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Maria Patrocinia Gonçalves
A capacidade de criação envelhece?
Questões que nos fazem pensar se tudo
tem tempo e hora para acabar...
Mestrado em Gerontologia
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2006
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2
Maria Patrocínia Gonçalves
A capacidade de criação envelhece?
Questões que nos fazem pensar se tudo
tem tempo e hora para acabar...
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifica Universidade Católica de São Paulo como
exigência parcial para obtenção de titulo de Mestre
em Gerontologia, sob orientação da Profª Drª
Elizabeth Frohlich Mercadante.
PUC
São Paulo
2006
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3
Banca Examinadora:
São Paulo,
__________________________________________ .
________________________________________________
________________________________________________
________________________________________________
________________________________________________
4
Dedicatória
Para Afonso, por esse amor
que se renova a cada manhã que nasce.
5
Agradecimentos
À minha orientadora, Profa. Dra. Elizabeth Frohlich Mercadante, pela orientação e
confiança. Minha admiração e agradecimento pela oportunidade deste encontro.
À Profa. Dra. Beltrina Côrte, pelos conselhos sempre sábios, e o olhar sempre
cheio de esperança.
À Profa. Dra. Vitória Kachar, mais que uma professora, uma amiga, sempre
disposta a ajuda.
Ao meu filho Guilherme pela paciência que teve comigo nestes últimos três anos
E a minha filha Gabriela pelas dicas, pelas conversas, pelas sugestões e
incentivos, obrigada, querida.
A querida Camila pela grande ajuda nos momentos finais. Com suas sugestões,
seu competente trabalho gráfico e pelo carinho. Obrigada, Camila, sua ajuda foi
muito importante.
À amiga Tânia Gonçalves Lima, constante companheira nos momentos de aflição
e nos momentos de alegria.
Agradecimento especial
Amor, amigo, cúmplice e companheiro. Qualquer tentativa de compor com
palavras meus sentimentos é ainda pequena para traduzi-los. Afonso, não teria
conseguido sem você, obrigada!
6
Resumo
Trata-se de um trabalho interdisciplinar que possibilita não só a fecunda
interlocução entre as áreas do envelhecimento e da arte, como também constitui
uma estratégia para que elas não se restrinjam nem se cristalizem no interior de
seus respectivos domínios. Ou seja, é uma tentativa de aproximação da arte e da
velhice para um alargamento e uma conseqüente flexibilização do conhecimento
de ambas as áreas, disponibilizando novos horizontes do saber, com foco na
criação artística na velhice. Questões como “a criatividade é uma qualidade do
jovem”, “um artista, quando velho, só consegue se repetir”, me levaram a
observar a produção de artistas – em especial Pablo Picasso e Henri Matisse –
que, aproximando-se do seu fim e do fim da sua obra, desenvolvem trabalhos
anacrônicos, ou anômalos, em relação a tudo que fizeram antes. Nem tanto com
um tom de serena recapitulação da vida e da obra, mas sim apresentando
guinadas finais surpreendentes, criativas e quase sempre incompreendidas.
Palavras-chave: criatividade, velhice, envelhecimento, criação artística, arte.
7
Abstract
It is treated as an interdisciplinary work that makes possible not only the
fertile dialogue among the areas of the aging and of the art, as well as it
constitutes a strategy, so that they do not confine nor crystallize inside their
respective domains. In others words, it is an attempt of approach of the art and of
the old age for an enlargement and a consequent flexibility of the knowledge of
both areas, making available new horizons, with focus in the artistic creation in the
old age. Subjects as “the creativity is a quality of the youth”, “an artist, when old, it
only gets if he repeat himself”, took me to observe the production of artists that –
in special Pablo Picasso and Heni Matisse – approaching the end of their lifetime
and the end of their work, they develop works anachronic, or anomalous, in
relation to everything that they did before. Not so much with a tone of calm
recapitulation of the life and of the work, but presenting surprising final deflections,
creative and almost always misunderstood.
Key words:
creativity, old age, aging, artistic creation, art
8
Sumário
1. Introdução .......................................................................... 9
1.1 Percurso ......................................................................... 9
1.2 Tempo da criação .......................................................... 13
2. Metodologia ....................................................................... 20
3. Aproximações teóricas ..................................................... 29
4. Eterno e Transitório ........................................................... 44
4.1 Henri Matisse ................................................................. 46
4.2 Pablo Picasso ................................................................ 56
4.3 A Cor e a Forma ............................................................ 63
5. Questão em Aberto ............................................................ 86
Referências Bibliográficas .................................................... 92
Crédito de Imagens ............................................................... 98
9
1. Introdução
1.1 O Percurso
iz meu curso de graduação na maturidade, dos 47 aos 50 anos.
Retornei aos bancos acadêmicos na Faculdade de Belas Artes de
São Paulo, a fim de realizar um antigo sonho adiado durante vinte
anos, em decorrência de uma série de circunstâncias pessoais que definiram uma
trajetória profissional diferente da almejada. Era o ano de 1999. Embora ciente de
que eu me encontraria numa distância etária significativa em relação aos meus
colegas de curso, somente a experiência concreta do convívio com os mais
jovens aguçou a minha observação e o meu interesse pela questão do
envelhecimento.
Estar de volta aos estudos em um ambiente em que prevalece o jovem não
é uma tarefa fácil. Embora não ocorresse preconceito contra os alunos mais
velhos, que inclusive foram bem recebidos, professores e alunos mais jovens
estabeleciam com eles aquela clara relação de alteridade, já identificada pela
Professora Doutora Elizabeth Mercadante, que consiste em definir os atributos
dos velhos em contraste com os atributos dos jovens. Como é de se esperar, este
contraste leva a uma identidade cultural sempre negativa para os velhos: se, por
um lado, os jovens aprendem com facilidade, têm idéias arrojadas e brilhantes,
são produtivos, por outro, os velhos são lentos, tradicionais, repetitivos,
improdutivos.
Considerando que os alunos mais velhos rompiam constantemente esta
concepção, cheguei a uma conclusão curiosa: nos ateliês, nos cursos livres e na
própria faculdade, velhos criativos desenvolviam trabalhos significativos e
F
10
arrojados, que traduziam grande apreço pela vida e muito engenho para enfrentá-
la.
Nos bancos acadêmicos, onde entrei com a intenção de aperfeiçoar a
minha prática artística, acabei me deparando com estas circunstâncias que, por
fim, contribuíram para que nascessem novas reflexões, sobretudo com referência
ao envelhecimento e ao interesse de me aprofundar neste assunto.
No primeiro semestre de 2003, freqüentei o curso Educação e Projetos
Curriculares para atuação junto aos idosos oferecidos pela COGEAE, onde
considerei o grau de complexidade da realidade acerca do envelhecimento e as
dificuldades que cercam esta época da vida, além dos pesados estigmas que são
atribuídos à velhice, os quais só fazem criar mais obstáculos e dificuldades. Em
agosto do mesmo ano, ingressei no mestrado de Gerontologia decidida a
compreender mais profundamente a complexidade social, econômica e política do
envelhecimento, e percebi o quanto a desinformação sobre o assunto aumenta a
dificuldade de interação do velho.
Embora tenha licenciatura em artes visuais, nunca atuei como professora.
Nestes últimos três anos tenho vivenciado as questões do envelhecimento
humano como aluna de pós-graduação em Gerontologia da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, e também com o meu próprio
envelhecimento.
Não foram poucos os comentários quando recém formada na faculdade de
artes resolvi fazer um mestrado de Gerontologia:
“Nossa, você sai de uma área tão bonita para uma tão feia!”
“O que tem que ver uma área com a outra!”
“Que escolha triste!”
11
Porém, nem eu tinha claro que caminho tomar para reunir em um só estudo
arte e velhice. Neste caminho muitas vezes encontrei o inesperado. Era como se
saísse da grande estrada das certezas e me perdesse nos desvios, nas curvas e
nos atalhos. Continuava achando válido o tema arte e velhice, porém assustava-
me a novidade do projeto; parecia-me pretensioso e ambicioso demais.
Ressentia de uma confusão estabelecida em minha mente, com as centenas de
leituras, sobre arte, sobre história da arte, sobre envelhecimento, com super
pesquisas e super informações, tudo absolutamente estanque.
Havia, no entanto, uma questão entre a arte e o envelhecimento que me
instigava a continuar. Tanto a criação artística e como a velhice tinham desafios
muito próximos, pois ambos exigiam grandes disposições para encontrar
maneiras novas e apropriadas de vivenciar cada uma delas; e essas disposições
compreendiam paixão, engajamento e vitalidade.
Todos os estigmas que se atribuem à velhice, como “velho não aprende,
não reflete, não escolhe”, entre tantos outros, não correspondiam à verdade. O
pouco que fosse deslocado este julgamento, levando em consideração seres
humanos que conheci no meu percurso pela arte, ou mesmo se observasse na
própria História da Arte as lindas histórias de vidas de grandes artistas longevos,
já seria possível ver uma outra face da velhice e colocar em questão aqueles
julgamentos negativos. Esta constatação se transformou em uma grande
sedução. Estes artistas que viveram muito e que preservaram até o final da vida a
sua capacidade criativa deixam claro, entre outras coisas, as suas competências
e não suas limitações, as quais a sociedade insiste em atribuir a velhice.
Diante disto, que impacto esses questionamentos provocaram na
organização dos dados da minha pesquisa? Tinha na verdade dois tipos de dados
o da velhice estigmatizada e a vida de velhos artistas que colocavam e colocam
em xeque contrariavam estes estigmas.
12
Decidi então me voltar também um pouco para o meu percurso artístico,
isto poderia ajudar. A minha formação artística, o meu trânsito pelo mundo das
artes, e também o meu fascínio pela sua história foram responsáveis pela minha
determinação em reunir a arte e o envelhecimento. Entretanto, creio que o tema
partiu em si da minha própria história. Vivo uma época de várias transformações:
filhos casando, vivendo sozinhos, a casa ficando grande, afastamento do trabalho
e os muitos velhos da família já se foram. É o envelhecimento avançando.
Na parte artística, o criar sempre foi um fator de equilíbrio e um recurso
mágico de energia. Sinto que nesta fase da vida a criação passou a ser mais
fluida e mais livre. O mundo da arte gira muito em torno do reconhecimento, do
ser acolhida, e há uma inquietação muito grande quando se é jovem. Também
passei por isso. Com o tempo, isso se modifica, pois a preocupação vai se
transformando, o ato de criar torna-se educativo e permite o autoconhecimento.
Pode-se dizer que surge como complemento indispensável ao cotidiano.
A minha transformação, no que diz respeito ao ato de criar, me fez
observar mais de perto as obras dos artistas à medida que envelhecem. Muitas
destas produções me levaram a pensar que as obras destes artistas longevos
são provas incontestáveis de que a velhice não rouba do ser humano a
capacidade de pensar, de escolher, de decidir, de aprender e, sobretudo, a
capacidade de se admirar, pois tudo isto está contido no ato de criar. Então, o
que dizer do último ou mais tardio período da vida, da decadência do corpo, do
desconforto da saúde frágil, das limitações biológicas, como estas fatalidades
próprias da velhice influenciam na criação de um artista? O artista perde a
capacidade de criar na velhice?
Assim, o estudo do desenvolvimento da criatividade na velhice apresentou-
se como um desdobramento natural da trajetória realizada por mim até chegar à
concretização desta dissertação.
13
Vale ressaltar que a criatividade pode ser abordada em diversas áreas do
conhecimento, como: a psicologia, a neurologia, a antropologia, entre outras.
Aqui, entretanto, ela será tratada com enfoque na arte, ou seja, a criatividade aqui
estudada será a criatividade artística.
Não estive sozinha nesta jornada. Caminhei pelas as obras de Picasso,
Monet, Matisse, Degas, Dali, Volpi, entre outros. Segui também o pensamento de
figuras como: Fayga Ostrower, Luigi Pareyson, Simone Beauvoir, Edgar Morin,
Nietzsche, entre outros, que me fizeram levantar o olhar, dar uma parada, olhar
ao redor, respirar fundo. Da literatura, absorvi o alimento para a renovação da
alma através das poesias de Manoel de Barros, Mario Quintana, Pablo Neruda,
Adélia Prado, Adriana Falcão, entre outros. Encantei-me com personagens da
literatura, como Zorba, do romance Zorba o Grego, de Nikos Kazantzakis. O velho
Zorba, que vê todas as coisas como se fosse a primeira vez, e se espanta,
interroga-se e se admira sem cessar; tudo lhe parece milagroso; questiona-se
com igual admiração diante de um homem, de uma árvore florida, de um copo de
água ou de uma pedra. Zorba me fez acreditar em uma velhice diferente, e assim,
cada um dos capítulos da dissertação se inicia com uma fala deste personagem.
1.2 Tempo da criação
Assim, nesta pesquisa denominada A capacidade de criação envelhece?
Questões que nos fazem pensar sobre se tudo tem tempo e hora para acabar...,
destaco dois grandes artistas da Modernidade: Pablo Picasso e Henri Matisse,
dois pintores longevos que tiveram produções artísticas até o final da vida. Além
das referências a estes dois pintores, faço pequenos apontamentos de outros
artistas que, igualmente, tiveram vidas longas e criações longas. Por fim, verifico
como a velhice é reconhecida e acolhida por um artista, e como ela se reflete em
sua obra.
14
A criação envolve novos arranjos cognitivos de interpretação da realidade.
É uma transgressão na forma de olhar a realidade e agir. O pensamento criador
não é linear, é aberto a diferentes rotas, bifurcações, representa a ruptura com
algo que já é conhecido. Embora o ato de criar signifique um ato de abandonar-se
e vagar em mundos ignorados, acompanha-o, no entanto, um senso de precisão.
Junto com o estímulo a todo nosso ser imaginativo, em que se articula
nossa abertura para o mundo, nossa flexibilidade para modificar os rumos, caso
as circunstâncias o exigirem, a precisão vem-nos como um conhecimento intuitivo
baseado em nossa capacidade de jamais perdermos uma visão de conjunto.
Guardamos o rumo.
1
Portanto, o criar como livre expressão não significa poder fazer tudo, e
qualquer coisa. Mas deve haver, sim, uma condição estruturada e seletiva sempre
vinculada a uma intenção. Ou seja, ser livre significa compreender, no sentido
amplo.
Significa um entendimento de si, uma aceitação de si da necessidade da
existência em termos limitados. Este entendimento é a mais plena e a mais
profunda interiorização a que o indivíduo possa chegar. Ser livre é ocupar seu
espaço na vida.
2
Entender a si é um processo e não um estado de ser. Contém a
possibilidade de um indivíduo diversificar-se e atingir níveis integrativos sempre
mais elevados, crescendo no sentido de realizar ampliações e perceber e criar
delimitações. A cada síntese, a cada novo nível de compreensão que é possível
alcançar, corresponde a base para o aparecimento de novas possibilidades de ser
e de criar. “Assim a criação é um perene desdobramento é uma perene
reestruturação. É uma intensificação da vida.
3
1
Fayga OSTROWER, Criatividade e processos de criação, p. 162.
2
Ibid., p. 165.
3
Loc.cit.
15
Neste contexto, é possível compreender o curso de crescimento nos
grandes artistas. A capacidade de se tornar mais amplo e mais simples ao mesmo
tempo. Onde nada fica perdido e tudo é reelaborado com mais coerência e maior
multiplicidade.
Quando Rembrandt, em sua juventude, pinta jóias e rendas, o faz com
uma sabedoria e técnica extraordinárias. Com pinceladas fluidas pinta
reflexos cintilantes em pedraria e pérolas e ouro e correntes e brincos e
filigranas. Na velhice, passa um único traço com a espátula.
Examinada de perto, só percebemos uma camada espessa de tinta
suja. A dois passos quando se torna possível abranger o quadro todo
e quando essa camada de tinta é visualmente interligada em sua
específica forma e matéria à forma e matéria do conjunto, vemos
surgir todas as preciosidades do mundo, os ouros, as jóias e as rendas,
e ainda as extraordinárias riquezas do espírito humano.
