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Esta dissertação foi defendida perante a seguinte banca examinadora:
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São Paulo, de de 2006.
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Silvana Lacreta Ravena
CAIXAS DE MEMÓRIA: UMA VISTA AÉREA DA
PINTURA
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Artes Visuais da
Faculdade Santa Marcelina, como
requisito parcial para a obtenção do
Grau de Mestre em Artes Visuais.
COORDENADORA: Profª. Drª. MIRTES MARINS DE OLIVEIRA
ORIENTADOR: Prof. Dr. ERMELINDO NARDIN
SÃO PAULO
2006
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FICHA CATALOGRÁFICA
Ravena, Silvana Lacreta.
Caixas de Memória: Uma Vista Aérea da Pintura. São Paulo, 2006.
95 pp.
Tese (Mestrado) – Faculdade Santa Marcelina.
Título em Inglês: Boxed Memories: An Aerial View of Painting
1. Pintura. 2. Memória. 3. Vistas Aéreas. 4. Abstração. 5. Pulsão.
(Deve ser impressa no verso da folha de rosto)
Agradecimento
Agradeço ao artista Bernardo Cid (in memorian), por ter me iniciado na prática da pintura. Ao
meu orientador, o artista Ermelindo Nardin, por ter acreditado no meu trabalho. Ao meu marido
Persio Ravena, pelo suporte incondicional.
RESUMO
Nesta pesquisa teço uma reflexão sobre um grupo de pinturas em encáustica intitulado
Caixas de Memória, a metodologia de trabalho utilizada na sua elaboração, seu processo
de produção e forma de apresentação. Analiso, assim, a fotografia aérea enquanto minha
metodologia de estudo, entendendo-a como um caminho de abstração das convenções
da figuração que desnuda um estranhamento visual revelador dos próprios elementos da
pintura – manchas sobre uma superfície – elementos esses centrais neste trabalho.
Discuto a possibilidade de sugerir uma aproximação entre o impacto dessa angulação
em plongée (mergulho), que torna instáveis as convenções usuais de atribuição de
sentido da imagem, que proponho denominar, conforme discuto aqui, indecifrabilidade,
e uma instância mais inconsciente do psiquismo, conforme a acepção freudiana, isto é,
um paralelo entre a suspensão das convenções da imagem e a suspensão do fluxo lógico
linear e classificatório da consciência. Meu interesse na utilização da fotografia aérea
como estudo para a prática pictórica é refletir sobre essa fissura entre o objeto e sua
inteligibilidade que permite transitar, creio, por dilemas seculares da história da pintura
(a questão da perspectiva frontal e não frontal, o embate entre a linha e a cor, a
abstração e a figuração), colocando minha prática entre a demarcação do conhecimento
direto na relação com a matéria e o trabalho de decodificação e interpretação da
imagem. Segue aqui, portanto, a análise desse aporte, a discussão das etapas de
pesquisa, suas características e os desdobramentos que me levaram a eleger o binômio
vistas aéreas/memória matérica como eixo central de minha prática pictórica neste
trabalho.
ABSTRACT
In this research, I reflect on a group of encaustic paintings untitled Boxes of Memory, the
methodology of their preparation, the process of production and the form of presentation. I
analyze, therefore, the aerial photograph as the starting point of my methodology, understanding
it as a form of abstracting the usual conventions of image, that elicits an unfamiliar visualization
able to bring out the elements of painting itself. This is a central point in this work.
I discuss too, the possibility of recommending a connection between the impact of the visual
angulations en plongée and an unconscious level in the psyche, in agreement with the Freudian
theory, that I suggest be called indecipherability. By this I intend a parallel between the
suspension of conventional roots of image and the suspension of logical linear flow of
consciousness. My interest in the utilization of aerial photographs as preparation for the painting
process is mainly to reflect on the fissure between the object and its intelligibility, that allows
us to confront all the historical dilemmas of painting ( e.g., the problem of frontal and non
frontal perspective, the conflict between line and color, abstraction and representational
painting). This characterizes my painting practice in a position between the direct knowledge in
relation to the material and the work of decoding and interpreting the image. Consequently, here
is the analysis of this approach, of the steps of this research, their characteristics and
developments that have led me to elect the convergence of aerial photograph materic registry
the central backbone of this work.
ÍNDICE
I Etapas Iniciais de Pesquisa: A Memória do Olhar
I. 1. Memória Coletiva: Um Impasse ............................................................p. 01
I. 2. Memória Pessoal ....................................................................................p. 04
Relação de Imagens ......................................................................................p. 12
II Vistas Aéreas
II. 1.Estudo Fotográficos: Um Novo Eixo de Pesquisa ...............................p. 18
II. 2..Indecifrabilidade: Diálogo com os Aportes Teóricos de Phillipe Dubois
e Rosalind Krauss ..................................................................................p. 23
II. 3. Uma Pintura Abstrata: Indecifrabilidade e Alfred Stieglitz ...................p. 26
II. 4. Pollock e a Outra Perspectiva da Pintura ...............................................p. 34
Relação de Imagens ........................................................................................p. 47
III. Indecifrabilidade: Uma Poética Pictórica ......................................................p. 60
Relação de Imagens .......................................................................................p. 70
IV. Uma Pintura Abstrata (conclusão Provisória) .............................................p. 86
V. Bibliografia ..................................................................................................p. 90
1
I. ETAPAS INICIAIS DE PESQUISA: A MEMÓRIA DO OLHAR
I.1. Memória Coletiva: Um Impasse
Memória foi o tema recorrente de minha produção pictórica dos últimos dez anos. Nas
camadas de matéria, nas veladuras, nas incisões propositadamente deixadas vivas no
material que utilizo, memórias subjetivas e do próprio processo se entrecruzaram, me
levando a necessidade de refletir mais detidamente sobre o significado desse tema em
meu trabalho. Revisitar momentos de minha própria memória pessoal significativos
para o meu processo de criação foi o primeiro passo da etapa de levantamento de dados
desta pesquisa, a procura de subsídios que pudessem me levar à problematizações mais
contundentes para a compreensão e a realização de minha poética pictórica. Esta
consulta aos meus arquivos pessoais me tornou clara a relação de apagamento da
experiência, me motivando a investigar um âmbito coletivo do conceito de memória,
uma vez que, penso, as esferas do individual e do coletivo se influenciam mutuamente.
Assim, procurei fazer um levantamento inicial do conceito historiográfico de memória
1
e de temas e textos pertinentes à história da pintura (na conta de uma memória da
pintura), buscando particularmente os significados sociais e políticos que pudessem me
auxiliar na análise, agora de um ponto de vista da cultura, da relação entre visualidade e
palavra, tema que eu cunhava a partir da observação dos meus registros de processo de
elaboração de poesias, como dito acima.
1
Neste sentido me orientei pela análise de Jacques Le Goff sobre a interação entre o conceito de memória
e história, e Jean-Marie Gagnebin, sobre a relação entre memória e história a partir da ótica de Walter
Benjamin. Ver Jeanne Marie Gagnebin, História e Narração em Walter Benjamin, SP, ed. Perspectiva,
2004.
2
Seguindo sobretudo a orientação da historiadora Jacqueline Lichtenstein na seleção de
textos e temas que configurassem um panorama da tradição do pensamento em pintura,
estudei trechos do tratado de Plínio, O Velho, Alberti e Vasari, e me detive no tema do
Ut Pictura Poiesis, onde pensei poder encontrar aproximações que referiam a relação
historicamente problemática entre as artes da palavra e as artes da pintura ao embate
semelhante em minha trajetória pessoal, sugestivo de uma possibilidade de análise mais
detida dos modos de penetração dos estereótipos culturais na esfera da criação, ou
ainda, inventividade individual, reforçando minha compreensão de que não são essas
fronteiras nítidas.
Estudei também com mais atenção a passagem da memória oral para a escrita
2
, as
implicações dos conceitos de documento e monumento segundo o aporte
historiográfico, que chamou minha atenção para o questionamento da fotografia como
meio de captação documental. Isto me levou ao estudo da epistemologia do ato
fotográfico, para o que segui a orientação do professor Phillipe Dubois e de Rosalind
Krauss, cujas análises conforme se verá, foram fundamentais para o encaminhamento
desta pesquisa. A análise do professor Dubois sobre a relação entre fotografia e
memória me conduziu, por sua vez, aos estudos da historiadora Frances Yates sobre a
Ars Memoriae
3
, especialmente as origens dessa arte da memória artificial, onde a
relação entre lócus e imagine, isto é, a memória como articulação entre lugares e
imagens ativas
4
influenciou a pintura da rie de meus trabalhos em encáustica
denominados Caixas Memória, grupo de doze pinturas, sendo nove de 0,50 x 0,50 cm
2
Jacques Le Goff, História e Memória, Campinas, ed. Unicamp, 2003.
3
Frances Yates, The Art of Memory, Chicago, University of Chicago Press, 1984.
4
A este respeito ver p. 13.
3
cada e três maiores, de 1,20 x 1,60 cm cada, e quatro estudos fotográficos, três deles na
angulação aérea e um na anti-aérea, de que trata esta pesquisa.
No entanto, a correlação história – memória que permitiu centrar grande parte de minha
reflexão de pesquisa no estudo das artes da memória e do tema do Ut pictura poiesis
relacionados ao embate entre a palavra e a pintura de meu próprio processo de inventar,
me levando a um viés mais sociológico
5
de análise, tinha em paralelo um outro tema
igualmente cativante. Havia me deparado com ele durante a etapa inicial de
documentação da pesquisa, e ele parecia se referir mais diretamente à dinâmica de
minha prática pictórica, isto é, mais diretamente à pesquisa de produção em arte,
definindo também, por si só, um outro eixo condutor de uma análise complexa: as
Vistas Aéreas. Embora meu trabalho no eixo do embate entre a palavra e a pintura
(intitulado inicialmente “Memória e Pintura: ut pictura poiesis erit)
6
estivesse
adiantado, de uma certa forma me vi diante de um impasse análogo ao da questão do
embate entre as artes da palavra versus as artes da visão, pois no eixo do ut pictura
poiesis meu trabalho seria fortemente calcado no texto, na articulação lógica, na
contraposição de conceitos da teoria/história da arte para deste veio relacionar a pintura,
ao passo que no eixo vistas reas ele me parecia mais fortemente calcado na
visualidade, no relacionamento direto com a imagem, na produção da pintura. Optei por
aprofundar, como se verá a seguir, a reflexão sobre o segundo eixo: as Vistas Aéreas.
5
Explico esse viés em detalhe a partir da p. 08.
6
Trata-se do título referente à situação da pesquisa quando o exame de qualificação (12/2005).
4
I.2. Memória Pessoal
Minha pintura, inclusive a atual, guarda o eco de certas memórias mais antigas, de
sensações da rugosidade dos materiais à iniciação artística com o artista Bernardo Cid,
me levando, mais tarde, a experimentar o trabalho com outras mídias (cinema e vídeo) e
o estudo da lingüística (Lingüística, USP, 1983). A atenção especial à influência dessas
memórias no processo da pintura relaciona a essa prática muito de minha postura clínica
(Psicologia, PUC/1985), para a qual a memória individual e subjetiva é uma ferramenta
fundamental de trabalho. Ao definir a memória como tema de pesquisa, retomei esse
tema como ferramenta, desta vez orientada para os meus próprios processos de criação,
avaliando sua análise como condução mais significativa para a pesquisa em arte.
Revisitei, então, uma série de antigos cadernos de registros datados da década de 1980
que costumava considerar reservas de memória (roteiros de cinema, poemas, etc.). Sete
desses cadernos que compreendiam um período entre 1980 e 1987 se mostraram
particularmente interessantes porque continham uma significativa série de antigas
poesias com seus registros de processo. Esses trabalhos apresentavam um forte embate
entre a palavra e a pintura e mostravam como essa palavra era pesquisada não no seu
significado semântico, mas na sua forma visual (figura 01). Eu procurava nesse
momento uma possibilidade de fazer a pintura que partisse mais da linha e do desenho,
que envolvesse a questão do traço, mas uma linha que pudesse ser o resultado da
transformação das letras da palavra. Cursando Lingüística (USP), estava mergulhada no
estudo da poesia, da provençal à concreta, quando comecei a fazer de meus registros
dessas análises, e de minhas próprias poesias, arabescos e linhas flutuantes pela
superfície do papel. A ilustração 04 mostra um dos versos de uma poesia chamada O
5
Livro do Arqueiro”
7
, em que a palavra arquipélagos vai se desmembrando pelo branco
da página, como elementos dispersos de um mesmo conjunto (aqui eu procurava um
paralelismo entre a relação ilha/arquipélago e a relação letra isolada e grupos de letras),
ao mesmo tempo que a repetição dessas letras enche a superfície de silhuetas, cria
textura e alude à pequenos lagos a partir do contraste entre as áreas de acúmulo e de
restrição de signos no suporte. Essas letras se tornam linhas delgadas, ondulantes,
registro de gesto levíssimo, e traços nervosos, angulares, ritmos contrastantes, direções
diversas (aqui se percebe não relações de contraste, como também a orientação
diagonal que estará sempre presente na minha pintura posterior).
Em outro exemplo, ilustração 03, os versos de um poema provençal
8
estão escritos à
pena e nankim nas costas de um papel de bala usado, com letras ondulantes de linhas
leves derramadas pelo espaço, ecoando o dito dos “gestos de neve” descritos pelo poeta.
O papel transparente está superposto sobre uma superfície em escrita cursiva, que é
página de um diário. Ao mesmo tempo em que tudo é veladura, memória, vozes várias,
nada se divisa claramente. Aqui se registrava meu interesse por um determinado tipo
de acúmulo de signos que borra a definição seca da forma, parte importante, conforme
estarei discutindo, da reflexão dessa pesquisa. A observação desses registros foi
delineando, conforme demonstrado nos exemplos acima, conexões fundamentais entre
minha poesia dos anos 80 e minha pintura atual, que definiam modos característicos de
meu processo de “inventar(uso o termo em lugar da palavra “criação”). Detive-me,
por essa razão, na documentação dessas poesias, sobretudo daquelas que mostravam o
meu processo de pesquisa da palavra (por exemplo, dinâmicas de afirmação, negação ou
substituição de termos, figura 05). Julguei ser significativo, então, documentar esses
7
Estudos visuais do Livro do Arqueiro, 1984-85.
8
“The Coy Mistress", Andrew Marlow.
6
meus passos no enfrentamento do processo de inventar, de maneira que eu pudesse
encontrar um meio de apreendê-los a partir da pesquisa da palavra que se esgarçava na
linha. Isso a meu ver, os colocava na qualidade de vestígios desse processo, pois ali,
eu podia ver, me importava deixar registrado no suporte do papel, da mesma maneira
que, mais tarde, se tornou fundamental deixar registrado na matéria cada pintura, cada
passo de minhas buscas, de minhas pesquisas. Eram minhas memórias de processo
(figura 07).
