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JOSÉ LUIZ MÔNACO DA SILVA
O CASAMENTO, O REGIME DE BENS À LUZ
DO DIREITO COMPARADO E O NOVO
REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS
AQÜESTOS
DOUTORADO EM DIREITO
PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
São Paulo - 2006
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JOSÉ LUIZ MÔNACO DA SILVA
O CASAMENTO, O REGIME DE BENS À LUZ
DO DIREITO COMPARADO E O NOVO RE-
GIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS A-
QÜESTOS
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial
para a obtenção do título de DOUTOR em Direito das Rela-
ções Sociais, sob a orientação do Prof. Doutor Geraldo José
Guimarães da Silva.
PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
São Paulo - 2006
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BANCA EXAMINADORA
_______________________________
_______________________________
_______________________________
_______________________________
_______________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a
reprodução total ou parcial desta tese por processos de fotocopiadoras
ou eletrônicos.
São Paulo, janeiro de 2006
Dedico este trabalho às seguintes pessoas: a
Rodolpho, meu saudoso pai; à Helena, minha mãe;
à Conceição, minha esposa; às queridas filhas
Renata, Alessandra, Viviane e Izabela; ao Dr.
Geraldo José Guimarães da Silva.
RESUMO
Examino nesta tese de doutoramento dois aspectos do casamento: 1) o regime
matrimonial de bens à luz do direito comparado; 2) o novo regime de bens instituído
pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
A tese foi dividida em seis capítulos. No primeiro capítulo, discorro sobre a fa-
mília em geral no direito brasileiro, fazendo expressa alusão à Constituição Federal de
1988, uma vez que a ordem constitucional vigente deu proteção não só à família prove-
niente do casamento como também à família nascida da união estável entre homem e
mulher.
No Capítulo II, examino o regime de bens disciplinado pela legislação brasileira,
tomando por base exclusivamente o instituto do casamento. Embora se saiba que a uni-
ão estável também seja geradora de relações patrimoniais entre os companheiros, achei
por bem centrar os estudos sobre o regime de bens instituído pelo casamento. Ainda no
Capítulo II destaquei – entre outras coisas – a novidade consistente na mutabilidade
justificada ou temperada do regime de bens. Mercê do disposto no art. 1.639, § 2
o
, do
novo Código, o legislador permitiu, a requerimento de ambos os cônjuges, a alteração
do regime de bens.
Em seguida, reservei o Capítulo III para estudar o regime matrimonial de bens à
luz do direito comparado. O exame principiou pelo direito romano, avançando para o
direito alemão, italiano, português, mexicano e espanhol. É muito importante o conhe-
cimento da legislação de outros países. Conta-se que Sólon, o grande legislador de Ate-
nas, teria viajado durante dez anos para outros lugares não só com a intenção de fomen-
tar relações de comércio, como também para buscar modelos mais adiantados de leis
para o seu país. Daí a importância do estudo do direito comparado para o aperfeiçoa-
mento da legislação dos povos.
Abri o Capítulo IV para tratar do novo regime de participação final nos aqüestos
instituído pelo legislador pátrio. Alemanha, Áustria, Suíça, França e Argentina são paí-
ses que conhecem o regime que, em 2003, foi efetivamente implantado no Brasil. A
peculiaridade desse novo regime de bens é a sua hibridez, uma combinação de regime
comunitário com regime não comunitário. Enquanto subsistir a sociedade conjugal, os
cônjuges se comportam como se fossem casados pelo regime da separação de bens (re-
gime não comunitário). No entanto, uma vez finalizada a sociedade, os bens adquiridos
a título oneroso, durante o casamento, adquirem comunhão (regime comunitário).
Nos dois últimos capítulos (Capítulos V e VI) cuido, respectivamente, dos pac-
tos antenupciais e da sociedade civil ou comercial entre cônjuges. São assuntos que se
relacionam direta ou indiretamente com o regime matrimonial de bens. Quanto ao Capí-
tulo VI, vem a pêlo dizer que o art. 977 do Código Civil autorizou, com algumas restri-
ções, a contratação de sociedades entre cônjuges, assunto que, no passado, despertou no
apaixonadas polêmicas doutrinárias e jurisprudenciais.
SUMMARY
I examined in this doctor’s degree thesis two aspects of the marriage: 1) the mat-
rimonial community of goods according to the compared Law; 2) the community of
goods instituted by the Law n. 10.406, dated January 10
th
, 2002 (Civil Code).
The thesis was divided into six chapters. In the first chapter I discourse about the
family in general, according to the Brazilian Law, referring to the 1988 Federal Consti-
tution, once the current constitutional order protected not only the family deriving from
the marriage but also the family deriving from the stable union between a man and a
woman.
In the second chapter, I examine the community of goods imposed by the Brazil-
ian legislation, considering exclusively the institution of marriage. Although it is known
that the stable union also proceeds inheritance relations between the spouses, I decided
to focus on the studies about the community of goods established by the marriage. Also
in the second chapter I emphasized, among other things, the novelty related to the justi-
fied or tempered mutability of the community of goods. In favor of the clause 1.639, §
2
o
, in the New code, the legislation allowed, in request of both spouses, the modification
of the community of goods.
Later on, I left the third Chapter to study the matrimonial community of goods re-
lated to the compared Law. The examination started with the Roman Law, going
through German, Italian, Portuguese, Mexican and Spanish Law. Having knowledge
about other countries legislation is indispensable. It has been told that Sólon, the great
legislator from Athens, would have traveled for ten years to other places not only think-
ing about developing business relations, but also thinking about seeking more advanced
models of law for his country. Thence the importance of the compared Law study to
improve the peoples legislation.
I started the fourth chapter discoursing about the new regim of the final participa-
tion in the taken possessions instituted by the native legislator. Germany, Austrian,
Switzerland, France and Argentina are countries that know the new community of
goods which, in 2003, was effectively introduced in Brazil. The peculiarity of this new
community of goods is its hybridity, a combination of communitarian and non-
communitarian regim. As long as the conjugal society exists, the spouses behave as if
they were married under the legal separation of property regim between husband and
wife (non-communitarian regim). However once the partnership is finished, the goods
acquired in an onerous way, during the marriage, receive communion (communitarian
regim).
In the last two chapters (fifth and sixth Chapters) I deal, respectively with antinup-
tial agreements and civil or business partnerships between the spouses. These are issues
that are directly or indirectly related to the matrimonial community of goods. In refer-
ence to the sixth Chapter, I give prominence to the clause 977 of the Civil Code that
authorized, with some restrictions, the agreement of society between spouses, that, in
the past, aroused enthusiastic dogmatic and jurisprudential polemics.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO...............................................................................................4
HISTÓRICO: FUSTEL DE COULANGES, JOSÉ REINALDO DE
LIMA LOPES E LINO DE MORAIS LEME..............................................9
CAPÍTULO I: A FAMÍLIA NO DIREITO BRASILEIRO .....................20
1. CONSIDERAÇÕES DE ORDEM CONSTITUCIONAL.............................................................20
2.
FAMÍLIA DECORRENTE DO CASAMENTO CIVIL ..............................................................28
2.1. Conceito de casamento........................................................................................29
2.2. Natureza jurídica do casamento..........................................................................34
3.
FAMÍLIA DECORRENTE DE UNIÃO ESTÁVEL...................................................................42
3.1. Conceito de união estável....................................................................................48
3.2. Elementos da união estável.................................................................................53
3.2.1. Diversidade de sexo................................................................................................................................53
3.2.2. Ausência de matrimônio civil válido e de impedimento matrimonial. ...................................................56
3.3.3. Unicidade de vínculo..............................................................................................................................57
3.3.4. Convivência pública, contínua e duradoura............................................................................................58
3.3.5. Lealdade ou fidelidade............................................................................................................................63
3.3.6. Coabitação..............................................................................................................................................64
3.3.7. Objetivo de constituição de família........................................................................................................66
4. FAMÍLIA MONOPARENTAL ............................................................................................67
CAPÍTULO II: REGIME MATRIMONIAL DE BENS NA
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA....................................................................70
1. REGIME DE BENS NA HISTÓRIA DO DIREITO E NA ATUALIDADE .....................................70
2.
CONCEITO DE REGIME DE BENS.....................................................................................74
3.
NATUREZA JURÍDICA ....................................................................................................79
4.
IMPORTÂNCIA DO REGIME DE BENS...............................................................................81
5.
DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE O REGIME DE BENS ...........................................................84
5.1. Considerações preliminares................................................................................85
5.2. Atos praticados pelos cônjuges...........................................................................86
5.2.1. Atos não sujeitos a outorga conjugal......................................................................................................86
5.2.2. Atos sujeitos a outorga conjugal.............................................................................................................96
6. PRINCÍPIOS RELATIVOS AO REGIME DE BENS NO DIREITO BRASILEIRO ........................108
6.1. Variedade do regime de bens............................................................................109
6.2. Liberdade dos pactos antenupciais...................................................................111
6.3. Mutabilidade do regime adotado ......................................................................112
6.3.1. Competência.........................................................................................................................................116
6.3.2. Procedimento........................................................................................................................................118
6.3.2.1. Pedido formulado por ambos os cônjuges...................................................................................118
6.3.2.2. Desnecessidade de intervenção do Ministério Público................................................................119
6.3.3. Mutabilidade nos casos de separação obrigatória.................................................................................126
6.3.4. Retroação dos efeitos............................................................................................................................130
6.3.5. Direito intertemporal............................................................................................................................133
6.3.6. Publicidade...........................................................................................................................................139
7. MODALIDADES...........................................................................................................140
7.1. Regime da comunhão parcial de bens...............................................................141
7.1.1. Bens excldos da comunhão................................................................................................................143
7.1.2. Bens incluídos na comunhão................................................................................................................152
7.1.3. Administração do patrimônio comum ..................................................................................................155
7.2. Regime da comunhão universal de bens ...........................................................157
II
7.2.1. Bem excluídos da comunhão................................................................................................................159
7.2.2. Bens incluídos na comunhão................................................................................................................166
7.2.3. Administração do patrimônio comum ..................................................................................................167
7.3. Regime da participação final nos aqüestos.......................................................167
7.4. Regime da separação de bens ...........................................................................168
7.4.1. Separação de bens por imposição legal ................................................................................................168
7.4.1.1. Casuística ....................................................................................................................................169
7.4.1.2. Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal..................................................................................177
7.4.2. Separação de bens decorrente de convenção ........................................................................................186
7.4.3. Administração dos bens........................................................................................................................190
8. TÉRMINO DO REGIME DOTAL ......................................................................................191
9.
REGIME LEGAL DISPOSITIVO NO BRASIL.....................................................................195
CAPÍTULO III: REGIME MATRIMONIAL DE BENS NO DIREITO
COMPARADO............................................................................................200
1. IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DO DIREITO COMPARADO .................................................200
2.
DIREITO ROMANO.......................................................................................................202
3.
DIREITO ALEMÃO .......................................................................................................206
3.1. Regime de bens da comunhão de aqüestos........................................................208
3.2. Regime da Separação de bens...........................................................................211
3.3. Regime da comunhão de bens ...........................................................................213
4.
DIREITO ITALIANO......................................................................................................216
4.1. Regime de comunhão legal................................................................................218
4.2. Regime de separação de bens............................................................................223
5.
DIREITO PORTUGUÊS ..................................................................................................224
5.1. Convenções antenupciais ..................................................................................224
5.2. Administração dos bens do casal......................................................................228
5.3. Regime de bens..................................................................................................229
5.3.1. Regime da comunhão de adquiridos.....................................................................................................230
5.3.2. Regime da comunhão geral ..................................................................................................................233
5.3.3. Regime da separação............................................................................................................................236
6. DIREITO MEXICANO....................................................................................................237
6.1. Sociedade conjugal............................................................................................237
6.2. Separação de bens.............................................................................................241
7.
DIREITO ESPANHOL ....................................................................................................242
7.1. Regime de la sociedad de gananciales..............................................................244
7.1.1. Obrigações e deveres de la sociedad de gananciales ...........................................................................246
7.1.2. Administração de bens de la sociedad de gananciales.........................................................................247
7.1.3. Dissolução e liquidação de la sociedad de gananciales .......................................................................250
7.2. Regime de participação.....................................................................................253
7.3. Regime de separação de bens............................................................................255
CAPÍTULO IV: REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS
AQÜESTOS.................................................................................................258
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O NOVO REGIME DE BENS........................................258
2.
SIGNIFICADO DO VOCÁBULO AQÜESTOS ......................................................................261
3.
SISTEMÁTICA LEGAL DO NOVO REGIME MATRIMONIAL...............................................264
4.
QUESTÃO TERMINOLÓGICA ........................................................................................266
5.
MISTURA DE REGIMES ................................................................................................268
6.
ADMINISTRAÇÃO E DISPOSIÇÃO DOS BENS..................................................................269
7.
DÍVIDAS DOS CÔNJUGES .............................................................................................273
8.
EXTINÇÃO DO REGIME DE BENS ..................................................................................275
8.1. Extinção por separação judicial ou divórcio....................................................276
8.1.1. Abertura de procedimento judicial .......................................................................................................276
III
8.1.2. Risco de fraude na partilha...................................................................................................................278
8.1.3. Medidas cautelares ...............................................................................................................................280
8.2. Extinção por morte............................................................................................283
8.2.1. Abertura de inventário ou arrolamento.................................................................................................283
8.2.2. Meação do de cujus..............................................................................................................................285
8.2.2.1. Monte a ser inventariado.............................................................................................................285
8.2.2.2. Direito do cônjuge sobrevivente à parte da herança....................................................................286
9. APURAÇÃO DO MONTANTE DOS AQÜESTOS.................................................................288
9.1. Termo a quo da apuração em caso de separação ou divórcio..........................298
9.2. Termo a quo da apuração em caso de morte....................................................300
10.
MEAÇÃO: DIREITO IRRENUNCIÁVEL, INCESSÍVEL E IMPENHORÁVEL .........................302
11.
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O NOVO REGIME DE BENS ........................................303
CAPÍTULO V: PACTOS ANTENUPCIAIS............................................306
1. EXIGÊNCIA LEGAL DE PACTO ANTENUPCIAL...............................................................306
2.
CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO PACTO..............................................................310
3.
LIBERDADE DE PACTUAR............................................................................................313
4.
CAPACIDADE PARA PACTUAR .....................................................................................319
5.
MOMENTO E LUGAR DA CELEBRAÇÃO DO PACTO........................................................322
6.
FORMA DOS PACTOS ...................................................................................................326
7.
OBJETO DOS PACTOS...................................................................................................329
8.
NULIDADE E INEFICÁCIA DOS PACTOS ........................................................................334
9.
CADUCIDADE DOS PACTOS .........................................................................................340
10.
PUBLICIDADE DOS PACTOS .......................................................................................342
CAPÍTULO VI: SOCIEDADE ENTRE CÔNJUGES ............................347
CONCLUSÕES ...........................................................................................354
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................361
4
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é tratar das questões matrimoniais de bens à
luz do direito comparado, bem como discorrer sobre o novo regime de parti-
cipação final nos aqüestos instituído pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de
2002 (novo Código Civil).
Antes de versarmos, porém, sobre o tema central da tese, fizemos con-
siderações históricas sobre a família antiga (na Grécia e em Roma), tomando
por base os estudos de Fustel de Coulanges, José Reinaldo de Lima Lopes e
Lino de Morais Leme.
Em seguida, examinamos no Capítulo I a família no direito brasileiro.
A ninguém é dado relativizar a importância da família no seio da sociedade.
Com efeito, a família tem capital importância na vida de qualquer ser huma-
no, do mais humilde ao mais abastado.
Quando se diz que a família é a base da sociedade, não há erro nem e-
xagero nessa afirmação. É no pequeno núcleo chamado família que o ser hu-
mano nasce, se desenvolve, recebe carinho, amor, atenção, assistência, acon-
chego, educação, orientação, tornando-se apto a, mais tarde, ter contato com
as pessoas da sociedade.
5
As Constituições brasileiras anteriores a 1988 somente se referiam à
família como entidade familiar oriunda do casamento. Não faziam menção à
união estável, como se esta não passasse de pura imaginação novelesca, sem
existência real. Tudo mudou a partir de 5 de outubro de 1988, data da pro-
mulgação da Carta Política vigente. O constituinte não considerou família a-
penas a comunidade formada entre marido e mulher e seus descendentes, mas
também a união estável, sem vínculo matrimonial, entre homem e mulher e
seus descendentes. E também não olvidou a família monoparental, assim con-
siderada a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Depois do estudo da família no direito brasileiro, abrimos o Capítulo II
para examinar o regime matrimonial de bens na legislação brasileira. O orde-
namento jurídico não poderia ficar indiferente à nova comunidade de vida
formada a partir do casamento. Afinal, como afirma Beatriz Pallarés
1
, a nova
comunidade de vida reclama um sistema jurídico que regule as relações de
cada um de seus membros, direitos e deveres, bem como o aspecto econômi-
co.
O regime de bens sofreu influência do direito germânico e do direito
português, sobretudo em matéria de comunhão de bens, a mais difundida mo-
dalidade entre nós. O Capítulo II examina, entre outras coisas, o conceito de
regime de bens, a sua natureza jurídica, os seus princípios e a sua importância
para os cônjuges e para terceiros. Novidade introduzida no direito positivo é a
1
Derecho Matrimonial Patrimonial, Anuario Argentino de Derecho Internacional, vol. 8, p. 73.
6
relativa ao princípio da mutabilidade temperada do regime de bens. Antes da
vigência do novo Código, o regime de bens, a teor do art. 230, não permitia
alteração. A nova codificação rompeu com o sistema legal anterior e passou a
admitir a mutabilidade justificada ou temperada do regime de bens. Mutabili-
dade sujeita, inexoravelmente, à apreciação da autoridade judiciária.
Fizemos ligeira referência, ainda no Capítulo II, ao novo regime de
bens adotado pelo legislador (participação final nos aqüestos), mas preferimos
abrir um capítulo (Capítulo IV), para tratar minudentemente do tema.
No Capítulo III enfocamos o regime matrimonial de bens à luz do direi-
to comparado. É com base no estudo do direito comparado que podemos ex-
trair importantes lições, bem como técnicas legais, para o aperfeiçoamento de
nossa legislação. Aliás, como afirmava René David havia muito tempo “el
método comparativo puede servir, por otra parte, a aquellos que buscan per-
feccionar el Derecho de su país, bien sea el legislador propiamente dicho, bien
aquellos otros agentes (Tribunales, autores y tratadistas) que pueden concurrir
a la elaboración del Derecho”
2
. Fizemos incursões pela legislação da Alema-
nha, Itália, Portugal, México e Espanha, e pudemos notar que o regime comu-
nitário é adotado, à unanimidade, por tais nações. O mesmo se diga em rela-
ção ao regime não comunitário (separação de bens).
Alemanha, Áustria, Suíça, França, Espanha e Argentina são países que
conhecem, por outro lado, um regime misto – não comunitário enquanto sub-
2
Tratado de Derecho Civil Comparado, p. 39.
7
sistir o casamento, e comunitário por ocasião da dissolução da sociedade con-
jugal. Trata-se do regime que, aqui no Brasil, mercê da nova codificação civil,
foi acolhido pelo nome de participação final nos aqüestos. Sobre esse peculi-
ar regime patrimonial – até então desconhecido de nosso direito –, relembra-
mos que o Capítulo IV enfoca-o com mais detalhes ao longo dos seus doze
itens. Trata-se de regime de bens de natureza híbrida, uma mistura de separa-
ção e comunhão de bens. Durante a subsistência da sociedade conjugal, o no-
vo regime equivale ao de separação total, cada cônjuge tendo o seu próprio
patrimônio e se incumbindo de administrá-lo da maneira que melhor lhe con-
vier. No entanto, dissolvida a união conjugal – por separação, divórcio ou
morte, o regime assume feição comunitária, com a conseqüente comunicabili-
dade dos aqüestos, bens adquiridos a título oneroso durante a constância do
casamento.
No penúltimo capítulo foram feitas considerações sobre os pactos ante-
nupciais. A comunhão parcial de bens é, entre nós, o regime legal ou supleti-
vo, somente deixando de sê-lo se os nubentes escolherem, mediante pacto an-
tenupcial, um outro regime patrimonial. Assim, sendo o pacto o instrumento
pelo qual os nubentes escolhem o estatuto patrimonial a vigorar durante o ca-
samento, nada melhor do que abrir um capítulo para tratar do assunto.
Reservamos o Capítulo VI para versar sobre um assunto que, na vigên-
cia do vetusto Código Civil, ensejava acaloradas discussões: a constituição de
sociedade entre cônjuges. O novo Código acabou com a polêmica, autorizan-
8
do expressamente a formação de sociedade entre marido e mulher, desde que
o regime de bens não seja o da comunhão universal de bens ou o da separação
obrigatória de bens (CC, art. 977). Achamos por bem incluir tal tema nesta
tese de doutoramento, porque a constituição de sociedade envolve questões
eminentemente patrimoniais, podendo dar margem a práticas fraudulentas
com a intenção de lesar credores.
Finalmente, abrimos um tópico para emitir as nossas conclusões sobre
os principais aspectos versados na presente teste de doutoramento.
9
HISTÓRICO: FUSTEL DE COULANGES, JOSÉ REINALDO
DE LIMA LOPES E LINO DE MORAIS LEME
Em Roma e na Grécia, a religião foi o princípio constitutivo da família
antiga. Essa assertiva está bem clara em Fustel de Coulanges
3
, para quem ca-
da casa possuía um altar e, ao redor deste altar, a família se reunia para as o-
rações.
Fora da casa, túmulos havia, próximos a esta, edificados com o escopo
de cultuar os antepassados, dando-lhes oferendas e solicitando-lhes especial
proteção. Entre a parte viva e a parte morta da família existia tão-somente
uma distância de alguns passos que separava a casa dos vivos dos túmulos dos
mortos.
Segundo o escólio de Fustel de Coulanges, “o que uniu os membros da
família antiga foi algo mais poderoso que o nascimento, que o sentimento e
que a força física: foi a religião do fogo doméstico e dos ancestrais, a qual fez
com que a família formasse um corpo nesta e na outra vida. A família antiga
era mais uma associação religiosa que uma associação natural (...) Não há dú-
vida que não foi a religião que criou a família, mas seguramente foi ela que
lhe deu suas regras, daí resultando que a família antiga recebeu uma constitui-
ção diferente daquela que teria recebido se os sentimentos naturais não tives-
sem constituído por si sós seus fundamento (...) Uma família era um grupo de
3
A Cidade Antiga – Estudos sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia e de Roma, p. 39
10
pessoas a quem a religião permitia invocar o mesmo fogo doméstico e ofere-
cer o repasto fúnebre aos mesmos ancestrais”
4
.
O pensamento de Fustel de Coulanges coincide com a opinião de Lino
de Morais Leme, uma vez que esse último autor, tecendo importantes consi-
derações sobre a família romana antiga, já dizia, em seu excelente livro sobre
direito civil comparado, que “a família era uma unidade legal, econômica e
religiosa
5
(destacamos).
Ao lado da família exsurgia a instituição do casamento, considerado por
Fustel de Coulanges
6
como a primeira instituição estabelecida pela religião
doméstica. O casamento trazia mudanças importantes na vida das pessoas,
sobretudo na vida das mulheres. Uma jovem, ao celebrar casamento, era obri-
gada a abandonar definitivamente o fogo doméstico paterno e abraçar o fogo
doméstico do marido
7
. Tal abandono, é curial ressaltar, não significava sim-
plesmente transferir-se da casa de seu pai para a casa de seu marido. O aban-
dono do fogo doméstico era muito mais do que isso. A mulher era obrigada,
por força dos costumes da época, a mudar de religião, a praticar outros ritos
religiosos, a fazer outras orações, enfim, a sacrificar a sua religião para poder
ingressar na religião de seu marido. Vale dizer, a mulher desligava-se comple-
tamente da família de seu pai e passava a integrar uma outra família, a família
4
Ob. cit., p. 40.
5
Direito Civil Comparado, p. 227.
6
Ob. cit., p. 41.
7
Explica Fustel de Coulanges o que significava esse fogo doméstico: “A casa de um grego ou de um romano
continha um altar. Sobre este altar ele devia manter sempre um pouco de cinza e carvões acesos. Tratava-se
de uma obrigação sagrada para o chefe de toda casa conservar o fogo dia e noite. (...) Esse fogo era qualquer
coisa de divino. Era adorado, a ele rendia-se um verdadeiro culto. Dava-se a ele em oferenda tudo que se
acreditava pudesse ser agradável a um deus: flores, frutas, incenso, vinho. Imploravam-lhe sua proteção;
11
do marido, com a obrigação de cultuar, doravante, tão-somente os ancestrais
de seu marido. Afinal, a mulher passava com o casamento a pertencer unica-
mente à família do marido. O desligamento da família natural simbolizava a
morte.
A importância do casamento como instituição foi bem notada e procla-
mada por Roberto de Ruggiero
8
, segundo quem o casamento é o eixo de todo
o sistema jurídico familiar, na medida em que se revela também fora do âmbi-
to restrito dos direitos familiares.
Mas o casamento, tanto na Grécia quanto em Roma, exigia o nascimen-
to de filhos. Todos tinham um imenso interesse em deixar um filho atrás de si,
convencidos de que com isso poderiam contar com uma feliz imortalidade.
Aliás, trata-se até de um dever para com os ancestrais, já que a felicidade des-
tes estava inexoravelmente ligada à duração da família. Segundo os costumes
da época, os homens acreditavam que a felicidade do morto não se vinculava
à conduta dele quando vivo, mas sim à conduta de seus descendentes em rela-
ção a ele. Cultuar os antepassados, oferecendo-lhes o repasto fúnebre, era
acreditava-se que era poderoso. Eram-lhe dirigidas orações fervorosas visando obter dele esses eternos obje-
tos dos desejos humanos, a saber, saúde, riqueza, felicidade” (ob. cit., p. 26-27).
8
Instituições de Direito Civil, vol. II, p. 74. E mais adiante, o mesmo autor acrescenta: “Tal como é na famí-
lia, que se encontra a primeira raiz do Estado, da mesma forma no casamento, que é a origem daquela, repou-
sa a solidez do próprio organismo social. Base e condição da convivência civil, sem ele não se compreende
nem se entende nunca na história da civilização – qualquer organização duradoura da sociedade. Ainda hoje
se pode repetir, com Cícero, que ele é principium urbis et quase seminarium republicae. O casamento é um
instituto não só jurídico, mas ético, social e político e é tal a sua importância que a própria estrutura do orga-
nismo social depende da sua regulamentação. Impera nele não só o direito, mas também o costume e a religi-
ão: todos os três grupos de normas se contêm no seu domínio e uma das características mais salientes da
história do instituto é a luta tratada entre o Estado e a Igreja para obter a competência exclusiva para o regu-
lar” (ob. cit., p. 74).
12
condição necessária para que os mortos tivessem repouso e felicidade. Daí a
grande expectativa pela procriação.
Ademais, como explica José Reinaldo de Lima Lopes, “o efeito visado
pelo casamento era gerar filhos legítimos, que continuavam a servir tanto à
família quanto à cidade. Aulus Gellius conta o caso célebre de um Carvilius
Ruga que, embora amando afetuosamente sua mulher, vê-se obrigado a pedir-
lhe o divórcio para cumprir o juramento de gerar filhos, pois ela era estéril. O
casamento não é, portanto, um instrumento de realização pessoal, mas o vín-
culo que constitui a família, por sua vez unidade produtiva”
9
.
Em Atenas, a lei impunha ao primeiro magistrado da cidade o encargo
de zelar pela procriação, de tal sorte que nenhuma família viesse a desapare-
cer. A lei romana, por seu turno, não permitia que nenhum culto doméstico
cessasse de ser praticado. Foi dito, alto e bom som, por um orador ateniense:
“Ele não é homem que, ciente de que deve morrer, tenha tão pouco zelo con-
sigo mesmo a ponto de querer deixar sua família sem descendentes, pois as-
sim ninguém haveria para lhe render o culto que é devido aos mortos”
10
.
Sendo a procriação muito importante, o celibato era execrado pela lei e
pelos costumes da época. O celibato devia constituir a um só tempo impieda-
de grave e desgraça. Impiedade, porque o celibato punha em perigo a felici-
dade de cada família; desgraça, porque o celibatário não receberia nenhum
9
O Direito na Histórialições introdutórias, p. 60.
10
Iseu, VII, De Apollod. hered., 30, apud Fustel de Coulanges, ob. cit., p. 46.
13
culto após a sua morte. Segundo Fustel de Coulanges, Dionísio de Halicarnas-
so, manuseando os velhos anais de Roma, descobriu uma antiga lei que obri-
gava os jovens a se casarem.
Em Esparta, a legislação de Licurgo punia severamente o homem que
não se casava.
Por outro lado, segundo uma passagem de Pólux, III, 48, citada por
Fustel de Coulanges, em muitas cidades gregas a lei considerava o celibato
como crime.
E mesmo depois que deixou de ser proibido pelas leis, o celibato conti-
nuou a receber a mais profunda reprovação social. Os costumes impediam o
celibato. O homem – dizia-se naquela época – não se pertencia, pertencia à
família. Ele veio para este mundo para cultuar os antepassados, dando prosse-
guimento ao culto doméstico; assim, nada mais justo que, ao deixar este mun-
do, estivesse certo de receber de seus descendentes o culto salvador de sua
alma.
Mas não bastava gerar um filho, era necessário que ele fosse fruto de
um casamento religioso. Afinal de contas, a procriação, como já dito acima,
se destinava a dar continuidade ao culto doméstico. O bastardo não podia de-
sempenhar o papel cometido ao filho proveniente de casamento religioso. E a
razão era bem simples: se a mulher não se associasse ao culto de um esposo
pela cerimônia do casamento, o filho fruto desse relacionamento não estava
14
autorizado a participar do culto doméstico e a oferecer o repasto fúnebre aos
ancestrais. Eis a razão pela qual o casamento era, na época, obrigatório. A fi-
nalidade do casamento, longe de ser a união de dois seres que se amavam,
consistia em unir dois seres no mesmo culto doméstico, permitindo que dessa
união nascesse um filho em tudo apto a continuar tal culto.
Como a finalidade da união era perpetuar a família com o escopo de
possibilitar a obediência ao culto religioso, o casamento podia ser dissolvido
se a mulher fosse estéril. Mas se a esterilidade partisse do marido, prevalecia
o princípio absoluto da continuidade da família. Nesse caso, um irmão ou um
parente do marido tinha autorização para deitar-se com a mulher para fins ex-
clusivos de procriação. A mulher tinha a obrigação de entregar-se a esse ho-
mem. E o filho nascido desse congresso carnal era, então, considerado filho
do marido.
Os gregos e os romanos davam muita importância ao nascimento de
filhos homens. Só estes podiam dar continuidade ao culto doméstico, diferen-
temente das filhas, que não podiam fazê-lo porque, ao se casarem, eram obri-
gadas a renunciar ao culto de seus pais, passando a pertencer à família e à re-
ligião de seus maridos.
O descendente esperado avidamente era, portanto, o filho, chamado pe-
los antigos de salvador do fogo doméstico paterno.
15
A entrada desse filho na família era marcada por uma cerimônia religi-
osa, realizada alguns dias após o nascimento. A criança, apresentada aos deu-
ses domésticos, se via carregada por uma mulher que corria ao redor do fogo
doméstico. Dupla era a finalidade dessa cerimônia: purificar a criança e ini-
ciá-la no culto doméstico.
O dever de perpetuar o culto doméstico era tão intenso que, na hipótese
extrema de não ser possível a concepção de um filho, recorria-se à adoção.
Adotar um filho significava, pois, ser cioso com a perpetuidade da religião
doméstica, com a salvação do fogo doméstico e com a continuidade das ofe-
rendas fúnebres. Mas para que ocorresse a adoção era preciso que o filho ado-
tivo se desligasse de sua família de origem e de sua religião, passando a cul-
tuar o fogo doméstico da nova família.
Por aí se vê que tudo girava em torno da religião. O homem que não
rendia culto ao fogo doméstico e tampouco cultuava os seus ancestrais não
encontrava paz e felicidade no outro mundo – no mundo espiritual. A religião
era, portanto, o centro de tudo, até mesmo no tocante à propriedade.
Duas coisas estavam interligadas nas crenças e nas leis antigas: o culto
de uma família e a propriedade dessa família. Quer no direito grego, quer no
direito romano, não se podia adquirir a propriedade sem o culto religioso nem
o culto religioso sem a propriedade. Os bens e os cultos de cada família eram
inseparáveis.
16
Da mesma forma, a regra para a herança no direito antigo seguia o culto
religioso. É dizer: como a filha não se mostrava apta a dar continuidade à re-
ligião paterna, porque, com o casamento, renunciava ao culto do pai e passava
a adotar o culto do marido, ela não detinha qualquer título à herança. Nas pa-
lavras de Fustel de Coulanges, “a filha não poderia nem sequer cumprir o
primeiro dever do herdeiro, que é continuar a série de repastos fúnebres, já
que é aos ancestrais de seu marido que ela oferece sacrifícios. A religião, en-
tão, a proíbe de herdar do pai”
11
.
É bem verdade que, solteira, a lei não privava formalmente a mulher de
receber uma pequena parte na herança. Mas é preciso indagar até que ponto
ela tinha aptidão para ser herdeira. Com efeito, morrendo o pai, a filha era co-
locada sob a tutela de um irmão, permanecendo nessa condição durante toda a
vida, salvo se viesse a se casar. Ademais, não era dado a ela dispor dos bens
recebidos por morte de seu pai. Ao ser casar (casamento condicionado à con-
cordância de seu tutor), havia o rompimento do elo com a sua família natural,
pois ela passava a integrar a família de seu marido.
Por conta de tais considerações, é mais sensato dizer que a mulher, no
estado de solteira, recebia por ocasião da morte de seu pai um dote (e não
propriamente herança).
A inferioridade da mulher, naquela época, era abissal, pois somente o
homem tinha direitos. Ela, ao revés, jamais poderia possuir um fogo domésti-
11
Ob. cit., p. 65.
17
co próprio ou então ser chefe do culto. Como tudo girava em torno da religi-
ão, a mulher não era livre ou senhora de si mesma. Encontrava-se sempre jun-
to ao fogo doméstico de outra pessoa (ou do pai ou do marido). Para todos os
atos da vida religiosa necessitava de um chefe religioso; para todos os atos da
vida civil, de um tutor. Dizia a Lei de Manu: “A mulher, durante sua infância
depende de seu pai; durante sua juventude, de seu marido; com a morte do
marido, depende de seus filhos; se não tiver filhos, dos parentes próximos do
marido; pois uma mulher não deve nunca governar-se por sua vontade”
12
.
Somente o homem, mais propriamente o pai – o chefe supremo da reli-
gião doméstico –, possuía poder ilimitado. Enfeixava em suas mãos os pode-
res de pai de família, chefe religioso, senhor da propriedade ou juiz.
A ele tudo era possível, porque, como foi dito há pouco, seu poder se
mostrava absoluto e ilimitado.
Estes eram alguns de seus direitos:
Direito de reconhecer o filho por ocasião do nascimento, ou então
rejeita-lo.
Direito de repudiar a mulher, seja em caso de esterilidade, seja em
caso de adultério.
Direito de autorizar o filho ou a filha a unir-se em matrimônio.
12
Leis de Manu, V, 147, 148, apud Fustel de Coulanges, ob. cit., p. 76, nota de rodapé 147.
18
Direito de emancipar, isto é, direito de excluir um filho da família e
do culto.
Direito de adotar, ou seja, direito de trazer para sua casa um estra-
nho.
Direito de designar tutor para sua mulher e filhos.
A propósito de seus poderes, as leis de Atenas outorgavam ao pai o di-
reito de vender o próprio filho. Havia uma explicação para tanto: como o pai
tinha o poder de dispor de toda a propriedade da família, o filho era conside-
rado com propriedade, podendo ser objeto de venda ou cessão.
Naquela época, a propriedade era concebida como um direito de família
indivisível. Em cada família só podia haver um proprietário, a própria família,
e um só usufrutuário, o pai. Não podendo ser a propriedade dividida, e sendo
o pai o único com aptidão para desfrutar dela, a mulher e os filhos nada pos-
suíam de próprio. O dote da mulher pertencia ao marido, a quem o antigo di-
reito grego e romano conferia o título de administrador e proprietário desse
dote
13
.
Quisemos mostrar com este histórico que o direito antigo era extraordi-
nariamente diferente do direito contemporâneo. A mulher, por exemplo, den-
tro ou fora do casamento, não tinha direitos nem poderes. O direito antigo ou-
torgava apenas ao homem o poder total – o poder de chefe de família, de che-
13
Essas regras foram modificadas posteriormente, permitindo a devolução do dote em casos de dissolução do
casamento, conforme veremos oportunamente (Capítulo III, item “2”).
19
fe religioso, de senhor absoluto da propriedade. O homem era o centro de po-
der daquela época. A submissão da mulher à autoridade do pai, do marido ou
do tutor era irrestrita e perene. Ela não era senhora de si mesma, pois vivia
para obedecer ao comando de tais pessoas e honrar a religião doméstica de
seu subordinador. Quanto aos bens, a desigualdade saltava aos olhos. Era não
tinha direito à herança. Mas quando recebia algum dote do pai, levando-o para
o casamento, seu marido se apressava em se apossar desse bem, fazendo-o sua
propriedade.
De para cá muitas coisas mudaram! Prova disso é o nosso direito pá-
trio. A mulher conquistou, no casamento, os mesmos direitos e deveres do
homem. Ela compete com ele, agora, em igualdade de condições, seja no ter-
reno das relações pessoais, seja no terreno das relações patrimoniais. Nos re-
gimes comunitários, a administração dos bens conjugais compete a ambos.
Tudo isso será examinado nesta tese de doutoramento.
20
CAPÍTULO I: A FAMÍLIA NO DIREITO BRASILEIRO
1. Considerações de ordem constitucional
A família é a célula mãe da sociedade, recebendo especial proteção da
Constituição Federal de 1988. Como bem obtempera Espínola, “a despeito
das críticas e das vicissitudes que, em alguns períodos da história, e ainda re-
centemente, lhe têm posto à prova os alicerces, a família subiste, e é conside-
rada em todos os países e em todos os sistemas legislativos como instituição
necessária, cercada, no momento atual da civilização, de favores inspirados
pela religião e pela moral e aos quais a lei confere garantia coercitiva”
14
.
A família é a base da sociedade, conforme está dito no art. 226, caput,
da Constituição Federal. Nas palavras de Ney de Mello Almada, a família é o
“organismo humano básico, em cujo seio vem à vida o ser humano, depois aí
criado e educado, de tal sorte que, atingindo a idade de validez social, possa
ser recepcionado em seu ‘habitat’ coletivo para sua participação e cooperação
como elemento de uma universalidade gregária”
15
.
14
A Família no Direito Civil Brasileiro, p. 15.
15
Direito de Família, vol. 1, p. 24.
21
Referindo-se à importância da família, Pinto Ferreira
16
assinala que todo ser
humano, ao nascer, passa a ser membro de uma família, pertencendo à unida-
de política de importância que é o Estado.
Mas a família brasileira dos últimos tempos é muito diferente da família
que se formou sob a égide do vetusto Código Civil de 1916. Nossa sociedade
passou por lentas e profundas transformações sociais, transformações que a-
tingiram em cheio a família.
Para atender a essas profundas modificações sociais, a Constituição Fe-
deral de 1988, atenta à justa expectativa do povo brasileiro, abriu um capítulo
(Capítulo VII, Seção III, Título VIII)
17
para falar da família, do casamento,
da união estável, da criança e do adolescente e, por fim, do idoso.
As nossas Constituições anteriores, de uma maneira geral, também se
preocuparam com a família
18
, dando-lhe status constitucional.
Com efeito, a Carta Política de 1934, promulgada em 16 de julho, dis-
punha sobre a família no Capítulo II (do Título V), sob o lacônico nome de
Da família. Seu art. 144, caput, consignava: “A família, constituída pelo ca-
samento indissolúvel, está sob a proteção do Estado”. A Constituição Federal
de 1937, decretada em 10 de novembro, tratou da família nos arts. 124 a 127,
preceituando o art. 124: “A família constituída pelo casamento indissolúvel,
16
Comentários à Constituição Brasileira, vol. 7, p. 338.
17
Arts. 226 usque 230.
18
Embora em grau mais reduzido, porque não faziam menção à figura da união estável. Somente a família
proveniente do casamento recebia a proteção constitucional.
22
está sob a proteção especial do Estado. As famílias numerosas serão atribuí-
das compensações na proporção dos seus encargos”. Na seqüência, a Carta
Magna de 1946, promulgada em 18 de setembro, abriu um capítulo (Capítulo
I do Título VI), com o nome Da família (arts. 163 a 165). Por fim, tivemos a
Constituição Federal de 1967, promulgada em 24 de janeiro, que voltava a sua
atenção para a família, a educação e a cultura nos arts. 167 a 172. Da mesma
forma se comportou a CF de 1967 após a promulgação da Emenda Constitu-
cional n. 1, de 17 de outubro de 1969, porquanto o constituinte abriu um título
(Título IV) denominado Da família, da educação e da cultura (arts. 175 a
180).
As únicas Constituições que nada disseram sobre a família, omitindo-a
completamente, foram: a Constituição Política do Império, jurada em 25 de
março de 1824
19
, e a primeira Constituição Federal republicana, promulgada
em 24 de fevereiro de 1891
20
.
A Constituição Federal de 1988 realça a figura do casamento, mas nem
por isso lhe garante hegemonia na formação da família, pois também estende
a proteção constitucional à união estável. Assim, como bem observa Euclides
de Oliveira
21
, a atual Constituição reconhece, ao lado da família resultante do
casamento, a família de fato, oriunda de união estável.
19
Não havia nenhum título ou capítulo destinado à família. Ou melhor: havia um capítulo (Capítulo III do
Título 5
o
, arts. 105 a 115) voltado exclusivamente à família imperial, com o nome de Da Família Imperial, e
sua Dotação.
20
A Constituição de 1891 também não deu tratamento constitucional à família.
21
União Estável – Do concubinato ao casamento, p. 29.
23
Foi no seio da Carta Republicana de 1988 que brotou o novo conceito
de Direito de Família; foi no seio da atual Constituição que o Direito de Fa-
mília ganhou novos contornos, uma vez que o constituinte reconheceu não só
a igualdade entre os cônjuges, como também a igualdade entre os filhos havi-
dos ou não da relação de casamento ou por adoção, além de ter reconhecido a
união estável entre homem e mulher como entidade familiar, dando-lhe prote-
ção.
A igualdade dentro da sociedade conjugal é corolário da dignidade da
pessoa humana. Como preleciona Flavia Piovesan, “o valor da cidadania e
dignidade da pessoa humana, bem como o valor dos direitos e garantias fun-
damentais, vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as
exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a to-
do sistema jurídico brasileiro”
22
.
De fato, o princípio da dignidade da pessoa humana é, acima de tudo,
uma exigência de justiça. No regime da lei anterior, infelizmente, não havia
esse senso de justiça, tendo em vista que o ordenamento jurídico colocara a
mulher em outro patamar, em tudo incompatível com a dignidade da pessoa
humana. Basta recordar que a mulher casada era considerada relativamente
incapaz, situação que só veio a se modificar com o Estatuto da Mulher Casada
(Lei n. 4.121, de 27 de agosto de 1962). A sociedade conjugal, no regime an-
terior, era profundamente patriarcal, resquício do direito romano, cabendo ao
homem comandar o lar, os negócios e tudo o mais, ficando a mulher relegada
22
Direitos Humanos e o Princípio da Dignidade Humana, p. 40.
24
a cuidar da casa e dos filhos, o que, de certa forma, contribuiu para o avilta-
mento de sua condição feminina.
Felizmente, as coisas mudaram. A Constituição Federal de 1988, já no
seu primeiro artigo, consagrou a dignidade da pessoa humana como valor
fundamental a ser respeitado por todos, em especial pelo próprio Estado. Ao
lado da soberania, da cidadania, do trabalho e do pluralismo partidário, o
constituinte inseriu, no art. 1
o
, inc. III, da Carta Magna a dignidade da pessoa
humana como valor de suma importância para as presentes e futuras gerações.
O constituinte percebeu que a melhoria das condições sociais de um povo é
proporcional ao respeito a ser dado à dignidade da pessoa humana.
José Joaquim Gomes Canotilho
23
, discorrendo sobre a dignidade da
pessoa humana, ensina que ela se condensa em cinco esferas: 1) afirmação da
integridade física e espiritual do homem como dimensão irrenunciável da sua
individualidade autonomamente responsável; 2) garantia da identidade e inte-
gridade da pessoa através do livre desenvolvimento; 3) liberdade da angústia
da existência da pessoa mediante mecanismos de socialidade, incluindo-se a
possibilidade de trabalho e a garantia de condições existenciais mínimas; 4)
garantia e defesa da autonomia individual através da vinculação dos poderes
públicos a conteúdos, formas e procedimentos do Estado de direito; 5) igual-
dade dos cidadãos, expressa na mesma dignidade social e na igualdade de tra-
tamento normativo (igualdade perante a lei).
23
Direito Constitucional, p. 367.
25
E Alexandre de Moraes, escrevendo sobre o princípio da dignidade da
pessoa humana, destaca que
“A dignidade é um valor espiritual e moral inerente a pessoa,
que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente
e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao
respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um míni-
mo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de
modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limita-
ções ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem
menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas
enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intimidade,
à honra, à imagem, dentre outros, aparecem como conseqüência
imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como
fundamento da República Federativa do Brasil. Esse fundamento
afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas
de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. (...) O
princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da
dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla concep-
ção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja
em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indi-
víduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever funda-
26
mental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse
dever configura-se pela exigência do indivíduo respeitar a digni-
dade de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige que
lhe respeitem a própria. (...) Ressalte-se, por fim, que a Declara-
ção Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pe-
la Resolução n 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Uni-
das, em 10-12-1948 e assinada pelo Brasil na mesma data, reco-
nhece a dignidade como inerente a todos os membros da família
humana e como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo”
24
.
No âmbito das relações familiares, são exemplos preciosos do respeito
constitucional à dignidade da pessoa humana os seguintes: a igualdade de di-
reitos e deveres entre os cônjuges; a igualdade social entre cônjuges e compa-
nheiros; a igualdade de direitos entre os filhos havidos ou não da relação de
casamento ou por adoção; a vedação de designações discriminatórias entre os
filhos provindos de casamento e os nascidos de união estável ou de simples
relacionamento sexual entre seus pais. Assim, o princípio da dignidade da
pessoa humana faz valer os direitos dos cônjuges, os direitos de crianças e
adolescentes, os direitos de idosos, enfim, os direitos de todas as pessoas, sem
24
Direitos Humanos Fundamentais, p. 60-61.
27
distinção de raça, cor, credo, sexo, condição social, nível de escolaridade, i-
deologia política, etc.
Ora, se as leis são normas jurídicas feitas pelas pessoas e para as pesso-
as, e têm a finalidade precípua, na justa advertência de Franco Montoro
25
, de
dirigir a vida social dos seres humanos e assegurar, sempre, o bem comum
por meio de medidas positivas e, se necessário, repressivas, esse bem comum
somente será admiravelmente alcançado se a dignidade da pessoa humana
estiver colocada em primeiro plano, acima de interesses meramente individu-
ais.
Não por outra razão, as relações estritamente familiares, dentro do lar,
também merecem a especial atenção do Estado, até porque, diga-se, é no seio
da família que as pessoas nascem, crescem, aprendem e absorvem valores
morais e sociais. É por isso que a nossa Carta Magna vigente, a exemplo das
anteriores, dedicou um capítulo para tratar da família, mas foi além, dissol-
vendo a assimetria existente entre marido e mulher, e reconhecendo constitu-
cionalmente a união estável.
Portanto, a Constituição Federal vigente protege a família em geral,
quer a família nascida do casamento, quer a família nascida da união estável,
quer a família monoparental (CF, art. 226, § 3
o
). Isso fez com que Gustavo
Tepedino proclamasse, com integral razão, que “as normas que têm a sua ra-
tio vinculada às relações familiares devem ser estendidas a toda e qualquer
25
Introdução à Ciência do Direito, p. 315.
28
entidade familiar, nos termos constitucionais, independentemente da origem
da família; tenha sido ela constituída por ato jurídico solene ou por relação de
fato; seja ela composta por dois cônjuges ou apenas por um dos genitores,
juntamente com os seus descendentes”
26
.
Nos itens “2”, “3” e “4” faremos considerações sobre essas três entida-
des familiares.
2. Família decorrente do casamento civil
A Constituição Federal conhece o casamento religioso, mas só lhe em-
presta efeitos civis se forem observados os termos da lei (CF, art. 226, § 2
o
)
27
.
Sendo assim, o casamento religioso somente será equiparado ao casa-
mento civil se forem cumpridas as formalidades ditadas pela lei. Do contrário,
trata-se de união estável e não de casamento civil, ainda que sob a ótica canô-
nica os companheiros possam ser considerados marido e mulher.
Vamos tratar neste item apenas da família decorrente do casamento ci-
vil. Se o casamento for apenas religioso, a situação se encaixará no item “3”.
26
A disciplina civil-constitucional das relações familiares, em Temas de Direito Civil, p. 359.
27
Diz o art. 226, § 2
o
, da Carta Magna: “O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei”. A lei a
que se refere a Constituição é o Código Civil, art. 1516.
29
2.1. Conceito de casamento
Encontramos nos livros de doutrina as expressões casamento e matri-
mônio. Trata-se de palavras sinônimas, podendo ser utilizadas indistintamente
28
. Entram também nesse rol as seguintes palavras: núpcias, bodas e enlace
matrimonial. O novo Código Civil emprega ora o vocábulo casamento (e-
xemplo: art. 5
o
, inc. II; art. 10, inc. I; art. 546; art. 1.511; art. 1.514), ora o
vocábulo núpcias (exemplo: art. 1.489, inc. II; art. 1.588; art. 1.598; art.
1.636), não fazendo nenhuma referência à palavra matrimônio.
A palavra matrimônio origina-se do latim mater e munium ou munus,
significando ofício de mãe, no qual se dá ênfase ao papel desempenhado pela
mãe: cuidar, alimentar e educar a prole.
Os romanos reconheciam o instituto da manus, assim entendido o poder
do marido sobre a mulher. Bem por isso, havia no direito romano duas espé-
cies de casamento: o cum manu e o sine manu, conforme veremos oportuna-
mente (v. Capítulo III, item “2”).
O jurista italiano Ruggiero enfatiza que “o conceito mais adequado do
casamento é dado pela idéia da ‘sociedade conjugal’: uma união que não é
apenas de corpos, mas de espíritos, que tem caráter de permanência e de per-
petuidade, visto o vínculo durar toda a vida; que se baseia no amor e se conso-
lida pela afeição serena fora de toda a paixão ou excitação dos sentidos; que
28
Ver Dicionário Aurélio Eletrônico, verbete casamento; ver também Dicionário Eletrônico Houaiss da
Língua Portuguesa, verbete matrimônio.
30
tem por fim não só a procriação dos filhos e a perpetuação da espécie, mas
também a assistência recíproca e a prosperidade econômica; que cria uma
comunhão indissolúvel de vida; que gera deveres recíprocos entre os esposos
e de ambos para com a prole. Estes caracteres e estes fins, que são de todos os
casamentos, seja qual for o direito positivo que se considere e o período histó-
rico, foram magistralmente assinalados pelo grande orador romano [Ruggiero
refere-se a Cícero], nam, quum sit hoc natura commune animantium, ut habe-
ant libidinem procreandi, prima societas in ipso conjugio est, proximo in li-
beris, deinde um domus, communia omnia, e aparecem sempre nas definições,
que o juristas e filósofos da antiguidade deram do casamento”
29
.
Heinrich Lehmann, por sua vez, escreve que “El matrimonio es una
unión contractual entre marido y mujer jurídicamente reconocida y reglamen-
tada, em orden a la comunidad de vida indivisa y duradeira”
30
.
Guillermo A. Borda, ao discorrer sobre o instituto, faz o seguinte regis-
tro: “Según la clásica definición de PORTALIS, el matrimonio es una socie-
dade del hombre y la mujer que se unen para perpetuar su espécie, para ayu-
darse, para socorrerse mutuamente, para llevar el peso de la vida y compartir
su común destino. Más brevemente, es la unión del hombre y la mujer para el
establecimiento de una plena comunidad de vida. El matrimonio es la base
necesaria de la familia legítima. Basta recordado para comprender su trans-
cendencia em todo el Derecho de familia y más aun en toda la organización
29
Ob. cit., p. 74.
30
Derecho de Familia, vol. IV, p. 43.
31
social. Por ello decía CICEREON que el matrimonio es principium urbis et
quasi seminarium rei publicae
31
.
Modestino define o casamento como “a união de homem e mulher, so-
ciedade total de vida, associação de direito divino e humano (Nuptiae sunt
conjuctio maris et feminae, consortium omnis vitae, divini et humani juris
communicatio – Digesto, 23, 2, I)”
32
. Ruggiero, a propósito da definição de
Modestino, assevera que “a conjunção designa o elemento físico da relação, o
consórcio por toda a vida o elemento moral e o caráter perpétuo do vínculo, a
comunhão de direito humano e divino o traço mais nobre e mais ideal da soci-
edade conjugal, que é considerada aqui na sua forma mais elevada e perfeita-
mente romana do casamento cum manu
33
.
Planiol e Ripert
34
, por sua vez, definem matrimônio como o ato jurídi-
co por meio do qual o homem e a mulher estabelecem entre si uma união que
a lei sanciona, não podendo eles romper por vontade própria.
Luís Díez-Picazo e Antonio Gullón definem matrimônio como “la
unión de un varón y de una mujer, concertada de por vida mediante la obser-
31
Tratado de Derecho Civil – Família, I, p. 45-46.
32
José Cretella Junior, Curso de Direito Romano, p. 122.
33
Ob. cit. p. 75.
34
“El matrimonio crea una asociación entre los dos esposos, con obligaciones reciprocas; pero, su objeto
esencial es la creación de la familia. En el fondo, no es outra cosa que la unión sexual, reconocida por la ley,
puesto que la procreación de los hijos crea deberes para los padres. La legislación canónica hacia de la unión
sexual la esencia del matrimonio. En la legislación civil, esse carácter se halla disimulado por la multiplici-
dad de los efectos jurídicos del matrimonio, pero el caráter fundamental del matrimonio no ha podido cam-
biar” (Tratado Practico de Derecho Civil Frances, tomo 2, p. 59).
32
vancia de determinado ritos o formalidades legales y tendente a realizar una
plena comunidad de existencia”
35
.
Para Theodor Kipp e Martin Wolff, “matrimônio é a união de um ho-
mem e de uma mulher, reconhecida pelo direito e investida de certas conse-
qüências jurídicas”
36
. E mais adiante Kipp e Wolff
37
acrescentam: a união é
dirigida ao estabelecimento de uma plena comunidade de vida. Daí o matri-
mônio se distinguir de outras uniões sexuais juridicamente reconhecidas.
Na doutrina brasileira, Pontes de Miranda diz que o “casamento é o
contrato de direito de família que regula a união entre marido e mulher”
38
.
Washington de Barros Monteiro define o casamento “como a união perma-
nente entre o homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzi-
rem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos”
39
. Silvio Rodri-
gues, por sua vez, preleciona que “Casamento é o contrato de direito de famí-
lia que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformida-
de com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole co-
mum e se prestarem mútua assistência”
40
.
Maria Helena Diniz, baseando-se no conceito de Gangi, diz que “casa-
mento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa o auxílio mú-
35
Instituciones de Derecho Civil, vol. II/2, p. 43.
36
Tratado de Derecho Civil: Derecho de Familia, 4
o
tomo, vol. 1, p. 10.
37
Ob. cit., p. 11.
38
Tratado de Direito de Família, vol. I, p. 96.
39
Curso de Direito Civil, 2
o
vol., p. 22.
40
Direito Civil, vol. 6, p. 19.
33
tuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a
constituição de uma família“
41
.
José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz
conceituam o casamento como “o negócio jurídico de Direito de Família por
meio do qual um homem e uma mulher se vinculam através de uma relação
jurídica típica, que é a relação matrimonial. Esta é uma relação personalíssima
e permanente, que traduz ampla e duradoura comunhão de vida”
42
.
O Código Civil brasileiro não define o casamento. Aliás, não é tarefa da
lei, mas sim da doutrina, definir institutos. À lei competente tão-somente re-
gular direitos e obrigações, com vistas a aperfeiçoar as relações humanas e
proteger as pessoas que vivem em sociedade. Não obstante tal assertiva, o
Código Civil português agiu diferentemente, conceituando o casamento no
art. 1577, com a redação dada pelo Decreto-Lei n. 496, de 25 de novembro de
1977: “Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente
que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos
termos das disposições deste Código”.
Dos conceitos ora trazidos, podemos intuir que o casamento é um ne-
gócio jurídico solene por meio do qual o homem e a mulher se unem perante a
autoridade competente com o escopo de estabelecer uma comunhão de vida
duradoura, lastreada no afeto, no respeito mútuo e na união de corpos para
41
Curso de Direito Civil Brasileiro, p. 39.
42
Direito de Família – Direito Matrimonial, p. 121.
34
satisfação dos desejos sexuais. É erro dizer que o fim maior do casamento é a
procriação, porque nem sempre ocorre o nascimento de filhos. Se fosse ver-
dadeira a assertiva segundo a qual o matrimônio persegue a procriação, pes-
soas estéreis ou idosas não poderiam se unir em matrimônio.
2.2. Natureza jurídica do casamento
A concepção clássica depara no casamento uma relação puramente con-
tratual, firmada por acordo entre os cônjuges. Essa concepção contratualista,
originária do direito canônico (Cânon 1.012: Christus Dominus ad sacramenti
dignitatem evexit impsum contractum matrimonialem inter baptizatos), via no
consentimento o elemento mais essencial na formação do vínculo matrimoni-
al.
A manifestação convergente de vontades dos nubentes, segundo a cor-
rente contratualista, é a nota mais característica da natureza contratual do ca-
samento. Por conta dessa concepção, a intervenção do sacerdote, a despeito de
incluir-se no rol de formalidades, situa-se em plano manifestamente secundá-
rio.
O Código Napoleão acolheu a concepção contratualista do casamento,
considerando-o um contrato civil ao qual se aplicavam todas as disposições
35
comuns aos contratos
43
. Aperfeiçoava esse contrato mediante o simples con-
sentimento dos nubentes.
Endossando a concepção contratualista, os doutrinadores portugueses
Pires de Lima e Antunes Varela prelecionam que a natureza jurídica do casa-
mento é a de um contrato, a despeito de seus efeitos serem fixados na lei, ten-
do em vista a proteção dos direitos assegurados. A sua maior característica – e
que lhe dá substância contratual – é o consentimento, tanto que na sua falta a
celebração resta invalidada. Dizem eles: “Esse caráter fundamental do casa-
mento reflete-se não só nas fórmulas sacramentais da prestação do consenti-
mento (art. 189
o
, n. 1, al. “f”, e n. e, do Cód. Reg. Civil), mas também nos
princípios da atualidade e do caráter pessoal do mútuo consenso (arts. 1617
o
e
1619
o
). O casamento por rapto ou por meio de compra da noiva pertencem,
como diz Lechmann (ob. cit., p. 23), a épocas culturais ultrapassadas”
44
.
Cunha Gonçalves, outro doutrinador português, põe em destaque a na-
tureza contratual do casamento: “A prova evidente de que o casamento é um
contrato está em que ele tem por base o mútuo consenso, e lhe são aplicáveis
algumas das normas relativas à capacidade, aos vícios de consentimento, às
nulidades. (...) Além disso, o casamento é um contrato solene, porque só tem
43
Após a eclosão da Revolução Francesa de 1789, a Assembléia Constituinte instalada proclamou que a lei
considerava o casamento como um contrato civil.
44
Código Civil Anotado, vol. IV, p. 23.
36
existência legal quando celebrado pelo oficial do registro civil e com todas as
minuciosas formalidades legais”
45
.
Como já foi dito, o Código Civil português em vigor, no art. 1577, con-
fere ao casamento a natureza jurídica de contrato: “Casamento é o
contrato
celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir famí-
lia mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste
Código” (grifamos).
A exemplo de Cunha Gonçalves e dos doutrinadores Pires de Lima e
Antunes Varela, outros autores estrangeiros também comungam do pensa-
mento segundo o qual o casamento é, em essência, um contrato.
Por outro lado, uma outra corrente doutrinária considera o casamento
como uma instituição, na medida em que o matrimônio constitui uma grande
instituição social. A concepção institucionalista, afastando a natureza contra-
tual do casamento, defende a idéia de que os nubentes, ao celebrarem matri-
mônio, ingressam em estado sob o qual ficam indiscutivelmente sujeitos a
normas preestabelecidas. O homem é livre para escolher a mulher com quem
quer se casar. A mulher, por sua vez, é livre para escolher o homem a quem
vai desposar. Porém, uma vez ajustada a realização do casamento, não é dado
aos nubentes discutirem direitos e deveres conjugais, e tampouco é-lhes facul-
tado o direito de criarem hipóteses de resolução da sociedade conjugal. É di-
zer, pois: as partes não têm liberdade para modificar a disciplina legal de suas
45
Tratado de Direito Civil, vol. VI, tomo I, p. 93.
37
relações. É a posição, entre outros, de Ripert e Boulanger
46
e de Guillermo A.
Borda
47
.
Ripert e Boulanger criticam a concepção contratual do matrimônio, ao
argumento de que enquanto o contrato pode ser revogado a qualquer momen-
to por consentimento mútuo, o matrimônio não, pois exige a intervenção da
autoridade judicial e a presença de causas determinadas. É por isso que o ca-
samento, segundo esses autores, “es una institución. Los esposos deciden lle-
var una vida en común, constituir un hogar, crear una familia. Constituyen así
una agrupación con un cierto fin, lo que constituye el carácter propio de la
institución, de lo que resulta que las voluntades individuales deben ceder ante
el interés general de la familia que se creó”
48
.
Uma terceira corrente sustenta a natureza mista ou eclética do casamen-
to, ao unir o elemento volitivo ao elemento institucional. Daí a natureza mista
ou eclética do matrimônio – a um só tempo um contrato e uma instituição. A
lição de Planiol e Ripert é no sentido de que o casamento constitui um ato
complexo, simultaneamente um contrato e uma instituição
49
. No mesmo sen-
tido encontramos a lição de Mazeaud et Mazeaud
50
.
Ruggiero, após dizer que a concepção contratual, introduzida pelos ca-
nonistas, prevaleceu entre italianos e franceses, combate tenazmente a nature-
46
Tratado de Derecho Civil – segun el tratado de Planiol, tomo II, vol. I, p. 177.
47
Ob. cit., p. 52. Mais adiante, citando Velez Sarsfield, Borda escreve: “como una instituición social fundada
en el consentmiento de las partes; y entornces las peculiaridades de sua naturaleza, su caráter y la extensión
de las obrigaciones, tan diferentes de las de los contratos, podían corresponder al fin de su institución”.
48
Ob. cit., p. 177.
49
Ob. cit., p. 57.
50
Lecciones de Derecho Civil, vol. I, n. 711.
38
za contratual do matrimônio. A seu ver, o casamento não é nem um contrato
nem uma instituição, mais sim um negócio jurídico complexo, a exigir o con-
senso dos nubentes e a vontade do Estado. Mas não chega a dizer que o casa-
mento é um misto de contrato e instituição, mesmo porque ele abomina a i-
déia de contrato.
Os argumentos do mestre italiano merecem transcrição: “Abandonando
portanto a concepção contratual, resta apenas considerar o casamento como
um negócio jurídico completo, formado pelo consenso da vontade dos parti-
culares e da vontade do Estado. Que não é um ato meramente privado, resulta
da ineficácia do simples acordo dos esposos; que não é um simples ato admi-
nistrativo ou um ato público prova-se pela combinação e conjugação do acor-
do dos cônjuges com a declaração do funcionário público, representante do
Estado. Assim se explica facilmente a razão porque, ao passo que, bastando o
consenso inicial, a vontade dos cônjuges não seja suficiente para dissolver o
vínculo. A sua irrevogabilidade e imutabilidade depende do fato de, sendo
combinada com a do Estado, não poder já operar sozinha. A indissolubilidade
do vínculo, importada no nosso direito pelo casamento canônico, tem funda-
mento diverso, pois que não repousa já sobre o caráter sacramental do matri-
mônio, mas decorre da intervenção do Estado que, tendo constituído a relação
e reconhecendo necessário, devido a um alto interesse, imprimir-lhe um cará-
39
ter de perpetuidade, o subtrai à livre vontade dos esposos, assim como lhe
subtrai os outros poderes e vínculos familiares”
51
.
Entre nós, encontramos partidários tanto da corrente contratualista
quanto da corrente institucionalista. Alinham-se à primeira corrente os seguin-
tes autores: Espínola
52
, Pontes de Miranda
53
, Orlando Gomes
54
, Caio Mário
da Silva Pereira
55
, Washington de Barros Monteiro
56
, Jefferson Daibert
57
,
Hélio Borgui
58
, Carlos Alberto Bittar
59
. Mas alguns desses autores afirmam
que o casamento é dotado de conseqüências peculiares. Trata-se, pois, de um
contrato de Direito de Família. Orlando Gomes
60
ressalva, com base na dou-
trina de Degni, que à relação matrimonial se aplicam as regras de interpreta-
ção dos contratos de direito privado.
Alinham-se à segunda corrente (institucionalista), entre outros, os se-
guintes autores: Lafayette Rodrigues Pereira
61
, Silvio Rodrigues
62
, Maria
Helena Diniz
63
, Arnaldo Rizzardo
64
.
51
Ob. cit., p. 87-89.
