Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - UFS
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa - POSGRAP
Núcleo de Pós-Graduação e Estudos em Recursos Naturais - NEREN
Mestrado em Agroecossistemas
ASSOCIATIVISMO E AGROECOSSISTEMAS:
UM ESTUDO EM NOSSA SENHORA DA GLÓRIA (SE)
JOSÉ FRANCO DE AZEVEDO
SÃO CRISTÓVÃO - SE
maio de 2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - UFS
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa – POSGRAP
Núcleo de Pós-Graduação e Estudos em Recursos Naturais - NEREN
ASSOCIATIVISMO E AGROECOSSISTEMAS:
Um estudo em Nossa Senhora da Glória (SE)
JOSÉ FRANCO DE AZEVEDO
Sob a Orientação da Professora
Dra. Dalva Maria da Mota
Dissertação apresentada a Universidade
Federal de Sergipe, como parte das exigências
do Núcleo de Pós-graduação e Estudos em
Recursos Naturais NEREN, para obtenção
do título de Mestre em Agroecossistemas.
São Cristóvão – SE
maio de 2006
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - UFS
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa - POSGRAP
Núcleo de Pós-Graduação e Estudos em Recursos Naturais - NEREN
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM AGROECOSSISTEMAS
JOSÉ FRANCO DE AZEVEDO
Dissertação submetida ao Programa de Pós–Graduação em Agroecossistemas, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em Agroecossistemas.
DISSERTAÇÃO APROVADA EM _____/ _____ /_____
______________________________________________________
Dalva Maria da Mota, (Dra.)
(Orientadora)
_____________________________________________________
Fernando Fleury Curado, (Dr.)
_____________________________________________________
Prof. Pedro Roberto Almeida Viégas, (Dr.)
Aos meus sobrinhos Eduardo Tadeu,
Francisco de Assis, Cristiane, Daniela e
Silvio Matheus.
AGRADECIMENTOS
À Dra. Dalva Maria da Mota, minha orientadora, brilhante no conhecimento, no fazer
ciência e como educadora. Além do privilégio na aprendizagem com o seu elevado
profissionalismo.
À Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão / SE, pela oportunidade que me foi
concedida para a realização deste curso, bem como, aos colegas e educandos pela
compreensão nos momentos em que tive que me afastar durante a realização do mesmo.
Ao professor Alberto Aciole Bomfim, Ex-diretor Geral da EAFSC, pela sensatez e
visão de futuro ao estabelecer o convênio com a UFS, para qualificação dos servidores em
nível de mestrado.
Aos agricultores familiares de Nossa Senhora da Glória pela boa vontade em conceder
as entrevistas e a relatar as suas experiências de vida.
Aos amigos Cleidinilson Cunha, Raquel Fernandes, Genival Nunes, César Carvalho,
Andréia Santos, Fátima Diaz e Jane Velma com quem tive o privilégio de conviver mais de
perto e de aprender na discussão dos grandes temas do curso.
Às amigas Eliane Vargas e Marinoé Gonzaga que abriram as portas das suas residências
para as intermináveis horas de estudo, extensivo aos seus familiares.
Aos Professores do Núcleo de Estudos em Recursos Naturais NEREN, pela
contribuição a minha formação, em especial ao Dr. Robério Anastácio Ferreira.
À Embrapa, pela estrutura disponibilizada para a realização deste estudo, em nome dos
Doutores Cristiane Otto, José Luiz de Sá, Fernando Curado e do Mestre Manuel de Sousa.
Aos funcionários da Biblioteca Central da UFS, de modo especial à bibliotecária Alaine
Maria pela maneira sempre gentil e atenciosa no atendimento das minhas solicitações.
À minha mãe, aos meus irmãos e a minha namorada pelo carinho e compreensão em
todos os momentos.
Enfim, a todas as pessoas que colaboraram das mais diversas formas para a
concretização deste sonho.
SUMÁRIO
RESUMO..................................................................................................................................01
ABSTRACT..............................................................................................................................02
1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................03
2 REFERENCIAL TEÓRICO..................................................................................................05
2.1 - Associativismo: aspectos e considerações gerais.............................................................05
2.2 - Princípios e objetivos do associativismo..........................................................................07
2.3 - Origem das associações rurais no Brasil..........................................................................08
2.4 - As formas de organização das associações......................................................................15
2.5 - Tipos de associativismo....................................................................................................16
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................18
RESUMO..................................................................................................................................21
ABSTRACT..............................................................................................................................22
4. CAPÍTULO I - FORMAS DE TRADICIONAIS DE COOPERAÇÃO ENTRE OS
AGRICULTORES DE NOSSA SENHORA DA GLÓRIA ....................................................23
4.1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................23
4.2. MATERIAL E MÉTODOS...............................................................................................24
4.2.1 - Área de Estudo........................................................................................................24
4.2.2 – Metodologia...........................................................................................................25
4.3. RESULTADOS E DISCUSSÃO.......................................................................................26
4.3.1 - A cooperação entre os agricultores.........................................................................26
4.3.2 - Um tempo de cooperação: os batalhões..................................................................27
4.3.3 - No ritmo da cooperação: a pisada............................................................................30
4.3.4 - Construindo com cooperação: a taipa de casa........................................................32
4.3.5 - Aboiadores da cooperação: a ferra e a pega de
boi.................................................33
4.4. CONCLUSÃO ..................................................................................................................36
4.5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................38
RESUMO..................................................................................................................................39
ABESTRACT...........................................................................................................................40
5. CAPÍTULO II - MAPA DO ASSOCIATIVISMO DOS AGRICULTORES DO
MUNICÍPIO DE NOSSA SENHORA DA GLÓRIA..............................................................41
5.1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................41
5.2. MATERIAL E MÉTODOS...............................................................................................42
5.2.1 - Área de Estudo........................................................................................................42
5.2.2 – Metodologia...........................................................................................................43
5.3. RESULTADOS E DISCUSSÃO.......................................................................................44
5.3.1 - Um pouco da história do associativismo no município..........................................46
5.3.2 - A dinâmica das associações....................................................................................48
5.3.3 - A qualidade da participação dos agricultores nas organizações.............................52
5.4. CONCLUSÃO...................................................................................................................56
5.5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................58
RESUMO..................................................................................................................................59
ABSTRACT..............................................................................................................................60
6. CAPÍTULO III - A ORGANIZAÇÃO DOS AGROECOSSISTEMAS NO MUNICÍPIO
DE NOSSA SENHORA DAGLÓRIA.....................................................................................61
6.1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................61
6.2. MATERIAL E MÉTODOS...............................................................................................63
6.2.1 - Área de Estudo........................................................................................................63
6.2.2 – Metodologia...........................................................................................................64
6.3. RESULTADOS E DISCUSSÃO.......................................................................................65
6.3.1 - O subsistema de cultivo para consumo humano.....................................................66
6.3.2 - O subsistema criação..............................................................................................67
6.3.3 - O subsistema processamento..................................................................................69
6.3.4 - O subsistema cultivo para consumo animal............................................................70
6.3.5 - O subsistema social produtivo................................................................................72
6.4. CONCLUSÃO...................................................................................................................77
6.5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................79
RESUMO..................................................................................................................................81
ABSTRACT..............................................................................................................................82
7. CAPÍTULO IV - ASSOCIATIVISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS: possibilidade de
melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares de Nossa Senhora da Glória?........83
7.1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................83
7.2. MATERIAL E MÉTODOS...............................................................................................84
7.2.1 - Área de Estudo........................................................................................................84
7.2.2 – Metodologia...........................................................................................................85
7.3. RESULTADOS E DISCUSSÃO.......................................................................................87
7.3.1 - Alguns aspectos da história dos agricultores..........................................................88
7.3.2 - A escolha dos projetos a serem implantados..........................................................89
7.3.3 - O alcance dos projetos............................................................................................91
7.3.4 - Os projetos de financiamento da produção.............................................................93
7.4. CONCLUSÃO...................................................................................................................98
7.5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................100
ANEXOS................................................................................................................................102
LISTA DE SIGLAS OU ABREVIATURAS
ACAR Associação de Crédito e Assistência Rural
BB Banco do Brasil
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNB Banco do Nordeste do Brasil
CMDR Conselho Municipal de desenvolvimento Rural
CONDEM Conselho de Desenvolvimento Comunitário Municipal
COOPERTREZE Cooperativa Mista dos Agricultores do Treze
DC Desenvolvimento Comunitário
DEAGRO Departamento de Desenvolvimento Agropecuário do Estado de Sergipe
Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FAO Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
FUMAC Fundo Municipal de Apoio Comunitário
FUNDEC Fundo de Desenvolvimento Comunitário
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MST Movimento dos trabalhadores rurais Sem-Terra
ONU Organização das Nações Unidas
PAC Programa de Apoio Comunitário
PAPP Programa de Apoio ao Pequeno Produtor
PDRI Programa de Desenvolvimento Rural Integrado
PLANAF Plano Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
Pronaf Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PRONESE Projeto Nordeste em Sergipe
PROVAP Programa de Valorização da Pequena Produção Rural
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SDR Secretaria de Desenvolvimento Rural
SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
UNESCO Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura
FIGURAS
1. Tipos de entidades associativas de agricultores. UFS, São Cristóvão/SE, 2006..................44
2. Crescimento do número de associações no município de Nossa Senhora da Glória.UFS, São
Cristóvão/SE, 2006...................................................................................................................45
3. Número de sócios nas organizações de agricultores familiares. UFS, São Cristóvão/SE,
2006...........................................................................................................................................49
4. A variação no quadro societário das organizações dos agricultores familiares. UFS, São
Cristóvão/SE, 2006...................................................................................................................51
5. Sistema de produção familiar do município de Nossa Senhora da Glória. UFS, São
Cristóvão/SE, 2006...................................................................................................................66
6. Principais culturas agrícolas. UFS, São Cristóvão/SE, 2006................................................66
7.Criação de animais. UFS, São Cristóvão/SE, 2006...............................................................67
8. Principais culturas para alimentação animal.UFS, São Cristóvão/SE, 2006........................71
9. Principais fontes de renda dos agricultores familiares. UFS, São Cristóvão/SE, 2006........73
10. Rebanho bovino do município de Nossa Senhora da Glória. UFS, São Cristóvão/SE,
2006...........................................................................................................................................75
TABELAS
1. Perfil das associações de agricultores pesquisadas. UFS, São Cristóvão/SE,
2006....................................................................................................................................86
2. Projetos implantados nas comunidades em estudo. UFS, o Cristóvão/SE, 2006
........................................................................................................................................... 92
3. A participação dos agricultores de Nossa Senhora da Glória no Pronaf Crédito
concedido em Sergipe (1998 2004). UFS/DEA/NEREN,
2006................................................................................................................................... 94
RESUMO
AZEVEDO, José Franco de. Associativismo e Agroecossistemas: Um estudo em Nossa
Senhora da Glória/SE. São Cristóvão: UFS, 2006. 107p. (Dissertação, Mestrado em
Agroecossistemas).
O presente estudo pretende analisar a contribuição do associativismo praticado pelos
agricultores familiares do município de Nossa Senhora da Glória/SE, para a melhoria da
qualidade de vida dos mesmos, por meio da implantação de políticas públicas voltadas ao
desenvolvimento das comunidades rurais com a co-participação de organizações dos
agricultores. As campanhas de campo ocorreram no segundo semestre de 2005, com a
aplicação de entrevista semi-estruturada numa abordagem predominantemente qualitativa,
aplicada a 118 agricultores familiares, entre homens e mulheres, com diferentes faixas etárias,
na condição de associados dirigentes e não-dirigentes de uma das 59 organizações formais
espacialmente distribuídas por todo o município. Recorreu-se também a outras metodologias
como à história oral de pessoas-chave fomentadoras do associativismo no município como
forma de resgatar aspectos da história que não estão expressos nos documentos, assim como a
observação direta nos estabelecimentos dos entrevistados. Destaca-se que os agroecossistemas
são definidos neste trabalho como estabelecimentos do tipo familiar. O Estado, a partir da
década de 1980, passou a orientar os agricultores a se organizarem em entidades do tipo
Associação de Desenvolvimento Comunitário como pré-requisito à implantação de políticas
públicas nas comunidades. Entretanto, a adoção deste modelo de organização social,
possibilitando o acesso a novas tecnologias, contribuiu para desaparecimento das tradicionais
formas de cooperação. Constata-se que a década de 1990 tem o maior crescimento no número
de associações do município e que o referido aumento está relacionado à implantação de
programas estatais, sobretudo por meio do PAC e FUMAC. A pecuária de leite é a principal
atividade econômica no município, no entanto, verifica-se a sua vulnerabilidade devido aos
efeitos climáticos, ficando o agricultor dependente da aquisição de insumos externos. As
políticas públicas voltadas ao desenvolvimento comunitário rural são elaboradas dentro de
uma perspectiva de desenvolvimento local sustentável, no entanto, na prática não é isso que se
tem verificado e consequentemente poderá causar obstáculos à reprodução socioeconômica de
gerações atuais e futuras das famílias de agricultores. Observa-se que em geral houve
melhoria na qualidade de vida dos agricultores, e que as linhas de financiamento do Pronaf
pouco têm contribuído para a melhoria definitiva da qualidade de vida dos agricultores
familiares devido a fatores que poderiam ser amenizados pelas associações.
Palavras-chave: Associativismo, Agroecossistemas, Agricultura Familiar.
ABSTRACT
The present study aims at analysing the associative contribution practised by the family
farmers of Nossa Senhora da Glória/SE, for the improvement of their life quality, through
public politics implantation aimed at the rural communities development along with the
farmers organizations co-participation. The field campaign took place in the second semester
of 2005, with the semi-structured interview application in na approach predominantly
qualitative, applied to 118 family farmers, between men and women at different ages, as
associated managers and non-managers out of 59 formal organizations spacelly distributed all
over the town. On fell back on other methodologies as well, like the monger key-people oral
history of the associative in town as a way to redum the history aspects which aren’t
expressed in the documents, as well as the direct observation in the intervieweds’
establishments. It is stood out that the agriecosystems are defined on this work as
establishments family kind. The state from 1980 started to guide the farmers to from
themselves into entities such as Communal Development Association as pre-demand the
public politics implantation in the communities. However, the adoption of this social
organization model, by enabling the acess to new technologies has contributed to the
disappearance of the traditional ways of cooperation. It has turned out that the 90’s has the
greatest growth of the town associations number and that referred increase is related to the
state programs implantation, above all through PAC and FUMAC. The milk industry is the
main economic activity in town, yet, it has been observed its vulnerability due to climatic
effects, leaving the farmer dependent on the external input acquisition. The public politics
aimed at the rural communal development, yet are elaborated of perspective of local support
development, however in practice it is not what it has been seen and checked out, and
consequently it may cause obstacles to the socioeconomic reprodution of family farmers’
present and future generations. It is observed that in most cases there was improvement in the
farmer’s life, and that Pronaf financial program lines have contributed little for the family
farmers life quality defitive improvement, due to factors which could be glossed over by the
associations.
Key-words: Associative, Agriecosystems, Family Farming.
1 INTRODUÇÃO
Estudos indicam que o associativismo entre agricultores familiares se constitui em uma
alternativa para a melhoria da qualidade de vida destes, tendo em vista que, historicamente,
esta categoria ficou a margem do processo de modernização da agricultura brasileira.
Segundo Wanderley (1995), o Estado teve um papel fundamental, pois foi por meio da
política agrícola que promoveu a modernização da grande propriedade e garantiu sua
produção, em detrimento da agricultura familiar, que sempre ocupou um lugar secundário e
subalterno na sociedade do Brasil.
No entanto, observa-se que diante das pressões exercidas pelos agricultores familiares nas
últimas décadas, em busca da melhoria da qualidade de vida, bem como pela importante
contribuição desta categoria da agricultura para o desenvolvimento do país, fez-se com que o
Estado adotasse algumas políticas públicas de desenvolvimento das comunidades rurais.
Contudo, tem exigido a organização dos agricultores familiares em associações.
Esse interesse do Estado ocorre em razão da importância que esta categoria tem
apresentado. De acordo com os estudos da FAO/INCRA sobre a agricultura brasileira, a partir
dos dados do Censo Agropecuário de 1995/1996, verificou-se que, dentre os 4,86 milhões de
estabelecimentos rurais existentes no país, 85,2% são familiares. Entretanto, esses
estabelecimentos familiares ocupam apenas 30,5% da área total dos estabelecimentos rurais
do país e são responsáveis por 37,9% do valor bruto da produção agropecuária total
(Guanziroli et al., 2000). A produção agropecuária familiar tem desempenhado um importante
papel na agricultura do país, utilizando intensivamente a mão-de-obra familiar e os demais
recursos disponíveis, empregando e mantendo a maioria da população do campo,
desempenhando também papel para a segurança alimentar no país, uma vez que a sua
produção é destinada ao mercado interno.
Acredita-se que esta exigência de organização para que os produtores tenham a sua
representação tem sido um dos principais fatores para a criação de um grande número de
associações rurais em todo o país. Cabe ressaltar que parte das políticas públicas voltadas para
a agricultura no âmbito estadual também seguem a mesma exigência, de que os agricultores
familiares sejam participantes de associações, para que tenham acesso aos benefícios.
A dissertação discorre sobre os agroecossistemas. O primeiro capítulo aborda as “Formas
Tradicionais de Cooperação no Passado pelos Agricultores de Nossa Senhora da Glória”,
onde se destacam as formas de cooperação solidária entre os agricultores do município,
principalmente até o final da década de 1970.
No segundo capítulo, “Mapa do Associativismo dos Agricultores Familiares do
Município de Nossa Senhora da Glória”, traz uma breve discussão de como estão organizados
atualmente os agricultores, a origem das entidades associativas e a qualidade da participação
dos agricultores associados, com base no conjunto de pressupostos adotados por Demo
(2001).
O terceiro capítulo é dedicado ao estudo da “Organização dos Agroecossistemas no
Município de Nossa Senhora da Glória”, inicia-se com um breve histórico de como se deu o
povoamento no semi-árido sergipano, seguido pelas formas de trabalho adotadas pelos
agricultores e a dinâmica nos agroecossistemas do tipo familiar.
E por fim, o quarto capítulo “Associativismo e Políticas Públicas: possibilidade de
melhoria na qualidade de vida dos agricultores de Nossa Senhora da Glória” onde são
analisadas as contribuições das políticas públicas implantadas em três povoados do município,
visando a melhoria da qualidade de vida dos agricultores, por meio das associações de
desenvolvimento comunitário dos povoados (Aningas, São Clemente e Tanque de Pedra),
localizadas em diferentes regiões agrossocioecômicas do município.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Associativismo: aspectos e considerações gerais
A idéia de associativismo relaciona-se com a união de pessoas que decidiram somar
forças com o objetivo de superar dificuldades e/ou gerar benefícios comuns, através de
associações. Nesta pesquisa, entende-se associativismo como uma iniciativa formal de
agricultores familiares
1
tendo como principal objetivo superar suas dificuldades bem como
gerar benefícios em níveis econômico, social, cultural, ambiental e político. Associativismo,
de acordo com Alencar (1997), refere-se à atividade humana desenvolvida em um grupo
social, que é constituído por uma coletividade de indivíduos ligados entre si por uma rede ou
sistema de relações sociais.
As associações são instrumentos para a prática do associativismo, que, segundo Rech
(1994, p. 54), define como uma forma jurídica adotada para iniciativas chamadas de:
movimentos, entidades, grupos comunitários, cantinas, núcleos, mutirões, etc. que tenham
decidido legalizar-se e não adotaram a forma cooperativada. Tem como objetivos promover a
implementação e a defesa dos interesses dos associados e incentivar a melhoria técnico-
profissional e cultural de seus integrantes.
O fenômeno da associação, com o sentido de aproximação, identidade, colaboração,
cooperação entre pessoas ou grupos sociais, pode-se estender do campo das idéias até as
práticas sociais, sejam elas práticas da cultura, da política ou da economia. No conceito de
associação está implícita a idéia de movimento em direção ao outro. No entanto, não é apenas
um movimento de aproximação, no qual as experiências, as intenções e os interesses das
pessoas que se aproximam estão em jogo. A associação é um movimento carregado pela
intenção de quem se movimenta, de quem se aproxima; daí o seu sentido social pois, a
intenção vai em direção ao outro, pela comunicação. Por isso, a associação implica
1
Agricultor familiar é aquele que pratica a agricultura familiar, definida por Wanderley (1996, p. 2), como
“aquela em que a família, ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, assume o trabalho no
estabelecimento produtivo. É importante insistir que este caráter familiar não é um mero detalhe superficial e
descritivo: o fato de uma estrutura produtiva associar família-produção-trabalho tem consequências
fundamentais para a forma como ela age econômica e socialmente”. No entanto, assim definida, esta categoria é
necessariamente genérica, pois a combinação entre propriedade e trabalho assume, no tempo e no espaço, uma
grande diversidade de formas sociais. Como afirma Hugues Lamarche “a agricultura familiar não é um elemento
da diversidade, mas contém, nela mesma, toda a diversidade” (LAMARCHE. 1993, p.14).
comunicação, diálogo. Na base das intenções e interesses estão às necessidades, os desejos
(Frantz, 2003, p.01). Na associação, pela comunicação, constrói-se poder de ação, o qual se
realiza, socialmente, pela cooperação instrumentalizada, organizada.
Nesse sentido, as associações podem funcionar como elementos de ligação entre as
comunidades rurais e os poderes constituídos, com o objetivo de reivindicar políticas
públicas, serviços de infra-estrutura, entre outros, que atendam de fato às necessidades dos
agricultores familiares, visto que, historicamente, essas comunidades foram pouco
beneficiadas, ou quando muito, foram assistidas por programas que não atingiram os seus
objetivos; em alguns casos, por não considerarem a importância das comunidades na
elaboração destas.
Segundo Oliveira (1990, p. 55), a principal função das associações é negociar com o
estado. Tais entidades apresentam-se, portanto, como sistema paralelo, parapolítico, que
aglutina mais que os partidos políticos e a partir do qual se estrutura a ação política.
Paradoxalmente, essas entidades são utilizadas para fins eleitoreiros, e muitas vezes a sua
importância está correlacionada com a sua densidade eleitoral.
Constata-se, atualmente, que as associações mantêm parcerias com diversas empresas
estatais, no campo da pesquisa e da extensão rural, com a Empresa de Brasileira de Pesquisa
Agropecuária EMBRAPA e o Departamento de Desenvolvimento Agropecuário do Estado
de Sergipe DEAGRO; no campo financeiro, com o Banco do Brasil BB e o Banco do
Nordeste do Brasil BNB. Deste modo, entende-se que a afirmação de Oliveira quanto ao
comportamento das associações, em parte se confirma.
As organizações dos agricultores familiares são construídas na interface da sociedade
global, como um meio para regular as relações entre indivíduos e os diferentes grupos sociais
(famílias, comunidades, cidade) que compõem a sociedade local e os múltiplos atores de seu
meio externo (Berthome & Mercoiret 1999).
Entretanto, afirma Carvalho (1998) que as associações constituídas para a interlocução
legalizada com o Estado foram usufruídas pelos seus associados na medida direta em que lhes
proporcionou vantagens materiais. Nesta perspectiva, tais associações não se revelaram
portadoras da identidade social dos grupos sociais que supunham representar.
Observa-se que quando as associações rurais obtêm conquistas significativas que são
reconhecidas pelos seus associados, a sua importância aumenta, bem como, sua capacidade
para influir nas relações sociais preexistentes nas comunidades.
Contudo, sejam quais forem os objetivos das associações rurais, busca-se nesta forma
de organização algum tipo de benefício para os seus associados. Neste sentido, as associações
são instrumentos legais para reivindicar junto ao Estado projetos de desenvolvimento
comunitário.
2.2 Princípios e Objetivos do Associativismo
Os princípios do associativismo têm sua origem teórica em países europeus (França e
Inglaterra) no século XIX, como um movimento de reação ao regime capitalista que se
encontrava em plena expansão e consolidação, provocando efeitos sociais resultantes da
natureza excludente do sistema. É então, na perspectiva de reduzir os excessos produzidos
pela competição desenfreada em busca de lucro, que surgem os princípios do associativismo.
Para Fabrini (2002), na compreensão dos socialistas utópicos, as cooperativas eram
consideradas um meio para superação do modo capitalista de produção que permitia a
implantação de uma sociedade livre da dominação do capital. Enfim, as cooperativas eram
embriões de uma sociedade nova e igualitária. É importante lembrar que o cooperativismo foi
a primeira forma organizada de associativismo.
Ideologicamente, os princípios do associativismo foram pensados como uma alternativa
capaz de se contrapor ao regime econômico capitalista. “Mas, em vista das dificuldades de
implantação do projeto, passaram a compreender a cooperação como uma etapa intermediária
na transformação da sociedade” (FABRINI, 2002).
Ainda hoje, é com base neste conjunto de princípios que as organizações associativas se
orientam, no qual a essência do sistema é a união de esforços no intuito de atingir objetivos
comuns, cujo princípio fundamental é a igualdade de direitos.
No entanto, propor ações associativistas em um sistema econômico que é regido pela
lógica do lucro é uma tentativa de se construir um outro modelo, mais justo e igualitário. A
tentativa o é das mais fáceis, tendo em vista que as associações inseridas no sistema
capitalista acabam satisfazendo as exigências deste para que possam sobreviver como
associações. Araújo (1982:82) cita como ilustração “que as associações rurais buscam com
essas ações coletivas de natureza econômica, meios de se inserir no mercado, porém as regras
desse mercado que está, tornam praticamente vazios e utópicos os discursos que tentam
sustentar a ideologia associativista”.
Segundo Aleixo (2000), na tentativa de atenderem às novas exigências do mercado e do
governo, as organizações mudaram sua forma de condução, buscando cada vez mais
resultados econômicos em vez de resultados sociais, e que o modelo de associativismo
adotado no Brasil espelha-se nas relações agroindustriais que subordinam o produtor à lógica
de mercado. Neste sentido, ao atenderem às exigências do mercado, provocam uma série de
complicações aos agroecossistemas
2
.
Assim como, o reducionismo das ações das associações a questões meramente
econômicas tem contribuído para a mudança de valores éticos nas comunidades rurais.
Ressalta-se que valores como a cooperação
3
e a confiança, bastante comum entre os
agricultores não são qualidades exclusivamente individuais. São modelos internalizados de
relações sociais emoldurados na mente dos indivíduos segundo enquadramentos culturais que
delimitam e direcionam o que cada um admitirá como postura aceitável e desejável (Weber,
2000).
Entretanto, é com base em um conjunto de princípios que as associações devem orientar
o seu funcionamento, tais como: livre adesão; respeito às diferenças (raça, religião e
ideologia); desenvolvimento da educação; realização de operações, preferencialmente com
associados; ajuda mútua; democracia e igualdade. Cabe ressaltar que as associações se
baseiam em princípios da democracia, através da qual é permitida a livre manifestação dos
pontos de vistas, voto universal e livre e consciente exercício de escolha.
2.3 Origens das associações rurais no Brasil
As formas de organização associativa no meio rural existem no Brasil desde o período
colonial, como é o caso das práticas de ajuda mútua, mutirões, troca de serviços, que
persistem até os dias de hoje em várias regiões brasileiras. Contudo, um tipo de organização
conquista cada vez mais uma posição de destaque no espaço rural brasileiro: as associações de
agricultores (Silveira, 1992).
As associações de produtores rurais surgem no Brasil após a II Guerra Mundial, embora
se verifique que a sua espacialização é maior a partir da década de 1960; em contraste,
observa-se a diminuição do número de organizações como os sindicatos rurais e as
cooperativas, que estão limitando as suas atuações, a prestação de serviços assistenciais. O
cenário para o crescimento das associações, no pós-guerra, são as disputas internacionais,
sejam estas de interesses políticos e/ou econômicos.
2
Para Sclindwein e D’agostini (1998) um conceito de agroecossistema necessariamente tem que (re) integrar o
homem à natureza, de forma a não percebê-lo mais como espectador privilegiado dela abstraído, mas
protagonista do diálogo (e não da tortura).
3
Cooperação significa agir simultaneamente ou coletivamente com outros para o mesmo fim, ou seja, trabalhar
em comum para o êxito de um mesmo propósito (OCEMG, 1997). Segundo Gayotto (1991) desde épocas
remotas a cooperação e o sentimento de ajuda mútua que a compõe existiu entre os povos antigos, onde os
mesmos já praticavam na luta pela sobrevivência, ou seja, na caça, na pesca e na habitação. Para a OCB (1996) a
cooperação entre os seres humanos iniciou na família, como meio de garantir a satisfação das necessidades
básicas de sobrevivência dentro e fora do lar, e do caráter social do ser humano de buscar uma convivência
agradável e sólida.
A consolidação e expansão do bloco socialista começam a representar perigo crescente
para os países capitalistas. A partir da II Guerra Mundial, a recém-criada Organização das
Nações Unidas ONU, passa a buscar estratégias capazes de garantir a ordem social e de
preservar o mundo livre dos regimes e ideologias consagradas como não-democráticas. Sob o
argumento de que “a pobreza é um entrave para o desenvolvimento de áreas mais pobres e
uma ameaça para as áreas mais prósperas”, o governo americano inicia a partir de 1945 um
extenso programa de assistência técnica aos países mais pobres, principalmente aqueles
situados na América Latina (AMMANN, 1978, p.30).
