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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA
Programa de Pós-Graduação em
Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais (PEA)
Adriano de Cerqueira Violante
Moradores e turistas no município de Porto Rico,
PR: percepção ambiental no contexto de mudanças
ecológicas
MARINGÁ - PR
2006
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Adriano de Cerqueira Violante
Moradores e turistas no município de Porto Rico,
PR: percepção ambiental no contexto de mudanças
ecológicas
Tese apresentada ao programa de
Doutorado do Curso de Pós-graduação em
“Ecologia de Ambientes Aquáticos
Continentais”, da Universidade Estadual
de Maringá, como parte dos requisitos
para obtenção do título de doutor em
Ciências Ambientais.
Orientadora: Profª. Drª Luzia Marta Bellini
MARINGÁ – PR
2006
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Adriano de Cerqueira Violante
Moradores e turistas no município de Porto Rico, PR: percepção
ambiental no contexto de mudanças ecológicas
Tese de doutorado apresentada ao curso de
Pós-graduação em Ecologia de Ambientes
Aquáticos Continentais da Universidade
Estadual de Maringá, como requisito parcial à
obtenção do título de Doutor em Ciências
Ambientais.
Aprovado em 13 de julho de 2006
Banca Examinadora
Profª Drª Luzia Marta Bellini
Orientadora – UEM
Prof. Dr. Josimar Paes de Almeida
Universidade Estadual de Londrina - UEL
Prof. Dr. José Mario Angeli
Universidade Estadual de Londrina - UEL
Prof. Dr. João Batista Campos
Universidade Estadual de Maringá - UEM
Prof. Dr. Eduardo Augusto Tomanik
Universidade Estadual de Maringá - UEM
Dedico este trabalho
Á minha esposa Ivone, meus filhos Adriano e Victória que, à sua maneira,
nunca deixaram de me apoiar.
AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq
pela bolsa de pesquisa concedida;
Ao Nupélia que, embora algumas vezes “engessado em insensibilidades”, conta
com profissionais formidáveis;
À Marta Bellini. A melhor e paciente orientadora que um “terrorista acadêmico”
como eu podia ter;
Ao prof. Dr. Jorge Amarildo da Silva que, pacientemente, deu-me motivação e
dicas para terminar este trabalho;
À minha esposa Ivone que agüentou minhas rabugices durante três longos anos;
Aos meus pais, Mário e Marita que, mesmo sem saber, deram-me os incentivos
necessários para chegar até aqui;
Aos moradores e professores de Porto Rico que me acolheram de forma carinhosa;
A todos que de alguma forma colaboraram com o término desse trabalho, mesmo
sem saber, o meu muito obrigado.
RESUMO
Este trabalho norteou-se por apresentar a percepção da dinâmica ambiental de um grupo de
moradores e turistas do município de Porto Rico, no noroeste do Paraná, região que teve
suas paisagens naturais e sociais alteradas após a implantação das Usinas Hidrelétricas de
Rosana no rio Paranapanema, de Porto Primavera e Itaipu no Rio Paraná. Para a
concretização deste trabalho realizamos, como primeiro procedimento, a caracterização das
Unidades de Conservação (UC), das comunidades tradicionais que vivem nas Unidades de
Conservação e de seus problemas com a legislação. Realizou-se, também, um breve
levantamento da história do município de Porto Rico, e de sua estrutura sócio-econômica.
Outro procedimento metodológico usado foi o levantamento de estudos sobre um dos
caminhos que Porto Rico traça para seu desenvolvimento que é o da indústria de turismo.
Dessa forma, realizou-se uma descrição sobre do turismo como indústria e do turismo nas
UC tratando do ecoturismo e turismo sustentável. Para conhecer a percepção da
transformação das paisagens de Porto Rico, pelos moradores, foram entrevistados grupos
locais da cidade e turistas que freqüentam a região, em um total de 30 moradores e 12
turistas. As entrevistas foram semi-estruturadas e a análise pautada na teoria da percepção
trabalhada por Ferrara (1999b) e Tuan (1980). As falas também foram analisadas com o
auxílio da metodologia proposta por Lefevre e Lefevre (2005). Estas teorias nos permitiram
analisar/compreender como ambos os grupos percebem a região e suas modificações pós-
instalação das usinas hidrelétricas. Ou seja, como os moradores acompanharam essas
mudanças e se estas o atendem como comunidade que, hoje, partilham da companhia de
turistas. Por outro lado, as percepções dos turistas foram estudadas para se conhecer como
estes percebem o local e como o tratam. Como resultado tem-se uma percepção dos
moradores e turistas que indicam: a) uma lembrança dos moradores das paisagens do rio
Paraná e das ilhas que, hoje, estão modificadas. A evocação destas paisagens naturais
mostra que o grupo de moradores a sua modificação como uma radical e negativa
interferência em seu modo de vida e subsistência. As percepções do futuro do grupo são
contraditórias, pois enquanto alguns moradores não apreciam os turistas, outros vêem no
turismo “ecológico” local, uma nova oportunidade de emprego; b) O grupo de turistas a
região e cidade como local de fruição da paisagem natural, de pesca e de descanso de final
de semana. Estes não percebem o grupo de moradores como a população tradicional; os
têm como possível mão de obra dos serviços de caseiro, por exemplo. Pode-se afirmar que,
dentro dos limites do número de pessoas entrevistadas, uma segregação dos grupos e a
proposta de turismo ecológico/esportivo de Porto Rico não atende aos moradores locais que
residem na região mais de 40 anos. Pode-se afirmar também que, enquanto para os
moradores toda mudança das paisagens naturais locais está fundamentalmente ligada às
suas vidas, para os turistas, as modificações são aquelas que os atendem em relação ao
descanso e fruição da natureza. Para os moradores está “nova” natureza os joga a uma vida
de incerteza quanto ao trabalho e ao futuro.
ABSTRACT
This work have aim to show the perception of the environmental dynamic of a group the
dwellers and tourists in the Porto Rico city, in the north-west part of the Paraná state, Brazil
that has the natural landscape and social costumes modified after the implantation of the
hydro-electric station of the Rosana dam in the Paranapanema river, Porto Primavera and
Itaipu dam in the Paraná river. For this goal we make as first procedure a characterization
of the Conservations Units, the traditional community that live in the Conservations Units
and yours problems with the low. We realize too, a brief study of the history of the Porto
Rico city and the socio-economics structure. Other methodological procedure was a study
categorization about a way that Porto Rico, PR makes to yours development: tourism
industry. For this we realized a brief description of the tourism as industry and the tourism
in the Conservations Units put the eco-tourism and sustainable tourism in projection. To
know the perception of the disturb of the landscapes the Porto Rico, PR for the residents we
make interviews in the local groups and tourists that visit the region and the city, totalized
30 residents and 12 tourists. The interviews are semi-structured and the analyzed of the
interviews make in the light of perceptions theory, work for Ferrara (1999b) and Tuan
(1980). The lines are analyzed with help the methodology proposed by Lefevre e Lefevre
(2005). These theories we allow analyze / understood as both groups make insights about
the region and yours alterations pos-installations of the hydroelectric station. Or, as the
residents to accompanied this alterations and if these to complementation as community
that, today, share with tourists. For other hand, the perceptions of the tourists are studied to
know as these tourists to perceive the local and as them related with the environment. As
result we have a perception these residents and tourists that indicate: a) a memory of the
dwellers of the landscape of the Paraná river and the islands that, today, are modified. The
evocation of these natural landscape show that the group of the residents see the yours
modification as a radical and negative interference in your way of life and subsistence. The
perceptions of the future of the group are contradictories, because while some residents do
not like the tourists, others seem the local ecologic tourism, as a new opportunity of job; b)
the tourist group see the region and city as a local to enjoy the usufruct of the natural
landscape, of fishing and place to rest in the week end. This group does not seem the
resident group as a traditional population; to assume them as possible workers as
housekeeper and caretaker, for instance. We can affirm that, in the limits of the number of
people interviews, there are a segregation of the groups and the proposition of the tourism
ecologic/sportive to Porto Rico do not attend to the local dwellers that live in the region
more than 40 years. We can affirm too, that whereas to the residents all this change of the
natural local landscape is fundamentally connected in yours lives, to the tourists, the
modifications are these that correspond in relation to the rest and use of nature. To the
residents this “new” way put them to a uncertain life about your job and the your future.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1. Localização do município de Porto Rico.-------------------------------------------- 15
Figura 2. Mapa dos parques e APA.-------------------------------------------------------------- 16
Figura 3. Mapa das Ilhas do rio Paraná. --------------------------------------------------------- 19
Figura 4. Cidade de Porto Rico.------------------------------------------------------------------- 36
Figura 5. Rio Paraná visto da cidade de Porto Rico.------------------------------------------- 53
Figura 6. Condomínio nas proximidades da cidade de Porto Rico, mostrando o rio Paraná,
em baixo. --------------------------------------------------------------------------------- 55
Figura 7. Selva domesticada. ---------------------------------------------------------------------- 90
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Desenvolvimento do turismo sustentável X turismo de massa. ...........................50
Tabela 2. Principais impactos do turismo sobre culturas e sociedades locais......................55
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APA – Área de Proteção Ambiental
IAP – Instituto Ambiental do Paraná
IBAMA – Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
UC – Unidade de Conservação
UHE – Usina Hidrelétricas
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...............................................................................................................15
Objetivos: .........................................................................................................................15
Justificativa....................................................................................................................... 23
Objeto de pesquisa............................................................................................................23
Procedimentos metodológicos.......................................................................................... 24
Tipo de pesquisa:..........................................................................................................24
Os atores sociais/sujeitos da pesquisa: .........................................................................24
Instrumento de pesquisa ...............................................................................................25
Procedimento................................................................................................................25
Material.........................................................................................................................26
1 POPULAÇÃO TRADICIONAL E TURISTAS EM PORTO RICO:
CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO E UM POUCO DE SUA HISTÓRIA ..27
1.1 A Planície de Inundação do Alto Rio Paraná ............................................................27
1.2 A cidade de Porto Rico............................................................................................... 31
1.3 Os ilhéus na região de Porto Rico. .............................................................................36
1.4 Populações Tradicionais.............................................................................................39
1.5 Turismo e o turismo em Porto Rico ...........................................................................41
2 POPULAÇÕES TRADICIONAIS EM SUA DINÂMICA ECONÔMICA,
AMBIENTAL E CULTURAL COMO OBJETO DE ESTUDO........................ 63
3 O CONCEITO DE PERCEPÇÃO.........................................................................85
4 ILHÉUS E TURISTAS: A PERCEPÇÃO DOS DOIS ATORES ACERCA
DO RIO E DAS ILHAS DE PORTO RICO.............................................................93
4.1 Os moradores das ilhas: percepção do ambiente e de suas vidas............................... 93
4.2 A percepção dos turistas e/ou moradores ocasionais dos condomínios fechados de
Porto Rico.......................................................................................................................105
CONCLUSÕES..................................................................................................................110
REFERÊNCIAS .................................................................................................................115
GLOSSÁRIO......................................................................................................................122
Anexo 1 ..............................................................................................................................125
Anexo 2 ..............................................................................................................................126
Nós, os pouco felizes
Ana Miranda
Nós, os seres humanos
que vivemos em casas ou apartamentos,
e não em acampamentos nem nos viadutos,
nem nas favelas ou nos hospícios,
nós que vivemos em residências de cujas janelas
podemos ver a cidade em seus ofícios e vícios,
ou as paisagens do campo e suas luzes,
nós que sabemos cantar em prosa e verso,
que podemos andar, sorrir, comer,
temos a indústria e o comércio,
e conta nos bancos, universitários,
que nunca fomos à guerra ou despejamos mísseis,
nós que podemos ver o mar, as ilhas,
as aves, as montanhas, o céu belíssimo,
as nuvens pretas, as estrelas,
a amplidão do mundo,
que temos mapas e a astronomia,
médicos e anestesia, hospitais e poesia,
que podemos viajar, olhar vitrines e comprar,
nós, ai, nós, que sabemos ler e lemos livros,
temos fogões em nossas casas,
temos camas, temos sexo e desejo, temos o beijo,
nós que ouvimos música no rádio ou em discos,
que temos filhos com todos os dentes,
escola, agasalho e nem vivemos em Cuba,
nós que não somos curdos,
nem etíopes nem angolanos,
que temos florestas imensas, rios, terras,
temos seca e temos chuva,
temos quadros e gravuras,
o luar do sertão e as araras,
que choramos no cinema,
que temos alma e lágrimas,
mil caras, uma só, dedos sensíveis e crenças,
amores secretos, jornalistas altruístas,
padres guerrilheiros, músicos ardentes, escritores,
sindicalistas, líderes sem-terra à vista,
violeiros repentistas, loucuras, alvará de soltura,
uma terra com palmeiras onde canta o sabiá,
que temos carro ou sapato sem furo,
temos o passado e o futuro,
nós que assinamos revistas e jornais,
temos casa de campo, mesmo que seja de um amigo
onde há cavalos e pirilampos,
nós que jantamos à luz de velas,
tomamos vinho e meio embriagados
lemos poemas para os passarinhos,
ou para as belas mulheres,
ou para o ser que amamos, e amamos vários,
nós que somos amados, que vamos à praia
ou não vamos mas esperamos a praia vir a nós,
que vestimos roupas e usamos um antigo anel de família
que ainda não foi roubado, e que talvez nunca seja,
que tomamos cerveja,
que temos a confissão e o perdão,
que acordamos tarde e não andamos de trem,
que temos salário, ou renda fixa,
emprego, família, paixão,
nós que temos corpo e estamos vivos,
temos amigos, temos trabalho, fazemos exercícios,
somos hedonistas, artistas, poucos,
nós que fazemos cinema,
que sentimos o perfume e temos sonhos,
que adoramos ouvir estórias
contadas por qualquer estranho,
que dançamos alegres com as crianças,
que gostamos de lareira e frio,
sorvete e calor, o limpo e o macio,
que sonhamos navegar tornando o mundo pequeno,
que usamos biquínis e tangas,
desfilamos nossos seios nus nas escolas de samba,
que não somos da ralé nem da choldra,
nem da rafaméia nem do lúmpem nem da miséria,
que especulamos e ganhamos mas também perdemos,
nós que temos raízes, diretrizes, teatro,
damas atrizes, jogadores, senadores,
ai de nós, perdoai-nos,
somos os pouco felizes.
A fé do cientista:
Vejo e não creio.
Duvido.
Se não vejo, respeito,
Mas nego,
Logo, aceito.
Leio e não encontro.
Teorizo.
Nego e renego
Na esperança inglória
De ao testar a hipótese
Encontrar a glória
De aumentar meu credo.
Se preciso for
Abstraio-me
Transcendo e
Do mundo do nada
A resposta ao tudo espero.
Se ainda assim permanecer nas trevas
Se os céus quiserem ocultar-me o certo
E me negarem a maravilha infinda,
Por esgotar o que me há de humano
Não me desespero.
Opto,
Logo, creio sem ter visto.
Alberto Mesquita Filho
15
INTRODUÇÃO
Objetivos:
O objetivo central deste trabalho foi o estudo da percepção de dois grupos sociais:
moradores da cidade de Porto Rico, PR, ex-ilhéus e não ilhéus, e de turistas que freqüentam
a cidade e a região. A intenção foi conhecer como os dois grupos se referem ao entorno de
Porto Rico e do ponto de vista da percepção, ou seja, dos signos naturais e sociais, após a
implantação de três Usinas Hidrelétricas (UHE) no rio Paraná e rio Paranapanema (figura
1). Hoje, após a implantação dessas usinas na década de 1980, a cidade e a região viveram e
vivem mudanças econômicas, e o turismo é uma expressão dessas mudanças na região.
16
Com um passado de lutas e colonização que remonta a mais de dois mil anos, em 1982,
iniciou-se uma “nova” história de Porto Rico e sua região. Neste ano houve o fechamento
das comportas da Usina Hidrelétrica de Itaipu e a formação do respectivo lago que encobriu
o grande patrimônio natural: o salto das Sete Quedas, em Guaíra, PR. Com a construção da
Usina Hidrelétrica de Itaipu a jusante da cidade de Porto Rico e as barragens de Porto
Primavera
1
e Rosana
2
à montante (Figura 1), dinâmica hidrológica de uma região
conhecida como Planície de Inundação do Alto Rio Paraná ou, como definem os moradores
da região, de varjão (CARVALHO, 2002), foi alterada. As UHEs modificaram a
organização do trabalho dos moradores das ilhas locais. A criação do Parque Nacional de
Ilha Grande, do Parque Estadual do Ivinheima (MS) e da Área de Proteção Ambiental
(APA) das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná (Figura 2), fez com que os moradores que
pescavam, plantavam e criavam animais nas ilhas ficassem praticamente sem a subsistência
da qual dependiam há pelo menos 4 décadas.
1
A Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta, também chamada de Usina Hidrelétrica Porto Primavera,
está localizada no Rio Paraná, 28 km a montante da confluência com o rio Paranapanema. A primeira etapa
do enchimento do reservatório foi concluída em dezembro de 1998. Em Outubro de 2003, entrou em operação
a unidade geradora 14, totalizando assim, 1.540 MW de potência instalada. As três primeiras unidades
completaram a entrada em operação em março de 1999 (CESP, 2006).
2
A hidrelétrica de Rosana foi iniciada em julho de 1980, e sua operação começou em março de 1987, com a instalação da primeira unidade geradora.
Está situada no rio Paranapanema, entre os municípios de Rosana (SP) e Diamante do Norte (PR) (DUKE ENERGY, 2006).
17
Figura 2. Mapa dos parques e APA. Fonte: Núcleo de Pesquisa em
Limnologia, Ictiologia e Aqüicultura - Nupelia.
Agostinho (1998) apontou as alterações sociais, econômicas e culturais na região
ocasionadas em decorrência dos represamentos do rio Paraná. Estes represamentos levaram
à redução de áreas naturalmente férteis com a conseqüente redução no rendimento agrícola;
a remoção de populações para áreas inóspitas e de menor fertilidade. Alguns vilarejos da
região foram abandonados, pois o comércio enfraqueceu com a saída da população rural e
com o alagamento das estradas de acesso. Agostinho (1998) descreve também, as alterações
da fauna aquática, sobretudo as modificações do regime de vazão e de qualidade da água do
rio Paraná que levaram às mudanças bióticas e alteração e eliminação de habitats. As
18
barragens e a eliminação de barreiras naturais como Sete Quedas provocaram o aumento
das espécies de peixes sedentárias de pequeno porte e de baixo valor comercial e redução
na quantidade de peixes migradores de maior valor comercial.
Para Agostinho, Gomes e Zalewski (2001, p. 211) a maioria dos alevinos (filhotes) de
grandes peixes migradores permaneciam, preferencialmente, em lagoas formadas com as
cheias naturais, ambientes rasos com estratificação diária de temperatura e ricas em plantas
aquáticas (macrófitas). Este ambiente propiciava condições adequadas de oxigênio,
alimentação e abrigo contra a predação de peixes maiores. Durante o período de retração
das águas, os juvenis dos grandes peixes migradores abandonam as águas rasas das lagoas e
retornam ao rio, já mais crescidos.
Uma das causas da diminuição do número de lagoas naturais foi a retenção da água pelas
barragens. Para Agostinho, Júlio Jr. e Borguetti (1992) os represamentos causaram
impactos para a ictiofauna, pois “[...] a colonização do novo ambiente, feita a partir das
espécies pré-existentes beneficia espécies de menor porte com alta taxa de crescimento e
elevado potencial reprodutivo”. Naturalmente, estas novas condições ecológicas
influenciaram diretamente na vida dos pescadores.
Pesquisas feitas pelo Núcleo de Pesquisa em Limnologia, Ictiologia e Aqüicultura
Nupélia, da Universidade Estadual de Maringá, quando da formação do reservatório de
Itaipu em finais da década de 1980, das doze espécies de peixes
3
mais abundantes na pesca
do rio Paraná, apenas duas se mantiveram entre as mais pescadas após o represamento.
no site da Itaipu Binacional (www.itaipu.gov.br, 2006) os dados, de início da década de
2000, indicam que os peixes mais capturados nesse local foram o armado, Pterodoras
granulosus, com 38% da captura total (cerca de 550 toneladas/ano) e a curvina, Plagioscion
squamosissimus, com 15% da captura total e cerca de 210 ton/ano.
3
As doze principais espécies em freqüência de captura foram: Hypostomus sp. - cascudo, Hoplias
malabaricus - traíra, Ancistrus cirrhosus (família do cascudo), Ageneiosus valenciennesi - manduvê,
Rhamdia hilarii - jundiá, Astyanax eigenmanniorum - lambari, Oligosarcus sp - saicanga, Gymnotus carapo -
tuvira, Salminus maxillosus - dourado, Galeocharax knerii peixa-cadela, Plagioscion squamosissimus
curvina e Prochilodus scrofa - curimba, sendo que apenas os dois últimos se mantiveram entre as espécies
mais capturadas após o represamento (Agostinho, Julio Jr. e Borguetti, 1992).
19
Esta alteração ambiental, que alterou a qualidade e quantidade do pescado, provocou
grande impacto social e econômico sobre os pescadores profissionais da região de Porto
Rico. Para Agostinho (1998), a pesca que era exercida com o uso de anzóis, arte na qual o
pescador tinha muita experiência, exigia pouco investimento e era adequada ao pescado de
alto valor comercial, passou a ser realizada sobre peixes de menor porte, com o uso de
redes de espera, demandando maior custo e aprendizado. Entretanto, alguns moradores de
Porto Rico, em comunicação pessoal, relataram que essa prática de pesca com rede de
espera já era feita por seus pais na década de 1960 e 1970.
Somente em dezembro de 2002, a hidrelétrica de Itaipu, abriu um canal para que estes
peixes pudessem migrar. Este canal foi feito após um estudo científico sobre a migração de
peixes no rio Paraná, iniciado em 1997 pelo Nupélia que permitiu que o Canal da Piracema,
rio artificial, fizesse a ligação do reservatório da Itaipu com o Rio Paraná, a jusante da usina
(ITAIPU BINACIONAL, 2006). A barragem de Itaipu, desde seu fechamento em 1982,
atuou como uma grande barreira artificial, impedindo os peixes (em sua maioria, grandes
peixes migradores) de subirem o rio Paraná para, neste local, iniciarem seu ciclo de
reprodução
4
.
O rio Paraná na região de Porto Rico apresenta diversas ilhas e canais naturais com grande
diversidade de fauna e flora. Embora sua história date de mais de 2.000 anos atrás, com os
jesuítas e a república Guarani, nestas ilhas temos uma história recente de povoamento desde
a década de 60 do século XX. Uma das maiores ilhas em frente à cidade de Porto Rico
5
, a
ilha Mutum (Figura 3), se destaca pelo seu tamanho diante das outras. Com 14,6 km de
extensão e aproximadamente 1,1 km de largo, situa-se a 800 metros do continente. O
4
Bonetto (1986) considera Sete Quedas como uma barreira natural separando duas províncias
ictiofaunísticas, a do Alto rio Paraná e o Médio rio Paraná (abaixo de Sete Quedas), Galdino et al. (2006)
dizem que os resultados genéticos obtidos em pintado, (Pseudoplatystoma corruscans), piapara (Leporinus
elongatus) e jurupoca (Hemisorubim platyrhynchos), fornecem indicações suficientes para sustentar a
conclusão de que os saltos de Sete Quedas constituíam uma barreira que promovia, ao menos parcialmente, o
isolamento reprodutivo entre as populações de pintado e piapara residentes a montante e a jusante. O
obstáculo oferecido por Sete Quedas não seria absoluto, pois foi detectado fluxo gênico equivalente a dois
migrantes por geração em pintado e cerca de 1,4 em piapara. O distanciamento encontrado suporta a
interpretação de que, embora em níveis baixos, diversidade genética entre as populações, das espécies
analisadas, do médio e alto rio Paraná.
5
O município de Porto Rico possui 16 ilhas: Boa Vista, Coutinho, Japonesa, Floresta, Bandeiras, Pombas,
Defunto, Carioca, do Pacú, Santa Rosa, Sílvia, Cajá, Mandaguari, das Vacas, Porto Rico e Mutum (GODOY,
2006).
20
primeiro registro de ocupação do arquipélago Mutum (figura 3), que inclui as ilhas Porto
Rico, Mutum, Melosa, Machado e Pithi, data do ano de 1952. Entre 1964 a 1966, esta ilha
já apresentava, 31 casas. A ilha Porto Rico continha 5 casas (GODOY, 2001).
Ambas as ilhas eram povoadas por lavradores - pescadores. A ocupação se deu de forma
mais intensa quando as transformações na agricultura e expansão da pecuária expulsaram
os pequenos proprietários, parceiros, arrendatários e posseiros dos municípios próximos ao
rio Paraná. A partir de 1983, as várzeas e ilhas, que absorviam a população expulsa do
continente, foram sendo ocupadas pelos fazendeiros da região para a manutenção do gado
durante os meses de seca, quando as pastagens no continente eram insuficientes para a
manutenção do mesmo (GODOY, 2001).
Figura 3. Mapa das ilhas do rio Paraná na região de Porto Rico, usado pelo Nupélia em suas
pesquisas. Fonte Nupélia.
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o
53 30’
o
53 30’
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PORTO RICO
PARANÁ
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PAULO
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AMÉRICA DO SUL
BRASIL
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Escala
0 2,5 5,0 7,5km
Ilha
Porto Rico
21
Silva (2002) relata-nos as alterações que levaram a ocupação das ilhas: a concentração
fundiária
6
; a substituição da cafeicultura, que absorvia muita mão-de-obra, pela pecuária ou
culturas passíveis de mecanização (que dispensavam trabalhadores), já denunciada por
Tommasino (1985) como reserva de mão-de-obra dos diversos setores econômicos devido à
migração para fora do Estado ou para outras cidades.
Silva (2002) descreve as condições de vida dos moradores das ilhas, ressaltando os laços
sociais de vizinhança e solidariedade nos mutirões para o preparo, plantio e colheita, sendo
que sua tradição os remete a uma descendência camponesa; também havia solidariedade
nas campanhas de pesca e nos momentos de urgência em questões de doenças e acidentes, o
que é corroborado por Tommasino (1985) quando se refere que a ajuda mútua era muito
comum entre os ilhéus do arquipélago do ex-Parque Nacional de Sete Quedas nas
proximidades da cidade de Guaíra-PR.
Em 1993, Tomanik, Godoy e Ehlert (1997, p. 403) realizaram um censo sócio-demográfico
e ocupacional na cidade de Porto Rico e detectaram que “o rio Paraná, embora tido como
fonte de riqueza, não é fonte direta de trabalho”. Apenas 7,4% das ocupações eram ligadas
ao rio, como pescador, vendedor de gelo ou dono de barco de aluguel. Esses autores
detectaram, também, que 25,3% dos trabalhadores de Porto Rico são funcionários públicos
ou 44,1% do número de trabalhadores remunerados urbanos, confirmando o que diversos
entrevistados desse trabalho afirmaram: faltam alternativas de trabalho na cidade.
Tomanik (1997), Tommasino (1985) e Silva (2002) haviam mostrado que no passado,
nas décadas de 1960 e 1970, os moradores de Porto Rico e do ex-Parque Nacional de Sete
Quedas tinham mais fartura de peixe e de retiradas da lide agrícola e que, nesta época, a
vida parecia mais fácil para estes habitantes.
Na cidade de Porto Rico, convencionou-se chamar de turista todo visitante regular ou não,
possuindo residência ou não, na região (SILVA, 2002). Como veremos, os turistas
procuram um local para descansar, praticar esportes náuticos, passear de barco, tomar
6
Embora houvesse aumentado as áreas de lavoura entre 1970 e 1980, o censo agropecuário de 1985 registrou
a redução de quase 100 mil estabelecimentos agrícolas, indicando a incorporação de terras por um número
menor de propriedades, configurando uma considerável concentração fundiária (SILVA, 2002).
22
banho de sol ou de rio, repousar nas pousadas, visitar as ilhas, pescar ou simplesmente ficar
à margem do rio.
Medeiros (2003, p. 76 - 77) destaca Porto Rico como “Cidade Turismo” mostrando que a
administração municipal desta e de várias cidades vizinhas ribeirinhas participam de um
projeto com forte marketing turístico regional. Esta propaganda tem sido imposto à
população como a “única vocação” do município, uma vez que as atividades primárias de
produção, como pecuária, agricultura (lavouras temporárias e permanentes, trabalho de
“bóia fria”), a pesca e a extração de areia são pouco rentáveis à população pobre, pois
percebem baixa remuneração.
Outro problema na cidade de Porto Rico são os condomínios fechados. Nestes existem
grandes mansões que Silva (2002, p. 81) as acusa de contrastar de “forma gritante” com a
paisagem natural que, esteticamente requeria um padrão mais rústico. Embora saibamos da
importância econômico-financeira destes investimentos e dos turistas que as habitam, pois
estes movimentam, ainda que pareça pouco, a economia local, ofertando alguns empregos
diretos e indiretos, é questionado o local onde são implantados. Silva (2002) ainda comenta
sobre as grandes propriedades nas ilhas, onde caseiros eram (e ainda são) empregados e
“guias de pesca”. Medeiros (2003, p. 84) apresenta a descrição dos loteamentos feita por
um menino por ela entrevistado: “De que adianta esvaziar as ilhas se a prefeitura faz
loteamentos próximo ao rio para a construção de condomínios residenciais fechados?” É
como se este questionasse as matas ciliares, os esgotos, os gastos com turistas enquanto a
população fica com a “menor parte” do bolo.
Medeiros (2003) registrou por meio de fotografia a retirada de árvores nativas de grande
porte feita por um condomínio na cidade de Porto Rico. A autora também apresenta a
percepção de crianças sobre a paisagem urbana e os cenários cindidos em “público, ruim e
feio” e o “privado, belo e bom”, sendo os condomínios com suas ruas pavimentadas com
lajotas de cimento o cenário belo e o outro, os “bairros pobres”, o cenário feio, de chão
batido. Medeiros (2003, p. 101) trabalhando com essas crianças menciona que, na
percepção dos alunos da escola, “para a população local o prefeito está ‘investindo’ no
divertimento [...] dos turistas”.
23
Em uma pequena cidade ribeirinha como Porto Rico, praticamente todos os habitantes se
conhecem. A vinda de pessoas estranhas para passear ou apenas “curtir” o rio mostra-se
como um fato, atualmente corriqueiro, mas que apresenta o aparecimento de um grupo
diferente para os nativos. Este novo grupo traz pensamentos e pretensões diferentes e, de
certa forma, causa impacto ao comércio e à cultura local.
Justificativa
Justificamos este trabalho pela necessidade de discutir a percepção ambiental de dois atores
sociais: o grupo de moradores tradicionais do local e o grupo de visitantes, ocasionais ou
não como forma de conhecimento da interação desses dois grupos (ou não) e indicar como
estes se situam após as mudanças ambientais e culturais. Trata-se, então, de reconhecer
quais são as percepções dos ilhéus e moradores da região de Porto Rico após as mudanças
na paisagem ecológica e no meio social ocorridas após 1982. Neste ano, quando do
enchimento do lago da barragem de Itaipu e depois em 1998 da construção das hidrelétricas
de Porto Primavera e em 1987 com a construção da Hidrelétrica de Rosana, a história
ambiental e social se modificou. Uma nova e mais dura realidade ocorreu, e ainda ocorre
com os ilhéus do rio Paraná, que lutam quase 30 anos para serem reconhecidos como
população que tem seus direitos à terra e a subsistência. Como os moradores vêem seu
presente atual e quais seus anseios em relação ao futuro próximo são também discutidos
nesse trabalho.