52
Ob. cit., p. 50.
53
Tratado de Direito de família,vol. I, p. 96.
54
Direito de Família, p. 48.
55
Instituições de Direito Civil, vol. V, p. 40.
56
Ob. cit., p. 25.
57
Direito de Família, p. 25.
58
Casamento e União estável formação, eficácia e dissolução, p. 36.
59
Direito de Família, p. 68-69.
60
Ob. cit., p. 49.
61
Direitos de Família, p. 34.
62
Direito Civil, p. 21. Quanto à posição de Silvio, é mister registrar que esse autor considera o casamento
como um contrato de direito de família (p. 19). Contudo, ao desenvolver o tema, afirma que se trata, na reali-
dade, “de uma instituição em que os cônjuges ingressam pela manifestação de sua vontade, feita de acordo
com a lei” (p. 21).
63
Ob. cit., p. 44.
64
Direito de Família, p. 21.
40
A lição de Lafayette Rodrigues Pereira traduz, em essência, a opinião
dos autores que verberam a natureza contratualista do casamento. Entende
Lafayette que o contrato difere profundamente do casamento, seja em sua
constituição, seja em seu modo de ser, seja em sua duração e seja enfim em
relação ao alcance de seus efeitos. O casamento – acrescenta Lafayette
65
abrange a personalidade humana inteira, cria a família, dá nascimento a rela-
ções que só se extinguem com a morte, ao passo que os contratos, ao contrá-
rio, têm por objeto atos individuais e temporários, e regulam interesses mate-
riais, efêmeros e suscetíveis de apreciação monetária.
Vistas as três correntes (contratualista, institucionalista e mista ou eclé-
tica), entendemos que a natureza jurídica do casamento é mista: é um contrato
na sua celebração e uma instituição no seu desenvolvimento. Em algumas si-
tuações, podemos aplicar regras relativas aos contratos em geral. Em outras,
porém, tais regras não têm aplicação, prevalecendo a sua natureza institucio-
nal.
O casamento repousa sobretudo na manifestação de vontade dos nuben-
tes (isso porque, se apenas o homem quiser casar, não se forma o consenso
indispensável à celebração do matrimônio), mas esse consenso, apesar de
primordial, não é suficiente para a concretização do casamento, ficando ele
sujeito a várias disposições que se afastam da concepção exclusivamente con-
tratualista. Ainda que ambos os nubentes estejam plenamente de acordo com a
65
Ob. cit., p. 34-35.
41
sua celebração, a verdade é que, na falta de observância de certas exigências
legais, não haverá casamento. A exibição de documentos necessários à instau-
ração do procedimento de habilitação de casamento – com a ulterior expedi-
ção de certidão de habilitação, válida por 90 (noventa) dias – é, por exemplo,
uma dessas exigências legais. Há outras: não basta a convergência de vonta-
des dos nubentes, pois ainda é preciso que a autoridade celebrante observe
rigorosamente o disposto no art. 1.535, declarando efetuado o casamento, nes-
tes termos: “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante
mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro
casados”.
Por outro lado, os nubentes, na fase pré-matrimônio, não recebem per-
missão legal para firmar convenções livres acerca dos direitos pessoais que
emanam do casamento. Quando muito, poderão firmar convenção acerca das
relações patrimoniais, escolhendo o regime matrimonial. É o máximo que a
lei lhes faculta (CC, art. 1.639, caput). Assim mesmo, em determinadas hipó-
teses, os nubentes não estão autorizados sequer a escolher o regime patrimo-
nial (CC, art. 1.641).
A lei não lhes faculta, ademais, firmar, no curso do casamento, cláusu-
las permissivas da dissolução da sociedade conjugal. As hipóteses ensejadoras
da dissolução do casamento estão expressamente previstas na lei, não sendo
permitido aos cônjuges ampliá-las ou reduzi-las.
42
Por aí se percebe que o casamento contém facetas: uma delas apresenta
feição contratual, consubstanciada no acordo de vontades quanto à celebração
do casamento; a outra, porém, congrega natureza institucional, na medida em
que a convergência de vontades não leva, por si só, ao casamento. Portanto, o
casamento é a um só tempo um contrato e uma instituição. Ou, como dizem
Planiol e Ripert, é um ato complexo, simultaneamente um contrato e uma ins-
tituição.
3. Família decorrente de união estável
A Constituição Federal cuidou de regular a união estável no § 3
o
do art.
226: “Para efeito da proteção do Estado é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conver-
são em casamento”. Não era dado ao constituinte desconhecer a situação e
tampouco fechar os olhos para uma realidade consolidada muito tempo antes
de 1988.
A indissolubilidade do casamento, sistema que vigorava ao tempo da
Carta Magna de 1967 (e também sob a égide das Constituições anteriores),
contribuiu sensivelmente para o aumento de uniões sem casamento entre ho-
43
mens e mulheres
66
. É lógico que outras causas também concorreram para a
existência desses relacionamentos afetivos
67
, mas, a par de tais causas, a in-
dissolubilidade do vínculo matrimonial teve papel importante no recrudesci-
mento de uniões afetivas.
As pessoas legalmente separadas (na época, a lei empregava a expres-
são “desquite”) não podiam celebrar novo casamento, pois o vínculo da indis-
solubilidade matrimonial fazia com que os “desquitados” ficassem presos
permanentemente a seus ex-consortes. A Constituição não autorizava a ruptu-
ra do cordão da indissolubilidade matrimonial. O casamento terminava, mas o
vínculo, não. Apenas a morte, e somente ela, permitia a ruptura e a possibili-
dade de novo matrimônio. A Igreja Católica se opôs tenazmente à dissolução
do vínculo matrimonial. Dessa forma, era natural que os casamentos de fato
(uniões) fossem ganhando terreno entre nós
68
.
Nesse sistema tão rígido e ao mesmo tempo tão irreal, era evidente que
as uniões entre homem e mulher aconteciam com freqüência espantosa. Nem
mesmo as discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca do “desquite” e da
correlata permanência do dever de fidelidade entre os ex-cônjuges eram sufi-
cientes para impedir a profusão dessas uniões.
66
Em 1977, a Emenda Constitucional n. 9, de 28 de junho, alterou o art. 175 da Constituição Federal de
1967, instituindo o divórcio entre nós. Em razão dessa modificação constitucional, o divórcio permitiu a
dissolubilidade do vínculo matrimonial.
67
Como bem pondera José Carlos Barbosa Moreira, nas classes mais pobres e socialmente marginalizadas
sempre se proliferaram uniões informais, cujos partícipes, por falta de recursos ou de interesse, não tomavam
a iniciativa de casar-se (O novo Código Civil e a união estável, p. 52).
68
Silvio Rodrigues anota, sem meias palavras, que “a Igreja Católica sempre se apresentou como a grande
batalhadora contra a admissão do divórcio, lutando contra ele no Parlamento, nas ruas e nos púlpitos, cada
vez que se cuidou em admiti-lo. Basta examinar os anais do Congresso, ou o noticiário da imprensa por oca-
sião dos debates, para se verificar seu denodado esforço para lhe impedir a instituição” (O divórcio e a lei
que o regulamenta, p. 7).
44
Essas uniões não contavam com o apoio da lei, pois o Código Civil de
1916 só conhecia a família legítima, oriunda do casamento. Às uniões e às
famílias formadas à margem do casamento, o legislador lançava-lhes a pecha
de ilegítimas. Somente os filhos nascidos de pais casados entre si eram consi-
derados filhos legítimos; os demais, filhos ilegítimos.
Desse modo, quando homens legalmente separados passavam a manter
relacionamento estável com mulheres também separadas, o filho advindo des-
sa união era considerado ilegítimo e, como tal, não podia ser reconhecido por
ambos os pais
69
.
Tínhamos então duas classes de filhos: os legítimos e os ilegítimos
70
.
Os últimos recebiam a classificação de naturais e espúrios. Os naturais eram
filhos de pais que não apresentavam impedimento para o casamento. Tanto
isso é verdade que poderiam unir-se em matrimônio a qualquer momento.
Ocorrendo as bodas, esses filhos eram legitimados pelo subseqüente casamen-
to dos pais. E ainda que não ocorresse enlace matrimonial entre eles, a lei
permitia o reconhecimento dos filhos naturais. Já os espúrios, subdivididos
em incestuosos e adulterinos, não podiam ser reconhecidos pelos pais
71
. In-
cestuosos eram os filhos cujos pais apresentavam parentesco próximo (ou afi-
69
Só em 1942, o art. 1
o
do Decreto-lei n. 4.737, de 27 de setembro, permitiu o reconhecimento dos filhos de
cônjuges desquitados. Mas esse diploma legal ainda era insuficiente, pois só possibilitava o reconhecimento
de filho havido fora do matrimônio depois do desquite, não se referindo a outras causas de terminação da
sociedade conjugal. Em 1949, a Lei n. 883, de 21 de outubro, autorizou o reconhecimento de filhos havidos
fora do casamento depois de dissolvida a sociedade conjugal, situação que abrangia não só o desquite como
também outras hipóteses.
70
O Código Civil de 1916 também cuidava dos filhos legitimados, equiparando-os aos filhos legítimos. A
legitimação resultava do casamento dos pais, estando concebido, ou depois de nascido o filho (art. 353).
71
Era este teor o art. 358 do Código Civil de 1916: “Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser
reconhecidos”.
45
nidade), não podendo se casar (CC de 1916, art. 183, incs. I a V), ou como
pontificava Carlos Dayrell, eram os filhos que procediam de uniões à margem
da lei de pessoas que, por motivo de parentesco natural, civil ou afim, não po-
diam contrair casamento entre si”
72
; os adulterinos eram os filhos oriundos de
pais já casados – o nascimento decorria de um relacionamento extraconjugal
73
. Quanto a esses últimos, a doutrina ainda falava em filiação unilateralmente
adulterina, quando apenas um dos genitores era casado, e aí tínhamos adulte-
rinos a patre (apenas o pai era casado) e adulterinos a matre (apenas a mãe
era casada); quando ambos eram casados, dizia-se filiação bilateralmente a-
dulterina, isto é, adulterinos a patre e a matre.
Em lenta evolução legislativa, o legislador permitiu, primeiro, o reco-
nhecimento de filhos espúrios após a consumação do desquite (Decreto-lei n.
4.737/1942); depois, veio a Lei n. 883/1949, que ampliou as hipóteses de re-
conhecimento, permitindo o reconhecimento do filho havido fora do casamen-
to não só após a decretação do desquite, mas também após a dissolução da
sociedade conjugal. Em 1977 veio a Lei do Divórcio e, com ela, a alteração
da Lei n. 883/49. O legislador acrescentou um parágrafo ao art. 1
o
da Lei n.
883/49, admitindo, ainda na vigência do casamento, o reconhecimento de fi-
lhos havidos fora do matrimônio
74
.
72
Da Filiação Ilegítima no Direito Brasileiro, p. 146.
73
Carlos Dayrell definia os adulterinos como “os filhos gerados por pessoas não casadas uma com a outra e
impossibilitadas de se consorciarem por motivo de impedimento decorrente de vínculo matrimonial não dis-
solvido” (ob. cit., p. 159).
74
Art. 1
o
, parágrafo único, da Lei n. 883/49: “Ainda na vigência do casamento, qualquer dos cônjuges poderá
reconhecer o filho havido fora do matrimônio, em testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nasci-
mento do filho, e, nessa parte, irrevogável”.
46
Embora o legislador pátrio, com a edição de tais leis, tivesse a clara in-
tenção de autorizar o reconhecimento de filhos ilegítimos em algumas hipóte-
ses antes vedadas pelo Código Civil de 1916, havia ainda muito preconceito e
muita discriminação legal em relação a essa filiação, pois o espúrio não podia
ser reconhecido pelo pai ou mãe cujo casamento continuasse a subsistir. Por-
tanto, enquanto a sociedade não estivesse dissolvida, o reconhecimento volun-
tário estava legalmente proibido, assim também a ação investigatória para de-
clarar a filiação. Essa situação perdurou até 1988, quando a Constituição Fe-
deral proclamou, no art. 227, § 6
o
, entusiasticamente, a equiparação de todos
os filhos: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação”.
Pronto, encerrava-se definitivamente o ciclo de discriminação e de into-
lerância do legislador infraconstitucional. Todos os filhos, a partir da Carta
Magna de 1988, passaram a receber o mesmo tratamento, sendo vedadas as
tão conhecidas e vexatórias designações discriminatórias, algumas delas em-
pregadas pelo legislador de 1916 (filhos ilegítimos, filhos adulterinos, filhos
incestuosos, filhos bastardos, filhos sacrílegos, etc.). Em 1989, a Lei n. 7.841,
de 17 de outubro de 1989, revogou o art. 358. Vieram mais tarde as Lei n.
8.971, de 29 de dezembro de 1994, e 9.278, de 10 de maio de 1996, a primeira
disciplinando o direito dos companheiros a alimentos, a segunda regulamen-
tando o § 3
o
do art. 226 da Constituição Federal.
47
Portanto, a união estável foi, paulatinamente, ganhando espaço no or-
denamento jurídico até receber completa proteção do Estado. Foi erigida pela
Carta Magna em entidade familiar (CF, art. 226, § 3
o
) ao lado da família pro-
veniente do casamento. E mais: mercê de enunciado constitucional (CF, art.
227, § 6
o
), os filhos nascidos de pessoas vivendo em união estável passaram a
ter os mesmos direitos que os filhos nascidos de pessoas unidas pelo matri-
mônio.
Disso resulta a seguinte constatação: o nosso ordenamento jurídico pre-
vê duas modalidades de família, uma decorrente do casamento, outra, da uni-
ão estável. Apesar de ambas receberem tratamento constitucional, não é pos-
sível igualá-las, na medida em que casamento não é união estável e união es-
tável não é casamento.
Nem foi a intenção do constituinte igualar os institutos. Tanto isso é
verdade que a própria Carta Magna baixou recomendação ao legislador ordi-
nário no sentido de facilitar a união estável em casamento (CF, art. 226, § 3
o
).
Ora, fossem iguais os institutos, não haveria razão para o Texto Constitucio-
nal tratar tanto de casamento quanto de união estável. Se o fez é porque há
diferença entre eles.
Essas diferenças são sentidas principalmente nas questões patrimoniais
entre conviventes. Quanto às relações pessoais, o art. 1.724 do novo Código
Civil dispõe que as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos
deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação
48
dos filhos. Lealdade, respeito e assistência material são deveres impostos tan-
to aos cônjuges quanto aos conviventes em suas relações interpessoais. Da
mesma forma, o sustento e a educação dos filhos menores constitui deveres de
ambos os pais, pouco importando se vivam em união estável ou estejam uni-
dos pelos laços matrimoniais.
Em apertada síntese, podemos dizer que a união estável, sobre ser uma
realidade social, conta com a proteção do Estado. Em todos os segmentos da
população encontramos pessoas vivendo em união estável, mas é na camada
mais pobre que o instituto vem ganhando adeptos.
3.1. Conceito de união estável
Antes do advento do novo Código Civil, a doutrina, de um modo geral,
empregava concubinato e companheirismo ou união estável como palavras
sinônimas. Havia, é certo, algumas discussões doutrinárias e jurisprudenciais
sobre o assunto
75
, mas era possível a utilização de concubinato e união está-
75
Enquanto Pinto Ferreira não via distinção entre concubinato e união estável, conceituando o concubinato
como “a união estável e prolongada de homem com mulher, vivendo no mesmo teto ou em teto diferente, que
não estão ligados entre si pelo casamento, revestindo-se, porém, de notoriedade, fidelidade da mulher e con-
tinuidade de relacionamento sexual” (Investigação de paternidade, concubinato e alimentos, p. 108), Adelina
Bitelli Dias Campos, citando jurisprudência do STF e artigo de Mário Aguiar Moura, sustentava que as ex-
pressões não eram sinônimas (Distinção entre companheira e concubina. Efeitos patrimoniais, Revista Justi-
tia, 156, p. 93). A nosso ver, as expressões podiam ser empregadas indistintamente, apesar de a palavra con-
cubinato, nas palavras de José Carlos Barbosa Moreira, suportar, em época distante, carga de conotação ine-
quivocamente pejorativa, suscitando a idéia de ligação clandestina, mantida em geral por homem casado à
margem da lei e do contexto social (Ob. cit., p. 51). Curioso é que, segundo informa Vandick Londres da
Nóbrega, o concubinato não consistia, no direito romano, numa união transitória, repelida pela moral. “A
concubina romana – salienta Nóbrega – diferia da meretrix, e não constituía qualquer estigma para a mulher
ser uma concubina (História e Sistema do Direito Privado Romano, p. 498).
49
vel indistintamente, sobretudo se se tratasse de concubinato puro. Para Silvio
Rodrigues
76
, união estável é o nome dado pelo constituinte ao concubinato.
Hoje em dia, contudo, depois da promulgação do novo Código Civil,
não há mais falar em expressões sinônimas. O companheirismo decorre de
uma união estável amparada pelo direito, enquanto o concubinato, diferente-
mente, é considerado uma relação ilícita entre homem e mulher. Isso porque o
art. 1.727 do novo Código Civil diz ser concubinato as relações não eventuais
entre homem e mulher impedidos de casar.
A lei quis diferenciar a união estável do concubinato, mas não foi muito
feliz nesse desiderato. A interpretação meramente literal do dispositivo encer-
ra uma contradição: com efeito, o art. 1.723, § 1
o
, no novo Código impede a
configuração da união se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521
77
, salvo
em relação às pessoas casadas que se acharem separadas de fato ou judicial-
mente. Ora, como os separados de fato e os separados judicialmente, vivendo
em regime de união estável, também estão impedidos de celebrar matrimônio,
poderiam ser enquadrados na categoria de concubinos, a teor do disposto no
art. 1.727 do novo Código. Mas não foi essa a intenção da lei ao empregar as
palavras impedidos de casar, tanto que permitiu a união estável de pessoas
judicialmente separadas ou separadas de fato. Bem por isso, no dizer de Eu-
76
Direito Civil, p. 299.
77
O art. 1.521 dispõe: “Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural
ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem
o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V
- o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado
por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
50
clides de Oliveira
78
, comporta reparo a menção aos “impedidos de casar”,
uma vez que existe a previsão do art. 1.723, § 1
o
, do novo Código.
Portanto, impõe-se a alteração do art. 1.727, com a substituição da ex-
pressão impedidos de casar por outra mais adequada e compatível com o no-
vo perfil legal.
Em síntese, concubinato e união estável não são expressões sinônimas,
na medida em que a primeira traduz o relacionamento não eventual (relacio-
namento fora do casamento ou da união estável) entre homem e mulher, isto
é, o relacionamento não eventual entre homem e mulher que se dá paralela-
mente ao casamento ou à união estável.
Pois bem, feitas essas considerações iniciais, é preciso repisar que a
Constituição Federal cuidou no art. 226 e parágrafos tanto da família proveni-
ente de casamento quanto da oriunda de união estável. As duas receberam a
proteção constitucional do Estado.
A nossa Constituição anterior não se referia à união estável, tratando
tão-somente do casamento, e a razão dessa omissão era simples: somente a
união proveniente de casamento contava com o apreço da Igreja Católica e de
alguns segmentos conservadoristas. Logo, não era conveniente que a união
estável também figurasse no Texto Constitucional. No entanto, os tempos
mudaram, as pessoas mudaram e a legislação também mudou.
78
Ob. cit., p. 107. Rodrigo da Cunha Pereira também critica a expressão impedidos de casar, fazendo a se-
guinte proposição: “Essa expressão deveria ser modificada para traduzir com mais clareza o sentido e o espí-
rito do referido dispositivo” (Da união estável, Direito de Família e o Novo Código Civil, p. 264).
51
A proteção constitucional, antes voltada exclusivamente ao casamento,
foi estendida à união estável, considerando-a entidade familiar formada pela
ligação entre o homem e a mulher. Depois da Constituição de 1988, duas im-
portantes leis vieram a tratar da união: a Lei n. 8.971/94 e a Lei n. 9.728/96. A
primeira lei disciplinou o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão,
enquanto a segunda regulou o § 3
o
do art. 226 da Constituição Federal. O art.
1
o
dessa última lei estabeleceu o seguinte: “É reconhecida como entidade fa-
miliar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mu-
lher, estabelecida com objetivo de constituição de família”.
Qual o conceito de união estável? Washington de Barros Monteiro diz:
“União estável é a relação lícita entre um homem e uma mulher, em constitui-
ção de família, chamados os partícipes dessa relação de companheiros”
79
.
Edgard de Moura Bittencourt fornece este conceito: “Concubinato é a união
estável no mesmo ou em teto diferente, do homem com a mulher, que não são
ligados entre si por matrimônio”
80
. Irineu Antonio Pedroti, por sua vez, pre-
leciona que o “concubinato consiste na união de um homem com uma mulher,
sem ligações pelos vínculos matrimoniais, durante tempo duradouro, sob o
mesmo teto, ou diferente, com aparência de casados – more uxorio
81
. Para
79
Ob. cit., p. 30.
80
Concubinato, p. 14.
81
Concubinato e União Estável, p. 5.
52
Semy Glanz
82
, união estável é a união duradoura entre homem e mulher for-
madora de família, sem casamento.
A par de tais conceitos, Silvio Rodrigues apresenta um conceito dife-
rente, que leva em conta a fidelidade da mulher ao homem. Diz o mestre que
a união estável é “a união do homem e da mulher, fora do casamento, de cará-
ter estável, mais ou menos prolongada, para o fim da satisfação sexual, assis-
tência mútua e dos filhos comuns e que implica uma presumida fidelidade da
mulher ao homem”
83
. Mas o saudoso mestre fez questão de advertir que, de-
pois da promulgação das Leis ns. 8.971/94 e 9.278/96, o campo de realidade
do conceito sofreu alteração.
De fato, com o advento de tais diplomas legais, em especial do último
deles (Lei n. 9.278/96), não merece subsistir o conceito de Silvio Rodrigues.
A união estável não implica apenas a presumida fidelidade da mulher ao ho-
mem, mas também a deste àquela.
Para finalizar este item, podemos dizer que união estável é a união, sob
o mesmo teto, de homem e mulher, sem vínculos matrimoniais entre si, união
essa revestida de publicidade, continuidade e durabilidade, com o objetivo de
constituição de família.
82
União estável. O Direito na década de 1990: novos aspectos, p. 189.
83
Direito Civil, p. 287.
53
3.2. Elementos da união estável
Visto o conceito, é mister anotar agora que a união estável exige a con-
corrência dos seguintes elementos
84
:
3.2.1. Diversidade de sexo.
Não há união estável entre pessoas do mesmo sexo, pelo menos do pon-
to de vista constitucional e legal. A diversidade de sexo é um dos elementos
essenciais à configuração da união estável. Com efeito, o art. 226, § 3
o
, da
Constituição Federal fala em união estável entre homem e mulher, e não em
união estável entre duas pessoas. É certo que, não raro, encontramos homos-
sexuais vivendo sob o mesmo teto, em ambiente marcado pelo respeito, leal-
dade e assistência material. Contudo, essa convivência não configura, sob a
ótica estritamente constitucional e legal, união estável, mas sim simples soci-
edade de fato, dando ensejo à divisão do patrimônio adquirido pelo esforço
comum. A 4
a
Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o relaciona-
mento entre pessoas do mesmo sexo não configura união estável, senão socie-
dade de fato. Eis a ementa do acórdão:
84
No dizer de Pedro A. Talavera Fernández, a caracterização da união, de acordo com a doutrina espanhola,
exige os seguintes elementos: a) relación monogámica no matrimonial; b) comunidad de vida; c) estabilidad;
d) relaciones sexuales; e) ausencia de formalización constitutiva; f) notoriedad: publicidad de la relación; g)
cumplimiento espontáneo de los deberes recíprocos de solidaridad” (La unión de hecho y el derecho a no
casarse, p.54-70).
54
“Sociedade de fato. Homossexuais. Partilha do bem comum. O
parceiro tem o direito de receber a metade do patrimônio adqui-
rido pelo esforço comum, reconhecida a existência de sociedade
de fato com os requisitos previstos no art. 1.363 do CCivil” (Re-
curso Especial n. 148.897-MG, 4
a
Turma, rel. Min. Ruy Rosado
de Aguiar, j. 10-2-1998 – RSTJ 110/313)
85
.
Não obstante tal decisão, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
tem assentado, em vários precedentes jurisprudenciais, que a união entre ho-
mossexuais configura união estável, pois não há razão para a lei diferenciar a
união entre homem e mulher e a união entre homossexuais. Pede-se vênia pa-
ra transcrever a seguinte ementa:
“Relação homoerótica. União estável. Aplicação dos princípios
constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Analogia.
Princípios gerais do direito. Visão abrangente das entidades fa-
miliares. Regras de inclusão. Partilha de bens. Regime da comu-
nhão parcial. Inteligência dos artigos 1.723, 1.725 e 1.658 do
Código Civil de 2002. Precedentes jurisprudenciais. Constitui
união estável a relação fática entre duas mulheres, configurada
na convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com
85
www.stj.gov.br.
55
o objetivo de constituir verdadeira família, observados os deve-
res de lealdade, respeito e mútua assistência. Superados os pre-
conceitos que afetam ditas realidades, aplicam-se os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa, da igualdade, além da
analogia e dos princípios gerais do direito, além da contempo-
rânea modelagem das entidades familiares em sistema aberto
argamassado em regras de inclusão. Assim, definida a natureza
do convívio, opera-se a partilha dos bens segundo o regime da
comunhão parcial. Apelações desprovidas” (Apelação Cível n.
70005488812, 7
a
Câm., rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j.
25-6-2003)
86
.
Como se trata, na visão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
de união estável, competente para dirimir os litígios daí resultantes é, sempre,
o juiz da vara de família. Vejamos, a propósito, a seguinte ementa:
“Relações homossexuais. Competência da vara de família para
julgamento de separação em sociedade de fato. A competência
para julgamento de separação de sociedade de fato de casais
formados por pessoas do mesmo sexo é das varas de família,
conforme precedentes desta câmara, por não ser possível qual-
quer discriminação por se tratar de união entre homossexuais,
86
No mesmo sentido: Apelação Cível n. 70006542377, 8
a
Câm., rel. Des. Rui Portanova, j. 11-9-2003; Ape-
lação Cível n. 70007243140, 8
a
Câm., rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, j. 6-11-2003. Todas essas
decisões podem ser encontradas no site
www.tj.rs.gov.br.
56
pois é certo que a Constituição Federal, consagrando princípios
democráticos de direito, proíbe discriminação de qualquer espé-
cie, principalmente quanto à opção sexual, sendo incabível, as-
sim, quanto à sociedade de fato homossexual. Conflito de compe-
tência acolhido” (Conflito de competência n. 70000992156, 8
a
Câm., rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, j. 29-6-2000)
87
.
Apesar de tais decisões, o nosso entendimento é no sentido de que, no
Brasil, somente a união entre homem e mulher configura união estável, exclu-
ídos, assim, os homossexuais, embora a proteção constitucional se estende a
eles, sob pena de violação do princípio da dignidade da pessoa humana e do
próprio princípio da isonomia.
Diferentemente do Brasil, outros países consideram união de fato a es-
tabelecida entre duas pessoas independentemente do sexo
88
.
3.2.2. Ausência de matrimônio civil válido e de impedimento matrimo-
nial.
A lei civil impede a formação da união estável se estiverem presentes
um dos impedimentos do art. 1.521. Assim, a teor do mencionado dispositivo,
87
www.tj.rs.gov.br.
88
Em Portugal, por exemplo, a Lei n. 7/2001, de 11 de maio, adotou medidas de proteção às uniões de fato.
O art. 1
o
desse diploma legal estabelece: “A presente lei regula a situação jurídica de duas pessoas, indepen-
dentemente do sexo, que vivam em união de fato há mais de dois anos”. Portanto, a legislação lusitana prote-
ge tanto a união entre homem e mulher quanto a união entre dois homossexuais.
57
a união de um irmão com uma irmã não configura união estável (CC, art.
1.521, IV). O mesmo se passa com as pessoas casadas: se um dos conviventes
for casado, a lei não empresta ao relacionamento a validade de união estável,
salvo na hipótese do art. 1.723, § 1
o
, do Código Civil (pessoas separadas judi-
cialmente ou de fato).
3.3.3. Unicidade de vínculo
Unicidade de vínculo é, também, um elemento caracterizador da união
estável. Unicidade de vínculo significa o estabelecimento de união apenas en-
tre duas pessoas. O vínculo deverá se formar apenas entre duas pessoas de
sexos diferentes. Sendo assim, não é dado ao homem, por exemplo, manter
união simultânea com duas ou mais mulheres, freqüentando a casa delas al-
ternadamente e com assiduidade.
Ora, como a união estável é, grosso modo, um casamento de fato, não é
admissível a pluralidade de vínculos. A propósito, José Carlos Barbosa Mo-
reira diz que a unicidade de vínculo está implícita na expressão objetivo de
constituir família, “pois o ordenamento não admite que alguém constitua mais
de uma família ao mesmo tempo”
89
.
89
Ob. cit., p. 58.
58
De fato, se a constituição de família é, realmente, um outro elemento
caracterizador da união estável (ver infra, item “3.3.7.”), permitir o relacio-
namento paralelo seria o mesmo que conferir a um dos conviventes salvo
conduto para ser desleal, infiel e abalar a estrutura moral da família. No escó-
lio de Euclides de Oliveira, “refoge ao modelo de união estável, portanto, a
ligação adulterina de pessoa casada, sem estar separada de fato do seu cônju-
ge. Ordinariamente, em tais casos, procura-se preservar do conhecimento pú-
blico o amasiamento, em proteção ao lar conjugal, mas ainda que houvesse
alarde da situação estaria presente a ilicitude da segunda união, anômala. O
mesmo se diga das uniões desleais, isto é, de pessoa que viva em união está-
vel e mantenha uma outra simultânea ligação amorosa”
90
.
A unicidade de vínculo é, pois, fundamental para a caracterização da
união.
3.3.4. Convivência pública, contínua e duradoura
O art. 1.723, caput, do Código Civil exige, para a configuração da uni-
ão estável, esses três elementos: convivência pública, contínua e duradoura.
Quanto ao adjetivo pública, a lei não impõe, é mister observar, que o casal se
entregue a fazer publicidade de seu relacionamento. Não é isso o que quer a
lei, com a expressão convivência pública, mas sim que a união ocorra às cla-
ras, tendo potencialidade para chegar ao conhecimento de terceiros, sejam
90
Ob. cit., p. 127.
59
estes vizinhos do casal, sejam pessoas do círculo de amizades dos conviven-
tes. Embora o elemento publicidade possa se confundir com notoriedade, não
se exige tanto para a caracterização da união, porquanto, como pondera Eu-
clides de Oliveira
91
, basta que os companheiros não se mantenham misterio-
sos aos olhos do público. Convivência pública opõe-se, pois, a convivência
clandestina, marcada por encontros furtivos ou secretos.
Além de pública, essa convivência precisa ser contínua e duradoura. É
contínua a convivência que não sofre constantes interrupções. Como bem sa-
lienta Zeno Veloso, a união tem de ser duradoura e contínua, não podendo ser
“circunstancial, momentânea, episódica, eventual, intermitente”
92
. Se a vida
em comum for marcada por seguidas pausas, com voluntárias rupturas do re-
lacionamento, obviamente não se configurará a união estável. E mais: meras
relações sexuais acidentais e precárias, mesmo que durante muito tempo, não
ensejam a configuração de união estável.
Não basta, porém, convivência pública e contínua, pois a lei exige outro
elemento: a durabilidade. Isto é, exige que o relacionamento seja duradouro,
que tenha razoável período de duração. Um simples relacionamento que co-
mece hoje e termine daqui a duas semanas não poderá, por óbvio, ser trans-
formado em união estável. É preciso, antes, que a convivência se prolongue
por tempo considerável e haja entre o homem e a mulher o ânimo de se unir
com a intenção de constituir uma família.
91
Ob. cit., p. 132.
92
União Estável, p. 71.
60
O art. 1.724, caput, do novo Código Civil fala em união entre homem e
mulher, mas não fixa prazo mínimo de duração de convivência, no que agiu
muito bem. O Anteprojeto do Código Civil, na sua primeira edição, estabele-
cia prazo de cinco anos, a teor do art. 1.989: “Após cinco anos de vida em
comum, como se fossem marido e mulher, presumem-se de ambos os concu-
binos os bens adquiridos a partir da coabitação, ainda que figurem em nome
de um deles”. A idéia era assinar prazo mínimo de duração para fins de confi-
guração da união estável. O prazo de cinco dias contava, por sinal, com a
simpatia da jurisprudência da época. A própria Lei n. 8.971/94 também fixava
prazo de cinco anos, como regra, para a propositura de ação de alimentos
93
.
Em 1996, com a superveniência da Lei n. 9.278/96, o legislador ordinário a-
bandonou o elemento temporal, contentando-se com a convivência duradoura.
E hoje, com a vigência do Código Civil, a questão do prazo de convivência
está, ao que parece, definitivamente encerrada. Rodrigo da Cunha Pereira
94
aplaude a evolução do novo Código ao não incluir no art. 1.723 a demarcação
de um tempo rígido para a caracterização da união estável, como fazia a Lei n.
8.971/94, pois, a seu ver, pode ser que uma relação entre homem e mulher,
com 30 anos de duração, seja um simples namoro, ao passo que uma relação
de apenas um ou dois anos constitua uma família. Para Euclides de Oliveira
95
, o atual Código, deixando de fazer menção ao prazo, abandonou de vez o
critério temporal previsto na Lei n. 8.971/94.
93
Art. 1º da Lei n. 9.871/94: “A companheira comprovada de um homem solteiro, divorciado ou viúvo, que
com ele viva há mais de 5 (cinco) anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei n. 5.478, de
25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade. Parágrafo único.
Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicial-
mente, divorciada ou viúva”.
94
Ob. cit., p. 260.
95
Ob. cit., p. 102.
61
A Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por meio
do Aviso n. 137, de 19 de agosto de 1996, aprovou vários enunciados, sendo o
Enunciado n. 4 do seguinte teor: “Considerando que o ideal de uniformidade
dos entendimentos judiciais, indica-se o prazo de 5 (cinco) anos, consagrado
pela consciência jurídica nacional e por diversos textos legais, como critério
para a configuração da convivência duradoura, salvo quando as peculiaridades
de cada caso concreto recomendarem o contrário”.
Para nós, não há que se falar em lapso temporal mínimo para a configu-
ração da união. Se a lei não estabeleceu prazo mínimo de duração da união, é
vedado ao intérprete exigi-lo, sob pena de transmudar-se em legislador. Cabe-
rá ao juiz, havendo litígio, decidir no caso concreto se o prazo de duração da
convivência é apto para gerar o reconhecimento judicial da união estável.
Anote-se, a propósito, que, com a promulgação da Lei n. 9.278/96, o
prazo de cinco anos previsto na Lei n. 8.971/94 passou a ser desconsiderado
por alguns tribunais, conforme dá conta a seguinte decisão do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina:
“Concubinato – Alimentos – União estável – Prazo mínimo de
convivência de cinco anos – Lei n. 8.971/91 – Derrogação, no
mínimo em parte, quando não total, pela Lei n. 9.728/96. A Lei n.
8.971/94 fixou prazo ‘há mais de cinco anos’ para fins de assis-
tência mútua alimentar entre concubinos, mas a Lei n. 9.278/96,
disciplinando norma constitucional, omitiu o prazo e consignou
62
‘convivência duradoura, pública e contínua’, deixando, em ter-
mos, ao critério do julgador estabelecer o prazo e condições para
reconhecimento da união estável, o que significa dar ao juiz a
responsabilidade enorme de apreciar subjetivamente, no contexto
da prova, o que seja convivência duradoura, pública e contínua.
A Justiça carioca, em sua maioria, considerou ideal o prazo de
cinco anos, ‘consagrado pela consciência jurídica nacional e por
diversos textos legais’, como critério para configuração de con-
vivência duradoura, salvo casos peculiares. Já os juízes especia-
lizados de São Paulo passaram a considerar o prazo mínimo de
dois anos de união, a fim de que um dos companheiros possa re-
querer os benefícios. Não há critério científico ou consuetudiná-
rio que dê legitimidade absoluta a uma ou outra das soluções.
Uma união entre homem e mulher pode durar dez ou mais anos e
não ser, necessariamente, estável (texto constitucional), como
pode durar menos de cinco e atender a este requisito. Qualquer
prazo mínimo não deve ser imposto em termos absolutos. Impor-
ta, isto sim, a existência de certa continuidade e um entrosamento
subjetivo para distingui-la de uma união passageira, descom-
prometida. Fixar um prazo cronológico mínimo para aferir a e-
xistência de uma união estável é correr o risco de detectá-lo onde
não existe ou, o que é pior, negá-la onde de fato se afigura”
63
(TJSC, 2
a
CC, AI n. 9.812.159-0, rel. Des. Vanderlei Romer,
DJSC 28-12-1999, p. 9).
A nossa lei civil, portanto, não estabelece prazo mínimo para a configu-
ração da união, diversamente de Portugal, cuja Lei n. 7/2001 exige, no art. 1
o
,
n. 1, convivência há mais de dois anos
96
. Caberá ao juiz, diante do caso con-
creto, examinar todas as circunstâncias apontadas pelas partes, declarando
configurada ou não a união estável.
3.3.5. Lealdade ou fidelidade
O art. 1.724 do novo Código Civil impõe aos conviventes, em suas re-
lações pessoais, o dever de lealdade. O nosso direito não usa a expressão fide-
lidade, diversamente do que ocorre com o instituto do casamento
97
, por isso é
oportuno indagar se o vocábulo lealdade encerra a idéia de fidelidade.
A resposta é afirmativa. Lealdade ou leal, segundo os léxicos, significa
fidelidade aos compromissos assumidos
98
ou fiel aos seus compromissos
99
. É
leal quem age com sinceridade, não enganando a outra pessoa. O fato de o
96
Ver nota de rodapé 88.
97
Art. 1.566, inc. I, do Código Civil: “São deveres de ambos os cônjuges: I- fidelidade recíproca”.
98
Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, verbete “lealdade”.
99
Dicionário Aurélio Eletrônico, verbete “leal”.
64
legislador não ter empregado o termo fidelidade não isenta os conviventes de
cumprirem o dever de fidelidade
Como preleciona Maria Helena Diniz, “não havendo fidelidade, o rela-
cionamento passará à condição de ‘amizade colorida’, sem o status de união
estável”
100
. A quebra do dever de lealdade ou fidelidade poderá ensejar a rup-
tura da união estável e até mesmo ação de indenização por dano moral.
3.3.6. Coabitação
Sem embargo da opinião de autores que consideram dispensável a coa-
bitação
101
, a coabitação é, a nosso ver, elemento necessário à configuração da
união estável. Se não houver coabitação, não haverá união estável, exceto se
circunstâncias excepcionais imponham a separação física dos conviventes,
como doença, viagem profissional, seqüestro, etc.
Embora a união estável não se equipare ao casamento, não é equivoco
dizer que a união convivencial é uma espécie de casamento de fato entre o
homem e a mulher. Daí a necessidade de coabitação. É certo que o Código
Civil não prevê a vida em comum no mesmo domicílio, como sucede com o
casamento (CC, art. 1.566, inc. II), mas tal omissão não faz supor dispensa à
coabitação. Já vimos que o legislador ordinário se mostrou um pouco tímido
em relação ao instituto em exame, pois não fez menção à palavra fidelidade,
preferindo outra em seu lugar (lealdade). Parece que o legislador contempo-
100
Curso..., p. 321.
101
Edgard de Moura Bittencourt, ob. cit., p. 14; Irineu Antonio Pedroti, ob. cit., p. 5.
65
râneo, apesar de não compactuar com o seu antecessor, não quis ser explícito
em matéria convivencial para não dar a impressão que estava, sob o ponto de
vista pragmático, equiparando os dois institutos e incentivando a opção pela
união estável. No fundo, porém, extrai-se dos dispositivos a conclusão de que
a coabitação é necessária. Até porque, acrescente-se, quem vai constituir fa-
mília (e note-se que a união estável é estabelecida como objetivo de constituir
família – CC, art. 1.723, caput) almeja uma vida a dois, more uxorio. Falando
sobre os requisitos subjetivos para a caracterização da união estável, Francis-
co José Cahali preleciona: “Veja-se, pois, ser requisito efetivo do concubinato
a comunhão de vidas, de corpo e alma, de carne e espírito, a mais pura e de-
sinteressada intenção de unir os respectivos destinos com respeito e compre-
ensão, e, juntos, projetar novos caminhos à vida. E a própria referência à simi-
litude do matrimônio (como se casados fossem) traz em si esta característica
de convivência more uxorio
102
. Fernando Malheiros Filho
103
sustenta, por
seu turno, que a convivência more uxorio foi erigida à condição sine qua non
para a configuração do relacionamento. Segue a mesma trilha Orlando Soares
104
.
De resto, convém assinalar que a coabitação levará os conviventes a
darem fiel cumprimento aos deveres previstos no art. 1.724 do novo Código.
Aliás, o Enunciado n. 2 da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro é do seguinte teor: “É indispensável a convivência sob o mesmo teto,
more uxorio, para caracterização da união estável”. Assim, sem embargo de
opiniões em sentido contrario, assentadas inclusive na jurisprudência do Su-
102
União Estável e Alimentos entre Companheiros, p. 76.
103
União Estável, p. 35.
104
União Estável, p. 30.
66
premo Tribunal Federal (Súmula 382)
105
, a convivência more uxorio é, a nos-
so ver, indispensável à caracterização da união estável, salvo se motivos ex-
cepcionais, como os mencionados linhas atrás, impedirem a permanência no
mesmo lar
106
.
3.3.7. Objetivo de constituição de família
O objetivo de constituição de família está expressamente indicado no
art. 1.723, caput, do novo Código Civil. Não basta, assim, a mera união entre
homem e mulher. Antes é preciso que ambos tenham em mente constituir uma
família.
Se a constituição de família não fosse um dos elementos componentes
da união, o homem e a mulher que, por contingências da vida, ocupassem um
mesmo imóvel durante anos, poderiam ser considerados conviventes ou com-
panheiros, ainda que não tivessem animados pelo propósito de constituir fa-
mília. Como bem observa Mário de Aguiar Moura, “a vontade de unir-se sob
a forma de concubinato é fundamental. É o elemento volitivo, sem o qual es-
taria descaracterizada a vida sob o mesmo teto como concubinato”
107
.
105
Súmula 382 do STF: “A vida em comum, sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracteri-
zação do concubinato”.
106
Zeno Veloso entende que somente em uma situação excepcionalíssima poderá haver caso de união estável
em que os protagonistas residam em locais diversos, em casas separadas, mas sempre com prova de convi-
vência, isto é, havendo prova da intenção de constituir família (ob. cit., p. 71).
107
Concubinato: Teoria e Prática, p. 37.
67
A relação aberta, desprovida de mútuo desejo de constituição de famí-
lia, não configura, assim, união estável. O Tribunal de Justiça de São Paulo
teve oportunidade, aliás, de examinar demanda envolvendo relação aberta en-
tre homem e mulher: “Relação aberta – A ‘relação aberta’ não constitui ne-
nhuma forma de concubinato; tal relação é definida na essência e estrutural-
mente ao descompromisso dos parceiros; daí porque não se falar em união
estável entre homem e mulher” (TJSP, 6
a
CC, Ap. 167.994-1, rel. Des. Al-
meida Ribeiro, j. 10.9.92).
Dessa forma, a constituição de família é um dos elementos caracteriza-
dores da união estável.
4. Família monoparental
A família monoparental também recebe a proteção do Estado. Trata-se
de entidade familiar formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
As Constituições anteriores só se referiam à família decorrente de ca-
samento. A atual Carta Política, ao contrário, inclui a família proveniente de
relacionamento estável entre homem e mulher, e vai além, não esquecendo de
mencionar a família monoparental, assim definida pelo Texto Maior: “Enten-
de-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer
dos pais e seus descendentes” (art. 226, § 4
o
).
68
Referindo-se a tal família, Guilherme Calmon Nogueira da Gama
108
diz que entre as famílias não-fundadas em casamento, pode-se apontar a famí-
lia unilinear, ou monoparental, constituída entre um dos pais e sua prole, de-
correndo tal família da parentalidade, e não da conjugalidade. E mais adiante
Guilherme Calmon Nogueira da Gama acrescenta: “A monoparentalidade, tal
como reconhecida no texto constitucional, pode decorrer não apenas da von-
tade unilateral da pessoa no sentido de assumir sozinha a paternidade ou ma-
ternidade de seu filho, mas também pode resultar de circunstâncias alheias à
vontade humana, como nos casos de morte, separação de fato ou judicial, di-
vórcio”
109
.
Para Eduardo de Oliveira Leite
110
o conceito de família monoparental
visa tanto a mãe (ou pai) que vive sozinho com seu filho, por qualquer razão,
quanto a mãe (ou pai) que só tem laços de parentesco com o filho. Nessa úl-
tima categoria entra o filho reconhecido por apenas um dos pais, ou o filho
adotado por uma única pessoa.
Na realidade, a família monoparental sempre existiu – e sempre existi-
rá. Jean Carbonnier
111
, já nos idos de 1970, lançava mão do nome família
segmentar para designar a relação mãe-filho (na família natural) ou após o
divórcio (na família oriunda do casamento).
108
Direito de Família Brasileiro (Introdução – Abordagem sob a perspectiva civil-constitucional), p. 44.
109
Ob. cit., p. 44-45.
110
A família monoparental como entidade familiar, em Repertório de Jurisprudência e Doutrina sobre Direi-
to de Família – Aspectos constitucionais, civis e processuais, vol. 2, p. 52.
111
Droit Civil, La Famille, Les Incapacités, tomo 2, p. 34.
69
No Brasil, apenas a terminologia família monoparental é nova, tendo
aparecido nos livros de doutrina após a promulgação da Constituição Federal
de 1988. Mas, desprezada a terminologia, ela é um fenômeno social antiquís-
simo.
Não cabe aqui, evidentemente, fazer uma análise das causas formadoras
da família monoparental – separação de fato, separação judicial, divórcio,
morte, paternidade/maternidade não estabelecida –, primeiro porque iríamos
fugir da proposta desta tese, segundo porque seria mister fazer uma incursão
pelos campos da sociologia, antropologia, psicologia e outras disciplinas para
as quais não temos o mínimo domínio.
O importante é registrar, nesta tese, a existência da família monoparen-
tal e destacar que o constituinte não fechou os olhos, felizmente, para uma
realidade que existe há séculos no Brasil, não podendo ser ignorada.
70
CAPÍTULO II: REGIME MATRIMONIAL DE BENS NA LE-
GISLAÇÃO BRASILEIRA
1. Regime de bens na história do direito e na atualidade
A vinculação do regime de bens ao matrimônio é muita antiga, advindo
de séculos. Já no direito romano, havia essa vinculação se o casamento fosse
realizado cum manu (v. Capítulo III, item “2”), passando os bens da mulher –
o dote – a ser propriedade do marido. A instituição de dote foi utilizada com
bastante freqüência naquela época, aparecendo, aliás, como uma obrigação
moral do pai ou dos irmãos.
No antigo direito germânico, por seu turno, o marido tinha o poder de
administrar os bens da mulher, excluídos dessa administração os utensílios
domésticos e os bens pessoais. No final do casamento o marido assumia a o-
brigação de entregá-los à mulher. Esse sistema de administração marital, co-
nhecido pelo nome de sistema de comunidade de administração, se conservou
durante a Idade Média. É certo que marido e mulher não possuíam, no antigo
direito germânico, bens próprios, mas é certo também que tais bens forma-
vam, durante o matrimônio, uma única massa, administrada exclusivamente
pelo marido. Com a dissolução do casamento, os bens passavam a formar du-
as massas patrimoniais distintas: a do marido e a da mulher. No decorrer da
Idade Média, porém, surgia, de forma embrionária, o regime de comunhão de
71
bens, implicando a formação de uma única massa patrimonial, massa essa
pertencente a ambos os cônjuges, porém dividida igualitariamente em caso de
dissolução da sociedade conjugal.
A comunhão de bens passou, com maior amplitude, para o direito por-
tuguês e, deste, para o direito brasileiro. Nas Ordenações Afonsinas, Livro IV,
Título 12, falava-se em casamento por carta de ametade e segundo o costume
do Reino. Nas Ordenações Manoelinas, Livro IV, Título 7, não havia mais
essa dicotomia, prevalecendo o regime da comunhão, salvo se outra coisa os
nubentes tivessem convencionado em contrato. As Ordenações Filipinas tam-
bém preservaram o regime da comunhão universal como o regime legal.
A influência do direito germânico e do direito português entre nós foi
bastante acentuada, sobretudo em matéria de comunhão de bens, a ponto de o
Código Civil de 1916 erigir o regime da comunhão universal de bens como o
regime legal. É dizer, se os nubentes não celebrassem pacto ou se este fosse
declarado nulo, o regime a vigorar entre eles seria o da comunhão universal
de bens.
A par do regime da comunhão, outros regimes patrimoniais também e-
ram conhecidos no período anterior à promulgação do Código Civil de 1916.
Aliás, Teixeira de Freitas propunha, em seu Esboço, quatro regimes de bens:
1) comunhão de bens (arts. 1.330 a 1.342); 2) separação de bens (arts. 1.343 a
1.352); 3) simples separação de bens (arts. 1.353 a 1.361); 4) dotal (arts.
1.362 a 1.377).
72
Teixeira de Freitas definia os quatro regimes de bens desta maneira:
a)
Comunhão de bens
“O casamento sob o regime de comunhão de bens será considerado uma
sociedade universal, em que todo o ativo e passivo, presente e futuro, de cada
um dos cônjuges, lhes fica pertencendo em partes iguais” (art. 1.331).
b)
Separação de bens
“Entender-se-á que os cônjuges têm adotado o regime de separação de
bens:
1
o
Quando no contrato de casamento tiverem absolutamente excluído a
comunhão ou comunicação de bens entre eles, ou estipulado completa separa-
ção de bens. Não haverá diferença alguma entre a cláusula de exclusão da
comunhão e a de separação de bens.
2
o
Quando nesse contrato declararam não ter casado segundo o costume
geral do Império.
3
o
Quando a mulher for dotada pelo marido, ou este lhe deu ou prome-
teu bens, ou usufruto de bens, a título de arras, apanágios, ou sob qualquer
73
outra denominação, uma vez que assim conste da escritura do contrato de ca-
samento.
4
o
Quando nesse contrato, posto que não excluíssem expressamente a
comunhão ou comunicação de bens, estipularam todavia algum pacto ou cláu-
sula incompatível com o regime da comunhão, como sejam a de comunhão
somente dos adquiridos, - a de que os bens de cada um ou de um deles não
ficarão sujeitos às dívidas contraídas pelo outro, - e a reversão dos bens de
cada um, dissolvido o casamento sem filhos, para sua família ou herdeiros, ou
para o dotante ou determinada pessoa.
5
o
Quando no contrato de casamento declararam ter casado segundo o
regime dotal” (art. 1.343).
c) Simples separação de bens
“Dar-se-á o regime de simples separação de bens se os cônjuges, tendo
excluído a comunhão de bens no todo ou em parte, não houverem expressa-
mente estipulado o regime dotal” (art. 1.353).
d)
Regime dotal
74
“Dar-se-á o regime dotal, se os cônjuges, tendo excluído a comunhão
de bens no todo ou em parte, o houverem expressamente estipulado em seu
contrato de casamento” (art. 1.362).
Com a promulgação do Código Civil de 1916, quatro regime de bens
foram instituídos: 1) comunhão universal (arts. 262 a 268); 2) comunhão par-
cial (arts. 269 a 275); 3) separação de bens (arts. 276 a 277); 4) dotal (arts.
278 a 311). O legislador estabeleceu, como regime legal, o da comunhão uni-
versal de bens, nos termos do art. 258. Como o advento da Lei do Divórcio,
porém, o regime legal passou a ser o da comunhão parcial.
A Lei n. 10.406/2002, que instituiu o Código Civil, manteve três dos
quatro regimes previstos no Código Bevilaqua: comunhão universal; comu-
nhão parcial; separação de bens. O regime dotal, desprezado pela população
brasileira, foi substituído pelo regime da participação final nos aqüestos.
O novo Código entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, passando a
regular, doravante, o estatuto patrimonial dos cônjuges.
2. Conceito de regime de bens
Não há casamento sem regime de bens. Ou os nubentes elegem o regi-
me de bens a vigorar no casamento, ou então o ordenamento jurídico impede
a realização do consórcio matrimonial.
75
Note-se que o art. 1.639 do Código Civil – primeiro artigo a disciplinar
as relações patrimoniais entre os cônjuges - realça a importância do regime de
bens, pois assegura aos nubentes o direito de estipular, mediante pacto, o que
melhor lhes aprouver quanto às relações econômicas dentro da sociedade con-
jugal que em breve nascerá. E mesmo que os nubentes, por desinteresse, dei-
xem de ajustar, pelo pacto, o regime de bens a vigorar, a lei presume que eles
escolheram, tacitamente, o regime da comunhão parcial de bens, nos termos
do art. 1.640, caput, do Código Civil. O mesmo sucederá se o pacto for decla-
rado nulo ou ineficaz.
Dessa forma, a ninguém é dado celebrar casamento sem escolher previ-
amente o regime de bens a vigorar durante o matrimônio. É verdade que, em
determinadas hipóteses, os nubentes não têm liberdade para escolher o regime
de bens, porque a lei impõe a eles, de forma cogente, certo regime patrimonial
(o da separação de bens), nos termos do art. 1.641, parágrafo único. Note-se,
porém, que, mesmo nessa hipótese, apesar de os cônjuges não terem escolhido
o regime patrimonial, a lei escolheu por eles, o que significa dizer que houve
uma escolha, feita não pelos cônjuges, mas pela própria lei. A lei civil não
abre nenhuma exceção à instituição do regime de bens após a celebração do
casamento.
A lei só permite, consoante veremos oportunamente, a alteração do re-
gime de bens se preenchidos certos requisitos, situação que só serve para con-
firmar o que dissemos há pouco: não existe casamento sem prévia escolha ou
76
imposição do regime de bens. A propósito, o art. 1.536, inc. VII, do Código
Civil erige como requisito do assento de casamento a indicação do “regime do
casamento, com a declaração da data e do cartório em cujas notas foi lavrada
a escritura antenupcial, quando o regime não for o da comunhão parcial; ou o
obrigatoriamente estabelecido”.
Vê-se, pois, que o regime de bens é de vital importância na vida dos
cônjuges, razão por que é necessário examinar o seu conceito, quer na doutri-
na estrangeira, quer na doutrina nacional. Ripert e Boulanger, a propósito do
direito francês, dizem que “El régimen matrimonial es el conjunto de las re-
glas relativas a los intereses pecuniarios de los esposos durante el matrimoni-
o
112
.
Sem fugir muito do conceito apresentado acima, Federico Puig Peña sa-
lienta que “los regímenes matrimoniales forman el estatuto que regula los in-
tereses pecuniarios de los esposos entre sí y em suas relaciones con los tercei-
ros”
113
.
Eduardo A. Zannoni, por sua vez, define o regime de bens como o
“conjunto de relações jurídicas de ordem – ou de interesse – patrimonial que o
matrimônio estabelece entre os cônjuges e entre estes e terceiros”
114
.
Cunha Gonçalves ressalta que “o regime de bens é o estatuto pelo qual
os cônjuges se hão de reger nas suas relações patrimoniais, durante toda a sua
112
Ob. cit., vol. IX, p. 19.
113
Tratado de Derecho Civil Español, tomo II, vol I, p. 262.
114
Derecho Civil: Derecho de Familia, vol. 1, p. 376.
77
vida conjugal, estatuto que é também obrigatório para os respectivos herdei-
ros, e bem assim para terceiros, que tenham relações patrimoniais com os côn-
juges”
115
. Outro jurista português, Francisco Manuel Pereira Coelho, concei-
tua o regime de bens como “o estatuto que regula, num determinado casamen-
to, as relações patrimoniais entre os cônjuges e entre estes e terceiros”
116
.
Na doutrina brasileira, Pontes de Miranda preleciona que “regime de
bens é o conjunto de regras, mais ou menos orgânico, que estabelece para cer-
tos bens, ou para os bens subjetivamente caracterizados, sistema de destina-
ção e de efeitos. Assim, é possível falar-se de regime dos bens sujeitos à lei
Torrens, de regime de zonas militarmente vigiadas, de regime das minas con-
siderada de imediata utilidade para a defesa nacional e de regime matrimonial
de bens”
117
.
Bem mais sucinto, Washington de Barros Monteiro diz que “regime de
bens é o complexo das normas que disciplinam as relações econômicas entre
marido e mulher, durante o casamento”
118
. Sucinto também se apresenta o
conceito de Orlando Gomes: “Regime matrimonial é o conjunto de regras a-
plicáveis a sociedade conjugal considerada sob o aspecto dos seus interesses
patrimoniais. Em síntese, o estatuto patrimonial dos cônjuges”
119
.
Maria Helena Diniz, por sua vez, define o conceito de regime de bens
desta forma: “Regime matrimonial de bens é o conjunto de normas aplicáveis
115
Ob. cit., p. 459.
116
Curso de Direito de Família, p. 261.
117
Tratado de Direito de Família, vol. II, p. 143.
118
Ob. cit., p. 183.
119
Ob. cit., p. 163.
78
às relações e interesses econômicos resultantes do casamento. É constituído,
portanto, por normas que regem as relações patrimoniais entre marido e mu-
lher, durante o matrimônio. Consiste nas disposições normativas aplicáveis à
sociedade conjugal no que concerne aos seus interesses pecuniários. Logo,
trata-se do estatuto patrimonial dos consortes”
120
.
Por conseguinte, regime de bens é um conjunto de normas legais regu-
ladoras das relações patrimoniais entre os cônjuges (de um cônjuge em rela-
ção ao outro), ou entre estes e terceiros, durante o curso do casamento. Trata-
se do estatuto patrimonial normalmente escolhido pelos cônjuges para regular
as suas relações econômicas durante o casamento. Se estivesse vigente o Có-
digo Civil de 1916, poderíamos aduzir que o regime de bens regularia as rela-
ções econômicas durante todo casamento. Contudo, não se mostra possível,
atualmente, incluir no conceito a expressão durante todo o casamento, uma
vez que o art. 1.639, § 2
o
, do novo Código permitiu a alteração do regime pa-
trimonial, de sorte que é equívoco afirmar, doravante, que o regime patrimo-
nial deverá vigorar durante o todo o casamento.
O regime de bens leva em conta não apenas as relações patrimoniais
entre os consortes, senão também as relações entre os consortes e terceiros;
relações eminentemente pessoais não se misturam com as relações de cunho
patrimonial.
120
Curso..., p. 144.
79
O Código Civil de 2002 reforça tal assertiva ao regular, de um lado, as
relações pessoais entre os cônjuges (Livro IV, Título I), e, de outro, as rela-
ções de ordem patrimonial (Livro IV, Título II). É dizer, o legislador reservou
um título para o direito pessoal e um outro título para o direito patrimonial
(Título II).
3. Natureza jurídica
Tem-se discutido na doutrina a natureza jurídica do regime de bens. É
um contrato? É uma instituição? Qual a sua natureza jurídica? Ripert e Bou-
langer dizem que a maioria dos doutrinadores clássicos tem sustentado a idéia
de que a natureza do regime de bens é contratual. No entanto, para Ripert e
Boulanger “el régimen matrimonial tine un carácter institucional. Esa institu-
ción es, por otra parte, accesoria a la del matrimonio. Debe su principio y su
justificación a un acto de voluntad de los esposos en caso de que éstos hayan
elegido su régimen y, en caso contrario, es puramente legal”
121
.
O nosso Código, ao tratar do regime de bens, ora emprega o vocábulo
pacto (arts. 1.653, 1.654, 1.656), ora o vocábulo convenção (art. 1.655,
1.657). Pacto (ou contrato) e convenção são expressões sinônimas? Orlando
121
Ob. cit., tomo IX, p. 21.
80
Gomes
122
diz que a convenção, segundo alguns doutrinadores (v.g., Capitant
e Eduardo Espínola), compreenderia não só os negócios plurilaterais destina-
dos a criar obrigações, como também os negócios reservados a modificar ou
extinguir obrigações preexistentes, ao passo que o contrato seria idôneo ex-
clusivamente à criação de obrigações. Para outros, continua Orlando Gomes,
teria sentido mais amplo, compreendendo os acordos normativos. A seu ver,
porém, a questão é puramente terminológica. É também a nossa opinião. Pa-
rece-nos que o Código empregou as duas expressões como sinônimas, pois se
a intenção da lei fosse, realmente, diferenciar pacto de convenção não iria in-
serir no Capítulo II, cujo nomem juris é “Do pacto antenupcial”, ora a expres-
são pacto, ora a expressão convenção. A boa técnica legislativa exigiria a in-
serção de um único termo: pacto antenupcial.
Isso não significa dizer, porém, que o Código, empregando indistinta-
mente os vocábulos pacto e convenção, tenha querido imputar ao regime de
bens a natureza contratual. A nosso ver, o regime de bens não pode, data ve-
nia, ser considerado um contrato puro, regido pelo direito das obrigações, pois
as relações econômicas marcadas pelo casamento não se afeiçoam ao direito
obrigacional. Além disso, é forçoso convir que nem sempre o regime de bens
é livremente pactuado pelos nubentes, como ocorre quando o casamento se
realiza, obrigatoriamente, pelo regime da separação de bens (CC, art. 1.641).
122
Contratos, p. 18.
81
Na opinião de Rui Ribeiro de Magalhães
123
, não é de boa técnica classificar o
regime de bens como um contrato puro, disciplinado pelo direito das obriga-
ções, pois lhe faltariam princípios inatos e sobrariam princípios incompatí-
veis.
A nosso ver, quando os nubentes celebram pactos antenupciais, o regi-
me de bens terá natureza contratual, embora, convenha-se, se trate de contrato
especial, regido não pelas normas do direito das obrigações, senão pelas do
direito de família. Ao contrário, quando a lei vedar a celebração de pactos, o
regime de bens terá caráter institucional, o mesmo ocorrendo se, a despeito da
realização do pacto, este for declarado nulo por decisão judicial
124
.
4. Importância do regime de bens
É importante que o ordenamento jurídico trate de regulamentar as rela-
ções econômicas entre as pessoas casadas, justamente porque durante a cons-
tância do casamento várias dúvidas de ordem patrimonial podem assaltar os
cônjuges e trazer intranqüilidade para o relacionamento. Além disso, os ter-
ceiros têm todo o direito de saber qual o regime de bens adotado para melhor
acautelar os seus interesses na hipótese de contratarem com os cônjuges.
123
Direito de Família no Novo Código Civil Brasileiro, p. 239.
124
A natureza sui generis do regime de bens é também sustentada por José Antonio Encinas Manfré (ob. cit.,
p. 11-12).
82
A lição de Lafayette Rodrigues Pereira, apesar de escrita há muitos a-
nos, é reconhecidamente atual, merecendo aqui transcrição:
“A comunhão de vida (individua vitae consuetudo) que o
casamento estabelece entre a mulher e o marido, não pode dei-
xar de exercer influência direta sobre os bens que os cônjuges
trazem para o casal e sobre os que de futuro adquirem. É mister
dar a esses bens uma constituição que os ponha em perfeita
harmonia com a natureza e os fins da sociedade conjugal: – ne-
cessidade que determina um complexo de modificações impor-
tantes nos princípios gerais que regulam o Direito de proprieda-
de. Estas modificações formam uma coleção de regras que, su-
posto entendam diretamente com a teoria dos direitos reais e
pessoais, todavia como conseqüências imediatas do casamento,
tomar lugar nos quadros do Direito de Família. As ditas modifi-
cações podem variar entre si dentro de uma certa latitude, sem
contudo desdizerem dos fins da sociedade conjugal. Daí a diver-
sidade de regimes de bens, segundo os quais pode ser contraído
o casamento”
125
.
125
Ob. cit., p. 160-161.
83
Mesmo no direito alienígena a importância do regime de bens é enfati-
zada pela doutrina. José Puig Brutau, por exemplo, destaca o seguinte: “Ante
el conjunto de problemas que brotan de la vida matrimonial, el Derecho ha de
tener previstas las posibles soluciones, incluso organizadas em un conjunto
unitario. Es lo que se conoce com el nombre de sistemas de organización eco-
nómica de la sociedad conyugal o de régimen matrimonial de bienes”
126
.
Logo, mostra-se de capital importância a lei estabelecer regras e princí-
pios atinentes ao regime de bens entre os cônjuges. O nosso direito permite, a
exemplo de outros países, o prévio ajuste em matéria patrimonial, possibili-
tando aos nubentes, mesmo antes do matrimônio, o acertamento de assuntos
patrimoniais mediante a celebração de pacto antenupcial.
É bem verdade que, no tocante aos pactos antenupciais, os futuros côn-
juges se sentem, não raro, desencorajados a falar sobre questões de natureza
patrimonial. O constrangimento, a inibição, a preocupação de ser mal inter-
pretado toma-lhes o lugar, impedindo que eles discutam abertamente questões
econômicas antes do casamento. De qualquer forma, a lei põe a salvo a possi-
bilidade de o casal regular as suas relações econômicas antes do casamento
mediante a celebração de convenção antenupcial.
Sem o regime de bens previamente instituído, várias questões patrimo-
niais ficariam em aberto ou sem resposta se a lei não regulasse detalhadamen-
te o regime de bens entre os cônjuges. José Antonio Encinas Manfré, abor-
dando especialmente esse assunto, diz que o regime de bens regulado legal-
126
Fundamentos de Derecho Civil, tomo IV, volume I, p. 369.
