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JÚLIO RIBEIRO SOARES
VIVÊNCIA PEDAGÓGICA: A PRODUÇÃO DE SENTIDOS NA
FORMAÇÃO DO PROFESSOR EM SERVIÇO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
PUC/SP
São Paulo / SP
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2006
JÚLIO RIBEIRO SOARES
VIVÊNCIA PEDAGÓGICA: A PRODUÇÃO DE SENTIDOS NA
FORMAÇÃO DO PROFESSOR EM SERVIÇO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo como exigência parcial para obtenção do
título de mestre em Educação: Psicologia da
Educação.
Orientadora:
Profª Drª Wanda Maria Junqueira de Aguiar.
PUC/SP
São Paulo / SP
2006
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BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial
desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
________________________________ __________________________________
Não existiria som
Se não houvesse o silêncio
Não haveria luz
Se não fosse a escuridão
A vida é mesmo assim,
Dia e noite, não e sim...
[...]
Somos feitos de silêncio e som,
Tem certas coisas que eu não sei dizer...
E digo.
Certas Coisas (Lulu Santos).
Palavras não são más
Palavras não são quentes
Palavras são iguais
Sendo diferentes
Palavras não são frias
Palavras não são boas
Os números pra os dias
E os nomes pra as pessoas
Palavra eu preciso
Preciso com urgência
Palavras que se usem
em caso de emergência
Dizer o que se sente
Cumprir uma sentença
Palavras (Titãs).
Dedico este trabalho a Zé Ribeiro,
meu pai, pelo significado da sua
memória! E a Gabriel, meu filho,
pelo significado da vida.
AGRADECIMENTOS
São muitas as pessoas a quem devo agradecer pela oportunidade de poder vivenciar
determinadas experiências na vida que são singularmente marcantes, como é o caso da
escolarização. Nossa família, professores, amigos, colegas e alunos merecem destaque especial.
Com essas pessoas, mesmo quando se encontram distantes, compartilhamos momentos
inesquecíveis, momentos que nos dão o prazer da existência.
À nossa família, agradeço, muito carinhosamente, a minha mãe (D. Nouza), a minha
esposa (Izaura), o meu filho (Gabriel). Pessoas que, para mim, são muito valiosas. Agradeço,
também, a meus irmãos, sobrinhos e a família da minha esposa, especialmente Seu Zé e Dona
Zélia. Não descreverei os motivos desses agradecimentos; se o fizesse, seriam muitos. A presença
dessas pessoas em minha vida, de modo direto ou indireto, muito tem contribuído com o meu
modo de ser no mundo.
A Wanda Junqueira (Ia), pela competência e humildade com a qual não apenas
orientou, como, também, dialogou comigo. É um orgulho ter sido seu orientando. Com você,
aprendi a partir do exemplo o que é ser um grande educador.
Aos professores Sergio Luna e Melania Moroz, gostaria de registrar meus
agradecimentos por toda atenção e acolhida como orientando no início do Curso.
Aos professores Sérgio Leite (Unicamp) e Mitsuko (Mimi), pela valiosa participação
na banca de qualificação e defesa.
A Irene e Helena, secretárias do Programa, pela valiosa atenção sempre dedicada
durante o Curso.
Aos demais professores pela competência e convivência nas aulas.
À professora Estela Campelo (UFRN), pelo significado deste trabalho para mim.
A Luizinho, amigo e professor, pelo diálogo / compartilhamento de idéias.
A Janio e Claudet, pela nossa grande e fraterna amizade. Que dure para sempre!
Ao magníloquo Ailton, que sabe fazer arte da palavra, e da palavra, arte, sinto muito
orgulho da nossa amizade.
A Silvinha, gostaria de enfatizar que tenho a honra de compartilhar da sua amizade.
Com extensão a Raimundo, Fabiano e Dione.
A Fátima Araújo, Glebosn, Sônia, Zélia Cristina, Ana Lúcia, Herisberto, Marconi e
Aurimar, pelo compartilhamento dos gestos e atos de amizade sempre presentes.
Aos colegas e amigos de trabalho, docente e não docente, gostaria de agradecer,
especialmente, a Glaudionora, Liana, Brígida, Francisco José, Zacarias, Ana Lúcia, Zefinha,
Zelinha, Milano, Rosangelis, Edinalva, Irmão, Marcílio, Nadja e Elisama.
Agradeço, por todos os bons momentos de convivência e diálogo, a todos os colegas
do Curso. Agradeço, especialmente por nossa amizade estabelecida, a Shizuo, Norma, Flávia,
Érika, Teresa, Robson e Vital.
Às professoras do Ensino Fundamental, ex-alunas do Curso de Pedagogia do
PROFORMAÇÃO / UERN, a quem entrevistei, e que por motivo de preservação da identidade
não revelarei os nomes, gostaria de registrar o meu profundo agradecimento pela oportunidade de
dialogar com vocês.
A Riviane, Diego, Walberg e Julinho, queridos afilhados, também gostaria de registrar
meus agradecimentos pelo significado da existência de cada um de vocês.
Ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico),
agradeço o apoio recebido.
RESUMO
Palavras-chave: Psicologia Sócio-Histórica; Produção de Sentidos; Formação de Professor em
Serviço; Núcleos de Significação.
Na atualidade, o tema formação de professor tem ocupado um dos mais importantes espaços no
cenário da pesquisa na área das ciências humanas, como a Pedagogia e a Psicologia da Educação.
Ao mesmo tempo, porém, em que tem aumentado de forma significativa a compreensão acerca
de algumas questões concernentes a esse tema, poucas são as pesquisas voltadas especificamente
para a formação do professor em serviço.
Dessa forma, com base nas questões acima enunciadas, nosso objetivo geral, neste trabalho,
consiste em apreender e analisar os sentidos produzidos pelo professor acerca da sua formação
acadêmica em serviço.
Trata-se de um trabalho de pesquisa qualitativa, cujo referencial teórico-metodológico utilizado
foi a Psicologia Sócio-Histórica. Trata-se, ainda, de um trabalho realizado com apenas um
sujeito, que é professor do Ensino Fundamental e ex-aluno de um curso de formação acadêmica
em serviço. A obtenção das informações junto ao sujeito ocorreu a partir do uso de entrevistas
recorrentes. E a análise dessas informações foi realizada a partir da proposta dos Núcleos de
Significação. A partir das entrevistas realizadas, inferimos e sistematizamos cinco núcleos de
significação como via de aproximação às zonas de sentidos que configuram o sujeito da nossa
pesquisa no processo de sua formação acadêmica. Destaquemos os núcleos de significação: a
atuação pedagógica docente como uma atividade vital humana; a postura pedagógica dos
professores formadores; a relação teoria e prática no processo de formação acadêmica; a
mediação afetiva na constituição do ser professora; a superação das dificuldades vividas na
formação acadêmica.
No que se refere às considerações finais, um aspecto a ser destacado é o modo pelo qual o sujeito
vivenciou o processo de sua formação acadêmica, a qual se configura como uma formação
comprometida não apenas com a construção de uma nova professora, mas, de uma nova pessoa
na relação com o mundo. Por isso, a construção de um novo indivíduo, de uma nova
humanização.
ABSTRACT
Keywords: Sociohistorical Psychology; Production of Meaning; In-service Teacher
Training; Signification Nuclei.
Nowadays, the topic of teacher training has played a major role in the research scenario of
human sciences, namely Pedagogy and Educacional Psychology. At the same time, however,
despite the fact that the understanding of some questions concerning this issue has improved
significantly, there has been little research focusing more specifically on training in-service
teachers.
Thus, based on the issues raised above, the aim of this study is to aprehend and analyse meanings
produced by teachers as regards their in-service academic training.
The present analysis involves qualitative research, whose theoretical and methodological
reference background was that of Sociohistorical Psychology. The study was carried out with
only one subject, who teaches at the Elementary Level and was a former student of an academic
in-service training course. Data were obtained from this subject by means of recurring
interviews. The analysis of the data was conducted as from a proposal made by the Signification
Nuclei. From the interviews, five signification nuclei were systematised as a means of
approximation to the zones of meanings which shape the subject of the research in the process of
her academic training. The signification nuclei are as follows: the teaching pedagogical action as
a vital human activity; the pedagogical posture of the teaching trainers; the relationship between
theory and pratice in the process of academic training; the affective mediation involved in being a
teacher; overcoming of difficulties during the academic training period.
As to the final considerations, an aspect to be highlighted is how the subject went through the
process of her academic training, which not only seems to be commmitted to building up a new
teacher but also a new person in her relation to the world. Hence the construction of a new
individual, a new humanization.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .................................................................................................. 12
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 16
1 Importância do Tema ........................................................................................ 17
2 Contextualização do Problema .......................................................................... 21
3 Delimitação do Problema .................................................................................. 23
4 Estrutura da Dissertação .................................................................................... 24
CAPÍTULO I
DESENVOLVIMENTO HUMANO E PRODUÇÃO DE SENTIDOS NA
PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA ....................................
26
1 Os Domínios Genéticos do Desenvolvimento .................................................. 27
2 A Concepção de Homem na Perspectiva Sócio-Histórica ................................ 32
3 Aprendizagem e Desenvolvimento ................................................................... 35
4 A Mediação Como Processo Constitutivo do Humano .................................... 37
4.1 A Mediação Como Processo Constitutivo da Ação Educativa ................ 42
5 A Formação de Conceitos ................................................................................. 45
6 A Constituição do Pensamento e da Linguagem .............................................. 47
6.1 A Produção de Sentidos e Significados ................................................... 51
6.2 A Dimensão Afetiva na Constituição do Humano ................................... 54
6.2.1 Necessidades ................................................................................ 57
6.2.2 O Processo de Motivação ............................................................. 61
CAPÍTULO II
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES COMO VIVÊNCIA CRÍTICA ................... 64
1 Os Valores da Educação na Formação de Professores ...................................... 65
2 Uma Compreensão Crítica Acerca da Formação de Professores ...................... 75
CAPÍTULO III
O MÉTODO DE PESQUISA NA PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA ............. 82
1 Base Teórico-Metodológica .............................................................................. 82
1.1 Um Novo Método de Pesquisa em Psicologia ......................................... 84
1.2 O Processo de Análise das Funções Psicológicas Superiores .................. 86
1.3 A Subjetividade na Pesquisa em Psicologia ............................................ 88
2 Procedimentos Metodológicos .......................................................................... 91
2.1 A Escolha do Sujeito da Pesquisa ............................................................ 91
2.2 O Processo de Obtenção de Dados .......................................................... 92
2.3 Análise dos Dados .................................................................................... 96
CAPÍTULO IV
A VIDA ESCOLAR E PROFISSIONAL DO SUJEITO ......................................... 101
1 Escolarização Básica ......................................................................................... 102
2 Experiência Profissional ................................................................................... 106
3 O Ingresso na Universidade .............................................................................. 111
CAPÍTULO V
UMA APROXIMAÇÃO ÀS ZONAS DE SENTIDOS DO SUJEITO ................... 113
1 O Processo de Inferência e Sistematização dos Núcleos de Significação ........ 113
2 Análise dos Núcleos de Significação ................................................................ 125
2.1 A Atuação Pedagógica Docente Como Atividade Vital Humana ............ 125
2.2 A Postura Pedagógica dos Professores Formadores ................................ 135
2.3 A Relação Teoria e Prática no Processo de Formação Acadêmica .......... 144
2.4 A Mediação Afetiva na Constituição do Ser Professora .......................... 152
2.5 A Superação das Dificuldades Vividas na Formação Acadêmica............ 161
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 167
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 173
ANEXOS ...................................................................................................................... 177
APRESENTAÇÃO
Minha história de vida é marcadamente atravessada pela educação escolar, embora
não seja esta a única forma de educação presente no processo de configuração do meu modo de
ser no mundo. Outras também estão presentes no processo de constituição da minha
singularidade. Nesse momento, contudo, meu objetivo é resgatar elementos determinantes da
história da minha vida escolar como aluno e professor.
O início do meu processo de escolarização, fase correspondente ao ensino de 1ª a 4ª
série do 1º Grau, ocorreu em classes multisseriadas de escola pública, cujas professoras não
tinham formação acadêmica para o exercício da função. Nessa época, meus pais, e seus filhos,
moravam na zona rural do município de Mamanguape, estado da Paraíba.
A pouca escolaridade dessas professoras limitavam-nas teoricamente em relação ao
fato de poderem compreender e explicar a realidade em sua complexidade. Contudo, essa pouca
escolaridade não se configurava como um elemento capaz de impedi-las de se dedicarem
responsavelmente às suas tarefas docentes. Do “pouco ou nada” que sabiam, muito ensinavam.
Apesar do apoio dos meus pais com respeito ao aprendizado da língua escrita e outros
conhecimentos, minha alfabetização, na escola, ocorreu na 1ª série, cujo recurso didático
principal era a cartilha do ABC. Não vivenciei, portanto, a experiência de alfabetização na pré-
escola.
Passei vários anos na 1ª série, pois, sempre desistia em pleno percurso do ano letivo.
A escola não me atraía. Eu não sentia vontade de ir à escola. Também, durante a infância, não era
pressionado pelos meus pais para assistir às aulas. Eles não interferiram muito no processo da
minha escolarização inicial.
Foi a partir da 2ª série, quando troquei a cartilha do ABC pelos livros, que passei a me
sentir atraído pela escola e dedicado aos estudos. Esses livros foram comprados pelos meus pais,
mas sem exigência da escola. Sem ter sofrido nenhuma reprovação, mas apenas o abandono
“espontâneo” da escola, concluí a 4ª série, ou seja, esta primeira fase da escolaridade, em 1981.
A segunda fase do 1º Grau (5ª a 8ª série), que ocorreu no período de 1982 a 1985,
assim como a fase do 2º Grau (Magistério), de 1986 a 1988, foram realizadas na zona urbana do
município de Montanhas, Rio Grande do Norte.
A partir da 5ª série, a realidade educacional com a qual passei a conviver se
diferenciava, em muitos aspectos, daquela vivida no ensino de 1ª a 4ª série. Entre as diferenças,
destaco, de modo intencional, o fato de que muitos professores já eram portadores de diploma de
curso superior.
Concluído o 2º Grau (Magistério) em 1988, no ano seguinte iniciei minha carreira de
professor dando aulas para a 4ª série. Lecionei durante quatro anos nesta série escolar, ou seja, até
1992. Foi nesse período, em 1991, que ingressei no Curso de Pedagogia da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, o qual concluí em 1994.
Em 1993, deixei de lecionar para a 4ª série e fui ser professor de 5ª a 8ª série e do 2º
Grau (Magistério). No caso do 2º Grau, destaco a importância de ter sido professor de prática de
ensino e supervisor de estágio. Foi uma oportunidade sobre a qual pude refletir criticamente não
apenas a respeito do modo como se forma um professor, no Curso de Magistério, para atuar no
ensino de 1ª a 4ª série, mas também para poder refletir acerca de muitas situações que ocorrem
em sala de aula.
Permaneci no ensino da 5ª a 8ª série e no 2º Grau até 1995, quando prestei concurso
público de provas e títulos para professor auxiliar do Departamento de Psicologia e
Administração Escolar da Universidade Regional do Rio Grande do Norte (URRN), atualmente
denominados, respectivamente, Departamento de Educação e Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN).
Em 1996, fui convocado pela Universidade para assumir a função de professor
auxiliar, no quadro de servidores efetivos. Nesse mesmo ano ingressei, pela via de seleção
pública, no Curso de Especialização em Pesquisa Educacional da mesma Universidade.
Na Universidade tenho trabalhado, prioritariamente, com disciplinas da área da
Psicologia Educacional em diversos cursos de licenciatura. Foi em 1999, contudo, que passei a
vivenciar uma situação diferente na formação de professores. Passei a vivenciar, dentro de um
programa especial, denominado PROFORMAÇÃO (Programa Especial de Formação Profissional
para a Educação Básica), criado pela UERN nesse mesmo ano, o processo de formação de
professores em serviço.
Nesse Programa passei a ter a oportunidade de dialogar com vários professores da
Educação Básica e conhecer um pouco mais do seu modo de pensar, sentir e agir como docentes.
Tive a oportunidade, em síntese, de suscitar algumas questões em torno do processo de formação
desses professores.
O PROFORMAÇÃO foi criado pela UERN com o objetivo precípuo de formar
professores, em efetivo exercício no magistério da educação básica (educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio). Os cursos ofertados por este Programa são de graduação com
modalidade em licenciatura plena. São cursos que utilizam a formação em serviço como um
procedimento acadêmico obrigatório, sem precisar que os alunos, que são professores, se afastem
de suas atividades didáticas de sala de aula.
Ao mesmo tempo que são obrigados a participar das atividades teóricas promovidas
pelo curso, realizadas através de encontros presenciais com os professores formadores, os alunos
também devem participar de atividades práticas, denominadas vivenciais, na sala de aula onde
atuam como professores.
Numa perspectiva de superação da dicotomia teoria e prática na formação de
professores, Louro (2005, p. 7) afirma que “a prática pedagógica é complexa e exige do docente
uma constante reflexão; no entanto, é necessário que não fique apenas no movimento de reflexão,
mas que este se materialize em ações”.
Dentre as muitas vivências no campo da formação de professores, a experiência de
participar como professor formador em diversos cursos de licenciatura, entre os quais o de
Pedagogia ofertado pelo PROFORMAÇÃO, muito tem contribuído para o desenvolvimento de
algumas reflexões acerca dessa questão, isto é, da formação acadêmica de professores para a
Educação Básica. Dentre elas, uma das mais instigantes refere-se à formação de professores em
serviço. São reflexões tais como: Que importância tem a formação em serviço para o
desenvolvimento do professor? Que desafios acadêmicos são enfrentados pelos professores no
processo de sua formação em serviço? Que relações estabelecem com a sua prática cotidiana de
sala de aula, junto aos alunos? Em síntese, são reflexões importantes para que nos aproximemos
dos sentidos produzidos por professores acerca da sua formação acadêmica em serviço.
Reflexões desse tipo, oportunizadas, sobretudo, a partir da vivência no
PROFORMAÇÃO, como professor formador, muito têm contribuído para o interesse de estudar
a formação de professores em serviço.
A partir dessas reflexões elaboramos o objetivo geral deste trabalho, qual seja:
apreender e analisar os sentidos produzidos pelo professor acerca da sua formação
acadêmica em serviço. Objetivo este que trata diretamente da vivência do professor no processo
de sua formação acadêmica em serviço.
INTRODUÇÃO
A notória importância atribuída ao papel do professor na educação escolar tem levado
muitos pesquisadores das diversas áreas de conhecimento, sobretudo das ciências humanas e
sociais, a estudar esse profissional a partir dos diferentes matizes que o constitui historicamente
como um dos agentes da educação dentro da sociedade. São estudos e pesquisas cujo foco está
centrado não apenas no aspecto técnico da formação do professor, mas, de modo mais amplo, na
qualidade da educação ofertada pelo sistema escolar.
A construção de uma escola que venha atender aos anseios da população, com a oferta
de uma educação de qualidade, que supere a mesmice do processo educativo, ainda é um desafio
do nosso tempo. “Apesar da conscientização de uma parcela da população, da crescente produção
acadêmica, e de iniciativas governamentais e não-governamentais em implantar projetos e traçar
novas diretrizes, ainda hoje, é um desafio para a sociedade brasileira uma escola de qualidade
para todos” (Altenfelder, 2004, pp. 15-16).
A formação de professor é um tema de suma importância porque empreende o sentido
da busca de “condições para que a escola cumpra efetivamente sua função de ensinar e formar
cidadãos, que sejam ativos na construção de uma sociedade caracterizada por eqüidade e justiça”
(Altenfelder, 2004, p. 16).
Ao preconizar a construção de uma sociedade justa e eqüitativa, convém destacar que
essa visão da autora acerca do processo educativo é construída a partir das teorias pedagógicas
críticas
1
.
1
De acordo com Duarte (1993, p. 8), teorias pedagógicas críticas são “todas aquelas que, partindo da visão de que a
sociedade atual se estrutura sobre relações de dominação entre grupos e classes sociais, preconizam a necessidade de
superação dessa sociedade”.
1
Importância do Tema
Na atualidade, o tema formação de professor tem chamado a atenção de muitos
pesquisadores, especialmente na área de educação. É um assunto que tem suscitado a necessidade
de estudos acerca do processo educativo escolar. Muito tem sido feito a esse respeito, tanto no
Brasil como no exterior. Contudo, dada a complexidade que envolve o tema, muito ainda há que
ser pesquisado acerca dele.
Numa revisão de literatura, utilizando apenas publicações de elevado prestígio
acadêmico junto a órgãos como a CAPES e o CNPq, foi possível encontrar diversos artigos sobre
esse tema, dentre os quais podemos destacar: “Significado e sentido do trabalho docente”, de
autoria de Basso (1998) e publicação dos Cadernos CEDES, da Unicamp; “Uma proposta
metodológica para a formação continuada de professores na perspectiva histórico-social”, de
autoria de Mazzeu (1998) e publicação dos Cadernos CEDES, da Unicamp; “Formação
continuada de professores: a questão psicossocial”, de autoria de Gatti (2003) e publicação dos
Cadernos de Pesquisa, da Fundação Carlos Chagas.
A partir da leitura da perspectiva histórico-social de Vigostki e colaboradores, Basso
(1998) discute a integração entre significado e sentido no trabalho docente como um dos pilares
capazes de superar o processo de alienação gerado pelo trabalho que se configura apenas como
uma atividade vital, ou seja, como um tipo de trabalho que garante apenas a satisfação da
necessidade de sobrevivência física do sujeito.
Posicionando-se criticamente em relação a alguns teóricos que discutem o processo de
proletarização do trabalho docente, Basso (1998) diz haver uma diferença fundamental entre este
tipo de trabalho e o trabalho fabril. Considera que, mesmo havendo uma crescente influência do
trabalho fabril na caracterização do trabalho docente, este, diferentemente daquele, não apresenta
intenção explícita de geração de mais-valia.
Considerando que o elo existente entre sentido e significado configura-se como um
processo capaz de contribuir com o processo de superação das condições alienadoras geradas
pelo trabalho, o “trabalho docente consiste em garantir aos alunos acesso ao que não é reiterativo
na vida social” (Basso, 1998, p. 5). Essa garantia consiste na atividade mediadora do professor
dentro do processo de formação do sujeito. É essa atividade mediadora que possibilita ao aluno
apropriar-se do saber historicamente construído e transmitido pela humanidade.
Contudo, o processo de superação das condições de trabalho alienado não depende
apenas das condições subjetivas do sujeito, isto é, do modo como se compreende a realidade. As
condições objetivas da realidade escolar onde ele atua, como os recursos disponíveis, o espaço
físico e material, as condições pedagógicas também estão implicadas nesse processo (Basso,
1998).
Mazzeu (1998), também num estudo que tem como referência a perspectiva histórico-
social, apresenta uma proposta metodológica de formação de professores. Utiliza, para tanto, o
método pedagógico proposto por Saviani, que é composto dos seguintes passos metodológicos:
prática social, problematização, instrumentalização, catarse e, por último, retorno à prática social.
De modo coerente ao pensamento pedagógico histórico-social, Mazzeu (1998, p. 2)
ressalta que o que caracteriza o indivíduo humano é a sua condição de “ser genérico, ou seja, a
herança cultural da humanidade, da qual esse indivíduo vai se apropriando ao longo de sua
existência”. Nesse sentido, levar os alunos a se apropriarem dos conhecimentos historicamente
construídos pela humanidade é uma tarefa fundamental da educação escolar. Essa é uma tarefa
que não se realiza senão pelas mãos dos professores, que têm a incumbência maior de trabalhar o
conhecimento com os alunos no âmbito do processo educativo escolar. Contudo, para que isso
aconteça, Mazzeu (1998) destaca ser necessário que o professor vivencie um permanente
processo de apropriação e objetivação desse conhecimento. É por esse processo que o professor
alcança sua condição pedagógica plena de autonomia e criticidade acerca da realidade.
Utilizando-se de teóricos da Pedagogia Histórico-Crítica, principalmente Saviani,
Mazzeu (1998) propõe uma metodologia de formação de professores cuja finalidade seja a
transformação do processo educativo a partir da ação conjunta dos professores ante os problemas
que os envolvem.
Gatti (2003), analisando implicações do processo de formação continuada sobre
mudanças de concepções e práticas pedagógicas de professores, tece uma crítica, bastante
pertinente, a muitos programas e cursos de formação continuada de professores. Segundo essa
pesquisadora, “programas ou cursos de formação continuada, que visam a mudanças em
cognições e práticas, têm a concepção de que, oferecendo informações, conteúdos, trabalhando a
racionalidade dos profissionais, produzirão a partir do domínio de novos conhecimentos
mudanças em posturas e formas de agir” (idem, p. 2).
Contudo, mudanças nem sempre ocorrem. Não ocorrem porque, segundo a
pesquisadora, os cursos e programas de formação não consideram os professores pessoas
integradas ao seu contexto; não os considera pessoas que possuem um modo de ser e conceber o
mundo, que possuem referências contextuais. “Os conhecimentos adquirem sentido ou não, são
aceitos ou não, incorporados ou não, em função de complexos processos não apenas cognitivos,
mas, socioafetivo e culturais” (idem).
Numa pesquisa junto a professores que participaram de um programa de formação de
nível médio (curso normal), do Ministério da Educação, Gatti (2003) constata significativas
mudanças pessoais e profissionais nesses professores.
Mesmo diante de condições materiais e sociais extremamente adversas, avaliações
externas do Programa atestam “mudanças positivas na prática pedagógica dos professores-
cursistas, em vários aspectos, como, por exemplo, no planejamento e na preparação das
atividades docentes, [...], na interação professor-aluno, na articulação do conteúdo com as
experiências culturais dos seus alunos” (Gatti, 2003, p. 4).
Diante do quadro acima exposto, a pesquisadora elaborou a seguinte pergunta: “que
condições permitiriam a produção desses impactos e transformações no modo de pensar e nas
práticas?” (idem). Diversas condições sociais e materiais foram criadas para isso. Dentre elas,
contudo, destacaríamos a valorização do ser dos professores, ou seja, o “entrelaçamento do
programa com o meio no qual as pessoas a que ele se destina vivem”. (Gatti, 2003, p. 6).
Nesse caso analisado por Gatti (2003) fica clara a idéia de que mudanças ocorreram
entre os professores-cursistas não porque lhes foram consideradas apenas as características
cognitivas e intelectuais, mas, também, seus aspectos afetivos e culturais.
Apesar da particularidade de cada autor acima citado (Basso, 1998; Mazzeu, 1998;
Gatti, 2003) no trato ao assunto, suas análises sobre o tema formação de professor tendem a
convergir pelo menos em relação a um ponto: uma grande possibilidade de mudança no quadro
da educação escolar depende da qualidade do processo formativo inicial e continuado do
professor.
Para esses autores, a qualidade da formação do professor configura-se um processo
pedagógico sobre o qual se assenta grande parte do valor da educação escolar.
2 Contextualização do Problema
Em face das reformas curriculares em vigência da Lei 5.540/68, conhecida como a Lei
da Reforma Universitária, e da Lei 5.692/71 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a
formação de professor ganha destaque a partir da década de 70 do século passado, e à letra dessa
legislação emerge a Pedagogia Tecnicista como tendência educacional no cenário nacional,
determinando o modelo de ensino e aprendizagem na instituição escolar; determinando, portanto,
a formação do professor.
Apesar de essa tendência enfatizar, prioritariamente, a dimensão técnica, isto é, a
instrumentalização do professor, o tecnicismo em si, muitos intelectuais da área, nas décadas de
70 e 80, vão enfatizar que a dimensão mais importante na formação e na ação pedagógica do
professor é aquela que denota preocupação com o sistema ideológico vigente, ou seja, a dimensão
política. Trata-se da tendência crítico-reprodutivista. Essa divergência, contudo, apenas acentuou
o acirramento da dicotomia entre a questão técnica e a questão política no que se refere ao
processo educacional escolar.
Em meados da década de 80 do século passado, a Pedagogia Histórico-Crítica de
Saviani (1988; 1994) muito ajudou a superar essa dicotomia arraigada no pensamento pedagógico
brasileiro. Com base nos pressupostos teórico-metodológicos do materialismo histórico-dialético,
a Pedagogia Histórico-Crítica afirma que as dimensões técnica e política não são apenas opostas.
Elas se constituem, também, como unidade. Assim, ao mesmo tempo que essas dimensões se
opõem, reciprocamente, elas se constituem como unidade dialética na ação pedagógica
2
.
Contra-hegemônica, a Pedagogia Histórico-Crítica não chega a ser a base de uma
tendência pedagógica no sistema educacional brasileiro. É nesse período, entretanto, que a
2
Para um estudo das tendências pedagógicas contemporâneas, a leitura do livro Escola e Democracia, de Dermeval
Saviani, é uma referência. Ver bibliografia deste trabalho.
concepção construtivista
3
, com o apoio do poder público, através das secretarias de educação,
passa a fazer parte do cenário da educação brasileira.
Na década de 90, no auge do construtivismo, o cenário da educação brasileira passa a
se compor, também, com as discussões em torno da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei 9.394/96). É a partir da promulgação desta Lei a formação de professor volta a se
constituir como pauta explícita das políticas públicas dos governos federal, estaduais e
municipais, e objeto da produção intelectual de muitos estudiosos da educação brasileira.
Além da nova LDB, que muito destaque tem atribuído ao tema formação de professor
desde o ano de sua promulgação, outro fato histórico, anterior a 1996, também contribuiu para
que o tema adquirisse a conotação de importância que atualmente possui. Trata-se da Conferência
Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, em 1993, da qual o Brasil
participou efetivamente como signatário.
Posteriormente à aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei 9.394/96), alguns fatores contribuíram para que houvesse um impulso em torno da discussão
do tema formação de professores. Dentre eles, convém destacar: a criação do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério
(FUNDEF), a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a elaboração das
Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores para a Educação Básica e a elaboração de
Diretrizes Curriculares Nacionais para os diversos cursos de graduação em modalidade de
licenciatura plena.
A formação de professores não é, portanto, um fato isolado, distante das
circunstâncias que envolvem o mundo humano e do trabalho. Ao contrário! Como todo elemento
3
Para um estudo crítico da concepção construtivista, ler as várias obras de Newton Duarte. Ver referências na
bibliografia deste trabalho.
que compõe uma realidade, a formação de professores constitui-se na realidade, ao mesmo tempo
que é dela constituinte.
3 Delimitação do Problema
De modo particular, sem negar as dimensões mais amplas das circunstâncias que
envolvem o processo da formação de professores, o problema de pesquisa deste trabalho nasceu
de um contexto específico, que foi o seu autor ter participado, como professor formador, de um
programa especial de formação de professores em serviço, em nível de graduação. No caso,
estamos nos referindo ao PROFORMAÇÃO da UERN, conforme já explicitado anteriormente,
na Apresentação.
Ante às reflexões acerca do processo de formação de professores, especialmente no
caso do PROFORMAÇÃO, cuja finalidade é formar professores em serviço, delimitamos o
problema de pesquisa deste trabalho a um estudo dos sentidos produzidos pelo professor
acerca da sua formação acadêmica em serviço. Trata-se, portanto, de um trabalho voltado para
o estudo da vivência pedagógica na formação acadêmica do professor.
Conforme já referido na Apresentação, este problema de pesquisa suscita a elaboração
de algumas questões, dentre as quais podemos destacar: a importância da formação do professor
em serviço para o seu desenvolvimento profissional; os desafios acadêmicos enfrentados pelo
professor durante o processo de sua formação em serviço; e a articulação teoria e prática
pedagógica proporcionada pelo curso durante o processo de formação do professor.
Em consonância com o problema acima enunciado, o objetivo geral deste trabalho
consiste, portanto, em apreender e analisar os sentidos produzidos pelo professor acerca da sua
formação acadêmica em serviço.
Convém esclarecer, contudo, que a menção à categoria sentido, aqui, não exclui, de
modo algum, a categoria significado. O significado constitui-se como uma das instâncias pelas
quais se podem apreender os sentidos produzidos pelo sujeito. Desse modo, a categoria
significado, neste trabalho, aparece sempre colada à categoria sentido.
4 Estrutura da Dissertação
Com o objetivo de analisar os sentidos produzidos pelo professor acerca da sua
formação acadêmica em serviço, relacionamos, a seguir, os capítulos que compõem este trabalho
acadêmico-científico.
No primeiro capítulo é feita uma análise do desenvolvimento humano e da produção
de sentidos a partir da perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica. O capítulo apresenta-se dividido
em seis partes: os domínios genéticos do desenvolvimento, a concepção de homem na
perspectiva sócio-histórica, aprendizagem e desenvolvimento, a mediação como processo
constitutivo do humano, a formação de conceitos, a constituição do pensamento e da linguagem.
O segundo capítulo aborda o tema formação de professor. Encontra-se dividido em
duas partes. A primeira trata da formação técnica, da formação política, da formação ética e da
sensibilidade estética como valores da educação crítica. A segunda enfoca o tema formação de
professor a partir de uma compreensão crítica acerca da pedagogia reflexiva.
No terceiro capítulo são apresentadas as bases metodológicas adotadas na consecução
deste trabalho. O capítulo está dividido em duas partes. A primeira está relacionada às bases
teórico-metodológicas e a segunda aos procedimentos metodológicos da pesquisa na perspectiva
sócio-histórica.
O quarto capítulo é uma análise da história de vida do sujeito que compõe este
trabalho de pesquisa. Para tanto foi dividido em três partes: a primeira refere-se ao período de
escolarização do sujeito; a segunda refere-se à experiência profissional desse sujeito, antes de
ingressar na universidade; a terceira diz respeito à entrada desse sujeito na universidade.
O quinto capítulo consiste na análise dos núcleos de significação. Encontra-se
dividido em duas partes: a primeira trata do modo pelo qual foram inferidos e sistematizados os
núcleos de significação; a segunda é uma análise dos dados empíricos coletados a partir das
expressões verbais do sujeito.
Além dos capítulos acima descritos, há, ainda, uma parte dedicada às considerações
finais, que consiste numa discussão acerca do conteúdo nuclear que compõe este trabalho, ou
seja, dos sentidos produzidos pelo professor com respeito à sua formação acadêmica em serviço.
CAPÍTULO I
DESENVOLVIMENTO HUMANO E PRODUÇÃO DE SENTIDOS NA
PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
Muitos têm sido os estudos realizados acerca do ser humano com a finalidade de
compreender o modo pelo qual se configura o seu processo de desenvolvimento. Contudo, ante as
concepções mecanicistas das diversas teorias pedagógicas e psicológicas, poucos são os estudos
que têm buscado compreender, essencialmente, de que maneira o ser humano se diferencia não
apenas das outras espécies animais, mas, também, de outros indivíduos humanos, o que o faz ser
subjetivo, por isso, histórico e singular.
Dada a complexidade que envolve o ser humano, muito há o que se estudar acerca de
sua constituição subjetiva. Essa idéia de subjetividade, contudo, não o reduz a um ser
estreitamente individual, formado a partir de elementos universais e invariantes. A subjetividade
humana é um sistema complexo e dialético produzido sócio-historicamente.
De acordo com a concepção sócio-histórica, a subjetividade é constituída em relação
dialética com a objetividade e tem caráter histórico. Isso quer dizer que é na
materialidade social que se encontra a gênese das experiências humanas que se
convertem em aspectos psicológicos; quer dizer ainda que as experiências individuais
e subjetivas são possíveis apenas a partir das relações sociais e do espaço da
intersubjetividade, e que estes têm existência e determinação material e histórica.
(Bock e Gonçalves, 2005, pp. 113-114).
A constituição da subjetividade humana não se reduz a um processo natural de
determinação do indivíduo. Trata-se de um processo sócio-historicamente constituído pelo
próprio homem a partir das suas relações com outros indivíduos, com a sociedade em geral e com
a natureza. É, portanto, dentro de espaços sociais que ela se configura singularmente.
Com o objetivo de analisar o modo pelo qual se configura o processo de
desenvolvimento humano e a produção de sentidos a partir da Psicologia Sócio-Histórica, é
fundamental a retomada de alguns conceitos e categorias, como: desenvolvimento, concepção de
homem, aprendizagem, mediação, pensamento e linguagem, sentidos e significados, afetividade,
necessidades e motivos.
1 Os Domínios Genéticos do Desenvolvimento
4
A compreensão do pensamento de Vigotski passa, necessariamente, pelo domínio da
explicação das relações dialéticas que determinam o processo de desenvolvimento das funções
psicológicas no ser humano. Trata-se da idéia, elaborada por Vigotski, de que o processo de
desenvolvimento passa por domínios genéticos.
Na obra Estudos sobre a História do Comportamento: o macaco, o primitivo e a
criança, Vygotsky e Luria (1996, p. 51) afirmam:
Nosso trabalho consistiu em descrever três linhas principais no desenvolvimento do
comportamento – evolutiva, histórica e ontogenética – e em demonstrar que o
comportamento do homem cultural é produto dessas três linhas de desenvolvimento e
só pode ser compreendido e cientificamente explicado pela análise dos três diferentes
caminhos que constituem a história do comportamento humano
5
.
Apesar da menção de Vigotski e Luria a três domínios genéticos (evolutivo, histórico
e ontogenético)
6
, Wertsch, segundo Rego (2003, p. 24), identifica, “nos postulados vygotskyanos,
4
Domínios genéticos do desenvolvimento é expressão utilizada por Wertsch (1995), na obra Vygotsky y la formación
de la mente. Oliveira (1997b) utiliza a expressão planos genéticos.
5
Grifos dos autores.
6
Diversos termos têm sido utilizados, por vários autores, para se referirem aos domínios evolutivos e históricos.
Podemos encontrar o termo filogênese com equivalência de significado para o termo evolutivo e os termos
sociogênese, história sócio-cultural e histórico-cultural com equivalência de significado para o termo histórico.
um outro domínio: o microgenético”. É importante salientar, contudo, que esses domínios não se
constituem de modo isolado entre si. Pelo contrário, eles se articulam dialeticamente.
Apesar de Vigotski ter estudado muito mais o domínio ontogenético, Wertsch (1995,
p. 44) demonstra, claramente, o modo pelo qual se configura o pensamento dialético desse
psicólogo russo acerca dos domínios genéticos no processo de desenvolvimento psicológico
humano: “de hecho, Vygotsky argumentaba que, al igual que las demás formas de desarrollo, la
ontogénesis puede entenderse solamente como parte de un cuadro más amplio, integrador de
diferentes dominios genéticos”. Nessa perspectiva de pensamento, nenhum dos domínios
genéticos pode ser compreendido de modo isolado: no desenvolvimento, as raízes biológicas
estão inter-relacionadas com as raízes históricas, sociais, culturais e singulares. Os domínios
genéticos são dialeticamente relacionados.
Como se configura, no processo de desenvolvimento psicológico, cada um desses
domínios genéticos? No caso da filogênese, a ênfase está localizada no processo de compreensão
do desenvolvimento do comportamento da espécie.
Dentre as características filogenéticas da espécie, portanto, universais à humanidade,
Oliveira (1997b, p. 54) destaca “o bipedalismo, a possibilidade de uso das mãos para fabricação e
utilização de instrumentos, a extrema plasticidade do cérebro, o papel fundamental da linguagem
e a importância da interação social para o desenvolvimento pleno dos indivíduos”.
Vigotski, com base nas pesquisas de Köhler, compara o desenvolvimento do
comportamento humano ao desenvolvimento do comportamento de macacos antropóides
(Wertsch, 1995). Vigotski compreende que o uso de instrumentos físicos contribui,
significativamente, para o surgimento das funções psíquicas superiores. Contudo, ressalta: “el uso
de herramientas es una condición necesaria, pero no suficiente, para el surgimiento de las
funciones psicológicas superiores específicamente humanas” (Wertsch, 1995, p. 45).
Além do papel do trabalho, realizado pela via do uso de instrumentos físicos, no
desenvolvimento das características psicológicas da espécie humana, Vigotski atribui grande
importância ao papel dos instrumentos simbólicos, especialmente à fala, no desenvolvimento das
características tipicamente humanas. A fala é, portanto, el abismo cualitativo maior que
diferencia a espécie humana de outras espécies animais.
A história sócio-cultural, ou sociogênese, é outro domínio genético do
desenvolvimento psíquico. Trata-se de um domínio genético que se refere, diretamente, ao modo
pelo qual a sociedade determina o modo de pensar, sentir e agir dos sujeitos. Refere-se, enfim, à
história e à cultura que constituem os sujeitos, ao mesmo tempo em que, dessa história e dessa
cultura, são constituintes.
La unidad básica mediante la que Vygotsky medía la historia sociocultural es la
aparición y evolución de las herramientas psicológicas. Este hecho es evidente en
afirmaciones como ‘el desarrollo comportamental de los seres humanos se halla
fundamentalmente gobernado, no por las leyes de la evolución biológica, sino por las
leyes del desarrollo histórico de la sociedad (Wertsch, 1995, p. 49).
Muitos exemplos acerca do modo pelo qual a cultura determina as formas de
funcionamento mental poderiam ser destacados aqui. Contudo, um exemplo concreto,
diretamente ligado ao domínio genético da história sócio-cultural de desenvolvimento, diz
respeito a um estudo realizado por Vigotski e Luria, na Ásia Central (Uzbequistão), com sujeitos
alfabetizados e não alfabetizados.
Esse estudo, que foi um dos poucos trabalhos de natureza empírica realizado pelos
autores acerca do papel da sociogênese no desenvolvimento, forneceu dados indicativos de que a
história e a cultura a que pertenciam os sujeitos (alfabetizados e não alfabetizados) se revelavam,
de modo particular, nas características tipicamente psicológicas de cada um dos grupos nas suas
ações cotidianas ou quando eram solicitados a resolver problemas de abstração
7
.
A ontogênese é mais um tipo de domínio genético do desenvolvimento psíquico.
Segundo Wertsch (1995), este foi o domínio genético do desenvolvimento mais amplamente
estudado por Vigotski. Trata-se de um domínio referente ao desenvolvimento psíquico do ser, do
sujeito. É um domínio do desenvolvimento que atravessa a história da existência do indivíduo.
Ao contrário dos outros domínios genéticos, cujo processo de desenvolvimento é
determinado ou por força natural (filogênese) ou por força sócio-cultural (sociogênese), “la
ontogénesis implica necesariamente la operación simultánea de más de una fuerza del desarrollo.
Vygotsky la concebía formada por una línea ‘natural’ y una línea ‘social’ o ‘cultural’ del
desarrollo”. (Wertsch, 1995, p. 58).
Na ontogênese não há, portanto, divisão entre o desenvolvimento biológico e o
desenvolvimento social. “Grande parte do que se passa na ontogênese tem raízes biológicas,
ancoradas na própria especificidade filogenética” (Oliveira, 1997b, p. 55). Ambos os processos
de desenvolvimento se relacionam dialeticamente. Desse modo, ao mesmo tempo que uma
pessoa passa pelo processo de determinação biológica, como a amamentação, a puberdade, etc.,
essa mesma pessoa passa, também, pelo processo de determinação social, o que configura a sua
subjetividade individual. A determinação social define, por exemplo, o modo como se amamenta
uma criança e se vivencia a puberdade.
A microgênese, como quarto tipo de domínio genético, corresponde, de modo
particular, aos fenômenos psicológicos específicos que constituem o sujeito na sua singularidade
histórica.
7
Essa diferença de comportamento entre sujeitos alfabetizados e sujeitos não alfabetizados não é entendida como
algo que estabelece a superioridade de um grupo em relação a outro. Esta diferença é determinada pela história
sócio-cultural de cada um dos grupos.
Segundo Oliveira (1997b, p. 56), “a imensa multiplicidade de conquistas psicológicas
que ocorrem ao longo da vida de cada indivíduo gera uma complexa configuração de processos
de desenvolvimento que será absolutamente singular para cada sujeito”. Este fenômeno
psicológico, traduzido pelas palavras de Oliveira, é o que se denomina microgênese. É, em
síntese, o modo pelo qual os fenômenos psicológicos se configuram histórica e singularmente no
desenvolvimento da maneira de pensar, sentir e agir de cada indivíduo.
Embora Vigotski tenha estudado a microgênese, e isso ele fez de modo colado aos
estudos do desenvolvimento ontogenético, a denominação desse domínio, que se refere a
fenômenos psicológicos mais definidos, mais singulares, foi cunhada por Wertsch (1995).
Os estudos de Vigotski acerca do domínio genético da microgênese no processo de
desenvolvimento psíquico aparecem mais claramente na definição de seus procedimentos de
pesquisa. Este é o caso, por exemplo, de suas pesquisas sobre a relação entre o processo de
produção da fala e do pensamento. “Vygotsky argumentaba que, a la hora de dirigir estudios de
laboratorio, el investigador debería ser consciente de los procesos microgenéticos implicados en
la formación y manifestación de un proceso psicológico determinado”. (Wertsch, 1995, p. 71).