Objeto de pesquisa
Nosso objeto de pesquisa é o estudo das percepções dos moradores, ilhéus e ex-ilhéus de
Porto Rico e dos turistas após as mudanças ambientais na região. Os problemas de pesquisa
foram: como os moradores dessa comunidade percebem as alterações causadas pelas
barragens e pela criação das UC nas suas vidas? Como os turistas/visitantes da cidade de
Porto Rico, (que têm casas de veraneio nas ilhas ou nos condomínios e/ou que pescam
eventualmente) percebem essa região, constituída por áreas de preservação e pela cidade
que tenta incorporar uma nova ordem econômica?
24
Procedimentos metodológicos
Tipo de pesquisa:
Delineamos a pesquisa de acordo com os princípios da investigação qualitativa e, como
método de obtenção de dados, adotamos entrevistas com perguntas abertas. A pesquisa
qualitativa possibilita o estudo de questões que não podem ser quantificadas como, por
exemplo, os anseios, os sentimentos, as motivações, as crenças e as atitudes individuais que
fazem parte do contexto da pesca, da lida na terra e das relações sociais. Além disso, a
pesquisa proposta não tem como meta uma representação numérica do grupo pesquisado e
sim a sua compreensão enquanto grupo social, uma organização, uma instituição, uma
trajetória de vida. No caso desta pesquisa nossa intenção foi compreender as percepções
dos moradores acerca das alterações ambientais e sociais ocorridas em suas vidas após a
implantação das usinas hidrelétricas no Rio Paraná e no rio Paranapanema.
Esta abordagem qualitativa fundamentou a entrevista com dois atores sociais: moradores de
Porto Rico e turistas que freqüentam a região. De acordo com Bauer e Gaskell (2003, p. 18-
19) a pesquisa empírica exige: a) observação sistemática dos acontecimentos; inferir os
sentidos deste acontecimento, ou seja, das observações dos atores; b) técnicas de entrevista
e a interpretação dos sinais deixados pelos atores; c) uma análise sistemática. E segundo os
autores, os registros que fazemos por meio das entrevistas em uma comunidade qualificam
uma pesquisa como etnográfica.
Os atores sociais/sujeitos da pesquisa:
Grupo 1: foram entrevistados 30 moradores de Porto Rico constituídos por pescadores,
ilhéus e ex-ilhéus e estudantes da Escola Estadual Manoel Romão Netto. 13 pessoas eram
do sexo masculino e 17 do sexo feminino. A idade dos entrevistados variou entre 17 e 74
anos.
Grupo 2: foram entrevistados 12 turistas: veranistas ocasionais, moradores de condomínios
e donos de casas nas ilhas.
25
Instrumento de pesquisa
Consistiu de um questionário de 8 a 12 perguntas que foram elaboradas de acordo com
pesquisas similares utilizadas nesta situação. Ferrara (1999b) foi consultada por seu estudo
com percepção ambiental. O trabalho de Silva (2002) e Polinari (1999) foram as referências
para a elaboração do questionário aplicado aos moradores e turistas. ANEXO 1 e 2.
Procedimento
Os sujeitos do grupo 1 foram entrevistados em sua residência ou em ambiente em que se
sentiam bem, como na barranca do rio ou em seu local de trabalho. Com seu consentimento
as entrevistas foram gravadas em fita cassete. As entrevistas duraram em média 2 horas.
Alguns entrevistados, pela sua experiência, disponibilidade e vontade de narrar antigos
acontecimentos voltaram a ser contatados para continuar contando suas aventuras e
desventuras. O Sr. Otávio Pereira Cândido, vulgo Sr. Otávio e o Sr. Antonio Marcos, vulgo
Sr. Toninho foram entrevistados quatro vezes, revelando novidades em cada encontro.
Outros, pela dificuldade em encontrá-los (moravam nas ilhas) e pela riqueza de suas
histórias, deixaram que passássemos um dia inteiro com eles, em suas casas insulares.
Nestes locais, tomamos café - plantado e moído no local, observamos suas “posses”, seus
caprichos e os objetos de sua admiração, bem como parte do resultado de sua lide na ilha.
Ainda outros entrevistados (as) buscaram fotografias e/ou suas esposas/maridos para
ilustrar e/ou confirmar determinadas passagens da narrativa. Convivemos e comprovamos a
humildade e simplicidade de uma gente que teve muita fartura no passado, sabe o que
significa trabalho duro e sente, infelizmente, que os dias que virão não irão trazer muita
esperança de um futuro melhor.
Os sujeitos do grupo 2 foram entrevistados em suas residências nos condomínios ou em
suas casas alugadas na cidade. Três deles foram entrevistados na marina, enquanto
guardavam seus barcos e se preparavam para partir de Porto Rico. As entrevistas duraram
cerca de uma hora e quase sempre terminavam com um café, ou com uma refeição. Embora
esta não seja uma forma ortodoxa de trabalho, criava uma cumplicidade com o entrevistado
26
fazendo com que o entrevistador pudesse atingir seu objetivo, que é a captação de
informação, muitas vezes implícita, que nos momentos de descontração e confiança era
revelada.
Elaboramos perguntas em uma ordem (anexo 1 e 2), porém, à medida que fazíamos uma
questão, o entrevistado podia respondê-la de acordo com sua disposição pessoal. Depois da
primeira questão, dependendo das respostas dos entrevistados, o entrevistador podia fazer
perguntas suplementares sempre que algo não previsto aparece e o pesquisador considerar
importante para sua investigação.
Para a interpretação das entrevistas usamos a literatura consultada e a análise das falas dos
entrevistados. Para Lefevre e Lefevre (2005) quando se busca resgatar a percepção de uma
comunidade a respeito de um dado tema, por meio de uma pesquisa social, é necessário
considerar que a percepção ou a opinião dos indivíduos que compõem esta coletividade
podem ser vistos como um depoimento discursivo. Ou seja, um depoimento é uma
manifestação lingüística de um posicionamento em torno de um assunto, composto por uma
idéia central e de seus respectivos conteúdos e argumentos. Dessa forma, dificilmente o
pensamento coletivo é apresentado, como resultado final, em seu modo natural, sob a forma
de um discurso coerente, com conteúdos e argumentos.
Nosso objetivo foi de evitar um conjunto de respostas tipo “sim e não” e procurar um
discurso mais realístico, embora sabendo que o conjunto das respostas leva a um discurso
teórico gerado fora do espaço dos depoimentos. Segundo Lefevre e Lefevre (2005):
[...] o pensamento coletivo não existe em si, empiricamente, como discurso, pois
a única forma imaginada de resgatá-lo como discurso seria um metadiscurso
sobre a realidade. Nesse sentido, e em conformidade com essa prática, o
pensamento coletivo equivale a sua explicação ou interpretação.
Material
Usou-se para a entrevista um micro gravador – Microcassete Recorder Panasonic RN-404.
27
1 POPULAÇÃO TRADICIONAL E TURISTAS EM PORTO RICO:
CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO E UM POUCO DE SUA HISTÓRIA
O inexplicável horror
De saber que esta vida é
verdadeira...
Fernando Pessoa
O Horror de Conhecer
Moradores e turistas são dois atores sociais presentes atualmente na região de Porto Rico. A
história ambiental mais recente de Porto Rico e das ilhas próximas foi marcada pela
instauração da maior e mais bem sucedida usina hidrelétrica do país do ponto de vista
econômico, a Usina Hidrelétrica de Itaipu. Vamos caracterizar a região da Planície de
Inundação do Alto Rio Paraná mostrando sua importância e um pouco da história da cidade
de Porto Rico, seus habitantes mais tradicionais e os turistas que freqüentam atualmente
esse local.
1.1 A Planície de Inundação do Alto Rio Paraná
Olhando para um mapa hidrográfico brasileiro, nota-se que a bacia do Paraná é a que
apresenta maior número de usinas hidrelétricas, embora não seja a maior bacia, é
responsável por mais de 70% da produção de energia elétrica gerada no país
(AGOSTINHO e JÚLIO Jr., 1999). Em seu canal estão instaladas grandes usinas
hidrelétricas como Ilha Solteira (a quarta maior do Brasil) e Itaipu, a maior
7
usina do Brasil
e do mundo. Em seus inúmeros afluentes temos, entre outras, a barragem de Itumbiara
(quinta maior do Brasil) e de São Simão (sétima maior) no rio Paranaíba; no afluente de
Corumbá temos a barragem de Corumbá I; no rio Grande a barragem de Furnas e
Marimbondo entre muitas outras; no rio Paranapanema a barragem de Rosana, Taquaruçu,
7
Quando nos referimos às maiores usinas do Brasil estamos nos referindo à capacidade instalada, à
quantidade de energia que é gerada, e não ao tamanho do lago formado ou das estruturas de engenharia.
28
Capivara e diversas outras. No rio Iguaçu, ainda na bacia do Paraná, logo abaixo de Itaipu,
se encontra a barragem de Foz do Areia (sexta maior do Brasil) entre outras (ITAIPU
BINACIONAL, INFORMATIVO TÉCNICO, 1998?). A bacia do rio Paraná tem muitos
problemas ambientais, pois é o local de maior densidade populacional do Brasil. Segundo
Agostinho e Júlio Jr. (1999), a produção de energia hidrelétrica, a drenagem de grandes
áreas, áreas densamente povoadas, a implantação de grandes centros urbanos, industriais e
agrícolas, promove o empobrecimento da fauna da região, particularmente em relação a
ictiofauna de maior porte, devido à destruição de habitats e à poluição causada.
Para o nosso trabalho, as barragens que apontaremos são as que se encontram logo à
montante da área de estudo, principalmente Porto Primavera e Rosana, pois estas controlam
o fluxo de água dos rios Paraná e Paranapanema, respectivamente, impedindo as cheias
naturais na região e, à jusante Itaipu (figura 1). Como a planície de inundação é uma área
de baixa declividade, 0,8 cm/km (AGOSTINHO e JULIO Jr., 1999) ou 0,09 m/km
(AGOSTINHO, THOMAZ, MINTE-VERA e WINEMILLER, 2000), o rio Paraná
apresenta muitos canais alguns largos e ramificados, algumas vezes com planos aluviais
extensos e grande acumulação de sedimentos em seu leito. Nas décadas passadas esta área
era freqüentemente alagada pelas cheias do rio Paraná. Denominada de Planície de
Inundação do Alto Rio Paraná, esta planície é uma área restrita de 230 km localizada acima
do reservatório de Itaipu e à jusante da barragem de Porto Primavera. Até este momento o
único trecho livre de barragens e de seus lagos em território brasileiro, exceto por cerca de
30 km à jusante da barragem de Itaipu, correndo em território argentino e paraguaio.
Para Junk, Bayley e Sparks (1986, p. 112), estas áreas são de grande importância ecológica
na proteção de espécies. Estes autores definem planície de inundação como “[...] áreas
periodicamente inundadas pelo fluxo de rios ou lagos e/ou pela precipitação direta ou pelo
lençol freático; o ambiente físico-químico resultante causa à biota
8
respostas adaptativas
morfológicas, anatômicas, fisiológicas, fenológicas
9
e/ou etológicas
10
produzindo estruturas
características na comunidade”. Esta definição ecológica reconhece que as enchentes
8
Biota espécies de todas as plantas e animais que aparecem dentro de uma área ou região delimitada.
(KREBS, 1986, p. 705).
9
Fenologia Estudos dos fenômenos periódicos (estacionais) da vida animal e vegetal e suas relações com o
tempo e o clima (por exemplo, a época de floração das plantas). (KREBS, 1986, p. 706).
10
Etologia – Referente ao estudo do comportamento animal.
29
causam um impacto perceptível sobre a biota e a biota mostra uma reação definida à
inundação.
As migrações de desova de peixes como Prochilodus scrofa - curimba entre outros estão
ligadas às inundações. Os ovos são transportados pela correnteza para dentro das áreas
recém alagadas, onde a “[...] água oferece condições de oxigênio suficientemente boas,
alimentação adequada e ainda proteção para os alevinos” (JUNK, 1980, p. 785-790).
Segundo Agostinho et al. (2004), resultados de diversos estudos de habitats na Planície do
Alto Rio Paraná sugerem que as lagoas desse local são ambientes ricos em diversidade de
fitoplancton, perifiton, rotíferos, macrófitas aquáticas, organismos bentônicos e peixes.
Gopal e Junk (2000, p. 3) relatam que planícies de inundação, um tipo de wetland (terras
úmidas ou alagadas), têm sido extensivamente estudadas por sua ecologia, gerenciamento
ou reparação, embora seja pouco entendida e sua biodiversidade tenha recebido muito
pouca atenção. Para Gopal e Junk (2000), a interação entre diferentes componentes
hidrológicos, geomorfológicos, solo, química da água e clima resulta em uma grande
diversidade de habitats que, por sua vez, se levarmos em conta aspectos temporais e
espaciais, asseguram uma alta diversidade de espécies. Ainda que estas espécies possam ser
adaptadas a uma grande faixa de habitats, elas podem indicar uma grande diversidade
genética.
Como é uma região rica em números de espécies e em quantidade de indivíduos, é de se
esperar medidas de gestão e proteção do Poder Público. Uma dessas medidas ocorreu em
30 de setembro de 1997 com a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) das Ilhas e
Várzeas do Rio Paraná, com a finalidade de:
[...] proteger a fauna e flora, especialmente as espécies ameaçadas de extinção,
tais como o cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus) o bugio (Alouatta
fusca), a lontra (Lutra longicaudis), a anta (Tapirus terrestris), a jaguatirica
(Leopardus pardalis) e a onça-pintada (Pantera onca); garantir a conservação
dos remanescentes da Floresta Estacional Semidecidual Aluvial e Submontana,
dos ecossistemas pantaneiros e dos recursos hídricos; garantir a proteção dos
sítios históricos e arqueológicos; ordenar o turismo ecológico, científico e
cultural e demais atividades econômicas compatíveis com a conservação
ambiental; incentivar as manifestações culturais e contribuir para o resgate da
diversidade cultural e regional e assegurar o caráter de sustentabilidade da ação
antrópica na região, com particular ênfase na melhoria das condições de
30
sobrevivência e qualidade de vida das comunidades da APA e entorno (SILVA,
2002, p. 9).
Esta APA ocupa uma área de 1.003.059 hectares, abrangendo parte dos municípios de
Diamante do Norte, Marilena, Nova Londrina, Porto Rico, Querência do Norte e São Pedro
do Paraná, no Estado do Paraná, e Mundo Novo, Eldorado, Naviraí e Itaquiraí, no Estado
de Mato Grosso do Sul (SEMA, 2004).
Juntamente com esta APA, dentro dela, e na mesma data, foi criado o Parque Nacional de
Ilha Grande, formado pelo conjunto de ilhas que compõem o arquipélago fluvial de Ilha
Grande e por áreas de várzeas marginais ao leito do rio Paraná (CAMPOS, 1999, p. 1). Este
parque foi constituído para preservar, conservar e melhorar as condições ecológicas da área
e o bem estar das populações abrangidas; proteger o último segmento do rio Para e
ecossistemas associados, contribuindo para a manutenção da diversidade biológica,
especialmente as espécies da fauna e da flora endêmicas e ameaçadas de extinção e seus
habitats e os sítios arqueológicos, além disso, contribui para que a sociedade discuta e
conheça os processos de gestão e proteção dos recursos naturais, dentre eles o uso racional
do solo e os métodos de zoneamento ambiental (IBAMA, 2004). O Parque Nacional de Ilha
Grande apresenta 78.875 hectares e compreende parte dos municípios de Altônia, Guaíra,
Icaraíma, São Jorge do Patrocínio, Alto Paraíso (antiga Vila Alta), no Estado do Paraná, e
Mundo Novo, Eldorado, Naviraí e Itaquiraí no Estado do Mato Grosso do Sul.
Ainda dentro da APA das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná está o Parque Estadual do
Ivinhema. Foi criado pelo Estado de Mato Grosso do Sul, pelo Decreto Estadual 9.278
de 17/12/1998, com o objetivo de preservar a diversidade biológica, proteger o patrimônio
natural e cultural da região, com sua flora, fauna, paisagens e demais recursos bióticos e
abióticos associados, objetivando sua utilização para fins de pesquisa científica, recreação e
educação ambiental em contato com a natureza. Este parque é constituído por uma área
contínua, abrangendo os municípios de Taquarussu, Jataí e Naviraí no Estado do Mato
grosso do Sul, perfazendo uma superfície de 73.345 hectares (MATO GROSSO DO SUL,
Decreto nº 9.278).
Para Campos (1999, p. 10), a justificativa para a preservação destes locais está no fato de
que a natureza foi pródiga em reunir diversos elementos como o clima e fatores físicos
31
como a declividade do terreno e o tipo de solo, propiciando o crescimento de uma flora
variada com o conseqüente aparecimento de uma diversidade muito grande de organismos.
A interação destes organismos com o meio provocou sua modificação, num processo
evolutivo natural com delicado equilíbrio. Para Campos (1999), qualquer ação impactante
na área, mesmo que possa parecer de pequena monta ou dimensão, pode levar este
ecossistema a um processo irreversível de degradação, o que justificaria a criação e
implementação de um mosaico de Unidades de Conservação
11
, municipais, estaduais e
federais na região, compondo o Corredor de Biodiversidade do Rio Paraná.
1.2 A cidade de Porto Rico
Porto Rico foi fundado no início da década de 50 do século XX, pela empresa José Ebiner e
Cia. Esta empresa levou ao local, migrantes dos estados de São Paulo, Santa Catarina,
Minas Gerais e estados nordestinos (PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO RICO,
2004?), em busca de terras férteis e clima propício para o desenvolvimento da cafeicultura.
Nesta década a localidade era Distrito Administrativo de Paranavaí e, por força da Lei
13, de 5 de agosto de 1956, foi elevada à categoria de Distrito Administrativo de Loanda.
Em 5 de julho de 1963, pela Lei Estadual 4738, foi criado o Município, instalado,
oficialmente, em 21 de abril de 1964, ocasião em que foi empossado o Sr. Manoel Romão
Netto, como primeiro prefeito municipal eleito (PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO
RICO, 2004?; SÁ, 1998).
A cidade de Porto Rico (figura. 4) está próxima à Planície de Inundação do Alto Rio
Paraná, área onde o nupélia, desenvolve programas de pesquisas ecológicas com equipe
11
Unidades de Conservação espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais,
com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de
conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias
adequadas de proteção (Lei 9.985, de 18 de julho de 2000).
As Unidades de Conservação integrantes do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
SNUC dividem-se em dois grupos, com características específicas: a) Unidades de Proteção Integral, cujos
objetivos básicos são preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais.
Este grupo é composto pela Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional e Refúgio de Vida
Silvestre. Nessas unidades estão previstas a desapropriação de qualquer área particular incluídas em seus
limites. b) Unidades de Uso Sustentável, que compatibiliza a conservação da natureza com o uso sustentável
de parcela dos seus recursos naturais.
32
Figura 4. Cidade de Porto Rico. Fonte CD-ROM da
prefeitura de Porto Rico. 2004.
Rio Paraná
multidisciplinar. O Nupélia possui uma base avançada bem próxima à cidade, nas margens
do rio Paraná, dispondo de laboratórios
equipados com equipamentos para
medição de parâmetros limnológicos e
climáticos e barcos.
O município situa-se geograficamente no
extremo noroeste do Estado do Paraná
(Figura 1). Ocupa uma área de 221 Km
2
,
com limites municipais as cidades de
Loanda, São Pedro do Paraná, Santa Cruz
de Monte Castelo e Querência do Norte. À
sua frente está o rio Paraná e o município
de Bataiporã, no Estado do Mato Grosso
do Sul.
Atualmente, a população do município, de
acordo com o censo de 2005 (em
01/07/2005) do IBGE (IBGE, 2006), é de
2.136 habitantes. Em 1970 havia 6.192
moradores, dos quais apenas 1.025 pessoas moravam na cidade e 5.167 eram moradores
rurais. Destes, de acordo com um morador local que fez o recenseamento na ilha Mutum,
havia 490 famílias, mais de mil pessoas. Estes dados evidenciam uma considerável
diminuição do número de habitantes em todo o município, o que ocorreu devido à falta de
trabalho na agricultura. Trabalhos do Núcleo de Pesquisa Nupélia (AGOSTINHO, 1998;
AGOSTINHO, A.; THOMAZ S. M. e NAKATANI, K., 2006), mostram que houve uma
redução da captura de pescado devido à degradação ambiental
12
e, mesmo assim, a pesca
12
Esta degradação ambiental que afeta o meio físico e biótico, parece que é decorrente das barragens à
montante da cidade de Porto Rico e promove os principais distúrbios antrópicos observados neste
ecossistema. Estas usinas interferem, direta ou indiretamente na estrutura dos habitats, na composição das
comunidades e em aspectos funcionais da planície de inundação. Entre os principais impactos associados à
operação das barragens, pode-se considerar: (1) a alteração do regime natural das inundações, com impactos
diretos sobre as espécies dele dependentes e sobre a conectividade entre os habitats da planície; (2) a retenção
de nutrientes, principalmente fósforo, o que hipoteticamente pode estar causando o empobrecimento, em
termos desse nutriente, e (3) a presença de barreiras para as espécies de peixes migradores que desovam a
33
aparece como alternativa econômica para alguns moradores, sendo que a redução da
diversidade de espécies capturada e o baixo preço da comercialização do pescado nos
últimos anos desestimularam a permanência na atividade (AGOSTINHO, 1998; ROSA,
1997).
Rosa (1997), estudando a colonização do sudoeste, oeste e norte do Paraná ocorrida no
início de 1889, mostrou que a história dessa área começou com a doação de terras
devolutas, ou seja, do Estado, pelo governo imperial, concedidas à Companhia Estrada de
Ferro São Paulo - Rio Grande (CEFSPRG). Isto quer dizer que a história desses locais
começa com a doação de terras públicas às empresas de colonização.
Segundo Rosa (1997), em 1925 uma grande fazenda, conhecida como Brasileira ou
Montoya, na tentativa de ocupar terras próximas ao rio Paraná, instalou-se entre os rios
Paranapanema e Ivaí. Até 1930 havia 1400 famílias de trabalhadores que habitavam casas
em diversas colônias nas proximidades da sede. A fazenda possuía uma frota de 25
caminhões, 60 mulas-cargueiro, armazém, farmácia e mais de mil casas cobertas de chapas
de zinco. Apesar disto inexistia qualquer ligação com o resto do Paraná. O acesso à fazenda
se fazia através de uma picada na cidade de Porto São José; outro acesso se dava pelo rio
Paranapanema no Porto Ceará. Em 1939 o governo do estado fundou a colônia Paranavaí
na antiga sede da fazenda Brasileira.
Por volta de 1945, o Estado iniciou a venda de lotes. Para cada requerente eram concedidos
200 alqueires. Porém, algumas pessoas conseguiram grandes áreas, pois reuniam pessoas de
sua confiança para requererem lotes. Estes lhe repassavam as terras. Ainda assim, para os
colonizadores, havia muita terra “disponível”, quase todas devolutas. Posseiros e grileiros
vieram para a região, derrubaram grandes quantidades de matas e abriram caminhos para o
Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul (ROSA, 1997).
Na década de 1950, em diversas cidades do noroeste do Paraná, ocorreram muitos conflitos
entre os colonizadores. (1998, p. 216) embasando-se em comentários dos antigos
montante da região de Porto Rico no Rio Paraná, mas utilizam os habitats desta planície como local de
alimentação e crescimento (AGOSTINHO, A. A.; THOMAZ S. M. & NAKATANI, K., 2006).
34
moradores, comenta que houve “uma (re)ocupação [da terra], efetivada através da expulsão,
dominação ou do extermínio das populações que ali estavam há mais tempo”.
Sá (1998) descreve que, pelas palavras dos moradores locais, nessa mesma década de 1950,
a violência imperava nas proximidades de Porto Rico, sendo, inclusive, veiculada nos
jornais de Curitiba, “que a região compreendida pela colônia de Paranavaí era conhecida
como a capital do crime”. (1998, p. 216) relata ainda que “é preciso, portanto,
acrescentar algumas pitadas de desagradável realidade às imagens românticas do pioneiro
trabalhador, abnegado e ordeiro e do processo de colonização bem organizado conduzido e
sucedido”.
Embora a grilagem e a violência, na década de 1950, fossem constantes, agricultores
imigrantes chegaram para plantar café e algodão em terras compradas ou nas terras tomadas
do Estado que conseguissem desmatar. O gado bovino também foi inserido na região desde
a criação da colônia Paranavaí em 1939. Os municípios desta região foram denominados de
Terra Rica, Porto Rico, Diamante do Norte, Paraíso do Norte, entre outros, indicando locais
ricos e fecundos (ROSA, 1997).
Em 1965 houve uma superprodução de café no Brasil, com um conseqüente incentivo pelo
governo federal, à redução da produção cafeeira para tentar evitar a queda dos preços
internacionais. Devido a isso, na região de Paranavaí e Umuarama foram erradicados mais
de 62 milhões de cafeeiros (ROSA, 1997, p. 381). Ocorreu, então que as áreas de café
foram transformadas em pastagens. Como o café era a cultura que mais demandava mão de
obra em sua forma tradicional de cultivo e a pecuária a dispensava, necessitando muito
pouca gente para trabalhar com o gado, na década de 1970, houve uma “expulsão” de mais
de 67.000 habitantes, ou seja, cerca de 20% da população recenseada em 1960, na região de
Paranavaí (ROSA, 1997). Dessa forma, a alteração da atividade agrícola incentivou parte
dos assentados a emigrarem, até mesmo para outro país – o Paraguai.
Silva (2002) comenta a surpreendente velocidade com que o Paraná passou da condição de
receptor para a condição de Estado que excluía a população dos campos. Os migrantes
trazidos na década de 1950 foram jogados para centros urbanos. Alguns migrantes partiram
em direção ao Paraguai, estimando-se que, aproximadamente 400 mil brasileiros deixaram
35
o Estado do Paraná para ocupar as faixas da fronteira Brasil-Paraguai no final da década de
1970, início de 1980.
Dessa forma, na década de 1980 houve um acentuado decréscimo na população da maioria
dos municípios situados às margens do rio Paraná. Anualmente, geralmente nos meses de
outubro, havia as cheias naturais do rio Paraná, alagando suas casas e plantações, causando
a saída de alguns moradores das ilhas, para retornar dias depois. Em 1982, uma grande
cheia encobriu praticamente toda a ilha Mutum entre outras, fazendo com que as famílias
perdessem quase todos os animais de criação e a sua plantação. Nessa ocasião, das pessoas
que abandonaram suas posses, somente uma pequena parcela retornou. Entretanto, das
construções ainda existente nas ilhas, grande parte é ocupada por turistas com seus clubes
de pesca. Estes mantêm alguns antigos moradores como “caseiros”.
Segundo Rosa (1997), as regiões vizinhas à cidade de Porto Rico são predominantemente
agropecuárias, sendo que Querência do Norte é voltada para a rizicultura em
estabelecimentos que ocupam quase 60% da área total próximas ao rio Ivaí e Paraná; em
Santa Cruz de Monte Castelo, Santa Isabel do Ivaí e novamente em Querência do Norte têm
na pecuária extensiva uma das suas atividades principais. A qualidade ambiental das áreas
que margeia o rio Paraná decai com estas atividades, principalmente devido à devastação
contínua de suas florestas e destruição das várzeas, o que se traduz em erosão dos solos e
perda da biodiversidade.
Na cidade ribeirinha vizinha a Porto Rico, em Porto São José, verifica-se a extração de
areia e o serviço de balsa, travessia do rio Paraná em direção ao Mato Grosso do Sul, além
de possuir condomínios fechados com marinas, abertas em direção, naturalmente, ao rio
Paraná.
O município de Porto Rico não apresenta um pólo industrial nem qualquer tipo de indústria
(não se deve denominar o turismo incipiente da cidade como indústria do turismo). Dessa
forma, falta um setor de transformação para absorver uma significante população “expulsa”
do campo. Contudo, percebe-se em Porto Rico a presença de uma grande garagem a céu
aberto, com uma pequena oficina mecânica, propriedade do município, abrigando
36
caminhões, ônibus e tratores. Com o advindo dos condomínios uma pequena metalúrgica se
instalou para produzir principalmente portões e grades para as residências.
Esta região, como em muitas outras pequenas cidades, teve sua população encolhida e
passaram a subsistir com base em atividades administrativas (ROSA, 1997; TOMANIK,
GODOY e EHLERT, 1997) e de prestação de serviços, comercialização e beneficiamento,
vinculados às antigas formas de produção que não foram integradas aos sistemas modernos.
Como existe uma designação do Ministério Público para que os ilhéus deixem as ilhas, as
alternativas que se apresentam para aqueles que permanecem nos municípios ribeirinhos
são poucas: o trabalho assalariado permanente em propriedades agrícolas capitalizadas; o
trabalho volante (bóia-fria) nos períodos das culturas (durante cerca de seis meses do ano),
os pequenos comércios (biscateiros) e alguns serviços ligados ao turismo e à pesca.
Entretanto, para Rosa (1997, p. 390),
[...] a pesca como atividade principal não tem proporcionado bons resultados,
desestimulando seu exercício. Os poucos que ainda se mantêm na atividade
pesqueira, além de terem seus rendimentos diminuídos pela escassez de
pescados de valor comercial, ainda enfrentam problemas com a fiscalização do
IBAMA
13
e IAP
14
, além da falta de compradores para sua produção.
1.3 Os ilhéus na região de Porto Rico.
Silva (2002) estudou a história da ocupação de Porto Rico, enfocando os ilhéus da ilha
Mutum. Mostrou que esses ilhéus foram “jogados” para as ilhas do rio Paraná na década de
1960 e 1970. Nesta época a terra do continente não podia mais ser simplesmente usada e
tinha que ser, agora, comprada. Mas por que as ilhas se o acesso e o escoamento da
produção eram difíceis? Silva (2002, p. 26) responde lembrando que “o espaço insular
representava, além de refúgio, sua autonomia, sua oportunidade de reproduzir sua condição
social de vida, ou seja, preservar sua identidade cultural e social”.
A vida nas ilhas é árdua devido às dificuldades naturais do local: difícil locomoção, não
existência de infra-estrutura básica, sendo assim até hoje (ano de 2006), principalmente de
13
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
14
IAP – Instituto Ambiental do Paraná.
37
energia elétrica, água encanada e esgotos. Embora alguns clubes de pesca como o do
advogado Prioli, de Maringá, e da família Ebinezer de Paranavaí tenham energia elétrica e
água de poço em casa, através de geradores, estes eventuais moradores passam apenas
alguns dias por ano apreciando a diferença de ambiente rústico/cidade: a tranqüilidade, a
aventura da pesca e de estar num lugar isolado, um ambiente mais natural comparado ao
local de onde vieram.
Desde a década de 1960 os ilhéus moravam nesses ambientes naturais, muitos com a
família, diversos nasceram nessas ilhas, cresceram e aprenderam a gostar do lugar. A
produção de sua agricultura dita de subsistência, sempre foi muito maior que a esperada,
ocorrendo assim, fartura e, conseqüentemente, estocagem de milho, feijão, arroz entre
outros. Esta alta produção proporcionou a criação, com sucesso, de diversos animais, como
a galinha e o porco que se alimentavam com o excesso da colheita.
Esta “fartura” ocorreu entre a década de 70 e 80 do século passado, durante dez ou doze
anos, e não conhecemos nenhum “ilhéu rico”. A maioria vive com dificuldades
15
, pode-se
dizer que o forte desses homens era o trabalho manual, braçal, usando sua experiência
como pescador e agricultor, conhecedores do rio, das sementes e da terra, tiravam o
sustendo para o dia ou até a próxima colheita.
Como a produção agrícola das ilhas abastecia não apenas a cidade de Porto Rico, mas
também a região, de peixes, frutas e cereais, quem certamente ganhou com este comércio
foi o comerciante que intermediava a compra de peixes e produtos agrícolas dos ilhéus com
o mercado das cidades maiores – o atravessador.