Documentei então, esses registros de pesquisa de poesias, fotografando um total de 70
páginas desses cadernos, selecionando os mais significativos do que julguei ser uma
interação entre a palavra e a visualidade, entendendo, como dito, que essa
aproximação relacionava minha prática da poesia à da pintura. Entre outras conexões
interessantes com a minha pintura, essas poesias mostravam o intenso trabalho gestual
em relação à escrita da palavra que mantenho no manejo de meu material na pintura. Na
exploração dessa gestualidade, eu fazia um jogo com as variações de forma da letra das
palavras, isto é, do significante verbal
9
. Entendendo o significante verbal como a parte
material do signo lingüístico, vi que havia aí, uma sugestão de paralelismo entre o
interesse pela materialidade do signo escrito e o interesse posterior, na pintura, pela
exploração de seus materiais. Essa ênfase material de meus processos poéticos, me
sugeriu a idéia de documentar aqueles registros de poesia (anos 80) de maneira que me
fosse possível integrá-los nesta pesquisa, não como registro de processo, mas
também, e sobretudo, como um material plástico da pintura.
9
Utilizo-me do conceito saussuriano de signo como a unidade de sentido dotada de uma parte material, o
significante e uma parte psíquica, o significado. Admitindo aqui a relação significante/significado
segundo Ferdinand Saussure, in Curso de Lingüística Geral, SP, ed. Cultrix, 1969.
7
Nessa altura, o binômio palavra-pintura ao qual minha reflexão sempre se voltava,
me parecia significativo: aludia à minha história pessoal (meus antigos registros de
processo) e era assim, memória, e além do elemento matérico de ambas as práticas, me
colocava diante do estudo de um tema da tradição da pintura que compreendia, segundo
a análise da historiadora Jacqueline Lichtenstein, o embate histórico pintura-palavra.
Conforme orienta Lichtenstein, este tema demonstra o projeto (histórico) de legitimação
da pintura como arte culta. Me chamava, assim, atenção como um tema da tradição da
pintura, guardadas as devidas proporções, aludia a meus próprio questionamentos. O
embate entre artes da palavra e as artes da visão, o Ut pictura poiesis (“assim como em
poesia, em pintura”
10
), analisa a historiadora Lichtenstein, passou à posteridade, a partir
do Renascimento, uma versão de sua frase original que conteria um erro de
interpretação (a frase é de Horácio, Epístola aos Pisãos) pois a versão correta
adicionaria a essa frase o termo erit (“ut pictura poiesis erit”, “assim como em pintura,
em poesia”). Tal omissão teria feito da pintura o termo comparado e da poesia a
referência para a comparação, dando origem à acirrada polêmica entre as artes da
palavra e as artes da visão
11
. Me parecia por isso, que eu, de certa forma, repetia a
questão da legitimação da pintura como prática culta ao recolocar este seu embate com a
palavra em meu trabalho. Interessada que estava naquela altura da pesquisa, no modo de
pensar a história que analisa as articulações de poder subjacentes a certos detalhes
usualmente silenciados ou desconsiderados pela historiografia oficial,
12
imaginei ser
possível problematizar as correlações entre a ocorrência do embate poesia-pintura no
nível pessoal, individual e no nível coletivo, cultural do ponto de vista das introjeções
de valores culturalmente condicionados . Assim, este tema era mais uma referência que
10
Conforme tradução de Magnólia Costa do texto de Jacqueline Lichtenstein,op. cit, vol,o7, p.09. e p.11
11
Jacqueline Lichtenstein, A Pintura Textos essenciais, vol. 07 “O Paralelo Entre as Artes”, SP, ed. 34,
2004.
12
Para uma síntese do assunto ver Lynn Hunt, A Nova História Cultural, SP, ed. Martins Fontes, 2001.
8
eu reputava como significativa para minha intenção de integrar a palavra, relembro, na
matéria das pinturas em encáustica, então em fase de planejamento (as Caixas de
Memória) .
A principal acepção do conceito memória que interessava à minha pesquisa naquele
momento era o registro na própria matéria da pintura do (meu) processo pictórico, que
denominei memória matérica, razão pela qual chamei ao grupo de pinturas que realizei
de acordo com esse recorte, Caixas de Memória, isto é, caixas enquanto redutos de
matéria nos quais o registro de seu processo como elemento formador e condutor da
pintura está gravado na condição de uma memória desse processo de pesquisa. O foco
no elemento matérico propunha, assim, uma relação mais direta com o material, um
conhecimento e uma investigação da linguagem da pintura que vinha desse contato
direto
13
. Embora palavra seja palavra e pintura seja pintura, eu continuava a perseguir
uma possibilidade de fazer das palavras tão visuais de minha poesia algum tipo de
material para minha pintura. Minha questão de pesquisa por um momento passou a ser
como materializar essa palavra memória de antigos registros como marca física de
um passado, na matéria da encáustica. Encontrei uma possibilidade de trabalho a
explorar na proposição da fotografia como elemento indiciário segundo a ótica do
professor Phillipe Dubois
14
.
13
Analisa Ricardo Fabrini que para certo segmento de artistas, dentre os quais se pode citar Tápies ou
Fautrier, tanto valorização de pinceladas espessas, as acutiladas da espátula, as pinturas rugosas, as
collages e assemblages quanto os amálgamas de cor e massa (ceras, têmperas e resinas misturadas a
materiais heterodoxos das obras s vanguardistas) indicam que a matéria é considerada por tais artistas
como um reduto de memória, uma usina de imagens acumuladas a ser pacientemente escavada; a
necessidade de um embate direto com a matéria plástica como modo de conhecimento e possibilidade de
novas soluções formais
na exploração da linguagem da pintura. Cf. Ricardo Fabrini, “O Signo Matérico”
in A Arte Depois das Vanguardas, Campinas, ed. Unicamp, 2002, p.105.
14
Phillipe Dubois, O Ato Fotográfico e Outros Ensaios,SP, ed. Papyrus, 2004.
9
Em primeiro lugar definiu-se a idéia de utilizar a fotografia como uma forma de
documentação não isenta dos registros de processo de meus diários, isto é, documentar
este material inicial de pesquisa pela fotografia, me dava a oportunidade da interferência
do olhar do fotógrafo no recorte/enquadramento da imagem. Aliado a ela, havia também
uma relação de fisicalidade entre objeto e referente, isto é, uma relação indiciária entre o
original de meus diários, e a impressão de sua imagem na película fotográfica, pois,
conforme afirma o professor Phillipe Dubois, a fotografia é uma categoria especial de
pensamento no sentido de que ela obedece a uma lógica indiciária. Ela não é nem
exatamente um retrato da realidade, diz Dubois, nem exatamente apenas uma
interpretação do artista, mas um recorte dessa realidade que por um momento o da
impressão da luz na película de sais de prata permite manter uma relação indiciária,
isto é, de contigüidade entre o objeto fotografado e sua imagem, entre a parte e o todo.
Esta afirmação, corroborada também por Rosalind Krauss
15
, afirma o ato fotográfico
como instância dessa lógica indiciária (termo cunhado do conceito de índice segundo
Charles S. Pierce.
16
), ampliando para toda a prática artística uma categoria de
pensamento que colocou entre parênteses a representação analógica (a arte mimética, a
arte do ícone) em favor de uma “dimensão pragmática” do produto artístico, isto é, da
concepção desse produto artístico não como resultado final mas como “traço de
15
Rosalind Krauss, “Notes on the Index: Seventies art in America”, in October n. 03 (part I) e n. 04
(partII), NY, MIT Press, 1977.
16
Índices, na proposição de Charles S. Pierce, são signos que mantém ou mantiveram num determinado
momento do tempo uma relação de conexão real, de contigüidade física, de co-presença imediata com seu
referente (sua causa), enquanto ícones se definem, antes, por uma simples relação de semelhança
atemporal, e os mbolos por uma relação de convenção geral. O que implica necessariamente que essa
relação de conexão física é da ordem da singularidade, da atestação e da designação.O índice não tem
significação por si mesmo, sua significação depende de sua relação efetiva com o objeto real que funciona
a maneira de sua causa, tanto quanto como seu referente. Essa ligação de existência implica que os
fenômenos que ele regula operam dentro de uma chave realista – relação de fisicalidade e de contingência
a parte indica o todo. In Phillipe Dubois, O Ato Fotográfico, SP, ed. Papyrus, 2004,cap. Por outro lado,
à ilusão de uma identificação entre a imagem e o real (o objeto e seu referente) a fotografia opõe um
princípio de clivagem, a distância focal Cf. Phillipe Dubois, O Ato Fotográfico, op. cit, pgs. 88 a 99.
10
processo”.
17
Ainda seguindo o pensamento de Krauss e Dubois, o desdobramento dessa
lógica indiciária – uma dentre as interações possíveis entre a epistemologia da fotografia
e as muitas maneiras de toda arte contemporânea
18
em minha pesquisa elencava três
outros princípios relacionados a minha prática a apresentação
19
(a presença direta de
um conteúdo, a relação literal entre a visualidade e o seu significado, na esteira da
lógica indiciária), o foco no elemento matérico permitido por essa atenção concentrada
na proposta da apresentação, (isto é, a literalidade levando à exploração das
possibilidades da pintura a partir da investigação da própria matéria pictórica) e o
registro declarado dos traços desse processo (memória impressa na matéria da pintura
enquanto relação de contigüidade entre o produto e o processo artístico). A partir dessa
reflexão, não me utilizei da fotografia como meio de documentação, mas, como se
verá, conduzi esta pesquisa num diálogo constante entre a pintura e a fotografia.
Utilizei-me, portanto, da fotografia convencional e também do xérox (entendido aqui
enquanto decalque da luz na superfície sensível do papel, mediante presença do
original), como meios de transposição dos registros dos cadernos de processo (os
trechos de poesias ali contidos). Pretendi que pelo decalque e pelo indiciário da
fotografia, as poesias assim documentadas pudessem ser transpostas para a pintura,
mantendo uma relação o mais contígua possível com seu original na conta de uma
17
Cf. termo de Rosalind Krauss in Hal Foster, Rosalind Krauss, Yves-Alin Bois, Benjamin Buchlock,
Art since 1900, Modernism, Antimodernism, Postmodernism, NY, Thames & Hudson, 2004, p.358.
18
Diz o professor Dubois “Estou adiantando portanto minha tese: a fotografia é um dispositivo teórico
que se vincula, como prática indiciária, com o dispositivo teórico da pintura captada em seu momento
“originário”( no fantasma de sua origem). Essa afirmação transhistórica de uma estética do índice, ao
colocar como que entre parênteses a representação por analogia (arte do ícone) – da qual já se pode dizer,
para apontar referências, que só se inaugura com o Renascimento e a construção em perspectiva para
terminar com a invenção da fotografia e a generalização atual das práticas indiciárias – marcaria na
história e na teoria da arte a necessidade de uma inscrição referencial, isto é, a pregnância irredutível da
dimensão pragmática da obra de arte.” (cf. Phillipe Dubois, op. cit, p.115) .
19
Para uma síntese da questão da apresentação e da representação utilize-me da análise de Lucia Santaella
e Winfried Nöth, Imagem – Cognição, Semiótica e Mídia, SP, Iluminuras, 1999, capítulo 1, “Imagem
como Representação Visual e Mental”, p.15.
11
marca do processo do passado na película do presente. Eu tencionava começar agora a
elaboração da pintura a partir dessa palavra fotografada e decalcada.
Porém, um elemento, durante a etapa de documentação fotográfica dos rascunhos dos
diários, me chamou atenção. que meu olhar para essas páginas se deslocava
gradualmente de um enquadramento frontal usual para um ângulo cada vez mais
panorâmico, cada vez mais um mergulho no espaço. Era um plongeé (mergulho)
fotográfico. Compreendi que em meu processo de documentação daqueles textos meu
olhar ia, na verdade, abstraindo mais e mais a palavra escrita de seu contexto original
(as folhas dos diários da década de 80), abstraindo assim também, as convenções da
linguagem escrita, para enfatizar mais e mais sua configuração enquanto elemento
visual no espaço. Eu deixava que seu desenho se revelasse, a percebia mais como um
signo gráfico, como linhas sobre uma superfície. A palavra que eu procurava tornar
matéria pictórica, eu tornava já, pelo processo de abstração visual em plongée, elemento
da pintura, um desenho
20
. Eu tornava instável a relação entre a palavra e seu contexto,
pelo plongeé, eu impedia sua leitura como poesia, borrava o olhar voyer sobre minha
memória pessoal e enfatizava sua presença como elemento visual, como linha sobre
uma superfície. O enquadramento em plano próximo, ou em close, foi paulatinamente
se abrindo, movido mais e mais pela força estética captada nessa percepção da distância
espacial entre observador e objeto de observação (ilustração 07). Meu olhar flutuava
nesse espaço, eu realizava vistas aéreas desses registros. Eu não lia a poesia eu via a
pintura.
20
Reportando-me àquela preocupação dos anos 80, conforme descrevi, de fazer um tipo de pintura no
qual a linha viesse do trabalho com o significante da palavra, eu aqui parecia ter encontrado um outro
modo de resolver o problema.
12
Fig. 01 –. Poesia visual a partir dos versos do capítulo II do“Livro do Arqueiro” (detalhe,), 1980. Um Arqueiro
declina sobre pântanos abstratos. Chora o terço do tempo com a água dos céus. Percepta pântanos. Espreita. Mas
distraem-lhe as flores jasmins que jazem nos jazigos. Ele escuta o uivo dos chacais. Vê arcos debandandarem
ordas mordazes. Exausto e distante, um arqueiro reclina ao tronco do carvalho. Deriva. Madeira. Orvalho. Voz.”
13
Figura 02. Poesias visuais da década de 1980
“Curto Circuito”, 1980. . “O Amador”, 1983.
“O Rastro dos Raios”, 1986. “A Chuva”, 1985.
14
Figura 03. Registro de processo de estudo do poema “The Coy Mistress”, Andrew Marvell .
Fig.04. Registro de processo de poesia para o “Livro do Arqueiro” – trabalho com a palavra “Arquipélagos”.
15
Figura 05. “Os Sete Garfos da Noite” – registro de processo da poesia (19080) com dinâmicas de negão
Fig.06. Poesia dos anos 80: dissolução da palavra na matéria da pintura da Caixa de Memória n°02, 2005 (detalhe).
16
Fig.07. Fotografias dos registros de processo de pesquisa das palavras na elaboração de poesias nos anos 1980.
17
18
II. VISTAS AÉREAS
II.1.Estudos Fotográficos : Um novo eixo de pesquisa
Revi, a partir dessa reflexão, boa parte de meus estudos visuais da produção de dez anos
para cá, percebendo que em boa parte dela meu olhar tendia a manter esse processo que
se pode chamar vistas aéreas, isto é, a abstração da figuração da imagem para enfatizar
sua estrutura e dinâmica visual.
1
Definia-se, então, a partir da percepção dessa tendência
de meu olhar, um desdobramento do primeiro eixo de reflexão do estudo da memória e
do embate pintura e poesia, que, visualmente voltava minha atenção para a mancha e a
matéria da pintura
2
. A consideração detalhada do percurso de pesquisa que eu vinha
realizando culminou, assim, no redirecionamento do meu foco principal de reflexão
para a análise da dinâmica de abstração em pintura relacionada às vistas aéreas, pois
compreendi que eu solucionava a questão do embate palavra versus pintura, abstraindo
o elemento visual dessas palavras. Mais ainda, à medida que o processo propriamente
pictórico com a encáustica tomou corpo, eu dissolvi completamente essas linhas das
antigas palavras nas manchas da pintura (figura 06).