O Brasil então importa um pacote tecnológico voltado para a agricultura com o objetivo
de promover a expansão da oferta agropecuária, aumento e diversificação das exportações,
além de normalizar o abastecimento interno e definir as estratégias e instrumentos de ação,
programa denominado Revolução Verde. Cabe ressaltar que esse programa foi adotado por
outros países do terceiro mundo com a mesma denominação. Segundo Buainaim (1997), a
modernização da base técnica, o fortalecimento da agroindústria e a expansão das fronteiras
agrícolas foram os eixos de ação norteadores da dinamização do setor agropecuário.
Portanto, é nesse contexto que surge a idéia do Desenvolvimento Comunitário no Brasil
D.C. e para implantá-lo recorre-se à criação das associações, que servirão de organismos de
intermediação entre as massas subjugadas da sociedade, o Estado, a iniciativa privada e o
mercado. “Na ocasião de implementação do D.C. no país, observou-se a sua apreensão pelo
capital, sobretudo no meio rural”, ficando claro que a concretização da idéia do
Desenvolvimento de Comunidade, foi uma combinação de elementos desfavoráveis ao
trabalhador rural, associado à disponibilidade de o grande capital se projetar (Lisboa, 1999,
p.52).
A primeira proposta de Desenvolvimento de Comunidade a ser implantada no Brasil foi
criada em Minas Gerais com a Associação de Crédito e Assistência Rural - ACAR,
patrocinada por organizações americanas e que tinha como principal objetivo “a bandeira da
educação de adultos desfraldada como grande estratégia para tais propósitos” (Machado,
1987).
Na década de 1960, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE foi
o órgão responsável pela implantação do primeiro programa de Desenvolvimento
Comunitário, nos estados que compõem a região Nordeste, através da Divisão de Ação
Comunitária. Esses e outros programas criados e implementados pela SUDENE eram
financiados, principalmente, pelo capital norte-americano com o intuito de consolidar os
ideais do modelo capitalista. De acordo com Melo (2005, p.49) a iniciativa foi seguida pelas
superintendências de desenvolvimento de outras regiões brasileiras.
A iniciativa de organização de trabalhadores rurais por meio de associações nas décadas
de 1960 e 1970, em Sergipe, foi bastante tímida; somente a partir dos anos 1980, com a
criação do Projeto Nordeste em Sergipe - PRONESE, é que se verifica o crescimento do
número dessas entidades no estado. Com a implantação do PRONESE busca-se ainda mais a
integração do agricultor familiar ao mercado, exigindo a participação do beneficiário em
associações rurais, como condição para que os grupos possam se beneficiar através dos
projetos a serem implantados, conforme orientação das principais instituições financiadoras,
Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID e Banco Mundial.
A cada de 1970 consagrou-se como o período no qual começa a se intensificar as
discussões em torno das políticas agrícolas no Brasil. Surgem fruto desse contexto os
Programas de Desenvolvimento Rural Integrado PDRI’s, consolidados mediante a
organização das comunidades e a efetiva fiscalização destas pela SUDENE (Lisboa, 1999,
p.55).
Faz-se mister destacar que ainda nesta década, uma das poucas iniciativas de organização
dos agricultores, bem sucedida no estado de Sergipe, foi a Cooperativa Mista dos Agricultores
do Treze - COOPERTREZE, já que a citricultura foi beneficiada por um conjunto de políticas
executadas pelo Estado com o objetivo de modernizar a agricultura.
Um segundo grande momento para o surgimento de novas associações rurais no Brasil é
a década de 1980, marcada pela forte recessão econômica, ocasião em que se observa a
impotência do Estado para resolver as desigualdades sociais do campo, mantendo-se o
privilégio das políticas agrícolas que atendem aos interesses dos grandes proprietários.
Porém no início dos anos 1980, surge o Movimento Nacional de Trabalhadores Rurais
Sem-Terra (MST), da articulação das lutas pela terra, que foram retomadas no país a partir do
final dos anos de 1970, tendo em vista que a questão agrária no Brasil é estrutural e histórica.
Neste sentido, o MST tem conseguido aglutinar a mão-de-obra desempregada do campo bem
como aqueles trabalhadores que de alguma forma perderam as suas terras, tornando-se um dos
grandes movimentos sociais dos últimos anos, e que serve de estímulo à organização dos
agricultores como um todo. Observa-se mais recentemente que trabalhadores pobres da
cidade, também estão se organizado, numa tentativa de garantir a sua sobrevivência, a
exemplo dos sem-teto.
A partir da abertura política do país e da mobilização por eleições diretas, os agricultores
familiares passam a se organizar e a reivindicar do Estado mais benefícios por meio das
políticas públicas. A concessão de benefícios aos agricultores familiares, de forma atrelada à
sua organização, foi a fórmula encontrada pelo Governo Federal, sob orientação dos
organismos internacionais (ONU, FAO e UNESCO), para incorporar como sua a proposta da
organização dos produtores por meio de entidades representativas.
Isso pode ser observado, principalmente, a partir de 1985 com a criação do Projeto
Nordeste, que tinha como objetivo o desenvolvimento econômico e social da região.
Apesar de os programas terem sido elaborados dentro de uma perspectiva de desenvolvimento
local sustentável
4
, os quais deveriam ser implantados em pequenas localidades de forma
integrada, levando-se em consideração a sua sustentabilidade, isso não foi o que se deu na
prática (Costa & Ribeiro 2001, p. 2).
De acordo com Caporal e Costabeber (2000), um modelo de desenvolvimento
sustentável, tem que buscar respostas à problematização da relação sociedade e natureza. Esse
modelo, antagônico ao defendido pela corrente ecotecnocrática
5
, é estruturado através da
junção dos enfoques culturalistas, ecossocialistas e do conceito de ecodesenvolvimento
proposto por Ignacy Sachs.
Que sustenta a necessidade de um novo critério de racionalidade que fosse amparado
por duas dimensões de solidariedade: a solidariedade diacrônica, com respeito às
gerações futuras, mas sem esquecer a solidariedade sincrônica, que deve ser
estabelecida entre gerações presentes. Além disso, supõe o pluralismo tecnológico,
calcado na importância da utilização das tecnologias tradicionais e modernas de
forma adequada, respeitando as condições do ecossistema local e, ao mesmo tempo,
estando de acordo com as necessidades e decisões conscientes dos atores envolvidos
nos processos de desenvolvimento. (Caporal e Costabeber, 2000, p.20).
Fica claro, que os programas estatais se aproximam mais do modelo proposto pela
corrente ecotecnocrática, onde se vislumbra o crescimento econômico continuado, na
tentativa de resolver a questão entre crescimento da produção, sociedade e meio ambiente
pela adoção de tecnologias e mecanismos de regulação de mercado. Não sugerindo estratégias
alternativas no que se refere à organização do trabalho, assim como as formas de produção.
Além disso, o referido modelo não considera os distintos modos de vida das comunidades
rurais, as diferentes culturas e o favorecimento a preservação da biodiversidade nos
agroecossistemas. Para Andrade (2004, p.242),
A visão que permeia os planos estatais demonstra a não-superação da visão
tecnológica que caracterizou a revolução verde. Num contexto marcado pela
precariedade do solo, pela insuficiência de água, e pelo exíguo tamanho das
4
O desenvolvimento local sustentável é definido por Buarque (2002) “como um processo endógeno de mudança,
que leva ao dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população em pequenas unidades
territoriais e agrupamentos humanos”.
5
Caporal e Costabeber definem ecotecnocrática como um modelo de desenvolvimento baseado na modernização
tecnológica e capitalização da agricultura, mas desconsidera os efeitos nas áreas sociais, econômicas e
ambientais.
propriedades, a saída tem sido sempre a busca de mecanismos que garantam uma
maior produtividade no menor espaço de tempo, independentemente dos
resultados negativos do ponto de vista ambiental.
Na opinião de Costa & Ribeiro (2001, p. 2) a única linha de ação realmente implantada e
que alcançou condições de funcionamento foi o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor
Rural - PAPP, cujo objetivo geral era assim anunciado: “estimular e induzir os pequenos
produtores rurais a se organizarem sob a forma associativa, visando aumentar os seus níveis
de produção, produtividade e renda”.
Cabe ressaltar, que este aumento de produção, produtividade e renda estavam
condicionados a adoção de novas tecnologias e ao uso de insumos externos. E que segundo
Gliessman (2001, p. 46) a agricultura não pode ser sustentável enquanto permanecer essa
dependência de insumos. Primeiro que os recursos naturais dos quais muitos insumos
derivam-se não são renováveis e suas reservas são finitas e, segundo a dependência de
insumos externos deixa produtores, regiões e países inteiros vulneráveis a falta de
fornecimento, flutuações de mercado e aumento de preços.
O PAPP procurava estimular, através de financiamentos não reembolsáveis,
investimentos e empreendimentos identificados, selecionados, solicitados, planejados,
executados, fiscalizados e controlados pelas comunidades rurais, estabelecendo, porém, como
requisito a organização dos pequenos produtores (potencialmente beneficiários) em
associações (PRONESE, 1988).
Costa & Ribeiro (2001) entendem que o programa pouco representou em avanço na
política participativa. Além de ter contribuído para o esvaziamento dos sindicatos rurais e
consequentemente pela desmobilização dos trabalhadores rurais do campo. Pesquisadores
como Sales (1993) e Costa (1993) afirmam em suas análises que se sobressaem nos
programas governamentais desse período a “cultura da dádiva” em que benefícios são
repassados à população como concessão e não como direito.
Ao apoiar projetos de modernização da agricultura, o Estado acaba criando também as
condições necessárias à manipulação dos pequenos produtores rurais, reforçando os laços
clientelistas existentes entre o poder local e as associações (Costa & Ribeiro 1996).
Em Sergipe, através do PRONESE o PAPP foi o único PDRI efetivamente desencadeado
a partir de meados de 1984, ano da criação do órgão. A sua execução se deu em três etapas
6
,
6
A primeira etapa do programa (1984 1991) relacionava-se com o incentivo à pesquisa, assistência técnica,
administração, crédito e ajuda às pequenas comunidades rurais. Tal incentivo esteve condicionado à formação de
associações gestoras. Todas essas organizações foram beneficiadas com sedes, galpões para maquinários, carros
e em alguns casos, caminhões. No segundo momento, que corresponde ao período de 1992 a 1993, foram
sempre privilegiando a formação das associações rurais (PRONESE, 1994).
Para Kolming (1997), “o Projeto Nordeste em Sergipe, desde o final dos anos 1980 tem
revertido a sua política através do estímulo de financiamentos não-reembolsáveis,
investimentos e empreendimentos de interesse das comunidades rurais, apostando nas
associações, como forma de fortalecimento do processo de organização e participação do
processo”.
Vale ressaltar, que competia às Associações Comunitárias:
a) representar os seus associados junto ao Estado e aos Conselhos Municipais e firmar
convênios que sejam requeridos;
b) elaborar propostas de subprojetos, podendo contratar terceiros para sua elaboração;
c) identificar os investimentos, levando-se em consideração a decisão da comunidade;
d) executar os empreendimentos;
e) operar e manter os empreendimentos, responsabilizando-se pelas coletas das taxas
de uso;
f) gerir os empreendimentos com diligência;
g) prestar contas de todos os recursos recebidos e aplicados.
A Constituição Federal de 1988 sugeriu a criação de Conselhos especiais como forma de
garantir o desenvolvimento social, com o objetivo de descentralizar e fortalecer o poder local;
e define como mecanismos para o controle social os Conselhos e as Associações. Para
Andrade (2004, p. 240) esse redirecionamento se deu em virtude do “esgotamento do padrão
centralizado de formulação de políticas, característico do estado brasileiro, que provocou a
transferência da competência de planejamento das ações governamentais para o nível mais
descentralizado de governo: o município”.
O PAPP foi reavaliado no início da década de 1990 pelo Banco Mundial e pelo Governo
Federal, que concluíram que apesar de algumas experiências bem sucedidas (em diferentes
estados da federação e atividades do projeto), o Programa como um todo não estava
alcançando os seus objetivos de melhorar a qualidade de vida
7
dos agricultores e diminuir a
beneficiados através desse programa sete sub-projetos localizados em importantes regiões, como: Califórnia,
assentamentos nos tabuleiros norte e fruticultura, além das bacias hidrográficas, Jacarecica, Ribeira, Piauí e
Jabiberi. A terceira e última etapa, que corresponde ao período de 1993 a 1994, restringiu-se basicamente ao
trabalho junto às pequenas aglomerações rurais através do auxílio do FUMAC (Fundo Municipal de Apoio
Comunitário). Os projetos financiados pelo programa tinham por objetivo contribuir para o processo de
organização das comunidades, bem como para o aperfeiçoamento do processo de tomada de decisões. Com essa
concepção de planejamento participativo, o PAC (Programa de Apoio Comunitário) atenderia às propostas
apresentadas diretamente pelas associações comunitárias. o FUMAC exigia a constituição do CONDEM
(Conselho de Desenvolvimento Comunitário Municipal), e tinha objetivos mais amplos no sentido da discussão
das prioridades e da possível vinculação do programa com a política de investimentos do município.
7
Franco (1998) entende que a qualidade de vida tem características e componentes diferentes, dependendo da
camada social da população a ser estudada, seja ela composta por indivíduo, grupo ou família. Portanto, deve-se
pobreza rural no Nordeste. O Programa foi reformulado passando a priorizar os pequenos
projetos comunitários, sempre vinculados às associações.
A espacialização cada vez maior das associações como principal forma de organização
dos trabalhadores rurais, segundo Lisboa (1999, p. 39), está relacionada aos seguintes
elementos:
- Descrédito do sistema cooperativo em decorrência de fatores de diversas ordens: “a
ausência de uma política agrícola consistente, problemas de instabilidade econômica e a
redução da atuação do estado na economia”;
- Fortalecimento político do empresariado e a fragilização do cooperativismo, assim
como o sindicalismo;
- Vinculação das políticas públicas para o desenvolvimento do setor agropecuário a
processos organizativos das comunidades rurais.
Entende-se que um outro aspecto que tem contribuído bastante para o crescimento do
número de associações rurais está relacionado à legislação vigente para a constituição destas,
devido às facilidades, como por exemplo, pequeno número de sócios e não incidência de
impostos, como: Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, Imposto de Circulação de
Mercadorias e Serviços - ICMS, Imposto Sobre Serviços - ISS, Contribuição para
Financiamento da Seguridade Social - COFINS, Imposto de Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ,
entre outros.
Nas décadas de 1980 e 1990 a implantação de políticas de desenvolvimento local
vinculada às associações rurais é ainda mais forte. Além do PRONESE, que foi criado com
este fim específico, instituições como o Banco do Nordeste do Brasil - BNB, Banco do Brasil
- BB e a Secretaria de Desenvolvimento Rural SDR do Departamento de Cooperativismo e
Associativismo também passaram a estimular a organização dos agricultores familiares
através das associações rurais.
A proliferação dessas organizações nesse período, estava relacionada às diferentes
etapas de consecução de programas como o Fundo de Desenvolvimento Comunitário -
FUNDEC e o PAPP. Esses programas se desenvolveram através de outros programas como o
PAC, o FUMAC e o Fundo Municipal de Apoio Comunitário Piloto (FUMAC – P).
Entretanto, a forte pressão exercida pelos grandes proprietários rurais no início da
década de 1990 sobre o Governo Federal, com a intenção de ampliar as concessões e
vantagens ao setor agropecuário, fez o Estado ceder às pressões, beneficiando, ainda mais o
buscar o bem-estar do indivíduo, o queo depende exclusivamente do aumento da renda, mas da satisfação no
trabalho, na família e no círculo social, relacionando-se intimamente com o acesso à educação, saúde, condições
de moradia e de infra-estrutura, como: água, energia e saneamento básico.
agronegócio.
Diante de uma situação de forte tensão no meio rural provocada pelo descaso do Estado
para com os agricultores familiares, o Governo Federal criou a partir de 1994 o Programa de
Valorização da Pequena Produção Rural PROVAP. De acordo com o Ministério do
Desenvolvimento Agrário - MDA (2002) até aquele momento não havia recursos específicos
para a agricultura familiar e o próprio conceito de agricultura familiar era ainda pouco
difundido. Em 1995 o governo lança o Plano Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar PLANAF, que veio a funcionar como uma limitada linha de crédito, entretanto, no
ano 1996, este plano transformou-se no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar PRONAF, legalmente instituído por decreto presidencial em 28 de junho de 1996,
que mantém como exigência para implantação das linhas do programa a organização dos
agricultores em associações.
Portanto, fica claro que o grande número de associações rurais no estado de Sergipe está
relacionado à implantação de políticas públicas de desenvolvimento rural propostas pelo
Governo. Nesse sentido, cabe aprofundar a pesquisa para avaliarmos a contribuição dessas
políticas para a melhoria da qualidade de vida dos beneficiários.
2.4 As formas de organização das associações
A constituição de uma associação pode ser definida pela necessidade de organização
dos agricultores para o enfrentamento de problemas que dificilmente conseguiriam resolver de
forma individual, como exigência para a implantação de políticas públicas nas comunidades,
pelo regime político adotado, entre outras.
As ações de apoio e estímulo à organização de pequenos produtores rurais tornaram-se
mais efetivas e consistentes depois que:
Os órgãos que atuam junto a essa população reconheceram o agricultor como
referencial central nos estudos sobre a agricultura, isto é, quando reconheceram que
a agricultura em si mesma não é o centro, mas o resultado das relações sociais
efetuadas em uma dada situação, na qual os homens entram em relação uns com os
outros com o objetivo de fazer a terra produzir, fenômeno de comunicação em que
os atores precisam relacionar-se para alcançar os resultados que desejam, não apenas
entre si, mas com o ambiente que os rodeia. (D’ Incao apud Sperry & Mercoiret
2003, p. 69).
Entretanto, quanto à forma, as organizações têm-se orientado por uma das seguintes
linhas:
A primeira, através da mobilização de uma categoria, uma comunidade, ou um grupo no
qual se discute primeiro a importância da criação da associação e os seus objetivos para
posterior legalização jurídica da entidade. A segunda, através da qual primeiro cria-se a
pessoa jurídica da organização, uma vez que a legislação permite que um pequeno número de
pessoas constitua uma associação e depois se amplia o quadro de associados com as ações
propostas pelo estatuto.
No entanto, a definição de qual linha será adotada pelos grupos interessados em
constituir uma associação dependerá do nível de politização dos envolvidos ou de suas
necessidades imediatas. Entretanto, é possível que uma organização que tenha adotado a
segunda linha para sua constituição possa, no decorrer de sua existência, vir a adotar uma
postura ideológica, e neste caso há uma contribuição do modelo para uma conscientização das
pessoas envolvidas.
Segundo Berthome & Mercoiret (1999, p.12), quando as organizações de agricultores se
tornam independentes, ou são criadas pelos próprios agricultores transformam-se em
instrumento a ser utilizado pela sociedade local para atuar sobre o meio externo assim como
para aumentar sua capacidade de negociação com os atores externos (indivíduos e grupos com
os quais se relacionam).
2.5 Tipos de associativismo
As associações de agricultores familiares têm adotado na sua estruturação dois vieses de
associativismo, levando-se em conta os objetivos pretendidos pelo grupo.
O primeiro tipo é denominado associativismo imposto, visto que vem de fora para
dentro, geralmente por imposição de entidades financeiras para concessão de empréstimos
bancários e por órgãos do governo, sejam eles da esfera municipal, estadual ou federal, aos
grupos a serem beneficiados como condição à implantação de políticas públicas. Carvalho
(1998) define esse tipo de prática de “constrangimento”, como sendo aquela resultante de uma
dinâmica associativista em que as pessoas diretamente interessadas encontram-se em situação
econômica, política e ideológica de subalternidade, sem possibilidades conjunturais de
negarem sua presença (participação) em reuniões convocadas por terceiros ou de negarem as
induções para associarem-se (organização).
Para Ribeiro (1992), este tipo de associativismo é praticado por associações criadas
geralmente com o apoio de órgãos do governo ou de apoio internacional. São aquelas
organizações que se reúnem apenas quando existem recursos de algum projeto a ser
distribuído, as quais se denominam de associações fantasmas, pois possuem registro formal,
mas sem nenhuma participação de fato.
O segundo tipo denominado associativismo ideológico, praticado por pessoas que
convergem com uma mesma ideologia política, comum nos assentamentos do MST. Carvalho
(1998) define este tipo de associativismo como “consensualismo”, que prima pelo uso de
ações conscientes dos membros de uma associação em que as pessoas diretamente envolvidas
colocam-se como sujeitos de suas ações com vistas a transformar o mundo que vivenciam,
tanto perante as demais pessoas e organizações da sociedade civil quanto perante as pessoas e
organismos governamentais.
De acordo com Ribeiro (1992) esse tipo de associativismo é praticado por grupos que
buscam a participação dos associados ou beneficiários e que têm perspectivas mais amplas
que um único projeto ou momento. Esses grupos têm, portanto, legitimidade do ponto de vista
dos participantes. Essas características o-se independentemente de o grupo organizado
receber apoio de órgãos do governo ou de outras entidades.
Ainda segundo o supracitado autor, esse tipo de organização que busca a participação
dos associados vem sendo pensado desde o final da década de 1970 e amadurecendo de forma
diferenciada, dependendo das experiências, oportunidades e assessorias disponíveis. A alta
concentração desse tipo de iniciativa no período 1980/1985, é relacionada com atividades
estimuladoras de órgãos do governo, a exemplo dos financiamentos, planos de
desenvolvimento, etc. O outro período marcante na expansão foi 1988 e está relacionado, em
geral, com vitórias de direções sindicais atuantes, que tinham como ponto programático
fortalecer os grupos de base.
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. Rio de Janeiro:
Hucitec, 1998.
AQUINO, J. R.; TEIXEIRA, O. A.; TONNEAU, J. P. Pronaf: Política nacional
discriminatória?. In: Cd-Rom do X Encontro Nacional de Economia Política, SEP, UFU,
Uberlândia, 2004.
ALEIXO, S. S. Análise de nível tecnológico de produtores de leite: estudo de caso da
Cooperativa Nacional Agro-industrial. Monografia de conclusão de graduação,
Universidade Estadual Paulista, Jabotical, 2000.
ALENCAR, E. Associativismo rural e participação. Lavras: UFLA/FAEPE, 1997.
AMMANN, S. B. Participação social. ed. ver e ampliada. São Paulo. Cortez & Moraes,
1978.
ANDRADE, I. A. L. Conselhos de desenvolvimento rural: um espaço adequado para pensar o
desenvolvimento local?. In: Schneider, S. et al. (org.). Políticas públicas e participação
social no Brasil rural. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
ARAÚJO, S. M. P. Eles: a cooperativa; um estudo sobre ideologia da participação.
Curitiba: Projeto, 1982.
BERTHOME, J.; MERCOIRET, M. R. Organização dos pequenos agricultores. In:
Organização dos produtores. Sperry, S. (org.). Organização dos produtores. Brasília:
Embrapa, 1999.
BUAINAIN, A. M. Trajetória recente da política agrícola brasileira. Campinas: Projeto
UTC/FAO/036/BRA, 1997.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e desenvolvimento rural
sustentável: perspectiva para uma nova extensão rural. In: Agroecologia e
desenvolvimento rural sustentável, Porto Alegre, v.1, n.1, p.16-37, jan. / mar. 2000.
CARVALHO, H. M. Formas de associativismo vivenciadas pelos trabalhadores rurais
nas áreas oficiais de reforma agrária no Brasil. Curitiba: IICA/MEPF/NEAD, 1998.
Disponível em < http://www.nead.org.br/index.php > Acesso em 23 de setembro de 2005.
COSTA, A. A. A.; RIBEIRO, T. C. A. O associativismo no meio rural brasileiro:
contradições e perspectivas. Artigo apresentado no Congresso da SOBER, 8p, 2001.
COSTA, A. A. A. Mudança e continuidade na encruzilhada do progresso. São Paulo: Tese
de doutorado, 1991.
FABRINI, J. E. Os assentamentos de trabalhadores rurais sem terra do centro oeste / PR
enquanto território de resistência camponesa. Presidente Prudente, 2002. Tese de
Doutorado em Geografia. UNESP/FCT. 294 f.
FRANTZ, W. Desenvolvimento local, associativismo e cooperação. Artigo apresentado no
Simpósio Internacional de Gestão Pública, Ijuí/RS, 2002
GAYOTTO, A. M. Formas primitivas de cooperativismo e precursores. ed. São Paulo:
Instituto de Cooperativismo e Associativismo, 1995.
GLIESSMAN, S. R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável
ed. – Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2001.
LISBOA, J. B. Associativismo no campo: das relações em redes ao espaço da socialização
política. Dissertação de Mestrado em Geografia: NPGEO / UFS, Aracaju 1999.
MACHADO, E. P. (coord) Poder e participação política no campo. São Paulo Salvador:
CERIFA, CAR/CEDAP/CENTRU, 1987.
MDA Ministério de Desenvolvimento Agrário, 2002. Disponível em <
http://www.mda.gov.br/index.php > Acesso em 24 de fevereiro de 2006.
MEIRA FILHO, N. Associações de agricultores familiares: fatores de sucesso e insucesso.
Dissertação de Mestrado em Geografia: NPGEO / UFS, Aracaju 2004.
MUECHEN, J. V. O planejamento e o controle da produção em associações de pequenos
agricultores. Piracicaba: ESALQ (Dissertação de Mestrado), 1996.
NEVES, D. P. O econômico e o familiar: interdependências, potencialidades e
constrangimentos, In: Mota, D. M., et al (eds.) Agricultura familiar: desafios para a
sustentabilidade. Aracaju: Embrapa – CPATC, SDR/MA, 1998.
OLIVEIRA, F. Os protagonistas do drama: Estado e Sociedade no Brasil. In: Laranjeira, S.
(org.). Classes, movimentos sociais na América Latina. São Paulo: 1990.
ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS DE MINAS GERAIS OCEMG. Minas Gerais,
1997.
ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS. O que você precisa saber
sobre o cooperativismo. Brasília, DENACOOP, 1996.
PRONESE – I Relatório anual de avaliação de Processo. Aracaju: 1988.
_________ – Relatório de atividades 1991-1994. Aracaju:1994.
KOLMING, F. V. A Coopertreze: seus caminhos e descaminhos (uma alternativa à
agricultura familiar?) Aracaju, UFS, Relatório Final do CNPQ,1997.
RECH, D. Quadro comparativo entre Associação Cooperativa Sindicato
Microempresa. Goiânia / Rio de Janeiro, abril de 1994 (texto mimeografado).
RIBEIRO, E. Avaliação preliminar da experiência de grupos organizados de cooperação
de pequenos produtores de Minas Gerais, Minas Gerais,1993.
SALES, T. Agreste, agrestes: Caminhos da cidadania. Reforma Agrária nº2, v.23,
maio/agosto, 1993.
SCLINDWEIN, S. L. & D’AGOSTINI, L.R. Sobre o conceito de agroecossistemas. 2003,
20p.
SILVEIRA, T.L.N. Gestão prática de associações de desenvolvimento rural 1.
Organização de associações. ASPTA(MÍMEO). Rio de Janeiro, Setembro, 1992.
SPERRY, S.; MERCOIRET. J. Associação de pequenos produtores rurais. Brasília:
Embrapa, 2003. 130 p.
WANDERLEY, M. N. B. Raízes históricas do campesinato brasileiro. Anais do XX
Encontro Anual da ANPOCS. GT 17. Processos Sociais Agrários. Caxambu,1996.
WEBER, M. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Editora
Universidade de Brasília: Brasília, 2000.
RESUMO
AZEVEDO, José Franco de. Formas tradicionais de cooperação no passado entre os
agricultores de Nossa Senhora da Glória/SE. São Cristóvão: UFS, 2006. 107p.
(Dissertação, Mestrado em Agroecossistemas).
Este artigo tem por objetivo discutir as formas de cooperação agrícolas e o-agrícolas
praticadas pelos agricultores familiares de Nossa Senhora da Glória, principalmente até o final
da década de 1970, buscando entender porque as tradicionais formas de cooperação,
denominadas pelos agricultores de: Batalhão, Pisada, Taipa de Casa, Ferra e Pega de Boi,
foram praticamente extintas e como se atualmente as relações entre os agricultores
familiares estabelecidos no município. A metodologia utilizada no estudo foi a pesquisa de
campo com 118 agricultores associados e não-associados em 57 povoados do município.
Observa-se que as formas tradicionais de cooperação desaparecem à medida que o Estado
passa exigir a organização dos agricultores por meio de Associações de Desenvolvimento
Comunitário, como condição para a implantação de políticas públicas, voltadas ao
desenvolvimento de comunidades rurais; assim como, que às mudanças na paisagem dos
agroecossistemas do município contribuiu para o enfraquecimento de formas tradicionais de
cooperação.
Palavras-chave: Reciprocidade, Agricultor Familiar, Comunidade.
