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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
MARCELO AUGUSTO PARPULOV DOS SANTOS
Desafios na aquisição da identidade profissional por jovens universitários
egressos de cursinho pré-vestibular popular
SÃO PAULO
2006
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MARCELO AUGUSTO PARPULOV DOS SANTOS
Desafios na aquisição da identidade profissional por jovens universitários
egressos de cursinho pré-vestibular popular
Dissertação apresentada ao Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo para
obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Área de concentração: Psicologia Social
Orientadora: Profa. Associada Yvette Piha
Lehman
SÃO PAULO
2006
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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Santos, Marcelo Augusto Parpulov dos.
Desafios na aquisição da identidade profissional por jovens
universitários egressos de cursinho pré-vestibular popular
/ Marcelo
Augusto Parpulov dos Santos; orientadora Yvette Piha Lehman. -- São
Paulo, 2006.
125 p.
Dissertação (Mestrado Programa de Pós-
Graduação em Psicologia.
Área de Concentração: Psicologia Social)
Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo.
1. Escolha profissional 2. Identidade profissional 3. Vestibular
Orientação vocacional I. Título.
LB1027.5
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FOLHA DE APROVAÇÃO
Marcelo Augusto Parpulov dos Santos
Desafios na aquisição da identidade profissional por jovens universitários egressos
de cursinho pré-vestibular popular
Dissertação apresentada ao Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo para
obtenção do título de mestre em Psicologia.
Área de concentração: Psicologia Social
Orientadora: Profa. Associada Yvette Piha
Lehman
Aprovado em:
Banca Examinadora
Profa. Associada____________________________________________________
Instituição:______________________Assinatura:__________________________
Prof. Dr.:__________________________________________________________
Instituição:______________________Assinatura:__________________________
Prof. Dr.:__________________________________________________________
Instituição:______________________ Assinatura:_________________________
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DEDICATÓRIA
À minha avó Yvonne.
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AGRADECIMENTOS
À profa. Dra. Yvette, pela orientação focada, suportiva e, principalmente, paciente.
À Conceição, pelo apoio, estímulo e amizade seus “empurrões” promoveram muito
mais do que minha evolução acadêmica.
À Fátima e Sônia, pela ajuda e praticidade nas soluções, sempre com energia e bom
humor.
Aos amigos João, Jota, Adriana, Tati e Rafael pela demonstração de que a
capacidade de concretização está no respeito à possibilidade.
A meu grande companheiro de percurso, amigo de fé e irmão camarada, Marcos
Gatti, crucial parceria para o desenvolvimento das idéias e a quem devo inúmeros
churrascos e cervejas.
A meu amigo Chicola, pela ajuda importante e o estímulo contínuo.
Aos amigos/pares Gusta, Celinho, Bruno e Luís pela parceria nas “lidas” da vida.
A meus pais e irmãos pelo apoio incondicional e torcida discreta.
À bela Renata, pelo amor, dedicação, carinho e força na fase final deste projeto.
Ao Kleber, cuja competência se reflete neste trabalho.
Aos coordenadores do Cursinho PsicoUSP, em especial à Mafoane, pela
disponibilidade em atender às minhas extensivas demandas e pela prática constante
por um mundo mais justo.
Aos depoentes, que compartilharam seus sonhos, angústias e expectativas de
maneira tão espontânea e verdadeira.
Aos amigos Mateus, Domeck e Jubil por tornarem nosso sonho real.
À banca de qualificação, cujos pontos transformaram positivamente o rumo do
trabalho.
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RESUMO
SANTOS, M.A.P. Desafios na aquisição da identidade profissional por jovens
universitários egressos de cursinho pré-vestibular popular. 2006, 125f.
Dissertação (Mestrado) Instituto de Psicologia, São Paulo, 2006.
O trabalho aborda o ingresso no ensino superior por um grupo de jovens
provenientes do curso preparatório pré-vestibular popular PsicoUSP, entre os anos
de 2004 e 2005. O aumento da demanda por acesso às universidades pelas
camadas populares na última década tem gerado diferentes movimentos sociais,
dentre eles os cursinhos denominados populares e que têm obtido significativos
resultados. A proposta do trabalho foi explorar o fenômeno sob a perspectiva do
ingressante, compreendendo sua trajetória pessoal nesse acesso. Além disso,
procurou entender como as transformações no mundo do trabalho influenciam o
processo de vinculação com o papel universitário e a identidade profissional. A
pesquisa, de caráter qualitativo, utilizou entrevistas semi-dirigidas, sendo colhidos
oito depoimentos de jovens provenientes desse curso. Da análise de conteúdo
foram levantadas diferentes categorias para análise: caracterização dos depoentes
(background escolar, familiar e de relacionamentos); acesso e manutenção no
ensino universitário; percepção de futuro e projeto de vida; vínculos com o curso pré-
vestibular e o processo de escolha profissional. Os jovens atribuem importância ao
cursinho pré-vestibular como agente de suporte pessoal, mostrando como a
instituição ultrapassa o espaço de ensino e fornece elementos para o
desenvolvimento de seus projetos de vida.
Palavras-chave: ESCOLHA PROFISSIONAL, IDENTIDADE PROFISSIONAL,
VESTIBULAR, ORIENTAÇÃO VOCACIONAL
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ABSTRACT
SANTOS, M.A.P. The challenges in the acquisition of the professional identity
by university students who passed through alternative preparatory courses.
2006, 125 f. Dissertação (Mestrado) Instituto de Psicologia, São Paulo, 2006.
The work’s focus is in the enrollment of students in the university who took an
alternative preparatory course at PsicoUSP between the years of 2004 and 2005.
The rise in the demand by lower social classes for a place in universities in the last
decade, have generated diverse social movements, among them the so-called
alternative preparatory courses which have attained quite significant results. The
idea behind this work was to explore the phenomenon through the perspective of the
enrolled student taking into account his personal trajectory in this enrollment.
Furthermore, the work tries to understand how the changes in the professional world
influence the ties the student has with his role in the university and his professional
identity. The research, in it’s qualitative aspect, used as a method semi-directed
interviews. In this process eight interviews were done. From these depositions were
extracted different categories for analysis: characterization of the interviewed (School
background, family and relationships); access and maintenance in the university;
future goals and life projects; ties with the preparatory school and the process of
choosing a career. The results points out the importance of the preparatory school as
an agent of personal development, which surpasses the technical goals as well as
the difficulties the students had in establishing and developing a consistent project for
the future in their lives.
Key-words: PROFESSIONAL CHOICE, PROFESSIONAL IDENTITY, UNIVERSITY
ENROLLMENT, VOCATIONAL GUIDANCE
9
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SUMÁRIO
1 Introdução 11
2 Transformações no mundo do trabalho e suas conseqüências
para a subjetividade
16
2.1 Wellfare state e a previsibilidade nas relações
com o trabalho 16
2.2 A ascensão do toyotismo e a produção flexível
18
2.3 Conseqüências dos novos paradigmas para a
subjetividade 19
3 Ensino Superior e a adaptação 23
3.1 A Educação no Ensino Superior 23
3.2 Transformações do Ensino Superior 24
3.3 Modificações no perfil universitário 25
4 Os cursos pré-vestibulares sem fins lucrativos 31
4.1 Os cursos preparatórios para o vestibular 31
4.2 Especificidades dos cursinhos denominados populars 32
4.3 Instituição estudada 34
5 O processo de formação de identidade profissional 37
5.1 Identidade ocupacional e profissional 37
5.2 A identidade para Erikson 39
5.3 Construção do habitus para Bourdieu 41
5.4 Transformações na aquisição da identidade profissional 43
5.5 Dubar: articulações frente aos novos paradigmas 45
5.6 Desafios para a elaboração de um projeto de vida 48
6 Método 51
6.1 Amostra 51
6.2 Instrumento 51
6.3 Procedimentos 52
6.3.1. Contato 52
6.3.2. Roteiro 54
6.3.3. Entrevistas 54
6.3.4. Apresentação dos dados e procedimento para a análise
54
6.3.5. Aspectos Éticos 55
7 Apresentação dos Dados 57
7.1 Caracterização dos depoentes 57
7.1.1 Pessoal 57
7.1.2 Familiar 58
7.1.3 Vida escolar 59
7.1.4 Vínculos anteriores à vida universitária 59
7.2 Acesso e manutenção do ensino superior 61
7.2.1 Vestibular 61
7.2.2 Opção pelo curso 62
7.2.3 Tipo de instituição freqüentada e desempenho 62
7.2.4 Conhecimento prévio sobre a instituição 63
7.2.5 Quotidiano universitário 63
7.2.6 Relacionamento com os colegas da faculdade 65
7.2.7 Expectativas concretizadas e frustradas 65
7.2.8 Inserção no Mercado de Trabalho
66
7.2.8.1 Nenhum vinculo empregatício formal e
aguardando por uma oportunidade de trabalho
67
7.2.8.2 Vinculo empregatício divergente à sua
escolha profissional
67
7.2.8.3 Vínculo empregatício convergente à escolha
profissional 68
7.3 Relacionamento com o curso pré-vestibular 69
7.3.1 Tempo de estudo no curso pré-vestibular 70
7.3.2 Construção de vínculos afetivos 70
7.3.3 Identificação com coordenadores e professores 71
7.3.4 Qualidade nas práticas do pré-vestibular 72
7.3.5 Manutenção do vínculo com a instituição 72
7.4 Orientação Profissional e figura de referência
para dificuldades profissionais 73
7.5 Percepção de futuro e Projeto de Vida 74
7.5.1 Graduação como possibilidade de ascensão 74
7.5.2 Graduação como resgate do social 75
8 Discussão dos Dados 78
8.1 Evolução do papel universitário 78
8.2 O cursinho como espaço de interdependência 81
8.3 Impactos da proposta social no projeto de vida 84
9 Considerações finais 90
10 Bibliografia 92
11 Apêndices 97
A Roteiro de Entrevista 97
B Termo de responsabilidade 98
C Transcrição das entrevistas 100
1 INTRODUÇÃO
Neste ano, meio milhão de jovens irão se diplomar nas universidades brasileiras. É a maior safra de
recém-formados já produzida no país. Corresponde a vinte vezes o número de graduados egressos
da faculdade anualmente nos anos 1960, tempo em que um diploma de nível superior poderia alçar
alguém à diretoria da firma. Para desilusão de uma parte desse contingente, não haverá emprego
para todos. Segundo estimativa do professor José Pastore, especialista em questões relativas a
trabalho, pouco menos da metade desses jovens vai obter uma vaga de qualidade. Os demais terão
de se virar, a exemplo do que acontece com aqueles que vêm sendo demitidos nos últimos tempos.
Não são poucos os que viram um parente ser convidado a aderir a um programa de demissão
voluntária ou ser terceirizado. As estatísticas mostram que o mercado formal, aquele de carteira
assinada, vem se contraindo em rápida velocidade, num processo que ninguém sabe exatamente
quando e como termina. Em termos proporcionais, ainda que por razões diversas, o mundo só
conheceu fase em que tantas pessoas estiveram sem emprego na década de 1930, na Grande
Depressão. Como resultado, a briga pelas boas vagas disponíveis se transformou num segundo
vestibular, ainda mais competitivo que o primeiro. Só não entram na guerra os que planejam trabalhar
por conta própria.
VEJA Edição 1893 - 17 de dezembro de 2003
A notícia nos apresenta, de forma simples e superficial, muitas das demandas
dessa assim chamada “nova realidade”: a necessidade desenfreada para a
aquisição de múltiplas competências individuais, consideradas necessárias para
inclusão e manutenção no que a revista denomina “mercado de trabalho”.
Tal leitura suscita ainda algumas questões: Sem a busca dessas qualidades,
o indivíduo é automaticamente excluído? Qual o sentido dessas transformações?
Quais as conseqüências para os novos ingressantes no mundo profissional?
O mercado de trabalho tem passado por um profundo processo de mudança,
marcado pela busca da ampliação da produtividade e pelo emprego da tecnologia,
com a conseqüente redução do uso da mão-de-obra. (ANTUNES, 1995 p.3)
Ao pensar nas relações de trabalho, Malvezzi (2000, p.5) afirma que se busca a
flexibilidade de ação, de estrutura e de vida pessoal, como meio de ajustamento à
novas contingências e condições econômicas, sociais, culturais, tecnológicas e
políticas.
Por outro lado, o diploma superior parece ser uma exigência cada vez maior
para o ingresso no mercado de trabalho, uma vez que as seleções para
recrutamento de novos funcionários são marcadas por uma alta competitividade que,
aliada à escassez de postos de trabalho, limita as possibilidades de inserção.
Portanto, mais do que a habilitação para a profissão outorgada pelo diploma, o
que tem sido valorizado, e vêm sendo cada vez mais exigido pelos empregadores, é
a capacidade de adaptação e de flexibilidade dos indivíduos.
Nesse contexto, as próprias relações humanas se tornam mais diluídas, tal
como Fridman (2000) ressalta a instabilidade do trabalho flexível, onde tudo é
passageiro e os homens não mais experimentam a vivência de laços, compromissos
e valores duradouros. A confiança nos outros, a lealdade, o comprometimento e a
durabilidade de vínculos são quebrados pela dinâmica do trabalho, geradora de uma
sociedade denominada pelo autor de sociedade impaciente do capitalismo flexível.
Dessa forma, o pesquisador questionou suas experiências pessoais como
fundador e coordenador de um curso pré-vestibular sem fins lucrativos, cujo objetivo
está na preparação de jovens de baixa renda para a universidade (preferencialmente
pública), através de diferentes frentes de apoio: auxílio didático, suporte psicológico
e orientação profissional com essas transformações do mercado.
Através da interação com esse publico específico, o pesquisador pôde notar
que, dentro da série de expectativas criadas pelos jovens acerca do diploma
universitário, a possibilidade de acesso a melhores ocupações figurava entre as
principais. Mais do que isso, sob o diploma existia a garantia de mobilidade social, (e
garantia de) emprego, trabalho, e carreira.
Estabeleceu-se então, como primeira hipótese, observar se as proposições
apresentadas pelos jovens, quanto a sua expectativa de carreira, de alguma maneira
abordam as demandas atuais da lógica do mercado, onde se pede aos
trabalhadores que sejam ágeis, estejam abertos para mudanças em curto prazo,
assumam riscos continuamente e dependam cada vez menos de leis e
procedimentos formais, dando mais “liberdade” para que estes moldem suas vidas,
mas sabendo que esta nova ordem impõe novos controles (SENNET, 1999, p.9).
Além disso, o estudo dessa instituição tomou importância na pesquisa porque
os cursinhos denominados populares, movimentos sociais cujo foco reside na
aproximação das camadas populares ao ensino universitário, destoam da nova
lógica social, pois se apresentam como instituições desprovidas de interesse
econômico e visão funcionalista.
Estabelece-se então, como segunda hipótese, de que esse distanciamento
causa algum tipo de influência no projeto de vida dos jovens participantes desses
movimentos.
Resumidamente, os objetivos deste estudo se voltam à maior compreensão dos
processos pelos quais passam esses estudantes (supostamente de uma classe
social mais baixa); de que forma ingressam na faculdade; e como desenvolvem sua
identidade profissional através das diferentes experiências e papéis vivenciados.
Além disso, procura-se entender o papel do cursinho nesse processo de aquisição,
por ser a instituição catalisadora do fenômeno.
No que se refere ao processo de investigação, o pesquisador partiu do princípio
de que o objeto de estudo sobre o qual se deteve, embora vivido por indivíduos
isolados, é, fundamentalmente social.
Sendo assim, a idéia central foi, mediante entrevistas, recuperar o processo
vivido por indivíduos determinados ao se inserirem no ensino superior, procurando
captar seu movimento individual e biográfico, inscrevendo-o no contexto de um
movimento econômico e social mais amplo apresentado nas articulações teóricas.
Além da escassez de pesquisas e projetos na área figurou como estímulo para
o desenvolvimento do presente trabalho, os estudos existentes priorizam a
descrição dos cursinhos populares como movimentos políticos e sociais, mas pouco
exploram o reflexo de suas práticas.
Os conceitos até aqui apresentados delimitam o universo teórico no qual a
investigação está inserida, tendo como objetivo compreender o processo de ingresso
desses jovens na universidade, como etapa importante para o desenvolvimento da
identidade profissional, e o papel da instituição de referência nessa transição.
O capítulo 2 aborda as transformações do mundo do trabalho, as transições de
modelos produtivos e suas conseqüências para a subjetividade.
O capitulo 3 apresenta as decorrências destas transformações em um campo
particular da sociedade, o Ensino Superior.
O capítulo 4 explora o desenvolvimento e crescimento dos cursinhos
denominados alternativos ou populares, apresentando seu papel no cenário político
referente à Educação brasileira atual e fornecendo dados preliminares sobre a
instituição que circunscreve a amostra.
O capítulo 5 trata dos conceitos de identidade pessoal e identidade profissional,
analisando as respectivas etapas de construção de cada um. Além disso, discorre
sobre a escolha profissional e a possibilidade de estabelecimento de projeto de vida
no contexto atual.
O capitulo 6 caracteriza o método e o procedimento adotado na investigação.
O capitulo 7 apresenta a análise qualitativa dos dados, com agrupamento de
respostas e a construção do perfil dos universitários, através do background escolar,
familiar e de relacionamentos, o processo de escolha profissional, a convivência no
cursinho, a relação com o mercado de trabalho e suas perspectivas de futuro.
O capitulo 8 reflete sobre as construções apresentadas pelos universitários e as
demandas do cenário atual, o papel do curso pré-vestibular na vida dos jovens e a
construção do projeto de vida.
O capítulo 9 estabelece as considerações finais, tentando delinear a
compreensão possível a partir do trabalho feito durante a investigação.
2 Transformações no mundo do trabalho e suas
conseqüências para a subjetividade
2.1 Wellfare state e a previsibilidade nas relações com o trabalho
O século XX foi marcado por profundas mudanças no panorama do trabalho,
vivenciando as políticas econômicas liberais e neoliberais, as quais traziam consigo
alterações substanciais no espectro do trabalho. Com o pós-guerra, pode-se dizer
que surge a preocupação com o pleno emprego e o trabalho sindicalizado, assim
como o alargamento das funções do Estado, com a expansão dos benefícios
concedidos ao cidadão.
Tais transformações têm início no fordismo, quando Henry Ford estabeleceu
seu dia de trabalho composto por oito horas e cinco dólares como pagamento para
os trabalhadores da linha de montagem de carros em Dearbon, Michigan,
estabelecendo uma constância tanto na produção quanto na forma de
assalariamento (HARVEY, 2000 p.23).
A produção em massa se direciona para o consumo em massa, passando as
unidades capitalistas a obterem significativos ganhos de produtividade ao
incorporarem os conceitos de linha de montagem e controle do tempo de produção
fordista ao de fragmentação do processo produtivo, gerência, concepção, controle e
execução (ANTUNES, 1995 p.27).
Neste enfoque, a prioridade absoluta era a melhoria das tarefas e o treinamento
do trabalhador, sendo que este era reconhecido dentro do conceito literal de mão-
de-obra, ou seja, desprovido de capacidade de raciocínio e iniciativa, sendo este o
preço pela estabilidade de emprego e a carreira estruturada (ANTUNES, 1999 pág.
29).
Assim, o trabalhador, para Taylor (1995), por apresentar uma indolência natural
e sistemática deveria ser controlado e treinado, através de quatro princípios
fundamentais:
1. Desenvolver o trabalho como uma ciência. Este princípio pressupunha
um estudo criterioso de todos os elementos de cada atividade para extrair
os métodos científicos de sua realização.
2. Selecionar e treinar o trabalhador. Neste ponto, significava uma
determinação detalhada das tarefas do trabalhador, ou melhor, dizendo, um
adestramento do trabalhador.
3. Cooperar com os trabalhadores. Pode-se dizer que se tem um processo
de compra através da remuneração por produtividade do consentimento do
trabalhador em participar desta sistemática.
4. Dividir o trabalho entre a direção e o trabalhador. A direção se incumbe
da administração do trabalho e o trabalhador, da responsabilidade tão
somente pela execução.
Com estes princípios, o Taylorismo buscava o controle total do processo de
trabalho e o aumento da produtividade através da sistematização das tarefas. No
entanto, o processo era amplo e irrestrito, ou seja, buscava-se a melhoria de todas
as etapas do processo simultaneamente.
Também caracteriza o fordismo/taylorismo produtos homogêneos, produção
em série, fragmentação das funções e trabalho parcelar, unidades fabris
concentradas e verticalizadas, constituição/consolidação do operário massa,
trabalhador coletivo fabril, consolidando-se como processos de trabalho
predominantes na indústria capitalista durante o século XX (ANTUNES, 1995, p. 23).
Verificou-se, conforme apresenta Harvey (2000, p. 86), o período de ouro do
capitalismo entre as décadas de 50 e 60, ascendendo o Estado do bem-estar social,
buscando a promoção da distribuição de renda, nos países centrais, e o Estado
desenvolvimentista, nos países periféricos, com o objetivo do desenvolvimento,
acelerando a industrialização, modernizando a agricultura e buscando a infra-
estrutura básica para a urbanização das sociedades.
No entanto, os anos 70 marcaram o início de uma crise estrutural que se
caracterizou, principalmente, pela queda na taxa de lucro causada pelo aumento do
preço da força de trabalho, resultante das lutas entre capital e trabalho dos anos 60,
pelo desemprego estrutural que se iniciava,causando uma retração do consumo que o
modelo taylorista/fordista mostrou-se incapaz de solucionar, pela crise do Estado do
bem-estar social e do aumento das privatizações, dados pela crise fiscal do Estado
capitalista (ANTUNES, 1999).
2.2 A ascensão do toyotismo e a produção flexível
As grandes transformações no mercado de trabalho começaram a ser
verificadas a partir da década de 70. Ao contrário do fordismo, com a acumulação
flexível os sindicatos enfraqueceram e foram incorporados pelas indústrias, uma vez
que o pensamento neoliberal pregava a implementação de uma taxa natural de
desempregados e, consequentemente, queda no número de empregados
sindicalizados, levando à formas de trabalho mais flexíveis.
Neste panorama, destaca-se o método de produção denominado toyotismo,
segundo Antunes (1995, pág. 35) como um conjunto de inovações organizacionais,
surgidas no Japão, a partir dos anos 50-60 e tendo como princípios a
desespecialização e polivalência operária e a produção flexível e enxuta viabilizada
pela implantação do sistema just-in-time.
Com o toyotismo, propagam-se com intensidade, em razão da horizontalização
redução do âmbito de produção das montadoras e estendendo-se às
subcontratadas a produção de elementos básicos -, a terceirização, subcontratação,
CCQ, kanban, just-in-time, controle de qualidade total, eliminação de desperdício,
'gerência participativa', sindicalismo de empresa (ou de envolvimento), flexibilizando-
se os trabalhadores, estruturando-se o toyotismo sobre um número mínimo de
trabalhadores e ampliando-os mediante horas extras, trabalhadores temporários,
conforme as condições do mercado (ANTUNES, 1995 p.63).
Surge o desemprego estrutural, fenômeno que passa a solapar um enorme
contingente de trabalhadores dos seus postos formais de trabalho, lançando-os à
subproletarização do trabalho, mediante trabalhos precarizados, parciais,
relacionados à informalidade.
Nesse panorama, surge o que se pode denominar de empregabilidade
excludente. Em face da crescente automação e informatização, diminuições dos
postos de trabalho formal, começam a emergir segmentos do trabalho excluídos da
participação formal no mercado de trabalho.
