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CÍCERA MARIA DOS SANTOS XAVIER
DA ÁLGEBRA À ENFERMAGEM – UM CAMINHO
DE MÃO DUPLA
MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
PUC/ SP
SÃO PAULO
2006
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CÍCERA MARIA DOS SANTOS XAVIER
DA ÁLGEBRA À ENFERMAGEM – UM CAMINHO
DE MÃO DUPLA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Educação Matemática, sob a
orientação da Profa. Dra. Bárbara Lutaif
Bianchini.
PUC/SP
SÃO PAULO
2006
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Banca Examinadora
____________________________________
____________________________________
____________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta Dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
__________________________ __________________________
Assinatura Local e Data
Ao meu esposo Luiz e à
minha filha Luiza Gabriela
Agradecimentos
Enorme é minha lista de agradecimentos, o que me torna
uma pessoa de sorte. Primeiramente, agradeço a
Deus
por
todos os dons e pela presença constante em minha vida.
À
minha mãe
, pelo carinho, pacientemente suportando uma
filha distante da vida familiar durante o período de estudo.
No entanto é a ela que ofereço a minha alegria de ter
chegado ao fim de mais esta caminhada.
À
Diana
e ao
Dr. Cornélio Galvão
, que me incentivaram a
estudar desde os primeiros passos da minha infância.
À minha
irmã Aparecida
, que exerce a função de técnica de
enfermagem com amor e dedicação, que contribuiu com
seu conhecimento para a realização desta pesquisa.
À minha
irmã Lúcia
, tradutora e intérprete da língua inglesa,
que me auxiliou com muita competência na tradução dos
textos.
Aos
meus amigos da Escola Helena Lombardi Braga
e, de
modo particular às Professoras
Regina
e
Luciani
, pela
amizade e apoio nos momentos difíceis.
Aos meus amigos
Sueli
e
Maurílio Portella
, que se
mostraram presentes nas horas mais necessitadas, pela
sinceridade de nossa amizade acima de qualquer outra
coisa.
Ao
Governo do Estado de São Paulo
, que financiou este
curso, possibilitando o meu aperfeiçoamento e de muitos
outros professores.
À
Dra. Sônia Igliori
, pelo seu apoio, sem o qual não teria
prosseguido nesta caminhada.
Ao
Dr. Jarbas Novelino Barato
e ao
Dr. Stefano Pozzi
,
pelas informações, enviando-me dados e esclarecimentos
sobre o assunto tratado nesta pesquisa. Orgulho-me de
compartilhar com eles interesses comuns.
Ao professor
Vinicio de Macedo Santos
, por ter aceitado
participar da banca examinadora e pelas sugestões,
exemplos e críticas fundamentais à reelaboração da
abordagem que eu vinha desenvolvendo sobre o tema.
À
Professora
Silvia Dias Alcântara Machado
quero registrar
minha admiração e respeito pela pessoa e pela profissional,
e meus agradecimentos pelas sugestões durante o exame
de qualificação e nas reuniões do grupo de pesquisa.
Ao
corpo docente da PUC/SP
, e em especial à
Dra. Lulu
Healy
e à
Dra. Janete
, que apoiaram desde o início esta
pesquisa, contribuindo de maneira ímpar com sugestões
bibliográficas valiosas.
À minha orientadora,
Dra. Bárbara Lutaif Bianchini
, pela
extrema competência e dedicação, sempre disposta, na
Universidade ou em casa, a orientar, ouvir com interesse e
ânimo todas as questões, dúvidas e problemas que
surgiram durante o processo de reflexão. Pela coragem de
ousar trabalhar com novas idéias, pela alegria de
trabalharmos juntas, sendo minha mais importante fonte de
apoio intelectual e afetivo, sem a qual certamente esta
dissertação não teria chegado ao fim.
Por fim, ao meu
esposo Luiz
e à minha
filha Luiza
, aos
quais dedico este trabalho por compreenderem a minha
presença ausente. O amor de vocês foi minha força e meu
escudo em meio a cada batalha.
A Autora
Resumo
A relevância deste estudo centra-se nas questões concernentes à
possibilidade de se aprofundar as discussões e reflexões sobre a utilização de
situações-problema, que envolvam os conceitos de Razão e Proporção, criadas e
elaboradas a partir da observação da prática do profissional de enfermagem, que
podem ser utilizadas na formação dos alunos do curso técnico, bem como na
possibilidade de estendê-las ao ensino fundamental, contribuindo para que a
Matemática praticada na escola estimule a investigação e a reflexão, tornando a
aprendizagem desta disciplina mais significativa. Trata-se de uma abordagem
qualitativa e optei por utilizar, como metodologia, a entrevista não-diretiva, análise
documental e observação participante. Com base nos dados, criei quatro
situações-problema, e uma delas foi aplicada tanto para uma aluna iniciante
quanto para uma profissional atuante na área, permitindo comparar os resultados.
Os resultados da aplicação foram analisados sob o ponto de vista da Teoria dos
Campos Conceituais e alguns aspectos da Teoria Social do Aprendizado e da
Teoria da Atividade. Os resultados revelaram que a teoria não fornece acesso à
prática e o contrário também não acontece. Entretanto é possível elaborar-se
problemas significativos abordando o tema transversal saúde, aproximando a
Matemática e suas aplicações do contexto da enfermagem. Mostrou-se
necessário uma organização tanto do ensino fundamental quanto do curso técnico
de enfermagem na abordagem dos conceitos matemáticos, minimizando a
dicotomia entre teoria e prática, dando sentido e interpretação ao contexto em que
esses conceitos são aplicados.
Palavras-Chave: Álgebra, ensino fundamental, enfermagem, situações-problema,
Razão e Proporção e administração de medicamentos.
Abstract
The relevance of this research is base don the issues related to the
possibility of deepening into discussions and reflections on how to use the
problem-situations which involve the proportion and reason concepts and they
were arisen and elaborated from observations of nursing-professional practice that
may be applied to technical course student graduation as well in elementary
school course: in order to stimulate the practice in mathematics through
investigation and reflection and would turn the learning into a more meaningful
matter. This research is concerned with a qualitative approach and I have chosen,
as methodology: non-directed interviews, analysis of the documents and
participant’s observations. Based on the data, I have built up four problem-
situations and one of them was applied, not only to a beginner student; but also to
one who had been carrying out the nursing profession, making possible the result
comparisons. The application results were observed in terms of Conceptual Field
Theories, some aspects of Learning Social Theory and Activity Theory. They
revealed that the theory does not provide access to the practice and neither does
the opposite. In spite of this, it is possible to elaborate meaningful problems which
approach the health transverse theme and come the mathematics near to its
nursing context applications. It was shown that it was necessary to organize not
only the elementary school but also the nursing technical course, concerning
concepts of mathematics, so that the dichotomy between theory and practice may
be lessened; making sense and giving interpretation of the context where these
concepts are applied.
Key Words: Algebra, Elementary school, Nursing, Problem-situation, Proportion
and Reason, Medicine Administration.
Sumário
Introdução
.................................................................................................... 15
Capítulo 1
..................................................................................................... 25
Problemática e objetivo ............................................................................... 25
Capítulo 2
..................................................................................................... 36
Revisão Bibliográfica: Caminhando rumo à compreensão da Matemática
no contexto da enfermagem .......................................................................
36
2.1 Soffner: “Ensino de administração de medicamentos: uma
aproximação do fenômeno” ...................................................................
36
2.2 Pozzi, Célia Hoyles e Richard Noss: “Ferramentas na prática,
Matemática em uso” ..............................................................................
39
2.3 Barato: “A técnica como saber: investigação sobre o conteúdo do
conhecimento do fazer” .........................................................................
46
2.4 Barreto: “Problemas verbais multiplicativos de quarta-proporcional: A
diversidade de procedimentos de resolução” .......................................
50
2.5 Uma reflexão em busca de articulações ............................................... 53
Capítulo 3
..................................................................................................... 55
Fundamentação Teórica ............................................................................. 55
3.1 Teoria dos Campos Conceituais ........................................................... 56
3.2 Teoria Social do Aprendizado: Comunidades de Práticas de Wenger . 68
3.3. A Teoria da Atividade ........................................................................... 76
3.4. Retomando aspectos importantes ....................................................... 85
Capítulo 4
..................................................................................................... 90
Procedimentos Metodológicos .................................................................... 90
4.1 Etapa I – Análise documental ............................................................... 94
4.1.1 Primeira fase: Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino
fundamental
....................................................................................
95
4.1.2 Segunda fase: Considerações sobre os livros didáticos de “Introdução
à Enfermagem” utilizados nos cursos de nível médio ............................
102
Capítulo 5
..................................................................................................... 118
As Entrevistas ............................................................................................. 118
5.1 Entrevista com um enfermeiro-professor e as dificuldades de seus
alunos em cálculos de medicação ........................................................
119
5.2 Uma aluna iniciante de um curso técnico de enfermagem. O que
fazer? ....................................................................................................
138
5.3 Entrevista com uma profissional atuante na área de enfermagem há
mais de vinte anos ................................................................................
150
Capítulo 6
..................................................................................................... 175
As situações-problema ................................................................................ 175
6.1 Primeira situação .................................................................................. 178
6.1.1 Considerações acerca das possíveis respostas esperadas
................. 180
6.2 Sujeitos envolvidos na aplicação da primeira situação ......................... 185
6.2.1 Análise das respostas de Luíza
........................................................ 185
6.2.2 Análise das respostas de Cléo
.......................................................... 199
6.3 Síntese: aspectos importantes relacionados aos instrumentos ............ 204
Considerações finais
............................................................................... 210
Bibliografia
................................................................................................... 228
Apêndice
....................................................................................................... 237
Anexos
..........................................................................................................
252
Índice de Figuras
e Tabelas
Figuras
Figura 1 – A dualidade da participação e reificação de Wenger ...................... 72
Figura 2 – Relacionamento entre sujeito e objeto no nível individual .............. 81
Figura 3 – Atividade: administrar um medicamento ......................................... 81
Figura 4 – Estrutura básica de uma atividade .................................................. 82
Figura 5 – Atividade na comunidade hospitalar ............................................... 83
Figura 6 – Níveis hierárquicos de uma atividade ............................................. 84
Figura 7 – Seringa com graduação de 3 ml ..................................................... 108
Figura 8 – Frasco contendo insulina regular Biohulin R U – 100/ml ................ 179
Figura 9 – Ações detalhadas de Luíza, Segundo os princípios da Teoria da
Atividade ..........................................................................................
192
Figura 10 – Inflamação nas amígdalas ............................................................ 237
Figura 11 – Caixa e frasco da medicação Nimesulida ..................................... 238
Figura 12 – Bomba de infusão ......................................................................... 243
Figura 13 – Equipo ........................................................................................... 243
Tabelas
Tabela 1 – Índice de massa corpórea .............................................................. 100
Tabela 2 – Análise da entrevista com o enfermeiro-professor ......................... 121
Tabela 3 – Análise da entrevista com a aluna .................................................. 140
Tabela 4 – Análise da entrevista com o profissional da enfermagem .............. 151
Tabela 5 – Dosagens de insulina Biohulin R U- 100/ml ................................... 179
Tabela 6 – As respostas esperadas ................................................................. 180
Tabela 7 – Resolução da prescrição nº 9 ......................................................... 181
Tabela 8 – Resolução de Luíza referente à primeira etapa ............................. 186
Tabela 9 – Decomposição da atividade em ações ........................................... 192
Tabela 10 – Decomposição da atividade em subações ................................... 193
Tabela 11 – Decomposição das ações de Luíza em subações ....................... 193
Tabela 12 – Resolução de Cléo para atender às prescrições médicas da 1ª
etapa ............................................................................................
199
Tabela 13 – Cálculos de gotejamento de soro ................................................. 244
15
Introdução
As pesquisas que tratam de questões relacionadas ao ensino e à
aprendizagem da Matemática nos diferentes níveis de ensino apresentam
propostas significativas para a sua melhoria. Estas estão centradas em enfoques,
métodos e estratégias de abordagens dos conteúdos matemáticos. Embora o
desenvolvimento das pesquisas utilizem diferentes tendências, os conteúdos
abordados nas aulas de Matemática continuam essencialmente os mesmos.
Estudiosos também vislumbram o desenvolvimento de ações escolares que
associem de forma mais efetiva os conteúdos matemáticos à realidade dos
alunos.
Dentre as inúmeras possibilidades de investigação que a Educação
Matemática permite formular, a minha foi construída a partir da convivência com
técnicos de enfermagem, médicos e enfermeiras. A percepção das dificuldades
de alguns desses profissionais, do descontentamento ou até mesmo de angústia
por não dominar o conteúdo matemático impulsionou o desenvolvimento desta
pesquisa.
16
Para alinhar questões recentes sobre a formação de nível médio em saúde,
apresento uma reflexão a esse respeito:
A revolução tecnológica que se processa nas sociedades contemporâneas
aponta para o desenvolvimento de atividades integradas, realizadas em
equipe ou individualmente, exigindo do trabalhador uma visão global do
processo de trabalho em que está inserido, mais autonomia, iniciativa e
maior capacidade de resolver os problemas. Essas exigências remetem
para a escola a responsabilidade de propiciar um consistente domínio da
linguagem, da Matemática e de conteúdos científicos
(MELLO, 1991, p.
10).
Mello identificou alguns requisitos básicos necessários ao trabalhador, e,
entre eles, está o domínio de noções corretas de grandezas, números e
quantidades que sirvam de base ao desenvolvimento do raciocínio matemático.
Percebe-se que o ponto mencionado por Mello, ao tratar da formação de
nível médio em saúde, tem identidade próxima ao que se poderia esperar do
ensino fundamental e médio, posto que as supostas precariedades, nesses níveis
de ensino, repercutem diretamente na capacidade do indivíduo de interagir como
sujeito crítico na sociedade e na atuação profissional.
A educação profissionalizante rompeu com a educação básica, e esse
rompimento desvaloriza a educação básica, não a reconhecendo como
fundamental para a formação sólida do trabalho, necessidade que eu defendo
como primordial.
A esse respeito, Costa (2003, p. 6) argumenta que se coloca a educação
profissional como alternativa à educação básica, talvez como forma de não
enfrentamento do trabalho escolar decorrente da baixa qualidade do ensino e das
precárias condições de trabalho do professor.
17
Se, por um lado, o acesso escolar foi assegurado mediante a expansão
quantitativa das redes de ensino particular, estaduais, municipais e escolas
técnicas, essa expansão não pode ser traduzida como uma melhoria das
condições de ensino. Ter muitas escolas não implica qualidade em qualquer nível
de ensino. Associado a esse fato, Haddad (2000, p. 125) constata que uma
parcela de crianças, adolescentes e adultos passa pela escola sem lograr
aprendizagens significativas e são submetidas a experiências penosas de
fracasso, acabando por abandonar os estudos e caracterizando a exclusão.
Apesar de os estudantes terem passado pelo ensino fundamental, nele realizaram
aprendizagens insuficientes para dar continuidade aos estudos e utilizar com
autonomia seus conhecimentos no campo profissional e educacional. Nesta
perspectiva, observei um outro tipo de exclusão.
Os problemas relacionados ao ensino e aprendizagem podem ser
identificados como o domínio precário da leitura, da escrita e do cálculo, e vêm
sendo tipificados como analfabetismo funcional (Haddad, 2000, p. 126).
Dentre os problemas citados pelo pesquisador, o foco da presente pesquisa
tratou do cálculo de dosagens de medicamentos, que envolvem especificamente
os conceitos de Razão e Proporção.
Dois fatores incentivaram a investigar a Matemática no contexto da
enfermagem. Um deles é o fato de estar participando de um grupo de pesquisa
voltado para a questão da Álgebra, buscando atividades que possam dar
significado aos conceitos matemáticos; o outro se refere ao meu desejo de criar
situações-problema que realmente acontecem na prática do profissional de
enfermagem.
18
Pelo meu ponto de vista, a formação profissional é uma continuação da
formação propedêutica, elas não devem ser excludentes. Nessa perspectiva, a
educação escolar poderia estar direcionada para a formação geral do indivíduo,
preparando sujeitos críticos, conscientes e integrados à sociedade.
Quando falo de ensino, penso em ambientes que sejam favoráveis para que
a aprendizagem aconteça de forma significativa. No contexto da Matemática,
acredito que a aprendizagem está vinculada às ações que o aluno tem
oportunidade de experimentar, analisar situações e desenvolver um espírito crítico
a respeito das soluções encontradas, essa perspectiva pode ser considerada no
contexto da enfermagem.
Nesse sentido, os ensinos fundamental e médio e as escolas
profissionalizantes têm um grande desafio a enfrentar. Embora existam propostas
orientando como os conteúdos matemáticos devam ser trabalhados em cada fase
de ensino, D'Ambrosio (2002, p. 29-33) argumenta que o ciclo de aquisição do
conhecimento é deflagrado a partir dos fatos da realidade. Desse modo, a
construção do conhecimento matemático pode ser mais eficiente se emergir de
fenômenos que têm origem na realidade. Assim, explorar situações da vida real,
nas quais a Matemática se aplica, parece propiciar um envolvimento mais
significativo dos alunos no processo de aprendizagem.
Barato (2003, p. 55-76) comenta, em sua tese, que os alunos, como regra
geral, sentem dificuldades em articular os conteúdos teóricos com a prática.
Cobra-se dos alunos a aplicação de “teoria” a contextos “práticos”, sem que as
situações de ensino ofereçam oportunidade de exercício desse tipo de
competência.
19
O encaminhamento desta pesquisa está estreitamente relacionado com as
considerações de D'Ambrosio e Barato, e é com esse pensamento que, neste
trabalho, sugiro uma modificação nas aulas de administração de medicamentos
que envolvam os conceitos matemáticos, por meio de situações criadas a partir
das situações reais da prática hospitalar, que permitam estabelecer uma relação
entre a Matemática e a realidade do estudante de enfermagem.
Nas situações que apresento como proposta de trabalho, os conceitos
matemáticos e os procedimentos de enfermagem são articulados em conjunto. As
minhas análises mostraram que, realizar uma revisão desses conceitos e
posteriormente relacioná-los com os procedimentos de enfermagem, não gera
sentido tanto para os conceitos quanto para os procedimentos matemáticos.
É importante esclarecer ao leitor que, no decorrer desta pesquisa, ao tratar
da revisão de conteúdos refiro-me à sua retomada utilizando maneiras
diversificadas de tratamento, que possam envolver os alunos em atividades que
tenham significado, com foco onde se quer chegar, isto é, revisar só por revisar o
conteúdo; sem almejar uma aprendizagem futura, parece não produzir os efeitos
esperados, ou seja, que os alunos apliquem seus conhecimentos em situações
diferentes daquelas a que estão acostumados. Se a revisão é necessária, ela
precisa ter um foco bem definido, visando à aplicação dos conceitos matemáticos
em um futuro próximo, quer seja em um curso técnico de enfermagem, quer em
outro curso no qual a Matemática esteja presente.
A proposta de criar situações, a partir da observação da prática dos técnicos
de enfermagem, não tem como objetivo privilegiar ou a teoria ou a prática, uma
vez que, assim como Wenger, assumo que são relações includentes.
20
Acredito que a educação profissional exija mais do que conferir um diploma
de qualquer especialidade. O que se exige dela é uma educação básica completa,
o domínio de novas tecnologias, proficiência em cálculo e também em mais de um
idioma, levando em consideração outros aspectos importantes como ética
integridade e honestidade. Todas essas exigências são imprescindíveis e devem
ser ressaltadas desde o ensino fundamental.
Ao desenvolver esta pesquisa, minha intenção foi evidenciar a existência de
dicotomias como: teoria e prática, ensino fundamental e ensino técnico.
Creio que já é possível ao leitor ter uma visão panorâmica do que pretendi
investigar. Sendo assim, apresento a estrutura de organização desta pesquisa,
composta por seis capítulos, as considerações finais e os anexos.
No primeiro capítulo – “Problemática e Objetivo”, são apresentados estudos
da área da enfermagem que tangenciam a formação do técnico, e algumas
questões que poderiam ser colocadas e consideradas como pistas que
orientariam rumo à aproximação dos contextos escolar e hospitalar, bem como a
justificativa da escolha do tema, sua importância do ponto de vista social e
matemático.
No segundo capítulo – Revisão bibliográfica: “Caminhando rumo à
compreensão da Matemática no contexto da Enfermagem”, descrevo
contribuições relevantes encontradas em pesquisas recentes em Educação,
fornecendo informações importantes nos aspectos teóricos e práticos
relacionados à Matemática.
21
No terceiro capítulo – “Fundamentação Teórica”, é descrito o referencial
teórico utilizado para a realização da pesquisa. O fato de identificar a Teoria dos
Campos Conceituais como apropriada para embasar esta pesquisa, certamente
foi o fato de ela congregar com êxito a Psicologia Cognitiva e a Matemática, vindo
auxiliar na compreensão de como professores e alunos formam e desenvolvem os
conceitos matemáticos, permitindo uma análise a partir de suas estratégias de
ação.
Além da proposta do psicólogo Vergnaud sobre um Campo Conceitual,
estudei alguns aspectos da Teoria da Atividade e a Teoria Social do Aprendizado.
Percebi, neste momento, que a minha busca por fundamentação tinha chegado
ao fim, pois autores como Wenger e Lave, ao abordarem a aprendizagem situada,
sugerem um caminho diferente daquele indicado pela dicotomia teoria e prática.
Para eles, aprender flui das relações entre os sujeitos e comunidades de prática.
A Teoria da Atividade considera que a relação homem-mundo é construída
historicamente e mediada por instrumentos. A conjugação dessas três teorias e
parcelas de contribuições de autores que descrevem e analisam o raciocínio com
Proporções se constituíram em uma base sólida para as análises dos resultados
obtidos.
No quarto capítulo – “Procedimentos Metodológicos”, são apresentadas
quatro etapas que desencadearam a elaboração das situações-problema. Na
primeira etapa, realizei uma breve análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais
– PCN do ensino fundamental e de dois livros didáticos utilizados na enfermagem
em relação ao tema Razão e Proporção, com o objetivo de verificar como esses
conceitos são tratados nestes documentos, servindo como parâmetro para a
organização e elaboração das situações-problema. Na segunda etapa, realizei
22
três entrevistas não-diretivas com a intenção de obter a visão de um aluno
iniciante, de um enfermeiro-professor e de um profissional atuante há mais de
vinte anos na área de enfermagem. As entrevistas se caracterizaram como o
principal instrumento metodológico, pois foram evidenciados vários elementos
durante o discurso dos sujeitos que influenciaram diretamente a elaboração das
atividades propostas.
A terceira etapa, levando em consideração o segundo princípio da Teoria da
Atividade, no qual a mente é um órgão especial na interação humana com seu
ambiente não podendo ser analisada e compreendida fora do contexto da
atividade, observei as práticas de alguns técnicos de enfermagem em um hospital
e em uma Unidade Básica de Saúde – UBS, na tentativa de encontrar situações
que fossem diferentes daquelas apresentadas nos livros didáticos de
enfermagem, bem como as apresentadas pelo enfermeiro-professor nas aulas de
administração de medicamentos.
No quinto capítulo – “As entrevistas”, são apresentas as análises das três
entrevistas. Procurei pelo que era significativo, buscando interpretá-las,
analisando-as de forma articulada com a fundamentação teórica que assumi.
Realizei a interpretação das unidades de significados com o auxílio da
explicitação da linguagem do sujeito, retornando, sempre que necessário, à
releitura do discurso. As convergências de significados foram articuladas dessa
maneira, surgindo algumas categorias segundo os princípios de Szymanski.
Ao final deste capítulo, apresento a análise dos discursos dos sujeitos,
identificando a existência de momentos conflitantes entre o ensino da Matemática
e o procedimento da enfermagem. Constatei uma contradição entre o que o
23
professor, o aluno e o profissional esperam e o encontrado na prática; entre o que
objetivavam com o ensino da Matemática no curso técnico de enfermagem e o
que era conseguido de fato. Os depoimentos dos sujeitos das três entrevistas
apontam para a necessidade de mudança na forma de tratar os conteúdos
matemáticos no curso técnico de enfermagem e, principalmente, no ensino
fundamental.
No sexto capítulo – "As situações-problema", considerando que as etapas
descritas no capítulo anterior se constituíram em alicerce visando à sua
elaboração propus-me a apresentar as análises e os resultados obtidos referentes
à aplicação da primeira atividade desenvolvida por uma aluna iniciante de um
curso técnico de enfermagem e por uma profissional que atua na área de saúde
há mais de vinte anos como auxiliar de enfermagem.
Desse modo, observei, à luz da fundamentação teórica, alguns resultados
reveladores e interessantes, evidenciando que a teoria não fornece acesso à
prática e o contrário também não acontece. Observei outros aspectos igualmente
relevantes, que trato de forma detalhada no decorrer do capítulo.
Nas considerações finais, são retomados os aspectos centrais abordados
durante a pesquisa, apresentando uma síntese das minhas conclusões e as
respostas para as minhas indagações expostas no capítulo 1. Além disso, sugiro
alguns caminhos que poderiam ser utilizados pelos professores no estudo dos
conceitos matemáticos e os procedimentos específicos da enfermagem, discuto o
papel formador da Matemática e finalizo apresentando algumas sugestões para
futuras pesquisas.
24
Após a bibliografia, estão à disposição os anexos, estruturados da seguinte
maneira: o contato mantido com Stefano Pozzi, a transcrição na íntegra das três
entrevistas e os mapas conceituais do quadro teórico que fundamentaram a
presente pesquisa. Em um apêndice, apresento três situações-problema
contextualizadas no universo da enfermagem, porém acredito que elas possam
ser adaptadas para os alunos do ensino fundamental, configurando-se em um
recurso disponível, para um melhor ensino da Matemática, voltado à
contextualização e a uma aplicação prática. Isso talvez responda às questões que
algumas vezes ouvimos dos alunos: por que e para que aprender determinados
conceitos matemáticos? Em quais situações vou aplicar esses conceitos? As
situações apresentadas se caracterizam como uma oportunidade na qual os
professores, tanto do ensino fundamental como do ensino técnico de
enfermagem, podem discutir com seus alunos a resposta de cada situação e sua
validade; caracterizando os princípios fundamentais da Matemática, abordando
inclusive a questão dos erros e quais as suas conseqüências.
25
Capítulo 1
Problemática e Objetivo
O presente estudo insere-se no grupo de pesquisa G5: "Educação
Algébrica”, do Programa de Pós-Graduados em Educação Matemática da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O projeto desenvolvido nesse
grupo tem como objetivo responder à questão: qual a álgebra a ser ensinada na
Formação do Professor de Matemática?
Esta pesquisa foi desenvolvida no grupo G5, no qual os integrantes visam
investigar o que se entende por álgebra (Aritmética, Teoria dos Números,...) no
campo institucional (PCN, Programas, NCTM,...), no campo docente (professores
do Ensino Superior, Médio, Fundamental e Infantil) e no campo discente (alunos
de todos os segmentos de ensino).
A inserção desta pesquisa no grupo G5 justifica-se inicialmente pelo fato de
a compreensão dos conceitos de Razão e Proporção serem de importância
crucial, pois são conceitos utilizados em diversas situações que um profissional
da enfermagem enfrenta. As situações às quais me refiro são reais, podem
26
acontecer no dia-a-dia de qualquer pessoa, e podem ser incorporadas ao ensino
fundamental.
Pressuponho que a falta de utilização de estratégias e contextos
diversificados, no ensino fundamental e médio, parece acarretar, por parte dos
alunos, a não atribuição de significado na resolução de problemas, o que os
conduz a conceber a proporcionalidade desvinculada da compreensão de seu
significado.
A própria natureza do grupo G5 e o propósito desta pesquisa conduziram à
investigação que relato a seguir.
Um campo profissional delineia-se pelos agires e saberes que lhe são
próprios, agrupando em torno de si um conjunto de elaborações teóricas e de
aptidões práticas que permite aos futuros profissionais aplicarem, no campo de
estágio, quando estão em formação, e posteriormente na vida profissional (VALE
2005, p. 80).
Regina Toshie Takahashi, Professora Doutora do Departamento de
Orientação Profissional da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo
– USP, e Lúcia Tobase, Enfermeira Especialista no Ensino do Centro de
Formação e Apoio em Ciências da Saúde do Instituto do Coração – Fundação
Zerbini, desenvolveram uma pesquisa trazendo à tona a discussão sobre a
qualificação profissional do técnico de enfermagem do ensino médio.
Segundo as autoras, em vista das necessidades e exigências do mercado
de trabalho, é crescente também o número de novas escolas profissionalizantes
na área de enfermagem e, conseqüentemente, isso pode significar um incremento
27
na oferta de profissionais. Infelizmente, o fato de haver um aumento no número
de escolas não implica um aumento na qualidade de ensino e, portanto, pode
refletir na (in) adequada orientação desde estudante e formação do futuro
profissional.
Em sua pesquisa, as autoras discutem o conceito de ensino e a sua
evolução, afirmando que existe um equívoco no que diz respeito à própria
estrutura da nossa educação, a qual, em lugar de experimentar e questionar a
realidade, caracteriza-se pelo “dissertar sobre”.
Os dados obtidos pelas autoras sugerem que, cabe à escola uma avaliação
constante de seu papel; do professor, exige-se uma reflexão da sua postura,
atitudes e reavaliação de uma forma geral como tem desenvolvido o seu trabalho;
e, ao aluno, cabe a conscientização da importância e o elevado grau de
responsabilidade de cada ato cometido no exercício da enfermagem, decorrendo
dessa opção profissional a necessidade permanente de aprimoramento e
constante atualização dos seus conhecimentos (Revista Nursing, v. 68, n. 7,
Janeiro 2004).
Estas citações pretendem localizar o leitor nos princípios que norteiam este
trabalho, que tem a preocupação voltada à preparação do técnico de
enfermagem, especificamente na disciplina que envolve cálculos de
medicamentos.
O estudo em questão associa-se diretamente a minha trajetória profissional.
Desta trajetória, apresento alguns elementos que determinaram a preocupação
com a Matemática e conseqüentemente do presente objeto de investigação.
28
Minha formação é em Licenciatura Plena em Matemática, mas, antes de
atuar como professora, exerci a função de Educadora em Saúde Pública na UBS
1
da Prefeitura do Município de São Paulo durante cinco anos. No contato que
mantive com alguns funcionários que freqüentavam o curso técnico de
enfermagem, foi possível observar que eles apresentavam dificuldades em aplicar
os conhecimentos matemáticos quando se fazia necessário. Essas dificuldades
estavam presentes durante as aulas que tratavam de cálculos de medicamentos,
como por exemplo, na seguinte situação: foram prescritos 120 mg de Targocid
(teicoplanina) uma vez ao dia EV
2
. Temos na clínica frascos de 200 mg.
Sabendo-se que a quantidade de solvente é de 5 ml de água destilada, quantos
ml de soluto (targocid) devem ser dissolvidos na água para se obter a solução a
ser administrada?
Solução:
No frasco de Targocid há somente soluto e a quantidade é de 200 mg. A
quantidade de solvente é de 5 ml de água destilada.
Então:
200 mg----------------5 ml
120 mg----------------x ml
200x =
5120
200x = 600
x =
3
200
600
=
x = 3 ml, logo devemos administrar 3 ml da solução de
Targocid.
1
Unidade Básica de Saúde – presta serviços médicos à comunidade.
2
Consiste na introdução de um medicamento diretamente na veia. Além disto, EV é a abreviação de
endovenosa.
29
Outros funcionários que exerciam serviços administrativos na UBS
almejavam freqüentar o curso de formação para técnico de enfermagem e, para
isso, precisavam passar por um exame de seleção, além de ter concluído o
ensino médio. Os que conseguiam aprovação na seleção, ao iniciar o curso,
encontravam imediatamente obstáculos ao tentarem resolver exercícios nos quais
a Matemática estava presente e, não conseguindo transpor esses obstáculos,
alguns desistiam do curso alegando não compreender os cálculos matemáticos.
Pressuponho que os indivíduos que freqüentam o curso técnico de
enfermagem devam ter familiaridade na resolução desses tipos de cálculos
envolvendo Razão e Proporção, uma vez que é um conteúdo ministrado no
ensino fundamental.
O presente estudo está relacionado à formação de técnicos de enfermagem
do ensino médio e o meu objetivo foi criar e elaborar situações-problema que
envolvessem os conceitos de Razão e Proporção tendo como ponto de partida as
situações da prática dos técnicos de enfermagem. Optei por essa problemática
em virtude de meu interesse em pesquisar sobre os conceitos matemáticos que
são utilizados pelos profissionais de enfermagem. Embora existam algumas
pesquisas sobre o assunto, parece importante investir em outros aspectos ainda
não abordados.
O estudo de uma temática com interseção em duas áreas, Educação e
Enfermagem, levou à necessidade de fazer escolhas e distinguir contribuições,
dentre diferentes autores, que seriam oportunas ao presente trabalho. O ponto de
partida foi compreender como a Matemática é utilizada no âmbito hospitalar,
30
investigando a produção científica referente à área da Enfermagem já existente
no campo da Matemática.
Vários trabalhos têm sido realizados objetivando a compreensão do uso da
Matemática em contextos profissionais. Apresento alguns deles evidenciando
valores e conteúdos importantes a respeito da formação do conhecimento
matemático e, de maneira mais específica, no que tange aos conceitos de Razão
e Proporção.
Skelley (1997, p. 1), enfermeira e autora do livro “Medicação e Matemática
na Enfermagem”, sublinha a responsabilidade da atividade profissional de um
técnico de enfermagem. A autora deixa claro que a administração de
medicamentos é uma das mais importantes responsabilidades da equipe de
enfermagem. Para que seja realizada com eficiência, parece necessário que
alguns conceitos matemáticos estejam bem compreendidos.
Para Skelley, todo profissional da enfermagem precisa possuir um bom
conhecimento de Matemática básica
3
para administrar os medicamentos. Está
subentendido nessa afirmação que, enquanto não adquirir eficiência em
administrar os medicamentos, esse profissional não será de confiança. Talvez os
profissionais expliquem que, hoje em dia, muitas drogas já chegam ao posto de
enfermagem em doses unitárias. Tais medicações são embaladas e rotuladas em
dosagens prescritas, já prontas para serem administradas ao paciente. Isso é
verdade, entretanto muitos hospitais ainda não na trabalham com esses
medicamentos e, portanto, é preciso saber calcular e adquirir perfeição nos
3
Skelley e Giovani admitem, como matemática básica, um conjunto formado pelos temas matemáticos:
números naturais, frações, números decimais, razão e proporção, regra de três simples, porcentagem,
multiplicação, divisão e sistema métrico decimal.
31
cálculos. É indiscutível que a medicação precisa ser corretamente administrada
segundo os métodos atuais. Erros no cálculo de medicações podem ter efeitos
desastrosos para os pacientes.
Giovani (2002, p. 11), também enfermeira atuando na área de saúde, vem
se preocupando com o cálculo e administração de medicamentos. Ao longo da
sua experiência profissional, acredita que este assunto envolve, sem dúvida
alguma, uma área de extrema importância no exercício da profissão, exigindo
conhecimento, habilidades e domínio de outras áreas do conhecimento, tais como
a Matemática básica.
Prosseguindo no rumo de aprofundar as questões relativas à disciplina
Fundamentos da enfermagem, em seu contexto de desafios e avanços, encontrei
contribuições relevantes em pesquisas recentes e que trazem perspectivas
instigantes, ao explorarem aspectos da Matemática relacionados ao cálculo de
dosagem de medicamentos.
Na bibliografia específica da enfermagem, apresento parte de uma
dissertação de mestrado que se aproxima do objeto de estudo tratado nesta
pesquisa, por fornecer pistas necessárias à compreensão da importância do
conhecimento matemático na formação do técnico de enfermagem.
A pesquisa de mestrado de Silva (2005), “Enfermagem e dificuldades em
cálculos aritméticos”, apresenta o relato de estagiários de enfermagem em nível
médio. Silva realizou o estudo com 159 alunos de um hospital divididos em duas
categorias: alunos que não interromperam os estudos e os que, por algum motivo,
fizeram uma interrupção. A pesquisa foi realizada em um hospital de São Paulo e
a metodologia utilizada foi o questionário.
32
Os resultados da pesquisa revelam dificuldades com cálculos aritméticos
básicos que, segundo Silva, são: divisão, regra de três, porcentagem, decimais,
frações, multiplicação e transformação de unidades. Embora não pertinente ao
foco desta pesquisa, evidenciou-se também dificuldades de interpretação dos
enunciados dos problemas que envolviam cálculos, quando necessário à
compreensão de textos, e até mesmo da própria linguagem (p. 95). Segundo o
autor, as falhas e dificuldades de formação escolar fundamental podem refletir no
decorrer do curso de enfermagem (nível médio), principalmente em cálculos
aritméticos, comprometendo a “base” do aprendizado em enfermagem.
Para o autor, os dados são alarmantes, não somente pelos cálculos serem
básicos em preparo e administração de drogas e soluções, mas principalmente
por apresentarem uma variação pouco significativa entre os que interromperam
ou não os estudos, considerando-se que, entre estes últimos, 66,89% referem-se
às dificuldades em Matemática. A disciplina Português acompanha, essa
deficiência, porém em menor índice.
Diante dos resultados, Silva considera imprescindível a revisão de
disciplinas básicas como Matemática e Português, uma vez que, as disciplinas
Fundamentos da enfermagem e Farmacologia destacam-se no uso de cálculos e
dosagens (Revista Nursing, v. 81, n. 8, Fevereiro de 2005).
É interessante observar que as análises de Silva sugerem, então, como um
dos caminhos possíveis para alterar esses desequilíbrios, a necessidade de
intervenções que possam estimular o aprendizado da Matemática.
O autor argumenta que a necessidade de revisão dos cálculos matemáticos
utilizados na administração de medicamentos é uma solução não somente para
33
os cursos de enfermagem, mas também um alerta para a qualidade do ensino
fundamental.
É importante ressaltar que o enfermeiro-professor
4
do curso técnico de
enfermagem (ensino médio), ao elaborar as apostilas abordando os conceitos
matemáticos, parte do pressuposto de que os alunos já estão familiarizados com
os temas: Números naturais, Frações, Números decimais, Razão e Proporção,
Regra de três simples, Porcentagem, Multiplicação, Divisão e Sistema métrico
decimal, sendo necessário que esses conceitos sejam relembrados para que os
alunos possam executar suas atividades eficientemente. Do mesmo modo, alguns
livros didáticos utilizados nos cursos para formação de técnicos de Enfermagem
apresentam esses temas em um apêndice, orientando o aluno de que esse
apêndice será útil se o aluno tiver apenas a intenção de “recordar” conceitos e
propriedades da Matemática – e não “aprender” um novo conceito –, ajudando-o a
dominar os cálculos que são essenciais para a assistência em Enfermagem
qualificada.
Se, por um lado, a pesquisa de Silva permitiu identificar as dificuldades dos
alunos em cálculos de medicação. Se os alunos chegam num curso técnico de
Enfermagem, e apresentam inúmeras dificuldades ao lidar com os conhecimentos
matemáticos, seria “suficiente” rever esses conhecimentos que serão utilizados na
administração de medicamento, como sugeriu Silva? Acredito que exista a
necessidade de ampliar a reflexão sobre essas dificuldades e tentar superá-las.
O ensino que enfatiza a prática desvinculada da teoria gera uma visão
parcial do conteúdo, o mesmo acontecendo com o ensino só baseado na teoria.
4
Para o propósito deste trabalho, enfermeiro-professor sempre se refere àquele profissional licenciado que
atua na docência do ensino médio profissionalizante de enfermagem.
34
Não propiciar ao aluno a compreensão dos fundamentos teóricos ligados à prática
poderia ser a causa das dificuldades dos alunos em cálculos de medicação?
Se algumas indagações e reflexões já me haviam ocorrido antes da leitura
destes trabalhos, foi durante esta leitura que elas emergiram com intensidade e
maior nitidez. Estabelecer uma articulação entre teoria e prática do profissional de
enfermagem, garantindo a aproximação do contexto escolar com o contexto
hospitalar, parece ser uma possibilidade para minimizar as dificuldades desses
profissionais com a Matemática.
Os pressupostos que orientaram esta pesquisa, e são trazidos pelos
estudos citados sobre as dificuldades que os alunos de um curso técnico de
enfermagem apresentam quando utilizam a Matemática nos cálculos com
medicamentos, referem-se a algumas questões que poderiam ser consideradas:
Existe distanciamento entre a prática hospitalar e o que se faz durante as
aulas que envolvem cálculos de medicação?
Por que os alunos não conseguem transpor os conhecimentos
desenvolvidos nos ensinos fundamental e médio já elaborados para as
situações que envolvem o cálculo de medicamentos?
Será que todos esses problemas derivam da forma com que se ensina
Matemática, em particular Razão e Proporção nos ensinos fundamental e
médio?
Será que, por parte dos alunos, os conceitos de Razão e Proporção não
foram aprendidos no ensino fundamental, permanecendo a mesma
situação no curso técnico de enfermagem?
35
Se o que acontece na prática é diferente do que o professor ensina
durante as aulas de administração de medicamentos no curso de
enfermagem, é possível elaborar algumas situações-problema visando
aproximar o contexto escolar do contexto hospitalar?
Essas questões, por sua vez, direcionam-se para os propósitos centrais
desta pesquisa, que pretende criar e elaborar situações-problema que envolvam
os conceitos de Razão e Proporção, tendo como ponto de partida situações da
prática do técnico de enfermagem.
Neste breve relato, em meio a tantos outros elementos, parece necessário
estabelecer uma interação entre teoria e prática, dessa forma contribuindo para
uma aproximação mais efetiva desses dois contextos.
A conclusão desta pesquisa pode ser o início de uma ação efetiva que
busca soluções para que os alunos não sejam excluídos do curso de
Enfermagem. Entendo por exclusão:
A desistência do aluno que não consegue superar os obstáculos com
relação à Matemática;
A reprovação do aluno por meio de uma prova de seleção em que fica
evidenciada a fragilidade dos ensinos fundamental e médio.
Acredito que os elementos dos pares aprender e ensinar, teoria e prática
são elementos indissociáveis que merecem ser investigados. Estas são algumas
questões que os educadores e matemáticos poderiam preocupar-se em entender,
sem desconsiderar, em momento algum, a importância das outras inúmeras
questões com as quais vêm se envolvendo.
36
Capítulo 2
Revisão Bibliográfica: Caminhando rumo à compreensão
da Matemática no contexto da enfermagem
Ao dar encaminhamento a esta fase do estudo, tomei por referência
trabalhos no campo da Educação e no campo da Enfermagem, destacando
alguns dados obtidos relacionados ao ensino profissionalizante e ao ensino
fundamental, buscando caminhos que permitissem compreender o uso da
Matemática no contexto da Enfermagem.
2.1 Soffner: “Ensino de administração de medicamentos: uma
aproximação do fenômeno”
Soffner (1992) apresentou, em sua dissertação de mestrado em Psicologia,
algumas reflexões sobre o ensino de administração em medicamentos. Nela
buscou comunicar os caminhos percorridos na aproximação do fenômeno ensino
de administração de medicação. Vários motivos fizeram com que a autora
indagasse sobre esse fenômeno, e um deles deve-se à relevância que o fazer-
saber tem nas atividades cotidianas do profissional de enfermagem, uma vez que
37
um simples engano ou erro pode levar o paciente à morte. À medida que foi
desvelando esses caminhos, deparou-se com questões pertinentes ao ensino de
Matemática, uma vez que administrar medicamentos envolve determinadas
operações matemáticas.
A pesquisadora realizou uma pesquisa qualitativa, relatando o discurso de
professores e alunos dos cursos de formação para auxiliares e técnicos de
enfermagem do “Serviço Nacional do Comércio – SENAC – Departamento
Regional de São Paulo”.
Ao percorrer esse caminho, um aspecto que lhe causou perplexidade foi a
referência feita ao “desconhecimento” matemático demonstrado pelos alunos, o
que acarretou a decisão de conhecer o “conteúdo” utilizado no “ensino de
administração de medicamentos”.
Foram também evidenciados nesta pesquisa os processos educacionais
formais em que a “regra de três” é apresentada ao aluno como possibilidade de
solução de problemas de proporcionalidade, e notou-se um total esquecimento
das estratégias mais simples. Além disso, a autora afirma que a “regra de três” é,
muitas vezes, apresentada como uma fórmula pronta, de maneira que o aluno
não lhe atribui significado, ficando os procedimentos matemáticos destituídos de
sentido.
A autora destaca pontos relevantes nos discursos dos professores e alunos.
Estes pontos referem-se aos conceitos matemáticos necessários para serem
utilizados no ensino de administração de medicamentos. Os professores dizem
que não se sentem preparados para “ensinar os conceitos matemáticos” e que os
alunos não têm conhecimentos matemáticos utilizados em administração de
38
medicamentos, principalmente quando se trata de Razão e Proporção. Os alunos,
por sua vez, apontam as dificuldades que sentem para aprender “a parte” da
Matemática da administração de medicamentos e sugerem alterações. Deste
modo, evidencia-se o afastamento de alunos e professores nos aspectos relativos
à enfermagem, sendo a dificuldade com a Matemática a causa desse afastamento
(p. 88).
Soffner (1992, p. 9), em suas análises, afirmou que, em termos de
alterações ou modificações dos “conteúdos” de enfermagem ou Matemática, nada
mudou. Por outro lado, a pesquisa se encaminhou para a possibilidade de se
repensar a condução dos processos de ensino de administração de
medicamentos, contribuindo para que os enfermeiros-professores possam refletir
sobre o seu fazer.
Das análises dos discursos dos professores e alunos, apropriei-me de
alguns dados que, em grande medida, reafirmam os objetivos da minha pesquisa:
Professor: O grande problema é a Proporção [...] Será que não é idealismo
que o aluno pense? Só sei de uma coisa: ele precisa fazer os cálculos
corretamente. Também existe um outro problema, pois se parte do pressuposto
de que o professor tem os pré-requisitos necessários para trabalhar essas coisas
de Matemática, de exemplos, de situações que facilitem o aprendizado do aluno,
e isso não é “verdade. [...]. Não é muito legal ele decorar fórmulas. Eu acho que o
aluno deveria saber pensar” (p.16).
Aluno: É necessário muito, mas muito conhecimento de Matemática nas
aulas de administração de medicamentos. É preciso o uso do raciocínio lógico e
seguro. E algumas vezes eu não tinha certeza do que estava fazendo com os
39
números, se estava certo ou não e o que devia fazer com eles e os
medicamentos. [...] É muita coisa de Matemática que a gente já não sabe mais.
[...] “nós poderíamos aprender um pouco mais sobre cálculo e ter mais segurança
e menos temor de errar”. (p. 37-44).
A pesquisa de Soffner forneceu pistas importantes sobre as dificuldades dos
alunos nos cálculos com medicação, principalmente ressaltando a necessidade
de o enfermeiro-professor repensar o ensino de administração de medicamentos,
porém os dados apresentados não foram suficientes para uma compreensão mais
profunda de como ele enfrenta esses momentos problemáticos. Mesmo assim,
serviu como referência para avançar a reflexão sobre a minha temática.
2.2 Pozzi, Célia Hoyles e Richard Noss: “Ferramentas na prática,
Matemática em uso"
O artigo “Ferramentas na prática, Matemática em uso” (1998) é o produto
final de uma pesquisa realizada no Reino Unido com o objetivo de compreender
como os profissionais da enfermagem e pilotos de avião aplicavam seus
conhecimentos matemáticos, quais são esses conhecimentos e como eles são
utilizados.
