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MARCEL CLÁUDIO SANT’ ANA
A COR DO ESPAÇO: LIMITES E POSSIBILIDADES NA
ANÁLISE DA SEGREAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL, O
EXEMPLO DE BRASÍLIA.
BRASÍLIA
2006
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MARCEL CLÁUDIO SANT’ ANA
A COR DO ESPAÇO: LIMITES E POSSIBILIDADES NA
ANÁLISE DA SEGREAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL, O
EXEMPLO DE BRASÍLIA.
Dissertação de Mestrado submetida ao
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
Brasília como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do Grau de Mestre em
Arquitetura e Urbanismo, área de
concentração em Planejamento e Desenho
Urbano.
Orientador: Profº.Dr. Luiz Alberto de Campos
Gouvêa.
Aprovado por:
___________________________________________
Luiz Alberto Gouvêa, Doutor (UnB)
(Orientador)
___________________________________________
Neio Lúcio de Oliveira Campos, Doutor (UnB)
(Examinador Interno)
____________________________________________
Raquel Rolnik, Doutora (PUC Campinas)
(Examinadora Externa)
BRASÍLIA
2006
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Aos milhões de negros e negras esquecidos pela
nação brasileira:
“Aqueles que não inventaram nem a pólvora nem a
bússola. Aqueles que não souberam dominar nem o
vapor nem a eletricidade. Aqueles que não
exploraram nem os mares nem o céu.”
Mas aqueles sem os quais o Brasil não seria o Brasil.
AGRADECIMENTOS
A Beatriz Beia—, minha tia, minha mãe... Pessoa presente em todos os
momentos de minha vida.
Aos meus avós, Joaquim e Tereza, pedras angulares da minha formação.
Ao meu orientador, Luiz Alberto de Campos Gouvêa, pela liberdade ao longo
do processo de desenvolvimento desta dissertação.
A Neio Campos e Raquel Rolnik por aceitarem compor esta banca.
Aos colegas do Departamento de Planejamento Urbano do Ministério das
Cidades Heloísa, Nathan, Marina, Marcos, Yeda e Lídia por aturarem meu
muitas vezes estar em corpo presente.
A Benny Schasberg pela flexibilidade do horário de trabalho.
A Regina Pozzobon, grande professora, pelo constante estímulo.
A Kazuo Nakano pelas questões levantadas e pela ajuda no entendimento da
dimensão estatística desta pesquisa.
A Júlia e a Roberta pelo apoio na clarificação de algumas obscuridades
comuns em meu processo de escrita.
Ao professor Jaime Almeida pelo apoio no início desta caminhada.
A Meirelaine e Rogério, amigos constantes e companheiros nos maus
momentos e nos de ebriedade... Sem vocês a pesquisa não chegaria ao ponto em
que está.
Aos companheiros do Sindicato dos Arquitetos, especialmente Junior e Elza,
por entenderem os motivos de minha ausência.
A todos que direta e indiretamente colaboraram com esta pesquisa.
RESUMO
É possível falar em segregação sócio-espacial estruturada por fatores raciais?
Em face desta pergunta, o objetivo da pesquisa é fazer uma reflexão sobre as
relações raciais na sociedade brasileira, direcionando o foco de análise sobre a ação
da sociedade na configuração das cidades. Para isto adotamos como exemplo de
caso a cidade de Brasília, capital Federal do país, representação máxima do modelo
de planejamento vigente.
Para entender as questões raciais em sua relação com a estrutura social, da
qual o espaço urbano faz parte, a pesquisa se desenvolve sobre três focos: o
primeiro trata da discussão do elo entre sociedade e espaço, procurando entender o
papel das relações raciais no desenvolvimento social e na estruturação das cidades;
o segundo trata da análise dos fundamentos teóricos que explicam a posição dos
negros e dos brancos em nossa sociedade; e o terceiro analisa a configuração do
espaço urbano do Distrito Federal a partir da cor e grau de desenvolvimento social
da população residente.
Como pano de fundo para estas questões, devemos ter em mente o caráter
dicotômico do espaço urbano por um lado ele atua como reflexo da estrutura
social e por outro atua como componente estruturante do corpo social. Enquanto
componente da estrutura social, a cidade contribui para a manutenção da distância
social entre negros e brancos no Brasil: as cidades, com seus espaços
perversamente desiguais, acabam por centralizar as vantagens urbanas nas áreas
ocupadas majoritariamente pela população branca, enquanto que para as áreas
ocupadas majoritariamente pela população negra resta a irregularidade fundiária, a
falta de infra-estrutura e serviços urbanos.
Deste modo, Brasília enquanto espaço urbano, fruto de uma estrutura social
moldada por questões raciais veladas, confirma em pedra, asfalto e concreto as
práticas sociais que fundamentam a estrutura sócio-racial de nosso país.
PALAVRAS CHAVES: Segregação sócio-espacial, relações raciais, estrutura
social, campo econômico.
ABSTRACT
Is it possible to consider social-espacial segregation based on racial factors?
With this question as a starting point, the aim of this research is to reflect on
the racial relations of brazilian society, focusing on the action of society upon the
spatial configuration of it´s cities. The case study is Brazilia, Brazil’s capital city,
which is also a perfect example of the hegemonic planning practices.
To understand the relation between racial issues and social structure, where
urban space also belongs, the research focuses on three main points: the
reconstruction of the link between society and space, aiming to understand the role
played by racial relations on social development and on the structuring of cities; the
analysis of the theoretical fundaments explaining white and negro population´s place
in our society; and finally, the analysis of the Federal District´s urban space
configuration based on color and social development levels of the population.
The dichotomy of urban space is a necessary background to these issues
on the one hand it is a reflex of the social structure, on the other it acts as a
structuring component of social body. As a structuring component of society, the city
helps to maintain social distances between black and white people in Brazil: with it´s
perversely unequal spaces and opportunities, the Brazilian city concentrates
advantages in areas occupied by mainly by the white population, while leaving to the
negro population irregularity, lack of infra-structure and urban services.
Thus, Brasilia as an urban space, outcome of a social structure built on non-
apparent racial issues, reaffirms, in stone and concrete, the social practices which
are the basis of our country’s social and racial structure.
I too sing America
“I am the darker brother
They send me to eat in the Kitchen
When company comes
But I laugh
And eat well
And grow strong
Tomorrow
I’ll be at the table
When company comes
Nobody’ll dare
Say to me
‘Eat in the kitchen’
Then.
Besides,
They’ll see how beautiful I am
And be ashamed —
I, too, am America.”
(Hugres)
SUMÁRIO
SUMÁRIO ...................................................................................................................1
INTRODUÇÃO............................................................................................................2
CAPITULO I. SOCIEDADE & ESPAÇO.....................................................................6
1.1- ESTRUTURA SOCIAL & ESPAÇO URBANO.................................................................................................9
1.2- A SEGREGAÇÃO ESPACIAL......................................................................................................................14
1.2.1 - A Segregação Espacial no Distrito Federal.........................................................................17
CAPÍTULO II. AS RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL.............................................25
2.1 DA DOMINAÇÃO FÍSICA À SIMBÓLICA...................................................................................................26
2.2 MISCIGENAÇÃO OU ASSIMILAÇÃO?.....................................................................................................32
2.2 - A BRANQUITUDE......................................................................................................................................35
CAPÍTULO III. O LUGAR DO NEGRO E O LUGAR DO BRANCO.........................42
2.1 - A NOÇÃO DE COR DO BRASILEIRO.........................................................................................................44
2.1.1 - Sistemas de Classificação.......................................................................................................46
2.2 - A COMPOSIÇÃO POR COR DA POPULAÇÃO BRASILEIRA.........................................................................52
2.3 - A COMPOSIÇÃO POR IDADE DA POPULAÇÃO BRASILEIRA......................................................................58
2.4 - INDICADORES DE QUALIDADE DE VIDA: A MANUTENÇÃO DAS DESIGUALDADES.................................60
2.4.1 - Esperança de Vida ao Nascer..................................................................................................61
2.4.2 - Violência .......................................................................................................................................62
2.4.3 - Acesso aos Serviços de Saúde ..............................................................................................65
2.4.4 - A Cor da Riqueza Nacional ......................................................................................................67
2.4.5 - A Heterogeneidade da Educação Brasileira........................................................................75
2.5 - O NEGRO COMO LUGAR DE INTERSECÇÃO.............................................................................................81
CAPÍTULO IV. A SEGREGAÇÃO RACIAL NO ESPAÇO URBANO.......................88
CAPÍTULO V. A CONFORMAÇÃO DA ESTRUTURA RACIAL NO DISTRITO
FEDERAL*................................................................................................................97
5.1- TERRITÓRIOS NEGROS E TERRITÓRIOS BRANCOS.................................................................................105
5.2 - INDICADORES DE QUALIDADE DE VIDA NAS REGIÕES ADMINISTRATIVAS ...........................................116
* O conteúdo do capítulo V só estará disponível a partir de março de 2006.
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................129
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................136
2
INTRODUÇÃO
Para o brasileiro “médio”, munido de um estoque considerável de senso
comum, custa acreditar que sob certos aspectos a instituição de práticas racistas no
Brasil se equipara à instituição de práticas racistas da sociedade americana: afinal,
bombardeado desde sua infância por uma ideologia que “representa” o âmago da
nossa identidade nacional — a “democracia racial” —, a este brasileiro só cabe a
reprodução das relações raciais tal qual lhe foi incutido em seu processo de
socialização, só cabe o silêncio quanto a possíveis processos articulados em nível
de uma estruturação racial da realidade social. Para este brasileiro as práticas
culturais, principalmente em sua expressão simbólica, trataram de invisibilizar
qualquer nuance de racialização da estrutura social: Em seu dia-a-dia, tomado por
um espírito iluminista que alimenta a sua noção de democracia racial, mal consegue
enxergar o seu lugar social como resultado de uma nítida obediência a um padrão
de estratificação social vinculado à sua característica fenotípica.
Esta forma de enxergar-se na estrutura social como um ser independente
cuja posição alcançada se deve ao próprio mérito, um sonho idílico da proposta
individualista-capitalista, faz do brasileiro médio portador de uma cegueira que o
beneficia ou o onera, a depender de suas características raciais. Essa cegueira
providencial acaba por lhe garantir certa tranqüilidade no conviver diariamente as
desigualdades sociais que o circundam, lhe garante entender a desigualdade social
apenas pelo viés econômico que abarca a população como um todo,
independentemente do grupo racial a qual pertença. Neste jogo de esconde-
esconde, que caracteriza as relações raciais no Brasil, negros e brancos podem ser
privilegiados: os primeiros porque podem gozar da ilusão de sentirem-se aceitos por
sua nação, independentemente de sua aparência física; os segundos porque lhes é
permitido continuar gozando das vantagens sociais de ser branco sem maiores
choques sociais, a esta naturalização da apropriação das vantagens sociais pela
raça branca denominaremos ‘capital racial’.
É neste jogo de disputas raciais veladas que se dá a produção do espaço
urbano. Aqui o espaço deve ser entendido como um componente da estrutura social.
Com o espaço exercendo a função de componente da sociedade ou elemento
em contínuo processo de interação com os outros elementos que atuam na
3
conformação do campo social, a abordagem sobre a teoria social é essencial para o
entendimento das questões espaciais, não só a análise sobre o viés da teoria social
que se dedica à interpretação da ação dos fatores econômica, mas também a que
se dedica á interpretação de outros enfoques, a exemplo os culturais e simbólicos.
Dessa forma a proposta da pesquisa é fazer uma análise mais detalhada
sobre a construção das relações raciais na sociedade brasileira — construção
presente em vários aspectos da vida social (um fato social total, a maneira de
Mauss), recebida como herança de um período colonial escravista — como pano de
fundo para a abordagem da questão espacial em nossas cidades. Assim, ao
dedicarmos maior atenção às relações raciais na conformação da sociedade,
queremos analisar a própria conformação do espaço urbano, e principalmente, a
partir da caracterização do grau de desenvolvimento das áreas ocupadas
majoritariamente por negros e das áreas ocupadas majoritariamente por brancos,
entender como o processo de segregação sócio-espacial tem estruturado a distância
social em nossas cidades.
Com esse objetivo a pesquisa assumirá a seguinte estruturação:
Capitulo 1. Sociedade & Espaço – Ao pensarmos a relação
sociedade-espaço muitas das explicações e caminhos traçados para o
seu entendimento vinculam a produção espacial à produção dos bens
em uma economia de mercado capitalista. O entendimento sobre a
questão espacial fica intimamente vinculado aos processos
estabelecidos pelo mercado financeiro, mais especificamente pelo
mercado imobiliário. Mas em um país onde a escravidão e o
colonialismo moldaram todo o processo social, relegar à economia a
exclusividade da explicação sobre nossa estrutura social é cabível?
Acreditamos que não. Dessa forma a proposta do capitulo será de
rever as pontes que vinculam a estrutura social à espacial, com o
objetivo de ampliar a análise sobre o processo de interação entre os
fatores que dão forma a sociedade. Nesta perspectiva abordaremos
também o fenômeno da segregação sócio-espacial nas cidades
brasileiras: se como vimos, a teoria social é moldada por um processo
explicativo que se limita exclusivamente aos fatores econômicos, a
mesma lógica é imposta à análise da segregação no espaço urbano.
4
Neste capitulo, trataremos ainda da revisão das teorias explicativas da
segregação urbana no Distrito Federal, à luz das teorias que explicam
o processo social como um todo. A ruptura com a exclusividade da
abordagem econômica na explicação da estrutura social será a tônica
do capitulo.
Capítulo 2. As Relações Raciais no Brasil – Questionar a noção
exclusivamente econômica que norteia as explicações sobre a nossa
estrutura social e as explicações sobre a conformação de nossas
cidades passa necessariamente por rediscutir o papel das relações
raciais na conformação da nossa sociedade. Se o histórico marcado
pelo colonialismo e escravidão marcou a estrutura social brasileira,
cabe entendermos o papel do negro e do branco naquela estrutura
para que possamos entender como aqueles papéis são reinterpretados
dia após dia, mais que isso, cabe analisar os mecanismos e
instrumentos que garantem à raça branca a permanência da
exploração sobre as raças subjugadas no período colonial,
principalmente cabe uma reflexão sobre o processo de invisibilização
das questões raciais em nossa sociedade. Esses questionamentos
passam obrigatoriamente pela rediscussão do mito da “democracia
racial” e do mito da miscigenação e devem alcançar à discussão ao
nível das disputas sociais que vão do campo simbólico ao campo
econômico.
Capitulo 3. O lugar do Negro e o Lugar do Branco – A
reinterpretação diária dos mecanismos de subjugação das raças
dominadas pela raça branca, embora se expressem por mecanismos
velados, são responsáveis pela manutenção de uma perversa
distância social entre negros e branco. Identificar esta distância é vital
para o entendimento da estruturação racial da nossa sociedade: uma
análise mais atenta sobre a qualidade de vida dos negros e dos
brancos poderá nos dotar de instrumentos que possibilitem a futura
estruturação de uma teoria sobre o papel da estrutura racial na
conformação da sociedade, na manutenção de um status social
precário das raças dominadas, aqui especificamente da raça negra.
Como é notório, a pobreza, agindo direta e proporcionalmente no
5
processo de segregação-espacial, tem suas causas definidas por
fatores multidimensionais. Então como conseguir separar a ação de
cada agente na estruturação das diferenças raciais? Como diferenciar
o preconceito racial do preconceito de classe ou do preconceito por
grau de escolarização? Tentaremos neste capitulo, através do
conceito de Interseccionalidade, dar uma resposta a estes
questionamentos.
Capítulo 4. A Segregação Racial no Espaço Urbano – Embora o
foco de investigação sobre a ação de fatores raciais na conformação
da segregação sócio-espacial seja incipiente, já existe um acumulo de
informações e metodologia específica para a abordagem do tema.
Neste capitulo trataremos de constituir o estado da arte sobre este
tema, resgatando o pensamento de autores que de alguma forma se
aprofundaram nesta temática.
Capítulo 5. A Conformação da Estrutura Racial no Distrito
Federal – Podemos falar em segregação espacial, motivada por
fatores raciais, no espaço urbano do Distrito Federal? Esta questão é
de difícil resposta. Tendo em vista que os mecanismos de segregação
na sociedade brasileira se dão de forma velada e por meio de
mecanismos psicossociológicos. O que faremos neste capitulo é
caracterizar as Regiões Administrativas ao nível da cor da população e
dos indicadores de qualidade de vida. Um foco da análise tratará
também da conformação dentro das Regiões Administrativas e
procurará demonstrar a diferenciação entre as áreas de população
majoritariamente negra e as áreas de população majoritariamente
branca. Se por um lado é difícil identificarmos de forma explicita a
manifestação dos mecanismos de preconceito racial ou racismo na
conformação do espaço urbano, a forma final da conformação da
população na área urbana do DF muito nos diz sobre a estruturação
racial do espaço urbano. Cabe aqui entendermos essa conformação
dentro de uma teoria social tipicamente brasileira, ou seja, que dê
conta das particularidades da nossa manifestação social, inclusive da
forma como o preconceito racial é manifestado.
6
CAPÍTULO I
SOCIEDADE & ESPAÇO
Todo que la ciencia económica plantea como algo dado,
es decir el conjunto de las disposicines del agente
económico que sustenta la ilusión de lá universalidade
ahistórica de las categorías y de los conceptos utilizados
por esta ciencia, es en afecto, el producto paradójico de
uma dilatada historia colectiva, reproducido
incesantemente en las historias individuales, del que sólo
el análisis histórico puede dar razón cabal: la historia, al
inscribirlas paralelamente en unas estructuras sociales y
en unas estructuras cognitivas, en unos esquemas
prácticos de pensamiento, de percepción y de acción, ha
conferido su patente evidencia y universal a las
instituciones em las que la economía pretende basearse
para fundar su teoria ahistórica .”
(Bourdieu) 1
A proposta deste capítulo é repensar o elo entre espaço e sociedade, tendo
em vista o objetivo de dar luz à estruturação racial da sociedade brasileira, fato em
muito escondido pelo foco economicista da teoria social que tendenciam explicar os
fatos econômicos por um viés que os afasta do nexo com as manifestações sociais
que definem as peculiaridades de cada sociedade, agindo assim como se
trabalhassem em uma estrutura independente.
Fugindo deste enfoque estritamente “economicista”, queremos nos aproximar
do pensamento de Bourdieu sobre a estruturação social da economia: o autor
identifica a tendência atual em limitar a ciência econômica a um fato social per si
2
,
como uma categoria isenta da ação do campo social. Para este
La ciência que llamamos “economia” se sustenta em una abstración inicial
que consiste em disociar una categoria particular de prácticas, o una
dimensión particular de qualquier prática, del ordem social en el que toda
prática humana está inmersa. Esta inmersión, algunos aspectos o algunos
efectos de la cual se manifiestan cuando hablamos (...), obliga, incluso
cuando, debido a los próprios requerimientos del conocimiento, no nos
queda más remédio que tratarla de outro modo, a concebir cualquier
práctica, empezando por la que se puede ver, de la forma más evidente y
1 BOURDIEU, P. Las estructuras sociales de la economia. Barcelona,Anagrama: 2000. pág. 18
2
Esta limitação é corrente no discurso econômico ortodoxo, cujos pressupostos repousam nos
princípios inquestionáveis da: oferta e procura, produção e reprodução do capital econômico,
produção e mercadoria,etc.
7
estricta, que es “económica”, como uno “hecho social total”, en el sentido de
Marcel Mauss. (BOURDIEU, 2000: 14)
Embora não seja nosso objetivo fazer uma crítica profunda a esse modelo
teórico, que toma a economia por fato auto-explicativo, com “ar” de fato social total
3
,
ou no mínimo que sustenta a ilusão de uma universalidade “a-histórica” das
categorias utilizadas por esta ciência — critica já elaborada de forma mais profunda
por diversos autores —, é necessário que entendamos a pesquisa econômica como
um componente da pesquisa social: não existe economia em si, esta deve ser
concebida como um instrumento auxiliar e complementar para o entendimento das
manifestações sociais. Assim, é necessário que entendamos os fatores econômicos
em sua associação a uma série de outros fatores sociais como os responsáveis pela
formação da sociedade.
Nesse sentido, é necessário resgatarmos a noção de campo econômico para
Bourdieu. Ao pensar a sociedade, o autor identifica que diferentes recursos atuam
de modo a dar corpo à estrutura social, a direcionar as ações dos indivíduos, estes
recursos foram denominados capital. Para além do capital em seu sentido
estritamente monetário, o autor identifica o capital financeiro, o cultural, o
tecnológico, o jurídico, o organizacional e o simbólico como constituintes de uma
área onde os indivíduos lutam pelo acesso aos recursos sociais, esse palco de
disputas é denominado por BOURDIEU (1997) como “campo econômico”.
O entendimento de que o jogo social é estruturado de forma complexa, indo
muito além da resposta dada pela abordagem estritamente financeira da economia,
vai ao encontro da linha de análise que queremos estabelecer para o entendimento
da estrutura urbana, mais especificamente para o entendimento do fenômeno da
segregação espacial sobre o ponto de vista da cor da população. Como veremos
nos capítulos posteriores, a sociedade brasileira é marcada por uma desigualdade
de condições, cujos postos extremos coincidem diretamente com a cor dos
indivíduos: os indicadores demonstrarão que brancos e negros ocupam posições
diferenciadas e que esta não se expressa unicamente a partir da esfera do capital
financeiro.
Cabe saber como é pensada a questão da segregação sócio-espacial
(inclusive sob o viés racial em que esta pode estar estruturada) e, principalmente,
3
Ao nos referirmos ao conceito de “fato social total”, elaborado por Marcel Mauss, estamos tratando
dos fatos sociais que envolvem todo tipo de instituição social (educação, família, religião, economia,
política, entre outros), abrangendo o social sem sectarismos e dando a noção de abrangência total.
8
como é pensada a própria estrutura espacial das nossas cidades, categoria muitas
vezes dissociada das outras estruturas que agem na conformação da sociedade.
Sobre este ponto, é necessário que recuperemos o elo entre sociedade e espaço. O
espaço, enquanto categoria de entendimento da realidade, pode expressar pouca
veracidade científica quando dissociado da estrutura social em que é produtor e
produção.
Se por um lado a visão ortodoxa a ciência econômica quer levar a cabo as
explicações sobre estrutura social, na mesma direção, a reboque neste processo,
também encontramos uma linha de pensamento sobre a estruturação do espaço
urbano como processo resultante do determinismo econômico a reger a ação dos
indivíduos. Assim as pesquisas sobre segregação sócio-espacial no espaço têm se
estruturado sob uma fundamentação determinista, onde a economia, ou melhor, o
domínio do capital financeiro, os fatores de ordem econômica, diretamente e
indiretamente, independente da realidade social e da localidade desta no globo
terrestre (à luz de um processo econômico globalizado), é tomado como fundamento
para o entendimento das questões espaciais intra-urbanas.
Aqui, se o objetivo da pesquisa é demonstrar a estruturação racial da
distância social entre negros e brancos no país, é necessário que passemos à
análise da componente espaço urbano, palco da manifestação física desse
distanciamento, sob uma perspectiva que atrele à configuração deste o peso do
corpo social que o moldou. É necessário que aprofundemos aqui a discussão sobre
o processo de segregação sócio-espacial da população negra nas cidades
brasileiras enquanto fruto da materialização (fenômeno físico, concreto), da estrutura
social vigente em nossa sociedade.
Queremos dar um passo adiante do determinismo econômico nas
explicações sobre o processo de estruturação dos espaços urbanos da nossa
sociedade. Queremos entender o papel coadjuvante que a economia desempenha
frente a nossa estrutura social, papel não auto-explicativo e que deve ser somado a
outros focos de pesquisa de modo a possibilitar uma melhor apreensão da realidade
urbana.
Também, é necessário entender como esta segregação influencia o
desenvolvimento social das populações expostas a ela. Se nos preocupa
demonstrar como o baixo desenvolvimento sócio-econômico se impõe à população
negra, sob os mais variados aspectos, também devemos traçar uma reflexão sobre a
9
ação da segregação urbana na formação deste baixo desempenho, fato que se
manifesta em todas as etapas da vida social da população excluída.
Para que esta análise possa nos conduzir ao objetivo primeiro — o de
entendimento da configuração espacial do Distrito Federal —, dividiremos este
capitulo em três momentos: num primeiro momento tomaremos por foco a
construção “Espaço social X Espaço urbano”, onde o objetivo será de reconstruir
esse elo entre estas duas entidades analisadas quase que distintamente pela crítica
contemporânea (isso se entendermos a análise meramente econômica, sob a lógica
de uma metodologia fechada em si mesma, como uma limitação à aproximação do
“espaço urbano” com o que poderia representar uma teoria social brasileira
compromissada em responder pela nossa particular e complexa formação sócio-
econômica, o que em essência diferencia a nossa sociedade das outras); a partir
dessa reflexão caberá uma analise sobre o fenômeno da segregação espacial
enquanto componente da relação “espaço urbano – espaço social”; No terceiro
momento, demonstrando que as críticas sobre a estrutura espacial do Distrito
Federal seguem o mesmo alinhamento ideológico das críticas em relação à estrutura
social brasileira, recorreremos à construção do estado da arte sobre a segregação
sócio-espacial no Distrito Federal;
1.1- Estrutura Social & Espaço Urbano
A relação entre espaço e sociedade é um tema tratado com certa freqüência
por autores da área das Ciências Sociais e da Geografia, um especial destaque
pode ser dado a SANTOS (1996;1992), CASTELLS (1983), GOTTIDIENER (1993),
BOURDIEU (1997), entre outros. De forma geral estes autores, no que diz respeito
ao pensamento sobre espaço e sociedade, podem ser agrupados em dois grupos: o
primeiro tem a investigação científica voltada para a produção do espaço; o
segundo, para os problemas sociais derivados da configuração do espaço urbano.
Se nos interessa entender como a estrutura racial brasileira influência na
produção do espaço e nos problemas urbanos derivados desta forma de produção,
cabe a nós debruçarmo-nos sobre as duas linhas de abordagens citadas no
10
parágrafo anterior: o espaço como produto e o espaço como produtor da sociedade.
Este duplo enfoque dará mais subsídios para o entendimento dos mecanismos
sociais em sua ação de limitar espacialmente o desenvolvimento sócio-econômico
da população negra.
Um primeiro passo, antes do aprofundamento no pensamento de cada autor,
deve dar conta do caráter dicotômico da categoria
4
espaço: se o espaço pode ser
entendido como resultado da produção social, também pode ser entendido como
produtor da mesma sociedade que o gerou. Assim nos aproximamos do conceito de
“estrutura-estruturada” e de “estrutura estruturante” delineado por BOURDIEU (2005)
para interpretar o papel do capital simbólico: ao interpretarmos este autor podemos
entender a sociedade como resultado de uma série de estruturas que em união dão
forma à estrutura social
5
. Assim, quando pensamos a categoria espaço por esta
ótica, devemos ter em mente que: o espaço pode ser caracterizado como uma
estrutura fruto da interação com uma série de outras que se manifestam no campo
social, em outras palavras, caracterizando-se como uma “estrutura-estruturada”;
complementarmente e concomitantemente, o espaço também pode ser
caracterizado como uma estrutura que age diretamente na conformação de uma
série de outras estruturas e na própria estrutura social, ou seja, uma “estrutura
estruturante”.