2.3 Conseqüências dos novos paradigmas para a subjetividade
Com o advento da globalização, encontramos a diluição de diferentes
instâncias sociais e o aumento da exclusão, como apontado por Fridman:
Processo que potencializou recursos econômicos, tecnológicos e de
conhecimento presentes desde o século passado, a globalização
ampliou as possibilidades humanas, mas também aumentou o fosso
entre os que dela participam e os que apenas sofrem as suas
conseqüências. Indivíduos podem estar dentro ou fora da
globalização nas economias mais sólidas, nos países vulneráveis à
especulação ou nas nações que praticamente sucumbiram na nova
divisão internacional do trabalho. [...] Os excluídos, o refugo global,
são considerados uma gente que “traz problemas”. (FRIDMAN, 2003,
pág. 2-3)
Trata-se de uma sociedade salarial que, em função do desenvolvimento de
um novo paradigma produtivo acompanhado do desenvolvimento tecnológico e da
implementação de políticas neoliberais é obrigada a perder o seu referencial, o
trabalho e aniquilando, com isso, sua própria identidade, seus valores. Para Hannah
Arendt,
A era moderna trouxe consigo a glorificação teórica do trabalho, e
resultou na transformação efetiva de toda a sociedade em uma sociedade
operária. Assim, a realização do desejo, como sucede nos contos de fadas,
chega num instante que só pode ser contraproducente. A sociedade que está
para ser libertada dos grilhões do trabalho é uma sociedade de
trabalhadores, uma sociedade que já não conhece aquelas outras atividades
superiores e mais importantes em benefício das quais valeria a pena
conquistar essa liberdade (...) o que se nos depara, portanto, é a
possibilidade de uma sociedade de trabalhadores sem trabalho, isto é, sem a
única atividade que lhes resta. Certamente nada poderia ser pior (ARENDT,
2001, p. 12-3).
Não se fala mais em longo prazo, a incerteza existe sem qualquer desastre
histórico iminente, como guerra, fome, desastres, mas se faz presente nas práticas
cotidianas do capitalismo (SENNETT, 1999 p. 23). Os programas de reestruturação
produtiva desencadearam a síndrome da precarização e os trabalhadores
mergulharam em uma crise de incertezas,
Deixando à deriva o sonho do emprego como ponte para uma
aposentadoria garantida (...) cresce, portanto, em nível global, o número de
trabalhadores sem emprego, com ou sem qualificação, resultando num
desemprego crônico, irreversível, sem caminho de volta. (SENNET, 1999 p.
24 )
As relações construídas no ambiente do trabalho se tornam superficiais e o
individualismo vai conquistando território, propagando o sofrimento e fissuras
sociais, pois não se podem cultivar sentimentos como confiança e solidariedade em
curto prazo, o que atinge a própria vida extratrabalho dos empregados, pois, como
afirma Giddens, “imaginar uma vida de impulsos momentâneos, de ação em curto
prazo, despida de rotinas sustentáveis, uma vida sem hábitos, é imaginar na
verdade uma existência irracional (Giddens apud SENNETT, 1999, p. 50)”.
Passa a existir o que Antunes denomina heterogeneização, fragmentação e
complexificação da classe trabalhadora, incorporando-se o trabalho feminino,
excluindo-se os mais jovens e os mais velhos (ANTUNES, 1999, p. 42).
Com a crise do emprego, Guichard (2000, p. 5) aponta que o trabalho perde
sua centralidade, não só para os excluídos e para os novos pobres, mas para quase
a totalidade dos trabalhadores.
Dessa forma, Lehman (2005, p. 2) afirma que o trabalho acaba por se
distanciar tanto da forma de realização sublimatória como da função de delineador
de papéis sociais, pois está determinado por condições externas, tal como a
globalização do comércio, a internacionalização e a evolução econômica.
Além disso, tais mudanças trazem severas flutuações nas condições de
existência do homem no início do milênio:
o desenvolvimento tecnológico desenfreado, particularmente no setor
das comunicações e da informática, e as rápidas transformações político-
econômicas afetam profundamente as relações sociais e,
consequentemente, o desenvolvimento psíquico do homem na pós-
modernidade. Somos todos afetados pela extraordinária velocidade dessas
mudanças. Estando os sistemas político, econômico, social e tecnológico em
constante mutação, temos pouco espaço para criar mecanismos de defesa e
adaptação para as futuras realidades. (LEHMAN, 2005, p.2)
3 Ensino Superior e a adaptação
3.1 A Educação no Ensino Superior
Na generalidade dos países, o Ensino Superior progressivamente se abriu para
a camadas sociais mais heterogêneas, transformando-se de um “ensino de elites”
para um “ensino de massas”. Se pudermos conceber a mudança numa lógica de
democratização deste grau de ensino, a verdade é que muitas distorções subsistem
e perduram.
A pressão social para uma maior formação acadêmica e técnica dos quadros
intermédios e superiores de um País, a generalização do Ensino Secundário à quase
totalidade dos jovens e as dificuldades de emprego nestas faixas etárias e a abertura
da Universidade a novos públicos são alguns do fatores explicativos desse aumento.
(SOARES, p. 15)
Tais transformações acabam por afetar também a esfera da Educação, e nela
se percebe o deslocamento, segundo Lehman (2005), do enfoque individual para o
social, para o político e para o ideológico. Desse modo, é importante ressaltar o que
sugere Bourdieu (2001):
É preciso distinguir a economia, cuja dinâmica própria está no princípio das mudanças do
sistema dos cargos e o sistema de ensino que é o produtor principal das capacidades técnicas dos
produtores e dos diplomas de que são portadores (...). A característica pertinente do sistema de
ensino no que diz respeito à relação que mantém com o aparelho econômico reside não no fato de
que produz produtores dotados de uma certa competência técnica, mas no fato de que dota seus
produtos, providos ou não de uma competência técnica, tecnicamente mensurável, de diplomas
dotados de um valor universal e relativamente intemporal. (BOURDIEU, 2001, p.131.)
Assim, a escola, qualquer que seja, enquanto instrumento de socialização
secundária, é um veículo de transmissão dos valores ideológicos da classe
dominante.
3.2 Transformações do Ensino Superior
Desde a reforma universitária de 1968, segundo Bacchetto (2003, p. 67), é
possível observar a evolução de uma mercantilização do ensino universitário,
direcionando a gestão das faculdades para o modelo empresarial, com destaque
para a existência metas de produção pré-definidas.
Bourdieu e Champagne (1984) discorrem sobre a crise da instituição escolar
na França após as transformações do ensino desde os anos 50, quando categorias
até então excluídas passaram a ter acesso à escola. Esta “democratização” do
ensino produziu novas formas de exclusão.
O processo de eliminação foi adiado e diluído no tempo, e a instituição escolar
passou a ser habitada por excluídos potenciais, enfrentando, assim, as contradições
e os conflitos associados a uma escolaridade sem outra finalidade que ela mesma.
Os autores destacam a importância de se mostrar como, apesar das mudanças no
ensino, manteve-se uma estrutura de distribuição diferenciada dos proveitos
escolares e de seus benefícios correlativos. Percebeu-se que não era suficiente ter
acesso ao ensino secundário para ter sucesso nele, e que não era suficiente ter
sucesso nele para ter acesso a certas posições sociais.
Assim, o acesso ao ensino não pode ser comentado em si mesmo. Para
Marilena Chauí (2000), democratização não pode ser confundida com massificação.
Segundo ela, as conseqüências da expansão do ensino superior são basicamente
duas:
De um lado, o descrédito da universidade. A sociedade não vai distinguir as
universidades, não vai pensar nelas como um espaço crítico e formador.
Não vai valorizá-la, se em cada esquina tem uma; por outro lado, haverá
um rebaixamento da cultura nacional e um empobrecimento do
pensamento crítico;
Além de um conseqüente enfraquecimento da pesquisa, com a
dependência da pesquisa estrangeira. Além, é claro, de um número
enorme de mão-de-obra despreparada e desempregada.
Por outro lado, a recente expansão do ensino médio gera maior pressão de
grupos de jovens pelo acesso ao ensino superior público. Os sinais dessa
mobilização já se registram na discussão das cotas nos exames vestibulares, tanto
para os egressos de escolas públicas como para as populações de origem negra.
Nesse caso, os possíveis atores estruturariam suas demandas pelo acesso ao
ensino, mas não necessariamente em torno da qualidade e do tipo de formação
oferecidos pela Universidade (Sposito, 1984, p. 23)
3.3 Modificações no perfil universitário
De acordo com Lehman (2005), a conseqüente tendência de encurtamento da
formação universitária mostra que o saber e a educação estão desvinculados, a
nova tarefa da universidade não é mais produzir e transmitir cultura, mas treinar
indivíduos que sejam produtivos para que for contratá-los, mantendo o status da
forma de produção e a manutenção de uma população elitizada.
O número de matrículas no Ensino Superior nas últimas décadas, como nos
mostra a Tabela 3.1, cresceu não apenas em números absolutos, mas também
relativos à população.
Observa-se que após lenta expansão do sistema, que perdurou ao longo dos
anos 80, constata-se significativa ampliação das oportunidades de acesso a esse
nível do ensino, a partir da segunda metade da década de 90. Nos últimos anos, a
taxa de crescimento da oferta de vagas tem sido maior que os incrementos na
matrícula e demanda (inscrições nos exames vestibulares). Entretanto, isso não
significa igualdade no acesso, como afirma Corbucci (2003, p.153)
A ampliação da oferta de vagas não constitui condição suficiente para
assegurar a democratização do acesso ao ensino superior, na medida em
que o processo de seleção tem início antes do momento em que se realizam
os exames vestibulares, em geral, ditado pela desigualdade de renda entre
as famílias, que implica diferenciadas oportunidades de acesso à educação
básica, assim como distintos graus de envolvimento e dedicação aos estudos
(a incidência do trabalho infantil, por exemplo).
Tabela 3.1: Crescimento populacional e freqüência ao Ensino Superior.
Ano População
Estimada
Crescimento da
população com
base em 1968
Número de
matrículas
Crescimento da
matrícula com
base em 1968
Porcentagem da
população
matriculada
1968 89.376.000 100 278.295 100 0,31%
1978 116.393.100 130 1.225.557 440 1,05%
1988 144.427.600 162 1.503.555 540 1,04%
1998 158.232.252 177 2.125.958 764 1,34%
2001 169.369.557 189 3.030.754 1089 1,79%
Fonte: MEC/INEP, Evolução do Ensino Superior 1980-1998; IBGE, Anuário Estatístico do Brasil 1968/1978/1989; Pesquisa
Nacional por Amostragem Domiciliar, 1998/2001 (apud Bacchetto, 2003)
Dessa forma, se confirmam as proposições que Beisiegel (1986) já havia
constatado como um fenômeno nacional: o deslocamento das aspirações sociais
para os níveis mais elevados de ensino e a conseqüente democratização. As
universidades, as faculdades integradas e os centros universitários têm sido os
principais responsáveis pelo crescimento da matrícula no período analisado,
segundo a tabela 3.2:
Tabela 3.2: Ensino Superior - evolução da matrícula em cursos de graduação presencial
por organização acadêmica 1988/2001.
Ano Universidades
Fac. Integradas e
Centros
Universitários
Estabelecimentos
Isolados
Total
1988 770.240 201.744 531.571 1.503.555
2001 1.956.542 504.435 569.777 3.030.754
Cresc.(%) 154,0% 150,0% 7,2% 101,6%
Fonte: MEC/INEP, Evolução do Ensino Superior 1980-1998; MEC/INEP, Sinopse Estatística do Ensino Superior, 2001. (apud
Bacchetto, 2003)
Mesmo com o crescimento da matrícula em estabelecimentos públicos, a
Tabela 3.3 indica que o ensino particular ainda é o principal responsável pela
expansão das vagas. Se considerada a década de 90, o ritmo de crescimento da
matrícula na esfera privada mostra-se bem mais intenso que o do conjunto das
redes públicas. A principal razão teria sido a efetividade da política do MEC em
estimular essa expansão.
Tabela 3.3: Ensino Superior - evolução do número de vagas no vestibular em cursos
presenciais de graduação por dependência administrativa 1988/2001.
Ano Federal Estadual Municipal Particular Total
1988 68.370 52.480 28.943 313.946 1.503.555
2001 123.531 101.805 31.162 1.151.994 3.030.754
Cresc. (%) 80,7% 93,9% 0,8% 266,9% 101,6%
Fonte: MEC/INEP, Evolução do Ensino Superior 1980-1998; MEC/INEP, Sinopse Estatística do Ensino Superior, 2001. (apud
Bacchetto, 2003)
A demanda, segundo Corbucci (2003) medida pelo total de inscrições nos
exames vestibulares, cresceu cerca de 76% entre o início e o final do período
compreendido pela década de 90. Apesar de a oferta de vagas ter sido ampliada em
níveis relativamente baixos ao longo da primeira metade da década de 90, acelerou-
se a partir de 1997. Desse modo, o crescimento da oferta foi ligeiramente maior que
o da demanda, implicando, assim, pequena redução da relação candidatos/vaga,
como pode ser observado na tabela 3.4 No que se refere à demanda, identificam-se
duas tendências distintas, como afirma Corbucci (2003):
Entre as instituições públicas, cresce significativamente o número de
candidatos por vaga oferecida, ao passo que, na esfera privada, ocorre o
inverso. Assim, enquanto a disputa por uma vaga no ensino público atingiu
o índice de 8,3 candidatos, no setor privado ficou em apenas 2,3.
Acredita-se que essas tendências contrárias estariam refletindo a perda de
poder aquisitivo da classe média, ocorrida ao longo da década de 90. Tal argumento
é corroborado pelo indicador que trata do aproveitamento das vagas oferecidas,
tendo em vista que apenas as redes públicas de ensino apresentaram melhora
desse indicador.
Tabela 3.4: Ensino Superior - evolução do número de inscritos em vestibulares públicos,
privados e total para cursos de graduação 1990/1999.
ENSINO SUPERIOR 1990 1993 1995 1997 1999
BRASIL
INSCRIÇÕES/ VESTIBULARES 1.905.498 2.029.523 2.653.853 2.711.777 3.354.790
VAGAS OFERECIDAS 502.784 548.678 610.355 699.196 904.634
CANDIDATO/ VAGA 3,79 3,70 4,35 3,82 3,71
INGRESSOS 407.148 439.801 510.377 573.902 750.168
APROVEITAMENTO/VAGAS (%) 80,98 80,16 83,62 82,02 82,93
PÚBLICO
INSCRIÇÕES/ VESTIBULARES 881.561 1.134.899 1.399.092 1.425.782 1.806.247
VAGAS OFERECIDAS 155.009 171.627 178.145 193.821 218.639
CANDIDATO/ VAGA 5,69 6,61 7,85 7,36 8,26
INGRESSOS 126.139 153.689 158.012 181.859 210.506
APROVEITAMENTO/VAGAS (%) 81,38 89,55 88,70 93,83 96,28
PRIVADO
INSCRIÇÕES/ VESTIBULARES 1.023.937 894.624 1.254.761 1.285.994 1.548.543
VAGAS OFERECIDAS 347.775 377.051 432.210 505.377 685.995
CANDIDATO/ VAGA 2,94 2,37 2,90 2,54 2,26
INGRESSOS 281.009 286.112 352.365 392.041 539.662
APROVEITAMENTO/VAGAS (%) 80,80 75,88 81,53 77,57 78,67
Fonte: MEC/INEP, Evolução do Ensino Superior 1980-1998; MEC/INEP, Sinopse Estatística do Ensino Superior, 2001. (apud
Corbucci, 2003, pág 109)
Dessa forma, o Ensino Médio brasileiro mais que dobrou suas matrículas
durante a década de 1990, passando a atender uma nova parcela da população,
antes excluída. Com a generalização desse certificado, muitos passaram a procurar
o diploma superior, que supostamente adquiriu um diferencial para a conquista de
emprego, mesmo que não relacionado com a área específica da graduação.
Assim, podemos aceitar que a maior abertura ocorrida no Ensino Superior se
traduz, mais numa democratização do acesso, do que numa democratização de
sucesso em relação aos que o freqüentam.
Gianotti (1987) aponta que o ensino universitário não pode ser visto tão-só em
função do cumprimento de suas três tarefas básicas (pesquisa, docência e
prestação de serviços), mas também consiste numa forma de sociabilidade, num
modo de vida pelo qual pessoas se formam e interagem através de certas regras e
objetos domesticados, possuindo uma história passada e contemporânea, fato que
lhe confere feições e vicissitudes próprias.
Há pouco mais de uma década vêm emergindo nas cidades brasileiras, com
maior visibilidade, diferentes alternativas que buscam a inclusão de setores
populares em espaços que lhes foram historicamente alheios.
É nesse quadro que surgem e se proliferam os cursinhos pré-vestibulares
populares, como conseqüência de um período em que estudantes sem condições
financeiras, de forma coletiva, começam a obter o certificado de Ensino Médio e
passam a sonhar com a etapa seguinte.
4 OS CURSOS PRÉ-VESTIBULARES SEM FINS LUCRATIVOS
4.1 Os cursos preparatórios para o vestibular
Os cursos preparatórios pré-vestibular, ou “cursinhos”, segundo Santos (2002)
podem ser caracterizados como escolas livres de preparação para o Ensino
Superior, particulares ou de cunho popular, que visam lucro ou sem fins lucrativos,
mas, todos exercendo forte concorrência entre si na disputa por mercados
diferenciados.
O fenômeno dos cursinhos tem início na década de 30, como um modelo de
preparação para concursos e seleções de candidatos devido ao aumento do critério
de seleção estabelecidos para cursos superiores.
O grande boom dos cursinhos se deu após a Reforma Universitária de 1968,
com a normatização dos conteúdos dos exames de seleção, o vestibular unificado e
as escolas secundaristas ainda incapazes de lidar com esse programa mínimo, pois
este demandava muito além do que era regularmente ministrado. Aproveitando essa
oportunidade, os cursinhos existentes se adaptaram e rapidamente ofereceram o
conteúdo necessário. Essa brecha,segundo Bárbara Freitag:
[...] são asseguradas tanto pela Constituição (em termos gerais) como
pelas leis subseqüentes; tanto a nível superior como de 1º e 2º graus [...]
vamos constatar uma penetração e expansão da rede particular do ensino
em três áreas: no ensino propedêutico para as universidades (os famosos
cursinhos pré-vestibulares), no ensino supletivo (considerando a educação
de adultos) e no ensino superior de graduação e pósgraduação. (FREITAG,
1980, p.81).
4.2 Especificidades dos cursinhos denominados populares
Os cursinhos denominados populares, conforme definição de Bacchetto (2003) se
apresentam como movimentos que, utilizando os moldes de cursinhos tradicionais,
possibilitamo apenas oportunidades de ingresso na universidade para estudantes
carentes, mas promovem um espaço de discussão e reflexão social.
Em sua maioria são oriundos de movimentos populares organizados, atestado
por Bacchetto (2003, p.102) que classificou várias origens para essa manifestação
social:
As agremiações e os coordenadores individuais que patrocinam os
cursinhos acabam sendo decisivos na elaboração do projeto político-
pedagógico. Boa parte pode ser localizada em dois movimentos de caráter
mais geral: o estudantil e o negro. Entretanto, verificou-se a existência de
outros, como o Movimento Humanista, a Juventude Operária Católica, o
Clube das Mães do Brasil e a APROVE. Há também os inúmeros apoios
indiretos de outros setores da sociedade, como Sociedades Amigos de
Bairro, universidades e escolas sejam elas públicas ou particulares ,
igrejas, empresas etc.
Segundo Bacchetto (2003), dentro do rótulo de “popular” ou “alternativo” foi
verificada grande diversidade. Origens semelhantes não se desdobraram em
propostas políticas e formas organizacionais também semelhantes. Em seu estudo
sobre os cursinhos populares presentes na cidade de São Paulo durante a década
de 90, dentre as diversas propostas existentes, ocorreram os seguintes objetivos em
comum:
- o oferecimento do pré-vestibular a pessoas sem condições financeiras de cursar
um cursinho comercial, para que possam disputar uma vaga nas melhores
universidades em condição de igualdade;
- atendimento aos grupos sistematicamente excluídos dos bancos universitários;
- dotar o aluno de elementos que o auxiliem a lidar com dificuldades que irá
encontrar no seu cotidiano;
- incorporar no aluno uma visão questionadora da sociedade em que vive,
procurando abordar e discutir temas que não estariam presentes numa educação
escolar tradicional;
- realizar uma intervenção no vestibular procurando democratizá-lo e reduzir as
desigualdades no Ensino Superior.
Analisando os pré-vestibulares populares do Rio de Janeiro e seus dilemas
políticos e desafios pedagógicos, Castro (2005) aponta:
O entrelaçamento das críticas nas quais se baseava a criação dos
pré-vestibulares populares produzia então um discurso que apontava para o
seu próprio fim como objetivo, através da melhoria do ensino público
compreendida não apenas como elevação dos índices de aprovação dos
alunos de escolas públicas no vestibular, mas como realização plena de uma
educação que formasse cidadãos críticos da estrutura da sociedade e de sua
inserção nela, educados para a igualdade e para os desafios da produção de
conhecimento na universidade. Castro (2005, p.3)
Apesar desta enorme heterogeneidade de origem que marca o movimento e a
diversidade de abordagens político-pedagógicas, algumas características parecem
ser hegemônicas: a desconformidade com a desigualdade social como motivador
das práticas e a atividade de assistência centrada em “passar matéria” para um bom
desempenho nas provas.
Dentre as ações políticas dos cursinhos, Bacchetto (2003) destaca que
algumas das pressões exercidas pelos pré-vestibulares acabaram resultando em
mudanças nos exames, dentre os quais o mais visível foi a isenção de taxas de
inscrição. Apesar disso, outras conquistas estão se desenhando, tal como os
sistemas de cotas para estudantes negros e/ou do ensino público, e nesse ponto, os
cursinhos populares acabam tendo o papel de porta-voz dessa luta, participando
ativamente da elaboração de políticas públicas de acesso para esses estudantes.
4.3 Instituição estudada
A instituição escolhida para o desenvolvimento da pesquisa foi o Curso Pré-
Vestibular PsicoUSP, anteriormente conhecido como Instituto de Atividades
Psicossociais, o IAPSI, localizado no Instituto de Psicologia da USP.
Essa escolha se deu pela proximidade do pesquisador com a instituição, pois,
mantém um vínculo regular com os atuais coordenadores. Segundo Bourdieu (1999),
esta aproximação é fundamental para assegurar duas condições que o autor julga
centrais no sentido de uma comunicação “não violenta”: a proximidade social e a
familiaridade.
O curso é coordenado pelos alunos do curso de Psicologia da USP, desde
1998. Os objetivos do pré-vestibular são os seguintes:
- Possibilitar aos estudantes de baixa renda o acesso ao Ensino Superior nas
universidades públicas, na tentativa de promover a democratização da educação;
- Promover atividades extras, que não se limitem ao conteúdo do vestibular, com a
finalidade de ampliar a visão geral do aluno. São exemplos disso as aulas de
lógica, teatro amador, palestras de psicologia, dia da consciência negra, oficinas
de discussão, orientação profissional e plantão psicológico;
- Produzir conhecimento para a Psicologia, enquanto Ciência, e para a Educação,
ao assumir compromisso com a pesquisa científica, formação e extensão
universitária dirigida para a sociedade. (IAPSI, maio 2000 apud Bacchetto, 2003)
As aulas ocorrem no prédio do IPUSP, no período noturno e aos sábados.