Assim, na década de 1970, embora houvesse fartura de alimentos, a agricultura se
caracterizava por ser pequena (altamente produtiva, devido aos nutrientes trazidos pelas
cheias do rio Paraná), de subsistência e não para o comércio.
Sobre a capacidade de acumulação de capitais, Diegues (1983) diz que a atividade de
pescador complementa a atividade de agricultor. Na agricultura, a colheita é
15
Em 2004-2005, na data em que foi executado o levantamento dos dados para esse trabalho, a maioria dos
moradores da cidade de Porto Rico que se consideravam pescadores profissionais estavam passando por
grandes dificuldades financeiras.
38
predominantemente sazonal, enquanto a produção pesqueira pode ser diária, assim o
agricultor pode trabalhar alguns dias na pesca na espera de algum dinheiro extra. O
agricultor recebe o valor de sua produção e pode prever o que fará com o dinheiro recebido.
o pescador pode ter uma renda diária, mas de maneira irregular e imprevisível.
Entretanto, o pescador não pode armazenar sua produção devido a perecibilidade do
produto; a pesca é predominantemente masculina enquanto a agricultura é familiar e;
enquanto o agricultor investe na terra de maneira permanente, o investimento do pescador
(as tralhas de pesca) está sujeito à perda ou destruição, quando não é confiscado.
Dessa forma, o sistema de pesca/agricultura permitiu ao ilhéu, na década de 1970 e 1980,
armazenar sua produção, auxiliou a manter o sistema familiar e a localizar seu
investimento, preferencialmente, na terra em que está instalado.
A tecnologia utilizada pelos moradores das ilhas tem pouco impacto ecológico sobre os
ecossistemas, permitindo a renovabilidade dos estoques, tanto do pescado quanto da terra
em que trabalha, podendo manter uma continuidade de sua produção e dos processos
ecológicos fundamentais. Essas ilhas, atualmente, apresentam fraca densidade
populacional.
Mesmo com as dificuldades inerentes ao meio em que vivem muitos desejam permanecer
morando nas ilhas. Como veremos mais adiante, Tuan (1980) relata o amor que alguns
povos sentem pela terra em que cresceu. Acreditamos ser o caso desses ilhéus.
Quando alguns deles deixam suas terras obrigados por força da lei ou mesmo por doenças,
ocorre o que Silva (2002) denuncia: a saída dos ilhéus na década de 1980 e 1990,
“despreparados para a vida” sem instrução escolar, sem uma capacitação profissional
urbana e sem a terra, importante em termos financeiros e subjetivos. Atualmente os ilhéus
desistiram de “[...] procurar a parte que lhes cabe nesse latifúndio. Sem terra, sem rio, sem
peixe, sem estudo, sem trabalho. Esse é o currículo que os ilhéus [...] têm para apresentar à
sociedade” (SILVA, 2002, p. 84).
39
1.4 Populações Tradicionais
Consideramos para nosso estudo que os pescadores profissionais e alguns moradores da
Planície de Inundação do Alto Rio Paraná são uma população tradicional, pois, no dizer de
Diegues (2000, p. 87-88):
[...] as culturas e sociedades tradicionais se caracterizam pela:
a) dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais
e os recursos naturais renováveis a partir dos quais se constrói um
modo de vida;
b) conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que
se reflete na elaboração de uso e manejo dos recursos naturais. Este
conhecimento é transferido de geração em geração por via oral;
c) noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz
econômica e socialmente;
d) importância das atividades de subsistência, ainda que a
produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida,
o que implica uma relação com o mercado;
e) reduzida acumulação de capital;
f) importância dada a unidade familiar, doméstica ou comunal e
às relações de parentesco ou compadrio para o exercício das
atividades econômicas, sociais e culturais;
g) importância das simbologias, mitos e rituais associados à
caça, à pesca e atividades extrativistas;
h) a tecnologia utilizada é relativamente simples, de impacto
limitado sobre o meio ambiente. Há reduzida divisão técnica e
social do trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo produtor (e sua
família) domina o processo de trabalho até o produto final;
i) fraco poder político, que em geral reside com os grupos de
poder dos centros urbanos;
j) auto-identificação ou identificação pelos outros de se
pertencer a uma cultura distinta das outras.
40
Ao identificar grupos humanos como "dependentes da tradição" (tradicionais), a primeira
idéia que surge é a de que haveria alguns que não se enquadram nessa designação
16
, cuja
utilização passou a ser cada vez mais comum no âmbito dos órgãos públicos e do
movimento ecológico em geral, especialmente a partir da década de 1970. “Na realidade, a
expressão ‘população tradicional’ surge no contexto da criação das Unidades de
Conservação” explica Rinaldo Arruda, antropólogo e professor da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP): “Mas falta precisão, pois foi usada inicialmente sem
16
De acordo com Antônio Carlos Diegues, diretor técnico do Nupaub, e Rinaldo Arruda são treze as
comunidades de populações consideradas tradicionais não-indígenas brasileiras ameaçadas pelo avanço da
civilização urbano-industrial.
Caboclos ou ribeirinhos amazônicos - Englobam, além das populações amazônicas que dependem dos rios
locais, os seringueiros e castanheiros da região. Mesclam atividades extrativistas com agricultura, caça e
pesca.
Praieiros - Moradores da faixa litorânea compreendida entre o Piauí e o Amapá, também são chamados de
pescadores artesanais, mas possuem características cio-culturais que os diferenciam de outras comunidades,
como caiçaras ou jangadeiros. Dependem da pesca, mas complementam a renda com trabalhos agrícolas,
extrativismo e turismo.
Babaçueiros - Populações extrativistas que vivem da coleta do babaçu e da utilização dessa palmeira.
Encontram-se espalhados por uma área de cerca de 200 mil quilômetros quadrados, basicamente entre os
estados do Piauí e do Maranhão.
Sertanejos ou vaqueiros - Ocupam a orla descontínua do Agreste, avançando até as caatingas e atingindo o
cerrado. Desenvolvem uma economia pastoril, associada à produção açucareira, voltada ao fornecimento de
carne, couro e bois de serviço.
Jangadeiros - São os pescadores que habitam a faixa costeira situada entre o sul da Bahia e o Ceará.
Recebem esse nome por utilizar a jangada para desenvolver sua atividade no mar.
Pescadores artesanais - Estão espalhados pelo litoral do país e dependem basicamente da pesca, ainda que
exerçam outras atividades econômicas, como o extrativismo vegetal, o artesanato e a pequena agricultura.
Caiçaras - Comunidades formadas pela mescla etnocultural de indígenas, colonizadores portugueses e, em
menor grau, escravos africanos. Sua forma de vida baseia-se na agricultura itinerante, na pequena pesca, no
extrativismo vegetal e no artesanato. Ocupam o litoral norte catarinense e a costa de Paraná, São Paulo e Rio
de Janeiro.
Açorianos - Descendentes de imigrantes portugueses provenientes principalmente das ilhas dos Açores e da
Madeira. Vivem da pesca e da agricultura no litoral do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
Campeiros - População de gaúchos descendentes dos índios guaranis e dos colonizadores portugueses e
espanhóis. Vivem nos pampas e nas coxilhas do Rio Grande do Sul, desenvolvendo a pecuária extensiva.
Caipiras ou sitiantes - São as comunidades, em grande parte de meeiros e parceiros, que sobrevivem em
nichos entre as monoculturas do sudeste e do centro-oeste, desenvolvendo atividades agropecuárias em
pequenas propriedades, destinadas à subsistência familiar e ao mercado.
Varjeiros ou ribeirinhos não-amazônicos - Denominação de populações que vivem às margens de rios e
várzeas, sobretudo do São Francisco, mas que se aplica também a ribeirinhos de outros rios, como o Paraná.
Além da pesca, pecuária e artesanato em cerâmica, combinam atividades agrícolas, principalmente o plantio
do arroz, com extrativismo da mata - de onde retiram mel, ervas medicinais e madeira para fabricação das
embarcações.
Quilombolas - Descendentes de escravos negros que sobrevivem em enclaves comunitários, muitas vezes
antigas fazendas deixadas por outros proprietários. Desenvolvem atividades vinculadas à pequena agricultura,
artesanato, extrativismo e pesca, que variam de acordo com a região em que estão situados.
Pantaneiros - Habitantes do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul cuja subsistência se baseia em atividades
agropastoris em fazendas ou pequenas propriedades à beira dos rios (MONTEIRO-FILHO, 2006).
41
fundamentação científica e acabou fossilizando essas populações” (REPORTER BRASIL,
2006a).
Esta caracterização torna interessante a obtenção de informações dessas comunidades
devido aos diferentes posicionamentos sobre o meio que os rodeia, em oposição ao que o
homem, dito urbano, e turistas vivenciam, pois estes, quando tomam algum tempo de férias
para visitar o “mundo selvagem
17
”, o fazem com objetivos de prazer, estética e recreação.
Estas informações servirão para traduzir, inferir e envolver a noção de espaço e ambiente
de parte dos moradores, e como produzem na e sobre a realidade, novos conhecimentos
suficientes para provocar aprendizado e mudança de comportamento.
Para Arruda (2000, p. 278-279):
[...] embora estas populações corporifiquem um modo de vida tradicionalmente
mais harmonioso com o ambiente, vem sendo persistentemente desprezadas e
afastadas de qualquer contribuição que possam oferecer à elaboração das
políticas públicas regionais, sendo as primeiras a serem atingidas pela destruição
do ambiente e as últimas a se beneficiar das políticas de conservação ambiental.
1.5 Turismo e o turismo em Porto Rico
Como Porto Rico é uma cidade típica de pescadores e agricultores, a vocação para o
turismo não é natural dos habitantes do local. O turismo decorre naturalmente da beleza do
rio Paraná, de suas praias, ilhas e lagoas, da pesca e, obviamente, por projeto do governo
local.
Embora alguns autores considerem o turismo como uma indústria, tal o montante de
recursos financeiros que movimenta e pelo grande número de atividades associadas no
mercado, Leis (1999) comenta que esse mercado introduz a humanidade em um futuro
incerto e sem precedentes. Ou seja, o surgimento de uma consciência dos limites ecológicos
para o crescimento econômico não depende do livre movimento do mercado, mas das ações
de pessoas ligadas ao ambientalismo. Leis (1999) considera que as práticas ambientalistas
17
Mais à frente, far-se-á uma distinção sobre o que Tuan (1980) considera como urbano, campo e “ambiente
selvagem.
42
caracterizam-se como realista-utópica porque sua missão define um projeto em aberto e de
características não modernas. O turismo em uma localidade como Porto Rico, como
definido por alguns moradores, é a linha divisória entre crescer economicamente e manter-
se estagnado (conservado), devido aos efeitos negativos e proibitivos da pesca e do uso
utilitário das ilhas para agricultura e pecuária.
Ainda assim, os efeitos negativos do turismo são discutidos por diversos autores
(DIEGUES, 1997; FONTELES, 2004; MENDONÇA, 1996; SEABRA, 2001;
SWARBROOKE, 2000a; SWARBROOKE, 2000b) embora se estime que nesta primeira
década do século XXI esta atividade movimentar 7,2 trilhões de dólares e possibilite a
criação de 338 milhões de empregos (MENDONÇA, 1996).
No Brasil o turismo ainda é incipiente. Segundo dados da Associação Brasileira de
Agências de Viagens ABAV (2005) mostram que, em 2004, 4,6 milhões de estrangeiros
visitaram o Brasil, e que se espera a circulação de 38,2 milhões de turistas nacionais. Para
se ter uma comparação, e estimar o quanto o turismo no Brasil pode crescer, apenas a
cidade de Las Vegas, localizada no deserto do Monjave, oeste dos Estados Unidos, recebe
35 milhões de visitantes todo ano (SEABRA, 2001), vindos de diversas partes do mundo.
Em todo caso, é atraente pensar que qualquer pessoa que possua algumas centenas de
dólares e duas semanas de férias possa alcançar qualquer lugar do mundo, embora saibamos
que estas facilidades provocam risco de degradação em ambientes mais sensíveis pelo
excesso de visitação. A indústria do turismo, como os demais setores da economia
moderna, depende da apropriação e exploração da natureza e das sociedades locais,
existindo diversos exemplos de degradação ambiental e sócio-cultural decorrentes dessa
atividade, como iremos falar mais adiante.
Mendonça (1996, p. 19) é crítica ao afirmar que “onde existe turismo há degradação
ambiental”. Embora generalizando, essa autora considera que nos locais onde o turismo é
desenvolvido, concentração de grande número de pessoas que, na realidade, não se
interessam muito pelo lugar visitado. Guattari (2004, p. 8) confirma isso, mostrando as
contradições de um turista que quer usufruir o mesmo do que tem quando visita um destino:
“O turismo se resume quase sempre a uma viagem sem sair do lugar, no seio das mesmas
43
redundâncias de imagens e de comportamento”, como se o visitante não dispensasse o ar
condicionado, os confortos e as infra-estruturas que está acostumado.
O turismo tem se desenvolvido de forma que os visitantes escolhem os destinos turísticos
por critérios que não incluem a personalidade do local, seus aspectos particulares e
especiais, o povo do lugar e sua cultura, sua música, sua culinária. Sem esse conhecimento
é difícil respeitar o local, seja não poluindo ou danificando, seja respeitando sua cultura
com falas e roupas apropriadas, entre outros, podendo imperar assim uma grande
superficialidade nas relações com a natureza e com as populações locais.
Esse pouco respeito dos visitantes aos destinos turísticos geralmente é decorrente da falta
de tempo para poder vivenciar o local, para que haja uma relação de troca, de aprendizado.
Mesmo com esse aprendizado, a paisagem se deteriora com o advindo dos visitantes, mais
ainda com o turismo de massa. A transformação dos espaços naturais em construções para
atender o turismo, além de alterar a paisagem, descaracteriza-as, pois traça uma arquitetura
estranha ao tradicional e local e a privatiza, podendo tornar inacessível aos moradores, além
do aumento natural do preço dos imóveis, como está ocorrendo atualmente na cidade de
Porto Rico.
Fonteles (2004) descreve como a desconsideração com os elementos culturais locais no
planejamento e no desenvolvimento das atividades turísticas estão profundamente
relacionados à degradação ambiental. As comunidades nativas conhecem bem as
características ecológicas do seu meio natural e seu limite de saturação, sendo importante
que façam parte do processo de instalação das atividades turísticas. Mesmo em casos em
que estas comunidades participam, podem ser enganadas pela ganância de dirigentes
inescrupulosos e por falsas promessas, como aconteceu na praia de Jericoacoara, CE,
aumentando os índices de pobreza, marginalizando e expulsando alguns moradores que não
se adaptaram à alteração de seu meio de vida.
O desenvolvimento integrado do turismo traz vantagens para o turista. Ele poderá conviver
com interesse e respeito com as pessoas do lugar, olhar com atenção o meio circundante,
aprender com isto, conhecer os costumes locais através de um contato mais pessoal, ter
prazeres com novas percepções. Embora o habitante local possa ganhar com a visitação,
44
pois esses turistas trazem e deixam recursos financeiros no local, educar o turista não é
tarefa fácil. Swarbrooke (2000a) comenta que deixar o turista mais consciente dos impactos
ambientais e do turismo sustentável
18
é importante, mas, se vamos gastar dinheiro e tempo
com uma sensibilização momentânea, deveríamos enfocar questões vitais, como em
campanhas relacionadas às drogas e sexo.
Como se fala muito em desenvolvimento sustentado, mesmo sem se ter uma definição clara
do que é, não se pode fazer referência a esse termo sem incorporar as populações locais
nesse processo.
Atualmente, existem vários tipos de visitantes em Porto Rico, desde pescadores esportivos
com ou sem habitação na região, como clubes de pesca nas ilhas ou moradores de
condomínios, a visitantes que querem passar a tarde na barranca do rio (figura 5) ou em
aproveitar a festa da padroeira, que ocorre todos os anos na última semana de agosto.
Dessa forma é interessante definir os termos turismo e turista. Oscar de La Torre (apud
IGNARRA, 2002, p. 24), define turismo como:
[...] um fenômeno social que consiste no deslocamento voluntário e temporário
de indivíduos ou grupos de pessoas que, fundamentalmente por motivos de
recreação, descanso, cultura ou saúde, saem de seu local de residência habitual
para outro, no qual não exercem nenhuma atividade lucrativa nem remunerada,
gerando múltiplas inter-relações de importância social, econômica e cultural.
Já o termo turista, adotado pela ONU – Organização das Nações Unidas em 1954, é:
[...] toda pessoa, sem distinção de raça, sexo, língua e religião, que ingresse no
território de uma localidade diversa daquela em que tem residência habitual e
18
A noção de desenvolvimento sustentável vem sendo utilizada como portadora de um novo projeto para a
sociedade, capaz de garantir, no presente e no futuro, a sobrevivência dos diferentes grupos sociais e da
natureza. Tem como uma de suas premissas fundamentais o reconhecimento da “insustentabilidade” ou
inadequação econômica, social e ambiental do padrão de desenvolvimento das sociedades contemporâneas,
compreendendo a noção de finitude dos recursos naturais e das injustiças provocada pelo modelo de
desenvolvimento vigente na maioria dos países. Mesmo sendo intensamente debatida nos últimos anos e
demonstrando uma crescente adesão à idéia, esta ainda é uma noção genérica e difusa, pouco precisa. Emerge
em um campo sujeito a diferentes concepções e definições (ALMEIDA, 2001). Dessa forma, acreditamos que
não existe um desenvolvimento chamado de sustentável, sendo uma denominação usada preferencialmente
pelas classes dominantes para justificar a degradação do meio ambiente, e as injustiças causadas aos diversos
grupos sociais menos favorecidos.
Quando se fala de turismo sustentável, termo igualmente impreciso como o desenvolvimento sustentável,
sente-se que alguns órgãos governamentais tentam fazer uso do turismo para ajudar a alcançar um
desenvolvimento sustentável. O que permanece claro é que a sustentabilidade tem dimensões ambientais,
sociais e econômicas, embora o que domine os debates, atualmente, sejam as questões ambientais.
45
Figura 5. Rio Paraná visto da cidade de Porto
Rico. Fonte: CD de divulgação do Município de
Porto Rico. 2004.
nele permaneça pelo prazo mínimo de 24 horas e máximo de seis meses, no
transcorrer de um período de 12 meses, com finalidade de turismo, recreio,
esporte, saúde, motivos familiares, estudos, peregrinações religiosas ou
negócios, mas sem propósitos de imigração (IGNARRA, 2002, p. 25).
Existe um outro fenômeno bastante singular
do turismo conhecido como veranismo que
Ignarra (2002) destaca como sendo uma
tendência em determinadas localidades
propícias para se passar o verão. É um
movimento em direção às cidades litorâneas,
onde os visitantes aproveitam as praias, o
mar ou o rio. Caracteriza-se por ser
periódico, isto é, as pessoas procuram
geralmente os mesmos lugares todas as férias ou feriados prolongados. Também se
caracteriza por ocupar preferencialmente residências secundárias e não a estrutura hoteleira.
Os turistas (veranistas) procuram se hospedar em casas próprias, de amigos ou parentes ou
alugam essas residências por temporadas.
Na cidade de Porto Rico existem diversos condomínios fechados, a maioria possuindo um
“largo pedaço” de margem do rio Paraná (figura 6), quase todos de alto padrão de
construção, indicando o interesse de uma elite em aproveitar as facilidades do ambiente e
belezas do local. Embora sejam “veranistas” e tenham o descanso como prioridade, a
marina e o acesso dos barcos à água é uma das exigências dos moradores.
A oferta turística na cidade é constituída pelos atrativos e serviços turísticos, embora os
complementos como os serviços públicos e a infra-estrutura básica deixem a desejar.
46
Como referido anteriormente, o atrativo da cidade se baseia praticamente no rio Paraná. No
CD-ROM de divulgação da prefeitura
do município, as ofertas turísticas são:
a) cursos d’água rio Paraná e
córregos adjacentes; b) praias naturais;
c) Área de Proteção Ambiental e d)
base avançada do NUPÉLIA Núcleo
de Pesquisa em Limnologia, Ictiologia
e Aqüicultura da Universidade
Estadual de Maringá, embora este
último tenha restrições de visitação.
O que o CD-ROM de divulgação da
cidade de Porto Rico descreve como
“outros” está o principal dos atrativos:
“aproximadamente 28 km de margem
do rio Paraná, sendo que uma
extensão de 1.500 m propício para a
prática de esportes aquáticos, passeios
de barcos, lanchas e pesca”. Os
turistas descrevem estas atividades como as essenciais nas suas visitas à cidade.
Além desses atrativos, o CD-ROM indica como serviços turísticos clubes / associações de
lazer, o Clube da Idade; o Centro de Tradições Gaúchas Unidos da Fronteira, Sociedade
Recreativa Por do Sol; o Salão Comunitário e Paroquial; as Marinas e o Parque Aquático
Water Show (Vale dos sonhos). Violante (2003) desenvolveu, em sua dissertação de
mestrado, o projeto de um museu de ciências para o município de Porto Rico, com uma
mostra local sobre ciências ambientais/Nupélia, o qual foi visitado por vários setores da
comunidade, inclusive pelo prefeito e diversos vereadores da gestão vigente. Estes
comentaram que esse projeto poderia ser mais uma atração turística para os munícipes e
visitantes, não apenas como divulgação científica, aprendizado e utilizado na educação
ambiental.
Figura 6. Condomínio nas proximidades da c
idade de
Porto Rico, mostrando o rio Paraná, em baixo. Fonte: CD
do Município de Porto Rico, 2004.
47
Outro elemento importante da oferta turística é o conjunto de serviços públicos que são
necessários para o consumo turístico. Além de a localidade possuir bons atrativos e
diversos serviços turísticos, deve colocar à disposição bons serviços de transporte público,
serviços bancários, de saúde, de informação, comércio turístico entre outros. Nesse ponto
os serviços públicos da cidade não são dos melhores. A cidade não possui transporte
público. É comum os moradores aproveitarem o transporte escolar (ônibus ou barco) para
se deslocarem. Existe uma pequena Casa do Artesão, local onde se vende algum artesanato,
quase todo ele vindo de fora do município e, na data em que fizemos este trabalho, havia
apenas um banco. Existe um posto de saúde, embora seja freqüente veículos públicos
levarem doentes ou pacientes em tratamento para hospitais em outras cidades.
A infra-estrutura básica de um município também é elemento fundamental para a
viabilização da atividade de visitação. Os acessos devem estar em condições de receber
bem o visitante, saneamento com fornecimento de água e esgoto adequado, energia elétrica
e comunicações. Não existe energia elétrica nos clubes de pesca nas ilhas, e questiona-se
como são os esgotos nesses clubes e nos diversos condomínios. Os acessos à cidade ainda
são precários. Quando se questiona aos turistas o que poderia ser melhorado no município,
quase sempre as vias de acesso são lembradas. A estrada de vinte quilômetros que liga
Porto Rico a Porto São José é de terra, com areia solta, o que faz com que levante muita
poeira quando os automóveis passam, além das “corcovas” na estrada. O outro acesso para
a cidade de Porto Rico é via a cidade de Loanda, PR ou de Santa Cruz do Monte Castelo,
PR. Estrada asfaltada mas cheia de imperfeições e buracos, sendo sua maior parte sem
acostamento (na data de 27/11/2005).
Como o turismo é uma atividade econômica de prestação de serviços, tem nos recursos
humanos seu principal elemento. Os recursos humanos em Porto Rico, apesar de não ter
formação especializada em hotelaria, quase todos os trabalhadores de bares, restaurantes,
hotéis e pousadas possuem o segundo grau completo. Este fato foi verificado pelo tempo
que passamos na cidade (de 2002 até 2006), devido a que a maioria dos alunos que
terminavam o nível médio não encontravam trabalho que não fosse voltado aos bares,
restaurantes e pousadas.
48
Para Ignarra (2002), o turismo é constituído por um conjunto de prestadores de serviços,
possuindo grande impacto na economia mundial, sendo um grande gerador de renda e
empregos. É estimado que, no mundo, de cada onze trabalhadores, um está empregado no
setor de viagens e turismo, sendo que o custo de se proporcionar um emprego na indústria
do turismo é bem menor que na indústria comum (com maquinários). Possui também
grande importância na geração de impostos.
Entre os moradores de Porto Rico, o turismo divide opiniões, sendo que alguns não estão
gostando do rumo que a cidade está tomando, seja pelo encarecimento dos produtos seja
simplesmente pelas mudanças, ambientais e/ou sociais. Mesmo assim, todos reconhecem
que, no verão, quando aumenta o número de visitantes cresce a quantidade de atividades
econômicas que em outras estações estavam reduzidas. Os agricultores/pescadores que
fazem da pesca uma atividade rotineira, quando esta é fechada período de defeso, se
dedicam a atividades relacionadas aos visitantes, como barqueiros, conduzindo os turistas
às praias e a outros pontos de visitação. Porém, o turismo traz também impactos
importantes na paisagem, tanto positivos quanto negativos. Tendo nos atrativos turísticos o
principal componente do produto de visitação, certamente é de interesse da comunidade
que esses atrativos sejam preservados, procurando, sempre que possível, manter as reservas
naturais preservadas, que a cidade, por seu pequeno tamanho e cercada por fazendas,
possui poucas possibilidades de desenvolver a agricultura ou a pecuária em pequena
escala
19
.
Assim, o turismo surge como uma alternativa de desenvolvimento social e econômico.
Como a população pode auferir rendas com a visitação turística, esta comunidade deve ter
interesse em preservar o patrimônio natural, cultural e/ou arquitetônico.
Para Ignarra (2002), o turismo procura os aspectos diferenciais da paisagem, aqueles
elementos mais diferenciados são os mais valorizados, provocando concentrações de
turistas no seu entorno. Um exemplo é a água. Seja de mar, rio, lago, represa ou de
cachoeira. A visão de grandes massas de água, a possibilidade de banhar-se nessas águas, é
19
A cidade de Porto Rico, PR está cercada por grandes fazendas que, dizem os moradores, a impede de
crescer e de promover a agricultura de subsistência, a não ser nas vilas rurais, cujo terreno é de menos de 500
m2.
49
um imenso atrativo para os visitantes que se aproximam de suas margens. Dessa forma,
uma tendência de concentração de hotéis, residências secundárias (condomínios como
comentado), restaurantes, estruturas náuticas entre outros. Essas concentrações, além de
interferir na paisagem local, provocam impactos como a descarga de esgotos.
A procura por locais de melhor visão e aproveitamento da paisagem faz com que o turismo
procure implantar suas estruturas de serviços em terrenos de certa fragilidade ambiental.
Donos de hotéis e residências de campo procuram se implantar em encostas de morro ou na
beira de rios e lagos. Para a construção, geralmente se desmata mais que o necessário o que
facilita o desmoronamento de encostas. Em margens de rios e lagos é comum usar parte da
mata ciliar nas construções, como na figura 6 (condomínios). Embora a legislação federal
verse que toda área à margem de rios seja de preservação permanente
20
principalmente
nesse trecho do rio Paraná, com mais de 600 metros de leito de rio, os moradores eventuais
encontram formas de se implantar, insistindo na legalidade das construções.
Outras vezes o impacto se pela visitação maciça de micro-ambientes frágeis, quer seja
trilhas pisoteadas em áreas de cobertura vegetal natural, seja cavernas com excesso de
visitantes ou também pela pesca esportiva intensiva fora dos períodos ideais ou o excesso
de lixo deixado pelos turistas.
Isso nos remete a um tema muito discutido por Swarbrooke (2000a) o turismo sustentado,
que procura sua definição no desenvolvimento sustentável. Para o autor o turismo
sustentável era conhecido como “turismo verde”. Mas, conforme a exploração local em que
se implanta o turismo verde pode se falar em “tons de verde”. No final dos anos 1980
houve o crescimento de “políticas verdes” no Reino Unido e na França.
Swarbrooke (2000a) comenta que a indústria da hotelaria tem estado na vanguarda do
desenvolvimento da administração de operações propícias ao meio ambiente, e que essa
indústria aconselha os hoteleiros a como tornar suas operações mais “verdes” incluindo
medidas de conservação de energia, reciclagem e redução de refugos, visando também, é
claro, a redução dos custos. O lado social, nas comunidades locais deve ser levado em
20
Lei Federal nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.
50
conta, por exemplo, comprando suprimentos dos comerciantes e utilizando a mão-de-obra
local sempre que possível, ao invés de importar.
Da mesma forma, o termo “desenvolvimento sustentável” não é consenso para “turismo
sustentável”. Swarbrooke (2000a, p. 19) diz que este termo comporta uma definição
perigosa, pois pode passar a idéia de simplicidade e limitar o alcance de questões
importantes. Mesmo assim, propõe a definição: “Turismo economicamente viável, mas que
não destrói os recursos dos quais o turismo no futuro dependerá, principalmente o meio
ambiente físico e o tecido social da comunidade local”.
Quando procuram uma nova abordagem para a sustentabilidade do turismo, Wearing, Neil
e Figgis (2000, p. 30) indicam uma diretriz da Organização Mundial do Turismo sobre o
turismo sustentável:
[...] pode ter lugar se se estabelecem capacidades de carga (o quanto o local
pode suportar sem ocorrer deterioração ambiental, social, cultural entre outras)
para os destinos turísticos chave e depois se respeitam estas capacidades de
forma rigorosa, mediante um sistema de planificação eficaz e levando a cabo
revisões do funcionamento. Estes estudos e normativas constituirão a pedra
angular dos planos e estratégias turísticas locais a longo prazo [...] também
requer que se aceitem os conceitos de validez e cooperação quando se põem em
prática desde o setor privado do turismo, assim como a participação das
comunidades locais e dos próprios turistas.
Para melhor comparar o turismo sustentável com o turismo normal ou de massa, que alguns
chamam de turismo não-sustentável, Swarbrooke (2000a) desenvolveu uma pequena tabela
levando em conta o comportamento do turista:
Tabela 1. Desenvolvimento do turismo sustentável X turismo de massa.
SUSTENTÁVEL NÃO-SUSTENTÁVEL
CONCEITOS GERAIS
Desenvolvimento lento e controlado Desenvolvimento rápido e descontrolado.
Escala adequada Escala inadequada
Longo prazo Curto prazo
Qualitativo Quantitativo
Controle local Controle remoto
ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO
Planejamento c/ posterior desenvolvimento Desenvolvimento sem planejamento
Esquemas baseados em conceitos Esquemas baseados em projetos
51
Preocupado com as cinco paisagens
21
Concentrado nas sensações do momento
Pressões e benefícios difusos Capacidade de crescimento
Promotores de desenvolvimento locais Promotores de desenvolvimento no exterior
Moradores locais empregados Força de trabalho importada
Arquitetura nativa Arquitetura de outros tipos
COMPORTAMENTO DO TURISTA
Pouca valorização Muita valorização
Algum preparo mental Pouco ou nenhum preparo mental
Aprende a língua local Não aprende a língua local
Tem tato e é sensível É enérgico e insensível
Fala baixo Fala alto.
Repete as visitas Improvável que volte
Fonte: adaptado de Swarbrooke (2000a).
Embora o turista seja um cliente que gasta suas economias em férias, indo a destinações
que, muitas vezes, insistiram para que eles fossem até lá, estes visitantes são convidados,
não invasores. Deve-se reconhecer que tem também seus direitos. Seus desejos, escolhas e
comportamentos determinam o impacto final que o turismo causa nas diversas localidades e
no mundo. Mesmo assim, é importante ressaltar que os turistas deveriam pagar um preço
que faça jus aos impactos causados às comunidades e ao ambiente por sua experiência de
férias. Eles não deveriam ser subsidiados por parte da população local que não lucra
financeiramente com o turismo e que, talvez, nem veja com bons olhos o estranho, o turista,
em sua localidade.
