, objeto de ensino-aprendizagem”.
Embora os autores se refiram ao trabalho com gêneros no ensino da escrita, da
leitura e da fala, a presença dos gêneros em qualquer situação de comunicação dentro da
escola nos desperta o interesse em analisar como estes gêneros são abordados mesmo em
trabalhos que não se propõem especificamente ao ensino-aprendizagem da escrita, da
leitura ou da fala, como no caso deste projeto.
Antes de procedermos a uma análise de como os gêneros são abordados no
projeto Combatendo um Bando Malvado, julgamos importante destacar dois aspectos: a)
os textos em diversos gêneros que circularam neste projeto não obedeceram a uma
progressão linear, mas integraram o trabalho, tanto por proposta da professora, como por
proposta dos alunos, de acordo com a necessidade do trabalho; b) diferentemente do
projeto de Orientação Sexual, os textos em gêneros propostos para produção coincidem,
em boa parte das atividades, com aqueles propostos para leitura, denotando uma relação
entre as duas práticas.
Entretanto, se, por um lado, existiu uma preocupação em relacionar as práticas de
leitura e produção, por outro, observamos uma diferença entre a abordagem dos gêneros
quando a proposta é de leitura e quando é de produção. Nas propostas de leitura
(atividades 1; 6; 7; 8; 12; 14; 19; 20; 24; 25 e 27), observamos que poucas são as
atividades em que o gênero lido, pela professora ou pelo aluno, é tomado como objeto de
ensino/aprendizagem. Nos casos em que o gênero é estudado como tal, geralmente a
abordagem restringe-se a algumas de suas propriedades.
Passemos a uma breve análise de cada uma destas atividades de leitura.
Na leitura da professora (atividade 1) do livro que dá origem a este projeto
(narrativa de aventura / divulgação científica) não observamos explorações que indiquem
o gênero ou suas propriedades. A exploração feita pela professora foi dirigida,
basicamente, a poucas capacidades leitoras, como veremos posteriormente, e não ao
gênero utilizado.
Na atividade 6, em que os alunos realizaram um levantamento dos materiais de
pesquisa, também não encontramos um direcionamento sobre que textos e em que
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
146
gêneros as informações necessárias à pesquisa seriam encontradas, seus suportes, onde
circulam etc. Esta exploração foi realizada na atividade 3, em uma sondagem sobre as
possíveis fontes de consulta.
A atividade 7 propôs a pesquisa, propriamente dita, nos textos selecionados pelos
alunos. No entanto, não verificamos orientação sobre os procedimentos de leitura de
textos enciclopédicos, verbetes ou textos de divulgação. Conforme a descrição da
atividade, no capítulo três, a orientação se apresentou mais voltada para a localização das
informações referentes ao roteiro de pesquisa definido pelos grupos de alunos, não
abordando propriedades do gênero.
Na atividade 12, explorou-se a leitura dos gráficos construídos coletivamente
pelos alunos. A leitura foi abordada no que se refere ao conteúdo do gráfico. No entanto,
levando-se em conta que esta atividade integra uma seqüência de outras relativas ao
gráfico, a exploração deste texto como gênero foi parcialmente realizada na atividade
anterior, quando da sua produção. Consideramos uma exploração parcial por abordar
aspectos específicos de sua forma composicional.
A respeito dos gráficos, vale considerar uma possível contribuição à construção
do letramento digital dos alunos que, pela utilização do programa excell, observaram e
analisaram os diferentes tipos de gráfico e a funcionalidade de cada um deles,
selecionando as formas adequadas ao tratamento dos dados coletados. Como contribuição
ao letramento digital, podemos somar a essa análise o uso do programa e a construção,
propriamente dita, dos gráficos.
Na atividade 14, leitura de reportagens, observamos uma exploração do gênero
como objeto de ensino/aprendizagem, no que tange a algumas de suas propriedades,
forma composicional, estilo (recursos gráficos e lingüísticos das manchetes, uso de
linguagem multimodal) e, ainda, suporte, contexto de circulação, etc.
Nas atividades 20 e 24, observamos uma abordagem mais cuidadosa do gênero
panfleto informativo, cuja modelização possibilitou a observação dos aspectos como
forma composicional, estilo, recursos multimodais etc. para reconhecimento das
propriedades deste gênero.
Do mesmo modo, a modelização do jogo (atividades 25 e 27) e a familiaridade
dos alunos com este conjunto de gêneros, seja por suas experiências sociais, seja pelas
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
147
experiências escolares, viabilizou a exploração dos diferentes gêneros que o constituem e
sua embalagem, por meio da observação das informações pertinentes a cada gênero e do
destinatário, por meio da análise da indicação de faixa etária.
No que tange aos gêneros propostos para produção escrita, alguns deles
mencionados na análise da abordagem dos gêneros propostos para leitura, observamos,
em alguns casos, uma análise um pouco mais direcionada para o reconhecimento de
algumas propriedades do gênero.
A atividade 3 teve a professora como escriba e caracterizou-se pela produção de
uma lista de possíveis fontes de consulta das informações necessárias à pesquisa sobre as
verminoses que seriam estudadas. No entanto, nem a lista que se constituiu como produto
desta atividade, nem os textos (ou seus suportes) citados como fontes de pesquisa foram
explorados quanto às propriedades dos gêneros que os constituem. A atividade se limitou
ao registro e análise da pertinência das informações dos alunos sobre os suportes dos
textos que necessitavam naquele momento.
Embora na descrição da atividade 4 conste inscrição dos membros nos grupos de
pesquisa, esta inscrição se deu pelo mero registro do nome do aluno no grupo de seu
interesse. Esta atividade não envolveu um texto específico às inscrições que circulam
socialmente, como formulários, fichas de inscrição etc.
A atividade 5 refere-se à definição do roteiro de pesquisa. No entanto, não houve
menção às diferentes formas de se registrar as informações pesquisadas (notas, esquemas,
etc.). O foco da atividade foi a análise da pertinência e relevância dos tópicos de pesquisa
sugeridos pelos alunos.
Na atividade 7, procedeu-se a pesquisa propriamente dita. Entretanto, conforme
mencionado na análise da abordagem dos gêneros nas atividades de leitura, não
verificamos orientações sobre a leitura de verbetes enciclopédicos ou textos de
divulgação científica. Além disso, não fica claro se o aluno tem conhecimento de que as
informações coletadas seriam lidas para a classe e comporiam uma tabela com as
informações de todos os grupos. A descrição da atividade mostra apenas que foi
solicitada uma pesquisa ao aluno, seguindo um roteiro elaborado coletivamente.
A atividade 9 constitui-se da produção da tabela com os dados coletados por todos
os grupos. Na descrição desta atividade, no capítulo três, a professora se refere à
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
148
transcrição dos dados pesquisados, que nos conduz ao entendimento de uma outra forma
de registro dos dados coletados na atividade anterior. No entanto, não há registros de que
esta outra opção de registrar e agrupar os dados pesquisados por todos os grupos tenha
sido ressaltada com os alunos. Não encontramos, também, alguma justificativa para a
escolha (da professora) da organização dos dados em uma tabela. A definição por esta
organização não nos parece ter sido discutida com os alunos. Não houve uma exploração
sobre que gêneros seriam adequados a esta função e qual seria mais apropriado ao
trabalho. Deste modo, constatamos que o gênero não foi tomado, nesta atividade, como
objeto de ensino/aprendizagem, procedendo-se diretamente à sua produção.
A atividade 10 está descrita no capítulo três como entrevista. De acordo com
Schneuwly & Dolz (1997/2004), o gênero entrevista constitui-se de um encontro entre
um entrevistador e um entrevistado especialista em algum tema, com o objetivo de extrair
deste diferentes aspectos a respeito do tema central da entrevista. Difere, portanto, de
uma conversa comum por apresentar-se de forma estruturada e, fundamentalmente, ligada
à mídia, o que pressupõe um terceiro elemento, além dos interlocutores: o destinatário.
Em estudo bibliográfico, os autores constatam que a entrevista é concebida como uma
prática de linguagem altamente padronizada, em que os interlocutores têm papéis
definidos. O entrevistador abre e fecha a entrevista, introduzindo novos assuntos e
orientando a interação, enquanto o entrevistado fornece as informações solicitadas.
A partir destas características, os autores apresentam três dimensões ensináveis
sobre o gênero entrevista radiofônica, no nosso entender, adaptáveis a outros tipos de
entrevista: a) o papel de mediação do entrevistador, que lhe permite conduzir a tarefa de
entrevistar; b) o estudo da organização interna da entrevista, suas diferentes partes
(abertura, questionamento e fechamento) e a relação entre estas partes e a mediação do
entrevistador; c) a regulação local dos turnos, a formulação de questões e intervenções.
Independentemente de Schneuwly & Dolz (1997/2004) se ocuparem da entrevista
radiofônica, a concepção de entrevista apresentada pelos autores pressupõe uma
situação de interação em tempo real, marcada pela flexibilidade
89
do gênero. Na nossa
89
Estamos chamando de flexibilidade a possibilidade de o entrevistador esclarecer uma pergunta, fazer
intervenções, retomar tópicos etc.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
149
concepção, essa flexibilidade possibilita e exige o ensino sobre o gênero, nas três
dimensões já citadas.
Esta breve retomada teórica nos possibilitou avaliar que não houve um trabalho
com o gênero entrevista na atividade 10. A ausência de abordagem dos aspectos
interacionais da entrevista caracterizaram o conjunto fechado de questões previamente
elaboradas muito mais como questionário que como roteiro de entrevista. Pudemos
observar, ainda, que não o gênero entrevista não foi trabalhado, mas também
concebido equivocadamente. Denominou-se entrevista uma prática de questionário que
tanto pode ter sido aplicado pelo aluno, como pode ter sido auto-aplicado, que não
houve orientação a este respeito.
Na atividade 11, observamos uma abordagem instrumental da elaboração de um
gráfico, na qual cada etapa de produção do gênero foi realizada coletivamente com os
alunos, podendo funcionar como modelo para futuras produções. É importante ressaltar a
característica multimodal e interdisciplinar deste gênero, que será melhor discutida na
análise das práticas de produção.
Consideramos importante, também, comparar a abordagem do gráfico nos dois
projetos. No projeto Orientação Sexual, o gênero foi abordado somente como prática de
leitura de um produto pronto, levado para a sala de aula, sobre o qual se exerceu uma
atividade de localização de informação. No projeto Combatendo um Bando Malvado,
observamos uma seqüência de atividades contextualizadas, emergente das necessidades
do projeto, cujos autores foram os próprios alunos, auxiliados pela professora, a partir de
dados coletados por eles mesmos.
A atividade 13 constou de uma campanha de conscientização sobre condutas
preventivas às verminoses. Conforme a descrição da atividade, no capítulo três, não é
possível identificar a abordagem com todas as propriedades do gênero, a não ser no que
diz respeito ao tema. Não verificamos um direcionamento da produção para a forma
composicional ou para o estilo deste gênero. No entanto, observamos uma menção ao
suporte apropriado ao gênero.
Na atividade de número 16, solicitou-se a produção de um texto dissertativo,
relacionando o filme assistido (Esquistossomose) aos textos lidos (leitura intertextual). A
descrição não oferece maiores informações sobre a atividade, nem mesmo justifica a
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
150
solicitação deste tipo de texto. O caráter extremamente sucinto da descrição da atividade
inviabiliza uma análise sobre abordagem de gênero. Entretanto, evidencia a presença do
gênero escolar (dissertação) e uma prática escolar bastante freqüente e orientada por uma
preocupação com uma linearidade ou progressão das práticas de leitura e produção
(descrever, narrar, dissertar).