A própria questão da memória passava para um ângulo de análise diferente e mais
específico, pois ao invés de refletir sobre as artes da memória (ars memoriae)
3
, como
1
Essa procura de despir imagem do sentido figurativo para procurar suas estruturas, em minha pintura
anterior, era trabalhada de maneira a colocar a imagem no limite entre a paisagem reconhecível e a
abstração, mantendo uma ambigüidade entre a figura e o fundo, a presença da linha e a massa, onde o
registro de meu pensamento ia ficando gravado nas camadas superpostas de matéria sobre o suporte.
Muitas das dinâmicas de superposição que utilizo ainda hoje, tem sentido de borrar uma leitura clara e
única, buscando na ambigüidade visual uma possibilidade de multiplicação dos sentidos.
2
Este embate mais me parecia uma derivação da tensão visual entre a linha e a mancha presente em
minha pintura desde a década de 90, a linha articulada como a palavra das poesias um signo gráfico.
Meu olhar em plongée tendia a dissolver todos os elementos figurativos na mancha da pintura.
3
A idéia de lugar, o lócus mnêmicos é descrito por Cícero em De Oratore, texto que define a memória
como uma categoria da retórica a articular lócus e imagine. A Ars Memoriae nasce na Antiguidade grega
19
vinha fazendo, passei a investigar a interação entre o processo de abstração relacionado
às vistas aéreas e as dinâmicas psíquicas implicadas no confronto entre o olhar e essa
visualidade abstrata. Assim, a memória matérica, conforme definido anteriormente
como o registro na matéria do seu processo de pesquisa na formação e condução da
pintura, me apontava para configurações de tal maneira mutantes que passei a refletir
sobre as implicações psíquicas, tanto do ponto de vista da produção como da recepção,
no contato com essa visualidade. Conforme define ainda Dubois, muitos dos artistas do
segmento da pintura abstrata se aproximarem de uma visualidade no limite do
irrepresentável. De acordo com a Psicologia e a Psicanálise e esta assertiva costuma
ser base da maioria dos testes psicológicos diante de imagens visuais ambíguas e/ou
pouco definidas, aciona-se no psiquismo um mecanismo de associações inconscientes
ou latentes em relação ao estado da consciência, que podem ser além de projeções de
imagens psíquicas, reinvestimentos afetivos totais ou parciais (re-conexão entre o afeto
e a imagem da situação vivenciada que o gerou e ficou armazenada na memória)
4
.
Freud, que nunca usou o termo memória, chamou traço mnêmico ou mnésico
5
a esta
com Simônides de Ceos, cuja experiência teria sugerido os princípios da arte da memória, da qual se diz
ter sido ele seu inventor. A arte da memória foi transmitida por alguns grandes textos latinos e define um
conjunto de regras que permitia ao orador inscrever com facilidade, na memória, tudo o que necessitasse
para discorrer com eficácia sobre o assunto escolhido. Baseia-se no jogo de duas noções complementares
todo o tempo retomadas em todos os tratados : os lugares (loci) e as imagens (imagines). Os lugares são
estruturas múltiplas que devem formar uma série precisamente ordenada invariante, “superfícies virgens
susceveis de receber as imagines, que são plenas de sentido, mas transitórias”. As imagens m aí se
inscrever, se depositar, mas apenas por determinado tempo nesses loci, são signos simbólicos, colocadas
num lugar por certo tempo (só os lugares permanecem na memória). São necessárias imagens com
impacto emocional de maneira que elas se tornem imagens agentes, pois, do contrário, as imagens de que
não precisamos mais lembrar-nos, apagamo-las. Os loci, portanto, formam a estrutura do dispositivo da
memória. Desse modo, as formas mais comuns de arquitetura de loci, são as topografias que se podem
percorrer em pensamento com facilidade, porque são partes integrantes de nosso saber. In Frances A.
Yates, The Art of Memory, Chicago, University of Chicago Press, 1984.
4
Para um maior detalhamento das catexis afetivas, ver S.Freud, The Ego and The Id, The Satandard
Editions of The Psychological Work of Sigmund Freud, NY, Norton, 1986.
5
Esclarecem Laplanch e Pontalis, traço mnésico é a expressão utilizada por Freud para designar a forma
como os acontecimentos se inscrevem na memória. Os traços mnésicos são, segundo Freud, depostos em
diversos sistemas; subsistem de forma permanente mas sóo reativados depois de investidos (de afeto).
Cf. LAPLANCHE, J., PONTALIS, J. B., Vocabulário de Psicanálise, SP, ed. Martins Fontes, 1983,
p.665.
20
inscrição da imagem numa instância inconsciente, nunca mais diretamente alcançada,
mas passível de ser reativada em circunstâncias especiais (possibilidade esta que é o
veio do trabalho clínico). Diante do desconhecido um repertório anterior, geralmente
oculto, da experiência humana, tende a vir à tona, Estimulam-se processos pulsionais
implicados no ato de olhar e processos mnêmicos, estes não como repertório cultural
implicado na dinâmica de atribuição de sentido à imagem, mas como repertório de
traços carregados da significação de uma história particular.
Freud pretendeu situar a memória segundo um pensamento topológico e apresentar sua
dinâmica em termos econômicos (metapsicológicos). De acordo com o sistema
percepção-consciência
6
, isto é, aquele que como um foco de luz ilumina o conjunto de
dados perceptivos dos quais temos conhecimento em contraposição a todo o outro
conjunto da experiência que permanece na obscuridade, consciência e memória são,
dois lugares incompatíveis uma vez que a memória seria o lugar de armazenamento de
toda a vivência passada do indivíduo e não somente daquilo o que ele consegue se
lembrar (os dados que entrariam no referido foco de luz). Freud procurou ilustrar esta
concepção tópica com a comparação de um bloco de notas mágico”. A própria
memória para Freud está estratificada em sistemas (um dado acontecimento inscreve-se
em diversos “sistemas mnésicos”), podem ser recordações do sistema pré-consciente,
(conteúdos latentes) em oposição às inscrições num nível mais profundo, o
inconsciente, que não conseguem chegar como tais à consciência. Não nos recordamos
dos acontecimentos em função do recalcamento, sua evocação depende da forma como
estas recordações são investidas, desinvestidas e reinvestidas, isto é, o acontecimento
6
De acordo com a I Tópica freudiana, na qual Freud estabelece um sistema percepção-consciência, um
sistema pré-consciente de dados que podem se tornar conscientes pelo esforço rememorativo ou pela
vontade e o sistema inconsciente, que jamais é diretamente acessível à consciência. Cf. J.Laplanche e J.
B Pontalis, Vocabulário de Psicanálise, SP, ed. Martins Fontes, 1983 p.656.
21
mnésico se desdobra em representação e quantum afetivo, a representação seria a
imagem do acontecimento ativada como que por traços elétricos investimentos do
quantum afetivo, sobre as representações dos traços mnésicos. Os traços mnésicos
estariam sempre em conexão uns com os outros traços são os mecanismos de
associações. Ao nível evocativo uma recordação pode ser evocada num determinado
contexto associativo, ao passo que seria impossível fazê-lo em outro (teoria dos
Complexos)
7
.
Esta pequena digressão tem por finalidade não explicitar, como dito acima, a
especificidade analítica que o conceito de memória passou a ter em minha pesquisa,
passando do estudo de uma memória como categoria da arte da retórica para um
enfoque psicanalítico na proposição freudiana do traço mnésico (um dos fenômenos
possíveis articulados na observação de imagens abstratas próximas do limite da
indecifrabilidade) sugerido pela minha atenção à meteria da pintura, como também fazer
notar que, tanto no conceito freudiano de traço mnésico quanto no de memória retórica
há, subjacente, um modelo de pensamento que remete ao conceito de memória proposto
pelo orador Cícero, qual seja o de uma articulação entre lugares e imagens.
8
As
representações mnésicas guardam forte relação com a proposição ciceroniana (e, assim,
das artes da retórica) de imagens ativas, aquelas que devem causar forte impacto mental
para que seja possível lembrar-se delas. O forte impacto mental, no caso do aporte
freudiano, é justamente o reinvestimento afetivo o quantum de energia investido,
7
Um complexo é um conjunto organizado de representações e recordações de forte valor afetivo, parcial
ou totalmente inconscientes. Parte de sua constituição esna cena infantil, e ele pode estruturar todos os
níveis psicológicos: emoções, atitudes, comportamentos adaptados. No caso de nossa análise,
especificamente na discussão do prazer de olhar, me referirei genericamente ao Complexo de Castração,
conceito central da teoria da sexualidade de Freud, relacionado ao sentimento de potência e impotência.
Cf. Laplanche e Pontalis, op. cit.p. 107.
8
Esta opinião é confirmada pelo aporte do professor Phillipe Dubois, na sua análise da fotografia como
superfície de inscrição da memória “Freud coma sua nota com uma referência, implícita, mas evidente,
à “técnica” (é seu próprio termo) daquilo que, desde o célebre livro de Frances Yates, chamamos artes da
memória...” in Phillipe Dubois, O Ato Fotográfico, op. cit, p. 327.
22
desinvestido ou contra-investido nas representações mentais. Além disso, Freud propôs
uma noção topológica de lugares o sistema consciente, pré-consciente e inconsciente,
ou simplesmente, consciente e inconsciente onde essas imagens (os traços mnésicos)
são ativadas. Assim, também no aporte psicanalítico estamos aludindo a uma
articulação entre lugares (os sistemas) e imagens (as representações mentais).
De maneira que, em relação a o meu primeiro eixo de pesquisa penso não só ter
resolvido o embate entre a palavra e a pintura, dissolvendo a palavra na mancha da
pintura (procedimento que o estudo da abstração, como se verá, me levou a confirmar),
como penso ter resolvido a minha primeira investigação do relacionamento pintura e
memória, articulando na encáustica de minhas pinturas abstratas desta pesquisa, um
relacionamento entre lugares as caixas de pinturas e imagens as configurações
mutantes que delas resultam pois elas se referem tanto ao primeiro aporte das artes da
memória (ars memoriae, lócus e imagines) quanto ao segundo e definitivo, o conceito
do traço mnêmico (representações mentais e os três sistemas tópicos), através da
questão fundamental da relação do olhar com a configuração mutante sugerida a partir
de meu contato direto com as imagens pouquíssimo estruturadas (iconicamente falando)
das vistas aéreas (tanto nos estudos fotográficos, quanto depois, na pintura). A abstração
dos elementos figurativos da imagem, que a retira, para voltar a Dubois, de uma lógica
analógica (da mimese e, assim, do ícone), revelando os elementos da pintura eles
mesmos (linha, cor, manchas, adensamentos da matéria, luz, espaço), estabelece junto
da lógica indiciária (os elementos da pintura são traços de processo de abstração) uma
condição de indecifrabilidade da configuração.
9
Nossa capacidade de atribuição de um
9
Dubois usa o termo irrepresentável. Prefiro usar o termo indecifrável, que evidentemente não é o
mesmo, por aludir mais diretamente à questão da necessidade de decodificação, de leitura implicada em
toda imagem, e assim à questão do rol de convenções culturais e de mecanismos psíquicos envolvidos na
sua inteligibilidade.
23
sentido fica desestabilizada, a conotação por um momento fica impedida, estimulando-
se processos psíquicos que, mediante esse estranhamento no qual talvez se possa
sugerir um rebaixamento da censura consciente – favorece o aflorar de conteúdos
usualmente impedidos de acesso à consciência (reprimidos). São conteúdos
inconscientes pulsões, complexos, mecanismos de defesa, ativação mnésica que
acontecem justamente a partir dessa possibilidade de fissura entre o objeto e sua
inteligibilidade.
Assim cheguei ao tipo de visualidade que me interessava sobremaneira propor e pensar
em minha pintura: aquela onde o processo importa, e diante da qual é possível
perguntar, uma vez suspensas a figuração e as convenções usuais de sentido, afinal, o
que vemos? Este é o foco de reflexão desta pesquisa .
II.2. Indecifrabilidade: Um Diálogo com os aportes teóricos de Phillipe Dubois e
Rosalind Krauss
Modo de meu olhar e de possíveis caminhos de minha memória visual, estudar a
influência das vistas aéreas no desenvolvimento da pintura tornou-se questão
fundamental. Três séries de fotografias aéreas, que passei a explorar continuamente ao
longo deste segundo momento do processo de pesquisa, aliadas às análises de Rosalind
Krauss e mais uma vez do professor Phillipe Dubois (item a seguir) sobre o tema,
resultaram dessa reflexão, me fornecendo subsídios decisivos para as pinturas que
construí na seqüência. A primeira delas, uma série de 80 vistas aéreas por mim realizada
no percurso Caxias do Sul São Paulo, julho 2005, a segunda, uma nova série de 90
24
fotografias do percurso Minneapolis, USA- São Paulo, Brasil, dezembro 2005) e a
terceira, 50 fotografias, São Paulo-Minneapolis, fevereiro 2006, feitas com maquina
digital Sony, 5.0 mp, todas da janela do avião e retrabalhadas em seguida no
computador para o acerto dos brancos e da luz.
Selecionei dez dessas imagens, como mostra o encadeamento de ilustrações da figura 08
à 18, nas quais as questões visuais que me eram de maior interesse estavam mais
nítidas. Meu foco de atenção principal neste estudo fotográfico foi a exploração da idéia
de indecifrabilidade do solo. Vi no próprio movimento de decolagem do avião uma
seqüência de afastamento do solo muito próxima do movimento de afastamento do meu
olhar no processo pictórico, quando da tela, como aquele avião do solo, meu olhar se
afasta para receber a imagem surgida, uma espécie de distância focal da pintura.
Relação entre a visão e o movimento, esse afastamento do olhar no processo de
decolagem, me colocava diante da perda sistemática das referências figurativas à
caminho de um indecifrável. Creio que esse seja exatamente o que acontece no processo
de produção de minha pintura, um afastamento das referências que vai me levando mais
perto de um desconhecido. Quando pude de fato perceber a matéria como manchas e
linhas sobre uma superfície, e um espaço sem referências claras, comecei a fotografar.
Nesse ângulo de visão, eu estava literalmente suspensa para observar e para explorar
tudo o que meu olhar podia alcançar, havia o sentimento de liberdade a que o professor
Dubois se refere na sua análise do espaço multidirecional das vistas aéreas (próximo
item).
