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Kelly Cristina dos Santos
Autonomia da criança: transição da educação infantil para o
ensino fundamental, conforme as prescrições oficiais.
Dissertação de Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
2006
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Kelly Cristina dos Santos
Autonomia da criança: transição da educação infantil para o
ensino fundamental, conforme as prescrições oficiais.
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE
em Educação: História, Política, Sociedade, sob
orientação do Prof. Dr. Odair Sass.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo/2006
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Banca Examinadora
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
RESUMO
Esta pesquisa utiliza-se das orientações e diretrizes curriculares da educação
infantil, primeiro, para analisar os termos com que o conceito de autonomia é tratado e,
segundo, para verificar se a articulação entre o final da educação infantil (pré-escola) e o
início do ensino fundamental é prevista, apontando de que forma os documentos expressam
as rupturas e as continuidades desse período. Nessa medida, a presente pesquisa pode ser
caracterizada como exploratória, por admitir que os documentos selecionados representam
idéias sobre a infância, orientam as práticas escolares, expressam, em certa medida,
expectativas de pesquisadores, professores e demais profissionais da educação para a
formação da infância brasileira.
O referencial teórico adotado privilegiou conceitos desenvolvidos por Henri Wallon
(1979) e Theodor Adorno (1995), por compartilharem posições compatíveis no trato da
educação e da escola para a infância, como espaço potencial para o desenvolvimento da
autonomia. A articulação entre conceitos da psicogenética walloniana e da teoria crítica,
proporcionaram que este estudo explorasse a perspectiva de uma educação voltada para
autonomia da criança.
Em relação ao desenvolvimento social da criança, os documentos analisados,
evidenciam que adaptação e autonomia são tratados de maneira cindida e desarticulada,
tanto pela ordem das publicações quanto pela estrutura dos documentos, porque enfatizam
os conteúdos voltados ao desenvolvimento cognitivo, apresentados por áreas de
conhecimento, ao invés de apontar a necessária complementaridade entre eles. Assim,
podemos referir que os documentos, apesar de distinguirem as dimensões do
desenvolvimento humano, reforçam práticas voltadas prioritariamente à adaptação, ou que
se convertem em homogeneização. Os documentos revelam ainda, que a transição das
crianças da educação infantil para o ensino fundamental, é marcada por um novo papel
social, o de aluno e que nessa passagem, algumas ações dos profissionais precisam ser
diferenciadas, a fim de superar os desafios desta etapa. Tais orientações dão
reconhecimento as especificidades, porém reforçam a cisão entre as duas etapas ao tratarem
especificamente deste momento sob o ponto de vista da adaptação.
Palavras chave: autonomia da criança, adaptação, homogeneização, articulação da
educação infantil com o ensino fundamental.
ABSTRACT
This research utilizes the orientation and extra curricular directions of educations of
infant education, firstly to analyses the terms of which the concept of autonomy is treated
and secondly, to verify if the articulation within the final stage of child education
(Kindergarten) is the commencement of the planning of primary education, in which forms
these writings and papers expresses the interruptions and continuity within these periods.
Within these levels, the presents Research could be characterized as exploratory in
admitting that the documents selected represents ideas about childhood, orienting the
practices of education and expressing in certain levels researchers expectations, teachers
and others professionals associated with the development and formation of the Brazilian
childhood.
The theoretical Concepts adopted allowed concepts developed by Heri Wallon,
(1979) and Theodor Adorno (1995), who comparing the positions Comparatives in the area
Of education, and education as a potential Room for developmental autonomy. The
articulations within the psychogenetic wall mania concept and it’s theory of Criticism will
propose this study to explore a perspective of education focused on child autonomy.
Analyzed official documents in relation to children’s social development is an
evidence that adoption and autonomy are treated in a cynical disarticulated manner because
it’s contents emphasis are focused on cognitive development presented in already known
areas, instead of pointing to vital articulations within knowledge, autonomy and adoptions.
Official documents still reveals that child educational transitions to primary education is
based on a new social documentations and students in these changing process in which
some professionals actions has to be differentiated, with the will to overcome the
challenges of these level. Such orientations gives specifications and recognitions, hence
reinforcing the division between these two levels in treating specifically the moments from
the point of view of adoption.
KEYWORDS: Infants autonomy, Adaptation, child education articulation, and Primary
Education.
Para minha filha
Bianca Letícia e todas as crianças que
direta ou indiretamente me inspiram cotidianamente.
Agradecimentos
À CAPES pelo apoio financeiro.
Ao meu orientador Prof. Dr. Odair Sass, que pacientemente acolheu esta pesquisadora
insegura, dando-me apoio, tempo, crédito e confiança, mostrando que eu poderia ir mais
além.
Aos professores do programa Educação: História, Política, Sociedade, especialmente os
professores: Prof. Dr. José Geraldo Bueno, Prof. Dr. José Leon Crochik e Prof. Dr. Marcos
Cezar Freitas por orientações tão singulares.
Às professoras que diretamente contribuíram para a construção deste percurso no exame de
qualificação, Profa. Dra. Maria das Mercês Ferreira Sampaio e Profa. Dra. Abigail
Alvarenga Mahoney.
Aos colegas de curso, especialmente Mary, Cida Satto, Rosimeri, Luciana, Flavia, Sandra,
Luciane, Cândida, Marcia Eleane, Suzana e Benê.
As amigas Cleide e Gilda e as companheiras na trajetória profissional, Lenira Haddad,
Beatriz Ferraz, Ione Collado e Márcia Pires.
À minha mãe, Maria Joice que nos momentos mais difíceis não permitiu que eu desistisse.
À Bianca Letícia, minha filha querida, que por muitos dias renunciou do seu espaço físico e
afetivo, para que eu pudesse me concentrar isoladamente.
Aos meus familiares que sempre acreditaram e torceram por mim, meu pai e irmãos e ao
meu esposo Fabiano, que me desafiou a superar barreiras paralelas.
Por último, aos amigos Betinha e Roberto, que me apoiaram na organização final.
LISTA DE SIGLAS
ANPED – Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEB – Câmara de Educação Básica
CNE – Conselho Nacional de Educação
COEDI – Coordenadoria de Educação Infantil
D.O.U. – Diário Oficial da União
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação e da Cultura
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
RCNEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
SEF – Secretaria de Educação Fundamental
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................01
Problema de pesquisa, objetivos e método.....................................................10
Fontes da pesquisa, procedimento de coleta e organização de dados.............11
Hipótese..........................................................................................................13
CAPÍTULO 1 -Autonomia da criança sob a óptica dos pesquisadores
1.1. Contribuições de Theodor Adorno (1995) e Henri Wallon (1979)..............14
1.2. Contribuições da produção científica a partir da década de 1990................30
1.2.1. Autonomia da criança..........................................................................31
1.2.2. Articulação da Educação Infantil em relação ao Ensino
Fundamental..................................................................................................34
CAPÍTULO 2 – Interpretação dos documentos: posições e contradições
2.1. Sobre as fontes consultadas: Identificação, estrutura e natureza dos
documentos................................................................................................................45
2.1.1. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil................46
2.1.2. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil..................49
2.1.3. Programa de Desenvolvimento Profissional Continuado –
Parâmetros em ação............................................................................55
2.1.4. Parâmetros Curriculares Nacionais.....................................................57
2.2. Análise de dados.................................................................................................58
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................70
ANEXO
Protocolos de leitura.................................................................................................74
Quadros.....................................................................................................................97
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa utiliza-se das orientações e diretrizes curriculares oficiais
1
,
tomando como foco o final da educação infantil, para analisar como o conceito de
autonomia é tratado a fim de verificar se a articulação entre a pré-escola e o início do
ensino fundamental é prevista e se os documentos fonte expressam as rupturas e as
continuidades dessa fase da escolarização. A articulação é entendida aqui como meio
de intersecção entre os dois níveis de ensino, a educação infantil e o ensino
fundamental, e reconhecida como fundamental para propiciar as passagens dos períodos
de transição da criança, especialmente porque pode favorecer uma passagem
compromissada com o desenvolvimento de pessoas autônomas.
Do ponto de vista do desenvolvimento da criança, entende-se que são
preservadas certas continuidades mesmo quando são superadas por rupturas. A
passagem da educação infantil para o inicio do ensino fundamental, implica que a
criança carrega consigo marcas no seu desenvolvimento social e aprendizagens
adquiridas na pré-escola que servirão de base para novas aquisições, mesmo quando
algumas situações concretas determinam a ruptura entre eles: conhecem seus colegas de
turma, diferenciam as formas de agrupamento por turma e professores responsáveis, e,
portanto, crianças mais novas, mais velhas, da mesma idade, de segmentos sociais
iguais e diferentes, localizam a própria escola, a sala de atividades e os materiais,
identificam o funcionamento da rotina e as regras de convivência.
Como indicadores de ruptura entre a pré-escola e o início do ensino fundamental
podem ser destacados:
a) a mudança de um espaço físico conhecido para outro a ser conhecido:
localização da escola, da sala, distâncias, tamanhos, organização e funcionamento
diferentes e o uso de mesas e cadeiras individuais, com menor mobilidade ao longo do
dia;
b) o agrupamento: aumento do número de crianças por turma, crianças novas na
própria sala ou na escola como um todo, com características diferentes, tamanhos,
idades, hábitos e comportamentos;
1
Utilizaremos o termo orientações e diretrizes curriculares oficiais para identificar os documentos
produzidos sob a responsabilidade do governo federal brasileiro, aqueles propostos pelo órgão de maior
autoridade em educação no país, neste caso o Ministério da Educação.
1
c) a rotina: redução do tempo para brincar, aumento do tempo que permanecem
sentados em atividades dirigidas, divisão do tempo por áreas do conhecimento,
introdução da avaliação do desempenho escolar e exclusão do apreciado “dia do
brinquedo” (normalmente na rotina da educação infantil é combinado um dia da semana
em que as crianças são incentivadas a trazer um brinquedo de casa para compartilhar
com as outras crianças).
d) interações: a relação de autoridade entre professores e crianças e entre as
crianças passa a ser referenciada, principalmente, em relação ao desempenho
acadêmico.
No período de transição entre experiências conhecidas e novas situações, as
crianças reconhecem por grupos etários, a organização da instituição educacional, com
salas e rotinas específicas, porém, diferenciadas. Mesmo quando os prédios escolares
são construídos com características arquitetônicas que correspondam às especificidades
e necessidades de cada etapa da educação básica, tais reconhecimentos e desafios estão
presentes: as crianças ao ingressarem no ensino fundamental, identificam que as salas
são mais numerosas e que os espaços para atividades complementares, como educação
física, biblioteca, informática, passam a exigir novas formas de acomodação,
desempenho e uso dos materiais e espaços, que o prédio acomoda um maior número de
turmas, que os banheiros e refeitório têm mobiliário com altura comum, entre outras
especificidades.
Mesmo aquelas crianças que ingressam diretamente no ensino fundamental,
passam por situações bastante semelhantes, a passagem da educação familiar para a
educação escolar, exige novas adaptações: o uso de novos espaços e materiais, a
convivência com um número maior de crianças, a aprendizagem de regras e rotinas em
comum e o atendimento ao professor, nova figura de autoridade.
Assim, esperamos que, com o ingresso no ensino fundamental, sejam
asseguradas às crianças passagens articuladas, tanto entre a educação familiar e a
pública, quanto entre a educação infantil e o início do ensino fundamental.
Sabemos da importância dessa transição para o desenvolvimento da criança: ao
final da pré-escola ela é referência em termos de autonomia para as crianças menores da
mesma escola, e, especialmente em relação a si mesma, já consegue diferenciar-se,
identificar suas preferências, aprendizagens e limites, reconhece suas próprias
características, enquanto que, ao ingressar no ensino fundamental, essa mesma criança
precisará adaptar seus conhecimentos e iniciativas, orientando-se tanto pelas condições
2
do novo espaço quanto pelos conhecimentos daquelas crianças que sabem mais do que
ela. Muda o papel e o interesse da criança nessa nova experiência, mudam os tempos de
convivência com as outras crianças, de brincadeira, de apoio dos adultos, de
concentração, de aquisição do conhecimento.
Se na pré-escola ela utilizava os lápis para desenhar de maneira autônoma, em
um tempo regulado por seu interesse e tempo de concentração, agora terá de ajustar esse
tempo de produção às novas demandas, ao mesmo tempo que utilizará as aprendizagens
de manuseio dos lápis, a concentração para desenhar e o esforço para ajustar sua
intenção à produção, estará desenvolvendo a postura e os comportamentos
característicos do papel de aluno, aqueles esperados como base para o desempenho
acadêmico ao longo de toda escolarização.
O espaço físico, representado pela disposição das mesas e cadeiras, pela redução
de locais que convidam à brincadeira, por diferentes formas de agrupamento etário e por
turmas, assim como o lugar da autoridade docente, também expressa as especificidades
e expectativas de cada nível educativo. Não se trata de negar as necessidades e,
portanto, as singularidades; trata-se de questionar de que forma essas rupturas e
continuidades vividas pelas crianças na passagem da educação infantil para o ensino
fundamental são consideradas e tratadas.
A atual legislação federal
2
fixa a organização do sistema educacional brasileiro
por níveis de ensino e modalidades de educação, indicando finalidades, objetivos, regras
e diretrizes que regulamentam a base nacional comum. Além dessas determinações
legais, especificamente para cada etapa da educação básica
3
, foram elaborados e
divulgados, pela Secretaria de Educação Fundamental, documentos no intuito de
favorecer e qualificar a formação inicial e continuada dos professores, a atuação docente
e orientar os profissionais das instituições escolares na elaboração de suas propostas
pedagógicas assim como determinar os princípios norteadores das escolas.
Este estudo adota a pesquisa documental, visto que os documentos selecionados
representam as idéias, as noções, os pontos de vista e os diferentes sujeitos do meio
educacional: expressão das expectativas de pesquisadores, professores e demais
profissionais da educação para a formação da infância brasileira e, em uma esfera mais
2
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no. 9394/96, art.21”A educação escolar compõe-se de:
I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio”.
3
Desde 1993 o Ministério da Educação Nacional vem produzindo documentos a fim de envolver os
profissionais e pesquisadores na formalização da Política Nacional de Educação Infantil - PNEI, (Brasil,
3
ampliada, da política educacional. Em outras palavras, manifesta a posição assumida
pelo Ministério da Educação, representado por seus departamentos, indicando assim, a
relevância de tais documentos orientadores.
Cabe destacar ainda que, mesmo as pesquisas de tipo etnográfico que têm sido
bastante utilizadas, na perspectiva de compreender a dinâmica do cotidiano das
diferentes interações que acontecem no espaço escolar, a pesquisa de tipo documental se
faz imprescindível à medida que dá subsídio para a compreensão das orientações
dirigidas aos profissionais e traduz a expectativa de representantes de diversos
segmentos educacionais, a nível nacional. Promove ainda, condição de identificar nas
determinações legais aqueles aspectos que precisam ser mais debatidos com a
comunidade de profissionais, assim como destacar temáticas que podem ser mais bem
exploradas na produção acadêmica.
A análise das determinações legais, entendidas como a força maior de
documentação em nível nacional e de expressão dos diferentes representantes do
sistema educacional, nesse caso, os programas de orientação aos professores e os
princípios norteadores dos currículos, faz-se imprescindível porque indicam concepções
e, portanto tornam públicas as suas finalidades. Destes materiais serão destacados os
conteúdos e experiências que almejam aprendizagens sociais, para ser mais precisa,
incide sobre aquelas orientações explícitas e indicadores que sugerem práticas que
favoreçam o desenvolvimento da autonomia.
O interesse por investigar como o conceito de autonomia é tratado nas
orientações e diretrizes curriculares, originou-se tanto das inquietações que fui
identificando no decorrer de minha atuação profissional em instituições de educação
infantil, quanto das opções teóricas feitas ao longo da definição do problema de
pesquisa.
A recorrência aos conceitos básicos a respeito da autonomia da criança e ao
reconhecimento do papel da escola para a formação da pessoa, encontrados em textos de
Henri Wallon (1879-1962) e sobre o conceito de emancipação, em Theodor Adorno
(1903-1969) foram se formando à medida que fui identificando, nas leituras, que as
contribuições desses dois teóricos poderiam ampliar significativamente o debate sobre
as questões relacionadas à função da escola nos primeiros anos de vida, e,
especialmente, porque tratam das dimensões social e psíquica da educação, da pessoa
1993, 1994 a, 1994b, 1994c, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999), assim como para o Ensino Fundamental
(Brasil, 1998).
4
completa, contrapondo-se à reiterada fragmentação do indivíduo em diferentes etapas de
desenvolvimento, ao entendimento da Psicologia como ciência aplicada à Educação e à
compreensão da finalidade principal da educação que visa adaptar o sujeito à sociedade,
independentemente das determinações sociais.
No decorrer do meu percurso profissional, acompanhei a prática de diferentes
profissionais da educação infantil que variavam do espontaneísmo, com atividades
definidas exclusivamente pelo interesse das crianças, às propostas de atividades
planejadas com objetivos pré-definidos e adaptadas à faixa etária dos diferentes
agrupamentos de crianças, muitas vezes seguindo as orientações do RCNEI -
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. As observações suscitavam-
me questionamentos dos quais se destacaram aqueles relativos à concepção de infância
e à função desempenhada pela educação no desenvolvimento social e na aprendizagem
das crianças: o que aprendem? como? para quê?
No segundo semestre de 2003, realizei um projeto como cumprimento de horas
de estágio
4
, com o objetivo de analisar a função da linguagem plástica
5
para crianças
pequenas, fruto das críticas sobre as atividades que eu julgava como limitadas à
concepção evolucionista e cognitivista
6
. Pude observar que os objetos e materiais
oferecidos para o manuseio livre das crianças eram experimentados no próprio corpo,
mãos e rosto, as marcas de tinta decorrentes daquela experiência, apareciam no papel
ocasionalmente, as crianças não correspondiam ao esperado, ou seja, ao uso
convencional dos materiais para realizar intencionalmente uma pintura.
Naquela oportunidade, destacou-se, como uma das características mais presentes
no grupo de crianças de um a dois anos, a atividade espontânea, ou seja, a maneira
como a criança investiga o mundo, os objetos e as pessoas ao seu redor, manuseando os
objetos, sentindo-os, realizando experimentações. As ações das crianças eram realizadas
espontaneamente, ainda sem os moldes ensinados pelas diferentes instituições sociais.
Os objetos convencionalmente produzidos para pintura, quando oferecidos às crianças
pequenas, funcionam como objetos de manipulação, como produtos sociais dispostos
4
Como requisito de um curso de especialização em educação infantil, desenvolvido no berçário de uma
creche com um grupo de crianças com idades variando entre doze e vinte e quatro meses
.
5
Observando-as em atividades com materiais e objetos diversos: tintas, pincéis, rolinhos, trinchas,
esponjas, sucatas variadas, papéis, mesas e cavaletes.
6
Um aspecto dessas críticas é a grande expectativa dos adultos em garantir a evolução gráfica: alcançar
as formas figurativas, normalmente mais valorizadas. Estas correspondiam ao reconhecimento das formas
gráficas legíveis aos adultos, desconsiderando as diferentes formas de exploração e expressão que as
crianças realizavam, ou seja, seus grafismos.
5
para o manuseio, a exploração, enfim, para que possam investigar o mundo por
intermédio desses objetos.
Tanto a família quanto a escola
7
, ao interferirem na formação das crianças, com
suas propostas de adaptação às regras de convivência social, modificam, conformam e
moldam as ações infantis, ajustando-as de acordo com o que é esperado socialmente.
Tal adaptação pode ser identificada desde a creche, em propostas de experiência com a
linguagem plástica, quando as atividades são direcionadas pelas expectativas dos
adultos, caracterizando-se como atividade dirigida, portanto, na contramão da maneira
como a criança de um a dois anos aprende consequentemente, favorecendo a
homogeneização das ações infantis. Um outro exemplo de atividade dirigida é aquela
em que a criança tem as mãos e os pés carimbados pelo adulto, numa folha em branco,
ou ainda, quando a folha é fixada previamente na mesa e o adulto dita a seqüência de
procedimentos que as crianças devem realizar, definindo previamente a cor, o
movimento e o lugar onde pintar.
Cabe aqui pensar nessa orientação como estratégia de formação de crianças tão
pequenas, de modo que a intervenção educativa dos professores seja pensada na
perspectiva de favorecer o desenvolvimento social.
O projeto realizado como estágio aproximou-me das crianças, fortalecendo a
hipótese de que algumas ações infantis são padronizadas desde o berçário, estimuladas
por adultos que automatizam seus gestos e inculcam expectativas de um desempenho
centrado no desenvolvimento cognitivo, na expectativa de garantir cada vez mais
precocemente as aprendizagens reconhecidas socialmente como aquelas do domínio da
educação escolar, controlando assim a espontaneidade e a curiosidade infantil e, ousaria
afirmar, impedindo experiências que caracterizam a forma como a criança aprende e se
desenvolve: em ação, na interação com os objetos e seus pares, expressando-se por meio
de diferentes linguagens, em situações nas quais o adulto dá suporte às experiências
infantis por meio da organização do ambiente educativo. Assim, fica esclarecida nossa
posição contrária, frente às propostas espontaneístas e àquelas voltadas prioritariamente
ao desenvolvimento cognitivo.
Há evidências de que a forma como cada adulto reage e atende às manifestações
das crianças, mesmo que de modo inconsciente, provoca em muito pouco tempo, a
7
O termo escola será utilizado para identificar tanto a educação infantil quanto o ensino fundamental,
considerando que as duas formas de atendimento correspondem a etapas complementares da educação
básica, porém específicas, em diferentes dimensões que serão tratadas ao longo da dissertação.
6
homogeneização de boa parte das rotinas infantis. Num primeiro momento, parece
causar incômodo, estranhamento ou até mesmo indignação o uso do termo
homogeneização, porque controlar ações e necessidades infantis de forma homogênea,
certamente não é indicação de nenhum teórico do desenvolvimento infantil, ao
contrário, indicam que sejam reconhecidas as diferenças de modo que favoreçam o
processo de adaptação.
No entanto, identificamos práticas em que os profissionais efetivamente buscam
o domínio das crianças por meio de programas e horários pré-estabelecidos desde o
berçário: o uso de mesas e cadeiras, desde que aprendem a andar, e a organização de
rotinas que pretendem homogeneizar necessidades e satisfações individuais: regras e
horários em comum para os momentos de alimentação, troca de fraldas ou uso do
banheiro e sono.
O que parece configurar esse tipo de situação no cotidiano por parte dos
profissionais que agem de modo mecânico, com vistas a cumprir a seqüência de
situações previamente programadas, pouco considerando as necessidades,
manifestações e singularidades, é justamente o pouco conhecimento sobre como se dá o
desenvolvimento social na infância e a necessidade de controle do número de crianças e
da própria rotina. À exceção do período de ingresso na escola, em que há uma maior
flexibilidade, normalmente utilizada como alternativa para garantia de uma inserção
mais rápida, e redução do estranhamento inicial, a rotina estabelecida segue um padrão
prévio.
É comum identificarmos práticas de disciplinamento do corpo (contenção dos
movimentos e emoções, por meio do estabelecimento de tempos em comum para a
satisfação das necessidades fisiológicas: “hora do penico”, “hora do descanso”, mesmo
para aqueles que não apresentam sinais ou indícios dessas necessidades; exercícios de
memorização; contínua solicitação de atenção coletiva e elevado tempo na mesma
posição corporal: sentado, em pé, mãos sobre a mesa, entre outras.); controle da
comunicação entre as crianças e dos tempos de espera e ainda a redução do tempo para
brincar.
Se, do ponto de vista do controle do adulto, parece ser bem mais fácil organizar
e coordenar várias crianças em um único tipo de situação, do ponto de vista das
crianças, é fácil identificarmos e até nos incomodarmos com a imagem da criança sendo
rigidamente contida a esperar até que seja autorizada a levantar-se do penico, mesa ou
colchonete, assim como a controlar o choro, ou até mesmo ter que realizar movimentos
7
repetitivos sem nenhum sentido para ela, como fazer bolinhas de papel crepom ou de
massinha.
O tempo de espera é um indicador bastante preciso do que aqui chamamos de
homogeneização das ações infantis, em outras palavras, é a persistente tentativa de
controle do comportamento por meio do ajustamento comum de tempos, espaços,
posturas, necessidades, ações.
Do nosso ponto de vista, espera-se da instituição escola, que a organização da
rotina diária das crianças, promova tanto à adaptação das crianças quanto o exercício de
sua autonomia, para que possam experimentar situações que favoreçam a tomada de
consciência de que os espaços, tempos e materiais pertencem ao coletivo. Desse modo,
o adulto mantém sua importância na relação, como o parceiro mais experiente e o
responsável pela organização e garantia de intervenções educativas que atendam a essa
dupla função.
O que acontece normalmente é o inverso deste tipo de intervenção educativa, o
adulto ocupa o lugar de centro regulador, muitas vezes preocupado unicamente com a
adaptação das crianças ou com a excessiva cobrança de crianças com necessidades e
competências distintas, almejando o mesmo desempenho. Sob esse aspecto,
questionamos: A que atende a homogeneização, ao funcionamento da escola, ao
controle do professor
8
, às necessidades futuras das crianças ou às suas necessidades
atuais?
A homogeneização das ações infantis é muitas vezes justificada, pelos
profissionais, como necessária e fundamental para que as crianças possam desenvolver a
autonomia e aprender a conviver coletivamente de modo que, ao ingressarem no ensino
fundamental, tenham condições de assumir e corresponder ao esperado para tal nível
escolar, porém, nomeiam o conjunto de ações que justificam esses objetivos como
adaptação.
O que pretendemos elucidar é justamente a distinção entre os dois conceitos,
normalmente identificados pelos professores como sinônimos. A homogeneização é a
persistente tentativa dos professores de garantirem que as crianças reproduzam
comportamentos comuns, de modo que as diferenças são desconsideradas, e o resultado
é justificado na prática, pela necessária contribuição de cada um em favor do
8
Utilizaremos o termo professor para identificar os profissionais que atuam desde a educação infantil, por
se tratar de exigência legal, mesmo reconhecendo que na realidade nacional, muitas crianças são
acompanhadas por profissionais leigos ou identificados por diferentes funções.
8
funcionamento do coletivo. A adaptação, ao contrário, é a condição necessária para que
cada criança, na sua individualidade, desenvolva condições para a vida social, ao
mesmo tempo que estabelece a imagem de si que é distinta do outro. Nesse sentido,
entendemos que a adaptação converte-se em homogeneização, tornando-se ambas
indiferenciáveis no processo de identificação feito pelos professores.
Feita a distinção, cabe-nos explicitar que o processo educativo vivido por muitas
crianças atualmente, em que quanto menor a idade, maior a dependência e por isso
maior a facilidade desse controle indistinto, nesse caso, limitados quase que
exclusivamente à homogeneização, distancia-se em absoluto da expectativa levantada
pelos teóricos do desenvolvimento, no que diz respeito à função social das instituições
que partilham da formação humana. É consenso que à escola cabe o papel de instruir as
novas gerações e, portanto, prepará-las para cada etapa que sucede o nível escolar de
que faz parte, ao mesmo tempo que deve atender às necessidades específicas de cada
nível.
Assim, a prática educativa voltada para o desenvolvimento da pessoa completa,
deveria promover experiências sociais de forma que as crianças pudessem
simultaneamente adaptar-se às novas realidades a que estão expostas, ao participarem de
situações que explorem os conhecimentos já conquistados em níveis anteriores, quanto
àqueles que não são do domínio da criança.
A título de explicitar tais expectativas podemos citar a proposta de intervenção
educativa relativa ao momento de uso do banheiro: todas as crianças precisam aprender
a utilizar o espaço e materiais de maneira autônoma, porém, nem todas conseguirão
fazer uso ao mesmo tempo e da mesma maneira. Enquanto algumas já antecipam suas
necessidades e utilizam o espaço e materiais com total desenvoltura, outras precisarão
ser convidadas ao uso, assim como lembradas da seqüência de comportamentos
esperados, ou ainda, algumas precisarão de total ajuda, como no caso das crianças com
necessidades especiais, que mesmo em idade aproximada à do grupo que participam,
podem apresentar necessidades diferenciadas, como no caso de uma criança cadeirante.