Para colocarem em discussão o uso da Matemática nas atividades
cotidianas na área de enfermagem, os autores observaram as atividades de duas
enfermeiras experientes do setor de pediatria, administrando medicamentos e
monitorando o soro de um paciente.
40
As observações dos pesquisadores permitiram evidenciar a relação entre o
profissional e o conhecimento matemático, identificando qualquer ação
envolvendo a Matemática, destacando procedimentos aritméticos simples, além
de tentar compreender outras situações em que a Matemática era menos visível.
Pozzi afirma que muitos funcionários de empresas e em diversas atividades
tinham dificuldades para aplicar a Matemática no trabalho. Quando esses
funcionários a aplicavam, não tinham consciência do que estavam executando em
suas tarefas. Além disso, algumas pessoas abandonavam suas funções e suas
tarefas ou eram mal sucedidas por não conseguir entender os processos
matemáticos envolvidos no trabalho. As razões pela quais os pesquisadores
escolheram os enfermeiros residem no fato de que os erros poderiam trazer
graves conseqüências. Na verdade esses profissionais não podem errar.
A explicação dos erros que acontecem no cálculo de medicamentos não é
simples de ser entendida. Por exemplo, quando ocorre uma overdose de drogas,
não é necessariamente uma falha da Matemática, mas, quando simulamos a
prática e retiramos o indivíduo do contexto real, o erro torna-se visível.
Pozzi sugeriu a existência de outros fatores que podem levar um paciente à
overdose, sendo necessário compreender a situação como um todo antes de
identificá-la como uma falha matemática. Para ele, quando as doses das drogas
são dadas incorretamente, não é sempre porque houve um erro em cálculo
matemático. É importante considerar neste ponto, e com algum detalhe, as
observações de Pozzi sobre esses fatores. As explicações foram obtidas em
contatos que mantive com o autor por e-mail:
41
A fim de entender quais são os erros cometidos por enfermeiras e
médicos, e porque eles acontecem, é necessário entender a situação por
inteiro.
Para compreender esses erros, além do conhecimento matemático,
devemos compreender os conhecimentos da enfermagem quanto:
1) à droga em si (farmacologia), incluindo o que eles entendem sobre a
função da droga:
quais os perigos que a circundam ou os perigos de uma
subprescrição;
qual é o padrão de dosagem (para adultos e para crianças);
quando e com que freqüência a droga deveria ser dada;
qual é a dosagem indicada na embalagem;
como deveria ser administrada a droga, por exemplo, algumas
drogas precisam ser diluídas ou dissolvidas em um dado volume;
2) aos procedimentos padrões para a administração da droga e o contexto:
se necessário o procedimento é realizado por duas enfermeiras, no
caso de manuseio de drogas perigosas;
quais ferramentas que a enfermeira tem disponível: calculadora,
caneta, papel e outros;
em que momento a enfermeira coloca as luvas. Isso significa que
elas têm realizar que um cálculo mental, ou seja, nenhuma aritmética
escrita ou calculadora;
quais os tipos de seringas elas têm disponíveis;
se a droga precisa ser injetada;
3) Com relação ao paciente:
quais drogas eles deveriam receber e a que hora;
os pacientes podem receber várias drogas que podem interagir,
sendo que alguns podem ser mais sensíveis a drogas específicas
(POZZI, 2005)
5
.
Ao final de suas considerações, Pozzi argumenta que, para
compreendermos como e por que às vezes esses profissionais cometem erros,
quando administram drogas. Uma das formas seria elaborar um instrumento que
simulasse uma situação mais próxima possível do contexto real. A outra seria
observar a atuação dos médicos e enfermeiras durante o processo, ou seja,
administrando as drogas, porém o controle é mais difícil e também mais difícil
elaborar perguntas quando a situação é real.
5
POZZI, Stefano. Não há possibilidades de referenciar esta contribuição em particular por se tratar de
palavras proferidas por ele em conversas que mantivemos por e-mail. Sendo assim, o e- mail se encontra em
anexo.
42
Diante dessas colocações, entendo que, quando retiramos o indivíduo do
contexto, é possível perceber o erro do cálculo matemático porque não estão
sendo avaliadas as outras interferências. Na verdade, pode-se ter uma visão
equivocada dos erros matemáticos se avaliarmos apenas eles.
As questões amplas iniciais, propostas pelos pesquisadores – qual relação
da Matemática do trabalho com a Matemática escolar; que tipo de conhecimento
é abordado na Matemática do trabalho, que poderia ser utilizado na escola; como
tornar a Matemática significativa e aplicável no trabalho – encaminham-se, de
certa maneira, para o objetivo desse trabalho: criar situações a partir da
observação da prática desses profissionais para que os alunos possam aplicar os
conceitos matemáticos e os procedimentos de enfermagem; vivenciando e
simulando ações numa situação bem próxima do contexto real.
Por meio da análise de documentos utilizados no treinamento dos
profissionais da enfermagem e entrevistas sobre o que eles acreditavam que
estavam executando, bem como as observações da prática no dia-a-dia, os
pesquisadores concluíram que esses profissionais não utilizavam a Matemática
da escola na execução de suas tarefas.
Pozzi foi convidado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em
2004, para realizar uma palestra com o objetivo de comunicar alguns resultados
obtidos a partir da pesquisa a que estou fazendo referência.
Durante a palestra, Pozzi sugeriu aos presentes que participassem de uma
atividade prática, assumindo, naquele momento, o papel do profissional da
enfermagem, trabalhando com uma droga perigosa administrada em crianças no
setor de Oncologia Pediátrica. A escolha desse setor deve-se ao fato de que são
43
utilizadas drogas quimioterápicas de efeitos colaterais fortes no tratamento dos
pacientes, e um mínimo erro causará danos irreparáveis. A dinâmica proposta foi
a seguinte: “Em um procedimento, você está com luvas e de posse da seringa
correta para administrar a droga. Para efetuar essa administração, é necessário
que se aspire a quantidade certa de medicamento. A droga que vamos utilizar é a
Vancomicina de 500 mg em frasco-ampola de 2 ml: a prescrição médica pede a
infusão de 400 mg em 2 horas no total. Nessa prática, não podemos usar as
mãos, nem lápis e papel para fazer os cálculos”.
As respostas que Pozzi obteve dos participantes foram as seguintes:
PARTICIPANTE (1): “Eu tirei 1/5 de 2 ml e..."
POZZI: “Quando você fez 1/5 de 2 ml, o que você fez e como fez?"
PARTICIPANTE (1): “Eu dividi pela metade...”.
POZZI: Alguém fez algo diferente?
PARTICIPANTE (2): “Usei porcentagem. Peguei 500 mg, que são 100% do
medicamento, então 100 mg seria 20% do medicamento; então 400 mg têm
que ser 80% do medicamento e...”.
POZZI: “O que mais?”
PARTICIPANTE (3): “Eu usei a regra de três”.
POZZI: “Fez de cabeça ou utilizou as mãos?”
PARTICIPANTE (3): “Usei as mãos”.
PARTICIPANTE (4): “Quando a medicação está prescrita por um longo
período de tempo; uma vez que você já fez o cálculo, e sabe que deve
aspirar 1,6 ml da solução, o processo é automático”
6
.
6
O participante (4) é uma técnica de enfermagem que estava presente à palestra.
44
POZZI: Isso é um ponto relevante. O profissional está familiarizado com o
processo, mas alguma vez esse cálculo foi feito. Ela pode ter usado
“truques” por várias razões, mas, em algum momento, esse profissional tem
que fazer o "double check
7
".
O autor argumenta que existem pelo menos dois conhecimentos dos
processos utilizados pelos profissionais da enfermagem para efetuar os cálculos.
Quando eles trabalham com drogas perigosas, as tarefas são realizadas em
grupo e cada enfermeira verifica, em cada grupo, quais os processos a serem
utilizados.
Embora trabalhando com a mesma droga diariamente, existe grande
diversidade de drogas e não é sempre que a mesma droga a ser administrada
vem na mesma concentração. Especialmente com crianças, as concentrações
são diferentes, e esses profissionais precisam saber calcular a dosagem
apropriada para a idade da criança.
A Matemática, neste ponto, parece simples, mas existem outros fatores que
tornam o processo um pouco mais complexo, como, por exemplo, na unidade de
pediatria, onde não existe dosagem padrão, pois varia com a idade, peso e área
de superfície corporal do bebê. Uma vez que a dosagem pediátrica geralmente é
pequena, um ligeiro engano na quantidade de uma droga administrada na
verdade é um erro proporcionalmente maior.
Os cálculos efetuados pelos profissionais da enfermagem requerem a regra
de três. Embora esse procedimento não seja tão significativo para a enfermagem,
7
Refere-se à conduta hospitalar em que dois profissionais checam juntos se os cálculos matemáticos estão
corretos para administração posterior da medicação ao paciente.
45
devido à seqüência do trabalho na realização de suas tarefas, não deixa de ser a
regra de três o procedimento matemático usado.
Os enfermeiros relatam que poderiam utilizar papel e lápis ou calculadora
para realizarem os cálculos, mas, quando estavam em prática, fazendo as
dosagens, eles nunca pensavam na fórmula em si e nunca utilizavam a
Proporção, mesmo trabalhando com uma droga nova. O motivo desses
profissionais não utilizarem as fórmulas está na familiaridade e pelo fato de
realizarem um “double check”. Assim, não há necessidade de cálculos.
Outro procedimento utilizado na preparação de medicamento foi o método
escalar. Os enfermeiros utilizaram a diluição de morfina num caso em que era
necessário retirar 1,5 ml de 20 mg numa solução de 10 ml. Nesse caso, utilizaram
o método escalar, ou seja, um método proporcional de quantidades: 20 mg para
10 ml, 10 mg para 5 ml, 5 mg para 2,5 ml etc. Utilizavam o mesmo operador para
as mesmas quantidades.
Pozzi observa que essa mesma abordagem de Proporção é vista como uma
abordagem proeminente e significativa tanto no trabalho como na escola.
As análises dos resultados desse estudo evidenciaram que as escolas
primárias e secundárias não contextualizam a Matemática e não a direcionam
para atender às necessidades dos alunos. Com a preocupação em avaliar se os
profissionais da enfermagem utilizavam a Matemática que aprenderam na escola
em suas funções na prática hospitalar, o trabalho revela que, nessa prática, a
Matemática é utilizada sob a forma de “truques”, e os profissionais não têm plena
consciência dos processos matemáticos utilizados em seus procedimentos.
46
Dirigindo as principais idéias desses autores para este trabalho, torna-se
urgente repensar o ensino de Matemática envolvendo cálculos de medicamentos,
pois, diante dessas questões, parece ser um problema mundial. Os resultados
indicam um desafio que significaria encontrar caminhos para promover a
aproximação do contexto escolar com as práticas desenvolvidas no contexto
hospitalar. É precisamente nesse foco que as atenções do presente trabalho se
voltarão.
2.3 Barato: “A técnica como saber: investigação sobre o
conteúdo do conhecimento do fazer”
Este é o título da tese de doutorado de Barato, da Faculdade de Educação
da Universidade Estadual de Campinas, defendida em 2003, na qual ele discute
alternativas da fórmula teoria e prática como referência explicativa do conteúdo da
educação, particularmente da formação profissional. Para examinar o conteúdo
da técnica, o pesquisador considerou estudos sobre processos técnicos em
cursos para formar cabeleleiros, programadores de computador, auxiliares de
enfermagem, garçons e cozinheiros.
Minha intenção, ao fazer a leitura dessa pesquisa, foi buscar fundamentos
sobre alguns aspectos que se relacionassem à formação dos profissionais de
enfermagem. Em conversa com Barato, ele justificou o título de sua tese da
seguinte maneira:
"Explicar o título não é tarefa fácil" [...]. Esta investigação reuniu
argumentos para mostrar que o FAZER é um tipo de conhecimento com
um status epistemológico específico. Em outras palavras, o título do meu
trabalho procura mostrar que o FAZER é conhecimento [...]. O título do
meu trabalho contém uma provocação. Ele antecipa as análises que faço
47
no corpo do texto, mostrando que a fórmula teoria e prática é uma matriz
explicativa muito pobre. "FAZER não se fundamenta em SABER
(pseudoteoria que explicaria a prática)"
(BARATO, 2005)
8
.
No decorrer de seu trabalho, Barato explica suas intervenções no período
de 1984 a 1991, quando coordenava projetos sobre ensino de técnicas, dentre
elas, as técnicas básicas da enfermagem.
Os educadores do SENAC/SP, em nível de supervisão e de docência,
utilizavam como referência explicativa teoria e prática. Como acontece em outras
instâncias educacionais, predominava, entre os educadores, a idéia de que os
“conteúdos práticos” são fundamentados por “conteúdos teóricos”. Isso tinha
conseqüências no planejamento: antes de ir para laboratórios ou ambientes de
aplicação, os alunos eram instruídos teoricamente. As sessões de ensino são
organizadas em momentos prévios de “teoria” seguidos de momentos de
“prática”.
Durante suas intervenções e coordenação dos projetos referentes ao ensino
de técnicas no SENAC/SP, Barato observou que as explicações (teoria) antes da
execução (prática) são mantidas como algo natural e inquestionável.
Segundo ele, os enfermeiros investidos de funções docentes revelaram uma
resistência notável para desvelar saberes profissionais. Ele identificou três causas
principais para a incomunicabilidade: uma persistência de segredos de ofício, a
alegação de que ofícios são exercícios de arte e a própria natureza do fazer-saber
(uma inteligência que dispensa o discurso como forma organizativa e
comunicativa do saber). Essa constatação fez com que o autor, assim como as
8
BARATO, Jarbas Novelino. Não há possibilidade de referenciar esta contribuição em particular por se tratar
de palavras proferidas por ele em conversas informais.
48
equipes de educadores que com ele trabalharam mergulhassem no fazer-saber
dos profissionais docentes, gerando soluções que valorizassem o fazer-saber,
orientando suas “intervenções” no sentido de abandonar a referência teoria e
prática e adotassem um caminho que enfatizasse o fazer-saber. Para o
pesquisador, quando se emprega uma abordagem que enfatiza a ação, surgem
perspectivas educacionais muito interessantes para orientar o aprender a
trabalhar.
A tese elaborada por Barato, composta por 9 capítulos, propicia ao leitor
uma visão geral acerca do propósito de realizar uma leitura coerente de eventos
do ensino-aprendizagem de técnicas para elaborar sugestões metodológicas no
campo da educação profissional. Para tanto, buscou, além de outros aportes
teóricos, a obra de Wenger e Lave (1998), que valoriza sobremaneira o “aprender
participando”. Nessa direção, considera o “aprender fazendo” um caminho natural
para aprendizagens significativas.
A relevância desse estudo centra-se nas questões concernentes às
possibilidades de investigação quando se consideram as questões da educação
profissional a partir da visão hegemônica caracterizada pela fórmula teoria e
prática:
Leciona-se “teoria” e, a partir dos resultados obtidos, infere-se a
aprendizagem da “prática”, sem verificação de domínio deste último
conteúdo por meio de execução;
Aborda-se o conteúdo “prático” apenas como um fazer explicado pela
“teoria”, mas desprovido de inteligência (“teoria” é equiparada a
conhecimento e “prática” à habilidade);
Cobram-se dos formandos competências na execução de determinado
rol de técnicas, sem propiciar nas escolas condições de exercício
concreto de todas as técnicas deste rol, apelando-se para uma
indefinível criatividade, que deveria decorrer da boa assimilação da
teoria (BARATO, 2003, p. 61).
49
Esse modo de conceber conteúdos da educação é um engano, e, como é
percebido pelos educadores, resulta em encaminhamentos equivocados do
processo de ensino-aprendizagem.
Dentre as possibilidades de investigação, Barato optou por abordar a
questão do conteúdo do saber técnico. Estudou uma proposta de planejamento
em cursos de formação profissional, que poderia ser organizada a partir do
conceito de atividade. Nesse sentido, todo o conteúdo do curso poderia ser
convertido em atividades, e cada uma delas seria orientada por um objeto e
compreenderia os três níveis: a atividade, as ações e as operações. Para tanto,
seria preciso discutir, na área de formação do profissional de Enfermagem, quais
objetos valeriam a pena considerar.
Esses objetos dimensionariam as atividades, assim como as ações e
operações necessárias. Dessa forma, é necessário um currículo completamente
diferente das formas usuais de organizar unidades de ensino. Dentro de cada
atividade, nos diferentes níveis, conceitos, princípios, fatos e processos seriam
articulados (orquestrados) em função de finalidades significativas para os alunos.
O desafio parece interessante.
O quadro de relações aqui descrito é bastante sugestivo em termos de um
repensar do saber técnico. Ele realça a intencionalidade do fazer. Nesse sentido,
qualquer técnica deve ser entendida como tendo necessariamente um objeto. Isso
significa que as técnicas não são apenas um repertório de como executar uma
tarefa.
50
2.4 Barreto: “Problemas verbais multiplicativos de quarta-
proporcional: A diversidade de procedimentos de
resolução”
A dissertação que me proponho a apresentar é o resultado de uma
pesquisa que teve por objetivo analisar procedimentos de resolução de problemas
verbais multiplicativos de quarta-proporcional elementares mobilizados por uma
população de alunos de 5ª série, de uma Escola estadual da cidade de São
Paulo, desenvolvida por Isva Maria Almeida Barreto, em 2001, para obtenção do
título de Mestre em Educação Matemática na Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo.
Nessa análise, Barreto buscou ressaltar o modo com que os alunos
expressam esses procedimentos, bem como as características das situações-
problema sob as quais eles emergem. A autora abordou os procedimentos
adotados no processo de resolução de problemas que requerem um raciocínio
multiplicativo, enfocados do ponto de vista da proporcionalidade.
Esta pesquisa apoiou-se teoricamente nas propostas do psicólogo Geràrd
Vergnaud sobre o Campo Conceitual das estruturas multiplicativas para analisar
um instrumento composto por 16 problemas que se caracterizavam por
apresentarem uma relação de proporcionalidade entre seus termos, ou seja,
tratava-se de problemas multiplicativos envolvendo apenas números naturais.
Após a aplicação do instrumento e as entrevistas com os alunos, os
resultados da investigação revelou uma heterogeneidade de procedimentos
mobilizados para a resolução dos problemas, o que evidenciou a complexidade
51
desse conceito e a necessidade de uma diversidade de situações ao longo do
processo.
A autora observou que, dentre os procedimentos utilizados pelos alunos,
ocorreu um grande número de procedimentos não canônicos, como a adição
repetida, “multiplicação com termo desconhecido” e multiplicações sucessivas.
Alguns alunos apresentam diferentes maneiras de compreender o texto de
um problema e, conseqüentemente, os mecanismos que empregam para a
resolução também são distintos. A partir daí, a autora procurou conhecer e
analisar os procedimentos mobilizados pelos alunos.
A pesquisadora, em suas conclusões, afirmou que:
Existe a necessidade de mudar a rotina do professor, que, ao trabalhar
com problemas, de acordo com uma metodologia segundo moldes
tradicionais, não tem interesse em compreender os processos envolvidos
na solução de um problema, pois toda a sua preocupação repousa no
resultado final. De acordo com essa metodologia tradicional, o professor
primeiramente trabalha a técnica operatória do algoritmo e, em seguida,
apresenta os clássicos problemas de aplicação, a fim de que o aluno
venha a usar o algoritmo previamente “assimilado”. Ao se deparar com
erros, o que em geral ocorre, o professor eleva a quantidade de exercícios
para que, por meio da repetição, o aluno chegue à aplicação correta da
técnica
(BARRETO, 2001, p. 85).
Barreto julgou que a contribuição da sua investigação para o ensino
consistiu em oferecer subsídios para:
Orientar uma aprendizagem que não tolha a criatividade dos alunos e
respeite o ritmo dos que apresentam dificuldades ou que se encontram,
ainda, em uma etapa anterior;
Uma proposta de ensino que, contrapondo-se a uma prática em que o
professor institucionaliza apressadamente o procedimento valor unitário,
52
valorize a riqueza das produções individuais possíveis de serem
estabelecidas pelos alunos em uma situação multiplicativa.
O número de erros estava próximo ou acima de 50%, considerando a
população de 119 alunos. Uma constatação importante foi o número de erros
encontrados na resolução de problemas verbais multiplicativos, mesmo aqueles
que envolvem uma única operação de multiplicação ou divisão.
Alguns desses erros relacionados à multiplicação e, conseqüentemente, da
divisão, podem afetar a aprendizagem do aluno, de outros conhecimentos
matemáticos escolares correlacionados a conceitos que sugerem um pensamento
proporcional.
Segundo Barreto, é preciso priorizar, no ensino, situações mais
significativas e, nessa perspectiva, a autora justifica a necessidade de se
trabalhar com problemas verbais, pois, como sugere Vergnaud (1996, p.155-191),
o conhecimento emerge de problemas a serem resolvidos e de situações a serem
dominadas. Em outras palavras: resolver problemas é a fonte e o critério do
conhecimento operacional. E a autora acrescenta ainda que uma das prioridades
de sua pesquisa foi, entre outras, analisar e classificar, tanto quanto possível,
situações-problema, que tornem um conceito matemático funcional e significativo,
com o objetivo de usar maior variedade de situações no ensino, e levar os alunos
a encontrar outras relações e questões além daquelas a que estão acostumados.
53
2.5 Uma reflexão em busca de articulações
Apresento, a seguir, uma discussão de alguns dos resultados pesquisas,
buscando estabelecer conexões e contrastes para deixar formuladas algumas
conjecturas do meu ponto de vista consideradas relevantes. Conjecturas estas
que estão relacionadas tanto com o ensino quanto com a aprendizagem dos
conceitos de Razão e Proporção.
Meu propósito foi realizar uma reflexão e analisar as contribuições mais
relevantes de Soffner, Pozzi, Barato e Barreto. Resolvi, neste momento,
estabelecer uma comparação entre duas pesquisas: a de Barreto desenvolvida
com alunos do ensino fundamental, e a pesquisa de Silva, citada na introdução
desse trabalho, desenvolvida com alunos estagiários de um hospital, conforme
quadro abaixo:
Quadro comparativo
BARRETO (2001) SILVA (2005)
Dificuldades dos alunos da 5ª série
do ensino fundamental
(população: 119 alunos).
Dificuldades dos alunos estagiários de
um hospital (população: 159 alunos)
Operações com decimais Operações com decimais
Multiplicação Multiplicação
Divisão Divisão
Dificuldades em interpretar os
enunciados dos problemas.
Dificuldades em interpretar os
enunciados dos problemas.
Dificuldades em compreender a
linguagem Matemática.
Pode-se notar a existência de uma semelhança entre as dificuldades dos
alunos do ensino fundamental e dos alunos estagiários de um hospital, indicando
que, de alguma maneira, a forma com que é feita a abordagem dos conceitos de
54
Razão e Proporção, tanto no ensino fundamental quanto no ensino
profissionalizante de enfermagem, necessita ser revista.
Parece ser necessário refletir sobre o que se pretende com o ensino
fundamental e as expectativas que se têm a respeito dos alunos que terminam
essa fase de escolarização. Essa reflexão, no meu ponto de vista, permite discutir
que, quando os resultados previstos não são atingidos, algo não ocorreu como
deveria, ou da parte de professor, ou da parte do aluno ou de ambos.
Acreditando que o ensino e a aprendizagem são relações excludentes, o
importante é identificar o que deve ser replanejado (modificado), para que os
resultados se tornem satisfatórios. Por exemplo, selecionar situações, analisando-
as a partir da perspectiva do aluno que as resolverá, sem pressupor que suas
estratégias e abordagens coincidam necessariamente com as dos docentes que
as formulou.
Quando essas reflexões são remetidas para o curso técnico de
Enfermagem (nível médio), surge uma pergunta: o que fazer neste contexto?
Apesar de as análises apresentadas pelos pesquisadores evocarem, de
modos distintos, o processo de descrição, interpretação e de avaliação dos
aspectos educativos relacionados ao ensino fundamental e dos aspectos
relacionados à Enfermagem, todas convergem ao evidenciarem que os conceitos
matemáticos importantes à construção da prática do técnico de Enfermagem
estariam comprometidos, ou seja, o ensino referente aos conceitos de Razão e
Proporção no ensino fundamental parece não produzir os efeitos desejados,
reafirmando a distância que existe entre o que se pretende fazer e o que
realmente se faz.
55
Capítulo 3
Fundamentação Teórica
Traçar uma visão panorâmica do ensino de Matemática em um curso
técnico de enfermagem, com um mínimo de consistência, impôs a necessidade
de estabelecer um enfoque teórico que orientasse as análises desenvolvidas
neste estudo.
Foi esta razão que me levou a fazer algumas opções que gostaria de deixar
claras e que já se fazem presentes no próprio título escolhido para esta pesquisa.
Em primeiro lugar, a Teoria dos Campos Conceituais permitiu discutir a
contextualização do saber escolar e como as atividades de ensino podem
propiciar a construção de significados para as relações matemáticas. Tratar os
conceitos matemáticos dentro de um contexto significa transcender o aspecto
conceitual e criar oportunidade para articulação do conteúdo matemático com
outros temas.
Nessa perspectiva, a Teoria dos Campos Conceituais servirá de lente
interpretativa para as análises desenvolvidas, tendo sempre como foco criar e
56
elaborar situações que envolvam os conceitos de Razão e Proporção a partir das
práticas desenvolvidas pelos técnicos de enfermagem, no sentido de contribuir
para compreensão do significado destes conceitos e como eles podem ser
utilizados em situações especificas da prática do profissional da enfermagem.
Pressuponho que parcela dessa compreensão possa estar ligada à aproximação
desses contextos.
Em segundo lugar, pressupondo que a forma com que se ensinam os
conceitos matemáticos, em um curso técnico de Enfermagem, parece ser
abstraída da situação real, esse entendimento me levou a adentrar em aspectos
da Cognição Situada e da Teoria da Atividade, permitindo conhecer o contexto no
qual o conhecimento produzido é utilizado. De acordo com os autores que tratam
da Cognição Situada, o conhecimento tem natureza situada, uma parte do qual
está implícita no contexto da atividade.
Cabe salientar que essas teorias abordam dimensões mais amplas do que
me propus a examinar nesta pesquisa. Nesse sentido, elaborei o quadro teórico
apresentando parte das contribuições desses teóricos, relacionando-os com
outros autores que compartilham das mesmas convicções.
3.1 Teoria dos Campos Conceituais
A teoria dos Campos Conceituais não é específica da Matemática, mas
começou a ser elaborada a fim de explicar o processo de conceitualização
progressiva das estruturas aditivas, das estruturas multiplicativas e das relações
número-espaço da álgebra (VERGNAUD, 1996, p.155).
57
Ao desenvolver esta teoria, o autor utilizou, como referência, o próprio
conteúdo do conhecimento e a análise conceitual do progressivo domínio desse
conhecimento, bem como o estudo do desenvolvimento cognitivo do sujeito-em-
situação ao invés de operações lógicas gerais, de estruturas gerais do
pensamento. Embora Vergnaud afirme em seus trabalhos que esta teoria não é
específica da Matemática, ela apresenta um grande potencial para descrever,
analisar e interpretar aquilo que se passa em sala de aula na aprendizagem de
Matemática e Ciências.
Os conceitos-chave da Teoria dos Campos Conceituais são, além do
próprio conceito de campo conceitual, os conceitos de situação, esquema,
invariante operatório (teorema-em-ação e conceito-em-ação), e sua concepção de
conceito.
Vergnaud, ao explicar a natureza dos conceitos matemáticos, apresenta
uma definição utilizada pela maioria dos psicólogos envolvidos em pesquisa em
Educação Matemática. Para ele (1997, p. 5), a definição psicológica de um
conceito matemático não pode ser reduzida à de sua definição.
As idéias contidas nesta definição, segundo o autor, apresentam um
paradoxo entre matemáticos e psicólogos pelo fato de que os matemáticos lutam
para serem precisos e completos ao escreverem definições, enquanto os
psicólogos tentam entender como os conceitos são progressivamente formados,
pelos diferentes tipos de situações e pelos diferentes tipos de representações
lingüísticas e simbólicas.
Para esta investigação, as colocações até então expressas sobre a
natureza dos conceitos matemáticos é um ponto de partida necessário para
58
compreender como os conceitos matemáticos são utilizados pelos alunos por
meio de suas experiências na escola e no ambiente de trabalho. Tendo como foco
a aprendizagem, assumo com Vergnaud que estes conceitos não podem ser
reduzidos à sua definição.
Da mesma forma, quando discuto o desenvolvimento e o funcionamento
dos conceitos matemáticos Razão e Proporção no decurso da aprendizagem ou
quando da sua utilização em situações-problema, considerei esses conceitos
como Vergnaud os concebe:
Um conceito é apreendido pelos indivíduos quando os mesmos dominam
três conjuntos de fatores relacionados com esses conceitos, a saber:
S: o grupo de situações que fazem o conceito útil e significante;
I: o grupo de invariantes operacionais que pode ser utilizado pelos
indivíduos para lidar com essas situações;
R: o grupo de representações simbólicas, lingüísticas, gráficos ou gestuais
que pode ser utilizado para representar invariantes, situações ou
procedimentos
(VERGNAUD, 1997, p. 6).
Um enfoque interessante sobre os conceitos matemáticos Razão e
Proporção foram abordados por Post (1985 p. 89-90). Para esse autor, a maioria
das tentativas feitas no passado para definir o raciocínio com proporções (por
exemplo, Karplus, Pulas e Stage, 1983; Noelting, 1980) levava em conta
primordialmente as respostas individuais a problemas de valor ausente, em que
se apresentavam três ou quatro valores de duas razões ou taxas iguais e tinha-se
que achar o quarto – o valor ausente. Os alunos que respondiam corretamente às
situações numericamente “complicadas”, contendo múltiplos não-inteiros, eram
situados no nível mais elevado e considerados capazes de raciocinar com
proporções.
Essa é uma visão limitada, uma condição necessária, mas não suficiente,
especialmente porque esses problemas prestam-se apenas a resoluções
59
algorítmicas. Ao justificar esta posição, o autor argumenta que, o raciocínio
proporcional envolve algumas questões: “Essa resposta tem sentido? Deveria ser
maior ou menor?" (POST, 1985, p. 90). Esse tipo de raciocínio requer uma
comparação que não depende de valores específicos, exigindo a capacidade de
interpretar o significado, guardar essa informação e então comparar as
interpretações de acordo com alguns critérios pré-determinados. Esse processo
requer um raciocínio comparativo em níveis múltiplos, bastante diferentes de uma
abordagem algorítmica, em que se usa uma regra para resolver problemas
prognosticáveis, por caminhos pré-determinados.
Por tudo isso, é necessário falar em campos conceituais. Mas, se os
conceitos tornam-se significativos por meio de situações, decorre naturalmente
que as situações e não os conceitos constituem a principal entrada de um campo
conceitual. Um campo conceitual é, em primeiro lugar, um conjunto de situações
(1998, p. 141), cujo domínio requer o domínio de vários conceitos de naturezas
distintas.
O conceito de situação empregado por Vergnaud (1996, p. 167) não é o de
situação didática, mas sim o de tarefa, sendo que toda situação complexa pode
ser analisada como uma combinação de tarefas, cuja natureza e dificuldades
próprias é importante conhecer. A dificuldade de uma tarefa não é nem a soma
nem o produto das diferentes subtarefas envolvidas, mas é claro que o fracasso
numa subtarefa implica o fracasso global.
A concepção de situação utilizada por Vergnaud e a assumida neste
trabalho convergem para a idéia de que são as situações que fornecem sentido
aos conceitos matemáticos.
60
Considerando o objeto de estudo desta pesquisa, acredito que uma
situação-problema é aquela capaz de questionar os conhecimentos prévios dos
alunos, favorecendo a reflexão sobre a importância do sentido da relação entre a
Matemática, Ciências e Tecnologia. A situação-problema deve propiciar aos
alunos um estudo contextualizado, estabelecendo relações entre os
conhecimentos científicos e o cotidiano, mobilizando-os na relação teoria e
prática, baseada na aplicação de problemas relativos aos seus interesses quanto
ao contexto, gerando sentido para os conceitos matemáticos.
Vergnaud recorre também ao sentido que, segundo ele (p.170 -179), é
atribuído usualmente pelo psicólogo ao conceito de situação: os processos
cognitivos e as respostas do sujeito são funções das situações com as quais é
confrontado. Além disso, ele destaca duas idéias principais em relação ao sentido
de situação: variedade e história. Isto é, em certo campo conceitual, existe uma
grande variedade de situações, e os conhecimentos dos alunos são moldados
pelas situações que eles encontram e progressivamente dominam,
particularmente pelas primeiras situações suscetíveis de dar sentido aos
conceitos e procedimentos que queremos que aprendam. Segundo o autor,
muitas de nossas concepções vêm das primeiras situações que fomos capazes
de dominar ou de nossa experiência tentando modificá-las.
Como foi dito anteriormente, são as situações que fornecem sentido aos
conceitos matemáticos, mas este sentido, segundo Vergnaud, não está nas
próprias situações, não estão nas palavras nem nos símbolos matemáticos.
Nesse aspecto, Vergnaud faz um questionamento: "o que é sentido?”
61
O sentido é uma relação do sujeito com as situações e com os
significantes. Mais precisamente, são os esquemas, os comportamentos e
sua organização, evocados no sujeito por uma situação ou por um
significante (representação simbólica) que constituem o sentido dessa
situação ou desse significante para esse indivíduo
(VERGNAUD, 1996, p.
179).
O caminho percorrido até o momento conduziu ao seguinte quadro: a idéia
de campo conceitual levou à definição de conceito, que é composto por três
conjuntos (a referência, o significado e o significante), porém, como são as
situações que fornecem sentido ao conceito, apresentei o conceito de situação e,
em seguida, o conceito de esquema, pois são os esquemas evocados no sujeito
que fornecem sentido a uma dada situação. Ao apresentar as considerações
sobre esquemas, está ligado a eles o conceito de invariante operatório,
completando assim os principais aspectos desta teoria.
Para Vergnaud (1996, p. 157), "esquema" é a organização invariante do
comportamento para uma dada classe de situações. Os esquemas se referem
necessariamente às situações ou classes de situações, contudo faz tal autor uma
distinção entre essas classes:
1. classes de situações em que o sujeito dispõe, no seu repertório, em
dado momento de seu desenvolvimento e sob certas circunstâncias, das
competências necessárias ao tratamento relativamente imediato da
situação;
2. classes de situações em que o sujeito não dispõe de todas as
competências necessárias, o que o obriga a um tempo de reflexão e
exploração, a hesitações, a tentativas frustradas, levando-o eventualmente
ao sucesso ou ao fracasso
(VERGNAUD, 1996 p. 156).
A distinção que o autor faz diz respeito ao funcionamento desses esquemas
nas situações. Na primeira classe, as condutas são amplamente automatizadas e
organizadas apenas por um esquema, enquanto, na segunda, utilizam-se vários
esquemas, que podem entrar em competição, e que, para atingir a meta
desejada, devem ser acomodados, descombinados e recombinados.
62
Trata-se de uma definição precisa, mas que certamente necessita de
maiores especificações para facilitar sua compreensão. Aquilo que Vergnaud
identifica como componentes do esquema fornece tais especificações:
1. Metas e antecipações (um esquema se dirige sempre a uma classe de
situações na qual o sujeito pode descobrir uma possível finalidade de sua
atividade e, eventualmente, submetas; pode também esperar certos efeitos
ou certos eventos);
2. Regras de ação do tipo "se... então" que constituem a parte
verdadeiramente geradora do esquema, aquela que permite a geração e a
continuidade da seqüência de ações do sujeito; são regras de busca de
informação e controle dos resultados da ação;
3. Invariantes operatórios (teoremas-em-ação e conceitos-em-ação) que
dirigem o reconhecimento, por parte do indivíduo, dos elementos
pertinentes à situação; são os conhecimentos contidos nos esquemas; são
eles que constituem a base, implícita ou explícita, que permite obter a
informação pertinente e dela inferir a meta a alcançar e as regras de ação
adequadas;
4. Possibilidades de inferência (ou raciocínios) que permitem "calcular",
"aqui e agora", as regras e antecipações a partir das informações e
invariantes operatórios de que dispõe o sujeito, ou seja, toda a atividade
implicada nos três outros ingredientes requer cálculos "aqui e
imediatamente" em situação
(VERGNAUD, 1996 p. 180).
As expressões conceito-em-ação e teorema-em-ação designam os
conhecimentos contidos nos esquemas. São também identificados por Vergnaud
pela expressão mais global invariantes operatórios. Para melhor compreensão,
utilizo exemplos de algumas situações propostas por Vergnaud (1998 p. 174):
1) Janete tinha 7 bolinhas de gude. Ela jogou 5 bolinhas. Quantas bolinhas
de gude ela tem agora?
2) Paulo jogou e perdeu 5 bolinhas. Quantas bolinhas ele tem agora?
3) Hans tinha 9 bolinhas de gude. Ele jogou com Rute. Agora ele tem 14
bolinhas de gude. O que aconteceu no jogo?
4) Rute jogou bolinhas de gude com Hans e perdeu 5 bolinhas. Ela agora
tem 7 bolinhas de gude. Quantas ela tinha antes de jogar?
63
Há vários conceitos-em-ação distintos implícitos na compreensão dessas
situações: número cardinal, ganho e perda, aumento e diminuição, transformação
e estado, estado inicial e final, transformação positiva e negativa, adição e
subtração.
Os conceitos relevantes são os mesmos para todas as situações, mas a
situação 4) é bem mais difícil para alunos de sete ou oito anos porque implica
raciocinar ao contrário e achar o estado inicial, adicionando as 5 bolinhas
perdidas ao estado final de 7 bolinhas. Tal raciocínio depende de um forte
teorema-em-ação
onde I é o estado inicial, F o estado final, T
a transformação direta e
a transformação inversa.
)F(TI)F(TI
==
1
-1
T
Entre os mais importantes conceitos-em-ação desenvolvidos pelos alunos,
acham-se os de grandeza e magnitude, valor unitário, razão e fração, função e
variável, taxa constante, dependência e independência, quociente e produto de
dimensões.
A partir dos exemplos de Vergnaud, depreende-se que um conceito-em-
ação não é um verdadeiro conceito científico, nem um teorema-em-ação é um
verdadeiro teorema, a menos que se tornem explícitos. A maioria desses
conceitos e teoremas-em-ação permanecem totalmente implícitos, mas eles
podem também ser explícitos ou tornarem-se explícitos, e aí entra o ensino:
ajudar o aluno a construir conceitos e teoremas explícitos, e cientificamente
aceitos, a partir do conhecimento implícito. É nesse sentido que Vergnaud define
os conceitos-em-ação e teoremas-em-ação. Eles podem, progressivamente,
tornarem-se verdadeiros conceitos e teoremas científicos.
64
O autor apresenta essa teoria ancorada num princípio de elaboração
pragmática dos conhecimentos. Essas considerações têm o intuito de evidenciar
a importância concedida ao conceito de esquema:
Não se pode teorizar sobre a aprendizagem da Matemática, nem
exclusivamente a partir do simbolismo, nem apenas a partir das situações.
É necessário considerar o sentido das situações e dos símbolos. A chave é
considerar a ação do sujeito em situação, e a organização de sua conduta
(VERGNAUD, 1996, p. 189).
Para a proposta desta pesquisa, ficou evidenciada a necessidade de
considerar os conhecimentos-em-ação largamente implícitos que normalmente os
alunos apresentam, pois eles são precursores dos conceitos científicos
(teoremas-em-ação), que são explícitos. Do mesmo modo, as concepções que
são inadequadas para resolver uma situação devem ser abandonadas quando se
configuram em obstáculos. Essa articulação é fundamental e deve ser guiada pelo
professor.
Vergnaud também considera fundamental que os profissionais de educação
que estiverem trabalhando com um campo conceitual devem estar atentos aos
seguintes pontos:
Conceitos matemáticos são enraizados em situações e problemas;
É preciso analisar e classificar essas situações e procedimentos que os
estudantes usam para lidar com elas;
As idéias e a competência dos estudantes desenvolvem-se ao longo de um
grande período de tempo.
Os símbolos não se referem diretamente à realidade, mas aos
componentes
(VERGNAUD, 1988, p. 141).
Nessa direção, outro aspecto que gostaria de lembrar, a partir das análises
de Post (1985, p. 91), refere-se ao raciocínio com proporções, que implica o
domínio de vários conceitos sobre números racionais, como, por exemplo, ordem
de equivalência, a relação entre unidades e sua partes, o significado e a
interpretação das razões e questões envolvendo a divisão, especialmente no que
65
se refere a dividir um número menor por um maior. Para raciocinar com
proporções, é preciso ter flexibilidade mental para abordar os problemas por
vários ângulos e, ao mesmo tempo, ter noções suficientemente sólidas para não
se deixar afetar por "números grandes" ou “complicados"
9
ou pelo contexto em
que se insere o problema.
Ao que parece, as considerações dos autores permitem dizer que a
aprendizagem acontece com sucesso, quando os conhecimentos anteriores são
adicionados uns aos outros e incorporados à nova situação, ocorrendo uma parte
do processo cognitivo, que consiste no conjunto de procedimentos de raciocínio
desenvolvidos pelo sujeito para coordenar as adaptações necessárias para que
as informações precedentes sejam incorporadas em uma situação de
aprendizagem, sintetizando o novo conhecimento.
A ausência de elementos de compreensão, raciocínio e resolução de
problemas parece ser responsável por grande parte das dificuldades que os
alunos de um curso técnico de enfermagem sentem em realizar procedimentos
aparentemente simples. Quando um aluno realiza uma tarefa matemática, de
forma mecânica, não lhe atribuindo sentido, é provável que ele seja incapaz de
reconstruir aquilo que parecia saber fazer perante uma situação que apresenta
alguma diferença ou que seja colocada num contexto diferente. Os procedimentos
e a capacidade de raciocinar se desenvolvem ao mesmo tempo e apóiam-se uns
nos outros.
9
Palavras textuais de Post.
66
Para Vergnaud, a abordagem psicológica deve ser desenvolvimentalista,
social, cognitiva e epistemológica. Essa abordagem está assentada em alguns
resultados centrais:
– Que tipo de situações oferece ocasiões para crianças e alunos formarem
conceitos matemáticos na escola e fora dela? Como analisar a estrutura
hierárquica dessas situações e classificá-las?
– Quais são os procedimentos utilizados pelos alunos para enfrentar essas
situações? Quais deles são bem sucedidos, ou mal-sucedidos? Sobre
quais condições? Quais conceitos e teoremas implícitos em que cada
procedimento está se apoiando?
– Quais procedimentos são ensinados? Qual deles se desenvolve mais
espontaneamente? O que os professores, pais e colegas fazem para
auxiliar os alunos?
– Quais palavras, sentenças e expressões simbólicas são usadas pelos
sujeitos para comunicar e comentar o que eles fazem ou o que eles
entendem, para acompanhar, criar e controlar suas operações de
pensamentos e procedimentos, e para representar os objetos e relações
envolvidas?
– Que tipo de situações se encontram fora da escola e que deveriam ser
introduzidas na sala de aula para fazer com que os conceitos matemáticos
sejam mais significativos?
(VERGNAUD, 1997, p. 9).
Em síntese, defendo que os resultados apresentados por Vergnaud
encaminham com clareza o objetivo desta pesquisa. Certamente é impossível
abordar os conceitos matemáticos em todos os possíveis contextos em que eles
podem se inserir. Na verdade, o que se quis comunicar é que é possível criar
possibilidades para que os alunos possuam as condições mínimas necessárias
para desenvolver esses conceitos e, ao se depararem com uma situação nova,
possam ter condições de avaliá-la, julgá-la ou modificá-la de acordo com a
realidade na qual estão inseridos.
É precisamente nesse ponto que as análises desenvolvidas por Vergnaud
se mostram relevantes. Significa admitir a possibilidade de que os conceitos
Razão e Proporção não se formam apenas a partir do momento em que os alunos
entram em contato com a teoria, mas encontram-se enraizados em contextos
particulares que antecederam a entrada desses alunos, futuros profissionais, no
67
curso técnico de enfermagem, e esses conceitos perdurarão por todo o percurso
da sua vida escolar e profissional.
Os comentários anteriores permitem supor que a compreensão do
significado de um conceito é verificada quando o aluno consegue identificar as
conexões existentes entre os conceitos matemáticos, percebe que está
trabalhando com o mesmo objeto matemático, e é capaz de encará-lo de
diferentes maneiras e em contextos diferentes.
A Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud parece mais adequada aos
nossos propósitos por ser aquela que permitirá analisar, de forma articulada, o
significado dos conceitos envolvidos na administração de medicamentos,
entendendo que esses conceitos devem emergir de situações-problema para que
ocorra uma aprendizagem significativa, na qual o conhecimento passa a ser
concebido como uma sucessão de adaptações que o aluno realiza sob influência
de situações reais que possam ser vivenciadas em sala de aula.
Esta base teórica provê um referencial muito rico para compreender,
explicar e investigar o processo da aprendizagem significativa, permitindo
elaborar situações-problema privilegiem os conceitos matemáticos Razão e
Proporção. Isso possibilitará ao aluno a transferência de saberes entre o contexto
escolar e o contexto da enfermagem, acreditando que neste aspecto exista um
problema a ser confrontado por pesquisadores e educadores. A dificuldade de
transferência de saberes entre contextos abarca tanto a transferência do
cotidiano-cotidiano, escolar-escolar, quanto cotidiano-escolar.
Ao refletir sobre as orientações propostas por Vergnaud, é possível afirmar
que, quanto mais os alunos entenderem, mais perceberão a Matemática como
68
uma teia intrincada, e sempre em expansão de idéias aprendidas anteriormente e
inter-relacionadas, e não como uma coleção de regras arbitrárias, aparentemente
sem qualquer relação.
3.2 Teoria Social do Aprendizado: Comunidades de Práticas de
Wenger
Apesar de os estudos realizados anteriormente fornecerem dados
importantes sobre o processo de aprendizagem significativa dos conceitos
matemáticos, houve a necessidade de ir além das abordagens cognitivistas para
compreender as dinâmicas sociais e históricas de um contexto particular, como é
o caso da Enfermagem.
Tratando da formação do técnico de enfermagem e um campo conceitual da
própria Matemática, a Teoria Social do Aprendizado vem auxiliar as análises
desenvolvidas nesta pesquisa. Sendo assim, a utilização dos conceitos
matemáticos em uma formação geral ou em um âmbito particular, como é o caso
da enfermagem, pode ser referendada por outras fontes da literatura.
Para abordar a noção de aprendizado, tomei como base o modelo
idealizado por Wenger (1998). Esse modelo tem origens na Teoria Social do
Aprendizado, e nele o autor apresenta o termo Comunidades de Prática; em que
o aprendizado é um fenômeno fundamentalmente social, portanto não ocorrendo
individualmente, descontextualizado ou resultante de ensinamentos. Percebi que
seus estudos em torno do aprendizado se revelam mais complexos nas relações
sociais, ou seja, onde o aprendizado se faz presente.
69
A Teoria Social do Aprendizado tem suas próprias hipóteses e seu próprio
foco, assim descritos por Wenger:
somos seres sociais. Esse aspecto é central no aprendizado;
conhecimento é um problema de competência com respeito a valiosos
empreendimentos – como cantar no tom, escrever poesias, realizar
pesquisas científicas, crescer como menino ou menina, e assim por
diante;
conhecimento é um problema de participação na perseguição destes
empreendimentos, ou seja, no engajamento ativo do mundo;
significado é decorrente da nossa habilidade de experienciar o mundo
e o nosso engajamento com essa experiência gerando significados. Em
última análise é o que o aprendizado irá produzir
(WENGER, 1998, p.