Quando se fala de ecoturismo e turismo sustentável (facilmente confundidos, mas
diferentes) vem à mente o “turista verde”, o visitante ao mesmo tempo querendo estar perto
do verde e preocupado com a degradação ambiental. Swarbrooke (2000a) questiona até que
ponto os turistas verdes estão preocupados com a substituição dos carros particulares por
transporte público; se insistem para que os hotéis reciclem seu lixo; ou se verificam se os
empregados estão sendo bem tratados e recebem uma remuneração adequada.
Assim, talvez seja melhor falar em termos de turistas com “gradações de verde”. Dessa
forma existem os turistas “não verdes” que apenas lêem o que as brochuras dizem sobre
questões verdes e turismo sustentado mas nenhum sacrifício é feito devido a suas idéias.
21
As cinco paisagens que Swarbrooke (2000a) comenta são litoral, ilhas, interior, regiões montanhosas e o
meio urbano.
52
Eles representam grande parte população; existem os turistas “verdes claro” que pensam
nas questões verdes e tentam reduzir, por exemplo, o consumo normal de água nas
localidades turísticas onde ela é escassa. Estes possuem interesse superficial por todas as
questões verdes; os turistas “verdes escuro” procuram descobrir mais sobre uma questão
especifica, unindo-se a grupos de pressão e fazem sacrifícios por causa de suas idéias e
chegam a pagar viagens de rias para trabalhar em questões ambientais e; os turistas
“totalmente verdes” que não viajam nas férias a fim de não agredir o meio ambiente como
turistas. Estes são uma ínfima parcela da população (SWARBROOKE, 2000a).
Dessa forma, a maioria de nós certamente tem, pelo menos, uma pincelada de verde em seu
currículo, e apreciamos a natureza conservada. Swarbrooke (2000a, p. 37) cita um relatório
da BAT Leisure Research Institute - de 1993 o qual afirma que “[...] de dez critérios que
indicam férias com qualidade listados por consumidores, sete se relacionavam com o meio
ambiente”. Sob um exame mais atento, esse resultado parece mais relacionado com os
interesses desses consumidores no meio ambiente como um fator determinante na
qualidade de suas experiências de férias do que com sua preocupação com os impactos
ambientais do turismo em geral.
A preferência por passar alguns dias de descanso em um meio ambiente adequado, com
qualidade, algumas vezes em meio à natureza, faz com que se confunda o turismo
sustentável com ecoturismo. Este último é um termo muito usado em nossos dias, mas que
raramente é definido.
Em termos simples, ecoturismo significa que a principal motivação para a viagem é o
desejo de ver ecossistemas em seu estado natural, preservados, observar a vida selvagem,
assim como sua população nativa. As preocupações dos ecoturistas incluem a deterioração
do meio ambiente, o impacto sobre as comunidades locais e a necessidade de uma gestão
turística de qualidade (WEARING, NEIL E FIGGIS, 2000, p. 27).
Dessa forma, é natural associar o ecoturismo com o turismo sustentável uma vez que o
ecoturismo é visto como:
a. um turismo em pequena escala;
53
b. mais ativo do que outras modalidades de turismo;
c. a existência de uma infra-estrutura sofisticada é irrelevante;
d. empreendido por turistas, em sua maioria, esclarecidos e bem educados,
conscientes das questões relacionadas a sustentabilidade, além de ávidos por
aprender mais sobre esses temas;
e. menos espoliativo das culturas e da natureza locais do que as formas
“tradicionais de turismo” (adaptado de SWARBROOKE, 2000b, p. 56).
Ainda assim, SWARBROOKE (2000b) denuncia o ecoturismo como não tendo nada de
sustentável, pois:
a) o ecoturista tão preocupado em se comportar de maneira sensível no meio
ambiente vulnerável da destinação, não costuma se preocupar com o dano que
ele causa ao meio ambiente pelo simples fato de se chegar à destinação – carro,
avião a jato não são virtudes de padrões ambientais, ainda mais se for
acompanhada de outra semana de férias à beira mar em hotéis de alto padrão.
Confunde-se assim o ecoturismo com “egoturismo” lançando dúvidas sobre a
sustentabilidade e a moralidade do ecoturismo;
b) esse turismo ecológico pode se tornar amanhã, turismo de massa, com os
problemas inerentes desse turismo. Nas décadas de 1960 e 1970, as pessoas que
realizavam safáris no Quênia eram poucas e conscientes com os impactos na
vida selvagem e na população local. Com o desenvolvimento deste, o governo e
a comunidade local lançou o produto “Safári no Quênia”, aumentando o número
de turistas, até que os safáris acabaram provocando distúrbios na vida selvagem.
Como o turismo cresceu muito e contribui em larga escala para a entrada do
capital estrangeiro, o governo, para proteger a indústria do turismo, mudou parte
da população (à força) para permitir um melhor florescimento da vida selvagem,
passando para um turismo de massa;
c) o ecoturista pode perder seu interesse por uma destinação que recebe
elevado número de turistas convencionais, preferindo áreas “intocadas” e
pagando grandes quantias para visitá-los;
54
d) é freqüente o ecoturista receber prestígio e satisfação ao visitar novas
destinações e ver coisas que outros turistas não viram, sendo levados a buscar
locais remotos, com ecossistemas e culturas diferentes da sua. Dessa forma,
nenhum lugar está a salvo do ecoturista, seu senso de descoberta o torna
perigoso. Estão ansiosos por escapar do circuito em que suas atividades podem
ser gerenciadas para destinações não mapeadas;
e) o ecoturista, no que se refere a animais, prefere o “bom” e o engraçado,
pode temer diante do grande e ficar fascinado pelo “mau”, mas não mostra
interesse pelo feio ou pelo sem graça. Golfinhos e macacos são vistos como
bons e engraçados, o elefante é grande, cobras e leões são considerados maus e
até cruéis, mas, ainda assim, nos fascinam. No entanto, muito poucos estão
interessados em viajar para ver alguma vida selvagem que pareça tediosa ou
repulsiva. Os ecoturistas não querem gastar muito dinheiro vendo víboras,
tamanduás ou antílopes, embora sejam criaturas tão importantes, em termos
ecológicos, quanto elefantes ou golfinhos. Parece que o ecoturismo é mesmo um
concurso de beleza, em que ela está nos olhos de quem o contempla e no qual os
perdedores têm poucos amigos e protetores;
f) as diferentes culturas, como a tribo dos Maasai, na África, ficaram
marginalizados em relação à observação dos elefantes selvagens. Os turistas
preferem ver os elefantes aos Maasai. Parece que observar baleias é mais
importante do que descobrir alguma coisa sobre o pescador artesanal nesse
mesmo local. O Ecoturismo deve implicar ecossistemas e estes devem implicar
as pessoas. (Adaptado de SWARBROOKE, 2000b, p. 59-63).
Embora esse último ponto apresente um aspecto dos impactos sociais do turismo, visto pelo
lado do ecoturismo, a dimensão social tem, realmente, recebido bem menos atenção do que
os impactos ambientais deste turismo, talvez porque ocorra de maneira vagarosa e discreta
com o passar do tempo, talvez por ser invisível e intangível. Contudo, os impactos sociais
do turismo, geralmente são permanentes, com pouca ou nenhuma oportunidade de reverter
as mudanças uma vez ocorridas, certamente por ser decorrente de uma alteração cultural.
55
Wearing, Neil e Figgis (2000) comentam que nas comunidades locais existem grupos com
interesses diferenciados que podem chegar a estar em lados opostos, isto é, nem todos os
grupos desejam o mesmo. A indústria turística quer empresas saudáveis que ofereça
segurança financeira, mão-de-obra qualificada e responsável, atrativos que garantam o
fluxo de visitantes e bons rendimentos financeiros. os ambientalistas buscam a proteção
do meio ambiente mediante a prevenção, a melhora, a correção dos danos e a restauração e
motivar a população para que seja mais consciente, para que cuide dos recursos. Os
membros da comunidade, entretanto, procuram um lugar saudável para viver, que ofereça
comida, água, condições sanitárias, trabalho gratificante com um salário mais adequado,
educação e ócio, além de respeito às tradições culturais e oportunidades para a tomada de
decisões sobre seu futuro.
Certamente todos os três grupos desejam o mesmo. Se houver estas condições em uma
comunidade, ótimo. Mas, se alguém tiver que pagar pela capacitação da mão-de-obra,
conscientização da população, por um salário que permita uma vida mais digna ou pelo
ócio, dificilmente poderíamos achar facilmente um grupo financiador. A entrada em cena
de um novo grupo, o poder público seria necessário.
Em geral, essas mudanças ocasionadas pelo turismo são consideradas como negativas,
contudo, é importante reconhecer que existem efeitos positivos, embora subjetivos, tais
como apresentados na tabela 2:
Tabela 2. Principais impactos do turismo sobre culturas e sociedades locais.
Impactos Positivos Negativos
Herança
Melhora a qualidade dos
museus;
Atenção à conservação das
comunidades locais.
Construção com estilos arquitetônicos
não tradicionais;
Roubo de artefatos pelos turistas.
Artes
tradicionais
Desenvolvimento de novos
mercados para artesanato e
formas de arte tradicionais;
Renovação de formas de arte
tradicionais.
Pressão para substituir o artesanato
tradicional por produtos que os turistas
exigem;
Banalização/modificação de formas de
arte tradicionais.
Estilos de vida
Aumento da conscientização de
Perigo de passar da auto
-
sufic
i
ência para
56
tradicionais estilos de vida em todos os
lugares do mundo.
a dependência;
Aumento da influência da mídia
estrangeira;
Novos hábitos culturais.
Fonte: Adaptado de Swarbrooke (2000a).
Estes impactos geralmente são causados por que se trata, no dizer de Talavera (2002, p.
21), de “um turismo em um território não turístico, em que nem o visitante se considera a si
mesmo como turista e, em teoria, escapa as normas estruturais e funcionais do resto das
áreas turísticas tradicionais”.
Fonteles (2004) apresenta um quadro que descreve um turismo predatório que escapa as
normas estruturais em uma vila de pescadores do município de Jijoca de Jericoacoara, CE
mais especificamente da praia de Jericoacoara, lugar de grande beleza em termos de
paisagem natural e de grande fluxo de turismo nacional e internacional.
Para se chegar à praia de Jericoacoara, CE, na década de 1970 e início da década de 1980,
os visitantes enfrentavam uma caminhada de 2 horas levando suas malas em jegues
alugados para tal. Não havia pousadas nem nada parecido e estes aventureiros dormiam e
comiam em casas de pescadores ou em barracas.
Em 1984, apoiados por turistas, os moradores transformaram a comunidade em Unidade de
Conservação para proteger e preservar os ecossistemas de praias e mangues; as dunas; as
formações geológicas; as espécies animais e vegetais e as aves de rapina e praieiras.
Segundo Fonteles (2004) a criação da Área de Proteção Ambiental - APA de Jericoacoara,
CE, conforme o decreto Nº 90.379 de 29 de outubro de 1984, acabou despertando o
interesse dos especuladores. Estes especuladores invadiram a região provocando impactos
ecológicos, culturais, sociais e sanitários. Mas, o problema central foi que a população que
vivia séculos, um dos principais grupos interessados, não foi integrada na política de
gerenciamento; nem foi informada do que se tratava.
Os moradores sentiram-se enganados, pois a APA não havia sido criada para se tornar um
empecilho para o desenvolvimento da região, mas sim como instrumento de crescimento
por meio do turismo. De acordo com Fonteles (2004), jornais locais começaram a
57
questionar se o importante era o turismo ou a preservação, sendo que a maior atração de
Jericoacoara e o que atrai os turistas é seu patrimônio ambiental. Os visitantes geram a
ambição dos nativos e de pessoas de fora para explorar a incipiente comercialização de
hospedagem, alimentos e produtos da terra, contribuindo para a descaracterização cultural
dos costumes e modos de vida da população, que ainda encanta os visitantes.
Em 1987, equipes de televisão de diversos países registraram imagens de Jericoacoara.
Neste mesmo ano, o programa Fantástico da Rede Globo exibiu uma reportagem sobre o
local, fazendo com que milhares de pessoas fossem visitar essa vila de pescadores sem que
houvesse infra-estrutura suficiente para recebê-los.
Com um olhar mais aguçado Fonteles (2004) verifica que parte da população nativa sente-
se incomodada pelo estranho, seja ele turista ou adventício; parte dos ecossistemas se
encontra alterado e as instituições responsáveis pela conservação não tem tido uma
presença constante na vila.
A publicidade em torno do local fez com que o fluxo turístico, nacional e internacional, se
tornasse incompatível com a infraestrutura disponível, trazendo problemas à população
receptora, desequilibrando os ecossistemas, criando um turismo desordenado e
comprometendo a qualidade de vida dos moradores.
Aos poucos as contradições foram aumentando ainda mais. Os nativos envolveram-se no
processo de criação da Unidade de Conservação, embora não tivessem clareza de suas
ações, foram conduzidos pela expectativa de melhorias das suas condições de vida, sem
compreender que os detentores do capital se apropriariam da natureza e a privatizariam, se
aproveitando do “passado” dos grupos sociais colocando-o a serviço dos seus interesses
(FONTELES, 2004, p. 149).
Quando os problemas começaram a surgir, por conta da expansão acelerada do turismo, a
realidade começou a se modificar e a comunidade não acompanhou essa evolução. Como
estavam dentro de uma APA, tinham dificuldade em colocar energia elétrica em casa,
construir um quarto, mudar a fachada ou cortar uma árvore. As proibições fizeram com que
58
os moradores se apercebessem de que não era bem aquele projeto que imaginaram para a
comunidade.
Segundo Fonteles (2004), os moradores de Jericoacoara ao perceberem que a nova
realidade advinda com a criação da UC e com o turismo não correspondia aos seus reais
interesses reagiram e enfatizaram a influência negativa do turismo. Para eles havia
degradação do seu habitat e da estrutura cultural das pessoas da vila; mencionavam o
turismo predatório, a publicidade exagerada em torno do lugar, o acúmulo de lixo e o
descaso das autoridades responsáveis pelo gerenciamento da APA.
A nova formação sócio-cultural da comunidade, que começa a receber influências estranhas
à área, continua a possuir raízes históricas, embora estejam em outro registro. A
comunidade tradicional nascer em torno de si novas possibilidades de melhoria de vida
em todos os níveis, de maneira que ela não consegue impedir que as transformações
ocorram. É difícil negar a atração do novo e o desejo de possuí-lo, de partilhar do bem-estar
e das facilidades que o moderno proporciona, emergindo a vontade de adotar novos modos
de pensar, novos modos de fazer, novos modos de viver a vida. E os membros da
comunidade vão acatando, cada um em ritmo próprio, os novos elementos.
As alterações no cotidiano vêm acompanhadas de vários problemas, como a especulação
imobiliária, o uso de drogas, a prostituição, a descaracterização cultural e arquitetônica e a
degradação ambiental.
Nota-se o uso de gírias na fala dos nativos, o uso de cabelos longos e brincos, numa clara
modificação do comportamento comunitário. Em diversos pontos atrativos vêem-se os
rabiscos dos turistas, na tentativa de perpetuar sua estadia e provar a educação de um
povo.
As interações e sociabilidades dos moradores de Jericoacoara tornam-se bloqueadas por
dificuldades de reconhecimento do outro. A dificuldade em reconhecer e aceitar o outro se
torna maior quando os habitantes nativos vêem, repentinamente, que o lugar que “antes era
deles” passa a ser ocupado por estranhos, gerando impactos de ordem cultural, social e
ambiental. Esses estranhos, além de ocuparem certo território, confinam ou expulsam
59
antigos moradores, quebram a linhagem familiar, destroem relações sociais e deixam de
lado concepções e práticas culturais. Ainda assim, os antigos moradores, timas da
destruição dos seus saberes, encontraram formas de recriação de idéias e modos de vida.
Muitas vezes pela assimilação das concepções dos “inimigos”, pois, nesses espaços,
pessoas e recursos naturais são transformados em objetos ou espetáculo a serviço dos
turistas que, na fuga do cotidiano, busca paisagens cada vez mais exóticas para realizar
sonhos e concretizar aventuras.
Ainda nas palavras de Fonteles (2004), em Jericoacoara verifica-se um re-ordenamento
constante do espaço surgindo oportunidades para os moradores nativos, adventícios e
turistas. Jericoacoara globaliza-se e moderniza-se. Na localidade fala-se inglês, francês,
espanhol e outros idiomas e o dólar é moeda forte corrente. Sendo um lugar privilegiado
para a exploração valorativa dos ambientes naturais, com a possibilidade de atrair recursos
do exterior para viabilizar investimentos em infra-estrutura, esses empreendimentos são
geralmente efetuados por pessoas com maior poder aquisitivo, concorrendo de forma
desigual com o nativo.
A experiência que a vila de Jericoacoara passou e ainda passa deve ser tomado como
exemplo pelo município de Porto Rico, e levado em conta para tentar não se repetir alguns
erros, embora a especulação imobiliária e os preços dos produtos em geral já sejam sentidos
pelos moradores. Mas se formos entrar no mérito das Unidades de Conservação, não apenas
a APA de Jericoacoara, a qual permite certo grau de ocupação, mas as áreas que restringem
a ocupação humana, vê-se que as políticas públicas abandonam, em muitos casos, estas UC.
Para exemplificar a falta de recursos e de interesse do Governo Federal, Seabra (2001)
denuncia que o Monte Roraima e Pico da Neblina, ambos no Estado do Amazonas, Serra
Geral no Rio Grande do Sul, São Joaquim em Santa Catarina e Lençóis Maranhenses no
Maranhão são alguns dos Parques Nacionais que não dispõem de qualquer tipo de
fiscalização.
O Parque Nacional do Jaú, AM é o maior do Brasil, medindo 2.227.200 hectares do
tamanho do país de Israel, e conta com apenas dois guardas e o Parque Nacional do
Araguaia situado na ilha do Bananal, GO, com 562.312 ha, é administrado por apenas três
fiscais do IBAMA, sendo que este parque sofre pressões da reserva indígena existente na
60
mesma ilha, das fazendas agropecuárias localizadas à sua volta e, implantado recentemente,
um complexo turístico envolvendo 24 municípios, estando prevista a construção de
rodovias ecológicas, um porto, um aeródromo além do conjunto hoteleiro e de um núcleo
residencial (SEABRA, 2001).
No interior do Parque Nacional do Jaú, AM (PNJ), existe cerca de 920 ribeirinhos que não
abandonaram suas terras quando da constituição do Parque em 1980. São completamente
dependentes dos rios e das lavouras que ali cultivam, convivem com a ameaça constante da
perda de suas terras, seu alimento, sua história e cultura tradicional. Nas falas dos
moradores locais ouve-se frases como “para quem tem família, melhor é a roça”; “só
preservam o jacaré, a onça, mas se esquecem que existem o homem, a mulher e a criança,
que também podem ser preservados”, e “a gente nasceu e se criou no rio. Fica difícil sair
assim. Não tenho saber pra viver em outro canto” (REPÓRTER BRASIL, 2006b), numa
clara demonstração de repúdio pela fiscalização e dependência pelo lugar.
O Parque Nacional do Iguaçu em Foz do Iguaçu, PR, atualmente está se preocupando com
as populações lindeiras
22
, pois estas invadem o parque sujando, matando animais e
coletando palmitos e outras espécies vegetais ameaçadas de extinção ou não, além dos
problemas do efeito de borda
23
e das monoculturas nas áreas imediatamente próximas ao
parque, trazendo problemas com pesticidas, herbicidas, entre outros.
E mesmo que se crie e fiscalize efetivamente as UCs, muitas delas, além de se sobrepor a
áreas indígenas contém moradores tradicionais. Arruda (2000) aponta que 35% das
Unidades de Conservação da Amazônia se sobrepõem a áreas indígenas e que 39% do
conjunto das UCs dos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Paraná existem
moradores, sem contar que em 88% do entorno das UCs pesquisadas pelo Núcleo de Apoio
à Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Nupaub da Universidade de São
Paulo USP, vivem populações tradicionais que, de alguma forma, se relacionam com
estas unidades.
22
Lindeiras: à margem, nesse caso nas cercanias do Parque Nacional.
23
A fragmentação de um habitat aumenta a quantidade de borda. O microambiente numa borda de fragmento
é diferente daquele do interior de uma floresta. Os efeitos de borda mais importantes são o aumento dos níveis
de luz, de temperatura e vento, e diminuição de umidade. Estes efeitos são, por vezes, evidentes até a 500
metros para dentro de floresta, porém, muito freqüentemente, mais notáveis nos primeiros 35 metros
(PRIMACK & RODRIGUES, 2001, p.100).
61
Embora o Brasil tenha interesse em preservar áreas, legislando sobre sua criação como na
Lei Federal número 9.985/2000, na qual criou o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação – SNUC - comete transgressões jurídico-institucionais resultantes do processo
de ocupação e uso dos recursos naturais nessas mesmas áreas protegidas. Como exemplo
existe o Parque Nacional de Paulo Afonso, BA, criado em 1948 e extinto anos depois para a
construção da usina hidrelétrica com o mesmo nome. O Parque Nacional da Chapada dos
Veadeiros, GO, criado em 1961 com 265 mil hectares, foi reduzido para 171 mil hectares
em 1972, passando para os atuais 62 mil hectares em 1981 (SEABRA, 2001), além da
extinção do Parque Nacional de Sete Quedas, PR, como já mencionado.
Apesar dessas questões político-administrativas, o turismo, como qualquer outra atividade
econômica, possui uma estrutura baseada em um conjunto de partes que interagem de modo
a atingir um determinado fim, de acordo com um plano ou princípio. Essas partes podem
ser os componentes políticos, ambientais, econômicos, sócio-culturais e jurídico-
institucionais (SEABRA, 2001). Comumente, o produto turístico, representado pelos
atrativos naturais é comprometido em virtude de infra-estruturas que são implantadas
visando à massificação da visitação e, portanto, a uma maior lucratividade do
empreendimento.
Esse planejamento turístico deve ser feito em vista de não apenas diagnosticar as
potencialidades dos recursos naturais, norteando a sustentabilidade da sua exploração, mas
deve também, detectar as fragilidades contidas nos ecossistemas e nas comunidades
humanas afetadas.
Seabra (2001) denuncia que, como os investimentos das entidades tais como empresas e
secretarias de planejamento econômico, são destinados à multiplicação do capital, ou com a
falsa justificação de beneficiamento sócio-ambiental, os órgãos governamentais,
invariavelmente, perdem as questões de defesa do meio ambiente, cujo argumento é quase
sempre o mesmo: o de que o desenvolvimento deve ser realizado a qualquer custo.
Embora a cidade de Porto Rico não seja conhecida atualmente como um destino turístico
propriamente dito, ela apresenta atrativos para o turismo. Muitos aspectos devem ser
considerados para esta construção turística: conservação local, resgate da comunidade via
62
capacitações profissionais para o trabalho com trilhas ecológicas nas ilhas; o
desenvolvimento de determinadas infra-estruturas, entre as quais as vias de acesso, a
estrutura hoteleira, saneamento e o comércio em geral. O artesanato deve receber algum
incentivo, pois pode ser fonte de renda e ocupação e quase todo vem de fora da cidade.
Grünewald (2002) desenvolveu com os índios Pataxó em Coroa Vermelha, próximo à
cidade de Porto Seguro na Bahia estratégias de artesanato como fonte de renda ligada à
cultura e tradições dos Pataxós. Sua língua e uma história ligada ao descobrimento do
Brasil foram incentivadas pelos turistas e órgãos ligados aos Pataxós, afinal ocupavam o
local desde o encontro inicial com o colonizador europeu. No final, suas danças e músicas
passaram a ser também objeto de interesse dos turistas, bem como aspectos de sua vida
cotidiana como alimentação, moradia, plantas medicinais entre outros.
Embora o desenvolvimento do artesanato seja um ponto a ser considerado nas localidades
turísticas, Silva (2002) alerta que em Porto Rico o turismo tem sido voraz, com intensa
especulação imobiliária, para a construção de mansões requintadas em condomínios
reservados, contrastando de forma gritante com uma paisagem natural e com a rusticidade
do local. Para Silva (2002, p. 81), é interessante perceber toda uma cidade de descendentes
de pescadores e lavradores e, dentro dela, solares, grandes “elefantes brancos”, incômodos,
inquietantes e barulhentos pelos comentários que despertam.
Os entrevistados de Silva (2002), no ano de 2001 e 2002, associaram a falta de peixe e de
animais nativos na região ao impacto da exploração turística predatória nas ilhas. O ilhéu
sabe que o peixe prefere regiões de vegetação para se abrigar e se alimentar e a maioria dos
turistas que possuem casas de veraneio nas ilhas (clubes de pesca) desmatam as margens,
usadas como atracadouros, pontos de pesca, estética ou simplesmente para sua suposta
proteção.
63
2 POPULAÇÕES TRADICIONAIS EM SUA DINÂMICA
ECONÔMICA, AMBIENTAL E CULTURAL COMO OBJETO DE
ESTUDO.
É necessário que as coisas mudem
para que permaneçam as mesmas
O leopardo
Tomasi di Lampedusa
Os ilhéus da região de Porto Rico estavam vivendo no local (ilhas) desde a década de 1960.
Silva (2002) mostrou que este grupo de pessoas era formado por migrantes que saíram
principalmente da região Nordeste do Brasil à procura de melhores condições de
sobrevivência.
Em 30 de setembro de 1997 as áreas habitadas das ilhas próximas a Porto Rico foram
transformadas em Área de Proteção Ambiental. Essa mudança, legitimada pela Lei Nº
9.985 de 18/07/2000 e outras alterações ambientais levaram: a) uma transformação radical
na forma de organização de trabalho dos moradores/ilhéus; b) migrações, com a
conseqüente dissolução de diversas famílias; c) transformações radicais da rotina de
subsistência com pesca, hortas e criação de animais para outras rotinas (trabalhos de vigia,
servente de pedreiro, empregados de comércio e outras).
Sobre estas transformações, o jornal Diário de Maringá de 31/10/2004, divulgou em uma
reportagem cuja manchete é “Ilhéus pedem socorro” que descreve a história de moradores e
ex-moradores das ilhas que teriam deixado a região, “alguns em direção ao Norte do
país, outros para a Vila Rural de Porto Rico, parte ingressou no Movimento Sem Terra
(MST), outro tanto virou bóia-fria e o restante foi para a cidade (de Porto Rico)”. Estes
moradores fundaram a Associação dos Lavradores - Pescadores do Rio Paraná - ALPRP na
ocasião representando 63 famílias, e protocolaram junto ao Ministério Público Federal de
Maringá, em 22 de outubro de 2004, um abaixo-assinado reclamando da “penúria” por que
estão passando (DIÁRIO DE MARINGÁ, 2004).
A criação de Unidades de Conservação, entretanto, ocorreu com o propósito de estabelecer
lugares separados de tudo e de todos do ponto de vista estritamente ecológico, isto é, os
64
projetos levaram em conta apenas os aspectos de biodiversidade da fauna e flora e suas
relações com o meio físico. Inspirados por modelos norte-americanos de preservação de
áreas verdes, os profissionais que idealizaram as Unidades de Conservação ignoraram os
problemas com as populações locais e tradicionais que, nesses locais, estavam vivendo
mais de 100 anos, algumas mais e outras menos. O fato é que essas populações tinham uma
experiência ecológica e cultural com os locais e de repente foram desalojados (DIEGUES,
2001). Muitos problemas sócio-jurídico-ambientais persistem ainda hoje, como iremos ver
mais adiante neste trabalho.
Adotando a visão dos norte-americanos em relação às suas áreas, os brasileiros tomaram
medidas para a preservação da natureza e se dispuseram dos homens. Tratava-se de uma
visão dicotômica de homem e natureza, que abstraiu as populações tradicionais e seus
ambientes. Populações indígenas, quilombolas, ilhéus e outras foram expulsas mais uma
vez no processo “civilizatório” brasileiro nas palavras de Darcy Ribeiro (1995).
Diegues (2000, p. 14) procura situar as bases da ciência da conservação ambiental no
reducionismo metodológico tanto das ciências naturais quanto das sociais. Desde o século
XVII, a investigação científica foi definida pelo paradigma cartesiano ou pelo positivismo
24
racionalismo
25
. Esta ciência tenta descobrir a verdadeira natureza da realidade a fim de
predizer e controlar os fenômenos naturais. O problema é que os cientistas pensam que
estão separados dessa realidade e por isto são objetivos. O reducionismo positivista procura
desagregar a realidade em componentes menores para reordená-los, posteriormente, como
generalizações ou leis.
Um dos pontos considerado crítico desse reducionismo é o conceito de “Meio Ambiente”,
pensado como uma questão exclusivamente biológica ou natural. Como conseqüência, tudo
24
O positivismo foi fundado pelo filósofo Augusto Comte (1798-1857) que, em sua exaltação do saber
científico, torna este fonte única de conhecimento válido obtido por métodos das ciências da natureza. O
positivismo quer limitar-se à experiência imediata, pura, sensível, como fizera o empirismo, daí a sua
pobreza filosófica, mas também o seu maior valor como descrição e análise objetiva da experiência, através
da história e da ciência. Ordem e progresso é um dos conceitos positivistas de Comte. (COMTE, S/D)
25
Racionalismo: Séc. XVII, tem como principal pensador René Descartes (2004). Busca da razão para a
recuperação da certeza científica, a exemplo da matemática. Caracterizada pela necessidade de construir uma
cadeia de razões que conduza ao desconhecido, em que apenas o evidente seja verdadeiro - com uso de
preceitos metodológicos para a determinação deste. Descartes forneceu as ferramentas para a intervenção
ativa do homem no mundo.
65
que se refere a meio ambiente é identificado como “natural e biológico”, particularmente
pelos cientistas naturais.
Do ponto de vista do reducionismo biológico, os aspectos da vida humana podem ser
explicados por fatores biológicos, hereditários, comportamentais, entre outros. Esses
modelos biológicos têm dificuldade em incluir o homem, assim como a teoria dos
ecossistemas que, por exemplo, é incapaz de integrar o homem em suas pesquisas, apesar
das aspirações de seus promotores como Odum
26
, privilegiando o estudo dos ecossistemas
menos tocado pelo homem, ainda que sua quase totalidade tenha sofrido a intervenção
humana (DIEGUES, 2000, p. 15).
Os cientistas da Biologia da Conservação e outros pesquisadores ambientais tendem a olhar
os ecossistemas pela lente estreita de sua disciplina profissional, dando ênfase aos aspectos
em que se especializaram como plantas medicinais, insetos, peixes, árvores ou elefantes, ou
ainda por atributos do ecossistema como diversidade. Esse aspecto se transforma no foco
principal de sua atenção quando visitam uma área rica em diversidade biológica.
Para Pimbert e Pretty (2000), a especialização disciplinar dos profissionais da conservação
age contra o entendimento dos fatores que sustentam o êxito dos sistemas nativos de
manejo dos recursos naturais. Para esses autores, perde-se a oportunidade de desenhar
esquemas adequados de conservação da biodiversidade.
Um problema da ciência ocidental positivista e reducionista, na visão de Nabham et al.,
citado por Pimbert e Pretty (2000, p. 186) é seu insistente desvio etnocêntrico:
Apesar das possibilidades de se basear na tradição nativa de conhecimento de
plantas para a conservação de espécies raras, algumas atitudes etnocêntricas que
existem entre os biólogos conservacionistas treinados no ocidente impedem que
o aproveitamento desse potencial seja totalmente realizado. Porque muitos
biólogos tendem em analisar o chamado ecossistema natural, freqüentemente
ignoram que estão, na verdade, observando relações entre organismos e seu
ambiente que foram influenciados pela humanidade por milhares de anos...
Mesmo quando não ignoram essas influências humanas, esses biólogos tratam a
presença humana como um fenômeno exclusivamente negativo, um transtorno
ou intromissão.
