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UNIVERSIDADE
FEDERAL
DO
PARANÁ
FACULDADE
DE
DIREITO
A
F
UNÇÃO DA
E
MPRESA NO
D
IREITO
S
OCIETÁRIO
CURITIBA
2006
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RODRIGO COSTENARO CAVALI
A
F
UNÇÃO DA
E
MPRESA NO
D
IREITO
S
OCIETÁRIO
Dissertação apresentada à Faculdade de Di-
reito da Universidade Federal do Paraná,
como requisito parcial à obtenção do grau de
Mestre em Direito.
Orientador: Professor Doutor Titular Alfredo
de Assis Gonçalves Neto
CURITIBA
2006
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SUMÁRIO
1. Introdução ..................................................................................................
01
2. A Empresa na Teoria Econômica e no Direito Societário .........................
04
2.1 A Empresa na Teoria Econômica ............................................................
2.1.1 Organização Econômica e Função Produção ................................
2.1.2 Os Custos de Transação e a Teoria da Empresa ............................
2.1.3 A Empresa como Feixe de Contratos ............................................
2.2 A Empresa no Direito Societário .............................................................
2.2.1 O Ato Constitutivo da Sociedade Empresária ...............................
2.2.2 A Sociedade Empresária como Pessoa Jurídica ............................
2.3 A Estrutura Jurídica da Sociedade Empresária .......................................
2.3.1 Estrutura Organizacional ...............................................................
2.3.2 Estrutura Patrimonial .....................................................................
04
04
10
14
18
19
23
26
26
32
3. Propriedade e Controle em Estruturas Societárias ....................................
41
3.1 Propriedade e Controle no Direito Societário .........................................
3.1.1 O Controle Interno .........................................................................
3.1.2 O Controle Externo ........................................................................
3.2 O Problema de Agency e os Modelos de Corporate Governance ...........
3.2.1 O Shareholder-oriented model ......................................................
3.2.2 Os Stakeholder models …………………………………………..
3.2.3 Síntese Comparativa ……………………………………………..
41
44
48
52
56
59
63
4. Alocação e Balizamento do Poder de Controle no Direito Societário ......
67
4.1 Alocação do Poder de Controle no Direito Societário ............................
4.2 Balizamento do Poder de Controle no Direito Societário .......................
4.2.1 Interesses Internos .........................................................................
4.2.2 Interesses Externos ........................................................................
67
74
77
80
5. Conclusão ..................................................................................................
84
Referências Bibliográficas ............................................................................
89
1. INTRODUÇÃO
As empresas são as principais organizações econômicas contemporâneas.
Elas respondem pelo sustento de grande parte da população, por meio da coor-
denação do trabalho assalariado, pela produção da maioria dos bens e serviços
destinados ao mercado e pela maior parcela das receitas tributárias que susten-
tam as atividades estatais. Em torno das empresas gravitam ainda os interesses
de inúmeros agentes econômicos não-assalariados, como investidores de capital
e fornecedores de matérias-primas e serviços
1
.
A globalização, fenômeno multifacetado que se caracteriza pela conver-
gência institucional entre as várias regiões do mundo, aumentou significativa-
mente a importância das empresas. Na esfera econômica, a globalização inte-
grou mercados e intensificou a circulação de produtos, capitais e tecnologia em
escala mundial. A racionalização das atividades produtivas, das estruturas orga-
nizacionais e dos procedimentos decisórios implicou a promoção, em amplitude
mundial, de uma grande quantidade de associações de unidades produtivas até
então autônomas, incrementando a influência das empresas
2
.
De forma concomitante, os problemas da sociedade contemporânea, co-
mo injustiça social, degradação ambiental, corrupção, concentração de renda,
deterioração do nível de vida e desemprego crônico passaram a ser confrontados
com a lógica empresarial e tornaram difícil a aceitação de que os interesses em-
presariais e os interesses sociais coincidiriam naturalmente. Passou-se, por con-
seguinte, a exigir um papel mais ativo das empresas na resolução dos problemas
1
Fábio Konder C
OMPARATO
, A Reforma da Empresa, in Direito Empresarial: Estudos e Pareceres.
São Paulo, Saraiva, 1990, p. 3.
2
José Eduardo F
ARIA
, O Direito na Economia Globalizada, São Paulo, Malheiros, 2000, pp. 70 e ss.
sociais. Nesse contexto, o movimento da responsabilidade social empresarial
surgiu como estratégia de sustentabilidade dos negócios e contenção do ímpeto
contemporâneo pelo lucro socialmente destrutivo. As organizações privadas lu-
crativas, por conseguinte, passaram ou deveriam passar a contemplar valores e
efeitos sociais em suas atividades econômicas
3
.
O presente ensaio, apesar do título pretensioso, tem um objetivo bastante
singelo. Pretende-se analisar, no âmbito do direito societário, a alocação e o ba-
lizamento do poder de controle, em função dos interesses que gravitam em torno
da empresa. O exame do tema contém duas restrições importantes. Em primeiro
lugar, centra-se na verificação dos interesses que devem ser perseguidos pelos
controladores das sociedades empresárias.
Em segundo lugar, refere-se, sobretudo, ao modelo jurídico da sociedade
anônima, dada a sua vocação de estruturar empreendimentos empresariais de
grande porte, com repercussões sobre diferentes grupos sociais. Não obstante,
algumas observações são também, em certa medida, pertinentes às empresas es-
truturadas sob outros tipos societários, especialmente sociedades limitadas.
Além dessa introdução e de uma conclusão, na qual estão sumariados os
principais pontos discutidos ao longo do texto, o presente ensaio contém mais
três capítulos. No próximo capítulo, trata-se do fenômeno da empresa na teoria
econômica e no direito societário. Não se busca construir uma teoria jurídica da
empresa, mas adota-se um conceito formulado pela teoria econômica – a empre-
sa como feixe de contratos para analisar o exercício da atividade empresarial
sob forma societária.
3
Sobre o tema, veja-se Patrícia Almeida A
SHLEY
(coordenação), Ética e Responsabilidade Social nos
Negócios, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2006.
No capítulo seguinte, analisa-se a relação entre propriedade e controle no
direito societário, o problema de conflito de interesses que resulta dessa situação
e os modelos de corporate governance que procuram formular mecanismos para
equalizá-lo. Não se trata de examinar os mecanismos formulados por tais mode-
los, mas apenas averiguar os seus pressupostos e os objetivos que atribuem às
estruturas societárias. O capítulo final ocupa-se da alocação do controle societá-
rio e do direcionamento da condução da empresa em função dos interesses in-
trasocietários e extrasocietários que gravitam ao seu redor
4
.
4
No presente ensaio, as expressões interesses intrasocietários e interesses internos são empregadas
para designar os interesses dos sócios e as expressões interesses extrasocietários e interesses externos
para designar os interesses dos demais interessados e afetados pela atividade empresarial, sejam em-
pregados, credores, fornecedores, consumidores e membros da comunidade em geral.
2. A EMPRESA NA TEORIA ECONÔMICA E NO
DIREITO SOCIETÁRIO
2.1 A EMPRESA NA TEORIA ECONÔMICA
2.1.1 ORGANIZAÇÃO ECONÔMICA E FUNÇÃO PRODUÇÃO
Na teoria econômica, o termo empresa costuma ser empregado para de-
signar as unidades produtoras que transformam fatores de produção (insumos)
em bens ou serviços (produtos). A natureza econômica fundamental da ativida-
de empresarial é sempre a mesma, quer se trate de uma pequena banca de revis-
tas ou de uma grande indústria multinacional. A envergadura e as repercussões
dessas empresas podem ser bastante diversas, mas ambas combinam fatores de
produção para transformá-los em bens ou serviços e visam obter resultados ope-
racionais positivos, correspondentes à diferença entre as receitas auferidas e os
custos incorridos com a atividade empresarial
5
.
5
Fábio N
USDEO
, Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico, ed., São Paulo, Revista
dos Tribunais, 2001, p. 246. Embora a natureza econômica fundamental da atividade empresarial seja
sempre a mesma, a envergadura e as repercussões da empresa são critérios para reconhecimento de
uma função social específica, como destaca Fábio Konder C
OMPARATO
: “Não negar, entretanto,
que sob o aspecto microeconômico, ou seja, considerando-se cada unidade empresarial isoladamente –
e é este o modo tradicional de se analisar o fenômeno em direito a importância das empresas varia,
caso a caso, não em razão da escala de sua ação no mercado, como também pelo setor econômico
ao qual pertencem. É logicamente insustentável ter como iguais perante a lei a sociedade multinacio-
nal e a quitanda da esquina; a empresa energética e a fábrica de confeitos; o conglomerado financeiro
e o conjunto de diversões circences. (...). Há empresas que se organizam para a produção ou distribui-
ção de bens ou serviços indispensáveis à vida em coletividade, qualquer que seja a qualidade do em-
presário, e outras, ainda, cuja existência e funcionamento dizem respeito, unicamente, a interesses de
ordem particular. (...). Nem toda empresa é dotada de poder no mercado ou apresenta, individualmen-
te, alguma importância fora de si mesma.” (A Reforma da Empresa, cit., pp. 7-11).
Em essência, a produção é um processo de criação de utilidades, no qual
são combinados insumos que entram na composição de um produto ou colabo-
ram para sua fabricação. Não há diferença substancial entre a produção de bens
ou serviços como destaca Manuel Carlos L
OPES
P
ORTO
:
Na grande maioria dos casos as necessidades têm de ser satisfeitas com bens produzi-
dos, ou seja, bens que são obtidos através de um processo onde, com o esforço do
homem, são combinados os factores produtivos: designadamente o trabalho, o capital
e elementos naturais. Constituindo a produção num processo de criação de bens capa-
zes de satisfazer necessidades, pode definir-se também como um modo de criação de
novas utilidades, acrescendo às que são proporcionadas directamente pela natureza.
Sendo as necessidades sentidas tanto relativamente a bens materiais como relativa-
mente a serviços, a produção abrange tanto a criação de utilidades que ficam corpori-
zadas em objectos materiais como a prestação de serviços. Como diferença particu-
larmente saliente entre estes dois casos pode salientar-se a de relativamente aos bens
materiais poder haver separação temporal entre os momentos de produção e de con-
sumo (serem os bens produzidos e só mais tarde consumidos), o mesmo não podendo
acontecer em relação aos serviços, cujo consumo (ou outra utilização) não pode dei-
xar de ser contemporâneo à sua produção. Mas em termos apenas de produção, desig-
nadamente em termos de exigências quanto à combinação dos factores produtivos,
não diferença económica assinalável consoante se trata de produzir bens materiais
ou serviços.
6
Os fatores de produção, utilizados para a criação de produtos, podem ser
agrupados em três categorias: natureza, capital e trabalho. Esses insumos são
reunidos na empresa e remunerados mediante o pagamento de quantias fixas ou
de variação previsível, estabelecida previamente: a terra e seus acessórios são
remunerados pela renda; o trabalho, pelo salário; e o capital, pelo juro. Nesse
sentido, a empresa, enquanto unidade responsável pela organização do processo
produtivo, é também considerada um fator de produção.
6
Economia: um Texto Introdutório, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 37-38.
Surge, assim, uma quarta categoria de fator de produção, cuja remunera-
ção, todavia, não é fixa nem contratualmente estabelecida, mas aleatória e resi-
dual: o lucro. O lucro é a diferença entre o preço de mercado obtido pelo bem
ou serviço produzido pela empresa e o seu custo, ou seja, a remuneração dos
demais fatores utilizados na sua produção. Ele remunera o fator organização e,
sobretudo, o risco inerente ao desenvolvimento da atividade empresarial
7
. Sendo
residual, o lucro pode ser positivo, nulo ou negativo, quando então a empresa
será deficitária. A operação deficitária constitui algo excepcional na vida da
empresa, pois caso seja constante ela desaparece pela falência ou, antes disso,
suas atividades são encerradas pelos seus proprietários.
A combinação dos insumos é condicionada pela função produção, que es-
tabelece o relacionamento entre as quantidades dos insumos e as quantidades do
produto obtido com a utilização desses insumos. O aumento na quantidade dos
insumos implica o aumento na quantidade do produto, em maior ou menor pro-
porção. Além de complementares, os fatores de produção são, em alguma medi-
da, substituíveis. Certa quantidade de sacas de café, por exemplo, pode ser pro-
duzida utilizando-se maior quantidade de terra plantada e poucos recursos de
capital ou, restringindo-se a área plantada, com o emprego de maior quantidade
de máquinas e fertilizantes. Determinados bens podem ser produzidos com re-
7
Fábio
N
USDEO
, Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico, cit., pp. 246-249. O autor
destaca que o Estado, assegurando a ordem, a propriedade, a exigibilidade das obrigações assumidas e
a respectiva responsabilidade patrimonial, cria as condições para o desenvolvimento contínuo do pro-
cesso produtivo. Nesse sentido, o Estado pode ser considerado um fator indireto de produção, na me-
dida em que atua fora da esfera da empresa. Essa condição torna-se mais clara quando o Estado, além
de suas funções institucionais, executa tarefas no âmbito econômico e social, como, por exemplo, a
abertura de estradas e os programas de educação e saúde, supridoras de economias externas positivas
que beneficiam a empresa. Nessas hipóteses, o Estado recebe tributos como remuneração pelas ativi-
dades desenvolvidas, os quais integram os custos de produção da empresa. O autor refere, ainda, a
tecnologia, definida como a aplicação do conhecimento científico à produção. Originalmente vista
como um conjunto de conhecimentos técnicos e, portanto, como um dado estático, com o progresso
tecnológico a tecnologia passou a ser encarada como variável estratégica em qualquer atividade pro-
dutiva.
duzido emprego de capital e grande utilização de mão-de-obra (labor intensive)
ou, por outro lado, com pouca de mão-de-obra e uso abundante de equipamen-
tos (capital intensive). Num regime de mercado, a escolha por uma ou outra
forma de produção será, em última análise, determinada pelos preços dos insu-
mos, que representam os custos da empresa
8
.
Esses custos podem ser divididos em custos diretos ou variáveis, quando
variam em função da quantidade produzida, como aqueles incorridos com mão-
de-obra e matérias-primas, e custos indiretos ou fixos, quando independem do
volume produzido, como os gastos com máquinas, equipamentos e instalações.
O volume de produção no qual todos os custos, fixos e variáveis, são cobertos,
não deixando, porém, qualquer margem de lucro, denomina-se ponto de equilí-
brio ou break-even point e constitui o mínimo necessário para a sobrevivência
da empresa. Caso as receitas obtidas com venda dos bens ou serviços sejam in-
suficientes para cobrir os custos da produção, a empresa será deficitária
9
.
8
Idem, ibidem, pp. 249-252. O autor assinala que o aumento mais do que proporcional da quantidade
produzida pode ser uma conseqüência da resposta de alguns insumos, quando combinados com ou-
tros, caso em que surge o fenômeno dos rendimentos crescentes, ou da existência de economias de es-
cala. A possibilidade de substituição dos fatores de produção, contudo, tem limites: se a um determi-
nado insumo fixo em quantidade forem-se adicionando unidades sucessivas de outro insumo, os a-
créscimos de produção obtidos tenderão a crescer até certo ponto, a partir do qual esse crescimento
será cada vez menos que proporcional, podendo inclusive, no extremo, tornar-se negativo. Assim,
uma determinada quantidade de terra, à qual fossem aplicadas doses sucessivas de fertilizantes, traria
resultados palpáveis de acréscimos na produção até certo limite, a partir do qual tais acréscimos seri-
am cada vez mais diminutos até o ponto em que a terra não mais reagisse ou passasse, inclusive, a re-
agir negativamente em virtude dos efeitos danosos da excessiva concentração do fertilizante.
9
Idem, ibidem, pp. 252-255.
A empresa é enxergada, portanto, como uma organização econômica que
transforma insumos em produtos e tem por objetivo a geração de margem entre
custos e receitas
10
. Embora significativo para demonstrar o objetivo lucrativo da
empresa, ou mais precisamente para explicar que a empresa deve buscar obser-
var um critério de economicidade entre suas receitas e despesas, esse conceito
econômico tradicional é insuficiente para explicar a existência das empresas, as
atividade que elas desenvolvem
11
e a forma como são equilibrados os objetivos
dos diversos participantes da atividade empresarial
12
.
10
Existe debate na teoria econômica acerca da inclusão do escopo lucrativo no conceito de empresa.
Enquanto a corrente restritiva reserva a utilização do conceito para a empresa capitalista, caracteriza-
da pela organização de fatores de produção com finalidade lucrativa, a corrente extensiva desconside-
ra essa finalidade como algo essencial à definição do conceito. Sobre o tema, veja-se Waldírio
B
UL-
GARELLI
, A Teoria Jurídica da Empresa: Análise Jurídica da Empresarialidade, São Paulo, Revista
dos Tribunais, 1985, p. 73. Embora a perspectiva de lucro seja o principal motor da iniciativa econô-
mica privada nos sistemas capitalistas, nem todas as empresas são organizadas com finalidade lucrati-
va, mas sempre buscam observar um critério de economicidade entre suas receitas e despesas. Sobre o
tema, Fábio Konder C
OMPARATO
assinala: “O lucro na gestão empresarial é o saldo positivo de um
balanço geral de ingressos e dispêndios. Ora, a recomposição do capital próprio, sob a forma de de-
preciações, amortizações ou quotas de exaustão, é um custo necessário de todo processo produtivo,
que não se confunde, de forma alguma, com o excedente lucrativo. Em outras palavras, toda empresa,
mesmo não-lucrativa, deve trabalhar em regime de economicidade, comportando um equilíbrio estru-
tural entre ingressos e dispêndios.” (A Reforma da Empresa, cit., p. 10).
11
Nesse sentido, destaca Ronald C
OASE
: The firm in modern economic theory is an organization
which transforms inputs into outputs. Why firms exist, what determines the number of firms, what
determines what firms do (the inputs a firm buys and the output it sells) are not questions of interest to
most economists. The firm in economic theory, as Hahn said recently, is a ‘shadowy figure’.(The
Firm, the Market, and the Law, in The Firm, the Market, and the Law, Chicago-London, The
University of Chicago Press, 1990, p. 5).
12
Nesse sentido, destacando as limitações do conceito econômico tradicional de empresa, assinalam
Michael J
ENSEN
e William M
ECKLING
: While literature of economics is replete with references to
the ‘theory of the firm’, the material generally subsumed under that heading is not actually a theory
of the firm but rather a theory of markets in which firms are important actors. The firm is a ‘black
box’ operated so as to meet relevant marginal conditions with respect to inputs and outputs, thereby
maximizing profits, or more accurately, present value. Except for a few recent and tentative steps,
however, we have no theory which explains how the conflicting objectives of the individual
participants are brought into equilibrium so as to yield this result.(Theory of the Firm: Managerial
Behavior, Agency Costs and Ownership Structure, Journal of Financial Economics, v. 3, n. 4, 1976,
p. 3. Disponível em
www.ssrn.com).
2.1.2 OS CUSTOS DE TRANSAÇÃO E A TEORIA DA EMPRESA
Em célebre artigo intitulado The Nature of the Firm
13
, publicado em 1937
e determinante na entrega do Prêmio Nobel de Economia em 1991, Ronald C
O-
ASE
procurou suprir essas lacunas por meio da investigação das razões que le-
vavam determinadas atividades econômicas a serem organizadas em empresas.
De modo específico, buscou avaliar os motivos pelos quais, em alguns casos, a
alocação de recursos era coordenada pelo mecanismo de preços, no mercado, e,
em outros casos, pela direção do empresário, na empresa.
Ronald C
OASE
parte da premissa, genericamente aceita por economistas,
de que, no mercado, a direção dos recursos econômicos é orientada pelo meca-
nismo de preços, que coordena a alocação dos fatores de produção entre diferen-
tes usos. No entanto, sustenta que essa lógica não se verifica emrias situações
encontradas no mundo real e não explica, por exemplo, a alocação de recursos
ocorrida dentro das empresas. Uma descrição mais apurada do sistema econô-
mico, portanto, pressuporia a verificação das razões que levam à existência das
empresas, vistas como uma forma alternativa de organização econômica e alo-
cação de recursos em relação ao mercado.
13
The Nature of the Firm, in The Firm, the Market, and the Law, cit., pp. 33-55.
Para Ronald C
OASE
, enquanto fora das empresas o mecanismo de preços
direciona a produção, que é coordenada por uma série de transações realizadas
no mercado, dentro das empresas essas transações são, em alguma medida, eli-
minadas e substituídas pela coordenação do empresário, responsável pela dire-
ção da produção. As empresas, portanto, são sistemas de relações nos quais um
empresário substitui, em maior ou menor grau, o mecanismo de preços na alo-
cação de recursos. Destarte, elas surgem quando os custos incorridos com a uti-
lização do mecanismo de preços, ou seja, com a obtenção de insumos por meio
de transações realizadas no mercado, puderem ser reduzidos pela formação de
uma organização coordenada por um empresário.
Esses custos consistem, em linhas gerais, na incerteza que caracteriza as
relações de mercado, abrangendo as negociações para aquisição e as assimetrias
de informação sobre preço e natureza dos insumos, os riscos de descumprimen-
to dos contratos e a impossibilidade de prever todos os eventos futuros que po-
derão afetar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, em especial da-
queles de longa duração. Em última análise, portanto, é a eliminação de incerte-
zas que leva determinadas atividades a serem organizadas internamente na em-
presa, que será tanto maior quanto mais transações de mercado forem substituí-
das por transações internas.
Assim sendo, caso a obtenção dos insumos no mercado seja mais custosa,
eles serão produzidos internamente na empresa; caso seja menos custoso adqui-
ri-los no mercado, a sua obtenção permanecerá fora da empresa. Embora a pre-
missa não seja absoluta
14
, em regra o empresário buscará alocar o fornecimento
dos insumos na esfera interna da empresa quando os custos de produção forem
inferiores aos custos de aquisição no mercado. Desse modo, a escolha entre or-
14
Trata-se da Lei da Maximização dos Resultados, pressuposto psicológico-comportamental do siste-
ma econômico de mercado, a partir do qual os economistas clássicos do final do século XVIII e início
do século XIX cunharam a figura do homo oecconomicus, indivíduo racional interessado em maximi-
zar seus próprios interesses. Sobre o tema, veja-se Fábio N
USDEO
, Curso de Economia: Introdução ao
Direito Econômico, cit., pp. 114-116. Essa premissa constitui a base teórica da análise econômica do
direito, apêndice da microeconomia neoclássica que utiliza métodos e conceitos da teoria econômica
para examinar e resolver problemas jurídicos. O trabalho de Ronald C
OASE
sobre os custos sociais
as externalidades negativas causadas pelas atividades econômicas (i.e. os efeitos que prejudicam ter-
ceiros estranhos à atividade econômica) – costuma ser apontado como marco teórico inicial da análise
econômica do direito. No texto intitulado The Problem of Social Cost, publicado originariamente em
1960, Ronald C
OASE
analisa a influência das regras jurídicas sobre o funcionamento do sistema eco-
nômico e critica os teóricos neoclássicos que sustentavam que os custos sociais, enquanto falhas de
mercado, eram casos de indispensável regulamentação. Para ele, a existência de externalidades nega-
tivas decorrentes de uma atividade econômica não demanda, por si só, a necessidade de regulamenta-
ção, pois as falhas nessa ação estatal podem gerar, em muitos casos, custos sociais maiores e resulta-
dos piores que a simples manutenção das externalidades negativas (cf. The Problem of Social Cost, in
The Firm, the Market, and the Law, cit., pp. 95-156). Embora tenha rejeitado a idéia da inexistência
de custos nas transações realizadas no mercado, Ronald C
OASE
demonstrou seu argumento a partir da
formulação de uma situação hipotética em que tais custos seriam nulos. Nessa hipótese, considerando
a Lei da Maximização dos Resultados, ele sustentou que as regras jurídicas não teriam efeito sobre as
alocações de recursos. Desde então, a proposição segundo a qual, diante da ausência de custos de
transação, as regras jurídicas não têm efeito sobre as alocações de recursos, passou a ser designada
como Teorema de Coase (cf. The Firm, the Market, and the Law, cit., pp. 1-31). A consolidação teóri-
ca da análise econômica do direito ocorreu alguns anos mais tarde, em 1973, com a publicação da o-
bra Economic Analysis of Law, de Richard P
OSNER
. Nessa obra, o autor sustenta que o mercado é in-
tegrado por agentes econômicos racionais com objetivos definidos: consumidores que buscam maxi-
mizar utilidades e produtores que procuram maximizar lucros. Partindo dessa premissa, cara aos eco-
nomistas neoclássicos, Richard P
OSNER
conclui que, com a possibilidade de intercâmbio e interação
entre os agentes econômicos, os recursos serão destinados aos seus usos mais rentáveis, obtendo-se
um resultado de equilíbrio. O sistema jurídico, por conseqüência, deveria ter por objetivo precípuo re-
produzir as condições ideais de mercado e remover os custos de transação para maximizar a riqueza
social. (cf. Economic Analysis of Law, ed., Boston, Little, Brown and Company, 1992). Na teoria
econômica, essa premissa tem sido objeto de críticas em razão da falha do argumento de que agentes
econômicos racionais sempre realizam trocas destinadas a maximizar resultados. Sobre o tema, veja-
se Amartya
S
EN
, Sobre Ética e Economia. São Paulo, Companhia das Letras, 1999. Na teoria jurídica,
a eficiência econômica como objetivo social tem sido objeto de críticas por desconsiderar questões de
justiça distributiva. Sobre o tema, veja-se Rodrigo Costenaro C
AVALI
, Análise Econômica do Direito
e Justiça Distributiva, in Estudos de Teoria Geral do Direito (coordenador Ivan Guérios Curi), Curiti-
ba, Juruá, 2005, pp. 87-97.
ganizar a produção no mercado ou na empresa, enquanto estruturas econômicas
alternativas
15
, decorre dos custos de transação
16
.