4
Assim, torna-se incompreensível o fato de ser tão incomum conjugar
criatividade e velhice. A capacidade de criação costuma ser contemplada e
considerada no jovem, desprezando, por conseguinte, a maturação do processo
de criação. Um jovem, por mais talentoso que fosse, como poderia ter-se
encontrado na vida, saber de si mesmo e ter certeza do que quer fazer? A
propensão a diferenciar-se e a reordenar-se é imanente aos próprios processos
de vida e ganha força com o decorrer do tempo. O viver é um processo de
criatividade contínua.
“Assim, inventa-se uma criatividade que se condensa, prioritariamente, no ser
jovem, transferindo-se para a faixa da adolescência o clímax da produtividade
humana e o significado das concretizações de vida, com o maior descaso pelas
potencialidades humanas mais amplas. Ressuscita-se novamente a genialidade,
só que dessa vez vestida com roupas jovens como parâmetro de atividades e
resultados criativos. Dispensam-se os processos de crescimento e do
amadurecimento, os processos de identificação da personalidade, e dispensam-se
os tempos internos como de menos, supérfluos e inúteis para a vida.
.
5
4
Ibid., p. 166.
5
Ibid., p. 138
16
A idéia de que na passagem da vida humana tudo tem seu tempo, de que
certas coisas são próprias da juventude e não para os estágios mais avançados
da vida, são comuns na nossa cultura. Mas, de fato, a criação artística é um bom
exemplo de que isto não é uma verdade. Obras finais coroam a vida inteira de
empenho de Rembrandt e Matisse, Bach e Wagner, embora não se possa afirmar
que a produção derradeira destes artistas seja resultado da serenidade, podendo
ser perfeitamente criações advindas de contradição, dificuldade, intransigência e
revolta...
Para alguns artistas em particular, o tempo se apresenta na sua dimensão
construtora, um tempo que matura, sazona, modela, madura, assim como
acontece com o vinho. Mas em outra dimensão, o tempo é agente de
envelhecimento e de finitude, traduzidos por perdas, tremor, doenças, rugas e
exaustão. É o tempo dos homens, sob uma perspectiva não mítica, mas histórica.
A criatividade é uma dimensão inerente ao homem, as potencialidades
criativas, porém, só se darão a conhecer depois que a pessoa crescer,
desenvolver-se e atingir sua maturidade, ou seja, só após os encontros com a
vida. E é neste contexto que a sensibilidade e o potencial criador se revelarão,
pois estão diretamente atrelados aos caminhos da vida, nos quais não existe
atalho ou queima de etapas.
6
Quando acontece a paralisia criativa em um velho artista, os motivos são
vários: a própria história, o acúmulo de conhecimentos e a diminuição dos
sentidos pela redução da visão, audição etc. Entretanto, devemos estar atentos
para alguns fenômenos que, embora temporariamente, podem causar danos à
produção criativa: a energia física e a própria capacidade sensorial tendem a
diminuir com a idade; situações anormais, como doenças, morte de alguém
próximo, ou mesmo problemas familiares, tendem a reduzir a capacidade de se
entregar a desafios; frustrações recentes, críticas recebidas ou falta de
6
IDEM, Acasos e criação artística.
17
reconhecimento costumam gerar clima destrutivo e falta de credibilidade no
processo de criação.
Não se pode negar que as privações biológicas da velhice podem
dificultar o trabalho de um artista, como a perda da visão, as dificuldades motoras
entre outras. Entretanto, a história da arte nos disponibiliza um número
significativo de artistas velhos que produziram seus trabalhos mais profundos e
mais memoráveis no final de suas vidas.
Na obra de arte há sempre um depoimento sobre o sentido de viver do
artista, que pode ajudar a esclarecer-lhe a vida e vice-versa. Pareyson afirma que
na obra está toda a vida do autor, mas esta é uma presença muito especial: não
presença de fatos e de atos singulares, reconstruíveis numa biografia, mas
presença de uma personalidade, de caráter, de uma substância espiritual, tal
como pouco a pouco formou-se no curso da vida.
7
Arte e vida estão intimamente ligadas; a experiência com base em
realidades é visível e onipresente e não pode ser ignorada ou evitada; é
impossível dissociar a arte da passagem da história, conforme Pareyson diz:
Qualquer corte demasiado nítido entre personalidade artística e
personalidade humana dissolveria aquele nexo entre a vida e arte,
pessoa e poesia, humanidade e estilo, que constitui o dinamismo
essencial da arte, a sua gênese interior, a sua natureza íntima.
8
A criação de um artista nasce de sua cultura, de sua experiência de vida,
das suas próprias idéias. Em cada artista isso se dá de modo singular, e assim,
obras de artistas diferentes “vivem” de maneira diferente; algumas são sopros de
um lirismo; em outras pode-se ver a paixão, o drama, o dilema e a fantasia.
7
Luigi PAREYSON, Os problemas da estética, p. 93.
8
Ibid., p. 97.
18
Da mesma maneira peculiar, o envelhecimento também é vivenciado e tem
significados diferentes para cada indivíduo. Cada um lida de modo distinto com as
transformações biológicas típicas da velhice, com o desengajamento do mundo
do trabalho e do descompromisso com alguns papéis tradicionais da vida.
Portanto a velhice de um artista não está dissociada de sua obra. Pode
estar ali traduzida; em uma cor nunca usada, em um contorno negro
surpreendente, na produção quase compulsiva de desenhos ou no desafio de um
novo material, ora por entender a maturidade e a velhice como decadência, ora
como possibilidade de transformação.
Vale ainda ressaltar que os livros de arte, em geral, pouca referência fazem
ao envelhecimento dos artistas e suas obras finais. Esta fase da vida geralmente
é diluída dentro da expressão de personalidade dos artistas, e as últimas obras
ficam relegadas fora dos limites da arte, no terreno do documentário.
19
Zorba
9
9
Personagem Zorba, Ibid., p. 159.
20
2. Metodologia
objetivo desta dissertação, como já foi dito anteriormente, é
pesquisar a criação artística na velhice. Trata-se de um trabalho
interdisciplinar que possibilita não só a fecunda interlocução entre
as áreas do envelhecimento e da arte, como também constitui uma estratégia
importante para que elas não se restrinjam nem se cristalizem no interior de
seus respectivos domínios. Ou seja, é uma tentativa de aproximação da arte e da
velhice para um alargamento e uma conseqüente flexibilização do conhecimento
de ambas as áreas, disponibilizando novos horizontes do saber. Tal proposta
interdisciplinar é entendida como método, como forma de ação, mas
principalmente:
(...) como postura profissional que permite se pôr a transitar o “espaço
da diferença” com sentido de busca, de desvelamento da pluralidade
de ângulos que um determinado objeto investigado é capaz de
proporcionar, que uma determinada realidade é capaz de gerar, que
diferentes formas de abordar o real podem trazer. (...) A perspectiva
interdisciplinar não fere a especificidade das profissões e tampouco
seus campos de especialidade. Muito pelo contrário, requer a
originalidade e a diversidade dos conhecimentos que produzem e
sistematizam acerca de determinado objeto, de determinadas práticas,
permitindo a pluralidade de contribuições para compreensões mais
consistentes deste mesmo objeto, desta mesma prática.
10
Sob a perspectiva da interdisciplinaridade este trabalho não teve a intenção
de unificar conhecimentos, mas estabelecer uma parceria e a mediação entre os
10
RODRIGUES, Maria Lucia. Caminhos da Transdisciplinaridade. In: Revista Kairos 03. São
Paulo: Educ, 2000. P.89
O
21
conhecimentos particulares da ciência do envelhecimento – a Gerontologia – e a
Arte, na criação de um novo saber.
Para este estudo contribuíram autores como: May, Gardner, Mercadante,
Morin, Beauvoir, Hillman, Nietzsche, Ostrower, entre outros.
Um trabalho como este, que tem como matéria a arte e a velhice, não é
uma tarefa muito fácil. Minha primeira intenção era pesquisar obras de artistas
longevos ainda vivos. Para isto, escolhi cinco artistas contemporâneos com mais
de 60 anos e que tivessem participado das últimas Bienais de arte, ou participado
de exposição individual ou coletiva com trabalhos novos no último ano.
Entretanto, minha intenção foi frustrada quando dois dos artistas com quem
entrei em contato, de pronto, me disseram que não tinham tempo para conversar
e dar entrevistas. Um terceiro me disse que o assunto não era relevante. E o
último ficou furioso comigo, pois disse que eu o chamei de velho. Em nenhum
momento pronunciei a palavra velho, apenas esclareci que estava fazendo uma
pesquisa científica sobre a criatividade artística e o envelhecimento. O referido
artista, uma semana antes do nosso encontro, havia completado 74 anos, e é pai
de uma amiga. Diante de tal situação, descobri que estava lidando com um
assunto que os artistas não gostam de discutir e pude perceber que a vaidade
costuma ser a face mais visível da arte. Resolvi, então, abrir mão dos
depoimentos e trabalhar com fontes secundárias.
Diante destas dificuldades, o trabalho teve também a incumbência de criar
caminhos para que se alcançasse o seu objetivo. Este trabalho passou a ter,
assim, um cunho teórico e biográfico que priorizou fontes documentais
secundárias e impressas, tais como livros, biografias, publicações periódicas e
catálogos de exposições.
22
Para promover a mediação entre estas áreas do conhecimento, decidi
abordar a vida de dois artistas modernos que viveram no século XX, precursores
de mudanças significativas na arte a partir de então: Picasso e Matisse.
Não resta dúvida de que estes dois artistas já foram muito discutidos e
estudados, embora devamos observar, também, que tantos estudos e
abordagens não foram ainda suficientes para oferecer uma compreensão integral
do legado destes dois monstros sagrados da arte moderna. Porém, meu interesse
em explorar um diálogo entre Picasso e Matisse é ver o quanto estes dois artistas
incontestavelmente geniais, que tiveram vidas longas, conservaram a capacidade
criativa até o final de suas vidas, não obstante tenham vivido a velhice de formas
tão díspares. Lembro ainda que escrevo sobre estes artistas já mortos, não os
encarando como símbolos e lendas, mas sim como homens e como artistas.
Suas respectivas obras têm sido constantemente examinadas em
exposições e discussões pelo mundo. Aqui, os percursos artísticos também serão
analisados, pois não podemos separar a arte da vida de um artista; mas serão
examinadas principalmente a maneira diferente de vivenciar a velhice e a doença,
e a preservação do empenho artístico e a prolífera criatividade nesta etapa da
vida.
Embora muito se tenha dito sobre a arte de Picasso e Matisse, há uma
diferença muito grande entre a obra dos dois. Matisse foi um mestre da cor, capaz
de criar imagens sensuais a partir das cores, apenas, e assim alterou nossa idéia
de realidade. “Um pintor da simplicidade absoluta, que acreditava numa arte de
equilíbrio.”
11
Já em Picasso temos um destruir de formas, boêmio impetuoso e erótico, o
pintor da sexualidade. “(...) retratava suas fantasias eróticas e as tornava críveis,
11
BOIS, Yve Alain. Matisse e Picasso São Paulo: Melhoramentos, 1999. P.135.
23
que embelezava suas musas enquanto apaixonado e depois as coisificava
cruelmente.”
12
Coube-me pesquisar a biografia da cada um dos pintores, com foco
principalmente na última parte de suas vidas. Diante, pois, da complexidade de
imagens, de estilo, técnicas, temas, materiais e linguagens que foram recolhidos,
surgiu a necessidade de atribuir um método para selecionar entre todas estas
variedades. Selecionadas as imagens – através de um método de leitura de
imagem que descreverei mais à frente – foi necessário organizá-las
cronologicamente.
Para isto, usei um dos recursos didáticos mais utilizados para a
organização esquemática da história, e também muito utilizado na história da arte:
a linha do tempo. A ordenação do percurso cronológico numa linha, num traço
contínuo, amplia as possibilidades de interpretações destas produções e expõe a
dinâmica do processo de criação. Sua construção neste trabalho vai distanciar-se
do simples arrolamento de fatos inertes e amorfos, no intuito de refletir sobre as
visões de mundo, sobre as obras e época em que estes pintores viveram e as
produziram, e, sobretudo, na medida do possível, oferecer um panorama de
questões, ou outras demandas da presente pesquisa. O principal objetivo com a
linha do tempo é estabelecer conexões de espaço e tempo, envolvendo os dois
sujeitos pesquisados para melhor compreender a evolução, tentando mostrar as
mudanças na obra de cada um ao longo do tempo e buscando compreender
melhor a forma como a arte modela e é modelada pelos impulsos artísticos dos
seus praticantes.
Este trabalho será composto por duas linhas do tempo, atendendo aos
objetivos acima traçados. Uma será da evolução da obra dos dois pintores no
espaço e tempo de suas vidas.
12
BOIS, loc cit.
24
A segunda surgiu no decorrer da pesquisa. Um tema que é muito
recorrente na história da arte, e que é pintado na juventude e depois também na
velhice: o auto-retrato.
Auto-retrato é a imagem refletida em uma tela ou no volume de uma
escultura do próprio artista que produziu a obra. Pela história da arte muitos foram
os artistas que se dedicaram a esta prática. Alguns pintaram a si mesmo
repetidamente. Rembrandt possivelmente foi o artista que mais se auto-retratou,
cerca de 60 vezes em diferentes fases da vida e estado de espírito.O auto-retrato
não é só uma reflexão de quem o olha mas também de como o artista se
interpreta e o mundo em torno dele. É talvez a história a mais pessoal que o
artista pode dizer e fazer o auto-retrato é um dos assuntos o mais importante da
arte.
A pintura do auto-retrato não é, naturalmente, uma regra, mas é muito
comum. Assim, vale dizer que alguns artistas que se auto-retrataram na juventude
nunca voltaram a fazê-lo na velhice. Mas este não foi o caso dos dois artistas aqui
estudados; os dois se auto-retrataram na juventude e na velhice e estes auto-
retratos foram também compostos em uma linha do tempo, onde ficam
evidenciadas não só as diferenças de técnicas e de concepção, mas também as
diferenças entre as visões de mundo e entre as formas de enfrentamento da
velhice.
Hillman diz que, à medida que envelhecemos, a nossa mente vaga entre
imagens, e que voltamos ao nosso corpo pela dor da enfermidade. Que quando o
nosso corpo enruga, nós nos voltamos para nossa face. Se o corpo idoso
desnudo é feio, o rosto idoso é sujeito a longas contemplações. “A face torna
visível a metamorfose da biologia em arte.
13
Pintar ou esculpir o próprio rosto, bem como escrever uma autobiografia é
um ato de confissão onde o artista revela voluntariamente a parte mais intima de
13
HILLMAN, James. A força do Caráter. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. P.171.
25
seu mundo e de seu ser. Para alguns a expressão artística é um meio não só
para revelar intenções pessoais senão também para mostrar as possibilidades
que oferece arte para considerar o mundo, para considerar-se. Por isto considerei
a inclusão dos auto-retratos destes artistas aqui neste trabalho.
Cheguei a estes dois pintores – Picasso e Matisse – depois de percorrer a
História da Arte para pesquisar pintores com mais de 70 anos (pois estava
trabalhando com velhice) e que tivessem produzido até mais ou menos um ano
antes de morrer. A lista, para minha surpresa, é bem grande, e quase todos
atingiram uma idade extremamente avançada, principalmente se levarmos em
consideração a época em que viveram: Tintoretto, 88; Rembrandt, 70; Monet, 86;
Munch, 81; Matisse, 85; Picasso, 93; Dali, 86; Iberê, 86; Goya, 82; Degas, 83;
Renoir,78; Portinari,76; Calder 79, Chagall 97, Duchamp 81, Morandi, 74; entre
outros. Isto me fez lembrar de uma colocação de Onfray:
A história é generosa em figuras rebeldes e singulares, em exceções
possantes e roborativas. A maneira impressionista, ela registra, aqui e
ali, as portas à margem de sua época que, por suas situações limites,
dão temperamento ao seu tempo.
14
Para escolher as imagens que fizeram parte deste trabalho, utilizei como
base o método de Edmund Feldman,
15
que exercita a atenção para uma leitura de
imagens através de quatro operações essenciais: Descrição, Análise,
Interpretação e Julgamento.
Descrição – sugere fazer uma lista detalhada de objetos, formas contidas
na obra. Uma descrição de tudo que se vê. Este estágio é importante porque o
observador olha longamente e observa a obra, e ao mesmo tempo descobre
coisas e descobre detalhes que podem ter passado desapercebidos à primeira
vista.