Embora o projeto Combatendo um Bando Malvado apresente produções
contextualizadas, que emergiram de acordo com as demandas do trabalho, esta proposta,
especificamente, denotou uma necessidade de inscrever a rubrica da escola nas práticas
de produção. Entendemos esta proposta como uma necessidade, da professora, de dar
uma característica escolar para o trabalho desenvolvido, solicitando, assim, um texto
dissertativo, para o qual não identificamos um interlocutor definido, pois o objetivo da
produção parece ser o de compor o portfólio. No entanto, mesmo que a proposta de texto
dissertativo estivesse justificada e/ou contextualizada, não observamos uma abordagem
da tipologia textual ou das propriedades deste tipo. A precariedade da descrição da
atividade nem mesmo deixa indícios sobre a familiaridade dos alunos com textos
dissertativos.
A proposta de produção de um texto dissertativo, neste projeto, parece-nos
aproximar-se do que Schneuwly (2005) descreve como um fenômeno bastante comum na
escola, em que tradições escolares consolidadas se alternam a novas práticas, gerando
camadas que se sobrepõem e se sedimentam (no sentido vygotskyano). O autor, aliás,
denomina este fenômeno de sedimentação das práticas e afirma que a escolarização se
constitui na mistura que se dá entre o novo e o já existente.
90
Na proposta de produção do roteiro teatral (atividade 19), observamos uma
abordagem mais voltada para a forma composicional do gênero, originada pela
dificuldade de um dos grupos em demarcar as vozes de cada personagem. Ao retomar a
leitura do texto produzido pelos alunos, a professora procura mostrar a eles a fusão de
vozes, ajudando-os a perceber a necessidade de separar estas vozes e, ainda, de demarcar
em cores ou negrito, o nome do interlocutor em cada turno, para facilitar a identificação
no momento de memorização dos turnos. Podemos notar que esta orientação,
90
No texto Alfabetização e letramento: sedimentação de práticas e (dês)articulação de objetos de ensino
Rojo (2005) apresenta diferentes efeitos de sedimentação, a partir da análise de duas aulas em classe de
alfabetização.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
151
inicialmente, não fazia parte da proposta de produção. A dificuldade apresentada por um
dos grupos foi o mote para a alteração de uma abordagem de imersão para uma
abordagem instrumental.
Acreditamos que a familiaridade dos alunos com apresentações teatrais (por
grupos profissionais) dentro e fora da escola, gerou na professora a crença de que esta
experiência bastaria não para a encenação da peça, como também para a produção do
roteiro teatral que, segundo a descrição da atividade (capítulo três), apresenta-se na forma
produza um texto, ou transcreva a narrativa em roteiro teatral, sem tomar o gênero
solicitado como objeto de ensino/aprendizagem. Nesta prática, observamos dois aspectos
importantes: a) o desconhecimento do teatro como um gênero que apresenta uma relação
complexa entre dois outros gêneros: a peça (gênero oral) e o roteiro (gênero escrito); b) a
crença na imersão no produto (assistir a uma peça teatral) como condição suficiente para
a produção do roteiro.
No entanto, embora cada gênero que participa da relação complexa que se
estabelece no gênero teatro não tenha sido tomado plenamente como objeto de
ensino/aprendizagem, o conjunto de atividades que se desenvolveu em torno da produção
teatral favoreceu a interdisciplinaridade e o contato com a multimodalidade que
caracteriza este gênero, conforme veremos na análise das práticas de escrita.
A seqüência de atividades referentes à produção de panfletos informativos
(atividades 20 à 24), apresentou, no nosso entendimento, uma abordagem mais cuidadosa
do gênero, que integrou, novamente, uma campanha de conscientização, porém, tendo a
comunidade escolar como destinatário previamente definido.
Ao tomar um panfleto como objeto de análise de algumas de suas características
lingüísticas verbais e não-verbais (atividade 20), percebemos a abordagem, ainda que
intuitiva, dos aspectos composicionais e de estilo, alertando os alunos para a
característica multimodal do gênero. A atividade 21, entendemos, complementou o
trabalho com o gênero, ao abordar o tema. As atividades que se seguiram até a de número
24, destinadas à produção propriamente dita, envolveram ainda conhecimentos
interdisciplinares e contribuíram para a construção do letramento digital, conforme
discutiremos no tópico referente às práticas de escrita. Desse modo, entendemos que esta
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
152
seqüência de atividades se completa na abordagem do gênero em suas diferentes
propriedades.
Novamente nos remetemos a uma seqüência de atividades. As atividades
referentes à produção de jogos (25 à 27) nos revelam uma abordagem instrumental sobre
o gênero produzido. A observação de outros jogos como modelo e o destaque dado pela
professora aos componentes do jogo nos levam a considerar a prática de uma tomada de
consciência sobre os gêneros que compõem um jogo, objeto ao qual os alunos são
familiarizados, e sobre sua característica multimodal. A atividade 25, especificamente,
nos indica uma abordagem do tema referente ao jogo, enquanto conjunto de gêneros
91
.
Não observamos, na descrição das atividades, a menção a um trabalho específico
com cada gênero componente do jogo. No entanto, embora a abordagem do jogo, nestas
atividades, tenha partido da exploração do tema diretamente para a produção, os produtos
dos alunos apresentaram uma forma composicional bastante semelhante aos jogos que
circulam socialmente, conforme descrição que antecede a atividade 25, no capítulo três.
Este fato nos remeteu à pesquisa de Costa Val & Barros (2003), que analisa os
processos de produções de textos injuntivos/instrucionais
92
(especificamente receitas e
regras de jogo) por crianças em fase de alfabetização e concluem que estas trazem para a
escola diferentes conhecimentos sobre estes gêneros, envolvendo forma composicional,
estilo e tema. Tendo como apoio concreto os desenhos das caixas, as crianças envolvidas
na pesquisa destas autoras ditaram as regras do jogo para os escribas/pesquisadoras,
permitindo a avaliação dos seus conhecimentos e possibilitando a delimitação do ponto
de intervenção do professor. Se as crianças em fase de alfabetização necessitaram de se
apoiar nos desenhos das caixas de jogos para a formulação verbal das regras do jogo, as
crianças de quarta série, envolvidas no projeto Combatendo um Bando Malvado,
mostraram-se capazes desta elaboração sem o recurso visual.
Acreditamos que isso se deva à maior capacidade de abstração das crianças mais
velhas, mas não deixamos de considerar a familiaridade das crianças com os gêneros que
compõem o jogo, originária de suas experiências sociais ou da imersão nestes gêneros
91
Na concepção de Bazerman (2005), conforme já mencionado.
92
Os textos injuntivos são definidos pelas autoras como “[...] tipo de texto que se caracteriza por organizar
informações e instruções ou ordens com a finalidade de orientar determinado comportamento do
interlocutor” (Costa Val & Barros, 2003: 135).
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
153
propiciada pela própria escola. A este respeito, vale lembrar a experiência com jogos
propiciada pelo projeto de Orientação Sexual.
No entanto, é importante considerar, também, a maneira como o jogo e,
conseqüentemente, os gêneros que o compõem foram abordados nos dois projetos. À
semelhança da abordagem dos gráficos, no primeiro projeto, Orientação Sexual, o jogo
foi trazido de fora para dentro da escola, como um produto pronto para ser consumido.
Embora o aluno tenha atuado sobre o jogo, em termos de produção, sua participação foi
consideravelmente diferente do segundo projeto, pois privilegiou-se, no primeiro, as
práticas de leitura dos textos que compõem o jogo e a obediência às regras
estabelecidas . No projeto Combatendo um Bando Malvado, a participação do aluno no
jogo foi ativa e produtora, garantindo o espaço da autoria.
Ainda que fora do processo de produção do jogo, a atividade 29, em que os
alunos da quarta série, produtores dos jogos, os utilizaram com outras séries, funcionou
como uma atividade epilingüística, sobre a própria produção, pois foi uma avaliação da
possibilidade (ou não) de compreensão do jogo como um todo.
Dessa forma, observamos que, neste projeto, a abordagem dos gêneros ora se
assemelha, ora se diferencia da abordagem realizada no projeto de Orientação Sexual.
Um dos pontos comuns é a abordagem por imersão dos gêneros orais, embora, neste
projeto a introdução dos orais formais públicos signifique, do nosso ponto de vista, um
pequeno crescimento em relação ao primeiro. Difere-se, no entanto, pela abordagem um
pouco mais elaborada dos gêneros propostos para leitura e, sobretudo, daqueles propostos
para produção.
Entretanto, vale destacar que, com exceção dos jornalísticos, nas atividades de
leitura, os gêneros são tomados como objeto de ensino/aprendizagem quando esta
leitura está vinculada a uma produção. Nas atividades em que se dá somente a leitura não
observamos uma preocupação em analisar as propriedades do gênero. Por sua vez, nas
propostas de produção, com exceção dos gráficos, a abordagem dos gêneros como objeto
de ensino/aprendizagem, ainda que parcialmente, ocorre com mais freqüência nas
propostas em que há um destinatário definido.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
154
Assim, concluímos que embora o objeto (gênero) seja o mesmo, a abordagem
difere de acordo com a prática (leitura ou produção), seguindo uma tendência
observada na escola.
4.4. Práticas de leitura
Projeto Orientação Sexual
Conforme observamos nos gráficos referentes aos eventos de letramento, é
marcante a presença de práticas de leitura neste projeto. A maneira como a leitura é
abordada revela características peculiares ao trabalho, que merecem ser discutidas. Neste
tópico, discutiremos as práticas de leitura desenvolvidas no projeto sob a ótica das
capacidades que concorreram para a leitura e compreensão dos textos.
Inicialmente, é preciso ressaltar que as práticas de leitura, neste projeto, são
marcadas pela leitura da professora. Ao longo do trabalho, poucas foram as situações em
que os alunos realizaram, por si, a leitura de um texto
93
. Além disso, tanto na leitura
realizada pela professora, quanto na leitura realizada pelo aluno, o foco de discussão é o
conteúdo do texto, ocorrendo pouca exploração de aspectos textuais.
No entanto, embora o projeto não enfocasse a leitura como objeto de ensino,
tomamos as práticas de leitura como objeto de análise, no sentido de verificar como foi
abordada e que capacidades leitoras envolveram, ainda que incidentalmente.
Conforme as atividades descritas no capítulo três, não há registros que indiquem a
abordagem da leitura como uma situação efetiva de interlocução, uma vez que pouco
observamos a recuperação do contexto de produção dos textos lidos (atividade 23: letras
de canção) ou definição, para o aluno, das finalidades das atividades de leitura.
Observamos, na atividade 3, o questionamento da professora aos alunos sobre o objetivo
da leitura de um livro infantil (paradidático). Porém, esse objetivo não é apresentado ao
aluno previamente à leitura, mas questionado posteriormente, no sentido de verificar se o
aluno relaciona o conteúdo da obra à dinâmica do projeto.
Sob a perspectiva da decodificação, não observamos, nas propostas de leitura,
atividades que favorecessem o desenvolvimento da fluência. Observamos, ainda que
93
Conforme mencionamos anteriormente, a restrição material (eixo Corpo: matriz da sexualidade) foi um
dos motivos da concentração das práticas de leitura na leitura da professora.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
155
minimamente, a solicitação de localização de informações na atividade 23 (letra de
canção). No nosso entender, a parca exploração dos aspectos de decodificação se justifica
por dois fatores: a) o projeto foi desenvolvido com as
s
séries, cujo nível de leitura,
supostamente, superava a decodificação. b) o projeto não tinha o desenvolvimento de
capacidades leitoras entre seus objetivos primordiais.