84
mente é de capital importância e tem o condão de dirimir uma gama de inda-
gações, entre elas as seguintes: “quais os bens trazidos para esse consórcio
por qualquer dos cônjuges que permanecem sob exclusiva propriedade do
respectivo titular, e quais os que, com o vínculo jurídico estabelecido, se tor-
nam comuns? Aos bens adquiridos durante o casamento, quais são os comuns
e os que se possam considerar próprios do adquirente? Das dívidas contraídas
por qualquer dos consortes, quais responsabilizam ambos e quais recaem ao
cônjuge que as assumiu? Quais as massas de bens a responder pelas diferentes
categorias de dívidas? Há ordem de prioridades a ser observar quando mais de
uma classe de bens responda pela mesma dívida”
127
.
Em suma, o regime de bens, cujo conceito já foi dado no item anterior,
é de capital importância na relação entre os cônjuges, como também na rela-
ção entre estes e terceiros, razão pela qual não é possível, na feliz advertência
de Caio Mário da Silva Pereira
128
, conceber um casamento, ainda que nos
países de economia socialista, sem um regime de bens.
5. Disposições gerais sobre o regime de bens
127
Regime Matrimonial de Bens no Novo Código Civil, p. 9.
128
Ob. cit., p. 140.
85
Aqui veremos as disposições gerais concernentes ao estatuto patrimoni-
al dos cônjuges. Deixaremos de fora os arts. 1.639, 1.640 e 1.641, porque e-
xaminados em outro lugar.
5.1. Considerações preliminares
O legislador abriu um capítulo para tratar das disposições gerais sobre
o regime de bens entre os cônjuges. É o Capítulo I, Subtítulo I, Título II, Li-
vro IV, do Código Civil de 2002 (arts. 1.639 a 1.652). Tais disposições se a-
plicam indistintamente a quaisquer dos quatro regimes de bens existentes no
Brasil.
Rompendo com o sistema legal anterior, o novo ordenamento jurídico
pôs em pé de igualdade o marido e a mulher. Atualmente, os direitos e deve-
res relativos à sociedade conjugal são iguais, não havendo hegemonia mascu-
lina. A direção do lar é exercida por ambos os consortes, no interesse do casal
e dos filhos comuns (CC, art. 1.567).
Ao tempo do Código de 1916, o art. 247 presumia a mulher autorizada
pelo marido para: comprar as coisas necessárias à economia doméstica; obter
empréstimo para a aquisição dessas coisas; contrair as obrigações concernen-
tes à indústria ou profissão que exercer.
86
Tudo mudou com o advento do novo Código Civil. O art. 1.642 arrola
os atos que tanto o marido quanto a mulher podem praticar livremente, um
não dependendo da autorização do outro.
Há atos, porém, que dependem de outorga conjugal com o fito de pre-
servar os interesses de um ou de outro cônjuge. Tais atos estão relacionados
no art. 1.647 do novo Código.
5.2. Atos praticados pelos cônjuges
Conforme veremos no item “5.2.1.”, o Código Civil arrola uma série de
atos que tanto o marido quanto a mulher podem praticar de forma livre, inde-
pendentemente de outorga conjugal (CC, art. 1642).
Por outro lado, o art. 1.647 só permite a prática de certos atos – seja pe-
lo marido, seja pela mulher – se houver prévia outorga conjugal. Esse atos
serão examinados no item “5.2.2.”.
5.2.1. Atos não sujeitos a outorga conjugal
O art. 1.642 do novo Código prevê os casos em que os cônjuges podem
praticar livremente certos atos independentemente de outorga conjugal.
87
Eis o teor do mencionado dispositivo legal:
“Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o
marido quanto a mulher podem livremente:
I - praticar todos os atos de disposição e de administração
necessários ao desempenho de sua profissão, com as limitações
estabelecida no inciso I do art. 1.647;
II - administrar os bens próprios;
III - desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido
gravados ou alienados sem o seu consentimento ou sem supri-
mento judicial;
IV - demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação,
ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge com in-
fração do disposto nos incisos III e IV do art. 1.647;
V - reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados
ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que pro-
vado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum des-
tes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos;
VI - praticar todos os atos que não lhes forem vedados ex-
pressamente”.
88
As transformações pelas quais passaram a sociedade brasileira influen-
ciaram decididamente as relações conjugais. A mulher de hoje, muito diferen-
te da mulher do começo do Século XX, penetrou no mercado de trabalho, ex-
plorando empregos até então reservados ao homem. Em muitos lares, a mu-
lher é a provedora da casa, sustentando o marido e os filhos. Ou, quando não,
graças ao seu trabalho, ajuda financeiramente o marido a manter as despesas
do lar.
Atualmente, é muito comum ver o marido e a mulher exercendo ativi-
dades profissionais com o escopo de manter a casa e prover a subsistência dos
filhos. É por isso que o inc. I do art. 1.642 autoriza tanto o marido quanto a
mulher a praticar atos de disposição e administração necessários ao desempe-
nho de sua profissão. Um e outro podem, independentemente de outorga con-
jugal, dispor de bens para o bom desempenho de sua profissão. Como exem-
plifica Maria Helena Diniz
129
, se a mulher for comerciante, poderá alugar
imóvel para instalar sua empresa, admitir e demitir empregados, adquirir mer-
cadorias, emitir cártulas, requerer falência, demandar e ser demandada por
fatos referentes ao exercício de sua profissão.
Não é despiciendo observar que a regra do art. 1.642, inc. I, limita-se
aos bens móveis, porque, quanto aos imóveis, o inc. I do art. 1.647 exige ex-
pressamente a autorização do outro cônjuge, salvo se o regime for o da abso-
luta separação de bens (CC, art. 1.647, inc. I).
129
Curso..., p. 189.
89
O inc. II do art. 1.642 permite a livre administração dos bens próprios.
Tal administração ficará afeta a cada cônjuge, independentemente do regime
de bens adotado. Assim, mesmo que seja o da comunhão universal, regime no
qual se comunicam todos os bens presentes ou futuros (CC, art. 1.667), é mis-
ter não olvidar que, como exceção, há bens que se acham excluídos da comu-
nhão, tais como os relacionados no art. 1.668, constituindo bens próprios de
cada cônjuge. Um imóvel doado com cláusula de incomunicabilidade não en-
tra na comunhão de bens (CC, art. 1.668), sendo propriedade exclusiva do
cônjuge donatário (bem próprio). Portanto, a administração dos bens próprios
ficará a cargo de cada cônjuge, dispensada a autorização do outro.
Se um dos cônjuges, porém, não puder administrar os próprios bens,
caberá ao outro fazê-lo. O art. 1.570 trata das hipóteses nas quais ocorrerá es-
sa administração: “Se qualquer dos cônjuges estiver em lugar remoto ou não
sabido, encarcerado por mais de cento e oitenta dias, interditado judicialmente
ou privado, episodicamente, de consciência, em virtude de enfermidade ou de
acidente, o outro exercerá com exclusividade a direção da família, cabendo-
lhe a administração dos bens”. Não só dos bens próprios, mas também dos
bens comuns. A administração recairá, pois, sobre três massas patrimoniais:
1) a dos bens próprios do marido; 2) a dos bens próprios da mulher; 3) a dos
bens comuns.
Além de administrá-los, o cônjuge poderá, por força do art. 1.651, inc.
II, do novo Código, alienar os bens móveis comuns. Quanto aos bens imóveis
90
comuns e aos bens móveis e imóveis do consorte, a alienação exigirá autori-
zação judicial (CC, art. 1.651, inc. III).
O inc. III do art. 1.642 permite ao marido ou à mulher desobrigar ou
reivindicar bens que tenham sido gravados ou alienados sem o seu consenti-
mento ou sem suprimento judicial. Veremos oportunamente que o Código es-
tabelece restrições à liberdade de ação dos cônjuges, a bem dos interesses da
família. Tais restrições impedem que um dos consortes, sem o consentimento
do outro, aliene ou grave de ônus real os bens imóveis, salvo se o regime for o
da separação absoluta de bens (CC, art. 1.647, inc. I). Pois bem, se, a despeito
dessa determinação legal, o marido, ou a mulher, casados pelo regime que não
seja o da separação absoluta, alienar um bem imóvel, essa alienação poderá
ser impugnada pelo outro consorte mediante a propositura de ação anulatória,
a teor do art. 1.642, inc. III, c.c. o art. 1.649, ambos do Código Civil.
Outras duas hipóteses de recurso à via judicial estão previstas no art.
1.642, incs. IV e V. O primeiro inciso diz respeito ao ajuizamento de ação
tendente a rescindir os contratos de fiança e doação, ou a invalidar aval, reali-
zados com infração do disposto nos incs. III e IV do art. 1.647, enquanto o
segundo inciso se refere à reivindicação de bens comuns, móveis ou imóveis,
doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino. O inc. IV será exa-
minado oportunamente, quando da análise dos incs. III e IV do art. 1.647.
No tocante ao inc. V do art. 1.642, o dispositivo autoriza o cônjuge a
propor ação para reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, saídos do
91
patrimônio conjugal. Tanto o marido quanto a mulher podem, livremente,
“reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo
outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adqui-
ridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais
de cinco anos”. Esse dispositivo exige urgente modificação, na medida em
que representa um verdadeiro retrocesso social, neutralizando de vez a juris-
prudência que, evitando o enriquecimento ilícito, excluía do regime da comu-
nhão os bens adquiridos por pessoas que, conquanto unidas pelos laços do
matrimônio, já se encontravam separadas de fato, vivendo em união estável.
Merecem transcrição as candentes palavras de Rolf Madaleno:
“É flagrante o retrocesso verificado na parte final do inci-
so V do artigo 1.642 e o elevado risco de injustiças que poderão
ocorrer se a jurisprudência não estiver atenta para corrigir as
distorções que irão surgir. Está pacificado pela jurisprudência
brasileira que a separação fática acarreta inúmeros efeitos jurí-
dicos, especialmente o da incomunicabilidade de bens entre côn-
juges fatualmente separados, porquanto já ausente o ânimo so-
cioafetivo, real motivação do regime de comunicação patrimoni-
al. Portanto, não existe nenhum sentido lógico em manter comu-
nicáveis durante cinco longos anos bens hauridos em plena e ir-
reversível separação de fato dos cônjuges, facilitando o risco do
92
enriquecimento ilícito, pois o consorte faticamente separado po-
derá ser destinatário de uma meação composta por bens que não
ajudou a adquirir. Representa engessar as relações afetivas, que
se renovam, já que ex-conviventes que não promoveram separa-
ção judicial e a correspondente partilha de seus bens conjugais,
arriscam sofrer a invasão de seus bens até cinco anos depois de
iniciada a separação fática se não ostentarem provas contunden-
tes de que as suas atuais riquezas materiais decorreram do es-
forço comum do par convivente”
130
.
José Antonio Encinas Manfré
131
, por sua vez, também critica o disposi-
tivo, considerando-o um retrocesso em relação às decisões judiciais que con-
sideravam incomunicáveis os bens adquiridos durante a separação de fato.
Assiste total razão a esses autores. De fato, a jurisprudência anterior ao
novo Código Civil já caminhava no sentido de excluir da comunhão os bens
adquiridos pelos cônjuges durante a separação de fato. O Tribunal de Justiça
de São Paulo, em acórdão paradigma relatado pelo Des. Silvério Ribeiro, de-
cidiu, por unanimidade, que os bens adquiridos após a separação de fato não
integram a comunhão. Um dos trechos do acórdão proclama:
130
Ob. cit., p. 194.
131
Ob. cit., p. 16.
93
“Se é certo afirmar friamente que o casamento sob o re-
gime de comunhão universal de bens só tem fim com a morte de
um dos cônjuges, com a anulação do casamento, divórcio ou se-
paração judicial, não coaduna com os princípios de Justiça efe-
tuar a partilha de patrimônio auferido por apenas um dos cônju-
ges, sem a ajuda do consorte, em razão de separação de fato
prolongada, situação que geraria enriquecimento ilícito àquele
que de forma alguma não teria contribuído para a geração de
riqueza. O fundamental no regime da comunhão de bens é o a-
nimus societas e a mútua contribuição para a formação de um
patrimônio comum. Portanto, sem a idéia de sociedade e sem a
união de esforços do casal para a formação desse patrimônio, a-
figurar-se-ia injusto, ilícito e imoral proceder ao partilhamento
de bens conseguidos por um só dos cônjuges, estando o outro a-
fastado da luta para a aquisição dos mesmos” (Apelação Cível
n. 188.760-1/4, Jundiaí, 3
a
Câmara Civil, j. 11-5-1993).
Caso não houvesse essa construção pretoriana, a separação de fato po-
deria gerar enriquecimento ilícito a um dos cônjuges, se o outro, constituindo
nova família, tivesse adquirido bens móveis ou imóveis com esforço comum
do(a) companheiro(a). Não obstante, havia autores que, mesmo ao tempo da
94
vigência do Código Civil, pregavam a tese de que a separação de fato não a-
carretava a extinção do regime de bens adotado no casamento
132
.
O inc. V do art. 1.642 é motivo de perplexidade e, com certeza, irá ge-
rar muitas discussões pretorianas, principalmente porque a via judicial é o
caminho legalmente indicado para os cônjuges que ora se achem separados de
fato há menos de cinco anos. Além disso, o inciso lança mão do vocábulo
concubino, em flagrante contradição com o art. 1.723, § 1
o
, 2
a
parte, do novo
Código, que autoriza a união estável entre pessoas apenas separadas de fato.
O relacionamento mantido entre pessoas casadas e separadas de fato é de uni-
ão estável e não de concubinagem.
Não há confundir, é certo, a situação examinada acima (separação de
fato) com outra bem diferente na qual um dos cônjuges mantém, paralelamen-
te ao casamento, uma relação íntima com outra pessoa. A hipótese aqui trata-
da é bem diversa, pois a união matrimonial perdura, os cônjuges não estão
separados de fato, os encontros são clandestinos, não havendo por parte do
cônjuge infiel o desejo de deixar o outro consorte. Tudo não passa, pois, de
uma aventura extraconjugal, com colorido de concubinato. Pois bem, se nesse
contexto o cônjuge adúltero fizer doação ao amante, o cônjuge prejudicado
terá ação para anular o ato, na forma do art. 550 do Código Civil: “A doação
do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou
por seus herdeiros necessários, até 2 (dois) anos depois de dissolvida a socie-
dade conjugal”.
É por isso que o inc. V do art. 1.642 merece urgente reforma para se a-
justar à corrente jurisprudencial que afasta do regime de comunhão os bens
132
Ver por todos: Eduardo Leite, Separação e divórcio, em Temas de Direito de Família, p. 92.
95
adquiridos pelos cônjuges separados apenas de fato, independentemente do
período de duração dessa separação. Além disso, é mais conveniente que o
ônus probatório quanto à aquisição dos bens recaia na pessoa do réu, e não na
do cônjuge prejudicado. Aliás, segundo informa Regina Beatriz Tavares da
Silva
133
, a Câmara dos Deputados havia mudado a redação do inc. V, corri-
gindo distorção que impunha o ônus probatório ao cônjuge prejudicado quan-
to à inexistência de esforço do concubino na aquisição dos bens. No entanto, a
redação final impôs ao cônjuge prejudicado o ônus da prova.
A autora propõe a alteração do dispositivo a fim de que ele passe a vi-
gorar com a seguinte redação:
“Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido
quanto a mulher podem livremente: (...) V- reivindicar os bens
comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro
cônjuge ao concubino ou ao companheiro, podendo este último
provar que os bens foram adquiridos pelo esforço comum”
134
.
Por fim, o inc. VI do art. 1.642 autoriza a prática de todos os atos que
não sejam vedados por lei. Com esse inciso, o legislador consagrou o princí-
pio segundo o qual não se podem ampliar as restrições legais. Dessa forma, é
133
Novo Código Civil Comentado, p. 1.456.
96
lícito aos cônjuges praticar livremente todos os atos que não forem expressa-
mente vedados pelo ordenamento jurídico.
O art. 1.643 estabelece, por sua vez, que os cônjuges podem, indepen-
dentemente de autorização: 1) comprar, ainda que a crédito, as coisas necessá-
rias à economia doméstica; 2) obter, por empréstimo, as quantias que a aqui-
sição dessas coisas exigir. Anote-se que as dívidas contraídas para a aquisição
de tais bens obrigam tanto o marido quanto a mulher, e trata-se de obrigação
solidária, nos termos do art. 1.644 do Código Civil, de sorte que os credores
se acham legalmente autorizados a exigir a dívida de um ou de outro cônjuge,
ou de ambos, em razão da solidariedade passiva resultante da lei (CC, arts.
265 e 275). Natural que o legislador tenha instituído, na espécie, solidariedade
passiva, uma vez que as dívidas contraídas pelo marido ou pela mulher tive-
ram por destino a economia doméstica.
5.2.2. Atos sujeitos a outorga conjugal
Diferentemente do art. 1.642, o art. 1.647 impõe certas restrições aos
atos dos cônjuges. É dizer, certos atos só poderão ser praticados por um deles
se contar com a correspondente autorização do outro. A propósito de tais res-
trições, observa Maria Helena Diniz que o objetivo do ordenamento jurídico
“foi assegurar não só a harmonia e segurança da vida conjugal, mas também
134
Ob. cit., p. 1.456-1.457.
97
preservar o patrimônio familiar, forçando os consortes a manter o acervo fa-
miliar, porque a renda para manutenção da família, geralmente, advém desse,
e, assim, evita-se a dissipação, garantindo, conseqüentemente, uma certa re-
ceita”
135
. Assim também sucede em Portugal, onde o Código Civil exige a
outorga dos cônjuges para a prática de certos atos, sob pena se anulação
136
.
No direito argentino há por igual exigência quanto a certos bens, conforme se
vê da observação de Guillermo A. Borda: “Según el art. 1277, es necesario el
consentimiento de ambos cónyuges para disponer o gravar los bienes ganan-
ciales, cuando se tratase de inmuebles, derechos o bienes muebles cuyo regis-
tro han impuesto las leyes en forma obligatoria, aportes de dominio o uso de
dichos bienes a sociedades y tratandose de sociedades de personas, la trans-
formación o fusión de éstas”
137
.
No direito brasileiro, as restrições quanto a certos atos estão previstas
no art. 1.647, que apresente a seguinte redação:
“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum
dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime
da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
135
Curso..., p. 183.
136
Ver arts. 1682, 1682-A e 1686 do Código Civil português.
137
Ob. cit., p. 308.
98
II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou di-
reitos;
III - prestar fiança ou aval;
IV - fazer doação, o sendo remuneratória, de bens co-
muns, ou dos que possam integrar futura meação.
Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos
filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada”.
Nenhum cônjuge poderá realizar, sem a concordância do outro, quais-
quer dos atos arrolados nos quatro incisos do art. 1.647, salvo se: a) o regime
de bens for o da absoluta separação; b) obtiver, na forma do art. 1.648, su-
primento judicial
138
.
O Código alude a autorização, mas não diz se essa autorização deve
ser escrita ou verbal. A nosso ver, a autorização é sempre escrita, não haven-
do autorização verbal. Quanto à forma, se for imóvel de valor superior a 30
(trinta) vezes o salário mínimo, o instrumento público será necessário, a teor
dos arts. 108 e 220, ambos do Código Civil; se o bem for móvel (ou imóvel de
valor inferior àquele teto), será bastante o instrumento particular. Vê-se, pois,
que a autorização, além de escrita, deve observar uma forma e ser anterior à
realização do ato, sob pena de ensejar a propositura de ação judicial (CC, art.
1.649, caput). Mas a autorização posterior – que o Código chama de aprova-
99
ção (CC, art. 1.649, parágrafo único) – valida o ato, desde que feito por ins-
trumento público, ou por documento particular autenticado.
O inc. I do art. 1.647 diz ser vedado a um cônjuge, sem autorização do
outro, “alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis”. Ao tempo do Código
de 1916, ensinava Pontes de Miranda
139
, em lição que se mantém atual, que a
proibição compreende todos os atos de gravame e traslativos de domínio e
seus elementos, por exemplo, dação, compromisso, transações, divisão, cons-
tituição de servidão, doação, usufruto, enfiteuse e demais atos que, embora
não constituam translação, importem em jus abutendi: demolir, destruir,
queimar.
A ratio juris da norma, correspondente ao art. 235, inc. I, do Código de
1916, é revelada por Clóvis Bevilaqua: “Os imóveis podem oferecer uma base
mais segura ao bem estar da família ou, pelo menos, lhe proporcionarão um
abrigo na desventura”
140
.
É irrelevante o regime de bens adotado pelo casal ou a natureza dos
bens imóveis (se próprios ou incluídos na comunhão), porquanto a autoriza-
ção decorre da lei, sendo sempre necessária. O legislador abriu exceção à se-
paração absoluta, porque nesse regime de bens cada cônjuge conserva a mais
completa independência patrimonial, na medida em que não há comunhão
patrimonial, situação capaz de justificar a dispensa de autorização para a alie-
138
Redação do art. 1.648 do Código Civil: “Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga
quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la”.
139
Tratado de Direito Privado, p. 121.
140
Ob. cit., p. 116.
100
nação de bens. Se a separação resultar do disposto no art. 1.641 (separação
obrigatória), a autorização será necessária.
Há uma outra exceção prevista na lei, art. 1.656: “No pacto antenupcial,
que adotar o regime de participação final nos aqüestos, poder-se-á convencio-
nar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares”. Mas tal ex-
ceção diz respeito apenas aos bens particulares de cada cônjuge. E mesmo
assim, desde que se faça estipulação no pacto antenupcial. Se os bens, ao re-
vés, não forem particulares, os atos previstos no inc. I do art. 1.647 ficarão na
dependência de autorização do marido ou da mulher.
Salvante as exceções vistas acima, os cônjuges não são livres para pra-
ticar atos de disposição de bens imóveis. Logo, se um deles praticar o ato sem
a autorização do outro, incidirá a regra do art. 1.649, caput: “A falta de auto-
rização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável
o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear a anulação, até 2 (dois) anos
depois de terminada a sociedade conjugal”.
Em matéria de outorga conjugal, a legislação brasileira se aparta da le-
gislação de outros países, como por exemplo o Código Civil francês, cujo art.
1.421 estabelece o seguinte: “O marido é o único administrador da comunhão.
Pode ele vender, alienar ou hipotecar sem o concurso da mulher”. Há uma
exceção no direito francês: o marido não pode dispor de bens, a título gratui-
to, sem o consentimento da mulher. Lê-se no art. 1.422: “O marido não pode,
mesmo para o estabelecimento de filhos comuns, dispor ‘inter vivos’ a título
101
gratuito dos bens da comunhão sem o consentimento da mulher”. Os dois ar-
tigos transcritos referem-se aos bens da comunhão. Contudo, quanto aos bens
pessoais da mulher, o art. 1.428 proíbe a disposição sem o consentimento de-
la: “O marido tem a administração de todos os bens pessoais da mulher. Pode
ele exercer, sozinho, todas as ações mobiliárias e possessórias que cabem à
mulher. Não pode ele alienar os imóveis pessoais de sua mulher sem o con-
sentimento dela. Fica ele responsável por toda desvalorização dos bens pesso-
ais de sua mulher causada por falta de atos conservatórios”.
Como se vê, o direito francês, com relação aos bens comuns, é bem
mais liberal do que o nosso, mas nem por isso recebe o nosso aplauso, tendo
em vista que a restrição a certos atos conjugais representa uma garantia em
prol de ambos os cônjuges.
Os bens a que a lei civil impõe restrições são os imóveis do casal (pa-
trimônio comum) ou de cada um deles (bens particulares), salvo as exceções
vistas acima. Se o bem, porém, pertencer a uma empresa, o cônjuge empresá-
rio terá autorização para aliená-lo ou gravá-lo de ônus real sem o consenti-
mento de seu consorte. Nesse sentido, aliás, dispõe o art. 978 do novo Código
Civil: “O empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal,
qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patri-
mônio da empresa ou gravá-los de ônus real”. Esse dispositivo, sem corres-
pondência no Código de 1916, permite a alienação com base no fato de que o
patrimônio da empresa não se confunde com o patrimônio do sócio. É dizer,
102
pertencendo os bens à empresa, pessoa jurídica dotada de personalidade pró-
pria, esta tem aptidão para aliená-los ou gravá-los de ônus reais. Os bens não
são propriedade do cônjuge casado, senão da empresa da qual ele é sócio.
Quanto às firmas individuais, impõe-se também a aplicação do art. 978, ape-
sar de tais firmas não terem personalidade jurídica própria. O dispositivo tem
inegável importância no mundo dos negócios, pois o alienar bens imóveis, por
exemplo, é uma saída para pôr fim à situação aflitiva por que passa a firma,
salvaguardando os interesses do próprio cônjuge e dos credores. Ademais,
como bem explica Ricardo Fiuza, os bens poderão ser alienados ou gravados
de ônus reais sem a necessidade de outorga conjugal, “uma vez que os bens
imóveis diretamente afetados à atividade da empresa não estão compreendi-
dos no patrimônio conjugal”
141
.
A segunda restrição está prevista no art. 1.647, inc. II, do Código Civil:
o litígio envolvendo esses bens ou direitos também depende de outorga con-
jugal. Quer dizer, um cônjuge só poderá propor ação real imobiliária se obti-
ver autorização do outro cônjuge. Silvio Rodrigues explica a razão da restri-
ção: “A demanda judicial pode conduzir à saída, do patrimônio do casal, da-
queles bens imóveis, ou direitos a ela relativos. De sorte que, pelas mesmas
razões de evitar surpresas para o cônjuge, obriga a lei que, na demanda em
que se litiguem sobre os mesmos direitos reais imobiliários, o autor compare-
141
Ob. cit., p. 884.
103
ça com autorização de sua mulher, e dá ao réu o direito de ser acionado, jun-
tamente com sua esposa, devendo ambos ser citados”
142
.
O disposto no art. 1.647, inc. II, do Código Civil está em perfeita sinto-
nia com o art. 10 e parágrafos do Código de Processo Civil:
“Art. 10. O cônjuge somente necessitará do consentimento do
outro para propor ações que versem sobre direitos reais imobili-
ários.
§ 1
o
Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para as
ações:
I- que versem sobre direitos reais imobiliários;
II- fundadas em dívidas contraídas pelo marido a bem da fa-
mília, mas cuja execução tenha de recair sobre o produto
do trabalho da mulher ou os seus bens reservados
143
;
III- que tenham por objeto o reconhecimento, a constituição
ou a extinção de ônus sobre imóveis de um ou de ambos os
cônjuges.
§ 2
o
Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor
ou do réu somente é indispensável nos casos de composse ou de
ato por ambos praticado”.
142
Direito Civil, p. 152.
104
Caso o cônjuge não obtenha a outorga conjugal, deverá fazer uso do
disposto no art. 1.648 do Código Civil, requerendo ao juiz o seu suprimento.
Do mesmo modo dispõe o art. 11 do Código de Processo Civil:
“Art. 11. A autorização do marido e a outorga da mulher podem
suprir-se judicialmente, quando um cônjuge a recuse ao outro
sem justo motivo, ou lhe seja impossível dá-la.
Parágrafo único. A falta, não suprida pelo juiz, da autorização
ou da outorga, quando necessária, invalida o processo”.
Outro ato acerca do qual a lei civil impõe restrição está indicado no art.
1.647, inc. III: fiança ou aval. Um cônjuge somente poderá ser fiador ou ava-
lista se contar com a expressa autorização do outro; se não, não. Quanto à fi-
ança, a lei civil anterior já prescrevia, no art. 235, inc. III, a necessidade de o
marido obter o prévio consentimento da mulher para poder assinar contrato de
fiança, situação extensiva à mulher, nos termos do art. 242, inc. I. O legisla-
dor conservou, então, tal exigência, a benefício da família. No tocante ao aval,
o projeto não previa o aval, mas apenas a fiança (inc. III). No Senado foi a-
crescida a figura do aval. Sendo assim, por força da redação do inc. III, cada
um dos cônjuges depende de outorga conjugal para tornar-se fiador ou avalis-
ta.
143
O novo Código Civil aboliu os bens reservados da mulher.
105
A despeito da redação inconcussa do inc. III, há entendimentos no sen-
tido de que a falta de outorga conjugal não invalida o aval prestado. Tais en-
tendimentos foram esposados durante a Jornada de Direito Civil realizada em
Brasília, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justi-
ça Federal no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação ci-
entífica do Min. Ruy Rosado, do Superior Tribunal de Justiça, nestes termos:
“O aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, de modo que o inc.
III do art. 1647 apenas caracteriza a inoponibilidade do título ao cônjuge que
não assentiu” (Enunciado 114). Os participantes dessa jornada, ademais, suge-
riram a supressão das expressões ‘ou aval’ do inc. III do art. 1.647 do novo
Código Civil, com base na seguinte justificativa: “Exigir anuência do cônjuge
para a outorga de aval é afrontar a Lei Uniforme de Genebra e descaracterizar
o instituto. Ademais, a celeridade indispensável para a circulação dos títulos
de crédito é incompatível com essa exigência, pois não se pode esperar que,
na celebração de um negócio corriqueiro, lastreado em cambial ou duplicata,
seja necessário, para a obtenção de um aval, ir à busca do cônjuge e da certi-
dão de seu casamento, determinadora do respectivo regime de bens”.
É preciso ponderar, porém, que a inclusão do aval no dispositivo teve o
mérito de impedir que um dos cônjuges desnaturasse, por via oblíqua, a inten-
ção da lei. Isso porque, sob o prisma prático, o cônjuge poderia, no regime
anterior, avalizar títulos sem a autorização de seu consorte, ensejando desfal-
que do patrimônio comum. É dizer, em vez de obter a autorização do outro,
106
na forma dos arts. 235, inc. III, 242, inc. I, ambos do Código de 1916, o côn-
juge se lançava a avalizar cártulas, pondo em risco o patrimônio do casal.
Bem por isso, em plena vigência do Código Bevilaqua, o então Senador Fer-
nando Henrique Cardoso tomou a iniciativa de sugerir no Projeto de Lei do
Senado n. 377, de 1989, a inclusão do aval no art. 235, inc. III. É por isso que
Maria Helena Diniz
144
, ao analisar o art. 1.647, inc. III, elogiou o legislador
por tal iniciativa.
Como já foi dito, a falta de outorga conjugal, salvo a hipótese de su-
primento judicial, enseja a anulação do ato praticado, nos termos do art. 1.649
do novo Código. O cônjuge que não deu a autorização ao outro consorte pode
demandar a rescisão dos contratos de fiança, bem como a invalidação do aval,
com fundamento nos arts. 1.649 e 1.642, inc. IV.
O inc. IV do art. 1.647 proíbe, por fim, a doação, não remuneratória, de
bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. A finalidade da
norma, ao vedar a doação (entenda-se bem: doação não remuneratória), é evi-
tar o desfalque do patrimônio comum do casal. Se a doação for remuneratória,
dispensa-se a outorga conjugal. Doação remuneratória é, na lição de Serpa
Lopes, “as que são feitas, não tanto pelo espírito de liberalidade, como pela
necessidade moral de compensar determinados serviços recebidos pelo doador
(ob benemerita, ob causam praeteritam)”
145
.
144
Curso..., p. 185.
145
Curso de Direito Civil, vol. III, p. 408.
107
O dispositivo trata, evidentemente, dos bens móveis, porque, quanto
aos imóveis, já existe norma legal prevendo a prévia autorização do marido
ou da mulher para a alienação ou a imposição de ônus real (inc. I do art.
1.647). Disso resulta clara a conclusão segundo a qual o ato somente dispen-
sará outorga conjugal se as doações: a) forem remuneratórias; b) forem de
pequena monta, pois nesse caso não haverá comprometimento do patrimônio
do casal; c) forem feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem econo-
mia própria. Quanto às feitas aos filhos que se casarem, também chamadas de
doações propter nuptias, e às feitas quando eles estabelecerem economia pró-
pria, há previsão legal na lei, art. 1.647, parágrafo único.
Nas duas hipóteses mencionadas acima (letras “a” e “b”), o cônjuge não
doador, entendendo que a doação, apesar de rotulada de remuneratória, não
encerra tal característica, poderá acionar o outro cônjuge na justiça. O mesmo
se diga em relação às doações ditas de pequeno valor. Caberá ao juiz, em um
ou outro caso, examinar se a doação é remuneratória ou não, ou se a doação é
módica ou não.
No terreno das ações judiciais (arts. 1.642, incs. III, IV e V), a legitimi-
dade ativa é do cônjuge prejudicado e de seus herdeiros, nos termos do art.
1.645. Nas hipóteses dos inc. III (desobrigar ou reivindicar os imóveis que
foram gravados ou alienados sem consentimento ou suprimento) e IV (de-
mandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval),
o terceiro, prejudicado com a sentença favorável ao autor, terá direito regres-
108
sivo contra o cônjuge que realizou o negócio jurídico, ou seus herdeiros (CC,
art. 1.646).
Ainda sobre a legitimidade ativa, o art. 1.650 do novo Código Civil só
confere ao cônjuge prejudicado ou a seus herdeiros o direito de demandar a
decretação de invalidade dos atos praticados.
Portanto, as restrições estabelecidas pelo art. 1.647 do Código Civil e-
xistem para salvaguardar a família, evitando que a prática de certos atos, sem
a prévia outorga do cônjuge, possa comprometer a estabilidade econômica do
lar.
6. Princípios relativos ao regime de bens no direito brasileiro
O regime de bens no direito brasileiro fica sujeito a três princípios una-
nimemente destacados pela doutrina.
Em primeiro lugar, aparece o princípio da variedade do regime de
bens. Por esse princípio, os nubentes podem escolher o regime que melhor
atenda a seus interesses.
Depois, desponta o princípio da liberdade dos pactos antenupciais, que
reside na liberdade que os nubentes têm de celebrar ajustes prévios acerca do
regime de bens a vigorar durante o casamento. A autonomia está presente no
processo de escolha do regime de bens mediante a celebração de convenção
antenupcial.
109
Por fim, deparamo-nos com o princípio da mutabilidade do regime a-
dotado, inovação do Código Civil de 2002. No regime da lei anterior, o art.
230 do Código de 1916 vedava a alteração do regime de bens durante o casa-
mento. A nova lei, ao revés, permite, sob certas condições, a modificação do
regime patrimonial.
Esses três princípios serão examinados mais longamente a seguir.
6.1. Variedade do regime de bens
O nosso ordenamento jurídico abraçou o princípio da variedade do re-
gime de bens, justamente porque o Código Civil vigente, a exemplo de seu
antecessor, consagrou quatro regimes matrimoniais. São eles, a saber: a) re-
gime de comunhão parcial; b) regime de comunhão universal; c) regime de
participação final nos aqüestos; d) regime de separação de bens.
Pode ser dito que o Código Civil admitiu duas classes de regimes de
bens: os comunitários e os não comunitários. Enquadram-se na primeira clas-
se os regimes que prevêem a existência de um patrimônio comum, como é
caso da comunhão universal e da comunhão parcial de bens. Os regimes não
comunitários, por sua vez, são aqueles em que cada cônjuge possui seu pró-
prio patrimônio, de tal sorte que se formam dois patrimônios distintos: um do
marido, outro da mulher. O da separação absoluta de bens enquadra-se não
110
comunitário
146
. O regime de participação final nos aqüestos é misto: não co-
munitário durante a constância do casamento; comunitário após a dissolução
da sociedade conjugal.
O princípio da variedade do regime de bens foi bem enaltecido por
Clóvis Bevilaqua, ao argumento de que se trata de sistema legal que melhor
consulta aos interesses dos cônjuges, ajustando-se melhor às tendências mo-
rais da sociedade, além de ser de nossa tradição jurídica
147
.
A legislação de outros países também consagra o princípio da variedade
do regimes de bens. Na Itália, por exemplo, Calogero Gangi, ao se referir à
regulamentação das relações patrimoniais entre os cônjuges, preleciona: “Se
reconoce, por tanto, a las partes, o sea a los cónyuges, la facultad de regular
sus relaciones en el modo que crean más conveniente mediante convención (o
bien, es necesario añadir en algunos casos, una manifestación de voluntad
hecha en modo diverso), no habiéndose considerado necesario ni oportuno
imponer una regulación unica para todos los casos; pero tal facultad tiene sus
límites en algunas normas inderogables establecidas por la Ley”
148
.
Assim, pelo princípio da variedade do regime de bens, os nubentes po-
dem escolher entre os quatro regimes de bens colocados à sua disposição pela
legislação brasileira.
146
Estamos nos referindo à separação convencional, fruto de pacto antenupcial. Quanto ao regime da separa-
ção obrigatória de bens (CC, art. 1.641), entendemos que ele se enquadra no regime comunitário, graças ao
teor da Súmula 377 do STF, a nosso ver recepcionada pelo novo Código Civil (sobre o assunto, remetemos o
leitor para o item “7.4.1.” infra).
147
Código Civil dos Estados Unidos, vol. II, p. 160.
111
6.2. Liberdade dos pactos antenupciais
O princípio da liberdade dos pactos antenupciais, corolário do primeiro
princípio, é fundado na autonomia da vontade.
Têm os nubentes liberdade para escolher o regime que melhor corres-
ponder aos seus interesses. Tal liberdade está desenhada no art. 1.639, caput,
do novo Código Civil: “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento,
estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”.
O Código anterior também previa a liberdade dos pactos antenupciais.
Importa dizer, portanto, que, a teor do art. 1.639, os nubentes têm total liber-
dade para escolher um destes três regimes de bens: comunhão universal, par-
ticipação final nos aqüestos e separação de bens. Não escolhendo quaisquer
desses regimes, o casamento será regulado, quanto aos bens, pelo regime da
comunhão parcial.
A liberdade de contratar é tão ampla que, segundo a doutrina brasileira,
é lícito aos cônjuges combinar regimes de bens, formando um novo regime de
bens. É o que veremos oportunamente (v. Capítulo V, item “3”), local para
onde remetemos o leitor.
148
Derecho Matrimonial, p. 257.
112
6.3. Mutabilidade do regime adotado
O novo Código Civil prevê, expressamente, a mutabilidade do regime
de bens adotado pelos cônjuges. Segundo o disposto no art. 1.639, § 2
o
, é ad-
missível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pe-
dido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invo-
cadas e ressalvados os direitos de terceiros.
Nem sempre, porém, o direito brasileiro seguiu tal orientação. Sob a
égide do Código de 1916, o regime de bens era irrevogável, por força do dis-
posto no art. 230, irrevogabilidade essa que acarretava a sua imutabilidade.
Com essa vedação, o legislador objetivava, nas palavras de José Antonio En-
cinas Manfré, “resguardar a boa-fé das pessoas que estabeleciam relações e-
conômicas com os cônjuges, assim como a destes, de modo que a afeição, um
dos fundamentos do instituto do matrimônio, e a convivência não repercutis-
sem nas relações patrimoniais. Em outros termos, essa irrevogabilidade deita-
va raízes no imperativo de segurança para terceiros e os cônjuges”
149
. A úni-
ca exceção admitida pelo sistema legal consistia na alteração do regime de
bens do estrangeiro que, casado, viesse a postular a naturalização brasileira
150
.
149
Ob. cit., p. 42.
150
Art. 7
o
, § 5
o
, da Lei de Introdução ao Código Civil: “O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro,
pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturali-
zação, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de
terceiros e dada esta adoção ao competente registro”.
113
Pois bem, afora essa exceção, o regime de bens era marcado pela nota
da imutabilidade, embora a jurisprudência, no dizer de Washington de Barros
Monteiro
151
e de Maria Helena Diniz
152
, vinha abrandando o extremo rigor
do art. 230 do Código Civil de 1916, permitindo, excepcionalmente, a mutabi-
lidade do regime de bens quando: a) os consortes, ainda que casados no es-
trangeiro pelo regime de separação, adquirissem bens na constância do casa-
mento, pelo esforço comum, pois não era justo que o patrimônio, fruto do mú-
tuo labor, pertencesse apenas ao marido; b) o casamento com separação con-
vencional se convertesse em casamento com comunhão na hipótese de super-
veniência de filhos (Revista Forense, 124/105). Além disso, os doutrinadores
há pouco citados fizeram menção a julgado que entendia não violada a imuta-
bilidade do regime se um dos consortes, casado pela separação, constituísse o
outro procurador para administrar e dispor de seus bens (Revista dos Tribu-
nais, 93/46).
O que também a jurisprudência admitia – mas isso não significava a-
gregar exceção ao princípio da imutabilidade – era o pedido judicial de retifi-
cação feito por um ou por ambos os cônjuges se o registro de casamento apre-
sentasse erro. Se os cônjuges fossem casados, v.g., pelo regime convencional
da separação de bens, mas o registro, por equívoco, exarasse outra modalida-
de de regime de bens, aí sim seria possível a formulação de pedido de retifi-
cação do registro de casamento, com a correção do erro.
151
Ob. cit., p. 186-187.
114
Orlando Gomes lançava críticas ao princípio da imutabilidade do regi-
me de bens, defendendo a tese segundo a qual o legislador deveria aboli-lo do
nosso direito. Argumentava o mestre, com invulgar talento, que não havia ra-
zão para o ordenamento jurídico manter, entre nós, tal princípio. Eis suas pa-
lavras: “O Direito de Família aplicado, isto é, o que disciplina as relações pa-
trimoniais entre os cônjuges não tem o cunho institucional do Direito de Fa-
mília puro. Tais relações se estabelecem mediante pacto pelo qual têm os nu-
bentes a liberdade de estipular o que lhes aprouver. A própria lei põe à sua
escolha diversos regimes matrimoniais e não impede que combinem disposi-
ções próprias de cada qual. Por que proibir que modifiquem cláusulas do con-
trato que celebraram, mesmo quando o acordo de vontades é presumido pela
lei? Que mal há na decisão de cônjuges casados pelo regime da separação de
substituírem-no pelo da comunhão?”
153
. Orlando Gomes
154
achava necessá-
rio, porém, que houvesse um rígido controle dos pedidos de alteração do re-
gime de bens a fim de impedir abusos, propondo que a mudança se operasse
somente a pedido de ambos os cônjuges e mediante autorização judicial. O
Projeto do Código Civil de 1965 (Orozimbo Nonato, Orlando Gomes e Caio
Mário da Silva Pereira) admitia expressamente a mutabilidade do regime de
bens mediante decisão judicial transcrita no registro próprio, e ressalvados os
direitos de terceiros.
152
Curso..., p. 149.
153
Ob. cit., p. 164.
154
Ob. cit., p. 164.
115
Foi justamente o que fez o legislador ao assentar, no art. 1.639, § 2
o
, a
alteração do regime
mediante autorização judicial em pedido motivado de
ambos os cônjuges. É dizer, o legislador se sensibilizou com a crítica daqueles
que entendiam desnecessária a manutenção do princípio da imutabilidade,
acabando por capitular nessa matéria, mormente porque, conforme informa
José Lopes de Oliveira
155
, a mutação dos regimes no plano internacional re-
força o argumento de que a imutabilidade absoluta não é o sistema ideal.
Agiu corretamente o legislador pátrio ao autorizar a alteração do regime
de bens. Nada justificava, data venia, a subsistência daquele princípio, mar-
cadamente distanciado de nossa realidade social e de nossos costumes. A pro-
ibição prevista no revogado art. 230 representava um verdadeiro atentado à
liberdade dos cônjuges de regular da melhor maneira os seus interesses, res-
peitados os direitos de terceiros. Afinal, ninguém teria mais capacitação do
que eles para dizer, em face das vicissitudes da vida, se o regime de bens de-
veria sofrer modificação após o casamento. Ademais, a proibição prevista no
art. 230 do velho Código, lembra Sílvio de Salvo Venosa
156
, tratava o casa-
mento de forma mais rigorosa do que a união estável, pois os companheiros
sempre tiveram maior mobilidade no tocante aos bens comuns, de tal sorte
que, manter a imutabilidade do regime de bens, seria tratar o casamento de
forma mais rigorosa do que a união sem casamento.
155
Manual de Direito de Família, p. 169.
156
Ob. cit., p. 169.
116
Por isso mesmo, aplaudimos a postura adotada pelo legislador. Ombre-
ou-se o Brasil, é bom que se esclareça, a países como Alemanha, França, Itá-
lia, Espanha que concebem a possibilidade de os cônjuges alterarem o regime
de bens após o casamento. No direito espanhol, a propósito, o art. 1.317 do
Código Civil prevê o seguinte: “A modificação do regime econômico matri-
monial realizada durante o matrimônio não prejudicará em nenhum caso os
direitos já adquiridos por terceiros”. Por seu turno, o art. 163, 1
a
parte, do Có-
digo Civil italiano estabelece o seguinte: “As modificações das convenções
matrimoniais, anteriores ou posteriores ao casamento, não têm efeito se o ato
público não é estipulado com consenso de todas as pessoas que foram parte
nessas estipulações, ou seus herdeiros”. Mesmo o direito português, avesso a
mutações do regime de bens
157
, possibilita, em alguns casos, o afrouxamento
do princípio. Com efeito, o art. 1715, n. 1, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, admite
alterações do regime de bens nos casos em que arrola
158
.
6.3.1. Competência
157
Art. 1714 do Código Civil português: “1. Fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois
da celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de bens legalmente fixados. 2.
Consideram-se abrangidos pelas proibições do número anterior os contratos de compra e venda e sociedade
entre os cônjuges, exceto quando estes se encontrem separados judicialmente de pessoas e bens”.
158
Art. 1715, 1. “São admitidas alterações ao regime de bens: a) Pela revogação das disposições mencionadas
no artigo 1700, nos casos e sob a forma em que é permitida pelos artigos 1701 a 1707; b) Pela simples sepa-
ração judicial de bens; c) Pela separação judicial de pessoas e bens; d) Em todos os demais casos, previstos
na lei, de separação de bens na vigência da sociedade conjugal”.
117
Como já se disse, veio em boa hora a alteração legal possibilitadora da
alteração do regime de bens. Contudo, a alteração do regime de bens não
prescinde de certas condições impostas pela lei. Em primeiro lugar, é forçoso
dizer que a lei conferiu ao juiz, e somente a ele (o texto alude a “autorização
judicial”), a incumbência de autorizar a modificação do regime de bens. Não é
possível, assim, o uso da escritura pública, ainda que os serviços notariais se-
jam dotados de fé pública e ajam por delegação do Poder Público, segundo o
disposto no art. 236, caput, da Constituição Federal. Dessa forma, somente a
via judicial é adequada para o exame do pedido formulado. A lei fala em “au-
torização judicial”, mas não indica a autoridade judiciária competente para
examinar o pedido de modificação do regime matrimonial.
A nosso ver, caberá tão-somente ao juiz da família (ou ao juiz da vara
cível, nas comarcas desprovidas de varas especializadas) processar o pedido.
Como se trata de matéria estritamente vinculada ao direito de família, com
repercussões dentro e fora do âmbito familiar, não faz o menor sentido o pe-
dido ser dirigido ao juiz cível (salvo a exceção mencionada acima), ou ao juiz
corregedor do serviço do registro civil do local onde os cônjuges se casaram.
A matéria vai muito além do mero acertamento da questão do registro civil,
por envolver, como já se disse, a análise de aspectos próprios do direito de
família.
118
6.3.2. Procedimento
O pedido de alteração do regime de bens deverá observar o procedi-
mento de jurisdição voluntária previsto nos arts. 1.103 a 1.111 do Código de
Processo Civil
159
. Como não há, na espécie, conflito de interesses a ser diri-
mido pela autoridade judiciária, impõe-se a observância do procedimento de
jurisdição voluntária.
Ao examinar a pretensão do casal, o juiz proferirá sentença, autorizan-
do ou indeferindo a alteração do regime de bens. Essa sentença ficará sujeita a
recurso de apelação (CPC, art. 1.110), no prazo de 15 (quinze) dias (CPC, art.
508).
6.3.2.1. Pedido formulado por ambos os cônjuges
O pedido deverá ser formulado por ambos os cônjuges. Não basta que
apenas um dos cônjuges se dirija ao juiz para solicitar a alteração do regime
de bens. É necessário, antes, que os dois formulem tal pretensão, porquanto o
art. 1.639, § 2
o
, do Código Civil é de uma clareza solar ao exigir “pedido mo-
tivado de ambos os cônjuges”. Diante da excepcionalidade da regra, não é
admissível o suprimento judicial do consentimento de um dos cônjuges. Des-
159
No mesmo sentido: Arnaldo Rizzardo, ob. cit., p. 630; José Antonio Encinas Manfré, ob. cit., p. 47.
119
sa forma, se o marido não quiser requerer, juntamente com a mulher, a altera-
ção do regime de bens, esta não tem autorização legal para pleitear o supri-
mento judicial do consentimento de seu cônjuge.
Por outro lado, se os cônjuges postularem a alteração do regime de
bens, mas não indicarem os motivos ensejadores dessa alteração, o juiz, ao
despachar a petição inicial, deverá aplicar o art. 284, caput, do Código de
Processo Civil, mandando os requerentes emendá-la, sob pena de indeferi-
mento. A motivação é absolutamente necessária, pois o juiz precisa saber as
razões que animaram o casal a requerer a alteração do regime de bens. Sendo
satisfatórios os motivos apresentados pelos cônjuges, ao juiz não restará outra
solução senão o acolhimento do pedido. Ao revés, se o juiz notar que o pedido
encobre manobra para burlar a lei, prejudicando terceiros, a pretensão não po-
derá contar com agasalho judicial. Aliás, o legislador tomou bastante cautela
nesse ponto, ressalvando expressamente os direitos de terceiros. É dizer, se
um dos cônjuges estiver à beira da inadimplência e pleitear a alteração para
escapar de seus credores, é evidente que o pedido será rechaçado pela autori-
dade judiciária.
6.3.2.2. Desnecessidade de intervenção do Ministério Público
120
A participação do Ministério Público somente será obrigatória se o pe-
dido envolver interesses de incapazes (v.g., filhos menores do casal), ou se
contiver interesse público. Nesses casos, deverá incidir o disposto no art. 82,
inc. I e III, do Código de Processo Civil. Quanto ao interesse público, defini-
do por Rolando Maria da Luz “como aqueles interesses da sociedade unitari-
amente considerados, da sociedade como um todo, desconsiderando-se o pon-
to de vista dos órgãos governamentais, uma vez que as obras administrativas
estatais dificilmente não se destinam ao bem comum da população. Portanto,
todos os interesses que visam ao bem da sociedade ou ao seu ufufruto, inci-
dem no conceito de interesse público”
160
.
Ao contrário, se os cônjuges não tiverem filhos menores ou filhos mai-
ores incapazes, não haverá razão para o Ministério Público oficiar no feito.
É certo que o art. 82, inc. II, da lei processual impõe a intervenção do
Ministério Público quando matéria em discussão envolver “estado da pessoa,
pátrio poder, tutela, curatela, interdição,
casamento, declaração de ausência e
disposições de última vontade” (grifamos), o que poderia levar o intérprete a
pensar que, em se tratando de alteração relativa a regime de bens decorrente
do
casamento, a participação do parquet seria obrigatória, sob pena de nuli-
dade do procedimento (CPC, art. 84). Ora, respeitada a opinião de quem espo-
sa tese diversa
161
, entendemos que a matéria em discussão não é daquelas que
160
Ministério Público – Um Novo Perfil Jurídico na Defesa dos Direitos Coletivos, p. 79.
161
O Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos defende o entendimento de que a participação do Ministério
Público é sempre obrigatória nos pedidos de alteração de regime de bens, por força dos arts. 1.105 e 82, inc.
II, ambos do Código de Processo Civil (A mutabilidade dos regimes de bens, p. 1). Posição similar é susten-
121
obriga a intervenção do Ministério Publico. Em verdade, o pedido não envol-
ve o exame direto de matéria matrimonial ligada aos direitos e deveres dos
cônjuges. Quando a lei processual impõe a intervenção do Ministério Público
nas causas concernentes a casamento, quer que o parquet participe do proces-
so e fiscalize se os deveres matrimoniais foram violados por um dos cônjuges.
O legislador processual entendeu, dada a magnitude da instituição matrimoni-
al, que era necessário que o Ministério Público fiscalizasse o exato cumpri-
mento da lei civil.
Não é o que ocorre com o pedido de alteração do regime de bens. O
juiz não vai ingressar no exame de questões próprias do casamento – como
sucede, por exemplo, quando os cônjuges estão litigando em ação de separa-
ção judicial. O juiz vai apenas analisar as razões invocadas pelos cônjuges
para decidir sobre a alteração do regime de bens. Daí não ser necessária a in-
tervenção do Ministério Público. Aliás, depois da promulgação da Constitui-
ção Federal de 1988, houve uma verdadeira revolução em matéria de Ministé-
rio Público. Antes da Constituição Cidadã, a atuação do Ministério Público
era exageradamente tímida, atuando em casos que, conquanto importantes,
tinham pouca expressão social. A partir de 5 de outubro de 1988, data da
promulgação da Carta Magna, uma mudança sensível se instalou no seio da
sociedade. De instituição tímida, sem colorido próprio, passou a “instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a de-
fesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e indi-
viduais indisponíveis” (CF, art. 127, caput). Houve inequívoca mudança do
tada por Arnaldo Rizzardo, para quem a intervenção do MP é sempre necessária, na condição de guardião da
lei (ob. cit., p. 630).
122
perfil institucional. O Ministério Público deixou de ser parecerista para trans-
formar-se em ombudsman. Na feliz observação de Ronaldo Porto Macedo Jú-
nior
162
, o Promotor de Justiça passou a definir-se, com a Constituição Federal
de 1988, como órgão agente em favor dos interesses sociais, tornando-se uma
espécie de ombudsman não eleito da sociedade, um agente vocacionado para a
defesa dos interesses sociais, tudo a evidenciar o descompasso existente entre
o perfil constitucional de órgão agente e as atribuições tradicionais de parece-
ristas em autos versando sobre questões eminentemente individuais, ainda que
considerados por lei como indisponíveis, mas questionáveis, como, por exem-
plo, os interesses ligados à área da família, sucessões, etc.
Assim, bem se percebe que o Ministério Público passou a ocupar papel
importante no cenário nacional, com vocação para zelar pelos interesses in-
disponíveis da sociedade. Nunca se falou tanto da instituição como nos últi-
mos tempos. Promotores e Procuradores estão permanentemente em evidên-
cia, aparecendo diariamente nos meios de comunicação social. Graças à Cons-
tituição Federal vigente, o Ministério Público ganhou autonomia funcional e
administrativa, além de receber autorização constitucional para elaborar sua
proposta orçamentária. Muita coisa mudou nesses quase dezesseis anos de
vigência da Constituição Federal. A instituição, mercê de previsão constitu-
cional, voltou a sua atenção para assuntos de predominante interesse público.
É dizer, o Ministério Público passou a atuar, com prioridade, em prol de inte-
resses metaindividuais discutidos no processo. Por isso mesmo, leis processu-
162
Evolução institucional do Ministério Público Brasileiro, em Ministério Público – instituição e processo, p.
123
ais exigindo a intervenção do parquet não foram integralmente recepcionadas
pela ordem constitucional de 1988. Um exemplo disso encontramos na Lei
que regula a impetração de mandado de segurança. Com efeito, o art. 10 desse
diploma legal é categórico ao exigir a intervenção do parquet como custos
legis em todas as ações de mandado de segurança
163
. Não obstante, o Minis-
tério Público de São Paulo tem entendido que esse dispositivo não foi inte-
gralmente recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Tal posiciona-
mento foi assentado em longo e fundamentado despacho de 10-1-2002, da
lavra do então Procurador-Geral de Justiça Luiz Antônio Guimarães Marrey.
Entendeu o Chefe da Instituição que o Promotor de Justiça não era obrigado a
intervir em mandado de segurança impetrado por professora de educação físi-
ca em face de diretor de escola estadual, a despeito da clara redação do art. 10
da Lei n. 1.533/51. Eis a ementa desse despacho: “Mandado de segurança.
Art. 28 do CPP (por analogia). Inteligência do art. 10 da lei nº 1.533/51. In-
terpretação conforme a Constituição Federal (art. 127, caput). Critério para a
intervenção do Ministério Público. Manutenção do posicionamento do Dr.
Promotor de Justiça, que não viu razão para intervir na demanda”
164
.
Um outro exemplo encontramos no art. 944 do Código de Processo Ci-
vil. Nas ações de usucapião, o referido dispositivo exige a intervenção do
52.
163
É deste teor o art. 10: “Findo o prazo a que se refere o item I do art. 7
o
e ouvido o representante do Minis-
tério Público dentro de 5 (cinco) dias, os autos serão conclusos ao juiz, independentemente de solicitação da
parte, para a decisão, a qual deverá ser proferida em 5 (cinco) dias, tenham sido ou não prestadas as informa-
ções pela autoridade coatora”.
124
parquet como custos legis
165
. Sem embargo da inequívoca redação do art.
944, o entendimento pacífico do Ministério Público de São Paulo é no sentido
de que o art. 944 não foi recepcionado pela Carta Maior. Tratando-se de de-
manda versando sobre interesses declaradamente disponíveis, não se vê razão
para a intervenção obrigatória do parquet. Por sinal, em 12 de novembro de
2002 o Procurador-Geral de Justiça, o Corregedor-Geral do Ministério Públi-
co e o Colégio de Procuradores de Justiça, por meio de seu Órgão Especial,
expediram o Ato Normativo n. 295-PGJ/CGMP/CPJ, estabelecendo normas
de racionalização de serviço atinentes à intervenção do Ministério Público,
como fiscal da lei, no processo civil, em ações de usucapião individual de i-
móveis urbanos ou rurais, tornando facultativa (e não obrigatória, como pre-
ceitua o art. 944 do CPC) a sua atuação no feito.
E mais recentemente (24-6-2003), o Procurador-Geral e o Corregedor
do Ministério Público baixaram o Ato n. 313/03 - PGJ-CGMP, dispondo so-
bre a racionalização da intervenção do Ministério Público no processo civil,
dispensando o parquet de intervir nas seguintes causas: I - Separação judicial
e divórcio, onde não houver interesse de incapazes; II - Ação declaratória de
união estável e respectiva partilha de bens; III - Ação ordinária de partilha de
bens, envolvendo casal sem filhos menores ou incapazes; IV - Ação de ali-
mentos e revisional de alimentos, bem como ação executiva de alimentos fun-
164
Protocolado n. 78.409/02, despacho proferido em 10-10-2002. No mesmo sentido: Protocolado n.
91.423/02, despacho proferido em 18-10-2002.
165
Art. 944 do CPC: “Intervirá obrigatoriamente em todos os atos do processo o Ministério Público”.
125
dada no artigo 732 do CPC, entre partes capazes; V - Ação relativa às dispo-
sições de última vontade, sem interesse de incapazes, excetuada a aprovação,
cumprimento e registro de testamento ou que envolver reconhecimento de
paternidade ou legado de alimentos; VI - Procedimento de jurisdição voluntá-
ria em que inexistir interesse de incapazes ou não envolver matéria alusiva
aos registros públicos; VII - Ação de indenização pelo direito comum, decor-
rente de acidente do trabalho; VIII - Requerimento de falência, na fase pré-
falimentar; IX - Ação individual em que seja parte sociedade em liquidação
extrajudicial; X - Ação de desapropriação, direta ou indireta, entre partes ca-
pazes, desde que não envolvam terras rurais objeto de litígios possessórios ou
que encerrem fins de reforma agrária (art. 18, §2°, da L.C. 76/93); XI - Ação
em que, no seu curso, cessar a causa de intervenção
166
.
Cabe dizer, por oportuno, que muito antes da edição desses atos norma-
tivos, a Procuradoria-Geral de Justiça já havia se manifestado sobre a desne-
cessidade de intervenção do membro do Ministério Público nas ações de re-
conhecimento de sociedade de fato decorrentes de concubinato
167
, conforme
se vê do despacho de 7-7-1994 proferido nos autos do Protocolado n. 3.379/9,
a seguir transcrito: “Conquanto a Constituição de 1988 haja reconhecido, ‘pa-
ra efeito de proteção do Estado, a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar’, não equiparou tal união ao matrimônio, tanto que
166
DOE de 25-6-2003.
167
O novo Código Civil não inseriu o concubinato no mesmo patamar da união estável. Considerando o
disposto no art. 1.727, não é possível, atualmente, empregar indistintamente as expressões “concubinos” e
“conviventes”.
126
programou facilitar a sua conversão em casamento (art. 226, § 3
o
, da Consti-
tuição Federal). Assim, não se vislumbra nenhum interesse, quer pela nature-
za da lide, quer pela qualidade das partes, autorizador da intervenção do Mi-
nistério Público quando se discutem meros efeitos patrimoniais decorrentes da
dissolução do concubinato, sem afetação da prole. Tanto que, de acordo com
o entendimento doutrinário e jurisprudencial largamente dominante, ações
dessa natureza sequer se processam no foro especial, mas sim nas Varas Cí-
veis”
168
.
Por todas essas razões, reputamos desnecessária a intervenção do Mi-
nistério Público nos pedidos de alteração do regime de bens, a não ser que
desponte algum interesse de pessoa incapaz, ou envolva interesse público.
6.3.3. Mutabilidade nos casos de separação obrigatória
Cumpre saber se o pedido de alteração do regime de bens será possível
se os cônjuges forem casados pelo regime de separação obrigatória de bens. O
art. 1.641, incs. I a III, do Código Civil impõe o regime da separação: a) aos
nubentes que celebrarem casamento com a inobservância de causas suspensi-
vas; b) aos maiores de 60 (sessenta) anos; c) a todos que dependerem de su-
primento judicial para se casar. O art. 1.639, § 2
o
, não esclarece se, na separa-
168
DOE, Séc. I, 8-7-1994, p. 3.
127
ção legal ou obrigatória, os cônjuges têm também a faculdade de requerer mo-
tivadamente a alteração do regime patrimonial. Posicionam-se contrários à
mutação do regime de bens os seguintes autores: Sílvio de Salvo Venosa
169
,
José Antonio Encinas Manfré
170
e João Francisco Moreira Viegas
171
. Esse
último autor ressalta, no entanto, que o direito de família exige do intérprete
uma visão mais flexível e afinada com a realidade da vida, sendo possível, em
face do caso concreto, que os tribunais acabem por permitir a modificação do
regime patrimonial. Abraça o mesmo entendimento Paulo do Amaral Souza
172
.
A nossa posição coincide com a de Moreira Viegas. Em princípio, a
separação obrigatória de bens obsta a aplicação do art. 1.639, § 2
o
, do Código
Civil, uma vez que o acolhimento do pedido representaria, sem sombra de
dúvida, burla ao art. 1.641, reforçada pelo fato de não ter o legislador fixado,
no art. 1.639, § 2
o
, prazo mínimo para o ingresso do pedido em juízo. Assim,
em tese, os cônjuges poderiam burlar facilmente o disposto no art. 1.641, re-
querendo, já nos primeiros dias ou meses de matrimônio, a alteração do regi-
me patrimonial. A propósito do assunto, na Jornada de Direito Civil à qual já
nos referimos foi apresentada a seguinte proposta de redação do § 2º do art.
1.639: “É admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges, salvo
169
Direito Civil: Direito de Família, vol. 6, p. 172, embora o autor ressalve que nem sempre a imutabilidade
nos casos de separação obrigatória é a mulher solução para inúmeras situações concretas.
170
Ob. cit., p. 49.
171
Direito Patrimonial Conjugal, em Questões de Direito Civil e o Novo Código, p. 213.
172
O Direito de Família e das Sucessões face ao novo Código Civil – principais alterações, em Questões de
Direito Civil e o Novo Código, p. 186.
128
nas hipóteses específicas definidas no artigo 1.641, quando então o pedido,
devidamente motivado e assinado por ambos os cônjuges, será objeto de auto-
rização judicial, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os
direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de inexis-
tência de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade”.
Nesse diapasão, o pedido não poderá contar com amparo se os cônjuges
se encontrarem casados pelo regime de separação obrigatória de bens. Mas,
como salienta João Francisco Moreira Viegas, essa questão não se mostra
hermeticamente avessa a uma interpretação mais liberal que, analisando o ca-
so concreto em face da realidade social do casal requerente, abone o pedido
de alteração.
Aqui já entramos no terreno exclusivo da interpretação das leis, valendo
lembrar que a vontade do legislador, uma vez terminada a tarefa legiferante,
não se sobrepõe à vontade da lei. É de Carlos Maximiliano a seguinte adver-
tência: “Com a promulgação, a lei adquire vida própria, autonomia relativa;
separa-se do legislador; contrapõe-se a ele como um produto novo; dilata e até
substitui o conteúdo respectivo sem tocar nas palavras; mostra-se, na prática,
mais previdente que seu autor”
173
. Portanto, ainda que a vontade do legisla-
dor fosse proibir a alteração do regime de bens, a verdade é que a lei, ingres-
sando no universo jurídico, se desvincula por completo de seu autor. Por cer-
to, construção jurisprudencial irá abonar o pedido de cônjuges que, conquanto
173
Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 30/31.
129
casados pelo regime da separação obrigatória, estejam unidos há muitos anos,
não havendo motivo para se duvidar da boa intenção do casal. Ademais, con-
siderando que o art. 1.639, § 2
o
, faz alusão tanto a “pedido motivado de ambos
os cônjuges” quanto a “apurada a procedência das razões invocadas”, a auto-
ridade judiciária poderá, à vista da excepcionalidade da situação retratada nos
autos, deferir a alteração solicitada pelos cônjuges. E não é só. Há situações
em que as causas ensejadoras da observância do regime obrigatório de bens
cessaram durante o curso do casamento. É só lembrar as hipóteses do art.
1.523 do Código Civil (causas suspensivas da celebração do casamento). De
acordo com o art. 1.641, inc. I, o casamento será realizado pelo regime da se-
paração obrigatória de bens se as pessoas se unirem em matrimônio com i-
nobservância das causas suspensivas previstas no art. 1.523
174
. Ora, é possí-
vel que no curso do casamento, o viúvo tenha inventariado os bens e dado
partilha aos herdeiros. Qual motivo impediria o casal de requerer a alteração
do regime de bens?