14
ONFRAY, Michel. A Escultura de si: a moral estética. Trad. De Mauro Pinheiro. Rio de Janeiro:
Rocco, 1995. P.52.
15
Edmund FELDMAN apud Anamélia Bueno BUORO, O olhar em construção – uma experiência
de ensino e aprendizagem da arte na escola.
26
Análise – é a observação do procedimento daquilo que vemos na obra de
arte. Observa-se a relação de tamanho, localização das formas no espaço, a
relação cor e textura, enfim, os elementos estéticos da obra.
Interpretação – é o estágio em que, baseado nos elementos descritos e
analisados da obra, o observador vai dar significado ao trabalho de arte. Usam-se
palavras para descrever idéias que explicam as sensações e sentimentos que
temos diante do objeto de arte.
Julgamento – decide-se sobre o valor estético da obra. É o momento de
explicar as sensações e sentimentos que temos diante de um objeto de arte.
O método de Feldman serviu de base para a aproximação de cada uma
das imagens que estão neste trabalho; contudo, foram os meus saberes sensíveis
que me fizeram ousar uma aproximação da experiência direta da obra, para tentar
apreender o frescor, a verdade material e poética.
Cabe lembrar que ater-se à vivencia, à experiência sensível, não é
comprazer-se numa qualquer delectatio nescire, ou negação do saber,
como costume crer, por demais freqüentemente, da parte daqueles que
não estão à vontade senão dentro dos sistemas e conceitos
descarnados. Muito pelo contrário, trata-se de enriquecer o saber, de
mostrar que um conhecimento digno deste nome só pode enriquecer o
saber, de mostrar que um conhecimento digno deste nome só pode
estar organicamente ligado ao objeto que é o seu. É recusar a
separação, o famoso “corte epistemológico” que supostamente
marcava a qualidade científica de uma reflexão. É por fim, reconhecer
que, assim como a paixão está em ação na vida social, também tem
seu lugar na análise que pretende compreender está última. Em suma,
é pôr em ação uma forma de empatia, e abandonar a sobranceira visão
impositiva e a arrogante superioridade que são, conscientemente ou
não, apanágio da intelligentsia.
16
16
Maffesoli, Michel. Elogio da razão sensível. Petrópolis: Vozes, 1998. P.176.
27
Assim, esta dissertação é composta deIntrodução”, aonde conto o meu
percurso até chegar ao mestrado de Gerontologia, e como surgiu o tema deste
trabalho. A seguir tratei da “ Metodologia” do trabalho e da sua construção.
Em Aproximações Teóricas exponho o pensamento de Ostrower,
Beauvoir, Nietzsche e outros autores, onde tento evidenciar possíveis diálogos
entre arte e velhice. Em “Eterno e Transitório” apresento a vida dos pintores
Matisse e Picasso e suas obras e suas velhices, mostrando o movimento
transformador que rege a trajetória destes artistas. Usei recursos didáticos como
a linhas do tempo construídas com imagens escolhidas para este estudo. E por
ultimo as finais, com o titulo Questão em Aberto”.
Assim é composta esta dissertação: por imagens e histórias. Histórias de
personagens luminosos, com os quais tento mostrar a criação na velhice,
apresentando formas diferentes de velhice, que envolvem reflexão, decisão
escolha, trabalho e emoção. Julgo importante estudá-los através destes pontos de
vista, para que se reconheça que, pela experiência artística e estética, se pode
ser protagonista e não figurante no cenário do mundo, em qualquer idade.
Portanto, este é um trabalho interdisciplinar na medida em que estabeleceu
mediações e inter-relações entre o campo das ciências e o campo da arte. Não
teve a intenção de esgotar nenhum assunto, mas sim levantar hipóteses,
questões, evidenciar possíveis diálogos, além de colocar em pauta a dúvida e a
incerteza, que podem sempre carregar em si a inauguração de novos trajetos.
28
Zorba
17
17
Personagem Zorba. Op.cit., p.99.
29
3. Aproximações Teóricas
sta pesquisa, dedicada à criação artística na velhice, tem como
base principal o pensamento de Fayga Ostrower que, além de
estudiosa em arte, também era uma artista. Seu trabalho tem uma
importância fundamental quando o assunto é criatividade e arte. Vejamos a
definição de criar para esta autora:
...criar é basicamente formar. É poder dar uma forma a algo novo. Em
qualquer que seja o campo de atividade, trata-se, nesse “ novo”, de
novas coerências que estabelecem para a mente humana, fenômenos
relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos, O ato
criador abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta, por
sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar.
18
A forma é compreendida aqui como uma estruturação não restrita à
imagem visual. Tal estruturação se dá também quando o homem faz suas
perguntas, e nas soluções que ele encontra; ao agir, ao imaginar, ao sonhar o
homem está sempre estruturando seu viver, está se relacionando com a forma. É
justamente nesta busca de compreender a vida que o homem é impelido a criar.
Entretanto, o processo criativo vai além de meios habituais de enfrentar-se a si
mesmo e ao meio externo. Está muito além de ser apenas original e livre, abrange
também dificuldades e exige muita coragem. Aliás, o artista é aquele que, na
própria limitação, encontra o potencial para ultrapassá-lo, traduzi-lo na criação de
novos símbolos, para novos contextos, sendo, portanto, capaz de unificar o
pensamento.
19
18
Fayga OSTROWER, Criatividade e processo de criação, p. 9.
19
Ibid..
E
30
Por forma entendo a tarefa técnica de organizar o que criamos, classificar e
jogar com as partes até que elas se ajustem. E neste processo somamos
subtraímos, reordenamos, mudamos, separamos e misturamos; isto, em si, já é
uma arte, a arte da nossa criação. A forma é também a estrutura não-material de
nossas vidas, à base da qual vivemos e sobre a qual baseamos nosso próprio
caráter particular.
20
O criador tem a função de relacionar, ordenar os elementos que ele
recebe, impondo a si mesmo uma série de limites para a sua atividade. A
liberação dos limites do jogo implica, assim em liberta-se das limitações das
formas convencionais, possibilitando que surjam novos significados. Este
processo, por conseguinte, é uma forma de coragem, conforme salienta May: “A
coragem criativa é a descoberta de novas formas, novos símbolos, novos padrões
segundo os quais uma nova sociedade pode ser construída.”
21
O trabalho criador
tem duplo papel: engrandecer os saberes universais, descobrindo novas
dimensões, e simultaneamente enriquecer e elevar o ser que cria, tornando-se
este capaz de experimentar internamente novas dimensões. Neste contexto, criar
algo diferenciado do que existia antes exige atitudes diferentes. Criar é um modo
de satisfazer uma busca de um novo objeto ou estado de experiência ou de
existência que, por sua natureza, não é algo fácil de alcançar ou de descobrir.
22
A experiência estética coloca a cognição em permanente desconstrução e
reconstrução, pela vulnerabilidade aos acontecimentos, estados de espírito,
relações com a cultura, saberes múltiplos vindos do corpo e de abstrações, além
do que a mente elabora a partir de paisagens do corpo, do ambiente, da memória
e da ficção.
Pareyson
23
entende que o processo cognitivo configura-se como uma
troca contínua entre os estímulos existentes na realidade e as propostas que a
pessoa acrescenta, dando-lhe forma. Desse modo, o conhecimento é construção
20
IDEM, A grandeza humana.
21
Rollo MAY, A coragem de criar, p. 19.
22
Fayga OSTROWER, A grandeza humana.
23
Luigi PAREYSON, Os problemas da estética.
31
de significados e se realiza na mediação entre o fazer e o compreender. Duarte
Júnior,
24
por sua vez, considera que o conhecimento advém do processo de
articulação entre o sentir e o simbolizar e assinala que, contudo, não há
linguagem que explique e aclare totalmente os sentimentos humanos. Conclui que
o conhecimento dos sentimentos somente se dá por meio de uma consciência
distinta do conhecimento racional. A arte é, assim, uma ponte que nos leva a
conhecer e expressar os sentimentos, e a experiência estética é a forma de
apreendê-la. De tal modo, o conhecimento é um processo que passa pela
compreensão da representação, da significação entre símbolo e objeto.
Ora, se o conhecimento é uma ordenação de símbolo, a produção artística
é uma modalidade de saber, visto que nela se realizam processos mentais de
raciocínio, memória, imaginação, abstração, comparação, generalização,
dedução, indução, esquematização. Enfim, a produção artística consagra
processos que conduzem à construção do conhecimento, associada à linguagem
e à abordagem de sistemas de signos; proporciona contato com o mundo, não
apenas por meio da razão, mas também da emoção.
25
Da mesma maneira que Ostrower e May, Fischer fala da coragem que o
artista se vale ao criar, além de ser um processo altamente racional e “(...) de
modo algum um estado de inspiração embriagante”.
26
O artista não é um ser
mágico, que tira da cartola grandes idéias e as transforma em obras de arte. Ao
contrário disto, o artista transforma a experiência em memória, a memória em
expressão, a matéria em forma:
A emoção para um artista não é tudo; ele precisa também saber tratá-
la, transmiti-la, precisa conhecer todas as regras, técnicas, recursos,
formas e convenções com que a natureza – esta provocadora – pode
ser dominada e sujeitada à concentração da arte. A paixão que
consome o diletante serve ao verdadeiro artista; o artista não é
possuído pela besta-fera, mas doma-a.
27
24
João Francisco DUARTE JUNIOR, Fundamentos estéticos da educação.
25
Luigi PAREYSON, Os problemas da estética.
26
Ernest FISCHER, A necessidade da arte, p. 14.
27
Loc.cit..
32
Até agora, o que se viu é que a criação depende da experiência, a
imaginação da memória, da cognição, de escolhas de práticas. Vamos ver, então,
o que estes estudiosos falam sobre a idade e a capacidade de criar.
A maioria dos estudos sobre a produção artística concentra-se no estudo
da criança e do jovem, e, na sua quase totalidade, conclui sobre o grande
potencial dessas e o mecanismo que leva os seus bloqueios. Ignora-se, pois que
a maior utilização do potencial criativo está no processo de viver e aprender. A
medida que se aprende se revê os valores e a visão do mundo. A aprendizagem
transmite uma sensação de vitalidade e integração. Manter a liberdade de
levantar questões conjugada com a persistência se transcende às permissões, e
restrições que a passagem do tempo pode trazer. O viver é um processo de
criatividade contínua, como diz Ostrower:
Crescer, saber de si, descobrir seu potencial e realizá-lo: é uma
necessidade interna. È algo tão profundo, tão nas entranhas do ser,
que a pessoa nem saberia explicar o que é, mas sente que existe nela
e está buscando-o o tempo todo e das mais variadas maneiras, a fim
identificar-se na identificação de suas potencialidades. No entanto, é só
ao longo do viver que estas potencialidades se dão a conhecer. (Daí
por exemplo, diante de pinturas infantis ser impossível constatar mais
do que um eventual talento, áreas de sensibilidade. E ainda diante de
trabalhos de adolescentes, não se sabe mais do que isto.) Então é
preciso viver para poder criar. Cabe repeti-lo: “não há atalhos para a
vida e tampouco os há para a criação. Somente nos encontros da vida,
nas experiências concretas e nas conquistas de maturidade,
poderemos saber quem é a pessoa e quais os reais contornos de seu
potencial criador.
28
Portanto, não se pode considerar prioritariamente só o jovem como criativo
e transferir para a adolescência o auge da produção humana, contradizendo,
negando as inúmeras possibilidades que a fase mais avançada da vida oferece.
Dispensam-se os processos de crescimento e de amadurecimento, visto que em
nossa cultura se nega a dar valor à maturidade. Com isso, riscam-se os níveis de
28
Fayga OSTROWER, Acasos e criação artística, p. 6.
33
conscientização espiritual que o homem pode atingir, as verdadeiras dimensões
humanas, pois o entusiasmo idealista do jovem se transforma quando, na
maturidade, esse idealismo se converter em generosidade e amplitude de
compreensão.. A autora acrescenta ainda outra característica sempre presente na
criação: a liberdade. Liberdade assim compreendida:
Ser livre significa compreender, no sentido mais lúcido e amplo que a
palavra pode ter. Significa um entendimento de si, uma aceitação em si
da necessidade da existência em termos limitados. A vivência desse
entendimento é a mais plena e mais profunda interiorização a que o
indivíduo possa chegar. Ser livre é ocupar o seu espaço de vida.
29
Para Ostrower, esta liberdade, este entendimento de si, não é um estado
de ser, mas um contínuo processo. A cada novo nível de compreensão que é
possível alcançar, corresponde a base para o aparecimento de novas
possibilidades de ser e de criar. Assim, a criação é um inesgotável
desdobramento e uma inesgotável reestruturação. “É uma intensificação de
vida.”
30
Portanto, a criação artística no sujeito velho só pode ser mais enriquecida.
Aqui Ostrower cita o exemplo das pinturas de Rembrandt, pintor que nasceu em
Leiden, em 15 de junho de 1606, e morreu em 1669, sendo considerado o maior
artista holandês e um dos mais produtivos da história da arte. Sua obra é
composta por 600 pinturas, 300 gravuras e mil e quatrocentos desenhos e sua
temática abrange paisagens, nus, retratos, cenas cotidianas, animais, assuntos
históricos e mitológicos. Rembrandt produziu significativas autobiografias visuais,
formadas por cerca de 100 retratos de si mesmo. Sobre a mudança de sua
pintura no decorrer de sua vida, Ostrower comenta:
Quando jovem, Rembrandt talvez não fosse bonito, no sentido
convencional, mas deve ter sido um homem vistoso e orgulhoso de sua
aparência. Neste auto-retrato, sua figura nada mais tem de orgulhoso.
Abaixando-se ligeiramente, como que querendo chegar mais perto de
nós, o rosto ocupa o centro do plano pictórico. Vemos um homem
velho, de feições prematuramente envelhecidas, um homem sofrido e
29
IDEM, Criatividade e processo de criação, p. 165.
30
Loc.cit.
34
curvado pela vida. Ele olha para nós com estranha expressão de riso,
nada alegre ou irônico. Talvez nem sequer seja um riso. Na verdade,
não se distingue bem se lê está rindo ou chorando. Ao longo da
margem esquerda há uma estreita faixa escura e muito transparente.
Pode ser a porta da Eternidade. Nas travas percebe-se o perfil de um
homem. Parece ser um guardião da Eternidade. Sério e calmo, ele olha
para Rembrandt. E Rembrandt olha para nós. Talvez seja um duplo
auto-retrato.
31
No entanto, há uma certa crença de que os artistas, quando envelhecem,
se tornam acomodados e começam a se auto-imitar e a se alimentar do passado.
Em janeiro de 1996 visitei a exposição de pinturas e esculturas de Miró, no
MAM – Museu de Arte moderna de São Paulo. Lá assisti a um vídeo, realizado no
ano de 1975, quando Miró tinha 80 anos, no qual o próprio artista falava e
mostrava a sua maneira de criar. Sua fala era modulada pela mesma energia e
intensidade que caracterizaram suas obras, pela mesma força que almeja
arrancar da estagnação e da preguiça mental o espírito dos homens.
Em seu livro A Cor dos Meus Sonhos,
32
Miró também descreve uma
espécie de ritual por ele realizado, que começa com seu andar pelo ateliê,
olhando seus materiais (sente atraído por um papel de embrulho, como um fino
papel japonês), olha atentamente suas telas, para as manchas do chão e de sua
mesa, e diz que é da vida do material que recebe estímulo para iniciar seu
trabalho: “o papel do pacote já teve uma existência antes, aproveito esta vida”.
33
Sobre a sua motivação, ele diz: “Preciso de algo que me provoque uma emoção.
É a emoção que me move. Não é algo do domínio do sentimento, é como se um
alfinete me espetasse”.
34
Assim, foi com Ingres, que pintou sua melhor obra, A fonte, aos 76 anos.
Ou Monet, Renoir, Cézanne, Bonnard, que se superaram em seus últimos anos
de vida.
31
Fayga OSTROWER, A grandeza humana., p.75.
32
Juan MIRÓ, A cor dos meus sonhos.