A teoria da empresa de Ronald C
OASE
oferece uma explicação para os
movimentos de concentração e desconcentração empresarial e um critério obje-
tivo para diferenciar as atividades realizadas na empresa das relações estabele-
cidas no mercado. Enquanto as primeiras são coordenadas pelo empresário, se-
gundo uma lógica de direção e autoridade, as últimas são governadas pelo me-
canismo de preços e submetem-se a uma lógica de negociação e consenso
17
.
Não se pode descurar, todavia, que as relações de mercado são mais eficientes
quando existe elevada influência da empresa contratante sobre as atividades da
empresa contratada, ou seja, quando o mecanismo de preços é substituído, ao
menos em parte, pela direção da empresa dominante.
15
A importância e o pioneirismo da teoria de Ronald C
OASE
, relativamente à comparação entre o
mercado e a empresa como formas alternativas de organização econômica, são destacados por Oliver
W
ILLIAMSON
: Ronald Coase’s classic 1937 article expressly posed the issue of economic
organization in comparative terms. Whereas markets were ordinarily regarded as the principal means
by which coordination is realized, Coase insisted that firms often supplanted markets in performing
these very same functions. Rather than regard the boundaries of firms as technologically determined,
Coase proposed that firms and markets be considered alternative means of economic organization
(…). Whether transactions were organized within a firm (hierarchically) or between autonomous
firms (across a market) was thus a decision variable. Which mode was adopted depended on the
transaction costs that attended each. (The Economic Institutions of Capitalism: Firms, Markets,
Relational Contracting, New York, The Free Press, 1985, pp. 3-4).
16
Os custos de transação são, em síntese, the costs of measuring the valuable attributes of what is
being exchanged and the costs of protecting rights and policing and enforcing agreements.
(Douglass C. N
ORTH
, Institutions, Institutional Change and Economic Performance, Cambridge,
Cambridge University Press, 1990, p. 27). Uma transação ocorre quando a good or service is
transferred across a technologically separable interface. One stage of activity terminates and another
begins. (Oliver E.
W
ILLIAMSON
, The Economic Institutions of Capitalism: Firms, Markets,
Relational Contracting, cit., p. 1).
17
Cf. Eduardo Secchi
M
UNHOZ
, Empresa Contemporânea e Direito Societário: Poder de Controle e
Grupos de Sociedades, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2002, pp. 188 e 205.
Essa influência, exercida por via contratual, visa justamente reduzir os
custos de transação do mercado e decorre de uma forma alternativa de organiza-
ção empresarial, não baseada na propriedade do capital, mas no controle externo
da atividade contratada
18
. Nesse sentido, relações de execução continuada e lon-
ga duração, como as de fornecimento, franquia, distribuição e agência, podem
ser consideradas, em alguma medida, uma situação híbrida entre a empresa e o
mercado
19
.
O principal exemplo dessa forma de organização empresarial encontra-se
nos consórcios modulares ou virtual organizations, unidades formadas pela ter-
ceirização de atividades importantes para a empresa, que passam a ser desen-
volvidas por fornecedores externos. As relações contratuais mantidas com esses
fornecedores, contudo, não se submetem ao mecanismo de preços, próprio do
mercado, mas continuam sob a direção da empresa. O objetivo dos consórcios
modulares, nos quais a empresa torna-se um centro de confluência de vários
fornecedores, é a redução de custos, obtida com o repasse de determinadas ati-
vidades a fornecedores externos, que torna a produção mais flexível por permitir
que cada agente econômico dedique-se às funções que tem condições de desem-
penhar de forma mais eficiente
20
.
18
Cf. idem, ibidem, pp. 205-206.
19
Cf. Rachel
S
ZTAJN
, Teoria Jurídica da Empresa: Atividade Empresária e Mercados, São Paulo, A-
tlas, 2004, pp. 17-18.
20
Cf. Calixto S
ALOMÃO
F
ILHO
, O Novo Direito Societário, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2002, p. 44;
e Eduardo Secchi M
UNHOZ
, Empresa Contemporânea e Direito Societário: Poder de Controle e Gru-
pos de Sociedades, cit., pp. 126-127.
2.1.3 A EMPRESA COMO FEIXE DE CONTRATOS
Partindo da crítica de Armen A
LCHIAN
e Harold D
EMSETZ
ao artigo de
Ronald C
OASE
sobre a natureza da empresa, especificamente em relação à dife-
rença qualitativa entre as transações realizadas na empresa, que seriam governa-
das pela direção de um empresário, e as transações realizadas no mercado, ca-
racterizadas pelo caráter contratual, Michael J
ENSEN
e William M
ECKLING
21
formularam a concepção da empresa como feixe de contratos celebrados com os
diversos participantes da atividade empresarial, fornecedores de insumos e
compradores de produtos.
A crítica de Armen A
LCHIAN
e Harold D
EMSETZ
funda-se na natureza
contratual das relações entre empregados e empregadores (empresários), que
não seriam coordenadas pelo empresário, mas governadas por mecanismos qua-
litativamente idênticos àqueles encontrados nas transações realizadas no merca-
do. Michael J
ENSEN
e William M
ECKLING
concordam com essa crítica, mas a
julgam superficial. Para eles, as relações contratuais são a essência da empresa,
não apenas quanto aos empregados, mas também quanto aos fornecedores, con-
sumidores, credores e outros participantes da atividade empresarial. A empresa
funciona como centro de um sistema de relações contratuais no qual são equili-
brados os objetivos por vezes conflitantes de diversos indivíduos, que podem
inclusive estar representando outras empresas. Destarte, o desempenho da em-
presa, assim como o desempenho do mercado, resulta de um complexo processo
de equilíbrio entre esses objetivos.
21
Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure, cit., pp. 7-10.
A teoria da empresa como feixe de contratos tem sido criticada, sobretu-
do, pela negação da diferença qualitativa entre as atividades realizadas na em-
presa e as relações estabelecidas no mercado, que ignora a existência, na empre-
sa, de uma organização hierárquica burocrática ausente no mercado
22
. Embora a
observação seja pertinente, a descrição da empresa como feixe de contratos
permite verificar como são equilibrados os objetivos dos diversos participantes
da atividade empresarial.
Se, por um lado, não se pode negar que existem diferenças entre ativida-
des desenvolvidas sob lógicas diversas (autoridade e direção ou negociação e
consenso), em estruturas distintas (burocracia empresarial e liberdade de merca-
do), por outro lado deve-se reconhecer que a maioria das relações que envolvem
a empresa, desde os contratos de financiamento a os contratos de trabalho,
possui natureza contratual. Em última análise, portanto, a diferença entre essas
relações encontra-se no nível de subordinação existente e nos direitos e deveres
que são conferidos às partes contratantes.
várias possibilidades de coordenar a atividade econômica de uma ou
mais pessoas e uma delas consiste, justamente, em que essas pessoas celebrem
contratos com um único ente, que coordena a atividade econômica pelo exercí-
cio das prerrogativas estabelecidas nesses contratos. A empresa funciona, nesse
sentido, como um feixe de contratos para os agentes econômicos cuja atividade
será coordenada: é o ente com o qual cada um deles celebra contratos individu-
ais
23
. As prerrogativas conferidas por esses contratos à empresa são componen-
22
Nesse sentido, veja-se Melvin A. E
ISENBERG
, On the Conception that the Corporation is a Nexus of
Contracts, Working Paper No. 150, The Center for Law and Economics Studies, Columbia University
School of Law. Disponível em www.law.columbia.edu/center_program/law_economics.
23
Nesse sentido, veja-se Henry
H
ANSMANN
e Reinier
K
RAAKMAN
, The Essential Role of
Organizational Law, Discussion Paper No. 284, The Center for Law, Economics, and Business, Har-
vard Law School, 2000. Disponível em
www.law.harvard.edu/programs/olin_center.
tes essenciais ao seu controle e, por definição, constituem poderes atribuídos aos
seus proprietários
24
.
Nas transações realizadas com a empresa, portanto, fornecedores de in-
sumos capital, trabalho e outros fatores de produção e compradores de pro-
dutos bens ou serviços poderão estar ligados a ela por duas espécies de vín-
culos. Na primeira espécie, a vinculação é puramente contratual e não existe re-
lação de propriedade sobre a empresa. Na segunda, além da vinculação contra-
tual, existe também relação de propriedade sobre a empresa
25
. A propriedade se-
geralmente atribuída a um indivíduo ou grupo de indivíduos que representam
uma das diversas categorias que costumam manter relações contratuais com a
empresa
26
. Em regra, será atribuída ao grupo de indivíduos com o qual os pro-
blemas de contratação no mercado forem mais severos, ou seja, os indivíduos
para os quais os custos incorridos com a realização de transações no mercado
com a empresa forem mais elevados. Nessa hipótese, ao invés de realizar tran-
24
A observação é de Henry H
ANSMANN
, que especifica as prerrogativas derivadas dos diversos con-
tratos celebrados pela empresa: A firm’s contracts generally commit it to certain actions, such as
making payments to vendors or delivering goods or services to customers. But contracts typically also
leave the firm with some discretion. As employment contract, for example, generally gives the firm
some freedom to choose the particular tasks to which the employee will be assigned; a loan contract
commonly gives the firm some choice concerning the uses of the borrowed funds; and a contract of
sale often affords the firm some latitude in the methods to be used to produce the goods or services
promised to a given customer. (The Ownership of Enterprise, Cambridge-London, The Belknap
Press of Harvard University Press, 2000, p. 19).
25
Idem, ibidem, p. 19. Na análise empreendida pelo autor, o termo propriedade (“ownership”) designa
a situação da pessoa que possui as prerrogativas de controlar a empresa e apropriar-se dos seus lucros.
26
Embora essa seja uma situação rara, em tese é possível conferir a propriedade da empresa a alguém
que o seja nem fornecedor de insumos, nem comprador de produtos, conforme anota Henry H
ANS-
MANN
: In principle, a firm could be owned by someone who is not a patron. Such a firm’s capital
needs would be met entirely by borrowing. Its other factors of production would likewise be
purchased on the market, and its products would be sold on the market. The owner would then be a
pure entrepreneur, of roughly the character described in Frank Knight’s classic work, simply
controlling the firm and receiving its (positive or negative) residual earnings after all output was sold
and inputs were paid.” (The Ownership of Enterprise, cit., p. 18). Na análise empreendida pelo autor,
o termo patrocinador (“patron”) designa todos aqueles que transacionam com uma empresa, compra-
dores de produtos ou fornecedores de insumos, sejam indivíduos ou outras empresas.
sações no mercado, esse grupo de indivíduos preferirá deter a propriedade da
empresa, a menos que essa situação gere custos ainda maiores
27
.
Os custos gerados com a propriedade da empresa podem ser divididos em
três grupos: custos de monitoramento da direção da empresa, custos de tomada
de decisões coletivas e custos derivados da assunção do risco econômico da
empresa. Os custos de monitoramento da direção da empresa envolvem, em li-
nhas gerais, os custos de fiscalização dos administradores da empresa, aliados às
perdas eventualmente causadas pela gestão. Os custos de tomada de deci-
sões coletivas, por sua vez, podem ser bastante elevados quando os proprietários
da empresa forem muitos ou tiverem interesses muito divergentes. Por fim, os
custos decorrentes da assunção do risco econômico da empresa compreendem a
possibilidade de que sejam auferidos resultados negativos com a atividade de-
senvolvida
28
.
A concepção da empresa como feixe de contratos evidencia que tenderão
a ser proprietários os indivíduos que tiverem os menores custos com essa situa-
ção e os maiores custos com a manutenção de relações no mercado. A empresa,
conseqüentemente, será organizada de acordo com a conveniência dos agentes
econômicos interessados no desenvolvimento da atividade empresarial, que po-
dem adotar uma pluralidade de formas jurídicas, societárias ou não societárias.
Na teoria econômica, em conclusão, a empresa consiste numa organiza-
ção produtiva que transforma insumos em produtos e busca uma situação de e-
quilíbrio entre despesas e receitas. A alocação de recursos na empresa submete-
se à direção dos proprietários, que exercem o seu controle por meio do exercício
das prerrogativas conferidas pelos contratos celebrados com a empresa pelos
27
Henry
H
ANSMANN
, The Ownership of Enterprise, p. 21.
28
Idem, ibidem, pp. 35-49.
seus fornecedores de insumos e compradores de produtos
29
. Daí porque se pode
dizer que a empresa funciona como feixe de contratos para os agentes econômi-
cos interessados no desenvolvimento de uma determinada atividade.
2.2 A EMPRESA NO DIREITO SOCIETÁRIO
As atividades econômicas podem ser organizadas por meio da celebração
de contratos entre os indivíduos interessados e um único ente, a empresa, que
funciona como feixe de contratos para esses indivíduos, ou seja, como agente
subscritor de contratos específicos com cada um deles
30
. Diversas formas jurídi-
cas podem ser adotadas para regular a atividade empresarial, segundo a conve-
29
Essa conclusão toma por base um modelo ideal e não significa que, em determinadas situações, o
controle da empresa seja alocado fora da esfera dos seus proprietários. Sobre o tema, veja-se G. Mitu
G
ULATI
, William A.
K
LEIN
e Eric M
Z
OLT
, Connected Contracts, UCLA Law Review, n. 47, 2000.
Disponível em www.ssrn.com.
30
No presente ensaio, adota-se um conceito extraído da teoria econômica para avaliar o desenvolvi-
mento da atividade empresarial sob forma societária. Na teoria jurídica, a empresa costuma ser anali-
sada sob os quatro perfis sintetizados no clássico estudo de Alberto A
SQUINI
. No perfil subjetivo, i-
dentifica-se a empresa com o empresário, ou seja, a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que
exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada para produzir bens ou serviços para
troca. A noção, extraída do artigo 2.082 do Codice Civile italiano, encontra-se reproduzida no artigo
966 do Código Civil brasileiro. No perfil funcional, a empresa aparece como atividade empresarial
dirigida para um determinado escopo produtivo”, ou seja, “voltada, de um lado, a recolher e organizar
a força de trabalho e o capital necessários para a produção ou distribuição dos determinados bens ou
serviços, e de outro, a realizar a troca dos bens ou serviços colhidos ou produzidos.” No perfil objeti-
vo, enfatiza-se que “o exercício da atividade empresarial lugar à formação de um complexo de re-
lações jurídicas que tem por centro o empresário” e sublinha-se que “o fenômeno econômico da em-
presa, projetado sobre o terreno patrimonial, lugar a um patrimônio especial distinto, por seu esco-
po, do restante do patrimônio do empresário”. Por um lado, Alberto A
SQUINI
registra que esse patri-
mônio especial do empresário recebe o nome de estabelecimento, como universitas iurium, e, nessa
acepção, significa patrimônio aziendal. Por outro lado, informa que o estabelecimento indica, mais
precisamente, não o complexo de relações jurídicas que constitui o patrimônio aziendal, mas o com-
plexo de bens (materiais e imateriais, móveis e imóveis) que são instrumentos utilizados pelo empre-
sário no exercício da sua atividade empresarial. Nessa segunda acepção, o estabelecimento é entendi-
do como universitas rerum e considerado como uma unidade econômica, mas o jurídica. Nesse
complexo de relações jurídicas destacam-se as que envolvem o empresário e seus empregados, que
formam o perfil corporativo da empresa, entendida, nesse sentido, como organização de pessoas coor-
denadas pelo empresário para uma finalidade comum (cf. Perfis da Empresa, Revista de Direito Mer-
cantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 104, 1996, pp. 109-126).
niência dos agentes econômicos interessados
31
. A mais operacional é a constitu-
ição de uma sociedade, que permite à empresa atuar como sujeito de direitos e
obrigações
32
. No presente ensaio, a análise empreendida estará centrada na es-
trutura jurídica da sociedade empresária
33
, especialmente da sociedade anônima,
na qual a propriedade da empresa é atribuída aos sócios, prestadores de capi-
tal
34
.
2.2.1 O ATO CONSTITUTIVO NA SOCIEDADE EMPRESÁRIA
Na linguagem jurídica, o termo sociedade é utilizado para designar dois
institutos distintos. Em primeiro lugar, o negócio jurídico por meio do qual se
31
Nesse sentido, confira-se o exemplo de Fábio U
LHOA
C
OELHO
: Imagine-se, para ilustrar, que dois
engenheiros de diferentes especialidades identificam, no mercado, a demanda por serviços de consul-
toria técnica, que depende do conhecimento de ambas as áreas de especialização. (...). Considerem-se,
então, as seguintes hipóteses de exploração dessa oportunidade: a) acertam, oralmente, que desenvol-
verão o trabalho conjunto de consultoria, definindo caso a caso os honorários de cada um, a serem pa-
gos pelo contratante; b) firmam instrumento escrito, obrigando-se a subcontratar um ao outro, na hi-
pótese de serviço relacionado à consultoria conjunta, fixando desde logo a remuneração; c) constituem
uma sociedade para a prestação do serviço. (Curso de Direito Comercial, vol. 2, 3ª ed., São Paulo, Sa-
raiva, 2000, pp. 3-4).
32
Nesse sentido, confira-se a lição de Henry H
ANSMANN
e Reinier K
RAAKMAN
: As an economic
entity, a firm fundamentally serves as a nexus of contracts: a single contracting party that coordinates
the activities of suppliers of inputs and of consumers of products and services. The first and most
important contribution of corporate law, as other forms of organizational law, is to permit a firm to
serve this role by providing for the creation of a legal person a contracting party distinct from the
various individuals who own or manage the firm, or are suppliers or customers of the firms.” (What is
Corporate Law? in The Anatomy of Corporate Law, Oxford-New York, Oxford University Press,
2004, pp. 6-7).
33
No direito brasileiro, a distinção entre sociedades empresárias e sociedades simples faz-se em razão
do objeto social. Enquanto as sociedades empresárias têm por objeto o exercício de atividades empre-
sariais, ou seja, atividades organizadas para a produção ou circulação de bens ou serviços, as socieda-
des simples têm por objeto o exercício de atividades intelectuais, científicas, literárias ou artísticas.
Independentemente do objeto, porém, consideram-se empresárias as sociedades por ações e simples as
sociedades cooperativas.
34
O termo propriedade é aqui utilizado em sentido econômico e não jurídico e refere-se à situação da
pessoa que possui as prerrogativas de controlar a empresa e apropriar-se dos seus lucros. Nas socieda-
des empresárias, essas prerrogativas decorrem da titularidade de participações societárias. Estruturas
societárias, contudo, como se verá no capítulo seguinte, proporcionam a separação, em maior ou me-
nor grau, entre essas duas prerrogativas, separação essa que tem sido tratada sob a rubrica dissociação
entre propriedade e controle.
constitui um ente que passa a atuar, perante a ordem jurídica, como sujeito de
direitos e obrigações. Embora a formação do ente societário seja o elemento di-
ferencial da constituição de uma sociedade, tal idéia não está, sequer de passa-
gem, expressa no artigo 981 do Código Civil brasileiro, que preceitua que “ce-
lebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a con-
tribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e parti-
lha, entre si, dos resultados.”
35
Além de não mencionar a criação do ente societário, o conceito legal li-
mita-se a descrever os elementos do contrato de sociedade
36
, que não é a única
forma de constituição de uma sociedade. De fato, a sociedade anônima subsidiá-
ria integral de uma única sociedade acionista, prevista no artigo 251 da Lei das
S/A, pode ser constituída por negócio jurídico unilateral. Assim sendo, seguindo
a lição de Alfredo de A
SSIS
G
ONÇALVES
N
ETO
, no sentido de ato constitutivo
parece mais apropriado empregar o termo sociedade como
negócio jurídico destinado a constituir um sujeito de direito, distinto daquele ou da-
queles que o produziram, com patrimônio e vontade próprios, para atuar na ordem ju-
rídica como novo ente, como um organismo, criado para a realização de uma finalida-
35
A doutrina distingue a causa-função da causa-motivo do negócio jurídico. Enquanto a primeira ex-
prime a função econômico-social do negócio jurídico, a segunda exprime os motivos individuais, atí-
picos e ulteriores que levam os indivíduos a celebrá-lo. A causa-função do contrato de sociedade não
se circunscreve a um fato simples e unitário, mas forma um fenômeno complexo e progressivo, identi-
ficado numa seqüência teleológica de três elementos fundamentais: a) a constituição de uma socieda-
de; b) o exercício de certa atividade econômica; e c) a partilha dos resultados decorrentes. Sobre o te-
ma, considerando as peculiaridades do direito português, veja-se Jorge Henrique P
INTO
F
URTADO
,
Curso de Direito das Sociedades, 4ª ed., Coimbra, Almedina, 2001, pp. 197-201.
36
Sob o aspecto estrutural, o contrato de sociedade é um contrato plurilateral, que possui duas especi-
ficidades marcantes em relação aos contratos bilaterais. Em primeiro lugar, as alterações dos contratos
de sociedade são regidas pelo princípio majoritário, inaplicável aos contratos bilaterais. Em segundo
lugar, dos contratos de sociedade podem participar mais de duas partes, possibilidade excluída nos
contratos bilaterais. Sob o aspecto funcional, por outro lado, o contrato de sociedade é um contrato de
organização, que visa à criação de uma organização e, nesse sentido, diferencia-se dos contratos de
permuta, que visam uma distribuição de bens e direitos entre os contratantes. Sobre o tema, veja-se
Tullio
A
SCARELLI
, O Contrato Plurilateral, in Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Compa-
rado, Campinas, Bookseller, 2001, pp. 372-452.
de econômica específica ou, mais precisamente, para a prática de atos da vida civil,
necessários a preencher os fins econômicos que justificaram a sua celebração.
37
A noção de negócio jurídico vincula a formação do ente societário a uma
ação humana destinada à produção de determinado resultado e afasta outras fi-
guras que podem surgir sem atuação da vontade ou sem intenção de produzir
um resultado específico, como a comunhão ou o condomínio. Por outro lado,
admite a possibilidade de constituição por vontade unilateral ou plurilateral. A
noção de criação de um sujeito de direito, com patrimônio e vontade próprios,
por sua vez, denota a particularidade mais acentuada do ato constitutivo da soci-
edade, que o diferencia de outros negócios jurídicos em que se reúnem esforços
para um empreendimento comum, mas não se cria um novo sujeito de direito,
como os consórcios ou grupos de sociedades. A noção de finalidade econômica,
por fim, separa o ato constitutivo da sociedade daqueles negócios jurídicos ce-
lebrados para a criação de outros sujeitos de direito, como as fundações e asso-
ciações, que possuem finalidades distintas
38
.
37
Lições de Direito Societário, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2002, p. 8.
38
Idem, ibidem, pp. 8-9. Na noção de finalidade econômica não se insere, necessariamente, a finalida-
de lucrativa. Embora constitua um elemento natural do ato constitutivo da sociedade, a finalidade lu-
crativa não configura um elemento essencial. As sociedades cooperativas, por exemplo, não possuem
finalidade lucrativa, mas destinam-se a proporcionar vantagens econômicas aos cooperados, por meio
do fornecimento de bens ou serviços. No direito brasileiro, o artigo da Lei 5.764/71 dispõe, de
forma expressa, que as sociedades cooperativas não possuem objetivo de lucro. No direito francês, a
questão do intuito lucrativo como fator de distinção entre a sociedade e a associação foi discutida no
célebre caso da Caisse Rurale de la Commune de Manigod, que concedida crédito a taxas reduzidas a
seus associados e foi considerada pela Cour de Cassation como uma associação. A decisão foi bastan-
te criticada e, desde a alteração do Code Civil francês promovida pela Lei de 4 de janeiro de 1988,
considera-se sociedade a organização constituída pour procurer à ses membres un gain pécuniaire ou
matériel qu’ils se partageront e associação a organização constituída à des fins desinteressès sans
recherche d’un avantage matériel. Além disso, a lógica e a estrutura dos grupos societários exige,
muitas vezes, a existência de sociedades que não têm por função a obtenção e distribuição de lucros.