Na perspectiva da compreensão, observamos a ativação do conhecimento de
mundo. A sondagem dos conhecimentos prévios dos alunos precede leituras e discussões
e se complementa à construção coletiva de conceitos ou definições. As discussões sobre
estereótipos que circulam na sociedade; a listagem de transformações futuras no corpo,
nos interesses e nas responsabilidades em diferentes fases da vida e o levantamento de
termos populares referentes ao léxico científico utilizado no trabalho etc. também são
exemplos de como a ativação do conhecimento de mundo perpassou as leituras realizadas
no projeto.
Sobre este último aspecto - o léxico apropriado ao contexto do trabalho -
observamos a exploração contextualizada do vocabulário em algumas atividades. Embora
a leitura fosse da professora, procurou-se construir conceitos e/ou definições com os
alunos, usando, para isso, o contexto de uso da palavra, sua origem e derivação (por
exemplo, os diversos sentidos da palavra sexo em diferentes contextos: em uma ficha
cadastral, em uma aula de orientação sexual etc. ou a construção do significado da
expressão sexo anal a partir da origem da palavra anal).
Dentre os diversos textos em diferentes gêneros que circularam no projeto,
observamos a exploração das propriedades do conjunto de gêneros que compõem uma
embalagem. Nos demais textos, não observamos esta preocupação. Atribuímos esta
exploração ao objetivo com o qual a embalagem (de preservativo) foi incluída no
trabalho. Conhecer as informações presentes neste material faz parte da formação de um
adulto sexualmente responsável, objetivo do projeto. Isso nos indica que a exploração
destas propriedades não se deu pelo texto/gênero em si, mas pelo que ele representa em
termos de conteúdo para o projeto.
Conforme antecipamos, na perspectiva da textualidade, identificamos apenas a
exploração dos recursos lingüísticos para a compreensão do registro científico dos textos
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
156
utilizados. Entretanto, a perspectiva discursiva obteve maior expressividade nas práticas
de leitura deste projeto, pois é bastante evidente a exploração da intertextualidade
temática estabelecida pela inter-relação entre diferentes textos que circularam no projeto
e outros de circulação social, muitos deles em diferentes gêneros. Neste sentido, podemos
considerar, também, como exploração de marca implícita de intertextualidade a alusão a
comerciais de TV (atividade 22) que, embora não estivessem presentes na sala, foram
relacionados e comparados a outros gêneros, como os anúncios publicitários de revistas.
Observamos, ainda nesta perspectiva, a discussão crítica de posições preconceituosas
referentes aos gêneros masculino e feminino e aos portadores do vírus HIV/AIDS. A
presença de elaboração de apreciações afetivas pôde ser observada na atividade 6, em que
os alunos são convidados a verbalizar o que sentiram ao discutir no grupo e registrar os
nomes populares referentes aos termos científicos propostos (pênis, vagina, menstruação,
relação sexual e gravidez). Outras atividades em que a apreciação afetiva esteve evidente
foram histórias que me contaram (atividade 19) e mensagens dos meios de comunicação
(atividade 22). Além disso, observamos a exploração de imagens, que permeou todo o
trabalho, como elemento constitutivo de sentido e de construção de conhecimentos.
Esta análise nos permitiu concluir sobre o privilégio dos aspectos discursivos na
abordagem da leitura neste projeto, em detrimento da exploração textual. Mais uma vez,
atribuímos esta desigualdade na abordagem das práticas de leitura aos objetivos iniciais
do projeto e ao fato de a abordagem discursiva dos textos que circularam no trabalho
corresponder aos objetivos de formação de valores, de percepção do uso da
língua/linguagem como veículo de valores e da formação de um adulto sexualmente
responsável, o que requer aprender a se posicionar diante de diferentes discursos que
circulam no meio social.
Projeto Combatendo um Bando Malvado
A descrição das atividades e os gráficos referentes aos eventos de letramento nos
permitem observar as práticas de leitura realizadas neste projeto. Neste tópico,
analisamos a abordagem da leitura sob a ótica das capacidades que concorreram para a
leitura e compreensão dos textos e, ainda, suas semelhanças e diferenças em relação ao
projeto de Orientação Sexual.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
157
Antes de mencionarmos as capacidades leitoras (des)envolvidas neste trabalho, é
importante lembrar que, no projeto Combatendo um Bando Malvado, diferentemente do
projeto de Orientação Sexual, os eventos de leitura apresentaram maior envolvimento dos
alunos como leitores ativos e não como ouvintes da leitura da professora. Ao longo do
trabalho, identificamos diversas situações de leitura do aluno, muitas delas vinculadas a
outras atividades como pesquisa teórica e produção de textos.
Embora o ponto central de exploração dos textos tenha sido o conteúdo, a
característica de vinculação da leitura a outras atividades garantiu às práticas de leitura,
neste projeto, maior atenção à exploração dos aspectos textuais dos textos abordados.
Conforme observamos na análise dos gêneros que circularam no projeto, os gêneros
jornalísticos, o conjunto de gêneros que compõem os jogos, assim como o panfleto
informativo foram abordados em alguns de seus aspectos textuais.
No entanto, conforme analisamos no tópico anterior, com exceção dos textos
jornalísticos, que são propostos somente para leitura, os outros que foram abordados em
seus aspectos textuais estiveram vinculados a uma proposta de produção, que antecedeu
ou sucedeu a prática de leitura. Esta abordagem nos leva a considerar que a observação
das propriedades dos gêneros utilizados esteve, neste projeto, mais voltada para a prática
de produção que para a prática de leitura.
Vale ressaltar, ainda, que embora as práticas de leitura tenham envolvido os
alunos de maneira ativa, não identificamos um trabalho de orientação da leitura dos
alunos conforme suas diferentes necessidades e objetivos. Como exemplo, podemos
mencionar a leitura de textos enciclopédicos ou de divulgação científica, ou mesmo a
leitura de verbetes, que pode remeter o leitor a outros textos ou outros verbetes. Esta
ausência de orientação nas práticas de leitura significou, no nosso entender, uma
abordagem autônoma da leitura, que se diferiu da abordagem um pouco mais orientada
das propostas de produção de textos.
No entanto, embora com propostas pouco orientadas de leitura, e sem o objetivo
de abordá-la como objeto de ensino, é possível identificar o (des)envolvimento de
algumas capacidade leitoras nas propostas de leitura, sejam elas conscientes ou
incidentais, conforme se seguem.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
158
Assim como no projeto anteriormente analisado, a descrição dos dados nos
mostrou uma abordagem da leitura que pouco contribuiu para a construção desta prática
como uma situação efetiva de interlocução. Embora no projeto Combatendo um Bando
Malvado as situações de leitura do aluno estivessem mais presentes, poucas foram as que
exploraram o contexto de produção do texto utilizado (atividade 14), além de não
observarmos registros que indiquem a definição dos objetivos de leitura
94
.
Outra semelhança com as práticas de leitura desenvolvidas no projeto de
Orientação Sexual refere-se à perspectiva da decodificação. Não observamos, nas
propostas de leitura, atividades que favorecessem o desenvolvimento da fluência, assim
como não observamos a solicitação de localização de informações. Entretanto, esta
capacidade leitora pôde ser observada, ainda que incidentalmente, nas atividades de
pesquisa sobre o tema em estudo (atividades 6 e 7), que a pesquisa foi dirigida por um
roteiro que determinava as informações mais relevantes para aquele grupo. Entendemos
que a localização de informação também foi utilizada quando os alunos pesquisaram seus
próprios registros no portfólio (atividade 9) para produzir um novo gênero, como o
roteiro teatral e a música, ou até mesmo os jogos, que contêm as informações estudadas,
ou quando recorreram aos dados coletados para construção de gráficos (atividade 12).
Na perspectiva da compreensão, observamos a exploração de algumas
capacidades leitoras, como a ativação do conhecimento de mundo nas atividades em que
acontece sondagem das fontes de pesquisa ou suportes
95
de textos relativos ao tema
pesquisado, na sondagem sobre as informações constantes de jogos de regras, nas
paródias de jogos conhecidos através da mídia, na sondagem sobre que tipos de
informação constam de um panfleto, na sondagem sobre qual a melhor forma de se obter
as mesmas informações das famílias de todos os alunos (entrevista).
94
Identificamos a definição de objetivos para a observação do vídeo sobre esquistossomose que, no
entanto, não constitui uma prática de leitura.
95
Importante observar que na atividade 3 a formulação da questão onde podemos encontrar estas
informações? remete alguns alunos a lugares e não a suportes dos textos. Estes lugares, entendemos,
podem ter a conotação do contexto de circulação dos textos aos quais a atividade se refere. Entretanto, a
professora, ao perceber que os alunos se referiam ao lugar no sentido de contexto de circulação, tomou
como formulação da pergunta e a re-elaborou de forma que desse margem apenas a respostas
referentes ao suporte dos textos.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
159
Outras situações, ainda que não tenham explorado o conhecimento de mundo dos
alunos, oportunizaram que este se manifestasse. Ao proporem substituir a confecção do
livro por uma encenação teatral, os alunos demonstraram não o conhecimento do
gênero teatro, como sua função de atingir o público (a comunidade escolar) de forma
mais imediata que o livro, no caso específico do objetivo do trabalho.
Em algumas atividades, observamos a antecipação de conteúdos e/ou
propriedades dos textos trabalhados, como as atividades de leitura dos textos jornalísticos
(atividade 14), na sondagem sobre o conteúdo dos panfletos (atividade 21), na seqüência
de atividades de construção dos jogos (atividades 25 a 27).
Embora não observemos a checagem de hipóteses entre as capacidades leitoras
envolvidas neste trabalho, julgamos importante mencionar que na atividade 1, em que a
professora propõe que os alunos antecipem o conteúdo do livro, a partir da análise do
título, ocorreu checagem das hipóteses levantadas pelos alunos sobre o conteúdo do
texto. No entanto, não observamos a exploração desta capacidade em outras atividades.
Ainda na perspectiva da compreensão, observamos a presença de comparação de
informações. Ao considerar a relevância das informações citadas para compor
entrevistas, pesquisas etc., o aluno necessitou compará-las a outras semelhantes ou
colocá-las em relação com o objetivo da atividade. Do mesmo modo, ao analisar a
possível redundância entre dois itens do roteiro de pesquisa (atividade 5), os alunos
estabeleceram uma comparação entre estes itens, considerando a informação proveniente
de cada um. Ao identificar verminoses ocorridas na família à medida que tomavam
conhecimento dos diversos vermes estudados por outros grupos, os alunos estabeleceram
comparação entre a informação fornecida pelo texto e a informação adquirida com sua
vivência de mundo e, ainda, ao relacionarem o conteúdo do vídeo ao das reportagens
lidas (atividade 15).
Na perspectiva da textualidade, observamos a exploração dos recursos
lingüísticos para a compreensão do texto quanto a tipos e gêneros (atividades 14, 20 e
25). Entretanto, esta exploração foi realizada com relação aos gêneros jornalísticos,
panfletos e aqueles que compõem os jogos e sua embalagem. Não constam dos registros a
exploração destes recursos nos textos em gêneros de divulgação científica ou nos
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
160
enciclopédicos, que tiveram expressiva circulação no projeto. Conforme mencionado
anteriormente, a exploração desta capacidade leitora ocorreu nos textos em que as
práticas de leitura estavam relacionadas a uma proposta de produção.