Em suma, se os cônjuges forem casados pelo regime de separação obri-
gatória de bens, a alteração do regime, num primeiro momento, não poderá
ocorrer, sob pena de tornar letra morta as disposições do art. 1.641 do Código
Civil. Mas havendo motivo ponderável, o juiz poderá deferir a alteração, na
forma do art. 1.639, § 2
o
do referido diploma, levando em conta os fins sociais
da lei (art. 5
o
da Lei de Introdução ao Código Civil).
174
Aqui não estamos considerando as hipóteses excepcionais contidas no parágrafo único do art. 1.523 do
130
6.3.4. Retroação dos efeitos
O art. 1.639, § 2
o
, do Código Civil permite, como vimos, a alteração do
regime de bens, desde que ambos os cônjuges formulem pedido à autoridade
judiciária, indicando os motivos pelos quais desejam alterar as regras patri-
moniais.
O dispositivo nada diz, porém, acerca dos efeitos da sentença concessi-
va da alteração. Daí caber a seguinte indagação: os efeitos retroagem à data da
celebração do casamento (efeitos ex tunc)? Ou, ao revés, os efeitos começam
a vigorar a partir da decisão judicial (efeitos ex nunc)?
O Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, entende que os efeitos retroagem à data da celebração do
casamento, uma vez que, a seu ver, não existe meio termo em questão de tal
magnitude. Ele ressalta, porém, que, em relação a terceiros portadores de di-
reitos contra o casal, os efeitos são ex nunc. Essa posição foi externada no jul-
gamento de apelação julgada em 13-8-2003. Vale a pena transcrever parte de
seu voto:
“O Código não explicita se os efeitos da alteração serão
‘ex tunc’ ou ‘ex nunc’ entre os cônjuges (porque com relação a
Código Civil.
131
terceiros que já sejam portadores de direitos perante o casal, é
certo que serão sempre ‘ex nunc’, uma vez que se encontram res-
salvados os direitos destes). No particular, considero que se
houver opção por qualquer dos regimes que o Código regula, a
retroatividade é decorrência lógica, pois, p. ex., se o novo regi-
me for o da comunhão universal, ela só será UNIVERSAL se im-
plicar comunicação de todos os bens. Impossível seria pensar em
comunhão universal que implicasse comunicação apenas dos
bens adquiridos a partir da modificação. Do mesmo modo, se o
novo regime for o separação absoluta, necessariamente será re-
troativa a mudança, ou a separação não será absoluta! E mais:
se o escolhido agora for o da separação absoluta, imperiosa será
a partilha dos bens adquiridos até então, a ser realizada de for-
ma concomitante à mudança de regime (repito: sem eficácia essa
partilha com relação a terceiros). Assim, por igual quanto ao re-
gime de comunhão parcial e, até, de participação final nos a-
qüestos. Entretanto, face ao princípio da livre estipulação (art.
1.639, caput), sendo possível estipular regime não regrado no
Código, a mudança poderá, a critério dos cônjuges, operar-se a
partir do trânsito em julgado da sentença homologatória, caso
132
em que teríamos a criação de um regime não regrado no CC”
175
.
A nosso ver, os argumentos de Luiz Felipe Brasil Santos são irrespon-
díveis. De fato, para que o regime alterado possa traduzir o seu real significa-
do, é mister que os efeitos sejam ex tunc, a não ser em relação a terceiros, a
respeito dos quais a própria lei civil se encarrega de fazer ressalva expressa. É
bom que se entenda que a palavra terceiros compreende as pessoas com as
quais um ou ambos os cônjuges tenham contratado antes da mudança do re-
gime de bens. À exceção dessa hipótese, os efeitos são sempre ex tunc.
Brasil Santos foi muito feliz ao citar o exemplo da comunhão universal
de bens. Realmente, se os cônjuges alterassem o regime patrimonial – de co-
munhão parcial para comunhão universal, só se compreenderia a retroação na
capacidade de haver a comunhão de todos os bens, pois, do contrário, o regi-
me não seria de comunhão universal.
Assim, a despeito de opiniões em sentido contrário, a nossa posição é
no sentido de que os efeitos são sempre ex tunc, salvo em relação aos tercei-
ros que, antes da alteração do regime, tenham contratado com um ou com
ambos os cônjuges.
175
Voto vencedor proferido nos autos da Apelação Cível n. 70.006.423.891, julgada em 13 de agosto de 2003
pela 7
a
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Composição da Câmara: Des. Sérgio
Fernando de Vasconcellos Chaves (relator), Des. José Carlos Teixeira Giorgis (presidente) e Luiz Felipe
Brasil Santos.
133
6.3.5. Direito intertemporal
Questão que tem suscitado acesa polêmica nos meios judiciais é a refe-
rente ao direito intertemporal. Como é sabido, o direito intertemporal cuida de
conflitos existentes entre a lei pretérita, que foi revogada, e a lei nova, que
entrou em vigor, ambas versando sobre o mesmo tema. É o que sucede com a
matéria aqui enfocada: o art. 230 do Código revogado proibia a alteração do
regime de bens, ao passo que o art. 1.639, § 2
o
, do Código vigente assegura
aos cônjuges o direito de requerer a alteração dele. Pois bem, resta saber se,
casando-se sob a égide do direito anterior, os cônjuges estão aptos a postular,
agora sob o impacto da nova previsão legal, a alteração do regime patrimoni-
al. A questão, repita-se, é controvertida.
O Código tratou de prever, nas disposições finais e transitórias, o se-
guinte enunciado: “O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência
do Código Civil anterior, Lei 3.071, de 1
o
de janeiro de 1916, é o por ele esta-
belecido” (art. 2.039). Sem embargo dessa disposição legal de direito inter-
temporal, o assunto é bastante polêmico, havendo posições doutrinárias tanto
no sentido de que o § 2
o
do art. 1.639 do novo Código não retroage quanto no
sentido de que este alcança as situações pretéritas constituídas sob a égide do
Código de 1916.
134
Outros países já enfrentaram matéria similar. Itália e Portugal se opuse-
ram à retroatividade da lei nova, impedindo que esta regulasse a situação
constituída à luz do direito anterior.
Aqui no Brasil, Maria Helena Diniz entende que a lei revogada conti-
nuará a produzir efeitos, na medida em que “outra lei vigente ordena o respei-
to às situações jurídicas definitivamente constituídas ou aperfeiçoadas no re-
gime da lei anterior, ou, então, porque se deve aplicar a lei em vigor na época
em que certos fatos ocorreram. A permanência da eficácia da norma, em de-
terminados assuntos que lhe sejam pertinentes, após sua revogação, é um ca-
non jurídico. A eficácia residual da norma extinta cerceia a da vigente, repe-
lindo-a para tutelar certas relações jurídicas”
176
. Leônidas Flippone Farrula
Junior, por sua vez, também sustenta que, quantos aos casamentos celebrados
sob o comando do Código Civil de 1916, não é possível a aplicação da nova
disposição legal, sob pena de ocorrer ofensa ao ato jurídico perfeito
177
.
Como dissemos anteriormente, o assunto, a despeito do disposto no art.
2.039, não é pacífico. Há autores de nomeada que admitem a alteração do re-
gime de bens, ainda que o casamento tenha se realizado em período submeti-
do ao comando do Código de 1916. Escrevendo justamente sobre o direito
intertemporal, José da Silva Pacheco não vê inconveniente na aplicação do
novo regramento aos casamentos celebrados sob o império do Código Civil
de 1916. Preleciona Silva Pacheco: “Se tal alteração é possível, doravante, em
176
Código Civil Anotado, p. 1.394-1395.
177
O Novo Código Civil – Do Direito de Família, p. 315. Arnaldo Rizzardo também entende que o art. 1.639,
§ 2
o
, não se aplica aos casamentos celebrados na vigência do Código de 1916 (ob. cit., p. 630).
135
relação às escolhas feitas, após a entrada em vigor do novo Código Civil, na-
da impede também que se admita a mudança, em relação ao regime escolhido
anteriormente”
178
.
Mais de quatro décadas atrás, Wilson de Souza Campos Batalha já le-
cionava “que têm efeito imediato as leis que estabelecem a mutabilidade ou a
imutabilidade das convenções matrimoniais. Nenhuma razão sólida existe
para diverso entendimento. Na hipótese de a lei nova estabelecer a mutabili-
dade do regime, não há motivo algum para inaplicar-se aos regimes em curso:
se aos interessados era facultada inicialmente a eleição do regime aplicável,
não se vê por que se lhes iria tolher a faculdade, que a lei nova, por hipótese,
consagra, de, voluntariamente, alterarem o pacto inicial. Se, ao contrário, a lei
nova estabelece a imutabilidade do regime, não mais poderão ser modificados
os regimes estabelecidos na vigência de lei que o permitia, por se deverem
generalizar as razões que levaram o legislador a estabelecer a imutabilidade
da convenção matrimonial; seria absurdo falar-se em direito adquirido à mo-
dificabilidade da convenção matrimonial”
179
.
Outro autor, partidário da opinião de Silva Pacheco, é o magistrado
paulista José Antonio Encinas Manfré. Após citar as decisões dos juízes Luís
Francisco Aguilar Cortez, da 1
a
Vara da Família e Sucessões do Fórum Cen-
tral de São Paulo, e João Batista Silvério da Silva, da 12
a
Vara da Família e
Sucessões do mesmo fórum, Encinas Manfré se posiciona favorável à aplica-
178
Ligeiras anotações de direito intertemporal relativas ao novo Código Civil, em Revista da Academia Bra-
sileira de Letras Jurídicas, p. 66.
179
Lei de Introdução ao Código Civil, vol. II, tomo I, p. 249.
136
ção do art. 1.639, § 2
o
, aos casamentos celebrados à luz do Código Civil de
1916.
Rolf Madaleno, em interesse estudo sobre o regime de bens entre os
cônjuges, enfoca didaticamente o assunto. Para ele, a alteração do regime de
bens é possível, ainda que o casamento tenha se realizado antes da vigência
do novo Código. Resumidamente, são estes os argumentos expostos por Rolf
Madaleno
180
: 1) o novo Código, no seu art. 2.045, revogou inteiramente o
Código Civil de 1916, de tal sorte que não é possível a invocação do art. 230
da legislação revogada a partir da ressalva extraída do art. 2.039 do novo Có-
digo Civil; 2) o novo sistema legal substituiu o anterior, ou seja, disciplinou a
mutabilidade do regime de bens, a tornar inaplicável o direito anterior, mesmo
porque o § 2
o
do art. 1.639 do novo Código revogou o art. 230 do Código de
1916. Logo, não se está diante de direito adquirido, hipótese impeditiva da
alteração do regime de bens. Em reforço a esses argumentos, Madaleno che-
gou a fazer uma correlação com o instituto do divórcio, concluindo que nin-
guém “poderia afirmar que a dissolução da sociedade conjugal só estaria ao
alcance daqueles que cassassem após a vigência da lei divorcista”
181
.
A nosso ver, a razão está com aqueles que admitem a aplicação da lei
nova aos casamentos celebrados antes de sua vigência. Afora os argumentos
aduzidos por Rolf Madaleno, a aplicação do art. 2.039 esbarra na violação do
princípio constitucional da isonomia. Se fosse correto o argumento segundo o
180
Do regime de bens entre os cônjuges, em Direito de Família e o Novo Código Civil, p. 204-205.
137
qual somente as pessoas cujo casamento tivesse se realizado à luz do Código
Civil de 2002 pudessem pleitear a alteração do regime de bens, despontariam
duas classes de cônjuges: os legalmente impedidos de mudar o regime de
bens, e os legalmente autorizados a assim proceder. Ora, é só imaginar a se-
guinte situação: um casamento realizado em 10 de janeiro de 2002, e outro
realizado em 11 de janeiro de 2003, data da vigência da nova lei. Ora, a dife-
rença de um único dia separando as duas bodas poderia acarretar prejuízos ao
casal cujo casamento se verificou antes da vigência do Código de 2002. Por-
tanto, impedir a alteração do regime de bens é a mesma coisa que violar a
Carta Magna, maltratando o princípio constitucional da igualdade. Aliás, um
dos argumentos utilizados pelo juiz João Batista Silvério da Silva para deferir
o pedido foi justamente a ofensa ao princípio da isonomia.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao apreciar recurso de ape-
lação objetivando a reforma de sentença que havia indeferido pedido de expe-
dição de alvará judicial destinado a autorizar a lavratura de escritura pública
de pacto antenupcial, aplicou, por via transversa, o art. 1.639, § 2
o
, ao casa-
mento dos apelantes, celebrado antes da vigência do novo Código. Eis a e-
menta dessa decisão colegiada:
“Pedido de alvará judicial. Pedido de autorização para lavrar
escritura de pacto antenupcial. Possibilidade jurídica da altera-
181
Ob. cit., p. 205.
138
ção de regime. Desnecessidade de escritura pública. 1. Não ten-
do havido pacto antenupcial, o regime de bens do casamento é o
da comunhão parcial sendo nula a convenção acerca do regime
de bens, quando não constante de escritura pública, e constitui
mero erro material na certidão de casamento a referência ao re-
gime da comunhão universal. Inteligência do art. 1.640 NCCB. 2.
A pretensão deduzida pelos recorrentes que pretendem adotar o
regime da comunhão universal de bens é possível juridicamente,
consoante estabelece o art. 1.639, § 2
o
, do Novo Código Civil e
as razões postas pelas partes são bastante ponderáveis, constitu-
indo o pedido motivado de que trata a lei e que foi formulado pe-
lo casal. Assim, cabe ao julgador a quo apreciar o mérito do pe-
dido e, sendo deferida a alteração de regime, desnecessário será
lavrar escritura pública, sendo bastante a expedição do compe-
tente mandado judicial. O pacto antenupcial é ato notarial; a al-
teração do regime matrimonial é ato judicial. 3. A alteração do
regime de bens pode ser promovida a qualquer tempo, de regra
com efeito ex tunc, ressalvados direitos de terceiros. Inteligência
do artigo 2.039, do NCCB. 4. É possível alterar regime de bens
de casamentos anteriores à vigência do Código Civil de 2002.
Recurso provido” (TJRS, 7
a
Câm. Civ., Apelação Cível n.
139
70.006.423.891, rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos
Chavaes, j. 13-8-2003).
Em síntese, aderimos à tese dos autores que permitem a aplicação do
art. 1.639, § 2
o
, aos casamentos celebrados sob o império do Código Civil de
1916.
6.3.6. Publicidade
Apesar de a lei civil se omitir sobre assunto de profunda importância,
qual seja o da publicidade da mudança do regime de bens, isso não significa
dizer que o juiz não deva dar publicidade ao ato judicial. Muito pelo contrá-
rio. Ao deferir o pedido, caberá a ele determinar o registro da sentença no ór-
gão competente. Só assim se dará publicidade à alteração operada judicial-
mente, pondo a salvo os interesses de pessoas que venham a contratar com os
cônjuges.
Orlando Gomes, ardoroso defensor da mutabilidade do regime de bens,
já falava há muito tempo sobre a cautela respeitante à publicidade do ato, no
resguardo do interesse de terceiros: “Finalmente, só é de ser acolhido se não
for feito com o propósito de prejudicar terceiros, cujos interesses, em qual-
quer hipótese, se ressalvam – para o que se deve exigir a publicidade necessá-
ria através da obrigação de transcrever a sentença no registro próprio. Prote-
140
ge-se, desse modo, o interesse de quem quer que tenha contra qualquer dos
cônjuges um direito cujo título seja anterior ao registro da mudança do regi-
me”
182
. Rolf Madaleno, por sua vez, é categórico: “a alteração do regime ma-
trimonial será sempre judicial, pouco importando a existência de precedente
pacto, já que deverá ser averbada no Cartório do Registro de Imóveis a sen-
tença que deferir a modificação do regime conjugal”
183
.
Na Jornada de Direito Civil à qual nos referimos precedentemente, foi
apresentada proposta quanto à publicidade da sentença concessiva da medida:
“é admissível alteração do regime de bens entre os cônjuges, quando então o
pedido, devidamente motivado e assinado por ambos os cônjuges, será objeto
de autorização judicial, com ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos
entes públicos, após perquirição de inexistência de dívida de qualquer nature-
za,
exigida ampla publicidade” (grifamos).
Portanto, a despeito do silêncio da lei, a publicidade mostra-se absolu-
tamente necessária. De qualquer sorte, para não pairar nenhum dúvida sobre a
questão, sugere-se, de lege ferenda, a modificação do § 2
o
do art. 1.639 do
Código Civil para incluir a ampla publicidade da alteração do regime de bens.
7. Modalidades
182
Ob. cit., p. 164.
183
Ob. cit., p. 200.
141
O direito brasileiro prevê quatro modalidades de regime de bens: co-
munhão parcial, comunhão universal, participação final nos aqüestos, separa-
ção de bens.
7.1. Regime da comunhão parcial de bens
O regime da comunhão parcial de bens está previsto nos arts. 1.658 a
1.666 do novo Código Civil. Nesse regime de bens comunicam-se apenas os
bens adquiridos na constância do casamento, salvo as exceções estabelecidas
pela lei.
Isso significa dizer que, no regime da comunhão parcial, os bens pre-
sentes, pertencentes a cada um dos cônjuges, não entram na comunhão patri-
monial. Somente entrariam se os cônjuges, mediante convenção antenupcial,
escolhessem o regime da comunhão universal. Aí sim os bens presentes fari-
am parte da massa patrimonial comum, à exceção das hipóteses previstas no
art. 1.668.
A nosso ver, a comunhão parcial de bens é o regime que melhor atende
aos interesses dos cônjuges, além ser o regime que melhor se ajusta aos nos-
sos costumes. Considerando que o casamento não é um meio de aquisição de
bens, é preferível o regime da comunhão parcial ao da comunhão universal.
142
Até porque, convenha-se com Silvio Rodrigues
184
, o regime da comunhão
parcial não só constitui um freio à dissolução da sociedade conjugal, como
também torna mais justa a divisão dos bens, ao ensejo da separação.
A Itália também adota esse regime de bens, sob a denominação de co-
munione legale. Prevê o art. 159 do Código Civil italiano: “O regime patri-
monial legal da família, em falta de diversa convenção na forma do art. 162, é
constituído pela comunhão dos bens regulada na seção III do presente capitu-
lo”.
Outro país a adotar o regime da comunhão parcial é Portugal. Consoan-
te o art. 1717 do Código Civil lusitano, na falta de convenção antenupcial, ou
no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da convenção, o casamento
considera-se celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos.
A comunhão parcial de bens conta com a preferência da população bra-
sileira por dois motivos:
a) É o regime mais justo, se comparado aos outros regimes, porque
permite a comunicação tão-somente dos bens adquiridos na constância do ca-
samento. Os bens que cada cônjuge possuir ao se casar não entram na comu-
nhão; isso evita que um cônjuge pobre venha, ao se casar, tornar-se condômi-
no de vultoso patrimônio do consorte. Ora, se o casamento não é, repita-se,
184
Direito Civil, p. 178.
143
meio de aquisição de bens, sobreleva a justiça do regime da comunhão parci-
al.
b) A facilidade com que se faz a escolha desse regime. A comunhão
parcial não necessita de pacto antenupcial, bastando que os nubentes, no pro-
cesso de habilitação, optem por tal regime
185
. A opção pela comunhão parcial
será reduzida a termo, na forma do art. 1.640, parágrafo único, do novo Códi-
go Civil.
Conforme veremos daqui a pouco, o novo Código prevê os bens inte-
grantes do acervo patrimonial. Na sua essência são os bens adquiridos na
constância da sociedade conjugal. Mas é preciso ressaltar que nem todos os
bens adquiridos durante o casamento são comuns, porque há os que, a despei-
to de adquiridos após o enlace matrimonial, consideram-se bens particulares,
pertencentes a um só dos cônjuges (v.g., bens recebidos em doação ou suces-
são).
Nos dois próximos tópicos, discorreremos sobre: os bens excluídos da
comunhão; os bens incluídos na comunhão.
7.1.1. Bens excluídos da comunhão
185
O direito brasileiro passou a adotar, após a vigência da Lei do Divórcio, o regime legal ou supletivo da
comunhão parcial de bens (CC de 1916, art. 258, caput). Dessa forma, na ausência de convenção antenupcial,
144
São excluídos da comunhão conjugal os bens relacionados nos arts.
1.659 e 1.661 do novo Código Civil. No Código revogado, os bens incomuni-
cáveis eram previstos nos arts. 269, 270 e 272.
A teor do art. 1.659, são excluídos da comunhão:
I – Os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevie-
rem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-
rogados em seu lugar.
Os bens anteriores ao casamento pertencem a cada um dos cônjuges,
não se comunicando. Também estão excluídos os que forem adquiridos na
constância do casamento por doação ou sucessão e os sub-rogados em seu
lugar. É mister observar, quanto a esses bens, que a lei impõe a incomunicabi-
lidade quando apenas um dos cônjuges os adquirir. Se ambos os consortes os
receberem, é caso de comunicabilidade (CC, art. 1.660, inc. II).
Na vigência da lei anterior, o art. 269, inc. I, também excluía da comu-
nhão os bens sobrevindos por doação ou sucessão, mas não fazia menção aos
bens sub-rogados em seu lugar. Por conseguinte, se o cônjuge vendesse o bem
recebido em herança e comprasse outro bem com o produto da venda, esse
bem entraria na comunhão. Com a atual redação, não. Os novos bens, adqui-
ridos com a venda dos bens doados ou herdados, também não se comunicam.
ou sendo nula, vigorava o regime da comunhão parcial. O Código vigente manteve a comunhão parcial de
bens como o regime legal ou supletivo (CC, art. 1.640).
145
II – Os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um
dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares.
A redação desse inciso é igual à do art. 269, inc. II, do Código Civil de
1916. É fácil entender o porquê dessa incomunicabilidade. Se os bens existen-
tes por ocasião do casamento já não se comunicavam, não há razão para a lei
permitir a comunicação dos bens sub-rogados em seu lugar. Como bem pre-
coniza Silvio Rodrigues, “os bens adquiridos com o produto da venda de bens
que se achavam no patrimônio incomunicável do cônjuge tomam o lugar des-
tes bens e passam a se revestir da mesma incomunicabilidade de que aqueles
se revestiam”
186
. No mesmo sentido é a lição de Guido Tedeschi, para quem
“quando os valores decorrem da alienação de um bem próprio, empregado de
outra forma – ocorre porque se verificou a sub-rogação; que, no ato da aquisi-
ção, se declare que se opera um emprego ou reemprego, ou seja como for, se
diga que o adquirido se realizou com dinheiro próprio”
187
.
III – As obrigações anteriores ao casamento.
O legislador reproduziu a redação do art. 270, inc. I, do Código Civil de
1916
188
. Tratando-se de obrigações anteriores ao casamento, só responde por
elas o cônjuge que as contraiu, não havendo mesmo razão para a comunicação
de tais obrigações. Assim, o cônjuge deverá cumprir as obrigações anteriores
186
Direito Civil, p. 209.
187
El Regimen Patrimonial de la Familia, p. 368.
188
Esse inciso ficou sem sentido após a vigência da Lei n. 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada), que alterou
a redação do art. 269, excluindo da comunhão parcial “os demais bens que se consideram também excluídos
146
ao casamento com os seus próprios bens, exceto se o outro cônjuge houver
lucrado com elas, caso em que responderá proporcionalmente ao benefício
auferido.
IV – As obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em
proveito do casal.
As obrigações decorrentes de ato ilícito comprometem apenas os bens
particulares do cônjuge, pouco importando se o ilícito tenha ocorrido antes ou
após o casamento. A lei não exige, portanto, que a ilicitude seja praticada an-
tes do matrimônio, como sucede com a hipótese anterior.
É caso, porém, de comunicação se houver reversão em proveito do ca-
sal, conforme prevê o inc. IV. Afinal, se os dois cônjuges tiraram proveito do
ato, ambos deverão ser responsabilizados civilmente, recaindo o quantum in-
denizatório sobre os bens comuns do casal. No regime da lei anterior, o art.
270, inc. II, apenas se referia à incomunicabilidade das obrigações provenien-
tes de atos ilícitos, não fazendo menção ao proveito porventura obtido pelo
outro consorte
189
. Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça baixou a Sú-
mula 251, do seguinte teor: “A meação só responde pelo ato ilícito quando o
credor, na execução fiscal, provar que o enriquecimento dele resultante apro-
veitou ao casal”.
da comunhão universal (inc. IV). Ora, o art. 263, inc. VII, excluía da comunhão universal as dívidas anterio-
res ao casamento.
189
Esse inciso, a exemplo do que sucedeu com o inc. I (v. nota de rodapé anterior), ficou sem sentido após a
vigência da Lei n. 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada), porque foram excluídos da comunhão parcial, por
força da alteração do art. 269, “os demais bens excluídos da comunhão universal” (inc. IV), sendo certo ainda
que o art. 263, inc. VI, excluía da comunhão universal as obrigações provenientes de atos ilícitos.
147
Na atualidade, o inc. IV autoriza a comunicabilidade da obrigações
provenientes de atos ilícitos se houver reversão em proveito do casal.
V – Os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão.
Tratando-se de bens de caráter nitidamente pessoal – v.g.: roupas, sapa-
tos, objetos de uso diário –, o legislador excluiu-os da comunhão. O Código
anterior também excluiu da comunhão parcial as roupas de uso pessoal, os
livros e os instrumentos de profissão (CC, art. 269, inc. IV, c.c. o art. 263, inc.
IX).
A exclusão alcança, como se viu, os livros e os instrumentos de profis-
são. Assim, os livros de doutrina e de jurisprudência de um advogado não in-
tegram o rol de bens comunicáveis. Mas é preciso observar o seguinte: so-
mente os bens úteis ou necessários ao exercício da profissão ficam excluídos
da comunhão; não os demais. Como já alertava Clóvis Bevilaqua
190
, os livros
que não se comunicam são os de uso do cônjuge, não os que ele tenha para
negócio, entendimento também esposado por Lino de Morais Leme
191
.
Da mesma forma, os instrumentos de profissão não se comunicam ao
outro cônjuge. Assim, os instrumentos de um dentista, ou de um médico, ou
de um fisioterapeuta, ou de um músico, etc. não se comunicam ao seu consor-
te, pois, a exemplo dos livros, são destinados à sobrevivência do profissional.
A propósito do tema, a justiça paulista, apreciando nos idos de 1934 o agravo
190
Ob. cit., p. 178.
191
Ver parecer publicado na RT, 328/72.
148
n. 2.291, da comarca de Santos, excluiu da comunhão, em obediência ao art.
263, inc. IX, do Código Civil, um piano, como tal considerado instrumento de
profissão. Eis a ementa de tal decisão:
“Comunhão de bens – Instrumento de profissão: piano – Exclu-
são. Penhora – Objeto destinado a exercício de profissão – Em-
bargos procedentes – Aplicação do art. 1.004, n. III, do Código
de Processo e art. 263, n. IX, do Código Civil” (Agravante: José
da Silva Canheiro; Agravada: Maria da Gloria Mattos; relator
Junqueira Sobrinho, j. 3-8-1934)
192
.
VI – Os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge.
Os ganhos do trabalho pessoal de cada consorte são incomunicáveis,
nos termos do art. 1.659, inc. VI, do novo Código Civil. Entenda-se bem o
enunciado legal: o que a lei proibiu foi a comunicação do direito aos proven-
tos do trabalho pessoal de cada cônjuge. Esse direito pertence apenas ao côn-
juge beneficiário dos proventos.
O assunto, no entanto, é controvertido. Maria Helena Diniz, adotando
posição excessivamente radical, diz que a incomunicabilidade é total, alcan-
çando não só o produto do trabalho de cada cônjuge como também os bens
adquiridos com tais proventos
193
. Não podemos concordar, data venia, com
192
RT, 94/437.
193
Curso..., p. 152.
149
esse entendimento, sob pena de negativa de vigência do art. 1.660, inc. I, que
torna comuns “os bens adquiridos na constância do casamento por título one-
roso, ainda que só em nome de um dos cônjuges”. Nossa posição, a propósito,
está embasada no magistério de Silvio Rodrigues, para quem “só os proven-
tos, enquanto tais, não se comunicam. No exato instante em que se transfor-
mam em patrimônio, por exemplo, pela compra de bens, opera-se, em relação
a estes, a comunhão, pela incidência da regra contida nos arts. 1.658 e 1.660,
I, até porque não acrescenta o inciso em exame, a hipótese ‘e os bens sub-
rogados em seu lugar’”
194
. O bem adquirido com o numerário dos proventos
comunica-se a ambos os cônjuges, uma vez que, como bem notou Silvio Ro-
drigues, não há na lei a expressão “e os bens sub-rogados em seu lugar”. É a
solução adotada pelo art. 1724 do Código Civil lusitano
195
.
Aliás, vamos além. Para nós, os próprios ganhos de cada um dos con-
sortes se comunicam ao outro. Ao editar a norma em comento, quis o legisla-
dor evitar que, ocorrendo a separação dos cônjuges, um deles tivesse direito
permanente à metade dos proventos do outro. Portanto, apenas o direito aos
proventos é incomunicável, não o valor em si durante a constância do casa-
mento. Depositado o numerário na conta bancária, há, sim, comunicação.
Nesse ponto, vale a pena transcrever a opinião de José Antonio Encinas Man-
fré: “Por outro lado, a respeito desse inciso VI, há a concepção, a nosso ver
fundada, de que se deva entender apenas o direito aos proventos. Nesse caso,
194
Direito Civil, p. 212.
150
recebido o dinheiro pela contraprestação laboral, esse numerário passa a ser
bem comum, ingressando no patrimônio do casal. Sobrevindo separação judi-
cial, o direito de cada consorte continuar percebendo o respectivo provento
não se comunica, mas tão-só o que com ele for adquirido”
196
. Aliás, pensa-
mento diverso levaria, data venia, à desnaturalização do próprio regime da
comunhão parcial. Bem por isso, é preciso interpretar o inc. VI com bastante
parcimônia, de conformidade com a filosofia que inspirou a instituição do re-
gime de comunhão, pois, do contrário, quase nada se comunicaria durante a
constância do matrimônio
197
.
VII – As pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhan-
tes.
Não se comunicam, diz o art. 1.659, inc. VII, as pensões (valores perio-
dicamente pagos a alguém em virtude de lei, ou de decisão judicial, ou de
contrato, ou de ato de última vontade), meio-soldos (metade do soldo paga a
militar reformado
198
), montepios (pensão paga pelo Estado aos herdeiros de
funcionário falecido) e outras rendas semelhantes, como a tença (pensão de
alimentos, quer prestada pelo Estado, quer prestada por qualquer outra pessoa
de direito público ou de direito privado
199
).
195
Art. 1724: “Fazem parte da comunhão: a) o produto do trabalho dos cônjuges”.
196
Ob. cit., p. 65.
197
Alexandre Guedes Alcoforado Assunção critica o dispositivo, porque entende que o inc. VI, tal como
redigido, produz situação que se antagoniza com a própria essência do regime. Por isso mesmo o citado autor
sugere a supressão do inc. VI do art. 1.668 e a renumeração do último inciso (O Novo Código Civil Comen-
tado, p. 1472), opinião com a qual concordamos integralmente.
198
O art. 108 do revogado Decreto-Lei n. 9.698, de 2 de setembro de 1946, rezava o seguinte: “Os oficiais da
ativa, da reserva e reformados, contribuintes do montepio militar, deixarão, por morte, a seus herdeiros, uma
pensão de montepio e meio soldo”.
199
Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, p. 293.
151
Além dos bens vistos acima, não entram na comunhão os bens cuja a-
quisição tenha por título uma causa anterior ao casamento (CC, art. 1.661).
Aqui o legislador considerou a hipótese de o bem ingressar no seio familiar
somente após a celebração do matrimônio. O importante é que tal bem diga
respeito a uma causa anterior às bodas. Maria Helena Diniz
200
lembra as se-
guintes hipóteses: 1) moça solteira que vende a crédito um imóvel de sua pro-
priedade, mas só recebe o valor acertado pós o casamento; esse valor é só de-
la, pois se prendeu a causa anterior às núpcias; 2) ação reivindicatória iniciada
antes do casamento, porém julgada procedente após o casamento; 3) domínio
útil preexistente, com consolidação do direito de propriedade quando o enfi-
teuta já se encontrava casado. Podemos também incluir a hipótese de usucapi-
ão: a ação, embora iniciada quando o autor era solteiro, somente é julgada
procedente após as bodas.
Somem-se aos casos de exclusão previstos nos arts. 1.659 e 1.661 os
direitos patrimoniais do autor previstos no art. 39 da Lei n. 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998
201
.
O legislador de 2002 não incluiu entre os bens incomunicáveis “os ren-
dimentos de bens de filhos anteriores ao matrimônio a que tenha direito qual-
quer dos cônjuges em conseqüência do pátrio poder” (art. 269, inc. III, do
Código Civil de 1916). Não se pense, porém, que a exclusão dessa hipótese
possibilita a comunicabilidade dos rendimentos. Com efeito, sendo os pais
usufrutuários dos bens dos filhos menores, conforme dicção do art. 1.689, inc.
200
Curso..., p. 152.
201
Art. 39 da Lei n. 9.610/98: “Os direitos patrimoniais do autor, excetuados os rendimentos resultantes de
sua exploração, não se comunicam, salvo pacto antenupcial em contrário”.
152
I, do novo Código, esse direito de usufruto é personalíssimo, não se estenden-
do ao outro cônjuge.
7.1.2. Bens incluídos na comunhão
O art. 1.660 do novo Código Civil prevê as seguintes hipóteses de co-
munhão:
I – Os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso,
ainda que só em nome de um dos cônjuges.
A condição para a comunhão dos aqüestos é a aquisição onerosa de
bens pelos cônjuges (ou por um deles). Se um dos consortes receber, por e-
xemplo, um imóvel em doação, esse bem, não adquirido a título oneroso
(venda e compra, troca, etc.), não entrará na comunhão; pertencerá exclusi-
vamente ao cônjuge donatário. Ao revés, se um bem for adquirido por um dos
consortes, a título oneroso, ingressará na comunhão, salvo se incidirem as hi-
póteses dos incs. I, II e V do art. 1.659.
Por outro lado, diz o art. 1.660, inc. I, do Código Civil que a comunhão
ocorrerá ainda que o bem esteja registrado apenas em nome de um dos cônju-
ges. Ora, tal fato não obsta a comunicabilidade do bem, desde que este tenha
sido adquirido onerosamente na constância do casamento.
153
Quanto aos bens móveis, há a presunção legal de aquisição já no curso
do casamento. Dispõe o art. 1.662 do Código Civil: “No regime da comunhão
parcial, presumem-se adquiridos na constância do casamento os bens móveis,
quando não se provar que o foram em data anterior”. Essa presunção é juris
tantum, isto é, presunção relativa (e não absoluta), de tal sorte que será lícito a
um dos cônjuges demonstrar que o bem foi adquirido antes do casamento.
Por isso, para que não ocorram pendengas, é recomendável que os nu-
bentes descrevem no pacto antenupcial, pormenorizadamente, os bens móveis
pertencentes a cada um deles. Isso evitará que se instaure controvérsia, na fase
de execução da sentença dissolutória do casamento, sobre a propriedade de
tais bens.
II – Os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de
trabalho ou despesa anterior.
A lei inclui na comunhão de aqüestos os bens adquiridos por fato even-
tual, tais como jogo, aposta, loteria, invenção de tesouro, etc. Repetiu a reda-
ção do art. 271, inc. II, do Código de 1916. Pontes de Miranda, discorrendo
sobre tal dispositivo, incluía na relação a usucapião
202
. A nosso ver, porém,
nem sempre a usucapião poderá entrar na comunhão. Se a usucapião se verifi-
car após o casamento, é caso de aplicação do art. 1.660, inc. II, do novo Códi-
go Civil; se anterior às bodas, não se comunicará ao outro cônjuge, tendo em
vista o disposto no art. 1.661.
154
III – Os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de
ambos os cônjuges.
Esses bens se comunicam ao marido e à mulher. São bens recebidos por
ambos os cônjuges em doação, herança ou legado. A condição para a comuni-
cabilidade é a aquisição por ambos os cônjuges. Se a doação contemplar, por
exemplo, um só cônjuge, não é caso de comunhão, pois estaremos diante da
hipótese prevista no art. 1.659, inc. I, do novo Código.
IV – As benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge.
Não importa a natureza das benfeitorias – se necessárias, úteis ou vo-
luptuárias –, porquanto a lei não faz qualquer distinção entre umas e outras.
Basta assim que elas recaiam sobre os bens particulares de cada um dos côn-
juges para que seja possível a comunhão.
V – Os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge,
percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a
comunhão.
Por fim, o art. 1.660, inc. V, diz que entram na comunhão os frutos dos
bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge. Entenda-se por frutos “tu-
do o que possa ser produzido periodicamente da coisa, nascendo e renascendo
(quod ex re nasci et renasce solet), seja pelo trabalho, seja por outros meios”
202
Tratado de Direito Privado, p. 334.
155
203
. Dessa forma, se um imóvel de propriedade exclusiva da mulher estiver
locado, os aluguéis se comunicarão ao marido, por força do mencionado dis-
positivo legal. A comunicação dos frutos dar-se-á, como manda a lei, durante
a constância do casamento, mas nada impede que, em caso de dissolução da
sociedade, possa haver comunicação quanto aos frutos pendentes. Destarte, se
pender de pagamento três ou quatro aluguéis, a superveniente separação judi-
cial do casal não obsta a comunicação desses valores.
Além dos casos vistos acima, na legislação extravagante temos uma
outra hipótese de comunhão. Trata-se da Lei n. 9.610/98, cujo art. 39 prevê
expressamente a comunicação dos rendimentos relativos aos direitos patrimo-
niais do autor
204
.
7.1.3. Administração do patrimônio comum
A administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônju-
ges, nos termos do art. 1.663, caput, do novo Código Civil. Tanto o marido
quanto a mulher, ou mesmo ambos, podem administrar o patrimônio comum.
No regime do Código anterior, o legislador confiava apenas ao marido
a administração dos bens do casal
205
, exceto nas hipóteses do art. 251
206
. Era
203
De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, vol. II, p. 721, verbete frutos.
204
Ver nota de rodapé n. 200.
205
Art. 274 do Código Civil de 1916: “A administração dos bens do casal compete ao marido, e as dívidas
por este contraídas obrigam, não só os bens comuns, senão ainda, em falta destes, os particulares de um e
outro cônjuge, na razão do proveito que cada qual houver lucrado”.
156
natural que o legislador procedesse dessa maneira, na medida em que ao ma-
rido competia, na estrutura hierarquizada da legislação revogada, a chefia da
sociedade conjugal. O art. 6
o
do Código Civil de 1916 incluía a mulher casada
no rol de pessoas relativamente incapazes
207
. A mulher casada não tinha os
mesmos direitos outorgados ao homem, uma vez que os cônjuges não estavam
no mesmo pé de igualdade. Nem mesmo com o advento do Estatuto da Mu-
lher Casada (Lei n. 4.121/62), a mulher conquistou o que tanta almejava, a
igualdade na sociedade conjugal.
Essa igualdade só foi alcançada em 1988, corolário da Constituição Fe-
deral promulgada em 5 de outubro de 1988. Aí sim o art. 226, § 5
o
, deixou no
mesmo patamar o homem e a mulher, nestes termos: “Os direitos e deveres
referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela
mulher”.
Portanto, o novo Código, ao entregar a administração dos bens a qual-
quer dos cônjuges nada mais fez senão observar a igualdade assegurada pela
Constituição Federal. Advirta-se, porém, que a administração se refere apenas
aos bens comuns, excluídos os bens particulares. Quanto a estes, compete a
cada um dos cônjuges administrá-los de per si, salvo convenção diversa em
206
Art. 251 do Código Civil de 1916: “À mulher compete a direção e administração do casal, quando o mari-
do: I- estiver em lugar remoto, ou não sabido; II- estiver em cárcere privado por mais de 2 (dois) anos; III-
for judicialmente declarado interdito. Parágrafo único. Nestes casos, cabe à mulher: I- administrar os bens
comuns; II- dispor dos particulares e alienar os móveis comuns e os do marido; III- administrar os do marido;
IV- alienar os imóveis comuns e os do marido mediante autorização especial do juiz”
207
Redação original do art. 6
o
do Código Civil de 1916: “São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147,
n. 1), ou à maneira de exercer: I. Os maiores de 16 e menores de 21 anos (arts. 154 a 156). II. As mulheres
casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal. III. Os pródigos. IV. Os silvícolas. Parágrafo único. Os
157
pacto antenupcial (CC, art. 1.665). Os bens particulares são os arrolados no
art. 1.659, incs. I, II e V, do novo Código. Assim, se a mulher possuir dois
imóveis ao celebrar matrimônio, a administração desses bens caberá a ela,
salvo se outra coisa ficar convencionada no pacto antenupcial (v.g., o marido
será o administrador dos bens particulares da mulher).
Embora a lei civil confie a qualquer dos cônjuges a administração do
patrimônio comum, o art. 1.663, § 2
o
, do novo Código estabelece que a anu-
ência de ambos é necessária “para os atos, a título gratuito, que impliquem
cessão do uso ou gozo dos bens comuns”. Um contrato de comodato somente
será possível se os cônjuges concordarem em emprestar o bem a terceiro. Não
é valido ao marido ou à mulher ceder o bem sem a anuência de seu consorte.
Uma importante regra foi instituída pelo novo Código Civil: a do art.
1.663, § 3
o
, que permite ao juiz, havendo malversação de bens, atribuir a ad-
ministração do patrimônio a apenas um dos cônjuges. Regra bastante salutar,
pois impede que os bens integrantes do patrimônio comum sejam, no todo ou
em parte, pulverizados pela conduta leviana de um dos cônjuges.
7.2. Regime da comunhão universal de bens
silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à
medida em que se forem adaptando à civilização do país”.
158
A comunhão universal de bens é o regime que importa na comunicação
de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, sal-
vo as exceções previstas na lei. No abalizado magistério de Lehmann
208
, a
idéia que inspira a comunhão de bens consiste em ampliar a comunidade de
vida à comunidade patrimonial.
A característica dominante do regime de comunhão universal é, no di-
zer de San Tiago Dantas, “estabelecer entre os cônjuges uma comunicação
dos bens e da parte passiva do patrimônio; o que é de um passa a ser igual-
mente do outro, e o que, daí por diante, qualquer um deles adquirir, adquire
simultaneamente para si e para o outro cônjuge”
209
.
No escólio de Lafayete Rodrigues Pereira
210
, a comunhão universal de
bens é dominada por três princípios:
1) Tudo o que ingressa no acervo dos bens do casal fica, em regra, su-
bordinado à lei da comunhão.
2) Tudo o que cada cônjuge adquire, no momento da aquisição, torna-se
bem comum.
3) Há meação em todos os bens do casal, embora um deles nada trou-
xesse ou nada adquirisse na constância do casamento.
A comunhão universal abrange também, nos termos do art. 1.667, ca-
put, as dívidas passivas dos cônjuges. A teor de tal dispositivo, poder-se-ia
208
Ob. cit., p. 193.
159
imaginar, então, que o regime da comunhão importa na mais completa comu-
nicação, na comunicabilidade de todos os bens e de todas as dívidas – passi-
vas ou ativas – dos cônjuges. Mas essa comunicação de bens precisa ser en-
tendida em seus devidos termos. Como ponderam Planiol e Ripert, embora a
existência de uma massa comum seja a característica marcante do regime da
comunhão, isso não importa dizer que tal massa tenha de compreender “todos
los bienes de los esposos ni que todos los intereses de éstos han de quedar ab-
sorbidos en la comunidad. (...) los esposos conservan intereses personales dis-
tintos y que sus bienes quedan distribuídos entre tres patrimonios: el patrimo-
nio común, el propio del marido y el propio de la mujer”
211
.
Por isso mesmo, razões superiores, de conveniência dos próprios côn-
juges ou de terceiros, impõem a exclusão de alguns bens da comunhão, con-
soante se verá a seguir.
7.2.1. Bem excluídos da comunhão
Não obstante a amplitude do regime da comunhão universal, alguns
bens não integram o patrimônio comum dos cônjuges. Tais bens, arrolados no
art. 1.668 do novo Código, pertencem a cada um dos consortes, não havendo
comunicação.
209
Direitos de Família e Sucessões, p. 272.
210
Ob. cit., p. 171.
160
No regime da lei anterior, o legislador havia relacionado, no art. 263,
treze hipóteses de exclusão de bens. No Código vigente, cinco incisos tratam
das hipóteses de incomunicabilidade.
O direito comparado, a exemplo do direito brasileiro, também prevê a
exclusão de alguns bens da comunhão. É o caso, por exemplo, do Código Ci-
vil português, cujo art. 1733 determina a exclusão dos seguintes bens:
1) Os bens dotados ou deixados, ainda que por conta da legítima, com a
cláusula de incomunicabilidade.
2) Os bens doados ou deixados com a cláusula de reversão ou fideico-
missária, a não ser que a cláusula tenha caducado.
3) O usufruto, o uso ou habitação, e demais direitos estritamente pesso-
ais.
4) As indenizações devidas por fatos verificados contra a pessoa de ca-
da um dos cônjuges ou contra os seus bens próprios.
5) Os seguros vencidos em favor da pessoa de cada um dos cônjuges ou
para cobertura de riscos sofridos por bens próprios.
6) Os vestidos, roupas e outros objetos de uso pessoal e exclusivo de
cada um dos cônjuges, bem como os seus diplomas e a sua correspon-
dência.
7) As recordações de família de diminuto valor econômico.
211
Ob. cit., tomo 8, p. 197.
161
Mas o Código lusitano faz questão de enfatizar que a incomunicabili-
dade dos bens não abrange os respectivos frutos nem o valor das benfeitorias
úteis.
Passemos a examinar as hipóteses previstas no art. 1.668 do Código
Civil brasileiro. São excluídos da comunhão:
I – Os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade
e os sub-rogados em seu lugar.
É fácil entender a razão dessa exclusão. Ao impor cláusula de incomu-
nicabilidade ou de inalienabilidade
212
, não quis o doador ou o testador que o
bem integrasse o patrimônio de ambos os cônjuges. Do contrário, teria feito
doação ou legado a ambos os consortes.
São também excluídos da comunhão os bens sub-rogados no lugar dos
bens doados ou herdados com tal cláusula. Logo, se houver desapropriação de
um bem clausulado, o bem adquirido com o dinheiro recebido do poder públi-
co também não integrará a comunhão (CC, art. 1.911, parágrafo único, c.c. o
art. 1.668, inc. I).
Embora o Código não se refira aos doados com cláusula de reversão
(CC, art. 547), tais bens também não integram o patrimônio comum do casal.
Dessa forma, se ficou previsto na escritura pública que o bem doado deverá
212
Na vigência do Código Civil de 1916, discutia-se na doutrina e na jurisprudência se a cláusula de inalie-
nabilidade incluía também a incomunicabilidade do bem. Tantas foram as decisões no sentido afirmativo, que
o Supremo Tribunal Federal baixou a Súmula 49 com o seguinte enunciado: “A cláusula de inalienabilidade
inclui a incomunicabilidade dos bens”. Hoje em dia, com o advento do novo Código Civil, a questão está
superada, porque o art. 1.911 estabelece expressamente que a cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens
por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.
162
reverter, por morte do donatário, ao patrimônio do doador, não há porque in-
gressar na comunhão patrimonial
213
.
II – Os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideico-
missário, antes de realizada a condição suspensiva.
Com respaldo na lição de Carlos Maximiliano, Armando Dias de Aze-
vedo define fideicomisso como o “instituto jurídico em virtude do qual se ad-
quire propriedade com a inerente obrigação de conservar o recebido e, por
morte, depois de certo tempo ou sob determinada condição, transmitir a outra
pessoa, física ou jurídica”
214
. No fideicomisso, a propriedade do fiduciário é
resolúvel, nos termos do art. 1.951 do Código Civil. Assim, enquanto não se
verificar a morte do fiduciário ou o decurso de certo tempo ou ainda a conclu-
são de certa condição, bens fideicomitidos não passam ao patrimônio do fide-
icomissário. Isso significa dizer, em outras palavras, que somente a realização
da condição suspensiva importa na comunicação do bem fideicomitido. Como
bem explica Maria Helena Diniz, “o fiduciário é o titular de um domínio reso-
lúvel e o fideicomissário, de um direito eventual, que, enquanto não se der a
condição, não se transmite ao seu cônjuge, pois se o fideicomissário falecer
antes do fiduciário caduca o fideicomisso, consolidando-se a propriedade nas
mãos do fiduciário”
215
.
213
Ver Washington de Barros Monteiro, ob. cit., p. 200; Maria Helena Diniz, Curso..., p. 156; José Antonio
Encinas Manfré, ob. cit., p. 93.
214
O Fideicomisso no Direito Pátrio, p. 20.
215
Curso..., p. 156.
163
Portanto, somente com a morte do fiduciário, ou com o decurso de cer-
to tempo, ou ainda com a realização de certa condição é que o bem passa a
integrar o patrimônio do fideicomissário. É nesse sentido que a lei civil fala
em “realizada a condição suspensiva (parte final do inc. II do art. 1.668). As-
sim, enquanto não realizada a condição suspensiva, incide o inc. II do art.
1.668.
III – As dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despe-
sas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum.
No regime da lei anterior, as dívidas anteriores ao casamento eram ex-
cluídas da comunhão (CC, art. 263, inc. VII), e continuaram a ser incomuni-
cáveis com o novo Código Civil (art. 1.668, inc. III). Por força dessa disposi-
ção legal, somente os bens particulares do devedor e os bens que compõem a
sua meação respondem pelos débitos anteriores ao casamento
216
. Quanto aos
bens componentes da meação, há entendimentos doutrinários e jurisprudenci-
ais no sentido de que somente com a dissolução do casamento, seguida da
partilha de bens, é que a meação do cônjuge devedor estará disponível para
responder pelos débitos.
Se é certo que as dívidas anteriores ao casamento são excluídas da co-
munhão, também é certo que, excepcionalmente, o novo Código permite, a
exemplo do Código Bevilaqua, a comunicabilidade dessas dividas. Eis as duas
216
A 10
a
Câmara do 1
o
Tribunal de Alçada Civil de São Paulo decidiu: “Nos termos do art. 264 do CC, o
cônjuge devedor, durante o casamento, responderá pelas dívidas pessoais anteriores ao matrimônio com seus
164
exceções legais: 1) se provierem de despesas com seus aprestos; 2) se reverte-
rem em proveito do casal.
Ao aludir a despesas com seus aprestos, a lei quer que a dívida seja efe-
tivamente empregada nos aprestos. Sobre o assunto, aliás, Pontes de Miranda,
comentando o art. 263, inc. VII, do Código revogado, já dizia que “não basta
que a dívida tenha sido contraída para os aprestos conjugais, tais como casa,
alfaias, vestes. É preciso que tenha sido empregada nos aprestos. É isso o que
entende o Código Civil, ao dizer ‘despesas com os aprestos’, e não ‘despesas
para os aprestos’. Não importa a finalidade. O que importa é a efetiva aplica-
ção do dinheiro”
217
. Essa parece ser, de fato, a interpretação que melhor se
coaduna com o espírito da lei.
Comunicam-se igualmente as dívidas anteriores ao casamento se hou-
ver reversão em proveito comum. É o caso, por exemplo, da dívida contraída
por um dos nubentes para a aquisição de imóvel destinado à moradia do casal.
Como essa dívida foi contraída em benefício do casal, e não somente em fa-
vor de um dos cônjuges, ela se comunica ao outro, nos termos do art. 1.668,
inc. III.
IV – As doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com
a cláusula de incomunicabilidade.
bens particulares ou com aqueles que trouxe para a comunhão” (Ap. Cív. n. 876.168-8, Araçatuba, rel. Paulo
Hatanaka, j. 27-3-2001, RT 794/277).
217
Tratado de Direito Privado, p. 305.
165
A doação antenupcial clausulada é excluída da comunhão, nos termos
do art. 1.668, inc. IV. Desse modo, se um dos nubentes doar ao outro imóvel
com cláusula de incomunicabilidade, é evidente que tal bem não se comunica
ao cônjuge doador. Se este quisesse que o imóvel entrasse na comunhão, era
só deixar de fazer a doação. Se agiu diferentemente, é porque teve em mira
excluir definitivamente tal bem de seu patrimônio.
Anote-se, a propósito desse inciso, que o legislador pecou por excesso,
uma vez que a matéria já se achava contemplada na lei civil. Com efeito, os
bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-
rogados em seu lugar são excluídos da comunhão, conforme previsão do art.
1.668, inc. I, do novo Código.
V – Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.
São excluídos da comunhão, por fim, os bens de uso pessoal, os livros e
os instrumentos de trabalho, os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge
e as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. Exami-
namos a exclusão desses bens no tópico “7.1.1.”, pelo que estamos dispensa-
dos de voltar ao tema.
Além do bens arrolados no art. 1.668 do novo Código, a legislação ex-
travagante prescreve outra hipótese de exclusão: os direitos patrimoniais do
autor, conforme art. 39 da Lei n. 9.610/98
218
.
218
Ver nota de rodapé n. 200.
166
7.2.2. Bens incluídos na comunhão
Estão incluídos na comunhão universal todos os bens que a lei ou o
pacto antenupcial não excluir.
Como preleciona Carvalho Santos
219
, a comunhão universal é uma es-
pécie de sociedade de bens dotada de características especiais, porém sem
perder a feição de sociedade. O próprio art. 1.667 já diz que o regime de co-
munhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros
dos cônjuges e suas dívidas passivas, à exceção das situações arroladas no art.
1.668.
Note-se que nem mesmo as dívidas passivas estão fora da comunhão,
salvo a exceção prevista no inc. III do art. 1.668. Ao instituir o regime da co-
munhão universal de bens, quis o legislador que a comunhão não fosse apenas
de vidas e de almas, abrangendo também bens presentes e futuros.
Sendo assim, todos os bens presentes e futuros dos cônjuges se comu-
nicam, comunicabilidade extensiva às dívidas passivas. Só não haverá comu-
nicação quando a lei lançar mão de normativa nesse sentido, como é o caso do
art. 1.668. Ou ainda quando os nubentes estipularem no pacto antenupcial a
exclusão de certos bens comunicáveis.
219
Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. V, p. 61.
167
7.2.3. Administração do patrimônio comum
A administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônju-
ges. É o que se extrai do art. 1.663 c.c. o art. 1.670 do novo Código Civil.
Aqui também o Código inovou, em obediência à norma constitucional da i-
gualdade dos cônjuges. No regime da lei anterior, a administração competia
ao marido, salvo as hipóteses dos arts. 248, inc. V, e 251. O novo Código co-
mete a qualquer dos cônjuges a administração do patrimônio comum.
7.3. Regime da participação final nos aqüestos
O regime da participação final nos aqüestos está previsto nos arts. 1.672
a 1.686 do novo Código Civil. Ele substituiu o regime dotal, que havia muito
tempo caíra em desuso.
De acordo com o art. 1.672, o novel regime é um mescla de outros dois
regimes: separação e comunhão parcial. Dispõe o art. 1.672: “No regime de
participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, con-
soante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da socie-
dade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título onero-
so, na constância do casamento”.
168
Deixamos de tecer, aqui, considerações sobre esse regime, porque ele
será examinado no Capítulo IV.
7.4. Regime da separação de bens
O Código Civil prevê, por fim, o regime de separação de bens. Mas ca-
be esclarecer que o regime de separação de bens se dá tanto por vontade dos
próprios nubentes (e aí o regime de separação decorre de convenção, nos ter-
mos do art. 1.687 do diploma civil) quanto por imposição legal (hipótese pre-
vista no art. 1.641).
A seguir, trataremos do regime de separação de bens por imposição le-
gal e, depois, do regime de separação decorrente de convenção dos nubentes.
7.4.1. Separação de bens por imposição legal
No Código Civil revogado, o art. 258, parágrafo único, incs. I a IV, im-
punha o regime da separação de bens no casamento: 1) das pessoas que in-
fringissem os arts. 183, XI a XVI; 2) do maior de 60 (sessenta) e da maior de
50 (cinqüenta) anos; 3) do órfão de pai e mãe, ou do menor, nos termos dos
arts. 394 e 395, embora case, nos termos do art. 183, XI, com o consentimento
do tutor; 4) de todos os que dependerem, para casar, de autorização judicial.
169
Com o advento do novo Código Civil, o legislador não manteve todos
os casos previstos no revogado art. 258, parágrafo único. É obrigatório, atu-
almente, o regime de separação de bens no casamento: I- das pessoas que o
contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casa-
mento; II- da pessoa maior de 60 (sessenta) anos; III- de todos os que depen-
derem, para casar, de suprimento judicial (CC, art. 1.641).
O intuito da lei civil, ao estabelecer o regime da separação obrigatória
de bens, foi inegavelmente proteger a pessoa do nubente, e também evitar, em
algumas hipóteses, a confusão de patrimônio.
As hipóteses contempladas no art. 1.641 são taxativas, não admitindo
ampliação. Elas serão examinadas a seguir.
7.4.1.1. Casuística
O inc. I do art. 1.641 fala em “inobservância das causas suspensivas da
celebração do casamento”. Que causas são essas? São as arroladas no art.
1.523 do diploma civil. Não devem casar: a) o viúvo ou a viúva que tiver filho
do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der
partilha aos herdeiros; b) a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por
ser nulo ou ter sido anulado, até 10 (dez) meses depois do começo da viuvez,
ou da dissolução da sociedade conjugal; c) o divorciado, enquanto não houver
170
sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; d) o tutor ou cura-
dor e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com
a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e
não estiverem saldadas as respectivas contas.
É dizer, a existência de quaisquer das hipóteses contempladas acima
não proíbe a celebração do casamento, mas apenas impõe o regime da separa-
ção obrigatória de bens. Contudo, nas hipóteses das alíneas “a”, “b”, “c” e
“d”, o Código Civil permite, havendo pedido dos nubentes e autorização judi-
cial, a não aplicação do regime da separação obrigatória de bens, se restar
provada a inexistência de prejuízo para o herdeiro (alínea “a”), para o ex-
cônjuge (alínea “c”) e para a pessoa tutelada ou curatela (alínea “d”). E, no
tocante à alínea “b”, a prova de que a nubente não estava grávida nos 10 (dez)
meses subseqüentes à viuvez, à anulação do casamento ou à dissolução da
sociedade conjugal
220
.
O art. 1.641, inc. II, do Código Civil impõe o regime da separação de
bens aos casamentos de pessoas com mais de 60 (sessenta) anos de idade. No
regime da lei revogada, o art. 258, parágrafo único, inc. II, fazia diferenciação
quanto à pessoa dos nubentes. Se homem, o regime seria o da separação se ele
contasse com mais de 60 (sessenta) anos; se mulher, a idade caía para 50
220
É o que prevê o parágrafo único do art. 1.523 do novo Código Civil: “É permitido aos nubentes solicitar
ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, pro-
vando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tute-
lada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de
gravidez, na fluência do prazo”.
171
(cinqüenta) anos, ou seja, se a mulher fosse maior de 50 (cinqüenta) anos, o
casamento deveria observar necessariamente o regime da separação de bens.
A partir de 5 de outubro de 1988, com a promulgação da atual Constituição
Federal, era palmar a afronta ao dispositivo constitucional, na medida em que
conferia tratamento desigual à mulher em relação ao homem. É por isso que,
no regime da lei anterior, Silvio Rodrigues já alertava para a transgressão da
Carta Magna: “Flagrante a ofensa à Constituição, no tratamento desigual em
razão do sexo, apresentamos essa questão como sendo a restrição a partir de
60 anos para ambos os nubentes”
221
.
Mesmo agora, com o igualamento da idade dos nubentes, o que calha
estudar é se o legislador agiu corretamente ao impor o regime da separação de
bens nos casamentos de pessoas com mais de 60 (sessenta) anos. Sabe-se que
a intenção da lei, tanto da atual, quanto da anterior, ao fixar certa idade a par-
tir da qual o regime será o da separação, foi impedir o chamado caça-dotes,
“indivíduo que busca enriquecer casando com pessoa rica”
222
. Receou a lei,
nas palavras de Clóvis Bevilaqua, “que interesses subalternos, ou especula-
ções pouco escrupulosas, arrastem sexagenários e qüinquagenárias a enlaces
inadequados ou inconvenientes”
223
. Ou, como observa Silvio Rodrigues, “é
nítido o propósito do legislador de impedir que pessoa moça procure casar
com outra bem mais idosa, atraída menos pelos encantos pessoais do que pela
221
Direito Civil, p. 182, nota de rodapé 195.
222
Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa 1.0., verbete caça-dotes.
223
Ob. cit., p. 168.
172
fazenda de seu consorte”
224
. Sem embargo desse conhecido propósito do le-
gislador, a verdade é que o art. 1.641, inc. II, do Código Civil, analisado sob o
pálio da Constituição Federal, merece críticas pungentes, na medida em que
atenta visceralmente contra a liberdade individual dos nubentes. A propósito,
o saudoso Silvio Rodrigues, ao tratar justamente da análise do art. 1.641, inc.
II, fez questão de enfatizar o seguinte: “Tal restrição, a meu ver, é atentatória
da liberdade individual. A tutela excessiva do Estado sobre pessoa maior e
capaz decerto é descabida e injustificável. Aliás, talvez se possa dizer que
uma das vantagens da fortuna consiste em aumentar os atrativos matrimoniais
de quem a detém. Não há inconveniente social de qualquer espécie em permi-
tir que um sexagenário ou uma sexagenária ricos se casem pelo regime da
comunhão, se assim lhes aprouver”
225
.
E, de fato, a imposição do regime de separação de bens atenta contra a
liberdade individual dos nubentes, pois lhes retira a independência necessária
para escolher o regime que melhor atenda a seus interesses. Ora, se a lei civil
consagra a plena capacidade civil às pessoas com mais de 18 (dezoito) anos,
autorizando-lhes a prática de atos civis, dos mais elementares ao mais com-
plexos, permitindo a celebração de contratos, a realização de testamentos, a
doação de bens, etc., não faz sentido, data venia, impor o regime obrigatório
da separação para os nubentes com mais de 60 (sessenta) anos, mesmo porque
224
Direito Civil, p. 182.
225
Direito Civil, p. 183. Comunga da mesma opinião Maria Helena Diniz, para quem “não se pode olvidar
que o nubente, que sofre tal capitis diminutio imposta pelo Estado, tem maturidade suficiente para tomar uma
173
os idosos de hoje, se comparados com os do início do século passado, são
muito mais esclarecidos, têm muito mais acesso aos meios de comunicação de
massa, conhecem suficientemente os seus direitos e deveres, sabem o que
querem e o que não querem, de tal sorte que o casamento, feito sob o regime
da separação obrigatória de bens, é uma agressão, primeiro, à Constituição
Federal e, depois, à inteligência das pessoas que estejam inseridas na terceira
idade. Paulo do Amaral Souza
226
entende que o dispositivo ofende o direito
de cidadania do idoso.
É bem verdade que o art. 45 da Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de
1977 (Lei do Divórcio) tratou de excepcionar a regra do então vigente art.
258, inc. II, do Código Civil de 1916, permitindo o livre estabelecimento do
regime de bens quando o casamento se seguisse a uma comunhão de vida ini-
ciada antes de 28 de junho de 1977 e tivesse perdurado por 10 (dez) anos con-
secutivos ou resultasse no nascimento de filhos
227
. De se notar, porém, que o
dispositivo está inserido no último capítulo da lei, Capítulo IV, que trata exa-
tamente das disposições finais e transitórias, ou seja, regula situações que,
com o correr do tempo, tendem a desaparecer por completo, não ostentando,
assim, serventia para regular a permanente situação de pessoas que, antes do
casamento, já viviam sob o mesmo teto, aparentando serem marido e mulher.
decisão relativamente aos seus bens e é plenamente capaz de exercer atos na vida civil, logo, parece-nos que,
juridicamente, não teria sentido essa restrição em função de idade avançada do nubente” (ob. cit., p. 165).
226
Ob. cit., p. 185.
227
O art. 45 da Lei do Divórcio apresenta a seguinte redação: “Quando o casamento se seguir a uma comu-
nhão de vida entre os nubentes, existente antes de 28 de junho de 1977, que haja perdurado por 10 (dez) anos
consecutivos ou da qual tenha resultado filhos, o regime matrimonial de bens será estabelecido livremente,
não se lhe aplicando o disposto no art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil”.
174
Em suma, se os idosos têm plena capacidade para realizar atos da vida
civil, não agiu corretamente o legislador civilista ao manter o regime de sepa-
ração de bens decorrente da idade em que se acham os nubentes. De lege fe-
renda, entendemos aconselhável a revogação do art. 1.641, inc. II, do Código
Civil, como propugnaram os componentes da Jornada de Direito Civil à qual
nos referimos anteriormente, com a apresentação de proposta consubstanciada
nos seguintes termos: “A norma que torna obrigatório o regime da separação
absoluta de bens em razão da idade dos nubentes não leva em consideração a
alteração da expectativa de vida, com qualidade, que se tem alterado drasti-
camente nos últimos anos. Também mantém um preconceito quanto às pesso-
as idosas que, somente pelo fato de ultrapassarem determinado patamar etário,
passam a gozar da presunção absoluta de incapacidade para alguns atos, como
contrair matrimônio pelo regime de bens que melhor consultar seus interes-
ses”.