No interior dos grupos societários, existem sociedades que apenas estruturam partes ou setores de uma
ou mais empresas e têm por objetivo exclusivo a obtenção de sinergias funcionais. Sobre o tema, veja-
se Pedro Pais de
V
ASCONCELOS
, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, Coimbra, Alme-
dina, 2005, pp. 25-28.
A particularidade do ato constitutivo da sociedade, portanto, é permitir
que a empresa, enquanto feixe de contratos para os indivíduos interessados na
realização da atividade econômica, funcione como agente subscritor dos contra-
tos celebrados com esses indivíduos. O elemento diferencial do ato constitutivo
da sociedade, unilateral ou plurilateral, não está na coincidência de interesses de
uma pluralidade de partes, mas na criação de um ente que atua como sujeito de
direitos e obrigações
39
. Isso não significa, todavia, que nas sociedades formadas
por contrato plurilateral seja desnecessária a existência de interesses convergen-
tes dos contratantes. Embora a pluralidade de partes não seja algo essencial à
sociedade, nem o elemento diferencial do seu ato constitutivo, em sendo esta
constituída por contrato plurilateral, deve necessariamente haver uma finalidade
comum entre os contratantes
40
.
39
Cf., em sentido semelhante, Calixto
S
ALOMÃO
F
ILHO
, O Novo Direito Societário, cit., p. 43. Para
chegar à conclusão de que a criação de uma organização constitui o elemento diferencial do contrato
de sociedade, o autor parte da diferença entre os contratos associativos, que tem por objeto a criação
de uma organização, e os contratos de permuta, que tem por objeto a criação de direitos subjetivos en-
tre as partes contratantes. Inicialmente empregada para explicar a natureza jurídica do ato constitutivo
da sociedade unipessoal (cf. A Sociedade Unipessoal, São Paulo, Malheiros, 1995, pp. 57-61), a teoria
do contrato-organização passou também a ser utilizada pelo autor para explicar a natureza jurídica do
ato constitutivo das sociedades pluripessoais. Há, contudo, uma diferença significativa entre os dois
casos: enquanto na constituição unilateral não há, realmente, necessidade de interesses convergentes,
pois não existe pluralidade de partes, na constituição plurilateral deve necessariamente haver conver-
gência de interesses, no mínimo, quanto ao desenvolvimento da atividade econômica prevista como
objeto social da sociedade. Assim sendo, permanece válida a lição de Tullio A
SCARELLI
de que os
contratos plurilaterais são contratos com comunhão de escopo, nos quais os interesses contrastantes
das partes contratantes são unificados por uma finalidade comum. Nos contratos plurilaterais, o con-
ceito de escopo configura-se em cada caso concreto e constitui o elemento que determina o alcance
dos direitos e deveres das partes contratantes (cf. O Contrato Plurilateral, cit., pp. 394-395).
40
Nos termos do artigo 980 do Código Civil brasileiro, dois fins animam o contrato de sociedade: o
exercício de uma atividade econômica e a partilha dos resultados obtidos. Enquanto o fim imediato da
sociedade corresponde à atividade econômica definida como objeto social, o fim mediato corresponde
à partilha dos resultados obtidos, em regra identificados com os lucros. Não obstante, embora seja um
objetivo normal, o fim lucrativo não constitui um elemento essencial do contrato de sociedade, como
destaca Jorge Henrique P
INTO
F
URTADO
: “O fim lucrativo é, na verdade, apenas um objectivo normal,
no contrato de sociedade, não um elemento essencial do conceito de sociedade. Se é apodíctico que,
geralmente, as sociedades se destinam à produção de lucros, também por outro lado não podemos re-
cusar que algumas instituições constituem verdadeiras sociedades e, todavia, não têm por objecto a
sua realização.” (Curso de Direito das Sociedades, cit., p. 137).
2.2.2 A SOCIEDADE EMPRESÁRIA COMO PESSOA JURÍDICA
Em segundo lugar, o termo sociedade designa o próprio ente criado pelo
ato constitutivo, ou seja, o sujeito de direito que, dando uma estrutura jurídica à
empresa, funciona como agente subscritor dos contratos firmados com os diver-
sos interessados no desenvolvimento da atividade econômica sob forma empre-
sarial. Nesse sentido,
sociedade é a organização resultante de um negócio jurídico produzido pela formação
da vontade de uma ou várias pessoas, para se interpor nas relações entre elas e tercei-
ros, que o ordenamento chancela como modo de preencher uma determinada função –
qual seja, a de facilitar a prática de atos ou negócios jurídicos voltados à realização de
certos fins econômicos por elas pretendidos.
41
Perante a ordem jurídica, a sociedade passa a atuar como sujeito de direi-
to e o conjunto de relações economicamente apreciáveis que compõe o patrimô-
nio empresarial passa a constituir o patrimônio da pessoa jurídica criada com a
personificação da sociedade
42
. A personificação societária, portanto, é um expe-
diente técnico que viabiliza o compartilhamento dos riscos derivados do exercí-
cio da atividade empresarial e a limitação desses riscos a um determinado pa-
trimônio.
41
Alfredo de A
SSIS
G
ONÇALVES
N
ETO
, Lições de Direito Societário, cit., p. 9.
42
No regime do Código Civil brasileiro, o artigo 44, II atribui personalidade jurídica às sociedades,
cuja existência legal, na forma do caput do artigo 45, inicia-se com a inscrição do ato constitutivo no
registro apropriado. Enquanto não inscrito o ato constitutivo, as sociedades regem-se pelo disposto
nos artigos 986 a 990, à exceção das sociedades por ações em organização, regidas pela Lei das S/A.
Assim sendo, salvo nas hipóteses de sociedades não levadas a registro apropriado (artigos 986 a 990)
ou sociedade em conta de participação (artigos 991 a 996), a constituição de uma sociedade importará
a criação de uma pessoa jurídica.
O papel da pessoa jurídica é instrumental à centralização das relações e-
conômicas que integram a atividade empresarial, assim como instrumental é a
sua qualificação legal como sujeito de direito
43
.
Essa matriz de raciocínio encontra-se, fundamentalmente, na construção
teórica da pessoa jurídica como regula iuris, formulada por Tullio A
SCARELLI
e
bem sintetizada por Fábio Konder C
OMPARATO
:
Para Ascarelli, as teorias tradicionais sobre a pessoa jurídica partem de um pressupos-
to errôneo e chegam, por isso mesmo, a conclusões inaceitáveis. Elas admitem, todas,
que a expressão “pessoa jurídica” se refira a um dado normativo unívoco, ou, o que é
pior, a uma realidade pré-jurídica. Em conseqüência, concluem que se trata de um ins-
tituto análogo ao de pessoa física, uma espécie do gênero “pessoa”, reconhecida como
tal pelo legislador ou por ele assim considerada, ficticiamente. Assim, ao lado dos
homens de carne e osso, haveria uma espécie de macro-antropóides, igualmente dota-
dos de personalidade.
Ora, não existem em direito interesses e relações que não digam respeito unicamente
aos homens. Por conseguinte, toda a disciplina jurídica concernente às pessoas jurídi-
cas reduz-se, finalmente, a uma disciplina de interesses dos homens que as compõem,
uomini nati da ventre di donna, como enfatizava. (...).
....................
Tudo isso demonstra, para Ascarelli, que a expressão “pessoa jurídica” designa ape-
nas um complexo de normas jurídicas com um mesmo centro de imputação. Ela nada
mais é do que a expressão abreviada desse conjunto de normas. O que não significa
acrescenta negar, mas, ao contrário, acentuar o valor instrumental dessa noção en-
43
Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, Controle não Societário, Rio de Janeiro, Renovar, 2004, pp. 53-56.
Nesse sentido, sobre a personificação societária como sanção positiva, veja-se, Marçal
J
USTEN
F
ILHO
,
Desconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro. São Paulo, Revista dos Tribu-
nais, 1987, pp. 46-51. Em sentido contrário, sustentando a existência pré-normativa das pessoas jurí-
dicas, veja-se J. Lamartine C
ORRÊA DE
O
LIVEIRA
, A Dupla Crise da Pessoa Jurídica. São Paulo, Sa-
raiva, 1979, pp. 606-608. Embora faça distinção entre o empresário (pessoa física) e a sociedade em-
presária (pessoa jurídica), o Código Civil brasileiro atribui a qualidade de sujeito de direito a ambos.
O caput do artigo 966 do Código Civil brasileiro considera empresário “quem exerce profissional-
mente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços”, sujei-
tando-o a registro próprio (artigos 967 e 968). O artigo 982, por sua vez, considera sociedade empre-
sária aquela que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro. Em
sentido jurídico, os sócios de uma sociedade empresária não podem ser considerados empresários. Se-
rão empreendedores, quando, além do investimento de capital, forem responsáveis pela concepção e
condução do negócio, ou investidores, quando contribuírem apenas com capital para o desenvolvi-
mento da empresa. Sobre essa distinção, veja-se Fábio U
LHOA
C
OELHO
, Curso de Direito Comercial,
vol. 2, cit., pp. 5-6 e 271-273.
quanto indicação de situações subjetivas, ditadas para os homens que compõem essas
pessoas jurídicas.
44
Não se nega, por conseguinte, a subjetividade da pessoa jurídica, mas a-
penas se coloca essa subjetividade no plano jurídico-instrumental
45
, pois “en-
xergar na pessoa jurídica uma subjetividade em senso ontológico faz olvidar a
realidade de que a condução e a determinação de conteúdo das relações jurídi-
cas nela estocadas são fixadas por quem, por efeito do princípio majoritário ou
por outra forma de controle, apresenta condições de fazê-lo”
46
. Destarte, no que
se refere à aplicação atual ao fenômeno da empresa, não se pode ver na pessoa
jurídica algo mais que um expediente jurídico apto a disciplinar as relações e-
xistentes entre os diversos agentes econômicos interessados no desenvolvimento
da atividade empresarial
47
. Interessa, por conseguinte, avaliar a estrutura jurídi-
ca da sociedade empresária.
44
O Poder de Controle na Sociedade Anônima, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2005, pp. 334-336.
45
Nesse sentido, destaca Jorge Manuel C
OUTINHO DE
A
BREU
: “Produto da técnica jurídica, abstraindo
de considerações éticas, sociais e político-gerais, não baseando nos substratos meta-jurídicos o seu es-
pecífico modo de ser, a personalidade colectiva é expediente utilizável por uma série de diferenciadas
organizações, pelo qual a ordem jurídica atribui às mesmas a qualidade de sujeitos de direito, de autó-
nomos centros de imputação de efeitos jurídicos.” (Da Empresarialidade: As Empresas no Direito,
Coimbra, Almedina, 1999, p. 198).
46
Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, Controle não Societário, cit., p. 58.
47
A referência à aplicação atual ao fenômeno da empresa deve-se ao fato de que o conceito de pessoa
jurídica não é fixo e imutável, mas altera-se segundo circunstâncias de tempo e lugar. Nesse sentido,
veja-se Marçal J
USTEN
F
ILHO
, Desconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro,
cit., pp. 18-45; e Calixto S
ALOMÃO
F
ILHO
, Sociedade Anônima: Interesse Público e Privado, Revista
de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 127, 2002, pp. 7-20.
2.3 A ESTRUTURA JURÍDICA DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA
A atribuição da qualidade de sujeito de direito à sociedade empresária
pressupõe a formação de uma estrutura organizacional autônoma, destinada a
exprimir a vontade da pessoa jurídica, e implica o reconhecimento de um patri-
mônio próprio da pessoa jurídica, distinto do patrimônio individual dos seus só-
cios. A estrutura jurídica da sociedade empresária, por conseguinte, é composta
por uma estrutura organizacional e por uma estrutura patrimonial.
2.3.1 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL
A característica fundamental do ato constitutivo da sociedade é a criação
de um ente jurídico, que permite à empresa atuar como sujeito de direitos e o-
brigações. Os vínculos contratuais formados no curso da atividade empresarial
são estabelecidos entre os fornecedores de insumos e compradores de produtos
da empresa e a própria sociedade empresária, pessoa jurídica. Os cios não
participam dessas relações contratuais, mas apenas a sociedade empresária, na
condição de agente subscritor dos contratos necessários para o desenvolvimento
da atividade empresarial.
Assim, é a própria sociedade empresária que figura como parte, por e-
xemplo, nos contratos de compra dos insumos da empresa, nos contratos de for-
necimento e distribuição dos produtos da empresa e nos contratos de trabalhos
celebrados com os empregados da empresa. Nesses casos, em sentido jurídico,
compradora, fornecedora ou empregadora será a sociedade empresária, e não os
seus sócios.
A sociedade empresária é constituída com o objetivo de desenvolver de-
terminadas atividades econômicas e a consecução desse objetivo pressupõe a
formação de uma estrutura organizacional destinada a exprimir a vontade da
pessoa jurídica
48
. São os órgãos sociais que, nesse contexto, exercem o papel de
manifestar a vontade da pessoa jurídica
49
. É evidente que somente pessoas físi-
cas, integrantes dos órgãos sociais, irão formar a expressão da vontade da pes-
soa jurídica, mas essas pessoas físicas, enquanto participantes dos órgãos soci-
ais, perdem a sua individualidade e passam a ser vistas como peças da engrena-
gem da pessoa jurídica
50
.
Na sociedade anônima, regida pela Lei das S/A, os órgãos sociais são do-
tados de poderes-funções específicos, estipulados em lei, que não admitem de-
legação. O órgão de deliberação expressa a vontade da companhia, o órgão de
execução realiza a vontade da companhia e órgão de controle fiscaliza a execu-
ção da vontade da companhia
51
. A assembléia geral é o órgão deliberativo da
companhia, que expressa a vontade social; o conselho de administração e a dire-
toria são os órgãos executivos da companhia, competentes para executar a von-
48
Eduardo Secchi
M
UNHOZ
, Empresa Contemporânea e Direito Societário: Poder de Controle e
Grupos de Sociedades, cit., pp. 76-77.
49
Nesse sentido, a lição de Alfredo de A
SSIS
G
ONÇALVES
N
ETO
: “Para desenvolver as atividades que
justificam sua existência perante o direito, a sociedade, como pessoa de existência incorpórea, neces-
sita de órgãos que a orientem, que a administrem e que legalmente a representem nas suas relações
com terceiros. Com esse propósito, as leis prevêem uma forma básica de organização de cada tipo so-
cietário, normalmente traçando normas para a atuação de pessoas físicas que as dirigem, admitindo
administração colegiada e, eventualmente, por meio de órgãos de deliberação e de fiscalização, com
ampla flexibilidade para os sócios disporem a respeito.” (Lições de Direito Societário: Sociedade A-
nônima, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2005, p. 147).
50
Alfredo de A
SSIS
G
ONÇALVES
N
ETO
, Lições de Direito Societário, cit., pp. 24-25. Isso não signifi-
ca, no entanto, que não existe relação juridicamente relevante entre as pessoas físicas que integram os
órgãos sociais e a pessoa jurídica cuja vontade é expressa pelos órgãos sociais. Se a pessoa física inte-
grante do órgão social não for sócio ou acionista da sociedade, com efeito, haverá vínculo jurídico de
prestação de serviços entre ambos. Nesse sentido, veja-se Alfredo de A
SSIS
G
ONÇALVES
N
ETO
, Li-
ções de Direito Societário: Sociedade Anônima, cit., pp. 150-156.
51
Rubens
R
EQUIÃO
, Curso de Direito Comercial, 2° vol., 21ª ed., São Paulo, Saraiva, 1998, p. 152.
tade social; e o conselho fiscal é o órgão de controle da companhia, que fiscaliza
a condução dos negócios sociais
52
.
Em certa medida, portanto, reproduz-se no direito societário a divisão de
poderes própria do direito constitucional, com o consectário da indelegabilida-
de. A organização interna da sociedade anônima não é deixada à livre decisão
dos seus fundadores ou acionistas, mas expressamente discriminada pela lei,
que atribui poderes-funções específicos a cada órgão social: “o poder-função
deliberante à assembléia geral, o poder-função administrativo à diretoria, o po-
der-função sindicante ao conselho fiscal”. A liberdade negocial dos particulares
na organização da companhia, por conseguinte, é limitada por essa estrutura
fundamental
53
.
Essa organização básica da sociedade anônima costuma ser semelhante
nos diversos países, tanto de civil law como de common law. Há um órgão dota-
do de poder deliberativo (assembléia geral, general meeting of shareholders,
assemblée génerale, assemblea degli azionisti, Hauptversammlung), um órgão
dotado de poder diretivo (conselho de administração/diretoria, board of
directors, conseil d’administration, consiglio d’amministrazioni, Vorstand) e
52
A estrutura organizacional das sociedades limitadas está regulada no Código Civil, que reduziu a
autonomia da vontade anteriormente prevista no Decreto 3.708/1919. As deliberações dos sócios
são tomadas em reuniões ou assembléias, conforme previsto no contrato social (artigos 1.071 e
1.072). As deliberações em assembléia são obrigatórias nas sociedades limitadas com mais de dez -
cios. Tanto as reuniões quanto as assembléias, no entanto, tornam-se dispensáveis quando todos os
sócios decidirem, por documento escrito, sobre a matéria que seria objeto de deliberação. A adminis-
tração da sociedade pode ser atribuída a uma ou mais pessoas, designadas no contrato social ou em
ato separado. Os administradores são nomeados e destituídos pelos sócios, admitindo-se a nomeação
de administradores não sócios, desde que haja previsão no contrato social e aprovação pelos sócios,
respeitado o quorum qualificado previsto em lei (artigo 1.061). Os poderes dos administradores são
estipulados no contrato social e devem observar e limitadas pelas matérias que dependem de delibera-
ção dos sócios. No silêncio do contrato, desde que observado o objeto social, os administradores po-
dem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade. O conselho fiscal pode ser instituído por
previsão no contrato social.
53
Fábio Konder
C
OMPARATO
, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., pp. 30-31.
um órgão dotado de poder fiscalizador (conselho fiscal, board of auditors,
commissaires aux comptes, collegio sindicale)
54
.
A assembléia geral é o órgão deliberativo que reúne todos os acionistas
da companhia, com ou sem direito a voto, e tem poderes para decidir todos os
negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar
convenientes à sua defesa e desenvolvimento” (artigo 121). Os estatutos sociais,
em razão da atribuição de vantagens econômicas às ações preferenciais, costu-
mam suprimir dos seus titulares o direito de voto, ou restringi-lo a hipóteses es-
pecíficas. Em regra, portanto, o colégio eleitoral da assembléia geral será com-
posto, basicamente, por acionistas titulares de ações ordinárias, sendo apenas
excepcionalmente computados os votos dos acionistas preferencialistas, nas si-
tuações expressamente previstas em lei ou no estatuto social.
O conselho de administração e a diretoria são os órgãos de administração
da companhia. O conselho de administração
55
é um órgão de deliberação colegi-
ada, obrigatório nas companhias abertas, nas companhias de capital autorizado e
nas sociedades de economia mista, mas facultativo nas companhias fechadas de
capital não autorizado, que possui competência para deliberar sobre qualquer
54
Eduardo Secchi
M
UNHOZ
, Empresa Contemporânea e Direito Societário: Poder de Controle e
Grupos de Sociedades, cit., p. 78.
55
Os membros do conselho de administração devem ser acionistas ou, excepcionalmente, empregados
da companhia. A menos que sejam representantes dos empregados, eleitos na forma do parágrafo úni-
co do artigo 140 da Lei das S/A, os membros do conselho de administração são escolhidos e podem
ser destituídos ad nutum pela assembléia geral. Em junho de 2002, a Comissão de Valores Mobiliários
editou uma cartilha intitulada Recomendações da CVM sobre Governança Corporativa. Em relação
ao conselho de administração, consta a seguinte recomendação: “O conselho de administração deve
atuar de forma a proteger o patrimônio da companhia, perseguir a consecução de seu objeto social e
orientar a diretoria a fim de maximizar o retorno do investimento, agregando valor ao empreendimen-
to. O conselho de administração deve ter de cinco a nove membros tecnicamente qualificados, com
pelo menos dois membros com experiência em finanças e responsabilidade de acompanhar mais deta-
lhadamente as práticas contábeis adotadas. O conselho deve ter o maior número possível de membros
independentes da administração da companhia. Para companhias com controle compartilhado, pode se
justificar um número superior a nove membros. O mandato de todos os conselheiros deve ser unifica-
do, com prazo de gestão de um ano, permitida a reeleição.”
assunto de interesse da companhia, salvo aqueles de competência privativa da
assembléia geral
56
. No caso de inexistência do conselho de administração, por-
tanto, as suas atribuições competem à assembléia geral. Na medida em que ori-
enta a condução dos negócios sociais e fiscaliza a atuação da diretoria, o conse-
lho de administração constitui-se em órgão deliberativo e fiscalizador
57
.
A diretoria
58
é o órgão de representação legal da companhia e execução
das deliberações da assembléia geral e do conselho de administração. Ao con-
trário do conselho de administração, a diretoria não é um órgão colegiado per-
manente, pois os diretores possuem poderes individuais para exercer suas fun-
ções. A exata compreensão dos poderes dos diretores pressupõe a distinção en-
tre representação e gestão, bem destacada por Modesto C
ARVALHOSA
:
Representação é o poder manifestar externamente, em relação a terceiros, a vontade
social. Gestão é o poder de deliberação e decisão dos administradores.
O poder de decisão cabe aos diretores individualmente, consoante discriminação esta-
tutária. O poder de deliberação cabe aos conselheiros colegiadamente, por meio de re-
união em que se decida a matéria, por maioria absoluta ou qualificada. O poder de de-
liberação cabe ordinariamente ao Conselho de Administração (art. 140) e, sobre al-
gumas matérias, também aos diretores (art. 143, §2°). O poder de decisão é disjunti-
vamente reservado aos diretores e assim também o de representação, consoante dis-
criminação estatutária.
O poder de representação é mais amplo que o de gestão, pois aquele compreende
também a execução das decisões e deliberações que são manifestações de vontade
surgidas no âmbito interno da companhia e que, na maioria dos casos, tornam-se efi-
cazes mediante o exercício da representação.
56
Nesse sentido, veja-se Fábio U
LHOA
C
OELHO
, Curso de Direito Comercial, vol. 2, cit., p. 214.
57
Nesse sentido, veja-se Flávia
P
ARENTE
, O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades
Anônimas, Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 9.
58
A diretoria deve ser composta por dois ou mais diretores, acionistas ou não, residentes no país, elei-
tos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração ou, se inexistente, pela assembléia
geral. O estatuto social deve estabelecer o número de diretores, ou o máximo e o mínimo permitidos,
o modo de sua substituição e as atribuições e poderes de cada diretor (artigos 143 e 146). Os membros
do conselho de administração, até o máximo de um terço, podem ser eleitos para cargos de diretoria
(artigo 143, §1°).
Por outro lado, as decisões e as deliberações não pressupõem representação, ao passo
que esta última requer, necessariamente, uma vontade social que a legitime.
59
Aos diretores, portanto, além da função privativa de representação da
companhia, podem ser atribuídos poderes de gestão pelo estatuto social, desde
que respeitadas as competências da assembléia geral e do conselho de adminis-
tração. O estatuto social pode estabelecer, contudo, que “determinadas decisões,
de competência dos diretores, sejam tomadas em reunião da diretoria” (artigo
143, §2°).
O conselho fiscal
60
é o órgão da companhia responsável pelo controle das
atividades sociais, cuja função principal consiste na fiscalização e acompanha-
mento da gestão da empresa, relativamente à legalidade e à regularidade dos a-
tos praticados pela administração (artigo 163). A fiscalização exercida pelo con-
selho fiscal diferencia-se daquela exercida pelo conselho de administração, pois
se limita a uma análise formal da gestão da empresa, relativa à legalidade e à
adequação contábil dos atos da administração, sem apreciação da economicida-
de das suas decisões ou incursão na ponderação da conveniência ou oportunida-
de dos negócios sociais
61
. Enquanto órgão de assessoramento da assembléia ge-
59
Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, vol. 3, São Paulo, Saraiva, 1997, pp. 146-147.
