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OSWALDO PEREGRINA RODRIGUES
A FAMÍLIA DECORRENTE DO CASAMENTO E SUA
REPERCUSSÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
DOUTORADO EM DIREITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO 2005
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OSWALDO PEREGRINA RODRIGUES
A FAMÍLIA DECORRENTE DO CASAMENTO E SUA
REPERCUSSÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
Tese apresentada à banca examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de Doutor em Direito das Relações
Sociais, sob orientação do Professor Doutor
Francisco José Cahali.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
SÃO PAULO 2005
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BANCA EXAMINADORA
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Sim, é como a flor
De água e ar luz e calor, o amor precisa para viver
De emoção, e de alegria, e tem que regar todo dia...
(A semente do amor, canção de autoria de
Maurício de Carvalho e Moraes Moreira, cantada
pelo conjunto A Cor do Som).
A Maria Sílvia, com quem, pelo casamento, constituí a
nossa família, na qual nasceu a Giovana, fruto de um
grande amor. A vocês dedico integralmente este
trabalho acadêmico, pois sem os seus apoios,
paciência, compreensão e torcida, ele seria um mero
sonho.
Que Deus continue a iluminá-las!
AGRADECIMENTOS
Agradeço, a todos os meus mestres, desde os que me alfabetizaram, no então
ensino primário, até aos da pós-graduação (especialização, mestrado e doutoramento),
pelas dedicações, apreços e conhecimentos transmitidos no exercício de seus misteres, os
quais contribuíram sobremaneira para a conclusão deste trabalho; sem eles, minha
dedicação, por si só, seria infrutífera.
Insigne e especial agradecimento externo ao Professor Doutor Francisco José
Cahali, agora meu orientador oficial, mas que, desde a fase em que cursei os créditos do
mestrado, sempre me incentivou em sala de aula com seus conhecimentos doutrinários, e
fora dela com suas experiências pessoais e profissionais, indicando o adequado caminho a
ser percorrido e convencendo-me da nova ótica interpretativa empreendida ao direito de
família e das sucessões. Na fase do doutoramento, como formal e efetivo orientador, o que
muito me orgulha, reforçou e aprimorou seus incentivos, instruções e, com muita
paciência, compreensão e peculiar interesse, apresentou-me suas posições e opiniões
temáticas como diretrizes à pesquisa e desenvolvimento das idéias transcritas neste
trabalho, pondo-se à disposição, a todo tempo, para debater os pensamentos surgidos,
aclarando sempre as dúvidas reinantes. Obrigado, sinceramente!
Aos meus familiares, Maria Sílvia e Giovana, a dedicatória deste trabalho é a
mínima retribuição pelo carinho, respeito e amor; aos meus pais Maria Carmen e Oswaldo,
agradeço os seus amor, atenção e dedicação à minha criação, educação e instrução; a todos,
e ainda aos meus sogros Maria Luiza e João Francisco, minha irmã Tânia, Samir e Ana
Cristina, meus cunhados, minha gratidão até por compreenderem os motivos de nossas
ausências físicas durante esses anos. Infindáveis obrigados!
Agradeço, pelas traduções pertinentes, a Isa Gabriela e, sem distinção, a todos os
funcionários das Bibliotecas do Ministério Público do Estado de São Paulo, sempre
solícitos, ágeis e dispostos a auxiliar-me na busca e pesquisa de livros, textos, julgados,
enfim, de todo o material necessário para consubstanciar minha escrita.
Aproveito, outrossim, para agradecer a todas as pessoas que, direta ou
indiretamente, colaboraram e torceram para que este trabalho fosse concluído, e que, por
desídia minha, deixaram de ser nomenclaturadas.
A todos, muito obrigado, e que Deus os abençoem!
RESUMO
Trata-se de tese apresentada como requisito parcial para obter o título de doutor,
perante a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), na área de Direito
Civil, intitulada A família decorrente do casamento e sua repercussão no Código Civil de
2002. Esclareça-se, desde logo, que o objetivo do texto é demonstrar a atual composição da
família brasileira, em que a constituída pelo matrimônio é uma das suas básicas formações,
com a conseqüente visualização dos efeitos jurídicos dessa família, que se poderia intitular
de matrimonial ou conjugal, no livro de Direito de Família, que é o Livro IV da Parte
Especial, da Lei Civil de 2002. Para satisfazer esse desiderato, depois de discorrer, em
rápidas palavras, sobre a história dessa novel legislação brasileira, faz a análise dos
princípios e diretrizes que a orientam, com imprescindível enfoque aos princípios da
dignidade da pessoa humana e da cidadania, fundamentos constitucionais que hão de
imperar na interpretação do direito positivo e das principais inovações encartadas nesse
Livro de Família. Em seqüência adentra ao estudo da família como instituição, com prévia
passagem por suas mutações sociais e legislativas, estas em âmbito infra e constitucional,
com o fito de definir qual a hodierna composição da família brasileira. Em momento
algum, contudo, olvida do império constitucional de que a família sempre foi, é e será a
base sólida da sociedade brasileira; aliás, esse é um dos fundamentos deste trabalho,
ratificar a concepção estrutural da família, mormente e inclusive a constituída por uma
relação matrimonial. Procura demonstrar, outrossim, que o corte epistemológico na família
brasileira, na seara jurídico-legislativa, ocorreu com a promulgação da Constituição
Federal de 1988, marco que transformou a concepção tradicional para a contemporânea da
integração familiar. Com essas digressões, sufraga os elementos essenciais para o sinóptico
hodierno da formação da família no Brasil, com apresentação de suas atuais características
e finalidades. O casamento é analisado, mormente com enfoque em seu conceito, natureza
jurídica e contexto no Código Civil brasileiro de 2002 com breve e antecedente
transcurso pelas legislações brasileiras revogadas, assim como no direito romano, canônico
e estrangeiro , haja vista que o fulcro desta obra, como se mencionou, é a família
constituída pelo vínculo matrimonial e suas conseqüências jurídicas no Direito de Família
da norma civil vigente. No exame do instituto matrimonial, tem como parâmetro os
requisitos que atualmente embasam sua constituição, quais sejam o carinho, o afeto, a
cumplicidade, ou, em resumo, o amor mútuo entre um homem e uma mulher, com a
precípua finalidade de constituir uma família, ainda que prole nenhuma venha a ser gerada.
Em face dessas conotações, infere que o intuito do legislador foi priorizar a instituição
familiar, mesmo que para isso fosse necessária a desconsideração de formalidades de
habilitação ou celebração do ato nupcial, igual norte exegético que merece ser observado e
seguido pelo aplicador do direito; entre o cumprimento de regras legislativas e a formação
familiar, sob o enfoque sistemático, há de imperar esta em prejuízo daquelas, salvo em
situações de completa nulidade do ato, sem olvidar a temporária eficácia pelo
reconhecimento do casamento putativo. Ao encerrar o estudo do matrimônio, houve por
bem discorrer sobre as causas que resultam em sua dissolução, as quais dissipam o ato
conjugal, no entanto, em certas e determinadas situações mantêm a família, qual seja, a
família monoparental.
ABSTRACT
This thesis is presented as a partial requirement to obtain doctor’s title, at the
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), in the area of Civil Law, entitled
The family due to the marriage and its repercussion in the Civil Code of 2002. The
objective of this text is to demonstrate the current composition of the Brazilian family,
which is constituted by the marriage in one of its basic formations, with the consequent
visualization of the juridical effects on it, that could be entitled of matrimonial or married,
in the part of Right of Family, that is the Section IV of the Special Part, of the Civil Law
Code of 2002. To satisfy that desideratum, after writes, in fast words, on the history of this
new Brazilian legislation, it makes the analysis of the beginnings and guidelines that guide
it, with an indispensable focus to the principles of the human person’s dignity and of
citizenship, that is the base constitutional that must reign in the interpretation of the
positive right, and of the main innovations brought in that Right of Family. In sequence it
goes into to the study of the Family, as institution, with previous passage for its social and
legislative mutations, these in ambit infra and constitutional, with the finality of defining
the composition of the Brazilian family nowadays. However in any moment it doubts of
the constitutional base that the family was always and will be the solid base of the
Brazilian society; in fact, that is one of the foundations of this work, to ratify the structural
conception of the family as well the constituted by a matrimonial relationship. It also tries
to demonstrate that the epistemology court in the Brazilian family, in the field of juridical-
legislative, happened with the promulgation of the Federal Constitution of 1988 and that is
the mark that transformed the traditional conception for the contemporary of the family
integration. With those digressions, took of the essential elements for the modern synoptic
formation of the family in Brazil, with presentation of its current characteristics and
purposes. The marriage is analyzed with the main focus in its concept, juridical nature and
context in the Brazilian Civil Code of 2002 with a brief and antecedent course for the
revoked Brazilian legislations, as well as in the Roman, canonical right and foreigner ,
have seen that the fulcrum of this work is the family constituted by the matrimonial entail
and its juridical consequences in the Right of Family of the effective civil norm. In the
exam of the matrimonial institute it had as parameter the requirements that base its
constitution, which are tenderness, affection, complicity, or, in summary, the mutual love
between a man and a woman, with the essential purpose of constituting a family, although
offspring none comes to be generated. In face of those connotations, it is inferred that the
legislator priori was to prioritize the family institution, even if for that it was necessary the
disregard of formalities or celebration of the nuptial act, interpretative north equal that
deserves to be observed and proceeded by the worker of the right; between the execution
of legislative rules and the family formation, under the systematic focus, this must reign in
damage of those, except for in situations of complete nullity of the act, without doubting
the temporary effectiveness for the recognition of the putative marriage. When containing
the study of the marriage, there was been for well writes on the causes that result in its
breakup, which dissipates the married act, however, in certain and certain situations they
maintain the family, which is, the monoparental family.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................10
1 O CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 2002....................................................................15
1.1 Histórico legislativo .......................................................................................................17
1.2 Diretrizes e princípios jurídicos .....................................................................................23
1.3 Inovações pertinentes.....................................................................................................34
1.3.1 Partes geral e especial.................................................................................................36
1.3.2 Direito de família ........................................................................................................41
2 OS FUNDAMENTOS DA CIDADANIA E DIGNIDADE.............................................51
2.1 Fundamentos constitucionais .........................................................................................53
2.2 A cidadania ....................................................................................................................58
2.3 A dignidade da pessoa humana ......................................................................................61
3 A FAMÍLIA: DIREITO, COMPOSIÇÃO E CARACTERÍSTICAS ...............................76
3.1 Conotação histórica........................................................................................................83
3.2 Código Civil de 1916 .....................................................................................................91
3.3 Legislação especial ........................................................................................................94
3.4 Código Civil de 2002 ...................................................................................................102
3.5 Constituições do Brasil ................................................................................................104
3.6 Definição e composição...............................................................................................108
3.7 União homoafetiva .......................................................................................................125
3.8 Características contemporâneas ...................................................................................137
4 O CASAMENTO............................................................................................................160
4.1 Definição e finalidades.................................................................................................163
4.2 Natureza jurídica..........................................................................................................178
4.3 Igualdade entre os cônjuges .........................................................................................187
4.4 O casamento civil e o religioso....................................................................................192
4.5 Do processo de habilitação ao casamento....................................................................198
4.6 Da capacidade, impedimentos e causas suspensivas do matrimônio...........................203
4.7 A celebração do casamento..........................................................................................217
4.8 O casamento nuncupativo ............................................................................................223
4.9 O registro do casamento...............................................................................................226
4.10 Da presunção de paternidade .....................................................................................229
4.11 Dissolução da sociedade conjugal e do casamento....................................................232
4.11.1 Histórico legislativo ................................................................................................234
4.11.2 O óbito.....................................................................................................................237
4.11.3 As nulidades matrimoniais......................................................................................246
4.11.4 A separação judicial................................................................................................270
4.11.5 O divórcio ...............................................................................................................286
CONCLUSÃO ...................................................................................................................295
BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................................305
INTRODUÇÃO
Nesta tese, retrata-se a família constituída pelo matrimônio e seus principais
efeitos na Lei Civil brasileira em vigência, com enfoque primordial e proeminente, senão
exclusivo, no seu Livro IV da Parte Especial, ou seja, especificamente no direito de
família, naquilo que concerne ao matrimônio e à família por ele formada.
A eleição do tema é ponto de realce neste intróito, ante a aparente ortodoxia ou
exacerbado conservadorismo, que deixam de refletir a sua real intenção, fulcrada que está
na demonstração de que a família formada pelo casamento permanece como base sólida e
eficaz da sociedade brasileira, nada obstante a possibilidade de ser ela constituída por
outros vínculos; demais disso, constituída essa família matrimonial ou conjugal, hão de ser
analisados os seus peculiares efeitos fáticos e jurídicos vinculados à relação família e
casamento; e, por derradeiro, em eventual conflito entre esses institutos, desvendar qual a
opção empreendida pelo legislador e pelo exegeta do direito.
Com fundamento nesses pressupostos é que se analisará a família constituída pelo
matrimônio no Código vigente, cujas normas serão interpretadas, como sói acontecer,
consoante o império constitucional reinante, marco histórico que é para a família brasileira,
inclusive para a decorrente do casamento.
Para essa interpretação, far-se-á uma narrativa, mesmo que breve, sobre o
histórico do denominado novo Código Civil, o que é imprescindível, com análise de suas
diretrizes, princípios jurídicos fundamentais e, de modo panorâmico, das reluzentes e
pertinentes alterações perpetradas por essa novel legislação no direito civil brasileiro
contemporâneo.
Acolhido como indiscutível o império das regras e normas constitucionais na
interpretação do direito infraconstitucional, de sorte que os princípios da cidadania e da
dignidade da pessoa humana, que são fundamentos da República Federativa do Brasil,
estampados no artigo 1º, incisos II e III da Constituição republicana, promulgada em 5 de
outubro de 1988 a denominada Constituição cidadã ou democrática , são seus
principais, senão essenciais e indispensáveis, parâmetros, reais balizadores e vetores ao
11
intérprete e aplicador do direito, haja vista que, antes de qualquer referência, há de se ater à
garantia da cidadania e à preservação da dignidade da pessoa humana.
Realizadas essas excursões preambulares, há que se embrenhar pelo campo da
instituição familiar, com enfoque em suas noções históricas, em seara social e jurídica,
para que se possa extrair ilações concretas da mutação sucedida na família brasileira,
mormente em sua definição, composição e constituição; nesse ponto, imprescindível a
atenta leitura das mudanças operadas nas legislações brasílicas, em campo infra normas
codificadas e esparsas e constitucional.
Com esses elementos, ter-se-á condições de aquilatar as contemporâneas
definição, composição e, inclusive, características da família brasileira, sem escamotear,
muito ao contrário, tendo sempre como princípio de interpretação, e sobretudo
direcionador, que a família é a base da sociedade, elemento de sustentação da comunidade,
seu início de vivência, meio de apoio cotidiano e finalidade a ser atingida, pois toda pessoa
nasce em uma família, nela encontra seu porto seguro e sonha em constituir seu próprio
núcleo familiar.
Nessa definição e composição hodierna da família, sobretudo da brasileira,
impostergável é o enfoque doutrinário e jurisprudencial sobre o vínculo estabelecido entre
pessoas do mesmo sexo, a denominada união homoafetiva, ante a relevância do tema e a
repercussão jurídica e social que desponta ultimamente.
Verificar-se-á que a acolhida no direito brasileiro, em âmbito legislativo, das
transformações sociais da relação familiar ocorreu com a edição da Carta da República de
1988, e não com o Código Civil vigente, pois este, em nível infraconstitucional, agasalhou
os princípios impostos por aquela; destarte, a dicotomia entre a família de ontem e a da
atualidade, em ponto normativo, nasceu com a promulgação daquela Lei Magna, esta sim o
momento histórico-legislativo da nova família brasileira.
O casamento, cuja definição, finalidades e natureza jurídica serão devidamente
apreciadas, é um dos institutos que constituem a família brasileira moderna, sendo sua
forma tradicional e atual, consoante as regras estatuídas na Lei Civil. Em sendo o tema
central deste trabalho o estudo da família que dele decorre, aquela que se poderia
12
denominar de família matrimonial ou conjugal, é essencial o discurso sobre os efeitos que
essa relação familiar ressoa no Código Civil de 2002, com peculiar e até mesmo exclusiva
atenção ao direito de família e matrimonial nele encartado.
Em face das mutações sociais e legislativas operadas, há que se averiguar as atuais
concepções e interpretações da própria constituição do matrimônio, ou seja, os fatores que
desencadeiam a necessidade de um homem e uma mulher se unirem legalmente pelos laços
nupciais, tendo em conta que a união fora do casamento também constitui uma família.
Tendo por escopo a formação de uma nova família, essas pessoas unem-se para a
completude de seus objetivos pessoais, entrelaçando-os para o bem-estar do núcleo
familiar estabelecido, cuja base de sustentação é o afeto, o carinho, a cumplicidade, o
respeito, enfim, sintetizando, o amor recíproco entre esse homem e sua mulher, centrado na
incessante preservação da felicidade pessoal e familiar.
Em face desses preceitos afetuosos que reinam, ao focalizar as normas
codificadas, imprescindível é a extração, com especial ótica nas diretrizes interpretativas
histórica, autêntica e sistemática, da verdadeira intenção do legislador, mormente quando
se depara com um conflito entre a inobservância de regras sacramentais constitutivas do
casamento e a relação familiar que se originou, isto é, o que merece prevalecer, a
invalidade matrimonial ou a família que se constituiu.
Demonstrar-se-á que, reinando os sobreditos vetores afetivos, ante os princípios
fundamentais descritos (cidadania e dignidade), imperará o vínculo familiar, sobrelevando-
se requisitos, até mesmo essenciais, do próprio casamento; destarte, em regra, entre a
família e o matrimônio, prevalece a interpretação que prime pela mantença da família.
Nessa análise hermenêutica, mesmo quando a opção inexorável é pela nulidade do
casamento, faz-se presente a figura do casamento putativo, garantia e proteção da pessoa
que agiu com extrema boa-fé.
13
Por outra ótica, ausentes os elementos de afeto e amor, justificativas plausíveis
inexistem para a mantença do relacionamento familiar.
Com efeito, a pretensão neste trabalho é demonstrar que a família ainda é, sim,
constituída pelo casamento, sendo aliás essa uma de suas formas principais, mantendo-se
como base sólida de toda a sociedade; todavia, esse vínculo matrimonial se sustenta
hodiernamente em novos parâmetros, eminentemente afetivos e amorosos, os quais,
amparados pelos princípios constitucionais de cidadania e dignidade da pessoa humana,
sustentam a exegese da família brasileira contemporânea.
O ponto central é a família e o casamento que a constitui, com as repercussões
legais no Código Civil de 2002, no livro de Direito de Família, dos aspectos de intersecção
entre uma e outro, sempre monitorado pelos preceitos e princípios acima descritos: afeto,
amor, cidadania e dignidade.
Esse o lema que se pretende demonstrar entre família e casamento.
Obtempera-se que, no discurso dos efeitos legais que esses preceitos repercutem
no casamento, serão abordados os aspectos matrimoniais com relevância ímpar e
primordial relativos à formação da família, de sorte que, em momento algum, se terá a
pretensão de esgotar todo temário inerente ao casamento; procurar-se-á sim analisar os
pontos fundamentais da interligação entre a família que decorre do casamento e, com isso,
os requisitos deste que tenham vinculação com aquela.
Para rematar o discurso sobre a família no casamento, ainda que en passant, há
que se enveredar pela narrativa das causas que resultam no término da sociedade conjugal,
sendo certo que, muita vez, há a dissolução da sociedade conjugal e, até mesmo, do
casamento, mas a família dele decorrente mantém-se íntegra, ainda que sob outra definição
compositiva, por exemplo, a família monoparental. Para elucidar, utilizar-se-ão projetos de
lei em tramitação no Congresso Nacional.
14
Por derradeiro, neste intróito, para que dúvidas não pairem, há que se destacar que
as referências à legislação civil brasileira revogada serão indicadas por Código Civil de
1916 (Código Civil/1916 ou CC/1916), enquanto às da em vigência por Código Civil de
2002 (Código Civil/2002 ou CC/2002 ou novo Código Civil), ou seja, sempre se fará a
devida e expressa indicação a qual norma legislativa se trata (1916 ou 2002), e não
simplesmente Código Civil sem qualquer adjetivo ânuo. Se o ano da codificação estiver
ausente, explicitar-se-á se a legislação referida é a em vigência ou a revogada. O rótulo
Código Civil, destarte, sempre estará qualificado.
1 O CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 2002
O atual Código Civil brasileiro foi instituído pela Lei Federal n. 10.406, de 10 de
janeiro de 2002, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, uma vez que sua vacatio legis foi
de um ano, consoante disciplina seu artigo 2.044.
1
Na mesma data, o Código Civil de 1916
2
perdeu sua vigência, pois foi
expressamente revogado pelo artigo 2.045 da Lei de 2002.
3
Conquanto revogada, a Legislação de 1916 continua a regimentar os atos jurídicos
perpetrados durante sua vida no mundo do direito, e por muitos anos isso se protelará,
como se verifica no direito das sucessões, ante o que dispõe o artigo 1.787 do Código Civil
de 2002, in verbis: “Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo
1
Em 19 de novembro de 2002, o Deputado Federal Luiz Antônio Fleury Filho apresentou o Projeto de Lei n.
7.347, pretendendo alterar a redação desse artigo 2.044, para que a vigência do Código Civil de 2002
iniciasse em 10 de janeiro de 2004; todavia, esse projeto não teve tempo hábil para ser analisado pela
Câmara Federal.
2
A Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, com vigência a partir de 1º de janeiro de 1917, trouxe ao mundo
jurídico o primeiro Código Civil brasileiro, cujo anteprojeto fora elaborado por Clóvis Beviláqua, no
exíguo lapso temporal de abril a outubro de 1899, consoante atestado pelo próprio autor, convidado que
fora por Epitácio da Silva Pessoa, então Ministro da Justiça e Negócios Interiores, com o referendo do
Presidente da República Manuel Ferraz de Campos Sales (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, p.
22-23). Antes desse anteprojeto, em 1858, Augusto Teixeira de Freitas elaborou a Consolidação das Leis
Civis, contratado que fora em 15 de fevereiro de 1855 por José Tomás Nabuco de Araújo, então Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios da Justiça. Já em 10 de janeiro de 1859, foi contratado para
confeccionar o Projeto de Código Civil, pacto que acabou rescindido, resultando na publicação do
conhecido Esboço de Teixeira de Freitas (Sílvio Meira, Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império, p.
94 e 185). Noticia Ernesto Rodrigues que esse projeto foi “paradigma aos demais Códigos sul-americanos,
particularmente aos do Uruguai, de 1868, e da Argentina, de 1869, vigente também no Paraguai” (A
história do Código Civil, p. 450), enquanto Orlando Gomes enfoca o consenso dos doutrinadores civilistas:
“A obra excedeu a toda expectativa, constituindo marco decisivo na evolução do direito civil brasileiro”
(Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro, p. 12). Nabuco de Araújo, em seguida,
começou a feitura de seu projeto, todavia faleceu em 1878, ainda incompleto, com conhecidos cerca de 300
artigos. Joaquim Felício dos Santos, em 1881, e Antônio Coelho Rodrigues, em 1890, apresentam seus
respectivos Projetos de Código Civil, os quais não prosperaram (Arnoldo Wald, Direito civil: introdução e
parte geral, p. 64-65). Sintetiza Milton Duarte Segurado que foram três projetos durante o Império e dois na
fase da República, no entanto, “houve um outro sexto projeto, não-oficial, inacabado, para um Código de
Direito Privado (1911), do comercialista Inglês de Souza (paraense)” (Pequena história do direito
brasileiro, p. 71-72).
3
Até o Código Civil de 1916, o direito civil brasileiro era regido pelas normas portuguesas, tanto que, com a
vigência daquele, revogaram-se as Ordenações Filipinas, de 11 de janeiro 1603, do Rei Filipe II de Espanha
e I de Portugal, cujo Livro IV tratava das normas civis (Milton Duarte Segurado, Pequena história do
direito brasileiro, p. 10). Com efeito, vigeram no Brasil por 314 anos as Ordenações Filipinas, enquanto em
Portugal perderam validade jurídica com a edição do Código Civil em 1867, destarte, “tiveram vida mais
longa e influência mais decisiva no Brasil” (Orlando Gomes. Raízes históricas e sociológicas do Código
Civil brasileiro, p. 8-9). Não obstante a longevidade das Ordenações do Reino, a Constituição Imperial de
1824 determinara em seu artigo 179, item 18: “Organizar-se-á quanto antes um Código Civil e Criminal,
fundado nas sólidas bases da Justiça e Eqüidade”, cumprido somente em 1917.
16
da abertura daquela”, com semelhante teor ao artigo 1.577 do Código Civil de 1916. Como
em ambas legislações a abertura da sucessão se dá com a morte do autor da herança,
estampa o artigo 2.041 do Código Civil vigente, in verbis: “As disposições deste Código
relativas à ordem de vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão
aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior (Lei n. 3.071, de 1º de
janeiro de 1916).”
No campo de direito de família, também há situação jurídica exemplificativa
dessa prevalência da Legislação Civil de 1916, consoante impõe o artigo 2.039 do Código
Civil de 2002: “O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil
anterior, Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido”, cuja interpretação
doutrinária e jurisprudencial merecem análise detida em estudo apropriado, valendo, neste
tópico, ressaltar que debatem os juristas acerca da aplicabilidade desse texto legal aos
matrimônios celebrados na vigência do Código Civil de 1916.
Francisco José Cahali, ao atualizar os estudos de direito de família de Sílvio
Rodrigues, acrescenta: “Também, e excepcionalmente, em algumas questões específicas,
como repercussão patrimonial da união estável, adoção e verificação de impedimentos
matrimoniais, para as situações já consumadas, afasta-se a retroatividade da norma, de tal
sorte que, quando adequado, far-se-á referência à legislação revogada não apenas como
histórico, mas como direito então aplicável cujos efeitos se prolongam no tempo.”
4
De toda sorte, nesta ocasião, o que merece ser ressaltado é a aplicabilidade da Lei
Civil de 1916, mesmo após viger a de 2002, ou seja, a eficácia residual da legislação
revogada.
Acrescente-se que a aplicação da Lei de 1916 será extensiva ao intérprete da novel
Norma Civil, como interpretação histórica, consoante prefacia Miguel Reale, ao louvar o
estudo comparativo dos dois Códigos, uma vez que “torna possível o aproveitamento do
valioso cabedal de doutrina e de jurisprudência por este [Código Civil de 1916] acumulado
durante oitenta e cinco anos de vigência”
5
, no que é referendado por Cláudio de Cicco
6
,
4
Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 16.
5
Miguel Reale, Novo Código Civil brasileiro: estudo comparativo com o Código Civil de 1916, p. 7.
6
Cláudio de Cicco, Interpretação histórica para as lacunas do novo Código Civil de 2002, p. 161.
17
sobretudo em situações fáticas e jurídicas até então presentes, mas ausentes na Lei vigente,
com escopo daquela servir de base para suprir a lacuna desta.
7
Alguns aspectos alusivos ao Código Civil de 2002 hão que se destacar, ou seja,
narrativas, mesmo que em rápidas tintas, sobre sua história, as diretrizes que nortearam a
elaboração do anteprojeto, os princípios jurídicos que o fundamentam e suas principais
inovações, mormente na seara do direito de família, do qual a família e o casamento são
institutos jurídicos que o compõem.
1.1 Histórico legislativo
Faz-se mister uma apresentação, mesmo que sucinta, do retrospecto histórico do
Código Civil brasileiro de 2002, sancionado em 10 de janeiro de 2002, pelo então
Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, no 181º ano da Independência do
Brasil e 114º da Proclamação da República.
Antes da elaboração do anteprojeto de lei que sufragou o Código Civil de 2002,
ilustres juristas assumiram o encargo de reformular a Codificação Civil de 1916
8
, sendo
certo que Orozimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães, em 1941,
publicaram o Anteprojeto de Código de Obrigações, “visando unificar o direito das
obrigações, não recebendo tal iniciativa o apoio necessário da classe jurídica”, como alerta
Francisco Amaral
9
, tornando-se natimorto.
Em face disso, e com a evolução social brasileira, imprescindível a revisão das
normas jurídicas de direito civil, donde, em 1961, Orlando Gomes foi convidado a redigir
7
Eduardo de Oliveira Leite acrescenta que o Código Civil revogado é ainda típica fonte formal do direito de
família, ao qual se somam as normas legais ordinárias e o vigente Texto Civil; enquanto como fontes
históricas relaciona o direito canônico e o lusitano (Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 27).
8
Aduz Eroulths Cortiano Júnior, ao discorrer sobre a reforma do direito civil, que o Código Civil de 1916,
“em que pese ter sido uma codificação tecnicamente bem elaborada mesmo porque teve como base os
dois grandes códigos mundiais, o Napoleônico e o BGB Bürgerlisches Gesetzbuch (Eduardo de Oliveira
Leite, A monografia jurídica, p. 233) , veio à luz num momento de grandes transformações sociais e
políticas. A sua bem elaborada técnica permitiu que sobrevivesse até nossos dias, mas sempre esteve em
processo de revisão geral. Não bastassem as transformações que sofreu pela edição de leis especiais, pelo
menos três tentativas de reforma se fizeram”, a primeira delas na década de 40, depois na de 60 e,
finalmente, em 1969 (O direito de família no projeto do Código Civil, p. 232-233).
9
Francisco Amaral, Direito civil: introdução, p. 133.
18
o Anteprojeto de Código Civil contendo as matérias relacionadas ao direito de família,
das sucessões e aos direitos reais , enquanto Caio Mário da Silva Pereira elaboraria o
Código das Obrigações.
Em comissão constituída pelo próprio Orlando Gomes, por Orozimbo Nonato e
Caio Mário da Silva Pereira, o trabalho daquele foi transformado em Projeto de Código
Civil; enquanto isso, o Anteprojeto de Código das Obrigações foi referendado como
Projeto por comissão composta por seu autor “e ainda por Orozimbo Nonato, Theóphilo de
Azeredo Santos, Sylvio Marcondes, Orlando Gomes e Nehemias Gueiros”
10
, ambos no ano
de 1965.
11
Sobre esses projetos, Caio Mário da Silva Pereira relatou que o de Código Civil
foi encaminhado ao Poder Executivo em 31 de março de 1963, com 963 artigos, e o de
Código das Obrigações, em 25 de dezembro do mesmo ano, contendo 952 artigos.
12
Mais adiante esclarece que, encaminhados ao Congresso Nacional, “o Governo os
retirou, ao invés de enfrentar as críticas, que, obviamente, haveriam de surgir. Não se
consegue cumprir uma reforma de profundidade sem contrariar opiniões, sem vencer
resistências, sem afrontar, mesmo, a força da inércia, que prefere o comodismo da rotina à
visão dos novos horizontes”.
13
E, para arrematar, glorificava Sílvio Rodrigues: “Tais
projetos não só honram seus autores, como também dignificam a cultura jurídica
brasileira”.
14
Depois dessas frustadas tentativas de formular uma nova codificação civil para o
direito brasileiro, o então Presidente da República Arthur da Costa e Silva constituiu, em
23 de maio de 1969, uma comissão para elaborar um Anteprojeto de Código Civil,
convidada que fora, antecipadamente, por seu Ministro da Justiça Luiz Antônio da Gama e
Silva
15
, composta pelos seguintes juristas: Miguel Reale, seu coordenador-geral e
supervisor, José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes,
10
Francisco Amaral, Direito civil: introdução, p. 133.
11
Sílvio Rodrigues, Direito civil: parte geral, v. 1, p. 13.
12
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil: introdução ao direito civil, v. 1, p. 58.
13
Ibidem, p. 59.
14
Sílvio Rodrigues, ob. cit., v. 1, p. 13.
15
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, v. 1, p. 51.
19
Ebert Vianna Chamoun, Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro, incumbidos,
respectivamente, do relatório da Parte Geral, do Direito das Obrigações, do de Empresa,
das Coisas, do Direito de Família e das Sucessões, que adimpliram seus encargos sem
qualquer retribuição monetária.
16
Em 1975, o Presidente da República Ernesto Geisel, pela Mensagem n. 160/75,
apresentou ao Congresso Nacional a redação final do que passou a ser rotulado Projeto de
Lei n. 634
17
. Essa mensagem foi lida no plenário da Câmara dos Deputados em 11 de
junho de 1975 “e, no dia 23 do mesmo mês e ano, foi designada a primeira Comissão
Especial para dar parecer ao Projeto”.
18
Esclarece Miguel Reale que, antes dessa redação definitiva de 1975, outras três
foram elaboradas, nos anos de 1972 essa, entregue em 23 de maio, exatamente três anos
depois da constituição da Comissão, foi encaminhada ao então Ministro da Justiça Alfredo
Buzaid
19
, 1973 e 1974, todas publicadas no Diário Oficial da União, para conhecimento
geral e irrestrito. E complementa que essa comissão era, em verdade, uma “Comissão
Revisora e Elaboradora do Código Civil”, pois pretendia, o quanto possível, aproveitar as
diretrizes básicas do Código Civil de 1916.
20
Exposto a toda a comunidade jurídica, e até à sociedade leiga, “depois de alguns
anos de debates na Câmara dos Deputados, a matéria foi aprovada e transformada no
Projeto de Lei n. 634-B, conforme publicação no Diário do Congresso Nacional de 17 de
maio de 1984 (Suplemento ao n. 47)”, consoante historiou Sílvio Rodrigues
21
. Relata
Ricardo Rodrigues Gama que, discutido no plenário em 16 de novembro de 1983, o projeto
foi aprovado em sessão do dia 16 de junho de 1984
22
. Nessa fase, foram apresentadas cerca
de 1.100 emendas ao projeto, cujo relatório foi atribuído ao Deputado Ernani Satyro.
23
16
Ressalta Miguel Reale que, “em termos monetários, ele [o Anteprojeto do Código Civil de 2002] nada
custou ao erário. Ao contrário de todos os anteprojetos anteriores, precedidos de contratos de honorários
profissionais (...) aceitamos gratuitamente a alta incumbência, considerando-a um dever cívico” (Estudos
preliminares do Código Civil, p. 39).
17
Sílvio Rodrigues, Direito civil: parte geral, v. 1, p. 14.
18
Ricardo Rodrigues Gama, Algumas considerações sobre o novo Código Civil brasileiro, p. 20.
19
ANTEPROJETO do Código Civil, p. XXI.
20
Miguel Reale, Visão geral do novo Código Civil, p. 10.
21
Sílvio Rodrigues, ob. cit., p. 14.
22
Ricardo Rodrigues Gama, ob. cit., p. 20.
23
Miguel Reale, Estudos preliminares do Código Civil, p. 23.
20
Encaminhado ao Senado Federal, recebeu o rótulo de Projeto de Lei da Câmara n.
118/84
24
e, em 1991, constituída nova Comissão Especial, sob a presidência do Senador
Ronaldo Cunha Lima, nela é aprovado em 13 de novembro de 1997 e, no plenário, tendo
como relator-geral final o Senador Josaphat Marinho, é aprovado em 26 de novembro do
mesmo ano.
25
Regina Beatriz Tavares da Silva, ao atualizar a obra de Washington de Barros
Monteiro, esclarece que, no Senado, esse Projeto de Lei foi arquivado, e por isso, somente
em 1991 constituiu-se outra Comissão para o apreciar, quando então houve a nomeação do
Senador Josaphat Marinho para o cargo de relator-geral.
26
Em seu pronunciamento, o Senador Josaphat Marinho relata o seguinte: “Ao
ingressar nesta Casa, o projeto recebeu 360 emendas, em 1984. Reaberto o prazo para
emendas, em 1985, porque até então, em verdade, não tivera tramitação o projeto, foram-
lhe apresentadas mais seis emendas, de autoria do nobre Senador, nosso colega, Lúcio
Alcântara. Este projeto, com tais emendas, a que o Relator acrescentou 127, é que foi
presente à Comissão Especial destinada a examiná-lo.”
27
Publicada a redação final aprovada, no Diário Oficial da União de 11 de
dezembro de 1997, o projeto de lei, por mandamento legal, retornou à Câmara dos
Deputados, a fim de que fossem apreciadas as emendas aprovadas no Senado, num total de
332, cujo relator-geral foi o Deputado Ricardo Fiuza.
Afora a análise dessas emendas, fazia-se mister revisar todo o projeto de lei, uma
vez que, desde a apresentação do anteprojeto final, em 1975, várias leis especiais deram
novas roupagens jurídicas a institutos jurídicos nele contidos; ademais, com a promulgação
da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, vários dispositivos civis
passaram a merecer a devida atualização constitucional.
24
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil: introdução ao direito civil, v. 1, p. 59.
25
Ricardo Rodrigues Gama, Algumas considerações sobre o novo Código Civil brasileiro, p. 20.
26
Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil: direito de família, 37. ed., 2004, v. 2, p. 13.
27
CÓDIGO Civil: Projeto de Lei da Câmara n. 118, de 1984 Redação Final, p. 21. Dessas emendas
apresentadas no Senado Federal, 140 se relacionavam ao Livro de Direito de Família, segundo comentários
de Regina Beatriz Tavares da Silva em atualização à obra de Washington de Barros Monteiro (Curso de
direito civil: direito de família, 37. ed., 2004, v. 2, p. 13).
21
Para que fosse exeqüível essa revisão, houve alteração no Regimento Comum do
Congresso Nacional, por intermédio da Resolução n. 1/2000, com o que “o Relatório da
Câmara dos Deputados contendo aquelas adequações foi encaminhado ao Senado Federal,
onde foi submetido à respectiva Comissão de Constituição e Justiça, que ofereceu parecer
votado e aprovado pelo Plenário do Senado”.
28
Em sessão plenária de 15 de agosto de 2001, por votação unânime, o Projeto de
Código Civil foi aprovado na Câmara dos Deputados, precisamente “às dezessete horas e
cinqüenta e cinco minutos”
29
. Em 10 de janeiro de 2002, o Presidente da República
Fernando Henrique Cardoso sufragou a Lei Federal n. 10.406/2002, que instituiu o Código
Civil brasileiro.
Tramitam na Câmara dos Deputados alguns projetos que visam a modificação de
dispositivos do Código Civil vigente, todavia merece realce o Projeto de Lei n. 6.960, de
12 de junho de 2002, apresentado pelo Deputado Federal Ricardo Fiuza, com o fito de
alterar cento e oitenta e oito artigos do Código Civil de 2002, sendo cinqüenta deles do
Livro de Direito de Família
30
, com a expressa derrogação e ab-rogação de leis especiais
alusivas a esse ramo do direito, consoante nova redação a ser dada ao seu artigo 2.045
31
.
Aliás, a intenção primária era a votação e aprovação desse projeto antes mesmo da
vigência do Código Civil atual, ou seja, no curso de sua vacatio legis que foi de um ano,
nos termos do artigo 2.044 do Código vigente fato que não se concretizou.
32
Em setembro de 2002, entre os dias 11 e 13, realizou-se a Jornada de Direito
Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, sob a
28
Regina Beatriz Tavares da Silva em atualização à obra de Washington de Barros Monteiro (Curso de
direito civil: direito de família, 37. ed., 2004, v. 2, p. 15).
29
Ricardo Rodrigues Gama, Algumas considerações sobre o novo Código Civil brasileiro, p. 20.
30
“Este fato proposta de alteração em aproximadamente 20% da codificação aprovada fala por si só
quanto à fragilidade do novo texto”, ressalta Francisco José Cahali em atualização à obra de Sílvio
Rodrigues (Direito civil: direito de família, v. 6, p. 16).
31
“Artigo 2.045 - Revogam-se a Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916 Código Civil; a Parte Primeira do
Código Comercial, Lei n. 556, de 25 de junho de 1850; as Leis n. 4.121, de 27.8.1962; 8.560, de 1992;
8.971, de 29.12.1994 e 9.278, de 10.5.1996; o Decreto n. 3.708 de 1919; e ainda os artigos 1º a 27 da Lei n.
4.591, de 16.12.1964, os artigos 71 a 75 da Lei n. 6.015, de 31.12.1973; os artigos 1
º
a 33, artigo 43, artigo
44, artigo 46, da Lei n. 6.515, de 26.12.1977; os artigos 39 a 52 da Lei n. 8.069, de 13.7.1990.
32
Regina Beatriz Tavares da Silva em atualização à obra de Washington de Barros Monteiro (Curso de
direito civil: direito de família, 37. ed., 2004, v. 2, p. 16).
22
coordenação científica do Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, do Superior Tribunal de
Justiça, na qual foram editados diversos enunciados hermenêuticos e de modificação do
Código Civil atual, os quais, em momento apropriado, serão mencionados. Destaque-se
que a Comissão de Direito de Família e das Sucessões foi presidida por Gustavo Tepedino,
enquanto Luiz Edson Fachin foi o seu relator.
Entre 1º e 3 de dezembro de 2004, foi realizada a III Jornada de Direito Civil, pelo
mesmo Centro de Estudos e sob igual coordenação, com a edição de novos enunciados,
alguns até revogando outros da primeira Jornada, os quais oportunamente serão transcritos.
Anote-se que, nessa III Jornada, ocupou a presidência da Comissão de Direito de Família e
das Sucessões Luiz Edson Fachin, e a relatoria esteve a cargo de Marilene Guimarães.
33
Dias atrás, durante o mês de março de 2005, o Deputado Federal Antônio Carlos
Biscaia apresentou alguns projetos de lei (ns. 4.944, 4.945, 4.946, 4.947 e 4.948)
sugeridos por estudos realizados pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM)
visando modificar dispositivos do Código Civil de 2002 relacionados ao direito de
família, os quais, quando pertinentes e no adequado momento, serão descritos.
Como ponto narrativo derradeiro, nesta etapa, destaque-se a alteração de alguns
dispositivos do Código Civil de 2002, tais como: a) o artigo 374 foi revogado pela Lei n.
10.677, de 22 de maio de 2003; durante a vacatio legis, fora editada medida provisória
suspendendo sua eficácia; b) o artigo 2.031 teve o prazo contido no caput postergado por
mais um ano, vencido em janeiro de 2005 (Lei n. 10.838/2004); entretanto, em 10 de
janeiro de 2005, foi editada a Medida Provisória n. 234, que o prorrogou para 11 de janeiro
de 2006, com a revogação da lei de 2004; houve ainda o acréscimo do parágrafo único pela
Lei n. 10.825/2003.
33
Esclareça-se que, quando da realização da II Jornada de Direito Civil, a de setembro de 2002 passou a ser
identificada como I Jornada; no entanto, daquela não foram editados enunciados. Todos os enunciados
poderão ser pesquisados nos seguintes endereços eletrônicos: <www.cjf.gov.br/ Revista/ Enunciados/
Enunciados>, <www.cjf.gov.br/eventos/educacao> ou <www.cjf.gov.br/consultason-line>.
23
1.2 Diretrizes e princípios jurídicos
Para a confecção do anteprojeto, nos idos de 1970, que resultou no Código Civil
de 2002, regras, parâmetros, rumos, idéias, enfim, uma diretiva laborativa fez-se
imprescindível para a consecução do objetivo, desiderato de incomensuráveis fôlegos
jurídico-intelectuais e até mesmo de esforços físico-mentais, empreendidos pela comissão
composta pelos jurisconsultos Miguel Reale, José Carlos Moreira Alves, Agostinho de
Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Vianna Chamoun, Clóvis do Couto e Silva e
Torquato Castro. Infelizmente, nem todos tiveram o beneplácito de presenciarem em vida
essa transmudação, visto que, por motivos variados, foram alcançados pela morte, “pois
desse seleto grupo só restam o sábio Ministro José Carlos Moreira Alves e o eminentíssimo
coordenador do projeto, Professor Miguel Reale”, historiou Sílvio Rodrigues.
34
Merecem ser transcritas, com efeito, as diretrizes que, segundo Miguel Reale,
coordenador-geral da sobredita comissão, foram vetores da elaboração do anteprojeto do
novo Código Civil brasileiro: “a) Preservação do Código vigente sempre que possível, (...).
b) Impossibilidade de nos atermos à mera revisão do Código Beviláqua, dada a sua falta de
correlação com a sociedade contemporânea e as mais significativas conquistas da Ciência
do Direito. c) Alteração geral do Código atual no que se refere a certos valores
considerados essenciais, tais como o de eticidade, de socialidade e de operabilidade. d)
Aproveitamento dos trabalhos de reforma da Lei Civil, nas duas meritórias tentativas
feitas, anteriormente, por ilustres jurisconsultos: (...). e) Firmar a orientação de somente
inserir no Código matéria já consolidada ou com relevante grau de experiência crítica,
transferindo-se para a legislação especial aditiva o regramento de questões ainda em
processo de estudo, ou que, por sua natureza complexa, envolvem problemas e soluções
que extrapolam do Código Civil. f) Dar nova estrutura ao Código, mantendo-se a Parte
Geral conquista preciosa do direito brasileiro, desde Teixeira de Freitas mas com nova
ordenação da matéria, a exemplo das mais recentes codificações. g) Não realizar,
34
Sílvio Rodrigues, Considerações sobre direito civil (julho do ano 2000), p. 533.
24
propriamente, a unificação do Direito Privado, mas sim do Direito das Obrigações de
resto já uma realidade operacional no País (...).”
35
Francisco Amaral ratifica in totum a eleição e utilização dos sobreditos parâmetros
pelos juristas que redigiram o Anteprojeto do Código Civil, tanto que as dita como
características basilares do novo Código, acrescentando a readequação dos institutos civis
consoante a orientação jurisprudencial predominante e a exclusão de questões processuais
e procedimentais, salvo em íntima ligação com a material.
36
Na Exposição de Motivos da Parte Geral do Anteprojeto de Código Civil, escrita
em 1970, seu relator, o Ministro José Carlos Moreira Alves, esclarece quais os
delineamentos a serem observados pela comissão: “Encontrávamos, portanto, em nosso
país, experiências dos dois extremos de orientação, em matéria de reforma do Código: a
reelaboração e a revisão. Nenhuma das duas norteia o pensamento do governo, na hora
presente. Como salientou Vossa Excelência, na primeira reunião da Subcomissão de que
fazemos parte, nossa tarefa se situaria na posição intermediária entre esses dois extremos
(...) Em outras palavras, não deveria haver a preocupação de manter por manter, nem a de
inovar por inovar. Orientação, aliás, que já no próprio plano de trabalho da Subcomissão se
revelava aplicada.”
37
Ao palestrar no IV Congresso Brasileiro de Filosofia, em agosto de 2002, sobre o
novo Código Civil, Judith Martins-Costa
38
anota: “Nenhum Código provém do nada,
nenhum Código opera no vazio. O seu modelo sempre expressa uma reflexão e uma
tomada de posição diante dos problemas do mundo isto é, uma filosofia. As matrizes
teóricas do novo Código Civil têm origem, justamente, no culturalismo de Reale, na sua
35
Miguel Reale, Visão geral do novo Código Civil, p. 11. Em ofício endereçado ao então Ministro da Justiça
Alfredo Buzaid, esclarece Miguel Reale que, no seu entender, acertou a comissão ao proceder a revisão da
legislação anterior por etapas, partindo da elaboração de projetos parciais por cada integrante, guiando-se,
no entanto, pelas diretrizes, acima anotadas, previamente entabuladas (ANTEPROJETO do Código Civil,
p. XXII).
36
Francisco Amaral, Direito civil: introdução, p. 134.
37
José Carlos Moreira Alves, A parte geral do projeto de Código Civil brasileiro: subsídios históricos para o
novo Código Civil brasileiro, p. 72.
38
Judith Martins-Costa, Culturalismo e experiência no novo Código Civil, p. 23-24.
25
concepção acerca dos modelos jurídicos e da concreção, no que chama, enfim, de
normativismo concreto
39
.” (destacamos).
Verificados os lineamentos que embasaram o anteprojeto, há que se compulsar os
princípios jurídicos que fundamentam o Código Civil brasileiro de 2002, sendo certo que,
como sói acontecer, a doutrina de Miguel Reale é a primária a ser estudada: a eticidade, a
socialidade e a operabilidade.
40
Ética, socialização e operacionalização são, com efeito, os princípios que
nortearam o novo Ordenamento Civil, consoante atesta o próprio supervisor da Comissão
Elaboradora e Revisora do Projeto de Lei.
A ética é um dos princípios básicos que fundamenta o Código Civil de 2002,
sobre o qual, em comentários aos aspectos gerais do Projeto de Código Civil, Miguel Reale
anota que a novel legislação haveria de abandonar o formalismo da lei anterior e apegar-se
a novos critérios e princípios para a leitura legislativa, sendo certo que o de eticidade seria
o fundamental, pois confere ao juiz o poder para se valer amiúde da eqüidade, proferindo
decisões mais justas e eqüitativas. Destarte, “confere ao Juiz não só poder para suprir
lacunas, mas também para resolver, onde e quando previsto, de conformidade com valores
éticos, ou se a regra jurídica for deficiente ou inajustável à especificidade do caso
concreto”
41
, tudo devidamente fundamentado, em face do seu poder que é discricionário,
mas, não arbitrário.