Não observamos, no entanto, a exploração dos recursos lingüísticos para a
compreensão dos textos quanto a registros, embora o registro científico tenha sido
bastante contemplado, neste projeto, pela presença dos textos de divulgação científica e
enciclopédicos.
Na perspectiva discursiva, observamos a exploração da intertextualidade temática.
O tema verminoses foi abordado em diferentes textos e gêneros e, em alguns casos, sob
diferentes perspectivas (contaminação, prevenção, medidas individuais, coletivas etc.).
Como exemplo, observamos a produção de gráfico com os dados coletados na entrevista
(atividade 11), a produção de um texto dissertativo relacionando o vídeo e as reportagens
(atividade 15) e a produção de panfleto informativo a partir dos conhecimentos
construídos com a leitura de outros textos (atividade 20). Observamos, ainda, uma
abordagem interdiscursiva, representada pela paródia do jogo Show do Milhão
96
, com
questões referentes ao tema verminoses
97
.
Verificamos elaboração de apreciações relativas a valores éticos e/ou políticos,
ainda que timidamente, na leitura das reportagens e nas discussões sobre os papéis
individuais, coletivos e de autoridades governamentais na garantia de um ambiente
saudável. No entanto, foi na leitura do 4
o
texto Crianças fazem aula sem banheiro
(atividade 17) que os alunos manifestaram apreciações relativas a valores políticos de
forma mais definida, posicionando-se e produzindo diferentes discursos relativos à
cidadania e ao direito a uma educação de qualidade.
É importante notar que, nesta atividade, embora a discussão envolvesse valores
éticos e/ou políticos, o registro da atividade, no capítulo três, mostra que a professora
procurou reconduzir a discussão para a questão das verminoses, denotando uma restrição
96
Show do Milhão: jogo veiculado no canal televisivo SBT, no qual o apresentador faz perguntas de
conhecimentos gerais e enciclopédicos a um participante que avança no jogo mediante seus acertos. Cada
acerto aumenta seu prêmio em valor monetário, até o máximo de um milhão de reais.
97
Embora os exemplos citados se refiram às práticas de produção de textos, estas estiveram em estreita
relação com as práticas de leitura.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
161
da análise do texto ao conteúdo em estudo e a atribuição de um valor bastante inferior à
valoração dos alunos em relação à polêmica estabelecida pela situação das aulas em local
sem condições sanitárias adequadas. Conforme o registro, a professora considerou essa
discussão um desvio do foco do assunto e sentiu-se no dever de reconduzi-la às questões
referentes às verminoses.
Esta condução da discussão nos levou a observar que a exploração de um tema em
diferentes perspectivas ocorreu quando esta diversidade de perspectivas esteve proposta
pela atividade. Na atividade em que a diversidade de perspectiva surgiu dos próprios
alunos, foi considerada como “desvio” do tema em foco.
Como um aspecto favorável à perspectiva discursiva das práticas de leitura,
podemos citar, ainda, a exploração interdisciplinar dos temas, envolvendo Matemática
(tabulação de dados e produção de gráficos, confecção de jogos medidas e
conhecimentos geométricos), Língua Portuguesa (leitura e produção de textos em
diferentes gêneros), Geografia (análise dos mapas constantes das reportagens sobre a
represa Billings); Ciências (verminoses); Meio Ambiente (poluição, ocupação de áreas de
mananciais e saneamento básico); Saúde (medidas preventivas); Informática (uso da
ferramenta computacional para edição de diferentes textos) e Artes (teatro, música,
produção de máscaras). Notamos, ainda, a exploração das imagens como elemento
constitutivo de sentido desde as primeiras atividades. A forma física dos vermes
estudados perpassou todo o trabalho, constituindo-se como objeto de pesquisa e
materializando-se nas máscaras confeccionadas para o teatro.
A partir desta análise, concluímos que, no projeto Combatendo um Bando
Malvado, embora com pouca exploração das capacidades leitoras, estas se apresentaram
diversificadas quanto às perspectivas da decodificação, compreensão e discursiva. No
entanto, diferentemente do projeto de Orientação Sexual, neste, as capacidades referentes
à compreensão foram privilegiadas. Entendemos que esta característica deveu-se ao
vínculo estabelecido entre boa parte das práticas de leitura e produção.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
162
4.5. Práticas de escrita
Projeto Orientação Sexual
Conforme mencionamos anteriormente, os eventos de escrita, neste projeto,
ocupam a posição menos privilegiada. Além de reduzidas, podemos observar que, nas
situações em que ocorreu escrita (seja com o aluno ou a professora como escriba), nem
sempre esteve caracterizada uma proposta de produção de texto. Algumas das atividades
que envolveram escrita caracterizaram apenas um registro, como o preenchimento de
questionário (atividade 11) ou o registro de provérbios e ditos populares conhecidos
(atividade 19).
Entretanto, as propostas que caracterizaram uma produção textual, fugiram a uma
prática de progressão linear de neros ou tipos de texto, comumente exercida na escola.
Os textos produzidos neste projeto apresentaram uma função determinada pela dinâmica
do trabalho (como o regulamento, atividade 2), ou pelo contexto da questão em discussão
(como o depoimento, atividade 24, gosto de ser menina porque...., não gosto de ser
menina porque...). No entanto, mesmo contextualizados, não registros de que algum
destes textos tenha sido proposto pelos alunos, ou tenha surgido de uma necessidade
emergente no decorrer do projeto. A regularidade com que eles se apresentam nas três
edições do projeto indica que foi uma proposta da professora e que, nestas três edições,
não houve uma rediscussão das propostas.
Do mesmo modo, não registros sobre uma negociação do produto final do
trabalho com o aluno. A proposta de produto final foi apresentada ao aluno, que a acatou
e executou. Sobre estes produtos, vale salientar que, pelo fato de o projeto ter sido
desenvolvido ora com seis, ora com sete quartas séries, o que implicou no envolvimento
de mais de 200 alunos por ano, os textos integrantes dos produtos finais passaram por
uma seleção antes de chegarem à publicação. No entanto, esta seleção não envolveu a
participação dos alunos, mas foi determinada por parte da equipe docente. Por não existir
laboratório de informática na escola, na época de realização do trabalho, não foi possível
que o aluno participasse do processo de edição dos textos. Esses procedimentos nos
levam a uma analogia com a fragmentação do trabalho (como atividade econômica), em
que um conjunto de processos independentes integram o produto (neste caso, o produto
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
163
final do projeto), sem que os participantes do processo reconheçam seu trabalho no
produto final.
Com exceção do slogan e dos produtos finais de cada edição do projeto, nas
demais produções escritas (listas, regulamento, depoimento) embora identifiquemos uma
proposta de produção de texto, individual ou coletiva, não observamos qualquer forma de
orientação ao aluno que explicitasse os objetivos da produção, o destinatário do texto a
ser produzido, o contexto de circulação ou suporte. Algumas produções foram
apresentadas ou discutidas no grupo, outras foram recolhidas pela professora e arquivadas
como documentação do trabalho
98
.
Pela maneira como foram conduzidas as propostas de produção de texto, o aluno
não escreveu para ser lido, mas para ser avaliado. A interlocução foi dirigida e
interrompida à/pela própria professora, que teve como resposta ao texto do aluno, o
silêncio. O texto, produzido para ser arquivado, fechou a possibilidade de interação e
eliminou a expectativa do aluno de uma atitude responsiva do leitor.
Do mesmo modo, não identificamos, nas propostas, orientações ao aluno que
contribuíssem para a construção da textualidade por meio de seqüenciação dos conteúdos
ou progressão temática, da construção da forma composicional ou da seleção dos
recursos lingüísticos adequados ao gênero solicitado. Sobre este último aspecto, na
terceira edição do projeto, ocorreu uma recomendação para que os alunos se apoiassem
nos moldes do verbete de dicionário para a produção do glossário.
Vale ressaltar que embora os aspectos referentes à construção da textualidade não
tenham constituído objeto de ensino nas propostas de produção do texto, foram
considerados critérios para a seleção dos textos que integrariam os produtos finais das
e edição do projeto. Este procedimento nos remete a dois aspectos discutidos nesta
análise: a) o do texto produzido para ser avaliado e, ainda, avaliado em aspectos que não
foram abordados neste projeto e; b) a afirmativa de Bazerman (2005) de que as
disciplinas “não-lingüísticas” não tomam como objeto de ensino os gêneros dos quais
elas mesmas se utilizam.
98
Na terceira edição do projeto, as produções dos alunos, assim como alguns dos textos lidos passaram a
integrar um portfólio de pequenos grupos, que ficou em poder de cada grupo durante as aulas, podendo
ser consultado pelos alunos.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
164
Uma vez produzido o texto, o aluno também não foi orientado a exercer qualquer
forma de revisão ou re-elaboração. Concordamos com Rocha (2003) que a não orientação
sobre estas operações exigidas na produção textual reforçam a desconsideração de que se
escreve para um interlocutor e que, portanto, aspectos como a informatividade do texto, a
ortografia, a concordância e outros devem ser observados por colaborarem na construção
da interlocução.
A partir desta análise, concluímos que a abordagem das práticas de escrita não
tomou o texto como um objeto de ensino-aprendizagem, limitando-se a propor que o
aluno produzisse um texto, sem maiores orientações. A produção de textos, neste projeto,
não constituiu um espaço dialógico de construção de sentidos, mas tomou o texto escrito
como um objeto fechado em si mesmo, pois, quem ensinava também não se constituiu
como interlocutor.
Projeto Combatendo um Bando Malvado
Se no projeto de Orientação Sexual as práticas de escrita foram menos
privilegiadas, neste, estas práticas destacaram-se tanto pela quantidade, quanto pela
maneira situada como foram abordadas.
Assim como no primeiro projeto, as práticas de escrita não estiveram
subordinadas a uma progressão linear de tipos ou gêneros. As propostas de produção de
textos apresentaram-se contextualizadas e determinadas pela necessidade ou objetivo do
projeto, algumas vezes por iniciativa da professora como na tabela de registro das
pesquisas de todos os grupos, na entrevista (questionário), na campanha de
conscientização interna à sala de aula (cartaz), na campanha de conscientização da
comunidade (panfleto informativo) etc., outras vezes por iniciativa dos alunos, como o
teatro e os jogos.
As práticas de escrita, neste projeto, caracterizaram-se pela sua distribuição ao
longo de todo o desenvolvimento do trabalho. Diversamente ao projeto de Orientação
Sexual, em que a escrita do aluno concentrou-se nos produtos finais das rias edições do
trabalho, no projeto Combatendo um Bando Malvado, estas práticas não tiveram o caráter
de registrar uma conclusão ou finalizar uma seqüência de atividades ou eixo de estudo.
Neste projeto, as práticas de escrita estiveram presentes tanto como produtos finais
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
165
quanto como registro de pesquisas em diferentes gêneros, alguns deles originando os
produtos finais.
Outro aspecto que diferencia este projeto do anterior refere-se à escolha do
produto final. Enquanto no primeiro o produto final foi determinado pela professora e
acatado pelos alunos, neste observamos a participação do aluno tanto na definição do
gênero a ser produzido, como na argumentação sobre sua viabilidade, conforme os
objetivos do trabalho, custo do produto e tempo disponível para sua produção. Esta
participação ativa dos alunos diante das propostas refletiu a possibilidade de
renegociação e/ou mudança de direcionamento do estudo, peculiares aos projetos de
trabalho.