60
O conselho fiscal deve ser composto por, no mínimo, três e, no máximo, cinco membros, e suplen-
tes em igual número, eleitos pela assembléia geral, acionistas ou não, residentes no país, diplomadas
em curso de nível universitário ou que tenham exercido, por prazo mínimo de três anos, cargo de ad-
ministrador de empresa ou de conselheiro fiscal (artigos 161, §1° e 162). A cartilha Recomendações
da CVM sobre Governança Corporativa, editada pela Comissão de Valores Mobiliários, contém a se-
guinte recomendação sobre a composição e funcionamento do conselho fiscal: “O conselho fiscal de-
ve ser composto por, no mínimo, três e, no máximo, cinco membros. Os titulares de ações preferenci-
ais e os titulares de ações ordinárias, excluído o controlador, terão direito de eleger igual número de
membros eleitos pelo controlador. O controlador deve renunciar ao direito de eleger sozinho o último
membro (terceiro ou quinto membro), o qual deverá ser eleito pela maioria do capital social, em as-
sembléia na qual a cada ação corresponda um voto, independente de sua espécie ou classe, incluindo
as ações do controlador. O conselho fiscal deve adotar um regimento com procedimentos sobre suas
atribuições, com foco no relacionamento com o auditor, e que não limite a atuação individual de ne-
nhum conselheiro.”
61
Cf. Fábio U
LHOA
C
OELHO
, Curso de Direito Comercial, vol. 2, cit., pp. 228-229; e Flávia
P
AREN-
TE
, O Dever de Diligência dos Administradores de Sociedades Anônimas, cit., pp. 16-17.
ral, de existência obrigatória, mas funcionamento facultativo
62
, o conselho fiscal
“revela aos acionistas o comportamento dos administradores e o andamento dos
negócios da companhia.”
63
2.3.2 ESTRUTURA PATRIMONIAL
A atribuição da qualidade de sujeito de direito à sociedade empresária,
conforme referido, além de pressupor uma estrutura organizacional autônoma,
destinada a exprimir a vontade social, implica o reconhecimento da existência
de um patrimônio próprio da sociedade empresária, distinto do patrimônio indi-
vidual dos seus sócios. A separação patrimonial entre a sociedade empresária e
os seus sócios, portanto, importa a autonomia dos elementos ativos e passivos
que compõem o patrimônio social
64
. Os sócios não têm relação jurídica com os
62
Quando não estiver em funcionamento permanente, o conselho fiscal será instalado pela assembléia
geral a pedido de acionistas que representem, no mínimo, dez por cento das ações com direito a voto
ou cinco por cento das ações sem direito a voto (artigo 161, §2°). Em relação às companhias abertas, a
Instrução Normativa CVM n° 324, de 19 de janeiro de 2000, estabelece percentuais reduzidos de par-
ticipação acionária necessária para o pedido de instalação do conselho fiscal, de acordo com o valor
do capital social.
63
Alfredo de A
SSIS
G
ONÇALVES
N
ETO
, Lições de Direito Societário: Sociedade Anônima, cit., p. 218.
64
Essa autonomia patrimonial não é uniforme em todos os tipos societários, conforme destaca Fábio
Konder C
OMPARATO
: “Essa separação patrimonial comporta graus, ela não é idêntica e uniforme em
todos os casos. Mais acusada nas sociedades anônimas, em que o acionista não responde pelos débitos
sociais, apresenta-se, ao contrário, mais atenuada naqueles tipos societários em que uma categoria de
sócios, ou todos eles, respondem pelas dívidas das sociedades.” (O Poder de Controle na Sociedade
Anônima, cit., p. 352). Nas sociedades anônimas e limitadas, a regra geral é a responsabilidade exclu-
siva do patrimônio social pelas dívidas da sociedade empresária e do patrimônio dos sócios pelas suas
dívidas particulares. Não obstante, duas exceções principais a essa regra geral. Em primeiro lugar,
a responsabilidade atribuída diretamente aos sócios, em situações peculiares, por normas de direito
tributário, previdenciário e trabalhista. Em segundo lugar, as hipóteses de desconsideração da perso-
nalidade societária, previstas nos artigos 28 do Código de Defesa do Consumidor, 18 da Lei de Defesa
da Concorrência e 50 do Código Civil.
elementos ativos do patrimônio social, de titularidade da sociedade empresária,
nem com os elementos passivos, que vinculam apenas a pessoa jurídica
65
.
Os sócios contribuem para a formação do patrimônio social, transferindo
bens e recursos para a sociedade empresária. Justamente em razão dessa transfe-
rência, os sócios deixam de ser proprietários desses bens e recursos e passam a
ser titulares de participações societárias, representadas por ações da sociedade
anônima ou por quotas da sociedade limitada. Nesse sentido, a lição de Fábio
U
LHOA
C
OELHO
:
Os bens integrantes do estabelecimento empresarial, e outros eventualmente atribuí-
dos à pessoa jurídica, o de propriedade dela, e não dos seus membros. Não existe
comunhão ou condomínio dos sócios relativamente aos bens sociais; sobre estes os
componentes da sociedade empresária não exercem nenhum direito, de propriedade
ou de outra natureza. É apenas a pessoa jurídica da sociedade a proprietária de tais
bens. No patrimônio dos sócios, encontra-se a participação societária, representada
pelas quotas da sociedade limitada ou pelas ações da sociedade anônima. A participa-
ção societária, no entanto, não se confunde com o conjunto de bens titularizados pela
sociedade, nem com uma sua parcela ideal. Trata-se, definitivamente, de patrimônios
distintos, inconfundíveis e incomunicáveis os dos sócios e o da sociedade.
66
Em razão dessa separação patrimonial, por um lado, a equação entre as
receitas e despesas da empresa, da qual emergem os seus resultados econômi-
cos, realiza-se exclusivamente no âmbito da pessoa jurídica. Os riscos econômi-
cos inerentes ao desenvolvimento da atividade empresarial, por conseguinte, li-
mitam-se ao patrimônio social e não podem atingir o patrimônio pessoal dos só-
cios. Por outro lado, as dívidas pessoais dos sócios não podem atingir o patri-
mônio social e limitam-se aos seus respectivos patrimônios particulares.
65
Eduardo Secchi
M
UNHOZ
, Empresa Contemporânea e Direito Societário: Poder de Controle e
Grupos de Sociedades, cit., p. 73.
66
Curso de Direito Comercial, vol. 2, cit., pp. 5-6.
Consideradas as peculiaridades do direito norte-americano, essas duas fa-
cetas da separação patrimonial são percucientemente destacadas por Henry
H
ANSMANN
e Reinier K
RAAKMAN
nos seguintes termos:
There are two components to asset partitioning. The first is the designation of a
separate pool of assets that are associated with the firm, and that are distinct from the
personal assets of the firm’s beneficiaries and managers. In essence, this is done by
recognizing juridical persons (or, as we will usually say here, ‘legal entities’) that are
distinct form individual human beings and that can own assets in their own name.
When a firm is organized as such an entity, the assets owned by that entity become the
designated separate pool of firm assets. The second component of asset partitioning is
the assignment to creditors of priorities in the distinct pools of assets that result from
formation of a legal entity. This assignment of priorities takes two distinct forms. The
first assigns to the firm’s creditors a claim on the assets associated with the firm’s
operations that is prior to the claims of the personal creditors of the firm’s
beneficiaries. We term this affirmative asset partitioning, to reflect the notion that it
sets forth the distinct pool of firm assets as bonding assets for all the firm’s contracts.
The second form of asset partitioning is just the opposite, granting to the
beneficiaries’ personal creditors a claim on the beneficiaries’ separate personal
assets that is prior to the claims of the firm’s creditors. We term this defensive asset
partitioning, to reflect the common perception that it serves to shield the
beneficiaries’ asset from the creditors of the firms.
67
Esses dois componentes da separação patrimonial estão presentes na so-
ciedade anônima e na sociedade limitada, nas quais a separação patrimonial
permite a circunscrição de um patrimônio especial que suporta os ônus da ativi-
dade empresarial e tem como consectário a limitação de responsabilidade dos
sócios pelas dívidas sociais. Em tipos societários, com efeito, a limitação da
responsabilidade dos sócios pelas dívidas sociais liga-se à constituição de um
patrimônio autônomo, que suporta com exclusividade a ação dos credores soci-
ais.
Os credores sociais detêm pretensões fixas (fixed claims) contra a socie-
dade empresária, cuja remuneração, por ser considerada um custo da atividade
empresarial, independe da performance da empresa. Eles serão remunerados por
67
The Essential Role of Organizational Law, cit., p. 5.
valores fixos ou de variação previsível, estabelecidos previamente ao resultado
econômico da empresa. Diferentemente, os sócios, titulares de participações so-
cietárias, detêm pretensões residuais (residual claims) contra a sociedade em-
presária, cuja remuneração vincula-se à obtenção de resultados post break-even
pela empresa, ou seja, está atrelada ao seu desempenho econômico.
A estrutura de capital de uma sociedade empresária
68
resulta da combina-
ção de capital próprio, obtido por investimentos em participação societária
(equity), que geram pretensões residuais, com capital alheio, obtido por investi-
mentos em instrumentos de débito (debt), que geram pretensões fixas
69
. Os re-
cursos financeiros necessários ao desenvolvimento da atividade empresarial po-
dem ser obtidos junto a agentes do mercado financeiro, que se tornam credores
da sociedade empresária e detentores de pretensões fixas contra a pessoa jurídi-
ca, ou mediante a captação direta junto a agentes econômicos dispostos a assu-
68
A importância da tecnologia societária na modelagem da estrutura de capital da empresa é bem des-
tacada por Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
: “Valendo-se dessa tecnologia, o empresário pode, na mo-
delagem da estrutura de financiamento de sua empresa, captar recursos de agentes dispostos a assu-
mir, com ele, a parcela de risco da empresa que não será assumida por fornecedores de exigíveis. O
empresário ganha, assim, sócios, enquanto a empresa ganha novos residual claimants; e os fornecedo-
res de debt, maior segurança. (...). A adoção da forma societária permite ao empresário, portanto, fra-
cionar seu residual claim e alienar parte das frações resultantes, quer sejam representadas por quotas
sociais, quer sejam representadas por ações, sendo que as diversas condições utilizadas na modelagem
dessas frações influenciarão sua liquidez e, nessa medida, sua atratividade. A tecnologia societária,
dessa forma, abre ao empresário acesso a um segundo mercado de inputs financeiros, que, diferente-
mente dos recursos captados via debt, serão remunerados apenas com resultados post break-even,
condição que torna a captação dessa espécie de recurso uma alternativa bastante atraente ao empresá-
rio.” (Controle não Societário, cit., p. 52).
69
Sobre o tema, confira-se a lição de Alexandre M
OTA
P
INTO
: É sabido que os sócios dispõem de
um certo espaço de liberdade, ao equipar a sociedade com os meios de que carece para desenvolver a
sua actividade, espaço, esse, delimitado, antes de mais, pela seguinte opção fundamental: ou fornecem
à sociedade capital próprio, ou recorrem a capital alheio, ou de crédito. (...). De acordo com o estudo
das finanças empresariais, podemos enumerar as seguintes características distintivas do capital pró-
prio face ao capital alheio: o capital próprio fornecido à sociedade pelos sócios; a sua remuneração
não pode ser certa, dependendo da produção de lucros; permanece na sociedade por tempo indetermi-
nado, e, na falência ou liquidação da sociedade, só pode ser restituído aos sócios, depois de satisfeitos
todos os credores sociais; diversamente, o capital alheio é fornecido à sociedade por terceiros, de
forma transitória, e é remunerado de forma certa, mesmo que a sociedade não produza lucros.” (Do
Contrato de Suprimento: O Financiamento da Sociedade entre Capital Próprio e Capital Alheio, Co-
imbra, Almedina, 2002, pp. 20-22).
mir parcelas de risco na empresa, que se tornam sócios da sociedade empresária
e detentores de pretensões residuais contra a pessoa jurídica.
A modelagem das estruturas de capital das empresas será geralmente re-
sultado da combinação entre capital próprio (equity-type investments) e capital
alheio (debt-type investments) porque existe uma tendência dos agentes do mer-
cado financeiro em apenas financiar atividades empresariais que também con-
tem, em alguma medida, com investimento de capital dos sócios
70
.
Os investimentos realizados pela aquisição de participações societárias,
constituem um fenômeno interno à empresa, tecnicamente viabilizado pelo ins-
trumental da pessoa jurídica, e uma parcela peculiar do patrimônio social, jurí-
dica e contabilmente denominada capital social
71
. Inicialmente, o capital social
aparece como instituto destinado a tornar possível a limitação de responsabili-
dade dos sócios pelas dívidas sociais, por meio de um conjunto de normas in-
derrogáveis que visam tutelar esse patrimônio especial, subtraído dos bens dos
sócios para formar a base patrimonial da sociedade
72
.
Ao contrário do patrimônio, sujeito a modificações contínuas, o capital
social caracteriza-se pela fixidez. Formado pelas contribuições dos sócios, na
constituição da sociedade e por aportes posteriores, e pelas reservas geradas in-
ternamente pela empresa, durante a existência da sociedade, o capital social é
70
Nesse sentido, assinalam Michael J
ENSEN
e William M
ECKLING
: We don’t find many large firms
financed almost entirely with debt-type claims (i.e., non-residual claims) because of the effect such a
financial structure would have on the owner-manager’s behavior. Potential creditors will not loan
$100,000,000 to a firm in which the entrepreneur has an investment of $10,000. With that financial
structure the owner-manager will have a strong incentive to engage in activities (investments) which
promise very high payoffs if successful even if they have a very low probability of success. If they turn
out well, he captures most of the gains, if they turn out badly, the creditors bear most of the costs.
(Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure, cit., p. 41).
71
Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, Controle não Societário, cit., p. 61.
72
Mauro Rodrigues
P
ENTEADO
, Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas, São Paulo, Saraiva,
1988, p. 13.
representando por uma cifra somente alterável mediante a observância de pro-
cedimentos legais específicos
73
.
O montante do capital social figura no passivo do balanço da sociedade e
representa um débito com os cios que somente pode ser saldado enquanto
permanecerem, no ativo da sociedade, bens suficientes para equilibrá-lo
74
. Nes-
se sentido, o capital social funciona como uma cifra de parcial retenção perante
o patrimônio da sociedade e um índice de garantia patrimonial dos credores
75
.
Se a lei não limitasse a distribuição de bens aos sócios, com efeito, eles poderi-
am reduzir o patrimônio social por meio da retirada da sociedade de bens neces-
sários ao pagamento das suas dívidas, com evidente prejuízo aos credores
76
.
73
Cf. artigos 1.081 a 1.084 do Código Civil e artigos 166 a 174 da Lei das S/A. Na hipótese de redu-
ção do capital social, tanto da sociedade anônima quanto da sociedade limitada, ressalvados os casos
expressamente previstos, há possibilidade de oposição dos credores quirografários, nos termos dos ar-
tigos 1.084 do Código Civil e 174 da Lei das S/A.
74
Sobre a relação entre patrimônio e capital social no balanço da sociedade, destaca Alexandre M
OTA
P
INTO
: “De acordo com a técnica contabilística de divisão do balanço entre os lados activo e passivo,
o património da sociedade surge identificado no lado activo, ao passo que os capitais com que se fi-
nanciou são identificados no lado passivo. (...). Perspectivando o balanço pelo seu lado activo, dire-
mos que o património representa a forma concreta em que foram investidos os meios de financiamen-
to colocados à disposição da sociedade, meios esses que serão contabilizados, no lado passivo do ba-
lanço, como capital próprio ou capital alheio. Invertendo a perspectiva, diremos que o lado activo do
balanço identifica a utilização, o emprego dado ao capital, ao passo que o lado passivo identifica a sua
origem.” (Do Contrato de Suprimento: O Financiamento da Sociedade entre Capital Próprio e Capi-
tal Alheio, cit., pp. 23-24).
75
Mauro Rodrigues
P
ENTEADO
, Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas, cit., p. 14. Em rela-
ção às conseqüências legais da distinção entre patrimônio e capital social, assevera o autor: “As carac-
terísticas próprias do capital social e do patrimônio aquele marcado pela fixidez, este pela mutabili-
dade explica e orientação legislativa que se veio desenvolvendo em dois sentidos: a) de um lado,
procurando manter a congruência entre capital social e patrimônio no momento da constituição da so-
ciedade, mediante regras que, por exemplo, impõem a avaliação dos bens relativos às entradas de ca-
pital; b) de outro, com base no chamado ‘princípio da integridade do capital’, editando uma rie de
normas que buscam sua preservação durante a vida da sociedade.”
76
Alexandre M
OTA
P
INTO
, Do Contrato de Suprimento: O Financiamento da Sociedade entre Capital
Próprio e Capital Alheio, cit., p. 76. É importante destacar, como faz o autor, que “esse limite à dis-
tribuição de bens aos sócios não visa a conservação de certos bens concretos no património da socie-
dade, mas, antes, a protecção de um valor patrimonial definido contabilisticamente, equivalente à ci-
fra do capital social.”
Essa função do capital social se mostra bastante clara na hipótese de li-
quidação da sociedade, quando todas as dívidas sociais devem ser satisfeitas. No
caso, os bens componentes do patrimônio social revertem, na medida das dívi-
das sociais, em favor dos credores da sociedade, e não em favor dos cios. Em
favor dos sócios reverterá, ao final da liquidação da sociedade, apenas o valor
correspondente à diferença entre os valores do patrimônio e das dívidas sociais.
Os credores sociais e os sócios financiam a sociedade com capital e, com a sua
liquidação, recebem justamente um determinado montante de capital
77
.
Em termos econômicos, tudo ocorre como se o patrimônio social perten-
cesse aos credores sociais e sócios, conforme o capital investido na sociedade.
Com a liquidação da sociedade, uma parte do patrimônio social reverterá em fa-
vor dos credores, na medida das dívidas da sociedade. Os credores sociais fi-
nanciam a sociedade com capital alheio e, assim, o patrimônio social será cons-
tituído por capital alheio em valor equivalente às dívidas sociais. Os cios, por
outro lado, financiam a sociedade com capital próprio, de modo que o patrimô-
nio social constituído por capital próprio será equivalente à diferença entre o seu
valor total e o valor das dívidas sociais. Ao final da liquidação da sociedade,
portanto, o patrimônio social restante será revertido em favor dos sócios na me-
dida dessa diferença. Primeiro se paga todo o capital alheio aos credores sociais
e, depois, o capital próprio eventualmente restante aos sócios
78
.
Essa função do capital social como garantia dos credores sociais, no en-
tanto, é bastante limitada. Como o capital social não constitui uma parte especi-
ficada do patrimônio social que deva ser conservada afastada dos negócios soci-
77
Idem, ibidem, p. 25.
78
Idem, ibidem, pp. 25-26 e 75.
ais, pode ocorrer que o capital empregado pelos sócios na atividade empresarial
seja consumido pelas perdas experimentadas pela sociedade.
Caso a sociedade tenha lucros, o capital social inicial será mantido, com o
acréscimo dos lucros, no patrimônio social. Caso a sociedade tenha perdas, to-
davia, o capital social inicial será consumido e deixará de representar uma pro-
teção efetiva aos credores sociais. Nessa hipótese, dada a responsabilidade limi-
tada dos sócios, não existe obrigação de injeção de novos aportes de capital na
sociedade, destinados a cobrir as perdas sociais e assegurar a efetividade do ca-
pital social
79
.
O instituto do capital social, porém, não se limita a registrar a transferên-
cia dos riscos da empresa para um patrimônio autônomo, com a limitação da
responsabilidade dos cios, mas também permite a organização e a definição
dos seus direitos patrimoniais e políticos
80
. Na medida em que registra os in-
gressos de capital realizados pelos sócios (equity-type investments), o capital so-
cial possui uma importante função organizativa ou estrutural, consistente no di-
mensionamento dos direitos patrimoniais e políticos dos sócios
81
.
Em primeiro lugar, o capital social presta-se à mensuração dos direitos
patrimoniais dos sócios na distribuição dos lucros eventualmente auferidos pela
sociedade e na restituição do acervo societário líquido na hipótese de dissolução
da sociedade. Em segundo lugar, atua instrumentalmente na disciplina do direito
79
Idem, ibidem, p. 81.
80
Mauro Rodrigues
P
ENTEADO
, Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas, cit., pp. 11-12. Nas
palavras de Alexandre M
OTA
P
INTO
: “As obrigações de efetiva realização’ e conservação do capital
social como que constituem o ‘preço’ que os sócios têm que pagar pela aquisição do privilégio de li-
mitação da responsabilidade, por forma a conceder um mínimo de protecção aos credores da socieda-
de.” (Do Contrato de Suprimento: O Financiamento da Sociedade entre Capital Próprio e Capital
Alheio, cit., pp. 73-74).
81
Mauro Rodrigues
P
ENTEADO
, Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas, cit., pp. 29-31.
de voto, mecanismo de controle da empresa atribuído pela lei aos sócios
82
. A
prerrogativa de voto é geralmente conferida aos sócios da sociedade empresária
em unidades correspondentes às frações representativas de cada um deles no ca-
pital social, de forma que, por aplicação do princípio majoritário, o sócio ou
grupo de sócios detentor da participação mais expressiva no capital social terá,
por meio do exercício do voto, o poder de orientar a direção da sociedade em-
presária
83
.
O direito societário, portanto, ao fornecer à empresa o instrumental da
pessoa jurídica e conferir à sociedade empresária a qualidade de sujeito de direi-
to, estabelece uma disciplina externa corporis e uma disciplina interna corporis.
Pela primeira, limita-se a área patrimonial submetida às obrigações incorridas
com a compra de insumos e a venda de produtos da empresa. Pela segunda, re-
gulam-se os parâmetros das expectativas patrimoniais, remuneratórias e ressar-
citórias, dos sócios (os direitos patrimoniais dos sócios) e outorga-lhes instru-
mentos de ingerência sobre a direção da empresa (os direitos políticos dos só-
cios), segundo a dimensão da participação de cada um deles no capital social
84
.
82
Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, Controle não Societário, cit., p. 63.
83
Idem, ibidem, p. 64.
84
Idem, ibidem, p. 65.
3. PROPRIEDADE E CONTROLE EM
ESTRUTURAS SOCIETÁRIAS
3.1 PROPRIEDADE E CONTROLE NO DIREITO SOCIETÁRIO
Na teoria econômica analisada no capítulo anterior, proprietários são a-
queles que possuem as prerrogativas de controlar a empresa e apropriar-se dos
seus lucros. Nas empresas estruturadas sob forma societária, essas prerrogativas
são detidas pelos sócios em razão da titularidade de participações societárias.
Por essa razão, nesse caso se considera, em sentido econômico, que os sócios
são proprietários da empresa
85
.
Os sócios são detentores de pretensões residuais contra a pessoa jurídica e
têm sua remuneração associada aos riscos da atividade empresarial. Enquanto a
remuneração dos credores sociais, considerada um custo da atividade, indepen-
de do desempenho da empresa, os investimentos dos sócios em participações
societárias somente são remunerados quando a empresa obtém resultados post
break-even.
85
Essa noção de propriedade, conforme anota Calixto S
ALOMÃO
F
ILHO
, é utilizada “de forma metafó-
rica e atécnica do ponto de vista jurídico” (O Novo Direito Societário, cit., pp. 109-110). Em termos
jurídicos, os sócios não são proprietários dos bens sociais, mas apenas de participações societárias,
representadas por ações de sociedades anônimas ou por quotas de sociedades limitadas.
Esse fato justifica a prerrogativa que os sócios geralmente têm de contro-
lar a empresa por meio do exercício do direito de voto nos órgãos deliberativos
das sociedades
86
.
O controle da empresa, no direito societário, é instrumentalizado pelo
mecanismo de voto. Em primeiro lugar, atribui-se aos sócios o direito de voto
em assembléia geral de acionistas ou reunião de quotistas. Em segundo lugar,
impõe-se um parâmetro quantitativo de seleção dos votos, estabelecido pelo
princípio majoritário e modelado por regras de quorum qualificado.
A própria estrutura societária, portanto, fundada no princípio majoritário,
acarreta a separação, em maior ou menor medida, entre as prerrogativas de a-
propriação dos lucros e controle, que a teoria econômica analisada no capítulo
anterior considera inerentes à propriedade da empresa. Em termos jurídicos, nas
sociedades empresárias essa separação opera-se pela dissociação entre proprie-
dade societária (i.e., titularidade de participações societárias) e controle da soci-
edade. Na síntese de Viviane Muller P
RADO
:
Os elementos da propriedade uso, fruição e gozo têm outros contornos quando e-
xaminados no âmbito da participação no capital das sociedades mercantis, em especi-
al, nas sociedades por ações. As ações representativas da maioria do capital social não
dão ao seu titular, necessariamente, o poder de gerir a empresa. Além disso, o proprie-
tário dos recursos sempre tem direito ao lucro obtido na atividade desenvolvida pela
86
Em relação à vinculação entre o direito de voto e a assunção dos riscos da atividade empresarial,
confira-se a lição de Frank E
ASTERBROOK
e Daniel F
ISCHEL
: Voting exists in corporations because
someone must have the residual power to act (or delegate) when contracts are not complete. Votes
could be held by shareholders, bondholders, managers, or other employees combination. (...). Yet
voting rights are universally held by shareholders, to the exclusion of creditors, managers, and other
employees. (...). The reason is that shareholders are the residual claimants to the firm’s income.