33
Op.cit., p.155.
34
Op.cit, p. 110.
35
Para Beauvoir, assim como para Ostrower,
35
o tempo de maturação é
importante para os artistas; é na última idade que os pintores produzem suas
obras-primas.
Beauvoir acrescenta:
Os pintores são menos afetados que os sábios pelo peso do passado,
pela brevidade do futuro; sua obra é constituída por uma pluralidade de
quadros; encontram-se a cada vez diante de uma tela virgem; seu
trabalho é uma sucessão de começos. E o quadro exige menos tempo
do que a elaboração de uma teoria científica; quando começam a pintá-
lo, estão quase certos de terminá-lo. Comparados aos escritores, têm
uma grande sorte: não se alimentam de sua própria substância. Vivem
no presente, e não no prolongamento do passado. O mundo lhes
fornece inesgotavelmente cores, luzes, reflexos, formas. É verdade que
também eles só fazem sempre sua própria obra: mas esta permanece
indefinidamente aberta.
36
Talvez o que mais afete o sujeito velho – mesmo o artista – seja a idéia (e
os estigmas) que se tem de velhice. Para Hillman a principal patologia da velhice
é a nossa idéia da velhice.
37
Temos muito medo da velhice; para nós o seu
significado é de perdas diversas, e lemos os fenômenos da velhice com
indicações de morte e não como possibilidade de uma vida diferente. E para
romper esta casca cultural que envolve a velhice é necessário um ato de muita
coragem. Muitas pessoas, neste período da vida, suspendem grande parte de
suas atividades, cultivando a idéia de que envelhecer é declinar e adoecer. Um
exemplo na arte foi a artista brasileira Tarsila do Amaral, que abandonou a arte e
praticamente não saiu mais de casa nos últimos anos de sua vida.
A grande maioria dos indivíduos está apta a se manter intelectualmente
ativa até o fim da vida. Longevidade criadora e mentalmente ativa tem como
suporte um cérebro em constante exercício, em permanente ocupação com
atividades que estabeleçam desafios e paixão. O ser criativo, em qualquer idade,
35
Simone de BEAUVOIR, A velhice.
36
Beauvoir, Simone de. A velhice, p. 500.
37
James HILLMAN, A força do caráter e a poética de uma vida longa, p. 28.
36
tem a mente aberta; move-se em torno de objetivos, ou de fatos que dão um
sentido a vida; recusa a rotina e o conformismo; é intelectualmente curioso e
sensível à beleza.
Sobre a atividade mental na velhice, Hillman aponta:
A mente aprecia idéias. Ela pede idéias novas, mesmo incompletas.
Ela se ocupa de cogitar. A mente é naturalmente curiosa, inventiva,
transgressora. Aos idosos aconselha-se manterem-se mentalmente
ativos para adiar o declínio do funcionamento do cérebro. A pesquisa
diz que trabalho mental constrói células cerebrais. Use a sua mente,
senão vai perdê-la como um músculo.(...) Mas as idéias não são
apenas vitaminas que servem para mente alerta; a mente também
oferece idéias. Manuseando-as e dissecando-as, a mente mantém
vivas as idéias e impede que elas se embruteçam.
38
Mas, em se tratando dos artistas, Beauvoir diz que a velhice é uma
revelação de uma dupla finitude: “(...) os artistas têm consciência da brevidade de
seu futuro e da singularidade, impossível de superar, da História na qual estão
encerrados”. Ou seja, por um lado se está diante do peso de um passado
paralisante, por outro deve-se encarar a amplitude de seus projetos originais, e a
impossibilidade de serem levados a cabo na velhice.
39
Embora Beauvoir já tenha admitido a importância da idade no processo de
maturação de uma artista, como citei anteriormente, para a escritora o velho
artista raramente ultrapassará o ponto que atingiu: “Há alguns que se entregam a
inúteis contorções para sair da própria pele: só conseguem caricaturar-se, e não
renovar-se. Na verdade, a obra só pode renovar-se em concordância com o que é
e não deixará de ser”.
40
Pode haver vários motivos para acontecer a paralisia criativa em um velho
artista: a própria história, o acúmulo de conhecimentos, como disse Beauvoir, e
38
Ibid., p. 17.
39
Simone de BEAUVOIR, A velhice, p. 303.
40
Ibid., p. 504.
37
também a diminuição dos sentidos pela redução da visão, audição etc. Ou então
fenômenos que, embora temporariamente, podem causar danos à produção
criativa: a energia física e a própria capacidade sensorial que tendem a diminuir
com a idade; situações anormais como doenças, morte de alguém próximo, ou
mesmo problemas familiares, tendem a reduzir a capacidade de se entregar a
desafios; frustrações recentes, críticas recebidas ou falta de reconhecimento
costumam gerar clima destrutivo e falta de credibilidade no processo de criação.
Mas nem sempre é assim; há muitas exceções, como salienta Beauvoir: “(...) o
declínio fisiológico, a doença e a propensão ao cansaço tornam o trabalho
penoso. Mas certos velhos empenham-se com uma paixão heróica em continuar
a luta”.
41
Oliver Sacks observa, entretanto, que as doenças, as limitações e as
deficiências podem ter papel paradoxal na vida de um ser humano, e podem
revelar evoluções, formas de vida, que talvez nunca fossem vistas se o indivíduo
não vivesse tais dificuldades.
Assim como é possível ficar horrorizado com a devastação causada por
doenças ou distúrbios de desenvolvimento, por vezes também
podemos vê-los como criativos – já que, se por um lado destroem
caminhos precisos, certas maneiras de executarmos coisas, podem,
por outro, forçar o sistema nervoso a buscar caminhos e maneiras
diferentes, forçá-lo a um inesperado crescimento e evolução.
42
Assim foi com Degas (Eduard Degas, 1834-1917). Com decorrer do
tempo, como a sua visão enfraquecia, as cores de seus quadros foram ficando
cada vez mais fortes e intensas e as composições mais simples. No final da vida,
Degas, quase cego, aprendeu a pintar com linhas duras, quase toscas, para que
a grossura dos traços lhe permitisse distinguir as formas no meio da bruma.
Quando ficou completamente cego, se dedicou à escultura, arte que chamava de
“Arte do homem cego”, na qual ele dependia do toque para moldar figurinos de
41
Loc.cit..
42
Oliver SACKS, Um antropólogo em marte, p. 16.
38
cera das dançarinas e cavalos, que foram copiados em bronze após a sua
morte.
43
Renoir (1841-1919), depois dos 60 anos, foi acometido por uma doença
que o deixou paralisado. Não mais andava e sua mão ficou endurecida. Porém,
continuou pintando até os 78 anos, quando morreu. Os pincéis eram amarrados
em seus punhos, as tintas eram deixadas sobre uma paleta por um ajudante.
Renoir dizia que não precisava de mãos para pintar. “Trabalhou excessivamente e
conservou todo o seu poder criador; tinha, no entanto, a angústia de saber que o
tempo, que tanto o enriquecia como artista , num mesmo movimento o
aproximava do túmulo.”.
44
Outro exemplo de luta contra a falta de liberdade e a doença foi o pintor
Goya (1746-1828). Não obstante seus 82 anos, era uma chama ardente de
liberdade e de criatividade, tocava o que de mais nobre existia dentro do ser
humano. Goya passou pelos terríveis anos de invasão e ocupação da Espanha
por tropas francesas e inglesas, deixando como testemunho daquela época uma
série de 90 gravuras, nas quais trabalhou cerca de 10 anos; na época, tinha 64
anos de idade.
45
As gravuras sobre este tempo sombrio da Espanha, e também
sobre a situação aflitiva da vida de Goya – tanto a vida pessoal, quanto a social –
só foram mostradas ao mundo cerca de 60 anos após a sua morte.
Goya sai da Madri com 70 anos, acusado de subversivo pela Inquisição, e
vai morar em um sítio afastado; lá inicia uma série de grandes pinturas chamadas
de “negras” (usou somente pretos, cinzas, ocres). Segundo Ostrower, estas obras
ele pintou para si mesmo, “num diálogo íntimo e terrível (jamais poderia ter
imaginado que um dia as pinturas acabassem sendo obras de museu, expostas
ao público)”.
46
43
Carol STRICKLAND, Arte comentada da Pré-história ao Pós-Moderno.
44
Simone de BEAUVOIR, A velhice, p.542
45
Fayga OSTROWER, Acasos e criação artística.
46
Ibid., p. 244.
39
Esta série “negra” é composta por quadros monumentais, alguns ocupando
paredes inteiras, e o depoimento feito de maneira trágica e violenta de quase
perder o fôlego. Vê-se ali o testemunho de um velho guerreiro que estava
enfermo,
47
mas brandia por justiça e pela dignidade humana. Ostrower assim
comenta sobre a obra de Goya:
Depois de ver os quadros de Goya, sai-se triste, mas com renovada
coragem. Mas como seria isto possível? Penso que só é possível
porque esta coragem, nós a encontramos no próprio artista. Nas
pinturas negras, com seu desespero e sua fúria vibrante contra tudo o
que é estúpido e hipócrita nos homens, Goya está presente de corpo
inteiro.
48
Os artistas são assim, se aventuram no caos, descem ao subterrâneo da
vida, e com Goya não foi diferente. Apesar da idade avançada, ele conseguiu
encarar o seu desespero, compreender a veracidade da experiência por que esta
passando, e o fez com integridade e poder criativo, o qual se reestruturou através
da recriação de sua linguagem. Ao descer no subterrâneo da existência, Goya
reconheceu o caos dentro de si e reconheceu o mundo da vida enquanto uma
percepção da desordem. Para Ostrower, Goya quebrou tradições segundo as
quais se acredita que “diante da falta de liberdade não é possível ser criativo” e
“ser velho enfraquece o poder de criação verdadeiro”. No entanto, Goya, mesmo
no limite das forças físicas e espirituais, conseguiu reerguer-se e crescer para um
patamar mais elevado de consciência, encontrando novas ordenações e novos
significados e enriquecendo a linguagem artística e os conteúdos vivenciais. Este
artista era de uma coragem tão grande, que aos 81 anos assinou em um desenho
com as palavras: Aún aprendo (Ainda aprendo).
49
Beauvoir, entretanto, diz que o heroísmo não está na superação de um
corpo doente, como nos casos de Degas, Goya, aqui citados, mas:
47
Aos quarenta anos Goya sofreu uma espécie de colapso nervoso, ficando parcialmente
paralisado durante um ano (não podia mover as mãos). Refeito desta paralisia, ele permaneceu
surdo pelo resto da vida.
48
Fayga OSTROWER, Acasos e criação artística. Loc.cit..
49
Ibid..
40
Também está em descobrir alegria em progressos que a morte logo vai
interromper; em continuar, em querer superar-se mesmo conhecendo e
assumindo a própria finitude. Há aí uma afirmação vivenciada do valor da
arte e do pensamento, que suscita a admiração.
50
Na interpretação nietzschiana, o ideal de liberdade que representa o artista
trágico caracteriza o homem heróico, o indivíduo que transmuta todo o asco da
existência em leveza, o artista que não julga a vida o que acha que a vida deve
ser vivida, amada exatamente como ela é, sendo que, para amar a vida há que
amar a si próprio. “Quem quiser porém tornar-se leve e semelhante a um pássaro,
tem de amar-se a si próprio: é isto que eu ensino.”
51
Como artista trágico, para Nietzsche, entendo que seja um amante da vida,
que diga sim à vida de forma confiante e alegre. Não é, entretanto, mera
resignação a tudo que a vida oferece; é um ideal que passa por Dionísio e
Zaratustra. O fenômeno dionisíaco de Nietzsche se localiza no sentimento
coletivo do povo grego; ele compreendeu e reformulou tal acontecimento como
um instinto de vida, um espírito livre assim como Zaratustra.
52
Então, Dionísio é essa alma valorosa, é o deus espelhado para várias
figuras heróicas, é aquele que afirma as coisas mais problemáticas na vida, o que
transmuta dores em alegria, o que vive o amor fati, como menciona o autor:
Um espírito emancipado aparece no centro do Universo, com um
fatalismo feliz e confiante, com a convicção de que não há nada
condenável além daquilo que existe isoladamente e que, no conjunto
tudo resolve e se afirma. Não nega. Essa fé é a mais elevada de todas
as fés possíveis. Eu a batizei com o nome de Dionísio.
53
50
Simone de BEAUVOIR, A velhice, p. 504.
51
Friedrich NIETZSCHE, Assim falou Zaratustra - um livro para todos e ninguém, p. 224.
52
Formulado por Nietzsche, Zaratustra é uma espécie de dançarino, músico, profeta, enfim, um
artista que vive acima das verdades tradicionais, uma alma valorosa que é antes de tudo um
criador de valores e como criador, também é um destruidor de valores antigos. Zaratustra é uma
espécie de fé no homem heróico que está além do bem e do mal, que vive em profundidade, que
vem dizer aos homens para serem donos de si mesmo e dizer um sim à vida.
53
Ibid., p. 110.
41
É este espírito emancipado que se apresenta em Dionísio, e também em
Zaratustra, refletindo na concepção de arte de Nietzsche e caracterizando-se no
ideal de artista trágico. “Só as almas espirituais, dando por acento que sejam mais
valorosas, é dada a viver as maiores tragédias, por isto, estimam a vida”.
54
Assim, o artista trágico se assemelha a Dionísio. É criador de novos valores,
quebra regras e surpreende, vive e sente plenamente o horror da existência,
supera os tipos de fatalidade, enfim, é o homem heróico que não se rende diante
da vida:
O valor da liberdade do sentimento ante um inimigo poderoso, ante um
revés sublime, ante um problema que espanta, é o estado triunfante que
elege e glorifica o artista trágico. Diante do trágico o conselho de guerra
de nossa alma celebra suas saturnais; aquele que está habituado a dor
e a sua busca. O homem heróico, celebra a tua existência na tragédia e
o artista trágico oferece essa taça na crueldade, a mais doce de todas.
55
O ideal de liberdade que Nietzsche atribui ao artista trágico não é um
desembaraço dos problemas, nem o desembaraço de uma paixão, nem o
desembaraço do medo, da culpa ou da piedade, pelo contrário, ela é antes de
tudo uma realização do querer, do saber, um ato de criação onde faz da vida uma
realização; é uma “eterna alegria que leva em si o júbilo do aniquilamento”,
56
onde o sofrimento a dor entram em uma fase de decomposição, transformando-se
a vida um valor a ser desejado. Então, “o homem não é mais artista, tornou-se
obra de arte”.
57
Todos estes artistas citados aqui, são sujeitos que remetem ao artista
trágico de Nietzsche. Todos tiveram uma vida dionisíaca, uma obra vasta como
expressão de vida, e encarnaram o próprio Dionísio. Rembrandt, Degas, Renoir,
54
IDEM. Crepúsculo dos ídolos ou a filosofia dos golpes de martelo. São Paulo: Hermes 1984.
P.73.
55
Ibid., p. 79.
56
Ibid., p.111
57
IDEM, O nascimento da tragédia ou Helenismo e Pessimismo, p. 31.
42
Goya foram abordados neste capítulo como exemplos ou modelos que
demonstram a veracidade com relação ao propósito deste estudo – evidenciar a
possibilidade e a importância da produção e criação artísticas na velhice, sejam
quais forem as limitações impostas pela vida. No próximo capítulo, me
aprofundarei na vida e obra de dois pintores, Pablo Picasso e Henri Matisse, e no
diálogo entre ambos, vistas as diferentes condições de vida que enfrentaram na
velhice, sem, no entanto, terem deixado de criar e produzir suas obras até o final
de suas vidas.
43
Zorba
58
58
Personagem Zorba. Op.cit., p.180.
44
4. Eterno e Transitório
Ao passear por entre os homens do meu povo no delta da tarde,
quando tudo se desfaz, atinei com eles, de vestes amarfanhadas, na
soleira das humildes quitandas, repousando de uma atividade de
abelhas. Interessava-me menos, por eles do que pela perfeição do favo
de mel em que todos tinham trabalhado ao longo do dia. E pus-me a
meditar, diante de um deles quase cego e tinha além disso perdido
uma perna. Todo ele rangia, como um moinho velho, cada vez que se
mexia, e respondia lentamente, porque era de idade avançada e
começava a perder a clareza na articulação das palavras, mas tornava-
se cada vez mais luminosos e compreensivo no objeto mesmo da sua
troca.Porque , com as mãos trémulas, amigalhava ainda o seu
trabalho, que se ia tornando elixir cada vez mais subtil. E ele evadindo-
se tão prodigiosamente da sua carne encarquilhada, tornava-se cada
vez mais feliz, cada vez mais inacessível. Cada vez mais imorredouro.