Alerta Carlos Roberto Gonçalves que o holofote do intérprete há de se centrar na
valoração “da pessoa humana como fonte de todos os demais valores”, sendo certo que o
pragmatismo desse princípio “confere maior poder ao juiz para encontrar a solução mais
justa ou eqüitativa”.
42
39
Segundo Miguel Reale: “Quando, pois, dizemos que o Direito se atualiza como fato, valor e norma, é
preciso tomar estas palavras significando, respectivamente, os momentos de referência fática, axiológica e
lógica que marcam o processus da experiência jurídica, o terceiro momento representando a composição
superadora dos outros dois, nele e por ele absorvidos e integrados. É essa a teoria que denominamos
normativismo concreto.” (Lições preliminares de direito, p. 104 destaques no original).
40
Miguel Reale, Visão geral do novo Código Civil, p. 12-14.
41
Miguel Reale, Visão geral do projeto de Código Civil, p. 28. Eros Roberto Grau, ao diferenciar a norma do
texto jurídico, leciona que o intérprete do direito, ao operar seu labor, transmuda-se no verdadeiro
construtor da norma jurídica (O direito posto, o direito pressuposto e a doutrina efetiva do direito, p. 48).
42
Carlos Roberto Gonçalves, Principais inovações no Código Civil de 2002: breves comentários, p. 5.
26
A eqüidade e a boa-fé são típicas características de eticidade, porquanto, com a
interpretação da situação de fato concreta é que o magistrado terá elementos e argumentos
para fundamentar a decisão justa e escorreita para o conflito que lhe é posto, assim como
para aquilatar, entre os interessados no deslinde, aquele que agiu com boa-fé, que teve
lídima intenção de praticar o ato jurídico controvertido e exteriorizou-a de forma clara,
precisa e sincera.
Ponto de relevância a ser apreciado é a própria definição de ética, ao menos uma
visão delineadora do que se deva entender por conduta ética, ou o que é ético. Decerto é
um termo que desperta inúmeras divagações filosóficas, mas que, ainda que em rápidas
tintas, merece ser aqui discutido.
O instituto da ética, nos últimos tempos, é utilizado amiúde, inclusive em
linguagem coloquial, sem que, muita vez, saiba-se o seu próprio e devido significado;
aliás, o ideal é que esse princípio não fosse simplesmente pronunciado, e sim efetivamente
empregado em condutas humanas, nos diversos setores da convivência humana, pelos
cientistas, inclusive pelos operadores do direito, ainda que assim não estivesse expresso,
pois a ética haveria de ser o norte de toda conduta de uma pessoa, em quaisquer de suas
atividades pessoal, profissional, familiar, social, etc.
Nada obstante, como mencionado, há que se desvendar o significado desse
princípio, que norteou a elaboração do Código Civil de 2002, o qual, no entanto, haveria de
fundamentar todo o sistema jurídico, seja no campo legislativo, hermenêutico, doutrinário
e, mormente no acadêmico, consoante ressalta Fábio Konder Comparato, ao criticar a
pouco menção que se faz à ética nos anos do estudo nas faculdades de direito, embora seja
essa ciência parte efetiva e integrante desse princípio filosófico.
43
Ética, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é o feminino substantivado
do adjetivo ético derivado do grego ethikós a qual define como “estudo dos juízos de
apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do
bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto”.
44
43
Fábio Konder Comparato, O direito como parte da ética, p. 6-7.
44
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo dicionário da língua portuguesa, p. 733.
27
Para De Plácido e Silva, ética é a ciência da moral.
45
Ética e moral ostentam a mesma origem etimológica, todavia são concepções que
não se confundem, assim como, é cediço, moral e direito possuem conotações próprias,
ainda que, em certos aspectos, possam apresentar pontos de intersecção.
46
Fernando Dias Andrade informa que a terminologia ethos, em grego, possui duas
formas de pronúncia, quais sejam, éthos e êthos, “(...) e dependendo da forma o significado
muda. Isso é relevante aqui porque a éthika é conhecimento racional especificamente de
uma dessas duas formas, o êthos. (...) O éthos é o conjunto de costumes, valores comuns,
práticas comuns, ideais ou valores universais ou de um grupo; ou seja, é o que conhecemos
hoje por moral”.
47
Com efeito, a pronúncia do termo ethos em tom aberto ou fechado, ante o
acento agudo ou circunflexo , em grego, é o indicativo do que se pretende exteriorizar, ou
seja, de ética ou de moral.
Em estudo específico sobre esses princípios, Leonardo Boff relata as suas
utilizações como sinônimos, tanto em linguagem coloquial, como na culta, todavia, para
confirmar a inexistência dessa sinonímia, oferece definição de cada qual deles: “A ética é
parte da filosofia. Considera concepções de fundo acerca da vida, do universo, do ser
humano e de seu destino, estatui princípios e valores que orientam pessoas e sociedades.
Uma pessoa é ética quando se orienta por princípios e convicções. Dizemos, então, que
tem caráter e boa índole. A moral é parte da vida concreta. Trata da prática real das
pessoas que se expressam por costumes, hábitos e valores culturalmente estabelecidos.
Uma pessoa é moral quando age em conformidade com os costumes e valores consagrados.
Estes podem, eventualmente, ser questionados pela ética. Uma pessoa pode ser moral
45
José Oscar De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, v. 2, p. 223.
46
Ricardo Rodrigues Gama ensina: “O direito e a moral contam com alguns pontos em comum. Com mais
precisão, eles têm em comum serem regras de conduta e persistir neles a obrigatoriedade no cumprimento
de tais determinações, mas, por sua vez, estão distantes de ser confundidos pelas demais características de
cada qual. Ao lado disso, há regras morais que são tomadas como regras jurídicas também, como no dever
moral de expressar somente a verdade, a pessoa que mentir perante o juiz ou tribunal, invadindo tal ato a
esfera jurídica, comete o crime de falso testemunho.” (Moral e direito, p. 734).
47
Fernando Dias Andrade, Sobre ética e ética jurídica, p. 105.
28
(segue os costumes até por conveniência) mas não necessariamente ética (obedece a
convicções e princípios.”
48
(grifado no original)
Enquanto a moral refere-se a concepções, regras, valores e práticas costumeiras, a
ética é o pronunciamento das concepções individuais de cada pessoa humana, que
repercutem no seu relacionamento em sociedade, seja qual for esse espaço social.
Em seu discurso sobre êthos, Fernando Dias Andrade esclarece que esse termo
grego representa “o caráter individual de um ser, a natureza individual de um ser, a
necessidade individual ou natural de um ser, potência de um ser, aquilo sem o que um ser
deixa de ser o que é, aquilo que constitui necessariamente um ser, aquilo que não pode
deixar de estar num ser. A éthika é, portanto, estudo do caráter individual, natureza
individual, necessidade natural ou individual, de algo”.
49
A ética, com efeito, está relacionada direta e propriamente ao ser humano, em sua
individualidade, no seu íntimo, externando as suas próprias concepções, seus valores, com
expressão e exteriorização das idiossincrasias de cada indivíduo, sobretudo quando de sua
interação comunitária. Destarte, agir eticamente, comportar-se de modo ético significa
fazer ou deixar de fazer alguma coisa consoante suas íntimas e próprias convicções
pessoais.
Decidir com eticidade, portanto, é conferir ao magistrado o poder-dever de
analisar conscientemente o fato e interpretá-lo de acordo com suas concepções pessoais e,
ao mesmo tempo, averiguar a peculiar situação pessoal e individual de cada qual dos
sujeitos que dele participou as suas reais idiossincrasias, afinal a pessoa humana é o
verdadeiro sujeito do direito debatido, seu efetivo titular agindo, na aplicação da norma
jurídica, com equidade, concedendo a cada qual o seu respectivo direito, fundamentando
sua conclusão conforme essas diretrizes individuais e personalíssimas, sendo total
responsável por esse conteúdo.
48
Leonardo Boff, Ética e moral: a busca dos fundamentos, p. 37.
49
Fernando Dias Andrade, Sobre ética e ética jurídica, p. 105.
29
A filósofa Marilena Chauí apresenta os elementos constituintes da ética,
afirmando: “Para que haja conduta ética é preciso que exista o agente consciente, isto é,
aquele que conhece a diferença entre bem e mal, certo e errado, permitido e proibido,
virtude e vício. A consciência moral não só conhece tais diferenças, mas também
reconhece-se como capaz de julgar o valor dos atos e das condutas e de agir em
conformidade com os valores morais, sendo por isso responsável por suas ações e seus
sentimentos e pelas conseqüências do que faz e sente. Consciência e responsabilidade são
condições indispensáveis da vida ética.”
50
Outro princípio é o da socialização, sobre o qual também discursou Miguel
Reale
51
: “O sentido social é uma das características mais marcantes do projeto, em
contraste com o sentido individualista
52
que condiciona o Código Civil ainda em vigor.
Seria absurdo negar os altos méritos da obra do insigne Clóvis Beviláqua, mas é preciso
lembrar que ele redigiu sua proposta em fins do século passado, não sendo segredo para
ninguém que o mundo nunca mudou tanto como no decorrer do presente século, assolado
por profundos conflitos sociais e militares.”
O Senador Josaphat Marinho, em seu pronunciamento final no Senado Federal,
quando da apresentação do relatório final do então Projeto de Código Civil, em dezembro
de 1997, afirma categoricamente o princípio social que reina nessa nascente codificação,
contrapondo-se ao cunho individual e privatista que imperava na Lei Civil revogada.
53
Gustavo Tepedino explica o porquê desse sentido individualista do Código Civil
de 1916: “Àquela altura, o valor fundamental era o indivíduo. O direito privado tratava de
50
Marilena Chauí, Convite à filosofia, p. 337.
51
Miguel Reale, Visão geral do projeto de Código Civil, p. 23.
52
Regina Vera Villas Bôas Fessel relata que esse sentido individualista do Código Civil de 1916, com
acentuado prestígio à autonomia da vontade individual, decorre da influência que sobre o projeto de Clóvis
Beviláqua teve o Código Civil francês de 1804, o denominado Código de Napoleão Bonaparte, conquanto
também o tenha servido de suporte o Código Civil alemão de 1896, o conhecido BGB, abreviatura de
Bürgerliches Gesetzbuch (Os fatos que antecederam e influenciaram a elaboração do atual projeto de
Código Civil, p. 188). Francisco Amaral, ao reafirmar essa formação, dita que do direito francês herdou as
concepções e a técnica do Código alemão (Historicidade e racionalidade na construção do direito brasileiro,
p. 195). Fábio Ulhoa Coelho ratifica essa influência alemã e acrescenta que o Código Civil de 2002 é
influenciado também pelo Código Civil da Itália de 1942 (Curso de direito civil, v. 1, p. 25).
53
Pronunciamento do Senador Josaphat Marinho, relator-geral (CÓDIGO Civil: Projeto de Lei da Câmara n.
118, de 1984, redação final, p. 22). Destaca o senador, outrossim, as contribuições ofertadas pelos juristas
Miguel Reale e José Carlos Moreira Alves, inclusive com o exame de todas as 360 emendas que o projeto
recebeu no Senado Federal (Ibidem, p. 21).
30
regular, do ponto de vista formal, a atuação dos sujeitos de direito, notadamente o
contratante e o proprietário, os quais, por sua vez, a nada aspiravam senão ao
aniquilamento de todos os privilégios feudais: poder contratar, fazer circular riquezas,
adquirir bens como expansão da própria inteligência e personalidade, sem restrições ou
entraves legais. Eis aí a filosofia do século XIX, que marcou a elaboração do tecido
normativo consubstanciado no Código Civil.”
54
(destacamos).
Esse princípio da socialização, sentido social ou socialidade que reina no Código
Civil de 2002 não se confunde com os princípios socialistas (socialismo) ou comunistas,
em suas acepções político-sociais
55
, mas sim com a concepção comunitária, que envolve os
interesses da sociedade
56
. Em decorrência dele, a interpretação dos contratos com fulcro
em sua função social e o uso da propriedade imóvel consoante a função social da
propriedade.
Em aula inaugural proferida no dia 6 de fevereiro de 1961 na Universidade de
Nápoles, Michele Giorgianni, Professor Emérito da Universidade de Roma, ao discorrer
sobre a publicização e socialização do direito privado, já alertava: “Esta socialização como
foi precisamente advertido, não implica qualquer recepção das idéias expressas pelo
socialismo econômico e político.”
57
Com efeito, sob essa ótica, ao interpretar um fato jurídico em sentido amplo, na
colidência do interesse individual de uma das partes com o da coletividade comunidade
na qual o próprio interessado interage, negocia, vive enfim, realize os atos de sua vida civil
54
Gustavo Tepedino, Temas de direito civil, p. 2.
55
Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira, ao discorrer sobre as características fundamentais do socialismo,
como ideologia político-social, afirma: “Esta palavra vem se prestando, através dos tempos, a muitas
confusões, porque é freqüentemente usada para denominar formas apenas de socialização, o que, em si,
nada tem que ver com socialismo. Este representa, na verdade, um sistema integral que compreende um
conjunto de idéias básicas, oriundas do marxismo, e nele inteiramente baseadas. Não sendo assim, não se
deve falar em socialismo. (...) A expressão socialismo deve ser reservada unicamente à doutrina marxista,
exposta e defendida por Karl Marx, em meados do século passado, e por ele desenvolvida sobretudo na
obra O capital, bem como pelos seus diversos seguidores até nossos dias.” (A doutrina social ao alcance de
todos, p. 26-27).
56
Maria Benedita Lima Della Torre disserta: “Vivendo em sociedade, o homem, que ao nascer possui apenas
a natureza biopsíquica, adquire a natureza social, formando e desenvolvendo sua personalidade. Além
disso, o homem cria cultura e, através desta, satisfaz suas necessidades e adapta-se ao meio ou adapta o
meio a si, modificando-o. (...) Vivendo em sociedade, por sua própria natureza, o homem está em
permanente interação com seu semelhante, estabelecendo relações sociais, adquirindo consciência grupal,
criando cultura. Tudo isso resulta da convivência social, caracterizada por interações mentais e conscientes
entre os indivíduos.” (O homem e a sociedade: uma introdução à sociologia, p. 44-45).
57
Michele Giorgianni, O direito privado e as suas atuais fronteiras, p. 49, nota 45.
31
e comercial esses é que merecem prosperar, em prejuízo do particular e privado; essa
nova técnica interpretativa é um paradoxo com a do Código Civil de 1916, ante o império
do sentido individualista.
58
Aliás, de há muito doutrinava Carlos Maximiliano: “O julgador hodierno
preocupa-se com o bem e o mal resultantes do seu veredictum. Se é certo que o juiz deve
buscar o verdadeiro sentido e alcance do texto; todavia, este alcance e aquele sentido não
podem estar em desacordo com o fim colimado pela legislação o bem social. (...) A
própria evolução desta ciência realiza-se no sentido de fazer prevalecer o interesse
coletivo, embora timbre a magistratura em o conciliar com o indivíduo.”
59
O terceiro princípio anotado é o da operabilidade (operacionalização), traduzido
por Francisco Amaral como “a preocupação com a realização do direito mediante a
atividade profissional dos juízes e advogados, e considera as normas jurídicas como
estruturas abertas, que permitem uma interpretação construtiva do jurista, na sua tarefa de
criação da norma adequada ao caso concreto.”
60
Miguel Reale esclarece que a intenção fora normatizar o direito civil, aclarando as
contradições e dúvidas existentes, para facilitar sua interpretação e aplicação pelo operador
do direito, exemplificando os institutos da prescrição e da decadência, “tendo sido
baldados os esforços no sentido de verificar quais eram os casos de uma ou de outra, com
graves conseqüências de ordem prática”.
61
O fito primordial desse princípio é a praticidade, tornar a norma legal exeqüível
com maior facilidade possível, desmistificando os institutos jurídicos a ela afeitos,
evitando interpretações assimétricas e paradoxais, nada obstante as imprescindíveis
interpretações doutrinárias e jurisprudenciais para a eficácia prática de seus dispositivos
legais.
58
Francisco Amaral, Historicidade e racionalidade na construção do direito brasileiro, p. 209.
59
Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, p. 157-158.
60
Francisco Amaral, ob. cit., p. 209.
61
Miguel Reale, Visão geral do novo Código Civil, p. 14.
32
Outro expediente aplicado na elaboração do Código Civil de 2002 são as
chamadas cláusulas gerais ou abertas, que permitem uma maleabilidade interpretativa
fundamentada ao profissional do direito, justamente aquele que procura, diante da situação
fática concreta, consoante argumentos, provas e sensibilidade aferidos, solucionar o
conflito de interesses que reina entre os contratantes, negociantes, vizinhos, familiares, ou
seja, entre as partes interessadas no desiderato da questão jurídica, com o devido
fundamento de sua interpretação.
No que se refere a essas cláusulas gerais, merece destaque a lição de Clóvis do
Couto e Silva relator do Livro de Direito de Família , nas quais está contido “um
convite para uma atividade judicial mais criadora, destinada a complementar o corpus juris
vigente com novos princípios e normas. O juiz é, também, um legislador para o caso
concreto. E, nesse sentido, o Código Civil adquire progressivamente maiores dimensões do
que os códigos que têm a pretensão, sempre impossível de ser atingida, de encerrar em sua
disposição o universo do Direito”.
62
Em trabalho acadêmico específico sobre essas cláusulas na Lei Civil vigente
63
,
Judith Martins-Costa destaca: “As cláusulas gerais, mais do que um caso da teoria do
direito pois revolucionam a tradicional teoria das fontes , constituem as janelas, pontes e
avenidas dos modernos códigos civis. Isto porque conformam o meio legislativamente
hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de princípios
valorativos, ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta,
arquétipos exemplares de comportamento, de deveres de conduta não previstos
legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos, também não advindos da autonomia
privada), de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego jurídico, de
diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes de universos
metajurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente ressistematização no
ordenamento positivo.”
64
62
Clóvis do Couto e Silva, O direito civil brasileiro em perspectiva histórica e visão de futuro, p. 17.
63
Por coerência acadêmica, não se olvida a posição de Gustavo Tepedino que, ao posicionar-se contra a
promulgação do Projeto do Código Civil de 2002, refuta a acolhida dessas cláusulas gerais pelo legislador
civil, o que tipifica um retrocesso (Temas de direito civil, p. 441), nada obstante a existência de inúmeros
pronunciamentos de civilistas de igual competência doutrinária, supra arrolados.
64
Judith Martins-Costa, O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no projeto
do Código Civil brasileiro, p. 26-27.
33
Pronunciando-se sobre a acolhida dessas cláusulas pelo legislador de 2002,
interligadas com a operabilidade principiológica, que também denomina de princípio da
concretitude ou concretude, Francisco Amaral pontifica que essa “opção metodológica,
resulta conceder-se larga margem de criação ao intérprete para, por meio de princípios,
cláusulas gerais, usos do lugar, costumes etc., criar a norma jurídica adequada ao caso
concreto, lastreado em sólido embasamento doutrinário, pois doutrina e prática se
influenciam e enriquecem reciprocamente”.
65
Dentre outros dispositivos, Miguel Reale apresenta o artigo 575, parágrafo único
como exemplificação de cláusula geral no Código Civil de 2002, o qual assim disciplina:
“Se o aluguel arbitrado for manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo, mas tendo
sempre em conta o seu caráter de penalidade.”
66
Ética, socialização e praticidade (operacionalização) da norma posta, em síntese,
são os princípios que fundamentam o Código Civil de 2002, com os quais as denominadas
cláusulas gerais hão de encontrar ressonância e efetiva aplicação pragmática.
Aliás, Rodrigo da Cunha Pereira relaciona sete princípios, constitucionais e
gerais, que haverão de direcionar a hermenêutica para a justa e ética organização jurídica
da família contemporânea, os quais, com efeito, refletem no contexto do Código Civil de
2002, norma infraconstitucional geral que regra o relacionamento familiar; enfatiza a
dignidade da pessoa humana como primeiro e principal desses princípios, denominando-o
de macroprincípio, e prossegue, enaltecendo a essencialidade deles, cuja “(...) ausência de
qualquer deles certamente provocaria injustiça. São eles: princípio da monogamia (4.2, na
verdade um princípio jurídico organizador), do melhor interesse da criança/adolescente
(4.3), da igualdade e respeito às diferenças (4.4), da autonomia e da menor intervenção
estatal (4.5), da pluralidade de formas de família (4.6) e da afetividade (4.7)”.
67
65
Francisco Amaral, Direito civil: introdução, p. 101. Seguindo o mesmo parâmetro, Eros Roberto Grau
sustenta que “o sistema jurídico deve ser concebido como um sistema aberto, uma ordem axiológica de
princípios gerais de direito, entendidos esses princípios não como resultantes de abstrações, senão como
construções sociais que se manifestam diversamente, em cada direito concretamente tomado” (O direito
posto, o direito pressuposto e a doutrina efetiva do direito, p. 40).
66
Miguel Reale, Visão geral do novo Código Civil, p. 14.
67
Rodrigo da Cunha Pereira, Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família,
p. 67.
34
Decerto a plenitude de todos esses discorridos e mencionados princípios em
determinados textos da Lei Civil desnaturalizou-se ou deles se descurou o legislador ao
positivá-los, o que não descaracteriza suas pontificações como vetores e metas quando da
elaboração do anteprojeto e, até mesmo, do projeto de lei, porquanto, como é cediço, a
obra humana está sujeita a imperfeições, por mais que se objetive aperfeiçoá-la.
O tempo encarregar-se-á de demonstrar as mudanças, alterações e complementos
necessários para esse aperfeiçoamento, com novas redações e derrogações de textos do
novo Código, depois de acuradas e precisas interpretações e estudos sistemáticos dos
respectivos dispositivos, visando a aplicação efetiva dos sobreditos princípios
fundamentais e norteadores para a construção adequada da legislação civil, até porque a
própria dinâmica social exigirá essa cadeia revisora e atualizadora, certamente incessante;
aliás, ressalta Orlando Gomes: “Se as condições extrínsecas da vida não são estáticas, a
razão humana não pode descobrir uma lei que seja a medida de todas as cousas, diante da
qual todos os povos, em todos os tempos, padronizassem seu direito”
68
. Por isso, a
imprescindível atualização dos textos jurídicos, como também a revisão dos critérios e
métodos hermenêuticos, consentâneos com o momento histórico de sua efetiva aplicação.
1.3 Inovações pertinentes
A Codificação Civil de 2002 trouxe várias transformações ao mundo jurídico, seja
para readequar institutos do direito civil, seja para os atualizar em face da mutação social,
ou mesmo para os realinhar com o entendimento jurisprudencial dominante. De toda sorte,
fez mister a adaptação dos institutos jurídicos aos sistemas social e jurídico vigentes, até
porque, como esclarece Ênio Santarelli Zuliani: “O Código Civil foi envelhecendo e, por
descuido, foi se esquecendo dos fatos sociais emergentes e dignos de inscrição em seu
propósito de bem regulamentar a vida privada, um erro que criou um descompasso ou
abismo entre a regra escrita e a realidade. A sociedade, surpreendida pelas tendências
comportamentais, passou a depender da adaptação da ordem jurídica pelos juízes e juristas
formadores de jurisprudência para a defesa de seus direitos. Os que exercem ou exerceram
tal função conquistaram merecida notoriedade.”
69
68
Orlando Gomes, Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro, p. 97.
69
Ênio Santarelli Zuliani, Reflexões sobre o novo Código Civil, p. 97.
35
Eduardo de Oliveira Leite, ao apresentar sua obra, afirma: “Dúvida não há de que
o novo Código Civil que agora surge é legítimo e revela-se obra válida, porque sem anular
o saber acumulado, sem desconsiderar o que há de mais autêntico na alma brasileira,
projeta as expectativas e propostas da sociedade nacional nos novos tempos; se mais não
fez é porque o ambiente ainda não estava suficientemente maduro para alterações mais
radicais e porque, evidentemente, não havia o consenso em matérias que ainda geram
perplexidade, dúvidas e vacilações (...).”
70
Ressalta Eros Roberto Grau que o legislador, ao positivar o texto jurídico, não o
faz de modo livre e desvinculado, “porque o Direito, no seu momento de pressuposição, é
um produto histórico-cultural que condiciona a formulação do direito posto”
71
, o que
resulta na ilação de que o legislador cumpre a vontade popular, vontade da sociedade
organizada naquele momento histórico, da qual ele é o legítimo mandatário para essa
finalidade; destarte, embutido em todo direito positivado existem pressupostos histórico-
culturais inerentes à comunidade que haverá de cumprir o texto normatizado.
Há que se ressaltar, contudo, que fundadas e fundamentadas opiniões foram
externadas por renomados e juristas de escol, criticando a promulgação desse novo Código
Civil, quando indicavam, como coerente, a atualização da Lei de 1916, derrogando-se os
textos desatualizados, remoçando-os com a atualidade social, produzindo uma nova e
necessária roupagem nos dispositivos do século passado. Todavia, com a vigência da Lei n.
10.406/2002, essa discussão perdeu o seu significado pragmático, pois o texto está posto e
em pleno vigor desde janeiro de 2003 , cabendo ao profissional do direito, agora, apenas
e tão-somente, interpretá-lo e aplicá-lo de modo coeso e consentâneo com o contexto social
hodierno.
72
70
Eduardo de Oliveira Leite, Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 5.
71
Eros Roberto Grau, O direito posto, o direito pressuposto e a doutrina efetiva do direito, p. 37.
72
Rodrigo da Cunha Pereira comenta que: “Independentemente de se considerar o Código Civil de 2002 bom
ou ruim, avançado ou ultrapassado, é ele o estatuto jurídico que regerá as relações civis deste século. De
qualquer forma, várias alterações estão sendo providenciadas para que ele se aproxime um pouco mais do
desejável para uma legislação, especialmente na parte referente à família. Entretanto, por mais que se
aproxime do desejável, ele jamais será uma fonte satisfatória do direito. Ele só se aproximará do ideal de
justiça se estiver em consonância com uma hermenêutica constitucional e de acordo com os princípios
gerais do Direito e também com os princípios específicos e particulares do Direito de Família, que, com
este trabalho pretendemos defender.” (Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica
da família, p. 15-16).
36
Posto, acabado e em vigência o novel Código, a Lei de Introdução ao Código
Civil brasileiro
73
, no entanto, permanece a mesma que regia o Código Civil de 1916, ou
seja, o Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942
74
. Entretanto, tramita no Senado
Federal o Projeto de Lei n. 243, de 2002, apresentado pelo Senador Moreira Mendes,
composto de quarenta e quatro artigos, com expressa revogação da atual, em seu último
dispositivo, mantendo a nomenclatura de “’Lei de Introdução ao Código Civil’, a qual, por
quase toda a doutrina, mostra-se equivocada.
75
Com intuito meramente elucidativo, far-se-á ligeiro vôo panorâmico sobre a nova
Lei, destacando, em alguns momentos, alterações ou inovações que despertem maior
atenção e relevância, estrutural, didática ou institucional, sem qualquer pretensão de
esgotar a matéria, mas sim com a só descrição do ocorrido, até porque deixa de ser o cerne
do trabalho aqui proposto. Ao sobrevoar o direito de família, no entanto, ter-se-á uma
atenção e cuidados no enfoque das pertinentes modificações, pois, aí sim, haverá direta e
estreita vinculação com o temário; nesse momento, portanto, imprescindíveis serão alguns
pousos contemplativos, tanto que se abrirá tópico próprio e exclusivo para esses discursos.
1.3.1 Partes geral e especial
Em topografia vestibular, permanece a divisão do Código Civil de 2002 em duas
partes: a Geral e a Especial, estrutura baseada na Lei alemã (BGB).
76
A Parte Geral, cujo relator foi o Ministro José Carlos Moreira Alves, está dividida
em três Livros: Pessoas, Bens e Fatos Jurídicos.
77
No seu Livro I, é adotada a designação
73
Segundo Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho, a base histórica para a elaboração de uma Lei de
Introdução é o direito civil alemão, o BGB tem uma lei introdutória, que com ele entrou em vigor e o
acompanha (A Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro: comentada na ordem dos seus artigos, v. 1, p.
5).
74
Com a vigência desse Decreto-Lei, foi revogada a Introdução ao Código Civil de 1916.
75
Cristiano Tessinari Modesto; J. R. Rezende; Mônica Muniz Manhães, Breve análise do projeto de lei do
Senado n. 243, de 2002: uma nova Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, p. 9.
76
Enaltece Ricardo Rodrigues Gama a mantença da Parte Geral no Código Civil de 2002, ao contrário do que
fez o legislador italiano, “(...) pois o tratamento da matéria civil sem a Parte Geral dificultaria a idéia de
conjunto, de corpo de leis que são reunidas pelas suas afinidades” (Algumas considerações sobre o novo
Código Civil brasileiro, p. 22).
77
Sílvio Rodrigues, ao referendar a mantença da Parte Geral, acrescenta que “entre os muitos e merecidos
elogios cabíveis ao trabalho do Ministro Moreira Alves, não se pode esconder o relativo à redação, pois
cada vez que pôde manter o texto original do Código Civil, esse ilustre jurista o fez” (Considerações sobre
direito civil (julho do ano 2000), p. 534).
37
pessoa em substituição ao termo homem, enquanto a capacidade civil plena, agora, é
alcançada aos dezoito anos de idade, admitindo-se a morte presumida, mesmo sem
decretação de ausência. Os direitos da personalidade estão positivados entre os artigos 11 e
21, distinguindo-se da capacidade civil. Por fim, o instituto da ausência está inserto nessa
Parte do Código, enquanto no anterior era estudado no Livro de Família, juntamente com a
tutela e a curatela, no direito assistencial ou protetivo.
Na Parte Especial, o primeiro enfoque está desatado do ponto jurídico-
institucional, pois se concentra no aspecto eminentemente topográfico do Código Civil de
2002 ,em contraste com a Lei Civil revogada, uma vez que é inaugurada com o Direito das
Obrigações (aspectos gerais, contratos específicos e responsabilidade civil), seguida do
Direito de Empresa inédita inserção no Código Civil , Direito das Coisas, Direito de
Família e das Sucessões, que a encerra. Como epílogo, há o Livro Complementar, com as
Disposições Finais e Transitórias. A legislação de 1916 descortinava sua Parte Especial
com o direito familiar, findando-a com o mesmo direito sucessório.
78
Há uma inversão topológica entre os institutos jurídicos, na Parte Especial, em
cada qual dos Códigos, e o em vigência persegue as trilhas didáticas do estudo do direito
civil, haja vista que de há muito os conteúdos programáticos das universidades de ciências
jurídicas, nessa matéria, são redigidos e ministrados consoante essas diretrizes: Parte Geral,
Direito das Obrigações, Responsabilidade Civil, Contratos, Direito das Coisas, Família e
Sucessões. Nesse aspecto, o Código Civil de 2002 é coerente com a didática acadêmica.
79
O texto do Direito das Obrigações (Livro I) é de autoria de Agostinho de Arruda
Alvim, cujo equilíbrio econômico entre as partes contratantes é primordial, com a
possibilidade legal de revisão judicial das obrigações legalmente pactuadas, em caso de
78
Segundo Ricardo Fiuza: “A estrutura organizacional do Código Civil de 1916, concebido para uma
sociedade eminentemente agrária e consequentemente patriarcal, tem início com o Livro dedicado ao
direito de família, prosseguindo com o direito de propriedade, para só posteriormente tratar de obrigações e
contratos, até findar com o direito das sucessões.” (Novo Código Civil: estrutura do projeto e etapas de
elaboração, p. 1).
79
Prossegue o relator Ricardo Fiuza, explicando o porquê dessa alteração topográfica: “O projeto ora em
exame, nascido no bojo de pujante intensificação da atividade econômica, decorrente da urbanização da
sociedade, do progresso tecnológico, e tendo como conseqüência o agigantamento das relações de
consumo, o que torna a disciplina dos direitos creditórios cada vez mais relevante, reflete tais mudanças já
em sua estrutura.” (Novo Código Civil: estrutura do projeto e etapas de elaboração, p. 1).
38
onerosidade excessiva
80
de uma das partes negociantes; com isso, “combate-se a
desproporção e busca-se o equilíbrio jurídico das relações contratuais”
81
. É a cláusula
rebus sic stantibus ocupando efetivo espaço jurídico no direito positivo brasileiro, essência
da aplicação do princípio da eticidade já referido.
82
Paradigma na liberdade de contratar e na interpretação dos contratos, surge agora
a função social do contrato, decorrente do princípio da socialização acima discorrido, com
expressa menção legislativa à obrigatória observância aos princípios de probidade e boa-
(art. 422 do CC de 2002), tanto em fase compromissória, como na contratação e execução
do que se pactuou.
Outro ponto de relevo é o acréscimo de causas que acolhem a responsabilidade
civil objetiva, malgrado a subjetiva ser a regra de observância. Nesse tópico, encômios
merece o legislador civilista, ao estabelecer título próprio e específico para a
responsabilidade civil.
No Livro II, a grande novidade é a própria inserção do Direito de Empresa,
matéria comercial em sua essência, no bojo do Código Civil de 2002. Essa inclusão
ocorreu com consciência, sem qualquer descuido legislativo, pois o Código Comercial (Lei
n. 556/1850) foi expressamente revogado em sua primeira parte, nos ditames do artigo
2.045. O relatório esteve a cargo de Sylvio Marcondes.
83
80
Ensina Miguel Reale: “A teoria da revisão dos contratos em virtude de superveniente onerosidade
excessiva foi proclamada pelo Código Civil da Itália de 1942, em seus artigos 1.467 e 1.468, e daí se
estendeu a todas as nações que põem as exigências da justiça concreta acima de ajustes de longa duração,
que graves fatos imprevisíveis tornaram sumamente onerosos para uma das partes.” (Estudos preliminares
do Código Civil, p. 68).
81
Roberto Senise Lisboa, Manual elementar de direito civil, v. 3, p. 71.
82
Miguel Reale, Visão geral do projeto de Código Civil, p. 29.
83
Aliás, Sílvio de Salvo Venosa enaltece a unificação das obrigações civis e comerciais, para quem inexiste
razão ontológica para a diferenciação entre elas. E fundamenta: “Tanto no Direito Civil, como no Direito
Comercial, a estrutura básica é a mesma, a que nos chegou do Direito Romano. É nesse campo que se
realiza mais facilmente a unificação do Direito Civil e do Direito Comercial, tendo diversos países
elaborado uma legislação única sobre a matéria, como é o caso da Suíça, que apresenta um Código de
Obrigações destacado do Código Civil.” (Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos
contratos, v. 2, p. 32).
39
Relatado por Ebert Vianna Chamoun, o Livro III compreende o Direito das
Coisas, no qual se abriga a função social da propriedade, em consonância com a
determinação constitucional (arts. 5º, XXIII e 170, III da CF).
84
O Livro de Direito de Família, que é o quarto, teve como redator do anteprojeto
Clóvis do Couto e Silva, cuja análise panorâmica, como acima mencionado, far-se-á no
próximo tópico, em apartado, em face de sua intrínseca relação com o tema central deste
trabalho.
Como capítulo final da Parte Especial do Código Civil de 2002, tal qual no de
1916, está o Direito das Sucessões, numerado como Livro V, cuja redação inicial do
anteprojeto coube a Torquato Castro.
Esse ramo do Código Civil de 1916 decerto terá sobrevida e, por muitos e muitos
anos, será o direito sucessório hereditário, porquanto é a data do óbito que indica qual a
legislação a ser aplicada. Destarte, toda e qualquer morte verificada na vigência do Código
Civil anterior à sucessão de seu patrimônio será regida pelas normas nele contidas; para os
falecimentos ocorridos depois de vigente o Código Civil de 2002, a herança será partilhada
consoante as disciplinas neste contidas
85
. Isso está expresso no artigo 1.787 do Códex
vigente: “Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura
daquela.”
86
Em consonância a essa determinação está o artigo 2.041 do Código Civil de 2002,
que dita: “As disposições deste Código relativas à ordem de vocação hereditária (arts.
84
Ao destacar esse princípio, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka explica e exemplifica, ao final, o
seguinte: “A função social, enfim, trata ou se refere a essa necessária, urgente e indispensável
harmonização das relações privadas com os fins sociais. Exemplo: a propriedade rural não pode ser tratada
como um bem qualquer (como uma barra de ouro, por exemplo), exatamente porque tem uma função social
a cumprir, obrigatoriamente, que é justamente a sua finalidade de produção de alimentos. Deve produzir,
portanto.” (Destaques do novo Código Civil, p. 1).
85
Francisco José Cahali; Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Curso avançado de direito civil: direito
das sucessões, v. 6, p. 33).
86
Em semelhante teor dispunha o artigo 1.577 do Código Civil de 1916: “A capacidade para suceder é a do
tempo da abertura da sucessão, que se regulará conforme a lei então em vigor.
40
1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o
disposto na lei anterior (Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916).”
87
Algumas novidades trouxe ao mundo jurídico a sucessão hereditária pelo Código
Civil de 2002, todavia a que certamente repercute com intensidade ímpar é a transposição
do cônjuge supérstite, na sucessão legítima, para a condição de herdeiro necessário
88
, ao
lado dos descendentes e ascendentes do de cujus.
89
Afora essa posição de relevo (herdeiro necessário), o cônjuge sobrevivente,
vinculado ao regime de bens do casamento, concorrerá à herança com os descendentes do
falecido, com reserva legal de um quarto da parte da herança, se for ascendente dos
herdeiros com os quais concorre. Com os ascendentes, no entanto, sempre concorrerá, seja
qual for o regime de bens.
O legislador cuidou do aspecto sucessório decorrente da união estável e,
efetivamente, fê-lo; reservou nas “Disposições Gerais” da “Sucessão em Geral”, um,
apenas e tão-somente um artigo, o de número 1.790, para regulamentar a sucessão do
companheiro sobrevivente.
Em seus quatro incisos, esse artigo regula a sucessão do companheiro que, tal qual
o cônjuge, concorrerá com os demais parentes sucessíveis, desde os descendentes,
ascendentes, até o colateral de quarto grau; e, na ausência de parentes em condições de
87
Em comentários a esse dispositivo, Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi assim se expressa: “Esse
artigo, que vai ao encontro do objeto de nosso estudo, refere-se, justamente, ao direito de saisine, aqui
confirmado, onde o novo Código não retroagirá, pois a sucessão já se operou com a morte do autor da
herança, antes da vigência do novo Código. Logo, ainda que suposta partilha venha a se consolidar durante
a vigência deste último, prevalecerá e incidirá a regra do Código anterior, inclusive no que diz respeito à
ordem de vocação hereditária (CC, art. 1.787).” (Aspectos polêmicos na sucessão do cônjuge sobrevivente:
de acordo com a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, p. 52).
88
Carlos Roberto Gonçalves. Principais inovações no Código Civil de 2002: breves comentários, p. 94.
89
Ana Luiza Maia Nevares defende a inclusão do companheiro, por analogia ao cônjuge, na posição de
herdeiro necessário (A tutela sucessória do cônjuge e do companheiro na legalidade constitucional, p.
225). Taxativamente, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery negam tal condição ao
companheiro, afirmando que “nem tem direito à legítima, podendo ser livremente excluído pelo testador na
sucessão testamentária (CC 1845 e 1846)” (Novo Código Civil e legislação extravagante anotados:
atualizado até 15.03.2002, p. 600). Assim também Wilson Júlio Zanluqui: “Diferentemente dos
conviventes, o cônjuge, pelo novo diploma civil, está inserido no rol dos herdeiros necessários, conforme
artigo 1.845. Foi inovação do Código que nunca antes, na legislação pátria, havia deferido o
reconhecimento dele como herdeiro necessário.” (O direito da sucessão entre cônjuges e companheiros no
Código Civil de 2002, p. 431). O Projeto de Lei n. 4.944/2005 pretende retornar à disposição de 1916,
considerando herdeiros necessários os descendentes e ascendentes, tão-somente.
41
suceder, é que terá direito à herança integralmente, como assegura o último dos ditos
incisos. Há uma reserva legal de cota mínima (um terço), sobretudo em concorrência com
parentes que não estejam na linha reta descendente.
90
Na sucessão testamentária, poucas foram as novidades, merecendo menção a
redução do número de testemunhas testamentárias, em todas as espécies de testamentos
que, para Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, é um fator que conduz à
maleabilidade das regras testamentárias, o que incentiva a procura por essa espécie
sucessória
91
; houve a tipificação de novo testamento especial e, ao lado do marítimo e
militar, surgiu o aeronáutico.
No Livro Complementar para as Disposições Finais e Transitórias, ressalte-se,
neste ponto, que a vacatio legis do Código Civil de 2002 foi de um ano e que, ao viger,
expressamente revogou a Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, rotulado de Código Civil,
e a Primeira Parte da Lei n. 556, de 25 de junho de 1850 (Código Comercial),
respectivamente, pelos artigos 2.044 e 2.045.
Em linhas gerais e rápidas tintas, essas são algumas das principais e evidentes
inovações inseridas no Código Civil de 2002, merecedoras de destaque neste trabalho
acadêmico.
1.3.2 Direito de família
O Livro IV da Parte Especial do Código Civil de 2002 contém o direito de
família, cujo texto do anteprojeto, como descrito, fora redigido pelo jurista Clóvis do
Couto e Silva.
90
Zeno Veloso retrata a irresignação que se operou com a sucessão do companheiro sobrevivente:
“Inicialmente, é estranhável a colocação do artigo 1.790 e seus incisos, regulando a sucessão entre
companheiros, no capítulo denominado Disposições Gerais, da sucessão em geral. Numa conclusão que
poderia ter sido do conselheiro Acácio, personagem de Machado de Assis, não devia o artigo 1.790 estar
nas Disposições Gerais porque de disposições gerais não trata. O artigo 1.790 tinha de ficar no capítulo que
regula a ordem da vocação hereditária. Mas este é um problema menor. O artigo 1.790 merece censura e
crítica severa porque é deficiente e falho, em substância. Significa um retrocesso evidente, representa um
verdadeiro equívoco.” (Do direito sucessório dos companheiros, p. 231).
91
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Destaques do novo Código Civil, p. 2.
42
Decerto esse é o ramo do direito civil que sofreu expressivas alterações em face
do Código Civil de 1916, com a inclusão de institutos jurídicos novos e alteração de sua
forma topográfica de apresentar toda a matéria nele tratada.
Dizer, no entanto, que o legislador de 2002 foi inovador, ousado, ou mesmo
heterodoxo é falsear a verdade dos fatos, porquanto, veridicamente, o que se fez foi
adequar a nova Lei Civil, que é norma infraconstitucional, aos ditames, conceitos e
princípios vetores inseridos na Constituição Federal de 1988
92
. Este sim, o legislador
Constituinte de 1988, é que trouxe ao mundo de fato e de direito algumas das mais
importantes e recentes inovações ao direito de família brasileiro, incorporando ao direito
positivo uma gama de mutações e nuanças sociais cotidianas, até então à margem da lei,
por desídia legiferante.
Consoante leciona Francisco Amaral, os atuais princípios fundamentais do direito
de família são “de natureza constitucional, o princípio da igualdade dos cônjuges (CF, art.
226, § 5º) e o da igualdade dos filhos (CF, art. 227, § 6º)”.
93
Ao referendarem a consagração desses princípios constitucionais no Código Civil
de 2002 e acrescentarem a união estável como forma de constituição da entidade familiar,
Euclides Benedito de Oliveira e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka embasam a
posição acima defendida, de que o legislador civil “fez o mínimo e não poderia mesmo
deixar de fazê-lo, por ser de orientação legal hierárquica inferior”.
94
Rodrigo da Cunha Pereira relaciona os princípios jurídicos que, segundo sua ótica,
são fundamentais para a escorreita hermenêutica do direito de família, “(...) sem os quais
não é possível a aplicação de um direito que esteja próximo do ideal de justiça”
95
. São eles:
92
O Deputado Federal Ricardo Fiuza, relator-geral final do projeto de lei que se convolou no Código Civil de
2002, explicita: “Impende considerar que o Código projetado, durante a sua tramitação, recebeu os influxos
mais fecundos da nova ordem constitucional, por evidente, no Direito de Família, onde se revelam as mais
significativas modificações.” (Novo Código Civil: estrutura do projeto e etapas de elaboração, p. 2).
93
Francisco Amaral, Historicidade e racionalidade na construção do direito brasileiro, 208. Miguel Reale.
comenta: “Essa opção constitucional implicou evidentemente reexame das emendas oferecidas por Nélson
Carneiro, de tal maneira que foi feita plena atualização da matéria em consonância com as novas diretrizes
da Carta Magna vigente, também no que se refere à união estável, a nova entidade familiar que surge ao
lado do matrimônio civil, corrigindo-se o erro da legislação em vigor que a confunde com o concubinato.
(Visão geral do projeto de Código Civil, p. 27).
94
Euclides Benedito de Oliveira; Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Do direito de família, p. 5.
95
Rodrigo da Cunha Pereira, Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família,
p. 34.
43
1. princípio da dignidade humana; 2. princípio da monogamia; 3. princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente; 4. princípio da igualdade e respeito às diferenças; 5.
princípio da autonomia e da menor intervenção estatal; 6. princípio da pluralidade de
formas de família; 7. princípio da afetividade. E, conclui: “Em outras palavras, tornou-se
inconcebível construir qualquer doutrina, texto normativo ou jurisprudência para o Direito
de Família sem que estejam contextualizados em uma concepção principiológica. É neste
sentido o objetivo deste trabalho. Assim, enumerados sete princípios, considerados por
nós, norteadores e fundamentais.”
96
Em sua topografia, esse Livro IV está subdividido em quatro títulos, os quais
tratam dos seguintes temários
97
: o primeiro alusivo ao direito pessoal da família, contendo
as normas do casamento celebração, validade e dissolução , de proteção da pessoa dos
filhos e das relações de parentesco. O seguinte contém o direito patrimonial familiar, onde
se encaixam o regime de bens no casamento, o usufruto e administração dos bens de filhos
menores, os alimentos acabando com a controvérsia se esse direito era pessoal ou
patrimonial
98
, ao menos em seara legislativa e, inovando, o bem de família, que na
Codificação de 1916 era tratado na Parte Geral, quando da análise do livro Dos Bens. O
Título III é rotulado por União Estável
99
, todavia, contém apenas e tão-somente cinco
96
Rodrigo da Cunha Pereira, Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família,
p. 138.
97
Eduardo de Oliveira Leite leciona: “A matéria, como se depreende da leitura dos títulos, vem apresentada
de forma mais sistematizada, notando-se um esforço do legislador de melhor operacionalizar a aplicação do
Direito de Família. A grande divisão em matérias pessoais e patrimoniais atende a nova perspectiva
constitucional trabalhada sobre valores existenciais do homem. Em primeiro lugar, o Código regula as
relações pessoais relegando a um segundo plano as relações patrimoniais.” (Direito civil aplicado: direito
de família), v. 5, p. 8).
98
Orlando Gomes há muito apresentava as posições reinantes e sua opinião, lecionando assim: “A natureza
do direito à prestação de alimentos é controvertida. Em três posições fundamentais se colocam os
tratadistas: 1ª) a dos que o consideram ‘direito pessoal extrapatrimonial’; 2ª) a dos que o classificam como
‘direito patrimonial’; 3ª) a dos que lhe atribuem natureza mista, qualificando-o como um direito de
‘conteúdo patrimonial’ e ‘finalidade pessoal’ (...). A despeito dessas particularidades, não se pode negar a
qualidade econômica da ‘prestação’ própria da ‘obrigação alimentar’, pois consiste no pagamento
periódico, de soma de dinheiro ou no fornecimento de víveres, cura e roupas. Apresenta-se,
conseqüentemente, como uma relação patrimonial de crédito-débito; há um credor que pode exigir de
determinado devedor uma prestação econômica. A patrimonialidade do direito a alimentos é, desse modo,
incontestável.” (Direito de família, p. 435-436).
99
Rodrigo da Cunha Pereira afirma: “A inserção do título ‘União Estável’ no Livro de Família do novo
Código Civil brasileiro talvez tenha sido a grande mudança feita neste novo diploma legal.” (Da união
estável, p. 207). Euclides Benedito de Oliveira, contudo, obtempera a “impropriedade em destacar como
título a união estável, quando deveria ser um dos subtítulos do ‘Direito Pessoal’, pois que forma acrescida
de constituição da entidade familiar, em parelha ao casamento. Talvez explique (embora não justifique)
esse tratamento diferenciado o fato de a união estável não constar do projeto original, só vindo a merecer
acolhida no Novo Código a partir das reformas aprovadas no Senado Federal, quando se deu sua alocação
na parte final do texto anteriormente elaborado.” (União estável: do concubinato ao casamento: antes e
depois do novo Código Civil, p. 102 destaque no original).
44
artigos (arts. 1.723 ao 1.727)
100
para tratar dos requisitos e efeitos dessa união familiar;
todavia, não deixa de ser uma originalidade no Código Civil, pois no de 1916 esse temário
era desconjurado! No último, estão encartadas a tutela e a curatela, sob o Título IV,
relacionado ao direito protetivo ou assistencial.