As três séries dos estudos de vistas aéreas que realizei tem a ênfase na mancha como
elemento comum, adensamentos, que rasgam a superfície visual (figura 10), outras
25
vezes expõe a translucidez da matéria ( figura 08), ou ainda, ao contrário, sua espessura
como matéria gasta, sofrida, incrustada de rachaduras que são como memórias do tempo
(figura 11). Existe a procura dos elementos da pintura a partir do achatamento dos
volumes, e a tendência crescente de um tratamento multidirecional do espaço. Em
algumas das fotografias, sobretudo, de nuvens, devido aos adensamentos de matéria,
pouca ou nenhuma eleição de um ponto de referência visual, e assim não como
adotar uma única direção espacial estável. Cores sobretudo telúricas, principalmente
marrons e caquis, e uma exploração detida dos matizes de branco, branco das nuvens,
branco da neve com os quais creio ter podido enfatizar a ambigüidade, a estranheza e o
jogo de apagamentos da imagem. De fato encontrei no uso das ceras uma condição de
configuração muito próxima a essa possibilidades da matéria na superfície, explorada
nas minhas fotografias aéreas, por ser a cera um material extremamente maleável que
me permitiu manchas orgânicas, distribuição fluída e deslocamentos múltiplos do olhar.
Esses deslocamentos múltiplos do olhar, conforme dito pelo professor Dubois
10
, assim
como por Krauss
11
, são estimulados pela fotografia aérea no sentido de que assinalam a
possibilidade de um espaço multidirecional, isto é, o espaço pode ser visto de todos os
lados sem perder a coerência visual. A referencia à idéia de um corpo em oscilação no
espaço permitido nesse tipo de fotografia, propõem esses autores, caracterizam a foto
aérea como arte cinestésica, e eu aliaria a isso, no tocante à pintura que se desenvolve a
partir de seu estudo, a possibilidade de uma leitura intencionalmente aberta da imagem,
isto é, pode-se lê-la de todos os “lados” sem perder a coerência. Esta era uma qualidade
que eu buscava para minha pintura neste trabalho.
10
Phillipe Dubois, O Ato Fotográfico e Outros Ensaios, Campinas, Papirus, 2004 cap. VI: “A Arte é
(tornou-se) Fotográfica”.
11
Rosalind Krauss, O Fotográfico Barcelona, ed. Gustavo Gili, 2002
26
II.3. Uma pintura abstrata: indecifrabilidade e Alfred Stieglitz.
O professor Dubois
12
afirma em seu ensaio sobre a o ato fotográfico, que a influência
da fotografia aérea como co-participante da tendência abstrata (suprematismo, abstração
lírica e geométrica) que resultava de alguns desdobramentos da pintura figurativa no
período das chamadas vanguardas históricas do início do século XX ainda não foi
suficientemente avaliado. O desenvolvimento da tecnologia bélica dos anos ao redor da
I Grande Guerra Mundial teria possibilitado a captação de uma visualidade
espacialmente mais abrangente e, assim, mais estratégica, embora de decodificação
mais difícil, uma vez que os alvos retratados tornavam-se manchas sobre uma
superfície, necessitando para sua compreensão de um trabalho de leitura (axonometria).
Malevitch teria sido um dos primeiros artistas que, a partir de 1914, passa a tomar
contato com esta nova visualidade, trabalhando com imagens fotográficas de angulação
aérea e antiaérea, publicadas em grande parte no seu livro O Mundo sem Objetos,
1921.
13
Outro caso é o das fotografias que acompanham ou ilustram as obras de El
Lissistsky, sobretudo seus Prouns de 1921. Noções plásticas e teóricas como espaço
novo, irracional, universal, flutuante, giratório tornaram-se um esteio para o
desenvolvimento da abstração, todos esses conceitos percebidos 50 anos antes por
Nadar e seus estudos fotográficos de Paris feitos a partir de balões. Do outro lado do
Atlântico a mesma percepção se verificava nos trabalhos do fotógrafo americano Alfred
Stieglitz, com quem minha pintura nesta pesquisa desenvolveu um intenso diálogo.
Entre outros segmentos de sua fotografia, Stieglitz realizou uma série de fotografias de
12
Phillipe Dubois, O Ato Fotográfico, op.cit, p.251 e também. Mel Gooding, Arte Abstrata, SP, ed.
Cosac & Naify, 2002.
13
Títulos de pinturas de Malevitch como “Elementos Suprematistas que exprimem a sensação de vôo”,
1914-1915 mostram como a vista aérea tornou-se um elemento base do suprematismo. Cf. Phillipe
Dubois, op. cit, p. 261.
27
nuvens durante a década de 1920, a partir de uma angulação anti-aérea, que chamou
“Equivalências” ( figura 18). A partir da década de 1910 e do começo dos anos 20,
Stieglitz, encorajado por sua mulher, Georgia O’Keeffe, começou a desenvolver uma
série de estudos da paisagem rural americana na região do Lago George, centrados na
relação entre as formas naturais e as formas criadas pelo homem, onde é possível não
observar, como aponta a historiadora de arte Sarah Greenough, a abstração a partir da
arquitetura propriamente americana, mas, creio, nessa abstração, uma atenção cada vez
maior a elementos da pintura como o jogo de linhas, a relação entre formas geométricas
que vão dando lugar a estudos de galhos retorcidos, linhas cada vez mais sinuosas, que
aparecem de forma decisiva na série Equivalências. É sobretudo, penso ainda, o recorte
do olhar de Stieglitz focado nessa desreferencializacão do elemento figurativo que
começa nos estudos da série sobre o Lake George e se declara, como veremos a seguir,
na série “Equivalências” (1926-1934).
Na passagem da ênfase no geométrico para o fortemente orgânico, Stieglitz, segundo
informa ainda Sarah Greenough, a partir de 1917 abraça a concepção dadaísta de anti-
arte, voltando-se para a exploração do incontrolável e do misterioso, incorporando o
elemento acidental como forma de arte, indo dos experimentos com solarizações à
investigação do instantâneo fotográfico (snapshot). O trabalho de Stieglitz aqui se libera
do recorte fotográfico tradicional para explorar um recorte automático, a captação do
momento. A partir de 1922 seu trabalho fotográfico orienta-se para a imediatez, a
resposta intuitiva, procurando objetos sobre o qual ele exerceria pouquíssimo ou
nenhum controle, em busca de “an imagem of what I have seen, not of what it means to
me”
14
. Em 1923 ele apresenta uma série de instantâneos de nuvens flutuando acima da
14
Stieglitz in Sarah Greenough, Alfred Stieglitz, The Key Set, Washington, National Gallery of Art /
Harry Abrams, Inc. Publishers, 2002, vol I 186-1922, p XLII.
28
linha do horizonte do Lake George intitulada Music: A Sequence of Ten Cloud
Photographs, e Clouds in Ten Moments, fazendo do tema das nuvens o centro de sua
atenção nos nove anos subseqüentes. Com uma pequena câmera manual, ele as
fotografava sem nenhum senso de referência ao solo nem linha do horizonte, criando
uma imagem abstrata. Assim, Stieglitz liberava a imagem daquilo o que ela era na
natureza e lhe dava uma vida expressiva mais intensa
15
. Como se pode deduzir, a
abstração da figuração que Stieglitz realizou do ponto de vista anti-aéreo, eu procurei
pesquisar do ponto de vista oposto.
Minha primeira rie de vistas aéreas está em boa parte dedicada ao estudo da matéria e
das configurações mutantes das nuvens (figura 17), tema que se repete entremeado ao
estudo das manchas da neve (figura 08) . O processo de realização deste primeiro estudo
fotográfico me conduziu à incorporação de elementos que encontram referência na
poética do fotógrafo americano e que adotei como princípios orientadores de pesquisa
tanto nos outros estudos fotográficos como na pintura da encáustica. Em primeiro lugar,
a consciência da imediatez, relacionada à captação do momento de Stieglitz, que
empreendi não exatamente como uma resposta totalmente intuitiva, mas tal condição
potenciou a resposta veloz de meu olhar na captação de uma visualidade que se
deslocava sem que disso eu pudesse ter total controle. No caso dos estudos fotográficos,
claramente não tinha controle da visualidade, embora tivesse do recorte. O meu tempo
de ruminação da imagem era muito curto, me levando por isso, a uma captação quase
instantânea do momento. Na etapa da pintura, a opção pelo trabalho com a diluição das
ceras muito se referiu a esta velocidade, me permitindo manter este jogo entre o
controle do artista e o do próprio material, tirando partido de seus resultados plásticos,
15
Diz Greenough: “By draining these subjects of their familiar identity and arrangement, he liberated the
formas from what they were in nature and give them a more pure, expressive life” Sarah Grennough, obra
cit, p.XLIII.
29
sobretudo em relação à organicidade das manchas. Em seguida, outro elemento em
comum com a poética de Stieglitz que creio ser relevante ao meu trabalho, é o meu
interesse pela configuração mutante, no caso dele, essa configuração é permitida pelo
deslocamento e transformações das formas das nuvens no céu, potenciado pelo seu
próprio deslocamento no solo com a câmera manual. No meu caso, além das nuvens
propriamente ditas, as configurações mutantes vinham das manchas do solo, sobretudo
nos últimos estudos onde o branco da neve e os terras provocavam manchas
extremamente complexas do ponto de vista da relação cor-matéria e formas sobretudo
sinuosas (o próprio deslocamento do avião produzia uma visualidade mutante, fugaz,
que me levou a um recorte quase automático, como disse, na captação do momento).
Tal mutabilidade me permitiu um intenso exercício de incorporação de um certo
acaso, isto é, de abertura às possibilidades que se apresentavam no momento, exigindo
a prática de uma flexibilidade e uma escolha rápida que me foram fundamentais na
pintura, no sentido de me adaptar à velocidade imprevisível das ceras. Ao mesmo
tempo, a opção da escolha dos recortes desse acaso não se perdia, e essa escolha recaia
intencionalmente sobre os elementos mais expressivos, menos reconhecíveis e mais
abstratos da visualidade a meu alcance, os elementos da pintura
16
(figuras 13 e 14 ).
Na última série de estudos fotográficos interessou-me experimentar imagens com a
luminosidade do intenso jogo de contrastes de claro-escuro verificado nos trabalhos dos
últimos anos da série de Stieglitz, o que me deu condição de analisar com mais vagar a
16
Por elementos da pintura entendo os componentes de seu xico como a linha, a cor, a mancha,e assim,
a matéria propriamente dita, o espaço e a questão do suporte, a luz e a volumetria (adensamentos). Esta
concepção remete ao meu endosso das proposições do professor Dubois e mais uma vez, de Rosalind
Krauss, que vem a pintura abstrata como a apresentação dos elementos da pintura, e, em última análise, às
partes da pintura, como demonstra a historiadora Lichtenstein, a partir dos textos desta tradição que
refletem sobre esse assunto. Jacqueline Lichtenstein, , A Pintura – Textos essenciais, vol.03 “A Idéia e as
Partes Da Pintura” SP, ed. 34, 2004.
30
volumetria da matéria das “minhas” nuvens, o rebatimento de suas sombras no solo
formando outras manchas que se mesclavam às nele existentes formando um mosaico
visual all-over, quase como os drippings de Pollock ( figura 11).
O estudo das nuvens me levou a eleger o branco como recurso de desreferencialização
da imagem, sobretudo naquelas em que nenhuma linha do horizonte ancora as noções de
um eixo superior/inferior, provocando uma relativa sensação de desorientação. A nuvem
me trouxe inúmeras possibilidades de pesquisa dos adensamentos de matéria e de como
movimentar visualmente o espaço a partir das várias relações de manchas, mais do que
das linhas. Especialmente os trabalhos de 1927, os três “Equivalents X”, de Stieglitz,
dialogam fortemente com meus estudos das vistas áreas de acúmulo versus restrição de
matéria (figuras 18 e 19). Por outro lado havia, a partir das camadas de nuvens,
veladuras que me permitiam explorar o oposto, a matéria fina e translúcida, a
superposição de camadas que mantinham algumas manchas num jogo de distâncias. As
nuvens e a neve, em síntese, me deram dois elementos fundamentais para a pintura da
encáustica: as configurações mutantes e os matizes do branco que mais e mais
orientaram minhas imagens na direção da ambigüidade, do apagamento e do oculto.
Procurei explorar a parafina na pintura a partir das relações do branco que encontrei na
nuvem e que, no segundo e terceiro estudo fotográfico, desdobrou-se no branco da neve,
dando chance de intensificar a ambigüidade visual de minhas imagens. Naquelas em
que nenhum objeto claramente delineado possibilita o senso de escala, o sentido de
indecifrabilidade é mais intenso. Aqui novamente me volto a Stieglitz, pois como em
seu trabalho fotográfico, e da angulação oposta a ele (a sua anti-aérea e a minha aérea)
31
eu pude transformar elementos da natureza em configurações abstratas, imagens de
pintura.
Uma última observação. Entre esses dois estudos fotográficos e o terceiro (e último),
realizei uma pequena série de fotografias de nuvens do ponto de vista da perspectiva
anti-aérea para melhor compreender os elementos envolvidos na posição de Stieglitz, e
explorar, sobretudo a questão do seu recorte fotográfico. Penso que haja um tipo de
conhecimento na experiência do fazer que a pura reflexão não traz
17
. Desse outro ângulo
visual ficava mais tida a operação de separação de um fragmento de seu continuum,
recorte importante de Stieglitz, que utilizei em meus estudos da tomada aérea. Nelas eu
intencionalmente circunscrevia da paisagem a minha frente, as relações que eu julgava
mais complexas entre os elementos visuais de modo a tentar desnaturalizar ao máximo
os elementos de seu contexto original para explicitar seu potencial expressivo (no caso
dos meus estudos aéreos, uma vez percebida a pintura, na verdade, a captação do
momento ficou subordinada à captação da própria pintura).
Por outro lado este exercício de me posicionar no ângulo anti-aéreo (contra-plongée),
me confirmou a convicção de que o recorte que Stieglitz utiliza na série “Equivalências”
esse foi de fato o elemento que me levou a estudá-la com maior atenção é um
recorte pictórico, não porque, como afirma Rosalind Krauss, ele usa o recorte como
instrumento estético de sua fotografia
18
, mas porque, penso, o olhar de Stieglitz na sua
operação de abstração da figuração, a partir da angulação anti-aérea (das nuvens)
17
Por isso quis me colocar no ângulo do seu olhar, por isso também precisei realizar as minhas vistas
aéreas e não estudá-las a partir de outro olhar. Por isso, finalmente, é que, escolho uma forma de praticar
a pintura que necessita da lida direta com a matéria.
18
Rosalind Krauss, O Fotográfico Barcelona, ed. Gustavo Gili, 2002, p.113.
32
permite destacar eminentemente os elementos da pintura.
19
No meu modo particular de
entendê-lo, sua luz clara ou em meio tom é sobretudo uma análise da mancha sobre a
matéria fina ou mais densa (da nuvem), seus negros são fendas no espaço visual, o
abismos. Suas primeiras fotografias de nuvens de 1923/24, por exemplo, mostram
grandes formas arredondadas, formando densos padrões de matéria contrapostos a uma
faixa menos texturizada e enegrecida de terra. Uma silhueta sinuosa, referenciando uma
linha de horizonte, divide o espaço em duas faixas de escala muito desproporcional. A
série de 1926, que se concentra inteiramente no tema das nuvens, estuda
possibilidades do claro escuro da mancha distribuída pelo espaço, pode-se pensar esse
espaço quase como um antecedente da pintura all-over de Pollock.