O modo pelo qual uma pessoa desenvolveu a sua forma de ler um livro é um exemplo
simples que constitui o domínio genético da microgênese no processo de desenvolvimento da sua
singularidade. Por mais que o processo de ensino e aprendizagem da leitura seja atravessado por
elementos que constituem o domínio genético da ontogênese, por exemplo, aprender a ler numa
classe onde há apenas um professor, os vários alunos têm a mesma faixa etária e condição
socioeconômica e se utilizam, sempre, os mesmos materiais de leitura, nada disso impede que
cada sujeito desenvolva a sua forma singular de aprendizagem do processo de leitura.
O modo pelo qual se lê, assim como o modo pelo qual se constituem outros
fenômenos psicológicos, configura-se, então, como um fenômeno singular, microgenético. Dessa
forma, ler não é apenas um ato comum ao grupo dos indivíduos humanos alfabetizados. É,
também, um fenômeno que se revela singularmente no movimento dialético dos domínios
genéticos do desenvolvimento.
Ao se discutir o processo de desenvolvimento na perspectiva da Psicologia Sócio-
Histórica, algumas questões precisam ser trazidas para complementar essa discussão. É isso o que
tentaremos fazer a partir deste momento.
2 A Concepção de Homem na Perspectiva Sócio-Histórica
A concepção de homem presente na perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica é
construída a partir de uma visão que nega as concepções idealistas do que seja o ser humano.
Nega-se, portanto, o homem como um ser universal e abstrato, destituído de valores históricos, e
se afirma na visão de que ele é um sujeito constituído histórica e culturalmente. É, portanto, um
ser concreto – embora inconcluso e complexo. Inconcluso, porque seu desenvolvimento ocorre de
modo contínuo e processual por toda a vida. Complexo, porque seu processo de desenvolvimento
é histórica e culturalmente constituído. Assim sendo, não se reduz a uma determinação simplista
de interação com o meio.
A definição de um homem constituído subjetivamente em sua própria história, em que
o sentido aparece como registro emocional comprometido com os significados e as
necessidades que vão desenvolvendo-se no decorrer de sua história, fazem da
categoria sujeito uma peça-chave para entender os complexos processos de
constituição subjetiva e de desenvolvimento, tanto dos processos sociais como
individuais (González Rey, 2003, p. 235)
8
.
8
Algumas questões que aparecem nesta citação, como sentido, significado, emoção e necessidades, serão retomadas
mais adiante, ainda neste capítulo.
A concepção de homem arraigada nos termos da Psicologia Sócio-Histórica supera a
visão dicotômica acerca do ser humano, de modo que ele não se dilui nem no social nem no
individual. Concebido a partir de sua atuação nos diferentes espaços sociais, o sujeito se constitui,
ao mesmo tempo, como um ser que se revela tanto na dimensão social como na dimensão
individual, sem que em nenhuma delas venha a se diluir.
Para a concepção sócio-histórica da Psicologia, o sujeito não se reduz às dimensões
acima citadas. Ele é um ser complexo: uma síntese das múltiplas relações complexas
estabelecidas nos espaços sociais em que atua, modificando e sendo modificado pelos elementos
que constituem essas relações complexas.
A concepção sócio-histórica supera, portanto, a visão de homem estabelecida pelo
liberalismo. Aqui entendido como o sistema de pensamento sobre o qual se erige o modo de
produção capitalista, o liberalismo estabelece a idéia de que cada indivíduo, por ser “dotado de
potencialidades, deve ser livre para desenvolvê-las” (Bock, 1999, p. 36).
Ainda hegemônico em suas idéias e práticas, o liberalismo compreende o homem
como uma entidade auto-suficiente ante suas escolhas e decisões; por isso, defende a liberdade
como um direito inalienável a todos os homens. Ao desconsiderar o mundo concreto, com sua
história, cultura e contradições, o liberalismo imprime uma visão abstrata e reducionista do que
seja o homem.
A Psicologia Sócio-Histórica está fundamentada, basicamente, na concepção de
homem como um ser histórico-social. Assim, o ser humano não nasce formado ou
possuindo uma essência pronta e imutável; ao contrário, ele se constrói como homem
a partir das relações que estabelece com o meio e com os outros homens, num
movimento dialético em que faz parte de uma totalidade e vai transformando-se em
sua essência por um processo de complexificação e multideterminação (Rosa e
Andriani, 2002, p. 272).
Para a Psicologia Sócio-Histórica, a essência do que seja o homem, isto é, a
compreensão do que é seu comportamento, sua consciência, suas atitudes, a subjetividade que o
constitui como humano, não pode ser definida de modo abstrato. Ao contrário, a essência humana
se define pela concretude do mundo com o qual o sujeito se relaciona. “Deste modo, o homem é
essencialmente um ser social. Há uma relação de mediação entre ele e a sociedade: o homem
contém o social, mas não se dilui nele, e vice-versa” (Rosa e Andriani, 2002, p. 272).
A essência social que constitui o ser humano é histórica e se caracteriza, no processo
de formação do indivíduo, pela apropriação e objetivação do conteúdo historicamente produzido
e transmitido pela humanidade (Duarte, 1993).
Na medida em que cada ser humano é construído socialmente, na relação com a
realidade e com os outros homens, ele se apropria também da história da humanidade;
isto é, o homem não é construído apenas pelo meio social imediato, mas por todas as
mediações nele contidas, pela história da humanidade e pela cultura que ele carrega. A
atividade humana, por meio da qual o indivíduo desenvolve a consciência, envolve,
pois, essencialmente uma apropriação da história (Rosa e Andriani, 2002, p. 273).
A respeito da relação entre objetivação e apropriação, com enfoque na questão da
transformação das necessidades biológicas em necessidades sociais, e desta em novas
necessidades, também sociais e humanas, portanto, históricas, falaremos mais adiante.
Retomando, ainda, a questão da essência humana
9
, convém destacar o pensamento de
Saviani (2004) acerca das circunstâncias sociais e individuais na determinação do humano.
Circunstâncias essas que, segundo o autor, devem ser apreendidas na dinamicidade de suas
relações dialéticas. Nessa perspectiva, segundo Saviani (2004, p. 26), “em vez de pensar o
problema segundo os cânones da lógica formal, que é a lógica da exclusão dos opostos, caberia
9
Entendemos, por essência humana, com base na perspectiva histórico-dialética, o conjunto das relações sociais que
constituem o sujeito.
pensá-lo em termos dialéticos, em que os pólos opostos não se excluem mas se incluem,
determinando-se reciprocamente”.
Para a Pedagogia Histórico-Crítica, assim como para a Psicologia Sócio-Histórica, a
determinação do humano não se reduz, portanto, a uma ou a outra circunstância (individual ou
social). Sendo o humano um “ser ativo, social e histórico” (Aguiar, 2001, p. 100), sua estrutura
psíquica caracteriza-se dialeticamente como um processo de objetivação e apropriação da
história. Nesse processo, o homem, ao agir e transformar o meio no qual atua, transforma a si
mesmo, objetivando-se / apropriando-se, dialeticamente, das características históricas da
humanidade; características essas que são, ao mesmo tempo, singulares e universais.
Esse processo de apropriação não ocorre, entretanto, de modo direto e imediato. São
as mediações presentes nos diferentes espaços sociais de atuação do sujeito que possibilitam o
processo de apropriação da história. A mediação como processo constitutivo do humano será
discutida oportunamente, ainda neste capítulo.
3 Aprendizagem e Desenvolvimento
Ao enfocar o processo de desenvolvimento humano a partir da perspectiva da
Psicologia Sócio-Histórica, a discussão elucida o processo de aprendizagem como um tema que
não pode ser deixado à margem dos questionamentos. Ambos os processos (aprendizagem e
desenvolvimento) aparecem dialeticamente colados. São temas que atravessam toda a discussão
de Vygotsky sobre as funções psicológicas superiores.
Aprendizagem e desenvolvimento são processos que se incluem e se excluem
simultaneamente. Conforme destaca Oliveira (1997a, p. 56), “o desenvolvimento humano, o
aprendizado e as relações entre desenvolvimento e aprendizado são temas centrais nos trabalhos
de Vygotsky”.
A relação dialética que constitui os processos de aprendizagem e desenvolvimento
pode ser discutida com enfoque em diversos temas psicológicos e pedagógicos, como, por
exemplo, os processos didáticos do ensino de determinados conteúdos e conceitos, os processos
de atenção, memória, raciocínio, a relação entre as funções elementares e as funções superiores
do psiquismo.
Uma questão nuclear que constitui a relação dialética entre os processos de
aprendizagem e desenvolvimento, contudo, refere-se ao elemento conceitual que Vygotsky
(1991) denominou zona de desenvolvimento proximal
10
. Trata-se de um conceito que envolve
diversos outros, inclusive o de mediação, que também é discutido neste capítulo.
A zona de desenvolvimento proximal constitui-se dialeticamente pela relação entre
dois níveis: o nível real, que revela o sujeito nos processos de pensar e agir de um modo
independente da ajuda de outras pessoas ou elementos do mundo físico e simbólico; e o nível
potencial, que indica a capacidade do sujeito num processo de construção, ou seja, capacidade
que se revela pela ajuda de outras pessoas ou elementos físicos e simbólicos.
Acerca dessa relação entre os níveis de desenvolvimento real e potencial, que
constituem a zona de desenvolvimento proximal, Oliveira (1997a, p. 59) destaca:
Vygotsky chama a atenção para o fato de que para compreender adequadamente o
desenvolvimento devemos considerar não apenas o nível de desenvolvimento real da
criança, mas também seu nível de desenvolvimento potencial, isto é, sua capacidade
de desempenhar tarefas com
11
a ajuda de adultos ou de companheiros mais capazes.
10
Para um estudo mais aprofundado da relação entre os processos de aprendizagem e desenvolvimento, a leitura do
livro A Formação Social da Mente é uma das melhores referências.
11
Grifos da autora.
Na perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica, o planejamento da intervenção
pedagógica sobre os processos de aprendizagem e ensino tem como base, entre outros elementos,
a orientação teórico-metodológica do processo de funcionamento da zona de desenvolvimento
proximal dos alunos.
4 A Mediação Como Processo Constitutivo do Humano
A Psicologia Sócio-Histórica encontra no conceito de mediação os fundamentos
explicativos do processo de apropriação dos elementos que constituem as características
tipicamente humanas, isto é, os elementos que constituem suas funções psicológicas superiores.
(Vygotsky, 1991).
Compreender o modo pelo qual ocorre o processo de transformação das funções
psicológicas elementares em funções psicológicas superiores é uma das principais preocupações
de Vigotski e de seus colaboradores. Compreender esse processo foi o seu grande objetivo de
estudo na Psicologia. Dessa forma, estudar Vigotski consiste, sobretudo, em compreender o
modo pelo qual ocorre o desenvolvimento das funções superiores do psiquismo humano.
Para Vygotsky (1991), esse processo de desenvolvimento das funções psíquicas não é
determinado imediatamente pelo meio externo, e tampouco é gerado automaticamente pelo
próprio sujeito. Trata-se de um processo mediado por múltiplas relações estabelecidas pelo
sujeito nos espaços sociais onde atua, transformando a realidade e sendo por ela transformado.
Trata-se de relações que são, ao mesmo tempo, complexas e dialéticas.
É importante salientar que esse processo de transformação das funções psicológicas
elementares em funções psicológicas superiores ocorre durante toda a vida do sujeito, e não
apenas durante a infância, como preconizam alguns teóricos.
Vigotski lembra, em uma espécie de alerta ao leitor, que se a infância é um momento
privilegiado para a análise dessas funções, pois é quando elas começam a constituir-se
em um momento de intenso desenvolvimento biológico, é apenas o começo de uma
história de transformações que duram a vida inteira. Reduzir a análise dessas funções
à infância equivaleria a ficar na sua “pré-história” (Pino, 2005, p. 42).
Para a Psicologia Sócio-Histórica, a relação do homem com o mundo não ocorre,
portanto, de modo direto e imediato. Há, sempre, elementos que constituem a relação dialética
entre esses pólos (homem e mundo). Trata-se de uma relação mediada. A mediação não é,
portanto, algo linear que fica entre o homem e o mundo; ela é algo significado pela atividade
social entre o homem e o mundo.
A categoria mediação não tem, portanto a função de apenas ligar a singularidade e a
universalidade, mas de ser o centro organizador objetivo dessa relação. Ao utilizarmos
a categoria mediação possibilitamos a utilização, a intervenção de um elemento / um
processo, em uma relação que antes era vista como direta, permitindo-nos pensar em
objetos / processos, ausentes até então (Aguiar e Ozella, 2006, p. 4 – no prelo).
Ao discutir a existência humana como um processo histórico, destacando a prática
como a substância do existir, Severino (2005) também traz uma grande contribuição ao
entendimento da categoria mediação, que seria algo carregado de significado que opera na
relação do sujeito com o mundo. Para o autor, o processo de mediação configura-se como práxis,
ou seja, configura-se como um “movimento que articula dialeticamente a operação e a reflexão, a
teoria e a prática” (Severino, 2005, p. 46).
O processo de mediação se constitui pela criação e pelo uso de instrumentos físicos e
instrumentos simbólicos
12
. Contudo, esses instrumentos só adquirem o status de instrumentos
12
Compreendemos os instrumentos simbólicos como uma categoria ampla, que abarca, inclusive, a categoria
“relações entre os seres humanos”, destacada por Duarte (1993) na discussão sobre a relação entre objetivação e
mediadores se eles adquirem significado na atividade social. Por isso, “instrumento e símbolo são
os mediadores entre o homem e o mundo, natural e social, que conferem à atividade seu caráter
produtivo” (Pino, 2005, p. 43). É através desses instrumentos de mediação que o homem se
apropria da história, transforma a natureza, transforma a si mesmo e se constitui culturalmente
como humano.
Esse processo de mediação, que engloba apropriações e transformações a partir da
fabricação e do uso de instrumentos físicos e simbólicos, constitui o modo pelo qual ocorre o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Embora diferentes, e até divergentes entre si, instrumentos físicos e instrumentos
simbólicos, na atividade mediada, também se constituem como uma unidade. Na atividade
mediada, são instrumentos que se relacionam dialeticamente.
A diferença mais essencial entre signo e instrumento [...] consiste nas diferentes
maneiras com que eles orientam o comportamento humano. A função do instrumento
é servir como um condutor da influência humana sobre o objeto da atividade; ele é
orientado externamente; deve necessariamente levar a mudanças nos objetos.
Constitui um meio pelo qual a atividade humana externa é dirigida para o controle e
domínio da natureza. O signo, por outro lado, não modifica em nada o objeto da
operação psicológica. Constitui um meio da atividade interna dirigido para o controle
do próprio indivíduo; o signo é orientado internamente
13
(Vygotsky, 1991, p. 62).
Conforme mencionado anteriormente, instrumentos físicos e instrumentos simbólicos
não são apenas divergentes. São, também, convergentes. Segundo Vygotsky (idem), “o controle
da natureza e o controle do comportamento estão mutuamente ligados”. Pino nos explica, fazendo
uso de um exemplo, como acontece a integração entre esses dois tipos de instrumentos.
apropriação. Segundo Duarte (1993, p. 38), as relações entre os seres humanos se configuram através de
“determinados tipos de atitudes entre os homens que vão se fixando, se objetivando, e sendo apropriadas por cada
pessoa durante a sua vida”.
13
Grifos do autor.
Com efeito, pela ação técnica, o homem altera a matéria e confere-lhe uma forma
nova; pela ação simbólica essa forma nova se constitui em símbolo do homem
trabalhador, ou seja, naquilo que representa suas capacidades, físicas e mentais, e suas
idéias. É pela ação técnica que Michelangelo confere ao bloco de mármore uma forma
escultural, a qual torna-se o símbolo da personalidade de Moisés tal como o artista
imaginou (2005, p. 43).
Os estudos sobre mediação têm contribuído, de modo muito significativo, para o
processo de compreensão do que seja o humano. Contudo, a perspectiva sócio-histórica da
Psicologia e da Pedagogia tem estudado muito mais o papel dos instrumentos simbólicos do que
o papel dos instrumentos físicos no desenvolvimento.
Segundo Pino (2005, p. 43), “Vigotski pouco acrescenta ao já afirmado por Marx e
Engels na teoria do trabalho social e aos estudos comparativos dos seus contemporâneos (W.
Köhler, C. e K. Bühler) sobre o uso de instrumentos pelo macaco e pela criança”. Vigotski centra
sua análise, ainda segundo Pino (idem), “nos efeitos que o aparecimento de um meio simbólico
como a fala produz sobre a ação prática (que usa instrumentos) da criança”.
O papel dos instrumentos físicos e instrumentos simbólicos no processo de
desenvolvimento humano é uma questão que diferencia Vigotski e Leontiev. Diferentemente
deste autor, que privilegia o papel mediador dos instrumentos físicos, aquele prioriza esse mesmo
papel em relação ao uso dos instrumentos simbólicos. Aguiar (2001, p. 100), com base em
Kozulin (1994), ajuda a compreender essa questão.
Leontiev insiste no papel dominante da ação prática, ou seja, na ação instrumental,
não considerando a mediação semiótica. Leontiev acaba explicando a atividade
humana pela própria atividade. Por outro lado, Vigotski dá prioridade à esfera
simbólica e comunicativa da atividade humana, sem esquecer é claro, que a linguagem
e outros mediadores semióticos de forma alguma podem ser vistos como
independentes da realidade material e da prática humana.
Entendidos aqui como uma categoria ampla, que inclui diversas formas de linguagem,
os instrumentos simbólicos exercem, segundo a perspectiva sócio-histórica, um importante papel
na constituição do humano
14
. Segundo Luria (1979, p. 81), “com o surgimento da linguagem
surge no homem um tipo inteiramente novo de desenvolvimento psíquico desconhecido dos
animais, e que a linguagem é realmente o meio mais importante de desenvolvimento da
consciência”.
15
É a partir da linguagem, segundo a Psicologia Sócio-Histórica, que o homem se
apropria da história, da cultura, da natureza, e torna-se homem, cujas características psicológicas
se diferenciam, em profundidade, das características psicológicas animais.
É pelo processo de apropriação, que é um processo mediado especialmente pela
linguagem, que ocorre o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Este processo
significa, segundo Vygotsky (1991, p. 63), “a reconstrução interna de uma operação externa”.
Significa, portanto, que o desenvolvimento das funções superiores do psiquismo humano se
processa a partir das relações do sujeito com os “sistemas de signos produzidos socialmente, o
que nos leva a concluir que as mudanças individuais têm origem na sociedade, na cultura,
mediadas pela linguagem” (Aguiar, 2001, p. 102).
A discussão sobre instrumentos simbólicos, especialmente a discussão sobre a
linguagem e, de modo particular, a fala, será retomada ainda neste capítulo, quando discutirmos o
processo de constituição do pensamento e da linguagem.
14
Segundo Pino (2005, p. 44), “embora Vigotski enfatize nos seus textos a função da fala, em razão do papel
preponderante que ela adquiriu na história humana, não reduz a ela o mundo simbólico. Junto com a fala ele refere-se
aos signos em termos gerais e a alguns tipos deles em particular, como os gestos, ao discutir o caso dos deficientes
auditivos”.
15
Grifo do autor.
4.1 A Mediação Como Processo Constitutivo da Ação Educativa
Ao falar de processo educativo, torna-se imperativa a necessidade de abordar a
categoria mediação como parte constituinte desse processo. Todo processo educativo é entendido,
por si mesmo, como um processo de apropriação da história produzida pela humanidade.
Conforme destaca Severino (2005, p. 67), “a educação é mediada e mediadora, esforço de
constituição de significado, explicitando sua condição ontológica de prática humana”. Nessa
perspectiva, a dicotomia prática mediadora / prática mediada no processo educativo é superada: a
educação não se configura apenas como uma prática mediadora; ela é, também, uma prática
humana mediada.
Outra dicotomia que se supera nessa discussão diz respeito à divisão instrumentos
físicos / instrumentos simbólicos no processo de mediação das práticas humanas. Ao mesmo
tempo que é mediada e mediadora das práticas humanas, a educação se realiza não apenas pelo
uso de instrumentos físicos e simbólicos, mas implicada por ambos. Ao ministrar uma aula, um
professor exerce uma prática mediadora, isto é, sua prática é carregada de significados. Para
tanto, faz uso de diversos instrumentos físicos (slides, livros, por exemplo) e simbólicos (os
valores, as regras, as atitudes presentes durante a aula, por exemplo). A prática pedagógica desse
professor, entretanto, não é apenas mediadora. Ela é, também, mediada. Mediada pelos diversos
instrumentos, físicos e simbólicos, cuja significação fora historicamente apropriada por esse
professor a partir da sua atuação nos diversos e complexos espaços sociais que o constitui como
sujeito, isto é, no seu modo de pensar, sentir e agir.
Para Vigotski, desenvolvimento humano e educação constituem dois aspectos de uma
mesma coisa. Se o primeiro diz o que é o ser humano e como ele se constitui, a
segunda é a concretização dessa constituição. O que nos permite dizer que, nessa
perspectiva, a educação não é um mero ‘valor agregado’ à pessoa em formação. Ela é
constitutiva da pessoa. É o processo pelo qual, através da mediação social, o indivíduo
internaliza a cultura e se constitui em ser humano
16
(Pino, 2005, p. 57).
O processo educativo não se configura, portanto, como algo isolado do ser humano;
ao contrário, é um processo socialmente constituído a partir das relações com outros indivíduos.
É nessas relações sociais que o homem se apropria da história e a transforma, enquanto constitui
a sua existência. Essa apropriação, contudo, se realiza “de forma mediatizada pelas relações com
outros indivíduos” (Duarte, 1993, p. 47).
Ao enfatizar a formação do indivíduo como “um processo educativo, mesmo quando
essa educação se realiza de forma espontânea”, Duarte (1993, p. 47) atribui às instituições
educativas, aqui entendidas como um instrumento simbólico de mediação, importante papel no
processo de transformação e desenvolvimento das funções psicológicas superiores do homem.
O processo educativo configura-se, portanto, como uma prática social, uma prática
humana. Pela educação, como prática mediada e mediadora, o homem reconstrói-se internamente
a partir das operações externas e vice-versa (Vygotsky, 1991; Severino, 2005). Nesse sentido, as
funções psicológicas são desenvolvidas e transformadas de acordo com a apropriação da história
pelo sujeito.
Ao abordar a educação como atividade socialmente significada, convém destacar o
pensamento de Duarte (1993). Mesmo que se trate de uma citação longa, é importante registrá-la,
porque o autor a traduz de modo bastante claro e inteligente.
Para uma teoria histórico-social da formação do indivíduo, é totalmente estranha a
idéia de que a educação seja algo externo ao desenvolvimento ontogenético, algo que
venha a ele se justapor, idéia essa defendida por várias psicologias do
desenvolvimento. Algumas concepções psicológicas e pedagógicas tendem a ver a
prática pedagógica escolar como uma tentativa (bem ou mal sucedida) da sociedade
16
Grifos do autor.
intervir no processo de formação das pessoas, enquanto que o desenvolvimento que as
pessoas realizam fora do âmbito da influência escolar seria um processo sem essa
característica de intervenção externa. Pesquisas fundamentadas nessas concepções
mostram que a criança, na escola, não aprende porque os professores insistem em não
respeitar os processos de aprendizagem ‘naturais’ da criança. Para se comprovar o
quanto essa tentativa de intervenção na aprendizagem da criança é a causa do
“fracasso escolar”, as pesquisas demonstram que na vida extra-escolar a criança revela
domínio na mesma área de conhecimento na qual fracassa na escola. Por exemplo,
enquanto que na escola a criança é avaliada como tendo dificuldades na aprendizagem
da aritmética, em atividades da prática social extra-escolar, a criança revela domínio
de processos de cálculo diferentes daqueles que ela não consegue aprender na escola.
Interessante notar que muitas pesquisas investigam os conhecimentos e habilidades
que as pessoas utilizam em práticas não-escolares, mas muito pouco se pesquisa sobre
como elas se apropriaram desse conhecimento e dessas habilidades. É como se esse
conhecimento tivesse sido criado pela pessoa de forma totalmente livre, isenta da
transmissão por outras pessoas
17
(Duarte, 1993, p. 48).
Esteja o processo educativo situado na dimensão da prática social escolar ou da
prática social extra-escolar, Duarte (1993) reafirma a função mediadora que o constitui no
processo de formação do indivíduo. A educação, e, como parte constitutiva dela, a aprendizagem
humana, é um fenômeno social que envolve produção de significados e sentidos acerca dos
conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade.
Além disso, não há como desconsiderar a dimensão subjetiva do sujeito nesse
momento, atravessada não apenas por fatores cognitivos, mas também afetivos. Desse modo, esse
sujeito não se reduz apenas a portador de habilidades e conhecimentos escolares e / ou cotidianos.
Na análise desse sujeito, é importante considerar seus desejos, necessidades, valores,
motivos, emoções e sentimentos que o impulsionam dentro do espaço social onde atua, que é
complexo e o transcende como indivíduo para constituir sua subjetividade.
Não há como deixar de reconhecer o importante papel desempenhado pelo professor
nesse processo. Considerando que sua prática se configura a partir das relações entre os homens,
o professor não é apenas um articulador entre o aluno e o conhecimento escolar. Ele é um dos
17
Grifos nossos.
mais importantes elementos dessa relação. É o mediador desse processo. Essa relação é, portanto,
mediada por valores, singularidades. É, enfim, mediada pelos sentidos produzidos pelo professor.
5 A Formação de Conceitos
Ao discutir o papel mediador da educação no processo de desenvolvimento humano,
uma questão da Psicologia vigotskiana não poderia deixar de ser mencionada neste trabalho.
Trata-se do processo pelo qual ocorre a formação de conceitos.
De acordo com o Dicionário Aurélio (1999, p. 518), o termo conceito significa, entre
outras coisas, a “representação dum objeto pelo pensamento, por meio de suas características
gerais”. Significa, ainda, “ação de formular uma idéia por meio de palavras; definição”.
Segundo Rego (1995, p. 76), “na perspectiva vygotskyana, os conceitos são
entendidos como um sistema de relações e generalização contidos nas palavras e determinado por
um processo histórico-cultural”.
Os conceitos, em síntese, são elaborações mentais que definem as características
gerais de algo. É preciso considerar, entretanto, que a gênese dessa elaboração, ou seja, dos
conceitos, é determinada pela mediação da história cultural, sobretudo pelo uso das expressões da
linguagem.
Embora os conceitos comecem a se formar já na infância, segundo Vigotski (2001, p.
167), “as funções intelectuais que, numa combinação específica, constituem a base psicológica do
processo de formação de conceitos amadurecem, configuram-se e se desenvolvem somente na
puberdade”.
No processo de desenvolvimento intelectual, não apenas na fase da infância ou da
adolescência, mas de toda a vida, a escola exerce papel fundamental na definição / redefinição
dos conceitos com os quais as pessoas compartilham seus significados entre si. Conceitos, esses,
qualificados como espontâneos e científicos, que foram estudados profundamente por Vigotski
(2001).
Para explicar o papel da escola no processo de desenvolvimento do indivíduo,
Vygotsky faz uma importante distinção entre os conhecimentos construídos na
experiência pessoal, concreta e cotidiana das crianças, que ele chamou conceitos
cotidianos ou espontâneos e aqueles elaborados na sala de aula, adquiridos por meio
do ensino sistemático, que chamou conceitos científicos (Rego, 1995, p. 77).
Ao trabalhar na perspectiva da articulação dos conceitos espontâneos com os
conceitos científicos, o papel da escola é fundamental para o processo de desenvolvimento das
funções psicológicas superiores dos alunos.
Para efeito de clareza, poderíamos conceber esquematicamente o caminho do
desenvolvimento dos conceitos espontâneos e científicos da criança sob a forma de
duas linhas de sentidos opostos, uma das quais se projetando de cima para baixo,
atingindo um determinado nível no ponto em que a outra se aproxima ao fazer o
movimento de baixo para cima (Vigotski, 2001, p. 347).
À escola, nessa perspectiva, caberia a função de levar em conta os conceitos
espontâneos dos alunos para poder redefini-los na dimensão dos conceitos científicos. Conforme
afirma o próprio Vigotski (2001, p. 349), “o desenvolvimento do conceito espontâneo da criança
deve atingir um determinado nível para que a criança possa apreender o conceito científico e
tomar consciência dele”. Esta relação entre conceitos espontâneos e científicos é possível porque,
embora diferentes, ambos os conceitos se relacionam dialeticamente.
O conceito espontâneo, que passou de baixo para cima por uma longa história em seu
desenvolvimento, abriu caminho para que o conceito científico continuasse a crescer
de cima para baixo, uma vez que criou uma série de estruturas indispensáveis ao
surgimento de propriedades inferiores e elementares do conceito. De igual maneira, o
conceito científico, que percorreu certo trecho do seu caminho de cima para baixo,
abriu caminho para o desenvolvimento dos conceitos espontâneos, preparando de
antemão uma série de formações estruturais indispensáveis à apreensão das
propriedades superiores do conceito (Vigotski, 2001, p. 349).
A citação acima, retirada do próprio Vigotski, demonstra de maneira clara como
ambos os conceitos se relacionam dialeticamente. A compreensão do modo pelo qual se
configura o processo da formação de conceitos, especialmente os científicos, pode contribuir para
com o redimensionamento do papel pedagógico da escola no processo de desenvolvimento dos
alunos.
Para a perspectiva sócio-histórica, a escola é, em síntese, uma valiosa instituição da
sociedade cujo objetivo maior é o desenvolvimento humano a partir do processo de construção de
conhecimentos não diretamente acessíveis aos sentidos, ou seja, a compreensão dos conceitos
científicos em sua inter-relação com os conceitos espontâneos.
6 A Constituição do Pensamento e da Linguagem
As relações entre pensamento e linguagem representam, na perspectiva da Psicologia
Sócio-Histórica, uma das questões mais importantes estudadas por Vigotski para a compreensão
do modo pelo qual o ser humano se constitui psicologicamente.
Embora se manifestem desde a tenra idade da criança, pensamento e linguagem, em
sua gênese, não se entrecruzam, um não se dilui no outro. Assim, uma criança pode balbuciar,
sem que isto represente, para si mesma e para os outros, um ato do pensamento. Essa ação se
caracteriza como um estágio pré-intelectual de desenvolvimento lingüístico. Essa mesma criança
também pode chutar uma bola sem que isto represente, de fato, um tipo de linguagem. Nesse
caso, a ação caracteriza-se como um estágio pré-lingüístico de desenvolvimento intelectual.
Segundo Vigotski (2001, p. 395), “o início do desenvolvimento do pensamento e da palavra,
período pré-histórico na existência do pensamento e da linguagem, não revela nenhuma relação e
dependência definidas entre as raízes genéticas do pensamento e da palavra”.
O modo pelo qual o pensamento e a linguagem aparecem no processo de constituição
do ser humano não se configura, portanto, como algo ulterior, intrapsíquico, assim como também
não se configura como algo externo. Ainda conforme Vigotski (2001, p. 395), as relações entre
pensamento e linguagem “surgem e se constituem unicamente no processo do desenvolvimento
histórico da consciência humana, sendo, elas próprias, um produto e não uma premissa da
formação do homem”. Pensamento e linguagem se constituem, portanto, como um processo de
desenvolvimento sócio-histórico. Nesse sentido, a articulação do pensamento com a linguagem
não se configura como um vínculo primário. Essa articulação se concretiza a partir da relação do
homem com o mundo, a qual é, necessariamente, uma relação mediada pelo significado da
palavra.
O significado da palavra só é um fenômeno de pensamento na medida em que o
pensamento está relacionado à palavra e nela materializado, e vice-versa: é um
fenômeno de discurso apenas na medida em que o discurso está vinculado ao
pensamento e focalizado por sua luz. É um fenômeno do pensamento discursivo ou da
palavra consciente, é a unidade
18
da palavra com o pensamento (Vigotski, 2001, p.
398).
Pensamento e linguagem só se configuram como unidade a partir do momento em que
passam a se constituir como um processo mediado pelo discurso carregado de significado. É pela
mediação dos processos significados, portanto, que são gerados os espaços de inteligibilidade na
constituição dessa unidade. Nesse sentido, o significado não é apenas parte constitutiva do
discurso. É, também, do pensamento. Assim, “para compreender a fala de alguém, não basta
18
Grifo do autor.
entender suas palavras; é preciso compreender seu pensamento (que é sempre emocionado), é
preciso apreender o significado da fala
19
(Aguiar, 2001, p. 130).
Essa unidade não nega a particularidade de cada uma dessas duas categorias. Uma não
se dilui na outra. Ao mesmo tempo que o pensamento não é a linguagem, e vice-versa, um não se
constitui sem o outro.
A dialética entre externo e interno, onde um não existe sem o outro, onde o psiquismo
não existe sem as relações materiais em que está imerso, é mediada pela linguagem,
pelos símbolos que emergem das relações sociais. Desta maneira podemos dizer que a
matéria-prima da consciência é a linguagem, os signos, uma vez que não há
pensamento sem linguagem (Rosa e Andriani, 2002, p. 273).
Para a Psicologia Sócio-Histórica, a linguagem é importante instrumento de mediação
na constituição do ser humano. Ao apropriar-se da linguagem, “o homem tem acesso às
significações historicamente produzidas. Este homem irá significar suas experiências e são estas
significações que constituirão sua consciência, mediando assim suas formas de sentir, pensar e
agir” (Rosa e Andriani, 2002, p. 274). Nesse sentido, é através da linguagem que se pode alcançar
uma compreensão mais profunda da constituição do humano, da sua consciência e de todas as
suas demais funções psíquicas superiores.
Segundo Aguiar e Ozella (2006 – no prelo), a apropriação da linguagem contribui não
apenas para que o homem desenvolva sua capacidade de comunicação. Ao mesmo tempo que a
linguagem faz da comunicação uma atividade humana, ou seja, uma atividade mediada pelo
discurso significado, o qual constitui a unidade pensamento / linguagem, ela propicia, também, o
desenvolvimento da consciência do sujeito. É pela palavra, portanto, que apreendemos o modo de
“ser, pensar e agir do sujeito” (p. 4).
19
Grifo da autora.
Os significados das palavras, contudo, não são estáticos, imutáveis. Pelo contrário, são
dinâmicos, modificam-se, desenvolvem-se e, assim sendo, modificam também a relação do
pensamento com a palavra. Nesse sentido, toda essa relação, que tem como elemento mediador a
palavra carregada de significado, configura-se como um processo dinâmico, em
desenvolvimento.
Além de dinâmica, a relação do pensamento com a linguagem é, também, complexa e
até contraditória. Assim, nem sempre o ato do pensamento coincide com a própria fala. Quantas
vezes, por exemplo, tentamos dizer algo que estamos pensando e não conseguimos, ou o dizemos
de um modo totalmente diferente do que realmente pensamos? Segundo Vigotski (2001, p. 475),
“as unidades de discurso e as unidades de pensamento não coincidem. Ambos os processos
revelam unidade mas não identidade. O que melhor nos convence disto são aqueles casos em que
o trabalho do pensamento termina em fracasso, em que se verifica que o pensamento não se
converteu em palavras”. Essa idéia, contudo, não nega a tese, afirmada pelo próprio Vigotski,
segundo a qual, “ao transformar-se em linguagem, o pensamento se reestrutura e se modifica”.
(2001, p. 412). É dessa forma, portanto, que o pensamento, por conta da totalidade que o
constitui, não se expressa na palavra, mas nela se realiza.
A relação do pensamento com a linguagem, contudo, não se reduz à dimensão
simbólica e cognitiva. O pensamento, como um processo de sentido, está implicado, sempre,
pelas significações e emoções que constituem o sujeito.
O exercício do pensamento, como já foi compreendido por Vigotsky há muitos anos,
não é simplesmente o exercício da linguagem. Entre pensamento e linguagem existe
uma relação complementar, e também contraditória, em que um não se reduz ao outro,
nem é explicado pelo outro. O pensamento se define como um processo psicológico,
não somente por seu caráter cognitivo, mas por seu sentido subjetivo, pelas
significações e emoções que se articulam em sua expressão (González Rey, 2003, p.
235).
Ao compreenderem o pensamento como um processo, um movimento, algo sempre
emocionado, Aguiar e Ozella (2006, p. 5 – no prelo) analisam a relação pensamento / linguagem
a partir da mediação que a constitui: “a transição do pensamento para a palavra passa pelo
significado e o sentido”. Dessa forma, a compreensão de um pensamento implica,
necessariamente, a compreensão do sentido que o constitui como tal.
É sobre o processo da produção de sentidos e significados, uma categoria diretamente
relacionada à constituição do pensamento e da linguagem, o que discutiremos a seguir.
6.1 A Produção de Sentidos e Significados
Para a Psicologia Sócio-Histórica, significado e sentido são categorias centrais que
constituem a relação entre o pensamento e a linguagem. São, portanto, categorias fundamentais
para se compreender o indivíduo como sujeito, como um ser ativo que se relaciona com um
mundo que é significado pelas mediações simbólicas e afetivas.
As mediações só se constituem como tais quando são, realmente, carregadas de
significado. “É a significação que tem o poder de converter o fato natural em fato cultural e,
dessa maneira, permite a passagem do plano social para o pessoal” (Pino, 2005, p. 55). Desse
modo, quando não há significado, não há mediação.
As relações dos indivíduos com o mundo configuram-se, sempre, como relações
sociais. Por isso, são relações complexas, que se configuram a partir do contexto das práticas
sociais dos indivíduos. De acordo com Pino (2005, p. 53), as práticas sociais “são formas,
socialmente instituídas, de pensar, de falar e de agir das pessoas em função das posições que
ocupam na trama de relações sociais de uma determinada formação social”. É, portanto, a partir
das práticas sociais dos indivíduos, da teia das suas relações sociais, que as significações são
construídas.
A ação dos sujeitos implicados em um espaço social compartilha elementos de
sentidos e significados gerados dentro desses espaços, os quais passam a ser
elementos da subjetividade individual. Entretanto, essa subjetividade individual está
constituída em um sujeito ativo, cuja trajetória diferenciada é geradora de sentidos e
significações que levam ao desenvolvimento de novas configurações subjetivas
individuais que se convertem em elementos de sentidos contraditórios com o status
quo dominante nos espaços sociais nos quais o sujeito atua. Esta condição de
integração e ruptura, de constituído e constituinte que caracteriza a relação entre o
sujeito individual e a subjetividade social, é um dos processos característicos do
desenvolvimento humano (González Rey, 2003, p. 207).
Assim, a relação do sujeito com o mundo, compreendida como um processo de
apropriação da realidade, não transforma apenas o mundo externo. Ao agir sobre o mundo, o
sujeito apreende o significado das suas ações, o que o faz articular, sempre, novas significações.
Essas novas significações, articuladas, transformam o sujeito, modificando-o internamente;
modificam, enfim, sua subjetividade, que é social e historicamente constituída.
As significações apropriadas não são estáticas, imutáveis. São sócio-históricas;
portanto, são dinâmicas, modificam-se, desenvolvem-se na relação do homem com o mundo, do
pensamento com a palavra. De acordo com González Rey (2003, p. 209), “cada configuração
subjetiva de um espaço social está constituída por elementos de sentidos procedentes de outros
espaços sociais, assim como de elementos que caracterizam esse próprio espaço em momentos
históricos anteriores”. Dessa forma, significações já existentes se modificam a partir da
apropriação de novas significações (processo de articulação de novas significações). É, portanto,
a partir do conhecimento da dinâmica das significações que podemos compreender a mobilidade
do pensamento, isto é, os significados e os sentidos que o constituem.
Do ponto de vista psicológico, os significados são “produções históricas e sociais. São
eles que permitem a comunicação, a socialização de nossas experiências” (Aguiar e Ozella, 2006,
p. 5 – no prelo). Os significados, na realização do pensamento discursivo, configuram-se como
uma possibilidade de comunicação mais universal; são compartilhados de modo mais eqüitativo
nas situações comunicativas porque sua origem é convencional.
Compreendidos como produções históricas e sociais (idem), os significados se
constituem, dialeticamente, pelas marcas da afirmação e da contradição. Assim, pois, a
estabilidade dos significados não é fixa, irredutível. Ao mesmo tempo que se afirmam como
estáveis, os significados se modificam e superam suas características relacionais com o
pensamento; portanto, são um processo dialético e complexo. Ao superar a si mesmos, superam,
também, o modo pelo qual se relacionam com o pensamento.
Ao discutir significado e sentido, é preciso compreendê-los como sendo constituídos
pela unidade contraditória do simbólico e do emocional. Desta forma, na perspectiva
de melhor compreender o sujeito, os significados constituem o ponto de partida: sabe-
se que eles contêm mais do que aparentam e que, por meio de um trabalho de análise e
interpretação, pode-se caminhar para as zonas mais instáveis, fluidas e profundas, ou
seja, para as zonas de sentido. Afirma-se, assim, que o sentido é muito mais amplo
que o significado, pois o primeiro constitui a articulação dos eventos psicológicos que
o sujeito produz frente uma realidade (Aguiar e Ozella, 2006, p. 6 – no prelo).
Contraditórios, significados e sentidos não são apenas duas categorias diferentes, são,
também, complementares, sem que uma se dilua na outra. Os sentidos, entretanto, não se
reduzem aos significados. Do ponto de vista psicológico, os sentidos são muito mais amplos que
os significados, pois, pela sua mobilidade, aqueles são eixos sobre os quais se articulam os
“eventos psicológicos que o sujeito produz frente uma realidade” (idem, p. 6).
Vigotski (2001), a partir da análise do complexo e dialético dinamismo que constitui a
relação entre pensamento e linguagem, afirma que há diferenças fundamentais entre os sentidos e
os significados. A citação abaixo vale a pena ser evocada / registrada aqui, com a finalidade de
contribuir para a análise e a compreensão da temática em tela (significados e sentidos e suas
relações com o pensamento e a linguagem).
O sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida, complexa, que tem várias zonas
de estabilidade variada. O significado é apenas uma dessas zonas de sentido que a
palavra adquire no contexto de algum discurso e, ademais, uma zona mais estável,
uniforme e exata. Como se sabe, em contextos diferentes a palavra muda facilmente
de sentido. [...] O sentido real de uma palavra é inconstante. Em uma operação ela
aparece com um sentido, em outra, adquire outro (p. 465).
Comparados aos significados, os sentidos são mais singulares, subjetivos. São mais
flexíveis, variam conforme o contexto de enunciação do discurso. Os sentidos estão, assim, mais
próximos dos indivíduos constituídos historicamente a partir da dinâmica das suas relações
sociais. Portanto, os sentidos estão implicados pela unidade afetivo-cognitivo que constitui o ser
humano. Estão implicados, enfim, pela subjetividade que constitui o ser humano em sua
historicidade.
6.2 A Dimensão Afetiva na Constituição do Humano
Ao estudar a constituição humana, as teorias psicológicas e pedagógicas muitas vezes
se esquecem de tratar da dimensão afetiva no desenvolvimento. O ser humano, assim, parece
reduzido apenas à sua dimensão cognitiva. Contudo, segundo González Rey (2003), o ser
humano não é constituído apenas de pensamento e linguagem. “A emoção é uma condição
permanente na definição do sujeito. A linguagem e o pensamento se expressam a partir do estado
emocional de quem fala e pensa”. (idem, p. 236).
A produção de sentidos não está implicada, portanto, apenas por fatores cognitivos,
mas, também, afetivos. Assim é que a dimensão afetiva, ou seja, as emoções e os sentimentos
implicados na produção de sentidos, também constitui o movimento do pensamento. “Para se
avançar na compreensão do homem, ou melhor, dizendo, dos seus sentidos, temos que, nas
nossas análises, considerar que todas as expressões humanas são cognitivas e afetivas” (Aguiar e
Ozella, 2006, p. 7 – no prelo).
Os sentidos não podem ser apreendidos apenas pela sua constituição simbólica, isto é,
pelos signos que constituem a linguagem e o pensamento. Este seria um modo limitado de se
compreender o humano, a sua consciência; tão logo, por essa via, jamais se poderia atingir os
sentidos constituídos pelo sujeito. “Embora os fenômenos afetivos sejam de natureza subjetiva,
isso não os torna independentes da ação do meio sociocultural, pois é possível afirmar que estão
diretamente relacionados com a qualidade das interações entre os sujeitos, enquanto experiências
vivenciadas”. (Leite e Tassoni, 2002, p. 116).
Para a Psicologia Sócio-Histórica, o ser humano não se reduz, portanto, a uma
estrutura cognitiva, como definem muitas teorias pedagógicas e psicológicas. Ao mesmo tempo
que se configura como um ser cognitivo, ele é, também, um ser afetivo, ou seja, ele é atravessado
por emoções e sentimentos. Nesse sentido, afeto e cognição se inter-relacionam dialeticamente no
processo de constituição do humano.