101
No casamento, consagrando o princípio constitucional da igualdade dos cônjuges,
houve alteração da idade núbil, que, tanto para o homem, como para a mulher, é alcançada
aos dezesseis anos. Disso decorreu o uso do patronímico, que a qualquer dos cônjuges
(marido e mulher) está facultado assumir o do outro.
102
Quanto aos impedimentos matrimoniais, que eram qualificados em absolutamente
dirimentes ou públicos cujo casamento seria nulo , relativamente dirimentes ou privados
casamento anulável e proibitivos ou impedientes obrigatório o regime de separação
de bens , agora, impedimentos propriamente ditos são apenas os primeiros, ou seja,
dirimentes absolutos, pois os então demais impedimentos são disciplinados,
respectivamente, como incapacidade nupcial e causas suspensivas do matrimônio.
Com repercussão na seara processual, o Código Civil de 2002 também inovou,
visto que, ao ser banido do sistema jurídico o artigo 222 do Código Civil de 1916, a figura
do curador do vínculo nas ações de nulidade e de anulação de casamento deixou de ter
existência; destarte, necessidade inexiste para a nomeação desse defensor nessas ações
anulatórias, as quais, ainda pela nova redação empreendida ao artigo 475 do Código de
Processo Civil, decorrente da Lei n. 10.352/2001, perdera o chamado recurso de ofício, ou
seja, o necessário e obrigatório reexame da decisão monocrática.
100
O Projeto de Lei n. 6.960 de 2002 estabelece outras redações para variados aspectos dos artigos 1.723,
1.725, 1.726 e 1.727; portanto, mantém intacto apenas o artigo 1.724 do Código Civil vigente.
101
Como anotado anteriormente, o instituto da ausência, que no Código Civil de 1916 estava no direito
protetivo junto com a tutela e a curatela, na atual legislação está na Parte Geral, no Livro Das Pessoas.
102
É novidade no sistema jurídico brasileiro, porquanto, antes disso, a mulher é que assumia,
compulsoriamente, ou não, o patronímico do seu marido, pois o Código Civil de 1916, em sua redação
primária, dispunha: “A mulher assume, pelo casamento, com os apelidos do marido, a condição de sua
companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família”. Essa descrição perdurou até 1962, quando foi
editado o Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121) e, depois, em 1977, com a Lei do Divórcio (Lei n.
6.515), quando, como relata Antonio Carlos Marcato, “(...) mais uma vez alterou o mencionado artigo,
acrescentando-lhe um parágrafo que tornou ‘facultativo’ o acréscimo, pela mulher, dos apelidos de família
do marido” (O nome da mulher casada, p. 160). Antes dessa codificação, o Decreto n. 181/1890 dispunha
“(...) em seu artigo 56, parágrafo 4º que dentre os efeitos do casamento estava o de conferir à mulher o
direito de usar do nome de família do marido” (Ibidem, p. 159).
45
As causas de término e dissolução do matrimônio estão embutidas nesse Título, e
são: a morte de um dos cônjuges; a nulidade e anulação do casamento; a separação judicial
e o divórcio. Pede-se vênia para apreciá-las em outro capítulo deste trabalho, para elas
exclusivo, igualmente quanto a aspectos pessoais e patrimoniais do próprio
matrimônio, uma vez que mantêm intrínseca relação com o tema central deste trabalho,
sugerindo um pouso e um repouso na viagem pelo Código Civil de 2002.
Nas relações de parentesco, impera outro princípio constitucional noticiado, qual
seja, da plena igualdade entre os filhos, nada importando a origem dessa filiação
vinculada ou não a um casamento válido. Inédita é a presunção de paternidade decorrente
de procriação assistida, inclusive post mortem.
O grau de parentesco, na linha colateral ou transversal, foi reduzido ao quarto
grau, o equiparando ao limite hereditário contido na linha sucessória legítima colateral.
A adoção suportou inúmeras modificações, as quais demandariam um estudo
monográfico exclusivo; destaque-se, contudo, que o procedimento para se adotar uma
criança, um adolescente ou uma pessoa adulta são idênticos, ou seja, será sempre judicial e
regrado com as diretrizes genéricas contidas no Código Civil de 2002. Ineficaz, assim, será
a adoção por escritura pública lavrada na vigência desta novel legislação.
Pai e mãe são detentores, agora, do poder familiar
103
sobre as pessoas de seus
filhos menores de dezoito anos de idade; a instituição pátrio poder do Código Civil de
1916 é rotulada, a partir de 2002, como poder familiar, por expressa sugestão de Miguel
Reale.
104
No que se refere ao regime de bens no casamento, seu eminente aspecto
patrimonial, desapareceu do mundo jurídico o regime dotal, surgindo outro, afora os
demais que permaneceram, que é o da participação final nos aqüestos. A relevância maior,
103
Paulo Luiz Netto Lôbo afirma que a expressão poder familiar é mais apropriada que pátrio poder, mas,
“ainda não é a mais adequada, porque mantém a ênfase no poder. (...) ressalte-se que as legislações
estrangeiras mais recentes optaram por autoridade parental.” (Do poder familiar, p. 141-142). Para
Eduardo de Oliveira Leite, a expressão haveria de ser poder parental, pois se trata de poder dos pais, não da
família (Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 277).
104
Miguel Reale, Visão geral do novo Código Civil, p. 16.
46
no entanto, fica centrada na possibilidade legítima que os cônjuges possuem de alterar o
regime matrimonial; instituiu-se a mutabilidade do regime de bens no casamento,
consoante requisitos e procedimentos dispostos na Lei Civil (art. 1.639, § 2º do
CC/2002).
105
Quanto aos alimentos, afora a sua capitulação entre os direitos patrimoniais da
relação familiar, o Código Civil de 2002 os apresenta de forma genérica, no mesmo
capítulo, independente de sua origem, com a mesma disciplina; originado o relacionamento
do parentesco, do matrimônio ou da união estável, o direito e a obrigação alimentícia
possuem as mesmas características, requisitos e efeitos legais.
Sobre essa impensada unificação, Francisco José Cahali fundamenta sua decepção
ao que está positivado: “Esta modificação estrutural, sem dúvida, repercute na
interpretação das regras e princípios sobre a matéria, indicando venha a prevalecer o
tratamento estritamente idêntico da pensão, independentemente da origem da obrigação.
Daí, como se verá, restabelece entre os cônjuges a invalidade da renúncia à pensão e
estende aos alimentos decorrentes do parentesco a transmissibilidade da obrigação
alimentar.”
106
Yussef Said Cahali, ao discorrer sobre a transmissão do dever alimentar, leciona
que, em face das contradições desconfortáveis que existiam nas normas legais vigentes,
“era de se esperar que, na elaboração do novo Código Civil, a matéria viesse a ser
estruturada de maneira clara e definitiva. Mas isto acabou não acontecendo, devido, em
parte, à demorada tramitação do projeto, expondo-o no seu curso a diversas modificações
do sistema do direito brasileiro através de farta legislação extravagante”.
107
Outro instituto patrimonial é o bem de família, cuja incorporação ao Livro de
Família, como acima escrito, é novidade no Código Civil de 2002, visto que era
disciplinado na Parte Geral. Podem ser seus objetos os bens imóveis ou valores
mobiliários, cuja instituição é facultada aos cônjuges em prol de sua família, como a
terceira pessoa. Ao felicitar sua disciplina na novel legislação, seguindo o Código Civil
105
Não se pode descurar do disposto no artigo 2.039 do Código Civil de 2002: “O regime de bens nos
casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele
estabelecido”, cuja interpretação doutrinária e jurisprudencial é de suma importância.
106
Francisco José Cahali, Dos alimentos, p. 182.
107
Yussef Said Cahali, Dos alimentos, p. 93.
47
italiano, Álvaro Villaça Azevedo afirma que essa instituição por terceiro é sua grande
novidade.
108
A união estável rotula o Título III do Livro de Família no Código Civil de 2002 e,
como narrado, sua tipificação, ainda que tímida, é inédita na codificação brasileira, pois o
Código Civil de 1916 era desprovido de qualquer menção a direitos e obrigações fundados
em relacionamentos extramatrimoniais.
Ao discorrer sobre a união estável no Código Civil de 2002, Francisco José Cahali
patenteia que “a expressiva modificação, talvez até desconhecida pelo relator quando
introduzido o texto, consiste em ter sido adotado, como regra para o efeito patrimonial da
relação, o regime da comunhão parcial de bens”.
109
Registre-se que leis especiais trataram dessa matéria, especificamente a Lei n.
8.971, de 29 de dezembro de 1994, regulando os direitos alimentares e sucessórios entre os
companheiros, e Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996, regulamentando o artigo 226,
parágrafo 3º da Constituição Federal, o qual reconhece a união estável entre um homem e
uma mulher como entidade familiar.
Há controvérsias sobre a derrogação ou ab-rogação dessas normas pela Lei Civil
de 2002
110
, em cujo mérito dessas divergências não se adentrará, porque se desviaria do
108
Álvaro Villaça Azevedo, Do bem de família, p. 198 e 200.
109
Francisco José Cahali, Contrato de convivência na união estável, p. 280.
110
Euclides Benedito de Oliveira, ao comentar o artigo 226 da Constituição Federal, relata que, em seu
cumprimento, editaram-se as leis especiais acima mencionadas, as quais, segundo seu entender, estão
revogadas, “em face da inclusão da matéria no âmbito do Novo Código Civil, que lhe dedica o Título III do
Livro IV, artigos 1.723 a 1.727, e disposições esparsas em outros capítulos quanto a certos efeitos, como
nos casos de obrigação alimentar (art. 1.694) e do direito sucessório do companheiro (art. 1.790)” (União
estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo Código Civil, p. 101-102 destacado no
original). Em posição contrária, afirmando vigência, está o estudo de Ana Luiza Maia Nevares, que assim
justifica: “Vale mencionar, ainda, o enunciado n. 117, proposto pela autora do presente livro juntamente
com os professores Gustavo Tepedino e Guilherme Calmon Nogueira Gama, aprovado na Jornada de
Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de
11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do Superior Tribunal
de Justiça, que contém a seguinte redação: Enunciado n. 117 Artigo 1.831: o direito real de habitação
deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9.278/96, seja em
razão da interpretação analógica do artigo 1.831, informado pelo artigo 6º, caput da Constituição Federal de
1988.” (A tutela sucessória do cônjuge e do companheiro na legalidade constitucional, p. 177). Aliás, o
Projeto de Lei n. 4.944/2005 pretende estender o direito real de habitação aos companheiros. Pela
derrogação (revogação parcial) das ditas leis especiais pronuncia-se Maria Helena Marques Braceiro
Daneluzzi, mormente no que tange ao direito sucessório (Aspectos polêmicos na sucessão do cônjuge
sobrevivente: de acordo com a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, p. 164), no que é secundada por
Miguel Reale (Cônjuges e companheiros, p. 2). O Projeto de Lei n. 6.960 de 2002, ao empreender nova
redação ao artigo 2.045 do Código Civil vigente, revoga expressamente as Leis ns. 8.971/94 e 9.278/96.
48
foco central da proposta inicial; entretanto, é imperiosa a descrição conclusiva de
Francisco José Cahali: “Por fim, promovida a leitura do título dedicado à união estável,
merece registro nossa convicção de que, pelas modificações propostas, melhor seria o
silêncio do Código a respeito da união estável, deixando íntegra a moderna legislação
existente, já em fase de sedimentação de sua exegese, do que a inserção de novas regras
conflitantes, em parte, com as anteriores, gerando a desgastante incerteza social a respeito
dos efeitos jurídicos da relação e da subsistência ou não das leis em vigor.”
111
O codificador de 2002 efetivamente foi tímido ao disciplinar a união estável, pois
destinou só cinco artigos para tratar dos requisitos e efeitos dessa entidade familiar, o que é
pouco, uma vez que todos os aspectos pessoais e patrimoniais dessa união estão aí
inseridos, salvante o direito sucessório hereditário, embutido em seara específica, como se
verá
112
. Decerto, mais ortodoxo e menos causador de conflitos, poderia ter acolhido em seu
texto os teores das sobreditas leis especiais, atualizando-as e lapidando-as consoante os
entendimentos jurisprudenciais e doutrinários pacificados sobre o assunto. A estabilidade
social poderia estar amparada, se assim o fosse.
Duas ressalvas merecem este tópico: primeiro, o regime de bens da união estável,
no silêncio dos companheiros, será o da comunhão parcial, “sem disciplinar, entretanto, a
forma, requisitos e regime jurídico dessa convenção, mesma omissão contida na Lei n.
9.278/96 e que tantos problemas vem causando”, esclarece Nelson Luiz Pinto, e
acrescenta, ao discorrer sobre a conversão dessa união em casamento, “que o pedido seja
formulado em juízo, e não diretamente ao cartório de registro civil, como hoje disciplina a
Lei n. 9.278/96”.
113
111
Francisco José Cahali, Contrato de convivência na união estável, p. 284-285.
112
Rodrigo da Cunha Pereira, Da união estável, p. 208. Assinala Marco Túlio Murano Garcia que “(...)
parece oportuno observar que o NCCB, data vênia, não regulou aspectos importantes da união estável”, tais
como o uso do nome pelo convivente, o registro do contrato, as causas de dissolução da união, dentre
outras (União estável e concubinato no novo Código Civil, p. 44). Ana Luiza Maia Nevares completa: “De
fato, ao ser incluída a união estável no Projeto do Código Civil de 2002, não houve uma real apreensão do
instituto, com todas as suas peculiaridades e diferenciações em relação ao casamento. Por esta razão,
encontram-se no novo Código disciplinas discriminatórias e aproximações apressadas, sem uma profunda
reflexão sobre o devido tratamento que deveria ser dispensado às uniões livres” (A tutela sucessória do
cônjuge e do companheiro na legalidade constitucional, p. 195).
113
Nelson Luiz Pinto, O direito de família no projeto do Código Civil, p. 27.
49
O último título do Direito de Família (Título IV) cuida do direito protetivo ou
assistencial, tendo a tutela e a curatela como seus institutos-espécies.
114
Na tutela, permanecem as mesmas três espécies: testamentária, legítima e dativa.
As novidades pujantes são que a nomeação de tutor por testamento é faculdade exclusiva
dos pais, e em conjunto, vedado do exercício desse direito por qualquer outro parente do
menor
115
; e, quanto ao tutor indicado pela lei, a preferência é pelo parentesco avoengo de
grau mais próximo, sem qualquer predileção pela linhagem paterna ou materna, nem
mesmo o parentesco masculino ou feminino.
Figura gerada pela novel legislação é a do protutor, pessoa de confiança do juiz de
direito, por ele nomeada, com a incumbência de auxiliá-lo, “fiscalizando a atuação do tutor
e informando o magistrado sobre qualquer descuido ou malversação dos bens (...)”.
116
Destaque-se, outrossim, a possibilidade concedida ao tutor de, em casos e
situações específicas, mormente quando conhecimentos técnicos forem imprescindíveis,
delegar a terceira pessoa, física ou jurídica, o exercício parcial do encargo tutelar, nos
ditames do artigo 1.743 do Código Civil de 2002.
A curatela finaliza esse Livro de Família.
Original é o artigo 1.780 do Código Civil de 2002, ao permitir a curatela do
enfermo ou do portador de deficiência física, sobre o qual comentam Antonio Carlos
Malheiros e Marcial Barreto Casabona: “Aqui tem-se forte modificação no instituto da
curatela. Tradicionalmente, a interdição é do portador de deficiência mental. O novo artigo
amplia o instituto, nele dando guarida ao enfermo em geral físico ou psíquico e ao
deficiente físico”
117
. Francisco José Cahali, ao atualizar o livro sobre direito de família de
Sílvio Rodrigues, ratifica a inovação e assinala o desvirtuamento do instituto, pois nomear-
114
O instituto da ausência, como mencionado, no Código Civil de 1916 contido estava no direito protetivo;
no de 2002, é estudado na Parte Geral do Código, no Livro das Pessoas.
115
Marcos Nogueira Garcez esclarece que “a possibilidade de os avós instituírem tutores para os netos,
resquício do direito romano, é geralmente criticada pelos comentaristas, a partir de Clóvis” (Adoção e
tutela, p. 31).
116
Antônio Carlos Mathias Coltro, Da tutela, p. 246.
117
Antonio Carlos Malheiros; Marcial Barreto Casabona, Da curatela, p. 261.
50
se-á curador, eventualmente, a pessoa plenamente capaz com total capacidade civil ,
apenas com deficiência física, mesmo que momentânea.
118
No que tange à prodigalidade, cuja curatela permanece válida e eficaz, destaca-se
que os artigos 460 e 461, ambos do Código Civil de 1916
119
, não foram reprisados no
novel Códex, do que se conclui que a condição matrimonial ou parental para que se
proceda a interdição do pródigo inexiste. Com efeito, havendo prodigalidade, qualquer que
seja a situação civil do pródigo, poder-se-á nomear-lhe um curador, com a prévia
interdição.
118
Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 418.
119
“Artigo 460 - O pródigo só incorrerá em interdição, havendo cônjuge, ou tendo ascendentes ou
descendentes legítimos, que a promovam. Artigo 461 - Levantar-se-á a interdição, cessando a incapacidade,
que a determinou, ou não existindo mais os parentes designados no artigo anterior. Parágrafo único - Só o
mesmo pródigo e as pessoas designadas no artigo 460 poderão argüir a nulidade dos atos do interdito
durante a interdição.”
51
2 OS FUNDAMENTOS DA CIDADANIA E DIGNIDADE
O estudo contemporâneo do direito, inclusive do direito civil, mormente, do de
direito de família, exige que se perpasse pelo direito constitucional, haja vista a
consciência doutrinária e jurisprudencial sobre a constitucionalização do ramo civil do
direito, donde os princípios constitucionais são norteadores da hermenêutica das relações
pessoais, patrimoniais e familiares hordiernas, como ressalta Maria Celina B. M. Tepedino:
“(...) a norma constitucional assume, no direito civil, a função de, validando a norma
ordinária aplicável ao caso concreto, modificar, à luz de seus valores e princípios, os
institutos tradicionais”. Mais adiante enfatiza: “A aplicação direta das normas
constitucionais nas relações interprivadas tem sido realizada, atualmente, pela doutrina e
pela jurisprudência, no que se refere a inúmeros institutos do direito civil, da propriedade
ao direito de família, das sucessões à responsabilidade civil. Mais os Tribunais do que os
juristas têm procedido à ingente e imperiosa tarefa de reler o Código Civil e as leis
especiais civis à luz da Constituição Federal.”
120
Em idêntico pensar expressa-se Caio Mário da Silva Pereira: “Neste novo sistema
de interpretação destacam-se os princípios constitucionais e os direitos fundamentais, os
quais se impõem aos interesses particulares, prevalecendo a ‘constitucionalização do
Direito Civil’, sobretudo no âmbito da família.”
121
Nesse contexto, imprescindível é a análise, mesmo que perfunctória, acerca dos
princípios constitucionais fundamentais pertinentes ao aqui desenvolvido, ainda que o
fulcro do trabalho esteja relacionado a outro temário.
A Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 5 de outubro
de 1988 estabelece em seu Preâmbulo
122
que o Estado Democrático instituído tem por
120
Maria Celina Bodim Moraes Tepedino, A caminho de um direito civil constitucional, p. 29-30.
121
Caio Mário da Silva Pereira, Apresentação, in Direito de família e o novo Código Civil, p. vi.
122
Inolvidável a concepção doutrinária de que “o preâmbulo da Constituição não tem força obrigatória,
destina-se simplesmente a indicar a intenção do constituinte. Por esta razão deve ser levado em conta
quando da interpretação das normas constitucionais. (...) O preâmbulo da Constituição brasileira contém
simplesmente afirmações de princípios. Estas desenham um ideal mas não fixam normas obrigatórias. No
preâmbulo, ademais, fica bem claro o caráter compósito da inspiração da Constituição de 1988” (Manoel
Gonçalves Ferreira Filho. Comentários à Constituição brasileira de 1988, v. 1, p. 15). Alertam outrossim
Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior que, conquanto tenha-se rogado a proteção de
Deus na promulgação da Constituição Federal de 1988, isso “não significa que o Estado brasileiro seja
religioso” (Curso de direito constitucional, p. 69).
52
finalidade “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos
de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, proclamando outrossim, em seu
artigo 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV
- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.”
Rodrigo da Cunha Pereira anota que “(...) todos os países que pretendem ter uma
Constituição democrática têm, necessariamente, que trazer em seus princípios a dignidade
da pessoa humana, sustentáculo dos Direitos Humanos, afinal declarados e reconhecidos
pela Assembléia da Organização das Nações Unidas ONU, em 1948. Os Direitos
Humanos são indissociáveis da democracia e, consequentemente, da cidadania”.
123
Afora os sobreditos fundamentos, a Carta Federal brasileira relaciona outros
princípios constitucionais, inclusive os nomenclaturados por direitos e garantias
fundamentais, os quais estão explicitamente relacionados no artigo 5º do mesmo Texto
Maior, e ainda os a eles implicitamente inerentes
124
, todos os quais serão imprescindíveis
como vetores e guias na laboração de novos textos legislativos, e como material
hermenêutico de normas e regras constitucionais e infraconstitucionais.
125
Para este trabalho, dentre os sobreditos fundamentos, destaca-se o princípio da
dignidade da pessoa humana, que “(...) é o fundamento do Estado Democrático de Direito
e o cerne de todo o ordenamento jurídico”, na lição de Maria Helena Diniz
126
, o qual, como
se verificará, servirá de guia-mor na interpretação das variadas situações, lacunas e
123
Rodrigo da Cunha Pereira, Família, direitos humanos, psicanálise e inclusão social, p. 5.
124
Constituição Federal: “Artigo 5º - (...) § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte.
125
Maria Celina Bodim Moraes Tepedino comenta: “Ampliando ainda a importância dos princípios
constitucionais na interpretação e aplicação do direito, pode-se afirmar que a leitura da legislação
infraconstitucional deve ser feita sob a ótica dos valores constitucionais. Assim, mesmo em presença de
aparentemente perfeita subsunção a uma norma de um caso concreto, é necessário buscar a justificativa
constitucional daquele resultado hermenêutico.” (A caminho de um direito civil constitucional, p. 29).
Especificamente aos relacionamentos de ordem familiar, o legislador constituinte foi enfático e
determinante, pois expressamente impôs a utilização do princípio da dignidade como vetor interpretativo,
consoante se infere da mera leitura dos seguintes dispositivos da Constituição Federal: artigos 226,
parágrafo 7º, 227, caput e 230, caput.
126
Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, p. 17.
53
dispositivos legais, seja em seara infra ou mesmo constitucional, postando-se como
verdadeiro macroprincípio, ou seja, “(...) é hoje um dos esteios de sustentação dos
ordenamentos jurídicos contemporâneos. Não é mais possível pensar em direitos
desatrelados da idéia e conceito de dignidade”.
127
Outro fundamento que será retratado é o princípio da cidadania, diretamente
relacionado à pessoa humana, como condutor e garantidor dos direitos a ela inerentes, os
quais hão de ser preservados e respeitados, seja por ela própria, por terceiros, pela família,
pela sociedade e, principalmente, pelo próprio Poder Público.
Por derradeiro, narra Gustavo Tepedino: “A prioridade conferida à cidadania e à
dignidade da pessoa humana (art. 1º, II e III, CF), fundamentos da República, e a adoção
do princípio da igualdade substancial (art. 3º, III), ao lado da isonomia formal do artigo 5º,
bem como a garantia residual estipulada pelo artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição
Federal, condicionam o intérprete e o legislador ordinário, modelando todo o tecido
normativo infraconstitucional com a tábua axiológica eleita pelo constituinte.”
128
2.1 Fundamentos constitucionais
Antes de analisar os significados jurídicos de cidadania e dignidade na sistemática
brasileira, há que discorrer algumas tintas sobre o que se compreende por fundamentos da
República e por princípios e garantias fundamentais.
Princípio, com origem no latim principium, principii, no aspecto etimológico,
“encerra a idéia de começo, origem, base. Em linguagem leiga é, de fato, o ponto de
partida e o fundamento (causa) de um processo qualquer. (...) Por igual modo, em qualquer
Ciência, ‘princípio’ é começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de
um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo.
Nesta medida, é, ainda, a ‘pedra angular’ de qualquer sistema.”
129
Deveras, em sua
127
Rodrigo da Cunha Pereira, Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família,
p. 67-68.
128
Gustavo Tepedino, Temas de direito civil, p. 47.
129
Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 25-26.
54
concepção coloquial, principiar significa começar alguma coisa, iniciar atividades, enfim,
dar os primeiros contornos para que se galgue o fim almejado.
Em seara jurídica, lembra Miguel Reale que a Lei de Introdução ao Código Civil,
em seu artigo 4º, concede ao magistrado a utilização dos princípios gerais de direito como
regras de integração e interpretação de eventual lacuna normativa, entretanto
complementa: “Na realidade, não precisava dizê-lo, porque é uma verdade implícita e
necessária. O jurista não precisaria estar autorizado pelo legislador a invocar princípios
gerais, aos quais deve recorrer sempre, até mesmo quando encontra a lei própria ou
adequada ao caso. Não há ciência sem princípios, que são verdades válidas para um
determinado campo de saber, ou para um sistema de enunciados lógicos. Prive-se uma
ciência de seus princípios, e tê-la-emos privado de sua substância lógica, pois o Direito não
se funda sobre normas, mas sobre os princípios que as condicionam e as tornam
significantes.”
130
Aliás, ressalta Paulo Luiz Netto Lôbo que “essa regra da LICC há de ser
interpretada ‘em conformidade com a Constituição’, ou seja, apenas em relação aos
princípios gerais que não sejam constitucionais, pois estes não são supletivos, mas
conformadores da lei”.
131
Os princípios jurídicos são demarcações genéricas, mesmo que não escritas, cujo
fim é direcionar a normatização do direito, dando-lhe suporte para sua validade e eficácia
no mundo do direito, não somente, como acima anotado, com o escopo de suprir a lacuna
legal. É o princípio geral preexistente à norma e, como tal, esta há de ser elaborada
consoante suas delimitações.
Francisco Amaral doutrina o seguinte: “Os princípios jurídicos são pensamentos
diretores de uma regulamentação jurídica. São critérios para a ação e para a constituição de
normas e modelos jurídicos. Como diretrizes gerais e básicas, fundamental e dão unidade a
um sistema ou a uma instituição. O direito, como sistema, seria assim um conjunto
ordenado segundo princípios. Dado o seu caráter indeterminado, os princípios são de difícil
conceituação, donde a necessária referência às suas concretrizações, como, por exemplo, o
130
Miguel Reale, Filosofia do direito, p. 62.
131
Paulo Luiz Netto Lôbo, De frente para a Constituição, p. 3.
55
princípio da autonomia privada, o da boa-fé, o da confiança, o do consensualismo, o da
força obrigatória do contrato etc.”
132
Nesse instante, há que ser transcrita a narrativa de Roque Antonio Carrazza, com
descrição pragmática: “Usando, por comodidade didática, de uma analogia que é sempre
feita por Geraldo Ataliba e Celso Antônio Bandeira de Mello, podemos dizer que o sistema
jurídico ergue-se como um vasto edifício, onde tudo está disposto em sábia arquitetura.
Contemplando-o, o jurista não só encontra a ordem, na aparente complicação, como
identifica, imediatamente, alicerces e vigas mestras. Ora, num edifício tudo tem
importância: as portas, as janelas, as luminárias, as paredes, os alicerces etc. No entanto,
não é preciso termos conhecimentos aprofundados de engenharia para sabermos que muito
mais importantes que as portas e janelas (facilmente substituíveis) são os alicerces e as
vigas mestras. Tanto que, se de um edifício retirarmos ou destruirmos uma porta, uma
janela ou até mesmo uma parede, ele não sofrerá nenhum abalo mais sério em sua
estrutura, podendo ser reparado (ou até embelezado). Já, se dele subtrairmos os alicerces,
fatalmente cairá por terra. De nada valerá que portas, janelas, luminárias, paredes etc.
estejam intactas e em seus devidos lugares. Com o inevitável desabamento, não ficará
pedra sobre pedra. Pois bem, tomadas as cautelas que as comparações impõem, estes
alicerces e estas vigas mestras são os princípios jurídicos ora objeto de nossa atenção.”
133
Especificamente no âmbito constitucional, os princípios são os parâmetros
impostos, explícita ou implicitamente pelo constituinte, como vetores, norteadores e
verdadeiras regras gerais de interpretação de todo o sistema legislativo, infra e
constitucional; são eles os guias-mores, a luz que ilumina todo o caminhar do contexto
jurídico, desde a fase primária de elaboração do texto legal etapas de anteprojeto até o
momento de efetiva aplicação da norma, direcionando o seu intérprete e aplicador.
134
Qualquer instituto jurídico, mesmo que desvinculado diretamente do
constitucional, há de ter como suporte interpretativo os princípios estatuídos na
132
Francisco Amaral, Direito civil: introdução, p. 92.
133
Roque Antonio Carrazza, Curso de direito constitucional tributário, p. 27.
134
Potyguara Gildoassu Graciano obtempera: “Assim sendo, os princípios são encontrados em todos os
níveis da pirâmide jurídica. É óbvio que os princípios constitucionais ocupam lugar de destaque porque
estão contidos na Constituição, fundamento e outras leis. Os princípios são o fundamento de outras
normas” (Princípio da dignidade da pessoa e direitos humanos, p. 24).
56
Constituição da República, pois esses são as bases, os alicerces da construção de um
sistema legislativo coeso e coerente, formando um todo harmônico entre si.
Os princípios constitucionais, com efeito, embasam a formação do sistema
jurídico, infra e constitucional, ao mesmo tempo em que delineiam e orientam a
interpretação de todo e qualquer instituto jurídico; indevida é a instituição de uma regra
normativa que contrarie as disposições de um princípio constitucional, como será
imprescindível a aferição de todos esses princípios para se extrair a sua real aplicabilidade,
sob pena de se contrariar as diretrizes principiológicas e fulminá-la com a
inconstitucionalidade.
Doutrinam Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior que “os
princípios são regras-mestras dentro do sistema positivo. Devem ser identificados dentro
da Constituição de cada Estado as estruturas básicas, os fundamentos e os alicerces desse
sistema. Fazendo isso estaremos identificando os princípios constitucionais”.
135
Paulo Bonavides afirma outrossim que, com a acolhida dos princípios gerais pela
Constituição, converteram-se em princípios constitucionais, e, como tal, “(...) postos no
ponto mais alto da escala normativa, eles mesmos, sendo normas, se tornam, doravante, as
normas supremas do ordenamento. Servindo de pautas ou critérios por excelência para a
avaliação de todos os conteúdos normativos (...). Com esta relevância adicional, os
princípios se convertem igualmente em norma normarum, ou seja, norma das normas”.
136
Anota José Afonso da Silva que os princípios constitucionais podem ser
resumidos em duas categorias: os princípios políticos e os jurídicos, e leciona que os
primeiros “constituem-se daquelas decisões políticas fundamentais concretizadas em
normas conformadoras do sistema constitucional positivo”, enquanto os princípios
jurídico-constitucionais são princípios constitucionais gerais informadores da ordem
135
Luiz Alberto David Araujo; Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, p. 60.
136
Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, p. 289-290. Caio Mário da Silva Pereira comenta: “Ao
mesmo tempo que os direitos fundamentais passaram a ser dotados do mesmo sentido nas relações públicas
e privadas, os princípios constitucionais sobrepuseram-se à posição anteriormente adotada pelos Princípios
Gerais do Direito.” (Apresentação, in Direito de família e o novo Código Civil, p. vi).
57
jurídica nacional. Decorrem de certas normas constitucionais e, não raro, constituem
desdobramentos (ou princípios derivados) dos fundamentais (...)”.
137
Os princípios fundamentais, que são os sobreditos princípios político-
constitucionais
138
, estão arrolados entre os artigos 1º e 4º da Constituição Federal de 1988,
dentre os quais merecem realce para este trabalho, além do da cidadania e da dignidade da
pessoa humana (art. 1º, incs. II e III), a construção de “uma sociedade livre, justa e
solidária”, e a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação”, os quais são enfocados como objetivos
fundamentais (art. 3º, incs. I e IV), e, por derradeiro, a “prevalência dos direitos humanos”
(art. 4º, inc. II).
Anota Gustavo Tepedino, em análise a esses dispositivos constitucionais, o
seguinte: “Tais preceitos, inseridos como foram no Título I, compõem os princípios
fundamentais da República, os quais, segundo a técnica adotada pelo constituinte,
precedem, topográfica e interpretativamente, todos os demais capítulos constitucionais.
Vale dizer, a Constituição não teria um rol de princípios fundamentais não fosse para, no
plano hermenêutico, condicionar e conformar todo o tecido normativo: tanto o corpo
constitucional, no mesmo plano hierárquico, bem como o inteiro ordenamento
infraconsticuional, como supremacia sobre todas as demais normas jurídicas.”
139
Fixados esses parâmetros, mormente, quanto à diretriz interpretativa dos
princípios constitucionais sobre todo o ordenamento jurídico, faz-se mister a análise mais
detida dos fundamentos de cidadania e da dignidade da pessoa humana, porquanto, como
enfoca Flávia Piovesan, “dentre os fundamentos que alicerçam o Estado Democrático de
Direito brasileiro destacam-se a cidadania e dignidade da pessoa humana (art. 1º, II e III
CF/88). Vê-se aqui o encontro do princípio do Estado Democrático de Direito e dos
137
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 97.
138
Ibidem, mesma página.
139
Gustavo Tepedino, Temais de direito civil, p. 67.
58
direitos fundamentais, fazendo-se claro que os direitos fundamentais são um elemento
básico para a realização do princípio democrático”.
140
2.2 A cidadania
O primeiro desses princípios fundamentais a ser apreciado, até pela descrição
topográfica na Constituição Federal, será o da cidadania (art. 1º, II da CF)
A premente e primordial indagação sobre esse fundamento é justamente decifrar
qual é o seu verdadeiro significado no contexto constitucional hodierno, a ponto de ser um
dos fundamentos da República Federativa brasileira.
O Estado, como pessoa jurídica de direito público, é composto por pessoas,
sobretudo pessoas humanas (físicas), as quais compõem o seu povo
141
, no caso específico,
o povo brasileiro. Em face disso, qual a interligação existente entre povo e cidadania?
Numa primeira concepção, a cidadania está diretamente vinculada à
nacionalidade, uma vez que povo pode ser conceituado “(...) como o conjunto dos
cidadãos do Estado”; destarte, complementa Dalmo de Abreu Dallari, “o indivíduo, que no
momento mesmo de seu nascimento atende aos requisitos fixados pelo Estado para
considerar-se integrado nele, é, desde logo, cidadão”.
142
Em outra acepção, a cidadania refere-se ao exercício dos direitos políticos, sendo
cidadão a pessoa que legalmente possui condições de votar e ser votado escolher e ser
140
Flávia Piovesan, Direitos humanos, o princípio da dignidade humana e a Constituição brasileira de 1988,
p. 49. Paulo Bonavides, lembrando a lição de Gordillo Cañas, afirma que “(...) a Constituição incorpora
uma ordem objetiva de valores, qual acontece, segundo ele, desde que a dignidade da pessoa humana e os
direitos da personalidade entram a figurar como esteios da ordem política e da paz social” (Curso de
direito constitucional, p. 290).
141
Ensina Dalmo de Abreu Dallari que povo é “o conjunto dos indivíduos que, através de um momento
jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter
permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano” (Elementos
de teoria geral do estado, p. 88).
142
Ibidem, mesma página.
59
escolhido para exercer legitimamente os poderes políticos; essa cidadania é denominada
por Dalmo de Abreu Dallari de cidadania ativa.
143
A terceira conotação é apresentada por Hannah Arendt, para quem cidadania é o
direito a ter direitos, “(...) pois a igualdade em dignidade e direito dos seres humanos não é
um dado. É um construído da convivência coletiva, que requer o acesso a um espaço
público comum. Em resumo, é este acesso ao espaço público o direito de pertencer a
uma comunidade política que permite a construção de um mundo comum através do
processo de asserção dos direitos humanos”.
144
Com efeito, nesse ponto, cidadania é o poder inerente a toda pessoa humana de ter
e ser titular de direitos na órbita fática e jurídica, podendo exercê-los consoante os ditames
legais.
Por essas narrativas, extrai-se a ilação de que o fundamento da República
Federativa do Brasil quanto à cidadania (art. 1º, II da CF) está intimamente vinculado à
concepção externada por Hannah Arendt, de que “cidadania é o direito a ter direitos”,
sobretudo porque, no artigo 5º, caput da Carta Magna, garantem-se os direitos e deveres
individuais não só aos brasileiros natos ou naturalizados nacionais , mas também aos
estrangeiros residentes no Brasil.
Celso Lafer, em análise aos pensamentos de Hannah Arendt, informa que toda e
qualquer pessoa humana possui direitos inerentes a essa exclusiva condição de ser humano,
denominados de direitos humanos, sendo a cidadania, na narrada concepção “direito a ter
direitos”, o primeiro direito humano da pessoa.
145
143
Dalmo de Abreu Dallari esclarece que “(...) o Estado pode estabelecer determinadas condições objetivas,
cujo atendimento é pressuposto para que o cidadão adquira o direito de participar da formação da vontade
do Estado e do exercício da soberania. Só os que atendem àqueles requisitos e, consequentemente,
adquirem estes direitos, é que obtêm a condição de cidadãos ativos” (Ibidem, mesma página).
144
Celso Lafer. Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder, p. 114.
145
Celso Lafer, A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, p.
151 e 153. Conclui esse tópico com a seguinte assertiva: “O que Hannah Arendt estabelece é que o
processo de asserção dos direitos humanos, enquanto invenção para convivência coletiva, exige um espaço
público. Este é kantianamente uma dimensão transcendental, que fixa as bases e traça os limites da
interação política. A este espaço só se tem acesso pleno por meio da cidadania. É por essa razão que, para
ela, o primeiro direito humano, do qual derivam todos os demais, é o direito a ter direitos, direitos que a
experiência totalitária mostrou que só podem ser exigidos através do acesso pleno à ordem jurídica que
apenas a cidadania oferece.” (Ibidem, p. 166).
60
Também anota Alexandre de Moraes que a cidadania “representa um status do ser
humano, apresentando-se, simultaneamente, como objeto e direito fundamental das
pessoas”.
146
Luiz Edson Fachin oferece perquirição sobre a simetria entre o Código Civil de
2002 e o princípio fundamental da cidadania, com a respectiva solução: “A pergunta é:
qual é a contribuição da nova codificação para a superação dos dilemas que enfrenta a
realização da cidadania no Brasil? Pode-se dizer que debater por 25 anos um novo Código
Civil faz parte do legado brasileiro, pois o projeto Beviláqua teve 16 anos de debate no
Congresso. Mas, a questão fundamental, no plano da cidadania, é questionar para quem se
dirige o novo Código. Tal interrogação compete ao exercício da cidadania como a define o
Código: todos aqueles capazes de adquirir direitos e contrair obrigações, como comprar,
vender, trabalhar, constituir família, testar, herdar, possuir e ser proprietário, e assim por
diante. Eles, os portadores de direitos civis, enfim, os cidadãos.”
147
A cidadania, como princípio fundamental, está direta e intimamente ligada à
nacionalidade, mas não só a ela, da qual transcende, porquanto esse direito humano básico
e primordial há que ser garantido aos brasileiros e estrangeiros ocupantes do território
brasileiro; destarte, nesse enfoque, o fundamento cidadania refoge a mera concepção
nacionalista, ultrapassando seus limites, ao garantir o direito a ter todos os direitos
humanos protegidos a toda e qualquer pessoa humana, a todo cidadão, independente de sua
nacionalidade, cuja exclusiva condição, no caso concreto, é residir no Brasil.
É fundamento republicano, assim, garantir a todo e qualquer cidadão brasileiro e,
também, a todo e qualquer cidadão estrangeiro residente no Brasil, o direito a ter e exercer
os seus direitos, o que há de valer como critério norteador e interpretativo de todos os
textos legais, em âmbito infra ou constitucional, pois a cidadania há de ser o direito
primevo, elementar, básico de toda pessoa humana, pela só condição de ser humano.
148
146
Alexandre de Moraes, Direitos humanos fundamentais: comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da
República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 60.
147
Luiz Edson Fachin, Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro, p. 8.
148
Em suas encíclicas sociais, afirmava o Papa João XXIII: “Em uma convivência humana bem constituída e
eficiente, é fundamental o princípio de que cada ser humano é pessoa, isto é, natureza dotada de
inteligência e vontade livre. Por essa razão, possui em si mesmo direitos e deveres, que emanam direta e
simultaneamente de sua própria natureza. Trata-se, por conseguinte, de direitos e deveres universais,
invioláveis, e inalienáveis.” (As encíclicas sociais de João XXIII, v. 2, p. 585).
61
Decifrado, pois, o significado do princípio da cidadania no Texto Constitucional,
há que se partir para a análise do inciso seguinte.
2.3 A dignidade da pessoa humana
O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF),
demanda um discurso com mais vagar e cauteloso, ante a sua primazia no contexto
hermenêutico contemporâneo; tanto assim o é que adjetivações várias são apostas com o
intuito de evidenciar essa supremacia: macroprincípio
149
, superprincípio
150
, direito-mãe
151
,
norma das normas dos direitos fundamentais
152
, razão de ser do direito
153
, ou ainda, nas
palavras de Fábio Konder Comparato, o princípio de valor supremo
154
, dentre tantas
qualificações.
No sentido léxico, dignidade significa honestidade, honra, respeitabilidade,
decência, decoro, amor-próprio, brio
155
, ou seja, o ser humano viverá com dignidade desde
que sejam respeitados todos os direitos inerentes à sua personalidade, tais como o direito à
vida, honra, liberdade, igualdade, educação, família, trabalho, etc.
156
Em seara jurídica, De Plácido e Silva anota que o vocábulo deriva “do latim
dignitas (virtude, honra, consideração), em regra se entende a ‘qualidade moral’, que,
possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida. (...) Mas, em
149
Rodrigo da Cunha Pereira, Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família,
p. 68.
150
Flávia Piovesan, Direitos humanos, o princípio da dignidade humana e a Constituição brasileira de 1988,
p. 50.
151
Rodrigo Meyer Bornholdt, Métodos para resolução do conflito entre direitos fundamentais, p. 80.
152
Paulo Bonavides, Prefácio, in Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos
fundamentais na Constituição Federal de 1988, p. 14.
153
Rosa Maria de Andrade Nery, Noções preliminares de direito civil, p. 114.
154
Fábio Konder Comparato, O papel do juiz na efetivação dos direitos humanos, p. 23. Rolf Madaleno
referenda a designação suprema desse princípio, acrescentado que é o “(...) ponto de partida da existência
humana e como direito natural do cidadão, não aceita qualquer espécie de transigência” (Direito de família
em pauta, p. 63).
155
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo dicionário da língua portuguesa, p. 589.
156
Regina Beatriz Tavares da Silva leciona: “Para a preservação da dignidade é indispensável a proteção aos
direitos da personalidade, que têm como objeto os atributos físicos e morais da pessoa em si e em suas
projeções sociais, compondo-se de valores inatos, como a vida, a integridade física e psíquica, a liberdade,
a honra, o nome.” (Novo Código Civil: tutela da dignidade da pessoa humana no casamento, p. 122).
62
sentido jurídico, também se entende como a ‘distinção’ ou ‘honraria’ conferida a uma
pessoa, consistente em ‘cargo’ ou ‘título’ de alta graduação”.
157
Grande parte da doutrina, mormente da filosófica, atribui a Immanuel Kant a
alusão ao princípio da dignidade da pessoa humana, sobretudo quando reconhece o homem
a pessoa humana como sujeito de direito, detentor do poder de exercer seus direitos, e
ser a verdadeira finalidade do ordenamento jurídico, desnaturando-o de qualquer
concepção valorativa, quantitativa, impossibilitando-o de figurar como objeto de direito,
senão como verdadeiro, típico e único sujeito desse direito.
O discurso de Kant é imperativo, ao afirmar que todo ser humano, que é racional,
persegue uma finalidade que lhe é imanente e precípua, qual seja, a sua felicidade
158
; com
isso, pondo o homem como fim, não como mero objeto, aduz: “Se, pois, deve haver um
princípio prático supremo e um imperativo categórico no que respeita à vontade humana,
então tem de ser tal que, da representação daquilo que é necessariamente um fim para toda
a gente, porque é ‘fim em si mesmo’, faça um princípio ‘objectivo’ da vontade, que possa
por conseguinte servir de lei prática universal. O fundamento deste princípio é: ‘A natureza
racional existe como fim em si’. (...) O imperativo prático será pois o seguinte: ‘Age de tal
maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro,
sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio’.”
159
Mais adiante, complementa: “(...) ‘dignidade’ de um ser racional que não obedece
a outra lei senão àquela que ele mesmo simultaneamente dá. No reino dos fins tudo tem ou
um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela
qualquer outra como ‘equivalente’; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e
portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade.”
160
destacado no original.
A pessoa humana, com efeito, só pelo fato de ser um ser humano, ostenta
dignidade, o que induz a impossibilidade de ser valorada, ou seja, é inadmissível a sua
quantificação monetária, resultando na inviabilidade de configurar como objeto de direito,
157
José Oscar De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, v. 2, p. 72.
158
Immanuel Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 52.
159
Ibidem, p. 69.
160
Ibidem, p. 77.
63
mas sim sempre na posição de sujeito do direito; a finalidade do direito é satisfazer os
interesses da pessoa humana, priorizando sua dignidade.
Sintetiza José Afonso da Silva: “A filosofia kantiana mostra que o ‘homem’,
como ser racional, ‘existe’ como fim em si, e ‘não simplesmente como meio’, enquanto os
seres, desprovidos de razão, têm um valor relativo e condicionado, o de ‘meios’, eis por
que se lhes chamam ‘coisas’.”
161
Com essas significações, leiga e jurídica, e a narrativa histórico-kantiana da
dignidade da pessoa humana, merece ela a adequada complementação, mormente em seara
do direito constitucional.
A Constituição do Brasil de 1988 é a primeira a retratar e garantir especificamente
os direitos humanos aos brasileiros e aos estrangeiros nele residentes, com expressa
menção à dignidade da pessoa humana como fundamento da República
162
. Todavia, a
primeira Constituição a positivar esse princípio como direito fundamental foi a da
Alemanha
163
(“Artigo 1º, n. 1 - A dignidade humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é
obrigação de todos os Poderes estatais”
164
). Outras normas constitucionais trilham o
mesmo caminho, tais como a Constituição de Portugal (“Artigo 1º - Portugal é uma
República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e
empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”) e da Espanha (“Artigo
10, n. 1 - A dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre
desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos direitos dos demais são
fundamentos da ordem política e da paz social”.
165
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na Assembléia das
Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, desde então refere-se em seu artigo I à
161
José Afonso da Silva, A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia, p. 90. Ingo
Wolfgang Sarlet enaltece a “(...) vedação de qualquer conduta que importe em coisificação e
instrumentalização do ser humano (que é fim, e não meio)” (Dignidade da pessoa humana e direitos
fundamentais na Constituição Federal de 1988, p. 137). O Papa João XXIII afirma: “Todo o ser humano
tem direito natural ao respeito de sua dignidade e à boa fama” (As encíclicas sociais de João XXIII, v. 2, p.
585).
162
Flávia Piovesan, Direitos humanos, o princípio da dignidade humana e a Constituição brasileira de 1988,
p. 47.
163
Lei Fundamental GrundGesetz, 23 de maio de 1949 (Flávia Piovesan, ob. cit., p. 48).
164
José Afonso da Silva, ob. cit., p. 89.
165
Ibidem, mesma página.
64
dignidade do homem, nestes termos: “Todos os homens nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos
outros com espírito de fraternidade”. O parágrafo inaugural de seu Preâmbulo dispõe:
“Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família
humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da
paz do mundo”, com explícita garantia de dignidade a todo ser humano, pelo fato, simples
e único, de pertencer à classe de pessoa humana, sem qualquer outra condição ou
consideração.
Flávia Piovesan leciona que essa Declaração Universal é o marco primordial da
reconstrução dos direitos humanos, mormente por introduzir a vigente concepção desses
direitos, a qual se caracteriza pela universalidade e indivisibilidade, explicando seus
delineamentos: “Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos
humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a dignidade e
titularidade de direitos. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é
condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa.
Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem
assim uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o
catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e
culturais.”
166
Em 22 de novembro de 1969, aprovou-se a Convenção Americana de Direitos
Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, que “(...) tem como propósito
a consolidação no Continente Americano da aplicação de um regime de liberdades pessoais
e justiça social, a ser alcançado com reafirmação nas instituições democráticas dos direitos
humanos fundamentais”
167
e cujo artigo 11 trata do direito à honra e à dignidade.
Com a empreitada de aclarar as características ou os componentes elementares do
princípio da dignidade da pessoa humana, para, ao final, ofertar uma conceituação jurídica,
não obstante a aventada dificuldade de definição, há que se prosseguir com sua descrição
166
Flávia Piovesan, Direitos humanos, o princípio da dignidade humana e a Constituição brasileira de 1988,
p. 43.