4).
Em suas análises, o autor procura mostrar que o conceito de aprendizado
está relacionado intimamente com os elementos que constituem o nosso
cotidiano: comunidade, prática, identidade e significado. Esse modo de conceber
o aprendizado sugere que a escola deixe de ser o único local de aprendizado
sistematizado para fazer parte de um todo, de uma comunidade.
Nessas afirmações, já estão contidas algumas idéias sobre os sujeitos
desta pesquisa. Enquanto Wenger concebe o aprendizado como um fenômeno
social não podendo ocorrer fora de um contexto, parece que os cursos que
formam os técnicos de enfermagem concebem o aprendizado como uma
reprodução de experiências nas quais as informações são aprendidas sem que se
possa interagir com conceitos relevantes.
A concepção sobre o aprendizado permite dizer que aprender flui das
relações que se instala entre os sujeitos de uma Comunidade de Prática, que, de
acordo com Wenger, é:
Um grupo de pessoas que partilha um interesse, digamos um problema
que enfrentam regularmente no trabalho ou nas suas vidas, e que se junta
para desenvolver conhecimento de forma a criar uma prática em torno
desse tópico
(WENGER, 1998, p. 4).
70
Para os indivíduos serem aceitos por uma comunidade e desempenhar uma
tarefa, existem três maneiras básicas de se negociar competências. A primeira,
segundo o autor, implica conhecer os objetivos da comunidade para ser
responsável por uma tarefa; a segunda maneira é saber se relacionar com os
membros desta comunidade; e a terceira, identificar-se como comunidade de
prática, descobrindo como é sua dinâmica.
Elaborei um exemplo na tentativa de ilustrar a negociação de competências
a que Wenger faz referência: se um grupo de técnicos de enfermagem,
trabalhando em um mesmo hospital, nunca teve a oportunidade de trocar
conhecimentos entre si, não pode ser caracterizado como uma Comunidade de
Prática. No entanto, se, na hora do almoço, um grupo de técnicos de enfermagem
estiver reunido, conversando sobre suas atividades desenvolvidas no hospital,
mesmo sendo de maneira informal, estarão constituindo uma Comunidade de
Prática. Identificar-se de maneira consciente como uma Comunidade permite
organizar com mais facilidade as informações e estratégias para a criação de uma
prática responsável de interesse do grupo.
Quando existe a negociação, as pessoas aprendem a planejar os elementos
necessários para serem utilizados em suas comunidades numa teia de relações
envolvendo pessoas que querem ser incluídas como pessoas que podem
contribuir para essa comunidade.
Considerando os sujeitos desta pesquisa, as ponderações anteriores
evidenciaram que a formação dos técnicos de enfermagem, especificamente nas
atividades que envolvem cálculos de medicamentos, deve promover um trabalho
71
de reflexão e confrontar saberes para que eles possam atuar na realidade
hospitalar.
Quando as pessoas envolvidas sentem prazer em aprender em conjunto, o
processo de desenvolvimento de uma determinada atividade é devido ao
despertar do interesse. Da mesma forma, quando o conhecimento é
extremamente reduzido e automatizado, com ênfase em procedimentos isolados,
gera o desinteresse. A dicotomia entre teoria e prática, nesses casos, é mais
acentuada, o que irá dificultar a inserção desse futuro profissional na comunidade.
Retomando os estudos de Wenger (1998), o autor afirma que a
característica de uma Comunidade de Prática é o empreendimento, abordando a
prática sob o ponto de vista da produção de significados como uma experiência
natural de nosso cotidiano. Para ele, os significados fazem parte de experiências
já vividas, pertencentes a um passado remoto ou não, e são constantemente
negociados junto aos mais atuais, gerando assim novos significados. Portanto,
invariavelmente, negocia-se significado o tempo todo.
Ao fazer referências sobre a prática, Wenger (1998, p. 47) argumenta que o
conceito de prática tem uma conotação de "fazer", mas não apenas o "fazer pelo
fazer", e sim o "fazer" situado em um contexto social histórico, que possui um
significado em si. Assim, a prática é tida sempre como uma prática social
"explícita" ou "tácita".
Para o autor, a prática social "explícita" refere-se àquela ligada às ações
manifestadas por meio de ferramentas, regras, documentos e imagens. A "tácita"
72
10
ou "participativa" está mais relacionada ao saber, incluindo relações implícitas
pautadas geralmente no subconsciente individual. Ao retratar a dinamicidade de
uma comunidade de prática, Wenger apresentou o seguinte modelo:
Figura 1 - A dualidade da participação e reificação de Wenger (1998 p. 63).
Dos conflitos gerados a partir do embate entre participação e reificação
11
,
surge a necessidade de se negociar constantemente os significados gerados
nesse movimento em que se caracteriza a prática. O conceito de prática não é
dicotômico ou excludente, no qual o saber e a ação estão claramente divididos.
Diferente do conceito um tanto antagônico que comumente é difundido entre
teoria e prática, o "explícito" e o "tácito" são complementares, duais e dialógicos.
Wenger, referindo-se à relevância da participação no processo de
aprendizado, esclarece que:
para os indivíduos, significa que aprendizado é estar engajado e
contribuir com as práticas de sua comunidade;
para as comunidades, o aprendizado é um refinamento de sua prática e
garante novas gerações de membros;
10
Wenger considera como tácito aquilo que não é dito.
11
A palavra reificação é utilizada etimologicamente por Wenger como "transformar em algo". Pelo dicionário
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, reificar significa tratar uma abstração em algo que existe
substancialmente, ou seja, objeto material concreto.
73
para as organizações, significa que aprendizado é uma forma de
manter interconectadas as comunidades de prática, o que faz com que
ela saiba aquilo que sabe tornado-se efetiva e valiosa como uma
organização
(WENGER, 1998, p. 7-8).
Quanto à educação, apreende-se que, na perspectiva do modelo das
Comunidades de Práticas, a escola e a sala de aula devem estar organizadas em
função do aprendizado que ocorre no mundo. Uma das implicações-chave na
organização do aprendizado é que precisamos nos tornar reflexivos a respeito de
nossos próprios discursos sobre o aprendizado e seus efeitos sobre como
projetamos o aprendizado. Ao propor uma estrutura que considera o aprendizado
em termos sociais, Wenger espera contribuir para essa urgente necessidade de
reflexão.
O modelo idealizado por Wenger sustenta "que questões de educação"
devem ser endereçadas em primeiro lugar em termos de identidades e modos de
pertencimento [...] e somente em segundo lugar com habilidades e informação.
"Esta discussão não situa a educação nas escolas e nem mesmo como algo para
crianças" (WENGER, p. 263).
As teorias sociais do aprendizado, no que se refere ao modelo de
Comunidade de Prática procuram deixar clara a diferença entre ensino e
aprendizado. Um pode ocorrer sem a necessidade do outro.
O aprendizado é um processo emergente e contínuo que usa o ensino
como um de seus muitos recursos [...]. Debates pedagógicos tradicionalmente
focam esse tipo de opções como autoridade versus liberdade, instrução versus
descoberta, individual versus aprendizado colaborativo, ou leitura versus
aprendizado experenciado na prática. Mas a questão real está mais profunda que
todos esses debates sobre a interação do planejado e do emergente. O ensino
74
tem que ser oportunista porque ele não pode controlar seus próprios efeitos [...].
O que importa é a habilidade de fazer interagir o ensino e o aprendizado de forma
que se tornem recursos estruturados um ao outro (WENGER, 1998, p. 267).
Ressalto que as Comunidades de Prática não são apenas um contexto para
a aprendizagem necessária para os recém-chegados à comunidade em questão,
mas um contexto para novas idéias serem transformadas em conhecimento.
Para Wenger (1998, p. 225), uma Comunidade de Prática pode ser um local
tanto para a aquisição de conhecimento quanto para a sua criação. A
aprendizagem não pode ser projetada. Ela segue uma negociação de
significados; move-se à sua própria maneira.
Apresento alguns princípios sobre a perspectiva social do aprendizado que
o autor resume da seguinte maneira:
o aprendizado é inerente ao ser humano: sendo parte contínua e
integral da sua vida, não podendo ser considerado uma atividade à
parte dela;
o aprendizado é, antes de qualquer coisa, a habilidade de negociar
novos significados e envolve o aprendiz numa relação dinâmica de
participação e reificação;
o aprendizado é uma questão de engajamento. está relacionado com as
oportunidades que o aprendiz possa ter para contribuir ativamente para
as práticas da comunidade, integrar os empreendimentos das
comunidades à sua compreensão de mundo e ainda para fazer uso
criativo de seus repertórios;
aprendizado não pode ser projetado: diante de todos os aspectos
abordados, não há como estabelecer uma previsibilidade do momento
exato de quando o aprendizado vai ocorrer e tampouco saber de
antemão o que será aprendido de fato
(WENGER, 1998 p. 226-228).
As considerações até aqui registradas sobre a Aprendizagem Situada
mostram um caminho diferente do indicado pelo par teoria e prática, ou seja,
acredito que o conhecimento necessita ser apresentado em um contexto
75
autêntico, e a aprendizagem requer interação social e colaboração entre os
membros de uma Comunidade de Prática.
Para encerrar as considerações sobre as teorizações de Wenger, é possível
situar os sujeitos desta pesquisa – os estudantes do curso técnico de
enfermagem – em uma comunidade de aprendizagem na qual aprendem as
práticas da profissão. Aqui a profissão define uma Comunidade de Prática à qual
o estudante aspira pertencer. Seja aluno do ensino fundamental, médio ou de um
curso técnico, é preciso criar possibilidades para os estudantes de uma
comunidade de aprendizagem conectarem-se e interagirem com Comunidades de
Prática de diversas formas. No caso dos sujeitos desta pesquisa, parece que
fazer os alunos interagirem com situações reais que envolvam os conceitos de
Razão e Proporção, presentes na Comunidade de Prática hospitalar, pode ser um
caminho promissor de interação entre as comunidades.
O trabalho de Lave (1988) apresenta sugestões importantes para qualquer
comunidade de estudantes, esteja ela situada no contexto escolar ou no contexto
profissional, caminhando para os mais diversos campos da atividade humana.
O autor – ao estudar a arte do aprendizado entre os alfaiates e outros
pesquisadores – investigando atividades que envolvem a Matemática com
membros do programa Vigilantes do Peso – defendem que um pré-requisito para
se trabalhar com um problema de Matemática é “aquecer” o problema [...] (LAVE,
1988, p. 27). Quando as pessoas têm problemas sobre quantidades e suas
relações, elas tentam relacioná-los com suas atividades diárias, pois esses
problemas não estão simplesmente representados por fórmulas matemáticas.
76
Essas pesquisas sugerem que relações quantitativas são assimiladas de uma
maneira criativa e efetiva em situações do dia-a-dia.
Lave refere-se à cultura de aquisição como um poderoso aprendizado que
precisa ocorrer fora do contexto para ser usado em outras situações, e que
aprendizado fora do contexto deve levar a uma abstração, generalização,
exercício mental, conhecimento transferível e eficácia cognitiva para o resto da
vida.
Com este trabalho, o autor evidenciou que as escolas têm sua própria
cultura e isto é o ponto de partida para o entendimento dos problemas de
aprendizagem e nelas são utilizadas práticas de aprendizagem que não oferecem
significado para o que é aprendido. Em suma, o que Lave argumenta é que o
aprendizado, como ocorre normalmente, é uma função da atividade, do contexto e
da cultura na qual ele acontece (isto é, ele é situado). Isso contrasta com a maior
parte das atividades de aprendizado em sala de aula, que envolvem o
conhecimento abstrato e fora de contexto. Pesquisadores como Wenger e Lave,
invariavelmente, são os autores mais procurados para nortear estudos sobre este
tema.
3.3. A Teoria da Atividade
Ao abordar alguns preceitos da Teoria da Atividade, tive como objetivo
demonstrar a possibilidade de utilização de alguns deles para explicar a atividade
desenvolvida pelos técnicos de enfermagem. Não se pode negar que existem
inúmeras ações que podem acontecer entre o preparo e a administração de
medicamentos propriamente dita. No meu entendimento, esta teoria permite
77
analisar as ações, os sujeitos envolvidos e os procedimentos, possibilitando uma
visão individual de cada um deles.
Libâneo (2004, p. 22), ao apresentar contribuições da Teoria Histórico-
cultural da Atividade, com base na obra de V. Davydov, afirma que podemos
encontrar nela auxílio para a compreensão da estrutura da atividade elaborada
pelo docente.
Sobre essa perspectiva, e dirigindo alguns preceitos dessa teoria para o
objetivo deste trabalho, houve a necessidade de buscar elementos teóricos
associados à Teoria da Atividade. Esta busca representou uma análise rica e
fecunda da realidade do contexto da enfermagem, tanto no sentido de
compreensão dos processos que permeiam a prática quanto no sentido das
situações que poderão ser geradas para melhor compreensão dos conceitos
matemáticos.
Kuutti (1997, p. 25) define a Teoria da Atividade, num sentido mais amplo,
como uma estrutura filosófica interdisciplinar para estudar diferentes formas de
práticas humanas de processos de desenvolvimento, tanto no nível individual
como no nível social.
Kaptelinin (1997, p. 101-107) discute, à luz de suas observações, os
princípios da Teoria da Atividade. Considera que essa teoria é formada por um
conjunto de princípios básicos constituindo um sistema geral. Nesse conjunto, as
idéias não são isoladas, estão intimamente ligadas. Esclarecer nesse momento
quais são esses princípios auxiliará na compreensão do que se seguirá.
78
O primeiro, Princípio da unidade entre consciência e atividade, é
considerado como fundamental para a Teoria da Atividade. A consciência é a
mente humana como um todo, e a atividade, uma interação humana com a
realidade, concebidas de forma integrada. Em outras palavras, o autor argumenta
que a mente humana é um órgão especial na interação humana com seu
ambiente, não podendo ser analisado e compreendido fora do contexto da
atividade humana.
O segundo, Princípio da orientação a objetos, focaliza a abordagem da
Teoria para o ambiente nos quais os seres humanos interagem. Esse ambiente é
formado por entidades que combinam todos os tipos de características objetivas,
inclusive aquelas que são determinadas culturalmente definindo as formas como
as pessoas agem sobre essas entidades.
O terceiro, Princípio da estrutura hierárquica da atividade, estrutura e
diferencia os procedimentos humanos em três níveis: atividade, ação e operação.
Nos três níveis são considerados os objetivos para os quais estes procedimentos
são orientados. A importância dessa distinção é determinada pela atitude
ecológica
12
da Teoria da Atividade. Numa situação real, esta distinção é
freqüentemente necessária para prever o comportamento humano. Para esta
finalidade, o referido princípio é de suma importância para a diferenciação entre
motivos, metas e condições, que estão associados à atividade, ação e operação
respectivamente.
O quarto, Princípio da internalização-externalização, tem como função
descrever os mecanismos básicos da origem dos processos mentais. O autor
12
Para entender o comportamento humano, deve-se levar em conta seu ambiente.
79
explica que os processos mentais são oriundos das ações externas por meio da
internalização. A internalização é definida como um processo de absorção de
informações que é realizado pela mente humana, ocorrendo a partir do contato
com o ambiente no qual o sujeito está inserido. A externalização é o processo
inverso da internalização, manifestando-se por meio dos atos, de tal forma que
eles possam ser verificados e corrigidos se necessário.
O quinto, Princípio da mediação, é um dos aspectos marcantes da Teoria
da Atividade, pois toda atividade humana é mediada por um número de
ferramentas tanto externas quanto internas.
Para caracterizar essas ferramentas, ouso apresentar os seguintes
exemplos: um computador ou uma seringa pode ser considerado ferramentas
externas; os conceitos matemáticos Razão e Proporção podem ser considerados
ferramentas internas. Elas são "veículos" da experiência social e do conhecimento
cultural.
O sexto, Princípio do desenvolvimento, auxilia na compreensão de um
fenômeno, permitindo conhecer como ele se desenvolveu até sua forma atual,
pois, ao longo do tempo, o mesmo sofre alterações e compreendê-las auxiliará no
entendimento do seu estado atual.
Seres humanos vivem em um ambiente que é significativo para eles. Este
consiste em entidades que combinam todos os tipos de características objetivas,
incluindo aquelas determinadas culturalmente, que por sua vez, determinam as
formas como as pessoas agem sobre essas entidades.
80
Para conhecer em detalhes a Teoria da Atividade, fiz referências ao
trabalho de Nardi (1997), que foi precioso para compreender a dinâmica de uma
atividade em um contexto.
De acordo com Kuutti (1997, p. 28-29), a atividade é uma forma de agir de
um sujeito direcionada para um objeto. Uma atividade possui três elementos no
nível individual: sujeito, objeto e ferramenta de mediação. O sujeito é o agente
que atua sobre o objeto da atividade. O objeto é o elemento para o qual as ações
da atividade estão direcionadas; um objeto pode ser algo material, ou algo menos
tangível, como um plano, uma idéia qualquer. O relacionamento recíproco entre o
sujeito e o objeto da atividade é sempre mediado por uma ou mais ferramentas
(também chamadas de artefatos de mediação), que podem ser instrumentos,
sinais, procedimentos, máquinas, métodos, leis, formas de organização de
trabalho etc. Ferramentas sempre possuem um papel de mediação, usadas no
processo de transformação do objeto.
Para representar a estrutura de relacionamento, no nível individual entre o
sujeito e o objeto no contexto de uma atividade, o autor apresenta, a partir do
modelo de Engreston (1987), a importância da ferramenta na mediação entre
eles.
Por meio da mediação, algum resultado deve ser obtido, ou seja,
transformar um objeto para um resultado, como mostra o esquema:
81
Figura 2 - Relacionamento mediado entre sujeito e objeto no nível individual (p. 28).
Para situar melhor o objeto de estudo desta pesquisa no contexto da
enfermagem, a estrutura apresentada por Engreston oferece pistas importantes.
Exemplificando a estrutura acima, ousei criar, a partir do modelo de
Engreston, inspirada no exemplo apresentado por Barato (2003, p. 224) a
seguinte atividade: "administrar um medicamento". Nesse caso, o sujeito da
atividade seria o técnico de enfermagem, a ferramenta de mediação seria o
medicamento, o objeto seria propiciar alívio da dor, desencadeando em um
resultado, que seria a melhora do paciente:
Figura 3 – Atividade: administrar um medicamento
82
Embora a representação do relacionamento mediado entre o sujeito e o
objeto individual seja útil, essa estrutura é simples para representar as
considerações de relações sistêmicas existentes entre o sujeito e o seu ambiente,
uma vez que essas relações são encontradas em muitas atividades. Assim, um
novo elemento deve ser adicionado: a comunidade. Uma comunidade é formada
por todos os sujeitos que compartilham um mesmo o objeto. Quando se introduz o
conceito de comunidade, novas formas de mediação são denominadas regras e
divisão de trabalho, conforme mostra a figura a seguir:
Figura 4 – Estrutura básica de uma atividade (p. 28)
As regras, enquanto uma forma de mediação entre o sujeito e a
comunidade, são normas implícitas ou explícitas, estabelecidas por convenções e
relações sociais dentro da comunidade. A divisão do trabalho, enquanto forma de
mediação entre comunidade e objeto, refere-se à forma de mediação relacionada
ao processo de transformação de um objeto para um resultado. Todas as formas
de mediação (ferramentas, regras e divisão de trabalho) possuem um
desenvolvimento histórico próprio, com características particulares relacionadas
ao contexto em que foram desenvolvidas.
83
O quadro a seguir foi inspirado nas idéias de Engreston. Nele estão
presentes outros elementos, como dito anteriormente: divisão de trabalho, regras
e comunidade. Para compreender como os conceitos matemáticos são utilizados
pelos sujeitos desta pesquisa, foi necessária uma análise das relações sociais,
culturais e ambientais, pois nestas estão presentes os conhecimentos e
aprendizagens. Assim, a Teoria da Atividade veio auxiliar nas análises das
situações-problema apresentadas no capítulo 6, possibilitando entender as
situações como um todo, como sugeriu Pozzi (2005).
Figura 5 – Atividade na comunidade hospitalar
Segundo a Teoria da Atividade, atividades não são estáticas, possuem
evolução, normalmente não linear. Cada atividade tem sua própria história,
embutindo "fases" passadas. Uma análise histórica de desenvolvimento é
freqüentemente necessária para o entendimento da situação corrente. Uma
atividade é decomposta em ações, e cada ação é decomposta em operações.
Atividades são formações a longo prazo, seus objetos são transformados em
resultados não apenas uma vez, mas por meio de um processo que tipicamente
consiste em várias fases ou etapas. Assim, uma atividade, concebida como tal
num dado momento, passou por um processo de evolução, em que ações e
84
operações podem ser criadas, eliminadas e transformadas para que a atividade
chegasse ao seu formato atual.
Atividade Motivo
Ação Meta
Operação Condição
Atividades
Ações
Operações
Figura 6 Níveis hierárquicos de uma atividade (p. 30).
Enquanto uma atividade é orientada por um motivo, as ações são
orientadas às metas, e as operações às condições. Uma atividade é realizada por
meio de ações cooperativas ou individuais, podendo se estabelecer cadeias ou
redes de ações que estão relacionadas umas com as outras por buscarem a
mesma meta.
Uma característica importante de uma ação é que ela é planejada antes da
sua execução efetiva, diferentemente de uma operação, que é executada de
forma automática, sem um planejamento prévio, bastando apenas uma análise
das condições atuais para a sua execução. O planejamento de uma ação é feito
de forma consciente, usando algum modelo mental. Para isso, quanto melhor o
modelo, mais sucesso terá a ação. Este planejamento para a execução de uma
ação é chamado de orientação.
85
Muitas teorias psicológicas utilizam a ação humana como unidade básica de
análise de situações. Essa abordagem pode oferecer resultados positivos quando
a ação em questão é analisada de forma isolada, como, por exemplo, uma
situação "fechada", projetada para análise de laboratório. No entanto na vida real,
a ação humana deve ser analisada dentro de um contexto, para que possa fazer
sentido e ser compreendida. Segundo a Teoria da Atividade, um contexto mínimo
é dado quando a ação humana é analisada dentro de uma atividade.
Dessa forma, a atividade passa a ser vista como uma unidade básica de
análise de situações. Penso que esta breve caracterização da Teoria da Atividade
foi suficiente para dar uma idéia de sua complexidade.
3.4. Retomando aspectos importantes
Aqui termina a busca por fundamentos. Convém retomar o caminho
percorrido, resumidamente, em três etapas.
A primeira etapa refere-se ao estudo que realizei sobre os aspectos da
Teoria dos Campos Conceituais, que estão ligados ao problema do significado do
saber escolar, valorizando o trabalho com diversidades de situações, fazendo
com que os conceitos tenham mais significado para o aluno.
A segunda etapa refere-se ao estudo da Cognição Situada, em que os
autores sustentam que, para produzir um tipo de conhecimento, o ensino é
abertamente influenciado pelo contexto de aplicação. Evidenciam também que o
ensino de um conhecimento deveria ser concebido como uma visão integrada de
seu contexto, atividade, ferramenta, sujeito, objeto e cultura.
86
A terceira etapa refere-se à Teoria da Atividade, na qual a atividade humana
é tomada como a unidade de análise mais adequada para a compreensão de
processos psicológicos, porque inclui tanto o individuo como seu ambiente,
culturalmente definido.
Como dito anteriormente, são teorias que abordam dimensões amplas,
portanto não tive a intenção de esgotar toda a complexidade de suas estruturas,
mas elas permitem ensaiar algumas reflexões que apresento a seguir.
A tônica dos trabalhos apresentados até o momento converge para a
importância e para a necessidade de se gerar métodos mais efetivos de ensino e
aprendizagem.
Procurei trazer autores e teorias que apresentassem aportes teóricos que
permitissem avançar nas análises do ensino da Matemática e na provisão de
respostas às perguntas e problemas que estão impulsionando esta pesquisa. Ao
compartilhar das convicções dos autores integrantes, foi possível avançar na
compreensão daquilo a que me propus e que foi apresentado no início deste
capítulo.
Tenho me referido nesta pesquisa acerca das abordagens dos conceitos
matemáticos necessários para todos como parte integrante da cultura geral. Por
outro lado, existe a preocupação com a forma de abordar esses conceitos para as
profissões nas quais a Matemática não é um fim, mas um meio para o exercício
de uma atividade.
A partir de reflexões sobre as perspectivas teóricas nas quais foi inserida
esta pesquisa, é possível afirmar que os alunos do ensino fundamental e de um
87
curso técnico de enfermagem nível médio executam suas atividades dentro de
culturas nas quais eles estudam ou trabalham desenvolvendo seu processo de
aprendizagem.
Os objetos matemáticos Razão e Proporção fazem parte do ciclo
obrigatório. Por outro lado, esses conhecimentos, supostamente adquiridos,
deveriam estar disponíveis para os alunos do curso técnico de enfermagem no
momento em que necessitem calcular dosagens de medicamentos.
O referencial teórico estruturado neste capítulo permite supor que a
fragilidade do ensino fundamental pode estar relacionada à forma com que o
conhecimento matemático é abordado. As evidências mostram que esses
conhecimentos não são apresentados para os alunos ancorados em situações
que lhes dêem sentido. A prática mais freqüente é ensinar um procedimento ou
técnica e depois apresentar um problema para verificar a aprendizagem,
propondo uma lista de exercícios parecidos, que conduzem a uma mecanicidade,
assim descaracterizando a constituição de um problema. Nesta prática, não
existem desafios nem a necessidade de validação do processo de solução.
Essa fragilidade do ensino fundamental é refletida sobre a formação dos
alunos de um curso técnico de enfermagem. Na verdade, esses alunos,
obrigatoriamente, tiveram que passar pelo ensino fundamental. Se, nesta fase de
formação, eles não foram confrontados com situações que realmente se
constituíssem em desafios, acerca de conceitos e procedimentos matemáticos,
gerando certas dificuldades em mobilizar conhecimentos e organizar as
informações, é provável que essas dificuldades estejam presentes na sua
formação profissional.
88
Ainda que alunos de um curso técnico ou do ensino fundamental se apóiem
em algumas situações apresentadas pelo livro didático, parece que este tipo de
estratégia não os ajudará posteriormente em situações que ocorrem em um
contexto real em que os problemas, algumas vezes, não se apresentam como nos
livros, exigindo um processo de reflexão ou tomada de decisões. Para que
ocorram reflexões, acredito que um problema não deveria ser separado do
contexto que o produziu. Esse contexto pode ser um suporte para a resolução de
problemas para saber o como e o porquê das ações.
Acredito que a proposta da Teoria dos Campos Conceituais, Teoria da
Atividade e da Cognição Situada se complementam. Esta afirmação esconde algo
mais profundo: as falsas dicotomias entre formação propedêutica e formação
profissional, teoria e prática parecem atribuir a cada uma delas status
diferenciados. Acredito que a teoria não exclui a prática e contrário também não
acontece, ou seja, são relações includentes. Conceber a formação profissional
como uma continuidade da formação propedêutica, faz com que a Matemática
contribua de forma mais ativa possível, relacionando cada conhecimento
adquirido com o uso na vida.
Ao concluir este capítulo, as reflexões revelam que é possível apresentar
atividades que podem ser desenvolvidas em sala de aula para promover a
compreensão dos conceitos de Razão e Proporção no contexto da enfermagem,
ou seja, podem facilmente ser adaptadas para o ensino fundamental.
89
Ao apresentar uma variedade de situações considerando diferentes
contextos, criam-se oportunidades para que os alunos coloquem em jogo as
conceitualizações, suas reflexões e seus questionamentos. Nesse aspecto, cabe
aos profissionais da educação assumir a responsabilidade social de viabilizar um
caminho que parece promissor.
90
Capítulo 4
Procedimentos Metodológicos
Faz-se necessário retomar os objetivos centrais desta pesquisa, que se
propõe a criar e elaborar situações-problema que envolvam os conceitos de
Razão e Proporção, tendo como ponto de partida a prática do técnico de
enfermagem.
Quando dos primeiros contatos com o orientador deste trabalho, verificou-se
a inviabilidade de abordar todos os conceitos matemáticos envolvidos nos
cálculos de medicamentos, dada a sua dimensão. Sendo assim, a opção pela
investigação dos conceitos de Razão e Proporção, e não outro conceito, efetuou-
se pela necessidade de melhor delimitar o objeto e, especialmente, por considerar
que estes conceitos são os mais utilizados pelos profissionais da enfermagem.
Redefinindo o objeto, iniciei o levantamento do material bibliográfico que foi
investigado.
A partir do estudo exploratório realizado e dos fundamentos teóricos
assumidos nesta pesquisa, os obstáculos dos alunos em relação aos conceitos
matemáticos Razão e Proporção, com seus desdobramentos e implicações, as
91
idéias mestras desta pesquisa são compatíveis com as considerações relativas
aos propósitos da pesquisa qualitativa.
Chizzoti (2000, p. 84-85), a partir de um conjunto de referências de outros
pesquisadores, descreve que o estudo qualitativo se desenvolve numa situação
natural, é rico em dados descritivos obtidos no contato direto do pesquisador com
a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto preocupando-se
em retratar a perspectiva dos participantes, tem um plano aberto e flexível e
focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada.
Este tipo de pesquisa privilegia algumas técnicas como: a observação
participante, relatos de vida, análise de conteúdo, entrevista não-diretiva, a vida
cotidiana em seu contexto ouvindo as narrativas, bibliografias e análise de
documentos. Com essas técnicas, obtém-se um volume qualitativo de dados
originais e relevantes.
O objetivo da investigação determinou a escolha dos procedimentos
metodológicos. Julgo ser útil aos leitores, para compreender melhor a diversidade
das escolhas, conhecerem o caminho que percorri organizado em quatro etapas,
para que a elaboração da quinta etapa, as situações-problema, se concretizasse.
A primeira etapa é composta por uma breve análise dos PCN do ensino
fundamental e de dois livros didáticos utilizados em um curso técnico de
enfermagem. As análises tiveram como objetivo verificar qual abordagem que os
conceitos de Razão e Proporção vêm recebendo. Assim sendo, foram
privilegiados estes documentos, pois expressam de forma mais explícita as idéias
relacionadas ao objeto de estudo desta pesquisa.
92
A segunda etapa é composta por três entrevistas não-diretivas com um
profissional que atua na área de enfermagem há mais de vinte anos, uma aluna
de um curso técnico de enfermagem, um enfermeiro-professor de um hospital-
escola, todos residentes em São Paulo.
As entrevistas foram realizadas com o objetivo de se obter uma
aproximação com os sujeitos desta pesquisa, encaminhando-se também à
realidade na qual eles estão inseridos.
De acordo com Chizzotti (2000, p. 92-93), a entrevista não-diretiva, ou
abordagem clínica, é uma forma de colher informação baseada no discurso livre
do entrevistado. É uma técnica desenvolvida por Carl Rogers, pressupondo que o
informante é competente para exprimir-se com clareza sobre questões da sua
experiência e comunicar representações e análises, prestar informações
fidedignas, manifestar em seus atos o significado que tem o contexto em que eles
se realizam, revelando tanto a singularidade quanto a historicidade dos atos,
concepções e idéias.
Na terceira etapa, observei, num hospital e numa UBS, a atividade de
alguns técnicos de enfermagem, com o objetivo de compreender algumas
situações do dia-a-dia desses profissionais que estivessem relacionadas com os
conceitos matemáticos Razão e Proporção. As vantagens explícitas da
observação relacionam-se, segundo Lüdke e André (1986), ao fato de que:
a experiência direta é o melhor teste de verificação de ocorrência de um
fenômeno;
93
a introspecção e a reflexão pessoal do pesquisador são estimuladas ao
confrontar as observações com seus conhecimentos e experiências
pessoais;
o pesquisador aproxima-se mais da perspectiva dos sujeitos, na medida
em que acompanha in loco as experiências diárias desses sujeitos;
permite descobrir novos aspectos de um problema;
permite a coleta de dados em situações em que é impossível utilizar
outras formas de comunicação.
A observação foi iniciada na primeira semana de novembro e prolongou-se
até dezembro de 2004. Nesse período, observei e registrei as atividades
relacionadas aos cálculos de medicamentos desenvolvidos por técnicos de
enfermagem. O período foi dividido da seguinte maneira: 3 semanas em um
hospital, 1 semana em uma UBS, ambos localizados em São Paulo. Nesses
locais, fui apresentada à enfermeira-chefe, a quem expliquei sumariamente o
objetivo da minha presença no local.
A quarta etapa compõe o 5º capítulo e é composta da transcrição e análises
das entrevistas nas quais as descrições dos sujeitos expressam claramente as
relações entre os conceitos matemáticos, o ensino fundamental, e o curso técnico
de enfermagem, fornecendo dados pertinentes relacionados às hipóteses
apresentadas no início desta pesquisa.
A articulação dos dados obtidos nas etapas quatro anteriores constituiu um
alicerce fundamental para elaborar a quinta e última etapa, composta por quatro
situações-problema apresentadas no capítulo 6. O caminho percorrido possibilitou
94
que as quatro primeiras etapas se constituíssem em eixos ao redor dos quais a
elaboração das situações-problema a que me propus se efetivasse.
Acredito que os comentários anteriores tenham fornecido dados suficientes
para justificar a utilização dos procedimentos. Feitas as justificativas, cabe agora
uma análise de cada etapa percorrida.
4.1 Etapa I – Análise documental
Para Mazzoti (1999, p. 169), documento é qualquer registro que possa ser
utilizado como fonte de informação. No caso da educação, livros didáticos,
registros escolares, programas de curso, planos de aula, trabalhos de alunos são
bastante utilizados.
A análise documental foi dividida em duas fases: na primeira, a análise dos
PCN do ensino fundamental norteou a busca por um posicionamento em relação
às sugestões de como os conceitos de Razão e Proporção podem ser abordados
no ensino fundamental e quais delas poderiam inspirar a elaboração das
situações-problema. A segunda fase foi efetivada com a análise de dois livros
didáticos utilizados em um curso de formação para técnicos de enfermagem (nível
médio), tendo como proposta obter uma visão geral, avaliar e identificar se o
tratamento dado aos conceitos matemáticos estava próximo das sugestões
propostas pelos PCN, pois o estudo dos conceitos de Razão e Proporção é
tratado na 6ª série do ensino fundamental. Também foi o momento de questionar
sobre quais os tipos de situações que poderiam ser elaboradas diferentemente
daquelas apresentadas nos livros, aproximando esses questionamentos das
hipóteses apresentadas no decorrer desta pesquisa.
95
4.1.1 Primeira fase: Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino
fundamental
Ao realizar a análise dos PCN do ensino fundamental, tive como objetivo
encontrar elementos que auxiliassem na elaboração das situações-problema
apresentadas nesta pesquisa. Esta breve análise divide-se em dois momentos: no
primeiro, apresento uma análise mais ampla dos PCN e de como esses
parâmetros desempenham um importante papel no ensino da Matemática; no
segundo, realizei uma análise mais pontual relacionada ao objeto de estudo desta
pesquisa, enfatizando o ensino dos conceitos de Razão e Proporção no terceiro e
quarto ciclos do ensino fundamental.
Tomei como base uma publicação do MEC, por meio da Secretaria de
Educação, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática, 1997. Esta
publicação, na primeira parte, traz uma breve análise do quadro atual do ensino
de Matemática no Brasil, algumas considerações do conhecimento matemático,
do aprender e ensinar Matemática no ensino fundamental, objetivos gerais, os
conteúdos, além dos princípios norteadores para o trabalho a ser realizado nesse
nível de ensino.
As idéias básicas contidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais de
Matemática, mais do que uma mera mudança de conteúdos, aponta para
necessidades urgentes relacionadas sobre o que ensinar, mas, principalmente,
como ensinar e organizar as situações de ensino e de aprendizagem.
Os conteúdos estão nos PCN, organizados em blocos, dispostos da
seguinte forma:
Números e operações (Aritmética e Álgebra);
96
Espaço e formas (Geometria);
Grandezas e medidas (Aritmética Álgebra e Geometria);
Tratamento da informação (Estatística Probabilidade e Combinatória).
Ficou evidente a orientação de se elaborar e organizar as situações de
aprendizagem, privilegiando as conexões das diferentes áreas da Matemática
com as demais áreas do conhecimento, o que entendo como um caminho
desejável para o ensino da Matemática.
Nas minhas análises, estas conexões favorecem uma visão mais integrada
e menos compartilhada da Matemática, pois, quando os conteúdos matemáticos
trabalhados no ensino fundamental não são entendidos como uma listagem
hierárquica, valoriza-se muito mais a compreensão das idéias do que a sua
sistematização, muitas vezes vazia de significados para os alunos.
Os objetivos para o Ensino Fundamental, de acordo com os autores dos
PCN, e aqui trazidos de forma resumida, visam levar o aluno a compreender e
transformar o mundo à sua volta, resolver situações-problema, comunicar-se
matematicamente, estabelecer relações com as demais áreas do conhecimento,
desenvolver sua autoconfiança no seu fazer matemático e interagir
adequadamente com seus pares. A Matemática pode colaborar para o
desenvolvimento de novas competências, novos conhecimentos, para o
desenvolvimento de diferentes tecnologias e linguagens que o mundo globalizado
exige das pessoas. "Para tanto, o ensino de Matemática prestará sua contribuição
à medida que forem exploradas metodologias que priorizem a criação de
estratégias, a comprovação, a justificativa, a argumentação, o espírito crítico que
favoreçam a criatividade, o trabalho coletivo, a iniciativa pessoal e a autonomia
97
advinda do desenvolvimento da confiança na própria capacidade de conhecer e
enfrentar desafios (BRASIL, 1997)".
Encaminhando para uma análise mais pontual com relação ao foco da
pesquisa, nos Parâmetros Curriculares Nacionais, os conceitos de Razão e
Proporção iniciam-se no terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental, e são
tratados no bloco de conteúdos Números e operações. Neste bloco, além do
desenvolvimento do sentido numérico, da compreensão dos significados das
operações, a compreensão de procedimentos de cálculo, outros aspectos devem
ser enfatizados, como: o desenvolvimento das noções de proporcionalidade,
porcentagem e representações algébricas para expressar relações quantitativas
(BRASIL, 1997, p. 59).
O estudo dos conceitos de Razão e Proporção pode ser tratado como um
assunto que já vem sendo construído nos ciclos anteriores, e não como assunto
novo, desvinculado dos demais.
Acredito que trabalhar com esses conceitos não se resume à apresentação
de regras práticas que permitam aos alunos encontrarem, mecanicamente, o
resultado. É necessário criar possibilidades para o aluno compreender as
situações-problema que esses conceitos permitem resolver, superando a
memorização de algoritmos.
No terceiro ciclo, a indicação dos PCN é que se amplie o campo
multiplicativo (incluindo situações-problema que envolvam o princípio
multiplicativo e a noção de proporcionalidade), propiciando o desenvolvimento da
capacidade de investigação, valorizando o uso de estratégias de verificação e
controle de resultados (BRASIL, 1997).
98
Criar situações que envolvam as noções de Razão e Proporção, no meu
entendimento, propicia sentido a esses conceitos, permitindo estabelecer relações
entre esses conceitos com as demais disciplinas, entre eles e o cotidiano,
identificando também as relações esses conceitos estabelecem entre os
diferentes temas matemáticos. Embora exista certa dificuldade de como ensinar a
partir dessas relações, é sempre possível fazer escolhas ancoradas num contexto
mais amplo, em que o ensinar e o aprender caminhem juntos.
No quarto ciclo, os PCN sugerem que o tratamento dado à
Proporcionalidade seja realizado por meio de situações que envolvam a variação
de grandezas direta ou inversamente proporcionais, utilizando estratégias não-
convencionais e convencionais, como a regra de três. Salientam também que, no
quarto ciclo, é configurado o abandono dos procedimentos não-algébricos,
privilegiando-se a aplicação dos procedimentos algébricos, desestimulando
situações em que a álgebra não é necessária. Os procedimentos algébricos nos
PCN são considerados aqueles em que se utilizam equações, sistemas etc.
Um aspecto importante trata-se da imbricação dos conteúdos. Eles devem
estar sempre presentes e é importante que o aluno os perceba. A
proporcionalidade é um dos temas que permite estabelecer conexões entre os
diversos blocos de conteúdo, por exemplo, identificar a natureza da variação de
duas grandezas, sejam elas diretamente proporcionais, inversamente
proporcionais ou não proporcionais (afins ou quadráticas), expressando a
interdependência por meio de uma sentença algébrica e representando-a no
plano cartesiano (BRASIL, 1997, p. 74).
99
Os autores dos PCN, do ponto de vista social, evidenciam a inserção
precoce dos alunos no mercado de trabalho, e é preciso que a aprendizagem da
Matemática esteja ancorada em contextos sociais que mostrem claramente as
relações existentes entre o conhecimento e o trabalho.
A proposta de trabalhar com questões de urgência social, conforme
documento introdutório dos PCN, tendo em vista os temas transversais – Ética,
Saúde, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural e Orientação Sexual –, permitem uma
infinidade de possibilidades de se concretizarem. Para isso, torna-se necessário
que o professor trabalhe cada vez mais com colegas de outras disciplinas,
integrando uma equipe interdisciplinar. Essa interação permitirá que os projetos
desenvolvidos sejam mais interessantes e mais voltados aos problemas da
realidade.
Tendo em vista a articulação dos temas transversais com a Matemática, as
situações apresentadas nesta pesquisa relacionadas à administração de
medicamentos, tão presentes na prática dos técnicos de enfermagem, mas
também na vida de qualquer pessoa, podem favorecer um contexto para a
aprendizagem de conteúdos matemáticos.
Os elementos apresentados, até o momento, permitem inferir que as
situações-problema, sugeridas nesta pesquisa e relacionadas ao tema saúde,
podem ser um caminho, pelo qual os alunos do ensino fundamental e os alunos
do curso técnico de enfermagem do ensino médio consigam gerar significado aos
conceitos de Razão e Proporção. Acredito que essas situações propiciem uma
visão mais ampla da compreensão da realidade e do autoconhecimento, assim
favorecendo o autocuidado.
100
Para ilustrar a minha interpretação com relação aos termos
autoconhecimento e autocuidado, parece-me interessante oferecer um exemplo:
segundo a Organização Mundial de Saúde – (OMS), a obesidade está se
tornando um problema cada vez maior no mundo e no Brasil. O número de
crianças, jovens e adultos obesos vem aumentando em cada ano.
Os indivíduos considerados saudáveis possuem as funções orgânicas,
físicas e mentais em situação normal. Dessa forma, a quantidade de gordura de
um indivíduo pode ser um reflexo de sua saúde. O relacionamento do peso e da
altura com o estado nutricional de um indivíduo é chamado de Índice de Massa
Corporal (IMC). O IMC foi desenvolvido para estudos científicos e é utilizado para
definir o “status” nutricional dos indivíduos. Para obtermos este índice, dividimos o
peso corporal de cada indivíduo pelo quadrado da sua altura em metros. Assim, o
IMC pode ser determinado pela seguinte fórmula:
()
2
A
IMC =
P
, em que P
representa o peso em kg e A, a altura em metros. Este método, que compara o
peso e altura dos indivíduos, é o mais prático para avaliar o grau de risco com os
problemas de saúde relacionados à obesidade. Os valores normais para o IMC,
para homens e mulheres, são de 20 a 25 kg/m
2
. Observe a tabela abaixo:
FAIXA INDICADORES
18 a 20 kg/m
2
Abaixo do Peso
20 a 25 kg/m
2
Peso Ideal
25 a 30 kg/m
2
Excesso de Peso ou Sobrepeso
30 a 35 kg/m
2
Obesidade Leve
35 a 40 kg/m
2
Obesidade Moderada
Acima de 40 kg/m
2
Obesidade Mórbida
Tabela 1 – Tabela do índice de massa corpórea
101
Com a incorporação desses conhecimentos, o professor poderá explorar
conteúdos relacionados ao estilo de vida (alimentação saudável, atividade física,
comportamento sexual e hábitos de vida) com as crianças, adolescentes e jovens,
numa linguagem flexível e de forma contextualizada.
É importante salientar que as articulações da Matemática com os temas
transversais sugeridas pelos PCN constam como um dos objetivos gerais do
Ensino Fundamental, e que têm o conhecimento e a valorização do próprio corpo
e a adoção de hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de
vida e assim agindo com responsabilidade em relação à saúde individual e
coletiva.
Acredito que o ambiente escolar é o cenário ideal para trabalhar com esta
questão, favorecendo as condutas ou ações que contribuam para a saúde e que
não se prendam apenas à função de informar, mas também de persuadir, motivar
e facilitar a ação, reforçando a importância de estimular nas pessoas, sobretudo
nas crianças, adolescentes e jovens, a adoção de atitudes e comportamentos que
possam influenciar positivamente na qualidade de vida.
Situações semelhantes à formulada podem ser propostas, gerando
oportunidade para apresentar aos alunos assuntos carentes de significado, que
normalmente são apresentados nas aulas de Matemática, atribuindo-lhes um
sentido novo. Este contexto transcende o aspecto conceitual e oferece a
oportunidade de articular o conteúdo matemático com os temas transversais.
O quadro que se desenhou durante esta análise permitiu verificar que as
sugestões para o ensino, especificamente dos conceitos de Razão e Proporção
nos dois ciclos, convergem para a idéia de integração desses conceitos com
102
situações que possam gerar significados para os alunos. Segundo os
organizadores desse documento, os aspectos a serem enfatizados no
pensamento proporcional são aqueles que possibilitem ao aluno resolver
situações-problema, criar estratégias, comprovar, justificar e argumentar sobre
elas. Entretanto existem outros aspectos que merecem menor atenção como:
cálculos desvinculados de contextos, simples memorização de procedimentos,
processos e fórmulas sem a compreensão dos procedimentos envolvidos.
Esta breve reflexão sobre as sugestões dos PCN sobre o ensino dos
conceitos de Razão e Proporção mostrou-se reveladora no sentido de que as
pessoas aprendem pelas explicações que recebem, mas, principalmente, pelas
oportunidades que lhes são oferecidas para praticar o que lhes está sendo
ensinado. Assim, encerro esta fase, na qual apresentei alguns aspectos que
considero importantes a partir das minhas reflexões, que certamente contribuíram
para a elaboração das situações, interesse temático desta investigação.
4.1.2 Segunda fase: Considerações sobre os livros didáticos de “Introdução
à Enfermagem” utilizados nos cursos de nível médio
Para ampliar a compreensão e dar continuidade ao processo de elaboração
das situações-problema, analisei dois livros didáticos utilizados em um curso
técnico de enfermagem, com a finalidade de aprofundar as reflexões quanto ao
ensino dos conceitos de razão e proporção. Neste momento, é importante frisar
que a intenção foi de verificar se os livros utilizados nesses cursos oferecem o
conteúdo matemático adequado capaz de contribuir efetivamente para a formação
que vai ser exigida na prática desse profissional.
103
Em alguns cursos de formação para técnicos de enfermagem, os livros
didáticos são utilizados como referências para a organização de apostilas e para
a prática pedagógica do professor. A partir das normas referenciadas na Lei de
Diretrizes e Bases – (LDB), Lei nº 9.394/96, que originou o decreto nº 2.208/97,
com a preocupação de considerar o perfil de competências necessárias às várias
atividades em nível técnico, acredito que seja importante verificar qual literatura
tem sido oferecida ao público que procura os cursos profissionalizantes da área
de saúde, na busca de uma educação que permita “aprender a aprender” a práxis
da enfermagem, ou seja, a prestação de cuidados.