O que parece em um primeiro momento muito óbvio, converte-se no cotidiano,
em efetiva atividade de homogeneização: estabelece-se horários em comum, para que
todas as crianças utilizem o banheiro, e a professora pela necessidade de garantir o
controle do grupo, faz intervenções que refletem sua intenção para o coletivo,
impedindo que o processo de adaptação possa paulatinamente, subsidiar às crianças no
desenvolvimento da autonomia.
9
Torna-se visível a importância da relação entre o desenvolvimento infantil e a
prática pedagógica, para que os professores possam compreender e favorecer a dinâmica
de seus grupos. Nesse sentido, padronizar horários, espaços e posturas a fim de orientar
a organização geral da escola e ao mesmo tempo de propiciar situações em que as
crianças possam se reconhecer, se ajudar e principalmente, se diferenciar, corresponde
ao que entendemos como formar para a autonomia e não exclusivamente para a
adaptação. Assim, a professora poderia realizar intervenções para que a criança
cadeirante pudesse ser apoiada por outra criança, seja auxiliando-a no manuseio de
algum material, como segurar a porta do banheiro, o papel higiênico ou aproximar o
sabonete para a lavagem das mãos, ou simplesmente partilhar desse momento,
identificando a diferença de uso do mesmo espaço por essa criança, fazendo-lhe
companhia e demonstrando disponibilidade. Poderia também, combinar com o grupo,
mecanismos de organização, que sinalizem para todos quando alguma criança estivesse
no banheiro sozinha, ou com algum amigo para ajudá-lo, demonstrando para todo o
grupo, que tanto a individualidade quanto a necessidade são reconhecidos e respeitados.
Muitos profissionais que privilegiam a homogeneização das ações infantis não
têm consciência de que estão operando de modo restrito à adaptação, e menos ainda de
que sua atuação é fruto de forças externas que se formalizam por meio de documentos,
normalmente como produto da expressão dos mais variados segmentos educativos.
Com esta pesquisa almeja-se contribuir para o debate sobre a especificidade da
educação infantil integrada à educação básica, ao analisar o lugar da autonomia,
focalizada na intersecção da educação infantil (pré-escola) com o ensino fundamental,
bem como ao apontar como se dá o processo de conversão da criança em aluno nas
prescrições e regulamentações.
Problema de pesquisa, objetivos e método
Se, desde o ingresso na educação infantil, a criança é educada com as mesmas
estratégias adotadas no ensino fundamental, ou seja, seus movimentos e modos de agir
são orientados para atender aos padrões de controle da escola, de ajuste homogêneo do
coletivo, cabe perguntar:
Como os documentos oficiais tratam a infância, particularmente, em relação
à autonomia das crianças?
10
O que de específico, tanto em relação às continuidades quanto às rupturas, é
prescrito na intersecção entre a educação infantil (pré-escola) e o início do
ensino fundamental?
Esta pesquisa pretende por em questão o grau de ajustamento que é exigido
desde a educação infantil, noutras palavras, questiona a relação entre adaptação e
autonomia. Para tanto, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: como a autonomia
da criança é tratada pela legislação educacional brasileira?
Esta investigação visa descrever, comparar e confrontar as orientações e
indicadores formais voltados para o desenvolvimento da autonomia das crianças na
educação infantil (pré-escola) em relação ao ensino fundamental. Então, foram
especificados os seguintes objetivos:
Verificar se e em que termos a autonomia da criança é tratada nos documentos;
Discutir o posicionamento oficial em relação às finalidades da educação infantil
e do ensino fundamental e em relação à articulação entre elas;
Identificar como são tratadas as continuidades e rupturas relativas à passagem da
educação infantil para o ensino fundamental.
Fontes da pesquisa, procedimento de coleta e organização de dados
Para atingir os objetivos formulados, foram selecionados os seguintes documentos
oficiais:
1. Parecer CEB no. 022/98 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil
2. RCNEI - Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – 3 volumes
1.1.Introdução
1.2. Formação Pessoal e Social
1.3. Conhecimento de Mundo
3. Parâmetros em ação – Programa de Desenvolvimento Profissional Continuado –
2 volumes
3.1. Educação Infantil
3.2. Alfabetização
4. PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais – 1 volume
4.1.Introdução
11
A escolha dessas fontes primárias obedeceu aos seguintes critérios: a) são de
referência nacional, b) passaram pela análise de professores e/ou pesquisadores que
assessoraram o Ministério da Educação, especialmente por intermédio dos
departamentos que atualmente compõem a Secretaria de Educação Básica
(Anteriormente identificados como Secretaria de Educação Fundamental, Departamento
de política da educação fundamental, divididos entre a Coordenação Geral de Educação
Infantil e a Coordenação geral de estudos e pesquisas da Educação Fundamental.) e c)
foram produzidos após a promulgação da lei de no. 9394/96, que dispõe sobre as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, modificando a composição da educação
escolar até então vigente, ao incluir a educação infantil como primeira etapa da
educação básica.
Dentre os documentos selecionados, um refere-se diretamente ao ensino
fundamental, PCN – Introdução, dois à educação infantil, RCNEI e Parecer CEB no.
022/98, e um foi produzido simultaneamente para as duas etapas, porém em publicações
separadas, intitulado Programa de Desenvolvimento Profissional Continuado -
Parâmetros em ação. Para organizar as informações contidas nos documentos, foi
elaborado um protocolo de leitura, com a finalidade de registrar os argumentos e os
excertos que fazem referencia direta ou indireta, da autonomia da criança e da
articulação da pré-escola em relação ao ensino fundamental. Tal protocolo de leitura foi
preenchido mediante as seguintes perguntas:
Autonomia
Qual o conceito de autonomia presente nas orientações oficiais?
Quais são as propostas voltadas para o desenvolvimento da autonomia das
crianças na educação infantil? Como aparecem?
Articulação
Há propostas e orientações para articulação da educação infantil com o ensino
fundamental?
O instrumento elaborado possibilitou, ainda, identificar a ocorrência dos
conceitos de autonomia e adaptação, e qualificar as explicações, justificativas e
referências teóricas.
A coleta de dados passou por duas etapas; na primeira, foi realizada busca de
palavras-chave: autonomia, e, na segunda, foram coletados àqueles excertos que
apontavam indicadores indiretos ou relativos ao conceito, especificamente no
documento RCNEI volume 3 – Conhecimento de Mundo, voltados para os objetos de
12
conhecimento: Movimento, Música e Artes Visuais, assim como, as informações
voltadas para as crianças de quatro a seis anos, a fim de seguir o critério de atender ao
recorte etário priorizado por este estudo assim como a organização do próprio material,
dividido entre orientações para crianças de zero a três anos e de quatro a seis anos de
idade. Em conseqüência, a organização e apresentação dos resultados, são apresentados
em quadros.
Hipótese
O presente estudo pretende evidenciar a hipótese de que a autonomia é
considerada na última etapa da educação infantil em relação aos anos iniciais do ensino
fundamental, prioritariamente como adaptação, sendo esse período transitório pouco
considerado em termos de ações que visem à articulação dessa transição.
A pesquisa é apresentada em dois capítulos, divididos em subtítulos que seguem
a mesma organização das perguntas levantadas para o preenchimento dos protocolos.
Inicialmente procedemos à distinção das contribuições dos dois teóricos
selecionados, Adorno (1995) e Wallon (1979), sobre o conceito de autonomia da
criança, para em seguida, aproximá-los, apontando os aspectos que convergem para tal
aproximação. Depois, o mesmo conceito é tratado, segundo as contribuições de
dissertações ou teses, apresentadas a partir da década de 1990.
13
CAPÍTULO 1 -Autonomia da criança sob a óptica dos pesquisadores
1.1. Contribuições de Theodor Adorno (1995) e Henri Wallon (1979)
O referencial teórico adotado privilegia os conceitos desenvolvidos por Henri
Wallon (1979) e Theodor Adorno (1995), por que compartilham posições compatíveis
no trato da educação e da escola para a infância, como espaço privilegiado para o
desenvolvimento da autonomia. Especificamente, a vinculação entre a psicogenética
walloniana e a teoria crítica, favorece o estudo do processo educacional, com foco na
relação entre a educação do sujeito e a autonomia do indivíduo. Tal aproximação
justifica-se pela compreensão de que ambas as teorias convergem quanto ao
reconhecimento do princípio da autonomia como princípio educativo da consciência do
sujeito, assim como, reconhecem a escola como uma instituição social potencialmente
voltada para o desenvolvimento de tal autonomia, e destacam ainda a importância da
educação para o desenvolvimento da consciência desde a infância.
Faz-se necessário, então, indicar o posicionamento dos teóricos sobre o conceito
de autonomia, apresentando suas especificidades, para, em seguida, identificar o elo de
aproximação entre eles. Considerando o dado objetivo de que são pesquisadores, com
referenciais de vida, teóricos, percursos e interesses de pesquisa diferentes, mas,
compatíveis da óptica deste estudo, porque reconhecem a escola como um espaço para a
realização de experiências significativas e formativas do desenvolvimento social e a
infância como um momento privilegiado para o investimento na formação de hábitos
como base da relação entre autonomia e adaptação.
O conceito de autonomia foi tratado espaçadamente nas obras consultadas, e,
esclareça-se, não se refere a uma conquista concluída na infância. Antes disso, para os
dois autores, a autonomia segue uma linha ascendente ao longo da vida, de modo que,
com a aquisição da consciência de si pelo sujeito, poderá ser exercida gradativamente
com maior esclarecimento. Para ambos, a autonomia deve ser mais apropriadamente
entendida como um princípio que deveria ser exercido plenamente, em graus diferentes,
simultaneamente, determinados pela relação entre cada pessoa e as mediações
proporcionadas pelo contexto no qual está inserida; noutras palavras, graus
determinados entre o sujeito e a condição objetiva de sua atuação em sociedade. Assim,
a análise das obras sobre o conceito de autonomia foi tecida pela busca de indicadores,
14
diretos e indiretos, distribuídos no conjunto dos textos que indicavam a posição dos
teóricos mencionados.
Não se trata, portanto, de procurar uma teoria da autonomia, mas de repor uma
premissa da sociedade moderna: a liberdade como premissa para a ação consciente do
sujeito. A autonomia foi adotada como um conceito chave por se tratar de uma
promessa não cumprida, pois, mesmo em tempos de alto desenvolvimento intelectual e
tecnológico, permanecem as condições objetivas que geram a barbárie, as condutas
irracionais, que, por sua vez, são um impedimento à emancipação e à autonomia do
indivíduo.
Para este estudo, dedicamo-nos à obra Educação e emancipação
9
, de Adorno
10
(1995), porque contribui de forma clara, no entendimento do objeto desta pesquisa. O
autor faz menção a diversos autores que lhe serviram de base, por partilharem da
perspectiva da autonomia como condição de possibilidade do ser humano
individualizar-se e desenvolver a condição de fazer escolhas conscientes tendo a
objetividade da sociedade, o que inclui o outro, como referência.
Além disso, o autor reconhece o papel das instituições formadoras, reguladoras
do processo de formação e de desenvolvimento da personalidade e do caráter. Ele
propõe que a função social da escola esteja alicerçada em práticas que garantam a
adaptação, mas que não se restrinjam à simples adaptação, que promova condições que
permitam aos indivíduos, adultos e crianças, refletirem sobre as condições reais de viver
a infância de modo a superar ao que adapta. O autor justifica seu posicionamento como
conseqüência de sua formação filosófica, considerando esse entendimento como um
princípio da formação de pessoas no/para o convívio em sociedade, considerando a
história de modo a possibilitar condições de lembrarem do passado, não como mero
acúmulo de fatos, mas a fim de evitar a sua simples repetição. Por isso, defende que a
meta principal da educação deva ser o impedimento da regressão à barbárie: "que
Auschwitz não se repita". Extraímos desse importante alerta, a indicação para que as
novas gerações sejam lembradas e, principalmente preparadas, conscientizadas para
9
Trata-se de um conjunto de entrevistas radiofônicas, postumamente transformadas em uma coletânea que
aproxima-nos de um conjunto de temáticas, por meio dos argumentos que tratam sempre do mesmo
objeto: a relação entre a educação e a formação humana.
10
Theodor Adorno e outros intelectuais da sociedade alemã, a partir de 1923, compuseram o grupo
identificado no meio educacional como os frankfurtianos. Na obra de Matos (1993), encontram-se os
aspectos gerais da história do grupo e os princípios da teoria crítica.
15
evitar a destruição em massa que, já naquele tempo, foi movida por mentes educadas
porém desumanas, conforme (Adorno, 1995, p.119).
Concordamos com a perspectiva adorniana acerca do desenvolvimento da
autonomia: não basta que as crianças cresçam e se desenvolvam de forma segura e entre
pares, é preciso garantir situações em que elas possam participar gradual e ativamente
da análise das experiências que estão vivendo, de modo que o professor, a figura de
autoridade do grupo, exerça o papel de mediador dessas experiências e não somente
daquela pessoa que procura controlar tempos, espaços e posturas. Partilhamos da
compreensão de uma educação para a autonomia ou, mais precisamente, uma educação
para a emancipação que se inicia na primeira infância, porque,
A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma auto-reflexão
crítica. Contudo, na medida em que, conforme os ensinamentos da psicologia profunda,
todo caráter, inclusive daqueles que mais tarde praticam crimes, forma-se na primeira
infância, a educação que tem por objetivo evitar a repetição, precisa se concentrar na
primeira infância (Adorno, 1995, p.121).
Sustentamos que a educação emancipatória só pode ser proporcionada por meio
de situações que favoreçam a auto-reflexão crítica, como exercício de uma vida inteira,
desde a infância, admitida como marco inicial e fundamental porque se trata do período
em que se forma o caráter e a personalidade, portanto, a base da relação eu-outro.
Com isso não estamos desconsiderando as características do pensar infantil e
muito menos afirmando que esse exercício acontece em determinada etapa do
desenvolvimento humano, de maneira plena e precisa. Reafirmamos que a autonomia é
entendida aqui como expressão da consciência, portanto, fruto da diferenciação eu-
outro, do convívio em situações que possibilitem viver a infância em relação aos pares e
em cooperação a eles, e não apenas em situações onde o ajustamento e a segurança,
justifiquem o sentido de crescer e se desenvolver em ambiente diferente do familiar.
Além disso, que a reflexão é prioridade para todas as etapas da vida, incluindo a
primeira infância, com suas reais condições de participação nesse tipo de experiência.
Essas afirmações possibilitam um posicionamento frente às orientações oficiais:
não basta que os professores sejam orientados a se comprometerem com a adaptação às
normas e regras sociais, é fundamental que eles garantam que as crianças tenham
oportunidade de aprender a refletir criticamente sobre a sociedade, de questionar e de
posicionarem-se diante das diversas formas de desrespeito e inumanidade tão presentes
16
no cotidiano, mesmo que esse exercício seja inicialmente vivido por idéias fantasiosas,
características do pensamento infantil.
Tal afirmação parece ser garantida quando ouvimos os comentários das crianças
sobre as crueldades veiculadas pela televisão, ou quando realizamos a leitura de uma
fábula e, ao final, destacamos a moral da história. Não é esse tipo de intervenção que
defendemos, ao contrário, sustentamos que a literatura deva ser objeto de fruição,
momento em que as crianças possam desfrutar do universo de histórias sem o
compromisso de produzir algo em seguida, seja um desenho, escrita ou interpretação.
Por sua vez, as falas das crianças não são apenas objeto de atenção quando o adulto
controla a vez de cada um falar ou atende individualmente um comentário, ao contrário,
defendemos que no tempo escolar da primeira infância, a conversa seja provocada por
muitas vezes, de modo que as crianças sintam-se autorizadas a compartilharem seus
pontos de vista, experiências extra-escolares, dúvidas, angústias, enfim, que possam
exercitar a fala compartilhada, não só para pensar sobre informações sugeridas ou
iniciadas pela professora, mas também sobre o convívio humano, incluindo aí, as
desumanidades que estão expostas e presenciam, seja pelos meios de comunicação - a
televisão, rádio, imprensa, computadores, seja pelos comentários de pessoas do seu
cotidiano, e que lhe permitam se colocar no lugar do outro, pensar alternativas, enfim,
considerar a experiência do outro para atribuir significados às suas próprias
experiências.
Adorno enfatiza também que a desbarbarização deveria ser a meta pela qual a
educação deveria ser revista; tal insistência justifica-se pela presença de um impulso
primitivo de destruição em sociedades que alcançaram um alto desenvolvimento
tecnológico. O conhecimento desenvolvido em alto grau não garante consequentemente
a formação de pessoas de bom caráter, pelo contrário, é a soma de um caráter destrutivo
com o domínio de bons conhecimentos que tem levado os indivíduos e a sociedade
paulatinamente à destruição.
Entendemos que a infância deva ser pensada e vivida para a sociedade de hoje,
de modo que as crianças relacionem-se com adultos compromissados com uma
disposição do tempo escolar que evidencie os pilares de uma relação de autoridade, qual
seja o controle e a mediação da convivência em espaço comum, que garantam por meio
da formação de hábitos que as crianças possam experienciar situações de livre escolha,
de forma compartilhada, ao mesmo tempo que têm preservada sua individualidade,
possam conviver em uma atmosfera de cooperatividade e complementaridade. Assim,
17
fica preservado o lugar da autoridade do professor, mesmo quando assume uma prática
que oriente as crianças para o exercício da escolha de espaços e materiais, e para
assumirem responsabilidades compartilhadas, como cooperar na organização da sala,
consertar brinquedos quebrados, ajudar uma outra criança ou adulto. Essa prática
diferencia-se daquelas centralizadas exclusivamente na figura do professor quanto
daquelas em que as crianças precisam corresponder exclusivamente com o retorno dos
conteúdos escolares, porque dá prioridade à formação para a autonomia como elemento
chave da educação. No caso da educação infantil, são os conteúdos atitudinais e
procedimentais, a formação de hábitos voltados para a sociabilidade e a aquisição de
conhecimentos, que podem dar o sentido de um posicionamento em favor da
emancipação.
Na sociedade de classes não é possível abolir da educação a adaptação, inclusive
na educação infantil que oficialmente é proposta como educação complementar.
Cada instituição funciona com regras específicas. Família e escola podem
partilhar dos mesmos princípios e normas, porém os transmitem de geração para
geração, por meio de estratégias distintas. Da escola espera-se que as crianças ampliem
suas experiências sociais e compartilhem aquelas já vividas em outras instituições,
contudo, não se nega a expectativa de que ela seja ajustada a certos padrões de
comportamento que favoreçam tanto sua interação com o coletivo quanto sua condição
de se auto-regular, especialmente ao desenvolver o papel social de estudante, noutras
palavras de aluno
11
.
Em nosso entendimento, uma educação que se restringe à adaptação
desconsidera a capacidade da criança como pessoa ativa e que se vê em constante
processo de conflitos, dúvidas, ambigüidades, contradições, ou seja, que se encontra em
desenvolvimento. Entendemos, assim, a adaptação como um dos aspectos do
desenvolvimento da autonomia, aquele que possibilita a comparação entre o eu e o não-
eu.
Para que esse exercício possa ser potencializado na escola, as crianças precisam
ter experiências de situações de conflito, oportunidade de se colocarem no lugar do
outro, possibilitando-lhes, assim, ir tomando consciência de que a convivência é tanto
mais significativa quando vivida em cooperação e não somente o oposto. Evidenciamos
a competição exacerbada, por sujeitos em constante exercício de disputa fazendo uso de
11
Para este estudo adotaremos a expressão aluno para diferenciar a criança que ingressa no ensino
fundamental, neste caso, etapa obrigatória da educação básica.
18
instrumentos que desumanizam, ou como conta a história, que escravizam ou extinguem
o outro. Consideramos que, ao experimentarem situações onde são incitadas a
explicitarem suas fantasias, vivências e expectativas, prazerosas e angustiantes, de
modo a exercitarem a escuta atenta e o partilhar de experiências, assim como ao
refletirem sobre a necessária organização do grupo para melhoria da convivência,
poderão reconhecer a importância do papel e do espaço do outro na formação de hábitos
comuns e na melhoria do conhecimento sobre si mesmo.
A esse propósito, são interessantes as seguintes palavras do autor:
...aquilo que caracteriza a consciência é o pensar em relação à realidade, ao conteúdo – a relação
entre as formas e estruturas de pensamento do sujeito e aquilo que este não é. Este sentido mais
profundo de consciência ou faculdade de pensar não é apenas o desenvolvimento lógico formal,
mas ele corresponde literalmente à capacidade de fazer experiências intelectuais. Nesta medida e
nos termos que procuramos expor, a educação para a experiência é idêntica à educação para a
emancipação (Adorno, 1995,p.151).
Este excerto leva-nos a reafirmar a importância da convivência das crianças por
meio de experiências que promovam conversas sobre o convívio diário, sobre as coisas
que acontecem e/ou já aconteceram com outros grupos, em outros tempos e condições,
de modo que possam trocar pontos de vista, sentimentos e impressões. Nesse sentido,
reconhecemos também a importância das diferentes linguagens, verbal e não verbal,
como ferramentas de apoio ao pensamento infantil e não como meros passatempos ou
tarefas acumulativas e preparatórias. Ou seja, não basta uma educação que se
comprometa a formar pessoas ajustadas, adaptadas aos padrões sociais de
comportamento; é preciso garantir momentos em que as crianças possam pensar sobre o
funcionamento da sociedade, com garantia de tempo e espaço para se colocarem em
relação aos outros, crianças e adultos, não apenas em relação ao professor. Uma
educação para a autonomia prevê tempo para o ócio, para que as crianças possam
brincar e contrapor suas escolhas com as escolhas dos outros, para que o professor
provoque conversas entre as crianças, em pequenos grupos, incitando nelas o hábito de
ouvir, falar, rever, compartilhar idéias e atitudes.
Nessa medida, o ócio é fundamental para a formação. Reconhecemos a função
que o estabelecimento de certas rotinas desempenha no espaço escolar, contudo,
questiona-se o escasso tempo reservado para o manuseio livre de livros infantis de
qualidade, para escuta de histórias pelo exclusivo prazer de ouvi-las, para o manuseio de
materiais plásticos pelo simples exercício da descoberta das transformações, para a
regulação do tempo de descanso de acordo com a necessidade de cada criança, enfim
19
para o lúdico como meio de partilhar experiências iniciadas e finalizadas pelas próprias
crianças e não o contrário, controladas predominantemente para fins conceituais e/ou de
organização e disciplina. Essa educação que escolariza as experiências infantis,
exclusivamente em favor de conteúdos e comportamentos, as expropriam de seu próprio
tempo. Defendemos uma prática educacional que articula adaptação e autonomia, que
dá gradualmente condições das crianças experimentarem desde pequenas, até para
estimular o desenvolvimento da consciência de si e do outro, experiências sociais que as
aproximem da situação social real em que estão inseridas.
Questionamos a prática educacional que desde a educação infantil se restringe à
adaptação, tornando as crianças cada vez mais iguais, insensíveis e distantes umas das
outras, privilegiando o acúmulo de informações, a disciplina e a adoção de práticas que
desconsideram a experiência anterior das crianças, produto que insistentemente aqui
nomeamos como homogeneização, assim como, apresentando um mundo irreal:
propostas e materiais infantilizados e estereotipados. Buscamos uma formação que ao
mesmo tempo que prepara indivíduos ajustados aos padrões de comportamento
necessários à convivência coletiva investe no desenvolvimento de pessoas
compromissadas com atitudes e iniciativas que humanizem as relações e favoreçam a
cooperação.
Ao tratar da autonomia tendo como referência a relação entre criança e adulto,
aluno e professor, não é possível desconsiderar a função da autoridade, nem o quanto as
próprias condições de adaptação são instáveis: o mundo das informações entrou na
esfera do comércio, elas tornaram-se muito descartáveis, convertendo-se numa
constante sensação de dependência externa, ou melhor dizendo, na condição humana de
inconsciência desse cativeiro. Ousaria afirmar, ainda, que as relações ficam por um
curto espaço de tempo sustentadas pelo imediato, pelo modismo, por uma consciência
parcial.
É importante destacar que o conceito de experiência aqui apresentado está ligado
à emancipação e, portanto, à tomada de consciência, ao convívio partilhado de
questionamento da sociedade e ao constante exercício de colocar-se no lugar do outro.
Não é uma experiência que atende só ao imediato, que forma para o esquecimento, mas
aquela em que a educação se faz por meio de momentos em que o tempo do relógio ou
dos modismos se desfaz. Essa concepção rompe também com um discurso sobre a
concepção de infância baseada na preservação do tempo de ser criança. Não se nega
aqui o valor de tal preservação, o que se critica é a interpretação generalista que se faz
20
do como ser criança em tempos em que a infância é um tempo concebido de muitas
formas em uma sociedade de classes e preconceituosa: ser criança trabalhadora, ser
criança negra, ser criança órfã, e por aí afora.
Ainda sobre os tempos de ser criança, identifica-se que os momentos de
transição têm sido deixados ao acaso, tratados com descuido em função do atendimento
a demandas maiores, especialmente as comerciais. Os ritos de passagem estão
praticamente em desuso, às crianças vivem experiências contínuas, permeadas, ou
melhor, atravessadas por descontinuidades que, no conjunto das experiências
educacionais, passam despercebidas.
Se concordarmos com Adorno que uma educação emancipatória necessita
superar a adaptação, precisamos evidenciar experiências que desencantem os ritos de
passagem, que transformem as simples vivências em experiências, valorizando
continuidades e rupturas como partes estruturantes do processo de formação.
A tese de Adorno, quanto à emancipação do indivíduo como fundamento para a
formação pessoal e social, supera a proposição de adaptação à sociedade: ao ser
emancipado, o sujeito tem a possibilidade de criticar a sociedade em que está inserido,
utilizando recursos conquistados ao longo de sua formação, realizada em meio às
diferentes instituições sociais.
A experiência, se orientada para o exercício da “auto-reflexão crítica”, como
propõe Adorno, dá o sentido adotado por este estudo. Há que se enfatizar que essa meta
deva ser assumida pelos profissionais desde a educação infantil, garantindo-se a
especificidade da forma como a criança pequena pensa e as reais condições desse
exercício, evidenciando assim o sentido que aqui entendemos e defendemos como uma
educação para a autonomia, em sentido restrito, como auto-governo em situações
mediadas por um outro mais experiente: o professor.
Com as contribuições dessa perspectiva teórica, faz-se necessário entender como
as orientações e diretrizes concebem as infâncias e como tratam da passagem da
educação infantil para o ensino fundamental, considerando esse momento como um
marco singular na trajetória escolar, em que “a educação também precisa trabalhar na
direção dessa ruptura, tornando consciente a própria ruptura em vez de procurar
dissimulá-la e assumir algum ideal de totalidade ou tolice semelhante” (Adorno, 1995,
p.154).
Entendemos que os momentos de passagem que são experimentados pela criança
ao longo da trajetória escolar, são marcos singulares e potenciais do processo de
21
desenvolvimento por evidenciarem simultaneamente fatores relativos tanto a rupturas
quanto a continuidades. É sob esse aspecto, a psicogenética do desenvolvimento
humano, que propomos relacionar a teoria crítica da sociedade à teoria walloniana do
desenvolvimento, por configurar uma ligação teórica fecunda, significar e dar
visibilidade à análise das orientações aos profissionais da educação.
Wallon
12
aplicou a observação como método para identificar e reconhecer a relação
entre a ontogênese e a filogênese do homem, na tentativa de compreender a pessoa
completa, ou seja, o desenvolvimento psíquico-motor, intelectual e social.
Suas contribuições para esta pesquisa justificam-se pelos seguintes motivos: 1) a
forma como entende a criança em seu processo de desenvolvimento, superando as
pesquisas que descrevem as etapas num crescente em espiral; 2) o reconhecimento da
escola como espaço em potencial para diferenciação eu/não-eu, e a conseqüente
individuação, ou seja, Wallon parte do pressuposto de que o homem é um ser social
desde a concepção; 3) o entendimento da articulação entre a psicologia e a educação
como áreas do conhecimento que se relacionam.