Como contrapartida pela cessão do espaço, os organizadores fazem a manutenção
do prédio e equipam as salas de aula. Os alunos passam por uma seleção, com
avaliação de conhecimentos específicos numa primeira etapa e, posteriormente, por
uma seleção sócio-econômica, na qual é verificada a renda per capta familiar.
O público alvo constitui-se de jovens e adultos de baixa renda que tenham
realizado o Ensino Médio preferencialmente em escola pública e que possam arcar
com as despesas do cursinho. São oferecidas trezentas vagas. Além das aulas, o
aluno tem acesso a um plantão dúvidas.
Os professores são, em sua maioria, universitários da própria Psicologia e
advindos de outros cursos e universidades. Alguns já são profissionais da área,
tendo trabalhado em colégios particulares e cursinhos comerciais e recebem
remuneração.
Quanto às aprovações em vestibulares, foram registradas em 1999, 23 pessoas
aprovadas, sendo 18 na FUVEST, 3 na UNESP e 2 na UFSCar; no ano de 2000
esse número cresceu para 33, sendo 13 na UNESP, 11 na FUVEST, 2 na UFSCar, 2
na FATEC, 3 na UEL, e 1 na UFSC. (IAPSI, 22 set. 2001 a).
Em 2005 foram aprovadas 37 pessoas, sendo 12 na FUVEST, 4 na UNESP, 2
na FATEC, 2 na UEL e 1 na UFSCar. Os outros 16 aprovados em escolas
particulares se dividiram entre PUC, MACKENZIE, UNIFIEO e UNIP.
5 O processo de formação de identidade profissional
5.1 Identidade ocupacional e profissional
Para Bohoslavksy (1977), o processo de constituição da identidade profissional
ocorre desde a infância, a partir das inúmeras identificações que o indivíduo irá
realizando durante sua história de vida com adultos significativos que
desempenham papéis profissionais. Essas identificações vão sendo incorporadas à
personalidade e tornando-se próprias.
Das gratificações ou frustrações com esses profissionais, nas relações atuais e
passadas, se constituirá o tipo de relação com o mundo adulto em termos
profissionais e a formação do ideal de ego, ou seja, surgirão expectativas a respeito
de si, a partir do que admira e deseja e do que se rejeita.
Define como etapa para o alcance da identidade ocupacional, a superação, no
plano psicológico, das dificuldades encontradas da infância à idade adulta
relacionadas ao estudo e ao trabalho, entendidos como forma de ascender a papéis
sociais adultos. Não é algo definido, mas um momento de um processo subjacente
à identidade pessoal, que determina as questões vocacionais.
Dessa forma, apresenta a identidade ocupacional como a autopercepção, ao
longo do tempo, de papéis ocupacionais que são as expectativas construídas sobre
cada um dos papéis profissionais, seqüências estabelecidas de ações aprendidas,
executadas por uma pessoa em situação de interação. (Bohoslavsky 1977, p.30)
Seu desenvolvimento está estritamente relacionado à identidade pessoal e
ocorre na base das relações com os outros, dentre as quais podemos destacar a:
- gênese de ideal do ego, identificações com modelos diferentes e que pautam
o mundo adulto, fatores estabelecidos por meio de relações carregadas
afetivamente;
- identificações com o grupo familiar, valorações que o grupo tem de diferentes
ocupações, problemática vocacional dos membros da família e da qualidade de
vinculações e rupturas estabelecidas com seus membros;
- identificações com o grupo de pares, atua da mesma forma que o grupo
familiar, mas é tomado sempre de maneira positiva, ressaltando uma relação mais
imperativa, pois funciona por meio de sanção ou exclusão.
- identificações sexuais, tendência que a sociedade impinge a cada ocupação,
que é integrada pelo jovem.
(Bohoslavsky, 1977, p.32-37)
Outro aspecto central na construção de Bohoslavsky (1977) é a identidade
vocacional, que andaria casada com a identidade ocupacional. A identidade
vocacional é a atualização do objeto interno danificado, que clama reparação ao
ego, Bohoslavsky retoma estes conceitos da obra de Melanie Klein e da escola
inglesa de psicanálise.
O autor justifica a motivação pela escolha através da atualização da
reparação dos objetos internos, ou seja, o sujeito, na escolha profissional, atualizaria
suas faltas, e seria uma nova forma de lidar com a culpa gerada pela destruição
fantasiosa do objeto mãe quando na infância.
A opção profissional envolve, assim, a definição de uma personalidade para o
mundo adulto, razão pela qual Bohoslavsky (1995) afirma a escolha é uma questão
de “identidade profissional”. Esta expressão, segundo ele, exprime melhor esse
processo, como complemento da identidade ocupacional, uma vez que engloba os
principais fatores internos e externos que intervêm na escolha de uma profissão.
Para aprofundarmos a compreensão do processo de formação de identidade
profissional, é necessária maior investigação sobre a identidade pessoal e para isso
serão utilizados dois referenciais teóricos, propostos por Erikson e Bourdieu.
5.2 A identidade para Erikson
Erikson (1972) considera no ser humano a existência de um impulso fundamental e
intrínseco para a mudança. Estudando a construção da identidade, propõe a
seqüência invariante e hierarquizada de etapas caracterizadas pela ascendência de
uma crise psicossocial.
É importante perceber, diz Erikson (1972, p. 14), que a:
Palavra crise tinha deixado de ter a conotação de catástrofe iminente, o
que constituía em obstáculo à sua compreensão. [Define] um ponto
decisivo e necessário, um momento crucial, quando o desenvolvimento
tem que optar por uma ou outra direção, mobilizando recursos de
crescimento e diferenciação.
As dimensões da identidade estão no âmago do indivíduo e no núcleo da
cultura coletiva. A identidade caracteriza-se por um processo inconsciente, uma
diferenciação crescente em constante ampliação de outros significativos, que se
inicia no encontro verdadeiro entre a mãe e o bebê.
A crise normativa do processo ocorre na adolescência, sendo determinada
pelo que ocorreu antes e influenciando o que ocorrerá depois. O autor estabelece
uma dependência entre a crise de identidade na vida individual e a crise
contemporânea do desenvolvimento histórico.
A expansão da civilização e a especialização da tecnologia obrigaram as
crianças a basearem seus modelos de ego em protótipos variáveis e contraditórios.
A criança capaz de novas realizações repete o ato não só pelo prazer libidinal que
experimenta, mas também pelo status que adquire em função do significado que a
cultura atribui àquele ato.
A consciência do significado que a cultura atribui aos seus atos contribui
para um amor próprio realista, que se converte na convicção de que o ego é capaz
de integrar passos eficazes em direção de um futuro coletivo, dentro de uma
realidade social.
Erikson (1972) diferencia identidade pessoal de identidade do ego. A
identidade pessoal baseia-se na percepção de uniformidade e continuidade da
existência pessoal e na percepção de que os outros significativos reconhecem essa
uniformidade e continuidade. A identidade do ego é a consciência de que existe
uniformidade nos métodos de sintetização do ego, no estilo da individualidade de
uma pessoa.
Conclui-se que as realizações significativas na construção de identidade do
ego são as que recebem um reconhecimento convicto e autêntico, aquelas
realizações que têm significado na cultura e no grupo social ao qual o indivíduo
pertence.
A identidade do ego, o sentimento de mesmice que subjaz às variações
individuais resulta da resolução de crises evolutivas que Erikson (1972) considerou
como as oito idades do homem. Cada crise permite o desenvolvimento de atitudes
básicas alternativas, acessíveis à introspecção e representantes de diferentes
modos de proceder observáveis por outros e estados interiores inconscientes
determináveis por teses e análises.
A “crise da indústria contra a crise da inferioridade propostas pelo autor
(ERIKSON, 1972, p.130-143) inicia os elementos da relação que posteriormente
será estabelecida com o trabalho. A ‘crise de identidade’ versus confusão de
papéis’ (ERIKSON, 1972, p. 94-99) permite desenvolvimento de sentimentos e
atitudes básicas em relação à sexualidade, valores e uma ocupação. É o período
mais freqüente de escolha e preparação para o ingresso na vida profissional.
A identidade pessoal, conseqüentemente, é um sistema de crenças e valores
que o indivíduo desenvolve sobre si mesmo e o mundo, um conjunto de atitudes
básicas que permitem diferentes modalidades de relacionamento, resultantes dos
inter-jogos entre os recursos individuais e as oportunidades, exigências e condições
do contexto social.
Nesse sentido, o autor define a identidade profissional como um sistema de
valores e crenças que o indivíduo desenvolve sobre si mesmo, sobre a ocupação
escolhida, sobre o trabalho e seu significado.
O autor assinala um outro perigo que reside na auto-restrição do homem e na
constrição de seus horizontes, aceitando o trabalho como único critério de valor,
podendo transformar-se em escravo conformista e inconsiderado de uma
tecnologia, e daqueles que estão na condição de explorá-los.
5.3 Construção do habitus para Bourdieu
A idéia central para a formação da identidade é a existência de uma
“correspondência entre as estruturas sociais e as estruturas mentais, entre as
divisões objetivas do mundo social nomeadamente em dominantes e dominados
nos diferentes campos e os princípios de visão e de divisão que os agentes lhe
aplicam.” (BOURDIEU, 1999).
Presença ativa e sintética de todo o passado que o produziu, o habitus é a
estrutura geradora das práticas “perfeitamente conformes à sua lógica e às suas
exigências”, que exclui as práticas mais improváveis, “à primeira vista, consideradas
impensáveis” (BOURDIEU, 1980, p.90).
O habitus define-se então como um “sistema de esquemas de percepção, de
pensamento, de apreciação e de ação parcialmente ou totalmente idênticos”.
(BOURDIEU, PASSERON, 1975).
Este sistema é ao mesmo tempo durável e transponível, sendo que o habitus
dominante a maneira socialmente valorizada numa determinada época de ver as
coisas neste domínio é o dos grupos em posição socialmente dominante.
O habitus é duradouro, mas nem por isso é absolutamente imutável, caso o
indivíduo ocupe posições análogas em campos estruturados de maneira análoga
bem como as posições relativas a esse campo, há reforço constante do habitus.
Se por outro lado o indivíduo mudar de posição constantemente num ou vários
campos onde está inserido, então pode ser levado a construir um habitus
secundário diferente de sua socialização inicial.
Essa construção traz importantes mudanças no campo, este é objeto de luta
permanente dos agentes que não estão em posição de dominação para transformar
a sua “gravidade especifica”, encontrando-se muitas vezes habitus desajustados às
estruturas objetivas ao que se dá o nome de hysteresis dos habitus, quando
alguns agentes tentam aplicar ainda por algum tempo esquemas de leitura,
julgamento ou práticas antigas e agora inadaptadas a novas demandas.
O desenvolvimento profissional remete a idéia de uma vocação objetivada e
transformada em ação. Através da teoria de Bourdieu, Guichard (2001) remonta o
processo de compreensão do projeto profissional futuro:
Ter em conta um conjunto das posições relativas nos diferentes
campos que eles (os jovens) freqüentam posições que determinam
(considerando as estruturas do diferentes campos) sistemas estruturados
de representações e de ações (dos habitus). Em última instância, é referir
tais projetos e trajetórias à estrutura e ao volume do seu capital global.
(GUICHARD, 2001, p. 76)
As representações acerca das profissões estão, portanto, vinculadas à posição
social que o indivíduo ocupa. É da família que são ouvidas as primeiras palavras de
incentivo ou desencorajamento no sentido do que é desejável ou não fazer
profissionalmente.
Também a forma como o sujeito pensa o futuro deve ser considerada, posto
que este não costuma ser pensado abstratamente, mas associado a um profissional
em particular que tem características com as quais quem escolhe se identifica.
5.4 Transformações na aquisição da identidade profissional
Malvezzi (2000) aponta que graças à transição de paradigmas produtivos,
a identidade profissional agora aparece como um recurso (ou um
capital) que o indivíduo dispõe para negociar com os outros sua inserção
num novo projeto ou missão. É um recurso que o indivíduo não herda, mas
constrói e através do qual sua vida tem sentido, porque nessa construção
ele percebe a força de sua condição ontológica. (MALVEZZI, 2000
p.32)
Tais construções obrigam o indivíduo a administrar sua vida profissional, ou
seja, “a trabalhar arduamente na reposição de si mesmo, uma vez que os
referencias ao seu redor, através dos quais ele atribui sentido e valor para si mesmo
está em constante alteração.” (MALVEZZI, 2000, p.33)
Cada novo desempenho pode confirmar ou alterar a singularidade construída
no momento anterior. Na verdade ela é uma seqüência de singularidades, revelando
um movimento histórico de predicados identidade emerge como um conceito e uma
ferramenta da vida profissional, pois “Identidade é movimento, é desenvolvimento
do concreto... é metamorfose.” (CIAMPA apud Malvezzi, 2000 p.35).
Portanto, ao invés de se perguntar como a identidade é construída, se torna
mais sensato questionar como vai sendo construída, sob a perspectiva de um
processo de identificação e não apenas enquanto produto.
Na era industrial, a identidade profissional era expressa através de formas mais
homogêneas. Como coloca Malvezzi (2000, p.22) é possível afirmar que a
identidade refletia mais um movimento de reprodução, onde “o indivíduo
empenhava-se para revelar, através de seu desempenho, os predicados impostos
pelos papéis e tarefas tal como definidos nos manuais.”.
Por outro lado, nem todos compartilham desse continuo reajustamento. As
classes menos favorecidas, segundo Fridman (2003) não compartilham do
movimento e da metamorfose:
Na globalização, além do desaparecimento dos empregos, da
supressão de carreiras estáveis no mercado de trabalho e da readaptação
contínua (e cada vez mais solitária) aos novos sistemas produtivos,
assiste-se também ao desmantelamento progressivo de referências locais,
comunitárias, de parentesco e de tradições culturais. O fantasma
“daqueles que não servem para nada”, “os dispensáveis”, assombra
governos e agências internacionais (FRIDMAN, 2003 p. 23).
Este argumento é corroborado por Sennett (1999, p.76 ), onde desmente a
aparente liberdade e investiga os padecimentos da flexibilidade, apontando que
mesmo para quem está incluído no jogo da produção e do emprego, uma vida de
não se apegar a nada e experimentar duradouramente a diluição dos laços sociais
atinge o “senso de auto-identidade sustentável”.
Escrevendo sobre as condições de trabalho em seu país, Sennett considera
que o ambiente de trabalho moderno nas empresas americanas sacrifica a
constituição de uma narrativa de vida coerente para seus integrantes.
5.5 Dubar: articulações frente aos novos paradigmas
Dubar (1997) distingue dois processos para a formação de identidades sociais.
O primeiro diz respeito à atribuição da identidade pelas instituições, pelos grupos e
pelos agentes diretamente em interação com o indivíduo. A construção legitima
dessas categorias impõe-se coletivamente, levando ao que Goffman (apud Dubar,
1997, pág. 107) chama de identidades sociais verticais, ou identidade para o outro,
pelo reconhecimento de um diploma, por um registro profissional e pelo
reconhecimento efetivo pelos pares.
O segundo processo refere-se à incorporação da identidade pelos próprios
indivíduos e isso depende das “trajetórias vividas”, que nada mais são que a forma
como o indivíduo reconstrói subjetivamente os acontecimentos que julga
significativos de sua biografia social. Estas também utilizam categorias que devem
ser antes de tudo legitimas para o próprio indivíduo e para o seu grupo de
referencia, que pode ser diferente daquele ao qual pertence objetivamente, mas é o
que subjetivamente é importante para o indivíduo.
Dessa maneira, define a identidade:
A identidade nunca é dada, é sempre construída e a (re) construir numa
incerteza maior ou menor e mais ou menos durável. Não é mais do que um
resultado simultaneamente estável e provisório, individual e coletivo,
subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de
socialização que, em conjunto, constroem os indivíduos e definem as
instituições. Dubar (1997, p.101)
Para Dubar (1997) a articulação entre as duas transações é a chave do
processo de construção de identidades sociais, pois a transação subjetiva depende
das relações com o outro que são constitutivas da transação objetiva.
Estes dois processos podem não coincidir, resultando em “estratégias
identitárias” destinadas a reduzir o desvio entre as duas identidades. Essas
estratégias podem assumir duas formas: transações externas ou objetivas que
ocorrem entre o indivíduo e os outros significativos visando acomodar a identidade
para si à identidade para o outro. Transações internas ou subjetivas procurando
assimilar a identidade-para-outro à identidade-para-si.
No processo de identificação do outro existem categorias sociais que
abarcam em uma quase totalidade os indivíduos de uma geração. Para Dubar
(1997) a identidade constitui essencialmente um problema de geração.
Dubar (1997) considera que para a geração atual o confronto com o mercado
de trabalho acontece em condições bastante complexas, pois, como já tivemos a
oportunidade de descrever anteriormente, hoje nos defrontamos com uma alta taxa
de desemprego, um processo acelerado de mudanças tecnológicas e
organizacionais, um prolongamento da vida escolar, e um acesso cada vez menor a
um emprego considerado estável.
Segundo o autor, o indivíduo nunca constrói a identidade sozinho: ela depende
tanto dos julgamentos dos outros como das suas próprias orientações e
autodefinições. A identidade é um produto de sucessivas socializações.
A divisão intrínseca à identidade tem de, finalmente e, sobretudo, ser
esclarecida pela dualidade da sua própria definição: identidade para si e identidade
para o outro são inseparáveis e estão ligadas de uma forma problemática.
Inseparáveis porque a identidade para si é correlativa do Outro e do seu
reconhecimento: eu só sei quem sou através do olha do Outro. Problemáticas
porque “a experiência do outro nunca é diretamente vivida por si”… de tal forma que
nos apoiamos nas nossas comunicações para nos informarmos sobre a identidade
que o outro nos atribui.
Para o autor, esta noção de identidade introduz esta hipótese paradoxal que
inverte de qualquer maneira as posições psicanalíticas correntes que opõem o Eu
ao seu sistema interior considerado essencial ao Ambiente e à sua organização
“externa” que é muitas vezes considerada não essencial: a ironia da situação é o
que por mim considerado a mais pública realidade é visto pelos outros como meu
fantasma mais pessoal e que “aquilo que suponho ser meu mundo interior mais
íntimo revela-se como o que possuo de mais em comum com os outros” (Laing apud
Dubar, 2000).
Esta inversão justifica-se pela tentativa de compreender as identidades e as
suas eventuais fraturas como produtos de uma tensão ou de uma contradição
interna ao próprio mundo social e nunca em primeiro lugar como resultados do
funcionamento psíquico e dos seus recalcamentos biográficos.
Chama de atos de atribuição os que visam definir a identidade pelo
contraste, ou seja, a identidade para o outro. Chama de atos de pertença aqueles
que exprimem a identidade para si. (DUBAR, 1997, p. grifo nosso).
Esses dois processos podem não coincidir, resultando em “estratégias
identitárias” destinadas a reduzir o desvio entre as duas identidades. Essas
estratégias podem assumir duas formas: transações externas ou objetivas que
ocorrem entre o indivíduo e os outros significativos, visando acomodar a identidade
para si à identidade para o outro; transações internas ou subjetivas, procurando
assimilar a identidade-para-outro à identidade-para-si.
Há uma desagregação das categorias que servem para definir a si e aos
outros, pois o passado já não é pertinente e o futuro ainda não está estabilizado: é a
transição, que se constitui como dupla transição, pois o meio social e os indivíduos
estão reconstruindo suas referencias, operando um movimento constante que vai
das referências internas para as externas e vice-versa, e que constroem as novas
possibilidades de ser indivíduo e de ser sociedade na atualidade (Dubar, 1997).
5.6 Desafios para a elaboração de um projeto de vida
A identidade profissional, possível a partir do desenvolvimento da identidade
pessoal, é dada “pela auto percepção em relação à possível inserção do sujeito no
mundo do trabalho” (CASULLO, 1994, p. 16).
Casullo (1994) estabelece uma relação entre projeto de vida e constituição de
identidade ocupacional, entendida como a “representação subjetiva da inserção
concreta do mundo do trabalho no qual pode perceber-se como incluído ou
excluído” (CASULLO, 1994, p. 13).
A formula aparentemente simples da maturidade, indicada por Freud no “ser
capaz de amar e trabalhar”, evidencia a importância da identidade profissional.
Por outro lado, na nova organização da produção derivada das inovações
tecnológicas permite uma descentralização das tarefas e pressiona os trabalhadores
a se adaptarem a novas habilidades e iniciativas. A vivência do tempo é
profundamente alterada: não há mais longo prazo. (Fridman, 2003, p.34)
Dessa forma, a construção de projeto deve se inserir, conforme coloca Dubar
(1997), na falta de mediações políticas e sociais que regulam a vida em sociedade:
O meio social e os indivíduos estão reconstruindo suas referências,
operando um movimento constante que vai das referências internas às
externas, construindo novas possibilidades de ser indivíduo e de ser na
sociedade.
Para Guichard (1995) escolha refere-se a um momento pontual, produzida a
partir do conhecimento das próprias características e da realidade do mundo do
trabalho, o autor considera esta uma ação insuficiente, pois para se compreender e
incorporar essa nova configuração do mundo do trabalho ele se apóia na noção de
projeto de vida complementando a de decisão profissional.
Nesse sentido, o desenvolvimento de projeto, para Uvaldo (2002), envolve
componentes coflitivos e afetivos, em interação constante. Para a autora, é
importante desenvolver a noção de estratégias identitiárias, como proposto por
Dubar (1997) onde existe comprometimento entre realidade interna (transações
subjetivas) e realidade externa (transação objetiva).
O que a noção de projeto traz com maior clareza é a proposta de ação, de
como essa solução de compromisso pode ser implementada, que deve ter em seu
cerne o:
Questionamento dos meios que serão utilizados, e mesmo prever
que ocorram resistências, dificuldades na sua realização. Projeto
corresponde a uma apropriação, em que, a partir de uma confrontação eu-
exterior, o indivíduo seleciona determinados objetivos que se lhe
apresentam como preferíveis relativamente a outros[...] (UVALDO,
2002, p. 65)
Esse argumento se sustenta com Lehman:
[...]Temos que resgatar o indivíduo contra as tendências de valor de troca,
(vínculo alienado) resgatar a relação do indivíduo com seu trabalho
buscando através deste, facilitar o reconhecimento e o desenvolvimento
desse processo. Resgatar a atividade do homem que produz efeitos sobre
o mundo (seja esta modificações de natureza, objetos novos, produtos
culturais, relações sociais, etc.) e que são seguidos por um
reconhecimento ou recuperação daquilo que é criado reconhecendo-se no
produto e surgindo o desenvolvimento de suas potencialidades humanas.
(Lehman, 2001 p.69)
6 MÉTODO
6.1. Amostra
A amostra foi definida por todos os alunos que estudaram por pelo menos seis
meses no Cursinho PsicoUSP e foram aprovados nos vestibulares do ano de 2005
(janeiro ou julho) em Universidades Públicas ou Privadas e estavam (até dezembro
de 2005) freqüentando o respectivo curso. Não houve diferenciação por sexo, raça,
credo ou renda.
Foram encontrados 37 alunos com este perfil cujo contato foi fornecido ao
pesquisador por uma lista contendo nome, telefone e instituição de ensino. O
material foi entregue pela coordenadoria da instituição.
6.2. Instrumento
No processo de coleta de dados, foi utilizada a entrevista individual semi-
dirigida
1
, que permite ao sujeito uma construção livre de seu discurso sem que se
perca de vista o foco da entrevista.