26
Eugene Odum, pioneiro da ecologia moderna, considerava-se um ávido ecologista e ambientalista. É
identificado com a frase “o ecossistema é maior que a soma das suas partes”. Faleceu em agosto de 2002
(ODUM, 2006).
66
Outro problema é que especialistas adotam apenas um ou dois critérios para decidir sobre
prioridades ou para medir o êxito de projetos de conservação, por exemplo, a quantidade de
espécies salva. Mas as populações rurais e nativas se agissem como gestores de sistemas
complexos, por sua suposta vivência e conhecimento, teriam muitos mais critérios a avaliar
e combinar na escolha de atividades de manejo que influenciariam o destino de espécies e
de ecossistemas. Para Pimbert e Pretty (2000, p. 186), isso levanta questões importantes,
como qual conhecimento deve ser levado em conta no estabelecimento de parques e áreas
protegidas? Que prioridades devem ser consideradas para uma conservação bem sucedida
da biodiversidade? As dos cientistas ou as das populações rurais? Certamente o
aproveitamento dos dois tipos de conhecimento faria com que melhores decisões fossem
tomadas.
Se levarmos em conta os dois lados, o dos homens e da natureza
27
na definição de espaços
para preservação, temos que compreender que o nculo de muitos povos tradicionais
28
com a terra é central nas vidas desses povos. Escreveu Diegues (1993, p. 229):
27
Se é que existe o lado da natureza. Acreditamos que o lado da natureza também é o lado dos homens, pelo
menos de alguns defensores da natureza. Polinari (1999, p. 213-214) provoca os ambientalistas dizendo que
não existem problemas ecológicos:
[...] pois a natureza funciona segundo suas ordens interativas caóticas, ordens caóticas
sim, pois funcionam em outras bases interativas que não as nossas linearidades cognitivas
consensuais. Elas se auto-organizam a cada momento como fenômenos interativos
aleatórios. São os cientistas da natureza que geram perguntas problemas a esse caos
interativo natural.
Assim como não existem problemas ecológicos também não existem problemas
ambientais genéricos, mas sim inadequações interativas entre nichos signogônicos
(grupos sociais) com os ecossistemas e entre eles mesmos. Por exemplo: para o
madeireiro, floresta é fonte de madeira; para o biólogo/ornitólogo é fonte de pesquisa; a
mesma diversidade interativa ambiental ocorre com outros ecossistemas para cada nicho
signogônico da sociedade. Em tal floresta predominará o madeireiro ou o ornitólogo?
Qual tem as melhores estratégias de predominância?
[...] não existe, portanto, bem e mal, certo e errado, função e disfunção interativa genérica
nem subsunção de todo ser humano ao capital, pois existem dimensões interativas e não
apenas uma. O que são inadequações interativas sociais e ecológicas dimensionais em
um ambiente, que podem ser sustentáveis ou não, proporcionarem ou não qualidades de
vida adequadas aos nichos signogônicos num longo prazo. Tal riqueza de diversidades
interativas, de jogos signogônicos e correlatos nichos signogônicos são opções, projetos
de predominâncias interativas ambientais em cada dimensão.
28
Populações tradicionais, sociedades tradicionais, culturas tradicionais, comunidades tradicionais,
geralmente são termos usados sem grande precisão. Estas estão relacionadas com uma organização sócio-
econômica com reduzida acumulação de capital, não usando empregados assalariados. Estão envolvidos em
atividade econômica de pequena escala como agricultura, pesca, coleta e artesanato, baseando-se no uso de
recursos naturais renováveis, sendo uma característica desse modo de produção seu “know-how ou
“conhecimento tradicional”, passado de geração para geração. Como estas populações geralmente não
possuem outra fonte de renda, o uso sustentado dos recursos naturais é de fundamental importância
67
[...] muitos agricultores entram numa relação pessoal com o meio ambiente. A
natureza não é mais um objeto, mas um mundo de complexidade em que os seres
vivos freqüentemente são personificados e endeusados através de mitos locais.
Alguns desses mitos são baseados na experiência de gerações e suas
representações das relações ecológicas podem estar mais perto da realidade que
o conhecimento científico. O termo conservação pode não fazer parte de seu
vocabulário, mas é parte de seu modo de vida e de suas percepções das relações
do homem com a natureza.
Diegues (1993) ainda comenta que, segundo a corrente preservacionista29, que serviu de
modelo para o movimento conservacionista norte-americano, a criação de parques foi a
única maneira de proteger grandes áreas com belezas cênicas do desenvolvimento urbano-
industrial, pois se baseava nas conseqüências do capitalismo sobre as terras ainda não
exploradas do oeste selvagem, como os efeitos da mineração sobre rios e lagos americanos,
sendo qualquer intervenção humana vista como aspecto negativo. Mas havia um outro lado
da moeda: desconsiderou-se que tribos indígenas e outros povos tinham vivido nestes
lugares durante milhares de anos, e esse modelo de convivência parecia não mais ser
possível para os conservacionistas ortodoxos.
Esse modelo provocou, então, toda sorte de conflitos entre as populações tradicionais e
pessoas interessadas em preservar suas terras. Estas áreas passaram a ser protegidas como
parques, diminuindo sensivelmente os povos extrativistas, pescadores e índios cuja relação
com a natureza era diferente daquela analisada pelos primeiros ideólogos dos parques
nacionais. Atualmente se inclui neste rol a maioria dos administradores do IBAMA que,
segundo Diegues (1993, p.236), são constituídos, em geral, por profissionais das ciências
naturais, preparados para uma ação ambiental nos moldes dos conceitos norte-americanos,
para os quais qualquer interferência humana na natureza é negativa. Desse modo coube aos
antropólogos e sociólogos lembrar aos ecólogos o que havia nessas áreas de preservação:
humanos!
A “invasão” de áreas pertencentes a povos tradicionais é justificada pela demanda
imobiliária, agrícola e/ou de preservação, em que o interesse é tão somente pela terra. Pode-
(DIEGUES, 2000). Como exemplo tem-se as populações de seringueiros, caiçaras entre outras, como
mencionado anteriormente.
29
A corrente conservacionista ou preservacionista (embora tenha suas diferenças, consideramos ambas como
semelhantes nesse texto), bastante presente nos países do norte, mas também no Brasil, se organiza em torno
da preocupação de preservar os recursos naturais intocados, protegendo a flora e a fauna do contato humano e
da degradação. Prega a preservação do meio ambiente pura e simples (LIMA, 1999).
68
se edificar, plantar ou preservar. As pessoas que estão sobre a terra, que a habitavam a
dezenas ou centenas de anos, parece, não suscitar interesse. Sua cultura, seus saberes,
língua e tradições, pensam alguns, “podem” ser perdidos.
Nas metrópoles ou nas proximidades dessas, a “invasão” de áreas do Estado, ditas
protegidas ou de Preservação Permanente, como matas ciliares, manguezais, fundos de
vales e/ou colinas como as de Florianópolis
30
, são uma tentação para os interesses
imobiliários que querem satisfazer os desejos do mercado (desejos crescentes), construindo
nesses locais. Tuan (1980, p. 127) lamentava o destino da natureza porque, para ele, cada
colina e cada vale estão se transformando em um altar ao dinheiro. À medida que a
população aumenta a pressão sobre os ambientes naturais também aumenta, os campos
“precisam” ser cultivados e as habitações construídas.
E é interessante notar como esta preferência do campo em relação às cidades e ao ambiente
selvagem pelo homem, faz com que se tente transformar parte da floresta tropical ou do
cerrado em áreas cultivadas. As bordas da floresta amazônica estão sendo desmatadas
rapidamente, atualmente menos para a industria madeireira e mais para a expansão da soja,
embora estejam relacionadas. Isto faz, também, lembrar uma passagem do texto de Guha
(2000, p. 84.) em que
[...] um dos objetivos aparente da humanidade é converter o mundo num pasto,
destinado a produzir e sustentar os humanos como animais de carga. O desafio,
no qual o ecólogo tropical é um general, um pajem, um soldado da infantaria,
um especialista, é impedir que a humanidade atinja este objetivo.
30
Existem diversos movimentos em Florianópolis, SC para conter as construções desordenadas nos altos dos
morros, área privilegiada em termos de localização mas supostamente de preservação, protegida devido à
queda de barreiras. Grande parte dos mangues nessa cidade já foram tomados para a expansão imobiliária.
69
Na figura 7, um Cartum de Quino (1990) ilustra o tema, mostra a transformação da selva
em campo, amansando a brutalidade da mata, disciplinando os animais e vegetais ao mando
do homem.
Keith Thomas (1988), em “O homem e o mundo natural”, comenta as diferentes percepções
ambientais ao longo dos séculos, exemplificando com a destruição de matas e florestas para
o cultivo e outros usos comerciais. Para ele:
[...] no século XVII [na Inglaterra] [...] o aprimoramento e a exploração agrícola
não eram apenas economicamente desejáveis; constituíam imperativos morais.
Deus criara a terra, declarava o elisabetano sir George Peckham, “para que ela
pudesse, por meio do cultivo e da lavoura, dar coisas necessárias à vida dos
homens[...] O amanho do solo simbolizava a civilização, ao passo que as terras
agrestes e vazias, obstruídas por moitas e urzes eram como um caos disforme.
Um terreno não cultivado [...] era a suma exata da natureza degenerada
(THOMAS, 1988, p. 302 - 303).
E continua descrevendo a destruição dos bosques na Inglaterra:
[...] por toda a primeira fase dos tempos modernos prosseguem este labor –
empurrando a lavoura colina acima, recuperando charcos, drenando pântanos,
Figura 7. Selva domesticada. Fonte Quino, 1990.
70
convertendo charnecas em solo arável. [...] e isto explica por que, no século
XVIII a ideologia do aprimoramento estava tão difundida, não apenas entre os
agricultores profissionais [...] que pretendiam transformar terras aráveis do reino
em culturas e cobri-las de nabos, trigos e trevos, ao invés de urzes, tojos e fetos
(THOMAS, 1988, p. 303).
Ainda para Thomas (1988, p. 303), os observadores urbanos, como a escritora Elizabeth
Carter que achava, em 1769, que “[...] a desgraça do país estava nos trechos de terra não
lavrada” e era preciso transformá-la em área útil.
O interessante é que “tais homens não acostumavam situar a utilidade acima da beleza. [...]
para eles, uma paisagem domesticada, habitada e produtiva era bela” (THOMAS, 1988, p.
303). Pelo menos na Inglaterra, antes de terminar o século XVIII, este pensamento foi
alterado. Thomas (1988) argumenta que o gosto mudou dramaticamente. Quanto mais
selvagem a cena, maior seu poder de inspirar emoções.
Para os ingleses, mesmo tendo uma visão pouco utilitarista, a natureza os atraia: “No final
do século XVII, a difusão mística da natureza entre os teólogos e filósofos veio depor com
a convicção, de uma minoria cada vez mais ampla, de que as montanhas davam prazer
porque ofereciam o ar mais puro e as melhores vistas” (THOMAS, 1988, p. 308). Esta
visão foi mais forte na Inglaterra, basicamente por pensadores, escritores e filósofos do
século XVIII:
[...] no correr do século XVIII a paixão pelo cenário montanhoso tomou conta do
público que gostava de viajar e, em fins do século XVIII, o apreço pela natureza,
e particularmente pela natureza selvagem, se converteu numa espécie de ato
religioso. A natureza não era bela; era moralmente benéfica. O valor da terra
inculta não era apenas negativo; ela não proporcionava apenas um lugar de
privacidade, uma oportunidade de auto exame e de devaneio íntimo; tinha um
papel mais positivo: exercia um salutar poder espiritual sobre o homem
(THOMAS, 1988, p. 309).
Mesmo com idéias tímidas de proteção dos ambientes naturais, da moral antiga de que terra
boa era terra cultivada, alguns nobres do século XVIII notaram a necessidade de proteger
parte desses ambientes.
Guha (2000) descreve que alguns exploradores e missionários do século XIX foram para a
África, para promover os três “cês”: cristianismo, comércio e civilização. Atualmente, no
século XX, foi acrescentado um quarto “ce” de conservação. Guha (2000, p. 87) diz que
estes missionários modernos estão convencidos que, sem a orientação do homem branco, os
71
africanos sairiam dos trilhos. Esses “trilhos” estão sendo implantados por pessoas com uma
visão diferente da dos africanos residentes.
Da maneira como os africanos vêem, os homens brancos fazem leis para proteger os
animais selvagens que eles desejam ver nos parques. Porque os africanos deveriam ajudar
esses programas? Estes são deslocados de suas casas em áreas de preservação, estão
proibidos de caçar e de recolher lenha. Para o autor, muitas políticas conservacionistas na
África tenderam a servir os interesses estrangeiros, como turismo e safáris, e ignoram
largamente os valores conservacionistas africanos e sua cultura (GUHA, 2000).
Guha (2000) fala, ainda, do surgimento da biologia da conservação, no final do século XX,
dizendo que esta quer a primazia do estudo sobre as partes não cultivadas da terra, cobertas
com o que um grupo de cientistas define como floresta e outros como mundo selvagem.
Para preservar, os biólogos usam uma linguagem alarmista
31
e hiperbólica para conseguir o
apoio do público. Estes biólogos falam, em tom apocalíptico, dos perigos que a civilização
representa para a perda da biodiversidade, além de desqualificar e desrespeitar outras
formas de conhecimento, em particular o conhecimento das comunidades locais.
Esta preservação pressupõe a saída dos moradores locais, tradicionais ou não de suas terras,
como, por exemplo, os “marroquinos”, povos tradicionais da Estação Ecológica de Serra
das Araras, no Mato Grosso, (onde dezessete famílias foram expulsas na década de 1990).
Estes habitavam a área há muitos anos e praticavam agricultura e caça de subsistência.
Os “marroquinos” detinham grande conhecimento e uso de espécies de plantas da medicina
popular, como fontes de alimentos e construção de moradias. A conservação das matas
ciliares e das encostas das serras representavam uma base forte, cultural e ecológica, uma
vez que elas favorecem a manutenção dos recursos para a sobrevivência e a biodiversidade.
Nas palavras de um “marroquino”, ex-morador da Serra das Araras, que não podia nem
visitar o local (DIEGUES, 2001, p. 141): “[...] se a gente pudesse ainda tava morando lá,
31
Mayer (1998) chama atenção para a forma de ser ouvido em temas de preservação ambiental. Muitos
autores preferem o medo e a linguagem catástrofista como uma razão para se mudar comportamentos. A
autora diz que fazem falta esperanças e laços estreitos com o meio ambiente, embora possam ter efeitos à
longo prazo são, com certeza, mais duradouros.
72
era bom. Lugar desocupado, tranqüilo, tinha roça boa. Sinto vontade de morar lá, mas é pra
trabalhar, mas não agüento mais. Sinto vontade de espiá, mas quá!” (sic).
Apesar dos casos de desapropriação em áreas de conservação como os ilhéus de Porto Rico
e dos Marroquinos, têm-se em Mamirauá
32
um exemplo de incorporação recente de
populações tradicionais em Unidades de Conservação restrita. Essa reserva está localizada
na confluência dos rios Solimões, Japurá e Auati-Paraná, no médio Solimões no Estado do
Amazonas. O projeto da Estação Ecológica Mamirauá - EEM é administrado pela
Sociedade Civil Mamirauá e apoiado por diversas organizações não governamentais.
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM) foi criada em 1990 como
Estação Ecológica pelo Governo do Estado do Amazonas com 1.124.000 hectares nas
florestas inundadas da Amazônia Central para proteger grande parte das terras inundadas
localizadas entre os rios Japurá e Solimões, onde moram cerca de 4.500 ribeirinhos,
espalhados em cinqüenta pequenas comunidades. Essa população vive da pesca, da caça e
do uso da floresta. Além dessas atividades tradicionais, o corte de madeira vendida nas
serrarias das cidades (MAMIRAUÁ, 2006).
O interessante é que, ao contrário do que obriga a legislação (desapropriação e,
conseqüentemente, expulsão dessa população da área), a administração do projeto decidiu
manter os vargeiros nesse território onde sempre viveram. Essa região é de grande
diversidade biológica e, durante as cheias, as águas se espalham por milhões de hectares,
tornando a tarefa de fiscalização quase impossível. Os administradores afirmam que:
[...] é com o objetivo de estabelecer as bases do manejo bem como a proteção da
biodiversidade da várzea que estamos desenvolvendo o projeto de implantação
da Estação Ecológica Mamirauá com ampla participação das comunidades que
vivem na reserva e sua área de influência direta. muita discordância, por
parte dos conservacionistas mais radicais, quanto ao fato de que as populações
humanas sejam mantidas numa reserva desse tipo. Acreditamos que não
nenhuma possibilidade de sustentação política de longo prazo para uma reserva
deserta de pessoas na várzea, cuja importância na economia regional é
32
As principais características desta unidade de conservação são: a manutenção da população local que
participa nas atividades do manejo dos recursos naturais e na vigilância da reserva, a possibilidade de manejo
da fauna e flora com base em sólida pesquisa científica, a flexibilidade para mudança de estratégias de acordo
com os mercados, a manutenção da propriedade privada, a implementação de programas para valorização e
melhoria das condições de vida da população local e o estabelecimento de parcerias estratégicas com
organizações governamentais e não governamentais para o desenvolvimento de propostas para o uso
sustentado dos recursos naturais (MAMIRAUÁ, 2006).
73
relativamente grande. Além disso, manter as populações ribeirinhas será, nesse
caso particular, um aumento expressivo de fiscalização que hoje não poderia ser
atendida de maneira eficiente pelos órgãos federais competentes. A preservação
da biodiversidade, se não incluir a promoção e preservação da vida humana
digna se torna sectarismo ecológico, fadado à acusação de preterir a espécie
humana e adotar uma concepção estreita de natureza a ser preservada (AYRES,
1993 apud DIEGUES, 2001, p. 142).
Essas indicações mostram que nem sempre as populações tradicionais em áreas de
preservação, destroem o ambiente em que vivem ou não o conservam, como falam muitos
conservacionistas. As populações locais podem assegurar a diversidade biológica dado o
conhecimento que têm de seus ambientes.
Diegues (2000), Descola (2000) e Gómez-Pompa e Kaus (2000) afirmam que a
manutenção, e mesmo o aumento da diversidade biológica nas florestas tropicais está
intimamente relacionada com as práticas tradicionais da agricultura itinerante dos povos
primitivos. O sistema regenerativo da floresta úmida parece estar muito bem adaptado às
atividades do homem primitivo, sendo que o uso de pequenas áreas de terras para a
agricultura e seu abandono após o decréscimo da produção agrícola é semelhante à
produzida pela destruição ocasional das florestas por causas naturais (DIEGUES, 2000).
Arruda (2000) apóia a capacidade de empreendimento das populações tradicionais e das
sociedades indígenas, pois desenvolveram mediante observação e experimentação, um
extenso e minucioso conhecimento dos processos naturais e é, até hoje, as únicas práticas
conhecidas de manejo adaptadas às florestas tropicais. Embora estas populações tenham um
modo de vida tradicionalmente mais harmonioso com o ambiente, vêm sendo
persistentemente desprezadas e afastadas de qualquer contribuição que possam oferecer à
elaboração das políticas públicas regionais, sendo as primeiras a serem atingidas pela
destruição do ambiente e as últimas a se beneficiarem das políticas de conservação
ambiental.
Como no caso de Mamirauá ou quando as populações resistem, mesmo dentro da lei
33
, e
permanecem no local, suas necessidades de exploração dos recursos naturais inerentes a seu
33
A lei que impede o morador de uma Área de Conservação de plantar e criar animais colocando, portanto,
sua sobrevivência em risco, se contrapõe com outra que permite que o habitante more no local se não houver
outra residência, ou enquanto o governo não providencia outra. A questão é: como se manter na terra sem
plantar ou criar animais?
74
modo de vida e sobrevivência, raramente são reconhecidos. Em vez disso, passa a ocorrer
uma “criminalização” dos atos mais corriqueiros e fundamentais para a reprodução sócio-
cultural dessas comunidades, como a caça, a pesca, a utilização de recursos da floresta para
a manufatura de utensílios, a feitura das roças, a criação de galinhas ou porcos, a cata da
lenha para cozinhar, a construção de uma nova casa para o filho que se casou etc., tudo isto
é, juridicamente, transformado em crime e seus participantes perseguidos e penalizados. Ao
mesmo tempo, são instados a proteger e respeitar o meio ambiente, sendo encarados como
os principais responsáveis (e não o modelo urbano-industrial em expansão) pelo futuro da
humanidade, corporificado na preservação da área em questão (ARRUDA, 2000).
No entanto, é cada vez maior o número de biólogos com sensibilidade social que tem
alertado para os perigos envolvidos, quando os programas de conservação não levam em
conta os interesses das comunidades que vivem dentro e ao lado de áreas protegidas. É
injusto esperar que somente certas porções da sociedade, as populações consideradas
tradicionais, carreguem os maiores custos de se promover as terras anteriormente usadas
por estas comunidades em áreas de conservação, embora importantes e únicas
ambientalmente. É comum as comunidades locais observarem os Parques Nacionais como
simples lugares de recreação para as pessoas com posses. Existe assim, uma necessidade de
se reorientar o manejo de nossas reservas para que as comunidades locais ganhem algo com
esses parques. Se uma proporção adequada da renda gerada pelo turismo for retida na
economia local, haverá uma maior motivação para as pessoas darem valor à vida selvagem
e seus habitats (SUCKUMAR apud GUHA, 2000), conservando-o.
Mas como proteger estes meios, ditos selvagens, senão com a ajuda das populações que
vivem dentro ou em seu entorno? E por que esta mesma população iria preservar o
ambiente se estão impedidas, pela legislação, de explorar estas regiões denominadas de
áreas de conservação ambiental? Entretanto, existe outra possibilidade, de que não o puro e
simples desalojamento de moradores de áreas de conservação, que raramente é
contemplado nas políticas públicas brasileiras, que é construir, junto com as populações
locais, uma relação mais harmoniosa e economicamente mais eficaz.
Trata-se de valorizar a identidade, os conhecimentos, as práticas e os direitos de cidadania
dessas populações, valorizando seus padrões de uso dos recursos naturais. As comunidades
75
tradicionais estão sujeitas às dinâmicas sociais e a mudança cultural. Sabe-se que nem todos
os membros dessas comunidades são “conservacionistas natos”, embora haja entre eles
pessoas de grande conhecimento empírico do mundo em que vivem e das particularidades
do ecossistema local.
Embora a criação de parques e áreas de conservação seja uma questão de elevado interesse
e relativamente óbvia, como descrita anteriormente, alguns autores como Diegues
(2000), Rosa (1997), Silva (2002) e Tommasino (1985) questionam estas áreas preservadas
no que se refere à conservação das populações tradicionais.
Em pesquisa anterior à criação do Parque Nacional de Ilha Grande, Tommasino (1985),
levantou a forma como a comunidade de Ilha Grande e seu arquipélago de mais de 40 ilhas,
com 235 famílias e 1.471 pessoas vivia no então Parque Nacional de Sete Quedas,
tecendo considerações sobre produção, trabalho, renda, isolamento e percepções.
Constatou que, dado o isolamento, a população de fora das ilhas, apenas ouvia boatos sobre
que tipo de habitante teria as ilhas, se eram muito pobres ou se era apresentada como
refúgio de bandidos. Um funcionário da prefeitura de Umuarama, PR que em julho de 1976
fizera um recenseamento nas duas maiores ilhas do arquipélago (Ilha Grande e
Bandeirantes), forneceu informações mais completas: a ilha não era um refúgio de
bandidos, e que também não viviam na mais completa miséria. Estas comunidades
desfrutavam de abundância: como desejavam pouco, produziam pouco, se mostrando como
uma sociedade diferente da capitalista. Mesmo com tempo disponível para satisfazer suas
necessidades, preferiam utilizar o tempo restante em outras atividades, e não no aumento da
produção. Dessa forma, Tommasino (1985, p. 10) preferiu não estudar a população de Ilha
Grande como uma população pobre, pois na antropologia econômica atual se contesta a
afirmação de que, por exemplo, as comunidades de caça e coleta vivam na completa
miséria, necessitando de elementos sócio-culturais relevantes para entender aquela cultura
em especial.
Estas observações de Tommasino (1985) sobre a população de Ilha Grande, bem como o
acesso difícil, em que casas poderiam ser visitadas de barco, nos remetem à difícil forma
de vida dos ilhéus de Porto Rico. O rio é o mesmo, a proximidade é grande (cerca de 160
76
quilômetros da cidade de Porto Rico a Guaíra, PR, onde se encontrava o Parque Nacional
de Sete Quedas
34
) e sua história de colonização é semelhante.
O processo de produção está baseado na força de trabalho familiar, desde a pesca ao cultivo
agrícola e de criação de animais, à produção de farinha de mandioca e melado.
Como na região de Porto Rico, os adultos tinham muita estima pelo local onde viviam,
embora seja uma vida difícil, não querem sair das ilhas. Tommasino (1985) cita um ilhéu
que desabafa dizendo:
[...] na Ilha Grande, a vida era mais calma que no continente, onde eram
assalariados, e passavam necessidades [...] “só trabalhava, e vivia com fome”, no
sentido que trabalhava o tempo todo e, mesmo assim não conseguia sustentar a
família, enquanto na ilha, além de trabalhar num ritmo mais sossegado, ainda
sobrava tempo para descansar (TOMMASINO, 1985, p.104).
Tommasino (1985) relata que no universo das representações elaborado pelos ilhéus de Ilha
Grande, a terra e sua propriedade ocupam lugar privilegiado, surgindo como determinante
da autonomia. Os moradores sentem-se proprietários na terra e assim se comportam,
embora exista consciência da provisoriedade e instabilidade da posse sobre terras que, na
verdade, são da União.
Outro fato observado por Tommasino (1985, p. 108) na Ilha Grande foi a ajuda mútua entre
os moradores. Isto não se caracterizava como um mutirão, mas como uma entre-ajuda em
que um vizinho socorria o outro em período de necessidade, inundação, doença, e morte,
além de vários momentos do processo produtivo. Embora existisse algum tipo de
retribuição, como ajudar em uma colheita, ou em devolver o açúcar ou o arroz emprestado,
quase ninguém pagava em dinheiro, ficava-se “devendo favor”. Muitos afirmavam ajudar
os vizinhos sem esperar retribuição.
Essa ajuda mútua e a escassez de dinheiro faziam com que fossem limitadas as
possibilidades de compra de mercadorias e serviços, surgindo, assim, um sistema de troca
direta. Tommasino (1985, p. 132) relata que um ilhéu declarou nunca ter feito troca
comercial, com dinheiro. Sua casa foi feita por ele mesmo, de barro com cobertura de
34
O Parque Nacional de Sete Quedas, criado em 30 de maio de 1961 e desfeito em 1981, pelo decreto
86.041, quando do enchimento do lago da barragem de Itaipu, que encobriu o monumento natural de Sete
Quedas (XETÀ, 2006).
77
tábuas lascadas; o fogão é de barro, as panelas são latas improvisadas e a estante de
madeira foi feita por ele mesmo. No quarto há a cama e duas malas. Outro ilhéu descrito
por Tommasino (1985, p. 133) é agricultor, mecânico, pintor, poceiro, marceneiro e
carpinteiro. Ele realiza trabalhos para os ilhéus vizinhos em troca de sementes de feijão,
sementes de arroz ou peças de barcos. Embora a troca direta apareça principalmente em
períodos de escassez de dinheiro, essa maneira de resolver os problemas é característica de
sociedades tradicionais, como descrito por Diegues e Nogara (1999).
Diegues (2001) em “O mito moderno da natureza intocada”, definiu, embora com a
dificuldade inerente que o tema suscita, as culturas e sociedades tradicionais como tendo
reduzida acumulação de capital e pela importância das atividades de subsistência, entre
outras características. Descrevendo a população do Saco de Mamanguá Parati, RJ,
Diegues e Nogara (1999, p. 94) descrevem a alteração sócio-ambiental da área
transformada em Reserva Ecológica Estadual da Juatinga em 1992, mostrando a
necessidade dos pescadores tradicionais de ter dinheiro vivo para comprar produtos que
não produzem. A lida na terra que antes “pertencia” às comunidades tradicionais era
difícil devido à redução na população, devido à migração ou o trabalho assalariado que
provoca o afastamento voluntário. Agora parece piorar com a transformação de algumas
áreas ocupadas por povos tradicionais em Unidades de Conservação.
Diegues (2000) evidencia três conjuntos de problemas sobre as Unidades de Conservação:
as que são consideradas como UC prioritárias não permitem a presença de populações
humanas, nem as consideradas tradicionais; um segundo conjunto de problemas está no
impacto político-territorial e fundiário produzido pela criação de áreas protegidas, devido às
grandes áreas das reservas, levantando problemas correlatos quanto à expulsão dos
moradores dos Parques Nacionais, levando a um sobre-uso
35
das áreas protegidas e de seus
arredores pelos habitantes, muitas vezes assentados de forma inadequada nas proximidades
dessas UC e; um terceiro grupo de problemas, diz respeito a questões sociais e étnicas
relativos à expulsão de populações tradicionais que, com estas ações impositivas, o Estado
contribui para a perda de grande quantidade de etnoconhecimento e etnociência, de
35
O sobre-uso se refere aos problemas causados pelas comunidades lindeiras às UC que, apesar de saírem do
local de conservação, ainda o conhecem bem e retiram produtos como frutas, raízes, caça ou ainda tentam
realizar algum tipo de agropecuária.
78
sistemas engenhosos de manejo de recursos naturais e da própria diversidade cultural
(DIEGUES, 2001, p. 17-18).
Para essas populações é difícil compreender que suas atividades tradicionais, vinculadas à
agricultura de subsistência, pesca e extrativismo, sejam consideradas prejudiciais à natureza
quando se permite a implantação de hotéis e facilidades turísticas para usuários de fora da
região. Ainda mais difícil de se entender é que grande parte do orçamento das UC seja
usada para fiscalização e repreensão, e muito pouco para melhorar as condições de vida das
populações tradicionais que, se organizadas e estimuladas, poderiam contribuir
positivamente para a conservação dessas áreas.
No entanto, parece que as autoridades responsáveis pelas UC vêem as populações
tradicionais como destruidoras da vida selvagem, desprezando oportunidades de incorporá-
las no manejo e conservação.
A revista Veja de 25 de maio de 2005, traz uma matéria com o título de “A araucária pede
socorro” em que diz que o Governo Federal quer criar sete Unidades de Conservação de
araucária, sendo que cinco delas exigirão desapropriações. Dessa forma, ou se a floresta
sem a influência dos homens ou se como fonte econômica, temendo que a criação das
Unidades de Conservação prejudique a atividade econômica (REVISTA VEJA, 2005), mas
parece que não se teme que destrua a vida de diversas famílias desalojadas.
Para atiçar ainda mais essa fogueira, Descola (2000, p. 150) relata que a Amazônia seria a
última e a mais vasta região de floresta tropical que subsiste na face da Terra como
inalterada e é agora contestada pelos trabalhos de ecologia histórica. A abundância de solos
antropogênicos e sua associação com palmeiras ou árvores frutíferas silvestres sugerem que
a distribuição dos tipos de floresta e de vegetação na região resulta, em parte, de vários
milênios de ocupação por populações cuja presença nos mesmos sítios transformou
profundamente a paisagem vegetal. Para Descola (2000), a natureza amazônica é muito
pouco natural, podendo ser considerada o produto cultural de uma manipulação muito
antiga da fauna e da flora. Descola (2000) conclui dizendo que as conseqüências dessa
antropização estão longe de ser irrelevantes, sobretudo no que diz respeito à taxa de
79
biodiversidade, mais elevada nas porções de floresta antropogênicas do que nas porções de
floresta não modificadas pelo homem.