Os trabalhos entre 1930 e 1934 jogam fortemente com a contraposição de texturas
dissonantes e superpostas (são copas de árvores ou plantas sobre as nuvens) como que
emparedando o olhar. Embora haja em algumas das “Equivalências” e, penso, também
em alguns de meus estudos fotográficos, a sugestão de um sentido visual principal dado
pelos próprios adensamentos de nuvens, essa orientação é dinâmica, móvel e isso, torna
o espaço multidirecional da imagem aberto a possibilidade de leituras múltiplas e nunca
definitivas. Como bem coloca Dubois, pode-se olhá-la por todos os lados sem perder a
coerência
20
, trata-se de um ponto de vista móvel. Isto traz desdobramentos importantes
ao meu trabalho, o primeiro deles é o de que com todas essas orientações instáveis,
móveis, esta imagem aproxima-se daquilo o que não fecha um sentido fixo, ou como
19
As vistas aéreas, afirma Dubois, ao mostrar os elementos visuais estruturais da imagem bidimensional
apresenta os elementos da pintura eles mesmos no espaço. Esta afirmação de Dubois, que endosso, não
tem a intenção de ressucitar o argumento greenberguiano da autotelia da arte. Os elementos visuais
revelados pela dinâmica das vistas aéreas – manchas e linhas sobre uma superfície – são, no meu
entender, os elementos básicos da pintura, que não se perdem nem mesmo quando se pensa a pintura, de
acordo com algumas correntes do pensamento contemporâneo, num campo expandido; eles estão
incluídos nela. Cf. Phillipe Dubois, op.cit. Capítulo 06, p.115.
20
Cf. Phillipe Dubois, op. cit, p.262.
33
dito por Dubois, aquilo o que “faz o real oscilar”, e nos aproxima do “irrepresentável”
21
.
Mais e mais isso fica nítido nas séries subseqüentes de Stieglitz até a última, em 1934,
na qual o contraste do claro/escuro se intensifica, forte diagonalidade levando a
imagem a uma sensação de vertigem. Sobretudo nas fotografias a partir de 1929, suas
imagens se aproximam, penso, de uma condição de indecifrabilidade visual. Esta
qualidade foi minha síntese de estudo da série “Equivalências”, de Alfred Stieglitz,
tornando-se central na pintura desta minha pesquisa, como visualidade e como tema – a
indecifrabilidade como uma possibilidade da pintura abstrata.
Interessa-me a condição de indecifrabilidade das imagens a partir da estranheza que ela
permite experimentar, tornando instável, como afirma Krauss e discuto no próximo
item, os mecanismos usuais de atribuição de sentido, mostrando a operação de leitura
necessária para sua inteligibilidade. A imagem indecifrável, penso, incide diretamente
sobre as convenções que regem a leitura das imagens e sobre os mecanismos psíquicos
implicados no olhar. De acordo com o recorte freudiano, a indecifrabilidade pode ser
pensada como possibilidade de acesso a uma instância mais inconsciente, onde o verbal
cede lugar ao sensível. Creio que a reflexão sobre este aporte traga elementos
significativos para a reflexão da pintura abstrata, uma vez que entra em ação um
trabalho desestabilizador do universo usual de classificação, bem como o do princípio
da pragnância (gestalt), borrando, em última análise a possibilidade de definição de
diferenças (entre a figura e o fundo, por exemplo, entre uma orientação vertical e uma
horizontal para o espaço). Me detenho a seguir no exame desse questionamento.
21
Idem acima, p.268.
34
II.4. POLLOCK: a outra perspectiva da pintura
Mais adiante de Stieglitz, passando por um segmento de artistas ocupados com o papel
da fotografia aérea na construção da imagem abstrata, me detenho no expressionismo
abstrato, principalmente em Pollock, em função da angulação aérea e da noção de
espaço multidirecional que caracterizam sua metodologia de trabalho, rompendo com a
história tradicional do cavalete na pintura ocidental. Dentre o leque de implicações
pictóricas e formais implicadas, destaco a observação de Rosalind Krauss, de que
Pollock, no momento em que pinta a tela, mantém a mesma relação de flutuação de
pontos de vista, perda de qualquer quadro de referências preestabelecido (ortogonais),
deslocamentos multidirecionais, sentimento físico de liberdade, indecifrabilidade
aparente do solo que transforma a estrutura formal em abstrata, a superfície em manchas
e padrões coloridos, atestando tanto os traços de uma passagem – no caso da pintura, de
um gesto como o de um corpo em oscilação no espaço. Ou seja, a metodologia de
trabalho de Pollock, demonstra Krauss, permite uma aproximação com a dinâmica
visual e o dispositivo teórico das vistas aéreas, sendo então, uma outra referência
importante na análise da pintura desta pesquisa.
Se o plongée de Pollock provoca uma ruptura da pintura com a angulação visual frontal
renascentista, criando uma cisão entre a produção da imagem no chão e sua observação
na parede, Dubois e Krauss afirmam esta ruptura como o principal legado da vista aérea
(ou plongée fotográfico): a marca de uma nova relação entre o sujeito e o mundo,
diferente da percepção e da representação tradicional alinhada à perspectiva monocular
renascentista que tem um ponto focal fixo e é regida por uma estrutura de ortogonais.
Este é o ponto de vista do homem em pé, vertical e preso ao chão a observar um mundo
35
estável estendido a sua frente. O espaço multidirecional da vista aérea, diz Dubois, ao
fazer o olhar errar, propõe um ponto de vista móvel, uma relação de instabilidade,
mobilidade e independência entre o sujeito e o espaço que ele observa. Isso produz
ainda, diz o professor, a impressão de uma experiência sensitiva e cinestésica de
liberdade, (ou, em alguns casos, eu diria também, de estranheza e de angústia frente à
ausência de referências claras da imagem). Dubois afirma, portanto, esta outra forma do
olhar como a percepção própria ao sujeito moderno
22
inserido não mais em um mundo
de certezas duradouras, mas de relações instáveis entre ele e seu espaço, entre a criação
e a percepção, a cultura e o psiquismo
23
. Assim entre a tela no chão de Pollock e a
pintura reerguida na parede para ser decodificada, entre a câmera no ar, de Stieglitz, e a
fotografia recolocada na posição frontal para sua leitura, existe uma fissura entre o
objeto e sua inteligibilidade, entre a imagem e a sua operação de leitura.
Rosalind Krauss
24
, na discussão do ensaio fotográfico de Hans Namuth sobre a obra de
Jackson Pollock (1950) como herdeiro na tradição da fotografia aérea, afirma que, se
em toda fotografia um registro da realidade, o que surpreende na fotografia aérea é
que ela justamente faz surgir a questão da interpretação, da leitura desta realidade. Não
é o problema de que visto de muito alto os objetos são dificilmente reconhecíveis,
mas que a fotografia aérea torna ambíguas as dimensões esculturais da realidade,
22
Entendo o termo moderno, na acepção benjaminiana de modificação nas estruturas sociais e culturais a
partir da velocidade impressa pelas formas de prodão capitalistas, sobretudo, e especificamente no
tocante à arte, a questão da reprodutibilidade e da mercantilização do mundo. In Sergio Paulo Rouanet,
Édipo e o Anjo – Itinerários Freudianos em Walter Benjamin, RJ, ed. Tempo Brasileiro, 1990
23
Diz Dubois: Tanto na percepção como na representação tradicional, todos os dados são dados pela
mesma estrutura ortogonal, petrificada e rigorosa o ponto de vista do homem em , vertical. Preso ao
chão e observando um mundo horizontal estendido diante dele ), quando, no desígneo aéreo, essa relação
começa a girar, a errar, sem estar presa a uma estruturação fixa. Uma vista aérea não tem literalmente
sentido. É possível olhá-la de todos os lados, ela é sempre coerente. É o ponto de vista suspenso evel:
o sujeito não esdetido numa posição e o espaço que ele observa não é determinado de uma vez por
todas: independência, instabilidade, mobilidade de um e de outro.”Cf, P. Dubois, op cit, p.262.
24
CF. Rosalind Krauss, O Fotográfico, Barcelona, ed. Macula, 1990, cap. “A Fotografia como Texto : O
Caso Namuth/Pollock”.
36
transforma a imagem em texto. Existe uma cisão entre o ângulo de visão em que a
fotografia foi tirada e o outro necessário para compreendê-la. Se toda fotografia
encoraja nossa fantasia de relação direta com o real, diz ela, a fotografia aérea tende a
rasgar o véu deste sonho. A indecifrabilidade do solo, como dito por Krauss, torna
abstratas as estruturas formais – a imagem torna-se uma superfície com manchas (torna-
se elementos da pintura, diz Dubois) introduz a necessidade de uma decodificação da
imagem, coloca essa imagem na condição de texto, isto é, de algo que deixa claro a
operação de leitura.
25
Para Rosalind Krauss
26
assim como para o próprio Dubois, a angulação aérea enquanto
forma do olhar, desestabiliza nossa percepção usual das imagens, rasga “o véu de nossa
fantasia de relação direta entre a imagem e o real” (Krauss, 1990), desvendando as
convenções da imagem que deixam clara a necessidade sempre presente, embora por
vezes não declarada, da operação de decodificação, no qual, penso, incidem
questionamentos importantes da tradição da pintura, conforme venho discutindo
(reflexões sobre a questão da representação e da apresentação, a mudança de uma
perspectiva frontal e renascentista para perspectiva aérea moderna e as visões diferentes
de mundo a que elas remetem, o espaço multidirecional da imagem abstrata e o espaço
25
Na primeira minha série fotográfica de documentação dos diários realizei, como já dito, essa abstração
da palavra do seu registro original (sua condição de signo escrito) para a condição de signo gráfico pelo
recorte e enquadramento em plong(vista aérea), aumentando cada vez mais a indecifrabilidade do
solo-folha dos rascunhos, transformando a sua estrutura original em imagem abstrata – superfície com
manchas. Assim, pelas vistas aéreas, eu tinha intensificado a multidirecionalidade do espaço e a
materialidade de seus elementos, transformando a poesia em elementos da pintura.
26
Sobre esse assunto ver a análise completa de Krauss sobre um ensaio do fotógrafo Hans Namuth
(1950) ,em que esse fotógrafo realiza uma série de fotografias a respeito do momento e do modo de
Pollock produzir sua pintura, elegendo o plongée como angulação visual, de maneira que o ângulo do
olhar do pintor reverberasse no do fotógrafo. DKrauss reputar o ensaio fotográfico de Namuth como
herdeiro da fotografia aérea CF. Rosalind Krauss, O Fotográfico, Barcelona, ed. Macula, 1990, cap. “A
Fotografia como Texto : O Caso Namuth/Pollock”, especialmente pp 101 a 103.
37
herdado da perspectiva monocular clássica
27
, o dilema secular entre a linha e a
mancha/cor).
Esta necessidade de decodificação deixa clara, também, penso, aliada às convenções
que regem a imagem, os condicionantes que regem o olhar, a articulação entre o
adestramento cultural e os mecanismos psíquicos que fazem do olhar uma experiência
psíquica de prazer, socialmente condicionada e culturalmente legitimada. O segmento
dos teóricos da cultura de orientação psicanalítica que analisam as imagens visuais e as
reações a elas como maneiras de olhar
28
, interpreta em termos coletivos as dinâmicas
que Freud atribuiu à pulsão visual individual: a questão da cisão do olhar, do
fetichismo
29
, e o par voyeurismo/exibicionismo. Neste aporte, o olhar, os prazeres e as
atividades dele derivados não são isentos e estão profundamente ligados às dinâmicas
sociais de força jamais o olhar é politicamente inocente
30
. Assim, me parece
significativo investigar se há algum paralelismo esclarecedor entre a suspensão das
convenções que regem a imagem, apontadas por Krauss e Dubois no processo de
abstração e o estranhamento do ato de olhá-la nessa condição, conforme venho
27
Cf. Phillipe Dubois, op. cit, p.262 :”Está claro de fato, que o importante nessa visão aérea do mundo é
que ela define um modo bem diferente de percepção e de representação do espaço que não o herdado da
perspectiva monocular clássica (...)”
28
Nesta afirmação me utilizei dos aportes de S Benhabib,.; D Cornell,.org). Feminismo como crítica da
modernidade Releitura dos pensadores contemporâneos do ponto de vista da mulher. Rio de Janeiro,
Editora Rosa dos Tempos, 1987; Jaqueline Rose, Sexuality in the Field of Vision, e Hal Foster, Rosalind
Krauss, Yves-Alain Bois, Benjamin Buchlock, Art Since 1900 Modernism, Antimodernism,
Postmodernism, NY, Thames ans Hudson, 1996.
29
Sinteticamente falando, o processo em que a fonte de prazer da pulsão é deslocada para os objetos
inanimados, os quais são investidos de significação sexual ,e através dos quais a gratificação sexual pode
ser obtida, de modo a compensar o medo da castração que a satisfação original da pulsão acarretaria. O
complexo de castração é a fantasia da perda do membro sexual pela fantasia de participação no ato sexual
com um dos genitores. Relaciona-se, portanto, à perda de poder. No voyeurismo/exibicionismo a
gratificação sexual é obtida deslocando-se a fonte de satisfação da pulsão para o ato de olhar, de forma
ativa ou de forma passiva.
30
Entendo o psiquismo como uma categoria não isolada da história e das contingências de época De
maneira que refletir sobre as dinâmicas inconscientes implicadas nas visualidades instáveis, questão desta
pesquisa, aproxima o psiquismo e a subjetividade do mesmo veio para o qual nos conduz também, em
última análise, o pensamento crítico sobre os dilemas da história da arte – as relações de força.
38
discutindo aqui, no sentido de pensar como essa desestabilização da relação usual da
imagem enquanto representação figurativa, ao deixar clara a necessidade de uma
operação de leitura dessa visualidade, pode possivelmente incidir sobre a relação de
cisão entre o sujeito e o objeto do olhar proposta por Sigmund Freud. De acordo com o
aporte freudiano, seria possível pensar essa fissura entre o objeto e a sua
inteligibilidade, proposta por Krauss acerca das imagens abstratas, como uma
explicitação de uma dinâmica da ordem da relação de cisão entre o sujeito e o objeto do
olhar, isto é, diante de imagens pouco nítidas, a separação entre o olho e o objeto olhado
deixa mais evidente as articulações de desejos, fantasias, projeções, traços mnésicos,
isto é, dos mecanismos inconscientes que tendem a preenchê-la, sendo portanto,
plausível pensar as imagens que trabalham com essa fissura cultural e psíquica do olhar
(caso das imagens abstratas numa condição de indecifrabilidade), como a
permeabilidade do tecido da realidade por onde o acesso desta outra ordem, desta
instância inconsciente é mais evidente. Relembro que do ponto de vista da psicologia
profunda, e este é um dos seus pilares de trabalho, toda atividade consciente, por mais
racional e reflexiva, é também inconsciente, estas duas esferas, segundo o aporte
freudiano, convivem concomitantemente
31
. Assim, não a leitura aberta, conforme
dito anteriormente, me instiga a trabalhar a pintura na condição de indecifrabilidade,
mas também as dinâmicas psíquicas que entram em cena nesta leitura.