167
Daniela Rodrigues Valentim; Roberto Mendes Mandelli Júnior, Convenção Americana de Direitos
Humanos, p. 324.
65
constitucional, sobretudo com a perquirição de sua sistemática no contexto doutrinário
contemporâneo.
Ao discorrer sobre esse princípio fundamental, Alexandre de Moraes narra que ele
“(...) concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às
personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções
transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual”
168
. Em outro
texto doutrinário, complementa: “A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à
pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da
própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas,
constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de
modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos
direitos fundamentais, mas sempre sem ‘menosprezar a necessária estima que merecem
todas as pessoas enquanto seres humanos’.”
169
José Afonso da Silva sintetiza que a “‘dignidade da pessoa humana’ é um valor
supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito
à vida”
170
, acompanhando-o até a sua morte, “por ser da essência da natureza humana.”
171
José Joaquim Gomes Canotilho, no estudo do direito constitucional português,
doutrina com o seguinte fundamento: “Trata-se do ‘princípio antrópico’ que acolhe a ideia
pré-moderna e moderna da dignitas-hominis (Pico della Mirandola) ou seja, do indivíduo
conformador de si próprio e da sua vida segundo o seu próprio projecto espiritual (plastes
et fictor). Perante as experiência históricas da aniquilação do ser humano (inquisição,
escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa
humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o
reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do
domínio político da República. Neste sentido, a República é uma organização política que
serve o homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios. (...) A
pessoa ao serviço da qual está a República também pode ‘cooperar’ na República, na
168
Alexandre de Moraes, Direito constitucional, p. 41.
169
Alexandre de Moraes, Direitos humanos fundamentais: comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da
República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 60.
170
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 109.
171
José Afonso da Silva, A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia, p. 93.
66
medida em que a pessoa é alguém que pode assumir a condição de ‘cidadão’, ou seja, um
membro normal e plenamente cooperante ao longo da sua vida.”
172
José Cretella Júnior, por lado, afirma: “O ser humano, o homem, seja de qual
origem for, sem discriminação de raça, sexo, religião, convicção política ou filosófica, tem
direito a ser tratado pelos seus semelhantes como ‘pessoa humana’, fundando-se o atual
Estado de Direito em vários atributos, entre os quais se inclui a ‘dignidade’ do homem,
repelido, assim, como aviltante e merecedor de combate qualquer tipo de comportamento
que atente contra esse apanágio do homem.”
173
(destaque no original).
Depreende-se que a dignidade da pessoa humana é imanente ao ser humano, pelo
simples fato de ser uma pessoa humana, “(...) independente de sua pertença a um
determinado grupo, classe ou raça”
174
, cuja garantia e proteção está intimamente ligada à
existência de personalidade jurídica, a qual aflora com o nascimento do ser humano com
vida, e que, por conseguinte, acompanhá-lo-á até sua morte.
Com efeito, desde o nascimento até o óbito, todo e qualquer ser humano tem
direito a viver dignamente.
Todo e qualquer ser humano, por isso, tem o direito de ver tutelada a dignidade de
sua vida, ou seja, merece viver (direito à vida), mas não só, e sim que essa vida seja digna,
composta inclusive pelos elementos que integram os direitos da personalidade do homem,
a qual, segundo Sílvio Marques Júnior é “fundamento de todos os direitos essenciais, é
formada pelo conjunto de condições de que dependem o respeito, a conservação e o
desenvolvimento da personalidade em todas as suas modalidades ou manifestações. É por
esse motivo que a personalidade nada mais é do que um conjunto de direitos essenciais”.
175
172
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito constitucional, p. 219. Alerta José Afonso da Silva que o estudo
da doutrina portuguesa “é muito importante para a boa compreensão de nossa própria Constituição, que
sofreu, como dissemos, profunda influência da Constituição da República Portuguesa de 1976” (Curso de
direito constitucional positivo, p. 96).
173
José Cretella Júnior, Comentários à Constituição brasileira de 1988, v. 1, p. 139.
174
Rodrigo Meyer Bornholdt, Métodos para resolução do conflito entre direitos fundamentais, p. 87.
175
Sílvio Marques Júnior, Introdução à ciência do direito, p. 170.
67
O direito à vida é o primordial e precípuo direito personalíssimo, o qual, como
impõe a Constituição Federal, há de ser digno. Destarte, o direito à vida é um dos
elementos caracterizadores da dignidade da pessoa humana.
Caio Mário da Silva Pereira cita que o primeiro direito da personalidade é,
justamente, o direito à vida, e prossegue: “Como ente, todo ser humano o preza. É o bem
‘maior na esfera natural como na jurídica’ (Carlos Alberto Bittar, Os direitos da
personalidade, n. 50, p. 63). Fundamentalmente ‘inato’, ‘quem nasce com vida tem direito
a ela’ (Pontes de Miranda, obra citada, v. 7, p. 732). A ordem jurídica o assegura, antes
mesmo do nascimento, punindo o aborto e protegendo os direitos do nascituro.”
176
Efetivamente, lecionava Carlos Alberto Bittar: “Dentre os direitos de ordem
física, ocupa posição de primazia o direito à vida, como bem maior na esfera natural e
também na jurídica, exatamente porque, em seu torno e como conseqüência de sua
existência, todos os demais gravitam, respeitados, no entanto, aqueles que dele extrapolam
(embora constituídos ou adquiridos durante o seu curso, como o direito à honra, ou à
imagem e o direito moral de autor, a desafiar o vetusto axioma mors omnia solvit).”
177
E Pontes de Miranda apontava que “o primeiro direito de personalidade é o de
adquirir direitos, pretensões, ações e exceções e de assumir deveres, obrigações, ou
situações passivas em ação ou exceção”, e complementava que “o direito à vida é inato;
quem nasce com vida tem direito a ela. O direito constitucional e o penal inserem regras
jurídicas que implicitamente o afirmam”.
178
Em sendo o direito à vida o primário direito da personalidade, por conseguinte, os
direitos que consagram o direito da personalidade estão umbilicalmente ligados à
dignidade da pessoa humana, cujos direitos personalíssimos, inclusive, e primordialmente
o de vida, garantem a dignidade ao ser humano.
176
Caio Mário da Silva Pereira, Direito civil: alguns aspectos da sua evolução, p. 26-27.
177
Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, p. 66.
178
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito privado: direito de personalidade, direito de
família, direito matrimonial..., v. 7, p. 11 e 14.
68
Sintetiza Antonio Junqueira de Azevedo que “a vida genericamente considerada
consubstancia o valor de tudo que existe na natureza. Esse valor existe por si; ele
independe do homem. (...) Sem vida, não há pessoa, e sem pessoa, não há dignidade”
179
.
Destarte, vida, pessoa e dignidade são valores essenciais e umbilicalmente vinculados
entre si.
Inaugura o capítulo Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos da Carta
Federal o artigo 5º que, no seu caput, dispõe: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: (...)”
180
. Por ordem constitucional, toda e qualquer pessoa brasileira, e
mesmo a estrangeira residente no Brasil, tem o direito fundamental ao respeito à sua
dignidade, cuja vida, liberdade, igualdade, dentre outras, são inerentes ao adimplemento
daquele.
181
179
Antonio Junqueira de Azevedo, Réquiem para uma certa dignidade da pessoa humana, p. 340.
180
Carlos Alberto Bittar comenta: “Assentada sobre pilastras básicas que a experiência consagrou nisso
revelando-se coerente com as tradições do sistema romanístico sufraga, como valores supremos da ordem
jurídica, os ideais de dignidade, de igualdade, de liberdade, de segurança, de propriedade e de justiça,
antepondo-os, como inerentes à natureza humana, ao Estado, ao legislador e ao intérprete (tanto
doutrinário, quanto judicial). Repousa sobre a noção de ‘Estado Democrático de Direito’ que o mundo
ocidental em cujo ideário se insere a Carta engendrou em nosso século, em contraposição à de ‘Estado
de Direito’, defendida no século passado, mas sob cujo manto regimes totalitários acabaram encontrando
justificação” (O direito civil na Constituição de 1988, p. 15-16 destacamos).
181
Para Carlos Alberto Bittar: “A Constituição de 1988, ao enunciar, em seu frontispício, os direitos
fundamentais do homem, mudando a orientação vigorante entre nós (de inseri-los depois da organização
política do Estado), assumiu nova postura com relação aos direitos em causa, abraçando, em nosso
entender, a tese naturalista quanto à sua qualificação, e, de outro lado, ampliando a relação dos direitos
reconhecidos como liberdades públicas. (...). Entendemos que, com a Carta de 1988, que contém, ademais,
regras que representam sensíveis evoluções em matéria de diretrizes para a vida privada como já
acentuamos será expedido novo Código Civil, em que ingressarão tranqüilamente os direitos da
personalidade, culminando assim com o enorme desenvolvimento alcançado por esse tema em nossos dias,
face à expansão das comunicações e à necessidade de proteção eficaz aos valores básicos da personalidade
humana, inclusive com o aproveitamento das regras do projeto referido.” (O direito civil na Constituição de
1988, p. 56-57). Acrescente-se a lição de San Tiago Dantas, acerca dos direitos da personalidade: “Os
direitos da personalidade são tutelados pelas normas civis, pelas normas penais e pelas normas
constitucionais (art. 5º, CF). Como a proteção da personalidade humana é um dos temas fundamentais do
consórcio civil e uma das razões de ser do Estado, é natural que todas as ofensas aos direitos da
personalidade apareçam à consciência do legislador como atos ilícitos penais. Quer dizer, como atos que
justificam uma reação não apenas por parte do ofendido, mas por parte da tutela da sociedade e, por essa
razão, o direito penal é particularmente enérgico na reparação das ofensas aos direitos da personalidade.
(...) Vamos agora ver em que pode consistir a sanção civil. Ela pode consistir ou na composição do dano,
mediante uma reparação pecuniária, ou, então, pode ser uma sanção direta, um ato qualquer que tolha a
ofensa que está sendo praticada: a retirada do mercado do livro injurioso, por exemplo, ou um habeas
corpus, ou medida semelhante, que venha restituir a liberdade a quem a perdeu são meios de sanção
direta” (Programa de direito civil, p. 155).
69
José Afonso da Silva, quanto ao sobredito texto constitucional, afirma o seguinte:
“A ‘vida humana’, que é o objeto do direito assegurado no artigo 5º, caput, integra-se de
elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais). A ‘vida é intimidade
conosco mesmo, saber-se e dar-se conta de si mesmo, um assistir a si mesmo e um tomar
posição de si mesmo’. Por isso é que ela constitui a fonte primária de todos os outros bens
jurídicos. De nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais,
como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana
num desses direitos. No conteúdo de seu conceito se envolvem o direito à dignidade da
pessoa humana (de que já tratamos), o direito à privacidade (de que cuidaremos no capítulo
seguinte), o direito à integridade físico-corporal, o direito à integridade moral e,
especialmente, o direito à existência.”
182
(destacou-se).
Tendo a vida como valor supremo do ser humano, sem a qual inexistem outros
direitos e garantias a se preservar, esse direito à vida há de ser garantido com dignidade;
com a preservação desse direito, dele decorrem outros que são inerentes à vida digna,
dentre os quais despontam a liberdade e a igualdade.
Neste contexto, merece reprise as narrativas de Immanuel Kant, quando realça a
felicidade como finalidade inerente a todo e qualquer ser humano racional, na qualidade de
fim peculiar e lógico da pessoa física.
183
Rosa Maria de Andrade Nery ressalta que ao lado do direito à vida, há que se apor
o direito à liberdade, pois “como a Vida é essencialidade do ser humano e a liberdade é
potencialidade expressiva da existência humana, são esses os ‘valores’ que norteiam o
‘princípio’ da dignidade da pessoa humana. Falar-se em dignidade do ser humano,
portanto, é prestigiar-lhe a Vida e a liberdade”.
184
182
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 201.
183
Immanuel Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 51-52.
184
Rosa Maria de Andrade Nery, Noções preliminares de direito civil, p. 114.
70
Inolvidável, no entanto, é a junção, a esses princípios, do da igualdade, estatuído
genericamente no artigo 5º, inciso I da Constituição Federal: “homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.”
185
Em discurso a esse princípio, Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes
Junior informam que se adotou o princípio da igualdade formal, donde “(...) o legislador e
o aplicador da lei devem dispensar tratamento igualitário a todos os indivíduos, sem
distinção de qualquer natureza. Assim, o princípio da isonomia deve constituir
preocupação tanto do legislador como do aplicador da lei”.
186
Com efeito, para essa eficácia principiológica, o legislador e o aplicador da norma
haverão de tratar, respeitar e conceder direitos e deveres igualitariamente, a todo e
qualquer ser humano, sem distinção de qualquer condição ou situação, personalíssima ou
grupal, tais como raça, credo religioso, cor, vínculo social, etc. Aliás, estatui a Norma
Constitucional como um dos objetivos fundamentais da República a promoção do “(...)
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação” (art. 3º, IV).
A implementação pragmática da dignidade da pessoa humana exige o amparo, a
preservação, a real garantia de fatores e princípios que lhe oferecem suporte, quais sejam: o
direito à vida que é primordial, essencial e absoluto a qualquer outro direito , à
liberdade, à igualdade e, como anotado, a busca incessante da felicidade pessoal, familiar e
social, fulcro da convivência entre os seres humanos. Decerto, outros tantos direitos,
garantias, princípios, enfim, fatores inerentes à pessoa humana sufragam a eficácia de sua
dignidade, os quais, em cada situação fática, hão de ser valorados e sopesados quanto ao
fim almejado.
Tanto assim o é que, neste instante, imprescindível é a narrativa da visão de
Antonio Junqueira de Azevedo, o qual, após anotar a vida humana como valor
185
Malgrado essa concepção constitucional, houve por bem o legislador constituinte, especificamente ao
direito matrimonial, reprisar a isonomia entre os esposos, com o seguinte teor: “Os direitos e deveres
referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher” (art. 226, § 5º da CF).
186
Luiz Alberto David Araujo; Vidal Serrano Nunes Junior, Curso de direito constitucional, p. 90. Lembre-
se, contudo, o que, mais adiante, ditam esses autores: “No mais das vezes a questão da igualdade é tratada
sob o vértice da máxima aristotélica que preconiza o tratamento ‘igual aos iguais e desigual aos desiguais,
na medida dessa desigualdade’.” (Ibidem, mesma página).
71
preponderante da dignidade dessa pessoa posição essa incontestável , anota três
conseqüências diretas desse princípio fundamental: 1) respeito à integridade física e
psíquica da pessoa humana; 2) respeito às condições mínimas de vida; 3) respeito aos
pressupostos mínimos de liberdade e convivência igualitária entre os homens.
187
Em anotação à sobredita terceira conseqüência, complementa o autor: “Excluindo
o direito à vida e o direito à integridade física e psíquica, já tratados, relacionam-se com
esta conseqüência os demais ‘direitos de personalidade’ mas não em todos os seus
aspectos, e sim nos aspectos fundamentais; são, aqui, direitos que se prendem ao livre
desenvolvimento da pessoa humana no seu meio social.”
188
Outros tantos direitos, garantias e (ou) fatores, ainda que implícitos, poderão
sustentar a dignidade da pessoa humana, porquanto, como já mencionado neste trabalho, o
parágrafo 2º do mencionado artigo 5º da Constituição da República estatui que “os direitos
e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa
do Brasil seja parte”, do que se infere que a descrição dos direitos fundamentais contida no
artigo 5º é exemplificativa, uma vez que podem existir princípios implícitos, ou mesmo
outros decorrentes de tratados internacionais aos quais o país aderiu.
Sobre esse dispositivo constitucional, Flávia Piovesan leciona: “(...) os direitos
seriam organizados em três grupos distintos: a) o dos direitos expressos na Constituição
(por exemplo, os direitos elencados pelo texto nos incisos I a LXXVII do art. 5º; b) o dos
direitos expressos em tratados internacionais de que o Brasil seja parte; e finalmente, c) o
dos direitos implícitos (direitos que estão subentendidos nas regras de garantias, bem como
os direitos decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição).”
189
187
Antonio Junqueira de Azevedo, Réquiem para uma certa dignidade da pessoa humana, p. 343-347. Anota
ainda o autor: “O pressuposto e as conseqüências do princípio da dignidade (art. 1º, III da CR) estão
expressos pelos cinco substantivos correspondentes aos bens jurídicos tutelados no caput do artigo 5º da
CR; são eles: ‘vida’ (é o pressuposto), ‘segurança’ (1ª conseqüência), ‘propriedade’ (2ª conseqüência) e
‘liberdade’ e ‘igualdade’ (3ª conseqüência), sendo o pressuposto, absoluto e as conseqüências, ‘quase
absolutas’.” (Ibidem, p. 347).
188
Antonio Junqueira de Azevedo, ob. cit., p. 347.
189
Flávia Piovesan, Direitos humanos e o direito constitucional internacional, p. 89.
72
Essa distinção baseia-se na lição de José Afonso da Silva, da qual merece
destaque: “(...) ‘direitos individuais implícitos’, aqueles que estão subentendidos nas regras
de garantias, como o direito à identidade pessoal, certos desdobramentos do direito à vida,
o direito à atuação geral (art. 5º, II).”
190
Neste momento, com cunho meramente elucidativo, anota-se a lição de Manoel
Gonçalves Ferreira Filho sobre a eventual hierarquia entre a Constituição e um tratado:
“Embora haja quem pretenda ser a norma do tratado superior, sempre, à lei interna de tal
sorte que prevaleceria mesmo quando esta fosse a ela posterior, conquanto haja quem
pretenda, até, ser a norma do tratado superior à própria norma constitucional, nenhuma
destas duas teses encontra fundamento no direito brasileiro. Neste, três normas regem a
matéria: primeira, jamais norma de tratado prevalece sobre a Constituição; segunda, a
norma de tratado, desde que devidamente incorporada ao direito pátrio, prevalece sobre lei
interna anterior; terceira, tendo, porém, o mesmo nível na hierarquia das leis que a norma
interna, não prevalece sobre lei posterior (que pode revogá-la, derrogá-la etc.). É a lição de
José Francisco Rezek, o qual não deixa de advertir que, no último caso, o Estado brasileiro
continua, no plano do direito internacional, preso à obrigação que contraiu e pela lei
interna nova descumpre até que pelo caminho adequado se desvincule da obrigação
internacional contraída. Esta é presentemente a jurisprudência do STF, sendo caso padrão o
RE n. 80.004-SE, relatado pelo Min. Xavier de Albuquerque, em 1977. Este acórdão
insista-se subscreve as três teses assinaladas. Disto resulta prevalecer sempre o regime do
direito tal qual estabelecido na Constituição brasileira sobre o que estiver definido no
tratado, seja este anterior ou posterior à Constituição”. Conclui a análise dessas teses, com
a seguinte afirmação: “(...) se o Brasil incorporar tratado que institua direitos
‘fundamentais’, estes não terão senão força de lei ordinária. Ora, os direitos fundamentais
outros têm a posição de normas constitucionais. Ou seja, haveria direitos fundamentais de
dois níveis diferentes: um constitucional, outro meramente legal.”
191
Não obstante as sobreditas teses acerca da hierarquia entre os direitos
fundamentais constitucionais e os positivados por meio de tratados, o certo é que, no que
se refere à dignidade da pessoa humana e os demais direitos fundamentais daí advindos
(vida, liberdade, igualdade, honra, educação, saúde, etc.), todos inerentes à personalidade
190
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 197.
191
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Direitos humanos fundamentais, p. 99.
73
do homem, além dessa dignidade constar na Declaração Universal dos Direitos Humanos e
no Pacto de San José da Costa Rica, dentre outros, está estampada como fundamento na
própria ordem constitucional brasileira, ou seja, como direito fundamental explícito.
A dignidade, expresso fundamento da República brasileira, é inerente a todo e
qualquer ser humano; a proteção aos seus direitos de personalidade caracterizam e
tipificam sua tutela jurídica, dos quais sobressaem o direito à vida, à igualdade e à
liberdade, como solidificadores da dignidade da pessoa humana.
192
Realizadas essas digressões teóricas, com o intuito de assentar esse princípio
fundamental, faz-se mister a descrição de um conceito doutrinário de dignidade da pessoa
humana, optando-se pelo expressado por Ingo Wolfgang Sarlet, ante a monografia por ele
labutada exclusivamente sobre esse fundamento: “Assim sendo, temos por dignidade da
pessoa humana ‘a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o
faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem
a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham
a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar
e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da
vida em comunhão com os demais seres humanos’.”
193
Do que foi exposto, infere-se que o princípio da dignidade humana é o princípio
fundamental por excelência, verdadeiro vetor e balizador vestibular desde o esboço de um
192
Patrícia Pimentel de Oliveira ensina que “Diante do texto constitucional, a dignidade da pessoa humana é
o valor máximo do ordenamento, orientador de toda interpretação da legislação infraconstitucional,
aplicável em todos os ramos do direito. Assim, despiciendo é discutir se há um único direito subjetivo ou
classificar múltiplos direitos da personalidade. O que se busca é salvaguardar a pessoa humana sob todos os
aspectos.” (Da possibilidade de indenização entre cônjuges por dano à honra, p. 336).
193
Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de
1988, p. 59-60. Alerta o próprio autor, no entanto: “A despeito da proposta conceitual formulada,
reconhecemos a dificuldade (que acreditamos não seja exclusivamente nossa) de obter uma definição
consensual, precisa e, acima de tudo, universalmente válida do que seja, afinal de contas, a dignidade da
pessoa humana, a não ser a circunstância ainda assim resultado de uma opção racional de que se cuida
da própria condição humana (e, portanto, do valor intrínseco reconhecido às pessoas no âmbito das suas
relações intersubjetivas) do ser humano e que desta condição e de seu reconhecimento e proteção pela
ordem jurídico-constitucional decorre um complexo de posições jurídicas fundamentais.” (Ibidem, p. 143).
Merece transcrição, outrossim, a seguinte narrativa: “Como critério aferidor do que seja uma vida saudável,
parece-nos apropriado utilizar os parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde, quando se
refere a um completo bem-estar físico, mental e social, parâmetro este que, pelo seu reconhecimento amplo
no âmbito da comunidade internacional, poderia igualmente servir como diretriz mínima a ser assegurada
pelos Estados.” (Ibidem, p. 60).
74
projeto de norma legal, seja ele infra ou mesmo constitucional, como também no instante
da leitura, interpretação e aplicação pragmática desse texto. Esse fundamento
constitucional, no entanto, não sobrevive por si só, porquanto outros tantos direitos e
garantias sustentam sua eficácia no mundo jurídico, dos quais o direito à vida é o
primordial, pois sem vida, não há que se falar em dignidade.
Todavia, não se contenta apenas com a dignidade ou com a vida, ao contrário, a
inter-relação há de ser expressa e coerente, resultando na dedução lógica de que o ser
humano tem um direito imanente que lhe é natural e peculiar, só pelo fato de ser uma
pessoa humana que é o direito à vida, mas um direito à vida que há de ser digno.
A esse direito se interligam o direito à liberdade e à igualdade, todos tendo como
alvo primordial a assídua procura da felicidade pessoal, familiar e social, como meta a ser
atingida pelo ser humano racional.
Antecedente ao princípio da dignidade da pessoa humana, há um outro
fundamento, o qual lhe dá suporte, como também a todos os demais direitos, princípios e
garantidas, que é o fundamento da cidadania, fulcro na concepção do “direito a ter
direitos”; com efeito, o princípio da cidadania protege e garante a todo e qualquer ser
humano o direito a ser titular de direitos e obrigações no mundo jurídico e, por
conseguinte, a faculdade de usufruí-los dignamente.
A interpretação consentânea desses fundamentos constitucionais (cidadania e
dignidade) conduz à ilação de que é direito fundamental de todo e qualquer ser humano ser
titular de direitos fundamentais, em quaisquer de suas espécies. Aliás, assim se expressa
Ingo Wolfgang Sarlet: “Neste contexto, expressando a noção de pessoa como sujeito de
direitos e obrigações, talvez o mais correto fosse afirmar que, com fundamento na própria
dignidade da pessoa humana, poder-se-á falar também em um direito fundamental de toda
a pessoa humana a ser titular de direitos fundamentais que reconheçam, assegurem e
promovam justamente a sua condição de pessoa (com dignidade) no âmbito de uma
comunidade.”
194
194
Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de
1988, p. 96.
75
A cidadania e a dignidade da pessoa humana, estampadas no artigo 1º, incisos II e
III da Constituição da República Federativa do Brasil são os fundamentos que, com
prioridade, hão de sufragar a confecção e conseqüente leitura de todo o sistema jurídico
brasileiro, referendados e seqüenciados pelos outros direitos e garantidas fundamentais
dessa pessoa direitos da personalidade , dentre os quais, o direito à vida é o primordial,
sem o qual, inexiste razão para se questionar a proteção aos demais.
3 A FAMÍLIA: DIREITO, COMPOSIÇÃO E CARACTERÍSTICAS
O direito de família passou por enormes e profundas transformações no decorrer
do século XX, mormente tomados como pontos inicial e final de análise, respectivamente,
os Códigos Civis de 1916 e de 2002. Aliás, como anotado, neste último, dentre os ramos
do direito civil, foi o que suportou verdadeira reforma legislativa em sua acepção fática e
jurídica. Essa reforma retrata a atualização que se fazia imprescindível do direito para
amparar as mudanças implementadas pela sociedade contemporânea.
A reforma jurídica do direito de família propriamente dita, no entanto, operou-se
com a promulgação da Constituição da República vigente, ocorrida em 5 de outubro de
1988, este sim o divisor de águas entre o antigo e o atual direito familiar; este é o momento
do corte epistemológico do direito para reproduzir a família pretérita e a família presente.
O Código Civil de 2002, instituído pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002,
apenas atualizou o que o constituinte de 1988 delineou e positivou, e, assim mesmo,
escamoteando alguns institutos
195
e camuflando outros
196
, talvez por timidez, receio ou um
pouco de ortodoxia; mais progressista, arrojado e heterodoxo foi aquel’outro, ao encampar
em nível constitucional a nova sociedade familiar, que retrata o efetivo comportamento
social, implementando igualitários efeitos, independentemente do modo e forma de sua
constituição e formação.
A sociedade transforma-se
197
, as relações familiares transformam-se e os seres
humanos também se transformam com o caminhar dos tempos. Em face dessas mutações,
os textos legislativos, dentro do possível, têm o dever de acompanhar e amparar essas
195
Esqueceu-se o legislador de 2002 de se referir à família monoparental, explicitamente prevista na Carta
Federal de 1988 em seu artigo 226, parágrafo 4º.
196
Ao tratar de forma tacanha, frente à sua especial repercussão social, a união estável, como acima anotado;
contudo, consoante leciona Eduardo de Oliveira Leite, só pela inserção dessa matéria na legislação civil
ordinária codificada merece reconhecimento e aplausos (Direito civil aplicado, direito de família, v. 5, p.
417).
197
Ao conceituar o que se entende por mudança social, Maria Benedita Lima Della Torre leciona: “Se
observarmos um pião veremos que ele só se mantém em pé quando em movimento. De maneira
semelhante, os grupos e as sociedades estão constantemente se modificando, embora, às vezes, tão
lentamente que chegamos a supor que estejam estáticos. Nenhuma sociedade é perfeitamente igual a si
mesma em dois momentos sucessivos de sua história. A vida social é dinâmica, realiza-se por meio de
processos que conduzem ao estabelecimento de relações e estruturas sociais que vão se alterando ao passar
do tempo.” (O homem e a sociedade: uma introdução à sociologia, p. 156).
77
mutações, para satisfazer aos interesses comunitários, familiares e pessoais, pena de se
tornar retrógrado e obsoleto. Inolvidável que, se essas atualizações legais inocorrerem,
competirá ao exegeta do direito sufragar essas mudanças sociais, familiares e pessoais,
aplicando-as consoante o contexto reinante naquele momento.
Rodrigo da Cunha Pereira em referência a essas mutações, confirma-as com os
seguintes dizeres: “O Direito, especialmente o de Família, tem sofrido grandes
transformações nos últimos tempos. Nunca se mudou tanto, em tão pouco tempo, a
legislação sobre o Direito de Família. O porquê dessas mudanças instiga-se a refletir sobre
o momento histórico em que estamos inseridos: final de século, limiar do terceiro milênio.
A estrutura patriarcal está se transformando. (...) O avanço do Direito em relação a esses
conceitos tem-se dado mais pela pressão da sociedade e da cultura, sem que exista estudo
sistemático interdisciplinar daqueles que trabalham no campo estritamente jurídico.”
198
Poder-se-ia argumentar que o legislador ideal seria aquele que, por astúcia e
perspicácia, antevisse as necessidades e eventuais variações comportamentais do seu povo
e, com isso, previamente editasse as normas legais regulamentando toda a forma de agir, as
conseqüências jurídicas do fazer ou não fazer, com as reprimendas e sanções ao
inadimplemento do que fora estatuído. Todavia, como parece lógico e crível, isso é
humanamente irreal, ante a efetiva dinâmica social, que se alterna entre ligeiras e
vagarosas nuanças.
199
Malgrado o sonho científico, há que se ater ao real, verídico e palpável, e, em
assim sendo, a sociedade metamorfoseia-se, enquanto o legislador posteriormente procura
ampará-las legisferando, como pontifica José Renato Nalini, “a legislação reproduz a
ideologia do tempo em que é produzida”
200
. Por seu turno, o intérprete e o aplicador da
norma legal devem de atualizá-la no contexto social da produção dos seus efeitos jurídicos
na prática cotidiana.
201
198
Rodrigo da Cunha Pereira, Direito de família: uma abordagem psicanalítica, p. 13-14.
199
Fábio Konder Comparato, ao explicar da finalidade do estudo da Filosofia do Direito, afirma que um de
seus pontos fulcrais “(...) é que a visão filosófica nos permite visualizar a oposição permanente entre direito
ideal e direito vigente” (O direito como parte da ética, p. 4).
200
José Renato Nalini, A família brasileira do século XXI, p. 12.
201
Alerta Sérgio Gischkow Pereira: “Ao direito cabe elaborar os textos legais mais adequados à nova
realidade da família e interpretá-los consentaneamente, evitando a cristalização, a mumificação e o nocivo
descompasso entre um povo e seu direito.” (Estudos de direito de família, p. 61).
78
Leciona Álvaro Villaça Azevedo: “Se é correto que o legislador deve legislar com
realidade, com a máxima fidelidade ao que acontece, mais verdadeiro ainda é o
pensamento de que deve buscar, no destinatário da norma, o homem, o fundamento natural
de sua conduta. Primeiro, existe a natureza do ser humano; depois, a regulamentação de
seu comportamento, que não pode apartar-se daquela, para não ser irreal, indevida e
injusta. (...) O direito deve preservar um mínimo de segurança, sempre; para que não se
possibilite o crescimento das iniqüidades.”
202
Merece ser ressaltado que, ao se falar em mudança de comportamentos da
sociedade, da família e do próprio ser humano, cautela há de reinar, e, por isso, a utilização
corriqueira dos termos transformação ou mutação, sem adentrar ao cerne desse ato fático,
muito menos em adjetivá-lo. Mormente, trata-se de evolução ou retrocedimento social e de
fato, essa adjetivação demandaria análise sociológica séria, profunda e pormenorizada,
fugindo do escopo que aqui se tem a intenção de atingir.
Despreocupa-se, pois, com a qualificação dessa metamorfose social (evolução ou
retrocesso), pois o que é irrefutável é sua transformação no decorrer do tempo e no espaço,
e, no caso aqui em análise, merece ser enfocada a que repercutiu no seio da sociedade
familiar, ou seja, a mudança social que gerou e gera a nova ótica de concepção da família
brasileira, com repercussão na vida pessoal de cada ser humano que a compõe.
Em sendo a família uma entidade em que pessoas interagem, é ela uma espécie de
sociedade, diga-se até uma microssociedade, mas uma sociedade no sentido de que há o
convívio social de pessoas interligadas, na maioria da vezes pelos laços de sangue;
destarte, jungida está às conseqüências decorrentes das alterações produzidas na sociedade
mor que integram, diga-se, aqui, macrossociedade, mantendo, quanto possível, as
idiossincrasias de cada qual dos membros que a compõe.
203
Ao discorrer sobre essas transformações, Cristina de Oliveira Zamberlam, em seu
estudo monográfico, argumenta: “Evidencia-se que o comportamento da humanidade, não
apenas na família, mas na sociedade em geral, passa por transformações. Transformações
202
Álvaro Villaça Azevedo, Direitos humanos: família, sua constituição e proteção, p. 12.
203
Rui Carvalho Piva acrescenta: “Devemos identificar na família uma unidade social e reconhecer que em
algum momento e em algum lugar o parentesco foi a instituição social que estruturou o grupo, a
sociedade.” (A legitimidade da família para tutelar interesses difusos, p. 456).
79
essas que são reflexos da cultura, do processo econômico, político e social, assim como de
suas instituições; as quais acarretam modificações na rede de relações sociais, afetivas e
emocionais entre os elementos do núcleo familiar, sua interação e sua organização
interna.”
204
É o vulgar efeito dominó, pois, se a pessoa altera, ainda que paulatinamente, seu
comportamento, com o passar, modificará o seu convívio social e, sendo a família o
primeiro círculo social em que ela interage
205
, essa sociedade familiar será afetada e, por
conseguinte, modificará a forma de interação das pessoas que a compõe, entre si e com
outros grupos sociais; essa mudança comportamental gerará outra mudança, no decorrer
dos tempos, agora da sociedade maior na qual aquela (familiar) estiver inserida, e assim
sucessivamente, os relacionamentos sociais, passo a passo, em cada núcleo social singular,
sofrerão modificações, redundando na alteração do próprio convívio social.
A mudança de comportamento da sociedade micro, em face da interação entre as
pessoas que a constituem, resultará, com o tempo, na transformação do comportamento da
sociedade macro, na qual aquela está integrada
206
. E vice-versa, porquanto a sociedade
mor, com o passar, pode ditar a alteração da forma de agir da sociedade micro, que é a
familiar.
207
204
Cristina de Oliveira Zamberlam, Os novos paradigmas da família contemporânea: uma perspectiva
interdisciplinar, p. 8.
205
Para Maria Benedita Lima Della Torre: “A família é normalmente o primeiro grupo social a que
pertencemos, e entre todas as instituições sociais é aquela com a qual mantemos contatos mais íntimos.
Grande parte da vida e os acontecimentos importantes em geral (nascimento, casamento, morte) o indivíduo
vive na família. Pelas funções que desempenha é considerada instituição fundamental na sociedade.” (O
homem e a sociedade: uma introdução à sociologia, p. 188).
206
Sérgio Gischkow Pereira comenta: “Sempre foi sustentado que as modificações na família conduzem às
modificações na sociedade; só por aí se pode ver a importância enorme que o direito de família possui. A
maior solidariedade e fraternidade na família repercute em uma coletividade mais solidária.” (Estudos de
direito de família, p. 35-36).
207
Leciona Luiz Carlos Osório, sob o enfoque psicanalítico, “que a família é um agrupamento humano
cambiante e sua estrutura e funções estão intrinsecamente vinculadas às mudanças de paradigma sócio-
cultural ao longo do processo civilizatório” (Família hoje, p. 45). Com idêntico olhar psicanalítico, Giselle
Câmara Groeninga ensina que “(...) ao dizermos que a família evolui no tempo e se organiza em função de
suas finalidades e do ambiente, estamos enfatizando novamente não só a interação entre os seus membros,
mas dela em relação ao social. Interação humana, necessariamente afetiva. Ela é paradigmática e base,
dando sustentação à estrutura social, mas que necessita, por sua vez, do suporte das instituições. Em
relação direta com a sociedade, sofre suas influências ao mesmo tempo em que por ela é influenciada, em
uma relação dialética” (Família: um caleidoscópio de relações, p. 136 destacou-se). Para o filósofo Sílvio
Romero: “A família em si é um fenômeno tão considerável que se estende por quase todas, se não todas as
instituições e todas as ciências que se ocupam do homem. (...) A família é uma base fundamental da
existência humana, superior a qualquer dessas formações políticas que hão nome de tribo, nação, Estado
(...).” (Ensaio de filosofia do direito, p. 134).
80
Francisco Amaral apresenta a necessária interdisciplinariedade entre a sociologia
e o direito, no que tange ao estudo da família, pois é ela “(...) uma das instituições
fundamentais da sociedade”.
208
Vários fatores são apresentados pelos sociólogos como determinantes da mudança
social, dentre os quais Maria Benedita Lima Della Torre, que descreve os que entende
primordiais: geográficos, biológicos, sociais, intelectuais, técnicos e econômicos.
209
Decerto que a mutação social brasileira decorreu e decorre de inúmeros desses
fatores, e outros tantos, podendo-se citar os direitos assegurados à mulher, igualando-os
aos dos homens; a expressa proteção à criança, ao adolescente e ao idoso; com “o advento
da pílula anticoncepcional e a conseqüente liberalização da sexualidade”
210
, uma nova
contextualização do amor na formação familial; e, até mesmo, o surgimento da televisão
nos lares brasileiros, dentre outras conseqüências, aguçando o consumismo individual.
Esses fatores infundiram transformações na sociedade que repercutiram, direta ou
indiretamente, na família brasileira, sobretudo no convívio familiar, os quais foram
afligidos meramente no comportamento das pessoas, pois a instituição família, em si,
permanece sólida, perene e como eterna célula mater da sociedade.
211
Sobre essas mutações, Eduardo Espínola alerta que “a despeito das críticas e das
vicissitudes que, em alguns períodos da história, e ainda recentemente, lhe têm posto à
prova os alicerces, a família subsiste, e é considerada em todos os países e em todos os
sistemas legislativos como instituição necessária, cercada, no momento atual da
civilização, de favores inspirados pela religião e pela moral e aos quais a lei confere
garantia coercitiva”
212
. E, em nota de rodapé, traz a narrativa de Pietro Cogliolo, que
208
Francisco Amaral, Direito constitucional: a eficácia do Código Civil brasileiro após a Constituição Federal
de 1988, p. 310. E complementa o autor: “Seu estudo interessa à Sociologia, como realidade ética, política
e social, e ao Direito, como realidade social que se constitui em fonte de relações sociais de reconhecida
importância, pelos interesses individuais e coletivos que encerra, base de futuras pretensões, fonte de
efeitos jurídicos.” (Ibidem, p. 310-311).
209
Maria Benedita Lima Della Torre, O homem e a sociedade: uma introdução à sociologia, p. 161-163.
210
Cristina de Oliveira Zamberlam, Os novos paradigmas da família contemporânea: uma disciplina
interdisciplinar, p. 34.
211
Para Carlos Alberto Bittar: “A idéia central de toda a estruturação da matéria é a da conceituação da
família como célula maior da sociedade e base do Estado, que a deve proteger, como elemento anterior e
essencial à sua subsistência.” (O direito civil na Constituição de 1988, p. 62).
212
Eduardo Espínola, A família no direito civil brasileiro, p. 12-13.
81
merece destaque: “(...) A família poderá evoluir ainda muito, mas não desaparecerá; a
mulher deverá (estou disso convencido) aumentar os seus direitos e melhorar sua condição
atual; o Estado poderá intervir em grau maior na educação dos filhos; o patrimônio do pai e
o dote poderão ser submetidos a limites e interdições mais numerosos; mas a família não
desaparecerá, tendo mostrado em todos os tempos possuir uma admirável faculdade de
adaptar-se às novas coisas e ao novo progresso. A grandeza das nações se funda sobre a
grandeza e a moralidade das famílias, as quais são os viveiros dos bons cidadãos e dos
soldados fortes.
213
(destacou-se).
Com essas breves digressões sociais, há que se analisar, em âmbito jurídico, a
mutação da família e, portanto, do direito de família que é o ramo mais dinâmico do
direito civil, senão do próprio direito, no qual incidem imediatamente as mutações sociais
, sendo certo que, para isso, faz-se mister repassar, mesmo que perfunctoriamente, pelas
normas legais editadas no Brasil, das codificadas às especiais e, sobretudo, às
constitucionais, as quais, direta ou indiretamente, repercutiram na acolhida da
transformação social da família brasileira.
Carlos Alberto Bittar afirma: “Por longa evolução passou o Direito de Família, em
função do próprio desenvolvimento da vida humana em sociedade e das diferentes
mudanças de costumes e de idéias verificadas através dos tempos. Podem-se, em linhas
gerais, divisar as tendências básicas no curso da História, a partir de duas constatações: a
da proeminência, ou não, do homem na sociedade conjugal e a das funções exercidas pela
família no decorrer das diferentes épocas.”
214
Inegáveis as modificações comportamentais das pessoas que compõem o grupo
familiar, todavia indelével é a posição fática da família como porto seguro de seus
membros, local de aconchego, tranqüilidade e de festejo das conquistas, triunfos e glórias
pessoais, assim como da busca de apoio, amparo, compreensão e soluções das diretrizes e
metas a serem empreendidas na angustiante tarefa diária individual; ou, com as palavras de
213
Pietro Cogliolo, Filosofia do direito privado, 1898, p. 286, apud Eduardo Espínola, A família no direito
civil brasileiro, p. 12.
214
Carlos Alberto Bittar, Direito de família, p. 5.
82
Álvaro Villaça Azevedo: “A família é o ninho, o local de recesso, onde o homem se
resguarda ao final de cada dia.”
215
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka destaca “(...) que há uma
imortalização na idéia de família. Mudam os costumes, mudam os homens, muda a
história; só parece não mudar esta verdade, vale dizer, a atávica necessidade que cada um
de nós sente de saber que, em algum lugar, encontra-se o seu porto e o seu refúgio, isto é, o
seio de sua família, este locus que se renova sempre”.
216
Complementa Gustavo Tepedino que a família é “(...) o ponto de referência
central do indivíduo na sociedade; uma espécie de aspiração à solidariedade e à segurança
que dificilmente pode ser substituída por qualquer outra forma de convivência social”.
217
A família, efetivamente, é local de respaldo pessoal e psicológico diuturno de seus
integrantes, para o alento de novos ideais, como ressalta João de Matos Antunes Varela, ao
discorrer sobre a evolução social familiar: “A família converteu-se num lugar de ‘refúgio’
da ‘intimidade’ das pessoas contra a ‘massificação’ da sociedade de consumo. Ela constitui
hoje um centro de ‘restauração’ da personalidade do indivíduo contra o ‘anonimato’ da rua.
Essa é a fisionomia ‘social típica’ da chamada família ‘celular’ ou ‘nuclear’, ou seja, da
família reduzida à sua ‘célula’ fundamental, circunscrita ao seu ‘núcleo’ irredutível.”
218
Ver-se-á que a definição da família, quando da edição do Código Civil de 1916,
que poderíamos chamar de conceito tradicional, não se coaduna com a concepção familiar
reinante; a família depois da Constituição Federal de 1988 possui conotação jurídica e
social diversa da do florescer do século XX
219
, sua estrutura hodierna estabelece um
paradoxo com a de então, o que não resulta na expurgação social e jurídica da família
constituída pelo matrimônio, que permanece como uma das espécies de vínculo familiar no
contexto hodierno, base sólida também da sociedade brasileira, como se pretende
demonstrar.
215
Álvaro Villaça Azevedo, Direitos humanos: família, sua constituição e proteção, p. 17.
216
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Família e casamento em evolução, p. 8.
217
Gustavo Tepedino, Temas de direito civil, p. 328.
218
João de Matos Antunes Varela, Direito da família, p. 33.
219
Sérgio Gischkow Pereira acrescenta: “Os dados sociais e psicológicos da família se alteraram fortemente
no século XX, e assim prossegue no presente século.” (Estudos de direito de família, p. 61).
83
3.1 Conotação histórica
Há que se inaugurar este tópico com a lição de Renan Lotufo, in verbis: “Se
queremos enfrentar o tema do Direito de Família, temos que fazer uma revisão, e essa
revisão é histórica e por isso começa na interdisciplinariedade; temos que ver o que é e o
que se considera família, e o que este conceito resultou em termos de direito positivo”
220
.
Destarte, há que se perpassar por alguns caminhos históricos, mormente os legislativos,
para que se possa extrair finalmente a compreensão estrutural da família contemporânea,
valendo-se, para tanto e quando se entender necessário, de estudos interdisciplinares, com
proeminência dos da sociologia e psicanálise.
Historia José Reinaldo de Lima Lopes: “O que não falar da história da família?
Nada mais natural, dizem alguns, do que a união de homem e mulher. Sim, mas em termos.
Que os homens sejam atraídos pelas mulheres e vice-versa e que desta atração mútua
surjam amores e filhos, pode-se dizer que é uma regularidade da natureza. Mas que o
‘casamento’ ou o ‘matrimônio’ sejam por isto mesmo sempre a mesma coisa em toda parte
e em todo o tempo é uma afirmação que um historiador não pode fazer.”
221
A Constituição da República de 1988 estabelece que “a família, base da
sociedade
222
, tem especial proteção do Estado” (art. 226, caput); por império
constitucional, a família é uma entidade na qual toda a sociedade deve estar embasada,
merecendo peculiar proteção do Poder Público.
220
Renan Lotufo, Separação e divórcio no ordenamento jurídico brasileiro e comparado, p. 207.
221
José Reinaldo de Lima Lopes, O direito na história: lições introdutórias, p. 20.
222
Impõe a Carta Federal, outrossim, como um de seus objetivos fundamentais, a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I); com efeito, se a família é a base da sociedade, a sociedade
familiar há de ser livre, justa e solidária, para que, na posição de microssociedade, possa estabelecer plena
consonância com a sociedade maior (macrossociedade). Anota Álvaro Villaça Azevedo: “A vida familiar
com segurança jurídica é o ideal, também porque o Estado está preocupado com sua própria existência. A
família é seu forte, seu sustentáculo, sua própria vida, a menor porção da sociedade, dentro do lar. E a
família, por sua vez, encontra sua força na convivência pacífica e segura de seus membros, irmanados no
amor. (...) toda a estrutura da sociedade e do Estado repousa na noção de família.” (Direitos humanos:
família, sua constituição e proteção, p. 18 e 21).
84
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral
das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948
223
, estabelece em seu artigo XVI, item 3
que: “A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da
sociedade e do Estado”; essa proteção familiar também está estampada no artigo 17 da
Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como “Pacto de San José da Costa
Rica”, cujo parágrafo 1 praticamente repete a sobredita determinação universal.
224
Na língua portuguesa, é corriqueira a apresentação de pluralidade de significados
aos vocábulos em geral, como sói acontecer com a palavra família, não só no aspecto
lingüístico, como na seara jurídica. Faz-se mister, neste ponto, um breve relato semântico
dessa expressão, para, ao depois, analisá-la no contexto jurídico.
Família, no glossário, é definida como: “[Do lat. familia] S. f. 1. Pessoas
aparentadas, que vivem, em geral, na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos.
2. Pessoas unidas por laços de parentesco, pelo sangue ou por aliança. 3. Ascendência,
linhagem, estirpe (...).”
225
Imprescindível neste estudo é o ensino de Virgílio de Sá Pereira, dentre outros
aspectos, sobre a etimologia da palavra família, cuja origem, acima descrita, é latina, que a
recebera do sânscrito: “A radical fam é a mesma radical dhã da língua ariana, que significa
‘pôr’, ‘estabelecer’, exprimindo portanto a idéia de ‘fixação’, de ‘estabilidade’. Esta idéia é
223
Esclarece Alexandre de Moraes: “A referida Declaração prevê somente normas de direito material, não
estabelecendo nenhum órgão jurisdicional internacional com a finalidade de garantir a eficácia dos
princípios e direitos nela previstos. O Brasil assinou a Declaração Universal dos Direitos Humanos na
própria data de sua adoção e proclamação, 10.12.1948” (Direitos humanos fundamentais: comentários aos
arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 37).
224
Artigo 17, § 1: “A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela
sociedade e pelo Estado”. Ensina Alexandre de Moraes que “importante ressaltar algumas previsões da
Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica, de 22.11.1969, que
reafirmaram o propósito dos Estados americanos em consolidar no continente, dentro do quadro das
instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos
direitos humanos essenciais”, e complementa: “Ressalte-se, portanto, que diferentemente da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, o Pacto de San José da Costa Rica não traz somente normas de caráter
material, prevendo órgãos competentes para conhecer dos assuntos relacionados com o cumprimento dos
compromissos assumidos pelos Estados-partes. Esses órgãos são a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.” (Direitos humanos fundamentais: comentários
aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, p. 39).
Daniela Rodrigues Valentim e Roberto Mendes Mandelli Júnior afirmam que o Brasil aderiu formalmente
ao Pacto de San José da Costa Rica, “(...) aprovando seu referido texto, em 25 de setembro de 1992, por
decreto legislativo, depositando a respectiva carta de adesão no dia 6 de novembro do mesmo ano, pelo
Decreto n. 678 de 6.11.1992” (Convenção Americana de Direitos Humanos, p. 327).