A última hipótese de observância do regime de separação de bens re-
sulta do casamento daqueles que dependam, para se unir, de suprimento judi-
cial (CC, art. 1.641, inc. III). Assim, havendo suprimento judicial, o regime
será, ex vi legis, o da separação de bens. O Código Civil cuida da capacidade
para o casamento no art. 1.517, fixando a idade mínima de 16 (dezesseis) anos
para a realização do consórcio. Não basta, porém, a idade mínima de 16 (de-
zesseis) anos dos nubentes, porquanto o mencionado art. 1.517 exigiu, quanto
àqueles que não atingiram a maioridade civil, a autorização de ambos os pais
ou de seus representantes legais. Somente com a autorização dos pais (ou de
175
seus representantes legais: tutores e curadores) é que os relativamente incapa-
zes terão condições de contrair casamento. Diga-se a propósito que tal anuên-
cia, quando denegada injustamente pelos pais, tutores ou curadores, poderá
ser suprida judicialmente, nos termos do art. 1.519 do novo Código. É dizer,
se os pais, por exemplo, denegarem o consentimento por puro capricho, não
havendo nesse dissenso nenhuma razão séria, ponderável, caberá ao juiz su-
prir o consentimento dos pais, permitindo o casamento do incapaz. Ocorrendo
essa hipótese, o regime legal a ser observado é o da separação (CC, art. 1.641,
inc. III).
Há na lei civil uma outra hipótese para a qual a realização do casamento
exige prévio suprimento judicial. Cuida-se do chamado suprimento de idade
núbil, contemplado no art. 1.520 do Código Civil: “Excepcionalmente, será
permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1.517),
para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravi-
dez”. Ainda que os pais estejam plenamente de acordo com o casamento do
filho menor, o suprimento será necessário porque o nubente ainda não atingiu
a idade núbil, de 16 (dezesseis) anos, para se casar. A anuência dos pais não
elide a necessidade de suprimento judicial, apenas torna mais célere o pro-
nunciamento do juiz. A leitura do art. 1.520 induz à conclusão de que a inter-
venção do juiz é desnecessária para o suprimento da idade núbil, na medida
em que o enunciado legal não alude, ainda que veladamente, à figura da auto-
ridade judiciária. Apenas estatui que será possível, excepcionalmente, para
evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez, o
176
casamento de pessoas que não tenham atingido a idade de 16 (dezesseis) anos.
Assim, interpretação liberal do texto poderia conduzir o intérprete a pensar
que a intervenção do juiz, na espécie, é dispensável, a uma porque inexiste
referência expressa à pessoa do magistrado, a duas porque o art. 214, caput,
do Código Civil revogado, apesar de ter redação quase similar à do art. 1.520
228
, dizia no parágrafo único que era dado ao juiz ordenar a separação de cor-
pos até que os cônjuges alcançassem a idade legal, deixando bem claro que o
suprimento era da alçada do Poder Judiciário. Nada obstante o silêncio do art.
1.520, entendemos ser essencial, e inexorável, o pronunciamento da autorida-
de judiciária. Não poderia ficar nas mãos do funcionário do Serviço de Regis-
tro Civil a incumbência de deliberar acerca de tão importante e delicada ques-
tão. Somente o juiz, ouvido o representante do Ministério Público, poderá su-
prir a idade núbil do nubente.
Posto isso, é forçoso concluir que o suprimento da idade núbil compete,
com exclusividade, à autoridade judiciária, não podendo ser delegado ao Ser-
viço de Registro Civil. Pois bem, se compete ao juiz se pronunciar sobre a
questão da idade núbil, resta saber se, a despeito da lacuna da lei, é possível o
suprimento de idade daquele que, contando com apenas 15 (quinze) anos, te-
nha seduzido uma menor de 17 (dezessete) anos, cometendo ato infracional
equivalente ao crime de sedução? A lei civil não responde a essa indagação. O
art. 1.520 alude a “imposição ou cumprimento de pena criminal”, nada dizen-
do em relação a “suprimento para evitar a imposição de medida sócio-
228
O art. 214, caput, do Código Civil de 1916 estabelecia o seguinte: “Podem, entretanto, casar-se os referi-
dos menores para evitar a imposição ou o cumprimento de pena criminal”.
177
educativa a adolescente autor de ato infracional”. O silêncio da lei, porém,
não é capaz de retirar do juiz a possibilidade de suprir a idade desse adoles-
cente. Se o art. 1.520 foi editado em prol do interesse público, com vistas a
evitar que alguém se sujeitasse, em situação derradeira, a cumprir pena priva-
tiva de liberdade, não faria sentido reduzir o alcance interpretativo do disposi-
tivo, deixando de fora a situação ora apresentada nesta tese. Os fins sociais
falariam mais alto e permitiriam, com base inclusive no art. 5
o
da Lei de In-
trodução ao Código Civil, o suprimento judicial da idade núbil.
7.4.1.2. Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal
No Código revogado, o legislador previa os casos de separação obriga-
tória de bens no art. 258, parágrafo único, incs. I a IV. Além disso, não era
intenção do Código permitir, nesse regime patrimonial, a comunhão dos bens
adquiridos na constância do casamento (aqüestos). É dizer, a separação de
bens deveria vigorar até a dissolução da sociedade conjugal. De resto, o legis-
lador, dando mostras de que não queria tornar comuns os bens posteriores ao
casamento, impedia doações de parte a parte, isto é, de um cônjuge a outro (v.
arts. 226 e 312 do Código de 1916), tudo a tornar hermético o regime da sepa-
ração de bens.
178
Muitas discussões surgiram, porém, na doutrina a respeito dessa inter-
pretação, sobretudo porque o art. 259 do Código Civil revogado prescrevia
que, embora o regime patrimonial não fosse o da comunhão de bens, prevale-
ciam, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos
adquiridos na constância do casamento. Com isso, era possível a comunicação
dos bens adquiridos na constância do casamento, ainda que o regime patri-
monial não fosse o da comunhão parcial. Tal dispositivo ensejou, como já se
disse, profundas e acaloradas discussões na doutrina. Muitos autores passaram
a entender, então, que o art. 259 do Código de 1916 não se aplicava ao regime
obrigatório da separação de bens, mas apenas à separação convencional, por-
que tal dispositivo fazia menção a contrato, vocábulo que encerra a idéia de
pacto antenupcial, de convenção pré-nupcial firmada entre os nubentes. Opi-
navam pela separação absoluta, entre outros: Clóvis Bevilaqua, Caio Mário da
Silva Pereira, Pontes de Miranda, Carvalho Santos.
A discussão continuou acalorada, porque os defensores da outra corren-
te sustentavam que os cônjuges, conquanto casados pelo regime da separação
obrigatória de bens, formavam entre si uma sociedade de fato, geradora de
efeitos no mundo jurídico, de tal sorte que a comunicação dos bens adquiridos
após o casamento era uma exigência de justiça, sob pena de beneficiar tão-
somente o cônjuge em cujo nome estivessem escriturados tais bens, em ine-
quívoco prejuízo ao outro consorte. Era o entendimento de Espínola, Vicente
179
Rao, Washington de Barros Monteiro, Orlando Gomes, Cândido Oliveira,
Philadelpho Azevedo.
Esse assunto foi, aliás, muito debatido na jurisprudência em razão da
situação de vários casais estrangeiros, casados pelo regime das leis de seu pa-
ís, que vinham para o Brasil pobres, mas aqui faziam fortunas. Ora, não era
justo que apenas um dos cônjuges viesse a ter direito ao patrimônio adquirido
no curso do matrimônio, à custa de uma inequívoca sociedade de fato forma-
da entre os consortes. Por conta dessas circunstâncias, os tribunais brasileiros
passaram a acolher a tese da sociedade de fato, permitindo a comunhão dos
bens adquiridos na constância do casamento, ainda que os cônjuges tivessem
se casado pelo regime da separação obrigatória de bens.
O Supremo Tribunal Federal, convocado a se pronunciar sobre tal ques-
tão, deu guarida à tese segundo a qual os bens adquiridos no curso do casa-
mento deveriam integrar o patrimônio de ambos os cônjuges, ou seja, deveri-
am ingressar na esfera dos bens comunicáveis, não obstante o regime de bens
adotado (separação obrigatória). Iterativas decisões nesse sentido
229
fizeram
com que o Pretório Excelso, sob o império da lei civil revogada, editasse a
Súmula 377 do seguinte teor: “No regime de separação legal de bens comuni-
cam-se os adquiridos na constância do casamento”. Acabou prevalecendo,
229
RT, 155/185, 164/712, 167/655, 178/394, 234/435, 256/230, 257/236, 261/171, 265/382, 269/23, 270/291,
274/486, 278/216, 294/714, 297/841, 310/745, 324/366, 499/90, 480/193.
180
assim, a corrente dos que não viam óbice à comunicabilidade dos bens adqui-
ridos na constância do casamento.
Sem embargo das considerações formuladas acima, Silvio Rodrigues
critica a amplitude da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, ao argumen-
to de que “ela deve ser restrita apenas aos bens adquiridos na vigência do ma-
trimônio, pelo esforço comum dos cônjuges”
230
. Essa é uma questão tormen-
tosa, que enfrentaremos oportunamente.
O que cabe indagar, agora, é se a Súmula 377 do STF, dada a entrada
em vigor do novo Código, se aplica aos casos de separação obrigatória de
bens previstos no art. 1.641, incs. I a III. É também uma questão bastante
tormentosa. Silvio Rodrigues, enfrentando o assunto, diz que o novo Código
não permite a aplicação de tal súmula aos casamentos regulados pelo regime
da separação obrigatória de bens. Para o saudoso jurista
231
, o fato de a novel
legislação não ter reproduzido a regra contida no art. 259 do Código Civil de
1916 é prova de que, na omissão do contrato ou na omissão da lei, deverão
prevalecer as regras pertinentes a cada modalidade de regime de bens, o que
impede a subsistência dos princípios da comunhão parcial quanto aos bens
adquiridos na constância do casamento, fazendo porém uma ressalva: com-
provada a conjugação de esforços para a aquisição dos bens, estes se comuni-
cam, devendo ser partilhados quando da dissolução do casamento.
230
Direito Civil, p. 189, nota de rodapé 201.
231
Direito Civil, p. 190.
181
Rolf Madaleno, apesar de não poupar críticas ao legislador, põe-se do
lado daqueles que entendem revogada a Súmula 377 do STF, pois assevera
que “diante da redação com que se apresenta o artigo 1.641, ressuscitando o
regime obrigatório da total separação de bens, parece ser de novo tarefa dos
decisores e jurisconsultos reescreverem a grandiosa trajetória da Súmula 377
do STF”
232
, no que é secundado por Giselda Maria Fernandes Novaes Hino-
naka
233
. Belize Câmara Correira
234
e Denise Willhelm Gonçalves
235
são ca-
tegóricas quanto à questão: no regime da separação compulsória de bens não
se aplica a Súmula 377 do STF.
Por outro lado, há autores que adotam posição contrária, favorável à
subsistência da Súmula 377 do STF. É o caso, por exemplo, de José Antonio
Encinas Manfré, para quem “razões de eqüidade autorizam prevaleça essa
Súmula, haja vista, como claro na respectiva redação, não atender a regramen-
to patrimonial escolhido ou querido pelos nubentes, de completa incomunica-
bilidade nesse campo, mas ao que a eles é imposto, forçado, portanto, sem
lhes permitir mínima margem de opção”
236
. Paulo do Amaral Souza
237
tam-
bém sustenta que continuarão a existir os aqüestos, para evitar o enriqueci-
mento sem causa.
232
Ob. cit., p. 209.
233
Casamento e Regime de Bens, em Aspectos Controvertidos do Novo Código Civil, p. 262.
234
O direito de família sumulado frente ao Novo Código Civil, p. 183.
235
Regime de bens no Código Civil Brasileiro Vigente, p. 125.
236
Ob. cit., p. 161.
237
Ob. cit., p. 185.
182
Aderimos a essa corrente doutrinária, pois entendemos que o pensa-
mento retratado nessa súmula continua atual e, além disso, encontra guarida
no espírito do novo Código Civil. Primeiro, porque a comunicação dos bens
adquiridos na constância do casamento representa um imperativo de justiça.
Ora, com a formação de uma sociedade de fato entre os cônjuges, não faria
sentido beneficiar tão-somente o cônjuge em cujo nome estivesse escriturado
o bem adquirido pelo casal.
Um outro argumento reforça o nosso entendimento: no regime da lei
anterior, os arts. 312 e 226 vedavam, em matéria matrimonial, doações recí-
procas ou doações de um cônjuge ao outro, quando o casamento fosse o da
separação obrigatória de bens. O primeiro dispositivo dispunha o seguinte:
“Salvo o caso de separação obrigatória de bens (art. 258, parágrafo único), é
livre aos contraentes estipular, na escritura antenupcial, doações recíprocas,
ou de um ao outro, contanto que não excedam à metade dos bens do doador
(arts. 263, VIII, e 232, II)”. O art. 226, por sua vez, apresentava esta redação:
“No casamento com infração do art. 183, XI a XVI, é obrigatório o regime de
separação de bens, não podendo o cônjuge infrator fazer doações ao outro”.
Hoje em dia não subsistem esses impedimentos, tanto que o legislador, dei-
xando de seguir o modelo de seu antecessor, não abriu capítulo para tratar das
doações antenupciais. Isso é sinal de que a lei atual é francamente favorável à
comunicação dos aqüestos. Portanto, com a entrava em vigor do novo Código,
183
as doações anteriores ou posteriores ao casamento são possíveis e se sujeitam
às regras das doações em geral (CC, arts. 538 a 564).
Por fim, um derradeiro argumento fere de morte a opinião da corrente
que entende revogada a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. A redação
do art. 1.641 sofreu alteração significativa na Câmara dos Deputados. Com
efeito, o Senado Federal, ao examinar o Projeto do Código Civil, alterou a
redação do art. 1.641, acrescentando o seguinte complemento: “sem a comu-
nhão de aqüestos”. No entanto, quando o projeto chegou à Câmara dos Depu-
tados, o trecho agregado ao dispositivo foi suprimido sob a seguinte justifica-
tiva: “em se tratando de regime de bens, os aqüestos provenientes do esforço
comum devem se comunicar, em exegese que se afeiçoa à evolução do pen-
samento jurídico e repudia o enriquecimento sem causa estando sumulada pe-
lo Supremo Tribunal Federal (Súmula n. 377)”
238
.
Ora, a supressão do trecho sem a comunhão de aqüestos é, a nosso ver,
prova cabal de que o nosso direito positivo atual autorizou a comunicação dos
aqüestos
239
. É certo que a lei poderia ter sido mais clara, aludindo expressa-
mente a essa circunstância no próprio enunciado legal. Para tanto, bastaria
que a cabeça do artigo ficasse redigida desta maneira: “É obrigatório o regime
da separação de bens no casamento, com a comunhão de aqüestos”. Indo mais
238
Ver Regina Beatriz Tavares da Silva, ob. cit., p. 1.454.
239
Para Silvio Rodrigues, a supressão do trecho “sem a comunhão de aqüestos” não autoriza pensar que a
Súmula 377 foi prestigiada, uma vez que ela teve por base o art. 259 do Código Civil revogado. Como o
legislador de 2002 não repetiu esse dispositivo, “pela análise global das regras propostas no Código de 2002,
não deverá subsistir a orientação consagrada pela Súmula, aplicando o regime da comunhão parcial quando
imposta a separação obrigatória” (ob. cit., p. 190).
184
além, o ideal seria, na procedente critica de Giselda Maria Fernandes Novaes
Hironaka
240
, que o legislador não tivesse incluído no novo Código as obsole-
tas regras contidas na legislação de 1916, sobretudo depois de fortemente mo-
dificadas pela Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal.
Seja como for, o legislador preferiu estabelecer os casos em que o ca-
samento observará o regime da separação obrigatória de bens. Ao que tudo
indica, o assunto voltará a ser objeto de vivas controvérsias nos tribunais do
país
241
.
Uma outra questão relacionada à Súmula 377 do STF diz respeito à
comunhão dos aqüestos se houver esforço comum dos cônjuges. Pelo que se
viu acima, a Súmula 377 apenas se limita a proclamar que no regime da sepa-
ração legal de bens se comunicam os adquiridos na constância do casamento.
Mas ela não exige que essa comunicação patrimonial somente se verifique se
houver esforço comum dos consortes. Assim, pelo teor da Súmula 377, basta-
ria que o marido tivesse adquirido bens, no curso do casamento, para que a
mulher fizesse jus à meação, ainda que não tivesse contribuído para a aquisi-
ção de tal patrimônio.
A questão, porém, não é tão singela, porque doutrina e jurisprudência
têm examinado as duas vertentes: a) a aquisição de bens pelo esforço comum
dos cônjuges; b) a aquisição de bens sem o esforço comum dos cônjuges. En-
240
Ob. cit., p. 262.
185
contramos decisões tanto em um sentido quanto em outro. Para nós, preserva-
do o entendimento da corrente contrária, a comunicação patrimonial somente
ocorrerá se o patrimônio amealhado durante o casamento for fruto do esforço
comum do casal, sob pena de enriquecimento ilícito. Nesse sentido, a propósi-
to, assevera Maria Helena Diniz que “a razão está com os que admitem a co-
municabilidade dos bens futuros, no regime de separação obrigatória, desde
que sejam produto do esforço comum do trabalho e da economia de ambos,
ante o princípio de que entre os consortes se constitui uma sociedade de fato
por haver comunhão de interesses”
242
.
Entenda-se por esforço comum a cumplicidade no lar, a intensificação
de forças intelectuais e morais para a realização de algum projeto, o zelo pelos
assuntos domésticos. Esforço comum não significa, pois, a ajuda financeira
direta para a aquisição do bem. Essa ajuda pode ocorrer de forma indireta. É
possível que um dos cônjuges não desempenhe atividades fora do lar, mas
mesmo assim isso tenha ajudado o outro a adquirir ou mesmo a construir o
patrimônio comum. A vida registra casos de mulheres que abandonaram pro-
missoras carreiras para se dedicarem não só ao marido e aos filhos com tam-
bém às tarefas domésticas. Durante anos essas mulheres se entregaram, de
corpo e alma, ao lar e à família, apoiando e incentivando o marido e minis-
trando atenção e cuidados especiais aos filhos menores. Ora, não seria justo
241
Chegou ao nosso conhecimento a notícia de que um nubente com mais de sessenta anos casou-se, após a
vigência do novo Código, celebrando pacto antenupcial para estabelecer a mais absoluta separação de bens.
Isso é prova, no terreno pragmático, que a separação obrigatória de bens não exclui a comunhão de aqüestos.
186
que a mulher fosse alijada dos bens escriturados em nome do marido, mesmo
porque o esforço comum não se resume a contribuição financeira, é muito a-
lém do que isso. É por essa razão que aplaudimos o lúcido pensamento de
Yussef Said Cahali, a seguir transcrito: “A solução pretoriana que inspirou a
Súmula 377 traz em seu contexto argumentos que se mostram igualmente res-
peitáveis: se o marido e a mulher se mantiveram sempre unidos e conjugaram
esforços para levar a cabo a formação do patrimônio comum, ainda que a co-
operação da esposa tenha sido limitada ao trabalho doméstico, tem ela indis-
cutivelmente o direito, até mesmo natural, de compartilhar daquele complexo
de bens”
243
.
Em apertada síntese, fechamos este tópico concluindo que a Súmula
377 do Supremo Tribunal Federal ainda subsiste, não obstante as respeitáveis
opiniões em sentido contrário. Os bens adquiridos na constância do casamen-
to, mesmo que o regime patrimonial seja o da separação obrigatória, comuni-
cam-se entre os cônjuges, porque há uma sociedade de fato entre marido e
mulher. Pressuposto, porém, para a aplicação dessa comunicabilidade é que o
patrimônio tenha advindo do esforço comum do casal.
7.4.2. Separação de bens decorrente de convenção
242
Curso..., p. 167.
187
Aqui, diversamente das hipóteses previstas no art. 1.641 do Código Ci-
vil, o regime da separação de bens decorre de prévia e deliberada convenção
pré-matrimônio. Os nubentes, de livre e espontânea vontade, optam pelo re-
gime da separação de bens, celebrando, antes do casamento, pacto antenupci-
al. Os nubentes têm liberdade para escolher o regime de bens que melhor lhes
aprouver, salvo quando o ordenamento jurídico impuser a necessidade de ob-
servância de outro regime de bens, como é o caso do art. 1.641 do Código Ci-
vil. O legislador delegou aos nubentes total liberdade para escolher o regime
de bens a vigorar após o casamento. Sem meias palavras, o legislador brasilei-
ro autorizou os nubentes, a exemplo do que sucede em várias legislações alie-
nígenas, a pactuarem livremente acerca do regime matrimonial de bens. Já nas
disposições gerais relativas ao regime de bens entre os cônjuges, o art. 1.639,
caput, prescreve expressamente: “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o
casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”. Assim tam-
bém prescrevia, com idêntica redação, o art. 256, caput, do Código Civil de
1916. Nessa matéria, como já advertia Clóvis Bevilaqua
244
, domina a auto-
nomia da vontade dos nubentes.
O requisito para a escolha do regime de separação de bens é um só: a
celebração, antes do casamento, de pacto antenupcial. É dizer, compete aos
nubentes, precedentemente à realização do consórcio, firmar acordo mediante
243
A comunhão de aqüestos no regime da separação de bens, em Família e Casamento: Doutrina e Jurispru-
dência, p. 707.
244
Ob. cit., p. 159.
188
o qual escolhem, por meio de pacto antenupcial, o regime de separação de
bens (sobre o seu conceito, natureza jurídica e demais questões relacionadas
ao pacto antenupcial, basta ver Capítulo V).
Os nubentes poderão, na celebração do pacto antenupcial, ajustar por-
menorizadamente acerca da extensão do regime de separação escolhido. A
extensão do regime de separação ficará, com exclusividade, ao alvedrio do
casal de nubentes. Se quiserem estabelecer a separação absoluta de bens, as-
sim entendida aquela na qual cada cônjuge conserva, com exclusividade, o
domínio, posse e administração de bens presentes e futuros, basta que assim
deliberem no pacto antenupcial, já que o pacto é dominado, vale repetir, pela
autonomia da vontade. Ao revés, se quiserem firmar a separação relativa de
bens, aquela na qual não há a separação completa do patrimônio após o casa-
mento, poderão fazê-lo igualmente por meio de pacto.
Por conseguinte, imperando a autonomia da vontade, cumpre aos nu-
bentes optarem, no pacto antenupcial, pelo regime de separação de bens – se-
paração absoluta ou separação relativa, como foi dito acima. O legislador do
novo Código abandonou a fórmula do art. 259 do revogado Código, não per-
mitindo, assim, que os nubentes fossem ludibriados nos seus interesses. Com
efeito, o art. 259 apresentava o seguinte teor: “Embora o regime não seja o da
comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrário, os princípios dela,
quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento”. Tal regra,
a tempo abandonada pelo novo Código, constituía, no dizer sempre autorizado
189
de Silvio Rodrigues
245
, verdadeiro alçapão posto na lei para ludibriar a boa-fé
dos nubentes.
Realmente, o art. 259 representava uma verdadeira excrescência jurídi-
ca, pois conduzia a erro os nubentes, que acreditavam que o regime a vigorar
entre eles era o da separação de bens. A teor do mencionado dispositivo legal,
era preciso que os nubentes acordassem expressamente acerca da absoluta
separação de bens. Se eles se limitassem a escolher, por meio de pacto ante-
nupcial, o regime da separação de bens, adotar-se-iam – em razão do silêncio
desse pacto – os princípios da comunhão dos bens adquiridos na constância
do casamento. Os nubentes pensavam que estavam casando sob o império de
um regime (separação de bens), quando, na realidade, o casamento ocorria
sob a égide de outro. Segundo informa Rui Ribeiro de Magalhães
246
, a reda-
ção do art. 259 do Código Civil resultou de uma emenda apresentada em
1901na Câmara pelo deputado Anísio de Abreu, relator da Comissão dos 21.
O novo Código Civil, sensível às críticas endereçadas ao art. 259 do
Código revogado, não repetiu a sua redação. No atual contexto, pois, escolhi-
do o regime da separação, cada cônjuge será senhor não só dos bens levados
para o casamento, como também dos bens adquiridos após as bodas, a não ser
que ajustem no pacto uma separação moderada de bens.
245
Direito Civil, p. 186.
246
Ob. cit., p. 248.
190
7.4.3. Administração dos bens
O legislador não adotou, em matéria de separação de bens, o mesmo
sistema do Código Civil de 1916. É bem verdade que o direito anterior, a e-
xemplo do atual, entregava aos cônjuges a administração do próprio patrimô-
nio. No entanto, havia restrição na lei revogada quanto à alienação dos imó-
veis.
Tal restrição aparecia no art. 276, cuja redação era esta: “Quando os
contraentes casarem, estipulando separação de bens, permanecerão os de cada
cônjuge sob a administração exclusiva dele, que os poderá livremente alienar,
se forem móveis (arts. 235, I, 242, II, e 310)”. A contrario sensu, portanto, os
bens imóveis de um cônjuge somente poderiam ser alienados com a concor-
dância do outro consorte. Aliás, o arts. 235, I, e 242, inc. II, diziam expressa-
mente que a alienação de bens imóveis, independentemente do regime de
bens, ficava da dependência de autorização dos cônjuges.
Atualmente, já não há essa restrição. O art. 1.687 do novo Código Civil
é bem claro ao conferir aos cônjuges total liberdade para administrar os pró-
prios bens. É por essa razão que Ripert e Boulanger, comentando sobre tal
regime, prelecionam: “La separación de bienes es un régimen en el cual cada
191
uno de los esposos conserva la administración, el disfrute y la disposición de
sus bienes. Excluye, en principio, toda comunidad”
247
.
Estipulada a separação de bens – diz o art. 1.687 –, estes permanecerão
sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livre-
mente alienar ou gravar de ônus real. É dizer, se o regime for o da separação,
a lei dispensa expressamente a autorização de um ou de outro consorte para a
transferência de bens móveis ou imóveis. Nesse particular, ademais, o art.
1.647 também consagra o princípio da completa administração dos bens pró-
prios de cada consorte, tendo em vista que o regime de separação absoluta
importa na livre alienação de bens imóveis.
É conveniente fazer aqui, por derradeiro, uma observação a respeito do
tema: a alienação, sem a anuência do consorte, somente será possível se os
nubentes optarem pelo regime da mais absoluta separação de bens – feita em
pacto antenupcial. É nesse sentido, a propósito, que o art. 1.647 do novo Có-
digo alude à expressão separação absoluta.
8. Término do regime dotal
O novo Código Civil aboliu o regime dotal, no que agiu muito bem,
pois este não contava com a simpatia da população. Os nubentes escolhiam ou
247
Ob. cit., tomo IX, p. 615.
192
o regime legal (comunhão parcial) ou o regime da comunhão universal ou o
regime da separação de bens, mas não se interessavam pelo dotal. Daí a razão
de o legislador ter abolido tal regime.
Ao que parece, o Código Civil de 1916 depositou uma grande expecta-
tiva no regime dotal, pensando que as pessoas fossem aderir em massa a esse
regime. A esperança do legislador era tão grande, a ponto de reservar um nú-
mero generoso de dispositivos – em comparação aos outros regimes – para
disciplinar o regime dotal. Com efeito, os regimes de comunhão universal
248
,
comunhão parcial
249
e separação de bens
250
continham, respectivamente, se-
te, sete e dois dispositivos legais regulamentando a matéria, ao passo que o
regime dotal, detalhado ao extremo, apresentava nada menos do que trinta e
três dispositivos legais (arts. 278 a 311), o que apenas serve para uma vez
mais reforçar o argumento de que o legislador de 1916 pensava que o dotal
contaria com a preferência nacional. As expectativas do legislador não foram
confirmadas.
O desuso era total. Atuando durante vários anos como Curador de Ca-
samentos, nunca tivemos a oportunidade de ver escritura pública de pacto an-
tenupcial em que os nubentes elegiam o dotal como seu regime de bens. Wa-
shington de Barros Monteiro criticava acidamente o regime dotal, pregando a
sua retirada do Código de 1916. A seu ver, o regime dotal constituía verdadei-
248
CC de 1916, arts. 262 a 268.
249
CC de 1916, arts. 269 a 275.
250
CC de 1916, arts. 276 e 277.
193
ra superfetação, porque não entrou em nossos hábitos, em nossos costumes,
podendo ser cancelado do Código sem nenhum inconveniente. Tal supressão,
aduzia, “não afetaria de modo algum a estrutura do nosso direito, que se des-
pojaria de excrescência inteiramente inútil”
251
. Foi por isso que o legislador
contemporâneo aboliu o regime dotal.
Não é despiciendo observar, no entanto, que o fator pragmático não foi
o único móvel determinante da retirada do regime dotal do nosso direito posi-
tivo. Outras razões também levaram o legislador contemporâneo a aboli-lo do
arcabouço jurídico. Para que tenhamos uma noção histórica da razão de sua
extinção, é preciso que façamos algumas considerações, ainda que breves, a
respeito do período imediatamente posterior à vigência do Código de 1916.
A mulher de então era considerada, ex vi legis, relativamente incapaz
para os atos da vida civil, pois dependia de autorização do marido para prati-
car certos e determinados atos. Naquela época, a mulher não podia votar e
muito menos trabalhar fora do lar. A hegemonia masculina predominava nas
relações entre os cônjuges. Ficava ela, por força de regramento legal absolu-
tamente discriminatório, em permanente estado de submissão marital; a mu-
lher era considerada, do ponto de vista legal, inferior ao marido. O dote repre-
sentava uma forma de compensar o fato de a mulher não poder desempenhar
atividades fora do lar. Os frutos e rendimentos produzidos pelo dote seriam,
251
Ob. cit., p. 228.
194
então, para auxiliar o marido nos encargos da vida conjugal. O regime dotal,
portanto, tinha a sua razão de ser.
Paulatinamente, porém, a mulher foi ganhando espaço na sociedade e
se libertando dos grilhões que tanto lhe acorrentavam e que tanto lhe oprimi-
am. Duas importantes leis contribuíram para a igualação dos direitos. Uma foi
a Lei n. 4.121/62, que consagrou o Estatuto da Mulher Casada; a outra foi a
Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977, que instituiu o divórcio entre nós. A
Lei n. 4.121/62 pôs termo a quase todas as regras que discriminavam a mu-
lher, ao passo que a Lei n.6.515/77 conferiu outros benefícios a ela. Mais tar-
de veio a Constituição de 1988, consagrando a igualdade entre homens e mu-
lheres. Numa só penada, o constituinte derrubou de vez todas as normas legais
que, direta ou indiretamente, discriminavam a mulher. O art. 226, § 5
o
, da
Carta Magna, dispôs, em bom português, que “Os direitos e deveres referentes
à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.
O constituinte percebeu que a mulher moderna era muito diferente da
mulher do início do século passado. Enquanto esta não trabalhava fora do lar,
dependendo economicamente do marido, aquela, mercê da Lei n. 4.121/62,
assumiu, com o casamento, a condição de companheira do marido, cumprin-
do-lhe velar pela direção material e moral da entidade familiar. Além disso, o
Estatuto da Mulher Casada lhe deu autorização para exercer profissão lucrati-
va distinta da do marido. Terminou a dependência econômica, na medida em
que a mulher passou a desempenhar atividades fora do lar e contribuir decisi-
195
vamente para o sustento da família. Em muitos casos, aliás, ela passou a ocu-
par postos de trabalho privilegiados e a perceber quantia superior ao do mari-
do.
Diante de tudo isso, não havia mesmo razões para a manutenção do re-
gime dotal. Portanto, a evolução social desencadeada pelas Leis ns. 4.121/62
e 6.515/77, e depois sacramentada pela Constituição de 1988, ensejou a com-
pleta extinção do regime dotal entre nós.
9. Regime legal dispositivo no Brasil
Quando o Código Civil de 1916 entrou em vigor, o art. 258, na sua re-
dação original
252
, dispunha o seguinte:
“Art. 258. Não havendo convenção, ou sendo nula, vigora-
rá, quanto aos bens, entre os cônjuges, o regime da comunhão
universal.
Parágrafo único. É, porém, obrigatório o da separação de
bens, no casamento:
I- Das pessoas que o celebrarem com infração do estatuí-
do no art. 183, ns. XI a XVI (art. 216).
196
II- Do maior de sessenta anos, e da maior de cinqüenta
anos.
III- Do órfão de pai e mãe, ou do menor, nos termos dos
arts. 394 e 395, embora case, nos termos do art. 183, n. XI, com
o consentimento do tutor.
IV- De todos os que dependerem, para casar, de autorização judicial
(arts. 183, n. XI; 384, n. III; 426, n. I, e 453)”.
Portanto, na ausência de pacto antenupcial, ou sendo este nulo, vigora-
va o regime da comunhão universal de bens, a não ser que os nubentes fossem
legalmente obrigados a se casarem pelo regime da separação (art. 258, pará-
grafo único). Carvalho Santos
253
, citando Marcadé, acrescentava mais uma
hipótese não prevista na lei: se o contrato antenupcial estivesse redigido de
maneira obscura, a ponto de não ser possível reconhecer, com segurança, a
intenção dos nubentes quanto ao regime de bens escolhido.
Comentando o art. 258 do Código Civil de 1916, explicava Clóvis Be-
vilaqua que no sistema do Código “há dois regimes legais: um que a lei pres-
supõe ou manda aplicar, quer no silêncio das partes, quer em caso de nulidade
252
Em 1977, a Lei do Divórcio alterou a redação do art. 258 do Código Civil.
253
Ob. cit., p. 51.
197
do contrato antenupcial celebrado; e outro que ela impõe a certas pessoas: o
da comunhão universal e o da separação”
254
.
Pontes de Miranda
255
completava a lição de Clóvis, dizendo que o art.
258 do Código Civil de 1916 abrigava dois regimes de bens: 1) o regime legal
dispositivo, que é o estabelecido por lei para o caso de completa ou de insufi-
ciente expressão da vontade dos nubentes, de tal sorte que o modelo da lei
significa convenção tácita; 2) o regime legal obrigatório ou cogente, no qual a
lei impõe as normas sobre os bens, ainda que os nubentes tenham querido, no
pacto antenupcial, adotar outro regime de bens.
Aqui, vamos tratar exclusivamente do regime legal dispositivo; quanto
ao outro (regime legal obrigatório ou cogente), fizemos considerações no item
“7.4.”, subitem “7.4.1.”, deste mesmo capítulo.
Até 1977, o regime da comunhão universal de bens foi o preferido pelo
legislador. No dizer de Clóvis
256
, a comunhão de bens, originária do direito
germânico, espalhou-se pela Europa e firmou-se em Portugal, em cujo país foi
tradicionalmente adotado: casamento segundo o costume do reino, sendo cer-
to que, de Portugal, passaram para o Brasil o costume e a prescrição legal.
E, de fato, assiste razão a Clóvis. Em Portugal, na falta de convenção, o
casamento era feito segundo o costume do reino
257
. O casamento segundo o
254
Ob. cit., p. 165.
255
Ob. cit., p. 234.
256
Ob. cit., p. 166, observações, n. 2.
257
Assim dispunha o art. 1.098 do revogado Código português de 1867: “Na falta de qualquer acordo ou
convenção, entende-se que o casamento é feito segundo o costume do reino, exceto se for contraído com
quebra das disposições do art. 1.058, ns. 1
o
e 2
o
; porque, nesse caso, entender-se-á que os cônjuges são casa-
dos com simples comunhão de adquiridos”.
198
costume do reino consistia na comunhão, entre os cônjuges, de todos os seus
bens presentes e futuros não excetuados na lei
258
. Cunha Gonçalves, discor-
rendo sobre a vetusta legislação lusitana, informava que em Portugal, “desde
os primeiros séculos, foi usado o sistema da comunhão geral de bens, o qual,
umas vezes, tinha de ser ou era expressamente convencionado, e daí a expres-
são ‘por carta de ametade’, e, outras vezes, era considerado nascido do fato de
viverem os cônjuges sob economia comum durante um ano e dia, fato assaz
generalizado – e daí o dizer-se ‘segundo o costume do reino’; pois ambas es-
sas expressões se encontram na Orden. Afons., Livro IV, Título 12”
259
.
O legislador brasileiro, abeberando-se na tradição do direito português,
elegeu a comunhão universal de bens como o regime legal, desde que não
houvesse convenção, ou se tal convenção fosse considerada nula. O regime da
comunhão importa na comunhão de todos os bens dos cônjuges, presentes e
futuros. Clóvis indicou entusiasticamente as razões determinantes dessa esco-
lha: “As razões de ordem moral resumem-se na consideração de que, se o ca-
samento é uma comunhão de vidas, nenhum regime corresponde melhor a
essa atitude moral dos cônjuges do que o da comunhão universal, que traduz,
no plano material, a projeção da mais estreita união de vida e de interesses,
que do casamento resulta”
260
. Mas essa opção pelo regime universal foi du-
ramente criticada por Silvio Rodrigues
261
, ao argumento de que o casamento
jamais poderia ser meio de aquisição de propriedade.
258
Definição dada pelo art. 1.108 do revogado Código português de 1867.
259
Ob. cit., p. 455.
260
Ob. cit., p. 166, observações, n. 3.
261
Direito Civil, p. 178.
199
Talvez influenciado pela objeção de Silvio Rodrigues, o legislador alte-
rou a redação do art. 258 do Código Civil 1916
262
, estatuindo que, na falta de
convenção ou sendo nula esta, deveria vigorar o regime da comunhão parcial
de bens.
O atual Código Civil manteve, quanto ao regime legal, a redação do art.
258. Com efeito, o art. 1.640, caput, do referido diploma estabelece, verbis:
“Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará quanto aos
bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.
Dessa forma, o regime legal dispositivo no Brasil é o da comunhão par-
cial de bens. Só não o será se os nubentes: a) escolherem outro regime de bens
por meio de pacto antenupcial; b) casarem pelo regime obrigatório da separa-
ção de bens, nos termos do art. 1.641, incs. I a III, do novo Código Civil.
262
Alteração processada pelo art. 50 da Lei do Divórcio.
200
CAPÍTULO III: REGIME MATRIMONIAL DE BENS NO DI-
REITO COMPARADO
1. Importância do estudo do direito comparado
O estudo do direito comparado é de fundamental importância para to-
dos os povos, porquanto tem a inegável serventia de aproximar idéias em é-
poca marcada pela globalização, além de cooperar para o aperfeiçoamento da
legislação. Não é de hoje que o Brasil reconhece a importância e a necessida-
de da comparação. Ainda sob o influxo do período monárquico, o Decreto n.
7.247, de 19 de abril de 1879, determinava no art. 23, § 5
o
, o seguinte: “O es-
tudo do direito constitucional, criminal, civil, comercial e administrativo será
sempre acompanhado da comparação da legislação pátria com a dos povos
cultos”.
A comparação desfruta, assim, de importância no universo jurídico. Em
livro que se tornou clássico, René David
263
afirma que o direito comparado
não é outra coisa senão um método destinado a aplicar a comparação na esfe-
ra das ciências jurídicas. O interesse do direito comparado é múltiplo, uma
vez que a comparação dos direitos pode empregar-se com os fins os mais va-
riados: fins de ordem prática ou fins de ordem científica, cuja linha de separa-
ção é muito indecisa e difícil de assinalar entre ambos.
263
Ob. cit., p. 39.
201
Aí já desponta a importância do direito comparado para a humanidade:
o conhecimento aliado ao aperfeiçoamento da legislação de um determinado
país. Isso porque, como bem destaca René David, os juristas podem utilizar-se
do método comparativo “para conocer mejor su propio Derecho nacional,
bien sea em sus principios y tendencias, bien sea en sus soluciones y reglas de
detalle o para descubrir el contenido del Derecho internacional. El método
comparativo puede servir, por outrar parte, a aquellos que buscan perfeccionar
el Derecho de su país, bien sea el legislador propiamente dicho, bien aquellos
otros agentes (Tribunales, autores y tratadistas) que pueden concurrir a la ela-
boración del Derecho”
264
.
Embora o aperfeiçoamento do direito não seja a única finalidade do di-
reito comparado, é inegável a sua importância para o bem estar dos povos.
São conhecidas as lendas segundo as quais Solón teria viajado durante dez
anos para outros lugares com o escopo de buscar, entre outras coisas, modelos
de legislação para o seu país
265
.
Pelo método comparativo é possível, segundo o valioso magistério de
René David
266
, encontrar nas leis estrangeiras o modelo ideal ou então novas
técnicas que possam ser aproveitadas mediante uma lei em nossa própria so-
ciedade. É de René Davi esta esmerada lição: “El hecho de que se tenga ante
la vista principalmente la legislación positiva está en relación con el predomi-
264
Ob. cit., p. 39.
265
Além de René David, Lino de Morais Leme também faz menção a essa viagens de Sólon (ob. cit., p. 88).
266
Ob. cit., p. 112.
202
nio que se ha reconocido, y se sigue reconociendo en Francia en cierta medida
hasta hoy, a esta fuente del Derecho, bajo el imperio de las teorías que preva-
lecieron durante el siglo XIX”
267
.
É válido observar, contudo, que a importância do direito comparado
não se mede apenas pelo direito positivo, senão também por outra fonte: a
doutrina. É na leitura de obras estrangeiras que o operador do direito acaba
por conhecer melhor os institutos de outros povos, tendo a invulgar oportuni-
dade de traçar um perfil entre o direito pátrio e o direito alienígena.
Por tais razões, procuramos nesta tese examinar não só o direito positi-
vo de países como Alemanha, Itália, Portugal, mas também estudar a doutrina
estrangeira mais autorizada, para podermos discorrer sobre o tema central
desta tese, dando a nossa cota de colaboração para o aperfeiçoamento da le-
gislação pátria.
2. Direito romano
Como informam Alexandre Correia e Gaetano Sciascia
268
, o regime
patrimonial entre os cônjuges em Roma não era o da comunhão de bens, mas
sim o dotal.
267
Ob. cit., p. 112.
268
Manual de Direito Romano, vol. I, p. 127
203
Havia duas espécies de matrimônio no direito romano, o matrimônio
cum manu e o matrimônio sine manu. Dessa forma, os romanos admitiam o
instituto da manu, expressão que significava o poder do marido sobre a mu-
lher.
Casamento cum manu, na definição de José Cretella Júnior
269
, repre-
sentava aquele em que a mulher caía sob o domínio do marido ou do paterfa-
milias do marido, caso este fosse alieni juris, enquanto casamento sine manu
significava o casamento no qual a mulher não caía sob o poder do marido,
continuando sob a manus do pater da família da qual provinha. No casamento
sine manu, escreve Vandick Londres da Nóbrega, a mulher “continuava na
mesma situação quanto ao status familiae
270
.
Nos casamentos cum manu, se a mulher fosse sui juris, o patrimônio
não dotal que ela trazia passava para a propriedade exclusiva do marido; ao
contrario, se fosse alieni juris, a mulher não trazia nenhum bem, porque não
tinha patrimônio. Além disso, considerando que ela mudava de família com a
realização do casamento, ficava excluída da sucessão da família de origem. É
aqui que encontramos a razão do dote: favorecer a mulher alieni juris, ou seja,
o pai costumava constituir um dote em favor da filha que viesse a celebrar
bodas.
Já nos casamentos sine manu, a mulher sui juris continuava proprietária
de seus bens, podendo administrá-los pessoalmente, ou por intermédio de
269
Ob. cit., p. 122.
270
Ob.cit, p. 492.
204
procurador, ou então entregando a administração de seus bens ao marido. Tais
bens eram chamados no direito romano de parafernais.
O regime dotal, como foi falado acima, era o regime patrimonial entre
os cônjuges no direito romano. O dote representava o acervo de bens que a
mulher, ou outrem por ela, trazia ao marido para que este pudesse sustentar o
ônus matrimonial. Um texto do Digesto proclamava, a propósito, o seguinte:
ibi dos esse debet, ubi onera matrimonii sunt
271
.
O dote podia ser constituído pelo paterfamilias da mulher, chamando-
se dos profecticia. Podia ser constituído, também, pelos parentes dela ou por
ela própria; nesse caso, chamava-se dos adventícia. Dizia-se dos recepticia o
dote que se devesse restituir a quem o constituíra; havia ainda o dote dos aes-
timata, quando os bens eram, no ato de sua constituição, avaliados em dinhei-
ro, tornando-se o marido devedor do preço, como se fosse um contrato de
compra e venda.
O dote podia ser constituído antes ou depois do casamento. E também
podia ser acrescido após a realização do casamento.
Segundo as Regras de Ulpiano
272
, havia as seguintes maneiras de cons-
tituição do dote:
I- A dotis datio, que consistia na efetiva entrega dos bens ao marido por
meio idôneo de transferência da propriedade.
271
Digesto, livro 23, título 3, fragmento 56.
272
Ulpiano, Título 6, § 1.
205
II- A dotis dictio, que significava a promessa unilateral solene feita por
meio de determinadas palavras. Gerava uma relação obrigacional a cargo de
quem prometesse a constituição do dote.
III- A dotis promissio, representada por uma estipulação por meio da
qual o constituinte do dote se obrigava a transferir posteriormente os bens do-
tais. Essa modalidade de dote substituiu a dotis dictio.
Sob o influxo da regulamentação do matrimônio cum manu, os bens
dotais passavam a ser propriedade do marido. Para evitar, porém, que, com a
dissolução do casamento, o marido se assenhoreasse dos bens dotais, o consti-
tuinte costumava exigir-lhe garantias para a devolução do dote, como ofere-
cimento de cauções e outras estipulações. Tais garantias se destinavam a as-
segurar a devolução do dote. Mais tarde, o pretor dispensou a apresentação de
garantias, porém tornou obrigatória a devolução do dote.
Desfeito o casamento, a restituição dos bens, em se tratando de dote dos
recepticia, se faria àquele que o constituiu. Se o marido morresse, os bens do-
tais ficavam com a mulher; contudo, se fosse ela que morresse, seus herdeiros
teriam direito a exigir tais bens, mediante a actio ex stipatu, caso houvesse a
respectiva stipulatio. Se não houvesse a estipulação, podia-se intentar a actio
rei uxoriae, que conduzia a um julgamento eqüitativo: o marido retinha a dos
adventicia (dote constituído pela mulher ou por parentes dela) até que fossem
pagas as benfeitorias realizadas nos bens dotais. Se o casamento se desfizesse
por divórcio, havendo culpa da mulher, o marido lançava mão de uma retentio
206
propter mores, mas não podia reter mais da metade do dote, nem ser conde-
nado a pagar valor superior aos limites do patrimônio.
Na legislação justinianéia, como expõem didaticamente Alexandre Cor-
reia e Gaetano Sciascia, havia “duas ações clássicas, actio ex stipulatu e actio
rei uxoriae se encontram fundidas na actio ex stipulatu, chamada também ac-
tio de dote. Tem caráter eqüitativo e cabe não somente a quem precedente-
mente fez a stipulatio, mas a quem quer que constituiu o dote; além disso a
ação é transmissível ativa e passivamente. O processo de transformação se
consumou: o marido já não é proprietário, mas somente usufrutuário dos bens
dotais, como no direito moderno. Quem constituiu o dote tem sobre os bens
do marido hipoteca tácita, que legalmente garante a restituição dotal”
273
.
Portanto, para finalizar este tópico, podemos dizer que o direito romano
conhecia apenas o regime dotal de bens, sendo certo que o dote desempenha-
va um papel econômico importante na sociedade conjugal daquela época.
3. Direito alemão
O regime de bens na Alemanha está regulado pelos §§ 1363 a 1563 do
BGB (Burgerliches Gesetzbuch) – Código Civil alemão. Na atualidade, a le-
gislação alemã conhece apenas três regimes patrimoniais: 1) comunhão de
273
Ob. cit., p. 130.
207
aqüestos; 2) separação de bens; 3) comunhão de bens. Na falta de contrato
nupcial, o regime legal é o da comunhão de aqüestos. Aliás, como esclarece
Wilfried Schlüter
274
, os cônjuges vivem no regime da comunhão de aqüestos
quando não ajustarem outro regime patrimonial (§ 1363 al. 1 do BGB).
A propósito do contrato nupcial, o § 1408 al. 1 do BGB estabelece que
tal contrato se destina a regulamentar tão-somente as relações patrimoniais
entre os cônjuges. Logo, um acordo sobre os efeitos matrimoniais pessoais
não é um contrato nupcial.
O direito alemão permite que os contratos nupciais sejam firmados an-
tes ou durante o casamento. O contrato nupcial precisa ser concluído perante
um tabelião, com a presença simultânea das partes, (§ 1410 do BGB).
Embora os cônjuges sejam livres para a celebração de um contrato nup-
cial, eles devem manter os limites gerais da autonomia privada (§§ 134, 138
BGB). De acordo com o § 1409 do BGB, o regime de bens não pode ser esta-
belecido por remissão a uma lei não mais em vigor ou a uma lei estrangeira.
Quanto à lei estrangeira, há uma exceção prevista na legislação: os cônjuges
podem optar pelo direito 1) do Estado ao qual um deles pertença, 2) do Esta-
do, no qual um deles tenha sua permanência habitual ou 3) vigente no Estado
onde se localiza o imóvel.
274
Código Civil Alemão – Direito de Família, p. 156.
208
Celebrado o contrato nupcial, impõe-se o registro público do regime de
bens estabelecido pelas partes, na forma do § 1560 do BGB, para conferir e-
feitos em relação a terceiros.
3.1. Regime de bens da comunhão de aqüestos
Foi a Lei da Igualdade de Direitos, com vigência a partir de 1
o
de julho
de 1958, que introduziu o regime da comunhão de aqüestos como regime le-
gal de bens na Alemanha.
A doutrina alemã critica o nome dado pelo legislador a esse regime pa-
trimonial, ao argumento de que não se trata, na verdade, de uma comunhão
patrimonial, porquanto cada cônjuge administra seu patrimônio de forma au-
tônoma
275
. De fato, o nome é impróprio, porque não há, durante o curso do
casamento, a comunhão de aqüestos.
Os cônjuges não podem dispor livremente dos bens componentes do
patrimônio total e tampouco dispor irrestritamente dos bens considerados de
utilidade doméstica. Tais restrições têm por escopo resguardar a família e, ao
mesmo tempo, proteger os cônjuges da perda de futuras prerrogativas de
compensação.
275
Wilfried Schlüter, ob. cit., p. 165.
209
Consideram-se bens de utilidade doméstica, no magistério de Wilfried
Schlüter, “tudo o que, conforme as relações patrimoniais e de vida dos cônju-
ges, foi determinado para a moradia conjunta, para a administração do lar e
para a vida conjugal comum”
276
.
No regime da comunhão de aqüestos, os cônjuges são tratados como se
fossem casados pelo regime da separação – sob a ótica eminentemente patri-
monial. Isso porque após a celebração do casamento, o patrimônio dos cônju-
ges forma duas massas patrimoniais completamente distintas. Aliás, o § 1363
al. 2 do BGB estabelece que “O patrimônio do marido e o patrimônio da mu-
lher não são patrimônio dos cônjuges”. Contudo, o direito alemão não impede
a formação de patrimônio comum, seja mediante a celebração de negócios
jurídicos, seja mediante a transferência de propriedade.
O término do regime da comunhão de aqüestos ocorre nas seguintes
hipóteses: anulação de casamento; morte; divórcio; acordo entre os cônjuges;
anulação do regime legal. Nesses casos, a compensação dos aqüestos será
concretizada após a avaliação do patrimônio inicial e do patrimônio final a-
mealhado durante a constância do matrimônio.
O aqüesto é, nos termos do § 1373 do BGB, o montante de valor que
exceder o patrimônio inicial dos cônjuges. O excedente será dividido entre os
cônjuges, a teor do § 1378 al. 1 do BGB: “Se o adquirido de um cônjuge ex-
276
Ob. cit., p. 187.
210
ceder o adquirido do outro, caberá a metade do excesso, como crédito de i-
gualação, ao outro cônjuge”.
Wilfried Schlüter fornece exemplo altamente esclarecedor a respeito do
§ 1378 al. 1 do BGB: “O marido tinha um patrimônio inicial no valor de
10.000 DM e um patrimônio final no valor de 100.000 DM, portanto um ga-
nho (aqüesto) de 90.000 DM. A mulher tinha um patrimônio inicial de 20.000
DM e um patrimônio final de 30.000 DM, portanto um ganho de 10.000 DM.
Com isso o aqüesto do marido é 80.000 DM maior que o da mulher. Portanto,
a mulher tem contra o marido uma prerrogativa de pagamento no valor da me-
tade deste excedente, ou seja, no valor de 40.000 DM”
277
.
Considerando que a apuração dos aqüestos deverá levar em conta o pa-
trimônio inicial e o patrimônio final dos cônjuges, entenda-se por patrimônio
inicial o que pertence a um cônjuge no início da sociedade conjugal, após a
dedução das dívidas (§ 1374 al. 1 do BGB). Mas é importante salientar que os
bens adquiridos, após o início do regime, por herança ou doação não integram
o patrimônio inicial. Entenda-se por patrimônio final o patrimônio pertencente
a um dos cônjuges, abatidas as dívidas, no momento do término do regime de
bens (BGB, § 1375 al. 1).
O BGB contém um mecanismo de proteção ao cônjuge enganado pela
malícia do outro. Se um dos cônjuges fizer alienações a título gratuito, legal-
mente não justificadas, desperdiçar bens ou praticar atos com a intenção de
prejudicar o consorte, o § 1375 al. 2 do BGB permite o acréscimo do valor
277
Ob. cit., p. 189.
211
correspondente ao bem egresso da massa patrimonial. É dizer, o valor do pa-
trimônio alienado orienta-se pelo momento de sua diminuição.
O regime da comunhão de aqüestos é, como foi dito, o regime legal na
Alemanha, na falta de contrato nupcial. Os cônjuges, porém, podem celebrar
contratos para eleger outros regimes: o da separação de bens ou o da comu-
nhão de bens.
Veremos a seguir os regimes contratuais da separação de bens e da co-
munhão de bens.
3.2. Regime da Separação de bens
O regime da separação bens caracteriza-se pela inexistência total de
relações patrimoniais entre os cônjuges. Cada cônjuge tem o seu próprio pa-
trimônio, podendo dele dispor ilimitadamente. Além disso, cada cônjuge res-
ponde isoladamente por suas dívidas.
Conquanto escolhido por contrato nupcial o regime da separação de
bens, os cônjuges são obrigados a prestar alimentos entre si, nos termos do §
1360 do BGB.
Como já foi dito anteriormente, o regime da separação de bens depende
da celebração de contrato nupcial. Na falta deste, o regime de bens será o da
212
comunhão de aqüestos. Nem sempre foi dessa forma, porém. Conforme in-
forma Wilfried Schlüter
278
, a separação de bens valeu como regime legal no
período entre 1
o
de abril de 1953 e 30 de junho de 1958, com o aval da juris-
prudência do STF alemão. A partir de 1
o
de julho de 1958, com a vigência da
lei de igualdade de direitos, o regime legal passou o ser o da comunhão de
aqüestos.
A separação de bens inicia como regime auxiliar legal de bens, com o
trânsito em julgado da sentença que reconhece, nos termos do § 1388 do
BBG, a compensação antecipada, ou através da qual a comunhão de bens é
anulada (§§ 1449 al. 1, 1470 al. 1 do BGB).
De acordo com a regra legal do § 1414 do BGB, também deve valer a
separação de bens nos casos a seguir arrolados:
1) Quando os cônjuges, antes do casamento, excluírem o regime de
bens da comunhão de aqüestos, ou o anularem, sem ter simultanea-
mente acordado um outro regime de bens.
2) Quando os cônjuges excluírem, em contrato nupcial, a compensação
de aqüestos, a teor do § 1371 do BGB, ou a compensação das expec-
tativas de pensões previdenciárias (§ 1587 do BGB).
3) Quando os cônjuges anularem a comunhão de bens (§ 1415 do
BGB).
278
Ob. cit., p. 148.
213
O regime de bens termina de duas maneiras: a) fim da união conjugal;
b) escolha de um regime de bens para o futuro. Cabe uma advertência, porém:
se o regime de separação de bens é anulado, sem que um novo regime de bens
seja acordado, passará a valer o regime legal da comunhão de aqüestos.
3.3. Regime da comunhão de bens
O regime da comunhão de bens arrima-se no fato de que a comunhão
de vida deve ensejar a comunhão de patrimônios. Como regra, observa Wil-
fried Schlüter, “o patrimônio de ambos os cônjuges deve se tornar patrimônio
comum unido à mão comum, que é administrado somente pelo marido ou pela
mulher (§§ 1422 ff BGB) ou por ambos os cônjuges conjuntamente (§§ 1450
ff BGB)”
279
. Reconhece o direito alemão, no regime da comunhão de bens,
cinco diferentes massas patrimoniais: os bens comuns, os bens próprios do
marido e da mulher, os bens reservados do marido e da mulher.
Os bens comuns dos cônjuges compreendem todos os bens, excluídos
os bens próprios e os reservados de cada um. No tocante ao patrimônio co-
mum, surge o que direito alemão qualifica de comunhão à mão comum dos
cônjuges. A cada cônjuge cabe no total uma parte no patrimônio unido à mão
comum, mas não isoladamente nos bens pertencentes a esse patrimônio. A
279
Ob. cit., p. 224.
214
administração do patrimônio comum compete a ambos os cônjuges, salvo se
outra coisa for ajustada no contrato nupcial.
Quanto aos bens próprios, estes consistem nos bens que não podem ser
transmitidos por meio de negócio jurídico (§ 1417 al. 2 BGB), como por e-
xemplo as participações não transmissíveis em sociedades de pessoas. Incum-
be a cada cônjuge administrar os bens próprios. Os frutos e rendimentos ad-
vindos desses bens pertencerão ao patrimônio comum.
Os bens reservados estão arrolados no § 1418 al. 2 do BGB. Conside-
ram-se bens reservados os seguintes:
1) Os que, por contrato nupcial, são declarados bens reservados de um
cônjuge.
2) Os que um cônjuge adquire por disposição de última vontade, com
cláusula expressa de bem reservado.
3) Os que forem recebidos de terceiros, a título gratuito, com cláusula
expressa de bem reservado.
Segundo o direito alemão, cada cônjuge administra seus bens reserva-
dos de forma autônoma, por conta própria. Dessa forma, os rendimentos ad-
vindos dos bens reservados pertencem exclusivamente a cada cônjuge.
A administração do patrimônio comum, no regime da comunhão de
bens, compete, vale repetir, a ambos os cônjuges, sem embargo de o contrato
nupcial poder ajustar de maneira diferente, cometendo apenas ao marido, ou à
215
mulher, a administração do patrimônio comum. Se a administração incumbir a
ambos, a disposição dos bens comuns dependerá necessariamente da manifes-
tação conjunta dos cônjuges, nos termos do § 1450 do BGB.
O patrimônio comum é a garantia de terceiros. O direito alemão parte
do princípio segundo o qual os credores do marido e os da mulher podem exi-
gir a satisfação de seus direitos a partir do patrimônio comum.
Cada cônjuge responde pessoalmente com os bens próprios e os reser-
vados para cumprir as obrigações assumidas com terceiros.
O término do regime da comunhão de bens ocorre nas seguintes hipóte-
ses: 1) dissolução do casamento (nulidade, anulação, divórcio ou morte); 2)
sentença constitutiva (§§ 1447-1449, 1469-1470); 3) celebração de contrato
nupcial.
Nem sempre, porém, a morte de um dos cônjuges conduzirá ao término
do regime da comunhão de bens. O direito alemão faculta aos cônjuges, me-
diante contrato nupcial, acordar a subsistência do regime de bens após a morte
de um deles. Nesse caso, o regime, recebendo nome de comunhão de bens
continuada, continuará entre o cônjuge sobrevivente e os descendentes co-
muns (§ 1483 do BGB).
O BGB trata da presunção patrimonial no § 1362. Tal presunção foi
instituída em favor dos credores do marido e dos credores da mulher. As coi-
sas móveis que se encontrem na posse de um cônjuge ou na composse de am-
216
bos os cônjuges presumem-se de propriedade do cônjuge devedor. No entan-
to, não se aplica a presunção de propriedade prevista no § 1362 se os cônjuges
se encontrarem separados de fato e as coisas móveis estiverem na posse do
cônjuge não devedor.
4. Direito italiano
O Código Civil italiano, no Livro I (Das pessoas e da família), Título
VI (Do casamento), Capítulo VI (Do regime patrimonial da família), trata das
questões patrimoniais entre os cônjuges. Tal capítulo abrange os arts. 159 a
230.
No direito italiano havia três regimes patrimoniais: o da comunhão le-
gal, o da separação de bens e o regime dotal. A Lei 19, de 19 de maio de
1975, extinguiu o regime dotal. Portanto, o ordenamento jurídico italiano con-
ta, atualmente, com apenas dois regimes patrimoniais.
Antes de ingressar no estudo desses dois regimes, faremos considera-
ções gerais sobre as convenções matrimoniais.
As relações patrimoniais entre os cônjuges são reguladas pelas conven-
ções das partes ou pela lei.
Na falta de convenções, vigorará entre os cônjuges o regime de comu-
nhão legal.
217
Devem as convenções matrimoniais ser estipuladas por documento pú-
blico, sob pena de nulidade. Se esta for declarada, ficará estabelecido automa-
ticamente o regime legal de comunhão.
Será nula toda cláusula que tenha por fim a constituição de um bem do-
tal.
É lícito ao menor prestar seu consentimento nas convenções matrimo-
niais, desde que assistido por seus pais, tutores ou curadores especiais, nos
termos do art. 165 do Código Civil italiano.
O direito italiano autoriza a modificação das convenções no curso do
casamento. Para tanto, é preciso que o ato público seja realizado com a parti-
cipação de todas as pessoas que fizeram parte convenção, incluindo os herdei-
ros de ambos os cônjuges.
Se depois do consentimento público de alteração da convenção matri-
monial um dos cônjuges vier a falecer, os efeitos somente serão produzidos
mediante o consentimento imediato do outro cônjuge, salvo homologação ju-
dicial. A modificação convencional e a decisão judicial só produzirão efeitos
em relação a terceiros se forem transcritas à margem da convenção anterior.
O art. 1.417 do Código Civil italiano permite ao terceiro fazer prova da
simulação da convenção matrimonial. É deste teor o mencionado dispositivo
legal, cujo nomem juris é “prova da simulação”: “A prova por testemunhas,
no caso de simulação, é admissível, sem limitação, se o pedido for proposto
218
por credores ou por terceiros e, quando visa a fazer valer a qualidade de ilícito
ao contrato simulado, ainda mesmo se for proposto pelas partes”.
4.1. Regime de comunhão legal
Salientamos anteriormente que, não havendo convenção entre os cônju-
ges, observar-se-á o regime da comunhão legal.
Constituem objeto da comunhão:
1) Os adquiridos por ambos os cônjuges em conjunto ou separadamente
durante o casamento, excluindo-se os bens pessoais.
2) Os frutos dos bens próprios de cada um dos cônjuges, percebidos e
não consumidos ao término da comunhão.
3) Os proventos individuais de cada cônjuge, se ao término da comu-
nhão não for consumido.
4) As empresas constituídas após o matrimônio e administradas por
ambos os cônjuges.
5) Os rendimentos, lucros e a valorização obtida de empresa adminis-
trada por ambos os cônjuges, mas constituída por um deles anterior-
mente ao casamento.
219
Os bens pessoais, como foi dito, são excluídos do regime de comunhão
de bens. A lei italiana considera bens pessoais os seguintes:
a) O bem em relação ao qual o cônjuge era titular de um direito real de
gozo antes do casamento.
b) O bem adquirido por doação ou sucessão, após o matrimônio, desde
que conste no ato de liberalidade a cláusula de incomunicabilidade.
c) Os bens estritamente pessoais de cada cônjuge e seus acessórios.
d) Os bens destinados ao exercício profissional do cônjuge, exceto
quando os referidos bens forem destinados à administração de empresa
comum.
e) O bem recebido a título de ressarcimento de danos, bem como a pen-
são referente à perda total ou parcial da capacidade laborativa.
f) O bem adquirido pela transferência dos bens pessoais constantes dos
itens anteriores, bem como a sua permuta, desde que expressamente de-
clarados no ato da aquisição.
g) O bem móvel ou imóvel adquirido após o casamento em substituição
aos bens que não integram a comunhão, ou seja, os mencionados nas le-
tras “c”, “d” e “f”.
A administração dos bens em comunhão será efetivada por ambos os
cônjuges, respondendo cada um pelos atos e prejuízos que causar.
220
Se um dos cônjuges se recusar a outorgar poderes para a tomada de
providências judiciais ou extrajudiciais necessárias para a administração do
patrimônio, o cônjuge prejudicado poderá obter suprimento judicial.
Sendo um dos cônjuges menor, ou não podendo um deles administrar,
ou estando a causar prejuízo, o cônjuge prejudicado poderá pedir judicialmen-
te que seja excluído da administração. Contudo, cessada a causa do impedi-
mento, poderá requerer o restabelecimento de seus poderes.
Se um dos cônjuges efetivou negócio jurídico com bens móveis ou i-
móveis sem o necessário consentimento do outro, tal negócio poderá ser con-
validado ou anulado, observando-se os prazos prescricionais de um ano da
data do ato ou de um ano da data da transcrição no registro. Em se tratando de
bens móveis que não exijam transcrição, o cônjuge culpado deverá restabele-
cer o bem ao estado anterior à realização do ato. Caso não seja possível, im-
põe-se o ressarcimento do valor correspondente ao prejuízo causado.
Os bens da comunhão respondem:
a) Por todos os ônus que gravam o bem no momento da aquisição.
b) Por todos os encargos de administração.
c) Pelas despesas para a manutenção da família incluindo educação dos
filhos e todas as obrigações que os cônjuges assumiram, mesmo que in-
dividualmente no interesse da família.
d) Por todas as obrigações contraídas pelos cônjuges conjuntamente.