Me parece bastante significativo que, enquanto experiência psíquica, endossando o
aporte freudiano, o olhar pertença a uma esfera do desejo (pulsão visual),
32
que
31
Ver Sigmund Freud, Pulsion e Destinos de Pulsio in Obras Completas, Argentina, Amorrortu ed.,
1986, vol. XIV e The Ego and The Id, The Standard Edition, NY, Norton, 1989.
32
. A psicanálise considera atividade sexual fantasias e situações mais além do ato sexual propriamente
dito, isto é, a finalidade da reprodução nada tem a ver com a da sexualidade, cujas características mais
complexas levam Freud a empregar o conceito mais específico de pulsões sexuais. A sexualidade se
39
diferentemente das outras pulsões sexuais, implica um desdobramento perceptível entre
o objeto e a fonte de satisfação da pulsão e, assim, uma cisão. Isto quer dizer que, para
Freud, a parte do corpo que olha não é a mesma parte do corpo que é olhada, pois o
olhar original, o destino da pulsão visual original não é o próprio olho, mas o membro
sexual. A zona erógena (a região do corpo que é fonte da excitação) do olho, e o objeto
do olhar (o membro sexual) não são coincidentes, diferentemente do que acontece com
as outras zonas erógenas (oral, anal, genital).
Retomo a pergunta anterior sobre o que é o olhar para uma visualidade que se insere na
tradição da abstração de “rasgar o véu de nossa fantasia de relação direta com a
realidade”
33
. Parece-me evidenciar-se nessa relação de cisão entre o objeto e sua
inteligibilidade dada por uma angulação diferenciada do ângulo de visão usual, também
a cisão freudiana relativa à pulsão visual, entre o objeto e a fonte da pulsão. O que o
gesto do pintor ao escolher apresentar uma visualidade nesta condição, estaria
propondo? O impacto diante de imagens de difícil decodificação, como expus
anteriormente a cerca do traço mnésico, coloca a recepção visual frente à ordem de uma
esfera mais instável, permeada por dinâmicas processuais inconscientes.
Para a psicanálise a relação entre o observador e a cena, é sempre de identidade parcial,
de cisão, prazer e desconfiança. O olhar implica ver no sentido da autoconservação,
como sinalização de realidade e de perigo, função na qual ele não é pulsão, mas, em
algum momento desse processo, o ato de ver se intensifica ( investimento maior de
energia libidinal) e se torna prazer e desejo de ver ( Schaulust tem ambos os
estrutura por essas pulsões, segundo um esquema de pulsões parciais, dentre as quais a pulsão visual.. Cf.
S. Freud, Pulsion e Destinos de Pulsion, in Obras Completas, vol. XIV, Argentina, Amorrortu ed., 1986.
33
A expressão vem da idéia de Rosalind Krauss de que a fotografia aérea tende “a rasgar o véu deste
sonho ( fantasia de relação direta com o real)”. In , O Fotográfico, op. cit. p.102.
40
significados). Isto permeia toda atividade de olhar. Assim uma qualidade erótica desvia
o olhar de sua função utilitária (autoconservação) para sua função na economia psíquica
pulsão. A pulsão se origina de um instinto e a partir daí haverá sempre a coincidência
dessas duas instâncias em todo ato de olhar a do instinto e a do prazer/desejo
34
. Toda
pulsão é auto-erótica, isto é, ela renuncia à direção do objeto externo, da realidade, que
seria a direção do instinto e da autoconservação, e se volta para a própria fonte da
pulsão, o próprio corpo do indivíduo. O objeto externo é substituído, assim, por um
similar, a fantasia da fonte de satisfação, (cuja função é reparar a perda do objeto de
satisfação do instinto).
35
A fantasia é reflexiva por essência, é o objeto refletido no
sujeito ( conforme Laplanche). O mesmo vale para o sonho que, antes de mais nada, é
uma satisfação alucinatória do desejo de ver, satisfazendo a megalomania infantil de ser
ao mesmo tempo sujeito e objeto, autor da imagem e a imagem ela mesma. Assim, os
objetos por excelência da pulsão visual são a fantasia e o sonho, dinâmicas psíquicas
para as quais ver é fundamental.
A pulsão de ver, diferentemente das outras, tem um momento prévio em que ela dirige-
se a um objeto (chamada pulsão de domínio), a questão é que, para Freud, esse objeto
externo se encontra primeiramente no próprio corpo do sujeito (o membro sexual.
mais tarde, no decorrer do desenvolvimento, esta direção é modificada pela permuta por
34
A sexualidade propriamente humana deriva de seu apoio sobre os instintos de conservação, por um
processo de desvio e de torção, a partir do instante em que qualquer processo vital supera um determinado
limiar de excitação. As pulsões nascem desse sobreexitação, são ao mesmo tempo fonte de prazer e
ameaça de desintegração ( pulsão de vida e de morte). Funcionam de acordo com uma curva de acúmulo
de tensão, descarga e reequilíbrio, na qual o prazer é o momento de descarga da tensão, o desprazer, o de
seu acúmulo. As pulsões são múltiplas (oral, anal, genital, visual, de vida, de morte), sua característica
fundamental é a capacidade de se combinarem e se substituírem por meio de uma articulação complexa
de investimentos, deslocamentos, inversões da energia libinal. Cf. S. Freud, Pulsion e Destinos de
Pulsion, in Obras Completas, vol. XIV, Argentina, Amorrortu ed., 1986.
35
A sexualidade na visão freudiana é fragmentada, seu lugar não é a pessoa como tal, mas as zonas
erógenas, cuja questão central, em síntese, envolve a o tema do medo da castração relacionado, em última
análise, ao sentimento de potência e impotência.
41
um análogo desse corpo). O surgimento efetivo da pulsão sexual visual ocorre, nesse
momento reflexivo (“ver seu membro sexual”), no qual o objeto original do olhar (o
próprio corpo) é substituído ( pela fantasia) e então passa a ser o mundo a minha
volta, por dois s caminhos diferentes : um passivo o objeto do olhar é substituído pelo
desejo de ser visto (exibicionismo)
36
, ou um ativo o objeto do olhar é substituído pelo
desejo de ver ( voyeurismo). O que é mais significativo para meu recorte, admitindo o
aporte freudiano como verdadeiro, é que no momento reflexivo a pulsão (visual) é
acompanhada da fantasia
37
, a substituição reparadora da perda do objeto do instinto.
Essa fantasia se articula num circuito fechado, auto reflexivo, entre o sujeito do olhar e
o objeto olhado (sua condição auto-erótica implica uma relação narcísica)
38
, mas o que é
fundamental aqui é que a parte do corpo que olha ( o olho), não coincide com a parte
que é olhada (membro sexual), diferentemente das outras pulsões nas quais o
desdobramento entre a fonte e o objeto de prazer da pulsão é menos perceptível
(oralidade, analidade, genitalidade). Esta cisão implica que o papel da fantasia é
fundamental nesta pulsão, é a possibilidade reparadora de aplacar o desejo. O objeto do
desejo está sempre perdido o que faz com que o desejo sempre se renove. A pulsão
visual permeia toda a sexualidade do indivíduo, desempenhando um papel central nas
três fantasias originárias – sedução (exibicionismo, ser visto), cena primitiva (ver,
36
No exibicionismo há uma identificação com o próprio membro sexual e assim o desejo de ter o próprio
objeto/membro sexual visto por outra pessoa), no voyeurismo, há a identificação do outro como seu
membro sexual, pela projeção, e a visão dos objetos externos pela via de comparação, são substituições
do membro sexual próprio. Cf. J. Lapanche e J. B. Pontallis, Vocabulário de Psicanálise, op. cit.
Ver
37
Segundo Laplanche, a fantasia ( do alemão phantasie) designa imaginação, não “tanto imaginar no
sentido filosófico do termo (Einbildungskrsft), como mundo imaginário,os seus conteúdos, a actividade
criadora que o anima (das Phantasieren).... Os termos fantasmas, fantasmático, não podem deixar de
evocar a oposição entre a imaginação e a realidade (percepção). Se fizermos dessa oposição uma
referência principal da psicanálise, somos levados a definir o fantasma ( a fantasia) como uma produção
puramente ilusória que não resistiria a uma apreensão correcta do real”. J. Lapanche e J. B. Pontallis,
op.citada, p.228
38
A sexualidade está por natureza associada ao desejo, desejo que sustenta e que renasce porque seu
objeto está desde sempre perdido, afirmação basilar da psicanálise, o objeto fundamental deste desejo é o
estado de completude narcísica cuja expressão é a megalomania infantil, e cuja figuração exemplar é dada
pelo modelo do sujeito que contempla seu próprio órgão sexual.
42
voyeurismo) e castração (imaginação da perda da potência, fetichismo)
39
. A
contemplação artística é um dos destinos possíveis do mecanismo de sublimação da
pulsão visual quando ela consegue se destacar do seu objeto sexual original e dirigir-se
para o objeto externo o interesse do que é outro, alimentando-se dessa relação tanto
quanto se alimenta das fantasias inconscientes. Podemos pensar a observação da
visualidade e a recepção de arte nesse enquadre. Assim fica mais uma vez evidente que
nosso olhar para o mundo não é imparcial, mas permeado pela fantasia.
Voltando ao enfoque de Krauss sobre o rasgo no tecido de nossa fantasia de
identificação com o real, o que a abstração desse real na dinâmica da vista aérea propõe,
e a pintura que escolhe trabalhar nessa condição afirma, é que o trabalho com as
imagens implica a articulação dessa dimensão inconsciente, não pela sua
radicalização quando se trata de imagens de um indecifrável, mas porque não é possível
separar a dimensão pulsional do ato de olhar.
40
Isto faz das artes visuais, um lócus das
dinâmicas do desejo em um dos seus destinos possíveis (a sublimação)
41
. Freud define
quatro destinos possíveis para as pulsões: a repressão, a sublimação, a inversão (no seu
contrário) e a reversão (para a própria pessoa). Sem pretender postular um modelo
redutor que estabelece categorias do olhar, creio, ser, no entanto, enriquecedor pontuar
que a psicanálise define ainda, como um dos destinos possíveis da pulsão visual de
acordo com o mecanismo de sublimação, a sua transformação em curiosidade geral
39
Sobre esta afirmação penso ser relevante a posição do professor Mezan, que destaca nestes casos
estudados por Freud, a importância da instância visual. Na fantasia de sedão é o ser visto que
predomina, na fantasia da cena primitiva, a relação sexual entre os pais é objeto de uma visão pela qual o
sujeito imagina, põe em imagens, sua origem. Na de castração, a punição imaginada é em função da
curiosidade sexual , diretamente relacionada ao ato de olhar, motivo pelo qual os olhos são o substituto
mais comum dos genitais na cena imaginária. In, a Medusa e o Telescópio ou Vergass19, in Adauto
Novaes (org.) O Olhar, SP , Cia das Letras, 2002.
40
Relembro que no enfoque psicanalítico toda atividade consciente é inconsciente também, portanto o
substrato pulsional do ato de olhar existe mesmo nos projetos mais reflexivos e racionais; dar relevância
ou não a esse aspecto é uma escolha do artista.
41
Cf S. Freud, .Pulsiones e Destinos de Pulsión (1915), in Sigmund Freud, Obras Completas, Argentina,
Amorrortu Ed.,1986.p.105.
43
(pulsão de conhecer, característica de certas fases do desenvolvimento infantil), da qual
derivariam o prazer de pesquisar, o interesse pela observação da natureza, isto é, ver
coisas outras, o interesse localizado fora do próprio sujeito, onde um substrato da
cisão entre o objeto visto e o órgão que vê. Complementar a essa tendência seria o
destino pulsional no qual o olho elabora aquilo o que ele capta, na qual estaria inserida a
atividade artística propriamente dita. A sublimação nestes casos produziu uma
separação entre o objeto originalmente sexual e o seu substituto, por formas de prazer
menos suscetíveis à censura e repressão (do ego e superego). Dessa maneira, penso que
aliado à dinâmica de sublimação, todo trabalho com imagens implica em algum nível, a
relação narcísica (como dissemos, a pulsão visual é auto-erótica, segundo Freud), de um
olhar que procura seu objeto original de satisfação, sem nunca encontrá-lo plenamente,
substituindo esse objeto pela fantasia. Esta seria a função presumível da imagem
42
.
O indecifrável como condição da pintura é, penso, se tomarmos este aporte como
verdadeiro, justamente a apresentação dessa cisão entre o objeto e sua inteligibilidade
que declara a cisão mais originária do ato de olhar, entre o prazer/desejo (de olhar) e sua
satisfação jamais alcançada. Ao apresentar uma configuração ambígua, o indecifrável,
ainda no recorte psicanalítico, remeteria a uma tradução ideativa da ambivalência
presença simultânea do sentimento de amor e de ódio, que poderíamos sintetizar como a
presença da contradição (para a psicanálise a ambigüidade é sinônimo da ambivalência
infantil). A dúvida, a incerteza, o jogo de poder entre criação e destruição, desejo e
frustração são, portanto, mecanismos presentes na articulação do olhar e, penso, essa
ambivalência enquanto contradição inerente ao olhar, está presente, sobretudo, no
42
Freud definirá o sonho – que junto com a fantasia são os elementos centrais da pulsão visual - por
exemplo, como uma “satisfação alucinatória do desejo”. In Renato Mezan, , A Medusa e o Telescópio ou
Vergasse 19, in, Adauto Novaes et al. O Olhar, SP, Cia das Letras, 1988, op.cit.
44
processo da pintura, como fazer e como história
43
, ao menos isso me é claro no meu
próprio processo de trabalho. Esta pintura, ao escolhe suspender os elementos
figurativos da imagem, na chave da indecifrabilidade, escolhe também tocar nesta
questão da permeabilidade das dinâmicas de um desejo de plenitude relativo à
concepção psicanalítica do ato de olhar, que enquanto desejo, não pode nunca ser
satisfeito. Ele está na própria cisão inerente ao olhar. A pintura, desse ângulo de
pensamento, é a busca mais ou menos consciente, desse desejo jamais satisfeito, de um
olhar que busca alucinadamente se completar pelo gesto. Por isso, quando Rosalind
Krauss percebe a fotografia aérea como aquela em que uma “cesura entre o ângulo
de visão sob o qual foi tirado a fotografia e este outro ângulo de visão necessário para
compreedê-la – isto é, a necessidade de decodificação – creio ser possível dizer que esta
cisura é inerente ao próprio olhar.
sempre um investimento da fantasia do sujeito no objeto olhado, que a pintura, ao
contrário da fotografia, pode escolher mais ou menos declarar. Assim, a pintura pode
jogar criticamente com diferentes níveis da necessidade de leitura da imagem e
diferentes intensidades da incidência da fantasia a permear o prazer ou o desprazer – sua
forma invertida de olhar. Em termos psíquicos podemos pensar que também
sempre implícita uma necessidade de leitura da imagem e, conforme viemos
discutindo, toda imagem necessita dessa operação se for consistente sustentar que
no ato de olhar, de maneiras mais ou menos evidentes, um nível inconsciente de
contradição e estranhamento – o da cisão entre o olhar e o olhado. Uma vez que a fonte
da pulsão visual e o objeto (nesta pulsão), diferentemente das outras, como dissemos,
43
Arte culta, arte manual, arte mimética, arte literal, Pintura e pinturas, luto, renascimento, e todos os
dilemas da pintura me parecem graviitar também em torno desse componente de ambivalência implicado
na cisão do olhar. Não pretendo aqui justificar diferenças mas adicionar mais um elemento complexo de
reflexão, pois a ambivalência ou ambigüidade nada resolve, apenas pontua, mostra, denota.