ABSTRACT
This article aims at discussing the ways of agricultural and non-agricultural cooperation
practised by the family farmers of Nossa Senhora da Glória, mainly until the end of 1970,
seeking to understand why the traditional ways of cooperation by the names of: Batalhão,
Pisada, Taipa de Casa, Ferra e Pega de Boi, (names given by the farmers) were pratically
extinct and how the relations amongst the family farmers are established in the town
nowadays. The methodology used in the study was the research field with 118 associated and
non-associated farmers in 57 boroughs of the town. One observes the traditional ways of
cooperation disappear in proportion to the State stars demanding the organization of the
farmers through Communal Development Associations, as a condition to the public politics
implatation, aimed at rural communits development; as well as the changes in the landscape
of the town agriecosystems contributing to the weakening of traditional ways of cooperation.
Key-words: Reciprocity, Family Farmer, Community.
4. CAPÍTULO I
FORMAS TRADICIONAIS DE COOPERAÇÃO NO PASSADO ENTRE
OS AGRICULTORES DE NOSSA SENHORA DA GLÓRIA
“... Cultivo a idéia de que um dia meus irmãos e irmãs irão se
reencontrar e o saber popular irá novamente se ajuntar,
percorrer as veias da terra, desenterrar a história, promover o
resgate da memória, dos encontros, das festas, das plantações,
mutirões e fartas colheitas e o sentido da vida fará abrir
caminhos, florescer revoluções, depor sistemas...” (Zé da
Terra).
4.1 INTRODUÇÃO
O presente artigo versa sobre as formas tradicionais de cooperão
8
praticadas no passado
pelos agricultores de nossa senhora da glória, buscando entender, como se atualmente, as
relações entre os agricultores no município.
Maia e Lopes (2003) enfatizam que a comunidade rural é um espaço cultural e social
mais que econômico, onde residem formas tradicionais de cooperação que são utilizadas
mediante as necessidades dos indivíduos.
É certo que a comunidade recebe influência das transformações sociais, dos costumes,
das crenças e dos comportamentos vigentes em uma dada sociedade. É nessa perspectiva que
se pode compreender as práticas tradicionais de cooperação entre os agricultores de Nossa
Senhora da Glória, como sendo permeada por diversos aspectos, sejam eles sociais,
econômicos, religiosos ou políticos.
As práticas tradicionais de cooperação formam um campo fértil de contribuições para
entender as manifestações culturais e econômicas de um povo, uma vez que elas retratam ao
longo de sua história as transformações sociais e as mudanças culturais de uma dada
comunidade, por quem também é influenciada.
Os elementos sociais e econômicos permitem mostrar que as formas tradicionais de
cooperação fazem parte da vida social, de um lado, e, de outro se encontram em estado
dinâmico, não sendo estática sua permanência no grupo.
8
Numa definição ampla a cooperação é relevante a maior parte dos empreendimentos humanos, do jogo ao
matrimônio, das transações de mercado às relações internacionais, da produção industrial à educação. A
cooperação exige que os agentes, tais como indivíduos, firmas e governos, estejam de acordo com respeito a um
conjunto de regras, um contrato, que deve ser então observado no decorrer da sua atividade conjunta (Binmore e
Dasgupta, 1986, p.3).
Para Williams (1988, p.5) “Pode-se dizer que dois ou mais agentes cooperam quando se empenham num
empreendimento conjunto para cujo resultado são necessárias as ações de ambos”. Fica evidente que a sua
significação social quanto sua sofisticação conceitual, são realçadas, ainda segundo o autor “quando uma ação
necessária por parte de pelo menos um dos envolvidos não se encontra sob o controle imediato do outro
envolvido. (...) Sob essa definição, uma situação em que dois agentes cooperam envolve necessariamente pelo
menos um deles dependendo do outro”.
Entretanto, observa-se que a partir do final da década de 1970 estas manifestações de
cooperação vão desaparecendo, à medida que novas formas de organização são implantadas
no município, a exemplo das associações de desenvolvimento comunitário, que tem
contribuindo para a adoção de novas tecnologias pelos agricultores familiares, através da
implantação de um conjunto de políticas públicas.
Espera-se com este estudo, contribuir para uma compreensão das formas tradicionais de
cooperação entre agricultores de Nossa Senhora da Glória fomentando a análise do
associativismo praticado mais recentemente.
4.2 MATERIAL E MÉTODOS
4.2.1 Área de estudo
O município de Nossa Senhora da Glória localiza-se na região noroeste do estado de
Sergipe, microrregião do alto sertão do São Francisco, distante a 126 km da capital do estado,
Aracaju. Tem uma população de aproximadamente 27 mil habitantes e uma área de 742.000
km² (IBGE). Caracteriza-se pela forte presença da agricultura familiar e pela pecuária do leite
como sua principal atividade econômica. De acordo com (2004, p.3), “do total de
pequenos produtores, possuidores de áreas inferiores a 150 ha, que, por sua vez, representam
95% dos estabelecimentos rurais do município de Nossa Senhora da Glória, 56% obtêm renda
da produção de leite”. É possível verificar que apesar dos problemas enfrentados na região
como as condições climáticas, a produção de leite vem crescendo nos últimos anos. Em
recente diagnóstico constatou-se que “a produção de leite nos municípios localizados no semi-
árido sergipano passou de 10,3 para 47,9 milhões de litros/ano no período de 1985 a 1990”
(Mota e Vasconcellos, 2004).
Sabe-se, que no passado os agricultores familiares do município recorriam a diversas
formas de cooperação para o desenvolvimento de determinadas atividades, sejam elas
agrícolas ou não-agrícolas; tendo em vista que as famílias de agricultores individualmente não
conseguiam realizá-las, ou que necessitaria de um intervalo de tempo maior para a execução
destas, correndo o risco, em relação às práticas agrícolas de perder o período propício para o
plantio.
A origem do município deu-se no contexto do processo de ocupação do sertão sergipano
com a pecuária de corte. O povoado surgiu em terras pertencentes a uma grande fazenda do
município de Gararu, que servia de parada de descanso (rancho de acampamento) de viajantes
durante a noite. A sua primeira denominação, Boca da Mata, deveu-se, a uma densa mata que
existia naquele local, os boiadeiros, que passavam tangendo o gado, preferiam esperar o
amanhecer do dia para prosseguir a viagem (Freire 2002, 161).
4.2.2 Metodologia
O estudo realizou-se a partir de pesquisa bibliográfica e de campo, através da qual foram
entrevistados dirigentes de todas as entidades formais (associação, cooperativa e sindicato) de
produtores rurais do município de Nossa Senhora da Glória, perfazendo um total de cinqüenta
e nove organizações, e esta mesma quantidade de agricultores associados a essas entidades,
com a condição de que não fizessem parte das atuais diretorias no intuito de que fossem
confrontadas todas as respostas dos agricultores dirigentes e não dirigentes das associações.
Para a realização da pesquisa foi realizada entrevista semi-estruturada e história oral
9
,
aplicada no período de setembro a novembro de 2005.
Os encontros com os entrevistados dirigentes (homens e mulheres), com diferentes faixas
etárias, aconteceram nos povoados onde estão localizadas as entidades ou na sede do
município, levando-se em consideração o seu domicílio e/ou local de trabalho. Quanto aos
entrevistados não-dirigentes, as entrevistas aconteceram nos povoados onde estão localizadas
as associações.
Todas as informações e depoimentos coletados em entrevistas foram registrados em
caderno de campo e/ou gravadas em fita cassete, e a posteriori feito à transcrição; assim
como, adotamos a observação direta nos estabelecimentos, considerados nesse estudo como
agroecossistemas
10
, além de registros fotográficos.
O roteiro de entrevista comum a todos os entrevistados abordou os seguintes temas:
origem do povoado e da associação; formas de cooperação no passado e no presente e ações
coletivas nas comunidades.
4.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Inicia-se destacando a importância que assume a noção de comunidade para o
9
Segundo MacNeill (1994), citado por Alencar (1999 p. 119), a história oral nos permite considerar vários
aspectos da história que não estão expressos nos documentos.
10
De acordo com Marten (1987) é um complexo de ar, água, solo, plantas, animais, microorganismo e tudo mais
que estiver na área que o ser humano modificou para propósitos de produção agrícola. Pode ter um tamanho
específico, pode ser um campo, uma fazenda ou uma paisagem agrícola de uma cidade, região ou nação.
aprofundamento do debate, acerca das citadas formas tradicionais de cooperação entre os
agricultores familiares.
Tedesco (1999, p.90) entende que a comunidade é um local de multissignificados e
funções; é o espaço do jogo das trocas que, através de acordos e conflitos, que tece a
convivência de uma lógica de integração que passa pela participação, afeto, conhecimento,
vizinhança, mutirões, lazer, equipes, relações de direitos e deveres, partilha, experiência
coletiva na individualidade, delimitação de espaços, símbolos de identidade, de gênero e de
idade, etc.
Entende-se que a comunidade rural não é apenas o espaço físico onde as pessoas se
estabelecem, mas o território da convivência e da reciprocidade, uma vez que se constitui no
espaço das relações sociais, inclusive as trocas, sejam elas materiais ou simbólicas, de bens ou
serviços, por meio das quais os seus membros escolhem os seus aliados e realizam alianças.
Segundo Maia e Lopes (2003, p. 2) a vida social e econômica dos agricultores era
organizada pelos princípios da cooperação e da ajuda mútua, conjunto de regras denominado
de dívida social da comunidade, o qual deveria ser seguido por todos os seus membros, sob
pena de sofrer sanções ou até mesmo de ficar marginalizado e não receber ajuda dos vizinhos
quando mais necessitasse.
Para Woortmann (1990, p. 67), “a reciprocidade era o contrato social do camponês
hierárquico no interior do todo que é a comunidade”, portanto assumia uma importância
muito grande devido ao compromisso moral entre os agricultores, “o contrato não era feito
entre indivíduos, mas numa coletividade, entre pessoas morais”.
4.3.1 A cooperação entre os agricultores
As principais formas de cooperação entre os agricultores do município de Nossa Senhora
da Glória eram: batalhão, pisada, taipa de casa, pega e ferra de boi. Todas elas reguladas
pelo princípio da reciprocidade, para qual a retribuição era obrigatória, seja de forma imediata
ou em um outro momento.
Afirma Tedesco (1999, p. 117) que “a cooperação precisa ser recíproca; um grau de
cobrança que não é explícito, mas que regula o grau de confiança e o crédito futuro”.
Ressalta-se, que durante a pesquisa não houve nenhuma referência a transações monetárias
pela prestação dos mencionados serviços, ficando claro que a cooperação se dava baseada em
dádivas feitas e retribuídas. Entretanto, o hábito da retribuição pela gratidão do beneficio
recebido se constituía em um capital simbólico.
A dádiva é um sistema de intercâmbio, de bens ou serviços, em que a importância da
troca não está no que circula, mas nos vínculos estabelecidos através da relação gerada. Nesta
relação, não há a preponderância de elementos como o poder ou a valorização monetária, pois
tudo que circula está em prol da construção e manutenção de laços sociais.
Caillé (2002, p. 192) interpreta como “qualquer prestação de bens ou serviços efetuada
sem garantia de retorno, tendo em vista a criação, manutenção ou regeneração do vínculo
social. Na relação de dádiva, o vínculo é mais importante do que o bem”. É uma relação que
não procura a equidade na troca, mas um sentimento de dívida espontânea, voluntária, em que
as partes se sentem dispostas a doarem de uma forma incondicional, “sem garantia de retorno”
(Godbout, 1999, p.29).
Mauss (1974)
afirma que a dádiva de nenhuma maneira é desinteressada. Dar, para ele,
significa demonstrar a superioridade e aceitar sem retribuir significa subordina-se; e que a
tríplice obrigação de dar, receber e retribuir se constitui na primeira condição para efetuar o
vínculo social. Portanto, fica claro que a dádiva não era simplesmente uma troca generosa
entre vizinhos, uma vez que era regulada por uma complexa lógica.
4.3.2 Um tempo de cooperação: os batalhões
O termo batalhão é utilizado regionalmente e tem o mesmo sentido do mutirão rural ou
adjunto, que se constitui em formas coletivas de trabalho. De acordo com Caldeira (1956,
p.121) esse termo é utilizado nos estados de Sergipe, Bahia e Alagoas, principalmente nas
zonas san franciscana e sertaneja.
Essa forma de cooperação era conhecida regionalmente como batalhão por aglutinar um
grande número de pessoas. Ressalta-se que cada agricultor participante se encarregava de
levar os seus instrumentos de trabalho, as foices, machados, estrovengas e enxadas. Tendo em
vista, que o agricultor beneficiário poderia não dispor de uma quantidade suficiente de
ferramentas para distribuir com todos os participantes.
Segundo Cândido (1998, p.49), o mutirão “consistia essencialmente na reunião de
vizinhos, convocados por um deles, a fim de ajudá-los a enfrentar determinado trabalho:
derrubada, roçada, plantio, limpa, colheita, malhação, construção de casa, fiação, etc”.
Geralmente, os vizinhos eram convocados pelo beneficiário que lhes oferecia alimento e
bebida, encerrando o dia de trabalho com uma festa. Não havia remuneração de espécie
alguma, a não ser a obrigação moral com que ficava o beneficiário de corresponder aos
chamados eventuais dos vizinhos que o auxiliaram. Este chamado o faltava porque era
praticamente impossível a um agricultor, que dispunha de mão-de-obra familiar, dar conta
do ano agrícola sem cooperação vicinal. Para Guimarães (1995, p.52),
O mutirão constituía uma espécie de sociedade de auxílios mútuos, baseada
unicamente nos costumes e usanças dessa boa gente, que não dispondo muitas vezes
senão do seu único braço para o serviço, planta, todavia, roças consideráveis, e
obtém a colheita necessária para a sua subsistência.
Quando o convite era feito a um agricultor para participar de um batalhão deveria ser
aceito. A recusa ao chamado poderia significar a exclusão do circuito de reciprocidade, e o
indivíduo correria o risco de ficar em situação de hostilidade e isolamento perante a
comunidade, à medida que deixava de cumprir uma das obrigações das regras de
reciprocidade: aceitar o convite e ao mesmo tempo dar uma dádiva.
Como afirma Tedesco (1999), o indivíduo não poderia recusar o convite porque assim
estaria rompendo com os laços que unem historicamente as famílias e permitem a reprodução
da comunidade. A negação, a recusa ao convite, era vista, comunitariamente, como arrogância
e auto-suficiência; conseqüentemente, ele perdia prestígio e dignidade.
O batalhão também podia ser oferecido a um vizinho em um “momento de precisão”,
como resposta a uma situação-problema, constituindo-se assim em um dos momentos mais
marcantes de cooperação entre agricultores. Membros da comunidade se encarregavam de
informar aos demais da necessidade do trabalho coletivo para ajudar a um vizinho, por uma
determinada situação, a exemplo de doença, serviços em propriedades de mulheres viúvas,
agricultores com serviços atrasados em relação ao ciclo agrícola, etc. Nesse caso, o agricultor
beneficiado o tinha a obrigação de fornecer alimentação e bebidas, visto que era pego de
surpresa, assim como, poderia está em dificuldade financeira.
“Tem um vizinho da gente que ficou doente e não podia fazer a roça dele, aí, já tava
no tempo de plantar por causa da chuva, então, juntamos todos os vizinhos e um dia
de sexta-feira plantamos a roça dele” (M. F. S. - Povoado Lagoa do Chocalho).
Os batalhões eram realizados principalmente a partir do mês de março, quando se inicia o
ciclo agrícola no sertão sergipano. Este tipo de cooperação era realizado durante todo o dia,
iniciando-se ao amanhecer e terminando no final da tarde; em boa parte das vezes com uma
grande festa.
A determinação de um dia de serviço para a execução das tarefas dessa forma de
cooperação, se dava, primeiramente, tendo em vista, as obrigações diárias de cada agricultor-
participante, não podendo os mesmos se afastarem de seus estabelecimentos por muito tempo,
e segundo que um dia era suficiente para que o grupo de agricultores realizasse o trabalho.
As festas ao final do trabalho, segundo informações obtidas no município, eram comuns
em estabelecimentos de agricultores com melhores condições financeiras. Contudo, nas
comunidades onde residiam tocadores praticamente não havia distinção, e todo batalhão era
encerrado com festa, atividade que reforçava ainda mais os laços de amizade.
A festa oferecida pelo dono do serviço aos seus colaboradores não era diferente do
comum das festas na roça; aconteciam geralmente nos terreiros das casas ou no próprio
quintal. Homens e mulheres dançavam de mãos dadas em forma de uma grande roda ou aos
pares, ao som de instrumentos como: sanfona, viola e pífano. Afirma Caldeira (1956, p.122)
que o clima gerado pela ação do álcool durante os batalhões favorecia os relacionamentos
amorosos.
Guimarães (1995, p.51) em O Seminarista, retratou o lado lúdico dessa manifestação,
Mutirão! esta palavra nos faz ressoar aos ouvidos os alegres rumores dos
descantos e folguedos da roça, o estrépito dos sapateados da dança camponesa por
entre a zoada dos adufes e violas, e nos transporta ao meio das rústicas e singelas
cenas de prazer da vida do sertanejo.
O lado lúdico dessa forma de cooperação ajudava a transformar o árduo trabalho em uma
grande festa. Eram comuns durante as atividades do batalhão as cantorias em ritmo de aboio,
toadas e samba de roda. Assim os agricultores desenvolviam as mais penosas tarefas sem
percebê-las, já que estavam entretidos com os cantos.
A seguir será exposto um canto de trabalho, entoado durante a derrubada das matas,
enquanto os agricultores estavam manejando os machados, foices, serras e estrovengas, assim
afirmou José Antônio de Santana, 85 anos, povoado Boa Sorte:
Bernadino foi à serra,
Foi pegar beija-flor.
Só não quero que pegue,
Os canários cantador.
Pau pereiro, pau pereiro,
Pau pereiro ingratidão.
Todo pau floreia e brota,
Só o pau pereiro não.
Pau pereiro, pau pereiro,
Olha a seca do verão.
Todo pau cai a folha,
Só o pau pereiro não.
Nos batalhões, as tarefas eram bem definidas no tocante ao gênero, sendo que aos
homens cabia a tarefa do roçado, enquanto às mulheres a preparação dos alimentos a serem
consumidos durante o dia, entre outros afazeres domésticos; as crianças também participavam
transportando água em cabaças e moringas para os trabalhadores. Percebe-se claramente, que
a mão-de-obra feminina era menos valorizada e a sua participação estava atrelada a presença
masculina de um membro da família (cônjuge, pai ou irmão).
Quanto à alimentação servida aos participantes do batalhão, os pratos mais comuns eram
buchadas, pirões e galinhadas; destaca-se que a parada no intervalo para o almoço era
anunciada através de cantos
11
.
as bebidas alcoólicas consumidas durante as diferentes
formas de cooperação, as mais citadas foram: meladinha (uma mistura de cachaça com mel)
ou cachaça com ervas regionais em infusão (angico, imburana, quixabeira, milone, casca de
pau, entre outras), previamente preparadas pelos agricultores. Aos poucos estas bebidas foram
substituídas pelas industrializadas, a exemplo das aguardentes 21 e 51, facilmente encontradas
nos armazéns dos povoados.
4.3.3 No ritmo da cooperação: a pisada
De acordo com as informações prestadas pelos agricultores do município, o termo
pisada, refere-se ao ritmo que era dançado por eles na realização das tarefas dessa forma de
cooperação. A diferença entre essa modalidade e o batalhão estava no tempo necessário para
a execução do serviço, visto que este era realizado utilizando-se apenas um período do dia,
verificando-se que normalmente, os serviços eram realizados à noite. O ritmo da pisada do
samba de coco
12
ajudava a aquecer os corpos dos agricultores nas baixas temperaturas,
comum na região no período noturno.
O código de ética estabelecido pela comunidade e que deveria ser seguido era o mesmo
das outras modalidades de cooperação: o compromisso moral de ter que retribuir em outro
momento a ajuda recebida, ou seja, a dádiva.
Caldeira (1956) constatou em seu estudo sobre agricultores da região semi-árida do
estado da Bahia que “o trabalho de despalhar o milho e batê-lo sobre jiraus era outra operação
em que os lavradores se assistem reciprocamente. Começando de ordinário entre 6 e 7 horas
11
Segundo Josefina da Silva, 65 anos, agricultora do povoado Barra Verde: Dona da casa eu quero comer / Eu
quero beber / Eu quero aguardente. Faz um pagode / Não mata bode / Convida a gente. Limoeiro cai na mata
fechada / A chuva era muita / E o relâmpago era demais / Sustenta a pisada / Choveu trovoada.
12
O samba de coco refere-se ao samba tirado de cabeça, de improviso. O som característico do coco vem de
quatro instrumentos (triângulo, ganzá, pandeiro e atabaque), mas o que marca mesmo a cadência desse ritmo é o
replicar acelerado dos tamancos e das palmas (Câmara Cascudo).
da noite, prolongando-se por três ou quatro horas”.
Outra diferença em relação ao batalhão era que neste caso, não existia o compromisso
por parte do agricultor beneficiário com o fornecimento de alimentos e bebidas. Visto que se
tratava de atividades corriqueiras, portanto, com maior incidência do que outras formas de
cooperação, além da limitação de tempo, não ultrapassando uma diária de quatro horas.
As tarefas mais comuns executadas nas pisadas eram a quebra de milho, debulhar milho e
feijão e a produção de farinha de mandioca. Observa-se no relato abaixo também a descrição
de momentos lúdicos.
“... pois é, naquele tempo não tinha máquina e, os pais da gente colocava roça
grande onde as mais pequenas era de trinta tarefa, era muito milho, quando era
boca da noite claro, de lua né, todo mundo se reunia ao redor das ramas de milho,
descascando, cantando e dizendo versos, também bebia né, tomava vinho essas
coisas, daí também saía paquera, saía namorinho e até casamento...” (T. M. P.
Povoado Angico)
A pisada era uma forma de cooperação bastante utilizada na produção artesanal de
farinha de mandioca. Enquanto as mulheres raspavam e ralavam a mandioca, aos homens
cabia o trabalho de girar o rodete manual, prensar a massa, torrar a farinha no tacho e manter
o forno abastecido de lenha; essa definição das tarefas entre gênero tem como base o
pensamento comum entre os agricultores da região que as mulheres conseguem realizar
melhor a raspagem da mandioca, tendo em vista a sua agilidade e destreza, assim como
facilidade para se agachar. A produção era para o consumo próprio da família, durante alguns
meses, podendo o excedente ser emprestado, trocado ou até mesmo doado aos vizinhos.
Observa-se atualmente na área de estudo um grande número de casas de farinha
comunitárias desativadas, onde os prédios estão servindo para outros fins, a exemplo de
escolas, depósitos e sede das associações comunitárias. As casas de farinha estão perdendo a
sua finalidade, devido à redução da produção de mandioca no município, uma vez que áreas
que até então eram utilizadas no cultivo de mandioca, agora se destinam ao plantio de milho e
palma para alimentação dos rebanhos bovinos; outro fator que também contribuiu para a
queda na produção de mandioca foi o baixo preço da farinha, levando o agricultor a optar por
outros cultivos de maior valor agregado.
4.3.4 Construindo cooperação: a taipa de casa
Nessa modalidade de cooperação, vizinhos, parentes e amigos eram convidados
previamente para a construção de uma casa de taipa, também conhecida regionalmente como
casa de sopapo, ou pau-a-pique. Neste tipo de construção toda a matéria-prima necessária era
retirada nas matas próximas ao local onde seria erguida a nova moradia. A parede era iniciada
pela fixação das peças de madeira mais grossas que sustentam o envarinhamento feito com
galhos de árvores e amarrados com cipós. Cabe ressaltar, que a estrutura de madeira era
anteriormente construída para facilitar o serviço, haja vista, a disponibilidade de um dia de
trabalho do grupo de agricultores para a construção da moradia.
Com a estrutura pronta, é a vez do barro, que era transportado do barreiro até o local da
edificação, em um bangüê de madeira e ci carregado no ombro por quatro homens, que se
revezam nas atividades, enquanto um outro grupo masculino aguarda o barro para a
compactação e depois preenchimento da estrutura de madeira. Mulheres e crianças
desenvolviam nesta forma de cooperação as mesmas tarefas exercidas por elas nos batalhões.
“As crianças participavam, ficavam todas sujinhas de barro, brincando de jogar
barro uns aos outros, correndo, se divertindo, todo mundo se divertindo...” (J. S.
Povoado Barra Verde)
Durante a taipa de casa eram entoados cantos
13
e desenvolvidas algumas coreografias na
mistura do barro com a água, o que demonstra o caráter festivo na interação social. As
músicas eram puxadas de preferência pelo proprietário da casa, ou por um parente,
identificado por um lenço amarrado no pescoço, como forma de demonstrar a sua gratidão aos
participantes, além da alegria por está realizando o desejo da casa própria.
“Todo mundo se divertia, todo mundo cantava, todo mundo sambava, uma pessoa
subia no bangüê com um lenço amarrado no pescoço para animar, carregado por
quatro homens sobre os ombros, e toda aquela turma saia acompanhando e
sambando, era muito divertido” (T. P. – Povoado Angico)
Para Woortmann (1990), essa troca de tempo entre vizinhos é pensada como ajuda entre
iguais que será retribuída, atividade descrita mais como festa do que como labuta. E em festa,
as paredes vão sendo preenchidas artesanalmente, nesta técnica tradicional que apresenta um
satisfatório conforto térmico e uma forte resistência ao tempo.
Todavia, este tipo de edificação tem apresentado um sério problema do ponto de vista
sanitarista, uma vez que as paredes das casas de taipa servem de alojamento para o inseto
conhecido popularmente como barbeiro, transmissor da doença de Chagas
14
.
13
Canto de trabalho entoado durante a taipa de casa, segundo Francisco da Silva, 67 anos, agricultor do povoado
Barra Verde: A despedida do barreiro / É que faz chorar / Faz chorar e soluçar / É que faz chorar. Aqui não
quero morar / É que faz chorar / Quem quiser fique morando / É que faz chorar. Corta corta, emenda emenda /
Quando eu quero emendar / Dou um nó escondo a ponta / Para o outro não desatar.
14
A doença de Chagas é uma enfermidade causada por um protozoário parasita chamado Trypanosoma cruzi
(www.abcdasaude.com.br). Atualmente, o Governo do Estado de Sergipe implantou um programa social de
Quando se tratava de uma construção para um novo casal, durante a taipa de casa se
comemorava o matrimônio, visto que geralmente a moradia era erguida na spera do
casamento. Dependendo das condições financeiras dos noivos a comunidade contribuía de
alguma forma para ajudá-los.
“Aí tinha também os leilões, as pessoas se ajuntavam, um dava um sabonete, outro
uma goiabada, um peru, uma galinha, um bezerro, para ajudar um ao outro, fazia
aquele leilão e construía a casa” (J. S – Povoado Barra Verde)
4.3.5 Aboiadores da cooperação: a ferra e a pega de boi
A ferra e a pega do boi são formas de cooperação que eram praticadas tradicionalmente
pelos agricultores do sexo masculino no município de Nossa Senhora da Glória. Ressalta-se
que os vaqueiros às vezes precisavam ficar alguns dias afastados de casa para a execução de
algumas tarefas, a exemplo da condução do rebanho para outras áreas; no entanto, cabiam às
mulheres os afazeres domésticos, cuidar dos filhos e parte das atividades do roçado.
Em relação à ferra de boi, o costumeiro era apenas uma grande reunião por ano em cada
região, no período de inverno, para realizar a marcação a ferro quente nos animais. a
segunda forma de cooperação era uma prática corriqueira, visto que, os estabelecimentos do
município a a década de 1950 não possuíam cercas, e os animais eram criados soltos
agrupando-se facilmente aos de outros proprietários. Estas faixas de terra eram denominandas
de “terra de heréos”, pois não havia documentação legal e qualquer agricultor poderia utilizá-
los.
Alguns critérios eram determinantes para a escolha dos locais onde deveria realizar-se a
ferra de boi, como: disponibilidade de água para desendentação animal, que fosse
centralizado e de fácil acesso para a maioria dos participantes, além da predisposição dos
agricultores daquele local em fornecer a alimentação aos vaqueiros participantes. Tudo
pensado para que fosse bem sucedida, e após a definição do local, este passava a ser
referência na região e dificilmente mudava, permanecendo por vários anos.
Segundo relatos de agricultores nos diversos povoados do município, as ferras de boi
mais famosas de Nossa Senhora da Glória eram realizadas nos povoados Lagoa Bonita,
Angico, Lagoa do Rancho, Lagoa do Chocalho e Quixaba; justamente os povoados que
melhor atendiam ao conjunto de requisitos para a realização desta prática solidária.
erradicação das casas de taipa, denominado Sergipe Minha Casa, com o objetivo de reduzir a propagação dessa
doença.
“A gente se reunia o dia todo para ferrar os animais e às vezes aproveitava logo
para vacinar também ( ), vinha esse povo todo daqui da região, fazia comida para
todos, era muito bom vê os amigos” (M. P. O. - Povoado Lagoa do Chocalho).