Cada um destes motivos será melhor explicitado, no intuito de tornar evidentes,
aspectos da singularidade do autor que, apesar de contemporâneo a outros tantos
estudiosos do desenvolvimento, ainda é tão pouco conhecido e utilizado por
pesquisadores e profissionais da educação.
Admite-se, aqui, que psicologia e educação são campos de pesquisa que se
complementam e que a articulação entre eles, na prática escolar, pode ser favorecida
quando os professores ao conhecer seu grupo de crianças, reconheçam e utilizem
informações sobre o processo de desenvolvimento, para refletir sobre o dia-a-dia na
escola e evitar o dispêndio de energia em situações de aprendizagem nas quais a criança
demonstra interesse por atividades diferentes daquelas propostas por eles.
Essa perspectiva teórica possibilita analisar a educação entre as duas esferas
privilegiadas de sua atuação: a formação da pessoa completa e a sua relação com a
coletividade, assim como instrumentaliza a psicologia ao pesquisar a escola enquanto
meio social que favorece o desenvolvimento humano, concreta e diferentemente de
outros meios sociais.
12
A trajetória desse autor, tanto de formação - doutor em Filosofia, com tese de Medicina e doutor
em Letras com tese em Letras – quanto de atuação - atendeu pacientes vítimas da primeira guerra,
lecionou no ensino superior, liderou iniciativas tanto editoriais quanto de pesquisas relacionadas aos
estudos das crianças, assim como atuou em frentes de militância política de forma propositiva - configura
aspectos singulares que muito refletem os fundamentos de suas pesquisas.
22
Baseando-se na teoria walloniana, podemos afirmar que cada período de
desenvolvimento adapta a criança ao meio ao qual está sendo inserida, ao mesmo tempo
que a prepara para a próxima fase de desenvolvimento, o qual não se dá pelo acúmulo
progressivo e linear de aprendizagens, mas pelo exercício de adaptação e antecipação de
possibilidades proporcionadas por atividades e interações com as quais se depara: nesse
sentido, num movimento de vaivém dinâmico, simultâneo, desafiador e articulado.
O que é autonomia na óptica de Henri Wallon? Diga-se, de início, que o conceito
não é entendido pelo autor como algo característico de uma determinada faixa etária,
nem como uma conquista que se esgota na infância, antes, identifica-o como o princípio
que fundamenta a ação adulta de realizar escolhas a partir de valores próprios que são
determinados em oposição e/ou identificação com o socius, ou, em outras palavras,
como o exercício da manifestação consciente dos valores que determinam suas decisões
em relação a si mesmo e ao coletivo, porém assumidas com independência.
Entendemos assim que, em contrapartida, a autonomia não é algo que surge de
repente quando adulto, ela tem história e desenvolvimento. Ao tratarmos do
desenvolvimento da autonomia, ao longo da infância, nomeamos ações das crianças
que, desde os primeiros anos de vida, manifestam sua dependência parcial ou
independência, mais precisamente, desde o nascimento, quando o bebê conquista sua
independência para respirar mas mantêm a dependência de todas as outras funções para
sobreviver. Essa característica dialética do desenvolvimento humano funciona como
base, o prelúdio da autonomia em sentido restrito: a autonomia da consciência.
O bebê, ao aprender a segurar sua própria mamadeira, ao conquistar a marcha e
andar até o objeto selecionado para brincar ou ao escolher em qual canto da sala de
atividades quer brincar, também demonstra independência sob esses aspectos, porém, é
importante identificar que inicialmente a criança realiza um mimetismo, ou seja, ela
reproduz ações que são visíveis e constantes em seu cotidiano, sem consciência das
relações existentes entre sua decisão e as conseqüências. Evidencia-se assim que os
hábitos precedem as escolhas conscientes, dito de outra maneira, a adaptação é o
prelúdio da autonomia.
A formação do caráter e a autonomia são frutos da vida social, se desenvolvem por
intermédio dos grupos sociais indispensáveis “à criança não só para a sua aprendizagem
social, mas para o desenvolvimento da sua personalidade e para a consciência que pode
tomar dela" (Wallon, 1979, p.172).
23
Sendo a escola um lugar privilegiado da sociedade moderna para o
desenvolvimento da autonomia e para a formação do caráter, no convívio com crianças
provenientes de famílias com hábitos e costumes diferentes, somada à instrução que a
escola assume o compromisso de ensinar, as crianças terão condições de reconhecer
aquelas condutas que são essenciais para a satisfação de suas necessidades como
também aquelas fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade que respeite as
diferenças. Para o educador francês:
É preciso sublinhar aqui mais uma vez a ligação que existe entre a personalidade da criança e o
seu desenvolvimento intelectual, e como seria útil ligar as operações intelectuais, de que a
criança se torna capaz com relações sociais que se lhe tornam igualmente acessíveis. Veríamos
então que é muitas vezes favorecer a instrução da criança desenvolver simultaneamente as suas
aptidões sociais. Trata-se neste caso de uma ligação que poderia ser favorecida em cada um e
que talvez a nossa educação, demasiado puramente intelectualista e utilitária, faz mal em
desprezar (Wallon, 1979, p.209).
Dar prioridade à socialização é reconhecer que a aquisição de conhecimentos é
beneficiada quando, no tempo escolar, a criança tem variadas oportunidades de
relacionar-se com outras crianças, de modo que a individuação venha a ser o alvo de
ação dos professores, reconhecendo-a como base do processo de aprendizagem, e não o
oposto. Muitos profissionais, preocupados prioritariamente com a escolarização,
antecipam situações que vão na contramão do processo de desenvolvimento, como
evidenciamos anteriormente, seja solicitando que um bebê realize uma pintura, ou que
uma criança realize exercícios repetitivos para decorar as letras do alfabeto. Sob esse
aspecto, entendemos que a socialização precede e se opõe à escolarização, mesmo
quando a criança ingressa na instituição escolar nos primeiros anos de vida.
Wallon já apontava em suas pesquisas a importância da socialização para o
desenvolvimento infantil, argumentando que o movimento estabelecido entre razão e
emoção, a criança e o meio, são indissociáveis, mesmo reconhecendo a existência de
períodos de preponderância ora de desenvolvimento afetivo ora de desenvolvimento
cognitivo; afirmava que todas as estruturas de aprendizagem desenvolvem-se
paralelamente. É justamente essa movimentação simultânea e contraditória, realizada
por meio da socialização, que favorece à criança diferenciar-se e constituir-se em sua
individualidade e, ao mesmo tempo, tomar consciência de si, ou seja, alcançar a
autonomia. Nas palavras dele,
No decurso da infância, as actividades cuja preponderância é perdida devido ao progresso da
idade, são as actividades ligadas às funções vegetativas, seguidas das actividades emocionais e
24
daquelas que unem o sujeito à ambiência por uma espécie de participação efectiva e imitativa,
onde permanece obscuro o sentimento da autonomia pessoal e a decisão individual (Wallon,
1979,p.13).
Para o autor, a criança, ao socializar-se, simultaneamente vai se diferenciando, ela
precisa do outro para tomar consciência de si mesma, aprender a conviver em sociedade
e ampliar, assim, as aprendizagens sociais adquiridas de início, no grupo familiar. Todo
esse processo é desenvolvido de maneira articulada entre avanços e retrocessos, num
movimento complexo de ir e vir.
Com suas contribuições, podemos identificar a gradual conquista da autonomia
pela criança, desde o nascimento, e perceber o quanto ela também expressa a forma
como se dá o desenvolvimento. Nos primeiros meses de vida, o bebê mobiliza o outro
por meio de suas descargas motoras e estas ao serem interpretadas e atendidas, vão
significando essa interação para a criança, tornando consciente seus limites e suas
conquistas, ou seja, ao mesmo tempo em que irá adquirir controle próprio de algumas
situações, estará aprendendo como lidar com essa nova conquista e se manterá
dependente de outras.
Torna-se visível a passagem da criança do exercício de uma autonomia orientada
por necessidades fisiológicas, ou seja, inconsciente, para outra prática e, portanto
imediata, para aquela consciente e provocada por suas intenções, fruto da integração de
suas razões e emoções. É por meio da interação marcada por rupturas e continuidades,
que a cada dia a criança terá maiores condições de assumir suas necessidades e tomar
consciência delas.
O exercício reflexivo é possível quando a criança adquire condições de
reconhecer-se em sua individualidade, mas ainda na dependência da convivência com o
outro: a criança tem a necessidade do grupo e do adulto a todo tempo. Para que essa
conquista seja possível modifica-se completamente o papel do outro, especialmente no
espaço escolar. Se autonomia aqui é entendida como a condição de assumir progressiva
e conscientemente as próprias escolhas, não é possível mais concordar com a função da
escola restrita à adaptação, especialmente num período que é marcado por uma
significativa ruptura: a passagem da educação infantil para o ensino fundamental.
Os problemas da adaptação humana são enfrentados pela criança desde o
nascimento, a forma como podem ser enfrentados é que deve ser o foco de ação dos
adultos para intervir na qualidade deste enfrentamento, de modo a favorecer um
exercício da autonomia que objetive a emancipação e não apenas sua adaptação.
25
Cabe destacar ainda que se o próprio processo de aquisição da autonomia é
gradual e na óptica dessa teoria, conquistado por meio de crises, conflitos, contradições,
avanços e retrocessos, podemos afirmar que a cada idade os progressos se dão de forma
articulada e particular. Werebe e Nadel-Brulfert (1986), estudiosas da teoria walloniana,
concluem:
A idéia de que há uma relativa autonomia entre as possibilidades da criança e sua utilização nas
ações, a idéia de que há diversos níveis possíveis de aplicação das mesmas possibilidades e a
idéia de que estes níveis de aplicação são função do meio sobre o qual se aplica a ação da criança
levam às seguintes considerações sobre a definição da infância: 1) os progressos da criança não
representam o acréscimo de novas competências; implicam remanejamentos, questionamentos
ligados a mudanças de utilização de uma mesma função ou a mudanças de objetivos; 2) cada
“idade” tem suas modalidades próprias de adaptação, que constituem a fórmula ótima de
utilização do repertório atual de meios comportamentais; 3) cada “idade” tem suas finalidades
adaptativas, ligadas às novas potencialidades funcionais emergentes e aos novos campos de
atividades disponíveis (p.13).
Esse entendimento qualifica a autonomia como um princípio que é desenvolvido a
partir da adaptação, da formação de hábitos relacionados tanto aos tempos quanto às
regras que funcionarão como orientadores das possíveis escolhas. Ao mesmo tempo os
organizadores da convivência em grupo, caracterizam a educação infantil e o ensino
fundamental no sentido em que, toda decisão da criança está primeiramente vinculada à
escolha e controle do adulto, nesse sentido por uma autonomia da situação ou do
atendimento de necessidades imediatas. A título de ilustração: uma criança por volta dos
três anos ao pode ser convidada a escolher em qual espaço e/ou brinquedo da área do
parque quer brincar, mas não pode escolher brincar na área interna, porque naquele
momento da rotina escolar, o grupo estará utilizando a área externa.
A autonomia, conforme é nomeada em diferentes situações da educação infantil e
do ensino fundamental, na verdade é caracterizada pelo exercício contínuo de certas
atitudes e procedimentos que vão sendo assumidos pelas próprias crianças e realizados
cada vez mais independentemente dos adultos, porém acompanhadas e orientadas no
sentido de auxiliar a criança a identificar a relação entre sua escolha e as escolhas dos
outros. Nesse ponto, é fundamental o professor considerar que as ações das crianças
correspondem a certos padrões relacionados ao seu estágio de desenvolvimento para
que possam atuar de sorte a favorecer tais aprendizagens. É precisamente nesse aspecto
que o desenvolvimento da autonomia, na teoria de Henri Wallon ganha destaque. O que
mobiliza um bebê de aproximadamente dezoito meses a escolher determinados objetos é
diferente do que mobiliza uma criança de três anos e assim sucessivamente. Porém, em
26
ambas as idades é a mediação do adulto que pode favorecer, traduzir e potencializar tais
iniciativas.
Ao contrário, um ambiente em que as crianças dependem da autorização do adulto
para trocar as cores de lápis para colorir um desenho, ou que são controladas a esperar
até que todos acordem após o horário definido como específico para dormir, para que
possam levantar, mostra que a ação docente está mais voltada à adaptação e, portanto,
ao ajustamento às regras, mesmo quando permite que a própria criança pinte seu
desenho ou levante sozinha do colchonete. Esses exemplos ilustram uma relação entre
crianças e adultos que além de estar centralizada na figura do professor, desconsidera as
individualidades, a capacidade da criança de cooperar com as diferentes necessidades
das outras crianças, enfim de diferenciar-se.
Para que essa autonomia das situações e do atendimento de suas necessidades
imediatas gradualmente transforme-se numa autonomia da consciência, a relação de
dependência necessariamente precisa ser reconhecida e reduzida, mesmo quando vive
uma situação inusitada: uma criança nova num grupo ressignifica os padrões de
comportamento do coletivo como um todo; enquanto entre os bebês o choro do iniciante
contagia o grupo pela emoção, num grupo de crianças maiores pode provocar disputas
seja por espaços ou objetos. Em ambas as situações é a tensão gerada pelo jogo de
forças entre os opostos, conhecido e desconhecido, ou seja, pela contradição, mediada
por um adulto que acolha, interprete e traduza a dinâmica dessas relações, que garantirá
uma educação que tem o reconhecimento do conflito como base da individuação e da
autonomia. Nas palavras de Gulassa (2004),
A relação eu-outro vivida cotidianamente é uma relação ao mesmo tempo de acolhimento e de
oposição, que no processo de desenvolvimento é incorporada e internalizada, sendo constitutiva
do mundo psíquico. O outro que é interiorizado, também chamado por Wallon de socius, contém
e sintetiza o contexto cultural e simbólico presente no meio, trazendo deste, por um lado, as
referências, alimento cultural fundamental, e por outro as regras e imposições sociais, que vêm a
ser contraponto da singularidade e da autonomia do eu (p.96).
Tanto as regras sociais quanto o outro atuam na dimensão psíquica como
interlocutores que darão a base para o exercício da autonomia, pois ambos promovem a
passagem de um estado de indiferenciação para a conquista da individuação: “o homem
se individualiza e se torna autônomo à medida que é capaz de se disfusionar, se
diferenciar, para então construir parceria e complementaridade”(Gulassa, 2004, p.98).
Assim a autoridade do professor é central, modificando-se no modo de operar:
organiza os tempos e espaços a fim de favorecer que as crianças convivam
27
gradualmente de maneira independente em situações nos quais os limites também estão
presentes na forma de organização.
A presente pesquisa ao adotar essas fontes, reconhece que a formação dos
profissionais é o alicerce para que se possa transformar uma educação exclusivamente
adaptativa em uma educação compromissada com a formação para a autonomia. Porém,
quando tratamos do sentido da formação, seja ela da infância ou dos profissionais,
questiona-se: em que medida tais documentos garantem que esses profissionais
desenvolvam também sua autonomia intelectual, de modo que possam exercer a prática
compartilhada em sua realidade de atuação, sem necessitar dessa educação perpétua,
qual seja, a educação continuada?
Para finalizar, apresentamos aspectos que justificam a aproximação desses teóricos:
enquanto para Adorno a experiência escolar pode favorecer o desenvolvimento de uma
autonomia voltada para a compreensão da sociedade e conseqüente crítica ao seu
funcionamento, na óptica walloniana, favorece a individuação, a condição de
diferenciar-se, opor-se e fazer escolhas próprias sempre em relação ao outro.
Nessa aproximação, falamos de uma educação orientada para a formação de um
indivíduo que percebe a si mesmo e a sociedade relacionando seus posicionamentos de
maneira solidária, ou seja, reconhece sua individualidade ao mesmo tempo que se
percebe parte de um socius, portanto, cúmplice de ações que podem evitar a repetição.
Nesse sentido, favorece o desenvolvimento de uma autonomia social. Outro aspecto de
destaque é que a primeira desenvolve-se por meio da crítica da sociedade enquanto a
segunda pela psicologia social, ambas convergindo para o questionamento e
investigação do mesmo objeto: a relação entre a socialização e a individuação para a
humanização das relações, mais precisamente, sobre a função social das instituições de
educação.
Nessa aproximação ficam delimitados os campos de análises que em primeira mão
não dialogam, e em segunda convergem para o mesmo objeto. Recorremos à relação
entre a teoria crítica e a teoria walloniana, porque evidenciamos que na maior parte das
vezes, a dimensão cognitiva é objeto prioritário e exclusivo da educação escolar, por
isso, reivindicamos que a dimensão da pessoa completa venha a ser considerada pelas
didáticas ao indicarem metodologias.
É preciso ressaltar ainda que as sociedades alemã e francesa distinguiram-se e
distinguem-se, tanto em sua organização e funcionamento familiar quanto
economicamente, dos países em desenvolvimento, desde aqueles tempos evidenciando
28
assim a necessária particularização ao recorrermos à Teoria Crítica e a Psicogenética
para análise do contexto educacional brasileiro. Contudo, a universalidade da função
social da escola e a concepção de educação discutida desde aquele tempo, evidenciam
que o problema da autonomia não foi resolvido, permanecendo portanto como um
problema educacional relevante.
Apoiando-se nas considerações aqui destacadas e no intuito de ampliar o diálogo
com pesquisadores que se interessaram por investigar tanto o conceito de autonomia
quanto a articulação da educação infantil com o ensino fundamental, foram selecionadas
produções a partir de 1990 por considerarmos que a identificação, organização e
comparação destes materiais favorecem diretamente a análise de dados.
29
1.2. Contribuições da produção científica a partir da década de 1990
Em termos da produção acadêmica, identificamos, pelo interesse dos
pesquisadores da infância, o elevado questionamento sobre a relação entre os conceitos:
razão/emoção, corpo/mente, educar/cuidar, socialização/escolarização, entre tantos
outros. Verificamos que há um volume considerável de pesquisas que analisam a prática
da educação infantil ou do ensino fundamental, sendo que são raras aquelas que
analisam a articulação entre eles e mais raras ainda aquelas que discutem o
desenvolvimento da autonomia das crianças nesse período.
Na revisão das produções, livros, teses e dissertações, mantivemos dupla
preocupação: (1) identificar estudos que se propunham a debater a relação entre a
educação infantil e o ensino fundamental, (2) apresentar as contradições e principais
contribuições daqueles que escolheram como objeto principal a autonomia da criança.
Considera-se que dessa forma fica delimitado o campo de estudos com os quais esta
pesquisa desenvolve diálogo, de forma a justificar quão pouco explorado foi esse
campo: o desenvolvimento da autonomia no período entre os anos finais da educação
infantil e os anos iniciais do ensino fundamental.
O levantamento bibliográfico foi realizado a partir da consulta aos bancos de
dados da CAPES, CNPQ, assim como ao acervo das bibliotecas da PUC-SP e FE-USP.
Para identificação dos materiais, realizamos a busca por palavras-chave, para em
seguida selecioná-las seguindo os critérios já mencionados.
30
1.2.1. A autonomia da criança
Ao buscar investigações que discutam o conceito de autonomia, é comum
encontrarmos pesquisas que tentam compreender a relação entre autonomia e gestão
escolar ou como se desenvolve a autonomia em determinadas funções, autonomia do
diretor, do coordenador pedagógico ou do professor. Contudo, o conceito é pouco
pesquisado sob o ponto de vista de seu desenvolvimento, especialmente a partir de sua
gênese, e menos ainda analisando-o em propostas educacionais voltadas para o
desenvolvimento da autonomia do sujeito.
O período delimitado para a seleção do material mostrou que a temática não é
objeto de interesse central dos pesquisadores consultados, normalmente aparece como
parte das produções, como uma categoria de análise. Tratando especificamente da
autonomia da criança, identificamos uma dissertação de mestrado que também utilizou
o RCNEI, especificamente o volume 2 - Formação pessoal e social - como fonte de
dados.
Souza (2002) utilizando o referencial piagetiano, com foco na autonomia moral,
também elegeu o estudo documental para análise. A autora afirma que “a moral
autônoma é construída mediante as relações que o sujeito constitui na vida sócio-
moral...”, e reconhece a escola como fundamental para tal desenvolvimento, por
caracterizar-se como espaço promotor de diferentes interações (p.209).
Tal compreensão parece desconsiderar que o desenvolvimento da autonomia
ultrapassa a dimensão individual e psicológica da criança. Nesse sentido, autonomia
moral é vista parcialmente porque parte de uma compreensão contrária ao que
defendemos: ao nascer, a criança integra-se ao mundo e aos outros como ser social e,
para que desenvolva sua autonomia, que em nossa compreensão nunca é plena, vivencia
ao longo da vida, contradições, rupturas e continuidades simultaneamente.
Contribui, para este estudo, identificar que a preocupação e escolha
metodológica da autora, aproximam-se daquelas admitidas por nós, evidenciando que a
pesquisa documental é uma escolha muito fecunda e que, certamente, convida os
pesquisadores a manterem o debate sobre as produções de materiais voltados para a
orientação dos professores, assim como favorece a revisão, atualização e análise dos
mesmos.
Outro aspecto relevante e coincidente com a perspectiva aqui adotada, é a
compreensão de Souza (2002) sobre a função social da escola. Para a autora,
31
A escola que queremos, enquanto pensadores da educação para crianças, não é uma escola que
engessa, que impossibilita as diferentes linguagens de coexistirem, não é uma escola que espera
e provê um conhecimento restrito, pré-concebido, onde a criança só venha para completar, mas
sim uma escola onde a criança venha para complementar (p. 60).
Consideramos que a criança vive sua infância nas instituições educativas de modo a
desenvolver sua autonomia quando, em experiências sociais, vivencia oportunidades
ímpares nas atividades em que possa se desenvolver ativamente, ajustando-se e
diferenciando-se em ação e em parceria.
Esse constante ir e vir que faz parte do processo de desenvolvimento revela que as
experiências infantis são exploradas por cada criança integralmente, de corpo inteiro, de
modo que em nossa compreensão, se opõe ao processo linear, tal como Souza (idem)
aponta:
A criança passa a ser vista como um ser em desenvolvimento, onde cada fase, cada etapa de sua
vida pressupõe comportamentos e interesses distintos. Caracterizada no princípio por uma
relação de dependência absoluta do adulto, até uma semi-independência, seguida da
possibilidade de uma independência e autonomia reais (p.64).
Concordamos com a autora quando reconhece que as relações entre adultos e
crianças são distanciadas à medida que diminui a relação de dependência entre eles,
porém, reconhecemos que esse movimento de dependência e independência permanece
ao longo da vida, entre as diferentes faixas etárias, como recurso de adaptação às novas
situações, de modo que se o processo fosse linear, bastariam às generalizações.
Por último, citamos a concepção de autonomia da criança referida por Souza
(idem), “o sujeito autônomo, como o entendemos com base no pensamento de Piaget, é
um ser político, cujo posicionamento está baseado nas regulamentações claras de que
faz parte, e por isso pode aceitá-las, sobretudo é um ser crítico e nunca conformado”
(p.102).
A fim de ampliar a análise do aspecto político, citado por esse estudo, incluímos
a pesquisa desenvolvida por Sekkel (1998), que trata dessa dimensão política da
autonomia humana, ao analisar o cotidiano de crianças numa creche. Ela argumenta em
favor de um atendimento que promova experiências entre crianças de diferentes classes
sociais em condições de igualdade e de um ambiente que reflita com os adultos, pais e
funcionários, sobre tal convívio, para que desde a educação infantil as crianças possam
ter uma nova e significativa referência.
Podemos afirmar que ao tratarmos da dimensão política não podemos deixar de
reconhecer que, objetivamente, nossas crianças vivem numa sociedade diferenciada por
32
classes, portanto, não basta que as instituições educativas, na pessoa dos professores,
façam a mediação dos processos de desenvolvimento por meio da moral autônoma. É
preciso uma experiência social, preocupada em garantir ao mesmo tempo uma
organização de tempos, espaços e convivência, onde as crianças possam romper
desafios, exercitar suas conquistas de forma compartilhada, conviver com crianças
diferentes, em situações das quais essas diferenças sejam explicitadas por adultos que
reconheçam e tenham o compromisso de favorecer tais condições, como sendo um
ambiente propício para a formação de pessoas menos individualistas, ao contrário,
singulares, porém solidárias.
Sekkel (1998) contribui, também, com exemplos do cotidiano, na medida em
que os relaciona com o conceito de autonomia em seu sentido político, rompendo com a
visão focada no indivíduo, de forma linear e adaptativa. Afirma ainda, que tal
desenvolvimento poderá ser conquistado como mera adaptação à sociedade capitalista
ou como base para o questionamento de sua estrutura e funcionamento.
Esse estudo nos leva a pensar sobre questões de fundamental importância
relativas ao papel da escola: a serviço de quem está essa autonomia? Para que
sociedade? Como os profissionais e pais agem em favor desse princípio?
33
1.2.2. A articulação da Educação Infantil em relação ao Ensino Fundamental
Foram identificadas três produções que tratam especificamente da articulação
entre a educação infantil e o ensino fundamental e simultaneamente correspondem ao
período selecionado: duas brasileiras e uma argentina.
Lara (2003), em tese de doutorado, acompanhou um grupo de crianças de cinco
e seis anos de idade, em pesquisa de campo realizada no município de Santos, a fim de
analisar o que ocorre na passagem da educação infantil para a 1ª série do ensino
fundamental. Utilizou Henri Wallon como principal referencial teórico, articulado com
Piaget e Vygotski, e procurou identificar como as múltiplas linguagens interferiram no
desenvolvimento do grupo que foi acompanhado em estudo longitudinal.
Os dados foram coletados por meio da observação participante, nomeada pela
pesquisadora por pesquisa qualitativa com abordagem etnográfica. Esse é um aspecto
distinto e por isso relevante, que parece reforçar a tendência do crescimento de
pesquisas que visam intervir e coletar dados simultaneamente. Sob esse aspecto,
destacamos a fragilidade de dissertações e teses que se restringem a relatos de
experiência ou generalizam intervenções indistintamente.
As intervenções atendiam a intenção de buscar um equilíbrio na passagem da
educação infantil para o ensino fundamental, de modo que em cada fase de seu
desenvolvimento, as crianças pudessem avançar no processo da construção do
conhecimento, sem perder o prazer da expressão, do movimento e do sabor do saber,
além de reforçar a premissa de que é necessário pensar em alternativas para ultrapassar
a dissociação, a descontextualização e a instabilidade que acompanham as práticas,
evitando assim a fragmentação e a descontinuidade. Para tanto, indica a literatura como
meio potencial de favorecimento da articulação nessa passagem.
A Educação Infantil e as séries iniciais do Ensino Fundamental – mais especificamente
a 1ª. série que recebe a criança vinda de um momento imediato em que supomos ter
oferecido a vivência de múltiplas linguagens à criança – precisam priorizar o trabalho
com a literatura, já que esta favorece o desenvolvimento integral da criança,
envolvendo-a de forma criativa e lúdica ao experienciar suas possibilidades de transitar
do real ao imaginário.
A literatura é capaz de alimentar as fantasias da criança e, ao mesmo tempo, dar-lhe
mais firmeza para enfrentar seus medos e inseguranças – calcadas em seu próprio real
e além disso, oferece, aos poucos, a ampliação da leitura de mundo e sua aproximação
gradativa ao universo da escrita convencional, sem ansiedades, preocupações com
rentabilidade ou velocidade na aprendizagem, pois isso tudo é conseqüência natural do
processo e não a mola-mestra do mesmo (Lara, 2003, p.101).
34
Sua pesquisa contribui para destacar o valor das experiências em substituição
das vivências, como base para transições entre as escolas e níveis de ensino de forma
mais humana e significativa assim como a função que a escola de educação infantil tem
na formação da primeira infância: ampliar as experiências sociais sem abrir mão da
articulação das diferentes linguagens em detrimento da antecipação da escolarização.
Se concordamos que o processo de desenvolvimento é permeado por rupturas e
continuidades e, portanto, que as aprendizagens são desencadeadas por essa dinâmica,
ao mesmo tempo que para a humanização das relações são necessárias experiências
sociais nas quais as crianças possam vivenciar os espaços, tempos e relacionamentos
com os diferentes, reconhecemos também que a adaptação assim como a autonomia são
conquistas resultantes de uma prática que considera a pessoa completa, e não apenas ou
prioritariamente a dimensão cognitiva. Nesse sentido, seja a literatura, a arte ou outra
linguagem, cada qual, com seu conjunto de recursos, estará ultrapassando a dimensão
acadêmica quando reconhecer que, em potencial, a mesma área do conhecimento que
forma para o ajustamento aos padrões de comportamento esperados do aluno também
deforma o homem, se utilizada de modo desarticulado com a dimensão política.