221
Os bens comuns não respondem pelas obrigações contraídas por um
dos cônjuges antes do casamento, bem como as obrigações decorrentes dos
gravames de bens recebidos por doação ou sucessão durante o matrimônio e
não atribuída à comunhão.
Os bens comuns podem satisfazer as obrigações contraídas separada-
mente pelo marido ou pela mulher se o cônjuge administrador se excedeu em
seus poderes sem o consentimento do outro e seus bens pessoais são insufici-
entes para a satisfação dos créditos.
O direito italiano autoriza a satisfação do crédito particular de um dos
cônjuges mediante a utilização de bens comuns até o valor correspondente à
cota do cônjuge que assumiu a obrigação, sendo considerado quirografário
privilegiado em relação as da comunhão.
Sendo insuficientes os bens para a satisfação do crédito, respondem so-
lidariamente os bens pessoais, na proporção de metade para cada um dos côn-
juges.
Cessa a comunhão:
1) Pela declaração de ausência ou de morte presumida de um dos côn-
juges.
2) Pela nulidade do matrimônio declarada judicialmente.
3) Pela cessação dos efeitos civis do matrimônio.
4) Pela separação dos cônjuges.
222
5) Pela separação dos bens.
6) Pela alteração do regime patrimonial de bens.
7) Pelo mau gerenciamento patrimonial.
A lei impõe a ambos os cônjuges o dever de reembolsar ao patrimônio
comum os valores dele retirados e utilizados para fins diversos de administra-
ção e manutenção familiar.
É facultado aos cônjuges requerer restituição das somas retiradas do pa-
trimônio pessoal e utilizadas em despesas e investimentos do patrimônio co-
mum.
Os reembolsos e as restituições devem ser feitos no momento do térmi-
no da comunhão, podendo ser autorizado pelo juiz anteriormente se o interes-
se da família assim o exigir ou permitir.
A sentença de separação judicial dos bens retroage à data da propositu-
ra da ação, instaurando no casamento o regime de separação de bens, ressal-
vado o direito de terceiros, devendo ser averbado à margem do ato do matri-
mônio e da convenção matrimonial.
Os bens da comunhão serão divididos em partes iguais seja no ativo se-
ja no passivo. Havendo necessidade de entregar algum bem aos filhos, o juiz
poderá constituir usufruto a favor de um dos cônjuges.
Por fim, na divisão de bens móveis, o cônjuge ou seus herdeiros terão
direito de retirar os bens que lhe pertenciam antes da comunhão, ou os que
223
foram recebidos por sucessão ou doação durante o regime da comunhão. Os
bens móveis presumem-se pertencentes à comunhão, salvo prova em contrá-
rio. Não encontrando os bens móveis que o cônjuge ou herdeiros tenham di-
reito, serão reembolsados no valor correspondente, salvo se o bem deteriorou
por uso, consumo, ou por outra causa não imputável ao outro cônjuge. O re-
embolso autorizado não pode prejudicar direito de terceiro.
4.2. Regime de separação de bens
De duas formas pode ser instituído o regime de separação de bens: a)
por convenção no pacto matrimonial; b) pela cessação do regime de comu-
nhão de bens.
Instituído o regime de separação de bens, os cônjuges conservam a titu-
laridade dos bens adquiridos na constância do casamento.
Os cônjuges podem administrar e dispor livremente dos bens compo-
nentes de seu exclusivo acervo. Contudo, o direito italiano permite a um dos
cônjuges administrar o bens do outro cônjuge. Para tanto, é mister a outorga
de procuração específica na qual haja a discriminação das obrigações e direi-
tos relativos a frutos e rendas, bem assim das responsabilidades referentes às
ações praticadas no exercício da administração. O cônjuge que desfruta dos
bens do outro cônjuge, assume o papel de usufrutuário, sujeitando-se a todas
224
as obrigações daí derivadas. Por sinal, o art. 1001 do Código Civil italiano
prevê: “O usufrutuário deve restituir as coisas que formam o objeto do seu
direito, no termo do usufruto, observado o disposto no art. 995. No gozo das
coisas deve ele usar a diligência de um bom pai de família”.
Para a prova de propriedade exclusiva de cada cônjuge, a lei permite a
utilização de todas os meios probatórios. Mas se nenhum deles demonstrar a
propriedade exclusiva de um bem, este pertencerá a ambos os cônjuges.
5. Direito português
O Decreto-Lei n. 47.344, de 25 de novembro de 1966, aprovou o Códi-
go Civil português, porém sua entrada em vigor só se verificou em 1
o
de ju-
nho de 1967.
De acordo com o Código Civil português, os regimes de bens matrimo-
niais estão previstos no Livro IV (Direito da Família), Título II (Do casamen-
to), Capítulo IX (Efeitos do casamento quanto às pessoas e aos bens dos côn-
juges), Seção IV (Regime de bens).
5.1. Convenções antenupciais
225
Há permissão expressa no Código Civil português para a realização de
convenções antenupciais. As convenções estão previstas nos art. 1698 a 1716.
Alguns desses dispositivos estipulam o seguinte:
Os nubentes podem fixar livremente, em convenção antenupcial, o re-
gime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos no
Código, quer estipulando o que a esse respeito lhes aprouver, dentro dos limi-
tes da lei. Percebe-se, pois, que os nubentes têm liberdade não só para esco-
lher um dos regimes de bens instituídos pelo legislador como também para
mesclar regimes.
Essa liberdade, porém, não é absoluta, senão relativa, na medida em
que o legislador estabeleceu certas restrições, casuisticamente arroladas no
art. 1699 do Código Civil português.
Por isso mesmo, não podem ser objeto de convenção:
1) A regulamentação da sucessão hereditária dos cônjuges ou de tercei-
ros.
2) A alteração dos direitos ou deveres, quer paternais, quer conjugais.
3) A alteração das regras sobre administração dos bens do casal.
4) A estipulação da comunicabilidade dos bens excluídos do regime da
comunhão geral.
Uma outra restrição estabelecida pelo Código Civil português é esta: se
o casamento for celebrado por quem tenha filhos, ainda que maiores ou e-
226
mancipados, não poderá ser convencionado o regime da comunhão geral nem
estipulada a comunicabilidade dos bens particulares de cada cônjuge.
A convenção antenupcial pode conter:
a) A instituição de herdeiro ou a nomeação de legatários em favor de
qualquer dos cônjuges, feita pelo outro cônjuge ou por terceiro nos
termos da lei.
b) A instituição de herdeiro ou a nomeação de legatário em favor de
terceiro, feita por qualquer dos cônjuges.
c) A instituição de cláusulas de reversão ou fideicomissárias relativas
às liberdades efetuadas, sem prejuízo das limitações a que generi-
camente estão sujeitas essas cláusulas.
Relativamente aos pactos sucessórios, o art. 1701 do Código prevê o
seguinte:
1) A instituição contratual de herdeiro e a nomeação de legatário, feitas
na convenção antenupcial em favor de qualquer dos cônjuges, quer pelo
outro nubente, quer por terceiro, não podem ser unilateralmente revo-
gadas depois da aceitação, nem é lícito ao doador prejudicar o donatário
por atos gratuitos de disposição; mas podem essas liberalidades, quando
feitas por terceiro, ser revogadas a todo o tempo por mútuo acordo dos
contraentes.
227
2) Precedendo, em qualquer dos casos, autorização do donatário, pres-
tada por escrito, ou o respectivo suprimento judicial, pode o doador ali-
enar os bens doados com fundamento em grave necessidade, própria ou
dos membros da família a seu cargo.
3) Sempre que a doação for afetada, nos termos do número anterior, o
donatário concorrerá à sucessão do doador como legatário do valor que
os bens doados teriam ao tempo da morte deste, devendo ser pago com
preferência a todos os demais legatários do doador.
No tocante ao regime da instituição contratual, o art. 1702 do Código
lusitano estabelece:
I) Quando a instituição contratual em favor de qualquer dos cônjuges
tiver por objeto uma quota de herança, o cálculo dessa quota será feito
conferindo-se os bens de que o doador haja disposto gratuitamente de-
pois da doação.
II) Se a instituição tiver por objeto a totalidade da herança, pode o doa-
dor dispor gratuitamente, em vida ou por morte, de uma terça parte de-
la, calculada nos termos do item anterior.
III) Em se tratando de doação, é lícito ao doador renunciar no todo ou
em parte ao direito de dispor da terça parte da herança.
Finalmente, uma última palavra cabe registrar acerca das convenções:
as convenções antenupciais só serão válidas se forem celebradas por escritura
228
pública ou por auto lavrado perante o conservador do registro civil. É o que
estabelece o art. 1710, na redação determinada pelo Decreto-Lei n. 163, de 13
de julho de 1995. Pelo que se vê, o legislador português permitiu não só a ce-
lebração de convenções por escritura pública (como ocorre no direito brasilei-
ro), como também a realizada mediante auto lavrado perante o conservador do
registro civil. As convenções são revogáveis ou modificáveis até a celebração
do casamento. E para produzirem efeitos em relação a terceiros dependem de
registro, consoante preceitua o art. 1711, n. 1, do Código português.
5.2. Administração dos bens do casal
O legislador lusitano regulou a administração dos bens do casal no art.
1678. Compete a cada um dos cônjuges a administração de seus próprios
bens.
Além do mais, cada cônjuge tem ainda a administração:
a) dos proventos que receba pelo seu trabalho;
b) dos seus direitos de autor;
c) dos bens comuns por ele levados para o casamento ou adquiridos a
título gratuito depois do casamento, bem como dos sub-rogados em lu-
gar deles;
229
d) dos bens que tenham sido doados ou deixados a ambos os cônjuges
com exclusão da administração do outro cônjuge, salvo se se tratar de
bens doados ou deixados por conta da legítima desse outro cônjuge;
e) dos bens móveis, próprios do outro cônjuge ou comuns, por ele ex-
clusivamente utilizados como instrumento de trabalho;
f) dos bens próprios do outro cônjuge, se este se encontrar impossibili-
tado de exercer a administração por se achar em lugar remoto ou não
sabido ou por qualquer outro motivo, e desde que não tenha sido confe-
rida procuração bastante para administração desses bens;
g) dos bens próprios do outro cônjuge se este lhe conferir por mandato
esse poder.
O Código português confere, ademais, legitimidade aos cônjuges para a
prática de atos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do
casal; porém, os demais atos de administração só podem ser praticados com o
consentimento de ambos os cônjuges.
5.3. Regime de bens
A legislação portuguesa prevê a existência de três modalidades de re-
gimes matrimoniais de bens, na seguinte ordem: 1) regime da comunhão de
230
adquiridos (arts. 1721 a 1731); 2) regime da comunhão geral (arts. 1732 a
1734); 3) regime da separação (arts. 1735 e 1736).
Um quarto regime (o dotal), então regulado pelos arts. 1738 a 1752 do
Código Civil português, foi abolido pelo Decreto-Lei n. 496/77. O legislador
entendeu que o regime dotal era incompatível com o princípio da igualdade
jurídica entre os cônjuges.
Veremos a seguir os três regimes de bens previstos pela legislação por-
tuguesa.
5.3.1. Regime da comunhão de adquiridos
Como foi dito acima, os arts. 1721 a 1731 regulam o regime da comu-
nhão de adquiridos. Trata-se do regime legal previsto em Portugal. Com efei-
to, estabelece o art. 1717 do Código Civil que “Na falta de convenção ante-
nupcial, ou no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da convenção, o
casamento considera-se celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos”.
Mutatis mutandis, é o que sucede no Brasil com o regime da comunhão parci-
al de bens. A teor do art. 1.640, caput, do Código Civil brasileiro, não haven-
do convenção ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre
os cônjuges, o regime da comunhão parcial.
231
Portanto, na falta de convenção antenupcial ou, ainda, no caso de cadu-
cidade
280
, invalidade ou ineficácia da convenção, o regime a ser observado é
o da comunhão de adquiridos.
No regime da comunhão de adquiridos, consideram-se comuns apenas
os bens adquiridos, a título oneroso, na constância do casamento. A contrario
sensu, são considerados próprios dos cônjuges, nos termos do art. 1722, n. 1:
a) Os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamen-
to.
b) Os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou do-
ação.
c) Os bens adquiridos na constância do matrimônio em virtude de direi-
to próprio anterior.
Quanto a esses últimos bens, isto é, aos adquiridos em virtude de direito
próprio anterior ao casamento, o art. 1722, n. 2, do Código Civil lusitano con-
sidera como tal:
a) Os bens adquiridos em conseqüência de direitos anteriores ao casa-
mento sobre patrimônios ilíqüidos partilhados depois dele.
b) Os bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu
início antes do casamento.
280
O art. 1716 do Código Civil português esclarece o que se entende por caducidade das convenções ante-
nupciais: “A convenção caduca se o casamento não for celebrado dentro de um ano, ou se, tendo-o sido, vier
a ser declarado nulo ou anulado, salvo o disposto em matéria de casamento putativo”.
232
c) Os bens comprados antes do casamento com reserva de propriedade.
d) Os bens adquiridos no exercício de direito de preferência fundado
em situação já existente à data do casamento.
Ainda quanto aos bens próprios, o art. 1723 se encarrega de dispor que
conservam essa qualidade:
1) Os bens sub-rogados no lugar de bens próprios de um dos cônjuges
por meio de troca direta.
2) O preço dos bens próprios alienados.
3) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores
próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou
valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou
em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.
Também são considerados bens próprios todos os que forem adquiridos
em razão da titularidade de bens próprios. Nos termos do art. 1728, n. 1, do
Código Civil português, consideram-se próprios os bens adquiridos em virtu-
de da titularidade de bens próprios, que não possam considerar-se como frutos
destes, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao patrimônio
comum. Ademais, o art. 1.728, n. 2, considera bens próprios, por força do
disposto no número anterior, as acessões, os materiais resultantes da demoli-
ção ou destruição de bens, a parte do tesouro adquirida pelo cônjuge na quali-
dade de proprietário, os prêmios de amortização de títulos de crédito ou de
233
outros valores mobiliários próprios de um dos cônjuges, bem como os títulos
ou valores adquiridos em virtude de um direito de subscrição àqueles inerente.
Depois de explicitar os casos em que os bens são considerados pró-
prios, o legislador lusitano põe-se a regular, no art. 1724, os bens integrantes
da comunhão de adquiridos: a) o produto do trabalho dos cônjuges; b) os bens
adquiridos por eles na constância do casamento, que não sejam excluídos pela
lei.
Entram também na comunhão, a teor do art. 1729, n. 1, os bens havidos
por um dos cônjuges por meio de doação ou deixa testamentária de terceiro,
desde que o doador ou testador assim o determinar. E, em seguida, o legisla-
dor acrescenta: “entende-se que essa é a vontade do doador ou testador, quan-
do a liberalidade for feita em favor dos dois cônjuges conjuntamente”.
No regime em epígrafe, os cônjuges participam por metade no ativo e
no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido contrá-
rio. É curial observar, com base no art. 1730, n. 2, do Código português, que a
regra da metade não impede que cada um dos cônjuges faça em favor de ter-
ceiro doações ou deixas por conta da sua meação nos bens comuns, nos ter-
mos da lei.
5.3.2. Regime da comunhão geral
234
O regime de comunhão geral tem previsão legal nos arts. 1732 a 1734.
Equivale, grosso modo, ao nosso regime da comunhão universal de bens, re-
gulado pelos arts. 1.667 e seguintes do Código Civil pátrio.
Não é a comunhão geral de bens o regime legal adotado pelo direito
português, porque, como foi dito anteriormente, o regime legal é o da comu-
nhão de adquiridos. Se os nubentes quiserem escolher o regime da comunhão
geral de bens, deverão celebrar convenção antenupcial, a teor do art. 1717 do
Código. Mas é cabível, aqui, uma ressalva: se o casamento for celebrado por
quem tenha filhos, ainda que maiores ou emancipados, não poderá ser con-
vencionado o regime da comunhão geral nem estipulada a comunicabilidade
dos bens referidos no n. 1 do art. 1722.
Consigna o art. 1732 que o regime da comunhão geral de bens é consti-
tuído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam ex-
cluídos por lei. Dessa forma, o regime da comunhão geral consiste na comu-
nhão de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, adquiridos a título
oneroso ou gratuito, salvo as exceções previstas na lei, tais como vestidos,
roupas e outros objetos de uso pessoal.
Incluem-se na comunhão, ex vi legis, as dívidas contraídas antes do ca-
samento por qualquer dos cônjuges, em proveito comum do casal (art. 1691,
n. 2). Mas o legislador salienta, no número 3 do mesmo dispositivo, que “O
proveito comum do casal não se presume, exceto nos casos em que a lei o de-
clarar”.
235
São excluídos da comunhão:
a) Os bens doados ou deixados, ainda que por conta da legítima, com a
cláusula de incomunicabilidade.
b) Os bens doados ou deixados com a cláusula de reversão ou fideico-
missária, a não ser que a cláusula tenha caducado.
c) O usufruto, o uso ou habitação, e demais direitos estritamente pesso-
ais.
d) As indenizações devidas por fatos verificados contra a pessoa de ca-
da um dos cônjuges ou contra os seus bens próprios.
e) Os seguros vencidos em favor da pessoa de cada um dos cônjuges ou
para cobertura de riscos sofridos por bens próprios.
f) Os vestidos, roupas e outros objetos de uso pessoal e exclusivo de
cada um dos cônjuges, bem como os seus diplomas e a sua correspon-
dência.
g) As recordações de família de diminuto valor econômico.
Por fim, cabe apenas registrar que, a teor do art. 1734, são aplicáveis à
comunhão geral de bens, com as necessárias adaptações, as disposições relati-
vas à comunhão de adquiridos.
236
5.3.3. Regime da separação
O regime da separação de bens está previsto nos arts. 1735 e 1736 do
Código Civil. Observar-se tal regime nos casos de convenção, bem assim nos
casos de imposição legal. Na primeira hipótese, compete aos nubentes cele-
brar, antes do casamento, convenção antenupcial elegendo a separação de
bens. Já na segunda hipótese, diferentemente, não há escolha dos nubentes,
mas sim determinação da lei. Exige-se o regime imperativo da separação
quando o casamento for celebrado: a) sem precedência do processo de publi-
cações; b) por quem tenha completado sessenta anos de idade.
De qualquer forma, o regime da separação de bens, seja em decorrência
de convenção antenupcial, seja em virtude de imposição legal, importa na to-
tal incomunicabilidade dos bens, ou seja, cada cônjuge conserva o domínio e
a fruição de todos os seus bens presentes e futuros, podendo dispor deles li-
vremente. É dizer, nesse regime não há bens comuns no casamento, porquanto
cada cônjuge é detentor exclusivo de uma massa patrimonial.
Aos cônjuges é lícito estipular, na convenção antenupcial, cláusulas de
presunção sobre a propriedade dos móveis, com eficácia extensiva a terceiros,
mas sem prejuízo de prova em contrário. Havendo dúvidas sobre a proprieda-
de exclusiva de um dos cônjuges, os bens móveis ter-se-ão como pertencentes
em co-propriedade a ambos os cônjuges.
237
6. Direito mexicano
O Código Civil mexicano examina no Livro I, Título V, a sociedade
conjugal e os regimes matrimoniais (arts. 178 a 234). É conveniente esclare-
cer, desde logo, que, sendo a República do México composta por vários Esta-
dos independentes, cada qual tem a sua legislação.
Não obstante tal particularidade, as legislações prevêem, com pequenas
alterações, dois regimes básicos matrimoniais: o regime de sociedade conju-
gal e o de separação de bens. As alterações existentes entre as legislações es-
taduais dizem respeito ao regime de bens a ser instituído entre os cônjuges:
algumas consideram como regime legal o de sociedade conjugal, outras, o de
separação de bens.
6.1. Sociedade conjugal
Inicia-se a sociedade conjugal com a celebração do casamento, mas a
sua dissolução não depende da dissolução do matrimônio. Sendo assim, é fa-
cultado aos cônjuges convencionar a dissolução da sociedade conjugal, sub-
sistindo o matrimônio.
238
Dependerá de escritura pública o contrato nupcial de constituição do
regime de sociedade conjugal quando os cônjuges pactuarem a qualidade de
co-partícipes ou pretenderem transferir a propriedade de bens. As alterações
posteriores de cláusulas também serão feitas por escritura pública, observada
a inscrição do documento no registro público para dar conhecimento a tercei-
ros.
A sociedade conjugal termina com a dissolução do matrimônio, pela
vontade das partes, ou por sentença que declare a presunção de morte do côn-
juge ausente.
A sociedade conjugal pode terminar, durante o matrimônio, a pedido de
um dos cônjuges, ocorrendo os seguintes motivos:
a) Se o sócio administrador, por sua notória negligência ou torpeza
administrativa, ameaçar prejuízo ao cônjuge ou diminuir considera-
velmente os bens comuns.
b) Quando o sócio administrador, sem o consentimento expresso de seu
cônjuge, faz cessão de bens pertencentes à sociedade conjugal a seus
credores.
c) Se o sócio administrador é declarado falido ou insolvente.
d) Por qualquer outra razão que forme a convicção do juiz do órgão ju-
risdicional competente.
239
Ainda de acordo com o direito mexicano, as cláusulas matrimoniais
relativas à sociedade conjugal devem conter:
a) Lista detalhada dos bens imóveis que cada consorte leve à sociedade
com respectivo valor e os gravames que incidirem.
b) Lista minuciosa dos bens móveis que cada consorte leve à socieda-
de.
c) Relação detalhada das dívidas de cada contraente, ao tempo da cele-
bração do matrimônio, especificando ainda se a sociedade conjugal
responderá por elas, ou se caberá unicamente ao cônjuge que a con-
trair durante o matrimônio ou se por ambos os consortes ou por
qualquer deles.
d) Declaração expressa se a sociedade conjugal compreenderá todos os
bens de cada consorte ou somente parte deles, neste caso, especifi-
cando quais bens entrarão para a sociedade conjugal.
e) Declaração expressa se a sociedade conjugal compreenderá todos os
bens dos consortes ou somente seus frutos, detalhando-os.
f) Declaração quanto ao produto do trabalho de cada cônjuge, se cor-
respondente ao que o executou ou se deve dar participação deste
produto ao outro consorte e em que proporção.
g) Declaração de quem será o administrador da sociedade conjugal,
expressando com clareza as faculdades concedidas.
240
h) Declaração acerca dos bens futuros que adquirirem os cônjuges du-
rante o matrimônio se pertencerão exclusivamente ao adquirente ou
se deve repartir-se entre eles e em que proporção.
i) Bases para liquidar a sociedade.
O direito mexicano considera nulas as cláusulas parciais que atribuam a
um só dos cônjuges todos os benefícios ou estabeleçam responsabilidades pe-
los prejuízos e dívidas comuns na parte que exceda a proporção correspon-
dente ao seu capital ou benefício.
Todo pacto que importe cessão de uma parte dos bens próprios de cada
cônjuge será considerado como doação.
O domínio dos bens comuns pertence a ambos os cônjuges.
A administração ficará a cargo do cônjuge designado na cláusula do
contrato matrimonial, podendo ser livremente modificadas as estipulações,
sem necessidade de motivação; em caso de divergência, a questão será deci-
dida pelo juiz da vara de família.
O abandono injustificado do domicílio conjugal por mais de seis meses
faz cessar para o cônjuge, desde o dia do abandono, os efeitos da sociedade
conjugal, enquanto lhe favoreçam. O reatamento da sociedade conjugal de-
penderá de pacto expresso.
Se a dissolução da sociedade decorrer de nulidade do matrimônio, o
consorte que agiu de má-fé não terá participação nos benefícios. Esta partici-
241
pação será revertida aos filhos e se não os tiver, ao cônjuge inocente. Se am-
bos os cônjuges procederam de má-fé, os benefícios serão repassados aos fi-
lhos, e se não os tiver, serão repartidos na proporção dos bens que cada con-
sorte levou para o casamento.
Dissolvida a sociedade conjugal, proceder-se-á a inventário, no qual
não se incluirão roupas e objetos de uso pessoal de cada cônjuge, bens que
serão deles ou de seus herdeiros. Com o término do inventário, pagar-se-ão os
créditos que houver contra o fundo social, recebendo cada cônjuge o que le-
vou para o casamento; quanto aos bens remanescentes, serão divididos con-
forme as disposições do pacto antenupcial.
Falecendo um dos cônjuges, o sobrevivente continuará na posição e
administração do fundo social com intervenção do representante da sucessão,
enquanto não se realizar a partilha.
6.2. Separação de bens
O regime de separação de bens poderá ser adotado: a) antes do casa-
mento mediante convenção pré-nupcial; b) após o casamento por convenção
entre os cônjuges; c) por decisão judicial.
A separação de bens poderá ser absoluta ou parcial. Absoluta, quando
houver a mais completa divisão de patrimônios; parcial, quando certos bens
ficarem de fora do regime de separação.
242
Durante o casamento a separação poderá ser substituída pelo regime da
sociedade conjugal
Eleito o regime de separação de bens mediante pacto, as cláusulas de-
verão conter a relação de bens de cada um dos cônjuges, bem como suas dívi-
das.
No regime de separação de bens os cônjuges conservam a propriedade
dos bens e de todos os frutos e acessórios de tais bens. São também próprios
de cada um dos cônjuges os salários, soldos, emolumentos e ganhos que obti-
verem por desempenho de emprego ou exercício de profissão, comércio ou
indústria.
Quanto aos bens adquiridos em comum por doação, herança ou legado,
ou por qualquer outro título gratuito, serão administrados por ambos os côn-
juges ou por um deles com a concordância do outro; no último caso, quem
administrar será considerado mandatário.
Os cônjuges, exercendo o poder familiar, dividirão entre si, em partes
iguais, o usufruto relativo aos bens dos filhos menores. E responderão de i-
gual modo por danos e prejuízos que venham a causar por dolo, culpa ou ne-
gligência.
7. Direito espanhol
243
O Código Civil espanhol regula não só o regime pessoal entre os côn-
juges como também o regime econômico matrimonial. Nos arts. 42 a 107 trata
do matrimônio no tocante ao direito das pessoas, ao passo que nos arts. 1315 a
1444 cuida do aspecto patrimonial.
Datado de 29 de julho de 1899, o Código espanhol não conferia, até
1961, a mesma situação jurídica para homens e mulheres. Só depois é que
veio a Lei de Direitos Políticos, Profissionais e de Trabalho, conferindo equi-
paração jurídica, mas mesmo assim deixando de fora as mulheres casadas.
Em 1967, com a evolução do Direito de Família, sobreveio a Lei de
Liberdade Religiosa, ampliando a opção para contrair matrimônio com efeitos
civis.
Modificações outras atingiram em cheio a sociedade espanhola. O le-
gislador cassou o conceito de autoridade marital, impedindo, assim, que a mu-
lher ficasse sujeita às ordens do marido. A consagração total do princípio da
igualdade jurídica dentro casamento só veio em 1978, com a promulgação da
Constituição espanhola. Essa igualdade ensejou a reforma do regime econô-
mico conjugal por meio da Lei de 13 de maio de 1981.
Veremos a seguir os regimes de bens existentes no Código Civil espa-
nhol, disciplinados pelos arts. 1315 a 1444.
244
7.1. Regime de la sociedad de gananciales
O regime de la sociedad de gananciales corresponde ao regime da co-
munhão parcial de bens. Trata-se de regime econômico aplicado freqüente-
mente aos casamentos, seja em razão da existência de pactos antenupciais,
seja – supletivamente – em razão da ausência destes.
De acordo com esse regime, os bens são comuns, pertencendo metade
para cada um dos cônjuges em eventual dissolução da sociedade conjugal.
Esclarece José Puig Brutau
281
que o regime de la sociedad de gananciales é
uma comunidade limitada às aquisições a título oneroso, razão por que se
funda em uma radical separação entre os bens comuns e os próprios dos côn-
juges. O regime de la sociedad de gananciales não é “otra cosa que una co-
munidad de adquisiciones”, conclui Brutau
282
.
O Código espanhol cuida de ressaltar as hipóteses nas quais os bens são
privativos de cada um dos cônjuges.
Assim, há duas massas patrimoniais distintas, uma de bens privativos,
outra de bens comuns. No dizer de Antonio M. Borrell Y Solter, o regime de
la sociedad de gananciales “es una forma de comunidad relativa de bienes
entre los cónyuges: cada uno de ellos conserva el dominio de los que tenía al
casarse y adquiere para sí los que le otorgan durante el matrimonio por dona-
281
Ob. cit., p. 617.
282
Ob. cit., p. 589.
245
ción o testamento; perto se hacen comunes los frutos y productos de los bie-
nes, los de la industria y, em general, del trabajo de cada uno de los asociados,
y los adquiridos a cambino de ganciales”
283
.
São privativos de cada um dos cônjuges:
a) os bens e direitos que lhe pertencem ao iniciar a sociedade conjugal;
b) os que adquirir depois do casamento por título gratuito;
c) os adquiridos às expensas ou em substituição de bens privativos;
d) os direitos adquiridos antes do casamento com perspectiva de se per-
feccionar depois de celebrado o casamento;
e) os bens e direitos patrimoniais inerentes à pessoa e não transmissí-
veis intervivos;
f) o ressarcimento por danos causados à pessoa de um dos cônjuges ou
aos seus bens privativos;
g) as roupas e objetos de uso pessoal de pequeno valor;
h) os instrumentos necessários para o exercício profissional, exceto se
estes bens fazem parte integrante do acervo de empresa pertencente a
ambos os cônjuges;
i) os bens constantes das alíneas “d” e “h” não perderão seu caráter pri-
vativo pelo fato de que sua aquisição seja decorrente dos rendimentos
283
Derecho Civil Español, tomo 4, p. 413.
246
comuns. Neste caso, a sociedade conjugal será credora do cônjuge pro-
prietário pelo valor dos bens.
São bens comuns aos cônjuges:
a) os obtidos pelo trabalho como empregado ou empregador por qual-
quer dos cônjuges;
b) os frutos, rendas e produtos obtidos tanto pelos bens privativos quan-
to pelos comuns;
c) os adquiridos a título oneroso;
d) os direitos adquiridos com bens do patrimônio comum cuja efetiva-
ção ocorra futuramente;
e) as empresas e os estabelecimentos criados durante a vigência da so-
ciedade, por qualquer um dos cônjuges, às expensas dos bens co-
muns. Se para a formação da empresa houver investimento de capi-
tal privativo e comum, os bens adquiridos serão considerados co-
muns ao cônjuge ou cônjuges, na proporção do valor investido.
7.1.1. Obrigações e deveres de la sociedad de gananciales
Constituem deveres da sociedade conjugal, os gastos originários das
seguintes causas:
247
a) o sustento familiar, a alimentação e a educação dos filhos comuns e o
provimento das necessidades habituais da família; em caso de filhos de
um dos cônjuges, os encargos correrão por conta da sociedade conjugal,
se residirem sob o mesmo teto. Em caso contrário, os gastos efetuados
pela sociedade deverão ser reembolsados;
b) a aquisição, a posse e a fruição dos bens comuns;
c) a administração comum de bens privativos de qualquer dos cônjuges;
d) a exploração regular dos empreendimentos e o desempenho da pro-
fissão, arte ou ofício de cada cônjuge.
Os bens comuns responderão perante terceiros pelas dívidas contraídas
por um dos cônjuges:
a) no exercício do poder familiar ou da administração de bens comuns,
imposto por lei ou por pacto entre as partes;
b) no exercício de profissão, arte ou ofício, ou na administração dos
bens próprios. Se o marido ou a mulher for comerciante, as normas a-
plicáveis estão previstas no Código Comercial espanhol.
7.1.2. Administração de bens de la sociedad de gananciales
A administração e a disposição dos bens comuns são atribuídas conjun-
tamente aos cônjuges, observado o seguinte:
248
a) se para a realização de atos de administração for necessário o con-
sentimento de ambos os cônjuges e um deles se achar impedido ou ne-
gar seu consentimento injustificadamente, poderá o juiz suprir sua von-
tade, desde que em petição fundamentada;
b) aos atos de disposição a título oneroso dos bens comuns, será neces-
sário o consentimento de ambos os cônjuges. No entanto, se um negar
ou estiver impedido para autorizá-lo, poderá o juiz autorizar um ou vá-
rios atos desde que se convença do interesse para a família, ficando a
seu livre arbítrio as cautelas limitadoras que julgar conveniente;
c) os atos, a título gratuito, serão nulos sem o consentimento de ambos
os cônjuges, porém em relação aos bens comuns, cada cônjuge poderá
usá-los livremente;
d) por testamento cada cônjuge poderá dispor de sua metade dos bens
comuns;
e) as disposições testamentárias dos bens comuns produzirão seus efei-
tos se for adjudicada a herança do testador. Ao contrário, se entenderá
como legado o valor que tiver ao tempo do falecimento;
f) os frutos e benefícios dos patrimônios particulares de qualquer dos
cônjuges estão sujeitos aos deveres e responsabilidades da sociedade.
Cada cônjuge como administrador de seu patrimônio pessoal poderá
dispor apenas dos frutos e produtos de seus próprios bens;
249
g) cada cônjuge poderá sem o consentimento, porém com o conheci-
mento, requerer antecipação do dinheiro pertencente ao patrimônio co-
mum que seja necessário de acordo com os usos e circunstâncias fami-
liares para o exercício de sua profissão ou a administração de seus bens;
h) devem os cônjuges informar-se recíproca e periodicamente sobre a
situação e rendimentos de qualquer atividade econômica;
i) serão válidos os atos de administração dos bens e os de disposição de
dinheiro ou títulos realizados pelo cônjuge, cujos bens estejam em seu
poder ou que figure seu nome;
j) os direitos de crédito de qualquer natureza serão exercidos pelo côn-
juge constituído, sendo válido a qualquer dos cônjuges exercer a defesa
dos bens e direitos comuns por via de ação ou exceção;
l) para gastos necessários ou extraordinários bastará o consentimento de
um só dos cônjuges;
m) a administração e a disposição dos bens da sociedade conjugal se
transferirão nos termos da lei ao cônjuge que seja tutor ou representante
legal do outro cônjuge. Os tribunais poderão delegar a administração
conjugal a um só dos cônjuges quando o outro se encontrar impossibili-
tado de prestar consentimento ou tiver abandonado a família, ou existir
a separação de fato. Nestes casos ao juiz é facultado, se considerar o in-
teresse da família, obter prévia informação ou estabelecer cautelas ou
250
limitações. Para os atos de disposição sobre imóveis, estabelecimentos
mercantis, de objetos preciosos ou valores mobiliários, salvo o direito
de subscrever ações preferenciais, será necessária a autorização judici-
al;
n) se o ato administrativo ou de disposição de um bem, realizado por
um dos cônjuges, obtiver um benefício ou lucro exclusivo para si, oca-
sionando dolosamente um dano à sociedade, será devedor em sua parte,
mesmo que o outro cônjuge não impugne a eficácia do ato. Também se
aplica esta disposição se o cônjuge ao fraudar direitos de seu consorte
procedeu de má-fé. Neste caso o ato será rescindível.
7.1.3. Dissolução e liquidação de la sociedad de gananciales
Dissolve-se de pleno direito a sociedade de bens comuns nos seguintes
casos:
a) dissolução do matrimônio;
b) declaração de nulidade do matrimônio;
c) declaração judicial da separação dos cônjuges;
d) convenção de regime econômico distinto da forma prevista no Códi-
go Civil espanhol.
251
A lei prevê, ademais, a dissolução da sociedade por decisão judicial, se
houver petição de um dos cônjuges, nos seguintes casos:
a) tiver o juiz declarado o outro cônjuge incapacitado, pródigo, ausente
ou falido, ou condenado por abandono de família, bastando apresentar a
sentença judicial transitada em julgado;
b) tiver um dos cônjuges realizado individualmente atos de gestão pa-
trimonial com fraude, dano ou perigo para o direito do outro cônjuge na
sociedade;
c) estiver separado de fato há mais de um ano por acordo mútuo ou por
abandono do lar;
d) deixar o cônjuge de fazer prestação de contas sobre suas atividades
econômicas.
Após a dissolução da sociedade conjugal, proceder-se-á à sua liquida-
ção, com o inventário do ativo e do passivo.
O ativo da sociedade compreende:
a) os bens comuns existentes no momento da dissolução;
b) a importância atualizada do valor dos bens que foram alienados por
negócio ilegal ou fraudulento, se não houverem sido recuperados;
c) a importância atualizada dos valores pagos pela sociedade que eram
de responsabilidade da cada um dos cônjuges, constituindo-se em crédi-
to contra estes.
252
Já o passivo compreende:
a) as dívidas pendentes da sociedade conjugal;
b) a importância atualizada dos valores dos bens privativos gastos para
manutenção da sociedade, quando sua restituição se der em moeda;
c) a importância atualizada de valores pagos por um dos cônjuges em
favor da sociedade, constituída geralmente de créditos contra a socie-
dade.
Pagas as dívidas e os encargos da sociedade, liquidar-se-ão as indeniza-
ções e reintegrações devidas a cada cônjuge até o limite do patrimônio inven-
tariado.
Se, no momento da liquidação, um dos cônjuges for considerado credor
pessoal do outro, poderá exigir que sejam adjudicados bens comuns para a
satisfação da dívida, salvo quando o devedor pagá-la voluntariamente.
Cada cônjuge terá direito a incluir preferencialmente em seus haveres,
até o limite legal:
a) os bens de uso pessoal, exceto roupas e objetos de uso pessoal que
não sejam de valor elevado;
b) a exploração agrícola, comercial ou industrial que tenha auferido
com seu trabalho;
c) o local onde exerça sua atividade profissional;
253
d) a casa onde estabelecia residência habitual, em caso de morte do ou-
tro cônjuge;
e) com relação ao local de exercício profissional e residência habitual,
poderá o cônjuge requerer que se destinem os bens em propriedade ou
atribua o direito de uso ou de habitação. Se o valor destes bens for su-
perior à sua cota, deverá devolver em dinheiro.
Quando houver liquidação simultânea de bens comuns de dois ou mais
casamentos contraídos por uma mesma pessoa e na falta de inventário, para
determinar o capital de cada sociedade, poderão ser utilizadas todos os meios
de prova. Havendo ainda dívidas, os bens serão atribuídos proporcionalmente
a cada sociedade, atendendo o tempo de sua duração e os rendimentos dos
respectivos cônjuges.
7.2. Regime de participação
O regime de participação é pouco utilizado pelos espanhóis, dependen-
do de convenção pré-nupcial. Dá-se a participação quando cada um dos côn-
juges adquire direito a participar dos ganhos obtidos pelo seu consorte.
A administração, o uso e a livre disposição compete a cada um dos côn-
juges, seja em relação aos bens já existentes ao tempo do casamento, seja em
relação aos adquiridos posteriormente a qualquer título.
254
Quanto aos bens adquiridos conjuntamente na vigência do casamento, a
lei considera-os comuns.
De acordo com o art. 1394 do Código Civil espanhol, o regime de par-
ticipação se extingue nos mesmos casos do regime de la sociedad de ganan-
ciales.
Decretada a extinção do regime de participação, a lei espanhola impõe
a apuração dos ganhos ou diferenças entre os patrimônios inicial e final dos
cônjuges.
O patrimônio inicial de cada cônjuge é constituído por: 1) bens e direi-
tos que pertenciam a eles individualmente ao iniciar o regime matrimonial; 2)
bens adquiridos após o casamento a título de herança, doação ou legado. Já o
patrimônio final de cada consorte será formado por bens e direitos dos quais
seja titular contemporaneamente ao término do regime de participação, com a
deduções das obrigações não satisfeitas.
A estimação do patrimônio inicial deverá levar em conta o estado e va-
lor dos bens na época do início do regime matrimonial, ao passo que a esti-
mação do patrimônio final tomará por base o momento de sua dissolução.
Quando a diferença entre os patrimônios inicial e final de um ou de ou-
tro cônjuge resultar positiva, o cônjuge cujo patrimônio tiver menores ganhos
receberá a metade da diferença entre o seu próprio acréscimo e o do outro
cônjuge. Contudo, se apenas um dos patrimônios resultar positivo, o direito de
255
participação do cônjuge não titular desse patrimônio consistirá na metade do
acréscimo patrimonial.
A lei espanhola faculta aos cônjuges firmarem por meio de pacto distri-
buição distinta na participação dos bens, desde que se respeite a mesma pro-
porção no patrimônio e direitos de ambos os cônjuges.
O crédito de participação deverá ser satisfeito em dinheiro. Não sendo
possível o pagamento imediato, o juiz poderá conceder prazo não excedente a
três anos para o cumprimento da obrigação, desde que as dívidas e os interes-
ses legais estejam suficientemente garantidos.
A lei espanhola admite a satisfação do crédito mediante adjudicação de
bens concretos. Para tanto, é mister acordo entre os cônjuges ou decisão da
autoridade judiciária.
Na hipótese de o cônjuge devedor não pagar o crédito de participação, o
cônjuge credor poderá impugnar judicialmente as transferências: a) feitas a
título gratuito ou sem o seu consentimento; b) realizadas em fraude de seus
direitos. O prazo dessas ações prescreve em dois anos da data da extinção do
regime de participação, com resguardo, porém, dos direitos dos adquirentes a
título oneroso e de boa-fé.
7.3. Regime de separação de bens
256
De acordo com o direito espanhol, o regime de separação de bens vigo-
rará entre o casal nas seguintes hipóteses:
a) Quando os cônjuges convencionarem.
b) Quando os cônjuges tiverem pactuado em convenção que não haverá
entre eles a sociedad de gananciales, mas estipulando regras para reger
seus bens.
c) Quando extinguir a sociedad de ganciales ou o regime de participa-
ção, na constância do casamento, exceto se por vontade dos interessa-
dos for substituído por outro regime distinto.
No regime ora examinado, pertencerão a cada um dos cônjuges tanto os
bens que possuíam ao casar quanto os adquiridos na constância do casamento
a qualquer título. Em razão dessa separação patrimonial, compete a cada côn-
juge a livre administração e disposição dos bens. No entanto, se um dos côn-
juges administrar bens do outro, terá a mesma obrigação e responsabilidade
de mandatário, sem ficar obrigado a prestar contas dos frutos percebidos, ex-
ceto quando restar demonstrado desvio dos encargos matrimoniais.
Ambos os cônjuges têm a obrigação de manter o lar conjugal. Não ha-
vendo convenção, a manutenção será proporcional aos respectivos recursos
econômicos de cada um. O direito espanhol permite que o trabalho doméstico,
em caso de extinção do regime, seja computado como contribuição, dando
ensejo, à falta de acordo, a indenização fixada pelo juiz.
257
As obrigações contraídas na constância do casamento serão de exclusi-
va responsabilidade de cada cônjuge. Se essas obrigações forem assumidas
em benefício da família, responderão ambos os cônjuges.
Se o juiz declarar a insolvência de um dos cônjuges, presumem-se em
benefício dos credores os bens doados e os adquiridos a título oneroso pelo
outro cônjuge durante o ano anterior à declaração ou no período retroativo à
insolvência. A presunção não será aplicada se os cônjuges estiverem separa-
dos judicialmente ou de fato.
A separação de bens decretada judicialmente não se alterará pela recon-
ciliação dos cônjuges, no caso de separação conjugal ou pelo desaparecimento
das causas que houvessem motivado a separação de bens. Entretanto, é facul-
tado aos cônjuges pactuar em convenção o retorno às regras vigentes antes da
separação de bens.
258
CAPÍTULO IV: REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS
AQÜESTOS
1. Considerações iniciais sobre o novo regime de bens
O regime de participação final nos aqüestos é uma inovação do Código
Civil de 2002. No regime da lei anterior, tínhamos, ao lado dos três regimes
subsistentes (comunhão universal, comunhão parcial e separação de bens), o
regime dotal.
Embora novidade no Brasil, o regime de participação final nos aqüestos
já é conhecido de outros países, tais como Alemanha, Áustria e Suíça, com
uma diferença: enquanto no Brasil o regime de participação depende de con-
venção antenupcial (conforme veremos adiante, no Capítulo V), naqueles paí-
ses é o regime legal.
Na Alemanha, por exemplo, o regime de participação final nos aqüestos
está previsto no § 1363 al. 1 do Código Civil alemão (BGB – Burgerliches
Gesetzbuch): “Os cônjuges vivem no regime de bens da comunidade de ad-
quiridos se eles, por contrato nupcial, não concordarem em outra coisa”. Aí se
vê que, na falta de convenção nupcial, observar-se-á o regime de comunidade
de adquiridos (comunhão de aqüestos). Já a al. 2 do citado dispositivo alemão
estabelece o seguinte: “O patrimônio do marido e o patrimônio da mulher não
são patrimônio comum dos cônjuges; aplica-se isto, também, ao patrimônio
259
que um cônjuge obtiver depois da realização do casamento. O adquirido, que
os cônjuges perceberam durante o casamento, será, contudo, igualado quando
a comunidade de adquiridos terminar”.
Outros países que também conhecem esse peculiar regime de bens são a
França e a Espanha. A exemplo do nosso direito, o direito francês e o direito
espanhol o incluem na categoria de regime convencional, cabendo a opção
mediante a celebração de pacto antenupcial.
Na América Latina, a Argentina também o adota, conforme dá conta o
art. 1411 do Código Civil argentino: “En él regimen de participación cada uno
de los cónyugs adquire derecho a participar en las ganancias obtenidas por su
consorte durante el tiempo en que dicho régimen haya estado vigente”.
Entre nós, os arts. 1.672 a 1.686 disciplinam o regime de participação
final nos aqüestos. Dispõe o art. 1.672 “No regime de participação final nos
aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no arti-
go seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à
metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do ca-
samento”.
No dizer de Maria Helena Diniz, o novo regime de bens impõe a “for-
mação de massas de bens particulares incomunicáveis durante o casamento,
mas que se tornam comuns no momento da dissolução do matrimônio, de sor-
te que na constância do casamento os cônjuges têm a expectativa de direito à
260
meação, pois cada um é credor da metade do que o outro adquiriu, a título o-
neroso durante o matrimônio (CC, art. 1672). Há, portanto, dois patrimônios,
o inicial, que é o conjunto dos bens que possuía cada cônjuge à data da núp-
cias e os que foram por ele adquiridos, a qualquer título, durante a vigência
matrimonial, e o final, verificável no momento da dissolução do casamento
(CC, art. 1674)”
284
.
É também a lição de Alexandre Guedes Alcoforado Assunção, para
quem “o regime de participação final nos aqüestos caracteriza-se pela existên-
cia de dois patrimônios distintos. Um pertencente ao homem e outro perten-
cente à mulher. Tal situação perdura até a dissolução da sociedade conjugal,
quando se fará a apuração dos bens adquiridos pelos cônjuges, a título onero-
so, na constância do casamento, partilhando-os meio a meio”
285
.
A lei, nesse particular, é muito clara ao estatuir que cada cônjuge possui
patrimônio próprio, não comunicável, integrado por bens que cada consorte
possuir ao casar, mais os bens adquiridos, a qualquer título, na constância do
casamento (CC, art. 1.673, caput).
O regime de participação final nos aqüestos é uma mistura de dois ou-
tros regimes patrimoniais: o da comunhão parcial com o da separação de
bens. Enquanto subsistir o casamento, o regime a ser observado é o da separa-
ção de bens, mas a dissolução do matrimônio importa na apuração do montan-
te dos aqüestos, na forma dos arts. 1.674 e seguintes do novo Código Civil.
284
Curso..., p. 160-161.
285
Ob. cit., p. 1484.
261
No entender de José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Fer-
reira Muniz, “o regime de participação associa os cônjuges nos ganhos e não
nas perdas. O eventual saldo passivo da conta dos aqüestos é suportado inte-
gralmente pelo cônjuge titular do déficit. Dos aqüestos de cada cônjuge são
deduzidas todas as dívidas que o oneram, para obter o ganho ou benefício”
286
.
Veremos a seguir as particularidades do novo regime de participação
final nos aqüestos.
2. Significado do vocábulo aqüestos
O novo regime instituído pelo legislador faz referência ao vocábulo a-
qüestos. De acordo com a nova sistemática legal, a dissolução da sociedade
conjugal importa na apuração do montante dos aqüestos. Resta saber, pois, o
que se entende pelo vocábulo aqüestos. O Dicionário Aurélio, no verbete a-
qüestos, remete à palavra bens, ao passo que no verbete bens aqüestos encon-
tramos a seguinte definição: “Os adquiridos na vigência do matrimônio”
287
.
O Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, por sua vez, define
aqüesto como “que ou o que foi adquirido na vigência do matrimônio (diz-se
de bem)”
288
.
286
Ob. cit., p. 367.
287
Dicionário Aurélio Eletrônico.
288
Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
262
A Enciclopédia Saraiva do Direito, por sua vez, transcreve o art. 1.343
(rectius: art. 1.346) do Esboço Teixeira de Freitas: “São aqüestos conjugais
os bens que cada um dos cônjuges ou ambos adquirirem na constância do ca-
samento por qualquer título, que não seja o de doação, herança, ou legado”
289
.
O Esboço de Teixeira de Freitas detalhava os bens que eram considera-
dos aqüestos conjugais:
Os bens adquiridos na constância do casamento por compra ou outro
título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges. Os adquiri-
dos por fatos fortuitos (art. 433), como loterias, jogo, apostas, aluvião,
ainda que não tivesse havido algum trabalho, ou despesa anterior.
Os adquiridos mesmo por doação, herança, ou deixa, uma vez que o
benefício tenha sido feito a ambos os cônjuges.
As benfeitorias ou melhoramentos, que na constância do casamento
tenham dado maior valor aos bens próprios de cada um dos cônjuges.
Os frutos naturais ou civis dos bens comuns, ou dos próprios de cada
um dos cônjuges, percebidos na constância do casamento, ou pendentes
ao tempo de cessar a comunhão dos adquiridos.
Os frutos civis do trabalho ou indústria de cada um dos cônjuges, ou
de ambos”.
289
Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 7, p. 307.
263
Portanto, podemos dizer que aqüestos, numa definição lato sensu, são
os bens adquiridos pelo casal, a qualquer título, na constância do casamento,
excluído apenas o patrimônio adquirido por doação, herança, ou legado. É
forçoso esclarecer, no entanto, que se os bens oriundos de doação, herança ou
legado tiverem como favorecidos ambos os consortes, tais bens também inte-
gram o patrimônio do casal.
É o que ocorre com o regime da comunhão parcial de bens. Somente os
bens adquiridos na constância do casamento (aqüestos) integram o patrimônio
comum do casal; com relação aos bens que cada cônjuge levou para o casa-
mento, descabe falar em aqüestos; tais bens integram o patrimônio exclusivo
de cada consorte.
Mas aqui podemos notar uma diferença significativa entre o regime de
comunhão parcial e o regime de participação final nos aqüestos. Naquele, in-
tegram o patrimônio dos cônjuges os bens adquiridos na constância do casa-
mento a qualquer título, salvo as exceções legais (CC, arts. 1.658 e 1.659).
Assim, se o casal recebeu, por exemplo, uma doação, o bem recebido entrará
na comunhão, sendo considerado comum, por força do art. 1.660, inc. III, do
Código Civil. No regime de participação final de aqüestos, ao contrário, o art.
1.672 é muito claro ao só permitir a divisão bens adquiridos pelo casal, na
constância do casamento, a título oneroso.
Disso resulta a conclusão segundo a qual a palavra aqüestos, emprega-
da pelo legislador ao disciplinar o novo regime de bens, não tem perfeita cor-
264
respondência com a expressão aqüestos, utilizada pela doutrina para tratar dos
regimes de comunhão parcial e de separação de bens. Dessa forma, aqüestos,
para os fins do novo regime, compreende tudo aquilo que o casal adquirir, a
título oneroso, durante o casamento, aí incluídos, como bem observa Lydia
Neves Bastos Telles Nunes
290
, em tese de doutoramento apresentada à banca
examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, os frutos dos
bens particulares e os que forem com eles obtidos, os bens adquiridos pelo
esforço comum (CC, art. 1.679), as doações feitas por um dos cônjuges sem a
autorização do outro, o valor dos bens alienados em detrimento da meação e o
pagamento de dívidas de um dos cônjuges com o patrimônio do outro.
3. Sistemática legal do novo regime matrimonial
De acordo com a sistemática instituída pelo legislador de 2002, cada
cônjuge, no regime de participação final nos aqüestos, possui bens particula-
res e bens próprios.
Esse patrimônio é constituído tanto pelos bens que cada consorte possui
ao casar (bens particulares), quanto pelos bens adquiridos por quaisquer deles
na constância do casamento (bens próprios). Os bens particulares estão exclu-
ídos do novo regime (CC, art. 1.674). No tocante aos bens próprios, eles não
290
Questões patrimoniais no casamento – ensaio de sistematização, p. 172.
265
ingressam, num primeiro momento, na comunhão, pois pertencem a cada côn-
juge.
Essa incomunicabilidade desaparecerá, porém, no momento em que for
dissolvida a sociedade conjugal. É o que deixa bem claro o art. 1.674, caput,
do novo Código Civil, in verbis: “Sobrevindo a dissolução da sociedade con-
jugal, apurar-se-á o montante dos aqüestos, excluindo-se da soma dos patri-
mônios próprios: I- os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se
sub-rogaram; II- os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberali-
dade; III- as dívidas relativas a esses bens”.
Análise rigorosa da lei é suficiente para concluir, como fizeram Nelson
Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery
291
, que no regime de participação
final nos aqüestos há três massas patrimoniais distintas: 1) o patrimônio ex-
clusivo do varão; 2) o patrimônio exclusivo da mulher; 3) o patrimônio autô-
nomo comum, em relação ao qual será feita a entrega da meação de cada um.
Realmente, da leitura do art. 1.674 do novo Código extrai-se a interpre-
tação segura de que o patrimônio é composto por três massas patrimoniais, a
saber: 1) os bens exclusivos do marido; 2) os bens exclusivos da mulher; 3) os
bens componentes dos aqüestos. Quanto aos bens exclusivos, o art. 1.674 não
permite a comunhão, após a dissolução da sociedade conjugal, a) dos anterio-
res ao casamento e dos que em seu lugar se sub-rogaram, b) dos que sobrevie-
ram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade e c) das dívidas relativas a
291
Novo Código Civil e legislação extravagante anotados, p. 563.
266
esses bens. Nessa categoria podem ser lembradas também as hipóteses con-
templadas no art. 1722, n. 2, letras “a” a “d”, do Código Civil português, a
seguir transcritas: “a) Os bens adquiridos em conseqüência de direitos anterio-
res ao casamento sobre patrimônios ilíquidos partilhados depois dele; b) Os
bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu início antes
do casamento; c) Os bens comprados antes do casamento com reserva de pro-
priedade; d) Os bens adquiridos no exercício de preferência fundado em situ-
ação já existente à data do casamento”.
Por ocasião da dissolução da sociedade conjugal, a massa dos bens do
marido e a massa dos bens da mulher (excluídos em quaisquer casos os bens
arrolados no art. 1.674, incs. I e II) serão repartidos. Como bem observa Rolf
Madaleno, “o regime econômico da sociedade conjugal com participação final
nos aqüestos é constituído pelos bens obtidos individualmente pelos cônjuges,
ou por ambos, e que passam a integrar uma massa comum por ocasião da li-
quidação da sociedade matrimonial, sendo repartidos os aqüestos”
292
.
4. Questão terminológica
O legislador deu o nome de “regime de participação final nos aqüestos”
ao novo regime patrimonial, no que usou terminologia correta. O adjetivo fi-
292
Ob. cit., p. 215.
267
nal demonstra claramente que a participação nos aqüestos não poderá ocorrer
durante a constância do casamento, senão somente após a sua dissolução, seja
por separação ou divórcio, seja por falecimento de um dos cônjuges. Daí o
emprego correto do nome regime de participação final nos aqüestos.
O regime da participação final nos aqüestos não é, como vimos, genui-
namente brasileiro. Outros países o conhecem e o adotam há muito tempo,
como é o caso da Alemanha, cujo ordenamento jurídico o denomina de co-
munhão de aqüestos (zugewinngemeinschaft), terminologia equivocada por
não traduzir a realidade do regime. Clóvis do Couto e Silva
293
critica a ex-
pressão comunhão de aqüestos, ao argumento de que não há, na verdade, co-
munhão daquilo que se ganha, pelo menos em termos reais, o que evidencia a
discrepância entre a denominação e o instituto. A doutrina alemã também se
opõe à terminologia empregada pela lei alemã, conforme se vê desta passa-
gem de Wilfried Schlüter: “não surge precisamente nos patrimônios dos côn-
juges adquiridos antes ou durante a sociedade conjugal uma comunhão pa-
trimonial. Ao contrário os patrimônios permanecem separados (§ 1363 al. 2
frase 1 BGB). Cada cônjuge administra seu patrimônio de forma autôno-
ma. (...) O regime de bens da comunhão de aqüestos adquire seu real signifi-
cado somente quando do seu término. Neste momento os aqüestos, que os
293
Direito patrimonial de família, p. 33.
268
cônjuges obtiveram na sociedade conjugal, serão ajustados de forma regular
(§ 1363 al. 2 frase 2 BGB)” [negritos no original]
294
.
Embora o direito alemão tenha inspirado, de certa forma, o legislador
brasileiro na adoção do novo regime patrimonial, a verdade é que o nosso Có-
digo, muito mais técnico do que o BGB, grafou terminologia correta, deixan-
do claro que a comunhão de aqüestos se dará apenas no final do regime pa-
trimonial, por ocasião da dissolução da sociedade conjugal.
5. Mistura de regimes
O regime de participação final nos aqüestos é uma mistura de dois ou-
tros regimes patrimoniais: o da separação de bens com o da comunhão parci-
al. Quis o legislador brasileiro, ao incluir no nosso ordenamento jurídico re-
gime já conhecido em outros países, permitir aos cônjuges a escolha de um
outro regime patrimonial, bem diferente dos disciplinados pelo Código Civil
de 1916. Essa combinação de regimes, destaca Gérard Cornu, “oferece aos
esposos serem separados em bens mas associados nos ganhos para tentar con-
ciliar, neles, o gosto da independência e o apego à comunhão, sob a forma de
294
Ob. cit., p. 165.
269
um sistema contábil de participação diferida que se opera em valor, quando da
dissolução do mesmo regime”
295
.
Podemos situar dois momentos nesse novo regime patrimonial: um,
contemporâneo ao casamento; outro, posterior. Significa dizer, em outras pa-
lavras, que, na vigência do casamento, institui-se entre os cônjuges o regime
de separação de bens, de sorte que cada um dos consortes é senhor único dos
bens amealhados durante o matrimônio, tendo legitimidade para administrar
esse patrimônio da maneira que melhor lhe aprouver, conforme veremos no
próximo tópico. Mas, uma vez dissolvida a sociedade conjugal, o regime de
separação transmuda-se em comunhão parcial, com a comunicação dos bens
adquiridos onerosamente durante a vida em comum.
6. Administração e disposição dos bens
Administrar significa gerir, governar, dirigir os próprios negócios ou os
negócios alheios. Como dito anteriormente, no regime em exame, cada cônju-
ge possui patrimônio próprio constituído tanto por bens que possuía ao se ca-
sar quanto por bens adquiridos na constância do casamento. Nos termos do
art. 1.673, caput, do novo Código, integram o patrimônio os bens que cada
295
Les Régimes Matrimoniaux, p. 591.
270
cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na cons-
tância do casamento.
O marido administra os seus bens; a mulher, os dela. Nesse sentido dis-
põe o art. 1.673, parágrafo único: “A administração desses bens é exclusiva
de cada cônjuge, que os poderá livremente alienar, se forem móveis”. Como
bem salienta José Antonio Encinas Manfré, “cada consorte livremente admi-
nistra os respectivos bens anteriores ao casamento, assim como os que se tive-
rem sub-rogado na constância da sociedade conjugal, os sobrevindos durante
ela por sucessão ou liberalidade, as dívidas relativas a essas coisas – hipóte-
ses, aliás, a serem excluídas da soma dos patrimônios próprios, se sobrevier
dissolução da sociedade conjugal, conforme reza o art. 1.674, I a II do atual
diploma – e o que ele adquirir a título oneroso”
296
.
Compreende-se a razão pela qual o legislador entregou a cada cônjuge a
administração exclusiva de seus bens. Se o regime de participação final nos
aqüestos equivale, durante a constância da sociedade conjugal, ao regime da
separação de bens, fica claro que cada um dos consortes tem legitimidade e
interesse para gerir, da melhor maneira possível, a massa patrimonial constitu-
ída por bens anteriores e posteriores ao matrimônio. Como salientam José
Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz
297
, a gestão
296
Ob. cit., p. 111.
297
Curso de Direito de Família, p. 352.
271
privativa dos bens garante não só a igualdade mas também a independência
recíproca dos cônjuges no seio familiar.
Embora o direito alemão também cometa a cada um dos cônjuges a
administração de seus bens, há permissivo legal no sentido de facultar a um
dos cônjuges administrar o patrimônio do outro mediante mandato ou gestão
de negócios. Trata-se, porém, de relações jurídicas disciplinadas pelo direito
das obrigações.
No Brasil, diferentemente do direito alemão, incumbe a cada um dos
cônjuges administrar, com exclusividade, os bens referidos nos incs. I e II do
art. 1.674 do novo Código Civil, incluindo nessa administração o patrimônio
amealhado durante a constância da sociedade conjugal (Cc, art. 1.673, pará-
grafo único).
Em matéria de administração do patrimônio, é preciso diferenciar os
bens móveis dos imóveis. Se forem móveis, cada cônjuge recebe da lei autori-
zação para livremente administrá-los e aliená-los, nos termos do art. 1.673,
parágrafo único, do novo Código. Se forem imóveis, ao revés, a lei civil veda
aos cônjuges aliená-los ou gravá-los de ônus real (CC, art. 1.647, inc. I), salvo
em uma única hipótese: se os nubentes ajustarem no pacto antenupcial a livre
disposição dos bens imóveis particulares (CC, art. 1.656).
É dizer, a legislação brasileira é mais liberal do que a de outros países.
No direito alemão, por exemplo, o legislador restringe sobremaneira o poder
de disposição dos cônjuges, não permitindo que um dos consortes disponha de
272
seu patrimônio no todo sem o consentimento do outro. É dizer, há limitação
do poder de disposição dos bens. O § 1364 do BGB prevê o seguinte: “Um
cônjuge, só com o consentimento do outro cônjuge, se pode obrigar a dispor
do seu patrimônio no todo. Se ele se tiver obrigado, sem o assentimento do
outro cônjuge, só poderá cumprir a obrigação se o outro cônjuge concordar”.
Em três hipóteses, porém, a legislação alemã autoriza o suprimento do con-
sentimento marital ou uxório: 1) se o cônjuge se recusar, injustificadamente, a
dar o consentimento; 2) se for portador de moléstia que o impossibilite de dá-
lo; 3) se se encontrar ausente
298
.
A administração do bens é de responsabilidade exclusiva de cada côn-
juge. Basta a ver a redação do art. 1.673, parágrafo único, do Código Civil:
“A administração desses bens [dos bens presentes e dos adquiridos, a qual-
quer título, a constância do casamento] é exclusiva de cada cônjuge, que os
poderá livremente alienar, se forem móveis” (negritamos).
A palavra exclusiva afasta a idéia de um cônjuge administrar o patri-
mônio do outro cônjuge. Se compararmos a redação do art. 1.673, parágrafo
único, com a do art. 1.663, caput, iremos ver que, no concernente ao regime
da comunhão parcial, o legislador confiou a administração dos bens comuns a
qualquer dos cônjuges, isto é, indiferentemente ao marido, à mulher, ou a
ambos. Diga-se, de resto, que o art. 1.665 do novo Código foi além e autori-
298
Dispõe a al. 2 do § 1.365 do Código alemão: “Se o negócio jurídico corresponder aos princípios de uma
exploração regular, poderá o Juízo de Tutelas, a requerimento do cônjuge, suprir o assentimento do outro
cônjuge, se este, sem fundamento de alcance, recusá-lo, ou se por moléstia ou ausência, estiver impedido de
enunciar uma declaração e, com o atraso, um risco estiver ligado”.
273
zou, mediante pacto nupcial, a administração por um deles dos bens perten-
centes ao outro.
No caso do regime de participação final nos aqüestos, o legislador não
abriu essas possibilidades, pois cometeu a cada um dos cônjuges a adminis-
tração exclusiva dos bens, como se tivessem adotado o regime da separação
299
. Fica claro, portanto, que a cada cônjuge compete, com exclusividade, ad-
ministrar o próprio patrimônio, bem como dispor livre dos bens móveis.
7. Dívidas dos cônjuges
No regime de participação final nos aqüestos existem, como vimos, três
massas patrimoniais: os bens do marido; os bens da mulher; os bens compo-
nentes dos aqüestos. Cada qual administra os seus bens. É natural, pois, que
cada cônjuge responda individualmente pelas dívidas contraídas após o casa-
mento. Nesse sentido, aliás, estabelece o art. 1.677 do Código Civil: “Pelas
dívidas posteriores ao casamento, contraídas por um dos cônjuges, somente
este responderá, salvo prova de terem revertido, parcial ou totalmente, em be-
nefício do outro”.
Note-se que a lei civil responsabiliza o cônjuge devedor pelo adimple-
mento das obrigações assumidas perante terceiros. Correta se mostra a posi-
299
No regime de separação de bens, a administração é exclusiva de cada cônjuge, por força do disposto no
art. 1.687 do Código Civil.
274
ção adotada pelo legislador, tendo em vista que durante o casamento impera a
livre administração e disposição dos bens, salvo as exceções previstas na lei.
No dizer de José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Mu-
niz
300
, no sistema de gestão separada não há razão para a criação de um regi-
me diferenciado que coloque, de um lado, dívidas de responsabilidade de am-
bos os cônjuges e, de outro, dívidas de responsabilidade exclusiva de um só
deles. Contudo, se o outro consorte tiver tirado proveito da dívida, responderá
por ela na proporção do proveito auferido.