Creditors have fixed claims, and employees generally negotiate compensations schedules in advance
of performance. The gains and losses from abnormally good or bad performance are the lot of the
shareholders, whose claims stand last in line. (The Economic Structure of Corporate Law,
Cambridge-London, Harvard University Press, 1991, p. 67).
sociedade proporcionalmente à sua participação, mas tal direito pode estar apartado
do poder de administrar os recursos.
87
A dissociação entre propriedade societária e poder de controle empresari-
al tende a ser diretamente proporcional ao tamanho da empresa e ao capital in-
vestido nas suas atividades. Enquanto as pequenas empresas têm seu capital
formado pela riqueza de poucos indivíduos, que concentram a propriedade e a
gestão do capital investido e assumem o risco inerente ao exercício da atividade
empresarial, as grandes empresas agregam a riqueza de inúmeros indivíduos,
que possuem cada qual a propriedade de frações do capital investido na ativida-
de empresarial. Conquanto tenham, em razão do capital investido, parcelas do
risco da atividade empresarial, esses indivíduos são alijados da gestão da em-
presa, detida por um indivíduo ou grupo determinado, total ou parcialmente a-
lheio a esse risco.
O controle da empresa constitui, essencialmente, um poder de alocação
de recursos, que envolve tanto um poder sobre bens alheios, no sentido de que o
controlador tem o direito de dispor dos bens sociais, como um poder sobre a
própria atividade empresarial, no sentido de que o controlador comanda a ativi-
dade econômica desenvolvida pela sociedade empresária. Da mesma forma que
o exercício de uma atividade empresarial pressupõe um complexo de bens des-
tinado ao escopo produtivo da empresa, o controle sobre a atividade empresarial
implica um poder de disposição sobre os bens empresariais
88
.
87
Noção de Grupo de Empresas para o Direito Societário e para o Direito Concorrencial, Revista de
Direito Bancário e do Mercado de Capitais, n. 2, 1998, p. 147.
88
Fábio Konder C
OMPARATO
, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., pp. 121-126.
O poder de controle surge da possibilidade fática de comandar a atividade
empresarial e dispor dos bens destinados ao escopo produtivo da empresa. A or-
ganização interna das participações societárias detidas pelos sócios da sociedade
empresária, embora constitua um indicativo, pode ser insuficiente para aferir a
situação de controle da empresa. Isso porque um terceiro que não possua parti-
cipações societárias, nem faça parte dos órgãos da sociedade, pode exercer o
comando da empresa por outros mecanismos. Nesse caso, o poder de controle
será exercido de fora da estrutura societária da empresa.
Os mecanismos de ingerência fornecidos pelo direito societário aos só-
cios da sociedade empresária não eliminam os mecanismos de veiculação dos
interesses dos demais agentes econômicos sobre os resultados da empresa. A
condução da atuação da empresa depende do ajuste da tensão entre os interesses
dos diversos fornecedores de insumos e compradores de produtos da empresa.
Esse ajuste esse que é influenciado, com intensidades variáveis, por cada agente
econômico interessado na atividade desenvolvida pela empresa e a influência
que se mostrará dominante poderá, ou não, ser aquela veiculada pelo mecanis-
mo societário do voto
89
. Dessa percepção decorre a distinção entre controle in-
terno e controle externo, examinada em seguida.
3.1.1 O CONTROLE INTERNO
Na obra clássica intitulada A Moderna Sociedade Anônima e a Proprie-
dade Privada, publicada originariamente em 1932, em que dissecaram a possi-
bilidade de dissociação entre propriedade acionária e poder de controle empre-
sarial, Adolf B
ERLE
e Gardiner M
EANS
, embora reconhecendo a inexistência de
uma linha demarcatória nítida que os separe, identificaram cinco tipos principais
89
Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, Controle não Societário, cit., pp. 65-68.
de controle empresarial, todos fundados em elementos internos da companhia: o
controle exercido pela titularidade quase completa das ações da companhia; o
controle exercido pela titularidade da maioria das ações da companhia; o contro-
le exercido mediante expedientes legais; o controle exercido pela titularidade de
menos da metade das ações da companhia; e o controle administrativo ou ge-
rencial
90
.
Analisando a classificação proposta pelos autores norte-americanos, le-
vando em consideração a separação entre propriedade acionária e poder de con-
trole empresarial, Fábio Konder C
OMPARATO
reduz as modalidades típicas de
controle interno a quatro, conforme o grau crescente dessa separação: controle
totalitário, controle majoritário, controle minoritário e controle gerencial
91
.
O controle totalitário configura-se quando nenhum acionista é excluído
do poder de dominação da companhia, quer se trate de uma sociedade unipesso-
al, quer se esteja diante de uma companhia do tipo familiar. Ambos os casos
pressupõem unanimidade nas deliberações sociais, mas na segunda hipótese
controle totalitário conjunto
92
.
90
A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada, São Paulo, Abril Cultural, 1984, pp. 85-
86.
91
O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., p. 79.
92
Idem, ibidem, pp. 52-60. A distinção entre controle individual e controle conjunto é bem sintetizada
por Eduardo Secchi M
UNHOZ
: “O controle individual é aquele exercido por uma pessoa isoladamente,
que tem o poder de orientar a condução da atividade social, conforme sua exclusiva vontade, sem de-
pender de terceiros. Por outro lado, o controle conjunto é aquele que pressupõe a reunião de um grupo
de pessoas, ligadas por laços familiares, por interesses comuns, por acordos de voto, que se associam
para comandar os destinos da sociedade.” (Empresa Contemporânea e Direito Societário: Poder de
Controle e Grupos de Sociedades, cit., p. 229).
O controle majoritário designa aquele fundado na titularidade de um -
mero de ações superior à metade do capital votante da companhia. Diante da
possibilidade de composição do bloco majoritário por mais de um acionista, po-
de-se falar em controle majoritário conjunto. Por outro lado, a partir da existên-
cia ou inexistência de minorias qualificadas, legalmente aptas a exercer certas
prerrogativas restritivas do poder do controlador, como, v.g., aquelas previstas
nos artigos 105 e 161, §2°, pode-se distinguir o controle majoritário absoluto
do controle majoritário simples
93
.
O controle minoritário (working control), por sua vez, designa aquele
fundado na titularidade de um número de ações inferior à metade do capital so-
cial votante da companhia, que se exerce em razão de uma situação de dispersão
acionária. A rigor, observa-se o controle minoritário diante de uma situação de
dispersão acionária na qual nenhum acionista ou grupo organizado detenha, in-
dividualmente, mais da metade das ações votantes emitidas pela companhia,
permitindo a formação de maiorias eventuais nas assembléias gerais. No caso,
93
Fábio Konder C
OMPARATO
, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., pp. 60-63. Em rela-
ção ao controle simples, Eduardo Secchi M
UNHOZ
sustenta que consiste naquele limitado por uma in-
fluência relevante, que tanto pode ser proveniente da existência de minorias qualificadas, detentoras
de participações societárias, como dos mecanismos de veiculação de interesses detidos pelos demais
agentes econômicos participantes da atividade empresarial. Essa noção de influência relevante, anota
o autor, compreende “todas as formas de interferência no processo de decisão empresarial, não ema-
nadas do titular do poder de controle, que imponham restrições a este, em menor ou maior grau, con-
dicionando ou bloqueando suas orientações”, e pode “ter origem puramente econômica (v.g., situa-
ções de monopólio ou de monopsônio), contratual (v.g., contratos de empréstimo, distribuição exclu-
siva, transferência de tecnologia), ou basear-se na titularidade de direitos de sócio”. (Empresa Con-
temporânea e Direito Societário: Poder de Controle e Grupos de Sociedades, cit., p. 230-233). O au-
tor registra, ademais, que essa noção de influência relevante, que envolve limitações ao poder de con-
trole, deve ser diferenciada, em primeiro lugar, do conceito de influência dominante, que envolve o
poder de determinar, positivamente, as deliberações sociais e a atividade da empresa. Nesse sentido,
sobre a distinção entre influência dominante positiva e influência dominante negativa, veja-se José A.
E
NGRÁCIA
A
NTUNES
, Os Grupos de Sociedades: Estrutura e Organização Jurídica da Empresa Soci-
etária, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2002, pp. 474-481. Em segundo lugar, essa noção de influência re-
levante deve ser diferenciada do conceito de influência relevante do ponto de vista concorrencial, que
não tem por finalidade identificar hipóteses de restrição ao poder de controle, mas sim situações de
cooperação empresarial para fins de aplicação do direito concorrencial. Sobre o conceito de influência
relevante do ponto de vista concorrencial, veja-se Calixto S
ALOMÃO
F
ILHO
, Direito Concorrencial:
as Estruturas, São Paulo, Malheiros, 1998, pp. 249-256.
imporá sua vontade à assembléia geral o acionista ou grupo de acionistas que,
dentre os presentes, possuir o maior número de ações votantes da companhia
94
.
É certo que, na generalidade dos casos de dispersão acionária, um acio-
nista ou grupo de acionistas que possua participação relevante no capital votante
da companhia e tenha interesse na sua gestão comparecerá às assembléias gerais
e exercerá o controle como se fosse majoritário. De qualquer forma, nessa situa-
ção o controle será naturalmente mais instável e, conseqüentemente, menos he-
gemônico que na hipótese de controle majoritário
95
.
Em casos de extrema dispersão acionária, pode ocorrer uma situação na
qual “nenhum acionista está em condições, apenas através de sua propriedade,
de fazer pressões importantes sobre a administração ou de usar sua propriedade
como um núcleo considerável para a acumulação dos votos necessários ao con-
trole”
96
. Em razão dessa inviabilidade de exercício do controle pelos acionistas,
o centro decisório da companhia passa a ser ocupado pelos seus administrado-
res. Daí se falar em controle gerencial (management control), que indica aquele
94
Fábio Konder C
OMPARATO
, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., pp. 64-67. No direito
brasileiro, o artigo 15, §2° da Lei das S/A, ao admitir a emissão de ações preferenciais sem direito a
voto até o máximo de 50% do total das ações emitidas pela companhia, permite a criação de um tipo
peculiar de controle, caracterizado pela estabilidade própria do controle majoritário e pelo elevado
grau de dispersão acionária próprio do controle minoritário. Permite-se, com efeito, uma situação pe-
culiar de separação entre propriedade e controle da empresa, na medida em que se possibilita que o
controlador detenha, por um lado, uma parcela minoritária do capital total da companhia e, por outro
lado, uma parcela majoritária em relação ao seu capital votante.
95
Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, Limites de Efetividade do Direito Societário na Repressão ao Uso
Disfuncional do Poder de Controle nas Sociedades Anônimas, Revista de Direito Mercantil, Industri-
al, Econômico e Financeiro, n. 120, 2000, pp. 201-202. Registre-se que, tendo por pressuposto que “o
controle acionário dependerá sempre da maioria efetiva em assembléia” e que “esta maioria pode ou
não ser eventual, conforme a hegemonia do controlador funde-se em número inferior ou superior à
metade do capital votante”, e considerando que “o princípio majoritário é o substrato de ambas as
formas de controle via mecanismo acionário”, o autor propõe substituir a denominação controle majo-
ritário/controle minoritário pela classificação controle majoritário estável/controle majoritário eventu-
al.
96
Adolf A. B
ERLE
e Gardiner C. M
EANS
, A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada,
cit., p. 94.
não fundado na participação acionária, mas nas prerrogativas de direção da
companhia. Trata-se, com efeito, de uma espécie de controle interno desvincu-
lado da titularidade das ações que compõem o capital social. Os administradores
da companhia assumem o controle empresarial em razão da extrema dispersão
acionária e, utilizando complexos mecanismos de representação dos acionistas
(proxy machinery), perpetuam-se na administração da empresa
97
.
3.1.2 O CONTROLE EXTERNO
Em determinados casos, contudo, “a última palavra na orientação da em-
presa não procede de um acionista nem dos administradores da sociedade”
98
,
mas de agentes econômicos estranhos à estrutura interna da sociedade, como,
por exemplo, fornecedores de insumos em situação de monopólio ou oligopólio,
ou compradores de produtos em situação de monopsônio ou oligopsônio. Em
tais situações, caracteriza-se o controle externo da empresa, exercido por meca-
nismos jurídicos e fáticos diversos da titularidade de participações societárias ou
prerrogativas administrativas.
97
Fábio Konder C
OMPARATO
, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., pp. 71-72. A opera-
cionalização do controle gerencial por meio do mecanismo denominado proxy machinery ou proxy
gathering machine é bem sintetizada por Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
: “Tecnicamente, essa forma
de controle operacionaliza-se através do mecanismo conhecido como proxy gathering machine, por
meio do qual os administradores, muitas vezes através da contratação de serviços especializados, bus-
cam captar, em larga escala, procurações da maioria dos acionistas, de modo a que possa exercer, em
nome destes, o direito de voto em assembléia geral, em salas praticamente vazias, visando tão-
somente sua reeleição e a formalização dos fins estratégicos que eles mesmos, administradores, tra-
çam para a companhia.” (Limites de Efetividade do Direito Societário na Repressão ao Uso Disfun-
cional do Poder de Controle nas Sociedades Anônimas, cit., p. 203). Há casos famosos de proxy fights
registrados na história norte-americana, como a disputa pelo controle da Standard Oil of Indiana entre
o acionista John D. Rockefeller, Jr. e o então chairman da companhia, Robert W. Stewart, ocorrida
em plena crise de 1929; e casos mais recentes, como a disputa relativa à aquisição da Compaq
Computer Corp. pela Hewlett-Packard Corp., travada entre os principais acionistas, membros das fa-
mílias Hewlett e Packard, e a chief executive officer da companhia, Carleton Fiorina.
98
Guilherme Döring C
UNHA
P
EREIRA
, Alienação do Poder de Controle Acionário, São Paulo, Sarai-
va, 1995, p. 13.
Embora alguns autores entendam que o controle externo constitui um fe-
nômeno qualitativamente diverso do controle interno
99
, essas duas modalidades
de comando da empresa, enquanto formas de poder, não possuem diferenças
substanciais. De fato, o controle da empresa compreende os poderes de direção
da atividade empresarial da sociedade controlada e disposição dos bens sociais,
que tanto podem ser exercidos pelos sócios, por meio do mecanismo de voto,
como por agentes econômicos estranhos ao quadro societário da empresa, por
meio de outros mecanismos fáticos e jurídicos.
O acionista controlador não é proprietário dos bens sociais e o seu poder
de disposição sobre tais bens não possui conteúdo dominial, mas decorre do po-
der de dirigir a atividade empresarial da companhia, instrumentalizado por me-
canismos que lhe permitem impor sua vontade à assembléia geral e aos órgãos
de administração. Situação semelhante ocorre no caso do controle externo. Em-
bora, nessa hipótese, o controlador não tenha poder direto de dispor sobre os
bens sociais, possui condições de impor sua vontade quanto à destinação desses
bens na medida em que detém poder para determinar as diretrizes da atividade
empresarial da companhia
100
.
99
Confira-se, por exemplo, a posição de José Edwaldo T
AVARES
B
ORBA
: “O controle externo caberia
a entidades estranhas ao capital social, basicamente credores da sociedade ou dos acionistas controla-
dores, às quais, por força de cláusula contratual, se asseguraria o poder de influir em certas delibera-
ções da sociedade. É claro que o acionista, ao se vincular contratualmente a essa espécie de compro-
misso, não se libera de seus deveres para com a sociedade, aos quais terá que atender precipuamente.
Quer-me parecer que o chamado controle externo não é propriamente uma forma de controle, mas sim
um processo de influenciação sobre o controle.” (Direito Societário, ed., Rio de Janeiro, Renovar,
1999, p. 313).
100
Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, Limites de Efetividade do Direito Societário na Repressão ao Uso
Disfuncional do Poder de Controle nas Sociedades Anônimas, cit., p. 208.
Nem toda influência relevante externa sobre a empresa, contudo, caracte-
riza o fenômeno do controle externo, que pressupõe a existência de algumas
condições. Em primeiro lugar, “que a influência seja de ordem econômica” e se
“estenda a toda a atividade desenvolvida pela empresa controlada. Em segundo
lugar, “que se trate de um estado de subordinação permanente ou, pelo menos,
duradouro”. Em terceiro lugar, por fim, “que haja impossibilidade para a contro-
lada de subtrair-se à influência, sem séria ameaça de sofrer grave prejuízo eco-
nômico.”
101
Para que seja caracterizada uma situação de controle externo, conforme
destaca Guilherme Döring C
UNHA
P
EREIRA
, essa influência
deve resultar conveniente ao sujeito controlado, no sentido de que sujeitar-se a ela é
melhor do que sofrer o mal do fim da relação, o que não significa que o sujeito domi-
nante não possa “constranger” o dominado a concluir atos ou negócios isolada ou
temporariamente prejudiciais, desde que não impliquem o comprometimento da “in-
teira economicidade da gestão, da atividade”, quando então, provavelmente, subtrair-
se-ia à influência.
102
A situação de controle externo pressupõe uma influência dominante, de
base estrutural e cunho positivo, não sendo suficiente a simples existência de
uma influência relevante, de base conjuntural e cunho negativo. O controle ex-
terno traduz-se num estado constante de subordinação, no qual o controlador ex-
terno determina, positiva e ativamente, a gestão da sociedade.
101
Guilherme Döring C
UNHA
P
EREIRA
, Alienação do Poder de Controle Acionário, cit., p. 14.
102
Idem, ibidem, pp. 15-16.
Não envolve, portanto, os casos em que apenas se condiciona a liberdade
de decisão da sociedade. Nesses casos, poderá haver uma influência relevante
externa, mas não uma situação de controle externo
103
.
O controle interno é uma forma de organização dos grupos empresariais
por via contratual que, do ponto de vista econômico, constitui uma alternativa
menos onerosa em relação à abertura de filiais e à constituição de sociedades
subsidiárias
104
. Do ponto de vista gerencial, contudo, não diferença relevante
entre essas opções, pois as empresas submetidas a uma situação de controle ex-
103
É o caso dos financiamentos realizados por instituições financeiras, que sempre impactam, em
maior ou menor grau, o ambiente decisório da empresa financiada. Esse impacto é sujeito a gradua-
ções por diversas variáveis, como a política de crédito da instituição financeira e a relevância quantita-
tiva do financiamento, que são determinantes para a fixação do custo do financiamento, da natureza
das garantias exigidas à sua concessão e da modelagem das prerrogativas de ingerência que a institui-
ção financeira desejará ter sobre a gestão da empresa financiada. Essas prerrogativas, direcionadas so-
bretudo a evitar a ocorrência de movimentos patrimoniais que comprometam a satisfação do crédito
concedido, são geralmente modeladas por cláusulas de negative pledge (obrigação da empresa não
onerar determinada parcela dos seus ativos até a satisfação da dívida) e cross default (sujeição da em-
presa ao vencimento antecipado do débito caso incorra em impontualidade junto a outras instituições
financeiras), além de cláusulas genéricas de disclosure. Em regra, essas prerrogativas não implicam
uma situação de controle externo, pois não significam a possibilidade de determinar, positiva e ativa-
mente, a gestão da empresa, mas representam apenas condicionamentos conjunturais ao controle in-
terno. Essa influência relevante, no entanto, pode converter-se em influência dominante quando a em-
presa estiver impossibilitada de realizar o pagamento dos seus credores e vir-se diante da necessidade
de promover constantes refinanciamentos. Nesse caso, a instituição financeira poderá passar a exercer
uma influência dominante, estrutural e permanente sobre a empresa, caracterizando uma situação de
controle externo. Sobre o tema, veja-se, Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, Controle não Societário, cit.,
pp. 161-171.
104
Sobre a distinção entre grupo societário fundado em controle societário e grupo societário funda-
do em controle contratual, veja-se a lição de Fábio Konder C
OMPARATO
: “Os grupos econômicos são
de duas espécies: grupos de subordinação e de coordenação. Os primeiros apresentam uma estrutura
hierárquica, em que uma empresa (individual ou societária, pública ou privada) exerce um poder de
dominação, denominado poder de controle, sobre as demais. Nos grupos de coordenação, ao revés,
não empresas dominantes e dominadas, mas a coordenação de duas ou mais empresas sob uma
mesma direção unitária: são os consórcios. (...) Pois bem, o poder de controle de uma empresa sobre
outra elemento essencial do grupo de subordinação consiste no direito de decidir, em última ins-
tância, a atividade empresarial de outrem. Normalmente, ele se funda na participação societária de ca-
pital, permitindo que o controlador se manifeste na assembléia geral ou reunião de sócios da empresa
controlada. Mas pode também suceder que essa dominação empresarial se exerça ab extra, sem parti-
cipação de capital de uma empresa em outra e sem que o representante da empresa dominante tenha
assento em algum órgão administrativo da empresa subordinada. É o fenômeno do chamado controle
externo.” (Grupo Societário Fundado em Controle Contratual e Abuso de Poder do Controlador, in
Direito Empresarial: Estudos e Pareceres, cit., pp. 275-276).
terno encontram-se sujeitas a políticas contratualmente impostas, que discipli-
nam de forma pormenorizada suas atividades empresariais. A influência que
tende a ser veiculada a essas empresas, portanto, em pouco ou nada se diferen-
cia da influência que seria veiculada por meio de uma relação de participação
societária majoritária
105
.
3.2 O PROBLEMA DE AGENCY E OS MODELOS DE CORPORATE
GOVERNANCE
A dissociação entre propriedade e controle do capital empregado na ativi-
dade empresarial é um fenômeno praticamente inerente à estrutura societária,
fundada na lógica do princípio majoritário. Salvo nas hipóteses de controle tota-
litário, de fato, o controle das sociedades é exercido por um indivíduo ou grupo
de indivíduos que, em maior ou menor medida, encontra-se alheio aos riscos
econômicos da empresa. Essa dissociação, que torna, de um lado, os investido-
res de capital alheios à sua gestão e, de outro lado, os gestores da empresa indi-
ferentes a uma parcela do impacto econômico da atividade empresarial, gera
uma potencial divergência de interesses entre proprietários e controladores
106
.
105
Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, Controle não Societário, cit., pp. 151-154.
106
Essa potencial divergência de interesses entre proprietários e controladores foi apontada por Adolf
B
ERLE
e Gardiner M
EANS
: “O acionista tem certos interesses bem definidos no funcionamento da
companhia, na distribuição da renda e nos mercados públicos de ações. Em geral, é de seu interesse,
em primeiro lugar, que a companhia proporcione o lucro máximo compatível com um grau razoável
de risco; em segundo lugar, que seja distribuída uma proporção tão grande desses lucros quanto per-
mitam os interesses superiores do negócio, e que não aconteça nada que prejudique o direito de rece-
ber a parte que lhe cabe dos lucros distribuídos; e, finalmente, que suas ações continuem livremente
negociáveis a um preço justo. (...). Se admitirmos que desejo de lucro pessoal é a força motriz do con-
trole, devemos concluir que os interesses do controle são diferentes e que muitas vezes se opõem radi-
calmente aos da propriedade; devemos concluir também que, muito significativamente, os proprietá-
rios não serão bem servidos por um grupo de controle que vise o lucro.” (A Moderna Sociedade Anô-
nima e a Propriedade Privada, cit., pp. 124-125).
Enquanto nas empresas em que existe coincidência entre propriedade so-
cietária e poder de controle é possível sustentar que as decisões e a gestão em-
presarial visam à maximização de resultados no emprego do capital, nas empre-
sas em que não essa coincidência os objetivos visados pelos detentores do
poder controle podem não se pautar pela maximização dos interesses dos deten-
tores de participações societárias, mas pela maximização dos seus próprios inte-
resses. O fenômeno da dissociação entre propriedade e controle do capital apli-
cado na atividade empresarial provoca, assim, uma situação de possível distor-
ção decisória e gerencial na condução da empresa
107
.
Essa situação encontra-se na própria fisiologia das empresas organizadas
sob forma societária, que encerra uma relação de agency
108
entre, de um lado, os
controladores e administradores e, de outro lado, aqueles conferem recursos à
viabilidade da empresa.
107
Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, Limites de Efetividade do Direito Societário na Repressão ao Uso
Disfuncional do Poder de Controle nas Sociedades Anônimas, cit., pp. 197-198.
108
Michael J
ENSEN
e William M
ECKLING
definem agency relationship as a contract under which
one or more persons (the principal(s)) engage another person (the agent) to perform some service on
their behalf which involves delegating some decision making authority to the agent.(Theory of the
Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure, cit., p. 5). No mesmo sentido,
Stephen M. B
AINBRIDGE
apresente a seguinte definição: “An agency relationship comes into existence
when there is a manifestation by the principal of consent that the agent act on his behalf and subject
to his control, and the agent consents to so act.” (Agency, Partnerships & LLCs, New York,
Foundation Press, 2004, p. 2).