Embora já tivesse delineado qual o tratamento que os conceitos de Razão e
Proporção recebem no ensino fundamental por meio dos PCN, essas informações
não bastavam. Era preciso examinar a questão no âmbito da enfermagem. Com
esse intuito, resolvi verificar como alguns livros de um curso técnico de
enfermagem abordam o assunto. A escolha se fez em razão de a pesquisadora
ter facilidade de inserção neste campo e, ao conversar com professores e alunos
de um curso técnico de enfermagem, aceitei a sugestão de analisar duas obras
recomendadas por eles. É comum nestes cursos o professor elaborar apostilas
reproduzindo o conteúdo do livro, pois o custo é menor, garantindo o acesso a
todos os alunos.
Além da justificativa que mencionei anteriormente, a indicação foi aceita,
pois pelo que pude observar é um universo limitado de oferta literária para o
ensino dessa prática.
104
Iniciei a análise estabelecendo alguns critérios baseados em dois pontos
essenciais, que julgo pertinente e estão presentes em qualquer livro didático:
texto e exercícios.
Guiando-me pelos critérios acima enunciados, passo a discorrer sobre as
observações colhidas durante a leitura e a análise dos livros escolhidos.
Os capítulos analisados nos dois livros referem-se àqueles em que os
autores abordam os conceitos matemáticos nos cálculos com medicamentos.
Identifiquei os livros analisados da seguinte maneira: livro A – Medicação e
Matemática na Enfermagem, de Esther G. Skelley, editora EPU, publicado em
2001, traduzido pela equipe Associação Alummi; e o livro B – Administração de
Medicamentos, de Arlete M.M. Giovani, editora Scrinium, publicado em 2002.
Começo com algumas considerações sobre o livro A. Neste livro, a revisão
dos conceitos matemáticos é precedida por uma relação de objetivos a serem
alcançados. Por exemplo: ao rever os conceitos de Razão e Proporção, o
aluno/leitor será capaz de converter frações ordinárias, frações decimais e
percentagens em Razões, "armar proporções" e calcular o valor das incógnitas
(SKELLEY, 2001, p. 23).
Os conceitos matemáticos que serão utilizados na disciplina “fundamentos
de enfermagem” são apresentados como um teste inicial de aritmética, tendo
como objetivo capacitar o aluno/leitor a identificar seus "pontos fracos" relativos à
Matemática básica. A revisão dos conceitos matemáticos é realizada sob a forma
de uma lista de exercícios reforçando os procedimentos.
105
Os autores enfatizam o cálculo com números, apresentando uma discussão
necessária, porém não suficiente dos conceitos de Razão e Proporção.
Os textos são resumidos e os termos relacionados à Matemática, algumas
vezes, confundem mais do que ajudam. Encontramos cálculos de medicamentos
confusos, talvez por um equívoco de tradução. Na sua elaboração, não
transparece o cuidado satisfatório em apresentar ilustrações, mas as poucas
estão bem confeccionadas e localizadas. Basicamente, o raciocínio proporcional é
tratado com se fosse a própria “regra de três”. Todos os conceitos matemáticos
envolvidos no cálculo de medicamento são definidos formalmente, ou seja, a
revisão proposta dos conceitos matemáticos está direcionada em nomear esses
conceitos, apresentar fórmulas e aplicá-las passo a passo. Apresento uma
situação encontrada no livro A (p. 47- 48), servindo como exemplo:
Foi receitada a um paciente a aplicação subcutânea de 10 mg de sulfato de morfina.
Qual a quantidade que deverá ser administrada ao paciente, se no hospital só temos
disponíveis comprimidos de 15 mg?
Solução:
1 comprimido............. 15 mg 15x = 10
x comprimido............. 10 mg x = 10/15
x = 2/3 de comprimido.
Como não se pode partir um comprimido em pedaços com exatidão, é necessário
dissolvê-lo em uma quantidade de água esterilizada, que poderá ser medida com
exatidão. A quantidade fracionária correta da solução é então dada ao paciente. Essa
quantidade não deve ser maior do que 2 ml para uma injeção subcutânea ou mais que
5 ml para uma injeção intramuscular. O método apresentado sugere passos descritos
abaixo para determinar a quantidade de água a ser usada como solvente.
Primeiro passo: Inverter a fração que expressa a parte do comprimido a ser usada.
Segundo passo: Selecionar a quantidade da solução a ser dada ao paciente,
escolhendo um número que seja exatamente divisível pelo denominador da fração
invertida, e que não seja maior do que a quantidade a ser dada, seguindo o método
usado para injeção.
106
Terceiro passo: Multiplicar a fração invertida pelo número de comprimidos a serem
usados e pela quantidade de solução a ser dada ao paciente. A resposta será a
quantidade de solvente a ser usado.
Fração invertida x número de comprimido x número de ml a ser dado ao paciente =
= número de ml a ser preparado.
A quantidade necessária de água para dissolver 2/3 de um comprimido, para uma
injeção subcutânea é:
ml
10
8
1ml
10
2
1.comp1
2
3
=××
10
8
1
10
18
10
12
1
1
2
3
==×× ml
Considerando que os exercícios devam conter formas problematizadoras,
penso que este tipo de exercício não oferece nenhum significado que justifique
tais procedimentos, fazendo com que o aluno/leitor seja apenas um reprodutor.
Ao utilizar este exemplo, o livro indica uma espécie de receita a ser seguida
e, além disso, o aluno/leitor dificilmente compreenderá o raciocínio que está
implícito nesta "fórmula". Ao que parece, as explicações de cada passo que
integram o processo são necessárias para que o aluno/leitor compreenda suas
ações. Sendo assim, convém apresentar a justificativa para cada passo do
processo:
Justificativa do primeiro passo:
1ª idéia – Quando se multiplica o dividendo e o divisor por um mesmo
número, o quociente não se altera;
2ª idéia – O inverso multiplicativo. Aplicamos essa idéia de maneira a
transformar o divisor em 1, o que facilita a divisão, pois qualquer número dividido
por 1 resulta nele mesmo. Aplicando simultaneamente as duas idéias, têm-se:
107
1 comp. :
3
2
comp. = ?
1x
2
3
:
3
2
x
2
3
= ?
1 comp. :
3
2
comp. = ?
1x
2
3
:
3
2
x
2
3
=?
Multiplicou-se o dividendo (1) e o divisor
3
2
por
2
3
. O motivo de escolher
2
3
para multiplicar o
dividendo e o divisor deve-se ao fato de que
2
3
é o
inverso multiplicativo do divisor e o produto deles é
1.
Então temos: qualquer número multiplicado
ou dividido por 1 resulta nele mesmo, o que
justifica inverter a fração.
1x
2
3
: 1 =
2
3
Aparentemente, os alunos do ensino fundamental não conhecem tal
justificativa. Em geral, utilizam a regra para as multiplicações de frações sem
compreender o significado: "Para dividir uma fração por outra, multiplicamos a
primeira pela segunda invertida".
Justificativa do segundo passo:
"Selecionar a quantidade da solução a ser dada ao paciente, escolhendo
um número que seja exatamente divisível pelo denominador da fração invertida, e
que não seja maior do que a quantidade a ser dada, seguindo o método usado
para injeção".
108
Neste passo, existem duas justificativas que merecem esclarecimentos:
a) [...] que não seja maior do que a quantidade a ser dada, seguindo o
método usado para injeção. O aluno/leitor precisa estar atento à
prescrição, sempre tendo em mente que uma injeção subcutânea não
pode exceder o volume de 2 ml, ou seja, no momento de acrescentar a
água destilada, esta observação deve ser levada em consideração.
b) [...] escolher um número que seja exatamente divisível pelo denominador
da fração invertida. Qual o procedimento que está implícito nesta
orientação?
No fato de escolher um número divisível pelo denominador da fração
invertida, está implícito que não é conveniente obter um resultado que necessite
de arredondamento. Vamos ver as razões: se escolhermos 1,5 ml de água
destilada, estaremos dentro do volume permitido para uma injeção subcutânea,
porém:
...2222,2
45:20102
5,1
2
===×=×
95:451533
ml. Como colocar exatamente este
volume em uma seringa de 3 ml?
Figura 7 – Seringa com graduação de 3 ml
109
Como não é possível arredondar, pois isso implicaria alteração da dosagem
solicitada, devemos escolher uma quantidade de água destilada que não exceda
o volume de 2 ml, o que justifica escolher um número exatamente divisível pelo
numerador da fração invertida.
Além das observações anteriores, acredito que, neste momento, é
conveniente explicar a utilização da fração mista, fração imprópria dentro da
situação:
Fração imprópria:
10
2
1
10
2
1
10
2
10
10
10
210
10
12
=+=+=
+
=
Uma fração imprópria apresenta o numerador maior do que o denominador,
isto é, representa mais do que um inteiro dividido em partes iguais.
Numerador
Exemplo:
10
12
Denominador
Transformação de uma fração imprópria em um número misto:
10
2
1
10
2
1
10
2
10
10
10
210
10
12
=+=+=
+
=
Considerando a fração imprópria
10
12
, podemos realizar uma operação de
decomposição desta fração em uma parte inteira e uma parte fracionária,
resultando em um número misto.
110
Transformação de um número misto em uma fração imprópria:
10
12
10
2
10
10
10
2
1
10
2
1 =+=+=
No apêndice do livro (p. 8-9), é apresentada separadamente a definição dos
tipos de frações e, em seguida, passos a serem seguidos para as transformações.
Justificativa do terceiro passo:
"Multiplicar a fração invertida pelo número de comprimidos a serem usados
e pela quantidade de solução a ser dada ao paciente. A resposta será a
quantidade de solvente a ser usado".
Na verdade, todo esse processo se originou pelo fato de não poder dividir
um comprimido em
3
2
com exatidão. O valor encontrado ml
10
1
8
(na forma de
número misto) ou 1,8 ml (na forma decimal) é a quantidade de água destilada
(solvente) na qual o comprimido deve ser diluído. Então o comprimido será
dissolvido em 1,8 ml de solução, da qual 2 ml deverão ser postos na seringa e
ministrados ao paciente. Acredito que, para se obter a resposta correta, parece
necessário compreender o significado de cada passo, para que o aluno/leitor
empregue as informações que estão implícitas.
A partir da análise realizada até aqui, noto que existe uma série de
procedimentos apresentados de forma tácita relacionados à Matemática e à
enfermagem que não são devidamente esclarecidos, dificultando a compreensão.
Tratar esses conceitos em um apêndice como revisão, separadamente da
situação da proposta, parece induzir o aluno a ser um mero repetidor, seguindo
uma receita básica, considerando desnecessário compreender o raciocínio que
111
está implícito em cada passo. Certamente, esses passos não precisam ser
expostos de maneira tão sintética. É possível fornecer explicações de cada um
deles, tornando-os mais acessíveis ao entendimento do aluno/leitor.
Continuando a análise proposta, no livro B, a revisão também é colocada
em um apêndice, esclarecendo ao aluno/leitor que a matéria aborda alguns
tópicos da Matemática básica, e isso pode causar certa estranheza em um livro
dedicado à equipe de enfermagem, afirmando que ela é necessária para evitar
erros nos cálculos de medicamentos.
Notei, neste livro, que o autor propõe a revisão com certa preocupação em
fornecer alguns exemplos de situações que retratam o dia-a-dia e que exigem o
uso da Matemática para serem resolvidos.
O livro B, ao apresentar os cálculos com penicilina cristalina
13
, que envolve
os conceitos de Razão e Proporção, deixa o seguinte lembrete para o aluno/leitor:
Não se desespere! Você verá que é simples! Parece complicado, mas não é.
Este tipo de orientação provoca imediatamente insegurança para quem está
aprendendo e tentando superar dificuldades.
A análise mostrou que os autores do livro B desenvolvem o texto sempre
solicitando ao leitor que, para o entendimento dos cálculos matemáticos, deve-se
consultar o apêndice para sanar qualquer dúvida com relação à Matemática
básica. Os termos empregados na enfermagem e os símbolos são devidamente
esclarecidos, ajudando a compreensão do texto.
13
Penicilina cristalina é um importante antibiótico amplamente utilizado no tratamento clínico de infecções
causadas por diversas bactérias.
112
Durante o desenvolvimento dos textos, são apresentadas várias ilustrações,
tabelas, diagramas e materiais utilizados na enfermagem, como, por exemplo,
seringas, equipos para administração de soro e frascos de medicação. Acredito
que essas ilustrações, diagramas e tabelas auxiliem o aluno/leitor à compreensão
do texto, favorecendo a aprendizagem.
A essa altura já é possível tecer algumas comparações entre os dois livros,
a partir das análises desenvolvidas até o momento. Essas comparações
evidenciaram semelhanças e diferenças com relação à proposta de tratamento
dos conceitos matemáticos.
Os dois livros se assemelham ao propor a revisão de alguns conceitos
matemáticos, classificados como conceitos da Matemática básica, em um
apêndice, tratando-os separadamente dos conceitos ligados à enfermagem. Um
outro aspecto semelhante é referente ao apelo que se faz ao aluno/leitor para
que, em caso de dúvida ou com a intenção apenas de recordar, recorrer ao
apêndice.
Os dois livros apresentam diferenças quando apresentam situações. No
livro B, existe a preocupação dos autores em apresentá-las possibilitando a
compreensão dos significados de Razão e Proporção, antes de efetuar o cálculo
propriamente dito. Já no o livro A, os exercícios são apresentados de forma
objetiva, cujas respostas consistem apenas na reprodução ou identificação exata
do procedimento apresentado no texto, ou seja, os autores apresentam a
definição dos conceitos de Razão e Proporção e, a partir deles, sugerem
exercícios a serem resolvidos por meio de uma aplicação mecânica, com passos
113
a serem seguidos, e nem todos são explicados em detalhes, sem buscar uma
relação com qualquer situação real que faça sentido para o aluno/leitor.
Embora o livro B ensaie algumas situações na tentativa de contextualizar a
Matemática, parece-me que estas situações são necessárias, porém não são
suficientes. As situações às quais me refiro estão presentes nos livros de
Matemática, como, por exemplo, a ampliação de uma figura ou a comparação
entre os preços de uma determinada mercadoria. Elas poderiam trazer à tona
uma discussão sobre a comparação entre medicamentos, a relação entre a
quantidade desejada de uma droga a ser administrada e a quantidade que se tem
disponível, assim estabelecendo uma conexão mais próxima da realidade deste
profissional com o contexto da enfermagem.
Essas situações podem ser encontradas na prática e têm mais chances de
produzir significado para os conceitos matemáticos. É importante ressaltar que,
logo após a apresentação das situações, a proposta de exercícios é do tipo:
calcule, efetue, responda, caracterizando em exercícios de fixação e
memorização.
Apresentar uma relação de exercícios sem nenhuma conexão com o
contexto da enfermagem não estimula a necessidade de uma análise mais crítica
do aluno/leitor.
Aparentemente, as literaturas analisadas não costumam utilizar uma
linguagem que parta da realidade do leitor, mas sim dos conceitos. Talvez ela
conduza mais a um distanciamento do que a uma aproximação do mundo a ser
trabalhado pelo futuro profissional.
114
Diante das análises, colocou-se, para mim, uma questão: como os livros
didáticos de enfermagem poderiam contribuir para o ensino efetivo dos conceitos
matemáticos?
Os autores dos livros didáticos poderiam apresentar uma variedade de
situações problematizadoras, conduzindo a uma aproximação do mundo a
ser trabalhado pelo futuro profissional;
Os exercícios poderiam constituir-se em oportunidade para o aluno
exercitar seus conhecimentos apreendidos, a partir de situações na qual
ele compare as informações recebidas com as dificuldades que ele
poderá encontrar ao exercer sua prática;
Propiciar desafios que levassem ao conhecimento da realidade dos
procedimentos da prática hospitalar, privilegiando a análise crítica,
considerando a interpretação e a argumentação dos conhecimentos
matemáticos e também a validade e a coerência das respostas;
Propor atividades em que os alunos, para resolver a atividade precisem
manusear materiais, como seringas, caixas de remédios, frascos de soro,
bulas, etc.;
Trazer questionamentos que estimulem a reflexão e a criação, tendo
coerência entre as atividades sugeridas e as informações oferecidas
pelos textos;
Apresentar uma variedade de situações problematizadas, capazes não só
de reforçar conhecimentos adquiridos na leitura e compreensão do texto,
mas também despertar para uma visão crítica da realidade desse futuro
profissional;
115
Além da utilização dos exercícios matemáticos como oportunidade de
criação sobre uma dada realidade, trazer à tona uma série de condições
que favorecem a formação de profissionais capazes de se inserir no
mercado de trabalho, garantindo sua sobrevivência e, ao mesmo tempo,
preservando seu direito e dever de exercer em plenitude sua cidadania.
Exercício esse que, por suas atividades típicas de assistência na saúde e
na doença, pode afetar diretamente o uso desse direito pelos seus
semelhantes (pacientes).
Como é freqüente que as descrições técnicas sejam consideradas fórmulas
terminadas, encontramos, com a mesma freqüência, exercícios que envolvem os
cálculos matemáticos cujas respostas consistem apenas na reprodução ou
identificação exata de texto apresentado naquele capítulo específico.
Reiterando as minhas análises, quando os procedimentos são pré-
determinados, não desafiam a criatividade, não promovem o questionamento,
apresentando como pronto o conhecimento teórico e prático. Os exercícios
apresentados nos livros A e alguns exercícios do livro B remetem os alunos ao
texto, não exigindo reflexão sobre eles. Não são variados e não apresentam
situações que podem ocorrer no contexto hospitalar.
No que diz respeito ao objeto de estudo, a abordagem dos conceitos de
Razão e Proporção, nos livros analisados, indica uma preocupação acentuada em
aplicar fórmulas, o que torna evidente a ausência de um caminho que auxilie os
alunos a atribuírem significados para esses conceitos. As abordagens centram-se
em definições dos conceitos, não recorrendo às aplicações cotidianas em
116
atividades que buscam, de alguma forma, associar a teoria com situações
vivenciadas na prática hospitalar.
A discussão sobre o tema Razão e Proporção, limita-se à aplicação da
regra de três. A ausência da compreensão desses conceitos parece tornar sua
aplicação, no contexto da enfermagem, ainda mais complexa, não possibilitando
aos alunos ampliar ou atribuir novos significados, sentirem-se confiantes para
utilizá-los e interpretá-los nas situações de cálculos de medicamentos.
Talvez reconstruir o modo de apresentação dos textos e exercícios nos
livros didáticos de enfermagem possibilite novos modos de abordar e interpretar
as situações que envolvem os conceitos matemáticos, sem desrespeitar os vários
modos de fazer enfermagem. Essa reconstrução pode despertar e promover o
entendimento da Matemática, diminuindo a distância entre os conceitos
matemáticos e a realidade encontrada no contexto da enfermagem.
Após essas análises, parece-me que é preciso refletir e encontrar algumas
soluções da tal forma que os conceitos matemáticos sejam trabalhados
paralelamente com as realidades específicas da área de enfermagem.
Com base nos elementos identificados durante a análise, parece-me
sugestivo que os exercícios dos livros didáticos de enfermagem poderiam
privilegiar caminhos que conduzissem os alunos a vivenciar situações-problema
do contexto hospitalar, pois estas impõem decisões e dilemas que não são
resolvidos somente com a revisão dos conceitos matemáticos.
As considerações sobre a utilização de situações-problema, como
oportunidade de criação sobre uma dada realidade, trazem à tona uma série de
117
condições que podem favorecer a formação desses profissionais capazes de se
inserir no mercado e exercer em plenitude sua cidadania.
Nesta análise, ficou evidente que a minha proposta se afasta da proposta
dos livros didáticos de enfermagem no que diz respeito aos conceitos de Razão e
Proporção. Entendo que um dos maiores desafios dos matemáticos e educadores
matemáticos é tornar os conteúdos matemáticos, em contextos considerados
complexos, acessíveis ao maior número possível de indivíduos, para que esses
conteúdos não fiquem restritos a poucos.
118
Capítulo 5
As Entrevistas
Para a elaboração deste capítulo, realizei 3 entrevistas não-diretivas,
conforme a definição de Chizotti (2000). Mesmo tendo realizado todo o processo
de análise documental, percebi que compreender a vivência/visão do aluno, do
professor e de um profissional seria fundamental para a elaboração das
atividades. Esses sujeitos vivenciaram ou vivenciam a experiência dos cálculos
matemáticos na disciplina/módulo "Introdução à Enfermagem" ou "Fundamentos
dos cuidados". Considerei as entrevistas como um instrumento básico para a
coleta de dados, para captar informações necessárias, tendo como característica
o respeito às peculiaridades na expressão de suas opiniões e impressões, todas
relacionadas ao objetivo de compreender e explorar as dificuldades dos alunos
quando a Matemática se faz presente nos cursos de formação para técnicos de
enfermagem.
Iniciei a análise colocando em evidência o que é afirmado sobre a relação
entre a Matemática e o curso técnico de enfermagem, bem como a relação entre
o ensino fundamental e o ensino profissionalizante, procurando pelo que era
119
significativo. Realizei recortes dos discursos de cada depoente, considerados por
mim como significativos-unidades de significados.
Posteriormente, procurei pelas significações dessas unidades, ou seja,
busquei interpretá-las, colocando-as de forma articulada. Isso foi feito segundo
Szymanski (2002), que traz uma proposta de análise de dados. Para a autora, a
categorização concretiza a imersão do pesquisador nos dados e a sua forma
particular de agrupá-los segundo a sua compreensão. Dessa maneira, a partir da
explicitação dos significados, elaborei as categorias. Estas foram agrupadas aos
temas referidos. Para discutir os temas, voltei às categorias e, na redação final,
utilizei trechos dos depoimentos para dar suporte às interpretações.
Os nomes utilizados nas entrevistas são fictícios, no entanto cabe realçar a
contribuição e disponibilidade que esses sujeitos apresentaram em colaborar com
a pesquisadora, o que caracterizou uma oportunidade ímpar para o
desenvolvimento desta pesquisa. Neste capítulo, passo a discorre sobre as
análises das entrevistas.
5.1 Entrevista com um enfermeiro-professor e as dificuldades de seus
alunos em cálculos de medicação
A entrevista foi realizada com um professor de um curso técnico de
enfermagem que funciona em um hospital localizado em São Paulo.
Para realizar a entrevista, solicitei autorização da direção do curso
esclarecendo os objetivos da pesquisa. A autorização foi concedida mediante o
120
meu compromisso de manter em sigilo o nome do entrevistado, da escola e do
hospital.
É importante salientar que a coordenadora do curso, a pedido da direção,
marcou a data para a realização da entrevista indicando também o professor a ser
entrevistado.
Antes de iniciar a entrevista propriamente dita, o professor informou que não
dispunha de muito tempo, pois teria que aplicar uma avaliação para os alunos.
Solicitou que eu fizesse a pergunta antes de gravar. Após a leitura da questão, ele
perguntou se os termos Razão e Proporção referiam-se à regra de três, pois
temia não estarmos falando do mesmo assunto. Neste momento, não entrei em
detalhes apenas confirmando que sim, estávamos falando do mesmo assunto. A
partir daí, iniciei a gravação da entrevista, com duração de 30 minutos, sem
interrupções.
No sentido de explicitar os significados, agrupei a fala do enfermeiro-
professor em subcategorias iniciais, que passaram a fazer parte de cinco
categorias mais amplas. Após este princípio de organização, elas são
interpretadas à luz de teorias explicativas e, embora separadas por categorias, as
subcategorias são dependentes entre si.
121
Tabela 2 – Análise da entrevista do professor, segundo os princípios de Szymanski
Observação: Os números das chamadas na Descrição I remetem para a explicitação de significados da Descrição II
Relato/depoimento Descrição I
Explicitação de significados
Descrição II
Categorias
Relacionados ao enfermeiro-
professor
Preocupação com a compreensão do
aluno (2)
Atento aos conhecimentos prévio dos
alunos (2) (3)
Identifica os procedimentos dos
alunos (5)
Heterogeneidade das turmas (8)
Revisão de conteúdo
(4) (9)
Disponibilidade (10)
ATITUDES
E:
Os conceitos matemáticos Razão e Proporção são abordados na disciplina administração de
medicamentos? Em caso afirmativo, como é feita essa abordagem?
Professor: Antes de responder, me deixa ver se estamos falando da mesma coisa, é a regra de três, não é?
(1)
E: sim
Professor: Está bem. Nós utilizamos esses conceitos principalmente em função do cálculo de medicação.
Sempre nos preocupamos em saber, pelo menos no início, quais são as dificuldades e quais conhecimentos
matemáticos os alunos possuem (2). Quando nós trabalhamos com o cálculo da dosagem de medicação, ele
precisa usar esse raciocínio, como, por exemplo: multiplicação, concentração da solução, a regra de três para
a transformação e conversão de unidades (3).
Primeiramente é feito um levantamento para analisar como eles estão na Matemática (4). É assim, cada um
aprende a Matemática de um jeito, como, por exemplo: a divisão, cada um divide de um jeito (5).
Os alunos apresentam muita dificuldade em efetuar divisões com decimais. São aquelas contas que aparecem
as vírgulas. Outra dificuldade é com relação à conversão de unidades (6). Além disso, eles têm dificuldades em
verificar se a conversão está correta.
Não conseguem analisar se sua resposta está correta ou verificar se é um absurdo tal resposta, ou seja, rever
os cálculos efetuados. As respostas absurdas são algumas das dificuldades dos alunos. Por exemplo: utilizar
um litro de uma solução para uma injeção intramuscular em um paciente; se matematicamente, o cálculo dele
deu isso, deve ter o bom senso de não..., Não pode ser. Tem alguma coisa errada no meu cálculo. Eu preciso
rever (7).
Essas dificuldades são relativas, depende da turma. Tem turmas que têm mais dificuldades, outras menos (8).
Eu faço um levantamento, o que eles sabem, onde estão as dificuldades. Passo exercícios de Matemática com
as quatro operações (9).
Tento detectar essas dificuldades, aí começamos a tirar as dúvidas fora do horário das aulas, quando possível,
e aproveitamos para falar sobre a conversão de medidas (10).
Para aplicar esses cálculos na prática, vai da facilidade de ele fazer os cálculos mentalmente (11). Na escola,
nós procuramos incentivar o aluno a fazer seus cálculos utilizando papel e lápis, evitando o uso de calculadora
(12). Quando ele se torna um profissional, ele já vai usar a calculadora e, isso vai facilitar, mas, ele precisa
enxergar a operação. Se isso não acontecer, a calculadora não vai ajudar. Neste aspecto é que entra o “X” da
questão (13).
Relacionados aos sentimentos
Insegurança (22)
Responsabilidade (22)
Desconforto
(22)
SENTIMENTOS
122
Análise da entrevista do professor, segundo os princípios de Szymanski
Observação: Os números das chamadas na Descrição I remetem para a explicitação de significados da Descrição II
Relato/depoimento Descrição I
Explicitação de significados
Descrição II
Categorias
Relacionados aos conteúdos
matemáticos
Raciocínio proporcional tratado como
regra de três (1)
Ensino fundamental (15)
Cálculo mental (11)
CONTEÚDO
MATEMÁTICO
Relacionados às dificuldades
Compreensão de significados (18)
(21)
DIFICULDADES
Às vezes, encontra-se, no campo profissional, pessoas que realmente não sabem fazer os cálculos apesar de
serem profissionais atuantes (14).
Existe essa falha, que não é somente da formação de profissional, também é uma questão da qualidade do
ensino fundamental (15). Agora, com relação a enxergar a situação que ele vai vivenciar no trabalho, existe
uma dificuldade inicial (16). Quando a gente começa a trabalhar com dosagem de medicamento em sala de
aula, o aluno faz os cálculos mecanicamente, não enxergando a situação (17). No estágio, aí ele consegue
enxergar o que é o cálculo na prática. Percebe melhor a importância desses cálculos, como ele deve fazer (18).
Aqui no curso, nós chamamos a disciplina de componente curricular. Esse componente é fundamental, por isso
que nós chamamos também de “fundamentos do cuidado”; ele é básico (19). Sem essa base, o aluno não tem
condições de prosseguir; então, se ele não conseguir atingir as competências necessárias, ele é reorientado a
retomar na turma subseqüente. Precisa refazer novamente para dar seguimento ao curso. Sem essa
fundamentação nos cálculos, não pode prosseguir (20).
Acho interessante falar que, muitas coisas pesam sobre essa técnica do preparo da medicação:
1. entender aquilo que ele está fazendo;
2. relacionar com que está acontecendo com o paciente; e,
3. por que ele está fazendo isso pelo o paciente (21).
Bate uma insegurança muito grande, especialmente com relação à Matemática, pela grande responsabilidade
que o procedimento de administração de medicamentos envolve. A vida é uma só. Se ele erra a medicação, se
ele erra a dosagem, ele causará um grande prejuízo para o paciente. Acho que o fazer contas em outras
profissões é uma coisa; agora fazer contas envolvendo tamanha responsabilidade não é tão confortável (22).
Nós tentamos mostrar para os alunos o quanto isso é grande, não é um número a mais. Ele deve ter a
consciência de que ele utilizará a regra de três, razão e os números para contribuir com a melhora ou a piora
do paciente. Por isso é um problema que merece a máxima atenção (23).
Relacionados à teoria e prática
Cálculos mecânicos (17)
Adiamento do problema para o
estágio (18)
Ações direcionadas para um objeto
(21)
A calculadora (12) (13)
Profissionais despreparados (14)
Dicotomia
(16)
TEORIA E PRÁTICA
123
CATEGORIA I – Atitudes (revisão de conteúdo; disponibilidade; atenção ao
conhecimento prévio; preocupação com a compreensão do aluno; identificação de
procedimentos dos alunos e heterogeneidade das turmas)
Na fala do professor: [...] “Primeiramente, é feito um levantamento para
analisar como eles estão na Matemática”.[...] “faço um levantamento, o que eles
sabem, onde estão as dificuldades”; ele revisa o conteúdo, procurando obter
informações acuradas do grau de entendimento que os alunos apresentam sobre
o assunto a ser abordado e antecipa que a revisão começa pelas quatro
operações.
Minha interpretação é que existe, nesta atitude, a preocupação de avaliar se
o nível de conhecimentos matemáticos dos alunos é suficiente para dar
continuidade ao processo de ensino ou se é insuficiente, e requer a revisão de
conhecimentos anteriores.
Quando o professor inicia a revisão das quatro operações, está implícito
que ele tem plena consciência de quais elementos precisam ser enfatizados e que
talvez essas dificuldades não são atributos inerentes aos novos assuntos, e sim
problemas com a preparação anterior deste aluno. A atitude do professor vem ao
encontro das sugestões de Silva (2005), que sugere a revisão dos conceitos
básicos da Matemática para minimizar as dificuldades, uma vez que as disciplinas
Fundamentos da Enfermagem e Farmacologia destacam-se por utilizarem os
cálculos matemáticos.
Ao propor a revisão dos conteúdos, acredito que o professor tenha a
intenção de conduzir um ensino eficiente, utilizando estratégias para ajudar os
alunos a superar as possíveis dificuldades.
124
Ao refletir sobre esta frase do professor enfermeiro, [...] tirar as dúvidas fora
do horário das aulas, quando possível [...], percebi, durante a entrevista, apesar
das condições adversas do trabalho, que o professor encontrou caminhos
alternativos para auxiliar os alunos na busca pela superação das dificuldades,
mesmo fora do seu horário, encontrando disponibilidade para atender seus
alunos. Não basta dizer: "Faça, e faça deste modo!” É minha convicção de que a
atitude do professor, do ponto de vista humano, ético e pedagógico, pode
determinar o sucesso do seu aluno e da sua turma.
O professor afirmou que: [...] “quando nós trabalhamos com cálculo de
medicação, ele precisa usar esse raciocínio, como, por exemplo: multiplicação,
concentração de solução, regra de três para transformação de conversão de
unidades” [...]. Do meu ponto de vista, as preocupações do professor em
considerar os conhecimentos prévios dos alunos são pertinentes para a
continuidade do programa a ser cumprido na disciplina Fundamentos dos
cuidados.
Um outro aspecto refere-se à reflexão do professor sobre quais tópicos
matemáticos são importantes para o desenvolvimento da função de técnico de
enfermagem e até que ponto existe a compreensão dos alunos sobre eles.
Evidencia-se, na fala do professor, que esses conceitos constituem-se em um
alicerce no qual será apoiado todo o desenvolvimento dos cálculos relacionados
às dosagens de medicamentos.
Ao comparar os resultados de Saiz (2001, p. 157-183) com a preocupação
do professor sobre os conhecimentos prévios, notei que as dificuldades dos
alunos com as quatro operações são as mesmas enfrentadas tanto por
125
professores do ensino fundamental quanto por professores de um curso técnico
de enfermagem. Para Brousseau:
O aluno só terá verdadeiramente adquirido o conhecimento quando for
capaz de aplicá-lo por si próprio às situações com que se depara fora do
contexto do ensino, e na ausência de qualquer indicação intencional
(BROUSSEAU, 1996, p. 49).
Segundo o enfermeiro-professor: [...] “é assim, cada um aprende a
Matemática de um jeito, como, por exemplo, cada um divide de um jeito” [...]. Para
interpretar a citação acima, utilizarei as considerações de Vergnaud para
fundamentar a análise com relação a diferentes procedimentos de resolução.
Vergnaud (1997) considera importante que o professor conheça os
procedimentos utilizados pelos alunos para enfrentar determinadas situações,
identificando quais deles são bem ou mal sucedidos.
No caso específico do entrevistado, ao identificar que cada aluno tem um
processo de resolução, apresenta pré-disposição em auxiliar o aluno, permitindo
que eles encontrem seus próprios procedimentos. Esta atitude viabiliza a
negociação, pois cada aluno tem abertura para que, na medida do possível,
coloque suas opiniões e significações. Na minha interpretação, o professor, ao
fazer o levantamento de diferentes procedimentos que os alunos utilizam para
resolver as operações, está atento e explora outras estratégias, podendo trazer
um novo sentido até então não trabalhado, socializando esses procedimentos.
Ao refletir sobre a heterogeneidade em sala de aula, é possível distinguir
diferentes fatores que conduzem à diversidade. [...] “Essas dificuldades são
relativas, depende da turma. Há turmas que têm mais dificuldades, outras menos”
[...]. A meu ver, existem alunos que apresentam facilidade de aprender e outros
126
têm mais dificuldades para aprender o conceito mais elementar dentro da
disciplina Matemática. Existem outros fatores que não estão relacionados com a
cognição, como, por exemplo, a pré-disposição para aprender e o interesse.
A heterogeneidade a que o enfermeiro-professor se refere é ocasionada
pelas dificuldades, que são portas abertas às oportunidades que, aos poucos, vão
se configurando em um ambiente não só de partilhas de reflexões e de
conhecimentos, mas, também, de angústias, de dúvidas, de fracassos e de
realizações pessoais e profissionais, tendo como foco de referência a futura
prática profissional.
CATEGORIA II – Sentimentos (insegurança, responsabilidade e
desconforto)
O discurso do professor – [...] "Bate uma insegurança muito grande,
especialmente com relação à Matemática, pela grande responsabilidade que o
procedimento de administração de medicamentos envolve” [...]. [...] “a vida é uma
só” [...] – permite dizer que a administração de medicamentos mostra-se, para ele,
extremamente ligada ao conteúdo matemático abordado. Esse sentimento
geralmente é encontrado nos discursos de professores e alunos de diferentes
níveis de ensino.
Para Vitti (1996, p. 35), o ensino da Matemática, em alguns casos, deixa
marcas negativas nas pessoas e, quando isso acontece, faz vir à tona
sentimentos como: insegurança, medo e desconforto.
127
Todo sujeito pode aprender os conceitos matemáticos tratados no ensino
fundamental desde que esteja disposto a trabalhar e tenha uma orientação
adequada.
Parece-me que os sentimentos relacionados pelo enfermeiro-professor
estão relacionados à posição de Vitti descritas anteriormente.
Para Lima (1995, p. 3), o conhecimento matemático é, por natureza,
encadeado e cumulativo. O aluno não será capaz de aprender trigonometria se
não conhecer os fundamentos da álgebra.
Essa natureza da Matemática leva a uma seqüência necessária e, algumas
vezes, provoca o sentimento de medo e desconforto. Esses sentimentos,
certamente, estão presentes no curso técnico de enfermagem, pois tanto
professores quanto alunos têm consciência de que erros não podem acontecer.
Apresentei uma situação para alunos do 3º ano do ensino fundamental, cujo
enunciado era o seguinte: para uma receita de um bolo são utilizados 3 ovos,
para 3 receitas e meia, quantos ovos serão utilizados?
Alguns responderam: 10 ovos e meio, arredondando para 11 ovos,
justificando que seria impossível utilizar 10 ovos e meio, outros responderam 10
ovos e meio. Quando questionados se a quantidade não interferiria no resultado
final, eles afirmaram que a diferença entre as duas quantidades, não prejudicaria
no resultado final do bolo.
Em seguida, apresentei outra situação: um paciente necessita tomar 3
comprimidos por hora. Quantos comprimidos ele deve tomar em 3 horas e meia?
128
Obtive as seguintes respostas: 10 comprimidos e meio, arredondando para
11 comprimidos, justificando que seria mais fácil do que repartir um comprimido
pela metade; outros responderam 10 comprimidos e meio.
Segundo a Teoria da Atividade, os ingredientes e o paciente são objetos a
serem transformados pelas ações dos alunos. Certamente, na primeira situação,
se as quantidades de ovos que os alunos sugeriram interferissem no resultado
final, a atitude seria jogar o bolo fora e recomeçar. Por outro lado, na segunda
situação, uma quantidade a mais ou a menos poderia ter conseqüências
desastrosas. Como jogar a vida de um paciente fora e recomeçar?
Se os alunos não forem confrontados com situações que envolvem os
cálculos matemáticos – tais como: precisão, concentração e cuidado – e que
estão também diretamente relacionados à responsabilidade de promoverem a
melhora ou a piora do paciente; os sentimentos explicitados pelo enfermeiro-
professor virão à tona com mais intensidade. Trabalhar essas visões no ensino
fundamental e médio talvez ajude a formar hábitos que serão úteis para lidar com
as situações de enfermagem. Acredito que a Matemática pode desenvolver
algumas qualidades que não são natas, como a perseverança, empenho, ordem
no trabalho e responsabilidade, que, no meu entendimento, são indispensáveis
tanto para o estudo da Matemática em si quanto para contexto de enfermagem.
Sendo assim, acredito ser possível reverter esses sentimentos em outros que
propiciem o crescimento do aluno e do profissional.
129
CATEGORIA III – Conteúdo matemático (regra de três, utilização dos
conceitos, o ensino fundamental e cálculo mental)
Ao interpretar a pergunta do professor [...] "estamos falando da mesma
coisa, é a regra de três?" [...], entendo que exista uma concepção do professor
que a proporcionalidade se resume à regra de três. A esse respeito, Mora diz que:
Podemos encontrar com determinadas pessoas que têm grande habilidade
na resolução de problemas matemáticos e, sem dificuldades, aplicam a
regra de três. Mas o que devemos pontuar é que aprender uma fórmula
que se pode aplicar mecanicamente não serve para resolver um problema
no sentido epistemológico do termo não "ajuda a pensar"
(Mora, p. 112-
113).
O professor, ao tratar a proporcionalidade como a própria regra de três,
também apresenta aos alunos essa concepção. Levando em consideração as
constatações de Soffner, se os alunos sentem dificuldades com os cálculos
matemáticos, o professor, por sua vez, se diz despreparado para tratá-los
convenientemente por uma questão de formação. A regra de três é apenas um
algoritmo se configurando em um caminho para resolver os problemas de
proporcionalidade.
O raciocínio proporcional, como afirmou Post em seu trabalho, envolve mais
do que aplicar um algoritmo. É preciso saber identificar os problemas de
proporcionalidade, quando é adequada a aplicação do algoritmo, compreender
que tipo de relação se estabelece entre as variáveis, ou seja, compreender o que
está se fazendo ao aplicar o algoritmo.
Embora a Matemática não seja um fim, mas um meio para a formação dos
sujeitos desta pesquisa, ela envolve grande responsabilidade no que se refere
aos cálculos de medicação. Entendo que o enfermeiro-professor poderia evitar
130
soluções mecanizadas, assim os alunos poderiam apresentar suas próprias
soluções. Depois, gradativamente, o professor apresentaria os caminhos mais
curtos.
Na análise do discurso do enfermeiro-professor “[...] Vai da facilidade do
aluno fazer os cálculos mentalmente”.[...], faço uma breve referência às
considerações de Parra, que associa o cálculo mental às necessidades sociais
atuais:
A capacidade para desenvolver problemas, tomar decisões, trabalhar com
outras pessoas, usar recursos de modo pertinente, fazem parte do perfil
reclamado pela sociedade de hoje. [...]. A necessidade social indica uma
aproximação com o cálculo que torne os alunos capazes de escolher os
procedimentos apropriados, encontrar resultados e julgar a validade das
respostas
(2000 p. 186-195).
A autora considera que as aprendizagens, no terreno do cálculo mental,
influem na capacidade de resolver problemas, e o enriquecimento das relações
numéricas por meio do cálculo mental capacita os alunos, diante de uma situação,
a refletirem, a moldarem e a anteciparem suas respostas.
As considerações da autora se relacionam com a atividade prática proposta
por Pozzi, descrita no capítulo 2 desta pesquisa. Existem situações em que os
técnicos estão com luvas, desenvolvendo algum procedimento de enfermagem,
não podendo manusear a calculadora, lápis ou papel, pois isso implicaria
contaminação do material e do paciente.
Neste cenário, o cálculo mental é importante e segundo Parra (2001, p.195),
deve ser ensinado na escola primária e enfatizado não só no ensino técnico, mas
em qualquer etapa de estudo.
131
Com relação ao ensino fundamental, o enfermeiro-professor revela que: [...]
“existe uma falha que não é somente da formação do profissional, também é uma
questão de qualidade do ensino fundamental” [...]. “a esse respeito acredito que o
ensino fundamental precisa ser revisto, pois me parece que ele não está
cumprindo o seu papel com relação à formação geral do aluno” [...].
Nesta fala, o enfermeiro-professor ainda acrescentou: [...] “quando nós
trabalhamos com cálculos de medicação, ele precisa usar o raciocínio, como, por
exemplo: multiplicação, concentração da solução, a regra de três para
transformação e conversão de unidades” [...]. Considerando este aspecto, vale
dizer que o professor identifica e aborda os conceitos matemáticos essenciais
para a continuidade do processo de aprendizado.
CATEGORIA IV – Dificuldades (validação; operação com decimais;
conversão e significado)
Quando o professor revela que os alunos do curso não validam suas
respostas, além de todos os fatores acima relatados, penso que essas
dificuldades estão relacionadas às concepções iniciais dos alunos,
principalmente, no que diz respeito à Matemática e ao papel do professor. Na
situação de sala de aula, o aluno solicita o auxílio do professor para saber se sua
resposta está correta. Essa prática é vivenciada pela maioria dos professores de
Matemática. O aluno sempre pergunta se a resposta está certa, mas não tem o
hábito de encontrar caminhos que possam validar ou refutar seu resultado, como
relatou o enfermeiro-professor: [...] “além disso, eles têm dificuldades de verificar
se a conversão está correta. Não conseguem analisar se sua resposta está
132
correta ou verificar se é um absurdo tal resposta, ou seja, rever os cálculos
efetuados” [...].
Alterar estas concepções, ao longo do ensino fundamental e médio, pode
repercutir de maneira favorável não só no curso técnico de enfermagem, mas em
qualquer área de atuação. Essa alteração consiste em desenvolver a capacidade
do aluno observar, conjecturar, testar, justificar, validar, assim como ter a
capacidade de se comunicar matematicamente.
Vergnaud (1998, p. 167-181) apropriadamente defende que a aquisição do
conhecimento surge, em geral, por meio de situações-problema, tendo
características locais. Isso significa que todos os conceitos têm um domínio de
validade restrito, que varia de acordo com a experiência e desenvolvimento
cognitivo do aluno. A questão posta pelo enfermeiro-professor sobre as
dificuldades dos alunos pode ser explicada utilizando a definição de Vergnaud
sobre o domínio de validade restrito. A concepção que é transmitida para o aluno
é que: "a operação de multiplicação sempre aumenta". Esta afirmação está
restrita ao domínio dos números naturais.
Os alunos tendem a utilizar procedimentos com os quais já estejam
familiarizados, tentando adaptá-los à nova situação e, conseqüentemente, levam
a mesma concepção de que, quando se multiplicam dois números, o resultado
sempre aumenta para o conjunto dos racionais, quando essa afirmação só é
verdadeira quando está restrita ao domínio de validade dos naturais.
Fundamentada nas colocações de Vergnaud (1998, p.167-181), elevar a
quantidade de exercícios não implica aprender. Ele considera que existe uma
série de fatores que influenciam e interferem na formação e no desenvolvimento
133
dos conceitos e que o conhecimento conceitual deve emergir dentro de situações-
problema, pois são elas que geram significado para os conceitos matemáticos.
Para analisar a referência feita pelo professor sobre as dificuldades, sirvo-
me de alguns resultados de Saiz (2001). Em seu artigo "Dividir com dificuldade ou
dificuldade em dividir", apresenta os resultados sobre a resolução de problemas e
a execução de algoritmos, mostrando as dificuldades que os alunos de 5ª e 6ª
série ainda enfrentam e não resolvem em sua totalidade. Para ela:
O ensino de conhecimentos tais como algoritmos, propriedades ou
definições são facilmente organizáveis em sala de aula [...]. Avaliar esses
conhecimentos é mais simples ainda, basta formular várias contas e
verificar seus resultados. [...]. No entanto ao falar de reconhecimentos de
situações de divisão, de significados de conceitos, se entra em um terreno
ambíguo e difícil de identificar
(SAIZ, 2001, p. 162).
Se os alunos não atribuem significado ao algoritmo que aplicam, não podem
interpretar os resultados que obtiveram e permanecem carentes de recursos para
reconhecer se sua solução é errada ou não. Na verdade, conseguem analisar se
o número obtido é o resultado do problema.
O professor, ao detectar as dificuldades dos alunos em operar com
decimais e conversão de unidades, acredita que, aumentando a quantidade de
exercícios, sanará o problema, como descreve Barreto em sua dissertação. Na
verdade, ele apenas adia o problema para ser resolvido mais adiante, ou seja, no
estágio nos setores de hospitais.
Com relação às dificuldades dos alunos, o enfermeiro-professor identificou
os conceitos da seguinte maneira: [...] “os alunos apresentam dificuldades em
realizar operações com decimais, são aquelas contas que apresentam as
vírgulas. Outra dificuldade é com relação à conversão de unidades” [...].
134
CATEGORIA V – Teoria e Prática (cálculos mecânicos; adiamento do
problema; ações direcionadas para um objeto; calculadora; despreparo;
dicotomia; importância da Matemática e reprovação)
A forma de organização dos cursos técnicos de enfermagem intensifica
ainda mais os problemas relacionados à aprendizagem. Nas falas do professor:
[...] "quando a gente começa a trabalhar com a dosagem de medicamentos em
sala de aula, o aluno faz os cálculos mecanicamente, não enxergando a
situação". [...] "no estágio, ele consegue enxergar o cálculo na prática”[...].