O art. 1.686 trata, por sua vez, das dívidas excedentes à meação. Esta-
belece o mencionado dispositivo que as dívidas de um dos cônjuges, quando
superiores à sua meação, não obrigam ao outro, ou a seus herdeiros. O legis-
lador quis evitar que atos de constrição judicial invadissem a meação do côn-
juge não devedor. Portanto, se as dívidas forem superiores à meação do côn-
juge devedor, os credores não poderão invadir, mediante atos de constrição, a
meação do cônjuge não devedor, mesmo porque o art. 1.682 consagra a impe-
nhorabilidade do direito à meação. Se o devedor falecer, os herdeiros são so-
lidários até o valor correspondente à meação do falecido, ou dito de outra
forma: o pagamento das dívidas sujeita-se às forças da herança (CC, art.
1.792).
300
Curso..., p. 352.
275
8. Extinção do regime de bens
A dissolução da sociedade conjugal implica, ex vi legis, a extinção do
regime de bens, a exemplo do que acontece com os demais regimes patrimo-
niais.
Assim, se o casamento termina pela morte de um dos cônjuges, pela se-
paração judicial ou pelo divórcio, não há razão superior que justifique a ma-
nutenção do regime patrimonial. Aliás, se o acessório segue o principal, não
se vê motivo para subsistir o acessório (o regime de bens) se o principal (a
sociedade conjugal) está desfeito.
O direito espanhol também prevê a extinção de la sociedad de ganacia-
les pela dissolução do matrimônio (arts. 1.392 e 1.415 do Código Civil espa-
nhol).
Portanto, a dissolução da sociedade é o passaporte sem o qual não será
possível a extinção do regime patrimonial. Enquanto perdurar a sociedade
conjugal, descabe falar em extinção do regime e muito menos em apuração
dos haveres de cada cônjuge (aqüestos), embora os cônjuges possam lançar
mão de medidas judiciais destinadas a acautelar os seus interesses, conforme
veremos oportunamente.
276
8.1. Extinção por separação judicial ou divórcio
A separação judicial e o divórcio são causas extintivas do regime de
bens. É irrelevante que a separação judicial e o divórcio tenham ocorrido a-
migável ou litigiosamente. A lei se contenta com a dissolução da sociedade
conjugal.
É lógico que, conforme veremos oportunamente, a apuração do mon-
tante dos aqüestos poderá levar em conta não só a separação judicial ou o di-
vórcio, como também a cessação da convivência conjugal, mas isso não quer
dizer que a ruptura fática da união seja causa de extinção do regime patrimo-
nial. Somente o reconhecimento judicial da cessação da convivência – isto é,
a sentença pondo fim à sociedade conjugal – fará cessar o regime patrimonial.
8.1.1. Abertura de procedimento judicial
A abertura de procedimento judicial é necessária para a dissolução da
sociedade conjugal. Se os cônjuges forem casados há mais de um ano, pode-
rão requerer separação consensual
301
. E mesmo que estejam casados há me-
nos de um ano, a jurisprudência tem admitido a separação de corpos consen-
301
Antes o prazo era de dois anos, nos termos do art. 4
o
da Lei do Divórcio, mas esse dispositivo foi revoga-
do pelo art. 1.574, caput, do novo Código Civil.
277
sual, contanto que os cônjuges proponham a separação consensual após o per-
fazimento do prazo.
No caso de separação consensual, compete aos cônjuges apresentar pe-
tição contendo os requisitos do art. 1.121 do Código de Processo Civil, entre
eles a descrição de todos os bens do casal, embora a partilha possa se efetivar
após a homologação da separação. De qualquer forma, como os bens ficam
pormenorizadamente descritos na petição inicial, a questão patrimonial não
oferece, como regra, problemas graves. O mesmo se diga em relação ao di-
vórcio consensual. Se os cônjuges já se encontram separados de fato há mais
de dois anos, basta requerer a homologação do divórcio, elaborando petição
inicial segundo o disposto no art. 40, § 2
o
, da Lei do Divórcio.
Situação particularmente diversa ocorre quando os cônjuges litigam em
ação de separação judicial. Nesses casos, a questão patrimonial aflora signifi-
cativamente e, muitas vezes, acaba por obstar a conversão da separação litigi-
osa em consensual. Quando os cônjuges partem para a via litigiosa é porque o
casamento se acha deteriorado, a cumplicidade já se extinguiu, os interesses
comuns desapareceram e o ódio tomou conta de tudo. Não raro, o ser humano
ferido em sua honra engendra manobras ilícitas para alijar o outro cônjuge de
parte significativa dos bens amealhados durante a pacífica e saudável convi-
vência conjugal.
O que cabe indagar, nessas situações, é se a questão patrimonial deve
sobrepujar as questões discutidas no processo, como adultério, injúria grave,
278
abandono do lar, separação de fato há mais de um ano e outras causas arrola-
das nos arts. 1.572 e 1.573 do novo Código. O juiz deve se ater ao fato e ao
fundamento jurídico do pedido (CPC, art. 282, inc. III), porquanto a questão
patrimonial é geralmente estranha à causa petendi. Logo, se no curso do pro-
cesso for ventilado o assunto, estranho à causa petendi, caberá à parte interes-
sada lançar mão de provimentos cautelares com o fim de receber a sua parte
nos aqüestos, consoante veremos oportunamente. De qualquer forma, é válido
lembrar que na fase de cognição da ação o juiz deverá apenas decidir se é ca-
so de decretação ou não da separação dos cônjuges, sendo a partilha relegada
para a fase de execução.
8.1.2. Risco de fraude na partilha
Tendo em vista que a administração dos bens compete, no novo regime,
a cada um dos cônjuges, não é dado descartar a possibilidade de haver fraude
na partilha de bens, em especial quando um deles percebe a derrocada do ca-
samento. O mau-caratismo do homem (ou da mulher) redunda, então, na pre-
paração de plano sórdido destinado a causar dano ao outro, de tal arte que
quando a ação é ajuizada pouco resta a ser feito.
Rolf Madaleno percebeu, com acuidade, que no momento do ajuiza-
mento da ação de separação judicial “pouco resta a ser dividido com aquele
279
parceiro que vinha esboçando inadvertidamente a sua admoestação com o
prosseguimento do casamento. É necessário ir adiante das falsas fronteiras
físicas ou jurídicas da separação, já que a fraude patrimonial se instala em é-
poca muito anterior à real ruptura. Aconselhável ao legislador familista apli-
car o princípio da revocatória falencial, retroagindo no tempo para delimitar o
período suspeito da fraude sobre os bens conjugais. Com muito mais facilida-
de pode surgir a fraude conjugal quando, durante a aparente harmonia da rela-
ção nupcial, o cônjuge que arquiteta a sua silenciosa separação, ou que foi
notificado da vontade separatória de seu consorte, esvazia por ganância ou em
represália o patrimônio em face de partição dos aqüestos com a iniciativa ju-
dicial da separação. Assim, iludindo a boa-fé de seu consorte e com a livre
disposição da sua massa econômica de bens, é extensa e imensurável a possi-
bilidade de dano à meação conjugal do cônjuge desatento de seus direitos, que
não percebe as más intenções do outro ávido ou ressentido, mas empolgado
em desativar o resultado material de uma falida relação conjugal”
302
.
De fato, a nossa lei civil não delimita um período em que se considera
suspeito de fraude o ato perpetrado pelo marido ou pela mulher. A legislação
argentina, ao contrário, permite à mulher argüir de fraude qualquer ato ou
contrato do marido, anterior à ação de separação, de conformidade com o que
está regulado em relação aos atos cometidos em fraude contra credores. Trata-
se do art. 1.298 do Código Civil argentino, dispositivo a respeito do qual Edu-
302
Ob. cit., p. 218.
280
ardo A. Zannoni escreveu o seguinte: “Consideramos que una interpretación
funcional del art. 1.298, Cód. Civil, permite acoger no solo la típica acción
pauliana – que acción revocatoria (art. 961, Cód. Citado) – sino una acción de
fraude a los derechos comunes en la sociedad conyugal – fraude genérico, lo
denominan Fassi-Bossert – ejercible independientemente de la solvencia pa-
trimonial del cónyge que realiza, en perjuicio del outro, el acto o contrato
fraudulento”
303
.
Por outro lado, o direito espanhol, antevendo a possibilidade de condu-
tas ilícitas por parte de um dos cônjuges, concebeu a dissolução do regime de
bens a pedido do marido ou da mulher. O art. 1416 do Código Civil espanhol
prevê o seguinte: “Podrá pedir un cónyuge la terminación del regimen de par-
ticipación quando la irregular administración del outro comprometa grave-
mente sus intereses”.
Como a fraude não é monopólio do regime de participação final nos
aqüestos, podendo também alcançar os regimes de comunhão parcial e uni-
versal de bens, é recomendável que o legislador, de lege ferenda, faça inserir
no Código Civil um dispositivo delimitando um período dentro do qual o ato
praticado se considera em fraude contra a lei.
8.1.3. Medidas cautelares
303
Ob. cit., p. 54.
281
Para salvaguardar os interesses de um dos cônjuges, a lei autoriza o aju-
izamento de medidas cautelares nominadas ou inominadas. O processo caute-
lar não tem um fim em si mesmo, uma vez que o seu objetivo é salvaguardar a
eficácia de outro processo. Francesco Carnellutti já enfatizava, em memorável
lição, que enquanto o processo de conhecimento ou de execução serve à tutela
do direito, o processo cautelar, ao contrário, serve à tutela do processo – “che
mentre il processo di cognizione o di esecuzione serve alla tutela del diritto, il
processo cautelare, invece, serve alla tutela del processo
304
.
Nelson Luiz Pinto, por sua vez, dizia, em palestra proferida em 29 de
setembro de 1990, no Curso de Especialização da Pontifícia Universidade Ca-
tólica de São Paulo, que o processo cautelar se destina a “garantir a eficácia
mais perfeita e completa possível da tutela jurisdicional de conhecimento ou
de execução. Serve, pois, o processo cautelar, às outras duas espécies de pro-
cesso”
305
.
O processo de conhecimento tem uma finalidade em si mesma, traduzi-
da na necessidade de reconhecimento judicial da pretensão almejada pelo au-
tor na ação. Se a demanda tem por escopo a cobrança de algum valor (presta-
ção alimentícia, por exemplo), o juiz, ao reconhecer como legítima a preten-
são do autor, condenará o alimentante a pagar a importância reclamada na pe-
tição inicial (isto porque o autor, ao ingressar com a ação, tem em mente obter
um título judicial dessa natureza). Se a ação, ao revés, for de natureza consti-
tutiva (ação de divórcio, por exemplo), a decretação judicial do divórcio terá
304
Diritto e Processo, p. 356.
305
Medidas Cautelares – Poder Cautelar Geral do Juiz, p. 179. Ver também do mesmo autor: Repertório de
Jurisprudência e Doutrina sobre Processo Cautelar (em co-autoria com Arruda Alvim), p. 9.
282
uma singular finalidade: declarar a ruptura do vínculo matrimonial. Por outro
lado, se a ação for de execução (v.g., execução por quantia certa contra deve-
dor solvente), o fim último dela não é a obtenção de um título executivo judi-
cial, senão a prática de atos executórios que levem ou ao pagamento do valor
reconhecido pelo executado no título executivo (judicial ou extrajudicial) ou à
expropriação de bens suficientes para assegurar a satisfação do valor contido
no título. Por aí se vê que os processos de conhecimento e de execução, dota-
dos de instrumentalidade, têm uma particular finalidade: tutelar o direito da
parte ou do exeqüente. Já o processo cautelar, ao contrário, persegue a finali-
dade de garantir a eficácia do processo de conhecimento ou do processo de
execução.
Havendo, pois, ocultação ou dissipação de bens, o caminho será a pro-
positura de ações cautelares, muitas das quais preparatórias, para assegurar a
divisão final equânime dos aqüestos. Na correta observação de Rolf Madaleno
306
, o arrolamento de bens e o trancamento registral de bens imóveis e auto-
móveis, aeronaves, telefones, quotas sociais, semoventes, etc. talvez sejam as
medidas cautelares mais eficazes para garantir a justa divisão final dos bens.
É lógico que, a par da adoção de tais cautelares, o cônjuge prejudicado poderá
lançar mão das ações judiciais apontadas nos arts. 1.649, 1.675 e 1.676 do
Código Civil. De qualquer modo, as medidas cautelares são eficientes e ser-
vem para salvaguardar os interesses do cônjuge vítima do comportamento da-
noso do outro consorte.
306
Ob. cit., p. 219.
283
8.2. Extinção por morte
A morte de um dos cônjuges acarreta a dissolução da sociedade conju-
gal e, conseqüentemente, a extinção do regime de bens. Na dissolução da so-
ciedade conjugal por morte – diz o art. 1.685 do Código Reale –, verificar-se-
á a meação do cônjuge sobrevivente de conformidade com os artigos antece-
dentes, deferindo-se a herança aos herdeiros na forma estabelecida neste Có-
digo.
Essa verificação dar-se-á, como regra, nos autos do processo de inven-
tário ou arrolamento, conforme veremos a seguir.
8.2.1. Abertura de inventário ou arrolamento
O inventário deverá ser requerido dentro de 30 (trinta) dias a contar do
falecimento do cônjuge, a teor do art. 983 do Código de Processo Civil
307
,
podendo ser postulada também a abertura de inventário simplificado, sob a
forma de arrolamento, se todos os herdeiros forem capazes (CPC, art. 1.031),
307
Art. 983 do CPC: “O inventário e a partilha devem ser requeridos dentro de 30 (trinta) dias a contar da
abertura da sucessão, ultimando-se nos 6 (seis) meses subseqüentes”.
284
ou se o valor dos bens do espólio não exceder 2.000 (duas mil) Obrigações
Reajustáveis do Tesouro Nacional (CPC, art. 1.036)
308
.
De acordo com o inc. I do art. 991 do Código de Processo Civil, o juiz
nomeará como inventariante o cônjuge sobrevivente casado sob regime de
comunhão, desde que esteja convivendo com o outro ao tempo da morte des-
te. Resta saber se o cônjuge supérstite, casado pelo regime da participação
final dos aqüestos, tem autorização legal para ser nomeado inventariante. Não
vemos motivos para excluí-lo da inventariança, porque, com a morte do outro
cônjuge, o regime, que era de separação de bens, passou a ser de comunhão
de aqüestos, não contrariando o espírito da lei processual. Além disso, em fa-
ce da nova configuração legal dada à sucessão, com a inclusão do cônjuge
supérstite como herdeiro necessário se casado pelo regime da participação
final nos aqüestos ou pelo regime da comunhão parcial de bens (CC, art.
1.845), ocorreu esvaziamento de possível polêmica em torno do art. 990, inc.
I, do CPC.
Incumbe ao inventariante adotar uma gama de medidas previstas nos
arts. 991 e 992 do Estatuto Processual até que o inventário ou o arrolamento
se ultime com a partilha dos bens.
308
A ORTN foi criada pela Lei n. 4.357, de 16 de julho de 1964, mas teve o seu nome alterado, em 1986
(Plano Cruzado), para OTN (Obrigação do Tesouro Nacional). Contudo, a Lei n. 7.730, de 31 de janeiro de
1989, extinguiu a OTN. Foi criado o BTN (Bônus do Tesouro Nacional) pela Lei n. 7.777, de 19 de junho de
1989, mas tal índice foi também extinto a partir de 1
o
de fevereiro de 1991 pela Lei n. 8.177, de 1
o
de março
de 1991. Impõe-se, pois, a multiplicação de 2.000 OTN pelo último valor da OTN fiscal, que em janeiro de
1989 correspondia a NCZ$ 6,92, chegando-se a 13.840 BTN, com subseqüentes atualizações pelos índices
oficiais (cf. Sebastião Amorim e Euclides de Oliveira, Inventários e partilhas, p. 448 e 495).
285
Apurada a meação do cônjuge sobrevivente, a meação do de cujus será
partilhada ou, havendo um único herdeiro, adjudicada. Passemos, pois, sem
mais delongas ao próximo item.
8.2.2. Meação do de cujus
8.2.2.1. Monte a ser inventariado
O monte a ser inventariado compor-se-á, esclarece Encinas Manfré
309
,
dos bens particulares do cônjuge falecido (CC, art. 1.674, incs. I e II) somados
aos adquiridos onerosamente por ambos os cônjuges na constância do matri-
mônio. Quanto aos bens adquiridos após o casamento, incluem-se tanto os
obtidos individualmente por um dos cônjuges quanto os adquiridos em con-
domínio pelo trabalho conjunto de ambos os consortes (CC, art. 1.679)
310
. E
mais: far-se-á o acréscimo de valores relativos aos bens mencionados nos arts.
1.675 e 1.676, bens esses que foram doados ou transferidos em detrimento da
meação.
Embora o inventário/arrolamento seja um procedimento de jurisdição
contenciosa, nele não se discutem questões complexas acerca da titularidade
dos bens a serem inventariados. É certo, de um lado, que o juiz tem o dever de
decidir as questões de direito e de fato levadas ao seu conhecimento, desde
309
Ob. cit., p. 124.
310
A propósito desse artigo, Rui Ribeiro de Magalhães sugere que, para evitar problemas futuros, “é interes-
sante que se ressalve no título aquisitivo a participação de cada um e que ambos figurem como adquirentes
do bem, de molde a que se faça o registro do título aquisitivo em nome de ambos” (ob. cit., p. 250).
286
que estejam convenientemente provadas por documento. Mas é certo, de ou-
tro, que as questões complexas, de alta indagação, exigem a abertura de pro-
cedimento contraditório com vistas a proporcionar amplitude probatória, em
tudo incompatível com os acanhados limites do processo de inventário. Isso
ocorrendo, compete ao magistrado remeter as partes para os meios ordinários,
nos termos do art. 984 do Código de Processo Civil.
Aliás, como pondera Mario Roberto Carvalho de Faria, “havendo di-
vergências sobre os bens aqüestos a inventariar, o litígio não deverá ser apre-
ciado dentro dos autos de inventário, sob pena de tornar-se um processo in-
findável. Dessa forma, havendo bens controversos, deverá a discussão ser re-
metida às vias ordinárias, ficando, por conseguinte, esses mesmos bens para
sobrepartilha”
311
. Assim, surgindo, v.g., discussões entre o cônjuge sobrevi-
vente e os descendentes do de cujus sobre os bens a serem inventariados, não
resta outra solução senão a remessa das partes aos meios ordinários.
Feitas estas considerações, cumpre enfatizar, para concluir este tópico,
que nem sempre o dia da morte de um dos cônjuges constitui o termo a quo
da apuração dos aqüestos finais (v. infra, item “9.2.”).
8.2.2.2. Direito do cônjuge sobrevivente à parte da herança
311
O regime de participação final nos aqüestos previsto no novo Código Civil, p. 322. No mesmo sentido:
José Antonio Encinas Manfré, ob. cit., p. 124.
287
No regime da lei anterior, o cônjuge sobrevivente não era considerado
herdeiro necessário. Atualmente, a lei o classifica como tal (CC, art. 1.845),
salvo se casado com o falecido pelo regime da comunhão universal, ou pelo
regime da separação obrigatória de bens, ou se, no regime da comunhão par-
cial, o autor da herança não houver deixado bens particulares (CC, art. 1.829,
inc. I)
312
. Assim, pelas novas regras sucessórias, o cônjuge sobrevivente, a-
lém de recolher a sua meação, terá direito a concorrer na herança do de cujus.
Vejamos o seguinte exemplo: marido e mulher não tinham nenhum pa-
trimônio ao celebrar matrimônio. Durante a constância do casamento, ele a-
mealhou, a título oneroso, 6.000; ela, 2.000. O marido morreu deixando três
filhos. A mulher terá direito a 2.000 a título de meação (6.000 – 2.000: 2 =
2.000). O restante, 4.000, será dividido em quatro partes iguais, de tal sorte
que cada um dos herdeiros (mulher e três filhos) receba 1.000. Se forem qua-
tro os filhos comuns, a mulher receberá 1.000, enquanto os filhos, 750 cada
um (CC, art. 1.832).
Se o marido tiver deixado testamento, dispondo de parte de seus bens, o
que é possível, desde que se respeite a legítima dos herdeiros necessários (CC,
art. 1.857, § 1
o
), a situação sofrerá alteração. É só pensar na hipótese em que
uma pessoa tenha sido contemplada com metade dos bens do de cujus. O côn-
312
O art. 1.829, inc. I, do novo Código Civil vem gerando acirrada polêmica na doutrina. Enquanto alguns
doutrinadores entendem que o cônjuge sobrevivente, ainda que casado pelo regime da comunhão parcial de
bens, somente fará jus à herança se o falecido não tiver deixado bens particulares, outros sustentam exata-
mente o contrário, ou seja, a necessidade de o de cujus deixar bens particulares. Aqui não é a sede própria
para ingressar nessa controvertida questão, até porque não afeta em nada o cônjuge casado pelo regime da
participação final nos aqüestos.
288
juge sobrevivente e os descendentes dividiriam 2.000, pois a outra parte seria
entregue ao beneficiário do testamento.
A condição de herdeiro do cônjuge sobrevivente desaparecerá se, ao
tempo da morte do outro, estava judicialmente separado ou separado de fato
há mais dois anos, salvo prova, nesse último caso, de que essa convivência se
tornou impossível sem culpa do sobrevivente (CC, art. 1.830).
9. Apuração do montante dos aqüestos
A apuração do montante dos aqüestos condiciona-se à dissolução da
sociedade conjugal. De acordo com o art. 1.674, incs. I a III, do Código Civil,
sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o montante dos
aqüestos, com exclusão dos bens anteriores ao casamento e dos que se sub-
rogarem em seu lugar, bem como dos que sobrevierem a cada cônjuge por
sucessão ou liberalidade. A exclusão atinge também as dívidas relativas a es-
ses bens.
Com base nessa dicção legal, faz-se necessário verificar a causa enseja-
dora da aquisição dos bens na constância do casamento. Se essa causa for an-
terior ao casamento, não se estará diante de aqüestos, ainda que a aquisição
tenha ocorrido posteriormente ao casamento e a título oneroso. É só lembrar a
hipótese arrolada na própria lei – art. 1.674, inc. I (sub-rogação) –, segundo a
289
qual um bem é adquirido por um dos cônjuges, a título oneroso, em sub-
rogação a bens particulares. Apesar de esse bem ser adquirido a título onero-
so, não fará parte da massa patrimonial a ser partilhada após a dissolução do
casamento. Diversa será a situação se o cônjuge não proprietário tiver ajudado
financeiramente o outro na aquisição parcelada do bem. Nesse caso, incide o
disposto no art. 1.678 do novo Código Civil: “Se um dos cônjuges solveu uma
dívida do outro com bens do seu patrimônio, o valor do pagamento deve ser
atualizado e imputado, na data da dissolução, à meação do outro cônjuge”.
A apuração do montante deverá levar em conta duas massas patrimoni-
ais distintas: a do marido e da mulher. É o que se extrai da leitura do art.
1.674, caput, do Código Civil. Assim, dissolvida a sociedade conjugal, proce-
de-se à apuração dos bens próprios amealhados pelo marido, a título oneroso,
na constância do casamento, agindo-se da mesma forma em relação aos bens
próprios da mulher.
Os bens móveis presumem-se adquiridos na constância do casamento,
nos termos do art. 1.674, parágrafo único, do novo Código Civil. Essa presun-
ção, porém, é apenas relativa, permitindo prova em sentido contrário. Se o
marido alegar, por exemplo, que alguns bens foram adquiridos antes do casa-
mento, caberá a ele provar o alegado. Ainda acerca dos bens móveis, há um
dispositivo muito perigoso, que certamente suscitará celeuma jurisprudencial.
Trata-se do art. 1.680 do novo Código Civil, verbis: “As coisas móveis, em
face de terceiros, presumem-se do domínio do cônjuge devedor, salvo se o
290
bem for de uso pessoal do outro”. O só fato de um cônjuge usar o bem como
se fosse seu não significa dizer que tenha a propriedade sobre ele. Afinal, o
bem pode ser de uso pessoal, utilizado normalmente por um dos consortes,
mas pertencente ao outro. Sílvio de Salvo Venosa faz os seguintes questiona-
mentos: “Gostaríamos de ser um pouco mais simpáticos para com esse regime
de bens, mas não resistimos a perguntar: de quem é a titularidade do colar de
brilhantes que a mulher usa, mas pertence ao marido? Como poderão os ter-
ceiros credores posicionar-se com esses bens, se em cada situação devem pro-
var evidências de fato? Estará aí uma situação propícia para a fraude e para
complexas ações de embargos de terceiro”
313
. É por isso que afirmamos que
o art. 1.680 suscitará, com certeza, polêmica jurisprudencial.
No tocante aos imóveis, estabelece o art. 1.681, caput, que “são de pro-
priedade do cônjuge cujo nome constar no registro”. Havendo impugnação
dessa titularidade, a lei abre ao cônjuge proprietário a oportunidade de provar
a aquisição regular dos bens, a teor do parágrafo único do art. 1.681. Aqui o
dispositivo quis se referir a uma situação de fraude contra credores. Exemplo:
um dos cônjuges, agindo maliciosamente, adquire com recursos próprios um
bem imóvel, porém o registra em nome de seu consorte. A sua intenção é evi-
tar que o bem seja excutido por terceiros. Nesse caso, diz o parágrafo único,
se for impugnada a titularidade, caberá ao cônjuge cujo nome constar no re-
gistro de imóveis provar a regular aquisição do bem. Houve aqui a inversão
313
Ob. cit., p. 191.
291
do ônus da prova
314
, é dizer, o ônus probatório compete ao cônjuge, e não ao
terceiro, como seria o normal, a teor do art. 333, inc. I, do Código de Processo
Civil.
Na apuração do montante dos aqüestos, o art. 1.675 do Código Civil
exige seja computado “o valor das doações feitas por um dos cônjuges, sem a
necessária autorização do outro”. É obvia a finalidade do dispositivo: evitar
que um dos cônjuges sofra prejuízos econômicos por conta da conduta leviana
do outro consorte. Se não fosse por essa disposição legal, o cônjuge malicio-
so, antevendo a derrocada do casamento, poderia fazer doações fictícias ou
fraudulentas a terceiros, com o manifesto propósito de prejudicar o outro côn-
juge. O art. 1.675 também permite, a escolha do cônjuge prejudicado ou de
seus herdeiros, o cômputo do valor do bem doado ou a sua reivindicação judi-
cial. Então, duas opções se apresentam na lei: 1) ou o valor atualizado do bem
é declarado no monte partilhável, 2) ou o bem é reivindicado por ação autô-
noma. Uma terceira opção, cogitada por Rolf Madaleno
315
, é a compensação
do bem doado por outro do mesmo valor, opinião com a qual concordamos.
Em outro giro, há norma legal prevendo, em caso de alienação de bens
em detrimento da meação, a incorporação de seu valor ao monte partilhável,
salvo se o cônjuge lesado ou os seus herdeiros preferirem reivindicar os bens.
É o que estabelece o art. 1.676 do novo Código: “Incorpora-se ao monte o
314
Washington de Barros Monteiro, ob. cit., p. 231.
315
Ob. cit., p. 216.
292
valor dos bens alienados em detrimento da meação, se não houver preferência
do cônjuge lesado, ou de seus herdeiros, de os reivindicar”. As razões que le-
varam o legislador a editar a presente norma são as mesmas do art. 1.675: evi-
tar prejuízo para o cônjuge prejudicado.
Não obstante os bons propósitos da lei, na prática esses dois dispositi-
vos, ao que parece, não poderão ser prontamente aplicados pela autoridade
judiciária, pelo menos no tocante à inclusão do valor dos bens no monte parti-
lhável, a não ser que haja a concordância do cônjuge autor da doação ou da
alienação. Com efeito, é sabido que nem todo cônjuge que doar ou transferir
bens, sem a anuência de seu consorte, irá se resignar com a inclusão no monte
partilhável do valor relativo a esses bens. Muito provavelmente, ele deverá se
insurgir contra a medida, alegando que a doação ou a transferência foi feita
segundo os ditames legais. Assim, tratando-se de questão de alta indagação,
não resolúvel dentro dos próprios autos, caberá ao magistrado remeter as par-
tes às vias ordinárias. Diga-se o mesmo se a dissolução da sociedade terminar
por morte de um dos cônjuges.
Na apuração do valor dos aqüestos, levar-se-á em conta os patrimônios
inicial e final de cada um dos cônjuges. Isto é, impõe-se verificar o valor dos
bens adquiridos individualmente, e a título oneroso, pelos cônjuges, na cons-
tância do casamento, excluídos os bens e as dívidas mencionadas nos incs. I a
III do art. 1.674. Só depois desse cotejo é que será possível saber o grau de
evolução do patrimônio dos cônjuges.
293
José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz a-
presentam exemplo bem didático acerca apuração dos aqüestos no novo regi-
me patrimonial: “Se, por exemplo, o marido tem um patrimônio originário de
1.000.000 e um patrimônio final de 1.700.000; a mulher, por seu lado, um pa-
trimônio originário de 500.000 e um patrimônio final de 800.000: os ganhos
ou aqüestos do marido são de 700.000, e os da mulher são de 300.000, o cré-
dito de participação devido pelo marido à mulher é de 200.000. Com efeito, o
crédito de ganho da mulher contra o marido é de 350.000. O crédito de ganho
do marido contra a mulher é de 150.000. Estes créditos são compensados e
obtém-se o crédito de participação devido pelo marido à mulher: 350.000 –
150.000 = 200.000. Realizado o crédito de participação em favor da mulher, o
marido conserva como ganhos ou aqüestos: 700.000 – 200.000 = 500.000. E a
mulher terá: 300.000 + 200.000 = 500.000. O resultado a que se chega é de
igualdade. Como se vê, os créditos de participação no ganho de cada cônjuges
são compensados e, ao fim da liquidação, só subsiste um crédito único corres-
pondente ao excedente que um dos cônjuges deve pagar ao outro. Eis os tra-
ços essenciais do regime de participação final nos aqüestos”
316
. Mas como
veremos daqui a pouco, o direito brasileiro permite a divisão in natura dos
bens, nos termos do art. 1.684, caput, do novo Código Civil.
Ao apresentarem o esclarecedor exemplo, os autores levaram em conta
o aumento de patrimônio do marido e da mulher. É possível, no entanto, que
316
Ob. cit., p. 368-369.
294
somente um dos consortes tenha aumentado o seu patrimônio inicial. Nesse
caso, é forçoso dizer que somente o cônjuge proprietário dos bens deverá di-
vidir o seu patrimônio final com o outro cônjuge. Por outro lado, se ambos os
consortes não amealharam nenhum patrimônio durante a constância do casa-
mento, não haverá o que partilhar.
Embora o exemplo de José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco
José Ferreira Muniz pareça simples na teoria, na prática é bem complexo, pois
deverá enfrentar lentidão, impugnações, perícia, custos elevados, etc. Arnoldo
Wald destaca, a propósito, que “o regime de participação final nos aqüestos,
introduzido pelo legislador de 2002, desponta já fadado ao insucesso, devido
não apenas à manifesta dificuldade e morosidade inerentes à apuração dos
aqüestos – a qual poderá exigir perícia para avaliação dos bens, complicados
cálculos, etc. –, como também em razão dos elevados custos envolvidos”
317
.
Da mesma maneira pensam outros autores
318
. E Eduardo de Oliveira Leite
319
já dizia, em 1994, que o regime de participação final nos aqüestos, em razão
de sua complicada operacionalidade, não teria guarida no novo Código Civil.
Se é certo que o legislador, contrariando o vaticínio de Eduardo de Oli-
veira Leite, inseriu o regime de participação final nos aqüestos no ordenamen-
to jurídico, é certo também que o novo regime, ao que tudo indica, não irá
317
O Novo Direito de Família, p. 128.
318
Rui Ribeiro de Magalhães, ob. cit., p. 248; Denise Willhelm Gonçalves, ob. cit., p. 124; Sílvio de Salvo
Venosa, ob. cit., p. 188. Na opinião de Venosa, não bastasse a estrutura complexa do novo regime de bens, há
um outro ponto a tornar desfavorável a sua acolhida: “esse regime ficará sujeito a vicissitudes e abrirá campo
vasto ao cônjuge de má-fé. Basta dizer que esse cônjuge poderá adredemente esvaziar seu patrimônio pró-
prio, alienando seus bens, com subterfúgios ou não, de molde que não existam bens ou qualquer patrimônio
para integrar a comunhão quando do desfazimento previamente engendrado da sociedade conjugal” (ob.cit.,
p. 188).
319
O regime de participação final nos aqüestos, ob. cit., p. 75.
295
vingar, porquanto a sua estrutura complexa somada às particularidades postas
pela lei são motivos desencorajadores de sua adoção. O valor dos bens depen-
derá de prova pericial, com a nomeação de perito pelo juiz, facultadas à partes
a indicação de assistentes técnicos. Em seguida, o perito deverá avaliar os
bens, especialmente os imóveis, e elaborar o laudo pericial. Há bens que,
mesmo fora do patrimônio dos cônjuges, também se sujeitam à perícia: são os
que foram doados ou transferidos a terceiros, sem a concordância de um dos
cônjuges (arts. 1.675 e 1.676). É possível que tais bens estejam em outro país,
ou não existam ao tempo da extinção da sociedade, o que por certo acarretará
acentuada delonga processual. A perícia só não será efetuada se o cônjuge
prejudicado ou seus herdeiros preferirem reivindicar o bem. Tudo isso, pelo
que se vê, é bastante demorado e custoso.
O art. 1.684, caput, do novo Código permite, em sendo possível, a divi-
são em natureza de todos os bens do marido e da mulher, como por exemplo o
dinheiro depositado em poupanças, fundos, etc., diferentemente de outros paí-
ses, como a Alemanha, cujo ordenamento jurídico não admite a divisão dos
bens in natura, a ponto de Clóvis do Couto e Silva
320
dizer, a respeito da zu-
gewinngemeinschaft, que se o marido tiver dois apartamentos do mesmo va-
lor, a mulher, em caso de divórcio, não terá direito a um deles, senão a um
crédito equivalente à sua parte no patrimônio.
O Brasil adotou posição diversa, permitindo a divisão in natura, a teor
do art. 1.684, caput: “Se não for possível nem conveniente a divisão de todos
296
os bens em natureza, calcular-se-á o valor de alguns ou de todos para reposi-
ção em dinheiro ao cônjuge não-proprietário”. No entanto, não sendo viável
nem conveniente essa divisão, autoriza a lei a reposição em dinheiro, ao côn-
juge não-proprietário, do valor que lhe é devido. Assim, na hipótese de o pa-
trimônio final do marido ser de 1.000.000 e o da mulher de 500.000, ele deve-
rá fazer reposição em dinheiro à mulher no importe de 250.000 (marido =
1.000.000 [: 2 = 500.000]; mulher = 500.000 [: 2 = 250.000]; reposição =
250.000 [500.000 – 250.000 = 250.000]). Se essa reposição não se realizar
(v.g., o marido não dispõe de numerário para fazer a reposição), o parágrafo
único prevê a possibilidade de alguns bens serem avaliados e alienados para o
pagamento da dívida
321
. Maria Helena Diniz
322
considera de boa política le-
gislativa a solução legal, porque a partilha in natura, às vezes, não é proveito-
sa, podendo causar destruição de valores unitários, pois determinados bens
têm maior valor quando não divididos, como é o caso de um conjunto de a-
ções que confere ao titular a maioria numa empresa. O sistema adotado pelo
legislador é interessante, diferenciando-se dos demais regimes comunitários,
porquanto no de participação final nos aqüestos são apurados os acréscimos
patrimoniais, passando um cônjuge a ter, em caso de impossibilidade de divi-
são, um crédito relativo ao saldo contabilmente apurado. Nos regimes de co-
munhão universal e comunhão parcial, ao contrário, os cônjuges tornam-se
condôminos na hipótese de não ser possível a divisão cômoda dos bens. Ora,
esse condomínio estabelecido entre ex-cônjuges é fonte interminável de lití-
320
Ob. cit., p. 34.
321
Parágrafo único do art. 1.684: “Não se podendo realizar a reposição em dinheiro, serão avaliados e, medi-
ante autorização judicial, alienados tantos bens quantos bastarem”.
322
Curso..., p. 163.
297
gios, acarretando perdas recíprocas em futuras ações dissolutórias de co-
propriedade.
A lei fala, no parágrafo único do art. 1.684, em autorização judicial,
suscitando a seguinte indagação: a alienação dos bens necessita ser judicial?
Acreditamos que não. O que o juiz autoriza é a alienação dos bens, para fins
de reposição, mas isso não significa dizer que a alienação deva também ser
judicial, em hasta pública, na forma dos arts. 1.113 e seguintes do Código de
Processo Civil. A venda em hasta pública somente é necessária quando a lei
assim determina, como é o caso, por exemplo, do art. 1.237, caput, do Código
Civil, que trata da descoberta de coisa perdida
323
. Logo, apenas o alvará judi-
cial é necessário para a venda do bem. De qualquer forma, em sendo expedido
o alvará, é possível que o cônjuge proprietário do bem não se encoraje a ven-
dê-lo, fazendo de tudo para dificultar a venda, em prejuízo do outro consorte.
E ainda que o cônjuge proprietário não adote conduta dessa natureza, a verda-
de é que se o bem não for vendido dentro de certo prazo, mister nova avalia-
ção, tudo a evidenciar a pouca operacionalidade do novo regime instituído
pelo legislador.
A apuração dos aqüestos, conforme fizemos ver anteriormente, somente
ocorrerá se for dissolvida a sociedade conjugal. É o que determina o art. 1.674
do novo Código Civil. Separação, divórcio ou morte dissolvem a sociedade
conjugal, nos termos do art. 1.571 do referido diploma legal. E com a dissolu-
ção, o regime de bens, até então marcado pela separação patrimonial, se
323
Art. 1.237, caput, do Código Civil: “Decorridos sessenta dias da divulgação da notícia pela imprensa, ou
do edital, não se apresentando quem comprove a propriedade sobre a coisa, será esta vendida em hasta públi-
298
transmuda em comunhão parcial no tocante aos bens adquiridos onerosamente
durante a constância do casamento.
Se o casamento terminar por morte de um dos cônjuges, a apuração le-
vará em conta, como regra, o óbito do marido ou o da mulher. Entretanto, se o
matrimônio terminar por separação ou divórcio, o início da apuração do mon-
tante corresponderá, nos termos do art. 1.683 do novo Código, à data em que
cessou a convivência.
A matéria – com relação ao termo a quo da apuração do montante dos
aqüestos – será examinada a seguir.
9.1. Termo a quo da apuração em caso de separação ou divórcio
Embora a extinção do regime patrimonial se condicione à dissolução da
sociedade conjugal, o Código Civil de 2002 não ficou indiferente à possibili-
dade de o patrimônio encontrar-se desfalcado no momento da decretação ju-
dicial da separação ou divórcio. O art. 1.683 do novo Código consigna que, na
dissolução do regime por separação judicial ou divórcio, o termo a quo da
apuração do montante dos aqüestos será o da data em que cessou a convivên-
cia. Sílvio de Salvo Venosa
324
destaca a importância do dispositivo, sob o
ca e, deduzidas do preço as despesas, mais a recompensa do descobridor, pertencerá o remanescente ao Mu-
nicípio em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido”.
324
Ob. cit., p. 192.
299
argumento de que o encerramento da convivência pode alterar a situação pa-
trimonial dos cônjuges.
Realmente, merece aplausos o legislador ao fixar o término da convi-
vência como o termo a quo da apuração do montante dos aqüestos. O art.
1.738 do Projeto previa um outro termo – o da data do requerimento do pedi-
do de desquite
325
. Ao estabelecer a cessação da convivência como termo a
quo, o legislador quis impedir a prática de manobras ilícitas por um dos côn-
juges em detrimento do outro. Com efeito, se a apuração do montante dos a-
qüestos levasse em conta a data do ajuizamento da ação de separação ou di-
vórcio ou a data da prolação da sentença constitutiva, o caminho estaria aber-
to para o cometimento de condutas à margem da lei. Bastaria que o cônjuge
mal-intencionado, uma vez cessada a convivência conjugal, desse sumiço aos
bens adquiridos onerosamente após a constância do casamento para que o ou-
tro cônjuge sofresse danos patrimoniais. É por isso que o legislador conside-
rou a cessação da convivência como o marco apto a ensejar a verificação do
montante dos aqüestos. Entenda-se por cessação da convivência a ruptura fá-
tica da união conjugal, ou mais propriamente a separação de fato dos cônju-
ges
326
.
325
Art. 1.738: “Na dissolução do regime de bens por desquite, verificar-se-á o montante dos aqüestos à data
em que aquele for requerido”.
326
Lúcia Stella Ramos do Lago define a separação de fato como o “estado em que se encontram os cônjuges,
por vontade unilateral ou bilateral, sem a interveniência da autoridade judicial, estado esse que resultou da
cessação da vida em comum que levavam por força do casamento” (Separação de Fato entre Cônjuges, p. 9).
300
O art. 1.683 merece aplausos, ademais, por prevenir o enriquecimento
ilícito de um dos consortes em detrimento do outro. Com efeito, se a apuração
do montante dos aqüestos fosse feita contemporaneamente à prolação da sen-
tença (e note-se que a sentença poderia vir muito tempo depois de cessada a
convivência conjugal), um dos cônjuges poderia esvaziar o patrimônio ou en-
tão simular transferência de bens causando prejuízos ao outro. Ademais, se a
apuração do montante dos aqüestos não levasse em conta a cessação da con-
vivência, os bens adquiridos durante a separação de fato por um dos cônjuges
pertenceriam também ao outro cônjuge, o que, inegavelmente, representaria
flagrante enriquecimento ilícito.
Por conseguinte, andou bem o legislador ao fixar como termo a quo da
apuração a cessação da convivência.
9.2. Termo a quo da apuração em caso de morte
Vimos no item anterior que, em relação à separação ou ao divórcio, o
termo a quo da apuração do montante dos aqüestos é a cessação da convivên-
cia conjugal. E, em caso de morte, qual é o termo a quo da apuração? Seria a
morte de um dos cônjuges? O Código nada diz a respeito do assunto. É possí-
vel que o legislador tenha se omitido sobre tal assunto por considerar a data
da morte de um dos cônjuges como o termo a quo da apuração dos aqüestos.
301
A morte é, de fato, o termo a quo da apuração do montante dos aqüestos se o
cônjuge sobrevivente convivia com o outro ao tempo da morte.
Nesse caso, existe perfeita coincidência entre o termo a quo da dissolu-
ção do casamento e o termo a quo da apuração. Nem sempre, porém, haverá
essa coincidência se os cônjuges se encontrassem separados de fato. Assim, se
ao tempo da morte a sociedade conjugal estava faticamente rompida, cada
cônjuge morando em casas separadas, não tendo mais interesses comuns, é
evidente que o termo a quo da apuração não será a data do óbito, mas sim a
data da cessação da convivência.
O fato de o art. 1.683 do Código estabelecer um elo entre a cessação da
convivência e a dissolução do regime de bens por separação judicial ou divór-
cio não impede a aplicação do dispositivo, em caso de morte, se ficar com-
provada a prévia separação de fato. Se o termo a quo da apuração fosse uni-
camente a morte de um dos cônjuges, situações semelhantes ao do art. 1.683
receberiam tratamento desigual, com inegável ofensa ao princípio da isono-
mia constitucional. Além disso, o cônjuge sobrevivente (ou os herdeiros do de
cujus) poderia se locupletar ilicitamente se a aquisição de parte ou de todos os
bens só viesse a ocorrer após a separação de fato.
Posto isso, podemos extrair as seguintes conclusões: a morte de um dos
cônjuges constitui, como regra, o termo a quo da apuração da meação do côn-
juge sobrevivente. No entanto, se ao tempo da morte, marido e mulher já esti-
302
vessem separados de fato, a apuração levará em conta a cessação da convi-
vência, com aplicação por analogia do art. 1.683 do Código Civil.
10. Meação: direito irrenunciável, incessível e impenhorável
O art. 1.682 do Código Civil estabelece que o direito à meação não é
renunciável, cessível ou penhorável na vigência do regime matrimonial. En-
tretanto, a meação será passível de renúncia, cessão ou penhora após a disso-
lução do regime matrimonial.
Teve em mente o legislador, ao proibir a renúncia, a cessão e a penhora
do direito à meação, resguardar os cônjuges e a própria entidade familiar. Do
contrário, poderia preponderar, segundo o magistério de Sílvio de Salvo Ve-
nosa
327
, a vontade de um dos cônjuges em detrimento do outro, levando à pe-
núria um deles quando do desfazimento do casamento. Não é despiciendo
lembrar, por outro lado, que, perdurando o casamento, a meação é indetermi-
nada, somente sendo conhecida após a dissolução da sociedade conjugal
328
.
E não é só: levando-se em conta que os cônjuges, na constância do ca-
samento, têm uma mera expectativa de direito à meação, na medida em que
esta somente terá existência real após o término da sociedade conjugal, não
327
Ob. cit., p. 191-192.
328
Alexandre Guedes Alcoforado Assunção, ob. cit., p. 1491; José Antonio Encinas Manfré, ob. cit., p. 122.
303
faz o menor sentido os cônjuges renunciarem a algo desprovido de concretu-
de.
11. Considerações finais sobre o novo regime de bens
O Brasil não conhecia o regime de participação final nos aqüestos, mas
veio a conhecê-lo com a vigência do novo Código Civil. Outros países, ao
contrário, já o adotavam havia muito tempo, como é o caso da Alemanha, on-
de o regime de participação final nos aqüestos é o legal, por força da Lei da
Igualdade de Direitos promulgada em 1
o
de julho de 1958.
Trata-se de regime misto ou híbrido, pois congrega tanto as característi-
cas do regime de separação de bens quanto as do regime de comunhão parcial.
No dizer de Silvio Rodrigues
329
, o novo regime conserva a independência
patrimonial de cada cônjuge, inclusive no tocante ao incremento ocorrido du-
rante o casamento, ao mesmo tempo que, ocorrendo a ruptura, protege eco-
nomicamente o cônjuge que, direta, indiretamente ou pela só qualidade de
parceiro, acompanhou a evolução patrimonial do outro.
Durante o casamento, os cônjuges se comportam como se fossem casa-
dos pelo regime da separação de bens – regime não comunitário. Mas, uma
vez dissolvida a sociedade conjugal, há metamorfose do regime patrimonial,
304
de tal sorte que o regime passa a ser o da comunhão parcial. Ou seja, a ruptura
do casamento, seja por separação ou divórcio, seja por morte, é a causa hábil
a autorizar a transformação do regime – de separação para comunhão dos a-
qüestos.
Não obstante a engenhosidade do novo regime, é pouco provável que
ele venha a ser largamente adotado no Brasil. Em outros países, como disse-
mos e esclarece Maria Helena Diniz
330
, a sua adoção tem sido freqüente,
principalmente em relação àqueles cônjuges cuja atividade empresarial distin-
ta imponha manuseio com maior liberdade de seus pertences.
Embora o Brasil tenha cônjuges desempenhando atividades empresari-
ais, é pouco provável – repita-se – que o novo regime venha a contar com a
simpatia da população. Várias fatores desaconselham a sua adoção:
1. A participação final nos aqüestos é um regime matrimonial comple-
xo e dispendioso, necessitando de perícia para a apuração do patri-
mônio final dos cônjuges.
2. A comunhão parcial de bens, regime legal entre nós, atende perfei-
tamente às expectativas dos cônjuges.
3. O regime da comunhão parcial já se incorporou aos costumes do
nosso povo.
329
Direito Civil, p. 219.
330
Curso..., p. 161.
305
4. O regime comunitário é de fácil compreensão
331
.
5. A adoção do regime de comunhão parcial independe da celebração
de pacto antenupcial, é dizer, os nubentes não terão gastos com a la-
vratura de escritura pública, bastando uma simples manifestação de
vontade, que será reduzida a termo nos autos da habilitação para ca-
samento (CC, art. 1.640, parágrafo único).
De qualquer forma, só o tempo dirá se o novo regime de participação
final nos aqüestos irá vingar, tendo aceitação razoável nos meios sociais ou
se, ao contrário, será um regime natimorto, de pouca ou nenhuma expressivi-
dade, como ocorreu com o regime dotal.
331
Convém relembrar que o novo Código Civil impôs ao oficial do registro civil o dever de explicar aos
nubentes a sistemática dos quatro regimes patrimoniais (CC, art. 1.528).
306
CAPÍTULO V: PACTOS ANTENUPCIAIS
1. Exigência legal de pacto antenupcial
O pacto antenupcial é necessário se os nubentes quiserem adotar outro
regime de bens que não o da comunhão parcial. Assim, se eles tiverem em
mente adotar um dos outros três regimes de bens, deverão celebrar pacto an-
tenupcial. Não basta, portanto, que os noivos, no procedimento para a habili-
tação de seu casamento, manifestem o desejo de realizar as bodas, v.g., pelo
novo regime da participação final nos aqüestos. Ao contrário, a lei impõe a
celebração de pacto antenupcial. É o que se infere dos arts. 1.639 e 1.640,
ambos do novo Código Civil.
O pacto somente será dispensável se os nubentes optarem pelo regime
da comunhão parcial de bens. É a conclusão que resulta do art. 1.640, caput,
do Código: “Não havendo convenção [leia-se: pacto antenupcial], ou sendo
ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da
comunhão parcial”. Assim, se os nubentes deixarem de celebrar pacto ante-
nupcial, o regime a vigorar entre eles é o da comunhão parcial. O mesmo su-
cederá se, a despeito da celebração de pacto, este for declaro nulo ou ineficaz.
Nesse caso, vigorará, por força de lei, o regime da comunhão parcial.
307
Dissemos no parágrafo anterior que o pacto será dispensável se o regi-
me adotado for o da comunhão parcial de bens. De fato, o Código atual, a e-
xemplo do Código velho, dispensa expressamente a celebração de pacto se o
regime eleito for o da comunhão parcial. E sabemos que, na escolha tácita de
tal regime, os nubentes não realizam nenhum tipo de convenção. Mas é possí-
vel, a despeito disso, que os nubentes escolham o regime da comunhão e
mesmo assim celebrem pacto. Nessa hipótese, o pacto somente terá serventia
se eles convencionarem algo que fuja à regra do regime da comunhão parcial.
Podemos citar, por exemplo, a administração do bens: no regime da comu-
nhão parcial a administração do patrimônio particular compete ao cônjuge
proprietário, mas o art. 1.665 permite que uns dos consortes administre os
bens particulares do outro, desde que haja pacto antenupcial nesse sentido.
Dessa forma, a adoção do regime da comunhão parcial dispensa, como regra,
a feitura de pacto, embora os nubentes possam adotar tal regime e, ao mesmo
tempo, celebrar pacto antenupcial.
Nas hipóteses previstas no art. 1.641 do Código, o pacto antenupcial
não é necessário, porque o regime de separação de bens decorre da própria lei.
O art. 1.641 impõe a cogente observância do regime da separação de bens,
não dando relevo ou importância ao desiderato dos nubentes, conquanto te-
nhamos defendido, no Capítulo II, item “7.4.1.2.”, por uma questão de justiça,
308
a aplicação da Súmula 377 do STF quanto aos bens adquiridos na constância
dos casamentos celebrados após 10 de janeiro de 2003
332
.
Podemos dizer, portanto, que o pacto, se o regime não for o da comu-
nhão parcial ou o da separação obrigatória, é de imperiosa necessidade, não
podendo os nubentes olvidarem a regra do art. 1.640. Se os nubentes não ce-
lebrarem pacto antenupcial e, mesmo assim, constar do registro de casamento
outro regime patrimonial, isso não significa dizer que eles se casaram pelo
regime mencionado no registro matrimonial. Essa situação, por sinal, foi e-
xaminada pelo Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo Min.
Eduardo Ribeiro, tendo participado do julgamento os Ministros Waldemar
Zveiter, Ari Pargendler, Menezes Direito e Pádua Ribeiro:
“CASAMENTO – Regime de bens – Insuficiência da certidão pa-
ra demonstrar que o matrimônio foi celebrado sob o regime de
separação de bens – Imprescindibilidade da existência de pacto
antenupcial com convenção nesse sentido.
REsp. 173.018-AC – Segredo de Justiça – 3
a
T. – j. 26-6-2000 –
rel. Min. Eduardo Ribeiro – DJU 14.8.2000. ACÓRDÃO – VOTO
(...) Assim posta a questão, penso ter razão a recorrente. De fato,
a certidão de casamento, por si só, não é bastante para estabele-
332
O novo Código Civil entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003.
309
cer o regime de separação de bens. Ainda que se considere ver-
dadeira a certidão que atesta a celebração do casamento sob o
regime da separação de bens – até porque conclusão contrária
importaria reexame de matéria de fato –, não se poderia admitir,
sem o pacto antenupcial, que esse o sistema que o regia.
Na falta de pacto antenupcial de separação, o regime que domina
a sociedade conjugal é o da comunhão parcial. A explicação pa-
ra a exigência do pacto antenupcial prévio, previsto pelo art. 256
do CC
333
, está na intenção de se proteger a boa-fé ou a inexperi-
ência dos cônjuges. Pretendeu-se evitar que, na ocasião da ceri-
mônia, fosse um dos cônjuges surpreendido com cláusula, talvez
contrária à sua vontade, da qual não se animou a discordar, ou
pela surpresa com que foi colhido, ou para evitar escândalo, em
meio à solenidade do casamento.
(...) Observe-se, ainda, que o art. 195, inc. VII
334
, também invo-
cado no especial, determina que, do assento de casamento conste
‘a declaração da data e do cartório em cujas notas foi passada a
escritura antenupcial, quando o regime não for o de comunhão
parcial’. Dessa forma, havendo pacto antenupcial, a própria cer-
tidão de casamento tornaria fácil a sua localização. (...)”
335
.
333
A referência é ao art. 256 do Código Civil de 1916, atual art. 1.639, caput.
334
Ibidem, atual art. 1.536, VII.
335
RT, 783/257.
310
Entre nós, a comunhão parcial de bens é o regime legal ou supletivo
estabelecido pelo legislador. É dizer, se os nubentes não celebrarem pacto ou
se este for declarado nulo, vigorará o regime de comunhão parcial. O regime
legal ou supletivo difere de país para país. Na Alemanha, por exemplo, o re-
gime legal ou supletivo é o da comunhão de aqüestos, equivalente ao nosso
regime de participação final nos aqüestos. Assim, enquanto na Alemanha a
adoção do regime de comunhão de aqüestos independe da celebração de con-
trato nupcial, no Brasil, diferentemente, a legislação exige a sua contratação
por meio de pacto antenupcial.
A escolha, pelo legislador, do regime legal ou supletivo a vigorar na
falta de pacto é assunto de política legislativa. Tudo tem a ver com os costu-
mes e com a tradição de cada povo. Entre nós, o regime comunitário traduz
fielmente as expectativas, os costumes e as tradições do povo brasileiro.
2. Conceito e natureza jurídica do pacto
Planiol e Ripert definem o pacto antenupcial como “el acto por el cual
los futuros esposos fijan su régimen (económico) matrimonial”
336
, um verda-
deiro pacto de família. Para esses autores o pacto antenupcial não é um “con-
trato” no sentido de convenção criadora de obrigações, embora possa criar
336
Tratado..., tomo 8, p. 23.
311
obrigações, pois quando a sua finalidade é apenas expressar o regime econô-
mico matrimonial adotado, tal como o da separação de bens, não surge ne-
nhuma obrigação e, portanto, não merece a denominação de contrato.
Federico Puig Peña sustenta que as capitulaciones matrimoniales “son
el contrato por cuya virtud los que van a unirse en matrimonio estipulan las
condiciones de la sociedad conyugal relativamente a los bienes presente y fu-
turos”
337
. Esse autor
338
salienta, ademais, que, não obstante a opinião de Pla-
niol e Ripert no sentido de que o pacto antenupcial, quando voltado unica-
mente à fixação do regime de bens, não tem feição contratual, a seu ver a na-
tureza do pacto é, sempre, contratual, pois assim o qualifica o direito espa-
nhol, embora seja um contrato acessório, já que subordinado ao nascimento e
à validade do casamento.
Ruggiero
339
pontifica, por seu turno, que a convenção é um contrato
por meio do qual os futuros cônjuges estabelecem, sob a ótica patrimonial e
durante toda a duração do casamento, um regulamento para a futura família.
Pereira Coelho
340
diz que a convenção é o acordo feito entre os nuben-
tes com o escopo de fixar o regime de bens a vigorar após as bodas, sendo um
contrato acessório do casamento.
Na doutrina nacional, Pontes de Miranda assevera que “o pacto ante-
nupcial, ou convenção antenupcial, ou, ainda, contrato antenupcial, é o nome
337
Ob. cit., p. 239.
338
Ob. cit., p. 239.
339
Ob. cit., p. 146.
340
Ob. cit., p. 268.
312
aproximativo que se dá ao negócio de direito de família pelo qual se estabele-
ce o regime dos bens entre os cônjuges”
341
.
Marco Aurélio S. Viana afirma, sem titubear, que o pacto antenupcial é
“um contrato pelo qual as partes manifestam a vontade de adotar um dos re-
gimes, ou combinam os regimes existentes, criando uma figura mista”
342
.
A natureza contratual do pacto é destacada, também, por outros autores,
como San Tiago Dantas
343
, Carlos Alberto Bittar
344
e Sílvio de Salvo Venosa
345
.
No entanto, a natureza contratual do pacto é controvertida, pois nem to-
da a doutrina o inclui nessa categoria. Arnaldo Rizzardo observa que o pacto
“vai além da conceituação obrigacional de contrato. Revela um conteúdo ins-
titucional, ou se eleva à categoria de instituição, pois submetida a regulamen-
tação a rígidos princípios, que as partes não podem alterar”
346
.
A nosso ver, o pacto antenupcial é o contrato de direito de família por
meio do qual os nubentes firmam acordo quanto ao regime de bens a vigorar
durante o casamento. Trata-se, contudo, de contrato regulado pelo direito de
família, o que o afasta a aplicação do direito das obrigações. Não procedem as
objeções de Planiol e Ripert, segundo as quais o pacto antenupcial deixaria de
ter feição contratual quando o seu escopo fosse unicamente fixar o regime de
341
Ob. cit., tomo VIII, p. 229.
342
Teoria e Prática do Direito de Família, p. 84.
343
Ob. cit., p. 267.
344
Ob. cit., p. 132.
345
Ob. cit., p. 177.
346
Ob. cit., p. 623.
313
bens entre os futuros cônjuges, sem projetar nenhuma obrigação posterior.
Ora, mesmo nessa hipótese, os cônjuges ficam obrigados a cumprir o que foi
convencionado no pacto antenupcial. Então, se os nubentes escolheram, por
hipótese, o regime da separação de bens, a administração do patrimônio ficará
a cargo do cônjuge proprietário, nos termos do art. 1687 do Código Civil, o-
brigação proveniente da convenção matrimonial.
Dessa forma, o pacto antenupcial é um contrato de direito de família,
tendo porém caráter acessório, ficando sempre na dependência da realização
das bodas.
3. Liberdade de pactuar
A liberdade de pactuar é da essência do pacto antenupcial. Os nubentes
têm total liberdade para contratar o que melhor entender a bem de seus inte-
resses econômicos. A liberdade de contratar é anunciada pelo art. 1.639, ca-
put, do Código Civil: “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento,
estipular, quanto aos bens, o que lhes aprouver”. No regime da lei anterior
também estava presente essa liberdade.
A autonomia da vontade põe em destaque a liberdade dos nubentes.
Tudo eles podem ajustar no pacto antenupcial, desde que tal convenção não
viole as disposições de ordem pública nem os bons costumes. O Código Civil
314
revogado dizia que a convenção ou a cláusula devia ser considerada não escri-
ta quando: a) prejudicasse os direitos conjugais, ou os paternos; b) contravies-
se disposição absoluta da lei. O Código atual, mais lacônico, apenas estatui
que é nula a convenção ou cláusula que contravenha disposição absoluta de
lei. Entendeu o legislador, com razão, que a contrariedade a disposições co-
gentes da lei já era suficiente para ensejar a nulidade da convenção ou de
cláusula dela. Assim, se a convenção pré-nupcial vier a prejudicar direitos
conjugais ou direitos paternos, haverá inegável contrariedade a disposição
absoluta de lei. Não foi necessário aludir, assim, a cláusulas ofensivas aos
bons costumes, porque, no escólio de Washington de Barros Monteiro
347
, é
fora de dúvida que a defesa da ordem pública, bem como a defesa dos interes-
ses da coletividade abrange também a dos costumes.
Afora tais restrições, a liberdade de contratar é total. De resto, essa li-
berdade de pactuar, prevista textualmente no art. 1.639, é tão intensa que a
doutrina brasileira, quer a mais antiga, quer a mais moderna, entende, quase à
unanimidade, que os nubentes têm total liberdade não só para escolher um dos
três regimes de bens predeterminados pelo legislador (comunhão universal de
bens; participação final nos aqüestos; separação de bens)
348
como também, e
347
Ob. cit., p. 193.
348
Não fizemos menção ao regime da comunhão parcial de bens, porque, na falta de convenção ou sendo esta
nula ou ineficaz, vigorará quanto aos bens entre os cônjuges tal regime (CC, art. 1640, caput), sem embargo
de os nubentes terem liberdade para escolher o regime de comunhão parcial e mesmo assim celebrar pacto
antenupcial (v. supra, item “1”).
315
sobretudo, para combinar regimes de bens, formando um regime misto ou es-
pecial
349
.
Diante da liberdade de pactuar, os nubentes estão autorizados, pois, a
criar um regime misto. Pontes de Miranda, discorrendo sobre o art. 256 do
Código Civil revogado, enfatizava que os nubentes podiam não só escolher o
regime matrimonial como também o regramento matrimonial de bens. Vale a
pena transcrever as suas palavras: “O que o Código Civil, art. 256, verdadei-
ramente permite não é só a escolha do regime matrimonial, de que deu as es-
truturas, mas a do regramento matrimonial dos bens. Não facultou só adotar-
se o regime da comunhão universal, ou o da comunhão limitada, ou o da sepa-
ração, ou o dotal, e sim isso ou a criação mesma de regime não previsto, des-
de que não constitua expropriação disfarçada dos bens de um cônjuge por ou-
tro, ou ameaça de dano a terceiro”
350
. É o que também preleciona San Tiago
Dantas: “Hoje, pelo contrato antenupcial, as partes podem convencionar o
regime que preferirem e podem mesmo estabelecer, a respeito de certas cate-
gorias de bens, normas próprias extravagantes que não estão geralmente con-
tidas em alguns dos regimes típicos estabelecidos”
351
. A liberdade de combi-
nar regimes é plena, portanto.
349
Lafayette Rodrigues Pereira, ob. cit, p. 161; J.M. de Carvalho Santos, ob. cit., p. 6; Clóvis Bevilaqua, ob.
cit., p. 159, observações, n. 1; Eduardo Espínola, ob. cit., p. 364; Pontes de Miranda, ob. cit., p. 221; Orlando
Gomes, ob. cit., p. 164; Silvio Rodrigues, ob. cit., p. 174; Maria Helena Diniz, ob. cit., p. 144; Arnoldo Wald,
ob. cit., p. 103-104; Washington de Barros Monteiro, ob. cit., p. 184; Sílvio de Salvo Venosa, ob. cit., p. 171.
José Antonio Encinas Manfré, ob. cit., p. 32; Débora Gozzo, Pacto antenupcial, p. 62.
350
Ob. cit., p. 221.
351
Ob. cit., p. 263.
316
Mesmo no direito comparado, existe a possibilidade de combinação de
regimes. Guido Tedeschi
352
diz, por sua vez, que vários doutrinadores italia-
nos (Gangi, Ferrara, Degni, Barassi) admitem a combinação de regimes em
respeito à liberdade das convenções matrimoniais. Ele mesmo destaca que
“los novios podrían en sus convenciones matrimoniales establecer los pactos
que quisieran – siempre que no fueran contrarios a normas vinculativas”
353
.
Ruggiero
354
também entende possível a combinação de um regime com ou-
tro.
Assim também na França, como aludem Colin e Capitant
355
. Planiol e
Ripert ensinam, por seu turno, que a liberdade de contratar, no direito francês,
permite a “la mezcla o combinación de los diversos regímenes mediante la
combinación de elementos tomados de varios de ellos y la formación de un
régimen mixto. Así, las partes pueden reunir las ventajas por ellas reconocidas
a los varios regímenes o evitar tal o cual inconveniente que ofrezca la adopa-
ción pura y simple de uno solo”
356
.
Mas não se pense que a combinação de regimes é possível, à unanimi-
dade, no direito comparado. O Código Civil suíço, por exemplo, não permite
a mistura de regimes de bens. O art. 179, ao disciplinar o conteúdo do pacto
352
Ob. cit., p. 51.
353
Ob. cit., p. 51.
354
Ob. cit., p. 141. No mesmo sentido é a lição de Domenico Barbero, em Sistema Del Derecho Privado, vol.
II, p. 85.
355
“Los futuros esposos pueden combinar a su gusto los diversos regímenes matrimoniales. Se admite, por
ejemplo, que le sea agradable trasladar a outro regímem, y especialmente al de la comunidad, la regra de la
inalienabilidad, que es sin embargo, el rasgo característico de los bienes dotales bajo el régimen dotal. (...)
Estas cláusulas de inalenabilidad, adaptadas a un régimen distinto del dotal, se encuentram, preciso es decir-
lo, muy raramente en la practica” (Curso Elemental de Derecho Civil, p. 37).
356
Ob. cit., tomo 8, p. 29. Ver, também, Louis Josserand, ob. cit., p. 293.