A incidência do problema de agency em estruturas societárias constitui o
objeto dos estudos de corporate governance, perspectiva analítica que, com ba-
se em instrumentos econômicos, se propõe a investigá-lo e a formular mecanis-
mos de incentivo e responsabilidade para minimizá-los
109
.
A elaboração desses mecanismos pressupõe, necessariamente, a identifi-
cação e determinação dos interesses que os controladores e administradores de-
vem perseguir na gestão da empresa. A questão básica e preliminar do debate
entre os modelos de corporate governance, portanto, consiste no problema fun-
damental do direito societário. Trata-se, em última análise, de delimitar o obje-
tivo do direito societário ou, em outras palavras, definir a função da empresa no
direito societário
110
.
Com efeito, enquanto os adeptos do shareholder-oriented model susten-
tam que as estruturas societárias devem, ao menos prioritariamente, atender os
interesses dos sócios (shareholders), os partidários dos stakeholder models, com
109
A noção de corporate governance, que se pode traduzir por governança empresarial, mas que se
tem traduzido por governança corporativa, surgiu na economia em função do agency problem entre
proprietários e controladores, conforme destaca Aline de Menezes S
ANTOS
: “A governança corporati-
va surgiu na economia em função, principalmente, dos chamados problemas de agência, que trata de
conflitos de interesse entre quem tem a propriedade (o acionista) e que tem o controle da organização.
A teoria da agência estuda as controvérsias provocadas pela dissociação entre propriedade e gestão
empresarial. O principal, titular da propriedade, delega ao agente o poder de decisão sobre essa pro-
priedade. A partir de então surgem os chamados conflitos de agência, pois os interesses daquele que
administra a propriedade nem sempre estão alinhados com os de seu titular. São problemas de assime-
tria de informações entre agente e principal; preocupações em monitorar o comportamento do agente,
garantindo que sua atuação se dará de acordo com os interesses do principal; formas de incentivo de
sua atuação, entre outros.” (Reflexões sobre a Governança Corporativa no Brasil, Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 130, 2003, p. 186).
110
Nesse sentido, observa Michael J
ENSEN
: In most industrialized nations today, economists,
management scholars, policy makers, corporate executives, and special interest groups are engaged
in a high-stakes debate over corporate governance. In some scholarly and business circles, the
discussion focuses mainly on questions of policies and procedures designed to improve oversight of
corporate managers by boards of directors. But at the heart of the current global corporate
governance debate is a remarkable division of opinion about fundamental purpose of the
corporation.” (Value Maximization, Stakeholder Theory, and the Corporate Objective Function,
Journal of Applied Corporate Finance, v. 14, n. 3, 2001, p. 8. Disponível em
www.ssrn.com).
base na ampliação da perspectiva do problema de agency, defendem que deve
haver, nas estruturas societárias, uma ponderação entre os interesses de todas as
partes interessadas ou afetadas pela atividade empresarial (stakeholders)
111
.
111
Essa discussão entre os modelos de corporate governance guarda semelhança com a clássica po-
lêmica entre contratualistas e institucionalistas sobre o interesse que, em metáfora simplificativa, cor-
responderia ao interesse social ou interesse da sociedade. Em linhas gerais, na teoria contratualista o
interesse da sociedade é reduzido ao interesse dos sócios e, na teoria institucionalista, identifica-se
com um interesse superior e autônomo, de natureza extra-societária, atribuído à pessoa jurídica socie-
tária ou à própria empresa. No contratualismo, o interesse da sociedade coincide com o interesse dos
seus sócios. Para os seus adeptos, a natureza contratual da sociedade não permitiria que envolvesse
quaisquer interesses diversos daqueles das partes contratantes. Entre as concepções contratualistas,
algumas concebem o interesse social como resultado dos interesses individuais dos sócios; outras o
depuram de elementos externos e o definem como interesse comum dos sócios. Na primeira concep-
ção, o interesse social corresponde àquele decidido pela maioria nas deliberações sociais. Na segunda,
o interesse social é definido como interesse comum dos sócios enquanto sócios (uti socii), não identi-
ficado com outros interesses comuns dos sócios, nem representado pela somatória dos seus interesses
individuais (uti singuli). Trata-se de um interesse ex causa societatis, que decorre do status socii ex-
traído do contrato social. Todos os demais interesses dos sócios são considerados estranhos à socieda-
de. Essa segunda concepção pode ainda ser dividida em duas vertentes, segundo seja o interesse social
concebido como interesse comum apenas dos sócios atuais ou também dos sócios futuros. No institu-
cionalismo, em sentido oposto, o interesse social o se limita aos interesses dos sócios. No direito
societário, a gênese da teoria institucionalista costuma ser atribuída a Walther R
ATHENAU
, economista
alemão que equiparou o interesse social ao interesse público. Para ele, a grande empresa não signifi-
cava uma simples organização de direito privado, mas um importante fator de desenvolvimento da e-
conomia nacional. Walther R
ATHENAU
identificava em cada grande empresa um instrumento a servi-
ço do interesse público, voltada para o desenvolvimento econômico nacional. Por essa razão, propug-
nava o fortalecimento dos poderes dos órgãos da administração, em detrimento dos interesses dos a-
cionistas minoritários. Essas idéias influenciaram fortemente a doutrina alemã, propiciando o surgi-
mento das concepções institucionalistas da Unternehmen an sich (empresa em si) e da Person an sich
(pessoa em si), que tiveram repercussão em diversos países. Essas duas formulações institucionalistas
têm como característica fundamental a não redução do interesse da sociedade ao interesse coletivo do
grupo de sócios. A teoria da Unternehmen an sich sustenta a existência de um interesse próprio da
empresa, superior aos interesses dos sócios, à sua melhor eficiência produtiva. Trata-se de uma con-
cepção institucionalista que acarreta a superação da própria personalidade jurídica da sociedade para
enfocar o interesse da empresa, de ordem superior e natureza autônoma. A principal característica da
teoria da Unternehmen an sich é uma acentuada visão publicista dos problemas da sociedade por a-
ções, vista como a forma jurídica da grande empresa, na qual confluem os interesses mais diversos,
não apenas dos acionistas, mas também dos consumidores e dos trabalhadores, bem como o interesse
coletivo ao desenvolvimento da economia nacional. A teoria da Person an sich, menos radical que a
teoria da Unternehmen an sich, funda-se na concepção organicista da pessoa jurídica. Procura-se de-
monstrar que a pessoa jurídica, ente real cuja personalidade é reconhecida pelo sistema jurídico, pos-
sui um interesse próprio, diverso e superior ao interesse dos sócios. Sobre o tema, veja-se Pier Giusto
J
AEGER
, L’interesse Sociale, Milano, Giuffrè, 1964; e José Nuno Marques E
STACA
, O Interesse da
Sociedade nas Deliberações Sociais, Coimbra, Almedina, 2003.
3.2.1 O SHAREHOLDER-ORIENTED MODEL
A premissa básica do shareholder-oriented model é que as estruturas so-
cietárias devem ser estabelecidas, principalmente, com o objetivo de proteger os
interesses dos shareholders. A supremacia dos interesses dos shareholders em
relação aos interesses dos demais stakeholders (shareholder primacy norm)
funda-se na concepção segundo a qual, por deterem participações societárias e
arcarem com os riscos da atividade empresarial, eles são considerados proprietá-
rios da empresa. Como conseqüência lógica, os administradores, que não podem
desrespeitar a propriedade dos shareholders, devem dirigir a empresa de acordo
com os seus interesses. Esse argumento, de forte carga retórica, é sintetizado por
David M
ILLON
nos seguintes termos:
The property rights argument did not claim that shareholders themselves owned the
assets of the business enterprise; it was undeniable that legal title was vested in the
corporate entity. However, if the shareholders owned the corporate entity,
management arguably owed a duty to them to manage the shareholders’ property
solely in their best interests: ‘The corporation was theirs, to be operated for their
benefit’. Accordingly, corporate management exercised control was the over the
corporation like trustees administering a trust; the corporation was the trust property
and their powers were therefore ‘powers in trust’. As such, these powers were
‘necessarily and at all times exercisable only for the ratable benefit of all the
shareholders as their interest appears.
112
Além disso, sustenta-se que os shareholders, por serem detentores de pre-
tensões residuais contra a pessoa jurídica societária e assumirem os riscos da a-
tividade empresarial, possuem os maiores incentivos para comandar a empresa e
utilizar os seus recursos da forma mais apropriada. Isso porque, enquanto o ca-
pital investido pelos shareholders na atividade empresarial somente é remune-
rado quando a empresa alcança resultados post break-even, os interesses imedia-
112
The Ambiguous Significance of Corporate Personhood, Working Paper No. 01-6, Washington &
Lee Public Law and Legal Theory Research Paper Series, Washington and Lee University School of
Law, 2001, pp. 15-16. Disponível em
www.ssrn.com.
tos dos stakeholders, por constituírem ou deverem constituir – custos da ativi-
dade empresarial, são atendidos independentemente da performance lucrativa da
empresa.
A orientação da disciplina societária à maximização da riqueza dos
shareholders, por conseqüência, seria a forma mais adequada para maximizar o
bem-estar social agregado pela atividade empresarial. Note-se que não se sus-
tenta que os demais interesses que gravitam em torno da empresa devem ser
desprezados, mas sim que as regras de direito societário não constituem a forma
mais eficaz de protegê-los, conforme destacam Henry H
ANSMANN
e Reinier
K
RAAKMAN
:
All thoughtful people believe that corporate enterprise should be organized and
operated to serve the interests of society as a whole, and that the interests of
shareholders deserve no greater weight in this social calculus than do the interests of
any other members of society. The point is simply that now, as a consequence of both
logic and experience, there is convergence on a consensus that the best means to this
end – the pursuit of aggregate social welfare – is to make corporate managers
strongly accountable to shareholder interests, and (at least in direct terms) only to
those interests. (…).
Of course, asserting the primacy of shareholder interests in corporate law does not
imply that the interests of corporate stakeholders must or should go unprotected. It
merely indicates that the most efficacious legal mechanisms for protecting the
interests of nonshareholder constituencies (…) lie outside corporate law. For
workers, this includes the law of labor contracting, pension law, health and safety
law, and antidiscrimination law. For consumers, it includes product safety regulation,
warranty law, tort law governing product liability, antitrust law, and mandatory
disclosure of product contents and characteristics. For the public at large, it includes
environmental law and the law of nuisance and mass torts.
113
Para os adeptos do shareholder-oriented model, os administradores pos-
suem deveres fiduciários em relação aos acionistas e devem dirigir a empresa
com o objetivo de maximizar a sua riqueza. Esses deveres fiduciários, originá-
113
The End of History for Corporate Law, Discussion Paper No. 280, The Center for Law,
Economics, and Business, Harvard Law School, 2000, pp. 9-10. Disponível em
www.law.harvard.edu/programs/olin_center.
rios do instituto anglo-saxão do trust
114
, costumam ser classificados em duty of
care (“to act as a prudent person does in the management of his own affairs of
equal gravity”) e duty of loyalty (“to maximize the investors’ wealth rather than
one’s own”), embora não haja uma linha demarcatória nítida entre ambos, e
constituem uma forma de equalização do problema de agency
115
.
O shareholder-oriented model é predominante nos EUA e Inglaterra, paí-
ses em que se verifica uma acentuada dissociação entre propriedade societária e
poder de controle empresarial e a presença de um mercado de capitais forte e a-
tivo, “que garante a liquidez dessas participações acionárias por meio de regras
rígidas de transparência, divulgação periódica de informações e sanções ao uso
de informações privilegiadas, que submetem os administradores da companhia a
114
Sobre o tema, considerando a possibilidade de aplicação dos princípios da doutrina dos deveres fi-
duciários no direito societário brasileiro, veja-se Eduardo S
ALOMÃO
N
ETO
, O Trust e o Direito Brasi-
leiro, São Paulo, LTr, 1996; e Carlos Klein Z
ANINI
, A Doutrina dos “Fiduciary Duties” no Direito
Norte-Americano e a Tutela das Sociedades e Acionistas Minoritários frente aos Administradores das
Sociedades Anônimas, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 109,
1998, pp. 137-149.
115
Frank H. E
ASTERBROOK
e Daniel R. F
ISCHEL
, The Economic Structure of Corporate Law, cit. p.
103. Sobre os deveres fiduciários como mecanismos de equalização do problema de agency, assina-
lam os autores: When one person exercises authority that affects another’s wealth, interests may
diverge. The smaller the managers’ share in the enterprise, the more the managers’ interests diverge
from the interests of those who contributed capital. This phenomenon exists in any agency relation.
(…). Divergence of interests may be controlled in several ways. There is the employment market: an
unfaithful or indolent manager may be penalized by a lower salary, and a diligent one rewarded by a
bonus for good performance. In addition, the threat of sales of corporate control induces managers
to perform well in order to keep their positions. Finally, competition in product markets helps to
control agents’ conduct, because a poorly managed firm cannot survive in competition with a well-
managed firm (other things being equal). These mechanisms reduce but do not eliminate the
divergence of interests. They require extensive, costly monitoring so that investors and others know
how well the managers perform. And the mechanisms may be inadequate to deal with one-time
defalcations, when the manager concludes that the opportunities of the moment exceed any
subsequent penalties in the employment market. (…). The fiduciary principle is an alternative to
elaborate promises and extra monitoring. (…) Fiduciary principles contain antitheft directives,
constraints on conflict of interest, and other restrictions on the ability of managers to line their own
pockets at the expense of investors.” (Idem, ibidem, pp. 91-92).
uma disciplina severa”. Destarte, o monitoramento dos administradores ocorre
pelo próprio mercado, ou seja, pelos acionistas existentes e potenciais
116
.
3.2.2 OS STAKEHOLDER MODELS
Em contraste com o shareholder-oriented model, a premissa fundamental
dos stakeholder models é que as estruturas societárias não devem ser destinadas
a proteger apenas os interesses dos shareholders, mas também os interesses dos
demais stakeholders interessados ou afetados pela atividade empresarial, inclu-
indo empregados, fornecedores, consumidores, credores e a comunidade em ge-
ral. A partir da idéia de responsabilidade social empresarial, defende-se a impo-
sição, por meio da disciplina societária, de funções sociais às empresas além da
produção de lucros.
Nos EUA, com apoio no conceito de pessoa jurídica, E. Merrick D
ODD
,
J
R
. sustentou, na década de 1930, uma teoria de responsabilidade social empre-
sarial baseada na atribuição de relevância, na gestão da empresa, a todos os seus
stakeholders e não apenas aos shareholders, conforme destaca David M
ILLON
:
116
Aline de Menezes S
ANTOS
, Reflexões sobre a Governança Corporativa no Brasil, cit., p. 188. A
autora destaca que, como “os preços de negociação das ações em bolsa transmitem informações que
sinalizam o julgamento do mercado sobre a autuação dos administradores e incorporam as perspecti-
vas de performance futura das empresas”, “a principal forma de monitoramento da atuação dos admi-
nistradores é o mercado de aquisição de controle acionário”. Atualmente, contudo, mesmo nos EUA
as aquisições por ofertas públicas constituem uma pequena porcentagem do total e, dentre elas, as a-
quisições hostis constituem uma minoria. Uma explicação plausível é que o aumento da parcela da
remuneração dos administradores constituída por ações ou opções de ações tenha alinhado os seus in-
teresses com os interesses dos acionistas na aceitação de propostas de aquisição que aumentem o valor
das participações acionárias. Essa forma de compensação, no entanto, diante da inexistência de qual-
quer restrição, constitui um incentivo para que os administradores tenham interesse na maximização
do valor das ações no curto prazo, inclusive pela manipulação de demonstrações financeiras e contá-
beis. Ainda que o preço das ações não possa ser mantido por muito tempo, os administradores podem
obter lucros com a venda das suas ações antes que haja declínio. Esse fato, ocorrido no caso da falên-
cia da Enron Corp., tem sido apontado como comprovação de que os escândalos corporativos ocorri-
dos nos EUA nos últimos anos devem-se à alteração da forma de remuneração dos administradores.
Sobre o tema, veja-se William A. K
LEIN
e John C. C
OFFEE
,
J
R
., Business Organization and Finance –
Legal and Economic Principles, 9ª ed. New York, Foundation Press, 2004, pp. 181-183 e 193-197.
In an article published in 1932, Harvard Law School professor E. Merrick Dodd, Jr.
showed how the entity conception of the corporation could provide an effective basis
for a theory of corporate social responsibility. Dodd noted that a corporation’s
constituencies include more than just the shareholders. Employees, consumers,
creditors, and the communities in which plants were located all had a stake in
management’s decisions about how to run the business. Furthermore, these interests
could conflict with those of the shareholders. Policies design to benefit lower-level
workers, for example, could result in lower corporate profits and therefore a lower
rate of return for shareholders.
If corporate managers were thought of simply as trustees or agents for the
shareholders, policies that deviated from shareholder wealth maximization were an
illegitimate abuse of power. However, if in fact the corporation was an entity existing
separately from its shareholders, management acted on behalf of the corporation and
its business decisions involved the corporation’s property. In other words, an entity
theory of the corporation rejected the notion that management worked directly for the
shareholders and was charged to manage their property. Shareholders had interests
in the corporation that were entitled to due regard, but so, too, did the various other
nonshareholder constituencies of the corporation. Presumably their well-being ought
to be taken into account as well.
117
Os partidários dos stakeholder models rejeitam a concepção de que os
shareholders são proprietários da empresa e consideram que, assim como todos
os demais stakeholders, os shareholders têm interesses que devem ser observa-
dos, mas não necessariamente priorizados. Acionistas, empregados, fornecedo-
res, consumidores e credores, entre outros, possuem interesses que devem ser
igualmente respeitados pela administração da empresa. Por conseqüência, os
administradores deixam de ser vistos como agentes dos shareholders e passam a
ser considerados responsáveis também perante os demais stakeholders da em-
presa. A tarefa dos administradores, portanto, consiste em maximizar a capaci-
dade da empresa de produzir riquezas, equilibrando os interesses de todos os
seus stakeholders.
117
The Ambiguous Significance of Corporate Personhood, cit., pp.12-13.
Os stakeholder models podem ser divididos em dois grupos
118
. No pri-
meiro grupo (fiduciary model of corporation), o conselho de administração (bo-
ard of directors)
119
funciona como um coordenador neutro das contribuições e
retribuições de todos os stakeholders da empresa. Nesse modelo, contudo, ape-
nas os acionistas possuem representação direta no conselho de administração. A
proteção dos stakeholders ocorre pelo relaxamento dos deveres dos administra-
dores de perseguir apenas os interesses dos shareholders, mediante a outorga de
certo grau de discricionariedade para atender os interesses dos demais stakehol-
ders
120
.
No segundo grupo (representative model of corporation), por outro lado,
os stakeholders são representados por membros diretamente nomeados para o
conselho de administração. Nesse modelo, os representantes dos stakeholders
são responsáveis pela elaboração de políticas destinadas a maximizar o bem-
estar de todos os stakeholders, segundo a influência e o poder de barganha de
118
Henry H
ANSMANN
e Reinier K
RAAKMAN
, The End of History for Corporate Law, cit., pp. 8-9.
119
Nas companhias norte-americanas, a função de administração é atribuída ao board of directors,
que costuma delegar a função de gestão da empresa aos officers. Assim sendo, ainda que exista ape-
nas um órgão de administração, na prática as funções executivas são exercidas pelos officers. Nesse
sentido, veja-se Paulo Fernando Campos Sales de T
OLEDO
, O Conselho de Administração na Socie-
dade Anônima, ed., São Paulo, Atlas, 2002, p. 20. Grosso modo, portanto, o board of directors po-
de ser equiparado ao conselho de administração das companhias brasileiras e os officers aos diretores.
120
Nesse sentido, veja-se Margaret M. B
LAIR
e Lynn A.
S
TOUN
, A Team Production Theory of
Corporate Law, Virginia Law Review, v. 85, n. 2, 1999. Disponível em www.ssrn.com. Nos EUA, o
reconhecimento mais explícito desse modelo encontra-se nas leis que permitem que os administrado-
res, ao elaborarem táticas de defesa das companhias contra aquisições hostis, considerem os interesses
da comunidade de stakeholders (other constituencies statutes). Não obstante, os adeptos da responsa-
bilidade social empresarial costumam apontar o caso A. P. Smith Manufacturing Company vs.
Barlow, julgado pela Suprema Corte de New Jersey em 1953, no qual se decidiu ser permitido aos
administradores a doação de recursos à Universidade de Princeton, contrariamente aos interesses de
um grupo de acionistas, como paradigmático no estabelecimento legal da filantropia empresarial e
como marco inicial da discussão pública sobre os deveres sociais das empresas. Nesse sentido, veja-se
Patrícia Almeida A
SHLEY
(coordenação), Ética e Responsabilidade Social nos Negócios, cit., p. 46.
No direito brasileiro, a matéria está regulada no artigo 154 da Lei das S/A: a alínea a do §2° veda aos
administradores a prática de ato de liberalidade à custa da companhia, mas o §4° permite ao conselho
de administração ou à diretoria autorizar a prática de atos gratuitos razoáveis em benefício dos empre-
gados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais.
cada grupo. No caso, o conselho de administração (ou conselho de supervi-
são)
121
constitui, idealmente, um órgão fiduciário conjunto, que funciona como
instrumento de coalizão entre os grupos de stakeholders e arena de cooperação
para monitoramento da gestão da empresa e resolução de conflitos entre os inte-
resses específicos dos grupos de stakeholders
122
.
Stakeholder models, com algumas variações, são predominantes na Ale-
manha, Japão e maioria dos países da Europa Continental, nos quais a proprie-
dade societária costuma estar concentrada nas mãos de acionistas controladores
com largas participações acionárias. É mais comum que as empresas sejam fi-
nanciadas por agentes do mercado financeiro, pois os mercados de capitais des-
ses países são tradicionalmente mais frágeis e os padrões de transparência e di-
vulgação de informações mais relaxados. O monitoramento dos administrado-
res, portanto, é feito por mecanismos de participações acionárias cruzadas, deti-
das por instituições financeiras e outras empresas
123
, e pela representação de
grupos de stakeholders nos órgãos sociais
124
.
121
Nas companhias alemãs, o conselho de supervisão (Aufsichtsrat) tem por função a superintendên-
cia dos negócios sociais, enquanto o conselho de direção (Vorstand) tem por função a gestão dos ne-
gócios sociais. Em termos aproximados, portanto, observadas as respectivas peculiaridades, o conse-
lho de supervisão corresponde ao conselho de administração das companhias brasileiras e o conselho
de direção à diretoria. Sobre o tema, veja-se Renato Luis Bueloni F
ERREIRA
, Sistemas de Administra-
ção das S/A no Direito Comparado e no Direito Pátrio, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Eco-
nômico e Financeiro, n. 108, 1997, pp. 125-131, especialmente pp. 127-129.
122
Nesse sentido, veja-se Calixto S
ALOMÃO
F
ILHO
, O Novo Direito Societário, cit., pp. 15-51. Na A-
lemanha, esse modelo foi adotado pelas leis de participação dos empregados no conselho de supervi-
são das companhias. Iniciou-se com a lei MontanMitbestG de 1951, destinada aos setores de aço e
carvão, e foi paulatinamente estendido para demais setores industriais, tendo atingido seu ápice com a
lei MitbestG de 1976. Sobre o tema, veja-se Calixto S
ALOMÃO
F
ILHO
, Sociedade Anônima: Interesse
Público e Privado, cit., pp. 12-13. No direito brasileiro, o parágrafo único do artigo 140, acrescentado
pela Lei n° 10.303/2001, permite que o estatuto das companhias preveja a participação de represen-
tantes dos empregados no conselho de administração.
123
Aline de Menezes S
ANTOS
, Reflexões sobre a Governança Corporativa no Brasil, cit., p. 189.
124
Calixto S
ALOMÃO
F
ILHO
, O Novo Direito Societário, cit., p. 65.
3.2.3 SÍNTESE COMPARATIVA
Essa breve análise comparativa permite concluir que os adeptos de ambos
os modelos de corporate governance adotam posições congruentes quanto ao
fato de que as empresas devem ser organizadas e operadas para servir aos inte-
resses da comunidade, mas dissonantes quanto à forma como esses interesses
são mais bem atendidos. A diferença básica refere-se aos objetivos que confe-
rem às estruturas societárias. O debate envolve, especificamente, a função da
empresa no direito societário, ou seja, o objetivo do direito societário
125
.