Nessas colocações, vários aspectos importantes e igualmente
problemáticos merecem uma discussão mais detalhada. O primeiro trata da
dicotomia entre teoria e prática presente na fala enfermeiro-professor; o segundo,
cálculos mecânicos; e o terceiro, adiamento do problema para o estágio.
Refletindo sobre as considerações de Wenger (1998): se o aprendizado é um
fenômeno fundamentalmente social, não acontecendo de forma
descontextualizada, como os alunos podem aprender de forma adequada se ele
não vivencia a situação?
Do meu ponto de vista, é uma maneira equivocada de conceber o ensino.
As análises dos dois livros didáticos evidenciaram que o conteúdo matemático é
tratado separadamente dos procedimentos da enfermagem, estabelecendo uma
relação dicotomizada. O fato importante é que o enfermeiro-professor indicou a
mesma bibliografia utilizada em suas aulas para ser analisada nesta pesquisa.
Diante desse fato, parece-me que o professor utiliza o livro didático como único
recurso, impossibilitando que o aluno compreenda o significado do que está
fazendo, por que está fazendo e para que está fazendo. Acredito não ser
135
novidade encontrar na fala do enfermeiro-professor que, embora habilitado para
exercer a função de técnico de enfermagem, existem profissionais despreparados
que já atuam na área. Neste trecho da entrevista: [...]
sem essa fundamentação
nos cálculos, não pode prosseguir. Nós tentamos mostrar para os alunos o quanto
isso é grande, não é um número a mais. Ele deve ter a consciência de que ele
utilizará a regra de três, Razão e os números para contribuir com a melhora ou a
piora do paciente. Por isso é um problema que merece a máxima
atenção” [...], o
professor enfatiza a importância dos conceitos matemáticos Razão e Proporção.
Neste aspecto, existe uma divergência, pois, ele argumenta que a disciplina tem
caráter eliminatório e o aluno não poderá prosseguir nos estudos, ou seja, obterá
habilitação para o trabalho se não possuir os conhecimentos exigidos. No entanto
admite a existência de profissionais despreparados.
Roschke (1991, p. 1-54), consultora da Organização Pan-Americana da
Saúde/Washington, ao abordar o processo educativo nos serviços de saúde,
revela que os profissionais preparados em nível superior, ao se depararem com a
realidade, ficam perplexos e verificam que não possuem os instrumentos e os
conhecimentos necessários para atuarem criticamente. Da mesma forma, revela
que a preparação dos profissionais de nível técnico apresenta problemas mais
graves: alguns possuem uma capacitação formal de nível técnico, que, apesar de
legitimada, não os qualifica para o trabalho, mostrando que o ensino técnico é tão
inadequado ou mais do que o universitário para prepará-los para atuarem na
realidade.
O que se depreende das afirmações de Roschke e do discurso do professor
é que o conhecimento é concebido como estático, e significa que ele não é
elaborado, não se constatam ou confrontam saberes, não se interroga sobre o
136
próprio conhecimento. O professor, ao revelar, [...] “o aluno faz os cálculos
mecanicamente, não enxergando a situação” [...], mantém os conteúdos
atomizados, mostrando que a teoria se distancia da prática.
Minha interpretação para esse fenômeno deve-se ao fato de que, quando o
conhecimento é extremamente reduzido, a ênfase é direcionada para
procedimentos isolados e a dicotomia teoria e prática é mais acentuada,
principalmente por adiar a compreensão somente quando o aluno realiza o
estágio. Na frase do professor: [...] "no estágio aí ele consegue enxergar o que é o
cálculo na prática" [...], cabe um questionamento: e se a previsão do professor
não se concretizar? Não se pode esquecer de que, ao adiar o problema para o
estágio, ali se encontra a vida do paciente envolvida no processo.
Dados como os presentes [...] "quando ele se tornar um profissional, ele já
vai usar a calculadora”. [...] “na escola, nós procuramos incentivar o aluno a fazer
seus cálculos utilizando papel e lápis, evitando o uso de calculadora” [...] ainda
causam polêmica entre os profissionais de ensino.
Para Fiorentini (2003, p. 118), a principal objeção refere-se à possibilidade
de a calculadora ser usada de forma mecânica e sem sentido, não apoiando o
desenvolvimento da capacidade de pensar.
A posição de Fiorentini para este tipo de afirmação se deve a um
desconhecimento das formas de sua exploração enquanto recurso didático-
pedagógico. Em uma experiência desenvolvida com alunos da 5ª série do ensino
fundamental, o autor apresentou resultados satisfatórios quando se utiliza a
calculadora como um recurso de grande valia para a significação dos números
decimais.
137
A questão está posta: o problema não é discutir se a calculadora deve ser
usada na sala de aula pelo aluno ou no hospital pelo profissional, mas, além de
ser viável ou não, de acordo com a perspectiva de Fiorentini, o importante é
explorar os recursos da calculadora para gerar significados para os conceitos
matemáticos.
Como se pode observar no curso técnico de enfermagem, a posição
adotada pelo enfermeiro-professor é semelhante à dos professores do ensino
fundamental, conforme descreve Fiorentini ao questionar seus alunos da 5ª série:
“... Comecei a aula chamando atenção para o fato de que, entre os
professores de Matemática, o uso de calculadora é uma questão polêmica.
Houve várias declarações e apenas uma aluna afirmou que havia usado a
calculadora em sala de aula, na 3ª série. Outra aluna disse que, na classe
de seu irmão, 3º ano do ensino médio, o uso era permitido. Informei que a
escola havia doado um lote de quarenta calculadoras para outra da rede
pública estadual, pois, segundo a direção, não eram usadas pelos
professores deste colégio, apesar do incentivo para que o fizessem
(2003,
p. 92)".
Ao analisar a visão do enfermeiro-professor e de Fiorentini, acrescento a
minha posição, que se refere a um aspecto mais de inclusão social. Ou seja, não
propiciar o acesso dos estudantes à tecnologia, ao computador, às calculadoras e
outros pode excluí-los de alguns postos de trabalhos em que o uso desses meios
se faz necessário.
Ao tratar de questões relativas à incorporação de tecnologias, (1995, p. 6)
argumenta que: [...] "a relação entre tecnologia e o processo de trabalho em
saúde não ocorre como em outros ramos de atividade, nos quais a tendência
mais comum é associar a incorporação de tecnologia com a liberação de recursos
humanos"[...] .
138
Na área técnica de enfermagem, com a automação de laboratórios de
análises clínicas, a análise das amostras de sangue realizadas pelo computador
reduziu os postos de trabalho. O autor faz referência ao setor de imagem, em que
equipamentos mais modernos de Raios-X têm eliminado a mão-de-obra, tanto na
operação do equipamento quanto na revelação da chapa.
O autor, ao comparar o processo técnico com o desenvolvimento do
trabalho médico, seja no ambulatório seja na cirurgia, não observou o mesmo
fenômeno. Os novos equipamentos para melhorar determinado diagnóstico (caso
de tomografias computadorizadas) não eliminam o médico; pelo contrário, faz
surgir um novo tipo de profissional para operar esses equipamentos.
É preciso, com base nas análises realizadas, repensar a utilização da
calculadora em todas as etapas do ensino, entendendo que esse equipamento
em si não é um elemento fundamental do processo de cognição ou de construção
de significados. Na verdade, a minha crença é de que, se a calculadora for
utilizada em um contexto problematizador, poderá facilitar a construção de
significados tanto na escola como fora dela.
5.2 Uma aluna iniciante de um curso técnico de enfermagem. O
que fazer?
A entrevista foi realizada com uma aluna que estava iniciando o curso
técnico de enfermagem. Passo a chamar a entrevistada pelo pseudônimo de
Nora. A entrevista não foi gravada e durou cerca de 20 minutos sem interrupções.
139
Neste momento, é preciso esclarecer alguns fatos. Na qualificação desta
pesquisa, em maio de 2005, foi sugerido pela banca examinadora que o foco
principal para desenvolver a metodologia fosse a análise das entrevistas. Sendo
assim, considerei que procurar a aluna novamente, para coletar mais
informações, poderia enriquecer as análises, fornecendo mais dados além dos já
obtidos na primeira entrevista, mas não foi possível porque a mesma desistira do
curso. A análise que apresento a seguir permitiu identificar como o ensino de
administração de medicamentos se mostra na perspectiva do aluno:
140
Tabela 3 – Análise da entrevista da aluna, segundo os princípios de Szymanski
Observação: Os números das chamadas na Descrição I remetem para a explicitação de significados da Descrição II
Relato/depoimento Descrição I
Explicitação de significados
Descrição II
Categorias
Relacionados ao aluno e professor
A Revisão de Conteúdo,
indisponibilidade e alienação. (4)
A desistência do curso. (8)
ATITUDES
Relacionados aos conceitos aos
sentimentos
Insegurança, desconforto e receio. (7)
Fracasso, insucesso e incapacidade.
(9)
SENTIMENTOS
E: Você considera a Matemática importante no curso de técnico de enfermagem?
Nora:
Sim, sem ela não podemos fazer os cálculos para diluição e rediluição de medicamentos (1).
E: Seus conhecimentos anteriores sobre Matemática, como Razão e Proporção, são suficientes para aprender
sem dificuldades os conteúdos do curso de enfermagem?
Nora: Não. Falta base. O aprendizado no Ensino Fundamental só ensina a fazer as contas, mas não sei
explicar os procedimentos. É algo mecânico (2). Sabia que precisava aprender razão e proporção, mas, onde
aplicá-la, eu nunca tive certeza (3).
Agora o professor do curso técnico diz que já aprendemos razão e proporção e continua a matéria, como se
todo mundo soubesse fazer os cálculos (4).
E: Você acha que, com os conhecimentos matemáticos, durante o curso de enfermagem, você estará
preparada para administrar os medicamentos prescritos pelos médicos, em que se fazem necessários os
cálculos matemáticos, como razão e proporção?
Nora:
Com certeza não. Haveria necessidade de mais problemas e situações da prática na escola, nas quais
pudéssemos aplicar e desenvolver esses conhecimentos (5). Na minha sala tem 47 alunos. Se você perguntar
sobre razão e proporção se todos conhecem e sabem utilizar para fazer os cálculos, pelo menos 40 vão dizer
que têm dificuldades e não conseguem efetuar os cálculos. Eu sou uma delas (6).
141
CATEGORIA I – Atitudes (desistência; alienação e indisponibilidade)
Para minha surpresa, ao contatar a aluna, ela me informou que havia
desistido do curso. A justificativa da aluna foi a seguinte: "não estava conseguindo
acompanhar as aulas”
(8). [...] estava com dificuldades principalmente na
disciplina de cálculos de medicamentos, então achei melhor fazer a matrícula no
ensino médio regular para aprender mais um pouco de Matemática, uma vez que
consegui diploma do ensino médio por eliminação de matérias” (9). [...]. Deixo
claro que a aluna não possui dois diplomas, e sim que eliminou todas as matérias,
mas não deu entrada na documentação para adquirir o diploma.
Mesmo diante desse fato, continuei analisando o discurso da aluna
referente ao primeiro contato.
Na frase: [...] “e continua a matéria como se todo mundo soubesse fazer os
cálculos” [...], o professor identifica o problema, mas não dá prioridade, continua a
desenvolver o conteúdo sem buscar caminhos e relações que possam articular a
compreensão dos conceitos matemáticos na administração de medicamentos,
afastando-se da questão do ensino, processo do qual também é sujeito, ou seja,
segundo a entrevistada, não existe a disponibilidade do professor em sanar as
dúvidas e nem revisão dos conceitos matemáticos que serão necessários para
aprendizagem futura.
No trabalho de Narchi (1994), aparece a figura do enfermeiro-professor,
ressaltando a necessidade do preparo desse profissional. A autora, ao avaliar e
descrever as condições nas escolas da rede de ensino do Estado de São Paulo,
habilitadas para formar técnicos de Enfermagem, constatou uma situação
142
subjetiva de precariedade de recursos materiais e que evidenciaram a
necessidade de melhor preparo dos recursos humanos presentes nas escolas.
Encontra-se, portanto, uma constatação. Na minha interpretação, o
enfermeiro-professor e a sua prática pedagógica estão profundamente
imbricados. O professor, longe de ser exclusivamente um técnico que aplica
receitas, é um profissional que utiliza seu conhecimento para desenvolvê-lo em
um contexto pedagógico. A reflexão sobre o discurso da aluna permite deduzir
que cabe ao professor realizar uma reflexão sobre sua ação, alterá-la, questionar-
se sobre o sentido e a pertinência de todas as suas atitudes, com, por exemplo,
mantendo um diálogo constante com seus alunos sobre as dificuldades
apresentadas com relação às situações em que os cálculos matemáticos são
envolvidos. A forma com que a entrevistada se refere ao enfermeiro-professor
parece conduzir à idéia de que ele não reflete sobre seu ensino nem sobre as
conseqüências de seu trabalho. Na verdade, não quero dizer que o curso técnico
de enfermagem e o enfermeiro-professor devem ser responsáveis por uma
situação problemática, possivelmente decorrente do ensino fundamental, mesmo
porque a finalidade da disciplina de administração de medicamentos não é formar
um matemático, e sim dar condições para esse aluno utilizar a Matemática como
instrumento para resolver as situações nas quais os cálculos se fazem
necessários.
Quando o professor ignora as dificuldades, parece não ser um meio eficaz
para encontrar soluções. A esse respeito, Zeichner, analisando quais as atitudes
necessárias à ação reflexiva, pontua que o enfermeiro-professor deve:
143
1. estar aberto e ter o desejo ativo de ouvir, de atender as dificuldades
dos alunos [...] não descansam enquanto não descobrem as causas dos
conflitos. [...]. perguntam-se sempre por que estão a fazer o que fazem
na sala de aula.
2.
reconhecer a responsabilidade pelas conseqüências de determinada
ação. o professor deve refletir sobre as conseqüências do seu ensino
[...], uma vez que esses efeitos ressoam na vida dos seus alunos
(ZEICHNER, apud. COSTA, 2003, p. 36-37).
Com relação à revisão de conteúdo, minha posição não é desfavorável.
Quando o professor faz uma sondagem inicial, de forma prudente, dos
conhecimentos matemáticos anteriores, pode melhorar o nível de entendimento
da maioria dos alunos ao longo do programa de qualquer disciplina. O que me
incomoda é a forma como essa revisão é conduzida. O professor poderia revisar
adotando uma outra abordagem, com exercícios diferentes daqueles
apresentados nos livros didáticos usuais, já incorporando alguns aspectos das
teorias que tratam da cognição situada, tendo como foco a disciplina
administração de medicamentos. Reforço novamente, diante dos discursos até
agora analisados, que a revisão feita como uma receita de passos a serem
seguidos não auxilia os alunos à compreensão, principalmente quando os
conceitos matemáticos são afastados do contexto no qual o aprendizado será
aplicado.
Este tipo de conduta parece não oferecer um aprendizado duradouro. Se
assim o fosse, talvez os alunos dos cursos técnicos não apresentassem algumas
dificuldades relatadas no discurso do enfermeiro-professor e da aluna iniciante.
CATEGORIA II – Sentimentos (insegurança; desconforto; receio;
incapacidade, insucesso; fracasso)
Segundo Szymanski (2002, p. 16-17), a entrevista pode ser interpretada de
inúmeras maneiras pelo entrevistado: pode ser uma oportunidade para falar e ser
144
ouvido, [...], uma ameaça, um aborrecimento ou uma invasão. Cada encontro com
a fala do entrevistado é um novo momento de reviver e refletir. Sendo assim, o
texto de referência pode incluir as impressões, percepções e sentimentos do
pesquisador durante a entrevista e a transcrição (p. 74).
No caso da aluna entrevistada, notei certa preocupação ao tratar do
assunto, demonstrando inquietação, e sua expressão era de receio e
insegurança. Talvez esses sentimentos devam-se ao fato de a entrevistadora
exercer a função de professora de Matemática para o ensino fundamental e
médio.
Observei, pelos seus gestos e a voz colocada de maneira tímida, que falar
sobre Matemática não era confortável. Parece que o receio era admitir a
existência de suas dificuldades com os conceitos matemáticos e ser identificada
como incapaz de exercer futuramente a função de técnica de enfermagem. Com
relação à desistência da aluna, minha interpretação para essa atitude é que
existem sentimentos de insucesso e fracasso. Correia e alguns colaboradores, ao
abordarem o insucesso dos alunos no ensino técnico, perguntam: “Por que o
fracasso é suscitador de emoções negativas, como a vergonha e a baixa estima
em tantos estudantes, e maior motivador noutros?” Para eles:
Alunos diferentes dão interpretações diferentes aos seus sucessos e
fracassos. Não é tão importante a situação do fracasso, mas, muito mais,
o significado que o aluno atribui a esse fracasso: para alguns é o resultado
de um esforço insuficiente, para outros é a confirmação da incompetência
(2003 p. 12-13).
Os autores, ao atribuírem significados às interpretações dos estudantes,
agruparam a maioria deles em dois tipos: o estudante orientado para o sucesso e
o estudante "aceitante" do fracasso. Ao analisar a desistência da aluna do curso
145
técnico de enfermagem, ela se caracterizou, na minha interpretação, como o
segundo tipo de estudante, que aceita o fracasso, e nenhum empenho e
disposição para aprender podem reverter a situação.
CATEGORIA III – Conteúdo matemático (homogeneidade; significado e
cálculos mecânicos e ensino fundamental)
No discurso da aluna: [...] "não. Falta base. O aprendizado no ensino
fundamental só ensina a fazer contas, é algo mecânico” [...]. “Sabia que precisava
aprender Razão e Proporção, mas onde aplicá-la, nunca tive certeza” [...]. Essas
afirmações permitem concluir que a aluna não aprendeu esses conceitos no
ensino fundamental, permanecendo a mesma situação no curso técnico de
enfermagem, indicando que o ensino fundamental parece não ter propiciado um
ambiente favorável para que ela aprendesse.
A falta de identificar onde aplicar os conceitos de Razão e Proporção me faz
retomar as considerações de Vergnaud sobre um campo conceitual. Ele é, em
primeiro lugar, um conjunto de situações que requer o domínio de vários
conceitos de naturezas distintas, e é esse conjunto de situações que gera
significado para o conceito.
Até o momento, a aluna identifica o professor e o ensino fundamental como
responsáveis por suas dificuldades no curso técnico de enfermagem. No entanto
existem outros fatores que julgo necessário explicitar.
Segundo Lipp, diversos professores do ensino fundamental, tanto de escola
particular quanto de escola pública, têm-se referido ao problema de meta:
146
O Ministério da Educação e Cultura está empenhado em reduzir o índice
de analfabetismo no Brasil, além de elevar a escolaridade dos brasileiros.
Para tanto, a ordem é não reprovar nenhum aluno. Os professores fazem
um malabarismo enorme para aumentar a nota dos alunos menos
capacitados
(2003 p. 19).
Com base nas colocações da autora, provavelmente existem outros fatores
responsáveis pelo fracasso do aluno. Na minha interpretação, além do problema
citado por Lipp, o aluno raramente associa a falta de conhecimento que possui
com a sua falta de esforço. As instituições educacionais são responsáveis pela
qualidade do ensino e, inserida nelas, encontra-se o professor também com sua
parcela de responsabilidade. E quanto ao aluno, qual é sua parcela de
responsabilidade?
A aluna faz referência ao ensino fundamental como não facilitador da
aprendizagem, indicando que os conhecimentos adquiridos nesta etapa são
insuficientes para acompanhar as aulas de administração de medicamentos.
A interpretação dada aos comentários referentes ao professor indica que ele
se afasta dos problemas relacionados aos cálculos matemáticos envolvidos na
administração de medicamentos, afastando também o aluno da Matemática.
“[...] na minha sala tem 47 alunos. Se você perguntar sobre Razão e
Proporção se todos conhecem e sabem utilizar para fazer os cálculos, pelo menos
40 vão dizer que têm dificuldades e não conseguem efetuar os cálculos. Eu sou
uma delas” [...].
Referindo-se aos conceitos matemáticos Razão e Proporção, a aluna
parece assinalar a necessidade de o enfermeiro-professor refletir criticamente
sobre sua prática pedagógica. Se, dentre 47 alunos de uma sala, 40 não
conseguem compreender os cálculos, na minha interpretação parece pertinente
147
uma intervenção que priorize a compreensão. Possivelmente um dos caminhos
seria propor situações para os alunos interpretarem, buscando compreendê-las à
luz do contexto no qual elas se constituíram.
Retomando o discurso da aluna, encontrei, além da crítica ao ensino
fundamental, um encaminhamento do processo de ensino no curso técnico de
enfermagem. Ela apresentou uma sugestão de como as aulas poderiam ser
organizadas, isto é, solicita a oportunidade de vivenciar situações da prática
hospitalar, o que possivelmente minimizaria os procedimentos de cálculos
mecanizados. Diante desses fatos, senti a necessidade de posicionar-me sobre o
que entendo por processo de ensino-aprendizagem e a revisão de conteúdo.
D’Ambrósio, ao discutir as pesquisas em Educação Matemática, revela que:
[...] Poucos têm coragem de ancorar suas teorizações nas suas próprias
reflexões e práticas, [...] muito timidamente o autor da pesquisa "força"
algumas conclusões para não contrariar o que os outros disseram
(1998 p.
81-82).
Ao refletir sobre as considerações de D'Ambrósio sinto-me à vontade para
argumenta que tanto quem ensina quanto quem aprende têm responsabilidades
no processo ensino-aprendizagem. Se o professor ensina, o aluno aprende; no
entanto professor e alunos precisam estar envolvidos na dinâmica deste
processo.
No meu entendimento, o processo de ensino-aprendizagem é composto por
duas partes: na primeira, cabe ao professor fazer um planejamento criterioso na
seleção dos conteúdos a serem ministrados; na segunda parte, temos o aluno
como ator principal, e é preciso que ele queira atuar, ou seja, é preciso que ele
queira aprender.
148
CATEGORIA IV – Teoria e Prática (dicotomia; contextualização e
importância da Matemática)
Na primeira entrevista desta pesquisa o enfermeiro-professor, afirma que os
alunos realizam os cálculos mecanicamente, não enxergando a situação. Ao
relacionar o discurso do enfermeiro-professor com o discurso da aluna iniciante,
encontrei a seguinte afirmação da aluna: [...] "haveria necessidade de mais
problemas e situações da prática na escola, onde pudéssemos aplicar e
desenvolver esses conhecimentos".[...] Nesta fala, ficou evidenciada a dicotomia
entre teoria e prática. A proposta da aluna de vivenciar situações da prática pode
ser considerada como uma possibilidade de aprender como os procedimentos
funcionam numa situação real.
As situações referendadas pela aluna são responsáveis pelo sentido
atribuído ao conceito. A partir do referencial teórico desta pesquisa, entendo que
a aluna não foi confrontada com situações que promovessem a compreensão dos
significados, ficando os procedimentos matemáticos destituídos de sentido. Isso
dificulta estabelecer uma conexão desses conceitos com os cálculos de
medicamentos. Da mesma forma, Lave afirma, em seus estudos, que as práticas
de aprendizagem devem oferecer significado para o que é aprendido.
A necessidade apontada pela aluna revela que aprender a administrar
medicamentos fora do contexto de atividade acaba se distanciando de uma
situação real que produziu este conhecimento. Assim, pela falta de conhecer o
contexto no qual ele opera, os alunos terminam não aprendendo como ele
funciona em uma situação real, havendo uma separação entre o conhecimento e
o contexto no qual ele é produzido.
149
Dessa forma, minha interpretação é remetida a Wenger, quando ele afirma
que as pessoas precisam negociar o significado daquilo que fazem no seu dia-a-
dia e fazê-lo por meio de dois processos que formam uma dualidade fundamental
para a experiência humana de significado e para a natureza da prática: a
participação e a reificação (Wenger, 1998). Segundo o modelo das comunidades
de prática, a escola e as salas de aula devem estar organizadas em função do
aprendizado que ocorre no mundo.
A resposta à primeira pergunta foi: [...] "Sim, sem ela não podemos fazer os
cálculos para diluição e rediluição de medicamentos" [...] o que significa dizer que
uma importância é atribuída à Matemática e que há uma associação entre os
cálculos matemáticos e os procedimentos de enfermagem, identificando situações
nas quais os cálculos matemáticos são essenciais para preparar o medicamento.
Em adição aos conhecimentos obtidos no ensino fundamental, especificamente
os relacionados aos conceitos de Razão e Proporção, a aluna revela que eles são
insuficientes para acompanhar as aulas de cálculos de medicação e atribui essas
dificuldades à falta de situações contextualizadas, resultando em procedimentos
matemáticos mecânicos, talvez por falta de uma articulação entre esses conceitos
e os procedimentos da enfermagem. Dessa forma, encerro a análise desta
entrevista e parto para outro momento dessa trajetória, buscando investigar como
a Matemática se mostra para o profissional de enfermagem.
150
5.3 Entrevista com uma profissional atuante na área de
enfermagem há mais de vinte anos
Apesar de entrevistar uma aluna e um enfermeiro-professor, senti a
necessidade de compreender como é a relação do profissional da área de
enfermagem com a Matemática.
Assim, ao continuar o processo de investigação, encontrei uma matéria
publicada em 25/02/2003 no jornal Folha de S. Paulo, escrita pelo repórter Flávio
Ferreira Paulo de Camargo, cujo título é “Um cálculo no meio do caminho”. O
repórter relata as dificuldades, relacionadas à Matemática, de uma auxiliar de
enfermagem que presta serviços em um hospital há mais de vinte anos. Após ler
a matéria, decidi contatar a auxiliar de enfermagem para que me concedesse uma
nova entrevista. O pedido foi aceito e a entrevista foi realizada no local onde a
profissional exerce suas funções. A entrevista foi gravada tendo a duração de
uma hora aproximadamente.
A interpretação que faço representa a fala da entrevistada e a sua
concepção, enquanto profissional e na posição de aluna.
151
Tabela 4 –Análise da entrevista do profissional, segundo os princípios de Szymanski
Observação: Os números das chamadas na Descrição I remetem para a explicitação de significados da Descrição II
Relato/depoimento Descrição I
Explicitação de significados
Descrição II
Categorias
E: O que você tem a relatar sobre a disciplina Matemática e a relação com sua área de atuação profissional?
Dalva: É como nós aqui neste setor. É como nós aqui. Temos noção das regras básicas, no entanto os
médicos neste setor já prescrevem o que eles querem dar para o paciente.(3)
Como aqui é um setor de sedação, vou dar um exemplo:
– o médico prescreve uma ampola de dolantina, 1 ml de dormonid; ele já diz o quanto ele quer que seja
administrado ao paciente. Mas, se for uma ampola, por exemplo, de 50 mg e o médico pede 5 mg então
sabemos que, pela prática, se temos uma ampola de 50 mg, você deve dividir em 10. Com papel e lápis fica
complicado aplicar a regra de três (5).
1 ampola-----------50 mg
x ampolas-----------5 mg
50x = 5
x= 1/10 da ampola.
Então, pensando na prática, é por isso que, na área de enfermagem, não se faz conta. Uma porque o médico
prescreve a quantidade do medicamento a ser administrado; outro motivo é pela prática, que já estamos
acostumadas (4).
De vez em quando, nós temos cursos de cálculos em medicamentos, mas é mais para atualizar.Não sei por
quê (7), é muito difícil a gente utilizar as regras durante a nossa atuação na hora de administrar medicamentos
(67). Uma, que não dá tempo. Um exemplo é uma parada cardíaca. Você não vai estar ali fazendo as regras o
que manda é a experiência.(6).
No setor de pediatria, a situação é mais complexa. Temos muita dificuldade. Tudo na pediatria e rediluído, ou
seja, é rediluição da rediluição (8). A bureta é muito utilizada, que dá para diluir mais. Ainda assim, temos e
privilégio de ter sempre os médicos por perto, no caso de precisarmos de socorro, garantindo assim que a
medicação seja ministrada de acordo com o que eles prescreveram (9).
Relacionados ao professor do ensino
fundamental, enfermeiro-professor e
ao entrevistado na posição de aluno e
profissional.
Indisponibilidade do professor para
sanar as dúvidas dos alunos (1)
Não propõe a revisão de conteúdos
bem como não faz a devolução das
atividades solicitadas (2) (12)
Falta de postura dos professores e
dos alunos (20) (2) (45) (59) (44)
Comenta sobre a ausência de
dinâmica nas aulas (46)
Não há associação da Matemática a
outros contextos (39) (40) (46)
Ausência de acompanhamento extra
classe (60)
Desistência do curso de enfermagem
por não compreender os conceitos
matemáticos (66)
ATITUDES
152
Análise da entrevista do profissional, segundo os princípios de Szymanski
Observação: Os números das chamadas na Descrição I remetem para a explicitação de significados da Descrição II
Relato/depoimento Descrição I
Explicitação de significados
Descrição II
Categorias
Relacionados aos sentimentos
Inibição (61)
Discriminação (2) (65)
Desespero (63)
Frustração (63)
Desinteresse (39)
Indiferença (51)
Pertencimento (25) (26) (38)
SENTIMENTOS
E: No curso técnico de enfermagem, como são tratados os conceitos Razão e Proporção?
Dalva: Bom,... É... Uhhh... O que posso dizer é que faz parte do currículo. A disciplina de cálculos de
medicamentos é eliminatória. Nós temos vários assuntos para aprender no curso como: centro cirúrgico, clínica
médica, UTI, pronto-socorro e cálculos de medicamentos, em que temos alguma noção e aprendemos a
onde podemos ir. É preciso que se tenha uma base Matemática, porque, se você não tiver, aí é problema. No
curso, nós aprendemos a ler seringas, aprendemos quanto vale cada risquinho, aprendemos quantos
risquinhos você tem que colocar na medicação etc. Tanto é que, por aqui, no meu setor, os médicos utilizam
esta forma para pedir medicação, pois é assim que aprendemos na escola. Eles pedem: 3 risquinhos disso...
Seis risquinhos daquilo (10). No curso técnico, a maioria já é auxiliar, então já tem noção de tudo o que
acontece na prática. Quem nunca atuou na área, quando chega no curso técnico de enfermagem e não tem
noção nenhuma, então começa do básico.
Aí começam as confusões e dificuldades. Quando nós cursamos o ensino fundamental, temos toda aquela
Matemática que quase nunca sabemos onde aplicá-la (11). A partir desses conhecimentos, se inicia a
disciplina cálculos de medicamentos, direcionando a Matemática para a nossa área. Não são contas
complicadas, mas é necessário já ter uma base, pois a revisão das regras básicas, como regra de três, Razão
e Proporção, divisão, é bem superficial (12).
Lembro-me de que, durante meu curso de auxiliar, tinha o cálculo de uma medicação em que eram
necessários seis passos de cálculos (13). Tratava-se da diluição de um comprimido de permanganato para
muito líquido. Então é necessário dominar os seis passos dos cálculos para poder realizar a diluição (14).
Acredito que, no nosso meio, é difícil enxergar a Matemática no que fazemos. O que prevalece para nós é a
prática (15).
Vou mostra algumas prescrições:
- Aqui o médico pede 15 mg de dolantina. Eu sei que, se ele pedir 5 mg, tenho que dividir em 3 o frasco de 15
mg (16).
Relacionados ao ensino
fundamental e ao curso técnico de
enfermagem:
Aprovação automática (23) (50)
A falta de compreensão dos
conteúdos matemáticos é
responsabilidade do ensino
fundamental (33)
O ENSINO
FUNDAMENTAL E O
CURSO TÉCNICO DE
ENFERMAGEM
O ensino fundamental revela ser
decadente e fraco, acarretando
dificuldades com a Matemática (21)
(34) (44)
153
Análise da entrevista do profissional, segundo os princípios de Szymanski
Observação: Os números das chamadas na Descrição I remetem para a explicitação de significados da Descrição II
Relato/depoimento Descrição I
Explicitação de significados
Descrição II
Categorias
Necessidade de aulas de reforço no
curso técnico de enfermagem (36)
Aulas específicas de cálculo nos
cursos que envolvem a Matemática
(38)
Curso paralelo de Matemática (35)
Os problemas do ensino e da
aprendizagem no ensino fundamental
repercutem diretamente no ensino
profissionalizante (22)
O ENSINO
FUNDAMENTAL E O
CURSO TÉCNICO DE
ENFERMAGEM
Quando recebemos os estagiários no setor, eles são obrigados a efetuar as regras básicas, tanto é que eles
andam com calculadoras e, sem elas, acaba ficando complicado, mesmo tendo papel e lápis para poder
realizar, por exemplo, uma diluição (17).
Eu tenho 20 anos de atuação na área de enfermagem. Como tenho
muita prática, de tanto fazer, acabo por decorar (18).
A gente que tem prática já sabe, por exemplo, quanto tem
de soluto para o solvente, pois diariamente fazemos isso. O estagiário não. Eles têm que fazer as regras como:
Razão, Proporção, Divisão etc. Eu não. É uma coisa que eu já pego e já sei (19).
Dalva: Posso falar?
E: Fique à vontade.
Dalva: Acredito que a superação dessas dificuldades depende do aluno, mas depende também do professor
(20). O que tenho visto nas escolas de ensino fundamental e médio é um ensino decadente, muito fraco. Afirmo
isto, pois tenho netos no ensino fundamental e eles têm muitas dificuldades em Matemática (21).
A turma do técnico de enfermagem apresenta muitas dificuldades em Matemática por não ter aprendido
Matemática nos ensinos fundamental e médio (22).
Eu estudei numa época em que você saía da escola sabendo ou sabendo, senão era impossível concluir o
curso. Hoje em dia o aluno sabe que, se não faltar demasiadamente, ele não reprova (23). Para mim, a
Matemática é uma continuidade. Então esse aluno chega no curso técnico de enfermagem sem base
nenhuma, surgindo todas as dificuldades com a Matemática (24).
E: Teve alguma dificuldade?
Dalva: Sim. Na prática, não preciso fazer os cálculos, mostrar esses cálculos. Na escola, sou obrigada a
mostrar como cheguei ao resultado (28).
Dalva: Você sabia que, em toda escola de enfermagem, é obrigatória a disciplina cálculos de medicamentos?
E: Sim. Qual é a importância dessa disciplina para você?
Dalva: A disciplina é muito importante, se bem que, na prática, a gente não usa (29). Espere... Usa sim. Se é
uma auxiliar nova, que está começando, ou um estagiário. Eles sempre ficam indecisos, com medo de errar e
sabem que, dependendo do erro, não há mais volta. Não tem como corrigir, pois é a vida do paciente que está
em jogo. Nesse momento, eles fazem as contas para checar se está correta a conduta (30).
Relacionados aos conteúdos
matemáticos
A Matemática é uma continuidade (24)
Identificação de alguns conceitos
utilizados (12)
Os conceitos matemáticos são
utilizados de forma implícita (3) (67)
(19) (29)
Ausência de significado para os
procedimentos matemáticos (4) (11)
(40) (41) (57) (64)
CONTEÚDO
MATEMÁTICO
154
Análise da entrevista do profissional, segundo os princípios de Szymanski
Observação: Os números das chamadas na Descrição I remetem para a explicitação de significados da Descrição II
Relato/depoimento Descrição I
Explicitação de significados
Descrição II
Categorias
A presença de cálculos mecânicos
(13) (14) (42)
Dificuldade em comunicar-se
matematicamente (5) (27) (28) (55)
O não reconhecimento onde os
cálculos são aplicados nos
procedimentos de enfermagem (15)
(16) (31)
Validação (52) (58)
CONTEÚDO
MATEMÁTICO
O que mais posso dizer? A Matemática, as regras são obrigatórias na escola, na prática não. Deixa-me explicar
melhor? (31).
E: Claro que sim.
Dalva: É assim. Você é professora, prepara sua aula para falar sobre os números negativos. Você chega na
sala de aula e sabe que terá que dar essa matéria. Depois de algum tempo, você não precisará preparar a
mesma aula. Já é automático. Na enfermagem é assim. Já sabemos o que fazer (32).
Muitos colegas, como eu, acham que o problema de não conseguirem acompanhar as aulas que envolvem
cálculos matemáticos se deve ao ensino fundamental e médio (33). A professora explica e diz: Quem
entendeu, ótimo; quem não entendeu não entende mais (1) O interesse do aluno e do professor para encontrar
caminhos para entender a Matemática está em baixa (34). Aí, esse aluno vai para o curso técnico de
enfermagem e começa a confusão. Não consegue acompanhar. Acredito que todos os cursos, seja ele técnico
ou de nível superior, deveriam colocar à disposição dos alunos aulas específicas de Matemática só para
aqueles alunos que não conseguem acompanhar. (35).
O que quero dizer é que poderia e deveria ser feito, dentro do curso, ter aulas de Matemática, não só
medicação (36). O que o professor de enfermagem faz: ele vai ali na medicação. O decadron você faz assim,
para diluir. Isso aqui você só pode colocar na bureta etc. Não é aquela coisa (37).
Quando voltei para a sala de
aula para obter uma promoção para técnica de enfermagem, me senti em outro mundo. Tudo que faço na
prática tinha que fazer no papel e lápis.
Por isso que eu acho que deveria ter paralelo, junto ali, um curso de Matemática para podermos assimilar (38).
Você entende? Não adianta falar para você:
– Esse é o preparo de colono, esse é o preparo de bronco! Para você, eu estou falando grego concorda?
Embora tendo a prática, eu acho que deveria ter, junto com o curso técnico de enfermagem, até mesmo no
nível superior, aulas específicas de Matemática.
A turma que ingressa nesses cursos profissionalizantes de enfermagem tem muitas dúvidas com relação à
Matemática. Eu acredito que o motivo é não ter aprendido direito juntamente com o grande desinteresse.
E: O que você quer dizer com desinteresse?
Relacionados à teoria e a prática
Na prática, não se fazem cálculos (67)
(28) (19) (30)
Seqüências das atividades não
permitem a realização de cálculos:
uma questão do tempo (6)
Matemática nas atividades de
administração de medicamentos (30)
TEORIA E PRÁTICA
155
Análise da entrevista do profissional, segundo os princípios de Szymanski
Observação: Os números das chamadas na Descrição I remetem para a explicitação de significados da Descrição II
Relato/depoimento Descrição I
Explicitação de significados
Descrição II
Categorias
Relacionados à teoria e a prática
Os estagiários aplicam os conceitos
matemáticos na prática e utilizam as
calculadoras (17)
A ação transformada em operação
(18) (32)
TEORIA E PRÁTICA
Dalva: O desinteresse ao qual me refiro acontece por não entender direito a disciplina, eu tenho comigo isso
(39). Os adolescentes apresentam desinteresse pela escola, pela Matemática, por não terem orientações de
que tudo que se aprende é aplicável fora da escola. Hoje em dia, não existe aquela orientação: – Professor:
você não entendeu? Vamos ver de novo. Vamos fazer uma revisão. Não tem mais isso, na maioria do ensino.
Quando eu estava na escola, a professora passava exercícios, nós fazíamos em casa e, no dia seguinte, todos
eram corrigidos na lousa. Hoje em dia nem lição de casa se tem mais. No curso de enfermagem, nós
perguntamos: Por que e para que tenho que estudar todos esses cálculos? A assimilação é difícil. Sabemos
que se deve fazer aquilo, mas não sabemos o porquê (40). Posso dar um exemplo?
E: Fique à vontade.
Dalva: Eu te dou uma conta: 33/3. Eu sei que eu vou fazer e vai dar onze, mas por que deu onze? (41).
Entende, você vai fazendo, vai fazendo, porque disseram que tem que dar aquele resultado. Você vai
quebrando a cabeça, mas qual o significado daquilo? (42). Mas você não sabe o porquê. Então eu acho que é
uma coisa muita aleatória. Olha, vamos fazer isso; dá uma ajeitadinha que dá certo. Isso é muito ruim (44).
Na prática, a gente só aprende ali fazendo (54). É como dirigir. Você sabe que não pode estacionar em local
proibido, fazer determinadas manobras, mas você só vai mesmo a hora que você praticar, a hora que você
pegar o seu carro e disser: “Eu vou”. Quando você tira sua carta, embora você tenha feito o curso, é só na
prática que você vai pegar o jeito.
Eu faço essa comparação, pois acredito que a Matemática seja uma ciência. Eu adoro Matemática, eu gosto,
mas tenho dificuldades. Preciso desenvolver mais o raciocínio para superar minhas dificuldades.
E: Você poderia esclarecer o motivo pelo qual agora se exige para o técnico do curso de enfermagem o
certificado de conclusão do Ensino Médio?
Dalva: Para te dizer a verdade, eu não sei o porquê. O estudo, volto a repetir, está muito abaixo do esperado.
A turma sai da escola do mesmo jeito que entrou e não vai acrescentar nada (44), a não ser que fosse
realmente levado a sério, tanto por parte dos alunos, como por parte dos professores, desde que o professor
saiba se impor e exigir o mínimo possível (45). Eu tenho alguns questionamentos. Será que o desinteresse dos
alunos pela escola, especificamente pela Matemática, deve-se ao fato de que não tem alguma coisa que
prenda atenção desse aluno? (46). O mundo lá fora é mais atrativo do que a escola. Eles sabem que sabendo
ou não a matéria, eles vão passar de ano (50). Então, para mim, tanto faz ter concluído o ensino fundamental
ou o médio. O problema permanecerá o mesmo (51).
156
Análise da entrevista do profissional, segundo os princípios de Szymanski
Observação: Os números das chamadas na Descrição I remetem para a explicitação de significados da Descrição II
Relato/depoimento Descrição I
Explicitação de significados
Descrição II
Categorias
E: Você pode explicar como você resolveria a seguinte questão:
Um médico prescreve para o seu paciente 30 mg de Garamicina. No hospital, temos ampolas de 80 mg/2ml.
Qual a dosagem a ser administrada?
Dalva: Eu sei que isso é um cálculo matemático. Eu resolveria assim:
Se você sabe que 80mg de garamicina tem 2 ml, então a metade disso é 40 mg que corresponde a 1 ml. Como
eu preciso de 30 mg e este valor está entre 40 mg e 20 mg, então a metade de 1 ml é.... bem acho que 0,25
ml. Então eu daria aproximadamente, deixe ver.... 0,6 aproximadamente. Será que está correto? (52) Estou
acostumada a trabalhar com medicações que já vêm na dosagem a ser administrada (53).
E: Você pode colocar no papel o cálculo que você usou?
Dalva: Agora colocar no papel e lápis é difícil. Não sei o motivo, não consigo (55). Na sala de aula, nós
fazemos esses cálculos; na prática nós já temos a noção, não por entender matematicamente, mas pela prática
(56).
Precisamos saber os porquês das coisas. Você vai lá e passa um problema enorme. Você faz e o aluno olha
para você. Ele vai te acompanhar, imitar, mas não saber por que você está fazendo aquilo. Aí, depois, quando
ele se vê sozinho, ele vai se perder. Eu acho que tinha que ser assim. Todos os cursos deveriam ter
Matemática. Você pega as apostilas, você só vê número e sinal e não sai daquilo, onde você vai ler: olha, você
deve proceder assim, você deve pegar esses números e manipulá-los assim, para obter isso, e o que você
achou tem este significado... (58).
E: Quando você fala que, nos cursos técnicos e outros da área, deveria ter um curso paralelo de Matemática,
como que isso poderia ser feito? Dê a sua opinião.
Dalva: O professor deveria observar os alunos que não conseguem acompanhar, os que têm mais dificuldades
(59). Existem aqueles que, graças a Deus, não apresentam dificuldades. Geralmente os cursos de técnico de
enfermagem são particulares, então tem condições de colocar um professor a mais para dar suporte aos
alunos com dificuldades em Matemática. Vamos supor: o professor da turma faria o levantamento dos alunos
com dificuldades e, uma vez por semana, daria os esclarecimentos necessários (60). Querendo ou não, os que
não têm dificuldades em Matemática acabam inibindo aqueles que têm. O que tem dificuldade vê que o outro
desenvolve, e ele não consegue e ele vai se perder cada vez mais. Vai sendo discriminado (61). Porque é
assim; quem não sabe Matemática é discriminado (62).
157
Análise da entrevista do profissional, segundo os princípios de Szymanski
Observação: Os números das chamadas na Descrição I remetem para a explicitação de significados da Descrição II
Relato/depoimento Descrição I
Explicitação de significados
Descrição II
Categorias
Por exemplo: você faz uma conta, não dá certo, faz a segunda, não dá certo; na terceira, você acaba caindo
em desespero. A professora faz, dá certo, meu colega faz e dá certo. Todo mundo faz e eu não consigo (63). O
aluno não tem noção do que ela está fazendo (64). Este curso paralelo poderia estar auxiliando. Tenho comigo
que as pessoas pensam assim: quem desenvolve a Matemática é inteligente ou louco; quem não sabe, ou tem
dificuldades é discriminado, (65) chegando até mesmo a desistir dos cursos que envolvem a Matemática (66).
158
CATEGORIA I – ATITUDES – (Indisponibilidade, revisão; não devolução
das atividades propostas, postura e dinâmica das aulas; contextualização;
acompanhamento e desistência)
Na fala de Dalva: [...] “a professora diz: quem entendeu ótimo, quem não
entendeu não entende mais” [...]. Dalva, ao se referir às dificuldades dela e dos
alunos no curso técnico de enfermagem, enfoca claramente que o problema com
a Matemática se inicia no ensino fundamental e é adiado para outro momento.
A educação, como afirma D’Ambrósio (1998, p. 83) enfrenta em geral
grandes problemas. Para ele, o mais grave é que afeta particularmente a
educação Matemática de hoje, é a maneira “deficiente” como se forma o
professor.
Pinto (1993, p. 54) compreende que a principal tarefa do educador dotado
de consciência crítica seja o incessante combate a todas as formas de alienação
que afetam a sociedade, particularmente aquelas que imperam no terreno da
educação.
Dalva, ao revelar a sua experiência no ensino fundamental, declarou: [...]
“vamos fazer uma revisão…, não tem mais isso na maioria do ensino”. Quando eu
estava na escola, a professora passava exercícios, nós fazíamos em casa e, no
dia seguinte, todos eram corrigidos na lousa” [...]. Propor exercícios para os
alunos realizarem, na sala de aula ou em casa, que não se caracterizam como
atividades desafiadoras, acaba por explorar apenas aspectos procedimentais. Se
compararmos um treinador com um professor que ministra suas aulas expondo
seu aprendiz a situações que o obrigam a alcançar uma meta, a resolver
problemas, a tomar decisões, poderemos perceber que essa atitude não propicia
159
nada de novo para o aluno. Essas atitudes podem estar relacionadas com a
postura de alienação descritas por Pinto e a formação precária descritas por
D’Ambrósio. Além disso, na educação escolar (Perrenoud, 1999, p. 57), praticar
mais e mais não é suficiente. É preciso confrontar o aluno com dificuldades
específicas, bem dosadas, para aprender a superá-las.
Diante das colocações de Perrenoud, é possível afirmar que os
procedimentos utilizados pelo professor do ensino fundamental de Dalva não
surtiram os efeitos desejáveis, pois, se assim o fosse, talvez a profissional não
fizesse tais observações. Segundo a sua fala: [...] “por que e para que tenho que
estudar todos esses cálculos? A assimilação é difícil, sabemos que se deve fazer
aquilo, mas não sabemos o porquê” [...]. Percebi que, nesta fala ela, declarou
que, no ensino fundamental, não houve uma associação matemática com outros
contextos, e que tal fato repercutiu negativamente na sua tentativa de adquirir a
habilitação para exercer a função de técnico de enfermagem, resultando na
desistência do curso.