As entrevistas se deram como (Bourdieu, 1999) “uma conversa, um diálogo, a
partir de um roteiro semi-estruturado”, procurando compreender sua visão de
mundo, seus valores e sistemas de classificação: conhecendo o outro em seus
próprios termos. Os estudantes entrevistados foram bastante solícitos em colaborar
1
O roteiro de entrevista a ser utilizado encontra-se no Apêndice I.
com a pesquisa, mostrando-se gratificados em serem ouvidos e poderem, nesta
situação, refletirem sobre as próprias trajetórias.
Segundo Menga e Marli (1986), a entrevista representa um dos instrumentos
básicos para a coleta de dados, pois, apesar de ser exaustivamente explorada por
outras instâncias tais como os meios de comunicação, ainda é uma das principais
técnicas de trabalho para quase todos os tipos de pesquisa utilizados, especialmente
nas ciências sociais, pois permite a captação imediata e corrente da informação
desejada. O tipo de entrevista proposto é “semi-estruturada, que se desenrola a
partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente, permitindo, que o
entrevistador faça as necessárias adaptações” (Menga e Marli, 1986).
6.3. Procedimentos
6.3.1. Contato
O contato inicial foi feito por telefone, onde o pesquisador se identificava e
apresentava o projeto bem como o tempo para duração da entrevista, dando
liberdade para que ocorresse no lugar de maior conforto para o depoente, desde que
houvesse um ambiente de privacidade e tranqüilidade que assegurasse o sigilo
necessário.
Todos os nomes constantes na lista de registro fornecida pela Instituição, foram
contatados. O número inicial era de 37 nomes e telefones de alunos aprovados
nesse período. Destes, 23 estavam com informações atualizadas e foram
abordados, dos quais 12 se dispuseram a realizar a entrevista.
Sobre os convites recusados, oito se deram em forma de recados em caixa
postais telefônicas ou através de parentes e que não entraram em contato, mesmo
depois de algumas tentativas. Além desses, quatro convidados se recusaram a
participação alegando falta de tempo ou interesse em responder à pesquisa.
Quanto aos convidados que aceitaram participar, dois desistiram por dificuldade
no agendamento das entrevistas: um pelo retorno antecipado à cidade em que
estudava e um por motivo de doença.
No total, nove entrevistas foram realizadas entre os meses de julho a outubro
de 2005, as quais duraram em média uma hora, sendo a mais curta realizada em
trinta minutos e a mais longa em duas horas. As entrevistas foram realizadas em
data e local previamente combinados com os entrevistados, atendendo à sua
disponibilidade.
A entrevista piloto, realizada como forma de verificação do roteiro, não foi
incluída na análise por apresentar muitas discrepâncias com o modelo final de
roteiro e pela dificuldade em contatar o depoente (atualmente cursando faculdade
fora de São Paulo) para complementação de informações.
As entrevistas foram gravadas com conhecimento e autorização prévia dos
estudantes, resultando em um total de cerca de 10 horas de gravação que foram
transcritas na íntegra pelo pesquisador, totalizando um material composto de 100
páginas sem edição.
Esse material foi, a seguir, editado, retirando-se todo tipo de informação que
pudesse levar à identificação dos entrevistados e ocultando-se os excessos
causados por vícios de linguagem. Dessa fase, foram elaborados os resumos das
histórias de cada com extratos ilustrativos do depoimento. É sobre esse material,
expostos na apresentação de dados, que as análises foram desenvolvidas.
6.3.2. Roteiro
O roteiro semi-estruturado, apresentado no Apêndice I, foi construído contendo
temas que contemplam os objetivos da investigação, além de servir como guia para
os questionamentos a serem feitos a cada entrevistado. Sua estrutura foi elaborada
com base na literatura sobre como formular questões de modo a capturar a fala
espontânea dos participantes (BOGDAN & BIKLEN, 1994). Além disso, nas
entrevistas com roteiro semi-estruturado têm-se melhor condição de comparar os
dados entre os sujeitos do que nas entrevistas abertas (BOGDAN & BIKLEN, 1994).
6.3.3. Entrevistas
Todas as entrevistas foram integralmente gravadas
2
digitalmente e
armazenadas no computador do pesquisador, proporcionando consistência na coleta
de dados. Concomitantemente foi utilizado registro em papel para aspectos da
comunicação não verbal que, segundo Bourdieu (1999), possuem muita relevância
para a compreensão do processo.
Ao final, o pesquisador agradecia e se oferecia para esclarecer quaisquer
dúvidas com relação à pesquisa.
6.3.4. Apresentação dos dados e procedimento para a análise
2
Respeitando-se os critérios éticos propostos no tópico 3.6
Na abordagem qualitativa, a análise dos dados pode ocorrer à medida que
estes vão sendo recolhidos. É interessante que assim ocorra, pois algumas dúvidas,
quando existentes, podem ser retiradas, uma vez que ainda há acesso aos
entrevistados. A análise teve início, como sugerida por MINAYO (1994), com a
ordenação de todos os dados obtidos:
? As transcrições das oito entrevistas
3
.
? Releitura do material.
? Organização em conjuntos de respostas (clusters), como processo
classificatório.
Do ponto de vista dialético, o processo de classificação foi feito a partir do
material recolhido não perdendo de vista os pressupostos teóricos assumidos.
Fazendo parte do processo classificatório, houve a constituição de alguns
agrupamentos de respostas, baseadas no roteiro de perguntas, caracterizando
particularidades e aproximações dos depoimentos.
Depois, a partir da leitura transversal do material, a busca dos temas ou
tópicos emergentes (BOGDAN & BIKLEN, 1994) destacando o que era relevante nos
textos, através de sínteses coincidentes e divergentes de idéias (TRIVIÑOS, 1992),
para a elaboração de categorias que, por sua vez, foram confrontadas com as
categorias teóricas, num processo dialético entre ambas, apresentados na discussão
de resultados.
6.3.5. Aspectos Éticos
3
Apresentadas, de forma organizada, no Apêndice III.
Todas as entrevistas tiveram sua confidencialidade assegurada, as transcrições
apresentam nomes e datas alterados para preservar o entrevistado. Todo material
obtido durante a pesquisa foi mantido em ambiente que privilegiou a privacidade dos
sujeitos.
Além disso, um termo de consentimento
4
foi entregue a cada participante,
garantido o sigilo e a segurança no tratamento dos dados. Uma cópia assinada por
cada um deles ficou arquivada com o pesquisador.
4
Apêndice II
7 Apresentação dos Dados
A seguir, caracterizaremos os depoentes de acordo com suas características
físicas, seu contexto familiar, o processo de inserção na universidade, suas
perspectivas de futuro, a interação com o curso pré-vestibular e a procura por auxílio
para escolha da profissão. Os dados foram analisados de forma qualitativa e estão
resumidos na Tabela 7.1.
7.1. Caracterização dos depoentes
7.1.1. Pessoal
Os depoentes, cujas idades variam de 18 a 26 anos, com média em torno dos
21 anos, moram em sua maioria com seus familiares, quatro com os pais e em três
casos na casa da mãe devido ao divorcio dos pais. Em apenas um caso, o depoente
reside em outra cidade, localidade onde cursa a faculdade.
Em sua maioria tem como cidade de referência São Paulo, apenas um em
Carapicuíba (cidade da Região Metropolitana) e outro em Ribeirão Preto, apesar de
sua família ainda habitar em São Paulo. Todos os que permaneceram na cidade de
origem se localizam em bairros periféricos da cidade de São Paulo e próximos ao
curso pré-vestibular, mas não necessariamente do local de sua graduação.
Todos são solteiros, três deles possuem relacionamentos estáveis, um dos
depoentes declarou que seu parceiro influenciou significativamente para sua escolha
profissional.
Quanto ao sexo, existe igual distribuição na amostra. Em todos os relatos a
questão do gênero foi fator de influência para a escolha profissional, mas não foi
expressa como fator relevante para o processo de inserção.
Apesar dessa categoria não estar presente no estudo, dois depoentes se
declararam da raça negra.
7.1.2 Familiar
Quanto à estrutura familiar, iniciaremos com a escolaridade dos membros da
família, especialmente dos progenitores. Apresentaremos também a tradição familiar
relacionada ao ensino superior.
Dos jovens entrevistados, sete possuem irmãos, sendo que em três casos os
irmãos freqüentam ou freqüentaram faculdade. Destes, um concluiu o curso de
Enfermagem em uma universidade pública fora de São Paulo e dois o curso de
Letras numa universidade pública em São Paulo, e um iniciou o mestrado na mesma
no presente ano. A escolaridade dos irmãos dos outros depoentes não foi citada.
Na grande maioria dos depoimentos, a escolaridade dos pais não chega ao
Ensino Médio completo. Em quatro casos, os depoentes se referem como os
primeiros da família, abrangendo os relacionamentos parentais mais distantes, a
ingressar num curso universitário.
No caso da escolaridade paterna, três deles não concluíram o Ensino
Fundamental, três não concluíram o Ensino Médio e dois ingressaram na
universidade (História e Administração), mas não a concluíram.
A escolaridade materna se apresenta em ainda menor grau: em cinco casos as
mães não completaram o Ensino Fundamental e em três casos completaram o
Ensino Médio. Interessante notar que todas as que concluíram o curso o fizeram em
um segundo momento da vida, através de supletivos e classes aceleradas.
7.1.3 Vida escolar
Quanto ao tipo de escola estudada, sete depoentes afirmam terem completado
o Ensino Fundamental e Médio na escola estadual, apenas um depoente terminou
em escola particular, através de bolsa de estudos.
Quanto à freqüência de transferências escolares, quatro sujeitos estudaram a
vida inteira no mesmo colégio e quatro em dois ou mais colégios.
Em dois casos houve interesse por cursos profissionalizantes, um em patologia
clínica e outro em Eletrônica, ambos concluídos.
Cinco depoentes se declararam bons alunos durante a vida escolar, não tendo
repetido nenhuma série.
7.1.4 Vínculos anteriores à vida universitária
Todos os depoentes afirmaram possuir um grupo de amigos estável e de longa
duração, anteriores ao cursinho e à universidade. Da mesma maneira, todos
apontaram mudanças significativas no grau destes relacionamentos.
Além disso, citam que as fontes das principais amizades de longa duração
estavam relacionadas à escola, localidade em que moravam e a Igreja que
freqüentavam, indicando ajustamento no seu campo, de acordo com Bourdieu
(1999) e, equilíbrio entre sua identidade social “real” e identidade social “virtual”, tal
como proposto por Dubar (1997).
Em todos os relatos houve sensível modificação nessas relações, indicando a
percepção de um deslocamento de ideais e valores compartilhados, sendo que em
sua maioria há descrição de uma diferenciação na forma de apreensão do mundo.
Em dois depoimentos isso também acontece com seus familiares. Por exemplo, na
fala de Maria:
O pessoal do bairro é o mesmo, sempre estudei com as mesmas pessoas,
da minha turma eu sou a do meio, todos já tiveram filho, casaram, separam e
eu sou a única que o pessoal vai e fala, não enroscada, mas eu tive outras
escolhas priorizei outras coisas. Eu quase não vejo mais o pessoal, com a
faculdade mudou muito, final de semana, ainda mais na prefeitura, todo o
final de semana estou em eventos e quando vai sair saio com o pessoal da
faculdade, faço trabalho, e na minha casa falam que eu não tenho mais
família, mas é mesmo, raramente consigo dormir em casa.
Quanto à manutenção destes vínculos, seis relatam que houve diminuição
qualitativa de relacionamento, com menor freqüência de encontros e disparidade de
assuntos no contato, existindo um distanciamento de percepções. Desses casos,
dois depoentes confirmam o distanciamento total de seus vínculos anteriores ao
cursinho.
Destes depoentes, sete colocam as vinculações com colegas do cursinho como
amizades distintas das anteriores ou dos colegas universitários, colocando-os como
uma categoria à parte de vinculação. Isso fica ilustrado com a fala de Adriana:
O cursinho não te trata só como amigo, te trata como família mesmo.
Porque mesmo depois que você se formou, o pessoal, os professores, ex-
professores continuam dispostos a te ajudar.
7.2 Acesso e manutenção do ensino superior
Nesse tópico foram agrupadas as respostas relativas a questões de ingresso e
sustentação do curso superior. Foram considerados tópicos de apresentação o
vestibular, critérios para escolha da faculdade, tipo de universidade, seu rendimento
nos semestres estudados, o levantamento de informação da instituição, o
relacionamento com seus pares, a atuação no mercado de trabalho, as expectativas
concretizadas e as frustradas e a caracterização de seu quotidiano como
universitário.
Dessa maneira, é possível esboçar a construção feita pelos jovens sobre seu
papel como universitário e as fantasias e experiências que o regem.
7.2.1 Vestibular
Todos os depoentes prestaram mais de uma vez o vestibular, quatro deles por
duas vezes e quatro por três vezes. Além disso, todos declararam inscrição para
mais de um vestibular, procurando pelo menos três instituições diferentes.
Com relação à taxa de inscrição para os diferentes vestibulares, todos os
sujeitos conseguiram isenção para os vestibulares de universidade pública, com
cadastramento realizado através do cursinho.
Foram cinco os ingressantes que afirmaram ter conseguido vaga na
universidade planejada. Dois depoentes afirmam que entraram nos cursos
desejados, mas em universidades consideradas como segunda opção e um deles
afirmou ingressar na faculdade que estabeleceu como terceira opção.
7.2.2 Opção pelo curso
Nesse ponto, todos os depoentes apontaram alguma dificuldade quanto ao
curso a ser escolhido e modificaram sua escolha durante o período do cursinho,
sendo que seis nomearam o cursinho e suas vinculações como fator principal de
influencia para a definição do curso.
Desta maneira, quatro afirmam que mudaram suas escolhas iniciais por terem
acessado diferentes informações no cursinho e que estas o levaram a uma escolha
mais consistente.
Outros três apontam a decisão pelo curso por oferecerem menor dificuldade de
ingresso, pois possuíam mais vagas em aberto e menor nota de corte no vestibular.
Finalmente um depoente aponta a adequação do curso com a possibilidade de
trabalhar como ponto mais importante para a escolha.
Sobre os cursos de procedência houve predominância de alunos de Ciências
Humanas (Ciências Sociais, Geografia e dois em Pedagogia) seguido pelas Ciências
Exatas (Matemática, Ciências Contábeis e Farmácia) e apenas um depoente em
Ciências Biológicas (Biologia).
7.2.3 Tipo de instituição freqüentada e desempenho
Em relação ao tipo de faculdade freqüentada, metade dos depoentes estuda
em instituições públicas, majoritariamente a USP, e metade está distribuída entre
diferentes instituições privadas.
Quanto ao desenvolvimento do curso, a maioria dos entrevistados já concluiu o
segundo semestre, apenas Josefa ingressou na faculdade no meio do ano, tendo
concluído apenas um semestre.
O rendimento de todos é adequado, pois não houve reprovação de matérias ou
dependência.
7.2.4 Conhecimento prévio sobre a instituição
Quando questionados sobre o conhecimento prévio da instituição escolhida, um
entrevistado afirmou não saber nada sobre a instituição, ou curso e seu conteúdo
programático.
Quatro depoentes afirmam possuírem algum conhecimento do curso através de
algumas visitas à instituição desejada, a leitura superficial do conteúdo programático
e a conversa com alguns professores.
A procura extensiva de dados sobre o curso foi preocupação para três sujeitos,
que afirmaram terem entrevistado profissionais da área, visitado as faculdades de
interesse e pesquisado informações através de livros, manuais e Internet.
7.2.5 Quotidiano universitário
Todos os depoentes apontam mudanças relevantes no seu dia-a-dia quanto a
horários e deslocamento, mas explicitadas como transformações pouco relevantes
para o quotidiano.
Mas o ponto mais comentado pelos depoentes como relevante no dia-a-dia do
papel universitário é o volume de estudos, pois cinco dos depoentes afirmam
encontrar maiores dificuldades em estudar na faculdade do que no cursinho. Destes,
três relatam também a falta de orientação para os estudos, deixando-os sem
referencial.
Nesse sentido, dois dos cinco sujeitos que manifestaram tal dificuldade, ainda a
complementam com uma nova percepção, que lhes é desagradável, nomeada por
competição interna, inexistente no curso pré-vestibular:
Tinha a fantasia de que seria fácil de me adaptar, me dedicaria mais aos
amigos e teria ajuda e isso não aconteceu... Senti falta dos amigos e pensei
que fosse funcionar da mesma maneira, com cooperação e auxilio mutuo,
mas não, chegando lá existiu uma grande concorrência e não esperava nada
disso. (Adriana)
Por outro lado, apenas um relata encontrar maiores facilidades agora do que
antes do vestibular.
Alguns depoentes apresentam dificuldade com questões menos tangíveis.
Nesse sentido, dois manifestam algumas reflexões sobre o ingresso na faculdade e
expõe dificuldade em aceitar a nova identidade, a de universitário. Isso pode ser
ilustrado na fala:
Não é que eu imaginava outra coisa, é porque eu não fazia idéia de que seria
tão... vamos dizer... haveria tanto caminho, tanta coisa no que pensar. Nos
primeiros meses eu ainda tinha uma... parece que eu queria forçar a
lembrança das coisas do cursinho, não sei porque, mas eu sempre ficava
comentando com alguém da época do vestibular. Eu não era o único, não era
a maioria, um monte de gente agia assim, percebi que eu não era o único.
(Otávio)
7.2.6 Relacionamento com os colegas da faculdade
Três sujeitos afirmam estarem totalmente integrados com seus colegas de
faculdade, construindo vínculos consistentes.
Outros dois sujeitos relatam relativa integração, mas sem aprofundamento de
vínculo, por se julgarem muito diferentes de seus pares, especialmente quanto aos
hábitos e a posição social, como exemplifica a fala de Josefa:
Por exemplo, eles são muito irresponsáveis, eles bebem muito, fumam
muito, vão direto em festas, entram na sala e bagunçam e gritam.
Finalmente, três depoentes sentem muitas dificuldades de integração, por
sentirem muita diferença nos hábitos e posição social e pouca abertura por parte de
seus colegas, se sentido distanciamentos e até indiciando existência de preconceito:
É isso e pronto, vocês não são do nosso mundo, sai fora, o que é que
vocês estão fazendo aqui? Não é só racial, é preconceito geral. (Sheila)
7.2.7 Expectativas concretizadas e frustradas
Quatro depoentes afirmam que acharam o curso mais interessante que o
esperado, com bom ritmo de aulas, profundidade das matérias e vasto conhecimento
disponibilizado pela faculdade.
A atividade política de professores e colegas, entendidas como o partilhar da
mesma situação social e a luta por um ideal comum são fatos que cumpriram a
expectativa de dois depoentes e numa das falas existe sensibilização suficiente para
ocorrer um desejo de mobilização:
Então as mesmas pessoas que lidam com cultura na faculdade, tudo
mais... eu até tento ficar ligado com o que acontece na faculdade, na
administração, o que a reitoria anda fazendo, o que o movimento estudantil
anda fazendo e tento ficar ligado ainda nas matérias, aí não é pouca coisa.
(Otávio)
Por outro lado, três depoentes afirmam não terem se relacionado bem com os
professores, muito distantes e intolerantes. Além disso, quatro depoentes acham o
curso de má qualidade por conta de fatores pedagógicos, infra-estrutura das classes
insuficientes ou mau desempenho da classe, apresentado por dois depoentes que
freqüentam curso noturno.
O elevado custo de manutenção da faculdade, em relação à alimentação,
compra de material didático e aquisição de fotocópias, é o ponto de desconforto para
dois sujeitos.
Um depoente coloca como a percepção de exclusão e o preconceito como
fatores de frustração.
Finalmente um dos depoentes aponta a excessiva facilidade do curso como
fator de desmotivação.
7.2.8 Inserção no Mercado de Trabalho
Todos já demonstraram, em diferentes momentos da vida, experiência no
mercado de trabalho, mas nem todos no mercado formal de trabalho. Em sua
maioria, contam com ajuda familiar para o desenvolvimento do projeto profissional,
há apenas um caso em que a situação se inverte e este contribui ativamente para a
renda familiar. Foram classificados em três grupos quanto à relação de seu emprego
e a profissão escolhida:
7.2.8.1 Nenhum vínculo empregatício formal e aguardando por uma
oportunidade de trabalho
Em dois depoimentos, existe a esperança de ingresso em uma ocupação
diretamente relacionada com o curso escolhido, evidenciando alinhamento da
expectativa do projeto profissional com as demandas da sociedade. Para isso, tem
contado com a ajuda dos familiares:
Meu pai que trabalha lá em casa, só meu pai. Meu irmão também trabalha,
só que o dinheiro é pra ele. Acho que a faculdade não vai ajudar [a fazer
estágio] não. Tem um lugar pra fazer estagio, mas eu acho que vou
conseguir fazer estagio sozinha na área. (Josefa)
Então fico pensando pra vir para cá fazer um estágio legal, poder ajudar lá
em casa e também ter experiência na área ir para um lugar legal e poder
crescer. Se eu não conseguir a minha idéia é arrumar algo por lá mesmo.
Nesse primeiro ano eu conversei com meu pai que tinha a grana e não
precisaria, agora nesse ano não vou fazer inglês, vou só fazer a faculdade
e ver com o que eu posso me envolver na faculdade, numa [Empresa]
Júnior ou outra coisa, e vou tentar a transferência se não der meu pai vai
me ajudar. (Gustavo)
7.2.8.2 Vínculo empregatício divergente à sua escolha profissional
A manutenção do projeto de ascensão profissional pode ser estruturada por
empregos totalmente alheios à escolha universitária. Em três casos, estes empregos
remetem à idéia de sobrevivência e estão totalmente desvinculados com o projeto de
carreira, apontando para a expectativa de um fim breve desse emprego, que
esperam ser substituído por uma ocupação convergente à sua expectativa. Dois
exemplos:
O que faço hoje não tem nada a ver com meu estudo, é só sustento,
pretendo fazer isso mais um ou dois anos e depois conseguir uma bolsa,
estágio é difícil. Hoje trabalho com eletrônica, consertando laptops.
(Antonio)
Estou com o saco cheio de vendas, queria ingressar no meu setor, quero
encontrar o caminho certo, dar aula. (Adriana)
Em outro caso, o depoente já tem construção de papel profissional definida e
atua há mais de 5 anos na área e vê a graduação como uma possibilidade
alternativa de desenvolvimento:
Não vejo muita ligação, pois sou militante do movimento negro, desde
muito cedo comecei minha militância. Então as coisas que eu faço são
sempre em prol dessa população que a gente acaba rotulando como a
marginalizada, a de baixa renda e tal. Estou mais voltada para esse tipo de
ação, ações afirmativas, e tem uma ligação, mas não vejo quotidianamente
comigo. Talvez porque eu não atue na área como professora ou como
auxiliar de professora, não que eu não goste, adoro atuar com crianças,
quero atuar nessa área. (Maria)
7.2.8.3 Vínculo empregatício convergente à escolha profissional
Em dois depoimentos se percebeu uma aproximação entre as atividades de
emprego e suas escolhas profissionais. Vale ressaltar que estes estão em minoria e
não coincidem necessariamente com ingresso em estágios ou outras formas de
emprego facilitadas pela instituição educacional. Num dos casos, o depoente já
trabalhava na área e sente alguma proximidade com esse emprego:
Eu era pesquisador do IBGE que bate de porta em porta, ia a escolas
também, indústrias, era só coletar informações, não podia pensar os dados...
podia até pensar, mas não podia comentar... Se tivesse que fazer um
trabalho de escrever algum negócio da renda média, mesmo sendo eu quem
pesquisou a renda média não podia fazer isso. Era mais estatística que
geografia, geografia os outros faziam. Você podia até ver geografia, mas
indiretamente. O ponto bom é que eu conhecia as cidades, batendo de porta
em porta você vê como é a cidade. (Otavio)
No segundo caso, existem elementos de manutenção do vínculo com o
cursinho que propiciaram a atividade convergente:
E agora na faculdade eu me sustento com a remuneração do cursinho.