Ainda em relação ao tratamento diferenciado do produto final nos dois projetos,
vale lembrar que, nas três edições do primeiro, a seleção dos trabalhos a serem editados
não obteve a participação dos alunos, conforme mencionado. No projeto Combatendo
um Bando Malvado, a seleção do panfleto não só foi realizada pelos alunos como, para
selecioná-lo, realizou-se uma avaliação coletiva sobre a produção que mais se
aproximava das propriedades do gênero.
A participação dos alunos nas diversas etapas dos produtos finais, incluindo sua
definição, não se limitou à produção escrita ou multimodal. Neste projeto, os alunos
participaram da edição dos panfletos informativos, com recurso da ferramenta
computacional e foram autores das máscaras utilizadas nas apresentações teatrais e
musicais.
Partindo da diversidade de gêneros que circularam no projeto, conforme indicado
pelo gráfico, observamos as condições de produção dos textos. Embora a maior parte das
produções tenham se efetivado de maneira contextualizada, não identificamos registros
de que os objetivos para a produção tenham sido definidos, a não ser na entrevista/
questionário. No entanto, ao propor a substituição do livro (como produto final) pelo
texto teatral, o aluno deixa claro o objetivo de produzir um texto que circule em um
contexto mais amplo que o da sala de aula, conforme o comentário que segue a descrição
da atividade 17.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
166
Neste projeto, observamos a produção de textos escolares, em que o destinatário
é o professor-avaliador, como listas, texto dissertativo, tabela etc., e outros, dos quais é
possível inferir outros destinatários, mesmo que estes não tenham sido explicitados para a
produção, como a entrevista, o teatro, os jogos e a campanha de conscientização, seja por
meio do cartaz, seja por meio de panfleto, ou da peça teatral. Deste modo, observamos
tanto produções que se fecharam em si mesmas e integraram o portfólio, como produções
que estabeleceram uma interação com um interlocutor presumido, ainda que o
destinatário não tenha sido explicitado na fase inicial de produção do texto. Estas duas
características dos textos produzidos neste projeto revelam uma divisão entre textos para
serem arquivados e textos para serem lidos.
Estes textos que se esgotam em si mesmos são denominados redações endógenas
por Marcuschi & Cavalcante (2005), devido à sua restrição ao espaço escolar (mais
especificamente dirigido ao professor) e ao caráter circular que adquirem ao serem
produzidos em cumprimento a uma tarefa que será avaliada pelo professor e devolvida ao
aluno, sem que se retome a produção. Segundo estas autoras, esta prática, ainda muito
comum na escola e em propostas de Livros Didáticos de Língua Portuguesa, constitui
mero exercício de escrita em que a função comunicativa e dialógica do texto permanece
restrita ao pedagógico, já que não se destina a um leitor externo à escola e tem como
único interlocutor o próprio educador. Para elas, a circulação restrita em que se dão estas
produções e a ausência de um interlocutor externo inviabilizam as oportunidades de o
aluno aprender a se dirigir a um destinatário extra-escolar, a um público que não se
esgote no professor e nos colegas.
Conforme observamos anteriormente, os textos produzidos para serem lidos, ou
com um interlocutor pelo menos presumido, foram os que receberam da professora maior
atenção aos aspectos textuais, confirmando, no nosso entender, a afirmação de Leal
(2003) de que a (in)definição dos propósitos influencia o texto enquanto produto.
Segundo nossa análise, o destinatário foi claramente explicitado na produção
do teatro e da música (comentário que segue a atividade 17). Entendemos que, nesta
atividade, tanto a explicitação do destinatário como a do contexto de circulação não
ocorreram como condições de produção do texto, mas devido à sua estreita relação com o
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
167
objetivo de ampliar o contexto de circulação das informações pesquisadas e de atingir
outros destinatários, além dos alunos da classe.
Ainda na perspectiva das condições de produção dos textos, observamos a
definição do suporte da campanha de conscientização (cartaz e panfleto), a definição dos
gêneros produzidos (tabela, gráfico, entrevista/questionário, teatro, letra de canção,
campanha de conscientização) e de um tipo de texto (dissertativo).
Como contribuição para a construção da textualidade, observamos uma atenção à
construção da seqüencialização dos conteúdos como no roteiro da pesquisa (atividade 5),
no roteiro da entrevista/questionário (atividade 10) e na definição das informações
constantes do panfleto (atividade 21). Observamos, também, uma preocupação com a
forma composicional na elaboração do panfleto (atividade 20), dos jogos (atividade 25) e
da embalagem dos jogos (atividade 27). E, ainda, a seleção de recursos lingüísticos
adequados ao gênero panfleto. No entanto, não registros que evidenciem uma
preocupação com a elaboração do texto em conformidade com as convenções da escrita.
Como contribuição para as operações exigidas na produção de textos, observamos
a exploração de planejamento em uma única situação (atividade 2), e não identificamos,
nos registros das atividades, propostas de revisão e re-elaboração dos textos. No entanto,
a re-elaboração do roteiro teatral foi orientada pela professora, no que tange à marcação
das vozes
99
, conforme mencionado. Embora não conste na descrição dos dados,
sabemos que o programa Word, usado na edição de textos em computadores, possui uma
ferramenta de revisão ortográfica automática que grifa, em cor diferente da usada no
texto, palavras grafadas incorretamente ou que o programa não reconheça. Este recurso,
alerta o autor para a grafia das palavras, o que, geralmente, o leva a reler e revisar.
Considerando-se que o papel da revisão textual é o de contribuir para que o texto
se construa ou se torne o mais compreensível possível para o leitor, facilitando a sua (do
texto) recepção, por meio dos critérios de informatividade, ortografia, caligrafia e
concordância, concluímos que a presença dos textos injuntivos/instrucionais neste projeto
(jogos) constituiu um material substancial para o trabalho com a revisão. Os textos
99
Vale lembrar que a revisão não integrou a proposta de trabalho, mas foi realizada devido à dificuldade
apresentada pelo grupo.
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
168
injuntivos, em sua especificidade de fornecer instruções, requerem um nível de
informatividade adequado à execução da atividade sobre a qual o texto orienta. No
entanto, a descrição dos dados não nos informa sobre os processos de revisão destes
textos, embora os jogos produzidos (inventados) pelos próprios grupos de alunos e
trocados entre o grupo produtor e os demais exigissem clareza de informações.
A este respeito, consideramos dois aspectos que, embora em caráter de suposição,
acreditamos que mereçam nossa observação: a) a familiaridade com os gêneros
constantes dos jogos e a simplicidade dos jogos construídos, baseados em modelos
conhecidos, podem ter suprido possíveis falhas na informatividade do texto; e b) ao trocar
o jogo com outros grupos, a informação oral pode ter sido antecipada, dispensando-se a
leitura das regras do jogo, não sendo possível, portanto, identificar falhas na revisão.
Embora não haja registros que confirmem estas suposições relativas ao uso dos jogos na
sala de aula, a atividade 29, em que os alunos produtores dos jogos os utilizam com os
alunos da série, deixa bastante claro que a regra dos jogos foi transmitida oralmente.
Segundo o registro da atividade, os alunos explicaram a regra do jogo aos colegas da
série.
Esta análise nos remete de volta às condições de produção do texto. A não
definição dos objetivos para a produção das regras (instruções) do jogo fez com que se
produzisse um texto escrito que, no uso social, foi substituído pela instrução oral, aliás,
inapropriada para este conjunto de gêneros – o jogo, já que não caracteriza uma interação
face-a-face entre o produtor e o destinatário.
A guisa de conclusão, constatamos que as práticas de escrita no projeto
Combatendo um Bando Malvado, perpassaram todo o seu desenvolvimento, por meio de
gêneros diversificados e de maneira divergente da concepção tradicional que apenas
manda escrever. Embora os gêneros utilizados não tenham sido tomados plenamente
como objeto de ensino/aprendizagem, abordaram, em algumas das propostas de produção
de textos, aspectos referentes à textualidade e, em seguida, referentes às condições de
produção. Ainda que as operações exigidas na produção (planejamento, revisão, re-
elaboração) não tenham sido exploradas neste projeto, observamos uma mudança
qualitativa, em relação ao primeiro projeto, na abordagem do texto, no que tange a sua
CAPÍTULO 4 – Análise dos dados
169
característica dialógica. No entanto, reconhecemos que os textos produzidos constituíram
um rico material, sobre o qual uma prática teoricamente fundamentada poderia trazer
maiores contribuições à formação de produtores de textos competentes e capazes de
interagir em diferentes instâncias interlocutivas.
Concluímos, portanto, que as práticas de letramento diferenciaram-se bastante nos
dois projetos. Resta-nos interpretar por que. É o que faremos no próximo e último
capítulo, onde também procuraremos responder às questões que nortearam esta pesquisa,
a título de conclusão.
Considerações Finais
170
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Toda pesquisa só tem começo depois do fim.
Dizendo melhor, é impossível saber quando e onde começa um processo de reflexão.
Porém, uma vez terminado, é possível ressignificar o que veio antes
e tentar ver indícios no que ainda não era e que passou a ser.
(Marília Amorim)
O trecho de Amorim (2004: 11), tomado como epígrafe destas considerações
finais, representa, de certa forma, o percurso desta pesquisa, na investigação de projetos
pedagógicos que, em certo momento, foram dados por terminados. Dizemos dados por
terminados porque, do ponto de vista temático, atingiram (parcial ou integralmente) seus
objetivos, mas em outro momento foram re-significados como possibilidade de
construção/ampliação do letramento, revelando o surgimento de um novo olhar sobre
eles. Essa re-significação possibilitou tentar ver indícios no que ainda não era e que
passou a ser.
O olhar sobre os aspectos lingüísticos (des)envolvidos nos dois projetos
analisados, que se constituiu a partir de sua re-significação, possibilitou-nos uma reflexão
mais aprofundada sobre as práticas de letramento que acontecem na escola, sobretudo
aquelas inseridas em projetos pedagógicos. Os estudos que deram origem aos dois
capítulos teóricos e ao capítulo de análise dos dados desta pesquisa nos permitiram tecer
algumas considerações que, por enquanto, encerram esta pesquisa, a saber: o que
realmente se concretiza em termos de práticas e eventos de letramento e de estudo
de/sobre os textos em diferentes gêneros e o que necessita ser revisto como prática efetiva
de letramento e trabalho com textos (leitura e produção) dentro de um projeto
pedagógico. Essas considerações nos levaram a pensar, ainda, em que outras
práticas/procedimentos poderiam ser associados ou inseridos no desenvolvimento dos
projetos, a fim de promover maior afinidade entre os aspectos pedagógicos (prática
situada, contextualizada, transversal e interdisciplinar etc.) e os aspectos lingüísticos
(como os textos em diferentes gêneros são abordados na leitura e na produção dentro dos
projetos) no sentido de contribuir para a construção do letramento.