Ao morrer levava, sem dar conta disso, as mãos cheias de estrelas...
59
qui vou discutir dois criadores que viveram longo tempo, e tiveram
com a vida relações opostas: na arte, procuras opostas, e também
vivências opostas com a velhice. Em comum tinham o amor à arte,
o comprometimento com a criação, a linguagem evolutiva e longas vidas. Tanto
um quanto outro produziram arte até a morte.
Segue uma pequena biografia pessoal e artística de Henri Matisse e Pablo
Picasso, seguida por um paralelo sobre a arte e velhice de cada um.
59
Antoine de SAINT-EXUPÉRY, Cidadela, p. 22.
A
45
(Fig. 1) Imagem sem autoria, extraída do livro Matisse e Picasso de Bois, Yves Alain, com
intervenção de Camila Portella
46
4.1 Henri Matisse (1869-1954)
A vida de Henri Matisse (Fig.1) pode confundir-se com os seus quadros. As
representações são clássicas, muitas vezes os temas são a família, um indivíduo,
uma paisagem ou uma divisão da casa, mas as telas são o reflexo de um estado
de espírito livre. Viveu durante as duas grandes guerras mundiais. Muitos dos
artistas contemporâneos refletem em suas obras esta situação conflituosa, mas o
pintor francês evidencia os elementos que fazem dele um artista singular, sem
cair no abstrato. As cores puras, a ausência de formas e as texturas moldadas
sobre a tela (na segunda fase) são dominantes. A obra e a personalidade deste
artista dominam a primeira metade do século XX, juntamente com Picasso.
Entretanto, se o compararmos com Picasso, as diferenças são notórias: Picasso
foi desde sempre um superdotado, um homem que em qualquer momento se
podia "abandonar" à genialidade da improvisação, enquanto que Matisse teve
uma longa aprendizagem, e apenas atingiu a consagração muito mais tarde.
60
Em 1891-2, com 22 anos de idade, freqüentou a escola de Saint-Quentin;
em seguida vai para Paris, fazer um curso de artes decorativas, no atelier de
Gustave Moreau na Escola de Belas-Artes e em outras academias. As primeiras
obras datam de 1898, mas o grande marco da sua carreira acontece em 1905,
quando expõe no Salão de Outono em Paris e as suas obras causam surpresa
entre os presentes.
Foi este tempo de formação que lhe permitiu absorver influências
determinantes, como a natureza morta dos mestres holandeses, que inspira todas
as suas primeiras telas (1895) e, mais tarde, as lições do seu mestre Gustave
Moreau, que lhe disse: "Vós haveis simplificado a pintura". Na fase que
compreende os anos de 1899 a 1903, através das naturezas mortas e das
paisagens solitárias construídas numa matéria densa de cores, seus quadros
60
Yve Alain BOIS, Matisse e Picasso.
47
refletem a melancolia do seu estado de alma, de uma crise financeira difícil de
ultrapassar quando tem a seu cargo uma família, a mulher e três filhos.
61
Durante o verão de 1905, em Collioure, é que o pintor se liberta totalmente
e exprime, pelo uso da cor pura, uma nova visão da paisagem e da figura. A
evolução natural de Matisse levou-o a abandonar a perspectiva tradicional e a
noção de volume. As suas emoções são evidenciadas pela presença de cores
dominantes e na sua utilização sistemática, uma noção que caracterizam o campo
de visão. No Salão de Outono de 1905, domina com a famosa tela Mulher de
Chapéu (Fig. 2).
É neste momento que "ganha" a denominação de "grande mestre" e
suscita o interesse dos colecionadores, que lhe compram obras – à época, a
quase totalidade das peças. Nos anos que se seguem a este sucesso, abandona
em parte aquela fogosidade da pintura fauve, da cor no seu estado quase
selvagem. Entre 1914 e 1918, os anos sombrios da guerra têm influência nos
seus quadros, onde agora o negro é a cor predominante. Matisse nunca esteve
tão próximo do pólo abstrato como aqui, e prova disso são os trabalhos sobre
fundo preto, como a A Lição de Piano. Em sua primeira versão, este quadro,
severamente triangular, enquanto que a segunda, mais fluída e realista, deixa
antever uma inflexão da pintura de Matisse. O ano de 1930 marca uma reviravolta
no seu trabalho. O artista dedica pouco tempo à pintura, passando a maior parte
do tempo em viagens entre Nova Iorque e Taití, numa temporada cujas
lembranças marcam toda a última fase das suas obras.
Inicia, entretanto, o desenho e a gravura, atingindo o expoente máximo na
ilustração das Poesias de Mallarmé, do editor suíço Skira. Nas Poesias de
Mallarmé explora "o eterno azul" e as "lutas do amor" das ninfas e dos animais
evocadas pelo poeta, que inspiram uma grande parte da obra de Matisse nos
61
Ibid.
48
anos 30. Volta, então aos temas e a uma concepção das cores que utilizava em
1910.
(Fig. 2) A Mulher de Chapéu, 1905, Óleo sobre tela 81 x 65 cm, Coleção particular.
49
O Sonho (Fig 3) e, sobretudo o Nu Rosa (Fig. 4), de 1935, sintetizam as
experiências do trabalho sobre A Dança (Fig.5), – segundo Argan uma das
maiores obras primas do século XX.
62
Neste quadro encontramos representadas cinco figuras femininas
(aparentemente), dançando nuas em roda de um eixo imaginário; vê-se ainda
uma colina, ou um monte, e o céu, ou talvez a água de um lago ou rio.
Predominam duas cores primárias azul e vermelho (alaranjado) e o verde
complementar. As cores criam silhuetas recortadas que se unem num equilíbrio
entre o verde e o azul em contraste com o tom cálido. As cores criam unidade e
possuem uma luminosidade própria e intensa. O quadro exprime movimento e
ritmo - derivado das formas arredondadas e volumosas das figuras que dançam.
Estas figuras apresentam certa elegância (leveza de formas), assim como
sugerem força corporal e muscular que impele ao movimento. As figuras
transmitem energia. O movimento e ritmo apontam para certa embriaguez (ou
entusiasmo) dionisíaca, no sentido de uma libertação da dualidade humana (em
relação à terra). Para o efeito, contribui a cor vermelha (cor quente), que pode
simbolizar o fogo que aspira ao alto, ou a força da vida, logo, um culto, uma
vertente divina; é essencial a tensão sugerida pelo tom cálido entre as cores frias
(verde e azul).
63
Néret diz que o que desconcerta na obra de Matisse, é que a sua pintura
escapa a qualquer classificação, a qualquer escola, e que, apesar da discussão
sobre estética da cor, que ele sempre estava disposto a exercer, sempre afastou
de si a teoria, desconfiando tanto das teorias próprias quanto das dos outros.
64
62
Giulio Carlo ARGAN, Arte Moderna, p. 259.
63
Giulio Carlo ARGAN, Arte Moderna.
64
Gilles NÉRET, Matisse.
50
(Fig. 3) O Sonho,1935, Óleo sobre tela 80 x 65 cm Musée Natyional
d'Art Moderne, Centre Georges Pompidou,Paris
(
Fig. 4) Nu Rosa, 1935, Óleo sobre tela 66 x 92 cm, The Baltimore Museum of Art
51
52
No final de sua vida, com os graves problemas de saúde que
impossibilitavam sua locomoção, Matisse aderiu definitivamente aos recortes,
depois de já ter feito tudo na pintura. Começou então o extraordinário álbum Jazz,
publicado em 1947, com "improvisos cromáticos e cadenciados". São contos
populares, circos, viagens, acordes como os de Louis Amstrong ou Charlie
Parker, imagens vivas e violentas, em seus contrastes. Trabalha o papel, o
recorte, a cor forte. Seu processo é totalmente novo. Sem precedentes. É novo,
porém Inspirado em Ingres e Delacroix, e também Van Gogh e Gauguin, artistas
que, segundo o próprio Matisse, trabalham a cor e os arabescos; apodera-se da
frase de Georges Braque, ao dizer: "A forma e a cor não se confundem, há uma
simultaneidade".
65
O próprio Matisse definiu: "Recortar literalmente as cores, lembra-me a
talha direta das esculturas... as minhas curvas não são loucas."
66
Com a ajuda de
tesouras e papéis coloridos com tintas que ele próprio preparava, resolveu a uma
só vez os problemas da forma e do espaço, do contorno e da cor, da estrutura e
da orquestração de seus trabalhos, que passaram a somar uma produção fértil e
incrível para quem já se considerava à margem das artes. Sempre é possível
redimensionar o que somos, e Matisse é um exemplo resistente e talentoso dessa
postura. Na cadeira de rodas ou na cama, realizou painéis, vitrais, mosaicos,
cenários de ballets, cartazes, quadros, ilustrações e retratos.
Um par de tesouras é um instrumento maravilhoso... Trabalhar com
tesouras neste papel é para mim uma ocupação em que sou capaz de
me perder... O prazer que sinto em recortar aumenta continuamente.
Por que é que não me lembrei disto mais cedo? Sinto cada vez mais
que se pode exprimir através do recorte mais simples aquilo que se
poderá desejar exprimir enquanto desenhista ou pintor... É ao entrar no
objeto que entramos na sua própria pele. Tinha que fazer este periquito
com papel colorido. Pois bem! Tornei-me um periquito e encontrei-me
na obra.
67
65
Yve Alain BOIS, Matisse e Picasso.
66
Gilles NÉRET, Matisse.
67
Gilles NÉRET, Matisse, p. 306.
53
Em 1950, participa com mais de cinqüenta obras na XXV Bienal de
Veneza, onde lhe foi concedido o Grande Prêmio para Artistas Estrangeiros. Em
1951, expõe no Museum of Art of New York. Em 1953, é inaugurado o Musée
Matisse, em sua cidade natal Cateau-Cambrésis. A 3 de novembro de 1954, após
uma breve agonia, morre Matisse, com quase 85 anos, no seu quarto em Nice,
sendo enterrado 05 dias depois no cemitério de Cimiez.
54
Esta página será substituída
pela Linha do auto retrato - Matisse
55
(Fig. 6) Imagem sem autoria, extraída do livro Matisse e Picasso de Bois,
Yves Alain, com intervenção de Camila Portella
56
4.2 Pablo Picasso
Pablo Picasso (Fig 6) (1881-1973)
nasceu em Málaga, no sul da
Espanha, em 25 de outubro. O pai era professor de desenho, portanto o óbvio
talento de Picasso foi reconhecido desde cedo e, aos quinze anos, tinha já o seu
próprio ateliê. Após um falso início como estudante de arte em Madrid e um
período de boemia em Barcelona, fez a sua primeira viagem a Paris, em outubro
de 1900. A cidade continuava sendo a capital artística da Europa, e foi também o
lar permanente do artista desde abril de 1904, quando ele se mudou para o prédio
apelidado de Bateau-Lavoir (Barco-Lavanderia), em Mont-martre, a partir de então
o novo centro da arte e da literatura vanguardista.
Durante este período, seu trabalho foi relativamente convencional,
passando da Fase Azul, (Fig. 7) melancólica (1901-05) (Fig 8) para a Fase Rosa,
mais alegre e delicada (1905). Na vida de Picasso, as mulheres e a arte estão
inextricavelmente misturadas, o surgimento de uma nova mulher freqüentemente
sinalizava uma mudança de direção artística.
Embora o trabalho de Picasso estivesse começando a ter sucesso
comercialmente, ele decidiu abandonar seu estilo "Rosa". Em 1907, inspirado
pelas esculturas ibérica e africana, pintou Les Demoiselles d'Avignon, (Fig. 9) um
dos grandes trabalhos da arte moderna. Divertindo-se com uma nova liberdade
pictórica, Picasso, junto com o pintor francês George Braque, criou o Cubismo,
em que o mundo visível era desconstruído em seus componentes geométricos.
Este foi comprovadamente o momento decisivo em que se estabeleceu um
dogma fundamental da arte moderna - o de que o trabalho do artista não é cópia
nem ilustração do mundo real, mas um acréscimo novo e autônomo.
Graças ao Cubismo, a liberdade do artista estendeu-se também aos
materiais, de forma que os meios tradicionais, como a pintura e a escultura,
57
58
(Fig.9) Les Demoiselles d Avignon, 1907, Óleo sobre tela 243,9 x 233,7
MOMA, Nova Iorque
59
puderam ser suplementados ou substituídos por objetos colados nas telas, ou
montagens de itens construídos ou achados. Ao contrário de alguns
contemporâneos seus, Picasso nunca chegou a criar uma arte puramente
abstrata. De fato, sua versatilidade o mantinha um salto adiante de seus
admiradores, muitos dos quais se surpreenderam quando ele voltou a pintar
figuras mais convencionais e, mais adiante, no início da década de 1920,
desenvolveu um estilo neoclássico monumental. Coincidentemente ou não, em
1918 se casara com a bailarina Olga Koklova, e adotara um estilo de vida
exageradamente próspero e respeitável - mas que ele achava cada vez mais
aborrecido.
Em 1925, Picasso começou a pintar formas deformadas violentamente
expressivas – aqui como exemplo Mulher em Lágrimas – (Fig 10) que eram em
parte uma resposta às suas dificuldades pessoais. A partir desta época, seus
trabalhos se tornaram cada vez mais multiformes, empregando - e inventando -
uma variedade de estilos como nenhum outro artista havia tentado antes.
Foi também um escultor criativo (algumas autoridades o consideram o
maior expoente da arte no século 20), e mais tarde dedicou-se à cerâmica com
grande entusiasmo. Em qualquer veículo que se expressasse, sempre foi
imensamente prolífero, criando em toda a sua vida centenas de obras.
No final da década de 1930, quando o impulso criativo de Picasso parecia
finalmente estar enfraquecendo, os acontecimentos o levaram a criar o seu
quadro mais famoso. Guernica) foi uma resposta direta aos horrores da Guerra
Civil Espanhola. O conflito começou em julho de 1936, com um golpe militar
liderado pelo General Francisco Franco, representando os elementos fascistas,
tradicionalistas e clericais do país, contra a República Espanhola e seu governo
eleito da Frente Popular. Ao estourar a guerra, Picasso imediatamente declarou
seu apoio à República, levantando enormes quantias em prol da causa e
aceitando pintar um grande mural para o pavilhão espanhol na Exposição
Internacional de 1937, em Paris. Ainda não havia começado quando soube que,
60
em 26 de abril de 1937, aviões nazistas, enviados por Hitler para ajudar Franco,
tinham bombardeado e arrasado a cidade basca de Guernica. Picasso pôs-se
imediatamente a trabalhar nos esboços preliminares para Guernica, e depois
pintou a enorme tela em cerca de um mês (maio e junho de 1937). Ela foi a
expressão máxima não só do sofrimento espanhol como do impacto devastador
dos armamentos modernos de guerra sobre suas vítimas em todas as partes do
mundo. Apesar de tudo, os republicanos perderam a guerra civil, e Picasso ficou
exilado da sua terra natal para o resto de sua longa vida. Durante a Segunda
Guerra Mundial, ele ficou na Paris ocupada pelos alemães, proibido de expor,
mas sem que ninguém o molestasse seriamente. Depois da libertação de Paris,
ingressou no Partido Comunista, e durante alguns anos certas obras suas foram
declaradamente políticas; mas ele era também uma celebridade internacional,
residindo na região onde os ricos iam se divertir no sul da França. Em seguida a
uma série de ligações amorosas, ele finalmente casou-se pela segunda vez (com
Jacqueline Roque, em 1961) e levou uma vida cada vez mais retirada.
Artisticamente prolífero até o fim da vida, morreu aos 92 anos, em 8 de abril de
1973.