Para finalizar, destacamos as considerações de Lara (2003),
...o interesse da criança pela arte continua na passagem da educação infantil para o
ensino fundamental, o que muda é o foco de predominância do eu (estágio personalista
– educação infantil) para o outro (estágio categorial – ensino fundamental) e para as
coisas exteriores ao eu. No entanto, este mesmo eu artístico-criativo da criança que
vivencia a Educação Infantil, continua existindo e sendo importante, também no Ensino
Fundamental, pois é capaz de seguir criando artisticamente, necessitando de
oportunidades para a vivência de situações expressivas; porém, nesse momento de seu
desenvolvimento, constitui-se de modo mais aprofundado, amadurecido, ampliado e
articulado ao mundo, em busca de novos conhecimentos e descobertas.
Os centros de interesse da criança modificam-se por decorrência do processo
maturacional inerente ao seu desenvolvimento; no entanto, isso não exclui a necessidade
da vivência em continuum com as múltiplas linguagens em sua formação. O que se
alterna e transforma é a dosagem do interesse nas áreas cognitivo-expressivas, o que
certamente não implica exclusões, mas focos e ênfases diferenciadas nas vivências das
crianças, sinalizadas por elas mesmas(pp.261-262).
A predominância de focos de interesse é uma das características das leis do
desenvolvimento infantil, o que não corresponde à falta de interesse, devendo desta
forma, a atuação docente, incidir sobre as orientações curriculares no sentido de garantir
a continuidade de práticas iniciadas na educação infantil, rompendo exclusivamente a
dimensão espacial e temporal, local e período de atendimento.
35
Concordamos com outro aspecto, reivindicar a permanência da arte na educação
infantil e no ensino fundamental, pelo seu valor em si e também como facilitadora da
transição para a criança, porque é entendida como linguagem expressiva.
A pesquisa citada não utiliza o referencial frankfurtiano, por isso, não
procedemos a análise do conceito vivência que, em nosso entendimento, é utilizado
indiscriminadamente por Lara como um substantivo sinônimo de experiência, sem a
conotação crítica articulada pelos pesquisadores da Teoria Crítica.
Lara (2003) finaliza sua tese indicando um desafio para todos nós, preocupados
com a qualidade da educação básica brasileira. Nas suas palavras:
Há que se continuar em busca de alternativas teórico-práticas para a desconstrução do
muro, que ainda existe em muitas escolas, edificado sobre a indevida concepção de
criança, educação infantil e ensino fundamental, considerados como elementos
dissociados, descontextualizados e instáveis no oferecimento de diferentes linguagens
ao ser-criança (p.265).
O muro, conforme entendemos, pode ser identificado objetivamente como algo
que separa tempos e espaços distintos, como também indica diferentes concepções.
Na obra “Educação infantil e séries iniciais: articulação para a alfabetização”,
questiona-se a lei federal argentina que trata do tema da articulação entre os níveis de
ensino. Na Argentina as crianças ingressam na escola aos seis anos, caracterizando a
discussão sobre a articulação entre o jardim da infância, que atende crianças com cinco
anos de idade, e o ensino obrigatório, posicionamento este que está sendo implantado no
Brasil como uma das metas do Plano Nacional de Educação – PNE, conforme Lei no.
10.172/2001, segundo documento intitulado: “Ensino fundamental de nove anos”
13
e
por determinação legal
14
.
Cuberes (1997), organizadora e autora do capítulo intitulado “A articulação
como alfabetização ampliada”, utiliza-se de exemplos do cotidiano das instituições
familiares e educativas, para dar concretude à diversidade de situações que se
apresentam para o debate sobre como articular a experiência inicial das crianças àquelas
do universo escolar. Questiona de quem é o problema da articulação, e afirma que a
articulação é um problema que afeta os pequenos e que exige respostas dos grandes, das
instituições e do próprio sistema educacional, todos eles espaços configurados em uma
trama histórica e social.
13
Brasil, (2004). Ampliação do Ensino Fundamental para Nove Anos – Relatório do Programa de Ensino
Fundamental de Nove Anos – Orientações Gerais.
14
Lei no. 11.274, de 6 de fevereiro de 2006.
36
A autora persiste em romper com uma visão pedagogizada das questões
escolares: talvez por sua formação em Ciências da Educação em Psicologia Social,
busca ampliar o campo de debate, entendendo que esse campo de estudos precisa
dialogar e considerar as contribuições dos diferentes especialistas “rumo a uma didática
da articulação (p.24)”.
Consideramos que sugerir a organização de uma didática da articulação, pode
provocar ou reforçar a fragmentação da prática dos professores, por favorecer a
compreensão de que este aspecto deva ser objeto de trabalho exclusivo deste período.
Assim, como já declaramos, Cuberes (1997) também faz críticas ao modelo
escolar que permanece preso às influências piagetianas de promoção da aprendizagem,
associadas aos estudos das fases do desenvolvimento infantil e também à pedagogização
da infância, àqueles que pensam tal conceito por categorias e conceitos pedagógicos,
sem reconhecer que por essa perspectiva nos deparamos com limites.
Faz menção aos conteúdos escolares relacionados à língua e à matemática,
criticando as práticas que desconsideram os conhecimentos prévios das crianças, e à
graduação dos conhecimentos de forma desarticulada com a função social
15
que os
mesmos conhecimentos desempenham no cotidiano das crianças, fora da escola.
Concordamos que muitas vezes o ponto de partida da atuação dos professores é
o programa pré-determinado para cada faixa etária, algo externo às crianças com as
quais atua, de modo que, ao buscar um desempenho que corresponda àqueles
planejamentos, homogeneíza suas intenções desconsiderando a história, a trajetória
individual, antes do ingresso das crianças na escola. No entanto, se supomos que as
continuidades e rupturas são partes complementares, não podemos omitir as diferenças
iniciais e nem a trajetória anterior à escola. É justamente essa forma pela qual
entendemos a articulação, seja entre as instituições ou entre as etapas da educação
básica.
Ao dialogar com os estudos de Myers, a autora argentina, compartilha da
afirmação que,
Reconfirmamos a necessidade de respeitar a continuidade da perspectiva das meninas e
dos meninos, cujas aprendizagens nunca são descontínuas, mas admitimos a
necessidade de oferecer descontinuidade e maiores complexidades em termos de
ambientes, conteúdos e práticas educativas. (s/d)
15
Especificamente discutindo a relação entre alfabetização e a articulação das práticas escolares com a
função social da escola, consultar Braslavsky (1993).
37
Presumimos que, nessa óptica, as descontinuidades favorecem que as crianças
realizem distinções e generalizações, evitando a padronização dos conhecimentos e a
desconsideração dos conhecimentos prévios.
Num segundo artigo, “Programar a articulação”, Cuberes (1997), ao analisar as
situações didáticas propostas pelos dois níveis de ensino, alerta para que:
Sendo o desenvolvimento e o aprendizado das crianças um contínuo, no planejamento
da articulação deve-se procurar um certo grau de continuidade das propostas didáticas,
sem escolarizar a educação inicial e também sem infantilizar o primeiro grau(p.38,
grifos no original).
Ao propor que haja uma programação para a articulação, considera que à medida
que a escola organize didaticamente situações de aprendizagem, estas serão
recontextualizadas pelas crianças para suas vidas dentro e fora da escola, favorecendo o
desenvolvimento da autonomia, da compreensão e da inteligência.
Julgamos que essa análise da relação entre as situações propostas pela escola, a
contextualização, a descontextualização e a recontextualização e o desenvolvimento de
princípios e competências, não favorece a análise desse complexo de conceitos que
aparecem emaranhados na proposição inicial da autora.
Por último, a autora critica os procedimentos de avaliação que vão na contramão
do reconhecimento dos diferentes graus de autonomia das crianças, propondo que este
seja substituído pelo acompanhamento das crianças através do exercício contínuo de
observação e escuta, e do uso de ferramentas tais como: “registros narrativos,
acumulativos ou anedotários, a produção gráfica, as gravações em fita (k7 ou vídeo), as
modelagens, as maquetes e outras produções...”(p.43).
Em suma, a autora procura apontar caminhos para se “construir a ponte” entre a
educação inicial e o ensino fundamental, ambas compondo a Educação Básica Geral
(EBG) argentina.
Contribui para este estudo, o mapeamento de todo o conjunto de temáticas e
palavras chave que dão sentido ao questionamento sobre como articular os diferentes
níveis de ensino. Por outro lado, a apresentação da diversidade atrofiou a possibilidade
de reflexão sobre os mesmos, ou seja, mesmo quando a autora apresenta um
posicionamento, a pouca argumentação sobre este reforça a permanência dos
questionamentos que foram levantados.
Saretta (2004), em sua dissertação de mestrado intitulada “A um passo do ensino
fundamental: dando voz aos sentimentos das crianças”, exercendo simultaneamente a
38
função de psicóloga escolar e pesquisadora, em pesquisa com caráter de intervenção
16
,
levanta os seguintes questionamentos orientadores de sua investigação:
As formas de pensar o desenvolvimento infantil e a passagem da educação infantil para o ensino
fundamental são o ponto de partida para inúmeras questões e reflexões. Quais são os sentimentos
que surgem nas crianças com a saída da educação infantil? O que as crianças esperam do ensino
fundamental? Quais são os desejos destas crianças? Quais as lembranças que elas têm de sua
entrada na escola de educação infantil? Como elas reagiram com a entrada na escola? Será que
elas se sentem ouvidas e compreendidas pelos pais e educadores? Como favorecer a ida para o
1º. Ano do ensino fundamental? Como o psicólogo escolar poderia auxiliar estas crianças e a
professora de educação infantil (p.55).
A autora nos traz uma contribuição bem singular. Ao dar voz às crianças, analisar
seus desenhos e falas, concluí que é de suma importância que os profissionais da
educação infantil assumam as passagens vividas pelas crianças, em complementaridade
ao trabalho dos profissionais que atuam no ensino fundamental. Aqui destacamos a
especificidade das instituições privadas que, em seus quadros, garantem um profissional
da área da Psicologia para assumirem esse papel, que em termos de recursos humanos é
um parceiro a mais, porém, muito distante da realidade nacional. Destacamos nesse
caso, a conclusão da autora que, ao considerar a educação em geral, indica a
possibilidade dos professores assumirem a escuta e a conversa com as crianças como
elemento chave para esse período de transição, a fim de tratarem explicitamente dos
aspectos relativos a esse período: medos, expectativas, características da mudança -
espaço físico, número de crianças por sala, regras, materiais, entre outros, de modo que
o aspecto afetivo-emocional ocupe espaço tão privilegiado quanto as preocupações com
o aspecto cognitivo. Nas palavras da autora,
As crianças necessitam aprender a nomear, identificar seus próprios sentimentos e estes devem
ser conversados, trocados e discutidos com os adultos. Não na tentativa de fazê-los entender o
que é correto e deixá-los com a sensação de que estão errados ou que sabem menos, mas no
sentido de evitar dores e medos desnecessários. As mediações que devem ser constantemente
feitas numa escola devem ser refletidas e pautadas em conhecimento.
Para tanto, é necessário que os educadores, pais e pessoas que estão envolvidas com as crianças
numa instituição de ensino escutem com mais atenção e sejam fundamentados teoricamente para
trabalhar com as questões de ordem afetivo-emocional. É necessário, portanto, um investimento
profissional que possa auxiliar nas ações cotidianas das creches e escolas. É fundamental que as
intervenções sejam baseadas em dados de pesquisas recentes e estudos de desenvolvimento
infantil para que tenham mais condições de serem efetivamente eficazes (Saretta, 2004, p.126).
Assim, consideramos que articulação nesse período de transição caracteriza-se como
parte do processo educativo, podendo ser legitimado a partir do momento que os
16
A análise foi tecida em torno de 07 categorias: aprendizagem, uso do material escolar, organização
interna de sala de aula, espaço físico, desenvolvimento (físico), interação com os companheiros e
interação com o professor.
39
profissionais incluírem em seus planejamentos oportunidades para que as crianças
possam aprender a lidar com tais mudanças. Nas palavras da autora, “dar o suporte,
portanto, conversando e refletindo com as crianças, pode ajudá-las sobremaneira neste
momento, fazendo com que tenham melhor desempenho social e maiores habilidades
em lidar com problemas que poderão ocorrer” (p.122).
Mais bem cuidada será esta fase, quando além dos professores, os familiares
também participarem desse período: não é suficiente a presença para regulamentar a
matrícula da criança, melhor será quando a instituição de educação infantil e a escola de
ensino fundamental, ambas, incluírem em seus planejamentos, situações em que a
parceria seja o objeto de aproximação e diálogo. Infelizmente, ainda presenciamos
situações nas quais as famílias são participadas somente das dificuldades que os
profissionais identificam, normalmente aquelas relacionadas à aprendizagem ou aos
relacionamentos.
Outro aspecto significativo na análise de dados diz respeito à conclusão sobre os
sentimentos das crianças, em que a autora afirma:
Crescer também denota sentimentos de possibilidade de autonomia e de coragem expressos em
algumas falas das crianças como esta “(...) Agora ele já pode ficar sem a mãe dele na escola”;
“(...) é, porque ele cresceu [que pôde ficar sozinho na escola].
Para as crianças, algumas obrigações que fazem parte da rotina da educação infantil, como,
escovar os dentes, por exemplo, não seriam mais adequadas ao ensino fundamental por
considerarem “coisas de criança”. Isso demonstra nitidamente um sentimento de perda, de
confusão e até de indignação frente às exigências esperadas por eles no ensino fundamental
(p.102).
Parece-nos que os sentimentos de perda são justificados como parte do processo de
desenvolvimento, são rupturas necessárias para o ganho de independência e de
autonomia: as próprias crianças reconhecem que ganham maiores condições de
convivência ao mesmo tempo que identificam sentimentos de insegurança.
Ainda sob o ponto de vista das crianças, Saretta (2004) identificou nesse período a
confusão que enfrentam ao tentar nomear as expectativas de aprendizagem, relativas ao
ingresso no ensino fundamental
Em alguns momentos a questão da aprendizagem pareceu preocupar os alunos com questões
referentes às diferenças principais existentes entre o que é exigido de conhecimentos na
educação infantil e o que é esperado como um bom desempenho no ensino fundamental.
Isso muitas vezes implicou em um sentimento de perda da condição de crianças e uma
necessidade de apropriação do mundo adulto, um mundo mais complexo, com menos
brincadeiras e descompromisso (pp.103/104).
As pesquisas (Lara, 2003, Saretta, 2004) têm evidenciado o quanto o ingresso da
criança no ensino fundamental, na escola obrigatória, se traduz por práticas que se
40
materializam pela redução, quando não, pelo abandono do tempo para brincar, para se
encantar, para se expressar por diferentes linguagens, além do ler e escrever, inclusive já
inculcada nas próprias crianças.
Do ponto de vista do desenvolvimento, é justamente o conflito entre o conhecido e o
desconhecido que favorece a aquisição de conhecimentos, o que não significa a
imediata condição de operar individual e abstratamente. Aliás, é utópico tratarmos o
processo de desenvolvimento humano por essa perspectiva. Consideramos que é
justamente a mediação entre o outro e os conhecimentos, significados por variadas
linguagen que dá o sentido de apropriação, ao passo que o tratamento corrido e linear,
por uma única linguagem, traduz-se em mera reprodução. Considerar esse entendimento
para tratar dessa faixa etária, revela maior necessidade de pensar o cotidiano por essa
perspectiva, especialmente quando tomamos consciência que as próprias crianças, desde
a educação infantil, verbalizam que com o ingresso na escola obrigatória deixam de ser
crianças: seja pelo uso da caneta esferográfica, por se acomodarem em mesas e carteiras
individuais, por estabelecerem uma relação mais distanciada com os professores, por
necessitarem dividir a atenção com um número maior de crianças ou simplesmente pelo
tempo de permanência sentados, exigido para as atividades.
Mediante essas evidências, interessa-nos identificar em que medida os documentos
oficiais auxiliam os professores a reconhecerem, no final da pré-escola, essa
necessidade das crianças e de que modo os orientam para lidar com tal demanda.
Recorremos a essa produção por evidenciarmos dois aspectos importantes, primeiro
que a escola continua sendo uma instituição de interesse para os pesquisadores de
diferentes áreas do conhecimento para tentar compreender a formação e o
desenvolvimento humano, e segundo porque ao reconhecer a tomada de consciência por
adultos e crianças, como parte do processo educativo, reafirma a perspectiva teórica por
nós adotada.
Além disso, subsidia nosso percurso, o levantamento bibliográfico realizado pela
pesquisadora em fontes internacionais: “a partir das pesquisas realizadas fora do Brasil,
o que pode ser notado é que, de modo geral, há uma grande preocupação das escolas em
facilitar a entrada no ensino fundamental, não só com os alunos, mas com os
professores, diretores e pais.” (Saretta, 2004, p.33)
Esse dado pode ser objeto de investigação para pesquisas nacionais, identificando
em que medida essa preocupação se faz presente nas propostas das escolas brasileiras,
41
de que modo nossos professores consideram e tratam a parceria com as famílias,
especialmente, reconhecendo o valor do desenvolvimento da autonomia nessa etapa.
Por fim, um aspecto que chama-nos a atenção, é a mudança de nomenclatura, a
identificação da criança ao ingressar na escola obrigatória, a conversão da criança em
aluno
17
. Decorrente desta transição, e por isso específico, identificamos o uso corrente
da identidade de aluno: seja pela exigência da aquisição de conhecimentos relativos à
base nacional comum, pelo conseqüente processo de avaliação do desempenho
acadêmico e pela expectativa de sucesso escolar.
Alguns elementos nos sugerem inferir que a criança, mesmo sem passar pela
educação infantil, em seu meio familiar, no cotidiano doméstico, pode ser motivada a
participar de experiências que em muito podem contribuir tanto para o desempenho
acadêmico, no papel de aluno, quanto no desenvolvimento de sua autonomia: vestir-se,
calçar-se, organizar os próprios brinquedos, observar e se responsabilizar por pequenas
ações no cuidado de animais domésticos ou plantas, colaborar com a rotina diária ao
colocar as roupas sujas de suas bonecas para lavar, colaborar com alimentação de um
irmão mais novo, brincar junto com crianças de diferentes idades, participar de
situações como a ida a um supermercado, farmácia ou banca de jornal, complementando
pequenas práticas sociais normalmente realizadas exclusivamente pelos adultos, como
receber um troco, agrupar gêneros alimentícios antes de ensacá-los, tentar diferenciá-
los, ou mesmo, identificar a organização dos espaços por agrupamentos para orientar a
procura.
Olhemos para as orientações dadas aos professores que atuam com crianças que
ingressam bem antes dos sete anos na escola, neste caso em situação de educação
complementar à familiar, a fim de identificar se fica explícito a esses profissionais que a
preparação esperada não é aquela centrada no desenvolvimento cognitivo, e no controle
de seus movimentos e emoções, ao contrário, que é possível desenvolver a escuta atenta
e progressivo controle tônico-postural, sem perder a priori a condição de viver a
infância em sua condição de pessoa completa, ativa e que traz consigo conhecimentos
anteriores.
A conversão da criança em aluno não está prescrita no condicionamento antecipado
de práticas como ler, escrever e contar. Mas no exercício destas práticas sociais,
orientadas por adultos que estimulam o prazer da descoberta, do acesso independente,
17
A questão da identidade de aluno nesse período vem sendo problematizada a longo tempo, consultar
Liublinskaia (1979).
42
da imitação do procedimento leitor e escritor, na tentativa de expressar curiosidades,
dúvidas e entendimentos com apoio constante das várias linguagens.
Esse tipo de experiência já foi objeto de parceria entre universidade e escolas
públicas na década de 1980, situação em que crianças que não passaram pela educação
infantil, tiveram a oportunidade de participar de variadas propostas educativas, no
período que antecede o início das aulas no ensino fundamental. O programa intitulado
Férias na escola
18
, almejou o favorecimento do processo de adaptação das crianças
assim como, o aumento do sucesso escolar. Para tanto, articulou tanto a parceria entre
professores do ensino fundamental com os professores das universidades, como um
programa que priorizou a especificidade da faixa etária, nesse caso as necessidades e
conhecimentos das crianças aos sete anos. A questão da antecipação de conteúdos e a
preparação da criança são objetos de grande questionamento entre os pesquisadores da
educação infantil, especificamente quando as questões relativas ao desenvolvimento
infantil ficam à mercê de expectativas futuras.
Assim, a mudança de hábitos da casa para a escola de educação infantil ou do ensino
fundamental, pode ao mesmo tempo preservar a espontaneidade, a iniciativa, a
cooperação e a responsabilidade e inaugurar o contato com novas formas de
organização dos tempos, espaços e conhecimentos.
Se desde pequena a criança é motivada a manusear bons livros infantis assim como
a ouvir histórias, certamente os hábitos de concentração e de escuta estarão sendo
desenvolvidos junto com todos os outros aspectos latentes nessa etapa do
desenvolvimento.
No ensino obrigatório, o desempenho acadêmico depende prioritariamente do hábito
de estudo, e este por sua vez está diretamente relacionado ao modo como cada criança
aprende a lidar com suas emoções, relações interpessoais, portanto, de sua
diferenciação, da sua imagem de si.
A adaptação às novas condições de espaço, tempo e relacionamentos estará
alicerçada e dará mais segurança na transição da criança à medida em que cria hábitos
os mais próximos daqueles conhecidos: organizar, separar e preparar diariamente seus
materiais e o agrupar-se a partir das relações conhecidas, entre outros.
Consideramos importante, perdermos o medo de assumir a palavra preparação. Se
analisarmos as orientações com foco na criança, a fim de reconhecer o modo como
favorecer essa transição respeitando as características do desenvolvimento infantil,
43
identificaremos práticas que não antecipam e nem priorizam aspectos do ensino
obrigatório, mas facilitam esse desafio. Mesmo freqüentando uma unidade escolar que
faça parte do sistema obrigatório oficial, a criança pode desenvolver-se por meio de
práticas que dêem continuidade ao uso de materiais que favoreçam o jogo simbólico,
que explorem a expressão através de diferentes linguagens e principalmente pela
brincadeira. Nessa medida, é o ensino fundamental quem pode estender as práticas
oportunizadas pela educação infantil, de maneira a ampliar a condição de ser criança,
mesmo quando assumem o papel de aluno.
18
Para verificação consultar Sass, (org.) (1991, 1992) e Sass, Russeff, & Salles, (1989).mimeo.
44
CAPÍTULO 2 – Interpretação dos documentos: posições e contradições
Nessa primeira etapa, demos destaque à particularidade de cada publicação.
Tecemos aproximações entre o RCNEI e manifestações de alguns pesquisadores e
pareceristas que partilharam das respectivas elaborações, assim como detalhamos
algumas características do PCN em ação e do PCN. Desse modo, favorecemos a
identificação e diferenciação de cada documento, para depois procedermos ao
cotejamento dos dados apresentados em quadros.
2.1. Sobre as fontes consultadas: Identificação, estrutura e natureza dos
documentos.
Orientamo-nos, em termos de organização, pelo critério de relevância das fontes
consultadas tanto para apresentação de cada uma quanto para a posterior análise, porque
entendemos que o critério de disposição de dados pela ordem cronológica das
publicações reduz a condição de evidenciar a interconexão dos materiais relativos ao
objeto desta investigação.
2.1.1. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
Iniciamos a apresentação por este documento, porque entendemos que sua
natureza mandatória legitima o lugar do desenvolvimento social na ordem das
prioridades que devem embasar as propostas educativas para a infância brasileira, de
modo que a autonomia é prescrita explicitamente como fundamento educacional para
essa faixa etária.
O parecer CEB/CNE no. 22/98 propõe e formaliza em nível nacional, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. O relatório apresentado faz
menção a vários aspectos das políticas públicas para a infância brasileira, de maneira a
convidar os leitores, sejam eles profissionais que atuam na esfera administrativa,
pedagógica ou legislativa, a redimensionarem o lugar e a importância desse primeiro
segmento da educação básica: a Educação Infantil. Toda exposição é realizada no
sentido de cobrar um tipo de atendimento para as crianças de 0 a 6 anos que não separe
o cuidar e o educar, e, portanto, que legitime a parceria entre escola e famílias.
45
Assumindo uma posição clara, o documento define a educação infantil como o
segmento que assume a passagem do âmbito familiar para o público, propondo inclusive
que as propostas pedagógicas nesse período resguardem as especificidades e
necessidades da faixa etária.
O referido documento seguiu seu trâmite legal nas seguintes datas e decisões: a)
17/12/1998, aprovação, b) 22/03/99, homologação, c) 23/03/99, publicação no D.O.U.,
instituída por meio da Resolução CNE/CEB no.1, de 07 de abril de 1999.
Ao longo do relatório, temas e questões importantes, que continuam sendo alvo
de discussões entre diferentes atores do cenário educacional, assim como problemas de
pesquisas, são apontadas, dentre elas: responsabilidade compartilhada de atendimento e
necessidades dos grupos específicos, financiamento, formação inicial, especialmente a
qualidade dos programas curriculares dos cursos de formação de professores que em
muitos casos, parece não terem feito as adaptações necessárias relacionando as
transformações no âmbito familiar e a concepção de atendimento da criança pequena,
integração da educação infantil ao sistema educacional e a importância da prática
alicerçada em situações intencionalmente organizadas pelos adultos. Neste último item,
identifica-se a grande preocupação de não transformar as instituições que atendem as
crianças menores de seis anos, em locais que atuem exclusivamente com propostas que
antecipem os programas do ensino fundamental.
Enfatiza-se, para tanto, o valor de uma proposta pedagógica que favoreça a
permanência das crianças em espaços que as convidem a participar de experiências
tanto espontâneas quanto dirigidas. De acordo com o parecer:
...dos 4 aos 6 anos, haja uma progressiva e prazerosa articulação das atividades de
comunicação e ludicidade, com o ambiente escolarizado, no qual desenvolvimento,
socialização e constituição de identidades singulares, afirmativas, protagonistas das
próprias ações, possam relacionar-se, gradualmente, com ambientes distintos dos da
família, na transição para a Educação Fundamental(p.489).
Se, na educação infantil, espera-se que seja garantida para as crianças de 4 a 6
anos a convivência em espaços que articulem a ludicidade com o ambiente escolarizado,
podemos afirmar que por meio desse documento é proposto o compromisso de
assegurar condições que favoreçam a transição da educação infantil para o ensino
fundamental, formalizadas em propostas pedagógicas de modo que ofereçam as bases
para um ingresso no ensino formal e obrigatório, mais independente.
No parecer mencionado, formaliza-se também o teor mandatório do documento,
diferenciando-o dos Referenciais Curriculares Nacionais que são de uso facultativo, de
46
modo total ou parcial por equipes pedagógicas e instituições, ao passo que as Diretrizes
Curriculares caracterizam-se como norteadoras obrigatórias das Propostas Pedagógicas.
As DCNs passaram a ter força de lei, logo que foram homologadas pelo Ministro
da Educação e divulgadas no D.O.U., devendo assim ser instrumento de trabalho dos
profissionais que atuam direta ou indiretamente na primeira etapa da Educação Básica.
Sob esse aspecto, consideramos que fica resguardada a possibilidade das equipes de
cada instituição de educação infantil adequar os fundamentos norteadores às
características de sua comunidade, assim como formalizá-las em parceria com os
profissionais de modo que o projeto político pedagógico corresponda às reais condições
e expectativas metodológicas de cada grupo, podendo, inclusive, optar ou não por
adotar parcial ou integralmente as orientações do RCNEI.
Destacamos também que tais diretrizes foram instituídas por meio da Resolução
CNE/CEB no. 1, de 7 de abril de 1999, data esta posterior à divulgação do RCNEI, que
tem como uma de suas finalidades servir de parâmetro para a elaboração das propostas
pedagógicas. Pela lógica, para a elaboração de um documento dessa natureza, o curso da
produção deveria ter sido inversa: das diretrizes para o referencial e deste para as
propostas, de modo que todos esses documentos pudessem ser discutidos e formalizados
de forma o mais abrangente possível entre os profissionais que atuam na área.