Tenho por ideal ser dedicado, interessado nos meus alunos, sempre
aprendendo mais, inovando a aula a cada dia, fazer uma aula interessante.
Penso principalmente em manter a aula em cursinho comunitário.
(Francisco)
7.3 Relacionamento com o curso pré-vestibular
Nessa categoria, apresentaremos o tempo médio investido pelos jovens na
instituição e os pontos mais relevantes de sua experiência na instituição. Nesse
sentido, a maior parte dos depoentes coloca a construção de vínculos afetivos como
o ponto mais relevante em seu tempo de curso. Em segundo lugar, apresentam a
identificação com os professores e coordenadores como aspecto mais valorizado e
em terceiro lugar a qualidade técnica do curso.
7.3.1 Tempo de estudo no curso pré-vestibular
Cinco depoentes relatam terem estudado no cursinho por dois anos. Um dos
depoentes estudou por um ano e meio. Um depoente afirma ter estudado por dois
anos e meio e outro por um ano.
Três dos depoentes afirmam que cursaram outro pré-vestibular antes do
PsicoUSP.
7.3.2 Construção de vínculos afetivos
Para cinco participantes, foi notória a importância dada aos relacionamentos
estabelecidos na passagem pelo cursinho pré-vestibular. Em muitos casos, mais do
que a capacitação técnica de qualidade ou facilidade nas condições materiais (baixo
custo, proximidade de casa), a experiência pela instituição é relatada como um
momento para construção de amizades e vínculos. Nesse sentido, todos os
entrevistados dizem manter contato com amizades estabelecidas durante esse
período. Sobre isso:
A gente vê que os alunos que foram até o final, é muito importante, porque
alem de vir aqui ser um auxilio e complemento para o que você se preparar
para a faculdade tem o lado da amizade, tratada como ser humano. Tem a
parte da preparação, mas também tem esse cuidado com as nossas
necessidades, saber que você tem um filho, que trabalha, daí existe ajuda
e negociação de horários, existe uma relação muito boa. (Maria)
O cursinho não te trata só como amigo, te trata como família mesmo.
Porque mesmo depois que você se formou, o pessoal, os professores, ex-
professores continuam dispostos a te ajudar. (Adriana)
Amigos de cursinho a gente nunca esquece. (Adriana)
7.3.3 Identificação com coordenadores e professores
A instituição se propõe a um contato mais próximo com os alunos, pois há
grande identificação social dos professores e colaboradores do cursinho com os
estudantes.
Essa proximidade permitiu a dois depoentes não apenas estruturar os vínculos
de amizade, mas expressar como aspecto mais relevante do período de cursinho, o
estabelecimento de modelos de sucesso, entendendo como possível à
concretização de seus sonhos, já que muitos dos professores e coordenadores
partilhavam de sua origem e história. São quatro os sujeitos que manifestam esses
sentimentos, ilustrados na fala de Sheila e Gustavo:
Quando eu entrei lá eu tinha uma idéia desses cursinhos comerciais
mesmo, acho que é normal. E como eu tinha mudado para a Usp há pouco
tempo eu estava super perdida, é até estranho, acho que é por causa do
interior. Eu tinha medo de as pessoas serem diferentes, até eu me
adaptar... Era um ambiente super diferente, pelo menos no início em 2003
quando eu entrei, as pessoas pareciam ser super unidas mesmo. Teve
também a questão da M..[coordenadora], quando eu conheci ela, nesse
processo foi a pessoa que mais me ajudou, dá até emoção de falar nela,
que me ajudou e continua ajudando muito. (Sheila)
Com certeza de um modo diferente do que eles trabalham por aí,
mostrando para as pessoas do que a gente é capaz, do modo que o
cursinho passou para mim. Eu tenho todo um processo escolar que
ninguém nunca quis saber quem eu era, e aí veio o cursinho e fez isso.
Então eu seria do modo que o cursinho foi para mim, mesmo. Tanto é que
deu certo. (Sheila)
Gosto do cursinho bastante pelos professores, como é popular eles
abraçam mesmo a idéia e eles mesmo na maior paciência. Às vezes eu
sentava no plantão e via umas pessoas bem mais carentes, que estudou
sempre em escola publica e era de assustar assim, dai então eu via que os
professores não tinham diferenciação nem preconceito nenhum, isso era
maravilhoso e alguns dos professores também são de origem humilde dai
eles vão que vão e alem disso eles vivem o cursinho, não chega à sala e já
era, conversa com você na entrada na saída, vai com você numa festa. Pra
mim a questão são os professores e os camaradas do intervalo, bagunça,
falam a língua do pessoal, é muito legal, pegar um desses cursinho ai, é
aula, aula e depois já era. (Gustavo)
7.3.4 Qualidade na práticas do pré-vestibular
Dois depoentes apontam a qualidade técnica, a riqueza de material, o
conteúdo de sala de aula, a diversidade nas atividades e competência dos
professores como os pontos de maior relevância na passagem do cursinho.
Dessa forma, estabelecem a instituição como referencia de desenvolvimento e
com características diferenciadas de qualquer outro cursinho. A fala de Antonio
reproduz bem esse sentimento:
Na PsicoUSP gostei muito mais porque a relação com os professores era
melhor, a relação dos alunos era melhor, a experiência de educação foi
muito interessante, lá tem atividades, como consciência negra, achei os
professores bem mais voltados para uma causa.
7.3.5 Manutenção do vínculo com a Instituição
Em suas falas, cinco depoentes afirmam manterem vínculo ativo e freqüente
com a instituição. Destes, dois possuem vínculo empregatício com a instituição, um
como plantonista e outro em funções administrativas. Outro está procurando
trabalhar no cursinho, tendo conversado com a coordenação.
Existem também as vinculações ocasionais, expresso por dois sujeitos, onde
estes são convidados para eventos especiais do cursinho, tais como palestras,
festas, datas comemorativas, fóruns de discussão e semanas culturais. Para um
deles esses momentos são de extrema importância como um espaço de reafirmação
de suas conquistas e possibilidade de compartilhamento de experiências, pois houve
um convite em 2005 a relatar, numa palestra, sua experiência como universitário e
afirma:
Meu trabalho está sendo reconhecido e justificado, e com isso posso meio
que prepará-los para a vida lá dentro. (Maria)
7.4 Orientação Profissional e figura de referência para dificuldades profissionais
Nenhum dos depoentes realizou uma atividade especifica em orientação
profissional ou vocacional, dentro ou fora do cursinho, apesar de cinco nomearem
este serviço como muito importante para a escolha adequada da profissão.
Quando questionados por uma figura de referência em caso de alguma dúvida
ou dificuldade relacionada a questões vocacionais, quatro depoentes afirmaram que
procurarariam alguém do cursinho (coordenadores ou professores), três afirmaram
que optariam por um profissional especializado. Finalmente dois colocaram
profissionais da área como referencias para questões vocacionais.
7.5 Percepção de futuro e Projeto de Vida
As falas sobre o futuro na profissão carregam o desejo de mudança, as
expectativas, os planos e os sonhos de cada um. Falam de um futuro próximo, no
qual a mudança de estilo de vida está presente. As expectativas sobre e o desejo de
um futuro feliz fazem parte de uma adolescência normativa, de acordo com as
definições que Kimmel e Weiner (1998).
Foi possível classificar as perspectivas de futuro em dois grandes grupos,
diferenciados pelos elementos norteadores da perspectiva profissional.
7.5.1 Graduação como possibilidade de ascensão
Cinco depoimentos demonstram projetos concretos voltados a uma perspectiva
de futuro voltada à possibilidade de inserção no mundo do trabalho de forma a
ascender economicamente e, de certa forma, garantir um futuro estável para si. Em
alguns a perspectiva de carreira se faz de forma linear, com possibilidades
concatenadas e paralelas:
Eu formando vou fazer direto uma especialização ou Auditoria ou
Controladoria em Finanças porque os professores estão falando que é o
foco. Posso montar um escritório, mas os professores enchem o saco
dizendo que não vão formar o pessoal para montar escritório na esquina e
fazer imposto de renda… dá para gerir a parte contábil em uma empresa,
mexer com auditoria, a parte fiscal e também a área acadêmica que eu
estava pensando nesses dias, também se não pintar nada, vamos dar aula
né? Hoje dias tem milhões de faculdades, com um mestrado já da para dar
aula. (Gustavo)
E aí se eu não tiver um emprego somente, eu tava pensando em recuperar
inglês, em dar umas aulas, e em cursinho como professor de geografia,
acho que teria como bancar meus projetos pelo menos até a graduação.
Termino a minha graduação, inicio uma tese... corro atrás de pós-
graduação, mestrado, aí vou ver se é sustentável fazer uma faculdade de
arquitetura enquanto tiver fazendo pós-graduação em geografia... se for
viável... (Otávio)
Eu penso em trabalhar em laboratório médico ou alguma coisa desse tipo,
vejo assim, não vejo ir para florestas ou trabalhar em Ong, vejo em
laboratório… é laboratório, mesmo, com pesquisa de laboratório, financiado
por empresas, sabe? (Josefa)
Em ambos os casos, não apenas o desejo de inclusão no mercado de trabalho
é norteador na concepção de futuro, mas também se evidencia a necessidade dos
depoentes em apresentar possibilidades de adequação ao que crêem serem
demandas do mercado das quais podemos destacar a necessidade de educação
continuada, ressaltando a idéia da educação como alavanca para a transformação
social.
7.5.2 Graduação como resgate do social
O sentido da fala percebida nesse grupo, representado por três depoentes,
aponta o futuro profissional como forma de reparação da realidade social percebida,
dedicando-se a uma causa definida, não necessariamente vinculada ao seu curso de
graduação. Ao relatarem suas experiências de ingresso na universidade, atribuíam
ao ensino superior uma forma de acesso a ferramentas para modificação de suas
realidades percebidas, das injustiças sociais sentidas e do resgate à sua tradição.
Observemos os depoimentos:
Uma pessoa realizada, de acordo com a situação que a gente vive hoje. É
um pais de muitas cobranças que está muito defasado em alguns pontos,
dentre elas a Educação. A Educação é necessária, pois é o princípio de
todas as áreas, espero que as pessoas sejam mais solidárias com relação
ao próximo e que tenham um ensino amplo, educação ampla, menos
crianças nas ruas, nessa linha. Acho que eu estarei atuando como
professora, mas acho que vou estar como professora, para melhorar a
situação do ensino. (Maria)
Tenho por ideal ser dedicado, interessado nos meus alunos, sempre
aprendendo mais, inovando a aula a cada dia, fazer uma aula interessante.
Penso principalmente em dar aula em cursinho comunitário. Não me
imagino dando aula em cursinho comercial e em colégio público eu
também gostaria de dar aula. Talvez em um bom colégio particular, só par
me sustentar, mas não é o que eu gostaria. Se eu pudesse daria aula só
em colégio público e cursinho popular. (Francisco)
Dando aula, e voltando para um cursinho comunitário, que dá muito certo
para pessoas de baixa renda, tenho certeza, não é só para mim, muitas
pessoas que eu conheço tiveram essa percepção. (Sheila)
8 Discussão dos Dados
8.1 Evolução do papel universitário
A entrada na Universidade correspondeu, à concretização de um sonho
alicerçado ao longo dos anos e frequentemente partilhado, de forma positiva e com
grande intensidade, por aqueles que o rodeiam (amigos, colegas e familiares).
Apesar do número de barreiras ultrapassadas, muitos destes jovens chegaram
à Universidade com visões ingênuas e irrealistas acerca do que a vida universitária
realmente envolve e pode oferecer.
Essas afirmações não são particularidades da amostra estudada, pelo
contrário, como demonstram Almeida e Soares (2004), com uma pesquisa realizada
em 2003 com estudantes de diferentes classes sociais numa universidade particular
portuguesa que evidenciam percepções muito similares.
Nesse contexto, para Macedo (1998), o jovem vestibulando pensa que,
escolhendo uma profissão, lá na frente arranjará uma ocupação mais ou menos
condizente com aquilo que estudou e, a partir daí, prosseguirá sua vida, já numa
fase adulta”.
Estão presentes nessa escolha forças de ordens diversas, vindas de diferentes
esferas sociais, entre as quais “o mundo da sua família, o da sua escola, o dos seus
amigos e das atividades que lhe despertaram maior interesse” (p.150).
Compreender e particularizar esta amostra demanda maior percepção antes as
esferas sociais destes jovens, aprofundando o olhar ao fenômeno de inserção nos
meios universitários.
Observamos assim, que as “estruturas” do campo são importantes na formação
do habitus, no entanto, a ação dos agentes não é completamente determinada por
elas. Bourdieu (2001) fala em “sentido do jogo”: o jogador apreende as regas do
jogo, mas as regras não prevêem o que irá acontecer, tampouco como o jogador irá
jogar.
Os dados obtidos a partir da classificação das respostas nos demonstram que,
no campo familiar, de uma maneira geral, os jovens possuem escasso
relacionamento e tradição com a vida universitária. Tal fato pode ser atribuído ao
reduzido numero de sujeitos com parentes próximos com ensino superior, completo
ou incompleto.
Ao ingressar no vestibular, já se verifica um rompimento com esta tradição, que
é aceito positivamente por todos os familiares dos depoentes evidenciando que
estes são depositários de uma expectativa de ascensão e, dessa forma, acabam por
ocupar um espaço de destaque na família, tal como afirma Josefa, ao colocar “me
sinto muito apoiada por meus pais, eles acham minha vida difícil e reconhecem meu
esforço”, apontando para seu esforço intelectual como superior ao esforço de seu
pais, ambos trabalhadores braçais.
Os agentes, segundo Bourdieu (2001) só conseguem participar do “jogo”
específico de cada campo se dotados de um mínimo de capital específico; os
campos, por onde os agentes circulam, levados pela necessidade de estar no jogo
social, são os locus onde operam e se alteram os habitus em conseqüência da
mobilização de tipos diferentes de capital.
É possível analisar o cursinho como um lócus de alteração dos habitus, pois
na instituição, por se encontrar na “fronteira” de diferentes campos, diversifica esta
capitalização.
A movimentação dos agentes no espaço social, atravessando os diferentes
campos com relações e permanências diferenciadas segundo os interesses que os
mobilizam repercute na modificação da estrutura e volume de capitais dos diferentes
agentes.
Assim, as possibilidades de transformação dos habitus dos agentes podem ser
pensadas, por um lado, a partir da movimentação dos agentes entre diferentes
campos sociais, e, por outro, a partir da movimentação e das lutas travadas dentro
do próprio campo.
Ao ingressarem no Ensino Superior, parecem, segundo os depoimentos,
partilhar do sentimento de adaptação e transformação de seus campos sociais,
sofrendo o efeito de hysteresis, isto é, a aplicação de esquemas, julgamentos e
práticas pertencentes ao antigo habitus e agora inadaptados (Guichard, 2001, p.
136).
Um bom exemplo ilustra essa transformação: vejamos os casos de Maria e
Sheila, ambas estudantes no mesmo curso e faculdade (Pedagogia/PUC), bolsistas,
no mesmo semestre, diferindo apenas no período de aula, Maria cursa o noturno e
Sheila o matutino. Sobre o curso, relatam:
Na PUC era uma universidade que a gente rotula como um lugar de
“patricinhas” e “playboys”, mas na verdade não é isso, tem um numero
grande de pessoas de baixa renda, tem muitos negros, a minha sala é
muito linda, quando um falta todos sabem! (Maria)
À noite o público é totalmente diferente, é o público que trabalha, são os
bolsistas, é totalmente diferente. E de manhã já é o inverso, é o público
que eu sempre tive medo de ficar encontrando quando eu entrasse na
universidade, e aí aconteceu. E como eu já tinha estudado à noite, eu já
tinha uma idéia de como é que era. É muito dividido de manhã, as cinco
pessoas que são pobres e que trabalham nem conversam com o resto da
classe, e não sou só eu, esses outros também querem mudar. (Sheila)
Apesar de aproximações quanto ao capital cultural oferecido pela faculdade, as
depoentes se distanciam muito com relação a seu campo relacional, Maria encontra
iguais e parece ter maior reconhecimento de volume de capital, seus esquemas e
julgamentos parecem causar repercussão e efeitos no grupo. Já Sheila se encontra
distanciada de qualquer possibilidade de interação, é tida como uma “estranha no
ninho”, em poucas situações consegue dar vazão às suas idéias e desejo,
expressando grande desadaptação e desejo de mudança, seu capital cultural e
relacional não parece ter esquemas validados pelo grupo.
Existem transformações em diversos campos, seja familiar, escolar e na
empresa, que decorrem da aprovação no vestibular. Assumir a identidade de
universitário pode ser entendido, como aponta Erikson (1972) como a vivência de
uma situação de crise, que demanda (re)estruturação. Avaliaremos, a seguir, o papel
do cursinho nesse processo.
8.2 O cursinho como espaço de interdependência
Na apresentação dos dados, se evidencia a relação aprofundada e única dos
jovens com o cursinho que freqüentaram. É importante delimitar a amostra ao
cursinho estudado e suas características, pois como afirma Bacchetto (2002), dentro
do mesmo rótulo de cursinhos populares se encontra ampla gama de propostas de
atuação.
Em primeiro lugar, com os resultados percebidos, é possível afirmar que a
qualidade de vinculação com o campo da instituição acaba por se aproximar mais de
uma relação com o campo familiar do que com o campo escolar ou de outras
instituições formais, pois sentem reconhecimento de sua história e tradição, obtendo,
muitas vezes pela primeira vez, um espaço de escuta adequado às suas
necessidades.
Ingressar no cursinho parece levar os jovens a experimentar um ambiente
acolhedor, onde existe a possibilidade de identificação não apenas com seus pares,
mas com os próprios atores institucionais, do professorado à diretoria e o próprio
contato com a universidade (pois o cursinho se localiza na USP) possibilitando o
estabelecimento de um espaço relacional propício à construção de uma chamada
identidade “transitória”.
Nessa identidade consegue acumular capitais variados, resignifica seu
percurso e migra do papel de estudante de escola pública, “defasado e deficitário”,
para um “quase universitário”, com perspectivas e um projeto bem definido: a
entrada na universiddade .
Dessa forma, o vínculo com a instituição transcende seu papel inicial de
preparação para o vestibular e assume aspectos de preparação para a vida,
reforçado graças à diretrizes estabelecidas nos objetivos institucionais, favoráveis ao
desenvolvimento psíquico do indivíduo (como apresentado no capítulo 4).
Dessa forma, é até possível observar em alguns relatos, que a entrada na
universidade se torna um valor menos ligado à possibilidade de ascensão social e
mais dirigido ao status que lhes é atribuído entre seus colegas do cursinho. Nesse
contexto, os depoentes parecem se libertar das demandas mercadológicas” e
reconhecem no ingresso universitário o desenvolvimento do self, alimentando suas
possibilidades e vitalizando sua ação. Essa proposta ganha vida com Maria, que ao
ser convidada em 2005 a relatar, numa palestra, sua experiência como universitária,
expressa sua satisfação:
Meu trabalho está sendo reconhecido e justificado, e com isso posso meio
que prepará-los [os alunos do cursinho] para a vida lá dentro [da
universidade].
Esse papel é assumido de maneira mais consistente do que a própria função
ocupacional proposta pelo curso em carreira, há reconhecimento e valorização de
seus processos biográficos, como propostos por Dubar (1997), e que realimentados
pelo cursinho, parecem ser suficientes para uma função identitária.
Nesse contexto, muitos jovens encontram nos atores da instituição não
apenas modelos para a trajetória de vida, mas também como “ideal” profissional,
através de processos projetivos e identificatórios, já que parte dos professores e
coordenadores são provenientes das classe populares. Encontramos na fala de
Francisco:
Eu tive uma experiência mais de cursinho mesmo, um ritmo mais
puxado, todo mundo se ajudava, até na secretaria, professor, encontrava
professor em festa e ia tirar dúvida, era bem legal. Era bem família, um
grupo bem unido, foi muito bom para saber se era isso mesmo que eu
queria fazer, que eu queria ser professor e dar aula em cursinho. Foi isso o
que mais me influenciou no cursinho.
Ao reconhecer no cursinho um verdadeiro espaço de holding e sustentação,
parece haver, na maior parte dos depoimentos, diminuição do impacto frente aos
novos ambientes, suavizando a ruptura de seus valores ou habitus.
Mediante estas colocações, reconhecemos na instituição indícios do que
aponta Lehman (2005), alertando que as mudanças na qualidade do vínculo e na
estrutura de carreira manifestas graças ao capitalismo avançado e assim
geram divergência entre aquilo que o sujeito busca, um espaço
profissional onde predomina uma relação afetiva-pessoal. Dessa forma, o
discurso tecnicista proveniente desse sistema gera um splitting entre o que
o sujeito espera e aquilo que o mundo espera dele, rompendo-se o espaço
e o tempo. (LEHMAN, 2005 p.104)
Mas ainda não é seguro afirmar que as práticas da instituição promovam o
desenvolvimento de projetos profissionais, existem indícios que evidenciam um
dinâmica paradoxal, pois ao se fortalecerem tais vinculações, corre-se o risco de
manter os jovens na posição de onde querem sair: a inclusão dá ferramentas para a
manutenção da exclusão, como veremos a seguir.
8.3 Impactos da proposta social no projeto de vida
Através da análise dos dados, constata-se na amostra uma lacuna no
atendimento das demandas vocacionais dos sujeitos. Esse parece ser um viés para
a maioria desses movimentos sociais, pois direcionam sua atenção para garantir
mais “a” inclusão (genérica, como forma de desestruturação do status quo) do que
uma” inclusão.
Uma análise superficial sobre a pesquisa de Bacchetto (2002) sobre os
cursinhos populares existentes na cidade de São Paulo, nos fornece dados, ao
observarmos as formulações de objetivos propostos pelas diferentes instituições,
que indicam escassez de tópicos relacionados ao desenvolvimento profissional dos
seus usuários.
Embasado no caráter social do trabalho, Ferreti (1988) afirma que a
desorientação não pode apenas ficar relegada ao indivíduo. O projeto profissional,
assim como as dificuldades enfrentadas para mantê-lo, são “situações criadas pela
complexidade do processo de produção, pela divisão social e técnica do trabalho e
pelo fato da força de trabalho de cada um assumir características de uma
mercadoria como qualquer outra.” (Ferreti 1988, p. 12)
Então é esperado, dentro de instituições que se propõem a discutir temas
relacionados à cidadania e estudos sociais, que haja um espaço de significação do
trabalho, para que, como propõe o autor, haja compreensão desses processos
produtivos e desenvolvimento de uma crítica aos próprios processos produtivos,
como forma de ampliação dos projetos individuais.
Entretanto, como participantes de ações afirmativas denominação à toda
política de inclusão de minorias à diferentes campos os cursinhos promovem uma
perspectiva de igualdade social na universidade e promovem discussões e debates
relacionados à reprodução e engajamento nessa luta política, valorizando não
apenas a possibilidade do acesso à classes sociais mais favorecidas, mas o
reconhecimento das classes mais baixas à lócus dominantes dessas classes, como
por exemplo a própria universidade.