61
(Fig. 10) Mulher em Lágrimas, 1937, Óleo sobre tela, 60 X 49 cm
Tate Gallery Londres
62
Esta página será substituída
pela Linha do auto retrato –
Picasso
Formato A4 na horizontal
63
4.3 A Cor e a Forma
diálogo pictórico silencioso e provocativo entre o francês Henri
Matisse (1869-1954) e o espanhol Pablo Picasso (1881-1973),
dois pintores que tinham um ponto em comum: amavam Paul
Cézanne (1839-1906).
Matisse e Picasso se conheceram por meio de Gertrude Stein em 1906,
talvez um pouco mais tarde. Observaram-se, estranharam-se, dialogaram de
perto e de longe, detestaram-se e respeitaram-se até a morte. Em 1906, Matisse
era o reconhecido chefe dos Fauves.
68
Picasso era ainda um novato, mas já fazia
críticas ácidas, após chegar a Paris, em 1904. Os dois artistas foram rivais,
odiando-se e amando-se a um só tempo. Possuíam temperamentos
diametralmente opostos. Foi o encontro do sábio Matisse com o camaleão
Picasso, do intelectual Matisse ante o impulsivo Picasso, do burguês conservador
Matisse contra o boêmio sensual Picasso. Apesar disso, nasceu entre os dois
artistas uma fraterna rivalidade.
69
(Cf. Bois, 1999).
Quando eles se encontraram pela primeira vez, Matisse tinha quase 37
anos e Picasso tinha 25. A partir de então esta relação que variava entre a
admiração e a rivalidade vai transformar e enriquecer o percurso da arte então.
Picasso sabia desde então que se quisesse ser o número um no mundo da arte
parisiense, Matisse era o homem onde ele encontraria o maior obstáculo e
68
Em 1905, no Salão de Outono, em Paris, pintores jovens ocupavam uma sala. Eram eles: Henry
Matisse, Raaoul Dufy, Albert Marquet e Maurice Vlaminck. Havia na sala uma pequena escultura
de Cupido ou Eros, esculpida em estilo florentino, uma contrafação de Donatello. Ao comentar o
Salão de Outuno, um critico disse que Donatello se encontrava em uma verdadeira cage aux
fauves (jaula de feras selvagens). Isso porque os jovens pintores usavam cores violentas, sempre
em tons puros, sem misturas ou nuanças. Eram vermelhos, azuis, verdes e amarelos estridentes,
de doer os olhos. A denominação pegou, fez sucesso, universalizou-se e passou a designar os
jovens atrevidos no uso das cores. Nascia o Fauvisme ou Fouvismo, influenciados por Gauguin e
Van Gogh.
69
Yve Alain BOIS. Matisse e Picasso.
O
64
também seria o responsável pelos maiores desafios que teria que enfrentar na
arte.
Quando se encontraram, no apartamento da escritora norte-americana
Gertrude e do seu irmão o colecionador de arte Leon Stein, em Paris, Matisse
estava na plenitude do sucesso como Fauve. Tinha acabado de pintar Alegria de
Viver,(Fig) uma paisagem repleta de figuras que sintetizavam Ingres, Gauguin,
Cézanne, gravuras japonesas e arte muçulmana. Continha elementos que ele
pintaria para o resto da vida: dançarinas, músicos e nus. Já Picasso, um jovem
ainda, estava às vésperas de realizar seu primeiro grande feito, o Cubismo, com o
famoso quadro Les Demoiselles D’avignon, que não eram senhoritas, mas
prostitutas, e não eram de Avignon, interior da França, mas de Avignon, bairro
onde ficava o bordel.
Desde este dia, então, há uma verdadeira luta surda entre os dois pintores
para tentar provar o que é mais importante na pintura: a cor (Matisse) ou a forma
(Picasso). “Picasso quebra as formas, enquanto eu sou servente delas”, disse
Matisse.
70
Aliás, Picasso estilhaçou a forma, quando quase a destruiu, no
Cubismo Analítico, afastando-se da idéia de Cézanne que era, justamente, tornar
o objeto na pintura mais nítido; nitidez esta que foi perdida quando os
impressionistas usaram a luz fugaz da natureza em suas telas, fazendo com que
suas obras ficassem quase abstratas. Além disso, o Cubismo analítico foi
monocromático. Picasso só usava tons cinzas; Braque apenas tons terras. O
Cubismo Sintético foi a volta a Cézanne e à sua tese: “com o cone, a esfera e o
cilindro posso recriar a natureza”.
71
Bois, profundo conhecedor dos trabalhos e das vidas de Matisse e Picasso,
conta que tentou, mas não conseguiu, descobrir no trabalho destes dois pintores
a lógica que atraia um ao outro:
70
Jean Guichard MEILI. Matisse, p. 193.
71
Yve Alain BOIS. Matisse e Picasso.
65
A situação torna-se mais dramatizada quando tentamos entender o
tipo de estranha relação dialética entre os dois, por que eles de repente
se sentiam mais conscientes e receptivos ao que o outro estava
propondo. No final dos anos 30, em especial, é sensacional a maneira
como cada um tenta introduzir, em seu próprio idioma, alguma
inovação do outro. Era como um diálogo: Você faz isso, eu faço aquilo;
você faz aquilo eu faço isso. A noção de diálogo, de Bakhtin, é
basicamente a idéia de que toda vez que você exprime alguma coisa,
tem um interlocutor em mente. Quando você fala, quando pinta, pinta
de uma maneira porque, em grande parte, já antecipou a resposta. E
essa resposta já é parte do banco de dados com o qual você trabalha
quando fala ou pinta. Em se tratando de indivíduos de forte
determinação como Matisse e Picasso, os dados tomam um aspecto
dramático e poderoso, que leva a mudanças drásticas. Nas telas, pode-
se “ver” o processo em ação.
72
Na vida também eram diferentes como o Sol e a Lua. Matisse nasceu em
1869, numa família de classe média-alta, na Picardia, região da França de céu
sempre cinzento e de chuva constante. Talvez explique por que ele buscou
sempre ficar à beira do Mediterrâneo, em busca de sol e gostou tanto de
Marrocos. O pai de Matisse queria formá-lo em advocacia. Até os 20 anos de
vida, nunca chegou perto de um pincel ou tinta. Começou a pintar por brincadeira,
quando se recuperava de uma operação de apendicite, e só entrou para a escola
de belas artes aos 26 anos.
73
Vestia-se bem, com ternos convencionais
impecáveis e gostava de colete todo abotoado. Tinha uma vasta barba ruiva muito
bem tratada, expressivos olhos azuis por detrás de óculos de ouro. Era bastante
alto e imponente, parecia mais um banqueiro do que um artista, e isto lhe custou
o apelido de “Doutor”.
Picasso nasceu em uma família paupérrima, na ensolarada Málaga,
Espanha, no ano de 1881.
72
Ibid., p.18.
73
Jean Guichard MEILI. Matisse.
66
Foi batizado com o nome de Pablo Diego José Francisco de Paula
Juan Nepomuceno Maria de Los Remédios Cipriano Santíssima
Trindad Ruiz Y Picasso. A maioria destes nomes, contudo, não faria
parte de sua vida mais que o registro na prefeitura de Málaga, onde
aparecem. Pablo Picasso – assim ele seria conhecido para sempre.
74
Seu pai era pintor acadêmico e professor de desenho, e o menino se viu
muito cedo entre telas e tubos de tinta. Adolescente, na Galícia, já era excelente
aprendiz do estilo acadêmico que o pai lhe ensinara, e produzia desenhos
extraordinários. Tinha 14 anos quando sua família mudou-se para Barcelona.
Amadureceu rapidamente como pintor; tornou-se boêmio, irrequieto e irreverente.
Em Paris, aos 19 anos, sua pintura explorava cenas exuberantes da Andaluzia e
formas cheias de arabesco da Espanha moura.
75
Picasso vestia-se com roupas
largas, relógio pendurado na lapela, possuía cabelos ralos e olhos extremamente
expressivos e penetrantes.
76
Como vimos, Matisse e Picasso eram muito diferentes na origem, na arte,
na vida e, também, veremos agora, na maneira de vivenciar a velhice. É na
velhice e na capacidade criativa deste período de vida que situarei o foco de
estudo deste capítulo.
Françoise, uma das amantes de Picasso, em um livro que escreveu
contando a sua vida com o pintor, diz que nos últimos anos que viveram juntos ele
se transformou em um velho grotesco e cruel, que não aceitava a velhice. Não só
aos olhos dos próximos, mas também no próprio circuito da arte isto era evidente.
Nunca Picasso se parecerá com a fotografia de Matisse, de cavanhaque branco,
é óculos e chapéu, oferecendo uma visão mais doce de ‘uma velhice feliz’; em
harmonia com o mundo”, escreveu a historiadora de arte Christine Piot.
77
Com quase a mesma idade de Matisse, Picasso aparece em uma foto em
1955 – então com 74 anos –, quando Georges Clouzot rodou um longo
74
Arianna Stassinopoulos HUFFINGTON, Picasso criador e destruidor, p. 15.
75
Yve Alain BOIS. Matisse e Picasso.
76
Arianna Stassinopoulos HUFFINGTON, Picasso criador e destruidor.
77
Ibid., p. 335
67
documentário sobre o artista a trabalhar nos estúdios da Victorine em Nice.
Picasso – bem diferente de Matisse – se deixa fotografar, em tronco nu, queimado
de sol, em calção, pés nus metidos em pantufas, aparece à luz do dia. Deus de
bronze em carne e osso descido do pedestal, encarnação de uma figura
extraordinária, ele pertence a todas as épocas, das culturas primitivas até os
firmamentos estrelados do futuro. Conforme a luz cai sobre a sua cabeça, sobre o
seu tronco forte ou sobre as suas pernas maciças, presas ao chão, parece ser
alternadamente feiticeiro negro ou imperador romano.
78
A simples descrição
destas fotos mostram, por si só, a diferença de estilo de vida e de como a velhice
da mesma maneira foi diferente para ambos.
Henri Matisse teve a última fase de sua vida marcada por uma operação
cirúrgica a que foi submetido em 1941, e provavelmente, também, pela Segunda
Guerra Mundial. Pai do Fauvismo, o pintor francês nasceu em 1869, na cidade de
Cateau-Cambrésis, e foi apelidado no hospital, aos 72 anos, de “o ressuscitado”;
considerava-se gratificado por ter uma “segunda vida” (palavras do próprio
Matisse). A partir de então, teria que passar a maior parte do tempo na cama a
enfrentar quotidianamente o sofrimento e a insônia. Matisse não só suportou esta
aprovação com uma coragem admirável, como a transcendeu totalmente.
Incapaz de estar ereto na frente de uma tela, o artista então muda para
uma outra forma de expressão artística. Foi uma verdadeira auto-reinvenção
artística, com a exploração de uma nova técnica: a das colagens de guaches
recortadas, nas mesmas cores vívidas, fortes e nas composições audazes e
sábias de suas antigas pinturas. Tinha então uma assistente, o que possibilitava
que ele trabalhasse sentado em uma poltrona ou na sua cama.
Para viver Matisse teve que fazer como os gregos: inventar os seus deuses
em obra de arte, sendo que os deuses gregos levavam uma vida com dificuldades
e com fatalidades, assim como o próprio Matisse; tais dificuldades estão explícitas
78
Peter WARNECKE-CARSTEN, Pablo Picasso, p. 14.
68
constantemente na tragédia grega, o que fez Nietzsche dizer que estas
expressavam a vida daquela comunidade. Do mesmo modo, o pintor Matisse
inventou “uma segunda vida”. A atitude deste artista implicava em dar sentido à
vida através da realização artística, em constituir um criar alegre e original que sai
de si mesmo, de sua vontade, de seu querer e dos seus sentimentos, como ele
mesmo menciona: “Não posso distinguir entre o sentimento que tenho da vida e o
modo como a traduzo”.
79
Não obstante a sua vida tenha sido uma sucessão de
doenças desde a juventude (quando sofreu uma cirurgia aos 21 anos), Matisse
mostra uma forma peculiar de dizer sim à vida, de amar a vida, de afirmar os
sofrimentos mais árduos.
A casa de Matisse foi cuidadosamente organizada de acordo com suas
possibilidades e seus hábitos. Uma poltrona permitiu que ele desenhasse e
trabalhasse quase deitado, com uma biblioteca giratória à mão. O bambu
comprido e leve, com o carvão na ponta, dava a possibilidade de estudar certas
formas à distância (na parede ou mesmo no teto). Neste grande ambiente
também havia pássaros soltos que voavam livremente, grandes vasos de plantas,
filodendros, prolongavam o jardim até o interior. Por cima dos móveis, objetos de
arte de toda parte do mundo, e suas próprias obras.
Nesta fase, o estigma da velhice e da doença são imanentes à vida de
Matisse. Mas ele não se entregou, pois tinha a lucidez para entender que o fato
de estar velho não lhe tirava a capacidade de criar. Para Beauvoir, entre a velhice
de um artista e sua obra pode haver uma promessa de sobrevida:
79
Jean Guichard MEILI, Matisse, p. 56.
69
Essa idéia de desanimar, sobretudo se o declínio fisiológico, a doença
e a propensão ao cansaço tornam o trabalho penoso. Mas certos
velhos empenham-se com uma paixão heróica em continuar a luta. O
heroísmo não está apenas – como no caso de Renoir, Papini e Miguel
Ângelo – em relação com um corpo insubmisso. Também está em
descobrir alegria em progressos que a morte logo vai interromper; em
continuar, em querer superar-se, mesmo conhecendo e assumindo a
própria finitude. Há aí uma afirmação vivenciada do valor da arte e do
pensamento, que suscita a admiração.
80
Quando nos voltamos para Picasso, vemos que ele enfrenta a velhice e a
doença de uma maneira completamente diferente.
Em 1965, sofreu uma cirurgia para retirada da próstata. Para Picasso foi
uma tremenda calamidade. Além de significar o fim de sua intensa vida sexual,
poderia ter também significado o fim de suas atividades artísticas. Durante um
ano não pintou. Quando percebeu o fim de sua potência sexual disse, com
amargura, ao seu filho Claude: “Sou velho e você é jovem, gostaria que você
morresse”.
81
Sua mágica inteireza fora violada, tentou de todas as maneiras guardar
segredo da cirurgia e da sua perda, mas não enganou o destino. Quando saiu do
hospital tinha afastado a morte, mas descobriu que era mortal.
O pintor se desespera não só porque é um velho, lamentando ter perdido
seu lugar na festa do prazer sensual, mas também porque, muito mais
tragicamente, é um velho que vai morrer sem saber por que viveu e por que
pintou. Nem seus dons nem suas incessantes aventuras sexuais o aproximaram
do segredo da vida.
82
80
Simone de BEAUVOIR, A Velhice, p. 505.
81
Paul JOHNSON, Os criadores, p. 261.
82
Arianna Stassionopoulos HUFFINGTON, Picasso criador e destruidor.
70
A vontade, a frustração, a raiva e o dilacerante desespero convergiam
em sua obra, e sexo em expectativa, sexo em ação, sexo em retrospecto
tornou-se o tema dominante de muitos de seus quadros.
83
Aos 72 anos, quando Françoise – uma de suas amantes, mãe de dois de
seus filhos – o abandona, Picasso encara este fato como uma derrota, afinal
nunca ninguém o tinha abandonado. Depois como ela era muito mais jovem que
ele, sente-se afastado da vitalidade que sempre o caracterizou. Era a derrota, a
velhice, a morte. Trabalhou muito nesta época e produziu cento e oitenta
desenhos em dois meses. Michel Leiris definiu a série como “um diário visual de
uma odiosa temporada no inferno, uma crise em sua vida pessoal levado-o a
questionar tudo”.
84
São desenhos confessionais, nos quais observamos que ele não se via
apenas como velho e grotesco, mas também feio, balofo, pequeno e patético; era
uma tentativa de apreender pela arte o que lhe fugia na vida. Retrata um pintor
de várias maneiras com seu próprio modelo, mas paira em sua arte uma espécie
de vazio. “Tintas postas a pressa, por vezes com escoamento, configurações
deletérias e manifestamente primitivas, tonalidades que confinam por vezes com
o limite do sofrimento visual.”