Como a escola e as políticas não funcionam por meio de ideais, tomamos as
DCNS, como fonte principal, a fim de confrontá-la aos outros, quais sejam o RCNEI e
alguns volumes dos PCNs, problematizando a articulação entre os mesmos e discutindo
suas proposições afim de levantar subsídios, especificamente, no que diz respeito ao
desenvolvimento da autonomia da criança com foco na passagem da educação infantil
para o ensino fundamental.
Nessa Resolução, em seu Art. 3º., foram instituídas diretrizes que norteiam as
instituições nos seguintes aspectos:
I – Fundamentos norteadores;
II – Identidades;
III – Concepção de criança;
IV – Conteúdos básicos;
V – Avaliação;
VI – Formação mínima;
VII – Gestão democrática;
VIII – Propostas pedagógicas e regimentos.
47
Para esta pesquisa destacamos a primeira diretriz, com foco no primeiro
fundamento norteador, por tratar diretamente do tema aqui estudado, conforme se
segue:
“I – As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem
respeitar os seguintes Fundamentos Norteadores:
Princípios Éticos da autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do
Respeito ao Bem Comum;
Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da
Criticidade e do Respeito à ordem Democrática;
Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da
Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais.” (p.204, grifo meu)
Este documento não foi apresentado em quadro porque já trouxemos seus
aspectos relevantes e por se tratar de um material com pouco volume. As considerações
serão tecidas na análise em conjunto com os demais protocolos de leitura, apresentados
em quadros.
48
2.1.2. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
O RCNEI, antes de chegar à versão final utilizada por este estudo, passou por uma
versão preliminar que foi encaminhada a especialistas da área para que após análise
encaminhassem pareces ao MEC-COEDI. Dentre eles, selecionamos dois, um
individual (Haddad, 1998) e um institucional (ANPED, 1998), no intuito de reafirmar
argumentos por nós apontados e indicar que são tensões que permanecem como
reivindicação dos debates acadêmicos e produções vinculadas à educação infantil.
Nos dois pareceres aparece manifesta indignação contra a importação equivocada da
proposta espanhola
19
, especialmente no aspecto relativo à concepção de educação
infantil: justificam que tanto na versão espanhola quanto no conjunto de pesquisas e
publicações brasileiras do mesmo período, defende-se que a especificidade da educação
infantil, enquanto etapa intermediária entre a educação familiar e a obrigatória, seja
garantida através de propostas que priorizem os aspectos relativos ao desenvolvimento,
em oposição à antecipação de propostas orientadas exclusivamente pela relação ensino e
aprendizagem.
Assim, identificamos que no debate por uma política educacional para a infância,
desde a concepção do documento, espera-se para a nação brasileira, que a infância seja
vivida integralmente, mesmo quando a criança ingressa antes dos sete anos na escola, e
não por meio de atividades escolarizantes, divididas em aulas e identificadas por áreas
de conhecimento.
Concordamos com Haddad (1998) quando afirma que,
...a infância é uma etapa da vida cuja especificidade biológica, cerebral, física,
emocional, psíquica difere da fase posterior e por isso requer tratamento específico.
Ignorando as características mais marcantes da infância, em que preponderam a
afetividade, a subjetividade, a magia, a ludicidade, a poesia e a expressividade, o RCN
apresenta um enfoque que prioriza a mente sobre o corpo e o afeto, o objetivo sobre o
subjetivo, o conhecimento sobre a vivência e experiência, o abstrato sobre o concreto, o
produto sobre o processo, a fragmentação sobre a globalização, o pensamento sobre a
expressão (p.15),
porque evidencia que permanece a fragmentação entre as dimensões da pessoa, e por
isso, permanece sem respostas as reivindicações já citadas tanto nos documentos quanto
por muitos teóricos que se propõem a elucidar o sentido do desenvolvimento social
vivido no meio escolar.
19
ESPANHA, Ministério de Educación y Ciência. Diseño Curricular Base: Educación Infantil, s/d., fruto
da reforma curricular oficializada no início da década de noventa.
49
Outro aspecto comum nos dois pareceres é a denuncia da desconsideração de
toda produção do próprio Ministério da Educação, em gestão anterior, que desenvolveu
materiais para dar subsídio à elaboração de uma política nacional para a educação
infantil. Conforme explícita o parecer (ANPED, 1998),
Cabe inseri-lo no contexto da elaboração de uma Pedagogia da educação infantil e da infância
como um todo, assim como no contexto das políticas educativas tanto na sua continuidade com
os PCNs e principalmente com a pioneira política do COEDI, que foi totalmente deixada de
lado..” (p.5).
Contudo, as mudanças nos cargos de confiança, decorrentes das políticas partidárias,
rompem e distorcem percursos que em larga escala, atingem a maior parte da
população, crianças e adultos que participam do sistema educacional brasileiro.
A versão final do documento ficou organizada em três volumes, sob o título
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, com os subtítulos:
Volume 1 – Introdução
Volume 2 – Formação Pessoal e Social
Volume 3 – Conhecimento de Mundo
Ao tomarmos os princípios norteadores das diretrizes curriculares, as
ponderações dos especialistas e as contribuições teóricas anteriormente destacadas, de
antemão já admitimos que não concordamos com a organização do documento no que
diz respeito à separação dos volumes entre formação pessoal e social e conhecimento de
mundo, especificamente, ao listar objetivos e conteúdos, didatizando de maneira
fragmentada e contrária ao modo de aprender da criança: de corpo todo, integralmente,
sem separar corpo e mente.
Outro aspecto muito discutido pelos pareceristas na versão preliminar e também
questionado por nós, é a estrutura no que se refere à divisão do volume 3 por eixos,
conforme explícito no documento introdutório:
“Essa estrutura se apóia em uma organização por idades – crianças de zero a três anos e crianças
de quatro a seis anos – e se concretiza em dois âmbitos de experiências – Formação Pessoal e
Social e Conhecimento de Mundo – que são constituídos pelos seguintes eixos de trabalho:
Identidade e autonomia, Movimento, Artes Visuais, Música, Linguagem Oral e escrita, Natureza
e Sociedade, e Matemática.” (p.43)
Especificamente do volume 3, procedemos ao levantamento de indicadores
sobre a autonomia da criança em cada um dos eixos de trabalho, sem perder de vista que
a criança em contato com os diferentes tipos de conhecimento, ao longo da educação
infantil, está em primeira mão, conhecendo a si mesma, pois, na etapa que precede o
ensino fundamental, prepondera o desenvolvimento da afetividade. Ainda sobre esse
50
volume, no levantamento de dados, coletamos exclusivamente os excertos
correspondentes à faixa etária de quatro à seis anos, seguindo o critério de idade,
previamente definido por esta pesquisa.
A publicação oficial ocorreu em 1998, em uma única edição, sob a responsabilidade
da Secretaria de Educação Fundamental, do Departamento de Política da Educação
Fundamental na Coordenação-Geral de Educação Infantil – COEDI.
Sobre os destinatários, evidencia-se que o principal deles é o professor, tanto por
excertos quanto pela própria intenção explicitada ao longo dos textos, como subsídio
para a prática docente, indicados desde as primeiras páginas: “Professor, Você está
recebendo uma coleção de três volumes que compõem o Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil ...(p.7)”.
A obra “Educação Infantil pós-LDB: rumos e desafios”, fruto do impacto da
publicação do RCNEI, traz contribuições significativas para evidenciar a força e o lugar
deste documento orientador. Os autores insistem em lembrar os leitores quanto à
importância de que sejam respeitadas e validadas as produções anteriores, de modo que
o investimento humano, intelectual e financeiro seja solicitado no intuito de evidenciar e
qualificar o existente, desenvolver análises mais aprofundadas ou realizar comparações
com outras propostas, desde que a diversidade da produção nacional seja a base para
tais ações. A esse propósito,
Palhares e Martinez (1999) explicitam a importância da publicação e da
divulgação em nível nacional, ao destacarem que:
É necessário que a leitura deste referencial, rico, mas distante da realidade da maioria
das crianças e instituições brasileiras, seja feita de forma crítica para não correr o risco
de responsabilizar as relações que ocorrem no microssistema (profissionais de educação
infantil/mãe/criança) por falhas que ocorrem no macrossistema (políticas públicas para a
infância) (p.13).
Tanto a aproximação à diversidade da infância brasileira quanto a continuidade
do debate com os participantes iniciais e ingressantes, são apontados como critérios
básicos para subsidiar o refinamento de um documento direcionado aos professores das
diferentes regiões e, portanto, realidades do nosso país. Nas palavras de Cerisara (1999),
Lendo os pareceres, foi ficando claro que a produção na área, nos últimos cinco anos
coordenada pela COEDI, atendia perfeitamente aos anseios das pessoas que atuam nas
instituições e era o que havia de melhor em termos de definição para a área para este
momento histórico. Por isso, mesmo que o RCNEI tenha sido aperfeiçoado, melhorado,
adaptado ele continua significando uma ruptura com o que vinha sendo produzido e
com o que vinha sendo defendido como a especificidade da educação infantil (p.44).
51
Essa ênfase sobre a análise de documentos legais, seja por meio de pareceres,
publicações ou como fizemos, por pesquisa acadêmica, indica a força que um
documento de abrangência nacional tem enquanto fonte de análise: a) evoca
posicionamentos, b) contribui para historiar o processo de produção de conhecimentos,
c) favorece o diálogo entre sujeitos de diferentes especialidades, trajetórias profissionais
e regiões do país e, principalmente, d) determina a importância do documento
mandatário, neste caso as Diretrizes Curriculares, para a articulação dos debates em
torno da definição do documento orientador.
Sob o aspecto do lugar que esse documento pode ocupar, entendemos que ele é
parte integrante de um sistema nacional de educação, que bem recentemente incluiu a
educação infantil como primeira etapa da educação básica em termos legais e
administrativos, o que não significa a conseqüente determinação de seu lugar em termos
de adequação da proposta oferecida à faixa etária. Modificou-se a instância
administrativa responsável, porém, as tensões em torno da política de atendimento
dependem desse movimento citado anteriormente.
Concordamos com Kuhlmann Jr., (1999), ao afirmar que,
O que diferencia as instituições não são as origens nem a ausência de propósitos
educativos, mas o público e a faixa etária atendida. É a origem social e não a
institucional que inspirou objetivos educacionais diversos. Mas a creche, para os bebês,
embora vista como apenas para as classes populares, também era apresentada em textos
educacionais do século XIX, como o primeiro degrau da educação. (...) Mas, o que é
ser educacional? Se as instituições de educação infantil são educacionais, isso
implicaria um entendimento restrito do termo, como fazem supor certas interpretações
das mudanças ocorridas recentemente na legislação de nosso país. A vinculação de
creches e pré-escolas ao nosso sistema educacional representa uma conquista do ponto
de vista da superação de uma situação administrativa que mantinha um segmento de
instituições educacionais específico para os pobres, segregado do ensino regular, com
todo o peso dos preconceitos relacionados a isso (pp.54/55, grifos no original).
Assim, a justaposição de documentos oficiais a teóricos que discutem a função
social da escola, seja por meio do desenvolvimento infantil ou pela crítica ao
funcionamento da sociedade moderna, compõe um quadro argumentativo que pode
elucidar os aspectos que merecem revisão nos documentos, de modo que a
especificidade da infância esteja garantida a partir da criança, em complementaridade à
expectativas futuras, e não destas à priori.
Sob essa perspectiva, Kuhlmann Jr. (1999) faz uma importante contribuição,
As tendências recentes nas pesquisas relativas à infância, sua história e educação têm
enfatizado a perspectiva de se aproximar do ponto de vista da criança, quando falamos
dela, quando propomos algo para ela. Além disso, ao procurar levar em conta essa fase
52
da vida, caracterizando-a como realidade distinta do adulto, não podemos nos esquecer
de que continuamos adultos pesquisando e escrevendo sobre elas. Por um lado, a
infância é um outro mundo, do qual nós produzimos uma imagem mítica. Por outro
lado, não há outro mundo, a interação é o terreno em que a criança se desenvolve. As
crianças participam das relações sociais, e este não é exclusivamente um processo
psicológico, mas social, cultural, histórico. As crianças buscam essa participação,
apropriam-se de valores e comportamentos próprios de seu tempo e lugar, porque as
relações sociais são parte integrante de suas vidas, de seu desenvolvimento. (...) Se a
criança vem ao mundo e se desenvolve em interação com a realidade social, cultural e
natural, é possível pensar uma proposta educacional que lhe permita conhecer esse
mundo, a partir do profundo respeito por ela. Ainda não é o momento de sistematizar o
mundo para apresentá-lo à criança: trata-se de vivê-lo, de proporcionar-lhe experiências
ricas e diversificadas. (...) Quão distante do bebê que vai entrar na creche está a
aquisição de conceitos científicos! Por que não adotar uma postura de simplicidade no
trato com ela – o “simplesmente complexo”, como diz o título de um vídeo italiano
sobre esse trabalho pedagógico? Não apenas na Itália, mas também as creches francesas
pretendem trabalhar em estreita colaboração com as famílias, oferecer à criança um
local seguro e estimulante que lhe permita a plena manifestação de seu potencial físico,
afetivo e intelectual, a aprendizagem de sua autonomia e de sua socialização, além de
facilitar a sua integração à escola maternal (p.57).
Outro aspecto a ser destacado é a relação entre os tipos de experiências
propostos às crianças e o seu compromisso com os períodos de transição entre escola e
família e entre educação infantil e o ensino fundamental.
Novamente, recorremos à Kuhlmann Jr. (1999) para potencializar o modo pelo
qual entendemos o lugar desse documento na esfera educativa,
É claro que a educação infantil não pode deixar de lado a preocupação com uma
articulação com o ensino fundamental, especialmente para as crianças mais velhas que
logo mais estarão na escola e que se interessam por aprender a ler, escrever e contar.
Isso poderia ser resolvido muito mais facilmente se houvesse clareza quanto ao caráter
da educação infantil, se a criança fosse tomada como ponto de partida e não um ensino
fundamental pré-existente. (...) A instituição pode ser escolar e compreender que para
uma criança pequena, a vida é algo que se experimenta por inteiro, sem divisões em
âmbitos hierarquizados. Que para ela, a ampliação do seu universo cultural, o
conhecimento do mundo, ocorre na constituição de sua identidade e autonomia, no
interior do seu desenvolvimento pessoal e social, diferentemente da segmentação
proposta (pp. 64/65).
Priorizar o desenvolvimento social em detrimento do intelectual, nas propostas,
caracteriza o que nomeamos nesse estudo como o pedagógico ou educativo para a
infância, indicando sua especificidade assim como favorecendo a articulação nestes
períodos de transição.
Para finalizar as denúncias e interpretações posteriores à divulgação do RCNEI,
incluímos as conclusões de Cerisara (2002),
É possível perceber que a versão final do volume 1 do RCNEI pretendeu seguir as
indicações feitas pelos pareceristas da versão preliminar do documento, de ter como
referência a criança e não o ensino fundamental, com ênfase na criança e em seus
processos de constituição como ser humano em diferentes contextos sociais, suas
culturas, suas capacidades intelectuais, artísticas, criativas, expressivas em vez de
53
articulações institucionais que propõem uma transposição, de cima para baixo, dos
chamados conteúdos escolares que acabam por submeter a creche e a pré-escola a uma
configuração tipicamente escolar (p.340).
A autora participou tanto do parecer da ANPED, quanto das duas publicações
posteriores sobre o RCNEI, de modo que tem propriedade suficiente para identificar e
afirmar que o documento sofreu alterações. Além disso, corrobora para as considerações
até aqui expostas, o que é esperado pelos especialistas, que os documentos rompam com
a submissão da educação infantil ao ensino fundamental e que o indicativo de
continuidade entre as duas etapas da educação básica seja o respeito às especificidades
de cada faixa etária, portanto o desenvolvimento infantil e não a escolarização precoce.
54
2.1.3. Programa de Desenvolvimento Profissional Continuado – Parâmetros em
Ação
O material distingue-se sobremaneira dos anteriores, por formalizar a seqüência
de propostas para a formação em serviço dos profissionais que atuam na educação
básica, articulando tanto as DCNs quanto o RCNEI. Foi publicado em 1999 e
composto por dois volumes com a seguinte identificação:
Título: Programa de Desenvolvimento Profissional Continuado
Volume 1: Parâmetros em Ação – Educação Infantil
Volume 2: Parâmetros em Ação - Alfabetização
Esse projeto, criado também pela Secretaria de Educação Fundamental, foi
disponibilizado para equipes interessadas em estabelecer parceria a partir de critérios
previamente acordados, entre eles a aquisição dos materiais disponibilizados pelo
Ministério da Educação.
Assim expresso nos documentos, destina-se aos “Professores que atuam no Ensino
Fundamental (1ª a 4ª e 5ª a 8ª séries), na Educação Indígena, na Educação Infantil, na
Educação de jovens e Adultos”, este detalhamento dos destinatários aparece nos dois
volumes.
Toda a ação foi planejada para que formadores de professores, nas funções de
coordenadores gerais e de grupos, articulem-se com as equipes locais e juntos façam uso
do conjunto de materiais, necessários e complementares, conforme exposto no
documento:
O projeto está organizado em módulos de estudo compostos por atividades
diferenciadas que procuram levar à reflexão sobre as experiências que vêm sendo
desenvolvidas nas escolas e acrescentar elementos que possam aprimorá-las. Para tanto,
utiliza textos, filmes, programas em vídeo que podem, além de ampliar o universo de
conhecimento dos participantes, ajudar a elaborar propostas de trabalho com os colegas
de grupo e realizá-las com seus alunos (p.3).
O volume 2 intitulado “Alfabetização”, além do planejamento dos módulos,
contém anexos que compõem o conjunto de materiais necessários: orientações para uso
dos vídeos, textos, modelos de atividades, bibliografia básica comentada, sugestões de
livros para ler com as crianças e uma coletânea de amostras de escritas que
exemplificam a evolução de algumas crianças. Interessante destacar que ao longo de
toda a obra, verifica-se a preocupação em indicar ao mesmo tempo obras e vídeos
dirigidos tanto aos profissionais da educação infantil quanto do ensino fundamental.
55
Uma característica marcante das propostas é a persistente tendência em
organizar atividades em que os participantes possam relacionar a experiência pessoal,
vivências da infância, com as aprendizagens que são propostas às crianças com as quais
atuam.
Nos dois volumes assumem a alfabetização como conteúdo, indicando também
que essa aprendizagem inicia-se no final da pré-escola por meio do contato com os
diferentes tipos de textos, especificamente, numa interação direcionada para o uso social
da língua, preparando as crianças de modo significativo a operarem independentemente
com o código alfabético.
56
2.1.4. Parâmetros Curriculares Nacionais
Apesar de se tratar de um documento especificamente destinado aos
profissionais do ensino fundamental, recorremos a ele a fim de verificar se a articulação
com a educação infantil é prevista e como o conceito de autonomia é tratado a partir do
momento que a identidade de criança amplia-se no papel de aluno.
A coleção dos PCNs é composta por dez volumes, dos quais selecionamos o
volume 1, Introdução, por tratar especificamente dos princípios e fundamentos que
orientam os demais: seis documentos referentes às áreas do conhecimento e três
referentes aos temas transversais. Utilizamos uma versão publicada em 2000, fruto da 2ª
edição do documento.
Assim como o RCNEI, essa coleção foi distribuída em versão preliminar entre
1995 e 1996 para discussão nacional, gerando 700 pareceres que auxiliaram na revisão
da versão final.
O volume consultado apresenta o histórico de elaboração dos documentos além
de dados estatísticos relativos ao período anterior. Em seguida expõe os princípios e
fundamentos para depois discorrer sobre a organização dos PCNs: objetivos, conteúdos,
avaliação e orientações didáticas, finalizando com a apresentação dos objetivos gerais
do ensino fundamental.
57
2.2. Análise de dados:
Os dados de cada protocolo de leitura foram agrupados em quadros por categoria,
ambos disponíveis nos anexos.
O conjunto dos seis documentos protocolados, RCNEI - 1 A,B e C, e o PCN - 3,
divulgados em 1998, e o PNC em Ação - 2 A e B, em 1999, primeira edição, todos sob
a responsabilidade do Departamento de Política da Educação Fundamental, configuram
inicialmente um conjunto de propostas que, mesmo desenvolvidas por equipes
diferentes, deveriam estar articuladas por corresponderem às etapas da educação básica,
organizadas num processo contínuo e crescente, em relação às faixas etárias
correspondentes, além de orientadas por princípios comuns, formalizados nas DCNs.
Acontece, porém, que os documentos RCNEI e PCN em Ação, que se destinam
diretamente aos profissionais da educação infantil, foram produzidos em períodos
intermediários às DCNs, de modo que as orientações do PCN em Ação mesmo citando
as DCNs, apóiam-se a todo tempo nas propostas do RCNEI, que foi produzido
anteriormente à elas.
Apesar de evidenciarmos descontinuidade na ordem cronológica das publicações,
as categorias propostas foram analisadas a partir das DCNs, por configurarem
legalmente os fundamentos que deveriam orientar as propostas da educação infantil.
O primeiro quadro apresenta as proposições relativas às finalidades de cada
documento quanto aos seus próprios conteúdos e à educação básica.
Tanto o RCNEI quanto o PCN tratam das finalidades da educação básica como
função, já o PCN em ação não faz menção sobre essa categoria. O primeiro prescreve a
socialização e o segundo a condição dos alunos de realizarem análises dos próprios
processos, noutras palavras a autonomia intelectual.
Chama-nos a atenção que ambos os documentos reconhecem como finalidade
maior da educação os aspectos relativos à dimensão social, o primeiro nomeado como
conteúdo atitudinal e o segundo como procedimental, ambos afirmando que são
aprendizagens fundamentais, mas que não são aprendidas de modo mecânico.
É preciso analisar os conteúdos referentes a procedimentos não do ponto de vista de
uma aprendizagem mecânica, mas a partir do propósito fundamental da educação, que é
fazer com que os alunos construam instrumentos para analisar, por si mesmos, os
resultados que obtêm e os processos que colocam em ação para atingir as metas a que se
propõem (Brasil, 2000, p.75).
58
As orientações direcionadas aos profissionais do ensino fundamental explicitam
que esse fundamento é básico para a educação, portanto, podemos inferir que sugere a
sua adoção por cada uma das etapas da educação básica, incluindo aí a educação infantil
e consequentemente, os aspectos relativos à continuidade e a articulação.
Se interpretadas sob o ponto de vista da criança, concordamos que as
aprendizagens sociais são de fato um dos fundamentos norteadores da educação em
geral iniciada a partir da educação infantil, conforme determinação dos fundamentos
norteadores das DCNs. Porém, sob o ponto de vista dos profissionais, discordamos do
citado no RCNEI, “...ainda que não sejam trabalhados de forma consciente e
intencional.”, porque entendemos que essa aprendizagem, o exercício de colocar-se no
lugar do outro, de tomar decisões tendo o outro como referência, deva ser considerado
intencionalmente por todos os profissionais na organização das mais diferentes
oportunidades de atividades, independentemente do conteúdo formal que esteja sendo
tratado(Brasil, 1998, p.51).
Assim, os profissionais tanto da educação infantil quanto do ensino fundamental,
um em complementaridade ao outro, precisam assumir conscientemente esse
fundamento norteador como base da aquisição de conhecimentos, ambos com
importância fundamental, conforme determina a IV diretriz:
As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil, ao reconhecer as crianças como
seres íntegros, que aprendem a ser e conviver consigo próprios, com os demais e o próprio
ambiente de maneira articulada e gradual, devem buscar a partir de atividades intencionais, em
momentos de ações, ora estruturadas, ora espontâneas e livres, a interação entre as diversas áreas
de conhecimento e aspectos da vida cidadã, contribuindo assim com o provimento de conteúdos
básicos para a constituição de conhecimentos e valores (Brasil, 1999, p.205).
O segundo aspecto tratado no mesmo quadro, as finalidades dos conteúdos,
podem ser analisados sob duas perspectivas, entre os documentos e em relação às
finalidades da educação básica.
O RCNEI indica finalidades relativas ao auxilio, subsidio e embasamento dos
profissionais, tanto para o trabalho diário quanto para o trabalho em equipe, a fim de
garantir o “objetivo socializador dessa etapa educacional”, articulando assim suas
finalidades de conteúdo com a função básica explicitada nas finalidades em geral.
No PCN explicitam-se finalidades idênticas e amplia-se a prescrição ao declararem
que
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, tanto nos objetivos educacionais que propõem quanto na
conceitualização do significado das áreas de ensino e dos temas da vida social contemporânea
59
que devem permeá-las, adotam como eixo o desenvolvimento de capacidades do aluno, processo
em que os conteúdos curriculares atuam não como fins em si mesmos, mas como meios para a
aquisição e desenvolvimento dessas capacidades. Nesse sentido, o que se tem em vista é que o
aluno possa ser sujeito de sua própria formação, em um complexo processo interativo em que
também o professor se veja como sujeito de conhecimento(Brasil, 2000, p. 44).
O lugar de responsabilidade dos professores parece ser ampliado quando o
desenvolvimento social e a aquisição de conhecimentos são formalizados enquanto
objetos de aprendizagem complementares, o primeiro se materializando por meio do
segundo, ambos, nessa medida, com o mesmo grau de importância, especialmente para
aqueles profissionais que contrariamente só reconhecem o valor educacional do
segundo. Assim, aprender sobre as regras de um jogo de boliche é tão importante quanto
aprender a brincar junto, a organizar o espaço antes, durante e depois da brincadeira, a
esperar a vez de jogar, a cooperar com o colega que tem maior dificuldade e a respeitar
o jeito de cada um.
No PCN em ação, as finalidades remetem-se diretamente às citadas pelos outros
documentos porque se compromete com
A proposta do projeto PARÂMETROS EM AÇÃO tem a intenção de propiciar momentos
agradáveis de aprendizagem coletiva e a expectativa de que sejam úteis para aprofundar o estudo
dos Referenciais Curriculares elaborados pelo MEC, intensificando o gosto pela construção
coletiva do conhecimento pedagógico, favorecendo o desenvolvimento pessoal e profissional dos
participantes e, principalmente, criando novas possibilidades de trabalho com os alunos para
melhorar a qualidade de suas aprendizagens(Brasil, 1999, p. 3).
Se o estudo do RCNEI for garantido conforme propõe o PCN em ação, de modo
aprofundado, a tomada de consciência do “objetivo socializador”, entendido como
resultado da articulação entre conhecer a si mesmo em relação aos outros, ao conhecer
sobre o mundo, poderá deixar de ser mera conseqüência para ser reconhecida e
assumida como meta em si.
O segundo quadro indica especificamente como os documentos tratam do
papel/função das instituições educativas. Mantivemos os termos juntos porque os
termos parecem ser usados como sinônimos nos documentos, com isso garantimos a
presença das duas expressões. Os documentos expressam nos excertos afirmações
bastante similares, porém com significativas diferenças. Almeja-se o desenvolvimento
integral da criança, entendendo a instituição de educação infantil como espaço
socializador, em contraposição ao termo escola, característico do ensino fundamental e,
onde se espera que a atuação dos professores favoreça que os alunos aprendam de forma
ativa e autônoma, exercitando a própria cidadania. A criança no RCNEI não é
60
identificada como aluno, enquanto que no PCN o aluno é visto como sujeito do
conhecimento, assim como seus professores.
Mesmo evidenciado no RCNEI que muitas vezes os professores na educação
infantil trabalhem o desenvolvimento social de forma inconsciente e não intencional, o
mesmo documento indica que,
A instituição de educação infantil deve tornar acessível a todas as crianças que a
freqüentam, indiscriminadamente, elementos da cultura que enriquecem o seu
desenvolvimento e inserção social. Cumpre um papel socializador, propiciando o
desenvolvimento da identidade das crianças, por meio de aprendizagens diversificadas,
realizadas em situações de interação (Brasil, 1998, p.23).
Consideramos que a acessibilidade aos elementos da cultura não garante
automaticamente o desenvolvimento social. É a forma com as quais os profissionais
propõem e participam das situações que poderão favorecer ou não esse tipo de
aprendizagem, identificado nesse documento como o papel socializador da instituição
de educação infantil.