Resultados expressivos, através da efetiva mobilização da sociedade e
surgimento de uma série de medidas, como a isenção para vestibulares, a política
de quotas e a ampliação do ProUni
5
que beneficiam a entrada do aluno negro, de
5
ProUni “Programa Universidade para Todos, é o maior programa de bolsas de estudo da história da educação
brasileira. Criado pelo Governo Federal em 2004, e institucionalizado pela Lei nº 11.096, de 13 de Janeiro de
2005, possibilita o acesso de milhares de jovens de baixa renda à educação superior. Tem como finalidade a
concessão de bolsas de estudo integrais e parciais, a estudantes de cursos de graduação e seqüenciais de
formação específica, em instituições privadas de educação superior, oferecendo em contrapartida, isenção de
alguns tributos àquelas que aderirem ao Programa.” (http://prouni-inscricao.mec.gov.br/prouni/Oprograma.shtm
)
baixa renda e proveniente de escolas públicas, no ensino superior, parecem
consolidar suas práticas.
É preciso considerar que ao privilegiar o ingresso quantitativo dos estudantes e
não o qualitativo que envolveria um olhar aprofundado sobre as estratégias de
manutenção desse jovem na universidade as instituições acabam por desvitalizar a
idéia de um projeto profissional pessoal.
Em Freitag (1980, p.114-115) existe o alerta de que a ampliação da oferta de
cursos universitários ministrados pela rede particular, especialmente para cursos
noturnos leva os alunos, principalmente de menor poder aquisitivo, à busca do
diploma pela facilidade no ingresso e menor custo. A autora considera que este
fenômeno se reproduz também pelo interesse dos alunos egressos do ensino médio,
mais interessados nos diplomas do que nos conteúdos transmitidos.
É preciso levar em consideração que nos anos 70, momento histórico em que a
autora se situa, a expansão do ensino superior estava em seu início e ações de
inclusão ainda eram inexistentes. Mas, mesmo com as conquistas obtidas pelos
movimentos sociais e as grandes transformações efetivadas no ensino superior, a
lógica do diploma como fim ainda parece persistir.
De acordo com Pierre Bourdieu (2001), os diplomas não necessariamente
“contém qualquer informação concernente à capacidade para ocupar determinado
cargo, sendo que numerosos agentes têm propriedades que são devidas, em parte,
ao diploma e, em parte, ao cargo” (p.134). Entretanto, é importante observar que,
apesar de não assegurar competência técnica a seus portadores, “um título como o
título escolar é capital simbólico universalmente reconhecido e garantido, válido em
todos os mercados” (Bourdieu, 1990, p.164).
A pesquisa apresentou importantes indícios do reflexo desta lógica em boa
parte dos depoimentos, onde as opções realizadas no vestibular foram diferentes
daquelas que os indivíduos consideravam como seu desejo ou vocação.
Relatam como critérios de justificativa para a mudança, a dificuldade para
entrada no vestibular do curso previamente escolhido (e a conseqüente facilidade do
curso efetivamente cursado); a pouca disponibilidade de horários possíveis para
trabalhar pois no curso demandava dedicação integral ou por desidentificação com o
curso, afirmando que o “perfil” da faculdade não condiz com a realidade do jovem.
Seguem os relatos:
Primeiro eu pensava em fazer Psicologia, foi minha primeira opção até o
primeiro ano de cursinho, só que eu tentei e não consegui. Aí pensei em
fazer algo relacionado, de repente depois eu consiga… daí eu pensei eu
fazer Pedagogia. Acho que pelo meu processo escolar, escola pública,
várias dificuldades. […] Eu lembro de uma época assim de que criança que
me marcou muito, eu estava na sexta série, e aí eu falei para a minha
amiga: Márcia, eu vou ser psicóloga quando eu ficar mais velha. Daí minha
amiga falou: mas você não combina com psicóloga, eu nunca vi uma
psicóloga igual a você, da sua cor, do seu jeito…Por isso que eu lembro,
porque foi uma coisa que marcou... (Sheila)
Sempre pensava em biologia, pensava muito mas era sempre desmotivada
a fazer porque era um curso mais concorrido, se fosse fazer uma faculdade
paga era mais cara, era integral daí eu não poderia trabalhar. Daí fiquei um
tempo sem saber, prestei o vestibular sem saber o que queria, eu sempre
jogava uma coisa de humanas nas opções. Prestei em 2003 USP, fiz
cursinho em 2003 e 2004 aqui na Psico, terminado passei na PUC e
pedagogia, mas lá fiquei. (Maria)
Eu queria medicina veterinária, só que não dava porque era o dia inteiro e
não tinha Mackenzie, eu só prestei Mackenzie, era o dia inteiro e eu tinha
de trabalhar e não ia dar tempo de trabalhar e é muito caro os materiais.
Sempre quis ser veterinária. […] Quando estava no site eu vi uma coisa
pelo menos perto do que eu queria dai escolhi biologia, mas achei que ia
ser muito difícil, porque eu vejo os professores daqui do cursinho que
escolheram biologia e eles sabem bastante coisa e eu teria também que
saber bastante. (Josefa)
Entrei decidida no cursinho para fazer biomédicas porque queria ter um
laboratório de análises clinicas. Quando foi na época do vestibular,
comparando as profissões, vendo vagas disponíveis e números de
ingresso, pensei em farmácia, sendo que a primeira opção continou como
biomédicas. Não queria tentar a área médica, queria laboratório mas como
segunda opção pus farmácia […], falei com um farmacêutico, visitei a
faculdade e boa parte das matérias era a mesma, comparei as duas. […] O
que me fez escolher foi o dia-a-dia mesmo, não adianta escolher uma
profissão e depois ficar sem ter oportunidades. (Adriana)
Uma tentativa relevante de compreensão desse fenômeno pode ser feita
através da definição de identidade profissional por Dubar (1997), onde a articulação
dos processos biográficos, definidos como “uma construção no tempo pelos
indivíduos de identidades sociais e profissionais a partir de categorias oferecidas
pelas instituições sucessivas (família, escola, etc) e consideradas como acessíveis e
valorizantes” e dos processos relacionais, ou o “reconhecimento, num dado
momento e num espaço determinado de legitimação, de identidades associadas aos
saberes, competências e imagens de si expressas pelos indivíduos em diferentes
sistemas de ação”, representa a projeção do espaço-tempo identitário e geracional,
ou seja, uma identidade social que é construída com base em categorias herdadas
pela geração precedente mas que se transformam com o desenrolar da ação dos
indivíduos nas instituições que partilham e modificam.
Com base nos relatos, parece existir a valorização, por parte da instituição e
sua dinâmica, dos aspectos biográficos pelo cursinho. Esse olhar disponibiliza aos
indivíduos um espaço de escuta nunca antes existente, um local de afirmação de
sua raça, condição social e trajetória de vida. O resgate do indivíduo e a melhoria de
sua auto-estima, exemplificado nas palavras de Sheila, me ajudou muito a ter
autoconfiança, determinação, não te ninguém melhor ou pior que você, somos todos
iguais e você tem capacidade sim” , reforçam a eficiência e a importância de suas
práticas para o desenvolvimento desses processos.
Por outro lado, para que os indivíduos possam vivenciar a construção de suas
identidades, devem ser integradas às práticas dos cursos pré-vestibulares ações de
desenvolvimento dos processos relacionais, ou seja, a valorização das
competências individuais aplicadas a outros contextos. É preciso reconhecer o
caráter permanente destes processos e não reduzi-los a momentos episódicos, tais
como o vestibular.
Dessa forma, poderão vivenciar o mercado de trabalho de maneira mais
profunda, compreendendo suas vicissitudes e fluxos. Isso é muito importante para
Teixeira & Gomes (2005), que apontam a decisão de carreira como dependente
mais da forma como o indivíduo percebe o mercado de trabalho do que
propriamente das suas condições objetivas, evidenciando a importância do papel
ativo que tem o indivíduo no processamento das influências que vêm do ambiente ao
tomar decisões relativas à sua carreira.
9 Considerações finais
O foco do trabalho foi examinar a continuidade do ingresso na universidade por
um grupo de egressos do curso pré-vestibular do Instituto de Psicologia da USP, nos
anos de 2004 e 2005, visando a oferecer elementos que contribuíssem para uma
melhor compreensão da inclusão desses jovens em ambientes universitários
diversos, no contexto atual.
Partindo de uma perspectiva teórica macro social para micro social e com
caráter exploratório, aponta alguns elementos relevantes para o estudo da
construção da identidade profissional por parte destes jovens.
As análises evidenciaram que o ingresso no ensino superior muitas vezes não
está diretamente relacionado à perspectiva de profissionalização em determinado
campo de atuação, pois o diploma ainda é tido como garantia de acesso ao
mercado. A preponderância deste fator demonstrou que os jovens se encaminharam
para o ensino superior sem aprofundamento na questão da escolha
vocacional/profissional ou estabelecimento de um projeto devida.
O estudo também se propôs a compreender o papel desses cursinhos no
processo de formação da identidade profissional. Existem indícios suficientes para
afirmar que o cursinho pré-vestibular pode se tornar um espaço transicional de
desenvolvimento, permitindo que o indivíduo se aproprie de atribuições transitórias
como espaço de experimentação e ao mesmo tempo internalize o sentimento de
pertença a um grupo, condições fundamentais para o desenvolvimento do projeto de
vida.
Por outro lado, ainda é necessária maior preocupação com a preparação para
a escolha dos indivíduos, responsabilidade que deveria ser do ensino fundamental e
médio, mas que, como tantas outras responsabilidades, é assumido por esses
movimentos sociais.
De forma que enquanto não forem desenvolvidas práticas de desenvolvimento
do projeto de vida dos alunos no cursinho, direcionando seu foco para a manutenção
do estudante na universidade ao invés de seu ingresso, ainda existirá a reprodução
de ideologias de exclusão na própria instituição.
Esse trabalho apresentou uma série de limitações teóricas e práticas pela
dimensão da questão e principalmente, a escassez no referencial teórico. Muitas
outras pesquisas se fazem necessárias para a possibilidade de maior compreensão
desse fenômeno, como por exemplo o registro quantitativo dos alunos de cursinho
alternativo, fornecendo dados mais claros sobre a extensão desses projetos.
Além disso, os estudos podem encaminhar para o desenvolvimento de práticas
em orientação profissional específicas para atender as demandas desta instituição,
reforçando seu caráter social e não funcionalista.
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adultos. Dissertação de mestrado, Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo, 2002.
APÊNDICE A ROTEIRO DE ENTREVISTA
? Breve histórico de vida, direcionado para seu relacionamento com familiares,
amigos e espaço social.
? Seus pais estudaram até que grau?
? O curso escolhido e como foi a escolha?
? Como foi a passagem pelo cursinho, relate as experiências mais marcantes?
? A construção da identidade de universitário exigiu algum tipo de mudança na vida
cotidiana? Em relação à moradia, horários, lazer, mobiliário?
? O que já conhecia da faculdade?
? Como foram os primeiros meses de convivência.
? Quais expectativas se concretizaram e quais não? O que mais gostou até agora
dentro da universidade. Que dificuldades têm encontrado?
? Construíram-se novas relações a partir da experiência da universidade?
? Como tem se sustentado financeiramente e caso trabalhe, qual a relação da
ocupação atual com o projeto profissional?
? Qual sua opinião sobre seus colegas de faculdade?
? O que você imagina ser uma profissional hoje em dia?
? Como você se imagina em 10 anos.
? Você mantém algum contato com o cursinho?
? Houve mudanças na sua relação com grupos de origem? Como se deram?
? Se houvesse dúvida quanto a sua escolha, quem você procuraria?
APÊNDICE B - Termo de Consentimento Informado
Identificação e Proposta
Marcelo Augusto Parpulov dos Santos, psicólogo, mestrando em Psicologia Social
da Universidade de São Paulo, está conduzindo uma pesquisa sobre os processos
de inserção na universidade pelo jovens provenientes de cursinho popular.
Convite e Recusa
Estou sendo convidado (a) a participar deste estudo. Meu nome foi selecionado
porque todos os estudantes do meu cursinho, o PSICOUSP que foram aprovados
no vestibular 2005 serão convidados a participar. Eu sei que minha participação é
absolutamente voluntária, tenho o direito de recusar a participar ou desistir em
qualquer ponto deste estudo.
Procedimentos
Se eu concordar em participar, ocorrerá o seguinte: um entrevistador me fará
perguntas , irá ouvir respostas e anotá-las. Será realizada em uma sala fechada
onde somente eu e o entrevistador estarão presentes. Serão feitas perguntas sobre
minha vida escolar, meus amigos, minha família, minha escolha profissional e as
perspectivas de entrada nessa faculdade. Algumas questões serão pessoais. A
entrevista terá duração aproximada de 1 h.
Risco/Desconforto
Não há nenhum efeito prejudicial antecipado em participar da pesquisa. Algumas
perguntas são pessoais e delicadas. Se alguma questão me deixar chateado (a) ou
desconfortável, eu sou livre para me recusar a responder em qualquer momento.
Sigilo
Meus dados serão guardados e usados o mais confidencialmente possível.
Nenhuma identidade pessoal será usada em qualquer relato ou publicação que
possam resultar do estudo. Nenhum nome será associado à entrevista. As fitas e as
transcrições das entrevistas ficarão trancados no Laboratório de Estudos Sobre o
Trabalho e Orientação Profissional onde só Marcelo Augusto Parpulov dos Santos e
sua Orientadora Profa Dra Yvette Piha Lehman terão acesso.
Questões e Retorno
Todo o material resultante desta pesquisa (dissertação, artigos, etc) me serão
enviados por correio ou endereço eletrônico (email). Em caso de dúvida ou
comentário eu posso falar com Marcelo Augusto Parpulov dos Santos na
Universidade de São Paulo
Endereço
Instituto de Psicologia da USP - Labor USP
Av Prof Mello Moraes, 1721 Cid Universitária São Paulo 05508-900
Telefone 3091-4174 recados com Fátima ou Marcelo cel. 9543-2586
Consentimento
Eu conversei com Marcelo Augusto Parpulov dos Santos sobre o estudo e foi dada
cópia deste consentimento para mim. Eu entendi o que li e tive minhas perguntas
respondidas. A participação neste estudo é voluntária. Sou livre para recusar estar
no estudo ou desistir a qualquer momento. Minha decisão não afetará meus direitos
de receber serviços em qualquer serviço público.
_______________________________
Consentimento recebido - Assinatura
100
100
APÊNDICE C - Entrevistas
A. MARIA, 26 ANOS, PEDAGOGIA PUC.
Mora com seis integrantes da família, sempre estudou em escola pública na
mesma rua de sua casa, todos os seus irmãos estudaram na mesma escola. Sua
mãe estudou até a quarta série do ensino fundamental e pai até a terceira, mas sua
mãe fala que o que não teve quer para os filhos por isso para a faculdade tem todos
os subsídios dela, inclusive um de seus irmãos faz artes plásticas. Sempre se
considerou boa aluna, relata que a única vez em que reprovou foi por conta de uma
reprovação coletiva por bagunça na sala na terceira série (do ensino fundamental),
dizendo que em todo o resto foi muito elogiada. Terminados os estudos quis fazer
cursinho, mas não de imediato porque as necessidades e prioridades eram outras,
terminou em 1997 e priorizou as demandas econômicas, ajudava a família em casa,
pois os pais estavam se separando.
Ao relatar suas experiências com o cursinho, ressalta a amizade e união que
permitiram com que fosse até o final, afirma:
Além de vir aqui ser um auxílio e complemento para o que você se preparar para a faculdade
tem o lado da amizade, tratada como ser humano. Tem a parte da preparação, mas também tem
esse cuidado com as nossas necessidades, saber que você tem um filho, que trabalha, daí existe
ajuda e negociação de horários, existe uma relação muito boa.
Fez dois anos de cursinho na Psicousp e foi representante de sala em 2003 e
2004, procurou sempre mobilizar as pessoas, pois acreditava que a maioria das
pessoas que entravam eram tímidas, vinham só para estudar e ela procurou ajudar
na construção da vida delas. E com isso realizou uma série de eventos, discussões
101
101
e um grupo para lazer e viagens fora de São Paulo, sente que procurou se integrar
ao máximo tanto com colegas quanto diretoria.
Vem sempre que pode ao cursinho, e conta que mesmo pessoas que não
passam em faculdades voltam e mantém contato. Foi convidada em 2005 a relatar,
numa palestra, sua experiência como universitária e achou extremamente
satisfatório:
Meu trabalho está sendo reconhecido e justificado, e com isso posso meio que prepará-los para
a vida lá dentro.
Quanto a sua escolha profissional, afirma que sempre pensou em biologia, mas
era desmotivada a fazer por parte de seus amigos e colegas, por ser um curso mais
concorrido e caso fosse fazer faculdade paga era mais cara e integral daí não
poderia trabalhar. Afirma que ficou um tempo sem saber e acabou por prestar o
vestibular sem saber o que queria, relata:
Eu sempre jogava uma coisa de humanas nas opções.
Prestou algumas vezes o vestibular, em 2003 apenas a Fuvest, depois fez
cursinho em 2003 e 2004 na PsicoUSP sendo que no decorrer de 2004 passou na
PUC em Pedagogia. Prestou Biologia e Letras na USP em 2003 e 2004
respectivamente, pois afirma que só pensava em entrar na USP, mas sem se cobrar
muito, pois como ficou parada por seis anos não podia se cobrar entrar de primeira.
Quanto ao critério de ingresso, afirma que não era um curso planejado,
acabou prestando por influência de colegas, mas no decorrer das aulas foi
encontrando elementos de identificação e apreço:
Nunca tinha pensado nessa área de pedagoga, cuidar da educação, ser professora e tal, não
tinha muito isso na cabeça… quando eu fiz o curso comecei a gostar muito e ver que tinha a ver
comigo!
102
102
Além disso, se disse tranqüila com a questão da manutenção no curso,
conseguiriam viabilizar o pagamento da mensalidade já que sabia de pessoas
dispostas a ajudar e também da possibilidade do Estado viabilizar seu estudo,
através do ProUni
6
.
No inicio do curso, cogitou a transferência para a USP, mas falou com
algumas pessoas do cursinho, que disseram ser a PUC uma faculdade boa,
conceituada no Brasil e que não precisaria mudar. Então preferiu continuar lá e com
isso percebeu que era um curso que precisava naquele momento e como a
oportunidade foi dada preferiu assumir sua escolha e hoje diz não ter interesse
nenhum em sair de lá:
A escolha veio até mim, porque na verdade eu queria biologia, comecei pedagogia meio que
aleatoriamente depois ela ficou e hoje estou lá.
Conclui que não tinha nenhum conhecimento prévio do curso ou da
Universidade, sabia só de nome.
Quanto à sua vida de universitária, afirma que aprendeu a valorizar muito mais
o outro, a deixar de ser individualista, não encontra mais a visão de competitividade
que tinha na escola, entrou em contato com outros valores, a coletividade e
fraternidade, diz carregar isso do cursinho e continua exercendo na faculdade.
Sentiu que a maior mudança em seu quotidiano foi o fato que no cursinho se
estuda coisas fragmentadas e assim tinha de se esforçar mais e estudar muito:
1 Vide nota de rodapé n. 5.
103
103
O vestibular não quer saber se você tem tempo ou não, os estudos são muito fragmentados e
os estudos vão a mil por hora, tem que ler no ônibus, ler jornal, o cursinho cobra qualidade da gente
porque no final do ano tem um resultado.
Coloca que sendo universitária pôde se centrar em seu curso, não vê mais
matérias que considera indesejáveis (ex. matemática) e consegue muito espaço
também para ampliar seus relacionamentos, diz que sua família era muito restrita, as
pessoas não se conversavam muito e na faculdade consegue conversar com todo
mundo, tem facilidade em fazer amizades, ressaltando que isso foi desenvolvido no
cursinho. Segundo ela, o respeito é a base para qualquer relacionamento, com isso
“as coisas fluem”. Também é representante de sala na faculdade, nos dois
semestres.
Sente facilidade também em interagir porque a maioria das pessoas que faz
pedagogia na sala é bolsista. E com isso preocupou-se muito com as pessoas
porque segundo critérios do ProUni, se o aluno reprova em duas matérias
(dependências) perde a bolsa e com isso fez um levantamento para saber quem
estava indo mal.
O procedimento foi um questionário para saber quem tinha dificuldade em quais
matérias e juntou os grupos com maior dificuldade e foram falar com os professores
para resolver as dificuldades e assim diz que a maioria das pessoas não ficou com
dependências. Mas também ressalta que via algumas que não estavam muito
dispostas a melhorar, e para elas acha que não teve muito que fazer. Sobre esse
assunto, conclui:
Gosto de viver o que estou vivendo.
104
104
Sobre os colegas de curso e faculdade, sentia que suas expectativas eram
ruins quanto ao público que esperava encontrar e se surpreendeu ao deparar com a
diversidade do ambiente:
Na PUC era uma universidade que a gente rotula como um lugar de “patricinhas” e “playboys”,
mas na verdade não é isso, tem um numero grande de pessoas de baixa renda, tem muitos negros, a
minha sala é muito linda, quando um falta todos sabem!
Afirma que foi muito acolhida pelos veteranos, não necessariamente da
pedagogia e estes fizeram reuniões com o grupo em janeiro, para instruir sobre o
processo das bolsas e não contava com esse apoio.
O que mais gostou da faculdade foi saber que pessoas partilham da mesma
situação social e que lutam pelo mesmo ideal, a afinidade tanto com o professor
quanto o aluno. Também acha muito importante a idéia de que está ali para
determinado fim, não está à toa, pois encontrou um lugar para defender a profissão
do professor, que acha ser muito mal falada e que lá pode modificar isso, espalhar
uma coisa bem positiva.
O que menos gostou na universidade foi a necessidade grande de leitura. Acha
que na área de educação precisa ler muito e tem dificuldade não por falta de tempo,
mas por falta de adaptação à leitura, tem muito sono:
Já fui a médico e nada! Literatura cientifica me dá sono, ou é porque não gosto ou não estou
entendendo eu durmo. Mas livros de história e que eu gosto não paro até acabar. Mas sempre coloco
que tenho dificuldades em leitura quando passam questionários pela faculdade.
Também afirma que existem algumas coisas na área social da faculdade que
não gosta, principalmente por não ter acesso e usa o exemplo do “bandejão”, que é
muito caro porque é terceirizado. Sente também algo que não pode mudar, afirma
que sente que a diversidade encontrada em sua classe não se reproduz em toda a
105
105
Universidade, reconhece que com a maioria dos alunos é difícil qualquer tipo de
identificação. Diz:
Mas o rótulo se desmancha só na minha sala, mas fora de lá sei que estou rodeada pelo tipo de
pessoas lá dentro, mas não me maltratam nem nada e nem ouvi casos lá dentro. Mas você quase
não se identifica lá dentro, claro que hoje já tem mais negros lá dentro, mas se pudese mudar,
homogeneizaria menos o ambiente.
Quanto aos vínculos antes da universidade, sente que existe mudança no grau
do relacionamento:
O pessoal do bairro é o mesmo, sempre estudei com as mesmas pessoas, da minha turma eu
sou a do meio, todos já tiveram filho, casaram, separam e eu sou a única que o pessoal vai e fala,
não enroscada, mas eu tive outras escolhas priorizei outras coisas. Eu quase não vejo mais o
pessoal, com a faculdade mudou muito, final de semana, ainda mais na prefeitura, todo o final de
semana estou em eventos e quando vai sair saio com o pessoal da faculdade, faço trabalho, e na
minha casa falam que eu não tenho mais família, mas é mesmo, raramente consigo dormir em casa.