Na diferenciação desses fenômenos subjetivos, Leite e Tassoni (2002, p. 118), com
base em Wallon e Vigotski, definem a afetividade como uma gama de manifestações que
englobam “sentimentos (origem psicológica) e emoções (origem biológica). A afetividade
corresponde a um período mais tardio na evolução da criança, quando surgem os elementos
simbólicos”. A afetividade tem, portanto, estreita relação com o mundo cultural, com o modo
pelo qual o sujeito constitui sua linguagem, seu mundo simbólico, sua forma de pensar e atuar
sobre a realidade.
A afetividade é um grande elemento mediador presente nos espaços das relações
sociais do sujeito. A história de cada homem é marcadamente determinada pela mediação de sua
história afetiva (Leite e Tassoni, 2002). A relação do homem com a realidade é, portanto, uma
relação profundamente implicada pela afetividade.
A afetividade, assim como o pensamento e a linguagem, é uma das mais importantes
categorias de análise da Psicologia Sócio-Histórica para a compreensão do sujeito. Não há como
atingir o pensamento sem levar em conta a importância desta categoria, que é constituída
subjetivamente pelo sujeito a partir de suas necessidades, seus interesses e suas motivações.
É importante salientar que o termo subjetivo, na Psicologia Sócio-Histórica, não se
refere a um fenômeno exclusivamente individual. “A subjetividade é histórica, constrói-se ao
longo da vida do sujeito, e por isso não pode refletir o imediato. O sujeito tem sua própria história
e é a partir dela que reflete a realidade” (Aguiar, 2001, p. 107).
No processo de análise do pensamento, a afetividade, definida como uma emoção
social (Lane, 1995), se estabelece como uma das maiores categorias no processo de apreensão
dos sentidos que constituem o sujeito, a sua subjetividade. Assim, a compreensão do pensamento
de alguém não depende apenas da compreensão do seu discurso, mas dos seus verdadeiros
motivos, que são, sempre, afetivos e volitivos.
Se antes comparamos o pensamento a uma nuvem pairada que derrama uma chuva de
palavras, a continuar essa comparação figurada teríamos de assemelhar a motivação
do pensamento ao vento que movimenta as nuvens. A compreensão efetiva e plena do
pensamento alheio só se torna possível quando descobrimos a sua eficaz causa
profunda afetivo-volitiva (Vigotski, 2001, p. 479-480).
A base sobre a qual se efetiva o pensamento, a consciência, enfim, o modo pelo qual o
sujeito pensa, sente e atua, é sempre afetivo e volitivo. Desse modo, não há como apreender os
verdadeiros sentidos psicológicos do sujeito sem levar em conta as necessidades, os interesses e
os motivos que os constituem, ou seja, a dimensão afetiva que constitui o ser humano. O
movimento do pensamento, da consciência, é algo que se constitui, portanto, a partir da mediação
dos significados e emoções do sujeito.
Na busca de compreensão do homem, considerando a totalidade física e psíquica que
o constitui, ou seja, sua condição cognitiva, afetiva e biológica, “a separação entre pensamento e
afeto, jamais poderá ser feita, sob o risco de fechar-se definitivamente o caminho para a
explicação das causas do próprio pensamento, pois a análise do pensamento pressupõe
necessariamente a revelação dos motivos, necessidades, interesses, que orientam o seu
movimento” (Aguiar e Ozella, 2006, p 7 – no prelo).
Na perspectiva de superação da dicotomia afeto / cognição, duas categorias têm sido
estudadas: as necessidades e os motivos que constituem a relação do homem com o mundo. O
estudo dessas categorias muito tem contribuído para a compreensão do processo da produção de
sentidos e significados pelos sujeitos nos espaços de suas relações sociais.
6.2.1 Necessidades
Ao apropriar-se / objetivar-se do / no processo histórico da humanidade, o ser humano
diferencia-se fundamentalmente não apenas de outras espécies animais, mas, também, de si
mesmo. Ao mesmo tempo que é um ser genérico, por diferenciar-se das demais espécies animais
e apresentar certas características universais entre os membros de sua espécie, o ser humano é,
também, um ser singular, porque os indivíduos se diferenciam entre si. É nesse processo de
diferenciação que as necessidades biológicas são transformadas em necessidades sociais e estas
em novas necessidades.
A diferença fundamental do ser humano em relação a outras espécies animais está
situada no modo como cada indivíduo assegura sua existência. É na explicação dessa diferença
que podemos compreender a transformação das necessidades biológicas em necessidades sociais.
O processo de transformação dessas necessidades caracteriza-se como o primeiro ato histórico
produzido pelo ser humano (Marx e Engels, 1999).
O homem, assim como qualquer animal, precisa realizar uma atividade que, em
primeiro lugar, lhe garanta a sobrevivência. A pergunta é: como o homem assegura
sua sobrevivência? Nesse ponto começam as diferenças entre a atividade vital humana
e a atividade vital
20
de outros animais. Para assegurar sua sobrevivência, o homem
realiza o primeiro ato histórico, o ato histórico fundamental, isto é, ele ‘produz os
meios que permitam a satisfação dessas necessidades’. Isso significa que a atividade
vital humana, já nas suas formas básicas, voltadas para a criação das condições de
sobrevivência do gênero humano, não se caracteriza, como a atividade vital dos
animais, pelo simples consumo dos objetos que satisfaçam suas necessidades, mas sim
pela produção de meios que possibilitem essa satisfação, ou seja, o homem, para
satisfazer suas necessidades, cria uma realidade humana, o que significa a
transformação tanto da natureza quanto do próprio homem (Duarte, 1993, p. 30-31).
Conforme já mencionado, não são apenas as necessidades biológicas que se
transformam em necessidades sociais. Estas também se transformam em novas necessidades, que
também são sociais, isto é, necessidades propriamente humanas. Essas necessidades funcionam
como uma força que gera, sempre, novas necessidades. Esse processo, que já não está colado às
necessidades biológicas, é histórico; ele é, portanto, infinito, inesgotável.
Não haveria desenvolvimento histórico se o homem se apropriasse de objetos que
servissem de instrumentos para ações que possibilitassem apenas a utilização de um
conjunto fechado de forças humanas e a satisfação de um conjunto também fechado
20
Sobre atividade vital e atividade vital humana, ver Duarte (1993).
de necessidades humanas. O que possibilita o desenvolvimento histórico é justamente
o fato de que a apropriação de um objeto (transformando-o em instrumento, pela
objetivação da atividade humana nesse objeto, inserindo-o na atividade social) gera,
na atividade e na consciência do homem, novas necessidades e novas forças,
faculdades e capacidades
21
(Duarte, 1993, p.35).
As necessidades, na perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica, não se reduzem,
portanto, a determinações biológicas ou sociais da existência humana. As necessidades, pela
concepção aqui enfatizada, constituem-se a partir da configuração / articulação biológica, social e
histórica no plano da subjetividade.
Nesse sentido, as necessidades, assim como as emoções, não podem ser descoladas do
processo subjetivo, cultural e histórico que constitui o sujeito singular.
As necessidades estão sendo entendidas como um estado de carência do indivíduo que
leva a sua ativação com vistas a sua satisfação, dependendo das suas condições de
existência. Temos assim, que as necessidades se constituem e se revelam a partir de
um processo de configuração das relações sociais, processo este que é único, singular,
subjetivo e histórico ao mesmo tempo. Além disso, é fundamental ressaltar que, pelas
características do processo de configuração, o sujeito não necessariamente tem o
controle e muitas vezes a consciência do movimento de constituição das suas
necessidades. Assim, tal processo só pode ser entendido como fruto de um tipo
específico de registro cognitivo e emocional, ou seja, a constituição das necessidades
se dá de forma não intencional, tendo nas emoções um componente fundamental
(Aguiar e Ozella, 2006, p. 8 – no prelo).
As necessidades se configuram a partir do modo pelo qual se amplia o processo de
participação do sujeito nos espaços sociais que o constituem. As necessidades estão relacionadas,
portanto, ao modo pelo qual o sujeito pensa, sente e age ante à complexidade desses novos
espaços, mesmo que esse processo de atuação (pensar, sentir e agir) ocorra de modo não
consciente e não intencional.
21
Grifos do autor.
O sujeito vai dominando de forma crescente novos espaços sociais e estratégias de
ação pessoal comprometidas com esses espaços, o que o leva a operar dentro de uma
complexidade cada vez maior, perante a qual tem de construir suas alternativas, e não
limitar-se a compreender as situações dentro das quais se encontra. A necessidade de
construir de forma permanente novas alternativas entra em conflito com sua
identidade, pois essas alternativas em certas ocasiões rompem completamente sua
localização tempo-espacial, o que está ligado ao distanciamento de sistemas de
sentido histórico enraizados em sua identidade social e pessoal (González Rey, 2003,
p. 239).
Uma criança que é transferida para uma nova escola, por exemplo, passa por um
processo de construção de novos sentidos. Ela passa a pensar, sentir e agir conforme a
configuração desse novo espaço. Contudo, o processo de construção de novos sentidos nem
sempre é tranqüilo, harmonioso. Ao contrário, é sempre marcado por conflitos. É nesse novo
espaço que surgem novas necessidades do sujeito, necessidades de construção de novos sentidos.
“O sujeito representa uma opção criativa, geradora de sentidos, que define novos espaços de
integração pessoal que, no caso de não serem alcançados, podem transformar-se em um momento
de gênese patológica” (González Rey, 2003, p. 239).
As emoções e as necessidades se constituem dialeticamente dentro de espaços sociais
onde as relações entre os homens se concretizam pelos seus diferentes modos de agir, sentir e
pensar. Desse modo “as emoções vão entrar em relações complexas no espaço das diferentes
ações humanas, que têm lugar em contextos sociais específicos, e é precisamente este registro,
quando uma produção emocional ainda não se constitui como sentido subjetivo, que nos permite
falar da necessidade”. (González Rey, 2003, p. 243).
As necessidades não são universais. Elas, ao mesmo tempo que não se separam das
emoções, também não são portadoras de sentido. Contudo, elas se constituem como um processo
de construção de novos sentidos dentro dos novos espaços sociais onde o sujeito atua. “As
necessidades estão associadas ao processo do sujeito dentro do conjunto de suas práticas sociais.
Elas são formadoras de sentido na processualidade das diferentes ações e práticas sociais do
sujeito” (idem, p. 246).
É a partir da luta pela construção de novos sentidos que o sujeito supera, ou não, seus
conflitos e satisfaz, ou não, suas necessidades. É a partir do processo de satisfação das
necessidades do sujeito que surgem os motivos.
6.2.2 O Processo de Motivação
Compreendido como um processo contínuo, complexo e contraditório, a satisfação
das necessidades ocorre a partir da construção de novos sentidos pelo sujeito, o que, por sua vez,
gera novas necessidades e emoções. Esse processo impulsiona o sujeito para novos espaços
sociais onde deve construir novos modos de pensar, sentir e agir, ou seja, novos elementos de
sentido ante seus conflitos. De acordo com González Rey (2003, p. 237), “as opções produzidas
pelo sujeito não são simplesmente opções cognitivas [...], mas verdadeiros caminhos de sentido
que influenciam a própria identidade de quem os assume e que geram novos espaços sociais que
supõem novas relações sociais e novos sistemas de ações e valores”.
Aguiar e Ozella (2006, p. 8 – no prelo) esclarecem que o “processo de ação do sujeito
no mundo a partir das suas necessidades só vai se completar quando o sujeito significar algo do
mundo social como possível de satisfazer suas necessidades”. Dessa forma, pode-se afirmar que a
satisfação das necessidades ocorre como um processo mediado pela articulação de significações
construídas pelo sujeito a partir das suas relações sociais, que são, sempre, atravessadas pela
dimensão emocional.
A possibilidade de realizar uma atividade, que vá na direção da satisfação das
necessidades, com certeza modifica o sujeito, criando novas necessidades e novas
formas de atividade. Afirmamos, assim, que a necessidade não conhece seu objeto de
satisfação, ela completa sua função quando o “descobre” na realidade social.
Entendemos que este movimento se define como a configuração das necessidades em
motivos. Com isto estamos dizendo que os motivos se constituirão como tal somente
no encontro com o sujeito, no momento que o sujeito o configurar como possível de
satisfazer as suas necessidades (idem, pp. 8-9).
Todo esse processo gerador de novas emoções a partir da satisfação de novas
necessidades e construção / integração de elementos de sentidos configura-se como um
movimento: trata-se do modo pelo qual ocorre o processo de motivação do sujeito. Os motivos,
ao contrário das necessidades, apresentam elementos de sentido relativamente estáveis no
contexto das atividades e práticas sociais do sujeito.
Acerca dessa questão que envolve o processo motivacional humano, convém enfatizar
que, enquanto as demais espécies animais são movidas, basicamente, por motivos biológicos, no
ser humano esse processo se constitui a partir dos elementos presentes nos diferentes espaços
sociais de atuação dos sujeitos.
Ao transpor para a discussão da categoria motivos o exemplo citado na discussão da
categoria necessidades, elaboramos o seguinte exemplo
22
: Uma criança que é transferida para
uma nova escola, passa, provavelmente, pelo processo de re-configuração do seu modo de pensar,
sentir e agir ante o novo espaço. Caso contrário, pode vir a ser afetada por problemas
psicológicos. Como já observado, o processo de construção de novos sentidos nem sempre é
tranqüilo, harmonioso; de qualquer modo, a satisfação das necessidades gestadas nesse novo
espaço só ocorrerá quando aspectos / fenômenos da realidade forem significados pela criança
como capazes de atender às suas necessidades, e assim se constituem em motivos para suas
22
Para rememorar, vale a pena ver o exemplo citado: “Uma criança que é transferida para uma nova escola, por
exemplo, passa por um processo de construção de novos sentidos. Ela passa a pensar, sentir e agir conforme a
configuração desse novo espaço. Contudo, o processo de construção de novos sentidos nem sempre é tranqüilo,
harmonioso. Ao contrário, é sempre marcado por conflitos. É nesse novo espaço que surgem novas necessidades do
sujeito, necessidades de construção de novos sentidos”.
ações. Neste momento em que necessidades são satisfeitas, surgem novos motivos para ação,
novos sentidos se configuram, ao mesmo tempo que novas necessidades se constituem.
Os motivos, aqui compreendidos não como sistemas naturalmente intrapsíquicos, os
quais seriam compostos de elementos invariantes e universais, são, portanto, configurações
subjetivas, ou seja, são constituídos a partir da integração de elementos de sentidos produzidos
em diferentes espaços sociais de atuação do sujeito. Assim, os motivos estão associados aos
sentidos, os quais se constituem a partir da unidade entre a dimensão simbólica e a dimensão
afetiva na constituição do sujeito.
Acerca do modo pelo qual compreende o papel do motivo na constituição do humano,
Vigotski (2001, p. 479) tece o seguinte comentário: o “pensamento não nasce de outro
pensamento mas do campo da nossa consciência que o motiva, que abrange os nossos pendores e
necessidades, os nossos interesses e motivações, os nossos afetos e emoções. Por trás do
pensamento existe uma tendência afetiva e volitiva”.
Os motivos são, portanto, estados afetivos que constituem o sujeito, ao mesmo tempo
que são por estes constituídos. Assim, os motivos se configuram como elementos profundamente
implicados pela história da mediação afetiva dos sujeitos; pela história das emoções e
sentimentos que afeta cada ser na sua dimensão subjetiva. Configuram-se, em síntese, como
elementos subjetivos profundamente implicados pela microgênese do sujeito, pela singularidade
que o constitui na sua relação dialética com o mundo; implicados, portanto, pelo processo da
produção de novos sentidos pelo sujeito no espaço de suas relações sociais.
CAPÍTULO II
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES COMO VIVÊNCIA CRÍTICA
O tema formação de professor tem ocupado, na atualidade, os principais cenários dos
debates sobre questões educacionais no Brasil. É um tema que tem suscitado os mais diversos
tipos de questionamentos. Dentre eles, o papel pedagógico do professor no processo educacional
escolar tem sido um dos mais importantes.
O papel do professor pode ser abordado a partir dos mais diferentes matizes
pedagógicos. Na atualidade, a Pedagogia dos saberes docentes, dos saberes que emanam da
experiência a partir da reflexão, tem predominado como uma espécie de modismo no cenário
educacional. Cenário educacional, este, determinado, de modo hegemônico, por uma Pedagogia
muito mais voltada para a perpetuação das dicotomias e contradições existentes na atual
sociedade do que para a sua superação.
O objetivo deste capítulo, contudo, não é seguir a lógica do pensamento pedagógico
reflexivo. É, pelo contrário, a partir da perspectiva crítica da Pedagogia e da Psicologia da
Educação, analisar a formação de professores como um processo pedagógico mediado por
determinados valores histórico-culturais, dentre os quais os valores da formação técnica, da
formação política, da formação ética e da sensibilidade estética
23
. Valores estes que se
23
A formação técnica, a formação política, a formação ética e a sensibilidade estética são valores apontados por
Severino (2005) numa perspectiva verdadeiramente crítica de educação. São valores que abrangem a educação na
sua dimensão mais ampla. Neste trabalho, contudo, estamos transpondo esses valores para o processo de educação /
formação de professores.
constituem, dialeticamente, a partir de determinados conteúdos que são produções histórico-
sociais no campo da educação
24
.
Para a consecução deste objetivo, ou seja, desta análise, são utilizados, sobretudo,
estudiosos brasileiros, que muita contribuição têm dado ao debate, à compreensão dessa temática.
Neste trabalho, consideramos que os valores aqui enfatizados, assim como os
conteúdos historicamente produzidos, são fundamentais à compreensão da vivência do professor
no processo de sua formação acadêmica. Vivência esta que não se reduz à dimensão estritamente
teórica ou à dimensão estritamente prática, experiencial, do processo de formação. A vivência à
qual se refere este trabalho é mais ampla. É constituída a partir da relação dialética da teoria com
a prática e com toda a realidade que configura o processo pedagógico da formação do professor.
Ante a abrangência que pode ter o objetivo acima referido, este capítulo encontra-se
delimitado em duas partes. A primeira explicita, de modo conceitual e metodológico, os valores
educacionais propostos. A segunda apresenta o tema formação de professores a partir de uma
compreensão crítica acerca do que seja a formação reflexiva.
1 Os Valores da Educação na Formação de Professores
A compreensão do processo histórico da formação de professores no Brasil passa,
necessariamente, pela compreensão das tendências pedagógicas da educação brasileira. São
tendências que, fundamentadas filosoficamente, contribuem para que os sujeitos se apropriem de
determinadas concepções de homem, mundo, realidade. São concepções, enfim, carregadas de
valores.
24
Os conteúdos aos quais se refere este trabalho dizem respeito à concepção da Pedagogia Histórico-Crítica. Ver
referências de Saviani.
É preciso compreender, entretanto, que os valores que compõem o processo educativo
são plurais, contraditórios e complementares; são valores que se constituem dialeticamente no
processo de formação do ser, inclusive no processo de formação de professores, que é, também,
um processo educativo complexo.
Não há interesse, contudo, neste trabalho, em discutir a história da formação de
professores no Brasil a partir das tendências pedagógicas hegemônicas
25
. Pelo contrário, o
interesse, nesta primeira parte do capítulo, consiste em analisar os valores pedagógicos que
constituem a perspectiva histórico-crítica da educação, que, em nenhum momento, se
consubstanciou como uma tendência pedagógica hegemônica na educação brasileira.
Para esta perspectiva, os valores da educão apontam, em sua totalidade, para o
redimensionamento dos aspectos humanos do ser. Apontam para o redimensionamento das
características naturalizantes do ser e aportam em uma definição sócio-histórica do sujeito.
Apontam, portanto, para uma perspectiva crítica do ser.
A educação é algo que não apenas determina o ser humano; ela medeia a constituição
do humano ao mesmo tempo que é por ele (o humano) mediada (Severino, 2005). É claro que o
tipo de educação ao qual estamos nos referindo, nesse momento, não é apenas o escolar.
Compreendemos que a educação é algo muito mais amplo. É algo que constitui o humano, ao
mesmo tempo que é por este constituído, em todas as suas relações; e todas essas relações estão
carregadas de valores.
Ao discutir sobre formação de professores, é fundamental não excluir os valores que
constituem o processo educativo. Formar professores é, também, um processo educativo,
conforme já afirmado anteriormente neste trabalho. A formação de professores configura-se
25
Para uma leitura crítica das tendências pedagógicas no Brasil, desde a Pedagogia Tradicional, passando pelas
Pedagogias Nova e Tecnicista, até chegar ao período da aparente hegemonia da Pedagogia Construtivista,
recomendamos a leitura de Saviani e Duarte. Ver referências na bibliografia deste trabalho.
como algo que se constitui pela mediação dos mais diversos valores educacionais, sejam eles
institucionais ou não.
Embora a análise seja desenvolvida a partir de vários teóricos, utilizamos, como base /
referência, as dimensões de valores definidas por Severino (2005) no seu livro Educação, sujeito
e história (2005). Essas dimensões estão apresentadas de modo separado, contudo, não são
isoladas entre si. Uma constitui a outra dialeticamente. Elas fazem parte, necessariamente, e de
modo integrado, do processo de formação crítica de professores. Constituem a vivência crítica de
professores.
A primeira dimensão a constituir os valores educacionais mencionados por Severino
(2005) é a formação técnica. Trata-se de uma dimensão voltada para o campo da produção, da
prática, do saber fazer. São os valores que constituem essa dimensão que determinam à educação
assumir a responsabilidade de desenvolver a competência técnica e profissionalizante do saber.
Severino (2005, p. 85) chega a afirmar que, “num sentido geral, toda educação é
profissionalizante”. À educação caberia, enfim, não apenas a função de transmitir conhecimentos
científicos. No âmbito da educação, ciência e tecnologia não se separam; embora únicas, uma não
existe sem a outra.
A formação técnica, contudo, não se reduz ao processo de transmissão / apropriação
do conhecimento científico e tecnológico. Ela se configura como uma dimensão valorativa da
educação. Desse modo, essa formação envolve a valorização da subjetividade, as relações do
sujeito com o mundo, a sociabilidade; envolve, enfim, o princípio de humanização determinado
historicamente nos complexos espaços de relações sociais dos sujeitos.
Conforme afirma Severino (2005, p. 86), “embora fundamental, o exercício da
profissão técnica é uma dentre as várias práticas mediadoras da existência histórica. A
humanização pressupõe mediações que impõem à educação exigências para além da competência
técnica e científica”.
A formação técnica tem o sentido de não se limitar ao campo da ciência e da
tecnologia como um fim em si mesma. É uma formação cujos valores agregados se voltam para o
compromisso da intervenção social, da transformação da realidade. Trata-se, portanto, de uma
educação emancipadora do homem. Uma educação libertadora, que “deve incorporar a crítica às
formas degradantes de produção e de consumo e clarear a significação do trabalho na existência
humana. Daí o equívoco de políticas educacionais que se dedicam apenas a habilitar
tecnicamente para o trabalho, submetendo o aprendiz à lógica opressiva do mercado” (Severino,
2005, p. 87).
Diante dessas questões, faz-se necessário remeter o pensamento a Rios (1994, p. 45):
“O que significa ser educador na sociedade brasileira? O que é necessário para desempenhar o
papel de educador? O que, em última instância, compete
26
ao educador na construção de nossa
sociedade?”. A formação técnica não se reduz, portanto, a um mero tecnicismo, cuja finalidade
estaria localizada em si mesma.
Em síntese, a formação técnica, para a concepção histórico-crítica, configura-se,
portanto, como algo muito mais que uma formação para um saber fazer. Ela se configura como
um compromisso de intervenção e transformação de determinada realidade social a partir daquilo
que se faz.
A segunda dimensão valorativa da educação refere-se à formação política. Trata-se de
uma dimensão que constitui a educação no processo de “inserção dos indivíduos na vida social,
de modo a assegurar-lhes o usufruto dos bens que dela decorrem, fundamentais para sua
26
Grifos da autora.
humanização” (Severino, 2005, p. 88). É uma dimensão que compreende a educação a partir do
seu compromisso com a transformação das relações dos sujeitos com a sociedade.
A educação precisa garantir aos educandos clara percepção das relações de poder na
realidade histórica das sociedades. Sem tal compreensão, os sujeitos não entenderão o
significado de seu existir. Daí que o trabalho educativo deve subsidiar os estudantes
para desvendar os vieses ideológicos do processo. Mediante a crítica aos sentidos
falseados, a educação pode contribuir para a formação de nova consciência social nos
educandos. Só assim a educação evitará a reprodução social e atuará como força de
transformação, contribuindo para extirpar os focos de alienação (Severino, 2005, p.
89).
Ao discutir a dimensão política como um dos valores da educação, da formação do
sujeito, sem esquecer que esse sujeito faz parte de uma sociedade de classes, uma questão
importante não pode ser negligenciada: o papel da educação na construção da cidadania. Pois é
mediante a crítica aos sentidos falseados [que] a educação pode contribuir para a formação de
nova consciência social nos educandos. Sem essa condição, de formar uma nova consciência,
fica difícil pensar em cidadania.
É preciso, contudo, pensar essa idéia de modo amplo, que atinja, também, a educação
dos educadores. Conforme aponta Freire (1999, p. 28), “a educação tem caráter permanente. Não
há seres educados e não educados. Estamos todos nos educando. Existem graus de educação, mas
estes não são absolutos”.
Ao focar a dimensão política como um dos valores que constitui a educação,
sobretudo na perspectiva crítica desta, o tema cidadania não poderia ser deixado de lado.
Contudo, essa questão não será discutida aqui com a profundidade devida porque se distancia do
objetivo deste trabalho.
Não há como descolar a idéia de educação da idéia de cidadania. Para que se possa
compreender um pouco dessa articulação, Severino (2005, p. 90) aponta que a construção da
cidadania consiste em “garantir a todos os indivíduos, sem discriminação, condições de serem
produtores e fruidores dos bens naturais, sociais e simbólicos de sua sociedade. A cidadania exige
o compartilhar das mediações existenciais, realizáveis através das três práticas reais”.
27
Como pensar, então, a construção da cidadania de um modo separado da educação? E
como pensar a educação de um modo separado dos valores que a constituem? Seriam modos
muito reducionistas de pensamentos.
A educação ainda permanece vertical. O professor ainda é um ser superior que ensina
a ignorantes. Isto forma uma consciência bancária. O educando recebe passivamente
os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador. Educa-se para arquivar o
que se deposita. Mas o curioso é que o arquivado é o próprio homem, que perde assim
seu poder de criar, se faz menos homem, é uma peça. O destino do homem deve ser
criar e transformar o mundo, sendo o sujeito de sua ação (Freire, 1999, p. 38).
Numa acepção política de educação verdadeiramente comprometida com a mudança,
com a liberdade e a cidadania plena, Freire (1996, p. 70) afirma: “a educação como prática
política da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica a negação do
homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo
como uma realidade ausente dos homens”.
Embora sejam compreendidas como categorias distintas, a dimensão política da
educação não está separada da sua dimensão técnica. São valores que constituem a educação de
um modo dialeticamente relacionados.
Quando afirmo que a educação é sempre um ato político, quero com isso frisar que a
educação cumpre sempre uma função política. Mas é preciso não identificar essa
função política com outra que a educação cumpre, que é a função técnica. Essas
27
As três práticas reais dizem respeito à prática social da educação: “prepara os educandos para a inserção na vida
social; realiza-se em si mesma como exercício de sociabilidade; esse exercício é também seu conteúdo formativo”
(Severino, 2005, p. 89).
funções não se identificam, elas se distinguem. Mas, embora distinguíveis, são
inseparáveis, ou seja: a função técnica é sempre subsumida por uma função política
(Saviani, 1980, p. 194).
Considerar a dimensão política como um valor voltado para a formação humana
significa compreender a educação como um processo capaz de contribuir com a superação das
formas alienantes da sociedade na qual se encontram os sujeitos. Esta seria, também, uma grande
contribuição “muito bem-vinda” nos cursos de formação de professores.
Compreender o fazer humano não é uma tarefa fácil numa sociedade radicalmente
marcada por um pragmatismo tecnicista, em que tudo se explica por sua utilidade. Por
isso mesmo, a compreensão supõe uma reflexão analítica, crítico-criativa que possa, a
partir do fazer-ser pedagógico, superar os enganos cognitivos que dificultam o
conhecimento de nossas próprias práticas. Isto quer dizer que a atividade pedagógica
está, também, radicalmente marcada por um fazer político, do mesmo modo que a
ação política implica um fazer pedagógico (Ghedin, 2005, p. 142).
A educação, por meio do seu princípio de sociabilidade, pode se constituir como uma
prática social voltada tanto para as formas de alienação do sujeito quanto para a inserção desse
sujeito de modo crítico e participativo na sociedade, contribuindo, assim, para a construção da
sua cidadania. De um modo ou de outro, a educação não se descola das circunstâncias políticas
que a constituem
28
.
A formação ética é a terceira dimensão valorativa enfatizada por Severino (2005). É
uma das dimensões valorativas mais discutidas pelos filósofos da educação. Trata-se de uma
dimensão que, embora distinta das anteriores (formação técnica e formação política), não se
separa delas. Relaciona-se dialeticamente com elas.
28
Embora não seja nosso propósito discutir, neste trabalho, a relação entre educação e consciência, é interessante
ressaltar que a consciência, aqui enfatizada como uma categoria ampla, também faz parte dos processos
educacionais. Educação e consciência são elementos que se articulam dialeticamente. Para maiores esclarecimentos
acerca do que seja consciência, vale a pena destacar a seguinte citação de Aguiar: “A consciência deve ser vista
como um sistema integrado, numa processualidade permanente, determinada pelas condições sociais e históricas, que
num processo de conversão se transformam em produções simbólicas, em construções singulares” (2001, p. 98).
Na atualidade, a ética, assim como os demais sistemas humanos, não pode ser
compreendida como um sistema desvinculado da realidade sócio-histórica que a constitui. Nesse
sentido, a filosofia tem tentado superar tanto a visão essencialista (Antiguidade e Idade Média)
como a naturalista (Idade Moderna) que lhe foi outorgada nesses períodos.
Na contemporaneidade, a reflexão filosófica encara a ética de um modo radicalmente
diferente dos períodos acima mencionados. Encara-se a historicidade humana como uma questão
nuclear.
Ela [a reflexão filosófica] adota o enfoque praxista, decorrente de um modo novo de
pensar o homem. Este continua entendido como ser natural e dotado de uma
identidade subjetiva que lhe permite projetar e antever suas ações. No entanto, não é
mais visto nem como totalmente determinado nem como inteiramente livre. O ser
humano é simultaneamente determinado e livre (Severino, 2005, p. 94).
Acerca da relação dessa dimensão valorativa com a educação, Severino (2005, p. 95)
destaca que “a mais radical exigência ética contemporânea para os sujeitos envolvidos na
educação é o compromisso de aplicar o conhecimento na construção da cidadania”. Percebe-se,
aqui, uma relação dialética da dimensão ética com as dimensões política (a construção da
cidadania) e técnica (o compromisso de aplicação do conhecimento) no campo da educação.
Conforme destaca Rios (1994, p. 67), é preciso superar as dicotomias. É preciso compreender que
a ética não está articulada apenas à política. “É preciso compreender a idéia de que a dimensão
técnica também carrega a ética. O que temos é competência técnico-ético-política”.
29
A dimensão ética, como valor constitutivo da educação, também está presente no
pensamento pedagógico freiriano quando afirma, por exemplo, que “o preparo científico do
professor ou da professora deve coincidir com sua retidão ética” (Freire, 2000, p. 18).
29
Grifos da autora.
A educação que se configura como uma verdadeira prática social, que se volta para a
humanização como um princípio, é carregada de valores éticos contemporâneos. Não se nega,
pois, a formar homens cidadãos, professores cidadãos, porque comprometidos com o processo de
humanização.
A sensibilidade estética é a quarta dimensão valorativa da educação destacada por
Severino (2005). Nessa dimensão, o autor discute a relação do papel dos sentimentos, das
emoções, com o papel da educação, do agir humano. Segundo o autor (2005, p. 96), “a
emotividade e a subjetividade desejante são fatores dinâmicos indiscutíveis quando se trata das
opções valorativas sobre o nosso agir”. Dessa forma, é fundamentalmente necessário que o
professor tenha sensibilidade com relação ao aluno, aos objetivos de trabalho, aos conteúdos,
para que sua ação seja mais efetiva na sala de aula.
Freire (2000) também traz uma contribuição muito importante para a compreensão
dessa dimensão valorativa na educação, voltando-se, mais especificamente, para o campo da
formação e atuação profissional do professor.
Ao dizer que o ensino exige ética e estética, Freire (2000, p. 36) enfatiza que a
“promoção da ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita à distância de uma
rigorosa formação ética ao lado sempre da estética. Decência e boniteza de mãos dadas”.
Decência (ética) e boniteza (estética), conforme Freire (idem), são, de fato, grandes
características que marcam os sujeitos verdadeiramente comprometidos com o processo
educativo, sejam eles alunos, professores, orientadores. “Há uma relação entre a alegria
necessária à atividade educativa e a esperança. A esperança de que professor e alunos juntos
podem aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos à
nossa alegria” (idem, ibid, p. 80).
Não há como ser ético sem ser estético. São características que se relacionam
dialeticamente muito mais pelo princípio de afirmação, interpenetração, do que pelo princípio de
negação, de contradição.
Transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o
que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador.
Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se
alheio à formação moral do educando. Educar é substancialmente formar (Freire,
2000, p. 37).
Para resgatar um pouco mais a respeito do papel dos sujeitos envolvidos no processo
educativo, gostaríamos de enfatizar que, na perspectiva dialética, os sujeitos da educação não se
excluem mecanicamente. Eles se constituem o tempo todo, de modo mútuo e contraditório,
afirmando-se e negando-se, sem contudo deixar de ser uma totalidade do processo educativo. Um
não existe sem o outro.
Dialeticamente, é preciso tentar, sempre, superar as dicotomias que constituem os
modos de pensar a realidade. Numa leitura dialética da realidade não cabe a disjunção ou
isso ou
aquilo. A conjunção isso e
aquilo é mais adequada.
As dimensões valorativas aqui abordadas, cujos eixos fundamentais são o
compromisso com a humanização, a cidadania, a justiça social, não são isoladas entre si. Elas
atravessam os conteúdos sócio-historicamente produzidos pela ciência e constituem o processo de
mediação da educação ao mesmo tempo que são por esta mediada.
Em síntese, as dimensões valorativas da formação técnica, da formação política, da
formação ética e da sensibilidade estética afetam a formação de todos os sujeitos envolvidos no
processo educativo, inclusive do professor.
Ao mesmo tempo que é mediado pelos valores acima referidos, esse mesmo professor
medeia-os na sua relação com os espaços sociais em que atua, e nesse processo de mediação dos
valores educacionais, desempenha papel fundamental no processo de formação de seus alunos. É
o professor um grande artífice na construção da cidadania de seus alunos; construção, esta, que
pressupõe o processo de apropriação de conhecimentos e valores sócio-historicamente
produzidos.
2 Uma Compreensão Crítica Acerca da Formação de Professores
Sobre o tema formação de professores, a referência teórico-metodológica adotada tem
sido, fundamentalmente, a Pedagogia da formação reflexiva do professor, do americano Donald
Schön. Dentre as obras deste teórico, destacam-se, no Brasil, o livro Educando o profissional
reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem, editado pela Artes Médicas, em 2000,
e o artigo Formar professores como profissionais reflexivos, publicado no livro Os professores e
a sua formação, organizado por Antônio Nóvoa, e editado pela Dom Quixote, em 1997.
Nessa mesma linha de pensamento sobre formação de professores, outros teóricos têm
se destacado, como Tardif, Perrenoud, Nóvoa, Popkewitz.
Embora cada um desses autores adote a sua abordagem original, o que os torna
semelhantes é, sobretudo, a maneira como suas idéias são incorporadas, desvalorizando o
conhecimento teórico. Suas idéias pedagógicas também têm sido consideradas normativas.
Convém ressaltar, contudo, que as discussões sobre formação de professores não se
têm limitado apenas à base teórico-metodológica desses autores. Outros autores, como Duarte
(2000; 2003; 2004), Contreras (2002), Galdini e Aguiar (2003), Pimenta (2005), Ghedin (2005),
têm tentado e conseguido com êxito superar as dicotomias contidas no pensamento dos autores
inicialmente citados (Schön, Tardif, Perrenoud, Nóvoa, Popkewitz).
São dicotomias que dizem respeito não apenas à relação entre teoria e prática
pedagógica, embora esta seja a que mais aparece. São dicotomias que emanam, e escondem, ao
mesmo tempo, a perpetuação da ideologia individualista presente na atual sociedade.
Duarte, assim como outros autores, conforme já mencionado, têm enfatizado suas
críticas à influência da concepção reflexiva na formação de professores. Críticas essas que se
referem, sobretudo, ao modo pelo qual se limita o processo de formação desse profissional.
Neste trabalho, as críticas desses autores foram delimitadas ao modo como encaram a
questão conceitual e metodológica da formação do professor reflexivo. De acordo com o
pensamento de Contreras (2002) e Pimenta (2005), a concepção de professor como profissional
reflexivo, apresentada por Schön (1997; 2000), é atravessada por diversos problemas. Problemas
que estão localizados, sobretudo, naquilo que se diz ser a sua contribuição mais importante, que é
o processo de reflexão dos professores.
Como ser humano, não há dúvidas de que o professor seja capaz de refletir sobre si e
sobre o mundo que o circunda. O processo de apropriação dessa capacidade não ocorre somente
na escola. Ele é historicamente constituído a partir daquilo que pode ser significado dentro dos
espaços sociais onde os sujeitos se relacionam dialeticamente.
O que é ser um professor reflexivo? De acordo com Contreras (2002, p. 135), esta é
uma questão complicada porque “a menção à reflexão é tão extensa que passou a ser de uso
obrigatório para qualquer autor ou corrente pedagógica. Como conseqüência, acabou-se
transformando, na prática, em um slogan vazio de conteúdo”.
Nessa mesma linha de pensamento, Pimenta (2005, p. 22) faz as seguintes indagações:
“que tipo de reflexão tem sido realizada pelos professores? As reflexões incorporam um processo
de consciência das implicações sociais, econômicas e políticas da atividade de ensinar? Que
condições têm os professores para refletir?”.
A categoria reflexão, que aparece na concepção pedagógica de Schön, es
diretamente relacionada ao modo de conhecer construído pelo professor na sua própria ação
prática. Desse modo, ao valorizar a experiência profissional do professor no seu processo de
formação, em detrimento do saber teórico (pois este, segundo o autor, não é capaz de responder
às situações diárias enfrentadas pelo profissional), defende um modelo de formação baseado no
saber gerado pela própria prática a partir de suas reflexões.
Em sua epistemologia, Schön apresenta três tipos / dimensões de conhecimentos:
“conhecer na ação”, “reflexão na ação” e “reflexão sobre a reflexão na ação”. O primeiro é o que
ele denomina de conhecimento tácito. Trata-se do conhecimento rotineiro, pois é interiorizado a
partir da própria prática cotidiana. O segundo é um pouco mais complexo que o primeiro;
configura-se pela busca de alternativas frente às novas situações vividas durante a ação prática. O
terceiro configura-se pelo processo de análise, contextualização e, até, pela busca de teorias que
possam explicar o fenômeno suscitado.
Com base nesses conhecimentos Schön propõe que o professor seja pesquisador de
sua própria prática. Somente o professor, pelo uso da reflexão, pode responder às suas questões,
às suas dúvidas.
Muitas críticas, entretanto, têm sido feitas a essa teoria. Críticas que apontam para o
cuidado de que “a transformação da prática dos professores deve se dar, pois, numa perspectiva
crítica. Assim, deve ser adotada uma postura cautelosa na abordagem da prática reflexiva,
evitando que a ênfase no professor não venha a operar estranhamente, a separação de sua prática
do contexto organizacional no qual ocorre” (Pimenta, 2005, p. 24).
Duarte (2003) enfatiza que o professor reflexivo caracteriza-se, pedagogicamente,
pela valorização do conhecimento tácito, espontâneo, enquanto o conhecimento científico,
escolar, é secundarizado, desvalorizado.
Assim como Schön entende não haver progresso na passagem do saber cotidiano do
aluno ao saber escolar, também não haveria progresso na passagem do saber prático
do professor ao saber científico e filosófico sobre a educação. A formação de
professores deveria, ao invés de concentrar-se no domínio de teorias científicas,
voltar-se para o saber experiencial do professor (Duarte, 2003, p. 11).
Diante dessas questões, convém perguntar onde e como estão situados os valores
educacionais na concepção de professor como profissional reflexivo. De acordo com Duarte
(2003), esta concepção nega toda a construção histórica da humanidade, sobretudo no que se
refere ao seu aspecto mais crucial, que é a da transmissão / apropriação da cultura sistematizada
pela ciência, pela filosofia, pela arte.
Ao enfatizar sua crítica a Schön, Tardif, Perrenoud, Zeichner, Nóvoa e outros, Duarte
(2003, p. 12) afirma que “de pouco ou nada adiantará defendermos a necessidade de os
formadores de professores serem pesquisadores em educação, se as pesquisas em educação se
renderem ao ‘recuo da teoria’”.
A Pedagogia da formação reflexiva do professor, ao negar a historicidade da cultura
humana, inverte, portanto, não apenas todo o ato pedagógico de ensinar e aprender; inverte,
também, todos os valores que constituem a Pedagogia Histórico-Crítica (na formação técnica, na
formação política, na formação ética, na sensibilidade estética); e que buscam resgatar a
humanização, a cidadania, o compromisso com a justiça social.
Conforme já apontamos anteriormente, os teóricos aqui suscitados não se têm detido
apenas a construir críticas à Pedagogia da formação reflexiva do professor, mas têm apontado
alternativas pedagógicas. São autores / estudiosos que, ao enfatizarem que teoria e prática se
relacionam dialeticamente, muito têm contribuído para a superação dos limites da Pedagogia da
formação reflexiva do professor.
Não basta que o professor seja apenas reflexivo. Não basta o professor querer
compreender o mundo a partir de si mesmo. O processo educativo é muito mais complexo.
É nesse sentido, portanto, que a Pedagogia da formação reflexiva é limitada, pois não
alcança o que, de fato, deveria: a verdadeira educação do sujeito, a educação como práxis. De
acordo com Ghedin (2005, p. 142), “a reflexão que não se torna ação política, transformadora da
própria prática, não tem sentido no horizonte educativo”.
Em vez de apenas reflexivo, o professor deve ser um profissional autônomo,
emancipado. Um profissional que perceba que teoria e prática constituem uma totalidade, assim
como a reflexão deve ser encarada como algo coletivo, e não individual (Pimenta, 2005).
Segundo a autora, o professor deve ser um intelectual crítico-reflexivo, ou seja, um profissional
que não limite as suas reflexões ao mundo sensível de sua experiência profissional.
É preciso, então, que a sua formação tenha a idéia de crítico-reflexivo como princípio.
“Quando o professor é visto como intelectual, destina-se a ele a relação direta com a construção
do seu trabalho, permitindo que tome decisões, verifique soluções, mantenha sua identificação
com o produto do seu trabalho, oferecendo um processo de emancipação profissional e humana
no decorrer de suas atividades” (Forteza, 2003, p. 30).
A formação de professores deve, portanto, ser pensada, e efetivada, no sentido de que
possa proporcionar condições ao sujeito perceber a realidade e agir sobre ela. Que o sujeito possa
perceber a realidade de um modo translúcido porque está mediado por teorias críticas que o
fazem perceber as contradições, as possibilidades. Que a formação seja efetivada como um
processo pelo qual o professor possa encarar a educação como uma práxis (ação-reflexão-ação),
como um fazer pedagógico atravessado por inúmeros sentidos e significados. Afinal, é a
educação uma construção humana, cultural e histórica. “Olhar o que estamos fazendo, refletir
sobre os sentidos e os significados do fazer pedagógico é, antes de tudo, um profundo e rigoroso
exercício de compreensão do nosso próprio ser” (Ghedin, 2005, p. 144).
Galdini e Aguiar (2003), nessa mesma perspectiva, apontam que é preciso
potencializar a produção de novos sentidos nos professores. Intervindo junto a professores, as
autoras colocam que é “fundamental resgatarmos a possibilidade do seu papel ativo, capaz de
produzir conhecimento, de refletir, de criar situações de aprendizagem, de ter uma práxis”. (idem,
p. 89).
Pensar o professor, e sua formação, é uma tarefa que exige um debruçar sobre os
espaços sociais que os constituem, ao mesmo tempo que é por eles constituído. É preciso pensar
o professor e sua formação a partir de sua complexa constituição para poder compreendê-lo como
um ser total que vivencia um processo histórico.
Nossa luta é pela busca de uma maior qualidade do trabalho docente, entendendo-a
como qualidade social e histórica. Então, não podemos jamais escamotear as relações
entre educação e política, educação e poder, não podemos compreender a qualidade, a
competência, como tendo um valor em si, universal, independentes das condições
sociais que as produzem (Galdini e Aguiar, 2003, p. 90).