Considerações Finais
171
Nossas considerações partem dos aspectos que ora aproximam, ora distanciam os
dois projetos analisados. Como aspectos que aproximam os projetos analisados (OS e
CBM), podemos mencionar:
Práticas voltadas para a pedagogia de projetos, caracterizadas, conforme já
mencionado, pelo trabalho com temas situados, por práticas contextualizadas à
realidade e/ou necessidade dos alunos, que se concretizam conforme o
direcionamento de cada trabalho, culminando com um produto final;
Abordagem interdisciplinar dos temas em que o tema perpassa ou é perpassado
por diversas disciplinas do currículo escolar;
Língua/linguagem funcionando como ferramentas para a abordagem dos Temas
Transversais, por meio de textos em diferentes gêneros (orais, escritos e
multimodais) propostos para produção e leitura;
Diversidade de gêneros em circulação nos projetos;
Presença de gêneros de diferentes esferas de circulação;
Diferentes eventos de letramento: orais, de leitura, de escrita, com a comunidade e
com os alunos;
Oposição tema X ngua/linguagem e gênero, em que, em muitos momentos, a
abordagem do tema encobre a abordagem do gênero, por este não ser tomado
como objeto de ensino-aprendizagem.
Como aspectos que distanciam os dois projetos, podemos mencionar:
Autoria: O projeto de OS caracteriza-se como uma proposta pré-definida, apesar
da abertura para reestruturações, de acordo com as necessidades dos alunos. O
Considerações Finais
172
projeto CBM caracteriza-se pela co-autoria da professora e alunos, que o (re)
definem no decorrer da prática e conjuntamente;
Diferença de patamares de conhecimento entre a professora e os alunos: No
projeto OS, a professora dominava um conhecimento do qual os alunos ainda se
encontravam em processo de construção. No projeto CBM, professora e alunos se
apresentavam em patamares mais próximos de (des)conhecimento do tema ou,
dizendo de outra forma, a maneira situada e particular com que o tema verminoses
se fez necessário àquela classe determinou maior proximidade entre os patamares
de conhecimento da professora e dos alunos. No nosso entender, essa diferença
justifica, também, a questão da autoria, mencionada anteriormente;
Direcionamento dos projetos (Projetos intra/extra-escolares): O projeto OS, por
motivos mencionados na análise dos dados, caracteriza-se como uma proposta
intra-escolar, que seus produtos são destinados aos próprios alunos, pouco se
dirigindo à comunidade ou ao restante da escola. O projeto CBM caracteriza-se
como uma proposta extra-escolar, pois, seus produtos visam divulgar os
conhecimentos construídos tanto a outras turmas da escola quanto à comunidade;
Eventos de letramento: O projeto OS privilegia a leitura, sobretudo da professora,
em detrimento dos eventos de escrita. CBM apresenta mais equilíbrio entre
eventos de leitura e de escrita e, ainda, inclui maior diversidade de eventos orais
de letramento, os quais atingem a esfera pública. A centralização da leitura na
professora desaparece e o aluno se apresenta como leitor ativo;
Propostas para os gêneros impressos que circularam nos projetos: OS privilegia a
leitura dos textos impressos. CBM apresenta maior equilíbrio na proposição de
leitura e de escrita dos gêneros impressos;
Abordagem dos gêneros impressos que circularam nos projetos: No projeto de
OS, os gêneros pouco o tomados como objeto de ensino, conforme observamos
Considerações Finais
173
na análise dos dados (Capítulo 4). Quando o são, a abordagem do gênero é
parcial, sobre alguns de seus aspectos. No projeto CBM, a abordagem destes
gêneros difere-se sutilmente da apresentada pelo projeto anterior, por revelar um
início de abordagem instrumental, sobretudo nos textos propostos para produção;
Abordagem dos gêneros orais que circularam nos projetos: Os textos em gêneros
orais que circulam no projeto OS restringem-se à discussão (conversa) sobre o
tema abordado ou negociação de regras de funcionamento do grupo que, por seu
caráter cotidiano (esfera privada), não foram tomados como objeto de ensino. No
projeto CBM, a presença do teatro e da música, marcam a inclusão do gênero oral
formal público, que no entanto, não são plenamente abordados como objeto de
ensino.
No nosso entendimento, os projetos analisados atingem uma unidade, do ponto de
vista pedagógico, caracterizada pela abordagem contextualizada e interdisciplinar dos
temas e pelas características de uma pedagogia de projetos. Do ponto de vista lingüístico,
esta unidade aparece inicialmente garantida pela diversidade de eventos de letramento e
pela presença de textos em diferentes gêneros e de circulação extra-escolar e reais. Estas
características definem a mediação exercida pelo professor nos projetos, basicamente,
pela proposição de uma prática contextualizada, que envolve uma diversidade de gêneros
de circulação social relativos aos temas em estudo e por uma prática de imersão do aluno
nesta diversidade de gêneros, aproximando-se, com poucas exceções, de uma pedagogia
do “aprender a fazer, fazendo”.
No entanto, a unidade que se apresenta em uma primeira análise é interrompida
com o início de uma diferenciação na abordagem dos gêneros (orais, escritos e
multimodais), tanto para a leitura quanto para a produção, a partir do projeto CBM.
Embora ainda insuficiente a um trabalho efetivo com os gêneros postos em circulação,
esta diferenciação na abordagem dos gêneros em relação ao projeto OS destaca o
envolvimento de diferentes capacidades lingüístico-discursivas nos dois projetos.
A constatação destas diferentes capacidades mobilizadas nos levaram a questionar
o que os projetos devem garantir, em termos lingüísticos, para que o ensino da Língua
Considerações Finais
174
Materna e a construção do letramento não se dissolvam dentro da pedagogia de projetos,
obscurecidos por uma abordagem exclusivamente ou predominantemente temática, em
que a atenção ao texto, ao discurso e ao gênero se perde. Lê-se muito. Muitos textos são
produzidos. No entanto, não um exercício de despertar certas capacidades leitoras ou
as capacidades fundamentais à produção de um texto em determinado gênero.
O trabalho realizado com Temas Transversais propostos pelos PCNs e, portanto,
relativos às questões sociais brasileiras, viabiliza uma maior circulação de textos reais, de
circulação social e em diversos gêneros. No nosso entender, este encontro da escola com
os textos reais, que circulam socialmente, representa um diferencial em relação a outras
práticas já consolidadas. No entanto, a análise realizada nesta pesquisa nos possibilitou
observar que o contato com uma diversidade de gêneros, por si só, embora seja
fundamental ao desenvolvimento de capacidades relacionadas aos gêneros, não garante
uma abordagem adequada.
À semelhança do que observamos em diferentes momentos do desenvolvimento
dos projetos, o mapa do que acontece hoje nas escolas e mesmo em muitas propostas de
livros didáticos é, de um lado, uma abordagem predominantemente temática e, de outro, a
introdução do gênero na sala de aula de maneira ficcionalizada. Nesse sentido, nosso
olhar volta-se para a busca de uma interseção entre a prática contextualizada, viabilizada
pela pedagogia de projetos, em que a escola se desloca até os textos em diferentes
gêneros que circulam socialmente, e uma prática sistematizada de ensino destes gêneros
dentro dos projetos, em que o aluno possa aprender não sobre o tema, mas também
sobre os gêneros que veiculam este tema.
Com esta reflexão, retomamos a questão apresentada na introdução desta pesquisa
o que se pode aprender sobre o texto, no aprendizado sobre o tema? e apresentamos
alguns critérios que, no nosso entender, devem ser levados em conta para que o estudo
sobre o tema e sobre o gênero se coadunem, constituindo uma interface no trabalho por
projetos, no sentido de atingir um objetivo mais amplo: a construção do letramento:
Definição de prioridade de esferas sociais de circulação dos gêneros:
Que esferas são prioritárias no desenvolvimento de um determinado
projeto?;
Considerações Finais
175
Diversidade de esferas dentro da mesma série escolar e ao longo das
séries: As práticas e atividades de linguagem que acontecem em diferentes
esferas sociais não são as mesmas. Disso decorre que as linguagens e os
gêneros que circulam nestas esferas não são sempre os mesmos. Cada
esfera determina seus próprios gêneros com suas especificidades, cabendo
à escola propiciar e ampliar o contato com esta diversidade;
Definição de prioridade de práticas letradas e de capacidades
lingüístico-discursivas no desenvolvimento de um projeto: Nas
atividades sociais das quais participamos, envolvemo-nos em diferentes
práticas letradas e nelas mobilizamos (e desenvolvemos) diferentes
capacidades lingüístico-discursivas. Em um projeto pedagógico,
dificilmente conseguiremos mobilizar todas estas práticas e capacidades,
o que define a necessidade de priorizá-las e diversificá-las no
desenvolvimento de cada projeto;
Diversidade de gêneros entre séries e entre projetos numa mesma
série: Numa perspectiva lingüística, educar para a cidadania consiste,
dentre outros fatores, em formar o sujeito capaz de atuar em diferentes
domínios de comunicação social. Nesta perspectiva, a abordagem de
gêneros diversificados torna-se fundamental para a efetiva participação
social. Além disso, os diferentes gêneros que circulam em diferentes
esferas de atividade ou sociais envolvem diferentes capacidades
lingüísticas. Deste modo, a diversidade de gêneros envolvidos em um
projeto pedagógico pode favorecer a abordagem de um leque maior de
capacidades;
Intertextualidade com gêneros da ordem do artístico e do literário
dentro do projeto: a plasticidade e flexibilidade características destes
gêneros permitem que eles se misturem a outros, produzindo variados
efeitos e sentidos;
Considerações Finais
176
Garantia de um retorno situado do estudo desenvolvido em um
projeto: Produção de textos em gêneros que circulem fora dos muros da
escola, tomando-os, certamente, como objeto de ensino.
Definidos os critérios que julgamos necessários ao desenvolvimento de uma
prática pedagógica de projetos na qual o ensino de/por gêneros e os procedimentos de
letramento sejam, também, objetos de ensino, cabe apontar caminhos para que esta
prática se concretize. No nosso entender, estes caminhos se apresentam de duas maneiras
complementares: uma mais geral, que seria o desenvolvimento de capacidades
necessárias à exploração de um texto: exploração do conhecimento prévio, levantamento
e checagem de hipóteses, inferência, etc. E outra, mais específica, que seria um estudo
aprofundado do gênero e de suas especificidades, por meio de seqüências didáticas
100
.
As seqüências didáticas (SD) são entendidas nesta pesquisa conforme propostas
por Dolz & Schneuwly (1996/2004) e por Dolz, Noverraz & Schneuwly (2001/2004),
como um procedimento para se abordar o gênero em sala de aula, que se constitui em
uma seqüência de atividades organizadas sistematicamente em torno de um gênero
textual oral ou escrito, com o objetivo de ajudar o aluno a dominá-lo, adequando-se às
exigências de uma determinada situação de comunicação. Desta forma, o trabalho escolar
organizado por seqüências didáticas se sobre os gêneros que o aluno não domina
plenamente, sobre aqueles aos quais o aluno não tem acesso espontâneo e sobre gêneros
públicos. Dizendo de outro modo, “as seqüências didáticas dão acesso aos alunos a
práticas de linguagem novas ou dificilmente domináveis” (Dolz, Noverraz & Schneuwly,
2001/2004). A organização das atividades que constituem uma SD parte do levantamento
dos conhecimentos dos alunos sobre o gênero, que servem de subsídio ao mapeamento
das necessidades de aprendizagem destes alunos e possibilita a priorização dos aspectos a
serem abordados progressivamente.
Acreditamos, juntamente com Soares (1998), que a escola, enquanto importante
agência de letramento, ao desenvolver um projeto pedagógico tomando como objeto de
estudo os gêneros do discurso e sua relação com as esferas sociais de produção destes
100
Outros pesquisadores (Bräkling, 2000; Rojo,2000; Rosenblat, 2000; Mendonça, 2003), apoiados nos
estudos de Dolz & Schenuwly, também indicam as seqüências didáticas como um procedimento eficaz na
abordagem dos gêneros na sala de aula.