Para Cunha (1914, p.84), a primeira coisa que os vaqueiros dos sertões da Bahia faziam
era “aprender o abc e, afinal, toda a exigência da arte em que são eméritos: conhecer os ferros
das suas fazendas e os das circunvizinhas”. Chamam-se assim os sinais (letras e desenhos) no
dorso dos animais, feitos a ferro quente
15
para a identificação dos proprietários dos mesmos.
O vaqueiro, o se contentando em ter de cor os ferros de sua fazenda, aprendia os das
demais. Chegando às vezes, por extraordinário esforço de memória, a conhecer, uma por uma,
não as reses de que cuidava, como as dos vizinhos, incluindo-lhes a genealogia e hábitos
característicos os nomes, as idades, etc. (Cunha, 1914).
Ressalta-se que a cooperação e a confiança entre os vaqueiros no passado também foi
relatado como tradição em Nossa Senhora da Glória. Quando um vaqueiro encontrava um
animal de terceiros, cuja marca era conhecida, entregava de imediato ao seu proprietário.
Quando não conseguia identificar o proprietário, guardava o animal em sua propriedade,
cuidando da mesma forma de que tratavam os de seu rebanho, e sem usá-lo para o trabalho, na
expectativa que o dono um dia aparecesse ou que o animal morresse de velho. Em se tratando
de uma fêmea, no caso de reprodução, a cada quatro animais nascidos um seria para o
vaqueiro que estava com a posse, denominando-se de quarteiração.
A pega de boi foi outro tipo de cooperação citada, bastante praticada até o final dos anos
de 1970 na região; é que quando um vaqueiro precisava encontrar algum animal que estava
desaparecido, recorria à ajuda dos vizinhos e amigos para localizá-lo em matas fechadas.
“A pega de boi era assim: quando um animal que pertencia à gente fugia, naqueles
tempo, a gente reunia os amigos e ia procurar até encontrar, às vezes achava logo e
às vezes demorava, mas a gente voltava quando achava” (P. J. M. Lagoa do
Chocalho).
Vejamos um canto de trabalho entoado em forma de repente durante a pega de boi, como
afirma Terezinha Mendonça Pereira, 47 anos, povoado Angico:
Fui convidado para uma festa,
Pedro Silva me convidou,
Para ir à terra do mandi,
Pra pegar ruador,
15
Ressalta-se que nos últimos anos a tatuagem a fogo vem se constituindo numa prática em desuso, uma vez,
que reduz o valor comercial da pele bovina. Constata-se que alguns agricultores do município estão utilizando
marcadores numéricos fixados nas orelhas dos animais para fins de identificação destes.
Antônio, Zeferino, Luiz, Daniel, Pedro, Caboclo, Eliseu e Xavier,
Vieram avisar que o boi é bravo e corredor,
O garrote correndo faz bagaceira na sucupira, na caatinga,
Por meio da imburana, alecrim, gameleira,
Descendo o riacho até a cachoeira, e ainda corre dizendo eu sou ruador.
Percebe-se nessa letra da música o caráter de festa que era dado à pega de boi, bem como
as espécies vegetais e paisagem dos agroecossistemas da região.
Conforme Caldeira (1956, p.196), “se um vaqueiro tinha de pegar uma ou mais reses de
sua fazenda no território de outro, dirigia-se primeiramente ao respectivo proprietário ou
vaqueiro e pedia campo, o que significa consentimento e auxílio, e ninguém podia recusar-se
a dar campo”.
Cunha (1914) em Os Sertões também destaca o caráter solidário desse costume na zona
sertaneja quando afirma “solidários todos, auxiliam-se incondicionalmente em todas as
conjunturas”.
A solidariedade retratada pelo autor em seu romance, era bastante comum na região de
Nossa Senhora da Glória entre os vaqueiros. No entanto, nos últimos anos, essas formas de
cooperação vêm perdendo força, principalmente com o desmatamento da região e a
delimitação das propriedades, através de cercas, dificultando a fuga dos animais. Porém foi
observado que alguns agricultores dos povoados Lagoa do Chocalho e Quixaba reservam um
dia da semana para praticar a pega de boi, não mais como forma de cooperação, mas como
esporte.
4.4 CONCLUSÕES
Ao que pesem as considerações empreendidas neste artigo, pode-se concluir que,
principalmente, a partir da década de 1980 o Estado passou a se apresentar como uma forma
de dádiva nos tempos modernos. Ele seria a representação da solidariedade, utilizando-se das
associações de desenvolvimento comunitário para operacionalizar a redistribuição de forma
ampla e igualitária. D a importância das associações para o Estado, servir de instrumento
para a implantação de políticas públicas.
O Estado assumiu o papel de representação da solidariedade na medida em que os
serviços, que até então, eram realizados internamente pela própria comunidade, passaram a
ser assumidos pelo mesmo, a exemplo da construção de casas de farinha motorizadas,
construção de casas populares em alvenaria, mecanização da agricultura e etc. Ao tempo em
que cria uma perigosa relação de dependência assistencialista, com fins eleitoreiros.
Entende-se que esta tentativa de substituição de dádivas entre os agricultores pelo Estado
não poderia dar certo, uma vez que são sistemas diferentes, com princípios diferentes. A partir
do momento em que se paga impostos para obter em contrapartida serviços, a relação passa a
ser vista como uma troca, prevalecendo à quitação monetária de dívidas e a impessoabilidade;
dessa forma contrariando os pressupostos da dádiva.
Outro aspecto é que os Programas de Desenvolvimento Rural Integrado, implantados em
Sergipe a partir da década de 1970 pelo Pólo Nordeste e na cada seguinte pelo PRONESE
embora definidos como projetos de desenvolvimento sustentável o tiveram a preocupação
com os aspectos culturais e históricos, prevalecendo estritamente o aspecto econômico,
levando uma visão de mercado para o agricultor familiar. Ressalta-se que a sustentabilidade
tem que levar em consideração seus diversos aspectos.
Neste sentido, verificou-se que as práticas de cooperação (batalhão, pisada, taipa de casa,
a pega e a ferra de boi) em contraposição ao modelo de organização implantado pelo Estado,
através das associações, não estavam atreladas ao retorno financeiro. Uma vez que o
compromisso da participação era determinado pelos princípios da solidariedade entre
vizinhos, amigos e parentes.
Observou-se também que as atividades lúdicas desenvolvidas durante a execução das
tarefas nas diversas formas de cooperação eram importantes para a interação social das
comunidades e para o entretenimento dos participantes nas tarefas mais árduas.
As tarefas desenvolvidas durante as formas de cooperação eram bem definidas por grupo
de participantes e por gênero, onde em geral as mulheres assumiam os papéis secundários, no
entanto, em relação às formas de cooperação denominadas de pega de boi e ferra, eram
praticadas exclusivamente pelos homens.
4.5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALENCAR, E. Introdução à metodologia da pesquisa social. Lavras: UFLA 1999. 125 p.
BUARQUE DE HOLANDA, S. Raízes do Brasil. 20.ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1988. 158 p.
CAILLÉ, A. Dádiva e associação. In: A dádiva entre os modernos: Discussão sobre os
fundamentos e as regras do social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002a. p. 191-205.
CÂNDIDO, A. Os parceiros do Rio Bonito. ed. São Paulo: Livraria duas Cidades, 1987.
284 p.
CALDEIRA, C. Mutirão: formas de ajuda mútua no meio rural. São Paulo: Brasiliana,
1956. 222 p.
CUNHA. E. Os sertões. São Paulo: Ediouro, s/d. 363 p.
GODBOUT, J. T. O espírito da dádiva. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
1999.
GONZAGA, L. Volta pra curtir. RCA/BMG.1972.
GUIMARÃES, B. O seminarista. São Paulo: Ática, 1995. 102 p.
FREIRE, E. História dos municípios. Aracaju: Cinform, 2002. 272 p.
MAIA, C., LOPES, M. Formas tradicionais de solidariedade camponesa no Vale do
Jequintinhonha. Montes Claros: Unimontes Científica V.5, n. 2 – julho/dezembro de 2003.
MAUSS, M. Sociologia e antropologia. Cosac & Naify: São Paulo, 2003.
MOTA, D. M., VASCONCELLOS, J.B.G. Dinâmica territorial no sudoeste sergipano: “A
diversificação por tradição”. Encontro da Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção.
Aracaju, SE. 2004.
QUINTANEIRO, T.; BARBOSA, M. L. O.; OLIVEIRA, M. G. Um Toque de Clássicos:
Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte, editora UFMG, 1996.
SÁ, J. L., Fortalecimento da produção familiar em sistema agroecológico na bacia
leiteira do semi-árido sergipano. Projeto de Pesquisa da Embrapa Semi-árido. 2004.
TEDESCO, J.C. Terra, trabalho e família: racionalidade produtiva e ethos camponês.
Passo Fundo: EDIUPE, 1999. 324 p.
WOORTMANN, K. Com parente não se neguceia. In: ANUÁRIO ANTROPOLÓGICO.
1987. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. p. 11-73.
RESUMO
AZEVEDO, José Franco de. Mapa do associativismo dos agricultores familiares do
município de Nossa Senhora da Glória/SE. São Cristóvão: UFS, 2006. 107p. (Dissertação,
Mestrado em Agroecossistemas).
Este artigo analisa a dinâmica de funcionamento das organizações do tipo: associações,
cooperativas e sindicatos rurais de agricultores familiares no município de Nossa Senhora da
Glória. Para tanto, diversas variáveis foram analisadas, como: ano de fundação das entidades,
número e variação nos quadros societários e a qualidade da participação, definida a partir dos
critérios de representatividade, legitimidade, participação de base e auto-sustentação dos
projetos implantados pelas organizações. Adota-se como metodologia neste estudo a pesquisa
de campo predominantemente qualitativa, com o objetivo de conhecer o processo e não
simplesmente resultados e produto; foram entrevistados 59 dirigentes de organizações formais
de agricultores e esta mesma quantidade de agricultores associados a essas entidades na
condição de queo fizessem parte das atuais diretorias. Verifica-se que o Estado tem sido o
principal agente fomentador na criação das organizações visando a implantação de políticas
públicas.
Palavras-chave: Organizações, Participação Coletiva, Políticas Públicas.
ABSTRACT
This article analyzes the dynamics of functioning of the organizations such as: associations,
collectives and rural unions of family farmers in Nossa Senhora da Glória. For effect, several
variables had been analysed such as: entities foundation year, number and variation in the
partner range and the quality of the participation, defined from the representativity criteria,
legitimacy, basis participation and self-support projects implanted through organizations. One
adopts as methodology in this study, the research field preodominantly qualitative, aiming at
knowing the process and not only results and products; 59 managers of formal farmers
organizations were interviewed, and this same amount of farmers in association with these
entities, on codition that they weren’t part of the present management. It has been checked out
that the State has been the main monger agent towards creation of the organizations, aiming
the public politics implatation.
Key-words: Organizations, Collective Participation, Public Politics.
5. CAPÍTULO II
MAPA DO ASSOCIATIVISMO DOS AGRICULTORES FAMILIARES
DO MUNICÍPIO DE NOSSA SENHORA DA GLÓRIA
“Todos juntos somos fortes, somos flecha, somos arco
todos nós no mesmo barco o nada pra temer...”
(Chico Buarque, Enriquez e Bardotti).
5.1 INTRODUÇÃO
As organizações que têm como base a integração dos associados por meio de uma
estrutura organizacional própria à autogestão e de processos sociais de participação coletiva
vêm, em tempos de grandes mudanças da ordem econômica, apresentando-se como
alternativa capaz de responder aos desafios impostos pela sociedade moderna nos diferentes
espaços e atividades.
Contudo, uma pergunta precisa ser respondida: se a participação coletiva nas
organizações apresenta-se como importante instrumento para garantir conquistas, por que uma
grande parcela das pessoas não participa destas entidades? Muitas são as possibilidades de
resposta, mas Avritzer (2004, p.11) afirma que a baixa propensão associativa no Brasil está
ligada a fatores históricos com origem nas formas verticais de organização da sociabilidade
política, decorrentes de um processo de colonização que constituiu uma esfera pública fraca e
uma ampla esfera privada, ambas fundadas na desigualdade social.
Evidencia-se que a não-participação associativa no país é superior à participação,
apesar de os estudiosos do tema reconhecerem que um crescimento da população
associada. Avritzer (2004, p.33) apresenta algumas teorias que tentam explicar os motivos da
não-participação, a exemplo da teoria de Olson (1965) na qual prevalece a opção individual
das pessoas, sem considerar fenômenos da ciência política como a dominação e a
desigualdade; a de McCarthy e Zald (1977) que atribui a não-participação à incapacidade de
mobilização dos indivíduos associada ao controle de um conjunto de recursos que facilitam a
participação, os quais podem ser de diferente natureza, como tempo, recursos materiais ou até
mesmo o conhecimento de pessoas que participam; e por fim, uma terceira teoria que atribui o
pertencimento dos indivíduos a redes de participação como sendo a principal variável que
explicaria tanto a participação quanto a não-participação. Nesses termos, qual a validade
dessas idéias para analisar a dinâmica do associativismo entre agricultores familiares no
Município de Nossa Senhora da Glória?
Levando-se em conta essa problemática e considerando que em mercados
competitivos e socialmente excludentes, as formas organizacionais apresentam-se como
possibilidades de inclusão para indivíduos que, de forma isolada, pouco conseguem
influenciá-los (Gerlach e Batalha, 2003), o objetivo desse artigo é analisar a dinâmica das
organizações (associação, cooperativa e sindicato) dos agricultores familiares do município de
Nossa Senhora da Glória.
Destaca-se a crescente relevância desse tema na esfera local, considerando-se as
pressões exógenas que os agricultores familiares ali vivenciam em decorrência das ameaças
que rondam a principal atividade produtiva no espaço rural (produção de leite/queijo) face às
exigências da legislação sanitária e as impossibilidades de atendimento individualizado de tais
exigências.
5.2 MATERIAL E MÉTODOS
5.2.1 Área de estudo
O município de Nossa Senhora da Glória localiza-se na região noroeste do estado de
Sergipe, limitando-se ao norte com os municípios de Porto da Folha e Monte Alegre; ao sul,
com Carira, Nossa Senhora Aparecida, São Miguel do Aleixo e Nossa Senhora Aparecida; ao
oeste, com o estado da Bahia e ao leste com os municípios de Gararu e Graccho Cardoso. Está
situado na microrregião do alto sertão do São Francisco, distante 126 km da capital do estado,
Aracaju. A sede do município está localizada na parte leste do seu território com as seguintes
coordenadas geográficas: latitude sul, 10°12’59 e longitude oeste 37° 25’09” (IBGE).
Tem uma população de aproximadamente 27 mil habitantes, dos quais 9.773 residem na
zona rural e 17.137, na zona urbana. Ocupa uma área de 742 km² (IBGE 2000), e caracteriza-
se pela forte presença da agricultura familiar e pela pecuária do leite como sua principal
atividade econômica.
De acordo com (2004, p.3), “do total de pequenos produtores, possuidores de áreas
inferiores a 150 ha, que, por sua vez, representam 95% dos estabelecimentos rurais do
município de Nossa Senhora da Glória, 56% obtêm renda da produção de leite”. É possível
verificar que, apesar dos problemas enfrentados na região com as condições climáticas, a
produção de leite vem crescendo nos últimos anos. Em recente diagnóstico constatou-se que
“a produção de leite nos municípios localizados no semi-árido sergipano passou de 10,3 para
47,9 milhões de litros/ano, no período de 1985 a 1990” (Mota e Vasconcellos, 2004).
Observa-se atualmente que as regiões ao leste e ao oeste da sede do município onde
tradicionalmente se localizavam grandes propriedades rurais, com baixos índices de densidade
demográfica, estão passando por transformações devido ao grande número de famílias
assentadas nessas áreas.
5.2.2 Metodologia
O estudo realizou-se a partir de pesquisa de campo predominantemente qualitativa, com o
objetivo de conhecer fundamentalmente o processo e não simplesmente resultados e produto
(Trivinõs, 1987). Foi realizado com base no levantamento de dados primários (entrevista
semi-estruturada e história oral
16
) e secundários (revisão bibliográfica e de estatísticas) no
período de setembro a novembro de 2005.
As principais variáveis analisadas são: ano de fundação das organizações, número de
sócios, variação no quadro societário e a qualidade da participação; esta última, definida a
partir dos critérios de representatividade, legitimidade, participação de base e auto-
sustentação dos projetos adotados por Demo (2001, p.116).
Foram entrevistados 59 dirigentes de entidades formais de agricultores familiares do
município de Nossa Senhora da Glória (sendo 57 do tipo associação, 1 cooperativa e 1
sindicato), sendo também entrevistada essa mesma quantidade de agricultores associados a
essas entidades com a condição de queo fizessem parte das atuais diretorias, com o intuito
de que fossem confrontadas todas as respostas dos agricultores dirigentes e não-dirigentes das
associações, além de atores-chave de algumas entidades e fomentadores do processo
associativista no município.
Convém ressaltar que as organizações estão espacialmente distribuídas por todo o
município de Nossa Senhora da Glória, e que as informações pretendidas referem-se às atuais
formas de organização dos agricultores do município (ANEXO I).
5.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
No município de Nossa Senhora da Glória existem 59 entidades de organização social
representativas dos agricultores familiares, sendo 57 associações, 1 sindicato e 1 cooperativa
(Figura 1). Observa-se que geograficamente as associações são bem distribuídas, abrangendo
praticamente todos os povoados do município, chegando, em alguns casos, a exemplo dos
povoados São Clemente, Lagoa Bonita, Aningas e Augustinho, a existir mais de uma
entidade, todas fundadas por interesses diversos, mas principalmente por interesses político-
partidários. Essas entidades congregam essencialmente agricultores familiares, definidos
como aqueles que ao mesmo tempo são proprietários dos meios de produção e assumem o
16
Para Mac Neill (1994), citado por Alencar (1999), a história oral nos permite considerar vários aspectos da
história que não estão expressos nos documentos.
trabalho no estabelecimento produtivo (Wanderley, 1996). Desta forma adota-se o conceito de
agroecossistemas
17
na escala dos estabelecimentos do tipo familiar.
FIGURA 1 – Tipos de entidades de agricultores. UFS, São Cristóvão/SE, 2006
Contudo, verifica-se que o crescimento do número de associações deu-se principalmente
a partir de meados da década de 1980, haja vista que até 1984 somente existiam 3
organizações de agricultores no município, das quais apenas uma era do tipo associação. O
aumento do número de associações nesse período está diretamente relacionado com os
benefícios promovidos pela primeira etapa do Programa de Apoio ao Pequeno Produtor
PAPP, através da construção de sedes, galpões para máquinas, doação de veículos, entre
outros.
No final da década de 1990 existiam 44 associações; e atualmente totalizam 57, todas
participantes do Conselho de Desenvolvimento Municipal Sustentável - CONDEM, órgão
consultivo vinculado à Prefeitura Municipal de Nossa Senhora da Glória. O período de maior
crescimento no número de associações foi à década de 1990 (Figura 2), correspondente à
implantação de políticas públicas que priorizaram beneficiar as pequenas comunidades rurais,
como o Programa de Apoio Comunitário - PAC e do Fundo Municipal de Apoio Comunitário
– FUMAC, através do Projeto Nordeste em Sergipe - PRONESE.
17
Segundo Marten (1987), é um complexo de ar, água, solo, plantas, animais, microorganismo e tudo mais que
estiver na área e tenha sido modificado pelo homem para propósitos de produção agrícola. Pode ter um tamanho
específico, pode ser um campo, uma fazenda ou uma paisagem agrícola de uma cidade, região ou nação.
Ass ociações
Cooperativa
Sindicato
Série1
FIGURA 2 - Crescimento do número de associações. UFS, São Cristóvão/SE, 2006.
Os projetos financiados pelo PAC, a exemplo das casas de farinha, construção de sede de
associação, entre outros, tinham por objetivo contribuir para o processo de organização das
comunidades bem como para o processo de tomada de decisões. Todavia, o PAC tinha a
concepção de planejamento participativo e atendia às propostas apresentadas diretamente
pelas associações comunitárias, enquanto o FUMAC exigia como pré-requisito a constituição
dos conselhos municipais de desenvolvimento que aglutinassem as associações, conforme
previsto na Constituição Federal de 1988.
Essa Constituição Federal orientou a criação de conselhos especiais para garantir o
desenvolvimento social como forma de descentralizar e fortalecer o poder municipal. Ela
define como mecanismos para o controle social os Conselhos e as Associações.
Segundo Andrade (2004, p.240), esse redirecionamento se deu em virtude do
“esgotamento do padrão centralizado de formulação de políticas, característico do estado
brasileiro, provocou a transferência da competência de planejamento das ações
governamentais para o nível mais descentralizado de governo: o município”.
Apesar da mudança de concepção prevista pela Constituição Federal de 1988, o que se
verifica, segundo Lisboa (1999, p.58), é um condicionamento a políticos locais em busca de
favores, estabelecendo-se uma transferência de responsabilidades, posto que as comunidades
deveriam reivindicar bens de infra-estrutura básica ou produtiva, ainda não presentes nas
localidades.
Nesse sentido foi possível detectar que várias associações estão ligadas ou até mesmo são
presididas por vereadores do município, ex-vereadores, ex-prefeitos, secretários municipais,
ex-primeiras damas do município, mães de ex-prefeitos; o que se dá, segundo Demo (2001),
porque os movimentos comunitários são mananciais importantes de votos e cabos eleitorais.
Entre as associações analisadas, 5% são presididas por ex-prefeitos, ex-primeiras damas e
mãe de ex-prefeitos; 5% por vereadores na atual legislatura; 5% por ex-vereadores e 15% por
parentes de primeiro grau de vereadores ou de ex-vereadores.
5.3.1 Um pouco da história do associativismo no município
Chama a atenção o crescimento do número de entidades do tipo associação no município,
nas últimas duas décadas, em contraposição ao declínio da Cooperativa Mista e de
Colonização de Nossa Senhora da Glória.
A primeira associação constituída formalmente nesse município, em 1971, foi a dos
Produtores Rurais de São Clemente, com a participação efetiva do Padre Gregório, que era
pároco de Nossa Senhora da Glória, pertencente à Diocese de Propriá, e seguia orientação do
grupo comandado por Dom José Brandão de Castro, com posições ideológicas mais
progressistas, visto que as suas idéias estavam à frente do conjunto da sociedade, o qual
procurava desenvolver um trabalho social com as comunidades, principalmente com os jovens
filhos de agricultores, através da JAC - Juventude Agrária Católica.
“Em 1963, Dom José Brandão de Castro foi a Roma para participar do Concílio do
Vaticano II. Nesta ocasião aproveitou para falar com o superior da Congregação
Redentorista, onde solicitou ajuda para completar o quadro de religiosos da Diocese
que comandava em Propriá, que tinha sido criada em 1960, quando foi informado de
que na Bélgica havia padres que se preparavam para trabalhar nas missões
estrangeiras. Foi aí que se deu a nossa vinda para cá” (Pe. Gregório).
Segundo a ata de fundação da Associação de Produtores Rurais de São Clemente
(ANEXO II), a origem desta associação está atrelada ao recebimento de uma doação vinda da
Bélgica para o Pe. Gregório, que adquiriu uma propriedade para assentar 12 famílias de
agricultores que se preparavam com o objetivo de emigrar para outra região, por não
encontrar mais serviço naquele município, devido ao prolongamento da estiagem. Portanto,
fica claro que a criação dessa associação não tem nenhuma relação com ações e projetos do
Estado ou de entidades financeiras, mas sim de uma iniciativa da Igreja Católica, na tentativa
de organizar os agricultores, possibilitando-lhes a melhoria de sua qualidade de vida e a
promoção do desenvolvimento da comunidade.
Constata-se atualmente que parte das famílias assentadas na época da criação da
Associação dos Produtores Rurais de São Clemente repassaram seus lotes, evidenciando a
dificuldade enfrentada no gerenciamento da propriedade, ou devido a pouca valorização que
os agricultores deram à aquisição das terras.
No caso específico da Cooperglória, faz-se importante uma avaliação mais detalhada. A
organização foi fundada em 1969 por 45 cooperados, passando a crescer gradativamente,
atingindo no início da década de 1980 um quadro de 700 cooperados. Entretanto, a partir de
meados dos anos 1980, esse número começou a decrescer, e hoje a cooperativa é formada por
apenas 78 agricultores. Entende-se que a espacialização das associações contribuiu para o
esvaziamento da cooperativa, uma vez que os agricultores apostaram na facilidade da
obtenção de benefícios através desse tipo de organização.
A Cooperglória exerceu um importante papel na economia do município, pois era o
principal canal para o processamento e comercialização de boa parte do milho produzido em
Nossa Senhora da Glória e nos municípios circunvizinhos. Deve-se ressaltar que a
importância da Cooperglória não se limitou aos aspectos econômicos, mas também foi
responsável pela implantação de 4 núcleos de assentamentos (São Clemente, Santa Helena,
Santa Bárbara e Fazenda Fortuna) para os agricultores cooperados no município de Nossa
Senhora da Glória. Com essa iniciativa buscava-se a melhoria da qualidade de vida dos
cooperados, a qual tinha como um dos obstáculos a concentração fundiária.
Segundo Andrade (1995) apud Lisboa (1999, p.43), a espacialização de cooperativas pelo
país foi bastante estimulada no período militar, ocasião em que se estabeleceu, então, entre
outras políticas, o estímulo ao cooperativismo, como criação de cooperativas integrais de
reforma agrária e uma política nacional de cooperativismo, visto que a política do Governo
Federal para o setor agrícola naquela ocasião encontrava no sistema cooperativo um veículo
de aliança entre os capitais industrial e financeiro.
Percebe-se que a linha de trabalho adotada pela Cooperglória não está dissociada da
política de cooperativismo implantada pelo Governo Federal. Porém, o que se verificou na
economia brasileira a partir de meados dos anos 1980 foi à elevação das taxas de juros e
inflação, dificultando o acesso dos agricultores cooperados às linhas de crédito e provocando
o desestímulo às atividades agrárias.
Outro fator que contribuiu para o declínio da Cooperglória foi o fim de políticas públicas
voltadas para o fortalecimento do cooperativismo, como linhas de crédito para aquisição de
máquinas e implementos, aquisição de propriedades para assentamentos, financiamentos de
crédito em condições especiais com juros baixos, possibilitando à cooperativa comprar
antecipadamente a produção de seus cooperados, entre outros.
Em decorrência dessa situação, os dirigentes da cooperativa foram levados a desfazer-se
de parte do patrimônio da entidade (propriedades rurais e maquinários), para saldar dívidas
contraídas anteriormente ou para ressarcir as cotas-parte de ex-cooperados. Em contrapartida,
ao tempo em que o Governo Federal reduz as políticas públicas voltadas ao fortalecimento do
cooperativismo, lança políticas públicas de incentivo à fundação das associações de
desenvolvimento comunitário.
5.3.2 A dinâmica das associações
Para entender o “boom” associativista é preciso partir de um conjunto de
questionamentos: Qual o objetivo, interesse e forma de organização para a criação dessas
associações? Abertura política? Conjunto de problema de difícil solução quando tratado
individualmente? Política governamental? Descrédito no sistema cooperativista? (Melo, 2005,
p.94).
Percebe-se, através do estudo, que 45% das associações foram fundadas por incentivo
ou exigência de órgãos públicos de assistência técnica e de instituições financeiras, com o
objetivo de facilitar a implantação de programas governamentais de desenvolvimento rural.
Quinze por cento receberam incentivo de políticos partidários do município, com interesses
eleitoreiros, através de benefícios para os agricultores com políticas assistencialistas. 5%
foram fundadas por influência de religiosos, objetivando a melhoria das condões de vida dos
agricultores familiares. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra MST e a
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Sergipe FETASE orientaram a
fundação de 17,5% das associações para reivindicar a posse da terra, enquanto 15% declararam
que a criação da associação se deu por iniciativa da própria comunidade e 2,5% não souberam
informar como aconteceu a criação da entidade.
“A conversa é que tudo para conseguir precisava da associação, o
pessoal da DEAGRO orientou e o pessoal do Banco também veio
conversar” (E. A. S. – Povoado Quixaba).
“Nós juntamos os moradores, reuniu chegou o vereador e disse que
se reunisse conseguia a energia. A associação conseguiu muitas coisas”
(C. M. J. – Povoado Piabas).
“A gente conseguia energia elétrica com a associação, nós
fizemos, quem ajudou foi uma pessoa da cidade que sabe como é que
faz a associação” (J. E. S – Povoado Baixa Limpa).
No caso da origem da Cooperglória houve a participação da Igreja Católica. Quanto ao
Sindicato, os atuais dirigentes afirmaram que sua fundação se deu por um grupo de
trabalhadores preocupados com o desemprego na região, principalmente nos períodos de seca.
É possível verificar a média de sócios por entidade (Figura 3), sendo que de acordo com a
pesquisa, as associações com maior número de sócios estão localizadas em Angico, Lagoa
Bonita e Aningas, que são os povoados com os maiores contingentes populacionais de Nossa
Senhora da Glória. Portanto, essas organizações são estratégicas para os pretensos candidatos
a cargos eletivos do município. Ainda podemos observar que a maior parte das entidades
possui menos de 50 sócios e que, geralmente, existe mais de um sócio por família de
agricultores.