Pensar o professor, e sua formação, é pensar a realidade que o constitui. É apreender
as afirmações e contradições que constituem os espaços sociais onde o professor atua como
sujeito. É apreender o modo pelo qual se configuram a sua subjetividade, seus valores pessoais e
profissionais, seus sentimentos e emoções, suas necessidades e motivações, sua prática
pedagógica. É apreender como se configura, enfim, seu modo de pensar, sentir e agir ante os
espaços sociais no quais atua como sujeito.
Os trabalhos realizados junto a professores mostram o quanto são múltiplos e
contraditórios os sentimentos vividos por eles, ou seja, culpa, medo, raiva, impotência,
desanimo são sentimentos que os acompanham no dia-a-dia. Precisamos então tocar
nesses sentimentos para que sejam superados e para que outros ocupem seu lugar,
como a criatividade, a paixão, a potência, a reflexão. Buscamos atingir esse objetivo
criando um espaço de acolhimento dos limites, das dificuldades, do ruim, para
reconhecermos também o que os constitui, como esses aspectos surgem e se mantêm
e, então, como transformá-los (Galdini e Aguiar, 2003, p. 96).
Pensar o professor, e sua formação, é não se distanciar da possibilidade de que é
preciso contribuir para que a sua capacidade de reflexão não seja deixada de lado. Contudo, é
necessário não esquecer que toda reflexão é atravessada por inúmeros sentidos e significados.
Sentidos e significados que configuram a sua vivência nos diferentes espaços pedagógicos onde
atua e que o constitui, dialeticamente, como sujeito.
A vivência do professor não se limita à ação técnica, à experiência profissional. Trata-
se de uma vivência crítica, que, embasada teoricamente, não se distancia da prática nem da
realidade que a constitui dialeticamente.
Pensar o professor, e sua formação, é, portanto, pensar acerca das possibilidades de
apreender os sentidos e significados que constituem a vivência pedagógica crítica desse
profissional. É apreender a realidade que o constitui, ao mesmo tempo que é dela constituinte.
Realidade essa que é atravessada por valores, saberes profissionais cotidianos, saberes não
cotidianos (científicos). A vivência pedagógica é, portanto, uma totalidade. Nela, a teoria, a
prática e a realidade pedagógica não se desarticulam. Pelo contrário, relacionam-se
dialeticamente.
CAPÍTULO III
O MÉTODO DE PESQUISA NA PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA
O objetivo deste capítulo consiste em discutir o método aplicado ao estudo do
problema proposto nesta pesquisa – a produção de sentidos no processo da formação acadêmica
do professor em serviço.
Ao se compreender que o professor não é um ser determinado imediatamente pelo
meio, diluído nas condições materiais deste, mas uma síntese de múltiplas relações sociais
complexas, o qual, ao atuar sobre a realidade, é por esta modificado no seu modo de pensar,
sentir e agir, a vivência pedagógica escolar do professor configura-se um dos elementos que
constitui essa síntese.
Este capítulo está dividido em duas partes. A primeira enfoca a questão teórico-
metodológica que fundamenta o estudo do problema; a segunda aborda os procedimentos
adotados para a realização da pesquisa.
1 Base Teórico-Metodológica
A base teórico-metodológica sobre a qual se apóia este trabalho é a concepção sócio-
histórica de ser humano, cujo expoente maior é o psicólogo russo Lev Seminovich Vigotski. O
pensamento de Vigotski constitui, portanto, a referência maior deste trabalho. Contudo, não é
utilizado como fonte única. Utilizamos, também, o pensamento de estudiosos que têm imprimido
na história das ciências humanas, em geral, e da Psicologia, em particular, uma nova e original
compreensão da realidade sem, contudo, romper com o pensamento de Vigotski. Ao contrário,
são estudiosos que muito têm contribuído para o processo de desvelamento e aprofundamento
desse teórico russo.
Uma das maiores contribuições de Vigotski para a história da ciência está no legado
que deixou sobre o modo como deve ser tratado o processo de produção de conhecimento, de
modo especial no campo da Psicologia e da Pedagogia. Trata-se, portanto, da questão do método
empregado no estudo dos problemas pela ciência.
Aguiar (2001), a partir de Vigotski, apresenta a necessidade de criação de um novo
método em Psicologia. Trata-se de um método que, ao considerar o dinamismo do
desenvolvimento humano, a historicidade do ser humano, supera a idéia de que se pode construir
uma Psicologia voltada para o estudo da complexidade da constituição humana a partir da
descrição dos fenômenos.
Já em 1934 Vigotski apontava a necessidade de a Psicologia ter um método que desse
conta da complexidade do seu objeto de estudo. Já afirmava que a tarefa da Psicologia
era substituir a análise de um objeto pela análise do processo, da sua constituição, da
sua gênese. Afirmava a necessidade de se apreender os processos internos, e que, para
isso, era preciso exteriorizá-los, era preciso observar o não-observável, o lado escuro
da lua (Aguiar, 2001, p. 129).
Vigotski enfoca o método como um meio pelo qual se estuda não o sujeito em si, mas
como ele se constitui sócio-historicamente. O seu método procura estudar um ser humano que, ao
pensar, sentir e agir sobre a realidade, é por ela transformado sem por ela ser diluído. Trata-se,
portanto, de um novo método de estudo em Psicologia, cujos princípios que o definem são,
essencialmente, históricos, dialéticos e complexos.
Na via desse método, a pesquisa científica caracteriza-se como um processo
essencialmente qualitativo, e procura romper com o modelo positivista de pesquisa e produção de
conhecimento nas ciências sociais e humanas. Segundo González Rey (2005b), mais do que um
simples método, a pesquisa qualitativa configura-se como uma epistemologia (o termo
“Epistemologia Qualitativa” foi cunhado por ele na obra Epistemología Cualitativa y
Subjetividad, publicada pela EDUC em 1997). “A Epistemologia Qualitativa defende o caráter
construtivo interpretativo do conhecimento
30
, o que de fato implica compreender o conhecimento
como produção e não como apropriação linear de uma realidade que se nos apresenta” (González
Rey, p. 5, 2005b).
A “Epistemologia Qualitativa”, conforme define González Rey (2005b), ao apontar
para a possibilidade da construção do conhecimento nas ciências a partir do debate teórico-
epistemológico, rompe com a visão instrumentalista utilizada pelo método positivista na ciência,
o qual reduz a pesquisa a um instrumento de “coleta” de informações da realidade. É como se o
conhecimento já estivesse “pronto” na realidade, e ao pesquisador bastasse coletá-lo e descrevê-
lo com base em categorias universais e previamente estabelecidas. Contudo, ao contrário do que
pensam os positivistas, o conhecimento científico é algo muito mais complexo. É uma produção
humana.
1.1 Um Novo Método de Pesquisa em Psicologia
Todos os procedimentos de pesquisa em Psicologia são identificados por Vigotski, no
seu tempo, como limitados para o estudo da constituição humana. Nenhuma vertente da
Psicologia da sua época dispunha de um método capaz de gerar explicações fidedignas e
verdadeiramente convincentes acerca do ser humano. O autor chega a afirmar que, “apesar da
grande diversidade dos detalhes de procedimento, virtualmente todos os experimentos
psicológicos baseiam-se no que chamaremos de uma estrutura estímulo-resposta” (Vygotsky, p.
30
Grifos do autor.
67, 1991). Essa é a base sobre a qual se assentam suas críticas ao método utilizado pelas teorias
psicológicas da sua época: a teoria reflexológica de Pavlov, a teoria objetiva de Watson, a teoria
subjetiva de Wundt.
Mesmo tecendo críticas à Psicologia do seu tempo e enfatizando a necessidade de
reformas profundas no campo metodológico dessa ciência, Vigotski não deixa de reconhecer,
entretanto, o avanço incrementado na Psicologia pelo procedimento estímulo-resposta. Segundo
ele, a adoção desse procedimento “pela psicologia introspectiva nos idos de 1880 foi para a
psicologia um avanço revolucionário, uma vez que a trouxe para mais perto do método e espírito
das ciências naturais e preparou o caminho para as abordagens psicológicas objetivas que se
seguiram” (Vygotsky, 1991, p. 68).
Vigotski reconhece que o procedimento estímulo-resposta adequa-se apenas ao estudo
de processos simples, como os que foram estudados por Wundt – processos comportamentais
simples com características psicofisiológicas. Do contrário, ou seja, no estudo das funções
psicológicas superiores, esse procedimento seria inadequado, pois não daria conta da
complexidade que o determina. Assim, chega a afirmar que a estrutura estímulo-resposta “não
pode
31
servir como base para o estudo adequado das formas superiores, especificamente
humanas, de comportamento. Na melhor das hipóteses, ela pode somente nos ajudar a registrar a
existência de formas subordinadas, inferiores, as quais não contém a essência das formas
superiores” (Vygotsky, 1991, p. 69).
É diante dessas questões metodológicas, que parecem limitadas para o estudo da
complexidade que constitui o ser humano, que Vigotski desenvolve sua crítica ao modelo de
pesquisa vigente na Psicologia e apresenta um novo método de estudo, cujo enfoque é,
31
Grifo do autor.
essencialmente, dialético. E, conforme González Rey (2005a), complexo, porque considera o
sujeito no espaço de suas múltiplas relações sociais.
O método, na perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica, configura-se, portanto, como
um processo pelo qual se busca compreender a gênese histórica e social da constituição das
funções psicológicas superiores do sujeito. Por sua vez, esse processo passa, necessariamente,
pela compreensão do modo pelo qual o sujeito constrói sua consciência (pensa, sente e age)
dentro do espaço social que o constitui, e, ao mesmo tempo, é dele constituinte.
1.2 O Processo de Análise das Funções Psicológicas Superiores
Definido um novo método de estudo na Psicologia, cuja base teórica apóia-se na
perspectiva sócio-histórica da constituição das funções psicológicas superiores do sujeito,
Vigotski apresenta três princípios fundamentais que buscam incrementar o processo de análise da
constituição dessas funções.
O primeiro desses princípios refere-se à análise das funções psicológicas, que,
segundo Vigotski, devem ser entendidas como algo em movimento, em contínuo processo de
transformação. Nesse sentido, a função da análise consiste em apreender essas funções não como
objetos fixos, estáveis, mas como processo.
Acerca desse primeiro princípio, Vygotsky (1991, p. 70) destaca que “qualquer
processo psicológico, seja o desenvolvimento do pensamento ou do comportamento voluntário, é
um processo que sofre mudanças a olhos vistos”. Para que esse princípio seja considerado na
pesquisa em Psicologia, a Psicologia Experimental nunca deve ser descolada, portanto, da
Psicologia do Desenvolvimento
32
.
O segundo princípio enfoca a questão da diferença entre explicação e descrição. Pela
descrição, que se limita apenas à aparência do fenômeno, daquilo que é fenotípico, ou seja,
daquilo que se encontra externamente perceptível, o pesquisador nunca atinge a verdadeira
essência do fenômeno. Para tanto, é necessário que o pesquisador conheça a origem do
fenômeno.
Acerca dessa questão, que diferencia os aspectos fenotípicos dos aspectos genotípicos
de um fenômeno, Vygotsky (1991, p. 71) apresenta um exemplo que muito pode contribuir para
explicar esse segundo princípio: “uma baleia, do ponto de vista de sua aparência externa, situa-se
mais próxima dos peixes do que dos mamíferos; mas, quanto à sua natureza biológica está mais
próxima de uma vaca ou de um veado do que de uma barracuda ou de um tubarão”.
De acordo com esse princípio, que contrapõe os aspectos fenótipos aos aspectos
genótipos, a Psicologia Sócio-Histórica compreende que um fenômeno não pode ser explicado
apenas por sua aparência. Dois processos aparentemente semelhantes podem ser radicalmente
diferentes em seus aspectos genotípicos, ou seja, dinâmico-causais.
O terceiro princípio elaborado por Vigotski aborda o problema do comportamento
fossilizado. Trata-se de formas superiores de comportamentos que se configuram como
“processos que esmaeceram ao longo do tempo, isto é, processos que passaram através de um
estágio bastante longo do desenvolvimento histórico e tornaram-se fossilizados”. (Vygotsky,
1991, p. 73).
32
O conceito de desenvolvimento, em Vigotski, diferentemente do conceito de desenvolvimento apresentado por
outros estudiosos da Psicologia, não se configura pela caracterização de estágios fixos e universais. Ao contrário,
trata-se de um processo histórico de transformação das funções psicológicas superiores.
Por se manifestar de modo automático, toda forma superior de comportamento
fossilizado se assemelha, do ponto de vista fenotípico, à sua forma inferior, o que cria
dificuldades de análise na área da Psicologia do Desenvolvimento Humano. Contudo, conforme
aponta Vygotsky (1991), a sua compreensão não passa pela descrição, como se o comportamento
fosse um produto fixo, mas pela análise do processo histórico que o constitui. É preciso
compreender a origem e o processo de transformação das funções psicológicas para que se possa
diferenciar a forma inferior da sua forma superior.
1.3 A Subjetividade na Pesquisa em Psicologia
Ao estabelecer a criação de um novo método de pesquisa em Psicologia, Vigotski
supera muitas das limitações apresentadas tanto pela Psicologia Subjetiva (Wundt) como pela
Psicologia Objetiva (Watson) e Reflexológica (Pavlov) do seu tempo, cuja estrutura
metodológica configura-se pela relação estímulo-resposta.
Ao romper com a idéia de que a estrutura do funcionamento psíquico é fixa e
universal, Vigotski compreende que nenhuma dessas vertentes consegue responder,
satisfatoriamente, ao modo pelo qual ocorre a constituição das funções psicológicas superiores. O
autor define o psiquismo como um sistema dinâmico, cujas funções superiores configuram-se
como produções histórico-culturais. Essa maneira de conceber o psiquismo foi definida por
González Rey (2005a) como subjetividade.
Vygotsky sempre representou a psique como sistema, mesmo que, em diferentes
ocasiões, mudasse sua representação sobre tal sistema. Assim, em um determinado
momento concreto de sua obra, identificou o sistema com o desenvolvimento e
definiu, como sua unidade constitutiva, a vivência; em outro momento, considerou a
consciência como sistema, cuja unidade constitutiva foi o significado; finalmente,
falou do sentido, mas não chegou a desenvolver o sistema no qual estaria inserido o
sentido. Na nossa opinião, o sistema que daria conta do sentido seria precisamente a
subjetividade, por esta ter todas as características de um sistema complexo (González
Rey, 2005a, p. 34).
Precisamos destacar que a subjetividade não está localizada apenas no indivíduo.
Segundo González Rey (2005b, p. 24), ela “está constituída tanto no sujeito individual, como nos
diferentes espaços sociais em que este vive”. A subjetividade individual não pode ser
compreendida de modo descolado da subjetividade social, embora uma não se dilua na outra. A
subjetividade individual e a subjetividade social, ao mesmo tempo que se excluem e incluem,
constituem a configuração da subjetividade, isto é, a complexidade que constitui os processos
psicológicos do sujeito.
O sujeito individual está inserido, de forma constante, em espaços da subjetividade
social, e sua condição de sujeito atualiza-se permanentemente na tensão produzida a
partir das contradições entre suas configurações subjetivas individuais e os sentidos
subjetivos produzidos em seu trânsito pelas atividades compartilhadas nos diferentes
espaços sociais (González Rey, 2005b, p. 25).
A contribuição de González Rey (2005a), nos seus estudos sobre sujeito e
subjetividade, é fundamental para a compreensão desse fenômeno suscitado por Vigotski, que é a
produção de sentidos e significados. É importante compreender que González Rey não rompe
com o pensamento de Vigotski. Ao contrário, aprofunda-o num aspecto importante, o mais
crucial da Psicologia, que é o seu método de produção de conhecimento. Assim, os princípios de
análise das funções superiores do psiquismo formulados por Vigotski são válidos dentro do
aporte teórico-metodológico de González Rey.
Dada a importância da categoria subjetividade para o estudo da produção de sentidos,
compreender o seu processo de investigação é uma condição sine qua non para este trabalho.
Uma questão central aqui apontada é a de que a subjetividade não se constitui como produto, mas
como processo. Dessa forma, ela não pode ser apreendida pelos seus aspectos fenótipos, mas
genótipos. Em síntese, o seu processo de investigação constitui-se como um processo de análise
de sua constituição histórica.
Acerca dessa questão metodológica, Aguiar (2001, p. 130) compreende que “as
palavras / signos são nossos pontos de partida para apreender a constituição da subjetividade”. É
pela linguagem que o pensamento se materializa e manifesta os aspectos cognitivos e afetivos
que constituem a subjetividade. Dessa forma, a unidade de análise para apreensão da
subjetividade está constituída na linguagem carregada de sentidos e significados.
É preciso, contudo, saber lidar com essa questão da linguagem para que o sujeito não
seja reduzido apenas a uma estrutura lingüística. A linguagem / palavra por si só não contém a
totalidade do processo do pensamento. Por si só, a palavra não é capaz de revelar os sentidos e
significados produzidos pelo sujeito.
A fala, construída na relação com a história e a cultura, e expressa pelo sujeito,
corresponde à maneira como este é capaz de expressar / codificar, neste momento
específico, as vivências que se processam em sua subjetividade; cabe ao pesquisador o
esforço analítico de ultrapassar essa aparência (essas formas de significação) e ir em
busca das determinações (históricas e sociais), que se configuram no plano do sujeito
como motivações, necessidades, interesses (que são, portanto, individuais e
históricos), para chegar ao sentido atribuído / constituído pelo sujeito (Aguiar, 2001,
p. 131).
Para se apreender a produção de sentidos e significados, que é, sempre, uma produção
sócio-histórica, faz-se necessário ultrapassar o nível de aparência da linguagem. É preciso
compreender, então, a gênese da constituição sócio-histórica da subjetividade. A gênese dessa
constituição é atravessada, sempre, por aspectos históricos, culturais, afetivos, cognitivos e
volitivos.
É da constituição dessa totalidade, portanto, que emerge a subjetividade como objeto
de pesquisa em Psicologia. Nesse processo, de acordo com Aguiar (2001), o papel do pesquisador
não é apenas descrever a realidade, mas explicá-la em sua complexidade.
Esse processo de explicação da realidade, conforme González Rey (2005b), só é
possível quando a pesquisa, concebida como produção humana, ultrapassa o nível empírico e
adquire um caráter construtivo-interpretativo. Trata-se, segundo González Rey, de um processo
de produção de “zonas de sentido”, que são espaços de inteligibilidade, isto é, espaços onde o
conhecimento configura-se não como algo linear, mas como um processo de construção e
interpretação da realidade.
2 Procedimentos Metodológicos
Definida a base teórico-metodológica, expomos, a partir de agora, os procedimentos
metodológicos sobre os quais se apóia este trabalho. Inicialmente, será apresentado o processo de
escolha dos sujeitos. Os instrumentos utilizados no processo de obtenção dos dados e a análise
dos dados serão apresentados em seguida.
2.1 A Escolha do Sujeito da Pesquisa
O sujeito desta pesquisa é aluna egressa do Curso de Pedagogia ofertado pelo Pólo I
(Mossoró) do Programa Especial de Formação Profissional para a Educação Básica
(PROFORMAÇÃO) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
Esse Programa, que teve início no segundo semestre de 1999, já graduou em
Pedagogia, até o segundo semestre de 2005, no Pólo de Mossoró, mais de setecentos professores
que exercem a função docente no magistério dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Vale
salientar que todos os alunos matriculados em qualquer curso ofertado por esse Programa são
professores da Educação Básica.
A escolha do sujeito da pesquisa se deu com o apoio de uma professora tutora do
curso. Pela função de tutoria, a professora acompanha, durante toda a segunda metade do Curso,
um grupo de alunos, inclusive com visitas às suas salas de aula onde (esses alunos) são
professores. Trata-se, portanto, de uma função que permite à professora conhecer profundamente
cada aluno em seu processo de formação: as dificuldades desses alunos no curso, seus interesses
acadêmicos, o tipo de compromisso e envolvimento com as atividades acadêmicas e escolares,
seu desenvolvimento intelectual, o redimensionamento da prática pedagógica ante o curso.
Foi a uma professora tutora, então, que se fez a solicitação do nome de três alunas
egressas que tiveram uma história de participação muito significativa no curso. Alunas que, na
sua opinião de tutora, apresentavam características diferenciais, tanto nas aulas teóricas como nas
aulas práticas. Em síntese, alunas que assumiram o curso com muito empenho, compromisso, e se
destacaram pela eficácia no curso, pela maneira com a qual se envolveram com as atividades
teóricas e práticas do curso.
Embora tenhamos entrevistado três sujeitos, o trabalho consistiu na análise das
entrevistas de apenas um deles, aquele que melhor conseguiu elaborar e expressar suas opiniões
acerca do curso, aquele sujeito cujos dados reportam mais detalhadamente suas opiniões acerca
de sua vivência acadêmica.
2.2 O Processo de Obtenção dos Dados
Os dados utilizados neste trabalho de pesquisa referem-se a relatos verbais. São dados
obtidos a partir de entrevistas recorrentes e semi-dirigidas. O detalhamento do processo de
obtenção dos dados dessa pesquisa será retomado mais adiante, ainda neste item. Antes, porém,
faz-se necessário expor alguns elementos teóricos que orientam os procedimentos metodológicos
deste trabalho.
Os momentos reservados para a obtenção dos dados da pesquisa são compreendidos
como dos mais ricos, e complicados, durante todo o processo de investigação. Assim, os
instrumentos utilizados nesse processo devem ser definidos de modo coerente à base teórico-
metodológica que fundamenta o processo investigativo. De acordo com González Rey (2005b, p.
38), “a premissa de que o valor da informação está definido pelo caráter dos instrumentos que a
produzem exclui o momento de aplicação das idéias e reflexões do pesquisador”.
Na perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica, os instrumentos de pesquisa não se
reduzem a meros coletores de dados, pois a realidade não dispõe de dados prontos e acabados,
aptos a serem coletados. Os dados são produzidos durante a investigação, no momento de uso dos
instrumentos. É nesse momento de produção que ocorre, também, a obtenção dos dados. Dessa
forma, os instrumentos devem estar colados à base teórico-metodológica da investigação; base
teórico-metodológica, esta, que ajuda o investigador a apreender a realidade em sua
complexidade.
É necessário considerar, então, que os dados não são um reflexo especular da realidade,
ou, no caso específico deste trabalho, os relatos verbais não são apreendidos diretamente da
realidade. Os dados são produções espaço-temporais da realidade; são, ao mesmo tempo,
produções e configurações subjetivas da realidade, isto é, são elementos integradores de sentidos
para o pesquisador. Eles são produzidos na relação pesquisador / sujeito pesquisado. E é nessa
relação, portanto, que os dados podem ser coletados.
Nesse sentido, todo instrumento de pesquisa deve ser elaborado não apenas com a
finalidade de obter informação, mas, também, produzi-la, de modo que potencialize a capacidade
de o pesquisador refletir acerca de assuntos que, até então, não havia feito.
Segundo Aguiar (2001, p. 135), o instrumento “não constitui uma via direta para a
produção de resultados finais, e sim um meio para a produção de indicadores”. Indicador, aqui,
não significa reunião de elementos de certeza. Ele é uma unidade de sentido construída pelo
pesquisador ante o processo investigativo. Assim, quando um pesquisador “define um indicador,
não está impondo uma certeza que pode ser correlacionada a outras em um nível estatístico, mas
está abrindo um caminho hipotético, no qual os indicadores irão se reorganizar várias vezes em
função do rumo que o processo de construção da informação vai tomando” (González Rey,
2005a, p. 49).
Ao funcionar como um mediador no processo da produção de dados, ou seja, na
produção de sentidos e significados para o sujeito, o instrumento cumpre um importante papel no
contexto da investigação: estimula o processo de reflexão dos sujeitos acerca das questões sobre
as quais estão sendo incitados a responder (Aguiar, 2001).
Nesse processo de produção e obtenção de dados, convém destacar, mais uma vez, o
papel do pesquisador e dos sujeitos pesquisados. Nenhum deles aparece passivamente nesse
processo. Ao participar de um processo de pesquisa, os sujeitos pesquisados não respondem
simplesmente a estímulos. Eles se envolvem com o processo, de modo que são implicados pelos
procedimentos da pesquisa. Dessa forma, as perguntas do pesquisador, assim como as respostas
dos sujeitos, não estão desprovidas de um processo de reflexão, de elaboração mental. Nesse
processo, a investigação configura-se, então, não somente como um momento de coleta de dados,
mas, também, um momento no qual dados são produzidos pelos sujeitos acerca da realidade
estudada.
A ruptura com a epistemologia estímulo-resposta faz com que reivindiquemos, em
nossa metodologia, os sistemas conversacionais, os quais permitem ao pesquisador
deslocar-se do lugar central das perguntas para integrar-se em uma dinâmica de
conversação que toma diversas formas e que é responsável pela produção de um tecido
de informação
33
o qual implique, com naturalidade e autenticidade, os participantes
(González Rey, 2005b, p. 45).
O modo como o pesquisador pensa, sente e age em relação ao processo investigativo é
atravessado por elementos que constituem os sujeitos investigados, e vice-versa. Por isso,
González Rey (2005a, p. 47) faz a seguinte afirmação: “o conhecimento se produz em um
processo construtivo-interpretativo do pesquisador sobre as expressões múltiplas e complexas do
sujeito estudado”.
Uma resposta, portanto, não pode ser compreendida sem que haja, antes, a apreensão do
contexto da pergunta, e vice-versa. Desse modo, “o cenário da interpretação deixa de ser os
instrumentos tomados como um fim em si mesmos e passa a ser o sujeito na complexidade de
todas suas expressões” (González Rey, 2005b, p. 47-48).
Entrevistas semi-dirigidas e recorrentes foram os instrumentos de pesquisa utilizados na
realização deste trabalho. Memoriais produzidos pelos sujeitos durante sua formação acadêmica
foram utilizados como material de apoio às entrevistas.
O memorial aqui mencionado trata-se de um tipo de trabalho de conclusão de curso
(TCC) produzido, individualmente, por alunos concluintes do Curso de Pedagogia ofertado pelo
PROFROMAÇÃO da UERN. Cada memorial é composto de três capítulos. No primeiro capítulo
o aluno faz um relato de sua vida escolar na Educação Básica; no segundo, relata sua experiência
como professor; no terceiro, o aluno relata seu processo de formação acadêmica no curso de
Pedagogia.
33
Grifos do autor.
Para a consecução dessas entrevistas, solicitamos, inicialmente, que os sujeitos lessem o
terceiro capítulo
34
de seus memoriais e destacassem os pontos que consideraram mais
interessantes, aqueles que os fizeram refletir acerca de seu processo de formação acadêmica e
que, de alguma forma, os fizeram pensar, também, nos seus alunos, no seu trabalho docente, na
relação do curso com a sua atuação pedagógica em sala de aula.
De posse desses dados, que estão gravados e transcritos, passa-se à etapa de análise.
Mas como proceder? Como os dados são analisados na perspectiva sócio-histórica da Psicologia?
Esta é a questão discutida a seguir.
2.3 Análise dos Dados
Neste item, nosso objetivo é apresentar o modo como foram analisados os dados
obtidos. Trata-se de um procedimento de análise cuja finalidade consiste em ultrapassar o
fenômeno simplesmente aparente e atingir determinadas zonas de inteligibilidade do real. A esse
respeito, convém destacar o seguinte pensamento: “se a essência dos objetos coincidisse com a
forma de suas manifestações externas, então, toda ciência seria supérflua” (Vygotsky, 1991, p.
72).
Na perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica, o procedimento de análise configura-se,
portanto, como uma condição para que o pesquisador possa atingir o que seria inatingível pelo
simples procedimento de descrição. Como isso é possível? Uma questão central presente no
procedimento de análise diz respeito ao modo pelo qual se pode apreender a palavra com
significado. Entretanto, é necessário que as etapas que constituem esse procedimento sejam
34
A escolha do terceiro capítulo deve-se ao fato de que é nele que se encontra o relato da formação acadêmica de
cada um dos sujeitos no curso de Pedagogia ofertado pelo PROFORMAÇÃO da UERN.
conhecidas para que se possa, também, pensar, sentir e agir em relação ao problema, de modo
adequado e coerente, como pesquisador.
A primeira etapa desse processo, segundo Aguiar e Ozella (2006 – no prelo), consiste
na seleção de pré-indicadores. A palavra com significado, embora não seja detentora de todas as
condições que possibilitem a realização de análise, ocupa uma posição central nesse processo. De
acordo com González Rey (2005b, p. 67), “a palavra não apreende o sentido subjetivo, mas a
expressão verbal facilita sua expressão pela multiplicidade de processos nela envolvidos”.
A intenção do pesquisador, nessa etapa, não é fazer uma análise das narrativas
construídas pelo sujeito, mas analisar o sujeito em sua totalidade. “Assim, temos que partir das
palavras inseridas no contexto que lhe atribui significado, entendendo aqui como contexto desde
a narrativa do sujeito até as condições histórico-sociais que o constitui” (Aguiar e Ozella, 2006,
p. 11 – no prelo).
É, portanto, pela palavra significada, contextualizada, que emergem os diversos temas
que constituem a realidade sócio-histórica do sujeito. No processo de pesquisa, esses temas
constituem o que Aguiar e Ozella (2006 – no prelo) denominam pré-indicadores.
Segundo Aguiar e Ozella (2006, p. 11 – no prelo), os temas que constituem os pré-
indicadores podem ser apreendidos pela freqüência com a qual aparecem no discurso do sujeito,
“pela importância enfatizada nas falas dos informantes, pela carga emocional presente, pelas
ambivalências ou contradições, pelas insinuações não concretizadas, etc.”. Diante das inúmeras
possibilidades apresentadas pelos temas para a construção dos pré-indicadores, Aguiar e Ozella
propõem que se considere como critério fundamental a importância que possuem “para a
compreensão do objetivo da investigação” (2006, p. 11 – no prelo).
A segunda etapa, segundo Aguiar e Ozella (2006 – no prelo), configura-se como um
processo aglutinador de pré-indicadores. Trata-se, portanto, não mais de pré-indicadores, mas de
indicadores e seus conteúdos temáticos.
Acerca dessa etapa, Aguiar e Ozella (2006, p. 11 – no prelo) destacam que o processo
de aglutinação de pré-indicadores pode ocorrer “pela similaridade, pela complementaridade ou
pela contraposição, de modo que nos levem a uma menor diversidade, no caso já dos indicadores,
que nos permita caminhar na direção dos possíveis núcleos de significação”. Desse modo, um
indicador pode apresentar significados diversos. A vontade de um sujeito querer voltar a estudar,
por exemplo, pode ser um indicador carregado de certos conteúdos como status social,
qualificação profissional, ascensão no trabalho, etc. Os indicadores, e seus conteúdos temáticos,
configuram-se como articulações de elementos de sentidos do sujeito.
Constituídos os indicadores e seus conteúdos temáticos, cabe ao pesquisador inferir e
sistematizar os núcleos de significação. Esse processo de organização de núcleos de significação
corresponde à terceira etapa do processo de análise dos dados.
A organização dos núcleos de significação configura-se como um processo de
articulação dos indicadores e seus conteúdos presentes no modo de pensar, sentir e agir do
sujeito. Dessa forma, a inferência e sistematização dos núcleos de significação não podem ocorrer
de um modo em que não seja levado em consideração o espaço social onde o sujeito, a partir de
suas relações histórico-sociais, constrói sua subjetividade.
Neste processo de organização dos núcleos de significação – que tem como critério a
articulação de conteúdos semelhantes, complementares ou contraditórios – é possível
verificar as transformações e contradições que ocorrem no processo de construção dos
sentidos e dos significados, o que possibilitará uma análise mais consistente que nos
permita ir além do aparente e considerar tanto as condições subjetivas quanto as
contextuais e históricas. (Aguiar e Ozella, 2006, p. 12-13 – no prelo).
Sistematizados os núcleos de significação, passa-se para uma nova etapa da pesquisa,
esta mais complexa e profunda. É quando acontece o aprofundamento da análise e o avanço em
relação ao empírico. É nessa etapa, portanto, que o pesquisador supera o nível de descrição
empírica e atinge o nível interpretativo dos dados. Trata-se de um procedimento em que o
pesquisador busca apreender os elementos que constituem o sujeito no seu modo de pensar, sentir
e agir subjetivamente.
Segundo Aguiar e Ozella (2006, p. 13 – no prelo), “a análise se inicia por um processo
intra-núcleo avançando para uma articulação inter-núcleos. Em geral este procedimento
explicitará semelhanças e/ou contradições que vão novamente revelar o movimento do sujeito”.
Importante não reduzir a análise ao discurso do sujeito. Pois, embora seja pela fala que o
pensamento se realize, o modo de pensar, sentir e agir do sujeito não consegue ser expresso, em
sua totalidade, apenas pelo uso da fala (Vigotski, 2001). Trata-se de um processo mais complexo.
O processo de análise exige articulação da fala com “o contexto social, político,
econômico, em síntese, histórico, que permite acesso à compreensão do sujeito na sua totalidade
(Aguiar e Ozella, 2006, p. 13 – no prelo). É assim, segundo esses autores, que o pesquisador
amplia sua capacidade de interpretação do fenômeno e a análise, propriamente dita, é realizada.
Trata-se de um processo em que os núcleos “são integrados no seu movimento, analisados à luz
do contexto do discurso em questão, à luz do contexto social, histórico, à luz da teoria” (idem).
É pelo processo de análise da constituição complexa do sujeito, e não apenas de seu
discurso, que o pesquisador se aproxima, cada vez mais, das chamadas zonas de sentidos do
sujeito. Acerca dessa questão, que envolve a produção de sentidos, convém destacar, conforme
Vigotski (2001) e González Rey (2003, 2005b), que estes nem sempre são conscientes nem se
esgotam nas manifestações lingüísticas verbais e icônicas. Os sentidos são instáveis. Contudo, é
pela apreensão dos sentidos que o pesquisador pode se aproximar da sua complexa constituição
subjetiva. Segundo González Rey (2005b, p. 126), “a dimensão de sentido subjetivo facilita-nos
acessar os espaços de produção subjetiva que representam complexas sínteses de momentos
culturais e históricos impossíveis de serem captados pela razão dominante, centrada na aparência,
na proximidade e no conscientemente significado”.
Nesse momento, Aguiar e Ozella (2006 – no prelo) lembram um ponto importante
acerca desse processo de análise. Trata-se de um ponto já discutido anteriormente neste trabalho
com base em González Rey (2005a, 2005b) e nos autores acima mencionados. Trata-se das
necessidades do sujeito. A analise dos processos de produção de sentidos e significados, nos
quais se considera todo o contexto histórico-social do sujeito, não desconsidera as necessidades
que o atravessam. Acerca dessa questão, Aguiar e Ozella (2006, p. 14 – no prelo) afirmam o
seguinte:
É importante apreendermos as necessidades, de alguma forma, colocadas pelos
sujeitos e identificadas a partir dos indicadores. Entendemos que tais necessidades são
determinantes/constitutivas dos modos de agir/sentir/pensar dos sujeitos. São elas que,
na sua dinamicidade emocional mobilizam os processos de construção de sentido e, é
claro, as atividades do sujeito.
É a partir da superação da dicotomia entre a dimensão empírica e a dimensão teórica
da pesquisa científica, cuja síntese configura-se como uma pesquisa de caráter construtivo-
interpretativo, que o pesquisador pode se aproximar de certas zonas de inteligibilidade e de
sentidos dos processos psíquicos do sujeito.
No caso específico deste trabalho, as zonas de inteligibilidade do real que constituem
o pensamento e os sentidos do sujeito da pesquisa foram apreendidas a partir da análise dos seus
relatos verbais, tendo sido, estes, apreendidos a partir de entrevistas semi-dirigidas e recorrentes,
e que aconteceram com o apoio de memoriais produzidos pelo próprio sujeito.
CAPÍTULO IV
A VIDA ESCOLAR E PROFISSIONAL DO SUJEITO
Para que possamos nos aproximar das zonas de inteligibilidade do real que constituem
as zonas de sentidos do sujeito, necessário se faz, do ponto de vista metodológico, apreendermos,
antes, as determinações sócio-históricas que configuram esse sujeito no movimento de suas
atividades no mundo, na sua forma de pensar, sentir e agir nos complexos espaços de suas
relações sociais.
Fundamentado na perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica, o objetivo deste capítulo
consiste em analisar o modo como se configura a historicidade escolar e profissional do sujeito
desta pesquisa (Raquel)
35
. Historicidade, essa, compreendida como um movimento dialético que
constitui, ao mesmo tempo que é constituído, o modo de pensar, sentir e agir de Raquel nos
complexos espaços de suas relações sociais. No caso deste trabalho, embora outros espaços
sociais não sejam excluídos, como o espaço formado pela família, o espaço privilegiado da
análise é o da educação escolar.
Os dados apresentados neste capítulo foram obtidos a partir da análise do memorial de
formação de Raquel, um trabalho de conclusão de curso produzido no período final do Curso de
Pedagogia ofertado pelo PROFORMAÇÃO da UERN.
Este capítulo encontra-se dividido em três partes. A primeira se refere ao processo de
escolarização básica do sujeito. A segunda diz respeito à experiência profissional de Raquel no
35
Nome fictício.
magistério no período que antecede a sua entrada na universidade. A terceira parte está
relacionada à maneira como ocorreu o ingresso de Raquel na universidade.
1 Escolarização Básica
Nascida na zona rural, onde morou até os seis anos de idade, Raquel foi para a escola,
pela primeira vez, quando tinha oito anos. Quando isso aconteceu, ela já morava na zona urbana,
com os seis irmãos, sua mãe, dona de casa, e seu pai, que trabalhava como pedreiro.
Mesmo criança, mesmo antes de freqüentar a escola, Raquel já percebia as
dificuldades da vida em sociedade, conforme ela mesma destaca. “Desde cedo percebi que a
trajetória da minha vida não seria tão fácil para mim, pois teria de ajudar minha mãe nas tarefas
domésticas”. Dificuldades, essas, que estão relacionadas, entre outras coisas, à sua vida escolar
inicial. Além disso, percebe que sua infância era muito mais semelhante à vida de um adulto do
que a de uma criança.
De acordo com Raquel, seu desejo de viver a infância era atropelado pela obrigação
de trabalhar. “Ao invés de brincar e estudar, eu ficava em casa ajudando meus pais, enquanto
outras crianças da minha idade descobriam os prazeres da vida, brincando e estudando. Acredito
que, por isso, não tinha amigos”. A obrigação de trabalhar levava Raquel a não apenas se
distanciar da escola. Não ter oportunidade de brincar, de ter amigos, de conviver com outras
crianças também fazia parte de sua realidade.
Além da falta de oportunidade, porque não havia escola de alfabetização na localidade
onde morava (zona rural), seus pais não tinham saberes suficientes para alfabetizá-la. Por isso, só
com oito anos de idade aconteceu a sua “primeira experiência com as letras”, o que a fez sentir
muita dificuldade para ser alfabetizada na 1ª série, quando a maioria das crianças já tinha
vivenciado essa experiência escolar.
As dificuldades de aprender, contudo, não a desanimaram em relação aos estudos.
Sentia vontade / necessidade de aprender. “Mesmo com as dificuldades, era enorme a minha
alegria em poder ir à escola pela primeira vez. Quando comecei a freqüentá-la, eu não sabia ler
nem escrever, por isso, sentia uma vontade imensa de estudar!”. Contraditoriamente, as
“dificuldades” sentidas por Raquel na escola não a fizeram desanimar dos estudos. Conforme ela
mesma expressa, suas “dificuldades” se configuravam como necessidades contra as quais deveria
lutar para satisfazê-las.
Conforme afirma Duarte (1993), as necessidades humanas não se reduzem apenas a
necessidades imediatamente biológicas. Por isso, sem negar que o primeiro ato histórico do
homem é a garantia da sua sobrevivência (Marx e Engels, 1999), as necessidades vitais humanas
são sociais e subjetivas. Dessa forma, a satisfação de uma necessidade humana tende a gerar,
sempre, novas necessidades, o que configura a historicidade do desenvolvimento humano.
O que possibilita o desenvolvimento histórico é justamente o fato de que a
apropriação de um objeto (transformando-o em instrumento, pela objetivação da
atividade humana nesse objeto, inserindo-o na atividade social) gera, na atividade e
na consciência do homem, novas necessidades e novas forças, faculdades e
capacidades
36
(Duarte, 1993, p. 35).
Suas dificuldades de aprendizagem na alfabetização não a impediram de passar da 1ª
para a 2ª série. Conforme ela mesma destaca, “no final da 1ª série eu já sabia ler e escrever com
dificuldades”. Ao reconhecer os limites de seu conhecimento em leitura e escrita, não deixa de
36
Grifos do autor.
registrar, também, que houve avanço na construção desse conhecimento durante o seu primeiro
ano de escolaridade.
Assim como na 1ª série, a 2ª também foi marcada por muitos obstáculos, pois ainda
não dominava plenamente o conhecimento da língua escrita. Diante disso, a professora da 2ª série
deu continuidade ao trabalho da professora anterior. De acordo com Raquel, a professora da
série desenvolvia “tarefas para que eu pudesse avançar na leitura e na escrita”.
Ante o fato da sua professora da 2ª série ensinar com muita dedicação e interesse,
Raquel atribui a ela o mérito de ter conseguido “avançar cada vez mais” no processo de
aprendizagem. Suas dificuldades na escola passaram, então, a ser dirimidas, o que
redimensionou, dessa forma, o seu modo de pensar, sentir e agir com relação a si mesma como
aluna.
Compreendemos que a postura pedagógica da professora de Raquel na 2ª série se
configura como um processo dialético. Ao mesmo tempo que a postura da professora se
configura como um processo afetivo e volitivo que constitui Raquel no seu modo de pensar,
sentir e agir ante o processo educacional escolar, a postura de Raquel, assim como de outros
alunos, também contribui para que essa professora constitua o seu modo singular de pensar, sentir
e agir na escola.
Apesar de toda a luta empreendida para superar as dificuldades vividas nas duas séries
anteriores, Raquel teve de desistir da 3ª série. “Precisei me afastar do colégio, no meio do ano,
porque minha mãe precisava fazer uma cirurgia e eu tinha que ficar em casa cuidando dos meus
irmãos, que na época eram pequenos e precisavam de ajuda, enquanto o meu pai trabalhava para
sustentar as despesas da casa”. Raquel lembra, até hoje, desse acontecimento; contudo, se diz
feliz, porque ajudou a família num momento muito difícil.
Raquel, ao comparar o passado com o presente, ressalta: “Hoje toda criança recebe
bons livros didáticos e materiais para estudar; eu só estudava com um pequeno caderno, um lápis
e uma tabuada”. Esta fala revela muito claramente um dos “porques” de suas dificuldades de
aprendizagem na escola. Sem material didático-pedagógico necessário e adequado, a
aprendizagem torna-se muito mais difícil.
Algumas concepções psicológicas e pedagógicas tendem a ver a prática pedagógica
escolar como uma tentativa (bem ou mal sucedida) da sociedade intervir no processo
de formação das pessoas, enquanto que o desenvolvimento que as pessoas realizam
fora do âmbito da influência escolar seria um processo sem essa característica de
intervenção externa. Pesquisas fundamentadas nessas concepções mostram que a
criança, na escola, não aprende porque os professores insistem em não respeitar os
processos de aprendizagem ‘naturais’ da criança. Para se comprovar o quanto essa
tentativa de intervenção na aprendizagem da criança é a causa do “fracasso escolar”,
as pesquisas demonstram que na vida extra-escolar a criança revela domínio na
mesma área de conhecimento na qual fracassa na escola. Por exemplo, enquanto que
na escola a criança é avaliada como tendo dificuldades na aprendizagem da aritmética,
em atividades da prática social extra-escolar, a criança revela domínio de processos de
cálculo diferentes daqueles que ela não consegue aprender na escola. Interessante
notar que muitas pesquisas investigam os conhecimentos e habilidades que as pessoas
utilizam em práticas não-escolares, mas muito pouco se pesquisa sobre como elas se
apropriaram desse conhecimento e dessas habilidades. É como se esse conhecimento
tivesse sido criado pela pessoa de forma totalmente livre, isenta da transmissão por
outras pessoas
37
(Duarte, 1993, p. 48).
As dificuldades vividas por Raquel não a fizeram desanimar da escola, dos estudos,
nem a levaram a ter raiva desse tempo. Dessa forma, ressalta: “Lembro desse período da minha
vida escolar com bastante carinho. Foi uma época repleta de obstáculos, mas a vontade e a
determinação de vencer foram mais fortes”. Convém ressaltar, contudo, que obstáculos, vontade
e determinação não devem ser compreendidos como fenômenos que acontecem naturalmente; são
fenômenos que fazem parte do processo de constituição histórica dos sujeitos que atuam nos
complexos espaços de suas relações sociais.
37
Grifos nossos.