Considerações Finais
177
gêneros rompe com o letramento escolarizado, por produzir um conjunto de
conhecimentos e capacidades diferentes daqueles comumente desenvolvidos pela escola.
A concretização destas práticas, no entanto, requer o conhecimento sobre o objeto
de ensino, ou seja, sobre as capacidades envolvidas nas diferentes atividades de
linguagem (leitura, escrita e escuta/fala) e sobre os gêneros, suas propriedades e
especificidades, o que, certamente, esbarra na questão da formação do professor,
conforme discutido no capítulo 1 e na análise dos dados. Nossa análise indica que a
lacuna que se estabelece na formação do professor, referente à inerente transversalidade
da ngua/linguagem às diferentes práticas desenvolvidas no contexto escolar, torna
pouco provável que os procedimentos de letramento, o ensino da leitura ou sobre os
diversos gêneros que circulam socialmente e em diferentes disciplinas escolares
aconteçam também nas disciplinas chamadas por Bazerman (2005:16) de “não-
lingüísticas”.
Isto posto, reiteramos a necessidade de constante re-avaliação dos cursos de
formação docente (inicial ou continuada), no sentido de propiciar condições para que esta
formação incida sobre a prática pedagógica, respaldando o professor para o ensino de
algo mais que conteúdos, mas capacidades essenciais à formação de leitores e produtores
de diferentes textos, além dos escolares.
Os resultados desta dissertação apontam caminhos que, no nosso entendimento,
podem contribuir para a abordagem significativa de diferentes linguagens na sala de aula.
Embora partindo de práticas particulares de ensino, esperamos, com esta pesquisa,
apresentar uma contribuição às pesquisas e práticas educacionais relacionadas à
construção do letramento e, sobretudo, àquelas que se preocupam em construí-lo por
meio de práticas como a da pedagogia de projetos.
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Ano II, n.5, mai./jul. 1998.
191
ANEXO
QUADROS-SÍNTESE DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NO PROJETO DE
ORIENTAÇÃO SEXUAL
1ª Parte – Corpo: matriz da sexualidade
Proposta Atividade Evento de letramento
envolvido na atividade
1 Sondar as
expectativas dos
alunos sobre o
projeto.
- Listagem das expectativas
dos alunos.
- Discussão sobre a pertinência
dos tópicos citados e sua
relação com um dos três eixos
estruturadores do projeto.
- Registro da lista na lousa.
- Discussão sobre a
localização do tópico nos
eixos.
2 -Construir
coletivamente as
regras de
funcionamento do
grupo.
- Registrar em
cartaz.
- Conversa sobre o que é
necessário ao bom
funcionamento do grupo.
- Registro das opiniões.
- Negociação de outras normas
de conduta (apresentadas pela
professora).
- Confecção de cartaz.
- Conversa;
- Discussão;
- Registro em cartaz.
3 Incentivar a
manifestação da
curiosidade.
- Leitura (da professora) do
livro A curiosidade premiada.
- Discussão sobre os benefícios
da manifestação da curiosidade
e do comportamento
investigativo.
- Leitura da professora;
- Discussão;
- Conversa sobre o tema.
4 Perceber
estereótipos
relacionados à
aparência física
de meninos e
meninas.
- Montagem de quebra-cabeças
do corpo infantil masculino e
do feminino.
- Discussão sobre as
características físicas (e
estereótipos) de meninos e
meninas.
5
Idem
Observação dos quebra-
cabeças montados.
- Discussão sobre as
semelhanças e diferenças
físicas, idade das figuras
representadas e prováveis
transformações futuras.
6 Relacionar termos
populares sobre
alguns aspectos
da sexualidade
aos nomes
- Registro dos nomes
populares correspondentes ao
nome científico recebido pelo
grupo.
- Relato dos sentimentos
- Discussão no grupo de
trabalho.
- Registro de lista dos
nomes populares.
- Leitura para a turma.
192
científicos. despertados ao discutir,
escrever ou ler para o grupo.
- Depoimento dos alunos
sobre sentimentos.
7 Perceber as
transformações
do corpo em
diferentes fases
da vida e os
cuidados
adequados.
Observação de pranchas
ilustradas com as
transformações físicas da
puberdade e cuidados com o
corpo.
- Descrição das ilustrações.
- Discussão sobre as
mudanças corporais, nos
interesses e nas
responsabilidades.
- Leitura da professora das
informações constantes da
prancha.
8 - Relacionar as
transformações
físicas às
emocionais em
cada fase da vida.
- Perceber a
diferença entre
puberdade e
adolescência.
- Registro dos interesses e
responsabilidades na infância,
na adolescência e na idade
adulta.
- Apresentação e discussão
com a turma.
- Registro das idéias de cada
grupo de trabalho.
- Apresentação aos outros
grupos.
9 Conhecer sobre
alguns dos temas
listados nas
expectativas.
- Leitura da professora do livro
O que está acontecendo
comigo?
Leitura da professora.
10 Informar sobre a
universalidade
dos incômodos e
desconfortos da
puberdade.
Leitura da professora do texto
Cinderela cravo e canela.
- Leitura da professora.
11 Identificar os
incômodos e
desconfortos da
puberdade
vividos
pessoalmente.
Preenchimento de questionário
sobre esses desconfortos.
- Preenchimento de
questionário;
- Leitura das respostas para
os demais alunos e
professora.
12 Perceber as
transformações na
vida social e
afetiva
decorrentes da
puberdade e da
adolescência.
Observação e descrição de
pranchas ilustradas com cenas
da vida social dos
adolescentes.
- Descrição da cena
ilustrada;
- Discussão e definição de
“ficar” e namorar.
- Leitura da professora.
13 Conhecer sobre
outros temas
listados no
levantamento de
expectativas.
- Leitura (da professora) do
livro Educação Sexual.
- Discussão sobre tipos de
parto, aborto, etc.
- Descrição das ilustrações.
- Discussão sobre temas
correlatos ao conteúdo do
livro.
- Leitura da professora.
193
14 Rever conceitos
envolvidos nas
leituras
anteriores.
- Análise de pranchas
ilustradas sobre os temas
(relação sexual, ato sexual,
concepção, contracepção,
fecundação e gravidez).
- Estabelecimento de relação
entre as ilustrações e as
pranchas e leituras anteriores.
- Construção coletiva
(oralmente) de novos conceitos
surgidos na discussão.
- Descrição da cena
ilustrada.
- Construção de significados
a partir da origem e do
contexto de uso das
palavras.
15 Observar e
analisar o
desenvolvimento
do embrião e do
feto durante a
gravidez.
- Observação de pranchas
ilustradas.
- Descrição das pranchas,
comparação entre elas,
destacando a evolução do feto.
- Leitura da professora das
informações contidas em cada
prancha.
- Descrição das figuras.
- Análise comparativa dos
desenhos.
- Leitura da professora.
16 Conhecer
diferentes tipos de
parto, suas
semelhanças e
diferenças.
- Observação e descrição das
pranchas ilustradas,
enfatizando as particularidades
de cada tipo de parto.
- Leitura da professora das
informações da gravura.
- Discussão sobre vantagens e
desvantagens de cada tipo de
parto.
- Depoimento sobre o seu
nascimento (voluntário).
-Descrição (e comparação)
das figuras.
- Discussão.
- Leitura da professora.
- Depoimento.
17 Identificar outras
formas de
constituir família,
além do
parentesco
biológico.
- Sondagem sobre outras
formas de constituição
familiar: filhos adotivos,
padrasto, madrasta, irmãos de
outras uniões dos pais etc.
- Depoimento sobre suas
experiências com o tema.
-Depoimento.
- Discussão / conversa.
2a parte – Relações de Gênero
Proposta Atividade Eventos de letramento
envolvidos
18 Perceber a marca
social do que é
Sondagem sobre como o fato
de sermos homem ou mulher
- Discussão / Conversa
194
ser homem ou
mulher.
determina nossas ações e
comportamentos.
19 Perceber os
estereótipos de
gênero difundidos
pela linguagem.
- Relato (dos alunos) de
provérbios e/ou ditos populares
com estereótipos ou
preconceitos de gênero.
- Discussão sobre como (e se)
ações e comportamentos
afetam a orientação sexual das
pessoas.
- Depoimento sobre divisão de
tarefas e gênero.
- Relato
- Discussão
20 Discutir sobre
estereótipos e
preconceitos de
gênero impostos
pela sociedade.
- Leitura (da professora) do
livro Menino brinca de
boneca?
- Discussão sobre os
estereótipos de gênero na
infância.
- Comparação entre as agendas
de trabalho do homem e da
mulher.
- Registro de uma conclusão
sobre o tema.
- Leitura da professora.
- Discussão / Conversa
- Registro (pelos alunos) da
conclusão.
21 Perceber a
desigualdade
entre os gêneros
no mercado de
trabalho do
Brasil.
- Análise de gráficos com
dados sobre índice de
desemprego e rendimentos
salariais por gênero.
- Discussão sobre os dados do
gráfico e sobre a origem do
Dia Internacional da Mulher e
conquistas trabalhistas
alcançadas.
- Análise de gráficos.
- Discussão.
- Relato (da professora)
sobre a história do Dia
Internacional da Mulher.
- Discussão sobre condições
de trabalho feminino.
22 Perceber o apelo
sexual dos
gêneros
publicísticos
veiculados nos
meios de
comunicação,
especialmente TV
e revistas.
- Observação de comerciais de
TV (em casa) e de anúncios de
revistas, selecionados pelos
alunos, que adotem uma
abordagem sexual para a
divulgação de produtos.
- Discussão sobre o
levantamento realizado e sobre
a imagem, especialmente da
mulher, veiculada nos textos
analisados.
- Produção de painel com os
recortes de revista analisados.
- Discussão sobre a linguagem
-Discussão/conversa:
análise de anúncio televisivo
e de anúncio de revista.
- Produção e análise de
painel.
- Leitura (da professora).
195
visual utilizada na exploração
do corpo feminino.
- Leitura (da professora) de
HQ (do livro didático).
23 Perceber
diferentes
maneiras de
retratação da
mulher em letras
de canção.
- Audição da música Garota de
Ipanema.
- Discussão sobre autores,
época da composição, esfera
de circulação e história da
música.
- Análise dirigida da letra da
canção: como a mulher é
retratada, léxico utilizado.
- Comparação com a retratação
da mulher na maioria dos funks
e léxico utilizado.
- Análise de trechos de funks.
- Leitura e análise de letra
de canção.
- Discussão.
24 Verificar os
preconceitos de
gênero e
estereótipos
existentes entre as
crianças
envolvidas no
projeto e discuti-
los.
- Registro em grupo sobre os
aspectos positivos e negativos
de ser menino ou menina.
- Discussão / conversa.
- Registro da conclusão.
3ª parte – DSTs e AIDS
Proposta Atividade Evento de letramento
envolvido
25 Resgatar o
conhecimento
prévio dos alunos
sobre o tema
DSTs / AIDS.
Registro (na lousa) das
respostas à pergunta: “O que
sabemos sobre DSTs /
AIDS?”.
- Relato oral.
- Registro.
26 - Conhecer as
formas de
contaminação
pelo vírus HIV.
- Diferenciar
contaminação
pelo vírus e
doença
manifestada.
- Leitura (da professora) de
uma cartilha informativa – HQ.