Perrenoud (1999) utiliza um exemplo interessante: um atleta treina diversos
gestos isolados antes de integrá-los a uma conduta global. O professor que
trabalha os conceitos matemáticos isoladamente assemelha-se a um atleta:
ensina os conceitos de forma fragmentada e não permite aos alunos terem uma
visão global de como esses conceitos se relacionam. Também é preciso
considerar, como afirma enfaticamente Vergnaud, que a experiência é um dos
fatores mais importantes no processo de aprendizagem, e a experiência só pode
ser adquirida com a familiarização e a prática. Na verdade, a afirmação de
Vergnaud diz que não podemos desprezar a possibilidade de apresentar
160
problemas que requeiram o mesmo tipo de raciocínio, embora com situações,
enunciados e valores numéricos diferentes.
Acredito que não se trata de renunciar aos exercícios, e sim estabelecer um
equilíbrio entre eles e as situações-problema. Esta forma de ensino convida o
docente a criar ou utilizar outros meios de ensino, envolver os alunos nas aulas,
debater os objetivos do que se quer ensinar, por que ensinar, para que aprender e
onde aplicar, estabelecendo um novo contrato didático. O professor, antes de
implementar este contrato didático, precisa tornar explícito seu objetivo para os
alunos. Entretanto é necessário que o aluno tenha um retorno do seu
desempenho, quer seja nos exercícios, quer seja nas situações-problema. Seria
de bom tom que o professor fizesse a devolução das atividades propostas, como
Dalva mencionou nos seus relatos.
É possível que ocorram rejeições por parte dos alunos, pois, geralmente, o
contrato do aluno é escutar o professor falar, tentar entender, fazer exercícios e
realizar uma avaliação, na maioria das vezes individual. Isso implicaria uma
mudança considerável na dinâmica das aulas e na conduta do professor,
impedindo a atitude passiva dos alunos. Essa passividade pode decorrer do fato
de que o professor talvez provoque o desinteresse do aluno por falta de
atividades dinâmicas que revertam a situação. Talvez a falta de aulas dinâmicas
justifique a citação de Dalva: [...] “será que o desinteresse dos alunos pela escola,
especificamente pela Matemática, deve-se ao fato de não ter algo que prenda a
atenção do aluno?” [...].
Existem outros aspectos que, na minha interpretação, podem estar
relacionados às atitudes do professor, como: instituições que não oferecem
161
condições adequadas de trabalho, salas lotadas, ausência de material necessário
para as atividades e carga horária excessiva de aulas. Com relação ao
enfermeiro-professor, existe um aspecto a ser considerado: muitas vezes, esse
profissional atua no hospital como enfermeiro, nas aulas como professor, além de
supervisionar o estágio dos alunos em vários setores do hospital.
Dalva acredita que uma postura do professor em fazer o levantamento dos
alunos que estão com dificuldades minimizaria os problemas em cálculos
matemáticos, conforme a seguinte citação: [...] “o professor da turma faria um
levantamento dos alunos com dificuldades e, uma vez por semana, daria os
esclarecimentos necessários” [...].
Um ponto problemático nesta questão é a constatação feita por Soffner
(1992), que revela que o enfermeiro-professor não se sente preparado para
ensinar os conceitos matemáticos, além de transferir o problema para o ensino
fundamental. “Procurar culpados” não é o objeto de nenhuma investigação. Na
verdade, parece-me necessário entender qual é o papel que os alunos e
professores precisam desempenhar para que uma ação, a partir da realidade,
venha modificar esta própria realidade.
Entendo que, quando o professor reflete sobre a responsabilidade de formar
seus alunos para além de um conteúdo restrito de uma disciplina, seu trabalho é
visto como algo enriquecedor, como afirma Dalva: [...] “o professor deveria
observar os alunos que não conseguem acompanhar, os que têm maior
dificuldades. Existem aqueles que, graças a Deus, não apresentam dificuldades.
[...]” acredito que as superações dependem do aluno e também do professor” [...].
162
CATEGORIA II – Sentimentos – (Inibição; discriminação; desespero;
frustração e desinteresse)
Para falar de sentimentos, apresento a seguinte fala: [...] Querendo ou não,
os que não têm dificuldades em Matemática acabam inibindo aqueles que têm.
Geralmente os alunos sentem dificuldades em falar sobre suas dúvidas em
questões relacionadas à Matemática. Preferem mantê-las em segredo, pois é
encarada como um sinal de fracasso no âmbito do ensino. Entendo que a inibição
ocorre quando os alunos ficam impressionados pelo domínio que os outros
demonstram, como Dalva relatou: [...] “você faz uma conta, não dá certo, faz a
segunda, não dá certo, na terceira você acaba caindo em desespero. A
professora faz, dá certo, meu colega faz e dá certo. Todo mundo faz e eu não
consigo” [...]. Interpreto que além do desespero, a frustração é um outro
sentimento correlacionado, pois Dalva não conseguiu ser bem sucedida neste
objetivo em específico.
Nos cálculos de administração de medicamentos, surgem outros
sentimentos, tais como o medo de se enganar gravemente, de não estar à altura
da profissão. Segundo Cifali (apud Perrenoud, 1994, p. 189), ninguém fala de
seus medos. Por medo de ser ridículo, de se desnudar, de mostrar sua
fragilidade, de dar armas ao seu adversário. Nesta entrevista, percebi que Dalva
não teve receio em revelar seus sentimentos. Pareceu-me mais uma
oportunidade de desabafo.
[...] "O que tem dificuldade vê que o outro desenvolve, e ele não consegue,
e ele vai se perder cada vez mais. Vai sendo discriminado. Porque é assim: quem
não sabe Matemática é discriminado".
163
A esse respeito, Perrenoud argumenta que:
Na maioria dos casos, os pedidos de ajuda não correspondem às
necessidades de ajuda ou às efetivas dificuldades. Os pedidos podem
provir de alunos que têm facilidade e confiança para realizar sua tarefa,
enquanto outros, totalmente bloqueados ou desamparados, não dizem
nada
(PERRENOUD, 2001, p. 93-94).
Parece não ser fácil trabalhar com esses sentimentos. Acredito que abrir um
canal de comunicação entre professor e aluno é algo que precise ocorrer para
que haja uma troca sobre a compreensão dos conceitos matemáticos, das
representações em jogo, dos procedimentos e que podem direcionar o aluno que
tem dificuldades, mas não pergunta nada, a se interessar pela Matemática. Essa
comunicação pode diminuir ou quem sabe extinguir o desinteresse a que Dalva se
referiu em sua fala: [...] “Eu acredito que o motivo é não ter aprendido direito
juntamente com o grande desinteresse. [...]” o desinteresse ao qual me refiro
acontece por não entender direito a disciplina. Eu tenho comigo isso”‘ [...].
De acordo com Wenger o conhecimento é um problema de engajamento.
Segundo a fala de Dalva: [...] “estou atuando na área há vinte anos, mas, quando
voltei à sala de aula para obter uma promoção para técnica de enfermagem, me
senti em outro mundo. Tudo que faço na prática tenho que fazer no papel e lápis”
[...]. De acordo com a fala de Dalva, percebi que ela, ao sentir-se em outro
mundo, não estava engajada nos empreendimentos propostos pela escola. Diante
dessas informações, ela ainda declarou: [...] “então, para mim, tanto faz ter
concluído o ensino fundamental ou médio, o problema permanecerá o mesmo”
[...]. Parece-me uma interpretação equivocada gerada pela indiferença e pelo
desânimo por não compreender os conceitos matemáticos.
164
CATEGORIA III – ENSINO FUNDAMENTAL E TÉCNICO (aprovação
automática; compreensão dos conteúdos matemáticos; ensino problemático;
aulas de reforço, aulas de cálculo, curso paralelo; problemas de aprendizagem, e
curso de atualização)
Um aspecto interessante é a questão: [...] Voltei para a sala de aula para
obter uma promoção. Para entender a questão da relação entre o curso e a
promoção, farei uso de um pequeno trecho no qual Costa (2003, p. 81) descreve,
em linhas gerais, as características de um curso técnico:
O curso técnico na escola está dividido em duas turmas: a de habilitação
plena e a especial. Habilitação plena, com duração de quatro anos,
contempla as disciplinas comuns do 2º grau e as especiais,
profissionalizantes. A turma especial, com duração de um ano e meio,
tem apenas disciplinas específicas profissionalizantes. Para ingressar
nesse curso especial, o aluno deve ter o 2º grau completo
(COSTA, 2003,
p. 81).
Esses cursos também recebem uma clientela atuante na área de
enfermagem, a maioria proveniente do ensino supletivo de 1º grau, que busca o
curso para regularizar a situação profissional, pois a Lei do Exercício Profissional,
aprovada em 1986, determina a extinção de uma categoria sem a devida
qualificação – a de atendente de enfermagem – num prazo de dez anos, já
expirado (COSTA, 2003, p.81).
No Caso de Dalva, além da promoção visando melhor remuneração, está o
risco de ela perder o emprego, pois, em alguns hospitais, não é mais permitido
auxiliares de enfermagem atuarem, por exemplo, em unidades de terapia
intensiva. De acordo com COREM (Conselho Regional de Enfermagem), os
profissionais devem ser capacitados e adquirir conhecimentos mais elaborados
para terem contato direto com o paciente. As declarações de Dalva permitiram
165
afirmar que repensar o ensino da Matemática no curso técnico de enfermagem se
faz necessário, uma vez que ela afirmou não conseguir uma promoção e o motivo
principal é sua relação com a Matemática.
Convido o leitor a refletir sobre o que Dalva declarou: [...]. “Eu estudei em
uma época em que você saía da escola sabendo ou sabendo, senão era
impossível concluir o curso. Hoje em dia o aluno sabe que, se não faltar
demasiadamente, ele não reprova. [...]. Eles sabem que sabendo ou não, eles vão
passar de ano”. Podemos observar claramente que ela se refere à estruturação
do curso em ciclos de aprendizagem de pelo menos dois a três anos nos quais
não ocorrem reprovações. A esse respeito, Perrenoud (2000, p. 99) argumenta
que o ciclo de aprendizagem, em sua visão mais conservadora, acaba em
princípio com a reprovação, mas não rompe a estruturação do curso em graus
sucessivos e não basta para neutralizar a fabricação de desigualdades”.
Essas desigualdades podem estar ligadas, segundo o autor, ao fato de que
os ciclos constatam, ao final de três ou quatro anos, que ocorreram
descompassos irremediáveis, sem que tenham sido visto desenvolverem-se, nem
que se tenha sabido preveni-los. Meu objetivo não é discutir a questão dos ciclos
de aprendizagem devido à sua complexidade, mas encontrar uma possível
justificativa para as falas de Dalva: [...] “muitos colegas como eu acham que o
problema de não conseguirem acompanhar as aulas que envolvem cálculos
matemáticos se deve ao ensino fundamental e médio. [...] o que tenho visto nas
escolas de ensino fundamental e médio é um ensino decadente, muito fraco.
Afirmo isto, pois tenho netos no ensino fundamental e eles têm muitas
dificuldades em Matemática” [...].
166
As desigualdades são evidentes no discurso de Dalva quando se refere à
promoção e, ligada a ela, está a falta de compreensão dos conceitos
matemáticos, de oportunidades e perspectivas, como Dalva afirmou: [...] “O
estudo volto a repetir, está muito abaixo do esperado. A turma sai da escola do
mesmo jeito que entrou e não vai acrescentar nada” [...].
Dalva acrescenta ainda que: [...] “o interesse do aluno e do professor para
encontrar caminhos para entender a Matemática está em baixa. [...]” para dizer a
verdade, eu não sei por quê. [...] o que quero dizer é que poderia ser feito, dentro
do curso, aulas de Matemática, não só de medicação. Por isso que eu acho que
deveria ter um curso paralelo de Matemática para podermos assimilar. [...].
“Acredito que todos os cursos, sejam eles técnico ou de nível superior, deveriam
colocar à disposição dos alunos aulas específicas de Matemática (só para
aqueles que não conseguem acompanhar).
Entendo que as aulas de reforço, curso paralelo como Dalva sugere, podem
ser meios de solução para a assimilação não somente dos conteúdos
matemáticos, como ela menciona, porém defendo que o problema do ensino
depende de uma reformulação profunda nas organizações de ensino. Essa
reformulação poderia ser a de criação e não de recriação, apenas disfarçando os
problemas com os quais a educação se defronta. Essa reformulação
possivelmente, mudaria a concepção de Dalva quando se refere ao ensino
fundamental como decadente e abaixo do esperado. Assim, acredito que o
objetivo, tanto do ensino fundamental quanto do ensino técnico, associado à
Matemática, é o de gerar oportunidades, extinguir as desigualdades, propiciando
a integração na sociedade e não acentuando ainda mais essas diferenças. Tentar
167
um trabalho individualizado para encontrar soluções para a melhoria do ensino se
torna desgastante. É preciso que todos os envolvidos com o ensino estejam
predispostos para enfrentar esses problemas.
CATEGORIA IV – CONTEÚDOS MATEMÁTICOS (Continuidade,
necessidade de base; a não utilização da Matemática; significado; cálculos
mecânicos; comunicação; reconhecimentos; validação e unidades de medidas)
A observação de Dalva: [...] Meu curso de auxiliar tinha o cálculo de uma
medicação que eram necessários seis passos de cálculos. Tratava-se da diluição
de um comprimido de permanganato para muito líquido. Então é necessário
dominar os seis passos dos cálculos para poder realizar a diluição. Esta
ocorrência foi constatada nas análises dos dois livros, apresentadas no capítulo 4,
confirmando os dados.
Na minha interpretação, esses passos a serem seguidos, se não houver
compreensão, não promovem nos alunos uma qualidade de crítica pertinente ao
contexto, deixando de oferecer uma oportunidade de lidar com os conceitos
matemáticos de forma significativa.
Um outro ponto da fala de Dalva traz elementos ricos à reflexão: [...]
“entende, você vai fazendo, porque disseram que tem que dar aquele resultado,
você vai quebrando a cabeça, mas qual o significado daquilo?” A profissional
refere-se aos cálculos mecânicos, sem significado, situação criada no ensino
fundamental que repercute no ensino técnico de enfermagem. Ao analisar a
relevância disso, percebo que a escola freqüentemente descontextualiza os
conceitos matemáticos por ela trabalhados. Ela não considera que o aluno tem
168
um acervo de experiências que deveriam servir como suporte para a construção
de novos conhecimentos e significados para eles.
Acredito que todos os professores de Matemática gostariam que os
estudantes desenvolvessem a habilidade de construir a compreensão dos
conceitos matemáticos de tal forma que pudessem interpretar o "significado" dos
conceitos, reconhecer quando aplicá-los e perceber a extensão e as limitações
desta aplicabilidade.
Avaliar se os estudantes estão construindo a compreensão do significado
dos conceitos matemáticos por meio de lista de exercícios, geralmente
desconectados de um contexto, como o caso de Razão e Proporção na
administração de medicamentos, não se constitui em uma prática adequada. O
fato de o aluno manipular corretamente os algoritmos para resolver uma
determinada questão não necessariamente implica na compreensão do conceito
utilizado.
Na fala de Dalva: [...] No curso técnico de enfermagem, nós perguntamos:
Por que tenho que estudar todos esses cálculos? A assimilação é difícil, sabemos
que se deve fazer aquilo, mas não sabemos o porquê” [...]. É evidente, nesta fala,
que tanto o aluno do ensino fundamental, quanto de um curso técnico de
enfermagem, precisa saber por quê e para quê aquela aprendizagem. Quando o
aluno consegue compreender a aplicabilidade dos cálculos, na minha opinião, tem
implicações tanto do ponto de vista afetivo, quanto do ponto de vista da motivação
Refletindo no discurso de Dalva, se ela compreendesse os porquês,
possivelmente ela se sentiria mais valorizada, os conceitos matemáticos se
169
tornariam mais funcionais e, conseqüentemente, perceberia a escola como um
ambiente mais interessante e prazeroso.
No relato de Dalva: [...]é muito difícil a gente utilizar as regras durante a
nossa atuação de administrar medicamentos” [...]. Ela não reconhece a utilização
dos conceitos matemáticos. Detectei que um problema leva a outro: se Dalva não
tem base, a continuidade está comprometida; a falta de significado acarreta
cálculos mecânicos, e por fim, a aluna não consegue validar a sua resposta.
De acordo com Dalva: [...]. “na prática, não preciso fazer os cálculos,
mostrar esses cálculos. Na escola, sou obrigada mostrar como cheguei no
resultado” [...]. Em certas situações, esses cálculos necessitam ser comunicados.
Por exemplo: se Dalva concluir o curso, será submetida a uma avaliação para
mudança de cargo de auxiliar para técnica de enfermagem. Nessa avaliação, ela
precisará comunicar seu raciocínio matemático por escrito, defendendo sua
postura.
Categoria V – teoria e prática – (Cálculos e prática; tempo; prescrição
médica; complexidade na pediatria; conhecimento na prática; importância da
Matemática e distanciamento da Matemática e dos procedimentos; ação
transformada em operação)
Essa categoria, além de analisar o relato de Dalva, também aborda alguns
procedimentos matemáticos realizados por ela no setor de sedação do hospital
onde trabalha. A partir das falas, elaborei algumas interpretações que julgo
relevantes.
170
Segundo a fala [...] “temos noção das regras básicas, no entanto os
médicos do setor já prescrevem o que eles querem” [...], existem certas situações
que Pozzi esclarece apropriadamente em sua pesquisa sobre alguns
procedimentos que impossibilitam os profissionais de utilizarem recursos para
realizarem os cálculos, como papel, lápis e calculadora. Entretanto em algum
momento, esse cálculo é feito, fornecendo respostas corretas: ou pelo médico, ou
pelo farmacologista, ou pelo enfermeiro, ou implicitamente pelo técnico, sujeito
da minha pesquisa. Na fala de Dalva, ela explicou: [...] “aqui o médico pede 15 mg
de dolantina. Eu sei que se ele pedir 5 mg, tenho que dividir em 3 o frasco de 15
mg [...]” É importante esclarecer que este exemplo é um procedimento realizado
por Dalva na rotina do setor de sedação no hospital, e ao comparar as
considerações de Pozzi e os procedimentos realizados por Dalva, surgiu um
questionamento: se ela realiza os cálculos mentalmente, por que não consegue
explicitá-los?
Ao meu ver, existem dois aspectos a serem analisados. O primeiro é a
distância entre a teoria e a prática. Nem toda situação hospitalar impossibilita o
profissional de utilizar papel e lápis. A esse respeito, quando propus uma situação
diferente daquela a que Dalva está habituada a realizar, ou seja, a dosagem da
droga não lhe era familiar, sua resposta foi incorreta, afirmando que: [...] “Estou
acostumada a trabalhar com medicações que já vêm na dosagem a ser
administrada” [...]. Esta fala, na minha interpretação, parece uma justificativa do
erro matemático. O que Pozzi chama de “truques” durante a prática hospitalar é a
familiaridade com a droga: [...] “na prática nós já temos a noção, não por entender
matematicamente, mas pela prática”.[...]. “Como tenho muita prática, de tanto
fazer, acabo por decorar” [...]. Esta fala evidencia uma ação transformada em
171
operação. Segundo os autores que abordam a Teoria da Atividade, quando uma
ação é realizada repetidas vezes, ela se transforma em operação, mas, em algum
momento a ação foi planejada.
Os procedimentos apresentados por Dalva indicam que nem sempre esses
truques levam a ações que resultam em respostas corretas, principalmente
quando a dosagem da medicação não é familiar. Porém Dalva afirmou que, por
uma questão de tempo, em certos procedimentos como Parada Cardio-
respiratória
14
– (PCR), ela precisa utilizar os truques. Em um outro momento de
sua entrevista, Dalva declarou: [...] No setor de pediatria, a situação é mais
complexa, temos muitas dificuldades. Tudo na pediatria é rediluído, ou seja, é a
rediluição da rediluição” [...] e ainda continua [...] “ainda assim temos o privilégio
de termos médicos por perto “[...]. Verifiquei mais uma vez que os “truques”
podem conduzir ao erro, uma vez que, no setor de pediatria, a rediluição exige
precisão nos cálculos matemáticos, além de outras variáveis, como, por exemplo,
a área corpórea da criança, peso, etc.
Quando Dalva se referiu aos estagiários, afirmou que eles precisam
explicitar o conhecimento matemático na prática, ou seja, eles devem aplicar os
conceitos matemáticos e utilizar as calculadoras. Ela ainda declarou que, por ter
experiência, ela já saberia o que fazer. Percebi, portanto, uma discrepância no
uso de procedimentos em que estão envolvidas a teoria e a prática, ou seja, a
calculadora é utilizada no estágio, mas em sala de aula não. Outrossim, Dalva
relatou que, em cálculos matemáticos, a orientação do professor é a seguinte: [...]
olha, vamos fazer isso, dar uma ajeitadinha que dá certo. Isso é muito ruim”.[...].
14
Parada-cardio-respiratória se refere a nova nomenclatura para o termo de parada cardíaca.
172
Mais uma vez o aluno perde a oportunidade de compreensão de seus
procedimentos.
No discurso de Dalva: [...] A partir desses conhecimentos, se inicia a
disciplina cálculos de medicamento,s direcionando a Matemática para a nossa
área. [...] O que quero dizer é que poderia e deveria ser feito, dentro do curso, ter
aulas de Matemática, não só medicação. O que o professor de enfermagem faz:
ele vai ali, na medicação. O decadron você faz assim, para diluir. Isso aqui você
só pode colocar na bureta etc. Não é aquela coisa... Como é a divisão, como é o
caso da insulina.
Como disse Vasconcelos (2001, p. 105), ao aluno não basta aprender a
comparar informações ou discriminar conteúdos. Ao aluno compete estabelecer
relações que lhe permitam compreender e explicitar, de forma coerente, uma
problemática e reconhecer os caminhos possíveis e pertinentes para sua
resolução.
Como vem sendo idealizado o curso técnico de enfermagem,
especificamente as aulas de administração de medicamentos, é possível afirmar,
baseada nas idéias de Vasconcelos e no discurso de Dalva, que existe um
problema a ser revisto.
Manter um curso específico de Matemática em um curso de formação para
técnicos de enfermagem parece não ser a melhor solução, uma vez que ambos
possuem objetivos diferentes. O que Dalva talvez quisesse comunicar é com
relação à necessidade de o professor não distanciar os aspectos matemáticos
dos procedimentos que envolvem os medicamentos. Essa distância, em minha
opinião, não facilita a compreensão. Dessa forma, o primeiro foco deve estar
173
preferencialmente na negociação de significados, e não na mecânica de
transmissão e aquisição de informação, como sugere Wenger (1998).
Quanto à importância da matemática na administração de medicamentos,
Dalva relatou: [...] “a disciplina é muito importante, se bem que, na prática, a gente
não usa. Espere... Usa sim, se é uma auxiliar nova, que está começando ou um
estagiário. Eles sempre ficam indecisos, com medo de errar e sabem que,
dependendo do erro, não há mais volta. Não tem como corrigir, pois é a vida do
paciente que está em jogo. Nesse momento, eles fazem as contas para checar se
está correta a conduta” [...].
Existe uma contradição no discurso de Dalva. Afirma que a disciplina é
importante, mas na prática não usa. Minha interpretação é que ela usa, mas de
forma inconsciente, não identificando a Matemática nas suas ações.
Dalva pertence a uma Comunidade de Prática, contribuindo para o
desenvolvimento da prática por meio do engajamento direto em sua comunidade.
No entanto os recém-chegados apresentam sentimentos como indecisão e medo.
Sabem que não podem errar e corrigir este erro, como acontece no cenário
escolar, em cujo contexto não está o paciente. Enquanto as enfermeiras
observadas por Pozzi realizavam o “double check” para confirmar a dosagem
correta da medicação, os estagiários citados por Dalva utilizam papel e lápis ou a
calculadora para checar a validade dos resultados.
Nos hospitais da América Latina, a realidade se apresenta diferente do
cenário em que Pozzi realizou sua pesquisa na Inglaterra. Tem-se conhecimento
da superlotação dos hospitais e poucos profissionais para assisti-los. Diante
desse fato, algumas vezes não se tem disponível outra pessoa para realizar o
174
double check”. Sendo assim, parece que esse profissional cada vez mais precisa
ter consciência das suas ações, como elas precisam ser orientadas para
modificarem o objeto, alcançando o resultado satisfatório.
175
Capítulo 6
As situações-problema
Após ter explicitado a fase de coleta de dados e apresentado as suas
respectivas análises, acredito ser necessário retomar o caminho, com seus
respectivos passos, que conduziu à elaboração das quatro situações-problema:
realizei, de início, uma revisão de todo o material obtido: reflexões sobre
revisão bibliográfica, observações em campo (com anotações pessoais
ao longo do estudo), entrevistas e documentos. Um volume significativo
havia sido composto;
a seguir, estudei o material, buscando responder à seguinte questão:
como esse material pode contribuir para a criação de situações-problema
que envolva os conceitos de razão e proporção a partir da investigação
da prática do técnico de enfermagem?
identifiquei, em cada fase das análises, o contexto no qual esta pesquisa
está inserida, os conteúdos matemáticos, os temas que os entrevistados
sugeriram e as idéias associadas a eles, dirigidas pelos referenciais
teóricos adotados e contribuições de outros pesquisadores;
176
os dados que emergiram a partir das concepções do aluno, do
enfermeiro-professor e do profissional, além das minhas reflexões sobre
o tema abordado, foram associados a um processo de análise e reflexão,
tendo como base as teorias escolhidas para dar suporte à pesquisa.
Esses dados, análises e reflexões indicaram e influenciaram a elaboração
das situações-problema.
Sendo assim, esclareço que essas situações não foram obtidas de forma
desconectada de um contexto. Foram essas aproximações, inclusive, que
forneceram condições propícias à elaboração situações-problema.
Dentre várias situações ocorridas, durante a observação em campo,
considerei particularmente as que se caracterizavam como situações
problemáticas, podendo revelar as possíveis dificuldades desses alunos em
relação ao ambiente de trabalho.
Essas situações reais que aconteceram na prática hospitalar podem ser
exploradas em sala de aula, possibilitando melhor compreensão da Matemática
no contexto hospitalar.
Em todas as situações, identifiquei os procedimentos que os alunos podem
utilizar ao se deparar com elas, analisando se elas podem auxiliar na
compreensão da aplicabilidade dos conceitos de Razão e Proporção, uma vez
que essas situações foram presenciadas no contexto hospitalar e são diferentes
dos problemas apresentados nos livros didáticos.
A possibilidade, inicialmente acenada, de aplicar e analisar as quatro
situações cedeu lugar à necessidade de um aprofundamento das entrevistas. As
177
análises feitas sobre esse material mostraram-se extremamente ricas, na medida
em que eram relatadas as relações do enfermeiro-professor, do aluno e do
profissional da enfermagem com os conceitos matemáticos. Segundo minha
hipótese, este aprofundamento possibilitou múltiplos olhares e significados aos
relatos, ampliando, assim, os níveis de reflexão, fazendo emergir aspectos
essenciais quando se relaciona a Matemática às atividades desenvolvidas pelos
profissionais de enfermagem.
Além das razões explicitadas no parágrafo anterior, vale mencionar que a
escolha de aplicar e analisar a primeira situação também foi decorrente da
proposta da disciplina Estudos Complementares do curso do Programa de
Estudos Pós-Graduados em Educação Matemática, da PUC-SP, que consistia na
aplicação e análise de uma situação elaborada para esta pesquisa, que ainda
estava em fase embrionária.
Tendo explicitado esta fase de elaboração das situações, encaminho para a
apresentação da primeira situação com suas respectivas etapas. As outras três
situações constam do anexo como sugestões que podem ser desenvolvidas nos
cursos técnicos de enfermagem ou adaptadas para o ensino fundamental. A
minha expectativa com relação às situações é que elas possam propiciar:
a possibilidade de explorar outras estratégias, além da regra de três,
optando por aquela mais adequada para a solução de uma determinada
situação;
a mobilização dos conhecimentos específicos da enfermagem, bem como
os conhecimentos matemáticos, adaptando-os convenientemente à
resolução de uma situação-problema;
178
a reorganização dos conhecimentos, que agora serão utilizados para a
solução do problema proposto;
uma compreensão mais efetiva dos conceitos de razão e proporção;
uma discussão produtiva do momento em que os conceitos matemáticos
se mesclam com os conceitos específicos da enfermagem;
a reflexão, interpretação e a importância de validar a resposta obtida.
6.1 Primeira situação
Em linhas gerais, a situação consiste em selecionar a quantidade a ser
administrada, a partir de uma razão dada em um determinado volume. Para uma
melhor compreensão, relacionei alguns termos que são empregados na
enfermagem:
PMprescrição médica;
SC – aplicação subcutânea da medicação;
UI/ ml – Unidade Internacional por mililitro;
AD/ml – administração da dosagem em ml;
Biohulin R insulina conhecida pela letra R. Seu efeito se inicia cerca de
30 minutos à 1 hora após a injeção, atingindo seu efeito máximo em 2 a 4
horas e dura cerca de 6 a 8 horas;
Insulina – hormônio produzido pelo pâncreas, e tem como função
primordial a manutenção da glicemia (glicose no sangue) dentro dos
limites da normalidade. Pacientes portadores de diabetes mellitus
controlam a glicemia com a administração de insulina;
179
Administração por via subcutânea – o medicamento é administrado na
camada de gordura e o volume máximo a ser administrado não deve
exceder a 2 ml.
Após os esclarecimentos dos termos utilizados na área de enfermagem,
apresento o enunciado da primeira situação:
Tabela 5
– Refere-se às dosagens de insulina Biohulin R U-100/ml (aplicação
SC).
Nº PM 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
PM/UI 10 40 80 60 50 ? ? 90 ? 35 15 5 25
AD/ML 0,1 0,4 0,8 ? ? 0,3 0,2 ? 0,7 0,35 ? 0,05 0,25
Figura 8 – Frasco contendo insulina regular Biohulin R U-100/ml
1ª etapa: Completar a tabela com os dados omitidos;
2ª etapa: Considerando os dados que você preencheu na tabela, atenda as
prescrições 10, 11, 12 e 13, sabendo que, no hospital, somente estão disponíveis
seringas de 3 ml. O que você faria? Justifique sua resposta para cada item:
a) Utilizaria as regras de arredondamento?
b) Faria a rediluição da insulina?
c) Colocaria a medicação prescrita na seringa de 3 ml e tentaria se aproximar ao
máximo do valor a ser administrado?
180
6.1.1 Considerações acerca das possíveis respostas esperadas
Minha intenção, ao propor a primeira situação, é que os alunos percebam a
presença dos conceitos de Razão e Proporção nas situações específicas da
enfermagem, por meio da observação da tabela, quando calculam a dosagem de
insulina prescrita pelo médico e a quantidade a ser administrada ao paciente.
Na primeira etapa (preenchimento da tabela), espero que o aluno
estabeleça uma relação de proporcionalidade entre a quantidade de mililitros e a
quantidade de insulina, ou seja, para cada mililitro temos 100UI de insulina. O
aluno deverá, então, perceber, nessa proporção, o caminho para a obtenção dos
outros dados não contidos na tabela. Podem ocorrer algumas dificuldades no
desenvolvimento da atividade com relação à divisão com decimais.
É provável que os participantes utilizem a regra de três para resolver a
situação proposta, no entanto minha expectativa é que eles não se limitem só a
essa regra ou somente às operações de multiplicação e divisão, buscando outros
procedimentos, como a observação de um padrão numérico existente entre os
valores da tabela, compreendendo o seu significado. Apresento, a seguir,
algumas das possíveis respostas esperadas.
1ª etapa:
Nº PM 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
PM/UI 10 40 80 60 50 30 20 90 70 35 15 5 25
AD/ml 0,1 0,4 0,8 0,6 0,5 0,3 0,2 0,9 0,7 0,35 0,15 0,05 0,25
181
Tabela 6 – As respostas esperadas
Uma segunda representação dessa tabela seria o emprego da notação
simbólica da Matemática para uma proporcionalidade direta (função linear) entre
os domínios de quantidades PM/UI e AD/ML: f: PM/UI AD/ML, x f(x). a
As alternativas de solução do problema são, em grau, de três tipos, a seguir
detalhados. Sugiro como exemplo a prescrição nº 9 e 10:
PM/UI (o que foi solicitado
pelo médico)
AD/ml (o que será
administrado no paciente)
?
35
0,7
0,35
Tabela 7 – Resolução da prescrição nº 9
a) Estratégia escalar
Nesta estratégia, observa-se que, por exemplo, ao passar de 0,35 AD/ml
para o de 35 AD/ml, a quantidade a ser administrada foi multiplicada pelo fator
100
1
. Dever-se-á, então, igualmente multiplicar por
100
1
αα=α )x(f)x(
o valor solicitado na
prescrição, obtendo-se assim, o valor desejado de 70 ml. Emprega-se aqui a
propriedade de homogeneidade da função linear f .
b) Estratégia da constante de proporcionalidade
Nesta alternativa, verifica-se que o quociente
UI/ml01,0
UI70
ml7,0
= , ou seja:
0,7ml x 0,01ml/UI = 70UI. Nesta estratégia usa-se a propriedade de que existe
uma constante k, tal que a função linear f é dada por f(x) = kx, para todo x. Nota-
182
se que, nesse caso, o fator multiplicativo é uma unidade dimensional (ml/UI),
diferentemente do primeiro, em que o fator é um número real, uma quantidade
adimensional (escalar).
c) Regra de três
O algoritmo da regra de três, um dos mais enfatizados no ensino
fundamental, é um procedimento esquemático, baseado nas propriedades das
proporções:
cbda
d
c
b
a
==
UI ml
x ------------ 35
0,7 ---------- 0,35
.UI70
35,0
35.7,0
x35.7,0x35,0
35,0
35
7,0
x
====
1ª etapa: A análise antecipada dos procedimentos de resolução está
apoiada no referencial teórico proposto por Vergnaud. É possível que sejam
mobilizados diferentes procedimentos, como:
a) os procedimentos que utilizam o coeficiente de proporcionalidade
consideram as relações entre duas grandezas, ou seja, utilizam o coeficiente
constante que permite passar dos números associados a uma grandeza para os
números associados na outra grandeza. São usualmente chamados de
procedimentos do tipo funcional;
183
b) os procedimentos que utilizam as propriedades de linearidade são
evidenciados por meio de relações estabelecidas entre termos da mesma
grandeza, privilegiando relações do tipo multiplicativo. Essas relações são
chamadas de relações escalares;
c) há também a possibilidade, e é a mais esperada, de se trabalhar com os
dados da tabela, como ponto de partida para encontrar os outros valores
ausentes;
d) utilizar a estratégia aditiva, na qual se realizam sucessivas adições aos
dois termos iniciais.
2ª etapa: Com o objetivo de problematizar, apresentei três perguntas
solicitando justificativas de como fariam para resolvê-las. Minha expectativa é que
os alunos respondam às questões da seguinte forma:
a) Utilizaria as regras de arredondamento?
Não
Justificativa: Arredondar esses valores para mais ou para menos significaria
não administrar a quantidade exata para o paciente, o que poderia acarretar em
algum problema mais sério.
b) Faria a rediluição da insulina?
Sim
Justificativa: A partir da informação de que a insulina deve ser administrada
por via subcutânea, faria a rediluição da insulina em 1 ml de água destilada,
efetuando novamente os cálculos.
184
Selecionei a prescrição número 10 para apresentar o processo para
rediluição da insulina. Ao decidir o volume da rediluição, devemos ter muito
cuidado, pois a via é SC (subcutânea).
Vamos aspirar 1 ml da insulina e acrescentar 1 ml de AD (água destilada)
esterilizada:
100 UI-----------------2 ml (1 ml com 100 UI de insulina + 1 ml de AD)
35 UI------------------x ml
100x =
235
100x = 70
x =
100
70
= 0,7
x = 0,7 ml
Resposta: Devemos, em uma seringa de 3 ml, aspirar 1 ml de insulina
regular, acrescentar 1 ml de AD tendo o volume total de 2 ml. Desprezando 1,3 ml
dessa rediluição, restaram 0,7 ml, que é a quantidade a ser administrada.
c) Colocaria a medicação prescrita na seringa de 3 ml e tentaria se
aproximar ao máximo do valor a ser administrado?
Não.
Justificativa: Não é possível administrar exatamente a dosagem solicitada,
mesmo tentando uma aproximação da quantidade desejada manuseando a
seringa.
185
As respostas para os itens a) e c) expressam que a situação não pode ser
resolvida do ponto de vista matemático, mas do ponto de vista da enfermagem.
As respostas matematicamente corretas nem sempre são possíveis de serem
consideradas quando do preparo de medicamentos, tendo a necessidade de outro
procedimento (rediluição), envolvendo novamente os procedimentos matemáticos.
As respostas dos 3 itens aproximam os conceitos matemáticos dos
exercícios de administração de medicamentos, incorporando os dois contextos.
6.2 Sujeitos envolvidos na aplicação da primeira situação
A aplicação ocorreu em dias diferentes, para as duas pessoas. Utilizei o
pseudônimo de Luíza e Cléo para me referir aos participantes dessa pesquisa.
Luíza já exerce a função de técnica de enfermagem em um hospital e Cléo
estudava em uma escola de enfermagem e ambas residem em São Paulo. Cada
uma recebeu uma folha contendo a situação proposta, lápis e borracha. Não
estipulei um tempo pré-determinado para a realização da atividade.
Assim como Luíza, Cleo realizou sua atividade em uma sala localizada na
escola em que freqüenta o curso técnico de enfermagem. Esclareço, ainda, que a
atividade foi aplicada pela pesquisadora.
6.2.1 Análise das respostas de Luíza
Na primeira etapa, Luiza pediu uma seringa ou uma calculadora para
completar a tabela justificando que: “Se eu tiver a seringa de insulina, por meio
dos risquinhos eu consigo chegar ao valor a ser administrado”. É importante
186
ressaltar que, na entrevista concedida pela profissional de enfermagem analisada
no capítulo 5, as unidades de medidas são denominadas de "risquinhos".
Informei à Luíza que, no momento, não poderia atender seu pedido por não
ter disponíveis as seringas e a calculadora. Luíza iniciou sua reflexão, e
apresentou a resolução da atividade apresentada na tabela abaixo:
Tabela 8 – Resolução de Luíza referente à primeira etapa
Prescrição 4 Procedimento
100 UI-------------1 ml
60 UI-------------x ml
x=
100
160
x = 0,6 ml
Luíza identificou que em cada mililitro tem-
se 100UI de insulina, apresentando a
relação existente entre 100 UI e 1 ml,
utilizando uma estratégia funcional,
calculando o valor da incógnita x,
estabelecendo uma equivalência entre duas
razões. O valor 0,6 ml representa o volume
proporcional de solução que deve ser
administrado.
Prescrição 5 Procedimento
100 UI-------------1,0 ml
50 UI------------ 0,5 ml
Logo para 50 UI, vou administrar 0,5 ml.
Utilizou a estratégia escalar, ou seja,
sabendo que em 1 ml tem-se 100 UI, 50 UI
corresponde à metade (de 100 UI), ou seja:
100
2
1
ou 100
.2
÷
Prescrição 6 Procedimento
0,4 ml - 0,1 ml = 0,3 ml
40 - 10 = 30 UI
Relacionou os dados conhecidos da tabela
efetuando uma subtração.
Prescrição 7 Procedimento
0,3 ml - 0,1 ml = 0,2 ml
30 - 10 = 20 UI = 0,2 ml
Relacionou os dados conhecidos da tabela
efetuando uma subtração
Prescrição 8 Procedimento
10 UI-------------0,1 ml
50 UI-------------0,5 ml
90 UI-------------0,9 ml
Para a resolução, Luíza estabeleceu uma
relação entre os termos iniciais. A partir de
então, utilizou a estratégia aditiva,
realizando as adições proporcionalmente.
187
Prescrição 9 Procedimento
Pede-se 90 UI, administro 0,9 ml de
insulina, para 20 UI administro 0,2 ml.
Se 0,9 ml - 02 ml = 0,7 ml então
90 - 20 = 70 UI
Estabeleceu uma relação entre os valores
da tabela utilizando a subtração entre eles,
assim encontrando a quantidade prescrita
pelo médico
.
Prescrição 11 Procedimento
5 UI----------------0,05 ml
10 UI---------------0,1 ml
15UI ---------------0,15 ml
Utilizou o processo aditivo para atender a
prescrição (Dado obtido no momento da
resolução da atividade por meio de
gravação).
Surpreendi-me com o pedido de Luíza: “Se eu tiver a seringa de insulina,
por meio dos risquinhos eu consigo chegar ao valor a ser administrado” É nessa
hora que uma atividade inovadora pode causar desconforto. Percebi que talvez
Luíza não concretizasse a atividade do mesmo modo como realizava na situação
em prática, ou seja, talvez ela não cumprisse o procedimento como em suas
funções no hospital.
Após a aplicação, voltei às idéias anteriores e busquei rever minhas
certezas. Minhas análises se prenderam ao fato de Luiza exercer a função de
técnica de enfermagem há alguns anos, não esperava que ela solicitasse a
seringa ou calculadora. Para nutrir as minhas reflexões, mais uma vez me
reportei às considerações de Wenger ao se referir à prática como fonte de
coerência de uma comunidade, incluindo linguagem, instrumentos, documentos,
símbolos, procedimentos e regras que as próprias práticas tornam explícitas
(WENGER, 1998, p. 47). A necessidade de Luíza manusear a seringa ou a
calculadora está associada a uma ação que ela precisa manifestar por meio de
ferramentas, ou seja, estamos diante de uma prática social explícita definida por
Wenger.
188
Quando a profissional refere-se aos risquinhos para calcular a quantidade
de ml da medicação, pode-se explicar esta fala utilizando um estudo realizado na
Inglaterra (Nunes, Light & Mason, 1993). O professor, ao solicitar que os alunos
medissem linhas de tamanhos diferentes utilizando a régua, provocou conflitos
intelectuais interessantes. Os alunos se referem aos "tracinhos” entre os
centímetros e, nessa hora, o professor pode aproveitar esta tarefa para usar
novos vocabulários, como milímetros. No meu ponto de vista, quando o aluno
refere-se a milímetros como tracinhos, ele está particularizando e não
generalizando um conceito. Brousseau, de uma forma mais esclarecedora, diz
que:
O desejo de inserir o conhecimento em atividades familiares pode
conduzir o professor a substituir a problemática verdadeira e específica
por outra, por exemplo, metafórica ou metonímica, e que não confere um
sentido correto a situação
(1996, p. 43).
Os ensinos dos conceitos matemáticos precisam ter a característica de
promover a discussão sobre os raciocínios e justificativas dos alunos para que
eles possam interagir com, e não somente aceitar os raciocínios já elaborados.
Em verdade, a minha posição é a mesma de Chevallard (1991, apud. Pais,
p. 26). Não se trata de imaginar uma aprendizagem que seja delimitada ao
contexto científico. Acredito que a educação escolar é iniciada pela vivência do
aluno, mas não quer dizer que ela deva ser reduzida ao saber cotidiano. Isso
pode ser encarado como um desafio pedagógico. O inconveniente está na
centralização de um desses extremos. Este imprevisto permitiu inferir que os
processos de aprendizagem não são rigorosamente controláveis e nem todo
comportamento é previsível.
189
Na 1ª etapa da atividade, a regra de três não foi privilegiada nos
procedimentos de Luíza. Ela procurou explorar outras estratégias de resolução.
Assim sendo, parece que a atividade propiciou um contexto favorável para a
exploração de outros caminhos.
Observei que, nas prescrições 5, 6, 7, 8, 9 e 11, Luíza começa a mudar seu
procedimento, optando por outros, confirmando algo que eu já esperava. Ela
mesma percebeu que, para calcular os dados omitidos, poderia utilizar outros
caminhos, além da regra de três. A primeira etapa da atividade possibilitou
recuperar o raciocínio aditivo e o raciocínio multiplicativo.
O raciocínio aditivo refere-se ao campo conceitual das estruturas aditivas e,
segundo Vergnaud, é o conjunto das situações cujo tratamento implica em uma
ou várias adições ou subtrações [...]. De maneira análoga, o campo conceitual
das estruturas multiplicativas é simultaneamente o conjunto das situações cujo
tratamento implica uma ou várias multiplicações ou divisões e o conjunto dos
conceitos e teoremas que permitem analisar estas situações: proporção simples
[...] (VERGNAUD, 1996, p. 168). É possível afirmar que os procedimentos
apresentados por Luíza tenham mais chances de ter significado. Pozzi também
afirma, na sua pesquisa, que estes procedimentos são vistos como uma
abordagem significativa tanto na escola como no local de trabalho.
Utilizar a regra de três facilita os cálculos, mas acredito que seja importante
o aluno encontrar suas próprias soluções, buscando caminhos que o leve à
compreensão dos seus procedimentos, e cabe ao professor viabilizar esta busca.
Na entrevista apresentada no capítulo 5, o enfermeiro-professor revela que seus
alunos precisam utilizar o raciocínio multiplicativo e regra de três para a efetuarem
190
os cálculos com medicamentos. Afirma que cada um aprende Matemática de um
jeito. O que está implícito nesta fala é que cada aluno busca realizar outras
estratégias que tenham significado para ele, e é importante que o professor leve
isso em consideração. A forma com que Luíza desenvolveu a primeira etapa
desta atividade colaborou para que se pudesse refletir sobre as respostas que os
alunos fornecem, que, em uma outra situação, apenas seriam consideradas
erradas ou inúteis.
Apresento agora as respostas de Luíza para a 2ª etapa e as suas
respectivas análises:
a) Não
Justificativa: Embora eu acredite que é uma diferença que não irá prejudicar
o paciente. De vez em quando fazemos um “cambalacho”.
b) Sim
Justificativa: Eu sei que é o correto, mas não lembro como fazer. Os
cálculos são complicados. Além disso, não sei se existe rediluição de insulina.
c) Sim
Justificativa: Eu utilizaria a seringa para me aproximar do valor, embora seja
mais difícil, pois a seringa não é adequada.
Tendo em vista a necessidade de aprofundamento da segunda etapa, que
envolve conceitos matemáticos e questões específicas da enfermagem, propus-
me a utilizar a proposta da Teoria da Atividade, na qual o aprendizado é um
fenômeno fundamentalmente social, portanto não ocorrendo individualmente,
descontextualizado. Busquei apoio também nas considerações de Wenger, já
191
mencionadas nesta pesquisa, revelando que o fazer situado em um contexto
social histórico possui um significado em si.
Pensando em uma frase de Marchesi (2003, p. 118), "Inovar é preciso,
refletir também é preciso", acredito que utilizar o modelo proposto por Engreston
(1987) contribuiu com aspectos inovadores, pois permitiu colocar em foco
questões referentes ao papel desempenhado pelo técnico de enfermagem. Um
outro aspecto inovador, em minha opinião é que essa forma de conduzir a análise
evidenciou com clareza que o trabalho da enfermagem é realizado por uma
equipe, ou seja, utilizando o termo criado por Wenger, uma Comunidade de
Prática. Fazem parte dela o enfermeiro, o médico, com formação universitária, e
os auxiliares e técnicos, com nível fundamental e médio, respectivamente.