Quanto a sua manutenção financeira diz que trabalha desde muito cedo e que
em 2000 ingressou numa ONG como secretária e lá sentiu grande identificação com
ações sociais. No ano seguinte, ingressou em outra organização não-
governamental, direcionada ao atendimento da comunidade negra, no setor
administrativo trabalhando 4 anos depois ela faliu. De lá foi convidada a estagiar na
coordenadoria do Negro da Prefeitura de São Paulo. Sobre sua manutenção, afirma:
Sempre me sustentei e não sei o que é ficar desempregada, nem quero pensar. Se eu pego
uma coisa eu tenho que dar fim nela, dizem para eu ter calma com as coisas.
Não vê muita ligação com sua ocupação e a faculdade, pois mostra um papel
definido:
Sou militante do movimento negro, desde muito cedo comecei minha militância. Então as
coisas que eu faço são sempre em prol dessa população que a gente acaba rotulando como a
106
106
marginalizada, a de baixa renda e tal. Estou mais voltada para esse tipo de ação, ações afirmativas, e
tem uma ligação (com a faculdade), mas não vejo quotidianamente comigo.
Em seguida relata que seu trabalho na prefeitura é muito importante já que
todos os estagiários são negros na universidade, são remetidos a uma função
especial, de demonstrar para a sociedade suas conquistas. Quanto à atuação na
área da pedagogia, num primeiro momento afirma não se ver atuando como
professora ou como auxiliar de professora, mas não tem certeza de que essa é a
melhor maneira para atingir seus objetivos, vê amplas alternativas, mas não está
definida ainda, sabe que no final de dois anos precisará decidir.
Acredita que o profissional hoje na área de Educação tem de se dedicar
totalmente à mudança da condição brasileira e que depende dele para a melhoria do
ensino. Diz que a questão financeira desmotiva, mas é uma questão de valores:
Com essa questão financeira, claro que desmotiva, mas a gente brinca que ou faz por amor ou
não vai. Tem que ver que o resto da vida vai estar ensinando e aprendendo, ou faz por amor ou não
vai para frente.
Suas expectativas do futuro envolvem a realização profissional e para isso
defende a melhoria de necessidades da sociedade brasileira em especial na área da
Educação:
É um pais de muitas cobranças que está muito defasado em alguns pontos, dentre elas a
Educação. A Educação é necessária, pois é o princípio de todas as áreas, espero que as pessoas
sejam mais solidárias com relação ao próximo e que tenham um ensino amplo, educação ampla,
menos crianças nas ruas, nessa linha. Acho que eu estarei atuando como professora, mas acho que
vou estar como professora, para melhorar a situação do ensino.
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Em caso de dúvida quanto à escolha profissional, procuraria a ex-coordenadora
do cursinho, pois acredita que ela influenciou muito sua vida. Acredita que não tem
espaço para isso com sua família, pois eles não têm muito estudo.
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108
B. JOSEFA, 18 ANOS, BIOLOGIA, MACKENZIE.
Josefa inicia relatando que estudou em colégio publico, na zona norte, mora na
COHAB com os pais e irmão, sendo que foi a única a terminar a escola, o pai
estudou até 6ª, a mãe até a 4ª e o irmão ainda não concluiu. Foi também a única a
ingressar na faculdade, tendo escolhido biologia e nesse momento diz:
e minha tia não sabe nem o que biologia fazia e minha prima achava que eu seria professora.
Fez um ano e meio de cursinho, desde 2003, pois fez meio ano de cursinho
durante a escola e ao entrar na universidade foi muito apoiada por seus pais, sente
eles acham sua vida difícil e reconhecem seu esforço.
Quando relata sua experiência no cursinho, afirma que o grupo era bem unido,
não havia diferença entre professor e aluno, todo mundo era igual e que as ligações
não se perderam e mesmo ingressando em julho de 2005 na Universidade quis
continuar fazendo o cursinho, mas não conseguiu por incompatibilidade de horários
e pela decisão de seguir o curso. Mesmo assim é chamada pela secretaria para
todos os eventos que acontecem na instituição.
Diz também que gostava muito da dinâmica das aulas e de seus colegas, pois
achava seus colegas aplicados, concentrados e ordeiros, se identificando com esse
estilo. Continua se comunicando quotidianamente com seus colegas do cursinho e
procura mantê-los informados dos eventos que ocorrem no Mackenzie.
Quanto a sua escolha afirma que Biologia não era sua escolha principal, nem
estudar numa escola particular (Mackenzie). Seu grande sonho era medicina
veterinária, mas não prestou pelo curso ser de período integral, impossibilitando o
trabalho e pelo alto custo dos materiais. Prestou Biologia pela semelhança com
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109
veterinária e só o Mackenzie por conta da facilidade de ingresso graças ao ProUni
7
.
Quanto a isso afirma:
Quando eu vi que era o dia inteiro, que ia ser difícil pra mim. Também ai eu mudei. Quando
estava no site eu vi uma coisa pelo menos perto do que eu queria dai escolhi biologia, mas achei que
ia ser muito difícil, porque eu vejo os professores daqui do cursinho que escolheram biologia e eles
sabem bastante coisa e eu teria também que saber bastante. Depois que eu passei no Mackenzie eu
não fiz nem Fuvest nem outras.
Esperava certa hostilidade quando entrou no Mackenzie por ser bolsista e de
classe baixa, mas não encontrou nenhuma dificuldade. Cita apenas o problema da
demora na aprovação da bolsa, que fez com que perdesse um mês de aulas,
dificultando um pouco a integração, mas por outro lado foi auxiliada por seus colegas
de classe com as matérias.
Achei legal, pensei que seria super diferente… eu gostei muito dos professores, do laboratório
e acho que os livros, que vai ser mais ano que vem, vou ter mais dificuldade… esse ano eu comprei
só um livro. […] Acho que ano que vem será mais pesado com livros, imagina comprar livro pra usar
só um semestre!
Outro motivo importante foi a expectativa de tempo livre para trabalhar, pois
não achava que conseguiria se manter sem nada. Estuda à tarde e ainda não
conseguiu nenhum trabalho, atualmente está procurando estágio.
Quanto às mudanças de seu quotidiano, acha que a faculdade é muito distante
de sua casa e por se localizar no centro tem muita poluição, o que lhe confere
muitas dores de cabeça, pois não está acostumada (mora perto do Horto Florestal).
Tem saído de casa cedo também, pois sente necessidade de estudar na biblioteca e
acaba voltando tarde então afirma que tem tempo para fazer mais nada.
7
Ver nota de rodapé nº. 4.
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Sobre seus colegas, afirma que são legais, mas muito diferentes dela:
Por exemplo, eles são muito irresponsáveis, eles bebem muito, fumam muito, vão direto em
festas, entram na sala e bagunçam e gritam. É muita bagunça na sala. Nem meu terceiro colegial foi
tão bagunçado, é muita zoeira. Mas todo mundo conversa com todo mundo, mas são muito
irresponsáveis, um pouquinho.
Conseguiu algumas amizades, sendo que foi contatada pelas pessoas, não se
sentiu excluída nem precisou falar com ninguém. Já com suas amizades antigas,
acha que gostaram de sua conquista, mas muitos afirmaram não gostar de biologia,
o que não a intimidou. No geral, achou que não mudou nada na relação. Mas diz que
todos estão com menos tempo, pois para encontrar seus amigos do colégio apenas
visitando-os já que a maioria se casou ou está trabalhando.
Afirma ter tido apenas uma experiência de emprego, durante o cursinho
trabalhando com vendas de cursos, abordando pessoas na rua. Mas não gostou,
pois achava desonesto. Atualmente é auxiliada pelo pai e tem conseguido se
manter, tem procurado estágios, até procurou o centro de estágios da Universidade,
mas acha que vai conseguir sozinha.
Ao descrever o que imagina de sua profissão, pensa em trabalhar em
laboratório médico, não se vê indo para florestas ou trabalhando em organizações
não-governamentais e sim em pesquisas financiadas por empresas.
Com relação a seu futuro, se vê numa casa, trabalhando num laboratório e
ganhando dinheiro.
Finalmente, se sentisse dúvidas quanto a sua escolha profissional, conversaria
com uma professora que dá aula de biologia no cursinho.
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C. Adriana, 20 anos, Farmácia UNIFIEO.
Mora com sua mãe, seus pais são divorciados e tem um irmão casado.
Concluiu o ginásio em escola publica depois o colegial técnico em patologia clínica,
onde relata ter cursado mais matérias técnicas e por isso sentiu deficiência para o
vestibular, um dos motivos que a levou a fazer cursinho. Sua mãe estudou até a
quarta série e seu pai chegou até o segundo ano do ensino médio. O irmão fez
colégio técnico e trabalha na área até hoje, diz ter uma farmacêutica na família, mas
a maioria dos outros familiares que se lembra concluiu apenas o ensino
fundamental. Dessa forma, sente que tem dificuldade para explicar algumas coisas
para seus pais e familiares.
Sua passagem pelo cursinho foi muito importante, diz que sempre se sentiu um
pouco só e pôde encontrar no cursinho amigos de verdade, para lhe ajudar. Os
amigos, que mantém até hoje, foram muito importantes, mas afirma que a
experiência mais marcante foi à possibilidade de conversar com todo mundo.
O cursinho não te trata só como amigo, te trata como família mesmo. Porque mesmo depois
que você se formou, o pessoal, os professores, ex-professores continuam dispostos a te ajudar.
Sente muita falta de pessoas amigas na faculdade, relembra sempre para
outras pessoas, sente que o grupo (do cursinho) ficou orgulhoso por ela ter entrado
na faculdade e ao mesmo tempo abriu sua mente para encontrar outras informações
e motivação para o estudo.
Amigos de cursinho a gente nunca esquece.
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Continua freqüentando o cursinho sempre que tem oportunidade,
especialmente em datas comemorativas e outras atividades, avisada por amigos e a
secretaria.
Optou pelo curso de Farmácia, escolha que existia desde o curso técnico, pois
sempre gostou de pesquisas e trabalho em laboratório. Pensou antes em fazer
biomédicas, conversou com um professor do colégio técnico que lhe aconselhou a
prestar farmácia também. Mas entrou decidida no cursinho para biomédicas porque
queria ter um laboratório de análises clinicas, mas na época do vestibular,
comparando as profissões, ao observar certas estatísticas, percebeu que teria mais
chances em farmácia.
Dessa forma, foi em busca de informações, conversar com farmacêuticos,
visitou a faculdade e pôde ver que boa parte das matérias era similar a biomédicas.
Percebeu que poderia trabalhar num laboratório de analise química, biomédica ou
mesmo na área alimentícia e entendeu como uma abrangência mais ampla ao
mercado de trabalho:
O que me fez escolher foi o dia-a-dia mesmo, não adianta escolher uma profissão e depois ficar
sem ter oportunidades.
Esperava que a vida na universidade fosse mais fácil, que o ritmo de estudo
fosse mais baixo que o do cursinho e que conseguiria todo apoio necessário. Mas
não foi o que ocorreu:
Tinha a fantasia de que seria fácil de me adaptar, me dedicaria mais aos amigos e teria ajuda e
isso não aconteceu... Senti falta dos amigos e pensei que fosse funcionar da mesma maneira, com
cooperação e auxilio mutuo, mas não, chegando lá existiu uma grande concorrência e não esperava
nada disso.
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Quanto à sua rotina, antes saia do cursinho e não tinha energia para estudar,
pois não sentia ter tanta rotina ou obrigação e na faculdade sente muitas cobranças,
a necessidade da leitura semanal e a falta de orientação na busca de informações.
Afirma que o que mais apreciou até agora foram as aulas de Anatomia, e outras
matérias interessantes, além da disposição dos professores para ajudar e o que
menos gostou foi a falta de amizade com os mesmos, diferente do que idealizava.
Relata como maior dificuldade as questões de relacionamento e amizade:
Acho que nem tem muito a ver, acho que isso é de mim, mas é o lado da amizade, é muito
cada um por si então é assim […], eu estava acostumada a ser ajudada e agora não é mais assim…
Frequentemente fazia oposição aos relacionamentos da faculdade com os do
cursinho:
Não sei como me referir a minha vida sem falar do cursinho, na faculdade o pessoal é muito
desunido. No cursinho a gente está sempre empenhado em ajudar as outras pessoas e na faculdade
é essa carência, porque peguei vários exames e as pessoas se diziam minhas amigas falavam para
eu desistir porque aquele não era meu lugar, meus pais me apoiaram disseram que eu deveria achar
um lugar que merecesse, um curso melhor.
Sente que seus relacionamentos na universidade não passam de coleguismo,
fala que conseguiu fazer amizade com apenas cinco pessoas.
Mas o resto, é aquele lado assim que você vê, às vezes tem caso de eu bato maior papo com a
menina e depois chegam e fingem que nada aconteceu, não me reconhecem, na maior falsidade. Lá
na sala a gente fez amigo secreto agora e eu achei estranho porque eu sempre fui muito
comunicativa mas na faculdade eu fico na minha, lá aconteceu uma coisa estranha, […], quando a
menina me tirou, que era uma das patricinhas da sala, elas disseram que eu era muito séria mas é
simpática e disse que admira muito ela e quando ela disse isso, eu me surpreendi!
O fato de fazer farmácia as meninas se acham as melhores de todos os cursos e desprezar as
outras pessoas, não acho legal. Tem situações em que você tem de conviver com as pessoas, não é
porque você não gosta que elas tem de ser do jeito que você quer, e tem que passar por isso para
poder crescer. Eu não gosto da personalidade delas, às vezes eu ia chorando para a faculdade,
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agora eu sento lá na frente, não gosto de ir, mas tem que ir para lá. Sinto a dificuldade de carregar as
matérias por causa disso, é difícil estar num curso se você não tem amizade.
Quanto às suas colegas, “patricinhas”, afirma:
As meninas da minha sala, a maior parte, estudou em colégio particular e então estudaram
sempre juntas e eram sempre muito cobradas para tirar as melhores notas e eu vejo muito disso lá,
uma menina chorou porque tirou nove e fico espantada!
Ficam se exibindo muito, que tem, que não tem.
Você está lá e querer fingir que você não é, não adianta fingir que é a bam bam bam, dizer que
tem condições, porque não tem condições, mas é para correr atrás, tenho um sonho.
Reforça em diferentes momentos a questão da inclusão do negro em diferentes
ocupações e lugares sociais, usando alguns exemplos e sobre isso relata uma
história:
De negro mesmo tem eu e mais dois, um menino lá começou a discussão sobre racismo e um
menino negro disse que odiava a cor dele e começava a se arranhar. E ai perguntaram para mim,
quando ele falou […] e mostrou não se aceitar na sociedade, as pessoas começaram a criticar junto
com ele. Disse, gente, vocês vão me desculpar, mas a palavra negra é linda e comecei a falar com
eles sobre o dia da consciência negra que teve ano passado no cursinho e procurei envolver as
pessoas e fazê-las viajarem naquilo, fazendo com que todo mundo se trate igual. […] No final até o
menino disse que tinha se julgado mal e o pessoal pensou a respeito mas comigo não tem essa de
ficar quieta não, se eu precisar falo mesmo.
Finalmente, sente diferença no contato com seus amigos de infância, escola e
cursinho:
Se eu disser que não teve [diferença] é mentira, depois que você entra é como se você
estivesse amadurecendo cada dia mais, quando vou conversar com eles, até a minha maneira de
falar, eu vou explicar, começo a colocar as coisas melhor, acho que aprendi muitas coisas e então
quando falo com eles sinto grande diferença, mas nada para desmoralizar não, é como seu eu tivesse
um passo a mais, não sei… um amadurecimento a mais.
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Começou a trabalhar em maio de 2004, com vendas num distribuidor. E relata
ter dificuldade em conciliar o trabalho com a faculdade, especialmente quanto a
horários. Diz que não dorme antes de estudar e que às vezes passa madrugadas
acordada. Está cansada de sua ocupação e gostaria de ingressar em seu setor.
Como não possui nenhum tipo de financiamento, sente dificuldade com as
mensalidades:
Como meu pai paga pensão para a gente, quando eu estudava no cursinho minha mãe e meu
pai pagavam, o meu dinheiro era para roupa. Agora na faculdade está mais difícil, eu, minha mãe e
meu pai pagamos, a faculdade é cara, ainda tem a ajuda de alguns parentes, porque bolsa na
faculdade é muito difícil. Boa parte do meu salário vai para pagar a faculdade. É uma luta.
Imagina-se profissionalmente numa clínica ou em um laboratório de pesquisas
para saúde. Pretende em 10 anos, superar as dificuldades que passa agora, ter seu
laboratório e trabalhar. Tem dificuldade em responder, hesita bastante, depois pensa
em fazer doutorado.
Em caso de dúvidas vocacionais, procuraria o cursinho e relata que já
apresentou dificuldades de outra ordem e procurou o plantão psicológico. Finaliza
dizendo que o cursinho ajudou muito na construção da sua auto-estima e na
capacidade de chegar a um resultado, considera o cursinho uma família, sente que
foi ouvida em vários momentos de dificuldades pessoais e se sente respeitada e
apoiada por todos.
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D. Gustavo, 19 anos, Ciências Contábeis, USP-RP.
Mora com os pais e um irmão mais novo, sua irmã acabou de se formar, fez
faculdade fora, enfermagem na UFSCar. Estudou em escola particular a vida toda,
pois até o fim do Ensino Fundamental seu pai possuía uma loja e conseguia
sustentar os três em colégio particular, mas depois da falência do negócio não
teriam mais condições financeiras. Conseguiram, pela proximidade com a diretoria
do colégio, uma bolsa para a irmã e um financiamento para ambos, possibilitando a
conclusão do curso.
Afirma que seu pai estudou até o 3º colegial e a mãe parou na 8ª série. Seu pai
trabalha no reparo de eletrodomésticos. Sua mãe é dona-de-casa. Afirma que tem
uma relação muito boa com ambos, de apoio e parceria.
Sua irmã freqüentou o cursinho da PsicoUSP, por dois anos, ele também
passou por dois anos e seu irmão esta no primeiro. Ainda mantém contato próximo
com seu grupo de amigos do colégio.
Suas experiências mais marcantes no cursinho foram com os professores, pois:
Como é popular eles abraçam mesmo a idéia e eles mesmo na maior paciência. Às vezes eu
sentava no plantão e via umas pessoas bem mais carentes, de escola publica e era de assustar
assim, dai então eu via que os professores não tinham diferenciação nem preconceito nenhum, isso
era maravilhoso e alguns dos professores também são de origem humilde, daí eles vivem o cursinho,
não chegam na sala e só, conversam com você na entrada na saída, vão com você numa festa. Pra
mim a questão são os professores e os camaradas do intervalo, bagunça, falam a língua do pessoal,
é muito legal, pegar um desses cursinhos ai, é aula, aula e depois já era.
Ressalta também a importância do plantão psicológico para ele e seus colegas
e sobre o cursinho termina dizendo que quando volta para São Paulo sempre vai ao
cursinho, pois além do irmão freqüentar ainda possui alguns amigos que não
entraram em nenhuma faculdade e continuam estudando na instituição.
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Sempre manifestou desejo de ou seguir carreira militar e por isso prestou
algumas vezes para a Academia Barro Branco, até ser dissuadido pela mãe, ou um
curso voltado à economia. Além disso, faria somente em universidades públicas já
que além dos pais não possuírem condições financeiras para pagar, sempre achou
que conseguiria. Estudou dois anos no cursinho e sabia que no terceiro entraria de
alguma maneira e dessa forma, optou por prestar Ciências Contábeis em Ribeirão:
Daí pensei que a nota de corte é um pouco mais baixa, a concorrência é um pouco mais baixa,
é USP do mesmo jeito então vou com a cara e com a coragem. Quanto ao curso eu sempre quis
fazer um curso FEA, Economia, Administração ou Contabilidade dai optei por Ciências Contábeis
porque já era uma nota mais baixa e tranqüila para passar, dai é inscrever e garantir.
Aponta ter procurado se informar tanto sobre a faculdade quanto sobre a
cidade e recebeu apoio de muitas pessoas para seguir com sua decisão, que afirma
em primeiro momento ter sido extremamente acertada, pois está adorando as novas
experiências e o contato com diferentes pessoas. Vê excelentes perspectivas:
Os professores estão em contato e dizem que a área esta legal, pelo que andei pesquisando o
mercado esta bom para contabilidade e, assim, traz idéias para saber onde como terminar a
graduação e o que fazer, fazer um MBA aqui ou ali e essa área vou atuar e essa não.
Mora em república com amigos da sala e tem participado da empresa Junior
da FEA, entidade sem fins lucrativos, mas com bastantes oportunidades de trabalho,
inclusive remuneradas. Quando pensa nas oportunidades de estágio, muda seu
discurso e fala sobre sua tentativa frustrada de transferência para São Paulo, em
busca de melhores oportunidades e sobre a falta que a família faz e afirma que vai
continuar tentando até sua conclusão de curso, se necessário.
Sobre seus colegas, fala da diversidade de pessoas, provenientes de
diferentes lugares do Brasil, relatando algumas historias. O que mais gostou do
curso é a área de atuação e a matéria em si. Mas tinha expectativa de que fosse
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mais difícil e complexo, tem boas notas sem se esforçar muito, mas acha que talvez
isso aconteça só no primeiro ano.
Com relação à sua manutenção financeira, até ir para Ribeirão trabalhava como
vendedor em uma loja durante o cursinho, conseguindo acumular uma reserva
destinada à sua manutenção na universidade. Durante os oito primeiros meses se
manteve assim, mas agora tem feito diversas atividades, em sua maioria trabalhos
temporários e informais, muitos provenientes da Empresa Jr. Também conta com
alguma ajuda de seu pai. Quando relata isso retoma a idéia de se transferir para São
Paulo, em busca de melhores oportunidades de estágio.
Demonstra uma visão clara de suas perspectivas de carreira, já pensa nas
áreas em que vai se especializar e as possibilidades de trabalho, afirmando que
prefere atuar em empresas, mas sabe que pode dar aula em faculdades também.
Para o futuro se imagina formado, pós-graduado, talvez fazendo um mestrado, mas
ainda estudando na área. Trabalhando na área e constituindo também sua família,
espera estar bem financeiramente e que seu filho infelizmente vai ter que estudar
numa escola particular e vão estudar também nas melhores faculdades. Nesse
momento, fala sobre seu pai:
Imagino e faço uma comparação, meu pai e eu também. Ele não tinha condição de dar assim,
mas se você souber o apoio que ele dá você não acredita, ele se mata para ajudar a gente. Minha
irmã graças a Deus se formando logo vai arranjar um bom emprego. […] Meu pai se matou para
bancar a gente e um entrou numa federal [sua irmã] o outro numa estadual e meu irmão logo vai
entrar numa bacana também. E poder dar esse retorno para ele, foi bom, não foi à toa.
Sobre sua condição financeira atual comparada com seus amigos do colégio,
com mais dinheiro, diz:
A comparação é fazer com que meus filhos tenham também um bom caminho, parece que
meus amigos, a escola era carinha até, eu estudei na USP, os outros amigos camaradas, humildes
mesmo, mas foram fazer faculdades menores, desencanados. Se de repente meu pai não tivesse
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quebrado a loja, a gente sofresse tanto, batesse esse papo legal, eu pediria para ele pagar a
faculdade para mim. Eu sou convicto de que essa foi uma coisa que me fez seguir por esse caminho.
Em caso de dúvida sobre a escolha, procuraria pessoas da área tal como sua
madrinha ou então um psicólogo especializado.
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E. Otavio, 22 anos, Geografia, USP.