Na 5ª série, ao mesmo tempo que se orgulhava por ter conseguido ir tão longe nos
estudos, amargava muitas dificuldades, sobretudo porque não dominava muito bem o processo de
leitura. Nesta série, conseguiu vencer muitas barreiras, mas a disciplina de Inglês foi um
obstáculo intransponível.
Alguns anos depois, ao concluir o 1º Grau, atualmente Ensino Fundamental, Raquel
viveu o dilema da escolha do curso de 2º Grau, atualmente Ensino Médio. Esse dilema foi
solucionado da seguinte maneira: “Como sonhava encontrar uma profissão para mim, e como
sempre me identificara com o papel de professora, escolhi fazer o curso de magistério. Além
disso, ser professor era a profissão de mais fácil acesso a emprego na minha cidade”.
Percebemos que Raquel é determinada pelas circunstâncias sociais que a circundam
de forma mediada. Raquel não se dilui nos obstáculos, não fracassa na presença deles!
“Obstáculos”, “vontade”, “determinação” são elementos que fazem parte da sua vida, fazem parte
do processo de mediação do seu modo de ser no mundo.
É nesse espaço de vivência, portanto, marcado intensamente pela exclusão aos bens
materiais e culturais, que Raquel sente a necessidade de lutar pela superação dos obstáculos que
lhe dificultam o acesso e a permanência na escola. Trata-se, portanto, de um espaço atravessado
por contradições: ao mesmo tempo que dificulta o acesso de Raquel ao mundo escolar, é nesse
mesmo espaço, onde e sobre o qual ela pensa, sente e age, que emergem suas necessidades e os
motivos de superação dos elementos que obstaculizam seu processo educacional.
2 Experiência Profissional
Raquel não teve o magistério como sua primeira experiência de emprego. Antes de ser
professora, ela trabalhou como vendedora de roupas numa loja de confecções da sua cidade. “Foi
uma ótima experiência, apesar de ter sido um período difícil para minha vida, pois precisei
trabalhar e estudar ao mesmo tempo”. Membro de uma família de nove pessoas, cujo sustento era
da responsabilidade exclusiva do pai, que era pedreiro, trabalhar e estudar não era apenas uma
opção de vida para Raquel. Trabalhar e estudar, para Raquel, eram elementos subjetivos que
configuravam suas necessidades e motivos para a construção de um novo modo de vida.
Assim como trabalhar fazia parte de um plano de superação de certas necessidades
imediatas, voltadas para a sobrevivência de si mesma e de ajuda à família, estudar configurava-se
como um projeto de vida mediado pelo presente e pelo futuro. Seria esse projeto de vida, então, o
que lhe garantiria um emprego mais seguro e vantajoso que o anterior. E, com o emprego, a
garantia da construção de um novo modo de vida, em que poderia usufruir não apenas de bens
materiais, mas, também, simbólicos, culturais.
Esse projeto de vida, contudo, já havia sido delineado por Raquel ao escolher o 2º
Grau com Habilitação em Magistério. Raquel afirma que essa Habilitação surgiu na sua “vida
como uma alternativa para ingressar no mercado de trabalho. Como as dificuldades de emprego
eram enormes, vi a possibilidade de poder tornar-me professora, já que era a profissão de maior
chance de emprego na cidade”.
A escolha profissional de Raquel, como sempre acontece de não ser um processo
natural, foi determinado pelas suas condições materiais de existência, que são atravessadas,
contraditoriamente, por muitas dificuldades, necessidades, motivos, vontades e superações.
Ao ser convidada para dar aula numa escola particular, Raquel ficou surpresa e,
também, muito feliz, pois começou a lecionar no ano seguinte ao de conclusão do 2º Grau com
Habilitação em Magistério. “Com isso, me senti orgulhosa pelos meus esforços e pela
oportunidade”. Raquel revela, nesse momento, a emoção de estar tornando real um projeto de
vida. Projeto de vida, esse, mediado não apenas pela escola, pela família, mas também pela
superação dos obstáculos, das dificuldades, e satisfação dos desejos, das necessidades, o que a
configura como um ser historicamente determinado, um ser em processo de transformação /
construção de um novo modo de vida.
Quando diz que “não imaginava iniciar o trabalho em sala de aula”, e se sentia
“orgulhosa” pelos seus esforços, pela “oportunidade”, revela suas emoções, seus sentimentos, nas
próprias palavras.
O fato de ter realizado Habilitação em Magistério no 2º Grau não lhe garantiu,
entretanto, tranqüilidade para assumir uma sala de aula pela primeira vez na vida como
professora. Conforme ela mesma relata, sentia-se “um tanto despreparada para a ação docente,
onde o medo e a incerteza eram meus maiores inimigos”.
Ao destacar o sentimento de despreparo para a ação docente, Raquel explicita, mesmo
que de modo não intencional, a existência de não apenas um fosso entre a Habilitação em
Magistério e a realidade educacional / escolar do ensino de 1ª a 4ª série. Seu sentimento de
despreparo, de medo e de incerteza, para assumir uma sala de aula, está relacionado também à
sua própria história de vida, que é marcada, dialeticamente, pelo processo de exclusão / inclusão
na sociedade.
Apesar de ter sido “um período [...] difícil porque não tinha muita prática e precisava
ter conhecimentos para orientar os alunos na sua aprendizagem”, seu sentimento de despreparo,
de medo e de incerteza para assumir uma sala de aula, contudo, não se transformou em motivo
para que ela desistisse do desejo de ser professora.
Que sentido tinha a Habilitação em Magistério? Apesar de conceder-lhe o direito legal
de ser professora de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental, esse curso não estava sendo suficiente
para que desenvolvesse um sentimento de pertencimento à realidade para a qual estava sendo
preparada. Ao destacar que sua insegurança estaria relacionada ao fato de que “não tinha muita
prática e que precisava ter conhecimentos para orientar os alunos na sua aprendizagem”, ela
revela que havia fragilidade não apenas no estágio, mas também na parte teórica do curso.
Revela, ainda, a existência de dicotomia entre teoria e prática (estágio), um dos motivos de
fragilidade da sua formação no 2º Grau.
Apesar do sentimento de fragilidade, de despreparo, medo e incerteza para assumir a
função de professora, Raquel não via seus alunos como pessoas difíceis. Pelo contrário, até a
ajudavam a superar as dificuldades. Eram crianças “esforçadas e interessadas com as tarefas”.
No ano seguinte, a função de professora não foi uma tarefa muito difícil. “Nesse ano,
as coisas estavam melhores, pois já tinha mais experiência”. Mais uma vez a Habilitação
Magistério se dilui, na sua fala, em decorrência da experiência direta. Revela, com isso, que o
curso, em si, não lhe trouxe grandes contribuições para o exercício da docência. Não há
invocação do curso para os problemas vividos.
Além da experiência profissional no magistério como professora, Raquel afirma,
também, que muito se inspirou na postura pedagógica de seus ex-professores. “Durante toda a
minha vida escolar, tive contato com uma postura tradicional de ensino e, espelhando-me em
meus antigos mestres, aos quais depositava bastante respeito e admiração, assumi também uma
postura tradicional”.
Raquel, ao afirmar que se espelhava nos seus “antigos mestres” para desenvolver sua
prática pedagógica, evidencia o processo de constituição da sua subjetividade como professora.
Do processo dessa constituição, não podemos desconsiderar, contudo, suas dificuldades de vida
na sociedade, a luta pela superação dessas dificuldades, sua experiência no 2º Grau (Habilitação
Magistério), além da sua própria experiência docente.
Raquel não se dilui, contudo, nas suas experiências imediatas com o mundo do
magistério. Ela sente a necessidade de transpor o mundo imediato que a constitui, ao mesmo
tempo que é dele constituinte. “Desde o início da minha prática, pude perceber que a minha
aprendizagem teórica e metodológica do curso Magistério não estava suprindo as necessidades de
sala de aula”. Destaca, ainda, que o professor precisa “ampliar seus conhecimentos de mundo
para atuar como um profissional capaz de desenvolver um trabalho significativo no processo de
ensino-aprendizagem”.
Raquel revela-se, portanto, na mediação do movimento e da atividade de ser
professora. A sua condição de ser professora não é inerte, linear. Como sujeito determinado
sócio-historicamente, ela sente a necessidade de “ampliar seus conhecimentos” para poder se
transformar numa professora capaz de atuar de modo mais significativo na sua sala de aula.
No movimento e na atividade de ser professora, Raquel sente a necessidade de superar
suas limitações, de “atuar como um profissional capaz de desenvolver um trabalho significativo
no processo de ensino-aprendizagem”. Ante a necessidade, o desejo, a vontade, Raquel parte para
a busca de alternativas que possam melhorar a sua ação docente. No início, começa a estudar
sozinha. Em seguida, participa de vários cursos; entre os quais destaca o “estudo dos PCN’S
(Parâmetros Curriculares Nacionais), o FORMAGESTE (Curso para a Formação de Gestores) e o
PROFA (Programa de Formação de Professores Alfabetizadores)”.
Ante seus motivos e necessidade, Raquel é determinada pelo movimento histórico e
pela atividade do ser professora. “À medida que os cursos iam sendo realizados, sentia uma maior
preparação como educadora, além de perceber significativas melhoras no ambiente escolar. Tanto
na aprendizagem do aluno como na maneira como conduzia as minhas aulas”. Dialeticamente,
Raquel não era apenas afetada pelos cursos de que participava. Ela também afetava sua ação
pedagógica na sala de aula. “Ser educadora passava a ter um novo significado para mim”.
A construção de um novo significado no ser educadora configura-se pela geração de
novas necessidades. Necessidades essas que não seriam satisfeitas apenas pela realização de
cursos de capacitação de curta duração. O desejo de fazer um curso superior na área de
licenciatura emerge, portanto, nesse momento, não como uma vaidade, mas como um motivo que
se coaduna com a vontade de poder melhorar a sua atuação pedagógica como professora. É uma
meta / objetivo pelo qual vai lutar.
3 O Ingresso na Universidade
O ingresso de Raquel na universidade, para cursar Pedagogia, ocorreu com a criação,
em 1999, de um programa especial de formação de professores em serviço, em nível de
graduação e modalidade em licenciatura, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN), denominado Programa Especial de Formação Profissional para a Educação Básica
(PROFORMAÇÃO).
Antes, porém, de ingressar no curso de Pedagogia, em 2002, Raquel já havia tentado
dois vestibulares: um para Letras e outro para Administração. O ingresso na universidade é um
ponto alto na sua história de vida. É a concretização de um sonho. Conforme relata, o ingresso na
universidade permitiu-lhe “ampliar e descobrir novas idéias a respeito da profissão de professor”.
E era essa a sua intenção quando passou a participar de cursos de formação continuada e
compreender que deveria ter uma formação universitária para continuar atuando como
professora.
O ingresso de Raquel nesse curso se configura, portanto, como uma possibilidade de
novas descobertas acerca do papel de ensinar. Conforme ela mesma destaca, com o curso “passei
a ver com mais clareza o meu papel de educadora diante da sociedade”. Na universidade, Raquel
procura compreender, e se aprofundar acerca do que é ser professor, qual o papel desse
profissional não apenas na escola, mas na sociedade.
Ao afirmar, como educadora, que tem um papel a cumprir na / para com a sociedade,
Raquel revela um comportamento ético-político na profissão. Ela assume “o compromisso de
aplicar o conhecimento na construção da cidadania” (Severino, 2005, p. 95).
Para concluir este capítulo, gostaríamos de ressaltar que é no espaço complexo das
suas relações sociais, onde e sobre o qual pensa, sente e age, que Raquel se revela como sujeito
constituído / constituinte sócio-historicamente. É nesse espaço que emergem, portanto, suas
dúvidas, seus obstáculos, suas limitações. É nesse mesmo espaço, também, que ocorre a
satisfação de seus desejos, de suas necessidades, de suas motivações, e, ao mesmo tempo, a
superação dos seus limites e obstáculos.
A história escolar e profissional de Raquelo é, portanto, uma soma de fatos, mas
uma composição / articulação de fatos que se contradizem e se afirmam simultaneamente. Uma
composição / articulação de fatos que é atravessada, afetivamente, de modo consciente e
inconsciente, por diversos elementos de necessidades e motivos. Elementos, esses, que revelam
Raquel no movimento da sua historicidade.
CAPÍTULO V
UMA APROXIMAÇÃO ÀS ZONAS DE SENTIDOS DO SUJEITO
O objetivo deste capítulo consiste em analisar os sentidos produzidos por uma
professora acerca do processo de sua formação acadêmica em serviço no Curso de Pedagogia
ofertado pelo PROFORMAÇÃO da UERN. Para tanto, com base em Aguiar e Ozella (2006 – no
prelo), foram inferidos e sistematizados núcleos de significação que buscam revelar o modo de
pensar, sentir e agir dessa professora, sujeito desta pesquisa, no movimento dialético de suas
atividades acadêmicas.
Este capítulo está dividido em duas partes. A primeira trata do modo como ocorreu a
inferência e sistematização dos núcleos de significação. A segunda trata da análise propriamente
dita das entrevistas realizadas com o sujeito pesquisado.
1 O Processo de Inferência e Sistematização dos Núcleos de Significação
Conforme já explicitamos, o processo de inferência e sistematização dos núcleos de
significação deste trabalho de pesquisa seguiu as orientações metodológicas de Aguiar e Ozella
(2006 – no prelo). Dessa forma, primeiro foram feitas “leituras flutuantes” das entrevistas, o que
nos levou a um inventário de palavras que se destacam na fala de Raquel. Dessas palavras, que
são sempre significadas em seu contexto, emergem os diversos pré-indicadores ou temas que
constituem a realidade sócio-histórica do sujeito.
Apresentamos, abaixo, os pré-indicadores inferidos a partir da fala de Raquel. Para
tornar claro esse processo de inferência, explicitamos, também, os trechos do discurso de Raquel
onde os pré-indicadores estão contidos / constituídos. Este procedimento foi adotado com o fito
de que os pré-indicadores não fossem descolados do conjunto do discurso. Acreditamos, dessa
forma, garantir a compreensão dos significados e sentidos atribuídos por Raquel às palavras
denominadas, por nós, de pré-indicadores.
Os pré-indicadores abaixo foram organizados em grupo, de acordo com o critério de
“semelhança”, “complementaridade” e “contraposição”, conforme propõem Aguiar e Ozella
(2006 – no prelo), o que nos facilitou a organização dos indicadores e seus conteúdos.
PRÉ-INDICADORES:
1) Capacitação; 2) Formação superior; 3) Satisfação; 4) Pedagogia.
A princípio, eu percebi no decorrer dos meus estudos, nos cursos de capacitação que eu
participava, com os demais professores, supervisores, coordenadores, que eu sentia essa
necessidade, que era ter uma formação superior.
O PROFORMAÇÃO foi uma oportunidade, uma grande oportunidade para fazer um
curso superior!
Sendo aprovada no vestibular, tive a maior satisfação de fazer o Curso de Pedagogia.
No decorrer dos estudos [dos cursos de capacitação], eu vi que existia muita coisa que eu
precisava conhecer, não só na teoria, mas também desenvolver na prática, pra melhorar
a aprendizagem dos meus alunos, como, também, a minha própria profissão, o meu
desenvolvimento como educadora.
Eu via que eu não estava totalmente capacitada para assumir uma sala de aula. Como
eu iria desenvolver uma aprendizagem satisfatória nos meus alunos se eu estava
precisando dessa [...] aprendizagem pra mim mesma?
Quando se falava em Emilia Ferreiro, eu ficava naquela ansiedade: quem é ela, o que ela
faz? Ficava naquela ansiedade quando se falava em Paulo Freire, e em muitos outros
teóricos. Sem saber, eu me sentia perdida, mas, ao mesmo tempo, sentia aquela
curiosidade, querendo buscar...
Eu tinha muita vontade! Não era tanto pelo fato de ter um curso superior, mas, também,
de aprender... de aprender pra agir de forma mais satisfatória em sala de aula.
II
PRÉ-INDICADORES:
5) Professora pesquisadora; 6) Professora reflexiva; 7) Convivência com pessoas
diferentes; 8) Conhecimentos prévios; 9) Realidade dos alunos; 10) Cidadania.
Hoje, dentro da escola, eu me vejo como uma professora pesquisadora, mais
interessada pelo trabalho que faço. Não que antes não me sentisse assim, interessada;
mas, a partir do Curso, é diferente! Sinto-me uma professora pesquisadora,
incentivadora, uma professora mais reflexiva, que contribui não só para que os alunos
tornem-se mais participativos, ativos, mas, também, no seu lado pessoal, de saber
conviver com outras pessoas, com pessoas diferentes.
Antes eu via que eu tinha que ensinar conteúdos aos alunos. Hoje, eu vejo que eu tenho
um papel mais importante! É um papel que vai além disso, do ensino dos conteúdos.
Meu papel é, também, formar alunos para que eles possam atuar de forma mais
consciente no lugar onde moram, que possam ter autonomia própria; autonomia para
saber refletir e resolver uma situação-problema do lugar onde moram, assim como no
meio da família; ter autonomia com relação à sua própria sala de aula como estudante,
como cidadão.
Passei a desenvolver trabalhos em sala de aula partindo das situações-problema dos
meus alunos. Passei a desenvolver projetos diante das situações-problema e resgatar,
com isso, os conhecimentos prévios dos alunos. Passei a trabalhar valorizando muito
mais a realidade dos meus alunos. Com isso, os alunos passaram a se engajar mais nas
atividades, a se interessar muito mais. E isso tudo facilitava meu trabalho e meu estudo,
porque havia essa relação entre a teoria estudada em sala de aula, no Curso, e a
vivência da prática, da minha prática docente, na sala de aula com meus alunos.
Hoje, eu percebo que a minha prática é muito diferente da prática de antigamente!
Meu papel, como educadora, é formar o meu aluno para a cidadania.
O Programa contribuiu para que a gente tivesse uma aprendizagem voltada para a
própria vida. Não é trabalhar só conteúdo, mas trabalhar com conteúdo que vá contribuir
pra que eles [os alunos] possam saber se colocar diante de qualquer situação da sua vida
cotidiana.
III
PRÉ-INDICADORES:
11) Vontade de conhecer; 12) Interesse; 13) Planejamento flexível.
Eu considero que meus alunos têm objetivos, e eu tenho a obrigação de procurar saber o
que eles sabem, o que eles têm vontade e necessidade de conhecer, para que eu possa
partir disso, desenvolver minhas aulas a partir disso, o que eles precisam aprender. Dessa
forma, eu vejo que eles se interessam mais, se engajam muito mais nos trabalhos,
pesquisam mais, participam muito mais das aulas, interagem muito mais entre eles e
comigo [a professora].
Eu vejo que, antes, eu planejava de uma forma, que tinha uma forma de se planejar,
um roteiro. Hoje, eu vejo que o meu planejamento é flexível! Que eu preciso refletir
sobre as situações-problema dos meus alunos, buscando uma problemática para
desenvolver em sala de aula, para que, com isso, eu possa ajudar os meus alunos a resolver
suas situações-problema. Tudo isso faz com que os alunos se interessem muito mais
pelas aulas, pois são aulas que tratam da sua própria realidade! Tudo isso contribuiu!
IV
PRÉ-INDICADORES:
14) Inovação da prática pedagógica; 15) Motivação para aprender
A partir do Curso, passei a perceber que, a cada dia, preciso melhorar, inovar minha
prática, buscando novos conhecimentos, pesquisando, incentivando meus alunos a
aprender, a refletir sobre a sua vida.
Quando comecei a cursar Pedagogia, eu fui percebendo o quanto, a cada dia, eu ia
melhorando as minhas atividades docentes. Eu fui percebendo que eu tinha que estudar
muito a questão da teoria, como também da prática, a questão do agir com meus alunos.
Eu fui percebendo que eu precisava melhorar muito!
Era uma vontade tão grande que eu tinha de fazer um curso superior, não só por ter [um
diploma], mas adquirir conhecimentos e fazer a ligação entre teoria e prática em sala
de aula.
V
PRÉ-INDICADORES:
16) Ingresso na universidade; 17) Aperfeiçoamento da prática pedagógica; 18) Formação
eficaz; 19) Objetivo dos alunos; 20) Objetivo da professora; 21) Professora flexiva.
Com meu ingresso na universidade, eu pude ter a oportunidade de melhorar a minha
prática pedagógica, me preparar melhor para atuar em sala de aula e contribuir para
que meus alunos pudessem ter uma formação mais eficaz, mais participativa, pudessem
aprender mais e melhor.
O que eu estudava na universidade, eu levava pra minha sala de aula, os alunos.
Não é somente eu que tenho objetivos. Meus alunos também têm objetivos! Antes, eu
achava que somente eu tinha objetivo, que era o de repassar os conteúdos. Ser aquele
professor rigoroso, detentor do saber; hoje, não! Hoje, eu tento ser uma professora
flexiva! Sei que ainda preciso melhorar. Todos nós precisamos sempre melhorar! Mas
hoje eu vejo que melhorei bastante, também nesse aspecto!
VI
PRÉ-INDICADORES:
22) Qualidade dos professores formadores; 23) Atividades pedagógicas; 24) Eficiência;
25) Atividades de pesquisa; 26) Freqüência às aulas; 27) Mediação docente.
Os professores, a qualidade dos professores, que faziam das aulas um momento de
reflexão, que nos levavam a refletir sobre a nossa prática, muito contribuíram para o
nosso crescimento, para que a gente se tornasse profissionais capazes de refletir sobre a
nossa prática.
Os professores nos orientavam com relação ao desenvolvimento das nossas atividades
como professores. Orientavam com relação ao desenvolvimento de projetos de ensino, na
sala de aula com meus alunos, orientavam a desenvolver atividades de pesquisa com os
alunos, e levar os alunos a buscar meios para desenvolver os trabalhos com mais
eficiência!
Eram professores que desempenhavam um trabalho muito criativo, que, realmente,
deixavam o aluno-professor interessado! Por isso, a freqüência, o interesse, a
participação eram muito grandes! O interesse dos professores era conduzir o aluno-
professor a melhorar não só a sua parte teórica, mas, também, a sua prática.
Havia muita liberdade para o aluno-professor comentar sobre sua prática e, diante dos
depoimentos, eu percebia, como parte integrante disso, que os professores [formadores]
mediavam nosso trabalho. Eles respeitavam nosso ponto de vista, mas, também,
tentavam melhorar nossa prática.
O que a gente estudava, na teoria, ajudava muito na prática da gente em sala de aula com
nossos alunos. Então, no decorrer da mediação dos professores [formadores], a gente
começava a refletir sobre os nossos alunos, as dificuldades de aprendizagem, a maneira
como a gente dava aula. Tanto os professores contribuíram como as disciplinas
também contribuíram para que a gente desenvolvesse a nossa reflexão sobre a nossa
prática.
No caso da Psicologia [da Educação], a professora trabalhou a teoria e a prática, e nos
fez refletir sobre que a interação entre aluno e professor é fundamental. Tem que haver
diálogo. Então me fez despertar que eu tinha que melhorar.
VII
PRÉ-INDICADORES:
28) Atividades vivenciais; 29) Teoria e prática; 30) Prática de ensino.
Em cada disciplina, a gente tinha que fazer pelo menos um trabalho prático. Eram
trabalhos que a gente deveria desenvolver dentro da nossa própria sala de aula!
Todos os trabalhos que eu desenvolvi em sala de aula, com a orientação dos meus
professores formadores, foram, todos, muito significativos, tanto para a minha prática,
minha formação, como para os meus alunos!
O Curso foi desenvolvido proporcionando teoria e prática! O Curso visava aprimorar os
conhecimentos dos educandos, que eram professores em processo de formação em
serviço. O Curso contribuiu não só teoricamente, mas fazendo relação da teoria com a
prática.
Relacionar teoria e prática foi um trabalho bastante proveitoso! O Curso ofereceu a
oportunidade de aprendermos assuntos teóricos, mas, também, não a oportunidade de
aprendermos técnicas, mas de ser aquele professor que busca inovar sempre.
Voltar a refletir sobre a minha prática docente, de anos atrás, é voltar a sofrer o que a
gente já sofreu, como também viver momentos legais já vividos. A coisa é assim: muita
coisa que eu fiz, no início da minha carreira docente, se eu soubesse eu não teria feito.
As atividades vivenciais das disciplinas também foram muito importantes! Além das
atividades de estudo em sala de aula, essas atividades, que eram feitas nas nossas salas de
aula, com os nossos alunos, proporcionavam uma reflexão maior, de busca de
conhecimentos, de criar o novo. Era um trabalho muito proveitoso, que contribuía muito
para o desenvolvimento da nossa prática docente!
Muitos trabalhos e estudos desenvolvidos no Curso de Pedagogia eram relacionados à
nossa prática! Além disso, alguns trabalhos que eram realizados durante o Curso, eram
trabalhos vivenciais, relacionados à nossa prática de ensino. Os trabalhos vivenciais são
uma maneira da gente articular a teoria com a prática.
Essa relação contribuía muito para a nossa aprendizagem de professora, de aluna. Cada
disciplina do Curso tinha sua parte teórica e sua parte prática. Essa parte prática é
chamada de vivencial.
VIII
PRÉ-INDICADORES:
31) Conhecimentos prévios; 32) Formação reflexiva.
Os professores formadores buscavam conhecer aquilo o que nós conhecíamos a
respeito do objeto de estudo e orientavam a respeito. Todos os professores buscavam
explorar nossos conhecimentos prévios!
Nenhum professor chegou, de imediato, a dizer que nada de nós, alunos-professores, sobre
o que fazíamos, era errado. Eles, os professores formadores, nos faziam refletir a respeito
da nossa própria prática!
No momento em que discutíamos um determinado assunto, em conjunto, cada um de nós
se posicionava, colocava como agia, como pensava a respeito dele! Então, naquele
momento, nenhum professor formador chegava a dizer que o que nós colocávamos estava
errado! Ele fazia o aluno refletir durante o seu trabalho.
IX
PRÉ-INDICADORES:
33) Leitura; 34) Atividades de pesquisa; 35) Sala de aula; 36) Alunos com dificuldades.
O Programa nos ajudou facilitando o nosso trabalho para que a gente pudesse buscar
meios, não receitas. O Programa ensinou como saber buscar respostas para os nossos
problemas. Para isso, o principal meio é a leitura dos vários teóricos.
Nesse Curso, havia uma relação constante entre teoria e prática! Nós estudávamos na
sala, mas levávamos aquele estudo para a nossa prática, para a nossa sala de aula para
ser desenvolvido com os nossos alunos. E os nossos alunos foram os [sujeitos] que mais
contribuíram para as nossas pesquisas em sala de aula durante todo o Curso.
Eu tive a oportunidade, nesse Programa, não só de conhecer teoricamente as tendências e
correntes pedagógicas da educação, como também desenvolver esse trabalho dentro da
sala de aula com meus alunos!
Eu não só aprendi o lado teórico como também pude fazer relação da teoria com a minha
prática pedagógica que eu desenvolvia em sala de aula.
Conto com o que eu aprendi no Curso para resolver muitos problemas.
Quando eu relato essa questão dos problemas, por exemplo, no caso da forma de agir com
os alunos, eu cito, assim, como questão de comportamento, tanto meu como também de
saber trabalhar com aqueles alunos que têm dificuldades em sala de aula, de aprender.
O Curso facilitou muito o nosso trabalho. Não só com relação em trabalhar os conteúdos,
a questão do uso de textos em sala de aula, mas a questão da própria realidade da criança,
como, por exemplo, a sua vida, tratando do seu lado pessoal.
Muitas crianças chegam em sala de aula com vários problemas, que não chegam a ser
relatados por elas. Então, esse Curso contribuiu muito, também, para isso, para que a gente
pudesse dar oportunidade aos alunos para eles relatarem seus problemas e, assim, o
professor ter uma posição de partir de um determinado tema que vá interessar a criança.
X
PRÉ-INDICADORES:
37) Interesse dos alunos; 38) Consciência; 39) Autonomia.
Como professora, eu passei a perceber que eu tinha que trabalhar não uma quantidade de
conteúdo, mas despertar nele [no aluno] o interesse na forma de aprender, para que
tenha consciência do que faz, do que precisa fazer, como agir no seu próprio lugar, na
sua comunidade. Que ele [o aluno] tenha autonomia, reconheça seus deveres, seus
direitos, ter uma posição diante das coisas, de como tratar uma pessoa, de como agir
numa determinada situação.
XI
PRÉ-INDICADORES:
40) Expectativas de aprendizagem; 41) Compromisso com o Curso; 42) Oportunidade de
trabalhar numa escola privada; 43) Dificuldade para lecionar; 44) Apoio pedagógico; 45)
Psicologia da Educação.
Quando fui fazer Pedagogia, minhas expectativas eram, principalmente, adquirir novos
conhecimentos, aprender coisas novas! E, diante disso, fazer relação desses novos
conhecimentos com a minha prática pedagógica, porque, logo no início do Curso, eu
percebi que ela deveria melhorar muito. Para isso, eu precisava estudar muito,
pesquisar! E eu tinha muita vontade! E eu me empenhei no Curso. Acho que me
desenvolvi bastante.
Logo quando eu terminei o Curso, o Magistério, eu fui logo trabalhar numa escola
privada! Tive essa oportunidade. Foi uma época muito difícil para mim!!! Eu via que eu
não estava preparada para o que eu estava fazendo! Eu sentia muita dificuldade, muita
deficiência! Não tive muito apoio por parte dos colegas de trabalho, porque uns ficavam
desvalorizando os outros. Eu até me decepcionava muito, mas nunca desisti!!! Eu não
tinha o apoio dos colegas professores, mas tinha o apoio da diretora, da supervisão! E
com isso, eu buscava interagir com essas pessoas, porque eram elas que estavam me
dando oportunidade! Mas precisei estudar muito! De início, eu fui trabalhar numa 4ª
série. Foi muito difícil!
Quando eu comecei a trabalhar na escola pública, eu já fui percebendo as coisas de uma
forma mais clara! O município oferecia cursos de capacitação. Eu participei do curso do
PROFA [Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, do Ministério da
Educação], que é um curso de capacitação de professores alfabetizadores, participei do
Curso dos PCN’s [Parâmetros Curriculares Nacionais], logo quando surgiram os
Parâmetros Curriculares Nacionais. Participei de muitos cursos de capacitação de
professores [cursos de formação continuada de professores]. Todos eles contribuíram e
me fizeram despertar para buscar mais, estudar mais! Esses cursos contribuíram
muito para que eu sentisse a necessidade de buscar novos conhecimentos, me
qualificar. De uma certa maneira, eles me despertaram o interesse para fazer Pedagogia.
Antes de fazer o Curso, tinha certas atitudes que eu tomava com relação aos meus alunos
que, hoje, eu vejo que eram erradas. Foi a disciplina Psicologia da Educação que me
fez perceber a questão de valorizar os conhecimentos prévios dos alunos, a questão do
comportamento deles, a forma como eles agem.
XII
PRÉ-INDICADORES:
46) Métodos de ensino; 47) Reprovação escolar; 48) Concepção de aluno; 49) Ensino e
aprendizagem.
Eu aprendi no método tradicional, a partir das experiências dos professores que eu tive
durante toda a minha vida estudantil, na educação básica. Hoje, não [os] ignoro, mas,
também, não ensino da mesma forma que eles me ensinaram.
No ensino tradicional, os professores não davam oportunidade para o aluno falar de
suas dificuldades! Eu cheguei a ser reprovada por causa dessa questão de não ter a
oportunidade de falar sobre as minhas dificuldades com a professora. Então, eu não faço
igual a eles não só por isso, mas pelo fato de perceber, hoje, que o aluno não é um ser
passivo. Ele é um ser ativo. Ele não só participa das aulas, mas, também, troca
conhecimento com os colegas, com o professor.
XIII
PRÉ-INDICADORES:
50) Concepção acerca do Curso; 51) Crescimento pessoal; 52) Crescimento profissional.
Durante a trajetória do Curso, eu percebi que ele foi melhor do que o que eu imaginava
no início. Foi um Curso bastante proveitoso! Tanto contribuiu para o meu crescimento
pessoal como para o meu crescimento profissional.
Gostei tanto do Curso, que, se fosse preciso, eu faria tudo novamente! Ele contribuiu
não apenas para que eu melhorasse a minha prática pedagógica como professora em
sala de aula. Ele contribuiu muito, muito mesmo, para o meu aspecto pessoal. Eu me
desenvolvi muito! Não me desenvolvi somente para viver as situações de uma sala de
aula, mas, sim, as minhas atitudes, com relação às pessoas, o meu interesse pelo
trabalho e pelas pessoas!
O Curso foi bastante proveitoso! Esse Curso melhorou não apenas a minha prática, mas
também a minha pessoa em vários aspectos!
O meu agir, por exemplo, eu acho que [o Curso] contribuiu bastante! E também o meu
lado pessoal. Eu me via como uma pessoa muito agitada, às vezes incompreensiva, via
pouco o lado do meu aluno.
Eu me sinto, hoje, não só uma professora diferente, mas uma pessoa diferente!
XIV
PRÉ-INDICADORES:
53) Dificuldades; 54) Enfrentamento das dificuldades; 55) Estudo em grupo.
Durante o Curso, como qualquer pessoa, tive algumas dificuldades, deficiências! Eu diria
que uma das maiores dificuldades que passei foi a questão do transporte. Eu morava numa
cidade distante da Universidade, então, essa era uma das maiores dificuldades!
Nenhuma dificuldade eu encarei como uma coisa que fosse me proibir de fazer o Curso.
Toda dificuldade me fazia perceber que eu tinha que melhorar. Eu vi que eu precisava
melhorar como professora, por isso nenhuma dificuldade iria me fazer desistir do
Curso.
Quando eu via um colega, professor, lendo um livro, eu me interessava. Eu queria
aprender refletir aquilo que estava sendo estudado. Tudo isso era dificuldade que eu
passava. E, na sala de aula, todos têm dificuldades! A princípio, a questão de muitas
leituras, a gente precisava ler muito, os professores incentivando a gente a pesquisar,
ler livros, fazer trabalhos, apresentar seminários. Em tudo isso eu sentia dificuldades.
Mas eu fui, pouco a pouco, superando todas essas dificuldades! E fui gostando do
trabalho, do envolvimento, das pessoas...
Eu superei as dificuldades porque eu tinha vontade! E com essa vontade eu ia
buscar...! Eu lia uma vez, lia duas vezes; eu queria compreender o texto, então eu tinha
que ter vontade!
Essa vontade me fazia superar essas deficiências, e buscava superar essas dificuldades
não somente só, mas em companhia do professor, do orientador que estava em sala de
aula facilitando a aprendizagem dos alunos, incentivando, tirando dúvidas!
Os estudos em grupo, as discussões em grupo, ajudavam muito no entendimento dos
assuntos que a gente estudava em sala de aula. O estudo em grupo facilitava a
aprendizagem. Havia mais interação entre as colegas. Nessa interação, o havia
somente a questão do conhecimento dos textos; a gente não discutia somente o assunto
que estava no texto. A gente fazia relação dos textos com a nossa sala de aula. Nesse
momento, havia uma grande socialização de nossas experiências de sala de aula.
Concluída a primeira fase, passamos para a aglutinação dos pré-indicadores, ou seja,
dos diversos temas revelados na fala de Raquel, o que permitiu a inferência e sistematização de
alguns indicadores, como os que seguem:
PRÉ-INDICADORES INDICADORES
1) Capacitação; 2) Formação superior; 3) Satisfação; 4)
Pedagogia.
1) Necessidade e
oportunidade de
aperfeiçoamento
5) Professora pesquisadora; 6) Professora reflexiva; 7)
Convivência com pessoas diferentes; 8) Conhecimentos
prévios; 9) Realidade dos alunos; 10) Cidadania.
2) Uma nova concepção do
papel de professora e
educadora
11) Vontade de conhecer; 12) Interesse; 13) Planejamento
flexível.
3) A construção de uma nova
concepção pedagógica de
aluno, ensino e aprendizagem
14) Inovação da prática pedagógica; 15) Motivação para
aprender.
4) Prática pedagógica e
motivação para aprender
16) Ingresso na universidade; 17) Aperfeiçoamento da
prática pedagógica; 18) Formação eficaz; 19) Objetivo dos
alunos; 20) Objetivo da professora; 21) Professora flexiva.
5) A construção de um novo
modo de ser professora
22) Qualidade dos professores formadores; 23) Atividades
pedagógicas; 24) Eficiência; 25) Atividades de pesquisa;
26) Freqüência às aulas; 27) Mediação docente.
6) Postura ética, técnica,
estética e política dos
professores formadores
28) Atividades vivenciais; 29) Teoria e prática; 30) Prática
de ensino.
7) A relação teoria e prática
31) Conhecimentos prévios; 32) Formação reflexiva.
8) Os conhecimentos prévios
no processo de formação do
professor
33) Leitura; 34) Atividades de pesquisa; 35) Sala de aula;
36) Alunos com dificuldades.
9) A realidade multifacetada
da sala de aula
37) Interesse dos alunos; 38) Consciência; 39) Autonomia.
10) A construção da
autonomia pedagógica do
professor-cursista
38
40) Expectativas de aprendizagem; 41) Compromisso com
o Curso; 42) Oportunidade de trabalhar numa escola
privada; 43) Dificuldade para lecionar; 44) Apoio
pedagógico; 45) Psicologia da Educação.
11) Apropriação / objetivação
do processo histórico do ser
professora
46) Métodos de ensino; 47) Reprovação escolar; 48)
Concepção de aluno; 49) Ensino e aprendizagem.
12) A relação professor /
aluno no processo de ensino e
aprendizagem
50) Concepção acerca do Curso; 51) Crescimento pessoal;
52) Crescimento profissional.
13) A formação como
processo de superação da
dicotomia pessoal /
profissional
53) Dificuldades; 54) Enfrentamento das dificuldades; 55)
Estudo em grupo
14) Estratégias de
enfrentamento e superação
das dificuldades
38
O que estamos denominando “professor-cursista”, Raquel, o nosso sujeito da pesquisa, o denomina “aluno-
professor”. Com esta ou aquela denominação, estamos nos referindo à mesma categoria de sujeito, ou seja, ao
professor do Ensino Fundamental que se encontra matriculado, como aluno, no Curso de Pedagogia ofertado pelo
PROFORMAÇÃO da UERN.
Este processo de aglutinação de pré-indicadores em indicadores ocorreu com base nos
critérios de “semelhança”, “complementaridade” e “contraposição”, conforme propõem Aguiar e
Ozella (2006 – no prelo). Dessa forma, cada indicador acima traz, consigo, sentidos e
significados que só podem ser compreendidos a partir da leitura e interpretação das palavras de
Raquel em seu contexto sócio-historicamente determinado.
O primeiro indicador (necessidade e oportunidade de aperfeiçoamento) aglutina pré-
indicadores relacionados ao modo pelo qual Raquel se apropriou da idéia de fazer um curso
superior na área de educação e passou a objetivar uma nova maneira de atuar pedagogicamente
em sala de aula.
O segundo indicador (uma nova concepção do papel de professora e educadora) trata
do processo de apropriação e objetivação de um novo modo de ser professora e educadora a partir
da entrada na universidade.
“A construção de uma nova concepção pedagógica de aluno, ensino e aprendizagem”
é o terceiro indicador. Seu conteúdo trata do modo pelo qual Raquel passou a compreender a si
mesma, como professora, e, sobretudo, seus alunos e o processo pedagógico educacional escolar.
O quarto indicador (prática pedagógica e motivação para aprender) está relacionado
ao modo pelo qual Raquel se sente atraída pelo processo dialético de ensinar e aprender.
“A construção de um novo modo de ser professora” é o quinto indicador, cujo
conteúdo temático aborda o processo de construção de uma nova postura pedagógica como
professora a partir da entrada no Curso de Pedagogia.
O sexto indicador (postura ética, técnica, estética e política dos professores
formadores) aglutina pré-indicadores relacionados a aspectos específicos da atuação dos
professores formadores.
O sétimo indicador (a relação teoria e prática) trata do modo pelo qual o Curso de
Pedagogia ofertado pelo PROFORMAÇÃO da UERN contribuiu, ou não, para a superação da
dicotomia entre teoria e prática durante o processo de formação acadêmica.
O conteúdo temático do oitavo indicador (os conhecimentos prévios no processo de
formação do professor) diz respeito ao modo pelo qual os professores formadores trataram os
saberes cotidianos de Raquel, como professora, durante o seu processo de formação acadêmica.
O nono indicador (a realidade multifacetada da sala de aula) aborda o modo pelo qual
Raquel passou a encarar a complexidade de uma sala de aula.
O décimo indicador (a construção da autonomia pedagógica do professor-cursista)
trata do papel do professor na sala de aula.
O décimo primeiro indicador (apropriação / objetivação do processo histórico do ser
professora) aborda questões que tanto contribuíram como dificultaram o seu processo de
constituição como professora.
“A relação professor / aluno no processo de ensino e aprendizagem” diz respeito ao
décimo segundo indicador, cujo conteúdo temático trata do modo pelo qual Raquel compreende
os papéis do professor e do aluno no processo de ensino e aprendizagem.
“A formação como processo de superação da dicotomia pessoal / profissional” é o
décimo terceiro indicador, que traz como conteúdo temático o papel do Curso de Pedagogia na
configuração do seu modo integral de ser.
O décimo quarto indicador (estratégias de enfrentamento e superação das
dificuldades) aglutina pré-indicadores que tratam das dificuldades vividas por Raquel durante o
processo de sua formação acadêmica. Seu conteúdo temático diz respeito, portanto, ao uso de
estratégias utilizadas por Raquel para enfrentar essas dificuldades.
Concluída a aglutinação dos pré-indicadores em indicadores, passamos para a terceira
fase, que consistiu na inferência e sistematização dos núcleos de significação. Para chegar a esta
fase, levamos em conta a “semelhança”, a “complementaridade” e a “contraposição” dos
conteúdos temáticos que constituem cada um dos indicadores citados.
INDICADORES
NÚCLEOS DE
SIGNIFICAÇÃO
1) Necessidade e oportunidade de aperfeiçoamento
2) Uma nova concepção do papel de professora e educadora
3) A construção de uma nova concepção pedagógica de aluno,
ensino e aprendizagem
4) Prática pedagógica e motivação para aprender
5) A construção de um novo modo de ser professora
7) A relação teoria e prática
13) A formação como processo de superação da dicotomia
pessoal / profissional
1) A atuação pedagógica
docente como atividade
vital humana
6) Postura ética, técnica, estética e política dos professores
formadores
7) A relação teoria e prática
8) Os conhecimentos prévios no processo de formação do
professor
9) A realidade multifacetada da sala de aula
2) A postura pedagógica
dos professores
formadores
5) A construção de um novo modo de ser professora
7) A relação teoria e prática
9) A realidade multifacetada da sala de aula
13) A formação como processo de superação da dicotomia
pessoal / profissional
3) A relação teoria e
prática no processo de
formação acadêmica
2) Uma nova concepção do papel de professora e educadora
3) A construção de uma nova concepção pedagógica de aluno,
ensino e aprendizagem
7) A relação teoria e prática
11) Apropriação / objetivação do processo histórico do ser
professora
12) A relação professor / aluno no processo de ensino e
aprendizagem
13) A formação como processo de superação da dicotomia
pessoal / profissional
4) A mediação afetiva na
constituição do ser
professora
2) Uma nova concepção do papel de professora e educadora
6) Postura ética, técnica, estética e política dos professores
formadores
14) Estratégias de enfrentamento e superação das dificuldades
5) A superação das
dificuldades vividas na
formação acadêmica
2 Análise dos Núcleos de Significação
Articulados os diversos indicadores, inferimos e sistematizamos os núcleos de
significação acima e demos continuidade ao processo de aproximação das zonas de sentido que
constituem o sujeito da nossa pesquisa com relação ao seu processo formativo no Curso de
Pedagogia. Para que essa aproximação fosse possível, levamos em conta que “para compreender
a fala de alguém, não basta entender suas palavras; é preciso compreender seu pensamento (que é
sempre emocionado), é preciso apreender o significado da fala
39
” (Aguiar, 2001, p. 130).
Afirma González Rey (2003, p. 235) que “o pensamento se define como um processo
psicológico, não somente por seu caráter cognitivo, mas por seu sentido subjetivo
40
, pelas
significações e emoções que se articulam em sua expressão”. Consideramos, portanto, neste
capítulo, os sentidos e significados produzidos por Raquel a partir da sua relação com o mundo,
com o contexto sócio-histórico no qual se configura o seu modo de pensar, sentir e agir como
professora.
Do ponto de vista procedimental, a análise ocorreu, inicialmente, de forma intra-
núcleo, ou seja, levando em conta os dados que constituem cada um dos núcleos. Posteriormente,
avançamos para uma análise de inter-núcleos (Aguiar e Ozella, 2006 – no prelo),
2.1 A Atuação Pedagógica Docente Como Atividade Vital Humana
É praticamente incontestável o fato de que muitos jovens brasileiros sonham com a
oportunidade de ter um curso superior. É justificável, então, o fato de que este desejo também
fizesse parte dos sonhos de Raquel. Um curso superior representava, para ela, assim como
39
Grifo da autora.