85
O elemento autobiográfico nas obras de Picasso era sempre muito forte,
embora servisse como espelho de seus sentimentos e fantasias mais do que
registro exato dos acontecimentos. Assim, com um sofrimento mais visível do que
o de Matisse, Picasso vivenciou suas perdas e sua velhice com muito medo e
revolta.
Principalmente as séries de águas-fortes,
86
por ele elaboradas entre 1965 e
1972, retratavam cenas se bordéis, bandos de voyeurs, ora o próprio Picasso
83
Ibid. p. 382.
84
Michel LEIRIS apud Arianna Stassionopoulos HUFFINGTON, Picasso criador e destruidor, p.
335.
85
Peter WARNECKE-CARSTEN, Pablo Picasso, p. 618.
86
Água-forte (ou aquaforte): termo aplicado ao método de gravura em que a imagem é fixada
sobre uma chapa metálica mediante a corrosão por ácido, e à estampa obtida por esse processo.
71
como um anão velho ou um pequeno palhaço, ou como um rei, ou um
mosqueteiro. É grande o número de obras deste período de vida de Picasso:
No período que se estende de 16 de março até 05 de outubro de 1968 –
347 águas-fortes. De janeiro de 1969 e fim de janeiro de 1970 – 194
desenhos. De janeiro de 1970 a março de 1972 – 156 águas-fortes. De
21 de novembro de 1971 a 18 de agosto 1972 – 172 desenhos. De 25 de
setembro a 01 de junho de 1972 – 201 pinturas.
87
Estas são apenas as obras catalogadas; tudo isto feito por um homem
entre 87 e os 91 anos.
As adversidades e a velhice, tanto para Picasso quanto para Matisse só
fizeram aumentar a sua capacidade de criação. Longe de ser um obstáculo, o
limite é fonte necessária para a criatividade: “(...) o ato criativo origina-se na luta do
ser humano contra e com aquilo que o limita”,
88
o que reflete enormes recursos de
coragem.
Por outro lado, o mundo fornece matéria prima inesgotável a um pintor.
Luzes, cores, formas, reflexos. E o pintor é sempre atingido por elas em qualquer
idade. Quando jovem, o pintor é profundamente influenciado por sua época; ele
tem preocupação em ser aceito em ser admirado. Ostrower acrescenta:
Todos os grandes artistas, os criadores, os artistas revolucionários da
arte, todos eles eram convencionais em sua juventude, conservadores
até. Evidente. Pois eles tinham que começar em algum ponto. E para
começar, tinham que apoiar-ser em algo. Tinham que partir de uma
realidade existente, com seus valores estabelecidos em suas tradições,
tinham que elaborá-las de uma maneira também ainda tradicional. Era
essa a sua juventude: compreendia sua formação. Mesmo iniciando-se
como artistas, ainda tinham que amadurecer como seres humanos,
enfrentando as contingências da vida, os problemas, os sofrimentos, os
êxitos e os fracassos, tantas alegrias e tristezas.
89
87
Arianna Stassionopoulos HUFFINGTON, Picasso criador e destruidor, p. 612.
88
Rollo MAY, A coragem de criar, p. 116.
89
Fayga OSTROWER, Criatividade e processos de criação, p. 138.
72
É um longo caminho, aprender a ver com os seus próprios olhos. Muitas
vezes isto acontece só na velhice.
Picasso conheceu a glória na juventude, quando, aos 26 anos, pintou As
Senhoritas de Avignon (1907), e mudou a história da arte; ao concluir tal tela, não
passou a sua vida a reboque da glória juvenil, pelo contrário, mudou sua arte
muitas vezes. Passou da fase primeira, sentimental, à chamada fase azul e rosa;
e daí, ao cubismo analítico, com uma paleta de cores restrita e formas
geométricas predominantes. Por meio do cubismo sintético inovou a articulação
da figura e do fundo, demonstrando uma nova forma de ocupar o espaço da tela.
E continuou inovando: entrou pela escultura, renovou suas formas e cores,
acentuou a presença das linhas pretas, até chegar em Guernica (Fig. 10) (1937).
Não parou aí, havia novas trilhas, como as cerâmicas feitas em Vallauris, e
continuou se renovando nos trabalhos em tela.
Beauvoir diz que o artista, quando chega ao fim da vida, é muito mais livre;
o pintor tem mesmo timidez diante do público, e mais confiança em si. Diz que
um criador, nesta fase final da vida, pode acreditar que será admirado por
qualquer coisa que faça, e isto pode conduzi-lo à facilidades e ao embotamento
do senso crítico. No entanto, se continuar exigente, é uma grande “(...) vantagem
pois pode reger-se por seus próprios critérios, sem se preocupar em agradar ou
desagradar”.
90
Assim escreve Bonnard,
91
que a partir de 61 anos muda sua pintura e
abandona a importância que dava ao tema em benefício da cor:
Creio que, quando somos jovens, é o objeto, o mundo exterior que nos
arrebata: estamos entusiasmados: Mais tarde, é o interior, a necessidade
de exprimir a emoção que impele o pintor a escolher tal ou tal ponto de
partida, tal ou tal forma.
92
90
Simone de BEAUVOIR, A Velhice, p. 500.
91
Pierre Bonnard (1867-1947), mestre francês da cor e da luz comparável a Monet, Gauguin e
Matisse.
92
Pierre BONNARD apud Simone de BEAUVOIR, A Velhice, p. 502.
73
74
As obras tardias de Picasso, embora demonstrem uma grande liberdade,
são criticadas e rotuladas de menores, ou então exaltadas como profundas,
quando, na verdade, também são frutos de um desafio, já que ele não queria
pensar na morte.
Uma exposição de seus últimos trabalhos no Lês palais des Papes, em
Avignon, em maio 1970, provocou um ataque arrasador ao pintor, vindos até
mesmo de grandes entusiastas de suas obras. Douglas Cooper, um colecionador
de arte, ao ver a exposição, declara: “(...) e não passavam de garranchos de um
velho frenético na antecâmara da morte”.
93
Em contrapartida, outra exposição de
obras realizadas entre 1970 e 1972, com trabalhos escolhidos pelo próprio
Picasso, foi exaltada por Rafael Alberti:
Maravilha, Maravilha, Maravilha. Há tantas maravilhas, as mais
profundas e as mais angustiantes que Picasso jamais produziu (...)
Talvez prenúncios do homem após a próxima guerra nuclear. (...)
Picasso inventou o jeito de aplaudir com uma só mão; conseguiu lutar
consigo mesmo na arena e dar fim à própria vida enfiando a espada
abaixo do ombro; e então as mulas o arrastaram à roda da arena e ele
voltou vivo ao meio da Plaza.
94
Criar era um refúgio, uma ilha de paz, ou era uma forma de esquecer a
mortalidade?
Ao pesquisar as diversas biografias de Picasso, pode-se perceber que ele
não aceitava a velhice. Viveu muito para os padrões da época, ou seja, 92 anos.
Seu corpo era um saco de males e desejos frustrados. O corpo que tão bem o
servira durante tanto tempo se voltava contra ele. Não enxergava bem, não ouvia
bem, os pulmões lutavam para respirar, os membros esforçavam-se para
sustentá-lo. Para Gardner, Picasso se convenceu de que precisava colocar seu
93
Arianna Stassionopoulos HUFFINGTON, Picasso criador e destruidor, p. 392.
94
Ibid., p. 392.
75
trabalho e sua sobrevivência acima de todas as outras preocupações terrenas, de
modo a realizar a sua missão artística. “E assim, baseado em seus medos
legítimos, ele se recusava a falar sobre a morte e reconhecer a morte dos
outros.
95
Continuou produzindo, cada vez mais frenético, mais rápido, mais
rudimentar.
Estou carregado de trabalho”. – disse: Picasso a um repórter no aeroporto
de Nice, em 1970, então com 90 anos; e continuou: “Não tenho um segundo a
perder, e não posso pensar em mais nada”.
96
May, diz que criar é querer ser imortal, da revolta nasce o ato criativo. E
não se resume na inocência espontânea da criança e da juventude; deve ser
aliada à paixão do adulto ao desejo intenso de viver além da morte.
97
Por isso
Picasso criava cada vez mais; no íntimo, ele sabia que poderia estender a
brevidade do momento, adiar a morte. Mas seria sempre uma luta inglória e uma
causa perdida; essa transcendência ocorre apenas com os que, em princípio,
aceitam o fato das próprias limitações.
98
Era um trágico jogo de esconde-
esconde, acreditando que trabalhando muito se escondia da morte. No fundo
sabia que era por pouco tempo.
Ostrower, entretanto, define a obra tardia de Picasso como uma questão de
estilo. Para melhor entender, para a autora, estilo é a expressão direta de valores
vivenciados por alguém. O estilo é altamente pessoal: “Assim como é impossível
dar uma procuração de vida a outros, tampouco se dá uma procuração do
vivenciar”.
99
Ao analisar o estilo tardio de Picasso a autora observa que, no decorrer
dos anos, há um desenvolvimento estilístico no qual Picasso atinge novos
95
Howard GARDNER, Mentes que criam, p. 150.
96
Ibid., p. 393.
97
Rollo MAY, A coragem de criar, p. 29.
98
Ibid., p. 116.
99
Fayga OSTROWER, Acasos e criação artística, p. 238.
76
patamares de linguagem. Além de mais livre, é mais trágico do que o artista aos
20, 40, 60 anos. Altera o conteúdo expressivo das obras.
E nesta obra tardia há um redimensionamento do erótico e o trágico.
Visões de um criador raro que olha para si e para sua velhice, e vê
aumentar o panorama da sensualidade e de extrema beleza do viver
enquanto decaem o vigor e a graça de seu próprio corpo.
100
A relação entre a vida de um artista e a obra que este produz é
amplamente estudada pelos sociólogos, psicólogos, antropólogos, teólogos e
escritores de literatura fantástica. A vida destes artistas deixa de ser apenas a
vida do artista, mas também passam a ser a vida dos espectadores (que inclui,
sem dúvida, certas idéias do que a vida desse artista poderia ter sido). Muitas
vezes, este tipo de informação fornece um ponto de partida para observação, uma
orientação, uma evocação de uma imagem, em torno daquilo que a reflexão do
espectador sobre a obra pode reunir.
Tento sempre enxergar Picasso como um todo que envolve a sua pessoa e
a sua arte. Sofreu com a velhice, e talvez seja este o motivo deste período ser
pouco explorado pelos livros de arte. Embora tenha conhecido as profundezas da
existência, não se aposentou dela. Talvez o que mais incomode nele seja a sua
escancarada humanidade, que não conseguiu disfarçar a dor, o medo, o horror a
velhice, cometeu desatinos, odiou e sentiu inveja.
Se como homem não foi “um modelo”, como artista, ao contrário, era o
artista personificado. Não só mudou o olho humano, como tinha uma forma
diferente de ver com o seu olhar negro e profundo; é uma revolução na arte do
século XX, alarga nossas visões e nossos entendimentos de mundos. Era um
100
Loc.cit.
77
transgressor. Transgressão esta que ocorre pelo excesso de energia criadora
capaz de vislumbrar novos modos de existência.
Matisse, pelo contrário, era um homem pacato; nunca evitou o seu aspecto
grande-burguês. Chegava a ser admirado por ser autor de uma obra tão
“anormal” e ser “um homem tão normal”. Ele retrucava quando ouvia esta
colocação:
Oh! Diga, de fato as pessoas que eu sou um homem normal; que sou
um pai e um marido dedicado, que tenho três bonitos filhos, que vou ao
teatro, que tenho uma casa confortável, um belo jardim que adoro, que
tenho flores, etc., exata,mente como toda gente.
101
O adjetivo “burguês” ele até aceitava; o que não aceitava era que sua obra
fosse considerada obra de um sujeito impassível: “Como se pode fazer arte sem
paixão? Não há arte sem paixão. (...) Dizem que minha arte provém da
inteligência. Não é verdade: tudo o que fiz, fi-lo por paixão”.
102
Na velhice, Matisse foi um desses sujeitos que levaram no peito um
coração fatigado pela doença, pela dor, mas que mesmo assim pulsava
vigorosamente, pronto para o rejuvenescimento e para a voluptuosa alegria. Ao
oscilar entre a dor e a alegria criou uma nova possibilidade de existência,
desembaraçada dos limites da velhice e da doença.
Matisse dizia que, para ser pintor, tem que se conservar o olho de menino.
Este “olho de menino” ilustra o tempo da criação e a capacidade lúdica. Esta
possibilidade de existência vigorosa e madura é também a de criança que cria o
mundo, seus valores, e usufrui o tempo de acordo com os desejos. Para Montero,
os seres humanos entram na existência sem saber distinguir entre o real e o que
101
Gilles NÉRET, Matisse, p. 7.
102
Ibid., p. 8.
78
é sonhado; o fato da vida infantil é em boa parte imaginária; e o processo de
socialização, educação, crescimento e de amadurecimento, nada mais é do que
podar as fantasias, fechar a porta do imaginário, tirar a capacidade de sonhar
acordado, e só aos artistas é dado o privilégio de sonhar acordado, ser “meio
doido” ou continuar sendo criança.
103
Ao estabelecer essas analogias entre a criatividade e a mente da criança,
Gardner diz que de forma alguma isto significa diminuir a qualidade da realização,
e justifica sua posição citando o seguinte comentário de Baudelaire: “o gênio é a
capacidade de recapturar voluntariamente a própria infância”. E então, conclui
dizendo que não deseja denegrir os mestres criativos: “meu objetivo é o de exaltar
o poder fantástico da infância, assim como sua surpreendente duração. Pelo
menos em certas pessoas”.
104
Nenhuma dessas significativas realizações teria
sido possível se o criador já não tivesse chegado aos limites superiores de seu
domínio no início da idade adulta. Suas descobertas criativas representam os
produtos maduros de uma pessoa madura.
Matisse brincou com o lado escuro e terrível da vida. Semelhante à idéia de
“amor fati”, de Nietzsche, onde o homem não se rende, perde o ânimo, fica
abatido, padece, enfim, não sucumbi diante da vida, mas, ao contrário, afirma a
tragédia como parte da vida e a reconstrói em obras de arte. Doente, porém não
enfraquecido, não se enquadrava em um determinado gênero de homem, no caso
um homem sob o signo da doença e da degeneração da velhice. O mais visível
em Matisse era a sua criação, sua maneira apaixonada e ébria de continuar
vivendo.
Seus últimos anos de vida foram dedicados com afinco à sua criação.
Diferente de Picasso se preocupava mais com a vida do que com a morte. Dois
anos antes de morrer, em 1952, Matisse falou:
103
Rosa MONTERO, A louca da casa.
104
Howard GARDNER, Mentes que criam, p. 323.
79
Foi a criação da Capela de Vence que eu acordei, por fim, para mim
mesmo e que compreendi que todo o trabalho obstinado da minha vida
era para a grande família humana à qual devia ser feita a revelação de
um pouco da fresca beleza do mundo por meu intermédio.
105
A capela de Vence, como é conhecida, é a capela do Rosário das
dominicanas em Vence, a pouca distância da casa em que morava Matisse.
Dedicou seus últimos anos, de 1948 a 1951, a este trabalho e a considerava um
testemunho espiritual. Entretanto, foi criticado por este trabalho, principalmente
por Picasso, pois este achava que o pintor francês não tinha o direito de realizá-lo
por não ser crente. A resposta vem de um homem velho, sim, mas com a alma
fresca. Assim respondeu Matisse:
“Para mim” falou Matisse, “tudo isso é, essencialmente, uma obra de
arte. Medito e penetro-me daquilo que tento. Não sei se tenho ou não
fé. Talvez eu seja antes budista. O essencial é trabalhar num estado de
espírito vizinho da prece...” E continua argumentando com Picasso:
“Sim, faço a minha prece e você também, e você sabe-o muito bem:
quando tudo corre mal, lançamo-nos na oração, para reencontrarmos o
clima da nossa primeira comunhão. E você fá-lo, também.”
106
Assim como em Picasso, a obra tardia de Matisse – os papéis pintados e
recortados – também teve julgamentos e opiniões apressados, classificada como
um divertimento, uma fascinação do crepúsculo, ou ainda como frivolidade de um
homem à porta da morte... O certo é que Matisse tem perto de oitenta anos, e
que seus guaches recortados, como se sabe, marcaram profundamente a pintura
contemporânea. Pode-se dizer que “este velho louco por desenho” encontra na
sua velhice os meios de reconquistar as suas forças justamente ao desenhar.