Primack e Rodrigues (2001, p. 1) traçam um cenário complexo e desolador ao comentar as
alterações causadas pelo homem em comunidades que levaram milhões de anos para se
desenvolver, com a diversidade de espécies diminuindo rapidamente, em conseqüência da
caça predatória, destruição de habitats e a ação de novos predadores e competidores. Para
estes autores (2001), ciclos naturais hidrológicos e químicos vêm sendo perturbados pela
devastação de terras. Bilhões de toneladas de sedimentos vão parar em rios, lagos e oceanos
a cada ano. A diversidade genética diminuiu, inclusive entre espécies com grandes
populações, e o próprio clima do planeta parece ter sido alterado por uma combinação de
poluição atmosférica e desmatamento.
Todos estes argumentos ou qualquer um deles seriam suficientes para justificar a criação
de parques e reservas. Pode-se argumentar, no entanto, que não existiria razão suficiente
para desalojar populações tradicionais de suas terras, pois estas protegeriam as matas de
queimadas e ainda teriam uma relação de cuidado com a vegetação. De acordo com
Diegues (1993, p. 240-241), muitas espécies dominantes das selvas “primárias” do México
e América Central são, na verdade, espécies úteis que o homem do passado protegeu e que
sua abundancia atual está relacionada com este fato. O autor (1993) vai mais longe ao
afirmar que se torna necessário resgatar os sistemas tradicionais de manejo ainda hoje
praticado pelas populações tradicionais, uma vez que estas técnicas têm contribuído
significativamente para a manutenção da diversidade biológica.
Gomes-Pompa e Kaus (2000) advertem que, em estudos realizados no deserto de Sonora,
em dois oásis na fronteira do México com os Estados Unidos, as práticas costumeiras de
uso da terra dos agricultores papagos (índios), do lado mexicano da fronteira, contribuíram
para a diversidade do oásis. No lado americano, entretanto, com a proteção contra o uso da
terra no oásis resultou no declínio da diversidade das espécies.
Que os humanos estiveram implicados em muitas extinções de animais e plantas é inegável,
mas excluir as populações das unidades de conservação como estratégia para a melhor
conservação da biodiversidade, é duvidoso, diz Sarkar (2000). Para ele, evidências
80
desafiam o pressuposto de que os Parques Nacionais mantém a diversidade biológica.
Existem casos em que a exclusão dos humanos foi prejudicial à biodiversidade, como na
planície do Serengueti na Tanzânia e no Quênia. Este ecossistema e a cratera vizinha de
Ngorongoro são habitats para cerca de 20% de todos os grandes mamíferos da África,
herbívoros e carnívoros. Pesquisas detalhadas mostraram que os pastores, o gado e vida
selvagem coexistiram na área por mais de dois mil anos, e que o pastoreio e as técnicas de
queimadas criaram e mantiveram a paisagem que hoje é tão valorizada pelos
conservacionistas. Além disso, a presença dos pastores não causou impacto negativo
mensurável nas populações de animais selvagens ou na erosão do solo. No entanto, em
1951, a maior parte da área foi reservada a Parques Nacionais. Como era sabido pelos
nativos, a ausência humana e a conseqüente ausência de pastoreio levavam a conversão de
pastagens em áreas florestais, que não podem ser usadas pelos herbívoros responsáveis pela
diversificação da região (por sua própria presença ou por seu papel de presa dos animais
carnívoros) (SARKAR, 2000, p. 49).
Descrevendo a forma como os nativos da Tailândia manejam suas terras, Colchester (2000)
comenta ironicamente, que os povos tradicionais ficam indignados pelo fato de suas terras
não terem sido degradadas pelo manejo tradicional de que dispõem e agora serem
cobiçadas pelos conservacionistas que querem limitar suas atividades ou expulsá-los de
suas terras. Esses nativos contam que, quando chegaram dois séculos atrás, Bangcoc era
um pequeno povoado cercado por uma vegetação verdejante. – Nós protegemos as florestas
por causa do respeito aos nossos ancestrais e filhos. Talvez, se tivéssemos cortado nossas
florestas, destruído nossas terras e construído uma grande cidade como Bangcoc, nós não
estaríamos ameaçados de expulsão.
Essa expulsão dos povos tradicionais, forma tão simplista adotada por diversos países em
diversos Parques Nacionais e áreas protegidas, conduz a graves problemas, recentemente
admitida por vários conservacionistas, sobre os habitantes locais. Mesmo oferecendo áreas
em tamanho e valores similares às anteriores, um estudo do Banco Mundial
(COLCHESTER, 2000) demonstrou que o realocamento forçado pode causar estresse
multidimensional, incluindo síndrome de saudade do lar, ansiedade pelo futuro, sentimento
81
de impotência associado com a incapacidade de proteger a si mesmo e a sua comunidade
contra desorganização.
Tuan (1980, p. 114) reforça dizendo que
[...] uma pessoa no transcurso do tempo investe parte de sua vida emocional em
seu lar e além do lar, em seu bairro. Ser despejado, pela força, da própria casa e
do bairro é ser despido de um invólucro, que devido à sua familiaridade protege
o ser humano das perplexidades do mundo interior. Assim como algumas
pessoas são relutantes em abandonar um velho casaco por um novo, algumas
pessoas especialmente idosas relutam em abandonar seu velho bairro por
outro com novas casas.
Os sistemas modernos de produção agrícola usando fertilizantes químicos e maquinários
como tratores, têm potencial para impor sobre o meio ambiente transformações
irreversíveis e imprevisíveis pelo conhecimento tradicional (conhecimentos específicos
para o ambiente local). Os movimentos ambientais e de conservação apontam um aumento
na capacidade de destruir o meio ambiente em uma escala jamais vista pela humanidade.
Dessa forma, quando se fala em proteger ambientes que não sofreram distúrbios, ou
“ecossistemas virgens”, é importante deixar claro que o termo não modificado se refere à
ausência de distúrbios causados por tecnologias modernas (GOMES-POMPA e KAUS,
2000, p. 134).
Ao lado das questões ambientais estão os saberes tradicionais das populações instaladas
décadas em áreas de preservação. O termo “saberes tradicionais” causa a mesma celeuma
que o termo “populações tradicionais”, apresentado anteriormente. Portanto consideraremos
esse termo como sendo “saber local”. Impreciso e ao mesmo tempo auto-explicativo.
O conhecimento científico, diz Allut (2000, p. 102), é percebido como o único capaz de
ordenar o mundo da experiência do modo mais confiável possível. No entender desse
pesquisador, isso apenas quer dizer que se conhece um caminho válido que nos conduz a
um fim que se escolhe nas circunstâncias particulares do nosso mundo de experiências, mas
nada nos diz sobre que outros caminhos podem existir ainda. Allut (2000) sugere que
existem outros saberes, apoiados por outras estruturas cognitivas que tem demonstrado
eficácia e capacidade de sobreviver, resistindo ao mundo da experiência e passíveis de
prever a ocorrência de fenômenos. Allut (2000) conclui, afirmando que o saber tradicional
82
é um dos tipos de saber com que o conhecimento hegemônico, isto é, a ciência oficial e a
comunidade científica, necessitam dialogar se não quiser continuar sendo um falseador da
realidade.
Castro (2000, p. 166) conta-nos que a história da humanidade é a história da transformação
da natureza e de sua subjugação. A capacidade do homem de transformar suas relações com
a natureza, ao mesmo tempo em que transforma sua própria natureza, foi orientada pelo uso
individual de um bem que seria patrimônio de todos a terra e seus recursos. Dessa forma
o território é o espaço ao qual o grupo garante aos seus membros direitos estáveis de
acesso, de uso e de controle dos recursos e sua disponibilidade no tempo.
As atividades produtivas nesse terreno contêm e combinam formas materiais e simbólicas
com as quais os grupos humanos agem sobre o território. O trabalho produtivo que recria
essas relações reúne aspectos visíveis e invisíveis, sendo esse o motivo pelo qual não é
apenas uma realidade simplesmente econômica. Nas sociedades ditas tradicionais o
trabalho contém dimensões múltiplas, reunindo elementos técnicos com o mágico, o ritual e
o simbólico (GOMES-POMPA e KAUS, 2000).
Gómez-Pompa e Kaus (2000) comentam o sistema de crenças e de manejo ecológico
realizado na Amazônia brasileira pelos caiapós que gira em torno da manutenção de um
equilíbrio energético entre os mundos natural e espiritual por meio do controle do uso de
animais e plantas via rituais e costumes. Os índios pescadores do norte da Califórnia, EUA
faziam uma moratória ritual da pescaria durante os primeiros dias da piracema dos salmões,
protegendo a perpetuação de sua fonte de peixes ao mesmo tempo em que mantinham
relações intergrupais ao longo do rio.
Estes conhecimentos técnicos botânicos, agronômicos, etológicos e de preservação,
descritos por vários autores e empregados pelas comunidades tradicionais em suas
atividades de subsistência, era o conjunto de suas crenças religiosas e de sua mitologia que
devia ser considerado como um tipo de “saber ecológico”, um modelo mental de
funcionamento de seu ecossistema e dos equilíbrios a serem respeitados (CASTRO, 2000,
p. 167). Diegues (2001) chama atenção para uma unicidade nas sociedades ditas
83
tradicionais entre as técnicas de produção e o campo do simbólico, em que existe uma forte
relação entre o tempo de caçar, de pescar e de plantar e os mitos ancestrais.
Dessa forma, dizer que as populações tradicionais não podem gerar conhecimento confiável
porque não receberam instrução, não freqüentaram escolas e universidades para o ensino
dessas “habilidades”, deduzir que este saber tradicional não tem valor de verdade, pois não
é derivado do emprego do método científico é, sem sombra de dúvidas, perder chances de
aprender habilidades e práticas, visões de mundo, de respeito pelos recursos naturais e por
seus semelhantes singulares de cada povo tradicional, que é acumulado e repassado por
gerações, quase sempre de forma verbal. Embora muitas destas habilidades não sejam
consideradas confiáveis pelo saber tradicional, são reconhecidas e “adquiridas” por
pesquisadores (de grandes grupos, principalmente farmacêuticos, interesseiros e)
interessados em seus princípios ativos e em sua posterior comercialização.
Quando falamos da população de Porto Rico, estamos nos referindo à população de ilhéus
do rio Paraná, que sofreu o processo de exclusão de suas áreas quando foi implantada a
Área de Proteção Ambiental APA, das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná. Esta população
após quase 50 anos de sobrevivência local foi, nas palavras de Franz Fanon (1968),
desterrada das terras e das ilhas. Ignorando as suas histórias de migrantes e de fixação na
terra, esses moradores sofreram “todo” tipo de humilhação e são tratadas pelas entidades
fiscalizadoras IBAMA, Instituto Ambiental do Paraná - IAP e pelos órgãos públicos, com
violência e descaso. Cumprem a lei despejando os moradores, mas não olham para os
outros moradores de classe média alta e alta que se instalam nos locais. Estes, embora
protegidos pelo projeto turístico que o governo municipal quer efetivar nas ilhas e cidade,
provocam pequenos impactos ambientais e sociais e tomam o lugar outrora de
sobrevivência dos ex-ilhéus.
O que os ilhéus de Porto Rico desejam é que continuasse como era antes, com o usufruto da
terra, peixe e agricultura farta. As alterações às quais se refere Lampedusa não poderão
fazer com que as condições anteriores retornem.
84
De um lado estão as leis sobre áreas de conservação
36
que, praticamente, excluem as
populações tradicionais, e do outro, a maioria dos dirigentes dos órgãos responsáveis
contrários à permanência de moradores nessas áreas, sem se aperceberem da contribuição
que boa parte desses habitantes à conservação ambiental (DIEGUES, 2000; GÓMEZ-
POMPA e KAUS, 2000; GUHA, 2000).
As proposições de Colchester (2000), Diegues (1993; 2001), Diegues e Viana (2004) e de
Pimbert e Pretty (2000) sobre a manutenção de populações tradicionais em áreas de
preservação permanente nos auxiliam a defender uma posição de que essas comunidades
devem ser mantidas nos locais. Isso pois, além de ajudar a preservar a fauna e a flora local
poderiam minimizar os custos de gestão e vigilância e, por serem portadoras de sistemas
tradicionais de manejo, contribuiriam para a manutenção da diversidade biológica. Não se
trata somente desses povos preservarem a fauna e flora ou contribuírem para um melhor
manejo, está presente o respeito ao direito dessas comunidades até mesmo quando são
desalojadas e encontram no percurso de exclusão uma região e uma cidade que quer se
adaptar ao “novo” empreendimento do século, o turismo ecológico.
36
A Lei N° 4.771, institui o Novo Código Florestal que se consideram de preservação permanente, as
florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de outro curso d’água qualquer
desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja de 30 metros para cursos d’água com
menos de 10 metros de largura até 500 metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600
metros (Decreto Lei N° 4.771, de 15 de setembro de 1965); Lei 9.985 de 18 de julho de 2000, que institui
o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC.
85
3 O CONCEITO DE PERCEPÇÃO
Os problemas importantes que temos de
encarar não podem ser resolvidos no
mesmo nível de pensamento em que
estávamos quando os criamos.
Albert Einstein
Para se tratar do estudo de populações envolvidas com questões ambientais trazemos o
trabalho de Polinari (1999) sobre o papel da semiótica
37
, os estudos de Ferrara (1999a e
1999b) e de Tuan (1980). Estes estudos foram realizados orientados pelo conceito de
percepção.
Ferrara (1999a), trabalhou com percepções ambientais urbanas de países em
desenvolvimento, devido às constantes mudanças desses espaços e às características
diversas que apresentam, em que
[...] essa interação homem/natureza está no cerne dos estudos urbanos da
ecologia que não privilegia o homem ou o meio ambiente, mas a relação que se
estabelece entre eles, no esforço que o primeiro faz para encontrar as condições
adequadas para sua sobrevivência física, social, cultural, econômica e política.
Nesta relação, o homem concretiza suas potencialidades criativas, seu trabalho e
suas relações cioculturais como instrumento de mediação entre as expectativas
de subsistência e as reais características ambientais (FERRARA, 1999a, p. 62).
Para Ferrara (1999b, p. 151), inferência, aprendizado e mudança de comportamento são os
fatores que caracterizam uma informação. Esta informação vinculada ao ambiente físico,
social, econômico e cultural abriga um tipo de comportamento decorrente de um modo de
vida. Esses comportamentos revelam-se através de uma linguagem que tem como signos
usos e hábitos.
37
A Semtica é uma ciência relativamente nova. Estuda os Signos e como se relacionam. Teve suas bases
lançadas entre o final do século XIX e o início do século XX. Os princípios fundamentais foram estabelecidos
por dois cientistas: o americano Charles S. Peirce e o suíço Ferdinand de Saussure. O trabalho de Peirce tem
uma forte tonalidade filosófica (PEIRCE, 1983). Dada a sua natureza, a semiótica é muito útil no estudo de
qualquer fenômeno relacionado à transmissão e retenção de informação: a linguagem, as artes, a
comunicação. Segundo Peirce (1983), um signo é, resumidamente, tudo aquilo que relaciona os elementos:
um Objeto (que pode ser um fato); um Interpretante (que pode ser a interpretação que alguém venha a fazer
do fato); e um Representâmen, que é o corpo do Signo em si. Assim, no Signo uma relação tripla entre
Objeto, Interpretante e Representâmen.
86
Ferrara (1999b) diz que espaço e informação são interdependentes, não sendo possível
conceber um espaço que não seja por meio de usos e hábitos decorrentes do modo de
produção que os caracteriza. Dessa forma, não é possível haver informação senão a partir
de um estímulo físico, social ou cultural, produzido por diferentes tipos de vida que
produzem novos aprendizados e diferentes comportamentos.
Este ambiente total e abstrato é pensado como se tratando de um todo ordenado, objetivo e
dominado por uma estrutura lógica e necessária. Para Ferrara (1999b, p. 152), “[...] o
espaço é pleno, indiscutível, completo, não oferecendo oportunidade para a inteligência,
para a dúvida, ou seja, para a pesquisa. Apresenta-se pronto e acabado para um
conhecimento que não o elabora, apenas o absorve”. As informações sobre o espaço, o
ambiente, estão contidas numa imensa quantidade de dados e situações que se faz
imperceptível porque, ao estudá-lo, aproxima-se do dado teórico, e iludi-se pela aparência
abstrata de totalidade. O espaço é o local onde a informação se abriga, mas sua
homogeneidade não permite que ela se revele, fazendo com que as pesquisas se
transformem em informação sobre o ambiente, contida, abstrata, teórica, em relatórios ou
memoriais nos quais não se vê o espaço, embora se fale sobre ele (FERRARA, 1999b).
Assim, os usos e hábitos são manifestações concretas do ambiente, na mesma medida que o
lugar é manifestação concreta do espaço. Estes usos e hábitos constroem a imagem do lugar
que, para quem vive a muito tempo na comunidade, pode ter estas visões embaçadas pela
rotina cotidiana, pelo “lugar comum” do dia-a-dia, impedindo sua percepção e tornando o
lugar homogêneo, ilegível, sem decodificação. Mesmo assim, os usos e os hábitos
constroem as percepções. Dessa forma, para cada espectador, seja conhecedor do local seja
adventício, existe vários tipos de percepção. Esta percepção, no dizer de Tuan (1980) ainda
dependerá de sua cultura, idade, sexo entre outros fatores.
O espaço é, segundo Milton Santos (2002), o terreno onde se constroem as relações sociais,
de trabalho, onde repousam os objetos naturais e materiais. Para esse autor (2002), é
necessário ver o espaço como um sistema de objetos e ao mesmo tempo como um sistema
de ações. Ou seja, existe uma disposição espacial dos objetos, assim como existem
diferentes ações que se desenvolvem a partir dessa organização ou dessa disposição
87
espacial, significando que o espaço é dinâmico, pois pressupõe o empreendimento de ações
humanas na sua configuração.
Ao pensar nos moradores e pescadores de Porto Rico, ao analisar suas formas de
apropriação do espaço, é perceptível que o “espaço dinâmico” expressado por Milton
Santos (2002), tenha um sentido mais “íntimo” para alguns pescadores, pois envolve o
sentimento de identificação e de afetividade pelo lugar.
Os pescadores, apesar de se referir ao espaço onde realizam suas atividades e constroem
suas relações sociais, empregam uma conotação mais profunda, resignificando esse espaço
e transformando-o em lugar (SALDANHA, 2006). Para Tuan (1983, p. 6) “o espaço é mais
abstrato do que lugar. O que começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à
medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor”.
Tuan (1983) geógrafo chinês, que realizou estudos, hoje clássicos, sobre percepção, refere-
se ao valor como se este fosse um valor material ou afetivo. Nesse sentido, o espaço se
transforma em lugar à medida que o revestimos com significados, sejam eles simbólicos ou
materiais. No caso dos pescadores tradicionais a afetividade pode ser considerada uma
forma de valor agregada, assim como o conhecimento é a própria práxis de suas atividades,
isto é, a transformação de teorias em experiências vividas.
Maldonado (2000, p. 61) tratando as relações do homem com a terra, numa sociedade em
que o costume protege o patrimônio comum, mostra que a inter-relação com o meio é de
usufruto e não de posse. Tommasino (1985) confirmava esta tese em seu trabalho sobre
os ilhéus de Ilha Grande.
A percepção do ambiente é, para Ferrara (1999b, p. 153), condição para superar este
ambiente embaçado, sendo capaz de gerar conhecimento a partir da informação captada,
codificada naqueles usos e hábitos. Percepção é informação na mesma medida em que
informação gera informação: usos e hábitos são signos do lugar pesquisado que só se
revelam na medida em que é submetido a uma operação que expõe a lógica da sua
linguagem.
88
As variáveis ambientais urbanas tais como o comércio, o consumo, os meios de
comunicação, os transportes, as formas culturais decorrentes desse próprio meio, incidem
sobre o espaço tornando o lugar informado um contexto estruturado. Para Ferrara (1999b,
p. 154):
[...] o lugar entendido contextualmente supõe uma estrutura organizada, na qual
ocorrem influências econômicas (industrial e de consumo), comunicativas,
associativas e culturais, consideradas cada uma delas como participantes de uma
instância informacional. Entretanto, essa estrutura e a força de seus elementos
constitutivos não são explícitas. Por isso, é possível realizar uma pesquisa de
percepção ambiental se for possível tornar clara uma realidade contextual, isto é,
se ultrapassarmos a homogeneidade de um espaço encontrando-lhe os lugares
que o dividem e circunscrevem, mais aquelas variáveis que interferem
decisivamente na articulação de usos e hábitos.
Tuan (1980), diz que duas pessoas não vêem a mesma realidade, nem tampouco dois
grupos sociais fazem exatamente a mesma avaliação do meio ambiente. Os seres humanos,
apesar de compartilharem percepções comuns, um mundo comum e órgãos similares,
diferem em suas experiências de vida, diferenças de idade, temperamento e cultura.
Neste contexto, a cultura nos é mais importante quando se refere ao visitante de
determinado local e, diferentemente, o nativo, pois estes focalizam aspectos bem diferentes
do meio ambiente. De acordo com Tuan (1980, p. 72), em uma sociedade tradicional
estável os visitantes e as pessoas de passagem constituem uma minoria da população total.
Suas visões do meio ambiente não têm, talvez, muita importância, embora em nossa
sociedade de alta mobilidade, as impressões fugazes das pessoas que estão de passagem não
podem ser negligenciadas. Para Tuan (1980, p. 72 e 73):
[...] em geral, podemos dizer que somente o visitante (e especialmente o turista)
tem um ponto de vista; sua percepção freqüentemente se reduz a usar seus olhos
para compor quadros. Ao contrário, o nativo tem uma atitude complexa derivada
da sua imersão na totalidade de seu meio ambiente. O ponto de vista do
visitante, por ser simples, é facilmente enunciado. A confrontação com a
novidade, também pode leva-lo a manifestar-se. Por outro lado, a atitude
complexa do nativo somente pode ser expressa com dificuldade e indiretamente
através do comportamento, da tradição local, do conhecimento e mito.
Tuan (1980) complementa dizendo que, de fato, a avaliação do meio ambiente pelo
visitante é essencialmente estética. É a visão de um estranho e o estranho julga pela
aparência, por algum critério formal de beleza. É necessário um esforço especial para
provocar empatia em relação às vidas e valores dos habitantes.
89
Estes valores não são revelados num relance. Quando um visitante observa e avalia um
meio ambiente desmatado, pronto para receber as sementes para o cultivo, sua “lente” pode
estar distorcida pois sua visão é de uma pessoa de passagem, uma visão superficial e
frívola: pouco importa, comparado com as atitudes das pessoas que vivem nas fazendas
desmatadas. Sem querer justificar tal desmatamento, o que ocorre é que, como explicado
por Tuan (1980, p. 74), a terra nua conta “estórias de suor honesto, de trabalho persistente e
recompensa final, em resumo, as clareiras que para mim eram feias, para eles eram um
símbolo fragrante de lembranças morais e cantava um verdadeiro hino ao dever, à luta e ao
sucesso”.
Tuan (1980, p. 91) comenta ainda que, o meio ambiente natural e a visão do mundo estão
estreitamente ligados. Esta visão de mundo, se não é feita por uma cultura estranha ao local,
é constituída dos elementos ilustrativos do ambiente social e físico de um povo. Como meio
de vida, a visão do mundo reflete os ritmos e as limitações do meio ambiente natural.
Nesse sentido, Yi-fu Tuan (1980) define “topofilia”, um termo criado por ele, como um elo
afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico. Para Tuan, a familiaridade gera afeição
ou desprezo, sendo que a consciência do passado, o que permite a familiaridade, é um
elemento importante no amor pelo lugar. O patriota procura explicar seu amor dando ênfase
às suas raízes. Os povos analfabetos podem estar muito afeiçoados ao local onde nasceram
e/ou viveram, sua origem, mas quando procuram explicar a sua lealdade para com o lugar,
ou apontam os laços com a natureza ou recorrem à história.
Também nesta ótica, Diegues (2000) menciona uma disputa política, pois o olhar das elites
urbanas (políticas, ambientalistas) tende a privilegiar o estético, o paradisíaco, e também o
“selvagem”, ao passo que as comunidades locais privilegiam o lugar, o espaço onde vivem,
onde trabalham e se reproduzem socialmente, isto é, o seu território.
De acordo com Saldanha (2006), a territorialidade se constitui e se constrói através dos
tempos e das gerações, através da transmissão das tradições e principalmente, através da
capacidade do homem em conferir ao “espaço” um significado simbólico e prático
transformando-o assim em “lugar”.
90
O prazer visual destes “territórios”, isto é da natureza, varia em tipo e intensidade. Dessa
forma, um turista, com contatos superficiais com a natureza, tem a máquina fotográfica
como objeto indispensável para comprovar a si mesmo e aos outros que esteve em
determinado local, por exemplo, uma das belas lagoas da Planície de Inundação do Alto
Rio Paraná. Quando percebe que a fotografia ficou estragada, é como se esta lagoa tivesse
deixado de existir. Como manter esses registros, estes locais, entre tantos outros ou entre
muitos outros estímulos, alguns não relacionados ao ambiente? Certamente este turista
pouco tem de sentimentos com os ambientes que visita ou tem menos afetividade que os
moradores locais. Segundo Tuan (1980, p. 110), a apreciação da paisagem é mais pessoal e
duradoura quando está mesclada com lembranças e incidentes humanos. Também perdura
além do efêmero quando se combinam o prazer estético com a curiosidade científica. “O
turismo tem uma utilidade social e é benéfica à economia, porém não une o homem à
natureza”.
A viagem da cidade para o campo ou para áreas de lazer fora das cidades grandes é um
sinal de escape do estresse diário e de vontade de estar em ambiente diferente. Assim,
reconhece-se que o campo é a antítese da cidade, independente de suas condições de vida.
No entanto, em uma outra perspectiva, a natureza virgem ou selvagem, e não o campo, nas
palavras de Tuan (1980, p. 125), é o pólo oposto da cidade, inteiramente feita pelo homem.
O campo seria uma paisagem intermédia, quer dizer nem selvagem nem urbano. Dessa
forma, o ideal mundo intermediário do homem está colocado no mito agrário, entre a
cidade e o ambiente selvagem. Porém, tanto as cidades quanto as fazendas em expansão (a
paisagem intermédia) são, no ponto de vista de Tuan (1980), percebidas como inimigas de
uma natureza intacta.
Nesse trabalho nos referimos a “selvagem” como algo natural, ou desconhecido, até mesmo
bonito na esperança de podermos preserva-lo como se de uma floresta se tratasse. Embora a
Bíblia se refira à selvagem como um lugar de desolação, uma terra inculta freqüentada
pelos demônios, para Tuan (1980, p. 128), o termo “selvagem” não pode ser definido
objetivamente: é tanto um estado de espírito como uma descrição da natureza e, como se
estivesse fazendo graça, diz que “o verdadeiro selvagem somente existe nas grandes
cidades tentaculares” e faz uma comparação com motivos selvagem-paraíso: seria selvagem
91
o deserto, o caos (domínio dos maus espíritos) em oposição ao paraíso de um Oásis (uma
cidade jardim); a selvagem floresta em oposição a um mosteiro, uma universidade ou um
seminário; um “paraíso” selvagem protegido em oposição à “selvagem” metrópole
moderna.
Polinari (1999) investigando as percepções ambientais de freqüentadores da praia de Pontal
do Sul, no Paraná verificou as dimensões sócio/interativas (nichos de consenso
sócio/interativos) neste local. Identificou, por meio das entrevistas com diversos grupos, as
percepções que distinguiam determinados locais: “praia de farofeiros”, “praia de família”,
praia de pescadores entre outros e atritos entre grupos.
De forma semelhante, pode-se situar qual a percepção de um grupo de moradores de Porto
Rico que passou e passa pelas mudanças culturais, sociais e econômicas. Procura-se
estabelecer como estes grupos percebem a dinâmica de seu ambiente (ilhas e cidade) e a
sua dinâmica social (subsistência), bem como suas percepções em relação ao outro grupo
(turistas/moradores).
Para Polinari (1999), a semiótica nos permite observar a diversidade de interações
ambientais que ocorrem em determinado meio, traduzidas por diferentes grupos sociais ao
utilizarem os mesmos espaços, significando que um ambiente é polissêmico, isto é, que
reúne vários significados em uma palavra, e cada grupo social interage com ele, moldando-
o segundo seus consensos. Podemos perguntar em relação ao nosso trabalho: como interage
o grupo dos moradores que acompanharam as alterações ambientais ao longo dos anos (de
1982 até os dias atuais) e o grupo de turistas, visitantes e/ou veranistas que pouco tempo
se relaciona com a comunidade?
Polinari (1999) chama nossa atenção para os problemas dos discursos fundados na
concepção cartesiana e alerta para o reducionismo presente nas frases como “o homem
degrada o ambiente”. E questiona: qual homem? A que sociedade ou dimensão da
sociedade ele pertence? Ou a frase “vamos resgatar tal cultura”. Para o autor (1999), existe
nestas frases uma ingenuidade reducionista da diversidade das interações no indivíduo. De
acordo com Polinari (1999) uma cultura não se resgata, fala-se agora sobre o que se sente e
92
o que se entende dela com base em indícios e em nossos consensos cognitivos. No máximo
se incentiva sua continuidade.
Como descreve Ferrara (1999a, p.63), os sujeitos emitem e recebem a mensagem por meio
de signos. Emissores e receptores são sujeitos que operacionalizam as representações,
mentes humanas que produzem significados a partir de signos. Estes significados,
oferecidos pelos diversos signos, não é algo fixo, pois depende do observador. Sua
profundidade ou eficiência dependerá do conjunto de informações que o receptor possui
sobre o objeto representado e suas possibilidades de representação.
93
4 ILHÉUS E TURISTAS: A PERCEPÇÃO DOS DOIS ATORES
ACERCA DO RIO E DAS ILHAS DE PORTO RICO
Proteger o meio ambiente do jeito que eles tão
querendo, não protege. se protege o meio ambiente
[...] conversando com as pessoas, fazendo amizade
com as pessoas. Como é feita a fiscalização aqui não
protege.
E preservar, quem vai preservar somos nós, que
sabemos como é que preserva.
(Sr. Otávio, pescador de Porto Rico, 66 anos)
4.1 Os moradores das ilhas: percepção do ambiente e de suas vidas
Ao longo destes últimos vinte e quatro anos, desde 1982, ocorreram diversas alterações
ambientais na região de Porto Rico e estas levaram, conseqüentemente, a alterações sociais.
Como os moradores locais indicam-nos estas mudanças? Para responder esta pergunta, pelo
menos, parcialmente, dado o número de entrevistados, apresentaremos as percepções do
grupo por meio de fragmentos das entrevistas. Estas entrevistas foram realizadas no período
de junho de 2004 a novembro de 2005, com 30 moradores e ex-moradores das ilhas,
habitantes da cidade de Porto Rico sobre suas percepções sobre a região, quando a
conheceram, como a vêem atualmente e como pensam que será o futuro do local.
Como na maioria dos ambientes alterados, o passado evoca boas lembranças, sobretudo
para os moradores mais velhos quando a “vida era melhor antigamente, com mais saúde e
fartura”. Silva (2002, p. 131) descreveu lembranças dos moradores da ilha Mutum em Porto
Rico, que apontavam a fartura da região: peixes em quantidade, bananas em abundância,
assim como roças de café, abacaxi e laranja, bem como galinha, leitão e gado. Esta
produção chegava até a cidade, imprimindo uma maior dinâmica ao comércio do
município, que podia manter, e mantinha, um maior número de moradores - 6.192
habitantes em 1970 (VAZZOLER; AGOSTINHO e HAHN, 1997) e, após as alterações
ambientais - 2.136 em 2005 (IBGE, 2006).