40
Grifo nosso. Convém ressaltar, ainda, que esta expressão de González Rey tem equivalência conceitual à
expressão “sentido” utilizada por Vigotski, e à expressão “sentido pessoal” utilizada por Leontiev.
representa para muitos jovens, a oportunidade de poder superar muitos obstáculos vividos nas
condições adversas da sociedade. Esse desejo, contudo, não se explica por si só. Para isso, exige-
se algo mais complexo. Exige a compreensão da unidade necessidade / motivo como processo
constitutivo do humano (Aguiar e Ozella, 2006 – no prelo).
Ao ressaltar a unidade necessidade / motivo, o fazemos com base na Psicologia Sócio-
Histórica. Dessa forma, essa unidade não se reduz a algo que satisfaz o humano de modo direto e
imediato, como acontece no caso dos animais.
No humano, as necessidades e motivos são configurações mediadas pela relação
homem / mundo. São atividades significadas; são, por isso, atividades vitais humanas. Conforme
aponta Duarte (1993, pp. 30-31), “a atividade vital humana [...] não se caracteriza, como a
atividade vital dos animais, pelo simples consumo dos objetos que satisfaçam suas necessidades,
mas sim pela produção de meios que possibilitem essa satisfação”. Continua Duarte (idem): “o
homem, para satisfazer suas necessidades, cria uma realidade humana, o que significa a
transformação tanto da natureza quanto do próprio homem”.
Com o ingresso na carreira do magistério, fato que lhe aconteceu um ano após ter
concluído o 2º Grau com Habilitação em Magistério, Raquel passou a configurar de forma mais
intensa e clara a necessidade de aperfeiçoamento. Essa necessidade não foi gestada, contudo,
apenas pelo fato de dar aula, mas pela participação em grupo de estudo, com colegas professores,
e em cursos de capacitação, conforme explicita: “Eu percebi no decorrer dos meus estudos, nos
cursos de capacitação que eu participava, com os demais professores, supervisores,
coordenadores, que eu sentia essa necessidade, que era ter uma formação superior”.
A relação de Raquel com o espaço social complexo dos cursos de capacitação,
compreendida como um processo de apropriação de uma determinada realidade, configuram
novas necessidades para si. Assim, podemos afirmar que os cursos de capacitação dos quais
Raquel participava aparecem como uma atividade que, ao satisfazerem suas necessidades, se
constituem em motivos impulsionadores de suas ações, isto é, a luta pelo direito e realização de
uma formação de nível superior. Nesse processo de configuração de novas necessidades em
motivos, Raquel passa a produzir novos sentidos acerca do si como professora, como sujeito, na
relação ativa com o mundo.
Conforme aponta González Rey (2003, p. 207) “a ação dos sujeitos implicados em um
espaço social compartilha elementos de sentidos e significados gerados dentro desses espaços, os
quais passam a ser elementos da subjetividade individual”. Portanto, não podemos compreender a
subjetividade de Raquel, os novos sentidos por ela produzidos, sem levar em conta os fatos sócio-
históricos que a determinam na relação com o mundo, as necessidades e os motivos que
configuram o seu modo de ser professora. De acordo com Aguiar e Ozella (2006, pp. 8-9 – no
prelo), “a possibilidade de realizar uma atividade, que vá na direção da satisfação das
necessidades, com certeza modifica o sujeito, criando novas necessidades e novas formas de
atividade. [...] Este movimento se define como a configuração das necessidades em motivos”.
A relação de Raquel com educadores num espaço social específico, ou seja, num
espaço de estudo com colegas professores e técnicos pedagógicos, configura-se como um
processo de determinação do modo pelo qual passou a pensar, sentir e agir como professora.
Implicada pelo novo contexto, Raquel expressa: “No decorrer dos estudos [dos cursos de
capacitação], eu vi que existia muita coisa que eu precisava conhecer [...] pra melhorar a
aprendizagem dos meus alunos [e] o meu desenvolvimento como educadora”. Nesse espaço de
novas relações, Raquel passa a gestar novas necessidades, ao mesmo tempo que passa a constituir
motivos impulsionadores de suas ações.
De acordo com González Rey (2003, p. 209), “cada configuração subjetiva de um
espaço social está constituída por elementos de sentidos procedentes de outros espaços sociais,
assim como de elementos que caracterizam esse próprio espaço em momentos históricos
anteriores”. Significações já existentes se modificam a partir da apropriação de novas
significações (processo de articulação de novas significações). É, portanto, a partir do
conhecimento da dinâmica das significações que podemos compreender a mobilidade do
pensamento, isto é, os significados e os sentidos que o constituem.
Ao sentir que não estava capacitada para assumir uma sala de aula, Raquel questiona o
seu papel de professora ante o processo de aprendizagem dos alunos e indaga: “Como eu iria
desenvolver uma aprendizagem satisfatória nos meus alunos se eu estava precisando dessa [...]
aprendizagem pra mim mesma?”.
Atravessada pela necessidade de querer aprender para melhorar a sua atuação
pedagógica em sala de aula, Raquel relata que ficava ansiosa quando se falava em algum teórico
como Emilia Ferreiro ou Paulo Freire. “Sem saber, eu me sentia perdida, mas, ao mesmo tempo,
sentia aquela curiosidade”. Nesta fala, evidencia-se a necessidade como mobilizadora do sujeito,
criando uma tensão que busca sua satisfação, ou seja, motivos concretos para a ação.
Com o sonho e o desejo de um dia fazer um curso superior, Raquel tentou, algumas
vezes, o vestibular da UERN, inclusive fora da área dos cursos de licenciatura. Não conseguiu
obter êxito! Foi, entretanto, nas vagas de um curso de um programa especial de formação de
professores que Raquel conseguiu ingressar num curso superior, conforme ela mesma comenta:
O PROFORMAÇÃO foi [...] uma grande oportunidade para fazer um curso superior!”. O
PROFORMAÇÃO se constitui no motivo que a impulsionará a crer na possibilidade de “agir de
forma mais satisfatória em sala de aula”. Mais do que uma oportunidade, fazer um curso
superior significou, para Raquel, a concretização de um desejo, de um sonho.
Conforme apontam seus relatos verbais, ela sentiu “a maior satisfação de fazer o
Curso de Pedagogia”. Ao demonstrar sentimento de realização, fazer Pedagogia se configurou,
para Raquel, como a satisfação de uma necessidade, que era tornar-se uma professora qualificada
na sua área de atuação. A satisfação, contudo, não é estática. Pelo contrário, ela se configura no
movimento dialético da unidade necessidade / motivo.
O sujeito não necessariamente tem o controle e muitas vezes a consciência do
movimento de constituição das suas necessidades. Assim, tal processo só pode ser
entendido como fruto de um tipo específico de registro cognitivo e emocional, ou seja,
a constituição das necessidades se dá de forma não intencional, tendo nas emoções um
componente fundamental (Aguiar e Ozella, 2006, p. 8 – no prelo).
A vivência de Raquel no Curso pode ser compreendida como algo que, ao satisfazer
suas necessidades, justifica sua dedicação aos estudos, o que podemos constatar desta afirmação:
Durante a trajetória do Curso, eu percebi que ele foi melhor do que o que eu imaginava no
início. Foi um Curso bastante proveitoso! Tanto contribuiu para o meu crescimento pessoal
como para o meu crescimento profissional”. É importante ressaltar que, de acordo com a
Psicologia Sócio-Histórica, entendemos por necessidade “um estado de carência do indivíduo que
leva a sua ativação com vistas a sua satisfação, dependendo das suas condições de existência”
(Aguiar e Ozella, , 2006, p. 8 – no prelo).
A relação de Raquel com o Curso pode ser compreendida como algo que a constitui
afetiva e cognitivamente como pessoa una, integral. Ao falar da sua trajetória no curso, Raquel
revela, além de afinidade, envolvimento com as atividades acadêmicas. O Curso aparece, na sua
fala, como algo que atravessou significativamente seu modo subjetivo de pensar, sentir e agir
como aluna e professora.
Ao destacar o papel da universidade para sua formação, Raquel atribui o seguinte
sentido: “pude ter a oportunidade de melhorar a minha prática pedagógica, me preparar
melhor para atuar em sala de aula e contribuir para que meus alunos pudessem ter uma
formação mais eficaz, mais participativa, pudessem aprender mais e melhor”. A fala de Raquel
revela algo mais que compromisso com o curso. Revela compromisso com o seu modo de ser
professora, com o seu modo de atuar junto aos seus alunos e, assim, contribuir para que estes
tenham uma formação mais eficaz.
Compreendemos o compromisso de Raquel com o curso e os alunos como algo
atravessado profundamente pelo que ela sente em relação ao processo pedagógico do ensinar e
aprender. A fala de Raquel a revela de modo afetivamente implicada no / pelo processo de sua
formação e atuação profissional, ou seja, como aluna e professora.
A afetividade constitui-se como um fator de grande importância na determinação da
natureza das relações que se estabelecem entre os sujeitos (alunos) e os demais objetos
de conhecimento (áreas e conteúdos escolares), bem como na disposição dos alunos
diante das atividades propostas e desenvolvidas. É possível, assim, afirmar que a
afetividade está presente em todos os momentos ou etapas do trabalho pedagógico
desenvolvido pelo professor (Leite, 2006, p. 24).
O Curso aparece, na fala de Raquel, como algo que conseguiu satisfazer
significativamente suas necessidades, como professora e aluna; o Curso atravessou, portanto, a
sua vida de forma cognitiva e afetivamente implicada. Por isso, afirma: “O que eu estudava na
universidade, eu levava pra minha sala de aula”.
Ao demonstrar grande satisfação em ter concluído seus estudos, Raquel revela a sua
transformação a partir do envolvimento com as atividades acadêmicas do Curso.
Antes, eu achava que somente eu tinha objetivo, que era o de repassar os conteúdos.
Ser aquele professor rigoroso, detentor do saber; hoje, não! Hoje, eu tento ser uma
professora flexiva! Sei que ainda preciso melhorar. Todos nós precisamos sempre
melhorar! Mas hoje eu vejo que melhorei bastante.
Ao revelar-se profundamente implicada pelo Curso, Raquel expressa que os objetivos
de trabalho não deveriam ser apenas do professor. Eles deveriam ser pedagogicamente
compartilhados; voltados para todo o grupo que compartilha o espaço da sala de aula.
[...] considero que meus alunos têm objetivos, e eu tenho a obrigação de procurar
saber [...] o que eles têm vontade e necessidade de conhecer [...] o que eles precisam
aprender. Dessa forma, eu vejo que eles se interessam mais, se engajam muito mais
nos trabalhos, pesquisam mais, participam muito mais das aulas, interagem muito
mais entre eles e comigo.
Embora o aluno apareça na sua fala como algo de suma importância, sua necessidade
de planejar as atividades didáticas parte não apenas da sua relação com os alunos, mas da sua
relação com o mundo da educação, como colegas de profissão e de estudo, e da própria relação
com as atividades acadêmicas do Curso, conforme ela mesma explicita na sua fala abaixo.
[...] vejo que, antes, eu planejava de uma forma, que tinha uma forma de se
planejar, um roteiro. Hoje, eu vejo que o meu planejamento é flexível! Que eu
preciso refletir sobre as situações-problema dos meus alunos, buscando uma
problemática para desenvolver em sala de aula, para que, com isso, eu possa ajudar
os meus alunos a resolver suas situações-problema. Tudo isso faz com que os alunos
se interessem muito mais pelas aulas, pois são aulas que tratam da sua própria
realidade! Tudo isso contribuiu!
No Curso, Raquel se revela como um sujeito historicamente determinado, ou seja,
uma professora em processo de transformação. Ela se revela como um sujeito que se apropria do
modo de ser a partir da relação com o mundo, o que determina um processo de transformação no
seu modo de pensar, sentir e agir ante o espaço de suas relações socais. Nesse processo histórico
de apropriação e transformação do modo de ser, Raquel se objetiva como professora.
O que possibilita o desenvolvimento histórico é justamente o fato de que a
apropriação de um objeto (transformando-o em instrumento, pela objetivação da
atividade humana nesse objeto, inserindo-o na atividade social) gera, na atividade e
na consciência do homem, novas necessidades e novas forças, faculdades e
capacidades
41
(Duarte, 1993, p.35).
No Curso, a satisfação das necessidades de Raquel se configura em motivos, o que
justifica as suas ações na busca de novos conhecimentos para o exercício da função docente.
A necessidade não conhece seu objeto de satisfação, ela completa sua função quando
o “descobre” na realidade social. Entendemos que este movimento se define como a
configuração das necessidades em motivos. Com isto estamos dizendo que os motivos
se constituirão como tal somente no encontro com o sujeito, no momento que o sujeito
o configurar como possível de satisfazer as suas necessidades (Aguiar e Ozella, 2006,
pp. 8-9 – no prelo).
A maneira como é tratada a relação teoria e prática, no Curso, é um elemento de
satisfação para Raquel. É algo que a motiva, e justifica o seu prazer de aperfeiçoamento como
professora, conforme destaca em sua fala: “O Curso foi desenvolvido proporcionando teoria e
prática! O Curso visava aprimorar os conhecimentos dos educandos [...]. O Curso contribuiu
não só teoricamente, mas fazendo relação da teoria com a prática”.
Suas necessidades e motivos, enfim, sua satisfação de estar na universidade se afirma
na seguinte expressão: “A partir do Curso, passei a perceber que, a cada dia, preciso melhorar,
inovar minha prática, buscando novos conhecimentos, pesquisando, incentivando meus alunos
a aprender, a refletir sobre a sua vida”.
Ao afirmar que o Curso contribuiu significativamente com o processo de sua
formação docente, Raquel revela-se cognitiva e afetivamente implicada. No Curso, Raquel
41
Grifos do autor.
encontrou elementos que a motivaram, que satisfizeram significativamente suas necessidades
sociais, singulares, subjetivas. Dessa forma, reconhece que é uma professora em transformação.
Hoje, dentro da escola, eu me vejo como uma professora pesquisadora, mais
interessada pelo trabalho que faço. Não que antes não me sentisse assim,
interessada; mas, a partir do Curso, é diferente! Sinto-me uma professora
pesquisadora, incentivadora, uma professora mais reflexiva, que contribui não só
para que os alunos tornem-se mais participativos, ativos, mas, também, no seu lado
pessoal, de saber conviver com outras pessoas, com pessoas diferentes.
A partir do ingresso no Curso, Raquel revela-se uma professora diferente. Uma
professora mais preparada para lidar com a complexidade de uma sala de aula. Como professora,
sabe que é preciso saber com clareza de onde e como partir (pesquisa, incentivo, reflexão) e
aonde e como chegar (o processo de aprendizagem dos alunos). Não reduz, contudo, o aluno a
um ente apenas escolar. Por isso, o processo de formação escolar deve considerar o aluno como
um ser que se relaciona com o mundo, com diferentes espaços, diferentes pessoas, e não apenas
com o professor e seus colegas de classe.
Antes eu via que [...] tinha que ensinar conteúdos aos alunos. Hoje, [...] vejo que eu
tenho um papel mais importante! É um papel que vai além disso, do ensino dos
conteúdos. Meu papel é, também, formar alunos para que eles possam atuar de
forma mais consciente no lugar onde moram, que possam ter autonomia própria;
autonomia para saber refletir e resolver uma situação-problema do lugar onde
moram, assim como no meio da família; ter autonomia com relação à sua própria
sala de aula como estudante, como cidadão.
Vivenciando o processo de formação acadêmica, Raquel reconstrói o seu modo de
pensar, sentir e agir na relação com o espaço de sua atuação pedagógica como professora. Ela
passa a considerar que o seu papel em sala de aula, junto aos alunos, é mais importante do que
imaginava antes. A formação acadêmica não deve se limitar apenas à transmissão de conteúdos.
Isso a escola não deve esquecer, não pode negligenciar. Entretanto, é necessário considerar o
conteúdo adequado para a formação. Em sua concepção, é necessário que o conteúdo tenha
compromisso político com a transformação social para que a escola possa contribuir com a
formação de homens cidadãos. Nesse sentido, Raquel expressa compromisso não apenas com a
sua formação acadêmica, mas também com a formação crítica e cidadã dos seus alunos.
Passei a desenvolver trabalhos em sala de aula partindo das situações-problema dos
meus alunos. Passei a desenvolver projetos diante das situações-problema e resgatar,
com isso, os conhecimentos prévios dos alunos. Passei a trabalhar valorizando
muito mais a realidade dos meus alunos. Com isso, os alunos passaram a se engajar
mais nas atividades, a se interessar muito mais. E isso tudo facilitava meu trabalho e
meu estudo, porque havia essa relação entre a teoria estudada em sala de aula, no
Curso, e a vivência da prática, da minha prática docente, na sala de aula com meus
alunos.
Compreendemos que uma formação crítica e cidadã passa, necessariamente pelo
acesso do aluno aos conteúdos historicamente construídos. Essa é uma condição inegável na
história da Pedagogia Crítica (Saviani, 1988). É necessário, contudo, que esses conteúdos não
tenham um fim em si mesmos. A formação crítica e cidadã do aluno passa pelo conhecimento de
si mesmo, do “outro” e do espaço com o qual se relaciona.
Partir das situações-problema dos alunos, como atividade didática, conforme relata
Raquel, é considerar o processo educativo uma atividade democrática de acesso ao conhecimento
de si e dos espaços em que o aluno se encontra sócio-historicamente situado. É, com isso,
transformar as necessidades de aprendizagem dos alunos em motivações para o processo
educativo escolar.
Considerar a realidade com a qual o aluno se relaciona é uma estratégia de ensino e
aprendizagem verdadeiramente voltada para uma formação crítica e cidadã. É considerar o aluno
um sujeito histórico, um sujeito que passa por processos de transformações. E, como ser histórico
que vivencia processos de transformações, Raquel expressa a seguinte concepção acerca de si
mesma como professora: “Hoje, [...] a minha prática é muito diferente da prática de
antigamente!”. Ser professora, para Raquel, é poder intervir no mundo concreto, “é formar o [...]
aluno para a cidadania”. Após vivenciar o processo de formação, Raquel revela-se, conforme
aponta sua fala, um ser em transformação. Revela-se uma professora mais cuidadosa com a sua
maneira de atuar em sala de aula e, com isso, contribuir para a formação de seus alunos.
Podemos afirmar que Raquel configura o seu modo de ser professora a partir das
relações estabelecidas com o mundo. Relações, estas, que são sempre marcadas por elementos
que revelam afeto e significados e sentidos. Não é, portanto, apenas na sala de aula, onde atua
como professora, que Raquel constitui o seu modo de ser docente, mas na oportunidade de poder
estudar e discutir o seu modo de atuar pedagogicamente.
2.2 A Postura Pedagógica dos Professores Formadores
A postura pedagógica dos professores formadores aparece na fala de Raquel como
algo profundamente carregado de sentidos para o seu processo de formação acadêmica em
serviço, o que nos leva a inferir e organizar um núcleo de significação acerca deles. Raquel fala,
sobretudo, do modo pelo qual esses professores desenvolviam suas atividades didáticas.
Ao afirmar que aprendeu muito no Curso de Pedagogia, Raquel destaca que não foram
apenas as disciplinas que contribuíram para isso. Reconhece que as disciplinas, por si sós, sem a
presença dos professores formadores, não seriam suficientes para garantir o processo de ensino e
aprendizagem. “Os professores, a qualidade dos professores, que faziam das aulas um momento
de reflexão, que nos levavam a refletir sobre a nossa prática, muito contribuíram para o nosso
crescimento”. Esta fala revela o modo pelo qual Raquel é atravessada afetivamente pelo curso, e,
de modo especial, pela postura pedagógica dos professores formadores. Acerca desta questão,
que trata do papel afetivo do professor, destacamos que “as decisões pedagógicas que o professor
assume, no planejamento e desenvolvimento do seu trabalho, têm implicações diretas no aluno,
tanto no nível cognitivo quanto no afetivo” (Leite, 2006, p. 25).
Saber refletir sobre a própria prática tem sido um tema corrente nos cursos de
formação de professores. Diante desta questão, cabe-nos perguntar: de que modo, no Curso de
formação de Raquel, acontecia esse processo de reflexão sobre a prática pedagógica? De
imediato, devemos considerar que a relação entre teoria e prática é algo que atravessa toda a fala
de Raquel; é algo muito enfatizado por ela acerca do seu processo de formação.
Esta nossa preocupação pauta-se no fato de que muitas críticas têm sido feitas ao
ideário pedagógico do professor reflexivo. São críticas construídas, sobretudo, na perspectiva de
que “a reflexão que não se torna ação política, transformadora da própria prática, não tem sentido
no horizonte educativo” (Ghedin, 2005, p. 142).
Ao discutir o processo educativo, Severino (2005) aponta para a necessidade de
considerarmos quatro elementos mediadores da educação, que, neste trabalho, transpusemos para
a discussão sobre formação de professores. São eles os valores que constituem a ética, a técnica, a
política e a sensibilidade estética. São valores que se relacionam entre si. Ao trazer à tona “a
reflexão sobre a prática”, torna-se mister considerar o modo pelo qual o ideário pedagógico do
professor reflexivo é atravessado (se é atravessado!) por esses valores.
Não podemos jamais escamotear as relações entre educação e política, educação e
poder, não podemos compreender a qualidade, a competência, como tendo um valor
em si, universal, independentes das condições sociais que as produzem (Galdini e
Aguiar, 2003, p. 90).
De acordo com Raquel, a postura pedagógica dos professores formadores se
caracteriza como algo diretamente voltado para o processo de ensino e aprendizagem do
professor-cursista. Ao afirmar que todos os trabalhos que desenvolveu “em sala de aula, com a
orientação dos [...] professores formadores, foram, todos, muito significativos, tanto para a [...]
prática, [...] como para os [...] alunos!”, Raquel parece considerar que a crítica acima não atinge,
negativamente, seus professores formadores. Por isso, afirma: “O que a gente estudava, na
teoria, ajudava muito na prática da gente em sala de aula com nossos alunos”. A reflexão
aparece, na fala de Raquel, como um processo mediado. Conforme afirma, a partir da “mediação
dos professores [formadores], a gente começava a refletir sobre os nossos alunos, as
dificuldades de aprendizagem”.
O que aparece como um diferencial na fala de Raquel é o modo como esses
professores assumiam o processo didático. São os professores que, durante o processo das aulas,
levavam o professor-cursista a refletir acerca da sua prática de ensino.
Os professores nos orientavam com relação ao desenvolvimento das nossas
atividades como professores. Orientavam com relação ao desenvolvimento de
projetos de ensino, na sala de aula com meus alunos, orientavam a desenvolver
atividades de pesquisa com os alunos, e levar os alunos a [saber] buscar meios para
desenvolver os trabalhos!
Ao mencionar o desenvolvimento de atividades como projetos de ensino e de
pesquisa, Raquel revela-se pedagogicamente implicada pelas orientações didáticas dos
professores formadores. Estes orientavam o professor-cursista a desenvolver atividades didáticas
que tinham como pano de fundo a intenção de “levar os alunos a [saber] buscar meios para
desenvolver os trabalhos [escolares]”. A fala de Raquel atribui aos professores formadores o
sentido de que estes pretendiam desenvolver autonomia intelectual no professor-cursista, para
que este pudesse desenvolver autonomia com relação a seus alunos do Ensino Fundamental.
Compreendemos que atividades didáticas como pesquisa e projetos de ensino,
conforme têm sido desenvolvidas em sala de aula, são relevantes para o desenvolvimento da
autonomia intelectual do aluno, porém não substituem a importância do papel do professor no
processo de ensino e aprendizagem. E, conforme apontam a Pedagogia Histórico-Crítica e a
Psicologia Sócio-Histórica, o papel do professor não é isento de valores. Até mesmo a dimensão
técnica é carregada de valores, e, na perspectiva crítica da pedagogia e da psicologia da educação,
não se reduz a mero tecnicismo, a um saber fazer ingênuo. Ao contrário, a dimensão técnica deve
ser assumida como um compromisso de transformação da realidade social (Severino, 2005; Rios,
1994).
Além disso, o trabalho com determinadas atividades didáticas, como pesquisa e
projetos de ensino, por si só, não é suficiente para garantir autonomia ao aluno na produção de
conhecimentos. Necessário se faz, no trabalho educativo, no processo de ensino e aprendizagem,
o apoio pedagógico de professores nesse processo. Esta não é, apenas, uma questão técnica ou
política, mas também uma questão ética e de sensibilidade estética, que atravessa os valores de
uma educação crítica, uma educação voltada para a formação de alunos cidadãos. Um professor
que tem sensibilidade para o processo educativo tem muito mais oportunidade de facilitar a
eficácia de suas atividades didáticas e, conseqüentemente, o processo de aprendizagem dos
alunos. Acerca da questão da sensibilidade estética na educação, Severino (2005, p. 96) faz a
seguinte enunciação: “a emotividade e a subjetividade desejante são fatores dinâmicos
indiscutíveis quando se trata das opções valorativas sobre o nosso agir”.
Leite (2006, p. 25), na mesma perspectiva do pensamento de Severino, enuncia que
“todas as decisões que facilitam o processo de aprendizagem pelo aluno certamente aumentam as
possibilidades de que as relações que estão se constituindo entre ele e os referidos objetos de
conhecimento sejam afetivamente positivas”.
Diante das questões acima colocadas, acerca do papel do professor, convém ressaltar
um trecho da fala de Raquel: “O Programa ensinou como saber buscar respostas para os nossos
problemas”. Esta sua expressão revela conteúdos que apontam para o tipo de formação
problematizadora da realidade. Uma formação que contribui para que o professor-cursista
compreenda a realidade em sua complexidade, sobretudo a realidade que constitui a singularidade
de uma sala de aula e dos alunos que nela se encontram.
Raquel revela que, ao demonstrarem preocupação com o processo de ensino e
aprendizagem de atividades didáticas relacionadas ao ensino de 1ª a 4ª série, os professores
formadores “desempenhavam um trabalho muito criativo”. Um trabalho “que, realmente, deixava
o aluno-professor interessado!”. Ao serem criativos, os professores formadores trabalhavam a
partir do interesse do professor-cursista; satisfaziam, portanto, as necessidades deste. “Por isso, a
freqüência, o interesse, a participação eram muito grandes!”.
Na escola, assim como em qualquer outro locus que constitui a relação homem /
mundo, o conhecimento é algo que se aprende, é algo do qual se apropria de modo mediado, ao
mesmo tempo que medeia o processo de apropriação. O conhecimento é, portanto, uma produção
/ apropriação / objetivação compartilhada a partir da determinação de elementos e condições
sócio-históricas.
A “freqüência”, o “interesse” e a “participação” do professor-cursista no Curso são
intensos porque a problematização da prática pedagógica é o grande elemento focado pelo
processo formativo, mesmo que esta problematização apareça colada à parte teórica do Curso.
Conforme afirma Raquel: “O Curso contribuiu não só teoricamente, mas fazendo relação da
teoria com a prática”. Aproximando-nos das zonas de sentido de Raquel, compreendemos que a
articulação entre teoria e prática no processo de formação acadêmica em serviço aparece nesta
fala como algo afetiva e cognitivamente importante. Ao mesmo tempo que contribui com o seu
modo de ser professora, essa articulação entre teoria e prática satisfaz Raquel significativamente
ante suas necessidades como professora, consubstanciando-se em motivos para suas ações em
sala de aula.
Pela articulação teoria e prática, segundo Raquel, os professores formadores
buscavam adentrar o universo prático e conceitual do professor-cursista; buscavam adentrar os
conhecimentos prévios deste. Raquel afirma: os professores formadores desenvolviam suas
atividades sempre a partir daquilo “que nós já conhecíamos a respeito do objeto de estudo [...]
Todos os professores buscavam explorar nossos conhecimentos prévios!”.
De acordo com Raquel, os conhecimentos prévios do professor-cursista são retomados
durante o trabalho de articulação teoria e prática.
Para explicar o papel da escola no processo de desenvolvimento do indivíduo,
Vygotsky faz uma importante distinção entre os conhecimentos construídos na
experiência pessoal, concreta e cotidiana das crianças, que ele chamou conceitos
cotidianos ou espontâneos e aqueles elaborados na sala de aula, adquiridos por meio
do ensino sistemático, que chamou conceitos científicos (Rego, 1995, p. 77).
A fala de Raquel revela que se trata de um trabalho cujo papel da escola está voltado
para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores do professor-cursista, ou seja, para o
desenvolvimento de sua capacidade de poder refletir e enxergar a complexidade que constitui o
universo da escola, da sala de aula.
Para efeito de clareza, poderíamos conceber esquematicamente o caminho do
desenvolvimento dos conceitos espontâneos e científicos [...] sob a forma de duas
linhas de sentidos opostos, uma das quais se projetando de cima para baixo, atingindo
um determinado nível no ponto em que a outra se aproxima ao fazer o movimento de
baixo para cima (Vigotski, 2001, p. 347).
À escola, nessa perspectiva, caberia a função de levar em conta os conceitos
espontâneos dos alunos, ou melhor, do professor-cursista, para poder redefini-los na dimensão
dos conceitos científicos. Conforme afirma o próprio Vigotski (2001, p. 349), “o
desenvolvimento do conceito espontâneo [...] deve atingir um determinado nível para que [o
sujeito] [...] possa apreender o conceito científico e tomar consciência dele”. Esta relação entre os
conceitos espontâneos e científicos é possível porque, embora diferentes, ambos os conceitos se
relacionam dialeticamente.
Partir do universo vivencial do professor-cursista, de seus conhecimentos prévios, é
uma estratégia pela qual se pode trabalhar, dialeticamente, o conhecimento científico a partir do
conhecimento cotidiano do aluno, do professor-cursista. Considerar esse universo de vivência é
contribuir, também, com o processo pedagógico de superação da dicotomia entre teoria e prática,
um problema quase sempre presente nos cursos de formação de professores.
É de suma importância reconhecer a história da vivência do professor-cursista em sua
sala de aula. Esta vivência, contudo, não pode substituir, durante o processo de formação
acadêmica de professores em serviço, o valor teórico do Curso. Sem teoria, a formação torna-se
frágil; não há como compreender e problematizar a complexidade que constitui a realidade, os
espaços das relações sociais.
Considerar a experiência de alunos que já são professores é algo fundamental no
processo de sua formação acadêmica. É fundamental considerar o modo pelo qual esses alunos se
constituem como professores e configuram seu modo de pensar, sentir e agir ante os espaços de
suas relações sociais como educadores.
O papel do professor formador não consiste em “apenas” orientar seus alunos,
“apenas” facilitar troca de experiências. O papel do professor formador, numa perspectiva crítica
e democrática, não consiste em “apenas”..., mas intervir sistematicamente sobre o processo de
formação dos seus alunos. Seu papel é mediar o processo do pensar, do sentir e do agir do
professor-cursista ante os espaços de suas relações sociais / educacionais, contribuindo, assim,
para a produção de novos sentidos acerca do processo educativo.
Os trabalhos realizados junto a professores mostram o quanto são múltiplos e
contraditórios os sentimentos vividos por eles, ou seja, culpa, medo, raiva, impotência,
desânimo são sentimentos que os acompanham no dia-a-dia. Precisamos então tocar
nesses sentimentos para que sejam superados e para que outros ocupem seu lugar,
como a criatividade, a paixão, a potência, a reflexão. Buscamos atingir esse objetivo
criando um espaço de acolhimento dos limites, das dificuldades, do ruim, para
reconhecermos também o que os constitui, como esses aspectos surgem e se mantêm
e, então, como transformá-los (Galdini e Aguiar, 2003, p. 96).
Numa perspectiva crítica, na qual os valores da formação técnica, da formação
política, da formação ética e da sensibilidade estética atravessam o processo educativo, os
conteúdos culturais, historicamente constituídos, são necessários e fundamentais. A postura
pedagógica do professor formador que tem compromisso com um processo educacional
democrático não aparece descolada desses elementos, isto é, desses valores e conteúdos.
A intervenção do professor, como mediador pedagógico do conhecimento científico e
cotidiano, do conhecimento presente nos diferentes espaços socialmente constituídos, é um
elemento fundamental no processo de formação técnica, política, ética e de sensibilidade estética
do professor-cursista.
Negar o papel do professor formador no processo de ensino e aprendizagem é negar,
também, o processo democrático do conhecimento na escola. No caso de Raquel, a relação
dialética entre o conhecimento científico e o conhecimento cotidiano se revela na sua fala.
Relação, essa, que aparece mediada pela postura pedagógica dos professores formadores. Acerca
dessa questão, ela afirma: “Nenhum professor chegou, de imediato, a dizer que nada de nós, [...],
sobre o que fazíamos, era errado. Eles, os professores formadores, nos faziam refletir a respeito
da nossa própria prática!”.
Acreditamos, a partir da fundamentação teórico-metodológica aqui enfatizada, que a
superação do “certo” e do “errado” se constitui na relação mediada do professor formador entre o
conhecimento científico e o conhecimento cotidiano. É nessa relação, também, que professor
formador e professor-cursista configuram seus modos de pensar, sentir e agir ante o espaço de
suas relações sociais como educadores.
Podemos afirmar, ainda, com base na perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica, que a
sala de aula, ao contrário de ser um espaço de isolamento, onde predomina o individualismo, é
um espaço onde acontecem relações sociais diversas. Desde o seu projeto arquitetônico, a sua
construção física, a sala de aula tem a configuração de um espaço coletivo, um espaço de trocas
simbólicas, cognitivas e afetivas. Dessa forma, as aulas teóricas podem se configurar como um
momento oportuno para que professores e alunos, em conjunto, possam refletir acerca do
processo de formação acadêmica de que dispõem. Esta questão aparece explicitamente na
seguinte fala de Raquel:
No momento em que discutíamos um determinado assunto, em conjunto, cada um de
nós se posicionava, colocava como agia, como pensava a respeito dele! Então,
naquele momento, nenhum professor formador chegava a dizer que o que nós
colocávamos estava errado! Ele fazia o aluno refletir durante o seu trabalho.
Conforme aponta Raquel, cada professor formador cumpria um importante papel no
processo de ensino e aprendizagem: ele oportunizava ao professor-cursista refletir, em conjunto,
acerca de si mesmo como educador e educando, acerca de sua prática pedagógica como professor
do Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série. A postura pedagógica dos professores formadores
aparece na fala de Raquel de um modo relevante e singularmente definida, ou seja, mediando a
relação entre ensino e aprendizagem.
Para finalizar este núcleo, é oportuno enfatizar, com base na fala Raquel e, sobretudo,
no referencial teórico utilizado neste trabalho, que a troca de experiência entre professor
formador e professor-cursista não significa um processo de igualdade de saberes entre um e outro
já no início do curso. Essa troca de experiência se constitui dialeticamente na relação entre ambos
os sujeitos que participam do processo educativo / formativo. Nessa relação, o conhecimento
cotidiano do professor-cursista se reafirma no confronto com o conhecimento científico dos
professores formadores, conforme já apontamos anteriormente, com base em Vigotski (2001).
Assim, nessa relação, ambos os tipos de conhecimento se negam e se afirmam
concomitantemente, constituindo-se como síntese do conhecimento pedagógico necessário à
formação acadêmica do professor em serviço.
2.3 A Relação Teoria e Prática no Processo de Formação Acadêmica
Embora este núcleo apresente muitas semelhanças com o núcleo anterior, nossa
intenção, aqui, é analisar de que maneira a relação entre teoria e prática constitui o processo de
formação do professor em serviço, especialmente a formação de Raquel como professora.
Conforme afirma Raquel, “em cada disciplina, a gente tinha que fazer pelo menos um
trabalho prático. Eram trabalhos que a gente deveria desenvolver dentro da nossa própria sala
de aula!”. A relação teoria e prática é algo que se efetiva pela própria vivência dos professores
formadores e do professor-cursista no Curso. A relação teoria e prática, conforme expressa
Raquel, não é apenas uma intenção do projeto político-pedagógico do Curso de Pedagogia. É
algo que se revela nos próprios planos de trabalho das disciplinas curriculares do Curso.
As disciplinas curriculares dos cursos ofertados pelo PROFORMAÇÃO da UERN
dispõem de carga horária não apenas para atividades teóricas. Todas as disciplinas dispõem,
também, de carga horária para atividades práticas, denominadas pelo projeto pedagógico do
Curso atividades vivenciais, tendo a sala de aula do professor-cursista como laboratório de
experimentação didático-pedagógica.
Articular teoria e prática é uma tentativa de encontro e compreensão do mundo
concreto. O mundo onde todos os homens concretos estão situados. Dessa forma, uma formação
educacional democrática não exclui as possibilidades de articulação entre teoria e prática; não
exclui, portanto, a tentativa pedagógica de uma aproximação com a realidade e de compreendê-la
na sua complexidade.
Mas é necessário considerar, ainda, que uma educação democrática, libertadora, que
articula teoria e prática em seu processo de formação, é atravessada por valores, conforme propõe
Severino (2005). Esses valores aparecem, implicitamente, na fala de Raquel, quando afirma:
Com meu ingresso na universidade, eu pude ter a oportunidade de melhorar a minha prática
pedagógica, me preparar melhor para atuar em sala de aula e contribuir para que meus alunos
pudessem ter uma formação mais eficaz, mais participativa, pudessem aprender mais e
melhor. Ao destacar a importância da sua formação, como professora, para a formação dos seus
alunos, Raquel revela um sentido muito próprio sobre teoria e prática carregado de valores, como
ética, política, técnica e sensibilidade estética. Valores, estes, como já afirmamos e que aparecem
claramente na fala de Raquel. E, como tais, não constituem apenas o seu discurso. Com base na
sua história de vida, podemos afirmar que esses valores constituem, também, o modo como
Raquel pensa, sente e age no espaço de sua relação com o mundo.
A articulação entre teoria e prática propiciada pelo projeto do Curso é encarada pelo
professor-cursista como algo muito significativo. A esse respeito, Raquel afirma: “Todos os
trabalhos que eu desenvolvi em sala de aula, com a orientação dos meus professores
formadores, foram, todos, muito significativos, tanto para a minha prática, minha formação,
como para os meus alunos!”.
O significado do Curso, de acordo com a fala de Raquel, está na possibilidade de
superação da dicotomia presente na relação teoria e prática. E, dessa forma, compreender a
complexidade que constitui uma sala de aula. Sala de aula, esta, de uma escola pública brasileira
do interior do Nordeste, onde a diversidade cultural é enorme, as taxas de repetência e exclusão
são das maiores do País e o acesso a bens culturais modernos, como livros, computador,
bibliotecas, ainda é uma realidade muito distante da maioria das crianças e dos professores do
Ensino Fundamental. Ao invocar Freire (1996, p. 70) diante desta questão, podemos afirmar que
“a educação como prática política da liberdade [...] implica a negação do homem abstrato,
isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma
realidade ausente dos homens”.
A relação teoria e prática propiciada pelo Curso tem um sentido singular para Raquel,
conforme ela mesma destaca: “Essa relação contribuía muito para a nossa aprendizagem de
professora, de aluna”. Ao enfatizar esta relação, a fala de Raquel revela o modo pelo qual suas
zonas de desenvolvimento proximal eram ativadas pelo Curso. De acordo com Oliveira (1997a,
p. 59), “para [se] compreender [...] o desenvolvimento devemos considerar não apenas o nível de
desenvolvimento real [...], mas também [...] [o] nível de desenvolvimento potencial, isto é, [...]
[a] capacidade de desempenhar tarefas com
42
a ajuda de [...] companheiros mais capazes”.
Ao falar da relação teoria e prática no Curso, Raquel não se identifica vivenciando um
processo passivo de aprendizagem; ela se identifica num processo de apropriação e objetivação
da idéia de ser aluna e professora. Ela se identifica como um sujeito ativo no espaço de suas
42
Grifos da autora.
relações sociais; um sujeito que não apenas aprende, que não apenas se transforma; mas um
sujeito que, ao aprender, se apropria de uma idéia, de uma realidade a qual se sente capaz de
transformar.
Nesse momento, remetemos o nosso pensamento aos valores educacionais e
invocamos Ghedin (2005, p. 144): “olhar o que estamos fazendo, refletir sobre os sentidos e os
significados do fazer pedagógico é, antes de tudo, um profundo e rigoroso exercício de
compreensão do nosso próprio ser”.
Ao enfatizar o processo de aprendizagem como um processo de apropriação de uma
determinada realidade, o sentido da autonomia intelectual aparece, na fala de Raquel, de um
modo profundamente implicado pelo processo de formação acadêmica. Em sua fala revela que o
Curso não consiste em um manual didático, um roteiro de atividades a ser aplicado em sala de
aula com alunos de 1ª a 4ª série. Pelo contrário, “o Programa
43
nos ajudou facilitando o nosso
trabalho para que a gente pudesse buscar meios, não receitas. O Programa ensinou como saber
buscar respostas para os nossos problemas. Para isso, o principal meio é a leitura dos vários
teóricos”.
Compreendemos, com base em Galdini e Aguiar (2003), Duarte (2003; 2004),
Pimenta (2005), Ghedin (2005) e muitos outros, que a teoria, em qualquer que seja o Curso, não
deixa de ter um papel fundamental no processo de formação acadêmica do aluno. É pela teoria
que podemos enxergar a realidade em sua complexidade, em suas múltiplas relações. Do
contrário, a realidade se dilui na experiência cotidiana. Nesse processo de discernimento da
realidade, a leitura é um importante instrumento pedagógico. Contudo, não é o único instrumento
de acesso ao conhecimento complexo, à realidade multifacetada. A autonomia intelectual plena é
43
Em alguns momentos de sua fala, Raquel substitui a palavra Curso pela palavra Programa, chegando a afirmar,
inclusive, que cursou o Programa. Na realidade, o Curso é ofertado pelo Programa. Neste caso específico, Raquel
não se refere ao Programa, mas ao Curso.
inatingível de modo individual. Ela se constitui num processo grupal. É, portanto, no diálogo
grupal que a leitura se constitui com significado.
Vivenciando, no Curso, o processo de apropriação da idéia de ser professora, mesmo
já estando em efetivo exercício da função docente, Raquel se identifica como um sujeito que
transforma a realidade, ao mesmo tempo que também é atravessada pelo processo de
transformação. Essa identificação como sujeito ativo no espaço de suas relações sociais,
especialmente no espaço do seu Curso de formação e no espaço de sua sala de aula, onde é
professora, aparece significativamente implicada pela relação teoria e prática. É nessa relação que
Raquel encontra motivação para a busca de respostas para os problemas da realidade que a
constitui, e que é dela constituinte.
A formação acadêmica de Raquel tem o sentido de poder contribuir com o processo
de redimensionamento de seu modo de se relacionar não apenas com a sala de aula, mas com o
mundo, com as pessoas, consigo mesma, conforme ela mesma afirma: “O Curso foi bastante
proveitoso! Esse Curso melhorou não apenas a minha prática, mas também a minha pessoa em
vários aspectos!”. Este sentido, contudo, não é produzido a partir da teoria nem da prática, mas
da relação de ambas. Relação esta que não é retilínea, mas dialética. Relação, esta, que constitui,
e é constituída, pelo processo de vivência de Raquel como aluna e professora.
A teoria e a prática são elementos que atravessam Raquel na sua condição de ser
integral. O modo pelo qual ela pensa, sente e age no mundo não difere quando ela está na sua
condição de professora ou aluna. Seu modo de ser é uno, ao mesmo tempo que é dialética e
historicamente configurado a partir da suas múltiplas relações sociais.
No Curso de Pedagogia ofertado pelo PROFORMAÇÃO da UERN, do qual Raquel
foi aluna, a relação teoria e prática é trabalhada em todas as disciplinas curriculares como
atividade de vivência. A vivência acadêmica proporcionada pelo Curso, em forma de atividade
acadêmica, não é tão-somente prática ou teórica, mas prática e teórica ao mesmo tempo, o que
contribuiu significativamente para a formação de Raquel, conforme expressa: “As atividades
vivenciais das disciplinas [...] foram muito importantes! [...] Essas atividades, que eram feitas
nas nossas salas de aula, com os nossos alunos, proporcionavam uma reflexão maior, de busca
de conhecimentos, de criar o novo”.
Compreendemos que a teoria cumpre importante papel no processo de formação. Ela
ajuda a pensar e compreender o mundo em sua complexidade. A prática, por sua vez, se revela no
próprio modo de pensar a realidade, no modo pelo qual o sujeito planeja a sua intervenção na
realidade. No caso do Curso de Pedagogia ofertado pelo PROFORMAÇÃO da UERN, as
atividades vivenciais têm o sentido, conforme revela Raquel, de mediar a relação teoria e prática
do professor-cursista.
Ao destacar o aproveitamento das atividades do Curso para a melhoria da prática
docente, Raquel se revela de modo cognitivo e afetivamente implicado. A relação de Raquel com
o Curso é mediada pelo significado das atividades acadêmicas. O Curso não é algo apenas
proveitoso para ela. É algo que está relacionado à sua história de vida, às suas necessidades como
sujeito histórico que vivencia processos de mudanças, transformações. É algo que a satisfaz não
apenas como professora ou aluna, mas como sujeito que pode intervir numa realidade específica,
que é a educação.