107
105
Gilles NÉRET, Matisse, p. 236.
106
Loc.cit.
107
Gilles NÉRET, Matisse.
80
É o mesmo homem, artista, velho, que no limiar da morte e enclausurado
pela doença no seu quarto, descobrirá o teto, por cima da cama; superfícies
brancas, que se assemelham a uma grande e convidativa folha de papel. Fixou,
então, um pedaço de carvão em uma vara de pesca, e usava-a para desenhar no
teto figuras que o libertassem da dor e do sofrimento. Matisse desmistifica a
tragédia de sua vida com incrível profundidade. Diante da fatalidade a vida é
recriada através de sua obra, semelhante a Dionísio, com sentido de que nada é
condenável na vida.
As inesgotáveis recordações de Matisse de suas viagens ao Pacifico, que
aconteceram mais de vinte anos antes, em 1930, lhe forneciam a matéria para
seus últimos recortes. Dizia ele:
Mergulhava no Lagon. Nadava em volta das cores de corais...
Mergulhava a minha cabeça na água, transparente sobre o fundo
absinto do Lagon, os olhos abertos... e depois, bruscamente, levantava
a cabeça por cima da água e fixava o conjunto luminoso.
108
Como nem mesmo podia se mexer, mantinha o seu estúdio cercado de
água e jardins extraordinários, vasos e garrafas com flores, pássaros soltos,
esboços de seus trabalhos por todas as paredes e passava o dia a modificá-los
ou a contemplá-los.
Sua última obra vai traduzir sua serenidade e ao mesmo tempo seu adeus.
A Tristeza do Rei (Fig 12) é o seu último esforço pictórico realizado com papéis
pintados a gauche, recortados e colados. É a última saudação do artista – o
artista representado pela figura do rei vestido de preto, com uma guitarra na mão,
com os temas queridos todos em volta de si: a bailarina, a música, a cor,
108
Ibid., p. 239.
81
pequenas formas que guardou de suas viagens. Tinha este quadro como uma de
suas melhores obras.
(Fig. 12) Tristeza do Rei, 1952 Guaches recortados, 292 x 396 cm
Musée National d' Art Moderne, Centre Georges Pompidou, Paris
82
Com essa forma de amar a vida, pode-se identificar Matisse com o ideal de
liberdade, do artista trágico, perseguido por Nietzsche.
109
Este ideal se
caracteriza, antes de tudo, pela realização da vontade, dos desejos, dos sonhos,
enfim, a realização das paixões, e isto está ao alcance daquele que não teme o
aniquilamento, que sente a vida como sente a morte, de quem vive a experiência
trágica na vida com amor.
O fato de Picasso ter sido considerado o “gênio do século” procede, em
grande parte, de o pintor ter se disposto a desempenhar o papel que se esperava
da lenda do artista, pelo seu comportamento e pela maneira de se apresentar.
Encarnou o ideal do artista como marginal da sociedade, do artista que é
autorizado a viver das liberdades proibidas aos mortais comuns pela convenção
social. Foi na obra tardia que Picasso que ele se mostrou mais lascivo, e havia de
apresentar-se, assim, ao público impudico. Um artista coagido a produzir numa
quase possessão. Se a idade conferiu para Matisse um espírito de serenidade,
levando suas obras tardias a se converterem em harmonia e resolução, para
Picasso, a velhice resulta em obras de intransigência, revolta e medo.
As poucas imagens das obras de Matisse e Picasso que estão nesta
dissertação podem perfeitamente oferecer ao leitor a noção de como eram
completamente diferentes os trabalhos dos dois artistas: Matisse, o mestre da cor,
capaz de criar imagens sensuais a partir das cores, pintor da simplicidade
absoluta, que acredita na arte de equilíbrio, pureza e serenidade; e Picasso, o
feroz destruidor de formas, boêmio impetuoso e erótico. Porém estes dois artistas
tentaram estabelecer alguma ordem em sua arte, mas também tentaram
estabelecer alguma ordem em suas vidas na medida que envelheciam. Na arte
ocorre um a busca continua das formas de que se precisa, e isso pode ser
automaticamente um a busca da própria integridade. Picasso e Matisse são
exemplos claros justamente porque as transformações de cada um e de suas
artes andaram de mãos dadas.
109
Sobre o “artista trágico” de Nietzsche, conferir páginas 38 e 39 desta dissertação.
83
Substituir esta página pela
Linha do tempo – Matisse
Que está no formato A3 e
Deve ser dobrada como A4
84
Substituir esta página pela
Linha do tempo – Picasso
Que está no formato A3 e
Deve ser dobrada como A4
85
Zorba
110
110
Personagem Zorba. Op.cit., p.49
86
5. Questão em Aberto
principal proposta que esteve todo o tempo norteando a pesquisa
foi a de desenvolver um trabalho que mostrasse que a velhice
não é empecilho para a criatividade. Aqui trabalhei com dois
grandes artistas plásticos da Modernidade. Mas poderiam ser músicos, poetas,
autores literários, ou outras tantas profissões. Reconheço que a experiência se
tornou fecunda por ter possibilitado não somente fazer constatações e
fundamentar idéias e conceitos, como também levantar questionamentos
explicitar dúvidas e aventar novas investidas sobre o tema.
Na trajetória de Matisse encontrei o exato contrário do homem que se
mortifica e que cria desertos na vida. Do corpo martirizado pela dor e pelo
sofrimento e pela decadência física, nascem as belas imagens coloridas que
afirmam a dor e a velhice como inevitáveis à existência. Em 1952, faz uma das
suas obras mais bonitas desta última fase, A tristeza do Rei.(fig 11) Guaches
recortados de 292 x 396 cm, que está no Musée National d’Art Moderne, Centre
Georges Pompidou, Paris. Sobre esta obra fala Néret:
(...) é a derradeira saudação do artista – o artista representado pelo rei
vestido de preto, com a guitarra na mão – ao mundo que o rodeia, aos
temas que lhe são queridos. Matisse reuniu todos, até a bailarina, em
volta de si, como para se fazer enterrar com eles, tal como um faraó do
antigo Egito. Sabe-se que Matisse, sem pretender fazer testamento
dela mas consciente da amplitude da obra e da obra e da sua
<expressão profundamente patética>, a tinha como superior a Zulma e
igual aos seus melhores quadros.
111
111
Gilles NERET, Matisse, p.239.
A
87
Em correspondência que Matisse manteve por 14 anos com o caricaturista
dinamarquês André Rouveyre, chegando às vezes a uma carta por dia, aos 83
anos escreve ao seu caro cúmplice:
Tudo é grande nos reis! Que a sobrevivência pelas minhas obras que
tu me garantes se realiza, desejo eu...nunca penso nisso, porque como
mandei a bola o melhor que pude, não posso verificar se ela cairá em
terra ou no mar ou então nos precipícios de onde nada volta.
112
No martírio de Matisse há uma tensão tão intensa que acaba explodindo
em visões plenas de amor e entusiasmo pela vida, mostra como ele transformou
o seu próprio sofrimento, esqueceu a si mesmo e atingiu um outro estado de
unidade suprema. Essa felicidade máxima conquistada, não significa ausência ou
falta de tristeza. Trata-se de um jogo de correspondência em que a dor se alia ao
prazer, assim como a arte, a vida e o conhecimento se entrelaçam e se afetam
mutuamente.
Já a questão fundamental sobre Picasso, não é se ele foi cruel ou não com
as mulheres e com quem o rodeava, mas a transformação em linguagem poética
dos medos, das dúvidas, da revolta, do abismo. Em seus últimos trabalhos,
particularmente as gravuras que fez com 90 anos, são impressionantes a
simplicidade e a riqueza. Nesses derradeiros anos de vida, ele realmente pensou,
ou refletiu muito sobre o que pintar, sobre a sua própria condição de artista. Os
sentimentos, as reflexões, os estados da alma mais tenebrosos e sombrios
fizeram parte da velhice de Picasso, e isto é retratado em suas últimas obras. Seu
estilo se torna mais livre e ao mesmo tempo mais trágico. O que muda, porém,
não são tanto os assuntos, mas o conteúdo expressivo das obras. Nestas
imagens tardias, encontramos visões em que se fundem, e novamente se
redimensionam, o erótico e o trágico. Sobre estas criações fala Ostrower:
112
Matisse apud Gilles NÉRET, Matisse, p. 240.
88
Visões de um raro criador, que olha para si, para sua velhice, e vê
ampliar o panorama de sensualidade e extrema beleza do viver
enquanto decaem o vigor e a graça de seu próprio corpo. Mas isto não
seria uma verdade também? Amarga, sim, contudo verdade, e tanto
mais humana quanto Picasso continua cantando o amor à vida.
113
Picasso, quando fez oitenta anos, declarou em entrevista a um jornalista:
(...) Bem, diga-lhes que se não existissem espelhos eu não saberia a minha
idade, e que levei oitenta anos para ficar jovem.” Quando advertido que já tinha
dito isto no seu septuagésimo aniversário, respondeu: “Bem, então diga-lhes que
ainda acredito nisso!
114
Em 30 de junho de 1972, poucos meses antes de morrer, aos 92 anos,
encarou todo o terror que o consumia e se desenhou. Foi seu último auto-retrato.
(Fig 13) “Acho que toquei alguma coisa ali. (...) Não se parece com nada que já
foi feito”,
115
foram suas palavras sobre este trabalho.
Se Matisse driblou a dor através de seus desenhos, Picasso abandonava o
medo através de suas pinturas. O que se vê nestes homens é o desejo de
continuar criando e experimentando de maneira extremada a vida e a si mesmos.
E através de suas obras e do conhecimento, eles procuraram elaborar as suas
respectivas vidas da forma mais bela possível. Bela no sentido de inquieta, viva,
plena e ousada.
Neste estudo operou-se um entrecruzamento entre a arte e a velhice,
através da apreciação da vida e da obra destes artistas. Os artistas não foram
entendidos, aqui, como seres especiais, imunes às influências e exigências do
meio em que viveram, mas sim como sujeitos que dialogaram com o meio em que
viveram, homens que sofreram, foram cruéis, tiveram alegrias e tristezas, e
113
Fayga OSTROWER, Acasos e criação artística, p. 238.
114
Arianna Stassinopoulos HUFFINGTON, Picasso criador e destruidor, p. 372.
115
Ibid., p. 394.
89
viveram as dificuldades da velhice. Todos tremendamente repletos de
humanidade.
(Fig.13) Auto-retrato, junho de 1972 Lápis e cryon sobre papel 65,7 x 50,5
Galeria Televisão Fuji
90
A união destes artistas, destes sujeitos singulares, foi uma tentativa de
mostrar a velhice como um momento de criação, tão significativo quanto os outros
momentos da vida; ou talvez este momento apresente mais possibilidades.
Como o mar pleno da interpretação está aberto, a todo o momento é
necessário decidir qual rumo tomar. Essa é uma angústia típica dos artistas que,
por exemplo, ao eleger uma cor, uma forma tem que abdicar de todas as outras
possibilidades. Neste momento se percebe a importância do processo de
construção do pensamento afetado pelas questões da arte. Assim é possível
sentir o distanciamento daquele tipo de inquietação que busca “um modelo”, “uma
verdade” ou então a reprodução fiel daquilo que acontece.
Talvez não seja uma ousadia dizer que eles mostram a sociedade do ponto
de vista de quem quer, deseja e procura fugir às teias dos estigmas que aprisiona
a velhice. Aqui tratei da criatividade com foco na criação artística, mas creio que a
criatividade deverá ser muito estuda nos futuros trabalhos de Gerontologia. Pois
acredito que ela pode ter um papel importante no envelhecimento. A criatividade
responde o desejo de ir além do insólito, de surpreender-se., nasce
indiferentemente em almas precoces ou senis.
A criatividade cria um contato significativo com as imagens do mundo
externo, as do mundo interno e as produzidas pela cultura. Imagens em que se
investe tempo de observação e reflexão e que possibilitam o afloramento de uma
pluralidade de percursos, na busca da multiplicidade de significados. O tempo do
pensamento artístico, o tempo da reflexão, o tempo da criação, não é um tempo
qualquer, fugaz superficial, sem liames com a realidade, mas um tempo
comprometido com o conhecimento, com a experiência, com a beleza e com o
afeto.
Com certeza, toda vez que ler esta dissertação me deterei em linhas
distintas a cada leitura, a renovaria a cada momento e preencheria seus vazios e
91
silêncios sempre novamente com outras palavras em diferentes disposições e
combinações alterando os sentidos a cada vez. Por certo outras frestas
apareceriam, outros vazios surgiram e a recomeçaria indefinidamente. A cada
leitura sofro por ter deixado de mencionar outros tantos artistas longevos que
enriquecem a história da arte e da humanidade.
Enfim a vida sempre exige escolhas!
Percebo, então, este trabalho como resultado provisório, pois é uma visão
ébria de quem se embriagou junto com os artistas e de quem não conseguiu
disfarçar a paixão.
92
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Alequim, 1915, Óleo sobre tela, 183,5 x 105,1 cm, MOMA, NY
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Retrato de Dora Maar, 1937, Óleo sobre tela, 92 x 65 cm, Museu Picasso, Paris
A Primavera, 1957, Óleo sobre tela, 130 x 195 cm, Museu de Arte Moderna, Centro
Georges Pompidou, Paris
Retrato de Jacqueline, 1963, Óleo sobre tela, 92 x 60 cm, Coleção Gallery Rosengart
Homem com Cachimbo, 1969, Óleo sobre tela, 146 x 88,8 cm Coleção Gallery Rosengart
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Mulher Nua Deitada e Cabeça, 1973, Óleo sobre tela, 130 x 197 cm, Coleção Particular.
Pablo Picasso – Auto-retrato
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1901, Yo Picasso, Óleo sobre tela, 73,5 x 60,5 cm, Coleção Particular.
1906, Óleo sobre tela, 92 x 63 cm, Coleção Particular.
1907, Óleo sobre tela, 50 x 46 cm, Naradni Gallery, Praga.
1940, Lápis sobre papel, sem dimensão, Coleção Particular.
1965, Homem Sentado – Auto-retrato, Óleo sobre tela, 99,5 x 80,5 cm, herdeiros
de Jacqueline Picasso.
1972, Lápis e cryon sobre papel 65,7 x 50,5 Galeria Televisão Fuji
99
Henri Matisse
Nu no Estúdio, 1894, Óleo sobre tela, 65,5 x 50 cm, Museu de Arte, Tóquio
Mulher de Chapéu, 1905, Óleo sobre tela, 81 x 65 cm, Coleção Particular
A Dança, 1910, Óleo sobre tela, 260 x 391 cm, Museu de Ermitage, San
Petesburgo
Os Marroquinos, 1916, Óleo sobre tela, 181,3 x 279,4 cm, MOMA NY
Mulher e Peixes Vermelhos, 1921,Óleo sobre tela, 81 x 100 cm, Instituto de Arte ,
Chicago
Bailarina Clássica, 1927, Óleo sobre tela, 81 x 61 cm, Museu de Arte de Baltimore
A Dança, 1937, Guaches recortados, 80 x 65 cm, Museu de Arte Moderna, Centro
Georges Pompidou, Paris
Blusa Romena, 1940, Óleo sobre tela, 92 x 73 cm, Museu de Arte Moderna, Centro
Georges Pompidou, Paris
Bailarina sentada numa Mesa, 1942, Óleo sobre tela, 46 x 33 cm, Coleção
Particular
Zulma, 1950, Paper Cult-Out, 238 x 130 cm, sem dimensão, Statens Museum for
Kunst - Copenhagen, Denmark
Tristeza do Rei, 1952, Paper Cult-Out, 292 x 396 cm, Centro Georges Pompidou,
Paris
Lierre in Fleur, 1953, Guache Cult-Outs, 284,2 x 286,1, Museu de Arte de Dalas
Henri Matisse – Auto-retrato
1900, Manga de camisa, Óleo sobre tela, 64 x 45 cm, Coleção Particular.
1906, Óleo sobre tela, 55 x 46 cm, Statens Museum for Kunst - Copenhagen,
Denmark
100
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