FIGURA 3 – Número de sócios nas organizações. UFS, São Cristóvão/SE, 2006.
É possível observar, no decorrer da existência das entidades, que 23,7% delas não
sofreram alteração no número de sócios do período de fundação até o momento atual; 47,5%
aumentaram seu quadro, enquanto que em 25,4% ocorreu o fenômeno da desfiliação da
entidade, verificando-se que a saída de sócios foi superior ao ingresso; e 3,4% das entidades
estão desativadas sem diretoria.
Em geral, a variação no quadro societário das associações está relacionada a fatores
endógenos e exógenos. Do ponto de vista interno, pode-se atribuir esse fato ao poder de
organização das entidades; nas relações interpessoais entre dirigentes e associados, assim
como na importância atribuída aos projetos pelos sócios. Externamente, um aspecto que tem
influenciado para essa oscilação é a força política de quem “apadrinha” a organização,
facilitando a liberação de projetos. E como há pouca discussão interna sobre a importância das
organizações, o que passa a prevalecer são os benefícios conquistados.
Verifica-se, principalmente nas associações dos assentamentos, a exemplo de Fortaleza,
Augustinho, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora da Glória, Aningas I e II, Nossa
Senhora da Boa Hora e José Ribamar, que a organização dos agricultores se deu
anteriormente à constituição formal das associações, indicando assim que quando o
Até 25
2
6 - 50
51 - 75
76
- 1
0
0
10
1
-
1
2
5
A
c
i
m
a
de 1
00
0
S
em
i
n
f
ormaçã
o
Série1
aprofundamento na discussão ideológica sobre a importância das organizações previamente à
formalidade, evita-se o efeito sanfona nos seus quadros de sócios.
Quanto ao aumento no quadro de sócios, este reflete o desempenho dessas associações
na obtenção de projetos de desenvolvimento, entre os quais estão: eletrificação rural, água
encanada, construção de moradias, assentamentos, aquisição de máquinas e implementos
agrícolas, casas de farinha, financiamento de custeio da produção, construção de banheiros,
saneamento básico e políticas públicas (seguro safra, bolsa-renda, entre outras). Evidencia-se
que, em geral, o aumento do número de sócios está relacionado aos projetos conseguidos
através das entidades, passando estas organizações a ter a função meramente de instrumento
das conquistas materiais.
E por fim, quanto ao esvaziamento das associações, os fatores que favoreceram são os
seguintes: a não-obtenção de verbas para a implantação de projetos os sócios diante dessa
dificuldade afastam-se das entidades ou se filiam a uma outra com maior força política no
momento; a facilidade jurídica para a constituição de novas entidades e conseqüentemente
uma maior espacialização, que também contribui para o esvaziamento de algumas
associações, a exemplo das localizadas nos povoados Lagoa Bonita, Barra Verde, Mocambo,
Boa Sorte, Lagoa do Carneiro, Gameleiro, Cachoeira e Fortaleza II; e finalmente, a qualidade
política e os interesses pessoais dos dirigentes, além do endividamento dos agricultores que
recorreram aos financiamentos de custeio da produção, por meio das associações junto a
entidades financeiras.
Um artifício político adotado recentemente pela Associação de Desenvolvimento
Comunitário de Angico parao sofrer redução no quadro de sócios foi anistiar todos os seus
associados com débitos de mensalidades, evitando o desligamento legal dos agricultores após
a terceira mensalidade vencida, conforme prevê o estatuto dessa entidade. Neste caso
específico ficou bastante evidente o interesse dos atuais diretores em manter o quadro de
sócios com objetivos eleitoreiros.
“A associação passou um tempo sem nenhum projeto, para não perdermos os
sócios, anistiamos todo mundo que devia, e vamos começar a fazer projeto, porque
as pessoas só participam quando tem projeto” (A. C. – Povoado Angico).
Observa-se que em geral o percentual de aumento do quadro de sócios nas associações
variou entre 10% e 30%, podendo ser considerado normal. A exceção foi a associação do
povoado Aningas que cresceu 140%, evoluindo de 50 para 120 sócios, o que se deve à
implantação de três novos assentamentos na região, visto que a entidade ficou responsável
pelo cadastramento das famílias a serem assentadas, definido como um dos critérios para
fazer parte do assentamento, fazendo a entidade inchar e servindo de braço do Estado para
implantação da mencionada política pública, logo em seguida, ao seu quadro normal.
em relação à redução do número de sócios, os maiores percentuais encontrados foram:
63% no assentamento Fortaleza II; 50% nos povoados Lagoa do Carneiro e Cachoeira, e 42%
no povoado Gameleiro, atribuídos à criação de novas entidades nos povoados circunvizinhos,
à não-obtenção de projetos nos últimos anos e à forma como foram conduzidas essas
associações, prevalecendo os interesses pessoais dos dirigentes sobre os interesses da
coletividade.
FIGURA 4 - A variação no quadro societário. UFS, São Critóvão/SE, 2006.
5.3.3 A qualidade da participação dos agricultores nas organizações
É visível a fragilidade do ponto de vista da democracia nas organizações da área de
estudo. Para analisarmos essa questão, adotamos o conjunto de critérios estabelecido por
Demo (2001, p.116): representatividade, legitimidade, participação da base e auto-
sustentação. Visto que por meio desses critérios é possível descortinar, a qualidade política de
associações, qualidade esta entendida aqui como característica processual, que fenômenos
participativos precisam apresentar, em termos de conteúdos, fins, para além das
instrumentações formais.
Quanto à representatividade dos dirigentes das organizações, ela depende das condições
nas quais esses indivíduos tenham sido eleitos; se obteve uma expressiva votação e se foram
levados em consideração no processo eleitoral os princípios democráticos, como voto
universal e livre. Do ponto de vista da democracia, é importante a disputa de chapas com
0
5
10
15
20
25
30
Aumentou
Diminuiu
Constante
Sem
informação
decios
de Entidades
Série1
debate de idéias, evitando sempre que possível a eleição com a participação de chapa única,
embora em alguns momentos a chapa única seja a melhor opção, caso represente o consenso,
principalmente se a organização estiver fragilizada ou iniciando suas atividades.
Vários foram os relatos de que apesar de os atuais presidentes das associações terem sido
eleitos de forma direta, anos estão no cargo porque não surgem novos candidatos com
pretensão de disputar o mandato; e por isso se reelegem. Dessa forma fica prejudicada a
disputa de idéias, uma vez que não existe embate político.
Entretanto, percebe-se que a lógica não é bem essa, visto que alguns dirigentes
partidarizam as entidades visando aos seus interesses pessoais, dando suporte eleitoral a
candidatos a cargos eletivos municipais, e em contrapartida são beneficiados pela própria
estrutura de Estado. Isto contribui muitas vezes para que os atuais dirigentes o tenham
interesse em preparar outros sócios com vistas à renovação das diretorias das entidades, ou
quando muito repassam o cargo para uma pessoa de sua família.
“Tô na presidência da associação desde que foi criada, (1995), ninguém quer ficar,
eu tenho um pouquinho mais de leitura aí fico” (J. V. A.).
No tocante à legitimidade que se refere à qualidade política do processo participativo, ela
depende do respaldo legal das ações a serem encaminhadas pelos dirigentes das organizações.
Para tanto, é preciso que o código disciplinador, o estatuto, seja cumprido e tenha como base
o estado de direito
18
.
As associações são regulamentadas pelos seus estatutos, que definem todo o seu
funcionamento. No entanto, percebe-se que em geral os estatutos não foram elaborados com a
participação dos sócios nem são levadas em conta as especificidades de cada grupo de
agricultores, mas que seguem modelos elaborados externamente. Além disso, fica
evidenciado, conforme os depoimentos, que em algumas ocasiões as diretorias das
associações não cumprem o estatuto.
“Nem sempre o estatuto é seguido, sempre há exceção, tem sócios que não aparecem
nas reuniões, deixam de pagar a mensalidade, não satisfação, a gente conversa”
(M. N. O. – Povoado Periquito).
“Todos os sócios conhecem os estatutos, só que existem os fiéis e os aproveitadores”
(J. J. B. S. – Riacho Grande).
A participação dos sócios nos fóruns deliberativos das organizações é de fundamental
importância, visto que é com base nessas deliberações que os dirigentes devem atuar; afinal,
18
Estado de direito diz respeito ao conhecimento dos associados em relação aos seus direitos e deveres.
eles são representantes da base. O número de sócios participantes e o tipo de participação
servem de parâmetro para verificarmos, conforme mencionamos anteriormente, o tipo de
associativismo praticado.
É importante ressaltar que a associação com maior poder de reivindicação nem sempre é
aquela que tem um maior número de sócios, mas sim a que consegue mobilizar seus
membros. O que é indispensável é a intensidade participativa, a coesão organizada e
compromissada ideologicamente, a realização conjunta de um projeto comum, sentido e
definido como comum, na vibração da identidade de propósitos, de passado e de futuro.
Em praticamente todas as associações a participação nos fóruns deliberativos não
ultrapassa a 60% dos sócios, com exceção da Associação do Desenvolvimento Comunitário
de Lagoa Bonita, que tem apresentado presença superior a 80%. No entanto, o motivo
encontrado para esse diferenciado índice na participação dos sócios tem sido o sorteio de
cestas básicas e eletrodomésticos, entre os sócios presentes nas reuniões, patrocinado por um
ex-prefeito do município, na tentativa de conquistar o apoio da comunidade para sua
reeleição.
De acordo com Demo (2001, p. 119), uma grande diferença entre ser sócio e ser
membro de uma associação. O primeiro diz respeito a um mero clube, numa relação frouxa na
qual o título se compra e se vende com a finalidade lúdica, sem enxergar compromisso
político de profundidade. O segundo membro, significa parte integrante, consciente,
compromissada, o verdadeiro dono e a autêntica origem da associação. Com base nesta
definição constata-se que nas associações de Nossa Senhora da Glória existe um percentual
maior de sócios que de membros.
“Da associação eu não sei nada, sirvo para assinar alguma coisa quando
necessita” (M. A. N. – Povoado Boa Vista).
Outro importante aspecto de uma organização diz respeito à sua auto-sustentação, ou seja,
os processos políticos não podem resumir sua qualidade somente na dimensão política. A
emancipação é uma postura política que demanda especificamente organização política, mas
não sobrevive apenas com idéias, compromissos, ideologias, mobilizações, etc.
É importante não confundir assistencialismo com a auto-sustentação. Enquanto a primeira
forma apresenta-se como estratégia de manutenção e fomento da pobreza. fato que
comumente se percebe através das políticas públicas para a agricultura, esta bastante
prejudicial para a formação de uma visão crítica da realidade pelos agricultores, a segunda,
auto-sustentação, é o apoio estatal necessário para que um determinado grupo consiga
desenvolver um determinado projeto comunitário. Segundo Demo (2001, p. 55), “saber usar o
Estado é um direito popular. Submeter-se a ele como massa de manobra é uma outra coisa, o
contrário de participação”.
Ainda segundo esse autor, os obstáculos mais ferozes para os processos participativos são
as iniciativas assistencialistas por parte do Estado e dos grupos dominantes porque visam
concretamente desmobilizar os movimentos populares e reproduzir refinadamente controles
sociais. Agem na esfera socioeconômica, sobretudo pelo fato de que geralmente geram
impactos imediatos e seguros. Trata-se das doações de bens, de favores de empregos, de
regalias que transformam potenciais cidadãos em comparsas da mesma trama histórica.
Do total de associações pesquisadas, atualmente apenas duas desenvolvem atividades
coletivas de auto-sustentação como forma de diminuir a dependência estatal e captar recursos
para os seus associados, a saber: Associação dos Produtores Rurais do Povoado Gaspar e a
Associação dos Produtores Rurais de São Clemente, que mantêm roças coletivas e criação de
animais em terras da própria associação, ficando clara a fragilidade das demais organizações
em relação à dependência ao Estado e, conseqüentemente, a perda de autonomia.
No tocante aos empréstimos bancários (custeio e investimento), apenas três associações
nunca recorreram a essa linha de crédito: Lagoa da Mata, Sítio Olhos D’água e Cachoeira. No
caso da associação do povoado Sítio Olhos D’água, os agricultores não têm a posse da terra
em que trabalham, dificultando a concessão de financiamento. Em Lagoa da Mata e
Cachoeira, segundo os agricultores, não houve interesse dos sócios, tendo em vista a
dificuldade enfrentada por agricultores de outros povoados para sanar os débitos.
“Nunca conseguimos nada através da associação, mas também não devemos nada”
(J. S. – Olhos D’água).
Quanto às agroindústrias e queijarias que poderiam constituir-se em formas de auto-
sustentação para os agricultores familiares, diante da grande produção de leite no município,
verifica-se que somente na associação do povoado Fortaleza, ainda que de forma
experimental, a produção de queijo se coletivamente. No geral, os produtores de queijo do
município de Nossa Senhora da Glória têm optado pela produção individual. Com a exigência
da legislação para a adequação das fabriquetas dentro das normas técnicas, a produção
coletiva pode constituir-se em alternativa socioeconômica viável, como o foram as casas de
farinha até o final da década de 1980.
Contudo, verifica-se que as casas comunitárias de farinha foram, quase na sua totalidade,
desativadas devido à drástica redução do plantio de mandioca, cedendo lugar, à expansão das
áreas de criação de bovinos de leite. Pode-se salientar que com a desativação das casas de
farinha, a comunidade perdeu também um importante espaço de interação social.
5.4 CONCLUSÕES
O associativismo formal no município de Nossa Senhora da Glória teve início nacada
de 1960, inicialmente com a criação do sindicato rural, e alguns anos depois com a
implantação da Cooperglória. Observou-se a contribuição da igreja católica para a fundação
das primeiras organizações dos agricultores desse município.
Nas últimas décadas, o Estado tem exercido um papel imprescindível como agente
fomentador no processo de espacialização das associações rurais, através de políticas
públicas. O processo de expansão de associações reiniciou-se em 1985, com a associação do
povoado Angico; no entanto, é na década de 1990 que se verifica comparativamente um
crescimento maior do número de entidades. O Estado tem exigido para o atendimento a
agricultores familiares através de políticas públicas a organização deles em associações,
generalizando as ações e dificultando o contato individual de cada agricultor com os agentes
externos.
Cabe ressaltar que esse crescimento está relacionado à implantação de programas estatais,
sobretudo por meio do PAC e FUMAC. Os principais benefícios adquiridos pelos agricultores
através das associações foram: crédito bancário (custeio e investimento); eletrificação rural;
saneamento; construção de moradias; assentamentos; aquisição de máquinas e implementos
agrícolas; construção de casas de farinha; construção de agroindústria e aquisição de animais.
Quanto aos critérios adotados para a análise da qualidade da participação dos agricultores
nas organizações, observou-se, em geral, a fragilidade na representatividade por intermédio
do uso das associações pelos dirigentes para proveito próprio; da não-legitimidade de ações
que desrespeitam os estatutos para atender aos interesses de dirigentes; a baixa participação
dos sócios nos fóruns deliberativos, deixando as decisões para os membros das diretorias, e a
falta de sustentabilidade dos projetos implantados e conseqüentemente a total dependência do
Estado, fortalecendo uma relação assistencialista.
Em relação à baixa participação dos agricultores nas entidades, é possível delinear alguns
fatores que contribuem para esse fato, a exemplo das interferências político-partidárias nas
associações; a falta de confiança nos dirigentes; a falta de cultura da participação democrática,
uma vez que as práticas associativistas no município e no país são recentes; além do tipo de
relação que o Estado vem mantendo com associações, fazendo com que estas somente se
mobilizem pontualmente na época de implantação de políticas públicas.
As associações criadas pelo Estado diferem das entidades criadas pela Igreja Católica.
Observa-se nos casos em que houve a participação da igreja uma maior integração e
cumplicidade entre os sócios, reforçada pela prática das atividades religiosas. Entretanto,
quando comparadas às entidades fundadas com o apoio dos movimentos populares,
principalmente do Movimento dos trabalhadores Sem-Terra, perceberam-se diferenças
significativas em decorrência da ideologia dos participantes.
Outro importante aspecto observado diz respeito ao endividamento do agricultor familiar,
provocado pelos empréstimos bancários adquiridos através das associações, o que tem
contribuído para o seu afastamento temporário das entidades.
No tocante às relações sociais preexistentes, verifica-se que após o surgimento das
associações de agricultores familiares, incentivadas por organismos estatais como forma de
facilitar a implantação de políticas públicas, a partir da década de 1980, as tradicionais formas
de cooperação solidária que existiam no município praticamente foram extintas, uma vez que
o Estado passou então a apresentar por meio de seus diversos programas como agente
condutor do desenvolvimento rural, utilizando-se como ferramenta a associação de
desenvolvimento comunitário.
5.5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, I. A. L. Conselhos de desenvolvimento rural: um espaço adequado para pensar o
desenvolvimento local?. In: Schneider, S. et al. (org.). Políticas públicas e participação
social no Brasil rural. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
AVRITZER, L. O associativismo na cidade de São Paulo. In: Avritzer, L. (org.). A
participação em São Paulo. São Paulo: Editora da UNESP, 2004. p. 11-57.
AZEVEDO, J. F. & MOTA, D. M. Mapa do associativismo do município de Simão
Dias/SE. Artigo apresentado na SBSP, Aracaju, 2004.
BERTHOME, J.; MERCOIRET, M. R. Organização dos pequenos produtores. Brasília:
Embrapa, 1999. (Série Agricultura Familiar).
BUARQUE, S. C. Construindo o desenvolvimento local sustentável. Metodologia de
planejamento. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.
BROSE, M. Agricultura familiar, desenvolvimento local e políticas públicas. Santa Cruz
do Sul: EDUNISC, 1999.
DEMO, P. Participação é conquista: noções de política social participativa. ed. São
Paulo: Cortez, 2001.
FRANTZ, W. Desenvolvimento local, associativismo e cooperação. Ijuí, p.1-18, 2003.
GERLACH, F. R.; BATALHA, M. O. Organização da produção e perfil das associações
paulistas de produtores de leite. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE
PRODUÇÃO, 23, 2003, Ouro Preto. Anais...Ouro Preto: Associação Brasileira de Engenharia
de Produção, 2003. p. 221.
IBGE – Censo demográfico 2000.
LISBOA, J. B. Associativismo no campo: das relações em redes ao espaço da socialização
política. Dissertação de Mestrado em geografia: NPGEO/UFS, Aracaju, 1999.
MELO, R.C. A espacialização das associações comunitárias no município de
Malhador/SE: estratégias de permanência da unidade de produção familiar. Dissertação
de Mestrado em Geografia: NPGEO/UFS, Aracaju, 2005.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em
educação. São Paulo: Atlas, 1987. 175p.
RESUMO
AZEVEDO, José Franco de. Organização dos agroecossistemas no município de Nossa
Senhora da Glória/SE. São Cristóvão: UFS, 2006. 107p. (Dissertação, Mestrado em
Agroecossistemas).
Através deste artigo apresenta-se uma visão da organização interna dos agroecossistemas do
tipo familiar no município de Nossa Senhora da Glória a partir do modelo sistêmico proposto
por Mazoyer e Roudart (2004:03), em que os sistemas agrários são divididos em dois
subsistemas principais: o ecossistema cultivado e o social produtivo; ressalta-se que os dois
subsistemas são interdependentes e complementares. A metodologia adotada foi a pesquisa de
campo por meio de entrevistas com abordagens qualitativa e quantitativa nas três grandes
regiões do município, onde foram entrevistados 95 agricultores, entre homens e mulheres, das
mais diferentes faixas etárias. Constata-se que a pecuária de leite é a principal atividade
econômica no município e que os agricultores familiares têm adotado um conjunto de
estratégias com o objetivo de facilitar a sobrevivência econômica e a convivência com a seca.
Palavras-chave: Ecossistemas Cultivados, Sistema Social Produtivo, Agricultura Familiar.
ABSTRACT
An outlook of the family agriecosystems internal organization in Nossa Senhora da Glória has
been presented through this article from the systemic model prposed by Mazoyer and Roudart
(2004:03), in which the agrarian systems are divided into two main subsystems: the cultivated
ecosystem and the productive social; it has been standing out that the two subsystems are
interdependent and complementary. The methodoly adopted was the research field through
interviews men and women at very different ages. It has been proved that the milk industry is
the town main economic activity and that the family farmers have adopted a set of strategies
aiming at easing off the economic survival and to deal with the drought.
Key-words: Cultivated Ecosystems, Productive Social System, Family Farming.
6. CAPÍTULO III
ORGANIZAÇÃO DOS AGROECOSSISTEMAS NO MUNICÍPIO DE
NOSSA SENHORA DA GLÓRIA
“Toda a paisagem natural, desde a topografia, as características
do solo, a fisionomia vegetal, a fauna, a economia e a vida
social da região, tudo traz marcado, com uma nitidez
inconfundível, a influência da falta d’água, da inconstância da
água nesta região semi-desértica” (Castro, 1969-1980, p.177).
6.1 INTRODUÇÃO
Historicamente, a pecuária desempenhou papel relevante no processo de ocupação do
interior sergipano. Para Santos e Andrade (1992, p.22), a pecuária foi o fator econômico que
impulsionou a arrancada do colonizador branco pelo território de Sergipe. Ressalta-se, ainda
de acordo com os autores, que a boa qualidade dos pastos naturais contribuiu para essa
expansão e que logo a produção era suficiente para abastecer os engenhos localizados na
Bahia e em Pernambuco.
A interiorização dos rebanhos bovinos no território de Sergipe -se no período de
domínio holandês, que vai até meados do século XVII. Os moradores, no intuito de
preservarem os seus rebanhos, fugindo da destruição holandesa, tangeram os seus animais
para as matas de Itabaiana e Simão Dias (Santos e Andrade, 1992).
Ainda segundo os supracitados autores, após a expulsão definitiva dos holandeses,
retorna-se a expansão colonizadora, tendo à pecuária como principal instrumento, visto que “o
gado ia aonde a roça não tinha condição de chegar”. A partir de então, recomeça a concessão
de sesmarias em direção às regiões oeste e noroeste de Sergipe.
As autoridades portuguesas, preocupadas em não permitir novos domínios dos holandeses
no território de Sergipe, passam então a doar extensas faixas de terra na região semi-árida, a
partir do Rio São Francisco, com o intuito de povoá-las, pois dessa forma estariam
resguardando essas terras. O que facilitou a expansão da pecuária foi a pouca dependência de
mão-de-obra, que um ou dois vaqueiros por propriedade, conseguiam cuidar de grandes
rebanhos. Esses vaqueiros utilizavam as áreas de brejo, derrubando as matas para fazer os
roçados e então cultivar milho, feijão e mandioca para sua subsistência.
No século XVIII a pecuária era o suporte econômico de Sergipe, uma vez que dominava
as exportações. No entanto, aos poucos a cana-de-açúcar passa a ocupar o litoral,
principalmente as áreas próximas aos rios. Neste sentido, os rebanhos foram cada vez mais
deslocados para as regiões agreste e semi-árido, e a partir da atividade agropecuária tem
origem o município de Nossa Senhora da Glória (Santos e Oliva 1998, p. 33).
A partir da década de 1860, a cultura do algodão passa a destacar-se por dois motivos,
primeiro por ser uma cultura de fácil adaptação climática e que, portanto, poderia ocupar
áreas vazias do semi-árido; segundo, pela sua importância econômica, uma vez que devido à
Guerra da Secessão dos Estados Unidos, havia dificuldade em se obter o algodão nos
mercados mundiais.
Destaca-se que a expansão da cultura do algodão em Sergipe, ainda na década de 1860,
chegou a ocupar tradicionais zonas da pecuária, de culturas de subsistência, e até mesmo da
cana-de-açúcar. Porém, a partir da cada de 1870, os Estados Unidos retomam as
exportações do algodão, dificultando a inserção da produção sergipana nos mercados e
servindo de desestímulo aos produtores locais.
No final do século XIX e início do século XX, a cultura do algodão em Sergipe recebeu
benefícios por meio de políticas públicas. Entretanto, apesar desse apoio estatal, as
transformações ocorridas no Brasil em conseqüência da economia mundial levaram o estado
de São Paulo a interessar-se pela cultura algodoeira, passando a produzir com maiores
investimentos e dispondo de recursos cnicos que asseguravam uma grande produtividade,
promovendo desta forma a decadência da produção artesanal (Santos e Andrade, 1992, p.34).
Apesar da importância econômica da cultura do algodão no semi-árido sergipano, em
determinado período da história, a pecuária nunca deixou de ser a atividade fundamental em
articulação com a produção de culturas alimentares no interior das grandes propriedades
pecuaristas ou nos seus arredores”, influenciados por razões predominantemente endógenas, a
exemplo dos conflitos entre colonizadores portugueses e holandeses (Mota et al, 2006, p.15).
Contudo, de acordo com Carvalho Filho et al. (2004, p.8), é a partir da década de 1960
que o município de Nossa Senhora da Glória consolida-se como bacia leiteira, organizando-se
a produção em estabelecimentos familiares.
Tendo em vista a origem da ocupação do semi-árido sergipano, o objetivo deste artigo é
caracterizar os agroecossistemas, na escala das propriedades do tipo familiar no município de
Nossa Senhora da Glória para conhecer o cenário no qual a agricultura familiar se reproduz
socialmente e onde atuam as organizações de agricultores.
6.2 MATERIAL E MÉTODOS
6.2.1 Área de estudo
O município de Nossa Senhora da Glória está localizado na região Noroeste do estado de
Sergipe. Ocupa uma área de 742 km², o que corresponde a 3,36% do estado, a sua população
é de 26.910 pessoas, sendo 9.773 na zona rural e 17.137 na zona urbana (IBGE, 2000).
Ainda de acordo com os dados do IBGE (2000), a população do município é bem
eqüitativa em relação a gênero, onde 50% dos habitantes são mulheres e 50% homens. No
período de 1991 a 2000, houve um crescimento populacional no município de 13,1%,
equivalente a um crescimento anual aproximado de 1,3%, valor inferior à média nacional.
O município está localizado numa região formada por terrenos muito antigos do tipo
complexo granulítico. De sua decomposição resultam solos
19
rasos e pedregosos que
dificultam as atividades agrícolas.
19
As principais combinações de solo que se apresentam no município são: podzólico vermelho amarelo eutrófico
com planossolo solódico mais solos litólicos eutróficos; planossolo solódico com o bruno não cálcico planossolo
mais solos litólicos eutróficos; e por fim solos litólicos eutróficos mais o brunoo cálcico (Santos e Andrade,
1992, p. 69).
Segundo Menezes (1999), a vegetação primitiva da região era formada por caatinga,
predominando as plantas das espécies xerófilas
20
, que foram quase na sua totalidade
desmatadas, cedendo lugar a cultivos e pastagens.
A situação do município de Nossa Senhora da Glória, no que se refere às áreas de reserva
de mata nativa, é crítica, uma vez que esta corresponde a 8,5% da área total do município
(IBGE, 1996, p. 175), o que consiste num percentual inferior à metade do estipulado pela
legislação (Lei 4771/65 e MP 2.166 de 26.07.2001) que estabelece uma área de reserva
florestal mínima de 20%, enquadrável para o estado de Sergipe. Afirma Meira Filho (2004, p.
106) que a extinção da mata nativa está diretamente relacionada ao parcelamento da terra,
com a conseqüente formação de pastagens.
Quanto aos recursos hídricos, o município de Nossa Senhora da Glória localiza-se na bacia
do Rio Sergipe. No entanto, de acordo com Santos e Andrade (1992, p.75), a sede desse
município é abastecida pela adutora Sertaneja, através de água do Rio São Francisco.
O clima da região é o semi-árido, que se caracteriza por um longo período de estiagens,
entre sete a onze meses secos, isto é, com deficiência de água; a precipitação média fica entre
400 e 700 mm. As chuvas são irregulares e mal distribuídas ao longo do ano, que caindo sob a
forma de trovoadas e fortes aguaceiros; temperaturas elevadas e amplitude térmica diária
acentuada pelo dia, acima de 40°C em algumas áreas e relativamente baixa à noite, em torno
de 20°C (UFS/SEPLAN, 1979).
Com relação aos 2.736 estabelecimentos agrícolas do município, as principais atividades
econômicas desenvolvidas são a lavoura (36,7%), a pecuária (36,7%) e a produção
consorciada entre lavoura e pecuária (26,3%). Quanto à utilização das terras, observa-se que
68,6% delas são utilizadas para pastagens, 18,1% são ocupadas por lavouras temporárias e
3,3% são áreas produtivas não-utilizadas, enquanto as matas representam 8,5% da área do
município, correspondendo a 5.823 ha de matas naturais e 42 ha de áreas reflorestadas (IBGE,
1996, p. 175).