Ao contrário, na etapa seguinte, conforme proposto pelo PCN, é reconhecida a
responsabilidade dos profissionais desde as séries iniciais, em priorizar conscientemente
a organização de situações e o uso de intervenções que favoreçam progressivamente
novas relações sociais.
Tanto no RCNEI quanto no PCN, evidenciamos o reconhecimento da diferenciação
eu/não-eu, como elemento chave do desenvolvimento social, assim como o acesso a
variadas propostas didáticas.
O terceiro quadro, organizado em torno dos indicadores e concepções que tratam da
autonomia da criança, é o que mais apresenta dados e configura-se como o principal,
entre os quatro, porque formaliza o conceito expresso por cada documento e pelo
conjunto, ao mesmo tempo que favorece a interpretação da relação entre o conceito
expresso e a possibilidade de articulação por meio deles.
No PCN em ação a única transcrição identificada trata do reconhecimento da
autonomia das crianças como princípio da ação educativa e, portanto, conteúdo a ser
desenvolvido nos processos formativos.
Tanto o RCNEI quanto o PCN explicitam o lugar da autonomia enquanto eixo e
princípio educativo central que ultrapassam a dimensão de objetivo a ser alcançado pela
educação, porque perpassa todas as dimensões humanas: moral, intelectual, emocional e
motora. Enquanto no RCNEI distingue-se a autonomia das situações como a condição
61
inicial da criança exercitar a coordenação de pontos de vista, no PCN é a tomada de
consciência, o desenvolvimento da autonomia da consciência que diferencia e sucede a
anterior. Porém, a autonomia das situações não se confunde com independência, a
segunda é condição para que a criança, especialmente ao brincar, exercite a cooperação
e a liberdade de explorar os ambientes e materiais de forma compartilhada. Noutras
palavras, a adaptação ao espaço, rotina e materiais instrumentaliza a criança para uma
convivência independente e essa é condição básica para o desenvolvimento da
autonomia. Nesses documentos identificamos as seguintes expressões: no RCNEI,
A autonomia, definida como a capacidade de se conduzir e tomar decisões por si
próprio, levando em conta regras, valores, sua perspectiva pessoal, bem como a
perspectiva do outro, é, nessa faixa etária, mais do que um objetivo a ser alcançado com
as crianças, um princípio das ações educativas. Conceber uma educação em direção à
autonomia significa considerar as crianças como seres com vontade própria, capazes e
competentes para construir conhecimentos, e, dentro de suas possibilidades, interferir no
meio em que vivem. Exercitando o autogoverno em questões situadas no plano das
ações concretas, poderão gradualmente fazê-lo no plano das idéias e dos valores (Brasil,
1998, p.14).
no PCN,
Este é o sentido da autonomia como princípio didático geral proposto nos Parâmetros
Curriculares Nacionais: uma opção metodológica que considera a atuação do aluno na
construção de seus próprios conhecimentos, valoriza suas experiências, seus
conhecimentos prévios e a interação professor-aluno e aluno-aluno, buscando
essencialmente a passagem progressiva de situações em que o aluno é dirigido por
outrem a situações dirigidas pelo próprio aluno.
A autonomia refere-se à capacidade de posicionar-se, elaborar projetos pessoais e
participar enunciativa e cooperativamente de projetos coletivos, ter discernimento,
organizar-se em função de metas eleitas, governar-se, participar da gestão de ações
coletivas, estabelecer critérios e eleger princípios éticos, etc. Isto é, a autonomia fala de
uma relação emancipada, íntegra com as diferentes dimensões da vida, o que envolve
aspectos intelectuais, morais, afetivos e sociopolíticos. Ainda que na escola se destaque
a autonomia na relação com o conhecimento – saber o que se quer saber, como fazer
para buscar informações e possibilidades de desenvolvimento de tal conhecimento,
manter uma postura crítica comparando diferentes visões e reservando para si o direito
de conclusão, por exemplo -, ela não ocorre sem o desenvolvimento da autonomia moral
(capacidade ética) e emocional que envolvem auto-respeito, respeito mútuo, segurança,
sensibilidade, etc(Brasil, 2000, p.94-95).
Outra consideração a ser tecida diz respeito ao desenvolvimento da autonomia
moral como condição da autonomia em sentido amplo, afirmação que nos parece bem
piagetiana, que também aparece no RCNEI:
A passagem da heteronomia para a autonomia supõe recursos internos (afetivos e
cognitivos) e externos (sociais e culturais). Para que as crianças possam aprender a
gerenciar suas ações e julgamentos conforme princípios outros que não o da simples
obediência, e para que possam ter noção da importância da reciprocidade e da
cooperação numa sociedade que se propõe a atender o bem comum, é preciso que
exercitem o autogoverno, usufruindo de gradativa independência para agir, tendo
62
condições de escolher e tomar decisões, participando do estabelecimento de regras e
sanções (Brasil, 1998, p.15).
Nessa perspectiva teórica, a autonomia é diferenciada entre a dimensão moral e
a intelectual, sendo a primeira resultado da passagem da heteronomia para a autonomia,
condição inicial de estar sendo governado por outra pessoa que vai significando as
situações sociais sob aspectos do certo ou errado, de maneira que a criança vá
adquirindo condições de regular por si mesma tais situações, enquanto a segunda trata
dos aspectos relativos à aquisição de conhecimentos regulados pelo verdadeiro ou falso.
Sob a perspectiva teórica aqui adotada entendemos que as duas dimensões são
de fato desenvolvidas num crescente de independência da autoridade do adulto, parceiro
mais experiente, porém, não exclusivo. O que distingue as duas posições é que a
primeira localiza as duas dimensões no sentido da individualidade para a socialização,
enquanto que a segunda parte da socialização para conquistar a individuação, sendo essa
tratada sempre em relação ao outro, ao socius.
Mesmo o PCN indicando que “a autonomia fala de uma dimensão emancipada”,
que envolve o aspecto sociopolítico, não contradiz o aspecto individualista do seu uso,
porque o sentido emancipatório permanece justificado pelo “destaque a autonomia na
relação com o conhecimento” (Brasil, 2000, pp.94-95).
Conforme já apontamos por meio das contribuições de Adorno, não basta o
desenvolvimento intelectual independente, é fundamental que a pessoa desenvolva, em
sentido regulador, a condição de avaliar a relação entre as suas decisões e as
conseqüências destas para os outros.
Podemos extrair das transcrições, indicações que subsidiam o desenvolvimento da
autonomia. No RCNEI a relação entre fusão/diferenciação na interação com os objetos
de conhecimento, expressos por diferentes linguagens, especialmente através da
brincadeira, configuram um tripé que justifica todas as orientações dos volumes 2 e 3:
seja por meio do brincar com o corpo, gestos e movimentos, com os sons, palavras,
imagens, seja pelos elementos da natureza ou materiais plásticos, na interação com
outras crianças e adultos. Assim, o papel do adulto na organização do tempo, espaço,
materiais e agrupamentos, caracteriza a intervenção educativa, função fundamental da
prática docente, de modo que a transmissão de conhecimentos previamente
determinados se opõe ao necessário reconhecimento de que a aquisição de
conhecimentos é meio para o processo de socialização na educação infantil. No PCN o
63
tripé é assim identificado, “O desenvolvimento da autonomia depende de suportes
materiais, intelectuais e emocionais(Brasil, 2000, p.95)”.
Sobre o conceito, contribuem os excertos que apontam que a autonomia não se
confunde com independência nem é um estado psicológico geral, porque o seu
desenvolvimento se dá ao longo de toda a vida a partir do nascimento. Nessa direção,
entendemos que à instituição de educação infantil assim como à escola, em seus
diferentes níveis de ensino, materializada na atuação dos professores, cabe assumir tanto
a perspectiva da continuidade quanto da complementaridade como fundamento da tão
temida expressão preparação da criança. Na educação infantil, a criança que tem
oportunidades de brincar de faz de conta, de folhear variados livros de contos de fadas,
de colaborar na organização dos espaços e materiais, assim como participar de rodas de
conversa sobre assuntos diversificados, de fato, está sendo preparada para enfrentar os
novos desafios impostos pelo ingresso no ensino fundamental. O reconhecimento da
preparação não substitui o lugar do desenvolvimento da autonomia como principio
norteador, mas indica que a adaptação antecede e dá subsidio a ela.
A fruição citada em nota de rodapé no documento parece explicitar de um lado o
peso que ocupa na aprendizagem, supomos central, e de outro a compreensão de que ela
favorece a espontaneidade, a individualidade, a comparação meu/seu percurso,
rompendo com práticas prioritariamente voltadas para o desenvolvimento cognitivo.
Esta perspectiva corresponde àquela que defendemos, pelos seguintes motivos: 1)
contempla a dimensão da pessoa completa; 2) parte de uma concepção de trabalho com
artes visuais que precisa de maior tempo na rotina, tanto em termos de duração quanto
de freqüência, garantindo assim um contato com a arte que considere o
desenvolvimento infantil articulado de fato com outras linguagens; 3) favorece a
diferenciação, especialmente por reconhecer no percurso individual a possibilidade de
interação entre as crianças; 4) reconhece que tanto o desenvolvimento infantil quanto a
aprendizagem são processos que acontecem vinculados à pessoa completa, e que
especialmente na primeira infância, a criança se relaciona com o saber e com o outro de
corpo inteiro, mesmo quando há preponderância ora da dimensão afetiva ora da
cognitiva.
No contato com propostas identificadas como de artes visuais ou de qualquer outra
área do conhecimento, a criança se interessa na tentativa de reconhecer o que si pode ser
legitimado e, portanto, na busca de compreender quais são as aprendizagens sociais que
correspondem a cada momento e grupo com os quais interage.
64
Entendemos que especialmente as linguagens da arte e da literatura dão às crianças
possibilidades de sentir, expressar e produzir, envolvendo simultaneamente todas as
dimensões, além de oportunizar a diferenciação eu/não eu, por meio da socialização
dos próprios percursos, entendimentos e comparações.
É nesse aspecto que as orientações aos professores ganham força, na medida em que
são os responsáveis por mediar o cotidiano da escola, reconhecerem a relação entre as
oportunidades que organizam e os processos de desenvolvimento que estão sendo
priorizados. Mais importante ainda, é reconhecer o lugar da autonomia na educação
infantil: a perspectiva aqui defendida ultrapassa a compreensão da autonomia entendida
como condição da criança agir por si mesma assumindo gradualmente
responsabilidades, como também aquela restrita ao aspecto moral, à medida que, aqui,
defendemos a autonomia que engloba as duas anteriores dentro de uma perspectiva
maior: a autonomia da consciência do indivíduo.
Entendemos que essas dimensões, se garantidas desde a Educação Infantil, são
complementares e estruturantes daquela que defendemos. Ainda evidenciamos, nas
escolas, que muitas crianças não participam da organização de seus próprios espaços e
materiais, da resolução de conflitos, da expressão de suas preferências e escolhas:
simplesmente correspondem às propostas oferecidas em comum, sob a coordenação de
adultos que preparam, propõem e organizam as atividades por elas.
Se concordamos que a diferenciação é o prelúdio da autonomia, orientações que
favoreçam o reconhecimento tanto do desenvolvimento infantil quanto das
aprendizagens contribuem significativamente para a tomada de consciência dos
profissionais sobre os dois aspectos.
Por último, reiteramos que a organização do RCNEI em eixos de trabalho não deva
ser entendida como sinônimo de fragmentação do modo de organizar o cotidiano, mas
apenas como organização didática de informar os professores sobre as especificidades
de cada um, porque a criança interage com os diferentes objetos de conhecimento
integralmente como meio de diferenciarem-se. No caso do eixo artes visuais, fica bem
explicita a forma como a criança, nessa oportunidade, integra o agir, o sentir e o
comunicar para concretizar seu pensamento: “O desenvolvimento da capacidade
artística e criativa deve estar apoiado, também, na prática reflexiva das crianças ao
aprender, que articula a ação, a percepção, a sensibilidade, a cognição e a imaginação
(Brasil. 1998, p.89).
65
O quarto quadro, intitulado “Os documentos oficiais com indicação da educação
básica: finalidades e articulação”, disponível em anexo, relaciona excertos que tratam da
educação básica sobre dois aspectos, suas finalidades e articulação. Se as finalidades da
educação básica são identificadas num processo que parte da socialização em direção da
autonomia, consideramos que as propostas direcionadas para o período que relaciona o
final da pré-escola com o início do ensino fundamental, devam se pautar por essa dupla
função.
No RCNEI volume um, a articulação é assim proposta:
Com a saída das crianças, as famílias enfrentam novamente grandes mudanças. A passagem
da educação infantil para o ensino fundamental representa um marco significativo para a
criança podendo criar ansiedades e inseguranças. O professor de educação infantil deve
considerar esse fato desde o início do ano, estando disponível e atento para as questões e
atitudes que as crianças possam manifestar. Tais preocupações podem ser aproveitadas para a
realização de projetos que envolvam visitas a escolas de ensino fundamental; entrevistas com
professores e alunos; programar um dia de permanência em uma classe de primeira série. É
interessante fazer um ritual de despedida, marcando para as crianças este momento de
passagem com um evento significativo. Essas ações ajudam a desenvolver uma disposição
positiva frente às futuras mudanças demonstrando que, apesar das perdas, há também
crescimento(Brasil, 1998, p. 84).
O documento introdutório, na função de demarcar as concepções que orientam os
outros dois volumes, já aponta que a ruptura, identificada aqui como o desligamento
com a educação infantil para o ingresso no ensino fundamental, configura-se como um
dado objetivo a ser considerado ao longo de todo o último ano da freqüência da criança
na pré-escola, de modo que as sugestões considerem tanto os aspectos relativos à
aquisição de conhecimentos quanto o desenvolvimento da autonomia. Assim, as
conversas e visitas poderão favorecer tanto a superação de medos e inseguranças quanto
a condição de reconhecerem que já conquistaram saberes que facilitarão o enfretamento
das dificuldades iniciais.
O PCN em ação considera a alfabetização em termos de aprendizagem
desenvolvida ao longo do período de escolarização, desde a educação infantil, e nesse
caso como um elemento central deste período de transição. A priori pode causar
incômodo se entendermos a alfabetização como resultado da condição da criança em
decodificar a base alfabética, lendo e escrevendo convencionalmente. Contudo,
entendemos a alfabetização em seu uso social, cabendo nessa perspectiva, toda e
qualquer tentativa da criança de significar leituras, sejam elas de letras ou de símbolos,
de modo que a função social conduza o exercício da criança.
66
Assim, a criança que tem oportunidades desde a educação infantil, de tentar “ler”
e escrever, de forma que suas hipóteses sejam compartilhadas, certamente terá o
ingresso no ensino fundamental facilitado.
A descrição geral dos excertos revela que a autonomia é vista como princípio da
ação educativa e, portanto, dependente das ações dos professores para que possa ser
desenvolvida na escola.
Na educação infantil espera-se que sejam privilegiadas as situações de brincadeira,
rodas de conversa e o acesso às diferentes linguagens para que por meio da fusão e
diferenciação com seus pares, a criança possa desenvolver a capacidade de auto-
governo. Em outras palavras, a socialização é condição para o desenvolvimento da
autonomia, é na interação que a criança terá oportunidade de perceber-se, identificar
seus modos próprios de agir e se expressar.
Para o ensino fundamental, conforme expresso no PCN espera-se que os alunos
conquistem a condição de aprender a aprender, que sejam capazes de se auto-regularem
e principalmente de posicionarem-se pessoal e coletivamente. A autonomia esperada e
expressa nos documentos legais, diferencia a autonomia moral (ética) da emocional, a
primeira diz respeito à condição de se auto-regular em relação ao social e a segunda em
relação a si mesmo, dissociando a própria autonomia. Assim, para o aluno do ensino
fundamental prescreve-se, ao professor, que organize tempos, espaços e trabalhos em
equipe, de forma que favoreça um ambiente em que os próprios alunos possam construir
seus conhecimentos e a si mesmos.
67
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após análise dos textos acadêmicos, orientações e diretrizes cotejando-as com os
conceitos dos autores de referência, Adorno (1995) e Wallon (1979), constatamos que o
conceito de autonomia prescrito nos documentos direcionados aos professores, ocupa
um lugar de destaque, é entendido como parte da dimensão social e reconhecido como
finalidade da educação básica, a ser desenvolvido desde a educação infantil. Deste
modo a autonomia é entendida como um processo que se desenvolve ao longo da vida.
Para que tal finalidade possa ser assumida pelos profissionais, não basta que seja
explicitado o lugar da autonomia, é imprescindível que os professores tomem
consciência da função de cada etapa da educação básica em relação ao desenvolvimento
social da criança, identificando as especificidades e o necessário compromisso de
promovê-la a partir das características de cada faixa etária, de modo que desde pequenas
as crianças experimentem, mesmo antes do desenvolvimento da consciência,
experiências sociais que as aproximem da situação social real em que estão inseridas.
Uma prática educacional que articula adaptação e autonomia, a primeira como
base da segunda, orienta-se ao mesmo tempo por intervenções educativas que preparam
indivíduos ajustados aos padrões de comportamento necessários à convivência coletiva
por meio da adaptação, e, investe no desenvolvimento de pessoas compromissadas com
atitudes e iniciativas que humanizem as relações e favoreçam a cooperação. No caso da
educação infantil, por intermédio de intervenções educativas relativas à organização dos
tempos, espaços e materiais.
Em relação aos documentos analisados, evidenciamos que tanto a ordem das
publicações quanto a estrutura dos documentos, ao invés de apontar a necessária
complementaridade entre adaptação e autonomia, apresenta-os de modo cindido e
desarticulado, dando maior ênfase aos conteúdos voltados ao desenvolvimento
cognitivo, apresentados por áreas de conhecimento.
Por mais que os conhecimentos relativos ao desenvolvimento social, cognitivo,
físico ou emocional possam ser distinguíveis, há que se explicitar aos profissionais da
educação, que os problemas da adaptação humana são enfrentados pela criança desde o
nascimento, a forma como podem ser enfrentados é que deve ser o foco de ação dos
adultos para intervir na qualidade deste enfrentamento, de modo a favorecer um
exercício da autonomia que objetive a emancipação e não apenas sua adaptação.
68
Assim, podemos referir que os documentos, apesar de distinguirem as dimensões
do desenvolvimento humano, reforçam práticas voltadas prioritariamente à adaptação,
ou que se convertem em homogeneização.
Se o desenvolvimento social é marcado por um processo simultâneo de rupturas
e continuidades, e concordarmos com Adorno que uma educação emancipatória
necessita superar a adaptação, há que se valorizar as continuidades e rupturas como
partes estruturantes do processo de formação. Assim, a passagem da criança da
educação infantil para o ensino fundamental, caracteriza-se como um período em
potencial para o desenvolvimento da autonomia.
Os documentos revelam que nessa transição, as crianças assumem um novo
papel social, o de aluno, por isso, essa nomenclatura foi utilizada exclusivamente no
PCN. Ao mesmo tempo que experimentam esse novo papel social, continuam a ser
crianças, carregam consigo as necessidades de novas adaptações assim como as
aprendizagens já adquiridas, de modo que essa dinâmica, pode ser objeto de atenção
dos profissionais nessa etapa da escolaridade para além do entendimento de que é uma
ruptura necessária.
O RCNEI além de apontar tal ruptura, sugere aos professores, que organizem
momentos específicos para que os sentimentos sejam explicitados, tanto por meio de
conversas quanto por visitas ao novo espaço escolar. Já o PCN em ação, aponta para a
alfabetização, sob o aspecto da função social, como elemento chave para favorecer a
adaptação da criança. Tais evidências revelam que as rupturas e continuidades são
reconhecidas pelos documentos, porém, não se explicita a relação entre ambas e o
desenvolvimento social, e particularmente nesse período.
Esta pesquisa buscou explicitar evidencias e indicadores de como a autonomia
da criança é prescrita, assim como, relacioná-la com o período de transição da criança
da educação infantil para o ensino fundamental, especialmente para que os profissionais
da educação possam cada vez mais, tomarem consciência tanto das especificidades de
sua atuação quanto contribuírem com o aprimoramento das prescrições que são
formalizadas. Deste modo, fica o convite para que outros pesquisadores continuem
questionando a função social da escola, assim como o lugar da autoridade do professor,
desde a educação infantil.
69
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73
ANEXOS
74
Protocolo de Leitura
1. Documento no. 01 A
2. Identificação do documento:
2.1. Título: Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
2.2. Subtítulo: Introdução
2.3. Data da Publicação: 1998
2.4. Edição: 1ª. edição
2.5. Órgão responsável pela elaboração:
Secretaria de Educação Fundamental: Iara Glória Areias Prado
Departamento de Política da Educação Fundamental: Virgínia Zélia de Azevedo
Rebeis Farha
Coordenação-Geral de Educação Infantil: Gisela Wajskop
2.6. No. de páginas: 103
2.7. Destinatário: Professor
Professor, Você está recebendo uma coleção de três volumes que compõem o
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil ...(p.7)”.
2.8. Ficha Técnica:
Coordenação
Ana Amélia Inoue, Gisela Wajskop, Silvia Pereira de Carvalho.
Elaboração
Aloma Fernandes Carvalho, Ana Amélia Inoue, Anamélia Bueno Buoro, Damaris
Gomes Maranhão, Gisela Wajskop, Isabel Galvão, Maria Paula Vignola Zurawisky,
Maria Priscila Bacellar Monteiro, Teca Alencar de Brito, Maria Virgínia Gastaldi,
Regina Lúcia Scarpa Leite, Silvia Pereira de Carvalho, Vinício de Macedo Santos.
Assessoria
Ana Teberosky, Antonia Terra, Delia Lerner de Zunino, Cecília Parra, Gilles
Bougère, Jean Hébrad, Isabel Galvão, Maria Clotilde Rossetti-Ferreira, Maria
Cristina Ribeiro Pereira, Marisa Pelella Mélega, Nélio Bizzo, Ricardo Brein, Rosa
Iavelberg, Telma Weisz e 230 pareceristas – professores de universidades e
especialistas de todo o país, que contribuíram com críticas e sugestões valiosas para
o enriquecimento do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.
75
Categorias:
1.Finalidade do conteúdo:
I. “Atendendo às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei 9.394/96) que estabelece, pela primeira vez na história de nosso país, que a
educação infantil é a primeira etapa da educação básica, nosso objetivo, com este
material, é auxiliá-lo na realização de seu trabalho educativo diário junto às
crianças pequenas” (p.5).
II. “...o Referencial pretende apontar metas de qualidade que contribuam para que as
crianças tenham um desenvolvimento integral de suas identidades, capazes de
crescerem como cidadãos cujos direitos à infância são reconhecidos. Visa,
também, contribuir para que possa realizar, nas instituições, o objetivo
socializador dessa etapa educacional, em ambientes que propiciem o acesso e a
ampliação, pelas crianças, dos conhecimentos da realidade social e cultural” (p.5).
III. “...o Referencial é um guia de orientação que deverá servir de base para discussões
entre profissionais de um mesmo sistema de ensino ou no interior da instituição,
na elaboração de projetos educativos singulares e diversos”(p.7).
IV. “Sua função é contribuir com as políticas e programas de educação infantil,
socializando informações, discussões e pesquisas, subsidiando o trabalho
educativo de técnicos, professores e demais profissionais da educação infantil e
apoiando os sistemas de ensino estaduais e municipais” (p.13).
2. Finalidades da educação básica:
I. “As instituições educativas têm uma função básica de socialização e, por esse
motivo, têm sido sempre um contexto gerador de atitudes. Isso significa dizer
que os valores impregnam toda a prática educativa e são aprendidos pelas
crianças, ainda que não sejam considerados como conteúdos a serem trabalhados
explicitamente, isto é, ainda que não sejam trabalhados de forma consciente e
intencional” (p.51).
76
3. Função/papel da escola/ instituição de educação infantil
I. “A instituição de educação infantil deve tornar acessível a todas as crianças que
a freqüentam, indiscriminadamente, elementos da cultura que enriquecem o seu
desenvolvimento e inserção social. Cumpre um papel socializador, propiciando
o desenvolvimento da identidade das crianças, por meio de aprendizagens
diversificadas, realizadas em situações de interação”(p.23).
4. Autonomia
I. “As novas funções para a educação infantil devem estar associadas a padrões de
qualidade. Essa qualidade advém de concepções de desenvolvimento que
consideram as crianças nos seus contextos sociais, ambientais, culturais e, mais
concretamente, nas interações e práticas sociais que lhes fornecem elementos
relacionados às mais diversas linguagens e ao contato com os variados
conhecimentos para a construção de uma identidade autônoma”(p.23).
II. “Assim, cuidar da criança é sobretudo dar atenção a ela como pessoa que está
num contínuo crescimento e desenvolvimento, compreendendo sua
singularidade, identificando e respondendo às suas necessidades. Isto inclui
interessar-se sobre o que a criança sente, o que ela sabe sobre si e sobre o
mundo, visando à ampliação deste conhecimento e de suas habilidades, que aos
poucos a tornarão mais independente e mais autônoma”(p.25).
III. “Esta organização visa a abranger diversos e múltiplos espaços de elaboração de
conhecimentos e de diferentes linguagens, a construção da identidade, os
processos de socialização e o desenvolvimento da autonomia das crianças que
propiciam, por sua vez, as aprendizagens consideradas essenciais” (p.45).
IV. “Outro ponto importante a ser ressaltado diz respeito à disposição dos materiais,
uma vez que isso pode ser decisivo no uso que as crianças venham a fazer deles.
Os brinquedos e demais materiais precisam estar dispostos de forma acessível às
77
crianças, permitindo seu uso autônomo, sua visibilidade, bem como uma
organização que possibilite identificar os critérios de ordenação”(p.71).
V. “Quando as crianças adquirem maior autonomia em relação aos cuidados e
interagem de forma mais independente com seus pares, entre 3 e 6 anos, é
possível pensar em grupos maiores, mas que não ultrapassem 25 crianças por
professor”(p.72).
5. Articulação na Educação Básica
I. “Com a saída das crianças, as famílias enfrentam novamente grandes
mudanças. A passagem da educação infantil para o ensino fundamental
representa um marco significativo para a criança podendo criar ansiedades e
inseguranças. O professor de educação infantil deve considerar esse fato
desde o início do ano, estando disponível e atento para as questões e atitudes
que as crianças possam manifestar. Tais preocupações podem ser
aproveitadas para a realização de projetos que envolvam visitas a escolas de
ensino fundamental; entrevistas com professores e alunos; programar um
dia de permanência em uma classe de primeira série. É interessante fazer
um ritual de despedida, marcando para as crianças este momento de
passagem com um evento significativo. Essas ações ajudam a desenvolver
uma disposição positiva frente às futuras mudanças demonstrando que,
apesar das perdas, há também crescimento”(p. 84).
78
Protocolo de Leitura
1. Documento no. 01 B
2. Identificação do documento
2.1. Título: Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
2.2. Subtítulo: Formação Pessoal e Social
2.6. No. de páginas: 85
Categorias:
4. Autonomia
I. “Saber o que é estável e o que é circunstancial em sua pessoa, conhecer suas
características e potencialidades e reconhecer seus limites é central para o
desenvolvimento da identidade e para a conquista da autonomia. A capacidade
das crianças de terem confiança em si próprias e o fato de sentirem-se aceitas,
ouvidas, cuidadas e amadas oferecem segurança para a formação pessoal e
social”(p.11).