De acordo com o que propus na situação-problema, apresento dois modelos
utilizados para analisar as ações de Luíza, sendo que o segundo é composto de
ações mais detalhadas, com os seguintes elementos considerados:
1. Ferramentas de mediação: seringa de 3 ml, algodão e frasco de insulina;
2. Sujeito: a técnica de enfermagem Luíza;
3. Objetivo: controlar o nível de glicose no sangue do paciente;
4. Meta: transformação do processo;
5. Resultado: controle efetivado de glicose no sangue do paciente;
6. Regras: responsável por preparar e ministrar a medicação prescrita pelo
médico;
7. Comunidade: hospitalar, todos os envolvidos no processo de cuidar do
paciente;
192
8. Divisão do trabalho: prescrição do médico solicitando a medicação para o
paciente.
Figura 9 – Ações detalhadas de Luiza, segundo os princípios da Teoria da Atividade
Tabela 9 – Decomposição da atividade em ações
Atividade Ações
Apresentação da prescrição médica.
Preparar e administrar a insulina
O setor de farmacologia encaminha a insulina
para o setor de enfermagem.
Planejamento e análise da prescrição e das
ferramentas disponíveis.
Observação das regras para administrar o
medicamento (insulina).
Desenvolvimento do preparo e aplicação da
insulina
Efetivação do preparo e administração da
insulina no paciente.
193
Tabela 10 Decomposição da atividade em subações
Ação Subações
– Seja calculada a dose correta.
– O medicamento (insulina) seja dado ao
paciente certo.
– Seja usado o medicamento (insulina).
– O medicamento (insulina) seja dado na hora
certa.
– O medicamento seja administrado por via
ou método indicado.
Observar as regras para ministrar o
medicamento (insulina)
– A medicação seja registrada.
Tabela 11 Decomposição das ações de Luíza em subações
Ação Subações
Planejamento e análise da prescrição
e das ferramentas disponíveis
1 – Luiza analisa a prescrição e as
ferramentas disponíveis;
Desenvolve os cálculos matemáticos de
acordo com suas análises:
100UI-----1 ml
35UI---- x ml x= 0,35 ml.
2 – Verifica que a seringa não é apropriada
para a medicação prescrita;
Luíza: Eu utilizaria a seringa para me
aproximar do valor 0,35 ml de insulina,
embora seja mais difícil, pois a seringa não é
adequada.
3) verifica que arredondar não é o
procedimento adequado.
4) rediluir a insulina observando que a via
é SC, logo o volume não poderá ultrapassar a
2 ml;
Luíza: Eu sei que é correto, mas não lembro
como fazer. Os cálculos são complicados.
Além disso, não sei se existe rediluição de
insulina.
5) Tenta efetuar novamente os cálculos:
Luíza: Não sei fazer os cálculos.
194
– seja calculada a dose correta.
Luíza: eu acredito que é uma diferença que
ão irá prejudicar o paciente. De vez em
quando fazemos um "cambalacho"... Luíza:
Eu sei que é correto, mas não lembro como
fazer. Os cálculos são complicados. Além
disso, não sei se existe rediluição de insulina.
n
5) Tenta efetuar novamente os cálculos:
Luiza: Não sei fazer os cálculos.
– O medicamento (insulina) seja dado ao
paciente certo
– Seja usado o medicamento (insulina).
– O medicamento (insulina) seja dado na hora
certa.
– O medicamento seja administrado por via ou
método indicado.
Observar as regras para ministrar o
medicamento (insulina)
Os cinco certos na enfermagem
– A medicação seja registrada.
Nesta 2ª etapa da atividade, constatei algumas variáveis importantes. O
modelo proposto por Engreston da Teoria da Atividade propiciou uma análise
evidenciando quais as implicações decorrentes das respostas de Luíza. Ao
decompor as ações de Luíza em subações tive como objetivo detalhar a análise
evidenciando algumas implicações importantes das respostas de Luíza.
Considerando a ação "observar as regras para ministrar o medicamento", é
evidente que o fracasso pode ocorrer em qualquer subação e não
necessariamente ser um erro nos cálculos matemáticos. Como o foco pesquisa
trata dos conceitos de Razão e Proporção aplicados aos cálculos de
medicamentos, proponho uma reflexão e uma análise sobre a ação de Luíza:
"Planejamento e análise da prescrição e das ferramentas de mediação
disponíveis". Na verdade, sabemos que esse profissional não pode errar. Então a
seguinte pergunta pode ser feita: Quais são as implicações decorrentes do
fracasso das subações realizadas por Luíza?
195
A afirmação de Luíza: "Embora eu acredite que é uma diferença que não irá
prejudicar o paciente. De vez em quando fazemos um cambalacho", foi analisada
da seguinte forma: caso ela optasse em "arredondar para mais", isso implicaria
um aumento da quantidade de insulina a ser administrada e, conseqüentemente,
poderia provocar a hipoglicemia (baixa de glicose no sangue) no paciente. A
hipoglicemia acontece quando a dose de insulina é maior que a necessária. O
resultado obtido por Luíza não foi o controle efetivo da glicemia, ou seja, a
utilização das ferramentas de mediação transformou o processo tendo como
resultado para o paciente: sudorese excessiva, fraqueza, náuseas, perturbações
visuais, tremores, dores de cabeça, podendo evoluir para o coma ou óbito.
Uma outra complicação que Luíza poderia provocar com a subação
"arredondar para menos", diminuindo a quantidade de insulina, provocaria a
hiperglicemia (aumento acentuado dos níveis de glicose no sangue). A
hiperglicemia acontece quando a dose de insulina é menor que a necessária. Esta
ação, em vez de obter o resultado de controle da glicemia no paciente, levaria aos
sintomas como: sede intensa, volume urinário excessivo, perda rápida de peso,
fraqueza, tonturas, taquipnéia (freqüência respiratória aumentada), hiperemia da
face (vermelhidão), queixa de dores abdominais, perda da consciência, também
podendo evoluir para o coma e óbito do paciente.
É preciso esclarecer que, se a análise dessa atividade fosse feita durante o
processo realizado no hospital, com o paciente no contexto é possível que as
respostas de Luiza fossem mascaradas por outros fatores, não evidenciando os
problemas com os cálculos matemáticos.
196
As implicações citadas anteriormente podem ser desencadeadas por outros
fatores quando consideramos o paciente na situação, tais como:
– a hipoglicemia pode ocorrer quando:
houver atraso ou omissão de uma refeição;
o paciente estiver em jejum para cirurgia ou exames;
houver esforço físico antes de uma refeição;
houver episódios de diarréia ou vômitos.
– a hiperglicemia pode ser desencadeada se:
o paciente não aderiu ao tratamento e cometeu abusos alimentares;
houve a presença de stress físico ou emocional, como no caso de
cirurgias, presença de infecções ou traumas.
Os fatores que mencionei não foram considerados devido à situação
proposta se constituir em uma simulação de uma situação real sem o paciente.
Ao analisar a resposta de Luíza para a questão do arredondamento,
afirmando que o faria acreditando que é uma diferença que não prejudica o
paciente, e que de vez em quando faz um "cambalacho", fica evidenciado que os
procedimentos matemáticos utilizados na teoria se chocam com os procedimentos
utilizados na prática. Esta resposta não era esperada.
Voltando às considerações de Vergnaud (1996), o fracasso de uma
subtarefa implica fracasso global da tarefa. Associando as subações da Teoria da
Atividade com as subtarefas mencionadas por Vergnaud é possível afirmar que as
respostas de Luíza para a segunda etapa implicaram um fracasso global da
atividade (preparar e ministrar insulina).
197
Quando Luiza afirma que "rediluir a insulina é correto, mas não lembro
como fazer. Os cálculos são complicados. Além disso, não sei se existe rediluição
de insulina", existem dois aspectos a discutir:
– O primeiro é compreender o que é diluição. Alguns medicamentos são
apresentados em pó. Neste caso, o medicamento, para ser administrado,
precisa ser dissolvido. O solvente mais utilizado para os medicamentos
injetáveis é a água destilada ou soro fisiológico 0,9%, transformando-se,
assim, em uma solução homogênea, constituída por duas partes: o
soluto
15
e o solvente
16
. Um por exemplo é o kefazol.
17
– O segundo é compreender o que é e para que serve a rediluição. Quando
a quantidade de uma medicação prescrita é muito pequena, isso dificulta
a sua administração. Para facilitar e garantir a administração da dose
correta, o processo utilizado é a rediluição. Este processo permite que se
aumente o volume com água destilada, facilitando os cálculos. A
rediluição é feita quando uma solução já vem diluída, como é o caso da
insulina.
No que se refere a esta situação, além da quantidade da dose de insulina
ser pequena, tem-se um outro complicador: a seringa não é adequada para
administração, o que leva inevitavelmente à rediluição da insulina.
Retomando a resposta de Luíza: "rediluir a insulina é correto, mas não
lembro como fazer. Os cálculos são complicados. Além disso, não sei se existe
15
Soluto é a substância a ser dissolvida.
16
Solvente é aquele em que o soluto se dissolve.
17
Antibiótico utilizado no meio hospitalar. Atua contra as bactérias que causam a meningite, mas sua ação é
mais limitada.
198
rediluição de insulina". "Sim. Eu utilizaria a seringa para me aproximar do valor,
embora seja mais difícil, pois a seringa não é adequada".
A resposta para o item b) revela desconhecimento dos procedimentos de
enfermagem, conseqüentemente Luíza não respondeu à questão.
Um dado relevante na atividade de Luíza foi a referência quanto à utilização
da seringa para o preenchimento da tabela, evidenciando a necessidade de
manipulação do material. É nesse momento que uma situação inovadora pode
causar desconforto.
Volto aos estudos teóricos que realizei sobre a Teoria da Atividade, quando
os autores se referem ao quinto princípio: o da mediação. Esses autores afirmam
que as ações são mediadas por um número de ferramentas, tanto externas
quanto internas. Luíza, ao solicitar a seringa, que é uma ferramenta externa, leva-
me a retomar a mesma questão citada em alguns trechos desta pesquisa: quando
se dicotomiza, a tendência é conceber a teoria como um princípio da formação
para ser aplicada na prática.
Esse fato evidenciou a necessidade de redirecionar o olhar pedagógico
centrado nas questões como os alunos aprendem e como se deve ensinar.
Na elaboração de situações, é importante ter consciência da relevância
pedagógica delas para exploração dos conceitos. Mas é fundamental contar com
surpresas que se apresentam no trajeto. Não era esperado que Luíza fosse pedir
a seringa para calcular a dosagem de insulina.
A partir dos dados fornecidos por Luíza, minhas reflexões foram
direcionadas para a seguinte questão: quando se separa o inseparável, acontece
199
o desconforto que citei anteriormente. Essas constatações foram fundamentais
para que as três situações-problema fossem replanejadas, evidenciando a
importância da constante reflexão do professor sobre o que se espera e o que
pode acontecer.
Diante desse quadro, usei de cautela na elaboração das três situações-
problema que estão em anexo, escolhendo algumas ferramentas externas de
mediação que pudessem auxiliar na resolução. Sendo assim, pensei em seringas,
embalagens de solução fisiológica, caixas e bulas de remédios em gotas e em
comprimidos com a intenção de conduzir o processo de forma diferente.
6.2.2 Análise das respostas de Cléo
Tabela 12 Resolução de Cléo Para atender às prescrições médicas da 1ª etapa:
Prescrição número 4 Procedimento
10-------------0, 1 ml
20-------------0, 2 ml
30-------------0, 3 ml
30 + 30 = 60 UI, então, 03 + 0,3 = 0,6 ml.
Utilizou as estratégias aditivas, realizando
sucessivas adições. concluindo que o volume a
ser administrado é 0,6 ml (Dado obtido no
momento da resolução da atividade por meio de
gravação).
Prescrição número 5 Procedimento
Para 20 UI, administro 0,2 ml
Para 30 UI, administro 0,3 ml, então para 50 UI
vou administrar 0,5 ml.
Utilizou o procedimento aditivo. Desta maneira,
são necessários 0,5 ml de insulina para atender à
prescrição.
200
Prescrição número 6 Procedimento
40 UI-----------0,4 ml
30 UI------------0,3 ml
20 UI------------0,2 ml
10 UI-----------0,1 ml
0,4 ml - 0,1 ml = 0,3 ml, então devo administrar 30
UI.
Procurou o valor referente a 10 UI da quantidade
que se tem. Seu procedimento foi o do valor
unitário.
Prescrição número 7 Procedimento
10 UI------------0,1 ml
20 UI------------0,2 ml, logo, para 0,2 ml de insulina
o médico prescreveu 20 UI.
A resolução do problema se fez presente quando
Cléo utilizou o procedimento aditivo, identificando
qual era a prescrição médica.
Prescrição número 8 Procedimento
10 UI-------------0,1 ml
50 UI-------------0,5 ml
90 UI-------------0,9 ml
90 UI = 80 UI + 10 UI
0,8 ml + 0,1 ml = 0,9 ml
Estabeleceu uma relação entre 10 UI e 0,1 ml. A
partir de então, as adições foram feitas
proporcionalmente.
Prescrição número 9 Procedimento
0,8 ml - 0,1 ml = 0,7 ml
80 UI - 10 UI = 70 UI
Utilizou os dados anteriores, relacionando-os por
meio da subtração.
Prescrição número 11 Procedimento
10 UI----------------0,1 ml
5 UI---------------0,05 ml
10 UI + 5 UI = 15 UI
0,1 ml = 0,05 ml = 0,15 ml
Utilizou a estratégia escalar, ou seja, sabendo
que em 10 UI tem-se 0,1 ml, 0,05 ml corresponde
à metade (de 1 ml), ou seja:
1,0
2
1
ml = 0,05 ml.
Respostas de Cléo para a 2ª etapa da atividade:
a) Não
Justificativa: a dosagem não seria exata.
201
b) Sim
Justificativa: garante a administração exata da medicação.
c) Não
Justificativa: é impossível chegar à dosagem correta, pois a graduação da
seringa não é adequada para administrar essa quantidade de insulina.
Ao analisar as respostas e atitudes de Cléo, foi possível afirmar que, para
ela, a atividade causou certa insegurança. A cada valor encontrado, teve a
necessidade de saber se a resposta estava correta, se os cálculos que havia feito
eram coerentes.
De modo geral, os procedimentos aditivos foram os mais utilizados por
Cléo, não utilizando a regra de três como a única maneira de resolução.
Para responder à segunda etapa, Cléo pede para ver as seringas,
justificando ter dificuldades em compreender a razão para rediluir a insulina. Não
teve contato com as seringas e, conseqüentemente, não entendeu direito as
subdivisões de cada uma delas. No dia em que Cléo realizou a atividade, diante
dos fatos que vivenciei com Luíza, estava de posse de algumas seringas e
calculadora. Optei por esclarecer alguns aspectos sobre as unidades de medida
das seringas, utilizando água simulando insulina, pois percebi que a intervenção
era necessária, sem a qual Cléo não responderia às questões.
Segundo Giovani (p.112), para administrar corretamente os medicamentos,
é preciso saber manusear muito bem as seringas (saber a capacidade e sua
graduação).
202
Para esclarecer as dúvidas de Cléo sobre a capacidade e a graduação das
seringas, utilizei cinco seringas com diferentes capacidades e graduações, como
mostram as figuras a seguir:
Fig. 1 Fig. 2
Fig. 3
Fig. 4
Fig. 5
Fig.1. O volume desta seringa é de 5 ml. Ela tem 25 subdivisões. Isto significa
que 5 ml
foram divididos em 25 partes iguais, ou seja, 5 25 = 0,2 ml. Cada espaço entre
as subdivisões corresponde a 0,2 ml.
÷
Fig. 2. O volume desta seringa é de 20 ml. Ela tem 20 subdivisões. Isto significa
que 20 ml foram divididos em 20 partes iguais, ou seja, 20 20 = 1 ml. Cada
espaço entre as subdivisões corresponde a 1 ml.
÷
Fig. 3. Esta seringa é muito utilizada para administrar insulina. O volume desta
seringa é de 1 ml. Ela tem 50 subdivisões. Isto significa que 1 ml foi dividido em
50 partes iguais, ou seja, 1 ÷ 50 = 0,02 ml. Isto significa que esta seringa tem uma
escala centesimal, ou seja, a sua graduação chega à casa dos centésimos.
203
Fig. 4. O volume desta seringa é de 3 ml. Ela tem 30 subdivisões. Isto significa
que 3 ml foram divididos em 30 partes iguais, ou seja, 3 30 = 0,1 ml. Cada
espaço entre as subdivisões corresponde a 0,1 ml.
÷
Fig. 5. O volume desta seringa é de 10 ml. Ela tem 50 subdivisões. Isto significa
que 10 ml foram divididos em 50 partes iguais, ou seja: 10 2 = 0,2 ml, portanto
cada subdivisão equivale a 0,2 ml. Podemos concluir que a seringa de 10 ml não
é dividida em números inteiros, e sim em números decimais.
÷
Com relação à rediluição, esclareci que uma medicação administrada por
via subcutânea não pode ultrapassar a 2 ml e, nesse caso, utilizaremos 1 ml para
a rediluição da insulina.
Diante da afirmativa no item b), solicitamos que Cléo voltasse à prescrição
de nº 13 e fizesse os cálculos para a rediluição da insulina:
100 UI------------- 2 ml
50 UI--------------1 ml
25 UI--------------0,5 ml
“Na seringa tenho 2 ml, teria que ser administrado 0,5 ml e desprezados 1,5 ml
para atender a prescrição que pede 0,25 ml, acho que é isso”.
No caso de Cléo, os itens a), b) e c) da 2ª etapa só foram respondidos após
o contato com as seringas, entendendo as subdivisões de cada uma e simulando
a administração de medicamentos.
204
6.3 Síntese: aspectos importantes relacionados aos instrumentos
Com base nas categorias localizadas nas três entrevistas, vou tecer alguns
comentários de ordem geral sobre os dados obtidos, procurando convergências.
Interpretei certas relações que os sujeitos estabeleceram com o conhecimento
matemático, especificamente os conceitos de Razão e Proporção aplicados na
administração de medicamentos, segundo os princípios de Szymanski. Da mesma
forma, apresento uma síntese sobre os aspectos mais importantes referente à
aplicação da primeira atividade e finalizo associando as convergências entre as
entrevistas e os resultados da atividade aplicada.
No capítulo 5, apresentei a análise de três entrevistas em que os
entrevistados relatam aspectos da Matemática relacionados à administração de
medicamentos. A partir daí, iniciei uma discussão acerca das interpretações,
buscando pontos convergentes e divergentes.
As categorias criadas nas três entrevistas permitiram construir uma certa
imagem da Matemática relacionada à administração de medicamentos, que,
apesar de composta a partir dos vários fragmentos de falas, representam os
pensamentos, as concepções e os sentimentos dos entrevistados. Neste
momento, abordo alguns aspectos importantes dessas entrevistas.
O enfermeiro-professor, sujeito desta pesquisa, tem disponibilidade para
tirar as dúvidas dos alunos mesmo fora do horário das aulas, tem consciência que
os discentes necessitam de conhecimentos prévios como as quatro operações
para acompanhar o curso técnico de enfermagem, considera os diferentes
procedimentos matemáticos apresentados por seus alunos e propõe uma revisão
205
dos conceitos matemáticos; no entanto, para a aluna e para a profissional, os
professores dos ensinos fundamental e técnico de enfermagem não demonstram
a mesma preocupação e disponibilidade para sanar dúvidas e não se
comprometem com uma revisão de conteúdo que possa focar as aprendizagens
futuras. A profissional mencionou que a falta de devolução das atividades
propostas pelo professor se caracteriza como um obstáculo, impedindo que ela
verifique seus erros e os compreenda.
Um aspecto importante é a referência do enfermeiro-professor ao tratar os
conceitos de Razão e Proporção como a própria regra de três. Essa é uma visão
limitada, pois esses conceitos vão além da aplicação do algoritmo. Embora
comprometido com o ensino e a aprendizagem, precisa refletir sobre o tratamento
dado ao raciocínio proporcional. Os entrevistados convergem para idéia de que os
cálculos matemáticos são realizados de forma mecânica. Os alunos não
conseguem validar suas respostas e, segundo a profissional, o médico acaba
garantindo que seja administrada a dosagem correta ao paciente. Talvez, como o
livro didático muitas vezes se torna o único recurso do professor, o docente teria
que encontrar outros recursos para que seus alunos não se chocassem ao
realizarem esses cálculos durante a prática. Os sujeitos das entrevistas indicaram
que é uma situação que necessita de intervenção que envolva professores e
alunos, mas depende também do sistema escolar no qual eles estão inseridos. Os
sentimentos: insegurança, medo, receio e desconforto são semelhantes nas falas
dos entrevistados e revelaram que eles são provocados pela falta de
compreensão dos conteúdos matemáticos que estão envolvidos nos cálculos de
medicamentos. Ficou claro que os fatores afetivos também desempenham um
papel importante no desenvolvimento da compreensão e devem ser
206
considerados. Dentre vários conceitos matemáticos, os sujeitos citam os
conceitos de Razão e Proporção. O enfermeiro-professor os identifica como
essenciais para efetuar os cálculos com medicação, entretanto a aluna e a
profissional não reconhecem situações em que eles são utilizados, tanto na
administração de medicamentos quanto no ensino fundamental. O enfermeiro-
professor utiliza esses sentimentos para alertar os alunos sobre a
responsabilidade de seus atos, afirmando que os números envolvidos nos
cálculos de medicamentos não são um número a mais, e justifica que disso
depende a melhora ou a piora do paciente.
O enfermeiro-professor e a profissional fazem menção à utilização das
calculadoras e afirmam que nas aulas elas não são utilizadas, mas, no estágio, é
um recurso para facilitar os cálculos, existindo uma contradição entre o que é
proposto para o aluno em sala de aula e o que é realizado na prática. Este tipo de
conduta também é verificada no ensino fundamental. Existe o receio de que o
aluno não saiba realizar operações e deixe tudo por conta da calculadora. Mas
um fato interessante é que, mesmo os alunos não usando calculadora, não
conseguiram aprender as quatro operações, segundo o que revela o enfermeiro-
professor ao iniciar a revisão pelas quatro operações. O ensino fundamental é
qualificado pelo enfermeiro-professor como de baixa qualidade; para a
profissional, é decadente e fraco, sendo responsável pelas dificuldades. Isso
justificaria a necessidade de o professor fazer a revisão dos conceitos
anteriormente trabalhados no ensino fundamental. Para a aluna, o professor não
criou condições para que ela aprendesse os conceitos matemáticos, dificultando
seu desempenho nas aulas de administração de medicamentos. Para os
entrevistados, o ensino fundamental se mostra problemático e todos deixaram
207
claro que a proposta, nesta fase de ensino, não atinge o propósito de preparar os
alunos para a continuidade de seus estudos, ou seja, não cumpre seu papel.
Revelam saber que os conceitos de Razão e Proporção são conceitos
importantes para preparar a medicação a ser administrada ao paciente
corretamente, no entanto a aluna e a profissional afirmaram que não sabem
realizar os cálculos matemáticos, não têm conhecimento de onde aplicar esses
conceitos. As justificativas recaem mais uma vez no ensino fundamental.
Quando a profissional e a aluna dizem que o professor do ensino
fundamental só ensina a fazer contas, claramente se confirma o que Vergnaud
destaca em sua Teoria dos campos Conceituais: “O que os professores, pais e
colegas podem fazer para auxiliar os alunos?” [...] “Quais tipos de situações que
se encontram fora da escola e que deveriam ser introduzidas em sala de aula
para fazer que os conceitos matemáticos se tornem mais significativos?” [...].
Certamente não é somente fazer contas. Neste aspecto, a figura do professor
aparece com uma parcela de responsabilidade. Se ele não está disponível para
ajudar seus alunos, como a Matemática pode assumir seu verdadeiro papel? Se a
aluna e a profissional não compreendem os conceitos matemáticos é porque falta
significado. Na minha perspectiva, ninguém gosta de realizar a mais simples
tarefa se não sabe os significados de suas ações. A dicotomia entre teoria e
prática é criticada pela aluna e pela profissional e assumida pelo enfermeiro-
professor, quando diz que os alunos só conseguirão enxergar a importância dos
cálculos na prática. Os entrevistados depositam uma importância para a
Matemática e aos conceitos de Razão e Proporção, relacionando-os com a
administração de medicamentos. Entretanto a aluna e a profissional, talvez por
reconhecer essa importância, e que, implícito, está a vida do paciente, sentem-se
208
incapazes, acarretando as desistências. A profissional procura um curso paralelo
com o objetivo de eliminar suas dúvidas, e a aluna volta para o ensino médio na
tentativa de aprender aquilo que até agora não conseguiu, e a desistência acaba
por descaracterizar o papel formador da Matemática. E o conjunto desses fatos
identificados pelos entrevistados, relacionados a um ensino fundamental
problemático, repercutem diretamente no curso técnico de enfermagem.
Um outro aspecto que merece ser destacado é o fato de que a profissional
revelou não utilizar os conceitos matemáticos na prática, entre eles, os conceitos
de Razão e Proporção. Ela não reconhece situações da enfermagem em que
esses conceitos sejam utilizados e, em conseqüência, não consegue comunicar
seus resultados no papel e lápis, muito menos validá-los. Nesse momento, parti
para uma síntese dos principais aspectos referentes à aplicação da primeira
situação, procurando evidenciar pontos críticos que revelem a existência de
conflitos. Para iniciar, utilizei o exemplo e as reflexões feitas por Cury, et al.,
(2001, p. 37), ao abordar alguns aspectos sociais da Educação Matemática. O
exemplo fornecido por Cury foi o seguinte: quando o aluno comete um erro de
cálculo elementar e o professor de Matemática "desconta pontos", em geral é
questionado pelo estudante, que não se conforma: "Mas é só o sinal trocado"! Ao
justificar-se, o professor recorre a imagens de desastres: "Se você vai calcular a
estrutura de um viaduto, um erro desses pode significar uma tragédia”.
A autora argumenta que a diferença entre o fato – erro do cálculo em
operação elementar – e as conseqüências – perdas irreparáveis – é
consideravelmente grande, a tal ponto que o estudante não se sensibiliza e a
mensagem se perde.
209
A atividade que Luíza e Cléo desenvolveram permitiu diminuir a diferença
que Cury citou, aproximando o fato e as conseqüências. Partindo da discussão
sobre os fatos – erros na utilização dos conceitos matemáticos – e as
conseqüências – óbito do paciente ou o coma – foi possível mostrar que por mais
elementar que, sejam os erros, as conseqüências podem ser irreversíveis.
Concordando com a afirmação de Vergnaud de que os conceitos
matemáticos traçam seus sentidos a partir de uma variedade de situações, e cada
situação normalmente não pode ser analisada com ajuda de apenas um conceito,
esta atividade pode propiciar a reflexão do professor de qualquer nível de ensino,
que a mera repetição de tarefas não conduzirá os alunos à resolução de
situações mais apuradas.
“Elaborar uma aula diferente não é apenas mudar as carteiras de lugar”
(D'Ambrósio 1998, p. 105). Entendo que é possível também mudar a forma de
abordagem dos assuntos na administração de medicamentos relacionados com
os conceitos matemáticos.
210
Considerações Finais
A dissertação elaborada, composta por seis capítulos, propiciou ao leitor
uma visão geral acerca dos problemas relacionados aos conceitos matemáticos
Razão e Proporção aplicados em um contexto específico, como é o caso da
administração de medicamentos na área de enfermagem, apresentados por
diversos autores e pelos sujeitos envolvidos na investigação e das discussões
que permeiam a utilização desses conceitos.
A relevância deste estudo centra-se nas questões concernentes à
possibilidade de se aprofundar as discussões e reflexões sobre a utilização de
situações-problema criadas a partir da observação da prática do profissional de
enfermagem, que podem ser utilizadas na formação dos alunos do curso técnico,
bem como na possibilidade de estendê-la ao ensino fundamental, contribuindo
para que a Matemática praticada na escola estimule a investigação, a reflexão e a
formação crítica, tornando a aprendizagem desta disciplina mais significativa.
Após situar a investigação e ter justificado a sua relevância e o contexto de
desenvolvimento do trabalho, apresentei, no capítulo 1, alguns aspectos da minha
trajetória profissional na área da saúde. Foi essa trajetória que me instigou, como
211
pesquisadora, a construir certas indagações, constituindo-se em questões
norteadoras do trabalho.
No capítulo 2, apresentei a revisão bibliográfica, e essas pesquisas têm
apontado que as dificuldades em utilizar os conceitos de Razão e Proporção,
tanto no ensino fundamental quanto no curso técnico de enfermagem, são
decorrentes da falta de contextualização da Matemática como situações que
realmente se caracterizem como problemas a serem resolvidos.
Ao estabelecer a articulação entre as pesquisas estudadas, encontrei
evidências relacionadas a uma experiência escolar problemática no ensino
fundamental. Os autores convergem para a idéia de que existe a necessidade de
uma reflexão sobre o que se pretende nesta fase de escolaridade.
É preciso criar condições a fim de preparar o aluno para enfrentar as
exigências da vida social, como a profissão, o exercício da cidadania e a
produção de novos conhecimentos, de acordo com o interesse da comunidade.
No capítulo 3, apresentei os aportes teóricos que sustentaram as análises
dos dados. Nesta fase de estudo, ficou evidente que era preciso utilizar
referenciais teóricos que fornecessem alicerces sólidos para uma investigação
com interseção em duas áreas: Educação e Enfermagem.
As abordagens teóricas apresentadas nesta pesquisa compartilham das
mesmas preocupações e enfoques ao tratarem os sujeitos em situação, os
processos a partir de seus contextos e de suas reflexões, relacionando-os
estreitamente com o propósito desse estudo, que também vislumbrou caminhos
para superar o distanciamento entre os alunos do curso técnico de enfermagem e
212
as situações encontradas na prática hospitalar, colocando o aluno em atividade
na construção, na crítica e na utilização dos próprios conhecimentos, situando-os
no desenvolvimento e na atuação social.
Para responder às questões, optei por combinar três técnicas qualitativas de
coletas de dados (observação participante, análise documental e entrevistas não-
diretivas), com vistas a avaliar e interpretar os dados coletados, conferindo-lhes
maior confiabilidade. Com base nos dados apresentados nos capítulos 4, 5 e 6 –
cujos títulos são: procedimentos metodológicos, as entrevistas e situações-
problema, respectivamente –, apresento as respostas para as questões a que me
propus responder ao final dessa investigação. Inicio com os problemas
identificados e, em seguida, com algumas sugestões para futuras pesquisas.
De acordo com as análises, com dados disponíveis, foi possível detectar
alguns problemas relacionados à Matemática, como uma disciplina a serviço da
administração de medicamentos. Parece que esses problemas são reforçados
devido à:
forma com que é conduzida a revisão de conteúdo;
falta de contextualização da matemática em situações que possibilitem a
compreensão de significados dos conceitos matemáticos para os alunos;
proporcionalidade ser tratada como se fosse a própria regra de três;
pretensão dos currículos em ensinar tudo nos poucos anos que se
freqüenta a escola, como se a expectativa não fosse de uma educação
permanente;
crença de que todos os alunos são conduzidos a um domínio suficiente
dos conceitos matemáticos;
213
teoria não fornecer acesso à prática e o contrário também não acontecer;
falta de acesso às ferramentas internas e externas propostas pela teoria
da atividade que inviabilizam a realização da atividade;
não utilização de materiais como: seringas, bulas, caixa de remédios que
auxiliam na compreensão da aplicabilidade dos conceitos de razão e
proporção.
Dos dados das entrevistas, da aplicação da atividade, destacaram-se
alguns fatores. Ao realizar a articulação dos resultados obtidos, dos dados aluno –
enfermeiro-professor – profissional – aplicação da atividade, foi-me possível
responder às questões norteadoras desta pesquisa:
– Se os alunos chegam num curso técnico de Enfermagem, e apresentam
inúmeras dificuldades ao lidar com os conhecimentos matemáticos, seria
“suficiente” rever esses conhecimentos que serão utilizados na
administração de medicamento?
– Existe distanciamento entre a prática hospitalar e o que se faz durante as
aulas que envolvem cálculos de medicação?
– O raciocínio sobre os conteúdos desenvolvidos no ensino fundamental e
no médio é o mesmo utilizado no curso de técnico de Enfermagem. Por
que os alunos não conseguem transpor os conhecimentos já elaborados
para as situações que envolvem o cálculo de medicamentos?
– Será que todos esses problemas derivam da forma com que se ensina
Matemática, em particular Razão e Proporção no ensino fundamental e no
médio?
214
– Será que por parte dos alunos, os conceitos de Razão e Proporção não
foram aprendidos no ensino fundamental permanecendo a mesma
situação no curso técnico de enfermagem?
–Se o que acontece na prática é diferente do que o professor ensina
durante as aulas de administração de medicamentos no curso de
enfermagem, é possível criar e elaborar algumas situações-problema
visando aproximar o contexto escolar do contexto hospitalar?
Quando um professor de matemática ou um enfermeiro-professor assume
uma turma de alunos, o primeiro passo é conhecer as informações que os alunos
já possuem. Por exemplo, se o professor detecta que os alunos não dominam
operações com decimais, é feita uma revisão sobre o assunto. A cada ano,
considerando a mesma turma, o professor sente a necessidade de revisar o
mesmo assunto, pois nota que as dificuldades ainda são persistentes. A prática
mais comum é revisar os conceitos matemáticos. Parece necessário, mas a forma
como esta revisão é realizada não surte os efeitos desejáveis.
Os resultados das entrevistas e da aplicação da situação-problema mostram
claramente que os sujeitos desta pesquisa, o aluno e o profissional, não
aprenderam durante o ensino fundamental, e o professor tem plena consciência
dessa situação.
Ficou evidenciada, na pesquisa de Barreto e Silva a necessidade de revisar
os conceitos matemáticos. Dessa maneira, elaborei um quadro comparativo
demonstrando que as dificuldades dos alunos do ensino fundamental são
semelhantes às dificuldades dos alunos do curso técnico de enfermagem,
215
endossando mais ainda o fato de que a revisão desses conceitos deve ter uma
abordagem com foco nas aprendizagens futuras.
O que argumento, a respeito da revisão de conteúdos, não é o caminho
escolhido, mas como o professor deve conduzir seus alunos por ele. Para trilhar o
caminho do estudo da Matemática, é preciso escolher a entrada e o momento
certo.
Após as análises, concluí que repetir as mesmas experiências que os
alunos vivenciaram na escolarização anterior ao curso técnico de enfermagem
não oferece resposta positiva. A esse respeito, Vergnaud (1990), Post (1995) e
outros pesquisadores citados nesta pesquisa defendem que os conceitos
matemáticos devem estar repletos de significação, precisam ter sentido para o
aluno.
Se o caminho escolhido for a revisão de conteúdo, essa opção mesmo
precisa estar comprometida com a reflexão, a compreensão, a atribuição de um
significado aos conceitos matemáticos, permitindo aos alunos que resolvam os
problemas com o controle suficiente para determinar sua validade. Caso contrário,
a revisão não surtirá o efeito esperado, ou seja, ela precisa estar focada em
aprendizagens futuras.
Após ter revisado determinado assunto, freqüentemente verifica-se que o
resultado obtido junto aos alunos é diferente daquele que esperávamos com a
revisão. A esse respeito, Barreto (2001) afirma que, ao se deparar com erros, o
que em geral acontece, o professor eleva a quantidade de exercícios, para que,
por meio da repetição, o aluno chegue à aplicação correta da técnica.
216
Por outro lado, se a revisão de conteúdos é necessária, é porque algo não
ocorreu como deveria e precisa ser realizada com uma abordagem diferente
daquela utilizada no ensino fundamental. Conceber a revisão como uma prática
para memorização de técnicas faz com que o aluno do curso técnico
enfermagem, mais uma vez, perca a chance de ter acesso ao significado dos
conceitos matemáticos, assim como outrora já havia perdido no ensino
fundamental.
Um outro fator a ser considerado é sobre as dificuldades de os alunos
operarem com números decimais. Utilizo as considerações de Saiz (2001, p.183),
para afirmar que não se pode deixar de lado as dificuldades com um simples
"Você deve exercitar mais as divisões" ou "prestar mais atenção...” Estes erros se
constituem em obstáculos que impedem a aprendizagem, obstáculos que não são
superados somente com maior atenção ou com uma revisão de uma série de
exercícios. Esta prática foi encontrada no discurso da aluna, quando se referiu ao
professor, que, embora bem intencionado, seguiu a mesma abordagem dos
conceitos matemáticos, mesmo sabendo que existem profissionais despreparados
exercendo a profissão.
Embora tendo concordado com a atitude do professor, fiz uma objeção e,
para justificá-la, sirvo-me de alguns resultados de Saiz (2001). Em seu artigo
"Dividir com dificuldade ou dificuldade em dividir", ela apresenta os resultados
tanto sobre a resolução de problemas como sobre a execução de algoritmo,
mostrando as dificuldades que os alunos de 5ª e 6ª série ainda enfrentam. Para
ela:
217
O ensino de conhecimentos tais como algoritmos, propriedades ou
definições são facilmente organizáveis em sala de aula [...]. Avaliar esses
conhecimentos é mais simples ainda, basta formular várias contas e
verificar seus resultados. [...]. No entanto, ao falar de reconhecimentos de
situações de divisão, de significados de conceitos, se entra em um terreno
ambíguo e difícil de identificar
(SAIZ, 2001, p.162).
O aluno vem sendo preparado durante sua trajetória escolar para escutar e
aceitar o procedimento que o professor ensinou. Algumas vezes, esses alunos
apresentam procedimentos interessantes, que levam à resolução correta de uma
determinada situação, porém ela é pouco valorizada pelo professor.
Tanto o professor do ensino técnico quanto o professor do ensino
fundamental precisam renovar suas ações à luz das suas próprias reflexões e ter
consciência da responsabilidade que lhes é conferida de formar, de preparar
alunos capazes de desenvolver o exercício da profissão na área técnica de
enfermagem, ou qualquer outra área, e de despertar o interesse dos alunos a
continuarem a aprender, durante e depois da escolaridade.
Os alunos são capazes de aprender. É preciso refletir sobre o que se pode
oferecer-lhes para que desenvolvam suas potencialidades em um ambiente rico e
estimulante. Como afirma Wenger (1998), o aprendizado, além de ser uma
questão de engajamento, está relacionado com as oportunidades oferecidas para
o aprendiz.
Quando se discute a contextualização da Matemática e situações que
produzam significados de conteúdos matemáticos para os alunos, os problemas
surgem e não são poucos. Talvez devido à resistência a mudanças, posturas
pedagógicas diferentes que são reforçadas pela dicotomia entre o conforto e o
risco. Trilhar um caminho composto por situações-problema como propõe
218
Vergnaud (1990), não é tarefa fácil, mas requer tanto do professor quanto do
aluno esforço, e essa interação não acontece espontaneamente.
Os dados revelam que a tendência é optar por uma situação de conforto,
uma vez que, propor situações contextualizadas para que os alunos se apropriem
dos conceitos matemáticos, requer exposição e disposição do professor e exige
seu preparo para responder às perguntas que não estão previstas, ajudando os
alunos no enfrentamento desses desafios.
Os professores, em geral, organizam suas aulas com base nas propostas
dos livros didáticos de enfermagem. As análises, realizadas a partir desses livros,
mostraram que os conceitos matemáticos são tratados separadamente dos
procedimentos associados às medicações, resultando em inúmeras dificuldades
e, como já foi mencionado antes, esses profissionais não podem errar.
Gostaria que esse trabalho permitisse que os enfermeiros-professores
repensassem sobre o ensino de administração de medicamentos no sentido de
prestar mais atenção ao discurso dos alunos e dos profissionais que freqüentam o
curso. Eles indicaram vários caminhos revelando a existência da dicotomia entre
os conceitos matemáticos e os procedimentos da enfermagem. Os dados das
entrevistas revelaram que os exercícios caracterizados por passos a serem
seguidos têm-se mostrado pouco útil.
As análises das entrevistas e os dados obtidos, principalmente os obtidos
com a aplicação, revelaram que não só a aluna está sujeita a cometer erros, mas
a profissional também; e esta com uma agravante: o paciente está inserido no
contexto. Os resultados indicaram que os conhecimentos sobre os conceitos
matemáticos Razão e Proporção, trabalhados no ensino fundamental e médio,
219
apresentam lacunas, acarretando mais dificuldade ao lidarem com esses
conceitos nas questões relacionadas às dosagens de medicamentos.
Os entrevistados sentem-se insatisfeitos com a maneira como os conceitos
matemáticos são trabalhados, e esses problemas não deixam de refletir nos
professores que ministram a disciplina que, não raramente, ficam presos aos
livros didáticos e não conseguem fazer com que os alunos se sintam estimulados
em sala de aula.
Tratar a proporcionalidade como se fosse a regra de três reflete o aspecto
da abordagem cognitiva de Vergnaud, cuja contribuição com os processos
educacionais revela que é possível, a partir de uma situação, explorar outras
estratégias de resolução de maneira a tornar os processos compreensíveis para
os alunos. Ampliar as possibilidades de resolução permite que o professor
conheça as concepções
18
e as competências
19
dos alunos e identifique quais são
as dificuldades enfrentadas pelos alunos e os meios para auxiliá-los na
superação.
Acredito que, para superar as dificuldades, é preciso confrontar os alunos
com classes de situações primorosamente defendidas por Vergnaud, em que o
sujeito não dispõe de todas as competências necessárias, o que obriga a um
tempo de reflexão e exploração, a hesitações, a tentativas frustradas, levando-o
eventualmente ao sucesso ou ao fracasso.
18
As concepções dos alunos podem ser traçadas por suas expressões verbais ou outras representações
simbólicas, por exemplo, gestos ou a escrita. (VERGNAUD, 1996).
19
A competência é traçada pela ação do aluno diante das situações, por exemplo, resolução de problemas
(VERGNAUD, 1996).
220
Os currículos escolares estão organizados de forma a garantir que todos
tenham acesso ao conteúdo matemático no decorrer do ensino fundamental e
médio. Ter acesso não significa que todos aprenderam. Retomo as colocações
de Post (1995), o qual afirma que alguns alunos desenvolvem problemas para
determinar o valor da quarta proporcional, mas não têm o mesmo rendimento
quando trabalham com situações que envolvem comparações, ou seja, um
raciocínio proporcional.
A crença de que todos os alunos dominam suficientemente os cálculos
matemáticos que envolvem o pensamento proporcional é ilusão, na medida em
que essa competência, geralmente, é verificada pela aplicação da regra de três.
O que disserto a seguir é sustentado pelos resultados obtidos na aplicação
da primeira atividade.
A escolha dos sujeitos que realizaram a primeira atividade com relação ao
nível de formação não foi feita por acaso. Esta escolha permitiu estabelecer uma
comparação importante entre eles.
Ao estabelecer a articulação entre as pesquisas estudadas, encontrei
evidências relacionadas a uma experiência escolar problemática no ensino
fundamental. Os autores convergem para a idéia de que existe a necessidade de
uma reflexão sobre o que se pretende nesta fase de escolaridade.
É preciso criar condições a fim de preparar o aluno para enfrentar as
exigências da vida social, como a profissão, o exercício da cidadania, a produção
de novos conhecimentos de acordo com o interesse da comunidade.
221
A aluna se sente despreparada para assumir as funções atribuídas ao
técnico de enfermagem; a profissional se acha despreparada para acompanhar as
aulas, o professor identifica que existem profissionais despreparados atuando em
hospitais e todos têm plena consciência dessa situação.
A aluna e a profissional reclamam por situações que pudessem dar sentido
aos conceitos aprendidos no ensino fundamental, bem como criar outras que
pudessem dar sentido aos procedimentos da enfermagem que envolvem os
conceitos matemáticos, e não apresentá-los separadamente. A atitude da aluna e
da profissional, ao desistirem do curso, pode ser traduzida como fracasso, baixa
auto-estima e incapacidade de prosseguir em busca de um empreendimento.
É notório que tanto a aluna quanto a profissional não aprenderam esses
conceitos no ensino fundamental e a mesma situação permanece no curso
técnico de enfermagem.
Uma outra constatação refere-se à situação de aprendizado entre as duas
pessoas que realizaram a atividade, estabelecendo um nível de comparação
importante. Ao considerar as respostas da profissional , o fato de ela pertencer a
uma Comunidade de Prática, estar em um território familiar, engajada com os
outros membros, isso não implica que ela está isenta de cometer erros.
Segundo a proposta da Teoria da Atividade, quando uma ação é realizada
várias vezes e alcança um nível de maturidade suficiente para que ela possa ser
executada automaticamente, ou seja, sem um planejamento prévio, então ela
passa ao nível da operação. Dessa forma, uma operação foi uma ação que se
tornou comum no contexto de uma atividade, pois é executada com um alto grau
de repetição dentro deste contexto.
222
Neste caso, a prática não é auto-suficiente. Quando a atividade foi
apresentada para Luíza, ela notou que a situação exigia um planejamento da sua
ação. A situação proposta não é como uma receita que prescreve os passos a
serem seguidos e possui um prazo de validade que varia de acordo com o
contexto.
Para as respostas da estudante, minha interpretação é que preciso trazer as
situações que ocorrem algumas vezes durante a prática hospitalar para o espaço
de sala de aula. O aprendizado da estudante sobre as unidades das seringas foi
desenvolvido utilizando, provavelmente, fotografias do objeto em livros, apostilas
ou somente pela explicação do professor.
A necessidade de manipular as seringas e simular as dosagens de insulina
foi a mesma apresentada pela profissional, o que indica que dissociar a teoria da
prática é como retirar um farol de um carro em uma noite escura, cuja função é
iluminar e decifrar o percurso a ser seguido.
Embora a estudante tenha concluído a atividade satisfatoriamente, não a
realizou de maneira autônoma. Suas ações foram orientadas mediante a
intervenção da pesquisadora. Diante desses fatos, acredito que a Matemática
deva ser apresentada, sempre que possível, inserida na realidade próxima do
aluno, e não uma recriação artificial desta. Essa argumentação parece não ser um
assunto novo abordado nas pesquisas em Educação Matemática. Na verdade, a
minha proposta se caracterizou em um desafio estimulante, auxiliando o
profissional a repensar a sua prática, o estudante a utilizar os procedimentos
matemáticos associados com os procedimentos da enfermagem adquirindo
habilidade de avaliar o real.
223
A dicotomia entre teoria e prática, pensar e fazer estive presente nas ações
dos sujeitos. Ao analisar os resultados, dois cenários se dissiparam. O primeiro
cenário refere-se às ações da profissional. Ela revelou suas práticas adquiridas no
cotidiano ao solicitar a seringa tentando reproduzir uma ação que deu certo no
passado, mas não obteve êxito diante de uma situação que não lhe era familiar.
Ao contrário de Pozzi, acredito que nem sempre tabelas prontas e
familiaridade com drogas, fornecem respostas corretas e genuínas. Haja vista a
colocação da profissional: Embora eu acredite que é uma diferença que não irá
prejudicar o paciente. De vez em quando fazemos um “cambalacho”. Este é um
aspecto que merece a máxima atenção.
A situação proposta exigiu da profissional um planejamento da sua ação.
Planejar é refletir sobre a ação, pensar no fazer. Isso é bem diferente de ligar o
piloto automático. O insucesso da profissional, no meu ponto de vista, deve-se ao
fato de a atividade não propiciar uma resolução automática. Ao retirar do cenário
a seringa apropriada para aplicação da insulina e solicitar o seu preparo, que
necessitava de rediluição, a proposta não se configurou em uma operação; mas
em uma ação que exigiu uma orientação adequada antes da sua execução. Ao se
deparar com o novo, a profissional ficou à mercê da técnica por falta de
conhecimento, tanto dos conceitos matemáticos quanto dos procedimentos da
enfermagem. Além disso, portou-se como uma simples repetidora de ações, o
que foi comprovado após analisar suas ações utilizando os princípios da Teoria
da Atividade.