225
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Novo dicionário da língua portuguesa, p. 755.
85
a que ligamos a certos bens, que por isso mesmo chamamos imóveis, melhor os
chamaríamos ‘estáveis’, avultando dentre eles, em primeiro lugar, o solo, a terra Terra in
aeternum stat, – e, logo em seguida, a ‘casa’. Em sânscrito a voz com que se nomeia casa é
dhâman, a qual, pela mudança do ‘dh’ em ‘f’, deu em dialetos do Lácio, como o osco, a
palavra faama, donde, no dizer de Festus, famulus e famel, o servo, e destes familia, cuja
desinência exprime coletividade. (...) Famuli deviam ter sido indistintamente chamados, a
princípio, todos os que habitavam a casa, e familia o conjunto deles.”
226
No campo biológico, considera-se família a comunidade formada por uma pessoa
e aquelas que geneticamente delas descendem, eminentemente ligada ao vínculo
consangüíneo, portanto ao binômio filiação e paternidade/maternidade.
O médico e psicanalista Luiz Carlos Osório traz a seguinte definição do que se
entende por família: “Família é uma unidade grupal onde se desenvolvem três tipos de
relações pessoais aliança (casal), filiação (pais/filhos) e consangüinidade (irmãos) e
que a partir dos objetivos genéricos de preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência
e fornecer-lhe condições para a aquisição de suas identidades pessoais, desenvolveu
através dos tempos funções diversificadas de transmissão de valores éticos, estéticos,
religiosos e culturais.”
227
Oferece outrossim, segundo sua ótica, a evolução e mutação social da família,
com enfoques em sua estrutura, objetivos, sexualidade, casamento e aumento demográfico,
ao longo das eras, desde a “família aristocrática” até a por ele denominada “família da
aldeia global do limiar do século XXI”. Afirma, por fim, que a família continua firme,
íntegra e mais viva, “(...) do que nunca. Indícios desta sua vitalidade são: a tendência
contemporânea em buscar-se no âmbito da vida familiar as saídas para o mal-estar vigente
na ‘aldeia global’ que habitamos, a retomada do interesse por seu estudo nas ciências
humanas em geral e a inclinação a considerar-se as terapias familiares como abordagem
psicoterápica mais adequada a nossos tempos”.
228
226
Virgílio de Sá Pereira, Direito de família, p. 32. Eduardo de Oliveira Leite também dita que “a palavra
família, como a entendemos hoje, é de origem romana, famulus, que significa escravo. O termo se originou,
provavelmente, da palavra osca famel (servus) que quer dizer escravo” (Direito civil aplicado: direito de
família, v. 5, p. 23).
227
Luiz Carlos Osório, Família hoje, p. 16.
228
Ibidem, p. 11-12.
86
A também psicanalista, mas psicóloga e mediadora, Giselle Câmara Groeninga
assim define a família: “(...) como um sistema e, como tal, um conjunto de elementos em
interação, que evolui no tempo e se organiza em função de suas finalidades e do ambiente.
Como fato social total, ela é tanto uma relação privada quanto uma instituição em que se
estabelecem ligações particulares, afetivas e econômicas. Há uma divisão de tarefas,
responsabilidades e poderes. Cada família se estrutura de forma original. (...) Ao
definirmos a família como um sistema, estamos trazendo a noção de que um sistema é
maior do que a soma das partes. E mais, são elementos em interação que mantêm uma
relação de interdependência.”
229
A socióloga Maria Benedita Lima Della Torre informa que a família brasileira
está sedimentada nos princípios da monogamia, exogamia e é multilinear, os quais assim
define: “Monogâmica: o casamento permite que cada esposo tenha apenas um cônjuge,
quer seja uma aliança indissolúvel (até a morte), quer se admita o divórcio (nesse caso os
vínculos são rompidos legalmente e outros podem ser estabelecidos). (...) exogamia é o
casamento com elementos de outros grupos. (...) O casamento exogâmico é o tipo
encontrado na maioria das sociedades modernas, e baseia-se no tabu da proibição do
incesto. (...) multilinear (considera parente tantos os de linhagem materna como paterna.
Há, entretanto, certa predominância do sistema patrilinear, uma vez que os filhos recebem
o nome do pai).”
230
Em seara psicanalítica, Jacques Lacan leciona que “a família surge inicialmente
como um grupo natural de indivíduos unidos por uma dupla relação biológica: a geração,
que dá os componentes do grupo; as condições do meio que o desenvolvimento dos jovens
postula e que mantém o grupo na medida em que os adultos geradores asseguram sua
função”.
231
As vetustas, mas ainda presentes narrativas de Virgílio de Sá Pereira são
pertinentes neste momento: “A família é um fato natural. Não a cria o homem, mas a
229
Giselle Câmara Groeninga, Família: um caleidoscópio de relações, p. 136.
230
Maria Benedita Lima Della Torre, O homem e a sociedade: uma introdução à sociologia, p. 192-195.
231
Jacques Lacan, Os complexos familiares na formação do indivíduo: ensaio de análise de uma função em
psicologia, p. 11.
87
natureza. (...) Mas sempre vos direi que o legislador não cria a família, como o jardineiro
não cria a primavera.”
232
Com efeito, pelo que se depreende, o relacionamento familiar independe de
império legal, porquanto decorre da interação natural entre os seres humanos, o que se
evidenciará, como mais vagar, mais adiante, sobretudo com a fixação da atual condição
básica para a sua constituição, inclusive sob a ótica da proteção legal e estatal.
Um dos escopos deste trabalho é desvendar o conceito jurídico atual da
instituição família, no direito positivo, o que conduz ao discurso, mesmo que em breves
narrativas, sobre sua existência e constituição nos direitos romano e canônico, nos quais a
família brasileira encontrou respaldo para, depois, analisada a evolução legislativa, infra e
constitucional, obter-se elementos seguros e suficientes para respaldar a sua concepção
vigente.
No direito romano, imperava a figura do pater familias, em que o pai que tinha
esposa e concubinas, tantas quantas quisesse e conseguisse manter exercia plenos
poderes sobre as pessoas e bens dos membros de sua família, agia como sacerdote, senhor
e magistrado, pois “comandava, oficiava o culto dos deuses domésticos (penates) e
distribuía justiça”
233
. Com isso, exercia o poder sobre as pessoas e bens de seus filhos, de
seus descendentes (netos e bisnetos) e da mulher, tomava todas as decisões, tudo lhe
pertencia, inclusive poderes extremos de puni-los fisicamente, até com a morte, ou com a
venda dessas pessoas a terceiros, como se fossem verdadeiros objetos. Era um poder
aristocrático, com império da vontade, única e exclusiva, do pater familias, a figura do
supremo chefe paternal.
José Carlos Moreira Alves
234
leciona que nesse direito o estudo da família torna-
se complexo, “(...) pois, juridicamente, têm de ser levados em consideração cinco grupos
de pessoas vinculadas pelo parentesco ou pelo casamento”, e os esclarece:
232
Virgílio de Sá Pereira, Direito de família, p. 89.
233
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil: direito de família, v. 5, p. 26.
234
José Carlos Moreira Alves, Direito romano, v. 2, p. 245-246.
88
“a) a gens, cujos membros, que se denominavam gentiles, julgavam descender de
um antepassado comum, lendário e imemorável, do qual recebiam o nome gentílico (e era
esse nome, e não, necessariamente, o parentesco consangüíneo, que os unia);
b) a familia comuni iure, conjunto de pessoas que, sendo agnadas (isto é, ligadas
por parentesco agnatício
235
‘vide’ n. 85), estariam sujeitas à potestas de um pater
familias comum’, se ele fosse vivo;
c) o ‘conjunto de cognados em sentido estrito’, isto é, aqueles que, não sendo
agnados uns dos outros, estavam ligados apenas pelo parentesco consangüíneo;
d) a familia proprio iure, o complexo de pessoas que se encontravam sob a
potestas de um pater familias; e
e) a ‘família natural’ (denominação devida a romanistas modernos), agrupamento
constituído apenas dos cônjuges e de seus filhos, independentemente de o marido e pai ser,
ou não, pater familias da mulher e dos descendentes imediatos.”
Por fim, menciona que o principal objetivo de estudo da família romana centra-se
na familia proprio iure e na família natural.
Na familia proprio iure, na vigência do direito pré-clássico, o poder do pater
familias era absoluto, como visto, sobre a pessoa e bens de seus subordinados (esposa,
descendentes e inclusive os filhos adotivos). Por isso, imperam duas categorias de pessoas:
o pater familias, que é o chefe, pessoa sui iuris (independente), caracterizado pelo homem
que não tenha ascendente vivo, na linhagem paterna, ao qual esteja subordinado; destarte, a
ele estarão subordinados os filii familias, denominados de alieni iuris, “(...) categoria que
abrange a esposa do pater familias, seus descendentes (inclusive adotivos) e mulheres”.
236
Eduardo de Oliveira Leite complementa esse estudo, ditando que “(...) na noção
romana de família, que serviu de paradigma ao mundo ocidental, a família representava um
conjunto enorme de pessoas que se encontrava subordinada ao pater familias. A noção é
235
Na lição de José Carlos Moreira Alves: “No direito romano havia duas espécies de parentesco: o agnatício
(agnatio = agnação) e o cognatício (cognatio = cognação). O parentesco agnatício é o que se transmite
apenas pelos homens; o cognatício é o que se propaga pelo sangue, e, em conseqüência, tanto por via
masculina, quanto por via feminina.” (Direito romano, v. 1, p. 108).
236
José Carlos Moreira Alves, ob. cit., v. 2, p. 249.
89
fundamental porque revela que, na origem, a noção de família decorre, de um lado, da
idéia de subordinação (dos escravos e parentes) e de outro, da idéia de poder e mando”.
237
Virgílio de Sá Pereira reprisa e sintetiza que a família romana é eminentemente
patriarcal, sendo o pai o sacerdote e magistrado no interior dessa família, e conclui: “(...)
que a organização da família romana primitiva assentava sob o princípio da autoridade, era
uma instituição por assim dizer política, sob a forma aristocrática e monárquica.”
238
Historia Caio Mário da Silva Pereira, sob o enfoque canônico, que a concepção
cristã da família reinou no direito romano a partir do século IV, sob o império de
Constantino, concepção essa que perdurou mesmo na fase pós-romana, quando a família
foi reduzida ao relacionamento entre pais e filhos, com a descrição primária da família
nuclear, incluindo-se o sacramento desse grupo.
239
Sílvio Marques Júnior, a respeito da família romana, referenda que esse sistema
patriarcal sofreu “(...) influência do cristianismo, que com suas idéias arejadas trouxe à
família grandes benefícios e não pequenas transformações. Com o cristianismo o
casamento passou a ser fundamentado pelo matrimônio religioso. Para os católicos de toda
a terra o matrimônio constitui um sacramento, sendo sagrado e indissolúvel”.
240
Sem adentrar ao mérito da concepção, com intuito meramente esclarecedor,
citadas pelo mesmo professor Sílvio Marques Júnior são as palavras do Papa Pio XII,
proferidas na Encíclica Arcanum Divinae Sapientiae, onde se comprova a rigidez imposta
pela Igreja Católica quanto à direta ligação entre família e casamento, que é vitalício: “A
família é de origem natural e divina: o primeiro casal foi criado por Deus. Eram Adão e
Eva destinados a uma união indissolúvel. O casamento, alicerce da família é contrato livre
e inviolável e perpétuo em sua essência. Unicamente a morte de um dos cônjuges autoriza
o outro a contrair novas núpcias. O matrimônio para as pessoas batizadas é um sacramento.
237
Eduardo de Oliveira Leite, Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 23.
238
Virgílio de Sá Pereira, Direito de família, p. 45, 47 e 51.
239
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil: direito de família, . 5, p. 27.
240
Sílvio Marques Júnior, Introdução à ciência do direito, p. 41.
90
A poligamia lícita entre os judeus, excepcionalmente, ficou de ora em diante proibida. O
divórcio não pode ser tolerado, em caso algum e em nenhum motivo.”
241
O casamento canônico não se cinge a um acordo de vontades formulado entre os
pretendentes, institui-se em um sacramento
242
eternizado pela oração: quod Deus conjunxit
homo non separet. Para a Igreja, portanto, a família é a matrimonializada, decorrente
exclusivamente do casamento, o qual é um sacramento religioso.
Destarte, no direito romano, genericamente, imperava o pater familias como chefe
supremo e absoluto do grupo familiar, com amplos poderes sobre as pessoas e bens
componentes de sua família, era o império da família patriarcal; no direito canônico, o
casamento é a única fonte da família, cuja dissolubilidade matrimonial era impossível, ante
sua natureza sacramental.
Feitas essas considerações, há que se prosseguir com a busca do conceito do
termo família, e não só isso, mas precipuamente deve-se desvendar quais são os elementos
componentes e essenciais para a constituição de uma família, sobretudo com seu enfoque
no direito positivo brasileiro; para isso, é imprescindível a passagem pelas principais
normas infra e constitucionais que retratam o assunto família, até mesmo naquelas
eventualmente ab-rogadas, para, ao final, ter-se suporte necessário para decifrar a definição
e composição atuais da família brasileira.
241
Sílvio Marques Júnior, Introdução à ciência do direito, p. 41. Merece lembrança a narrativa de Sérgio
Resende de Barros, ao descrever a Sagrada Família como consagração da família nuclear modelo,
constituída que era pelo Pai (José), a Mãe (Maria) e pelo Filho (Jesus Cristo). (Ideologia da família e
vacatio legis, p. 8).
242
Segundo Edson Luiz Sampel: “Sacramento, do ponto de vista teológico, é uma legítima manifestação do
poder e da graça de Deus. (...) Os sacramentos estão presentes nos momentos mais prementes da vida:
nascimento, casamento, morte etc. Sua função é coadjuvar o ser humano na caminhada rumo à plena
realização, no céu. Eis os sacramentos: batismo, eucaristia, crisma, penitência, unção dos enfermos,
matrimônio e ordem.” (Introdução ao direito canônico, p. 25 e 33). Explicita José Luiz Vicente de
Azevedo Franceschini: “Na Encíclica Casti Connubii, de 31 de dezembro de 1930, do Papa Pio XI (...)
onde vem explicado o que se deva entender por sacramento: sinal e fonte de uma especial graça interior,
elevando o amor natural à maior perfeição, ratificando sua indissolubilidade e santificando o casal.” (Do
vínculo conjugal, p. 92).
91
3.2 Código Civil de 1916
A Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, trouxe ao mundo jurídico o Código Civil
brasileiro, que vigeu de 1º de janeiro de 1917 a 10 de janeiro de 2003, portanto por exatos
oitenta e seis anos e dez dias.
Em nenhum de seus artigos essa legislação define o que seja ou o que se deva
considerar como família. Cediço é que essa não é a função do legislador, mas sim dos
estudiosos do direito. Conquanto assim seja, ao compulsá-lo, percorrendo os seus variados
campos institucionais, infere-se que variadas composições são apresentadas para a
comunidade familiar, sempre ligada ao tipo de direito enfocado.
Na seara do direito de família, por exemplo, denota-se que a família seria
composta pelo pai, mãe e seus filhos comunitários, ante o que disciplinavam os artigos 229
e 233 do sobredito diploma legal, sendo esses pais legalmente casados entre si.
O direito das coisas compõe-na dos cônjuges, filhos solteiros e servidores
domésticos (art. 744 do CC).
Enquanto isso, no direito das sucessões, abrange-se todos os descendentes e
ascendentes, o cônjuge e os colaterais; estes, no entanto, somente até o quarto grau, como
se depreende da análise dos artigos 1.603 e 1.612 do mesmo Códex.
Com efeito, em cada ramo do próprio direito civil, o Código oferece composições
diversas para a comunidade familiar, ora a restringindo, como o faz no direito de família,
ora a alargando, com a inclusão de pessoas estranhas aos próprios laços sangüíneos e
fraternos, como se vê no direito das coisas com resquícios da antiga família romana, na
qual os escravos compunham esse vínculo familiar, consoante anotado em tópico
apropriado.
Eduardo Espínola leciona: “Em acepção ampla, a palavra família compreende as
pessoas unidas pelo casamento, as provenientes dessa união, as que descendem de um
tronco ancestral comum e as vinculadas por adoção. Em sentido restrito, correspondendo
92
ao que os romanos denominavam domus, a família compreende apenas os cônjuges e os
filhos.”
243
Elaborado o seu anteprojeto no final do século XIX e vigendo a lei no início do
século XX, o Código Civil de 1916 apresentava como família o convívio entre pessoas
com constituição matrimonial, ou seja, família era a formada em decorrência do casamento
válido entre marido e esposa. Família era, portanto, a matrimonializada, cujo matrimônio
era indissolúvel pela vontade dos seus integrantes, com explícita vinculação aos
mandamentos cristãos, pelos quais família é exclusivamente a constituída pelo casamento.
Conquanto hoje retrate questão meramente doutrinária e para efeitos didáticos,
lembra-se que, na linha de parentesco o vínculo de parentesco nasce em uma relação
familiar, seja qual for a sua forma de constituição, como se analisará no que tange à sua
natureza, será ele legítimo quando procedente de justas núpcias; se os filhos nascem de
pais que não são legalmente casados entre si, o parentesco será ilegítimo; neste, se não
existe impedimento legal para o matrimônio dos pais, será um parentesco natural, mas, se
impedimento existe, o parentesco será espúrio ou bastardo; se, entretanto, o impedimento
decorre de anterior parentesco entre os pais da criança (ou adolescente), então será
incestuoso; todavia, se o impedimento resulta do fato de ser pelo menos um dos pais
legalmente casado com terceira pessoa, o parentesco será adulterino.
Inolvidável é o parentesco civil, resultante da adoção, “(...) liame que une pessoas
estranhas pelos laços do parentesco civil”.
244
Essas distinções entre filiação legítima, ilegítima (natural, espúria, incestuosa ou
adulterina) e adotiva, que imperava nas disposições do Código Civil brasileiro (art. 337 e
ss.), não foi recepcionada pela nova ordem constitucional, como se verá com detalhes mais
adiante, porquanto, em seu artigo 227, parágrafo 6º, a Carta da República de 1988
estabelece que: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão
os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação.”
243
Eduardo Espínola, A família no direito civil brasileiro, p. 7-8.
244
Carlos Alberto Bittar, Direito de família, p. 235.
93
As expressões “filho legítimo”, “filho ilegítimo” ou “filho adotivo” estão banidas,
por ordem constitucional, da legislação brasileira, empregadas agora unicamente em
situações históricas, doutrinárias ou didáticas, vedado o uso pragmático.
Essa família legítima ou matrimonializada cujo casamento era indissolúvel ,
imperou durante quase todo o século passado, a qual se centralizava na pessoa do marido,
que era o chefe da sociedade conjugal (art. 233, caput do CC/1916), enquanto a esposa era
um ser humano de segunda classe, pois até mesmo sua capacidade civil era limitada ou
relativa, após convolar suas núpcias, consoante originária redação do artigo 6º, inciso II do
Código Civil de 1916.
Os filhos também eram atingidos pela legitimidade da família, uma vez que,
nascidos na vigência do matrimônio, seriam legítimos, portanto filhos de primeira
categoria; nascidos em relacionamentos extraconjugais, eram filhos de outra classe,
ilegítimos; os filhos adotivos pertenciam a essa classe inferior. Essas rotulações não eram
meramente tipificadoras, ao contrário, dela decorriam diversos efeitos jurídicos, diferentes
direitos e garantias a cada classe de filiação.
O pai era o detentor do pátrio poder
245
, hoje poder familiar, sobre seus filhos,
função que exercia em colaboração com a mãe (art. 380, caput do CC/1916); a esposa, mãe
dos filhos legítimos, possuía vontade secundária, com manifestação apenas supletiva, tanto
que, em caso de divergências, prevaleceria a intenção expressada pelo genitor, conforme
determinação contida no artigo 380, parágrafo único do Código Civil de 1916. Verdadeira
família patriarcal.
246
245
Esclarece Rubens Limongi França que, até a edição do Estatuto da Mulher Casada, rezava o artigo 380 do
Código Civil de 1916 “que exerce o pátrio poder o marido, como chefe da família (art. 233), e, na falta ou
impedimento seu, a mulher” (Instituições de direito civil, p. 365). Roberto João Elias define esse instituto
“como um conjunto de direitos e deveres, em relação à pessoa e aos bens dos filhos menores e não
emancipados, com a finalidade de propiciar o desenvolvimento integral de sua personalidade” (Pátrio
poder: guarda dos filhos e direitos de visita, p. 6). Destarte, é um poder-dever.
246
Para Maria Benedita Lima Della Torre: “Quanto à ‘autoridade’, a família pode ser: ‘patriarcal’, quando a
figura central é o pai, que possui grande autoridade sobre a mulher e os filhos.” (O homem e a sociedade:
uma introdução à sociologia, p. 195). Carlos Alberto Bittar Filho historia que “a mulher ocupava um papel
secundário dentro da instituição familiar; era o homem que possuía a primazia; a organização da família era
definitivamente patriarcal. Os casamentos consistiam em arranjos de conveniência” (Direito de família e
sucessões, p. 17).
94
No transcurso do tempo, várias normas legais esparsas foram editadas, inclusive
em âmbito constitucional, as quais, direta ou indiretamente, modificaram e alteraram essas
concepções ortodoxas do relacionamento familiar e, com isso, igualaram os direitos do
marido e da esposa, como também os decorrentes da filiação, qualquer que seja a sua
origem.
Essa família exclusivamente legítima, isto é, constituída pelos vínculos do
matrimônio que se manteve indissolúvel por muitos anos , do início do século XX, foi
amoldando-se ao novo contexto social, cujos textos legislativos seqüenciais deram-lhe
outra roupagem e, com isso, como se verificará, a família deixou de ter formação
matrimonial única.
Faz-se mister, mesmo que em breves pinceladas, uma divagação sobre os
diplomas infraconstitucionais e, em seguida, nos constitucionais, que, direta ou
indiretamente, repercutiram na concepção formado da família brasileira, com o fito de
aferir-se a transformação do direito de família.
3.3 Legislação especial
Neste tópico, discorrer-se-á sobre as normas legais ordinárias que, no transcurso
da vigência do Código Civil de 1916, empreenderam-lhe modificações, ainda que por
exegeses doutrinárias e jurisprudenciais, as quais repercutiram na definição da família e na
sua forma de constituição e composição, ainda que por mera descrição do próprio texto
legal.
O escopo primordial é demonstrar como estava, em seu nascedouro, redigida a Lei
Civil revogada e quais os regramentos legais que lhe impuseram transformações, mesmo
que hermenêuticas, durante sua vida jurídica, sem a intenção de interpretar esses textos, até
porque alguns se encontram revogados, tácita ou expressamente.
Anota Águida Arruda Barbosa que “a codificação civil nascida no século XX
sofreu várias alterações ao longo de sua vigência, para se adaptar às mudanças de
95
referências ocorridas durante o século passado, principalmente na segunda metade,
representando a evolução da humanidade, em saltos quânticos, registre-se, a exemplo, o
declínio do patriarcalismo, a evolução dos direitos da mulher, a exacerbação de uma
sociedade de consumo, pelos avanços dos meios de comunicação, enfim, a globalização,
exercendo profundas influências sobre o comportamento humano”.
247
No curso do século passado, muitas normas legais, infra e constitucionais, foram
editadas com repercussão no sistema familiar, amparando as transformações reinantes na
sociedade civil, inclusive no próprio relacionamento familiar. Merecem descrição,
contudo, aquelas que incidiram de modo intrínseco na família brasileira, seja em sua
formação, nas garantias dos seus relacionamentos, com efetiva repercussão nos direitos e
deveres pessoais e patrimoniais dos seus integrantes.
Elucida Clóvis do Couto e Silva que, “no Direito de Família as modificações
foram profundas. Ao tempo do Código Civil [de 1916] a família era extremamente
patriarcal e os problemas da emancipação feminina e da igualdade dos cônjuges no
casamento se foram propondo progressivamente em nosso meio”.
248
O Decreto-Lei n. 3.200, de 19 de abril de 1941, foi editado com o fim de
organizar e proteger a família, sendo certo que sua maior repercussão refere-se ao
casamento de parentes colaterais de terceiro grau, dês que realizado o exame pré-nupcial,
para se constatar a inexistência de inconvenientes para a saúde dos pretendentes e da
eventual prole, nos ditames de seu artigo 2º e seus parágrafos.
Por exemplo, tio e sobrinha estavam impedidos de casarem-se, contudo, com a
vigência dessa norma legal, comprovado, por perícia médico-legal, não haver
inconveniente nenhum para a saúde deles ou de seus descendentes biológicos a união de
seus materiais genéticos, o casamento poderia ser realizado, não imperando o impedimento
matrimonial.
247
Águida Arruda Barbosa, O conceito de família no novo Código Civil brasileiro e o princípio da dignidade
da pessoa humana, p. 2.
248
Clóvis do Couto e Silva, O direito civil brasileiro em perspectiva histórica e visão de futuro, p. 14.
96
O denominado Estatuto da Mulher Casada, que ditou novas regras jurídicas à
varoa na sociedade conjugal, editado pela Lei n. 4.121, de 27 de agosto de 1962
249
,
originou profundas alterações interpretativas no Código Civil de 1916. Dentre outros
pontos, extirpou do mundo jurídico a mencionada relativa incapacidade da mulher casada,
ao aplicar nova redação ao artigo 6º da Lei Civil, excluindo-a do rol das pessoas com
capacidade limitada; e, outrossim, procurou igualar os direitos e obrigações resultantes do
matrimônio entre o marido e a esposa, em seu aspecto pessoal, como na redação que
empreendeu ao artigo 233 do Código, ao apor a esposa como colaboradora do esposo no
exercício da chefia da sociedade conjugal antes dessa lei especial, a chefia da sociedade e
seu respectivo exercício eram plenos e exclusivos do marido, sem participação nenhuma da
mulher e no patrimonial, “instituindo os bens reservados à mulher casada, como
mecanismo de ajuste no tratamento da desigualdade entre homem e mulher”.
250
A Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977, rotulada de Lei do Divórcio, foi
editada para regulamentar a instituição do divórcio no sistema jurídico brasileiro, uma vez
que, pela Emenda Constitucional n. 9, de 28 de junho de 1977, houve a constituição de
marco epistemológico no casamento, com a possibilidade de sua dissolução; com efeito, o
vínculo matrimonial conheceu a inédita forma de rompimento pelo divórcio. Em linhas
gerais, neste momento, relaciona-se algumas de suas alterações relacionadas à concepção
familiar, ainda que indiretamente: afora a instituição do divórcio, houve a abolição do
termo “desquite”, que foi substituído pela expressão “separação judicial”; o regime legal
de bens passou a ser a comunhão parcial, enquanto, até então, era o da comunhão
universal.
251
Após a promulgação da Constituição republicana de 1988, várias regras
legislativas foram editadas, com o fito de regulamentar ou complementar as diretrizes
constitucionais estabelecidas
252
, dentre as quais merecem descrição expressa as seguintes.
249
Como anotado, o Projeto de Lei n. 6.960 de 2002 pretende expressamente revogar esse Estatuto, nos
termos de seu artigo 2.045.
250
Águida Arruda Barbosa, O conceito de família no novo Código Civil brasileiro e o princípio da dignidade
da pessoa humana, p. 7.
251
Arnoldo Wald, O novo direito de família, p. 23.
252
Essas novas diretrizes constitucionais serão estudadas em tópico próprio, neste trabalho.
97
Norma de proteção à família é a Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990, que cuida
da indisponibilidade do bem de família, lembrada por Arnoldo Wald como a legislação que
o protege não só quanto ao imóvel, mas também “equipamentos e bens móveis que
guarnecem a casa, e passando a proteger tanto a família legítima quanto a entidade familiar
decorrente da união estável”.
253
O Estatuto da Criança e do Adolescente
254
veio ao mundo do direito pela Lei n.
8.069, de 13 de julho de 1990, com repercussões pessoais e patrimoniais no direito de
família, sobretudo no que tange à filiação, seu reconhecimento, direito alimentar e
exercício do pátrio poder (arts. 19 a 27), hoje poder familiar.
Constituiu em seu artigo 28
255
a família substituta a ser, mais adiante, analisada
e decifrada , que se diferencia da família natural ou biológica, cuja configuração dá-se
pela guarda, tutela ou adoção. A família substituta ou, por alguns doutrinadores
denominada substitutiva, alusiva à sua atuação em substituição à família biológica, nada
mais é que a família não-original, mas que assume e cumpre o mesmo papel que haveria de
ser desempenhado pela família natural, como descreve Tânia da Silva Pereira: “A
substituição familiar se prende à idéia de sua colocação no lugar ou na posição da família
natural, desempenhando as mesmas funções.”
256
Em 1992, foi editada a Lei n. 8.560, de 29 de dezembro
257
, que facilitou
sobremaneira a investigação de paternidade, com a realização de procedimento
administrativo para a solução amistosa da eventual recusa paterna no reconhecimento do
vínculo familiar. Como relatado en passant, a equiparação dos direitos e garantias aos
filhos, independentemente da origem desse liame paternal, é um dos princípios vetores da
novel ordem constitucional.
253
Arnoldo Wald, O novo direito de família, p. 25.
254
“Artigo 2º - Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até 12 (doze) anos de idade
incompletos, e adolescente aquela entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade.”
255
“Artigo 28 - A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção,
independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.”
256
Tânia da Silva Pereira, Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar, p. 227.
257
Se aprovado, o Projeto de Lei n. 6.960/2002 revogará esse texto legal, em face da nova redação do artigo
2.045 do Código Civil atual.
98
Neste instante, faz-se necessária uma breve descrição sobre o reconhecimento de
paternidade, porquanto, por ele, como se verificará depois, constitui-se uma nova família,
um vínculo familiar nasce desse ato jurídico, o que resulta em análise com mais vagar dos
textos legislativos que lhe trouxeram novas roupagens.
Caio Mário da Silva Pereira ressalta que “a curva evolutiva de proteção aos filhos
adulterinos caracteriza-se por constante ascensão. Quase todos os sistemas legislativos se
encaminham no sentido de lhes conceder direitos cada vez mais amplos. No nosso e em
alheio direito. (...) Entre nós, a grande reforma legislativa, ao propósito, foi o Decreto-Lei
n. 4.737, de 24 de setembro de 1942, derrogando os artigos 350 e 363 do Código Civil [de
1916], para permitir o reconhecimento de paternidade dos filhos havidos fora do
matrimônio, após o desquite”.
258
Nessa onda evolutiva, nasceu a Lei n. 883, em 21 de outubro de 1949, que, afora o
reconhecimento após a dissolução da sociedade conjugal, e ainda o direito alimentar ao
filho ilegítimo (art. 4º), o possibilitava “ainda na vigência do casamento, qualquer dos
cônjuges poderá em testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento do filho,
e, nessa parte, irrevogável” (art. 1º, § 1º, acrescentado pela Lei do Divórcio).
A evolução legislativa brasileira, após a Carta Federal de 1988, consolidou-se
com a sobredita Lei n. 8.560/92, cujo artigo 1º possibilita o reconhecimento de filhos
extraconjugais, que é irrevogável, por uma das seguintes maneiras: no próprio assento de
nascimento, por escrito público ou particular, testamento e “por manifestação expressa e
direta perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal
do ato que o contém”, como encerra o inciso IV do mencionado dispositivo legal.
Há que se enaltecer o estatuído no artigo 26, parágrafo único do Estatuto da
Criança e do Adolescente, pelo qual o reconhecimento espontâneo de filho havido fora do
casamento poderá ocorrer antes do seu nascimento ou até mesmo após o falecimento dele,
ressalvado, no último caso, se o filho deixar descendentes. Como esclarece Washington de
Barros Monteiro, ao estabelecer essa condição, quis o legislador, certamente, coibir
258
Caio Mário da Silva Pereira, Reconhecimento de paternidade e seus efeitos, p. 80-81.
99
propósitos mercenários, evitando problemas inspirados pelo interesse ou cupidez
259
, uma
vez que, do contrário, poderiam surgir reconhecimentos de filiações com o fito único do
reconhecedor, após, apresentar-se como sucessor do filho reconhecido e pré-morto, visto
que descendentes ele não os teria.
O reconhecimento judicial decorre de sentença proferida em pedido de
investigação de paternidade, que será proposta pelo filho pessoalmente, se capaz, ou por
intermédio de seu representante legal, se relativa ou absolutamente incapaz contra o
pretenso genitor, se vivo, ou seus herdeiros, se estiver morto. O representante do
Ministério Público, na qualidade de substituto processual, também ostenta legitimidade
ativa para esse pleito judicial, nos ditames do artigo 2º, parágrafo 4º da Lei n. 8.560/92.
Seja qual for a origem da filiação, mesmo que havida fora do matrimônio, é
possível o seu reconhecimento voluntário e, assim não sendo realizado, mediante
determinação judicial em ação investigatória, o dito reconhecimento forçado.
260
Feitos esses relatos legislativos acerca do reconhecimento de paternidade, há
que se prosseguir com a descrição de outras normas legais ordinárias que repercutiram
na constituição da família brasileira, inclusive na descrição dos indivíduos que a
compõem.
A união estável obteve suas garantias legais em âmbito infraconstitucional com a
promulgação das Leis ns. 8.971, de 29 de dezembro de 1994, e 9.278, de 10 de maio de
259
Washington de Barros Monteiro, Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos
e sociais (art. 25-27), p. 103.
260
J. Franklin Alves Felipe confirma que “se não há o reconhecimento voluntário, abre-se ao filho a
possibilidade de obtê-lo coercitivamente do pai, através da ação de investigação de paternidade” e, mais
adiante esclarece, outrossim: “Com a vigência da Lei n. 8.560/92, contudo, entendemos que as restrições
que pudessem ser impostas ao reconhecimento de filho adulterino a matre deixam de existir.” (Adoção,
guarda, investigação de paternidade e concubinato, p. 50 e 55). Personalíssimo, indisponível e
imprescritível é o reconhecimento do estado de filiação, uma vez que é inerente ao estado de filho, não se
transmitindo o direito de ser filho a quem quer que seja. Não pode ser objeto de transação ou qualquer
negociação e, enquanto vivo, a qualquer momento, o filho poderá postular esse estado, tanto que o Supremo
Tribunal Federal sumulou: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade ou maternidade, mas
não o é a de petição de herança.” (Súmula n. 149).
100
1996. A primeira delas reconheceu direito alimentar
261
e sucessório
262
aos companheiros,
desde que satisfeitos o requisito temporal de no mínimo cinco anos de convivência ou
prole comum.
Editada para regulamentar o artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal, a
Lei n. 9.278/96 extirpou os sobreditos requisitos temporal e prole para configuração da
entidade familiar entre conviventes terminologia também por ela introduzida em
substituição a companheiros , criou direitos e deveres pessoais, como respeito,
consideração e assistência recíprocos, e patrimoniais, fulcrados no partilhamento do
patrimônio adquirido durante a convivência, de modo oneroso, pelo esforço comum.
263
No interregno das duas normas acima referidas, foi sancionada, em 12 de janeiro
de 1996, a Lei n. 9.263, para regular o artigo 226, parágrafo 7º da Constituição Federal,
relacionado ao planejamento familiar, o qual está legalmente definido no seu artigo 2º,
caput: “Entende-se por planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da
fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela
mulher, pelo homem ou pelo casal”; o seu parágrafo único complementa: “É proibida a
utilização das ações a que se refere o caput para qualquer tipo de controle demográfico.”
261
Francisco José Cahali assegura que para se falar em direito e obrigação alimentícia entre companheiros, há
que se ater na análise da culpa pelo rompimento do vínculo até então estabilizado, advertindo o seguinte:
“Admitindo-se a obrigação alimentar desvinculada da responsabilidade pela separação, ao lado do amparo
ou até do estímulo à ociosidade, estar-se-á incentivando a busca por uniões exclusivamente baseadas em
interesses econômicos, de pessoas que objetivam uma acomodação social futura, tolerando o parceiro
abastado por poucos anos para, ao abandoná-lo, ou, o que é pior, assumir uma traição, desfrutar de
expressiva vantagem econômica mensal. Em nosso sentir, aí sim estaria a falência dos institutos.” (União
estável e alimentos entre companheiros, p. 106-107).
262
No que tange à sucessão, predominou, à época, como alerta Ana Luiza Maia Nevares, o entendimento
acerca da alteração da “ordem de vocação hereditária do artigo 1.603 do Código Civil de 1916. Em seu
inciso III, leia-se, a partir da Lei n. 8.971/94, o cônjuge ‘ou o companheiro’.” (A tutela sucessória do
cônjuge e do companheiro na legalidade constitucional, p. 140).
263
Em pontual comentário sobre essa norma especial, Rodrigo da Cunha Pereira afirma: “Apesar das
imprecisões técnicas e até mesmo da confusão em razão de uma possível desconexão com a Lei n.
8.971/96, ela é bem intencionada. Traz avanço quando, no artigo 9º, transfere de vez a matéria do campo do
Direito das Obrigações para o de Família. Mas, para além do reconhecimento do Estado a tais uniões, está
sua regulamentação. Na verdade, é aí que está o excesso e a contradição. Qualquer tentativa de
regulamentação que se fizer nesse campo esbarrará em seu paradoxo, mas que parece ser mesmo de sua
essência: busca a proteção do Estado, mas não comporta regulamentação; não sendo regulamentável, pode
ocasionar injustiças.” (Concubinato e união estável, p. 118).
101
Há pouco mais de dois anos, foi editada a Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003,
denominada Estatuto do Idoso
264
que, em referendo à norma estatutária menorista,
explicitou o relacionamento familiar substituto ao idoso, consoante expressa o seu artigo
37, caput: “O idoso tem direito a moradia digna, no seio da família natural ou substituta,
ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição
pública ou privada.”
Esse diploma, no entanto, diferentemente do Estatuto da Criança e do
Adolescente, não descreve quais as formas pelas quais se coloca o idoso em família
substituta; por dedução, anota-se que o instituto da guarda encontra semelhança no
acolhimento
265
do Estatuto do Idoso, assim como a tutela, que tem como sujeitos passivos
pessoas incapazes em decorrência da idade, assemelha-se à curatela, em cuja proteção pode
sujeitar-se uma pessoa idosa, não pela idade somente, mas sim, e principalmente, por
problemas físicos, clínicos e psicológicos que resultem em sua interdição e conseqüente
nomeação de curador para cuidar e gerir sua pessoa e patrimônio. A adoção, ainda que
indiretamente, é modo de acolhida do idoso em família substituta, mormente quando ele
figurar na posição de pai adotivo expressão aqui utilizada como tipificação da relação
paterno-filial, não como discriminatória.
264
“Artigo 1º - É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com
idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”. Pietro Perlingieri comenta: “Hoje, todavia, uma pessoa torna-
se idoso não com base em subjetivas características psicofísicas, mas por efeito de objetivas determinações
sócio-produtivas. O idoso acaba por ser uma categoria, um produto do sistema econômico, o qual decide
quando se é idoso.” (Perfis do direito civil, p. 168).
265
“Artigo 36 - O acolhimento de idosos em situação de risco social, por adulto ou núcleo familiar,
caracteriza a dependência econômica, para os efeitos legais”. Não obstante essa proteção à pessoa idosa,
apenas com intuito elucidativo, menciona-se a constatação ressaltada por Pérola Melissa Vianna Braga:
“Um dos principais fenômenos registrados pelo Censo 2000 é o crescimento do número de netos e bisnetos
que vivem com os avós e, em geral, são sustentados por eles. Em 1991, eram 2,5 milhões de netos e
bisnetos, que passaram para 4,2 milhões em 2000. Do total de pessoas que vivem com o responsável no
país, 8,8% são netos ou bisnetos. No início da década, eram 6,8%.” (Direitos do idoso, p. 80). Sobre o
temário, interessantes notas conclusivas oferece Pedro Lino de Carvalho Júnior: “O direito de família
necessita voltar os olhos para os idosos, não para mirá-los com piedade, mas objetivando assegurar-lhes
direitos e faculdades condizentes com a fase existencial em que se encontram. (...) Neste sentido, a
concreção de um estatuto do idoso no campo do direito de família seria um passo importante: se as normas
por si só não alteram a realidade, ao menos a sua existência facilita as transformações. Segundo pesquisas e
dados recentes do IBGE, em 2050 a população brasileira de idosos será superior à dos jovens e
adolescentes, e não estamos nos preparando para enfrentar este desafio.” (O idoso e o direito de família, p.
9-10).
102
Dessume-se portanto que, no Estatuto do Idoso, a colocação em família substituta
far-se-á pelo acolhimento, pela curatela e até mesmo pela adoção essa normalmente de
modo indireto de institutos de proteção à pessoa idosa.
3.4 Código Civil de 2002
Em 10 de janeiro de 2002, foi editada a Lei n. 10.471, que instituiu o Código Civil
brasileiro, conhecido como o Novo Código Civil ou o Código Civil de 2002.
O projeto desse Código, redigido na década de 1970, referia-se originariamente ao
termo família legítima, reprisando a comunidade que se originava do e pelo casamento,
consoante os artigos 1.509 (“O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base
na igualdade dos cônjuges, e institui a família legítima”) e 1.567 (“Criando a família
legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos”).
Como a Constituição da República acolhe, em seu artigo 227, parágrafo 6º, a
plena isonomia de direitos e deveres entre os filhos, qualquer que seja a origem da filiação,
o então projeto de lei fatalmente sofreu emendas para sua adequação ao ordenamento
constitucional vigente
266
, não só quanto às ditas designações, mas no que tange à origem da
comunidade familiar, como mais adiante se analisará, em vista dos novos conceitos e
diretrizes decorrentes do artigo 226 e seus parágrafos, da mesma Carta Federal.
O artigo 1.510 do Projeto de Lei da Câmara n. 118, de 1984 após a redação final
no Senado Federal apresentada pelo Senador Josaphat Marinho, relator-geral , que
inaugura o Livro de Direito de Família, estatuía que “o casamento estabelece a comunhão
plena de vida, com base na igualdade dos cônjuges, e institui a família”; e o artigo 1.568,
no capítulo relacionado à eficácia do matrimônio, que este redundava no “(...)
266
Esclarece Ricardo Fiuza, ao comentar os princípios constitucionais que repercutiram diretamente no
projeto de Código Civil: “Evidentemente, essas alterações essenciais vieram de exigir o acatamento da
reforma civilista, em fase legislativa, a tanto que expressivo número de emendas oferecidas pelo Senado
Federal cuidaram, com necessidade, de contextualizar a dicção constitucional a esse novo sistema jurídico-
familiar. Assim, das 332 emendas aprovadas, 138 dizem respeito a dispositivos que tratam de direito de
família, representando, portanto, 42% (quarenta e dois por cento) das emendas.” (Novo Código Civil:
estrutura do projeto e etapas de elaboração, p. 3).
103
reconhecimento dos filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos”, expurgado o termo
legítima de seus textos como adjetivos da família.
267
Após a tramitação no Senado Federal, esse último dispositivo foi retirado do
projeto de lei, enquanto o Livro da Família é inaugurado pelo artigo 1.511 cuja redação
fora proposta, na Câmara dos Deputados, pelo relator-geral Deputado Ricardo Fiúza com
o seguinte teor: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade
de direitos e deveres dos cônjuges”, donde se exclui a instituição da família pelo
matrimônio. Essa é a redação do atual artigo 1.511 do Código Civil de 2002.
O casamento permanece íntegro no direito brasileiro, todavia ele não é mais o
único modo de constituição de uma família. A família pode ser formada pelo esposo,
esposa e seus filhos, entre outros modos de sua instituição.
Enfatiza Antônio Chaves o que merece especial atenção: “Respeita-se o instituto
do casamento, que, uma vez preservado o vínculo do amor entre os cônjuges, por certo se
configura como a união ideal, tanto mais próxima da perfeição quanto unidos os seus
componentes pais e filhos numa família estável, à luz da moralidade e do direito. Mas
não se pode olvidar a realidade social, dos que vivem sob estado de casados, igualando-se
à família regularmente constituída, em seus múltiplos direitos e deveres.”
268
A família, no direito familiar vigente, portanto, nasce do relacionamento entre
homem, mulher e os respectivos filhos, existindo ou não casamento válido entre aqueles,
como também família há entre qualquer um deles (pai ou mãe) e seus descendentes,
questão a ser analisada detidamente em capítulo específico.
267
Em seu pronunciamento, quando da apresentação do relatório final ao plenário do Senado Federal, relatou
Josaphat Marinho o seguinte: “A grande modificação no projeto decorreu da Constituição Federal quanto
ao Direito de Família. A Constituição Federal proclamou a igualdade de direitos entre o homem e a mulher
na sociedade conjugal, criou a figura da união estável como entidade familiar, proclamou o direito de
igualdade entre os filhos, inclusive os adotivos. Tornava-se, assim, necessário modificar o projeto e, aí,
substancialmente. (...) Eliminaram-se do projeto, em todos os seus artigos, as expressões legítimo, ilegítimo
e natural. Não há por que falar mais no Código em filho legítimo, ilegítimo, natural ou de qualquer
natureza, porque a Constituição Federal os igualou e proibiu, expressamente, a consignação de quaisquer
designações ou diferenças. Portanto, com as modificações introduzidas, o Código só se refere agora a filho.
Por outro lado, já não é possível proclamar-se no Código que a família resulta apenas do casamento. Assim
ocorria na situação anterior, mas a Constituição Federal criou como entidade familiar a união estável. E
estabeleceu que o legislador deve facilitar sua conversão em casamento.” (CÓDIGO Civil: Projeto de Lei
da Câmara n. 118, de 1984 Redação Final, p. 28-29 destacou-se).
268
Antônio Chaves, Tratado de direito civil: direito de família v. 5, t. 1, p. 32.
104
Euclides Benedito de Oliveira ensina que “o novo ordenamento abandona a visão
patriarcalista que inspirou a elaboração do Código revogado, quando o casamento era a
única forma de constituição da família e nesta imperava a figura do marido, ficando a
mulher em situação submissa e inferiorizada”.
269
Depreende-se, pois, que o casamento já não é o exclusivo modo de constituição de
uma família brasileira, que poderá originar-se de outros relacionamentos.
3.5 Constituições do Brasil
A reforma constitucional do conceito de família no direito brasileiro teve como
ponto original a própria mudança de comportamento da sociedade civil, donde se pode
dizer que houve sim uma enorme revolução nas composições familiares. O que é certo, no
entanto, é que famílias de fato sempre existiram em grande número e estavam ao
desamparo legal, escamoteadas da concepção familiar, como se esses relacionamentos,
para o direito, nada representassem.
Das uniões fáticas entre um homem e uma mulher, como corolário biológico
natural, filhos vinham à luz e, ante o falado desamparo, eram justamente esses filhos que
em nada contribuíram para a união de seus pais e que influência alguma tiveram para que a
relação, inclusive sexual, fosse concretizada; cujas manifestações de vontades não foram
externadas que ficavam à margem da lei, como se fossem seres humanos de segunda
categoria, filhos de escalão inferior aos nascidos de relação conjugal (casamento válido)
entre os genitores.
As Constituições brasileiras, desde a Imperial, de 1824, até a republicana vigente
(1988), apresentaram variadas composições e alternâncias na comunidade familiar.
269
Euclides Benedito de Oliveira, Direito de família no novo Código Civil, p. 6.
105
Na Constituição Política do Império do Brasil, outorgada por D. Pedro I, em 25 de
março de 1824, não havia qualquer referência à família, salvo no que tange à família
imperial, em seu Título 5º, Capítulo III.
José Sebastião de Oliveira esclarece que essa descrição familiar referia-se à
sucessão hereditária do poder imperial, pois “fixava as regras de sucessão do poder que era
feita através de dinastia; tutelava a família imperial enquanto dinastia: poder hereditário e
vitalício”. E complementa: “por seu caráter não-intervencionista, não destinou normas
específicas sobre a família brasileira, sua forma de constituição ou mesmo sua
proteção.”
270
Com o início da República, foi editada a segunda Carta Federal, a primeira dessa
fase republicana, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada
em 24 de fevereiro de 1891
271
, sem qualquer referência à composição, ou mesmo à própria
família brasileira, reconhecia somente o casamento civil, com gratuita celebração (art. 72,
§ 4º), com o fito de marcar a separação dos poderes da Igreja e do Estado, com a retirada
do controle católico sobre o casamento.
272
A Constituição Republicana de 1934, “a terceira Constituição do Brasil, segunda
Constituição da República, foi promulgada aos 16.7.1934, contendo um total de 187
artigos, ou seja, mais do dobro do que os da Constituição de 1891, que contava nove
270
José Sebastião de Oliveira, Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 32. Em estudo histórico
sobre as Constituições brasileiras, a Price Waterhouse narra: “Dentre seus 179 artigos, a Carta de 1824 tem
de mais significativo a instituição do Poder Moderador, a adoção do catolicismo como religião oficial e a
consagração da Monarquia. O Poder Moderador, considerado como a chave de toda a organização política,
é privativo do Imperador, através do qual velar-se-á pela manutenção da independência, equilíbrio e
harmonia dos poderes políticos.” (A Constituição do Brasil 1988 comparada com a Constituição de 1967 e
comentada, p. 31).