II. “O desenvolvimento da identidade e da autonomia estão intimamente
relacionados com os processos de socialização.(p.11)
III. “A construção da identidade e da autonomia diz respeito ao conhecimento,
desenvolvimento e uso dos recursos pessoais para fazer frente às diferentes
situações da vida.”(p.13)
IV. “As crianças vão, gradualmente, percebendo-se e percebendo os outros como
diferentes, permitindo que possam acionar seus próprios recursos, o que
representa uma condição essencial para o desenvolvimento da autonomia.”(p.14)
V. “A autonomia, definida como a capacidade de se conduzir e tomar decisões por
si próprio, levando em conta regras, valores, sua perspectiva pessoal, bem como
a perspectiva do outro, é, nessa faixa etária, mais do que um objetivo a ser
alcançado com as crianças, um princípio das ações educativas. Conceber uma
educação em direção à autonomia significa considerar as crianças como seres
com vontade própria, capazes e competentes para construir conhecimentos, e,
79
dentro de suas possibilidades, interferir no meio em que vivem. Exercitando o
autogoverno em questões situadas no plano das ações concretas, poderão
gradualmente fazê-lo no plano das idéias e dos valores.”(p.14)
VI. “A passagem da heteronomia para a autonomia supõe recursos internos (afetivos
e cognitivos) e externos (sociais e culturais). Para que as crianças possam
aprender a gerenciar suas ações e julgamentos conforme princípios outros que
não o da simples obediência, e para que possam ter noção da importância da
reciprocidade e da cooperação numa sociedade que se propõe a atender o bem
comum, é preciso que exercitem o autogoverno, usufruindo de gradativa
independência para agir, tendo condições de escolher e tomar decisões,
participando do estabelecimento de regras e sanções.”(p.15)
VII. “O complexo processo de construção da identidade e da autonomia depende das
interações socioculturais como da vivência de algumas experiências
consideradas essenciais associadas à fusão e diferenciação, construção de
vínculos e expressão da sexualidade.”(p.15)
VIII. “Brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da
identidade e da autonomia. O fato de a criança, desde muito cedo, poder se
comunicar por meio de gestos, sons e mais tarde representar determinado papel
na brincadeira faz com que ela desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras as
crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a
atenção, a imitação, a memória, a imaginação. Amadurecem também algumas
capacidades de socialização, por meio da interação e da utilização e
experimentação de regras e papéis sociais.”(p.22)
IX. “A progressiva independência na realização das mais diversas ações, embora
não garanta a autonomia, é condição necessária para o seu desenvolvimento.
Esse processo valoriza o papel do professor como aquele que organiza,
sistematiza e conduz situações de aprendizagem.”(p.39)
80
X. “Outro aspecto que contribui para o desenvolvimento da autonomia é que a
criança tenha referências para situar-se na rotina da instituição. Quando se está
num ambiente conhecido e em que se pode antecipar a seqüência dos
acontecimentos, tem-se mais segurança para arriscar e ousar agir com
independência.”(p.40)
XI. “Para favorecer o desenvolvimento da autonomia é necessário que o professor
compreenda os modos próprios de as crianças se relacionarem, agirem, sentirem,
pensarem e construírem conhecimentos.”(p.40)
XII. “Todas as atividades permanentes do grupo contribuem, de forma direta ou
indireta, para a construção da identidade e o desenvolvimento da autonomia,
uma vez que são competências que perpassam todas as vivências das crianças.
Algumas delas, como a roda de conversas e o faz-de-conta, porém, constituem-
se em situações privilegiadas para a explicitação das características pessoais,
para a expressão dos sentimentos, emoções, conhecimentos, dúvidas e hipóteses
quando as crianças conversam entre si e assumem diferentes personagens nas
brincadeiras.”(p.62)
XIII. “A oferta permanente de atividades diversificadas em um mesmo tempo e
espaço é uma oportunidade de propiciar a escolha pelas crianças. Organizar,
todos os dias, diferentes atividades, tais como cantos para desenhar, para ouvir
música, para pintar, para olhar livros, para modelar, para jogos de regras etc.,
auxilia o desenvolvimento da autonomia.”(p.62)
81
Protocolo de Leitura
1. Documento no. 01 C
2. Identificação do documento:
2.1. Título: Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
2.2. Subtítulo: Conhecimento de Mundo
2.6. No. de páginas: 269
Categorias:
4. Autonomia
A criança e o movimento
“Gradativamente, o movimento começa a submeter-se ao controle voluntário, o que se
reflete na capacidade de planejar e antecipar ações – ou seja, de pensar antes de agir – e
no desenvolvimento crescente de recursos de contenção motora. (...) Os recursos de
contenção motora, por sua vez, se traduzem no aumento do tempo que a criança
consegue manter-se numa mesma posição.” (p.24)
“Representar experiências observadas e vividas por meio do movimento pode se
transformar numa atividade bastante divertida e significativa para as crianças. (...) são
exercícios de imaginação e criatividade que reiteram a importância do movimento para
expressar e comunicar idéias e emoções.” (p.34)
“Os jogos motores de regras trazem também a oportunidade de aprendizagens sociais,
pois ao jogar, as crianças aprendem a competir, a colaborar umas com as outras, a
combinar e a respeitar regras.” (p.35)
“Nessa faixa etária, a improvisação constitui-se numa das formas de atividade criativa.
Os jogos de improvisação são ações intencionais que possibilitam o exercício criativo
de situações musicais e o desenvolvimento da comunicação por meio dessa linguagem.
As crianças de quatro a seis anos já podem compor pequenas canções. Com os
instrumentos musicais ainda é difícil criar estruturas definidas, e as criações musicais
das crianças geralmente situam-se entre a improvisação e a composição, ou seja, a
criança cria uma estrutura que, no entanto, sofre variações e alterações a cada nova
interpretação. A imitação é a base do trabalho de interpretação. Imitando sons vocais,
82
corporais, ou produzidos por instrumentos musicais, as crianças preparam-se para
interpretar quando, então, imitam expressivamente.” (p.57)
“O gesto e o movimento corporal estão intimamente ligados e conectados ao trabalho
musical. A realização musical implica tanto em gesto como em movimento, porque o
som é, também, gesto e movimento vibratório, e o corpo traduz em movimento os
diferentes sons que percebe. Os movimentos de flexão, balanceio, torção, estiramento
etc., e os de locomoção como andar, saltar, correr, saltitar, galopar etc., estabelecem
relações diretas com os diferentes gestos sonoros.” (p.61)
“Uma vez que tenham tido muitas oportunidades, na instituição de educação infantil, de
vivenciar experiências envolvendo a música, pode-se esperar que as crianças entre
quatro e seis anos a reconheçam e utilizem-na como linguagem expressiva, conscientes
de seu valor como meio de comunicação e expressão. Por meio da voz, do corpo, de
instrumentos musicais e objetos sonoros deverão interpretar, improvisar e compor,
interessadas, também, pela escuta de diferentes gêneros e estilos musicais e pela
confecção de materiais sonoros.” (p.77)
“Embora seja possível identificar espontaneidade e autonomia na exploração e no fazer
artístico das crianças, seus trabalhos revelam: o local e a época histórica em que vivem;
suas oportunidades de aprendizagem; suas idéias ou representações sobre o trabalho
artístico que realiza e sobre a produção de arte à qual têm acesso, assim como seu
potencial para refletir sobre ela.” (p.88)
“O desenvolvimento da capacidade artística e criativa deve estar apoiado, também, na
prática reflexiva das crianças ao aprender, que articula a ação, a percepção, a
sensibilidade, a cognição e a imaginação.” (p.89)
“Nesse sentido, as Artes Visuais devem ser concebidas como uma linguagem que tem
estrutura e características próprias, cuja aprendizagem, no âmbito prático e reflexivo, se
dá por meio da articulação dos seguintes aspectos:
fazer artístico – centrado na exploração, expressão e comunicação de produção
de trabalhos de arte por meio de práticas artísticas, propiciando o
desenvolvimento de um percurso de criação pessoal;
83
apreciação – percepção do sentido que o objeto propõe, articulando-o tanto aos
elementos da linguagem visual quanto aos materiais e suportes utilizados,
visando desenvolver, por meio da observação e da fruição
20
, a capacidade de
construção de sentido, reconhecimento, análise e identificação de obras de arte e
de seus produtores;
reflexão – considerado tanto no fazer artístico como na apreciação, é um pensar
sobre todos os conteúdos do objeto artístico que se manifesta em sala,
compartilhando perguntas e afirmações que a criança realiza instigada pelo
professor e no contato com suas próprias produções e as dos artistas.”(p.89)
“Guardar, organizar a sala e documentar as produções são ações que podem ajudar
cada criança na percepção de seu processo evolutivo e do desenrolar das etapas do
trabalho.” (p.101)
“É essencial que se incluam atividades que se concentrem basicamente na leitura
das imagens produzidas pelas próprias crianças (desenhos, colagens, recortes,
objetos tridimensionais, pinturas etc.). Permitir que elas falem sobre seus trabalhos é
um aspecto fundamental do trabalho em artes. É assim que elas poderão reformular
suas idéias, construindo novos conhecimentos a partir das observações feitas, bem
como desenvolver o contato social com os outros. Nesta etapa é possível fortalecer o
reconhecimento da singularidade de cada indivíduo na criação, mostrando que não
existe um jeito certo ou errado de se produzir um trabalho de arte, mas sim um jeito
individualizado, singular. Comentar os resultados dos trabalhos possibilita a
descoberta do percurso na criação e a percepção das soluções encontradas no
processo de construção. Nas leituras grupais, as crianças elaboram não somente os
conteúdos comentados, mas estabelecem uma experiência de contato e diálogo com
as outras crianças, desenvolvendo o respeito, a tolerância à diversidade de
interpretações ou atribuições de sentido às imagens, a admiração e dando uma
contribuição às produções realizadas, por intermédio de uma prática de
solidariedade e inclusão.” (p.105)
20
Fruição é um conceito bastante importante para a aprendizagem de Artes Visuais. Refere-se à reflexão,
conhecimento, emoção, sensação e ao prazer advindo da ação que a criaa realiza ao se apropriar dos
sentidos e emoções gerados no contato com as produções artísticas.(Nota da obra)
84
Protocolo de Leitura
1. Documento no. 02 A
2. Identificação do documento:
2.1. Título: Programa de Desenvolvimento Profissional Continuado
2.2. Subtítulo: Parâmetros em ação – Educação Infantil
2.3. Data da Publicação: 1999
2.4. Edição: 1ª. edição
2.5. Órgão responsável pela elaboração:
Secretaria de Educação Fundamental / Iara Glória Areias Prado
Departamento de Política da Educação Fundamental / Virgínia Zélia de Azevedo
Rebeis Farha
Coordenação-Geral de Estudos e Pesquisas da Educação Fundamental / Maria Inês
Laranjeira
2.6. No. de páginas: 90
2.7. Destinatário: “Professores que atuam no Ensino Fundamental (1ª. a 4ª. e 5ª.
a 8ª. séries), na Educação Indígena, na Educação Infantil, na Educação de jovens e
Adultos.” (p.9)
2.8. Ficha Técnica: Coordenação Geral
Ana Amélia Inoue, Gisela Wajskop.
Elaboração
Ana Amélia Inoue, Aricélia Ribeiro do Nascimento, Carmem Lúcia Homem de
Mello,Claudia Rosemberg Aratangy, Gisela Wajskop, Laura Barbosa, Lucia
Waskop, Maria Paula Zurawski, Rosa Iavelberg, Silvia Maria P. Carvalho e Vinício
de Macedo Santos.
Categorias:
1.Finalidade do conteúdo
I. “A proposta do projeto Parâmetros em Ação tem a intenção de propiciar
momentos agradáveis de aprendizagem coletiva e a expectativa de que sejam úteis
para aprofundar o estudo dos Referenciais Curriculares elaborados pelo MEC,
intensificando o gosto pela construção coletiva do conhecimento pedagógico,
favorecendo o desenvolvimento pessoal e profissional dos participantes e,
85
principalmente, criando novas possibilidades de trabalho com os alunos para
melhorar a qualidade de suas aprendizagens.”(p. 3)
II. “Uma ampla discussão nacional foi desencadeada em torno desses documentos,
cuja função principal é apoiar os sistemas de ensino no desenvolvimento de
propostas pedagógicas de qualidade, na perspectiva de uma educação para a
cidadania. Essa meta exige impulsionar o desenvolvimento profissional dos
professores no âmbito das secretarias estaduais e municipais de educação. Com
essa finalidade, a SEF/MEC estará implementando um programa que envolverá
um conjunto de ações voltadas para diferentes segmentos da comunidade
educacional (professores, equipes técnicas, diretores de escola e/ou creches) e será
desenvolvido em parceria com as secretarias estaduais e municipais, escolas de
formação de professores em nível médio e superior e Organizações Não-
Governamentais – ONGs.” (p.7)
“Essa atividade foi planejada para ser realizada em um contexto de formação de
profissionais de educação, propiciando o estabelecimento de vínculos com as
práticas locais e tendo como finalidades:
III. Apresentar alternativas de estudo dos Referenciais Curriculares a grupos de
professores e a especialistas em educação, de modo que possam servir de
instrumentos para o desenvolvimento profissional desses educadores.
IV. Analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais (Educação Infantil e Ensino
Fundamental) elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação, norteadoras do
trabalho das escolas.
V. Contribuir para o debate e a reflexão sobre o papel da escola e do professor na
perspectiva do desenvolvimento de uma prática de transformação da ação
pedagógica.
VI. Criar espaços de aprendizagem coletiva, incentivando a prática de encontros para
estudar e trocar experiências e o trabalho coletivo nas escolas.
VII. Identificar as idéias nucleares presentes nos Referenciais Curriculares e fazer as
adaptações locais necessárias, atendendo às demandas identificadas no âmbito do
estado/município ou da própria escola.
VIII. Potencializar o uso da TV Escola como suporte para ações de formação de
professores.”(p.9)
86
4. Autonomia
I. “Possibilitar que os professores compreendam o desenvolvimento da autonomia
das crianças como princípio da ação educativa.”(p.39)
87
Protocolo de Leitura
1. Documento no. 02 B
2. Identificação do documento:
2.1. Título: Programa de Desenvolvimento Profissional Continuado
2.2. Subtítulo: Alfabetização
2.6. No. de páginas: 135
Categorias
5.Articulação na educação básica
“Esse módulo compõe o PARÂMETROS EM AÇÃO e destina-se mais especificamente
aos alfabetizadores – professores que alfabetizam, tanto na Educação Infantil como no
Ensino Fundamental, crianças e adultos.” (p.15)
88
Protocolo de Leitura
1. Documento no. 03
2. Identificação do documento:
2.1. Título: Parâmetros Curriculares Nacionais
2.2. Subtítulo: Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais
2.3. Data da Publicação: 2000
2.4. Edição: 2ª. edição
2.5. Órgão responsável pela elaboração:
Secretaria de Educação Fundamental / Iara Glória Areias Takemoto
Departamento de Política da Educação Fundamental / Walter Kiyoshi Takemoto
Coordenação-Geral de Estudos e Pesquisas da Educação Fundamental / Rosangela
Marta Siqueira Barreto
2.6. No. de páginas: 126
2.7. Destinatário: Professor
Professor, Você está recebendo uma coleção de dez volumes que compõem os
Parâmetros Curriculares Nacionais organizados ...”(p.9)
2.8. Ficha Técnica:
Coordenação
Ana Rosa Abreu, Maria Cristina Ribeiro Pereira, Maria Tereza Perez Soares, Neide
Nogueira.
Elaboração
Aloma Fernandes Carvalho, Ana Amélia Inoue, Ana Rosa Abreu, Antonia Terra,
Célia M. Carolino Pires, Circe Bittencourt, Cláudia R. Aratangy, Flávia I. Schilling,
Karen Muller, Kátia L. Bräkling, Marcelo Barros da Silva, Maria Amábile
Mansutti, Maria Cecília Condeixa, Maria Cristina Ribeiro Pereira, Maria F. R.
Fusari, Maria Heloisa C. T. Ferraz, Maria Isabel I. Soncini, Maria Tereza Perez
Soares, Marina Valadão, Neide Nogueira, Paulo Eduardo Dias de Melo, Regina
Machado, Ricardo Breim, Rosaura A. Soligo, Rosa Iavelberg, Rosely Fischmann,
Silvia M. Pompéia, Sueli A. Furlan, Telma Weisz, Thereza C. H. Cury, Yara Sayão,
Yves de La Taille.
Consultoria
César Coll, Delia Lerner de Zunino.
89
Assessoria
Adilson O. Citelli, Alice Pierson, Ana M. Espinosa, Ana Teberosky, Artur Gomes
de Morais, Guaraciaba Micheletti, Helena H. Nagamine Brandão, Hermelino M.
Neder, Iveta M. B. Ávila Fernandes, Jean Hébrad, João Batista Freire, João C.
Palma, José Carlos Libâneo, Ligia Chiappini, Lino de Macedo, Lúcia L. Browne
Rego, Luis Carlos Menezes, Osvaldo Luiz Ferraz, Yves de La Taille e os 700
pareceristas – professores de universidades e especialistas de todo o País, que
contribuíram com críticas e sugestões valiosas para o enriquecimento dos PCN.
Categorias
1.Finalidade do conteúdo:
I. “Nosso objetivo é auxiliá-lo na execução de seu trabalho, compartilhando seu
esforço diário de fazer com que as crianças dominem os conhecimentos de que
necessitam para crescerem como cidadãos plenamente reconhecidos e conscientes
de seu papel em nossa sociedade.”
II. “... o propósito do Ministério da Educação, ao consolidar os Parâmetros, é apontar
metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão
participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres.”
III. “O nosso objetivo é contribuir, de forma relevante, para que profundas e
imprescindíveis transformações, há muito desejadas, se façam no panorama
educacional brasileiro, e posicionar você, professor, como o principal agente nessa
grande empreitada.”
IV. “Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema
educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a
participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se
encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual.”
(p.13)
V. “Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexível, a ser concretizada nas
decisões regionais e locais sobre currículos e sobre programas de transformação da
realidade educacional empreendidos pelas autoridades governamentais, pelas
90
escolas e pelos professores. Não configuram, portanto, um modelo curricular
homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência político-executiva dos
estados e municípios, à diversidade sociocultural das diferentes regiões do país ou
à autonomia de professores e equipes pedagógicas.” (p.13)
VI. “Têm como função subsidiar a elaboração ou a revisão curricular dos Estados e
Municípios, dialogando com as propostas e experiências já existentes,
incentivando a discussão pedagógica interna das escolas e a elaboração de projetos
educativos, assim como servir de material de reflexão para a prática de
professores.” (p.36)
VII. “...por sua natureza, exigem adaptações para a construção do currículo de uma
Secretaria ou mesmo de uma escola.” (p.37)
VIII. “Os Parâmetros Curriculares Nacionais, tanto nos objetivos educacionais que
propõem quanto na conceitualização do significado das áreas de ensino e dos
temas da vida social contemporânea que devem permeá-las, adotam como eixo o
desenvolvimento de capacidades do aluno, processo em que os conteúdos
curriculares atuam não como fins em si mesmos, mas como meios para a aquisição
e desenvolvimento dessas capacidades. Nesse sentido, o que se tem em vista é que
o aluno possa ser sujeito de sua própria formação, em um complexo processo
interativo em que também o professor se veja como sujeito de conhecimento.”(p.
44)
IX. “...os objetivos se definem em termos de capacidades de ordem cognitiva, física,
afetiva, de relação interpessoal e inserção social, ética e estética, tendo em vista
uma formação ampla.” (P.67)
2. Finalidades da educação básica:
I. “A educação básica tem assim a função de garantir condições para que o
aluno construa instrumentos que o capacitem para um processo de educação
permanente.”(p.35)
91
II. “É preciso analisar os conteúdos referentes a procedimentos não do ponto de
vista de uma aprendizagem mecânica, mas a partir do propósito fundamental
da educação, que é fazer com que os alunos construam instrumentos para
analisar, por si mesmos, os resultados que obtêm e os processos que colocam
em ação para atingir as metas a que se propõem”(p.75).
3. Função/papel da escola/instituição de educação infantil
I. Apresenta-se para a escola, hoje mais do que nunca, a necessidade de
assumir-se como espaço social de construção de significados éticos
necessários e constitutivos de toda e qualquer ação de cidadania.(p.34)
II. “...a função primordial da escola que é ensinar, intervindo para que os alunos
aprendam o que, sozinhos, não têm condições de aprender.”(p.44)
III. “...cabe á escola o propósito de possibilitar aos alunos o domínio de
instrumentos que os capacitem a relacionar conhecimentos de modo
significativo, bem como a utilizar esses conhecimentos na transformação e
construção de novas relações sociais.”(p.58)
IV. “Ao tomar como objeto de aprendizagem escolar conteúdos de diferentes
naturezas, reafirma-se a responsabilidade da escola com a formação ampla
do aluno e a necessidade de intervenções conscientes e planejadas nessa
direção.”(p.73)
V. “À escola é socialmente delegada a tarefa de promover o ensino e a
aprendizagem de determinados conteúdos e contribuir de maneira efetiva na
formação de seus cidadãos; por isso, a escola deve responder à sociedade por
essa responsabilidade.”(p.90)
VI. “...a escola pode ensiná-los planejada e sistematicamente criando situações
que auxiliem os alunos a se tornarem progressivamente mais autônomos. Por
isso é importante que desde as séries iniciais as propostas didáticas busquem,
em aproximações sucessivas, cada vez mais essa meta.”(p.95)
92
VII. “...é necessário que as decisões assumidas pelo professor auxiliem os alunos
a desenvolver essas atitudes e a aprender os procedimentos adequados a uma
postura autônoma, que só será efetivamente alcançada mediante
investimentos sistemáticos ao longo de toda a escolaridade.”(p.96)
4. Autonomia
I. “Nesse sentido, o propósito do Ministério da Educação, ao consolidar
parâmetros, é apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o
mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor
de seus direitos e deveres”(p.5)
II. “O ensino de qualidade que a sociedade demanda atualmente expressa-se
aqui como a possibilidade de o sistema educacional vir a propor uma prática
educativa adequada às necessidades sociais, políticas, econômicas e culturais
da realidade brasileira, que considere os interesses e as motivações dos
alunos e garanta as aprendizagens essenciais para a formação de cidadãos
autônomos, críticos e participativos, capazes de atuar com competência,
dignidade e responsabilidade na sociedade em que vivem.”(p.33)
III. “Essas novas relações entre conhecimento e trabalho exigem capacidade de
iniciativa e inovação e, mais do que nunca, ´aprender a aprender´.”(p.35)
IV. “Isso implica o estímulo à autonomia do sujeito, desenvolvendo o
sentimento de segurança em relação às suas próprias capacidades,
interagindo de modo orgânico e integrado num trabalho de equipe e,
portanto, sendo capaz de atuar em níveis de interlocução mais complexos e
diferenciados.”(p.35)
V. “A capacidade ética é a possibilidade de reger as próprias ações e tomadas
de decisão por um sistema de princípios segundo o qual se analisam, nas
diferentes situações da vida, os valores e opções que envolvem. A
construção interna, pessoal, de princípios considerados válidos para si e para
os demais implica considerar-se um sujeito em meio a outros sujeitos. O
93
desenvolvimento dessa capacidade permite considerar e buscar compreender
razões, nuanças, condicionantes, conseqüências e intenções, isto é, permite a
superação da rigidez moral, no julgamento e na atuação pessoal, na relação
interpessoal e na compreensão das relações sociais.”(p.68)
VI. “Os procedimentos expressam um saber fazer, que envolve tomar decisões e
realizar uma série de ações, de forma ordenada e não aleatória, para atingir
uma meta.”(p.75)
VII. “A avaliação, apesar de ser responsabilidade do professor, não deve ser
considerada função exclusiva dele. Delegá-la aos alunos, em determinados
momentos, é uma condição didática necessária para que construam
instrumentos de auto-regulação para as diferentes aprendizagens. A auto-
avaliação é uma situação de aprendizagem em que o aluno desenvolve
estratégias de análise e interpretação de suas produções e dos diferentes
procedimentos para se avaliar. Além desse aprendizado ser, em si,
importante, porque é central para a construção da autonomia dos alunos,
cumpre o papel de contribuir com a objetividade desejada na avaliação, uma
vez que esta só poderá ser construída com a coordenação dos diferentes
pontos de vista tanto do aluno quanto do professor.”(p.86)
VIII. “A conquista dos objetivos propostos para o ensino fundamental depende de
uma prática educativa que tenha como eixo a formação de um cidadão
autônomo e participativo.”(p.93)
IX. “Nos Parâmetros Curriculares Nacionais a autonomia é tomada ao mesmo
tempo como capacidade a ser desenvolvida pelos alunos e como princípio
didático geral, orientador das práticas pedagógicas.”(p.94)
X. “Este é o sentido da autonomia como princípio didático geral proposto nos
Parâmetros Curriculares Nacionais: uma opção metodológica que considera
a atuação do aluno na construção de seus próprios conhecimentos, valoriza
suas experiências, seus conhecimentos prévios e a interação professor-aluno
e aluno-aluno, buscando essencialmente a passagem progressiva de situações
94
em que o aluno é dirigido por outrem a situações dirigidas pelo próprio
aluno.
A autonomia refere-se à capacidade de posicionar-se, elaborar projetos
pessoais e participar enunciativa e cooperativamente de projetos coletivos,
ter discernimento, organizar-se em função de metas eleitas, governar-se,
participar da gestão de ações coletivas, estabelecer critérios e eleger
princípios éticos, etc. Isto é, a autonomia fala de uma relação emancipada,
íntegra com as diferentes dimensões da vida, o que envolve aspectos
intelectuais, morais, afetivos e sociopolíticos
21
. Ainda que na escola se
destaque a autonomia na relação com o conhecimento – saber o que se quer
saber, como fazer para buscar informações e possibilidades de
desenvolvimento de tal conhecimento, manter uma postura crítica
comparando diferentes visões e reservando para si o direito de conclusão,
por exemplo -, ela não ocorre sem o desenvolvimento da autonomia moral
(capacidade ética) e emocional que envolvem auto-respeito, respeito mútuo,
segurança, sensibilidade...”(p.94-95)
XI. “O desenvolvimento da autonomia depende de suportes materiais,
intelectuais e emocionais.”(p.95)
XII. “É importante ressaltar que a autonomia não é um estado psicológico geral
que, uma vez atingido, esteja garantido para qualquer situação.”(p.96)
XIII. “A consideração do tempo como variável que interfere na construção da
autonomia permite ao professor criar situações em que o aluno possa
progressivamente controlar a realização de suas atividades. Por meio de
erros e acertos, o aluno toma consciência de suas possibilidades e constrói
mecanismos de auto-regulação que possibilitam decidir como alocar seu
tempo. (...) A vivência do controle do tempo pelos alunos se insere dentro de
limites criteriosamente estabelecidos pelo professor, que se tornarão menos
restritivos à medida que o grupo desenvolva sua autonomia.”(p.102)
21
“É importante ressaltar que a construção da autonomia não se confunde com atitudes de independência.