Com base em Aguiar e Ozella (2006 – no prelo), podemos afirmar que o Curso
constitui-se como um elemento mediador na construção de um novo modo de Raquel ser
professora. Para estes autores, a categoria mediação possibilita compreender “a intervenção de
um elemento / um processo, em uma relação que antes era vista como direta, permitindo-nos
pensar em objetos / processos, ausentes até então” (p. 4).
A relação teoria e prática aparece, na fala de Raquel, como algo que constitui a sua
vivência como aluna e professora. “Eu tive a oportunidade, nesse Programa, não só de conhecer
teoricamente as tendências e correntes pedagógicas da educação, como também desenvolver
esse trabalho dentro da sala de aula com meus alunos!”.
Ao propiciar a relação teoria e prática, a formação acadêmica de Raquel se revela, na
sua fala, como uma formação mediada por valores técnicos, éticos, políticos e estéticos
(Severino, 2005). Sua fala indica, em síntese, uma formação voltada para a transformação da
realidade na qual atua como professora (Galdini e Aguiar, 2003; Saviani, 1988, 1994; Rios,
1994), conforme explicita: “O Curso facilitou muito o nosso trabalho. Não só com relação em
trabalhar os conteúdos, [...], mas a questão da própria realidade da criança”.
Ao enfatizar a questão da “realidade da criança”, não podemos esquecer a relação
entre cidadania e educação. Para isso, trazemos a contribuição de Severino (2005, p. 90), que
afirma: A construção de cidadania passa, necessariamente, pela garantia “a todos os indivíduos,
sem discriminação, de condições de serem produtores dos bens naturais, sociais e simbólicos de
sua sociedade”. É complicado, portanto, pensar sobre cidadania de um modo desvinculado das
condições de acesso do sujeito à educação. De acordo com Severino (2005, p. 95), destacamos
que “a mais radical exigência ética contemporânea para os sujeitos envolvidos na educação é o
compromisso de aplicar o conhecimento na construção da cidadania”.
O tema cidadania é, portanto, recorrente em qualquer discussão sobre educação e
formação de professores, pois é tema de grande relevância social. É um tema atravessado por
muitos valores, principalmente éticos e políticos. O professor cuja formação busque valorizar o
ser humano como um ente histórico-social, como cidadão, tem o compromisso ético e político de
prestar atenção às necessidades sociais dos seus alunos e conhecê-las bem..
Muitas crianças chegam em sala de aula com vários problemas, que não chegam a
ser relatados por elas. Então, esse Curso contribuiu muito, também, para isso, para
que a gente pudesse dar oportunidade aos alunos para eles relatarem seus problemas
e, assim, o professor ter uma posição de partir de um determinado tema que vá
interessar a criança.
A relação teoria e prática, como processo de vivência na formação acadêmica,
aparece, na fala de Raquel, como algo que se configura como um compromisso com a superação
das dificuldades dos alunos; aparece, ainda, como algo que intervém sobre suas zonas de
desenvolvimento proximal (Vygotsky, 1991) e potencializa a produção de novos sentidos acerca
do seu modo de ser professora (Galdini e Aguiar, 2003).
Podemos afirmar, ainda, que a fala de Raquel revela a relação teoria e prática, no
processo de sua formação acadêmica, como um meio pelo qual a ajudou a se apropriar da idéia e
da estratégia de valorizar mais o aluno, ou seja, seus conhecimentos prévios, e compreender suas
dificuldades escolares e não escolares.
Relacionar teoria e prática foi um trabalho bastante proveitoso! O Curso ofereceu a
oportunidade de aprendermos assuntos teóricos, mas, também, [...], ser aquele professor que
busca inovar sempre”. As necessidades e os motivos que atravessam Raquel, como professora e
aluna, se constituem, portanto, nessa relação entre teoria e prática. Dessa forma, podemos afirmar
que essa relação configura o seu processo de vivência na educação como aluna, no Curso de
Pedagogia, como professora, pela sua atuação em sala de aula, e como sujeito / cidadã, pela sua
participação no mundo.
A vivência é, portanto, um processo singular de apropriação histórica do conteúdo
cultural da humanidade, o que configura suas zonas de sentido, seu modo de pensar, sentir e agir
ante o espaço de suas relações sociais como professora. É nesse processo de vivência, portanto,
que Raquel constitui sua singularidade como professora, aluna, sujeito e cidadã.
A relação teoria e prática proporcionada pelo Curso de Pedagogia do qual Raquel foi
aluna aparece na sua fala como algo profundamente significativo para o desenvolvimento de sua
aprendizagem como professora. À importância desta relação, Raquel atribui o sentido de poder
refletir sobre a realidade de sua sala de aula, onde atua como professora, refletir sobre seus
alunos, seu trabalho, sem contudo se diluir numa atividade meramente prática. Trata-se, pois, de
uma atividade de reflexão na qual a teoria se constitui, sempre, como pano de fundo.
2.4 A Mediação Afetiva na Constituição do Ser Professora
Com base em Vigotski (2001, p. 479-480), que afirma que “a compreensão efetiva e
plena do pensamento alheio só se torna possível quando descobrimos a sua eficaz causa profunda
afetivo-volitiva”, compreendemos que a fala de Raquel revela, de si, que o seu ingresso na
universidade não é algo que se constitui apenas pela obrigação de ter um diploma de curso
superior ante a exigência da Secretaria de Educação do seu município. Seu interesse em ingressar
na universidade é determinado pela sua própria história de vida, pela vontade de poder superar as
limitações do seu cotidiano. É, portanto, algo que configura a sua subjetividade, a singularidade
do seu modo de ser no mundo.
Quando fui fazer Pedagogia, minhas expectativas eram, principalmente, adquirir
novos conhecimentos, aprender coisas novas! E, diante disso, fazer relação desses
novos conhecimentos com a minha prática pedagógica, porque, logo no início do
Curso, eu percebi que ela deveria melhorar muito. Para isso, eu precisava estudar
muito, pesquisar! E eu tinha muita vontade! E eu me empenhei no Curso. Acho que
me desenvolvi bastante.
A formação acadêmica de Raquel é um processo de vivência, ou seja, é um processo
de configuração de sua singularidade. É algo que se configura de modo sócio-histórico e
dialeticamente determinado. É a teoria que ajuda Raquel a se aproximar das zonas do real,
compreender o mundo em sua complexidade e contradições; mas é a partir da relação de Raquel
com o mundo complexo que a teoria apresenta sentido e significado para si.
Ao afirmar que precisava estudar muito para poder aproveitar o que o Curso oferecia
e, com isso, melhorar a sua prática pedagógica, Raquel atribui ao Curso o sentido de
transformação no seu modo de ser professora. O conhecimento pedagógico ofertado pelo Curso é,
portanto, algo do qual ela tenta se apropriar não apenas pelo fato de ser aluna, mas, também,
professora. Conforme revela sua fala, podemos afirmar, então, que o Curso é algo que mobiliza
Raquel, algo que satisfaz as suas necessidades como professora, o que constitui motivo
impulsionador de suas ações como aluna e professora.
Podemos afirmar que Raquel, no Curso, revela-se atravessada não apenas pela
dimensão cognitiva, mas, também, afetiva. Conforme Aguiar e Ozella (2006, p. 7 – no prelo),
“para se avançar na compreensão do homem, ou melhor, dizendo, dos seus sentidos, temos que,
nas nossas análises, considerar que todas as expressões humanas são cognitivas e afetivas”.
Ao trazer o tema afetividade para discussão, acreditamos que o estudo da mediação
afetiva no processo de constituição do humano é algo de fundamental importância para a
compreensão da formação e atuação do professor nos diversos espaços sociais / educacionais.
Pois, conforme apontam Leite e Tassoni (2002), a relação do homem com a realidade é algo
profundamente implicado pela afetividade.
Embora os fenômenos afetivos sejam de natureza subjetiva, isso não os torna
independentes da ação do meio sociocultural, pois é possível afirmar que estão
diretamente relacionados com a qualidade das interações entre os sujeitos, enquanto
experiências vivenciadas (Leite e Tassoni, 2002, p. 116).
O início da carreira profissional de Raquel no magistério, entretanto, não é tranqüilo,
algo que a satisfaça plenamente, apesar de ter sonhado ser professora e ter feito Habilitação em
Magistério como opção do 2º Grau.
Logo quando eu terminei o Curso, o Magistério, eu fui logo trabalhar numa escola
privada! Tive essa oportunidade. Foi uma época muito difícil para mim!!! Eu via que
eu não estava preparada para o que eu estava fazendo! Eu sentia muita dificuldade,
muita deficiência! Não tive muito apoio por parte dos colegas de trabalho, porque
uns ficavam desvalorizando os outros. Eu até me decepcionava muito, mas nunca
desisti!!! Eu não tinha o apoio dos colegas professores, mas tinha o apoio da
diretora, da supervisão! E com isso, eu buscava interagir com essas pessoas, porque
eram elas que estavam me dando oportunidade! Mas precisei estudar muito! De
início, eu fui trabalhar numa 4ª série. Foi muito dicil!
Duas coisas desagradaram Raquel no início de sua carreira como professora: o fato de
não ter colegas plenamente envolvidos com um trabalho pedagógico compartilhado dentro da
escola, o que não contribui para o processo de superação de determinadas dificuldades que
podem ser vividas principalmente no início da carreira profissional, e o fato de não se sentir
segura para o exercício da função, o que parece revelar uma falha da Habilitação em Magistério
do 2º Grau para o preparo da docência.
Podemos afirmar, com isso, que, ao assumir a carreira do magistério, Raquel revela-se
como alguém que ainda não havia construído plenamente seu autoconceito. Revela-se insegura
diante do novo, que é ser professora. Com isso, alguns momentos de insatisfação vão marcar o
início de sua carreira como professora.
Este início profissional de Raquel poderia ter significado o fim de um sonho.
Contudo, a sua história de vida, que é marcada incisivamente pela luta, por conflitos, é um
elemento determinante. É algo que determina seu ato volitivo de ser professora nesse momento.
Após passar pela experiência numa escola particular, Raquel ingressou, como
professora, numa escola pública da sua cidade. Nessa escola, seus sentimentos e emoções
passaram a ter uma configuração diferente da anterior. Raquel passou a vivenciar uma nova
experiência de mediação afetiva nesse novo espaço social; passou a se sentir mais plenamente
satisfeita (motivada) para o exercício da função docente, conforme ela mesma expressa: “Quando
eu comecei a trabalhar na escola pública, eu já fui percebendo as coisas de uma forma mais
clara! O município oferecia cursos de capacitação”. Podemos afirmar, assim, que Raquel, nesse
novo espaço, passou a gestar mais confiança em si, ou seja, na sua capacidade de poder lutar e
superar obstáculos.
A atuação de Raquel, como professora, num espaço social afetivamente implicado
pelos cursos de capacitação dos quais participava, gerou, em si, novos interesses, desejos e
necessidades. Conforme afirma Duarte (1993, p. 35), “a apropriação de um objeto
(transformando-o em instrumento, pela objetivação da atividade humana nesse objeto, inserindo-
o na atividade social) gera, na atividade e na consciência do homem, novas necessidades e
novas forças, faculdades e capacidades”.
Ser professora com apenas a escolaridade de 2º Grau com Habilitação em Magistério
não a satisfazia mais plenamente. Passou, assim, a ter uma vontade mais intensa de se qualificar,
de buscar novos conhecimentos.
Participei de muitos cursos de capacitação de professores [cursos de formação
continuada de professores]. Todos eles contribuíram e me fizeram despertar para
buscar mais, estudar mais! Esses cursos contribuíram muito para que eu sentisse a
necessidade de buscar novos conhecimentos, me qualificar. De uma certa maneira,
eles me despertaram o interesse para fazer Pedagogia.
A relação de Raquel com o Curso de Pedagogia é algo marcadamente configurado por
sentimentos e emoções que a constituem como professora. É, em síntese, afetivamente mediada
pelos sentidos e significados da carreira docente em sua vida. Sentidos e significados, estes, que
apontam para expectativas de transformações no seu modo de ser, no seu modo de pensar, sentir
e agir ante o espaço de suas relações sociais, conforme ela mesma expressa: “Antes de fazer o
Curso, tinha certas atitudes que eu tomava com relação aos meus alunos que, hoje, eu vejo que
eram erradas”. E continua Raquel: “Foi a disciplina Psicologia da Educação que me fez
perceber a questão de valorizar os conhecimentos prévios dos alunos, a questão do
comportamento deles, a forma como eles agem”.
Dentre as várias contribuições do Curso de Pedagogia para o processo de sua
formação acadêmica como professora do Ensino Fundamental, Raquel destaca o importante papel
da disciplina Psicologia da Educação. Esta disciplina a satisfazia e motivava profundamente para
estudar e compreender o processo educativo do aluno. E, dessa forma, a ajudava a tornar-se mais
confiante em si mesma como pessoa, como profissional.
Raquel revela que os estudos de Psicologia da Educação ajudaram-na a descobrir /
construir / configurar um novo jeito de ser professora. E, nesse processo de descobrimento /
construção / configuração, o seu aluno aparece não como fundo, mas como figura, como alguém
que é ativo na relação com o mundo que o constitui e que é dele constituinte.
Ao enfatizar a importância do papel da Psicologia da Educação no processo de sua
formação acadêmica, Raquel se contrapõe à postura pedagógica dos professores com os quais
estudou durante o processo de sua formação escolar básica. “Eu aprendi no método tradicional,
[...], na educação básica. Hoje, não [os] ignoro, mas, também, não ensino da mesma forma que
eles me ensinaram”.
Embora Raquel não siga o modelo pedagógico dos professores com os quais estudou
na Educação Básica por não concordar com esse modelo, ela não demonstra ter raiva desses
professores. Ela diz que não os reprova, não os ignora. Ao fazer isso, Raquel parece compreender
o modo como seus professores atuavam naquele momento em sala de aula. Ela os vê como
profissionais que viveram e atuaram num determinado período da história da educação, período
este muito mais difícil para se obter uma formação adequada do que nos dias atuais.
Raquel não nega que aprendeu o que a escola tradicional lhe ensinou. Contudo, acha
que o método utilizado para esse ensino deveria ser revisto. Na sua fala abaixo, ela revela a sua
concepção de escola tradicional.
No ensino tradicional, os professores não davam oportunidade para o aluno falar de
suas dificuldades! Eu cheguei a ser reprovada por causa dessa questão de não ter a
oportunidade de falar sobre as minhas dificuldades com a professora. Então, eu não
faço igual a eles não só por isso, mas pelo fato de perceber, hoje, que o aluno não é
um ser passivo. Ele é um ser ativo. Ele não só participa das aulas, mas, também,
troca conhecimento com os colegas, com o professor.
Dentre as fragilidades apontadas por Raquel em relação ao que ela chama de ensino
tradicional, cabe destacar a rigidez com que os professores trabalhavam e se relacionavam com
seus alunos. O diálogo entre professor e aluno parece ser uma condição pedagógica
completamente ausente. Não há, no “ensino tradicional”, uma preocupação com o modo de ser do
aluno. Seus conhecimentos prévios são considerados irrelevantes. O aluno é um ser
pedagogicamente idealizado como capaz ou incapaz de aprender.
Considerada, pela escola, uma aluna com dificuldades de aprendizagem, incapaz de
aprender o que os professores lhe ensinavam, Raquel sofreu a humilhação de ser reprovada.
Sabemos, contudo, que nem toda dificuldade de aprendizagem significa problema do aluno.
Sabemos, também, que a possibilidade de uma criança desenvolver um comportamento aversivo
em relação à escola, depois de ser reprovada, é muito grande. Conforme aponta Leite (2006, p.
25), “decisões de ensino inadequadas dificultam o processo de aprendizagem e as implicações
envolvem também as dimensões afetivas, podendo os referidos conteúdos tornarem-se aversivos
para a vida futura do aluno”.
Raquel, contudo, conforme aponta sua história de vida
44
, já estava preparada para
enfrentar esse obstáculo. Assim, não seria diante de uma reprovação que ela desistiria da vontade
de lutar para continuar estudando. Talvez alguma reprovação a mais a tivesse levado a sucumbir
diante das “decisões de ensino inadequadas” da escola, tornando-a mais uma vítima a engrossar a
fileira dos estigmatizados como sujeitos “incapazes”. Não porque ela fosse, de fato, incapaz de
aprender; mas, porque poderia construir essa imagem acerca de si mesma. Conforme aponta
González Rey (2003, p. 235), “o sujeito é sujeito do pensamento, mas não de um pensamento
compreendido de forma exclusiva em sua condição cognitiva, e sim de um pensamento entendido
como processo de sentido, ou seja, que atua somente por meio de situações e conteúdos que
implicam a emoção do sujeito”.
Ao corroborar a idéia de que “o sucesso e o fracasso da aprendizagem têm claras
implicações na auto-estima do aluno, entendida aqui como os sentimentos derivados da avaliação
que o indivíduo faz sobre si mesmo” (Leite, 2006, p. 25), compreendemos que a auto-estima de
Raquel apresentava-se, ainda, implicada afetivamente de modo positivo.
Apesar de todas as adversidades, vivendo numa região onde as dificuldades na vida
são muito grandes, o sujeito aprende a se apropriar da realidade com a qual convive, ou seja,
aprende a atuar / lutar com / por essa realidade. Aprende a lutar pela vida. E este é o caso de
Raquel. Ela, vivendo adversidades, aprende a lutar pela vida. E, lutando pela vida, Raquel
acredita(va) em si, acredita(va) que pode(ria) superar obstáculos. Ao superar obstáculos, pelo
modo de atuar / lutar com / pela realidade, Raquel satisfaz suas necessidades, o que se configura
em motivos para continuar atuando / lutando.
44
Ver Capítulo IV desta Dissertação.
[Ao atuar / lutar com / pela realidade], o sujeito vai dominando de forma crescente
novos espaços sociais e estratégias de ação pessoal comprometidas com esses espaços,
o que o leva a operar dentro de uma complexidade cada vez maior, perante a qual tem
de construir suas alternativas, e não limitar-se a compreender as situações dentro das
quais se encontra (González Rey, 2003, p. 239).
Ao falar de sua condição de aluna, Raquel não deixa de falar de sua condição de
professora, de sua vivência no Curso de Pedagogia. Raquel revela-se, dessa forma, afetivamente
implicada pela sua condição de atuar pedagogicamente junto aos seus alunos. Saber reconhecer o
aluno na sua condição de desenvolvimento é uma questão a respeito da qual ela atribui muita
importância na sua formação como professora.
Para Raquel, o aluno é um ser ativo, é um ser que traz conhecimentos para a sala de
aula e é capaz de trocá-los com outras pessoas, inclusive com o professor. Por isso, afirma: “Eu
considero que meus alunos têm objetivos, e eu tenho a obrigação de procurar saber o que eles
sabem, o que eles têm vontade e necessidade de conhecer, para que eu possa partir disso,
desenvolver minhas aulas a partir disso, o que eles precisam aprender”.
Raquel revela-se como um sujeito que, após o Curso, passou a ser uma professora que
tenta se aproximar da condição subjetiva de seus alunos, que quer compreendê-los a partir dos
elementos que os constituem como sujeitos. Esta atuação pedagógica de Raquel junto aos alunos
revela, ainda, o modo pelo qual ela se demonstra implicada afetivamente pela condição subjetiva
de ser professora. Conforme afirma González Rey (2003, p. 242), “a emoção caracteriza o estado
do sujeito ante toda ação, ou seja, as emoções estão estreitamente associadas às ações por meio
das quais caracterizam o sujeito no espaço de suas relações sociais”.
De acordo com a fala de Raquel, sua formação acadêmica significou, para si, um
processo de transformação. Nesse sentido, novas necessidades foram configuradas no seu modo
de ser. Queremos afirmar, com isso, que nesse processo de transformação gestado pela formação
acadêmica, Raquel configurou / ressignificou, como processo histórico de apropriação e
objetivação, o seu modo de ser professora. Por isso, afirma que “voltar a refletir sobre a minha
prática docente, de anos atrás, é voltar a sofrer o que a gente já sofreu, como também viver
momentos legais já vividos. A coisa é assim: muita coisa que eu fiz, no início da minha carreira
docente, se eu soubesse eu não teria feito”. Tendo configurado um novo modo de ser, o passado,
para Raquel, significa, hoje, sofrimento. Por isso, ela parece não querer lembrar de alguns
momentos vividos.
Conforme ela mesma expressa, após seu ingresso no Curso, Raquel não é mais do
mesmo jeito: “Hoje, eu percebo que a minha prática é muito diferente da prática de
antigamente!”. Pensa, sente e age de maneira diferente de antes. O novo e o velho se encontram
constituindo Raquel como um ser histórico, um ser em movimento e ação; um ser, em síntese,
que vivencia processos de mudanças no seu modo de ser no mundo.
Tendo vivenciado um processo histórico no modo de ser professora, portanto, um
processo de mudanças, Raquel expressa, emocionalmente, o seguinte pensamento acerca de si
mesma: “Eu me sinto, hoje, não só uma professora diferente, mas uma pessoa diferente!”. No
Curso de Pedagogia, Raquel encontrou elementos que a motivaram, elementos que deram vida ao
processo de concretização de um sonho. Sonho, este, que não era apenas ser professora, mas
poder superar as dificuldades que a constituíam como ser no mundo.
Ser professora, para Raquel, é uma ação significada no mundo e para o mundo. É,
portanto, uma ação que a motiva, que a satisfaz como sujeito historicamente constituído na
relação com a escola, com os alunos, com o mundo.
Gostei tanto do Curso, que, se fosse preciso, eu faria tudo novamente! Ele contribuiu
não apenas para que eu melhorasse a minha prática pedagógica como professora em
sala de aula. Ele contribuiu muito, muito mesmo, para o meu aspecto pessoal. Eu
me desenvolvi muito! Não me desenvolvi somente para viver as situações de uma
sala de aula, mas, sim, as minhas atitudes, com relação às pessoas, o meu interesse
pelo trabalho e pelas pessoas!
Para concluir, podemos afirmar, de modo sucinto, que Raquel se revela
profundamente implicada no que faz, no que estuda. No Curso, ela transformou seu modo de
pensar, sentir e agir como professora, ou seja, o Curso lhe gerou novas necessidades, e,
seguramente, estimulou um processo de configuração de motivos ante a realidade educacional.
2.5 A Superação das Dificuldades Vividas na Formação Acadêmica
Dado o caráter elitista que marca a Educação Superior no Brasil em vários aspectos,
muitos são os obstáculos vividos por muitas pessoas quando a ela têm acesso. São obstáculos que
não se traduzem apenas como dificuldades acadêmicas, de domínio dos conteúdos curriculares.
Eles são múltiplos, de modo que, enquanto uns os enfrentam como se estivessem numa batalha,
outros, por não contarem com um apoio “pedagógico” necessário e suficiente, desistem do sonho
de continuar seus estudos.
No caso de Raquel, tanto o acesso como a sua permanência na Educação Superior não
foram conquistas fáceis. Entretanto, como muitos jovens de sua classe social e econômica, ela
não desistiu da batalha, da vontade de “buscar novos conhecimentos”, conforme ela mesma
expressa. Por isso, precisou enfrentar muitos obstáculos para poder continuar seus estudos e
satisfazer suas necessidades como professora, como pessoa historicamente determinada.
Durante o Curso, [...] tive algumas dificuldades, deficiências! Eu diria que uma das maiores
dificuldades [porque] [...] passei foi a questão do transporte. Eu morava [...] distante da
Universidade, então, essa era uma das maiores dificuldades!”.
Morar distante da instituição onde estuda ainda é, para muitos alunos, um obstáculo. É
uma realidade que muitas vezes exclui o aluno porque ele não tem condição de viajar para assistir
às aulas. O problema não consiste, todavia, apenas na distância quilométrica entre a casa do aluno
e a instituição onde ele estuda, mas no sistema de transporte, nas condições econômicas e sociais
de o aluno poder se locomover.
Conforme explicita Raquel, essa distância, embora represente uma dificuldade, uma
“pedra” no caminho de muitos alunos, não se configurou como um problema que a impedisse de
continuar batalhando pela continuidade de seus estudos. Nenhum obstáculo, até mesmo de
transporte, seria incapaz de impedi-la de fazer o Curso.
Nenhuma dificuldade eu encarei como uma coisa que fosse me proibir de fazer o
Curso. Toda dificuldade me fazia perceber que eu tinha que melhorar. Eu vi que eu
precisava melhorar como professora, por isso nenhuma dificuldade iria me fazer
desistir do Curso.
Sua relação com o Curso, conforme já referimos, é algo profundamente implicado
pela afetividade. Ao perceber que precisava melhorar sua prática como professora, o Curso
aparece, em sua fala, como algo que justifica suas ações no mundo, inclusive a de lutar para
poder transpor as mais difíceis barreiras com as quais pudesse se deparar, como foi o caso do
transporte.
Sendo o Curso uma atividade significada, algo que a satisfazia ante suas necessidades
como professora, Raquel encontra, nele (no Curso), elementos que vão contribuir para que ela
lute contra os empecilhos que possam atrapalhar sua formação acadêmica. Explicamos esse
processo de luta e satisfação da seguinte maneira: “a possibilidade de realizar uma atividade que
vá na direção da satisfação das necessidades, com certeza modifica o sujeito, criando novas
necessidades e novas formas de atividade” (Aguiar e Ozella, 2006, pp. 8-9 – no prelo).
Outra dificuldade apontada por Raquel está relacionada ao modo como ela se sentia
vivendo em um ambiente acadêmico como aluna.
Quando eu via um colega, professor, lendo um livro, eu me interessava. Eu queria
aprender [a] refletir [sobre] aquilo que estava sendo estudado. Tudo isso era
dificuldade que eu passava. E, na sala de aula, todos têm dificuldades! A princípio, a
questão de muitas leituras, a gente precisava ler muito, os professores incentivando
a gente a pesquisar, ler livros, fazer trabalhos, apresentar seminários. Em tudo isso
eu sentia dificuldades. Mas eu fui, pouco a pouco, superando todas essas
dificuldades! E fui gostando do trabalho, do envolvimento, das pessoas...
Raquel é atravessada, contraditoriamente, por dificuldades e satisfação no Curso. Ao
mesmo tempo que sentia dificuldade de ler um texto, fazer um trabalho, apresentar um seminário,
tudo isso também a satisfazia; e a satisfazia como aluna e como professora. Sabia que essas
dificuldades acadêmicas faziam parte do seu processo de desenvolvimento como aluna, mas
também como professora. Dessa forma, as dificuldades vividas por Raquel são, também,
constituídas de elementos que lhe trazem prazer; são dificuldades que podem contribuir com o
processo de configuração de um novo modo de pensar, sentir e agir nos mais diferentes espaços
das relações sociais, inclusive o espaço da sala de aula, onde atua como professora.
Nesse processo de superação das próprias dificuldades, a postura pedagógica dos
professores formadores aparece como uma questão nuclear. Raquel destaca que buscava
superar [suas] dificuldades [...] em companhia do professor, do orientador que estava em sala
de aula facilitando a aprendizagem dos alunos, incentivando, tirando dúvidas!”. Apesar de todo
interesse em buscar novos conhecimentos, a fala de Raquel revela que é a partir da mediação dos
professores formadores que ela passa a se sentir mais confiante no processo de superação de suas
dificuldades no Curso.
Sem o apoio desses professores, muitas dificuldades não teriam sido superadas. Dessa
forma, destaca: “Os professores, a qualidade dos professores, que faziam das aulas um momento
de reflexão, que nos levavam a refletir sobre a nossa prática, muito contribuíram para o nosso
crescimento”. Aqui, mais uma vez, Raquel ressalta a importância da postura pedagógica dos
professores formadores para a sua formação. Postura pedagógica que, conforme revela a sua fala,
é mediada por determinados valores, como ética, sensibilidade estética, política e técnica
(Severino, 2005). Acerca dessa questão, compreendemos, ainda, que Raquel revela não apenas
elementos cognitivos, mas, também, afetivos no processo constitutivo da sua relação com os
professores formadores. Ao significar as atividades desenvolvidas pelos professores formadores
como sendo capazes de satisfazer suas necessidades, essas atividades se constituem em motivos
mobilizadores das ações de Raquel no espaço de sua formação.
A afetividade se constitui como um fator de grande importância na determinação da
natureza das relações que se estabelecem entre os sujeitos (alunos) e os diversos
objetos de conhecimento (áreas e conteúdos escolares), bem como na disposição dos
alunos diante das atividades propostas e desenvolvidas (Leite, 2006, p. 26).
Além do papel dos professores formadores, Raquel destaca, também, o seu próprio ato
afetivo-volitivo determinado pela sua história de vida a partir da sua relação com o mundo, como
um elemento fundamental no processo de superação das suas dificuldades acadêmicas. “Eu
superei as dificuldades porque eu tinha vontade! E com essa vontade eu ia buscar...! Eu lia
uma vez, lia duas vezes; eu queria compreender o texto, então eu tinha que ter vontade!”.
Ao expressar que sentia vontade de estar envolvida no Curso, que lia um texto quantas
vezes fossem necessárias, Raquel demonstra ter iniciativa para estudar e ela revela um dos seus
modos de ser no mundo: é empenhada com os estudos e com a atividade docente.
Além da própria vontade de aprender e do papel dos professores formadores, Raquel
expressa que os estudos em grupo com os colegas de Curso foram, também, uma estratégia
fundamental na superação das suas dificuldades vividas durante a formação acadêmica. Raquel
destaca: “Os estudos em grupo [...] ajudavam muito no entendimento dos assuntos que a gente
estudava em sala de aula”. Aqui ela atribui o sentido de que o estudo em grupo ativa as zonas de
desenvolvimento proximal (Vygotsky, 1991) do aluno, ou seja, do professor-cursista.
Nesse processo, em que ensino / aprendizagem / desenvolvimento se relacionam
dialeticamente, o grupo não discutia somente o assunto do texto. Nos estudos em grupo, enfatiza
Raquel, “a gente fazia relação dos textos com a nossa sala de aula. Nesse momento, havia uma
grande socialização de nossas experiências de sala de aula”.
Raquel traduz a convivência com colegas de profissão e de Curso como uma
oportunidade de aprendizagem compartilhada. Os encontros de estudo não tinham a finalidade de
ler e discutir apenas o texto em si, mas as suas próprias vivências como alunos e professores. Era
a oportunidade de poder estudar / problematizar a própria prática a partir de um grupo de estudo,
de um grupo de pessoas que estava interessado em crescer como profissionais, como pessoas. Era
uma maneira pela qual se podia apreender, com mais facilidade, a complexidade que constitui o
processo educativo.
Nesse processo de convivência, compartilhamento de idéias entre colegas e
professores formadores, Raquel revela não apenas a presença da dimensão cognitiva. O estudo
em grupo é, também, conforme demonstra, atravessado por elementos afetivos, como interesse,
vontade, sentimento, satisfação, necessidade, motivo.
O comportamento ético é uma característica que também constatamos no processo de
superação de suas dificuldades. Raquel assume o Curso com muito compromisso, com muita
dedicação. As atividades do Curso são encaradas por Raquel como algo cuja finalidade extrapola
o dever de cumprimento de créditos acadêmicos. É algo em que ela acredita e investe na
possibilidade de não apenas se transformar, mas, também, contribuir com o processo de
transformação dos seus alunos, conforme ela mesma destaca: “[Hoje], sinto-me uma professora
[...] que contribui não só para que os alunos tornem-se mais participativos, ativos, mas, também,
no seu lado pessoal, de saber conviver com outras pessoas, com pessoas diferentes”.
Ao apropriar-se / objetivar-se da / na vida acadêmica, Raquel revela mudanças
pedagógicas no seu modo de pensar, sentir e agir como aluna e professora. Atravessada por
valores de uma pedagogia crítica, demonstra, ainda, sensibilidade estética, compromisso ético,
político e técnico pela educação.
Raquel revela, de modo constante, ao longo do seu discurso, uma profunda satisfação
com a oportunidade de estar na universidade, sobretudo porque fez Pedagogia, um Curso voltado
para a sua área de atuação como professora, ou seja, o Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série, o que
justifica o modo pelo qual se dedicou aos estudos e conseguiu superar as dificuldades vividas
durante o seu processo de formação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para que pudéssemos “apreender e analisar os sentidos produzidos pelo professor
acerca da sua formação acadêmica em serviço”, muitas atividades foram realizadas, como leitura,
escrita, orientação, entrevistas. Foram necessárias muitas horas de trabalho para que essas
atividades fossem realizadas e atingíssemos o objetivo geral inicialmente proposto.
Algumas considerações devem ser feitas acerca deste trabalho. Apesar de termos
qualificado como finais, essas considerações não se esgotam nos temas nem nas discussões aqui
apresentados. Portanto, o que expomos, aqui, são apenas algumas considerações finais gestadas a
partir de uma aproximação às zonas de sentido de Raquel, o sujeito desta nossa pesquisa.
De acordo com o que fala Raquel, sua formação acadêmica aparece como algo
significativamente relevante em sua vida. É a partir dessa formação que ela passa a satisfazer
mais plenamente as suas necessidades como professora, como sujeito uno na relação com o
mundo complexo e contraditório.
A partir da sua formação acadêmica, Raquel passa a configurar um novo tipo de
relacionamento consigo mesma e com seus alunos. Trata-se, portanto, de uma formação que gera
desenvolvimento no seu modo de ser. Dessa forma, parece tratar-se de uma formação que
extrapola o cotidiano imediato de Raquel. Conforme aponta Heller (1989, p. 43), “são traços
característicos da vida cotidiana: o caráter momentâneo dos efeitos, a natureza efêmera das
motivações e, a fixação repetitiva do ritmo, a rigidez do modo de vida”.
Após o Curso, as ações de Raquel em sala de aula, como professora, parecem ser
intencionalmente mais bem definidas que antes. Ao falar do que é ser aluno, da relação deste com
o professor na sala de aula, ela enfatiza a necessária mudança provocada pelo Curso no seu modo
de agir em sala de aula. A figura do aluno atravessa todo o seu discurso.
Para Raquel, o aluno é um sujeito ativo, que sempre apresenta capacidade para
aprender, e o professor exerce papel importante nesse processo. É com vista no aluno, portanto,
que ela justifica a necessidade que sentia de fazer um curso superior.
Raquel ressalta, explicitamente, durante as entrevistas, que precisava melhorar sua
prática pedagógica para que pudesse atender mais competentemente seu aluno a partir das
dificuldades apresentadas. Ela chega a enfatizar, inclusive, que algumas das atitudes tomadas em
sala de aula, antes do Curso, com relação a alunos, jamais as tomaria novamente. Raquel revela-
se, portanto, transformada. Conforme aponta Rossler,
A educação deve contribuir para a transformação dos homens, modificando as formas
de relações entre eles, contribuindo para a superação, em sua consciência, dos seus
fundamentos ideológicos e, assim, contribuindo para o desenvolvimento de novos
fundamentos, de novos conteúdos, de uma nova consciência, de uma nova
individualidade, capaz de materializar-se e transformar – revolucionar – o mundo
(2004, p. 88).
Compreendemos que a formação acadêmica de Raquel é atravessada pelo sentido da
possibilidade de transformação / construção de um novo modo de pensar, sentir e agir, o que se
configura como motivo mobilizador de novas ações como professora, como sujeito na relação
com o mundo. Podemos afirmar que sua formação acadêmica é atravessada, também, pelo
sentido de um processo educativo de humanização, ou seja, uma atividade docente não alienada,
mas compromissada com o processo histórico de sua própria transformação, com a transformação
das condições objetivas com as quais se relaciona, com a transformação de seus alunos, a quem
encara como sujeitos histórica e socialmente mente determinados.
Ao enfatizar a superação das relações sociais de dominação, ou seja, de alienação,
Duarte (1996) aponta para a necessidade de construção de um ato educativo compreendido como
processo histórico de humanização do gênero humano. Nesse sentido, afirma que “a humanização
avança na medida em que a atividade social e consciente dos homens produz objetivações que
tornem possível uma existência humana cada vez mais livre e universal” (idem, p. 23).
Com base no caráter histórico da formação da individualidade humana (Duarte, 1996),
podemos afirmar que a educação assume o importante papel no processo de formação humana,
ou seja, educar, na perspectiva crítica da educação e da psicologia, significa contribuir com a
superação dos processos de adaptação do homem à sociedade.
É preciso garantir ao homem o direito à apropriação de conhecimentos históricos para
que ele possa lutar não apenas pela sua transformação, mas, também, pela transformação das
condições objetivas com as quais se relaciona.
Nessa perspectiva de superação da alienação pela humanização do gênero humano
como caráter histórico da formação do indivíduo, Rossler aponta para a necessidade de
construção de uma educação transformadora, ou seja, uma educação que transforme, dos homens,
[...] sua consciência, seu espírito, seu intelecto, para que eles transformem pela sua
práxis a sua própria história, as suas condições reais de vida, quando estas não
contribuem para o seu pleno desenvolvimento e realização como seres humanos.
Transformar os homens para humanizá-los, esse deve ser o lema da educação presente
(2004, p. 89).
Ao compreendermos a educação como um ato de transformação, portanto um ato
histórico e de superação, remetemos o pensamento a Duarte (1996, p. 23), que, com base em
Marx e Engels (1979), afirma: “O homem, ao produzir as condições da sua existência, ao
transformar a natureza, se apropria dela e se objetiva nela. Essa apropriação e essa objetivação
geram no homem novas necessidades e conduzem a novas formas de ação, num constante
movimento de superação por incorporação”.
A relação teoria e prática é algo que também aparece profundamente enfatizado por
Raquel como positivo no processo de sua formação acadêmica. Devemos considerar, entretanto,
nesse processo, a qualidade dessa formação, isto é, o fato de que se trata de um processo de
formação em serviço, cujo currículo formal aponta para a necessidade de articulação teoria e
prática. As condições objetivas presentes na relação pensamento e ação como processo mediado
pela teoria são ampliadas. Portanto, as ações educativas de Raquel se configuram, nesse processo,
como práxis.
De acordo com Heller (1989), a relação entre pensamento e ação, na vida cotidiana,
caracteriza-se, sempre, como unidade imediata, ou seja, trata-se de uma relação marcada
incisivamente pelo senso comum. Dessa forma, na vida cotidiana, o pensamento não se
caracteriza como teorização, e tampouco a ação se constitui como práxis.
A vida cotidiana caracteriza-se pela unidade imediata de pensamento e ação. Mas
devemos acrescentar a essa caracterização que o pensamento cotidiano não é jamais
teoria, assim como a atividade cotidiana nunca é práxis. Na teoria e na práxis,
dominam finalidades e conteúdos que representam o humano-genérico; ambos
promovem o desenvolvimento do humano-genérico e produzem novidades em seu
estado (Heller, 1989, p. 45).
Raquel assume o seu processo de formação acadêmica, assim como assume a sua
condição de ser professora, como algo que, ao mesmo tempo, qualifica / constitui sua posição
política, técnica, ética e estética na sociedade. Assim, compreendemos que Raquel se revela como
sujeito (professora, aluna, cidadã) implicado pela posição que assume como pessoa concreta na
sociedade.
Além do modo pelo qual o compromisso técnico-ético-político e a sensibilidade
estética aparecem como elementos mediadores do seu modo de pensar, sentir e agir como
professora, como sujeito concreto, Raquel revela-se, ainda, mediada intensamente pela dimensão
afetiva. Sua relação com os alunos, com a escola, com colegas, com professores, com as
atividades didáticas do Curso aponta a existência de algo que se configura marcadamente por
características afetivas, como sentimentos e emoções. Nesse sentido, podemos destacar que a
afetividade aparece como um dos principais elementos constitutivos do seu modo de ser.
Diante disso, muito ainda teríamos que investigar acerca da formação acadêmica de
Raquel, sobretudo acerca do modo como a dimensão afetiva a atravessa como aluna e professora
ao mesmo tempo. Acreditamos, porém, que a dimensão afetiva deva ser estudada em outros casos
de pesquisa para poder compreender mais profundamente o modo pelo qual as necessidades, as
motivações, os interesses, as emoções, os sentimentos se configuram como elementos
constitutivos dos sujeitos, especialmente professores e alunos, nos espaços de suas relações
sociais.
Assim, algumas questões ainda precisam ser investigadas, do ponto de vista das
relações afetivas, para que possamos compreendê-las melhor em sua complexidade. De que modo
as relações afetivas em sala de aula, entre professor e aluno, configuram o processo de ensino e
aprendizagem? Que sentidos e significados são atribuídos por alunos ao fato de alguns conteúdos
serem mais motivadores para o estudo que outros? Que sentidos e significados são atribuídos por
alunos e professores ao fato de, muitas vezes, a avaliação de aprendizagem, em sala de aula, ser
encarada de modo aversivo? Acreditamos que estas são questões a respeito das quais os estudos
sobre afetividade muito têm a contribuir.
Para finalizar, gostaríamos de ressaltar a contribuição deste trabalho à compreensão
do modo pelo qual o afetivo se configura como elemento constitutivo do humano em suas
relações sociais. Com isso, não pretendemos generalizar resultados, pois entendemos que, na
perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica, cada caso tem o seu caráter singular.
Cada caso é único e a informação torna-se relevante e pode ser generalizada a outros
casos não porque os resultados obtidos sejam estendidos a outras situações ou sujeitos
pretensamente semelhantes, ou comparados a eles, mas porque essa abordagem nos
permite apreender o processo, as determinações constitutivas. Assim, a generalização
se define pela capacidade explicativa alcançada sobre uma diversidade de fenômenos.
Dá-se, portanto, pela capacidade de desvelamento das mediações constitutivas do
fenômeno pesquisado, contribuindo qualitativamente no curso da produção teórica
(Aguiar, 2001, p. 139).
Com base em Aguiar (2001), queremos justificar o fato de que não é nossa intenção
generalizar os resultados. Contudo, pretendemos afirmar, com base em vários autores, como
Aguiar e Ozella (2006 – no prelo), Gatti (2003), González Rey (2003, 2005a, 2005b), Lane
(1995), Leite (2006), Leite e Tassoni (2002), Vigotski (2001), que a mediação afetiva, como
processo constitutivo do humano, e, aqui, especificamente do professor, precisa ser investigada
em profundidade para que possamos compreender a complexidade que o configura no espaço de
suas relações sociais. Precisa ser investigada, além disso, na sua relação com a dimensão
cognitiva, na sua constituição histórico-social, na configuração da práxis humana constituída a
partir da relação dialética entre o pensamento e a ação.
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ANEXO
ANEXO
1ª ENTREVISTA
(14/02/2006)
Entrevistador: Eu gostaria de começar a nossa conversa com a seguinte pergunta: Por
qual motivo você escolheu o Curso de Pedagogia do PROFORMAÇÃO?
Raquel: A princípio, eu percebi no decorrer dos meus estudos, nos cursos de
capacitação que eu participava, com os demais professores, supervisores,
coordenadores, que eu sentia essa necessidade, que era ter uma formação superior.
Então, a princípio, eu prestei alguns vestibulares, mas não conseguia ser aprovada! Eu
fazia vestibular para Letras, Administração..., mas não conseguia ser aprovada! Então,
o PROFORMAÇÃO foi uma oportunidade, uma grande oportunidade para fazer um
curso superior! Por ser funcionária pública, professora, então estava tendo essa
oportunidade. Sendo aprovada no vestibular, tive a maior satisfação de fazer o Curso
de Pedagogia. Durante a trajetória do Curso, eu percebi que ele foi melhor do que o
que eu imaginava no início. Foi um Curso bastante proveitoso! Tanto contribuiu para o
meu crescimento pessoal como para o meu crescimento profissional. Aprendi muito!
Não só as disciplinas contribuíram para isso! Os professores, a qualidade dos
professores, que faziam das aulas um momento de reflexão, que nos levavam a refletir
sobre a nossa prática, muito contribuíram para o nosso crescimento, para que a gente
se tornasse profissionais capazes de refletir sobre a nossa prática.
E: Você diz que tentou vestibular para Administração. Você já era professora nessa
época?
R: Não, não era professora! Depois que passei a ser professora, eu tentei vestibular
para Letras!
E: Quando você entrou na Universidade, para fazer Pedagogia, quais eram suas
expectativas?
R: Minhas expectativas não eram apenas adquirir um diploma! Quando fui fazer
Pedagogia, minhas expectativas eram, principalmente, adquirir novos conhecimentos,
aprender coisas novas! E, diante disso, fazer relação desses novos conhecimentos com
a minha prática pedagógica, porque, logo no início do Curso, eu percebi que ela deveria
melhorar muito. Para isso, eu precisava estudar muito, pesquisar! E eu tinha muita
vontade! E eu me empenhei no Curso. Acho que me desenvolvi bastante. Hoje, eu
percebo que a minha prática é muito diferente da prática de antigamente! Isso quer
dizer que o Curso foi bastante proveitoso! Esse Curso melhorou não apenas a minha
prática, mas também a minha pessoa em vários aspectos! Hoje, eu percebo que sou
uma pessoa totalmente diferente, tanto no agir em sala de aula como nas minhas
atitudes pessoais. A partir do Curso, passei a perceber que, a cada dia, preciso
melhorar, inovar minha prática, buscando novos conhecimentos, pesquisando,
incentivando meus alunos a aprender, a refletir sobre a sua vida.