- Discussão sobre os temas
abordados pela cartilha.
- Leitura da professora.
- Discussão / conversa.
196
27 Conhecer as
formas de
prevenção às
DSTs / AIDS.
- Discussão sobre as leituras
precedentes.
- Registro das conclusões
sobre as formas de prevenção.
- Discussão.
- Registro.
28 - Desmistificar a
idéia do contágio
pelo vírus HIV
exclusivamente
pela relação
sexual.
- Conhecer as
implicações da
AIDS em
crianças.
- Leitura (da professora) do
livro Daniel e Letícia
falando sobre AIDS.
- Discussão sobre a
contaminação independente de
idade, orientação sexual, raça,
religião, etc.
- Discussão sobre preconceito
e solidariedade.
- Leitura (da professora).
- Discussão / conversa.
29 Refletir sobre
atitudes de
preconceito e
solidariedade com
portadores do
vírus HIV.
- Jogo da Solidariedade. - Leitura (em grupo) das
regras do jogo.
- Leitura das comandas de
avanço e recuo, conforme as
atitudes de cada
participante.
- Discussão sobre o
percurso, seus desenhos e
instruções.
30 Rever
informações
sobre AIDS,
formas de
prevenção e
contágio,
tratamento e
pesquisas sobre a
doença.
- Jogo ZIG-ZAIDS. -Leitura (dos alunos) das
informações da caixa do
jogo.
- Leitura das regras.
- Leitura do jogo: tabuleiro
de percurso, dados, cartões
de perguntas, cartões
informativos e comandas
verbais e visuais dentro do
percurso.
31 Conhecer o
preservativo
masculino,
conscientizar-se
da importância de
seu uso.
- Análise das informações
constantes na embalagem do
preservativo.
- Discussão sobre formas de
uso, durabilidade, eficiência na
prevenção a DSTs / AIDS e
gravidez.
- Leitura das informações da
embalagem.
- Discussão
32 Divulgar
informações
sobre prevenção
às DSTs / AIDS.
- Produção de slogans sobre
prevenção às DSTs / AIDS.
- Leitura e análise de
slogans publicitários.
- Produção de slogans.
197
QUADRO-SÍNTESE DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NO PROJETO
COMBATENDO UM BANDO MALVADO
Proposta Atividade Evento de letramento
envolvido
1 Conhecer a
existência de alguns
parasitas e suas
ações no corpo
humano.
Leitura (da professora) do livro
Um bando malvado.
Leitura da professora.
2 Planejar a produção
de um livro sobre
verminoses.
Discussão sobre o que é
necessário para produzir um
livro e o que é necessário para
produzir um livro sobre
verminoses.
Discussão.
3 Identificar fontes de
consulta sobre o
tema de interesse.
- Listagem das prováveis
fontes de consulta a partir da
pergunta: Onde podemos
encontrar informações sobre
verminoses?
- Registro de lista.
- Seleção dos suportes dos
textos em questão.
4 - Distribuir um
parasita para cada
grupo pesquisar.
- Formar os grupos.
- Definição das verminoses a
serem estudadas.
- Definição dos grupos por
escolha dos alunos e por
interesse no tema de pesquisa.
- Definição sobre a forma de
pesquisa.
- Discussão.
- Registro das inscrições.
- Orientações sobre a
pesquisa.
5 Definir o roteiro de
pesquisa.
- Registro das sugestões de
itens a serem pesquisados.
- Seleção dos itens mais
relevantes.
- Registro (da professora).
- Discussão sobre relevância
dos itens.
- Seleção e registro do
roteiro definitivo.
6 Selecionar o
material de
pesquisa.
Levantamento do material em
casa e na biblioteca.
- Consulta a acervo
particular e da escola.
- Consulta a internet (em
casa).
7 Realizar a pesquisa
em classe.
- Avaliação e distribuição do
material selecionado, de
acordo com o tema de cada
grupo.
- Leitura de diferentes
gêneros sobre o mesmo
tema.
- Pesquisa sobre as
informações pré-
selecionadas.
- Registro das informações
obtidas.
8 Divulgar as
informações
- Apresentação da pesquisa por
meio de leitura oral de cada
- Leitura (do aluno).
- Pesquisa.
198
pesquisadas aos
demais grupos.
grupo. - Seleção de informações.
9 Organizar portfólio
como fonte de
consulta.
- Transcrição das informações
pesquisadas pelos grupos para
uma tabela.
- Reprodução da tabela e dos
textos pesquisados para todos
os grupos.
- Organização do portfólio.
- Discussão sobre a função do
portfólio.
- Organização dos dados em
tabela.
- Discussão sobre a função
do portfólio.
10
Pesquisar a
incidência de
verminoses nas
famílias dos alunos.
- Elaboração coletiva de
questionário.
- Preenchimento do
questionário com auxílio da
família.
- Elaboração de
questionário.
- Discussão sobre a
relevância das informações.
- Agrupamento de
informações semelhantes.
- Registro das informações.
11
Organizar os dados
da pesquisa sobre
verminoses com as
famílias dos alunos.
- Produção de gráfico em
parceria com a aula de
informática.
- Tabulação das respostas.
- Exploração do programa
de informática excell para
produção do gráfico.
- Análise dos diferentes
tipos de gráficos.
- Análise e escolha do
gráfico adequado à situação.
- Elaboração do gfico no
computador.
12
Reconhecer o
gráfico como uma
das possibilidades
de organização dos
dados pesquisados.
Análise dos gráficos
verificando incidência das
verminoses, medidas
preventivas mais e menos
adotadas.
- Leitura e análise do
gráfico.
13
Adotar medidas
preventivas às
verminoses no
âmbito escolar.
- Análise das condutas
higiênicas possíveis de serem
adotadas na escola.
- Listagem destas condutas.
- Produção de cartaz como
lembrete destas condutas.
- Discussão.
- Listagem das condutas.
- Produção de cartaz.
14
Relacionar meio-
ambiente e saúde.
- Leitura (dos alunos) de três
reportagens sobre a poluição
na represa que abastece a
cidade.
- Discussão sobre a relação
entre meio-ambiente e saúde,
medidas governamentais
- Leitura de reportagem.
- Análise textual da
reportagem.
- Análise do jornal como
suporte* do gênero
reportagem.
- Análise da linguagem
199
adotadas e negligenciadas. multimodal usada na
reportagem.
15
Relacionar a
esquistossomose
aos problemas
enfrentados pela
represa, tratados
nas reportagens.
- Observação do vídeo
ESQUISTOSSOMOSE.
- Discussão sobre os aspectos
da doença apresentados no
vídeo.
- Discussão sobre a relação
entre os problemas
apresentados nas reportagens e
a doença abordada no vídeo.
- Discussão.
16
Registrar a
conclusão sobre a
relação entre a
poluição da água da
represa e a
esquistossomose.
- Produção de texto
dissertativo relacionando o
vídeo às reportagens.
- Produção de texto.
17
Refletir sobre a
importância de
medidas conjuntas
(população e
governo) na
prevenção de
doenças.
- Leitura (dos alunos) de
reportagem sobre escolas sem
infra-estrutura sanitária.
- Discussão sobre o papel do
governo na garantia das
condições de uso de espaços
públicos.
- Discussão envolvendo o
problema apresentado e os
diferentes posicionamentos
dos alunos em relação ao
problema.
18
Divulgar os
conhecimentos
adquiridos para a
comunidade
escolar.
- Definição das formas de
divulgação: apresentação
teatral e musical.
- Definição das etapas da
produção de uma peça teatral
(tema, roteiro, cenário,
figurino).
- Definição de um figurino
único para todos os grupos:
máscaras.
- Produção das máscaras,
considerando as características
dos vermes estudados no
projeto.
- Discussão: avaliação de
diferentes gêneros quanto à
possibilidade de atingir o
objetivo de divulgar as
informações na comunidade
escolar.
- Pesquisa sobre as
características físicas dos
vermes para confecção das
máscaras.
19
Produzir os textos
referentes a cada
apresentação.
- Produção dos roteiros
teatrais: Um adaptado do livro
Um bando malvado e outro,
livre.
- Redação da letra da canção
rap.
- Leitura de um modelo de
roteiro teatral.
- Análise da forma
composicional e marcação
das vozes (com a
professora).
- Leitura/consulta ao
portfólio para elaboração do
200
roteiro.
- Transcrição de texto
modificando o gênero (de
divulgação científica/
narrativa de aventura para
roteiro teatral).
- Organização da encenação
(ensaios, memorização das
falas).
20
Conhecer um
panfleto
informativo de
Posto de Saúde e
sua finalidade.
- Observação de panfletos
informativos.
- Análise sobre a forma
composicional, linguagem
utilizada.
- Leitura de panfleto
informativo.
- Observação sobre a
utilização da linguagem
multimodal como recurso
comunicativo e informativo.
21
Identificar as
informações
relevantes a um
panfleto
informativo sobre
verminoses.
- Listagem das informações
citadas pelos alunos.
- Análise da relevância e
pertinência das informações.
- Seleção.
- Discussão sobre as
informações relevantes.
22
Produzir um
panfleto
informativo.
Produção do texto escrito do
panfleto informativo
(rascunho).
- Escrita: Organização das
informações em tópicos.
23
Editar o panfleto
informativo com
recurso da
informática (em
dupla).
- Pesquisa sobre as figuras do
arquivo do computador
adequadas ao panfleto.
- Utilização de recursos e
programas necessários ao
gênero panfleto informativo.
- Utilização da ferramenta
computacional.
- Utilização de programas
diversificados para edição
do texto.
24
Selecionar o
panfleto que será
distribuído à
comunidade
escolar.
- Apresentação do trabalho de
cada dupla no monitor central
(TV) do laboratório de
informática.
- Eleição do panfleto que será
reproduzido para distribuição.
- Apresentação do trabalho
para a classe.
- Discussão/análise da
relevância de informações,
formatação, aspectos visuais
de cada panfleto para
seleção.
25
Conhecer as
informações
constantes em jogos
de regras.
- Sondagem sobre as
informações constantes em um
jogo de regras.
- Observação de jogos diversos
e listagem dessas informações.
- Leitura dos diversos
gêneros constantes em um
jogo de regra.
26
Produzir jogos de
regras sobre o tema
estudado.
Produção de jogos. - Discussão sobre a
elaboração e o conteúdo do
jogo.
201
- Leitura/consulta a outros
jogos.
- Produção das regras do
jogo.
- Produção do material do
jogo (tabuleiro, cartões-
perguntas, cartões-
informativos, etc.).
27
Confeccionar as
caixas dos jogos.
- Análise das embalagens de
jogos (formato, linguagem
visual, informações, etc.).
- Produção dos gêneros
constantes nas embalagens
(data de validade, instruções de
uso, lista de materiais
componentes, indicação de
faixa etária, logomarca, etc.).
- Pintura ou forração das
caixas e colagem dos textos.
- Leitura/análise das
principais informações ao
consumidor constantes nas
embalagens de jogos.
- Produção de gêneros
constantes de embalagens.
- Utilização de linguagem
multimodal.
28
Apresentar teatro e
música à
comunidade
escolar.
- Apresentação dos números
ensaiados (teatro e música).
- Encenação.
- Utilização de gênero oral
formal público.
29
Utilizar os jogos
com as demais
classes da escola.
Sessão de jogos com as
s
séries da escola.
- Apresentação dos jogos
aos alunos convidados a
jogar.
- Explicação das regras aos
alunos.
- Jogo com os alunos.
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