271
Nessa Constituição, é extinto o Poder Moderador, rompendo-se “com a divisão quadripartita vigente no
Império de inspiração de Benjamin Constant, para agasalhar a doutrina tripartita de Montesquieu”,
consoante leciona José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, p. 78). Complementa José
Cretella Júnior que, “por orientação de Rui Barbosa, nossa Primeira Constituição Republicana tomou por
modelo a Constituição norte-americana, cujos princípios fundamentais foram adotados pelos constituintes
pátrios” (Elementos de direito constitucional, p. 30), disso decerto o rótulo Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil.
272
Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior comentam que “o Estado abandonou a religião
oficial. Como conseqüência, retirou o controle dos cemitérios da Igreja, passando-o aos Municípios. Houve
certo exagero no repúdio aos valores religiosos, proibindo-se o ensino religioso em escolas públicas e
retirando-se os efeitos civis do casamento religioso” (Curso de direito constitucional, p. 74). Acrescenta
Antônio Chaves, ao comentar a Carta de 1934, “(...) reconhecidamente de cunho social, estabeleceu como
dever do Estado ‘socorrer as famílias de prole numerosa’ (art. 138, ‘d’)” (Tratado de direito civil: direito de
família, v. 5, t. 1, p. 31).
106
dezenas”
273
, foi o marco histórico para o instituto família, pois foi a Carta Federal que o
levou para o campo constitucional, estabelecendo que é oriundo de casamento indissolúvel,
seja civil ou religioso, desde que devidamente registrado (arts. 144 a 146).
Complementa essas informações José Sebastião de Oliveira: “Ficou também
restabelecida em nível constitucional a reconciliação com a Igreja Católica e por extensão
beneficiou os outros credos religiosos acatólicos, quando se passou a permitir que fossem
estendidos os efeitos civis aos casamentos religiosos desde que o rito do ato não
contrariasse a ordem pública ou os bons costumes, observasse os preceitos da lei civil na
verificação dos impedimentos matrimoniais e no processo de oposição e ainda fosse
inscrito no Registro Civil.”
274
Em 10 de novembro de 1937, surgiu outra Constituição Federal, decorrente de
golpe de estado aplicado por Getúlio Dornelles Vargas, então Presidente da República
275
que, nos artigos 124 a 127, praticamente reprisou os ditames da Carta anterior sobre o
instituto da família, “com acréscimo relativo à igualdade dos filhos naturais com os
legítimos, e à proteção da infância e da juventude pelo Estado”.
276
Em seguida, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1946,
promulgada em 18 de setembro (arts. 163 a 165), a Constituição do Brasil de 24 de janeiro
de 1967 (art. 167 e parágrafos) e a Emenda Constitucional n. 1
277
, de 17 de outubro de
1969 (art. 175 e parágrafos), seguiram, em linhas gerais, as mesmas diretrizes da
Constituição de 1934, de sorte que família era, em verdade, somente a família legítima, ou
273
José Cretella Júnior, Elementos de direito constitucional, p. 38.
274
José Sebastião de Oliveira, Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 50.
275
José Cretella Júnior ensina que “tendo um total de 187 artigos, como a Constituição anterior, redigida
apressadamente por Francisco Campos, a Carta de 1937 entra logo em vigor, tendo sido anunciada pelo
rádio, em todo o país” (Elementos de direito constitucional, p. 40). E também: “A Constituição de 1937
fica conhecida como a ‘Polaca’, Constituição autoritária inspirada em modelos corporativistas europeus,
imposta aos poloneses em 1926 pelo General José F. Pilsudski.” (Price Waterhouse. A Constituição do
Brasil 1988 comparada com a Constituição de 1967 e comentada, p. 71).
276
Antônio Chaves, Tratado de direito civil: direito de família, v. 5, t. 1, p. 31. José Sebastião de Oliveira
complementa: “Levando-se em conta que esta Constituição fora outorgada pela mesma pessoa que chefiava
o governo provisório, quando da elaboração da Constituição de 1934, efetivamente o tema ‘Família’ pouca
alteração de fundo deveria sofrer e efetivamente foi o que acabou ocorrendo.(Fundamentos
constitucionais do direito de família, p. 52).
277
José Afonso da Silva comenta que: “Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova
Constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se
promulgou texto integralmente reformulado, a começar pela denominação que se lhe deu: ‘Constituição da
República Federativa do Brasil’, enquanto a de 1967 se chamava apenas ‘Constituição do Brasil’.” (Curso
de direito constitucional positivo, p. 87).
107
seja, que tivesse origem em casamento válido, civil ou religioso com efeitos civis, o qual
era indissolúvel.
O que há de unânime em todas as Cartas Magnas, desde a Imperial até a Emenda
de 1969, é que família era a entidade originada da união de um homem com uma mulher,
mas desde que essa união fosse por justas núpcias, isto é, com a celebração de um
casamento legal. O casamento era, em verdade, a base da existência da família.
Álvaro Villaça Azevedo esclarece: “Como se pode notar, nossos textos
constitucionais sempre primaram por declarar proteção à família constituída sob
casamento; todavia, sempre silenciaram sobre a proteção da família de fato. Aliás, tal qual
a legislação ordinária, é como se ela não existisse. Entendemos que o Estado não deve
preocupar-se, somente, com a família legítima, pois sua base, sem sustentáculo é a família,
em geral, sem adjetivações.”
278
A Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 5 de outubro de
1988
279
, em plena vigência, trouxe a tão esperada inovação e evolução no conceito de
família, pois determina que família, além da união resultante de casamento, também será
considerada a originada de uma união estável entre homem e mulher, bem como a relação
entre qualquer dos genitores e seus descendentes, como se depreende da análise do artigo
226, parágrafos 3º e 4º.
280
Humberto Theodoro Júnior, em nota atualizadora à obra de Orlando Gomes, em
comentário ao artigo 226, caput da Constituição Federal vigente, narra que: “A grande
novidade, porém, é a eliminação do qualificativo ‘legítima’, de maneira que a família
reconhecida como célula da sociedade, para os efeitos da Carta Magna não é apenas a que
nasce do casamento civil, mas também aquela que se forma naturalmente, da relação entre
278
Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato ao casamento de fato, p. 250.
279
Relata José Afonso da Silva que essa “é a ‘Constituição Cidadã’, na expressão de Ulysses Guimarães,
Presidente da Assembléia Nacional Constituinte que a produziu, porque teve ampla participação popular
em sua elaboração e especialmente porque se volta decididamente para a plena realização da cidadania”
(Curso de direito constitucional positivo, p. 90).
280
Os artigos 226 e 227 da Carta Federal concentram as diretrizes constitucionais relacionadas à família,
mas, em todo seu texto, por dezesseis vezes é mencionado o termo família (Lourival Serejo, Direito
constitucional da família).
108
o homem e a mulher e entre pais e descendentes, pouco importando a presença ou ausência
do vínculo oficial entre os genitores.”
281
A nova ordem constitucional é inovadora em face das anteriores, contudo
imprescindível era esse avanço legislativo-constitucional, pois inúmeros relacionamentos
familiares existiam, existem e sempre existirão, sem que se originem de casamento
(matrimônio civil, legítimo), e que estavam ao desalento, sob total desamparo legislativo;
mas, agora, há a proteção que decorre da própria Carta Magna e a família continua a ser a
base da sociedade, independentemente de sua procedência (legítima ou não).
José Sebastião de Oliveira leciona: “Uma questão que devemos ter bastante clara
na análise da Constituição Federal de 1988, no que se refere à família, é que ela apenas
reconheceu uma evolução que já estava latente na sociedade brasileira. Não foi a partir
dela que toda a mudança na família brasileira ocorreu. Constitucionalizaram-se valores que
estavam impregnados e disseminados no seio da sociedade. Dos fatos e valores caminhou-
se para as normas, tardiamente, é verdade. O texto constitucional de 1988 contemplou e
abrigou uma evolução fática anterior da família e do Direito de Família que estava
represado na doutrina e na jurisprudência.”
282
A mutação do convívio social e dos relacionamentos familiares e pessoais foi
amparada em seara constitucional, porquanto, a partir de ausência descritas em textos
constitucionais pretéritos, a família teve momentos de expressa descrição constitucional, a
qual seria constituída somente pelo vínculo matrimonial indissolúvel, inicialmente , até
alçar a condição vigente, estabelecida na Carta de 1988, ou seja, ser composta a partir de
variadas formas jurídicas, inclusive pelo casamento.
3.6 Definição e composição
Para compreender o contexto familiar contemporâneo, mormente na sociedade
brasileira, fez-se necessário o transcurso, mesmo que em ligeiras anotações, pela mutação
da família em seara legislativa, infra e constitucional. Depois desse percurso, tem-se
281
Orlando Gomes, Direito de família, p. 2.
282
José Sebastião de Oliveira, Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 91.
109
elementos seguros e suficientes a embasar a apresentação da atual composição da família,
com a definição de seus contornos e, inclusive, quais os modos de constituição de um
relacionamento familiar.
Partiu-se de uma família patriarcal, constituída exclusivamente pelo casamento,
cujas pessoas que a compunham eram o pai, a mãe e os filhos; ou melhor, o esposo, a
esposa e seus filhos em comum. Desde logo pode-se extrair uma primária conclusão: o
casamento é, sim, uma forma de constituição da família brasileira, todavia não é mais a
única.
A sociedade, a família e o povo brasileiro transformaram-se no decorrer dos
tempos, não só em seus aspectos subjetivos, mas e principalmente, em seus
relacionamentos sociais e familiares , o que resultou no conseqüente amparo legislativo
dessas metamorfoses convivenciais e, por seqüência, na concepção de novas estruturas
sócio-familiares, com uma nova definição da família brasileira.
283
Definir o que seja família, decerto é uma tarefa inglória, geradora de conflitos e
controvérsias, pois, ao tentar-se desvendar a sua definição, o que se busca realmente é
encontrar a atual acepção, mormente a da família brasileira, focando-se na forma dela ser
constituída e quais as pessoas que a compõem, sua real e contemporânea estrutura.
As palavras de Cristina de Oliveira Zamberlam demonstram o terreno arenoso em
busca de definição do que seja uma família: “Família não abarca um único significado.
Evidencia-se, inclusive, que a família não é uma expressão passível de conceituação, mas
tão-somente de descrições; ou seja, é possível descrever as várias estruturas ou
modalidades assumidas pela família através dos tempos, mas não defini-la ou encontrar
algum elemento comum a todas as formas com que se apresenta este agrupamento
humano.”
284
283
Adriana Mendes Oliveira de Castro comenta que “o conceito de família tem sofrido variações, e a
configuração da estrutura familiar tem se modificado, acompanhando a evolução da realidade social” (A
família, a sociedade e o direito, p. 87).
284
Cristina de Oliveira Zamberlam, Os novos paradigmas da família contemporânea: uma perspectiva
interdisciplinar, p. 107.
110
Como anotado em linhas passadas, a família é um fato natural, cujo
relacionamento humano é da própria natureza da pessoa, todavia deve-se focar, neste
momento, a forma de constituição da família brasileira nos tempos atuais, e quais as
pessoas que a integram, respostas essas diretamente vinculadas às mutações empreendidas
pela sociedade.
As transformações e mutações operadas em âmbito social, familiar e pessoal e,
por isso, até mesmo na seara legislativa, resultaram na alteração do que se deva entender
por família, seja na forma de instituição, seja pelos entes que a integram; com efeito, o que
se metamorfoseou foi a nova conjuntura familiar, não a mera definição ou conceito de
família.
Procurar-se-á, com fulcro nessas mudanças enfocadas, analisar como era
composta a família tradicional e como se há de enfocar a composição moderna de família
brasileira. Em alvoroçada indução, pode-se acolher a tese acerca da existência de paradoxo
na composição entre a família de ontem e a de hoje; ver-se-á, no entanto, que a única
família legalmente amparada até então é, na verdade, um dos agrupamentos familiares
modernos. Houve, nada mais, nada menos, do que a guarida legislativa pelas variadas
formações familiais, sem que se diga que a família transformou-se radicalmente, mas o que
se alterou foi sua concepção instituidora e sua interação entre seus membros, entre si e com
relação a outros ramos da sociedade.
Tradicionalmente, portanto, designava-se a família constituída pelos pais, isto é, o
marido e sua esposa, e sua prole conjunta, sendo certo que o relacionamento existente entre
aqueles adviria de casamento (união entre homem e mulher, de acordo com a lei civil).
Afora esse tradicional, pode-se dizer atualmente que a família possui uma
composição legal, uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de
13.7.1990) disciplina, em seu artigo 25, que: “Entende-se por família natural a comunidade
formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”; dessume-se, desde logo, que
esse dispositivo não faz qualquer referência à procedência da relação entre os pais, ou seja,
se a união entre eles é de matrimônio legal ou união estável, não adjetiva o relacionamento
entre os genitores.
111
E mais, enfoca o relacionamento unilateral decorrente da família natural composta
por quaisquer dos genitores com os seus descendentes; é família e, família natural, a
integrada pelo pai e seus filhos, como pela mãe e seus filhos. Essa família possui uma
denominação constitucional de entidade familiar, nos ditames do artigo 226, parágrafo 4º
da Carta da República de 1988, que logo mais se enfocará.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao apor a qualificação “natural”
285
,
depois do termo família, fê-lo com intuito de diferenciá-lo da expressão família substituta
a qual se estudará adiante , como afirma Washington de Barros Monteiro
286
, que enfatiza:
“Com ou sem casamento, desde que uma comunidade de vida se formou entre os pais, ou
qualquer deles, e os filhos, a família, assim constituída, não pode deixar de ser havida
como família natural, para os fins legais”
287
(grifado no original).
Assim também se pronuncia Roberto João Elias, em comentários ao sobredito
artigo estatutário: “Ao se referir à família, para conceit-la, não se cogita em casamento;
basta que haja uma comunidade formada pelos pais, ou qualquer deles, e seus
descendentes.”
288
Família natural, portanto, decorre do relacionamento entre pai, mãe e seus filhos,
independentemente da existência de casamento válido entre aqueles note-se que se fala
em pai e mãe, e não em marido e esposa , como de qualquer um deles (pai ou mãe) e seus
descendentes respectivos. Família natural é a biológica ou consangüínea, que se difere,
repita-se, da família substituta.
285
Esse adjetivo natural da família, em verdade, não se deve confundir com a filiação natural que reinava no
Código Civil de 1916, antes da interpretação imposta pela Constituição Federal de 1988, onde o filho
natural era o ilegítimo filiação extramatrimonial “de pessoas entre as quais não há proibição de se
casarem no momento em que foram concebidos” (Orlando Gomes, Direito de família, p. 341), ou seja, os
filhos que poderiam ser legitimados com o casamento de seus genitores, que impedidos não estavam de
convolar núpcias (art. 353 do CC/1916).
286
Washington de Barros Monteiro, Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e
sociais (arts. 25-27), p. 101. Com intuito informativo, diga-se que Caio Mário da Silva Pereira esclarece: “Não
é, porém, harmônica a aceitação do conceito de ‘família natural’. Ao revés, muitos a repelem, muitos negam a
sua existência, sustentando mesmo que é a necessidade de proteção da família legítima que inspira recusar
regulamentação a uma ‘família de segunda zona’.” (Instituições de direito civil, direito de família, v. 5, p.
21).
287
Washington de Barros Monteiro, ob. cit., p. 102.
288
Roberto João Elias, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n. 8.069, de 13 de julho de
1990, p. 16.
112
Diogo Leite de Campos leciona: “Existe, nos diversos países da Euro-América, a
consciência de que se tem vindo a assistir há décadas, ao aparecimento de uma nova
família, tanto nas suas características sociais, como no seu tratamento jurídico”
289
. O
enfoque do instituto, do modo tradicional para a atualidade jurídica e social, demonstra a
evolução, revolução e transformação familiar por que se passou, passa-se e, decerto, se
passará, com o transcorrer dos tempos, pela qual a norma legal há de acolher, como o fez,
as novas realidades de relacionamento humano.
Indiscutíveis e irrefutáveis as eminentes mutações sociais que repercutem na
concepção de família, como as transformações comportamentais desta também influenciam
e desembocam em mudanças sociais, consoante variadas narrativas doutrinárias expostas.
A Constituição Federal, em seu artigo 226, parágrafo 3º, dispõe: “Para efeito da
proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como
entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”; e o parágrafo 4º
seguinte complementa: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”
Ao se interpretar o sobredito artigo 25 do Estatuto da Criança e do Adolescente, já
deveras discorrido, denota-se que a família por ele qualificada natural é a conjugação
desses dispositivos constitucionais, sem se esquecer que, sendo os pais legalmente casados
entre si, igualmente essa família será tipificada como natural.
Há que se indagar, no entanto, o que se deva entender por entidade familiar,
taxativamente escrita nos parágrafos acima da Carta da República, a qual decorre da união
estável entre um homem e uma mulher e, ainda, da relação entre um só dos genitores e
seus descendentes, o que origina a chamada família monoparental.
O primeiro passo a seguir é a narrativa de comentários e reflexões acerca dos
institutos família e entidade familiar, com o fito de se concluir se são sinônimos ou se um
deles é gênero, do qual o outro é espécie.
289
Diogo Leite de Campos, A nova família, p. 15.
113
Divergências reinam nessa propositura, principalmente sobre a similitude ou
antinomia dos dois termos.
Carlos Alberto Bittar aponta que família é o instituto que surge do relacionamento
entre esposo, esposa e seus filhos, dês que aquele seja oriundo de um casamento, ou seja, a
expressão família é, em verdade, a família legítima; e que entidade familiar é a instituição
que nasce da união estável entre homem e mulher, ou da convivência entre pelo menos um
dos pais e seus descendentes; e argumenta: “A família, que, como natural, forma o núcleo
central da sociedade, é a instituição que preserva e se protege no direito estatal, reunindo-
se pelo casamento e sob regime solene, diante das responsabilidades que do ato resultam e
no qual participa representante do Estado. As entidades familiares foram assim
conceituadas apenas para efeito de proteção do Estado, através de mecanismos
assistenciais, não se integrando, portanto, ao plano do Direito de Família, ou seja, na Parte
Especial do Código Civil como tal. Essas relações constituem matéria de direito comum,
submetidas à vontade dos interessados, cabendo ao Estado, apenas, por meio de órgãos
administrativos de assistência, ou órgãos judiciais de solução de conflitos, conforme o
caso, interceder.”
290
Portanto, para Carlos Alberto Bittar os institutos família e entidade familiar são
antônimos, sem que, em ocasião alguma, tenha a Carta Federal de 1988, os equiparado.
Áurea Pimentel Pereira critica com veemência o dispositivo constitucional em
análise, afirmando ofensa a princípios de ética e de direito, mormente, na seara do de
família.
291
Predomina, contudo, o entendimento diametralmente oposto, ou seja, dos
doutrinadores que tratam as expressões família e entidade familiar como sinônimas. Nesse,
a posição de Carlos Alberto Menezes Direito: “Assim, entidade familiar tanto é a que se
origina do casamento, como a que nasce da união estável, como, ainda, a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes, nos termos do artigo 226 da
Constituição Federal de 1988.”
292
(destacado no original)
290
Carlos Alberto Bittar, O direito civil na Constituição de 1988, p. 60.
291
Áurea Pimentel Pereira, A nova Constituição e o direito de família, p. 22.
292
Carlos Alberto Menezes Direito, Da união estável como entidade familiar, p. 22.
114
Semy Glanz também afirma a sinonímia: “Assim, o termo família passa a
abranger, não apenas a chamada família legítima, como qualquer outra, com ou sem
casamento formal, pois todas as famílias passam a ter proteção do Estado.
293
(destaques
no original).
Conclui Antonio Carlos Mathias Coltro que “a mencionada entidade familiar se
traduz em verdadeiro sinônimo de família”.
294
Ante os dispositivos contidos no artigo 226 e seus parágrafos da Constituição
Federal, assume-se a opinião de que sinônimos são os institutos família e entidade familiar,
de sorte que a família poderá ser constituída das seguintes formas: por casamento (civil ou
religioso com efeitos civis §§ 1º e 2º), pela união estável entre um homem e uma mulher
(§ 3º), e pela “comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (§ 4º).
Tudo isso é família ou, se se preferir, entidade familiar.
Acentua José Sebastião de Oliveira: “Assim, desde 5.10.1988 data da
promulgação da Constituição Federal de 1988 –, não podemos mais falar em uma única
espécie de família. A Constituição Federal contemplou três diferentes formas de
constituição familiar colocando novamente o direito positivo em plena correspondência
com a realidade social.”
295
A mutação social humana sempre está à frente da evolução legal e jurídica, os
fatos acontecem para que, posteriormente, o legislador apresente o ordenamento legal para
a solução dos conflitos e impasses porventura surgidos. No estudo em apreço, isso não foi
diverso, porquanto, sabido e ressabido é que variadas, inúmeras e infinitas comunidades
eram constituídas, dia após dia, à margem da lei, e, somente da que surgisse de uma união
legítima entre um homem e uma mulher (união essa denominada de casamento) é que
existiria a família, cujos membros teriam a proteção legal.
293
Semy Glanz, União estável, p. 14.
294
Antonio Carlos Mathias Coltro, A Constituição Federal e a união estável entre o homem e mulher, p. 48.
295
José Sebastião de Oliveira, Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 87.
115
Em face dessas mudanças e situações fáticas advindas, outra não foi a alternativa
do legislador pátrio, senão editar uma norma legal que amparasse, sobretudo, os membros
que a constituem, e mais, as pessoas que nascessem desse relacionamento. Assim, segundo
Marco Aurélio Sá Viana, “o Direito de Família, cujas normas guardam correlação estreita
com a realidade social, absorveu as situações pré-normativas, o que está evidenciado com a
disciplina presente na Constituição Federal e na legislação ordinária”.
296
O legislador constituinte formulou a nova ordem, na qual reconhece que,
independentemente do meio ou modo que se constitua, em havendo qualquer relação entre
um homem e uma mulher, entre si, ou de quaisquer deles com seus descendentes, ou
mesmo de ambos com seus descendentes, formada estará uma família ou uma entidade
familiar.
Esclarece Rodrigo da Cunha Pereira, ao comentar o artigo 226 da Constituição
Federal: “Apesar de uma certa timidez no texto quando se diz entidade familiar ao invés de
família, podemos marcar aí uma evolução.”
297
Esses institutos (família e entidade familiar) portanto são sinônimos, inexistindo
diferenças quanto às famílias ou entidades familiares constituídas pelo casamento, por
união estável, ou a decorrente da relação monoparental.
O que é inconfundível, no entanto, é que casamento e união estável são
instituições diversas
298
, pois aqui sim cada instituição possui suas regras, disciplinas e
296
Marco Aurélio Sá Viana, Da guarda, da tutela e da adoção, p. 18.
297
Rodrigo da Cunha Pereira, Direito de família: uma abordagem psicanalítica, p. 22. Em outro texto, anota o
mesmo autor que a família pode ser “(...) constituída pelo casamento, pelo concubinato não-adulterino e as
famílias monoparentais, ou seja, por qualquer dos pais que viva com seus descendentes” (Família, direitos
humanos, psicanálise e inclusão social, p. 7).
298
Historia Humberto Theodoro Júnior o seguinte: “A quase totalidade das Constituições modernas continua
destinando especial tutela apenas à família oriunda do matrimônio (Alemanha, Espanha, Japão, Itália,
Portugal, etc.). A Bolívia, porém, avançou e incluiu em sua Carta Magna um dispositivo que igualava em
efeitos o concubinato ao casamento: ‘Las reuniones libres o concubinalias que sean estables y singulares,
producieron efectos similares al matrimonio tanto en las relaciones personales y patrimoniales de los
conviventes cuanto a respecto a los hijos’ (art. 182). Nossa atual Constituição na esteira do exemplo
boliviano, dispõe: ‘Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento’ (art. 226, § 3º). Isto
quer dizer, todavia, que ao mesmo tempo que a Constituição de 1988 abre uma brecha para a legislação do
concubinato, preocupa-se também em preservar a família legítima, pois prevê que a lei deverá facilitar a
conversão da família natural em casamento. Não houve, portanto, uma total equiparação entre o casamento
e o concubinato. O que a nova Carta quer é apenas que a lei discipline, ao lado do casamento, também a
relação concubinária.” (Alguns impactos da nova ordem constitucional sobre o direito civil, p. 193).
116
efeitos próprios; e família com casamento também são inconfundíveis, pois, como ensina
Rodrigo da Cunha Pereira: “Grande parte dos juristas confunde o conceito de família com
o de casamento.”
299
Aliás, esse mesmo autor alerta: “(...) noções equivocadas daqueles que
afirmam que esta família é constituída pelo casamento, quando na verdade é apenas
uma das formas de sua constituição.”
300
No mesmo teor a doutrina de Gustavo Tepedino: “A Constituição Federal,
contudo, não pretendeu equiparar entidades heterogêneas, identificando a relação familiar
de fato com o mais solene dos atos jurídicos. O casamento, com efeito, como ato jurídico,
pressupõe uma profunda e prévia reflexão de quem o contrai, daí decorrendo
imediatamente uma série de efeitos que lhe são próprios dada a certeza e a segurança que
oferecem os atos solenes. Já a união estável, ao contrário, formada pela sucessão de
eventos naturais que caracterizam uma relação de fato, tem outros elementos constitutivos,
identificáveis ao longo do tempo, na medida em que se consolida a vida comum. Aí está o
cerne de questão: os efeitos jurídicos que decorrem do ato solene consubstanciado pelo
casamento, cujo substrato axiológico vincula-se ao estado civil e à segurança que as
relações sociais reclamam, não podem se aplicar à união estável por diversidade de ratio.
À união estável, como entidade familiar, aplicam-se, em contraponto, todos os efeitos
jurídicos próprios da família, não diferenciando o constituinte, para efeito de proteção do
Estado (e, portanto, para todos os efeitos legais, sendo certo que as normas jurídicas são
emanação do poder estatal), a entidade familiar constituída pelo casamento daquela
constituída pela conduta espontânea e continuada dos companheiros, não fundada no
matrimônio.”
301
Deveras, família ou entidade familiar, que são sinonímias, não se confundem com
casamento ou com a união estável; assim como esta não se confunde com aquele. Com
efeito, casamento é casamento; união estável é união estável; e, família é família; uma
entidade jurídica não se confunde com a outra, porquanto cada qual delas ostenta os seus
próprios efeitos jurígenos.
302
299
Rodrigo da Cunha Pereira, Direito de família: uma abordagem psicanalítica, p. 18.
300
Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato e união estável, p. 27.
301
Gustavo Tepedino, Temas de direito civil, p. 341.
302
Francisco José Ferreira Muniz referenda: “(...) a família não se funda necessariamente no casamento, o
que significa que casamento e família são para a Constituição realidades distintas. A Constituição apreende
a família por seu aspecto social (família sociológica). E do ponto de vista sociológico inexiste um conceito
unitário de família.” (A família na evolução do direito brasileiro, p. 77).
117
Não se olvide, outrossim, que constitui entidade familiar ou família (natural) a
relação estabelecida entre um só dos genitores e seus respectivos descendentes,
denominada doutrinariamente família monoparental.
Esse termo, família monoparental, historicamente, segundo relatos de Basílio de
Oliveira, “(...) surgiu na França em 1975. A partir de 1980, passou a ter uso corrente pelos
sociólogos que inicialmente chamaram a atenção para os problemas criados por essa
espécie de família que florescia em número sempre crescente”.
303
Mas, o que vem a ser essa família, espécie de entidade familiar, por expressa
disposição constitucional que, por seu turno, é espécie do gênero família?
De acordo com a Carta Federal, como visto, é “a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes” (art. 226, § 4º da CF).
A família monoparental surge, por variadas formas, do relacionamento entre o pai
e a mãe e seus respectivos filhos, cujas fontes podem ser a mãe solteira e seu filho natural,
mãe e filho adotivo, mãe (separada de fato, separada judicialmente, divorciada ou viúva) e
seu filho, situações essas em que, mutatis mutandi, enquadra-se também o genitor com
seus respectivos filhos.
Eduardo de Oliveira Leite esclarece: “Assim, a monoparentalidade não só decorre
da vontade unilateral de assumir sozinho uma paternidade ou uma maternidade como
ocorre no caso típico das ‘mães solteiras’, por exemplo mas pode resultar também de
circunstâncias alheias à vontade humana (separação, divórcio, morte), o que torna a
questão ainda mais complexa.”
304
303
Basílio de Oliveira, Concubinato: novos rumos: direitos e deveres dos conviventes na união estável, p.
357.
304
Eduardo de Oliveira Leite, A família monoparental como entidade familiar, p. 48. Completa, no entanto, o
mesmo autor, em outro texto: “O termo ‘monoparentalidade’ revela a superfície de um fenômeno de
dimensões ainda não bem avaliadas, aumentando, assim, paradoxalmente através dos dados estatísticos
colocados em evidência , a angústia frente à desintegração da família conjugal.” (Famílias monoparentais:
a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida
conjugal, p. 33). Cristina de Oliveira Zamberlam completa: “enquanto o fenômeno anterior era vivido pela
imposição de uma situação (viuvez), atualmente a monoparentalidade tende a ser decorrência direta de uma
opção (celibato ou separação), logo, efeito de uma vontade deliberadamente manifestada por esta nova
forma familiar.” (Os novos paradigmas da família contemporânea: uma perspectiva interdisciplinar, p.
100-101).
118
Disso se extraem as espécies de família monoparental, que podem ser: família
monoparental unilinear ou originária, que decorre da comunidade formada entre o pai
solteiro e seu filho adotivo ou a mãe solteira e seu filho natural ou adotivo; e a bilinear ou
derivada, que surge com o término ou dissolução do vínculo existente entre os genitores,
isto é, deriva da separação judicial, divórcio ou morte de um dos pais.
305
Com efeito, a família monoparental decorreu, mais uma vez, da necessidade que o
sistema jurídico teve de se adequar à evolução social dos tempos, em que inúmeras
situações fáticas existiam sem que houvesse a norma legal a ampará-las; o legislador
constituinte erigiu esse relacionamento à proteção pela Carta Federal, reconhecendo-o
como espécie do gênero denominado família.
Depois dessas digressões acerca do instituto família em âmbito constitucional e
doutrinário, apresenta-se, sobre o temário, as afirmações de Eduardo de Oliveira Leite: “A
palavra ‘família’ empregada no artigo 226, caput, deve ser entendida num sentido amplo,
abrangendo, não somente a família fundada no casamento (antiga família dita ‘legítima’,
em contraposição à ‘ilegítima’), mas ainda as novas formas de conjugalidade, como a
união de fato (art. 226, § 3º), a família natural assente no fato da procriação (art. 226, § 4º)
e a família adotiva (adoção por pessoa não casada).”
306
Criada, constituída e formada estará assim a família natural, que se apresenta
como sinônimo de família biológica, em face da ausência de motivação acerca do
relacionamento havido entre o homem e a mulher que lhe deram origem. Basta a existência
de um pai e (ou) uma mãe, juntamente com os filhos advindos dessa conjunção carnal, para
que exista a família natural ou biológica.
Para fins didáticos, há que se fazer a seguinte colocação: família é um instituto
gênero, que possui espécies, consoante o modo de sua constituição. Se constituída pelo
casamento (união legítima entre um homem e uma mulher, conforme as regras ditadas pelo
CC/2002, mesmo porque o casamento, em momento algum, foi revogado ou excluído do
sistema jurídico, muito ao contrário, também foi, em âmbito constitucional, reforçada sua
305
Basilio de Oliveira, Concubinato: novos rumos: direitos e deveres dos conviventes na união estável, p.
362-363; Eduardo de Oliveira Leite, A família monoparental como entidade familiar, p. 62-63.
306
Eduardo de Oliveira Leite, O concubinato frente a nova Constituição: hesitações e certezas, p. 97.
119
existência, como se depreende do art. 226, §§ 1º e 2º da CF), denominar-se-á família, com
o adjetivo em sentido estrito, para a diferenciar daquele gênero. A entidade familiar, outra
espécie da família lato sensu, poderá ser constituída por uma união estável (art. 226, § 3º
da CF) ou, ante o que dispõe o parágrafo 4º do artigo 226 da Constituição Federal, pela
família monoparental.
Pede-se licença para, neste ponto, apresentar o seguinte quadro sinóptico:
1) FAMÍLIA EM SENTIDO ESTRITO
FAMÍLIA 2.1) UNIÃO ESTÁVEL
2) ENTIDADE FAMILIAR
2.2) FAMÍLIA MONOPARENTAL
Ressurge o Estatuto da Criança e do Adolescente, cujo capítulo relacionado à
Convivência Familiar e Comunitária, nos dispositivos gerais, inicia as imposições,
ditando: “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua
família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e
comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias
entorpecentes” (art. 19).
A criança e o adolescente, como regra, haverão de ser criados e educados em sua
família natural ou entidade familiar, ou seja, na família biológica, com a qual mantêm
vínculos consangüíneos e, como exceção, caso violados ou ameaçados seus direitos
fundamentais, consoante estabelecem os artigos 98 e 101, inciso VIII, ambos do Estatuto
da Criança e do Adolescente, em família substituta.
E o que se deve entender por família substituta?
307
O termo família foi acima
analisado, e substituta nada mais é que o grupo de pessoas formado pelo homem e sua
mulher e seus eventuais descendentes que assumirão os deveres de criar e educar a criança
307
Leciona Luiz Paulo Santos Aoki: “A história da família substituta é quase tão antiga quanto a
humanidade, pois certamente brotou do próprio espírito de solidariedade existente latente nos seres
humanos, de molde a suprir incontáveis ausências da família natural, gerando, daí, até mesmo fábulas,
lendas e fantasiosas histórias que rechearam a imaginação de inúmeras gerações, como é o caso, p. ex., dos
irmãos romanos Rômulo e Remo, que foram criados por uma Loba; ou, então, a história do ‘Lord’ inglês
que foi criado por uma família de gorilas; ou, então, a deliciosa história de Mogli, o menino das Selvas,
criado por uma família de lobos selvagens; ou a milenar história de Moisés, posto nas águas do rio em que
se banhava o filho do faraó e por ela tirado das águas e criado, tendo por ama de leite sua própria mãe.
Como se vê, a história do Homem e a sua imaginação cuidaram de guardar recordações pungentes acerca
de inúmeros casos de família substituta.” (Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários
jurídicos e sociais (arts. 28-32), p. 105-106).
120
ou o adolescente, mantendo-os sob sua guarda; todavia, como estes não são descendentes
diretos daqueles não mantêm parentesco consangüíneo em linha reta descendente em
primeiro grau , substituirão em todos os deveres (art. 227 da CF e art. 4º do ECA) os pais
biológicos no exercício de suas funções paterno-filial.
A família substituta exerce as mesmas atribuições da família natural (biológica ou
consangüínea), só que, por não ser a família consangüínea na qual a criança (ou
adolescente) foi gerada, é que se diz substituta, pois a cria e educa nas mesmas condições,
ocupando o lugar da família biológica.
Esclarece Marco Aurélio Sá Viana que “em que pese se tratar de família
substituta, esta pode ter vínculo de sangue com o menor”
308
, como se verifica nas hipóteses
de irmãos, tios ou avós assumirem a guarda ou tutela de seus irmãos, sobrinhos ou netos,
respectivamente; mesmo assim, estar-se-á diante de uma família substituta, ante a ausência
de vínculo natural de primeiro grau entre o guardião ou tutor com o respectivo infante ou
pupilo e porque aqueles substituirão as funções que haveriam de ser exercidas pelos
genitores no cumprimento do seu poder familiar.
Wilson Donizeti Liberati complementa, informando que a família substituta
existe, pois “quando essa família (natural), por algum motivo, desintegra-se, colocando em
risco a situação de crianças e adolescentes, surge, então, a família substituta, que,
supletivamente, tornará possível sua integração social, evitando a institucionalização”
309
.
Ou, como lembra Roberto João Elias: “Importa que menor cresça em uma família, de
preferência a sua, para desenvolver plenamente sua personalidade. Se não for possível isso,
deve-se facilitar o seu ingresso em uma substituta.”
310
Família substituta, ou por alguns denominada também de substitutiva
311
, com
efeito, nada mais é que a família não-original, mas que assume e cumpre o mesmo papel
308
Marco Aurélio Sá Viana, Da guarda, da tutela e da adoção, p. 31.
309
Wilson Donizeti Liberati, O Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 9.
310
Roberto João Elias, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 18.
311
Carlos Alberto Bittar, Direito de família, p. 235.
121
(poderes e deveres) que haveria de ser desempenhado pela família natural (biológica ou
consangüínea).
312
O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente norteia os institutos que
compõem a família substituta, descrevendo em seu artigo 28, caput que: “A colocação em
família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da
situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.”
Linhas atrás anotou-se que o Estatuto do Idoso, tal qual o da Criança e do
Adolescente, estabeleceu o direito subjetivo da pessoa idosa em ter uma “moradia digna,
no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando
assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada” (art. 37, caput). Impõe a
Constituição Federal de 1988, outrossim, que “os programas de amparo aos idosos serão
executados preferencialmente em seus lares” (art. 230, § 1º).
Cumprindo o império constitucional, a Lei Estatutária referenda que ao idoso é
assegurado o direito a uma moradia, mas não basta uma morada, ela há de ser digna, com
primazia no seio de sua família natural (biológica ou consangüínea), isto é, junto com seus
familiares de sangue, no caso, seus descendentes filhos, netos, bisnetos, etc.; se isso não
for executável, faticamente dita a norma que aquela morada digna estará garantida, ainda
que sob o amparo de família substituta. Por outra ótica, se for o desejo exclusivo da pessoa
idosa desde que tenha condições físicas, psíquicas e morais para exteriorizar sua vontade
, seu abrigo ocorrerá em uma instituição (pública ou privada) adequada
313
, ao amparo da
chamada terceira idade, meia-idade ou idade avançada.
314
A família natural ostenta a mesma conclusão acima, uma vez que diferença
inexiste entre a relação de uma pessoa com seus descendentes, como destes com aquela,
312
Para Tânia da Silva Pereira: “A substituição familiar se prende à idéia de sua colocação no lugar ou na
posição da família natural, desempenhando as mesmas funções.” (Direito da criança e do adolescente: uma
proposta interdisciplinar, p. 227).
313
Ao interpretar o mencionado artigo 37 do Estatuto do Idoso, Pérola Melissa Vianna Braga afirma que “a
assistência integral por meio de entidades de longa permanência será prestada em caráter subsidiário e não
prioritário, quando verificada inexistência de grupo familiar, casa-lar, abandono ou carência de recursos
financeiros próprios ou da família” (Direitos do idoso, p. 195). A regra, pois, é o amparado na família
natural, na família substituta, e, como exceção, em instituição, nessa ordem seqüencial, com prioridade
exclusiva, por imposição constitucional, para a primeira.
314
Pérola Melissa Vianna Braga, ob. cit., p. 42.
122
por se tratar de uma questão jurídica de dupla mão, basta a ótica com a qual ela é enfocada.
Por exemplo, há família monoparental entre o pai e seu filho, interpretada a posição da
linha ascendente para a descendente; igualmente, há família monoparental entre o filho e
seu genitor, analisado o fato, agora, em vetor inverso da linha descendente para a
ascendente.
Sendo pai parente natural de seu filho, por óbvio o filho possui parentesco natural
com seu genitor. É o mesmo vínculo familiar, transmudada a posição focal originária.
Destarte, o que se discorreu sobre a família natural aplica-se ipsis litteris aqui na
relação familial do idoso, que em nada difere do relatado, ao contrário, é a mesma família.
No que tange à família substituta, que no Estatuto do Idoso tem a mesma
conotação de substitutiva da consangüínea, esse não delimitou os institutos que a
constituem, como fez o Estatuto da Criança e do Adolescente (guarda, tutela e adoção).
Para tanto, como antes estudado, há que se procurar nessa nova legislação os
procedimentos protetivos do idoso que se assemelham aos da norma menorista; em face
disso, a guarda encontra ressonância no acolhimento, previsto no artigo 36 do Estatuto do
Idoso, enquanto a tutela tem a curatela como situação jurídica análoga e a adoção cria
legalmente o vínculo entre adotante e adotado, com aplicabilidade também à pessoa idosa,
em quaisquer dos pólos que se encontre nessa relação familiar adotiva.
Colocar-se-á o idoso em família substituta, portanto, pelo acolhimento, pela
curatela ou pela adoção.
Ao estudar ou transcrever determinado assunto, técnico ou não, por lógica e
didática, o intróito do trabalho deve oferecer seu conceito ou definição, fato aqui
inobservado, propositadamente contudo, quanto ao instituto família. Assim se fez porque,
como se pôde averiguar, a definição da família brasileira sofreu grandes e inúmeras
mudanças com o passar dos anos, de sorte que, inicialmente apresentada sua composição,
resultaria em uma incompreensão, ou na narrativa imprópria do que se deva hodiernamente
entendê-la.
123
Após o discurso de todas as transformações e evoluções da família, há que ser
apresentada a sua definição e, por que não dizer, na realidade, sua atual composição, quais
as pessoas que, reunidas, formam um conjunto familiar.
Nunca é demais lembrar que “a família, base da sociedade, tem especial proteção
do Estado”, consoante determinação constitucional (art. 226, caput da CF). A família
continua a ser a célula mater de toda a comunidade social, com especial e total proteção do
Poder Público, independentemente da forma de sua constituição. Sendo família (entidade
familiar), está jungida à proteção estatal.
Nos moldes atuais, no entanto, a família não é exclusivamente a comunidade que
se origina de um casamento válido (união entre homem e mulher consoante a lei civil),
pois existem outros relacionamentos que fundam uma família, tal como a união estável
entre homem e mulher.
315
Após a promulgação da Carta republicana de 1988, em âmbito jurídico, o instituto
família passou a ser gênero, composto das seguintes espécies: se constituída pelo
casamento (união legítima entre um homem e uma mulher, conforme as regras ditadas pelo
CC de 1916 ou, agora, de 2002), denominar-se-á de família em sentido estrito. A entidade
familiar é outra espécie da família lato sensu, constituída por uma união estável (art. 226, §
3º da CF) ou pela família monoparental (art. 226, § 4º da CF).
Assim sendo, família é a entidade formada por um homem e uma mulher, unidos
pelo matrimônio (civil ou religioso com efeitos civis) ou por união estável, e seus
descendentes, ou ainda, por qualquer um daqueles com estes últimos.
Em todas essas situações, há uma família.
315
Cristiano Chaves de Farias leciona: “A Constituição Federal de 1988 igualou todos os filhos,
independentemente de sua origem, sejam eles biológicos ou adotivos, privilegiando, indubitavelmente, o
afeto. E o mais importante: o casamento deixou de ser o modelo oficial de família, havendo clara opção
pelo amor, prestigiando a afetividade.” (Direito constitucional à família ou famílias sociológicas versus
famílias reconhecidas pelo direito: um bosquejo para uma aproximação conceitual à luz da legalidade
constitucional, p. 19).
124
Antes mesmo do Estatuto da Criança e do Adolescente, incluía-se como espécie
de família a adotiva
316
, isto é, a constituída pelo vínculo entre adotante e adotado; agora,
existe uma nova espécie de família, ou melhor, essa espécie de família sempre existiu, o
que se poderia dizer é que o legislador estatutário concedeu novo título à comunidade
formada entre guardião e o infante sob sua proteção, entre o tutor e seu pupilo, e entre
adotante e adotado, denominando-a de família substitutiva. Com efeito, essa família
constituída pela guarda, tutela ou adoção é uma espécie da família lato sensu.
Com o advento do Estatuto do Idoso, não se olvide da família substituta nele
retratada, cuja constituição nasce com o acolhimento, a curatela ou a adoção. Essa família
também é uma espécie de família lato sensu.
Família, em suma, é a instituição formada por um homem e (ou) uma mulher e
seus respectivos descendentes, seja essa relação matrimonial (casamento válido civil ou
religioso com efeitos civis) ou por união estável (entidade familiar), e ainda pela guarda,
tutela ou adoção para a criança ou adolescente e pelo acolhimento, curatela ou adoção
para os idosos (família substituta). A família natural equivale à biológica
(consangüínea), que se diferencia da substituta, que é justamente substitutiva daquela.
Assim sendo, com finalidade didática, pede-se vênia para apresentar a seguir um
quadro sinóptico representativo:
1.1 FAMÍLIA EM SENTIDO ESTRITO
1 FAMÍLIA NATURAL 1.2.1 UNIÃO ESTÁVEL
1.2 ENTIDADE FAMILIAR1.2.2 FAMÍLIA MONO-
FAMÍLIA PARENTAL
2.1 CRIANÇA E ADOLESCENTE: 2.1.1 GUARDA
2 FAMÍLIA SUBSTITUTA 2.1.2 TUTELA
2.1.3 ADOÇÃO
2.2 IDOSO: 2.2.1 ACOLHIMENTO
2.2.2 CURATELA
2.2.3 ADOÇÃO
O termo família é gênero, do qual, família natural família stricto sensu e
entidade familiar e família substituta são suas espécies.
316
Como se nota na lição de Eduardo Espínola, já anotado em linhas passadas: “Em acepção ampla, a palavra
família compreende as pessoas unidas pelo casamento, as provenientes dessa união, as que descendem de
um tronco ancestral comum e as vinculadas por adoção.” (A família no direito civil brasileiro, p. 7-8).
125
3.7 União homoafetiva
Ao discorrer sobre o direito de família contemporâneo, mormente para tratar da
família brasileira, o tema homossexualidade
317
surge como de compulsória análise, no que
se refere à natureza do relacionamento afetivo entre pessoas do mesmo sexo, a denominada
união ou relação homoafetiva.
O enfoque que se há de empreender neste momento decorre da seguinte
indagação: a união entre dois homens ou entre duas mulheres tipifica uma relação familiar?
Ou seja, a união homoafetiva constitui uma família?
Como se pode antever, essa discussão retrata inúmeras divergências jurídicas,
com posições diametralmente opostas, conquanto, para um resultado prático e efetivo,
imprescindível seria a apreciação de estudos técnico-científicos de outros ramos da ciência,
tais como da sociologia, da psicologia e da medicina, com evidenciada e notória
interdisciplinariedade epistemológica. Todavia, por desfigurar o ponto central deste
trabalho, aqui serão analisadas doutrinas estritamente relacionadas ao direito, com
indicações legislativas pertinentes.
Faz-se mister, antes de prosseguir, breve reflexão acerca do subtítulo utilizado,
qual seja, relação ou união homoafetiva, em específico do termo homoafetivo.
317
Débora Vanessa Caús Brandão esclarece: “A palavra ‘homossexual’ foi utilizada pela primeira vez, em
1869, pelo médico húngaro Karoly Benkert. ‘Homossexual’ vem do prefixo grego hómos e significa ‘o
mesmo/semelhante’, e da palavra latina homo, que significa ‘homem’. ‘Sexual’, vem do latim sexu e
significa ‘relativo ou pertencente ao sexo’, donde se conclui ‘pertencente ao mesmo sexo’.” (Parcerias
homossexuais: aspectos jurídicos, p. 15). Mais adiante, complementa a autora: “Em 1995, na última revisão
da CID, o homossexualismo, que era considerado desde 1985 como sintoma decorrente de circunstâncias
psicossociais, deixou de constar nos diagnósticos. O sufixo ‘ismo’, que significa ‘doença’, foi retirado e
substituído pelo sufixo ‘dade’, que designa ‘modo de ser’. Essa é a razão pela qual, no presente trabalho,
utiliza-se o termo ‘homossexualidade’, e não homossexualismo.” (Ibidem, p. 20). Com finalidade
ilustrativa, consigne-se que homossexual e transexual não se apresentam como sinônimos, porquanto,
“transexualidade é a condição sexual da pessoa que rejeita sua identidade genética e a própria anatomia de
seu gênero, identificando-se psicologicamente com o gênero oposto” (Maria Helena Diniz, O estado atual
do biodireito, p. 223).
126
Homoafetividade é um neologismo utilizado primordialmente por Maria Berenice
Dias
318
, sendo certo que, para sua adequada compreensão, nada melhor do que descrever a
narrativa de sua própria criadora sobre os motivos que o fundamentam: “O termo
‘homossexualismo’ ganhou uma conotação pejorativa, o que levou Jurandir Freire Costa,
na tentativa de desmontar o preconceito que o cerca, a introduzir um novo vocábulo:
‘homoerotismo’, a indicar que existe, no repertório da sexualidade humana, a possibilidade
de pessoas do mesmo sexo se sentirem atraídas, sem que isso implique doença,
anormalidade ou perversão. Justifica o psicanalista carioca: ‘Com ele pretendo revalorizar,
dar um outro peso moral às experiências afetivo-sexuais que, hoje, são pejorativamente
etiquetadas de homossexuais’. Essa mesma preocupação deu ensejo à criação do
neologismo ‘homoafetividade’, vocábulo cuja conotação melhor expressa o vínculo que
envolve o par.”
