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procedimento como uma das principais bandeiras da estética modernista e, em
especial, da proposta poética bandeiriana. Podemos perceber ainda um anseio
de liberdade vital, no qual o eu lírico (poeta melancólico, solitário e irônico)
extravasa seus ideais libertários, quer de sentimentos e desejos vitais, quer
estéticos.
“Poética” é uma espécie de plataforma teórica da poesia modernista. Um
texto de propostas e críticas. Propostas modernistas e críticas ao
tradicionalismo, representado pela estética parnasiana. Portanto, temos, nos
poemas de Libertinagem, a novidade, o erotismo, a musicalidade, a força de
imagens, o cunho biográfico, a paixão pela vida e a visão da morte, a infância,
a pureza, a liberdade, a saudade, o amor, a alegria, a tristeza e a evasão, a
solidão. De acordo com Faria (1980, p. 128), no livro Libertinagem, “tudo fala
num mesmo sentido e esse sentido, uma palavra o sintetiza: libertação. O
poeta põe resolutamente de lado o sofrimento, decide ser feliz, livre,
inconseqüente”, como afirma no poema “Vou-me embora pra Pasárgada”.
Pasárgada é tida como aquele lugar de “reino estranho”, “onde tudo é fácil e a
existência, uma aventura ‘inconseqüente’ ”. Deixa para trás a tristeza, o
sofrimento e suas complicações, e parte para um mundo com inúmeras
possibilidades de ser feliz.
O grito de Bandeira acontece, então, efetivamente em Libertinagem. O
poeta traz ainda a melancolia que marcou seus poemas, mas já vislumbra uma
cidade onde pode sonhar e deseja, melancolicamente, partir para Pasárgada,
resgatar uma infância — como resgatou em “Evocação do Recife”, por meio
das reminiscências infantis —, ter a mulher na cama de sua livre escolha.
Bandeira, enfim, com o ritmo dissolvido, sem máscaras, liberta-se e envereda
para a construção de um novo estilo literário: a poetização do cotidiano.
Ao lermos o poema “Poética”, encontramos a recusa de tudo o que não
seja o lirismo em si mesmo. Parte-se do insulamento (isolação) radical do ser
humano, para daí tentar voltar a fundar laços. Mas atenção, o poeta é mais
ardiloso do que parece. Lirismo, nele, não quer dizer poesia pura, separação,
não, define para o lirismo traços e momentos de intimidade verdadeira com a
linguagem, é o que podemos observar em “Poema tirado de uma notícia de
jornal”. Ao transformar uma notícia retirada do cotidiano jornalístico em poema
em prosa, ou ao utilizar formas estereotipadas da fala cotidiana e da linguagem