Enquanto os partidários do shareholder-oriented model sustentam que as
estruturas societárias devem abrigar os interesses dos shareholders, sendo os in-
teresses dos demais stakeholders da empresa protegidos por mecanismos legais
125
Em expressiva passagem, Henry H
ANSMANN
e Reinier K
RAAKMAN
expõem a questão do objetivo
do direito societário nos seguintes termos: What is the goal of corporate law, as distinct from its
immediate functions of defining a form of enterprise and containing the conflicts among the
participants in this enterprise? As a normative matter, the overall objective of corporate law as of
any branch of law is presumably to serve the interests of society as a whole. More particularly, the
appropriate goal of corporate law is to advance the aggregate welfare of a firm’s shareholders,
employees, suppliers, and customers without undue sacrifice and, if possible, with benefit to third
parties such as local communities and beneficiaries of the natural environment. This is what
economists would characterize as the pursuit of overall social efficiency. It is sometimes said that the
goals of corporate law should be narrower. In particular, it is sometimes said that the appropriate
role of corporate law is simply to assure that the corporation serves the best interests of its
shareholders or, more specifically, to maximize financial returns to shareholders or, more specifically
still, to maximize the market price of corporate share. Such claims can be viewed in two ways. First,
these claims can be taken at face value, in which case they neither describe corporate law as we see
it, nor do they offer a normatively appealing aspiration for that body of law. There would be little to
recommend a body of law that, for example, permits corporate shareholders to enrich themselves
through transactions that make creditors or employees worse off by $2 for every $1 that the
shareholders gain. Second, such claims can be understood as saying, more modestly, that focusing
principally on the maximization of shareholder returns is, in general, the best means by which
corporate law can serve the broader goal of advancing overall social welfare. In general, creditors,
workers, and customers will consent to deal with a corporation only if they expect to be better off
themselves as a result. Consequently, the corporation and, in particular, its shareholders has a
direct pecuniary interest in making sure that corporate transactions are beneficial, not just to the
shareholders, but to all parties who deal with the firm. We believe that this second view is and
surely ought to be the appropriate interpretation of statements by legal scholars and economists
asserting that shareholder value is the proper object of corporate law. Whether, in fact, the pursuit of
shareholder value is generally an effective means of advancing social welfare is an empirical
question on which reasonable minds can differ.” (What is Corporate Law?, cit., pp. 17-18).
externos ao direito societário, os adeptos dos stakeholder models defendem que
deve haver, no interior das estruturas societárias, uma ponderação entre os inte-
resses de todos os stakeholders da empresa
126
.
bons argumentos em ambos os sentidos. Por um lado, sustenta-se que
os shareholders assumem os riscos da atividade empresarial e, por conseqüên-
cia, têm os maiores incentivos para controlar a empresa de forma eficiente
127
.
Por outro lado, considerando a necessidade de investimentos específicos na em-
presa, sejam financeiros ou humanos, em bens tangíveis ou intangíveis, defen-
de-se que direitos de controle devem ser atribuídos proporcionalmente aos titu-
lares desses investimentos, muitas vezes stakeholders que, à semelhança dos
shareholders, ficam expostos aos riscos da atividade empresarial
128
.
126
É importante destacar, como faz Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, que o saldo da comparação entre
esses modelos acaba sendo em grande parte ocultado pelo “hermetismo ideológico” que caracteriza. É
conhecida, por exemplo, a famosa afirmação de Milton F
RIEDMAN
de que a responsabilidade social da
empresa é dar o maior lucro possível aos seus proprietários. Essa dialética defeituosa, conforme assi-
nala Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, “tende a reduzir a percepção analítica do direito societário em
relação ao fenômeno empresarial aos limites da velha dicotomia propriedade-controle e a um trata-
mento restritivo do agency problem a ela subjacente, fazendo marginais (...) as concepções orientadas
pela constatação de que os sócios da empresa são os únicos que têm sua riqueza posta em mãos de
seus controladores e administradores e que, portanto, não são os únicos principals interessados na dis-
ciplina da relação de agency que é inerente à estrutura empresarial societária.” (Controle não Societá-
rio, pp. 19-20).
127
Nesse sentido, Frank E
ASTERBROOK
e Daniel F
ISCHEL
: As the residual claimants, shareholders
have the appropriate incentives (…) to make discretionary decisions. The firm should invest in new
products, plants, and so forth, until the gains and costs are identical at the margin. Yet all of the
actors, except the shareholders, lack the appropriate incentives. Those with fixed claims on the
income stream may receive only a tiny benefit (…) from the undertaking of a new project. The
shareholders receive most of the marginal gains and incur most of the marginal costs. They have the
right incentives to exercise discretion.” (The Economic Structure of Corporate Law, cit., p. 68).
128
Nesse sentido, Margaret B
LAIR
: Most of the participants in the corporate governance debates of
the last few years have discredited the notion that the corporations should be run in the interests of all
of the stakeholders, rather than just for the shareholders. But if stakeholders are defined to mean all
those participants who have substantial firm-specific investments at risk, then this idea is actually a
reasonable and appropriate basis for thinking about corporate governance reforms. Far from
abandoning the idea that firms should be run for all the stakeholders, contractual arrangements and
governance systems should be devised to assign control rights, rewards, and responsibilities to the
appropriate stakeholders.” (Ownership and Control: Rethinking Corporate Governance for the
Twenty-First Century, Washington, The Brookings Institution, 1995, p. 274).
No presente ensaio, não se ambiciona apontar o melhor modelo societá-
rio, nem a melhor forma de proteger os diversos interesses que gravitam em tor-
no da atividade empresarial, questões que, a rigor, possuem natureza político-
ideológica ou, quando muito, empírica. De forma mais restrita, pretende-se uti-
lizar o debate entre os modelos analisados para examinar a tutela dos interesses
intrasocietários dos shareholders e extrasocietários dos stakeholders no orde-
namento jurídico e na prática societária brasileira.
Trata-se, assim, de estabelecer um pano de fundo para a discussão do ca-
pítulo seguinte, destinado a examinar a alocação do controle societário e o seu
balizamento em função dos interesses intrasocietários e extrasocietários que
gravitam ao redor da empresa. Para essa finalidade, duas conclusões, extraídas
dos debates de corporate governance, parecem bastante relevantes.
A primeira é que as normas jurídicas devem regular a empresa para que
haja maximização do valor do bem-estar social agregado e distribuição eqüitati-
va dos resultados gerados pela atividade empresarial. As normas jurídicas ten-
dentes a balizar a conduta dos controladores e administradores das empresas,
portanto, devem ser efetivas tanto no plano intrasocietário, como no plano ex-
trasocietário
129
. No primeiro, para evitar condutas oportunistas e apropriações
ilegítimas dos resultados da atividade empresarial. No segundo, para impedir o
lucro socialmente destrutivo.
A segunda é que existem limites para a interiorização de interesses exter-
nos em estruturas societárias. Em linhas gerais, esses limites consistem na dura-
doura prosperidade e rentabilidade da empresa ou, em outras palavras, na ma-
ximização do valor da empresa em longo prazo, que se traduz, em última análi-
129
Nesse sentido, veja-se Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, Limites de Efetividade do Direito Societá-
rio na Repressão ao Uso Disfuncional do Poder de Controle nas Sociedades Anônimas, cit., pp. 195-
199.
se, na sua possibilidade de produção de riquezas. É possível, por conseguinte,
que os interesses externos compatíveis com a lógica da maximização do valor
da empresa em longo prazo, que pressupõe a manutenção de boas relações com
os diversos grupos de stakeholders, sejam interiorizados na sua estrutura socie-
tária. Os interesses externos incompatíveis com essa lógica devem necessaria-
mente ser tutelados por outros mecanismos legais
130
.
130
Em sentido semelhante, veja-se Eduardo Secchi M
UNHOZ
, Empresa Contemporânea e Direito So-
cietário: Poder de Controle e Grupos de Sociedades, cit., pp. 36-50; e Michael J
ENSEN
, Value
Maximization, Stakeholder Theory, and the Corporate Objective Function, cit., pp. 8-9 e 16-17.
4. ALOCAÇÃO E BALIZAMENTO DO PODER
DE CONTROLE NO DIREITO SOCIETÁRIO
O ordenamento jurídico, ao regular o fenômeno econômico da empresa,
deve proporcionar ou impor condições para que haja maximização do valor do
bem-estar social agregado pela atividade empresarial e distribuição eqüitativa de
resultados. Isso significa que as normas jurídicas que direcionam a gestão da
empresa devem ser efetivas tanto no plano intrasocietário, para evitar condutas
oportunistas e apropriações ilegítimas dos resultados da atividade empresarial,
como no plano extrasocietário, para impedir o lucro socialmente destrutivo.
No direito societário, a função da empresa consiste, precisamente, nos in-
teresses que os controladores e administradores devem perseguir na sua gestão.
As possíveis formas de tutela dos interesses internos dos shareholders e exter-
nos dos stakeholders serão tratadas no presente capítulo.
4.1 ALOCAÇÃO DO PODER DE CONTROLE NO DIREITO
SOCIETÁRIO
A realidade empresarial brasileira é marcada pela concentração da propri-
edade societária. Segundo dados constantes do White Paper on Corporate Go-
vernance in Latin America, elaborado pela Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2003, 51% das ações das 459 socie-
dades abertas pesquisadas pertencem a um único acionista, sendo que 65% das
ações são detidas pelos três maiores acionistas. O estudo destaca, ainda, que os
controladores costumam concentrar um número maior de ações do que o neces-
sário para exercício do controle
131
.
Além da concentração da propriedade, o sistema societário brasileiro ca-
racteriza-se pela concentração de poderes em torno do sócio controlador. A Lei
das S/A foi elaborada com o objetivo precípuo de “criar a estrutura institucional
da grande empresa privada de capital nacional”
132
e escentralizada na figura
do acionista controlador, “o verdadeiro empresário, o criador de riquezas, mas
que, até pela sua posição de poder no mundo econômico, tem deveres para com
a comunidade em que atua, os demais acionistas sob o seu comando, a empresa
que controla, e os que nela trabalham.”
133
Em razão da preponderância de votos na assembléia geral, o acionista
controlador tem poderes para “decidir todos os negócios relativos ao objeto da
companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desen-
volvimento” e “eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fis-
cais da companhia” (artigos 121 e 122). Diante dessa possibilidade de demissão
ad nutum, pode-se dizer que os administradores ficam reduzidos a “cargos de
confiança” da assembléia geral e, indiretamente, a “extensões operacionais da
vontade do controlador”
134
.
131
Disponível em www.ocde.org. Outro dado relevante é que as empresas estrangeiras que atuam no
país costumam constituir sociedades limitadas ou sociedades anônimas fechadas controladas por soci-
edades estrangeiras com grande concentração da propriedade societária, fato que demonstra a falta de
interesse dos grupos estrangeiros na captação de investimentos acionários no país.
132
Alfredo L
AMY
F
ILHO
e José Luiz B
ULHÕES
P
EDREIRA
, A Lei das S.A., 1° vol., 2ª ed., Rio de Janei-
ro, Renovar, 1995, p. 182.
133
Idem, ibidem, p. 154.
134
Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, Limites de Efetividade do Direito Societário na Repressão ao Uso
Disfuncional do Poder de Controle nas Sociedades Anônimas, cit., p. 200.
No Brasil, portanto, o problema de agency não se estabelece entre gesto-
res e proprietários do capital empregado na atividade econômica, mas entre só-
cios controladores e cios não controladores. Numa perspectiva mais abran-
gente, considerando que não há qualquer mecanismo societário de ingerência na
gestão da empresa outorgado a partes interessadas diversas dos sócios, pode-se
dizer que o problema de agency ocorre entre os sócios controladores e todas as
partes interessadas que investem recursos na empresa, sejam investimentos fi-
nanceiros ou humanos, em bem tangíveis ou intangíveis.
A Lei das S/A, contudo, ao mesmo tempo em que confere a soberania so-
cietária ao acionista controlador, imputa-lhe deveres e responsabilidades pró-
prias. Por essa razão, o poder de controle é considerado um direito-função, atri-
buído ao titular para a consecução de finalidades específicas
135
. O conceito legal
de acionista controlador está previsto no artigo 116, que acolhe apenas o contro-
le interno e exclui o controle externo
136
:
Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o gru-
po de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:
135
Fábio Konder C
OMPARATO
, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., p. 363.
136
Tendo em vista que a Lei das S/A considerou necessária a titularidade de direitos de sócio para e-
xercício do controle, na hipótese de existência de abuso do controle externo, que implique prejuízos
para a sociedade dependente, não incidência das normas de direito societário, mas apenas das re-
gras próprias dos contratos ou negócios jurídicos que deram origem à situação. Nesse sentido, veja-se
Viviane Muller P
RADO
, Noção de Grupo de Empresas para o Direito Societário e para o Direito Con-
tratual, cit., p. 153. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n° 15247/RJ, decidiu
pela inaplicabilidade da regra de responsabilidade por abuso de controle, prevista no artigo 117 da Lei
das S/A, a casos de controle externo, fundamentalmente em função da inexistência de participação so-
cietária da controladora na controlada. Na espécie, sociedade afiliada da TV Globo, retransmissora
exclusiva de sua programação em área geográfica determinada, pleiteava o reconhecimento da exis-
tência de controle externo, fundado na subordinação econômica e tecnológica entre as empresas, e do
exercício abusivo do controle, consubstanciado na denúncia do contrato firmado entre as partes. Sus-
tentava a afiliada, com base em parecer de Fabio Konder C
OMPARATO
, a aplicação analógica da regra
prevista no artigo 117 da Lei das S/A, especialmente da hipótese da alínea b do §1° (cf. Grupo Socie-
tário Fundado em Controle Contratual e Abuso de Poder do Controlador, cit., pp. 270-291). Em sen-
tido contrário, críticas ao julgado podem ser encontradas em Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, Contro-
le não Societário, cit., pp. 148-161.
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos
votos nas deliberações da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dos adminis-
tradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funciona-
mento dos órgãos da companhia.
O dispositivo prevê duas hipóteses de controle conjunto da companhia. A
primeira é o acordo de voto, que não precisa ser arquivado na sede da compa-
nhia, como manda o caput do artigo 118, e pode inclusive consistir em acordo
tácito. O arquivamento não constitui um pressuposto do reconhecimento do po-
der de controle porque a aplicação dos deveres e responsabilidades dos contro-
ladores não pode ficar submetida ao seu próprio arbítrio.
A segunda é o grupo de pessoas sob controle comum, que supõe que o
controlador, em última instância, não seja uma sociedade, pois no caso estar-se-
ia diante de um grupo de sociedades, no qual a controladora seria a sociedade
localizada no cume da pirâmide, por aplicação da regra do artigo 243, §2°, e não
as sociedades intermediárias. Na hipótese de incidência definida do artigo 116,
o controle é direto e as sociedades sob controle comum são tidas, em conjunto,
por controladoras
137
.
A prerrogativa de eleição dos administradores da companhia seria dispen-
sável para a configuração do controle não fosse a possibilidade de ser conferida,
por mecanismos diversos do voto majoritário, como o acordo de acionistas ou a
titularidade de ações de classe especial, a acionista minoritário
138
. Não se trata,
no caso, de acordo de acionistas que estabelece o controle conjunto da compa-
nhia e o exercício compartilhado das prerrogativas estabelecidas na alínea a do
artigo 116, mas de hipótese na qual existe uma segmentação dessas prerrogati-
137
Fábio Konder C
OMPARATO
, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., p. 85.
138
Idem, ibidem, pp. 85-86.
vas que, nos termos literais da lei, impede qualquer acionista de ser qualificado
como controlador
139
.
Por um lado, o acionista minoritário, titular do poder de eleger os admi-
nistradores, terá a prerrogativa de definir, direta ou indiretamente, o quadro de
diretores ao qual é atribuída a função privativa de representação da companhia.
Por outro lado, o acionista majoritário permanecerá titular da maioria dos votos
nas deliberações assembleares. A gestão ordinária da companhia, exercida pelos
administradores, estará submetida à influência do acionista minoritário, detentor
da prerrogativa de nomeação, mas as decisões fundamentais da companhia esta-
rão subordinadas à vontade do acionista majoritário. Nessa situação, o controle
permanecerá em mãos do acionista majoritário, pois a competência privativa
dos administradores não lhes outorga o poder soberano na companhia, relativa-
mente à assembléia geral
140
.
139
Modesto C
ARVALHOSA
sustenta que a caracterização do controle dispensa a presença cumulativa
dos dois requisitos previstos no inciso a do artigo 116 da Lei das S/A. Nas suas palavras: “Esses dois
atributos não podem ser entendidos como cumulativos, que se pode ter o controle interno da com-
panhia exercendo apenas um deles. Assim, é possível que os sócios titulares de determinadas classes
de ações, nas companhias fechadas, tenham o poder de eleger a maioria dos administradores (art. 16).
E, nas companhias abertas, podem alcançar esse poder mediante acordo de acionistas (art. 118). Esse
poder de nomeação pode não vir acompanhado de outras prerrogativas de controle consubstanciadas
em outras matérias susceptíveis de deliberação da assembléia geral e do Conselho de Administração.
Portanto, basta que haja o poder de eleger a maioria dos administradores para que se caracterize o
controle interno da companhia. E é suficiente que, por outro lado, haja prevalência da vontade de um
grupo, nas demais deliberações societárias, para que também a caracterização de controle se estabele-
ça.” (Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, vol. 2, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1998, p. 431).
140
Fábio Konder C
OMPARATO
, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., p. 86. É importante
destacar que a emissão de ações de classe especial previstas no artigo 18 da Lei das S/A permite o es-
tabelecimento de um controle gerencial de direito. Basta, com efeito, prever em estatuto social a
composição da diretoria e do conselho de administração e as matérias relevantes para os negócios so-
ciais, além de atribuir substanciais poderes de direção aos órgãos de administração. Desse modo, com
o poder de veto das alterações estatutárias e o poder de eleger a maioria dos membros do conselho de
administração, pode-se controlar a companhia. Nesse caso, o poder de dirigir as atividades sociais fi-
cará com a administração, tendo os titulares das ações de classe especial a possibilidade de protegê-la,
mas não de exercer o controle. Nas mãos da administração, contudo, essas ações servem como impor-
tante garantia do controle gerencial. Sobre o tema, veja-se Calixto S
ALOMÃO
F
ILHO
, O Novo Direito
Societário, cit., pp. 113-116.
A alínea a do artigo 116 exige, ainda, a titularidade de direitos de sócio
que assegurem, de modo permanente, a preponderância nas deliberações sociais
da companhia. No tocante à titularidade de direitos de sócio, deve-se ressaltar
que, nos casos de dissociação entre a propriedade das ações e a titularidade do
direito de voto, como nas hipóteses de usufruto ou alienação fiduciária em ga-
rantia, será controlador o titular dos votos decisivos e não o proprietário das a-
ções
141
. Quanto à permanência, cumpre observar que “não significa, estritamen-
te falando, situação majoritária prolongada no tempo”, sendo admissível que se
adquira o controle de uma companhia por um curto período de tempo, durante o
qual haverá controle “desde que a preponderância nas deliberações sociais de-
penda unicamente da vontade do titular de direitos de sócio e não de aconteci-
mentos fortuitos.”
142
141
Fábio Konder C
OMPARATO
, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., p. 85.
142
Idem, ibidem, p. 86.
Em relação o inciso b do artigo 116, considera-se que o uso efetivo do
poder na condução dos negócios sociais é presumido na hipótese de controle
majoritário. Essa presunção, contudo, não é absoluta, mas relativa e elidível por
prova em contrário. Se o acionista majoritário comprova que desconhecia a ori-
entação da companhia e ignorava o seu desempenho, com efeito, não lhe podem
ser imputados os deveres e responsabilidades próprios do acionista controlador.
Se, por outro lado, conhecia a situação da companhia e tinha como evitar a
orientação, responde pelas perdas e danos que resultam da negligência no uso
do poder de controle, na forma dos artigos 186 e 927 do Código Civil
143
.
O conceito legal de controle é praticamente repetido no §2° do artigo
243
144
, que considera controlada a sociedade “na qual a controladora, direta-
mente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe as-
segurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o po-
der de eleger a maioria dos administradores”. O primeiro aspecto importante da
definição é o reconhecimento do controle indireto, próprio dos grupos societá-
143
Guilherme Döring C
UNHA
P
EREIRA
, Alienação do Poder de Controle Acionário, cit., p. 19. De
forma mais extrema, Fábio Konder C
OMPARATO
sustenta que a exigência do inciso b do artigo 116
refere-se apenas ao controle minoritário, sendo dispensável na hipótese de controle majoritário. Nas
suas palavras: “A exigência de uso efetivo do poder ‘para dirigir as atividades sociais e orientar o fun-
cionamento dos órgãos da companhia’ somente se compreende, como elemento integrante da defini-
ção do controlador, em se tratando de controle minoritário. Neste, com efeito, o titular de direitos de
sócio que lhe assegurariam a preponderância nas deliberações sociais, em razão da dispersão acioná-
ria, pode manter-se ausente das assembléias gerais, perdendo com isto, de fato, o comando da empre-
sa. no controle de tipo majoritário, porém, o desuso ou mau uso do poder não é elemento definidor
do status, pois ainda que o controlador afete desinteressar-se dos negócios sociais, não pode arredar o
fato de que o poder de comando se exerce em seu nome, ou por delegação sua, o que a tanto equiva-
le.” (O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., p. 87). Em sentido contrário, entendendo o re-
quisito como indispensável para qualificação do acionista majoritário como controlador, veja-se Edu-
ardo Secchi M
UNHOZ
, Empresa Contemporânea e Direito Societário: Poder de Controle e Grupos de
Sociedades, cit., pp. 239-240.
144
No Código Civil, não conceito legal de sócio controlador, mas a definição de sociedade contro-
lada é análoga àquela prevista na Lei das S/A. Confira-se: “Art. 1.098. É controlada: a) a sociedade de
cujo capital outra sociedade possua a maioria dos votos nas deliberações dos quotistas ou da assem-
bléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores; b) a sociedade cujo controle, referido no
inciso anterior, esteja em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedade ou socie-
dades por esta já controladas.”
rios. Nesse caso, por aplicação da regra legal, considera-se controladora a soci-
edade localizada no topo do organograma do grupo societário e não a sociedade
titular direta da participação societária na sociedade controlada.
O segundo aspecto importante da definição é a dispensa da necessidade
de uso efetivo do poder para direção das atividades sociais e orientação do fun-
cionamento dos órgãos da sociedade controlada. Essa dispensa justifica-se em
razão do fato de que uma sociedade, quando participa em outras, tem por finali-
dade realizar seu objeto social, direta ou indiretamente, ou beneficiar-se de in-
centivos fiscais. Nesse caso, a titularidade permanente de direitos de sócio, que
assegurem preponderância nas deliberações sociais, acarreta o dever de contro-
lar a sociedade, com todas as implicações legais decorrentes
145
.
Examinada a alocação do poder de controle no direito societário, resta
analisar a disciplina do seu balizamento em função do atendimento dos interes-
ses intrasocietários e extrasocietários.
4.2 BALIZAMENTO DO PODER DE CONTROLE NO DIREITO
SOCIETÁRIO
A Lei das S/A estabelece, no parágrafo único do artigo 116, os interesses
que devem ser atendidos pelos controladores na gestão da empresa:
Art. 116. [...]
Parágrafo Único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a
companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e respon-
sabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para
145
Guilherme Döring C
UNHA
P
EREIRA
, Alienação do Poder de Controle Acionário, cit., p. 20. Con-
forme destaca o autor, se não existe intenção de controlar, a sociedade detentora da participação socie-
tária deve procurar limitar essa participação a uma porcentagem que não lhe confira a preponderância
nas deliberações sociais. No mesmo sentido, veja-se Eduardo Secchi M
UNHOZ
, Empresa Contempo-
rânea e Direito Societário: Poder de Controle e Grupos de Sociedades, cit., pp. 238-241.
com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e
atender.
O artigo 115, por sua vez, prevê que o acionista, controlador ou não, deve
exercer o direito de voto no interesse da companhia:
Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; consi-
derar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros
acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que
resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.
A leitura conjunta desses dispositivos legais permite a conclusão de que a
lei distingue o status do acionista controlador da posição do acionista não con-
trolador. Enquanto o primeiro tem deveres e responsabilidades não em rela-
ção aos demais acionistas, mas também perante os trabalhadores e a comunida-
de em que a empresa atua, o segundo pode pautar sua atuação na companhia por
interesses estritamente capitalistas
146
.