6.2.2 Metodologia
O estudo foi realizado no município de Nossa Senhora da Glória, através de pesquisa de
campo, com abordagens qualitativa e quantitativa, por meio de aplicação de questionário
20
Xerófilas são espécies que se adaptam às condições de pouca água, criando mecanismos contra a evaporação. São
exemplos disso, a transformação de folhas em espinhos, a redução do tamanho das folhas, a queda das folhas no período
seco, o engrossamento da casca, a formação de cobertura de cera, além da existência de raízes capazes de armazenar
substâncias nutritivas.
previamente elaborado, contendo perguntas abertas e fechadas sobre as características
socioeconômicas das famílias de agricultores, uso da área e manejo animal, além da
observação direta nas propriedades, conforme definida por Triviños (1987).
Afirma Pereira (1992, p.25) que a pesquisa qualitativa tem o mérito de “interpretar fatos e
informações sobre a vida das pessoas e fenômenos que não podem ser quantificados e
explorados por posicionamentos teóricos positivistas”, ou seja, que buscam a objetividade e a
pretensa neutralidade dos pesquisadores.
Foram entrevistados 95 agricultores, entre homens e mulheres, das mais diferentes faixas
etárias, distribuídos nas três diferentes regiões agrossocieconomicas do município definidas
por Mota et al. (2006, p. 6), de forma a abranger diferentes perfis de agricultores familiares.
Assim, diversos povoados do município foram visitados e neles selecionados
estabelecimentos, cujos proprietários foram entrevistados.
As informações e depoimentos coletados em entrevistas foram registrados nos
questionários e/ou gravadas em fita cassete, e em um outro momento feita a transcrição para a
tabulação dos dados, assim como se buscou também o registro fotográfico. A pesquisa
ocorreu entre os meses de agosto e novembro de 2005, e os encontros com os proprietários
pesquisados aconteceram nos seus respectivos estabelecimentos, adotando-se, como escala
para os agroecossistemas os estabelecimentos.
6.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
O município de Nossa Senhora da Glória caracteriza-se pela forte presença da agricultura
familiar e da pecuária do leite, como sua principal atividade econômica. De acordo com
(2004, p.3), “do total de agricultores familiares, possuidores de áreas inferiores a 150 ha, que
por sua vez, representam 95% dos estabelecimentos rurais do município, 56% obtêm renda da
produção de leite”. Diante da importância que assume a agricultura familiar no município,
adotam-se como base para a discussão os sistemas de produção nos estabelecimentos, do tipo
familiar.
Para tanto, este estudo fundamenta-se no modelo sistêmico proposto por Mazoyer e
Roudart (2001, p.40), no qual os sistemas agrários são divididos em dois subsistemas
principais: o ecossistema cultivado e o sistema social produtivo.
O ecossistema cultivado é uma organização composta de vários subsistemas
complementares que, por sua vez, se decompõem em partes menores. O ecossistema cultivado
tem um funcionamento pelo qual ele se renova, através de várias funções que asseguram a
circulação interna de matéria e energia. Estas funções se abrem também para trocas externas:
alimentação, erosão, transferências de nutrientes, fertilidade e espécies, que influenciam os
ecossistemas externos, enquanto o sistema social produtivo é composto dos meios humanos,
instrumentos e equipamentos produtivos, plantas cultivadas e animais domésticos, de que
dispõe a população agrícola para desenvolver as atividades de renovação e exploração da
fertilidade do ecossistema cultivado, a fim de satisfazer diretamente, pelo consumo, ou
indiretamente, pelas trocas, suas próprias necessidades. Esses meios de produção e essas
atividades produtivas são organizados dentro de uma unidade de produção que é caracterizada
pelo sistema de produção que elas praticam e pela categoria social à qual elas pertencem. O
sistema de produção de uma exploração agrícola define pela combinação das atividades
produtivas e dos seus meios de produção.
Cabe ressaltar que o sistema social produtivo em determinado período de tempo renova
seus meios de produção e suas atividades. É comum que cada propriedade produza as
sementes que serão utilizadas, seus animais e parte de suas ferramentas e equipamentos de
trabalho. É também comum no sistema social produtivo praticado pela agricultura familiar
que parte dos produtos para o consumo familiar sejam produzidos na propriedade; ou então
que parte dessa produção seja vendida para aquisição de outros bens de consumo.
Os sistemas de produção no município de Nossa Senhora da Glória são, em geral,
formados por quatro subsistemas interdependentes: o subsistema de cultivo para consumo
humano, o subsistema de cultivo para consumo animal, o subsistema de criação e o
subsistema de processamento; enquanto o sistema social produtivo é formado pelo domicílio e
interações sociais dos agricultores, inclusive com o mercado (Figura 1).
PRODUTOS PARA
CONSUMO DOMÉSTICO
MILHO E
FEIJÃO
LEITE E
DERIVADOS
CRIAÇÃO DE
ANIMAIS
PASTAGENS
E PALMA
MERCADO
LAVOURA DE
MILHO E FEIJÃO
RENDA AGRÍCOLA
E NÃO-AGRÍCOLA
MERCADO
MERCADO
RAÇÃO
MILHO
DOMICÍLIO
FIGURA 1 – Sistema de Produção Familiar de Nossa Senhora da Glória.
UFS, São Cristóvão/SE, 2006.
6.3.1 O subsistema de cultivo para consumo humano
As principais culturas agrícolas praticadas pelo grupo pesquisado para fins de consumo
humano são o milho e o feijão (Figura 2). Entre todos os agricultores pesquisados, 86,4%
responderam que cultivavam o milho, enquanto que 67,8% o feijão seja cultivado de forma
consorciada ou em áreas individualizadas. Observa-se que o milho é plantado para atender
tanto ao consumo humano como à alimentação animal.
Figura 2 – Principais culturas agrícolas do município de Nossa
Senhora da Glória. UFS, São Cristóvão/SE, 2006.
O plantio de milho ocorre normalmente entre os meses de março e junho, e em algumas
áreas é plantado de forma consorciada com feijão, na proporção de uma fileira de milho para
três ou quatro de feijão, em espaçamentos e densidades de semeaduras diversas. Ressalta-se
que o espaçamento entre as fileiras do consórcio é determinante para a produtividade das
culturas.
Para Altieri (1989), a prática agrícola do consórcio apresenta algumas vantagens, tais
como: economia de capital, melhor aproveitamento da área e economia de força de trabalho
familiar.
O consórcio de culturas é adotado pelos agricultores familiares para economizar área de
cultivo e força de trabalho. A prática do consórcio também é uma estratégia econômica e
ambiental, uma vez que diminui o risco da perda total da produção, visto que uma cultura
pode compensar o fracasso da outra; melhor cobertura vegetal ao solo, diminuindo ou
controlando a erosão, além de garantir a diversidade na dieta familiar. Ainda, em regiões
semi-áridas, como é o caso do município de Nossa Senhora da Glória, a cobertura do milho
no consórcio com o feijão ajuda na retenção de água no solo.
A produção de feijão do município é bastante significativa em relação à produção
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
Feijão Milho
Cultivares
% de agricultores
Série1
estadual. Geralmente é plantado de forma consorciada com o milho, cuja semeadura ocorre
nos meses de abril e maio e a colheita é feita em agosto e setembro. A saca de 60 kg de milho
e feijão foram comercializadas, respectivamente, ao preço de R$ 25,00 e R$ 80,00 no final do
verão (março de 2006) e a R$ 16,00 e R$ 45,00 nos meses de setembro e outubro de 2005.
6.3.2 O subsistema criação
A criação de animais é a atividade mais tradicional dessa região, desde as primeiras
ocupações desse território. Atualmente, os principais rebanhos comerciais do município de
Nossa Senhora da Glória são, bovinos, suínos e ovino-caprinos (Figura 3). Observa-se que a
bovinocultura é bem distribuída equitativamente entre as propriedades do tipo familiar,
servindo como base de apoio na economia das famílias. O percentual de criadores de bovinos
entre os agricultores pesquisados foi de 87,4%. Ressalta-se que a pergunta feita aos
agricultores foi se eles mesmos eram criadores de bovino, suíno, ovino ou caprino, sem
considerar a quantidade de cabeças.
FIGURA 3 – Criação de animais. UFS, São Cristóvão/SE, 2006.
O gado é criado de forma extensiva e semi-extensiva em áreas de pastagens, geralmente
sub-divididas internamente por cercas, de acordo com 82,9% dos agricultores pesquisados. A
sub-divisão serve de mecanismo de controle do manejo dos animais por área, evitando-se que
haja uma sobrecarga dos pastos.
Constata-se também que é comum a existência de curral nas propriedades, sendo do tipo
coberto em 31,7% das propriedades pesquisadas, e sem cobertura em 51,3% delas, o que
facilita o manejo dos animais, assim como o controle de sanidade. Ainda em relação às
0%
20%
40%
60%
80%
100%
Unidades
c/ vaca
de leite
Unidades
c/ suinos
Unidades
c/ ovinos
Unidades
c/
caprinos
% de agricultores
Série1
instalações, foi observado que a maioria das propriedades possui cochos, sendo estes em
34,4% dos casos cobertos e em 32% sem cobertura, onde são colocados tipos diferentes de
rações para complementar a alimentação do gado. A importância da cobertura se pela
conservação dos alimentos e proteção dos animais durante a alimentação, evitando transtornos
digestivos.
No período da seca, as famílias de agricultores definem as suas estratégias de
sobrevivência econômica em relação à criação de animais. A principal decisão é quanto aos
tamanhos dos rebanhos a serem mantidos durante este período, tendo em vista a queda no
preço do leite em decorrência da oferta de produtos de outras regiões e o aumento do
consumo de ração concentrada.
Ressalta-se também a importância do rebanho suíno, uma vez que a sua criação tem sido
consorciada com a bovinocultura de leite. Existe um acordo entre os produtores de leite e os
proprietários das fabriquetas de queijo de Nossa Senhora da Glória para que parte do soro
retirado durante o processo de fabricação do queijo seja devolvido aos produtores que o
utilizam na alimentação dos suínos, constítuindo-se, assim, também em uma estratégia
econômica pelos agricultores familiares.
Destaca-se a ovino-caprinocultura do município, principalmente, pela resistência às
intempéries apresentada por esses rebanhos. Outro aspecto positivo é o valor de
comercialização dos derivados do leite de cabra, atraindo a cada dia novos criadores. Cabe
ressaltar a iniciativa associativista dos agricultores familiares por meio da Associação
Sertaneja de Caprinocultores - ASCA, a partir de 2000, no trabalho de formação técnica dos
seus associados em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas - SEBRAE, assim como na comercialização dos devirados do leite de cabra, através
de sua própria marca, e a promoção da melhoria genética dos animais, por meio de um
consórcio, entre os agricultores, de matrizes da raça Santa Inês.
De acordo com Santos e Andrade (1992, p. 136), a pecuária de pequenos ruminantes
(ovinos e caprinos) tem auxiliado os pequenos e médios criadores na fase da seca, pois os
animais são mais resistentes e menos exigentes do que as lavouras e os bovinos.
No que se refere à vacinação dos animais, 79,6% dos agricultores pesquisados
responderam que vacinam regularmente os seus rebanhos. Entretanto, foi possível perceber
entre aqueles agricultores que têm a pecuária de leite como a sua principal atividade
econômica que o percentual de vacinação é superior ao apresentado pelo grupo. A uma
preocupação maior desses agricultores em evitar a contaminação dos seus rebanhos, visto que
se constituem em seu principal patrimônio, passando, inclusive, alguns compradores de leite a
exigir o certificado de vacinação dos animais.
no tocante ao tratamento de animais doentes, os percentuais de produtores que
declararam cuidar deles foi 90,4%, o que demonstra haver uma preocupação dos agricultores
com a saúde do rebanho bovino pela importância deste na sustentabilidade econômica das
famílias. Quanto às formas de tratamento, as mais adotadas são: através de medicamentos
comerciais, 86,2%; plantas medicinais, 56,5% e reza, com 59,9%, demontrando a
religiosidade e as tradições culturais dos agricultores pesquisados.
6.3.3 O subsistema processamento
A produção de leite, nos últimos anos, constitui-se como a principal fonte de renda para
maioria dos agricultores. O leite é vendido a fabriquetas e às agroindútrias de laticínios do
município, e em alguns casos é processado pelo próprio agricultor na fabricação artesanal de
queijo.
Quanto à ordenha dos animais, verificou-se que geralmente os produtores realizam duas
por dia, independentemente do período do ano. No entanto, no inverno o preço do leite é
comercializado, em média a R$ 0,40 o litro; no verão, o leite é vendido, em média, a R$
0,38. A redução no preço do leite produzido no município durante o verão está relacionada ao
aumento da oferta dos seus derivados, produzidos na região Sudeste, assim como em algumas
regiões do estado da Bahia. Contraditoriamente, no período em que o produtor precisa
adquirir uma quantidade maior de ração industrializada para alimentar os rebanhos, o preço
do leite sofre uma redução.
Segundo Cerdan et al. (1998), a produção diária de leite no municípo gira em torno de
60.000 litros, e que cada fabriqueta processa de 1.000 a 5.000 litros de leite diariamente.
Entretanto, fica difícil diagnosticar, atualmente, quantas são as fabriquetas e as famílias de
agricultores que produzem artesanalmente queijo em Nossa Senhora da Glória, devido à
oscilação estratégica desses produtores.
A relação entre as fabriquetas e os produtores de leite se dá com base em um conjunto de
regras no qual fica pré-estabelecido que: cabe às fabriquetas fazer a coleta do leite nas
propriedades; deve-se dividir de forma proporcional o soro retirado no processamento do
queijo entre produtores de leite e queijeiros; receber o pagamento semanal em espécie. A
exigência desta forma de pagamento, em geral, está relacionada à necessidade que têm os
agricultores de utilizar parte da receita obtida na venda do leite objetivando a aquisição de
alimentos para o consumo familiar, que não são produzidos internamente nos
agroecossistemas, além de insumo animais.
6.3.4 O subsistema cultivo para consumo animal
A palma é a cultura agrícola que mais se vem expandindo no município. Entre os
agricultores pesquisados, 88,5% afirmaram que cultivam o vegetal, principalmente pelos
elevados preços da ração bovina industrializada, servindo a palma como complemento
alimentar para os animais, bem como pela resistência da cultura às condições edafoclimáticas
da região (Figura 4).
Afirma Carvalho Filho et al. (2000, p. 21) que a palma constitui o alimento de base para
arraçoamento dos rebanhos na estação seca do ano, sendo a reserva forrageira mais utilizada
entre os agricultores familiares. O seu cultivo representa uma das estratégias mais seguras
para a intensificação da produção leiteira da região, por permitir não apenas a elevação da
capacidade de suporte das propriedades familiares como também por ser uma forragem de boa
qualidade nutricional para a vaca de leite, além de ser de fácil manejo e de domínio dos
agricultores.
Entretanto, a expansão da área de plantio da palma forrageira no município deu-se com o
desmatamento do ecossistema caatinga. De acordo com os agricultores, eles aguardavam as
primeiras chuvas de verão para desmatar as áreas onde iriam plantar a palma forrageira,
aproveitando a fertilidade natural do solo, que se mantêm por alguns anos, sendo necessária
em seguida a adubação desse solo para que a produtividade seja satisfatória.
FIGURA 4 - Principais culturas para alimentação animal.
UFS, São Cristóvão/SE, 2006.
* Banco de proteínas (gliricídia, leucena e outras).
No período da seca, algumas medidas são adotadas pelos agricultores do município, em
relação à alimentação animal, como por exemplo: deixar as cancelas abertas, para que os
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
Banco de
Proteínas
Palma
Pastagens
Cultivadas
Pastagens
Nativas
Cultivare s
% de agricultores
Série1
animais fiquem livres para o pastejo por toda a área da propriedade; adotar pastos de
“sacrifício”, exaurindo ao máximo a vegetação da área de pastagem com o objetivo de poupar
os perímetros estabelecidos mais recentes e apartar os bezerros mais cedo, para tanto,
reservando, piquetes especiais para esses animais. Em geral, os agricultores familiares
aproveitam o solo preparado para o cultivo de milho objetivando semear ou plantar as mudas
de capim.
As palhas de milho são também bastante utilizadas na alimentação do gado e podem ser
armazenadas através de fenação para os períodos mais secos. Outra técnica é o “rolão”, que
consiste na utilização integral do cultivar já seco, o qual é triturado para alimentação do gado.
Constata-se que nos sistemas tradicionais de criação de ovinos e caprinos, a alimentação
depende exclusivamente de pastos naturais sem o uso de técnicas mais produtivas de manejo e
irrigação, e que nos períodos de seca esses animais perdem muito peso, e a depender do
período de estiagem, esta chega a provocar perdas no rebanho.
No tocante à preparação das áreas para plantio das diversas culturas, fica evidente o
predomínio na utilização da tração mecânica (arado de grade). Entre os pesquisados, o
percentual de agricultores que utilizam esse tipo de força foi de 85,6%. Tem-se adotado a
mecanização, principalmente pela rapidez na execução dos serviços, visto que o período
chuvoso é curto e o agricultor precisa aproveitar as condições climáticas para o cultivo.
O número de associações de agricultores familiares que possuem trator ainda é limitado;
apenas 5% das entidades do município. Entretanto, o uso contínuo de máquinas agrícolas em
solos arenosos, principalmente em períodos não adequados, poderá causar ao longo dos anos
a desestruturação do solo. No entanto, as associações que possuem máquinas e implementos
agrícolas têm facilitado o acesso do agricultor familiar à utilização desses instrumentos, visto
que o valor cobrado aos sócios pelo seu uso é inferior em média a 30% do preço praticado
pelo mercado.
em relação à assistência técnica, 34,8% dos agricultores afirmaram que são assistidos
pelo Departamento Estadual de Desenvolvimento Agropecuário - DEAGRO. Verifica-se que
o grupo de agricultores que trabalham exclusivamente com a pecuária é melhor assistido, o
que se deve a um conjunto de fatores, entre os quais estão: a importância da cadeia produtiva
do leite no município, uma melhor condição financeira destes produtores e maior fiscalização
do Governo no controle sanitário dos rebanhos.
Quanto à adubação das terras, constatou-se que esta é uma prática entre os agricultores e
que estes recorrem aos dois tipos de adubação: a orgânica e a química. Contudo, a orgânica
tem sido utilizada com maior freqüência. Destaca-se que a utilização dos adubos orgânicos
prevalece pela quantidade de estrume disponível na região e pelo baixo custo
comparativamente ao inorgânico.
No que concerne ao uso dos defensivos agrícolas, observa-se que 47,3% dos agricultores
pesquisados utilizam-nos, principalmente na cultura do milho. Isso se deve à facilidade com
que os agricultores obtêm esses insumos, já que os diversos estabelecimentos que
comercializam esses produtos no município não exigem receituário para a venda dos insumos.
6.3.5 O sistema social produtivo
A principal característica desse sistema é a relação entre o domicílio e as atividades
produtivas, que servem para demonstrar o caráter familiar das propriedades. Esse sistema é
determinado por várias relações: força de trabalho, renda dos agricultores, posse da terra,
crédito rural e a organização dos agricultores.
O primeiro aspecto desta análise refere-se ao emprego de mão-de-obra nos
estabelecimentos rurais do município. Verifica-se entre os pesquisados que prevalece com
75% o emprego da mão-de-obra familiar, seguido da utilização de mão-de-obra assalariada
diarista, com 24%, e 1% para a contratação de mão-de-obra assalariada mensal. Constatou-se
que, em geral, os agricultores que contratam diaristas em seus estabelecimentos também
vendem a sua força de trabalho. Isso ocorre com maior frequência nos períodos de plantio,
colheita e limpeza de áreas plantadas com palma forrageira, visto que essa cultura necessita de
cuidados especiais nos dois primeiros anos após o plantio.
Meira Filho (2004, p. 114) afirma que ocorre um acelerado processo de contratação de
mão-de-obra temporária na região de Nossa Senhora da Glória, a partir do mês de fevereiro,
estendendo-se até maio; e que no período compreendido entre junho e outubro observa-se o
desinvestimento dessa mão-de-obra, voltando a aquecer nos meses de novembro e
dezembro, embora em menor proporção ao observado no período anterior.
A renda das famílias de agricultores é composta por diversas fontes, entre elas: salário
diarista, salário mensalista, salário por atividades desenvolvidas na zona urbana,
aposentadorias/pensões e outras rendas que compreendem valores obtidos com atividades
agrícolas e não-agrícolas (Figura 5). No entanto, verifica-se que entre as fontes mais citadas
como outras rendas está o programa Bolsa Família do Governo Federal, que é composto pelos
auxílios bolsa-escola, bolsa-renda, vale-gás e bolsa-alimentação, assim como receitas obtidas
através da comercialização da produção agropecuária, arrendamento de áreas,
comercialização de artefatos de couro e outros produtos em feiras livres da região.
Segundo relatos, os benefícios promovidos pelos programas sociais do governo federal às
famílias de agricultores, m sido a causa de uma redução momentânea na oferta de mão-de-
obra diarista na região.
FIGURA 5 – Principais fontes de renda. UFS, São Cristóvão/SE, 2006.
Cabe destacar a importância que as aposentadorias/pensões exercem na formação das
rendas das famílias de agricultores do município de Nossa Senhora da Glória. Esses
benefícios correspondem em média a 29,7% da renda total . Tal fato explica a procura dos
sindicatos rurais pelos agricultores em busca, principalmente, de documentos comprobatórios
das suas atividades trabalhistas com o intuito de facilitar a obtenção do mencionado benefício
junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social INSS, além de serviços de assistência
médico-odontológica e jurídicos prestados pelo próprio sindicato. Verificam-se alguns casos
em que famílias inteiras são dependentes financeiros de pessoas idosas beneficiários de
aposentadorias e/ou pensões.
No tocante à posse da terra, verificou-se que 88,75% dos pesquisados são proprietários
dos estabelecimentos, 9,17% são arrendatários ou parceiros, e 2,08% ocupantes. E como, em
geral, a principal fonte de renda das famílias é obtida na propriedade, é provavel que no futuro
os filhos assumam as atividades e que a propriedade seja repassada entre gerações da família.
Segundo Wanderley (1996, p. 3), “as estratégias da família em relação à constituição do
patrimônio fundiário, à alocação dos seus diversos membros no interior do estabelecimento
ou fora dele, a intensidade do trabalho, as associações informais entre parentes e vizinhos, etc.
são fortemente orientadas por este objetivo a médio ou longo prazo, da sucessão entre
gerações”.
O arrendamento de áreas constitui-se em outra modalidade de acesso à terra bastante
utilizado pelos agricultores do município. No universo pesquisado, 86,9% dos agricultores
afirmaram que recorrem ao arrendamento como forma de expandir as suas atividades. Com
0 20 40 60
1
Outras fontes de
renda
Salário urbano
Salário mensalista
rural
Salário diarista rural
Aposentadoria/pensão
base nos dados da pesquisa, essas áreas são utilizadas, sobretudo, para a expansão da
bovinocultura de leite bem como para o plantio de milho e palma, que servem para
alimentação do rebanho bovino.
De acordo com o grupo de agricultores pesquisados, 33,8% recorreram a empréstimos
bancários para financiamento da pecuária nos últimos dois anos. No entanto, sabe-se que
desde a década de 1970 existem linhas de crédito específicas através do Projeto Sertanejo e
Chapéu de Couro para o atendimento dos pecuaristas.
No início da década de 1980, os agricultores da região que recorreram aos empréstimos
bancários para substituição e melhoria dos rebanhos bovinos incentivados pelos programas
estatais não conseguiram pagar as suas dívidas devido às elevadas taxas de juros cobradas
pelas instituições de crédito.
Nesse sentido, os agricultores tiveram que se desfazer de parte dos rebanhos a fim de
honrarem os seus compromissos. Segundo dados do DEAGRO (2005), no ano 1977 o
rebanho bovino do município de Nossa Senhora da Glória era de 38 mil cabeças, reduzindo-se
a 33 mil bovinos em 1984.
“Quem recorreu aos bancos no início dos anos de 1980 fez foi diminuir o
rebanho, porque teve que vender o gado para pagar empréstimo com altas taxas
de juros, e muita gente acabou sem nada.” (A. S. Povoado Lagoa dos
Carneiros)
Um problema enfrentado pelos produtores que recorreram aos financiamentos na década
de 1980, ocorreu na etapa da comercialização do leite e de seus derivados, a exemplo do
queijo coalho e da manteiga, uma vez que os mercados local e regional não conseguiam
demandar toda a produção, provocando uma queda considerável nos preços desses produtos,
chegando às vezes a não cobrir o custo de produção. O comportamento do rebanho bovino do
município de Nossa Senhora da Glória nos últimos dez anos pode ser observado na Figura 6.
FIGURA 6 – Rebanho bovino de Nossa Senhora da Glória (1996 – 2005)
Rebanho Bovino
0
10.000
20.000
30.000
40.000
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Rebanho Bovino
UFS, São Cristóvão/SE, 2006.
Fonte: DEAGRO, 2006
Observa-se um pequeno aumento no rebanho até o ano de 2000, que está relacionado à
implantação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRONAF,
em 1996. Todavia, a partir de 2000 percebe-se um declínio contínuo do número de animais,
coincidindo com o período em que as instituições financeiras iniciaram a cobrança das
parcelas do financiamento da produção. Entretanto, a partir de 2002 o rebanho volta a crescer
graças à estabilidade do preço do leite.
Atualmente, as linhas de financiamento para aquisição de animais tornaram-se mais
viáveis, visto que o Governo Federal retirou a TJLP (Taxa de Juros a Longo Prazo) para os
empréstimos de custeio e aquisição de bens fixos e semoventes.
“O governo melhorou a questão dos custos para investimento na pecuária de
leite fixando uma taxa de juros de 6% ao ano, diferentemente de alguns anos
atrás onde eram cobrados juros e correção monetária e o preço do leite não
aumentava”. (L. C. O. – Povoado Cabeça da Vaca).
No tocante à organização dos produtores em associação, cooperativa e sindicato, o
resultado encontrado entre o universo pesquisado foi de 74,5%, o que demonstra que os
agricultores têm-se associado às organizações do município, principalmente nas entidades do
tipo associação.
Entende-se que é preciso também avaliar a qualidade da participação dos agricultores.
Diversos autores como Melo (2005), Meira Filho (2004) e Lisboa (1999) demonstram em
seus trabalhos que o maior obstáculo ao desenvolvimento das entidades refere-se à qualidade
da participação dos seus membros. É preciso que os sócios opinem, participem das
discussões, proponham encaminhamentos e fiscalizem politicamente os seus dirigentes.
Observa-se que o nível de organização das entidades é bastante frágil, visto que um
percentual considerável de seus sócios não participam dos seus fóruns deliberativos; apenas
pagam as mensalidades para o perderem o vínculo com a entidade e deixarem de ser
beneficiados pelos projetos implementados pelo Estado.
“Nós temos 40 sócios, mas só uns 20 participam da reunião, eles (os sócios) só
querem participar quando vem algum projeto de melhoria para a comunidade,
quando é para conversar sobre outros assuntos eles não aparecem”. (M. N. O. -
Povoado Periquito).
Outro aspecto refere-se ao comportamento dos sócios nas reuniões, uma vez que parte
deles vão mais para ouvir do que para opinar sobre os encaminhamentos a serem adotados
pelas entidades, delegando toda responsabilidade aos membros da diretoria sobre o destino
das organizações.
6.4 CONCLUSÕES
Através deste estudo foi possível caracterizar a organização interna e o funcionamento
dos agroecossistemas do tipo familiar no município de Nossa Senhora da Glória, assim como
verificar a interdependência dos subsistemas estudados.
A pecuária foi determinante para o surgimento do núcleo de povoamento que deu origem
ao município de Nossa Senhora da Glória. Entretanto, ficou constatado que somente a partir
dos anos 1970, por meio de incentivos estatais, é que o município passa a se consolidar como
bacia leiteira. Para isso se destacam as políticas públicas de acesso ao crédito para promover a
substituição dos rebanhos bovinos de corte para leite e conseqüentemente o desenvolvimento
da pecuária.
Constata-se que a pecuária de leite é a principal atividade econômica no município; no
entanto, observa-se a vulnerabilidade da atividade, principalmente devido aos efeitos da seca,
ficando o agricultor dependente da aquisição de insumos externos. Outro aspecto importante,
diz respeito ao mercado, visto que a atividade leiteira de Nossa Senhora da Glória é
prejudicada, principalmente no período da seca, em virtude da oferta de derivados do leite
produzidos em outras regiões do país. Além disso, nos últimos anos o orgão de vigilância
sanitária estadual tem exigido dos proprietários de fabriquetas a adaptação destas às normas
técnicas. Contudo, diante do elevado custo para a adequação, pouco ou quase nada se
modificou embora um consórcio entre orgãos públicos e empresas privadas tenha pré-
selecionado alguns agricultores com o objetivo de conceder o financiamento com vistas à
viabilização da mudança.
O associativismo dos agricultores tem viabilizado o seu acesso a alguns benefícios, a
exemplo da mecanização agrícola, de linhas de crédito através do PRONAF, entre outros.
Contudo, fica evidente que a qualidade da participação é que se vem constituindo em barreira
ao desenvolvimento dessas organizações.