Esse duplo caráter da estrutura espacial é o que lhe possibilita interagir com a
estrutura econômica tanto quanto interagir como qualquer outra estrutura —
inclusive a racial. A hierarquização entre as diversas estruturas no jogo de
conformação da estrutura social só pode ser explicada pelo próprio sistema social
onde esta se dá (em que se pese a necessidade de uma reflexão diacrônica sobre a
estrutura social).
4
Entendemos por categoria um recurso teórico que faz uso de elementos “universais”, ou como diria
SANTOS, “verdades eternas, presentes em todos os tempos em todos os lugares” (1992:5) , para
interpretar os fatos que se manifestam na esfera social. A titulo de exemplo podemos destacar as
categorias: tempo; espaço; gênero; entre outros.
5
A maneira de BASTIDE (1971), ao utilizarmos o conceito de estrutura (quer seja social, racial ou
espacial), estaremos nos referindo à relação entre si das partes que compõem tal estrutura, indo
muito além da justaposição, e por conseguinte manifestando propriedades que resultam de sua
dependência relativa à totalidade. Em outras palavras o que interessa não é representar o núcleo do
objeto, mas sim “o sistema de relações latente no objeto” (STRAUSS, L. in BASTIDE,R. 1971:10).
Assim, ao falarmos, por exemplo, em estrutura racial estaremos nos referindo ao jogo entre as partes
que o compõe, o que passa necessariamente pela abordagem do capital simbólico, do racial e do
financeiro, da configuração espacial dos espaços habitados pelos negros em sua relação com a
cidade, do modo de produção, entre outros componentes.
11
Traçado um dos primeiros pressupostos sobre a natureza da estrutura
espacial, fica estabelecido sua vinculação direta com a estrutura social
(conseqüentemente com uma série de outras estruturas que compõe esta), mais que
isso, podemos entender o espaço como uma categoria componente, cuja análise
não pose ser feita sem a devida reflexão sobre a sociedade em que este é
produzido.
No sentido de aprofundarmos o entendimento sobre a categoria espaço,
passaremos agora a dialogar com SANTOS (1996;1992), CASTELLS (1983),
GOTTIDIENER (1993) e BOURDIEU (1997).
Reforçando o ponto da argumentação que estabelecemos com base em
BOURDIEU (2005), SANTOS (1992) entende o espaço como categoria
essencialmente social, como uma instância pertencente à sociedade e que se insere
num jogo onde contém, mas também é contida por todas as outras demais
instâncias sociais, como a instância econômica e a cultural-ideológica. Aqui o
espaço é afirmado como um jogo de interação entre as partes que compõem a
estrutura social.
Para facilitar a compreensão da categoria espaço o autor usa como recurso
metodológico a divisão em “elementos do espaço”, ou sistemas do espaço. A partir
desta divisão temos o espaço entendido como a interação entre os elementos:
homem, enquanto requerente de determinado tipo de trabalho com reflexo direto
sobre a produção do espaço; firmas e instituições, enquanto responsáveis por
responderem às demandas dos indivíduos, as primeiras nas atividades ligadas
diretamente à produção material, as segundas diretamente ligadas à produção
jurídica e ideológica; meio ecológico, enquanto “conjunto complexo” que constitui a
base física do trabalho humano (SANTOS, 1992:6); e infra-estrutura, enquanto
materialização do trabalho coletivo do homem.
Ao realizar esta redução da categoria espaço aos seus elementos
componentes, SANTOS (1992) quer dar conta da esfera dos elementos que
atuariam em interação dinâmica para a conformação do espaço. A redutibilidade
proposta não implica em negar a totalidade do espaço: o autor caminha para o
entendimento do espaço enquanto “sistema de sistemas” ou “sistema de estruturas”,
um todo formado pela interação dinâmica entre as partes que o compõe. Esse
entendimento pode ser expresso com uma referência a Karel Kosik realizada pelo
autor
12
A interdependência e a medição da parte e do todo significam, ao mesmo
tempo, que os fatos isolados são abstrações, elementos artificialmente
separados do conjunto correspondente adquirem veracidade e concretude.
Da mesma forma, o conjunto no qual os elementos não são diferenciados e
determinados é um conjunto abstrato e vazio. (in SANTOS,1992:14)
Em outras palavras, elementos em constante interação uns com os outros,
formando a noção de espaço enquanto uma categoria formada por subsistemas ou
estruturas. Como dissemos uma “estrutura-estruturada”, ou seja, a estrutura espacial
como
Uma combinação localizada de uma estrutura demográfica específica, de
uma estrutura de produção específica, de uma estrutura de renda
específica, de uma estrutura de consumo específica e de um arranjo
específico de técnicas produtivas e organizativas utilizadas por aquelas
estruturas e que definem as relações entre os recursos presentes.
(SANTOS, 1992:17)
O entendimento de CASTELLS (1983) sobre a natureza do espaço também
não se distância da linha geral trabalhada até o momento, para o autor o espaço é
um produto material de determinada formação, uma expressão diacrônica da
estrutura social,
O espaço é um produto material em relação com os outros elementos
materiais — entre outros, os homens, que entram também em relações
sociais determinadas, que dão ao espaço (bem como aos outros elementos
da combinação) uma forma, uma função, uma significação social. Portanto,
ele não é uma pura ocasião de desdobramento da estrutura social, mas a
expressão concreta de cada conjunto histórico, no qual uma sociedade se
especifica. (CASTELLS, 1983:182)
Assim ao falarmos em teoria do espaço necessariamente devemos vinculá-la
a uma teoria social.
É interessante notar que essa concepção teórica sobre o espaço urbano não
impediu CASTELLS (1983) de delimitar a estrutura espacial à estrutura econômica,
embora a concepção geral caminhe para o entendimento do espaço enquanto
resultado da interação complexa entre os elementos que o compõe, o autor se
limitara à análise focada nos meios de produção e da força de trabalho — trazendo
para o campo espacial a crítica marxista. Talvez isso se dê devido ao fato do autor
não ter o interesse de demonstrar como o espaço é produzido, mas sim em
demonstrar a forma pela qual se produzem os problemas urbanos, e neste aspecto
13
realmente as delimitações impostas pelo modelo econômico de produção ditam as
regras para a superestrutura como um todo (GOTTDIENER, 1993).
Na linha do exposto em CASTELLS (1983), encontramos a base conceitual
do pensamento brasileiro sobre a produção do espaço nas nossas cidades.
Sinteticamente podemos falar em um “encapsulamento” do todo social, da
superestrutura
6
, pelos ditames gerados pelas demandas de uma sociedade baseada
no sistema de capitalista de produção capitalista
7
. Aqui a superestrutura só serve de
aporte para responder às demandas da infra-estrutura.
Ao fechar a análise apenas sobre o modo de produção, abstrai-se da
incontestabilidade da formação do corpo social por uma série de questões expressas
tanto pelo campo estrutural quanto pelo campo conjuntural. Outro ponto também
negligenciado trata do jogo de interação entre os elementos que dão forma à
estrutura espacial, gerando uma análise sincrônica que responde unicamente pelo
recorte sobre a economia de mercado, cujos resultados não conseguem responder
com exatidão à grave crise urbana que assola nossa sociedade.
É necessário, a partir da noção de espaço enquanto componente social, que
comecemos a refletir sobre a função desempenhada por outros elementos que
interagem na estruturação da sociedade. Se por um lado a critica sobre a
interferência dos processos direcionados pela economia de mercado em muito
avançaram e contribuíram para o entendimento da questão espacial, é necessário
que este mesmo passo seja dado na direção das outras estruturas componentes do
corpo social, como por exemplo, a racial, foco de nosso trabalho, e a de gênero,
componentes sociais que em muito antecedem a nossa experiência nacional de
sociedade de mercado.
6
Sinteticamente, seguindo a definição marxista, podemos definir por superestrutura todos os valores
sociais expressos no campo político, simbólico, cultural, entre outros, que acabam por ser
condicionados pela ação da infra-estrutura, o sistema de produção baseado na economia de
mercado.
7
Para melhor detalhamento ver GOTTDIENER (1993).
14
1.2 - A Segregação Espacial
Com a discussão teórica realizada nos parágrafos anteriores é possível
abordarmos a segregação sócio-espacial como uma manifestação urbana de
vinculação direta com a estrutura social, o que revela a mesma complexidade de
motivos geradores, baseados tanto em questões conjunturais quanto em questões
estruturais.
Dessa forma o conceito de segregação pode ser entendido como um conceito
dinâmico, representante de uma série de fatores e agentes, o que
conseqüentemente terá repercussão direta sobre a natureza da segregação e o
público segregado. Assim podemos ter segregação baseada: na classe social, forma
mais defendida pelos autores nacionais para explicar a segregação no Brasil; nas
características raciais, praticada institucionalmente com a política do apartheid na
África do Sul; e por último, nas características dos grupos étnicos
8
, como a
constituição dos guetos italianos, chineses e árabes, retrato comum das cidades
americanas.
É interessante notar que muitos autores, mesmo tomando conhecimento da
segregação enquanto fenômeno complexo e multidimensional, optem pela
abordagem exclusivamente baseada nas questões referentes ao capital financeiro
9
.
A exemplo, podemos citar VILLAÇA (2001): o autor entende que a segregação das
classes sociais “é a que domina a estruturação de nossas cidades” e define por
segregação
um processo segundo o qual diferentes classes sociais ou camadas sociais
tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais ou
conjuntos de bairros da metrópole.(VILLAÇA, 2001, 142)
8
É necessário aqui diferenciarmos o conceito de etnia do conceito de raça. Entende-se por etnia um
grupo social que se diferencia outros grupos por sua especificidade cultural, que se expressa através
das práticas religiosas, da língua, das praticas sociais, etc; por raça entende-se a subdivisão de uma
espécie cujos membros individuais mostram, com relativa freqüência, um certo número de atributos
hereditários que lhes garantem uma identidade genotípica e fenotípica diversa dos outros grupos (em
que se pese que o conceito de raça já foi derrubado pelas ciências biologias mas tem sua
manutenção garantida pelas praticas no campo social).
9 No Próximo capitulo trataremos com maior propriedade a questão da divisão do campo econômico
entre as diversas formas de capital que o compõe, dos quais o capital financeiro é um.
15
Aqui vemos discussão sobre a questão da segregação sócio-espacial
encerrada em torno da classe de renda da população, dessa forma como resultado
físico teremos como padrão de segregação a oposição “centro x periferia” — classe
de alta renda x classe de baixa renda—, onde temos
O primeiro, dotado da maioria dos serviços urbanos, públicos e privados, é
ocupado pelas classes de mais alta renda. A segunda, subequipada e
longínqua, é ocupada predominantemente pelos excluídos. (VILLAÇA, 2001,
142)
Outro ponto abordado pelo autor diz respeito ao processo dialético expresso
pela segregação voluntária e pela segregação involuntária, a primeira se refere à
concentração da parcela mais rica da população em áreas que respondem pelos
anseios de qualidade de vida urbana, a segunda diz respeito à concentração,
imposta economicamente, da população pobre em áreas de menor infra-estrutura e
serviços urbanos. Assim temos a homogeneização das áreas urbanas feitas em
sentidos opostos e complementares.
Há de considerar que apesar do autor declarar o alinhamento de sua
abordagem dos padrões espaciais “como produto da estrutura social” (VILLAÇA,
2001:152), na prática a estrutura social é entendida unicamente como manifestação
da ação estruturante do capital financeiro. Mesmo que pesemos a referência do
autor à necessidade de se investigar os aspectos ideológicos, econômicos e
políticos no processo de dominação e exploração decorrentes da produção espacial
nas cidades, esta “abrangência” multidimensional está subjugada pela noção de
encapsulamento. Assim, essa abrangência pode ser entendida como apenas uma
série de elementos dominados e subjugados pela estrutura econômica (resgatando
em última instância a noção de “superestrutura x infra-estrutura”).
Esta subjugação das outras instâncias que atuam sobre a estrutura espacial é
explicável pela forte base ideológica marxista que perpassa, em vários níveis, o
entendimento sobre as manifestações sociais, principalmente as referentes à
estruturação do espaço urbano. Sob este enfoque a segregação sócio-espacial é
entendida como fenômeno inerente às demandas da economia de mercado,
especificamente as demandas do mercado imobiliário.
Ao esmiuçarmos o conceito de segregação desejamos fugir do que LAGO
(2000) denominou imprecisão quanto aos limites conceituais e práticos sobre a
16
noção de segregação. Dessa maneira partiremos agora para outras leituras sobre o
fenômeno da segregação.
Além do entendimento do processo de segregação em sua correspondência
direta à ordem de mercado, também é possível abordar este fenômeno por um viés
que abranja a “ordem institucional”, ou seja, a segregação espacial como
A diferenciação espacial institucionalizada e legitimada por normas legais ou
sociais que conformam os enclaves fechados por barreiras físicas ou
simbólicas. A idéia de um novo padrão de segregação, presente no debate
atual sobre os impactos territoriais da reestruturação econômica e da
exclusão social (...) pressupõe a sobrevalorização da dimensão institucional,
privilegiando como evidências da nova segregação os condomínios
residenciais de alta renda e os guetos dos excluídos. (LAGO, mimeo).
Necessariamente estas duas formas de abordagem da segregação urbana
não são opositoras, é possível e desejável que realizemos uma ação no sentido de
resgatar a noção complementar entre os dois enfoques. Só a reconstituição entre
esse elo rompido poderá traçar um fiel retrato sobre a segregação espacial nas
cidades brasileiras, sua produção e o papel que exerce sobre a população
segregada.
Assim, adotaremos como conceito de segregação sócio-espacial o processo
social, institucionalizado ou não, pelo qual as pessoas de um determinado grupo
social se estabelecem em determinada área já ocupada por pessoas com
características semelhantes as suas, quer seja por imposições do sistema social, no
uso de mecanismos da estrutura econômica ou de outras estruturas, quer seja pelas
preterições individuais ou coletivas.
Especificamente neste trabalho, ao nos referirmos à segregação sócio-
espacial estamos dando enfoque para o processo onde fatores raciais —, de forma
velada—, e sócio-econômicos — de forma explicita—, acabam por expulsar a
população pertencente aos grupos de vulnerabilidade social para áreas de menor
presença do Estado. O direcionamento da pesquisa se dará neste sentido por
entendermos que a crítica sobre a segregação estruturada pelos fatores relativos à
economia de mercado já se encontram bem desenvolvidos.
17
1.2.1 - A Segregação Espacial no Distrito Federal
Com base nos conceitos sobre os quais nos avançamos subitens anteriores,
passaremos a analisar o espaço urbano do Distrito Federal, analisar a dicotomia
social entre Brasília/Cidades-Satélites. Para esta análise é de vital importância que
reconstruamos o pensamento de autores como Campos (1991), Gouvêa (1995),
Nunes (2003), de modo a constituir um quadro de entendimento sobre a questão da
segregação espacial no DF.
Adiantando a análise, todos estes autores, em face da força de uma ideologia
marxista, se ocuparam da abordagem do fenômeno da segregação espacial
enquanto um processo inerente à ordem do mercado, quer seja pela interpretação
objetiva do mercado imobiliário, quer seja indiretamente através do encapsulamento
dos outros focos referentes à superestrutura, especificamente pela ação do estado
na conformação do espaço urbano e pela ação do campo de trabalho na
conformação da vida social.
Começando pelos autores que se alinham indiretamente à abordagem da
segregação urbana como ordem do mercado, passaremos a abordar o pensamento
de GOUVÊA (1995).
Defendendo a tese da ação estruturante do Estado enquanto principal
articulador da produção do espaço urbano na Capital Federal, principalmente sob o
ponto de vista da produção da habitação de interesse social, GOUVÊA (1995) dá
novo enquadramento à perspectiva de análise sobre a segregação sócio-espacial no
Distrito Federal (DF). Dentro desta perspectiva de atuação do Estado, o autor irá se
debruçar sobre o processo de oposição entre Brasília e Cidades Satélites (atuais
Regiões Administrativas-RA), oposição que tem como origem a remoção das
ocupações operárias, ainda no período de construção de Brasília, e o assentamento
desta população em núcleos distantes do Plano Piloto de Brasília — núcleo
concentrador de emprego e renda —, o que demarca o fator principal pra a
ampliação da distância social entre moradores do Plano Piloto e moradores das
Cidades Satélites.
Assim, fonte de uma deliberação em nível de planejamento territorial, a
estrutura urbana que viria a se desenvolver no Distrito Federal passava a se
caracterizar por uma forte polarização que separa Brasília das Cidades Satélites
18
como quem separa os opostos: legalidade-ilegalidade, inclusão-exclusão, riqueza-
pobreza, alfabetização-analfabetismo, etc. O autor vê a polarização como forma de
estruturação da dominação sobre os operários: ao isolar o trabalhador do Plano
Piloto, centro de poder e empregos, limitou-se a sua mobilidade em vários aspectos
da vida social, cuja expressão máxima foi a mobilidade física, já que em sua maioria
os assentamentos se distanciavam do plano em no mínimo 30 quilômetros. Esse
isolamento assumiu caráter ainda mais grave devido à carência de um sistema de
transporte eficaz.
Para entender o papel do Estado neste processo é necessário que tomemos
mais detidamente o argumento de Gouvêa. Em uma análise antecipada podemos
interpretar seu entendimento sobre a ação do estado sob dois focos: a primeira,
enquanto estrutura estruturante; a segunda, enquanto estrutura estruturada. Esse
comportamento da ação do Estado, enquanto produto e produtor da estrutura social,
categorias indissociáveis e complementares, é entendido pelo autor enquanto
correspondência aos anseios do capital econômico sobre o espaço urbano: as
relações de produção, tomadas como essência da vida social e esqueleto da
estrutura social, atuariam de forma direta na estruturação do espaço urbano. Sob
este aspecto, a estrutura urbana, na linha do que vimos construindo, é entendida
como uma das componentes da estrutura social.
Essa interface “capital-espaço urbano”, como pano de fundo para a ação do
Estado, atuaria de modo a configurar no espaço urbano a relação “capital x estado x
força-de-trabalho”, em outras palavras, a lógica das classes sociais, ou seja, os
meios de produção da burguesia versus a expropriação da força de trabalho do
operariado, por meio da ação deliberada do Estado, seria o principal mecanismo
para a definição do arranjo espacial das cidades.
Sob esta ótica, onde o solo urbano se configura como mercadoria e bem
necessário para a produção do capital econômico, onde a propriedade imobiliária, os
lotes urbanos, legalizados ou não, tomam característica de mercadoria, alienada de
um valor de uso e assumida enquanto valor de troca, que afirma o processo de
renda da terra enquanto lucro “obtido por meio de condições vantajosas e
apropriado pelo proprietário do lote” (Gonzáles, in GOUVÊA, 1995: 23), temos
A cidade capitalista (...) como a sede do poder, que controla o modo de
produção, se constituindo, por isso mesmo como abrigo por excelência das
19
classes dominantes e no local onde as relações Estado-Capital-Força de
Trabalho se dão de forma intensa(...). (GOUVÊA, 1995: 22)
Nestes termos, defendidos pelo autor, temos uma condição onde a
segregação sócio-espacial acaba por configurar-se como condição sine qua non
para a existência da cidade capitalista. Cabe entender: a partir do momento em que
o solo urbano passa a auferir lucro ao proprietário, temos a criação de um nicho de
disputa comercial, que implica em desconfiguração da função social da propriedade
e da cidade em prol do lucro das elites econômicas.
Dessa forma, embora não seja explicitado em Gouvêa, podemos identificar a
sua tentativa de construção do conceito de instrumentalização. Aqui a
instrumentalização se refere á forma como as ações do Estado, por meio das
soluções em habitação e planejamento urbano, trabalham no sentido de auferir
lucros às elites econômicas e no sentido da dominação, legitimada, da população
operária.
Em uma outra perspectiva de entendimento sobre o processo de segregação
espacial no Distrito Federal Nunes (2005), ao pesquisar a realidade social do Distrito
Federal, com o intuito de delimitar e identificar as classes sociais, no sentido de sua
locação no espaço, bem como as suas práticas, quer aferir a hipótese de que a
estruturação das práticas sociais pode ser explicada enquanto práticas de classe.
Essa hipótese é clarificada pelo entendimento da sociedade brasileira como
sociedade de mercado, e enquanto sociedade de mercado, a estratificação social se
dá em nível de classes de renda.
Essa perspectiva de sociedade de mercado será de vital importância para
entendermos a hipótese trabalhada por Nunes (2005). Para o autor o mercado
enquanto estruturador da sociedade impõe limites reais às ações de planejamento,
Brasília seria a expressão máxima desta constatação.
Entender a limitação ao planejamento, imposta pelo mercado, já nos
remetendo à realidade de Brasília, requer primeiramente repensar toda mobilização
agenciada pelo Estado para a construção da cidade, construção que transpassa
construção física da cidade e vai ao encontro da construção simbólica de um novo
Brasil a partir de Brasília — um novo país, cheio de desenvolvimento e
oportunidades. A construção simbólica acerca da construção da nova capital gerou o
que Nunes chama de mito do “Eldorado”, o mito de participar da construção do que
20
viria a ser o símbolo do desenvolvimento do país. Este mito funcionou como principal
atrativo para o deslocamento de milhares de habitantes, das mais diversas regiões,
principalmente do Nordeste.
Enquanto necessário para a construção da cidade, o operariado era
estimulado a continuar no sonho do “eldorado”. Sonho que só começaria a se
desmoronar com o término da construção, quando todos os assentamentos foram
desmontados e os antigos operários transferidos para conjuntos habitacionais
distantes do Plano Piloto de Brasília (em que se pese a exceção de alguns núcleos
que conseguiram permanecer inseridos na proximidade do Plano Piloto).
Nunes (2005) entende que essa ação só foi possível devido ao planejamento
ter entrado em adequação à especulação imobiliária rapidamente, implantando uma
lógica perversa da ocupação do território onde os espaços imediatamente próximos
ao Plano Piloto seriam esvaziados tendo em vista sua alta valorização. Assim, a
estruturação do espaço urbano do Distrito Federal, apesar do poder planejador do
Governo, sonho dos urbanistas, gerou uma cidade igual às outras cidades do Brasil,
mais que isso gerou uma cidade com incrível ‘requinte’ sob o ponto de vista da
segregação espacial: mais que em qualquer cidade do país, Brasília conseguiu
imprimir em seu espaço urbano um rígido desenho do perfil econômico e da situação
sócio profissional, o que somado a questão da distância do Plano Piloto dá grande
sentido a sensação de exclusão para os moradores das Cidades Satélites.
Essa situação inicial em muito foi complicada devido ao rápido adensamento
populacional das últimas décadas, atualmente o Distrito Federal tem
aproximadamente 2 milhões de habitantes, em sua maioria amontoada nas Satélites.
Em parte esse adensamento corresponde diretamente à lógica da distribuição da
população segundo o perfil profissional. Se entendermos a sociedade brasileira
como uma sociedade de mercado, é interessante tratarmos da questão do
adensamento populacional concentrado nas Satélites não apenas do ponto de vista
da distribuição e concentração do bônus urbano (característica maior dessa
dualidade “Brasília x Satélites”), mas também, sob uma lógica social de distribuição
de trabalho e educação.
Vale ressaltar as limitações que recaem sob o campo do trabalho: a
população adensada nas satélites, em sua maioria despreparada profissionalmente,
acaba por constituir-se em reservatório de trabalho não aproveitado por uma
economia bastante fragilizada e incapaz de absorver esta oferta. Assim o autor tenta
21
demonstrar a função estruturante do mercado de trabalho na locação dos indivíduos
no espaço urbano.
Concluindo a nossa análise sobre as críticas produzidas sobre a segregação
sócio-espacial no Distrito Federal, passaremos à análise do pensamento de Campos
(1991). Para além das explicações convencionalmente pautadas em vias descritivas
que se abstraem da noção de cidade enquanto “produto social complexo”, o trabalho
de Campos (1991) quer estabelecer, através de uma teoria do valor, de corte
marxista, uma perspectiva de análise que dê conta do processo de produção do
espaço urbano na economia capitalista, especificamente, que dê conta do processo
de produção e reprodução da segregação sócio-espacial em cidade planejada. Esta
análise tentará desvendar os mecanismos sobre os quais se estruturam o processo
de segregação social no espaço, explicitando sua gênese e desenvolvimento, bem
como as ações e os atores que contribuem para a instalação e manutenção deste
processo.
Para o autor, na medida em que o processo de produção da estrutura social
em economias capitalistas é baseado no atendimento às demandas do capital, o
solo urbano, enquanto base física para os processos econômicos, torna-se entidade
imprescindível aos processos de produção e reprodução do capital. Neste sentido a
segregação espacial não deve ser simplesmente entendida enquanto falta da
atuação dos mecanismos de controle do Estado, especificamente as ações de
planejamento urbano e territorial. Se o solo urbano representa condição essencial
para a produção e reprodução do capital econômico, a ação do estado ou falta de
ação se dá no sentido de garantir a estrutura ditada pelo capital.
O entendimento do parágrafo anterior é explicitado no caso de Brasília:
enquanto representação máxima do sonho do planejador urbano, a cidade
demonstrou que a ação do Estado se dá no sentido de afirmar as demandas do
mercado, em detrimento do atendimento dos anseios populares por moradia e terra
urbanizada, mesmo quando a tendência seria de atuar em sentido contrario, posto
que a realidade fundiária de Brasília garante à Gestão Distrital a propriedade do solo
urbano.
Em uma análise mais profunda o autor entende a atuação do Estado como
um dos componentes para a estruturação da segregação espacial. O autor partirá da
construção da segregação como fenômeno resultante das intermediações
complexas entre os agentes e suas atividades no ato de conformação do espaço
22
urbano. Neste sentido o espaço urbano é entendido enquanto categoria estruturada
sob as determinações das relações sociais de uma sociedade capitalista: se por um
lado encontramos a estruturação do espaço dialogando com as razões estruturais,
entendidas aqui como a sociedade capitalista; por outro, não podemos negar a força
das razões conjunturais, entendidas aqui como a atuação específica dos agentes
sociais (proprietários, empresas, imobiliárias, usuários de moradia, incorporadores,
entre outros) e agentes institucionais (órgãos governamentais e financeiros).
Para o autor a atuação do capital incorporador é uma das principais causas
da segregação residencial: o sistema de domínio da propriedade das terras pelo
Governo Distrital, especificamente, o fato de a terra ser oferecida ao mercado
imobiliário por meio de licitações públicas — leilões — garante ao grande
incorporador enorme vantagem sobre os pequenos empreendedores ou sobre as
pessoas interessadas em adquirir uma propriedade imobiliária, isto por que estas
empresas detêm maior capital financeiro o que lhes possibilita um “monopólio” sobre
as terras públicas.
O grande problema desta reserva do mercado de terras para os grandes
empreendimentos incorporadores se dá devido ao direcionamento que estes dão à
terra urbana: visando o máximo potencial de lucro os empreendimentos imobiliários
são exclusivamente destinados às camadas mais ricas da população. Para o autor a
sobrevivência desse sistema só é possível porque o mercado cada vez mais altera
os padrões de moradia a partir da agregação de novos atributos, o que reponde pelo
delineamento de novas “necessidades” para as classes ricas.
Esse processo de criação de rendas diferenciais necessita constantemente
de inovação do produto ofertado, isso significa dizer que as inovações influenciarão
diretamente o preço final do produto ofertado, conseqüentemente significa dizer que
a grande parcela da população, pobre ou de classe média-baixa, parcela com os
maiores índices de déficit habitacional, está excluída do mercado imobiliário no DF.
Com base nesta linha de análise o autor quer fazer ver o papel do capital
incorporador na estruturação da segregação sócio-espacial no momento atual.
O processo de valorização deste capital — o incorporador — está
intimamente associado à exacerbação da segregação social, isto é, ele não
só se alimenta dela como também a produz. (Smolka, in CAMPOS, 1991:
112)
23
Para além da estruturação espacial criada diretamente pela ação do Estado
no período de implantação da área urbana do DF, o momento atual é marcado pelo
domínio das leis da economia de mercado sobre a oferta de terras á população.
Reconstruído o pensamento sobre a segregação urbana no espaço urbano
do Distrito Federal, onde agrupamos os autores segundo a forma como estes
entendem este processo, dentro das categorias propostas por LAGO (mimeo) temos:
por um lado, de forma mais rígida, a linha investigativa assumida por Campos (2005)
onde a segregação é assumida como um processo inerente ao processo de
produção e reprodução do sistema capitalista, mais especificamente à ordem de
mercado, nesta perspectiva de abordagem, onde o imóvel urbano, tanto quanto um
produto qualquer, é passível das disputas do mercado, a segregação residencial é
expressão inequívoca das disputas locacionais no processo de estratificação social;
Já para Nunes (2005) e Gouvêa (1995), apesar de uma leve aproximação à
abordagem proposta por Campos (1989), principalmente no que se refere aos
mecanismos de circulação do imóvel urbano, o foco de abordagem da questão da
segregação urbana se estabelece a partir da análise sobre a ordem institucional,
dessa forma a segregação é produzida por uma série de normas legais, ora
produzidas pela ação do Estado, ora produzida pelas práticas sócio-territoriais dos
agentes urbanos.
Se tomadas de forma fechada, tanto a segregação entendida como ordem de
mercado quanto a segregação entendida como ordem institucional correriam em
sérias limitações ao método de análise, uma por se preocupar com os mecanismos
“universais” que estruturam a comercialização dos imóveis urbanos, outra por se
limitar em demasia com os arranjos da instância institucional local em sua
articulação particular no processo de segregação sócio-espacial. Como nos propõe
FERREIRA (1996), a analise sobre as questões espaciais exige um foco atendo
sobre as questões globais, a qual a localidade não escapa, sem que deixemos de
nos atentar sobre nossas particularidades locais, sob o preço de adotarmos soluções
ineficazes diante de um sistema social cheio de particularidades.
È notório que as pesquisas desenvolvidas por Campos (1991), Gouvêa
(1995) e Nunes (2003), em muito avançaram no sentido de esmiuçar os mecanismos
da sociedade de classe social em sua atuação direta sobre o espaço urbano do
Distrito Federal. Mas procurando o sentido de dinâmica científica a análise sobre a
24
estrutura racial no processo de estruturação do espaço urbano outro foco de
análise.
Quando somamos a pesquisa sobre a segregação espacial, de um ponto de
vista racial, aos mecanismos do mercado imobiliário, com suas correspondências
diretas aos mecanismos instituídos pelo Estado e pelo mercado de trabalho, temos
uma maior cobertura da realidade urbana do Distrito Federal. Assim temos, ao invés
de um sentido de substituição das explicações até então alcançadas, o
estabelecimento de uma complementaridade, posto que a realidade urbana tenha
complexidade mais vasta que a perceptível por um único foco de pesquisa, e como
veremos nos capítulos posteriores, analisar o espaço urbano com foco sobre a
estrutura econômica e pela estrutura racial, ou de gênero, entre outras que podem
vir a enriquecer a análise, não implicam em oposição, mas sim em
complementaridade.
25
CAPÍTULO II
AS RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL
“(...) a raça, como traço fenotípico historicamente elaborado,
é um dos critérios mais relevantes que regulam os
mecanismos de recrutamento para ocupar posições na
estrutura de classes e no sistema de estratificação social.
Apesar de suas diferentes formas (através do tempo e
espaço), o racismo caracteriza todas as sociedades
capitalistas multirraciais contemporâneas. Como ideologia e
como conjunto de práticas cuja eficácia estrutural manifesta-
se numa divisão racial do trabalho, o racismo é mais do que
um reflexo epifenomênico da estrutura econômica ou um
instrumento conspiratório usado pelas classes dominantes
para dividir os trabalhadores. Sua persistência histórica não
deveria ser explicada como mero legado do passado, mas
como servindo aos complexos e diversificados interesses do
grupo racialmente supraordenado no presente.”
(Carlos Hasenbalg-2005)
É notório e inquestionável que o negro, principalmente sob a condição de
escravo, teve um papel impar na estruturação econômica do país, quer seja como
mercadoria tributável por impostos, quer seja como força motriz a puxar o arado, ou,
ainda, bateia a lavar ouro e diamante: o negro foi construído socialmente como
instrumento indispensável, ferramenta essencial ao ato de colonizar, ocupar a terra e
dotá-la de infra-estrutura. Essa condição do negro enquanto instrumento de trabalho
se estende, nos moldes da lógica colonial, até o revés causado pela adoção do
sistema de produção baseado em trabalho assalariado, no período de transição
entre o Império e a República. A exploração do negro seria fato social a marcar toda
a estrutura social brasileira, da vida sexual dos senhores de engenho à religião
praticada no país.
Entender o lugar do negro na sociedade brasileira, entender a construção do
negro pelos mecanismos sociais, requer antes de tudo reconstruir o quadro da nossa
formação social. É necessário tomar consciência do papel desempenhado pelo
negro à estrutura produtiva: o escravismo (enquanto base do sistema de produção
brasileiro até o final do período imperial), para muito além de reservar para o negro o
papel de mero objeto de trabalho, agiu diretamente na construção de um lugar social
para a população negra, quer seja através dos mecanismos que o impediriam de
acessar melhores posições nas disputas sociais travadas no “campo econômico”,
26
quer seja pelo estabelecimento de um paralelismo, ou intersecção, entre a cor dos
indivíduos e o desempenho e prestígio social, quer seja pelo estabelecimento de um
elaborado mecanismo de dominação no campo simbólico com ação direta na
estruturação das questões raciais no Brasil.
Embora a história do Brasil possa ser caracterizada por distintos momentos
que vão do início da colonização à implantação da República, nos interessa mais
diretamente o momento histórico da transição do sistema colonial para o capitalista.
Neste período onde ocorre o choque do sistema de produção nacional — agrícola —
com o sistema de produção europeu — industrial —, onde o sistema baseado no
trabalho escravo choca-se com o sistema baseado no trabalho assalariado, onde o
branco começa a se dar conta do negro, então livre, como sujeito social e
concorrente em potencial nas disputas no campo econômico, neste período de
choque é que se dá o avanço no sistema de dominação racial: de um racismo
declarado, em termos de violência e dominação físicas, para um racismo
dissimulado, expressando-se e impondo-se no jogo social por meio das instituições
sociais e do poder simbólico exercido por estas e pelos indivíduos.
As questões simbólicas, o capital simbólico a ser construído e disputado pela
sociedade, se revestem de importância para o entendimento da sociedade tanto
quanto as questões de caráter mais concreto, como, por exemplo, o domínio do
capital financeiro.
Neste quadro de redefinição da dominação física para uma dominação
simbólica, com base na exclusão da população negra ao acesso do capital social e
do capital simbólico (em sua estruturação no campo econômico), a proposta do
capitulo é de esmiuçar fatos e comportamentos sociais que delimitam e direcionam
as relações raciais na sociedade brasileira. Dessa forma almejamos tornar um pouco
mais claro esse campo obscuro das relações raciais.
2.1 – Da Dominação Física à Simbólica
Em especial no período que marca a quebra do sistema de produção
baseado no trabalho escravo (substituído pelo assalariado), onde a produção
artesanal entra em choque com a produção industrial, onde o absolutismo
27
monárquico se choca com o liberalismo, período que se dá entre os séculos XIX e
XX, temos a construção das bases que viriam a constituir o Brasil contemporâneo:
um país de economia de mercado ainda arraigado de conservadorismo colonial.
Como nos lembra Schwarz, as mudanças se deram mais sobre o campo ideológico
que sobre o prático: se por um lado ocorria o atrelamento intelectual ao ideário
liberal do capitalismo europeu, por outro, mais prático, regia as atitudes coloniais.
É nesse período de grandes contradições e choques de interesse que se dá à
libertação dos escravos, fato que marcaria definitivamente todo o desenvolvimento
social do país e principalmente a inserção do negro na vida da sociedade brasileira
enquanto homem livre mas não menos limitado em seu desenvolvimento sócio-
econômico
10
.
É necessário entendermos que, apesar das mudanças no sistema econômico,
o país ainda era o mesmo: nossas elites ainda pensavam uma realidade européia
para o Brasil, fato que se manifestava principalmente pela insatisfação da
composição racial da nação (com esses motivos seria justificada a importação de
mão-de-obra imigrante, branca e européia, sob a desculpa da necessidade criada
pela abertura de postos de trabalho assalariado — para os quais os trabalhadores
brasileiros não estavam aptos).
Neste momento, só para entendermos o nível de desenvolvimento e proposta
social pensada pela elite intelectual, para entendermos até que ponto a proposta
revolucionária da “igualdade, liberdade e fraternidade” era praticada, tomaremos o
pensamento de José Bonifácio
11
, um dos precursores do pensamento abolicionista
Sejamos justos e benéficos, senhores, e sentiremos dentro da alma que não
há situação mais deliciosa que a de um senhor carinhoso e humano que
vive sem medo e contente no meio de seus escravos, como no meio da
própria família, que admira e goza do fervor com que os desgraçados
advinham seus desejos, e obedecem a seus mandos, observa com júbilo
celestial como maridos, mulheres, filhos e netos, são e robustos, satisfeitos
e risonhos, não só cultivam a sua terra para enriquecê-los, mas vem
voluntariamente oferecer-lhe até as primícias dos frutos de sua terrinha, de
caça e pesca a um Deus tutelar. (BONIFACIO, in MENESES, 1989: 246)
10
Aqui devemos fugir da ilusão provocada por casos esporádicos e específicos de sucesso individual
de membros da raça negra. Muitos têm tomado a particularidade desses casos para tentar justificar a
validade do conceito de democracia racial.
11
BONIFÁCIO, J. Depois da Abolição. In: MENESES, D. (org). O Brasil do Pensamento Brasileiro.
Brasília: Senado Federal, 1998.
28
Em outras palavras, a concessão da liberdade como forma de continuidade
da subjugação racial, sob certos aspectos até mais produtiva.
Devemos entender a posição dicotômica desta elite intelectual, em sua
maioria: filhos de abastados fazendeiros que constituíram riqueza com a exploração
do trabalho escravo das raças dominadas, a estes filhos pródigos coube pensar os
avanços para um Brasil liberal e republicano. Uma situação psicológica nada
confortável, talvez em muito equiparável à situação da elite contemporânea ao se
defrontar com a possível quebra dos privilégios reservados historicamente à raça da
qual fazem parte — a raça branca.
Como sabemos, a proposta abolicionista vingou, pelo menos em parte, e o
Estado brasileiro, sob a ideologia de um estado de democracia racial, em muito se
mostrou diferente do sistema praticado pelo governo estadunidense em relação à
institucionalização de práticas discriminatórias ou racistas.
Mas se o Estado brasileiro se caracterizaria institucionalmente como uma
democracia racial, que instrumentos ou mecanismos atuariam na manutenção dos
privilégios destinados à elite branca? Como seria mantida a exploração sobre a raça
negra que teve como auge da exploração o escravismo do período colonial?
As respostas a estes questionamentos marcam o real e grande “avanço” da
nação brasileira em relação aos Estados Unidos: das relações raciais estruturadas
pela dominação física das raças escravizadas às estruturadas pelo domínio
simbólico de negros e índios.
Recorreremos aos conceitos desenvolvidos por BOURDIEU (2004; 2005;
2000;1997) e por BERGER (1995) para abordarmos essa migração ao plano da
dominação no campo de simbólico.
A mudança na forma de manifestação da dominação racial, ao transpor o
campo físico (explicito) e orientar-se pela dominação simbólica, faz necessário
adentrarmos nossa análise sobre os sistemas simbólicos em sua ação sobre o
espaço social.
Dessa forma o primeiro passo será recuperarmos a noção de espaço social.
Para BOURDIEU (2005) entender o espaço social implica necessariamente romper
com a teoria marxista, romper com
Tendência para privilegiar as substâncias — neste caso, os grupos reais,
cujo número, cujos limites, cujos membros, etc. se pretende definir — em
detrimento das relações e com a ilusão intelectualista que leva a considerar
29
a classe teórica, construída pelo cientista, como uma classe real, um grupo
efetivamente mobilizado; ruptura com o economismo que leva a reduzir o
campo social, espaço multidimensional, unicamente ao campo econômico,
ás relações de produção econômica constituídas assim em coordenadas da
posição social; ruptura, por fim, com o objetivismo, que caminha lado a lado
com o intelectualismo e que leva a ignorar as lutas simbólicas desenvolvidas
nos diferentes campos e nas quais esta em jogo a própria representação do
mundo social. (BORDIEU, 2005: 133)
Sob esta perspectiva, espaço social é entendido como o lugar de disputas na
qual os atores sociais (individuo e grupos) elaboram estratégias que permitem
manter ou melhorar sua posição social (BOURDIEU,2005). Estas estratégias se dão
em nível das diferentes formas de capital.
Já por capital entende-se determinada vantagem, bem ou valor passível de
acumulação pelos atores sociais, tomados como bem a ser disputado em algum dos
campos sociais. A noção de capital desenvolvido por Bourdieu não se restringe a
noção de capital financeiro da teoria marxista, o autor entende que para a definição
da posição dos indivíduos na estratificação social é necessário uma interação entre
as diversas formas de capital.
Voltando a noção de ruptura proposta por Bourdieu, podemos avançar para o
entendimento de campo social, aqui persiste uma complexidade de fatores de
caráter multidimensionais que interagindo entre si agem para a estruturação do
campo. Vale lembra que para Bourdieu campo social é um espaço
Multidimensional de posições tal que qualquer posição atual pode ser
definida em função de um sistema multidimensional de coordenadas cujos
valores correspondem aos valores das diferentes variáveis
pertinentes(...).(BORDIEU, 2005: 135)
Podemos falar em um interesse bourdieuniano sobre as “relações” entre os
elementos que definem o campo social e o espaço social. Nessa perspectiva temos
condição para inserir as questões referentes à cor, etnia ou raça dos atores sociais
no sistema de distribuição destes na estrutura do espaço social: se a posição é um
processo de interação entre os diversos tipos de capitais, a cor dos indivíduos, per
si, em face de um processo de escravização da raça negra, pode garantir ao
branco uma vantagem natural que se expressa na simples característica de cor da
pele, denominaremos esta vantagem por capital racial, vantagem natural de
pertencer à raça branca.
30
Dado o primeiro passo, que se constituiu no entendimento de alguns
conceitos básicos, mas principalmente no entendimento da complexidade dos
fatores que agem na conformação da noção de espaço social, é possível
avançarmos para o conceito de sistema simbólico (ciências, mitos, artes, religião,
língua, etc.) e poder simbólico. Como vimos o capital racial naturaliza uma vantagem
social dos indivíduos pertencentes à raça branca pelas simples características da
própria raça: como esta vantagem inicialmente dada pela posse e escravização das
raças dominadas passa para o domínio em um campo fluído onde nem sempre é
possível perceber esta dominação.
Justamente sobre este enfoque vemos a ação do poder simbólico, para
BOURDIEU (2005: 8) o poder simbólico é “esse poder invisível o qual só pode ser
exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos
ou mesmo que o exercem”.
Complementarmente, o sistema simbólico constitui-se como instrumento de
conhecimento e comunicação, o que lhes da o poder de “construção da realidade”
que tende a estabelecer
Uma ordem gnoseólogica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do
mundo social) supõe aquilo a que Durkheim chama o conformismo lógico,
quer dizer, “uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número,
da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências”.
(BORDIEU, 2005:9)
Dessa forma foi possível ocorrer a transposição da forma de dominação racial
da sociedade brasileira: os anos de escravidão que subjugaram a raça negra agiram
nos sentido de consolidar o sistema simbólico brasileiro a cerca das relações raciais,
consolidação em muito garantida pela produção simbólica dos meios culturais. Vale
notar que esse sistema não seria abalado pela libertação dos escravos, muito menos
pelo sucesso na progressão social de atores sociais negros agindo individualmente.
É de se ressaltar que a constituição do sistema simbólico brasileiro se deu
em nível de pactuação entre os agentes que compõem a estrutura social brasileira,
essa pactuação vem no sentido de garantir a manutenção e reprodução da ordem
social
12
.
12
A noção de pactuação acerca da manutenção da ordem social não poderia ser diferente: a
dominação, ao se dar em nível de imposições não pactuadas, poderia representar uma tomada de
consciência do grupo negro quanto a própria dominação a que esta submetido.
31
Não podemos nos esquecer que esta pactuação, na forma da produção
simbólica, como detalhada na teoria de BORDIEU (2005), esta voltada para o
interesse das classes dominantes, em outras palavras poderíamos dizer que a
cultura atuou no sentido de gerar a:
“Integração real da classe dominante” – através da distinção dos
membros componentes desta classe a partir de um sistema de
comunicação direto dentro do grupo.
“Integração fictícia da sociedade em seu conjunto” - aqui impera o
sentido de desmobilização sócial das classes dominadas, ou da
anomia durkheimiana. Esse quadro fragmentado gerará a falta de
consciência de grupo.
“Legitimação
13
da ordem estabelecida” – neste ponto, entra em ação
as hierarquias sociais, ou seja, o estabelecimento da distinção entre os
atores sociais.
“Legitimação das distinções” – Esta ação age no sentido de legitimar
as distinções operadas pela legitimação da ordem estabelecida.
Os instrumentos detalhados no parágrafo anterior são os que garantem às
classes dominantes a “domesticação dos dominados”, em outras palavras, garantem
à raça branca a total submissão das raças dominadas (aqui, especificamente, a raça
negra) ao sistema de dominação. Nessa perspectiva o sistema brasileiro de
dominação racial é muito mais eficiente que o praticado nos Estados Unidos, pois
aquele não permite à raça dominada identificar-se na situação de grupo socialmente
explorado.
13
Legitimação enquanto tipificação recíproca de ações habituais pelos atores sociais (BERGER, 1985:
79. Enquanto padrões estabelecidos socialmente ao longo do tempo e que tendem a permanecer
impostos ou vigentes por meio do controle social.
32
2.2 – Miscigenação ou Assimilação?
Com base na teoria geral sobre o processo de dominação da raça negra cabe
neste subitem dedicar maior atenção ao fenômeno da miscigenação enquanto
manifestação social que orientou a formação da sociedade brasileira.
O processo de miscigenação assumiu, e ainda assume, o papel de fato social
impar na formação das relações raciais brasileira. Ao analisarmos o papel
desempenhado por ela na formação da estrutura social, é necessário de antemão
reavaliar o seu uso e conceito.
Dois caminhos são possíveis no entendimento do processo social de
miscigenação, ambos merecem destaque por representarem a forma como o
pensamento brasileiro, tanto o popular quanto o acadêmico, trata a questão dos
relacionamentos e cruzamentos inter-raciais: o primeiro, representando a visão
baseada no senso comum, toma por miscigenação o simples processo de
cruzamento biológico entre raças socialmente instituídas; numa outra abordagem,
temos o conceito de miscigenação vinculado à estrutura social do fenômeno,
passando assim, necessariamente, pelas dimensões política-ideológica,
psicossociológica e econômica, entre outras (MUNANGA, 2004: 21).
Nessa última perspectiva, onde a abordagem do processo de miscigenação
se dá de forma mais abrangente, pois se vincula aos processos sociais como um
todo, é possível questionar o processo de miscigenação brasileiro enquanto
processo harmônico onde a mistura de raças é tomada como aceitação da diferença.
Cientes da proposta assimilacionista, oculta por trás do discurso da miscigenação,
podemos falar em uma orientação eugenista atuando nesse processo,
principalmente se tomarmos por referência o final do período imperial e início do
período republicano onde se começava a formação da idéia de nação brasileira:
Nesse momento, em face de uma população negra majoritária, era necessário limpar
o sangue negro que manchava a possibilidade de desenvolvimento da nação, era
necessário melhorar a nossa raça. Assim a miscigenação fundamenta-se no
processo de branqueamento da diversidade multirracial brasileira.
Ao contrário do que tentou fazer ver Gilberto Freyre, a miscigenação
brasileira não foi natural (no sentido de um intercurso sexual horizontal e
harmonioso), como o próprio autor deixa “escapar”, a exploração sexual do grupo
dominado, ocasionado pelo sistema escravista, era algo naturalizado.
33
Foram os senhores das casas-grandes que contaminaram de lues as
negras das senzalas. Negras tantas vezes entregues virgens, ainda
molecas de doze e treze anos, a rapazes brancos já podres de sífilis das
cidades. Porque muito tempo dominou no Brasil a crença de que para o
sifílico não há melhor depurativo que uma negrinha virgem. (FREYRE, 1984
:317)
Uma miscigenação, num primeiro momento, construída pela força de abusos
sexuais dos portugueses sobre as mulheres das raças dominada e seguida de perto
pelos “senhores das casas-grandes” no aliciamento de suas escravas.
Vista dentro deste contexto colonial, a mestiçagem deveria ser encarada,
primeiramente, não como um sinal de integração e de harmonia social, mas
sim como dupla opressão racial e sexual, e o mulato como símbolo
eloqüente da exploração sexual da mulher escravizada pelo senhor branco.
(MUNANGA, 2004: 31)
Os passos seguintes, dados pela miscigenação fundamentada pela ação do
Estado, se dão com a introdução da população imigrante européia, uma população
branca que através do almejado processo de darwinismo social, em um futuro
próximo, contribuiria para a formação de um Brasil branco — desenvolvido —
(CORONE, 2002).
O entendimento que dominava a noção de identidade racial, ou melhor, de
tipo racial, no pensamento da elite nacional foi de vital importância para tal projeto.
Para muito além da visão estritamente econômica exposta em FURTADO (1982), o
projeto de imigração posto em prática no Brasil serviu, antes de tudo, para os
anseios da classe dominante em constituir um país branco.
O tipo social imaginado era incompatível com uma imigração não branca,
razão apresentada para condenar a vinda de chineses, hindus e japoneses,
apresentados como representantes de civilizações decadentes que podiam
atrasar o processo histórico de formação racial do brasileiro. Quanto aos
africanos, sequer foram cogitados como imigrantes (...). (SEYFERTH,
1996:41)
É possível que o processo brasileiro de miscigenação seja tomado como um
grande avanço de um sistema colonial humanista, praticado pelos povos ibéricos?
Em oposição: a pouca miscigenação presente na colonização dos países
colonizados por povos não ibéricos, principalmente em relação às colônias inglesas
na América do Norte, podemos tomar como simples indisposição dos ingleses em
misturarem-se aos povos dominados?
34
A miscigenação, mesmo que em aspectos estritamente biológicos não deve
ser entendida pala simples pré-disposição do grupo dominante em fazer intercursos
sexuais com as mulheres do grupo dominado. Os relacionamentos sexuais inter-
raciais entre colonizador e colonizado é melhor entendido quando abordamos o
estoque de mulheres brancas disponíveis em cada processo de colonização. Assim
temos uma diferença básica que oferece razões mais fortes para a diferenciação no
processo ibero-americano do processo anglo-americano.
Outro aspecto da miscigenação brasileira diz respeito ao seu caráter
desfragmentador da identidade negra da população miscigenada: o baixo
contingente populacional de homens brancos no processo de colonização
exploratória, frente à miscigenação bastarda (fruto do cruzamento entre senhores
brancos com suas escravas negras), abriu espaço para que mestiços ocupassem
cargo de melhor prestígio social, e por vezes cargos de controle do enorme
contingente de população preta e escrava.
Este fato histórico, marca da identidade racial e da relação entre pretos e
pardos, é de vital importância para o entendimento da distância ideológica que
separa os pretos dos pardos: devido à cor da pele ser mais próxima ao do
colonizador europeu, à cor dos senhores das casas-grandes, e também devido ao
laço proto-familiar que os unia aos seus pais, aos pardos (morenos) foi permitida
maior possibilidade de ascensão social (HASENBALG, 2005:243). O fato em si não
é a essencial do problema, a cisão maior é decorrente da hierarquia racial
estabelecida através desse mecanismo de favorecimento da população mestiça em
detrimento da população negra: a hierarquia social trataria de separar o mestiço de
seu passado negro, e o mestiço passaria a ocupar uma posição intermediária na
hierarquia social, abaixo dos brancos e imediatamente superior aos negros.
O peso maior deste privilégio social dos mestiços pode ser entendido pelo
afastamento destes indivíduos em relação a quaisquer características que os
remetessem à sua ancestralidade negra, à sua ancestralidade “inferior”. A aceitação
desse mecanismo de afastamento em relação ao passado foi absorvida pelo mestiço
como tentativa de aceitação social e de obtenção de maior desempenho nas
disputas do campo econômico. Dessa forma o mestiço procurou maior proximidade
com a identidade branca e, concomitantemente, enterrar seu passado negro.
Essa é a raiz das questões que ainda hoje afastam os pardos de uma
aproximação com uma identidade negra. Nas disputas pelo domínio do campo
35
econômico aproximar-se em aparência física do grupamento branco é condição
essencial para um bom desempenho, mais que isso valorizar a identidade branca é
fundamental.
2.2 - A Branquitude
Entender a questão racial brasileira, entender as relações raciais que
estruturaram a formação de nossa sociedade, requer que um dos focos da análise
recaia sobre papel da raça dominante no estabelecimento das regras sociais que
impedem a progressão social das raças dominadas.
As pesquisas que tomam por objeto de análise a estrutura racial brasileira têm
dedicado especial atenção para situação do negro neste processo, esquecendo-se,
ou abstraindo-se, do papel do branco na conformação dessa estrutura. Estas
análises ao recaírem sobre a situação específica do negro não dão conta da relação
racial como um todo, não conseguem explicar a manutenção dos mecanismos de
discriminação e preconceito racial.
Assim, como nos lembra BENTO (2002), ao analisarmos a situação de uma
raça explorada em determinada estrutura social, devemos automaticamente replicar
a análise sobre o grupo que goza das vantagens oferecidas por esses mecanismos
sociais de discriminação e domínio racial: não há como pensar o problema do negro
sem que coloquemos no palco das disputas sociais o ator principal da permanência
eternizada de seu baixo status social — o grupo branco.
Nesse sentido é necessário entender o papel do grupo de cor branca na
institucionalização dos mecanismos racistas, que a institucionalização do racismo
constituiu-se um fato social presente em todas as escalas da vida social, o que
possibilitou a supervalorização do próprio grupo. Para MEMMI (1967), enquanto
Conjunto de condutas, de reflexos adquiridos, exercidos desde a primeira
infância, valorizado pela educação, o racismo colonial está tão
espontaneamente incorporado aos gestos, às palavras, mesmo as mais
banais, que parece constituir uma das mais sólidas estruturas da
personalidade colonialista. A freqüência de sua intervenção, sua intensidade
nas relações coloniais seria, no entanto, estarrecedora se não soubéssemos
até que ponto ajuda o colonialista a viver e permite sua integração social
Um esforço constante do colonialista consiste em explicar, justificar e
manter, tanto pela palavra quanto pela conduta, o lugar e o destino do
36
colonizado (...). Quer dizer, em definitivo, em explicar, justificar e manter o
sistema colonial e, portanto, seu próprio lugar. (69)
Embora não se trate especificamente de uma análise sobre a empreitada
colonial portuguesa em solo brasileiro, MEMMI (1967), em um brilhante estudo que
correlaciona o status do grupo colonizado ao status do grupo colonizador, entende
que
O racismo aparece, assim, não como pormenor mais ou menos ocidental,
porém como elemento consubstancial do colonialismo. É melhor expressão
do fato colonial, é um dos traços mais significativos do colonialismo. Não
apenas estabelece a discriminação fundamental entre colonizador e
colonizado, condição sine qua non da vida colonial, mas funda sua
imutabilidade
. (71) (grifo nosso)
Essa relação “colonizador versus colonizado” deve ser entendida enquanto
relação “branco versus não-branco”, mais especificamente, como “branco versus
negro”.
Nessa perspectiva, as recentes pesquisas sobre as relações raciais no Brasil
tentam dar um passo a mais em relação à maneira como se desenvolve o
pensamento brasileiro: até então a análise sobre a questão racial brasileira tem se
limitado aos pontos que tangem a situação do negro nesse complexo sistema de
relações raciais implantado em nossa cultura. É necessário que comecemos um
maior aprofundamento sobre o papel do branco, quer seja analisando as vantagens
diretas que este grupo tem (pelo domínio de um capital racial inerente), quer seja
pelo entendimento das questões de identidade de cor destes grupos.
Como não faz parte do nosso objetivo traçar um profundo retrato sobre a
temática exposta nos parágrafos anteriores, nos deteremos nos próximos parágrafos
em uma análise sobre a questão da identidade de cor do grupo branco, o que dá
sentido a sua ação: a branquitude.
Por branquitude devemos entender “os traços da identidade racial do branco
brasileiro a partir das idéias de branqueamento” (BENTO, 2002: 25), ou seja, uma
identidade de grupo que dá forma às ações dos indivíduos de cor branca em prol da
manutenção social do ideal de branqueamento. Em sentido complementar, como
nos lembra Piza, a
branquitude a partir do significado de ser branco, num universo racializado:
um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê aos outros e a si mesmo;
uma posição de poder não nomeada, vivenciada em uma geografia social
37
de raça como um lugar confortável e do qual se pode atribuir ao outro
aquilo que não atribui a si mesmo.
14
(2002:71)
Para o estabelecimento de um entendimento sobre a identidade de cor dos
indivíduos da cor branca é necessário também aprofundarmos o conceito de
branqueamento: enquanto princípio essencial na formação da sociedade brasileira,
este age de forma a estabelecer cânones, ideais estéticos que estabelecem um
padrão de beleza — expressão da cor da pele, dos traços fisionômicos e da
compleição física dos indivíduos — em uma correlação direta à sua locação na
pirâmide social, o que acaba por constituir um paralelismo entre cor e posição social.
Assim podemos entender por branqueamento um processo estruturado pela elite
branca que vincula o desempenho social e o acesso à mobilidade social ascendente
às características fenotípicas dos indivíduos. Objetivamente, para se alcançar uma
posição de destaque social as características fenotípicas dos indivíduos devem
revelar sua identidade branca, ou no mínimo sua proximidade com esta.
Definidos estes dois conceitos podemos traçar algumas linhas de
entendimento sobre a identidade de cor dos indivíduos brancos e da ação ativa
destes na conformação da estrutura social, para isto recorreremos ao pensamento
de NORVELL (2001), BENTO (2002) e PIZA (2002).
Para PIZA (2002) a participação dos indivíduos brancos na construção da
questão racial brasileira, conseqüentemente da própria sociedade, é fato a “passar
em branco” no trato social. Esse “passar em branco”, essa invisibilidade dos
indivíduos brancos, em muito ocorre devido à noção isenta de uma identidade racial
que perpassa o dia-a-dia desses indivíduos: nesse jogo onde todo peso da
racialidade é atribuído aos grupos raciais dominados (negro, índio, entre outros), o
grupo branco exerce o poder de não ser identificado enquanto grupo racial nas suas
ações individuais. Aqui a noção de cor do grupo ganha aspectos de não-coloração: é
possível ao indivíduo branco, no desempenho de suas ações diárias, isentar-se de
uma identificação racial em nível do grupo al qual pertence, pintar-se em tons
incolores. Por outro lado lhes possibilita atrelar às ações dos indivíduos pertencentes
14
A exposição do conceito de branquitude em PIZA é uma reafirmação do conceito elaborado por
Ruth Frankberg em seu livro: White women, race matters: the social construction of whiteness.
(Minneapolis: University of Minnesota Press, 1995). Dessa mesma autora, o sentido dado à geografia
social quer significar “um espaço populado, mais social que geográfico, onde ocorrem as relações
entre brancos e brancos e brancos e não-brancos” (PIZA,2002:71)
38
ás minorias raciais uma racialidade que prende os indivíduos às limitações impostas
ao grupo.
Nesta posição, a branquitude a partir do significado de ser branco, num
universo racializado: um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê aos
outros e a si mesmo; uma posição de poder não nomeada, vivenciada em
uma geografia social de raça como um lugar confortável e do qual se pode
atribuir ao outro aquilo que não atribui a si mesmo.
15
Assim é naturalizado o individualismo dos indivíduos da raça branca, como
nos lembra esta autora, citando Mcintoshi
Posso dizer palavrão, [comprar e] vestir roupa usada, ou não responder
cartas sem que ninguém me atribua estas escolhas à imoralidade, pobreza
ou analfabetismo da minha raça. [...] Posso praticar uma boa ação, em uma
situação de risco, sem ter que me tornar um exemplo para a minha raça. [...]
nunca sou chamada a falar por todos do meu grupo racial. (PIZA, 2002: 72)
São aquelas velhas afirmações e brincadeiras tão comuns em nosso dia-a-
dia: “é, só podia ser preto”; “índio é tudo mulherengo”; “os japoneses são muito
inteligentes”, “os chineses são porcos”, etc. Afirmações e brincadeiras que
“enterram” os indivíduos pertencentes aos grupos minoritários à massificação de
uma identidade coletiva, enquanto, concomitantemente, garante aos indivíduos
brancos a individualidade e invisibilidade de sua raça. Ou é comum ouvir o
comentário “só podia ser coisa de branco”, “tinha que ser branco”?
Esse raciocínio quer demonstrar o papel da alteridade na formação das
questões raciais brasileiras: a raça é um lugar de supervalorização das
características e da identidade racial dos grupos dominados frente a total
individualização dos agentes do grupo dominante.
NORVELL (2001), complementando os parágrafos anteriores, ao pesquisar
como a classe média “fala sobre si mesma e sobre raça”, identifica um incomodo das
camadas mais ricas em classificarem-se como brancos: em perguntas abertas sobre
a cor de sua pele o autor encontra maior freqüência no uso dos termos “claro” e
moreno. Este fato é justificado pelo autor como decorrente da visão de que o país é
fruto de uma mistura harmoniosa entre as três raças de maior destaque numérico no
período colonial. Dessa forma o mito da miscigenação acaba por representar um
15
A exposição do conceito de branquitude em PIZA é uma reafirmação do conceito elaborado por
Ruth Frankberg em seu livro: White women, race matters: the social construction of whiteness.
Minneapolis: University of Minnesota Press, 1995. Dessa mesma autora, o sentido dado á geografia
social quer significar “um espaço populado, mais social que geográfico, onde ocorrem as relações
entre brancos e brancos e brancos e não-brancos” (PIZA,2002:71)
39
sério obstáculo à aceitação dos extremos do continuo de cor, apesar da construção
racial a cerca desses extremos ser altamente pertinente, o brasileiro encontra
dificuldades em se auto-classificar pelos termos Negro (preto)/Branco. Em muito isto
deve ser entendido como o principio gerador da noção de brasilidade, ou seja,
grupos populacionais que abriram mão de sua identidade racial para construir algo
maior: a nação brasileira. Nesse sentido, para o autor, adotar os extremos dessa
classificação é fazer referencia direta à identidade especifica desses grupos
ascendentes, logo uma identidade não nacional.
Mas em oposição ao exposto no parágrafo anterior, o autor também
apresenta o distanciamento entre o grupamento branco de classe média e o cadinho
cultural que representa a essência da “identidade nacional”, a miscigenação. A partir
de entrevistas, NORVELL (2001) verifica que esses atores
Confessam que não sabem dançar samba. Só as mulatas do morro sabem
realmente sambar. (...) Falam sobre o povão, as massas racializadas, e seu
jeito solto, sua gíria, sua irreverência. Um advogado de classe média alta
me disse : “Assim como você é um gringo aqui, eu também”. Apontou para a
rua e explicou: “Meu nome não é da Silva. Não uso gíria o tempo todo. Não
sambo. Não tenho sangue negro”. (261)
Se por um lado assumir a branquitude contradiz o mito de miscigenação que
floreia o imaginário sobre a formação da identidade nacional, por outro, assumir uma
aproximação com o grupo negro entra em choque direto com a visão que estes
grupos da classe média branca têm de si mesmos: uma elite branca (com sonhos de
identidade européia), que não se vê representada pelo “projeto miscigenador” que
dá cor à nossa identidade nacional.
Concluindo, a participação do branco na formulação das relações raciais se
dá de forma muito refinada: no plano oficial lhes permite assumir o discurso da
miscigenação; no plano oficioso, escondido sob a superfície das práticas sociais
propagadas pelo senso comum, miscigenar com o negro, ainda que culturalmente, é
inadmissível.
BENTO (2002), como foco de pesquisa voltado para a psicologia social do
grupamento branco, quer entender como esse grupamento enxerga a sua
participação na conformação da estrutura racial brasileira. Embora não seja um
processo declarado, a discriminação e o racismo são elementos básicos para
entendermos o status social do negro, não necessariamente motivada por um
40
preconceito, mais talvez simplesmente pelo interesse do branco em garantir a
manutenção das vantagens historicamente reservadas para o seu grupo racial.
O desejo de manter o próprio privilégio branco (teoria da discriminação com
base no interesse), combinado ou não com um sentimento de rejeição aos
negros, pode gerar discriminação. É esta perspectiva de análise que levou
Antonovski a advogar a distinção entre discriminação provocada por
preconceito e discriminação provocada por interesse. (BENTO,2002: 28)
Embora o negro seja destacadamente o pior prejudicado nesse jogo perverso
das disputas pelos capitais do campo econômico, a presença da existência desse
“desejo de manter o próprio privilégio” faz com que pessoas que cultuam valores
democráticos e igualitários aceitem a injustiça que incide sobre aqueles que não são
seus pares ou não são como eles” (BENTO, 2002:29). Aqui vemos a manifestação
de um mecanismo psico-sociológico que afasta esses atores de qualquer
compromisso moral com a luta dessa camada excluída, o que justificaria o conceito
de “indignação narcísica” (BENTO, 2002), em outras palavras: só me sinto tocado
pelo que afeta o grupo ao qual pertenço.
Como é notória, embora ocultada, a participação da população branca foi a
força principal para a geração das mazelas que incidem sobre o grupo negro, tanto
por meio da exploração do período colonial quanto pela perpetuação da subjugação
pós-abolição. Do ponto de vista psico-sociológico, admitir-se mola principal dessa
engrenagem exploratória é algo que gera incomodo ao grupamento branco
16
, não
pela exploração em si, exploração que faz do seu grupo o modelo racial padrão da
sociedade brasileira, mas sim porque ao admitir a exploração estaria entrando em
conflito com a ideologia da convivência frutífera e harmoniosa entre as raças,
ideologia vital para a manutenção do lugar social destinado ao branco. Temos assim
uma situação de profunda contradição: identificar-se enquanto classe “colonizadora”
(para usar de eufemismo), única beneficiada nas disputas sociais, acabaria por gerar
rupturas com o sistema ideológico sobre o qual a identidade nacional foi formada.
Ainda, nesse exercício de entendimento dos fatores psico-sociológicos que
dão sentido ao comportamento do grupo branco, principalmente para a parcela
pertencente à classe média, o conceito de “indignação narcísica” pode se constituir
em instrumental necessário para a abordagem da estrutura racial brasileira,
16
Neste aspecto é interessante resgatarmos a pesquisa organizada por SANTOS, G & SILVA, M.P
(2005): em pesquisa realizada com 5003 entrevistados aferiu-se, entre outros dados, que 90% dos
entrevistados pertencentes à população branca acusam existir no Brasil racismo em relação à cor,
mas curiosamente apenas 2% admitem ter preconceito de cor.
41
principalmente se trazermos a tona qualquer tentativa de lutas focalizadas sobre as
disparidades raciais.
Não conseguimos com essas curtas construções e encadeamentos de idéias
dar conta da profunda argumentação dos autores que trabalham com a psicologia-
social nas relações raciais no Brasil. Mas quisemos pinçar instrumentos que melhor
nos possibilitassem entender a conformação da hierarquia racial brasileira a partir do
entendimento do branco enquanto ator estruturante da nossa estrutura racial.
Como destacamos, a participação do grupo branco na estruturação racial das
desigualdades sociais não se dá de forma explicita (o que acaba gerando para o
senso comum a falsa noção de não existência de mecanismos discriminatórios na
nossa sociedade), a ação acaba se manifestando através de mecanismos psico-
sociológicos, por vezes até inconsciente, que atuam no sentido de preservar as
vantagens sociais gozadas pelo grupo e de isentá-los de qualquer compromisso
moral para com a situação dos grupos minoritários explorados que não pertençam
ao seu grupo racial.
42
Capítulo III
O LUGAR DO NEGRO E O LUGAR DO BRANCO
“Em todo o mundo... minorias étnicas continuam a ser
desproporcionalmente pobres, desproporcionalmente
afetadas pelo desemprego e desproporcionalmente
menos escolarizadas que os grupos dominantes. Estão
sub-representadas nas estruturas políticas e super-
representadas nas prisões. Têm menos acesso a
serviços de saúde de qualidade e conseqüentemente,
menor expectativa de vida. Estas, e outras formas de
injustiça racial, são a cruel realidade do nosso tempo...
mas não precisam ser inevitáveis no nosso futuro.”
(Kofi Annan, março de 2001)
Falar em desigualdade sócio-racial no Brasil, já tendo em vista evitar a
contra-argumentação conciliadora que ainda faz uso da ideologia da democracia
racial
17
— base “sólida” que permeia o imaginário social desde o início da formação
de nossa sociedade —, faz necessário explicitar alguns dados que caracterizem
esta desigualdade, quantificando-a e qualificando-a, de modo a possibilitar ao leitor
um melhor entendimento quanto ao lugar social destinado ao negro na sociedade.
Dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontam que dos
brasileiros abaixo da linha de pobreza
18
, 22% da população, 70% são negros. Estes
dados somam-se aos dados apresentados pela ONU, segundo os quais se
considerarmos o IDH
19
dos brancos o país alcançaria a 46º posição dentre os países
com melhor desempenho, já se adotarmos o IDH dos negros o país cairia para 105º.
Podemos falar de dois países distintos: um, branco, com qualidade de vida próxima
aos dos países “desenvolvidos”; outro, negro, com qualidade de vida comparada aos
países mais pobres do continente africano.
17
A ideologia da democracia racial,como vimos no capitulo um, sinteticamente falando, fundamenta-
se sobre a perspectiva da inexistência de preconceito racial no país. Em sua essência tenta
estabelecer uma explicação para a situação de desigualdade entre negros e brancos devido ao
passado recente de escravidão e conseqüente pobreza dos negros.
18
A linha de pobreza estabelece como patamar de corte a renda per capita mensal de R$ 75,50, em
valores do ano 2000 (Fonte IPEA).
19
O Índice de Desenvolvimento Humano é um indicador sintético que varia de 0 a 1. Para fins
analíticos, toma-se três parâmetros numéricos para análise: até 0,499, de 0,500 a 0,799 e acima de
0,800; respectivamente, classificados como de baixo desenvolvimento, médio e alto. O cálculo do IDH
é composto pela análise dos indicadores de longevidade, educação e renda.
43
Assim, propomos para este capítulo a construção do quadro geral desse
distanciamento social, para o qual adotaremos como parâmetro comparativo o
desempenho ou grau de desenvolvimento social dos grupos populacionais negros e
brancos.
Sob essa explicitação do universo passaremos a estruturação de dados
estatísticos sobre educação, saúde, mortalidade infantil, taxa de fertilidade,
expectativa de vida, trabalho, renda, violência, entre outros. Concomitantemente,
trabalharemos com a construção estatística da população brasileira sobre os
aspectos referentes a sua composição racial
20
e distribuição no território, sem deixar
de incluir a análise sobre as variantes de gênero e idade.
Para efeito das análises estatísticas adotaremos a tese onde o conceito do
termo “negro” é utilizado como denominador comum das populações pretas e
pardas
21
, como tem defendido os movimentos que lutam pela inclusão social da
população negra e pela sua auto-afirmação. Reconstruindo, para isto, a forma de
desagregação por cor adotada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística). Esta opção de abordagem visa combater o senso comum no tocante à
distinção entre pretos e pardos (diferenciação esta construída ainda no período
colonial e cujo papel social foi desfragmentar qualquer possibilidade de união dentro
do grupo afrodescendente). Como hipótese de pesquisa, entendemos que ambos os
grupos (pretos e pardos) se encontram em uma mesma situação de desvantagem,
de distanciamento social, em relação ao grupamento branco. Este hipótese será
verificada com a análise dos indicadores a partir da adoção de cortes específicos
que nos revelem esse universo mascarado pela adoção de “taxas brutas para a
população como um todo” (BELTRÃO, 2000: 1).
20
O termo raça esta sendo usado no sentido de sua significação social, longe de querer significar
diferenciações biológicas em nível da capacidade intelectual das populações negras e brancas (o que
justificaria a posição social inferior do negro, determinismo biológico já derrubado pelas ciências
biológicas), quer estabelecer uma diferenciação em nível dos caracteres fenotípicos (cor, traços
fisionômicos,etc), que, como vemos nos capítulos posteriores, é fruto de uma construção sócio-
cultural. Esta diferenciação social baseada em termos da aparência desempenha importante papel
nas disputas pelo campo econômico.
21
Embora vários pesquisadores apresentem relutância em adotar os padrões estabelecidos pelo
IBGE sob a argumentação de que a agregação adotada não corresponde à apreensão da cor pelo
brasileiro, entendemos que o foco chave para a abordagem da questão racial não se encontra, per si,
na reconstrução do indicador cor através da adoção dos termos “utilizados” pela população. É muito
mais revelador esmiuçar as construções sociais que impossibilitam aos afrodescendentes se
autoclassificarem pela cor ou características que os aproximem do grupo preto, revelando assim as
atitudes conscientes e inconscientes de suas preterições na classificação da cor.
44
É notório que ao adotarmos o direcionamento defendido pelas entidades que
lutam pelo direito do negro fazemos uma opção ideológica frentes às inúmeras
possibilidades de abordagem da questão da identidade de cor do brasileiro. Assumir
este posicionamento requer construir um entendimento a respeito da identidade de
cor e das externalidades que possam vir a compor com esta. Mais que isto, requer o
reconhecimento da construção ideológica que serve de pano de fundo para a
multiplicidade de cores que permeia a noção de cor do brasileiro — um infinito
degrade que tem como pólo oposto à cor branca, a preta —. Empreitada que
passaremos a desenvolver agora.
2.1 - A Noção de Cor do Brasileiro
Nas últimas décadas, com a retomada das investigações estatísticas sobre a
composição racial da população brasileira, muitas críticas foram levantadas a
respeito da classificação de cor adotadas pelas fontes oficiais de pesquisa
demográfica. As críticas mais ferrenhas tentam desqualificar a metodologia adotada
pelo IBGE e a defendida pelo movimento negro, partindo do pressuposto que a
noção de cor do brasileiro não se expressa de modo tão fechado quanto o praticado
nas pesquisas do IBGE, nem tão polarizado quanto tem defendido o movimento
negro.
Nesta primeira crítica podem ser anexadas uma série de outras questões,
não menos importantes, cujo conteúdo deve ser melhor esclarecido: tão importante
quanto entender a classificação adotada pelo IBGE é entender as linhas de cor que
permeiam a cultura brasileira, A estruturação social do uso do termo moreno ou das
diversas nominações ambíguas para uma mesma variação de cor ou proximidades
de cor, a intermediação do desempenho sócio-econômico individual na classificação
e autoclassificação por cor e o papel ideológico afirmativo da unificação das
categorias preto e pardo no termo negro.
Com este intuito, de entendimento sobre essas variantes influenciadoras da
questão de identidade de cor, trataremos agora de construir um quadro do
desenvolvimento do pensamento sobre estes pontos. Para isso recorreremos a
alguns nomes como Nelson Valle, Oracy Nogueira, Piza, Telles, entre outros.
45
Previamente, é interessante resgatar a distinção elaborada por NOGEIRA
(1998) sobre o preconceito de marca e sobre o preconceito origem. Nos termos do
capítulo anterior, ao reunir subsídios sociais para distinguir a cultura brasileira da
cultura norte-americana, o autor dá nova luz para o entendimento da questão racial
no país e abre um campo de entendimento para a questão da identidade de cor do
brasileiro: no Brasil, diferentemente do padrão norte americano regido pelos
padrões de hipodescendência
22
, a regra de classificação se vincula aos caracteres
de “marca” (cor da pele, tipo de cabelo, traços fisionômicos, dentre outros
componentes da compleição física dos indivíduos), o que abre espaço para a
presença de externalidades subjetivas dentro do sistema classificatório — tanto para
a classificação quanto para a autoclassificação, fatores vinculados ao desempenho
sócio-econômico individual, por exemplo, podem contribuir para a construção da
identidade de cor— . Em outras palavras as questões raciais podem ser imbricadas
por questões de classe, que tendem a relacionar a cor do indivíduo a sua posição
social, assim um pardo pertencente à classe média ou rica poderia ser considerado
e considerar-se branco, na contrabalança, a mesma situação de cor para um
indivíduo de classe pobre tenderia a puxar sua classificação para um nuance de cor
mais “escura”. Essa noção, construída socialmente, tem efeito direto sobre a
aceitação de cor pelo brasileiro: já faz parte do imaginário social que cor preta se
relaciona diretamente ao baixo desempenho socioeconômico.
Nesses termos, essa construção acaba por refletir diretamente sobre o capital
simbólico dos grupos de cor em questão — na medida em que são relacionados
desempenho social e cor dos indivíduos (características físicas) se estabelece uma
sub-valorização social do grupo pertencente à minoria social. O impacto desta
correlação perversa incide diretamente sobre as possibilidades de acesso ao capital
social, na medida em que validá-se com a não aceitação estética característica do
grupo, o que conseqüentemente trabalha para a construção de uma desvalorização
sócio-psicológica da cor (entre outras características fisionômicas) do grupo
subjugado.
22 O conceito de hipodescendência, encontrado na cultura norte-americana, estabelece o padrão
genotípico como regra para inserção social: nesse sistema não basta o indivíduo apresentar,
“fenotipicamente”, predominância de características do grupamento branco se na sua ascendência
está presente um antepassado negro. Mesmo que a sua aparência seja loira e de olhos azuis, este
passaria a ser considerado negro. O que temos é uma vinculação direta dos descendentes à sua
ascendência negra, mesmo que estes não apresentem características físicas que os vincule a estes
últimos.
46
A construção da cor, nesses moldes, leva os indivíduos ao uso de
subterfúgios sócio-psicológicos de distanciamento da cor matriz menos privilegiada.
Em outras palavras, leva a um afastamento das classificações que os aproxima dos
termos preto ou negro, tendo em mente, ainda que de forma inconsciente, o lugar
social destinado a estas cores.
2.1.1 - Sistemas de Classificação
Feita esta discussão preliminar entraremos mais diretamente na construção
de um modelo teórico sobre a classificação de cor no Brasil.
TELLES (2003), sobre a problemática da noção de cor do brasileiro, identifica
três grandes sistemas de classificação racial sob o qual pode ser enquadrado todo o
continuum de cor que vai do preto ao branco, segundo as diversas orientações
ideológicas que estruturam a noção de cor do brasileiro. Para o autor temos: o
sistema posto em prática pelo IBGE, com sua classificação fechada nos termos
branco, preto, pardo, amarelo e indígena; o sistema praticado pela população, com a
utilização de termos imprecisos e ambíguos; e por último, o sistema defendido pelos
movimentos que lutam pela inserção do negro na sociedade brasileira que defende a
polarização “branco-negro”, adotando para isto a união de pretos e pardos numa
mesma categoria.
Nessa divisão, a classificação praticada pela população é a que melhor se
alinha à construção histórica da identidade de cor no país. A quantidade de termos
imprecisos e ambíguos, a exemplo o termo moreno, abrangendo uma gama de cor
que vai das pessoas brancas com cabelo escuro às pessoas pretas, mascara uma
situação de não aceitação sócio-pisicológica da cor preta e suas proximidades
tonais. Ao se adotar termos imprecisos, historicamente construídos, na verdade se
quer evitar a classificação ou autoclassificação por termos depreciados socialmente,
como nos lembra Mariza Correa “o escravo passou a ser o negro, racial e
biologicamente definido, depois da abolição” (in TELLES, 2003:112), identificação de
uma construção social que não está apenas na cabeça dos letrados, mas que
perpassa todas as camadas sociais.
Há de se entender que no Brasil, devido à prática cultural desenvolvida,
originária em um período escravocrata de forte miscigenação forçada pelo grupo
47
masculino dominante — branco —, sobre o grupo feminino dominado — negro —,
fez-se da mobilidade social instrumento de distinção entre brancos e pretos, com
reflexo direto sobre o continuum de cor que separa as duas matrizes. Esse
mecanismo de dominação racial fez uso de um forte aparato ideológico para vincular
a progressão social às características fenotípicas dos indivíduos e para afastar o
grupo em ascensão de qualquer proximidade com a identidade cultural do grupo
preto. Historicamente, a cor, mais que denominar indivíduos pelas suas
características fenotípicas, cria uma distinção básica para o acesso ao capital social.
Mas, reafirmando o estoque do senso comum em seu sistema de
classificação, a critica atual — à revelia das implicações sociais mascaradas pelo
uso de termos ambíguos e contraditórios—, quer fazer crer que qualquer
levantamento da identidade de cor da população deve ser feito dentro dos termos de
designação de cor praticados pela própria população. Para dar uma roupagem
cientifica a esse ponto de vista podemos identificar dois pontos de validação
freqüentemente utilizados: o primeiro utiliza a PNAD de 1979 onde foram levantados
mais de 100 termos para classificar o continuum de cor que vai do branco ao negro;
o segundo faz uso da Pesquisa Data Folha de 1995, onde temos uma preferência da
população em se classificar pelos termos moreno e moreno claro em detrimento dos
termos pardo, preto e negro
23
.
Sobre o primeiro ponto, a crítica se abstrai do fato de 95% dos entrevistados
usarem apenas seis termos para designar cor, se abstrai do fato de que a maioria
absoluta opta por poucos termos (TELLES, 2003:107). Quanto ao segundo, não se
questiona quanto à imprecisão do termo moreno e suas possíveis significações para
o sistema social, conforme suscitamos nos parágrafos anteriores.
Temos por segundo sistema classificatório o praticado pela fonte oficial de
pesquisa, o IBGE. Sobre este é necessário estarmos cientes que apesar do modelo
de coleta de informações sobre a cor ser realizado como base em categorias raciais
previamente definidas, associada à autodeclaração do entrevistado, a ação dos
entrevistadores e de outros agentes integrantes do processo de coleta de dados, por
23
Sobre este ponto é necessário nos remetermos à TELLES,2003, Pág 107. O autor faz referência á
pesquisa Data Folha, esta, a partir de questionário aberto, apresenta a seguinte composição da
população: 42% se denominou branca, 32% morena, 6% morena clara, 7% parda, 5% negra e 3%
preta.
48
vários motivos, tende dar à pesquisa um caráter de classificação por terceiros
24
, o
que abre espaço para a ação de subjetividades objetivas na classificação de cor, a
exemplo, o status social do entrevistado (TELLES, 2003,pág 114). Ao se deparar
com essa subjetividade objetiva, denominada externalidade, que atua sobre as
escolhas de denominações de cor, TELLES (2003) identifica quatro determinantes
principais: educação, raça, gênero e região de origem.
Por não constituir intuito principal do trabalho esse detalhamento das
externalidades, abordaremos aqui de modo sucinto a pesquisa desenvolvida por
TELLES (2003) na Bahia e em São Paulo
25
, onde o autor compara os efeitos
simultâneos de gênero, região e educação em “termos de inconsistência da
classificação racial”. O seu objetivo é o de demonstrar que em face dessas variantes
a classificação racial não pode ser entendida por critérios exclusivamente vinculados
às características fenotípicas dos indivíduos. O objetivo do autor é verificar
A probabilidade de que entrevistados brancos, pardos ou pretos se
classifiquem de forma consistente segundo a educação, o sexo a
composição racial da área urbana em questão.(TELLES,2003, 121)
Para isto faremos uso da TABELA 1, que sintetiza dados levantados pela
Pesquisa Data Folha de 1995 com o intuito de mensurar os efeitos simultâneos da
educação, gênero e educação “em termos de inconsistência da classificação
racial”(TELLES, 2003,122). Com os dados apresentados nesta Tabela, o autor
verifica que os entrevistadores “branqueiam” as pessoas de maior escolaridade.
Esse branqueamento se dá para os grupos de cor branca e para os grupos de cor
parda: entre os que se declararam brancos ou pardos, em São Paulo e na Bahia,
notamos uma maior correlação entre a cor autodeclarada e a cor classificada pelo
entrevistador quando o entrevistado possui um melhor nível educacional. Analisando
os dois estados temos na Bahia a média (resultante da união de homens e
24
Para um melhor esclarecimento quanto à atuação de “terceiros” influenciando na coleta de dados
ver TELLES, op.cit, pág 113 à 117. O autor identifica como principais causa da classificação por
terceiro no sistema fechado autodeclarado do IBGE a ação deliberada do pesquisador: por achar que
tem a resposta; para evitar constrangimento do entrevistado; para ganhar tempo na entrevista.
Somando a este agente também teríamos o fato da classificação de cor dos moradores da casa
geralmente ser feita por um único membro.
25
TELLES trabalha com essas áreas tendo em vista as características de composição racial muito
distinta: enquanto que na Bahia temos as áreas urbanas com 25% de brancos, em São Paulo temos
75%.
49
mulheres) de 93,5% para a faixa de maior escolaridade e 67% para a faixa de baixa
escolaridade; Já em São Paulo esse percentual fica em média 87,5% para o grupo
de baixa escolaridade e 98% para os de alta escolaridade.
Na análise do pólo oposto a esse continuum, o grupo preto, os dados
apresentam tendência dos entrevistadores em reafirmar a cor preta com maior
freqüência para os pretos pertencentes à faixa de menor escolaridade: na Bahia
esse percentual fica em torno de 52% (homens) e 42%(mulheres), enquanto que em
São Paulo esses percentual fica em 60% (homens) e 50% (mulheres). Já para os
Tabela 1 - Propensão de ser Classificado por Entrevistadores na mesma
categoria da Autoclassificação- Branco, Pardo e Pretos por Escolaridade,
Região e Sexo (em %)
Autoclassificação
Brancos Pardos Pretos
Escolaridade/
Cidade
Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Baixa
Escolaridade:
Bahia 65 69 76 79 52 42
São Paulo 87 88 65 69 60 50
Alta
Escolaridade:
Bahia 93 94 69 72 62 22
São Paulo 98 98 56 58 70 28
Fonte: TELLES, 2003
pretos de maior escolaridade este percentual fica em 62% (homens) e 22%
(mulheres), na Bahia, e 70% (homens) e 28% (mulheres), em São Paulo.
Com bases nestes dados, conclui-se que ocorre embranquecimento no ato de
classificar o entrevistado quando este possui um nível elevado de escolaridade, fato
que se repete para o grupo branco e para o grupo pardo. Para o grupo preto, quanto
mais baixa a escolaridade, maior será a probabilidade do entrevistador classificá-los
como pretos.
Essa conclusão, apesar do esforço realizado pelo autor em interpretar os
dados estatísticos, pode induzir respostas precipitadas. A falta de precisão que a
realidade social nos transmite anula, em parte, a resposta a esse desencontro entre
a classificação do entrevistador e a autoclassificação do entrevistado. Essa
50
propensão ao branqueamento dos que se dizem brancos, pertencentes a um nível
educacional melhor, e enegrecimento dos que se dizem pretos, pertencentes a um
nível educacional pior, talvez possa significar, simplesmente, maior proximidade ou
afastamento das matrizes de cor tomadas por padrão de análise. Em face da
estratificação social brasileira, com sua forte representação fenotípica, surgem
quanto à certeza apontada por TELLES (2003) — os pretos menos escolarizados
podem representar um tipo ideal
26
de preto; os brancos podem representar uma
aproximação de um tipo ideal de branco. Entendemos que enquanto não forem
estabelecidos critérios mais precisos, a inferência sobre esses números de
encontros e desencontros representa especulação que tende a complicar ainda mais
o entendimento sobre a noção de cor do brasileiro.
Neste sentido, ainda em relação ao que chamamos aqui de externalidades ao
sistema de classificação de cor, é interessante resgatarmos as considerações feitas
por MAGGIE (1996)
27
sobre a manifestação dos padrões culturais na construção
dessa diferença entre “pretos versus brancos”. Conseqüentemente abordaremos
aqui os padrões nominativos adotados pela população. A autora esta interessada
em rediscutir a influencia de nosso mitos de origem em nosso modo atual de
lidarmos com a questão da racial construída socialmente. Para isto identificamos
dois mitos matrizes da nossa cultura: o primeiro, gerado por Roberto da Mata, trata
do mito de origem que apresenta o povo brasileiro como resultado da união entre
negros, índios e brancos; O segundo mito, elaborado indiretamente por Gilberto
Freyre, trata de reforçar o sentido dessa união na medida em que afirma uma
harmonia entre as raças formadoras do povo brasileiro, a tão discutida Democracia
Racial.
MAGGIE (1996) quer chamar atenção para o peso social destes mitos e para
o papel destes, ainda fortemente presentes, nos dias atuais. Na medida em que
vivemos numa “democracia racial”, fruto da união harmônica entre as três raças
matrizes, não há porque nos questionarmos quanto às possíveis questões sociais
26
Adotamos aqui o conceito de tipo ideal em Weber: Para este, tipo ideal assume aspectos de um
construto do intelecto humano (esse jogo social e psicológico) não existente materialmente, pois se
trata de uma essência que serve apenas como matriz referencial para determinada análise.
27
MAGGIE, Y. “Aqueles a quem foi negada a Cor do Dia”: As categorias de Cor e Raça na Cultura
Brasileira. in MAIO & SANTOS (Orgs.). Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro:
Fiocruz/CCBB,1996.
51
estruturadas em torno do conceito de raça — raça passa a ser considerada uma
categoria de análise irrelevante.
Aqui temos criada uma situação ideal para a invisibilização das questões
raciais necessária para a imposição das verdades sociais.
Neste ponto, propiciados pela discussão da visibilidade da questão racial
brasileira, abordaremos o terceiro sistema de classificação proposto por TELLES
(2003), o sistema defendido pelo movimento negro.
Como anunciamos anteriormente, o movimento negro, face à polarização
social, à distância social entre brancos de um lado e não-brancos
28
de outro,
defende a utilização de um sistema de classificação de apenas dois termos: negro e
branco. Essa classificação tem como objetivo principal resgatar a identidade do
grupo negro a partir da construção de um valor simbólico que agiria de modo a
constituir um referencial de orgulho sob a bandeira do termo negro. É notório que a
fragmentação da identidade negra, a partir do uso de infinitos termos para designar
esse já tão falado continuum de cor, assumiu a função estrutural de também
fragmentar qualquer tipo de identidade entre esses grupos pertencentes a um
mesmo status social, apesar de seus diferentes nuances de cores de pele.
Em um outro ponto, por uma série de questões socialmente determinadas de
modo a garantir a manutenção dos padrões de subjugação racial, a identidade negra
foi negada e massacrada sob um discurso da manutenção de uma identidade
nacional: como vimos no capitulo anterior, o nascimento da idéia de nação no Brasil
teve sua construção altamente atrelada à expropriação dos grupos não brancos e à
não inserção destes na estrutura social. A estruturação social de nossa sociedade,
sob um discurso de democracia racial, aniquilou a diversidade étnica de grupos
negros e indígenas em prol da construção do termo moreno, leia-se também o
processo de construção da miscigenação. Assim, temos já nas origens de nossa
sociedade um princípio orientador que direcionava as ações sociais para a
construção da noção de igualdade (oficiosa), enquanto por outro lado massacrava a
diversidade étnica (oficial) dos grupos “inferiores”.
É contra essa perspectiva alienante da identidade negra que o movimento
negro tem lutado. Almeja-se agregar esse corpo social expropriado e fragmentado
28
O termo não-branco assume aqui a síntese do continuum de cor que vai do negro ao branco,
passando pelos termos moreno, moreno claro, pardo, mulato,etc.
52
sob uma bandeira de luta unificada — a do direito à identidade, a do direito à
negritude.
Apesar da oposição incessante de muitos pesquisadores (em prol da idéia de
democracia-racial, mito vital da nação brasileira), apesar da insistência destes em
argumentar no sentido dessa identidade negra como fruto de uma projeção da
realidade norte-americana, essa luta alcançou muitas vitórias nos últimos anos.
Essas vitórias passaram por: visibilizar a questão racial, categoria vital para o
entendimento das desigualdades, por décadas suprimida pela prática de um
discurso fechado exclusivamente nas questões de classe social; por garantir
politicamente uma maior intervenção no sentido de institucionalizar essa identidade
em vias de renascimento; por demandar uma nova interpretação da sociedade
brasileira e principalmente por propor a um grupo racial fragmentado uma identidade
única (como noção de classe social).
Apesar do termo negro não representar a noção de cor da população, já que
esta noção foi construída de modo a servir para a produção e reprodução das
desigualdades sociais, TELLES (2003) aponta para um crescimento e maior
aceitação do termo, apesar de ainda limitada a um entendimento geral apenas nas
situações onde questões de discriminação racial são debatidas.
Queremos aqui, ao modo de Weber, colocar os nossos valores no palco para
fim de julgamento, e nossos valores se alinham ao pensamento dos últimos
parágrafos. Queremos aqui começar a produzir ciência, uma ciência que como outra
qualquer tentativa de produzir ciência representa apenas um fragmento da realidade,
e sendo fragmento passa por questões ideológicas.
2.2 - A composição por cor da população brasileira
O Brasil possui cerca de 74 milhões de negros, o que representa
aproximadamente 45% da população do país — de acordo com o Censo 2000
(resultados da Amostra) entre os aproximadamente 169 milhões de brasileiros cerca
de 53,74% se declararam brancos, 38,45% pardos, 6,21% pretos, 0,45% amarelos e
53
0,43% índios. Estes dados conferem-nos o posto de segundo país com maior
população negra, atrás apenas da Nigéria.
Aqui nos interessa ressaltar essa composição numérica ao longo da formação
da sociedade brasileira, bem como sua série histórica e os determinantes para sua
configuração (vide TABELA 2 e GRÁFICO 1). Com base em dados do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é possível identificar três grandes
períodos da evolução da dinâmica populacional brasileira sobre o ponto de vista de
sua composição racial: em 1890 os negros representavam 56% da população
enquanto os brancos representavam 44%, para entendermos esta superioridade
numérica da população negra devemos nos remeter a formação econômica do Brasil
Colônia e Império cujo sistema estava totalmente fundamentado sobre a exploração
da mão-de-obra de escravos africanos; estes valores mudam bruscamente com a
implantação da política de branqueamento da população praticada no final do século
XIX e início do século XX, esta política, baseada na importação de mão-de-obra
européia
29
para substituir a escrava, deu um novo desenho para o quadro da
composição racial do Brasil, em 1940 os negros passariam a representar 35,8% e os
brancos 63,5% (SILVA, 1992); deste momento até a década de 80 vivemos uma
nova lógica, a dinâmica demografia passa a ser regida não mais pelo impacto
artificial das imigrações, mas sim pelo desempenho interno nos índices de
mortalidade infantil e fecundidade, e pelos relacionamentos inter-raciais
(SILVA,1992), neste quadro os negros, com um crescimento vegetativo bem mais
alto que os brancos, passam a representar 44,5% e os brancos 54,8%; no último
período a situação tem se demonstrado estável, em 2000 a população era composta
por 44,66% de negros e 53,74% de brancos. Com o auxilio do GRÁFICO 1 é
possível aferir a evolução detalhada no parágrafo.
29
É interessante uma leitura crítica da obra de Celso Furtado, especificamente seu livro A Formação
Econômica do Brasil, na medida em que o autor justifica as imigrações exclusivamente pelos
aspectos vinculados às externalidades econômicas. Muitos ao lerem Furtado se abstraem do fato de
que seu objetivo de pesquisa é investigar especificamente os fatores de ordem econômica que
orientaram o desenvolvimento brasileiro, e com essa visão sobre a estrutura econômica acabam
esquecendo de incluir no corpo da análise sobre a formação da sociedade brasileira outros fatores
sociais que compõem conjuntamente a estrutura social. Segundo Furtado, em relação à mão-de-obra
negra já existente no país: “(...) as dificuldades principais eram de adaptação à disciplina do trabalho
agrícola e às condições da vida nas grandes fazendas. As dificuldades de adaptação dessa gente e,
em grau menor, daqueles que vinham da agricultura rudimentar do sistema de subsistência,
contribuíam para formar a opinião de que a mão de obra livre no país não servia para a“ grande
lavoura.”(Celso Furtado, op.cit., p.122). Na quebra do trabalho escravo para o assalariado o autor
não esta preocupado com fatores vinculados às concepções ideológicas e políticas presentes no
pensamento da elite nacional e do “branqueamento” almejado com a chegada dos imigrantes
europeus, o seu foco recai sobre os fatores econômicos que pautaram o processo de imigração.
54
TABELA 2 - Composição Racial da População Brasileira
(Em %)
Anos
Cor
1890 1940 1980 1991 2000
Amarela
-
0,70 0,80 0,43 0,45
Branca
44,00 63,50 54,80 51,56 53,74
Indigena
- - -
0,43 0,43
Parda
41,40 21,20 38,50 42,45 38,45
Preta
14,60 14,60 5,90 5,00 6,21
Fonte:Censo 2000-resultado da Amostra, PNAD 1991 e Henriques
(2001) - dados tabulados pelo autor
Grafico 1- Composição Racial da População Brasileira- Série
Histórica
0%
50%
100%
1890 1940 1980 1991 2000
Preta
Parda
Indigena
Branca
Amarela
Além do entendimento da série histórica da composição por cor, é necessário
entender a composição destas populações por região do país. HENRIQUES (2001)
nos chama a atenção para complexidade da distribuição da população nas várias
regiões do país — os processos históricos distintos acabaram por criar regiões com
grandes variações quanto à composição “racial”. Esta disparidade, que assume
extremos ainda mais críticos quando a análise se dá em nível dos estados
federados, é de extrema importância para o entendimento da distribuição das
oportunidades socioeconômicas. Esta espacialidade explicita a estruturação de uma
55
lógica social que além de ter expressividade em todo conjunto dos municípios
brasileiros se expressa em nível das macro-regiões do país: assim como as cidades
têm seus espaços ilegais, marginalizados, mal servidos por infra-estrutura e serviços
sociais — majoritariamente compostos por negros —, contrastando com os espaços
legais, de inclusão social e bem servidos por infra-estrutura e serviços urbanos —
majoritariamente composto por brancos—, o Brasil também apresenta essa
contradição com a conformação de regiões ricas e brancas em contraste com
regiões pobres e negras.
Para exemplificar esta tese nos pautaremos em dados IBGE, especificamente
trataremos dos dados referentes à distribuição da população regional segundo sua
cor (TABELA 3 e GRÁFICO 2) e dos dados referentes à distribuição da população
brasileira por cor e região (TABELA 4 e GRÁFICO3).
Como demonstra os Resultados da Amostra do Censo 2000, a população
brasileira está nitidamente dividida sobre o ponto de vista da cor nas macro-regiões
do país: no Nordeste a população branca representa 32,94% e os negros 66,52%;
na região Norte os pardos representam 63,97% e os pretos 4,97%
30
enquanto os
brancos somam 28,01%; no Centro Oeste a composição se apresenta mais
equilibrada com os negros representando 48,30% e os brancos 49,73%; na região
Sudeste essa composição começa a se inverter com os negros assumindo a casa
dos 36,06% e os
TABELA 3 - Distribuição da População Regional segundo a
Cor- 2000
(Em
%)
Regiões
Cor
Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul
Amarela
0,40 0,14 0,23 0,71 0,42
Branca
49,73 32,94 28,01 62,35 83,60
Indigena
0,90 0,36 1,65 0,22 0,34
Parda
43,68 58,02 63,97 29,50 11,49
Preta
4,62 7,70 4,97 6,56 3,75
Fonte: Censo 2000, resultados da Amostra
30
Na região Norte a população parda é composta predominantemente por uma população de
descendência indígena, o que representa certa limitação à união dos termos preto e pardo. Mas esta
limitação que se impõe em nível da ascendência em nada implica em diferenciação enquanto grupo
socialmente explorado e subjugado, independentemente da origem negra ou indígena os pardos no
Norte constituem-se como grupo social mais vulnerável.
56
GFICO 2 - Distribuição da População Regional
segundo a Cor-2000
0%
50%
100%
Centro-
Oeste
Nordeste Norte Sudeste Sul
Preta
Parda
Indigena
Branca
Amarela
brancos 62,35%; e na região Sul a composição assume outro extremo com os
brancos representando 83,60% e os negros 14,24%. Assim, tendo em vista o grau
de desenvolvimento social das grandes macro-regiões do país, podemos concluir
que a população negra, na medida em que explicitamente se concentram nas
regiões mais pobres, esta em “desvantagem em relação aos brancos, no que se
refere à distribuição das oportunidades sociais no Brasil” (HENRIQUES, 2001: 6).
Estes dados são complementados com a análise da composição da
população por cor tendo em vista o seu tamanho absoluto nas macro-regiões. Os
dados apontam 42,64% da população habitando o Sudeste, 26,24% no Nordeste,
14,77% no Sul, 6,85% no Centro-Oeste e 7,60% no Norte, assim temos 83,65% da
população concentrada no eixo Sul/Sudeste-Nordeste (TABELA 5). Nesta
distribuição temos: 49,47% dos brancos vivendo na região Sudeste, o que
corresponde a 26,58% da população brasileira; na região Sul 22,9% da população é
branca, o que representa 12,36% da população do país. Se considerarmos esse
conjunto Sul-Sudeste, temos a concentração de 72.43% do total da população
branca. Já se analisarmos a região Nordeste verificamos que ela concentra 42,44%
dos pardos e 34,88% dos pretos.
57
Tabela 4 - Distribuição da População Brasileira por Cor e Região-2000
(Em %)
Regiões
Cor
Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul
Amarela
6,10 8,83 3,84 67,56 13,69
Branca
6,30 17,24 3,96 49,47 22,99
Indigena
14,21 23,21 29,07 21,96 11,54
Parda
7,78 42,44 12,64 32,71 4,41
Preta
5,10 34,88 6,07 45,03 8,92
Fonte: Censo 2000-resultado da amostra
GRAFICO 3
0%
25%
50%
75%
100%
A
m
a
r
ela
B
r
an
ca
Indigena
P
arda
Preta
sem declaração
Sul
Sudeste
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Tabela 5 - Distribuição da População Brasileira por Cor e Região-2000
Regiões
Cor
Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul
Amarela
6,10 8,83 3,84 67,56 13,69
Branca
6,30 17,24 3,96 49,47 22,99
Indigena
14,21 23,21 29,07 21,96 11,54
Parda
7,78 - 12,64 32,71 4,41
Preta
5,10 34,88 6,07 45,03 8,92
sem declaração 0,06 0,01 0,01 0,01 0,00
* Valores absolutos da população por cor/raça
** Valores relativos da população por cor/raça tomando por denominador a
população total da região( em %)
Fonte: Censo 2000-resultado da amostra
58
Esta análise simplificada demonstra que o Brasil apresenta diferenças
regionais muito fortes e, mais que isso, expressa implicitamente os resultados
positivos da política de branqueamento praticada no país, em específico nas regiões
Sul e Sudeste, “berço esplendido” que abrigou a migração européia em prol do
desenvolvimento do país.
Ainda que a predominância branca possa ser constatada nas regiões Sul e
Sudeste, temos de 53,95% dos pretos e 37,12% dos pardos habitando neste
aglomerado inter-regional. Esta maior concentração dos pardos e negros nas
regiões mais ricas do país poderia representar “uma vantagem locacional vis-à-vis a
população de cor parda” (HENRIQUES, 2001:6), mas como veremos mesmo quando
locados em uma região rica os pretos, inseridos em um sistema de exclusão sócio-
econômica encontra poucas vantagens sociais
31
.
2.3 - A composição por idade da população brasileira
Um componente estatístico há ser analisado diz respeito à distribuição etária da
população tendo em vista a composição pela cor. Nos últimos anos, com base na
pirâmide etária do país da década de 90 (TABELA 6), é possível caracterizar estas
populações segundo sua classificação por cor, o que nos revela que a população
branca e negra tem constituição quase similar, estas apresentam maior grau de
envelhecimento, o que as distingue da população parda, de constituição mais jovem.
Fazendo uma análise por segmento, podemos identificar que em 1992 a
população branca tinha 14,6% da sua população entre 0 a 6 anos, 17,0% entre 7 a
14, 11,8% entre 45 e 59 e 8,6% com mais de 60 anos. Praticamente uma década
depois, em 1999, esta composição apresenta forte tendência de mudança com a
população jovem caindo para 12,6% e 14,8%, e a população mais velha subindo
para 13,9% e 10,1%, respectivamente. Já em relação à população parda, para um
mesmo período de análise, temos 16,3% desta população entre 0 e 6 anos, 21,2%
entre 7 e 14, 9,7% entre 45 e 59 e 6,5% com mais de 60 anos. No final da década
de 90 essa composição assume os seguintes valores: 14,1% para a população entre
0 e 6 anos, 18,8% entre 7 e 14, 11,4% entre 45 e 59, e 7,2% com mais de 60 anos.
31
Para saber mais sobre distribuição regional das riquezas ver Henriques, 2001.
59
TABELA6 - Evolução da Distribuição da
População por Cor segundo a faixa de idade
(Em %)
Cor 1992 1996 1999
Branca
De 0 a 6 anos 14,6 12,9 12,6
De 7 a 14 anos 17,0 16,1 14,8
De 15 a 24 anos 18,1 18,4 18,5
De 25 a 44 anos 29,8 29,9 30,0
De 45 a 59 anos 11,8 13,0 13,9
60 anos ou mais 8,6 9,7 10,1
Parda
De 0 a 6 anos 16,3 14,8 14,1
De 7 a 14 anos 21,2 20,3 18,8
De 15 a 24 anos 20,2 20,8 21,0
De 25 a 44 anos 26,1 26,8 27,5
De 45 a 59 anos 9,7 10,6 11,4
60 anos ou mais 6,5 6,7 7,2
Preta
De 0 a 6 anos 12,2 11,0 10,6
De 7 a 14 anos 17,1 16,2 14,7
De 15 a 24 anos 19,2 19,7 19,7
De 25 a 44 anos 28,7 29,1 29,1
De 45 a 59 anos 12,8 13,9 14,6
60 anos ou mais 9,9 10,2 11,3
Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD)
1992,1996 , 1999 e Henriques 2001
Nota: A desagregação dos dados nesta tabela não assegura
representatividade estatística para as populações de origem
indígena e amarela.
Estes dados apontam que a população parda, na faixa que vai de 0 a 14
anos, é composta por 5,5% a mais que a população branca, o que dá forte peso
para a população jovem na pirâmide etária, o que aproxima a população parda das
características apresentadas por paises subdesenvolvidos — no que se refere à
composição da população por idade, à medida que o país é composto por um
numero maior de jovens maior é a parcela populacional economicamente inativa, ou
mal remunerada. Já a pirâmide etária da população branca se aproxima da
composição da pirâmide dos países desenvolvidos, pois apresenta uma maior
porcentagem da população na categoria adulta (HENRIQUES, 2001).
60
A análise sobre a população preta merece uma reflexão diferenciada: com
uma proporção de população jovem muito próxima à proporção da população
branca, é equivocado estabelecer as mesmas conclusões dadas à população
brancas. Sabedores das condições de vida da população de cor preta, a menor
proporção de população jovem pode ser explicada muito mais pelos altos índices de
violência que incidem sobre ela que por qualquer outra explicação vinculada ao
melhor desempenho socioeconômico dos pretos.
2.4 - Indicadores de Qualidade de Vida: A Manutenção das
Desigualdades
Num primeiro momento tratamos de explicar a questão da composição da
população brasileira por cor, tomamos por base a série histórica desta distribuição,
sua distribuição regional e sua composição por idade.
Interessa-nos analisar os indicadores de qualidade de vida que indicam o
grau de inserção do negro na sociedade brasileira. Em outras palavras, queremos
explicitar os diferentes níveis de desenvolvimento sócio-econômico, o diferenciado
acesso ao capital social a que estas populações estão sujeitas — contribuindo assim
para a hipótese de que a sociedade brasileira possibilita graus de desenvolvimento
distintos para as “várias populações” que a compõe.
Admitida esta hipótese trabalharemos com o recorte racial dos indicadores de
qualidade. Desagregando os dados do indicador ‘cor’ poderemos dimensionar essa
distância social entre os grupos de cor.
Adotaremos a perspectiva de que os indicadores de qualidade de vida
apresentam uma forte correlação: podemos dizer que os indicadores de renda se
relacionam diretamente aos indicadores de esperança de vida, aos de escolaridade,
aos de violência, aos de acesso aos serviços de saúde e aos de pobreza, e vice-
versa. Essa articulação de indicadores, expressos mais diretamente pelas vias do
capital econômico, mascara outras possibilidades de explicação para a estrutura
social e limita a explicação dessa verdadeira barreira social.
61
Admitida a existência dessa barreira, construída socialmente de maneira a
manter o status quo das classes dominantes, trabalharemos com o recorte racial de
modo a dimensionar sua abrangência ao ser vinculada à cor da população. Na
medida do possível tentaremos ampliar o recorte de modo a possibilitar também uma
análise em nível da desagregação por sexo, o que permite avaliar o modo como
essa barreira se configura para sexos masculino e feminino dentro de um mesmo
grupo de cor.
2.4.1 - Esperança de Vida ao Nascer
Sempre que se trabalha com médias que abrangem todos os grupos raciais
estamos fadados a incidir em sérios erros estatísticos que amenizam e mascaram a
realidade social. Neste sentido um dos primeiros indicadores a ser analisado é a
expectativa de vida ao nascer.
Em média o brasileiro vive 68,7 anos. Esta média quando desagregada por
grupo de cor e sexo revela um grande hiato entre as populações negra e branca
(TABELA 7): o homem branco (com média de 68,24 anos) vive 5 anos a mais que o
homem negro (média de 63,27 anos, 5 anos a menos que o apontado pela média
nacional) e praticamente se iguala á expectativa de vida das mulheres negras (69,52
anos).
Tabela 7 - Esperança de Vida ao Nascer-2000
Cor
Sexo
Brancos Negros
Mulheres
73,80 69,52
Homens
68,24 63,27
Fonte: Atlas Racial Brasileiro 2004 e Centro de
Desenvolvimento Regional da UFMG
Estes dados, além de demonstrar a distância social entre os dois grupos de
cor, rompem a tendência histórica onde as mulheres apresentam taxa de esperança
de vida ao nascer muito superior à dos homens, a expectativa de vida do homem
branco praticamente se equipara à da mulher negra. Mas esta tendência ainda
62
apresenta forte correlação quando a comparamos a média apresentada pelas
mulheres brancas à média dos homens negros — com 73,80 anos de esperança de
vida ao nascer, as mulheres brancas vivem 10 anos a mais que os homens negros.
2.4.2 - Violência
Dentre os vários fatores que contribuem para a baixa expectativa de vida do
negro, a violência de criminosos, da policia e ,em especial, a da própria família para
o grupo das mulheres negras tem demonstrado índices alarmantes. Quando
desagregamos os dados estatísticos pela cor da população, a população negra,
contrariando o senso comum onde a violência é entendida como fenômeno a atingir
toda a sociedade brasileira com um mesmo grau de intensidade — sem distinção de
classe social, raça, sexo e idade —, carrega a maior parte do fardo do abismo social
criado no país, que tem como um de seus resultados a violência. Por estarem
concentrados em áreas ilegais, quando não marginalizadas, e por já se constituírem
no imaginário popular, principalmente no policial, como a “cor do crime”, prática que
revela a incidência de viés racista no aparelho de repressão policial
32
, a população
negra se posiciona no topo dos índices de violência.
Entre os anos de 1993 e 1996, o pesquisador Ignácio Cano (in
HASENBALG,2003), ao trabalhar com o registro de pessoas mortas ou feridas por
policiais na cidade do Rio de Janeiro, constatou que a população branca (60% da
população total) respondia com 30% das mortes provocadas pela polícia. Já a
população preta (8% da população total) respondia com 30% das mortes
provocadas pela polícia. Somando-se a estes dados, o Relatório de
32
A institucionalização da violência policial foi tema de pesquisa em 2003 pela CESEC (Centro de
Estudos de Segurança e Cidadania- Universidade Cândido Mendes) e pela Sociedade Científica da
Escola Nacional de Estatística. O estudo realizado com 2250 cariocas, entre 15 e 65 anos, revela
que 37,8% dos entrevistados já haviam sido parados pela policia. As abordagens variam
significativamente quando desagregamos a amostra por sexo e idade, mas não quando
desagregamos por cor, renda e escolaridade: nestas abordagens o estudo verificou que dos
entrevistados negros 55% já haviam passado por revista corporal contra 38,8% dos pardos e 32%
dos brancos, “os números indicam que a policia, quando depara com transeuntes brancos, mais
velhos e de classe média, tem maior pudor em revistá-los – procedimento fortemente associado à
existência de suspeição e, em geral, considerado em si mesmo humilhante” (Relatório de
Desenvolvimento Humano, pág 91).
63
Desenvolvimento Humano Brasil 2005 — Racismo pobreza e violência
33
apresenta o
resultado da pesquisa sobre violência policial no Estado do Rio de Janeiro: os pretos
compõe 11% do total da população e são 32,4% dos mortos pela polícia; já entre os
brancos, 34% da população, a incidência de mortes é de 21,8%
34
.
Além de estarem localizados no topo da violência policial, os negros também
assumem a ponta nos índices de violência causada por criminosos, segunda o
PNUD, a taxa de homicídio por 100 mil habitantes para a população negra é de 46,3,
valor 1,9 vez a dos brancos
35
. Em relação aos brancos e amarelos, os pardos tem o
dobro da probabilidade de serem assassinados, já os pretos tem 2,5 vezes mais.
Um fator alarmante é revelado pela TABELA 8: quando comparamos as taxas de
homicídios na população por 100 mil habitantes, desagregando a população por
grupos de cor, sexo e idade, verificamos que a incidência de homicídios na
população de cor negra é muito superior à incidência sobre a população branca,
principalmente para a população masculina jovem (consideraremos aqui como
população jovem a faixa etária que vai dos 15 aos 39 anos). A maior incidência de
homicídios sobre a população negra se manifesta sobre o grupo dos homens na
33
Trata-se de várias pesquisas, sistematizadas na forma de um relatório, realizada em 2005 pelo
PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), cujo objetivo principal foi retratar as
relações raciais no Brasil contemporâneo. Com o uso de uma metodologia comparativa o estudo
tenta demonstra os diferentes níveis de inserção social das populações brancas e negras.
34
A pesquisa foi realizada entre 1998 e 2002, e a base de cálculos partiu de 1538 ocorrências
envolvendo mortes de opositores pela policia.
35
“Os dados sobre homicídio baseiam-se nas declarações de óbito registrados no sistema de saúde.
Para a análise, foram computadas as mortes por agressões, intervenção legal e operação de guerra.
Além disso, foram consideradas intencionais todas as mortes por arma de fogo ou instrumento
cortante registradas originalmente como acidentais ou de ‘intencionalidade desconhecida”. Esses
casos reclassificados como intencionais foram distribuídos entre homicídios e suicídios de acordo
com a proporção de ambos nos registros originais em cada unidade da Federação. (...)
Como o objetivo era saber características das vítimas, foi necessário selecionar quais dos casos
correspondentes a categoria de cobertura parcial (acidentes e mortes de intencionalidade
desconhecida por arma de fogo e arma branca) fariam parte do banco dos homicídios. Para tanto em
cada uma dessas categorias, em cada Estado, foi feito um sorteio aleatório, procedimento que
garante que o perfil das vítimas selecionadas é representativo do total das vítimas dessa categoria.
(...)
Para aumentar a confiabilidade das informações, utilizaram-se apenas os dados dos Estados em que
a cor/ raça de pelo menos 85% das vítimas tivesse sido registrado. Esse critério deixou de fora da
análise Alagoas, Bahia, Ceará, espírito Santo, Paraíba, Piauí e Sergipe. No cálculo das taxas de
homicídio por 100 mil habitantes, foram usadas as estimativas de população do IBGE para cada
Estado, referentes a 2001. Para a elaboração de taxas específicas, foi aplicada a essas estimativas a
distribuição por faixa etária, sexo e cor/raça é feita a partir da auto-declarada do Censo 2000, em
cada unidade federativa. (...)”. (RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO,2005, pág 87)
64
faixa etária de 20 a 24 anos, para estes a temos de 201,5 mortes por 100 mil
habitantes
36
.
Tabela 8 - Taxa de homicídios na população por 100 mil habitantes por
sexo, idade e cor/raça
Faixa etária sexo
Masculino Feminino
branca preta parda branca preta parda
até 9anos 1,0 0,9 1,3 1,1 1,0 0,9
de 10 a 14 anos 4,2 9,7 7,7 1,7 2,3 2,7
de 15 a 19 anos 64,8 152,5 123,3 6,6 11,5 9,9
de 20 a 24 anos 102,3 218,5 185,4 6,6 13,2 10,3
de 25 a 29 anos 96,5 177,2 163,6 7,6 15,2 11,2
de 30 a 39 anos 69,8 120,5 112,5 5,9 12,1 8,4
de 40 a 49 anos 49,4 67,9 75,4 4,7 7,3 6,6
de 50 a 59 anos 35,0 42,3 46,3 3,9 3,8 2,9
60 anos ou mais 22,9 16,5 25,7 4,7 3,2 4,0
Fontes: IBGE e www.datasus.gov.br, in Relatório de Desenvolvimento Humano (op.cit, pág
88)
Obs.: estão fora desta análise os Estados de Alagoas, Piauí, Ceará. Sergipe e Espirito Santo,
em que a cor ou raça de mais de 15% das vitimas não foi identificada.
Estes dados podem ser entendidos como um dos fatores que contribuem
diretamente para a baixa expectativa de vida da população negra, expostos aos
maiores índices de homicídios os jovens negros contribuem para a redução da
expectativa média de vida do grupo. Além disto, a alta taxa de homicídio sobre os
jovens pretos é um dos fatores que aproxima a pirâmide etária dos pretos à pirâmide
etária dos brancos: o envelhecimento da população, característico dos países
desenvolvidos e da população branca do país, no caso dos negros é explicado
devido as grandes perdas em seu grupamento masculino jovem, na verdade o que
se tem não é um aumento na qualidade de vida da população provocada pelo
envelhecimento e conseqüente aumento da renda per capita, simplesmente ocorre
uma redução sistêmica em sua população jovem.
36
O dado para a população negra foi obtido a partir da média aritmética das subcategorias ‘preto e
pardo’. Para estes subcategorias temos os pretos com 218,5 mortes por 100 mil habitantes e os
pardos com 185,4.
65
2.4.3 - Acesso aos Serviços de Saúde
Outro forte indicador com influência direta sobre a qualidade de vida e
expectativa de vida da população é o que trata do acesso aos serviços de saúde.
Para esta análise nos basearemos nos dados apresentados pelo Atlas Racial
Brasileiro-2004
37
, especificamente nos debruçaremos sobre os dados referentes ao
atendimento médico (consultas e acesso aos planos de saúde) e odontológico.
Um primeiro item a ser aferido pela pesquisa revela o percentual de
atendimento médico nas duas semanas anteriores à pesquisa: temos a população
branca com 83,7% de atendimento contra 69,7% da população negra. A pesquisa
desenvolvida se propôs quantificar o sucesso na busca por consulta médica, sem se
propor maior análise sobre as causas dessa desigualdade
38
.
Nesta mesma linha é quantificada a média de consultas por ano: temos a
população branca com a média anual de 2,29 consultas contra 1,83 da população
negra. Estes dados sugerem que a população negra, na medida em que tem menos
acesso aos serviços básicos de saúde, esta mais propensa a sofrer de problemas
mais graves, e conseqüentemente, sofrer maior número de hospitalizações. Esta
hipótese pode ser comprovada quando comparamos as taxas de hospitalização de
ambos os grupos: 13,28% dos negros sofrendo hospitalização contra 12,28% dos
brancos.
Do ponto de vista da distribuição regional, o acesso aos serviços de saúde
segue a distribuição da renda nacional, o que significa que os estados mais pobres,
compostos em sua maioria pela população negra apresentam os piores índices de
atendimento médico. Essa perspectiva pode ser traçada tanto do ponto de vista do
acesso aos serviços públicos quanto do acesso ao sistema privado de saúde. Sob a
perspectiva dos serviços privados, no Brasil a média da população negra atendida
37
O Atlas Racial Brasileiro é um banco de dados eletrônico que reúne uma série histórica de
indicadores sociais desagregados por cor/raça, baseado em: dados do censo de 1980, 1990 e 2000;
PNAD de 1982, 1986 e 2003; Pesquisa sobre Saúde Familiar no Nordeste do Brasil-1991 e Pesquisa
Nacional de Demografia e Saúde.
38
Neste momento não nos interessa debruçarmos sobre as possíveis razões do diferencial no
percentual de atendimento médico. Esse diferencial que pode ser explicado por fatores de ordem
econômica, cultural e educacional, quando da falta de instrumental eficiente em separá-los,
acabariam por mascarar a importância do foco racial sobre sua própria percepção. E há de se
entender também que é neste jogo de Intersecções de fatores que o racismo brasileiro alcança
grande resultados para a manutenção do status quo da raça dominante.
66
por plano de saúde é de 14,7% enquanto que a dos brancos é de 32,7%. Com base
no GRÁFICO 4, onde estão organizadas as informações sobre percentual de
pessoas que têm plano de saúde, desagregados por região do país,cor e sexo,
podemos comparar o nível de atendimento por plano de saúde segundo a
distribuição regional. Assim temos: No Sudeste, região mais rica do país, 21,3% dos
negros têm acesso ao plano de saúde contra 39,2% dos brancos; Já no Nordeste,
onde foram registrados os menores índices de atendimento por plano de saúde,
8,7% dos negros acesso contra 20,4% dos brancos. Estes valores nos fazem ver
que, independentemente do desenvolvimento do nível de desenvolvimento das
macro-regiões do país, a distância social entre negros e brancos permanece estável.
GRÁFICO 4
Percentual de pessoas que têm Plano de Saúde por Sexo e
Cor. Brasil e Grandes Regiões-1998
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Brasil Centro-
Oeste
Nordeste Norte Sudeste Sul
Homens Brancos
Mulheres Brancas
Homens Negros
Mulheres Negras
Fonte: Atlas Racial
Para reforçar esta hipótese, os dados referentes ao acesso à serviços
odontológicos apontam que 24% dos negros nunca foram ao dentista, este mesmo
percentual em relação a população branca é de 14,0%, assim temos a população
negra com praticamente o dobro da deficiência apresentada pela população branca.
Com base no GRÁFICO 5 podemos aferir que do ponto de vista da saúde bucal o
Brasil, de forma geral, apresenta péssimos indicadores, mas do ponto de vista da
regionalidade destes dados, temos a formação de dois blocos distintos: no primeiro
67
temos o Centro-Oeste, o Sudeste e o Sul com os menores índices e mais próximos
entre si; No outro, temos o Norte e Nordeste com taxas mais elevadas.
GRAFICO 5
Percentual de Pessoas que nunca foi ao Dentista, por Sexo e
Cor. Brasil e Grandes Regiões-1998
0
5
10
15
20
25
30
35
40
Brasil Centro-
Oeste
Nordeste Norte Sudeste Sul
Homens Brancos
Mulheres Brancas
Homens Negros
Mulheres Negras
Fonte: Atlas Racial
De modo geral, avaliando os indicadores analisados acima, podemos inferir
que o agrupamento masculino da população negra vive sob as condições mais
desfavoráveis de atendimento médico no país. Esta análise é reforçada quando
analisamos o percentual de sucesso na busca de atendimento ambulatorial:
segundo o Atlas Racial Brasileiro apenas 66% dos negros obtiveram atendimento,
contra 82% dos homens brancos, 85% das mulheres brancas e 72% das mulheres
negras.
2.4.4 - A Cor da Riqueza Nacional
Ao analisarmos a distância social que separa os negros dos brancos não
podemos deixar de dar atenção aos indicadores de trabalho e renda, e em especial
ao de pobreza. Primeiramente, antes de entramos na analise do indicador, há que
se entender que:
68
A pobreza é um fenômeno multidimensional, que não se restringe
aos aspectos sócio-econômicos, com os quais é com freqüência
identificada. Em geral, os pobres são vistos como uma categoria
privada de bens econômicos e sociais facilmente mensuráveis. Por
essa razão, as medidas voltadas ao enfrentamento da situação não
ultrapassam o campo dos programas e das políticas sociais, quase
sempre traçados sem a participação dos maiores interessados.
(RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO, 2005, 42)
Nesta perspectiva de atuação, de entendimento da pobreza como algo a
transpassar a simples explicação estabelecida pela escassez material, é necessário
entender o aspecto político da pobreza bem como o seu papel estruturante
desempenhado na disputa pelo acesso ao capital social. Para além das perspectivas
imediatistas, que atuam apenas em nível pragmático da supressão das
necessidades básicas da população, é necessário abordar
Os processos históricos de destituição de poder da população
submetida a essa condição, assim como a falta de representação
desse contingente nas várias esferas de decisão do Estado
(RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO, 2005, 45).
Quando analisada por esse viés é possível entender a população negra e seu
lugar de minoria social
39
, mesmo constituindo-se maioria demográfica em algumas
regiões do país. Por mais que esta população seja numericamente proporcional á
população branca (o Brasil possui a segunda maior população de negros), esta se
encontra sub-representada em relação às instâncias políticas e institucionais, fruto
de um processo histórico de expropriação do poder e da renda. Este processo, que
passa pela expropriação dos bens materiais da população na medida em que as
instâncias de deliberação são dominadas por grupos sociais com interesses de
defesa do próprio grupo, ou, no mínimo, com orientação distinta da realidade social
vivida por este grupo minoritário, é um dos fatores que explica a desigualdade social
vivenciada no país: A tendência atual é de analisar a questão da pobreza pela
simples escassez material gerada pela concentração de renda, tomando por
pressuposto que a pobreza atinge a população brasileira de forma igualitária —
independente de cor, sexo e idade —. Esta abordagem não dá contada da realidade
39
Apesar da população negra ter o mesmo porte numérico da população branca,demograficamente
falando, esta vive uma situação de subjugação sócio-econômica e cultural-ideológica só explicável
quando a entendemos enquanto população pertencente a um grupo social minoritário.
69
social brasileira, num país profundamente desigual, socialmente e racialmente, não
podemos entender a pobreza como simples fruto da escassez material que assola o
país como um todo. Faz-se necessário distinguir como a pobreza e a renda estão
distribuídas entre os grupos raciais que compõe a população, dando assim
condições futuras para um melhor questionamento quanto à dimensão política da
pobreza do negro.
Para isto recuperaremos a pesquisa desenvolvida por Henriques (2001): o
autor ao trabalhar dados sobre a distribuição de renda do país, estabelece a
metodologia de representação por décimos da renda, assim o autor busca fugir da
generalização das médias aritméticas e nos revela mais detalhadamente o grau de
concentração da riqueza nacional. O GRÁFICO 6 demonstra que a população negra
esta super-representada nos décimos inferiores da distribuição da renda: a
participação dos negros na renda nacional assume um padrão de distribuição
inversamente proporcional à composição por cor nos décimos mais ricos da renda,
em outras palavras, na medida em que avançamos dos décimos de menor renda
para os de maior renda, menor é a presença de negros.
GRÁFICO 6 - Distribuição da População por Décimos da
renda, segundo a Cor - Brasil 1999
0
2,5
5
7,5
10
12345678910
negros brancos
Fonte: Henriques (2001)
Em um detalhamento ainda mais preciso, quando desagregamos em
centésimo a distribuição da renda nacional, de cada dez pessoas pobres oito são
negras; já no extremo oposto do centésimo mais rico, de cada dez apenas 1 é
negro. Estes dados demonstram como a estrutura da distribuição da renda brasileira
70
traduz um “nítido embranquecimento da riqueza e do bem estar do país”. Se
considerarmos os valores dessa apropriação da renda nacional, verificamos que: 85
% da população do décimo mais rico, população branca, se apropria de 41% da
renda; Já os 59,6% dos mais pobres, população negra, se apropria de apenas 7%
da renda do país (HENRIQUES 2001).
A esta análise somaremos os dados contidos no Relatório de
Desenvolvimento Humano, com o objetivo de avaliarmos a tendência da distribuição
da renda na última década. O Relatório aponta que na década de 90 o número
absoluto de pobres diminuiu em 5 milhões (1991 a 2000). Mas se desagregamos
estes dados por cor veremos que aumentou em 500 mil o número de negros abaixo
da linha de pobreza, enquanto diminuiu em 4,5 milhões o número de brancos abaixo
da linha de pobreza, em outras palavras, para cada 9 brancos que saíram da
condição abaixo da linha de pobreza, 1 negro entrou (GRAFICO 7).
GRÁFICO 7 - Redução da pobreza em numeros absolutos
(em milhões)
-6,0
-5,0
-4,0
-3,0
-2,0
-1,0
0,0
1,0
negros brancos total
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano - 2005
Outra leitura do trabalho de HENRIQUES (2001) nos revela que os negros,
com um considerável aumento de sua representação nos décimos mais pobres da
população, continuaram responsáveis por apenas 50% da renda destes décimos
mais pobres da população.
As mudanças “estruturais” ou conjunturais, que possibilitaram um melhor
desempenho do país quanto à saída de parcela da população da faixa de pobreza,
em nada contribuíram para o avanço em nível da diminuição da desigualdade racial.
71
Outro ponto de analise da pesquisa trata da distribuição da renda dentro dos
quantis, onde temos
A renda média dos 10% mais pobres entre os brancos é superior a
renda média dos 10% mais pobres entre os pretos, esta diferença
em favor dos brancos se repete até alcançarmos os indivíduos mais
ricos das duas populações (HENRIQUES, 2001, pág 19).
Em outras palavras, significa dizer que os negros continuam a ser mais
pobres dentre os pobres e menos ricos dentre os ricos, mesmo quando essa análise
chega ao nível dos quantis de composição de renda.
Como ocorreu nos outros indicadores analisados, a distribuição desigual da
renda nacional contribui para a construção de dois países distintos cujas populações
majoritárias se constituem como extremos opostos de uma mesma sociedade.
Essa tendência dos negros assumirem maior grau de pobreza, como nos
revela o Atlas Racial, é uma constante que se repete por todo o território nacional:
no Nordeste, onde 57% da população é pobre, o percentual de negros vivendo
abaixo da linha de pobreza é de 61,9%, contra 46,9% dos brancos, isto significa que
os negros constituem três quartos (¾) dos nordestinos pobres, cerca de 75,6%; Na
região mais rica do país, o Sudeste, os pobres representam 21,5 % da população,
mas quando desagregamos este índice por cor temos 31,2% de negros e 15,6% de
brancos; Já na região Sul ocorre uma fuga a esta tendência, a pobreza atinge 10,5%
da população, dentre estes 73,6% são brancos e 25,9% são negros
40
.
Seguindo esta mesma lógica de entendimento da apropriação desigual da
renda nacional, passaremos a analisar a renda per capita dos negros e dos
brancos. Dados levantados pelo Relatório de Desenvolvimento Humano
41
comparam
a renda da população e revelam que em 1980 a renda per capita dos brancos era
de R$ 341,71, mais que o dobro da renda dos negros no ano de 2000, que ficava
em torno de R$ 162,75. Com base na mesma pesquisa, se compararmos a evolução
da renda dos grupos ao longo destes vinte anos verificaremos que a renda dos
40
Este dado pode mascarar a condição de vida dos negros da região Sul, pois faz supor que os
negros desta região vivem melhor condição de vida que os negros das outras regiões. Mas se
levarmos em consideração a proporção de negros abaixo da linha de pobreza em relação à
população negra total temos que: dos negros que vivem nesta região 38,9% são pobres,
praticamente o dobro da população branca que responde com apenas 20,4%.
41
A pesquisa foi baseada em dados da PNAD 1980 e 2000.
72
brancos subiu de R$ 341,75 para R$ 406,53, enquanto que a dos negros subiu de
R$ 132,32 para R$ 162,72, a diferença no acréscimo da renda foi mais que o dobro
para a população branca.
SOARES (2000), ao analisar renda per capita da população desagregando
por cor e sexo, identifica a existência de
Um grupo padrão — os homens brancos — que estabelece a norma no
mercado de trabalho e três outros grupos — homens negros, mulheres
negras e mulheres brancas — que sofrem uma possível discriminação
devido ao fato de não serem homens brancos (SOARES,2000, pág 5).
Ao analisar essa diferença nos rendimentos por sexo e cor (TABELA 9),
verifica-se que em média a renda das mulheres negras — a pior colocada na media
de rendimento — chega a ser 40% do valor da média dos homens brancos. As
outras duas categorias também se encontram em desvantagem, embora em menor
grau: os homens negros recebem 46% da renda dos homens brancos e as mulheres
brancas 79%.
Tabela 9 - Comparação de Rendimenetos por 40 horas
de Trabalho em Setembro de 1998
Grupo
Renda Mensal
em Reais
Como Percentagem
do grupo Padrão
Homens Brancos 726,89 -
Mulheres Brancas 572,86
79,00
Homens Negros 337,13
46,00
Mulheres Negras 289,22
40,00
Fonte: Soares ( 2000), a partir de microdados da PNAD
Caminhando nessa caracterização SOARES (2000) nos apresenta outra
tendência de comportamento sob o ponto de vista dos avanços na distribuição de
renda: analisando o período de 1987 a 1998 (TABELA 10 e GRÁFICO 8), constata-
se que a distância salarial entre mulheres negras e homens brancos praticamente
se manteve inalterada, já o grupo das mulheres brancas que em 1987 recebiam 68%
do rendimento dos homens brancos, em 1998 tem esse percentual aumentado para
79%. A pesquisa desenvolvida por SOARES (2000) possibilita, no mínimo, a
identificação de duas tendências: a primeira mostra uma diferenciação da renda
73
entre os grupos pesquisados estruturada por critérios de cor e sexo; a segunda,
demonstra que para os grupos de cor branca a distância de rendimentos tem
diminuído entre homens e mulheres, enquanto se mantém praticamente estável em
relação ao grupo de cor negra.
Tabela 10- Rendimentos Médios Mensais Padronizados
de Homens negros, Mulheres Brancas e Negras como
Porcentagem dos Rendimentos dos Homens Brancos
(em %)
Ano/Grupo
Homens
negros
Mulheres
Brancas
Mulheres
Negras
87
47 68 33
88
45 68 31
89
45 66 31
90
47 74 35
91
50 76 39
93
47 73 36
95
47 73 38
96
47 80 39
97
46 76 38
98
46 79 40
Tendência
linear
0 1 0,7
Fonte: Soares (2000), a partir de microdados da
PNAD
74
GFICO 8 - Rendimentos de Homens negros,
Mulheres Brancas e Negras como Porcentagem
do rendimento dos Homens Brancos (em %)
30
40
50
60
70
80
90
87 88 89 90 91 93 95 96 97 98
Homens negros Mulheres Brancas Mulheres Negras
Complementando os dados apresentados por SOARES (2003), o Relatório de
Desenvolvimento Humano nos apresenta o GRÁFICO 10, onde temos um
comparativo de salário/hora desagregado por escolaridade, cor e sexo. Contrariando
o senso comum, onde vemos justifica a diferença salarial entre negros e brancos
com base em possíveis diferenças em nível de formação escolar, os dados apontam
uma diferença salarial para os grupos de cor dentro de uma mesma faixa de
escolaridade, essa diferença torna-se mais aguda para a faixa que apresenta mais
de 15 anos de estudo, o que corresponde à formação superior, e apresenta
diminuição à medida em que recuamos no nível de escolaridade.
Gráfico 10- Salário/hora, por cor/raça autodeclarada e sexo,
segundo o nível de escolaridade - Brasil (R$)
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
0 1 a 3 4 a 7 8 a 10 11 a 14 15+
Homens Brancos
Mulheres Brancas
Homens Negros
Mulheres Negras
Fonte: Atlas Racial brasileiro 2004
75
A diferença salarial entre grupos com mesma faixa de escolaridade abrange
aspectos que podem estar, em parte, vinculados à reserva de mercado para as
profissões e cargos de expressividade social mais elevada (TABELA 11). Essa
reserva de mercado torna cursos como o de odontologia, direito, medicina e
arquitetura praticamente inacessíveis para a população negra. O que, em maior
parte, pode ser expressão do afunilamento nos processos de seleção; e em menor
parte, expressão do alto nível de desistência da população negra, devido á
deficiência de estrutura econômica e familiar para manutenção nos cursos.
Tabela 11 - Proporção de negros por curso
superior concluído-Brasil,1980 e 2000 (em %)
Curso selecionado 1980 2000
Arquitetura 5,7 8,1
Direito 9,4 13,6
Enfermagem 32,1 25,2
Engenharia Mecânica 5,4 9,6
Estatística 16,4 22,8
Filosofia 12,6 21,2
Geografia 14,9 26,3
História 12,2 26,1
Letras 10,9 20,8
Medicina 9,7 11,3
Odontologia 9 8,9
Pedagogia 10,7 20,9
Psicologia 6 10,8
Serviço Social 15,8 24,2
Veterinária
14,30 10,50
Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano 2005
2.4.5 - A Heterogeneidade da Educação Brasileira
Na linha de análise que vimos desenvolvendo para os outros indicadores
passaremos agora à análise dos indicadores de alfabetização, levando em
consideração todo o processo de alfabetização e o desempenho escolar dos grupos
76
de cor. Como nos lembra BELTRÃO (2003: 1), associada à linguagem, a escrita
demarca a fronteira básica que delimita e acentua a desigualdade entre grupos.
Falar em desigualdade entre brancos e negros no Brasil, obrigatoriamente, passa
por rediscutir o papel da alfabetização nesse processo estruturado de produção e
reprodução de mecanismos sociais que visam garantir a manutenção do status quo
do grupo dominante e do grupo dominado, requer rediscutir o papel estruturante da
alfabetização na manutenção desse hiato social que separa esses dois grupos.
É necessário relembrarmos a necessidade da desagregação dos dados a
serem analisados por categorias de sexo e, mormente, por categorias de cor:
Taxas brutas para a população como um todo, mesmo
caracterizando uma tendência temporal, não levam em conta
mudanças na estrutura etária, mascaram possíveis movimentos
ocorridos em cortes específicos e não consideram diferenças
intragrupos (BELTRÃO, 2003: 2).
Ao desagregarmos essas taxas brutas passamos a identificar nitidamente a
heterogeneidade
42
na escolaridade da população adulta brasileira e revela as
implicações dessa heterogeneidade ao longo de todo processo de alfabetização.
Essa estruturação heterogênica do sistema educacional nos faz perguntar:
Qual a diferença educacional entre negros e brancos no país? Existe alguma
diferenciação dentro dos grupos branco e negro ao desagregá-los por sexo? Como
vem evoluindo a distância média de escolaridade entre brancos e negros? A
incidência de racismo no espaço escolar, se existente, pode ter alguma influência
sobre os negros e seu desempenho acadêmico?
A série de questões pode demonstrar-se infindável, tamanha a complexidade
como o sistema educacional brasileiro atende sua população e tamanha a forma
diferenciada como o sistema brasileiro atende sua população, não só sobre o ponto
de vista da cor, também do ponto de vista do sexo e da localização regional.
Frente a esta série de questões, tomaremos por foco de aprofundamento a
análise das desigualdades raciais na educação, do acesso á escola, da defasagem
escolar e da diferenciação por sexo dentro de um mesmo grupo de cor
43
.
42
Ao se referir ao conceito de “heterogeneidade” da educação HENRIQUES (2001, pág 26) quer
fazer ver a diferente forma como os grupos se apropriam da educação. Nessa diferente apropriação
se encontraria uma das causas para a perpetuação da distância social entre os grupos raciais.
77
Um primeiro ponto que merece conceituação trata do uso do termo: pessoa
alfabetizada. Faremos uso do conceito utilizado pelo IBGE, que estabelece como
alfabetizadas as pessoas de “5 anos ou mais de idade capazes de ler e escrever um
bilhete simples”. Assim fica delimitado como corte conceitual o domínio mínimo da
linguagem escrita, ficam excluídas as pessoas que não tem capacidade de ler e
escrever um bilhete, independentemente de terem passado por processo de
alfabetização (BELTRÃO, 2003)
44
. Esta distinção é necessária na medida em que
utilizaremos os dados levantados pelo IBGE para a construção dos indicadores que
mediram o grau de alfabetização dos grupos.
Definido este conceito, faremos uso da TABELA 12 E DO GRÁFICO 11 para
avaliarmos a evolução histórica das taxas de alfabetização da população,
desagregadas por sexo e cor, no período de 1940 à 2000.
No ano de 1940 a distância percentual entre pretos e brancos alfabetizados
girava em torno de 55%, já a distância medida entre pardos e brancos ficava em fica
em cerca de 41 %. Estes dados confirmam a estratificação social a partir do
branqueamento da alfabetização, quanto mais nos aproximamos do grupo branco
maiores são as chances de encontrarmos indivíduos alfabetizados.
TABELA 12 - Taxa de Alfabetização da População com 5 anos e mais de idade
por sexo e cor/raça segundo o ano censitário
Total Branca Preta Parda
Ano
Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
1940 41,12 32,79 49,74 41,02 21,05 14,51 28,29 21,04
1950 44,12 37,51 53,89 46,80 24,49 18,76 30,20 24,55
1960 55,77 50,68 64,22 59,17 34,75 29,78 37,12 33,01
1970 62,32 58,72 73,08 69,64 45,68 41,53 46,75 44,30
1980 69,74 68,62 80,42 78,40 57,05 54,34 56,63 56,21
1991 75,16 76,35 84,41 84,15 65,41 65,13 65,53 67,68
2000 83,87 84,83 89,12 89,18 77,39 76,84 78,02 79,81
Fonte: BELTRÃO 2003
43
Definição do IBGE
78
GRÁFICO 11 - Taxa de Alfabetização da População Com 5 Anos
e Mais de Idade por Cor/Raça Segundo o Ano Censitário
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000
Branca
Preta
Parda
Do ponto de vista do comportamento dentro dos próprios grupos, para o
mesmo período de análise, também encontramos um grau diferenciado de taxa de
alfabetização entre os membros do sexo feminino e os membros do sexo masculino.
As mulheres, independentemente do grupo de cor ao qual pertençam, estão sempre
em desvantagem de condições em relação aos homens do mesmo grupo: para as
mulheres brancas a diferença é de 8,72%, para as pardas temos 7,25% e para as
negras temos 6,54%. Essa relação de gênero dentro dos grupos, apesar de
notarmos a evolução histórica dos percentuais de alfabetização das mulheres, só
alcança patamar de igualdade frente os homens do mesmo grupo na década de 80
e 90: as mulheres quando não passam a ter iguais taxas de alfabetização,
apresentam melhores índices de alfabetização.
É necessário lembrar que o desempenho das mulheres no processo de
alfabetização não implica em igualdade de condições entre mulheres de diferentes
grupos de cor, mais uma vez vimos repetidas a hierarquia racial na sociedade
brasileira. Com a análise das taxas de alfabetização no ano 2000 temos: mulheres
brancas (com 89,18%) apresentam melhores taxas de alfabetização que as pardas
(79,81), que conseqüentemente apresentam melhores taxas que as mulheres
negras (76,84%) — reafirmando assim a hierarquia social.
Esta análise aponta para uma nítida distância entre o grupo negro e o grupo
branco, apesar da tendência histórica ter demonstrado significativa melhora nas
taxas de alfabetização do grupo negro. Aponta também uma proximidade entre os
grupos preto e pardo, a distância entre estes dois grupos é insignificante, menos de
79
3 pontos percentuais, o que potencializa agrupá-los sob a denominação de negros,
tendo em vista sua praticamente igualdade de condições.
Essa redução da distância social em termos de taxa de alfabetização não
significa, necessariamente, redução em nível da diferença na média de anos de
estudos entre o grupamento branco e o grupamento negro. Com o auxílio do
GRÁFICO 12 podemos conferir a evolução das médias de anos de estudo para a
população por grupo de cor.
GRÁFICO 12 - Média de anos de estudo para população de 25
anos ou mais, por cor autodeclarada- Brasil 1960/2000
2,7
6,7
1
4,7
0
1
2
3
4
5
6
7
8
1960 2000
Brancos
Negros
Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano, 2005
Enquanto a diferença entre as médias de anos de estudo entre os grupos
negro e branco estava em 1,7 anos em 1960, em 2000 essa diferença passa para 2
anos. Isso demonstra que ambos os grupos apresentaram significativa melhora na
média de anos de estudo, mas a distância que separa os grupos também apresenta
tendência de crescimento. Pode ser sub-entendido, em termos gerais, que o sistema
educacional alcançou grandes avanços em termos de quantidade (maior acesso
escolar para todos os grupos), mas não houve o mesmo acompanhamento em se
tratando dos indicadores de escolaridade (especificamente aqui, tempo médio de
estudo).
Para que este último ponto não fique simplesmente exposto em termos de
uma medição quantitativa, é necessário pensar a educação brasileira em sua
dinâmica de aprendizado posta em pratica nas escolas. Muitos têm interpretado o
problema da baixa escolarização do negro devido à pobreza que estigmatiza o
grupo, mas queremos considerar aqui que
Nas escolas, por vezes se reforçam esteriótipos que acabam incidindo
como estigma sobre as crianças negras. Esse reforço provém de fontes
como práticas pedagógicas de professores mal-preparados que tendem a
reproduzir preconceitos; tratamento diferenciado aos alunos por parte dos
diretores, professores e funcionários; ofensas raciais, travestidas de
80
brincadeiras de colegas e professores; uso de agressão verbal; e descaso
das autoridades escolares em prevenir e punir semelhantes práticas. O
racismo no espaço escolar se manifesta ainda por meio do livro didático e
dos parâmetros curriculares (...). (ATLAS DO DESENVOLVIEMNETO
HUMANO,2006: 69)
Um dos aspectos que pode explicar a menor permanência do negro nas
escolas, passando por questões como a evasão escolar e o baixo rendimento nos
estudos, é relacionado à sua discriminação no ambiente escolar. A escola,
instituição que em parceria com a família tem a função de incutir nas crianças o
sistema social vigente, tem contribuído para a não inserção do negro no sistema
educacional
45
, quer seja através de práticas que não combatem a discriminação nas
relações sociais nas escolas, quer seja através de práticas que não combatem a
discriminação no processo pedagógico.
Nessa perspectiva, Vera Figueira, em pesquisa no município do Rio de
Janeiro-1980, mesura, a partir de questionário aplicado a 442 estudantes de escolas
publicas entre 7 e 18 anos, a seguinte imagem construída para os grupos: o negro é
visto como feio (90,3%), burro (82,3%), faxineiro (84,4%) e cozinheira (84,4%);
enquanto o branco é visto como bonito (95%), inteligente (81,4%), engenheiro
(85,4%) e médico (92,2%)
46
.
Esse tratamento, ao longo do processo de escolarização, terá influencia direta
sobre o acesso desse grupo social ao ensino universitário. Expostos a um processo
de afunilamento ao longo de toda a vida acadêmica apenas 2,9% dos negros
conseguem acesso ao diploma universitário, para os brancos esse número sobe
para 11,8%
47
. Em números absolutos isso significa 2 milhões de negros (pretos e
pardos) e 11 milhões de brancos com diploma de nível superior.
Mais que isso, teremos uma influência direta sobre o acesso à profissões de
prestígio social. Vimos estas estatísticas quando tratamos da renda e sua relação
45
A esse respeito TELLES, Op. Cit.:232- 235, propõe um importante exercício para aferir o
desenvolvimento diferenciado entre crianças de um mesmo padrão sócio-econômico : o autor
propõem uma mensuração no desempenho escolar entre irmão de cor diferentes. Nesta mensuração
o autor identifica que, aos dez anos, “47% dos irmãos brancos se encontram em série apropriada
comparado aos 37% dos seus irmão negros. Isso significa que mesmo para crianças de uma mesma
família, residentes no mesmo domicílio e sob um mesmo acesso ao capital econômico, a inserção no
sistema escolar se dá de maneira diferenciada. Fica explicito neste exercício estatístico a
desvantagem dos negros, desvantagem essa que esta muito além de entendimento pela simples
explicação da inserção econômica.
46
Relatório dedesenvolvimento humano, pág 69
47
Relatório dedesenvolvimento humano, pág 71
81
com os cursos universitários (TABELA 11). Vale reafirmar que cursos como
Odontologia, Arquitetura, Engenharia Mecânica, Psicologia e Medicina, entre outros,
onde o rendimento salarial é dos mais elevados, são os de menor proporção da
inserção dos negros. Já os cursos de menor prestígio social podem ser
caracterizados como os nichos de inserção universitária da população negra
(RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL, 2004: 71).
2.5 - O Negro como lugar de intersecção
Na quarta parte do capitulo, tendo por foco a construção do lugar social do
negro na sociedade brasileira, a partir da análise de indicadores de desenvolvimento
sócio-econômicos, nos detivemos sobre aspectos dos indicadores de renda,
trabalho, pobreza, educação, saúde e violência. A análise destes indicadores
demonstrou, em termos de desenvolvimento socioeconômico, a situação de
desigualdade que atinge de modo distinto os grupos sociais que formam a
população brasileira, em especial os grupos de cor. Essa distinção, ou grau de
inserção social, se expressa sobre uma estruturação racial da desigualdade: o grupo
de cor negra carrega os piores índices em todos os indicadores analisados.
Podemos falar em um Brasil cujos indicadores demonstram a discriminação
racial (enquanto fenômeno social generalizável) atuando mais que a estratificação
por classe na alimentação e estruturação das desigualdades sociais.
Orientados pela abordagem metodológica da escola de sociologia paulista,
mais especialmente pelo pensamento do sociólogo Florestan Fernandes, que — em
síntese — explica a situação da população negra pela sua não absorção ao sistema
capitalista
48
e também devido à existência de fatores raciais orientando a
estruturação da sociedade brasileira, a preocupação inicial por trás das indagações
e questionamentos deste trabalho era estabelecer os limites entre o processo de
discriminação racial e o processo de exploração de classe — tem-se que o problema
principal do negro no país pode ser explicado pela sua locação na estrutura de
classes, o que reduz as questões raciais ao papel de fenômeno suplementar e não
estruturante.
48
Para Florestan essa solução em muito seria amenizada com a inserção do negro na sociedade de mercado.
82
Mas com o caminhar da pesquisa, onde caracterizamos as diferenças sociais
sob o pano de fundo da desagregação dos dados por cor, outro nível de
entendimento se tornou possível: como demonstrado pelos indicadores analisados,
os problemas sociais atingem de forma diferenciada negros e brancos, inclusive
dentro de uma mesma faixa de renda, e, por vezes, dentro de um mesmo grau de
escolarização. Essa constatação anula a explicação de que o problema do negro no
Brasil é simplesmente uma questão de estratificação social, no sentido clássico do
termo.
Dessa primeira constatação podemos passar para o entendimento de que os
indicadores, articulados entre si, constituem-se forte barreira que impede a ascensão
social do negro. Na medida em que se articulam, formam um fenômeno que atinge
todas as áreas da vida social da população negra e que estrutura o jogo social de
modo a impedir a mobilidade do grupo. Queremos falar aqui em Interseccionalidade
de variáveis.
Queremos tratar do conceito de Interseccionalidade com um foco diferente do
estabelecido por Blackwell (2002), onde nos é apresentada a articulação entre a
discriminação de gênero, homofobia, racismo e a exploração de classe que incidem
sobre um determinado grupo social.
Tratando deste acumulo discriminatório sobre determinado grupo social,neste
trabalho estaremos limitando o termo Interseccionalidade à articulação de variáveis
sociais que incidem sobre o negro de modo a limitar o seu progresso social.
Limitações em nível das variáveis podem ocorrer em diversos momentos da
vida social — pode-se sofrer limitações pontuais devido ao grau de educação,
renda, ocupação, ou ainda devido à região de residência ou origem, entre outros.
Mas nascer negro no Brasil significa viver sob uma marca
49
, viver uma constante
incidência dessas limitações, ora por que estas se articulam conjuntamente de modo
a estruturar a vida social, ora por que na construção social do conhecimento, da
realidade, das práticas culturais, as limitações são tomadas como denominador
comum do grupo negro, fato que acaba por gerar um pré-conceito generalizável a
todo o grupo.
49
Ver a esse respeito o estudo de Oracy Nogueira, especificamente nos referimos a: Preconceito de
Marca. As Relações Raciais em Itapetinga. São Paulo: EDUSP,1998
83
Nessa perspectiva é possível fazer uma aproximação com o conceito de
capital racial
50
. Na medida em que fazer parte do grupo branco, per si, garante maior
possibilidade de apropriação do capital social, como um dom natural do grupo e
naturalização de um determinismo biológico, o capital racial da população branca se
opõe à interseccionalidade que recai sobre a população negra: Enquanto o primeiro
age de forma a naturalizar a vantagem branca na disputa pelos bens materiais e
simbólicos, a segunda age de forma a impedir a progressão social do grupo negro.
Assim, pertencer à população branca significa se deparar com determinadas
limitações sociais de forma pontual no decorrer da vida, enquanto ser negro significa
já nascer sob um signo limitador que servirá de cadeias a limitar os passos para a
ascensão social .
Esta hipótese pode ser representada através de um modelo bidimensional
onde temos quatro níveis de desempenho em relação aos indicadores: em
primeiro,como grupo padrão
51
, temos o grupo branco masculino, a este se sucede o
grupo branco feminino, estes dois se revezam no domínio dos melhores índices nos
indicadores de desenvolvimento; abaixo destes vem o grupo da população negra,
com os homens e as mulheres se revezando no domínio dos piores indicadores de
desenvolvimento social. Aqui, com base nos indicadores analisados, reafirmamos a
união entre pretos e pardos numa mesma categoria: ambos os grupos apresentam
praticamente um mesmo estágio de desenvolvimento em se tratando do
desempenho nos indicadores sócio-econômicos, respeitadas as pequenas
diferenças, mas tendo sempre em comum a distância social destes frente ao grupo
branco.
Um parêntese que abrimos aqui, em relação ao modelo desenhado, diz
respeito à dominação masculina sobre o universo das relações sociais. Apesar do
grupamento feminino ter apresentado nas últimas décadas significativas melhoras
nos indicadores de desenvolvimento social — especificamente para as mulheres
50
MUNANGA (em sua obra: Rediscutindo a mestiçagem no Brasil. Identidade Nacional versus
Identidade Negra, pág 44) faz referência ao conceito de capital racial, como um bem que garante
naturalmente aos brancos o acesso ao capital social, por isso, digno de cuidado no ato de seu
gerenciamento. O autor quer chamar atenção para o processo de assimilação (no sentido das
ciências sociais), onde características fenotípicas negras são assimiladas por parte dos
descendentes negros como forma de acesso ao capital social.
51
Trabalharemos com a metodologia adotada por Soares (2000). Para efeito de pesquisa
comparativa, o autor divide a sociedade em quatro grupos: os homens brancos, as mulheres
brancas, os homens negros e as mulheres negras.
84
brancas nas variáveis educação, renda e saúde —, o universo das relações sociais
vive sob a tutela da dominação masculina, os meios de produção e reprodução
social são estruturados de forma a manter o status do grupamento branco sob a
batuta do universo masculino
52
.
52
Apesar de não constituir objeto do nosso trabalho é interessante resgatar BOURDIEU, P, A
Dominação Masculina. 4
a
ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. Nesta obra o autor desvenda os
mecanismos objetivos que permeiam as decisões subjetivas vinculadas ao campo da produção e
reprodução dos bens simbólicos, sob o ponto de visto do grupo social dominado e do grupo social
dominante.
85
É passível o entendimento de que as concessões que o grupamento
masculino branco faz para o seu grupamento feminino funcionam como um
instrumento a serviço da manutenção da distância social entre negros e brancos.
Nessa perspectiva, Bourdieu nos lembra que
As mulheres só podem aí ser vistas como objetos, ou melhor, como
símbolos cujo sentido se constitui fora delas e cuja função é contribuir para
a perpetuação ou o aumento do capital simbólico em poder dos homens.
Verdade do estatuto conferido as mulheres que se revela a contrário na
situação limite em que, para evitar o aniquilamento da linhagem, uma
família sem descendentes do sexo masculino não tem outro recurso a não
ser o de tomar para sua filha um homem (...).
53
.
Duas perspectivas de abordagem nos chamam a atenção sobre esse breve
enunciado. Primeiramente, no plano dessa dominação masculina (branca), o papel
destinado à mulher branca é o de capital simbólico vital para a produção e
reprodução da estrutura social: na medida em que o capital social se torna mais
acessível às mulheres brancas, a ponto de criar uma distância social entre elas e os
negros
54
, cria-se uma limitação à economia da afetividade
55
entre esses dois grupos,
cria-se uma reserva afetiva com destinação certa — o grupamento masculino
branco. Sob uma perspectiva secundária, a uma família “sem descendentes do sexo
masculino” só resta tomar para sua filha um homem branco, de modo a perpetuar o
domínio sob o capital social.
Podemos dizer que o capital social investido nas mulheres brancas, em um
país como o nosso, onde a segregação racial tem sua construção histórica
reproduzida no dia-a-dia, faz parte do jogo social da manutenção da distância entre
brancos e pretos a partir do domínio do campo simbólico, a partir de uma economia
das afetividades.
Apesar de não se tratar de um indicador social, essa linha de análise,
desenvolvida por BOURDIEU (2005), e que aproximamos aqui da realidade
53
BOURDIEU, Op. Cit, pág 55.
54
Esse distanciamento dos negros em relação ao mercado da afetividade é apresentado por Gilberto
Freyre em Mocambos e sobrados
55
ver MOUTINHO,L. “Razão, ‘Cor’ e Desejo. Uma Análise comparativa sobre Relacionamentos
Afetivo-sexuais ‘inter-raciais’ no Brasil e na África do Sul”. São Paulo, 2004
86
brasileira e ao pensamento de MOUTINHO (2004), fortalece em muito o
entendimento sobre nossa especificidade sócio-cultural: perpassando por todos os
indicadores, é notório que o investimento social na mulher, devido à formação social
que lhe incute o papel inerente de mãe, tem reversões diretas sobre a família, mais
especificamente sobre os filhos.
Apesar desse tema não ser corrente no tratamento das questões raciais, já há
muito é dominado e posto em prática na sociedade brasileira, em especial pelo
colonizador português, pela elite colonial e suas permanências atuais: a constituição
de uma hierarquização entre mulheres brancas e mulheres negras teve e tem uma
função estruturante para a conformação da sociedade nos moldes como temos até
os dias atuais. Na medida em que a sociedade colonial estabelecia um padrão
feminino para a formação de família em oposição a um padrão para os abusos
sexuais e fornicações, na medida em que estes padrões correspondiam diretamente
à compleição física das mulheres, às características fenotípicas, na medida em que
a tão falada miscigenação fundamentou-se pela imposição violenta do grupo
masculino branco sobre o grupo feminino negro, na medida em o grupo masculino
negro era colocado à margem dessa economia da afetividade, impedido de formar
família e acumular capital social filhos: criou-se mais um adendo à
interseccionalidade, adendo de enfoque muito requintado que construí-se no plano
simbólico e repercutiu no plano material.
Nesse quadro a mulher negra, maquina reprodutiva de uma miscigenação
bastarda, agenciada pelo grupamento masculino branco para o grupamento
masculino branco, foi a maior prejudicada em todo processo colonial, e ainda é. Com
ela, ou melhor dizendo, e com a violência perversa que incide sobre ela, segue todo
grupamento negro a reboque nesse processo de interseccionalidades eternizadas.
A titulo de exemplificação do que expomos acima, apesar de não constituir
fonte de aprofundamento de pesquisa estatística
56
, cabe recorrermos à construção
imagética que se desenha em nossas cabeças, especificamente quando pensamos
em estrutura familiar em periferias: mulheres, negras em sua maioria, solteiras ou
56
Apesar de não ser foco de uma abordagem estatística que nos dê instrumentos para confirmar
cientificamente esta hipótese, a construção social da mulher negra, enquanto tipo desejável para
união é constituição familiar —fato essencial na luta por capital social —, para além da economia das
afetividades em seu sentido de intercursos sexual, às coloca em desvantagem diante da possibilidade
de alcance de relacionamentos economicamente estáveis. Em termos sintéticos, queremos dizer que
as mulheres negras estão mais suscetíveis à uniões conjugais instáveis cujo produto final se
expressa nos índices de lares mantidos por mães solteiras ou separadas. A esse respeito ver
MOUTINHO (2003), L.
87
separadas, com um grande número de filhos, negros em sua maioria. Há de se
ressalvar que a conformação dessa estrutura familiar fragmentada tem reflexo direto
sobre os indicadores da condição sócio-econômica das pessoas. Dessa forma a
construção simbólica a cerca da mulher negra ocupa uma função estruturante no
acesso da população negra ao capital social, e concomitantemente ao campo
econômico.
A estruturação da mulher negra enquanto parceira de intercurso sexual, a
qual é negado o acesso à estabilidade familiar, nos termos expostos, transfere para
toda sua descendência o peso da falta dessa estrutura e contribui para a
propagação do arcabouço simbólico, negativo, que incide sobre a população negra.
Não há como afastarmos o papel social construído para as mulheres negras
do lugar de intersecção destinado à população negra como um todo: há que se
entender que a desvalorização da mulher negra é institucionalizada — quer seja
pelo rígido sistema estético, quer seja pela pior situação na escala de
desenvolvimento sócio-econômico—, e juntamente a ela acabam por acompanhar
toda sua descendência. Assim, o negro já nasce em uma estrutura fragmentada cujo
reflexo o acompanhará durante toda sua vida social. A estruturação das uniões
conjugais e das famílias responde por parcela significativa da interseccionalidade
que recai sobre o grupamento negro, e acaba por funcionar como instrumento eficaz
para a manutenção da distância social entre negros e brancos.
88
CAPÍTULO IV
A Segregação Racial no Espaço Urbano
“(...) a raça, como traço fenotípico historicamente
elaborado, é um dos critérios mais relevantes que
regulam os mecanismos de recrutamento para ocupar
posições na estrutura de classes e no sistema de
estratificação social. Apesar de suas diferentes formas
(através do tempo e espaço), o racismo caracteriza todas
as sociedades capitalistas multirraciais contemporâneas.
Como ideologia e como conjunto de práticas cuja eficácia
estrutural manifesta-se numa divisão racial do trabalho, o
racismo é mais do que um reflexo epifenomênico da
estrutura econômica ou um instrumento conspiratório
usado pelas classes dominantes para dividir os
trabalhadores.
(Hasenbalg,2003)
Como ressaltamos no início do capitulo poucos trabalhos tem se dedicado ao
estudo da espacialização das questões raciais em nossas cidades. O mito da
miscigenação, da democracia racial e da nação fruto da convivência harmônica entre
três raças — branco, índio e negro—, em muito limitaram a proposição de temas de
pesquisa que fossem em encontro a este foco de análise. Aliado também a estes
fatores, que formam o mito de origem de nossa sociedade, o passado de
institucionalização legalizada das formas de discriminação e segregação racial
(apartheid) em sociedades como a estadunidense e a sul-africana em muito
contribuiu para a solidificação da falsa noção de que no país não existia elementos
que pudessem confirmar a existência de segregação racial. Esse foco interpretativo
se apóia principalmente na hipótese de que a situação do negro na sociedade
brasileira passa muito mais por um problema de inserção na sociedade de economia
de mercado, problema vivenciado pelo negro tanto quanto pelos brancos pobres: se
existem brancos pobres em situação tão paupérrimas quanto o grupamento
populacional de cor negra, então não se pode falar em discriminação ou segregação
da raça negra muito menos em favorecimento social do grupamento branco?
O fato da inexistência de guetos, enquanto espaço restrito ao grupamento
negro, tão comum nos territórios ianque e sul-africano, é usado como fenômeno que
corrobora para a suposição da igualdade de condições entre negros e brancos no
89
Brasil, corrobora também para que a problemática vivida por estas “minorias sociais”
seja relegada ás questões de classe social.
Como vimos nos estudos específicos sobre a segregação social no espaço
urbano do Distrito Federal, a exemplo das pesquisas sobre o espaço urbano
brasileiro, de maneira geral, pouco se avançou para além das respostas dadas pela
interpretação dos fatores de mercado e de seus mecanismos na ação de
estruturação do espaço urbano, em que se pese a tentativa de interpretação da ação
do estado enquanto principal mantenedor dessa segregação e da própria estrutura
social moldada na burocracia e nos anseios dos funcionários estatutários.
Nessa perspectiva, a raça, enquanto categoria explicativa com possíveis
contribuições para o entendimento da questão urbana brasileira, é entendida como
de pouca relevância e não merecedora de reflexão.
Fugindo do entendimento da raça enquanto categoria insignificante e
caminhando para além do “se apoiar” nas respostas pré-estabelecidas pelas teorias
sociais de abordagem exclusivamente marxista, alguns pesquisadores, em uma
proposição de interpretação do fenômeno urbano, se propuseram a abordar o tema
da segregação procurando identificar possíveis variáveis raciais e o papel
desempenhado por estas na estruturação do espaço urbano. Dentre esses autores
queremos destacar os trabalhos desenvolvidos por Rolnik
57
, Pierson
58
, Telles
59
,entre
outros.
Pierson (1945), em sua pesquisa voltada para as relações raciais na cidade
de Salvador, entre os anos de 1935 e 1937, é tomado como precursor das
pesquisas que se debruçaram sobre a possibilidade de fatores raciais agindo na
conformação da estrutura urbana das cidades brasileiras. Embora seu objetivo fosse
muito mais amplo
60
, em sua pesquisa há uma atenção especial para a distribuição
57
ROLNIK, R Territorios Negros nas Cidades Brasileiras: Ethnicidades e Cidade em São Paulo e Rio
de Janeiro. Estudos Afro-Asiáticos, 17: 29-41, 1989.
58
PIERSON, D. Brancos e Pretos na Bahia: Estudo de Contato Racial. São Paulo: Nacional (1ª
edição Americana 1942, 1ªediçao brasileira 1945)
59
TELLES, E. Racismo à Brasileira: Uma nova perspectiva sociológica. Rio de Janeiro: Fundação
Ford, 2003.
60
O objetivo de Pierson foi investigar a integração e a mobilidade social dos negros, para isto o autor
adotou um procedimento metodológico muito diverso, investigando vários aspectos da vida social.
MENDONZA (no artigo “Donald Pierson e a Escola Sociológica de Chicago no Brasil”. Scielo, 2005),
em relação aos procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa de campo, nos chama a atenção
para os seguintes pontos:
90
da população negra no espaço urbano, suas análises, pautadas nas impressões dos
vários bairros da cidade, identificam a maior concentração da população negra nos
bairros com menor qualidade de vida e, concomitantemente, a menor concentração
nos bairros com maior qualidade de vida: o autor identifica que “a cor da pele dos
moradores do bairro varia de acordo com o padrão do bairro”
61
.
Apesar da identificação da distância social entre negros e brancos, distância
também representada no espaço urbano, as investigações de Pierson (1951) tiveram
como conclusão a existência de uma segregação por raça integrada á segregação
por classe, para o autor a concentração de negros nos bairros mais pobres era
entendida como um mecanismo de seleção de mercado onde as parcelas
populacionais mais abastadas tinham acesso ao solo urbano mais valorizado. Para o
autor a acumulação da população negra nos bairros mais pobres ocorria devido ao
papel desempenhado por esta população no período escravista, isso tendo em vista
o curto espaço de tempo que separava os negros do seu passado de escravos.
Há de se entender o período em que Pierson desenvolveu sua tese de
doutorado no Brasil: a visão que o estrangeiro tinha da sociedade Brasileira em
muito era influenciada pelas idéias, mundialmente propagadas, de Gilberto Freyre
(Guimarães, 2004)
62
, idéias cuja essência caminhavam para a solidificação do mito
de democracia racial. Embora não tenhamos fontes que nos garantam maior
precisão, Para Pierson o peso destas idéias era sentido de modo mais forte devido
“a) Valendo-se da etnografia e da observação participante, ele fez uma descrição
minuciosa da situação racial, analisou o número proporcional de indivíduos em
contato, graus de prestígio, segregação racial e miscigenação, participação de
grupos sociais, ecologia, economia, política e sociologia das relações entre
grupos, a consciência da raça, status, sentimentos grupais de segregação e
formas culturais.
b) Com a observação participante, as técnicas de pesquisa de seleção de
informantes principais (homens, mulheres, idade, etc.), técnicas de questionários,
árvores genealógicas, entrevistas diretas, ele obteve de primeira mão, dados
importantes. O registro de rituais, casamentos, cerimônias, concertos musicais,
acontecimentos esportivos, solenidades, (...). Além disso, os seus estudos em
arquivos históricos na procura de documentos, mapas da cidade, documentos
pessoais (cartas), autobiografia, censos demográficos (...), permitiram-lhe
reconstruir o passado de Salvador.
61
TELLES, E. E., “Segregação Racial e Crise Urbana.”, pág. 197, em RIBEIRO, L.C.Q & SANTOS
JUNIOR, O.A (org). Globalização, Fragmentação e Reforma Urbana. O Futuro das Cidades
Brasileiras na Crise. 2ª.ed, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
62
GUIMARÃES, A.S.A, O projeto Unesco na Bahia. Colóquio internacional O Projeto Unesco no
Brasil: uma volta crítica ao campo 50 anos depois. 2004
91
ao histórico de segregação institucional legalizada presente na formação e
desenvolvimento da sociedade estadunidense.
É bom lembrar que as idéias de Freyre encontravam forte respaldo na noção
que o brasileiro médio tinha sobre a questão racial no país, bem como entre os
próprios intelectuais da época. Sobre a relação das idéias de Freyre com a
sociedade brasileira, GUIMARÃES (2004) nos chama a atenção para força de suas
idéias:
Todos sabem, entretanto, que Pierson já encontrou aqui, entre os
acadêmicos brasileiros, uma história social do negro, desenvolvida por
Gilberto Freyre, que fizera da miscigenação e da ascensão social dos
mulatos as pedras fundamentais de sua compreensão da sociedade
brasileira. Ou seja, para ser mais claro, eram fatos estabelecidos, já nos
1935, pelo menos entre os intelectuais modernistas e regionalistas que o
Brasil nunca conhecera o ódio entre as raças, ou seja o “preconceito racial”;
(b) as linhas de classe não eram rigidamente definidas a partir da cor; (c) os
mestiços se incorporavam lenta mais progressivamente á sociedade e à
cultura nacional; (d) os negros e os africanos tendiam paulatinamente a
desaparecer, dando lugar a um tipo Físico e a uma cultura propriamente
brasileira. (GUIMARÃES,2004: 3)
Ao se alinhar ao pensamento de Freyre, e por representar o pensamento da
Escola de Sociologia de Chicago, as idéias de Pierson (1951) contribuíram
fortemente para a manutenção da percepção das questões raciais enquanto
meramente questão de classe social. Nessa perspectiva, de 1937 até as pesquisa
desenvolvida no final da década de 40 pela Escola de Paulista de Sociologia, o
Brasil abraçaria a noção de preconceito de raça enquanto preconceito de classe,
assunto sobre o qual nos detivemos no primeiro capítulo.
Infelizmente as pesquisas da Escola de Paulista de Sociologia, sob a tutela
de nomes como os de Florestan Fernandes e Roger Bastide, pouco avançaram na
questão espacial da população negra. O solo urbano, enquanto produto suscetível
as leis do mercado ou estrutura básica para a produção e reprodução do capital, foi
mais uma vez interpretado como elemento constituinte da problemática que envolve
unicamente a questão de classe social.
Nesse mesmo sentido, um ensaio de investigação é feito com as pesquisas
da Unesco entre os anos 50 e início dos 60 nas cidades do Rio de Janeiro e
Florianópolis. Nesses estudos podemos destacar a atuação de Octávio Ianni e
Fernando Henrique Cardoso em pesquisa conjunta sobre mobilidade social em
Florianópolis: fugindo das respostas dadas por Freyre e Pierson, Henrique e Ianni
identificam a presença de racismo e preconceito racial como atitudes muito
92
difundidas nas práticas sociais; já sob o ponto de vista da representação física
destas práticas — a segregação espacial —, os autores apontam para uma
estruturação baseada nos condicionantes de classe social.
Abrindo aqui um parêntese, há que se ressaltar que as pesquisas
desenvolvidas faziam uso de declarações feitas pelos grupos pesquisados, em si,
tendo em mente o sistema de discriminação racial velado praticado no país, essa
metodologia já aponta motivos para relativizarmos as respostas obtidas. Como
destaca Telles (2003)
São vários os exemplos de incidentes que sugerem a existência de
discriminação residencial, tais como o bem conhecido “elevador de
apartheid” do Brasil. Negros de classe média freqüentemente reclamam que
os porteiros dos edifícios pedem que eles utilizem os elevadores de serviço
quando visitam amigos da classe média. (Telles, 2003, pág 174)
Mas voltando à argumentação principal, embora sérias críticas fossem
levantadas pela Escola de Sociologia Paulista a respeito dos estudos desenvolvidos
por Pierson (1951), pouco se evoluiu em relação á análise espacial da questão
racial: a segregação espacial da população negra praticamente esteve à margem
dos temas analisados pelas ciências sociais, bem como por qualquer outra área do
conhecimento.
Esse silêncio começaria a ser quebrado no fim da década de 80, nesse
período surge o artigo da pesquisadora Raquel Rolnik para a revista Estudos Afro-
Asiáticos
63
. Neste artigo Rolnik se propõe “percorrer os espaços negros nas cidades
de São Paulo e Rio de Janeiro, buscando suas origens e ligações, a partir do final da
escravidão, e atentando para sua particular inscrição ao longo do tempo”
(ROLNIK,1989: 29). A autora ao buscar a reconstrução do quadro da situação do
negro no espaço urbano das duas principais cidades do país, para além da
marginalização e estigmatização desses espaços, quer testar a hipótese da
existência de um “território negro”, com história e tradições específicas. Nessa
abordagem a noção de território, “obra coletiva construída peça a peça por certo
grupo social”, passa pela questão da identidade estruturada de forma singular
nesses espaços.
63
ROLNIK, R. “Territórios Negros nas Cidades brasileiras: Etnicidade e Cidade em São Paulo e Rio
de Janeiro” Estudos Afro-Asiáticos, 1989, 17:29-41
93
Nessa conceituação de território enquanto espaço vivido, enquanto espaço
de formação de identidade, ROLNIK (1989) identifica as matrizes que deram corpo
ao “território negro”, para ela teríamos:
O corpo: Desterritorializado, ao negro, enquanto escravo, só restou
usar o próprio corpo como “lugar” de resistência ao massacre a sua
identidade, “era através dele que, na senzala, o escravo afirmava e
celebrava sua ligação comunitária”(ROLNIK,1989: 29).
A senzala: Cárcere e martírio, a senzala reduziria toda peculiaridade
étnica dos negros escravizados a uma identidade única articulada em
nível da comunidade. A senzala, especificamente o terreiro (apenas o
espaço do pátio num primeiro momento), se configuraria como espaço
onde “floresceu e se desenvolveu um devir negro, afirmação da
vontade de solidariedade e autopreservação que fundamentava a
existência de uma comunidade africana em terras brasileiras”
(Rolnik,1989: 29).
A rua: Escravos de ganho, negros livres, brancos, negros fujões,
mulatos... Dispersos na rua: a falsa noção de liberdade ou o anonimato
da multidão. Nessa trama vivida, a rua é articulada como cenário de
formação de “uma rede de socialização e sobrevivência negra à
escravidão que cada vez mais representava uma alternativa concreta à
senzala” (Rolnik,1989: 30).
O Quilombo: para além da limitação territorial estabelecido pela
senzala e do corpo destituído de poder sobre si, o quilombo viria a
marcar a retomada pelo escravo do “poder sobre sua própria vida. Daí
nasce o quilombo, zona libertada da escravidão” (Rolnik,1989: 30).
O mercado e as irmandades religiosas: ambos, espaços de
aglutinação dos negros, viriam a marcar profundamente os espaços
públicos da cidade e a própria organização de redes de apoio entre
seus membros.
É dentro destes elementos que a autora identifica a articulação de um
“território negro”, com características culturais, com história e tradição própria.
94
Essa estrutura só viria a sofrer grandes modificações com a substituição do
sistema econômico escravista e implantação da mão de obra assalariada, neste
momento a cidade senhorial-escravista, bem como o território negro que ela abriga,
teria que se adaptar às disposições da cidade capitalista. Essa mudança seria
marcada pela “limpeza” dos espaços urbanos majoritariamente negros. Em São
Paulo esse processo de expulsão da população negra seria marcado pela ação de
mecanismos de renda, já o Rio de Janeiro assumiria como modus operandi a
intervenção direta sobre os territórios negros, removendo-os e “higienizando” a
cidade.
Evitando juízo de valor que se enverede pela a definição de qual processo
teria sido mais prejudicial ao negro, a discriminação posta em prática em ambas as
cidades, manifestada em mecanismos diferenciados, deve ser analisada sobre focos
diferenciados (a exemplo do que se espera ao compararmos certos fatos correntes
na sociedade estadunidense e na brasileira em relação à construção social da
questão racial).
Para os que querem acreditar que o processo em São Paulo foi o menos
racista, Rolnik (1989) nos apresenta as práticas e pensamento corrente na
sociedade paulista da época: na construção social, não menos racista da sociedade
paulista, a cidade
(...) que se quer civilizada, europeizada, o quilombo é uma presença
africana que não pode ser tolerada. Isso se manifesta desde a formulação
de um código de posturas municipal em 1886, visando proibir essas práticas
presentes nos territórios negros da cidade: as quituteiras devem sair porque
“atrapalham o trânsito”; os mercados devem ser transferidos porque
“afrontam a cultura e conspurcam a cidade”; os pais-de-santo não podem
mais trabalhar porque são “embusteiros que fingem inspiração por algum
ente sobrenatural”. (Rolnik, 1989: 32 )
64
A cidade construída pelo negro já não comporta suas atividades, já não tolera
seus meios de sobrevivência: qualquer semelhança será mera coincidência com o
caso de Brasília?
Com Rolnik veríamos quebrados quase 30 anos de pesquisas que não
estabeleciam a ligação entre espaço social, imbricado pela questão racial brasileira,
e espaço urbano. Silêncio que acabou por tratar as categorias espaço e sociedade
64
As afirmações de Rolnik são baseadas na análise do Código de Posturas do Município de São
Paulo, 6.10.1886. Arquivo Histórico Washington Luís.
95
em “trilhos” diferenciados
65
. Ao começar a restabelecer esse elo da corrente que
viria juntar os dois trilhos, ROLNIK (1898) identifica a existência de um “território
negro”, socialmente estruturado, território que, para além do papel estruturante na
formação de uma identidade negra, contribuiria para a manutenção do status
marginal dessa população.
Se as pesquisas de ROLNIK (1989) tomam por foco a construção do território
negro ao longo da história, Telles (2003) está preocupado em distinguir a
segregação por classe da motivada por fatores raciais. Para esta análise Telles
(2003) fez uso de dados estatísticos: comparando grupos de renda desagregados
por cor, bem como sua distribuição e grau de isolamento. Em suas conclusões, o
autor confirma a hipótese de que a população negra se concentra majoritariamente
entre as camadas mais pobres da população.
Já em relação à segregação espacial suas conclusões são ponderadas, para
ele o fato do racismo no Brasil se manifestar de forma velada ocultaria a precisão de
sua existência, além disso, devido ao fato da população negra se encontrar
majoritariamente nas classes mais baixas e possuir um número irrisório de negros
na classe alta, não sobressaltando assim o choque social que ocasionaria o
surgimento de manifestações mais claras de orientações de viés racial no acesso à
habitação: negros e brancos pobres, sujeitos à irregularidade fundiária, estariam
propensos aos mecanismos de grilagens e invasões, onde o que vale é o “quem
chegou primeiro”. O que fica mais claro em relação à segregação espacial, nas
conclusões de TELLES (2003), diz respeito ao mecanismo de auto-segregação da
população negra: com base em ROLNIK (1989), o autor reafirma o papel da
identidade como fator que influencia diretamente na escolha pelo lugar de moradia.
(...) a segregação racial no interior de grupos de renda similar aparece com
um resultado provável de etnicidade. Os afro-brasileiros, como outros
grupos étnicos, buscam os bairros com pessoas de características étnicas
similares e próximas de instituições étnicas. No entanto a procura por
bairros com pessoas de mesma cor pode ser em sim mesma um modo dos
afro-brasileiros evitarem a discriminação residencial. Deve ser mais fácil
para eles encontrar moradia num bairro que já tenha um número
significativo de não brancos (TELLES, 1997: 201).
65
Ao se referir à dicotomia “espaço-sociedade” nas pesquisas científicas dos últimos anos, nossa
critica quer chamar atenção para a necessidade de se refletir sobre a questão racial brasileira,
entendemos que esta componente foi, e ainda é, essencial na construção da nossa estrutura social.
96
Assim temos a proximidade identitária com instituições étnicas (escolas de
samba, terreiros, etc) e com familiares ou conhecidos de mesma cor, já residentes
no bairro, como variantes importantes na escolha do lugar de moradia.
97
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da sociedade brasileira feita sobre um foco direcionado nas
relações raciais, em seu processo de interação com outros elementos que atuam na
estrutura social, teve por objetivo garantir um instrumental teórico que nos
possibilitasse maior entendimento quanto à ação de fatores raciais na estruturação
do espaço urbano em nossas cidades.
O foco sobre a estrutura social demonstra, entre outros pontos, que a
estrutura econômica, mais diretamente o capital financeiro, responde dialeticamente
no processo social: por um lado como estrutura estruturada, por outro, como
estrutura estruturante. Esse duplo comportamento da estrutura econômica no
processo de configuração do espaço social abre a possibilidade de aceitação dos
outros elementos componentes da estrutura social na conformação da sociedade.
Desse jogo complexo de inter-relação “inter-estrutural”, depreende-se que a linha
ortodoxa da teoria marxista, em sua proposta de foco sobre a infra-estrutura, não
consegue responder satisfatoriamente pela complexidade do jogo social, formado
pela interação do campo econômico com o social, o cultural, o político, o simbólico,
entre outros.
Assim foi necessário romper com a análise exclusivamente econômica da
estrutura social: numa sociedade multirracial, como a nossa, onde o processo de
colonização impôs a escravidão aos grupos raciais negros e, em menor proporção,
aos grupos sociais indígenas, a análise sobre o papel da estrutura racial frente ao
campo social como um todo revelou a existência de mecanismos atuando no plano
oficioso de modo a garantir pela produção simbólica a manutenção das distâncias
sociais entre brancos e não-brancos.
A base do entendimento sobre a sociedade foi replicada na análise da
estrutura espacial: se os mecanismos sociais são regidos por uma hierarquização
racial articulada em nível da produção simbólica, oculta à percepção do senso
comum, a estrutura espacial também responde às mecanismos de hierarquização.
Sob este aspecto é possível falar em uma estruturação racial oficiosa: não
encontramos nenhum instrumento ou mecanismo oficial que determinasse os
espaços a serem ocupados por grupos negro e branco; mas quando caracterizamos
as áreas ocupadas majoritariamente por um dos grupos de cor que polarizam a
98
nossa questão racial, em relação aos indicadores de qualidade de vida (renda,
escolarização, saúde, etc.), ou pela própria qualidade urbana do assentamento,
constatamos que o distanciamento social entre negros e brancos é realidade factual.
Esse distanciamento não pode ser explicado unicamente pelos fatores de
ordem econômica, a interação em nível das estruturas sociais dá ao lugar social
reservado para o negro a condição de interseccionalidade de indicadores, em outras
palavras, o lugar social destinado ao negro é fruto da intersecção de limitação sócio-
econômicas, político-ideológicas e culturais.
Sob o ponto de vista espacial, a interseccionalidade não acontece solta de
uma base territorial, muitos dos problemas da sobreposição de indicadores
negativos são decorrentes das características sócio-ambientais das áreas ocupadas
pela população negra.
Em oposição à ação da interseccionalidade que assola a população negra,
temos a ação do capital racial com um bem inerente, que age no sentido de garantir
vantagens naturalizadas para o grupo branco, simplesmente pelo fato de serem
brancos. Assim por um lado temos um mecanismo social que puxa o grupo negro
para baixo e, concomitantemente, temos um mecanismo que empurra o grupo
branco para cima.
Na estruturação desses dois mecanismos a produção simbólica é mola
essencial, principalmente através da sua ação de legitimação da dominação racial e
na instituição da anomia enquanto prática comum aos grupos dominados.
A análise sobre o espaço urbano do Distrito Federal demonstrou que, apesar
das especificidades que garantem uma situação fundiária impar em relação às
outras áreas do país, as regras sociais da sociedade brasileira para as relações
raciais, em sua expressão sobre a estrutura urbana, são validadas em nossa
realidade urbana. Apesar de não verificarmos a existência de qualquer tipo de
segregação direcionada por fatores estranho ao ordenamento estabelecido pelo
campo econômico, existe a conformação de áreas urbanas inacessíveis à população
negra, enquanto, concomitantemente, os negros são maioria nas áreas com pior
infra-estrutura e indicadores de desempenho sócio-econômico.
A invisibilidade da ação da estrutura racial sobre o campo social, do mesmo
modo que limitou as pesquisas sobre as condições de vida da população brasileira,
em sua relação direta com o espaço urbano, também limitou o foco das pesquisas
sobre a estrutura urbana no DF: as últimas duas décadas, à luz da orientação de
99
uma ideologia marxista, foram marcadas por pesquisas de foco exclusivo sobre a
estrutura econômica, não se debruçaram sobre a complexidade dos fatores que
atuaram para a segregação espacial sobre um enfoque que se trata da cor, da
origem, ou de outros fatores.
Uma abordagem possível pode ser formulada a partir da segregação dos
grupos construtores de Brasília: esses indivíduos, nordestinos e negros em sua
maioria, após a construção da capital, foram assentados em áreas distantes do
núcleo central da nova capital, núcleo de empregos e de desenvolvimento humano.
A análise sobre a origem dos moradores possibilitou traçar um paralelo entre
população nordestina e população negra: a exemplo do que acontece com os
negros em relação às ocupações, onde estes são maioria, para os nordestinos a
regra é a mesma — quanto mais nordestinos menos qualidade a cidade disporá para
os seu habitantes. Embora não tenhamos dados que aferissem a origem em relação
a cor, existe uma correlação entre ser nordestino e ser negro.
Podemos falar em segregação racial na sociedade brasiliense? Como
elucidamos ao tratar das relações raciais na sociedade brasileira, o processo de
discriminação racial ou o racismo não são expresso de forma aberta e oficial
(marcando aquilo que Florestan Fernandes definiu por “preconceito de ter
preconceito”), mas o resultado final, o da segregação urbana por cor, e o
distanciamento social entre brancos e negros, é fato inquestionável, Se não
podemos precisar os meios pelo qual esse mecanismo se manifesta, podemos
avaliar o resultado que recai sobre a população negra.
Diante deste quadro, a estrutura racial se demonstra como elemento
importante para a análise das desigualdades urbanas em nossas cidades, Brasília
não foge a este enquadramento. A análise unicamente direcionada para a estrutura
econômica pode induzir tentativas de respostas que não solucionarão a questão da
população excluída, majoritariamente negra, quando mais, poderão agir no sentido
de fortalecer o processo de exclusão sobre esta parcela populacional: as soluções
dadas acabaram por se inserir entre os elementos de interseccionalidade que
acabam por restringir a progressão sócio-econômica da população negra.
100
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