Além disso, a Lei das S/A estabelece uma distinção mais ou menos clara
entre os interesses internos dos sócios e os interesses externos das demais partes
interessadas na atividade empresarial, situando apenas os primeiros na estrutura
societária da companhia. Nesse sentido, confira-se a lição de Fábio Konder
C
OMPARATO
:
146
Em razão dessa distinção, a doutrina costuma afirmar que a lei estabeleceu um regime dual sobre a
matéria, diferenciado o interesse social lato sensu do interesse social stricto sensu ou interesse da
companhia. O primeiro é equiparado ao interesse geral da coletividade no desenvolvimento da ativi-
dade empresarial e o segundo ao interesse comum dos sócios enquanto sócios (uti socii), segundo uma
perspectiva contratualista. No interesse da companhia, insere-se tanto o escopo-meio, caracterizado
pelo exercício da empresa, como o escopo-fim, consistente na produção de lucros e distribuição entre
os sócios. Nesse sentido, veja-se Erasmo Valladão Azevedo e N
OVAES
F
RANÇA
, Conflito de Interes-
ses nas Assembléias de S.A., cit., pp. 57-65; Fábio Konder C
OMPARATO
, O Poder de Controle na So-
ciedade Anônima, cit., pp. 381-382; e Mauro Rodrigues P
ENTEADO
, Aumentos de Capital das Socie-
dades Anônimas, cit., 253-257. Para os fins do presente ensaio, importa destacar que o interesse da
companhia refere-se, em última análise, ao interesse capitalista dos acionistas e não envolve quaisquer
interesses externos.
Os interesses extra-societários, que se podem opor ao dos acionistas, situam-se, na
verdade, fora da companhia, e não dentro dela: são os dos trabalhadores, clientes e
fornecedores da empresa, ou os interesses coletivos extra-empresariais. A esse respei-
to, a Lei n. 6.404 parece estabelecer distinções claras entre essas diferentes esferas de
interesses. No art. 116, distingue-se o objeto da companhia da função social, pois a-
quele é pertinente à sua economia interna, enquanto esta se dirige a não-acionistas: os
trabalhadores da empresa e a comunidade em que esta atua. No art. 117, o objeto so-
cial, definido no estatuto da companhia, é posto em paralelo com o “interesse nacio-
nal”, ou com o de “outra sociedade, brasileira ou estrangeira”. No art. 154, a realiza-
ção dos fins da companhia e a atuação dos administradores no interesse desta supõem
a satisfação das ‘exigências do bem público e da função social da empresa’.
Força é reconhecer, em conseqüência, que “interesse da companhia”, no texto do art.
115, não está a indicar algo estranho à relação jurídica societária e aos próprios acio-
nistas que a compõem.
147
Apesar da referência aos deveres dos controladores em relação a interes-
ses extrasocietários, não existem mecanismos societários para sua tutela
148
. Em-
bora permita alguma discricionariedade dos controladores e administradores no
atendimento de interesses extrasocietários
149
, a lei confere mecanismos de inge-
rência na gestão da companhia apenas aos sócios e direciona a condução da em-
presa em função do atendimento prioritário dos seus interesses. De fato, à exce-
ção da possibilidade de representação dos empregados no conselho de adminis-
147
Controle Conjunto, Abuso no Exercício do Voto Acionário e Alienação Indireta de Controle Em-
presarial, in Direito Empresarial: Estudos e Pareceres, cit., p. 87.
148
Essa falta de mecanismos societários de tutela dos interesses dos stakeholders da empresa costuma
ser criticada pela doutrina. Nesse sentido, veja-se Fábio Konder C
OMPARATO
, O Poder de Controle
na Sociedade Anônima, cit., p. 371.
149
Existem situações em que as decisões empresariais submetem-se à discricionariedade dos contro-
ladores e administradores, relativamente ao atendimento dos interesses dos sócios ou de outras partes
interessadas na atividade empresarial, como no seguinte exemplo citado por Eduardo Secchi M
U-
NHOZ
: “A tulo ilustrativo, imagine-se que uma determinada empresa pudesse escolher entre duas li-
nhas de produção, ambas consentâneas com a legislação ambiental. A primeira linha seria menos po-
luente, mas acarretaria custos mais elevados. A segunda seria mais poluente, mas implicaria relevante
redução de custos. Como deveriam decidir o controlador e os administradores dessa sociedade? Deve-
riam voltar-se ao interesse da comunidade pela preservação do meio ambiente, o que acarretaria maio-
res custos para a sociedade, ou agir em conformidade com o interesse dos acionistas, pela produção de
lucros mais elevados? Se a decisão fosse de reduzir custos, teriam sido atendidos os interesses dos só-
cios; se fosse pela redução da poluição, teriam sido atendidos os interesses da comunidade local e da
nação. Em ambas as hipóteses, portanto, seria defensável a decisão tomada pelo controlador e pelos
administradores.” (Empresa Contemporânea e Direito Societário: Poder de Controle e Grupos de So-
ciedades, cit., p. 43).
tração, minoritária e dependente de previsão estatutária, não existe participação
de qualquer grupo externo na estrutura societária das companhias. No ordena-
mento jurídico brasileiro, em última análise, a tutela dos interesses extrasocietá-
rios encontra-se fora do direito societário.
4.2.1 INTERESSES INTERNOS
O balizamento do poder de controle em função dos interesses intrasocie-
tários realiza-se por meio da regra de responsabilidade civil do acionista contro-
lador pelas perdas e danos causados por atos praticados com abuso do poder de
controle, prevista no artigo 117, salvo quando o exercício abusivo ocorrer medi-
ante o exercício do voto em assembléia geral, hipótese em que o §4° do artigo
115 prevê a anulabilidade da deliberação tomada em razão do voto de acionista
com interesse conflitante com o da companhia.
O caput do artigo 115 considera voto abusivo aquele proferido no sentido
de “causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou obter, para si ou para
outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo
para a companhia ou para outros acionistas”. O dispositivo legal leva em consi-
deração a finalidade com que o acionista exerce o voto, de forma que haverá
abuso nos casos de desvio de finalidade, ou seja, nas hipóteses de voto proferido
de modo contrário ao interesse da companhia
150
. A abusividade do voto deve ser
apreciada em cada caso, num juízo de mérito
151
, que não abrange, contudo, a
150
Erasmo Valladão Azevedo e N
OVAES
F
RANÇA
, Conflito de Interesses nas Assembléias de S.A.,
cit., pp. 83-84.
151
Luiz Gastão Paes de Barros L
EÃES
, Conflito de Interesses e Vedação de Voto nas Assembléias das
Sociedades Anônimas, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 92, 1993,
pp. 107 e ss.
conveniência e a oportunidade da deliberação, mas se limita ao escopo de des-
cobrir um vício objetivo de legitimidade do voto, segundo sua finalidade
152
.
O §1° do artigo 115, por sua vez, proíbe o voto do acionista nas delibera-
ções assembleares relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer
para a formação do capital social, à aprovação de suas contas como administra-
dor, ou a quaisquer outras matérias que puderem beneficiá-lo de modo particu-
lar ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.
Nos três primeiros casos, soa perfeitamente claro que a violação da proi-
bição acarreta, ipso facto, a nulidade do voto e a conseqüente anulabilidade da
deliberação, se o voto for determinante para a formação da maioria
153
. Nessas
hipóteses, não que se perquirir a obtenção de vantagem ou a ocorrência de
prejuízo para a companhia ou para outros acionistas, mas se verifica um contro-
le ex ante da legitimidade do voto, cuja indagação limita-se a um exame de cu-
nho meramente formal
154
. Trata-se, com efeito, de “mera aplicação do princípio
nemo iudex in causa propria
155
.
152
Modesto C
ARVALHOSA
, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, vol. 2, cit., pp. 404-405.
153
Erasmo Valladão Azevedo e N
OVAES
F
RANÇA
, Conflito de Interesses nas Assembléias de S.A.,
cit., p. 87.
154
Luiz Gastão Paes de Barros L
EÃES
, Conflito de Interesses e Vedação de Voto nas Assembléias das
Sociedades Anônimas, cit., p. 110.
155
Fábio Konder C
OMPARATO
, Controle Conjunto, Abuso no Exercício do Voto Acionário e Aliena-
ção Indireta de Controle Empresarial, cit., p. 91. Como destaca o autor, existe proibição de voto
“quando se trata de uma das situações de conflito aberto de interesses relacionadas no §1° do artigo
115: deliberações relativas ao laudo de avaliação dos bens com que o votante concorrer para a forma-
ção do capital social, aprovação de contas do votante como administrador ou concessão de vantagens
pessoais.”
Na hipótese de “interesse conflitante com o da companhia”, contudo,
divergência na doutrina quanto à natureza do conflito
156
. Trata-se de avaliar se
existe, efetivamente, uma proibição de voto, cuja violação acarreta nulidade au-
tomática, para o que basta configurar o conflito de interesses formal, ou se a lei
estabelece uma proteção acautelatória, cuja violação somente ocasionará a nuli-
dade do voto se, após o exame do respectivo conteúdo, for verificado um confli-
to substancial de interesses
157
.
A rigor, a regra legal impõe seja considerado o conflito de interesses do
ponto de vista meramente formal, com a proibição do voto do acionista com in-
teresse conflitante. Detendo interesse oposto ao interesse da companhia, portan-
to, deve o acionista abster-se de votar na deliberação, pelas mesmas razões que
impõem sua abstenção nas hipóteses precedentes da regra legal. No entanto, é
preciso que “o conflito de interesses transpareça a priori da própria estrutura da
relação ou negócio sobre que se vai deliberar, como por exemplo, um contrato
bilateral entre a companhia e o acionista”
158
.
156
Sobre o tema, sustentando a proibição de voto, veja-se Modesto C
ARVALHOSA
, Comentários à Lei
de Sociedades Anônimas, cit., pp. 410-411; e Calixto S
ALOMÃO
F
ILHO
, Sociedade Anônima: Interesse
Público e Privado, cit., p. 17. Em sentido contrário, sustentando o direito de voto, para posterior avali-
ação do conflito de interesses, veja-se Erasmo Valladão Azevedo e N
OVAES
F
RANÇA
, Conflito de In-
teresses nas Assembléias de S.A., p. 91-97.
157
Também na jurisprudência administrativa da Comissão de Valores Mobiliários existe divergência
sobre haver proibição de voto na hipótese legal. Sobre o tema, veja-se Erasmo Valladão Azevedo e
N
OVAES
F
RANÇA
, Acionista Controlador Impedimento ao Direito de Voto, Revista de Direito Mer-
cantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 125, 2002, pp. 139-172; e Conflito de Interesses: For-
mal ou Substancial? Nova Decisão da CVM Sobre a Questão, Revista de Direito Mercantil, Industri-
al, Econômico e Financeiro, n. 128, 2002, pp. 225-262.
158
Fábio Konder C
OMPARATO
, Controle Conjunto, Abuso no Exercício do Voto Acionário e Aliena-
ção Indireta de Controle Empresarial, cit., p. 91.
Em quaisquer dos casos, seja de voto abusivo, seja de proibição de voto, a
sanção é a nulidade do voto e, conseqüentemente, a anulabilidade da delibera-
ção tomada em decorrência do voto nulo, além da reparação dos danos causados
e da transferência das vantagens auferidas para a companhia, nos termos do ar-
tigo 115, §4°. Se o voto não prevalecer na deliberação, entretanto, a sanção con-
sistirá apenas no ressarcimento dos eventuais prejuízos, nos termos do §3° do
mesmo artigo 115
159
.
4.2.2 INTERESSES EXTERNOS
A Lei das S/A não prevê tutela interiorizada para os interesses extrasocie-
tários. Embora haja certa discricionariedade dos controladores e administradores
no atendimento de interesses extrasocietários, não há nenhuma regra obrigatória
de participação de representantes dos stakeholders nas estruturas societárias e
órgãos sociais da companhia. A única referência legal, relativa à possibilidade
de participação de representante dos empregados no conselho de administração,
depende de previsão estatutária.
Desde que respeitados os limites da lógica da maximização do valor da
empresa em longo prazo, poderia ser admitida a interiorização dos interesses
dos stakeholders nos órgãos sociais, inclusive com mecanismos de ingerência e
fiscalização sobre a condução dos negócios sociais. Além da lógica da maximi-
zação do valor da empresa em longo prazo, essa interiorização limita-se também
pelos próprios custos de controle, ou seja, pela impossibilidade prática de co-
mando da empresa na hipótese de que todas as partes interessadas ou afetadas
159
Erasmo Valladão Azevedo e N
OVAES
F
RANÇA
, Conflito de Interesses nas Assembléias de S.A.,
cit., pp. 99-100.
pela sua atividade econômica tivessem direito de participação dos seus proces-
sos decisórios
160
.
No ordenamento jurídico brasileiro, no entanto, o balizamento do poder
de controle em função dos interesses extrasocietários encontra-se fora do direito
societário e deriva do princípio da função social da empresa
161
.
A expressão função social refere-se originalmente à propriedade, especi-
ficamente à noção de que o uso da propriedade privada deveria servir, além do
interesse do titular, também ao interesse da coletividade. A menção mais rele-
vante nesse sentido encontra-se na última alínea do artigo 153 da Constituição
de Weimar de 1919, que preceitua que a propriedade obrigae que seu uso
deve igualmente ser um serviço ao bem comum
162
. No direito alemão, a função
social da empresa derivou da ampliação dessa idéia e encontrou seu ponto mais
160
Nesse sentido, assinala Henry H
ANSMANN
: In theory it would be possible to have all classes of
patrons share in collective decision making, and thus not completely disenfranchise anyone. This is
essentially the position taken by those who feel that every group affected by a business firm’s
decisions its “stakeholders,” such as workers, customers, suppliers, members of the local
community, and environmental groups should have representation on the firm’s board of directors.
Moreover, one might think that this would also have the important advantage of reducing the costs of
market contracting for all of the firm’s patrons and not just for a single group of them. But because
the participants are likely to have radically diverging interests, making everybody an owner threatens
to increase the costs of collective decision making enormously. Indeed, one of the strongest
indications of the high costs of collective decision making is the nearly complete absence of large
firms in which ownership is shared among two or more different types of patrons, such as customers
and suppliers or investors and workers.” (The Ownership of Enterprise, cit., p. 44).
161
Sobre o conceito de função social, ensina Fábio Konder C
OMPARATO
: “Função, em direito, é um
poder de agir sobre a esfera jurídica alheia, no interesse de outrem, jamais em proveito do próprio titu-
lar. A consideração dos objetivos legais é, portanto, decisiva nessa matéria, como legitimação do po-
der. A ilicitude, aí, não advém apenas das irregularidades formais, mas também do desvio de finalida-
de, caracterizando autêntica disfunção. Nem todo beneficiário do poder funcional, no entanto, é indi-
viduado, como sucede nas hipóteses de pátrio poder, tutela ou curatela, para ficarmos no campo do
direito privado mais tradicional. Algumas vezes, interessados no exercício da função são pessoas in-
determinadas e, portanto, não legitimadas a exercer pretensões pessoais e exclusivas contra o titular
do poder. É nestas hipóteses, precisamente, que se deve falar em função social ou coletiva.” (A Re-
forma da Empresa, cit., pp. 9-10).
162
Cf. Fábio Konder C
OMPARATO
, Estado, Empresa e Função Social, Revista dos Tribunais, n. 732,
1996, p. 41; e Calixto S
ALOMÃO
F
ILHO
, Sociedade Anônima: Interesse Público e Privado, cit., p. 19.
elevado no reconhecimento da constitucionalidade das leis de participação dos
trabalhadores nas grandes empresas
163
.
No Brasil, o princípio da função social da propriedade está previsto no ar-
tigo 170, III da Constituição Federal. Por função social “não se indicam as res-
trições ao uso e gozo dos bens próprios”, que constituem “limites negativos aos
direitos do proprietário”
164
, derivados do princípio neminem laedere. Pelo con-
trário, a função social corresponde ao “poder-dever do proprietário de dar à coi-
sa uma destinação compatível com o interesse da coletividade”
165
.
A função social da empresa deriva da aplicação do princípio da função
social da propriedade aos bens de produção. Quando tais bens são incorporados
a uma exploração empresarial, o poder-dever do proprietário transfere-se aos
controladores e administradores da empresa
166
. A função social da empresa é
princípio norteador da regulamentação externa dos interesses extrasocietários.
Os exemplos de aplicação do principio da função social da empresa po-
dem ser sentidos em diversos ramos do direito. No direito da concorrência, a re-
pressão ao abuso de preços (artigo 21 da Lei 8.884/94) constitui verdadeira
obrigação positiva do monopolista de praticar preços competitivos. No direito
do consumidor, a disciplina da responsabilidade pelos vícios do produto (artigo
18 do Código de Defesa do Consumidor) significa o estabelecimento de uma
garantia legal adicional à garantia contratual em beneficio do consumidor. No
direito ambiental, a idéia de reparação dos prejuízos causados, ainda que não
163
Calixto S
ALOMÃO
F
ILHO
, idem, ibidem, p. 19.
164
Fábio Konder C
OMPARATO
, Função Social da Propriedade dos Bens de Produção, in Direito Em-
presarial: Estudos e Pareceres, cit., p. 32.
165
Idem, ibidem, p. 34.
166
Cf. Fábio Konder C
OMPARATO
, idem, ibidem, p. 34; e Ricardo F
ERREIRA DE
M
ACEDO
, Limites de
Efetividade do Direito Societário na Repressão ao Uso Disfuncional do Poder de Controle nas Socie-
dades Anônimas, cit., p. 224.
haja dano (artigo 225, §2° da Constituição Federal), deriva da concepção da
função social como dever positivo e não mera obrigação de abstenção
167
.
O princípio da função social da empresa, portanto, não leva, nem pode
levar, à substituição do Estado pela empresa privada. Enquanto organização e-
conômica lucrativa, a empresa privada não tem aptidão para assumir funções
públicas. O direito societário não oferece mecanismos para atendimento de inte-
resses externos, mas o princípio da função social leva ao estabelecimento de
uma série de deveres positivos na condução da empresa, relativamente aos inte-
resses extrasocietários afetados pela atividade empresarial. Interesses externos,
por aplicação do principio da função social da empresa, limitam os objetivos
capitalistas dos sócios
168
.
167
Calixto Salomão Filho, Sociedade Anônima: Interesse Público e Privado, cit., pp. 19-20.
168
Idem, ibidem, p. 20.
5. CONCLUSÃO
várias possibilidades de coordenar a atividade econômica de uma ou
mais pessoas e uma delas consiste em que essas pessoas celebrem contratos com
um único ente, que coordena a atividade econômica pelo exercício das prerroga-
tivas estabelecidas nesses contratos. A empresa funciona, nesse sentido, como
um feixe de contratos para os agentes econômicos cuja atividade será coordena-
da: é o ente com o qual cada um deles celebra contratos individuais. As prerro-
gativas conferidas por esses contratos à empresa são componentes essenciais ao
seu controle e constituem poderes atribuídos aos seus proprietários.
A concepção da empresa como feixe de contratos evidencia que tenderão
a ser proprietários e, portanto, controladores, os indivíduos que tiverem os me-
nores custos com essa situação e os maiores custos com a manutenção de rela-
ções no mercado. A empresa será organizada de acordo com a conveniência dos
agentes econômicos interessados no desenvolvimento da atividade empresarial,
que podem adotar uma pluralidade de formas jurídicas. A mais operacional é a
constituição de uma sociedade, que permite à empresa atuar como sujeito de di-
reitos e obrigações. No presente ensaio, a análise empreendida esteve centrada
na estrutura jurídica da sociedade empresária, especialmente da sociedade anô-
nima, na qual a propriedade e o controle da empresa são atribuídos aos sócios.
Nas sociedades empresárias, as prerrogativas que a teoria econômica con-
sidera inerentes aos proprietários da empresa são detidas pelos sócios em razão
da titularidade de participações societárias. Os sócios são detentores de preten-
sões residuais contra a pessoa jurídica e têm sua remuneração associada aos ris-
cos da atividade empresarial. Por essa razão, têm também a prerrogativa de con-
trolar a empresa por meio do exercício do direito de voto nos órgãos deliberati-
vos das sociedades.
No entanto, a própria estrutura societária, fundada no princípio majoritá-
rio, acarreta a separação, em maior ou menor medida, entre as prerrogativas de
apropriação dos lucros e controle da empresa. Em termos jurídicos, essa separa-
ção opera-se pela dissociação entre propriedade societária (i.e., titularidade de
participações societárias) e controle da sociedade. A dissociação entre proprie-
dade e controle do capital empregado na atividade empresarial torna os investi-
dores de capital alheios à sua gestão e os gestores indiferentes a uma parcela do
impacto econômico da atividade empresarial e gera uma potencial divergência
de interesses entre proprietários e controladores.
O fenômeno da dissociação entre propriedade e controle do capital em-
pregado na atividade empresarial provoca, assim, uma situação de possível dis-
torção decisória e gerencial na condução da empresa. Essa situação encontra-se
na própria fisiologia das empresas organizadas sob forma societária, que encerra
uma relação de agency entre, de um lado, os controladores e administradores e,
de outro lado, os demais agentes econômicos que conferem recursos à viabili-
dade da empresa.
A incidência do problema de agency em estruturas societárias constitui o
objeto dos estudos de corporate governance, perspectiva analítica que, com ba-
se em instrumentos econômicos, se propõe a investigá-lo e a formular mecanis-
mos de incentivo e responsabilidade para minimizá-los. A elaboração desses
mecanismos pressupõe, necessariamente, a identificação e determinação dos in-
teresses que os controladores e administradores devem perseguir na gestão da
empresa, ou seja, a definição da função da empresa no direito societário.
A distinção fundamental entre os modelos revela-se nos objetivos diver-
sos que atribuem ao direito societário. Enquanto os adeptos do shareholder-
oriented model sustentam que as estruturas societárias devem, ao menos priori-
tariamente, atender os interesses dos sócios (shareholders), os partidários dos
stakeholder models defendem que deve haver, nas estruturas societárias, uma
ponderação entre os interesses de todas as partes interessadas ou afetadas pela
atividade empresarial (stakeholders).
O presente ensaio limita-se a levantar uma questão que, embora funda-
mental, é incipiente na doutrina brasileira, que tem tratado a governança corpo-
rativa a partir do aspecto míope das chamadas boas práticas. Por evidente, co-
mo se espera ter demonstrado, a elaboração de mecanismos societários pressu-
põe, necessariamente, a investigação sobre os objetivos das estruturas societá-
rias e os interesses que visam tutelar. Parece claro que mecanismos societários
desenhados para a proteção dos interesses capitalistas dos sócios são bastante
diversos daqueles criados para proteção dos interesses das demais partes inte-
ressadas e afetadas pela atividade empresarial.
No presente ensaio, não se ambicionou apontar o melhor modelo societá-
rio, nem a melhor forma de proteger os diversos interesses que gravitam em tor-
no da atividade empresarial, questões que, a rigor, possuem natureza político-
ideológica ou, quando muito, empírica. Em razão da breve análise comparativa
dos modelos de corporate governance, no entanto, foram possíveis as seguintes
conclusões em relação à regulação jurídica da empresa.
A primeira é que as normas jurídicas devem regular a empresa para que
haja maximização do valor do bem-estar social agregado e distribuição eqüitati-
va dos resultados gerados pela atividade empresarial. As normas jurídicas ten-
dentes a balizar a conduta dos controladores e administradores das empresas,
portanto, devem ser efetivas tanto no plano intrasocietário, como no plano ex-
trasocietário. No primeiro, para evitar condutas oportunistas e apropriações ile-
gítimas dos resultados da atividade empresarial. No segundo, para impedir o lu-
cro socialmente destrutivo.
A segunda é que existem limites para a interiorização de interesses exter-
nos em estruturas societárias. Em linhas gerais, esses limites consistem na dura-
doura prosperidade e rentabilidade da empresa ou, em outras palavras, na ma-
ximização do valor da empresa em longo prazo, que se traduz, em última análi-
se, na sua possibilidade de produção de riquezas. É possível, por conseguinte,
que os interesses externos compatíveis com a lógica da maximização do valor
da empresa em longo prazo, que pressupõe a manutenção de boas relações com
os diversos grupos de stakeholders, sejam interiorizados na sua estrutura socie-
tária. Os interesses externos incompatíveis com essa lógica devem necessaria-
mente ser tutelados por outros mecanismos legais.
Enfim, tratou-se da alocação e do balizamento do poder de controle em
função dos interesses intrasocietários e extrasocietários que gravitam em torno
da empresa. No direito brasileiro, o modelo societário está centrado na figura do
acionista controlador, razão pela qual o problema de agency não se estabelece
entre gestores e proprietários do capital empregado na atividade econômica, mas
entre sócios controladores, de um lado, e todas as partes interessadas que inves-
tem recursos na empresa, sejam investimentos financeiros ou humanos, em bem
tangíveis ou intangíveis, de outro.
Apenas os interesses intrasocietários, contudo, são protegidos pelo direito
societário, pois a Lei das S/A confere mecanismos de ingerência na gestão da
companhia apenas aos sócios e direciona a condução da empresa em função do
atendimento prioritário dos seus interesses. A tutela dos interesses extrasocietá-
rios, no ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se fora do direito societário. É
a função social da empresa, nesse sentido, o princípio norteador da regulamen-
tação externa dos interesses extrasocietários.
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