319
Com a intenção de evitar qualquer conotação preconceituosa, valer-se-á, como
aliás utilizado no subtítulo deste tópico, do neologismo homoafetividade para tipificar a
união entre pessoas do mesmo sexo.
Prosseguindo com a indagação acima proposta, de pronto há que se dizer que
inexiste no sistema jurídico positivo brasileiro norma legal que expressa e explicitamente
tipifique o relacionamento ou a união homoafetiva como familiar, concedendo-lhe a
possibilidade de constituição de uma família: o Código Civil de 2002 é silente sobre esse
assunto seja no aspecto de formação de vínculo familiar, seja em concessão de direitos e
deveres entre o relacionamento afetivo entre pessoas de idênticos sexos biológicos. Lei
especial ainda não foi positivada e a Constituição da República de 1988 também se quedou
inerte.
Merece lembrança, contudo, que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei
n. 1.151, de 26 de outubro de 1995, apresentado pela então Deputada Federal Marta
Suplicy, cuja finalidade é disciplinar “a união civil entre pessoas do mesmo sexo”, a
318
Maria Berenice Dias afirma que “este neologismo foi cunhado em minha obra Uniões homossexuais: o
preconceito e a justiça” (Manual de direito das famílias, p. 191) e também: “Expressão originalmente
utilizada na primeira edição desta obra e que mereceu ampla aceitação, já estando inserida no vocabulário
jurídico e na linguagem comum.” (Maria Berenice Dias, União homossexual: o preconceito e a justiça, p.
38).
319
Maria Berenice Dias, União homossexual: o preconceito e a justiça, p. 38.
127
nomenclaturada parceria civil, com o fito de “(...) salvaguarda dos direitos de propriedade
e de sucessão hereditária”, consoante ressalta Débora Vanessa Caús Brandão.
320
Enaltece essa autora, no entanto, que o direito previdenciário brasileiro é o
precursor dos direitos decorrentes da união homoafetiva, citando a Instrução Normativa n.
25/2000 do Instituto Nacional de Seguridade Social, cujo artigo 2º garante pensão por
morte e auxílio-reclusão ao parceiro do mesmo sexo
321
. Afora essa norma legal, inexiste
outro texto que proteja o relacionamento entre pessoas homossexuais.
Nada obstante, como é cediço, existem meios, formas e fórmulas legítimas para
suprir a lacuna legal, obtendo o resultado prático almejado com interpretações e aplicações
de princípios gerais e constitucionais, afora a analogia e os costumes; ou, por outra face, a
eventual lacuna há de ser colmatada descartando-se a simplória resposta de que, como
inexiste previsão legal, só por isso, o pleito é indevido.
Há que se buscar interpretações e princípios que fundamentam o suprimento da
lacuna, ou então que demonstrem a impropriedade da solução visada. No caso em apreço,
o escopo é a obtenção de sustentáculos que fundamentem a existência ou não de uma
família constituída por uma união homoafetiva.
Como visto em linhas passadas, a união estável é uma das modalidades
constitutivas do vínculo familiar, pois é ela uma entidade familiar que, por sua vez, é
espécie do gênero família. Assim sendo, é de se perquirir: a união homoafetiva é uma
união estável?
Pela interpretação literal e gramatical do artigo 226, parágrafo 3º da Carta
republicana, dessume-se que não, uma vez que expressamente ditou o constituinte que a
união estável decorre do relacionamento entre um homem e uma mulher. Em consonância
320
Débora Vanessa Caús Brandão, Parcerias homossexuais: aspectos jurídicos, p. 112.
321
Débora Vanessa Caús Brandão, ob. cit., p. 108. Informa a autora ainda que o artigo 3º da referida
Instrução Normativa especifica os documentos necessários para comprovar a parceria homossexual e a
respectiva dependência econômica. Por fim, que a edição dessa Instrução ocorreu “(...) por força de decisão
judicial proferida na Ação Civil Pública n. 2000.71.00.009347-0, proposta pelo Ministério Público perante
a Justiça Federal da 4ª Região em Porto Alegre, Rio Grande do Sul” (Ibidem, mesma página). Maria
Berenice Dias também afirma que “(...) é mister que se ressalte o enorme significado da recente positivação
de tais direitos que acaba de ocorrer na esfera administrativa. (...) Esse, com certeza, é o primeiro passo
para enlaçar tais relacionamentos na esfera da juridicidade e, especialmente, do direito positivo” (Liberdade
sexual e direitos humanos, p. 87).
128
a essa imposição, o Código Civil de 2002 reprisa essa divergência de sexos para a
formação da união estável, em seu artigo 1.723, caput.
Posta assim a questão, há que se prosseguir: então, esse relacionamento
homoafetivo poderia ser equiparado ao matrimônio? A resposta igualmente é negativa,
mormente depois da vigência do Código Civil de 2002, pois o seu artigo 1.514 estatui: “O
casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz,
a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.” Destarte, por
expressa disposição legislativa, casamento também é relação entre um homem e uma
mulher.
Sobre a divergência de sexos para o casamento, na vigência do Código Civil de
1916, Pontes de Miranda já lecionava: “(...) uma união, ainda solenemente feita, entre duas
pessoas do ‘mesmo’ sexo, não constitui matrimônio, porque ele é, por definição, contrato
do homem e da mulher, viri et mulieris coniunctio, com o fim de satisfação sexual e
procriação.”
322
Se a relação homoafetiva não se equipara à união estável, nem ao casamento, visto
que em ambas as situações o pressuposto básico e primário é a constituição de
relacionamento entre homem e mulher pessoas de sexos opostos , onde ela se
enquadraria, para dela decorrer a instituição de uma família?
Maria Berenice Dias vale-se primeiramente da analogia a esses institutos união
estável e casamento para conceder suporte legal exegético à união homoafetiva, pois
argumenta: “Abstraindo-se o sexo dos conviventes, nenhuma diferença há entre as relações
homo e heterossexuais, pois ‘existe uma semelhança no essencial, a identidade de motivos
entre os dois casos’. Ambos são vínculos que têm sua origem no afeto, havendo identidade
de propósitos, qual seja a concretização do ideal de felicidade de cada um. A lacuna legal é
de ser colmatada por meio da legislação que regulamenta os relacionamentos interpessoais
com idênticas características, isto é, com os institutos que regulam as relações familiares,
sem que se tenha por afrontada a norma constitucional que tutela as relações de pessoas de
sexos opostos. A omissão legal não pode ensejar negativa de direitos a vínculos afetivos
322
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito de família, v. 1, p. 296.
129
que não tenham a diferença de sexo como pressuposto. (...) A verdadeira aversão da
doutrina dominante e da jurisprudência majoritária em se socorrer das leis que regem a
união estável ou o casamento tem levado tão-só ao reconhecimento de uma mera sociedade
de fato. Sob o fundamento de evitar enriquecimento injustificado, invoca-se o Direito das
Obrigações, o que acaba subtraindo a possibilidade de concessão, para o mesmo suporte
fático, do externo leque de direitos que existe na esfera do Direito de Família.”
323
Em outro texto, continua a autora a argumentar que a união homoafetiva é sim
uma entidade familiar, fulcrando-se no sobredito artigo e parágrafo constitucionais, haja
vista a patente discriminação contida no próprio texto, o que ofende o princípio geral da
dignidade da pessoa humana e o da isonomia, em razão do sexo, e complementa: “A regra
maior da Constituição, que serve de norte ao sistema jurídico, é o respeito à dignidade
humana. O compromisso do Estado para com o cidadão se sustenta no primado da
igualdade e da liberdade, consagrados já no seu preâmbulo. Ao conceder proteção a todos,
veda discriminação e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo ou idade”.
324
Valendo-se dos mesmos princípios constitucionais, Paulo Luiz Netto Lôbo afirma
que a união homoafetiva é uma entidade familiar, dês que preenchidos “(...) os requisitos
de afetividade, estabilidade e ostensibilidade”
325
; todavia, vale-se da interpretação
integrativa do artigo 226 da Constituição Federal, sobretudo de seu parágrafo 4º, que
admite outras formas de entidades familiares, dentre as quais, satisfeitas as sobreditas
condições, essa união constituiria uma entidade familiar, ou seja, estaria formada uma
família.
Rodrigo da Cunha Pereira segue essa mesma trilha hermenêutica, e aduz que “o
caráter de inclusão da norma contida no artigo 226 da Constituição, o princípio da
dignidade da pessoa humana sobre o qual se sustenta a tábua axiológica do Texto Maior,
além da mínima intervenção do Estado sobretudo na esfera íntima, na liberdade e
323
Maria Berenice Dias, União homossexual: o preconceito e a justiça, p. 86-87.
324
Maria Berenice Dias, Manual de direito das famílias, p. 192.
325
Paulo Luiz Netto Lôbo, Entidades familiares constitucionalizadas: para além do “numerus clausus”, p.
105.
130
autonomia de vontade dos indivíduos devem afastar dúvidas que ainda teimam em
sobreviver”.
326
Conclui seu trabalho monográfico sobre esse assunto José Carlos Teixeira
Giorgis, afirmando que, embasado “(...) nos princípios constitucionais da dignidade da
pessoa humana e da igualdade, considerada a visão unitária e coerente da Constituição,
com o uso da analogia e suporte nos princípios gerais do direito, ter-se a união homoerótica
como forma de união estável, desde que se divisem, na relação, os pressupostos da
notoriedade, da publicidade, da coabitação, da fidelidade, de sinais explícitos de uma
verdadeira comunhão de afetos”.
327
Por derradeiro, Érika Harumi Fugie fundamenta-se no direito à liberdade, que é
personalíssimo de todo ser humano, e portanto de escolha de sua identidade sexual, cuja
privação origina infringência a um direito fundamental da pessoa, e finaliza: “Não há
fundamento lógico para o tratamento desigual. Pode-se concluir que a discriminação por
motivo de orientação sexual é uma espécie do gênero que proíbe a discriminação por
motivo de sexo, portanto merece agasalho em nosso ordenamento jurídico.”
328
Ante essas opiniões doutrinárias, pode-se dessumir que são utilizadas variadas
fórmulas hermenêuticas para conceder eficácia jurídica à relação homoafetiva, desde a
analogia com o casamento e com a união estável, dos quais se diferencia apenas pela
existência de parceiros com idêntico sexo biológico, até mesmo dos princípios
fundamentais inseridos na Constituição da República, mormente o fundado na dignidade
da pessoa humana e, por que não, até mesmo na cidadania, pois esses parceiros são
pessoas e, como tais, ostentam o legítimo direito de serem titulares de direitos, inclusive de
relacionamento amoroso , o direito fundamental à igualdade (princípio da isonomia), sem
distinção em razão da preferência ou conotação psíquica sexual e à liberdade de orientação
sexual diversa da biológica.
Certo é que, para que se possa falar na aplicação de uma dessas vertentes
interpretativas, haverão pressupostos a serem adimplidos que configurem e, em verdade,
326
Rodrigo da Cunha Pereira, Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família,
p. 122.
327
José Carlos Teixeira Giorgis, A natureza jurídica da relação homoerótica, p. 139.
328
Érika Harumi Fugie, A união homossexual e a Constituição Federal, p. 144-145.
131
tipifiquem a relação entre pessoas do mesmo sexo como homoafetiva, qual seja,
basicamente, o afeto; esse, sim, será o requisito primário, básico e essencial para que,
satisfeito, possam ser analisadas as demais condições e exegeses tipificadoras da relação
homossexual.
Em sufrágio a essas teses doutrinárias, merece ser transcrita a decisão judicial
proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que garantiu até direitos
sucessórios legítimos decorrente de união homoafetiva, com a seguinte ementa:
“UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA Direito sucessório Analogia. Incontrovertida
a convivência duradoura, pública e contínua entre parceiros do mesmo sexo, impositivo
que seja reconhecida a existência de uma união estável, assegurando ao companheiro
sobrevivente a totalidade do acervo hereditário, afastada a declaração de vacância da
herança. A omissão do constituinte e do legislador em reconhecer efeitos jurídicos às
uniões homoafetivas impõe que a Justiça colmate a lacuna legal, fazendo uso da analogia.
O elo afetivo que identifica as entidades familiares impõe seja feita analogia com a união
estável, que se encontra devidamente regulamentada. Embargos infringentes acolhidos,
por maioria.” (TJRS EI n. 70003967676, 4º Grupo de Câmaras Cíveis, rel. Des. Maria
Berenice Dias, j. 9.5.2003, m.v., Revista Brasileira de Direito de Família, n. 20, p. 45).
Para finalizar este tópico vestibular favorável ao reconhecimento da união
homoafetiva como constitutiva de um vínculo familiar, merece ser descrita a ementa de
acórdão proferido recentemente pelo Tribunal Superior Eleitoral, com o teor a seguir:
“REGISTRO DE CANDIDATO. Candidata ao cargo de prefeito. Relação estável
homossexual com a prefeita reeleita do município. Inelegibilidade. (CF 14 § 7º). Os
sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de
relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade
prevista no artigo 14, parágrafo 7º da Constituição Federal. Recurso a que se dá
provimento.” (STE RESP Eleitoral n. 24564, Viseu/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, j.
1.10.2004, apud Maria Berenice Dias, Manual de direito das famílias, p. 197).
Sobre esse aresto, comenta Maria Berenice Dias: “Ora, se estão sendo impostos os
ônus aos vínculos homoafetivos, mister é que também sejam assegurados todos os direitos
e garantias a essas uniões no âmbito do direito das famílias e do direito sucessório.”
329
Com intuito elucidativo, no direito estrangeiro, retrata Débora Vanessa Caús
Brandão que existem países que regulam a parceria homossexual (Dinamarca,
Groenlândia, Hungria, Islândia, Noruega, Suécia, Holanda e França) e os que proíbem a
329
Maria Berenice Dias, Manual de direito das famílias, p. 197.
132
discriminação pela orientação sexual (África do Sul, Canadá, Dinamarca, Eslovênia,
Espanha, França, Holanda, Noruega, Nova Zelândia, Polônia e Suécia)
330
; enquanto isso,
Maria Berenice Dias complementa que, desde 1º de agosto de 2001, a Alemanha passou a
aceitar o contrato de união homossexual e, em 2002, passou a viger na Bélgica a extensão
dos direitos dos relacionamentos heterossexuais às uniões homoafetivas, “(...) com exceção
dos relacionados à adoção e à filiação.”
331
Fixados pois esses parâmetros concernentes à proteção legal e constitucional que
de deva conceder à união homoafetiva, merecem ser apreciadas as doutrinas contrárias a
essa relação como constitutiva de vínculos familiares.
Descortinando a tese paradoxal, Eduardo de Oliveira Leite afirma a
impossibilidade desse relacionamento ser acolhido como casamento ou mesmo como união
estável, haja vista que a legislação resgata “(...) o princípio constitucional da diversidade
de sexos, como fundamental à existência do casamento, o artigo 1.723, só reconhece união
estável entre homem e mulher, no que está corretíssimo”.
332
Álvaro Villaça Azevedo referenda essa opinião, mesmo que se considere uma
convivência entre pessoas do mesmo sexo, isso não configura uma união estável
333
. Assim
também se posicionam Roberto Senise Lisboa
334
e Miguel Reale, que esclarece o porquê
das disposições do Código Civil: “Outra crítica apressada e absolutamente sem sentido diz
respeito ao fato de o Código não ter cuidado da união estável de pessoas do mesmo sexo.
Essa matéria não é de Direito Civil, mas sim de Direito Constitucional, porque a
Constituição criou a união estável entre um homem e uma mulher. De maneira que, para
cunhar-se aquilo que estão querendo, a união estável dos homossexuais, em primeiro lugar
é preciso mudar a Constituição.”
335
330
Débora Vanessa Caús Brandão, Parcerias homossexuais: aspectos jurídicos, p. 63-64.
331
Maria Berenice Dias, União homossexual: o preconceito e a justiça, p. 56. Wilfried Schlüter informa que
“através da Lei da união estável homossexual (Lebenspartnerschaftsgesetz Lei para o fim da
discriminação de comunhões do mesmo sexo: (...) LPartG de 16.2.2001 (BGB1.IS.266)) foi criado, para
parceiros do mesmo sexo, um instituto jurídico adequado além do casamento, a união estável homossexual”
(Código Civil alemão: direito de família, p. 485).
332
Eduardo de Oliveira Leite, Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 424.
333
Álvaro Villaça Azevedo, Estatuto da família de fato, p. 473.
334
Roberto Senise Lisboa, Manual elementar de direito civil: direito de família e das sucessões, v. 5, p. 142.
335
Miguel Reale, Visão geral do projeto de Código Civil, p. 26.
133
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, por seu turno, escreve: “Sob o prisma
jurídico, não há efeitos jurídicos propriamente distintos das uniões concubinárias e das
uniões homossexuais, já que ambas, fora do Direito de Família, somente podem ser
cuidadas como sociedade de fato, desde que evidentemente sejam preenchidos os
requisitos para a configuração de tais entidades, possibilitando o reconhecimento do direito
do partícipe da relação que for prejudicado em decorrência da aquisição patrimonial em
nome tão-somente do outro ao partilhamento dos bens adquiridos durante a constância da
sociedade de fato, na medida da sua efetiva contribuição para a formação ou o incremento
patrimonial.”
336
A relação homoafetiva, com efeito, não está sendo desqualificada ou
desconsiderada, mas sim concede-lhes os direitos pessoais e patrimoniais advindos desse
relacionamento, tal como uma sociedade de fato, sem contudo empregar-lhes os efeitos
constitutivos de vínculo familiar. Garantem-se os direitos e as respectivas obrigações aos
parceiros, entretanto não se encampa essa união como uma entidade familiar.
Adverte Sílvio de Salvo Venosa: “As uniões homossexuais nunca terão o estado
de casamento nem a índole de família, ao menos no atual estágio de nossa história. Essas
uniões devem merecer regulamentação de outra natureza.”
337
Recentemente, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiu pela inexistência
de relacionamento familiar entre parceiros homossexuais, nada obstante a garantia dos
direitos pessoais e patrimoniais decorrentes da união de fato:
“UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO Competência
Reconhecimento e dissolução como sociedade de fato Relacionamento que não
configura entidade familiar de acordo com o ordenamento jurídico vigente, afastando a
apreciação pelo Juízo da Vara de Família Julgamento afeto ao juízo cível. As uniões
homoafetivas não são instituição familiar à luz do ordenamento jurídico vigente. A
realidade da sociedade de fato entre as pessoas de mesmo sexo merece tratamento
isonômico quanto ao reconhecimento, dissolução e partilha de bens adquiridos durante a
convivência, mas perante o juízo cível. A observância do princípio da dignidade da
pessoa humana implica reconhecer a existência de direitos advindos dessas uniões
equiparadas àquelas provenientes de uniões heterossexuais, a fim de se evitar qualquer
tipo de discriminação em razão da opção sexual, contudo não tem o condão, por ora, de
alterar a competência do juízo de família.” (TJDF CC n. 2004.00.2.001313-2, 1ª Câm.
Cível, rel. Des. Sandra de Santis, j. 28.4.2004, v.u., RT 828/307).
336
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo: uma espécie de família, p. 491.
337
Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 116.
134
O Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, denegou direitos sucessórios ao
parceiro homossexual, sob o fundamento de que inexiste entidade familiar constituída por
união homoafetiva, como se pode aferir:
“SUCESSÃO União homossexual Pretensão de habilitação na qualidade de herdeiro e
meeiro do de cujus Inadmissibilidade Direitos atinentes à união estável restritos ao
companheiro sobrevivente de união entre homem e mulher Inteligência do artigo 226,
parágrafo 3º da Constituição Federal. É inconcebível a pretensão de habilitação na
qualidade de herdeiro e meeiro do de cujus, decorrente de união homossexual, tendo em
vista que os direitos atinentes à união estável para fins sucessórios é restrito ao
companheiro sobrevivente de união entre homem e mulher, conforme o disposto no artigo
226, parágrafo 3º, da Constituição Federal.” (TJSP AG n. 266.853-4/8-00/São Paulo, 4ª
Câm. de Direito Privado, rel. Des. Rebello Pinho, j. 28.11.2002, v.u., RT 812:220).
Em dezembro de 2004, houve pronunciamento judicial do Superior Tribunal de
Justiça, assim ementado:
“COMPETÊNCIA. Relação homossexual. Ação de dissolução de sociedade de fato,
cumulada com divisão de patrimônio. Inexistência de discussão acerca de direitos
oriundos do direito de família. Competência da Vara Cível. Tratando-se de pedido de
cunho exclusivamente patrimonial e, portanto, relativo ao direito obrigacional tão-
somente, a competência para processá-lo e julgá-lo é de uma das Varas Cíveis. Recurso
especial conhecido e provido.” (STJ RESP n. 323370/RS, 4ª T., rel. Min. Barros
Monteiro, j. 14.12.2004, v.u., DJU, de 14.3.2005, p. 340).
Em face de todas as teses doutrinárias e arestos expostos, denota-se que o ponto
central da divergência é a concessão ou não dos mesmos direitos e respectivas obrigações
matrimoniais ou da união estável ao relacionamento homoafetivo, ou seja, se a relação
afetuosa e amorosa entre pessoas heterossexuais (homem e mulher), por casamento ou
união estável, resulta na concessão de direitos e obrigações a seus integrantes, inclusive
com a constituição de uma família, por que idênticas garantias e proteções, pessoais e
patrimoniais, não se estendem à igual relação repleta de afeto e amor só que entre
pessoas homossexuais.
Por um primeiro ponto, inolvidável que o legislador, constituinte ou não, há de
tipificar situações de fato coesas com o momento social em que são editadas, a fim de que
sua atividade produza efeitos, amparando os anseios comunitários. Não basta, assim, a
produção incessante de normas legais, salvo se elas estiverem em consonância com a
vontade popular, pois o parlamentar age em nome, por representação, do cidadão.
135
A análise dessa ótica suplanta os limites do direito, ante a necessária perquirição
social sobre a vontade da sociedade brasileira em conceber a união homoafetiva como
constitutiva de vínculo familiar; imprescindível, para tanto, aferir-se a repercussão social
dessa constituição familiar.
Outro ponto a ser observado é o pertinente às diretrizes fixadas pela Constituição
da República de 1988, que estabelece a união estável como o relacionamento exclusivo
entre um homem e uma mulher. Enquanto isso, o matrimônio é a união também entre
pessoas de sexos opostos, por sua própria e intrínseca concepção, conceituação, verdadeiro
princípio geral do direito brasileiro. Destarte, a união homoafetiva não ostenta sinonímia
com casamento nem com a união estável.
Aliás, como relata Paulo Luiz Netto Lôbo, “a Constituição de 1988 foi, é e
continuará sendo o núcleo determinante do direito civil, em torno do qual gravitarão o
Código e os microssistemas normativos correspondentes. Na Constituição estão os
fundamentos conformadores dos direitos da personalidade, da família, dos contratos, das
propriedades, da responsabilidade”.
338
Em assim sendo, se a Carta republicana vigente estatui que a união estável
estabelece-se entre um homem e uma mulher, até que assim se mantenha, há que ser
cumprida a imposição do constituinte que, nesse momento, satisfez a vontade do cidadão
brasileiro, a quem representou nessa labuta legislatória.
Sem adotar posição dita retrógrada ou conservadora, o certo é que não se descarta
a concessão de efeitos jurídicos, tanto pessoais como patrimoniais, aos parceiros
integrantes de uma relação homossexual, na posição de sociedade de fato, porquanto o que
fica desacolhido, neste instante social pelo menos, é a equiparação desse relacionamento ao
matrimônio ou à união estável, esses adstritos às relações entre pessoas de sexos opostos
(heterossexuais).
A analogia da relação homoafetiva à união estável é desaconselhável, ante o
expressa e explícita determinação constitucional (art. 226, § 3º), pois, do contrário, estar-
338
Paulo Luiz Netto Lôbo, De frente para a Constituição, p. 3.
136
se-ia ampliando uma regra imposta na Carta Maior de modo claro e evidente, sem maiores
cogitações.
Também não se pode valer dessa regra interpretativa para extrair a existência de
tal união como espécie de entidade familiar, em face do que disciplina o parágrafo 4º do
artigo 226 da Constituição Federal, mormente pelo emprego do advérbio “também”,
porquanto, como se depreende, esse dispositivo retrata a família monoparental como
entidade familiar (ou família), dentre as quais famílias monoparentais inclui-se
“também” a “formada por qualquer dos pais e seus descendentes”; repita-se, afora essa
comunidade, também podem existir outras famílias monoparentais.
Destarte, a união homoafetiva não se subsume ao gênero família monoparental,
pois inexiste parentesco, muito menos unilateral, entre os parceiros homossexuais, donde
inaplicável a analogia, também nesse parágrafo constitucional.
Por outro turno, inolvidáveis são as prevalências dos princípios fundamentais da
cidadania e da dignidade da pessoa humana, como fartamente anotado e do que não se
esquiva, mas, como também há que de concluir, para a aplicação pragmática desses
fundamentos, não se pode alterar sobremaneira regras principiológicas por mera
interpretação doutrinária. Destarte, em ocorrendo a alteração do sistema constitucional,
fatalmente a união homossexual equivalerá à união estável, com direitos e obrigações
inerentes à atual relação heterossexual.
Enquanto isso não se operacionalizar, ao relacionamento homoafetivo empregar-
se-á a conotação de sociedade de fato, com efeitos pessoais e patrimoniais dela advindos,
para que não se ofenda um princípio constitucional sistematizado, qual seja, de que a união
estável verifica-se em relacionamentos entre homens e mulheres.
Com a intenção de finalizar o debate, apresenta-se a opinião de Sérgio Gischkow
Pereira que, depois de rechaçar eventual qualificação como pessoa preconceituosa, que
possa eventualmente a ele ser dirigida, o que denega, uma vez que afirma aceitar
plenamente a alteração da Carta Magna até para a concessão de casamento entre pessoas
homossexuais, informa o seguinte: “A questão é muito simples: nosso sistema jurídico não
comporta ainda sequer a construção pela analogia. O problema está em que a Constituição
137
Federal expressamente só aceita união estável entre heterossexuais. A solução da analogia
é forçada, pois implica terminar concedendo os mesmos direitos dos heterossexuais na
união estável. Está evidente que a Constituição Federal não permitiu união estável, ou
efeitos dela decorrentes, para homossexuais. (...) Vejo a posição gaúcha como precedente
arriscado em termos de desrespeito à Constituição Federal. Afinal, tantos de nós criticamos
o pouco caso com que a Carta Magna é enfocada”
339
. E conclui: “Que se modifique a
Constituição Federal, para afastar a referência de que a união estável só existe entre
heterossexuais; aí tudo será diferente.”
340
O Deputado Federal Antonio Carlos Biscaia, com apoio do Instituto Brasileiro de
Direito de Família (IBDFAM), pretende apresentar ao Congresso Nacional um projeto de
emenda constitucional visando a alteração do artigo 226, parágrafo 4º, da Constituição da
República, para que passe a vigorar com o seguinte teor: “Entende-se, também, como
entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, ou
união afetiva de convivência estável e com objetivo de constituição de família.”
Esse fato é demonstrativo evidente e coeso de que, para ser considerada como
modo constitutivo de vínculo familial, na qualidade de entidade familiar, a união
homoafetiva necessidade de amparo legislativo na Carta Federal, para que, com fulcro
nela, as normas infraconstitucionais possam ser consentaneamente interpretadas. Enquanto
isso não se verificar, essa união homossexual será, para efeitos legais, uma sociedade de
fato, com conseqüências pessoais e patrimoniais aos seus parceiros, sem, contudo,
constituir uma família ou uma entidade familiar.
3.8 Características contemporâneas
Em epílogo ao capítulo alusivo à família, um discurso sobre suas características
contemporâneas, sobretudo da família brasileira, merece ser apresentado, com o escopo de
firmar, confirmar e referendar a veracidade das narrativas sobre a interpretação da família
atual, mormente depois da vigência da Constituição da República brasileira de 1988 e do
339
Sérgio Gischkow Pereira, Estudos de direito de família, p. 71.
340
Ibidem, mesma página.
138
Código Civil de 2002, cujo relacionamento familiar nasce das emoções recíprocas entre o
homem e a mulher, embasadas no afeto, carinho, cumplicidade e respeito pessoais e
recíprocos.
341
A família desvinculou-se da concepção hierarquizada, paternalista e patriarcal
342
centrada na pessoa do pai, marido, homem, chefe supremo da sociedade conjugal,
centralizador dos poderes, pessoais e patrimoniais, sobre a esposa e filhos , para assumir
uma função democrática, com a plena igualdade de direitos e obrigações entre o homem e
a mulher seja na sociedade conjugal, no relacionamento estável ou mesmo no mero
convívio social e equiparação também das garantias e deveres, pessoais e patrimoniais,
independentemente da causa originária da filiação se extra ou matrimonial, consangüínea
ou legal.
343
O pai, por seu turno, abandona paulatinamente a retrógrada atividade de mero e
exclusivo provedor catalizador dos recursos financeiros para o sustento da família –,
reprodutor, chefe hierárquico e temido, para assumir ativa função educacional, orientadora,
com efetiva participação nos acontecimentos familiares, realçada na formação de seus filhos.
Hoje, pai e mãe ativamente participam da formação e construção da personalidade
dos filhos, assim como mutuamente se auxiliam em seus crescimentos pessoais,
emocionais e profissionais, pois cada qual, com suas idiossincrasias familiares originárias,
341
Sérgio Resende de Barros denomina esse afeto de afeto conjugal: “Mais conveniente é chamá-lo ‘afeto
familiar’ (ou, caso se prefira, ‘afeto familial’ ou ‘afeição familial’.” (Ideologia da família e vacatio legis, p.
12).
342
José Renato Nalini historia o seguinte: “O Brasil herdou o modelo patriarcal da família portuguesa e, com
alguns temperamentos, foi esse o modelo predominante até este século. O processo rápido de urbanização e
de industrialização fez desaparecer, no Brasil, a grande família da zona rural, modelo moderno de
conjugação do parentesco por agnação e por cognação, sob estrutura unitária de grupo fundado na
autoridade do chefe.” (A família brasileira do século XXI, p. 13).
343
Referendando essa posição, José Sebastião de Oliveira afirma: “As deliberações da sociedade familiar
devem ser tomadas de comum acordo. Conseqüências diretas disso são: esposa como cooperadora do
marido, em regime de co-gestão, no casamento; companheira como cooperadora do companheiro, nas
uniões estáveis; filhos como verdadeiros amigos de seus pais, nas famílias monoparentais e nas outras duas
espécies de famílias citadas.” (Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 264). Rodrigo da
Cunha Pereira corrobora esse pensar: “Vê-se que os juristas começaram a se preocupar com a questão da
paternidade a partir do momento em que aqueles papéis estanques e definidos, dados pelo modelo
patriarcal, já não correspondiam mais à realidade marcada pelo revolução feminista e pela engenharia
genética. Assim, neste momento, o pai divide com a mãe os cuidados com as crianças e os afazeres
domésticos; o pai que educa e sustenta não é necessariamente o pai biológico. O filho pode ser adotivo, ou
advindo de inseminação artificial heteróloga. Isto significa que a sua função não é essencialmente
reprodutiva: o pai pode ser o transmissor de um nome ou de um patrimônio; enfim, pode ter uma função
econômica e social.” (Direito de família: uma abordagem psicanalítica, p. 145).
139
une-se para formar uma nova família, com suas próprias, peculiares e adequadas formas
comportamentais, jungida às suas vicissitudes, haja vista a personalidade, em seu aspecto
psíquico, dos seus constituidores.
344
Luiz Carlos Osório, a respeito dessa transformação por que passa a família,
inclusive o próprio casamento, pronuncia-se: “Quando digo que a família é perene refiro-
me a ela como instituição que acompanha a humanidade desde seus primórdios e
provavelmente a seguirá acompanhando até o fim da vida humana na Terra. A família-
instituição não morre, mas cada família sim, ao fim de seu ciclo vital. E os casamentos
também deveriam fazê-lo, pois igualmente têm seu ciclo de vida. O que sucede é que, nos
casamentos bem-sucedidos, os respectivos cônjuges morrem, como indivíduos, antes que o
casamento acabe. Assim como há indivíduos longevos, há casamentos longevos. E assim
como há indivíduos que morrem prematuramente, há casamentos que precocemente
terminam. Creio, contudo, que o casamento-instituição, assim como a família, não se
extinguirá, apenas sofrerá as necessárias transformações para ajustar-se aos ‘mores’ dos
tempos que vivemos.”
345
(destacou-se).
A família transforma-se, altera-se, avança e retroage em suas intra e externas
relações, mas sempre será o epicentro da sociedade, na qual a sua finalidade mor é a
formação da personalidade da pessoa humana para a convivência social, “porque se pode,
seguramente, afirmar que possui a família uma importantíssima função socializadora”
346
344
Para José Renato Nalini,. “em lugar de exercer a ‘chefia do casal’, o marido é hoje um ‘companheiro’ da
mulher” (A família brasileira do século XXI, p. 15). Complementa Luiz Carlos Osório: “Cooperação,
competição, simbiose, complementaridade, reciprocidade são alguns termos que delimitam o papel
conjugal. O papel conjugal não abarca, portanto, as atribuições decorrentes da função reprodutora, que
pertencem à esfera do papel parental.” (Família hoje, p. 18). Giselle Câmara Groeninga, ao discorrer sobre
as regras de formação da família, realça o seguinte: “É na constituição mesma da família que encontramos a
passagem do privado para o público, dado pela relação de filiação que articula, em sua origem conjugal,
sexual e privada, a passagem para o público, exogâmico, que será realizada pelo filho quando se constituir
como adulto e fundar uma família. Na opção de se construir uma família, o pressuposto é o de sair da
família de origem, assumindo a vida adulta e a função conjugal, possivelmente também a parental,
deixando em segundo plano a função filial. Com as experiências inter e intra-subjetivas relacionais, e
com o amadurecimento, a pessoa passará a assumir funções próprias à sua idade” (Família: um
caleidoscópio de relações, p. 134). Salienta, outrossim, Eroulths Cortiano Júnior: “Como conseqüência da
prioridade constitucional dada aos valores existenciais do homem, a proteção da família assenta-se na
‘tutela funcionalizada da entidade’, que deve servir para o desenvolvimento da personalidade de seus
membros.” (O direito de família no projeto do Código Civil, p. 232).
345
Luiz Carlos Osório, Família hoje, p. 78. Sérgio Resende de Barros, aliás, afirma com veemência que o
direito à família é, no direito de família, o direito humano fundamental de todo e qualquer cidadão, pois
“(...) não se pode pensar na vida humana sem pensar na família” (Direitos humanos da família: dos
fundamentais aos operacionais, p. 612).
346
José Sebastião de Oliveira, Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 268.
140
ou, como sintetiza Jacques Lacan: “Entre todos os grupos humanos, a família desempenha
um papel primordial na transmissão da cultura.”
347
Teresa Celina Arruda Alvim Pinto referenda essa metamorfose familiar: “A ‘cara’
da família moderna mudou. O seu principal papel, ao que nos parece, é o de suporte
emocional do indivíduo. A família de hoje, que não mais se consubstancia num grão de
areia, praticamente carente de identidade própria, que vai juntar-se ao grupo familiar mais
extenso (tios, avós, primos, etc.), foi substituída por um grupo menor, em que há
flexibilidade e eventual intercambialidade de papéis e, indubitavelmente, mais intensidade
no que diz respeito a laços afetivos.”
348
(destaque no original).
Família hoje é portanto um núcleo família nuclear , constituída pelo pai, mãe e
seus filhos; é uma entidade centrada, introspectiva, com escopos constitutivos, formadores
e lapidares da personalidade, inclusive humanista, de cada membro que a integra
349
. Dizer
que a família atualmente é um organismo individualista é camuflar sua compreensão, pois
é sim uma entidade individualizada, no sentido de distinguir-se das demais na investigação
e perseguição meticulosa dos interesses peculiares das pessoas que a compõem, centrados,
quanto possível, na identificação, deliberação e conseqüente cumprimento do bem-estar
familiar
350
. Houve um enxugamento da interação familiar, com a noção de família núcleo,
a fim de que as pretensões possam ser melhor apreendidas, pensadas e executadas; é a
união e reunião das forças dos membros desse núcleo com o fito de adimplir as
347
Jacques Lacan, Os complexos familiares na formação do indivíduo: ensaio de análise de uma função em
psicologia, p. 13.
348
Teresa Celina Arruda Alvim Pinto, Um novo conceito de família: reflexos doutrinários e análise da
jurisprudência, p. 83.
349
Teresa Celina Arruda Alvim Pinto discorre: “Paulatinamente, esses liames foram sendo substituídos por
laços predominantemente afetivos e a família foi tornando-se menor, centrada no casal e seus filhos.” (Um
novo conceito de família: reflexos doutrinários e análise da jurisprudência, p. 83). Cristiano Chaves de
Farias também argumenta: “A transição da família como unidade econômica para uma compreensão
igualitária, tendente a promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros, reafirma uma nova
feição, agora fundada no afeto e no amor. Seu novo balizamento evidencia um espaço privilegiado para que
os seres humanos se complementem e se completem.” (Direito constitucional à família ou famílias
sociológicas versus famílias reconhecidas pelo direito: um bosquejo para uma aproximação conceitual à luz
da legalidade constitucional, p. 8).
350
José Sebastião de Oliveira leciona: “O que os membros da sociedade familiar devem sempre ter em mente
é que, no embate entre os seus interesses pessoais e os do grupo familiar, devem sempre prevalecer estes
últimos, para se evitar o enfraquecimento dos laços de afetividade que unem os seus componentes,
provenham eles do matrimônio, da união estável ou da comunidade formada por quaisquer dos pais e seus
descendentes.” (Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 265).
141
expectativas por eles próprios democraticamente eleitas como metas prioritárias dessa
concentração nuclear constituída por pai, mãe e respectivos filhos.
Jacques Lacan afirma que “o grupo reduzido formado pela família moderna não se
apresenta, com efeito, ao exame, como uma simplificação, mas antes como uma contração
da instituição familiar”.
351
Em consonância a essa doutrina nuclear da família, Eduardo de Oliveira Leite
complementa a lição, indicando os fatores que, segundo sua ótica, alicerçaram as
mudanças familiais: “Hoje, a revolução tecnológica de nosso século, os movimentos de
igualização da mulher e, mais recentemente, a revolução sexual dos anos 60, com a
liberação dos jovens, acabaram por conferir à idéia de família a sua visão atual, de caráter
nuclear, restrita a certo número de pessoas.”
352
Ressoando esse núcleo característico basilar da família brasileira atual, José
Sebastião de Oliveira ressalta o seguinte: “A família atual não é composta mais de grandes
grupos. Já foi o tempo em que, além do marido, da esposa e de vários filhos, a família era
ainda composta de genitores dos cônjuges e descendentes daqueles. O estágio sócio-
cultural-econômico não mais permite esta estrutura que é impossível de ser, atualmente,
sustentada. Dados estatísticos comprovam que a família contemporânea brasileira é
essencialmente nuclear.”
353
Gustavo A. Bossert e Eduardo A. Zannoni, ao discorrerem sobre o direito de
família argentino, confirmam a nuclearidade familiar, com as suas diretrizes jurídicas e
sociológicas, nos termos seguintes: Desde una perspectiva sociológica, la familia es una
institución permanente que está integrada por personas cuyos vínculos derivan de la unión
intersexual, de la procreación y del parentesco. (...) El concepto que hemos enunciado
permite aludir sin límites a la familia integrada por todos los individuos vinculados por el
matrimonio y el parentesco. Sin embargo, la sociología se interesa primordialmente por el
estudio de la familia nuclear, es decir, la integrada por el padre, la madre y los hijos,
351
Jacques Lacan, Os complexos familiares na formação do indivíduo: ensaio de análise de uma função em
psicologia, p. 15.
352
Eduardo de Oliveira Leite, O concubinato frente à nova constituição: hesitações e certezas, p. 94.
353
José Sebastião de Oliveira, Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 230.
142
cuando están bajo la esfera de autoridad de los progenitores, por edad y por convivencia.
Es en relación a esta familia nuclear que se esfectúan los análisis destinados a formular
planes de alcance y beneficio social, ya que es ese grupo familiar, sociológicamente
hablando, el verdadero núcleo de la sociedade al que se alude cuando se hace referencia a
la familia. (...) Pero a su vez, tal como sucede en el campo sociológico, en el ámbito
jurídico también podemos reducir el concepto de familia a los padres y sus hijos menores.
Esta familia nuclear es el objeto de muchas normas tutelares específicas.
354
A família núcleo constituída pelo pai, mãe e filhos recentemente passou por novas
transformações, engendradas inclusive pelo tema planejamento familiar garantido em seara
constitucional, nos termos do artigo 226, parágrafo 7º “fundado nos princípios da
dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre
decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais
ou privadas” , regulamentado pela Lei n. 9.263/96, que provocaram a redução da
quantidade de filhos gerados pelos casais brasileiros hodiernos, ante a responsável
paternidade e maternidade que devem imperar, o quanto possível.
Com efeito, a metamorfose familiar que centrou a família brasileira na tríade de
pessoas pai, mãe e filho , centraliza-a com intensidade, repercutindo no número de
filhos que o casal pretende gerar.
355
Ressalte-se que um dos fatores a referendar o sistema atual de planejamento
familiar é o princípio da dignidade da pessoa humana, norteador de todas as situações
fáticas e jurídicas, inclusive aqui, na demarcação das metas familiares a serem atingidas
pelos integrantes do círculo dessa entidade, principalmente do esposo e da esposa,
companheiro ou companheira, pai e mãe, enfim.
Ao comentar o planejamento familiar, em seara constitucional, Lourival Serejo
elucida que “a preocupação com o destino das famílias já vem de outras Constituições
354
Gustavo A. Bossert; Eduardo A. Zannoni, Manual de derecho de familia, p. 5-7.
355
Em recente reportagem, a jornalista Ciça Vallerio colheu a constatação de Ana Lúcia Sabóia, que é chefe
da Divisão de Indicadores Sociais do IBGE: “Por questões econômicas, a decisão de ter filhos está mais
difícil de ser tomada, e não tão óbvia como antigamente. (...) Junte-se a isso a redução da taxa de
fecundidade, ou seja, as mulheres têm hoje cada vez menos filhos” (Os sem-descendentes, p. 1). Paulo Luiz
Netto Lôbo informa que “a redução da taxa de fecundidade tem sido justificada pelo interesse das famílias
em maior dedicação aos filhos” (A repersonalização das relações de família, p. 151).
143
brasileiras, como a de 1937 (art. 127), a de 1946 (art. 164) e a de 1969 (art. 175, § 4º). O
parágrafo 7º do artigo 226 da Constituição Federal levantou dois pilares do planejamento
familiar: os princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável”.
356
Áurea Pimentel Pereira aponta esse planejamento nos seguintes moldes: “(...) com
base em um criterioso controle da fecundidade, naturalmente respeitada a livre vontade dos
casais, constitui, no momento, para o Brasil, solução política, jurídica e científica, na
medida em que, através de tal controle, será possível assegurar-se ao lado de uma divisão
mais justa das riquezas, via de uma correta orientação científica, que esclareça os casais em
que caso a concepção possa ser desaconselhável a eugenia da raça, e, finalmente, através
de uma sadia orientação jurídica, a paternidade e a maternidade conscientes”.
357
A família brasileira está mais centrada, é um núcleo onde as pessoas que a
constituem devem possuir vozes ativas, pois há de imperar um relacionamento
democrático, sobretudo pelos igualitários direitos e deveres entre o homem e a mulher;
mesmo os filhos, hodiernamente ostentam posição ativa, externando seus pensamentos e
vontades, donde todas essas manifestações serão sopesadas, avaliadas consoante a situação
de fato, com o intuito de se obter a solução adequada para os interesses do núcleo familiar,
haja vista que “a família é o primeiro agente socializador do ser humano”.
358
Em seu novel e inédito artigo 1.513, o Código Civil de 2002, referendando a
interna decisão familiar acerca de seus desígnios, estatui que “é defeso a qualquer pessoa,
de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”, ou
seja, é a família, na concepção de seus membros, que possui legítimo interesse em
deliberar suas pretensões, sem a intervenção externa de quem quer que seja.
Sobre a não interferência de qualquer entidade, nem mesmo a estatal, no contexto
familial, João Baptista Villela, embasado em ciência alemã, comenta o projeto normativo
constitucional brasileiro, e oferece as seguintes indagações: “O princípio amplo da
subsidiariedade, não seria o caso de deixá-lo expresso na futura Constituição brasileira?
Isto é: declarar aí que o Estado não intervirá na intimidade das relações familiais, senão
356
Lourival Serejo, Direito constitucional da família, p. 75.
357
Áurea Pimentel Pereira, A nova Constituição e o direito de família, p. 78.
358
Tânia da Silva Pereira, Da adoção, p. 125.
144
quando a sua ação se revelar absolutamente imprescindível para salvar direitos gravemente
ameaçados?
359
Em conclusiva posição, José Sebastião de Oliveira dita que “o Estado
desempenha, atualmente, apenas o papel de garantidor de condições mínimas para que os
membros da família desenvolvam suas relações dentro da maior liberdade possível.
Entendimento em contrário (...) gera risco de ingerência estatal indevida em assuntos
particulares dos integrantes da família, comprometendo a própria noção de Estado
Democrático de Direito, na qual estamos inseridos”.
360
A união e reunião de forças e objetivos resultam no bem comunitário da família,
como ensina Virgílio de Sá Pereira: “Ora, esta cooperação é tanto mais eficaz, quanto
menores entraves se opõem ao desenvolvimento natural de cada associado, quanto melhor
é o ambiente para a afirmação da sua personalidade e mais rápida a maturação da sua
consciência individual”. Alerta, todavia: “É preciso ser livre para obedecer, é preciso ser
igual para cooperar. A família deve portanto constituir-se sob um regime de liberdade, que
exclua a tirania, e de autoridade, que exclua a anarquia. Estas fórmulas de liberdade e de
autoridade não são, aliás, categorias absolutas, mas relativas, variáveis conforme o ritmo
geral da evolução à qual se submete a família como todas as instituições sociais.”
361
Essa democracia familiar é produtiva e producente, solidifica o respeito entre os
integrantes do núcleo, fortalecendo o relacionamento mútuo, fato que é possível pela base
constitutiva da relação e, por que não afirmar categoricamente, da própria família nuclear,
qual seja, o afeto, carinho, a cumplicidade e o respeito entre todos; a família atualmente
forma-se com primazia nesses caracteres para, ao depois, perscrutar quais são as
repercussões pessoais e patrimoniais desse convívio.
Anotado foi, mas é pertinente a reprise, sendo o fundamento da relação familiar e,
com efeito, o princípio constitutivo da família, o afeto, o carinho, a cumplicidade e o
respeito entre os membros da família nuclear; decerto esse quarteto de adjetivos pode ser
359
João Baptista Villela, Casamento e família na futura Constituição brasileira: a contribuição alemã, p. 292-
293.
360
José Sebastião de Oliveira, Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 362.
361
Virgílio de Sá Pereira, Direito de família, p. 43-44.
145
sintetizado no verbo amar, ou na terminologia amor, que expressa intenso e íntimo
sentimento pessoal. Nas palavras de Rodrigo da Cunha Pereira, “a família passou a ser,
predominantemente, locus de afeto, de comunhão do amor”
362
ou, nas de Maria Berenice
Dias, “é a preservação do LAR no seu aspecto mais significativo: Lugar de Afeto e
Respeito”.
363
Sérgio Resende de Barros anota que “da família, o lar é o teto, cuja base é o
afeto”, e complementa: “Entre os humanos, o mais puro afeto a mais irrestrita afeição é
o amor”
364
. Merece ser descrito, neste momento, a definição que o autor emprega à
terminologia afeto, com a seguinte instrução: “Nas tribos latinas, a atração natural entre os
indivíduos era dita affectio ou affectus, palavras compostas da preposição ad, que significa
‘para’, e de uma forma nominal do verbo facere, que significa ‘fazer’. O significado literal
‘feito para’ traduz o fato de ser ou estar ‘um feito para o outro, mutuamente’. Eis a
origem dos termos ‘afeição’ e ‘afeto’.”
365
(destacou-se).
Acrescenta Sérgio Gischkow Pereira: “A relevância do amor, do afeto, do ângulo
emocional, da convivência respeitosa, da assistência recíproca, do prazer da companhia, do
desvelo mútuo, sempre em detrimento da união forçada, artificial, hipócrita, doentia,
conflitada, destruidora; eis um parâmetro essencial, alicerçante de quase todas as
transformações na família e em sua normativização jurídica. (...) O amor é um valor
jurídico.”
366
(destacou-se).
Sem embargo da descrição exclusiva a respeito do matrimônio, válida e eficaz a
lição externada no final do século XIX por Lafayette Rodrigues Pereira, com atualidade,
neste contexto, como se pode aferir in verbis: “(...) mas o fim capital, a razão de ser desta
instituição, está nessa admirável identificação de duas existências, que se confundindo uma
na outra correm os mesmos destinos, sofrem das mesmas dores e compartem, com
igualdades, do quinhão de felicidade que a cada um cabe nas vicissitudes da vida.”