Tuan (1980) descrevia o profundo apego a terra pelo camponês, comentando que eles
conhecem a natureza porque ganham a vida com ela, a natureza é parte intrínseca deles,
94
moldando nesses fortes um sentimento de fusão testemunhado por seus músculos e pelas
suas cicatrizes. Para estes entrevistados, o sentimento de amor pelo lugar é difícil de ser
expresso verbalmente, por ser o lar, o locus de reminiscências e o meio de se ganhar a vida.
[...] eu digo a minha ilha porque não tenho terra no seco, era nossa, terra da
união, mas nós tínhamos nossos direitos. O que é que era a ilha? A ilha é a
benfeitoria que você faz, então você faz uma casa, um chiqueiro dum porco, um
galinheiro, uma área de terra, cultiva aquela terra para plantar o alimento, o
milho, o feijão, o arroz, um pouco de tudo, você planta, né. Então é a sua ilha,
seu jeito (Sr. Otávio, 66 anos).
Essa fala evidência o prazer em ter algo seu, feito por suas mãos e poder chamar de seu:
“minha ilha”, se referindo ao seu pedaço de chão. Como diz Tuan (1980) como traduzir o
sentimento pelo lugar senão por suas lembranças, por considerar ser o seu lar, seu castelo,
seu jeito.
[...] eu tinha uma faixa e fulano outra faixa. Era dividido. Quem tinha mais dava
um pedaço pro outro. O cara queria trabalhar, se mudava com a família e a gente
dava um pedaço para ele, porque naquele tempo era terra da Marinha, e havia
uma capitania da Marinha que distribuía. Às vezes tinha algum atrito entre um e
outro, mas era resolvido por uma espécie de delegado [da marinha] (Sr. Otávio,
66 anos).
A declaração anterior mostra que o termo “minha ilha” era realmente as construções que se
faz sobre a terra, pois era sabido pelos moradores que as terras nas ilhas eram
propriedades da Marinha. Nesta fala se evidencia também a solidariedade entre os
moradores, apontado por Silva (2002) e Tommasino (1985). Embora a fala se refira a
divisão de terras, Silva (2002, p. 139) comenta que a colaboração mútua era também uma
forma de superar os desafios de se viver em uma comunidade restrita que precisava se
manter com as condições que tinham.
[...] os filhos não querem ficar aqui. Criei tudo aqui, mas não querem ficar não.
Quem gosta daqui? Ninguém gosta daqui não. se for doido! Eu não gosto
daqui, detesto isso aqui [...] Na cidade não taria melhor, eu detesto a cidade
[esposa], eu queria sair daqui e morar num sítio, numa chácara, não tenho paixão
por cidade. Eu gosto de estar criando, vendo planta, vendo horta, plantando
milho, plantando uma mandioca. Eu gosto de roça. Eu trabalharia o dia inteiro
na roça. (Sr. Zé Mineiro e esposa, 72 e 53 anos).
A fala parece contraditória, mas existe uma coerência na voz do agricultor que quer se
manter na terra e a cidade que ele conhece, a forma de vida que os amigos que saíram das
ilhas e habitam as vilas rurais na cidade levam, não parece melhor que as condições que ele
95
tem na ilha, ou seja, as condições que os órgãos públicos oferecem para sair das ilhas não o
atrai.
[...] são pessoas que foram criadas dentro [ilhas], criaram a família dentro,
então tem um amor aquele pedaço de chão incalculável (Dona Sueli, 48 anos).
Novamente Tuan (1980) é lembrado nessa fala em que a consciência do passado é um
elemento importante no amor pelo lugar.
[...] estes jovens que saíram de [das ilhas] não tem aquele orgulho... “ah,
porque é da minha terra, eu me criei aqui”. Eles não querem saber disso, eles
querem a modernidade, eles não vão voltar pra lá (Dona Sueli, 48 anos).
Mas se os mais velhos possuem um gostar maior pelo lugar a ponto de não quererem sair,
parece que os mais jovens não têm este mesmo apego. Para muitos as ilhas não são lugar
para jovens solteiros, pois não há muito que fazer em termos de relacionamentos ou
diversão. Este ambiente insular pode ser visto como um obstáculo aos contatos.
[...] eu gosto mais da ilha, meus irmãos gostam mais daqui [da cidade], é que
não tem nada pra fazer. Aqui, no domingo a gente sai, vai à barranca do rio [...]
Quando era pequena, minhas lembranças das ilhas eram os bois, meu pai
também tinha, havia muitas frutas, banana. Depois que o mato fechou muito
pernilongo (Rosangela, 17 anos).
Nesta fala, uma jovem moradora insular confessa seu gosto pela casa na ilha, ressaltando
que os irmãos preferem a cidade. As questões sobre a continuidade dos moradores nas ilhas
tornam-se incertas, devido à legislação vigente indo contra a permanência dos ilhéus nas
ilhas e à própria preferência desses, quanto às facilidades encontradas na cidade.
Quanto ao presente e ao futuro da cidade, os entrevistados dizem-nos que:
[...] os fazendeiros grandes compraram os terrenos todos em roda [da cidade],
para onde vai crescer a cidade? Para melhorá Porto Rico tinha que fazer uma
fábrica de torneira, de mandioca, que eu vou vender minha mandioca em Monte
Castelo, Nova Loanda. Não tem nem uma máquina de café, aqui. Porque Monte
Castelo crescendo? O ambiente aqui é bom, a saúde é bom, se precisa ele [o
prefeito, a prefeitura] manda a gente pra fora, não tem do que reclamar da saúde,
mas não tem emprego (SRª. Ana. 58 anos).
O fato de a cidade estar “ilhada”, cercada por fazendeiros e, aparentemente, não ter para
onde crescer é preocupante para alguns moradores, embora a preocupação mais importante
seja a falta de empresas que ofereçam empregos à população.
96
[...] primeiramente tinha tanta da gente aqui, que o senhor entrava nesse ginásio
e fica tropicando com o povo. Hoje conta as crianças que estuda aqui. Ainda
cê vê um pouquinho de dia, mas de noite... (Srª. Ana. 58 anos).
Aparentemente, a falta de empregos no município está levando a um êxodo para cidades
maiores, que ofereçam mais educação e condições de trabalho.
[...] e preservar, quem vai preservar somos nós, que sabemos como é que
preserva (Sr. Otávio. 66 anos).
Esta fala revela, sem modéstia, a sabedoria popular. Deveria ser espalhada aos “sete
ventos” porque, quem conservou a região, até o aparecimento das barragens, foram estes
fortes, pescadores que sobreviveram às cheias naturais, às duras condições nas ilhas e à
falta de pescado, ocasionado pelas falta de cheias naturais decorrente do represamento da
água para a formação dos lagos das hidrelétricas.
Porto Rico é uma cidade pequena, aparentemente sem violência, com os moradores
geralmente se encontrando no final do dia, na barranca, à beira do rio Paraná para
conversar. Nessa cidade, praticamente todos se conhecem. Depois das modificações
provocadas no rio e nas ilhas pela instalação das usinas hidrelétricas, os moradores locais
sentiram as mudanças em seus modos de subsistência. Ao lado destas transformações, a
cidade, hoje, recebe turistas.
Para o sr. Otávio (66 anos) as águas mudaram este sistema de subsistência:
[...] antes das barragens havia muita fartura de alimentos, uma fartura muito
grande tinha aqui, todo mundo vivia tranqüilo, o pescador pescava, pegava bem
peixe, porque tinha peixe, né. Se precisava de um frango tinha, uma leitoa tinha,
o que você precisava tinha ali [nas ilhas] e, de repente, essas águas veio subindo
e, como a gente já estava acostumado, pois eu já estava a 17 anos na ilha.
Quando eu entrei tinha outros moradores mais antigos, pois quando saiu, em
1975, Ney Braga construiu uma escola, foi na época que mudei pra lá, eu
morava aqui [em Porto Rico], pois minha senhora foi dar aula. Naquela época
tinha 490 família, que eu fiz o recenseamento, da ponta do Cágado até a ponta da
Mutum [Ilha em frente a cidade de Porto Rico] (Sr. Otávio. 66 anos).
Esses locais eram férteis, pois as enchentes deslocavam os nutrientes e a matéria orgânica
que, por sua vez, fertilizavam o solo das ilhas
38
. As novas enchentes artificiais mudaram
38
Muito antes que os homens construíssem as primeiras cidades, os rios inundavam suas margens durante a
época das chuvas. No mundo existem planícies de inundação que representaram grande importância no
desenvolvimento de antigas civilizações. Um exemplo é o Rio Nilo, no Egito, que durante as enchentes
carreava consigo uma lama constituída de material orgânico que se depositava em várzeas que eram
97
esse ciclo, rompendo o que Diegues (1999) chamou de complementaridade entre
populações tradicionais e natureza. Até mesmo a população da cidade esperava e
necessitava da produção dos moradores das ilhas.
A professora Sueli (48 anos) e ex-ilhéu retrata a sua família neste percurso da história das
pessoas e da região:
[...] era com muita dificuldade, mas todo mundo nessas ilhas tinha roça, tinha
bananais, tudo que você imaginasse tinha de plantação, chegava numa ilha
dessas, numa casinha, taperazinha, barreada de barro, de bambu, você entrava
num quarto ali e tinha sacaria de feijão, sacaria de arroz, sacaria de farinha de
mandioca, milho, tudo cheio, até a laranja e a manga (Dona Sueli e marido, 48 e
46 anos).
[...] eu fui moradora de ilha, meu pai morou na ilha, e eu me lembro que nós
tínhamos uma fartura muito grande. Eu vim ver necessidade depois que
mudamos para [para a cidade de Porto Rico], na minha época de criança,
porque tinha o porco, a galinha, a vaca de leite, coisas na porta, à vontade,
verdura, tudo que você imaginasse. Então nós, na minha infância, 6, 7 anos eu
não sabia o que era comprar. Eu me lembro que meu pai vinha a Porto Rico
comprar açúcar pra por na mamadeira da minha irmã pequena. Assim mesmo era
feito o melado da cana de açúcar. (Dona Sueli e marido, 48 e 46 anos).
Sr. Toninho (42 anos) que trabalha com travessia e aluguel de barcos também reafirma essa
dimensão da produção de alimento local:
[...] a ilha Mutum teve época, eu era molecão, meu pai puxava banana das ilhas,
chegou a ter 70, 80 famílias, famílias grandes, com 8, 10 pessoas [em cada
família], era uma cidadezinha a ilha Mutum. Então produzia arroz, milho, tudo.
Criação de galinha, porco, bananais fechados de banana. Vinha caminhão buscar
para doçarias. Tudo saia das ilhas (Sr. Toninho 42 anos).
[...] O problema do rio é que os peixes não desovam mais. Nós não temos
aumento de peixe, porque não tem água, o rio seco, não enchente. Os
peixes que existiam aqui, em abundância, hoje é raro. Eu cheguei a ir em praia
com meu finado pai, dar um lance de arrastão em cima de uma praia e tirar 600,
700 quilo de peixe. Vovir com o bico do barco aterrado. Um lance, que três
homens não agüentam arrastar e jogar para cima da praia. (Sr. Toninho 42 anos).
Estas manifestações ecoam entre os moradores mais antigos de Porto Rico. Ao
entrevistador que recorre aos problemas ambientais originados pela implantação das
hidrelétricas e pela criação das UCs, fica difícil compreender qual era esta quantidade de
aproveitadas para agricultura. Outros exemplos são os rios de água barrenta da Amazônia que carregam
sedimentos que arrancaram da Cordilheira dos Andes e de outras regiões por onde passam. Na enchente,
depositam no solo esses sedimentos, adubando quilômetros nas vizinhanças do rio. Ali, quando as águas
baixam, as plantações nascem viçosas. (OLIVEIRA; SALLES & CONCEIÇÃO, 2006)
98
alimento, porém é de pensar que as famílias eram numerosas e que dependiam do plantio,
colheita e de seu armazenamento por vários meses do ano.
[...] mas fartura sempre teve. Aqui cansamo de botar 60 sacos de arroz dentro
da casa, nós botava 30, 40 [sacos] de feijão, milho. Não vivia comprando, os
frangos cantava e virava tudo galo, as franguinhas virava tudo galinha, tinha
muito peixe para a gente salgar, tinha muito porco. Criei meus filhos na fartura,
eu botava miúdos de molho para ralar para fazer cuscuz, fazer polenta. Na
fartura era melhor antes, era mais difícil para gente, mas difícil ainda hoje é.
Tudo que plantava tinha, mandioca tinha o ano inteiro, abobrinha tinha o ano
inteiro. Agora não tem nada, nóis veve do salário (Sr. Zé Mineiro e esposa, 72 e
53 anos).
Ainda sobre a fartura das ilhas, Dona Ana, entrevistada de 58 anos de idade (aluna de
alfabetização e ex-ilhéu) relatou que:
[...] nas ilhas era bom antigamente, nós nos criamos em oito, a gente plantava e
colhia de tudo, tinha fartura. Agora não pode plantar nada lá. Dinheiro mesmo
nós não tinha, mas tinha porco gordo no chiqueiro, lata de porco [banha] que
naquele tempo não tinha geladeira, era tudo untado, dentro daquela lata. Tinha
fartura. Inclusive tinha uma época que um irmão que fica em “Louveiro”,
queimou um quarto maior que este aqui [sala de aula, cerca de 25 m2] cheinho
de milho, arroz, um monte de coisas que eles plantavam. Os miúdos de porco
essas coisas, a gente não comia, jogava tudo no rio (SRª. Ana, aluna da
alfabetização, 58 anos).
Estes moradores/entrevistados trazem-nos um sentimento de riqueza e de fartura entre os
ilhéus, sendo essa também a percepção de Tommasino (1985) quando esta comenta sobre
as trocas de mercadoria, quase sem o uso de dinheiro entre os ilhéus. Embora essa prática
limitasse a compra de mercadorias no continente, nas ilhas era corrente. Tommasino (1985)
destacou essa prática como característica de momentos especiais como na doença ou morte
de algum morador/ilhéu.
[...] eu tinha uma faixa e fulano outra faixa. Era dividido. Quem tinha mais dava
um pedaço pro outro o cara queria trabalhar, se mudava com a família e a gente
dava um pedaço para ele, [...]. Mas ninguém ficava com o “bucho na rua”, ia
morar na ilha, fazia a rocinha dele, três, quatro meses, os outros ajudava, né.
Você não tem cimento não tem uma leitoa, um frango. O vizinho dava pra
começar, e foi muitas famílias assim, nos alojamos (Sr. Otávio e esposa, 66 e
65 anos).
[...] na enchente de 1982, nóis num passamo precisão de nada. Eu não vivo de
vender peixe não, o pessoal levava, um levava, outro levava, eu dava o peixe.
Eu dava condução pra quem não tinha. Eles iam com nóis. Comiam com nóis.
Dava peixe, dava carne de porco, dava arroz, nóis num ficava matando na unha
não. Um ajudava o outro aqui na ilha. is sempre tinha as coisas, graças a
Deus. Aqui tinha muitos vizinhos, era um pelo outro. Aqui ninguém tinha briga,
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era um povo muito unido. Era tudo família. Em fevereiro de 2006 vai fazer 50
anos que estou aqui na ilha (Sr. Zé Mineiro e esposa 72 e 53 anos).
Havia um sentimento de proteção e ajuda - mútua entre os moradores. Maldonado (2000, p.
61) com a mesma perspectiva de Tommasino (1985) comenta que:
[...] como em outras formas de articulação com a natureza, isto [o patrimônio
comum] se viabiliza mediante outros conceitos também nascidos do social,
princípios que a comunidade afirma com sua própria existência, em normas e
costumes que no caso fundamentam a própria sociedade: a solidariedade e a
ajuda mútua. Essas atitudes, aliás, tendem a se expressar recorrentemente,
mesmo que sob formas diferentes em sociedades não-modernas, e não raro o
fazem em termos da troca, que assim se identifica como o princípio subjacente a
todas as relações sociais.
O rio Paraná deixou lembranças na vida dos moradores de Porto Rico, memórias de bons
tempos.
[...] o rio era bastante puro, a água era limpa, tanto é que a gente não tinha poço,
a maioria dos ilhéus tomava água do rio, não tinha o hábito de ferver, de filtrar,
nada. Tanto para beber como para cozinhar. E não havia problemas de vermes,
de doenças, não na minha família, que era uma família grande, uma turma de
10 filhos, e nem na vizinhança (Dona Sueli, 48 anos).
[...] e não tinha doença. O filho mais caro que eu tinha não gastamos mil contos.
[esposa] falam que hoje não se pode mais tomar água desse rio e nós nunca
fervemos água, e criamos 10 filhos. Levamos no posto de saúde, mas dizer que
deu febre de gastar dinheiro com criança, doença. Nunca houve disso (Sr. Otávio
e esposa, 66 e 65 anos).
[...] saúde tinha pra dar e vender. Eu lembro que em casa nós fomos criados
em oito, e não estudávamos, meu pai, aqueles véio antigo, não deixava a gente
estudar. Mas doente a gente não ficava, nem ouvia falar. A única coisa que a
gente pegou foi sarampo e rubéola, porque não tem as vacinas que tem hoje. A
gente tinha poço, mas muita gente tomava água do rio (SRª. Ana, 58 anos).
A percepção de Ana é a de que a saúde está ligada à prática de produção de seus próprios
recursos de subsistência e, é claro, aos processos naturais da água e ciclos de plantio. Como
disse o Sr. Otávio:
[...] naquele tempo o rio enchia, 15 de outubro nos esperava um reponto, sujava
a água, a água ficava igual pasto. que era peixe com fartura. Pesquei de
profissão por 20 anos. Ali eu plantava arroz, plantava feijão, plantava a roça e à
noite, de umas horas em diante, eu ia pro rio pescar (Sr. Otávio 66 anos).
O conhecimento tradicional do pescador como é realçado pelo Sr. Otávio indica que essa
quantidade de alimento, os peixes, desapareceram com a interrupção das cheias pela
retenção de água pelas barragens à montante de Porto Rico.
100
[...] naquele tempo você chegava nas margens do rio e ficava naquela moita de
capim, capim jaraguá. Hoje não mais uma moita de guapé beirando o rio que
não tempo. Começa a querer formar e vem a água, suspende ela e quando
baixa já leva ela embora (Sr. Otávio, 66 anos).
A mesma percepção está presente em Toninho e em Sueli e marido:
[...] todo ano, pegava de novembro, dezembro, até março o rio enchia, era
sagrado, todo ano nós tinha enchente. era a época da desova do peixe, o
peixe desovava na época certinha. Quando o rio baixava era fartura, muito peixe.
Então as lagoas ficava cheia de peixe e todo ano era bom (Sr. Toninho, 42 anos).
que não existe o que existe hoje. Nessa época, o rio já começava a pensar em
repontar, todo mundo sabia que o rio ia repontar. E o que acontecia? O peixe
nessa época repontava e enchia as ilhas, enchia o varjão tudo e o peixe desovava.
Quando fosse o começo do ano o rio baixava, a água não faltava, o peixe grande
saia, o filhote ficava. O ano que vem acontecia o mesmo sistema, o rio enchia,
esses filhotes o ano que vem, tava tudo um tamanho mais ou menos, saia pro
rio. Então todo ano tinha peixinho novo no rio, todo ano. Era pacuzinho, era
curimbinha, e não tinha seguro [salário mínimo dado ao pescador profissional na
época do defeso] como tem hoje. E o culpado é a barragem. Ela travou. O rio
não encheu mais por causa dela. E vai raseando o rio, é areia, areia (Sr.
Toninho, 42 anos).
[...] O problema do rio é que os peixes não desovam mais. Nós não temos
aumento de peixe, porque não tem água, o rio seco, não enchente. Os
peixes que existiam aqui, em abundância, hoje é raro (Sr. Toninho, 42 anos).
[...] antes era melhor, a gente ia pro rio e pegava bastante peixe, hoje ninguém
vai pro rio, num pega nada. (Dona Sueli e marido, 48 e 46 anos).
Estas constatações do passado são evocadas para marcar as grandes diferenças com os
problemas do presente com o Incra e a fiscalização do IBAMA e IAP, além da polícia
florestal
39
:
[...] meu sogro tem um sítio de 10 alqueires e tudo que ele fez dentro daquele
sítio foi pra por dentro dessas ilhas. Ele tem mais de 100 alqueires de ilhas, que
foram comprados e não foi barato não. Ele tinha bastante gado. Eu não sabia o
que era comprá um pacote de arroz e não tinha maquinário, num tinha nada não,
era no braço mesmo, arroz, milho. De repente acabou tudo. Meu sogro, as
últimas palavras dele, os últimos pensamentos dele no hospital: - O que é que
eu fiz da minha vida? O que vou deixar para os meus filhos? O que eu tenho é
esta ilha, e agora já nem posso entrar dentro”. Ele morreu esperando a
indenização. E assim até hoje. O INCRA
40
dessa ilha nossa sai mais caro que
os 10 alqueires e pagando até hoje. Se não pagar é pior, porque tá no nome do
pai e tem que pagar. E não pode fazer nada nas ilhas, nem entrar lá. que todo
ano vem o INCRA pra pagar (Dona Sueli e marido, 48 e 46 anos).
39
A Polícia Florestal tem como missão legal a fiscalização ambiental, através do policiamento ostensivo,
visando a conservação e preservação do meio ambiente, com maior ênfase na prevenção, no sentido de
orientar e dissuadir ações que representam transgressões à legislação ambiental (POLÍCIA FLORESTAL,
2006).
40
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
101
A depoente não aceita a obrigação de os moradores pagarem o INCRA de uma área na qual
não podem trabalhar. São obrigados a quitar dívidas com o Estado, porém este os impede
de plantar e criar animais – de viver nesse local.
A relação ambígua com a terra que por muitas décadas forneceu alimento e hoje fornece
apenas dívidas, pode ser pensada por Tuan (1980). Este autor fala do dilema pelo lugar de
camponeses que trabalham duro em suas terras e dependem de suas colheitas. Estes
desenvolvem um sentimento de amor e ódio pela terra: se a colheita vai bem o agricultor
sente-se bem, se há problemas ele desenvolve um sentimento negativo pelo local. Se
normalmente a agricultura tem altos e baixos, o que dizer, então, dos ex-ilhéus que estão
ligados a uma burocracia kafkaniana, relacionados a uma nova condição de modalidade da
terra: a pertença de uma Área de Proteção Ambiental que traz novas restrições para os
moradores.
[...] a minha área era de 18 alqueires, eu estou hoje com um hectare, e fui
multado estes dias porque plantei. Multado em 2000 contos. E você não tem pra
quem gritar (Sr. Otávio, 66 anos).
A revolta do Sr. Otávio é grande. Quem plantou durante décadas nas ilhas, criou os filhos
com os frutos deste trabalho, viveu da pesca em suas horas disponíveis e depois perde sua
autonomia diante da nova legislação que altera a forma de uso da terra vê-se como o Sr.
Otávio, sem recursos políticos e legais para questionar a mudança. Arruda (2000), comenta
estes atos, por exemplo: a pesca, a feitura das roças, a criação de galinhas ou porcos, a
construção de um quarto para o filho que se casou, como atos considerados naturais e
espontâneos que passam a ser condenados como atos criminosos em função das novas leis e
regras das UCs. A população local e tradicional é transformada em perseguida e penalizada.
Os depoimentos do Sr. José apontam a inflexibilidade e a rudeza dos fiscais ambientais:
[...] esse negócio das ilhas, tiraram o povo na marra, corrido – baita sem-
vergonhice. O meu pai tinha ilha aqui na frente. Quando é um dia chegou a
polícia, era com ordem do promotor, invadiram, proibiram, quem teimasse era
multado e tiveram que abandonar até a ilha. O meu pai com porco, plantação [...]
deixou tudo abandonado. Acho que tem porco até hoje espatifado pelas
ilhas. O Pedro plantando uns pezinhos de mandioca, foram e multaram o
homem em não sei quantas mil OFIR, por causa de plantar um de mandioca
na beira do clube pra poder comer (Sr. José, 55 anos).
102
[...] fiscal chega a puxar o bigode de pescador até sair sangue, outro apanhar de
mangueira. É uma barbaridade. Nunca teve um representante que saísse daqui, ir
e tomasse providência contra um cidadão desse. E o pescador perdia tudo, a
tralha, o peixe, apanhava e ainda saia correndo, entrando escondido no mato.
Quando começo a contar fico revoltado... O pessoal não conhece os direitos dele
(Sr. José, 55 anos).
São, na verdade, denúncias dos excessos das entidades fiscalizadoras que não
compreendem a mudança ambiental (a transformação de terras em APAs) como mudança
nos hábitos tradicionais. Certamente é grande a resistência à mudança de membros das
comunidades tradicionais, principalmente os de idade avançada. Os fiscais agem dentro da
lei, mas uma lei gestada fora da vivência dos ilhéus. No depoimento a seguir, o Sr. José
conta-nos que conhece outros métodos de se lidar com o morador das APAs:
[...] no ano de 2002 teve três biólogos do Pará, da região amazônica, que tem
o desenvolvimento sustentado, lá tem área de preservação, tem tudo, mas o
nativo, as pessoas nativas, eles fazem a adaptação com que as pessoas não
precisem sair da área dele para preservar. Ele tem que sobreviver, ganhar mais
do que ganha com as coisas que fazem parte da preservação. Acho incrível ter
que tirar este povo daí [das ilhas]. em Rondônia, Pará, Amazônia pra lá, eles
não tiram daí o pessoal, as pessoas tem que conviver na mata sem destruir (Sr.
José, 55 anos).
A fala do Sr. José nos lembra a Reserva de Desenvolvimento Sustentado de Mamirauá,
AM, na qual percebemos que a presença humana tem contribuído para a preservação desta
área e para a manutenção da biodiversidade. Pimbert e Pretty (2000) insistem na existência
de um novo paradigma em que múltiplas atividades de subsistência das comunidades rurais
não são incompatíveis com a conservação da biodiversidade e que, sob certas condições, a
participação comunitária no manejo dos recursos naturais pode ajudar a manter e mesmo
aumentar a diversidade biológica dentro e ao redor das áreas protegidas. Assim,
acreditamos que não possibilidade de sustentação política de longo prazo para uma
reserva deserta de pessoas, cuja importância econômica local é relativamente grande. Além
disso, manter as populações ribeirinhas permite que estas tenham um papel expressivo na
fiscalização que hoje não poderia ser atendida de maneira eficiente pelos órgãos federais
competentes.
[...] querem que os coitados saiam de [das ilhas] e venham tudo para a cidade.
Se esse povo vier para a cidade vai ter que roubar porque ninguém vai passar
fome. E a pessoa que mora não é acostumado a fazer isso. E quem tem quatro
filhos como é que faz? Tem que ter uma estrutura para eles virem para a cidade.
A pessoa não sabe o que faz. O pior que eles vão e eles fazem isso. Queriam
103
meter multa em minha mãe porque ela tava muito “bocuda”. Minha mãe disse
que - eu criei meus filhos tudo aqui e nunca ninguém veio aqui com desaforo,
agora vocês tão vindo com desaforo (SRª. Ana, 58 anos).
Os depoimentos do Sr. José e da Sra. Ana mostram que os ex-ilhéus não acatam as novas
práticas. Silva (2002) critica o modo dos fiscais ambientais de efetuar uma mudança
ambiental que troca os homens pela ecologia quando comenta que aos ex-ilhéus fica o
lema: “Sem terra, sem rio, sem peixe, sem estudo, sem trabalho”. Estes moradores
ancoraram suas vidas na sua força direta de trabalho e, sem suas tradições, sem instrução
escolar foram para uma cidade sem estrutura para recebê-los.
Quanto à presença dos turistas na cidade, uma moradora entrevistada, Rosangela, 17 anos
disse:
[...] a maioria das meninas não tem contato com os turistas, porque a imagem
que o turista tem, principalmente com o pessoal da pousada, das meninas daqui,
é que elas não valem nada, que é pegar aqui e levar pra , entendeu? Senhor
de 50 anos, passando na rua, eles param de noite, mexem com você,
perguntam se você quer ir pra pousada. A maioria das meninas daqui não
conversam... Às vezes conversam quando o rapaz é educado (Rosangela, 17
anos).
Rosangela sente-se assediada pelos turistas. A percepção da moça é que os turistas esperam
das jovens da cidade serviços e favores não explícitos.
Embora alguns moradores sobrevivam do turismo, outros dizem que:
[...] o turismo, pra mim, não trás nada. Porque, quem limpa casa, pega uma casa
para limpar. Isso, no meio de dez, quer dizer, dez pega, e noventa fica de fora.
Onde vai ter tanto turista também? Na festa eles trazem sua comidinha. A maior
parte daqui faz compras pra fora. Eles dizem que aqui é caro. Nós faz [as
compras] em Monte Castelo
41
. Tudo aqui é mais caro (Srª. Ana, 58 anos).
[...] em Porto Rico precisando de uma loja barateira pra gente, que a gente
sai daqui e vai pra Loanda fazer compras, vai pra Porto São José fazer compras,
que no Porto Rico a senhora não pode fazer uma compra que fica por cem contos
e no RM [mercado] em [Porto] São José fica por sessenta. Quer dizer que a
gente ganha aquele. E é por isso que o Porto Rico vai sempre pra baixo. Porque
diz que é cidade turística, então eles botam a faca e o pobre vai pagar pelo preço
do rico, que o pobre não pode, fica na marra. Então é que a gente foge, vai pro
RM, pra [Porto] São José. Então os turistas também não vai comprar quase nada
aí não, já traz de lá (Sr. Zé Mineiro, 72 anos).
41
Santa Cruz de Monte Castelo. Cidade a 24 Km ao sul de Porto Rico
104
O turismo traz benefícios financeiros à cidade, mas também traz especulação imobiliária e
aumento do custo de vida aos moradores. O sentimento causado em alguns moradores pela
presença dos visitantes parece ser o de desagrado.
Dona Sueli e seu marido fazem também outras considerações sobre o turista:
[...] o turista seria até uma solução, mas teria que ter uma estrutura melhor em
Porto Rico para receber, atender esses turistas. Eu acho que nossa estrutura ainda
é muito frágil. O turista, a maioria traz de fora todo o tipo de coisa necessária.
Teria que ter mais atrações, um cinema, um parque cultural. Nós não temos nada
dessas coisas aqui. O que vai oferecer ao turista? esta beira de rio? É muito
bonita, só que está faltando uma estrutura mais aconchegante, que dê mais
segurança, para que se sinta mais atraído de vir para cá, porque ele vir para
ficar olhando o rio? (Dona Sueli e marido, 48 e 46 anos).
Sr. Beletato, de 55 anos de idade, é morador é ex-ilhéu. Nesta fala aponta para a nova
territorialização da cidade.
[...] o turista vem aqui, gosta, compra uma casa, outro compra um terreno,
depois constrói, tem uma pessoa para cuidar. E o pescador, com o turista,
também ganha. Geralmente o cara vem aqui e quer uma ceva, um lugar para
pescar e vai procurar quem? um pescador. O pescador sabe, conhece o melhor
lugar de pescá (Sr. Beletato, 55 anos).
O Sr. Toninho indica como seu trabalho muda com a freqüência do turista na cidade.
[...] no fim do ano, quando aumenta o número de turistas, os pescadores que
pescam durante o ano, eles entram nessa função de barco de aluguel. Porque
vivendo de barco de aluguel sou apenas eu e outro rapaz. No verão, daí a pesca
fecha e aí aumenta, chega a ser 6, 7 barqueiro (Sr. Toninho, 42 anos).
[...] eu fiquei no rio porque meu pai saiu, ele se aposentou e eu entrei na vaga
dele. Peguei os fregueses dele. Agora meu filho, que já um rapazinho, se eu
ficar ele não tem como ficar, ele tem que ir pra outro canto, pescaria não adianta.
Deve ter uma meia dúzia que dependa só do peixe para viver. Eu estou de
segunda a segunda na barranca do rio (Sr. Toninho, 42 anos).
