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Portanto, não podemos deixar de considerar os aspectos sociais e políticos envolvidos no
ensino e aprendizagem da leitura e da escrita. Por meio dessa aquisição, o indivíduo deve tornar-
se capaz de utilizar essas ferramentas com diferentes propósitos, compreendendo o caráter
transformador da linguagem e sua função social. A escrita sem função clara, na escola, fica vazia
de sentido. Através da escrita, e na interação social, o indivíduo é transformado, ao mesmo tempo
em que pode transformar o meio em que vive. Smolka (1988), apesar de não negar a importância
do trabalho de Ferreiro, Teberosky e Palácios, afirma que nos fixarmos apenas no
desenvolvimento individual dessa aquisição é deixar de avançar na luta contra o fracasso escolar.
Citando Smolka (1988, p.60):
O que ocorre de fato, mas permanece implícito, é que o ensino da escrita,
cristalizando a linguagem, neutralizando e ocultando as diferenças, provoca (e
oculta) um conflito não meramente cognitivo, mas fundamentalmente social. O
conflito cognitivo se dá no social e implica a dimensão política. Porque não se
“ensina” ou não se “aprende” simplesmente a “ler” e a “escrever”. Aprende-se (a
usar) uma forma de linguagem, uma forma de interação verbal, uma atividade, um
trabalho simbólico. Portanto, para além da concepção inovadora de aprendizagem
com construção do conhecimento, assumida por Ferreiro & Teberosky e Ferreiro
&Palácios, é fundamental considerar a concepção transformadora da linguagem,
uma vez que não se pode pensar a elaboração cognitiva da escrita independente da
sua função, do seu funcionamento, da sua constituição e da sua constitutividade na
interação social.
Smolka (1988) analisa, ainda, o processo de aquisição da escrita pelas crianças sob três
aspectos distintos: o primeiro considera a língua como um sistema fixo a ser incorporado pelo
aluno, por meio da memorização e do treino, considerando-o um agente passivo nesse processo.
O segundo, esboçado a partir da pesquisa de Ferreiro e Teberosky, considera a escrita um objeto
apreendido a partir da construção individual, principalmente através do conflito cognitivo. Nesse
aspecto, a escrita infantil é analisada pelos níveis ou hipóteses que seguem uma linha evolutiva
de desenvolvimento e que, sem dúvida, trazem uma enorme contribuição para a compreensão do
processo de aquisição da escrita pelas crianças. O que não se pode fazer é transformar esses
níveis em rótulos para a classificação dos alunos, justificando, assim, o fracasso escolar de
alguns. O terceiro, que segundo a autora abrange o anterior, é o “[...] da interação, da
interdiscursividade, inclui o aspecto fundamentalmente social, das condições e do funcionamento
da escrita [...]” (1988, p.63). Esse aspecto compreende o processo de alfabetização não apenas
como uma atividade cognitiva, mas como uma atividade que envolve conceitos que se formam