Reside em Carapicuíba, Grande São Paulo e estudou da 1ª à 8ª série do
Ensino Fundamental no Sesi de Carapicuíba, tendo conseguido ingressar porque
seu pai trabalha na indústria, o curso era gratuito. Tem dois irmãos menores, ambos
estudaram em escola pública. Saindo do Sesi foi para o ensino médio numa escola
pública na Cohab de Carapicuíba, longe de sua residência. Escolheu esta escola por
ter feito uma pesquisa nas escolas públicas e essa era a melhor de sua região.
Seu pai fez ensino fundamental, parou entre a 5ª e a 8ª série e sua mãe
concluiu o ensino fundamental e depois através de métodos de aceleração de ensino
concluiu o Ensino Médio. Tenta agora prestar faculdade. Sua mãe é ajudante de
segurança, e seu pai trabalha numa indústria de botões há mais de 20 anos.
Começou a fazer cursinho quando estava no último ano do ensino médio, no
Cursinho da Poli, além de um curso de desenho, pois gostava muito de artes. Dessa
forma, sentiu que não pôde aproveitar bem o cursinho. No ano seguinte (2003),
entrou no cursinho da PsicoUSP e decidiu procurar um emprego, por pressão dos
pais, mas sem sucesso. No seu ultimo ano de cursinho, conseguiu se aprofundar
nos estudos e em sua escolha, optando por Geografia, além de contar com o apoio
familiar:
Aí esse ano na Psico, ano passado não foi tão pesado assim, em casa o pessoal já estava
nervoso mesmo, ah, você não vai trabalhar mesmo, estuda! Então eu só recebia indireta, eles me
davam apoio, eu moro com a minha mãe, meu pai não mora comigo, meus pais são separados, meus
pais se separaram quando eu tinha... não vou lembrar a idade agora. Minha mãe me dava mais
alfinetadas, você precisa trabalhar, preguiçoso, mas ela me dava todo apoio, meu pai era mais
desencanado, só aparecia no final de semana, e aí, como é que tá o cursinho, a vida? Quer dinheiro,
toma!... E esse era o dinheiro da passagem. Aí, o ano passado, quando eu comecei a fazer, foi um
ano mais leve.
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122
Quando ingressou no cursinho da PsicoUSP, sentiu certa frustração porque
estava acostumado com um nível mais claro e intenso de ensino. Mas isso mudou
com o tempo:
Os cursinhos têm uns professores bons, sim, professores de matemática, mas têm outros que
eu fazia comparação e ficava frustrado. Mas depois eu fui percebendo que tinham pontos positivos no
cursinho da PsicoUSP. Na Poli eu não tinha contato com professor, nem com plantonistas, nem com
ninguém. Era muita gente, muito aluno, você não tira sua dúvida. Mas lá você encontra professor no
corredor, você podia parar para tirar uma dúvida, então fui vendo estes pontos positivos e fui
aniquilando esta frustração. E depois me acostumei e não ficava mais com este papo que os
professores não tinham o nível dos da Poli.
Sente que conseguiu estabelecer muitas amizades e hoje ainda mantém
contato com o cursinho através do irmão, que freqüenta a instituição. Além disso,
está tentando arrumar uma vaga para trabalhar lá, pois sente uma necessidade de
contribuição social:
Então é um compromisso social trabalhar no cursinho... assim como eu tem outras pessoas que
têm o seu projeto, acho que é mais do que necessário, aliviar esse inferno que é pro estudante entrar
na universidade. Eu sempre me recusei a fazer universidade paga. Quando eu tava no último ano do
ensino médio, eu pensava em fazer cursinho só pra fazer universidade paga. […] Como eu devem ter
outras pessoas pensando isso e seria bom dar uma mão para elas. Ajudar um pouco.
Sua opção foi pelo curso de Geografia por observar um leque amplo de
opções de estudo dentro de um curso. Chegou a prestar História, mas sentiu que
não teria satisfação intelectual. Sobre a escolha:
Aí, como fui atraído por uma gama muito diferenciada de assuntos, eu achei que a Geografia
seria o unificador dessa gama diferenciada. E realmente Geografia é uma gama grande de temas.
Hoje até tenho às vezes momentos de... que antes eu queria algo que unificasse tudo, e hoje fico
pensando que a Geografia até tenta unificar, mas não aprofunda.
Apresenta algumas reflexões sobre o ingresso na faculdade e certa dificuldade
em aceitar a nova identidade, de universitário:
Não é que eu imaginava outra coisa, é porque eu não fazia idéia de que seria tão... vamos
dizer... haveria tanto caminho, tanta coisa no que pensar. Nos primeiros meses eu ainda tinha uma...
123
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parece que eu queria forçar a lembrança das coisas do cursinho, não sei porque, mas eu sempre
ficava comentando com alguém da época do vestibular. Eu não era o único, não era a maioria, um
monte de gente agia assim, percebi que eu não era o único.
Apesar disso, relata que não tinha ilusões quanto a ser universitário, sabia que
teria de estudar muito por conta própria e que ninguém tomaria conta de seu
currículo escolar. Surpreendeu-se com o grande número de pessoas engajadas em
movimentos sociais, pessoas que lidam com todos os âmbitos da faculdade e
procurou fazer da mesma forma:
Então as mesmas pessoas que lidam com cultura na faculdade, tudo mais... eu até tento ficar
ligado com o que acontece na faculdade, na administração, o que a reitoria anda fazendo, o que o
movimento estudantil anda fazendo e tento ficar ligado ainda nas matérias, aí não é pouca coisa.
O que mais gostou é o acesso ao que anda ocorrendo em termos de pesquisa
e pensamento hoje na Geografia. Também aprecia os trabalhos de campo. Não
gostou da estrutura do departamento, fala que o prédio é bom, mas está sucateado.
Ao relatar sobre seus colegas, afirma que sua classe apresenta grande
diversidade e no geral são pessoas muito maduras intelectualmente. Sobre seus
amigos de antes, sente que mudou seu comportamento, pois acha melhor conhecer
novas pessoas e com isso perde a vontade de manter as amizades:
E o grupo de amigos de onde eu moro eu deixei de ter contato com alguns. Alguns eu vou
perdendo a vontade de ter contato...
Afirma ter alguns amigos na faculdade, mas poucos e diz que isso é comum
entre sua classe, grande parte deles ainda não formou grupos e quando encontra
seus novos amigos é mais para estudar.
Quanto à sua manutenção, iniciou um trabalho no IBGE e lá permaneceu por
alguns meses e nesse tempo pôde comprar alguns livros e itens de interesse
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pessoal, pois nunca precisou contribuir em casa. Saiu no final do ano por achar
dificuldade em conciliar seus estudos como o ritmo do trabalho, pois não gosta de
aproveitamento mediano. Sentia que seu trabalho tinha relação com o que estava
estudando, mas era muito pouco intelectual:
Tinha uma relação bem indireta, porque meu cargo era coletar informações, eu era pesquisador
do IBGE que bate de porta em porta, ia em escolas também, indústrias, era só coletar informações,
não podia pensar os dados... podia até pensar, mas não podia comentar... Se tivesse que fazer um
trabalho de escrever algum negócio da renda média, mesmo sendo eu quem pesquisou a renda
média não podia fazer isso. Era mais estatística que geografia, geografia os outros faziam. Você
podia até ver geografia, mas indiretamente. O ponto bom é que eu conhecia as cidades, batendo de
porta em porta você vê como é a cidade.
Sente dificuldade em especificar a profissão do geógrafo pela grande
possibilidade de atuação, antes queria pesquisar geomorfologia e ir mais a campo,
mas atualmente não sabe como tornar isso possível. Hoje tem em mente lidar com
planejamento, trabalhar com recursos públicos.
Tem muitos planos para o futuro, pensa em fazer intercâmbio e para isso tem
feito cursos de línguas, espanhol e inglês. Pretende estudar francês também. Quer
retomar o projeto artístico e investir nessa área, talvez fazendo uma faculdade de
arquitetura ou um curso similar. Pensa também em dar aulas, de inglês ou
geografia até concluir sua graduação, pois tem muito interesse em fazer mestrado
ou doutorado.
Caso sentisse necessidade de apoio em suas escolhas, iria procurar em
primeiro lugar um geógrafo e depois um psicólogo, sem especificar.
125
125
F. Sheila, 22 anos, Pedagogia PUC.
Inicia dizendo que estudou toda a vida em escola pública, parte em São Paulo
e parte em Suzano. Em 2003 voltou para São Paulo e residiu com seu irmão no
CRUSP
8
, que cursava Ciências Sociais na USP, até dezembro de 2004. Seus pais
voltaram para São Paulo em 2005 voltou a morar com eles. Quanto à graduação
dos pais, seu pai parou no primeiro ano do curso de História e a mãe fez até a oitava
série e depois em 2004 voltou a estudar e terminou o supletivo. Seu pai trabalha
com administração predial sendo que até 2004 ele era feirante e sua mãe não
trabalha.
Sobre sua experiência no cursinho, afirma que quando entrou tinha uma idéia
de que fosse um cursinho comercial e por ter vindo do interior, tinha medo das
pessoas serem diferentes e ter problemas de adaptação. Sentiu que foi muito
ajudada, especialmente pela coordenação, pois:
De experiências, foi bom, de estar pensando em mim, ela [coordenadora do cursinho] me
ajudou muito a ter autoconfiança, determinação, não te ninguém melhor ou pior que você, somos
todos iguais e você tem capacidade sim.
Cursou a instituição por dois anos e relata que ainda mantém seu vínculo,
pois atualmente trabalha no cursinho como secretária e que tem vivido importantes
experiências também nesse período.
Pensava em fazer Psicologia, foi sua primeira opção até o primeiro ano de
cursinho, mas desistiu pela dificuldade. Pensou então em fazer algo relacionado e
com vestibular mais fácil, daí pensou em fazer Pedagogia. Justifica:
8
Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo.
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126
Acho que pelo meu processo escolar, escola pública, várias dificuldades. Na época de cursinho
que eu fui pensar o que era aquela escola, todo o processo que eu tiinha passado até ali, e aí me
despertou mais para a Pedagogia.
Afirma ter conhecido a faculdade através de uma amiga, mas em seguida muda
totalmente de assunto e diz que quer mudar de horário de curso, pois atualmente
estuda na turma da manhã e afirma estar com problemas de adaptação por causa
das pessoas e da universidade de manhã. Sobre isso aponta:
À noite o público é totalmente diferente, é o público que trabalha, são os bolsistas, é totalmente
diferente. E de manhã já é o inverso, é o público que eu sempre tive medo de ficar encontrando
quando eu entrasse na universidade, e aí aconteceu. E como eu já tinha estudado à noite, eu já tinha
uma idéia de como é que era. É muito dividido de manhã, as cinco pessoas que são pobres e que
trabalham nem conversam com o resto da classe, e não sou só eu, esses outros também querem
mudar.
Acredita que nesse ponto o preconceito é escancarado. Afirma:
É isso e pronto, vocês não são do nosso mundo, sai fora, o que é que vocês estão fazendo
aqui? Não é só racial, é preconceito geral.
Sente que não se integrou rapidamente e que apenas se aproximou de
pessoas que via na mesma situação. Diz que a situação de distanciamento diminuiu
depois de um trabalho sobre religiões, onde seu grupo apresentou sobre Umbanda e
foi muito bom, assuntando os outros grupos e provando a todos que tinham
capacidade:
Daí que os outros grupos ficaram com medo de apresentar. E depois disso a gente começou a
ser mais aceita. Então é complicado, você tem que mostrar boa nota para ser aceita naquele espaço,
se não for isso, esquece.
Vai mudar de turno, pois não está se adaptando às pessoas de suas classe
nem a muitos exemplos dados em aula por professores, que considera distantes de
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sua experiência. Sente que existem grupos totalmente diferentes e acredita que à
noite a situação pode ser diferente:
Acho que da Universidade de manhã, foi uma das piores fases. Pensei em desistir. E quando
eu entrei na universidade, eu achava que aqui era o lugar da verdade. E eu ouço a verdade que é
afirmada pelos professores, para mim isso não é uma verdade, é uma mentira, pois eu não vivi isso.
E eu penso muito nisso, que mundo é esse que eu estou? Será que era isso mesmo que eu queria
para mim, esse ambiente, o que é isso que eles estão falando? Por exemplo, a gente fala bastante de
escola pública, só que eu estudei em escola pública, o professor fala e eu sei que não é isso, eu não
vivi isso. E eu não me sinto bem nesse lugar, é uma outra realidade.
Também sente que os amigos com quem cresceu têm certo receio de se
comunicar com ela, com medo de errar. Diz que eles não a vêem mais como a
mesma pessoa e sente muita dificuldade em lidar com isso. Por outro lado, para a
questão de emprego mudou também, só que de maneira positiva, ficou muito mais
fácil.
Durante o cursinho, se manteve financeiramente com a ajuda do pai até
conseguir um emprego dentro da USP, como operadora de fotocopiadora. Ao
ingressar na faculdade, foi convidada pelo cursinho para trabalhar na secretaria. Mas
diz que vai ter de sair de lá por causa de estágio e por mudar de turno.
Sente que será uma profissional diferente das que conheceu em sua vida de
estudante, vai ser mais atenciosa e próxima dos alunos e graças à experiência do
cursinho:
Com certeza de um modo diferente do que eles trabalham por aí, mostrando para as pessoas
do que a gente é capaz, do modo que o cursinho passou para mim. Eu tenho todo um processo
escolar que ninguém nunca quis saber quem eu era, e aí veio o cursinho e fez isso. Então eu seria do
modo que o cursinho foi para mim, mesmo.Tanto é que deu certo.
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No futuro se vê dando aulas em cursinho comunitário, mas não desenvolve
muito o assunto. E em caso de dúvida quanto à escolha, procuraria a coordenadora
do cursinho ou o coordenador pedagógico.
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G. Francisco, 19 anos, Matemática USP.
Francisco mora com seus pais, perto da USP e sempre estudou em colégio
público. Seu pai começou a fazer faculdade de Administração, mas não concluiu,
atua hoje como taxista e sua mãe fez supletivo e está tentando tirar o diploma do
Ensino Médio e é dona-de-casa. Tem mais três irmãos, é o mais velho e o primeiro
na faculdade. Afirma que a maior parte de seus amigos é do condomínio em que
vive, mas sente dificuldade em manter essas relações, pois todos trabalham e sente
que mudaram muito com o ingresso na universidade, sem especificar.
Entrou no cursinho em 2002, durante o fim do colégio no curso de seis meses.
Em 2003 afirma que não estudou com muito afinco por se deslumbrar com a
universidade, queria conhecer pessoas e os lugares. Em 2004, estudou com mais
afinco:
Eu tive uma experiência mais de cursinho mesmo, um ritmo mais puxado, todo mundo se
ajudava, até na secretaria, professor, encontrava professor em festa e ia tirar dúvida, era bem legal.
Era bem família, um grupo bem unido, foi muito bom para saber se era isso mesmo que eu queria
fazer, que eu queria ser professor e dar aula em cursinho. Foi isso o que mais me influenciou no
cursinho.
Ainda mantém vínculo próximo com o cursinho, pois se tornou professor e
sente que conhece todo mundo e tem muitos amigos.
Afirma que sempre gostou de matemática, porém nunca pensou em ser
professor, até entrar no cursinho, conversou muito com os professores e acabou
encontrando sua vocação. Prestou em 2003 para o Bacharelado em Matemática e
em 2004 foi aprovado em Licenciatura. Chegou a cogitar fazer Geografia, mas
afirma:
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Sou mais chegado em números não gosto de ficar lendo, lendo... Gosto de uma coisa mais
prática.
Conhecia a faculdade através de conversas com professores, mas não fez
muitas pesquisas. Também visitou a faculdade duas vezes, em algumas visitas
monitoradas.
Sente que mudou muito desde que entrou na faculdade, sente que precisa ter
mais maturidade, pois agora é preciso pensar no futuro. Sobre isso:
Um monte de coisa começa a mudar, você conhece um monte de gente de outras faculdades,
tem uma infra-estrutura melhor, você começa a ver as coisas de um outro jeito. Isso foi o que mais
mudou, o pensamento.
Passou por muita dificuldade no primeiro semestre, pensou em desistir por
causa da má qualidade do curso, sente que o período noturno, que freqüenta, é
ruim, pois os alunos chegam do trabalho cansados e desmotivados por isso não tem
possibilidade para muita convivência ou amizades.
Pediu transferência para a manhã e começou a conhecer mais pessoas, sente
que agora tem mais amigos e união. Afirma também o que menos gostou foi o fato
de que:
Porque a noite não há uma universidade.
O que mais gostou foi o curso em si, apesar de achar alguns professores fracos
para ensinar, apesar de saberem a matéria. Acha também que o curso é mais
interessante do que esperava.
Sobre seus colegas, só opina a partir do segundo semestre, pois não conheceu
ninguém no noturno. Acha que de manhã as pessoas se ajudam e são de diversos
lugares e por isso se tornam mais interessantes.
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Até o ingresso na faculdade, se mantinha trabalhando com vendas, numa loja
de autopeças, até agosto de 2004 quando saiu para se dedicar mais ao cursinho.
Agora na faculdade se sustenta com a remuneração do cursinho.
Tem por ideal de carreira ser dedicado, interessado nos alunos, aprender mais
e poder inovar em suas aulas a cada dia. Quanto ao mercado de trabalho, pensa em
continuar a dar aula em cursinho comunitário ou escola pública, pois não se imagina
dando aula em cursinhos comerciais ou colégio particular. Quanto ao futuro, se
imagina feliz com o que faz como professor motivado para continuar dando aula.
A possibilidade de dúvida quanto à sua escolha, seria resolvida com
professores do cursinho:
Eu conversei várias vezes sobre qual curso eu me encaixaria melhor, qual eu teria mais
facilidade, e no caso foi matemática. A primeira opção seriam os professores do cursinho.
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H. Antonio, 23 anos, Ciências Sociais USP.
Estudou da primeira série do Ensino Fundamental até o terceiro ano do Ensino
Médio na mesma escola estadual. Depois da conclusão fez um ano e meio de
técnico em Eletrônica, área em que trabalha atualmente. Moro com pai, mãe e
irmãos, é o filho do meio, seu irmão mais velho está no quinto ano de Letras. Relata
que os principais amigos são os da rua e da Igreja que participou até três anos atrás.
Seu pai estudou até a quarta série e a mãe até a sexta. Quanto à profissão dos pais,
seu pai está sem trabalho formal, apenas algumas oportunidades informais e sua
mãe é costureira. Também relata que junto da mãe e um irmão, é o responsável pela
manutenção da casa.
Depois um ano de cursinho na Poli, prestou Economia e não foi aprovado, fator
que considerou o motivo para ir fazer o Cursinho da PsicoUSP. Afirma que fez
muitos amigos, inclusive sua namorada atual é proveniente de lá e alguns deles
ainda estão cursando o extensivo, o que o torna próximo dos eventos de lá.
Compara sua experiência com o ano em que estudou no Cursinho da Poli e diz que:
Não dá nem para comparar um cursinho com outro. Na PsicoUSP gostei muito mais porque a
relação com os professores era melhor, a relação dos alunos era melhor, a experiência de educação
foi muito interessante, lá tem atividades, como consciência negra, achei professores bem mais
voltados para uma causa, diferente da Poli.
Diz que mantém contato regular com os amigos feitos no cursinho, mas que
membros da coordenação ou professores apenas alguns encontros ocasionais.
Quanto a sua escolha profissional, afirma que antes tinha prestado Economia,
preferia mais por questões financeiras e depois do primeiro ano de cursinho (da Poli)
continuou prestando Economia, sem sucesso. Quando ingressou no cursinho da
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PsicoUSP, sentiu que recebeu outras influências, pois acreditava ser um cursinho
“mais voltado para o social” e por isso foi estimulado a estudar “por fora”, filosofia e
Marx e com isso começou a gostar das ciências sociais. Além disso, relata de
algumas aulas onde professores promoviam debates com temas políticos atuais e
sente que isso também foi uma grande influencia. Sobre o curso, afirma que apenas
leu o cronograma do curso e o conteúdo programático das aulas e assistiu a
algumas aulas de filosofia na Universidade.
Relata que as principais mudanças em seu quotidiano envolvem um maior
volume de estudo, sente que antes tinha mais liberdade para estudar, pois o objetivo
era apenas no fim do ano e agora tem de ler semanalmente e ler durante a
madrugada, pois seu trabalho o impede de estudar durante o dia e sente que há
maio cobrança. Por outro lado acha que a relação com os amigos é bem menor do
que durante o cursinho.
Quando questionado sobre o que achou da faculdade nos primeiros meses,
afirma:
O estereótipo sobre a faculdade diz que é aluno pobre, comunista, socialista e no começo duas
coisas, isso é verdade, o pessoal é bastante acolhedor, tinha umas reuniões, apresentações, o
pessoal se juntava para protestar pela Paulista e fui mudando ao longo do tempo minha opinião,
conheço bastante gente que faz Sociais para aumentar currículo, diz que faz Direito ou Economia,
serve como currículo, mas não vejo pessoal vendo como carreira principal, mais para complementar.
Não gosto disso muito porque como eu pessoal que vem de cursinho popular e muita gente não entra
e vem esses caras e não dão valor, tratam o curso como segunda opção.
Quando questionado sobre seus colegas, acredita que o curso é bem variado,
muitos compartilham as mesmas coisas e conseguem interagir e se divertir. Por
outro lado, não se identifica com os que estão lá “para currículo”:
[…] já peguei gente colando em prova, gente da faculdade criticando as ciências sociais,
pessoal que não é engajado e critica quem é, nem questão só política, tem muita gente despolitizada
lá, a maioria lá é classe média, média, alta, baixa é raridade, isso no noturno, vespertino é pior ainda.
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As expectativas do curso que se concretizaram foi o ritmo de aulas e a
profundidade do curso que acha muito forte. Não se concretizou foi a relacionamento
com a maioria dos professores, que julga intolerante. Sente que possui muitos
amigos, marca muitos eventos e se sente feliz:
No começo já me socializei, em duas semanas já sai para tomar cerveja com os amigos, nesse
ano ganhei 6 quilos só de sair para tomar com os amigos.
Seus amigos de antes do curso acham que ficou muito diferente, inclusive
apelidando-o de “louco”. Suas palavras:
Eu mudei tudo. […] Não tinha nem entrado ainda eu terminei com minha namorada, parei de ir
na Igreja, falei que Deus não existia, sai do trabalho e fiquei só estudando. Disseram que era louco,
abandonei tudo o que tinha e me apegava, deixei a barba e o cabelo crescer… isso foi mais por
preguiça. Daí o pessoal começou a falar que eu estava louco. Mas sei que mudei muito, uma pessoa
que deixou Economia para prestar Sociais mudou muito.
Conclui esse assunto afirmando que atualmente se sente mais verdadeiro,
mais “nítido”, inclusive com suas leituras:
Para quem lia antes Paulo Coelho e hoje gosta de Nietsche, Dostoyewski, mudei.
Trabalha desde os 16 anos, a única vez em que deixou de trabalhar foi em
setembro do ano passado até dezembro porque eu quis ficar em casa para estudar.
Logo que entrou na faculdade começou a trabalhar novamente. Sobre isso relata:
O que faço hoje não tem nada a ver com meu estudo, é só sustento, pretendo fazer isso mais
um ou dois anos e depois conseguir uma bolsa, estágio é difícil. Hoje trabalho com eletrônica,
consertando laptops.
Ainda não tem uma escolha clara, apenas já sabe de linhas que não pretende
seguir. Percebe que deverá dar aula ou partir para a área de comunicações, mas
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ainda não tem uma opinião formada. No futuro se imagina graduado, provavelmente
casado e trabalhando.
Em caso de duvida profissional, conversaria amigos da faculdade.
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