45
nunca são os mesmos, me coloco a pergunta ( talvez irrespondível) se não sempre,
em toda atividade visual, uma operação de decodificação do objeto olhado, um
estranhamento do olho ao olhado, que registra em algum nível, o deslocamento da
direção da libido do seu objeto original (o membro sexual), como investimento
subseqüente desse objeto pela fantasia de substituição desse objeto original, que a
cultura reforça como realidade.
De qualquer maneira, o que acho realmente significativo no aporte freudiano é a
reflexão metapsicológica, dinâmica, a partir da constatação óbvia, mas, para mim
deveras intrigante, de que ninguém olha o próprio olho. Freud tenta resolver essa
questão sustentando que o objeto e a fonte da pulsão visual não são as mesmas. Seja
como for, isso implica obviamente um desencontro, uma fissura e uma orientação
externa do olhar (na busca narcísica do encontro desse olho nunca passível de ser auto-
olhado). Do olhar como espelho da alma do censo comum ao olhar como pulsão visual
de Freud, tentei aqui explicitar alguns elementos para pensar essa dissonância que, no
meu modo de compreender, intensifica o enigma da imagem, ou dito de maneira mais
ampla, da visualidade. Este enigma é o meu modo de compreender a fissura entre o
objeto e sua inteligibilidade visual. Meu trabalho com a pintura como configurações
mutantes, abstraídas da figuração, e que levam a visualidade a uma fronteira de
indecifrabilidade, tem, por todos esses motivos aqui expostos a pretensão de querer
tocar nesse enigma. Uma poética do indecifrável.
46
47
Fig.08. Fotografia aérea de nuvens e neve, estado de Minnesota, USA, dezembro de 2005.
48
Fig.09. Fotografia aérea, nuvens sobre o estado de Santa Catarina, BR, julho de 2005.
49
Fig. 10. Fotografia Aérea, nuvens sobre o estado de Santa Catarina, BR, julho de 2005.
50
Fig.11. Fotografia Aérea sobre o estado do Texas, USA , dezembro de 2005.
51
Fig. 12. Fotografia Aérea sobre o Porto de Paranaguá, Paraná, BR,julho/de 2005.
52
Fig.13. Fotografia Aérea sobre o estado do Texas, USA, dezembro de 2005.
53
Fig.14. Fotografia Aérea sobre o Rio Mississipi,USA, dezembro de 2005.
54
Fig.15. Fotografia Aérea sobre o estado de Minnesota, USA, dezembro de 2005.
55
Fig.16. Fotografia Aérea sobre o estado de Minnesota, USA, dezembro de 2005.
56
Fig. 17. Fotografia Aérea sobre a cidade de São Paulo, BR, julho de 2005.
57
Fig.18. Fotografias Aéreas de nuvens sobre o estado deo Paulo, BR,julho2005.
58
Fig.19. Alfred Stieglitz, Equivalent X 1,X2, e X3, 1927, gelatin silver print, 8.6 x 11.7, Philladelphia Museum of Art
59
60
III. O INDECIFRAVEL: UMA POÉTICA PICTÓRICA
Considero uma das imagens da primeira série de minhas fotografias aéreas como a
síntese da qual derivou a maior parte das relações visuais que utilizei na produção da
pintura com a encáustica e as ceras puras dessa pesquisa (figura 17). A nesga de céu
que deixava entrever parte da cidade de São Paulo entre nuvens cinza carregadas, me
pareceu uma confluência de dimensões de tempo e espaços diferentes, de um tempo e
de um lugar mais longínquo, subjetivo e imaginário, e o lugar de onde meu olhar partia.
Esta cena me pareceu um lampejo de memória, confirmando minha expectativa de
trabalhar a pintura com a memória como tema, na condição de uma memória matérica,
isto é, com o registro do processo pictórico deixado inscrito no material da pintura.
Passei a pesquisar, então, um tipo de material para a pintura que pudesse reunir ao
mesmo tempo a característica cinestésica e de configuração mutante que eu havia
cunhado nas fotografias aéreas e a relação com a memória matérica e depois, com o
aporte do traço mnêmico. Pensava fortemente na questão exposta anteriormente, sobre o
relacionamento entre lugares e imagens que via permear tanto o aporte retórico quanto o
psicanalítico. A comparação de Freud do inconsciente como um bloco de notas mágico
1
me parecia extremamente plástica.
Investigando o relacionamento entre fotografia e memória, encontrei outra vez nas
reflexões do professor Dubois a metáfora socrática que relacionava a cera como
superfície da alma humana onde poderiam vir se inscrever e se apagar as memórias das
nossas percepções, pensamentos e sentimentos
2
que, imediatamente, relacionei à
intenção da inscrição de meu registro pictórico na matéria. A cera me permitiria também
1
Para uma síntese do conceito freudiano de memória relacionado ao bloco de notas ver a análise de
Phillipe Dubois, O Ato Fotográfico, op. cit, p.326.
2
In Phillipe Dubois, op. cit., p.317
61
explorar propriedades plásticas que eu havia definido nos estudos fotográficos das vistas
aéreas como os acúmulos densos de matéria (as nuvens), o movimento fluído pelo
espaço do suporte ( espaço multidirecional), além de me obrigar a trabalhar na posição
horizontal (se eu quisesse explorar mais possibilidades que não só a dos escorridos). Ela
me pareceu a matéria perfeita para todo o processo de abstração que eu vinha
desenvolvendo em busca das configurações mutantes que eu tencionava empreender. A
essas duas razões aliou-se a particularidade da utilização não das ceras puras, mas da
encáustica, pela sua historicidade que remonta às origens da pintura, sendo, portanto, no
meu entender, um veículo dessa memória histórica. Defini, assim, meu material para a
pintura, ceras puras e a encáustica à quente, me desafinado a literalmente pintar com
fogo
3
, e explorar a matéria num limite de calcinar (queimar e devastar) e vivificar
(inventar e formar). Isto me dava mais um jogo de força (as contradições) que,
relembro, segundo Freud, estão implicados no ato de olhar ( a ambivalência amor/ódio,
criar/destruir).
Utilizei, portanto, a encáustica e as ceras puras à quente sobre superfícies de madeira,
algumas delas revestidas com tecido, nove em formato de caixas abertas e quadradas,
0,50 x 0,50 cm e três sem moldura no formato retangular 1,20 x 1,60 cm ( figuras de 20
a 32). Escolhi o formato de caixas por que quis me referir a essas estruturas como as do
conceito de loci onde eu construiria minhas imagines, como discuti anteriormente, este
me parecia um elemento comum e altamente plástico de compreensões diferentes e
extremamente interessantes do conceito de memória. Além de serem estruturas móveis,
as caixas me pareciam recortes no espaço, e assim eu recolocava o instrumento
fundamental de minha reflexão nos estudos das fotografias aéreas o recorte
3
Frase de Palomino, citado por Motta in Edson Motta e Maria Luiza Guimarães Salgado, Iniciação à
Pintura, RJ,Ed. Nova Fronteira, 1976, p.29
62
fotográfico. Mais tarde, nas grandes pinturas, senti necessidade de ampliar o espaço do
suporte, me libertar das molduras das caixas e procurar, na escala maior, a liberdade
visual que eu tinha experimentado nos estudos fotográficos.
Sobre juta, algodão, madeira e lona derreti as ceras de maneira a mesclar, ocultar e
deixar entrever, amálgamas de matéria e palavra ou das próprias ceras, em muitas
camadas superpostas e veladuras. A palavra era a mescla de minha documentação de
meus antigos registros de poesias, integrados como matéria na pintura
4
. Essas marcas de
minha memória, quando conservadas por baixo das camadas de veladuras, produziram a
sensação visual de seu apagamento, e, mais ainda, a parafina translúcida me permitiu
borrar a imagem, impedindo sua clara decodificação. Amalgamadas nas camadas das
ceras opacas e a várias camadas superpostas da parafina, as palavras perderam a clareza
de seu significado semântico, tornando-se linhas e manchas sobre o suporte (o processo
de abstração referido no item das Vistas Aéreas). Mais adiante passei a dissolver essas
linhas das antigas palavras intencionalmente nas manchas da pintura. Nos três trabalhos
de escala maior me desprendi totalmente da palavra e da linha ( figuras 29, 30 e 31). A
mancha aqui é o elemento central de pesquisa e que configura o espaço. Essas grandes
pinturas obedecem o princípio oposto da memória, o apagamento, e são ao mesmo
tempo, a radicalização de minha concepção da pintura abstrata onde não mais
referência nenhuma à linha, a não ser àquela formada pela matéria da cera. Na “Caixa
de Memória n. 10, Grande Pintura Vermelha” (figura 29), quis chegar a um limite de
indecifrabilidade pelo acúmulo de manchas. Na “Caixa de Memória n. 12, Grande
4
Algumas vezes reescreví esses texto com a própria cera, utilizando o tchang-tching (condutor de metal)
para que a palavra fosse dissolvida na pintura, outras vezes coloquei a fotografia documental (algumas
vezes seu negativo) diretamente no meio dela, como vestígio de um passado em outras ainda explorei
outras possibilidades do xérox em papel de superfícies translúcidas (xeroquei as páginas dos diários em
papeis transparentes ou translúcidos como o papel vegetal e o papel de arroz).
63
Pintura Branca” (Figura 31), por um acúmulo de veladuras, assim trabalhei com
camadas de parafina sistematicamente superpostas. Tanto na “Caixa de Memória n. 10,
Grande Pintura Vermelha”, quanto na “Caixa de Memória n. 11, Grande Pintura Ocre”
(figura 30), parti do estudo fotográfico das manchas do solo. Na “Grande Pintura
Branca” ( figura 31), parti do estudo das nuvens. Essas pinturas foram possíveis após a
intensa exploração e adaptação ao material das ceras, o tempo de cozimento da
encáustica, a partir das Caixas em uma escala menor (por exemplo, não é o artista
que se movimenta pela tela, o suporte também não podia ficar estático no chão, precisei
entender qual movimentação seguir).
Em todas as pinturas grandes cobri com as ceras, pinturas em acrílica ou automotiva que
ficaram no fundo do suporte, sob a matéria das ceras, também como um índice de
memória perdida no tempo. Mesclei muitas ceras e as encáusticas de cores telúricas,
criando adensamentos espessos, sólidos em carnaúba e cera de abelha. A cera e sua
maleabilidade permitiu à minha pintura o trabalho com configurações mutantes,
explorando a liquidez com a qual se deslocavam pelo suporte, e uma certa
imprevisibilidade nesse deslocamento. Ambos me conduziam a um jogo entre o
controle do artista e a condução do próprio material, incorporando um certo acaso,
afirmativo, como discuti no item sobre Alfred Stieglitz, de uma abertura sempre
renovada ao processo. Aqui se elucida o formato de caixas para o suporte de meu
trabalho. Em primeiro lugar, devido à facilidade operacional no manejo fluente das
ceras, caixas abertas e com pequenas bordas me permitiam uma liberdade ampliada na
exploração das características mesmas da matéria da cera: a maleabilidade e o
deslocamento fluido com ritmos variados dentro do campo de trabalho, com o qual eu
podia intensificar a exploração de um espaço multidirecional. Mais tarde, tendo feito
64
toda a seqüência de pinturas das Caixas quadradas, senti necessidade de ampliar ainda
mais esse espaço e me libertar das bordas de contenção, e assim parti para as grandes
pinturas em encáustica/ceras puras, mudando o formato do suporte de quadrado para
retangular (após ter tentado e desistido do formato quadrado de 0,90 x 0,90 cm)
investigando se, neste formato mais tradicional que alude à janela renascentista, eu
ainda conseguiria manter a imagem numa condição de alguma indecifrabilidade visual.
Creio que o contraste entre o formato retangular e as configurações mutantes resultou
ainda mais interessante, porquanto a contradição entre o retângulo ( forma usualmente
relacionada à paisagem) e a configuração abstrata e mutante centrada na mancha atrai o
olhar ao estranhamento a imagem parece familiar, mas é instável. Tentei jogar com
essas contradições nas grandes pinturas, a partir daquilo o que havia podido explorar
nas Caixas menores. Ao par dos estudos realizados nesse formato quadrado, isto é, das
Caixas propriamente ditas, experimentei, antes de partir para a grande dimensão, um
exaustivo estudo em formato retangular sobre juta, no qual, pela primeira vez tive a
consciência de estar dissolvendo a palavra e a linha na mancha da pintura. Ele também
me deu oportunidade de explorar o amarelo da carnaúba e sua delicada matéria que
propõe rachaduras tão interessantes quanto as da parafina. Tais rachaduras decidi
manter ( até o limite de não desfazer a pintura) porque achei que eram uma maneira
concreta de mostrar nas fissuras da matéria, as fissuras entre a imagem e sua leitura,
sobre a qual eu estava refletindo.
Explorei a transformação da translucidez da parafina e suas veladuras em opacidade,
por meio de seu acúmulo, (de acordo com os estudos de nuvens meus e de Alfred
Stieglitz), a qual intensifiquei sistematicamente até atingir o mesmo limite de
65
indecifrabilidade da imagem dos estudos fotográficos, obtendo manchas tão orgânicas
quanto as que eu tinha conseguido captar na pesquisa fotográfica. Aqui encontrei um
tipo de textura da matéria da parafina em pequenos flocos que me traziam a volumetria
dos acúmulos das nuvens ( explorei intensamente esta relação na “Grande Pintura
Branca”, figura 31, em parafina). Isto me renovou o desenvolvimento visual em busca
do espaço multidirecional, da flutuação de pontos de vista, das configurações abertas e
instáveis, apresentando relações que se completam na recepção e na recolocação
vertical do suporte (conforme as ponderações do item 2.3. sobre Pollock) .
Trabalhei com meu suporte no chão, ou, quando a pintura exigia, sobre a mesa do
estúdio, repetindo a posição de meu olhar nos estudos fotográficos realizados (o
plongée), referida à atitude pollockiana e a essa condição instável que Dubois propõe
entre o sujeito e o mundo. Minha intenção ao buscar um sentido multidirecional no
processo de produção e recepção, aliando percepção cinestésica a uma percepção ótica,
era, mais uma vez, insistir numa possibilidade de abertura e estranhamento visual que
relaciono à abertura e ao estranhamento nas atribuições de sentido. Por isso pensei na
possibilidade de, finalmente, levantar o suporte do chão, recolocá-lo na posição frontal
no momento da recepção, assim, como permitir a decodificação (ou sua tentativa) da
fotografia aérea, pois para que o processo se complete, penso, é interessante manter o
contraste entre as duas perspectivas do olhar – a horizontal e a vertical (seria o contraste
entre o indecifrável e o decifrável, que, por sua vez, se implicam mutuamente). Isso
presentificaria, creio, as contradições que essas duas angulações relacionam, conforme
venho discutindo.