O aluno pode ser independente para realizar uma série de atividades, enquanto seus recursos internos para
se governar são ainda incipientes. A independência é uma manifestação importante para o
desenvolvimento, mas não deve ser confundida com a autonomia.”(nota do documento)
95
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Os documentos oficiais com indicação das finalidades dos conteúdos e da
educação básica
Quadro 2 – Os documentos oficiais com indicação da função/papel da escola/instituição
de educação infantil
Quadro 3 – Os documentos oficiais e a autonomia da criança: concepções e indicadores
Quadro 4 – Os documentos oficiais com indicações da educação básica: finalidades e
articulação
96
Quadro 1: Os documentos oficiais com indicação das finalidades dos conteúdos e da educação básica
Documento Finalidades dos conteúdos Finalidades da educação básica
“Atendendo às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei 9.394/96) que estabelece, pela primeira vez
na história de nosso país, que a educação infantil é a primeira etapa
da educação básica, nosso objetivo, com este material, é auxiliá-lo
na realização de seu trabalho educativo diário junto às crianças
pequenas.” (p.5)
“...o Referencial pretende apontar metas de qualidade que
contribuam para que as crianças tenham um desenvolvimento
integral de suas identidades, capazes de crescerem como cidadãos
cujos direitos à infância são reconhecidos. Visa, também, contribuir
para que possa realizar, nas instituições, o objetivo socializador
dessa etapa educacional, em ambientes que propiciem o acesso e a
ampliação, pelas crianças, dos conhecimentos da realidade social e
cultural.” (p.5)
“...o Referencial é um guia de orientação que deverá servir de base
para discussões entre profissionais de um mesmo sistema de ensino
ou no interior da instituição, na elaboração de projetos educativos
singulares e diversos.” (p.7)
RCNEI
“Sua função é contribuir com as políticas e programas de educação
infantil,socializando informações, discussões e pesquisas,
subsidiando o trabalho educativo de técnicos, professores e demais
profissionais da educação infantil e apoiando os sistemas de ensino
estaduais e municipais.” (p.13)
“As instituições educativas têm uma função básica de
socialização e, por esse motivo, têm sido sempre um
contexto gerador de atitudes. Isso significa dizer que
os valores impregnam toda a prática educativa e são
aprendidos pelas crianças, ainda que não sejam
considerados como conteúdos a serem trabalhados
explicitamente, isto é, ainda que não sejam trabalhados
de forma consciente e intencional,” (p.51)
97
“A proposta do projeto Parâmetros em Ação tem a intenção de
piciar momentos agradáveis de aprendizagem coletiva e a
expectativa de que sejam úteis para aprofundar o estudo dos
Referenciais Curriculares elaborados pelo MEC, intensificando o
gosto pela construção coletiva do conhecimento pedagógico,
favorecendo o desenvolvimento pessoal e profissional dos
participantes e, principalmente, criando novas possibilidades de
trabalho com os alunos para melhorar a qualidade de suas
aprendizagens.”(p. 3)
pro
“Uma ampla discussão nacional foi desencadeada em torno desses
documentos, cuja função principal é apoiar os sistemas de ensino no
desenvolvimento de propostas pedagógicas de qualidade, na
perspectiva de uma educação para a cidadania. Essa meta exige
impulsionar o desenvolvimento profissional dos professores no
âmbito das secretarias estaduais e municipais de educação. Com
essa finalidade, a SEF/MEC estará implementando um programa
que envolverá um conjunto de ações voltadas para diferentes
segmentos da comunidade educacional (professores, equipes
técnicas, diretores de escola e/ou creches) e será desenvolvido em
parceria com as secretarias estaduais e municipais, escolas de
formação de professores em nível médio e superior e Organizações
Não-Governamentais – ONGs.” (p.7)
PCN em
ação
Educação
Infantil
“Apresentar alternativas de estudo dos Referenciais Curriculares a
grupos de professores e a especialistas em educação, de modo que
possam servir de instrumentos para o desenvolvimento profissional
desses educadores.”(p.9)
98
“Analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais (Educação Infantil e
Ensino Fundamental) elaboradas pelo Conselho Nacional de
Educação, norteadoras do trabalho das escolas.(p.9)”
“Contribuir para o debate e a reflexão sobre o papel da escola e do
professor na perspectiva do desenvolvimento de uma prática de
transformação da ação pedagógica. (p.9)”
“Criar espaços de aprendizagem coletiva, incentivando a prática de
encontros para estudar e trocar experiências e o trabalho coletivo
nas escolas. (p.9)”
“Identificar as idéias nucleares presentes nos Referenciais
Curriculares e fazer as adaptações locais necessárias, atendendo às
demandas identificadas no âmbito do estado/município ou da
própria escola. (p.9)”
“Potencializar o uso da TV Escola como suporte para ações de
formação de professores.(p.9)”
“Nosso objetivo é auxiliá-lo na execução de seu trabalho,
compartilhando seu esforço diário de fazer com que as crianças
dominem os conhecimentos de que necessitam para crescerem
como cidadãos plenamente reconhecidos e conscientes de seu papel
em nossa sociedade.” (p.5)
“A educação básica tem assim a função de garantir
condições para que o aluno construa instrumentos que
o capacitem para um processo de educação
permanente.”(p.35)
PCN
Introdução
“... o propósito do Ministério da Educação, ao consolidar os
Parâmetros, é apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a
enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e
autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres.” (p.5)
“É preciso analisar os conteúdos referentes a
procedimentos não do ponto de vista de uma
aprendizagem mecânica, mas a partir do propósito
fundamental da educação, que é fazer com que os
alunos construam instrumentos para analisar, por si
mesmos, os resultados que obtêm e os processos que
colocam em ação para atingir as metas a que se
propõem.!(p.75)
99
“O nosso objetivo é contribuir, de forma relevante, para que
profundas e imprescindíveis transformações, há muito desejadas, se
façam no panorama educacional brasileiro, e posicionar você,
professor, como o principal agente nessa grande empreitada.” (p.10)
“Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no
sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e
recomendações, subsidiando a participação de técnicos e
professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram
mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica
atual.” (p.13)
“Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexível, a ser
concretizada nas decisões regionais e locais sobre currículos e sobre
programas de transformação da realidade educacional
empreendidos pelas autoridades governamentais, pelas escolas e
pelos professores. Não configuram, portanto, um modelo curricular
homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência político-
executiva dos estados e municípios, à diversidade sociocultural das
diferentes regiões do país ou à autonomia de professores e equipes
pedagógicas.” (p.13)
“Têm como função subsidiar a elaboração ou a revisão curricular
dos estados e Municípios, dialogando com as propostas e
experiências já existentes, incentivando a discussão pedagógica
interna das escolas e a elaboração de projetos educativos, assim
como servir de material de reflexão para a prática de professores.”
(p.36)
“...por sua natureza, exigem adaptações para a construção do
currículo de uma Secretaria ou mesmo de uma escola.” (p.37)
100
“Os Parâmetros Curriculares Nacionais, tanto nos objetivos
educacionais que propõem quanto na conceitualização do
significado das áreas de ensino e dos temas da vida social
contemporânea que devem permeá-las, adotam como eixo o
desenvolvimento de capacidades do aluno, processo em que os
conteúdos curriculares atuam não como fins em si mesmos, mas
como meios para a aquisição e desenvolvimento dessas
capacidades. Nesse sentido, o que se tem em vista é que o aluno
possa ser sujeito de sua própria formação, em um complexo
processo interativo em que também o professor se veja como sujeito
de conhecimento.”(p. 44)
“...os objetivos se definem em termos de capacidades de ordem
cognitiva, física, afetiva, de relação interpessoal e inserção social,
ética e estética, tendo em vista uma formação ampla.” (P.67)
101
Quadro 2 – Os documentos oficiais com indicação da função/papel da escola/instituição de educação infantil
RCNEI PCN
Apresenta-se para a escola, hoje mais do que nunca, a necessidade de assumir-se
como espaço social de construção de significados éticos necessários e
constitutivos de toda e qualquer ação de cidadania.(p.34)
“...a função primordial da escola que é ensinar, intervindo para que os alunos
aprendam o que, sozinhos, não têm condições de aprender.”(p.44)
“...cabe á escola o propósito de possibilitar aos alunos o domínio de instrumentos
que os capacitem a relacionar conhecimentos de modo significativo, bem como a
utilizar esses conhecimentos na transformação e construção de novas relações
sociais.”(p.58)
“Ao tomar como objeto de aprendizagem escolar conteúdos de diferentes
naturezas, reafirma-se a responsabilidade da escola com a formação ampla do
aluno e a necessidade de intervenções conscientes e planejadas nessa
direção.”(p.73)
“Á escola é socialmente delegada a tarefa de promover o ensino e a aprendizagem
de determinados conteúdos e contribuir de maneira efetiva na formação de seus
cidadãos; por isso, a escola deve responder à sociedade por essa
responsabilidade.”(p.90)
“...a escola pode ensiná-los planejada e sistematicamente criando situações que
auxiliem os alunos a se tornarem progressivamente mais autônomos. Por isso é
importante que desde as séries iniciais as propostas didáticas busquem, em
aproximações sucessivas, cada vez mais essa meta.”(p.95)
“A instituição de educação infantil deve tornar acessível a
todas as crianças que a freqüentam, indiscriminadamente,
elementos da cultura que enriquecem o seu desenvolvimento
e inserção social. Cumpre um papel socializador, propiciando
o desenvolvimento da identidade das crianças, por meio de
aprendizagens diversificadas, realizadas em situações de
interação.”(p.23)
“...é necessário que as decisões assumidas pelo professor auxiliem os alunos a
desenvolver essas atitudes e a aprender os procedimentos adequados a uma
postura autônoma, que só será efetivamente alcançada mediante investimentos
sistemáticos ao longo de toda a escolaridade.”(p.96)
102
Quadro 3: Os documentos oficiais e a autonomia da criança: concepções e indicadores
RCNEI
RCNEI – A RCNEI – B RCNEI - C
PCN em Ação – A PCN
“As novas funções
para a educação
infantil devem estar
associadas a padrões
de qualidade. Essa
qualidade advém de
concepções de
desenvolvimento que
consideram as crianças
nos seus contextos
sociais, ambientais,
culturais e, mais
concretamente, nas
interações e práticas
sociais que lhes
fornecem elementos
relacionados às mais
diversas linguagens e
ao contato com os
variados
conhecimentos para a
construção de uma
identidade
autônoma.”(p.23)
“Saber o que é
estável e o que é
circunstancial em
sua pessoa,
conhecer suas
características e
potencialidades e
reconhecer seus
limites é central
para o
desenvolvimento da
identidade e para a
conquista da
autonomia. A
capacidade das
crianças de terem
confiança em si
próprias e o fato de
sentirem-se aceitas,
ouvidas, cuidadas e
amadas oferecem
segurança para a
formação pessoal e
social.”(p.11)
“Gradativamente, o movimento começa
a submeter-se ao controle voluntário, o
que se reflete na capacidade de planejar
e antecipar ações – ou seja, de pensar
antes de agir – e no desenvolvimento
crescente de recursos de contenção
motora. (...) Os recursos de contenção
motora, por sua vez, se traduzem no
aumento do tempo que a criança
consegue manter-se numa mesma
posição.” (p.24)
“Possibilitar que os
professores
compreendam o
desenvolvimento da
autonomia das
crianças como
princípio da ação
educativa.”
“Nesse sentido, o propósito do
Ministério da Educação, ao
consolidar parâmetros, é apontar
metas de qualidade que ajudem o
aluno a enfrentar o mundo atual
como cidadão participativo,
reflexivo e autônomo, conhecedor
de seus direitos e deveres”(p.5)
(p.39)
103
“Assim, cuidar da
criança é sobretudo
dar atenção a ela como
pessoa que está num
contínuo crescimento e
desenvolvimento,
compreendendo sua
singularidade,
identificando e
respondendo às suas
necessidades. Isto
inclui interessar-se
sobre o que a criança
sente, o que ela sabe
sobe si e sobre o
mundo, visando à
ampliação deste
conhecimento e de
suas habilidades, que
aos poucos a tornarão
mais independente e
mais autônoma.”(p.25)
“O
desenvolvimento da
identidade e da
autonomia estão
intimamente
relacionados com os
processos de
socialização.(p.11)
“Representar experiências observadas e
vividas por meio do movimento pode
se transformar numa atividade bastante
divertida e significativa para as
crianças. (...) são exercícios de
imaginação e criatividade que reiteram
a importância do movimento para
expressar e comunicar idéias e
emoções.” (p.34)
“O ensino de qualidade que a
sociedade demanda atualmente
expressa-se aqui como a
possibilidade de o sistema
educacional vir a propor uma
prática educativa adequada às
necessidades sociais, políticas,
econômicas e culturais da realidade
brasileira, que considere os
interesses e as motivações dos
alunos e garanta as aprendizagens
essenciais para a formação de
cidadãos autônomos, críticos e
participativos, capazes de atuar com
competência, dignidade e
responsabilidade na sociedade em
que vivem.”(p.33)
104
“Outro ponto
importante a ser
ressaltado diz respeito
à disposição dos
materiais, uma vez que
isso pode ser decisivo
no uso que as crianças
venham a fazer deles.
Os brinquedos e
demais materiais
precisam estar
dispostos de forma
acessível às crianças,
permitindo seu uso
autônomo, sua
visibilidade, bem
como uma organização
que possibilite
identificar os critérios
de ordenação.”(p.71)
“A construção da
identidade e da
autonomia diz
respeito ao
conhecimento,
desenvolvimento e
uso dos recursos
pessoais para fazer
frente às diferentes
situações da
vida.”(p.13)
“Os jogos motores de regras trazem
também a oportunidade de
aprendizagens sociais, pois ao jogar, as
crianças aprendem a competir, a
colaborar umas com as outras, a
combinar e a respeitar regras.” (p.35)
“Essas novas relações entre conhecimento
e trabalho exigem capacidade de iniciativa
e inovação e, mais do que nunca,
´aprender a aprender´.”(p.35)
105
“Quando as crianças
adquirem maior
autonomia em relação
aos cuidados e
interagem de forma
mais independente
com seus pares, entre
3 e 6 anos, é possível
pensar em grupos
maiores, mas que não
ultrapassem 25
crianças por
professor.”(p.72)
“As crianças vão,
gradualmente,
percebendo-se e
percebendo os
outros como
diferentes,
permitindo que
possam acionar seus
próprios recursos, o
que representa uma
condição essencial
para o
desenvolvimento da
autonomia.”(p.14)
“Nessa faixa etária, a improvisação
constitui-se numa das formas de
atividade criativa. Os jogos de
improvisação são ações intencionais
que possibilitam o exercício criativo de
situações musicais e o desenvolvimento
da comunicação por meio dessa
linguagem. As crianças de quatro a seis
anos já podem compor pequenas
canções. Com os instrumentos musicais
ainda é difícil criar estruturas definidas,
e as criações musicais das crianças
geralmente situam-se entre a
improvisação e a composição, ou seja,
a criança cria uma estrutura que, no
entanto, sofre variações e alterações a
cada nova interpretação. A imitação é a
base do trabalho de interpretação.
Imitando sons vocais, corporais, ou
produzidos por instrumentos musicais,
as crianças preparam-se para interpretar
quando, então, imitam
expressivamente.” (p.57)
“Isso implica o estímulo à autonomia do
sujeito, desenvolvendo o sentimento de
segurança em relação às suas próprias
capacidades, interagindo de modo
orgânico e integrado num trabalho de
equipe e, portanto, sendo capaz de atuar
em níveis de interlocução mais complexos
e diferenciados.”(p.35)
106
“Esta
organização visa
a abranger
diversos e
múltiplos
espaços de
elaboração de
conhecimentos
e de diferentes
linguagens, a
construção da
identidade, os
processos de
socialização e o
desenvolviment
o da autonomia
das crianças que
propiciam, por
sua vez, as
aprendizagens
consideradas
essenciais.”
“A autonomia, definida
como a capacidade de se
conduzir e tomar decisões
por si próprio, levando em
conta regras, valores, sua
perspectiva pessoal, bem
como a perspectiva do
outro, é, nessa faixa etária,
mais do que um objetivo a
ser alcançado com as
crianças, um princípio das
ações educativas.
Conceber uma educação
em direção à autonomia
significa considerar as
crianças como seres com
vontade própria, capazes e
competentes para construir
conhecimentos, e, dentro
de suas possibilidades,
interferir no meio em que
vivem. Exercitando o
autogoverno em questões
situadas no plano das
ações concretas, poderão
gradualmente fazê-lo no
plano das idéias e dos
valores.”(p.14)
(p.45)
“O gesto e o movimento corporal estão
intimamente ligados e conectados ao
trabalho musical. A realização musical
implica tanto em gesto como em
movimento, porque o som é, também,
gesto e movimento vibratório, e o
corpo traduz em movimento os
diferentes sons que percebe. Os
movimentos de flexão, balanceio,
torção, estiramento etc., e os de
locomoção como andar, saltar, correr,
saltitar, galopar etc., estabelecem
relações diretas com os diferentes
gestos sonoros.” (p.61)
“A capacidade ética é a possibilidade de
reger as próprias ações e tomadas de
decisão por um sistema de princípios
segundo o qual se analisam, nas diferentes
situações da vida, os valores e opções que
envolvem. A construção interna, pessoal,
de princípios considerados válidos para si
e para os demais implica considerar-se um
sujeito em meio a outros sujeitos. O
desenvolvimento dessa capacidade
permite considerar e buscar compreender
razões, nuanças, condicionantes,
conseqüências e intenções, isto é, permite
a superação da rigidez moral, no
julgamento e na atuação pessoal, na
relação interpessoal e na compreensão das
relações sociais.”(p.68)
107
“A passagem da
heteronomia para a
autonomia supõe recursos
internos (afetivos e
cognitivos) e externos
(sociais e culturais). Para
que as crianças possam
aprender a gerenciar suas
ações e julgamentos
conforme princípios
outros que não o da
simples obediência, e para
que possam ter noção da
importância da
reciprocidade e da
cooperação numa
sociedade que se propõe a
atender o bem comum, é
preciso que exercitem o
autogoverno, usufruindo
de gradativa
independência para agir,
tendo condições de
escolher e tomar decisões,
participando do
estabelecimento de regras
e sanções.”(p.15)
“Uma vez que tenham tido muitas
oportunidades, na instituição de
educação infantil, de vivenciar
experiências envolvendo a música,
pode-se esperar que as crianças entre
quatro e seis anos a reconheçam e
utilizem-na como linguagem
expressiva, conscientes de seu valor
como meio de comunicação e
expressão. Por meio da voz, do corpo,
de instrumentos musicais e objetos
sonoros deverão interpretar, improvisar
e compor, interessadas, também, pela
escuta de diferentes gêneros e estilos
musicais e pela confecção de materiais
sonoros.” (p.77)
“Os procedimentos expressam um saber
fazer, que envolve tomar decisões e
realizar uma série de ações, de forma
ordenada e não aleatória, para atingir uma
meta.”(p.75)
108
“O complexo processo de
construção da identidade e
da autonomia depende das
interações socioculturais
como da vivência de
algumas experiências
consideradas essenciais
associadas à fusão e
diferenciação, construção
de vínculos e expressão da
sexualidade.”(p.15)
“Embora seja possível identificar
espontaneidade e autonomia na
exploração e no fazer artístico das
crianças, seus trabalhos revelam: o
local e a época histórica em que vivem;
suas oportunidades de aprendizagem;
suas idéias ou representações sobre o
trabalho artístico que realizam e sobre a
produção de arte à qual têm acesso,
assim como seu potencial para refletir
sobre ela.” (p.88)
“A avaliação, apesar de ser
responsabilidade do professor, não deve
ser considerada função exclusiva dele.
Delegá-la aos alunos, em determinados
momentos, é uma condição didática
necessária para que construam
instrumentos de auto-regulação para as
diferentes aprendizagens. A auto-
avaliação é uma situação de aprendizagem
em que o aluno desenvolve estratégias de
análise e interpretação de suas produções
e dos diferentes procedimentos para se
avaliar. Além desse aprendizado ser, em
si, importante, porque é central para a
construção da autonomia dos alunos,
cumpre o papel de contribuir com a
objetividade desejada na avaliação, uma
vez que esta só poderá ser construída com
a coordenação dos diferentes pontos de
vista tanto do aluno quanto do
professor.”(p.86)
109
“Brincar é uma das
atividades fundamentais
para o desenvolvimento da
identidade e da autonomia.
O fato de a criança, desde
muito cedo, poder se
comunicar por meio de
gestos, sons e mais tarde
representar determinado
papel na brincadeira faz
com que ela desenvolva
sua imaginação. Nas
brincadeiras as crianças
podem desenvolver
algumas capacidades
importantes, tais como a
atenção, a imitação, a
memória, a imaginação.
Amadurecem também
algumas capacidades de
socialização, por meio da
interação e da utilização e
experimentação de regras
e papéis sociais.”(p.22)
“O desenvolvimento da capacidade
artística e criativa deve estar apoiado,
também, na prática reflexiva das
crianças ao aprender, que articula a
ação, a percepção, a sensibilidade, a
cognição e a imaginação.” (p.89)
“A conquista dos objetivos propostos para
o ensino fundamental depende de uma
prática educativa que tenha como eixo a
formação de um cidadão autônomo e
participativo.”(p.93)
110
“A progressiva
independência na
realização das mais
diversas ações, embora
não garanta a autonomia,
é condição necessária
para o seu
desenvolvimento. Esse
processo valoriza o papel
do professor como aquele
que organiza, sistematiza
e conduz situações de
aprendizagem.”(p.39)
“Nesse sentido, as Artes Visuais devem ser
concebidas como uma linguagem que tem
estrutura e características próprias, cuja
aprendizagem, no âmbito prático e reflexivo, se
dá por meio da articulação dos seguintes
aspectos:
1.fazer artístico – centrado na exploração,
expressão e comunicação de produção de
trabalhos de arte por meio de práticas artísticas,
propiciando o desenvolvimento de um percurso
de criação pessoal;
2.apreciação – percepção do sentido que o
objeto propõe, articulando-o tanto aos
elementos da linguagem visual quanto aos
materiais e suportes utilizados, visando
desenvolver, por meio da observação e da
fruição, a capacidade de construção de sentido,
reconhecimento, análise e identificação de
obras de arte e de seus produtores;
3.reflexão – considerado tanto no fazer artístico
como na apreciação, é um pensar sobre todos
os conteúdos do objeto artístico que se
manifesta em sala, compartilhando perguntas e
afirmações que a criança realiza instigada pelo
professor e no contato com suas próprias
produções e as dos artistas.”(p.89)
“Nos Parâmetros Curriculares Nacionais a
autonomia é tomada ao mesmo tempo
como capacidade a ser desenvolvida pelos
alunos e como princípio didático geral,
orientador das práticas
pedagógicas.”(p.94)
111
“Outro aspecto que contribui para
o desenvolvimento da autonomia
é que a criança tenha referências
para situar-se na rotina da
instituição. Quando se está num
ambiente conhecido e em que se
pode antecipar a seqüência dos
acontecimentos, tem-se mais
segurança para arriscar e ousar
agir com independência.”(p.40)
“Guardar, organizar a sala e
documentar as produções são
ações que podem ajudar cada
criança na percepção de seu
processo evolutivo e do
desenrolar das etapas do
trabalho.” (p.101)
“Este é o sentido da autonomia como princípio didático geral
proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais: uma opção
metodológica que considera a atuação do aluno na construção
de seus próprios conhecimentos, valoriza suas experiências,
seus conhecimentos prévios e a interação professor-aluno e
aluno-aluno, buscando essencialmente a passagem progressiva
de situações em que o aluno é dirigido por outrem a situações
dirigidas pelo próprio aluno.
A autonomia refere-se à capacidade de posicionar-se, elaborar
projetos pessoais e participar enunciativa e cooperativamente
de projetos coletivos, ter discernimento, organizar-se em
função de metas eleitas, governar-se, participar da gestão de
ações coletivas, estabelecer critérios e eleger princípios éticos,
etc. Isto é, a autonomia fala de uma relação emancipada,
íntegra com as diferentes dimensões da vida, o que envolve
aspectos intelectuais, morais, afetivos e sociopolíticos. Ainda
que na escola se destaque a autonomia na relação com o
conhecimento – saber o que se quer saber, como fazer para
buscar informações e possibilidades de desenvolvimento de tal
conhecimento, manter uma postura crítica comparando
diferentes visões e reservando para si o direito de conclusão,
por exemplo -, ela não ocorre sem o desenvolvimento da
autonomia moral (capacidade ética) e emocional que
envolvem auto-respeito, respeito mútuo, segurança,
sensibilidade, etc.”(p.94-95)
112
“Para favorecer o
desenvolvimento da
autonomia é necessário que o
professor compreenda os
modos próprios de as crianças
se relacionarem, agirem,
sentirem, pensarem e
construírem
conhecimentos.”(p.40)
“É essencial que se incluam atividades que se
concentrem basicamente na leitura das imagens
produzidas pelas próprias crianças (desenhos,
colagens, recortes, objetos tridimensionais,
pinturas etc.). Permitir que elas falem sobre seus
trabalhos é um aspecto fundamental do trabalho
em artes. É assim que elas poderão reformular
suas idéias, construindo novos conhecimentos a
partir das observações feitas, bem como
desenvolver o contato social com os outros.
Nesta etapa é possível fortalecer o
reconhecimento da singularidade de cada
indivíduo na criação, mostrando que não existe
um jeito certo ou errado de se produzir um
trabalho de arte, mas sim um jeito
individualizado, singular. Comentar os
resultados dos trabalhos possibilita a descoberta
do percurso na criação e a percepção das
soluções encontradas no processo de
construção.Nas leituras grupais, as crianças
elaboram não somente os conteúdos
comentados, mas estabelecem uma experiência
de contato e diálogo com as outras crianças,
desenvolvendo o respeito, a tolerância à
diversidade de interpretações ou atribuições de
sentido às imagens, a admiração e dando uma
contribuição às produções realizadas, por
intermédio de uma prática de solidariedade e
inclusão.” (p.105)
“O desenvolvimento da autonomia depende
de suportes materiais, intelectuais e
emocionais.”(p.95)
113
“Todas as atividades
permanentes do grupo
contribuem, de forma direta ou
indireta, para a construção da
identidade e o
desenvolvimento da
autonomia, uma vez que são
competências que perpassam
todas as vivências das
crianças. Algumas delas, como
a roda de conversas e o faz-de-
conta, porém, constituem-se
em situações privilegiadas
para a explicitação das
características pessoais, para a
expressão dos sentimentos,
emoções, conhecimentos,
dúvidas e hipóteses quando as
crianças conversam entre si e
assumem diferentes
personagens nas
brincadeiras.”(p.62)
“É importante ressaltar que a autonomia não
é um estado psicológico geral que, uma vez
atingido, esteja garantido para qualquer
situação.”(p.96)
114
“A oferta permanente de atividades
diversificadas em um mesmo tempo e
espaço é uma oportunidade de
propiciar a escolha pelas crianças.
Organizar, todos os dias, diferentes
atividades, tais como cantos para
desenhar, para ouvir música, para
pintar, para olhar livros, para modelar,
para jogos de regras etc., auxilia o
desenvolvimento da autonomia.”(p.62)
“A consideração do tempo como variável
que interfere na construção da autonomia
permite ao professor criar situações em que
o aluno possa progressivamente controlar a
realização de suas atividades. Por meio de
erros e acertos, o aluno toma consciência de
suas possibilidades e constrói mecanismos
de auto-regulação que possibilitam decidir
como alocar seu tempo. (...)“A vivência do
controle do tempo pelos alunos se insere
dentro de limites criteriosamente
estabelecidos pelo professor, que se tornarão
menos restritivos à medida que o grupo
desenvolva sua autonomia.”(p.102)
“Concluindo, a utilização e a organização do
espaço e do tempo refletem a concepção
pedagógica e interferem diretamente na
construção da autonomia.”(p.104)
115
Quadro 4 - Os documentos oficiais com indicação da Educação Básica: finalidades e articulação
RCNEI PCN em ação PCN
Finalidades Articulação Articulação Finalidades
“As instituições educativas têm uma
função básica de socialização e, por
esse motivo, têm sido sempre um
contexto gerador de atitudes. Isso
significa dizer que os valores
impregnam toda a prática educativa
e são aprendidos pelas crianças,
ainda que não sejam considerados
como conteúdos a serem
trabalhados explicitamente, isto é,
ainda que não sejam trabalhados de
forma consciente e intencional,”
(p.51)
“Com a saída das crianças, as famílias enfrentam novamente
grandes mudanças. A passagem da educação infantil para o ensino
fundamental representa um marco significativo para a criança
podendo criar ansiedades e inseguranças. O professor de educação
infantil deve considerar esse fato desde o início do ano, estando
disponível e atento para as questões e atitudes que as crianças
possam manifestar. Tais preocupações podem ser aproveitadas
para a realização de projetos que envolvam visitas a escolas de
ensino fundamental; entrevistas com professores e alunos;
programar um dia de permanência em uma classe de primeira
série. É interessante fazer um ritual de despedida, marcando para
as crianças este momento de passagem com um evento
significativo. Essas ações ajudam a desenvolver uma disposição
positiva frente às futuras mudanças demonstrando que, apesar das
perdas, há também crescimento.”(p.84)
“Esse módulo compõe o
Parâmetros em Ação e destina-se
mais especificamente aos
alfabetizadores – professores que
alfabetizam, tanto na Educação
Infantil como no Ensino
Fundamental, crianças e adultos.”
(p.15)
“A educação básica tem assim
a função de garantir condições
para que o aluno construa
instrumentos que o capacitem
para um processo de educação
permanente.”
(p.35)
“É preciso analisar os
conteúdos referentes a
procedimentos não do ponto
de vista de uma aprendizagem
mecânica, mas a partir do
propósito fundamental da
educação, que é fazer com que
os alunos construam
instrumentos para analisar, por
si mesmos, os resultados que
obtêm e os processos que
colocam em ação para atingir
as metas a que se
propõem.!(p.75)
116
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