O segundo cenário refere-se aos resultados fornecidos pela estudante.
Baseada nos estudos de Wenger (1998), para a estudante esta atividade se
224
caracterizou como uma situação nova, diferente do que ela desenvolve em sala
de aula na disciplina administração de medicamentos, e ela precisou se aventurar
em um território desconhecido.
O fato de que a aluna está distante dos conhecimentos que são produzidos
em uma Comunidade de Prática e da interação com as ferramentas, não formou
um modelo mental capaz de auxiliá-la a responder a atividade com autonomia.
Para Serafim (2001, p. 1-3), a teoria fora da prática social se assemelha ao livro
colocado em uma biblioteca que ninguém lê.
Uma atividade autêntica, como a proposta, permitiu à estudante ter acesso
aos desafios que ela encontrará como futuro profissional, tendo oportunidade de
manusear as ferramentas externas (seringas) e internas (conceitos), e encontrar
significado para cada uma das suas ações. Faço uso de uma citação de Becker,
ao se referir à dicotomia teoria e prática:
Teoria não se faz com a prática, mas com a negação da prática e com a
apropriação das coordenações das ações práticas em um novo patamar. Se
a teoria se fizesse com a prática, o torneiro mecânico, que trabalha na
linha de montagem, chegaria a produzir um novo design de automóvel.
Acontece que ele pode passar 30 anos nessa prática sem conseguir
conceber ou "desenhar" um protótipo. Não que ele seja incapaz de fazê-
lo; tudo foi disposto, nesse meio, para que ele não se apropriasse do que
fez. Começa-se a fazer teoria negando imediatamente a prática e
utilizando-a como matéria-prima e não como produto acabado das
construções teóricas
(BECKER, 2005, p. 28).
Esclareço ao leitor que as atividades elaboradas estão associadas à minha
convicção sobre contextualizar os conceitos matemáticos, aproximando-os de
contextos significativos, não implica em simplificar ou reduzir o saber científico.
Meu objetivo é utilizar essas situações como recurso para facilitar a aprendizagem
e para que os conceitos de Razão e Proporção não se percam no vácuo.
225
Concretizei o objetivo desta pesquisa investigando situações da prática do
técnico de enfermagem, que deram possibilidades para a criação e elaboração de
situações-problema que envolveram os conceitos de Razão e Proporção.
A aplicação da primeira situação-problema deixou marcas. Ela causou
impacto para mim e para os sujeitos. Para mim, foi difícil elaborar uma atividade
que envolvesse os conceitos matemáticos e os procedimentos da enfermagem.
Entretanto essa atividade se constituiu em um momento em que coloquei em jogo
os meus conhecimentos. Para os sujeitos, as dificuldades existiram e não foram
poucas, como, por exemplo: a necessidade de manipular seringas para responder
às questões; realizar os cálculos de rediluições que envolvem, além dos conceitos
de Razão e Proporção, as unidades de medida; operação com decimais; as
operações de multiplicação e divisão e a interpretação do enunciado do problema.
No entanto percebi a satisfação dos sujeitos quando compreendiam e evoluíam
em cada etapa da atividade.
Essa experiência serviu para explorar as dúvidas, os questionamento dos
sujeitos dessa pesquisa, pois surgiram perguntas trazendo um novo sentido que
até então eles não trabalharam e para os significados dos conceitos de Razão e
Proporção.
Durante a aplicação, surgiu desconforto e inquietação, e entendo que esses
sentimentos são naturais nessa situação. Esses sujeitos estão acostumados a
ouvir e aceitar aquilo que o professor propõe. Acredito que a realização da
atividade, por ser diferente daquelas a que os sujeitos estão acostumados a
realizar, promoveu a vontade de redescobrir e até de pensar sobre o problema
proposto.
226
Por fim, ao refletir sobre a amplitude e a profundidade da aplicação da
atividade e da pesquisa como um todo, destaco, como sua maior contribuição, o
avanço no processo do ensino e da aprendizagem da Matemática. Para mim, este
processo se caracterizou como inovador, propiciou a negociação de significados,
produziu conhecimento, tanto a respeito do funcionamento dos procedimentos da
enfermagem quanto aos conceitos matemáticos de Razão e Proporção.
Para encerrar as considerações, o que se delineou nesta pesquisa, em
relação como a Matemática é ensinada, especificamente os conceitos de Razão e
Proporção, é que ela promove a exclusão, a desistência dos cursos que envolvem
cálculos, ou impedindo uma ascensão na carreira profissional. Historicamente
esta disciplina é, algumas vezes, considerada um suplício na vida dos estudantes.
Quando ministrada de forma desconectada da realidade, gera traumas e
complexos, sentimentos como medo, inibição, indiferença, entre outros. O
problema encontrado nesta pesquisa também está relacionado com a forma como
o currículo é introduzido na escola e a sua aplicação prática.
Ao contrário das informações que obtive nesta investigação, acredito que a
Matemática, como ciência, deve estar a serviço de potencializar a prática social,
prestando contribuições para melhorar a vida do sujeito individual e profissional e
contribuir para o desenvolvimento da humanidade.
Da mesma forma, defendo que a teoria deve estar a serviço da prática e a
prática a serviço da teoria, caracterizando uma relação dialética.
Acredito que minha pesquisa tenha contribuído para a evolução de uma
conscientização do ensino e da aprendizagem da Matemática. Embora não tenha
esgotado todas as possibilidades de compreensão e interpretação deste estudo,
227
certamente abri caminhos para pesquisas futuras, como, por exemplo: a
possibilidade da aplicação das três situações-problema como parâmetro para uma
análise mais aprofundada.
Este ano, ao participar de uma oficina na PUC sobre resolução de
problemas, ouvi a seguinte frase da professora Célia Maria Carolino Pires: "Uma
situação somente pode ser concebida como um problema no momento em que
exista um reconhecimento dela como tal". O tema desenvolvido, para mim
caracterizou-se desde o início, como um problema de pesquisa e registro meus
sentimentos de agradecimentos à Instituição e aos docentes pela oportunidade de
tornar público algo que foi vivido, contribuindo com uma pequena parcela para o
grupo de pesquisa de Álgebra do qual faço parte. Para mim, este trabalho se
constituiu em uma riqueza incomensurável.
Foi com esse espírito de empreendimento que trilhei caminhos que jamais
pensei percorrer. Da mesma forma, espero que professores, educadores e alunos
transitem por este caminho – da Álgebra à Enfermagem – tendo a convicção de
que essa trajetória é possível, compreendendo primordialmente que este é um
caminho de mão dupla.
228
Bibliografia
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conteúdo do conhecimento do fazer. 2003. 241 f. Tese (Doutorado em
Educação para o Trabalho) – Universidade Estadual de Campinas – Faculdade de
Educação, Campinas, 2003.
BARRETO, Isva Maria Almeida. Problemas verbais multiplicativos
de quarta-proporcional: a diversidade de procedimentos de
resolução. Dissertação (mestrado em Educação Matemática) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2001.
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Apêndice
As situações-problema
1. Segunda situação: A partir de uma solução com concentração X, obter uma
solução com menor concentração.
Definindo termos empregados na enfermagem:
gts – abreviação de gotas.
mg – Unidade internacional de miligrama.
Nimesulida – Substância antiinflamatória. Possui ação analgésica e antitérmica
indicada para estados dolorosos acompanhados de febre e na dor pós-operatória,
como amigdalectomia, por exemplo.
Figura 10 – Inflamação nas amígdalas
238
Amigdalectomia – Intervenção cirúrgica da amígdalas.
Amígdalas – Acúmulo de tecido linfático situado em ambos os lados da garganta.
1.1 Enunciado da primeira etapa:
1ª etapa: Observe o cartão de medicamento de um paciente (os nomes
empregados no cartão são fictícios):
CARTÃO DE MEDICAMENTO
DATA TRATAMENTO HORÁRIO
01/12/04 30 gotas de Nimesulida 12/12 h
Religião: Católica Diagnóstico: amigdalectomia Data da cirurgia: 30/11/04
Nome: Renato Alves Número do quarto: 109 Idade: 12 meses Médico: Dr. Paulo
Você tem à sua disposição duas embalagens do medicamento prescrito
com a seguinte apresentação:
Nimesulida em gotas – não está disponível no hospital.
Nimesulida em comprimidos – está disponível no hospital.
Figura 11 – Caixa e frasco da medicação nimesulida
239
Faça a leitura dos componentes das embalagens e as interpretações dos
itens nelas observados, levantando todas as informações necessárias para
atender à prescrição médica.
De posse dessas informações, considerando que no hospital só está
disponível a medicação em comprimidos, como você faria para atender à
prescrição solicitada? Justifique sua resposta.
Trazendo as considerações feitas neste estudo, as questões teóricas seriam
mais valorizadas do que os problemas da prática, porém a prática profissional
parece impor decisões e dilemas que não são totalmente resolvidos pelo
enquadramento teórico. Voltando a Vergnaud (1990), o autor argumenta que,
quando utilizamos os chamados espaços de situações-problema de forma
adequada, eles facilitam a produção de novos conhecimentos fundamentados em
conhecimentos já existentes.
Em cada momento, entram em cena não só conhecimentos anteriores,
como também a capacidade de coordenar e adaptar essas informações em face
de uma nova situação.
Fundamentada nessas colocações, o objetivo desta atividade é retratar uma
situação real, encontrada no dia-a-dia de um profissional de enfermagem.
Na primeira etapa (levantamento dos dados), espero que os alunos façam o
levantamento de todos os dados importantes contidos no cartão de medicamento
e nas embalagens apresentadas, estabelecendo quais as relações existentes
entre os dados fornecidos, assim identificando o que se pede no problema.
240
Para encontrar a dose a ser administrada, devem-se observar todas as
informações disponibilizadas nas embalagens.
Alguns alunos poderão ter uma compreensão correta dos dados fornecidos,
mas não é o que espero. Do exposto, seria possível prever que, na primeira
etapa, alguns encontrariam dificuldades por não ter o hábito de buscar e
interpretar informações, confrontando-as por meio de conhecimentos adquiridos.
Espero que os alunos façam o levantamento de todos os dados importantes
contidos no cartão de medicamento e nas embalagens fornecidas descritos a
seguir:
a forma de medicação prescrita pelo médico são 30 gotas de Nimesulida
de 12/12 horas;
o paciente que receberá a medicação é uma criança de 1 ano de idade,
observando que crianças, principalmente bebês, são por vezes incapazes
de engolir comprimidos de qualquer tamanho, percebendo que a
administração deve ser feita por uma solução;
no frasco de Nimesulida em gotas, observar que, em cada gota, temos
2,5 mg da droga;
na embalagem da droga em comprimidos observar que, em cada 1
comprimido, temos 100 mg da droga.
Esta situação apresenta certo grau de complexidade, pois envolve alguns
procedimentos. Para obter a dosagem correta precisamos compreender alguns
procedimentos matemáticos. A partir da informação: que consta no frasco de
Nimesulida em gotas: a cada gota temos 2,5 mg de Nimesulida, estabelecer a
241
relação entre as grandezas, identificando quantas mg de Nimesulida existem em
30 gotas.
1 gota---------------- 2,5 mg de nimesulida
mg75x
1
305,2
x =
×
= .
30 gotas------------------- x mg
Como a droga está disponível somente em comprimidos, com a informação
de que em 30 gotas temos 75 mg é possível identificar qual a fração do
comprimido que deve ser administrada, tendo a informação de que, a cada
comprimido, temos 100 mg de Nimesulida.
1 comprimido---------------------100 mg de Nimesulida
x comprimido---------------------- 75 mg de Nimesulida
4
3
100
75
x
100
175
x ==
×
= do comprimido a ser usado.
Além da medicação em comprimidos não ser apropriada para uma criança,
não é possível dividir um comprimido em quatro partes iguais e tomar 3 partes
para utilizar na administração. Sendo assim, diluiremos 1 comprimido em água
suficiente apenas para um gole (a quantidade de água foi estipulada levando em
consideração a idade da criança).
100 mg de Nimesulida---------------4 ml de água
75 mg de Nimesulida---------------- x ml de água
ml3x
100
475
x =
×
= .
242
Para administrar a quantidade correta, diluímos o comprimido em 4 ml de
água dos quais 3 ml serão postos na seringa e ministrados ao paciente. Assim
estaremos atendendo à prescrição que pede 30 gotas de Nimesulida.
É possível que os alunos utilizem o conceito de Razão para fazer as
comparações entre a quantidade desejada e a quantidade disponível de
nimesulida:
A razão entre a quantidade desejada e a quantidade disponível fornece a
parte do comprimido a ser usada.
1 gota---------------- 2,5 mg de nimesulida
mg75x
1
305,2
x =
×
= .
30 gotas------------------- x mg
75 mg de nimesulida é a quantidade desejada para atender à prescrição, então:
=
disponívelquantidade
desejadaquantidade
parte do comprimido a ser usado
4
3
100
75
= parte do comprimido a ser usado, significando que de 4 partes do
comprimido utilizaremos 3.
243
2. Terceira situação: Cálculo de gotejamento do soro
Figura 12 – Bomba de infusão – é um aparelho utilizado para infundir drogas,
inclusive as consideradas de alto risco. Realizam um controle mais
preciso de gotejamento e a quantidade a ser infundida.
Figura 13 – Equipo – condutor que leva a medicação do frasco ao paciente,
necessitando de um controle manual do gotejamento, por meio de uma
válvula chamada clamp.
Para calcular o ritmo do fluxo do soro a ser administrado num determinado
período de tempo, deve-se considerar o tipo de equipo e a quantidade e o número
de horas desejadas para administração do soro. Temos à disposição equipos de
micro e macrogotas, que correspondem respectivamente a 60 gotas e a 20 gotas
por ml. Em um pronto-socorro, está afixada uma tabela com cálculos de
244
gotejamento de soro. Essa prática é utilizada em alguns hospitais para facilitar o
atendimento das prescrições médicas. Considere também que, neste hospital,
não existem aparelhos apropriados, como as bombas de infusão.
Tabela 13 Cálculos de gotejamento de soro
Volume de soro e Tempo em horas Microgotas Macrogotas
100 4 25 8
100 6 17 6
200 4 50 17
200 6 33 11
200 8 25 8
250 4 63 21
250 6 42 14
250 8 31 10
250 ? 21 7
250 24 11 4
500 6 83 28
500 8 63 21
500 12 42 14
500 24 ? ?
1000 4 250 82
1000 6 167 56
1000 8 125 40
1000 12 83 28
1000 24 42 14
1ª etapa: Utilize a tabela para preparar a infusão de soro em três pacientes da
seguinte forma:
1º paciente: soro fisiológico 500 ml, infundir em 24 horas (infundir rapidamente).
Ao término dessa infusão, iniciar a infusão da mesma quantidade
lentamente;
2º paciente: soro glicosado a 5% 250 ml, infundir 21 ml/hora (infundir lentamente);
245
3º paciente: soro de 250 ml mais 50 ml de glicose em 15 ml/hora (infundir
lentamente).
A tabela apresentada foi gentilmente cedida pela enfermeira-chefe do
hospital no qual, durante algum tempo, estive observando algumas situações
desenvolvidas pelos técnicos de enfermagem. A tabela estava afixada no pronto-
socorro com a finalidade de facilitar a preparação do soro.
Os alunos recorrerão à tabela para atender às prescrições dos três
pacientes e, terão à sua disposição os frascos de soro e os equipos. É possível
que alguns desses alunos não tenham tido contato com esses materiais, o que
dificultaria a realização da atividade.
Espero que, os alunos, ao utilizarem a tabela, identifiquem os dados e
calculem os que estiverem omitidos para atender às prescrições utilizando as
relações:
Número de microgotas/
T
V
min = sendo: V = volume em ml e T = tempo em horas.
Número de gotas/
3Tx
V
min = , sendo: V = volume em ml e T= tempo em horas.
Além dos cálculos matemáticos, espero que os alunos levem em
consideração outras variáveis, como: o tipo de equipo a ser utilizado e as regras
de arredondamento. Se a infusão for rápida, devem usar o equipo de macrogotas.
A gota é grande em relação ao equipo de microgotas, lembrando que 1 gota
corresponde a 3 microgotas e, se a infusão do soro for lenta, devem usar o equipo
de microgotas. Espero que os alunos façam a conexão dos conhecimentos da
246
enfermagem com os conhecimentos matemáticos, apresentando os cálculos das
prescrições dos três pacientes utilizando as informações disponíveis.
1° paciente:
Devemos infundir 500 ml de soro em 24 horas, rapidamente utilizando o
equipo de macrogotas. Após identificarem o tipo de equipo e, não encontrando os
dados na tabela devem efetuar os cálculos a seguir:
Número de gotas/
=
3Tx
V
min número de gotas/
3x24
500
min = . Logo, o número
de gotas/min = 6,944 e, utilizando as regras de arredondamento, o número de
macrogotas = 7 gotas/ min.
Número de gotas/
=
T
V
min número de gotas/ ==
24
500
min 20,8333 e,
utilizando a regras de arredondamento, concluir que o número de gotas = 21
gotas/ min.
2º paciente:
Devemos infundir soro glicosado a 5%, 250 ml, 21 ml/hora lentamente:
Número de gotas/
21
250
T250T21
T
250
21
T
V
min ==×== , logo,
e, utilizando as regras de arredondamento, concluir que 250 ml de
soro glicosado a 5 % deverão ser infundidos em 12 horas.
904,11T
=
3º paciente:
Devemos infundir 250 ml de soro mais 50 ml de glicose em 15 ml/hora
lentamente:
247
Observar que o volume solicitado é 250 ml de soro mais 50 ml de glicose,
obtendo-se um volume igual a 300 ml.
Número de gotas/
==
15
300
min 20 gotas/ min.
3. Quarta situação: Transformação do soro
1ª etapa:
Para atender uma prescrição médica, precisamos preparar a Infusão de 1.000
mililitros de soro glicosado a 10%. No hospital, temos disponível soro de 1.000
mililitros de soro glicosado a 5% e ampolas de glicose de 20 ml a 50%. Para você,
qual o significado das seguintes informações:
a) “1.000 mililitros de soro glicosado a 10%”;
b) “1.000 mililitros de soro glicosado a 5%”;
c) “Ampolas de glicose de 20 ml a 50%”.
2ª etapa:
Como você procederia para resolver esta situação?
A idéia de apresentar, neste estudo, uma situação que envolvesse a
transformação de soro surgiu durante o período de observação que realizei no
hospital. Informalmente, os técnicos revelaram ter dificuldades de interpretação
em problemas apresentados pelos livros que tratam do cálculo de transformação
do soro. Declararam que, apesar de ter concluído o curso, ainda persistem
dúvidas na interpretação dos cálculos matemáticos e na interpretação do
enunciado.
O raciocínio envolvido nessa situação exige a capacidade de interpretar o
significado. Espero que os alunos explorem outras estratégias de resolução, além
248
da regra de três. Se os técnicos já formados e que atuam no hospital revelaram
ter dificuldades na interpretação e nos cálculos matemáticos, provavelmente pode
ser que, na primeira etapa, também os alunos apresentem as mesmas
dificuldades, uma vez que alguns livros didáticos de enfermagem não apresentam
as resoluções e interpretações desse tipo problema, de forma clara e significativa.
Acrescento que este tipo de situação é encontrada na maioria dos livros de
enfermagem.
Os conceitos matemáticos envolvidos nesse tipo de situação são
basicamente Razão e Proporção. Nos itens a), b) e c), espero que os alunos
compreendam que são cálculos de porcentagens expressando a quantidade de
soluto por solvente de uma solução, ou seja:
a) Soro glicosado a
=
100
10
%10 cada 100 ml de soro tem 10 g de glicose;
b) Soro glicosado a
=
100
5
%5 cada 100 ml de soro tem 5 g de glicose;
c) Ampolas de glicose de 20 ml a
=
100
50
%50 cada 100 ml de glicose tem 50 g
de glicose.
Presenciei esta situação durante o período de observação. Um médico
solicitou a uma funcionária que preparasse a infusão de 1.000 ml de soro a 10%
em um paciente. A funcionária informou ao médico que esta medicação não
estava disponível, solicitando a mudança da prescrição para soro de 1.000 ml a
5%. Sendo assim, o médico realizou a alteração para a funcionária dar início à
preparação do soro. Ao entrevistar a funcionária, ela revelou que é uma prática
comum no hospital, quando o médico está presente, ou apresenta disposição
para fazer a alteração.
249
Acredito que a conduta não é adequada. Neste sentido indago: se o médico
não está presente na unidade? Sendo assim, o profissional deve possuir os
conhecimentos necessários para transformar a medicação existente na dosagem
prescrita pelo médico.
Apresento, a seguir, uma possibilidade de resolução da situação. Espero
que o aluno, utilizando a estratégia apresentada aqui ou outra, obtenha o
resultado correto para atender a prescrição.
Organizando as informações interpretadas no enunciado:
O que temos disponível O que precisamos
SG 5% – 1.000 ml
Então:
5 g ------------------- 100 ml
X g-------------------1.000 ml
100X = 1.000 x 5
100X = 5.000
50
100
000.5
X ==
SG 10% – 1.000 ml
Então:
10 g ------------------- 100 ml
X g-------------------1.000 ml
100X = 1.000 x 10
100X = 10.000
100
100
000.10
X ==
Temos 50 g de glicose Precisamos de 100 g de glicose
Temos 50 g de glicose, então teremos que acrescentar no SG 5% 50 g de
glicose. Temos ampolas de glicose 20 ml a 50% e vamos retirar destas ampolas a
quantidade de glicose que precisamos. Utilizando a informação da primeira etapa,
vamos estabelecer a seguinte relação:
50 g (glicose)-------------100 ml
x g (glicose)---------------- 20 ml (ampola)
5020x100 =
100x = 1000
250
10
100
1000
x ==
x = 10 g.
Acabamos de descobrir que uma ampola de 20 ml a 50% tem 10 g de
glicose e, para atender à prescrição, precisamos de mais de 50 g. Agora devemos
calcular quantos ml de glicose iremos precisar:
20 ml (ampola)----------------10 g
x ml (ampola)-----------------50 g
2050x10 =
10 x = 1.000
ml100
10
000.1
x == . O que equivale a cinco ampolas.
Ao manusear o material fornecido, o aluno deverá perceber que 100 ml de
solução de glicose a 50 % (5 ampolas) não cabem no frasco de SG 5%. Então ele
deverá desprezar 100 ml do SG 5%, mas, observando que estará desprezando
junto 5 g de glicose (5 g – 100 ml) e terá que repor os 5 g (correspondente a meia
ampola de glicose a 50%).
Ao finalizar todos esses procedimentos, espero que os alunos cheguem à
seguinte conclusão para atender a prescrição solicitada:
Devemos desprezar 100 ml do SG 5% e acrescentar 5 ampolas e meia de
glicose 50% (110 ml), assim estando pronto para uso o SG 10% – 1.000 ml.
A situação apresentada requer o raciocínio com proporções, analisar a
situação qualitativa e quantativamente, e propicia o envolvimento do aluno, o que
251
implica uma diversidade de ações: decidir qual resposta é adequada, escolher
uma estratégia, aplicar esta estratégia, rever os dados e os resultados.
Esse processo envolve diversos tipos de decisão. Requer compreender a
relação entre o contexto do problema e o cálculo necessário. E exige o
conhecimento de possíveis estratégias para realizar o cálculo e selecionar a mais
adequada. Finalmente, inclui a capacidade de rever a resposta, verificando se
esta faz sentido.
252
Anexo 1
Transcrição das entrevistas
1.1 Entrevista com um enfermeiro-professor e as dificuldades de seus
alunos em cálculos de medicação
E: Os conceitos matemáticos razão e proporção são abordados no módulo
administração de medicamentos? Em caso afirmativo, como é feita essa
abordagem?
Professor: s utilizamos esses conceitos principalmente em função do cálculo
de medicação. Sempre nos preocupamos em saber, pelo menos no início, quais
são as dificuldades e quais conhecimentos matemáticos os alunos possuem.
Quando nós trabalhamos com o cálculo da dosagem de medicação, ele precisa
usar esse raciocínio, como, por exemplo: multiplicação, concentração da solução,
a regra de três para a transformação e conversão de unidades.
Primeiramente é feito um levantamento para analisar como eles estão na
Matemática. É assim, cada um aprende a Matemática de um jeito, como, por
exemplo: a divisão, cada um divide de um jeito.
253
Os alunos apresentam muita dificuldade em efetuar divisões com decimais.
São aquelas contas em que aparecem as vírgulas. Outra dificuldade é com
relação à conversão de unidades. Além disso, eles têm dificuldades em verificar
se a conversão está correta. Não conseguem analisar se sua resposta está
correta ou verificar se é um absurdo tal resposta, ou seja, rever os cálculos
efetuados. As respostas absurdas são algumas das dificuldades dos alunos. Por
exemplo: utilizar um litro de uma solução para uma injeção intramuscular em um
paciente; se, matematicamente, o cálculo dele deu isso, ele deve ter o bom senso
de não...., não pode ser. Tem alguma coisa errada no meu cálculo. Eu preciso
rever.
Essas dificuldades são relativas, depende da turma. Tem turmas que têm
mais dificuldades, outras menos. Eu faço um levantamento, o que eles sabem,
onde estão as dificuldades. Passo exercícios de Matemática com as quatro
operações.
Tento detectar essas dificuldades, aí começamos a tirar as dúvidas fora do
horário das aulas, quando possível, e aproveitamos para falar sobre a conversão
de medidas.
Para aplicar esses cálculos na prática, vai da facilidade de ele fazer os
cálculos mentalmente. Na escola, nós procuramos incentivar o aluno a fazer seus
cálculos utilizando papel e lápis, evitando o uso de calculadora. Quando ele se
torna um profissional, ele já vai usar a calculadora e, isso vai facilitar, mas ele
precisa enxergar a operação. Se isso não acontecer, a calculadora não vai ajudar.
Se ele não sabe montar, por exemplo, a regrinha de três corretamente, a
calculadora com certeza não irá ajudar. Neste aspecto, é que entra o “X” da
254
questão. Às vezes, encontra-se, no campo profissional, pessoas que realmente
não sabem fazer os cálculos, apesar de serem profissionais atuantes. Existe essa
falha, que, não é somente da formação de profissional, também é uma questão da
qualidade do ensino fundamental. Agora, com relação a enxergar a situação que
ele vai vivenciar no trabalho, existe uma dificuldade inicial. Quando a gente
começa a trabalhar com dosagem de medicamento em sala de aula, o aluno faz
os cálculos mecanicamente, não enxergando a situação. No estágio, aí ele
consegue enxergar o que é o cálculo na prática. Percebe melhor a importância
desses cálculos, como ele deve fazer.
Aqui no curso, nós chamamos a disciplina de componente curricular. Esse
componente é fundamental, por isso que nós chamamos também de
“fundamentos do cuidado” ; ele é básico. Sem essa base, o aluno não tem
condições de prosseguir; então, se ele não conseguir atingir as competências
necessárias, ele é reorientado a retomar na turma subseqüente. Precisa refazer
novamente para dar seguimento ao curso. Sem essa fundamentação nos
cálculos, não pode prosseguir.
Acho interessante falar que, muitas coisas pesam sobre essa técnica, do
preparo da medicação:
1. entender aquilo que ele está fazendo;
2. relacionar com que está acontecendo com o paciente; e
3. por que ele está fazendo isso pelo o paciente.
Bate uma insegurança muito grande, especialmente com relação à
Matemática, pela grande responsabilidade que o procedimento de administração
de medicamentos envolve. A vida é uma só. Se ele erra a medicação, se ele erra
255
a dosagem, ele causará um grande prejuízo para o paciente. Acho que o fazer
contas em outras profissões é uma coisa; agora fazer contas envolvendo tamanha
responsabilidade não é tão confortável. Nós tentamos mostrar para os alunos o
quanto isso é grande, não é um número a mais. Ele deve ter a consciência de que
ele utilizará a regra de três, razão e os números para contribuir com a melhora ou
a piora do paciente. Por isso é um problema que merece a máxima atenção.
1.2 Uma aluna iniciante de um curso técnico de enfermagem. O que fazer?
E: Você considera a Matemática importante no curso de técnico de enfermagem?
Nora: Sim, sem ela não podemos fazer os cálculos para diluição e rediluição de
medicamentos.
E: Seus conhecimentos anteriores sobre Matemática, como Razão e Proporção,
são suficientes para aprender sem dificuldades os conteúdos do curso de
enfermagem?
Nora: Não. Falta base. O aprendizado no Ensino Fundamental só ensina a fazer
as contas, mas não sei explicar os procedimentos. É algo mecânico. Sabia que
precisava aprender Razão e Proporção, mas, onde aplicá-la, eu nunca tive
certeza.
Agora o professor do curso diz que já aprendemos razão e proporção e continua a
matéria, como se todo mundo soubesse fazer os cálculos.
E: Você acha que com os conhecimentos matemáticos adquiridos durante o curso
de enfermagem, você estará preparada para administrar os medicamentos
prescritos pelos médicos, em que se fazem necessários os cálculos matemáticos,
como Razão e Proporção?
256
Nora: Com certeza não. Haveria necessidade de mais problemas e situações
práticas na escola, nas quais pudéssemos aplicar e desenvolver esses
conhecimentos. Já se parte do pressuposto de que nós dominamos os cálculos.
Isso não é verdade. Na minha sala tem 47 alunos. Se você perguntar sobre
Razão e Proporção, se todos conhecem e sabem utilizá-la para fazer os cálculos,
pelo menos 40 vão dizer que têm dificuldades e não conseguem efetuar os
cálculos. Eu sou uma delas.
1.3 Transcrição da entrevista com uma profissional atuante na área de
enfermagem há mais de vinte anos
E: O que você tem a relatar sobre a disciplina Matemática e a relação com sua
área de atuação profissional?
Dalva: É muito difícil encontrar alguém na área da enfermagem que utiliza as
regras aprendidas no curso técnico de enfermagem. É como nós aqui neste setor.
É como nós aqui. Temos noção das regras básicas, no entanto os médicos neste
setor já prescrevem o que eles querem dar para o paciente. Como aqui é um
setor de sedação, vou dar um exemplo:
– O médico prescreve uma ampola de dolantina, 1 ml de dormonid; ele já
diz o quanto que ele quer que seja ministrado ao paciente. Mas, se for
uma ampola, por exemplo, de 50 mg e o médico pede 5 mg então
sabemos que, pela prática, se temos uma ampola de 50 mg, você deve
dividir em 10. Com papel e lápis fica complicado aplicar a regra três:
1 ampola---------------50 mg 50x = 5
x ampolas---------------5 mg x = 1/10 da ampola.
257
Então, pensando na prática, é por isso que, na área de enfermagem, não se faz
conta. Uma porque o médico prescreve a quantidade do medicamento a ser
administrado; outro motivo é pela prática, que já estamos acostumadas.
De vez em quando, nós temos cursos de cálculos em medicamentos, mas é mais
para atualizar. Não sei por quê, é muito difícil a gente utilizar as regras durante a
nossa atuação na hora de administrar medicamentos. Uma, que não dá tempo.
Um exemplo é uma parada cardíaca.Você não vai estar ali fazendo as regras. O
que manda é a experiência.
No setor de pediatria, a situação é mais complexa. Temos muita dificuldade. Tudo
na pediatria é rediluído, ou seja, é a rediluição da rediluição. A bureta é muito
utilizada, que dá para diluir mais. Ainda assim, temos aqui o privilégio de ter
sempre os médicos por perto, no caso de precisarmos de socorro, garantindo
assim que a medicação seja ministrada da forma que eles prescreveram.
E: No curso técnico de enfermagem, como são tratados Razão e Proporção?
Dalva: Bom,.... É... Uhhhh... O que posso dizer é que faz parte do currículo. A
disciplina cálculos de medicamentos é eliminatória. Nós temos vários assuntos
para aprender no curso como: centro cirúrgico, clínica médica, UTI, pronto-
socorro e cálculos de medicamentos, em que temos alguma noção e aprendemos
até onde podemos ir. É preciso que se tenha uma base Matemática, porque, se
você não tiver, aí é problema. No curso, nós aprendemos a ler seringas,
aprendemos quanto vale cada risquinho, aprendemos quantos risquinhos você
tem que colocar de medicação etc.. Tanto é que, por aqui, no meu setor, os
médicos utilizam esta forma para pedir a medicação, pois é assim que
aprendemos na escola. Eles pedem: 3 risquinhos disso... Seis risquinhos daquilo.
258
No curso técnico, a maioria já é auxiliar, então já tem noção de tudo o que
acontece na prática. Quem nunca atuou na área, quando chega no curso técnico
e não tem noção nenhuma, então começa do básico. Aí começam as confusões e
dificuldades. Quando nós cursamos o 1º grau, temos toda aquela Matemática que
quase nunca sabemos onde aplicá-la. A partir desses conhecimentos, se inicia a
disciplina cálculos de medicamentos, direcionando a Matemática para nossa área.
Não são contas tão complicadas, mas é necessário já ter uma base, pois a
revisão das regras básicas, como Regra de três, Razão e Proporção, Divisão, é
bem superficial.
Lembro-me de que, durante meu curso de auxiliar, tinha o cálculo de uma
medicação, em que eram necessários seis passos de cálculos. Tratava-se da
diluição de um comprimido de permanganato para muito líquido. Então é
necessário dominar os seis passos dos cálculos para poder realizar a diluição.
Acredito que, no nosso meio, é difícil enxergar matemática no que fazemos. O
que prevalece para nós é a prática.
Vou mostrar algumas prescrições:
– Aqui o médico pede 15 mg de dolantina. Eu sei que, se ele pedir 5 mg,
tenho que dividir em 3 o frasco de 15 mg.
Quando recebemos os estagiários no setor, eles são obrigados a efetuar as
regras básicas, tanto é que eles andam com calculadoras e, sem elas, acaba
ficando complicado, mesmo tendo papel e lápis para poder realizar, por exemplo,
uma diluição.
Eu tenho 20 anos de atuação na área de enfermagem. Como tenho muita prática,
de tanto fazer, acabo por decorar. A gente que tem prática já sabe, por exemplo,
259
quanto tem de soluto para o solvente, pois diariamente fazemos isso. O estagiário
não. Eles têm que fazer as regras como: Razão, Proporção Divisão etc. Eu não. É
uma coisa que eu já pego e já sei.
Bom, vamos voltar à disciplina cálculos de medicamentos. A dificuldade é muito
grande. Eu não sei. No meu interior, posso falar?
E: Fique à vontade.
Dalva: Acredito que a superação dessas dificuldades depende do aluno, mas
depende também do professor. O que tenho visto nas escolas de ensino
fundamental e médio é um ensino decadente, muito fraco. Afirmo isto, pois tenho
netos no ensino fundamental e eles têm muitas dificuldades em Matemática.
A turma do técnico de enfermagem apresenta muitas dificuldades em Matemática
por não ter aprendido Matemática no ensino fundamental e médio.
Eu estudei numa época em que você saía da escola sabendo ou sabendo, senão
era impossível concluir o curso. Hoje em dia, o aluno sabe que, se não faltar
demasiadamente, ele não reprova. Para mim, a Matemática é uma continuidade.
Então esse aluno chega no curso técnico de enfermagem sem base nenhuma,
surgindo todas as dificuldades com a Matemática.
Mesmo com o estudo da minha época, eu procurei auxílio em cursos como o
Kumon para auxiliar mais o raciocínio matemático. Estou atuando na área há vinte
anos, mas, quando voltei para a sala de aula, me senti em outro mundo. Tudo que
faço na prática tinha que fazer no papel e lápis.
E: Teve alguma dificuldade?
Dalva: Sim. Na prática, não preciso fazer os cálculos, mostrar esses cálculos. Na
escola, sou obrigada a mostrar como cheguei ao resultado.
260
Dalva: Você sabia que, em toda escola de enfermagem, é obrigatória a disciplina
cálculos de medicamentos?
E: Sim. Qual é a importância dessa disciplina para você?
Dalva: A disciplina é muito importante, se bem que, na prática, a gente não usa.
Espere... Usa sim. Se é uma auxiliar nova, que está começando, ou um
estagiário. Eles sempre ficam indecisos, com medo de errar e sabem que,
dependendo do erro, não há mais volta. Não tem como corrigir, pois é a vida do
paciente que está em jogo. Nesse momento, eles fazem as contas para checar se
está correta a conduta.
Não fazemos nenhuma medicação sem prescrição médica, porque, qualquer erro,
o médico não vai assumir.
O que mais posso dizer? A Matemática, as regras são obrigatórias na escola, na
prática não. Deixa-me explicar melhor?
E: Claro que sim.
Dalva: É assim. Você é professora, prepara sua aula para falar sobre os números
negativos. Você chega na sala de aula e sabe que terá que dar essa matéria.
Depois de algum tempo, você não precisará preparar a mesma aula, já é
automático. Na enfermagem é assim. Já sabemos o que fazer.
Muitos colegas, como eu, acham que o problema de não conseguirem
acompanhar as aulas que envolvem cálculos matemáticos se deve ao ensino
fundamental e médio. A professora explica e diz: “Quem entendeu ótimo; quem
não entendeu não entende mais”. O interesse do aluno e do professor para
encontrar caminhos para entender a Matemática está em baixa. Aí, esse aluno vai
para o curso técnico de enfermagem e começa a confusão. Não consegue
261
acompanhar. Acredito que todos os cursos, seja ele técnico ou de nível superior,
deveriam colocar à disposição dos alunos aulas específicas de Matemática (só
para aqueles alunos que não conseguem acompanhar).
O que quero dizer é que poderia e deveria ser feito, dentro do curso, ter aulas de
Matemática, não só medicação. O que o professor de enfermagem faz: ele vai ali
na medicação. O decadron você faz assim, para diluir. Isso aqui você só pode
colocar na bureta etc. Não é aquela coisa... Como é a divisão. Como é o caso da
insulina. Minha professora ensinava uma regrinha, então a gente seguia aquilo.
Por isso que eu acho que deveria ter paralelo, junto ali, um curso de Matemática
para podermos assimilar Você entende? Não adianta falar para você:
– Esse é o preparo de colono, esse é o preparo de bronco! Para você eu
estou falando grego concorda?
Embora tendo a prática, eu acho que deveria ter, junto com o curso técnico de
enfermagem, até mesmo no nível superior, aulas específicas de Matemática. A
turma que ingressa nesses cursos profissionalizantes de enfermagem têm muitas
dúvidas com relação à Matemática. Eu acredito que o motivo é não ter aprendido
direito juntamente com o grande desinteresse.
E: O que você quer dizer com desinteresse?
Dalva: O desinteresse ao qual me refiro acontece por não entender direito a
disciplina. Eu tenho comigo isso. Os adolescentes apresentam desinteresse pela
escola, pela Matemática, por não terem orientações de que tudo que se aprende
é aplicável fora da escola. Hoje em dia, não existe aquela orientação – Professor:
você não entendeu? Vamos ver de novo. Vamos fazer uma revisão. Não tem mais
isso, na maioria do ensino. Quando eu estava na escola, a professora passava
262
exercícios, nós fazíamos em casa e, no dia seguinte, todos eram corrigidos na
lousa. Hoje em dia, nem lição de casa se tem mais. No curso de enfermagem, nós
perguntamos: Por que e para que tenho que estudar todos esses cálculos? A
assimilação é difícil. Sabemos que se deve fazer aquilo, mas não sabemos o
porquê. Posso dar um exemplo?
E: Fique à vontade.
Dalva: Eu te dou uma conta: 33/3. Eu sei que eu vou fazer e vai dar onze, mas
por que deu onze? Entende, você vai fazendo, vai fazendo, porque disseram que
tem que dar aquele resultado. Você vai quebrando a cabeça, mas qual o
significado daquilo? Mas você não sabe o porquê. Então eu acho que é uma coisa
muita aleatória. Olha, vamos fazer isso; dá uma ajeitadinha que dá certo. Isso é
muito ruim.
Na prática, a gente só aprende ali fazendo. É como dirigir. Você sabe que não
pode estacionar em local proibido, fazer determinadas manobras, mas você só vai
mesmo a hora que você praticar, a hora que você pegar o seu carro e disser: “Eu
vou”. Quando você tira sua carta, embora você tenha feito o curso, é só na prática
que você vai pegar o jeito.
Eu faço essa comparação, pois acredito que a Matemática seja uma ciência. Eu
adoro Matemática, eu gosto, mas tenho dificuldades. Preciso desenvolver mais o
raciocínio para superar minhas dificuldades.
E: Você poderia esclarecer o motivo pelo qual agora se exige para o técnico do
curso de enfermagem o certificado de conclusão do Ensino Médio?
Dalva: Para te dizer a verdade, eu não sei o porquê. O estudo, volto a repetir,
está muito abaixo do esperado. A turma sai da escola do mesmo jeito que entrou
263
e não vai acrescentar nada, a não ser que fosse realmente levado a sério, tanto
por parte dos alunos como por parte dos professores, desde que o professor
saiba se impor e exigir o mínimo possível. Eu tenho alguns questionamentos.
Será que o desinteresse dos alunos pela escola, especificamente pela
Matemática, deve-se ao fato de que não tem alguma coisa que prenda a atenção
desse aluno? O mundo lá fora é mais atrativo do que a escola. Eles sabem que,
sabendo ou não a matéria, eles vão passar de ano. Então, para mim, tanto faz ter
concluído o ensino fundamental ou o médio. O problema permanecerá o mesmo.
E: Você pode explicar como você resolveria a seguinte questão:
Um médico prescreve para o seu paciente 30 mg de Garamicina. No
hospital, temos ampolas de 80 mg/2ml. Qual a dosagem a ser
administrada?
Dalva: Eu sei que isso é um cálculo matemático. Eu resolveria assim:
Se você sabe que 80mg de garamicina tem 2 ml, então a metade disso é
40 mg que corresponde a 1 ml. Como eu preciso de 30 mg e este valor está
entre 40 mg e 20 mg, então a metade de 1 ml é.... Bem acho que 0,25 ml.
Então eu daria aproximadamente, deixe ver.... 0,6 aproximadamente. Será
que está correto? Estou acostumada a trabalhar com medicações que já
vêm na dosagem a ser administrada".
E: Você pode colocar no papel o cálculo que você usou?
Dalva: Agora colocar no papel e lápis é difícil. Não sei o motivo, não consigo. Na
sala de aula, nós fazemos esses cálculos; na prática, nós já temos a noção, não
por entender matematicamente, mas pela prática.
264
Precisamos saber os porquês das coisas. Você vai lá e passa um problema
enorme. Você faz e o aluno olha para você. Ele vai te acompanhar, imitar, mas
não sabe por que você está fazendo aquilo. Aí, depois, quando ele se vê sozinho,
ele vai se perder. Eu acho que tinha que ser assim. Todos os cursos deveriam ter
Matemática. Você pode pensar em História, Literatura, você lê, faz pesquisas,
geralmente há um envolvimento maior, uma dinâmica maior. Matemática não.
Você pega as apostilas, você só vê número e sinal e não sai daquilo, onde você
vai ler: “olha, você deve proceder assim, você deve pegar esses números e
manipulá-los assim, para obter isso, e o que você achou tem este significado...”.
E: Quando você fala que, nos cursos técnicos e outros da área, deveria ter um
curso paralelo de Matemática, isso poderia ser feito? Dê a sua opinião.
Dalva: O professor deveria observar os alunos que não conseguem acompanhar,
os que têm mais dificuldades. Existem aqueles que, graças a Deus, não
apresentam dificuldades. Geralmente os cursos de técnico de enfermagem são
particulares, então tem condições de colocar um professor a mais para dar
suporte aos alunos com dificuldades em Matemática. Vamos supor: o professor
da turma faria o levantamento dos alunos com dificuldades e uma vez por semana
daria os esclarecimentos necessários.
Querendo ou não, os que não têm dificuldades em Matemática acabam inibindo
aqueles que têm. O que tem dificuldade vê que o outro desenvolve, e ele não
consegue e ele vai se perder cada vez mais. Vai sendo discriminado. Porque é
assim: quem não sabe Matemática é discriminado. Por exemplo: você faz uma
conta, não dá certo, faz a segunda, não dá certo, na terceira você acaba caindo
em desespero. A professora faz, dá certo, meu colega faz e dá certo. Todo mundo
faz e eu não consigo. O aluno não tem noção do que ela está fazendo. Este curso
265
paralelo poderia estar auxiliando. Tenho comigo que as pessoas pensam assim:
quem desenvolve a Matemática é inteligente ou louco; quem não sabe ou tem
dificuldades é discriminado, chegando até mesmo a desistir dos cursos que
envolvem a Matemática.
266
Anexo 2
Contato mantido com Stefano Pozzi
Mr. Stefano Pozzi
You had been to Brazil a lecture in PUC São Paulo and I know you are Lulu’s
friend. I have been developing a research about Medication calculation and I was
qualified but I was asked about this part of the text (you can read below) which I
couldn’t convince them with it. Therefore, I myself got confused about this and I’ve
decided to send you an e-mail to ask your help because I had recorded your
lecture. At that moment, I could understand but as time goes by, my interpretation
might be wrong. Could you please be clear giving me some examples?
“The explanation of mistakes which occurs in medicine calculations is not so
simple to be understood, for instance, when we realize an overdose of drugs, it is
not necessarily a mathematical mistake, but when we simulate the pratice4 and
we draw the patient of this real context, the mistake itself becomes visible”
Thank you for attention
Cícera Maria dos Santos Xavier.
Data: 26/1Q/ 2OO5 (12:37:33)
Assunto: RE: Help. Studente of PUC Brazil.
________________________________________________________
267
Dear Cícera
The quotation is not very clear itself, so I understand why you want clarification. I
think what I was trying to say is this:
When incorrect drug doses are given, it is not always because there has been a
mistake in the mathematical calculation. In order to understand what mistakes are made
by nurses (and doctors), and why mistakes happen, we need to therefore understand the
whole situation. For example, as well as the mathematical knowledge, we need to
understand the nurse’s knowledge of:
the drug itself (the pharmacology) including what they understand about what
the drug does, what it is for, what the dangers are of over- or under-prescribing,
what the “standard” dosage is (for adults, for children); when and how frequently
the drug should be given; what dosages the drug is packaged in; and how it
should be administered (e. g. some drugs need to be dissolved or diluted in a
given amount of fluid).
The standard procedures for drug administration and the context: e. g. whether
this needs to be done with two nurses (for dangerous drugs); what tools the
nurse has available (calculate, pen and paper, other); at what point the nurse(s)
put gloves on (which means they have to use mental approach – no calculator
our written arithmetic); what syringe sizes they have available (if drug needs to
be injected).
The patient’s treatment, what drugs they should receive and at what time. Some
patients may receiving several drugs, which can interact, and some patients may
be more sensitive to particular drugs.
This implies that if you are to carry out any experiments to understand how nurses
(or doctors) administer drugs accurately, an in particular understand how and why they
sometimes make mistakes, it is more valid you try to simulate as much of the context as
possible. Another approach is to observe nurses and doctors actually doing real drug
administration, but it is more difficult to control the situation and to ask questions when in
the real situation.
I hope this helps,
Stefano Pozzi.
Original Message----
From: cmsx [mailto:[email protected]] Sent: 25 October 2005 22:43
To: POZZI, Stefano
Subject: Help. Studente of PUC Brazil.
268
Anexo 3
Mapas Conceituais do quadro teórico da pesquisa
269
3.1 Teoria da Atividade
270
3.2 Teoria dos Campos Conceituais
271
3.3 Comunidades de Práticas
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
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Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
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