66
O projeto de apresentação deste trabalho inclui, portanto, a apresentação das fotografias
dos estudos aéreos juntamente à apresentação da pintura (Caixas de Memória e grandes
pinturas). Aqui o processo de estudo bem como da própria elaboração é inextrincável do
produto pictórico. Assim tenciono propor este jogo de contradições e ambigüidades
entre a indecifrabilidade da imagem, sua leitura e os outros dilemas da tradição da
pintura aos quais estive me referindo, elementos que penso serem convergentes na
reinserção da verticalidade no ato da recepção. Talvez esta seja uma sutileza, mas, de
qualquer maneira, creio ser relevante considerar que a forma (princípio da pragnância),
do ponto de vista da percepção visual, se complete na vertical. Os psicólogos da
Gestalt (notadamente Max Wertheimer e Köhler)
5
, estudando o fenômeno da percepção
nos anos 20 e 30, entenderam o campo da visão fundamentalmente como vertical, e
assim, livre da pressão da gravidade. Eles descreveram a relação do sujeito com o seu
mundo imagético como “frontal-paralela” a ele, função do homem ereto. Isto significa
que a imagem ou gestalt é experenciada a partir dessa direção vertical e a sua coerência
como forma (pragnância) é dada a partir desse eixo vertical. Mesmo a maioria das
imagens dos sonhos, que não obedecem à lógica da consciência (linear), mas uma lógica
do inconsciente (simultânea), tendem a obedecer a frontalidade, conforme demonstram
os estudos freudianos. Esse é um dos pontos em que os psicólogos da Gestalt estão de
acordo com os princípios freudianos (outro, é por exemplo, o dos mecanismos de
defesa): a verticalidade define a percepção do homem separado de sua animalidade.
Nesta angulação a possibilidade de agarrar imediatamente o objeto fica distanciada ( e
aí há implicado um mecanismo defensivo), a função da visão é fundamental.
5
Conforme Rosalind Krauss, Yves Alain Bois, Hal Foster e Benjamin Buchlock, Art Since 1900-
Modernism, Antimodernism, Postmodernism, NY, Thames and Hudson,,2004, p.359. e também M. D.
Vernon, The Psychology of Perception, Baltimore, Pinguin Books, 1974.
67
Um correlato desse distanciamento, retomando minha discussão sobre a questão da
cisão inerente à pulo visual, seria a possibilidade de sua sublimação, conforme
discutida aqui, onde Freud a possibilidade humana da concepção da beleza, e, assim,
da arte
6
(Civilização e seus Descontentes, 1930). A horizontalidade colocaria a idéia de
instabilidade ou da negação dessa concepção de forma (próximo da idéia de anti-forma,
ou de informe)
7
contraste aqui é intensificado pela proposição de uma visualidade da
configuração mutante, que tem na sua esteira a desestabilização dos valores usuais de
boa forma, beleza, controle associado à verticalidade e espaço ortogonal ( entre outros
dos quais aqui discutidos). Por outro lado me parece que o confronto da recepção com
essa fissura entre o objeto e sua inteligibilidade se completa, de fato, quando a
pintura que mostra todo esse registro de processo, que tem todos esses valores gravados
na sua matéria, retorna, dissonante, à posição que é sua antítese. É mais uma
ambigüidade, uma cisão, uma contradição.
Entre a percepção dessa visualidade e a estranheza imediatamente antes de seu
reconhecimento, essa é a fissura complexa, que, penso, denota a presença da matéria
mesma da pintura. As imagens que tangenciam esse limite tendem a desestabilizar,
como discutido, mecanismos perceptivos de boa forma, estimular o livre curso das
associações de idéias, acordar outras lógicas, histórias apagadas. Confundem a visão,
6
A função estética incidiria neste distanciamento entre objeto e fonte de satisfação, diretamente
relacionado em termos da espécie humana à mudança da angulação visual enquanto índice de um
distanciamento da função visual puramente instintiva, e sua transformação em fluxo pulsional, cujo
redirecionamento libidinal a uma fonte de prazer diversa (sublimação) implicaria uma instância erótica
(Eros como pulsão de vida), da ordem da contemplação estética relativa ao conceito de beleza. Cf.
Sigmund Freud, Mal Estar en la Cultura 1930, in Obras Completas, vol. III, Madrid, BibliotecaNueva,
1973; e na versão inglesa, Civilization and Its Descontents, (1930), NY, The Standard Edition of the
Complete Psychological Work of Sigmund Freud, Norton,1989.
7
Esses conceitos são analisados por Rosalind Krauss e Yves-Alain Bois in Formless – A Users Guide,
NY, Zone Books, 1997
68
obrigam tradução, pintura herdeira do trabalho de toda a linha que ocupou-se da lógica
de uma espacialidade múltipla para buscar o “irrepresentável” (Dubois, 1990: 266)
8
.
Finalmente, o estranhamento desse tipo de imagem é ainda mais interessante nessa
chave fotografia aérea/pintura matérica, porquanto essa suspensão das convenções de
leitura da imagem acontece, vale notar, por uma alteração propriamente óptica e
retiniana: a angulação visual. assim, creio, mais uma ambigüidade que renova o
diálogo entre o veio retiniano e o conceitual em pintura, neste binômio de meu trabalho
(fotografia aérea/pintura abstrata), impossível de separar. A fotografia aérea como
metodologia da pintura traz subjacente a questão do relacionamento entre elas. A
ambigüidade da vista aérea é ser uma fotografia que a partir de seus próprio recursos,
isto é, do próprio mecanismo do aparelho fotográfico, mostra uma visualidade que não
é sinônimo de realidade e que desestabiliza a perspectiva monocular, dito outra vez,
renascentista, princípio mesmo de seu próprio mecanismo de ajuste de lentes, a opção
do artista aí incluída. No caso da fotografia aérea, o referente de um real (denotado, mas
não conotado) e a imagem visual tendem sempre a estar colados (sua característica
indiciária), não a disjunção inerente entre o pigmento e o suporte que há na pintura.
Nela, na pintura, esse processo de abstração é uma escolha deliberada, tem-se o
sentimento de que a imagem esteja sobre o suporte (Krauss,1990: 102)
9
, e não dentro do
suporte, como na fotografia. Assim penso que manter declarada esta relação separada
entre imagem e objeto, na pintura, é um projeto crítico. A abstração e a literalidade
nesse âmbito, são possibilidades críticas do conceito de representação, questionando as
dinâmicas psíquicas e os jogos de poder implicados na ilusão de uma colagem entre o
imaginário e o real. Apresentar a distância física, real, entre a mancha e o olho, que na
8
Phillipe Dubois, O Ato Fotográfico,op. cit, p.266.
9
Rosalind Krauss, O Fotográfico, op. cit, p. 102.
69
pintura é uma escolha do artista, eis o que no meu modo de ver, torna o trabalho com
esta interligação, sob o prisma desta pesquisa, um tipo especial: procurar essa brecha
entre o olho e os embates conceituais da imagem (suas convenções), apresentando um
percurso que borra essas fronteiras.
70
Fig.20. “Caixa de Memória n°1”, encáustica, papel, algodão e madeira, 0,50 x0,50 cm, 2005.
71
Fig.21. “Caixa de Memória n°2”, algodão, xérox, papel vegetal, encáustica e madeira, 050 x 0,50 cm,, 2005.
72
Fig. 22. “Caixa de Memória n°3”, algodão, xérox, papel vegetal, encáustica e madeira, 0,50 x 0, 50 cm,, 2005.
73
Fig. 23. “Caixa de Memória n°4”, algodão, xérox, papel vegetal, encáustica e madeira, 0,50 x 0,50 cm, 2005.
74
Fig. 24. “Caixa de Memória n°05”, algodão, acrílico, xérox, papel vegetal, encáustica e madeira, 0,50 x 0,50 cm, 2005.
75
Fig.25 “Caixa de Memória n°06”, algodão, acrílico, xérox, papel vegetal, encáustica e madeira, 0,50 x 0,50 cm, 2005.
76
Fig. 26. “Caixa de Memória n°07”, algodão e encáustica sobre madeira, 0,50 x 0,50 cm, 2006.
77
Fig. 27. “Caixa de Memória n°08”, algodão e encáustica sobre madeira, 0,50 x 0,50 cm, 2006.
78
Fig. 28. “Caixa de Memória n°09”, juta e encáustica sobre madeira, 0,50 x 0,50 cm, 2006.
79
Fig. 29. “Caixa de Memória n°10, Grande Pintura Vermelha”, encáustica sobre tela, 120 x160 cm, 2006.
80
Fig. 30. “Caixa de Memória n°11, Grande Pintura Ocre”, encáustica sobre tela, 120 x160 cm, 2006.
81
Figura 31. “Caixa de Memória n. 12, Grande Pintura Branca”, encáustica e acrílico sobre tela, 160 x 120 cm, 2006.
82
Fig. 32 Conjunto de oito “Caixas de Memória” fotografadas no atelier da artista, 2006.
83
Fig.33. Detalhe da “Caixa de Memória n. 02”.
84
Fig. 34. Detalhe da “Caixa de Memória n. 04”.
Fig. 35. Detalhe da “Caixa de Memória n°06”.
85
Fig. 36. Detalhe da “Caixa de Memória n. 08”
86
V. UMA PINTURA ABSTRATA (conclusão provisória).
Parece-me plausível pensar, de acordo com o aporte freudiano sobre a cisão do olhar, a
relação icônica de semelhança entre objeto e imagem, como um trabalho da ordem de
um desejo de convergência entre o real e a fantasia de satisfação (desse desejo)
implicado no ato de olhar. A visualidade que procura propor a suspensão dessa
similaridade estaria, portanto, frustrando essa convergência entre o real e a fantasia, na
medida em que desestabiliza a relação analógica entre o objeto e a imagem, e passa a
inserir uma lógica mais contígua e literal, no sentido de descortinar uma presença
visual, apresentá-la. Essa seria a condição da imagem no processo de abstração
(conforme vim discutindo a partir de Dubois e Krauss). Como conseqüência lógica, na
chave literal da visualidade haveria uma disjunção entre a fantasia e a realidade, do
ponto de vista metapsicológico freudiano, bem como entre o objeto e sua
inteligibilidade visual, do ponto de vista da leitura da imagem.
Sustentei aqui que a primeira disjunção estimula os processos inconscientes subjacentes
ao ato de olhar (a questão dos traços mnésicos, a questão da pulsão visual entre eles) no
confronto com essa visualidade, assim como sobre ela incidiriam os questionamentos da
própria história da pintura (abstração e figurão, espaço multidirecional e espaço
ortogonal, perspectiva monocular e multifocal, apresentação e representação). Procurei
encaminhar essa discussão a partir do diálogo entre a fotografia e a pintura como
caminho de reflexão da minha própria prática pictórica na elaboração de um grupo de
pinturas em encáustica e ceras puras específico desta pesquisa que denominei Caixas de
Memória. Para tal, me utilizei de um tipo especial de fotografia – a fotografia aérea –
87
bem como de um tipo particular de pintura a pintura abstrata. Assumindo minha
própria percepção de que no meu modo de apreender a visualidade uma angulação
visual do tipo fotografia aérea (aqui descrito nas etapas iniciais de pesquisa) e a
afirmação do professor Phillipe Dubois de que a influência da fotografia aérea nos
primórdios da abstração moderna não fora ainda (1990) suficientemente investigado me
dediquei à reflexão do relacionamento entre ambas, cujos desdobramentos me levaram a
propor uma configuração abstrata para a minha pintura próxima de um limite de
indecifrabilidade, no sentido de um caminho visual que me permitisse questionar o
modo como damos significado às imagens enquanto observadores e produtores de
visualidade, para o que me vali dos aportes de Rosalind Krauss, Phillipe Dubois e
Sigmund Freud como suportes de reflexão.
Dediquei-me a levantar alguns questionamentos sobre essa articulação de sentido,
menos para propriamente respondê-la do que para tentar provocar, por meio de minha
pintura, um momento de indagação instaurado entre o receptor e a imagem (o produtor
incluído como seu primeiro receptor), no qual particularmente creio incidir vários
tipos de abstração: a dos elementos figurativos da imagem, a dos conceitos usuais a ela
imputados na sua operação de leitura, a da censura psíquica que perpassa o prazer de
olhar
1
. À presença visual singular que se revela aí, em minha pintura propus uma
condição de indecifrabilidade, excludente da relação de similaridade entre o objeto e a
imagem, mas baseada na relação contígua entre a matéria da pintura e os passos de seu
processo. Minha intenção com esta proposição de uma lógica indiciária foi conectar
esse elemento da epistemologia do fotográfico à proposta de apresentação da história
1
No qual incidem os condicionantes psíquicos relativos aos valores socio-culturais introjetados bem
como os mecanismos repressivos inconscientes.
88
moderna da pintura e expor meu pensamento de que no momento da indecifrabilidade,
a imagem se torna uma visualidade indiciária, isto é, ela não é mais nem um ícone
(figuração) nem um símbolo ( uma convenção), ela é uma presença singular, atestada e
apenas denotada todas três propriedades do conceito peirciano de índice, conforme
aqui exposto. A relevância dessa particularidade, no meu modo de entender, é a de que
ao rasgar-se a fantasia da injunção entre a imagem e o objeto imitado, retomando a
questão da cisão inerente ao ato de olhar com a qual iniciei esta digressão final, me
parece plausível sugerir que a presença visual que se descortina nessa visualidade tão
pouco estruturada, é do ordem do próprio desejo
2
, desejo de uma presença, intensificado
por um realismo que não é o da imitação da figura, mas da marca de um processo
vivido na matéria da pintura. Esta qualidade indiciária de relação entre a parte e o todo,
procuro deixar registrada na matéria de meus processos, das minhas antigas poesias
visuais à pintura atual, pela marca de meu gesto.
Penso, finalmente que, a visualidade permitida pela pintura abstrata traz conectado ao
sentimento de liberdade apontado por Dubois e por Krauss (o de um corpo em oscilação
no espaço), quando próxima desta indecifrabilidade, a própria problemática da cisão do
olhar, o objeto desconhecido e intrigante desse desejo, dessa fantasia de união narcísica
entre o sujeito que olha e o objeto que é olhado, palco de todas as disputas. O caminho
que pude percorrer até agora nesta pesquisa, partindo da fotografia aérea em direção à
pintura abstrata, me leva a insistir na prática dessa pintura como possibilidade de
consciência crítica da visualidade, que mantém aberta à sua produção e à sua recepção
as indagações sobre os adestramentos culturais, as convenções sociais, as questões da
própria pintura, bem como de todo o tecido de processos psíquicos pulsionais e
2
Aqui estou entendendo o termo desejo de acordo com o aporte freudiano, no qual perpassam todas as
dinâmicas da pulsão visual discutidas anteriormente.
89
mnésicos que incidem sobre o olhar. Tal compreensão, por todas as razões aqui
expostas, faz dessa possibilidade de pintura a vertente complexa que me estimula a
continuar pensá-la e praticá-la.
Silvana Lacreta Ravena, junho, 2006
90
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