E: Quais foram os seus maiores desafios, as suas maiores dificuldades enfrentadas no
Curso?
R: Durante o Curso, como qualquer pessoa, tive algumas dificuldades, deficiências! Eu
diria que uma das maiores dificuldades que passei foi a questão do transporte. Eu
morava numa cidade distante da Universidade, então, essa era uma das maiores
dificuldades! Mas nenhuma dificuldade eu encarei como uma coisa que fosse me proibir
de fazer o Curso. Toda dificuldade me fazia perceber que eu tinha que melhorar. Eu vi
que eu precisava melhorar como professora, por isso nenhuma dificuldade iria me fazer
desistir do Curso. Quando eu via um colega, professor, lendo um livro, eu me
interessava. Eu queria aprender refletir aquilo que estava sendo estudado. Tudo isso,
era dificuldade que eu passava. E na sala de aula, todos têm dificuldades! A princípio, a
questão de muitas leituras, a gente precisava ler muito, os professores incentivando a
gente a pesquisar, ler livros, fazer trabalhos, apresentar seminários. Em tudo isso eu
sentia dificuldades. Mas eu fui, pouco a pouco, superando todas essas dificuldades! E
fui gostando do trabalho, do envolvimento, das pessoas...
E: Como foi que você superou essas dificuldades?
R: Eu superei as dificuldades porque eu tinha vontade! E com essa vontade eu ia
buscar...! Eu lia uma vez, lia duas vezes; eu queria compreender o texto, então eu tinha
que ter vontade! Então essa vontade me fazia superar essas deficiências, e buscava
superar essas dificuldades não somente só, mas em companhia do professor, do
orientador que estava em sala de aula facilitando a aprendizagem dos alunos,
incentivando, tirando dúvidas!
E: Você também estudava em grupos?
R: Em grupos, também. Geralmente, os trabalhos eram individuais, mas também
tinham trabalhos em grupos!
E: Além dos trabalhos, também havia estudo em grupo, como o estudo de um texto, por
exemplo?!
R: Havia, sim! Os estudos em grupo, as discussões em grupo, ajudavam muito no
entendimento dos assuntos que a gente estudava em sala de aula. O estudo em grupo
facilitava a aprendizagem. Havia mais interação entre as colegas. Nessa interação, não
havia somente a questão do conhecimento dos textos; a gente não discutia somente o
assunto que estava no texto. A gente fazia relação dos textos com a nossa sala de
aula. Nesse momento, havia uma grande socialização de nossas experiências de sala
de aula. Nessas interações, havia não somente desenvolvimento intelectual dos
colegas, mas, também, pessoal, porque a gente tinha colegas que ficavam inibidas de
falar, de questionar; então, em grupo, a gente ia trocando essas diversas experiências!
E essas colegas, as mais inibidas, iam falando mais; então, o Curso ajudou muito
também nesse sentido, de não só desenvolver o lado profissional, mas o lado pessoal
também.
E: Você diz que superou as dificuldades sentidas no início do Curso porque tinha
vontade de estudar. Você gostou do Curso?
R: Gostei tanto do Curso, que, se fosse preciso, eu faria tudo novamente! Ele não
contribuiu não apenas para que eu melhorasse a minha prática pedagógica como
professora em sala de aula. Ele contribuiu muito, muito mesmo, para o meu aspecto
pessoal. Eu me desenvolvi muito! Não me desenvolvi somente para viver as situações
de uma sala de aula, mas, assim, as minhas atitudes, com relação às pessoas, o meu
interesse pelo trabalho e pelas pessoas!
E: Você se sente melhor. Você acha que melhorou na totalidade?!
R: Na totalidade. Hoje, dentro da escola, eu me vejo como uma professora
pesquisadora, mais interessada pelo trabalho que faço. Não que antes não me sentisse
assim, interessada; mas, a partir do Curso, é diferente! Sinto-me uma professora
pesquisadora, incentivadora, uma professora mais reflexiva, que contribui não só para
que os alunos tornem-se mais participativos, ativos, mas, também, no seu lado pessoal,
de saber conviver com outras pessoas, com pessoas diferentes.
E: Você poderia destacar as principais contribuições do Curso para o seu
desenvolvimento?
R: A maior contribuição do Curso está relacionada à qualificação dos professores. De
acordo com a LDB [1996], todos os professores atuantes na Educação Básica devem
ter nível superior. Então, a criação do PROFORMAÇÃO foi uma contribuição não só
para atender as exigências da LDB, mas uma oportunidade para muitos professores
ingressarem na universidade e, com isso, melhorarem sua prática docente. Dessa
forma, com meu ingresso na universidade, eu pude ter a oportunidade de melhorar a
minha prática pedagógica, me preparar melhor para atuar em sala de aula, e contribuir
para que meus alunos pudessem ter uma formação mais eficaz, mais participativa,
pudessem aprender mais e melhor.
E: Como foi que o Curso se desenvolveu, de modo que veio a contribuir com a eficácia
da sua prática de sala de aula, conforme você mesma afirma?
R: O Curso foi desenvolvido proporcionando teoria e prática! O Curso visava aprimorar
os conhecimentos dos educandos, que eram professores em processo de formação em
serviço. O Curso contribuiu não só teoricamente, mas fazendo relação da teoria com a
prática.
E: Como acontecia essa relação entre teoria e prática?
R: Muitos trabalhos e estudos desenvolvidos no Curso de Pedagogia eram
relacionados à nossa prática! Além disso, alguns trabalhos que eram realizados durante
o Curso, eram trabalhos vivenciais, relacionados à nossa prática de ensino. Os
trabalhos vivenciais são uma maneira da gente articular a teoria com a prática. Essa
relação contribuía muito para a nossa aprendizagem de professora, de aluna. Cada
disciplina do Curso tinha sua parte teórica e sua parte prática. Essa parte prática é
chamada de vivencial. Então, em cada disciplina, a gente tinha que fazer pelo menos
um trabalho prático. Eram trabalhos que a gente deveria desenvolver dentro da nossa
própria sala de aula! Então, eu tive a oportunidade, nesse Programa, não só de
conhecer teoricamente as tendências e correntes pedagógicas da educação, como
também desenvolver esse trabalho dentro da sala de aula com meus alunos! Então, eu
não só aprendi o lado teórico, como também pude fazer relação da teoria com a minha
prática pedagógica que eu desenvolvia em sala de aula. Passei a desenvolver trabalhos
em sala de aula partindo das situações-problema dos meus alunos. Passei a
desenvolver projetos diante das situações-problema e resgatar, com isso, os
conhecimentos prévios dos alunos. Passei a trabalhar valorizando muito mais a
realidade dos meus alunos. Com isso, os alunos passaram a se engajar mais nas
atividades, a se interessar muito mais. E isso tudo facilitava meu trabalho e meu estudo,
porque havia essa relação entre a teoria estudada em sala de aula, no Curso, e a
vivência da prática, da minha prática docente, na sala de aula com meus alunos. O que
eu estudava na universidade, eu levava pra minha sala de aula, os alunos. Os
professores nos orientavam com relação ao desenvolvimento das nossas atividades
como professores. Orientavam com relação ao desenvolvimento de projetos de ensino,
na sala de aula com meus alunos, orientavam a desenvolver atividades de pesquisa
com os alunos, e levar os alunos a [saber] buscar meios para desenvolver os trabalhos
com mais eficiência! Levar os alunos a interagir dentro das suas próprias situações-
problema, para que eles pudessem buscar as próprias soluções dos problemas!
Relacionar teoria e prática foi um trabalho bastante proveitoso! O Curso ofereceu a
oportunidade de aprendermos assuntos teóricos, mas, também, não a oportunidade de
aprendermos técnicas, mas de ser aquele professor que busca inovar sempre. O
Programa nos ajudou facilitando o nosso trabalho para que a gente pudesse buscar
meios, não receitas. O Programa ensinou como saber buscar respostas para os nossos
problemas. Para isso, o principal meio é a leitura dos vários teóricos. Piaget, por
exemplo, relata muito bem o desenvolvimento da criança. Então, o curso facilitou muito
o nosso trabalho. Não só com relação em trabalhar os conteúdos, a questão do uso de
textos em sala de aula, mas a questão da própria realidade da criança, como, por
exemplo, a sua vida, tratando do seu lado pessoal. Muitas crianças chegam em sala de
aula com vários problemas, que não chegam a ser relatados por elas. Então, esse
Curso contribuiu muito, também, para isso, para que a gente pudesse dar oportunidade
aos alunos para eles relatarem seus problemas e, assim, o professor ter uma posição
de partir de um determinado tema que vá interessar a criança. Então, todo o Programa
foi de grande relevância, tanto para desenvolver a nossa compreensão teórica como
para desenvolver a nossa prática em sala de aula. Nesse Curso, havia uma relação
constante entre teoria e prática! Nós estudávamos na sala, mas levávamos aquele
estudo para a nossa prática, para a nossa sala de aula para ser desenvolvido com os
nossos alunos. E os nossos alunos foram os [sujeitos] que mais contribuíram para as
nossas pesquisas em sala de aula durante todo o Curso.
E: Você diz que o Curso, ao articular teoria e prática, possibilitou um maior
desenvolvimento no processo de compreensão dos conteúdos trabalhados no Curso. E
contribuiu, também, para que você melhor compreendesse o processo pedagógico da
sua sala de aula!
R: Com certeza! Devemos enfatizar, também, a questão da dedicação dos professores
que nos deram aula. Todos eles eram muito bem preparados! Todos contribuíram para
o nosso crescimento pessoal e profissional! Há uma diferença entre os professores do
nosso Curso em relação aos professores de outros cursos. Primeiro, os alunos do
Curso de Pedagogia do PROFORMAÇÃO são muito interessados. São alunos que já
trabalham, já têm a sua sala de aula, seus alunos. São alunos que procuram melhorar
sua prática pedagógica, e não simplesmente buscar um diploma. Eu percebia, muito
bem, o interesse dos professores formadores. Eram professores preparados! Eram
professores que conduziam o aluno-professor a adquirir uma maior visão de leitura,
como também do conhecimento científico. Além disso, também preparavam o aluno-
professor para tornar-se mais atuante em sala de aula, tornar-se um professor
pesquisador, um professor que levasse em consideração a realidade do aluno. Um
professor que melhorasse a sua metodologia! Então, eu vi que não somente um, dois
ou três professores, mas todos os professores contribuíram. Eram professores que
desempenhavam um trabalho muito criativo, que, realmente, deixavam o aluno-
professor interessado! Por isso, a freqüência, o interesse, a participação eram muito
grande! O interesse dos professores era conduzir o aluno-professor a melhorar não só
a sua parte teórica, mas, também, a sua prática.
E: Então o Curso proporcionava uma certa articulação entre a teoria trabalhada na
universidade e a realidade com a qual vocês trabalham, a realidade vivenciada na sala
de aula onde vocês atuam como professores!
R: Também com relação às disciplinas, gostaria de destacar que todas contribuíram,
não só uma, mas todas! Contribuíram com a melhoria da nossa prática. E não só as
disciplinas, mas as leituras dos teóricos da educação, como Piaget, também foram
fundamentais. Os professores incentivavam muito, no decorrer dos estudos dos textos,
a irmos à biblioteca pesquisar novos teóricos, novos pensadores da educação.
E: Nós, de uma certa maneira, somos “tocados” de modo mais intenso por algumas
disciplinas. Então, quais as disciplinas que mais contribuíram para o seu
desenvolvimento?
R: Entre as disciplinas que mais contribuíram para a minha formação, destaco, de modo
especial, a Psicologia da Educação. Isso não quer dizer que as demais não tenham
contribuído! Essa (a Psicologia da Educação) foi especial. Gosto muito dessa disciplina!
E eu digo que ela contribuiu porque ela orientou muito sobre as necessidades, os
interesses, as características das crianças nas suas várias fases de desenvolvimento, a
natureza da aprendizagem das crianças, as diferenças individuais, o acesso ao
pensamento dos teóricos, que também são bastante interessantes, que relatam sobre o
desenvolvimento das crianças, das suas fases de desenvolvimento. Eu vejo que ela
contribuiu bastante! Não só contribuiu para o meu lado pessoal, profissional, mas,
também, para conhecer melhor os meus alunos. Conhecer na maneira como eles
aprendem, como eles se desenvolvem, suas dificuldades escolares. Antes de fazer o
Curso, tinha certas atitudes que eu tomava com relação aos meus alunos, que hoje eu
vejo que eram erradas. Foi a disciplina Psicologia da Educação que me fez perceber a
questão de valorizar os conhecimentos prévios dos alunos, a questão do
comportamento deles, a forma como eles agem. Muitas vezes, as crianças agem de
forma agressiva, porque elas estão querendo alguma coisa. Elas demonstram
agressividade porque está faltando alguma coisa. Elas podem estar com algum
problema, que pode ser um problema familiar, um problema escolar, não está gostando
do professor, etc. Então, essa disciplina foi uma das que mais contribuíram! Eu vi tudo
isso nessa disciplina. Principalmente de como trabalhar com meus alunos. Como ver o
comportamento deles? Por que eles estão daquele jeito? O que eu posso fazer para
poder melhorá-los? Será que eles não estão precisando da minha contribuição? Será
que eu posso ajudá-los? Até se for uma questão familiar, eu também posso entrar
nessa e contribuir. Eu posso até relatar casos de alunos. No ano passado, por exemplo,
na minha sala de aula tinha alunos com problemas familiares. E um aluno tinha
acompanhamento psicológico; e eu vejo que eu contribuir para o tratamento dele. E
essa contribuição que eu dei foi partindo desse meu estudo, que eu tive no Curso! Foi
através da disciplina Psicologia da Educação que eu aprendi! Eu percebi que aquele
aluno reagiu daquela forma porque ele estava com algum problema. Então, com isso,
eu não só estudei os textos trabalhados em sala de aula. Esses textos serviram para
serem aplicados na minha sala de aula! E, com isso, eu pude ajudar meus alunos nas
situações particulares deles! No início, eu tinha bastante problema de sala de aula com
esse aluno que tinha acompanhamento psicológico. Mas, no final, ele mudou; ele
tornou-se um aluno diferente de como era no início! Mas a disciplina Psicologia da
Educação não contribuiu só para isso. Contribuiu para a questão da aprendizagem,
para a questão das situações-problema do cotidiano dos alunos. Outras disciplinas
também contribuíram. Todas contribuíram! Mas algumas contribuíram mais! A disciplina
Pesquisa Educacional também contribuiu bastante. Com ela, eu pude identificar,
compreender os tipos de pesquisa e suas características. E, com isso, eu pude não só
aprender a construir um projeto de pesquisa, como também aprender a pesquisar. Ela
me tornou uma professora pesquisadora. Também contribuiu para que eu pudesse
incentivar e orientar meus alunos a fazerem uma pesquisa com mais clareza, com mais
eficiência, de forma mais reflexiva. A disciplina de Didática eu também destaco como
uma das que muito contribuíram para a minha formação! Foi uma disciplina que
trabalhou muito bem o modo como deve agir o professor nas diferentes situações em
que ele vivencia na sua sala de aula, na sua ação de ensinar, aprender e educar. Foi
uma disciplina que também contribuiu bastante para a questão do planejamento, dos
objetivos em sala de aula, da avaliação, tudo isso! Eu vejo que, antes, eu planejava de
uma forma, que tinha uma forma de se planejar, um roteiro. Hoje, eu vejo que o meu
planejamento é flexível! Que eu preciso refletir sobre as situações-problema dos meus
alunos, buscando uma problemática para desenvolver em sala de aula, para que, com
isso, eu possa ajudar os meus alunos a resolver suas situações-problema. Tudo isso
faz com que os alunos se interessem muito mais pelas aulas, pois são aulas que tratam
da sua própria realidade! Tudo isso contribuiu! Na questão dos objetivos, não é
somente eu que tenho objetivos. Meus alunos também têm objetivos! Antes, eu achava
que somente eu tinha objetivo, que era o de repassar os conteúdos. Ser aquele
professor rigoroso, detentor do saber; hoje, não! Hoje, eu tento ser uma professora
flexiva! Sei que ainda preciso melhorar. Todos nós precisamos sempre melhorar! Mas
hoje eu vejo que melhorei bastante, também nesse aspecto! Eu considero que meus
alunos têm objetivos, e eu tenho a obrigação de procurar saber o que eles sabem, o
que eles têm vontade e necessidade de conhecer, para que eu possa partir disso,
desenvolver minhas aulas a partir disso, o que eles precisam aprender. Dessa forma,
eu vejo que eles se interessam mais, se engajam muito mais nos trabalhos, pesquisam
mais, participam muito mais das aulas, interagem muito mais entre eles e comigo [a
professora]. Eu me sinto, hoje, não só uma professora diferente, mas uma pessoa
diferente!
E: Quando vocês entram na universidade, os professores formadores já sabem que
vocês já são professores, não são alunos inexperientes de sala de aula. Eles, os
professores formadores, sabem que todos têm experiência, muitos têm até mais de dez
anos de experiência de sala de aula. Então, eu pergunto: os professores formadores
consideram os conhecimentos prévios de vocês, os conhecimentos que vocês já
possuem da experiência de sala de aula como professores?
R: Consideram, consideram demais! Nenhum dos nossos professores deixou de
considerar a nossa experiência. Todos eles sempre diziam: - eu estou aqui para orientá-
los, mas, também, para aprender com vocês, porque vocês já são professores em
exercício! Então, existia uma troca de experiência, como eu falei. Tanto em relação os
nossos professores formadores, como em relação aos nossos alunos em sala de aula!
E: O conhecimento de vocês não era “jogado no lixo”. Eles, os professores formadores,
aproveitavam os conhecimentos de vocês!
R: Tudo era aproveitado! Os professores formadores buscavam conhecer aquilo o que
nós já conhecíamos a respeito do objeto de estudo e orientavam a respeito. Todos os
professores buscavam explorar nossos conhecimentos prévios!
E: Então, pode se dizer que esse trabalho desenvolvido pelos professores formadores
consistia em fazer vocês refletirem a respeito daquilo o que já faziam! Acredito que os
conhecimentos que os alunos trazem para a sala de aula não devem ser
desconsiderados! Claro que muitas práticas de professores precisam ser reformuladas,
revistas, mas isso não quer dizer que tudo o que eles fazem, antes de passar pela
universidade, esteja errado! É possível haver muita coisa certa, que ele faz, sem ter
passado pela universidade! Para muitos professores universitários, que atuam na
formação de professores, os professores do ensino fundamental, quando chegam à
universidade, devem reformular totalmente a sua prática. É como se os professores do
ensino fundamental tivessem que esquecer o passado! Eu acho que o passado nunca
deve ser esquecido. Ele deve ser reconsiderado! Pelo o que você coloca, era isso o que
acontecia. Havia, no Curso, uma certa consideração e valorização da prática, dos
conhecimentos que vocês traziam da vida, como professores.
R: Nenhum professor chegou, de imediato, a dizer que nada de nós, alunos-
professores, sobre o que fazíamos, era errado. Eles, os professores formadores, nos
faziam refletir a respeito da nossa própria prática! No momento em que discutíamos um
determinado assunto, em conjunto, cada um de nós se posicionava, colocava como
agia, como pensava a respeito dele! Então, naquele momento, nenhum professor
formador chegava a dizer que o que nós colocávamos estava errado! Ele fazia o aluno
refletir durante o seu trabalho. Então, o professor formador fazia sondagem, fazia
dinâmica, brincadeiras para que, a partir dessas atividades, ele pudesse conhecer os
conhecimentos prévios dos seus alunos, dos alunos-professores, para que ele pudesse
partir daquilo. Sabíamos que muitos alunos-professores desenvolviam sua prática não
de forma certa, mas nenhum professor formador chegou a debater essa questão, por
exemplo: - você faz errado! – você faz certo! Era uma questão de reflexão! Eu, por
exemplo, tive as minhas falhas no passado, mas, isso, durante os estudos, foram uma
forma de reflexão para mim. Não de dizer que fazia as coisas erradas, mas, que, hoje, a
partir da reflexão, das reflexões que eu fazia no Curso, eu tive que mudar. E tudo
contribuiu para que eu mudasse. Minha experiência do passado, meus
conhecimentos..., tudo contribuiu para que eu pudesse ampliar. Tudo foi muito
proveitoso! Então, foi uma forma de refletir. Não só sobre a minha pessoa, mas sobre
os meus colegas, porque todos nós interagíamos muito bem, uns com os outros; um
sabia dos trabalhos desenvolvidos na sala de aula dos outros colegas! E
apresentávamos esses trabalhos na sala de aula para os nossos colegas e os nossos
professores! Esses trabalhos eram orientados pelos nossos professores e [os]
desenvolvíamos com nossos alunos, em nossas salas de aula. Depois,
apresentávamos para nossos professores formadores, para nossos colegas. Eram
trabalhos muito significativos, que tanto eu aprendia, como meus alunos também
aprendiam muito mais. Todos os trabalhos que eu desenvolvi em sala de aula, com a
orientação dos meus professores formadores, foram, todos, muito significativos, tanto
para a minha prática, minha formação, como para os meus alunos! Eles gostavam
muito das idéias novas. Para os colegas, também! Porque houve muita troca de
trabalhos! Um colega, da minha sala de aula, via que eu tinha desenvolvido um
trabalho, e percebia que tinha sido muito proveitoso, então ele dizia assim: - eu queria
que você me desse umas orientações, umas explicações! Então a gente trocava essas
experiências, uns com os outros, não de copiar, mas de dar idéias para que o outro
colega pudesse desenvolver em sala de aula. Então, tudo isso contribuiu! E o professor
formador também fazia sua intervenção, buscando melhorar nossa prática. Ele não
orientava de forma aleatória, de forma a dizer que tudo estava bom, que tudo estava
certo! Ele não dizia que estava errado, nem dizia que estava certo! Facilitava, dando
orientações, facilitando nosso trabalho para que se tornasse um trabalho mais
significativo, tanto para nós, alunos-professores, como para nossos alunos, em sala de
aula!
E: Alguma coisa mais?
R: Outras disciplinas, além das que eu já falei, também foram fundamentais para a
minha prática. As disciplinas Fundamentos Lingüísticos para Alfabetização e Processo
de Alfabetização muito contribuíram para o desenvolvimento da minha prática. Foi
através delas que eu passei a valorizar muito mais a questão da leitura e da escrita dos
meus alunos! Essas disciplinas, assim como a Psicologia da Educação, me fizeram
perceber que os alunos chegam à escola já com certos conhecimentos, tanto
conhecimento de escrita como de leitura. Mesmo não conhecendo as letras, as crianças
já fazem uma leitura de mundo, uma leitura que é interpretativa da realidade. Mas, é
claro, nós, professores, temos que saber intervir na maneira como esse aluno faz a sua
leitura de mundo.
E: A leitura é uma questão, um conteúdo muito trabalhado pelo professor de 1ª a 4ª
série. A leitura, a escrita! E essas disciplinas podem ter uma contribuição muito grande
nesse sentido. Já que o Curso forma professores para atuarem de 1ª a 4ª série, elas
têm que contribuir para o professor saber entrar nos problemas da linguagem. E você
coloca que elas, de uma certa maneira, contribuíram para isso!
R: Essas duas disciplinas contribuíram porque são fundamentais na formação do
professor que trabalha com alunos que estão bem no início da sua escolarização! São
alunos que estão aprendendo a ler, escrever,... A leitura e a escrita são assuntos muito
questionados nas escolas de 1ª a 4ª série, principalmente em escolas públicas. Na
escola pública porque muitas crianças chegam na 5ª série, no ensino médio com muitas
dificuldades na leitura, na escrita. Então, isso foi muito questionado! Essas disciplinas
me fizeram perceber não só a valorização da leitura e da escrita da criança nas séries
iniciais, mas também mostraram uma forma de como trabalhar com a leitura e a escrita
na nossa sala de aula com os nossos alunos de 1ª a 4ª série. Trabalhar de uma forma
contextualizada. Então, antes, nessa área, trabalhávamos as letras de forma
descontextualizada, ensinando cada letra do alfabeto de forma isolada, como também a
questão da leitura, que a gente ensinava por palavras isoladas do contexto. Hoje eu
vejo que não só melhorou a minha prática. Também percebo, na prática dos meus
colegas, que eles também melhoraram de forma significativa a sua prática pedagógica
de sala de aula. Temos que sempre melhorar; e tudo isso contribuiu bastante! Eu vejo
que o fato dos professores formadores terem nos orientado, assim como nossos
interesses em descobrir, em questionar, em refletir sobre isso, contribuiu para que hoje
eu possa trabalhar de uma forma contextualizada. Então, hoje eu trabalho, valorizo, a
questão da leitura, da escrita da criança intervindo nessa leitura, mas de forma que o
aluno vá refletir sobre sua própria escrita, sobre sua própria leitura. A disciplina de
Processo de Alfabetização me despertou para fazer uma pesquisa em sala de aula a
respeito da escrita das crianças. As disciplinas dos Ensinos [Ensino da Língua
Portuguesa, Ensino da Matemática, Ensino de Ciências, Ensino de Geografia, Ensino
de História, Ensino da Arte, Ensino de Educação Física] também nos possibilitaram
muitos conhecimentos. A disciplina Ensino da Língua Portuguesa, também tem uma
relação muita grande com a questão da alfabetização. Com essa disciplina, eu tive a
oportunidade de conhecer melhor, não receitas de como ensinar, mas conhecer uma
forma de refletir para que eu pudesse trabalhar de uma forma muito mais significativa a
questão da textualidade em sala de aula com os meus alunos, a questão dos gêneros
textuais, que também foram muito debatidos, para que as crianças viessem a conhecer
não apenas um tipo de gênero, mas a diversidade dos gêneros textuais que circulam
em nossa sociedade. As disciplinas dos Ensinos me fizeram perceber que a
contextualização é muito mais proveitosa porque você trabalha não somente a
compreensão, a decodificação, do texto. Desde que seja um texto significativo, que foi
um assunto também muito debatido durante as nossas aulas, você pode trabalhar muito
bem a realidade dos nossos alunos. Com isso, não devemos trabalhar textos que
estejam fora da nossa realidade, da realidade dos nossos alunos. Dessa forma, os
alunos ficam mais interessados, mais capazes de escrever textos coerentes, textos
mais significativos! Além disso, também tive a oportunidade de aprender a trabalhar,
dentro do texto, os aspectos gramaticais, que, antes, eu trabalhava de forma isolada;
trabalhava só os assuntos gramaticais, trabalhava só ortografia, só pontuação. Hoje, eu
trabalho tudo isso! No momento em que eu estou trabalhando um texto com meus
alunos, eles são levados a refletir sobre a sua realidade. Isso eu também aprendi nas
disciplinas dos “Ensinos” juntamente com as demais disciplinas! A disciplina Ensino da
Matemática também foi muito importante. Com ela, aprendemos a trabalhar a
matemática a partir de jogos, brincadeiras, que os alunos podem aprender matemática
brincando, a trabalhar com materiais didáticos diversificados, que, mesmo com a
escassez de materiais didáticos dentro da escola, podemos reciclar e confeccionar
materiais para trabalhar a matemática com os nossos alunos. Trabalhamos os objetivos
do ensino da matemática no ensino de 1ª a 4ª série, metodologias de ensino. Tudo isso
nós levamos para as nossas salas de aulas para ser desenvolvido com os nossos
alunos. Tudo isso fazia com que as nossas aulas ficassem mais interessantes e os
alunos com muito mais vontade de aprender! Na disciplina de Ciências, os professores
nos orientaram a trabalhar a questão da pesquisa, da investigação, dos experimentos.
Trabalhar com projetos de ensino! Tudo isso contribuiu para o desenvolvimento da
nossa prática e o processo de aprendizagem dos nossos alunos!
E: Ainda teria algo mais a destacar?
R: Também destaco que os Seminários foram muito importantes. Os Seminários eram
sempre relacionados a temáticas que nós trabalhamos em sala de aula com os nossos
alunos. Os Seminários contribuíram muito para o desenvolvimento da nossa prática.
Entre os Seminários, no Memorial eu destaco dois como os mais importantes: o de
Redação e o de Língua Escrita. Foram Seminários que muito nos ajudaram a
desenvolver resenhas críticas, a questão da escrita do Memorial,... As atividades
vivenciais das disciplinas também foram muito importantes! Além das atividades de
estudo em sala de aula, essas atividades, que eram feitas nas nossas salas de aula,
com os nossos alunos, proporcionavam uma reflexão maior, de busca de
conhecimentos, de criar o novo. Era um trabalho muito proveitoso, que contribuía muito
para o desenvolvimento da nossa prática docente!
E: Elaborar um memorial, onde vocês relatam a vida estudantil, profissional e
acadêmica, contribui, de alguma maneira, para vocês reverem, e se reverem, diante da
vida, da prática profissional? Bom, o memorial trouxe alguma contribuição para o
desenvolvimento pessoal e profissional de vocês?
R: O memorial, de início, quando a gente ficava numa grande expectativa, na dúvida se
saberia escrever, a orientadora foi logo nos acalmando, e orientando! Então, a gente foi
desenvolvendo [o memorial] em partes, que são três partes! Então, relatar essa
experiência de vida foi como se a gente estivesse voltando a fazer tudo aquilo
novamente! Voltar a isso tudo foi uma forma de refletir! Voltar a pensar como eu iniciei
meus estudos foi... legal, e, ao mesmo tempo, foi uma coisa que mexeu com a nossa
memória! Muitas coisas que, hoje, a gente tem vontade de viver, e não viveu! As
oportunidades,... Então, a gente volta a ser criança. Durante o desenvolvimento do meu
relato, do meu memorial, eu passei a perceber as facilidades que os alunos, de hoje,
têm na escola! Hoje, eles têm a oportunidade de terem professores com mais
capacidade, professores com maior grau de instrução, professores mais capacitados na
área. Eu tive meus professores; eu agradeço muito a eles porque eu aprendi com eles.
Não quero dizer que eles não contribuíram. Contribuíram muito. Eu cheguei à
universidade porque eles contribuíram. Voltar a refletir sobre a minha prática docente,
de anos atrás, é voltar a sofrer o que a gente já sofreu, como também viver momentos
legais já vividos. A coisa é assim: muita coisa que eu fiz, no início da minha carreira
docente, se eu soubesse eu não teria feito.
E: O memorial lhe ajudou, de uma certa maneira, a perceber que você superou
determinadas dificuldades, determinadas questões que, hoje, precisavam ser feitas e
vistas de um modo diferente.
R: Exatamente! Se eu não tivesse tido essa oportunidade de desenvolver esse trabalho
de conclusão de curso a respeito da minha vida estudantil, profissional e acadêmica, eu
não teria tido a oportunidade de refletir sobre as minhas falhas que eu cometi no
passado, as coisas proveitosas, perceber as minhas mudanças, perceber que eu
preciso melhorar cada vez mais! Tudo isso voltou em mim e me levou a fazer uma
reflexão!
E: Quando você relata sobre a sua vida estudantil na educação básica, você rememora
a maneira como os seus professores davam aula. Apesar de você já ter falado sobre
isso, hoje, você acha que eles poderiam ter sido melhores?
R: Com relação a atualidade, sim! Mas veja bem: isso só é verdade se a gente tomar o
hoje como referência! Eu aprendi no método tradicional, a partir das experiências dos
professores que eu tive durante toda a minha vida estudantil, na educação básica. Hoje,
não [os] ignoro, mas, também, não ensino da mesma forma que eles me ensinaram.
Antes, eu via que eu estava com um conhecimento, mas aquele conhecimento
obrigado, que eu tinha que aprender a tabuada, que eu tinha que aprender a ler, que eu
tinha que aprender aqueles conteúdos que eu ficava horas e horas decorando, e que,
depois, a professora me chamava para eu ter que repeti-los para ela. No ensino
tradicional, os professores não davam oportunidade para o aluno falar de suas
dificuldades! Eu cheguei a ser reprovada por causa dessa questão de não ter a
oportunidade de falar sobre as minhas dificuldades com a professora. Então, eu não
faço igual a eles não só por isso, mas pelo fato de perceber, hoje, que o aluno não é um
ser passivo. Ele é um ser ativo. Ele não só participa das aulas, mas, também, troca
conhecimento com os colegas, com o professor. Antes, quando eu era aluna, eu via
que o professor só fazia dá conteúdos, e a gente aprendendo, aprendendo não,
decorando! Eu sair da 4ª série com poucos conhecimentos. Quando eu cheguei no
ginásio, na 5ª série, eu não sabia interpretar um texto, não compreendia o que lia, só
fazia decorar! E hoje eu vejo que não é mais assim! Da forma como hoje os professores
trabalham, eu vejo que os alunos têm mais facilidade para interpretar um texto, até
mesmo melhor do que muitos professores! Por quê? Porque os professores de antes,
me incluindo, por exemplo,... Por que eu sentia dificuldade para entrar num curso
superior? Por que eu sentia dificuldades na questão de interpretação, de leituras?
Porque eu não tive essa oportunidade que os meus alunos, hoje, estão tendo! De ter
um professor reflexivo, de ter um professor mais capacitado, que vise não somente a
questão do acúmulo de conteúdos, mas, também, a questão da competência dos
alunos, da sua participação nas atividades, do seu lado ativo, da sua participação ativa
nas aulas, de buscar conhecimentos, de toda essa participação! Por isso, eu não
ensinaria da forma como eu aprendi!
E: Como foi que você se tornou professora?
R: Foi uma questão de necessidade. Eu sentia uma enorme vontade de trabalhar. E
mesmo ainda estando no 2º Grau, eu comecei a trabalhar, mas não na área da
educação! Eu fazia o Curso Magistério [2º Grau]. Então, logo quando eu terminei o
Curso, o Magistério, eu fui logo trabalhar numa escola privada! Tive essa oportunidade.
Foi uma época muito difícil para mim!!! Eu via que eu não estava preparada para o que
eu estava fazendo! Eu sentia muita dificuldade, muita deficiência! Não tive muito apoio
por parte dos colegas de trabalho, porque uns ficavam desvalorizando os outros. Eu até
me decepcionava muito, mas nunca desisti!!! Eu não tinha o apoio dos colegas
professores, mas tinha o apoio da diretora, da supervisão! E com isso, eu buscava
interagir com essas pessoas, porque eram elas que estavam me dando oportunidade!
Mas precisei estudar muito! De início, eu fui trabalhar numa 4ª série. Foi muito difícil!
Além de ser uma escola privada, que requer muito apoio, requer muito conhecimento,
eu via que não estava preparada, mas, mesmo assim, eu não desisti! Comecei a
estudar, comecei a ler, mesmo só, me virando em casa! Quando eu tinha alguma
dúvida, eu procurava a orientadora da escola! Procurava tudo! E a partir dos meus
esforços, do meu interesse, eu continuei na escola durante cinco anos! Trabalhei,
também, com educação infantil, que eu gostei muito. E depois de trabalhar cinco anos
nessa escola, eu tive outras experiências! Mesmo sem ser especialista na área de
Ciências e Geografia, eu trabalhei, como professora bolsista ministrando essas
disciplinas numa escola pública, de 5ª a 8ª série. Estudava muito para dar essas aulas!
Pegava orientação de professores da área, levava mapas para casa, para estudar, lia
muito! Tudo isso foi um grande desafio na minha vida, na minha prática docente! E
quando eu comecei a trabalhar na escola pública, eu já fui percebendo as coisas de
uma forma mais clara! O município oferecia cursos de capacitação. Eu participei do
curso do PROFA [Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, do Ministério
da Educação] que é um curso de capacitação de professores alfabetizadores, participei
do Curso dos PCN’s [Parâmetros Curriculares Nacionais], logo quando surgiram os
Parâmetros Curriculares Nacionais. Participei de muitos cursos de capacitação de
professores [cursos de formação continuada de professores]. Todos eles contribuíram e
me fizeram despertar para buscar mais, estudar mais! Esses cursos contribuíram muito
para que eu sentisse a necessidade de buscar novos conhecimentos, me qualificar. De
uma certa maneira, eles me despertaram o interesse para fazer Pedagogia.
E: Do PROFORMAÇÃO, pode se dizer que você gostou muito!
R: Gostei muito! Contribuiu bastante! Se fosse preciso, eu voltaria a fazer tudo
novamente! Não só pelo fato de ter um diploma, de ter um curso superior. Mas, em
especial, de ter ampliado essa minha visão de conhecimento, vendo que hoje eu tenho
o meu papel de educadora diante da sociedade. Antes eu via que eu tinha que ensinar
conteúdos aos alunos. Hoje, eu vejo que eu tenho um papel mais importante! É, um
papel que vai além disso, do ensino dos conteúdos. Meu papel é, também, formar
alunos para que eles possam atuar de forma mais consciente no lugar onde moram,
que possam ter autonomia própria; autonomia para saber refletir e resolver uma
situação-problema do lugar onde moram, assim como no meio da família; ter autonomia
com relação à sua própria sala de aula como estudante, como cidadão; meu papel,
como educadora, é formar o meu aluno para a cidadania.
2ª ENTREVISTA
(11/07/2006)
Entrevistador: A entrevista é recorrente. Nós fazemos uma primeira entrevista, e
depois fazemos outras entrevistas, quantas forem necessárias, e o sujeito se dispuser a
falar. Você disse, na entrevista anteior: “Eu percebi no decorrer dos meus estudos, nos
cursos de capacitação que eu participava, com os demais professores, supervisores,
coordenadores, que eu sentia essa necessidade, que era ter uma formação superior”.
Eu gostaria que você falasse sobre essa “necessidade”. Que “necessidade” era essa?
E por que você sentia essa “necessidade”?
Raquel: Eu percebi [a necessidade de ter um curso superior] porque, no decorrer dos
estudos [dos cursos de capacitação], eu vi que existia muita coisa que eu precisava
conhecer, não só na teoria, mas também desenvolver na prática, pra melhorar a
aprendizagem dos meus alunos, como, também, a minha própria profissão, o meu
desenvolvimento como educadora. Diante desses estudos, a gente fazia a leitura de
textos, debatia a questão da prática, a questão da teoria. E citavam os teóricos! E eu fui
ficando naquela curiosidade de saber o que era aquilo, do que se tratava. E se colocava
muito essa questão, que a formação num curso superior contribui para que o
profissional se desenvolva cada vez mais. Então, foi a minha vontade! E pelo fato de
ver a necessidade! Eu via que eu não estava totalmente capacitada para assumir uma
sala de aula. Como eu iria desenvolver uma aprendizagem satisfatória nos meus alunos
se eu estava precisando dessa própria aprendizagem pra mim mesma? Eu sentia a
necessidade de aperfeiçoamento na leitura, na escrita, no conhecimento teórico.
Quando se falava em Emilia Ferreiro, eu ficava naquela ansiedade: quem é ela, o que
ela faz? Ficava naquela ansiedade quando se falava em Paulo Freire, e em muitos
outros teóricos. Sem saber, eu me sentia perdida, mas, ao mesmo tempo, sentia aquela
curiosidade, querendo buscar... [...] Quando comecei a cursar Pedagogia, eu fui
percebendo o quanto, a cada dia, eu ia melhorando as minhas atividades docentes. Eu
fui percebendo que eu tinha que estudar muito a questão da teoria, como também da
prática, a questão do agir com meus alunos. Eu fui percebendo que eu precisava
melhorar muito!
E: Você disse, também na entrevista anterior, que o PROFORMAÇÃO foi uma grande
oportunidade para você. Por que uma grande oportunidade?
R: Porque eu já havia tentado [o vestibular] muitas vezes! Quando surgiu essa
oportunidade, pra mim foi grande demais. Eu tinha muita vontade! Não era tanto pelo
fato de ter um curso superior, mas, também, de aprender,... de aprender pra agir de
forma mais satisfatória em sala de aula. Então, ele foi uma grande oportunidade pra
gente se vê, se auto-avaliar como profissionais, de fazer relação com a nossa prática,
compreender melhor o nosso aluno, sua aprendizagem. E isso não é feito nos outros
cursos de graduação. Se eu tivesse feito outro curso fora do PROFORMAÇÃO, não
teria crescido tanto como cresci nele.
E: Você fala da postura dos professores formadores. Você fala assim: “os professores,
a qualidade dos professores, que faziam das aulas um momento de reflexão, que nos
levavam a refletir sobre a nossa prática, muito contribuíram para o nosso crescimento,
para que a gente se tornasse profissionais capazes de refletir sobre a nossa prática”. O
que significa refletir sobre a prática? Eu só queria que você explicasse um pouco essa
relação entre reflexão e prática.
R: Logo no início das aulas, havia aquela sondagem dos conhecimentos prévios dos
alunos-professores. Havia muita liberdade para o aluno-professor comentar sobre sua
prática e, diante dos depoimentos, eu percebia, como parte integrante disso, que os
professores [formadores] mediavam nosso trabalho. Eles respeitavam nosso ponto de
vista, mas, também, tentavam melhorar nossa prática. Foi reflexivo porque, a partir
daquele momento, eu começava a refletir. Por exemplo, essa questão do agir com os
alunos, a disciplina de Didática, Psicologia [da Educação] ajudou bastante. O que a
gente estudava, na teoria, ajudava muito na prática da gente em sala de aula com
nossos alunos. Então, no decorrer da mediação dos professores [formadores], a gente
começava a refletir sobre os nossos alunos, as dificuldades de aprendizagem, a
maneira como a gente dava aula. Tanto os professores contribuíram como as
disciplinas também contribuíram para que a gente desenvolvesse a nossa reflexão
sobre a nossa prática. [...] Muitos professores possibilitaram a relação da teoria com a
prática. No caso da Psicologia [da Educação], a professora trabalhou a teoria e a
prática, e nos fez refletir sobre que a interação entre aluno e professor é fundamental.
Tem que haver diálogo. Então me fez despertar que eu tinha que melhorar.
E: Você destaca, na sua fala, que “o Programa ensinou como saber buscar respostas
para os nossos problemas”. Problemas, como professor, né? Eu gostaria que você
especificasse alguns tipos de problemas mais freqüentes, com os quais você se depara
na sala de aula, e, para resolvê-los, conta com a ajuda do Programa, com o que você
aprendeu no Curso de Pedagogia.
R: Com certeza conto com o que eu aprendi no Curso para resolver muitos problemas.
Quando a gente aprende, realmente fica. E, quando a gente aprende, começa a agir da
forma melhor pra contribuir [com a aprendizagem dos alunos]. Quando eu relato essa
questão dos problemas, por exemplo, no caso da forma de agir com os alunos, eu cito,
assim, como questão de comportamento, tanto meu como também de saber trabalhar
com aqueles alunos que têm dificuldades em sala de aula, de aprender. Então eu vejo
assim: o Curso contribuiu para essa melhoria. O meu agir, por exemplo, eu acho que [o
Curso] contribuiu bastante! E também o meu lado pessoal. Eu me via como uma pessoa
muito agitada, às vezes incompreensiva, via pouco o lado do meu aluno. Então, isso foi
um período que tive pra refletir sobre a minha prática, sobre a minha própria pessoa... O
Programa contribuiu para que a gente tivesse uma aprendizagem voltada para a própria
vida. Não é trabalhar só conteúdo, mas trabalhar com conteúdo que vá contribuir pra
que eles [os alunos] possam saber se colocar diante de qualquer situação da sua vida
cotidiana. Como professora, eu passei a perceber que eu tinha que trabalhar não uma
quantidade de conteúdo, mas despertar nele [no aluno] o interesse na forma de
aprender, para que tenha consciência do que faz, do que precisa fazer, como agir no
seu próprio lugar, na sua comunidade. Que ele [o aluno] tenha autonomia, reconheça
seus deveres, seus direitos, ter uma posição diante das coisas, de como tratar uma
pessoa, de como agir numa determinada situação.
E: Você disse na entrevista anterior que sentiu “a maior satisfação de fazer o Curso de
Pedagogia”. Como você explica esse sentimento de satisfação?
R: Era uma vontade tão grande que eu tinha de fazer um curso superior, não só por ter
[um diploma], mas adquirir conhecimentos e fazer a ligação entre teoria e prática em
sala de aula. Eu via que... Eu utilizava mais o livro didático, dava aquelas aulas, mas
que, na verdade, eu via que, a cada dia, como já relatei, que, com os cursos de
capacitação, eu tinha que melhorar. Eu via que a minha bagagem de conhecimento era
muito pequena. Então foi uma satisfação pelo fato de que eu, no Curso de Pedagogia,
consegui adquirir novos conhecimentos, aprofundar os conhecimentos que eu já tinha e
poder agir de uma forma mais satisfatória na sala de aula.
FIM
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