[...] o turista vem aqui por causa por causa das praias, final de ano mesmo. Tem
prainha que chega a dar 700, 800 pessoas em cima da praia. E passeio de barco
(Sr. Toninho, 42 anos).
O Sr. Otávio acredita que, de todos os meios de sustento que a região oferece, o turismo
será o único que restará para se manter.
[...] para o turista, o que está restando pra nós aqui, é que ainda um lugar
calmo, não tem briga, não tem banditismo, não tem assalto. A única coisa que
tem é o sossego. A festa [da padroeira] era uma grande festa, depois que ela foi
comercializada, além dela não sair no dia da festa, a exploração tão grande
que o pessoal tá deixando de vir (Sr. Otávio, 66 anos).
105
4.2 A percepção dos turistas e/ou moradores ocasionais dos condomínios
fechados de Porto Rico
Os turistas entrevistados comparam Porto Rico e a região às condições de outras praias de
rio e as praias de mar. Confessam que quem degrada o local, principalmente o rio, são os
outros turistas, não os entrevistados. Os que dizem se importar mais com a região são
aqueles que a freqüentam há mais tempo.
[...] freqüento a cidade de Porto Rico vinte anos, e nesta época era muito
diferente, sem infra-estrutura, o comércio era diferente. Hoje tem infra-estrutura.
Em relação ao rio, eu sinto muita pena do rio, porque infelizmente o homem
ainda não aprendeu a preservar. Antigamente era melhor (Sr. Antônio, 53 anos).
[...] a gente freqüenta Porto Rico desde criança. Meu pai vem toda a semana pra
pescar, como não dá pra pescar, como agora que a pesca está fechada, ele vem
para descansar, não tem barulho de nada [clube de pesca na ilha], não tem carro
passando, no meio da ilha. Agora, nem tem vara [de pesca] em cima do carro. A
gente respeita (Sr. Marcos, 23 anos).
Os turistas entrevistados sentem-se mais próximos ao ambiente do que os demais visitantes,
ambos possuem casas nas ilhas, os chamados clubes de pesca que, mesmo sendo de
madeira, sem água encanada e sem energia elétrica (possuem gerador à gasolina), são locais
onde gostam de passar alguns dias. Seria a “fuga” para um ambiente mais natural, propício
para o descanso, com o intuito de “restaurar as energias”.
[...] o próprio comerciante vive com dificuldade, porque parou a pesca, não tem
turista, e não tem porque não tem estrutura, têm hotel aqui que custa um monte e
outro que custa pouquinho. No meu caso venho para para descansar, pescar é
detalhe. Venho uma vez por semana, três por mês. Chego na sexta à tardinha e
volto domingo (Esse entrevistado fica em seu clube, na ilha, quando está em
Porto Rico) (Sr. Antônio, 53 anos).
[...] antigamente não fazia [compras], mas agora estou fazendo, pago um pouco
mais caro, mas ajudo o comércio [local]. Trago carne de e o resto pego tudo
aqui (Sr. Antônio, 53 anos).
[...] se melhorasse os mercados, a gente passava a comprar aqui em vez de trazer
de casa. Se baixasse os preços. Aqui é caro, é caro. É que eles aproveitam para
explorar o que podem, porque a gente vem de longe e chega aqui, eu não vou
voltar para comprar, entendeu? Tem que comprar aqui. Então eles aproveitam...
A cidade explora o turista. Aluguel, comida (Sr. Marcos, 23 anos).
[...] nós pagamos 210 reais por 3 dias de aluguel nesta casa. E não vale! Mas é
praia. Compramos tudo aqui. Hoje tomamos café na padaria. Trazemos a bebida
de fora (Sr. Moacir. 22 anos).
106
Nestas falas os entrevistados confirmam o que os moradores também apontam: o aumento
do custo de vida na cidade. Os comerciantes de Porto Rico encareceram seus produtos. Os
turistas, que conhecem outras cidades turísticas, comparam os atuais preços dos serviços de
Porto Rico com outros locais e mostram que estes preços inviabilizam a compra. Para evitar
os altos preços, os turistas trazem seus víveres para o local de férias.
A conservação ambiental também é tema do presente e do futuro:
[...] com muitos condomínios na cidade é preciso cuidar [...] construir nas ilhas
é proibido, ninguém constrói mais, quem tem casa, não pode mais abrir o
embarcador de lancha (Sr. Jorge, 23 anos).
[...] quem tem casa na ilha não vai desmanchar, não vai fazer nada, não pode
construir mais. Vai ficar lá. Agora quem não tem não pode construir (Sr. Moacir,
22 anos).
Para estes entrevistados Jorge e Moacir, o ambiente da região requer mais cuidados. A
construção de moradias preocupa os órgãos responsáveis, tanto nas ilhas (atualmente é
proibido) quanto nos condomínios. Que tipo de investimento o veranista pode (e quer) fazer
em Porto Rico? Esta pergunta precisa ser respondida pelos gestores públicos da cidade que
elaboram projeto para uma cidade turística. Turismo é construir uma casa em um
condomínio fechado em uma região com um belo rio? Os turistas sabem que o limite para
construções está estabelecido pela lei. Mas, talvez, haja outros modos de se fazer turismo,
sem o estabelecimento de construções. Museus? Trilhas ecológicas nas ilhas monitoradas
por professores e população local?
Quanto a percepção do turista Antônio a respeito da população local, vemos que para ele é
necessário haver formas de manter o ilhéu na terra, mesmo que seja plantando em uma
pequena área, hoje proibido pelos órgãos fiscalizadores. E o que fazer com estes moradores
é uma questão séria na qual apenas entregar-lhes uma casa numa vila rural é pouco. O
terreno na maioria das vezes é pequeno para uma lavoura de subsistência e pouco
produtivo.
[...] teria que estabelecer uma parceria entre os órgãos ambientais e o ilhéu, no
sentido de deixar ele plantar o mínimo para o sustento dele, sem que isto,
evidentemente, aumente a ponto do cara querer agredir a natureza e querer
comercializar a rocinha dele. Acho que o IAP tem esses ilhéus registrados. Tem
que ter parceria, não pode ter rigor nesta área, nesta questão [...] E fica mais
barato também (Sr. Antônio, 53 anos).
107
[...] se por um lado o governo tenta proteger a natureza evitando o ilhéu que
utiliza a terra para plantar milho e mandioca, por outro lado um de milho ou
de mandioca não vai degradar, usando meio alqueire. Dois pesos e duas
medidas. Acho que essa proibição das leis tem que ser mitigada. Dona Faustina
mesmo, que mora em baixo 25 anos não pode plantar um pé de mandioca
pra comer, pros filhos dela. Vai tirar a mulher de e pôr onde? Se a mulher não
tem onde morar. Tem que olhar a situação com outros olhos. Proibições,
radicalizar. Sou contra. O próprio fiscal do IAP, ele é muito rígido com este
pirangueiro, são uns coitados (Sr. Antônio, 53 anos).
Parece que ao entrevistado Antônio são claras as dificuldades entre os ilhéus e os órgãos
fiscalizadores. Uma parceria entre estes dois grupos é muito importante como comentam
Pimbert e Pretty (2000, p. 196): “sem envolvimento local, existe pouca probabilidade de
proteção da vida selvagem. Ainda mais, os custos de manejo dos parques são muito altos
quando as comunidades locais o são envolvidas”. Esta estratégia, lembrada pelos
pesquisadores, é ainda a única que tem dado resultado em uma política frutífera quando se
fala de população tradicional e utilização de áreas de preservação ambiental. Também os
gestores devem pensar em descentralizar o poder, remover padrões estabelecidos pelos
gestores públicos (como, por exemplo, o modelo de APA sem seres humanos e outros) e
diminuir as restrições impostas. Como disse um entrevistado Moacir e Marcos, donos de
clube de pesca na ilha Mutum.
[...] e isto é bom, a melhor coisa do mundo, eu vou aproveitar isto a vida
inteira, mas meus netos e meu filho não vai aproveitar nada se continuar assim...
Tem que ter cuidado senão acaba [...] (Sr. Moacir, 22 anos).
[...] são os pescadores que mantém isto aqui quando nós não estamos. Pelo
menos nós não jogamos nada no rio, o que o peixe come. Não é que a gente
faz, a gente não gosta de ver [quem joga lixo]. Você passa no rio e aquele
negócio. É nojento, dá raiva de quem jogou aquilo ali. Tem que ter consciência,
que você tem que guardar, porque daqui a uns dias seus filhos não vão poder ter
(Sr. Marcos, 23 anos).
As falas de Moacir e Marcos mostram que uma percepção de um turismo que depreda o
ambiente. Ao mesmo tempo Moacir e Marcos percebem os habitantes como a população
que preservou a região.
As contradições de quem quer “justiça e igualdade social”
[...] depois da criação do Parque Nacional, você precisa ver a natureza que
rejuvenesceu, identificaram a presença até de onça na ilha Mutum. Anta. Na
nossa ilha tá tendo tucano, papagaio, fauna, flora. Não precisa criar abelha. Tudo
que é feito para comércio é ruim para a natureza (Sr. Antônio, 53 anos).
108
Na fala de Antônio a referência à APA das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná como se fosse
Parque Nacional. Em todo caso o aparecimento de diversos tipos de animais em uma área
ainda habitada comprova que pode existir relação com a manutenção da biodiversidade e os
moradores, mesmo em se tratando de turistas. A referência às abelhas se deu porque a
apicultura vem sendo desenvolvida na região com o apoio da Empresa Paranaense de
Assistência Técnica e Extensão Rural EMATER, como mais um meio na tentativa de
manter o agricultor na terra.
O termo “a nossa ilha”, como disse o Sr. José refere-se às instalações existentes atualmente,
ou seja, o clube de pesca. Ainda que um clube de pesca em uma APA seja estranho aos
propósitos ecológicos e de conservação, percebe-se um sentimento de gostar do lugar.
[...] a nossa ilha é de fora a fora, meu pai tem casa lá, porque é no meio de uma
ilha mesmo, não tem luz nem nada. Tudo no gerador. Luz e água. Vopuxa no
motorzinho e tal. tem um monte de casa, tem um monte de moradores lá. O
morador que vai de batelão e vive da pesca. E tem que ficar lá, porque o cara que
viveu a vida inteira lá, se vier para a cidade morre [...] (Sr. José, 23 anos).
O turista Carlos, como alguns moradores de Porto Rico, relata a festa da padroeira local
como um evento desvirtuado.
[...] faz anos que não vou na festa da padroeira, por causa da baderna (Sr. Carlos,
45 anos).
Medeiros (2003), acerca da festa local, descreveu que alunos e professores se queixam dos
novos hábitos introduzidos pelos turistas como a violação da natureza, do ritmo de vida
estressante, carros em alta velocidade, excesso de consumo de álcool entre outros, e
também, à festa anual da padroeira da cidade. Todas essas condutas ocorrem na festa da
cidade, ocasionando conflitos entre moradores e turistas.
Quanto às barragens e a dinâmica das águas os turistas Marcos e Antônio dizem:
[...] mas vai nessas ilhas mesmo, os barrancos estão tudo caindo,
onde a água bate assim, comendo o barranco. Não tem árvore pra segurar a
terra [...] (Sr. Marcos, 23 anos).
[...] o rio quando sobe leva o lixo embora. E esta barragem, de cada meia em
meia hora é um sobe e desce danado. Esta barragem é o cancro daqui, porque
quando não tinha barragem não tinha esta dinâmica de água daqui, o peixe
vinha. Eu pesco aqui a 37 anos. Eu vinha quando não tinha asfalto, de Maringá
109
até aqui gastava um dia para chegar. Vopegava pacu de rodada com a própria
fruta, pescaria de vara de bambu e tal. Pacu de 7 a 8 quilos, uma delícia (Sr.
Antônio, 53 anos).
As percepções dos turistas acerca dos problemas locais coincidem com as dos pescadores e,
nesse sentido, os dois grupos sociais convergem como signo. As falas dos senhores Marcos
e Antônio indicam o que todos percebem: barrancos do rio caindo pela erosão e lixo (e
plantas) levados pela água. Novamente pescadores e visitantes apontam os mesmos eventos
que têm relação com as barragens e às alterações ambientais.
Quanto à infra-estrutura para se chegar à cidade Porto Rico, um destino que se
autodenomina como turístico, o entrevistado Marcos comenta:
[...] para começar tem que melhorar os acessos para chegar até aqui, o asfalto,
tapar os buracos. Por Porto São José não tem como vir, não (Sr. Marcos, 23
anos).
Para se chegar a Porto Rico por terra, existem dois caminhos: por Porto São José, PR,
cidade a 15 km ao nordeste e por Loanda, PR, a 26 km em direção ao sudeste.
Aparentemente o entrevistado Marcos veio por Loanda, pois, apesar dos buracos, a estrada
é alcatroada enquanto que por Porto São José a estrada é de chão. Para uma cidade que se
diz turística os acessos são importantes.
Como vemos, as falas dos dois atores sociais indicam a terra e sua produção como o centro
geral de suas percepções. Para os moradores a terra é a natureza que fornece seu alimento e
sua existência cultural. Para os turistas é uma referência local importante, é um pedaço da
natureza, “boa” para o descanso.
110
CONCLUSÕES
As percepções dos moradores e dos turistas mostram que ambos os atores vivenciam
experiências diferentes embora com experiências no mesmo local. Em alguns momentos a
percepção dos moradores e dos turistas entrevistados é coincidente: são as percepções
acerca da exclusão dos ilhéus de suas terras e da atual circunstância da cidade onde
ocorrem comportamentos não aceitos como o da festa da padroeira de “outros turistas”, do
lixo no rio, e ambientais, como da erosão dos barrancos. Pode-se afirmar que o signo com o
qual os dois atores interagem é o rio. Para os moradores o rio/ilhas são a natureza cultural e
econômica de suas vidas. Para os turistas o signo é a água como estética e deleite.
Esta interação homem/natureza é, para os moradores, a relação de sobrevivência física,
social, cultural, econômica e política. Aí, os moradores concretizavam suas potencialidades
para o trabalho e suas relações sócio-culturais como destaca Ferrara (1999a). Ou como
descreve Polinari (1999) a terra, o rio e as ilhas são os signos dos moradores, pois são a
parte substancial das suas vidas nas ilhas. A nova legislação quebrou estes signos quando
fragmentou a forma de trabalho e com ela a auto-estima, segurança e dignidade dos
moradores. Para os turistas, apesar de reconhecerem o rio, as ilhas, como tendo a
participação dos ex-ilhéus, a interação homem/natureza não se efetiva pela relação de
sobrevivência e, sim, pela relação de turismo, descanso e conforto.
Os moradores percebem-se como partes de uma história e de uma cultura que, após as
instalações das usinas hidrelétricas, foram perdidas. As tradições de plantio e de
manutenção de suas famílias foram retiradas de suas vidas e nada preencheu esta história. É
uma nova história sem história. Além disso, pareceu-nos que um sentimento de
pertencimento à terra que está se diluindo a medida que foram afastados das ilhas e da
cultura de plantio e de subsistência que, hoje, são práticas sociais consideradas criminosas
pelas agências ambientais fiscalizadoras. De população tradicional com história de
preservação e conhecimento etnobiológico, passaram a ser criminosos. Nesse sentido,
presente e futuro são incertos quanto a terra, ou seja, às ilhas, subsistência da família e do
grupo.
111
As percepções dos moradores indicam as paisagens do rio Paraná e das ilhas como
paisagens culturais de subsistência, de uso. Natureza é moradia e alimentação, mas não no
sentido de sua espoliação. É uma natureza/cultura. O grupo de moradores entrevistado a
modificação do ambiente água, rio, peixes, como uma radical e negativa mudança, pois
interferiu em seu modo de vida e na subsistência, além de arrancá-lo de sua história.
Percebem-se, hoje, soltos na história de décadas em uma “terra metade água”.
As percepções do futuro do grupo são contraditórias, pois os moradores não apreciam os
turistas, mas vêem no turismo tido como “ecológico” para o local, uma nova oportunidade
de emprego. Os turistas são vistos como oportunidade de empregos, em suas casas nos
condomínios e nas ilhas, mas não de manutenção de sua cultura. No que podem estar
certos.
O grupo de turistas percebe a região e cidade como local de usufruto da paisagem natural,
de esportes náuticos, de pesca e de descanso de final de semana. Percebe o grupo de
moradores como a população tradicional que tem direito ao plantio que antes faziam;
também os vêem como possível mão de obra dos serviços de caseiro, por exemplo. Traduz
o local como paisagem natural, uma paisagem que se reconstitui após a instalação das
usinas hidrelétricas, mas também percebe a situação de penúria do homem ilhéu ou ex-ilhéu
e a aplicação da nova lei ambiental como lei severa aos propósitos da região e da população
que lá está há décadas.
Naturalmente, estas alterações ambientais causadas pelo homem, não devem parar tão cedo.
Apesar de se ter constituído Parques Nacionais dentro de Áreas de Preservação Ambiental,
como no caso da Planície de Inundação do Alto rio Paraná, os dirigentes podem “mudar de
idéia” e construir barragens destituindo as Unidades de Conservação. Dessa forma as
pessoas consideradas prejudicadas pelas barragens podem se juntar ao MAB - Movimento
dos Atingidos por Barragens, movimento que desde 1991 se reúne em torno do tema.
Pode-se afirmar que, dentro dos limites do número de pessoas entrevistadas, a percepção
dos dois grupos da dinâmica ambiental indica uma segregação dos moradores e dos turistas.
Ou seja, um grupo desdobra-se sobre suas dificuldades de sobrevivência em um rio
profundamente modificado e de adaptação às novas normas ambientais. Pode-se afirmar
112
que, enquanto para os moradores toda mudança das paisagens naturais locais está
fundamentalmente ligada às suas vidas, para os turistas, as modificações são aquelas que os
atendem em relação ao descanso e usufruto da natureza (ainda que estes turistas percebam
os problemas tanto sociais quanto ambientais). Para os moradores esta “nova” natureza os
joga a uma vida de incerteza quanto ao trabalho e ao futuro.
A proposta de turismo ecológico/esportivo de Porto Rico parece, aos olhos dos moradores,
não atender à população local que reside na região mais de 50 anos nem atende, ainda,
aos turistas. Pode-se dizer que o turista também percebe que o projeto de turismo da
região/cidade como precário, para que este seja solução econômica da cidade. Infraestrutura
e serviços em geral ainda deixam a desejar.
Quanto ao projeto de turismo de Porto Rico não se pode afirmar como apontam
moradores e turistas entrevistados que é um turismo ecológico/esportivo, pois não
obedece aos parâmetros indicados por nós no item 1.5 (Turismo e o turismo em Porto Rico)
desse trabalho. Trata-se de um projeto econômico realizado pela prefeitura local sobre os
problemas resultantes da transformação do rio Parae de seu ambiente. Ou seja, após os
desastres ambientais, a diminuição considerável da pesca e da agricultura, da expulsão dos
ilhéus de “suas” ilhas, ficou para a cidade um vazio que teve que ser preenchido
rapidamente para responder às necessidades de resgate econômico. Mas, qualquer resposta
histórica às mudanças ambientais e culturais que não levar em conta a população local e a
conservação da região corre o risco, a nosso ver, de não se efetivar. Um turismo baseado na
exclusão da comunidade que está a muitas décadas, propicia uma miséria dos moradores
locais e, com o tempo, pode apenas receber turistas que se recolhem às suas casas de
veraneio sem criação de vínculos com a terra e a economia da cidade.
Muitas experiências no Brasil indicam, e os gestores ambientais estão aprendendo, que
ecologia/ambiente e população tradicional estão vinculadas. Como citamos neste trabalho a
experiência (desastrosa) de Jericoacoara. Esta área deveria ser um instrumento de
crescimento econômico pelo turismo e acabou sendo uma atração que depredou o
patrimônio ambiental da região. A descaracterização dos ecossistemas locais e a inserção
de um sistema de hospedagem estranha ao povo da região contribuíram para um
113
estranhamento da população com o novo empreendimento, o turístico, que resultou em um
turismo predatório para todos e para a conservação ambiental.
As mudanças que acolheram os dois pólos homem e natureza para a realização de
projetos turísticos foram bem sucedidas, como o exemplo da Ilha do Cardoso
42
no litoral de
São Paulo, que 20 anos é uma APA cuja orientação sócio/cultural e econômica é dada
pelos ilhéus com ajuda da Pastoral do Mar, das universidades públicas estaduais do Estado
de São Paulo, USP e UNESP e de ONGs.
A exclusão da população tradicional do mapa das APAs não resulta senão em uma cômoda
maneira de se fazer áreas de conservação. Pode-se pensar na realização de novos modos de
viabilizar a existência destas populações por meio de projetos de manejo ecológicos para os
locais (plantio sem fogo, em áreas determinadas, sem agrotóxicos etc), projetos culturais
(artesanato, trilhas etc).
A exclusão desses moradores se manifesta, conforme escreve Escorel (1995, p. 6 apud
BONETI, 2003):
[...] no contexto social, pela fragilidade que se estabelece nas relações humanas;
no contexto cultural, pela estigmatização simbólica e o descaso pelas
representações sociais; no contexto humano pelo descaso à pessoa quando sem
uma função social; e no contexto político pelo desrespeito aos direitos
fundamentais do homem.
Estes ilhéus buscam apenas um espaço, um reconhecimento social, uma identidade. À
medida que perde a identidade e o espaço social, torna-se um excluído. Essa exclusão,
seguindo uma lógica de produção capitalista se dá, segundo Boneti (2003, p. 68), graças a
uma ruptura de três principais vínculos: o econômico, que incentiva um crescimento sem
limites causa fundamental da exclusão; o social, que rompe com suas redes de
aproximação entre as pessoas; e os nculos simbólicos, que rompem as estruturas do
imaginário, do valor imaginário do trabalho, da ascensão social entre outras e, como vimos,
42
A Ilha do Cardoso, remanescentes da Mata Atlântica, foi transformada em Parque Estadual (SP), em
03/07/62. São mais de 22 mil hectares num complexo conjunto de ecossistemas onde já foram catalogadas
quase mil espécies de plantas. Também é refúgio para animais endêmicos e ameaçados de extinção como os
macacos bugio e mono-carvoeiro, a lontra, o veado-mateiro, o jacaré-do-papo-amarelo entre outros.
Declarado pela Unesco em Reserva da Biosfera, um Patrimônio da Humanidade (ILHA DO CARDOSO,
2006).
114
esta comunidade de ilhéus, não se comporta como se de uma sociedade capitalista se
tratasse.
Dessa forma, excluir significa colocar para fora dos parâmetros e normas que regem as
relações sociais, não apenas marginalizar e sim desconsiderar a existência humana. Para
Boneti (2003) excluir significa criar e perpetuar condições sociais que tornam permanente o
ato de morrer. Uma morte lenta, sem dignidade, insegura e excluída são as condições que o
futuro reserva para os moradores ilhéus e ex-ilhéus da cidade de Porto Rico.
115
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GLOSSÁRIO
Antropocêntrico. Conceito que sobre-valoriza o ser humano e o valor instrumental da
natureza para o homem; considera o homem como centro do universo e, portanto, interpreta
tudo em função dos seres humanos e de seus valores.
Biodiversidade. A variedade de espécies diferentes e a variabilidade genética entre os
indivíduos dentro de cada espécie.
Biologia da Conservação.
Biosfera. O ecossistema total da Terra.
Capacidade de carga. O nível de uso por parte dos visitantes que uma região pode assumir
oferecendo um alto grau de satisfação para os visitantes e com pouquíssimo impacto sobre
os recursos. Os cálculos para a capacidade de carga vêm determinados por muitos fatores,
tanto ecológicos como sociais e empresariais.
Comunidade local. Tem a ver com um conjunto de relações sociais estabelecidas de uma
forma particular e se baseia em algo que os indivíduos tem em comum, normalmente um
sentido de identidade compartilhado.
Conservacionistas. Pessoas que pensam que os recursos se deveriam usar, administrar e
proteger para que não se deteriorem nem sejam mal usados de forma desnecessária, de tal
maneira que estejam disponíveis tanto para as gerações presentes como para as próximas. O
movimento conservacionista foi criado por Gifford Pinchot, engenheiro florestal que
apregoava o uso racional da natureza, agindo dentro de um contexto de transformação da
natureza em mercadoria. Em sua concepção a natureza é freqüentemente lenta e os
processos de manejo podem torna-la mais eficiente. Com uma visão mais antropocêntrica,
achava que a conservação deveria se basear em três princípios: o uso dos recursos naturais
pela geração presente, a preservação de desperdícios e o desenvolvimento dos recursos
naturais para muitos e não para poucos.
Desenvolvimento (projetos e iniciativas). A modificação da biosfera e o emprego de
recursos humanos, financeiros, vivos ou não vivos para satisfazer as necessidades humanas
e melhorar a qualidade de vida do homem. A aplicação dos recursos humanos, financeiros e
físicos a satisfação das necessidades humanas e melhorar a qualidade de vida resultam,
inevitavelmente, que as iniciativas e projetos de desenvolvimento acarretem uma
modificação da biosfera e que alguns aspectos do desenvolvimento acabem por reduzir uma
certa porcentagem dessa qualidade de vida, seja em âmbito local, regional ou nacional,
inclusive o mundial.
Ecocêntrico. Aquele que tem o meio ambiente como elemento essencial no
desenvolvimento dos sistemas de valores em contraposição ao antropocentrismo, que centra
o papel do ser humano e o valor instrumental a natureza tem para ele.
Fitoplancton. Plâncton (organismos que vivem ao sabor da maré) que realizam
fotossíntese, também chamados de microalgas.
Ictiofauna. Fauna de peixes de determinada região, ou rio.
123
Macrófitas Aquáticas. Plantas de determinado tamanho, visíveis a olho nu, que ficam
totalmente dentro da água, ou com parte fora d´água.
Nupelia. Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiología e Aquicultura. Pertencente à
Universidade Estadual de Maringá - UEM, o nupelia foi criado por um grupo de docentes
da UEM, aliado a uma pequena equipe de técnicos e graduados em 1983. Realizando
estudos sobre ecologia de populações de peixes do reservatório de Itaipu, com suporte da
Itaipu Binacional foram se agregando novos elementos, organizando-se uma infra-estrutura
de apoio e expandindo a abrangência dos estudos, até que, em 1986, o Núcleo foi
reconhecido formalmente dentro da UEM, como um núcleo multidiscilinar de
pesquisas.Em 1991, estes pesquisadores criaram o curso de Pós-graduação em Ecologia de
Ambientes Aquáticos Continentais.
Organismos Bentônicos. Organismos rastejantes no fundo de rios ou mares, como
caranguejos ou camarões.
Perifiton. Organismos de água doce, que vivem fixados em quaisquer substratos sob a
água. Geralmente raízes de macrófitas ou pedras, entre outros substratos.
Poder Público. Considerado o Primeiro Setor: É o setor da sociedade que agrega as
instituições de interesse público, mantidas pelo poder público (governos) e que existem
para servir diretamente o público em geral. Constituem o Poder Público os órgãos
governamentais como ministérios e secretarias, as autarquias. Para complementar temos o
Segundo Setor que são as instituições mantidas pela iniciativa privada e o Terceiro Setor
que agrega as instituições de interesse público, mantidas pela iniciativa privada.
Preservação Permanente. De acordo com a lei federal 4.771 de 15 de setembro de
1965, em seu Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as
florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa
marginal cuja largura mínima será:
1. de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;
2. de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50
(cinqüenta) metros de largura;
3. de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200
(duzentos) metros de largura;
4. de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600
(seiscentos) metros de largura;
5. de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600
(seiscentos) metros; (Itens 1 a 5 - redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja
a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura; (Redação
dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na
linha de maior declive;
124
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa
nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; (Redação dada pela Lei
7.803 de 18.7.1989)
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação.
(Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
i) nas áreas metropolitanas definidas em lei. (Incluído pela Lei nº 6.535, de 1978) (Vide Lei
nº 7.803 de 18.7.1989)
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos
perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e
aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos
respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que
se refere este artigo.(Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas por ato
do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:
a) a atenuar a erosão das terras;
b) a fixar as dunas;
c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;
d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares;
e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;
f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção;
g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas;
h) a assegurar condições de bem-estar público.
Preservacionismo. Se o conservacionismo é a base do uso múltiplo, e é atribuido a
Pinchot, o preservacionismo tem suas origens modernas em John Muir, sendo descrita
como a reverência à natureza no sentido de apreciação estética e espiritual da vida
selvagem. Muir desejava preservar os bosques deixando-os à margem do desenvolvimento,
contra uma sociedade tecnocrática-industrial. O preservacionismo difere tanto do
conservacionismo como da ecologia do bem-estar humano pois é menos antropocêntrico e
mais ecocêntrico, valorizando o que se considera direito de outras espécies à existência. O
preservacionismo tem influído muito no estabelecimento de parques nacionais em todo o
mundo, pois quando as florestas passaram a ser manejadas, Muir voltou-se para a noção de
Parques Nacionais intocáveis.
Rotíferos. Zooplancton rotatório, muito abundante nas águas doces e salgadas.
Zooplanton. Plâncton animal. Não sintetiza sua energia e alimenta-se, geralmente, de
fitoplancton, além de outros zooplanctons.
125
Anexo 1
Roteiro aplicado na condução das entrevistas aos moradores e ilhéus da região de Porto
Rico.
Perguntas abertas, procurando buscar as lembranças e os sentimentos do
entrevistado. Em diversos casos o perfil pessoal como a idade, descendência, religião,
estado civil entre outros não foi mencionado. A maioria das conversas se realizava na casa
do entrevistado, em seu local de trabalho ou na barranca do rio, com diversas outras
pessoas presenciando e interferindo na gravação, o que quase sempre avivava as
lembranças e melhorava o trabalho de obtenção de dados. A esposa, quando estava presente
nas entrevistas, dava uma grande contribuição, pois seu relato mostrava uma visão diferente
da do homem, e seu trabalho foi muito importante nas enchentes e na lida agrícola.
Questões abertas. Todas as entrevistas.
1. Como era Porto Rico quando o Sr. chegou na região?
2. Como era o rio Paraná quando o Sr. chegou na região?
3. Como eram as ilhas quando o Sr. chegou na região?
4. Cite três coisas que mudaria em Porto Rico.
5. Cite três coisas boas em Porto Rico.
Conforme o andamento da conversa, questionava-se sobre a fartura, as terras, o gado, a
pesca, se querem ficar nas ilhas, como manter os jovens nas ilhas, o que fazer para se
manter em harmonia com o Parque Nacional e o IBAMA.
6. Fale sobre a fartura que havia nas ilhas antigamente?
7. E como era a criação de animais nas ilhas?
8. Como era a pesca antigamente?
9. Como vê os turistas? Que benefícios trazem para a cidade?
10. Como está a vida atualmente?
11. Como vê o futuro dos jovens em Porto Rico?
12. Como acha que estará Porto Rico daqui a cinco ou dez anos?
126
Anexo 2
Roteiro aplicado na condução das entrevistas aos turistas da região de Porto Rico, dos
condomínios, clubes de pesca nas ilhas ou eventuais.
Questões abertas
1. Há quanto tempo freqüente Porto Rico?
2. Como era Porto Rico quando o Sr. chegou na região?
3. Como era o rio Paraná quando o Sr. chegou na região?
Conforme o andamento da conversa, questionava-se sobre os preços na cidade e a
comparação dos preços com o local de onde veio, a pesca, a fiscalização, vias de acesso, o
que a cidade oferece para o visitante.
4. O que vem procurar em Porto Rico ?
5. Como acha que estará Porto Rico daqui a cinco ou dez anos?
6. Cite três coisas que mudaria em Porto Rico.
7. Cite três coisas boas em Porto Rico.
8. Como vê os outros turistas em Porto Rico?
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