Observa-se um conjunto de estratégias adotadas pelos agricultores familiares do
município no sentido de facilitar a sua sobrevivência econômica e a convivência com a seca; e
as mais comuns dessas estratégias são: o consórcio entre as culturas agrícolas; a criação de
suínos consorciada com a produção de leite; a venda de parte do rebanho no início do período
de estiagem, evitando-se maiores gastos com ração; o arrendamento de áreas para plantio de
milho e palma para alimentação animal, entre outras.
A principal fonte de renda das famílias de agricultores é obtida na propriedade e
complementada por outros rendimentos, destacando-se a importância dos benefícios de
aposentadoria e pensões, do programa Bolsa Família, assim como do trabalho assalariado,
principalmente diarista.
6.5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALTIERI, M. Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. Rio de
Janeiro: PTA/FASE, 1989. 290p.
ANDRADE, M. C. A Terra e o homem no Nordeste. São Paulo. Ed. Atlas, 1986. 239 p.
CASTRO, J. Geografia da Fome o dilema brasileiro: pão ou aço. Rio de Janeiro: Antares e
Achiamé, 1980.
CARVALHO FILHO, O. M.; MITERNIQUE, S.; CARON, P.; HOLANDA NETO, J.;
CERDAN, C. T. A pequena produção de leite no semi-árido sergipano. Petrolina, PE:
Embrapa Semi-Árido, 2000. 26p.
CERDAN, C. A pequena produção de leite no semi-árido sergipano. Petrolina:
EMBRAPA-CPATSA, 2000. (Documentos).
IBGE – Censo agropecuário 1995-1996. nº 14. Sergipe.
IBGE – Censo demográfico 2000.
LISBOA, J. B. Associativismo no campo: das relações em redes ao espaço da socialização
política. Dissertação de Mestrado em Geografia: NPGEO / UFS, Aracaju 1999.
MAZOYER, M.; ROUDART, L. História das agriculturas do mundo: do neolítico à crise
contemporânea. Lisboa, Portugal: Editora Instituto Piaget, 2001. 520p.
MEIRA FILHO, N. Associações de agricultores familiares: fatores de sucesso e insucesso.
Dissertação de Mestrado em Geografia: NPGEO / UFS, Aracaju 2004.
MELO, R.C. A espacialização das associações comunitárias no município de
Malhador/SE: estratégias de permanência da unidade de produção familiar. Dissertação
de Mestrado em Geografia: NPGEO/UFS, Aracaju, 2005.
MENEZES, A. V. C. Estado e organização do espaço semi-árido sergipano. Aracaju,
UFS/NPGEO, 1999.
MOTA, D. M.; SÁ, J. L.; SÁ, C. O.; CARVALHO FILHO, O. M.; CERDAN, C. T.;
SCHIMITZ, H. Dinâmica recente no espaço rural do município de Nossa Senhora da
Glória/SE. Aracaju. 2006. 15p.
PEREIRA, M. H. Empobrecimento e permanência do produtor feirante no processo
produtivo: um estudo no município de Lavras-MG. Lavras: UFLA, 1992. 113p.
(Dissertação de Mestrado).
SÁ, J. L. Fortalecimento da produção familiar em sistema agroecológico na bacia leiteira
do semi-árido sergipano. Projeto de Pesquisa da Embrapa Semi-árido. 2004.
SANTOS, L.; OLIVA, T. Para conhecer a história de Sergipe. Aracaju, Opção Gráfica,
1998.142p.
SANTOS, A. F.; ANDRADE, J. A. Delimitação e regionalização do Brasil semi-árido.
Sergipe: SESI/CNDTF/SUDENE/UFS, 1992, 233p.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em
educação. São Paulo: Atlas, 1987. 175p.
UFS/SEPLAN. Atlas de Sergipe. Aracaju: CONDESE, 1979.
WANDERLEY, M. N. B. Raízes históricas do campesinato brasileiro. Anais do XX
Encontro Anual da ANPOCS. GT 17. Processos Sociais Agrários. Caxambu,1996.
RESUMO
AZEVEDO, José Franco de. Associativismo e políticas públicas: possibilidade de melhoria
da qualidade de vida dos agricultores familiares de Nossa Senhora da Glória/SE. São
Cristóvão: UFS, 2006. 107p. (Dissertação, Mestrado em Agroecossistemas).
Busca-se por meio deste artigo analisar a relação entre o associativismo praticado pelos
agricultores familiares de Nossa Senhora da Glória e a melhoria da qualidade de vida destes,
propiciada pela implantação de políticas públicas. A metodologia adotada neste artigo foi o
estudo de caso de três associações de agricultores familiares, sendo que cada uma destas
localiza-se em uma das grandes regiões agrossocioeconômicas do município. Contata-se que
em geral houve melhoria na qualidade de vida dos agricultores após a implantação das
associações, independentemente da participação destes nas entidades; no entanto, evidencia-se
que é de fundamental importância à participação dos agricultores na escolha dos projetos de
desenvolvimento comunitário a serem implantados, tendo em vista a importância da história
de vida dos mesmos para o bom desempenho dos projetos; ressalta-se que o Pronaf atende a
um pequeno número de agricultores no município e que aqueles que recorrem às linhas de
financiamento do programa pouco tem se beneficiado.
Palavras-chave: Associativismo, Qualidade de Vida, Políticas Públicas.
ABSTRACT
It is sought to analyse the relation between the associative practised by Nossa Senhora da
Glória family farmers and the improvment of their life quality, provided by the public politics
implantation, through this article. The methodology adopted in this article was the case study
of three family farmers associations, what should be stood out is that each one of them is
located in one of the large agrisocialeconomic areas in town. It has been turned out that in
most cases there was improvement in the farmers’ life quality, right after the associations
implantation, regardless their participation in the entities; however, it has been shown up that
it is fundamentally important to the farmers’ participation in the choice of the communal
development projects to be implanted, inasmech as the importance of their life story for the
good performance on the projects. It is stood out that Pronaf assists a little number of farmers
in town, and those who fall back on financial program lines haves had little benefit.
Key-words: Associative, Life Quality, Public Politics.
7. CAPÍTULO IV
ASSOCIATIVISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS: possibilidade de melhoria
da qualidade de vida dos agricultores familiares de Nossa Senhora da
Glória
“Nenhum homem é uma ilha. É parte integrante de um
continente. Somos todos dependentes um do outro.
Quando um sofre, sofrem todos” (Ware, 1968).
7.1 INTRODUÇÃO
A busca da qualidade de vida, segundo Gomes (2004, p.1), “é uma preocupação da
maioria das sociedades, independentemente das condições socioeconômicas daqueles que
nelas vivem”. Assim, entende-se que a busca pela melhoria da qualidade de vida é uma
reivindicação das diversas camadas sociais estabelecidas no campo e na cidade. Além disso,
verifica-se que nos últimos anos o tema passou a fazer parte, com freqüência, dos discursos
oficiais no Brasil.
Mundialmente, a discussão em torno desse tema vem ganhando força e visibilidade; e
como forma de avaliar a qualidade de vida nos diversos países foi estabelecido o Índice de
Desenvolvimento Humano IDH
21
, mesmo que se possa reconhecer que a qualidade de vida
pode ser definida por outros elementos e por outras formas de avaliação.
Para Gomes (2004, p.3), tomar a qualidade de vida como contraponto da noção de
progresso serviu para revelar a importância dos aspectos subjetivistas que constituem a outra
face da idéia de qualidade de vida, esta bastante comum a partir da década de 1970, quando os
institutos oficiais de pesquisas e as universidades adotaram os indicadores sociais para aferir a
qualidade de vida da população.
O Estado, procurando atender às reivindicações das populações rurais, através de
políticas públicas de desenvolvimento comunitário, tem estabelecido vínculos com as
organizações de agricultores do tipo associação para viabilizar a implantação destas. É
evidente que a discussão sobre como promover melhoria na qualidade de vida imputa
dificuldades metodológicas para as políticas públicas quando do planejamento e oferta de
bens e serviços. Neste sentido, fica clara a necessidade de uma avaliação contínua da relação
políticas públicas e a comunidade.
Diante dessa discussão, o objetivo deste artigo é analisar a contribuição das políticas
públicas viabilizadas em parceria com as associações, visando à melhoria da qualidade de
vida das famílias de agricultores dos povoados de Aningas, São Clemente e Tanque de Pedra,
localizados no município de Nossa Senhora da Glória.
7.2 MATERIAL E MÉTODOS
7.2.1 Área de estudo
O município de Nossa Senhora da Glória localiza-se na região noroeste do estado de
21
O IDH foi idealizado pelo economista paquistanês Mahbud Ul Haq, que contou com a colaboração do também
economista, o indiano Amartya Sen. O objetivo do índice era servir como contraponto ao Produto Interno Bruto
– PIB, e a sua primeira publicação se deu no ano de 1990. O Índice de Desenvolvimento Humano é uma medida
geral, sintética, do desenvolvimento humano e se fundamenta em três componentes: a longevidade – medida pela
expectativa de vida da população; a educação avaliada pelo índice de analfabetismo e pela taxa de matrícula
em todos os níveis de ensino; e a renda mensurada pelo PIB per capita (PNUD, 2006). O índice varia de “0”
(nenhum desenvolvimento) a “1” (desenvolvimento humano total). Municípios com IDH até 0,499 têm
desenvolvimento humano considerado baixo; municípios com índices entre 0,500 e 0,799 são considerados de
médio desenvolvimento humano; e municípios que apresentam IDH maior que 0,800 têm desenvolvimento
humano considerado alto.
Segundo dados do IBGE (2000), o município de Nossa Senhora da Glória melhorou o seu IDH, no período
de 1991 a 2000, passando de 0,417 para 0,631. Nossa Senhora da Glória caracterizou-se como o município de
maior IDH da região. Vejamos o quadro comparativo com os índices apresentados no ano 2000: Canindé de São
Francisco – 0,580; Gararu – 0,576; Monte Alegre – 0,568; Poço Redondo – 0,536 e Porto da Folha – 0,556.
Sergipe, distante a 126 km da capital do estado, Aracaju. Tem uma população de
aproximadamente 27 mil habitantes, sendo 9.773 na zona rural e 17.137 na zona urbana.
Ocupa uma área de 742 km² (IBGE 2000).
A origem do município deu-se no contexto do processo de ocupação do sertão sergipano
com a pecuária de corte. O povoado surgiu em terras pertencentes a uma grande fazenda do
município de Gararu, que servia de parada de descanso (rancho de acampamento) de viajantes
durante a noite. A sua primeira denominação, Boca da Mata, deveu-se a uma densa mata que
existia naquele local; os boiadeiros, que passavam tangendo o gado, preferiam esperar o
amanhecer do dia para prosseguir a viagem (Freire 2002, 161).
Observa-se, atualmente, que as regiões a leste e a oeste da sede do município, onde
tradicionalmente se localizavam grandes propriedades rurais, com baixos índices de densidade
demográfica, estão passando por transformações devido ao grande número de famílias
assentadas nessas áreas. Nota-se ainda, que as 57 associações de desenvolvimento
comunitário espacializadas pelos diversos povoados do município têm sido um importante
instrumento para a implantação das políticas públicas voltadas para o atendimento aos
agricultores familiares.
O município caracteriza-se pela forte presença da agricultura familiar e pela pecuária do
leite como sua principal atividade econômica. De acordo com (2004, p.3), “do total de
pequenos produtores, possuidores de áreas inferiores a 150 ha, que por sua vez, representam
95% dos estabelecimentos rurais do município de Nossa Senhora da Glória, 56% obtêm renda
da produção de leite”. É possível verificar que, apesar dos problemas enfrentados na região
com as condições climáticas, a produção de leite vem crescendo nos últimos anos. Em recente
diagnóstico constatou-se que “a produção de leite nos municípios localizados no semi-árido
sergipano passou de 10,3 para 47,9 milhões de litros/ano no período de 1985 a 1990” (Mota e
Vasconcellos, 2004).
7.2.2 Metodologia
A pesquisa foi realizada a partir do estudo de caso de três associações de agricultores
familiares do município de Nossa Senhora da Glória, localizadas nos povoados Aningas, São
Clemente e Tanque de Pedra. Essas associações foram escolhidas para representar cada uma
das três diferentes regiões do município (Tabela 1), de acordo com o zoneamento
agrossocioeconômico realizado por Mota et al. (2006, p. 6).
A análise das três associações possibilita a compreensão em profundidade do que
acontece com as demais associações do município em relação ao objeto de estudo. Na escolha
dessas associações foram levados em consideração aspectos que as diferenciassem, com base
em resultados de estudos anteriores, como: as regiões agrossocioeconomicas onde essas
associações estão localizadas; as origens dos agricultores de cada entidade; os motivos que
levaram à fundação das associações. Entretanto, um outro critério adotado foi que as
entidades apresentassem quadros societários aproximados.
Para Yin (2001), o estudo de caso é uma estratégia de pesquisa que busca examinar um
fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto. Esta metodologia se caracteriza pelo estudo
profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira a permitir conhecimento amplo e
detalhado do mesmo (Gil, 1999).
Buscando analisar as questões propostas por este artigo recorreu-se, predominantemente,
à pesquisa qualitativa com o objetivo de conhecer processos e não simplesmente os resultados
e o produto (Triviños, 1987). A sua importância está associada ao objetivo de aprofundar a
análise de situações concretas através do estudo de uma dinâmica determinada inserida num
cenário social e em um contexto específico (Haguette, 1987 e Triviños, 1987). Realizada
dentro dessas condições, a análise é capaz de fornecer referenciais das relações sociais, das
práticas de diferentes agentes, da interferência de fatores políticos, ideológicos, culturais, do
jogo de forças e das representações sociais existentes (Neves,1985).
Para coleta de dados foram adotados os seguintes métodos: entrevista semi-estruturada
com associados dirigentes e não-dirigentes, história oral e observação diretas, definidas por
Triviños (1987) e Alencar (1999). As entrevistas foram realizadas nos meses de novembro e
dezembro de 2005 com os presidentes dessas entidades e um grupo de doze associados de
ambos os sexos e diferentes faixas etárias em cada uma das entidades, representando uma
mostra em torno de 20% do quadro societário.
As entrevistas e os relatos foram gravados e posteriormente transcritos e analisados.
Foram também anotadas em caderno de campo observações no decorrer das visitas e
entrevistas, além de registros fotográficos de momentos significativos para a pesquisa.
Os encontros com os agricultores entrevistados aconteceram nas suas respectivas
comunidades, mas precisamente nas residências ou nos seus estabelecimentos. As entrevistas
foram individuais e tinham como base um roteiro pré-estabelecido, nas quais foram abordados
os seguintes temas: origem dos agricultores, a participação dos associados, projetos
implantados pelas associações e a contribuição dos mencionados projetos para a melhoria da
qualidade de vida
22
dos sócios e da comunidade.
A qualidade de vida neste estudo será discutida no contexto da agricultura familiar,
conforme definido por Wanderley (1996), visto que se caracteriza por ser um tipo de
exploração agrícola em que a propriedade e o trabalho estão intimamente ligados ao bem-estar
e à sobrevivência das famílias de agricultores.
TABELA 1 - Perfil das associações pesquisadas. UFS, São Cristóvão/SE, 2006.
7.3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A discussão sobre como medir a qualidade de vida humana é bastante complexa, visto
que alguns aspectos que contribuem para o bem-estar das pessoas o são materiais e,
portanto, não podem ser quantificados.
As várias dimensões que o termo qualidade de vida assume fizeram deste um conceito, ao
mesmo tempo abrangente e relativo, envolvendo “as necessidades humanas, os ambientes
individuais e sociais e o desenvolvimento humano” (Carmo, 1993, p.38) apud Gomes (2004,
p. 3).
Os estudos sobre qualidade de vida de Tauk-Tornisielo (1995, p.218) consideram a análise
econômica e evidenciam os aspectos quantificáveis, como salário, preço de aluguel, bens,
entre outros.
Rufino Neto (1992) analisa qualidade de vida boa ou excelente como aquela que oferece
22
Segundo Sousa et al. (1997), a qualidade de vida significa que o indivíduo pode ter as condições necessárias,
tais como: alimentação, saúde, vestuário, moradia, transporte, segurança publica e social, identidade cultural e
familiar, educação de qualidade e uma forte inter-relação com a natureza.
Associação Região
Agrossocio
econômica
Ano de
Fundação
Nº de Sócios
Fundação
Nº de Sócios
Atualmente
Aningas 1 1992 50 60
São Clemente 2 1998 40 60
Tanque de
Pedra
3 1996 35 60
um mínimo de condições para que os indivíduos nela inseridos possam desenvolver o máximo
de suas potencialidades, sejam estas: viver, sentir ou amar; trabalhar produzindo bens ou
serviços, fazendo ciência ou artes, vivendo de forma consciente ou simplesmente existindo.
Neste estudo, a qualidade de vida dos agricultores familiares será analisada tomando como
base os benefícios promovidos pelos projetos de desenvolvimento comunitário, a exemplo de
financiamento da produção, implantado pelo Estado através das associações, nas localidades
em análise (Aningas, São Clemente e Tanque de Pedra).
Conforme analisa Forattini (1995, p.354), existem duas maneiras de analisar a qualidade
de vida: de forma individual ou de maneira coletiva. Todavia, ambas estão necessariamente
interligadas, visto que, embora as aspirações individuais tenham caráter independente das
coletivas, em certa proporção elas se sobrepõem. Portanto, adotaram-se nesse estudo as
análises coletiva e individual, tendo em vista que as políticas públicas algumas vezes são
universais, atendendo a toda a comunidade e às vezes focais, restringindo-se a alguns
indivíduos.
Para Metzen et al. (1980), o desenvolvimento de uma comunidade deve ter como
finalidade maior a melhoria da qualidade de vida; portanto, deve-se incluir em sua
mensuração múltiplos indicadores que reflitam não somente os aspectos concretos da
realidade, mas também as percepções e avaliações subjetivas, que formam o contexto da
experiência de vida dos indivíduos, dos grupos e das famílias.
7.3.1 Alguns aspectos da história dos agricultores
Em relação à origem das famílias de agricultores, os entrevistados de Aningas e Tanque
de Pedra responderam em quase sua totalidade que nasceram no próprio povoado ou em
outras localidades do município. Quanto aos entrevistados de São Clemente, 60% são
descendentes de famílias oriundas dos estados de Pernambuco e Alagoas, as quais se
transferiram para esse povoado na década de 1970 quando se deu a segunda etapa do
assentamento promovido pelo Padre Leon Gregório, fugindo da difícil situação econômica em
que viviam em seus estados de origem.
As famílias do povoado São Clemente desenvolvem tradicionalmente atividade não-
agrícola, confeccionando atualmente acessórios femininos em couro, a exemplo de bolsas,
cintos e sandálias, comercializados com a marca própria da associação a Art Vila. Ressalta-se
que essas famílias de agricultores trouxeram de seus municípios de origem a experiência do
trabalho com o couro, através da confecção de chapéus, tipo sertanejo, selas e arreios para
animais. Contudo, nos últimos anos houve a necessidade de um redirecionamento da
produção visando a atender às novas demandas de mercado. Daí a explicação para a satisfação
desses agricultores com a construção do galpão onde foi implantada a oficina de artefatos de
couro em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Médias Empresas -
SEBRAE.
Segundo Ribeiro (1994), as relações de parentesco entre membros de um grupo
influenciam no nível de coesão destes, bem como os laços familiares são fundamentais para a
solidez da organização comunitária. Em estudo realizado no estado de Minas Gerais, esse
autor observou que onde as famílias são aparentadas entre si, é boa a qualidade da
participação nas decisões dentro da associação. Esta constatação serve para corroborar a
realidade observada na Associação de São Clemente, na qual um grande número de
componentes da diretoria tem origem em uma mesma família, os quais, na opinião dos
agricultores associados, estão conseguindo desenvolver um bom trabalho à frente da entidade.
Os agricultores que compõem as associações de Aningas e Tanque de Pedra desenvolvem
prioritariamente atividades agrícolas. Segundo Mota et al. (2006, p. 6), na região onde está
localizado o povoado Aningas, a agricultura e a pecuária têm um caráter de subsistência, isto
porque os recursos naturais são mais restritivos e o acesso à terra é mais limitado. Como
conseqüência, os agricultores dependem muito da venda de mão-de-obra a outros agricultores.
Ainda de acordo com os autores, a região onde fica localizado o povoado Tanque de Pedra é
considerada a mais pobre, visto que sofre mais com os efeitos da seca e tem os solos de pior
qualidade para a agricultura, o que dificulta o cultivo para consumo animal, tornando-se mais
dependente de insumos externos. E como conseqüência, são os agricultores da área de estudo
que mais recorrem aos empréstimos bancários.
Do ponto de vista da organização, tanto os agricultores associados de Aningas como os de
Tanque de Pedra fizeram duras críticas às atuais diretorias das associações. No entanto, pode-
se constatar nas três comunidades (Aningas, São Clemente e Tanque de Pedra) a unanimidade
entre os pesquisados quanto ao reconhecimento da importância das associações para a
obtenção de benefícios.
“Sem associação a gente não consegue nada. Tudo que vem para a comunidade é
através da associação” (J. S. – Aningas).
Evidencia-se que a criação das associações dos povoados Tanque de Pedra e Aningas foi
resultado de incentivo do Estado como forma de implantar políticas públicas de
desenvolvimento, principalmente a oferta de linhas de financiamentos aos agricultores
familiares, com a intermediação das associações comunitárias, enquanto a associação de São
Clemente tem a sua origem relacionada a um grupo de agricultores dissidentes da associação
fundada com o apoio da Igreja Católica em 1971, na época da implantação do assentamento,
por não concordarem com a restrição do desenvolvimento de atividades apenas agrícolas.
7.3.2 A escolha dos projetos a serem implantados
Os projetos implantados nas comunidades rurais são planejados estrategicamente por
órgãos estatais, a exemplo da Empresa Estadual de Desenvolvimento Sustentável
PRONESE. No entanto, cabe aos agricultores, através das associações, definirem qual a
ordem de prioridade para implantação desses projetos em sua comunidade, com base nas
opções apresentadas pelo Estado.
Sen (2000, p. 47) defende a importância da escolha dos projetos pelos agricultores de
cada comunidade “se um modo de vida tradicional tem de ser sacrificado para escapar-se da
pobreza devastadora ou da longevidade minúscula, então, são as pessoas diretamente
envolvidas que têm de ter a oportunidade de participar da decisão do que deve ser escolhido”.
Perguntado aos entrevistados das três associações se eles participam dos fóruns para a
escolha dos projetos a serem implantados em suas comunidades, os agricultores de Aningas e
São Clemente em sua totalidade afirmaram que sim; em Tanque de Pedra, o percentual
reduziu-se para 50%. A principal alegação destes agricultores é de que não são convocados
para tal fim. Neste caso específico, ressalta-se que a falta de discussão entre os agricultores
associados de Tanque de Pedra sobre os projetos diz respeito à forma administrativa adotada
pela diretoria da entidade.
A participação democrática dos agricultores associados na escolha dos projetos a serem
implantados diminui a possibilidade de fracasso destes. A falta de um amplo debate entre os
agentes (agricultores, estado, etc.) pode implicar a implantação de projetos que não
correspondem às reais necessidades e anseios dos beneficiários naquele momento. Portanto, é
preciso reconhecer que cada agricultor elabora um juízo de valor especifico sobre a realidade
e um modo de vida próprio, cujas ações não podem ser mecânicas ou generalizadas, como
afirmou Marx ao caracterizar os camponeses franceses como um saco de batatas, pois cada
indivíduo apresenta sua singularidade e racionalidade histórica. Um exemplo da falta de
conhecimento desses fatores foi o que aconteceu com o projeto da panificação comunitária,
instalada no povoado São Clemente, cujo funcionamento não perdurou por mais de seis
meses. Entende-se, desta feita, que a falta de discussão com a comunidade contribuiu
decisivamente para o insucesso do projeto, uma vez que não foram considerados fatores
culturais e econômicos, como: hábitos alimentares da população local, os altos preços da
farinha de trigo, a falta de mão-de-obra especializada, entre outros.
A participação dos agentes externos na definição dos projetos é de fundamental
importância, tendo em vista que estes aportam elementos de que os agricultores não estão
informados. Entretanto, este fato não deve ser utilizado para legitimar a imposição na
implantação de políticas públicas. Perguntado aos agricultores se havia interferência externa
de pessoas ou órgãos na escolha dos projetos implantados nas comunidades, 100% dos
entrevistados de Aningas e São Clemente responderam que não interferência; no entanto
60% dos entrevistados de Tanque de Pedra afirmaram que sim, interferência dos técnicos
das empresas que prestam serviços através da elaboração de projetos ou de entidades
financeiras. As interferências externas ocorrem principalmente em associações fragilizadas do
ponto de vista dos princípios democráticos e que, em geral, foram constituídas de fora para
dentro da comunidade, o que definimos como associativismo imposto.
Na visão de Klikberg (1994, p.369), as políticas sociais devem desempenhar o papel mais
amplo de apresentar elementos racionais de juízo baseados na melhor informação disponível e
no conhecimento fundado numa experiência concreta, contribuindo assim para uma discussão
pública que inclua os grupos beneficiários, os tomadores de decisão e outros atores do
processo.
“O povo da associação reúne os sócios para decidir qual o projeto vai trazer para
nós, mas vem o pessoal do banco ou o técnico da empresa que faz os projetos e
decide o que é melhor” (J. A. A. – Tanque de Pedra).
Ribeiro (1994) entende que é da necessidade de encontrar soluções para os problemas
discutidos internamente nas organizações que surge a articulação com o mundo externo. Mas
o nível dessas discussões vai depender da forma como se originou a associação. Se ela tem
origem na organização de base, em geral tem capacidade de tomar iniciativas, desenvolver
atividades independentes, trabalhar com a comunidade e o mundo. Do contrário, ela existe em
função de recursos e de técnicos que se propõem a zelar por ela. Acabando este apoio tenderá
a desaparecer, pois não conseguiu criar coesão de grupo; o tem a base na organização da
comunidade.
7.3.3 - O alcance dos projetos
Questionados se os projetos implantados na comunidade beneficiam exclusivamente
agricultores associados, 80% dos pesquisados de Aningas responderam que sim; enquanto em
Tanque de Pedra e São Clemente os percentuais foram de 50% e 60% respectivamente. No
entanto, entende-se que vai depender do tipo de projeto implantado. Projetos como
pavimentação de ruas, telefonia pública, energia elétrica e abastecimento de água tratada, em
geral, beneficiam diretamente toda a comunidade, independentemente da participação dos
beneficiários nas associações. os projetos de financiamento da produção são exclusivos
para associados, uma vez que a liberação de financiamento está condicionada à sua
organização e à necessidade do avalista que pode ser um outro agricultor associado ou a
própria associação, enquanto os projetos voltados para a aquisição de motores, tratores e
implementos agrícolas tendem a beneficiar boa parte da comunidade, embora de forma
prioritária e com menores custos aos associados.
Nesse sentido, evidencia-se que o papel das associações não se restringe à conquista de
benefícios para os agricultores associados, mas também ao gerenciamento dos equipamentos
coletivos implantados pelo Estado para atender a toda a comunidade. Este foi o mecanismo
encontrado pelo Estado para facilitar a sua atuação, uma vez que prioriza o atendimento a
grupos em vez de agricultores individualmente e repassa o seu papel de gestor de bens
públicos para as associações, não sendo, pois necessária a contratação de mão-de-obra para
esse fim.
Para Ribeiro (1994), a associação é uma organização ligada a um grupo definido de
associados, para os quais se ganha vida e confiança quando se conquistam “coisas
concretas”: um equipamento, um trator, uma máquina de beneficiar, um pedaço de terra para
trabalho. Isso é o que, na prática, justifica o esforço empreendido pelo grupo. E o caminho
mais curto que os sócios vislumbram para atingir esse objetivo é o financiamento,
conseguindo um “projeto”. Para os sócios, é a partir daí que realmente começa a associação.
Perguntado aos agricultores qual o principal projeto implantado em suas comunidades,
em São Clemente 100% dos pesquisados responderam que foi a construção do Núcleo de
Artefatos de Couro, que tem gerado 29 empregos diretos e aumento na renda para as famílias
associadas.
Em Tanque de Pedra 20% dos agricultores responderam que foi a energia elétrica; 20%,
água tratada, enquanto 60% acreditam que o custeio agrícola. Contudo, verifica-se que os
agricultores participantes da associação local que recorreram aos empréstimos em quase sua
totalidade estão inadimplentes e impedidos de novos financiamentos.
O Governo Federal es concedendo atualmente um rebate de 80% para aqueles
agricultores que pretendem pagar os seus débitos; entretanto alguns produtores declararam
que irão aguardar um pouco mais para resolver as pendências, pois acreditam que em breve
serão anistiados por se tratar de um ano eleitoral.
Quanto aos agricultores de Aningas, 40% responderam que o principal projeto ali
implantado foi custeio, e 60%, que água tratada e energia. Evidencia-se que esse povoado
localiza-se na região mais árida do município, daí a importância que assume o projeto de
distribuição de água tratada. Os diversos projetos implantados em cada uma das três
comunidades pesquisadas podem ser observados na Tabela 2.
Associação Projetos Implantados
Aningas Crédito bancário, energia elétrica, água, motor forrageiro, sede da
associação, telefonia e pavimentação de ruas.