317
antenupcial, prescreve: “Os noivos ou os cônjuges têm de adotar, no seu pac-
to, um dos regimes de bens previstos por esta lei”. O Código Civil mexicano,
que somente admite dois regimes – o da sociedade conjugal e o da separação
de bens –, da mesma forma não permite a combinação de regimes.
Nossa lei não seguiu o modelo dos Códigos suíço e mexicano, pois a
redação do art. 1.639 do Código Civil é suficientemente clara ao conceder aos
nubentes liberdade para escolher ou criar o regime que melhor lhes aprouver.
Nada obstante o que dito há pouco, a liberdade de pactuar não conta com a
adesão de toda a doutrina. Rui Ribeiro de Magalhães entende que o ordena-
mento jurídico veda a combinação de regimes, uma vez que “o elenco dos
regimes de bens é taxativo e as referências doutrinárias citam apenas os qua-
tro regimes legalmente regulamentados: comunhão parcial, comunhão univer-
sal de bens, participação final nos aqüestos e separação de bens. Se admitir-
mos aquela possibilidade, teremos que admitir a existência de um quinto re-
gime, denominado de misto, especial ou qualquer outro nome que se lhe dê.
Trata-se, outrossim, de possibilidade em desuso, desconhecida não só da po-
pulação como também dos Oficiais de Registro Civil. É certo que a nossa le-
gislação consagrou quase que como regra a livre escolha do regime de bens,
entretanto a expressão que melhor lhes aprouver deve ser restritivamente in-
terpretada entendendo-se que a escolha, quando possível, deva recair em um
dos quatro regimes ofertados pelo cardápio legislativo. É o que diz a redação
inicial do parágrafo único do art. 1.640, verbis: Poderão os nubentes, no pro-
cesso de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este Código regula.
318
E o Código só regula os quatro regimes acima mencionados”
357
. Embora de-
fensável tal ponto de vista, entendemos que a razão se acha do lado daqueles
que advogam tese contrária, fundados não só na letra como também no espíri-
to do art. 1.639 do Código Civil. Desde que a convenção pré-nupcial não con-
trarie a ordem pública e os bons costumes, nem tenha a velada intenção de
prejudicar um dos nubentes em detrimento do outro, a autonomia da vontade
permite a combinação de regimes. Ora, se os nubentes podem se casar sob um
dos quatro regimes de bens (comunhão total, comunhão parcial, participação
final nos aqüestos, separação), por que não seria possível o casamento sob um
regime misto, resultado da combinação de dois ou mais regimes predetermi-
nados? Qual o prejuízo decorrente da combinação de regimes feita pelos nu-
bentes? Bem se percebe, assim, que a junção de regimes não encontra óbice
legal. É certo que, como pondera Rui Ribeiro de Magalhães, a combinação de
regimes constitui possibilidade em desuso, desconhecida da população como
também dos oficiais de registro. Entretanto, o fato de não existir, na prática,
essa combinação de regimes não constitui motivo suficiente para dar guarida
à tese de Rui Ribeiro de Magalhães, porquanto a redação do art. 1.639 é clara,
permitindo a ampla liberdade em matéria de pacto antenupcial.
Em suma, o ordenamento jurídico não proíbe o estabelecimento de re-
gimes mistos.
357
Ob. cit., p. 228.
319
4. Capacidade para pactuar
As partes do pacto antenupcial são os nubentes, no geral pessoas dota-
das de plena capacidade civil (CC, art. 5
o
, caput). Os nubentes estão aptos a
intervir no ato pessoalmente ou por intermédio de procurador. Não há óbice à
celebração do pacto por meio de procurador com poderes especiais, a uma
porque a lei não contém nenhuma restrição, a duas porque se o próprio casa-
mento pode celebrar-se mediante procuração (CC, art. 1.542, caput), não há
razão plausível para impedir a intervenção de procurador na lavratura de pac-
to. Se os nubentes forem representados por procurador, o mandato, sobre não
poder ser outorgado verbalmente, deverá ser por instrumento público (CC, art.
657).
Dissemos no parágrafo anterior que as partes são, no geral, pessoas do-
tadas de plena capacidade civil. Não há confundir, porém, a capacidade civil
com a capacidade para o casamento, isso porque o art. 1.517, caput, do Códi-
go Civil outorga capacidade matrimonial para os jovens com dezesseis anos
de idade. Diz o art. 1.517 que “O homem e a mulher com dezesseis podem
casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes
legais, enquanto não atingida a maioridade civil”. No regime da lei anterior, o
legislador havia dado tratamento diferenciado aos homens. Estes somente po-
deriam contrair matrimônio se tivessem completado dezoito anos (CC., art.
183, inc. XII), diversamente das mulheres, cuja idade núbil fora fixada em
320
dezesseis anos. O novo Código, ao revés, fixou em dezesseis anos a capacida-
de núbil para o homem e para a mulher.
Embora os jovens com dezesseis anos não tenham atingido, ainda, a
plena capacidade civil, o Código Reale possibilita a união matrimonial, con-
dicionada, é claro, à anuência dos pais ou dos representantes legais. Pois bem,
se tais jovens têm capacidade para contrair casamentos, também o tem para
celebrar pactos. Se podem o mais, que é a união matrimonial, podem o me-
nos, que é a celebração de pactos. Trata-se de regra tradicional segundo a qual
habilis ad nuptias, habilis ad pacta nuptialia. Na França, a capacidade para
celebrar matrimônio segue a mesma sorte, a teor do art. 1398 do Código Civil
francês
358
.
É verdade que o Código Civil revogado nada dizia, no título relativo ao
regime de bens entre os cônjuges, acerca da possibilidade de os menores cele-
brarem pactos antenupciais, mas expressiva doutrina considerava possível o
ato, desde que contasse com a assistência de seus representantes
359
. A única
voz discordante era Caio Mário da Silva Pereira, segundo quem a assistência
do pai ou tutor se mostrava desnecessária, porquanto “a anuência para o ato
principal (matrimônio) induz e pressupõe o consentimento para os que lhe são
358
Art. 1398: “O menor hábil para contrair matrimônio é hábil para consentir em todas as convenções de que
esse contrato é suscetível e as convenções e doações que haja feito são válidas, sempre que tenha sido assisti-
do no contrato pelas pessoas cujo consentimento é necessário para a validade do matrimônio”.
359
Lafayette Rodrigues Pereira, ob. cit., p. 163; Pontes de Miranda, ob. cit., tomo VIII, p. 227; Carvalho
Santos, ob. cit., p. 8; Eduardo Espínola, ob. cit., p. 362; San Tiago Dantas, ob. cit., p. 268; Orlando Gomes,
ob. cit., p. 168; Antônio Chaves, Tratado de Direito Civil, vol. 5, tomo 1, p. 391.
321
correlatos ou acessórios (na hipótese, o pacto antenupcial)”
360
. O assunto es-
tá, atualmente, superado, na medida em que o art. 1.654 do novo Código Civil
estatui que a eficácia do pacto antenupcial, realizado por menor, fica condi-
cionada à aprovação de seu representante legal, salvo as hipóteses de regime
obrigatório de separação de bens. Assim, se um menor de 17 anos quiser ce-
lebrar pacto antenupcial, seus pais deverão assisti-lo, nos termos do art. 1.654.
Mas é bom frisar que o comparecimento dos pais não se limita a assistir
ao filho menor de 18 anos. O pacto depende da aprovação dos representantes
legais (pais, tutores ou curadores), sob pena de ineficácia. Não aprovado o
pacto, o casamento se realizará pelo regime da comunhão parcial. Agiu acer-
tadamente o legislador ao condicionar a eficácia do pacto à aprovação dos
representantes legais. Ninguém melhor do que os representantes legais para
intuir o que é melhor para o representado. A aprovação ou a desaprovação do
pacto é feito, presumivelmente, no exclusivo interesse do nubente. Poder-se-ia
argumentar com o fato de que a aprovação não passaria de excesso de zelo
por parte do legislador, pois se os representantes não estivessem de acordo
com as cláusulas do pacto, bastaria a eles revogar a autorização para casamen-
to, nos termos do art. 1.518 do Código Civil. Contudo, obtempere-se, com
Pontes de Miranda, que assentir no casamento não é assentir nos pactos ante-
nupciais, justamente porque “se houve a retratação de que fala o art. 187
361
, é
possível o suprimento judicial do assentimento, e o casamento, uma vez reali-
zado, dará toda a vida e toda a validade ao pacto antenupcial”
362
.
360
Ob. cit., p. 146.
361
Refere-se ao Código Civil de 1916, hoje correspondente ao art. 1.518 do Novo Código Civil.
362
Ob. cit., tomo VIII, p. 228.
322
Podemos concluir este item dizendo que quem tem capacidade para ca-
sar tem capacidade para celebrar pactos antenupciais (habilis ad nuptias, ha-
bilis ad pacta nuptialia). Quanto aos relativamente incapazes, deverão ser as-
sistidos por seus representantes legais, porém não basta a assistência. A lei
impõe a aprovação destes como condição de eficácia dos pactos antenupciais.
5. Momento e lugar da celebração do pacto
Há um momento na lei para a celebração do pacto antenupcial, e esse
momento está descrito no art. 1.639, caput, do CC: antes da realização do ma-
trimônio. Não é possível a celebração nem durante nem após as bodas.
O art. 1.639 prevê o seguinte: “É lícito aos nubentes, antes de celebrado
o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”. A estipu-
lação a que se refere o dispositivo legal é, sem dúvida, o pacto antenupcial. O
momento, pois, é sempre anterior ao casamento.
Como bem salienta Débora Gozzo, o pacto antenupcial, diferentemente
da maioria ou senão da totalidade dos negócios jurídicos, “tem, precisado por
lei, o momento no qual os nubentes podem celebrá-lo, ou seja, antes do seu
casamento”
363
. De fato, enquanto em outros negócios jurídicos as partes são
livres para celebrá-los a qualquer momento, no caso dos pactos, ao revés, a lei
demarca um período além do qual não cabe mais a celebração.
323
De se perguntar, mesmo assim, como ficaria a situação se os cônjuges,
após o casamento, viessem a celebrar um pacto pós-nupcial? Washington de
Barros Monteiro
364
e Débora Gozzo
365
sustentam a nulidade do pacto reali-
zado após as bodas. No direito comparado, Louis Josserand
366
assevera que é
nulo o pacto concluído posteriormente à celebração do casamento. É também
a nossa opinião. A lei faculta aos nubentes a celebração de pactos antes do
casamento. Daí ser nulo o pacto firmado após as bodas. Dessa forma, ou o
pacto se faz antes do casamento, daí a denominação pacto antenupcial, ou
então o regime patrimonial a vigorar entre os cônjuges é o da comunhão par-
cial, nos termos da lei, salvo as exceções do art. 1.641.
Uma vez celebrado o casamento, não se admite a alteração do pacto –
bem entendido, do próprio pacto, não do regime patrimonial. Vale dizer, não é
lícito aos cônjuges celebrar nova escritura, agora com o exclusivo escopo de
alterar o regime patrimonial pactuado. O que eles podem fazer, mercê do dis-
posto no art. 1.639, § 2
o
, do novo Código Civil, é requerer conjuntamente a
alteração do regime patrimonial. No direito comparado, nem todas as legisla-
ções seguem o modelo brasileiro. É o caso, por exemplo, da Espanha, país
cujo ordenamento jurídico permite a modificação do pacto após o casamento,
nos termos da Lei de 2 de maio de 1975. O mesmo sucede com o direito ale-
mão, por força do disposto no parágrafo 1408 do BGB, que prevê a possibili-
dade de modificação do pacto após o casamento. O art. 1408 estabelece o se-
guinte: “Os cônjuges podem regular as suas relações jurídico-patrimoniais por
363
Ob. cit., p. 49.
364
Ob. cit., p. 190.
365
Ob. cit., p. 49.
366
Ob. cit., p. 287.
324
contrato (contrato nupcial), em particular também depois da celebração do
casamento, invalidar ou modificar o regime de bens”.
Em suma, os pactos somente poderão ser celebrados antes do matrimô-
nio. Não existe no ordenamento pátrio a possibilidade de os cônjuges celebra-
rem pacto após o enlace matrimonial. Disso resulta a seguinte conclusão: não
importa o tempo que medeie entre a realização do pacto e a celebração do ca-
samento. O importante é que o pacto seja elaborado antes das bodas. Aliás,
Pontes de Miranda examina a hipótese em que os noivos celebram pacto, mas
rompem o noivado, só o reatando muito tempo depois. O jurista indaga se es-
se pacto é eficaz se houver casamento, respondendo afirmativamente, ao ar-
gumento de que a reconciliação tem o efeito de restaurar o que foi convencio-
nado no pacto, porquanto “o que se há de entender é a permanência de tudo
que se estabeleceu entre os noivos, com a finalidade matrimonial”
367
.
Relembre-se que o ordenamento brasileiro não fixa prazo de validade
do pacto, diferentemente de outros países, como é o caso de Portugal, onde o
Código Civil lusitano, no art. 1716, assina o prazo de um ano para a celebra-
ção do casamento: “A convenção caduca se o casamento não for celebrado
dentro de um ano, ou se, tendo-o sido, vier a ser declarado nulo ou anulado,
salvo o disposto em matéria de casamento putativo” (destacamos). Como a lei
brasileira não adota tal modelo, há quem entenda possível o ajuizamento de
ação de nulidade, por qualquer dos pactuantes, após o decurso de prazo razo-
ável para a concretização das núpcias
368
. Nada obstante a prestigiosa opinião
de Caio Mário, a lei civil é omissa a respeito do assunto, de tal sorte que, fa-
367
Ob. cit., vol. VIII, p. 237.
368
Caio Mário da Silva Pereira, ob. cit., p. 145.
325
zendo coro à lição de Eduardo Espínola
369
, entendemos que enquanto durar o
noivado ou estiver de pé a promessa de casamento, o pacto está apto a gerar
efeitos após as bodas.
Visto o momento da celebração dos pactos, resta saber em que lugar e-
les poderão ser formalizados. A indagação é pertinente, uma vez que a lei ci-
vil alude apenas ao momento da celebração, mas não especifica o lugar da
celebração. Daí caber a seguinte pergunta: o pacto deverá ser formalizado no
domicílio do nubente, ou no da nubente, ou no de ambos, ou então no lugar da
celebração do casamento? Partindo-se do pressuposto de que ambos os noivos
sejam brasileiros e tenham domicílio no Brasil, a escritura de pacto poderá ser
lavrada em qualquer domicílio indistintamente. É o que sucede, mutatis mu-
tandis, com a escritura pública de compra e venda de imóvel.
E se os nubentes forem estrangeiros? Se forem estrangeiros, mas tive-
rem domicílio no Brasil, será observada a legislação brasileira, uma vez que o
art. 7
o
, caput, da Lei de Introdução ao Código Civil é incisivo ao estatuir: “A
lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o come-
ço e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”. E
quanto ao regime de bens, observar-se-á o § 4
o
desse mesmo dispositivo: “O
regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei dos país em que tiverem
os nubentes domicílio, e, se este for diverso, à do primeiro domicílio conju-
gal”. Isso significa dizer que fica vedado ao estrangeiro domiciliado no Brasil
369
Ob. cit., p. 367, nota de rodapé 462.
326
escolher outro regime que não seja o regime estabelecido pela lei brasileira.
Vale observar que Serpa Lopes, tratando justamente desse assunto, escreveu:
“Parece-nos que não é dado aos nubentes estabelecerem a subordinação do
seu regime de bens no casamento a uma lei diversa da resultante da sua lei
pessoal. A um cidadão domiciliado em nosso País, a despeito de poder pactu-
ar o regime de bens que lhe convier, não é facultado, contudo, estabelecer,
contratualmente, a subordinação do regime de bens a qualquer outra lei, que
não a do seu domicílio”
370
.
6. Forma dos pactos
É da substância do ato a escritura pública. Não é possível celebrar-se
pacto por simples documento particular. O Código Civil de 2002, a exemplo
do Código de 1916, exige expressamente a lavratura de escritura pública, sob
pena de nulidade do ato.
Assim dispõe o art. 1.653: “É nulo o pacto antenupcial se não for feito
por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento”. A nulidade
que ocorre na espécie está em perfeita harmonia com o art. 166, inc. IV, do
Código Civil, in verbis: “É nulo o negócio jurídico quando: não revestir a
forma prescrita em lei”. A legislação de outros países também exige a cele-
370
Comentários à Lei de Introdução ao Código Civil, vol. II, p. 120.
327
bração do pacto por instrumento público, como é o caso do Código Civil fran-
cês (art. 1394, § 1
o
).
Justificável a exigência de escritura pública. Dada a magnitude da insti-
tuição matrimonial, o legislador entendeu que a convenção que vier a tratar do
regime matrimonial terá plena higidez somente se for formalizada por escritu-
ra pública. A propósito do assunto, já advertia Lafayette Rodrigues Pereira
que a escritura pública “é determinada pela necessidade de dar a maior firme-
za e segurança a esses pactos, os quais, pela importância dos direitos que re-
gulam, interessam profundamente à sociedade civil”
371
. Demais disso, um
outro motivo, bem observado por Antunes Varela, justifica a imposição legal:
“A grande vantagem de obrigar os nubentes a reflectir sobre as cláusulas do
regime que vão adoptar e de facilitar a prova dos termos exactos do acordo a
que chegaram”
372
. Josserand
373
alude, igualmente, à prova, dizendo que a
intervenção do notário tem a vantagem de guiar as partes na confecção de um
ato importante e completo, além de assegurar a conservação do documento.
No direito comparado, o Código Civil uruguaio dispensa a feitura de pacto
por escritura pública se os bens não superarem determinado valor, ou se fo-
rem relativos a bens de raiz. É o que prevê o art. 1943: “Las convenciones
matrimoniales deben hacerse en escritura, so pena de nulidad, si el valor de
los bienes aportados por cualquiera de los esposos pasare de 500 Unidades
371
Ob. cit., p. 164.
372
Ob. cit., p. 366.
373
Ob. cit., p. 280.
328
Reajustables o si se constituyeren derechos sobre bienes raíces. Fuera de los
dos casos expresados, bastará para la validez que las convenciones matrimo-
niales consten por escritura privada firmada por las partes y tres testigos do-
miciliados en el Departamento. No surtirán efecto contra terceros mientras no
sean inscritas en el correspondientes Registro”.
No Brasil, porém, não há exceção. A escritura pública é sempre neces-
sária. O escrito particular, por mais que contenha um detalhado regramento
acerca do regime de bens a vigorar durante o consórcio matrimonial, não é
suficiente para emprestar-lhe validade. Assim, ainda que os nubentes ajustem
mediante escrito particular o regime da comunhão universal de bens, e ainda
que esse regime conste do assento de casamento, vigorará, ex vi legis, o regi-
me da comunhão parcial (CC, art. 1.640, caput).
Por outro lado, o pacto celebrado sem a observância da forma prescrita
em lei não é suscetível de confirmação nem de convalidação pelo decurso do
tempo (CC, art. 169).
A escritura pública, como visto, é necessária para a validade do ato, sob
pena de nulidade. Não basta, porém, só a escritura pública. É preciso que o
pacto observe os demais requisitos exigidos pela lei para a validade do negó-
cio jurídico (CC, art. 104).
329
Além disso, ainda que feito por escritura pública, o pacto será nulo se
contrariar disposição absoluta de lei (CC, art. 1.655), conforme veremos opor-
tunamente.
Para que os futuros cônjuges não enfrentem problemas relacionados ao
regime de bens, é mister que o oficial do registro tenha sempre em mente o
disposto no art. 1.528 do novo Código Civil
374
, esclarecendo os nubentes so-
bre os quatro regimes econômicos previstos na lei, além de informar-lhes que,
não adotado o regime legal, é mister a formalização de pacto antenupcial.
7. Objeto dos pactos
É válido observar, preliminarmente, que o pacto exige a observância
dos requisitos de validade previstos no art. 104, incs. I a III, do novo Código
Civil. Um desses requisitos é o objeto, indicado no inc. III: a validade do ne-
gócio jurídico requer “objeto lícito, possível, determinado ou determinável”.
Se o objeto não for dotado de tais características, é evidente que o pacto, por
não se ajustar ao enunciado do art. 104, inc. III, do Código Civil, ficará sujei-
to à declaração de nulidade, nos termos do art. 166 do mesmo diploma legal.
374
Art. 1.528: “É dever do oficial do registro esclarecer os nubentes a respeito dos fatos que podem ocasionar
a invalidade do casamento, bem como sobre os diversos regimes legais”.
330
O objeto dos pactos são as estipulações atinentes às relações econômi-
cas entre os cônjuges. Sem dúvida, a lei civil contempla como objeto do pacto
apenas as relações eminentemente patrimoniais entre os consortes. Basta ver
que o art. 1.639 diz ser lícito aos nubentes estipular, quanto aos bens, o que
melhor lhes aprouver. A lei elege os bens como o objeto do pacto. Assim, se
nubentes quiserem ajustar convenção relativa a seus bens presentes ou futu-
ros, poderão lançar mão do pacto antenupcial, seja escolhendo um dos regi-
mes preestabelecidos pela lei, seja fazendo a mesclagem dos quatro regimes
patrimoniais. Pouco importa se, no momento do ajuste, os nubentes não te-
nham bens particulares, ou, ao revés, possuam bens de reduzida expressão
monetária, porque a lei não condiciona a celebração do pacto à prévia aquisi-
ção de bens móveis ou imóveis. Além dos mais, como o ajuste não é direcio-
nado apenas para o presente, mas também para o futuro, é natural que os nu-
bentes tenham liberdade para celebrar convenção atinente aos seus exclusivos
interesses econômicos.
É forçoso concluir, portanto, que apenas as relações patrimoniais ficam
abrangidas pelas convenções antenupciais. Afinal, se o pacto, como já se dis-
se, persegue unicamente a finalidade de regular as relações patrimoniais entre
os futuros cônjuges, escapa de seu objeto, por óbvio, as questões de caráter
nitidamente pessoal. Ao ser falar em relações patrimoniais entre os futuros
cônjuges, subentende-se relações patrimoniais ligadas ao regime de bens.
331
As questões de caráter pessoal, ainda que relevantes, estão excluídas da
convenção antenupcial. Como bem adverte Washington de Barros Monteiro
375
, os nubentes devem ater-se tão-somente às questões econômicas, deixando
de lado as estipulações sobre direitos conjugais, paternos e maternos, no que é
seguido por outros autores
376
. Tais estipulações, ainda que não venham a pre-
judicar o direito das partes, estão fora do âmbito pactício.
Ao tempo da vigência do Código Civil de 1916, o art. 257, inc. I, con-
siderava não escrita a cláusula que viesse a prejudicar os direitos conjugais,
ou os paternos, disposição não repetida pelo art. 1.655 do novo Código, mas
nem por isso suprimida de seu bojo, porque seria pouco provável que o legis-
lador permitisse, doravante, o resignado ultraje a direitos conjugais ou a direi-
tos paternos e maternos.
O importante é ressaltar que a lei não possibilita aos futuros cônjuges
estabelecerem cláusulas que digam respeito a questões estranhas ao regime de
bens, mesmo que ligadas à união matrimonial, tais como exercício exclusivo
do poder familiar por um dos cônjuges, proibição de um destes freqüentar a
casa de determinados parentes, etc. Voltaremos ao assunto oportunamente (v.
infra, n. 8).
Antes de encerrar este item, convém abordar um assunto polêmico, alvo
de controvérsia na doutrina: os chamados pactos sucessórios. No direito ante-
375
Ob. cit., p. 193.
376
Orlando Gomes, ob. cit., 168; Maria Helena Diniz, Curso..., p. 147.
332
rior ao Código Civil de 1916, o tema era objeto de acesa discussão doutriná-
ria, segundo informa Carvalho Santos
377
. Esse autor informava que, naquela
época, havia três correntes doutrinárias: a primeira sustentando a impossibili-
dade de os nubentes firmarem pactos sucessórios; a segunda corrente conside-
rando-os válidos, desde que passíveis de revogação como os testamentos; a
terceira também considerando válidos tais pactos, sujeitos, no entanto, à revo-
gação por mútuo consenso das partes. Carvalho Santos, após fazer um deta-
lhado e profundo estudo sobre o assunto, citando a posição de renomados au-
tores nacionais, tais como Rui Barbosa, Lafayete Rodrigues Pereira, Clóvis
Bevilaqua, João Mendes, Eduardo Espínola, Estêvão de Almeida, Carvalho
Mourão, concluiu que o art. 1.089 do Código de 1916 resolveu satisfatoria-
mente a divergência doutrinária, proibindo a celebração de contrato relativo a
herança de pessoa viva. E Carvalho Santos arremata o assunto, salientando:
“De sorte que, se é nula a cláusula do pacto antenupcial que contravenha dis-
posição absoluta de lei, a conclusão lógica e natural a que se chega é que, no
sistema atual do nosso Direito, não mais se permitem os pactos sucessórios
nos contratos antenupciais. Vale dizer: são nulos os pactos pelos quais um dos
cônjuges promete ao outro instituí-lo herdeiro, ou transfere o direito de suce-
der na herança de pessoa viva, ou aqueles que importam renúncia de herança
de pessoa via. Não é lícito aos nubentes, por outro lado, inserir na convenção
antenupcial cláusula alguma que importe mudança da ordem legal da suces-
377
Ob. cit., p. 14.
333
são, seja em relação a eles mesmos na sucessão de seus filhos, seja em relação
aos seus filhos, entre si”
378
. Mas o art. 1.089 não teve o condão de pacificar a
controvérsia, pois o tema continuou a dividir a opinião da doutrina. Clóvis
Bevilaqua
379
, por exemplo, apesar de enfatizar a existência do art. 1.089, dis-
se que os nubentes poderiam estatuir cláusulas relativas à sua sucessão, desde
que não prejudicassem os herdeiros necessários nem tornassem imutáveis a
disposições mortis causa. San Tiago Dantas
380
, por sua vez, assumiu posição
contrária à de Clóvis, sustentando não ser possível, no pacto antenupcial, a
disposição sobre a sucessão mútua dos cônjuges, opinião também defendida
por Washington de Barros Monteiro
381
e por Sílvio de Salvo Venosa
382
, entre
outros autores.
Pois aí se vê que o tema não é nada pacífico, especialmente porque o
art. 426 do novo Código Civil, uma réplica do art. 1.089 do Código de 1916,
não permite a celebração de contratos que tenham por meta a herança de pes-
soa viva.
A nosso ver, os pactos sucessórios são proibidos pelo direito brasileiro.
Nesse ponto, a nossa legislação afasta-se das legislações de outras países que
permitem os pactos sucessórios. É o caso de Portugal. O art. 1701, n. 1, do
Código Civil lusitano prevê o seguinte: “A instituição contratual de herdeiro e
378
Ob. cit., p. 48-49.
379
Ob. cit., p. 163.
380
Ob. cit., p. 271.
381
Ob. cit., p. 193-194.
382
Ob. cit., p. 177.
334
a nomeação de legatário, feitas na convenção antenupcial em favor de qual-
quer dos esposados, quer pelo outro esposado, quer por terceiro, não podem
ser unilateralmente revogadas depois da aceitação, nem é lícito ao doador pre-
judicar o donatário por atos gratuitos de disposição; mas podem essas libera-
lidades, quando feitas por terceiro, ser revogadas a todo o tempo por mútuo
acordo dos contraentes”.
O nosso direito não tem disposição similar. Ao contrário. Dizendo que
a herança de pessoa viva não pode ser objeto de contrato, o art. 426 do Códi-
go Civil nada mais faz senão coibir expressamente a celebração de tais pactos.
Segundo pensamos, se a intenção da lei fosse mesmo a de permitir ajustes
desse calibre, por certo o capítulo concernente aos pactos antenupciais (arts.
1.653 a 1.657) teria algum dispositivo permissivo, na medida em que o legis-
lador sabia da polêmica que cercava o assunto. Assim, para fechar este tópico,
podemos dizer que, a nosso ver, os nubentes estão proibidos de celebrar ajus-
tes de natureza sucessória, embora não seja vedada a possibilidade de recorre-
rem a disposições de última vontade.
8. Nulidade e ineficácia dos pactos
O Código Civil de 2002 trata de nulidade do pacto (ou de cláusula des-
te) e de sua ineficácia. É preciso separar, pois, nulidade de ineficácia.
335
Comecemos pela nulidade. Temos as nulidades de forma e as nulidades
de conteúdo, isto é, as nulidades formais, que dizem respeito à própria forma
do pacto antenupcial, e as nulidades substanciais, que se referem ao conteúdo
de tais convenções.
O art. 1.653, 1
a
parte, do novo Código Civil diz que o pacto é nulo se
não for feito por escritura pública. Já vimos que a forma, quando prescrita em
lei, é necessária para validade do ato. Aliás, o art. 107 consigna que a validade
da declaração de vontade somente depende de forma especial quando a lei
expressamente a exigir. É o caso do pacto, cujo art. 1.653, 1
a
parte, impõe a
escritura pública. Assim, se o pacto for feito por escrito particular, será nulo,
por força dos arts. 166, inc. IV, e 1.653, ambos do novo Código. Aqui não se
examina o conteúdo do pacto, mas apenas o seu aspecto formal.
Ao lado da nulidade de forma, temos a nulidade substancial, isto é, a
nulidade de conteúdo. Aqui já não se examina a forma como foi realizado o
pacto, porém o seu conteúdo. É dizer, o pacto, ainda que feito por escritura
pública, em obediência à forma prescrita em lei, será declarado nulo, total ou
parcialmente, se infringir disposição absoluta de lei. Diz o art. 1.655 do Códi-
go Civil que é nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição
absoluta de lei. No regime da lei anterior, considerava-se não escrita a cláusu-
la que contraviesse disposição absoluta de lei (CC, art. 257, inc. II). O Código
atual, de forma diferente, preferiu considerar nulo o pacto ou cláusula dele
que contravenha disposição absoluta de lei. Por outro lado, o novo Código
336
não repetiu a redação do inc. I do art. 257 do CC de 1916 (ter-se-á por não
escrita a convenção ou cláusula “que prejudique os direitos conjugais ou os
paternos”), no que agiu muito bem, porque quem prejudica direitos conjugais
ou paternos infringe disposição absoluta de lei. Mas a redação do art. 1.655
não ficou imune a críticas, uma vez que Giselda Maria Fernandes Novaes Hi-
ronaka pregou a desnecessidade de o legislador editar dispositivo dessa natu-
reza, tendo em vista que, a seu ver, “não teria sido necessário que o legislador
incluísse, nesse passo, regra que é de caráter absoluto e geral, uma vez que
qualquer convenção, qualquer pacto – e não apenas o pacto antenupcial – que
atentar contra norma de ordem pública será cravado pelo estigma da nulida-
de”
383
.
Em matéria de pacto antenupcial, autonomia da vontade não é plena, i-
limitada, encontrando freio no art. 1.655 do novo Código Civil. Como prele-
ciona San Tiago Dantas
384
, a propósito do art. 257 do Código revogado, lição
que se mantém atual, a liberdade dos nubentes encontra-se circunscrita a uma
limitação estabelecida e, como não é dado a eles contravir as disposições de
direito imperativo, em matéria de regimes matrimoniais, muitas das disposi-
ções do Código Civil constituem o jus cogens, direito a respeito do qual não é
lícito às partes derrogar por sua vontade.
A infringência de disposição absoluta de lei, ou seja, a violação de
norma cogente é causa de nulidade do pacto antenupcial ou de cláusula deste.
Nesse ponto há divisibilidade, de tal sorte que a nulidade de uma cláusula não
383
Ob. cit., p. 254-255.
384
Ob. cit., p. 270.
337
contamina todo o pacto. No dizer acertado de Carlos Alberto Bittar Filho, “é
nula a convenção que contravenha disposição absoluta de lei. A infringência
de norma cogente, imperativa ou de ordem pública, tem como corolário a nu-
lidade da convenção (CC, art. 166, VI). Mas a sanção de nulidade deve se
sempre aplicada com a relativização decorrente do princípio da conservação
dos atos e negócios jurídicos, por força do qual, em sendo possível, a nulidade
há de ser circunscrita à cláusula que desafie disposição absoluta de lei (CC,
art. 184). Em outras palavras, utile per inutile nom vitiatur
385
. Se os nuben-
tes escolherem, por exemplo, o regime da comunhão universal de bens e, ao
mesmo tempo, ajustarem que os bens imóveis poderão ser alienados sem pré-
via outorga conjugal, essa cláusula é nula, a teor do art. 1.647 do Código, mas
a declaração de nulidade não contamina todo o pacto. É dizer, prevalece o re-
gime da comunhão universal, excluída, porém, a cláusula violadora de dispo-
sição absoluta de lei.
Consideram-se nulas as cláusulas que: dispensem os cônjuges dos deve-
res de fidelidade recíproca, coabitação e mútua assistência; permitam ao ma-
rido escolher o domicílio conjugal; entreguem a um dos cônjuges, com exclu-
sividade, o exercício do poder familiar; proíbam um dos cônjuges de visitar os
seus parentes consangüíneos; impeçam a mulher de exercer atividades fora do
lar; proíbam os avós de visitar os netos; deleguem a terceiros a criação e a e-
ducação da prole. Essas cláusulas são nulas por contrariarem disposição abso-
luta de lei. Muitas delas, aliás, ofendem não só a lei, mas sobretudo a moral e
os bons costumes.
385
Direito de Família e Sucessões, p. 74.
338
Inclui-se no rol de proibições, a nosso ver, o ajuste que imponha a edu-
cação do filho segundo a religião de um dos cônjuges, embora prestigiosos
autores tenham admitido a celebração de convenção com esse conteúdo
386
.
Afinal, se todos são iguais perante a lei, se marido e mulher têm os mesmos
direitos, se a direção da sociedade conjugal compete a ambos os cônjuges, se
há a mais completa igualdade entre marido e mulher no trato de questões con-
jugais, não se justifica privilegiar um dos cônjuges em detrimento do outro,
pois, como preleciona Sílvio de Salvo Venosa
387
, o pacto não pode admitir
disposição que contrarie ou infrinja direitos fundamentais ou da personalida-
de.
Até aqui examinamos as nulidades. Vamos agora discorrer sobre a ine-
ficácia do pacto antenupcial. No regime da lei anterior, o art. 256, parágrafo
único, considerava nulo o pacto a que não se seguisse casamento. Pontes de
Miranda
388
criticava severamente o dispositivo, ao argumento de que o super-
ficial conhecimento jurídico dos legisladores não tinha atinado para o fato de
que a inexistência de casamento era causa de ineficácia do pacto, jamais de
nulidade. Eduardo Espínola
389
aduzia que não se tratava de nulidade, mas sim
de caducidade.
O legislador do novo Código corrigiu a falha. Com efeito, o art. 1.653
alude a ineficácia e não a nulidade. Prescreve o art. 1.653: “É nulo o pacto
386
Clóvis Bevilaqua, ob. cit., p. 161; Pontes de Miranda, ob. cit., tomo VIII, p. 247.
387
Ob. cit., p. 177.
388
Ob. cit., tomo VIII, p. 237. No mesmo sentido: Orlando Gomes, ob. cit., p. 168; Débora Gozzo, ob. cit., p.
108.
389
Ob. cit., p. 367, nota de rodapé 462.
339
antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir
o casamento”. Bem entendido, o casamento celebrado entre os próprios nu-
bentes, porquanto, como salienta Pontes de Miranda
390
, as pessoas podem ser
as mesmas sem ser o mesmo casamento, se um dos noivos se casar com ou-
trem.
Dessa maneira, o casamento é condição de eficácia do pacto antenupci-
al. É dizer: se os nubentes não levarem avante o projeto de contrair matrimô-
nio, o pacto não ganhará foros de eficácia, será um mero escrito notarial vazio
e imprestável. No magistério de Josserand, “la celebración del matrimonio no
es una simple condicón del contrato, y la mejor prueba de ello es que es ne-
cessaria para su eficacia, para su existencia misma; lejos de tener un carácter
advencticio, constituye sua armadura; sin ella, el contrato de matrimonio no
es más que um simple proyjeto, a la manera por ejemplo del testamento de
una persona viviente; no tiene más que un valor eventual
391
.
O casamento é, pois, condição suspensiva do pacto, conforme reconhe-
ce a doutrina pátria
392
. Portanto, se o matrimônio não se realizar, o pacto é
ineficaz, independentemente da adoção de qualquer providência judicial ou
extrajudicial. Já a nulidade do pacto sujeita-se à intervenção do Poder Judiciá-
rio e à declaração de nulidade.
390
Ob. cit., tomo VIII, p. 261.
391
Ob. cit., p. 286.
392
Clóvis Bevilaqua, ob. cit., p. 160; Silvio Rodrigues, ob. cit., p. 174; Washington de Barros Monteiro, ob.
cit., p. 194; Orlando Gomes, ob. cit., p. 168; Maria Helena Diniz, Curso..., p. 146; Sílvio de Salvo Venosa,
ob. cit., p. 176.
340
Em conclusão, podemos dizer que há sensível diferença entre nulidade
e ineficácia. A nulidade é uma frontal violação à lei, quer no terreno da forma,
quer no terreno do conteúdo. A eficácia, ao contrário, decorre simplesmente
da não realização do casamento. E quando não ocorre o matrimônio, dá-se
também a caducidade, que será examinada a seguir.
9. Caducidade dos pactos
A caducidade decorre, como regra, da não realização do matrimônio.
Como já se falou acima, o casamento é condição suspensiva do pacto. Reali-
zado o casamento, o pacto ganha eficácia; não realizado o enlace, o pacto tor-
na-se ineficaz.
É verdade que o Código Civil não alude à caducidade dos pactos nos
arts. 1.653 a 1.657, mas, mesmo assim, a doutrina, de forma unânime, reco-
nhece que o casamento é condição de eficácia do pacto. A caducidade é, pois,
corolário da não realização das bodas.
Não importa a razão pela qual os nubentes não tenham celebrado ma-
trimônio entre si (morte, incapacidade absoluta, casamento com terceiro, etc.).
Contenta-se a lei com a não realização do casamento, independentemente de
sua causa.
Embora tenhamos dito acima que a caducidade do pacto decorre da não
celebração de matrimônio, é mister observar que as bodas não são, em absolu-
341
to, a única causa capaz de provocar a caducidade. A invalidade do casamento
também faz o pacto caducar. A propósito, Puig Peña
393
ensina que o pacto
nupcial caduca quando o matrimônio não chega a celebrar-se ou quando, não
obstante celebrado, é depois declarado nulo.
O Código Civil português, em artigo sob a rubrica “Caducidade das
convenções antenupciais”, estatui o seguinte: “A convenção caduca, se o ca-
samento não for celebrado dentro de um ano, ou se, tendo-o sido, vier a ser
declarado nulo ou anulado, salvo o disposto em matéria de casamento putati-
vo” (art. 1716).
A invalidade do casamento – nulidade ou anulação – gera, portanto, a
caducidade do pacto, desde que ambos os cônjuges sejam considerados cul-
pados. Se somente um deles for tido como tal, a caducidade é parcial
394
, por-
que aí se trata de casamento putativo
395
, acerca do qual Yussef Said Cahali
pontifica, em relação às convenções antenupciais: “O casamento putativo dei-
xa firmes as convenções matrimoniais, que recebem sua plena e integral exe-
cução, sendo observadas como se a anulação do casamento representasse
simples dissolução; o regime estabelecido respeita-se como se o casamento
tivesse sido válido”
396
.
De tudo quanto foi dito sobre a caducidade, podemos extrair as seguin-
tes conclusões: é inegável o caráter acessório do pacto em relação ao casa-
mento. Logo, se este não for realizado, aquele não terá eficácia, sendo consi-
393
Ob. cit., p. 258.
394
Pontes de Miranda, ob. cit., tomo VIII, p. 261.
395
O casamento putativo está previsto no art. 1.561 e parágrafos do Código Civil.
396
O Casamento Putativo, p. 145. Ver também Alípio Silveira, O Casamento Putativo no Direito Brasileiro,
p. 155-158.
342
derado caduco. O mesmo se dirá do casamento declarado nulo ou anulável –
salvo a hipótese de putatividade –, na medida em que o pacto haverá de seguir
a sorte do principal.
10. Publicidade dos pactos
O princípio da publicidade está consagrado no art. 1.657 do novo Códi-
go Civil, in verbis: “As convenções antenupciais não terão efeito perante ter-
ceiros senão depois de registradas, em livro especial, pelo oficial do Registro
de Imóveis do domicílio dos cônjuges”. No mesmo sentido dispunha o art.
261 do revogado Código de 1916. A exigência do registro já aparecia no art.
331 do Projeto apresentado ao Congresso em 17 de dezembro de 1900: “As
convenções antenupciaes não terão effeito para com terceiros sinão depois de
registradas em livro especial, pelo official de registro predial da comarca do
domicílio dos cônjuges”.
A finalidade do princípio é dar ciência a terceiros de que os cônjuges,
mediante pacto antenupcial, escolheram regime patrimonial diverso do regime
legal ou supletivo. Eis a razão capital pela qual a lei impõe o registro, dando
publicidade a terceiros. A publicidade oriunda do registro é a que marca o
começo da eficácia quanto a terceiros
397
. Se o pacto não for levado a registro,
397
Pontes de Miranda, ob. cit., tomo VIII, p. 255.
343
obviamente não produzirá efeitos perante terceiros. É como se o casamento
tivesse, quanto aos terceiros, se realizado pelo regime da comunhão parcial.
O respeito ao princípio da publicidade faz com que os terceiros se pre-
vinam em suas relações econômicas com os cônjuges. Puig Peña afirma, com
propriedade, que “el contrato matrimonial se diferencia de los demás pactos
de del Derecho privado en que, aparte de su valor entre los cónyuges, interesa
extraordinariamente a los terceros que en el porvenir contraten con los espo-
sos o que sean sus acreedores. No es a éstos, en efecto, indiferente el régimen
que hayan adoptado los cónyuges, puesto que del mismo depende la extensión
de la garantía”
398
.
De se notar que a exigência do registro diz respeito apenas aos tercei-
ros, não alcançando obviamente os próprios cônjuges, de sorte que, quanto a
estes, é indiferente levar ou não levar o pacto a registro.
Assinala Pontes de Miranda que “a publicidade oriunda do registro é,
pois, o que marca o começo da eficácia quanto a terceiros”
399
. E mais adiante,
assevera: “É de notar-se que a lei brasileira preferiu o registro de imóveis, que
passa, assim, a ser lugar de publicidade para pactos talvez somente sobre mó-
veis. Preponderância do elemento real sobre o elemento pessoal, que se vê no
regime matrimonial dos bens entre os cônjuges e nos pactos antenupciais em
geral”
400
.
398
Ob. cit., p. 251.
399
Ob. cit., p. 255.
400
Ob. cit., p. 255.
344
A Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos)
também consagra o princípio da publicidade dos pactos antenupciais para va-
ler contra terceiros. Com efeito, o art. 167, inc. I, n. 12, exige o registro das
convenções antenupciais no Registro de Imóveis. Além disso, o inc. II, n. 1,
do mesmo dispositivo manda fazer a averbação “das convenções antenupciais
e do regime de bens diversos do legal, nos registros referentes a imóveis ou a
direitos reais pertencentes a qualquer dos cônjuges, inclusive os adquiridos
posteriormente ao casamento”. Como preleciona Maria Helena Diniz
401
, para
que o pacto tenha validade erga omnes, é preciso que o registro seja feito no
Livro 3 – Registro Auxiliar, sob pena de só subsistir nas relações entre cônju-
ges e herdeiros. O registro será feito no Livro 3, sem prejuízo de sua averba-
ção obrigatória nas matrículas feitas nos Cartórios, no lugar da situação dos
imóveis de propriedade dos cônjuges, ou dos que forem sendo adquiridos e
sujeitos a regime de bens diverso do comum, com a declaração das respecti-
vas cláusulas, para ciência de terceiros (Lei n. 6.015/73, art. 244).
O registro do pacto, segundo o art. 1.657 do novo Código, deverá ser
feito no Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges. A lei civil fala em
domicílio dos cônjuges (e não dos nubentes), o que impõe, no dizer de Débora
Gozzo
402
, o registro do pacto somente após o casamento, a partir do qual co-
meçam a irradiar efeitos perante terceiros que não tenham participado do ne-
gócio. O entendimento de Débora Gozzo contrasta, porém, com o de magisté-
401
Sistemas de Registros de Imóveis, p. 172.
402
Ob. cit., p. 113.
345
rio de Pontes de Miranda, que admite dois momentos para o registro dos pac-
tos: um anterior ao casamento, outro posterior. Segundo Pontes de Miranda,
“o registro anterior ao casamento tem de ser no domicílio dos nubentes, se é
um só; ou de ambos, se cada um tem ou seu. Pode, porém, ocorrer que só se
faça depois do casamento, entendendo-se por ‘depois’ o que se fez no mesmo
dia que o casamento, se se não mencionou a hora do registro”
403
. Parece mais
aceitável a posição de Débora Gozzo, não só porque o art. 1.657 do Código
Civil se refere, realmente, ao domicílio dos cônjuges, vocábulo que não guar-
da sinonímia com nubentes, pois quando o Código quer se referir a nubentes
fá-lo expressamente (exemplo: arts. 546, 1.523, parágrafo único, 1.524, 1.525,
1.639, caput), como também porque o registro do pacto, antes da celebração
do casamento, poderia conduzir a uma situação no mínimo curiosa caso as
bodas não se realizassem, quer em razão da morte de um dos nubentes, quer
em razão de outros motivos. Somem-se a esses argumentos mais um, apresen-
tado por Washington de Barros Monteiro: sendo o pacto ineficaz se não se-
guido de casamento, “conclui-se que sua inscrição só se efetuará depois de
celebrado o casamento”
404
.
Em suma, como acabamos de ver, os pactos, em relação a terceiros,
somente projetarão efeitos se registrados em livro especial pelo oficial do Re-
gistro de Imóveis, nos termos do art. 1.657 do Código Civil. Entretanto, se um
403
Ob. cit., tomo VIII, p. 255-256.
404
Ob. cit., p. 195.
346
dos cônjuges for empresário, o art. 979 ainda determina o arquivamento e a
averbação dos pactos no Registro Público de Empresas Mercantis
405
.
405
É deste teor a redação do art. 979: “Além de no Registro Civil, serão arquivados e averbados, no Registro
Público de Empresas Mercantis, os pactos e declarações antenupciais do empresário, o título de doação, he-
rança, ou legado, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade”
347
CAPÍTULO VI: SOCIEDADE ENTRE CÔNJUGES
Durante a vigência do Código Civil de 1916, a sociedade entre cônju-
ges foi muito discutida na doutrina e na jurisprudência. Autores de peso re-
pugnavam a formação de sociedade entre marido e mulher, sob o argumento
de que ela, sobre ofender o poder marital, colocava em risco o regime de bens
no casamento.
Carvalho de Mendonça era frontalmente contrário à possibilidade de os
cônjuges contraírem sociedade comercial entre si. Dizia o mestre que “a única
sociedade permitida entre esposos é a universal, resultante do regime do ca-
samento. Não lhes é lícito contratar sociedade comercial, por ofender antes de
tudo o instituto do poder marital, produzindo necessariamente a igualdade de
direitos incompatível com os direitos do marido como chefe do casal. Se o
casamento é sob o regime da comunhão de bens, não há vantagem na socie-
dade, quer relativamente aos cônjuges, quer relativamente aos credores.
Quanto aos primeiros, porque os lucros dos negócios seriam comuns, houves-
se ou não sociedade. Quanto aos segundos, porque as suas garantias não me-
lhorariam. Se o casamento obedece a outro regimen, a sociedade fraudaria a
lei reguladora dos pactos antenupciais, tornando comuns, em virtude do con-
trato de sociedades, bens que o ato antenupcial separara. Dar-se-ia, assim, o-
348
fensa à essência desses pactos. A sociedade entre esposos deve, pois, conside-
rar-se nula. A nulidade é de ordem pública”
406
.
Waldemar Martins Ferreira também não via na lei nenhuma brecha para
a formação de sociedade entre marido e mulher. Sustentava ele que “a repug-
nância por sociedade entre cônjuges é justificada. Bem hajam as inúmeras
decisões judiciárias que a anulem! Na generalidade dos casos, trata-se de si-
mulação, para o marido usar firma social e, dessarte, obter crédito que não
teria com sua firma individual, quando não de artifício para apoderar-se dos
bens e do patrimônio da mulher, sendo de separação o regime de bens do ca-
sal”
407
.
Na doutrina estrangeira, Enneccerus, Kipp e Wolff
408
diziam que a
constituição de sociedade vulneraria a hierarquia que deve existir dentro da
família, e também afetaria o regime de bens por implicar a alteração da disci-
plina econômica do matrimônio com a conseqüente infração ao princípio da
imutabilidade do regime de bens na constância do casamento.
Carvalho de Mendonça e Waldemar Ferreira influenciaram decidida-
mente algumas cortes de justiça do país, a ponto de estas passarem a vedar a
constituição de sociedade entre marido e mulher, consoante dá conta ementa
da 5
a
Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
406
Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. III, p. 118-119.
407
Instituições de Direito Comercial, vol. 1, tomo I, p. 299.
408
Tratado de Derecho Civil, 1
o
tomo, vol. 2
o
, p. 134.
349
Sociedade comercial – Marido e mulher – Inadmissibilidade.
(...) Não se admite sociedade comercial entre marido e mulher”
(TJSP, 5
a
Câm., Agravo de petição n. 226.530, Santo André, rel.
Dantas de Freitas, j. 13-11-1973)
409
.
Em 1962, com a promulgação do Estatuto da Mulher Casada, alguns
autores firmaram posição no sentido de que a sociedade entre marido e mu-
lher era possível. Aderindo a essa corrente, Amador Paes de Almeida
410
sus-
tentava que, após a edição da Lei n. 4.121/62, a mulher estava legalmente au-
torizada a aliar-se ao marido para constituir sociedade comercial, pois tal di-
ploma legislativo tratou de cuidar das condições da mulher casada em geral, e
não apenas no campo do Direito Civil. Rubens Requião
411
também dizia que,
após o advento do Estatuto da Mulher Casada, nada mais impedia que a mu-
lher se associasse ao marido para o exercício da atividade empresarial consti-
tuída sob a forma de sociedade por cotas, desde que não houvesse abuso da
personalidade jurídica da sociedade.
A segunda corrente encontrou eco em alguns tribunais do país. Em São
Paulo, o 2
o
Tribunal de Alçada Civil de São Paulo passou a decidir nestes
termos:
409
RT, 468/69. No mesmo sentido: RT, 484/149, 444/142, 418/213.
410
Manual das Sociedades Comerciais, p. 43-44.
411
Curso de Direito Comercial, p. 323.
350
“Sociedade comercial – Responsabilidade limitada – Marido e
mulher – Admissibilidade – Impugnação rejeitada. (...) Após a
Lei 4.121/62, admite-se a participação exclusiva de marido e mu-
lher em sociedade por cotas” (2
a
Câmara, Apelação n. 97.929,
São Paulo, rel. Carvalho Pinto, j. 1
o
-9-1980)
412
.
Entre uma e outra corrente doutrinária, João Eunápio Borges
413
assu-
miu posição intermediária, entendendo de rigor o exame de cada caso concre-
to para verificar se a sociedade representava ou não ofensa a qualquer dos
princípios estabelecidos pela lei.
O legislador do Código Civil de 2002, não desconhecendo o dissenso
doutrinário e jurisprudencial lavrado em torno do tema, preferiu acabar de vez
com a celeuma, editando a norma do art. 977, in verbis: “Faculta-se aos côn-
juges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham
casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obriga-
tória”. É dizer, o legislador de 2002, numa só penada, tomou partido da dis-
cussão e se posicionou favorável à formação de sociedade entre marido e mu-
lher, desde que estes não sejam casados pelo regime da comunhão universal
ou, então, pelo regime da separação obrigatória de bens (CC, art. 1.641).
Ricardo Fiuza, relator do projeto na Câmara dos Deputados, explica di-
daticamente as razões pelas quais os regimes de comunhão universal e de se-
412
RT, 544/149. No mesmo sentido: RT 529/113, 493/86, 477/154, 458/125.
413
Curso de Direito Comercial Terrestre, p. 139.
351
paração obrigatória de bens impedem a formação de sociedade: “No primeiro
caso, o da comunhão total, a sociedade seria uma espécie de ficção, já que a
titularidade das quotas do capital de cada cônjuge na sociedade não estaria
patrimonialmente separada no âmbito da sociedade conjugal, da mesma ma-
neira que todos os demais bens não excluídos pelo art. 1.668, a ambos perten-
centes. No que tange ao regime da separação obrigatória, a vedação ocorre
por disposição legal, nos casos em que sobre o casamento possam ser levan-
tadas dúvidas ou questionamentos acerca do cumprimento das formalidades
ou pela avançada idade de qualquer dos cônjuges”
414
. A despeito das ponde-
rações de Fiuza, Manuel de Queiroz Pereira Calças, em tese de doutoramento
apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, reputa evidente o retrocesso, pois não há qualquer justificativa para a
alteração do entendimento firmado pela doutrina e jurisprudência, nacional e
estrangeira, permissiva da contratação de sociedade limitada entre cônjuges,
acrescentando: “Pensamos que o artigo 977 do Código Civil deveria, sim-
plesmente, facultar aos cônjuges contratar sociedade entre si ou com terceiros,
sem fazer qualquer restrição relacionada com o regime matrimonial dos con-
tratante, matéria que deve ser regulada pelo direito de família”
415
, opinião à
qual aderimos, porquanto a ingerência do legislador reduz a liberdade dos
cônjuges, afetando a autonomia da vontade. Seja como for, o legislador auto-
rizou a contratação somente se os cônjuges forem casados pelos regimes de
comunhão parcial, participação final nos aqüestos e separação convencional
de bens.
414
Novo Código Civil Comentado, p. 882-883.
415
Sociedade Limitada no Código Reale, p. 89/90.
352
Dessa forma, a partir de 11 de janeiro de 2003, toda a discussão a res-
peito do assunto se tornou estéril, porque o novo Código permitiu a formação
de sociedade entre marido e mulher nas hipóteses em que especifica.
Conforme vimos acima, a contratação somente será vedada por lei se o
regime patrimonial for o da comunhão universal ou o da separação obrigatória
de bens. A contrario sensu, nos outros regimes de bens os cônjuges têm total
liberdade para contratar sociedade entre si, mas desde que não haja, como ad-
verte Ricardo Fiuza
416
, abuso da personalidade jurídica societária com a in-
tenção de prejudicar credores.
Se a sociedade se desviar de sua finalidade, causando prejuízos a tercei-
ros, a solução será ou a aplicação do art. 50 do novo Código Civil
417
, com a
desconsideração da pessoa jurídica, ou, em hipótese extrema, a dissolução
judicial da sociedade, tarefa que poderá ficar a cargo do Ministério Público se
a conduta perpetrada pelos sócios violar interesses difusos ou coletivos. Aliás,
foi Rubens Requião
418
, ao que parece, o primeiro autor brasileiro a divulgar,
entre nós, a desconsideração da personalidade jurídica.
O tema suscita, por outro lado, discussão a respeito do alcance do art.
1.639, § 2
o
, do novo Código Civil. Já vimos que a nova codificação, rompen-
do com o sistema do velho Código, admite excepcionalmente a alteração do
416
Ob. cit., p. 883.
417
Art. 50: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe cou-
ber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos
bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
418
Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica, p. 20.
353
regime de bens. Para que isso seja possível, é preciso que o pedido, formulado
por ambos os cônjuges, indique as razões dessa alteração. Nesse contexto, o
casal tem a oportunidade de alcançar a mudança do regime de comunhão uni-
versal para o da comunhão parcial, o que lhe proporcionará constituir socie-
dade. E mesmo que o casamento tenha ocorrido pelo regime da separação o-
brigatória de bens, a alteração será possível, segundo o nosso pensar, desde
que os cônjuges, no caso concreto, exponham claramente as razões determi-
nantes da mudança.
Assim sendo, ao deferir o pedido de alteração do regime de bens, o juiz
deverá tomar as necessárias cautelas para impedir que os cônjuges lancem
mão de expediente altamente nocivo ao interesse de terceiros.
Em conclusão, a formação de sociedade entre cônjuges está inequivo-
camente garantida pelo comando do art. 977 do Código Civil, e tem ela a fina-
lidade de fomentar a atividade econômica, gerar empregos, beneficiar a cole-
tividade, os próprios cônjuges e seus descendentes.
354
CONCLUSÕES
De um modo geral, as Constituições brasileiras sempre deram atenção e
importância à família, base de nosso sociedade. Mas a Constituição Federal
de 1988 foi mais longe, reconhecendo não só a família nascida do casamento,
como também a família formada pela união estável entre homem e mulher.
Além disso, a Constituição Federal reconheceu a família monoparental como
entidade familiar.
A Constituição Federal atual rompeu com a ordem jurídica anterior em
matéria de relações familiares. A partir da promulgação da Constituição Ci-
dadã, denominação cunhada por Ulisses Guimarães, homens e mulheres pas-
saram a ter, dentro da sociedade conjugal, os mesmos direitos e deveres. O
constituinte reconheceu, de um lado, a plena igualdade conjugal, não permi-
tindo que o marido tivesse mais direitos ou privilégios do que a mulher. De
outro, extinguiu a odiosa discriminação que havia entre filhos legítimos e fi-
lhos ilegítimos, colocando-os no mesmo patamar jurídico. Ademais, a Cons-
tituição Federal vedou quaisquer designações discriminatórias relativas à fili-
ação, proibindo, assim, que os filhos nascidos de relacionamentos adulterinos
ou incestuosos fossem chamados de ilegítimos, bastardos, etc.
355
Tudo isso ocorreu em razão do reconhecimento estatal do princípio da
dignidade da pessoa humana, um dos pilares do Estado Democrático de Direi-
to.
O novo Código Civil – Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 –, se-
guindo os ditames constitucionais, conferiu a ambos cônjuges a condição de
consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família; entregou a
direção da sociedade conjugal ao marido e à mulher; facultou a um dos nu-
bentes acrescer ao seu sobrenome o sobrenome do outro; extinguiu o regime
dotal; criou o regime de participação final nos aqüestos; adotou o princípio da
mutabilidade justificada dos regimes de bens; concedeu a qualquer dos cônju-
ges o direito de administrar os bens comuns; incluiu o cônjuge como herdeiro
necessário. Esses exemplos são provas eloqüentes de que o novo Código Civil
não se limitou a repetir dispositivos do Código Civil revogado.
O novo Código Civil não se preocupou apenas com as relações conju-
gais. A união estável também recebeu regulamentação legal nos arts. 1.723 a
1.727, fato inédito em nosso direito positivado, tendo o legislador disciplina-
do tanto as relações pessoais entre os companheiros quanto as relações patri-
moniais. Quanto a estas, o novo Código mandou aplicar no que couber, na
falta de contrato escrito entre os companheiros, o regime da comunhão parcial
de bens.
356
Esta tese examinou, à luz do direito comparado, o regime de bens no
casamento, com especial ênfase ao novo regime instituído pelo legislador:
regime de participação final nos aqüestos.
É inegável a importância do regime matrimonial de bens, já que através
dele se regulamentam as relações econômicas entre os cônjuges durante a vi-
gência da sociedade conjugal. Aliás, casamento e regime de bens são institu-
tos indissociáveis. Não existe casamento sem regime de bens, a ponto de o
ordenamento jurídico tornar obrigatória a prévia escolha do regime patrimo-
nial.
A lei põe à disposição dos nubentes uma variedade de regimes de bens:
comunhão parcial; comunhão universal; participação final nos aqüestos; sepa-
ração de bens. Uns são regimes comunitários; outros, não comunitários.
A separação de bens é regime não comunitário, porque afasta a comu-
nicabilidade de patrimônios. O regime de participação final nos aqüestos é
híbrido: enquanto perdurar a sociedade conjugal, orienta-se pelas regras dos
regimens não comunitários; dissolvida a sociedade conjugal, o regime trans-
muda-se em comunitário quanto aos aqüestos. Os demais regimes são comu-
nitários.
De acordo com o ordenamento jurídico, a escolha do regime de comu-
nhão parcial dispensa a celebração de pacto antenupcial, embora os nubentes
possam ajustar cláusulas pactícias a respeito da administração e da disposição
357
de bens particulares. Optando os nubentes por outro regime (v.g., participação
final nos aqüestos), o pacto é obrigatório. Situações particulares exigem, po-
rém, a observância do regime da separação obrigatória, dispensada a celebra-
ção de pacto.
O legislador orientou-se, quanto ao regime de bens, por três importan-
tes princípios: 1) variedade do regime de bens; 2) liberdade dos pactos ante-
nupciais; 3) mutabilidade do regime de bens.
O primeiro princípio permite aos nubentes escolherem o regime matri-
monial de bens. No direito comparado, Alemanha, Espanha e Portugal consa-
gram o mesmo princípio. A variedade é justificada em atenção aos interesses
dos próprios cônjuges, pois é sabido que o casal não partilha só vidas e expe-
riências pessoais, mas também interesses econômicos.
Quanto ao segundo princípio, a lei consagra, em matéria de pacto, a au-
tonomia da vontade, conferindo aos nubentes a faculdade de pactuar o que
melhor lhes convier, sempre no interesse do casal e da prole, sendo possível
até mesmo a combinação de regimes de bens (v.g., comunhão universal com
comunhão parcial).
O último princípio é novidade no Brasil, embora não o seja em países
como Alemanha, França, Itália, Espanha. Permitiu expressamente o legisla-
dor, no art. 1.639, § 2
o
, a mutabilidade justificada ou temperada do regime de
bens. Razões superiores, ditadas pelos cônjuges e expostas à autoridade judi-
358
ciária, justificam a alteração do regime de bens. Considerando que o pedido
não pode ser feito por um único cônjuge, exigindo a presença de ambos, não é
dado ao juiz suprir o consentimento daquele que não tenha concordado com a
alteração do regime de bens.
O regime matrimonial de bens é um tema rico e empolgante, espraian-
do-se Brasil afora. Como vimos no Capítulo III, as legislações de outros paí-
ses regulam, cada qual a sua maneira, com suas especificidades, o regime de
bens entre os cônjuges, adotando, porém, em linhas gerais ou o regime comu-
nitário (comunhão) ou o regime não comunitário (separação).
Aliás, foi inspirado no direito comparado que o legislador pátrio institu-
iu o regime de participação final nos aqüestos, uma mescla de dois outros re-
gimes patrimoniais: separação de bens e comunhão parcial. Países como A-
lemanha, Áustria e Suíça o adotam, embora sob a feição de regime legal, se
não houver convenção matrimonial.
No Brasil o regime de participação final depende da celebração de pac-
to antenupcial. Importa o novo regime na comunicação, após a dissolução da
sociedade conjugal, de bens – chamados aqüestos – adquiridos na constância
do matrimônio. Embora os dicionários atribuam à palavra aqüestos o signifi-
cado de bens adquiridos na vigência do casamento, a verdade é o legislador
somente considerou aqüestos os bens adquiridos onerosamente pelo casal no
curso do matrimônio. Assim, os bens recebidos por força de doação ou testa-
mento não se consideram aqüestos.
359
Trata-se de regime híbrido, marcado pela independente gestão patrimo-
nial durante o casamento, como se os cônjuges tivessem adotado o regime da
separação de bens. Há quem diga que, durante o curso do casamento, os côn-
juges se comportam como se fossem solteiros, opinião com qual não concor-
damos, porquanto a independência na disposição de bens não é tão ilimitada a
ponto de dispensar a anuência do cônjuge não proprietário do patrimônio i-
mobiliário.
Ao mesmo tempo que criou o regime de participação final nos aqües-
tos, o legislador aboliu o regime dotal, praticamente ignorado pela grande
massa populacional. Resta saber se, em relação ao novo regime, ele cairá na
simpatia do povo ou, ao revés, terá o mesmo destino do regime dotal: o des-
prezo popular.
Só o tempo dirá se ele vai vingar, embora sejamos forçados a aderir à
posição dos que afirmam que dificilmente o novo regime terá boa acolhida
entre nós, diante de sua estrutura complexa, dificuldade em se apurar o mon-
tante dos aqüestos e os elevados custos envolvidos na sua operacionalidade.
Nos dois últimos capítulos desta tese examinamos, respectivamente, os
pactos antenupciais e a constituição de sociedade entre os cônjuges. Trata-se
de temas bastante oportunos por envolverem questões patrimoniais.
É sabido que os pactos antenupciais se destinam a regular as futuras
relações econômicas entre os cônjuges. Ou seja, os pactos têm a finalidade
360
essencial de disciplinar o estatuto matrimonial de bens a vigorar entre marido
e mulher durante a constância do casamento. Daí por que julgamos adequado
abrir um capítulo para tratar do assunto.
O último capítulo é reservado a assunto que, antes do novo Código Ci-
vil, representava verdadeira vexata quaestio: a constituição de sociedade entre
cônjuges. Havia muitas controvérsias na doutrina e na jurisprudência sobre a
possibilidade de os cônjuges formarem sociedade entre si. O novo Código
acabou com a polêmica, autorizando a formação de sociedade entre marido e
mulher, desde que o regime de bens não seja o da comunhão universal de
bens ou o da separação obrigatória de bens (CC, art. 977). Mas o legislador
bem que poderia, seguindo a tendência das modernas legislações, permitir a
contratação de sociedade, independentemente do regime de bens adotado pe-
los cônjuges.
Anote-se, para concluir, que o regime matrimonial de bens, sem embar-
go de sua importância para a sociedade conjugal, não pode sobrelevar a es-
sência do casamento, que é união de vidas e de almas, essência espiritual
marcada pela cumplicidade de dois seres que, na alegria e na dor, se enten-
dem, se amam, se consideram, e põem os sentimentos acima das questões pa-
trimoniais. Afinal de contas, o regime de bens é conseqüência e não finalidade
do casamento.
361
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