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MÁRCIA DE CARVALHO GATTI
CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DOCENTES DIANTE DA
DIVERSIDADE DOS ALUNOS NO PROCESSO DE
AQUISIÇÃO DA LEITURA E DA ESCRITA
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
PUC/SP
São Paulo
2006
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MÁRCIA DE CARVALHO GATTI
CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DOCENTES DIANTE DA
DIVERSIDADE DOS ALUNOS NO PROCESSO DE
AQUISIÇÃO DA LEITURA E DA ESCRITA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para a obtenção do título de
MESTRE em Psicologia da Educação, sob a
orientação da Profª. Drª Marli Elisa Dalmazo Afonso
de André
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
PUC/SP
São Paulo
2006
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Dedico esse trabalho:
Aos meus pais, pelo apoio em todos os momentos, em todos os sentidos, pelo amor
incondicional.
Ao Beto e a Denilda, irmãos queridos, pela disponibilidade, desapego, cafés, almoços...
Ao Junior e a Lúcia, pela torcida e trabalho voluntário de última hora.
Ao Gabriel, Maria Carolina e Leonardo, pelo amor que nos une.
Ao tio Orlando, tia Maria, Balu e Ulisses, pelo interesse sempre aparente.
À Salete, pelas conversas ao telefone, pela alegria e constante preocupação.
À Katya, grande amiga. Sempre por perto, atenta e preocupada.
À Dolores, pelo abrigo e amizade acolhedora.
Ao Fábio, pela companhia, olhar atento e estímulo.
Aos amigos da Diretoria de Ensino Sul 2, pela torcida e compreensão.
Aos amigos que fiz durante o curso, que tanto contribuíram e tornaram menos solitária
essa conquista. Em especial, meu grande amigo Mário.
Aos meus amigos de Franca, pelos encontros animados que serviram de refresco nesse
período. Em especial, minha amiga Gude, pela resistente amizade que nos une, nas
diferentes fases de nossas vidas.
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AGRADECIMENTOS
Durante a construção dessa dissertação, vivenciei muitos conflitos, e me perguntava se
daria conta de realizar o que havia proposto. Perguntava-me, também, em que esse trabalho
contribuiria para tornar o cotidiano do professor menos árido. À medida que o tempo passava e a
pesquisa tomava forma, sopros de vida pareciam esclarecer dúvidas, encorajar, aliviar e trazer
alento. Esses sopros chegaram de diversas formas e por meio de muitas pessoas. Quero estender
a essas pessoas a satisfação que sinto ao ver esse projeto concretizado.
À Profª Marli André, por valorizar e enriquecer de forma brilhante cada parágrafo, e dizer
o necessário de forma doce, cativante e verdadeira.
À Bernardete, pelo estímulo, apoio e bons conselhos. E principalmente pela
imparcialidade e honestidade, herdadas de meus queridos avós.
Aos profissionais da escola campo, pela convivência harmoniosa e pela confiança
depositada. Em especial, às professoras que participaram das reuniões.
À Lia, pelas conversas profundas e sérias sobre educação, pela amizade e leitura atenta.
A todos os professores com os quais trabalhei durante minha vida, que, de uma forma ou
de outra, serviram de inspiração na construção dessa dissertação.
Aos professores da banca examinadora, pelas relevantes contribuições.
5
RESUMO
Essa pesquisa objetivou analisar as ações realizadas com um grupo de 18 professoras do Ciclo I
de uma escola estadual da cidade de São Paulo, na Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo
(HTPC). O objetivo foi verificar se as reflexões desenvolvidas na HTPC contribuem para
mudanças em suas concepções e práticas de sala de aula no que diz respeito aos fatores que
provocam a ampliação das diferenças culturais entre os alunos. Houve dessa forma, um
compromisso assumido com o grupo, de realizar encontros quinzenais, durante um ano letivo,
para refletir sobre as práticas realizadas, em relação à alfabetização e ao trabalho com alunos que
apresentam diferentes ritmos de aprendizagem. Para tanto, foram apresentados e discutidos com o
grupo de professoras os objetivos da pesquisa e o desenvolvimento da intervenção. Tomando
como referência os estudos sobre o processo de aquisição da escrita de Ferreiro e Teberosky
(1985) e Smolka (1988), e de Gimeno Sacristán (2002) sobre a diversidade, pudemos analisar
questões expostas pelas professoras sobre o tratamento dado aos alunos que apresentam
diferentes ritmos de aprendizagem. Os procedimentos de coleta de dados incluíram: registros
escritos das reuniões quinzenais de discussão com as professoras, formulários preenchidos no
início do processo contendo dados de caracterização das professoras, relatos orais e escritos de
atividades realizadas pelas professoras em sala de aula e avaliação dos encontros. A partir do
referencial teórico vigotskiano, foram definidos os seguintes eixos de análise: 1) as concepções
das professoras sobre a origem das diferenças; 2) as práticas docentes para lidar com essas
diferenças; 3) a importância atribuída à formação continuada em HTPC; 4) os conhecimentos
adquiridos; 5) as mudanças em sala de aula. . A análise dos resultados levou a seguinte
conclusão: diante de uma questão tão complexa, que é o tratamento das diferenças nas práticas
educativas e da dificuldade de mudar as concepções dos professores em relação a diversidade dos
alunos, não seria possível em um curto espaço de tempo, perceber mudanças profundas de
pensamento e ação, decorrentes de um processo de formação. Isso nos faz questionar os
processos de formação continuada que, em muitos casos, são realizados por meio de cursos
rápidos, envolvendo apenas o corpo docente ou parte dele. Por outro lado, o estudo revelou a
importância atribuída a HTPC pelas professoras, quando ela se torna um espaço de troca de
experiência, de crescimento profissional e de ampliação de conhecimentos. Por isso a
necessidade de uma atuação conjunta da supervisão, direção, coordenação, universidade e
professores para planejar o desenvolvimento profissional dos atores escolares, dentro da escola e
em horário de serviço.
6
ABSTRACT
This research aims to analyze the actions carried out with a group of 18 teachers at Cycle I of a
state school in the city of São Paulo, during the Pedagogical Workshop (HTPC). The main
objective was to verify if the reflexions developed on HTPC help to change classroom
conceptions and practice concerning the factors that broaden the cultural differences among
students. Therefore, the group has assumed to have fortnight’s meetings during an academic year
to reflect on the actions regarding literacy and work done with students who have different
learning paces. Thus, the research goals and plan of actions were presented and discussed with
teachers. Based on the studies about writing acquisition process by Ferreiro and Teberosky
(1985) and Smolka (1988), and of Gimeno Sacristán (2002) about diversity, we were able to
analyze questions presented by the teachers about ways of dealing with students who face the
learning process differently. Data were collected as following: written recording of the fortnight’s
meetings with teachers, filled forms with teachers’ personal data, oral and written accounts of
activities done during lessons and meeting assessment. Based on Vigotski’s theories, the analyses
were defined as follow: 1) the teachers’ conceptions about the source of the differences; 2) the
teaching practice to deal with these differences; 3) the importance of HTPC; 4) the acquired
knowledge; 5) the changes in the lessons. The results analyses led to the following conclusion:
facing such a complex question, that is to deal with the different educational practices and with
the difficulty in changing the teachers’ conceptions relating to students’ diversity, it would not be
possible to note, in such short period of time, deep changes in thought and action of a formation
process. This makes us question the continuing formation processes that are, in many cases, done
through short courses, involving only the teaching staff or just part of it. On the other hand, the
studies have showed the importance of HTPC to teachers, as it becomes an opportunity to
exchange experience and of professional development and to widen their knowledge. That is why
it is so important to have supervisors, directors, coordinators, university and teachers working
together in order to plan the teachers’ professional development in the schools and during their
working hours.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................................8
1) Proposição do problema...............................................................................................11
2) Estrutura do texto.........................................................................................................12
I) REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ...........................................................................................13
II) A ABORDAGEM SÓCIO-HISTÓRICA............................................................................31
III) SOBRE A DIVERSIDADE................................................................................................37
IV) AS OPÇÕES METODOLÓGICAS E OS CAMINHOS....................................................41
1) A escola campo............................................................................................................41
2) O grupo de professores.................................................................................................42
3) Procedimentos de coleta de dados................................................................................43
4) Os encontros...tal como fomos.....................................................................................44
V) EIXOS DE ANÁLISE.........................................................................................................75
1) Concepções das professoras sobre a origem das diferenças .........................................75
2) Práticas docentes para lidar com as diferenças..............................................................77
3) A Importância atribuída à formação continuada em HTPC...........................................81
4) Conhecimentos adquiridos.............................................................................................84
5) Mudanças em sala de aula .............................................................................................88
VI) AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE INTERVENÇÃO....................................................91
VII) CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................95
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................98
ANEXOS..................................................................................................................................103
8
INTRODUÇÃO
Tudo começou na década de setenta. Deliciosa década de setenta. Minha vontade de ser
professora emergiu precocemente nessa época. Todas as noites eu representava o papel de uma
professora dedicada e ávida pelo ensinar e pelo aprender na garagem de minha casa, dando aulas
para os alunos-vizinhos. Noites calmas e tranqüilas, de um tempo em que no interior não nos
preocupávamos em fechar portas e janelas, apenas brincávamos de representar nas casas ou na
rua. E não parei mais. Aulas particulares, aulas de catecismo, aulas de teatro, até que conclui o
magistério e comecei a trabalhar em uma creche municipal, depois de fazer um concurso público.
Durante o tempo em que trabalhei como professora de Educação Infantil e Ensino Fundamental
(nas duas séries iniciais), em escolas públicas e particulares (de 1987 a 1998), sentia muita
inquietação quanto a melhor forma de ensinar, a metodologia mais adequada, a motivação dos
alunos. Em 1988 e 1989, em uma escola rural no município de Cristais Paulista, percebi que
algumas crianças jamais seriam alfabetizadas com um ensino baseado na memorização. Elas
aprendiam algumas letras e combinações de letras em um dia, e no dia seguinte já não se
lembravam mais. Em uma só sala, eu me desdobrava como professora das quatro séries iniciais e
fazia a sopa. Sentia-me muito impotente diante de alguns alunos; não sabia ensinar sem livro
didático e sem cartilha, embora percebesse que esse material era muitas vezes insuficiente, além
de inadequado. Em contato com as pesquisas da Emilia Ferreiro, apenas entendi a mudança
conceitual no que se refere ao processo de aquisição da leitura e da escrita, mas não encontrei
procedimentos metodológicos que pudessem me auxiliar no trabalho em sala de aula. Em 1990,
como coordenadora da Educação Infantil da rede municipal, montei um grupo de estudos com as
professoras, e também ministrava aulas em uma sala de 1ª série da rede estadual. Durante os oito
anos de duração do grupo aprendemos muito e os alunos também. Nossa prática tornou-se
consistente, baseada em estudos e pesquisas que foram surgindo. Fizemos vários cursos. Em um
curso de especialização, elegi em colaboração com uma colega, como tema de investigação, os
desafios enfrentados por crianças de classe baixa (essa era a realidade junto à qual
trabalhávamos) para aprender a ler e a escrever. Nunca deixamos que o modismo interferisse em
nossa prática. Aos poucos, aconteceram mudanças na maneira de conduzirmos as aulas. Nossa
principal preocupação não era a atividade em si, mas a forma como essa atividade era
desenvolvida. Fazíamos intervenções e organizávamos agrupamentos produtivos entre os alunos.
9
Nos anos seguintes, com salas de alfabetização, compreendi que não há sujeito incapaz de
aprender. Quando o professor sabe trabalhar com os conteúdos de maneira a atingir todos os
alunos, entende o processo de construção da base alfabética e respeita o ritmo de cada um,
consegue fazer com que todos aprendam.
Como coordenadora do CEFAM e, em seguida, como diretora em uma escola de Ciclo I,
fora da sala de aula, mantive o grupo de estudos com os professores, nas HTPC(s), e pude
perceber em suas práticas muitas mudanças motivadas pelos debates e reflexões surgidos no
grupo. Uma experiência interessante foi o “Projeto Desafio”, desenvolvido no CEFAM com as
professoras de Didática, Estágio Supervisionado e as alunas do último ano, junto às escolas
públicas estaduais. Nesse projeto, as atividades eram pensadas pelas alunas que, antes de realizá-
las, discutiam comigo e com as professoras. A avaliação dos resultados e a reflexão eram feitas
novamente conosco. Na escola de Ciclo I, por exemplo, cada grupo de quatro professores
selecionou um tema a ser desenvolvido: contos de fada, histórias em quadrinho, músicas, entre
outros. Depois de planejar, montar atividades e organizar a seqüência didática, o grupo de
professores desenvolveu atividades com os alunos em sala de aula e, em seguida, apresentou os
resultados nas HTPC(s), os quais foram discutidos e avaliados por todos. O material elaborado
está na Biblioteca da Escola Estadual Professor José Carlos Donadeli Panice, na cidade de
Franca, à disposição dos professores. Mesmo as professoras que não desgrudavam do livro
didático, envolveram-se e sentiram-se mais seguras em arriscar na elaboração de atividades
significativas. Entenderam a importância de organizar os alunos de forma que uns pudessem
aprender com os outros e passaram a preparar melhor suas intervenções.
Paralelamente, atuei em oficinas, cursos, videoconferências (PEC) para professores das
redes estadual, municipal e particular, nas quais, além de trocar experiências, desenvolvia
atividades práticas. Acredito que o suporte pedagógico e a reflexão com o coletivo de professores
contribui muito para melhorar sua prática em sala de aula. Como os alunos, nós, professores,
também aprendemos uns com os outros. O que não podemos é transformar a ação pedagógica em
uma repetição de métodos e técnicas, em um manual de “pode, não pode”.
Atualmente, trabalho como supervisora de ensino da rede estadual, na cidade de São
Paulo. No exercício dessa função percebo que a escola, ao receber crianças de diversas camadas
da população e de diversos nichos culturais, tem se mostrado pouco eficiente para lidar com os
diferentes conhecimentos construídos pelas crianças em seu processo de socialização nos grupos
10
formais ou informais. Independente de seu grupo social, de uma forma ou de outra, as crianças
chegam à escola com diferentes saberes e isto as diferencia mais acentuadamente dependendo do
grupo socioeconômico e cultural a que pertencem. No entanto, a escola e os professores não
estão adequando de forma eficiente o trabalho em sala de aula para que, ao final do Ciclo I, essas
diferenças se tornem menores. Ao contrário, a forma de organizar os conteúdos e as seqüências
didáticas, desde as séries iniciais, parecem só ter contribuído para aumentar essas disparidades,
transformando-as, em alguns casos, em “deficiências” e obviamente em fracasso escolar.
Ferreiro (1991, p.107), nos ajuda a refletir sobre essa questão:
O fracasso escolar concentra-se nos grupos socialmente marginalizados.
As crianças que pertencem a esses grupos são caracterizadas como desfavorecidas
ou carentes. Elas não reagem à altura das expectativas escolares. Será que essas
crianças não sabem nada que seja relevante do ponto de vista escolar?
O trabalho que realizo junto aos alunos e professores da rede pública e algumas leituras
sobre o processo de alfabetização possibilitaram levantar alguns pontos que precisam ser
salientados.
Em primeiro lugar é evidente que a escola tem fracassado com a camada da população
que mais precisa dela, deixando de ser, muitas vezes, local de aquisição, construção e transmissão
de saber, desviando-se da sua principal função — a pedagógica — e assumindo um caráter
assistencial.
Por outro lado, os professores, de um modo geral, continuam fazendo do ensino da leitura
e da escrita mera aplicação de um conjunto de técnicas e métodos. Sem compreender o conceito
de aprendizagem e seu caráter social, responsabilizam a criança por não conseguir aprender a ler
e a escrever. Razões nem sempre legítimas são atribuídas a esse fracasso: classe social e
econômica da criança, família desestruturada, além de fatores emocionais e comportamentais.
Também nos parece que a interação entre alunos em diferentes níveis de aprendizagem
não é realizada de forma adequada, de maneira que todos avancem. Isso devido às concepções
dos educadores em relação ao ensino da leitura e da escrita e a como esse processo ocorre (em
ritmos muito diferentes) com alunos de uma mesma série. Baseados nessas concepções, os
professores organizam o ensino da leitura e da escrita nas séries iniciais em seqüências didáticas e
propostas de atividades que nem sempre contribuem para diminuir as diferenças entre os alunos
11
e, muitas vezes, excluem aqueles que possuem conhecimentos prévios e ritmos de aprendizagem
diferentes do esperado.
No exercício de nossa função, verificamos que não poucas vezes os professores propõem
atividades diversificadas, mas, pelo modo como são realizadas, acabam colocando em evidência
as dificuldades de alguns alunos o que os deixa à margem da participação na tarefa proposta,
fazendo com que se sintam incapazes de acompanhar os colegas e desenvolver com sucesso as
propostas escolares.
Outro aspecto a ser considerado é a idéia que o professor tem ou constrói a respeito de
seus alunos e a relação que se processa entre eles. Esses fatores muitas vezes dificultam o
caminho do trabalho pautado nas diferenças individuais, já que o modelo de “aluno ideal” está
muito arraigado nas concepções do professor. Assim, a inclusão não se efetiva, não atende a
todos os envolvidos no processo ensino-aprendizagem, uma vez que, mal sucedidos em sua
escolarização inicial, alguns alunos ficam excluídos por quase todo o percurso escolar, quando
não abandonam a escola.
1. A Proposição do Problema
Levando em conta essas observações e acreditando que os professores necessitam ser
estimulados, por algum tipo de ação, seja da coordenação pedagógica ou da supervisão, para
refletir sobre como a escola lida com as diferenças culturais dos alunos e com os diferentes
ritmos de aprendizagem, a HTPC parece ser o espaço privilegiado para que isso ocorra.
Pressuponho que assim os professores possam realizar um trabalho mais adequado quanto as
diferentes formas de construir o saber, de modo a melhor lidar com a não ocorrência daquilo que
idealmente esperam que aconteça. Lidando com a concreta realização dos seus alunos poderão ter
metas de aprendizagem mais condizentes com a diversidade cultural das crianças, facilitando a
sua trajetória escolar.
Nessa perspectiva objetivamos promover, junto a um grupo de professores, reflexões
sobre os diversos aspectos relacionados às formas de intervenção e interação desenvolvidas por
eles. Pretendemos verificar se essas reflexões contribuem para mudanças em suas concepções e
práticas de sala de aula no que diz respeito aos fatores que provocam a ampliação das diferenças
culturais entre os alunos, devido à diversidade do grupo-classe e aos diferentes ritmos de
12
aprendizagem no processo de aquisição da leitura e da escrita. Tentaremos verificar se essas
mudanças possibilitam a inclusão e a aprendizagem de todos os alunos, ainda que em diferentes
ritmos, sempre levando em conta as diferenças e a heterogeneidade do grupo.
2. Estrutura do Texto
A seguir apresento a estrutura do texto em seus aspectos gerais. Em primeiro lugar traço
uma linha temporal, sobre as pesquisas realizadas referentes ao ensino da leitura e da escrita e a
formação do professor, especialmente, junto ao seu grupo de trabalho.
A seguir, procuro fundamentar a pesquisa na concepção sócio-histórica de Vigotski, que
situa os processos psicológicos humanos e suas transformações em um contexto histórico social.
No capítulo que trata das diversidades tento responder à seguinte questão: como
desempenhar nossa função pedagógica pautada na diversidade dos alunos sem expô-la
indevidamente e sem encará-la como um problema sem solução?
O capítulo sobre a metodologia utilizada foi dividido em quatro partes. Na primeira,
realizo uma explanação da escola campo, descrevendo as principais características do local onde
foi desenvolvida a pesquisa. Trata-se de uma escola pública estadual, na periferia da zona Sul da
cidade de São Paulo. Na segunda apresento o grupo de professores. Na terceira, descrevo o
procedimento metodológico utilizado que teve como centro a análise de um processo de
formação continuada. O procedimento de estudo em grupo envolveu leituras, análises e reflexões
sobre a formação de professores, a questão do desenvolvimento e da aprendizagem na psicologia
sócio-histórica, as contribuições que as pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita trouxeram
para a educação e conceitos relacionados com interação, intervenção, autonomia, alfabetização e
diversidade. Elaboramos e analisamos situações didáticas relacionadas com os textos estudados.
Na última parte, descrevo cada um dos encontros, com todas as dúvidas, certezas e beleza.
Apresento, em seguida, os dados referentes a seis professoras e analiso-os à luz da
fundamentação teórica. Larrosa (1999), com sua teoria sobre a lição foi de fundamental
importância para a avaliação do trabalho.
13
I
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Muitas pesquisas, relacionadas à concepção e atuação dos professores quanto ao ensino e
a aprendizagem da leitura e da escrita e quanto à maneira como reflexões junto aos grupos de
professores podem intervir nessas concepções e práticas, vêm sendo realizadas nas áreas de
Educação e Psicologia da Educação. Se, por um lado, alguns autores apresentam pontos em
comum no tocante ao papel do professor para garantir a aprendizagem dos alunos na fase de
alfabetização, por outro lado, nesse ponto há também muitas controvérsias. Essas pesquisas têm
focado temas como a importância da relação professor-aluno e das trocas de experiências entre os
professores, as concepções dos professores sobre ensinar a ler e escrever, como trabalhar com as
diferenças nos ritmos de aprendizagem, como organizar formas de intervenções adequadas e
como promover a interação entre os educandos, possibilitando agrupamentos produtivos que
garantam a qualidade desta aprendizagem.
Ao tratar das relações interpessoais bem como da relação que se estabelece entre
professores e alunos no convívio diário, Leite (1979) propõe que o educador tenha
autoconhecimento e conhecimento do comportamento alheio, a fim de estabelecer uma relação
eficiente com seus alunos, pois, muitas vezes, constrói sobre eles imagens falsas. Ambos aspectos
ainda estão muito longe do domínio do professor, afetando sua relação com os alunos. Sem
autoconhecimento, o professor não percebe que gera revolta em uns ao demonstrar preferências
por outros. Muitos professores não sabem ouvir, usam tom de voz inadequado, apresentam gestos
bruscos, pronunciam palavras de maneira errada e não reconhecem qualidades nos alunos, nem
conseguem percebê-las em si mesmos.
Sobre compreender o comportamento do outro e a maneira como as relações interpessoais
são estabelecidas, a escola sequer discute essas questões, e os professores, que não tiveram
oportunidade de refletir sobre essas questões em seu processo de formação, muitas vezes não dão
conta, de estabelecer com seus alunos relações que contribuam para o sucesso do processo
ensino-aprendizagem. Desse modo, sem o exercício do autoconhecimento e sem saber como
estabelecer uma relação eficiente com os alunos o professor atua de maneira inadequada, no que
se refere às relações interpessoais. Segundo o autor, no que diz respeito às relações interpessoais,
a educação pode tanto se servir destas relações para formar o indivíduo, quanto para prepará-lo
14
para elas. Quando observamos uma situação de sala de aula, fica claro que o professor não
consegue manter-se neutro e mostra preferências. Essa relação afetiva não-consciente marca seus
alunos. No processo de interação, o aluno aprovado pelo professor tende a acentuar os
comportamentos aceitos; já o rejeitado tende a acentuar características e comportamentos que não
são admirados pelo professor, por não se identificar com ele. Ou seja, acentua-se o
comportamento que gerou determinada interpretação. Muitas vezes, professores diferentes
conseguem diferentes resultados com o mesmo aluno. Isso, segundo Leite (1979), ocorre devido
à “seleção perceptual”, que traz a idéia de que algumas pessoas valorizam os pontos positivos e
outras, os negativos. Como afirmam Coll, Palácios e Marchesi (1996 p. 266-267) :
A representação que o professor possui de seus alunos, o que pensa e
espera deles, as intenções e capacidades que lhes atribui, não somente é um filtro
que leva a interpretar de uma ou de outra maneira o que fazem, a valorizar de um
ou de outro modo a aprendizagem que realizam [...] mas que pode chegar [...] a
modificar o comportamento real dos alunos na direção das expectativas associadas
a tal representação.
O trabalho pedagógico em sala de aula precisa voltar-se para a valorização de todos os
alunos em sua forma de ser, aprimorando cada vez mais as qualidades que possuem, levando-os a
desenvolver outras, por meio de atitudes que respeitem as diferenças, elevem sua auto-estima e
autoconceito cuidando para que não fiquem à margem do grupo.
Outro aspecto a destacar é o uso das pesquisas de Ferreiro & Teberosky (1985) e algumas
reflexões sobre a utilização dessas pesquisas de maneira inadequada nas escolas. Em breve
levantamento dessas contribuições encontramos alguns fatores que merecem ser considerados. As
autoras pesquisaram o processo da aprendizagem da leitura e da escrita e tiveram como principal
preocupação saber que tipo de objeto é a escrita para a criança em processo de desenvolvimento,
não considerando para isso as funções que este objeto cumpre no adulto. Para descobrir como as
crianças pensam a escrita, tentaram questioná-las sobre diversos materiais escritos e pediram a
quem não sabia ler que lesse e a quem não sabia escrever que escrevesse. As autoras concebem a
escrita não como instrumento ou técnica, e sim como um objeto presente no contexto
sociocultural.
Elaboraram uma linha evolutiva que consideram comum a todos os indivíduos em
processo de aquisição da leitura e da escrita. Essa linha inicia-se na fase pictográfica (desenhos),
15
passando para a fonetização, fase essa que as autoras subdividem em outras três fases distintas.
Na primeira fase, chamada de rébus, os sinais gráficos representam palavras inteiras; na fase
seguinte, chamada silábica, os sinais gráficos representam sílabas inteiras e na fase alfabética os
sinais gráficos representam os fonemas.
É preciso esclarecer que as autoras compartilham da versão oficial da história da escrita,
mas não encontram, na evolução psicológica, dados que permitam afirmar que a pictografia
venha antes da escrita. Afirmam, sim, que desenho e escrita passam por linhas evolutivas
diferentes e que a escrita não substitui o desenho, pois o mesmo continua sendo usado em outras
situações e com outros objetivos; portanto, a história das grafias individuais é uma coisa, a dos
sistemas de escrita, é outra. Consideram ainda que a coincidência entre o desenvolvimento
histórico da escrita e a sua evolução individual não se limita às etapas essenciais (da pictografia a
fonetização). Outros aspectos tardios na evolução histórica, como a separação entre as palavras, e
a distinção gráfica entre letras e números, também são construídos mais adiante, no processo de
aquisição da leitura e da escrita. Entendem que são necessários estudos mais detalhados para se
saber a razão desse paralelismo e propõem uma hipótese para explicá-lo: “as razões da
semelhança de ambos os processos é preciso buscá-las na tomada de consciência das
propriedades da linguagem” (1985, p.280). Desse modo, teríamos que buscar explicações para a
semelhança entre a evolução histórica e a individual da escrita na análise do que é preciso ser
superado no aspecto cognitivo e quais processos reflexivos são necessários sobre a linguagem,
para que se alcance a escrita e suas propriedades fundamentais. As autoras consideram a escrita
como um saber de natureza conceitual, não apenas perceptual, como era vista por muito tempo.
Ferreiro & Teberosky (1985, p.281), acreditam que:
[...] no caso em que se verifique a intervenção de processos de tomada de
consciência como os que estamos sugerindo, a perspectiva muda: mais do que
“saber falar”, tratar-se-ia de ajudar a tomar consciência do que ela faz com a
linguagem quando fala, de ajudá-la a tomar consciência de algo que ela sabe fazer,
de ajudá-la a passar de um “saber-fazer a um saber-a-cerca-de”, a um saber
conceitual.
Outra contribuição importante das autoras refere-se aos conhecimentos prévios. Afirmam
que, ao ingressar na escola, todo sujeito traz algum saber e que cabe à escola encontrar caminhos
para atingir, de diferentes maneiras, esses saberes. A escola dirige-se a quem já sabe e a quem já
percorreu o caminho prévio antes de nela ingressar e, depois, culpa os que fracassam. É preciso
16
que a escola dê conta de interagir com as concepções prévias que o sujeito possui, considerando
que a passagem de um nível conceitual para outro não é natural ou automática, mas fruto de
reflexão, interação entre os alunos e boas intervenções por parte do professor.
Ao confrontarmos a prática escolar cotidiana com as pesquisas de Ferreiro e Teberosky
(1985), percebemos uma série de implicações e equívocos. Nas escolas, por exemplo, é comum
deixarem de lado as principais contribuições trazidas pelas autoras, e priorizarem as fases de
aquisição da escrita, tornando-as diagnóstico para a classificação dos alunos. Além disso, uma
interpretação sobre a correção das escritas das crianças em fase de aquisição da língua escrita e
uma concepção gerada pela valorização da escrita espontânea, leva à crença de que não se pode
mais corrigir nem intervir nas escritas infantis.
Sobre a concepção dos professores quanto à alfabetização, Kramer (1986) identifica duas
vertentes. Cada uma determina diferenças no trato com o ensino da leitura e da escrita, na
metodologia, bem como nos resultados alcançados. A primeira vertente parte da idéia de que a
alfabetização é um conhecimento de natureza basicamente perceptual, dependente de aquisições
básicas tais como: coordenação motora, discriminação visual e auditiva, percepção espacial, entre
outras. Conforme esta concepção, apenas depois de adquirir estes pré-requisitos é que a criança
estaria apta a entrar em contato com a leitura e com a escrita. Já a segunda vertente considera a
alfabetização como um processo, conferindo importância às hipóteses utilizadas pelas crianças
em seu caminho de construção da base alfabética.
Apoiando-se no estudo de Kramer (1986), Buarque (1988) aponta dentro da primeira
vertente alguns resultados obtidos quando da alfabetização dos alunos: crianças “copistas”, ou
seja, crianças que lêem e escrevem de forma mecânica e muitas vezes não relacionam termos
conhecidos, que podem ser utilizados na formação de novas palavras. Os professores, ainda
segundo a autora, ao depararem-se com esses resultados questionam a metodologia e o material
utilizado, mas não a sua concepção de alfabetização.
Quanto à formação dos professores, Buarque pontua que “[...] não capacita o professor a
reconhecer a evolução conceitual de seus alunos ou sequer a realizar uma escolha crítica deste
ou daquele material para alfabetizar” (1988, p.78).
Em relação à segunda vertente, Kramer enfatiza como fundamental o conhecimento da
linha evolutiva traçada por Ferreiro & Teberosky (1985) sobre as hipóteses da escrita infantil.
17
Essa linha evolutiva começa com a diferenciação entre o icônico e o não icônico, passa
pelas formas de representação da palavra, pela posição e quantidade de letras, e, chega à
fonetização da escrita, ou seja, vai do silábico ao alfabético. As autoras verificam a importância
do trabalho com a leitura em sala de aula para a compreensão e apreensão de aspectos do texto, a
função e os tipos de erros cometidos pelos alunos em seu processo de aquisição da leitura e da
escrita e a utilização da avaliação diagnóstica como instrumento que o professor deve usar para
rever práticas e planejar boas intervenções.
Quanto à correção, Buarque diz: “[...] a correção é necessária, mas ela deve surgir do
confronto entre o produzido pela criança e o registro gráfico correto, sem que isso se torne o
eixo central das atividades em sala” (1988, p.80). Observamos a necessidade de cuidado ao se
pensar sobre o papel da correção no processo de aquisição da leitura e da escrita. O que deve
ocorrer é um deslocamento do enfoque avaliativo punitivo para o enfoque da atividade, ou, ainda,
para o avaliativo formativo.
Essas idéias sobre alfabetização originaram um discurso que trouxe um certo mal
entendido ao fazer pedagógico dos professores quanto à correção das escritas de seus alunos. No
nosso entender, o problema não deve se centrar em corrigir ou não as escritas infantis, mas, em
como e quando intervir no processo. Citando Ferreiro (1992, p. 47):
A correção contínua e imediata gera inibição e impede a reflexão e a
confrontação [...] Qualquer adulto alfabetizado se engana ao ler e ao escrever; o
que indica seu grau de alfabetização é a sua possibilidade de autocorreção [...] A
alfabetização passa a ser uma tarefa interessante, que dá lugar a muita reflexão e
muita discussão em grupo.
Temos como princípio respeitar a escrita dos alunos tal como ela ocorre em todas as
etapas do processo, o que não significa dizer que está correta, se não estiver de acordo com a
convenção. A intervenção do professor deverá ser permanentemente orientada no sentido de
oferecer, aos alunos, subsídios através dos quais eles possam refletir sobre sua escrita e modificá-
la se necessário. Uma boa estratégia de correção, capaz de trazer avanços para a aprendizagem
pode ser a interação com os colegas que apresentam diferentes hipóteses de escrita.
Abaurre (1988) mostra a importância de a escola propiciar atividades em que os alunos
ditem e o professor escreva, considerando-as de fundamental importância por proporcionarem ao
sujeito a possibilidade de relacionar a linguagem oral e a escrita, resultando não somente na
18
ampliação de seu vocabulário, como também em melhor elaboração, levando-o a estruturar de
maneira mais adequada, e até sofisticada, suas próprias produções. Chama a atenção para a
necessidade de formar leitores e escritores competentes enfatizando que, para isso, não basta
adquirirem a base alfabética, mas terem condições de reconhecer os contextos em que a escrita é
produzida e qual a função social do ato de ler e escrever.
Sendo assim, a grande tarefa do professor é incorporar atividades de leitura e escrita ao
seu cotidiano e não apenas à sua função docente. É preciso que ele seja um leitor, domine e
utilize a escrita.
Apenas um professor que seja leitor e escritor em potencial terá condição de refletir,
escolher, criticar e reconhecer uma atividade de alfabetização que realmente contribua para a
aprendizagem e que possa atender aos vários níveis de experiências e ritmos de aprendizagem
dos alunos, sem ficar preso a métodos e repetindo técnicas que desconhece. Conclui a autora
dizendo que, para isso, é necessário dar tempo ao professor e re-estruturar sua formação.
Smolka (1988) afirma que Ferreiro, Teberosky e Palácios, em suas pesquisas sobre a
aprendizagem da língua escrita, analisam basicamente o processo individual dessa aquisição.
Segundo a autora, as pesquisadoras dão importância para as relações interpessoais e interações
presentes nesse processo, no entanto, ao explicarem o desenvolvimento individual das crianças
sobre a escrita, sem levar em conta o ensino e as relações sociais, deixam de apresentar soluções
viáveis para resolver a questão do fracasso escolar. A autora afirma: “[...] a “defasagem” não é
apenas uma contingência da forma escrita de linguagem, mas é também produto das condições
de ensino” (1988, p.60). Para ela a psicologia histórico dialética social de Vigotski fornece
elementos para levarmos em conta o processo de apropriação, o caráter intersubjetivo, as relações
sociais e históricas envolvidas na construção do conhecimento e obviamente no processo de
alfabetização. Dessa forma, o fracasso escolar, no início da escolarização, seria explicado tanto
pelas situações de aprendizagem oferecidas — que envolvem atividades pouco significativas com
letras, palavras e frases soltas e sem nexo — como pela dificuldade dos professores em lidar com
as diferenças de linguagem, de ritmo de aprendizagem, de conhecimentos de seus alunos,
ignorando situações importantes do cotidiano da sala de aula que devem ser consideradas. A
autora afirma: “Do “ensino” da professora, então, não resulta necessariamente, o “aprendizado
correto” do aluno. Há um espaço para a elaboração individual da criança” (1988, p.43).
19
Portanto, não podemos deixar de considerar os aspectos sociais e políticos envolvidos no
ensino e aprendizagem da leitura e da escrita. Por meio dessa aquisição, o indivíduo deve tornar-
se capaz de utilizar essas ferramentas com diferentes propósitos, compreendendo o caráter
transformador da linguagem e sua função social. A escrita sem função clara, na escola, fica vazia
de sentido. Através da escrita, e na interação social, o indivíduo é transformado, ao mesmo tempo
em que pode transformar o meio em que vive. Smolka (1988), apesar de não negar a importância
do trabalho de Ferreiro, Teberosky e Palácios, afirma que nos fixarmos apenas no
desenvolvimento individual dessa aquisição é deixar de avançar na luta contra o fracasso escolar.
Citando Smolka (1988, p.60):
O que ocorre de fato, mas permanece implícito, é que o ensino da escrita,
cristalizando a linguagem, neutralizando e ocultando as diferenças, provoca (e
oculta) um conflito não meramente cognitivo, mas fundamentalmente social. O
conflito cognitivo se dá no social e implica a dimensão política. Porque não se
“ensina” ou não se “aprende” simplesmente a “ler” e a “escrever”. Aprende-se (a
usar) uma forma de linguagem, uma forma de interação verbal, uma atividade, um
trabalho simbólico. Portanto, para além da concepção inovadora de aprendizagem
com construção do conhecimento, assumida por Ferreiro & Teberosky e Ferreiro
&Palácios, é fundamental considerar a concepção transformadora da linguagem,
uma vez que não se pode pensar a elaboração cognitiva da escrita independente da
sua função, do seu funcionamento, da sua constituição e da sua constitutividade na
interação social.
Smolka (1988) analisa, ainda, o processo de aquisição da escrita pelas crianças sob três
aspectos distintos: o primeiro considera a língua como um sistema fixo a ser incorporado pelo
aluno, por meio da memorização e do treino, considerando-o um agente passivo nesse processo.
O segundo, esboçado a partir da pesquisa de Ferreiro e Teberosky, considera a escrita um objeto
apreendido a partir da construção individual, principalmente através do conflito cognitivo. Nesse
aspecto, a escrita infantil é analisada pelos níveis ou hipóteses que seguem uma linha evolutiva
de desenvolvimento e que, sem dúvida, trazem uma enorme contribuição para a compreensão do
processo de aquisição da escrita pelas crianças. O que não se pode fazer é transformar esses
níveis em rótulos para a classificação dos alunos, justificando, assim, o fracasso escolar de
alguns. O terceiro, que segundo a autora abrange o anterior, é o “[...] da interação, da
interdiscursividade, inclui o aspecto fundamentalmente social, das condições e do funcionamento
da escrita [...]” (1988, p.63). Esse aspecto compreende o processo de alfabetização não apenas
como uma atividade cognitiva, mas como uma atividade que envolve conceitos que se formam
20
pelo uso da palavra. Aqui, é fundamental que a professora desenvolva atividades de leitura e
escrita que garantam as dimensões prática, simbólica, lúdica e dialógica desses objetos de
conhecimento. A aquisição da leitura e da escrita deve servir para a aquisição de outros tipos de
conhecimento, cumprindo, assim, sua função social, interativa, política e de instrumento
constituidor do saber. Em relação a essa questão, Smolka (1988, p.57), diz:
Do ponto de vista da psicologia dialética de Vygotsky [...] a linguagem é
uma atividade criadora e constitutiva de conhecimento e, por isso mesmo,
transformadora. Nesse sentido, a aquisição e o domínio da escrita como forma de
linguagem acarretam uma crítica mudança em todo o desenvolvimento cultural da
criança.
Não há dúvidas de que, Ferreiro & Teberosky (1985) pontuam, mesmo que
superficialmente, a importância da mediação social para compreendermos algumas propriedades
da língua escrita. Chegam a afirmar que fizeram o que Vigotski havia assinalado há muito tempo:
investigado e desvendado cientificamente a pré-história da linguagem escrita na criança. As
autoras afirmam (1985, p.282):
A escrita tem uma série de propriedades que podem ser observadas
atuando sobre ela, sem mais intermediários que as capacidades cognitivas e
lingüísticas do sujeito. Mas, além disso, existem outras propriedades que não
podem ser “lidas” diretamente sobre o objeto. A mediação social é imprescindível
para compreender algumas de suas propriedades. Através da escrita enquanto
objeto de conhecimento poderemos talvez nos aproximar de um tema
imensamente vasto e complexo: a psicogênese do conhecimento dos objetos
sócio-culturais.
No relato do percurso de trabalho da equipe de professores de leitura e escrita da Escola
da Vila, Barreira (1990) afirma que no contato com a pesquisa de Emília Ferreiro (1985) a equipe
compreendeu, que a aquisição da base alfabética se dá muito antes da criança entrar na escola,
notando-se, a partir de então, as primeiras mudanças conceituais. A mudança metodológica, do
grupo, ocorreu com a supervisão feita pela Drª Ana Teberosky, momento em que o grupo
abandonou o uso da palavra geradora e, desde a alfabetização inicial, passou a trabalhar textos
que circulam socialmente. Tal mudança só foi possível quando da distinção entre Língua Escrita
e Escrita. “A língua escrita embora possa ser veiculada pela escrita, não pode ser confundida
com ela” (1990, p.55). A língua escrita é um objeto socialmente construído e deve estar presente
21
nas atividades escolares da mesma forma que é usada fora da escola. A escrita é o código, e seu
conhecimento é inegavelmente importante para a aquisição do sistema alfabético. Mas a
linguagem escrita é o uso significativo desse código, imprescindível para garantir a qualidade das
produções. A formação dos professores em serviço, na referida escola, trouxe avanços
consideráveis ao trabalho docente em sala de aula.
Vindo ao encontro das mudanças ocorridas no campo do ensino da leitura e da escrita,
pesquisas relacionadas à formação de alunos leitores e escritores competentes tentaram dar conta
dos vários aspectos dessa questão. Bajard (1992) chama a atenção para a falta de textos e de
práticas de leitura nas salas de aula. Coloca algumas razões históricas para o fato de a escola
priorizar a escrita e não a leitura. Seriam essas as razões: a “escola nova” valorizar a expressão e
conseqüentemente a escrita, e a carência de livros para leitura, além de razões científicas,
justificando que durante as séries iniciais, na aprendizagem da escrita, as situações de leitura são
pouco utilizadas. Para ele, mesmo o movimento construtivista com sua revolução epistemológica
minimiza a necessidade de situações de leitura na escola. Diz que a própria Emília Ferreiro define
o ato de ler em termos de construção do sentido, não aceitando reduzi-lo a um ato mecânico de
decifração. Em um primeiro momento de sua pesquisa, ela rejeita a dissociação entre leitura e
escrita, visando o conhecimento do sistema de representação. No entanto, privilegia o acesso a
esse sistema via produção textual, não via leitura ou interpretação de textos.
De acordo com Bajard (1992), Emília Ferreiro considera a produção de texto mais
complexa do que a leitura, não vendo sentido em diferenciar ou separar leitura e escrita, uma vez
que se quer saber o modo como a criança compreende a forma de construção do sistema de
representação da língua, não considerando a língua escrita apenas como reflexo da língua oral. O
autor diz que Emília Ferreiro, contrariando essa posição, adota a observação da produção textual
dos alunos como melhor caminho para interpretar e avaliar o nível de conhecimento deles.
Afirma ainda que, o modelo psicogenético proposto por Emília Ferreiro reforça um aspecto da
Pedagogia tradicional em que a língua escrita torna-se uma representação da língua oral e as
relações são grafonéticas. O autor afirma que a pesquisa de Emília Ferreiro é muito valiosa e seus
resultados preciosos para o pedagogo, não podendo assim ser ignorada. O que não pode ocorrer é
a aplicação das informações diretamente em sala de aula. Conclui dizendo que a formação do
leitor não pode ser um objetivo dissociado dos objetivos de alfabetização — formar não meros
alfabetizados, mas leitores — deixando que circulem em sala de aula textos dos mais diferentes
22
gêneros, integrando-se a instalação da biblioteca com a formação de professores. Esse trabalho
com a prática de leitura, segundo Bajard (1992, p.39), traz a possibilidade da prática com a
interpretação de textos.
Pretender ensinar o domínio de uma atividade, a leitura, sem propor
especificamente sua aprendizagem, é voltar a idéia dos pré-requisitos que, em
outras situações é rejeitada [...]propõem-se para a aprendizagem da leitura pré-
requisitos cognitivos, instaurados pelo aprendizado da produção de texto.
Propõe ainda que se garanta o acesso à escrita pela leitura, pela escrita e pelo dizer, não
excluindo nenhuma dessas situações, envolvendo os alunos desde a escolarização inicial em
atividades diversificadas de produção, análise da escrita, interpretação, escuta e dicção de textos.
Outro trabalho que valoriza a reflexão sobre a prática é o de André (1994), que concluiu
que é por meio do estudo e da reflexão sobre a prática cotidiana que se inicia o processo de
formação. A autora propõe que a Universidade seja parceira, colaborando com a implementação
de práticas mais eficientes, para dotar o professor da capacidade de investigar e identificar o
problema pedagógico, e, assim, compreender profundamente suas causas e identificar possíveis
soluções. Conforme a autora, é preciso desenvolver no grupo de professores a reflexão sobre seu
trabalho. “Esse é um procedimento que envolve a caracterização e problematização da
realidade, análise e compreensão de seus significados e determinações e a elaboração de
propostas para superar os problemas encontrados” (1994, p.75).
Um exemplo desse tipo de estudo é o de André & Dietzsch (1997), que realizaram uma
pesquisa do tipo investigação-ação junto a um grupo de professoras da rede pública estadual de
São Paulo, fazendo com que refletissem sobre suas práticas, relatadas pelas pesquisadoras e
registradas em vídeo. As autoras perceberam que a capacitação de professores em serviço é um
instrumento importante, uma vez que a maioria do grupo mostrou-se disposto a estudar e a rever
sua prática. Por meio desse empenho coletivo, ouvindo e respeitando as contribuições dos
professores, é que podem ocorrer as mudanças, concluem as autoras. Universidade e rede de
ensino devem, além de estarem articuladas, fazer cumprir a função social de cada uma. Tratando
especificamente do ensino da leitura e da escrita, verificaram que havia uma disparidade entre o
discurso dos professores e sua prática. Ainda que se autodenominassem “construtivistas”, não
utilizavam a linguagem de forma interativa, nem discutiam com seus alunos.
23
Em um outro artigo, Dietzsch (1997) descreve as interações observadas nessa
investigação-ação. A preocupação das pesquisadoras era ter uma visão geral e ampla das
interações entre professor, aluno e mediadores do conhecimento, verificando como a organização
do espaço da sala de aula, local em que se constituem essas interações, permite a circulação da
leitura e da escrita. A partir da análise dos dados coletados em sala de aula, concluiu que as
professoras detêm a palavra sem considerar as atitudes do grupo de alunos durante as atividades.
“E se as práticas de sala de aula não estão fundamentadas em uma visão dialógica de
linguagem, não se pode entender o conhecimento como socialmente construído” (1997, p.21).
Pensamos que um ponto fundamental a ser tratado na capacitação dos professores em serviço seja
a reflexão coletiva sobre como garantir uma interação produtiva entre os sujeitos em situações de
aprendizagem.
Outro aspecto a ser considerado na capacitação de grupo de professores é situá-los quanto
à concepção de ensino em que se baseiam para desenvolverem as situações de aprendizagem.
Davis (1999) chama atenção para a necessidade da escola desenvolver um trabalho com objetivos
e conteúdos voltados ao desenvolvimento de habilidades motoras, afetivas e sociais, e não apenas
intelectuais, visto que todas elas são inter-relacionadas. Diz que “Conteúdo escolar é tudo aquilo
que precisamos aprender para podermos desenvolver ao máximo todas as nossas
possibilidades” (1999, p.18). Além disso, argumenta que esses conteúdos devem ir ao encontro
das necessidades do indivíduo para tornarem-se significativos e serem verdadeiramente
assimilados.
Davis afirma que “Aprendizagens são sempre resultado de processos pessoais e sociais”
(1999, p.21). Ainda que não esteja claro para o professor, ao organizar o espaço, escolher a
seqüência didática, trabalhar certos conteúdos de determinadas formas, ele está se pautando em
uma concepção de ensino. Portanto, quando trabalha com o grupo-classe sem levar em conta
ritmos, necessidades, interesses, motivação, capacidade — fatores esses que se diferenciam de
indivíduo para indivíduo — sua concepção é de um processo ensino-aprendizagem padronizado,
que privilegia alguns em detrimento de outros.
Ainda sobre a capacitação de professores e a procura de alternativas que tornem eficientes
suas práticas com o ensino da leitura e da escrita, garantindo resultados positivos a todos os
alunos envolvidos no processo, pensamos que deva ser priorizada a reflexão dos professores
24
sobre as diferenças que existem entre os indivíduos em seu caminho de aquisição dos
conhecimentos.
Ao tratar da desigualdade dos educandos, Perrenoud (2001) questiona o atual sistema de
ensino pela forma como se organiza e amplia essas desigualdades. Segundo o autor, nas
primeiras escolas as aulas eram ministradas para um grupo numeroso, cerca de cem alunos, sem a
preocupação com a participação. Não representavam obstáculos para o professor a
heterogeneidade, a diversidade, as diferenças. Já os sistemas modernos de ensino tendem a
formar grupos de alunos os mais homogêneos possíveis e, ainda assim, a heterogeneidade se faz
presente e o professor deve saber lidar com ela, principalmente porque cada sujeito é único e se
relaciona de forma única com o educador e com o conhecimento. Mesmo uma ação pedagógica
igual para todos, de acordo com o autor, favorecerá apenas os alunos que possuem determinadas
capacidades já desenvolvidas como, por exemplo, a autonomia, a habilidade para determinado
conteúdo, a comunicação oral, entre outras.
Entendemos ser primordial que o professor tenha aparatos teóricos, experiência prática e
um espaço coletivo de troca desses conhecimentos, que lhe permitam organizar de maneira eficaz
o espaço físico, o material a ser utilizado, a atividade a ser realizada, a seqüência didática, a
forma de organização dos grupos de alunos, de modo que garanta ajuda mútua entre eles,
tornando a situação de aprendizagem produtiva para todos e que seja capaz de adequar suas
intervenções para o avanço do processo de aprendizagem. A tomada de consciência do professor
sobre a importância dos elementos acima enumerados pode levá-lo a organizar melhor sua
prática, além de ajudá-lo a ter mais clareza sobre a dinâmica do grupo-classe e,
conseqüentemente, sobre os alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem. Perrenoud
ainda afirma que ficar o maior tempo possível sem chamar atenção do professor é a estratégia
mais usada pelos alunos com dificuldades. Um professor menos atento a essas questões pode vir
a abandonar o aluno que mais precisa de sua ajuda.
O autor questiona a eficácia da intervenção individualizada do professor junto aos alunos
mais desprovidos. Considera que, em suas intervenções individualizadas, o docente permite ao
aluno corrigir-se sem ter compreendido realmente o assunto. Afirma que mesmo o atendimento
individualizado é parcialmente diferenciado, não favorecendo os desfavorecidos, por não ser
eficaz no nível da aprendizagem. Quanto aos outros tipos de atividades consideradas mais ativas
tais como os projetos, o trabalho em equipes, os jogos, o autor explica que “quanto mais as
25
atividades forem abertas, descentralizadas, diversas em seu conteúdo e ritmo, mais a
diferenciação será teoricamente possível. Entretanto isso só pode reforçar a desigualdade ou
diminuí-la” (2001, p.97).
Assim, ficamos com esse impasse. É claro que incentivar a autonomia dos alunos,
trabalhar seus interesses, seu ritmo, a espontaneidade, a escolha das atividades são condutas
inegavelmente importantes do educador. No entanto, quanto maior o número de experiências
positivas relacionadas a esses fatores o aluno tiver fora da escola, melhor direcionadas serão suas
escolhas. Diante disso, concluímos que essa pedagogia ativa continua a favorecer os favorecidos.
Quanto a isso Perrenoud (2001, p. 98), diz:
[...]
a análise do tratamento das diferenças não se limita a interação direta
entre professores e alunos, mas abrange o conjunto das decisões e das ações que
organizam o espaço, o tempo, a abertura para o exterior, os recursos internos, as
situações de aprendizagem, as redes de interação e de cooperação entre as
crianças, etc.
Considera que há possibilidade de diferenciação quando podemos perceber o tempo
dedicado a cada aluno pelo professor, a forma de contato, o momento em que ocorre, o
envolvimento do professor na atividade, o que espera ser realizado pelo aluno e de que maneira, o
grau de importância dado às dificuldades e a motivação, a forma como conduz a atividade diante
das dificuldades, como se posiciona e se locomove no momento da atividade, o que fazem os
alunos que terminam a tarefa, qual o estilo de interação que se estabelece e como é o clima criado
no grupo-classe. É fundamental que fique claro que as aprendizagens acontecem de diferentes
maneiras, não apenas devido à ação pedagógica, mas também em função do indivíduo, de suas
experiências e esquemas de compreensão. Por isso, um ensino indiferenciado aumenta as
desigualdades entre os alunos, já que uma mesma situação de aprendizagem pode ser
compreendida de maneiras muito diversas. O autor diz “[...] as desigualdades da competência
escolar são mantidas e até aumentadas, ao longo da escolaridade” (2001, p.99).
Conclui afirmando que por mais que haja diferenciação, ela não produzirá os resultados
esperados se o sistema de ensino não for transformado no que se refere aos conteúdos, à
organização das atividades, à forma de avaliação, às disciplinas fechadas, à ausência dos pais, à
formação dos professores. Consideramos fundamental que em nossa intervenção, junto aos
professores, o principal aspecto abordado recaia na questão dos diferentes ritmos de
26
aprendizagem dos alunos, pensando e repensando questões relacionadas ao trabalho diversificado
utilizado de forma adequada, garantindo a inclusão de todos os alunos e não interferindo de
maneira negativa em seu autoconceito e, conseqüentemente, em sua auto-estima. Para isso,
acreditamos ser necessário que o professor desenvolva com os alunos, atividades que possam ser
realizadas por todos —dentro de suas diferentes hipóteses de aprendizagem—, que sejam
adaptáveis ao nível das diferentes possibilidades das crianças, favorecendo assim o processo de
apropriação da língua escrita. É fundamental abordarmos também a importância que tem para o
aluno o sentimento de pertencer e ter uma função no grupo-classe. Buarque (1988) já afirmava
que: “[...] os alunos são diferentes e constroem suas hipóteses acerca do que a escola propõe
dentro de seu próprio ritmo, utilizando seus próprios recursos conceituais [...] a tarefa do
professor é redobrada [...] ao diversificar atividades de modo a atender as diferenças [...]”
(1988, p.81).
Uma contribuição importante para o professor traz Teberosky (2003), quanto ao uso dos
textos presentes em nosso cotidiano e que, desde a alfabetização inicial, devem ser trazidos para
as atividades de sala de aula. A autora classifica os portadores de textos da vida cotidiana em
“escritos urbanos, escritos domésticos e escritos de máquinas interativas” (2003, p.107). O
primeiro tipo — escritos urbanos — a autora define como escritos que estão em lugares públicos
e servem para indicar e organizar a vida dos indivíduos. São os cartazes, painéis, folhetos entre
outros. Já os rótulos, as marcas, as embalagens com logotipos, que estão presentes em nossas
casas, a autora classifica como escritos domésticos, considerando como a principal característica
desse tipo de texto a “mistura de princípios icônicos e alfabéticos: são escritos com letras, mas
não são lidos como quaisquer palavras, pois se tornaram algo semelhante aos hieróglifos”
(2003, p.107). Por último, segundo a autora, há os escritos das máquinas interativas como
telefone público, caixas automáticos, máquinas de vender. Aprender a usar esses tipos de
aparelhos é importante, pois saber usá-los significa ter um nível de alfabetização funcional. Ao
classificar os suportes de linguagem escrita, a autora pontua a importância desses para o ensino e
a aprendizagem da leitura e da escrita e afirma que a escola pode contribuir oportunizando
atividades através desses suportes.
Conclui dizendo que se deve priorizar o trabalho com livros em sala de aula, já que a
maioria dos alunos tem pouco acesso a este suporte em seu meio social, o que nos leva a afirmar
a importância de o professor favorecer esse contato. Concordamos com a autora quando diz que é
27
preciso saber diferenciar a experiência com o suporte escrito, do conhecimento deste suporte;
quer dizer, o aluno pode até conhecer determinados suportes, mas é preciso atuar, pensar, refletir,
relacionar, experenciar situações que os envolvam.
Um estudo com um grupo de professoras da rede pública do Paraná, realizado por Saveli
(2003), revela que a forma como a leitura é trabalhada nas séries iniciais está relacionada a
crenças adquiridas por elas em seu percurso escolar, pois as relações que estabelecemos ao longo
da vida interferem em nossa maneira de pensar e de agir. A autora apresenta algumas crenças das
professoras pesquisadas sobre ensino da leitura, e que, segundo ela, além de divergirem do saber
científico, parecem prejudicar a relação dos alunos com os portadores de textos. Entre essas
crenças, destaca: a apropriação da estrutura da língua pela criança por meio de processos
uniformes e não variáveis; a leitura confundida com a oralidade e a valorização da leitura em voz
alta; a leitura vista como atividade secundária, tendo que ser materializada como se por si só não
bastasse; a maioria dos textos é lida e interpretada sem garantir ao leitor a produção de
significados sobre eles; a biblioteca não é vista como espaço educativo de livre acesso, ao
contrário, é local de visita. A autora ao afirma que é fundamental o professor escolher bons
materiais de leitura, afinal, ele é o mediador entre o aluno e esse importante objeto de
conhecimento. Propõe que as atividades sejam de compreensão de significado e instigantes com
os mais variados portadores de textos, não apenas de decodificação. Diz que as dificuldades dos
alunos não serão sanadas por meio de meras oralizações de textos e de questões de interpretação
sobre eles, e sim pelo aproveitamento do espaço da biblioteca com eventos e projetos
relacionados à leitura, por exemplo, a hora do conto, a hora da poesia, contação de história,
palestras com autores e atividades culturais diversas. Deixa um desafio para quem trabalha com
formação de professores: o de encontrar estratégias que transformem o fazer e o pensar docente.
Weisz (2003) discute questões polêmicas que surgiram nos últimos anos com relação à
didática da leitura e da escrita. A autora chama de falsa polêmica a idéia, circulada na mídia, que
atribui o fracasso em alfabetização no Brasil ao construtivismo e que propõe a retomada do
método fônico. Apresenta, para explicar o equívoco, argumentos interessantes. Primeiro retoma a
concepção de aprendizagem de cada um, e conclui que há três décadas, com as pesquisas de
Emília Ferreiro (1985), iniciou-se uma mudança conceitual em relação ao ensino e aprendizagem
da língua escrita, quando se percebeu que a evolução da escrita das crianças é previsível. Um
professor, que consiga avaliar este processo, organiza situações de ensino e de aprendizagem
28
muito mais adequadas, aceitando escritas não convencionais ao mesmo tempo em que pede
reflexão por parte dos alunos em relação à própria escrita. É, portanto, um professor que cumpre
seu papel trazendo informações significativas para as crianças no momento oportuno. A autora
entende o papel do professor como o de alguém que coloca as crianças em contato com a escrita
convencional e não apenas aceite as hipóteses delas. “Se aprende a ler e escrever através de um
processo dialético em que a aprendizagem acontece pela superação das contradições entre
idéias do próprio aprendiz e destas com relação à escrita convencional” (2003, p.62). A autora
critica o método fônico por transformar o processo de alfabetização em simples transcrição e
memorização da relação fonema/grafema. Finaliza derrubando mitos sobre o construtivismo —
visto como vilão — alegando que são cinqüenta anos de fracasso em alfabetização no país e que a
maioria das escolas nunca abandonou a cartilha. Indica também como falsa a idéia de que a
orientação construtivista em alfabetização tenha sido derrotada na França e nos Estados Unidos.
Essa maneira de alfabetizar, segundo a autora, sequer é conhecida nesses dois países.
Um autor que nos ajuda a pensar essas questões na formação de professores é Imbernón
(2004), que sugere um novo conceito de formação de professores que ultrapassa a formação
técnica e pedagógica e apresenta um outro perfil. Considera importante que a formação
desenvolva habilidades profissionais no docente, que o torne capaz de resolver as situações com
as quais se depara cotidianamente, que consiga refletir entre experiência e teoria e que considere
a educação a partir de um amplo contexto social. Diz também, que é preciso que o docente atue
com uma metodologia baseada na comparação com a dos colegas, faça relações com a leitura
regular de literatura educacional e sua prática e participe de atividades de formação e cursos
teóricos, para atingir uma prática racional e não baseada na intuição.
Todas as questões levantadas pelos autores são relevantes para a formação do professor
alfabetizador. Ao nos familiarizarmos com o percurso adotado por pesquisadores em relação ao
ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita nas séries iniciais, percebemos que algumas
questões precisam ser olhadas com mais atenção. É preciso avaliar o produto apresentado pelos
alunos ao final das séries iniciais. Como está a questão da qualidade nas produções escritas
infantis? Outro ponto que consideramos de extrema importância é em relação ao fracasso de
alguns alunos. Se alguém não está aprendendo é porque alguém não está ensinando. Portanto, um
dado a ser investigado é de que maneira o professor lida com as diferenças em sala de aula e
como organiza suas atividades, planeja sua metodologia, seleciona seus conteúdos para que essa
29
diferença diminua ao final do processo de alfabetização. Muitas vezes, o professor atua em
função de um currículo padrão e não leva em conta as diferenças nos ritmos de aprendizagem dos
alunos.
Geralmente alunos oriundos de um meio sócio-cultural em que atos de leitura e escrita
estão presentes, ao se depararem com uma seqüência didática que segue do simples para o
complexo, que fragmenta a escrita com a intenção de facilitar sua aprendizagem, que a trata como
um objeto exclusivamente escolar e se apóia em seu aspecto perceptual, até conseguem fazer
relações entre esses mecanismos utilizados pela escola para lhe apresentar a leitura e a escrita e as
práticas sociais que já vivenciaram em seu cotidiano e continuam vivenciando. Esses alunos,
mesmo não sendo competentes como leitores e escritores, farão com mais facilidade o que a
escola lhes pede e conseqüentemente terão um percurso escolar dentro do esperado. Já aqueles
que chegam com poucas experiências com a leitura e escrita, esforçam-se para entender essas
formas utilizadas pela escola, que lhes são estranhas e pouco significativas. Ante esse objeto que
lhes é apresentado e que não dão conta de compreender, são apontados como desinteressados,
sem motivação, indisciplinados, desatentos; enfim, são responsabilizados pelo próprio fracasso.
A escola, sem questionar sua atuação, não modifica seu procedimento: desconsidera os
diferentes saberes trazidos pelos alunos. Não basta que o professor conheça como se dá a
aprendizagem da leitura e da escrita; é preciso ainda que ele se sinta à vontade para ensinar, saiba
recorrer a boas intervenções nos momentos adequados, saiba organizar situações de
aprendizagem que proporcionem o avanço de todos, trabalhando as diferenças e não o diferente.
Ainda, quanto ao fracasso em alfabetização, podemos dizer que aprendendo o aluno se sente
parte do grupo, sente-se incluído e capaz. Para que isso ocorra, ele precisa de um professor que se
preocupe com ele e com sua aprendizagem e não o abandone no meio do percurso. A existência
de lacunas, tanto no que diz respeito ao professor e sua formação, quanto no que diz respeito ao
aluno e ao ensino da língua, coloca-nos diante de bons objetos para realização de nossa pesquisa.
A questão central, a nosso ver, é encontrar meios de tornar a prática docente realmente
eficaz no que se refere ao ensino da língua escrita, o que se refletirá também no aperfeiçoamento
da oralidade. A eficácia virá por conta de aperfeiçoamento contínuo e reflexão do professor sobre
o seu ensinar, sobre o seu saber e, conseqüentemente, sobre o aprender de seus alunos. O trabalho
coletivo entre os docentes, além de romper o fazer solitário, característica muito marcante do
trabalho pedagógico, fortalece a importância de que todos são responsáveis pelos resultados no
30
processo ensino-aprendizagem. Quanto a formação permanente do professor Imbernón (2004,
p.72), diz:
Uma formação deve propor um processo que confira ao docente
conhecimentos, habilidades e atitudes para criar profissionais reflexivos ou
investigadores. O eixo fundamental do currículo de formação do professor é o
desenvolvimento de instrumentos intelectuais para facilitar as capacidades
reflexivas sobre a própria prática docente, cuja meta principal é aprender a
interpretar, compreender e refletir sobre a educação e a realidade social de forma
comunitária.
Acreditamos que as diferenças entre as crianças em sala de aula, quando trabalhadas de
maneira adequada, tendem a se minimizar ao final do ciclo I. Deixar alguns alunos à sombra é
continuar excluindo quem precisa ser incluído. Falar com clareza, ler e compreender o texto e o
contexto, conseguir informar-se, divertir-se e emocionar-se através da leitura, seguir informações
e comunicar-se por escrito são todas tarefas possíveis apenas para quem domina de forma
competente a leitura e a escrita. Garantir este aprendizado a todos os alunos, que o construirão
das mais variadas formas, é o meio mais eficaz de promover a eqüidade.
31
II
A ABORDAGEM SÓCIO-HISTÓRICA
A opção pela abordagem sócio-histórica deu-se devido à forma como Vigotski situa os
processos psicológicos humanos e suas transformações em um contexto histórico social.
Para fundamentar nossas reflexões e análises e tentar nos aproximar de zonas de sentido,
utilizamos conceitos que, em nosso ver, dão conta de explicar concepções e práticas dos
professores no que se refere à diversidade de seus alunos. Para isso, estabelecemos algumas
categorias de análise que possibilitam compreender a que os professores atribuem a origem das
diferenças entre seus alunos, quais práticas utilizam para lidar com elas e se ocorrem mudanças
nas práticas e concepções docentes em função da formação continuada oferecida na HTPC. Para
esse trabalho, consideramos importantes as contribuições de Vigotski sobre: desenvolvimento e
aprendizagem, concepção de homem e o conceito de mediação, relação entre pensamento e
linguagem, sentidos e significados e a subjetividade do sujeito. A seguir tentamos esclarecer
esses conceitos.
Vigotski pontua, de maneira geral, a relação entre desenvolvimento e aprendizagem e
relaciona especificamente esses aspectos com a criança que freqüenta a escola. Diz que o
aprendizado começa antes de a criança entrar na escola e que a aprendizagem escolar é diferente
de outros tipos de aprendizagem por estar voltada à formação de conceitos científicos. Para ele,
aprendizagem e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o inicio da vida. Para explicar
essa complexa relação, Vigotski estabelece dois níveis de desenvolvimento: “O primeiro nível
pode ser chamado de nível de desenvolvimento real, isto é, o nível de desenvolvimento das
funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de
desenvolvimento já completados” (1984, p.95). Sabemos, assim, em que nível de
desenvolvimento a criança se encontra analisando o que ela pode realizar sozinha. Por outro lado,
Vigotski considera como fator de extrema importância o que a criança realiza com a ajuda de
outra pessoa, pois isso pode mostrar muito mais sobre seu desenvolvimento mental. A partir
dessa análise, Vigotski (1984, p.97) elaborou o conceito de zona de desenvolvimento proximal
que é:
32
[...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar
através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
Para Vigotski, aprendizado não é a mesma coisa que desenvolvimento, mas coloca em
ação funções e processos que afetam o próprio desenvolvimento. Para ele, os processos de
desenvolvimento se dão através dos processos de aprendizagem, ou seja, desde o nascimento os
dois processos estão relacionados.
Ao diferenciar desenvolvimento e aprendizagem, principalmente a partir do que postulou
sobre a zona de desenvolvimento proximal, Vigotski situa o papel da escola como central, pois
argumenta que a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento do indivíduo. Assim, a interação
desse indivíduo com o meio sócio-cultural e a intervenção de pessoas mais experientes em sua
zona de desenvolvimento proximal poderão desencadear seu processo de desenvolvimento. Davis
(1993, p.48 e 49) afirma:
Esse conceito elucida bem a visão Vigotskiana de desenvolvimento:
apropriação e internalização de instrumentos proporcionados por agentes culturais
de interação, que levam à elaboração de funções psicológicas que estavam
próximas de se completar e que, em se completando, propiciam novas
aprendizagens. [...] Nesse sentido, aprendizagem produz desenvolvimento e esse
possibilita condições para a aprendizagem, sempre em um contexto interativo, ou
seja, de interlocução que se dá na atividade.
Para a educação escolar, esse conceito traz uma nova maneira de conceber a forma de se
tratar as interações entre os alunos e entre eles e o professor. Sobre esse ponto Vigotski afirma:
“[...] aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha
amanhã” (1984, p. 98). No contexto de sala de aula, se devidamente orientada a interação entre
os alunos pode interferir de maneira positiva no desenvolvimento dos educandos. O agrupamento
entre eles deve ser pensado para que seja produtivo: um aluno pode contribuir com o outro, por
isso a importância do grupo heterogêneo, que permita a circulação dos mais diversos saberes. Nas
situações cotidianas aprendemos sempre com o outro e recorremos a alguém quando precisamos
de ajuda para realizar as mais diversas tarefas ou para resolver problemas do dia-a-dia. Na escola,
esse aprendizado da interação social deve ser estimulado e pensado de forma a produzir avanços
para todos os envolvidos.
33
No que se refere à concepção de homem e ao conceito de mediação, Vigotski postula que
o homem se constitui dialeticamente na história — não de forma passiva — e que existe uma
subjetividade, que também não é natural, mas constituída na relação do homem com a cultura.
Para compreender esse homem, que é histórico, social e individual ao mesmo tempo, Vigotski
criou o conceito de mediação pelo qual explica a relação individuo e sociedade. Deixa claro que
essa relação não é de causa e efeito, que ambos têm sua singularidade e não se diluem um no
outro. Pelo movimento da unidade dos contrários, dois elementos diferentes, são iguais ao mesmo
tempo, isto é, o homem é diferente da sociedade, no entanto, todas as expressões humanas são
constituídas pelo social. Segundo o autor, ao mesmo tempo em que nos apropriamos do social o
transformamos em psicológico por meio da atividade significada, ou seja, mediada pelos sentidos
e significados, não apenas internalizada. A significação converte o fato natural em cultural, passa
do plano social para o pessoal.
Para compreendermos a idéia de condição humana é necessário superar a concepção
naturalista de homem, a qual se baseia na idéia de que há uma natureza humana que pode ou não
realizar algo, dependendo das condições que lhe forem dadas, natureza essa que determina suas
habilidades, potencialidades e possibilidades. É necessário entendermos o homem dentro de uma
concepção sócio-histórica, em que não há nada pré-concebido. Sob esta perspectiva, o homem
pode desenvolver suas aptidões, intervindo ativamente na realidade, utilizando suas condições
biológicas, pelo contato com o meio e com outros homens, em uma relação mediada e por ele
significada. Bock (1999, p.33), afirma:
No conjunto das relações sociais, mediadas pela linguagem, o individuo
vai desenvolvendo sua consciência. Com o desenvolvimento da consciência, o
homem sabe seu mundo, sabe-se no mundo, coisas de seu mundo, partilha com os
outros, troca, constrói e reproduz significados [...] apropria-se dos significados e
constrói um sentido pessoal para suas vivências.
Vigotski compartilha da idéia de homem como sujeito na construção de conhecimentos.
Afirma que o acesso a esses conhecimentos não é direto, é mediado tanto pelos sistemas
simbólicos de que dispõe como pela realidade. Enfatiza, assim, a construção de conhecimentos
através de uma interação mediada por outros sujeitos, por objetos e pelo mundo cultural no qual o
indivíduo está inserido. A realidade fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos, ou seja, os
significados que vão lhe permitir a interpretação do real que, em constante processo de
34
transformação, não é determinante, é, antes, um lugar de negociações, recriações, interpretações e
atribuições de significados e sentidos. As formas de o homem pensar a realidade não se devem a
fatos cumulativos, mas, a uma série de contradições. Vivendo em uma base contraditória, homem
e objeto, homem e sociedade permanecem num constante e concomitante processo de inclusão e
exclusão. É nessa base contraditória, que ele é capaz de pensar e transformar a realidade. Para
atender suas necessidades, na atividade social o homem cria instrumentos, objetiva e se apropria
de conhecimentos, cria linguagem e significados. Esse movimento de atender às próprias
necessidades é que possibilita ao homem a criação do novo.
Quanto à relação entre pensamento e linguagem, Kohl (1997) diz que o pensamento
humano é caracterizado pelos processos mentais superiores como: controle das ações,
comportamento intencional, abstração, atenção voluntária e memorização. O desenvolvimento
desses processos não é espontâneo, natural ou direto e, sim, mediado por sistemas simbólicos e
pela linguagem.
As raízes genéticas do pensamento e da palavra são diferentes entre si, possuem
características e estruturas genéticas diferentes, não se diluem um no outro, no entanto, um não é
sem o outro. O pensamento não se expressa em sua totalidade, ele se realiza na palavra, tem a
palavra como matéria-prima, mesmo possuindo outra estrutura. O pensamento só existe porque
existe palavra, por outro lado, a palavra só existe como elemento integrante da prática social.
A relação entre pensamento e linguagem possibilita a memorização e discriminação de
objetos, a referência a objetos ausentes, a análise e classificação de objetos, a comunicação, a
apropriação da experiência humana, o desenvolvimento da consciência e das funções
psicológicas superiores. É na atividade social que nos transformamos, construímos novas formas
de linguagem e de pensamento e voltamos, então, transformados para a atividade.
Ao contrário do que postula Piaget, para Vigotski a linguagem egocêntrica vai evoluindo,
tornando-se mais complexa, adquirindo nova função e, naturalmente, transforma sua estrutura.
Portanto, para ele, a relação pensamento e linguagem é um processo em desenvolvimento
estrutural e funcional. Afirma que difícil para a criança não é conversar com o outro, mas
individualizar-se, e caminhar para a fala interior. Com o desenvolvimento da criança, os atributos
estruturais e funcionais da linguagem egocêntrica aumentam, o que diminui é o som, devido à
capacidade que a criança adquire para pensar e imaginar as palavras.
35
Vigotski buscou a gênese da fala interior e procurou compreender seu processo de
construção, não ficando na aparência dos fatos. Para ele, a fala interior explica um processo que
ajuda a entender a relação entre pensamento e linguagem, constituindo o sentido. De acordo com
sua análise, para estudar processos internos é preciso exteriorizá-los; para estudar os sentidos da
subjetividade, é preciso apreendê-los, a partir de mediações que contêm e revelam esses sentidos.
Trata-se da linguagem interior acessível à observação direta e à experimentação, isto é, de um
processo interior por natureza e exterior por manifestação” (2001, p.427).
Para a compreensão da relação entre pensamento e linguagem, Vigotski também
considera importantes as categorias sentido e significado.
Segundo ele, um dos atributos da fala interior é o predomínio do sentido sobre o
significado da palavra. Sentidos e significados são historicamente constituídos: os significados
são mais estáveis e relativos aos objetos, já os sentidos, são dinâmicos, inconstantes,
inesgotáveis, instáveis e relativos ao sujeito. Ao analisar os sentidos atribuídos pelo sujeito a
algum evento, fato ou recorte do real, precisamos ter claro que não será possível apreender a
multiplicidade do fenômeno, apenas nos aproximaremos, através das contradições, de zonas de
sentido.
É necessário buscarmos a palavra com significado, que é a menor unidade capaz de
revelar a totalidade do sujeito. Os sentidos constituídos ao longo da vida do indivíduo articulam-
se em um sistema complexo e organizado, que revela seu modo de pensar e de se apresentar no
mundo, ou seja, sua subjetividade. Essa, por sua vez, é constituída na relação do homem com a
cultura. Ao nos apropriarmos, ou ao sermos afetados por algo do mundo, este elemento passa a
constituir nosso ser, nossa subjetividade. No entanto, subjetividade não é estável, é marcada por
momentos de superação, de ruptura, de aparição do novo. Também não é reflexo do biológico e
do social, é constituída por eles e os constitui ao mesmo tempo.
Gonzáles Rey (2003) aponta os processos de subjetividade social e individual. Afirma
que, na constituição da subjetividade humana, a relação entre esses dois processos é tensa e
contraditória. Diz ainda que essa subjetividade é “inseparável da condição social do homem”
(2003, p.206), chamando a atenção para a subjetividade individual como parte da subjetividade
social. Ambas vivem uma relação contraditória e complexa, pois são constitutivas uma da outra,
mas não são a mesma coisa. Gonzáles Rey (2003, p.207), prossegue dizendo que:
36
A ação dos sujeitos implicados em um espaço social compartilha
elementos de sentidos e significados gerados dentro desses espaços, os quais
passam a ser elementos de subjetividade individual. Entretanto, essa subjetividade
individual está constituída em um sujeito ativo, cuja trajetória diferenciada é
geradora de sentidos e significações que levam ao desenvolvimento de novas
configurações subjetivas individuais que se convertem em elementos de sentidos
contraditórios com o status quo dominante nos espaços sociais nos quais o sujeito
atua. Essa condição de integração e ruptura, de constituído e constituinte que
caracteriza a relação entre o sujeito individual e a subjetividade social, é um dos
processos característicos do desenvolvimento humano.
Portanto, o sujeito se desenvolve e se constitui de forma singular e individualizada em
uma relação dialética e contraditória com o meio cultural no qual está inserido. Atua nesse meio,
atribuindo sentidos, transformando suas concepções, formas de pensar e de agir, desenvolvendo-
se, ao mesmo tempo em que transforma a realidade.
37
III
SOBRE A DIVERSIDADE...
“Todas as desigualdades são diversidades, embora nem toda diversidade
pressuponha desigualdade. Por isso, devemos estar muito atentos para
que, em nome da diversificação, não estejamos contribuindo para manter
ou provocar a desigualdade”. Gimeno (2002, p.14)
As questões relacionadas à organização de atividades e seqüências didáticas utilizadas em
sala de aula sempre nos preocuparam e permearam nossa prática docente. Sabemos que pensar
formas de atuação que garantam a integração, a participação, o interesse e a motivação de todos
os alunos, não é tarefa fácil. Como desempenhar nossa função pedagógica pautada na diversidade
dos alunos sem expô-la indevidamente e, principalmente, sem encará-la como um problema sem
solução? É óbvio que se pautarmos nossa prática na igualdade, contribuiremos para anular as
diferenças, que são fundamentais na constituição da singularidade e autonomia. Por outro lado,
estimulando e deixando sobressalente a diversidade, fomentaremos a ampliação das
desigualdades. Ao trabalharmos atividades diversificadas, ao individualizar o ensino para atender
alunos com dificuldades, os deixamos à margem, sentindo-se incapazes de realizar o que é feito
pela maioria do grupo. É Gimeno (2002, p.13 e 14) quem diz:
Toda ação pedagógica e toda prática têm um sentido, algumas razões que
devemos entender e que, na maioria dos casos, não são evidentes. As práticas
também têm atrás de si alguém (sujeitos individuais ou coletivos) que quiseram
realizá-las.[...] Desvendar o mundo dos significados da diversidade ou da
diferença e ver o se quis fazer com elas é um caminho para descobrir práticas,
afinar objetivos, tomar consciência e poder administrar os processos de mudanças
de maneira um pouco mais reflexiva, principalmente agora que as reformas
educacionais levantam, entre outras, a bandeira da diversificação, um programa
que anima todo tipo de apoio.
Gimeno (2002) aborda pontos interessantes sobre o trabalho com a diversidade na escola.
O fato é que a diversidade é um problema e um desafio para os educadores. Na realidade,
trabalhar com a diversidade é extremamente delicado, pois sua principal característica é a
38
complexidade. “Trabalhar com a diversidade é o normal; querer fomentá-la é discutível; regular
toda a variabilidade nos indivíduos é perigoso” (2002, p.19), diz ele.
O autor chama atenção para o fato de que o tema “diversidade” na educação não é algo
novo. No entanto, deve ser abordado de outra forma, não mais a partir do ideal de igualdade. Diz
ser importante tratarmos a diversidade como natural, sem nos acomodarmos, mas sempre
pensando em maneiras de abordar e abrandar o tema/problema das diferenças. Segundo ele, a
diferença existe e o desafio da educação é encontrar o equilíbrio entre seu papel na determinação
da individualidade, da singularidade — fatores fundamentais para liberdade de expressão, a
criatividade e o pensamento crítico — e seu papel socializador, essencial para que o indivíduo
possa compartilhar cultura, pensamento, sentimentos e emoções. Aponta, ainda, sete discursos
pedagógicos em que a diversidade se apresenta como um problema. São eles: de ajuste pessoal às
normas disciplinares e ao trabalho escolar; de rendimento escolar desigual e distante do ideal
exigido; de caminhos diferenciados de formação dependendo do desempenho dos alunos; de
variações, inclusive de curculo e prática pedagógica para atender a burocracia ou para criar
formas diferentes de ensino para diferentes contextos; de ruptura com uma forma de cultura
universal, o que pode levar a uma não aceitação da pluralidade de idéias e ao fechamento na
comunidade local; de garantia de escolha e de liberdade aos pais em relação ao tipo de educação
que querem para seus filhos; e finalmente a proposta de juntar às classes regulares alunos
oriundos da educação especial.
Sobre a classificação que a escola moderna realiza com os alunos, Gimeno (2002) aponta
dois eixos. Um deles é a diversidade evolutiva, em que os alunos devem ser tratados de acordo
com a diversidade de estágios pelos quais passam ao longo de seu desenvolvimento. O outro é a
diferenciação quantitativa e qualitativa das aptidões, estas vistas como disposições naturais a
serem respeitadas. O autor afirma que a mentalidade dos professores está ancorada nesses dois
eixos e que essa classificação tem dois efeitos quando se lida com a heterogeneidade dos
indivíduos: um é a tentativa de fazer com que parte da diversificação seja normalizada; outro é a
outra parte, considerada anormal que, “[...] permanecerá como um “ruído” incômodo para a
engrenagem escolar e para as práticas dos professores, ou seja, continuará subsistindo, mesmo
que talvez agora a percebamos incômodo” (2002, p.29).
A diversidade é inevitável. Considerar que é possível o desenvolvimento linear é
esquecer-se das variações individuais em relação ao padrão considerado ideal, normal.
39
Ampliamos assim, a diversidade, visto que alguns alunos se acomodarão, por serem considerados
“normais”, outros que não apresentam respostas dentro da normalidade ficarão cada vez mais
alheios e desmotivados. Gimeno (2002, p.31) argumenta:
Conceitos como ano acadêmico, curso (conjunto de disciplinas ou áreas
por ano) e promoção de curso, junto aos de disciplina (ou tópico concreto que se
deve desenvolver em um determinado momento), programação linear e horário
dividido para tarefas de curta duração darão lugar a categorias como as de
adiantamento, atraso, sucesso e fracasso escolar, normalidade e anormalidade, que
formam uma rede de conceitos que governam a escolarização e as mentalidade
daqueles que participam dela, como os pais, os estudantes e os professores.
Para ele, não é uma questão de incentivar escolas sem séries ou que passem os alunos por
níveis de acordo com seus ritmos individuais. Favorável ao ensino organizado em ciclos,
apresenta suas vantagens: é contrário à especialização docente, à graduação demasiada de tempo
e de currículo, aceita diferentes ritmos de rendimentos, abre igualdade de oportunidades e
principalmente combate a idéia de seleção na escolarização obrigatória. O autor enfatiza a
importância de encontrarmos formas de trabalhar a complexa questão da diversidade, de maneira
que “a diferenciação não traga mais desigualdade” (2002, p.33). Admite que existem dois
princípios relacionados à questão das diferenças, os quais são separados por uma linha muito
tênue. Um deles é o tratamento igual dispensado aos alunos que são diferentes, o que obviamente
produzirá fracasso escolar. O outro é a individualização, feita de maneira a ampliar as
desigualdades. Propõe algumas reflexões para que não priorizemos um ou outro princípio, ao
lidarmos com a diversidade dos alunos.
O autor concebe o ensino direcionado a cada uma das individualidades como algo
impossível de ser realizado em uma instituição de caráter coletivo, como é a escola. Critica o uso
de fichas individuais e de ensino programado, visto que são estratégias viáveis apenas em
algumas situações, não podem ser vistas como solução para o problema da diversidade. As
estratégias que propõe são as seguintes:
1. Estabelecer, a partir de debates educacionais, o que deve fazer parte do currículo comum,
em nível de política geral. A escola e o professor devem fazer a mesma reflexão em
relação aos grupos-classe. Estabelecidos conteúdos e objetivos, o professor deve pensar
em estratégias diferenciadoras para que todos atinjam o que é esperado. Já os conteúdos
40
não comuns podem ser trabalhados em atividades extraclasse, em aulas de leitura, em
disciplinas optativas.
2. Divulgar, entre os professores, a pedagogia para a diversidade em cursos de formação. O
professor precisa ser orientado e aprender a pensar formas desafiadoras e interessantes
para trabalhar com todos os educandos.
3. Viabilizar o avanço dos mais capazes, evitando “segurá-los” dentro de uma normalidade
estabelecida. O clima de cooperação entre os educandos é fundamental.
4. Os materiais utilizados são ferramentas importantes para a diferenciação pedagógica.
Variedade de livros, de portadores de textos, recursos diferenciados são indispensáveis.
5. É necessário além de romper com a seriação, evitar posturas individualizadas e
especializadas dos professores.
Conclui especificando alguns pontos que devem ser considerados em um trabalho
pedagógico voltado para a atenção às diversidades dos educandos:
Seus pontos mais importantes são: riqueza de materiais, incentivo das
interações em pequenos grupos, delegação de certas responsabilidades aos
estudantes, tarefas que exijam o uso de múltiplos materiais e provoquem a
participação de habilidades diversas, estimulação da participação dos estudantes
de baixo nível, aulas com simultaneidade de tarefas diferentes e com múltiplas
funções do professor.
(Gimeno 2002, p.35 e 36)
Sabemos que tornar nosso sistema educacional mais flexível em relação à classificação
não é tarefa simples. No entanto, podemos refletir junto aos professores sobre a impossibilidade
de se atingir a homogeneidade, sobre o estigma da classificação, o valor do indivíduo e sua
autonomia e sobre a exigência de respostas iguais em determinados momentos e níveis de ensino.
Podemos, também, resgatar com os docentes, algumas práticas que se perderam diante da
tentativa de homogeneização, práticas variadas que foram utilizadas para contemplar a
diversidade dos estudantes, como por exemplo, a correção usada como forma de reflexão, as
atividades de interpretação de textos variados. Além disso, podemos estimular os professores
para que criem alternativas e estratégias de ensino interessantes, tentando resolver situações
complexas com as quais se deparam no cotidiano da sala de aula.
41
IV
AS OPÇÕES METODOLÓGICAS E OS CAMINHOS
1. A Escola Campo
Optamos por realizar a pesquisa na Escola Estadual Jardim das Rosas, por ser uma escola
de ciclo I do ensino fundamental da rede pública estadual, onde atuamos como supervisora há
cerca de dois anos.
A Escola Estadual Jardim das Rosas localiza-se na periferia da Zona Sul da cidade de São
Paulo, região com grande índice de violência e de criminalidade. A quantidade de pais
desempregados é pequena e, portanto, o poder aquisitivo da comunidade escolar é mediano.
Segundo informações da diretora da escola e da professora coordenadora, muitos alunos são
filhos de pais separados e apresentam problemas de disciplina na escola. Queixam-se, também,
de certa ausência e até mesmo falta de compromisso de alguns pais em relação a seus filhos. A
escola tem convocado esses pais para deixá-los a par da dificuldade de seus filhos.
Em termos de Religião, percebe-se que o bairro possui vários tipos de Igrejas com
diferentes tipos de credo, mas a religião predominante é a Católica. Em termos de lazer, a região
tem pouco a oferecer a seus moradores. Assistir à televisão, jogar bola e vídeo game, são os
passatempos prediletos da clientela. Nos arredores da escola, não existem parques ou praças, o
que leva os jovens da comunidade a ter muito tempo ocioso nos finais de semanas.
O bairro conta com a Casa do Zezinho que dá apoio pedagógico, atividades esportivas,
lazer e curso profissionalizantes, que recebe crianças de 6 a 18 anos, e é mantida por patrocínios
de varias firmas, fazendo parte de uma ONG. Vários alunos da escola participam dessas
atividades.
Os objetivos da escola, foram definidos pelo diretor, coordenador pedagógico e
professores da escola. São eles:
Preocupação com o desenvolvimento da escrita e da leitura, visando a garantir a
inclusão na sociedade e no mercado de trabalho;
Passar os conceitos de cidadania, respeito e solidariedade;
Valorização da vida e prevenção de doenças e vícios.
42
2. O grupo de professores
Os participantes da pesquisa foram os professores que ministraram aulas na escola, no ano
de 2005, no período da tarde e optaram por cumprir uma hora de trabalho pedagógico coletivo
(HTPC) às quartas-feiras, das 12h. às 13 h., horário em que foi possível realizar os encontros de
formação.
A escola contava, nesse mesmo ano, com catorze professoras no período da tarde, além de
duas especialistas, uma de Educação Física e outra de Arte. Foi dada às professoras a opção entre
participar da pesquisa ou cumprir o HTPC com a professora-coordenadora. Todas decidiram
participar dos encontros e duas professoras eventuais resolveram participar voluntariamente, já
que não eram obrigadas a cumprir a HTPC. Uma das marcas do grupo foi a flutuação de seus
elementos, em função de licenças, afastamentos e ausências. Do universo de dezoito professoras,
dezessete responderam ao questionário aplicado para a caracterização do grupo, pois uma
encontrava-se em licença gestante, no período da aplicação. (Anexo I)
Com relação ao grau de escolaridade, o questionário revelou que duas professoras
possuem curso de especialização, dez possuem curso superior completo, duas possuem curso
superior incompleto e três possuem magistério em nível médio. Das doze professoras com
formação superior, uma possui licenciatura plena em Pedagogia e Arte, uma possui licenciatura
plena em História, uma possui licenciatura plena em Educação Física, uma possui licenciatura
plena em Letras e oito possuem licenciatura plena em Pedagogia.
Quanto à série em que lecionaram em 2005, seis atuaram na 3ª série do ciclo I, cinco
trabalharam com alunos da 4ª série do ciclo I, uma na classe especial, uma na sala de
Recuperação de Ciclo, uma ministrou aulas de Arte para o ciclo I, uma de Educação Física no
ciclo I e duas eram professoras eventuais. Questionadas sobre o desejo de continuar seus estudos,
catorze responderam que sim e três disseram que não gostariam de continuar estudando. Quanto à
vontade de exercer outra profissão, três responderam que gostariam de trabalhar em outra área,
duas queriam ser assistentes sociais e uma gostaria de ter seguido a carreira de jornalista. Dessas,
duas alegaram motivo financeiro e uma falta de oportunidade para seguir a carreira que
desejavam. As outras catorze participantes, afirmaram que não têm vontade de exercer outra
profissão.
É importante ressaltar que o grupo mostrou-se interessado durante os encontros e nenhum
membro demonstrou insatisfação ou falta de motivação. No entanto, do universo de dezoito
43
professoras, apenas seis realizaram todas as atividades solicitadas e participaram de todos os
encontros. Durante o ano letivo houve substituição de quatro professoras, uma delas em razão de
aposentadoria, uma em função de licença gestante e duas devido a problemas de saúde. Três das
quatro afastadas retornaram após um longo período. As oito professoras restantes faltaram em
pelo menos três encontros ou não realizaram as atividades solicitadas.
Assim, a análise dos dados se concentra nas seis professoras que permaneceram ao longo
de todo o estudo.
3. Procedimentos de Coleta de Dados
O procedimento metodológico teve como centro a análise de um processo de formação
continuada. Realizamos, durante aproximadamente um ano letivo, junto ao grupo de professoras,
reflexões sobre diversos aspectos relacionados às formas de intervenção e interação
desenvolvidas por eles. Fizemos estudos teóricos que envolveram leituras, análises e reflexões
sobre a formação de professores, sobre a questão do desenvolvimento e da aprendizagem na
psicologia sócio-histórica, as contribuições que as pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita
trouxeram para a educação. Além disso, estudamos conceitos como os de interação, intervenção,
autonomia, alfabetização e diversidade. Elaboramos e analisamos situações didáticas relacionadas
com os textos que estudamos, buscando garantir, com as atividades realizadas em sala de aula,
que todos os alunos envolvidos no processo de aquisição da leitura e da escrita avançassem em
seus conhecimentos, mesmo em ritmos diferentes.
Os dados foram coletados em forma de registros escritos - questionários, relatos,
atividades elaboradas e desenvolvidas com os alunos, histórias de vida, avaliações dos encontros
- realizados pelas professoras.
Além desses registros, uma pessoa anotava o que ocorria durante as reuniões e, ao final de
cada encontro, em um caderno de registros, recapitulava o que havia acontecido, as falas, as
impressões que capturava nos olhares, nos gestos e no silêncio das professoras. Durante os
encontros utilizei textos, cartazes, transparências, livros diversos. Ao planejar cada sessão
pensava na motivação, na diversidade e na inclusão de todas as professoras nas discussões e nas
atividades, a intenção era de que elas fizessem o mesmo com seus alunos. A idéia inicial era que
44
os encontros fossem regulares e quinzenais, no período de março a novembro, mas foram
necessárias algumas mudanças e a realização das reuniões seguiu o cronograma abaixo:
4. Os Encontros...Tal como fomos
O tempo, enigma perturbador, capaz de tirar o sono de muitos professores.
Como dar conta do conteúdo, atender a todas as crianças e a pergunta que se
fazem, justificando suas resistências a novas propostas pedagógicas. Se o trabalho
com a escrita requer um tempo especial, a sugestão é que se examine criticamente
a rotina escolar, que se tente eliminar o que é desnecessário no currículo, quase
sempre sobrecarregado de atividades nem sempre significativas.(Dietzsch, 1995,
p.75).
Cada encontro iniciava-se com a leitura de um texto literário. Procurava textos que
estivessem relacionados com o tema a ser discutido naquele dia e tentava incluí-los em um
propósito de leitura – ler para se emocionar, ler para se informar, ler para formar opiniões. As
professoras esperavam e se entusiasmavam com as leituras iniciais. Não entrávamos em questões
literárias ou textuais, apenas fazíamos breves reflexões sobre algumas passagens, alguns trechos
interessantes, depois iniciávamos as discussões dos textos de estudo.
Para aproveitar ao máximo o tempo que dispunha com o grupo, planejava os encontros de
forma que os textos trabalhados ficassem disponíveis com antecedência para que fossem lidos
pelas professoras. Preparava cuidadosamente a reunião, levava citações, esquemas e resumos das
partes principais dos textos, pois caso as professoras não tivessem lido o texto na íntegra
Meses
Março
Abril
Maio
Junho
Agosto
Setembro
Outubro
Novembro
Total
Dias do
Mês
02,16 e
30
13 e 27
11
08, 22 e
29
10, 24 e
31
21 e 28
05 e 26
30
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Total
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17
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conseguiriam, mesmo assim, participar das discussões coletivas, em duplas ou em pequenos
grupos.
O fator tempo, sem dúvida, trouxe alguns prejuízos ao trabalho. Muitas leituras não eram
realizadas com antecedência pelo grupo e realizá-las no momento do encontro era inviável. Para
garantir que todos tomassem conhecimento do assunto, realizávamos ao final dos encontros,
leituras coletivas de uma síntese do texto trabalhado.
Utilizávamos uma sala de aula, que era ocupada por alunos antes e depois dos encontros,
portanto, quando desejava realizar uma atividade em um espaço organizado de outra forma, ou
quando precisava de algum recurso diferente, esbarrava no fator tempo e nas limitações do
espaço. Apesar das circunstâncias, todos foram se envolvendo no projeto. Procurei não deixar
que percebessem minha angústia em alguns encontros, tinha que fazê-las acreditar na
possibilidade de uso adequado da HTPC. Procurava criar um ambiente descontraído, de troca de
informações, de questionamentos, de busca de soluções, em que era permitido pensar, falar, errar,
colocar idéias em prática. Tinha a certeza de que aprendizagens e mudanças seriam conseqüência.
1º Encontro: Apresentação da proposta.
Nosso primeiro encontro aconteceu no início do mês de março. Nesse dia a professora-
coordenadora disse às professoras que poderiam ou não participar dos encontros comigo. Quem
optasse em não fazer parte do grupo, cumpriria a HTPC em outra sala. Apresentei-me e também
apresentei ao grupo alguns tópicos que seriam discutidos nos encontros. Disse que havia pensado
naqueles itens, mas que todos poderiam dar sugestões, acrescentando o que considerassem
importante ou retirando, caso não fosse de interesse da maioria. Imaginei que não fossem
aparecer propostas, tampouco opiniões. Os tópicos sugeridos para estudo foram:
1. A importância da formação permanente do professor.
2. O ensino da leitura e da escrita: a ampliação do conceito de alfabetização e o caráter
social dessa aprendizagem.
3. A atribuição do fracasso escolar a razões que nem sempre são legítimas: classe social
e econômica, família desestruturada, fatores comportamentais e emocionais.
46
4. Interação entre alunos com conhecimentos diferentes, se realizada de maneira
adequada pelo professor, evita a ampliação das diferenças e a exclusão de alguns
alunos.
As professoras, ao contrário do que havia imaginado, foram opinando e percebi que os
tópicos iam ao encontro de suas dúvidas e ansiedades. Combinamos que os encontros seriam
realizados, a princípio, quinzenalmente e que algumas leituras e atividades seriam realizadas em
outros momentos, devido ao pouco tempo que tínhamos para as reuniões. Todas as professoras
decidiram participar. Saímos animadas. Não esperava tamanha adesão e tão calorosa acolhida.
Algumas professoras me procuraram ao final da reunião e disseram que há muito esperavam
discutir as questões propostas, que tinham muitas dúvidas sobre como agir diante de algumas
situações em sala de aula e com alguns alunos especificamente.
2º encontro: O bom professor.
Nosso segundo encontro começou com a leitura de uma lenda chamada A Escolha do Rei
Arthur, que mistura humor e suspense. O ponto de reflexão foi a importância de deixarmos as
pessoas decidirem sobre sua vida e escolherem seus caminhos.
Para começar as discussões, escrevi na lousa a seguinte questão:
“Quais são as principais habilidades e características de um bom professor?”
Dei alguns minutos e fui escrevendo as respostas do grupo, as quais estavam
fundamentadas em concepções assistenciais e vocacionais, como por exemplo: paciência, amor à
educação, vocação, sensibilidade, dinamismo, dedicação, boa comunicação, compreensão, dom,
jogo de cintura, bom humor, determinação, interação com o outro, aceitação do novo. É comum
essa postura por parte dos grupos de professores, como se o exercício do magistério fosse uma
missão especial recebida do além e que devemos exercer com amor e carinho, apesar de todos os
problemas. Sem tecer comentários, entreguei uma citação retirada do livro de Imbernón
“Formação docente e profissional: formar-se para mudança e a incerteza”. Cada dupla discutiu
entre si o trecho recebido e em seguida refletimos coletivamente sobre cada uma das citações. As
citações utilizadas foram:
47
1- “Ser um profissional, implica dominar uma série de capacidades e habilidades
especializadas que nos fazem ser competentes em um determinado trabalho, além de nos ligar a
um grupo profissional organizado e sujeito a controle”. (Schön, 1992,1998).
2- “A conquista de espaços profissionais deve supor o aumento de democracia real e a
ajuda a evitar a exclusão social dos educandos, colaborando com a comunidade”. (Imbernón,
2004).
3- “Ser um profissional da educação significará participar na emancipação das pessoas. O
objetivo da educação é ajudar a tornar as pessoas mais livres, menos dependentes do poder
econômico, político e social”.(Imbernón, 2004).
4- “O desenvolvimento profissional do professor não é apenas o desenvolvimento
pedagógico, o conhecimento e compreensão de si mesmo, o desenvolvimento cognitivo ou
teórico, mas tudo isso ao mesmo tempo delimitado ou incrementado por uma situação
profissional que permite ou impede o desenvolvimento de uma carreira docente”. (Imbernón,
2004).
5- “Falar de desenvolvimento profissional, para além da formação, significa reconhecer o
caráter profissional específico do professor e a existência de um espaço onde este possa ser
exercido. Também implica reconhecer que os professores podem ser verdadeiros agentes sociais,
capazes de planejar e gerir o ensino-aprendizagem, além de intervir nos complexos sistemas que
constituem a estrutura profissional e social”. (Imbernón, 2004).
6- “Tudo isso implica considerar o profissional de educação como um agente dinâmico
cultural, social e curricular, que deve ter a permissão de tomar decisões éticas e morais,
desenvolver o currículo em um contexto determinado e elaborar projetos e materiais curriculares
em colaboração com os colegas, situando o processo em um contexto específico controlado pelo
próprio coletivo”. (Imbernón, 2004).
7- “A formação será legítima então quando contribuir para o desenvolvimento
profissional do professor no âmbito de trabalho e de melhoria das aprendizagens profissionais”.
(Imbernón, 2004).
48
8- “O eixo fundamental do currículo de formação do professor é o desenvolvimento de
instrumentos intelectuais para facilitar as capacidades reflexivas sobre a própria prática docente, e
cuja meta principal é aprender a interpretar, compreender e refletir sobre a educação e a realidade
social de forma comunitária. O caráter ético da atividade educativa também adquire relevância”.
(Imbernón, 2004).
Após essa reflexão, solicitei que repensassem a questão proposta inicialmente, tentando
retirar das citações, novas respostas. A partir dessa reflexão perceberam o quanto nossas
concepções de educação são, muitas vezes, assistencialistas e naturalistas. Ao reformularem suas
respostas, disseram que o bom professor precisa planejar suas ações, unir teoria e prática, utilizar
instrumentos intelectuais para refletir sobre a prática, ser ético, ter liberdade para tomar decisões,
possuir conhecimento curricular, social e cultural, ser construtor de saberes.
A discussão foi muito interessante, pois o grupo percebeu que algumas concepções
precisam ser revistas, repensadas e, para isso, precisamos da literatura e de reflexões conjuntas.
Algumas professoras tiveram dificuldade de compreender ou interpretar os trechos selecionados.
Foi preciso muito tato para corrigir e ao mesmo tempo evitar constrangimento. O grupo sugeriu
retomar a discussão no encontro seguinte, para esclarecer algumas dúvidas que persistiram.
3º encontro: Formação permanente dos professores.
O texto escolhido para iniciar o terceiro encontro foi A Vida Ensina, de Arthur da Távola,
com o propósito de ler para refletir. O trecho que serviu como ponto de reflexão foi, “se você
pensa que sabe; que a vida lhe mostre o quanto não sabe”.
Retomamos as citações de Imbernón. O grupo parecia bastante motivado com as
discussões do encontro anterior e percebi que precisava retomar as citações em uma discussão
coletiva. Falas mais conscientes e mais interessantes foram aparecendo:
“Demorei em perceber a importância das leituras e reflexões para melhorar minha
prática. Achava que poderia trabalhar da mesma forma para sempre”.
“As leituras dos textos são muito importantes. Aprendemos bastante”.
“Percebo atualmente a falta da dimensão política nos grupos de professores”.
“Tenho vontade de aprender cada vez mais, de ter formação permanente”.
49
“No dia da HTPC não falto mais. Aprendo muito. Há muito tempo não vinha com
vontade para a hora de trabalho coletivo”.
Ao final, entreguei a cada professora uma síntese com as características do novo conceito
de formação permanente do professor, de acordo com Imbernón. Fizemos a leitura coletiva e o
grupo considerou que havíamos fechado o assunto com clareza.
Concluí dizendo que Imbernón (2004) apresenta uma nova concepção quanto à formação
permanente dos professores, relacionando alguns fatores que são necessários para que ela
aconteça e para que não se dê apenas com o enfoque de atualização, mas como espaço de
participação e reflexão. Acrescentei que os saberes que vamos construindo na interação com os
colegas, possibilitam organizar nossa prática de maneira mais adequada e com maior segurança.
Os pontos enfatizados foram:
1. Aumentar a comunicação e troca entre os professores. Aprender sempre com os colegas.
2. Relacionar o que sabe com novas informações para aceitar ou rejeitar conhecimentos em
função do contexto. Gerar conhecimento pedagógico por meio da prática educativa
(reflexão/interpretação/intervenção).
3. Unir formação com projeto de trabalho. Elaborar projetos conjuntos e relacioná-los com a
pesquisa-ação.
4. Formação crítica que permita refletir coletiva e individualmente, situações-problema da
prática. Revisão critica da própria prática. Auto-avaliação.
5. Compartilhar, abandonar o individualismo. O objetivo é a mudança da instituição e não da
prática isolada.
6. Prever coletivamente o uso de atividades mais adequadas a mudanças na educação.
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7. O conceito de formação como atualização científica e pedagógica está ultrapassado. De
acordo com o novo conceito, o professor deve fundamentar, revisar, construir teoria. Buscar
equilíbrio entre esquemas teóricos e práticos.
8. Criar processos próprios, autônomos de intervenção em vez de buscar instrumentalização já
elaborada.
9. Formação na própria instituição.
Entreguei, a cada professora, uma cópia desses pontos. Como o assunto foi de grande
interesse para o grupo, ficamos com vontade de falar mais, no entanto, era preciso prosseguir.
Combinamos que essas discussões seriam retomadas sempre que sentíssemos necessidade.
Solicitei que fizessem a leitura do texto sobre desenvolvimento e aprendizagem (Kohl,
1997), para discutirmos no encontro seguinte. Para atender ao objetivo do trabalho, iniciei uma
reflexão com as professoras sobre alguns conceitos importantes que precisam ser considerados ao
pensarmos em uma ação pedagógica voltada para as diferenças. Pretendia refletir com o grupo
termos como: interação, intervenção, modelos significativos, ensino e descoberta, construção,
enfim, palavras que são usadas pelos professores sem muita reflexão. Ficamos durante três
encontros tentando compreender esses termos.
4º encontro: Desenvolvimento, aprendizagem e outros conceitos.
Nosso quarto encontro teve início com a leitura do texto Deusimar, escrito por uma
professora da rede estadual, Claudete Campos Moreira Lunardi, publicado no livro O Professor
Conta sua História. O propósito era ler para conhecer histórias e o ponto de reflexão foi um
trecho que diz: “—Dona, ontem meu pai recebeu. Entãããoo, ele deu dinheiro para mim e pro
meu irmão. Entãããoo, meu irmão comprou um pirulito grande. Eu não. Eu comprei dois
pequenos. Um para mim e um pra Dona. Tó”. Ficamos pensando como um gesto de um aluno
tem o poder de salvar nosso dia.
Antes de iniciar a reflexão sobre o texto de Marta Kohl, solicitei que se organizassem em
duplas para as quais entreguei um cartão e pedi que tentassem descobrir o que dizia:
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   
No primeiro momento ficaram presas aos desenhos. Diziam coisas como: sinalização,
desenhos, presentes, transportes. Uma delas disse que se juntássemos estrela com aranha,
teríamos a palavra estranha. Deixei que levantassem hipóteses, tentassem decifrar o enigma.
Diziam que se sentiam como seus alunos que não sabiam ler. Interessante como buscamos
soluções para os problemas quando nos percebemos diante deles. A ansiedade tomou conta do
grupo na busca de resolver o conflito. Tentavam estabelecer relações com algo conhecido,
tentavam explicar o inexplicável, tentavam inventar a roda. Só o que queriam era ter uma
resposta. Entreguei então, a uma professora de cada dupla, um outro cartão com o seguinte
conteúdo:
= !
= V
= L
= O
= A
= C
= I
= M
= P
= U
= S
= T
= E
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Solicitei que a professora que havia recebido o segundo cartão, ajudasse sua colega a
decifrar o enigma. Orientei-as para que relacionassem a atividade com o texto lido. Fui anotando
o que diziam:
“Interessante perceber que não é tudo que pode ser descoberto. Alguns conceitos precisam ser
ensinados”.
“Não fixamos o errado. Ele é uma transição para o correto”.
“Importante propor desafios para os alunos e só interferir quando precisar”.
Nesse momento, muitas questões tomaram conta do grupo:
Devemos ensinar ou apenas dar pistas?
— E o construtivismo?
— Os alunos precisam descobrir? Descobrir a partir de quê?
Retomei, com o grupo, alguns pontos do texto que tinham lido e chamei a atenção para o
seguinte trecho (Kohl, 1997, p.61):
É na zona de desenvolvimento proximal que a interferência de outros
indivíduos é mais transformadora. Processos já consolidados por um lado, não
necessitam da ação externa para serem desencadeados; processos ainda nem
iniciados, por outro lado, não se beneficiam dessa ação externa.
A partir desse trecho, concluímos que o grande desafio do professor é identificar
conteúdos e estratégias que desafiem os alunos e que desencadeiem aprendizagens. Não é a
qualquer momento que qualquer coisa será ensinada. O professor precisa planejar sua atuação e
estar sempre se perguntando: Quem realizará essa atividade? De que forma? Quem precisará de
ajuda, de auxílio, de atendimento individualizado? A quem essa atividade ajudará? É importante
desafiar, mas não com qualquer desafio. É preciso que o aluno perceba a possibilidade de
solução, mesmo com auxílio de alguém. Os conceitos precisam ser ensinados e isso supõe
planejamento anterior, preparo de atividades, relação com o processo de aprendizagem do aluno.
53
Que pena! O tempo era sempre escasso. Nossa vontade de falar sobre os assuntos era
grande. A cada encontro precisava replanejar. Ficava com vontade de propor encontros aos
sábados. Não me deixei levar por esse desejo. Precisava fazer um bom uso da HTPC, precisava
comprovar que é possível utilizar bem esse tempo e esse espaço, tal como ele se apresenta. A
cada avanço que percebia nas reflexões, falas e posicionamentos das professoras, mais acreditava
na possibilidade de transformar a HTPC em um espaço de formação contínua e permanente do
professor.
5º encontro: Para além de alguns termos e conceitos.
Em nosso quinto encontro, em virtude da vontade de continuar falando sobre alguns
conceitos que não estavam claros, as professoras retomaram a questão do papel do professor, do
que propor e em que momento. Uma professora relatou o caso de uma aluna “copista”. Outra
perguntou sobre o uso da cópia. Questionei o grupo sobre o que costumamos copiar em nossas
tarefas cotidianas. Pensaram sobre a questão e disseram que copiamos receitas da T.V ou do
caderno de uma amiga, orações que queremos rezar, nomes de produtos que precisamos comprar.
Disse a elas que em nosso cotidiano tudo que copiamos nos é útil e importante. Já na escola,
pedimos aos alunos que copiem textos e exercícios de livros, ou seja, copiem coisas que já estão
impressas. Continuei dizendo que precisamos rever o sentido dado ao ato de copiar na escola.
Não é uma questão de não utilizar a cópia, sim de saber qual sua função, pensar e propor
atividades de escrita em que o aluno perceba um propósito significativo, compare, relacione sua
escrita com a escrita convencional e tenha motivos para querer escrever cada vez melhor. Em
muitas situações, a cópia atende a um propósito significativo, pode e deve ser usada. Copiar um
recado para mostrar aos pais, o roteiro do passeio que farão, receitas para a mãe, avisos para
serem fixados na escola, são bons exemplos do uso da cópia.
Perguntaram, a seguir, sobre a conveniência de oferecer ou não modelo para os alunos e
se isso atrapalha o fazer criativo. Lembramos que o modelo, de maneira geral, já serviu de várias
formas às atividades pedagógicas. Em um primeiro momento, foi visto como referência do
correto, do verdadeiro e deveria ser copiado várias vezes, se preciso fosse, para ser fixado. Em
outro momento foi abolido. Dizia-se que o modelo não servia à idéia de criatividade, liberdade de
expressão, espontaneidade, veiculada pela pedagogia moderna. Concluímos que, no ensino da
leitura e da escrita, é importante oferecer bons modelos, desde que não sejam utilizados como
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algo a ser reproduzido e fixado. É necessário proporcionar aos alunos a possibilidade de recriá-
los, questioná-los e até utilizá-los para melhorar a própria produção. Não podemos esquecer que
o contato com bons modelos de escrita e de leitura possibilita a ampliação do vocabulário dos
alunos, colabora com a aquisição de conceitos e contribui para o avanço no uso adequado da
linguagem.
Após fervorosa discussão, consegui iniciar o trabalho que havia planejado. Havia
elaborado um texto comentado a partir do trabalho “Cognição, Linguagem e Trabalho na
Escola”, apresentado por Smolka (1992) em um simpósio. A autora questiona como as idéias dos
outros, as idéias sociais, passam a fazer parte das idéias de cada um. Aponta que na educação
algumas palavras são usadas por nós em diferentes momentos históricos, e, muitas vezes, não
sabemos bem o que estamos dizendo. Com a leitura do texto, lembraram das muitas palavras que
atualmente “estão na moda” em educação. Para tentar compreender o significado de
construtivismo, interação, intervenção, autonomia, analisamos, como propõe Smolka (1992), a
seguinte situação de sala de aula:
REESCRITA DO CONTO: “O GATO DE BOTAS”
A professora leu a história para o grupo e solicitou que, em dupla, eles realizassem a
reescrita. A atividade seria realizada na lousa, pelas duplas (cada dupla escreveria um trecho do
conto) e cada aluno da dupla assumiria um papel na atividade, ou seja, um aluno teria que
escrever, o outro ditar e corrigir.
A primeira dupla vai até a lousa e inicia a reescrita:
Aluno 1 : – Eu vou escrever, você dita e me corrige, está bem?
Aluno 2 : – “Há muitos anos atrás...”
Aluno 1 (escreve): – “ A muitos anos atraz...
Aluno 2: – Professora, este “a” é com “h”, não é?
Professora: - O que você acha?
Aluno 1: – Eu acho que é sim, eu errei. (e corrige)
Aluno 2: – “ Um pai morreu e deixou dinheiro para os três filhos: para o mais velho deixou um
moinho, para o do meio deixou um burro e para o mais novo deixou um gato.”
Aluno 1: – Ele não deixou dinheiro, ele deixou herança. (e começa a escrever).
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“Um pai moreu e deichou erança para os três filhos: para o mais velho deichou um
moinho, para o do meio deichou um burro e para o mais novo deichou um gato.”
Aluno 2: – Morreu é com dois “erres” e deixou é com “x”.
O texto fica assim:
“ Há muitos anos atraz, um pai morreu e deixou erança para os três filhos: para o mais
velho deixou um moinho, para o do meio deixou um burro e para o méis novo deixou um gato.”
Os alunos ficam satisfeitos com a escrita e sentam em seus lugares.
Professora (para classe): – O que vocês acham do texto deles? Ainda têm erros?
Aluno 3: – Herança é com “h”.
Aluno 4: – Não é não.
Professora – Quem mais acha que é com “h”.
Aluno 5: – Eu acho que é com “e” mesmo.
Professora: – Como podemos ter certeza de como se escreve?
Aluno 6: – Temos que ver no dicionário.
Dois alunos vão procurar a palavra no dicionário, encontram e dizem:
Aluno 7 e 8: – É com “h” mesmo.
Aluno 1: – Eu vou corrigir.
Professora: – O que mais devemos corrigir?
Aluno 9: – Tem mais erros, professora?
Professora: – Tem mais um.
A classe em silencio lê novamente o texto.
Aluno 10: – Eu acho que “deixou” é com “ch” mesmo.
Classe toda: É com “x”
Aluno 10: – Vamos procurar no dicionário.
Pega o dicionário encontra deixou e diz:
- É com “x” mesmo.
Aluno 11: –Viu, nós falamos.
Aluno 12: – Pelo menos ela foi tirar a dúvida dela, né professora?
Professora – Claro. Quem tem dúvida tem que procurar, perguntar, até entender.
Aluno 13: – Descobri. Atrás é com “s”.
Aluno 1: - É isso mesmo. Eu já vi esta palavra escrita com “s”. Vou corrigir.
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Mais uma dupla vai até a lousa para continuar a reescrita. A discussão continua até o
trecho ficar correto, novamente.
A professora, percebendo que os alunos já estavam cansados, sugere que continuem no
outro dia a reescrita e muda de atividade. (Atividade realizada em uma classe de 2ª série do Ciclo
I, em uma escola pública estadual no interior do Estado de São Paulo, em 1998).
Fizemos apenas a leitura do episódio e combinamos que seria discutido no encontro
seguinte.
6º encontro: Análise de um episódio de sala de aula.
No sexto encontro contei ao grupo uma história do folclore popular; que tem como moral
a seguinte frase: “Quando uma ratoeira está armada na cozinha toda a fazenda corre perigo”.
Pensamos sobre o comprometimento e a responsabilidade de todos os envolvidos no processo
educativo e sobre a aprendizagem dos alunos como um processo pelo qual somos todos
responsáveis.
Passamos para a análise do episódio de sala de aula, lido no encontro anterior. Relemos
cada trecho da reescrita e discutimos coletivamente.
Quanto às intervenções da professora, concluímos que não é possível dizer se
determinadas falas, perguntas e respostas dadas pela professora sempre caracterizam uma boa
forma de intervenção, já que a intervenção do professor depende do contexto e dos sujeitos
envolvidos. As intervenções da professora foram adequadas para aquele grupo, naquele momento
da aprendizagem, mas para outro grupo de alunos poderiam ser inadequadas. O desafio do
professor é justamente buscar intervir de forma a ajudar no avanço da aprendizagem de seus
alunos.
No que se refere às interações, verificamos que elas podem ser realizadas de várias
formas, grupos, duplas e no coletivo. As interações coletivas exigem do professor manejo do
grupo, ponderação de pontos de vista, atenção às diversidades e postura adequada ao conduzir a
atividade. Elas serão positivas se forem adequadas à proposta do professor e se os agrupamentos
se mostrarem produtivos. Concordamos que os grupos devem ser heterogêneos para que uns
possam colaborar com os outros, no entanto, alunos com conhecimentos muito distantes pouco
contribuem entre si, um inviabiliza o trabalho do outro e ambos o do professor.
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Sobre o termo construção, refletimos que algumas formas de trabalho e algumas propostas
de atividades possibilitam que os alunos pensem, ampliem conceitos, ofereçam e recebam
contribuições, solucionem problemas, enfim, construam conhecimentos. Que muitas vezes, essa
construção é barrada pela forma como direcionamos as situações em sala de aula. Concluímos
que esse termo esse termo refere-se mais ao como fazer, do que ao o que fazer.
Por fim, pensamos sobre o significado da palavra autonomia. Percebemos que, na sala de
aula da reescrita do conto, os alunos perguntavam, respondiam, questionavam, buscavam
soluções. Ponderamos que eles aprenderam a agir dessa forma, porque tiveram um ambiente
escolar propício ao desenvolvimento da autonomia e que essa postura não se consegue em poucas
tentativas, é aprendida em várias situações, é uma conquista diária, tanto do professor quanto de
toda a comunidade escolar.
Algumas professoras relataram o trabalho que realizam com reescrita e verbalizaram
algumas falhas cometidas, como: não pensar nos agrupamentos produtivos, não deixar os alunos
discutirem soluções, não planejar suas intervenções e dirigir excessivamente a atuação dos
alunos. Outras, no entanto, relataram situações muito interessantes de trabalho com reescrita,
colaborando muito com a discussão. A interação entre o grupo de professores se mostrou muito
eficaz. Trocaram conhecimentos, ampliaram conceitos através das trocas e discussões. Tanto
quanto nossos alunos, nossos professores precisam interagir. Uma professora, que realizou a
reescrita com a classe, utilizando a sugestão do episódio apresentado, relatou o seguinte:
“Os alunos não estão habituados a essa forma de trabalho, então, agiram de outra
maneira. Não paravam para verificar as possibilidades, para pensar e propor soluções. Percebi
que um aspecto fundamental para a realização da reescrita, é que os alunos saibam o texto de
memória. Gostei de trabalhar dessa forma e o melhor é que os alunos ficam perguntando quando
faremos reescritas de texto novamente”.
O episódio que analisamos deixou claro o significado de palavras que às vezes, utilizamos
sem ter real clareza do sentido e, principalmente, sem compreender de que forma estão
incorporadas ao cotidiano da sala de aula. Para encerrar, fizemos a leitura da síntese a seguir:
58
De acordo com Smolka (1992), perceber o sentido e o significado deste tipo de trabalho
educativo, como é realizado no cotidiano, o que é construído a partir dele, não é algo tão simples.
O importante é pensarmos que não está na atividade (jornal, receitas, rótulos, poesias,
cartas, músicas, contos...), a possibilidade de reflexão e de construção de conhecimentos por parte
dos alunos, e sim na maneira como ela é realizada.
Ser “construtivista”, trabalhar a “interação” entre os alunos e deles com o professor,
adequar as “intervenções”, não são expressões vazias de significado se interpretarmos, como
propõe Smolka, os episódios que ocorrem no cotidiano da sala de aula. Na atividade analisada,
percebemos a ocorrência de:
1. Movimento interativo: Não só as palavras falam, mas gestos, olhares, surpresas da
professora tudo faz sentido. Tudo significa. Existem pontos de encontro, entre os
alunos e entre alunos e professoras, que sustentam o andamento do processo.
2. Movimento de compreensão: Professor tentando compreender o processo do aluno,
aluno tentando compreender postura do professor e suas colocações. Algumas vezes o
“professor “toma” a palavra da criança e a transforma”. Na busca da compreensão,
busca-se a produção de sentidos (das palavras, da atividade, da educação).
3. Interações: Professora leva para a sala leitura e escrita com significado. Lê, informa,
deixa os alunos falarem, trabalhando a construção do conhecimento através das
interações. “Na distância e nas diferenças pode-se buscar a ” negociação dos sentidos “.
4. Apreensão e transformação: Ambas as partes fazendo um esforço ativo para apreender
e transformar palavras, gestos, pontos de vista.
5. Movimento das idéias: O sentido emerge das interações, nas trocas cotidianas. Da
mesma forma que se produz sentido nas interações cotidianas (nível micro), são
produzidas as “grandes idéias” (nível macro), tiradas de idéias formuladas por diversos
autores,”apreendidas, difundidas, transformadas”.
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6. Professora no jogo interpretativo: Reflexão, possibilidades de ação educativa,
consciência da importância não só de escutar o aluno, mas de observá-lo, de estudá-lo e
de pensar, enquanto educadora, nessa relação.
Apenas pela análise de episódios não se pode falar de qualidade das interações ou
qualidade do trabalho pedagógico, uma vez que são muitos os fatores que consolidam essa
questão. No entanto, ao perceber-se no movimento interpretativo, a professora pode tomar ciência
do seu trabalho e do movimento de idéias que produz, isso viabiliza a transformação, o
redirecionamento de sua ação, bem como a reflexão constante e a busca de significado do
cotidiano educativo da sala de aula.
O grupo estava construindo alguns conceitos fundamentais para pensar as questões que
combinamos no primeiro encontro: como trabalhar o ensino da leitura e da escrita com crianças
com diferentes ritmos de aprendizagem? Existem objetivos, seqüências didáticas, estratégias que
são mais adequados? Como incluir no grupo-classe crianças com diferentes níveis de
conhecimentos sobre a língua? Como atuar de forma a não favorecer a ampliação dessas
diferenças?
Para o próximo encontro solicitei que refletissem sobre duas questões:
1. O que é estar alfabetizado hoje? (Anexo II)
2. Como desenvolver o trabalho com a leitura e a escrita com alunos que possuem
diferentes ritmos de aprendizagem? (Anexo III)
7º encontro: Os três componentes do alfabetismo.
Para iniciar o sétimo encontro, levei para o grupo um poema de Carlos Drummond de
Andrade. O poema chama-se “Torcer” e o propósito do texto era ler para pensar na vida. A frase
que nos fez refletir foi: “O seu primeiro dia na escola foi a maior torcida”. Que responsabilidade
a nossa. Quantos pais confiam seus filhos a nós e como torcem para que aprendam algo conosco.
Algumas professoras relataram que utilizam com seus alunos leituras compartilhadas, no
início da semana ou das aulas. Realizam leituras com diferentes propósitos, usando diferentes
estratégias, como em nossos encontros. Disseram que os alunos esperam e perguntam sobre as
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leituras. Está claro para o grupo que a leitura não precisa, necessariamente, vir acompanhada de
alguma atividade. Podemos simplesmente ler pelo prazer que a leitura proporciona.
Passamos a discutir as questões propostas no encontro anterior. Em relação ao que é estar
alfabetizado hoje, as professoras deram suas opiniões, as quais fui anotando na lousa. Percebi em
suas falas, concepções e conceitos oriundos do senso comum e principalmente da atual pedagogia
“construtivista”.Disseram que estar alfabetizado hoje é:
“Contextualizar”.
“Associar o que sabe com o que está aprendendo”.
“Conseguir ler, distinguir, interpretar, conhecer vários tipos de textos”.
“Escrever com coerência, não apenas juntar letras, juntar sons e escrever o próprio
nome, é também fazer parte do mundo letrado”.
“É transformação”.
“Interpretar e argumentar sobre fatos de seu entorno”.
“Compreender o que leu e escreveu, compreender o sistema de escrita”.
“Saber utilizar a linguagem escrita em diversas situações de comunicação”.
“Participar de atividades sociais que requerem o uso da linguagem escrita”.
“Tem um sentido amplo desde os primeiros contatos com textos escritos, placas
comerciais de T.V”.
“A criança por si só cria hipóteses e associa o que está vendo e ouvindo”.
“O aluno constrói o que sabe e o professor o apóia”.
Nesse momento, para confrontar com suas hipóteses, entreguei a cada professora um
trecho de um artigo de Liliana Tolshinsky (1990), em que a autora apresenta três componentes
que considera fundamentais para que uma pessoa seja considerada alfabetizada nos dias de hoje.
O alfabetismo, segundo Tolshinsky (1990), precisa ser desenvolvido pela escola em três
dimensões: a prática, a cientifica e a literária. A autora entende que o trabalho da escola, na
perspectiva prática, deve visar à reprodução das condições de uso funcional da língua escrita. Já a
perspectiva cientifica, compreende a língua escrita em seu caráter transformador, de acesso a
informações e a formas superiores de pensamento. A perspectiva literária enfoca a valorização do
belo, dos sentimentos, dos mundos imaginários, aproximando os alunos da linguagem literária.
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Tolshinsky (1990) conclui dizendo que os três componentes devem ser trabalhados desde o inicio
da escolarização.
Durante a leitura e discussão dos componentes do alfabetismo, fomos ampliando
conceitos e concluímos que não basta apresentar aos alunos os diferentes portadores de textos, é
preciso que saibam fazer uso deles. Mudamos nossas respostas para a questão proposta. (Anexo
IV). Elaborei uma nova definição, sintetizando as novas idéias do grupo.
Considerando o texto lido, concluímos que na perspectiva científica da alfabetização é
preciso que o aluno aprenda onde buscar as informações e como utilizá-las, para ampliar seus
conhecimentos. Já na perspectiva funcional, a escrita deve ser vista como um instrumento de uso
prático, não basta o contato do aluno com os portadores de texto, é preciso que ele saiba utilizá-
los em sua vida cotidiana. Por fim, na perspectiva literária, é importante que o professor atue para
que o aluno se torne um leitor que encontra prazer em ler. Utilizando diferentes estratégias de
leitura e selecionando textos interessantes, ele pode levar o aluno a apreciar o belo, criar mundos
imaginários e evocar sentimentos.
Apenas colocar o aluno em contato com o mundo letrado, ou deixá-lo criar hipóteses de
leitura e escrita, não é suficiente para torná-lo um usuário competente da língua.
É necessário que saiba fazer uso dela. Como diz Beatriz Cardoso: “O foco deve estar não
apenas na explicação das características de cada gênero de texto, nem exclusivamente na oferta
de diversidade, mas sim na criação de situações-problema para os alunos [...] (1993, p.49).
Portanto, é preciso propor múltiplas atividades com os diferentes tipos de texto, problematizando
adequadamente cada uma delas.
Ao final do encontro, entreguei ao grupo alguns conceitos relacionados com o ensino e a
aprendizagem da leitura e da escrita. Solicitei que, em duplas, realizassem para o encontro
seguinte, a leitura desses conceitos e elencassem suas dúvidas e certezas para compartilharmos.
(Anexo V e VI)
8º encontro: A Psicogênese da Língua Escrita
Iniciei o oitavo encontro utilizando a estratégia de antecipação (Sole, 1998). Utilizei o
texto Elefantes, de Marcelo Coelho. Algumas professoras não conheciam essa estratégia e
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ficaram entusiasmadas, dizendo que passariam a utilizá-la com os alunos, a fim de despertar o
interesse pela leitura.
Havia pedido que fizessem, em duplas, a atividade sobre os conceitos relacionados com
alfabetização. Planejei a discussão coletiva e o esclarecimento de possíveis dúvidas. No
entanto, tive uma surpresa: o grupo não tinha realizado a atividade. Desculparam-se. Disseram
que não puderam reunir-se na HTPC anterior, pois a professora-coordenadora precisou tratar de
assuntos de interesse coletivo. Paciência! Essas coisas acontecem e precisamos sempre contar
com imprevistos. Reprogramamos a entrega da atividade e reorganizamos as duplas. Passei para
o próximo assunto, que já estava planejado. Perguntei sobre os conhecimentos que possuíam a
respeito da Psicogênese da Língua Escrita, de Ferreiro (1985). Todas as professoras tinham feitos
cursos, lido ou ouvido falar da referida pesquisa. Discutimos a forma como a pesquisa foi
divulgada no Brasil e “aplicada em sala de aula”, como se fosse umnovo método”.
Relacionamos alguns equívocos, frutos da interpretação errônea da pesquisa, das exigências de
mudanças das práticas docentes sem reflexões sérias junto aos professores, do uso da Psicogênese
para classificar os alunos, rotulá-los e separá-los em classes homogêneas. Nesse momento, as
professoras disseram coisas interessantes:
“Nos disseram que era obrigatório alfabetizar os alunos pelo método da Emília Ferreiro,
que não se podia mais usar cartilha”.
“Ficamos inseguras, já que não fomos preparadas adequadamente”.
“Não podíamos mais fazer e usar várias coisas. Mas, ninguém nos dizia exatamente o
que colocar no lugar dessas coisas.”
Disse ao grupo que considerava importante que os professores conhecessem a pesquisa de
Ferreiro e Teberosky (1985), no entanto era preciso cuidado para não utilizar esse conhecimento
como mais um mecanismo de classificação dos alunos. Lembrei que conhecer os níveis de escrita
ajuda o professor a planejar atividades mais adequadas e boas estratégias de ensino, a diversificar
o trabalho de forma eficaz, a agrupar os alunos de maneira produtiva para proporcionar uma boa
situação interativa e a pensar intervenções capazes de propiciar o avanço do grupo-classe.
Entreguei para as professoras algumas escritas infantis para que tentassem analisar de
acordo com os níveis de escrita propostos por Ferreiro e Teberosky (1985), e propus que no
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encontro seguinte, coletivamente, analisássemos as mesmas escritas e tentássemos sanar
possíveis dúvidas.
9º encontro: Analisando escritas infantis.
Em nosso nono e último encontro do semestre, li um texto chamado O Urso. O propósito
era ler para mudar de atitude. Uma frase mereceu destaque: “[...] em nossa vida, por muitas
vezes, abraçamos certas coisas que julgamos ser importantes [...] Temos medo de abandoná-las
e esse medo nos coloca em uma situação de sofrimento, de desespero”.
Antes de iniciarmos a análise das escritas infantis, lembramos que nem as hipóteses de
escrita propostas por Ferreiro e Teberosky (1985), nem qualquer outro saber nasceram conosco,
ou foram simplesmente internalizados do meio social. Nosso acesso aos conhecimentos é sempre
mediado pelos sistemas simbólicos e pela realidade. Conhecer as hipóteses de escrita pode
contribuir com o trabalho do professor, desde que ele não se esqueça que elas são provisórias,
não podem servir de instrumento classificatório e que a interação de crianças com diferentes
hipóteses de escrita contribui para a aprendizagem. Disse ao grupo que vários autores encontram
falhas na pesquisa de Ferreiro e Teberosky (1985), principalmente no que se refere ao aspecto
social e interativo da aprendizagem da língua, pois as pesquisadoras analisaram apenas o
processo individual dessa aquisição. Disse também, que, há muito, estudiosos vinham
pesquisando como se dá à aprendizagem da leitura e da escrita e que Ferreiro e Teberosky não
fizeram descobertas do “nada”, mas se apropriaram de estudos anteriores. Ressaltei ainda que,
sem dúvida, suas descobertas são de suma importância para a educação. Sugeri ao grupo a leitura
do texto “A pré-história da escrita”. (Vigotski 1984),
Fomos para a sala de vídeo, pois havia necessidade de um espaço mais escuro. Utilizei o
episcópio para analisarmos coletivamente cada uma das escritas. Foi muito produtivo esse
encontro. Como já tinham feito a análise das escritas antecipadamente, quando aparecia uma
escrita no telão, alguém arriscava um palpite. Muitas vezes equivocavam-se ao analisar um nível.
Procurava retomar e buscar explicações utilizando o livro de Ferreiro e Teberosky (1985), para
que as professoras fugissem do “achismo”. Percebi que a maioria nunca havia lido realmente o
livro de Ferreiro e Teberosky (1985), já que as informações que possuíam vinham de leituras
resumidas ou de cursos de que haviam participado. Relataram, ao final, que nunca tinham
analisado de forma tão clara e com tantos detalhes as hipóteses de escrita. Pediram que elaborasse
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um roteiro com as características principais de cada nível. Entreguei uma pasta a cada professora
com alguns instrumentos de coletas de dados — questionário sobre os trabalhos com as
diferenças e avaliação dos encontros e solicitei que devolvessem após o recesso.(Anexo VII e
VIII)
10º encontro: A transformação consciente.
Décimo encontro e um animado retorno. Descansar um pouco é sempre bom. Entreguei
ao grupo um roteiro com as principais características de cada nível de escrita, como haviam
pedido e discutimos novamente cada nível de escrita.
Para iniciar o encontro levei um texto escrito por Fátima Camargo, O ser consciente, o
enredo social e a superação do efêmero. O texto começa com o Mito de Sisífo. Relacionamos o
mito com nossa prática em sala de aula, a partir do seguinte trecho: ”Sisífo, então, vê a pedra
desabar em alguns instantes para esse mundo inferior de onde será preciso reerguê-la até os
cimos. E desce de novo para a planície... É durante esse retorno, essa pausa, que Sisífo me
interessa... É neste sentido que reencontramos Sisífo, como o ser consciente que também
podemos construir em nós”. Falamos sobre a importância de construirmos uma prática
consciente. Que necessitamos de pausas para refletir sobre nosso trabalho, avaliar o que fizemos,
corrigir as falhas e planejar o que virá pela frente. Falamos de nossa responsabilidade pelo grupo
social do qual fazemos parte e pelos indivíduos desse grupo. Falamos, por fim, da transformação
ocorrida em nós e no grupo pela nossa ação e pelas relações que estabelecemos. Foi uma
discussão rica e profunda.
Ao final da reunião, solicitei que entregassem as pastas com os instrumentos de coleta de
dados. Apenas nove professoras entregaram. Elas participaram oralmente, se envolveram com os
temas estudados, mas, apenas uma parte realizou as atividades extras. Fico pensando a que
podemos atribuir esse fato? Algumas professoras entregaram a atividade, em dupla, sobre os
conceitos relacionados com a alfabetização que havíamos combinado. A discussão ficou para o
próximo encontro.
11º encontro: Revendo concepções sobre alfabetização.
Em nosso décimo primeiro encontro li para o grupo a parábola do aquário. Realizei a
leitura, ao mesmo tempo em que mostrava quadros ilustrados por crianças, em processo de
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alfabetização, que interpretaram a parábola através de desenhos. O propósito do texto era ler para
repensar. Refletimos sobre mudanças que precisam ocorrer e da coragem que precisamos ter para
realizá-las.
Fiz o levantamento das dúvidas sobre alfabetização e selecionei cinco conceitos para
discussão. Pedi que as professoras, aleatoriamente, fizessem a leitura de um conceito e tentassem
explicá-lo ao grupo. Conforme falavam, íamos ampliando as hipóteses e revendo algumas
concepções do grupo. A discussão foi produtiva e verifiquei, pelas falas das professoras, que
ficaram claros os seguintes aspectos sobre a aquisição da leitura e da escrita:
1. A correção e a melhor forma de realizá-la:
Pelo uso do dicionário: usar o dicionário com os alunos, como é usado no cotidiano,
para sanar dúvidas, para melhorar as produções escritas. Não utilizá-lo apenas para
treinar seu uso ou para copiar os significados das palavras.
Pela reflexão coletiva e individual sobre a escrita: analisar a própria escrita e a dos
colegas, encontrar erros em textos diversos, reescrever com o propósito de melhorar a
própria produção, ou cooperar com o texto de outros. O erro deve ser visto como algo
natural. Todos cometemos erros e revisar o que escrevemos é fundamental.
Organizar, durante as atividades, a troca de papéis entre os alunos. Alternar atividades
de ler, ditar, copiar, escrever, corrigir. No momento da realização das atividades, o
professor deve intervir ajudando os alunos em suas produções.
A correção é uma atividade significativa, desafiadora e informativa. Ajuda a
enriquecer a escrita e a avançar no processo de aprendizagem. Devemos parar de
utilizá-la apenas como uma forma de avaliação.
2. Alfabetização como um conhecimento de natureza conceitual: Durante algum tempo o
aspecto perceptual – coordenação motora, discriminação visual, auditiva – era pré-
requisito para o sucesso do aluno em seu processo de alfabetização. Ferreiro e Teberosky
(1985), com suas pesquisas, mostraram que a aquisição da base alfabética envolve o
desenvolvimento de complexos conceitos e que não depende apenas de habilidades
perceptuais e motoras.
3. Utilizar diversos tipos de textos: Desde o início do processo de alfabetização, é
fundamental que o aluno tenha contato com bons modelos de escrita. Não devemos
fragmentar a língua com o intuito de facilitar a aprendizagem. Quanto mais oportunidades
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o aluno tiver de se aproximar de textos diversos e de qualidade, mais competente será
como leitor e escritor.
Durante esse encontro surgiram também perguntas interessantes. Percebi que as
professoras sentiam-se desafiadas a pensar sobre vários aspectos relacionados à alfabetização e à
educação. Manifestavam-se de maneira mais consistente e profunda; conseqüentemente deviam
sentir-se mais seguras e demonstravam isso ao opinar e fazer perguntas. Duas professoras deram
sugestões de como realizar atividades de correção:
“Podemos colocar textos dos alunos na lousa e realizar uma correção coletiva. A seguir,
em um cartaz, escrevemos o texto corrigido e deixamos fixado na sala de aula, para ser
consultado em caso de dúvida”.
“Podemos escrever a mesma palavra de várias maneiras e pedir que os alunos circulem a
que está escrita corretamente”.
Outras professoras perguntaram se podemos utilizar textos com palavras difíceis com as
crianças pequenas e se trabalhar com os erros cometidos não leva a fixá-los, além de bloquear a
espontaneidade dos alunos.
Essas questões geraram muita polêmica no grupo. Ao final, chegamos a algumas
conclusões: se a aprendizagem da língua escrita é um conhecimento de natureza conceitual, é
necessário que em sala de aula seja tratada como um objeto de ação. O aluno precisa agir, refletir
sobre esse objeto, não apenas contemplá-lo. Precisa, inclusive, estabelecer relações, comparar sua
escrita com a escrita convencional. Precisamos trabalhar a correção de forma coletiva, com um
caráter informativo, transformando-a em uma boa atividade. Isso se torna possível principalmente
se a relação entre o professor e o grupo-classe for baseada na confiança e o erro for encarado
como algo natural. Encerramos o encontro com certa tensão no ar...
12º encontro: Planejando atividades de leitura e de escrita.
No décimo segundo encontro fizemos a leitura do livro A Bela Borboleta, de Ziraldo.
Uma história bonita, em que os personagens dos contos de fada saem de seus livros para libertar
uma borboleta que está presa com grampos de metal, dentro de um livro. No meio da operação,
descobrem que a borboleta não quer sair dali, pois cada vez que alguém lê o livro ela bate suas
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asas. Ou seja, ela só não voa quando o livro está fechado. Refletimos uma pouco sobre a
importância de despertar o gosto pela leitura e o papel da escola em relação a esse aspecto da
alfabetização. Durante esse encontro e o seguinte, discutimos um texto das autoras Cardoso e
Teberosky (1989), que trata dos fatores pedagógicos e lingüísticos que devemos considerar ao
planejar atividades de leitura e de escrita.
Inicialmente, fizemos uma leitura global do texto e retomamos um a um os aspectos
pedagógicos. Verificamos que é importante o professor avaliar seus alunos, para saber quais
conhecimentos eles possuem sobre a escrita e qual o repertório de cada um. É fundamental,
também, que o professor pense sobre formas de interação e agrupamentos dos alunos, para que
um coopere com o outro. Além disso, é necessário que o professor se preocupe com os materiais
que utilizará, com a organização do ambiente físico e social, fatores primordiais para a realização
da atividade e, principalmente, que programe atividades que permitam diversos níveis individuais
de desempenho, mesmo que realizadas de forma coletiva, em duplas ou em grupos maiores.
Em relação aos fatores lingüísticos, percebi que mesmo com a leitura e a discussão
restaram muitas dúvidas, as quais retomamos no encontro seguinte.
Ao final, solicitei que realizassem uma atividade com os alunos para que pudéssemos
discutir no penúltimo encontro. Deixei livre a participação e apenas duas professoras se
dispuseram a fazer. Para a realização da atividade, pedi que seguissem o seguinte roteiro:
1º- Escolher uma história infantil.
2º- Elaborar uma atividade que envolva leitura e escrita, utilizando a história escolhida.
3º- Planejar com antecedência o tempo utilizado e a série.
4º- Envolver nas atividades todos os alunos.
5º- Apresentar para os colegas os resultados.
13º encontro: Retomando a importância dos aspectos lingüísticos.
Iniciamos nosso décimo terceiro encontro com a leitura de um texto que ensinava as
regras do Jogo do Saquinho. O propósito era ler para seguir instruções. As professoras ficaram
surpresas com a possibilidade de levar para a sala de aula leituras de manuais, instruções de
caixas de jogos. Lembrei ao grupo o caráter prático e o uso funcional da alfabetização, que deve
ser tratado na escola, por ser um dos componentes do alfabetismo, conforme propõe Tolshinsky
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(1990). Disseram que, às vezes, deixamos de realizar coisas simples que podem contribuir com a
aprendizagem dos alunos por falta de apoio, de suporte pedagógico.
Retomamos o texto do encontro anterior sobre os aspectos lingüísticos que devem ser
levados em conta ao planejarmos atividades de leitura e escrita. Nem sempre, ao pensar sobre a
aprendizagem da leitura e da escrita, o professor atenta para a importância destes aspectos.
Muitas vezes, não compreende sua função na aprendizagem da língua.
Para explicar e exemplificar de forma mais clara cada um dos fatores lingüísticos, de
acordo com Teberosky e Cardoso (1989), organizei a síntese abaixo:
1- Não distinguir atividades de leitura e escrita; não dicotomizar, pensar sempre na dupla
relação entre leitura e escrita, criança e objeto de conhecimento, ensino e aprendizagem.
2- Dentro das atividades a posição enunciativa da criança é diferente ao escrever, ler,
copiar, ditar.
Por exemplo: quando escreve produz um discurso que é dela; quando lê se apropria do
discurso de outro.
3- A realização de uma atividade exige da criança sua participação em diferentes
posições: ler o que escreve; corrigir seu próprio texto; corrigir o que outra criança escreve;
ditar e corrigir; copiar e resumir.
4- Os objetivos das atividades são diferentes: avançar na compreensão das regras do
sistema alfabético, aprender convenções do uso do sistema, interpretar e fazer uso dos
diversos tipos de linguagem escrita.
5- Muitas vezes a criança domina as letras, as sílabas e consegue reproduzir na fala e na
escrita palavras. Sua dificuldade pode estar nos conceitos, no significado dessa palavra.
6- Facilitar a informação sobre o conteúdo conceitual. Propor atividades em que a
linguagem escrita seja elaborada de maneira prévia e coletivamente, com o fim de ser
escrita. Evitar atividades do tipo: explicar vivências e descrever o que observa.
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7- Todas as atividades baseiam-se em textos. Texto: registro oral ou escrito de uma
situação de uso social da linguagem. Usar a linguagem escrita na escola como ela é usada
lá fora.
8- Escrita de palavras são aceitas se as mesmas pertencerem a um mesmo campo
semântico. Ex: listas de frutas, de nomes, de animais, de materiais escolares.
9- Trabalhar com diversos tipos de textos: narrativos ou informativos, cartas, receitas,
canções, listas.
Percebi que através do quadro as reflexões foram bem mais proveitosas. Uma professora
perguntou sobre dar preferência às atividades que utilizam palavras pertencentes a um mesmo
campo semântico. Respondi que as autoras consideram que as crianças, no início da
alfabetização, atribuem maior significado às listas de palavras que pertencem ao mesmo campo
semântico pelo fato delas terem um caráter pragmático, o que não acontece com as listas de
palavras que iniciam com a mesma letra.
Outro questionamento foi em relação às atividades com textos descritivos ou explicativos.
Uma professora comentou que utiliza bastante esse tipo de produção textual com seus alunos da
terceira série e obtém bons resultados. Voltamos ao texto de Teberosky e Cardoso (1989) e
verificamos que as autoras em suas pesquisas constataram que no início da alfabetização muitas
dificuldades apresentadas pelas crianças são de origem conceitual e não lingüística. Nas
atividades que requerem descrição ou explicação de fatos e vivências, a dificuldade conceitual é
grande, por isso é importante trabalhar, nessa fase, com conteúdos escritos que tenham clara essa
informação. Concluímos que, na terceira série, provavelmente esse problema inexista, já que os
alunos possuem uma experiência maior com a escrita.
Uma última questão que surgiu foi sobre a conveniência de iniciar o processo de
alfabetização com textos. Constatamos que as autoras entendem por texto o “registro oral ou
escrito de uma situação de uso da linguagem” (1989, p.38), e que não é conveniente utilizar
letras, palavras, sílabas sem sentido, de forma mecânica, com a idéia de facilitar a aprendizagem.
Encerrei esse encontro com a sensação de que o grupo apropriou-se de vários conceitos
importantes.
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14º encontro: Pensando sobre a origem das diferenças.
Puxa! Final de setembro. O tempo passou rápido e já estamos no décimo quarto encontro.
Há algum tempo havia pedido às professoras que elaborassem um quadro com fotos, desenhos,
gravuras, que representassem seus gostos, preferências, hábitos, vida profissional e pessoal. A
partir desse quadro, montei um livro sobre as diferenças que existem entre nós. Levei o livro
pronto e disse que iniciaríamos o encontro contando as histórias de algumas pessoas que elas
conheciam bem. Fui lendo o perfil de cada uma. Conforme lia, percebia a emoção em seus
olhares. Sentiram-se valorizadas, acolhidas, parte integrante daquele grupo. Algumas professoras
disseram que fariam com os alunos, outras que ficaram impressionadas diante de tantas
diferenças. Para quem não entregou os quadros deixei a folha com o nome, caso decidissem fazer
parte do livro. Em seguida, li uma crônica de Arthur da Távola, A alma dos diferentes e
destacamos o trecho: “O diferente começa a sofrer desde cedo, desde o curso primário, onde os
demais, de mãos dadas, e até mesmo alguns professores por omissão (principalmente os mais
grossos), se unem para transformar o que é peculiaridade e potencial, em aleijão e caricatura”.
Foi entregue a cada participante uma folha com uma questão sobre a origem das
diferenças entre as pessoas. Elas ficaram envolvidas, respondendo por escrito a questão proposta,
até o final do encontro. (Anexo IX)
Entreguei o texto que trabalharíamos na reunião seguinte, para que realizassem a leitura
antecipadamente.
15º encontro: Sobre a diversidade e suas práticas.
No décimo quinto encontro iniciamos a leitura do livro Uma professora muito
maluquinha, de Ziraldo. O livro foi dividido em três partes, já que restavam três encontros até o
final do ano letivo. Essa estratégia de leitura em capítulos criou um clima de suspense e o grupo
achou interessante utilizá-la com seus alunos. Falamos um pouco sobre as respostas dadas pelas
professoras quanto a origem das diferenças e elas concluíram que ainda possuíam uma visão
naturalista sobre essa origem.
Passamos para a discussão do texto entregue no encontro anterior A Construção do
Discurso sobre a Diversidade e suas Práticas, de Gimeno (2002). Apenas algumas professoras
fizeram a leitura com antecedência. Iniciamos as reflexões. Incrível como já estavam mais
seguras para falar e dar opiniões. Participavam e ficavam mais atentas às discussões, no entanto,
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continuavam sem realizar as atividades de leitura e escrita que precisavam ser feitas em outros
horários. Fui fazendo leituras de partes do texto que havia selecionado, tentando relacioná-las
com a sala de aula. Abordamos vários aspectos interessantes e o grupo pareceu muito envolvido.
Primeiro discutimos que buscar um tratamento pedagógico para a questão das diferenças
não é algo novo em educação. Essa questão foi e ainda é bastante tratada, por um lado, na
graduação do currículo, na classificação dos estudantes, na especialização do trabalho; e, por
outro, nas tentativas que a Psicologia científica faz de tentar compreender como o sujeito aprende
e adaptar a Pedagogia às diferenças. Chegou-se a uma interpretação biologicista das diferenças
que as vê como algo natural, pessoal, permanente. Contrariando essa visão, a pedagogia
compensatória e progressista entende o indivíduo como singular, único, classificando-o pelas
suas aptidões. Essa classificação, segundo Gimeno (2002), produz dois efeitos nos quais uma
parte da diversidade é normalizada, e outra sempre será um incômodo para o professor.
A seguir verificamos que, para Gimeno (2002), a diversidade é inevitável, o que nos leva
a pensar se a escola seriada, o currículo comum e o desenvolvimento do sujeito compreendido em
uma seqüência de estágios lineares não induzem a buscar uma norma padrão, ideal, universal e a
fazer a mesma exigência para todos os alunos. O ciclo é um avanço, principalmente porque aceita
ritmos diferentes e não se enquadra na seriação.
Refletimos sobre as cinco estratégias propostas por Gimeno (2002, p. 34), para que, na
tentativa de prevenir a diferenciação, o professor não amplie mais as desigualdades. Nesse
momento as professoras trouxeram para a discussão algumas situações que vivenciaram na rede
pública estadual, que mostram como lhes é negada a autonomia em sua atuação pedagógica.
Estão sempre cumprindo e executando ações pensadas por outras pessoas, ou aplicando métodos,
técnicas e legislações que mal conhecem:
“Nunca somos ouvidos.”
“A progressão continuada foi implantada sem preparar o professor”.
“É investido muito dinheiro na formação dos professores e os resultados não são os
esperados. A culpa ainda é nossa. Não avaliam os programas que muitas vezes ignoram a
realidade da sala de aula”.
“Muitas professoras fizeram o PEC e se aposentaram...”.
72
“Diversificar as situações é mais fácil nas 1ª e 2ª séries... depois fico achando que não
vou dar conta do conteúdo”.
“Ouvimos muito que temos que trabalhar com os alunos individualmente. O problema é o
tempo e a quantidade de alunos”.
Falamos sobre a formação inicial e a formação continuada. Relembramos Imbernón
(2004), seu conceito de formação permanente e a importância que dá aos projetos coletivos, à
reflexão em grupo, à reflexão do professor sobre o próprio trabalho com um olhar crítico, à
formação continuada não como atualização científica e pedagógica simplesmente e à formação
do professor, na escola, em parceria com as universidades.
Finalmente, voltamos ao texto de Gimeno (2002) para pensar como diversificar situações
de ensino apesar da preocupação com o conteúdo que precisa ser trabalhado. Verificamos que o
autor fala da diversidade de estratégias, não de conteúdos e objetivos, da necessidade de se criar
um clima de cooperação entre os alunos, para não dar atenção apenas ao aluno médio na maior
parte do tempo. Diz também que o ensino totalmente individualizado é um dos recursos e não a
solução para a questão das diferenças. Encerramos o encontro com a leitura da seguinte citação
de Gimeno (2002, p.36):
Precisamos de uma “pedagogia da complexidade” (Cohen e Lotan, 1997,
p.15), referindo-se com esse termo a uma estrutura educacional capaz de ensinar
com um alto nível intelectual em classes que são heterogêneas do ponto de vista
acadêmico, lingüístico, racial, étnico e social, de forma que as tarefas acadêmicas
possam ser atraentes e desafiadoras. Seus pontos mais importantes são: riqueza de
materiais, incentivo das interações em pequenos grupos, delegação de certas
responsabilidades aos estudantes, tarefas que exijam o uso de múltiplos materiais
e provoquem a participação de habilidades diversas, estimulação da participação
de estudantes de baixo nível, aulas com simultaneidade de tarefas diferentes e com
múltiplas funções do professor.
16º encontro: Apresentação das atividades realizadas em sala de aula.
Iniciamos nosso décimo sexto encontro com a continuação da história Uma professora
muito maluquinha, do Ziraldo. Encerrei em um ponto interessante para garantir o suspense e
deixá-las curiosas para saber como termina a história.
Nesse encontro, duas professoras apresentaram para o grupo as atividades que realizaram
com os alunos, utilizando histórias, como havia sido combinado no décimo segundo encontro.
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Uma das professoras, que lecionava para a terceira série, trabalhou com os alunos A
parábola do aquário. Dividiu o trabalho da seguinte maneira:
1º - Leitura da parábola para a sala.
2º - Montagem da parábola em forma de história em quadrinhos.
3º - Releitura da história. Escrita da história em duplas de alunos. Os alunos com mais
dificuldade escreveram e os outros ditaram e corrigiram.
4º - Confecção de um livrinho utilizando a parábola.
5º - Escrita e desenho de parte da parábola de que mais gostaram.
6º -Jornal na sala de aula. Relacionar o peixinho da história com os políticos envolvidos
no mensalão.
7º - Poema: escrita de um poema com o tema meio ambiente.
A professora mostrou ao grupo as atividades que realizou com os alunos e relatou:
O trabalho foi se tornando tão gostoso que se pudesse trabalharia dessa forma até o
final do ano. Mas temos o conteúdo. Há muita cobrança dos pais e da escola”.
A outra professora, trabalhava com uma 4ª série de alunos em recuperação de ciclo e
realizou a tarefa solicitada com duas histórias diferentes: A parábola do aquário e A formiguinha
e a neve. Utilizou para as duas atividades a mesma seqüência didática.
1º- Leitura do texto para a sala e interpretação oral.
2º- Em dupla: distribuição dos parágrafos para que as duplas fizessem a interpretação das
histórias através de desenhos.
3º- Confecção dos livrinhos: capa e ilustração dos parágrafos.
4º- História em quadrinho: reescrita sem modelo.
A professora mostrou ao grupo as atividades que realizou com os alunos e relatou:
“Tenho um aluno com muita dificuldade de aprendizagem, mas estava totalmente
incluído na realização das atividades, inclusive para assumir a liderança em alguns momentos.
A escrita dos alunos melhorou, a ortografia, a seqüência lógica do texto. Além de gostoso o
trabalho foi muito válido.
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Os alunos estão em diferentes níveis de escrita e independente disso, houve interesse e
todos participaram, cada qual de sua maneira. Vou continuar trabalhando de forma a envolver
todos. Já dividi a sala em grupos, cada grupo fará a leitura de um livrinho e escreverá um
resumo para a classe”.
Essa professora sente-se mais à vontade para realizar atividades diferenciadas com seus
alunos, já que é uma sala projeto sem tantas cobranças em relação ao conteúdo. Pedi que me
entregassem por escrito as mudanças que realizaram em suas aulas.
17º encontro: Sugestões de atividades.
Último encontro. Posso dizer que não vi passar o tempo. Criamos uma relação que chamo
de “vínculo de respeito profissional”. O vínculo afetivo é inerente às relações humanas. Na escola
ele está presente intensamente, quase sempre, seja positiva ou negativamente. Faltam aos
professores respeito, apoio profissional e suporte pedagógico de pessoas que compreendam o que
pode realmente ser realizado, apesar da falta de condições de trabalho. Terminamos a leitura da
história Uma professora muito maluquinha, e não contivemos nossa emoção diante da história de
uma “professorinha” que fez tanta diferença.
Nesse encontro planejei trabalhar com algumas sugestões de atividades de leitura e
escrita. Todas as atividades sugeridas englobam o princípio metodológico de resolução de
problemas, análise e reflexão sobre a língua, alfabetização centrada na escrita e na leitura de
textos, seqüências didáticas para que o aluno adquira a base alfabética e que permitam a inclusão
de alunos em diferentes níveis de leitura e de escrita no mesmo tema, com diferentes propostas de
realização.
Ao final do encontro, pedi que fizessem uma avaliação oral do processo de formação
continuada na HTPC. Relataram que os encontros foram proveitosos e que foram privilegiadas
por participarem dessa pesquisa. Realizaram por escrito a avaliação final e encerramos o trabalho.
(Anexo X)
75
V
EIXOS DE ANÁLISE
Para analisar a repercussão dos encontros e das ações realizadas, selecionei o material
referente as seis professoras que haviam participado de todos os encontros e realizado todas as
atividades propostas.
A professora A tem cerca de dezesseis anos de experiência no magistério, formação
superior em pedagogia e leciona para alunos de terceira série. A professora B conta com cinco
anos de profissão, tem formação em pedagogia e trabalha como professora eventual. A professora
C é formada em letras e magistério em nível médio, tem doze anos de exercício como professora
e trabalha com alunos da terceira série. A professora D tem vinte e quatro anos de magistério,
formação superior em pedagogia e leciona para os alunos da quarta série. A professora E cursa
pedagogia das séries iniciais, trabalha com classe de recuperação de ciclo I e tem nove anos de
serviço no magistério. A professora F, tem formação universitária em pedagogia pelo PEC, tem
vinte e cinco anos de serviço e ministra aulas para a quarta série.
Foi necessário buscar nas falas das professoras, nos relatos de casos e produções de
atividades, nuances que pudessem demonstrar indícios do efeito do processo de formação
continuada em HTPC.
Estabeleci como eixos analíticos: 1) as concepções das professoras sobre a origem das
diferenças; 2) as práticas docentes para lidar com essas diferenças; 3) a importância atribuída à
formação continuada em HTPC; 4) os conhecimentos adquiridos; 5) as mudanças em sala de
aula.
1. Concepções das professoras sobre a origem das diferenças
Ao analisar a visão dos educadores sobre a origem das características individuais, Rego
(1994, p.59), conclui que a maior parte dos educadores entrevistados compreende a origem da
singularidade humana “[...] a partir da combinação de fatores internos e externos. No entanto,
diferentemente de um autêntico paradigma interacionista, pressupõem a uma somatória ou
justaposição entre fatores inatos ou adquiridos”. A autora afirma que a visão dos professores
acerca das características individuais interfere em sua prática de sala de aula e em suas
concepções sobre o processo ensino-aprendizagem.
76
Considerando que as diferenças individuais e os diferentes ritmos de aprendizagem dos
alunos são vistos como um problema que atravanca o trabalho do professor, também verificamos,
junto aos professores, a que fatores eles atribuem a origem das características humanas. Para isso
foi proposto que respondessem à seguinte questão: somos todos diferentes. Possuímos diferentes
aptidões, diferentes hábitos, diferentes reações, diferentes temperamentos... A quais fatores você
atribui a origem dessas diferenças? Como você imagina que elas se constituem? (Anexo IX)
As professoras A e C não responderam propriamente à questão proposta, mas emitiram
opiniões sobre a importância de se conviver com as diferenças e de se aprender com elas. A
professora A diz: “As diferenças levam as pessoas a lutar para melhorar algo [...] é através das
diferenças que as pessoas se completam e tentam crescer”. A professora C chega a mencionar
que não devemos “deixar de lado” alunos que não seguem o ritmo desejado. “Temos que
conviver com os hábitos de cada um [...] às vezes deixamos o aluno que não aprende de lado.
Temos que tentar ajudá-lo, para que ele aprenda igual aos outros”.
Supomos que as professoras utilizam jargões e repetem o que ouvem porque não têm
oportunidades de estudar profundamente o assunto.
As professoras B e D atribuem a singularidade humana a um somatório de fatores internos
e externos (Rego, 1994). A primeira afirma que o comportamento das pessoas é fruto de fatores
externos, já sua inteligência e seus aspectos físicos são determinados pela genética. “Elas se
constituem através das vivências e da genética. Pelas vivências formam-se as diferenças no
comportamento e através da genética no físico e no mental”.
A segunda, um pouco confusa, primeiro aponta fatores internos e externos como
determinantes da origem das diferenças humanas, sem explicar como se dá essa influência, e, em
seguida, demonstra uma visão naturalista dizendo que a natureza humana é pré-determinada por
Deus. Diz: “A origem das diferenças deve-se a meu ver, por duas razões: a influência da
genética e a maneira como foi educada a pessoa. Deus nos deu diversos dons, usemos em
benefício do outro”.
Por fim, as professoras E e F, também com uma visão naturalista, acreditam que a
singularidade humana é uma coisa natural, concebida a priori, que determina as possibilidades da
pessoa, restando aos pais, à escola e aos professores respeitar e valorizar as diferenças, como
podemos verificar em suas falas. A professora E afirma: “[...] somos diferentes, pois já nascemos
assim. Cada um tem o seu jeito de ser, não existe nenhum ser humano que seja igual ao outro”.
77
E a professora F diz: “[...] já somos diferentes por obra e graça do criador. Apenas devemos ser
respeitados e valorizados diante de todas as diferenças que temos”.
2. Práticas docentes para lidar com as diferenças
Gimeno (2002), compreende por prática docente que atenda as diferenças, a utilização de
procedimentos pelos professores, que consigam atrair a participação de todos os alunos. Dentre
esses fatores estão: uma comunicação adequada em sala de aula, tanto do professor, quanto entre
os alunos, pois ela possibilita ao professor verificar e decidir quando e de que forma intervir.
Permite que ele organize a aula de forma que possa dar mais atenção aos que precisam,
apresentando os conteúdos de maneiras diversas e utilizando diferentes tipos de linguagem. Além
disso, as atividades devem ser diversificadas, com diferentes níveis de exigência e com a
possibilidade de diferentes respostas, combinando sempre o trabalho em grupos e o individual.
Tirado (2002, p.135), conclui dizendo:
[...] a intervenção dos professores que supõe uma tentativa de atenção à
diversidade [...] implica que os professores empreguem diferentes materiais
curriculares para favorecer a aprendizagem dos alunos, inclusive seguindo
diferentes caminhos de acesso ao conhecimento.
Ao analisar as falas das professoras sobre suas práticas de sala de aula para atender às
diferenças dos alunos, verificamos alguns pontos interessantes. Em primeiro lugar, a idéia que o
professor possui sobre a condição humana é um fator importante para que aconteça um “salto da
concepção naturalista do homem para uma concepção sócio-histórica” (Bock, 1999, p.28), pois
de acordo com essa concepção o desenvolvimento humano se dá no contato com a cultura e com
outros indivíduos. Portanto, a concepção dos professores sobre a condição humana é fundamental
para que possam compreender o processo educativo, não como um conjunto de elementos a
serem internalizados do meio, por quem tem determinadas aptidões ou habilidades, mas como
uma apropriação que se dá pela atividade, sempre mediada pela cultura e pela comunicação com
os outros. Percebemos nos relatos sobre suas práticas que, mesmo sem possuir esse complexo
entendimento da condição humana, as professoras propiciam momentos de interação adequados,
o que talvez explique a aprendizagem de seus alunos. Não foi possível verificar se realizam as
78
práticas que destacam como importantes para lidar com as diferenças, ou se em seus discursos há
apenas palavras que circulam atualmente na pedagogia. Como diz Smolka (1992, p.56 e 57):
Falo daquilo que faz ou começa a fazer parte de modos de pensar e que
delineia um certo universo discursivo no que concerne a psicologia e pedagogia
atuais. E me pergunto: por que e como, nesse movimento, umas palavras vão se
tornando mais significativas e relevantes do que outras, umas idéias vão se
tornando mais privilegiadas e dominantes que outras?
A professora A afirma: “Passando confiança à criança, trabalhando em cima de suas
necessidades, procurando partir de sua realidade para que ela consiga entender [...] Diferentes
ritmos de aprendizagem dificultam o trabalho coletivo [...] colocar as crianças em grupos já
favorece muito”. Ela sabe da importância de se conhecer a realidade do aluno, partir de suas
necessidades e também a dificuldade de se realizar um trabalho coletivo com alunos que
apresentam diferentes ritmos de aprendizagem. Aponta como solução o trabalho em grupo.
As questões que emergem de sua fala são muitas. É inegável que é importante partirmos
das necessidades e realidades de todos os alunos. Mas como fazer isso, já que elas são as mais
variadas possíveis? Em que momentos e de que forma podemos e devemos propor reflexões
individuais, também importantes para o processo de aprendizagem? Será que o trabalho com o
grupo todo é inviável ou há momentos em que ele é possível e necessário? Diante dessas
reflexões, podemos supor que algumas idéias vão se cristalizando e passam a fazer parte do
discurso e da cultura escolar, sem que haja uma reflexão mais profunda sobre a origem de certo
problemas e sobre as formas de enfrentá-los.
A professora B elenca atividades que considera importantes para o trabalho com as
diferenças e afirma a importância de agrupar os alunos, como a professora A. No entanto, deixa
aflorar, em seu discurso, a responsabilidade do educando em aproveitar as oportunidades que lhes
são oferecidas, afirmando que a falta de interesse e o despreparo dos alunos se constituem um
problema para o professor, como se essa relação não fosse uma “via de mão dupla”, é o aluno
quem não quer aprender. Diz:“O professor precisa ter um ritmo apropriado [...] agrupar as
crianças e utilizar jogos, leituras, figuras. O problema é que o educando nem sempre está
preparado ou interessado em aprender”.
79
Via de regra os professores atribuem aos alunos a responsabilidade pelo fracasso ou pela
exclusão e se esquecem que, muitas vezes, os fatores de exclusão são produzidos pela ação da
escola.
Outro mecanismo de exclusão que se dá no interior da escola é quanto à expectativa de
que o desempenho do aluno seja proporcional ao seu suporte familiar. Dubet afirma que “a
escola espera que os pais sejam pessoas informadas, capazes de orientar seus filhos e ajudá-los
com eficácia em suas tarefas”. (2003, p.36). Alguns mecanismos de exclusão, bem como
algumas escolhas e decisões tomadas durante a ação pedagógica aumentam as distâncias entre os
alunos, ou seja, quanto mais a escola desempenha seu papel de forma rígida, mais ela exclui.
Portanto, não apenas reproduz a exclusão, mas a produz por suas ações. Assim, a escola ajuda os
excluídos a criarem estratégias de defesa. O sujeito percebe-se incapaz de atender às expectativas
da escola e, como “o sujeito da modernidade é o autor de si mesmo, tanto de suas virtudes como
de seus vícios” (Dubet, 2003, p.40) se exclui, ele próprio, antes que a escola o faça, procurando
dessa maneira preservar ao menos sua dignidade. Quando não usam essa estratégia, usam outra,
manifestando reações de violência, criando conflitos.
Os aspectos que envolvem a aprendizagem possuem uma relação íntima com os
mecanismos de exclusão criados pela própria escola. A auto-exclusão, por exemplo, pode ser
interpretada pelos professores como falta de interesse ou falta de motivação.
É importante saber que o ser humano pode atuar livremente, de maneira pensada e
refletida para alcançar suas metas e tem a possibilidade de organizar suas ações, planejá-las e
vencer possíveis obstáculos que apareçam. É um equívoco pensar que as atitudes dos sujeitos não
são dirigidas por fatores externos, apenas pela sua consciência. Sem dúvida, ao mesmo tempo em
que a vontade, a motivação e o interesse estão determinados por fatores externos, o indivíduo
reconhece o que é necessário e toma suas decisões livremente.
É importante que se perceba quais fatores estão determinando maior ou menor
envolvimento dos alunos com as tarefas escolares, para lidar com esses fatores e poder assim,
promover aprendizagens consistentes.
Na fala da professora C também são apontados problemas que o professor enfrenta ao lidar
com as diferenças. Indisciplina, falta de interesse dos alunos e dos pais. Ela afirma: “É
necessário utilizar diversos instrumentos e vários portadores de textos. Alguns alunos
apresentam problemas de disciplina, falta de interesse, não há participação dos pais. Devemos
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motivá-los, não deixá-los de lado e utilizar atividades diversificadas”. Ao contrário da professora
B ela toma para si a parte que lhe cabe para enfrentar tais obstáculos. Em sua fala aparecem
também termos atuais como “diversos portadores de textos”, “atividades diversificadas”. Mais
uma vez questiono se o professor compreende como fazer para utilizar adequadamente esses
termos em sua prática docente.
A professora D, assim como a B, considera importante a interação entre os alunos e o
trabalho com os diferentes tipos de textos. Mas, ao relatar a inclusão de um aluno com
necessidades especiais em seu grupo, responsabiliza o mesmo por não ser grato pela atenção que
recebe dela e dos colegas, culpando fatores externos como a família e o meio social pelo seu
comportamento. Diz: “Podemos aproveitar as diferenças para que os alunos troquem
experiências. Devemos também trabalhar com diferentes tipos de textos. Temos o caso de um
aluno com necessidades especiais que é bem aceito pelo grupo. Infelizmente não corresponde à
atenção dos colegas, atrapalha a aula e agride sem motivos. Poucos alunos o desrespeitam,
apenas àqueles que não têm orientação em casa e não sabem respeitar limites”.
A professora E, com a intenção de se mostrar atualizada, inicia sua fala dizendo-se a favor
de grupos heterogêneos: “Sou a favor de grupos heterogêneos. Só que os que sabem terminam
enquanto os outros nem começaram ainda. Trabalho com leitura coletiva, palavras-chave,
desenhos”.
Parece buscar recursos e atividades que a auxiliem em seu trabalho com os diferentes
ritmos de aprendizagem, mas afirma não saber o que fazer com o grupo de alunos que, em sua
concepção, deveria caminhar junto na realização das atividades. É comum que ao tentar
diversificar as atividades, ou ao trabalhar sempre no coletivo, o professor atue no sentido de
ampliar as diferenças entre os alunos e conclui que aquele que sai da normalidade sempre será
um incômodo. (Gimeno, 2002).
A professora F parece definir melhor o trabalho com as diferenças ao dizer que propõe
atividades em que todos possam participar de acordo com seu ritmo: “Proponho atividades que
todos possam participar de acordo com seu ritmo de aprendizagem. O professor deve dar
oportunidade a todos os alunos, procurando incentivar e motivar aqueles que têm dificuldades. É
importante agrupar os alunos para que cooperem uns com os outros”.
81
Deixa claro também que o agrupamento dos alunos não é apenas uma questão de
organizá-los em grupos, é principalmente atentar para o fato de que esses grupos precisam ser
produtivos de forma que o trabalho em seu interior seja cooperativo.
Ao tratar da diversidade em sala de aula, Alcudia e Montón (2002) enfatizam que os
professores precisam rever suas práticas pedagógicas, diversificar o trabalho, a fim de fazer com
que os alunos, de acordo com seu ritmo, atinjam o nível desejado de aprendizagem.
Parece que as professoras, com exceção da professora F citam atividades que conhecem,
mas não deixam claro como realizá-las de maneira que todos trabalhem, sintam-se incluídos no
grupo e competentes na tarefa de aprender. Portanto, é fundamental a utilização da HTPC como
espaço de formação continuada e permanente dos professores para que atuem de maneira mais
eficaz com todos os alunos, pois como afirmam Alcudia e Montón (2002, p.109):
É imprescindível chegar a acordos consensuais sobre as mudanças, para
cuja adoção é necessário o compromisso de todos os professores. Quando isso não
acontece, podemos constatar as dificuldades para aplicar e revisar os acordos,
entrando desse modo em um circulo vicioso de novas propostas nas quais
ninguém acredita.
3. A Importância atribuída à formação continuada em HTPC
Para analisar a importância da formação continuada em HTPC, tomamos por base os
estudos de Imbernón (2004). O autor afirma que é importante o professor participar ativamente
do processo educativo como um agente transformador da realidade. Diz ainda que a formação é
um dos fatores que pode contribuir ou atrapalhar o desenvolvimento profissional do professor,
embora não a considere o único nem o mais importante. Chama atenção para a existência de
outros aspectos que influenciam a atuação docente, como a valorização social, o salário, o
contexto institucional, as condições de trabalho, a hierarquia, a real participação e atuação do
professor. Enfim, pontua que o desenvolvimento profissional deve se estender a todos os atores
do processo educativo. Segundo o autor, conhecendo a realidade social e atuando em conjunto
com a comunidade, o professor poderá formar cidadãos que, como ele próprio, sejam capazes de
atuar no sentido de transformar essa realidade. A formação permanente é vista como conjunto de
conhecimentos profissionais necessários ao professor, para que ele dê conta de interpretar e
solucionar situações complexas que enfrenta no cotidiano escolar e como instrumento de
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melhoria da qualidade da prática docente — inclusive no que se refere à gestão e pesquisa — e,
conseqüentemente, das condições sociais.
Imbernón (2004, p.72), prossegue dizendo:
A formação permanente deve ajudar o professor a desenvolver um
conhecimento profissional que lhe permita: avaliar a necessidade potencial e a
qualidade da inovação educativa que deve ser introduzida constantemente nas
instituições; desenvolver habilidades básicas no âmbito das estratégias de ensino
em um contexto determinado, do planejamento, do diagnóstico e da avaliação;
proporcionar as competências para ser capaz de modificar as tarefas educativas
continuamente, numa tentativa de adaptação à diversidade e ao contexto dos
alunos e comprometer-se com o meio social.
O autor destaca alguns elementos fundamentais para o desenvolvimento profissional do
educador. Segundo ele, devemos pensar, junto com o grupo de professores, sobre o quê e como
fazer para conseguir uma formação consistente na e para mudança, em uma busca permanente de
instrumentos teóricos que realmente contribuam para o conhecimento da realidade e, se for o
caso, para sua transformação. Imbernón considera ainda que o professor deve ter a capacidade
constante de interpretação e avaliação de sua prática, das inovações propostas, da realidade, do
contexto social, que avalie a todo o momento os vários aspectos que permeiam o cotidiano
escolar, para fazer escolhas coerentes, que atendam às diversidades e favoreçam a aprendizagem
e a formação integral de seus alunos.
Imbernón apresenta uma concepção de formação permanente, relacionando alguns fatores
necessários para que não tenha um enfoque de atualização, mas que seja um espaço de
participação e reflexão. São eles: aumentar a comunicação e troca entre os professores; aprender
sempre com os colegas; relacionar o que sabe com novas informações para aceitar ou rejeitar
conhecimentos em função do contexto; gerar conhecimento pedagógico por meio da prática
educativa (reflexão/interpretação/intervenção); unir formação com projeto de trabalho; elaborar
projetos conjuntos e relacioná-los com a pesquisa-ação; investir na formação crítica que permita
refletir, coletiva e individualmente, situações-problema da prática; rever criticamente a própria
prática; fazer sempre a auto-avaliação; compartilhar com os colegas abandonando o
individualismo, pois o objetivo é a mudança da instituição e não da prática isolada; prever
coletivamente o uso de atividades mais adequadas a mudanças na educação; superar o conceito
de formação como atualização científica e pedagógica. De acordo com esse conceito, o professor
83
deve fundamentar, revisar, construir teoria, buscar equilíbrio entre esquemas teóricos e práticos,
criar processos próprios, autônomos de intervenção em vez de buscar instrumentalização já
elaborada, e construir sua formação na própria instituição. Imbernón (2004) diz ainda que os
processos de formação permanente do professor devem resultar em um conhecimento
profissional que seja ativo, autônomo e não um conhecimento que sempre dependa de
conhecimentos externos.
Consideramos importante destacar que, segundo Imbernón, a capacidade do professor
gerar conhecimento pedagógico não pode ser apenas algo intuitivo ou realizado
espontaneamente, deve ser fruto de atividade intelectual, de troca de experiências, de
interpretação, de avaliação de aspectos conceituais e de contextos da realidade educativa.
Para analisar o processo de formação continuada, foram consideradas às concepções e
práticas dos professores para lidar com a diversidade de seus alunos no processo de aquisição da
língua escrita e se a reflexão conjunta, em HTPC provoca mudanças.
A professora A atribui a HTPC, uma importância fundamental para seu crescimento
profissional. Ela afirma: “A HTPC foi fundamental para meu crescimento profissional e também
pessoal. É um horário em que podemos expor alguns problemas e, em equipe, encontrar as
soluções. Adquiri excelentes conhecimentos que hoje me auxiliam na maneira de lidar com os
alunos, em especial os que têm dificuldades”.
A professora B, diz: “A HTPC adquiriu mais significado e foi proveitosa. Resgatei alguns
conhecimentos”. Apesar de afirmar que a HTPC adquiriu significado, é interessante perceber que
em sua fala aparece a palavra “resgate de conhecimentos”, como se já soubesse sobre todos os
assuntos tratados. Parece não ter ampliado seus conhecimentos. Essa postura é comum. Alguns
professores não atribuem movimento ao conhecimento, estabelecem algumas verdades e tornam-
se impermeáveis às mudanças.
As professoras C, D e E, deixam claro em suas falas que a HTPC deve ser dinâmica,
interativa, produtiva, momento de estudo e reflexão. Afirmam: “A HTPC ficou mais dinâmica e
interativa. Abriu os horizontes em relação a temáticas educacionais [...] O trabalho foi muito
produtivo [...] Deveria ser sempre assim, com estudos e reflexões sobre nossas práticas em sala
de aula”.
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A professora F, chega a afirmar que a HTPC, voltada para a formação é a “verdadeira
HTPC”: “Foi muito bom. A cada momento devemos estar sempre buscando conhecimentos,
experiências e aprimorando nossa prática. Essas são as verdadeiras HTPC, valeu!”.
Essas falas emergiram das avaliações realizadas no final do 1º semestre e já pudemos
verificar a importância atribuída pelas professoras à formação continuada em HTPC. Todas
foram unânimes em dizer que o trabalho foi fundamental para o crescimento profissional, para a
aquisição de conhecimentos, para a troca de experiências, para reflexões sobre a prática. Ficou
claro que o professor adquire mais confiança em seu trabalho, fortalece o profissionalismo
quando atua em grupo, quando tem suporte pedagógico consistente e, o mais importante, se tiver
condições de trabalho dignas.
4. Conhecimentos adquiridos
Quanto aos conhecimentos adquiridos pelas professoras, verificamos que nos seis relatos,
conhecimentos citados como “adquiridos”, estão relacionados aos objetivos estabelecidos, em
conjunto, no início dos encontros.
Nós professores, lidamos em nossa profissão com ações como: ensinar, informar, formar,
instruir. Temos a tendência de estabelecer os conhecimentos docentes, a partir da prática que
adquirimos após anos de experiência, ou a partir do que sabemos sobre nossa disciplina e sobre o
que pretendemos ensinar. Todos esses saberes e conhecimentos adquiridos são muito
importantes, mas não são únicos. Tardif (2002, p.206), define o saber docente da seguinte forma:
[...] nossa definição do saber é a um só tempo flexível - pois não faz nenhum
juízo prematuro sobre a natureza das exigências de racionalidade, mas, pelo
contrário, se apóia no que os próprios atores consideram como racional – e
restritiva, pois se recusa a reconhecer como saberes atos e pensamentos sem
racionalidade, isto é, aqueles que os atores produzem sem razão ou cujos motivos
são incapazes de explicitar ou discutir.
O autor afirma que os saberes do professor precisam ser considerados nas várias
dimensões, presentes nas ações cotidianas da escola, de maneira que ele seja capaz de argumentar
sobre esses saberes. É necessário que eles estejam diretamente relacionados com seu trabalho e
vão depender das condições sociais nas quais ele é desenvolvido. Constituem os saberes do
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professor, segundo Tardif (2002), os conteúdos que ele transmite e a forma como faz, a interação
dele com os alunos e a maneira como organiza suas aulas e se relaciona com o outro. O enfoque
do autor se baseia na relação constante entre saber docente e racionalidade, racionalidade essa
entendida como limitada, concreta, associada ao cotidiano, instável e sempre em transformação.
Ao abordarmos os conhecimentos adquiridos pelas professoras, não estamos nos
referindo apenas aos conhecimentos relativos aos conteúdos e objetivos de ensino. Estamos nos
remetendo também à capacidade de questionar, refletir e discutir esses conhecimentos.
A professora A relata alguns pontos que considero importantes, pois foram muito
discutidos durante os encontros: Adquiri vários conhecimentos. Entender melhor os alunos,
envolver mais os pais em meu trabalho, fazer mais atividades diversificadas, despertar o
interesse do aluno pela leitura e trocar experiências com o grupo de professores”.
Fala sobre atividades diversificadas, sobre interesse pela leitura, sobre trocas de
experiência com os colegas e sobre o envolvimento com os pais em seu trabalho e diz,
seguramente, que “adquiriu conhecimentos” relativos a esses aspectos.
A professora B usa o termo “conscientização”, como se tivesse elaborado e reelaborado
seus saberes durante o processo de formação na HTPC. Utiliza conceitos que fizeram parte de
nossas reflexões. Fala sobre a importância do ensino, de conhecer as hipóteses de escrita, de
melhorar a relação com os pais. Apresenta uma fala coerente, que retrata objetivos propostos e
possivelmente alcançados. Afirma: “Me conscientizei sobre a importância do ensino, sobre cada
atividade realizada, sobre as fases de escrita. Houve enriquecimento em minha relação com os
pais e no que se refere aos processos de ensino e aprendizagem”.
As professoras C e D, com relatos bem próximos ao da professora A, afirmam que
“aprenderam” a trabalhar com as diferenças, a diversificar as atividades propostas e a despertar o
interesse dos alunos pela leitura. Afirmam: “Aprendi a trabalhar as diferenças em sala de aula,
utilizar diversos tipos de textos, diversificar o trabalho desde o inicio da alfabetização,
incentivar e despertar o interesse do aluno pela leitura[...]Aprendemos novas técnicas de
produção de textos, atividades diversificadas, despertar o interesse do aluno pela leitura, não ter
medo de errar e estar sempre pronto a aprender, respeitar as diferenças e aproveitá-las”.
Pelos relatos orais e escritos, as professoras parecem ter se apropriado de conceitos
trabalhados durante os encontros.
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A professora E utiliza o termo “repensar”: “Repensar minha prática em sala de aula,
procurar entender as dificuldades dos alunos, trabalhar em uma sala heterogênea e propiciar
aos alunos leituras diversificadas”.
Interessante perceber a possibilidade de pensar novamente, pensar outra vez, pensar mais
uma vez, pensar de novo, pensar sobre o novo. A professora continua seu relato, com um
vocabulário que foi se ampliando, enriquecendo, durante as discussões, as trocas. Cita conceitos
como sala heterogênea, dificuldades dos alunos e leituras diversificadas.
Por fim, o relato da professora F foi surpreendente: “Devemos trabalhar com os
diferentes tipos de atividades que são adaptáveis aos diferentes níveis de aprendizagem. O
professor deve ter propostas claras sobre o que, quando e como ensinar e avaliar. A partir disso,
elabora as atividades e organiza as intervenções. A prioridade da escola deve ser ensinar a
pensar, não apenas a reproduzir conhecimento”.
Utilizou uma frase que discutimos durante os encontros: “Devemos trabalhar com os
diferentes tipos de atividades que são adaptáveis aos diferentes níveis de aprendizagem”. Às
vezes, olhares e gestos, levavam a pensar que, para as professoras, era incompreensível a
possibilidade de trabalharmos em nossa prática de sala de aula com diferentes tipos de atividades
que se adaptam aos diferentes níveis de aprendizagem, conceito citado pela professora F como
fundamental para a prática docente. Além disso, ela utiliza conceitos relacionados a ensinar e
avaliar, organizar intervenções, ensinar a pensar e não apenas a reproduzir.
As leituras realizadas durante os encontros voltavam-se ao trabalho com a leitura e a
escrita, realizado na sala de aula pelas professoras, a fim de que refletissem sobre suas práticas
em relação à maneira como lidam com a heterogeneidade de seu grupo-classe durante o processo
de aquisição da base alfabética. As mudanças que busquei encontrar nas falas e produções
escritas das professoras foram aquelas relacionadas à questão do ensino da leitura e da escrita e
com a maneira de cada uma lidar com a diversidade dos alunos.
Comprovar que esses conhecimentos foram realmente adquiridos e serão transferidos para
a prática docente em sala de aula, resultando na aprendizagem de todos os alunos, inclusive os
que não apresentam o ritmo de aprendizagem esperado, seria possível apenas com a observação
da prática das professoras junto aos seus alunos.
Pelas falas e pelas atividades que trouxeram durante os encontros, posso afirmar que o
caminho começa a ser trilhado.
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Pela coerência dos relatos e pela maneira como estes se relacionam com as discussões e
reflexões que fizeram parte dos encontros, podemos dizer que a formação continuada em HTPC
foi um instrumento para a constituição e para a ampliação dos saberes das participantes. Pela
evolução percebida na qualidade das intervenções orais no momento das discussões e das
produções escritas das professoras, podemos admitir que elas não estão apenas usando “conceitos
pedagógicos atuais”, ou se apropriando de termos da “moda pedagógica”, estão sim relacionando
estes conceitos com saberes que possuem e práticas que utilizam e, porque não dizer, caminhando
lentamente para possíveis e necessárias mudanças. Estão se apropriando de conceitos,
argumentando e não apenas executando. Imbernón (2004, p.85) afirma a importância da
formação permanente do professor feita na escola:
A formação centrada na escola transforma a instituição educacional em
lugar de formação prioritário em relação a outras ações formativas. É mais que
uma simples mudança de lugar em que ocorre a formação [...] pretende
desenvolver um paradigma colaborativo entre os profissionais de educação.
Não há dúvida de que a formação centrada na escola e o modelo de pesquisa na formação
docente (Imbernón, 2004) contribuem, e muito, para que ocorram mudanças nas concepções e
práticas dos professores que reflitam na aprendizagem de seus alunos. Segundo o autor, “a
principal contribuição desse modelo é que quando os professores trabalham juntos cada um
pode aprender com o outro” (2004, p. 76). Imbernón (2004) elenca um conjunto de
características que considera fundamentais para a organização escolar e que estão relacionadas
com a formação. A primeira delas é relativa ao clima de comunicação e cooperação entre os
professores. O autor afirma que a estabilidade do grupo e da instituição vai garantir essa interação
colaborativa. Em seguida, aponta a importância da participação dos professores no momento de
avaliar os resultados do processo de formação e afirma que a formação será mais eficaz quanto
mais próxima estiver do contexto escolar. Finalmente, diz que só há mudanças nas concepções,
atitudes e práticas dos professores, quando eles conseguem perceber que o que está sendo
oferecido no programa de formação, realmente repercute na aprendizagem de seus alunos.
Imbernón (2004, p. 77) diz:
Desse ponto de vista, a ação possibilita uma formação baseada tanto na aquisição
de conhecimentos teóricos como no desenvolvimento de capacidades de
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processamento da informação, análise e reflexão crítica e, sobre e durante a ação,
diagnóstico, decisão racional, avaliação de técnicas e reformulação de projetos,
etc. E isso é obtido graças a interação entre as pessoas.
5. Mudanças em sala de aula.
Ao analisar os relatos das professoras sobre as mudanças em sala de aula, percebemos que
essa questão foi o que mais as deixou reticentes em suas respostas.
Alcudia e Montón (2002, p. 108), sobre uma experiência de atenção à diversidade,
realizada em uma escola pública de Barcelona, dizem:
Os motivos que geraram a necessidade de uma mudança nas práticas habituais da
escola têm sua origem em uma reflexão sobre a diversidade das alunos [...] Nas
tentativas de obter uma maior individualização do ensino a equipe havia chegado
ao extremo de organizar inúmeros pequenos grupos que recebiam uma atenção
diferenciada fora da classe, perdendo assim momentos importantes da vida da sala
de aula.
Na citação das autoras percebemos que houve mudança na forma de atuar da equipe
docente, que obviamente não trouxe resultados satisfatórios aos alunos. Além de privar alguns,
do sentimento de pertencer a um grupo, de vivenciar junto com os demais as ricas experiências,
que sabemos, fazem parte do movimento e da dinâmica da sala de aula, não priorizam a troca de
diferentes saberes, troca essa que traz avanços consideráveis aos alunos que possuem
dificuldades. Estamos diante de um bom exemplo de como, na tentativa de trabalhar com as
diferenças, favorecemos a ampliação delas.
Portanto, quando falamos em mudança, não há dúvidas de que variadas ações, saberes,
práticas e concepções, cabem no termo. Mudar, entre outras coisas significa: “dispor de outro
modo; dar outra direção; variar; transformar”. Apenas com esses exemplos percebemos como
pode ser amplo o conceito de mudança.
Podemos apenas variar o jeito de fazer, sem transformá-lo definitivamente. No entanto,
para atingir o objetivo de melhorar a aprendizagem de todos os alunos é necessário que o
professor tome outra direção, rumo à transformação em sua forma de atuar, diante das diferenças
e heterogeneidade do grupo. As mudanças precisam ocorrer e de forma adequada, pelo menos
nos seguintes aspectos: o planejamento de ensino deve ser adaptável aos diferentes níveis de
conhecimento, possibilitando diferentes níveis de respostas; a sala de aula precisa estar
89
organizada para que ocorra o trabalho cooperativo entre os alunos; as atividades devem ser
variadas quanto ao grau de dificuldades, sendo difíceis, desafiadoras e possíveis de ser realizadas
ao mesmo tempo; a metodologia deve ser também variada, assim como os materiais a serem
preparados, a fim de que possam ser utilizados por alunos em diferentes níveis de aprendizagem.
A professora A afirma que mudou em relação aos alunos com dificuldades procurando
estudar cada caso. Não cita mudanças em suas estratégias, nem na seleção dos conteúdos e
objetivos, também não faz referências a uma nova forma de lidar com as diferenças entre os
alunos. Diz: “As maiores mudanças foram em relação aos alunos com dificuldades. Estou me
dedicando mais e procuro estudar cada caso”.
A professora B refere-se apenas ao seu papel de mediadora: “Maior clareza em relação
ao meu papel de mediadora”,a entender que está traçando o início de algumas mudanças
pedagógicas que possam colaborar com a aprendizagem dos alunos.
A professora C afirma que modificou sua prática docente, ao dizer que: “Minha prática
docente modificou, devido aos temas que auxiliam a reflexão sobre a prática”, mas nos parece
que essas mudanças estão ainda em nível de reflexão e não fica claro se aconteceram também na
ação.
A professora D, em uma única frase, afirma: “Ainda espero que aconteçam”. Por ser uma
professora experiente, parece não ter clareza que as práticas educativas precisam de revisão e
modificação constantes, para atender à diversidade dos alunos e às mudanças do contexto social.
Ela espera que aconteçam, como se mudar a prática fosse um passe de mágica, não um processo
trabalhoso de transformação.
A professora E afirma utilizar e adaptar ao grupo de alunos algumas atividades que
realizamos nos encontros e garante que tem dado certo: “Mudei sim. Algumas atividades trazidas
pela professora tento adaptar ao meu grupo de alunos. E tem dado certo”.
Em relação a essa professora, apontarei um dado novo. Encontrei-a na Diretoria de Ensino
na ocasião em que foi entregar um projeto que havia elaborado para trabalhar com seus alunos de
recuperação de ciclo. Pediu que lesse seu projeto e me disse que trabalharia com seu grupo de
alunos da maneira que “aprendeu” em nossos encontros, que priorizaria atividades significativas
de leitura e escrita que possibilitassem a inclusão de todos os alunos. Fiquei muito emocionada ao
ler o projeto elaborado por ela. Realmente estava muito bom.
90
No final do primeiro semestre de dois mil e seis, visitei sua sala de aula e verifiquei que
ela variou a forma de planejar as atividades, mas não transformou totalmente sua prática. Ainda
propõe atividades mecânicas e com pouco significado. É como se vez ou outra, arriscasse algo
diferente. Seu relacionamento com os alunos é muito bom, valoriza todos. De uma maneira
geral, eles estão progredindo. Um aspecto que me chamou atenção foi o interesse que
demonstram em realizar as atividades, ou seja, na dinâmica do cotidiano escolar são muitos
fatores que precisam estar envolvidos, para garantir um desempenho favorável de todos os
alunos.
A professora F, assim como a D, afirma ter dificuldade de mudar sua prática e promete
apenas tentar. Dispôs-se a refletir e a analisar criticamente a própria prática. Já é um importante
passo: “Mudar totalmente a minha prática é difícil. Mas vou tentar aprimorar, adaptar, refletir,
analisar e aproveitar os conhecimentos adquiridos para aperfeiçoar minha forma de ensinar”.
Interessante perceber que para cada professora as mudanças ocorreram de uma maneira
diferente, mostrando que cada uma está se constituindo profissionalmente de maneira singular e
em diferentes ritmos. Essa parece ser a forma como todos nós, adquirimos e ampliamos nossos
conhecimentos e nos constituindo como profissionais.
91
VI
AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE INTERVENÇÃO
Ao lançar meu olhar sobre o caminho percorrido durante a investigação, avaliando todo o
processo, desde o ponto de partida até o ponto de chegada, percebo que o trabalho realizado com
o grupo de professoras só poderia passar pelas leituras que realizamos e que, com certeza foram
essas leituras os elos entre o saber e o fazer, elos que serviram como instrumentos de mudança,
ainda que sutis. Tomei por base o texto “Sobre a Lição” de Larrosa (1999) para fazer a avaliação
do trabalho. A leitura serviu de inspiração e trouxe maior entendimento sobre o meu papel na
formação continuada. Mais que atualização, mais que realização de tarefas, a formação
continuada e permanente em HTPC, precisa se converter em espaço de reflexão. Reflexão sobre a
atuação, reflexão sobre a lição. Larrosa (1999, p.141), em um trecho diz:
Na lição [...] os alunos são convocados a um texto, chamados a um texto. Através
dessa convocação, os alunos são situados no que se vem dizendo, nesse vir
presente na leitura do que já se disse, nessa presença do já dito, do que outros já
disseram, mas que, enquanto texto publicamente pronunciado, vem-se dizendo
cada vez de novo.
O texto a que os alunos são convocados é o fluxo do que se vem dizendo ou,
melhor “do que dizendo-se vem”. Sempre o mesmo, mas sempre cada vez. Por
isso, ler é recolher o que se vem dizendo para que se continue dizendo outra vez
(que é outra vez a mesma e cada vez outra vez) como sempre se disse e como
nunca se disse, numa repetição que é diferença e numa diferença que é repetição.
Durante a investigação procurava não me esquecer das lições que aprendi, das muitas
vezes que li esse texto. Com as leituras que realizávamos no início de cada encontro e que sempre
se emaranhavam com outras leituras realizadas ao longo das reuniões, íamos constituindo nossos
saberes, transformando nossas certezas e refletindo sobre nossa atuação. As professoras, com
seus alunos em sala pensavam sua prática a partir dos textos e eu, enquanto pesquisadora
preocupada com a formação do professor na escola, pensava minha prática, minha atuação e
repensava minhas questões a cada encontro.
Ao me preparar para comungar a “lição” — a leitura — na amizade e na liberdade, relia
citações do autor para permitir que o ensinar e o aprender realmente acontecessem em nosso
grupo.
92
O primeiro passo, ao iniciar os encontros, era comentar situações, passagens e relatar
acontecimentos cotidianos para tornar as professoras “disponíveis” às leituras. Em seguida,
buscando compreender o pensamento de Larrosa, e relacioná-lo com a prática, propunha uma
experiência comum com os textos lidos — experiência da comunhão, da amizade — e também a
experiência da liberdade, que se pode traduzir na relação que o leitor estabelece com ele mesmo,
no processo de ensinar e aprender que é desencadeado pela leitura. Parece que buscar essa
relação com a lição, com as leituras, tornou o envolvimento das professoras não só algo natural,
como inevitável. Segundo Larrosa (1999, p.140):
E isso porque a experiência da leitura, quando está envolvida com o
ensinar e o aprender, implica a relação de cada um consigo mesmo e com os
outros. Mas o problema da lição em seu envolvimento com o ensinar e o aprender
e em sua implicação com a amizade e a liberdade não é o problema de como ler
bem, mas de como ler de verdade ou, se quisermos, o de como uma lição pode ser
uma verdadeira leitura, uma verdadeira aprendizagem na amizade e na liberdade.
Além dessa lição, procurei tirar outra lição “sobre a lição”. O autor apresenta mais dois
fatores que estão diretamente relacionados com o ensinar e o aprender por meio da leitura — da
lição.
Em primeiro lugar, situa os professores como os remetentes do texto. Texto que é dado
aos nossos alunos-alunos e aos nossos alunos-professores como um presente, ou uma carta, e
esperamos ansiosamente para ver se nosso presente será aceito e se de nossas cartas virão
respostas. Assim, chegamos ao ato de ler não como uma obrigação, mas como o que o autor
chama de uma dívida e uma tarefa: “uma dívida é a responsabilidade que temos com aquilo que
nos foi dado ou enviado. Uma tarefa é algo que nos põe em movimento” (1999, p.140).
Relacionando o que diz Larrosa (1999) com a diversidade do grupo com o qual trabalhei e
com a diversidade do grupo de alunos com o qual as professoras trabalham, com certeza chegar à
leitura que garanta o ensinar e o aprender não é tarefa fácil, é conquista diária. Cada vez que
deixavam de realizar o que era pedido, cada vez que os textos escolhidos ficavam sem resposta,
imaginava o que fazer para garantir maior movimento e responsabilidade. Por outro lado, cada
avanço em suas falas e em suas produções escritas, frutos das leituras que realizavam, eu
comemorava em silêncio e pulsava a certeza da possibilidade de mudanças nas concepções e
práticas por meio de lições — leituras — planejadas e discutidas. A tarefa, a lição, a leitura
93
garantem o ensinar e o aprender, desde que sejam realizadas na “amizade e na liberdade”, desde
que despertem a responsabilidade da dívida e o movimento da tarefa. Diversidade é também
comunhão, grupo e conhecimento de si individual e singular. Não podemos simplesmente
individualizar tarefas, é preciso comungar saberes. “A amizade da leitura não está em olhar um
para o outro, mas em olhar todos na mesma direção. E em ver coisas diferentes. A liberdade da
leitura está em ver o que não foi visto nem previsto. E em dizê-lo” (1999, p.145).
Por fim, avalio o trabalho realizado como o início do processo de aprender e ensinar, no
contexto da formação continuada. Priorizar a leitura nesse processo é algo imprescindível.
Chamo atenção ao grande desafio que se impõe aos professores e aos formadores de professores,
para a compreensão da diversidade de saberes que permeiam o cotidiano escolar, no
entendimento da heterogeneidade dos grupos como fator que contribui para o crescimento de seus
elementos e na árdua tarefa que temos, de incluir todos os membros no trabalho que realizamos.
Inclusão essa não apenas vista como ocupação do mesmo espaço ou realização de tarefas
pertinentes, inclusão que me atrevo a chamar de significada, ou seja, aquela que tem significado
para quem inclui e para quem é incluído, inclusão em que a diversidade é utilizada como
instrumento de crescimento, desenvolvimento e aprendizagem de todos os membros do grupo.
Inclusão em que os membros comungam a mesma “lição” e são desafiados a deixar, com
liberdade, sua marca pessoal, sua singularidade, e o espaço de formação na escola saiba
considerá-las da melhor maneira possível, para que surta o efeito desejado na sala de aula.
Que algo de novo e de consistente ocorreu durante os encontros com as professoras
podemos dizer com certeza, que houve mudança de pensamentos e formas de se posicionar
também é real. Mas é necessária uma atuação pedagógica do professor coordenador, do diretor,
do supervisor junto ao professor e a longo prazo, para que se possa avaliar os resultados da
formação continuada e permanente do professor na escola e verificar se esta traz transformações
em sala de aula. É necessário que a prática profissional do professor se torne uma prática
intelectual, realizada com autonomia, livre do fazer por fazer. Por, fim é necessário que a HTPC
se constitua um espaço de reflexão cooperativa, de perguntas, de experimentação conjunta e de
mudanças.
Concluo essa reflexão avaliativa, com as palavras de Larrosa (1999, p.144):
Amizade de leitores: participação no comum do texto como aquilo que
diferencia. Mas numa diferença que não é referível a nenhuma totalidade, que não
94
é redutível à unidade, à integração ou a síntese do diverso. Por isso, a comunidade
dos convocados á lição tem seu ser na dispersão e na descontinuidade, na
divergência, na dessemelhança, na distinção e no dissenso. Comunidade dos que
não têm em comum senão o espaço que faz possível suas diferenças.
95
VII
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo promover, junto a um grupo de professores,
reflexões formas de intervenção e interação desenvolvidas por eles, para verificar se essas
reflexões contribuem para mudanças em suas concepções e práticas de sala de aula.
O cerne de tais reflexões foi como se dá à aprendizagem da leitura e da escrita nas séries
iniciais, atingindo alunos com diferentes ritmos de aquisição, envolvendo a formação permanente
dos professores em seu local de trabalho, para que possam atuar de forma mais eficaz, e, dessa
maneira, minimizar as diferenças e o fracasso escolar.
Em geral, medidas tomadas no interior da escola beneficiam os alunos mais favorecidos,
aqueles que já possuem um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes desejáveis. Uma
tomada de decisão por parte da escola, que, sem dúvida, pode ajudar na inclusão dos alunos tidos
como menos favorecidos, é direcionar o ensino no sentido de valorizar conhecimentos e
experiências que já possuem, bem como atentar aos seus verdadeiros interesses. Organizar
classes homogêneas não é uma medida adequada, pois após um certo período as diferenças se
tornam evidentes. Cabe à escola preparar-se para atuar com as diferenças, de maneira a torná-las
mais amenas durante a trajetória escolar dos alunos.
Alguns mecanismos de exclusão, bem como algumas escolhas e decisões tomadas durante
a ação pedagógica, aumentam a distância entre os alunos, ou seja, quanto mais a escola
desempenha seu papel de forma rígida, normativa, impositiva, mais ela exclui. Portanto, não
apenas reproduz a exclusão, mas a produz por suas ações. Agindo assim, a escola vai levar os
indivíduos excluídos a criarem estratégias de defesa, que ao se perceberem incapazes de atender
às expectativas da escola, se auto-excluirão, antes que a escola o faça, procurando dessa maneira
preservar ao menos sua dignidade.
Diante de uma questão tão complexa, que é o tratamento das diferenças nas práticas
educativas e da dificuldade de mudar as concepções dos professores em relação a diversidade dos
alunos, não seria possível em um curto espaço de tempo, perceber mudanças profundas de
pensamento e ação, decorrentes de um processo de formação. Isso nos faz questionar os
processos de formação continuada que, em muitos casos, são realizados por meio de cursos
96
rápidos, envolvendo apenas o corpo docente ou parte dele. Reafirmamos a necessidade de uma
atuação conjunta da supervisão, direção, coordenação, universidade e professores para planejar o
desenvolvimento profissional dos atores escolares.
Falta no Brasil, segundo Dietzsch (1995), um diálogo próximo entre as escolas públicas e
as universidades. Por um lado, a voz das universidades soa para os professores como algo
distante de sua realidade, tornando-os resistentes às mudanças e às inovações. Por outro, as vozes
de nossos professores soam para a academia como a voz de alguém que não tem autonomia
crítica e pedagógica, de alguém que é apenas um reprodutor de saberes e executor de propostas
pensadas por outros.
O baixo rendimento de alguns alunos pode ser amenizado com mudanças de ações na
prática pedagógica. É preciso desenvolver, com o grupo de professores um trabalho coletivo, em
que estudem, reflitam, troquem experiências, questionem suas ações cotidianas, tornando-se
sujeitos que produzem, ampliam e repensam conhecimentos e saberes. Esse envolvimento dos
educadores em um trabalho coletivo e a possibilidade de interagir, ser ouvido, ser produtor de
saber, mobiliza a todos para se tornarem autores do projeto pedagógico da escola, o que irá se
refletir na aprendizagem dos alunos.
Segundo Aguiar e Todescan “... é fundamental que as práticas cotidianas do professor
sejam atravessadas por momentos de reflexão, teorização..., para que desse modo se constituam
em momentos de produção de conhecimento e, assim, de efetiva formação” (2003, p.88).
Analisar um processo de formação continuada que se deu durante um ano em encontros
quinzenais, com uma hora de duração, é uma tarefa árdua. Obviamente, ficaram muitas dúvidas e
poucas evidências.
A primeira delas é a possibilidade da utilização da HTPC como espaço de formação
continuada. Essa questão precisa ser urgentemente revista na rede pública, pois bem sabemos que
esse espaço vem sendo utilizado, na maior parte das vezes e na melhor das hipóteses, para
solucionar problemas administrativos, corrigir atividades e avaliações dos alunos e para
discussões pouco direcionadas e mal planejadas.
A segunda evidência é a de que mudanças nas concepções e práticas dos professores
ocorreram, mesmo que em doses homeopáticas. Pudemos perceber em seus depoimentos que
muitas vezes não arriscam “o novo” por falta de apoio e de suporte pedagógico, de espaço para
dúvidas e discussões, ou por cobranças, seja por parte dos pais ou da própria política pública, ao
97
estabelecer conteúdos e resultados prévios que precisam ser forçosamente alcançados. As
mudanças ocorridas na prática, em função da formação continuada e permanente do professor na
HTPC precisam ser investigadas em um prazo mais longo e com outros procedimentos
metodológicos, como por exemplo, a observação simultânea dos professores em sala de aula.
Outra questão que ficou muito evidente é o tratamento das diferenças. Enquanto não
compreendermos que a diversidade é fator inerente aos grupos — tanto de alunos, quanto de
professores — e olharmos para a questão da formação como espaço que possibilita a pluralização
e as diferenças, tratando-os como fatores que enriquecem os saberes, possivelmente não
conseguiremos olhar as diferenças em salas de aula. Se continuarmos usando na formação
docente, a pedagogia do pode, não pode, do faça isso, faça aquilo, do vai por aqui e até ali, se
continuarmos cobrando resultados homogêneos, podemos esperar que a desigualdade e a
exclusão só tenderão a aumentar na sala de aula.
98
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103
ANEXOS
104
Anexo I
CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO DE PESQUISA
1- Nome:____________________________________________________________________
2- Grau de Escolaridade:_____________________________________________________
3- Formação em:____________________________________________________________
4- Série em que leciona atualmente:___________________________________________
5- Pretende continuar seus estudos? Em que área exatamente?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
6- Gostaria de exercer outra profissão? Qual?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
7- Por qual motivo não seguiu a profissão que desejava?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
105
Anexo II
O que é estar alfabetizado hoje?
Nome: Data:
106
Anexo III
Como desenvolver a leitura e a escrita com alunos que possuem diferentes
ritmos de aprendizagem?
Nome: Data:
107
Anexo IV
O QUE É ESTAR ALFABETIZADO HOJE?
SÍNTESE DAS RESPOSTAS APRESENTADAS PELO GRUPO...
Associar o que sabe com o que está aprendendo;
Contextualização/ mundo letrado;
Conseguir ler, distinguir; interpretar, conhecer vários tipos de texto,
escrever com coerência;
Não é apenas juntar letras, identificar sons, assinar o próprio nome, é fazer
parte do mundo letrado;
É transformação. Interpretar, argumentar sobre fatos de seu entorno;
Compreender o que leu e escreveu. Criticar;
Compreender o sistema de escrita;
Saber utilizar a linguagem escrita em diversas situações de comunicação;
Usuário efetivo da língua;
Participar de práticas sociais que requerem o uso da linguagem e da escrita;
Sentido mais amplo. Desde os primeiros contatos com o texto escrito,
através da leitura de placas, comerciais de T.V;
A criança por si só cria hipóteses e associa o que está vendo e ouvindo. O
aluno constrói o que sabe e o professor apóia;
Após as discussões sobre os componentes da noção de alfabetismo, você
responderia de outra forma a questão
o que é estar alfabetizado hoje?
Nome: Data:
108
Anexo V
PARA ALÉM DE ALGUNS CONCEITOS...
A Alfabetização não é um processo baseado na percepção e memorização. A aquisição
da escrita é a aquisição de um sistema de notação que permite grafar a língua; de um
sistema de representação e comunicação através de signos convencionais; requer
construção de complexos conhecimentos de natureza conceitual.
O uso da língua deve ser o ponto de partida e de chegada. O processo de ensino da
leitura e da escrita deve favorecer a conquista do uso desejável e eficaz (quanto aos
efeitos pretendidos) da língua.
Finalidade do ensino da Língua Portuguesa: desenvolvimento da capacidade de produzir
textos orais e escritos, tanto para a solução de problemas da vida cotidiana, quanto
para permitir o acesso aos bens culturais e à participação plena no mundo letrado.
Se o objetivo do ensino da língua portuguesa é o desenvolvimento da capacidade de
produzir e interpretar textos, não é possível eleger como unidade básica do ensino da a
letra, nem a sílaba, nem a palavra, nem a frase, pois essas unidades
descontextualizadas pouco têm a ver com a competência que se quer auxiliar a
desenvolver. O texto deve ser, no entanto a unidade eleita para o ensino.
Todo texto tem uma forma própria, determinada pelo gênero a que pertence, que
precisa ser aprendida. Por isso é que os textos de circulação social devem entrar na
escola, tendo lugar assegurado no cotidiano do trabalho didático, servindo como modelo,
fontes de referência, compondo o repertório de textos do aluno.
O termos
escrita da linguagem
refere-se ao sistema de notação alfabética - as letras
e suas regras de combinação - e ao conjunto de caracteres não alfabéticos – tais como
os sinais de pontuação, maiúsculas, etc. Por outro lado, o termo
linguagem escrita
refere-se às formas do discurso, ou às expressões que ficaram reconhecidas como
pertencentes ao domínio do escrito.
O aluno deve ser solicitado a ler e escrever ainda que não domine o funcionamento
alfabético da escrita, isto é, ainda que não saiba escrever convencionalmente. O fato
de as escritas não convencionais serem aceitas, não significa que não serão realizadas
intervenções voltadas para a construção da escrita alfabética.
Tão importante quanto escrever é aprender a corrigir o que se escreve. A correção
feita pelo professor deve ser sempre acidental e ocasional. O importante é a correção
que o próprio aluno faz de seus trabalhos... não basta dizer ao aluno que ele errou... é
preciso ensinar a ele como resolver essas dificuldades, como se auto corrigir.
A criança em fase de aquisição da língua escrita precisa participar de ocasiões para
produzir e interpretar escritas. A correção contínua e imediata gera inibição e impede a
reflexão e a confrontação. Qualquer adulto alfabetizado se engana ao escrever; o que
indica seu grau de alfabetização é sua capacidade de autocorreção... a alfabetização
passa a ser uma tarefa interessante, que dá lugar a muita reflexão e muita discussão
em grupo. A Língua se converte em um objeto de ação e não de contemplação. É
possível aproximar-se dela sem medo, porque se pode agir sobre ela, transformá-la
recriá-la. É precisamente a transformação e a recriação que permitem uma real
apropriação.
109
Anexo VI
-ATIVIDADE EM DUPLA-
Nomes dos Participantes:
1) Após a leitura dos itens da página anterior, separar conceitos que vocês conhecem
e conseguem explicar e conceitos que vocês não conhecem ou acham que
precisam ser explicados melhor.
CONHECEMOS E SABEMOS EXPLICAR
DESCONHECEMOS OU PRECISAMOS DE AJUDA
Nome: ___________________________________ Data:_________________
110
Anexo VII
- REUNIÕES – HTPC –
SOBRE O TRABALHO COM AS DIFERENÇAS EM SALA DE AULA
1- Em que série do ciclo I você tem mais experiência profissional? Por quanto
tempo atuou ou atua com alunos classificados nessa série?
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
2- Já se deparou com um grupo-classe heterogêneo? Em sua opinião quais são as
principais características desse tipo de grupo?
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
3- Cite três procedimentos metodológicos que você utilizaria para trabalhar em
um grupo-classe heterogêneo?
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
4- Você é contra ou a favor de grupos heterogêneos? Aponte os problemas
enfrentados ao trabalhar com esses alunos e as soluções para amenizá-los.
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
5- Relate alguma experiência interessante com crianças que apresentam
diferentes níveis de aprendizagem?
____________________________________________________________
____________________________________________________________
____________________________________________________________
Nome:________________________________ Data:_____________________
111
Anexo VIII
- REUNIÕES – HTPC – AVALIAÇÃO DO 1º SEMESTRE -
Como você avalia os encontros quanto:
Os assuntos abordados nos encontros: ______________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
A importância dos conteúdos tratados para sua prática docente: __________________
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Atuação da professora responsável pelo grupo de estudos: _______________________
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A dinâmica utilizada: ____________________________________________________
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Como você avalia os encontros quanto:
Conhecimentos que você adquiriu: __________________________________________
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Utilização do HTPC para estudos e reflexões: ________________________________
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Mudanças realizadas em sua prática docente: _________________________________
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Quais diferenças você apontaria entre o grupo de estudos no HTPC e outras capacitações
das quais participou?
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Finalize sua avaliação com uma reflexão pessoal sobre essa experiência?
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Nome:________________________________ Data:_____________________
112
Anexo IX
Somos todos diferentes. Possuímos diferentes aptidões, diferentes hábitos, diferentes
preferências, diferentes reações, diferentes temperamentos... A quais fatores você
atribui a origem dessas diferenças? Como você imagina que elas se constituem?
Nome: Data:
113
Anexo X
Analisando o processo de formação continuada nas HTPCs durante o ano de
2005, o que realmente ajudou a transformar sua prática em sala de aula?
Quais foram suas reais aprendizagens?
Nome: Data:
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