São
Clemente
Crédito bancário, energia elétrica, motor forrageiro, construção da
oficina de artefatos em couro, panificação e pavimentação de ruas.
Tanque de
Pedra
Crédito bancário, energia elétrica, sede da associação e telefonia.
TABELA 2 - Projetos implantados nas comunidades em estudo. UFS, São Cristóvão/SE, 2006.
7.3.4 Os projetos de financiamento da produção
Em geral, os projetos de financiamento da produção têm pouco contribuído para a
melhoria da qualidade de vida das famílias de agricultores de Nossa Senhora da Glória,
situação provocada por um conjunto de fatores: o desvio na aplicação dos recursos; a não-
coincidência da liberação de recursos com o início do ciclo agrícola e os altos preços dos
insumos agrícolas. Neste caso, as associações poderiam amenizar essa situação, adquirindo os
insumos para os seus associados, entretanto, esta não é uma prática existente nas associações
estudadas.
Diante dessa realidade, observa-se que do ponto de vista econômico a melhoria da
qualidade de vida dos agricultores, muitas vezes, se dá, de forma momentânea, verificando-se
no primeiro momento uma melhoria da sua qualidade de vida logo após a concessão do
empréstimo, voltando, no entanto, à condição inicial em um segundo momento, que
corresponde ao período do pagamento do financiamento, levando o agricultor a desfazer-se de
parte de seus bens para saldar o débito.
De acordo com o depoimento de um entrevistado:
“No tempo que eu peguei o empréstimo no banco ajudou, mas hoje continuo do
mesmo jeito que era antes” (R. A. S – Tanque de Pedra).
Kageyama (2003), em recente estudo no estado de São Paulo, avaliou a contribuição do
PRONAF Crédito para a melhoria da qualidade de vida do agricultor familiar e pesquisou um
universo de 2.299 estabelecimentos rurais do tipo familiar, sendo 1.182 atendidos pelo
programa e 1.117 unidades não atendidas, procurando identificar se os estabelecimentos que
receberam crédito do PRONAF apresentam maiores índices de produtividade e renda do que
os que não receberam. Daí a autora concluiu que
O crédito do PRONAF mostrou-se fortemente associado com o nível tecnológico e a
produtividade agrícola, sugerindo que seu papel tem sido o de substituir o antigo
sistema de crédito rural subsidiado. Constatou-se, também, no universo estudado,
uma associação positiva entre a presença do PRONAF e o aumento de erosão, e
aumento na freqüência no uso de agrotóxicos, e não houve associação significativa
entre o PRONAF e ações de recuperação de áreas degradadas (Kageyama, 2003,
p.12).
Nesse sentido, evidência-se a importância das instituições de assistência técnica e
extensão rural em relação ao acompanhamento da aplicação desses recursos, com o objetivo
de evitarem-se problemas sócio-ambientais nos agroecossistemas, tendo em vista que o
PRONAF deveria contribuir para que os agricultores familiares adotassem tecnologias
apropriadas e menos dependentes de insumos externos. Essas medidas seriam fundamentais
para que prevalecesse entre os agricultores familiares um padrão de desenvolvimento
sustentável, no qual não apenas os fatores econômicos de curto prazo fossem priorizados.
Segundo Abramovay e Veiga (1999, p. 42), em estudo comparativo entre os estados de
Santa Catarina e Sergipe, utilizando como base dados do IBGE (1996), constatou-se que dos
203 mil estabelecimentos recenseados em Santa Catarina, 133 mil, equivalente a 65% do total
pesquisado, receberam assistência técnica. Em Sergipe, somente receberam assistência técnica
8.591 (9%) dos 99.774 agricultores recenseados no Estado. No estado de Santa Catarina, o
PRONAF custeio chegou a 38% do total de estabelecimento do estado; em Sergipe, esse
financiamento limitou-se a um percentual de 4% do total.
Como se pode verificar na Tabela 3, os números do PRONAF Crédito (investimento e
custeio) em todo o estado de Sergipe evidenciam que, em termos proporcionais o número de
empréstimos pelo programa no município de Nossa Senhora da Glória é baixo, levando-se em
consideração sua estrutura fundiária bem como sua importância econômica.
SERGIPE N. Sª da Glória
ANO Contratos
(#)
Montante
(R$)
Contratos
(#)
Montante
(R$)
%
Contratos
%
Montante
1998 2.863 3.640.204 76 142.025 2,66 3,91
1999 7.618 17.638.469 203 1.073.939 2,67 6,09
2000 12.766 13.263.052 233 944.002 1,83 7,12
2001 9.439 10.167.804 6 32.922 0,07 0,33
2002 14.580 15.941.530 331 324.456 2,27 2,04
2003 12.444 18.524.848 368 499.938 2,96 2,70
2004 11.445 20.101.213 466 886.033 4,08 4,41
TABELA 3 - A Participação dos agricultores de Nossa Senhora da Glória no PRONAF
Crédito concedido em Sergipe (1998 – 2004). UFS, São Cristóvão/SE, 2006.
Fonte: Elaborado pelo autor com base em dados do Banco do Brasil, 2005.
A baixa demanda de linhas de crédito em Nossa Senhora da Glória na visão dos
agricultores familiares está relacionada aos seguintes fatores: o desconhecimento sobre as
oportunidades de crédito; a dificuldade para avaliar as possibilidades, considerando os riscos e
as condições de pagamento; o atendimento às exigências e restrições; pouco relacionamento
com os agentes financeiros; falta de tempo e dificuldade de deslocamento para obter
informações e formalizar o contrato de crédito; aversão aos riscos e elevados custos do seguro
agrícola. Conclui-se que sob a perspectiva dos agricultores familiares que os problemas da
política de crédito estão fundamentalmente relacionados aos custos de transação.
Constata-se entre todos os agricultores pesquisados que os estabelecidos em Aningas e
Tanque de Pedra são os que mais recorrem aos empréstimos bancários respectivamente 80% e
90%. Em São Clemente o percentual cai para 40%, o que se explica pela falta de estrutura
básica nas duas primeiras áreas, a exemplo da precariedade no abastecimento de água. os
agricultores de São Clemente estão estabelecidos na região mais estruturada do município e
desenvolvem outro tipo de atividade econômica com menor grau de risco, uma vez que
independem das condições climáticas.
Quanto à aplicação dos recursos obtidos através dos projetos de financiamento, as mais
citadas pelos agricultores dos três povoados que compõem a área de estudo foram: aquisição
de animais, construção de tanque, contratação de mão-de-obra, construção de cerca, aquisição
de insumos e plantio de palma. Neste sentido, é preciso ressaltar que existe diferença entre
aplicação de recursos e investimento
23
, havendo apenas neste último o retorno financeiro, e
23
Em sentido restrito, investimento significa a aplicação de capital em meios produtivos (terras, animais, etc.)
que levam ao crescimento da capacidade produtiva. a simples aplicação de recursos não tem o objetivo de
gerar lucro.
que cada tipo de investimento é determinado por um intervalo de tempo para o retorno dos
recursos.
Verifica-se que os agricultores que recorreram aos financiamentos para investimento na
aquisição de animais concomitantemente investiram no plantio de culturas para consumo
animal, o que demonstra a interdependência entre esses dois subsistemas cultivados.
Comprova-se também que os agricultores que optaram por investir na pecuária,
principalmente na bovinocultura de leite, estão em melhores condições financeiras,
comparativamente àqueles agricultores que resolveram investir prioritariamente na agricultura
ou que decidiram aplicar os recursos do financiamento na melhoria das instalações,
indiferentemente da região agrossocioeconômica onde esteja localizado o estabelecimento.
“Botei trabalhador, comprei vaca e fiz dois tanques. O gado foi abençoado, eu
paguei o empréstimo que nem senti” (M. T. – Aningas).
“Apliquei tudo na roça, aí a chuva foi pouca, perdi tudo e ainda tive que pagar o
dinheiro que peguei” (M. J. B. L. – Aningas).
Segundo Jesus (1993, p. 57), o que faz com o que o agricultor decida por explorar
determinada atividade em vez de outra qualquer é o nível de segurança que ela proporciona à
sobrevivência da família.
Em geral, os agricultores do município de Nossa Senhora da Glória têm procurado
diversificar a aplicação dos recursos, investindo uma parte destes na agricultura e pecuária,
uma parte para garantir a sobrevivência imediata das famílias e outra é aplicada na melhoria
das instalações.
Com relação à fiscalização dos recursos liberados, os produtores afirmaram que não
preocupação por parte das entidades financeiras em assegurar as exigências operacionais, ou
seja, de impedir que ocorram desvios de aplicação em atividades não-previstas no projeto de
crédito. Na opinião de alguns agricultores, se eles seguirem fielmente o determinado pelo
agente financeiro quanto à aplicação dos recursos torna-se mais difícil conseguir pagar o
empréstimo.
“O Banco empresta o dinheiro para a gente fazer um negócio, mas se nós aplicarmos
o dinheiro naquele negócio, se houver um problema, quando chegar o tempo de
pagar, não temos como pagar” (C. B. – Tanque de Pedra).
De acordo com a pesquisa, o crédito bancário é um projeto comum às três associações
pesquisadas (Tabela 2), o que se deu pela oferta destes após a implantação do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, em 1996. Abramovay (2002,
p.2), em relatório de pesquisa sobre o PRONAF, destacou que o programa, ao longo da sua
existência, forjou três importantes inovações, a saber: o reconhecimento dos agricultores
familiares como protagonistas das políticas públicas; a criação de um processo de negociação
entre os agricultores representados pelas suas organizações e o governo, e o estabelecimento
de um enfoque territorial para as políticas públicas.
O PRONAF contempla uma modalidade de financiamento destinada à produção, que
comporta os recursos para custeio e investimento e que está voltada ao apoio financeiro dos
agricultores familiares, segundo seis categorias de beneficiários (Tabela completa ver
ANEXO 3).
Entretanto, verifica-se nas áreas dos povoados Aningas e Tanque de Pedra que as linhas
de crédito
24
mais comuns são: A, B e C. na região de São Clemente, as principais linhas
citadas foram: B, C e D, confirmando o observado no diagnóstico de Mota et al. (2006) em
que na área onde está localizado o povoado São Clemente concentram-se os agricultores com
melhores níveis de renda.
24
Categorias de beneficiários do PRONAF: Grupo A exclusivamente assentados dos programas de reforma
agrária, para os quais o limite do empréstimo é de R$ 2.500,00 para custeio e R$ 13.500,00 para investimento;
Grupo B agricultores familiares com renda bruta anual de até R$ 2.000,00, para os quais o limite é de R$
1.000,00; Grupo C agricultores familiares com renda bruta anual entre R$ 2.000,00 e R$ 14.000,00, com
liberação para custeio de até R$ 2.500,00 e de R$ 5.000,00 para investimento; Grupo D – agricultores com renda
bruta anual entre R$ 14.000,00 e R$ 40.000,00, com liberação para custeio de até R$ 6.000,00 e de R$ 18.000,00
para investimento. Essas categorias são definidas pela resolução 2.629, de 10/08/1999, a qual passou a
integrar as normas gerais do Manual de Crédito Rural.
7.4 CONCLUSÕES
Nas três áreas de pesquisa, Aningas, São Clemente e Tanque de Pedra, observa-se que
houve melhoria na qualidade de vida dos agricultores da comunidade após a implantação das
associações, independentemente da participação dos produtores nas entidades, principalmente
através de políticas públicas de desenvolvimento de comunidades, como por exemplo: o
abastecimento de água tratada e energia elétrica nos povoados, reforçando a idéia de que
muitas vezes as associações servem como extensão do estado no sentido de gerir os bens
públicos.
No entanto, a definição pelo Estado de quais políticas públicas devem ser adotadas em
determinada comunidade visando à melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares
nem sempre contempla as reais necessidades de cada comunidade, haja vista que cada grupo
de agricultores tem suas aptidões e histórias de vida, sendo, portanto, imprescindível
considerá-las.
Constatou-se também que os agricultores da região de Aningas e Tanque de Pedra são
mais susceptíveis aos empréstimos bancários para custeio e investimento na produção e que
isso se pelas condições edafoclimáticas apresentadas e pela infra-estrutura deficitária
nessas regiões, bem como pelo fato de a agricultura se constituir-se na única atividade
econômica. Além disso, os financiamentos da produção pouco têm contribuído para a
melhoria definitiva da qualidade de vida dos agricultores devido a fatores que poderiam ser
amenizados pelas associações. Contudo, os agricultores que investiram parte dos recursos na
pecuária de leite e parte no plantio de forragens estão conseguindo melhores resultados
financeiros.
A diretoria da Associação de São Clemente, formada basicamente por parentes,
apresentou um melhor desempenho à frente da entidade, obtendo o reconhecimento dos seus
sócios. Em contrapartida, evidência-se que as diretorias das associações de Aningas e Tanque
de Pedra, fundadas por incentivo do Estado, apresentam dificuldades na condução dos
trabalhos e sofrem sérias críticas de seus associados devido às disputas internas, sob a
alegação de que essas diretorias estão-se aproveitando dos mandatos para conseguirem
benefícios pessoais.
Apesar de um considerável percentual de associações de agricultores do município de
Nossa Senhora da Glória ter sido constituído com o objetivo de facilitar a implantação de
políticas públicas, o número de financiamento pelo PRONAF Crédito é bastante mido em
relação a outros municípios do Estado que apresentam características econômicas
semelhantes, embora esse sistema de crédito seja considerado pelos agricultores como um dos
mais importantes programas já implantados na área de estudo.
7.5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMOVAY, R.; VEIGA, J. E. Novas instituições para o desenvolvimento rural: o caso
do PRONAF. Brasília: IPEA, 1999. 47p.
ALENCAR, E. Metodologia de pesquisa. Lavras. UFLA, 1999. 14p.
FRANCO, A. Desenvolvimento local integrado e sustentável Dez consensos. Proposta, v.
78, p. 6-19, 1998.
FREIRE, E. História dos municípios. Aracaju: Cinform, 2002. 272 p.
FORATTINI, O. P. Ecologia, epidemologia e sociedade. Artes médicas: Edusp. São Paulo,
1992.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5.ed. São Paulo: Atlas,1987.
GOMES, R. A. Ethos e habitus: elementos para compreender a qualidade de vida das
famílias/colonas.
HAGUETTE, M. F. Metodologias qualitativas na sociologia. Petrópolis: Vozes, 1987.
163p.
IBGE – Censo demográfico 2000.
JESUS, J. C. dos S. Trajetória de decisões administrativas na unidade camponesa e na
empresa agropecuária capitalista: estudo de caso no Sul de Minas Gerais. Lavras-MG:
ESAL, 1993. 147p. (Dissertação de Mestrado).
METZEN, E., WILLIAM, F.L., SHULL, J. FEEFE, D. R. Quality of life as affected by
areas of residence. Columbia: University of Missouri, 1980. 116p. (Research Bulletin, 1036).
MOTA, D. M.; SÁ, J. L.; SÁ, C. O.; CARVALHO FILHO, O. M.; CERDAN, C. T.;
SCHIMITZ, H. Dinâmica recente no espaço rural do município de Nossa Senhora da
Glória/SE. Aracaju. 2006. 15p.
MOTA, D. M., VASCONCELLOS, J.B.G. Dinâmica territorial no sudoeste sergipano: “A
diversificação por tradição”. Encontro da Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção.
Aracaju, SE. 2004.
NEVES, D. P. Diferencião socioeconômica do campesinato. Ciências Sociais Hoje, Rio de
Janeiro, ANPOCS/Cortez, 1985. P.220-241.
KAGEYAMA, A. Produtividade e renda na agricultura familiar: efeitos do PRONAF-
Crédito. Agricultura em São Paulo, São Paulo, 2003. P.1-13.
KLICKBERG, B. (Org.). Pobreza, uma questão inadiável. Brasília, DF: ENAP, 1994.
PEREIRA, M. H. Empobrecimento e permanência do produtor feirante no processo
produtivo: um estudo no município de Lavras-MG. Lavras-MG: ESAL, 1992. 113p.
(Dissertação de Mestrado).
RIBEIRO, A. E. M. Fé, produção e política. São Paulo: Edições Loyola, 1994. 67p.
RUFFINO NETO, A. Qualidade de vida: compromisso histórico da epidemiologia. São
Paulo, 1992.
SÁ, J. L., Fortalecimento da produção familiar em sistema agroecológico na bacia
leiteira do semi-árido sergipano. Projeto de Pesquisa da Embrapa Semi-árido. 2004.
SEN, A. Desenvolvimento com liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SOUSA, J. T. et al. Desenvolvimento e qualidade de vida da população do Distrito de São
José da Mata. UFPB. João Pessoa, 1993.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em
educação. São Paulo: Atlas, 1987. 175p.
WANDERLEY, M. de N. Raízes históricas do campesinato brasileiro.
http://www.cria.org.br. (trabalho apresentado no XX Congresso Anual da ANPOCS,
Caxambu-MG, out/1996).
WARE, C. F. Organizacion de la comunidad para el bienestar social. 3 ed. Washington,
D. C.: Union Panamericana, 1968.
WOORTMANN, K. Migração, família e campesinato. Revista Brasileira de Estudos de
População. Jan./Jun. 1990. P.35-53.
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2.ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.
ANEXOS
ANEXO 1
Relação das Organizações pesquisadas
01 Associação de Bem Estar Social Coração de Jesus Lagoa Bonita
02 Associação de Desenvolvimento Comunitário de Lagoa Bonita Lagoa Bonita
03 Associação de Pequenos Produtores Rurais do Povoado
Combuqueiro
Combuqueiro
04 Associação dos Moradores e Agricultores do Povoado Lagoa das
Pias
Lagoa das Pias
05 Associação dos Produtores Rurais do Povoado Mandacaru Mandacaru
06 Associação dos Produtores do Povoado Algodoeiro Algodoeiro
07 Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Povoado São
José
São José
08 Associação dos Produtores Rurais de São Clemente São Clemente
09 Associação dos Agricultores de São Clemente São Clemente
10 Associação dos Produtores Rurais de Boa Vista Boa Vista
11 Associação Pequenos Produtores Rurais dos Povoados Barra
Verde e Melancia
Barra Verde
12 Associação dos Agricultores do Povoado Melancia Melancia
13 Associação Agrícola do Povoado Lagoa de Pedro Lagoa de Pedro
14 Associação Agrícola dos Moradores Rurais dos Povoados Baixa
Limpa e Cabeça de Vaca
Baixa Limpa
15 Associação dos Moradores do Povoado Cerradinha e Mocambo Mocambo
16 Associação de Produtores Rurais do Sítio Olhos D’água Olhos D’água
17 Associação dos Agricultores Rurais e Moradores dos Povoados
Riacho Largo, São Gonçalo e Barra das Almas
São Gonçalo
18 Associação dos Moradores e Produtores Rurais do Povoado
Barra das Almas
Barra das Almas
19 Associação dos Agricultores Rurais e Moradores do Povoado
Riachão
Riachão
20 Associação dos Produtores Rurais do Povoado Boa Sorte Boa Sorte
21 Associação dos Produtores Rurais Sítio Lagoa Grande Lagoa Grande
22 Associação Comunitária dos Moradores da região Periquito Periquito
23 Associação dos Lavradores Rurais do Povoado Lagoa do
Carneiro
Lagoa do Carneiro
24 Associação dos Produtores Rurais do Povoado Cabeça da Vaca Cabeça da Vaca
25 Associação dos Produtores Rurais do Sítio Gaspar Gaspar
26 Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Povoado Lagoa
do Rancho
Lagoa do Rancho
27 Associação dos Produtores Rurais do Povoado Piabas Piabas
28 Associação de Desenvolvimento Comunitário de Angico Angico
29 Associação dos Moradores da Comunidade de Lagoa da Mata,
Lagoa do Davi e Vajada
Lagoa da Mata
30 Associação dos Moradores da Região do Gameleiro Gameleiro
31 Associação dos Produtores Rurais do Povoado Santa Bárbara Santa Bárbara
32 Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Povoado Riacho
Grande
Riacho Grande
33 Associação de Pequenos Produtores Rurais do Tanque Novo,
Queimada da Onça
Tanque Novo
34 Associação dos Produtores Rurais do Povoado Quixaba Quixaba
35 Associação dos Produtores Rurais do Povoado São Domingos São Domingos
36 Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Lagoa do
Chocalho e Vista Alegre
Lagoa do Chocalho
37 Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Retiro I Retiro I
38 Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Povoado Retiro
II
Retiro II
39 Associação dos Trabalhadores Rurais do Povoado Mamoeiro Mamoeiro
40 Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Povoado Tanque
de Pedra
Tanque de Pedra
41 Associação Banco de Semente Sítio Fortaleza Fortaleza I
42 Associação de Moradores Rurais Francisco B. Vieira Fortaleza II
43 Associação Sertaneja de Caprinocultores Sede do Município
44 Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Povoado Santa
Rita
Santa Rita
45 Associação dos Moradores e Produtores do Povoado do Sítio
Panelas
Sítio Panelas
46 Associação dos Pequenos Produtores Rurais Assentados na
Fazenda Fortaleza
Assentamento
Fortaleza
47 Associação dos Produtores Rurais da Comunidade Augustinho Augustinho
48 Associação dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Nossa
Senhora de Lourdes
N. S. de Lourdes
49 Associação dos Produtores Rurais da Colônia Santa Helena Colônia Santa Helena
50 Associação dos Pequenos Agricultores Rurais dos Povoados
Cachoeira e Riacho da Pedra
Cachoeira
51 Associação dos Produtores Rurais e Moradores de São Joaquim São Joaquim
52 Associação dos Trabalhadores Rurais do Projeto de
Assentamento Nossa Senhora da Glória
Assentamento N. S.
da Glória
53 Associação Comunitária dos Moradores da Região de Aningas Aningas
54 Associação de Desenvolvimento Comunitário dos Trabalhadores
do Grupamento Nair Pereira da Costa
Aningas
55 Associação de Desenvolvimento Comunitário dos Trabalhadores
do Grupamento Antônio Alves Feitosa
Aningas
56 Associação dos Pequenos Produtores Rurais Nossa Senhora da
Boa Hora
Caimbra
57 Associação dos Agricultores do Assentamento José Ribamar Fazenda Socorro
58 Sindicato dos Trabalhadores Rurais Sede do Município
59 Cooperativa Agrícola Mista e de Colonização de Nossa Senhora
da Glória LTDA - COOPERGLÓRIA
Sede do Município
Fonte: Pesquisa de campo, 2005
ANEXO 2
LOUVADO SEJA NOSSO SENHOR JESUS CRISTO,
LOUVADO SEJA NOSSA SENHORA DA GLÓRIA.
ATA DE FUNDAÇÃO
DA ASSOCIAÇÃO DOS “AGRICULTORES DE SÃO CLEMENTE”
No dia doze do mês de dezembro de mil novecentos e setenta e hum, às oito horas, na Casa
Paroquial de N. Sra. Da Glória, praça da Matriz, s/n, na cidade de N. Sra. Da Glória
Sergipe, se reuniram alguns agricultores convidados por Narcizo Antônio dos Santos e José
Ferreira Neto, a pedido do Pe. Gregório, novo vigário de N. Sra. Da Glória, todos se
preparando para a emigração por causa de “não se achar mais um dia de serviço” na região em
conseqüência da seca prolongada. O Pe. Gregório explicou que acabava de receber da Bélgica
a notícia de que a Professora da cidade dele, e grande amiga dele, a Senhorita Pauline
Sehrenvs, acabava de morrer com noventa e sete anos de idade, e que legava a ele todos seus
bens, bastante importantes. O Pe. Gregório explicou que com estes bens ele deseja adquirir
um terreno e formar uma associação de tipo cooperativista com agricultores sem terra que
demonstrassem disposição para este tipo de associação e de esforço comunitário em vista do
desenvolvimento de todo o grupo associado. Ele disse que tinha sido inclusive solicitado
para a compra de uma propriedade vizinha do lugar “Beleza”, na divisa entre os municípios
de N. Sra. Da Glória com Monte Alegre, beirando a estrada estadual entre as duas cidades, e o
riacho Capivara, e que podia adquirir com pagamento a prazo, e usar logo, vendo em tudo isto
uma indicação da divina Providência para tocar para frente este projeto de associação
cooperativista. Depois de muita discussão, são os seguintes os que declararam querer fazer
parte da Associação: Narcizo Antônio dos Santos, José Ferreira Neto, José Ângelo Neto,
Severino Ângelo Neto, José Francisco da Silva, Delson de Oliveira, Edgar Soares de
Menezes, Gilson Soares de Menezes, Francisco Dino Lourenço, José Bernardo do
Nascimento, Arlindo Ângelo Neto, Valdiné Soares de Menezes, Epifânio da Silva, José Alves
Barros. Discutindo o nome da Associação, o Pe. Gregório opinou que por gratidão à Senhora
que fez esta doação, seria bom dar o nome do Padroeiro da Paróquia dela, São Clemente de
Roma que foi o terceiro Papa, sendo Bispo de Roma de 88 a 97, quando morreu martyr. Foi
decidido o nome da “Associação dos agricultores de São Clemente”. O Pe. Gregório se
comprometeu em estudar um projeto de Estatutos para a associação, que ele pegou alguma
experiência no assunto em Própria, e providenciaria C.G.C., Escrituras e tudo o que a Lei do
país exige. Foi decidido também que no mesmo dia, pela tarde, todos iriam olhar o terreno
para escolher o lugar aonde acampar para começar logo a preparar terras de roça na esperança
que a seca termine na próxima época de inverno. E assim, esta reunião que durou quase
quatro horas foi declarada encerrada, e eu Pe. Leon L. J. Gregório, lavrei a presente Ata de
Fundação que vem sendo assinada pelos membros fundadores.
Pe. Lévi Lambert Josefh Gregório (chamado Pe. Gregório), José Ferreira Neto, José
Ângelo Neto, Narcizo Antonio dos Santos, Gilson Soares de Menezes; a rogo de José
Francisco da Silva, Severino Ângelo Neto; a rogo de Dílson de Oliveira, Pe. Lévi L. J.
Gregório; a rogo de Edgar Soares de Menezes, Leôncio Martins; a rogo de Eufrásio Francisco
da Silva, Pe. Lévi L. J. Gregório; a rogo de Erotides Ângelo Neto, Manoel Américo da Silva;
a rogo de Francisco Dino Lourenço, Manoel Sousa Ângelo; Severino Ângelo Neto; José
Bernardo do Nascimento; a rogo de Arlindo Ângelo Neto, Pe. Lévi L. J. Gregório; a rogo de
Valdiné Soares de Menezes, Manoel Sousa Ângelo; a rogo de Epifânio da Silva, Pe. Lévi L. J.
Gregório; a rogo de José Alves Barros, Manoel Américo da Silva; Tereza Glória Conceição.
ANEXO 3
PRONAF – Grupos de beneficiários para fins de financiamento
GRUPO Características Limite do
empréstimo
Condições Prazo de
pagamento
“A”
Assentados dos
programas de reforma
agrária
De R$ 2.500,00 para
custeio e R$
13.500,00 para
investimentos
2% ao ano, pra custeio
e 1,15% com carência
de 5 anos para
financiamentos. Com
rebate 46% se pagar
em dia.
2 anos para o
crédito de
custeio.
10 anos para o
crédito de
investimentos
“B”
Agricultor Familiar com
renda bruta anual de até
R$ 2.000,00 Até R$ 1.000,00
Juros de 1% ao ano,
um ano de carência
com rebate de 25%, se
pagar em dia
Até 2 anos
“C”
Para
Custeio
Agricultor familiar com
renda bruta anual de R$
2.000,00 a R$ 14. 000 ,00
.
Até R$ 2.500,00
Juros de 4% ao ano,
com rebate de R$
200,00 se pagar em dia
Até 2 anos
Para
Investi
mento
Idem Até R$ 5.000,00
Juros de 4% ao ano,
com rebate de R$
200,00 se pagar em
dia, além de um bônus
de 25% sobre os juros
desde que observados
os prazos.
Até 8 anos, com
2 anos de
carência
“A/C”
Agricultores oriundos do
processo de reforma
agrária e que passam a
receber o crédito de
custeio após terem obtido
o crédito de investimento
inicial
De R$ 2.500, 00
a
R$ 5.000,00
Juros de 2% ao ano
com rebate de 200
reais desde quitado
dentro do prazo.
Até 2 anos
“D”
Agricultores estabilizados
economicamente com
renda bruta anual entre
R$ 14.000,00 e R$
40.000,00
Para custeio de até
R$ 6.000,00 e para
investimento até
R$ 18.000,00 .
Juros de 4% ao ano,
para ambos, com
rebate de 25% para
pagamento no prazo
Até 2 anos para
custeio e 8 anos
para
investimento
“E”
Agricultor com renda
bruta anual entre R$ 40.
000,00 e R$
60. 000,00
Para custeio
R$ 28.000,00
e para investimento
R$ 36.000,00
Juros de 7,25% ao ano
para ambos, sem
previsão de descontos.
Até 2 anos para
custeio e 8 anos
para
investimentos,
sendo 3 de
carência.
Fonte: Picinato et al. (2000, p.9).
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo