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LVIA LEME CORRÊA
A PROVA PROCESSUAL PENAL ILÍCITA
E A TEORIA DA PROPORCIONALIDADE
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de Mestre, ao Programa de Pós-
Graduação em Direito, Setor de Ciências Jurídicas e
Sociais, Universidade Federal do Paraná.
Orientador:
Prof. Dr. João Gualberto Garcez Ramos
CURITIBA
2006
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TERMO DE APROVAÇÃO
SÍLVIA LEME CORRÊA
A PROVA PROCESSUAL PENAL ILÍCITA
E A TEORIA DA PROPORCIONALIDADE
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, no
Programa de Pós-Graduação em Direito, Setor de Ciências Jurídicas e Sociais, da
Universidade Federal do Paraná, pela comissão formada pelos professores:
Orientador: Prof. Dr. João Gualberto Garcez Ramos
Universidade Federal do Paraná
Curitiba, de de 2006
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A DEUS, por tudo.
A meus Pais.
A meu Orientador.
A todos os Professores, Amigos e Companheiros que, de
alguma forma, contribuíram para a realização deste trabalho.
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SUMÁRIO
RESUMO vi
ABSTRACT vii
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO 1 - A PROVA PROCESSUAL PENAL 3
1.1 CONCEITO 3
1.2 MEIOS DE PROVA 6
1.3 LIMITAÇÕES IMPOSTAS À PROVA PROCESSUAL PENAL 10
1.4 A PROVA ILÍCITA 15
1.4.1 Conceito 15
1.4.2 Disciplina Legal nos Direito Pátrio e Alienígena 19
1.4.3 Prova Ilícita por Derivação 28
1.4.4 O Encontro Fortuito de Provas 38
CAPÍTULO 2 - TUTELA CONSTITUCIONAL DO PROCESSO PENAL 41
2.1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PENAL E DO PROCESSO PENAL 41
2.2 MONOPÓLIO ESTATAL SOBRE A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA 51
2.3 A INADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA COMO COROLÁRIO DO DEVIDO PROCESSO
LEGAL 56
2.4 A DIGNIDADE HUMANA COMO ULTIMA RATIO DO SISTEMA DE GARANTIAS 64
CAPÍTULO 3 - NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL DA PROVA ILÍCITA 74
3.1 NORMAS RÍGIDAS E FLEXÍVEIS 74
3.2 RELATIVIDADE DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 75
3.3 PRINCÍPIOS E REGRAS. CONCEITO E NORMATIVIDADE 81
3.4 DISTINÇÕES ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS 87
3.5 SOLUÇÕES PARA AS POSSÍVEIS COLISÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
94
CAPÍTULO 4 - RESTRIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 100
4.1 CONCEITOS E DISTINÇÕES 100
4.2 TIPOLOGIA 102
4.3 A QUESTÃO RELATIVA AOS LIMITES IMANENTES 103
4.4 FORMAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE DA PROVA 105
4.4.1 Legítima Defesa 105
4.4.2 Estado de Necessidade 107
CAPÍTULO 5 - A TEORIA DA PROPORCIONALIDADE 109
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5.1 ASPECTOS HISTÓRICOS 109
5.2 CONCEITO 114
5.3 PRESSUPOSTOS E REQUISITOS (ELEMENTOS OU SUBPRINCÍPIOS ESTRUTURAIS)
118
5.4 APLICAÇÃO ÀS PROVAS DERIVADAS DAS ILÍCITAS 125
5.4.1 Argumentos Contrários à Utilização do Princípio da Proporcionalidade como Instrumento
Apto à Admissão da Prova Derivada da Ilícita Pro Societate 127
5.4.2 A Garantia da Liberdade como Limite ao Jus Puniendi 135
CONCLUSÕES 142
REFERÊNCIAS 144
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RESUMO
A presente dissertação tem por tema a ilicitude da prova processual penal, analisando a proibição sob a
ótica de um regramento constitucional. Faz uma análise histórica da garantia constante do inciso LVI do
artigo 5. da Constituição Federal, tomando-a como conseqüência do devido processo legal e princípios
decorrentes, que visam garantir não somente a licitude do procedimento, mas, também, o direito de
liberdade do homem, bem maior daquele a quem é imputada a prática de uma infração penal. Passa, ainda,
pelo estudo da prova ilícita por derivação e do encontro fortuito de provas, cujo aproveitamento é
questionado sob a perspectiva da aplicação da teoria da proporcionalidade.
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ABSTRACT
The content of the current dissertation is the illicitness of the penal process evidence, while the prohibition is
analyzed from the standpoint of a constitutional regulation. It also performs a historical analysis of the
guarantee contained in item LVI of article 5 of the Federal Constitution, taking it as a consequence of the due
process of law and its deriving principles, which aim at ensuring the lawfulness of the process as well as
people’s right to freedom that is the greatest asset of those who are charged with the perpetration of a penal
infraction. The current dissertation also deals with the study of the illicit evidence due to derivation and to the
eventual finding of evidence, whose usefulness is questioned under the perspective of the application of the
theory of proportionality.
INTRODUÇÃO
O reconhecimento da indispensabilidade de proteção clara, inequívoca e uniforme aos
direitos e garantias do homem, justificada pela história política nacional de crises de poder, levou o
Constituinte de 1988 a promulgar a Constituição da República Federativa do Brasil, consagrando,
de forma prioritária, os princípios fundamentais (CF, arts. 1. a 4.), princípios setoriais e demais
normas constitucionais, dentre elas os direitos e garantias fundamentais, consagrados no artigo 5.,
considerados todos normas reitoras da aplicabilidade de todo o sistema jurídico, com profundos
reflexos na orientação político-criminal.
Contudo, as transformações sociais ocorridas desde então produziram novas intervenções
penais, advindas da necessária adequação da dinâmica dos fatos ao sistema rígido romanístico
vigente entre nós, de forma a amoldá-lo ao cenário constitucional e justificá-lo dentro do contexto da
nova Carta Magna.
Ocorre que, por vezes, o conhecimento empírico revela uma aparente tensão entre os
dispositivos constitucionais fundamentais quando, por exemplo, de um lado, tem-se a sua
necessária aplicação para assegurar a inviolabilidade da pessoa, de forma a protegê-la frente a
sistemas processuais penais arbitrários e desumanos e, de outro, tem-se a sua efetivação para o
fim último do direito: a paz da sociedade com a garantia da segurança frente a atividades ilícitas
que a desestrutura e desestabiliza.
No entanto, na busca de soluções práticas para essa aparente tensão, muitas vezes com a
roupagem de garantia de segurança social, violam-se garantias constitucionais tendentes à
efetivação dos direitos humanitários que o Constituinte buscou proteger quando instituiu, como
cláusulas pétreas previstas no artigo 5. da Constituição Federal, um rol de direitos e garantias
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fundamentais, dentre eles o da inadmissibilidade de admissão, no processo, de provas ilícitas por
meios ilícitos.
Não podemos olvidar a lição de Luiz Alberto Machado, no sentido de que “as garantias
processuais deferidas ao cidadão são imperativas porque na medida em que se protege um homem,
toda a sociedade estará protegida contra o jus gladii do Estado”.
Embora a história nos demonstre que as cartas de proteção aos direitos humanos e
fundamentais do homem surgiram como limitação do excesso, normalmente praticado pelo Estado,
a crescente criminalidade e a falta de estrutura Deste para proporcionar segurança aos governados
têm levado à busca, pela doutrina e jurisprudência, de métodos voltados à solução de eventuais
conflitos surgidos entre os direitos e as garantias constitucionais.
Dentro desse contexto é que desenvolvemos a presente dissertação, expondo a matéria
voltada a sua normatividade constitucional e aos principais métodos utilizados para afastar a
colisão dantes mencionada.
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CAPÍTULO 1
A PROVA PROCESSUAL PENAL
1.1 CONCEITO
Conforme doutrina de Guilherme de Souza Nucci, citado por César Dario Mariano da
Silva, a palavra “prova vem do latim probatio, tendo por significado verificação, ensaio, inspeção,
exame, argumento, razão, aprovação, confirmação, e derivando do verbo probare, que significa
provar, ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com
alguma coisa, persuadir alguém de alguma coisa, demonstrar”.
Na lição de Nicola Framarino Dei Malatesta:
A prova pode ser considerada sob um duplo aspecto: quanto à sua natureza e produção e efeito que produz
no espírito daqueles perante quem é produzida. [...] Como as faculdades perceptivas são a fonte subjetiva
da certeza, as provas são o modo de apreciação da fonte objetiva, que é a verdade. A prova é, portanto,
deste ângulo, o meio objetivo com que a verdade atinge o espírito; e o espírito pode, relativamente a um
objeto, chegar por meio das provas tanto à simples credibilidade, como à probabilidade e certeza; existirão,
assim, provas de credibilidade, de probabilidade e de certeza. A prova, portanto, em geral, é a relação
concreta entre a verdade e o espírito humano nas suas especiais determinações de credibilidade,
probabilidade e certeza.
Entre nós, emprestamos a definição de prova apresentada por um dos doutrinadores que
melhor trataram do tema no Processo Civil, Moacyr Amaral Santos:
Prova é todo elemento que pode levar o conhecimento de um fato a alguém. Não pode ser imoral, ilegítima
ou ilegal. No sentido objetivo, são os meios destinados a fornecer ao juiz o conhecimento da verdade dos
fatos deduzidos em juízo. No sentido subjetivo, é a convicção que as provas produzidas no processo geram
no espírito do juiz quanto à existência ou não dos fatos. Esta se forma do conhecimento e ponderação
daquela. Prova judiciária é a soma dos fatos produtores da convicção, apurados no processo.
Paulo Rangel empresta-lhe natureza de “direito subjetivo constitucional assegurado
através do princípio do devido processo legal e inerente aos princípios da verdade real e do
contraditório, pois contradizer é dizer e provar o contrário”.
O professor latino Carlos Normando Hall, após discorrer sobre sua concepção de
impossibilidade de traçar uma teoria geral da prova pela distinção que esta opera no direito
processual penal em relação a todos os demais ramos do direito – por exemplo, a relatividade sui
generis da confissão e o rechaço às presunções legais – define-a como “atos jurídicos processuais”
e, ainda, a conceitua como “todo elemento objetivo que, incorporando-se ao processo, de acordo
com suas prescrições, possa influir no intelecto dos sujeitos processuais, provocando neles o
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conhecimento razoável e certo, ou um juízo de probabilidade, sobre as questões de fato
diretamente referidas à existência material de um delito e a sua autoria”.
Percebe-se, claramente, que o autor insere, no conceito de prova, o pressuposto da
licitude, quando dispõe que a prova é o elemento objetivo que se incorpora no processo “conforme
as prescrições deste”, especificando que isso significa “ingressar no processo de acordo com as
formalidades dispostas pelas leis de forma, para assim cumprir com o princípio de igualdade das
partes, da ampla defesa e do devido processo legal”.
Também fala em “direito à prova” o processualista Antonio Scarance Fernandes como
sendo o “direito à prova legitimamente obtida ou produzida”, em decorrência do qual se pode exigir
do juiz o não ingresso ou permanência, nos autos, de prova icita produzida pela parte contrária,
ou, mais amplamente, a exclusão das provas inadmissíveis, impertinentes ou irrelevantes”.
Por fim, identifica, na esteira do pensamento de Rocco (Trattado di diritto processuale
civile.Torino, 1975. v.2. p.181), três aspectos da prova processual penal: “o formal, como meio de
prova utilizado pelas partes; o substancial, como razões ou motivos para propor a existência ou
verdade dos fatos; e, por fim, o resultado objetivo, que corresponde ao convencimento operado no
Juiz ou Tribunal acerca da existência ou verdade do fato probante”.
Observa, ainda, no mesmo sentido, Rogério Lauria Tucci, que, das garantias processuais
conferidas aos acusados em processo penal, “emergem dois postulados em matéria de iniciativa
probatória e sua concretização, a saber: só são admissíveis as provas pertinentes aos fatos objetos
de apuração, e relevantes; e os meios de sua obtenção e produção devem ser idôneos.
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1.2 MEIOS DE PROVA
Na esteira do pensamento de Guilherme de Souza Nucci, citado por César Dario Mariano
da Silva, “os meios de prova são os recursos diretos ou indiretos utilizados para alcançar a verdade
dos fatos no processo, ou seja, são os métodos pelos quais as informações sobre os fatos (provas)
são introduzidos no processo”.
Os Códigos de Processo Penal, em geral, enumeram os meios de prova, adotando dois
sistemas: o das provas taxativas e o das provas enunciativas.
Por meio do último, a lei processual penal indica as chamadas provas legais, sendo,
evidentemente, as mais conhecidas; contudo, não veda a produção de outras provas possíveis,
chamadas provas inominadas.
No Brasil, seguindo o último sistema, adotou-se a enumeração exemplificativa das provas
em homenagem ao princípio da verdade real – material ou histórica –, que se constitui na finalidade
do processo penal: “a reconstrução dos fatos tal e como efetivamente se sucederam”. Natural, pois,
a tendência de não se impor limitação à prova sob pena de ser desvirtuado aquele interesse do
Estado na justa atuação da lei.
Porém, é conveniente lembrar a lição de Alberto M. Binder no sentido de que o momento
histórico representado pelo processo inquisitivo puro talvez tenha encampado, com maior força, a
verdade material como finalidade do processo penal, em que não havia limitação à busca da
verdade e se permitia a reconstrução desta a qualquer preço, inclusive mediante a tortura do
acusado para que confessasse o crime, numa desvirtuação perversa do processo penal, hoje
inadmissível.
Nessa mesma linha de pensamento, a processualista Ada Pelegrini Grinover lembra o
“sentido correto” do termo “verdade material”, como sendo a “verdade subtraída à influência que as
partes, com seu comportamento processual, queiram exercer sobre ela”; e “verdade judicial, prática,
que não é absoluta ou ontológica nem pode ser obtida a qualquer preço”.
Dentro desse contexto, oportuna a lição de João Gualberto Garcez Ramos sobre os
azares inerentes à prova processual penal, dos quais certamente decorre o caráter relativo da
verdade material:
Conforme é sabido, a prova criminal está sujeita a azares que vão desde a intervenção voluntária e deletéria
de ser humano ou de animal irracional, até ocorrências naturais, como a chuva, o sol, raios elétricos etc.
Além disso, está exposta à ação dissolutória do tempo, que a vai lentamente esmaecendo até fazê-la
desaparecer: as testemunhas se esquecem do que presenciaram ou morrem das mais diversas causas, os
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documentos consomem-se pelo fogo, envelhecem, perdem a cor e às vezes, seu conteúdo, tendo em vista a
instabilidade química das tintas utilizadas, as paisagens e os acidentes naturais são modificados por obras
de construção civil etc.
Nessa esteira, o Código de Processo Penal pátrio arrola os meios de prova nos artigos
185 a 239, preocupando-se, ainda, em colocar, à disposição do Estado, na investigação e
persecução criminal, medidas instrutórias lícitas de urgência.
No direito comparado, os sistemas que nos interessam pela proximidade que guardam de
nosso ordenamento jurídico são o italiano e o norte-americano.
O primeiro enumera, exemplificativamente, sete meios de prova típicos, a saber, prova
testemunhal, oitiva das partes, acareações, reconhecimentos, recons-tituições judiciais, perícia e
prova documental; porém, meio atípico de prova cada vez mais utilizado na Itália é a oitiva à
distância por meio de recursos audiovisuais. Nesse caso, as partes fazem o requerimento de
admissão da prova e o juiz, antes de decidir, ouve as partes acerca das modalidades de produção
da prova (CPP, arts. 189, 194 a 243).
O sistema norte-americano, por sua vez, em virtude da variação de procedimentos
(estaduais, federal e distrital de Colúmbia) e do experimentalismo, acolhe o princípio da liberdade e
não da tipicidade em matéria probatória, segundo se depreende da lição de João Gualberto Garcez
Ramos.
À guisa de exemplo, podemos citar o detector de mentiras, o soro da verdade, o
hipnotismo e certas experiências do FBI com investigadores dotados de poderes mediúnicos.
Ademais, no processo penal estadunidense, para a condenação, exige-se prova da culpa
além de uma dúvida razoável (proof of guilty beyond of a reasonable doubt); é comum o uso de
presunções legais e presunções de fato; a confissão é tratada diferentemente conforme tenha sido
dada em liberdade ou durante uma prisão, em virtude da necessidade de apresentar as
características de consciência, inteligência e liberdade; é admissível a prova testemunhal indireta
(hearsay rule) pelas regras federais de prova, fazendo parte da noção de devido processo legal. A
escuta telefônica, contudo, gera, como no Direito pátrio, grande polêmica, ante a vedação às
buscas e apreensões desarrazoadas, previstas na 4. Emenda; etc.
Por fim, em geral, vige a regra da permissibilidade da prova.
Sobre o assunto ensina Oswaldo Trigueiro do Valle Filho:
A proposição inicial vem do sistema de provas como um todo, ou seja, de que este é regido pelo princípio da
permissividade. Quer isto dizer que as provas sempre são bem-vindas, porém, sob o prisma da legalidade,
pois, com este referencial, não encontrarão óbices de recepção processual. Excepcionalmente, a prova
encontrará limites, haja vista que a postura de ética, equilíbrio e balanceamento do ordenamento se
figurarão como eficaz divisor de águas. Chega-se a falar que a regra é da atipicidade em termos probatórios,
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no que o ordenamento processual penal português é bastante límpido.
Isso significa dizer que os órgãos encarregados da investigação e persecução penal estão
juridicamente limitados na busca da verdade real, ou atingível, devendo-se pautar pela legalidade
quando chamados a investir contra a esfera privada constitucionalmente protegida do cidadão,
ainda que suspeito ou acusado da prática de uma infração penal. Por outro lado, significa, ainda,
que o Estado não pode investir em práticas repressivas que repugnam a consciência de país
democrático, numa imoral competição com os criminosos no cometimento de violência e atos de
desumanidade.
Imprescindível, portanto, que a prova seja considerada idônea ao fim a que se destina;
imprescindível que seja obtida ou produzida licitamente.
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A esse respeito:
Lembra Antonio Magalhães GOMES FILHO, que a admissibilidade da prova constitui, em linha de princípio,
‘um conceito de direito processual’, consistindo ‘numa valoração prévia feita pelo legislador, destinada a
evitar que elementos provenientes de fontes espúrias, ou meios de prova reputados inidôneos, tenham
ingresso no processo e sejam considerados pelo juiz na reconstrução dos fatos; daí sua habitual formulação
em termos negativos: inadmissibilidade; proibição de prova, ‘exclusionary rules’.
1.3 LIMITAÇÕES IMPOSTAS À PROVA PROCESSUAL PENAL
Conquanto no processo penal o objetivo da instrução probatória seja a busca da verdade
real material ou histórica –, na fase hodierna, de evolução dos direitos e garantias fundamentais e
afirmação dos direitos humanos, além da distância temporal entre o ocorrido e a sua reconstituição
no processo, aquele objetivo não pode ser perseguido de forma absoluta, estando submetido a
limitações e proibições formais e materiais.
Tanto a reconstrução histórica do fato criminoso não é perfeita, portanto, absoluta, a
começar que para sua imperfeição contribui normalmente o próprio investigado, destruindo o
pedaço de estrada cujos rastros se procura percorrer na reconstituição do crime.
Ademais, podemos lembrar o ensinamento de Nicola Framarino Dei Malatesta, sobre a
verdade, que se busca no processo penal: “a verdade é um estado subjetivo da alma, podendo não
corresponder à verdade objetiva. Certeza e verdade nem sempre coincidem, por vezes, tem-se
certeza do que objetivamente é falso; por vezes duvida-se do que objetivamente é verdadeiro”.
Eduardo Trigueiro do Valle Filho, citando Manoel da Costa Andrade, informou que, “em
1903, Belling já se debruçava sobre o tema no ordenamento germânico, lançando sobre o sistema
probatório diferentes questionamentos”.
Antes disso, porém, nos Estados Unidos da América, em 1886, a Suprema Corte tratou da
matéria, criando a exclusionary rule of evidence, ou regra de exclusão, pela qual se decidiu pela
exclusão, do processo penal, de prova produzida com infração a alguma das regras, cláusulas ou
direitos garantidos constitucionalmente.
Assim, concluímos que a evolução do pensamento no âmbito processual penal guarda
consonância com a concepção de Estado Democrático e Estado de Direito.
Carlos Normando Hall, após classificar a licitude como princípio reitor da prova penal na
Argentina, rechaçando sua obtenção por métodos violentos ou torturas de quaisquer índoles,
repudiados em tratados e convenções internacionais, afirma que tal princípio ataca toda
desnaturalização ou falsificação de documentos, testemunhas ou perícias que se queiram utilizar no
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processo, definitivamente nulas por causa da ilicitude que conservam; nulidade esta absoluta e
insanável quando a ilicitude versar sobre violação de garantias constitucionais.
Completa seu pensamento salientando que “esse princípio ataca e resiste a todo intento e
proceder ilícito de obtenção de provas, no caso específico de vulneração constitucional conclui
inexoravelmente com a nulidade absoluta e a exclusão probatória do meio e dos que dele
dependam, aqui se referindo às provas ilícitas por derivação, da qual falaremos mais tarde.
Oportuno considerar que em tempos em que o desafio do Estado é garantir a segurança
pública em meio ao terrorismo e ao crime organizado, o respeito aos direitos fundamentais torna-se
mais urgente, sob pena de, com aquele argumento, voltarmos aos regimes totalitários: “a norma que
restringe direitos fundamentais deve ser interpretada restritivamente”, registrou Eliomar da Silva
Pereira.
Ademais, sobre essa “tendência” do Estado de lançar mão de meios duvidosos, por vezes,
condenáveis, para atingir o tão desejado “bem comum, escreveu Roberto Lyra Filho:
...Ainda existem ‘estados’ dentro do Estado, com suas ordens concorrentes; desaçaimadas, terroristas,
repressivas, que também se dizem revolucionárias e abusam dos meios, tornando injurídico o fim,
contaminado pela supressão da liberdade e da vida de adversários indefesos e até de companheiros
dissidentes; isto, como se a práxis transformadora do mundo, em evolução ou ruptura, também o tivesse
os mesmos limites jurídicos, a que deve subordinar-se o Estado, sob pena de acumular ilegitimidades em
grau tolerável.
Por fim, arrematou:
...A própria práxis transformadora do mundo tem limites jurídicos, pois o processo de libertação se desnatura
quando pretende sacrificar, paradoxalmente, o seu fim nos meios utilizados para alcançá-lo.
Sobre o tema da prova ilícita versus a busca da verdade real a qualquer preço, clássica a
decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal:
É indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de
formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da
apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a
direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é
representado pelo interesse que tem a sociedade numa eficaz repressão dos delitos. É um pequeno preço
que se paga por viver em Estado de Direito democrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço.
Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados,
ensina Helena Fragoso, em trecho de sua obra Jurisprudência Criminal, transcrita pela defesa. A
Constituição brasileira, no art. 5., inc. LVI, com efeito, dispõe, a todas as letras, que são inadmissíveis, no
processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (STF – Ação Penal 307-3-DF – Plenário – Relator Ministro
Ilmar Galvão – DJU 13/10/1995 – RTJ 162/03-340).
Assim, pela própria natureza do Estado de Direito, o processo penal sofre de uma
incapacidade intrínseca e absoluta para alcançar plenamente a verdade material, embora seja este
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um objetivo legítimo seu; destarte, torna-se possível, porquanto condizente com as garantias
fundamentais do homem e do cidadão, a construção de uma “verdade forense” ou “verdade formal”,
segundo termo amplamente utilizado no processo civil.
Alberto M. Binder explica que “a diferença está em que, no processo civil o princípio da
verdade está condicionado pelo ‘princípio da disposição’, já que são as partes que introduzem os
fatos no processo. No processo penal não existe esta limitação, porém o conceito de ‘verdade
formal’ provém do fato de que os meios para incluir informações estão totalmente limitados e
formalizados”.
Finaliza, dizendo que
seria mais correto afirmar que o processo penal não ‘reconstrói’ os fatos, mas, na realidade, os ‘redefine’;
não ‘soluciona’ um determinado conflito mediante a averiguação da verdade, mas o tira do seio da
sociedade, redefine-o mediante inumeráveis dispositivos e, com o intuito de reconstruir a verdade, reinstala-
o na sociedade com uma cota maior de legitimidade, de acordo com as características do próprio processo
penal.
As limitações formais à prova são previstas no próprio Código de Processo Penal, como a
proibição de depor de determinadas pessoas que não devem revelar a verdade em razão de
função, ministério, ofício ou profissão (CPP, art. 207); a proibição de juntar documentos em
processos de crimes dolosos contra a vida se deles se não tiver dado ciência à parte contrária com
antecedência mínima de 03 (três) dias do julgamento (CPP, art. 475) etc.
Há, no entanto, outras proibições à produção das provas, por exemplo, quando o meio
utilizado não for legal ou não for moralmente legítimo.
Assim se pronunciou, sobre o tema, Jorge E. Vasquez Rossi:
Antes das faculdades de quem produz a prova está o princípio geral da liberdade da prova que significa que
tudo se pode provar e por qualquer meio, também conhecido como princípio de investigação integral que
outorga uma ampla margem de discricionariedade que, claro está, jamais pode converter-se em
arbitrariedade nem se realizar à margem dos preceitos constitucionais.
Eugenio Florian fala em limitações jurídicas formais e materiais: aquelas dizem respeito
propriamente ao procedimento, isto é, as provas devem ser produzidas de conformidade com as
formalidades processuais; as substanciais são limitações legais impostas à prova.
No sistema dos Estados Unidos da América, no entanto, como afirmamos alhures, é
permitido o uso do detector de mentiras, o soro da verdade, o hipnotismo e certas experiências do
FBI com investigadores dotados de poderes mediúnicos.
No Brasil, a Constituição Federal dispõe, no inciso LVI do artigo 5., que são inadmissíveis,
no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
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1.4 A PROVA ILÍCITA
1.4.1 Conceito
O tema da prova ilícita ganha espaço entre as preocupações fundamentais do direito
processual moderno tendo em vista, dentre outros fatores, de um lado, a vulnerabilidade dos
direitos constitucionais da pessoa humana em face do desenvol-vimento tecnológico, e a
necessidade da utilização deste, pelo Estado, como meio de enfrentamento da macrocriminalidade,
crescente, violenta e organizada.
As provas ilegais são o gênero dos quais as provas ilícitas e ilegítimas são espécies,
configurando a ilegalidade pela obtenção da prova com violação de natureza material ou
processual.
Descendo a um plano mais específico, é comum diferenciarmos as provas ilícitas das
ilegítimas como sendo, as primeiras, as que contêm violações a normas de direito material,
notadamente às liberdades públicas e, as segundas, aquelas que violam normas de direito
processual.
Quiroga ensina que a terminologia utilizada não é uniforme (prova proibida, ilegal,
ilegalmente obtida, ilícitas, ilicitamente obtida, ilegitimamente admitidas, proibições probatórias).
Explica ser possível que uma prova, embora lícita em determinada situação, tenha sido ilicitamente
obtida no caso concreto; por outro lado, diz que a prova pode conter uma ilicitude em si mesma que
ocasione a proibição de sua realização, independentemente da forma como foi obtida, por exemplo,
a reconstituição de um crime de estupro, que fere o direito, a moral e o direito constitucional à
privacidade das partes envolvidas.
Ainda, Alberto M. Binder aproxima-se desse ensinamento quando menciona os três níveis
limitadores das provas e, conseqüentemente, do acesso à verdade material. Diz que no primeiro
nível estão as “proibições probatórias”, englobando certos campos, temas e métodos absolutamente
proibidos, como tortura, ameaça e coação para obter confissão; no segundo nível estão as normas
limitadoras da obtenção de informações, constituído por aqueles casos em que a informação pode
ser obtida somente se houver uma autorização judicial expressa e específica (ex.: documentos
localizados em domicílios particulares, arrombamentos, interceptação de comunicações, ocultação
de papéis ou documentos particulares de qualquer espécie); e, por fim, o terceiro nível é o da
“legalidade da prova”, traduzindo-se na pura formalização, que proíbe a inclusão, no processo, de
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informações advindas de rumores, testemunhas anônimas, conhecimento privado do Juiz etc.
Dentro desse contexto, os dois primeiros níveis dizem respeito às provas icitas e o
terceiro, às provas ilegítimas, ou seja, às provas obtidas com violação de norma de direito
processual, que ensejam a aplicação de sanção prevista na norma em referência, a qual pode
culminar com a declaração de inadmissibilidade ou decretação de nulidade da prova.
Oportuno, aqui, embora sem a pretensão de aprofundarmos no tema, fazer uma curta
digressão pelos caminhos das nulidades em matéria probatória, tendo em vista os reflexos
decorrentes da produção de uma prova ilícita.
Lembra Antonio Magalhães Gomes Filho a distinção entre inadmissibilidade e nulidade da
prova:
...enquanto a nulidade é pronunciada num julgamento posterior à realização do ato, no qual se reconhece
sua irregularidade e, conseqüentemente, a invalidade e ineficácia, a admissibilidade (ou inadmissibilidade)
decorre de uma apreciação feita antecipadamente impedindo que a irregularidade se consume.
Segundo Ada Pelegrine Grinover, no caso de prova ilegítima basta a declaração de
nulidade do ato processual ou ineficácia da decisão fundada na prova ilegal; por outro lado, em
caso de prova ilícita, o problema se agrava na medida em que a prova é colhida com infringência de
normas e princípios constitucionais e legais, na maioria das vezes protetivos de liberdades públicas,
como os direitos da personalidade e intimidade.
Assim, os professores Ada Pelegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio
Magalhães Gomes Filho, na clássica obra As Nulidades no Processo Penal, definem a prova ilícita
propriamente dita da seguinte maneira:
Por prova ilícita, em sentido estrito, indicaremos, portanto, a prova colhida infringindo-se normas ou
princípios colocados pela Constituição e pelas leis, freqüentemente para a proteção das liberdades blicas
e dos direitos da personalidade e daquela sua manifestação que é o direito à intimidade.
Constituem, assim provas ilícitas as obtidas com violação do domicílio (art. 5, XI, CF) ou das comunicações
(art. 5., XII, CF); as conseguidas mediante tortura ou maus-tratos (art. 5., III, CF); as colhidas com
infringência à intimidade (art. 5., X, CF).
De fato, enquanto a violação da proibição da prova imposta por normas procedimentais
ocorre no momento da produção probatória e recebe a sanção descrita na lei processual, podendo
culminar na declaração de nulidade ou inadmissibilidade da prova; à produção da prova com
violação de normas materiais, previstas na Constituição e demais leis, que a fazem ilícita, são
cominadas sanções civis, administrativas e penais, inclusive, como no caso da tortura, da violação
de domicílio, do emprego de substância entorpecente (álcool, narcóticos etc.) para forçar a
confissão ou o testemunho da verdade, dentre outros, não podendo ser admitidas no processo.
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Confira-se:
Não há no Código de Processo Penal norma genérica a respeito do desentranhamento da prova icita.
Aplica-se, por interpretação extensiva, o art. 145, IV, que determina o desentranhamento de documento
considerado falso. As interceptações telefônicas ou gravações clandestinas constituem, no sistema
processual penal, provas documentais e,
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se obtidas por meios ilícitos, devem também ser desentranhadas. O mesmo dispositivo serve, por analogia,
para o desentranhamento de outras provas obtidas por meios ilícitos; assim o auto de apreensão de coisas
encontradas na residência de determinada pessoa, quando houve violação de domicílio.
No presente trabalho, interessa-nos especificamente a prova ilícita, cuja proibição foi
inserida pelo legislador constituinte no rol das garantias processuais penais, mas sobre a qual
perduram as mais diversas indagações, mormente quando confrontada com outros direitos e
garantias fundamentais.
Reportando-se ao magistério de José Frederico Marques, Rogério Lauria Tucci arremata:
Inadmissível, na Justiça Penal, a adoção do princípio de que os fins justificam os meios, para assim tentar
legitimar-se a procura da verdade através de qualquer fonte probatória. Por isso, a tortura, as brutalidades e
todo atentado violento à integridade corporal devem ser banidos da investigação e da instrução. E o mesmo
se diga do que se denomina, com eufemismo, de torturas lícitas, como the bird degree da polícia americana
ou os interrogatórios fatigantes, penosos e exaustivos. Igualmente condenáveis são os procedimentos
desleais, como, por exemplo, a captação clandestina de telefonemas, o emprego de microfones
dissimulados e do registro, em aparelhos telefônicos, de conversações íntimas.
1.4.2 Disciplina Legal nos Direito Pátrio e Alienígena
Conforme temos salientado, no Brasil, conquanto assegurado constitucio-nalmente, o
direito à prova, como garantia processual do acusado, encontra limites, de ordem material e
processual, que se tornam mais robustos no âmbito criminal tendo em vista a necessidade de
proteção das liberdades públicas do indivíduo.
O motivo dessa disciplina legal é explicado, com muita propriedade, por Ada Pelegrini
Grinover, quando revela que “a dicotomia defesa social-direitos de liberdade assume
freqüentemente conotações dramáticas no juízo penal; e a obrigação de o Estado sacrificar na
medida menor possível os direitos de personalidade do acusado transforma-se na pedra de toque
de um sistema de liberdades públicas”.
E completa:
A legalidade na disciplina da prova não indica um retorno ao sistema da prova legal, mas assinala a defesa
das formas processuais em nome da tutela dos direitos do acusado: as velhas regras da prova legal
apresentavam-se como regras para a melhor pesquisa da verdade; seu valor era um valor de verdade. Hoje,
bem pelo contrário, as regras probatórias devem ser vistas como normas de tutela da esfera pessoal de
liberdade: seu valor é um valor de garantia.
Eugênio Pacelli de Oliveira salienta que o objeto da proteção não é apenas a ética do
procedimento, mas, sobretudo, a violação a direitos fundamentais, via de regra, mais expostas a
tais diligências investigativas. [...] Daí a ressalva constitucional à cláusula de jurisdição, exigindo
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que determinadas franquias – violação de liberdades públicas – dependam exclusivamente de
ordem judicial.
Paulo Rangel, ainda, esclarece:
A vedação da prova ilícita é inerente ao Estado Democrático de Direito que não admite a prova do fato e,
conseqüentemente, punição do indivíduo a qualquer preço, custe o que custar, [...] um dos limites impostos à
busca da verdade é o respeito à dignidade humana, sendo proibidas em nosso sistema constitucional as
provas obtidas por meios ilícitos. Neste caso, o juiz vê-se impedido, diante do binômio defesa social x direito
de liberdade, de prosseguir na busca da verdade sem ofender um dos direitos e garantias fundamentais.
Falando em nível dogmático, Antonio Scarance Fernandes revela que o problema consiste
em saber-se se é admitida prova processual penal ilícita quando, no ordenamento jurídico, inexiste
norma declarando inadmissibilidade.
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Cita o autor, como
conseqüência dessa polêmica, o surgimento de quatro correntes doutrinárias: 1) a prova ilícita é admitida
quando não houver impedimento na própria lei processual, punindo-se quem a produziu pelo crime
eventualmente cometido (Cordero, Tornaghi, Mendonça Lima); 2) o ordenamento jurídico é uma unidade e,
assim, não admite que a prova ilícita, vedada pela Constituição ou por lei substancial, seja aceita no âmbito
do processo (Nuvolone, Frederico Marques, Fragoso, Pestana Aguiar); 3) é inadmissível a prova obtida com
violação de norma constitucional por sua inconstitucionalidade (Cappelletti, Vigoriti, Comoglio); e 4) a prova
obtida com violação constitucional pode ser admitida em casos excepcionais, quando os valores também
constitucionalmente protegidos que se visava resguardar com a obtenção ilícita forem mais relevantes do
que os infringidos na colheita da prova (Baur, Barbosa Moreira, Renato Maciel, Hermano Duval, Camargo
Aranha e Moniz Aragão).
A respeito, o lapidar voto do Ministro Celso de Mello, no julgamento da Ação Penal 307-3,
citado por Alexandre de Moraes:
A norma inscrita no art. 5., LVI, da Lei Fundamental promulgada em 1988, consagrou, entre nós, com
fundamento em sólido magistério doutrinário (Ada Pellegrini Grinover, Novas tendências do direito
processual, p. 60/82, 1990, Forense Universitária; Mauro Cappelletti, Efficacia di prove ilegittimamente
ammesse e comportamento della parte, em Rivista di Diritto Civille, p. 112, 1961; Vicenzo Vigoriti, Prove
illecite e costituzione, in Rivista di Diritto Processuale, p. 64 e 70, 1968), o postulado de que a prova obtida
por meios ilícitos deve ser repudiada – e repudiada sempre – pelos juízes e Tribunais, por mais relevantes
que sejam os fatos por ela apurados, uma vez que se subsume ela ao conceito de inconstitucionalidade (Ada
Pelegrini Grinover, op. cit., p. 62, 1990, Forense Universitária). A cláusula constitucional do due process of
law – que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público
– tem, no dogma da constitucionalidade das provas ilícitas, uma de suas projeções concretizadoras mais
expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado
e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível
com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do
Estado. A absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos
e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar. Trata-se de conseqüência que deriva,
necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que
exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova – de qualquer prova
cuja ilicitude venha a ser reconhecida pelo Poder Judiciário. A prova ilícita é prova inidônea. Mais do que
isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste, por essa explícita razão, de qualquer aptidão jurídico-
material. Prova ilícita, sendo providência instrutória eivada de inconstitucionalidade, apresenta-se destituída
de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica. Tenho tido a oportunidade de enfatizar, neste
Tribunal, que a Exclusionary Rule, considerada essencial pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados
Unidos da América na definição dos limites da atividade probatória desenvolvida pelo Estado, destina-se, na
abrangência de seu conteúdo, e pelo banimento processual de evidência ilicitamente coligida, a proteger os
réus criminais contra a ilegítima produção ou a ilegal colheita de prova incriminadora (Garrity v. New Jersey,
385 U.S. 493, 1967; Mapp v. Ohio, 367 U.S. 643, 1961; Wong Sun v. United States, 371 U.S. 471, 1962,
v.g.).
Entre nós, portanto, a prova ilícita (ou obtida por meios ilícitos) é inconstitucional, portanto,
destituída de validade jurídica, resultante o dispositivo da “opção do Constituinte em adotar a
corrente doutrinária que entende que a obtenção ilícita sempre contamina a prova, impedindo sua
apresentação e validade judicial”.
Informa Vicente Greco Filho que o Constituinte desprezou as demais correntes
doutrinárias acerca da ilicitude da prova, acima citadas, revelando que o fez tanto em relação à que
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entendia que “as provas teriam validade, ou não, independentemente da ilicitude da obtenção,
devendo a ilicitude ser apurada e punida separadamente, sem que, porém, contaminasse a prova”;
quanto à outra, “que entendia que a obtenção ilícita da prova poderia levar à ilicitude e conseqüente
inadmissibilidade desde que o bem jurídico sacrificado com a ilicitude tivesse maior valor que o bem
obtido com a apresentação da prova”.
Com efeito, determina o inciso LVI do artigo 5. da Constituição Federal que “são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Quanto à disciplina da ilicitude da prova traçada no direito alienígena, podemos citar
algumas.
Jorge Eduardo Vázquez Rossi ensina que o novo Código Processual Penal da Província
de Córdoba prevê expressamente a inadmissibilidade das provas ilícitas, determinando a exclusão
de prova contrária ao acusado, obtida em desrespeito às garantias constitucionais deste.
Revela, ainda, que a Constituição Nacional consagra um amplo espectro de direitos
individuais, acentuando a proeminência da pessoa frente ao Estado, levando-a a proteger
determinados espaços físicos (domicílio) e formas comunicativas (papéis privados, interceptação de
correspondências e telefônicas) que se encontram no âmbito de privacidade indispensável ao
desenvolvimento individual.
Na Itália, o tema é tratado de forma um tanto diversa, falando-se em inutilizabilidade da
prova, o qual descreve dois aspectos do mesmo fenômeno, tanto o “vício” que contém o ato quanto
o “regime jurídico” ao qual aquele é submetido. É, pois, um tipo de invalidade que não atinge o ato
em si, mas o seu “valor probatório”, impedindo-o (o ato) de servir de fundamento para a decisão
judicial.
Aliás, no artigo 191, inciso 1, o Código de Processo Penal Italiano afirma que “as provas
adquiridas com violação das proibições estabelecidas pela lei não podem ser utilizadas”. O regime
jurídico é o enunciado no inciso 2, que reza ser argüível a inutilizabilidade, também de ofício e em
qualquer momento ou grau do procedimento.
A doutrina italiana fala, nesse contexto, que a proibição idônea a gerar a inutilizabilidade é
somente aquela prevista por uma norma processual, e não material, pois estas geram nulidades, ao
atingirem o ato em si, enquanto as inutilizabilidades atingem apenas o seu valor probatório. Explica
que a interpretação pode ser extraída do nomen iuris do art. 191 do Código de Processo Penal, o
qual se refere às provas “ilegitimamente adquiridas”.
Por sua vez, na Áustria, segundo Mittermaier, o Código Penal, no artigo 401, declara
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expressamente “nula a confissão extorquida por ameaças ou violências; e, sem se importar com a
primeira confissão obtida por meio de violência, erige em prova a confissão posterior, se o espírito
do acusado parecer inteiramente livre de qualquer influência ilegal, e se lhe houverem sido dadas, a
este respeito, todas as garantias de segurança futuras”.
Outrossim, Portugal, no artigo 32 da Constituição de 1976, proibiu expres-samente todas
as provas obtidas mediante tortura, coação grave, ofensa da integridade física ou moral da pessoa,
abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
Conforme salientou o Professor Doutor João Gualberto Garcez Ramos, em sua primeira
aula sobre o tema, “na tradição anglo-saxônica, os tratados e os cursos dedicados ao processo
penal o costumam reservar um espaço exclusivo para a teoria da prova”.
No Sistema Inglês, prevalece a possibilidade de utilização das provas ile-galmente
obtidas; porquanto, à justiça criminal cabe perquirir como ocorreram os fatos para melhor julgá-los e
não como a prova foi obtida. No entanto, Antonio Magalhães Gomes Filho lembra que tais provas
podem ser excluídas, discricionariamente, pelo juiz, não se constituindo essa atitude uma regra
geral. César Dario Mariano da Silva completa que “aquela pessoa que obtiver uma prova de
maneira icita deverá ser punida, caso a sua conduta seja criminosa”.
Em sintonia com o sistema anglo-saxão, como já visto linhas atrás, nos Estados Unidos
não há uma vedação constitucional expressa às provas ilícitas. De forma diversa do sistema
constitucional processual penal brasileiro, a Constituição Norte-americana não proíbe
expressamente a utilização das provas processuais penais ilícitas; todavia, confere garantias do
cidadão contra esse tipo de atitude por parte das autoridades públicas.
Segundo Oswaldo Trigueiro do Valle Filho, “emblemático neste panorama o modelo good
faith, pelo qual a iniciativa da população americana, impulsionada pela mídia, pretendia que as
atividades policiais ilegais pudessem ser sanadas ante a boa-fé de seus agentes. Segundo seus
defensores, a finalidade era positiva, jogando sob suspeita a atividade de juristas na proteção
daquele modelo que fez da América o palco da real revolução popular We the people”.
Assim,
coube à jurisprudência norte-americana confirmar e tornar efetivas as garantias do cidadão contra esse tipo
de atitude por parte das autoridades blicas, excluindo as provas ilícitas, principalmente com fundamento
nas garantias consagradas nas 4. e 5. Emendas. Aliás, convém lembrar que foi em virtude do corajoso e
salutar desenvolvimento dessa jurisprudência que as exclusionary rules, tidas em modelos próprios e
característicos das Amendments, tornaram-se vivas a partir de aplicações práticas.
Nesse sentido, eis a lição de João Gualberto Garcez Ramos:
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Nos EUA, a questão surgiu, no âmbito da Suprema Corte, em Boyd v. United States, 116 U.S. 616, 6 S.Ct.
524, 29 L.Ed. 746 (1886). Nessa decisão desenvolveu-se a idéia de que uma prova produzida com infração
de alguma das regras ou cláusulas ou direitos garantidos pela Constituição deveria ser excluída do processo,
a fim de que não tivesse qualquer efeito na determinação seja da materialidade, seja da autoria, seja da
ilicitude ou seja da culpabilidade de um fato criminoso. A isso denominou de ‘regra de exclusão de prova’
(exclusionary rule of evidence) ou, simplesmente, de ‘regra de exclusão’ (exclusionary rule).
O caso em Boyd se referiu a um processo em que as autoridades federais obtiveram um mandado sub
poena duces tecum, com o objetivo de obter documentos que se encontravam na posse de um suspeito da
prática de uma infração penal. A Corte decidiu que essa prática de obrigar o próprio acusado a fazer prova
contra si violaria o ‘privilégio contra a auto-incriminação’ (privilege against self-incrimination), insculpido na 5.
Emenda. Determinou a exclusão da prova assim obtida.
Continua o autor lecionando que, nessa oportunidade, a opinião do Justice BRADLEY,
depois de citar o julgamento de Lord Camden em ENTICK v. CARRINGTON, foi a seguinte:
os princípios invocados nesta opinião afetam a essência da liberdade constitucional e da segurança, [...] e se
aplicam a todas as invasões por parte do governo e seus empregados da santidade da casa de um homem e
da privacidade da vida. Não é o rompimento das portas dele e a revista de suas gavetas que constituem a
essência da ofensa; mas é a invasão do direito dele de segurança pessoal, liberdade pessoal e propriedade
privada, que não admite invasão pública. É a invasão deste direito sagrado que está por baixo e constitui a
essência do julgamento.
Outra lembrança digna de nota, por envolver a busca e apreensão desarrazoada, é o
leading case Weeks v. U.S., 232 U.S. 383 (1914), a seguir resumida.
Enquanto o demandante estava ausente, certos oficiais do governo, destituídos de
mandado de busca, dirigiram-se até sua casa e, informados por um vizinho do local onde se
encontrava a chave, acharam-na e entraram na residência e em seu quarto, ocasião em que
apreenderam vários documentos, artigos e coisas de propriedade do demandante.
O marshal retornou com o propósito declarado de obter prova adicional para demonstrar a
culpa, tendo, então, encontrado cartas escritas pelo demandante, as quais foram entregues ao
advogado do distrito e que foram suficientes para fornecer evidência contra este à tentativa.
Com o objetivo de obter revisão da condenação na qual se ims pena de multa e prisão,
por violação ao artigo 213 do Código Criminal, o demandante apoiou-se nas 4. e 5. Emendas.
No caso, ressalvou-se que os policiais federais somente poderiam ter invadido a casa do
acusado quando armados com uma autorização judicial, conforme requerida pela Constituição,
descrevendo-se com particularidade razoável a coisa para a qual seria feita a procura.
Nesse sentido, o efeito da 4.
a
Emenda foi pôr os tribunais estadunidenses e os policiais
federais sob limitações e restrições ao exercício do poder e da autoridade. Entendeu-se que os
esforços dos agentes públicos para castigar o culpado, apesar de louvável, não seria ajudado pelo
sacrifício desses grandes princípios estabelecidos durante anos de empenho e sofrimento, tanto
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que resultaram na sua incorporação à lei fundamental.
Assim, no ordenamento americano, as chamadas exclusionary rules são consideradas
essenciais pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos na definição dos limites da
atividade probatória desenvolvida pelo Estado, na medida em que impedem a utilização, em juízo,
das provas ilegalmente obtidas; porém, não por força da ilicitude de sua obtenção, mas porque
reputadas inconstitucionais com relação à 4.
a
Emenda, sua matriz fundamental.
Assim, com a garantia, evita-se condutas ilegais pela polícia; mantém-se a integridade
judicial, posto que, admitindo provas ilícitas, o Poder Judiciário tornar-se-ia cúmplice da ilegalidade
policial, corrompendo-se o julgamento; e assegura-se, ao povo, que a acusação não será
beneficiada pela conduta ilegal das autoridades públicas, diminuindo o risco de seriamente minar a
confiança do governo.
Não obstante as críticas recebidas pelos processualistas alienígenas, em razão do
raciocínio silogístico realizado naquele julgamento, o caso é de extrema relevância por constituir um
marco da jurisprudência americana no que tange à inadmissibilidade de provas ilícitas no processo
penal.
No Brasil, tal pensamento teve reflexos no voto do Ministro Celso de Mello, no Recurso
Extraordinário 251.445-4-GO, em que se pronunciou nesse sentido:
A cláusula constitucional do due process of law encontra, no dogma da inadmissibilidade processual das
provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras, pois o réu tem o direito de não ser
denunciado, de não ser processado e de não ser condenado com apoio em elementos probatórios obtidos ou
produzidos de forma incompatível com os limites ético-jurídicos que restringem a atuação do Estado em
sede de persecução penal. [...] A prova icita – por qualificar-se como elemento inidôneo de informação – é
repelida pelo ordenamento constitucional, apresentando-se destituída de qualquer grau de eficácia jurídica”
(STF – RE 251.445-4-GO – Relator: Ministro Celso de Mello – DJU de 03/08/2000 – p.68).
1.4.3 Prova Ilícita por Derivação
Outra questão tormentosa dentro do tema da ilicitude das provas diz respeito àquelas
provas que, em sua essência, apresentam-se como material e processualmente lícitas e válidas,
mas que derivaram de provas ilicitamente obtidas.
Fernando Capez cita, como exemplo, a confissão extorquida mediante tortura, que vem a
fornecer informações corretas a respeito do lugar onde se encontra o produto do crime, propiciando
a sua regular apreensão. Diz que, a despeito de regular, estaria a confissão contaminada pelo vício
na origem (tortura). Outro exemplo dado pelo autor é a hipótese de interceptação telefônica
clandestina, por intermédio da qual a Polícia descobre uma testemunha do fato que, em depoimento
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regularmente prestado, incrimina o acusado. Assinala que, igualmente, haveria, aqui, ilicitude por
derivação.
Pergunta-se: Tais provas são válidas, ou a ilicitude da prova principal as contamina,
tornando-as igualmente icitas?
Mais uma vez, a jurisprudência norte-americana, pioneiramente, por meio do Justice Oliver
W. Holmes, formulou a denominada Fruits of Poisonous Tree Doctrine, conhecida nacionalmente
como a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada.
A partir da decisão proferida no caso “Silverthone Lumber Co. v. United States” (251 US
385; 40 S. Ct. 182; 64 L. Ed. 319), em 1920, as cortes americanas passaram a não aceitar provas
obtidas por meio de práticas icitas, com o objetivo de desencorajar as autoridades públicas, ou
quem quer que fosse, que pretendessem utilizar métodos ilegais para a obtenção de prova
processual. Por ela, entendeu-se que o vício da prova ilícita se transmitiria a todas as provas dela
decorrentes, ou seja, o vício da planta se transmitiria a todos os seus frutos (daí o nome dado à
teoria).
No entanto, conforme afirmado por Fernando Capez, essa tendência vem se invertendo, e
a Suprema Corte passa a admitir, em algumas hipóteses extremas, até mesmo prova resultante de
confissão extorquida.
Contudo, não se constitui excesso de zelo trazer a lume os perigos de uma interpretação
como essa.
Com efeito, em favor da teoria dos frutos da árvore envenenada, segundo a qual a ilicitude
originária transmite-se às provas dela decorrentes, conforme assinala Vicente Greco Filho,
militam os argumentos mais robustos, dentre os quais, o da impossibilidade de convalidação da ilicitude
originária; o encorajamento à ilicitude pelas outras correntes, posto que o resultado da prova, se válido,
poderia justificar a condenação; a impossibilidade de fazer-se justiça pelas próprias mãos, na medida em
que o Código de Processo Penal já prevê os mecanismos adequados para a obtenção coativa da prova
(condução coercitiva de testemunha, busca e apreensão, exibição de documento ou coisa etc.).
Diante da dificuldade do tema, mister mencionar que, na decisão pioneira em que o
Justice Oliver W. Holmes não admitiu a prova ilícita por derivação, ressalvou ele, no entanto, que a
prova assim classificada não se tornaria, por isso, sagrada e inacessível. Raciocínio esse que,
segundo João Gualberto Garcez Ramos, permitiu o advento de três posições doutrinárias
obtemperando a regra de exclusão:
1. Doutrina da atenuação (Attenuation Doctrine), segundo a qual a ilegalidade da prova principal
transmite-se à derivada, sendo essa a essência da “teoria dos frutos da árvore envenenada”; porém, a
ilegalidade da prova derivada já está atenuada em relação à anterior, em grau tal que possa não
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justificar a exclusão da prova.
2. Doutrina da fonte independente (Independent Source Doctrine), pela qual, se for demonstrado
que a prova derivada e, portanto, tida por ilícita, foi obtida de uma fonte independente daquela
declaradamente ilegal, não será excluída.
3. Doutrina da descoberta inevitável ou doutrina da fonte independente hipotética (Inevitable
Discovery Doctrine ou Hypothetical Independent Source Doctrine), sendo a mais recente orientação
adotada pela Suprema Corte Norte-americana. Por ela, se for demonstrado que a prova ilegal seria, mais
cedo ou mais tarde, legalmente descoberta e colhida, não se a exclui.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal já decidiu por rejeitar a aplicabilidade da doutrina
do fruits of the poisonous tree, optando pela prevalência da incomunica-bilidade da ilicitude da
prova.
Analisando a questão no importante julgamento de um ex-Presidente da República,
Alexandre de Moraes lembra que:
...o tribunal rejeitou a tese da contaminação, das demais provas, pela ilicitude apresentada por uma prova
diretamente antecedente. No voto vencedor (6 x 5), o Ministro Moreira Alves ressaltou que ‘a previo
constitucional não afirma serem nulos os processos em que haja prova por meios ilícitos’ (STF – HC 69.912-
0/RS – DJU 25/03/1994). Ocorre que o julgamento foi anulado por impedimento de um dos ministros, sendo
que, no novo julgamento, pela permanência dos cinco votos vencidos, aplicou-se o parágrafo 3. do artigo
150 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, de forma que o paciente foi beneficiado pelo
empate, considerando que as demais provas, decorrentes da interceptação telefônica obtida ilicitamente,
foram contaminadas pela ilicitude dessa e, conseqüentemente, não servindo para embasar a condenação do
réu.
Ressaltou que “não houve mudança na orientação majoritária da Corte até a
aposentadoria do Ministro Paulo Brossard, que era adepto da incomunicabilidade da ilicitude às
demais provas; em novos julgamentos, já com a participação do Ministro Maurício Corrêa, inverteu-
se a posição majoritária do Supremo Tribunal Federal, adotando-se a doutrina do fruto da árvore
envenenada”.
Apesar disso, o Ministro Ilmar Galvão, em decisão posterior, lembrou e adotou o
abrandamento da teoria realizado pela Suprema Corte Norte-americana:
Carta anônima, sequer referida na denúncia e que, quando muito, propiciou investigações por parte do
organismo policial, não se pode reputar de ilícita. É certo que, isoladamente, não terá qualquer valor, mas
também não se pode tê-la como prejudicial a todas as outras validamente obtidas. O princípio do ‘fruto da
árvore envenenada’ foi devidamente abrandado na Suprema Corte.
Evidentemente, as demais provas, citas, autônomas e, portanto, não decor-rentes da
prova inadmissível, permaneceriam válidas.
Nesse sentido:
’Descabe concluir pela nulidade do processo quando o decreto condenatório repousa em outras provas que
exsurgem independentes, ou seja, não vinculadas à que se aponta como icita’ (STF – Segunda Turma – HC
75.892-6/RJ – Relator Ministro Marco Aurélio – DJ – Seção I – 17/04/1998).
’A existência nos autos de prova obtida ilicitamente (escuta telefônica autorizada por juiz antes do advento
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da Lei n. 9.296/96) não basta a invalidação do processo, se há outras provas consideradas autônomas, isto
é, colhidas sem necessidade dos elementos informativos revelados pela prova ilícita. Precedente citado:
RHC n. 72.463/SP (DJU 29/09/1995)’ (STF – Segunda Turma – HC 76.231/RJ – Relator Ministro Nelson
Jobim – Decisão 16/06/1998 – Informativo STF – n. 115 – junho de 1998).
Criou-se, então, a teoria da prova absolutamente independente, abreviada por Paulo
Rangel como “PAI”. Entendeu-se que, caso as provas ilícitas por derivação não tivessem sido o
único fundamento da decisão condenatória, mas essa se tivesse baseado em outras provas,
independentes e lícitas, aquelas não seriam contaminadas.
Vem sendo admitida, assim, na jurisprudência pátria, a aplicação da teoria da
proporcionalidade para o fim de desconsiderar o caráter absoluto da proibição da prova derivada da
ilícita frente a outros direitos e garantias fundamentais, posto que não expressamente vedada pela
Constituição Federal, embora tal posicionamento seja bastante polêmico por não se ter contornos
previamente definidos dos limites admissíveis, fator que expõe a risco a segurança jurídica advinda
da regra constitucional da inadmissibilidade da prova icita.
Não obstante tenha sido apresentada ao mundo pela Suprema Corte Norte-americana, o
tema das provas ilícitas por derivação há muito vinha preocupando os estudiosos e aplicadores do
direito, mormente nos países de orientação democrática.
Certamente, porque se encontra relacionado à humanização do processo penal na
tentativa de superação do Estado absoluto e ilimitado, uma vez que a história da civilização retrata
a luta do homem pelo poder e contra o excesso desse poder. Já no Século XVIII, Montesquieu
profetizava que o poder absoluto corrompia absolutamente, enquanto Aristóteles, o príncipe eterno
dos verdadeiros filósofos – como lho chamava Augusto Comte – ensinava que “o princípio
fundamental do governo democrático era a liberdade; a liberdade, dizia-se, era o objeto de toda
democracia”.
O constitucionalismo brasileiro seguiu a orientação de prevancia do sistema de garantias
individuais, pois, desde a Constituição Imperial de 1824, tradicionalmente incluiu a matéria após os
títulos dedicados à organização do Estado e dos Poderes; no entanto, o Constituinte de 1988
inovou e progrediu ao inserir, no título II da Constituição Federal, os princípios fundamentais e,
dentre eles, a garantia ao devido processo legal, da qual decorre a regra da proibição das provas
ilícitas.
Carlos Normando Hall, por exemplo, eleva a licitude como princípio específico da prova
penal, salientando que “ele ataca e resiste a todo intento e proceder ilícito de obtenção de provas e,
no caso de vulneração constitucional, conclui inexoravelmente com a nulidade absoluta e a
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exclusão probatória do meio e dos que dele dependam”.
A manifestação, por si mesma, traduz o maior fundamento que leva a doutrina e a
jurisprudência a não admitirem as provas ilícitas por derivação, porquanto, alguns dizem, cairia por
terra a garantia de impedir “todo intento e proceder ilícito”, na medida em que poderia a
investigação não ser beneficiada com a prova ilícita propriamente dita, porém, sê-lo com todas as
demais dela decorrentes.
Dentro desse contexto, o estudo da ilicitude da prova acarreta a necessária digressão pelo
mundo dos princípios e regras constitucionais, que pretendemos abordar no decorrer deste
trabalho.
No Brasil, como afirmamos alhures, os tribunais superiores minimizaram os efeitos da
teoria dos frutos da árvore envenenada, entendendo que quando a condenação não tiver se
embasado unicamente na prova ilícita por derivação as provas independentes e lícitas que a
motivaram não serão contaminadas.
Não obstante, a posição atual do Supremo Tribunal Federal é pelo acolhimento da
doutrina dos frutos da árvore envenenada, considerando-se ilícita a prova decorrente daquela
obtida por meio ilícito.
Paulo Rangel, por exemplo, discordando da posição ora adotada pelo Supremo Tribunal
Federal, salientou, com apoio na obra de Hélio Bastos Tornaghi, que “a Constituição Federal não
tratou da prova derivada, mas tão-somente da obtida por meio ilícito, a qual é inadmissível e deve
ser desentranhada do processo, se produzida”. Explica que, “onde a lei (Constituição) não
distingue, não cabe ao intérprete distinguir”. Cita o exemplo de uma “interceptação telefônica ilícita,
dizendo que a opinio delicti não poderá embasar-se na conversação dos envolvidos, mas o Estado
não poderá fechar os olhos para a situação fática encontrada por meio da regular busca e
apreensão”.
Apesar de ser a posição hodierna do Supremo Tribunal Federal, recebe crítica por parte
de Antonio Scarance Fernandes, para quem, o entendimento mostra-se inadequado por ser
extremamente limitativo, não abrangendo a possibilidade de pessoas ligadas a organizações
criminosas, até mesmo policiais, produzirem intencionalmente uma prova ilícita para, com isso,
obstar o sucesso da investigação, pois tudo o que viesse a ser obtido nessa averiguação seria
considerado ilícito em virtude da contaminação ocasionada pela prova ilicitamente forjada.
O tema da proibição da prova ilícita tem muito preocupado doutrinadores e aplicadores do
direito no Brasil, tanto que, nos anteprojetos de reforma da lei processual penal, não deixou de ser
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previsto para futura previsão no Código respectivo.
Com efeito, visando à uniformização dos posicionamentos a respeito do tema “provas
ilícitas” e “ilícitas por derivação”, a Comissão de Reforma do Código de Processo Penal, presidido
pela Professora Ada Pelegrini Grinover, apresentou anteprojeto de lei, com a seguinte motivação:
A Constituição de 1988, no inciso LVI do art. 5.
o
, veio consolidar a posição internacional no sentido da
inadmissibilidade processual das provas obtidas por meios ilícitos. A doutrina entende por prova ilícita a
colhida infringindo normas ou princípios colocados pela Constituição, para proteção das liberdades públicas
e dos direitos da personalidade.
Constituem, assim, provas ilícitas as obtidas com violação do domicílio (art. 5.
o
, XI, da CF) ou das
comunicações (art. 5.
o
, XII, da CF), as conseguidas mediante torturas ou maus tratos (art. 5.
o
, III, CF), as
colhidas com infringência à intimidade (art. 5.
o
, X, da CF), etc.
É oportuno que a lei processual fixe as balizas da regra constitucional de exclusão das provas ilícitas, em
qualquer hipótese, conceituando-as e tomando posição quanto a sua admissibilidade e proibição de
utilização, mesmo quando se trate da denominada prova ilícita por derivação, ou seja, da prova não ilícita
por si mesma, mas conseguida por intermédio de informações obtidas por provas ilicitamente colhidas.
Ressalta a necessidade de, no caso das provas ilícitas por derivação, haver conexão entre
os fatos probatórios ou a comprovação de que a prova, decorrente da ilícita, seria obtida
inevitavelmente, independente daquela.
No artigo 157, o Anteprojeto assim dispunha:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas
as obtidas em violação a princípios ou normas constitucionais.
§ 1.
o
São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, quando evidenciado o nexo de causalidade
entre uma e outras, e quando as derivadas não pudessem ser obtidas senão por meio das primeiras.
§ 2.
o
Após o trânsito em julgado da decisão de desentranhamento da prova declarada ilícita, serão tomadas
as providências para o arquivamento sigiloso em cartório.
§ 3.
o
O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada ilícita não poderá proferir sentença”.
Dentro desse contexto, a discussão que antecede a alteração da legislação processual
penal, com a aprovação de semelhante anteprojeto de lei, é se haverá mudança substancial no
entendimento firmado sob a luz do princípio da proporcionalidade, firmando, assim, a regra
infraconstitucional da exclusão.
No que tange especificamente ao princípio da proporcionalidade, do qual mais adiante se
falará, é importante salientar que autores há que o consideram princípio geral de interpretação das
normas constitucionais e legais, que permeia entre o Estado de Direito e os direitos fundamentais,
constituindo-se método adequado para solução de possíveis colisões que surgirem entre os últimos.
Com base nesse entendimento que alguns admitem a aplicação da teoria da proporcionalidade para
o fim de aproveitamento das provas derivadas das ilícitas.
Contudo, considerando todo a argumentação acima exposta e a preocupação
demonstrada pelos doutrinadores com a utilização da prova ilícita no processo penal, temos que a
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tentativa de sua inclusão no Código, embora não altere a disposição constitucional da matéria,
posto que condicionadora de sua validade, servi de parâmetro legal para coibir sua aplicação em
prejuízo do direito de liberdade do indiciado ou acusado em processo penal, assim também para
evitar abusos ainda que em nome do direito de liberdade, com intuito de provocar nulidade
insanável da instrução probatória.
Pugna-se pela efetivação das garantias processuais do indivíduo, livrando-o de arbítrio e
iniqüidades oficializadas em nome de uma abstrata noção de “segurança pública”, que pode dar
margem à persecução penal indiscriminada não só aos infratores como aos inocentes, todos,
indistintamente, destinatários da garantia do devido processo penal.
Parafraseando Eduardo Galeano: “ainda que não possamos adivinhar o tempo que será,
tenhamos ao menos o direito de imaginar o que queremos que seja”.
1.4.4 O Encontro Fortuito de Provas
Eugênio Pacelli de Oliveira aborda a “teoria do encontro fortuito ou casual de provas”
como uma das hipóteses de ilicitude da prova, aplicável no caso de “a prova de um crime ter sido
obtida a partir da busca regularmente autorizada para a investigação de outro crime”.
Segundo o autor, a teoria visa assegurar a inviolabilidade dos direitos fundamentais em
face do abuso de autoridade, funcionando no controle ou pedagogia da atividade policial
persecutória.
Cita o exemplo da entrada em domicílio alheio, devidamente autorizada por ordem judicial,
para o fim de buscar a apreender animais silvestres: nesse caso, é possível que os agentes de
investigação passem a revistar gavetas e armários no interior da residência, com o intuito de
encontrar quaisquer provas da prática de outro ilícito penal. Aplicando-se a teoria do encontro
fortuito, se forem encontradas provas, nessas circunstâncias, haverão de ser tidas por ilícitas
porquanto houve excesso aos limites do mandado judicial e, para aquele fim específico, a diligência
não estaria autorizada e a entrada em domicílio alheio violou a privacidade de seu morador.
Ressalva o caso da interceptação telefônica, para a qual a interpretação deve ser diversa
na medida em que, em estando autorizadas as conversas mais íntimas e pessoais dos investigados,
com muito mais razão a estaria a conversação que constituísse prova de outras infrações penais;
ademais, justifica tal entendimento sob o manto da Lei n.
o
9.296/96, que ime limites rigorosos a
esse meio específico de obtenção de prova, o que, por si só, afastaria o risco de influência decisiva
de suposto interesse na investigação de outros fatos criminosos em relação ao investigado.
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Lembra que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus 83.515/RS,
que teve como relator o Ministro Nelson Jobim, afastou a ilicitude e permitiu o aproveitamento da
prova obtida por meio de interceptação telefônica, autorizada para investigação de outro crime, com
fundamento na identidade e conexão entre os fatos delitivos noticiados.
Contudo, discorda do fundamento utilizado naquele voto, dizendo que uma vez
franqueada a violação dos direitos à privacidade e intimidade dos moradores da residência, não
haveria mais razão para a recusa de provas de outros delitos obtidas por meio daquela diligência.
Argumenta que o aproveitamento do conteúdo da intervenção autorizada é tema referente à
aplicação da lei, não mais relativo à justificação da medida, que já ocorreu para a quebra do sigilo,
com fundamento inclusive na gravidade do crime então investigado.
Vicente Greco Filho, citado por Antonio Scarance Fernandes, “não admite a utilização de
interceptação em face de fato em conhecimento fortuito e desvinculado do fato que originou a
providência; porém, a admite em relação a infrações conexas ou em concurso”.
Luiz Flávio Gomes e Raul Cervini, citados por Antonio Scarance Fernandes, admitem o
encontro fortuito de provas referentes a crime diverso quando este é conexo com o crime
investigado e de responsabilidade do mesmo sujeito passivo. Do contrário, a prova seria nula,
porém, poderia valer como fonte de prova e, a partir dela, desenvolver-se-ia nova investigação.
Valeria, portanto, como uma notitia criminis, a ser investigada de forma independente das provas
conhecidas por meio do encontro fortuito.
Assim, embora considerada uma das vertentes do tema central da prova ilícita, inevitável
que quaisquer dos elementos de informação obtidos, ainda que ilicitamente, poderiam servir como
início de investigação com o objetivo de produção de instrução criminal válida e eficaz, haja vista
que a notitia criminis poderá ocorrer mesmo informalmente, sobre ela não havendo controle rígido
por parte do Estado.
No entanto, trata-se de matéria em construção, não pacificada, com a qual devem se
ocupar os aplicadores do direito processual penal, principalmente, em face da facilidade da
ocorrência de abusos em cumprimentos de mandados judiciais para fins de investigação criminal.
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CAPÍTULO 2
TUTELA CONSTITUCIONAL DO PROCESSO PENAL
2.1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PENAL E DO PROCESSO PENAL
Basicamente, o direito penal foi cunhado e desenvolveu-se como instrumento de defesa
da sociedade, pela razão elementar de que o homem não poderia viver só e, em contato com seus
semelhantes, tornar-se-ia inevitável o surgimento de conflitos de interesses em função de estes
serem inesgotáveis em relação aos limitados bens existentes.
Eugenio Raúl Zaffaroni afirma o critério pelo qual a função do direito penal é a segurança
jurídica, ou seja, o asseguramento da existência.
Na concepção de Günther Jakobs, adepto da teoria da prevenção geral positiva,
...o Direito Penal obtém sua legitimação material de sua necessidade de garantir a vigência das expectativas
normativas essenciais (aquelas de que depende a própria configuração ou identidade da sociedade) diante
das condutas que expressam uma regra de comportamento incompatível com a norma correspondente e
colocam nesta, portanto, uma questão como modelo geral de orientação no contato social.
Para o autor, a pena é entendida como resposta ao quebrantamento da norma, esta,
evidentemente, necessária para viabilização da vida pacífica em sociedade.
Entre nós, René Ariel Dotti ensina que “a missão do Direito Penal consiste na proteção de
bens jurídicos fundamentais ao indivíduo e à comunidade. Incumbe-lhe, através de um conjunto de
normas [...], definir e punir as condutas ofensivas à vida, à liberdade, à segurança, ao patrimônio e
outros bens declarados e protegidos pela Constituição e demais leis”.
Sem embargo das teorias deslegitimantes do sistema penal, é inegável a necessidade
desse ramo do Direito.
Rogério Lauria Tucci, falando da correlação entre Direito Penal e Processo Penal, ensina
que o escopo das normas estatuídas pelo primeiro é a consecução do bem comum e a pacificação
social, assecuratória da segurança pública; enquanto que o segundo visa, de um lado, a tutela da
liberdade jurídica do indivíduo, membro da comunidade, e, de outro, a garantia da sociedade contra
a prática de atos penalmente relevantes, pelo homem, em detrimento de sua estrutura.
Conclui: “conseqüentemente, tem-se a inevitabilidade e, com ela, a neces-sidade do
processo penal, quando ocorrente a prática de ato tido como típico, antijurídico e culpável: para
atingir o efeito jurídico da punição do indigitado autor da infração penal, torna-se inafastável a
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incoação da persecutio criminis e seu ulterior e regular desenvolvimento”.
José Renato Nalini reafirma a atualidade do sistema penal num momento em que a
sociedade preocupa-se prioritariamente com o aumento da vioncia, a insegurança, a busca da paz
e da tranqüilidade. Lembra que, nesse contexto social, “a proteção do delinqüente, a tutela de seus
direitos humanos mediante a minimização do Direito Penal, não vem se mostrando satisfatória”.
Assim, por mais indesejável que seja o Direito Penal, nas mais diversas modalidades de
sistemas de sua aplicação, o fato é que até agora nenhum crítico apresentou solução pragmática
razoável de um modo de vida possível sem ele. É, sem dúvida, pois, um mal necessário.
Nesse sentido, Claus Roxin, um dos mais respeitados penalistas contemporâneos, à
pergunta se o Direito Penal teria futuro, respondeu “...aquele que deseja e profetiza um longo futuro
para o direito penal terá de admitir que a justiça criminal é um mal talvez necessário, e, por isso, se
deva promover, mas que continua sendo um mal”.
Assim, parafraseando Rogério Lauria Tucci, “compreensível é, por isso, que todas as
Constituições, como o observa Lucchini, ao regular a vida jurídica das nações livres, tragam,
‘disposições destinadas a fixar os fundamentos das garantias processuais’”.
Com efeito, tomemos o exemplo do ordenamento jurídico nacional: uma das características
relevantes do Código de Processo Penal, apontada por Eugênio Pacelli de Oliveira, é que, “na
balança entre a tutela da segurança pública e a tutela da liberdade individual prevalece a
preocupação quase que exclusiva com a primeira, com o estabelecimento de uma fase
investigatória agressivamente inquisitorial, cujo resultado foi uma conseqüente exacerbação dos
poderes dos agentes policiais”.
Sem contar que o processo penal, por si mesmo, constitui uma tormenta na vida do
homem, conforme aduzia Santo Agostinho, “a tortura, nas formas mais cruéis, está abolida, ao
menos sobre o papel; mas o processo por si mesmo é uma tortura; [...] o indivíduo, logo que é
suspeito de um delito, é jogado às feras, é feito aos pedaços, e o indivíduo, que é o único valor da
civilização que deveria ser protegido”.
No entanto, a Constituição Federal de 1988 caminhou em direção oposta, prevendo
direitos e garantias individuais contra a ingerência punitivo-arbitrária do Estado e, por outro lado,
estabelecendo limites à própria atuação da Justiça Criminal frente aos direitos fundamentais do
investigado ou acusado no processo penal.
Outrossim, tratou de temas penais quando da instituição dos princípios fundamentais da
República e dos cidadãos como na parte em que definiu a estrutura do Estado com as respectivas
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competências de seus Entes.
Dentro desse contexto, inevitável que a ampla normatividade constitucional dos direitos e
garantias fundamentais, dentre as quais estão inseridos os regramentos constitucionais inerentes
ao processo penal, geram conflitos no julgamento de casos concretos em que tais interesses
opostos se contrapõem, os quais deixam de ser representados pela simples conotação “segurança
pública x liberdade individual”, para adquirirem a fórmula “direitos fundamentais de dimensão
coletiva x direitos fundamentais de dimensão individual”.
Mormente, porque o preâmbulo da Constituição já indica preocupação com valores
sociais, como segurança, igualdade, justiça etc., ao lado dos chamados direitos individuais
propriamente ditos.
Inegável que o qualificativo de constituição-cidadã decorre do fato de a Constituição
pertencer à espécie das chamadas descontinuidades constitucionais; o que quer dizer que rompeu
com tradições que lhe eram absolutamente incômodas e ganhou uma forçosa participação popular
com ganhos impensáveis no âmbito social.
Oswaldo Trigueiro Valle Filho, porém, ao referir-se ao sistema português sobre o
testemunho do ouvir dizer, criticou a modificação, camuflada ou exposta, da postura do processo
penal ambiente, a pretexto de uma condição de segurança social, sob argumento de que o Estado
que hoje se posta como todo protetor já foi o ator principal de um estilo de política protetiva marginal
que considerava outros espaços como mercado de consumo paralelo sem possibilidades de ativar
atividades inescrupulosas, considerando o modelo de democracia estabilizada. Quanto a este
argumento, fez referência expressa à política armamentista dos Estados Unidos da América, que
experimenta, hoje, do próprio artefato.
Vê-se, pois, que o tema envolvendo o jus puniendi e o jus libertatis, em face dos direitos e
garantias fundamentais de investigados e acusados em processo penal, é polêmico, havendo
manifestações favoráveis e contrárias à aplicação, por exemplo, do princípio da proporcionalidade
como forma de abrandamento do princípio da inadmissibilidade da prova processual penal ilícita e
até mesmo da legítima defesa com o mesmo fim.
É compreensível a repugnância, demonstrada por alguns, à mera possibilidade de
admissão de prova ilícita no processo penal quando a primeira lembrança que se vem à mente é a
utilização de tortura e castigos físicos para obtenção de confissão e provas afins, barbárie essa
combatida veementemente desde o movimento filosófico-humanitário da segunda metade do século
XVIII, tanto que, entre nós, transformou-se em crime autônomo. Por isso, fere a consciência jurídica
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qualquer tentativa de utilização, no processo, de prova obtida por esse meio ilícito, tendo em vista a
relevância do direito individual dantes violado.
César Dario Mariano da Silva inclui, dentre os direitos individuais fundamentais que
podem aparentar colisão com o princípio da ilicitude da prova, as diversas espécies de sigilo
(profissional, da fonte, bancário, fiscal, de correspondência, judicial, de dados e telefônico), direito
ao silêncio, à voz e à imagem.
Vê-se, nitidamente, que há uma tendência entre estabelecer o conflito entre o princípio da
inadmissibilidade da prova ilícita e o direito à privacidade. Como assinalado no início deste
trabalho, a previsão constitucional dos princípios-garantia é corolário da institucionalização do
conflito entre a necessidade de proteção dos cidadãos contra as investidas do Estado,
especialmente no que diz respeito aos poderes punitivo e executório deste, difundido
principalmente no Século XVIII. Após as Declarações do Estado de Virgínia e Americana, veio a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a qual apresentava as particularidade de
universalidade e de cunho teórico ou racional. Do movimento liberal e individualista do Século XVIII,
cunhou-se as chamadas liberdades públicas do homem frente ao Estado, como direitos negativos,
que impunham ao Estado o dever de abster-se frente aos direitos e garantias dos indivíduos.
Porém, com a evolução do direito e, mesmo da sociedade, as liberdades públicas
adquiriram uma configuração mais complexa do que em sua gênese. Não desapareceram, porém,
ganharam caráter relativo, da imperiosidade de compatibilizar o direito de um cidadão com os
direitos de outros e com os demais princípios e garantias constitucionais que, não raras vezes,
apresentam-se concretamente em conflito. Porém, parafraseando Celso Ribeiro Bastos, “não se de
concluir, todavia, que haja sempre um irremediável e incontornável conflito entre as liberdades
clássicas e os direitos sociais modernos”, como se demonstrará no decorrer desse trabalho.
A Constituição Federal, no artigo 5.
o
, inciso X, prevê que “são invioláveis a intimidade, a
vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação”.
O tema alcança importância fundamental nesses dias em que a evolução tecnológica nos
expõe, diariamente, a invasões externas, seja por meio de gravações clandestinas, magnetofônicas,
aparatos a laser, aparelhos de fotografia em miniatura etc., isso para ficarmos restritos aos casos
mais ocorrentes e que têm abarrotado nossos Tribunais.
Nos Estados Unidos da América, em 1873, o Juiz Cooly identificou a privacidade como
“o direito de estar só”: right to be alone. Após, a Suprema Corte delimitou o âmbito do right of
privacy, de forma a compreender “o direito de toda pessoa tomar sozinha as decisões na esfera da
sua vida privada”. Aliás, lembra Carlos Alberto BITTAR que, no âmbito penal, o mesmo título “O
direito de estar só” leva a obra de Paulo José da Costa Jr., destaque do tema no Brasil.
O Brasil, embora ofereça proteção à intimidade, vida privada e imagem das pessoas, não
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delimita o campo de atuação desses direitos, como, por exemplo, o faz o Código Civil português,
razão por que devemos recorrer à doutrina acerca do tema.
Entre nossos doutrinadores, Carlos Alberto Bittar, auto-incluído dentre os naturalistas,
reconhece os direitos à vida privada, intimidade, honra e imagem das pessoas como direitos de
personalidade, ou seja, como faculdades exercitadas normalmente pelo homem, cabendo ao Estado
apenas reconhecê-los e sancioná-los em um ou outro plano do direito positivo e dotá-los de
proteção própria, conforme o tipo de relacionamento a que se volte, a saber: contra o arbítrio do
poder público ou às incursões dos particulares.
Assim que, não obstante assuma posição flexível quanto à conceituação do tema, distribui
os direitos de personalidade entre direitos físicos, referentes a componentes materiais da estrutura
humana (a integridade corporal, compreendendo: o corpo, como um todo; os órgãos; os membros; a
imagem, ou efígie); direitos psíquicos, relativos a elementos intrínsecos da personalidade
(integridade psíquica, compreendendo: a liberdade; a intimidade; o sigilo, etc.) e direitos morais,
respeitantes a atributos valorativos ou virtudes da pessoa na sociedade (o patrimônio moral,
compreendendo: a identidade, a honra; as manifestações do intelecto)”.
No entanto, reconhece que apenas quando positivados na Constituição é que se constituem
“liberdades públicas”, embora mantenham sua fonte no direito natural.
No que tange à intimidade propriamente dita, diz que são seus elementos a vida privada, o
lar – a família – e a correspondência. Dentre os bens sob a proteção do manto da inviolabilidade da
intimidade, estão: confidências, informes de ordem pessoal (dados pessoais), recordações
pessoais, memórias, diários, relações familiares, lembranças de família, sepultura, vida amorosa ou
conjugal, saúde (física e mental), afeições, entretenimentos domésticos e atividades negociais,
reservados pela pessoa para si e para seus familiares (ou pequeno circuito de amizade) e, portanto,
afastados da curiosidade pública.
Em posicionamento não muito distante, José Afonso da Silva utiliza o termo “privacidade” ao
invés de intimidade, preferindo-o porquanto a Constituição a previu como um direito diverso da vida
privada, honra e imagem das pessoas, enquanto a doutrina considerava estes direitos
manifestações daquela. O autor conceitua a privacidade como “o conjunto de informação acerca do
indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem,
quando, onde e em que condições, sem a isso poder se legalmente sujeito”. Continua sua
dissertação, afirmando que “a esfera de inviolabilidade, assim, é ampla”; e, citando Moacyr de
Oliveira, diz que “abrange o modo de vida doméstico, nas relações familiares e afetivas em geral,
fatos, hábitos, local, nome, imagem, pensamentos, segredos, e, bem assim, as origens e planos
futuros do indivíduo”.
No mesmo sentido, porém, em outras palavras, Celso Ribeiro Bastos cunha o direito à
reserva da intimidade e da vida privada como “a faculdade que tem cada indivíduo de obstar a
intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a
informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações
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sobre esta área da manifestação existencial do ser humano”. Diz que o direito à inviolabilidade do
domicílio e da correspondência, o sigilo profissional e o das cartas confidenciais e demais papéis
pessoais são desdobramentos do direito constitucional à intimidade, honra e vida privada.
Lembra que, com o advento da Lei n.
o
9.296/96 (Lei das Interceptações Telefônicas), o
legislador quis, nitidamente, proteger o direito à intimidade do indiciado e do acusado, uma vez que
a norma exige segredo de justiça em caso de autorização judicial de quebra do sigilo, sob pena de o
infrator incorrer em crime.
Imprescindível, portanto, discorrermos sobre a posição dogmático-consti-tucional em que
se encontra a proibição da admissibilidade de prova ilícita, que fornecerá subsídios para as
propostas de soluções de conflitos presentadas.
2.2 MONOPÓLIO ESTATAL SOBRE A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
Ultrapassado o momento histórico em que se permitia a autotutela ampla na solução dos
conflitos, dispondo o particular de poderes para, mediante utilização da força, dirimir os litígios
decorrentes da convivência em sociedade, o Estado tomou para si a administração da justiça, com o
dever de restabelecer a paz social afetada e a recompor a ordem jurídica.
Sem esse controle estatal não seria concebível a convivência social, pois, no dizer de
Fernando Capez, “cada um dos integrantes da coletividade faria o que bem quisesse, invadindo e
violando a esfera de liberdade do outro. Seria o caos”.
Assim, o Estado-Juiz substituiu-se aos particulares na administração da justiça, exercendo
a atividade estatal denominada jurisdição, mediante a qual passou a aplicar, imparcialmente, o
direito ao caso concreto, a fim de fornecer uma pacífica solução ao litígio, reafirmando a autoridade
da ordem jurídica e a verticalidade da relação Estado-Particular.
Dessa forma, o jus puniendi, como poder-dever exclusivo do Estado nas sociedades
civilizadas, exclui a vingança de mão própria. “O monopólio estatal do sancionamento penal não se
vê excepcionado sequer nos casos de atuação em legítima defesa e de crimes para cuja repressão
se permita a iniciativa privada da ação penal, mediante substituição processual”.
Em nosso ordenamento jurídico, o direito subjetivo à jurisdição vem consubstanciado no
inciso XXXV do artigo 5.
o
da Constituição Federal, com a garantia de que “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Dentro desse contexto, Antonio Scarance Fernandes afirma que “do íntimo relacionamento
entre processo e Estado deriva a introdução cada vez maior, nos textos constitucionais, de
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princípios e regras de direito processual, levando ao desenvolvimento de estudos específicos sobre
as normas processuais de índole constitucional”.
Nesse sentido, Ada Pellegrini Grinover realça que as garantias do acusado são, também,
garantias do processo e da jurisdição, daí por que as normas processuais devem ser “lidas” à luz
dos princípios e das regras constitucionais, e, citando Liebman, salienta que esse é o caminho que
transformará o processo, de simples instrumento de justiça, em garantia de liberdade.
Em outra obra, Ada Pellegrini Grinover, citada por Antonio Scarance Fernandes, fala em
Direito Processual Constitucional, como sendo a “condensação metodológica e sistemática dos
princípios constitucionais do processo. Abrange a tutela constitucional dos princípios fundamentais
da organização judiciária e do processo e a jurisdição constitucional. À tutela constitucional do
processo, examinada em sua dúplice configuração – direito de acesso à justiça (direito de ação e de
defesa) e direito ao processo (ou garantias do devido processo legal) –, correspondem as normas
constitucionais sobre os órgãos da jurisdição, sua competência e garantias; enquanto que a
jurisdição constitucional compreende o controle judiciário de constitucionalidade das leis e dos atos
da administração, bem como a denominada jurisdição constitucional das liberdades, com o uso dos
remédios constitucionais-processuais (habeas corpus, mandado de segurança, mandado de
injunção, habeas data e ação popular)”.
Com efeito, Tolomei, citado por Rogério Lauria Tucci, enfatiza o equívoco daqueles que
entendem que, por expressar regras de conduta para os membros da sociedade, o Direito Penal
cria, apenas, direitos subjetivos em favor do Estado – entendido como tal o direito subjetivo de punir
–, deixando de contemplar os indivíduos com qualquer interesse juridicamente tutelado. O jus
puniendi só é conferido ao Estado nos caos e modos expressamente prescritos em normas penais;
limitação da qual surge, mediante conversão, o direito subjetivo de liberdade das pessoas
integrantes do grupo social.
Por fim, o direito de punir exterioriza-se na persecutio criminis, consubstan-ciada numa
atuação de agentes estatais destinada à verificação da existência material da infração penal e da
culpabilidade de seu autor, para conseqüente aplicação das normas de Direito Penal material ao
caso concreto.
Divide-se, no caso concreto, em duas fases, a saber:
a) a pré-processual ou de investigação criminal (informatio delicti), administrativa na
forma e na substância, e judiciária quanto à finalidade, efetuada, em regra, por órgãos
da Administração Pública, especialmente a Polícia Judiciária; e
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b) a processual, onde a jurisdição penal é exercida por meio da instrução criminal
formalmente acusatória, culminando ou na absolvição do inocente ou na condenação
do culpado, com aplicação de pena ou de medida de segurança estabelecida em lei
ao infrator perseguido.
Importante destacar, nesse tópico, a superação da doutrina processual penal
contemporânea do conceito “carneluttiano” de lide, posto que se encontram em jogo interesses
indisponíveis decorrentes do princípio nulla poena sine judicio; o que há é um conflito de interesses
de alta relevância social, pressuposto do processo penal. Assim, o conceito de lide não serviria
para caracterizar o processo penal: o Ministério Público ou a vítima não têm “pretensão” a
determinado bem da vida, aos quais não é dado reconhecer o jus puniendi; por outro lado, ao réu
não é dado o direito de resistir a essa “pretensa” pretensão: o “contraste” admissível entre o
acusador e o acusado corresponde ao mero conceito de “controvérsia”, no sentido de “debate”,
“discussão” acerca de determinados fatos e respectivas teses jurídicas, não no sentido de
“contenda” ou “disputa”.
De fato, o autor da infração penal resolveu seu conflito de interesses fazendo sua
utilidade, seu bem, à custa do sacrifício do interesse de outrem. Daí, não surge para o Estado
pretensão à pena, mas sim à justiça penal, que tanto pode culminar em condenação ou em
absolvição, com a declaração da legitimidade do ato do acusado, se não tiver sido criminoso. O
Estado não litiga com o acusado.
Oportuno mencionar as lições de Giulio Paoli e Arruda Alvim, citados por Rogério Lauria
Tucci: o primeiro, aduziu que o conceito de lide não se presta a caracterizar o processo penal,
somente podendo ter lugar entre o Ministério público e o imputado, o que seria impossível; e,
igualmente, seria inadmissível ocorrer entre o imputado e a vítima; o segundo, por sua vez,
afastando a aplicação do conceito “carneluttiano” de lide no processo penal, frisou que “não mais se
pode, hodiernamente, pretender ver no processo penal, como constitutivo de sua essência, um
conflito entre vítima e o criminoso”.
Em outro momento, o mesmo Autor, citando Fernando Fernandes, asseverou que “a
legalidade processual decorre ‘da necessidade da contenção do arbítrio judicial e, portanto, como
um instrumento de garantia atribuída ao cidadão’; garantia essa ‘indispensável para toda a
administração da justiça que pretenda actuar com proporcionalidade, com independência frente à
posição do processado e, por isso mesmo, que queira ser justa’”.
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2.3 A INADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA COMO COROLÁRIO DO DEVIDO
PROCESSO LEGAL
A proibição da prova ilícita é corolário, também, num aspecto mais específico, do princípio-
garantia consistente no devido processo legal, que, segundo Oswaldo Trigueiro Valle Filho, “é o
guião mestre dos demais princípios processuais penais constitucionais e tem como base
fundamental a anteposição ao Estado-segurança: na convivência das liberdades, o equilíbrio
desejado vem ao sabor de uma preservação mínima de garantias, reunidas no processo justo”.
A garantia do devido processo legal tem como antecedente histórico a Magna Carta,
outorgada por João Sem Terra aos barões da Inglaterra, em 1215, como law of the land.
O princípio do devido processo legal foi cunhado, inicialmente, nas 4.
a
e 5.
a
Emendas da
Constituição Estadunidense, as quais emprestam fundamento às posteriores decisões e doutrina
sobre a matéria, que se irradiaram pelo mundo, com forte influência na jurisprudência nacional.
Os Estados Unidos da América, no dia 15 de dezembro de 1791, aprovaram as 10 (dez)
primeiras emendas, conhecidas como Bill of Rights, dentre as quais a 4.
a
Emenda, estabelecendo
que:
O direito do povo à inviolabilidade de suas pessoas, casas, papéis e haveres contra a busca e apreensão
arbitrárias não poderá ser infringido; e nenhum mandado será expedido a não ser mediante indícios de
culpabilidade confirmados por juramento ou declaração, e particularmente com a descrição do local da busca
e a indicação das pessoas ou coisas a serem apreendidas.
Por outro, a 5.
a
Emenda dispôs o seguinte:
Ninguém será obrigado a responder por crime capital, ou de natureza infamante, senão em virtude de
denúncia, ou acusação perante um grande júri, exceto em delitos cometidos pelas forças de terra ou mar, ou
pela milícia, quando se achar em serviço ativo em tempo de guerra ou de perigo público; nem pessoa
alguma poderá, pelo mesmo crime, sujeitar-se por duas vezes a um processo que lhe ponha em risco a vida
ou algum membro do corpo; nem poderá ser obrigada a servir de testemunha, em pleito criminal contra si
mesmo, nem poderá ser privada da vida, da liberdade ou da propriedade, sem um devido processo legal,
nem a propriedade privada poderá ser tomada para uso público, sem justa compensação.
Como lembra Luís Roberto Barroso, o preceito, inicialmente, vinculava apenas o Governo
Federal estadunidense. Somente em 21 de julho de 1868, com a aprovação da 14.a emenda, é que
se estendeu sua obrigatoriedade aos Estados-membros, com a seguinte disposição: "Nenhum
Estado privará qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal."
Revela o autor que o princípio passou por duas fases: a do procedural due process, na
qual se revestiu de caráter estritamente processual, consistente em garantia voltada para a
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regularidade do processo penal e, depois, para o processo civil e o administrativo. Seu campo de
incidência recaía sobre o direito ao contraditório e à ampla defesa, a advogado e ao acesso à
justiça para os carentes de recursos. Após, ganhando um cunho substantivo (substantive due
process), o princípio marcou um impulso de ascensão do Judiciário na arte da defesa dos direitos
individuais ante o controle do arbítrio legislativo e da discricionariedade governamental que, para
alguns autores, constituiu, também, o prenúncio da teoria da proporcionalidade.
Assim, embora tenha como precedente histórico a Magna Carta, da Inglaterra, o devido
processo legal adquiriu contorno mais expressivo no direito constitucional norte-americano que
descortinou as garantias constitucionais processuais impostergáveis para o exercício dos direitos
declarados e assegurados pelo sistema jurídico.
Carmem Lúcia Antunes Rocha qualifica a cláusula do devido processo legal como o pilar
mestre da construção jurídica democrática contemporânea, compondo-se e completando-se com
outros princípios.
Nesse sentido, dizia San Tiago Dantas, citado por Grinover e, por sua vez, por José
Laurindo de Souza Netto que “enquanto na Inglaterra jamais se concebeu que o princípio pudesse
ser invocado contra um ato do Parlamento Supremo depositário da soberania, nos Estados Unidos
a fórmula cedo começou a ser limitativa para o próprio Congresso e a constituir um dos standard
jurídicos com que a Corte Suprema censura a constitucionalidade das leis”.
Certo é que a concepção de devido processo legal, iniciado nos Estados Unidos da
América, ganhou lugar nos diversos ordenamentos jurídicos: no direito alemão (faires Verfahren), no
direito espanhol (proceso debido, proceso debido según ley, juicio justo ou proceso justo), no direito
argentino (debido proceso legal), dentre outros.
No Brasil, seguindo o exemplo alienígena, não foi diferente; porém, aqui, convém fazer
ressalvas à garantia do devido processo legal, que foi prevista e aplicada gradualmente, posto que,
antes da Constituição de 1988, só figurou expressamente na Constituição Imperial de 1824, num
sentido meramente processual, como garantia procedimental.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a cláusula do devido processo legal
encontrou sede entre os direitos e garantias fundamentais, descrita que está expressamente no
inciso LIV do artigo 5.
o
: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal”, a partir daí, apresentando-se como instrumento da justiça e dos direitos fundamentais para a
defesa dos cidadãos frente ao Estado e elemento impulsionador da democracia frente ao respectivo
governo.
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Também entre nós, com a Constituição Federal de 1988, o devido processo legal irradiou
seu caráter duplo, material e processual. No sentido substancial, implica na elaboração regular e
correta da lei, bem como sua razoabilidade, senso de justiça e enquadramento nas preceituações
constitucionais. No sentido processual, significa a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à
justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível, integrando o conceito
a necessária paridade de armas entre as partes.
Segundo Celso Ribeiro Bastos, o “direito ao devido processo legal é mais uma garantia do
que propriamente um direito; por ele, visa-se proteger a pessoa contra a ação arbitrária do Estado;
colima-se, portanto, a aplicação da lei”.
Arruda Alvim conceitua devido processo legal como “garantia a um processo e respectivo
procedimento preestabelecidos e regular, mercê dos quais idoneamente se possa levar ao Poder
Judiciário um conflito de interesses a ser solucionado, e onde é essencial e avulta a citação,
através da qual se viabiliza a possibilidade do contraditório”.
Inicialmente, visto de forma individualista, como princípio destinado a resguardar direitos
públicos subjetivos das partes, passaram, com a preponderância da ótica publicista, suas normas a
ganhar contornos de garantia, e não direitos, das partes e do justo processo.
Também Alexandre de Moraes assim explica o caráter duplo do princípio do devido
processo legal:
O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção
ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-
persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção
ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à
revisão criminal).
Mais especificamente, para o processo penal, o devido processo legal em sentido
processual resume-se nas seguintes garantias:
a) direito à citação e ao conhecimento do teor da acusação; b) direito a um rápido e público julgamento; c)
direito ao arrolamento de testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os
tribunais; d) direito ao procedimento contraditório; e) direito de não ser processado, julgado ou condenado
por alegada infração às leis ex post facto; f) direito à plena igualdade entre acusação e defesa; g) direito
contra medidas ilegais de busca e apreensão; h) direito de não ser acusado nem condenado com base em
provas ilegalmente obtidas; i) direito à assistência judiciária, inclusive gratuita; j) privilégio contra a auto-
incriminação.
No mesmo sentido, ainda, Oswaldo Trigueiro Valle Filho cita o princípio da presunção da
inocência como garantia de lisura na administração de produção e valoração da prova, “em que as
garantias naturais de um processo justo se apresentarão”.
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Rogério Lauria Tucci o classifica como uma garantia constitucional inerente ao devido
processo penal, que se refere à plenitude da defesa.
Nessa esteira de pensamento, elementar a lição de Ada Pelegrine Grinover, no sentido de
que a legalidade na disciplina da prova não produz um retorno ao sistema da prova legal, em que
as regras eram aferidas para melhor pesquisa da verdade; “seu valor era um valor de verdade”, diz.
Ao contrário, hoje “as regras probatórias devem ser vistas como normas de tutela da esfera pessoal
de liberdade: seu valor é um valor de garantia”, arremata.
Portanto, a proibição das provas ilícitas constitui uma das irradiações do devido processo
legal, ou seja, assim como na Constituição Americana – ainda que não prevista expressamente em
dispositivo constitucional específico –, a norma existe com a finalidade de proteger a liberdade dos
cidadãos frente ao jus puniendi do Estado; trata-se de garantia instituída em prol do valor maior
consagrado na esfera de liberdade do indiciado ou acusado em processo penal, como integrante do
direito à plena defesa.
Com efeito, Ana Lúcia Menezes Vieira destaca que o due process of law, consubstanciado
no conjunto de garantias constitucionais do processo, é que “garante o limite da função jurisdicional
e a tutela dos direitos humanos na realização da Justiça pelo Poder Judiciário”. Citando Frederico
Marques, arremata: “Isto significa a consagração do devido processo legal como forma fundamental
de procedimento e garantia suprema do jus liberatis”.
Salutar a lição de Humberto Theodoro Júnior, no sentido de inserir o devido processo
legal dentre os “princípios fundamentais informativos do processo, que devem ser considerados
pelo hermeneuta das leis formais, em suas aplicações práticas, [...] como forma de propiciar às
partes a defesa de seus interesses e ao juiz os instrumentos necessários para a busca da verdade
real, sem lesão dos direitos individuais dos litigantes”.
Dentro desse contexto se originou a proposta de reforma do Código de Processo Penal,
cujas bases foram lançadas pela Constituição Federal de 1988 e pelo projeto do Código Modelo
para a Ibero-América que, no item 13, traz como opção, a “efetivação das garantias do devido
processo legal” .
É certo que, para o desiderato aqui proposto, faz-se necessário analisar a proibição
constitucional da ilicitude da prova tal como está previsto no ordenamento jurídico pátrio, como
norma expressa na Constituição Federal de 1988.
Após traçarmos essas linhas gerais, podemos concluir que a inadmissibilidade da prova
processual penal ilícita traduz-se em norma constitucional, de eficácia plena e aplicabilidade
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imediata, garantidora da efetividade dos direitos e demais garantias asseguradas aos indiciados e
acusados, em geral – por exemplo, integridade física, liberdade, dignidade, intimidade, sigilo das
comunicações telefônicas, etc –, contra investidas ilegais e arbitrárias do Estado ou de particulares
com a finalidade específica produzir prova visando à condenação penal. Trata-se de garantia
instituída em favor da plenitude da defesa, contudo, também em homenagem à licitude na
administração da justiça.
É considerado, pela doutrina, em sua maioria, princípio específico da prova processual
penal, encontrando-se posicionada sistematicamente no rol do artigo 5.
o
da Constituição Federal,
que, para alguns, apresentam natureza principiológica.
Constitui-se, pois, em garantia decorrente do devido processo penal, entendido este como
postulado universalmente concebido e contemplado pelos ordenamentos jurídicos dos países que
se personificam num Estado de Direito, o qual reclama que o procedimento no qual se materializa
observe, rigorosamente, todas as formalidades em lei prescritas, para o perfeito atingimento de sua
finalidade solucionadora de conflito de interesses socialmente relevantes, quais sejam o punitivo e o
de liberdade.
A garantia da ampla defesa, uma das exigências em que se consubstancia o devido
processo legal, exige a configuração de três realidades procedimentais, a saber: direito à
informação, contraditório e comprovação da inculpabilidade (direito à prova legitimamente obtida ou
produzida).
2.4 A DIGNIDADE HUMANA COMO ULTIMA RATIO DO SISTEMA DE GARANTIAS
A doutrina, em geral, traduz o sistema de garantias constitucionais cunhadas para o
processo penal, especificamente, como decorrência da evolução do pensamento filosófico que
passou a valorizar o homem como ocupando o centro do pensamento jurídico e sendo o destinatário
último do direito, como resposta ao abuso do absolutismo vigente até então.
A paradigmática obra de Beccaria, lançada em 1764, foi o norte propulsor para o atual
modelo garantista; donde advieram, como conseqüências, as Declarações, primeiro, a do Estado da
Virgínia, votada em junho de 1776 e, depois, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
(1789) e, como triunfo das idéias iluministas, nos Estados Unidos, o ideal do due process of law,
tomado como ideário de mudança.
Podemos concluir, desse contexto, que a ultima ratio desse sistema de garantias é a
concretização da dignidade humana, cunhada por filósofos e juristas há tempos atrás e constituindo
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hoje a viga mestra do rol de preceitos fundamentais.
A dignidade, pensada por Kant, considerado “o filósofo da dignidade”, veio a ocupar o
centro e constituir o veio condutor das constituições democráticas do final do século XX e início do
século XXI. Nessa linha de pensamento, Rodrigo da Cunha Pereira diz que “as noções de
dignidade incorporaram-se de tal forma ao discurso jurídico que se tornou impensável qualquer
julgamento ou hermenêutica sem a consideração dos elementos que compõem e dão dignidade ao
humano”.
Dissertando acerca do sentido e evolução dos direitos humanos, Fábio Konder Comparato
leciona que tudo gira em torno do homem e de sua eminente posição no mundo, daí decorrendo o
sentido do conceito de dignidade humana, tanto no campo da religião, da filosofia como da ciência:
“o homem perfaz indefinidamente a sua própria natureza – por assim dizer, inacabada – ao mesmo
tempo em que ‘hominiza’ a Terra, tornando-a sempre mais dependente de si próprio”.
Continua, lembrando que “foi essa concepção do homem, demiurgo de si mesmo e do
mundo em torno de si, que um jovem humanista italiano, Giovanni Pico, senhor de Mirandola e
Concórdia, apresentou, em 1486, em famoso discurso acadêmico, constante da edição intitulada
Discorso sulla Dignità dell’Uomo”.
Assim, pode-se situar, na história, a partir do período axial (Séculos VIII a II a.C.), a
consideração do ser humano em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão,
quando, então, se levantam os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e
para a afirmação da existência de direitos universais ela inerentes.
A dignidade da pessoa humana, erigido dentre os objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil a serem alcançados, guarda íntima conexão com os temas abordados neste
trabalho, embora caracterize um conceito por demais amplo, cujo estudo não procuramos esgotar.
Ana Paula de Barcellos disserta, básica e resumidamente, sobre as conotações históricas
da dignidade humana a partir da valorização do homem, situando-as em três momentos ou fases:
do cristianismo, do iluminismo humanista, a partir da obra de Kant (que dá ao homem um fim em si
mesmo) e passando pelas transformações produzidas, por ocasião da Segunda Guerra Mundial, na
valoração do próprio homem.
Eduardo Trigueiro Valle Filho lembra que foi no contexto do pós-guerra que surgiu a
Declaração Universal dos Direitos do Homem (Paris, 1948), oriunda do desejo de estabelecer
princípios e fortalecer a posição do indivíduo no contexto mundial. Outrossim, revela que, como
paradigmas das vocações regionais de efetivação daquela Declaração, surgiram as convenções
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sobre direitos humanos: Européia (firmada em 1950, vigente a partir de 1953) e Americana
(aprovada em 22.11.1969 em São José da Costa Rica, vigente a partir de 1978, ratificada pelo
Brasil em 1992 e incorporada ao direito interno pelo Decreto 678, de 06.11.1992).
Em decorrência do parágrafo 2. do artigo 5. da Constituição Federal, os dispositivos dessa
Convenção Americana sobre Direitos Humanos integram o ordenamento jurídico nacional.
Na lição de Ada Pellegrine Grinover, “isto quer dizer que as garantias constitucionais e as
da Convenção Americana interagem e se completam; e, na hipótese de uma ser mais ampla que
outra, prevalecerá a que melhor assegure os direitos fundamentais”.
Destarte, a normatividade internacional, incorporada ao direito interno, vem ratificar o
posicionamento do direito brasileiro de agregar ao processo penal os princípios que têm como base
axiológica o respeito à dignidade humana.
Paulo Rangel aduz que os direitos e garantias fundamentais declarados na Constituição
possuem características próprias, sendo naturais, abstratos, imprescritíveis, inalienáveis e
universais, explicando que a primeira característica traduz-se no fato de pertencerem à própria
natureza humana, apesar de positivados.
Analisando o conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana, a Ana Paula de Barcellos
afirma que se relaciona com os chamados direitos fundamentais ou humanos: terá respeitada sua
dignidade o indivíduo cujos direitos fundamentais forem observados e realizados, ainda que a
dignidade não se esgote neles.
Os direitos fundamentais são, tradicionalmente, apresentados pela doutrina como um
conjunto formado pelas categorias de direitos individuais, direitos políticos e direitos sociais, esta
última uma redução da locução direitos sociais, econômicos e culturais; ou, como preferem alguns,
direitos de primeira a terceira gerações.
Daí concluir a Autora que os três grupos de direitos não estão em oposição, antes se
complementam, na medida em que os direitos sociais viabilizam o exercício real e consciente dos
direitos individuais e políticos e que todos, conjuntamente, contribuem para a realização da
dignidade humana.
Vemos, pois, que sua origem está na doutrina liberal, que pregava a proeminência do
homem frente ao Estado como organismo social: os direitos do primeiro devem ser assegurados e
respeitados, pois, na medida em que se o protege, põe a salvo toda a sociedade das ingerências
indevidas em sua esfera de liberdade.
Mariângela Gama de Magalhães Gomes profetiza que a dignidade da pessoa humana
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impõe, antes mesmo da atuação estatal no processo, o dever dos órgãos legislativos de
ponderação quando destinados a elaborarem leis restritivas dos direitos e garantias individuais.
Assim:
Ao reconhecer a pessoa humana como o centro em torno do qual a legislação do Estado – e, de maneira
especial, a legislação penal – há de ser pautada, a Constituição impõe ao legislador o dever de ponderar
toda e qualquer intromissão que aponte para limites de direitos e garantias assegurados constitucionalmente
a todas as pessoas; e, de modo especial, deverá limitar a intervenção penal.
Porém, nem sempre é o que ocorre quando do juízo de ponderação realizado no caso
concreto, como demonstrado alhures nas diversas formas de invasão da vida privada em nome de
alguns valores sociais considerados mais relevantes no momento de julgar.
Nesse sentido, bem lembrou Fábio Konder Comparato, de que “existe também,
necessariamente, em toda sociedade organizada, uma hierarquia a ser considerada, dentro de cada
série positiva ou negativa: há sempre bens ou ações humanas que, objetivamente, valem mais que
outros, ou que representam contravalores mais acentuados que outros, como obstáculo ao
desenvolvimento da personalidade humana”.
Diante de tudo o que foi exposto, vemos que a proibição das provas ilícitas protege a
dignidade humana da pessoa que se encontra no pólo passivo de um procedimento investigatório
preliminar ou de um processo penal, na medida em que a põe a salvo de investidas abusivas e
arbitrárias, por parte do Estado ou de terceiros, em sua esfera de integridade física e psicológica,
liberdade, privacidade, intimidade e outros direitos constitucionalmente consagrados como
liberdades negativas de todos os cidadãos, a começar pelo reflexo imediato na ineficácia do castigo
físico (tortura, por exemplo), como meio de extração de prova para a condenação.
De fato, Fábio Konder Comparato, citando o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, aduziu que “o caráter único e insubstituível
de cada ser humano, portador de um valor próprio, veio demonstrar que a dignidade da pessoa
existe singularmente em todo indivíduo”.
Contudo, temos acompanhado a violação dos diversos direitos individuais inerentes à
dignidade humana, em nome do poder repressivo do Estado (por exemplo, em prol da condenação
em relação a integrantes do crime organizado, considerar-se-ia lícita a invasão da privacidade, por
meio da interceptação telefônica ilícita, mas não castigo físico para obter a confissão; ou, então,
preferir-se-ia a ameaça para obter a confissão mas não a invasão de domicílio etc.).
É importante o registro da aplicação do princípio da proporcionalidade como critério
limitador do gozo dos direitos fundamentais que, se utilizado contra o investigado ou acusado em
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processo penal, como decorrência lógica, certamente afrouxa a garantia, inserta no princípio da
dignidade humana, contra toda forma de desrespeito às liberdades públicas.
Discorrendo sobre o assunto, Fábio Bittencourt da Rosa preconiza que na época atual, de
insegurança inquestionável quanto à criminalidade quase que imune à jurisdição, questiona-se
sobre a ponderação de direitos e garantias individuais em relação ao interesse coletivo, figurando a
proporcionalidade como critério limitador do gozo dos direitos fundamentais. Porém, pergunta em
que medida isso será admissível, já que não se pode fixar um percentual exato na medição dos
interesses em jogo.
Indignado, cita o exemplo da justiça americana que, utilizando o fundamento do princípio
da proporcionalidade, determinou a quebra do sigilo da fonte e o recolhimento, à prisão, do
jornalista que preferiu silenciar acerca desta.
Assim, no dizer de Gordilho Cañas, citado por Paulo Bonavides, a Constituição incorpora
uma “ordem objetiva de valores”, qual acontece, desde que a dignidade da pessoa humana e os
direitos da personalidade entram a figurar como esteios da “ordem jurídica e da paz social”.
Mormente, porque, em seu duplo aspecto, os direitos fundamentais constituem normas de
competência negativa, proibitiva da ingerência estatal na esfera de liberdade individual (plano
jurídico-objetivo) e, positiva, no plano jurídico-subjetivo, conferindo aos destinatários da proteção a
prerrogativa de exercer positivamente os direitos fundamentais, ainda que, para tanto, seja
necessário exigir do Estado o dever de omitir-se nas agressões à esfera dos direitos fundamentais
de seus administrados.
Vemos, pois, que o problema diz respeito, ainda, à segurança individual, desdobrando-se
em direito subjetivo em geral (CF, art. 5.
o
, inc. XXXVI), direito à segurança em matéria penal (CF, art.
5.
o
, inc. XXXVII a LXVII) e, por fim, à segurança do domicílio (CF, art. 5.
o
, inc. XI).
Percebe-se que se deu especial relevo à segurança individual, da qual é condição a
segurança da comunidade, razão de ser do Estado. É importante considerar que são incindíveis a
segurança individual e a segurança da comunidade, ambas consideradas no plano interno da
segurança nacional, posto que “não há segurança para o indivíduo, se não existir segurança para a
comunidade, ou para o Estado; [...] mas a segurança da comunidade e a do Estado estarão sempre
em risco se inexistir segurança individual”.
Não se pode olvidar, quanto a esse aspecto, que o direito à prova lícita constitui princípio
decorrente do respeito constitucional à dignidade humana, na medida em que protege a segurança
individual – em todos os seus níveis – e, claramente, impede o avanço do poder-dever de punir na
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esfera privada fundamental do homem, com o quê está a proteger, também, a segurança da
comunidade.
Mesmo porque ao Estado, para garantir eficientemente a segurança pública, bem como
para restabelecimento da ordem porventura gravemente perturbada, deve antes fazer uso dos
meios preventivos que têm legalmente a sua disposição, visando, com isso, evitar a lesão ou nova
lesão a bem ou interesse juridicamente protegido; não pode, sob o argumento de “proteger” a
segurança pública, atuar ineficazmente para o caso concreto, posto que depois do cometimento do
delito, visando, com obtenções ou produções icitas de provas, por meio de violação de direitos
fundamentais conferidos a todos os cidadãos, a repressão pura e simples do suspeito da prática da
infração penal noticiada.
Bem observa José Frederico Marques que “várias limitações, decorrentes dos postulados
constitucionais de proteção e garantia da pessoa humana, impedem que, para a procura da
verdade, lance-se mão de meios condenáveis e iníquos de investigação e prova, além de outros
fundados em superstições, crendices ou práticas não mais consagradas pela ciência processual”.
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CAPÍTULO 3
NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL DA PROVA ILÍCITA
3.1 NORMAS RÍGIDAS E FLEXÍVEIS
Importante se faz ao desenvolvimento do tema uma digressão pela teoria das normas
constitucionais.
Eduardo Espíndola (Sistema de direito brasileiro, 1.ed. v.1, p.196, n.24), citado por Jorge
Lobo, remonta a Regelsberger acerca da interpretação das normas, no sentido de que “algumas leis
não suportam interpretação ampla: são as leis rígidas ou absolutamente coativas; outras, porém,
parecem destinadas a receber do intérprete o desenvolvimento que lhes não podia dar o legislador:
são as leis suscetíveis de complemento”.
Explica que, “no primeiro caso, as normas, sob forma imperativa ou proibitiva, indicam
peremptoriamente os limites da atividade industrial, excluindo a possibilidade de divergência. Ao
intérprete, cabe examinar-lhe o conteúdo e seguir suas prescrições rigorosas e precisas, ainda que
lhe pareçam incompatíveis com a equidade e descabidas no momento de sua aplicação (autor e
obra citada, p.200)”.
Por outro lado, expõe que “as normas flexíveis admitem uma interpretação histórico-
evolutiva-construtiva na medida em que não apresentam caráter de intransigência; ao contrário,
prescrevem fórmulas gerais, permitindo às partes o cuidado de interpretá-las e, em alguns casos,
afastá-las e ao intérprete, a faculdade de adaptá-las às necessidades racionais (autor e obra citada,
p. 201)”.
3.2 RELATIVIDADE DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Posto estarmos no âmbito das diferenciações entre os diferentes conceitos que tomam as
diversas espécies de normas constitucionais, cabe registrar a distinção entre direitos e garantias
fundamentais que, segundo Alexandre de Moraes, resume-se em que os primeiros vêm
materializados em disposições meramente declaratórias enquanto que as segundas tomam forma
de normas assecuratórias, que limitam o poder em defesa dos direitos.
Na mesma esteira de pensamento, Antonio Scarance Fernandes ensina que a distinção
mais aceita é a de Rui Barbosa, segundo a qual “os direitos são disposições meramente
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declaratórias, imprimindo existência legal aos bens e valores por ela reconhecidos, enquanto as
garantias são disposições assecuratórias que têm como finalidade proteger os direitos”.
Podemos, na esteira de Alexandre de Moraes, citar Jorge Miranda, que leciona nesse
sentido:
Clássica e bem atual é a contraposição dos direitos fundamentais, pela sua estrutura, pela sua natureza e
pela sua função, em direitos propriamente ditos ou direitos e liberdades, por um lado, e garantias por outro
lado. Os direitos representam só por si certos bens, as garantias destinam-se a assegurar a fruição desses
bens; os direitos são principais, as garantias acessórias e, muitas delas, adjetivas (ainda que possam ser
objeto de um regime constitucional substantivo); os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se
direta e imediatamente, por isso, nas respectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projetam pelo
nexo que possuem com os direitos; na acepção jusracionalista inicial, os direitos declaram-se, as garantias
estabelecem-se”.
Rogério Lauria Tucci fala do dualismo entre direitos e garantias, dizendo que a outorga
constitucional destas “importa em tutelar os direitos que amparam por via de instrumentos
correspondentes quer à sua grandeza, quer à sua dignidade e importância”. Completa, pois,
afirmando que “estabelecidos os direitos fundamentais do indivíduo, devem ser, igualmente,
estatuídas as garantias a eles correspondentes, a fim de preservá-los e tutelá-los mediante
atuações judiciais, tanto quanto possível rápidas, prontas e eficazes”.
Hans Kelsen, por sua vez, ensinava que “a função política da Constituição é a de impor
limites jurídicos ao exercício do poder; garantia constitucional significa gerar a segurança de que
esses limites jurídicos não serão transgredidos”.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho leciona que “as garantias consistem em prescrições que
vedam determinadas ações do Poder Público que violariam direito reconhecido. São barreiras
erigidas para a proteção dos direitos consagrados”. Diferencia-as dos remédios constitucionais que,
embora denominados também de garantias, são, na verdade, a garantia das garantias, posto que se
constituem em medidas ou processos especiais para a defesa dos direitos fundamentais violados;
as garantias, ao contrário dos remédios, buscam prevenir, não corrigir.
Assim é que José Afonso da Silva faz o confronto entre direitos e garantias
constitucionais, adicionando que, não raro, o direito fundamental está subentendido na norma de
garantia: cita o direito de liberdade, direito de não sofrer sanção por fato alheio, direito à
incolumidade física e moral, direito de defesa, liberdade política e de opinião, enfim, direito à
segurança em geral, que são protegidos pelas garantias penais inscritas, em geral, nos incisos
XXXVII a LXVII do artigo 5.
o
da Constituição Federal.
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Antonio Scarance Fernandes, seguindo lição de Ada Pellegrini Grinover, explica que a
visão individualista do devido processo legal cedeu à ótica publicista, segundo a qual as regras do
devido processo legal são garantias, não direitos, das partes e do justo processo”.
Destarte, podemos afirmar que a norma constante do inciso LVI do artigo 5.
o
(“são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”) trata-se de “garantia
constitucional” que visa “assegurar, aos titulares daqueles direitos, o respeito e a exigibilidade
destes”; “é prescrição do Direito Constitucional Positivo que, limitando a atuação dos órgãos
estatais ou mesmo de particulares, protege a eficácia, aplicabilidade e inviolabilidade dos direitos
fundamentais de modo específico”.
Mas aqui cabe ressaltar que a diferença não ameaça a eficácia das normas
constitucionais, pois, como lembra Luigi Ferrajoli, “as condições de validade das leis não dependem
apenas da forma de sua produção, mas também da coerência com o conteúdo constitucional”,
expressando a importância da solução das antinomias aparentes no Texto Constitucional.
Nessa esteira de pensamento, Canotilho, citado por Eduardo Trigueiro do Valle Filho,
ensina que “rigorosamente as clássicas garantias são também direitos, embora muitas vezes se
salientasse nelas o caráter instrumental de proteção dos direitos. As garantias traduziam-se quer no
direito dos cidadãos a exigir dos Poderes Públicos a proteção dos seus direitos, quer no
reconhecimento de meios processuais adequados a essa finalidade”.
José Afonso da Silva ensina que os direitos fundamentais do homem referem-se a
princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada
ordenamento jurídico, assim como designam, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e
instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as
pessoas.
Assim é que os direitos e garantias fundamentais tomam forma principiológica. No dizer de
José Renato Nalini, “o Título II, dos direitos e garantias fundamentais, é fonte fecunda de princípios
constitucionais. [...] A tradição dos direitos fundamentais, a sua abrangência e generalidade, além
do avançado estágio de desenvolvimento doutrinário, praticamente autorizam que de cada um deles
se extraia um enunciado principiológico”.
Os direitos e garantias fundamentais consubstanciados em princípios não são absolutos, e
podem ser relativizados na medida em que sua proteção integral redunda na recusa de proteção de
outro direito ou garantia igualmente positivado na Constituição como fundamental, mediante o juízo
de ponderação dos direitos colidentes no caso concreto.
Alexandre de Moraes, numa visão mais publicista, lembra que “os direitos e garantias
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constitucionais, individuais e coletivos, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo
protetivo de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da
responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito
a um verdadeiro Estado de Direito”.
Salienta que essa é orientação universal, na medida em que fez parte da própria
Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em seu artigo 29:
Toda pessoa tem deveres com a comunidade, posto que somente nela pode-se desenvolver livre e
plenamente sua personalidade. No exercício de seus direitos e no desfrute de suas liberdades todas as
pessoas estarão sujeitas às limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o respeito
dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do
bem-estar de uma sociedade democrática. Estes direitos e liberdades o podem, em nenhum caso, serem
exercidos em oposição com os propósitos e princípios das Nações Unidas. Nada na presente Declaração
poderá ser interpretado no sentido de conferir direito algum ao Estado, a um grupo ou uma pessoa, para
empreender e desenvolver atividades ou realizar atos tendentes a supressão de qualquer dos direitos e
liberdades proclamados nessa Declaração.
Na mesma esteira de proteção, dispôs a Convenção Americana sobre Direitos Humanos
que, pela norma estatuída no parágrafo 2.
o
do artigo 5.
o
da Constituição Federal, integra o
ordenamento jurídico brasileiro:
Art. 11 - Proteção da honra e da dignidade.
I - Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e reconhecimento de sua dignidade.
II - Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua
família, em seu domicílio e em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra e reputação.
III - Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou ofensas.
Vemos, pois, que o ponto nevrálgico da colisão de direitos e garantias fundamentais situa-
se, no mais das vezes, entre a esfera de direitos fundamentais individuais (como intimidade,
privacidade, honra) e a esfera de direitos fundamentais coletivos (segurança, direito à informação
etc.).
Carlos Alberto Bittar revela que as limitações ao direito à intimidade existem em razão de
interesses vários da coletividade e pelo desenvolvimento crescente de atividades estatais; e que “o
controle está legitimado pelo sistema jurídico, em função da orientação de que é dever do Estado
conceder segurança a seus cidadãos. Aliás, o direito à segurança é outro componente intrínseco da
personalidade humana, evidenciando-se a sua importância nos dias atuais, ante os fenômenos
apontados, a exigir a compressão acima imposta à privacidade”.
Em tempos longínquos, a relatividade dos direitos e garantias fundamentais era acenada
por Norberto Bobbio:
Basta pensar, para ficarmos num exemplo, no direito à liberdade de expressão, por um lado, e no direito de
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não ser enganado, excitado, escandalizado, injuriado, difamado, vilipendiado, por outro. Nesses casos, que
o a maioria, deve-se falar de direitos fundamentais não absolutos, mas relativos, no sentido de que a
tutela deles encontra, em certo ponto, um limite insuperável na tutela de um direito igualmente fundamental,
mas concorrente. E dado que é sempre uma questão de opinião estabelecer qual o ponto em que um
termina e o outro começa, a delimitação do âmbito de um direito fundamental do homem é extremamente
variável e não pode ser estabelecida de uma vez por todas.
Notadamente no que diz respeito à proibição de prova ilícita no processo, escreveu
Oswaldo Trigueiro do Valle Filho:
O foco do trabalho serão os chamados direitos fundamentais, que possuem como referencial maior a
dignidade humana. Além deles, os princípios que norteiam o processo penal e dão estruturação ao Estado
de Direito, que, nesta perspectiva, têm a mesma magnitude constitucional. A partir daí as situações se
relativizam, algumas de caráter momentoso, as quais irão exigir extrema prudência no aquilatar dos direitos.
O mesmo autor expõe a necessidade emblemática em que se encontra o Estado na
garantia de segurança que deve aos cidadãos, mormente no que diz respeito à grande
criminalidade.
Lembra, como dois extremos no caminho que percorremos, o modelo good faith, originado
pela reação da população americana que, impulsionada pela mídia e com finalidade positiva,
exigiram das autoridades o saneamento das atividades ilícitas policiais ante a boa-fé de seus
agentes. Por outro lado, há o pensamento radical dos que não concebem tocar nas garantias
constitucionais, sob argumento de que tal proceder fulminaria a imagem do Estado.
Diante desse impasse, oportuno lembrar a lição de Ruy Barbosa, no sentido de que “a
declaração de um direito individual pela Constituição do Estado importa na imediata aquisição do
direito assegurado e na proibição geral, aos particulares e às autoridades públicas, de o violarem”.
Daí a necessidade, cada vez mais premente, com que a doutrina debruça-se sobre as
formas de harmonização das normas constitucionais, de forma a chegar a um resultado que melhor
confirme a sua eficácia e menos fira o direito constitucional consubstanciado em cada uma delas.
3.3 PRINCÍPIOS E REGRAS. CONCEITO E NORMATIVIDADE
Ensina Suzana de Toledo Barros que “outorgar dignidade constitucional a um princípio
exige de qualquer estudioso não só sua conceituação, mas tamm o questionamento acerca dos
preceitos constitucionais que lhe dão sustentação e lhe garantem tal categoria, bem assim a
constatação de sua aplicação pelos Tribunais”.
Na acepção de Sérgio Sérvulo da Cunha, o termo princípio é único. Lembra o Autor que os
dicionários referem-se ao termo grego arque, tal como o fazem em relação a principium: arque
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significa “a ponta”, “a extremidade”, “o lugar de onde se parte”, “o início”, “a origem.
No sentido etimológico da palavra, salienta que há algo mais que arque: “principium, tal
como ‘príncipe’ (princeps) e ‘principal’ (principalis-e), provém de primum (primeiro) + capere (‘tomar’,
‘pegar’, ‘apreender’, ‘capturar’). Primum capere significa ‘colocar em primeiro lugar’”.
Continua:
Assim, ao nascer, o termo ‘princípio’ não significa o que está em primeiro lugar, mas aquilo que é colocado
em primeiro lugar, aquilo que se toma como devendo estar em primeiro lugar, aquilo que merece estar em
primeiro lugar. A distinção é importante, porque à base do termo está, como se vê, uma distinção valorativa.
Martin Heidegger concebe o princípio como “uma proposição que basta para suportar a
verdade do juízo”. A essa concepção, de princípio como fundamento para a verdade possível, filiam-
se outras definições, também de natureza lógica, tais como as de Platão, Aristóteles e Kant, que
concebem “princípio” como fundamento.
Mariângela Gama de Magalhães Gomes vê as normas constitucionais fundamentais,
dentre elas os princípios, como positivações do direito natural dos povos.
Outras definições de princípios, de natureza ontológica, são próprias das ciências naturais
(causas naturais em razão das quais os corpos se movem; elemento ativo de uma coisa; matriz dos
fenômenos pertinentes a um campo determinado da realidade; fator de existência, organização e
funcionamento do sistema, que se irradia da sua estrutura para seus elementos, relações e
funções).
Sérgio Sérvulo da Cunha diz que o sentido em que se utiliza o termo princípio nas ciências
naturais, como forma matriz, aproxima-se do sentido dado por Montesquieu à lei – “lei é a relação
necessária que deriva da natureza das coisas” e, que, por sua vez, o Autor atribui à regra. É a
causa, a razão de ser dos fenômenos (assim, fala-se, indiferentemente, em princípio da gravidade
ou lei da gravidade; princípio da identidade ou lei da identidade; princípio de não-contradição ou lei
de não-contradição).
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, citando José Cretella Junior (in Revista de Informação
Legislativa, v.97:7), define “princípios de uma ciência como as proposições básicas, fundamentais,
típicas que condicionam todas as estruturas subseqüentes. Princípios, nesse sentido, são os
alicerces da ciência”.
“Princípio”, na definição de Celso Antonio Bandeira de Mello, “é, por definição,
mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se
irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
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compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo,
no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.
Embora a palavra “princípio” seja equívoca, podendo apresentar diferentes concepções, é
no sentido jurídico-constitucional que a abordamos, porquanto, no Direito Pátrio, a ilicitude da prova
encontra-se, na lição de alguns doutrinadores, no contexto dos princípios-garantia consagrados no
rol do artigo 5.
o
da Constituição Federal.
Segundo José Afonso da Silva:
Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são [como observam
Gomes Canotilho e Vital Moreira] ‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens
constitucionais. Mas, como disseram os mesmos autores, ‘os princípios, que começam por ser a base de
normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio e
constituindo preceitos básicos da organização constitucional.’
Luís-Diez Picazo, citado por Paulo Bonavides, declara que “os princípios são verdades
objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas
jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade”.
Assim, a juridicidade dos princípios passou por três fases distintas: jusnaturalista,
positivista e pós-positivista. A fase jusnaturalista foi marcada pela compreensão dos princípios
dentro de uma esfera abstrata, numa dimensão ético-valorativa de ideais de justiça que
contrastavam com a normatividade; os princípios seriam, em suma, um conjunto de verdades
objetivas derivadas da lei divina e humana. A decadência do Direito Natural clássico, marcado pelo
advento da Escola Histórica do Direito e a elaboração dos códigos, fomentou, do século XIX até a
primeira metade do século XX, a expansão doutrinária do positivismo jurídico. Nessa fase,
positivista, os princípios, previstos nos Códigos como fonte normativa subsidiária, como “válvula de
segurança” a “garantir o reinado absoluto da lei”, nas expressões de Gordillo Cañas, citado por
Paulo Bonavides. Os princípios, então, não mais advinham de um Direito Natural ou ideal, mas
derivariam da própria lei, informando o Direito Positivo e lhe servindo de fundamento. Por fim, nas
últimas décadas do século XX eclodiu a terceira fase, do pós-positivismo, dos quais são
representantes Jean Boulanger, na França; Vezio Crisafulli, na Itália; Friedrich Müller e Robert
Alexy, na Alemanha; além de Ronald Dworkin, nos Estados Unidos e Inglaterra. Não mais se
discute a normatividade e juridicidade dos princípios que, estabelecidos ou recepcionados pela
Constituição, passam a integrar o Direito atual vigente, como normas-valores com positividade
maior nas Constituições do que nos Códigos, constituindo, assim, norma de eficácia suprema.
Por isso, os autores afirmam que violar um princípio é muito mais grave que transgredir
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uma norma qualquer, posto que implica insurgência a todo o sistema de comandos e não apenas a
um mandamento específico obrigatório. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, dependendo do escalão do princípio violado, por constituir subversão aos
valores fundamentais de todo um sistema normativo. “Com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o
sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada”.
Por fim, explica Suzana de Toledo Barros que “hodiernamente, na doutrina, não faz
sentido a distinção operada pela metodologia jurídica tradicional entre normas e princípios. Norma é
o gênero do qual regras e princípios são espécies; em outras palavras, a distinção entre regras e
princípios é uma distinção entre dois tipos de normas”, portanto, dotadas de obrigatoriedade.
Mais adiante, dissertando especificamente sobre a aplicabilidade do princípio da
proporcionalidade como meio de solução dos conflitos existentes entre direitos fundamentais,
conclui que as normas referentes a estes têm caráter de princípios, razão pela qual constituem
exigências de otimização, admitindo ser ponderados, posto que não obedecem à lógica do “tudo ou
nada”.
Segundo Robert Alexy, a discussão teórico-jurídica atual é sobre a dife-renciação entre
regras e princípios, que, segundo diz, “constitui a base da fundamentação iusfundamental [...] e o
ponto de partida para a resposta às perguntas sobre a possibilidade e os limites da racionalidade
no âmbito do direito fundamental”.
3.4 DISTINÇÕES ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS
Conforme visto alhures, é pacífico que os princípios, assim como as regras, inserem-se na
categoria de normas jurídicas.
Robert Alexy não deixa dúvida de que tanto regras e princípios são normas, sem deixar de
reconhecer, no entanto, maior grau de generalidade aos princípios, por estarem ligados a questões
práticas e jurídicas. A peculiaridade da distinção está em limitar o âmbito dos princípios. Consigna,
ainda, como critérios de distinção, a determinação dos casos de aplicação, a origem, o caráter
explícito do conteúdo valorativo, a referência à idéia de direito ou a uma lei jurídica suprema e a
importância para o ordenamento jurídico, por meio dos quais se procede à distinção entre as duas
formas de normas jurídicas.
O autor explica que tanto princípios quanto regras são normas porque tratam do “dever
ser”, porém, diz que princípios são razões prima facie enquanto as regras são razões definitivas, de
forma que podemos dizer que os princípios são razões para regras e razões para dever-ser.
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Continuando seu pensamento, diz que o critério mais utilizado para a distinção é o da
generalidade, maior dos princípios, evidente, posto que são normas com grau de relatividade
relativamente alto enquanto que as regras são normas com nível de generalidade relativamente
baixo.
Portanto, “a divisão seria qualitativa e não apenas de grau: os princípios são mandados de
otimização, expressos por normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível,
dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes; as regras são normas que só podem ser
cumpridas ou não; contêm determinação no âmbito do fático e juridicamente possível”.
Destarte, no modo de resolução dos conflitos, diferenciam-se nitidamente: o conflito de
regras será resolvido se uma cláusula de exceção, que o remova, for introduzida numa regra ou
pelo menos se uma das regras for declarada nula; quanto aos princípios, faz-se a ponderação e se
aplica o prevalente ao caso concreto.
Destaca que isso não significa declarar nulo o princípio abdicado nem que nele seja
inserta uma cláusula de exceção; antes, que, em determinadas situações concretas, um princípio
cede ao outro ou que, em situações distintas, a questão de prevalência se pode resolver de forma
contrária.
Ronald Dworkin, por sua vez, entende que as regras são aplicáveis na maneira do tudo ou
nada (an all or nothing); se os fatos por ela estipulados ocorrerem, a regra será válida e responde
à questão trazida a juízo; se tal não ocorrer, a regra em nada contribuirá para a solução do caso
concreto. Diz que, sempre que se tratar de uma regra, para torná-la mais precisa e completa, faz-se
mister enumerar-lhe todas as exceções; o conceito de validade da regra é incompatível com a
dimensão de peso ou valor, pertencente à natureza do princípio.
No sistema de regras, não se admite que uma seja considerada mais importante que outra,
de forma que uma prevaleça sobre outra em razão de seu maior peso; ao contrário, se duas regras
entram em conflito, uma delas não poderá ser válida, decisão esta que sujeita a considerações
exteriores às próprias regras.
Ana Paula de Barcellos, por sua vez, distingue princípios e regras na classificação
segundo a estrutura das normas constitucionais, salientando que os princípios também são providos
de imperatividade.
Assim, projeta a distinção com base nos seguintes critérios doutrinários: 1) Conteúdo: os
princípios estão mais próximos da idéia de valor e de direito, formando uma exigência da justiça, da
eqüidade e da moralidade, ao passo que as regras têm um conteúdo diversificado e não
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necessariamente moral. 2) Origem e validade: a validade dos princípios decorre de seu próprio
conteúdo, sendo impossível determinar o momento e a forma em que se tornaram jurídicos, ao
passo que as regras derivam de outras regras ou dos princípios. 3) Compromisso histórico: os
princípios são universais, absolutos, objetivos e permanentes, ao passo que as regras caracterizam-
se de forma bastante evidente pela contingência e relatividade de seus conteúdos, dependendo do
tempo e do lugar. 4) Função no ordenamento: os princípios têm uma função explicadora e
justificadora em relação às regras, conferindo unidade e ordenação ao ordenamento jurídico. 5)
Estrutura lingüística: os princípios são mais abstratos, razão pela qual maior indeterminação
quanto à sua aplicação, diferente do que ocorre com as regras. 6) Esforço interpretativo exigido: Os
princípios exigem uma atividade interpretativa argumentativa mais intensa, para precisar seu
sentido e inferir a solução proposta ao caso; já as regras demandam uma aplicabilidade burocrática
e técnica. 7) Aplicação: as regras têm estrutura bionívoca, aplicando-se de acordo com o modelo do
“tudo ou nada” (Ronald Dworkin); os princípios, no entanto, determinam que algo seja realizado na
maior medida possível, admitindo uma aplicação mais ou menos ampla de acordo com as
possibilidades físicas e jurídicas existentes (Robert Alexy). Esses limites jurídicos, que podem
restringir a otimização de um princípio, são regras que o excepcionam em algum ponto e outros
princípios opostos que procuram igualmente maximizar-se, daí a necessidade eventual de ponderá-
los. Desenvolvendo esse critério de distinção, Alexy denomina as regras de comando de definição e
os princípios de comando de otimização.
Como já salientado, e na mesma linha de pensamento de Alexy, Ana Paula de Barcellos
insiste em que regras e princípios encontram-se na categoria de normas jurídicas que pretendem
produzir efeitos no mundo dos fatos, ainda que se possa registrar significativas distinções entre
eles, a saber: a relativa indeterminação dos efeitos dos princípios e a multiplicidade de meios para
atingi-los.
Porém, como ilustrado por Nagib Slaibi Filho, “dos princípios decorrem as regras, estas
dotadas de menor generalidade, mas secundárias aos princípios que fecundaram o seu conteúdo
normativo”.
Citando Vezio Crisafulli (La Costituzione e le sue Disposizioni di Principio. Milano, 1952,
p.15), assevera que “o princípio é a norma jurídica determinante de uma ou outras subordinadas,
que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais
particulares (menos gerais), das quais determinam e resumem o conteúdo”. Continua, afirmando
que “os princípios estão para normas particulares como o mais está para o menos, como o
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antecedente está para o conseqüente”.
Nesse contexto, podemos concluir que as normas constitucionais que estabelecem
princípios estabelecem diretrizes para a interpretação e aplicação de toda a Constituição e,
conseqüentemente, do sistema como um todo. Assim, os princípios são dotados de plena eficácia,
como também são condicionantes de todo o sistema jurídico; violá-lo é mais grave que violar
qualquer outra norma constitucional, porque importa negar todo o sistema.
Porém, conforme doutrina Suzana de Toledo Barros, embora os princípios gozem de
objetividade e presencialidade que os dispensam de estarem consagrados expressamente em
qualquer preceito particular, apresentam caráter normativo prima facie e, conseqüentemente,
admitem ponderação na medida em que não trazem consigo uma decisão definitiva quanto a uma
conduta imperativa (fazer ou não fazer) ou facultativa, como o trazem as regras.
Considerando a dificuldade de classificação do preceito constitucional da
inadmissibilidade de prova ilícita em princípio ou regra, podemos seguir Ferdinand Lassalle,
adotando, para distinção, um método simples, o da comparação.
A norma constante do inciso LIV do artigo 5.
o
da Constituição Federal, ao prescrever que
“são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, traduz uma razão definitiva,
subsumindo-se ao conceito de regra.
Não traz conceitos abstratos e indeterminados, que demandam maior esforço
argumentativo e interpretativo, de forma que sua aplicação pode dar-se no âmbito técnico e
burocrático; seu grau de generalidade é relativamente baixo: o preceito traduz-se em razão
definitiva, que deve ser cumprido ou não, uma vez que traz consigo uma determinação de
cumprimento fático e juridicamente possível.
Não é concebível que o dispositivo constitucional da inadmissibilidade da prova icita
possa ser realizado em graus, dentro do fático e juridicamente possível, posto que sua não
concretização redundará na conseqüência lógica da inconstitucionalidade. Ou é respeitada a regra,
não se admitindo a prova icita no processo penal, ou se está a descumprir a norma constitucional.
Sérgio Alves Gomes, citando a “magistral pesquisa realizada por Ruy Samuel Espíndola”
(Conceito de Princípios Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p.249), ensina:
As regras constitucionais são especificações dos princípios constitucionais. Ou seja: ao lado de outros
princípios (menores) de maior densidade semântica, eles especificam a esfera normativo-aplicativa dos
princípios (maiores) de menor densidade. Assim, entende-se a estrutura constitucional como um
escalonamento normativo-material entre princípios e regras que podem mutuamente se especificar e
explicar-se, de cima para baixo ou de baixo para cima, na seguinte disposição: princípios maiores –
princípios menores – regras constitucionais.
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Assim, preferimos tomar o preceito constitucional acima citado como regra, decorrente dos
princípios do devido processo legal, da ampla defesa e da verdade real, que, estes sim, apresentam
alto grau de generalidade e abstração, exigindo do intérprete esforço maior para determinação e
delimitação de seu conteúdo.
Embora não concebendo o preceito constitucional da inadmissibilidade da prova icita
como regra, por outro lado, não afastando a conclusão que ele possa decorrer de outro princípio, no
caso, da ampla defesa, Rogério Lauria Tucci expôs que “a garantia da ampla defesa consolida-se,
quando ocorrer, seja qualquer for o processo, a conjugação de três realidades procedimentais, a
saber: a) o direito à informação (nemo inauditus damnari potest); b) a bilateralidade da audiência
(contraditoriedade); e c) o direito à prova legitimamente obtida ou produzida (comprovação da
inculpabilidade)”.
3.5 SOLUÇÕES PARA AS POSSÍVEIS COLISÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
O ordenamento jurídico constitui um todo lógico e coerente, sem lacunas nem
superabundância de normas aplicáveis a determinado caso concreto, donde decorre a possibilidade
de aplicação isolada e automática dos dispositivos legais.
Segundo Marcos Maselli Gouvêa, eis o axioma de que parte a hermenêutica clássica, sob
o paradigma de que “a tarefa do jurista limitar-se-ia à subsunção dos acontecimentos concretos aos
fattispecie descritos na norma, que indicaria, de forma unívoca e clara, as respectivas
conseqüências jurídicas”.
Na concepção tridimensional do Direito, a norma constitucional possui um conteúdo
axiológico, na medida em que protege direito subjetivo, conferindo a seus titulares o direito de
exercê-lo e cobrar a não ingerência de outrem na esfera de suas liberdades públicas.
Luigi Ferrajoli lembra que “as condições de validade das leis não dependem apenas da
forma de sua produção, mas também da coerência com o conteúdo constitucional”.
No entanto, em virtude dos inúmeros e distintos direitos e interesses que procura tutelar,
podem surgir aparentes conflitos decorrentes da interpretação e aplicação do texto constitucional ao
caso concreto.
Robert Alexy trata do tema quando aborda a mudança do estudo epistemológico da
ciência jurídica, “que deixa de ser meramente explicativa no que tange à divergência entre
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Constituição e legislação e passa a ser crítica e protetiva em relação ao seu objeto, por exemplo,
constatando antinomias e lacunas da legislação em relação aos direitos de liberdade e sociais, para
que sejam corrigidas”.
Assim, nosso Texto Constitucional, com muito mais razão, por ser analítico e trazer uma
elevada carga valorativa em seu texto, tendo em vista os mais diferentes direitos e interesses que
visa proteger, descreve inúmeras antinomias, sendo atual e necessária a busca de soluções para
sua correção de forma a prejudicar, o mínimo possível, qualquer dos interesses constitucionalmente
protegidos em conflito.
Também com essa finalidade, busca-se, num primeiro momento, o estabe-lecimento de
regras de interpretação da Constituição, de forma a jamais negar eficácia e efetividade a quaisquer
de suas normas.
Dentre eles, Alexandre de Moraes, Clèmerson Merlin Clève e Alexandre Reis Siqueira
Freire citam alguns princípios interpretativos, propostos por Canotilho:
a) da unidade da constituição: a interpretação constitucional deve ser realizada de
maneira a evitar contradições de suas normas;
b) do efeito integrador: na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, deverá ser
dada maior primazia aos critérios favorecedores da integração política e social, bem
como ao reforço da unidade política;
c) da máxima efetividade ou da eficiência: a uma norma constitucional deve ser atribuído
o sentido que maior eficácia lhe conceda;
d) da justeza ou da conformidade constitucional: os órgãos encarregados da
interpretação da norma constitucional não poderão chegar a uma posição que
subverta, altere ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente
estabelecido pelo legislador constituinte originário;
e) da concordância prática ou da harmonização: exige-se a coordenação e combinação
dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação a
outros;
f) da força normativa da constituição: entre as interpretações possíveis, deve ser
adotada aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas
constitucionais.
Dentro das soluções propostas pelas regras de interpretação, ganha relevo o princípio da
“interpretação conforme a Constituição”, segundo a qual dentre as várias significações possíveis
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apresentadas pela norma, o aplicador deverá escolher a que mais se compatibilize com o texto
constitucional.
Porém, há hipóteses em que as regras de interpretação, per si, não se apresentam
suficientes para a solução dos conflitos propostos no caso concreto, há necessidade de buscar
outros institutos para a uniformização da aplicação constitucional sem negar eficácia às normas
possivelmente aplicáveis.
Ressalta Marcos Maselli Gouvêa que, apegando-se à premissa de que qualquer conflito
ou ausência de normas é aparente, a metodologia clássica demonstra-se limitada ao tentar
solucionar problemas jurídicos mais complexos, para cuja elucidação os elementos de interpretação
consagrados não oferecem um critério preciso; conclui dizendo que ”o ideal de ausência de
conflitos e lacunas normativas é um norte interpretativo e um pressuposto ideal da hermenêutica
clássica, mas não algo dado a priori”.
Para melhor explicar a efetiva colisão entre direitos fundamentais, utilizamos a lição de
Clèmerson Merlin Clève e Alexandre Reis Siqueira Freire:
Os direitos fundamentais, enquanto direitos humanos positivados em uma determinada Constituição, são
polimórficos, dotados de conteúdos nucleares prenhes de abertura e variação, apenas revelados no caso
concreto e nas interações entre si ou quando relacionados com ouros valores plasmados no texto
constitucional. É que as normas de direito fundamental são dotadas de considerável grau de abertura e
dinamicidade ao se apresentarem para sua concretização social.
Resulta, então, que em determinadas situações os direitos fundamentais entram em colisão entre si ou se
chocam com outros bens protegidos constitucionalmente. Nestas situações está-se diante da colisão de
direitos fundamentais, fenômeno que emerge quando o exercício de um direito fundamental por parte de um
titular impede ou embaraça o exercício de outro direito fundamental por parte de outro titular, sendo
irrelevante a coincidência entre os direitos envolvidos.
No Brasil, em que a Constituição é escrita e rígida, há a expressa previsão dos
enunciados integrantes do ordenamento jurídico-constitucional, todos dotados de eficácia em razão
da máxima efetividade e eficiência das normas constitucionais, estas com natureza de regras ou de
princípios.
Nesse sentido, oportuna a teoria dos princípios, de Robert Alexy.
Especificamente no que tange aos conflitos de normatividade, que devem ser superados
no caso concreto, Alexy expõe a importância da distinção aqui declinada:
Um conflito de regras só pode ser solucionado introduzindo-se numa das regras a cláusula de exceção que
elimina o conflito, ou declarando-se inválida pelo menos uma das regras e a eliminando do ordenamento
jurídico. As colisões de princípios devem ser solucionadas de maneira totalmente distinta. Quando os
princípios entram em colisão, um dos princípios tem de ceder ante o outro. Isso não significa declarar
inválido o princípio desprezado nem que no princípio desprezado haja introduzido uma cláusula de exceção;
mas que, sobre certas circunstâncias, um princípio precede o outro, sobre outras, a precedência inverte-se –
é a chamada relação de precedência condicionada. Enquanto os conflitos de regras se resolvem no âmbito
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da validade, os dos princípios resolvem-se no âmbito do maior peso que um, no caso concreto, tem sobre o
outro, já que todos os princípios são sempre válidos.
Falando de colisão de direitos fundamentais, Carlos Roberto Siqueira Castro diz que “o
problema que se põe já não é rigorosamente o da identificação dos limites imanentes de cada
módulo de direito fundamental, mas sim o da conciliação entre os domínios normativos de cada um
deles, a fim de que não ocorra a supervalorização de uns com a conseqüência do aniquilamento de
outros”.
Ato contínuo, conclui:
Para solver esse aparente impasse jurídico, a jurisprudência, especialmente a das cortes com jurisdição
constitucional, desenvolveu, tanto aqui quanto alhures, o método da ‘ponderação de bens, interesses,
princípios e valores’, pelo qual se busca aferir o alcance e a extensão dos direitos fundamentais ou dos
princípios constitucionais que, em dado caso concreto, entrem em disputa por primazia eficacial, sem que
um exclua o outro, no sentido de eliminá-lo do sistema jurídico a que pertencem. Trata-se, com efeito, de
prática hermenêutica de origem pretoriana e de ampla aceitação doutrinária, a qual procura ser solícita para
com a realidade mutante e aberta do fenômeno jurídico pós-moderno.
Também Jorge Miranda entende que “a contradição dos princípios deve ser superada, ou
por meio da redução proporcional do âmbito de alcance de cada um deles, ou, em alguns casos,
mediante a preferência ou a prioridade de certos princípios”.
Dentro desse contexto, não há uma única solução para o problema das antinomias
constitucionais, embora haja predominância da exclusão de regras constitucionais não prevalentes
e da ponderação de bens, direitos e garantias igualmente fundamentais, tendo em vista os valores
plurais, relativos e mutáveis da sociedade pós-moderna, características que necessariamente
devem ser consideradas na apreciação do caso concreto.
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A relatividade dos direitos fundamentais, concebidos como princípios, está intimamente
relacionado com o princípio da proporcionalidade, na forma acenada por Alexandre de Moraes:
Quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do
princípio da concordância prática ou harmonização de forma a coordenar ou combinar os bens jurídicos em
conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do
âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da
norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.
O princípio da proporcionalidade e, com ele, a ponderação de bens, surgem, portanto,
como método eficaz para a solução de possíveis conflitos existentes entre princípios fundamentais;
porém, não podemos olvidar que constitui método eficaz para possível solução da colisão de
princípios constitucionais, não, porém, para solucionar a questão de suposta antinomia envolvendo
regras constitucionais, que devem ou não ser aplicadas, sendo ou não válidas no caso concreto.
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CAPÍTULO 4
RESTRIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
4.1 CONCEITOS E DISTINÇÕES
Um dos grandes problemas a preocupar o intérprete atual, no tocante à teoria da
proporcionalidade, como forma de solução da colisão de direitos fundamentais conflitantes, é o seu
conceito aberto. “Sendo a proporcionalidade critério limitador do gozo dos direitos fundamentais, o
grande problema é resolver-se em que medida isso é possível, porquanto não se consegue fixar um
percentual exato na medição dos interesses em jogo”, dizia Fábio Bittencourt da Rosa.
Daí a importância das chamadas restrições aos direitos fundamentais.
Robert Alexy, falando sobre o tema, comenta que “a lei fundamental se manifesta com
toda clareza quando fala em restrições, limitações, delimitações; [...] porém, os problemas resultam
da determinação do conteúdo e alcance permitidos das restrições, assim também da distinção entre
restrições e regulações, configurações e concreções”.
Complementa:
Para a teoria externa, o conceito de restrição sugere que há duas coisas – o direito e suas restrições – donde
se desume que há o ‘direito em si’ e o ‘direito restringido’, entre os quais há uma relação especial, criada
apenas por meio de uma necessidade externa ao direito, de compatibilizar os direitos de diferentes
indivíduos entre si e com os bens coletivos.
Já a teoria interna não crê na existência de duas coisas – direito e suas restrições – mas apenas o direito
com um determinado conteúdo. O conceito de ‘restrição’ é substituído pelo de ‘limite’. Quando se fala de
limites em lugar de restrições, fala-se em ‘restrições imanentes’.
A correlação entre ambas as teorias depende do fato de que as normas de direitos
fundamentais sejam consideradas regras ou princípios e de que as posições iusfundamentais sejam
consideradas posições definitivas (quando se é possível refutar a teoria externa) ou prima facie
(quando se torna possível refutar a teoria interna).
Ensina Martin Borowski que “o conteúdo determinado das regras constitui uma
propriedade dos direitos não limitados, na forma acima mencionada, enquanto que os direitos
garantidos por princípios o podem; de outro lado, as normas de restrição podem consubstanciar-se
tanto em regras como em princípios”.
Restringíveis são, portanto, bens fundamentalmente protegidos (liberdades, situações,
posições de direito ordinário) e posições prima facie concedidas por princípios fundamentais; as
restrições de direitos fundamentais são normas que restringem posições de direito fundamental
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prima facie.
Conseqüentemente, uma norma poderá ser restrição de direito fundamental apenas se for
constitucional; se não, terá o caráter de intervenção, não de restrição.
Assim, nos preceitos constitucionais referidos aos direitos fundamentais, prevê-se
expressamente a possibilidade de sua limitação, direta ou indiretamente, pela Constituição.
Dentro desse contexto, constatamos que não apenas a proibição da admissibilidade da
prova ilícita, no processo, não foi restringida pelo Constituinte, posto que é regra; quanto se
configura, ela própria, em restrição ao princípio da verdade real e da ampla defesa. Em lugar de
uma liberdade fundamental prima facie, aparece uma não-liberdade definitiva, qual seja, a não
admissibilidade da prova obtida por meio ilícito.
4.2 TIPOLOGIA
As restrições podem ser diretamente constitucionais (na medida em que são restrições
feitas diretamente pela Constituição) ou indiretamente constitucionais (são aquelas cuja imposição
estão autorizadas pela Constituição, por meio de cláusulas de reservas, que permitem ao legislador
criá-las, conservá-las e eliminá-la).
Outros doutrinadores falam em uma terceira categoria de restrições, que seriam as não
autorizadas expressamente pela Constituição, dizendo-as “limites imanentes” de direitos
fundamentais.
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Nesse caso, não há de olvidar os chamados “limites dos limites”, no sentido em que
Canotilho elabora as seguintes perguntas:
1. trata-se de lei formal e organicamente constitucional?; 2. existe autorização expressa da Constituição para
o estabelecimento de limites através de lei?; 3. a lei restrita tem caráter geral e abstrato?, 4. a lei restritiva
tem efeitos retroativos; 5. a lei restritiva obedece o princípio da proibição do excesso, estabelecendo as
restrições necessárias para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos?;
e, por fim, 6. a lei restritiva diminui a extensão e alcance do conteúdo essencial dos preceitos
constitucionais?
Consideramos a restrição constitucional direta com caráter de regra, porquanto, se
considerada com caráter de princípio, depara-se na seguinte objeção de que todo órgão estatal,
apoiando-se unicamente em princípios constitucionais, isto é, sem autorização legal, poderia intervir
nos direitos fundamentais, utilizando a ponderação (teoria da proporcionalidade aplicável à colisão
entre princípios fundamentais).
Suzana de Toledo Barros destaca a distinção entre simples reserva legal, na qual o
legislador limita-se a reclamar que determinada restrição seja prevista em lei; da qualificada, que,
indo além, reclama as condições especiais, os fins a serem perseguidos ou os meios a serem
utilizados. Cita, a propósito, o julgamento do HC 69.912-0/RG, em que "o STF, analisando a matéria
sobre ilicitude das provas obtidas por meio de escuta telefônica autorizada por juiz para instruir
processo-crime, concluiu que a falta de edição da lei a que reporta a CF no art. 5.
o
, XII, impede a
aplicabilidade da hipótese excepcionada no Texto, em razão do que a garantia da liberdade das
comunicações telefônicas prevalece, sendo ilícita a prova assim obtida”.
4.3 A QUESTÃO RELATIVA AOS LIMITES IMANENTES
Suzana de Toledo Barros explica que os “limites imanentes” decorrem das colisões
surgidas, entre direitos individuais, estes e bens jurídicos da comunidade (saúde pública, segurança
pública e defesa nacional); ou da idéia de “não perturbação”, segundo qual cada direito seria
limitado pela existência de outros direitos, evitando-se o abuso e o prejuízo dos outros, trazendo a
lume, no último caso, a posição defendida por José Carlos Vieira de Andrade.
Robert Alexy complementa o pensamento, resumindo que:
Os limites imanentes dos direitos fundamentais não decorrem da idéia de que as liberdades já são de
antemão limitadas, supondo-se um Tatbestand restritivo; o problema é que os direitos fundamentais
transportam uma dimensão objetiva que supõe otimização contextual, razão por que quanto mais dilargado o
seu âmbito de proteção maior possibilidade de realização encontram, ainda que uma tal concepção tenha o
inconveniente de gerar maior número de conflitos. Não haveria precedência de um valor sobre o outro;
apenas mediante a ponderação poder-se-ia chegar a um resultado restritivo sem o risco de cláusulas gerais
permissivas de uma ação estatal visando a restringir direitos fundamentais, como aquelas do tipo “em razão
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de segurança pública” ou “para assegurar a moralidade pública” etc.
No entanto, tal entendimento esbarra no problema da insegurança jurídica em relação ao
sistema de garantias constitucionais.
Acerca da crítica da “cláusula da comunidade”, Suzana de Barros Toledo cita Lorenzo
Martin Retortilho y Ignacio de Otto y Pardo (“Direitos Fundamentales y Constitución”. Madrid:
Civitas, 1992. p.112), segundo os quais “a tese reduz a nada a garantia dos direitos frente a uma
fonte de limitações praticamente inesgotável, que carece de todo fundamento constitucional e que
põe os direitos completamente à disposição do Poder Público”.
Falando sobre uma possível razão de Estado” como fundamento de violação de normas
jurídicas, Francesco Cultrera lembra que “a segurança do estado é uma exigência de tal
importância, que os condutores dos estados são obrigados, para garanti-la, a violar as normas
jurídicas, morais, políticas, econômicas, que consideram ao contrário, imperativas quanto tal
exigência não está em jogo”. Cita, ao final, o perigo de tal interpretação: “diante das exigências
políticas, o homem poderá ficar reduzido a pura e simples coisa, a puro e simples instrumento”.
No que tange à inadmissibilidade da prova produzida por meios ilícitos, no sistema
constitucional brasileiro, constitui-se regra expressamente proibitiva e, segundo nossa
interpretação, restritiva de outros princípios (liberdade de prova; ampla defesa; busca da verdade
real, decorrentes também do devido processo legal). Trata-se de garantia constitucional
fundamental, consubstanciada em cláusula pétrea que, por sua vez, sequer admite deliberação no
sentido de ser abolida ou, então, restringida, localizando-se dentre as matérias para as quais o
Poder Constituinte ims limites materiais ao legislador infraconstitucional e aos intérpretes do texto
constitucional (CF, art. 5. e art. 60, par. 4., inc. IV).
4.4 FORMAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE DA PROVA
4.4.1 Legítima Defesa
Conforme se afirmou alhures, os direitos e garantias constitucionais são relativos e devem
ser harmonizados de forma que maior eficácia resulte dos preceitos constitucionais interpretados.
Assim, quem, em desrespeito ao princípio reitor de interpretação das liberdades públicas,
a dignidade humana, fere direitos constitucionais de outrem, não poderia invocar o princípio da
inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito para perma-necerem injustamente ferindo direitos
alheios.
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Alexandre de Moraes cita alguns exemplos: a vítima, ameaçada e coagida, poderia
realizar uma gravação clandestina, sem o conhecimento do interlocutor, em legítima defesa de sua
liberdade pública (liberdade), utilizando-a no processo para comprovar a prática da extorsão; o filho,
vítima de maus-tratos e sevícias, poderia utilizar uma gravação clandestina contra o pai, agressor,
em legítima defesa de suas liberdades públicas (liberdade, integridade física); a família do
seqüestrado poderia utilizar uma possível “carta confidencial”, remetida pelos seqüestradores do
ente querido, para comprovar o seqüestro judicialmente e contribuir para a libertação do
seqüestrado, vítima da agressão aos seus direitos humanos fundamentais (liberdade, integridade
física etc.).
Leciona o autor acerca do tema:
Não se trata do acolhimento de provas ilícitas em desfavor dos acusados e conseqüentemente, em
desrespeito ao art. 5.
o
, inciso LVI, da Constituição Federal. O que ocorre na hipótese é a ausência de ilicitude
dessa prova, vez que aqueles que a produziram agiram em legítima defesa de seus direitos humanos
fundamentais, que estavam sendo ameaçados ou lesionados em face de condutas anteriormente ilícitas.
Assim agindo – em legítima defesa – a ilicitude na colheita da prova é afastada, não incidindo, portanto, o
inciso LVI, do art. 5., da Carta Magna.
O Supremo Tribunal Federal também acolheu esse entendimento, em seus julgamentos.
Nesse caso, é incabível a aplicação do princípio da proporcionalidade – de dimensão mais
ampla e subjetiva – na medida em que há uma regra de exclusão da ilicitude consubstanciada na
legítima defesa da vítima. Nesse caso, não há o risco de criação de precedentes perigosos em prol
de arbitrariedades e abusos de poder na obtenção da prova processual penal em detrimento dos
direitos e garantias fundamentais dos suspeitos da prática de uma infração penal, uma vez que a
legítima defesa tem contornos suficientemente característicos e definidos com precisão pela
construção jurídico-penal, os quais devem estar perfeitamente preenchidos e extremes de dúvida
para produzirem as conseqüências jurídicas dela decorrentes.
Aduzindo a respeito das gravações telefônicas não autorizadas, realizadas pela vítima do
crime em sua defesa, Eugênio Pacelli de Oliveira lembra que há justa causa para tanto, consistente
no estado de necessidade como causa de justificação da conduta tipificada penalmente; como, em
outra situação, poderá consistir na defesa do direito de quem a promoveu.
Nesses casos, a prova deixará de ser ilícita e, assim, não demandará a aplicação do
princípio da proporcionalidade, considerado este o método eficaz e adequado de solução de
possível colisão de direitos fundamentais (considerado, aqui, a inadmissibilidade da prova ilícita
com outro direito ou garantia fundamental).
A inviolabilidade à vida, à integridade física, à liberdade, etc. tamm são direitos
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constitucionalmente garantidos a todos os homens, igualmente, pelo caput do artigo 5.
o
; de forma
que quem o ameaça ou viola poderá ser obstado pela vítima ou por terceiro, sob o escopo de uma
regra de exceção, prevista no artigo 23 do Código Penal.
No caso, não se falaria em proibição de prova ilícita porque tal regra estaria excluída por
uma causa de justificação.
4.4.2 Estado de Necessidade
Outrossim, tem-se falado, ainda, na teoria da exclusão da ilicitude da conduta do réu que,
em estado de necessidade, para resguardar o direito de liberdade, por exemplo, obtém prova
mediante interceptação telefônica sem autorização judicial.
Nesse sentido, Paulo Rangel:
Assim, surge em doutrina a teoria da exclusão da ilicitude, capitaneada pelo mestre Afrânio Silva Jardim,
à qual nos filiamos, onde a conduta do réu é amparada pelo direito e, portanto, não pode ser chamada de
ilícita. O réu, interceptando uma ligação telefônica, sem ordem judicial, com o escopo de demonstrar sua
inocência, estaria agindo de acordo com o direito, em verdadeiro estado de necessidade justificante. [...]
Dessa forma, é admissível a prova colhida com (aparente) infringência às normas legais, desde que em
favor do réu para provar sua inocência, pois absurda seria a condenação de um acusado que, tendo provas
de sua inocência, não poderia usá-las só porque (aparentemente) colhidas ao arrepio da lei.
Eugênio Pacelli de Oliveira, após falar das causas de justificação como meio de exclusão
da ilicitude da prova, ressalta que “quando nada, ainda que não afastada a ilicitude, a prova poderia
ser aceita já então pelos critérios hermenêuticos da proporcionalidade e/ou da razoabilidade...”.
Não obstante, discordamos do posicionamento adotado pelo autor ante os argumentos
expendidos no decorrer deste trabalho.
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CAPÍTULO 5
A TEORIA DA PROPORCIONALIDADE
5.1 ASPECTOS HISTÓRICOS
O princípio da proporcionalidade, pensado originalmente, remonta à luta histórica dos
ideais de garantir a liberdade individual em relação aos poderes e interesses do Estado. Assim, ao
falar-se em proporcionalidade, não devemos olvidar a contribuição significativa advinda das teorias
jusnaturalistas formuladas na Inglaterra, nos séculos XVII e XVIII.
Num primeiro momento, talvez em função da inexistência clara de divisão entre os
diversos ramos do direito, percebemos que a proporcionalidade teve aplicação no campo
administrativo, no sentido de conter os abusos e excessos do poder frente às liberdades individuais,
no entanto, voltada para o aspecto punitivo.
Não obstante atribuir-se aos alemães a construção dogmática do princípio da
proporcionalidade, foi nos Estados Unidos da América que se desenvolveu, quase meio século
antes, a idéia de maior liberdade dos juízes na criação do direito a que se denominou “princípio da
razoabilidade”.
Por sua vez, Luiz Roberto Barroso informa que “o princípio da razoabilidade tem sua
origem e desenvolvimento ligados à garantia do devido processo legal, instituto ancestral do direito
anglo-saxão”. Diz que a matriz do princípio encontra-se na regra law of the land (Magna Charta, de
1215), passando pelo desenvolvimento do devido processo legal americano, encontrando
positivação, notadamente, nas 5.
a
e 14.
a
Emendas à Constituição norte-americana.
Porém, foi na fase substantiva do due process of law, que perdurou entre 1890 e 1937,
que se anunciou o próprio conteúdo do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, com seus
princípios estruturais da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.
Orlando Bittar, citado por Suzana de Toledo Barros, fez dura crítica ao controle de
constitucionalidade levado a efeito pelo Poder Judiciário dos Estados Unidos, mediante a aplicação
das emendas quinta e décima quarta e a utilização de standards, que, para o autor, “não fixavam
dados objetivos e rígidos, mas permitiam que a noção de devido processo legal, como aferidora de
legitimidade, passasse a ser estabelecida por convicções subjetivas e plásticas do juiz – pela sua
filosofia social, política e econômica, por sua Weltanschauung”.
Analisando quatro desses standards, explicou-os:
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A) rule of expediency – por ela se deve perquirir se, realmente, eram necessárias as restrições
que, pelo poder de polícia, se impuseram aos direitos do indivíduo. Eram requeridas pelo bem público?
Sinta-se, por aí, a diafaneidade das lindes. Tal Standard é tanto mais importante quanto por ele se
julgará da oportunidade do ato legislativo. Imagine-se a triagem por tal crivo de toda a legislação social
do período da reconstrução ao New Deal e se aquilatará da projeção assombrosa do controle
jurisdicional;
B) balance of convenience – mais sutil que o primeiro: inquire da proporção eqüitativa entre o
grau de intervenção da lei nos direitos dos particulares e a vantagem coletiva superveniente, avaliação
ultra-sensível que a Corte fará in casu;
C) rule of reasonableness – que investiga a racionalidade e a razoabilidade dos atos. Se a
finalidade para a qual a lei foi promulgada era razoável, se não empregados meios razoáveis para
alcançar o seu objetivo, se tais meios guardam uma proporção substancial e razoável com os fins da lei
e se esta não impõe limitações irrazoáveis sobre a liberdade de contrato ou os direitos adquiridos (vested
rights), então a Corte aceitará a lei como expressão legítima e constitucional do poder de pocia.
Definindo tal exigência por contraste, o seu foil, diríamos na linguagem do teatro, é outra correlata – a
não arbitrariedade da lei: que ela não restrinja a liberdade individual ou o direito de propriedade mais
severamente do que o justifique o interesse da comunidade.
A questão da razoabilidade ou arbitrariedade de uma lei não podia ser decidida por um dispositivo
constitucional específico ou por qualquer princípio absoluto de direito, dizem Kelly e Harbison. Uma lei
razoável era o que parecia sensível, plausível e inteligente aos juízes que a examinavam. Que seja
política, sensível, plausível ou inteligente é reflexo da filosofia social e econômica do indivíduo – dos
seus standards de valores. Quando, pois, a Corte aplicava o teste da razoabilidade, ela media a lei pelas
suas próprias atitudes econômicas e sociais. Se, à luz desses atitudes, a lei parecia inteligente, os JJ. a
sustinham; se não – declaravam-na irrazoável, arbitrária e violadora do due process of law, portanto
inconstitucional.
[...] Não espanta a coima de usurpador da função legislativa lançada sobre o judiciário, enfeixando-se
mesmo, depois de 1900, toda a fase substantiva do due process na rule of raison: Nos estados
democráticos, os homens que decidem se as leis são socialmente oportunas e desejáveis, normalmente
têm assento nos corpos legislativos, escrevem Kelly e Harbison (...). O novo judicial review fez, assim,
da Suprema Corte uma espécie de terceira câmara tanto para as legislaturas estaduais como para o
Congresso (...). O veto judicial, depois de 1890, constituiu um freio vigoroso sobre a política de toda
assembléia legislativa da Nação, freio exercido não somente sob as exigências da Constituição escrita,
mas ainda à luz das idéias sociais e econômicas dos JJ. no julgamento. É a era de negação sob a
cláusula do due process, diz o J. Jackson;
D) rule of certainty – Segundo o qual as leis de política social devem deixar bem claro e certo
tudo o que proscrevem ou consentem, sob as sanções certas que indicarem.
Assim, a teoria, ou princípio, da proporcionalidade, desenvolvida na Alemanha e nos
Estados Unidos da América, prevista constitucionalmente em Portugal, propõe a ponderação
(sopesamento, balanceamento) dos interesses em conflito para a constatação de qual valor, no
caso concreto, é proeminente e mais relevante e, portanto, deve ser aplicado.
Tal princípio foi adotado tão amplamente por nossos jurisconsultos, que parte da doutrina
o erige a princípio constitucional implícito.
De outra feita, Mariângela Gama de Magalhães Gomes comenta que o princípio não está
previsto expressamente no que tange ao direito penal, apesar de constar inequivocamente em
relação aos diversos outros ramos do direito, citando como exemplos, as normas sociais de
proteção ao trabalho, como a que exige proporção entre o valor do salário e a espécie de trabalho
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desenvolvido pelo assalariado; a norma que determina composição proporcional da Câmara dos
Deputados com o número referente à população de cada Estado; normas que determinam que a
Administração Pública deve pautar-se pela necessidade na contratação de servidores temporários
etc.
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Logo, conclui que o princípio da proporcionalidade é um princípio geral de direito aplicável
não somente nas hipóteses em que é previsto, mas por nortear a hermenêutica constitucional,
permeia todo o ordenamento jurídico.
Por fim, lembra que, em qualquer caso, seria aplicável sob invocação da regra prevista no
parágrafo 2.
o
do artigo 5.
o
da Constituição Federal, que reconhece outros direitos e garantias
constitucionais não previstos, porém decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados.
Ainda, Suzana de Toledo Barros comenta que “o princípio da propor-cionalidade tem de
ser entendido no quadro dos direitos fundamentais”, havendo de ser “considerado ao lado de outros
princípios também extraídos da natureza desses direitos, como o da proteção do núcleo essencial e
o da concordância prática”.
Outrossim, Paulo Bonavides esclarece que o problema da sede material do princípio da
proporcionalidade ficou sujeito a oscilações, não tendo a jurisprudência do Tribunal Constitucional
da Alemanha resolvido o problema:
Primeiro, buscou-se derivá-lo da garantia da intangibilidade conferida ao núcleo essencial dos direitos
fundamentais; a seguir, inclinaram-se os arestos do Tribunal Constitucional para uma fundamentação ora a
partir dos direitos fundamentais, ora a partir do Estado de Direito, prevalecendo, após alguma vacilação, o
parecer de último dominante e, por sem dúvida mais correto, segundo o qual é mesmo no Estado de Direito
que o princípio da proporcionalidade melhor se aloja e pode receber sua mais plausível e fundamental
legitimação.
Assim, o princípio da proporcionalidade permeia entre a essência dos direitos
fundamentais e a própria concepção de Estado de Direito; no entanto, não há dúvida da
indissociabilidade de ambas as idéias, posto, como disse Paulo Bonavides, o princípio da
proporcionalidade é concretizado a partir do cânone do Estado de Direito.
No mesmo sentido, Antonio Scarance Fernandes, segundo quem “a idéia de
proporcionalidade sempre esteve presente no Direito, [...] sendo muito antiga, bastando lembrar a
famosa Lei do Talião. O que dá realce ao princípio da atualidade é o fato de constituir construção
destinada a proteger o indivíduo contra abusos do Estado e ter obtido consagração constitucional”.
Claro que, se se intervém em favor de um ou outro direito mediante o princípio da
proporcionalidade, é que se objetiva exatamente a não supressão de qualquer deles.
Por todos os motivos expostos, podemos dizer que o princípio da propor-cionalidade
exerce função primordial na Teoria Constitucional contemporânea, sendo de aplicação necessária
nas hipóteses de colisão e restrição de direitos fundamentais.
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5.2 CONCEITO
Cunhado com diversas denominações (ponderação, concordância prática, razoabilidade,
balancing etc), a teoria da proporcionalidade ocupa lugar de destaque na atual jurisprudência como
instrumento de solução dos conflitos entre direitos e garantias constitucionais.
Os americanos falam em razoabilidade.
Discorrendo acerca da ponderação no Direito Penal e sobre a razoabilidade, Mariângela
Gama de Magalhães Gomes cita Giuseppe Lombardo, nesse sentido:
O juízo de razoabilidade diz respeito a uma ponderação de todos os interesses envolvidos a fim de se decidir
acerca da adoção de determinada medida, ao passo que o juízo de proporcionalidade refere-se à medida da
intervenção, e implica uma análise comparativa (do tipo ‘quantitativa’) entre o sacrifício imposto ao indivíduo
e o interesse público perseguido. A aplicação destes dois princípios, por parte de um controle jurisdicional
das decisões, vale-se de um esquema de juízo de valor, com semelhanças significativas no método: na
aplicação do princípio da razoabilidade, é valorada a ponderação dos interesses realizada para verificar se
na medida foram consideradas adequadamente todos os interesses envolvidos, enquanto na aplicação do
princípio da proporcionalidade avalia-se a ponderação dos interesses (que já são tidos como legítimos) com
a medida da intervenção. Assim, clara é a diversidade do objeto do juízo: a aplicação do parâmetro da
proporcionalidade ocorre num momento logicamente posterior ao juízo da razoabilidade. O referido autor
salienta, ainda, que o juízo de proporcionalidade diz respeito à medida da intervenção e não se refere à
escolha discricionária. Tal escolha é já dada e valorada, em termos de razoabilidade, no âmbito de uma
relação envolvendo múltiplos interesses, onde o juízo de proporcionalidade insere-se, principalmente, numa
relação autoridade/liberdade como análise custos/benefícios (Giuseppe Lombardo. Il principio di
ragionevolezza nella giurisprudenza amministrativa. Rivista Trimentrale di Diritto Pubblico, 1997, p.891).
Outrossim, a razoabilidade, por vezes, é utilizada como racionalidade.
Sobre isso, tamm disserta Mariângela Gama de Magalhães Gomes:
Cabe destacar a diferença existente entre o significado de razoabilidade e racionalidade, conceitos diversos
que não podem ser confundidos quando se trata de verificar a pertinência das normas incriminadoras.
Enquanto a razoabilidade é a racionalidade entendida como elemento de equilíbrio e de medida, a
racionalidade é a qualidade de quem é provido de razão, ou a conformidade a uma ordem ou a um critério
racional. A racionalidade da lei diz respeito aos problemas da coerência e da não contradição, enquanto a
razoabilidade mede-se em relação ao princípio da oportunidade, ao bom uso do poder, ao exercício de um
certo grau de discricionariedade.
Os alemães utilizam o termo proporcionalidade ou proibição de excesso, porquanto a
atividade legislativa é vinculada a limites formais e materiais e o vício de inconstitucionalidade, seja
por atuar além da autorização constitucional seja por permitir invasão ou restrição indevida na
esfera de direitos ou liberdades fundamentais, redundaria em excesso.
No entanto, Luís Roberto Barroso lembra que o princípio da proporcionalidade guarda
relação de fungibilidade com o da razoabilidade, conceituando este como “um parâmetro de
valorização dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior
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inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça”.
O Supremo Tribunal Federal, em 1993, empregou pela primeira vez o princípio da
proporcionalidade em sede de controle de constitucionalidade quando deferiu liminar de suspensão
dos efeitos da Lei paranaense n.
o
10.248, de 14/01/93, ocasião em que fez referência expressa no
corpo da ementa da expressão razoabilidade.
Segundo observou Suzana de Toledo Barros, o principal campo de atuação do princípio
da proporcionalidade é o dos direitos e garantias fundamentais, razão por que as manifestações do
Poder Público devem render-lhe obediência.
O princípio, aceito também pela jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos,
constituiu-se em instrumento utissimo a serviço da efetividade dos direitos fundamentais e,
especialmente, da liberdade, conforme lição de Antonio Scarance Fernandes, que lhe atribui status
constitucional, porquanto relacionado com outros, como o da proteção dos direitos fundamentais da
liberdade, da justiça, da personalidade, da integridade física, da supremacia do estado Democrático
de Direito e da implementação das garantias asseguradas na Declaração Universal dos Direitos do
Homem.
E, citando Nicolas Gonzalez-Cuellar Serrano (Proporcionalidad y derechos fundamentales
en el proceso penal, Madrid: Colex, 1990, capítulos 5 e 6), conclui, dizendo que o princípio da
proporcionalidade complementa o da reserva legal e reafirma o Estado de Direito.
Como salientamos outrora, Robert Alexy faz a distinção entre regras e princípios
constitucionais, atribuindo-lhes, conseqüentemente, diferentes hipóteses de soluções para os
conflitos que podem resultar de sua colisão com outros princípios e regras de conflitos.
Assim é que concebe a ponderação como o instrumento válido e eficaz para a solução de
colisões entre princípios.
Leciona nesse sentido:
Quando os princípios entram em colisão, um dos princípios tem de ceder ante o outro. Isso não significa
declarar inválido o princípio desprezado nem que no princípio desprezado haja introduzido uma cláusula de
exceção; mas que, sobre certas circunstâncias, um princípio precede o outro, sobre outras, a precedência
inverte-se – é a chamada relação de precedência condicionada. Enquanto os conflitos de regras se resolvem
no âmbito da validade, os dos princípios resolvem-se no âmbito do maior peso que um, no caso concreto,
tem sobre o outro, já que todos os princípios são sempre válidos.
Alexy exemplifica, ainda, a aplicação de tais soluções em dois casos julgados pelo
Tribunal Constitucional Federal.
5.3 PRESSUPOSTOS E REQUISITOS (ELEMENTOS OU SUBPRINCÍPIOS
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ESTRUTURAIS)
A doutrina aponta dois pressupostos essenciais para a atuação do princípio da
proporcionalidade: o formal, da legalidade, pelo qual a restrição a direito individual não poderia ser
admitido sem lei prévia, elaborada por órgão constitucionalmente competente, imposta e
interpretada de forma estrita; e outro, de natureza material, que é a justificação teleológica, segundo
o qual a restrição a direito individual somente se justifica se tiver por objetivo efetivar valores
constitucionalmente relevantes.
No desenvolvimento da teoria da proporcionalidade, foram construídos também seus
elementos – tamm denominados requisitos intrínsecos ou subprincípios estruturais –, no sentido
de que, sendo limitado o poder, a restrição a direito individual, em face da Constituição, pelo órgão
julgador, só seria justificada por razões de necessidade, adequação e supremacia do valor
protegido em face do restringido (proporcionalidade em sentido estrito), que, em tese, dariam a
densidade indispensável para alcançar a funcionalidade pretendida por seus aplicadores.
Além desses, há os requisitos extrínsecos do princípio, conhecidos como judicialidade e
motivação, no sentido de que a restrição aos direitos constitucionais fundamentais seja imposta por
juiz mediante decisão fundamentada.
a) Princípio da adequação ou da idoneidade:
Trata-se de um julgamento sobre a pertinência gica da relação meio-fim. A indagação a
ser feita nessa fase de análise da proporcionalidade é: o meio escolhido contribui para a obtenção
do resultado pretendido?
Não se admitirá o ataque a um direito do indivíduo se o meio utilizado não se mostrar
idôneo à consecução do resultado pretendido.
A doutrina menciona, dentro desse sub-princípio, a razoabilidade interna, caracterizada
pela existência de uma reação racional e proporcional entre os motivos, meios e fins; e a
razoabilidade externa, consistente na adequação aos meios e fins admitidos e preconizados pelo
texto constitucional.
Qualquer outra indagação, como acerca da eficácia do meio ou do meio melhor para o
atingimento do fim colimado, sai da órbita da adequação ou idoneidade e adentra no âmbito da
necessidade, outro sub-princípio a ser analisado a seguir.
Nicolas Gonzalez-Cuellar Serrano ensina que a adequação deve ser verificada
empiricamente, de maneira objetiva e subjetiva. Objetiva, quanto à adequação qualitativa – a
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medida deve ser hábil ao atingimento do fim colimado – e quanto à adequação quantitativa – a
duração ou intensidade da medida deve ser condizente com a sua finalidade; e subjetiva, dirigida a
um indivíduo sobre o qual incidam as circunstâncias exigíveis para sua atuação.
Luiz Roberto Barroso, citado por Paulo Armínio Tavares Buechele, falando sobre a
proporcionalidade no âmbito normativo, distingue entre “razoabilidade interna” e “razoabilidade
externa”, nos seguintes termos:
...havendo a razoabilidade interna da norma, é preciso verificar sua razoabilidade externa, isto é: sua
adequação aos meios e fins admitidos e preconizados pelo texto constitucional. Se a lei contravier valores
expressos ou implícitos no texto constitucional, não será legítima nem razoável à luz da Constituição, ainda
que o seja internamente. Suponha-se, por exemplo, que, diante da impossibilidade de conter a degradação
acelerada da qualidade de vida urbana (motivo), a autoridade municipal impedisse o ingresso nos limites da
cidade de qualquer não-residente que não fosse capaz de provar estar apenas em trânsito (meio), com o que
reduziria significativamente a demanda por habilitações e equipamentos urbanos (fim). Norma desse teor
poderia até ser internamente razoável, mas não passaria no teste da razoabilidade diante da Constituição,
por contrariar princípios como o federativo, o da igualdade entre brasileiros etc.
b) Princípio da necessidade ou da exigibilidade
O sub-princípio da necessidade ou exigibilidade da medida tem como sinônimos o
“princípio da menor ingerência possível”, “intervenção mínima”, “alternativa menos gravosa”,
“subsidiariedade” ou “proibição do excesso”.
Quer significar que os meios utilizados para alcançar os fins visados devem ser os menos
onerosos possíveis ao lesado.
Isso quer dizer que a medida restritiva de direitos fundamentais tem de ser indispensável
para a conservação do próprio ou de outro direito fundamental e não pode ser substituída por outra
igualmente eficaz, porém, menos gravosa.
Citando Maunz/Duerig, Paulo Bonavides arremata que o princípio parcial da necessidade
pode também ser entendido como o princípio da escolha do meio mais suave.
A fundamentação judicial, ao aplicar o princípio da proporcionalidade, no que tange à
necessidade ou exigibilidade, traduzir-se-á num juízo positivo: o juiz deverá indicar qual o meio mais
idôneo e por que objetivamente produziria menos conseqüências gravosas, entre os vários meios
adequados ao fim colimado.
Esse subprincípio traz, em si, o primeiro, da adequação, porquanto, no dizer de Gilmar
Ferreira Mendes, “apenas o que é adequado pode ser necessário, mas o que é necessário não
pode ser inadequado”.
Também, aqui, é importante o registro de outros elementos conducentes a uma maior
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operacionalidade prática do princípio, dada sua natural relatividade, mencionados por Francisco
Fernandes de Araújo:
a) a exigibilidade material, pois o meio deve ser o mais “poupado” possível quanto à limitação dos direitos
fundamentais; b) a exigibilidade espacial aponta par a necessidade de limitar o âmbito da intervenção; c) a
exigibilidade temporal pressupõe a rigorosa delimitação no tempo da medida coativa do poder público; d) a
exigibilidade pessoal significa que a medida se deve limitar à pessoa ou pessoas cujos interesses devem ser
sacrificados.
c) Princípio da proporcionalidade em sentido estrito
Na proporcionalidade em sentido estrito está a ponderação propriamente dita entre o ônus
imposto e o benefício trazido à esfera de direitos dos cidadãos.
Assim, remontando a Robert Alexy, percebemos que a ponderação, elemento básico do
princípio ora estudado, é possível quando há uma esfera de decisão discricionária pelo aplicador da
norma, que se encontra entre dois ou mais direitos possíveis de serem protegidos no caso concreto.
Aqui, tem-se a idéia de equilíbrio entre valores e bens.
Alexy identifica o princípio parcial da proporcionalidade em sentido estrito com o método
da ponderação de bens, tornando-se necessário verificar a relação de precedência entre os
princípios em tensão. Elabora, portanto, a chamada “lei da ponderação”, nesses termos: “Quanto
maior o grau de não satisfação ou afetação de um princípio, tanto maior terá de ser a importância
da satisfação do outro”.
Explica que os princípios, tomados em si mesmos, podem conduzir a uma contradição, um
deles limitando a possibilidade jurídica de cumprimento do outro. Ressalta que a situação não é
solucionada com a declaração de invalidade de um dos princípios ou com a introdução de uma
regra de exceção em um deles de forma que, em todos os casos futuros, esse princípio tenha de ser
considerado como regra, satisfeita ou não. A melhor solução consiste em estabelecer entre os
princípios uma relação de precedência condicionada, em determinadas circunstâncias: “tomando-se
em conta o caso, indicam-se as condições sobre as quais um princípio precede a outro; sobre
outras condições, a questão da precedência pode ser solucionada inversamente”.
Pierre Müller informa que quem utiliza o princípio se defronta com uma obrigação – de
fazer uso de meios adequados – simultaneamente a uma interdição – quanto ao uso de meios
desproporcionados.
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Sobre o princípio assim se manifestou Suzana de Toledo Barros:
Isso quer dizer que o juiz quando considera adequada a relação entre determinada restrição e o fim a que se
destina, ou mesmo quando reconhece a inexistência de outro meio menos gravoso que pudesse conduzir ao
mesmo resultado, nem por isso está a chancelar uma providência que imponha ônus demasiados ao
atingido. Há situações em que é plenamente possível identificar um desequilíbrio na relação meio-fim, sem
que se possa concluir pela desnecessidade da providência legislativa, porque não está em causa a
existência de outra medida menos lesiva, mas, sim, a precedência de um bem ou interesse sobre outro. [...]
A diferença básica entre o princípio da necessidade e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito
está, portanto, no fato de que o primeiro cuida de uma otimização com relação a possibilidades fáticas,
enquanto este envolve apenas a otimização de possibilidades jurídicas”.
A mesma autora diz, no entanto, que “a proporcionalidade em sentido estrito não indica a
justa medida do caso concreto, que há de ser inferida a partir da ponderação de bens, na qual o
juízo de valoração é bastante amplo”. Menciona, por isso, “a tese, defendida por muitos, de que se
trata de tarefa impossível de ser efetuada, pela dificuldade de separar, medir e comparar valores e
interesses em conflito”.
Assim, citando Ernesto Pedraz Penalva, a Autora revela que o Tribunal Constitucional
Federal da Alemanha criou três critérios, com o objetivo de constituir o princípio em idéias objetivas
de justa medida, mediante os quais faz a ponderação entre os meios e os fins em se tratando de
direitos fundamentais: a) quanto mais sensível revelar-se a intromissão da norma na posição
jurídica do indivíduo, mais relevantes hão de ser os interesses da comunidade que com ele colidam;
b) do mesmo modo, o maior peso e preeminência dos interesses gerais justificam uma interferência
mais grave; c) o diverso peso dos direitos fundamentais pode ensejar uma escala de valores em si
mesmo, como ocorre na esfera jurídico-penal (o direito à vida teria preferência ao direito de
propriedade)”.
Acerca desse subprincípio, tem-se em conta a “ponderação”, a relação “custo-benefício”:
leva-se em conta a adequação e a necessidade da opção feita, mas, ainda, as vantagens ou
desvantagens que a medida acarreta para os envolvidos.
5.4 APLICAÇÃO ÀS PROVAS DERIVADAS DAS ILÍCITAS
Antonio Scarance Fernandes salienta que é bastante discutida a aplicação do princípio da
proporcionalidade no processo penal, essencialmente no que se refere ao tema da prova ilícita.
Embora com a prova procura-se chegar o mais próximo possível da verdade, não há uma
verdade absoluta, senão aquela demonstrada nos autos segundo o consenso coletivo. Portanto, ao
invés de buscar a verdade real a qualquer custo, mais está adequada ao nosso sistema de
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liberdades públicas a produção de prova segundo os ditames da Constituição e das leis, devendo
os Juízes zelar pela manutenção dessas garantias constitucionais.
Ada Pelegrini Grinover, citando autores como Rafael Bielsa, Quintana e Pound, comenta
que o princípio dilui-se num conjunto de proposições com dimensões subjetivas: é razoável o que
esteja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia, o que não seja arbitrário ou
caprichoso, o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar.
Assim explica Gomes Filho:
Em outras palavras, a prova judiciária não se destina ao estabelecimento de uma verdade circunscrita no
processo, até porque este não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de conflitos sociais; e, para que
essa finalidade última seja alcançada, a produção do convencimento judicial deve obedecer a determinados
padrões e rituais, através dos quais a coletividade possa reconhecer-se.
Nesse sentido, Tourinho Filho:
Assim, o há, em princípio, nenhuma restrição aos meios de prova, com ressalva, apenas e tão-somente,
daqueles que repugnam a moralidade ou atentam contra a dignidade da pessoa humana. E porque não são
admissíveis? Em face de limitações impostas por princípios constitucionais e até mesmo de Direito Material.
Em que pesem opiniões diversas, comungamos do entendimento daqueles segundo os
quais o preceito constitucional que não admite prova obtida por meio icito deve ser cumprido,
posto que fática e juridicamente possível, constituindo-se numa norma proibitiva imposta
diretamente pela Constituição, visando a licitude do procedimento penal, que não poderia ser
descumprida sob pena de inconstitucionalidade e, conseqüentemente, aplicação da regra de
exclusão da prova assim produzida.
Segundo Oswaldo Trigueiro Valle Filho, a proibição de provas ilícitas conforma uma
máxima que o legislador constitucional quis ver integrado numa nova postura do processo,
dispositivo lançado pelo próprio ordenamento constitucional em sua autodefesa em razão do núcleo
essencial consistente na “dignidade humana”.
5.4.1 Argumentos Contrários à Utilização do Princípio da Proporcionalidade como
Instrumento Apto à Admissão da Prova Derivada da Ilícita Pro Societate
Por vezes, grassa na jurisprudência pátria a aplicação do princípio da proporcionalidade
como instrumento apto à admissibilidade da prova processual penal derivada da ilícita quando, no
confronto entre os direitos individuais e os coletivos, na maioria das vezes substanciado na
segurança pública, estes revelam prevalência na efetivação dos direitos fundamentais.
Evidente que o princípio da proporcionalidade, como meio adequado para solução dos
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conflitos entre direitos fundamentais, poderá ser utilizado para o sopesamento de determinados
problemas que se apresentarem em forma de colisão de direitos fundamentais, ocasião em que será
considerado, e aplicado, o interesse prevalente. Nesse caso, poder-se-ia argumentar apenas no
que diz respeito às provas derivadas das ilícitas, a respeito das quais não existe qualquer restrição
constitucional expressa dirigida ao seu intérprete ou aplicador.
Em primeiro lugar, há a crítica de alguns doutrinadores ao princípio da proporcionalidade
por oferecer margem ao subjetivismo e ao decisionismo judiciais, pelo qual o juiz poderia manipular
a ponderação de valores processuais penais constitucionais conforme sua livre convicção,
atribuindo o peso dado a cada valor segundo uma pauta sem qualquer apoio em princípios
metodológicos, o que conduziria a resultados incontroláveis. Nessa linha de pensamento encontra-
se Friedrich Müller, para quem “a ponderação oferece um padrão lingüístico cômodo, conduzindo a
juízos de valor subjetivos de uma justiça do caso, a qual poderia ser, nos quadros do Estado de
Direito, subseqüentemente generalizada”.
Ademais, é possível imaginarmos que a admissibilidade de utilização de provas derivadas
das ilícitas, no processo penal, com base apenas no arbítrio judicial, nestes tempos de crise
generalizada por que passa a segurança pública, externa e interna, poderia abrir precedentes
perigosos à opressão e perseguição insanas a supostos “bandidos” e “criminosos”, termos
freqüentemente preconizados pela mídia nacional e que influencia e fomenta a caça insana aos
supostos culpados.
Ocorre que, para parte da doutrina, o argumento simplista do subjetivismo e arbítrio
judiciais em face da ponderação é superável, pois o seu exercício é realizado levando-se em contra
os subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; mediante os
quais o aplicador desenvolve toda uma argumentação plausível pela preponderância de um
princípio em relação a outro, tornando a decisão racionalmente motivada.
No entanto, o tema não está isento de críticas, na medida em que a doutrina teme a
relativização da segurança jurídica e, ainda, a transferência da valoração técnico-social do
legislador para o juiz.
Daí lembrar Suzana de Toledo Barros que “o contexto atual reclama cada vez mais tarefas
do legislador, mesmo em relação aos clássicos direitos de liberdade, exatamente para garantir-lhes
a efetividade desejada”.
Evidente que os direitos e garantias constitucionais são relativos e podem ser balizados
em ordem de precedência dos valores que agregam, porém, não podemos olvidar que a utilização
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indiscriminada do princípio da proporcionalidade para justificar a intervenção indevida do Estado na
esfera das liberdades públicas, seja promovendo a obtenção ilícita de prova processual penal seja
admitindo, no processo penal, a produção de prova maculada com a ilicitude originária, obtida por
particulares, afrouxa a garantia constitucional pela insegurança jurídica que acarreta além de
aniquilar, no caso concreto, a presunção de legitimidade dos atos do Estado que, monopolizando a
administração da justiça para evitar que esta fosse feita indiscriminada ou forçadamente pelos
particulares, não pode, ele próprio, deixar de cumprir com uma determinação constitucional de
licitude na administração da justiça.
Há autores que, admitindo a utilização do princípio da proporcionalidade como instrumento
de solução de colisão entre direitos fundamentais diversos e a inadmissibilidade da prova ilícita,
não negam a preponderância da necessidade de resguardo da segurança pública consubstanciada
na repressão à criminalidade, justificando o entendimento com o princípio da isonomia.
Não se pode olvidar, no entanto, que as garantias processuais penais foram elevadas à
categoria de princípios constitucionais exatamente para garantir a efetivação da tão desejada
liberdade e igualdade entre os homens. Na medida em que se limitou o jus puniendi por meio de
outorga de direitos fundamentais de liberdade a todos os homens, tentou-se colocá-los numa
posição de igualdade, entre si e de todos frente ao Estado.
Meramente ilusória, portanto, na prática, a negativa da seletividade do Direito Penal, que
também é do Direito Processual Penal.
Discorrendo especificamente sobre as formas de incivilidade, consideradas campos
negativos que impedem a consolidação democrática, como o baixo controle da sociedade política
pelas não-elites; o não-Estado de Direito para as não-elites, conjugada com um não-acesso à
justiça; um aparelho de Estado não-responsabilizável pelas diversas formas de violências e
arbitrariedades etc.; Paulo Sérgio Pinheiro conclui que:
O que chama a atenção na América Latina, e particularmente no Brasil, por causa de sua dimensão, é que
essas formas de incivilidade se abatem de preferência sobre as maiorias que constituem as populações
pobres e miseráveis, precisamente aqueles setores que são os alvos do arbítrio, da criminalização e da
discriminação. O Estado, as classes dominantes, as elites não asseguram para essas populações as
condições básicas para a realização e efetivação dos direitos humanos. [...] O retorno ao constitucionalismo
democrático pouco fez para erradicar as práticas autoritárias presentes no Estado e na sociedade. Apesar da
proteção constitucional, a violência ilegal continua. Governos civis falharam em controlar o abuso de poder e
em lutar contra a impunidade. Como resultado do fracasso das democracias na América Latina em refrear a
polícia com a imposição de maiores controles civis, um dos sinais mais visíveis é a ocorrência de práticas
abusivas freqüentes contra suspeitos e prisioneiros. Um dos maiores fracassos dos novos Estados
democráticos é a sua incapacidade de por fim ao tratamento cruel de criminosos comuns encarcerados. A
tortura em investigações policiais e as condições abomináveis das prisões na maioria dos países da América
Latina estão ainda presentes, após as transições políticas.
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Oportuno lembrar, ainda, a lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, quando, ao falar
sobre as diversas formas de ameaça à segurança nacional, deixa claro que, dentre elas, está a
“deliquescência do poder derivada da desmoralização dos governos por força da corrupção
inextirpada e recorrente”, e, logo após, ao tratar especificamente da criminalidade violenta
paralelamente ao narcotráfico, sugere que “tal criminalidade é, por um lado, um reflexo da miséria
de vasto setor da população, o que reclama medidas sociais que eliminem esse fator
criminogenético”.
Por outro lado, ao analisarmos os princípios parciais da proporcionalidade, veremos ser
injustificável sua utilização para admissão de prova ilícita pelo Estado titular da persecução penal.
Primeiro, pela inconstitucionalidade da prova que, por ser ilícita, não se presta a provar o
fato e a autoria com vistas à repressão criminal, haja vista que o princípio foi cunhado
especialmente para evitar ingerências indevidas do Estado, persecutor penal, na esfera dos direitos
fundamentais do homem. É, portanto, inidôneo ao fim a que se propõe, porquanto ao Estado não é
facultado respeitar os direitos e garantias fundamentais durante o exercício do jus puniendi, mas lhe
é obrigatória essa submissão, diante do princípio da legalidade, do qual decorre o de presunção de
legitimidade de seus atos e, ainda, diante do direito de liberdade, bem maior em evidência no
processual penal.
Outrossim, o meio ilícito em hipótese alguma será exigível do Estado na persecução
criminal, como decorrência lógica dos princípios acima mencionados. De fato, o meio não se
necessário na medida em que os órgãos estatais, encarregados da investigação e persecução
penal, têm a sua disposição outros meios igualmente eficazes, mas que seriam não-prejudiciais ou
portadores de uma limitação menos perceptível a direito fundamental.
Revela Vicente Greco Filho, com efeito, que a admissibilidade da prova ilícita poderia
encorajar à ilicitude, na medida em que o resultado da prova, se válido, poderia justificar a
condenação; além de argumentar no sentido de que a própria legislação prevê os mecanismos
adequados para a obtenção coativa da prova, dos quais são exemplos a condução coercitiva de
testemunha, busca e apreensão, exibição de documento ou coisa etc.
Assim, considerando que o subprincípio da exigibilidade ime que “o emprego de
determinado meio deve limitar-se ao estritamente necessário para a consecução do fim almejado, e,
havendo mais de um meio, dentro do faticamente possível, deve ser escolhido aquele que traga
menos prejuízos”, certo é que o Estado, como titular do poder de investigação criminal e como
titular do jus puniendi, tem a sua disposição inúmeros meios eficazes e legítimos para a repressão
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do crime, não devendo, para tanto, lançar mão de provas obtidas por meios ilícitos, ou seja, com
violação de direitos e garantias instituídas constitucionalmente em favor da pessoa contra o arbítrio
do Poder.
Por fim, não haveria proporcionalidade entre a ilegalidade praticada pelo Estado no
exercício do jus puniendi, por meio da obtenção de provas ilícitas com vistas à repressão do
suspeito da prática de um ato criminoso, e a restrição arbitrariamente imposta aos direitos e
garantias fundamentais do investigado ou acusado em processo penal. Conforme exaustivamente
demonstrado neste trabalho, a justiça penal o pode ser realizada a qualquer preço, pois na
medida em que se protege um homem, toda a sociedade estará protegida contra a fúria do jus
puniendi.
Reportando-se ao magistério de José Frederico Marques, Rogério Lauria Tucci arremata:
Aduz ser inadmissível, na Justiça Penal, a adoção do princípio de que os fins justificam os meios, para assim
tentar legitimar-se a procura da verdade através de qualquer fonte probatória. Por isso, a tortura, as
brutalidades e todo atentado violento à integridade corporal devem ser banidos da investigação e da
instrução. E o mesmo se diga do que se denomina, com eufemismo, de torturas lícitas, como the bird degree
da polícia americana ou os interrogatórios fatigantes, penosos e exaustivos. Igualmente condenáveis são os
procedimentos desleais, como, por exemplo, a captação clandestina de telefonemas, o emprego de
microfones dissimulados e do registro, em aparelhos telefônicos, de conversações íntimas.
E, citando Railda Saraiva, reafirma sua posição nesse sentido:
As garantias do devido processo penal asseguram a legitimidade do procedimento, a imparcialidade do
julgador e a justiça das decisões. [...] A luta contra o crime não se pode desbancar para o terrorismo penal,
para usar a expressão de Radbruch, o qual pode estimular a violência do Estado e acabar vitimando
inocentes. O processo penal e as garantias que o regem não são dirigidas aos criminosos, podendo ser
alterados conforme o grau de perversidade destes. A tutela se dirige à Sociedade como um todo e a cada
indivíduo em particular, que pode, a qualquer momento, se transformar em suspeito ou acusado, ficando
sujeito a abusos injustificáveis e a injustiças irreparáveis se não cercado das garantias constitucionais que
lhe asseguram um devido processo legal. A gravidade do crime em investigação ou em julgamento não pode
autorizar a adoção de meios repressivos que repugnam a consciência de país democrático, violando a
dignidade da pessoa humana, reduzindo o valor da liberdade e da igualdade, e levando o Estado à imoral
competição com os criminosos na prática da violência, em atos de desumanidade” (cf. Valiante, Il nuovo
processo penale; processo per l’uomo”, Milão, 1975, p.45).
Nesse sentido decidiu o plenário do Supremo Tribunal Federal:
é indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de
formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da
apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a
direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é
representado pelo interesse que tem a sociedade numa eficaz repressão dos delitos. É um pequeno preço
que se paga por viver em Estado de Direito democrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço.
Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados,
ensina Helena Fragoso, em trecho de sua obra Jurisprudência Criminal, transcrita pela defesa. A
Constituição brasileira, no art. 5., inc. LVI, com efeito, dispõe, a todas as letras, que são inadmissíveis, no
processo, as provas obtidas por meios ilícitos (STF – Ação Penal 307-3-DF – Plenário – Relator Ministro
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Ilmar Galvão – DJU 13/10/1995 – RTJ 162/03-340).
De fato, o princípio da constitucionalidade constitui, em nosso ordenamento jurídico,
axioma do Direito Constitucional, corolário da constitucionalidade e cânone do Estado de direito,
apropriado a tolher a ação ilimitada do poder do Estado sobre matéria que abranja direta ou
indiretamente o exercício da liberdade e dos direitos fundamentais.
Incompreensível, assim, que elaborado como instrumento a garantir as liberdades, cujo
exercício somente se faz possível fora do reino do arbítrio e dos poderes absolutos, possa ser
utilizado como meio eficaz de legitimar as práticas arbitrárias promovidas ou utilizadas pelo Estado
na perseguição criminal com violação dos direitos e garantias fundamentais do suspeito de ser o
autor da prática de uma infração penal.
Segundo Osvaldo Trigueiro do Valle Filho, “passamos a ter uma herança forçosa de
tempos remotos que hoje são protagonizados por diferentes sujeitos, que têm fixado em suas
mentes, como reserva, a sucessiva mudança no modelo garantista”. Referindo-se às incertezas
políticas da atualidade, em que as disputas têm se mostrado bastante expostas, diz que “não
estamos desejosos que o pior venha a se apresentar e não seja necessário surgir a inquietação da
consciência humana...”.
Revela que “as inquietações apontadas são bem atuais: “a fragilidade da segurança
americana diante dos ataques terroristas nos fez novamente presenciar a investida do Estado sobre
os cidadãos, no específico âmbito da vigilância (escutas e outros)”.
Falando especificamente sobre o princípio da presunção da inocência garantido pelas
regras de proibição de provas e baseando-se, por outro lado, num roteiro de ponderação, fala que
“o estatuto do argüido não pode funcionar como amortecedor, na medida em que as
particularidades do caso permitam uma maior ou menor ingerência. Na verdade, os limites
estabelecidos têm alguns parâmetros. Para Figueiredo Dias, as medidas impostas devem ser no
mínimo ‘[...] comunitariamente suportáveis’”.
5.4.2 A Garantia da Liberdade como Limite ao Jus Puniendi
Segundo Mariângela Gama de Magalhães Gomes, “a concepção substancial que é
conferida ao Estado Democrático de Direito, expresso na Constituição brasileira, implica que a sua
política criminal, que tem como fundamentos a liberdade e a dignidade humana, não pode
considerá-las a ponto de converter as pessoas em meros instrumentos ou sujeitos de tutela”.
Ressalta que “o princípio da proporcionalidade assume especial papel de garantia, de
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caráter negativo, cumprindo a finalidade de frear a degeneração do poder punitivo, impedindo-o de
expandir-se ilimitadamente”.
Numa interpretação sistemática dos direitos fundamentais, verificamos que a disposição
expressa de inúmeras garantias processuais penais limitativas do poder punitivo do Estado frente
aos direitos do investigado ou acusado revelam a necessidade histórica de sobrelevar os últimos
em confronto com o primeiro, de forma a impedir ingerências arbitrárias e ilegítimas na esfera de
liberdade e privacidade da pessoa humana sob o argumento de suposta garantia da segurança
pública.
Com propriedade, Ada Pellegrini Grinover, citada por Ana Lúcia Menezes Vieira, resume a
posição do Judiciário em face das garantias constitucionais fundamentais do réu, tendo como
imperativo o devido processo legal:
Todas as funções do Estado, em suas múltiplas atividades, são limitadas pela esfera de liberdade individual.
Não apenas à administração incumbe respeitar o círculo de autodeterminação do cidadão, mas sim também
aos Poderes Legislativo e Judiciário. O réu, como qualquer cidadão, é portador de uma série de direitos, de
relevância prioritária e autônoma. Tais direitos devem ser tutelados pela própria autoridade jurisdicional que,
no exercício de sua atividade, encontra, assim, uma série de limites.
As mesas de processo penal da Universidade de São Paulo, mediante as súmulas 48 a
50, admitiram a utilização das provas ilicitamente obtidas apenas em benefício do réu, sendo um
dos posicionamentos ainda hoje adotados por parte da doutrina.
Com efeito, considerando que a prova ilícita por derivação, apesar de ser cunhada
também como garantia constitucional decorrente da inadmissibilidade da prova ilícita, exsurgindo
igualmente como corolário do devido processo legal, pensado historicamente como instrumento
limitativo dos poderes arbitrários do Estado frente aos cidadãos e, conseqüência lógica desse
axioma, como efetivador do princípio da dignidade humana no processo penal, deverá ser sopesada
a inadmissibilidade com outros princípios constitucionais fundamentais que com ele entrarem em
conflito e que, no caso concreto, possam ser postos em posição de precedência condicionada em
relação àquele, portanto, devendo prevalecer para garantir maior efetividade ao escopo das
garantias constitucionais.
Por exemplo, o jus libertatis do investigado ou acusado inocente, quando a prova icita for
o meio de que este disponha para demonstrar sua inocência, porquanto a condenação de um
inocente fere a consciência jurídica como uma grave forma de injustiça.
Nesse sentido, Vicente Greco Filho, sem falar propriamente na teoria da exclusão da
ilicitude ou na teoria da proporcionalidade, adota o entendimento da necessidade da aplicação do
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“princípio interpretativo da compatibilização das normas constitucionais” para o fim de admitir-se a
prova ilícita quando, por exemplo, o bem jurídico envolvido assim o recomendar pela sua
importância. Cita o caso de uma prova ilícita que conduziria à absolvição de um inocente, a qual
deveria ser admitida ainda que com sacrifício de outro preceito legal, posto que a condenação de
um inocente seria a mais abominável das violências.
Ainda, Greco Filho, Celso Ribeiro Bastos e Yves Gandra Martins admitem o princípio da
proporcionalidade como instrumento apto à utilização da prova ilícita em favor do réu. O primeiro
cita, como exemplo, a prova obtida por meio ilícito e que levaria à absolvição de um inocente, a qual
teria de ser admitida porque a maior das violências constitucionais seria a condenação de um
inocente. Os dois últimos lecionam que o princípio da inadmissibilidade de prova ilícita deve ceder
nas hipóteses em que sua observância intransigente levaria à lesão de um direito fundamental
ainda mais valorado, referindo regras de imposição obrigatória para o caso:
a primeira, de que a prova seja indispensável na defesa de um direito constitucional mais encarecido e
valorizado pela Constituição do que o direito violado com sua obtenção; a segunda, de que a prova seja
produzida em defesa do réu e não a favor do Estado, entendido como autor da ação penal; por fim, a de que
a prova seja exibida por quem não participou, direta ou indiretamente, do evento inconstitucional que o
gerou.
Antonio Scarance Fernandes, dissertando sobre a repercussão processual da prova obtida
por meio ilícito, não deixou de reconhecer que “segundo forte corrente, a prova icita em favor do
réu deve ser admitida quando seja meio eficaz de evitar condenação injusta. Nessa ótica, não
deferia o tribunal determinar o desentranhamento pedido pelo Ministério Público quando, sem a
prova, o réu seria condenado, alterando-se anterior solução absolutória. Haveria, aqui, justa
aplicação do princípio da proporcionalidade”.
Salutar, a propósito, a mudança de entendimento acerca do tema preconizado por Rogério
Lauria Tucci, sob os seguintes argumentos:
Já agora, entretanto, curvamo-nos ao entendimento naquela oportunidade antagonizado, repristinando, de
logo, que, não coonestando, a Carta Magna da República, qualquer temperamento à preceituação
determinante da inadmissibilidade de ‘provas obtidas por meios ilícitos’, uma vez conseguidas ou produzidas
por outros meios que não os estabelecidos em lei, e, ainda, moralmente legítimos, por maior que seja a
importância do direito individual a ser preservado, não teriam elas, em linha de princípio, como ser levadas
em conta pelo órgão jurisdicional incumbido de definir a relação jurídica penal submetida à sua apreciação.
É que, na realidade (razão de ser do destaque sublinhado), não podem deixar de ser considerados, em
qualquer procedimento probatório, os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, autorizantes, na
expressão de ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, da ‘superação das vedações probatórias’,
decorrentemente da ‘prevalência do interesse na obtenção da prova sobre o valor cuja proteção é almejada
pela regra de proibição’.
E isso, sobretudo, na sua perspicaz visualização, quando se trata de prova obtida ou produzida no interesse
do imputado (pro reo’), a saber:
‘(...) no confronto entre uma proibição de prova, ainda que ditada pelo interesse de proteção a um direito
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fundamental, e o direito à prova da inocência, parece claro que deva este último prevalecer, não só porque a
liberdade e a dignidade da pessoa humana constituem valores insuperáveis, na ótica da sociedade
democrática, mas também porque ao próprio Estado não pode interessar a punição de um inocente, o que
poderia significar a impunidade do verdadeiro culpado; é nesse sentido, aliás, que a moderna jurisprudência
norte-americana tem afirmado que o direito à prova de defesa é superior.
Por isso não há incongruência entre a rejeição do critério da proporcionalidade para a prova ilícita pro
societate e essas últimas afirmações, uma vez que a estatura dos valores confrontados com o direito à prova
– o interesse na punição dos delitos e a tutela da inocência – é diversa; outrossim, pelo menos na
experiência brasileira, raros e excepcionais são os casos em que a defesa se serve de meios ilícitos para a
obtenção de provas, ao passo que essa mesma prática é sabidamente rotineira na atividade policial.
Nessa linha de pensamento, jamais se deve conceber as proibições de prova como
obstáculos para a busca da verdade real, ao contrário, como meios de se “preservar o patrimônio de
um processo penal perfilhado nas idéias de liberdade, que deverão sempre, como graus de valores
máximos, ser o esteio de regras entre o Estado e o indivíduo, que se querem equilibrados”.
Ato contínuo, Oswaldo Trigueiro Valle Filho completa:
As exceções serão sempre tidas como exceções. E não cabe pensar que a idéia de uma verdade absoluta
em matéria criminal deva prevalecer sobre as regras basilares da liberdade e suas diretrizes, pois estas se
configuram em critérios da razão. Assim, permite-se que o homem perceba em suas limitações e possa, ante
elas, admitir que também se pode chegar a um desejoso critério de verdade, pois o ser humano é capaz
deste algo.
Por fim, embora discordando da aplicação restrita do princípio da proporcionalidade diante
do princípio do favor rei, Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha arremata que “o entendimento
doutrinário entre nós é todo ele no sentido de acolher a prova ilícita ou ilegal desde que venha em
favor do acusado (é a chamada prova ilícita pro reo), diante do princípio do favor rei”. Para
complementar, cita o posicionamento de Torquato Avolio, no sentido de que “a aplicação do
princípio da proporcionalidade sob a ótica do direito de defesa, também garantido constitu-
cionalmente, e de forma prioritária no processo penal, onde impera o princípio favor rei, é de
aceitação praticamente unânime pela doutrina e pela jurisprudência”.
De acordo com nosso entendimento, o conteúdo de tais manifestações doutrinárias podem
ser transportadas, com as devidas modificações, para ponderar a eventualidade de admissão da
prova cita derivada da ilícita, porém, não para ferir o dispositivo constitucional que proíbe,
expressamente, a prova ilícita propriamente dita. Neste caso, estar-se-á no âmbito da
inconstitucionalidade, portanto, da invalidade da prova assim considerada.
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CONCLUSÕES
1. Os direitos e garantias fundamentais, embora abrangendo direitos de dimensões
individuais e coletivas, foram cunhados, historicamente, como forma de impedir a
ingerência indevida do Estado na esfera jurídica das liberdades dos cidadãos. Com o
entendimento de que o homem deve ser o fim último da concretização do Estado
Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana transformou-se no princípio
reitor da previsão constitucional dos direitos e garantias fundamentais, tendo, como
corolário, o devido processo legal, do qual decorre a garantia específica do devido
processo penal;
2. No processo penal, não há lide propriamente dita entre Estado e acusado, senão, o
poder-dever de punir, por parte Deste, limitado pelos direitos e garantias fundamentais
daquele. O processo penal não se caracteriza, hodiernamente, pela controvérsia entre
o órgão acusador e o acusado, ou entre a vítima e o acusado; mas por ser instrumento
de justiça penal e garantia de liberdade;
3. A inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos constitui uma garantia
constitucional inerente ao devido processo penal, revelando-se como restrição aos
princípios da liberdade da prova, da verdade real e da ampla defesa, e exigência da
licitude do procedimento adotado pelos órgãos estatais e pelo Estado-Juiz, como
administrador da justiça; uma vez que não é dado ao Estado, a fim de combater o
crime, portar-se de forma a cometê-lo ou admitir que outrem, com aquele mesmo
fundamento, o cometa;
4. Como regra, deve ser cumprida, não havendo de aplicar-se a teoria da
proporcionalidade para o fim de retirar a sua aplicabilidade ao caso concreto,
porquanto, se admitida prova obtida por meio icito, estar-se-á no terreno da
inconstitucionalidade do procedimento;
5. O Estado, como titular do jus puniendi, possui poderes e meios legais para prevenção
e repressão da criminalidade, estando limitado pelos direitos constitucionais
fundamentais dos indivíduos que, além de proteger o suspeito da prática de uma
infração penal, são dirigidos a toda a sociedade, como garantias cunhadas contra o
arbítrio do Estado na esfera privada de seus administrados;
6. É possível argumentar em prol da aplicação da teoria da proporcionalidade, como
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método de ponderação de interesses colidentes, para o fim de aproveitamento de
provas citas derivadas das ilícitas, a respeito das quais a Constituição não impõe
restrição expressa, como o faz pelo dispositivo constante do inciso LIV do art. 5.
o
da
Constituição Federal;
7. Contudo, nesse caso, a teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of poisonous
tree) igualmente não as admite, quando evidenciado o nexo de causalidade entre
umas e outras e quando as derivadas não puderem ser obtidas senão por meio das
primeiras;
8. No caso de encontro fortuito de provas, igualmente, por haver excesso na obtenção
destas, por exemplo, extrapolando o objeto do mandado judicial, tem a doutrina
admitido sua admissibilidade apenas como notitia criminis, a partir da qual se
procederá limitada e licitamente à obtenção de outras provas a instruírem o processo
penal;
9. Possível, segundo parte da doutrina, no entanto, afastar-se a ilicitude da prova
mediante regras justificantes, como é o caso da legítima defesa e do estado de
necessidade;
10. A previsão legal infraconstitucional da proibição da prova obtida por meios ilícitos não
altera o dispositivo constitucional acerca do tema, porquanto, terá sua validade
condicionada por esse; ou seja, poderá ampliar a garantia da inadmissibilidade da
prova ilícita, nunca restringi-la, sob pena de ser considerada inconstitucional.
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