367
362
Rodrigo da Cunha Pereira, Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família,
p. 118. Mais adiante, complementa o autor: “Afinal, no âmbito da família eudemonista, que visa a liberdade
plena do sujeito em busca da felicidade, o núcleo familiar não se justificaria sem o afeto.” (Ibidem, p. 134).
363
Maria Berenice Dias, Manual de direito das famílias, p. 24.
364
Sérgio Resende de Barros, Direitos humanos da família: dos fundamentais aos operacionais, p. 613- 614.
365
Sérgio Resende de Barros, Matrimônio e patrimônio, p. 6.
366
Sérgio Gischkow Pereira, Estudos de direito de família, p. 48-49.
367
Lafayette Rodrigues Pereira, Direitos de família, p. 48.
146
Essas devem ser as características fundadoras e integradoras dos membros da
família nuclear, centrada no cumprimento das suas satisfações pessoais mútuas e
recíprocas, para o bem-estar de cada qual deles, que decerto repercutirá no bem-estar de
toda a sociedade organizada, da qual a família é um de seus elementos integradores
essenciais.
Adverte Sérgio Gischkow Pereira: “Se a família estiver estruturada e
funcionalizada para transmitir aos seus componentes os valores superiores de convivência,
um passo formidável terá sido dado no escopo de constituir uma sociedade mais justa,
fraterna, solidária, igualitária e libertária. As transformações na família expressam o
ajustamento deste ente social às novas realidades fáticas e valorativas.”
368
José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz referendam
essas diretrizes familiares nos seguintes termos: “A família transforma-se no sentido de
que se acentuam as relações de sentimentos entre os membros do grupo: valorizam-se as
funções afetivas da família que se torna o refúgio privilegiado das pessoas contra a
agitação da vida nas grandes cidades e das pressões econômicas e sociais. É o fenômeno
social da família conjugal, ou nuclear ou de procriação, onde o que mais conta, portanto, é
a intensidade das relações pessoais de seus membros. Diz-se por isso que é ‘a comunidade
de afeto e entre-ajuda’. Assim, a concepção eudemonista da família progride à medida que
ela regride ao seu aspecto instrumental. E, precisamente por isso, a família e o casamento
passam a existir para o desenvolvimento da pessoa para a realização dos seus interesses
afetivos e existenciais.”
369
Sendo o afeto, o carinho, a cumplicidade, o respeito, enfim, o amor os
ingredientes essenciais para a constituição familiar, evidenciado está que eles surgem antes
mesmo da formação da família; homem e mulher primeiramente nutrem-se, alimentam-se,
satisfazem-se mútua e reciprocamente dessas saudáveis iguarias sentimentais para,
posteriormente, se o caso, consubstanciarem o vínculo familial.
368
Sérgio Gischkow Pereira, Estudos de direito de família, p. 61.
369
José Lamartine Corrêa de Oliveira; Francisco José Ferreira Muniz, Curso de direito de família, p. 13.
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka acrescenta: “Sem dúvida, hoje, o modelo de família que
prevalece é o eudemonista, ou seja, aquele pelo qual cada um busca na própria família, ou por meio dela, a
sua própria realização, seu próprio bem-estar. (Família e casamento em evolução, p. 8).
147
Primeiro o amor, depois a família!
Na troca desses afagos sensitivos, primariamente homem e mulher não
vislumbram o resultado final, que é constituir uma família; com o passar dos tempos,
contudo, com sua solidificação e enraizamento no âmago de cada um deles, é que nasce a
concreta vontade de união para a consecução de objetivos comuns, com a formação do
vínculo familiar, por quaisquer de suas formas legalmente admitidas.
Em sua base inexorável a família nasce da preambular intenção das pessoas
(homem e mulher) de unirem-se pelo afeto, carinho e amor que se retribuem, com os quais
pretendem unificar seus ideais, inclusive com a transmissão desses ingredientes
sentimentais aos seus descendentes
370
. Com efeito, as palavras de Virgílio de Sá Pereira
hão de ser relembradas neste momento: “Agora, dizei-me: que é que vedes quando vedes
um homem e uma mulher, reunidos sob o mesmo teto, em torno de um pequenino ser, que
é o fruto do seu amor? Vereis uma família. Passou por lá o juiz, com a sua lei, ou o padre,
com o seu sacramento? Que importa isto? O acidente convencional não tem força para
apagar o fato natural.”
371
E, como escreveu na página que antecede o sobredito discurso: “A família é um
fato natural. Não na cria o homem, mas a natureza. (...) Mas sempre vos direi que o
legislador não cria a família, como o jardineiro não cria a primavera.”
372
Deveras, a família nasce porque, com antecedência, nasceram instintivamente os
sentimentos íntimos nas pessoas que depois decidiram construir um vínculo familiar. Por
isso, é a família um fato da natureza, pois os sentimentos são naturais, mormente aqueles
desprendidos de qualquer intenção secundária, abnegados de máculas ou dissimulações.
Em sendo naturais, íntimos, espontâneos, até mesmo instintuais, esses sentimentos
dispensam o império legislativo para os regrar, menos ainda para os criar; contidos no
370
Nesse aspecto, merece menção a doutrina de João de Matos Antunes Varela: “O elemento determinante de
aglutinação das pessoas em família é de caráter ‘biológico’ (a união dos sexos e a procriação), muito
diferente do ‘factor’ (‘político’) subjacente à constituição do Estado ou do ‘vínculo’ (‘identidade
profissional’) sobre o qual assenta a formação dos modernos ‘sindicatos’ ou das antigas ‘coorporações’
medievais de artes e ofícios.” (Direito da família, p. 26).
371
Virgílio de Sá Pereira, Direito de família, p. 90.
372
Ibidem, p. 89.
148
âmago da pessoa, a norma legal indispõe de meios coativos para exigir que sejam eles
adimplidos.
Essas narrativas podem, a princípio, soarem como mera retórica, todavia José
Sebastião de Oliveira afirma e reafirma: “O afeto funciona como verdadeiro amálgama nas
relações entre os membros da família. Ela fica hermeticamente protegida contra toda a
sorte de ingerências externas. (...) Realmente, o Direito não tem o poder de criar
afetividade. Sentimentos naturais não decorrem de legislações, mas da vivência cotidiana
informada pelo respeito, diálogo e compreensão.”
373
Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, porém no mesmo ano,
Sérgio Gischkow Pereira discorreu sobre as tendências do direito de família, sugerindo
nove planos fundamentais para essas novas tendências, sendo o primeiro deles “o amor
como valor capaz de dar origem, sentido e sustentação ao casamento”.
374
Com a vigência da Carta da República Federal, ao comentá-la, concluiu o mesmo
doutrinador gaúcho: “Com júbilo, pude verificar como esta avançou extremamente, não
hesitando em acolher a maioria das orientações contemporâneas. Resta ao intérprete e
aplicador não apequená-la ou amesquinhá-la, alicerçado em preconceitos ou posições
superadas. (...) Uma família estruturada sobre os alicerces do afeto, da verdade e da não
opressão, é o que almeja a Constituição. As relações saudáveis no plano familiar são passo
incomensurável visando a corrigir as distorções sociais.”
375
Virgílio de Sá Pereira sintetiza que a família moderna é “uma organização
democrática. Qual o princípio que a plasma e a informa? Não é a autoridade princípio
político, mas o amor princípio ético”.
376
Todos os sobreditos ingredientes emocionais adotam-se como sustentáculo da
constituição familial e fonte de interpretação desses relacionamentos, aos quais somam-se
os princípios constitucionais que norteiam todo o sistema fático e jurídico, sobretudo, neste
caso, os da cidadania e da dignidade da pessoa humana, pois no próprio relacionamento
373
José Sebastião de Oliveira, Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 232-233.
374
Sérgio Gischkow Pereira, Estudos de direito de família, p. 48.
375
Sérgio Gischkow Pereira, Algumas questões de direito de família na nova Constituição, p. 247 e 253.
376
Virgílio de Sá Pereira, Direito de família, p. 52-53.
149
familiar, que há de ser respeitoso e digno para que se possa falar na preservação do afeto,
carinho, cumplicidade, respeito e, enfim, do amor, inexoráveis se tornam as recíprocas
proteções e garantias dos respectivos e individuais direitos e deveres de cada qual dos
membros do círculo familiar (cidadania), bem como do respeito e preservação da
dignidade de cada uma dessas pessoas (dignidade da pessoa humana).
Todos esses fatores, com efeito, são elementos integrativos mantenedores da
saudável e digna convivência em sociedade familiar.
Não se olvidar, no entanto, a provável existência de profissionais do direito
refratários a essas teorias, para os quais o pensamento de João Baptista Villela ressoa de
suma importância como necessária reflexão: “Mas falar de sonho, de liberdade e de afeto
soa quase estranho a quem tenha sob os olhos as leis, a literatura e a jurisprudência de
direito de família. Já notaram os senhores o quão pouco se fala de amor em sede de direito
de família, como se este não fosse seu ingrediente fundamental? O amor está para o direito
de família assim como o acordo de vontades está para o direito dos contratos.”
377
Roga-se para que essa constatação esvaneça-se e os sentimentos afetuosos
retratados afeto, carinho, cumplicidade, respeito e amor e os fundamentos
constitucionais, de cidadania e dignidade, sobressaiam-se na interpretação do direito,
inclusive e sobretudo do direito de família e suas conseqüentes contingências, desde a
formação da família brasileira, como uma de suas fontes primárias, para a firmação e
solidificação de uma sociedade justa, harmônica e fraterna, uma vez que, concretizada e
alicerçada a família, a comunidade angariará a ressonância positiva do pragmático uso dos
vínculos emocionais.
Para pausar a análise desse tema, mas não para o encerrar, pois há de ser o
termômetro interpretativo das relações umbilicalmente ligadas ao vínculo familiar, pede-se
licença para descrever uma das célebres frases do jornalista e dramaturgo Nelson
Rodrigues relacionada ao amor: “O amor, se não for eterno, não era amor”; nada obstante o
contraste com a não menos célebre expressada pelo poeta Vinícius de Moraes: “O amor
377
João Baptista Villela, Repensando o direito de família, p. 19-20.
150
não é eterno posto que é chama, mas é infinito enquanto dura”. Que seja, pois, eterno
enquanto dure.
Sendo eterno, ou não, para os profissionais do direito interessa é sua fonte de
interpretação nas relações familiares, o amor como síntese fundamental de todos os
reflexos íntimos sentimentais e emocionais que integram a personalidade das pessoas que
formam o núcleo família.
Na condição de elemento essencial da comunidade legalmente organizada ou,
parafraseando Rui Barbosa, “a matriz da sociedade”
378
, a vigente Constituição da
República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, como por diversas vezes narrado,
expressa em seu artigo 226, caput: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado” o que também está contido no artigo XVI, item 3 da Declaração Universal dos
Direitos Humanos; destarte, dois princípios estão contidos nesse dispositivo: primeiro, que
a família é a base de toda a comunidade social; depois, que essa mesma família há de ser
protegida pelo Poder Público, de modo especial.
379
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em comentários a esse artigo constitucional,
relata “que a família é a base da sociedade, é lugar-comum repetido há séculos”
380
; a
novidade nesse texto é a interpretação semântica de família, consoante discurso acima
transcrito, donde se infere que a família é constituída pelo casamento, união estável ou
mesmo pela comunidade formada por quaisquer dos pais e seus descendentes, ou seja, por
famílias monoparentais, isso quanto à família biológica (natural ou consangüínea), uma
vez que não se deve esquecer da família substituta (ou substitutiva) relacionada às crianças,
adolescentes e idosos, na qual se inclui a família adotiva.
378
INDISSOLUBILIDADE do casamento nas Constituições brasileiras, p. 74.
379
Eroulths Cortiano Júnior reforça o que se anotou e completa: “Essa nova tábua valorativa faz com que a
ordem jurídico-constitucional, dando azo às modificações das estruturas sociais a que respeita o direito de
família, reconheça as ‘entidades familiares’ como centro da tutela jurídica. Em outras palavras: se antes o
legislador ordinário dava proteção à família fundada no matrimônio, hoje se desloca esta tutela para a
entidade familiar, que pode ser fundada no casamento ou na união estável e, ainda, protege-se a chamada
família monoparental. Vale dizer: protegem-se as relações familiares propriamente ditas.” (O direito de
família no projeto do Código Civil, p. 232).
380
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição brasileira de 1988, v. 2, p. 282. Rodrigo da
Cunha Pereira enfatiza: “A família foi, é e continuará sendo o núcleo básico de qualquer sociedade. Sem
família não é possível nenhum tipo de organização social ou jurídica. É na família que tudo principia. É a
família que nos estrutura como sujeitos e encontramos algum amparo para o nosso desamparo estrutural.”
(Família, direitos humanos, psicanálise e inclusão social, p. 7).
151
João de Matos Antunes Varela leciona sobre o contexto social da família, com as
seguintes anotações: “Na base do ‘direito da família’, ou seja, da família como instituição
jurídica, encontra-se a ‘família’ como realidade ‘sociológica’. A ‘família’ é o núcleo social
primário mais importante que integra a estrutura do Estado. Como sociedade ‘natural’,
corresponde a uma profunda e transcendente exigência do ser humano, a ‘família’ antecede
nas suas origens o próprio ‘Estado’. Antes de se organizar politicamente através do Estado,
os povos mais antigos viveram socialmente em famílias.”
381
É a família, como base da sociedade, o liame, o vínculo, o nexo, a verdadeira
interligação entre a pessoa humana e a comunidade, incluído o Poder Público como
integrante desta comunidade, tanto que, Virgílio de Sá Pereira anota que a família é o
“elemento celular e orgânico da sociedade”, e completa: “Como devemos fazer para que
uma sociedade seja próspera? Organizando-a de forma que as famílias, que a compõem,
possam prosperar.”
382
A sociedade desenvolver-se-á se as famílias que a embasam desenvolverem-se
satisfatoriamente; essas, por seu turno, só evoluirão se as pessoas humanas que a integram
também evoluírem, formando-se assim uma concatenação de causa e efeito, nascendo com
a evolução do indivíduo que surtirá conseqüências prósperas em toda a comunidade social,
com passagem pela familiar, que é o intercâmbio entre a pessoa e a sociedade.
383
O outro princípio que decorre do império constitucional é a proteção do Estado à
família, proteção essa que não se restringe à família como um organismo individual, mas
se expande às pessoas humanas que compõem o núcleo familiar.
384
381
João de Matos Antunes Varela, Direito da família, p. 26.
382
Virgílio de Sá Pereira, Direito de família, 43.
383
Para Virgílio de Sá Pereira, “a família é para mim uma associação espontânea, não há dúvida, mas é uma
instituição social, submetida, como todas as demais, à lei inexorável da evolução. (...) Não é possível que
esta associação prospere senão com a prosperidade dos seus membros” (Direito de família, p. 43).
384
José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz ditam o seguinte: “É a família nuclear
que a Constituição recepciona quando reconhece à família especial proteção do Estado (art. 226): família
em que são dominantes as relações de afeto, de solidariedade e de cooperação (art. 226, §§ 4º, 5º e 8º; art.
229). Ao fazê-lo, já a encontra ‘preestabelecida’, ‘instituída’ como fato básico da vida social, e, enquanto
tal, a garante. Ela fica, portanto, ‘constitucionalizada’ e a salvo da discricionariedade do legislador
ordinário.” (Curso de direito de família, p. 14). Enfatiza Eduardo de Oliveira Leite: “Qualquer que seja,
porém, a forma assumida pelo grupo familiar, o Estado não vacila em resguardá-la, preservá-la e controlá-
la como entidade sólida. O ente público tem interesse nesta regulamentação de forma bilateral; quer na
preservação de sua própria existência, quer na preservação da família, vez que o elo que vincula o
indivíduo à sociedade via família repercute diretamente na estrutura estatal.” (O concubinato frente à
nova Constituição: hesitações e certezas, p. 94-95).
152
Francisco José Cahali orienta, com a seguinte lição: “De uma forma geral, e como
‘princípio’ a orientar este trabalho, consideramos que os efeitos da união estável são
idênticos aos efeitos do casamento, sempre que a situação versar sobre regras de proteção
da família, pelo Estado, assim entendido Executivo, Legislativo e Judiciário. Em face do
Judiciário, parece-nos que ao Magistrado, aplicador da Lei e das demais fontes do Direito
ao caso concreto, cabe fazer valer o comando constitucional em todas as situações em que
o Estado aparece na relação, mesmo inexistente previsão legal, utilizando-se da analogia,
costumes e princípios gerais, todos respaldados na diretriz constitucional impondo a sua
proteção.”
385
A proteção estatal, através de todos os seus organismos constitucional e
legalmente instituídos, há de ser ampla, geral e irrestrita à família, como aos seus
respectivos membros, preservando e protegendo os seus direitos e garantias imanentes à
pessoa humana cidadania , tendo como meta prioritária a dignidade dos membros da
relação familiar, porquanto, ao garantir os seus fundamentos, indiretamente serão
preservados os fundamentos familiares.
Em complemento ao descrito no artigo 226, caput da Constituição Federal, essa
mesma Lei soberana impõe diversas regras de observância prioritária para cumprir essa
determinação protetiva, sendo que seu parágrafo 8º é de clareza impar, com os seguintes
dizeres: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”
Áurea Pimentel Pereira comenta esse parágrafo, dizendo: “Quer nos parecer,
contudo, que na norma sobredita o que na realidade quis o legislador constituinte enfatizar
foi a presença do Estado como órgão protetivo, de molde a garantir, através das leis que
seriam então os mecanismos efetivos de proteção as relações harmoniosas entre os
membros do grupo familiar, evitando que, imperando entre os mesmos a violência, a
família possa vir a se desorganizar.”
386
Outros dispositivos da Carta Magna merecem expressa citação, iniciando pelo
artigo 203, inciso I que, no capítulo relacionado à Assistência Social, impõe o seu
385
Francisco José Cahali, Efeitos não patrimoniais da união estável, p. 104-105.
386
Áurea Pimentel Pereira, A nova constituição e o direito de família, p. 86.
153
adimplemento, independente de retribuição pecuniária, com objetivo de proteger a família,
a maternidade, a infância, a adolescência e o idoso. Ao discorrer sobre a educação,
determina que ela é um direito subjetivo de toda pessoa humana, cuja obrigação é estatal e
familiar, “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho” (art. 205, caput da CF).
Límpida, precisa e espetacular a imposição constitucional; todavia, o pragmatismo
dessas regras não desfruta as conseqüências desejadas pelo legislador constituinte e, na
realidade, pretendida por toda a sociedade organizada. Infelizmente, todo aparato social e
educacional almejado está a uma razoável distância do ideal, conquanto os expressos
ditames constitucionais. Evidencia-se, com isso, que a transformação da sociedade, o
implemento de diretrizes básicas, enfim, o aperfeiçoamento da pessoa e da comunidade
dependem mais e mais da própria vontade social e, mormente e inclusive, do Poder
Público, não bastando meras regras normativas.
As normas legais são necessárias, sim, até para que se possa exigir o seu
cumprimento; no entanto, por si só, sem a adequada implementação prática, tornam-se
letras mortas no contexto social.
Infere-se, por essas diretrizes constitucionais, que o Poder Público assume posição
protetiva, mas, em certos, senão variados dispositivos, distribui essa função entre a própria
família e a sociedade organizada; além de entidade protegida pelo Estado, em situações
prescritas, passa a família a ser ente protetor, como se verifica do artigo 227, caput da
Constituição republicana, que cuida da doutrina da proteção integral à criança e ao
adolescente: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
387
387
José Afonso da Silva enfatiza: “Essa família, que recebe a proteção estatal, não tem só direitos. Tem o
grave dever, juntamente com a sociedade e o Estado, de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos
fundamentais da criança e do adolescente enumerados no art. 227: (...).” (Curso de direito constitucional
positivo, p. 824).
154
Estão assegurados, pois, ao menos em âmbito legislativo, à criança e ao
adolescente, amplos direitos que promovam o seu bem-estar, físico e mental, seu pleno
desenvolvimento cultural, educacional e profissional, inclusive com a observância de seus
momentos de lazer. Afora isso, há de ser garantida a convivência em família e na
comunidade em que vive, como verificado no estudo da família substituta.
388
Pérola Melissa Vianna Braga comenta que “a sociedade atual é burocratizada e o
critério ‘idade cronológica’ tornou-se fundamental. Logo, o lugar que se ocupa na
sociedade é definido em função da idade cronológica. Nosso ciclo de vida tem etapas
clássicas: infância, adolescência, vida adulta e velhice”.
389
Em face disso, assegurou o legislador constituinte a proteção integral também ao
idoso, consoante textualizado no artigo 230, caput da Carta da República de 1988: “A
família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua
participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o
direito à vida.”
390
Com a proteção do Estado, há que ser afirmado e reafirmado que todos os direitos
e garantias fundamentais inerentes a todo e qualquer cidadão são também direitos e
garantias da criança, do adolescente e do idoso, com dever de observância pela família,
388
Essas garantias constitucionais alusivas à proteção integral do infante são repetidas no Estatuto da Criança
e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), em especial no seu artigo 4º, caput. Wilson Donizeti Liberati afirma
que esse diploma legal “(...) revolucionou o direito infanto-juvenil, inovando e adotando a doutrina da
proteção integral. Essa nova visão é baseada nos direitos próprios e especiais das crianças e adolescentes
que, na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, necessitam de proteção diferenciada,
especializada e integral” (O Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 2). Reconhece Antônio Chaves que,
por esses dispositivos, infere-se que houve a confissão legal de que, por si só, o Poder Público não possui
meios para amparar, garantir e até mesmo solucionar os direitos e percalços inerentes à infância brasileira,
de sorte que conclama a família do petiz, a sociedade e a comunidade em geral, a auxiliá-lo no desempenho
desse mister (Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 52).
389
Pérola Melissa Vianna Braga, Direitos do idoso, p. 156.
390
As garantias constitucionais da proteção integral à pessoa idosa estão reprisadas nos artigos 2º e 3º do
Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003). Pietro Perlingieri esclarece que “a inexistência de problemas
relativos à capacidade negocial do idoso não implica a inexistência de problemas ligados ao idoso como
portador de interesses, caso a caso, especiais e merecedores de proteção e de promoção. A referência é aos
interesses de natureza existencial: libertação das necessidades (libertà dal bisogno) e respeito à dignidade,
em atuação do princípio de igualdade, que é válido prescindindo das condições pessoais e da idade. O
problema do idoso assume dimensões individuais e, ao mesmo tempo, sociais” (Perfis do direito civil, p.
168).
155
juntamente com a sociedade e o Estado
391
. Ou por outra, a família, a sociedade e o Estado
têm o dever de assegurar que toda e qualquer pessoa (criança, adolescente, adulto e
idoso)
392
tenha uma vida digna haja vista que o direito à vida e à dignidade da pessoa são
direitos fundamentais humanos (arts. 1º, inc. III e 5º, caput da CF) –, com todos os direitos
e obrigações advindos dessa dignidade, assim como que a pessoa conviva em sua
comunidade e no seio de uma família, com preferência à sua natural (biológica ou
consangüínea), sobretudo porque a Lei Magna estatui, novamente como direito
fundamental, a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres (art. 5º, inc. I),
sem qualquer discriminação, igualdades asseguradas também na Declaração Universal dos
Direitos Humanos (art. I) e no Pacto de San José da Costa Rica (arts. 24 e 26), com o fito
de garantir a toda e qualquer pessoa humana o direito a uma vida digna e feliz, com o
implemento salutar do princípio da cidadania.
Aliás, Gustavo Tepedino argumenta: “À família, no direito positivo brasileiro, é
atribuída proteção especial na medida em que a Constituição entrevê o seu importantíssimo
papel na promoção da dignidade humana. Sua tutela privilegiada, entretanto, é
condicionada ao atendimento desta mesma função. Por isso mesmo, o exame da disciplina
jurídica das entidades familiares depende da concreta verificação do entendimento desse
pressuposto finalístico: merecerá tutela jurídica e especial proteção do Estado a entidade
familiar que efetivamente promova a dignidade e a realização da personalidade de seus
componentes.”
393
Não é crível que se interprete de modo inverso, mas, se “todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5º, caput da CF), a ilação evidente é que no
pronome indefinido “todos” inserem-se todo e qualquer ser humano, seja qual for a idade,
sexo, cor, raça, credo religioso, nacionalidade; seja portanto criança, adolescente, adulto ou
idoso, homem ou mulher, branco, negro ou amarelo, católico, protestante, espírita,
391
Rui Carvalho Piva leciona: “Estamos nos referindo à ‘Família’, à ‘Sociedade? E ao ‘Estado’, porque é
nessas três instituições jurídicas que repousam as expectativas do homem na busca da felicidade e do
direito ao afeto, um interesse que a ‘sociedade’ e o ‘ordenamento jurídico’ devem disponibilizar a todos
que queiram agir para consecução desse ideal.” (A legitimidade da família para tutelar interesses difusos, p.
459).
392
Paulo Luiz Netto Lôbo comenta: “A criança, o adolescente, o idoso, o homem e a mulher são
protagonistas dessa radical transformação ética, na plena realização do princípio estruturante da dignidade
da pessoa humana, que a Constituição elevou a fundamento da organização social, política, jurídica e
econômica.” (A repersonalização das relações de família, p. 156).
393
Gustavo Tepedino, Temas de direito civil, p. 328-329.
156
brasileiro (natural ou naturalizado) ou estrangeiro, enfim, todos têm os mesmos direitos e
obrigações no contexto social brasileiro positivado.
Com isso, permanece clarividente a eficácia valorativa aos princípios
fundamentais da cidadania e da dignidade da pessoa humana, imperativos de toda ordem
normativa brasileira.
Em pontos cruciais, com o fim de realçar os direitos inerentes a certas etapas
etárias, houve por bem o legislador constituinte em explicitar garantias às pessoas que
nelas se encontrem, o que, em momento algum, significa desprezo às dos demais
indivíduos daquelas pessoas extraídas, pela idade, dessas faixas que embutem a infância,
adolescência e os idosos , pois, reafirma-se, todos são iguais, independente de suas idades
cronológicas, com amplos e explícitos direitos e garantias fundamentais discorridos no
artigo 5º da Carta da República Federativa do Brasil.
Um pequeno parêntese, neste momento, não se pode descuidar, para explicitar as
anotações de Rodrigo da Cunha Pereira: “Como as crianças e adolescente, o idoso não faz
ou pelo menos não fazia parte da engrenagem política e dos aparelhos do Estado. Não
constituem mais um setor produtivo e economicamente ativo. O idoso ‘não existe’ porque
não produz mais, não mais faz parte da engrenagem da produção econômica.”
394
Inolvidável, entretanto, que o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto
do Idoso surgiram no direito positivo para revitalizar as figuras ativas, não de meros
figurantes, da criança, do adolescente e do idoso. E assim a sociedade espera que as
normas não se tornem meras letras legislativas, e sim com efeitos pragmáticos visíveis e
palpáveis. Ressalte-se que também não basta esperar, deve-se cumprir sua função
protetiva.
Prosseguindo com a linha de descrições afetas aos relacionamentos familiares e
recíprocos direitos e deveres que dela decorrem, merece ser citado o artigo 229 da
Constituição Federal, o qual dita norma protetiva que embute obrigação exclusiva às
pessoas que compõem a entidade familiar; destarte, são deveres recíprocos e
394
Rodrigo da Cunha Pereira, Sexualidade, um direito à vida, p. 7.
157
eminentemente vinculados à existência de parentesco, portanto, de família, entre os
credores e reciprocamente devedores, com o seguinte teor: “Os pais têm o dever de assistir,
criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar a amparar os
pais na velhice, carência ou enfermidade.”
Yussef Said Cahali doutrina: “Incumbe aos genitores a cada qual e a ambos
conjuntamente, sustentar os filhos, provendo-lhes a subsistência material e moral,
fornecendo-lhes alimentação, vestuário, abrigo, medicamentos, educação, enfim, tudo
aquilo que se faça necessário à manutenção e sobrevivência dos mesmos. O pai deve
propiciar ao filho não apenas os alimentos para o corpo, mas tudo o que necessário.”
395
Ressalte-se que os genitores hão de prover as necessidades de seus filhos
menores, como também dos maiores incapazes e, se necessário, cuja necessidade alimentar
há de ser demonstrada, dos maiores capazes, comprovada ainda a possibilidade dos
primeiros; aliás, o artigo 1.696 do Código Civil de 2002 é expresso na ausência da
delimitação etária e de capacidade civil, como se pode notar pelo texto a seguir: “O direito
à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes,
recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.”
Essa reciprocidade, com efeito resulta na obrigação alimentícia que o filho há de
ter em relação aos seus pais consoante ditado na Constituição Federal de 1988 e no
Código Civil de 2002, acima anotados; por conseguinte, o Estatuto do Idoso referenda que
“os alimentos serão prestados ao idoso na forma da lei civil”, isto é, pelos seus filhos
maiores e capazes, como por outros descendentes, também maiores e capazes, por
interpretação analógica à segunda parte do sobredito artigo 1.696 da Lei Civil.
Cumprindo a proteção estatal, determina o artigo 14 do Estatuto do Idoso: “Se o
idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas de prover o seu sustento,
impõe-se ao Poder Público esse provimento, no âmbito da assistência social”, cuja
aplicabilidade está a cargo da Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993 Lei Orgânica da
Assistência Social.
395
Yussef Said Cahali, Dos alimentos, p. 523. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 22,
referenda: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes
ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.”
158
Constatação interpretativa extrai-se de todo o discursado, pois a família, em
sentido amplo e irrestrito, em sendo a base de toda a sociedade, é entidade protegida pelo
Estado, e, em certas e prescritas situações, ao lado deste e da própria sociedade, assume a
posição de ente protetor. Se assim o é, dessume-se que o legislador, ao garantir expressa
proteção à família, pretende sim protegê-la, enquanto alicerce basilar de toda a comunidade
organizada; entrementes, o foco mirante protetor é o ser humano, pessoa que integra essa
corporação.
Afinal, como mencionado, a família é o verdadeiro liame, fático e jurídico entre o
indivíduo e a sociedade, nesta o próprio Poder Estatal. Ao proteger a entidade familiar,
fatalmente, o que almeja o Estado é proteger invariavelmente os seres humanos que a
compõem, garantindo-lhes o direito à vida digna e os consectários fáticos e pragmáticos
dessa dignidade.
396
Destaque-se a lição de Antônio Chaves, que sintetiza essa imprescindível proteção
estatal à família, cujo fim primordial é a proteção das pessoas que a integram: “A família
nasce de processos naturais, e embora receba uma regulamentação da natureza, da religião
e da moral, dessa regulamentação não pode deixar de participar também o Estado, dada a
importância de que a família se reveste para o bem-estar do indivíduo e da comunidade. O
Estado, ao proteger a família, trata, em primeiro lugar, de velar pelo que constitui o
adequado desenvolvimento e complemento do indivíduo. (...) E na verdade o Estado
intervém para consolidar os vínculos, para garantir a segurança das relações, para
disciplinar, melhorar e dirigir às finalidades supremas, as quais ele mesmo objetiva, o
organismo familiar que constitui a primeira base da sociedade.”
397
Com escopo conclusivo, todos esses caracteres contemporâneos da família
brasileira hão de ser avaliados, sopesados e dosados, porém nunca esquecidos, quando da
interpretação das normas alusivas ao direito de família, ante sua peculiar e basilar natureza
396
Gustavo Tepedino obtempera: “Pode-se afirmar, em propósito, que a dignidade da pessoa humana, alçada
pelo artigo 1º, III da Constituição Federal a fundamento da República, dá conteúdo à proteção da família
atribuída ao Estado pelo artigo 226 do mesmo texto maior: é a pessoa humana, o desenvolvimento de sua
personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as
normas do direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações
mais íntimas e intensas do indivíduo no social.” (Temas de direito civil, p. 328).
397
Antônio Chaves, Tratado de direito civil, v. 5, t. 1, p. 36.
159
na formação do núcleo familiar, para solidificação sentimental centrada no afeto, carinho,
cumplicidade, respeito, enfim, no amor, a cujos ingredientes exegéticos somam-se os
princípios fundamentais da cidadania e da dignidade da pessoa humana; destarte, “(...) a
família atual está matrizada em um fundamento que explica sua função atual: a afetividade.
Assim, enquanto houver affectio haverá família, unida por laços de liberdade e
responsabilidade, e desde que consolidada na simetria, na colaboração, na comunhão de
vida não hierarquizada.”
398
398
Paulo Luiz Netto Lôbo, A repersonalização das relações de família, p. 138.
160
4 O CASAMENTO
A família que nasce do casamento, conquanto defenestrado o adjetivo “legítima”,
permanece amparada pela lei civil, é também base da sociedade “matriz da sociedade”
como dizia Rui Barbosa e ostenta a plena, total e irrestrita proteção do Estado. Continua
família, como sempre foi, com os seus predicados, garantias e obrigações jungidas a toda e
qualquer espécie de relacionamento familiar.
Isso é irrefutável, por mais eloqüente ou refratária que seja a posição doutrinária
ou jurisprudencial ostentada sobre o matrimônio. Existem outras formas de ser constituída
uma família ou entidade familiar, todas consideradas bases da sociedade e protegidas pelo
Poder Público, entretanto a decorrente do casamento também é uma dessas modalidades
constitutivas e protegidas.
Depois de retratado o vínculo familiar, sobretudo as características
contemporâneas da relação familiar brasileira, para atingir a proposta discursiva deste
trabalho família decorrente do casamento, há que se lançar certas tintas sobre o
instituto do casamento, uma vez que ele é o requisito básico, essencial, primordial e
exclusivo para que se fale no relacionamento que dele nasce.
Casamento é um dos modos de constituição da família em sentido amplo; na sua
vigência reina o relacionamento familiar, que perdura por toda sua existência e, até mesmo
após o término do matrimônio, por quaisquer de suas formas morte, nulidade, separação
judicial ou divórcio –, permanece intocável o vínculo familiar por ele criado, agora, no
entanto, sob nova conotação, composição e até nomenclatura, qual seja, a família
monoparental. Ressalve-se que somente entre os próprios cônjuges é que esse rompimento
extingue a relação familiar, cuja perenidade citada refere-se às demais pessoas integrantes
do convívio familiar criado pelo casamento.
Perpassar por esse instituto do direito civil, com efeito, é condição basilar para dar
o devido desfecho ao discurso relacionado à família que a existência jurídica do casamento
constitui, quais os seus efeitos e garantias, e, após sua extinção, qual o desígnio empregado
ao relacionamento familiar propriamente dito.
161
Em assim sendo, analisar-se-á o casamento, depois de sua definição, finalidades e
natureza jurídica, os seus demais pontos fulcrais, cuja desatenção redundaria em
penalidade máxima no estudo do temário, sob a ótica enfocada na legislação civil vigente,
ou seja, como está posto o matrimônio no Código Civil, consoante as diretrizes
constitucionais de 1988
399
, com ressalvas às normas pretéritas, quando o narrar histórico
for imprescindível, até atingir o instante de enfocar os modos de extinção do vínculo
matrimonial, com a conseqüência assumida pela família nascida desse relacionamento.
Neste contexto, como não se trata de um curso de direito, muito menos se tem a
pretensão leviana de tentar escrever um tratado sobre casamento, apontar-se-ão os pontos,
tópicos e matérias relevantes, especificamente para este estudo, ou seja, correlatos com a
família decorrente do matrimônio e os seus reflexos na Lei Civil vigente, ou então pela
inovação que trouxeram ao sistema jurídico normativo brasileiro, ou, sobretudo, pela
polêmica que eventualmente dele decorra, mas sempre com ótica focada na constituição do
vínculo conjugal formador de uma nova família.
Cada um dos institutos inerentes à constituição do matrimônio serão abordados
pontualmente, sob três focos de destaque para a eleição de sua relevância: a conexão com o
vínculo familiar originado do casamento, consoante os nortes assumidos como elementares
para esse discurso, e suas conseqüências jurídicas e legais; a inovação tipificada pela novel
legislação civil; e, por derradeiro, a polêmica, doutrinária e (ou) jurisprudencial, dele
decorrente.
Seguir-se-á, para tanto, a própria descrição sistematizada pelo Código Civil
brasileiro de 2002, o quanto isso for possível e pertinente, porquanto, em determinados
399
Francisco José Ferreira Muniz destaca: “E o casamento? Estaria o casamento protegido pela Constituição?
A circunstância de o princípio de ‘proteção’ do casamento não se encontrar formulado de modo explícito
não se afigura decisiva para negar essa garantia institucional ao casamento. É possível a seguinte leitura do
texto constitucional: a liberdade de se casar corresponde a um direito fundamental do ser humano (direito
de personalidade) porque tutela um interesse fundamental do homem, consagrado no artigo 16 da
Declaração Universal dos Direitos do Homem (...). Este princípio encontra-se recepcionado no catálogo de
direitos fundamentais da Constituição (art. 5º, § 2º) e faz parte integrante do Direito Brasileiro. O direito de
se casar (liberdade matrimonial) assume, portanto, um valor constitucional. Isto significa que todos os
cidadãos têm direito de constituir família mediante celebração do casamento. A liberdade nupcial é um
princípio fundamental e de ordem pública, pelo que se considera inadmissível restrição à liberdade pessoal
de casar a existência de normas que estabeleçam impedimentos fundados na raça, na nacionalidade ou na
religião dos nubentes, bem como a inserção de cláusula de celibato ou viuvez em determinados contratos.”
(A família na evolução do direito brasileiro, p. 78-79).
162
itens, será imprescindível o discurso conjunto de dispositivos legais embutidos em
capítulos diversos; do contrário, a orientação será a regência seqüencial legislativa.
No capítulo Do Casamento, pequenas alterações foram tipificadas, em muitas das
quais procurou o legislador realinhar situações jurídicas consideradas equivocadas, pela
doutrina e (ou) jurisprudência, na legislação anterior e, em outros pontos, adequar a norma
ordinária aos preceitos e fundamentos estatuídos na Constituição Federal de 1988,
mormente os alusivos à igualdade dos cônjuges.
Inolvidáveis os vetores que haverão de ser utilizados para interpretar os derivados
questionamentos que possam surgir a respeito do casamento, desde sua prévia habilitação,
celebração e constituição, até sua efetiva dissolução, por quaisquer de suas modalidades,
quais sejam: por um lado, os que servem de parâmetros para figurar as hodiernas
características da família brasileira, concentrados no afeto, carinho, cumplicidade e
respeito, enfim, no amor, mormente, entre os parceiros dessa relação, no caso, os cônjuges;
por outro, nos princípios constitucionais fundamentais, centrados aqui na cidadania e na
dignidade da pessoa humana.
Esses serão, pois, os elementos norteadores da eleição dos institutos jurídicos
afetos à constituição do casamento e conseqüente interpretação normativa relacionada à
convivência familiar decorrente do matrimônio, haja vista que a meta primária e essencial,
o foco central do discurso, é a formação da família por uma relação conjugal.
Há que se destacar, outrossim, que despontaram situações jurídicas antinômicas
entre o casamento e a família, por exemplo, em eventual necessidade de anulação daquele,
resultando na desconstituição desta, quando a melhor exegese, senão a prévia opção
legislativa, é ou foi pela convalidação e superação do vício que maculava o matrimônio,
com o fito de sobrelevar o vínculo familiar constituído. Destarte, em prol da família que se
formou, restabelece-se o matrimônio, com a superação do defeito, dês que este não seja
essencial à própria validade e existência jurídicas do ato nupcial.
Sempre que plausível e juridicamente sustentável, entre o efetivo cumprimento de
formalidades do casamento e a família que se formou, com fulcro nos sobreditos critérios
emotivos e fundamentais vetores, opta-se pela eficácia do vínculo familiar, ainda que
163
alguma ou algumas das formalidades tenham sido inadimplidas, como argumenta Rodrigo
da Cunha Pereira, em outro contexto, mas com aplicabilidade neste: “É que o direito deve
proteger a essência muito mais que a forma ou a formalidade das relações.”
400
Essa é a ótica interpretativa que há de ser adotada.
4.1 Definição e finalidades
O Código Civil de 2002 não define ou conceitua o que se deva entender por
casamento, como não o fazia a Legislação de 1916 ou qualquer outra letra legal
revogada
401
. Aliás, anota Camilo de Lelis Colani Barbosa, que nem mesmo as codificações
alemã, francesa e italiana as quais, como analisado, serviram de base, respectivamente,
para os Códigos Civis brasileiros de 1916 e 2002 ofertam tal definição, e sim somente o
Código Civil de Portugal, em seu artigo 1.577º, que dispõe: “Casamento é o contrato
celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante
uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.”
402
Estatui a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo XVI, o
seguinte:
“1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça,
nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma
família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua
dissolução.
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos
nubentes.”
Nesses termos também se expressa a Convenção Americana de Direitos Humanos
Pacto de San José da Costa Rica , no artigo 17:
400
Rodrigo da Cunha Pereira, Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família,
p. 87.
401
Não se olvidem os posicionamentos de Euclides Benedito de Oliveira e Giselda Maria Fernandes Novaes
Hironaka, que afirmam encontrar-se a definição de casamento no artigo 1.511 do Código Civil de 2002,
que assim está disposto: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de
direitos e deveres dos cônjuges.” (Do casamento, p. 11).
402
Camilo de Lelis Colani Barbosa, O casamento no novo Código Civil brasileiro, p. 63-64.
164
“§ 2 - É reconhecido o direito do homem e da mulher de contraírem casamento e
de constituírem uma família, se tiverem a idade e as condições para isso exigidas
pelas leis internas, na medida em que não afetem estas o princípio da não-
discriminação estabelecido nesta Convenção.
§ 3 - O casamento não pode ser celebrado sem o consentimento livre e pleno dos
contraentes.”
Em sua acepção vocabular, casamento é sinônimo de matrimônio.
Diogo Leite de Campos, escritor português, ao discorrer sobre esse tema, ensina
que “a palavra matrimónio deriva etimologicamente de mater e munium ou munus, ou seja,
ofício de mãe. Acentua, pois, o papel da mãe na procriação e educação da prole. Também
se usa a expressão consórcio (de com e sors, partilha da mesma sorte ou condição).
‘Cônjuge’, vem de coiugium, com e iugo, submeter ao mesmo jugo, acentuando a
comunidade de vida dos esposos”.
403
(destacado no original).
Enquanto isso, Guillermo A. Borda leciona que “el sinónimo ‘casamiento’ deriva
de casa, significando la idea de que los cónyuges tienen casa común”.
404
Verificada a concepção etimológica, há que se extrair a jurídica acerca do
casamento (ou matrimônio), sendo certo que, pelo sobredito conceito legal português,
pode-se fundar a busca dos elementos que o tipificam e, com isso, a possibilidade de
defini-lo no contexto brasileiro moderno.
403
Diogo Leite de Campos, Lições de direito da família e das sucessões, p. 159-160. Complementa Sérgio
Resende de Barros, narrando que a terminologia matrimônio possui correlação com a patrimônio,
originadas, respectivamente, das palavras matrimonium e patrimonium, em cujas designações aparece
sempre “o elemento vocabular monium, variação fonética de munus, que significa ‘missão, função,
ocupação’. Daí, patrimonium era a missão do pai: gerar e manter os bens de Roma no ager romanus
(campo romano) sem desvio algum. E matrimonium era a missão da mãe: gerar e criar na domus romana
(casa romana), também sem desvio algum, os futuros cidadãos e chefes das famílias e gentes romanas,
herdeiros das coisas romanas, a dar continuidade à civitas romana.” (Matrimônio e patrimônio, p. 6-7).
Quanto ao termo cônjuges, igualmente, explica Sérgio Resende de Barros: “Cônjuges são, como o próprio
nome diz, os que se sentem conjugados por uma origem ou destino de vida em comum. Nessa conjugação
de vidas, atua o afeto. O que define a família é uma espécie de afeto que enquanto existe conjuga
intimamente duas ou mais pessoas para uma vida em comum. É o afeto que define a entidade familiar.” (A
ideologia do afeto, p. 8).
404
Guillermo A. Borda, Manual de derecho de familia, p. 33.
165
Antes disso, porém, com intuito elucidativo, descreve-se brevíssimo histórico
desse sacramento.
Em período antecedente ao próprio direito romano, o Código de Hamurabi
considerado um dos mais antigos escritos jurídicos de que se tem conhecimento
405
tratava do relacionamento entre homem e mulher, esta como esposa daquele, dês que
redigido o respectivo contrato, nos termos de seu artigo 128, in verbis: “Se um homem
tomou uma esposa e não redigiu seu contrato, essa mulher não é sua esposa”.
406
Depois, o Código de Manu, dividido que é em doze Livros, trata do matrimônio e
dos deveres do chefe de família no Livro Terceiro, enquanto no Livro Nono, transcreve os
deveres do marido e da mulher, em seu Capítulo XIX, a partir do artigo 418.
407
Por derradeiro, a Lei das XII Tábuas cuida do casamento, como também do pátrio
poder, na Tábua Quarta.
408
Historia José Carlos Moreira Alves que, no direito romano, narram os
doutrinadores que existiam duas espécies de casamento, qual seja, “(...) o casamento cum
manu e o casamento sine manu. O primeiro seria aquele em que o homem (ou, se alieni
iuris, seu pater familias) adquire a manus (poder marital) sobre a mulher, que, assim, se
desvincula da família de origem e ingressa, com seus bens, na de seu marido, como se
fosse filha dele (loco filiae): dessa forma, se a mulher, antes de casar, for alieni iuris (por
estar subordinada à potestas de seu pater familias originário), continua a sê-lo na família
do marido, depois do casamento cum manu; se sui iuris, torna-se, ao casar, alieni iuris. Já
na segunda espécie o casamento sine manu , o marido não adquire a manus sobre a
mulher, que, em virtude disso, conserva, além de seus bens, o status familiae anterior ao
casamento”
409
. E conclui: “Segundo tudo indica, porém, não havia no direito romano,
propriamente, duas espécies de casamento. O conceito de casamento era um só. O que
ocorria era a possibilidade de ele ser acompanhado de um ato solene a conuentio in
405
CÓDIGO de Hamurabi: Código de Manu, excertos: Livros oitavo e nono: Lei das XII Tábuas, p. 9.
406
Ibidem, p. 27.
407
Ibidem, p. 46-47.
408
Ibidem, p. 140.
409
José Carlos Moreira Alves, Direito romano, v. 2, p. 289-290.
166
manum
410
pelo qual o marido (ou seu pater familias) adquiria a manus sobre a mulher.
Quando isso se verificava, dava-se o que, tradicionalmente, se denomina casamento cum
manu; em caso contrário isto é, quando o matrimônio não era seguido da conuentio in
manum, tinha-se o que tradicionalmente se chama casamento sine manu.”
411
Arnoldo Wald expõe a concepção católica sobre o matrimônio: “(...) o Concílio de
Trento (1542-1563)
412
reafirmou solenemente o caráter sacramental do casamento,
reconhecendo a competência exclusiva da Igreja e das autoridades eclesiásticas em tudo
que se relaciona com o casamento, a sua celebração e a declaração de sua nulidade.
Caracterizou-se ainda o casamento como ato solene, devendo ser precedido de publicidade
e só se permitindo a coabitação dos nubentes após terem recebido a bênção nupcial. O
sacerdote é considerado como testemunha necessária e não como ministro do sacramento,
tendo a obrigação de manter um registro de casamento pelo qual se prova o
matrimônio.”
413
Complementa-se esse discurso com a lição de Pontes de Miranda sobre a própria
definição de casamento pelo Concílio Tridentino, que é a “união conjugal do homem e da
mulher, que se contrata entre pessoas capazes segundo as leis, e que as obriga a viver
inseparavelmente, isto é, em perfeita união uma com a outra”.
414
O Cânon 1.055 do Código de Direito Canônico (Codex Iuris Canonici)
promulgado pelo Papa João Paulo II, em 25 de janeiro de 1983 (5º ano de seu Pontificado),
no Vaticano oferece a definição canônica para o matrimônio, cujo parágrafo 1 estatui: “O
pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio de toda a
410
A solenidade de conuentio in manum poderia ser realizada de três formas, “(...) pela confarreatio (um rito
religioso), pela coemptio (uma forma particular de mancipatio) ou pelo usus”, como salienta José Reinaldo
de Lima Lopes (O direito na história: lições introdutórias, p. 60). O usus era semelhante à usucapião, no
qual o marido “(...) adquiria a manus sobre a mulher se vivesse em comum com ela durante um ano inteiro”
(José Carlos Moreira Alves, Direito romano, v. 2, p. 273).
411
José Carlos Moreira Alves, ob. cit., v. 2, p. 290.
412
Com caráter instrutivo, menciona-se as palavras de Alexandre Henrique Gruszynski: “A partir do século
IV, os Bispos começam a se reunir formalmente em assembléias solenes, gerais ou regionais, visando a
deliberações e orientações comuns. É nos textos oriundos dessas assembléias que aparece verdadeiramente,
pela primeira vez, uma linguagem legislativa: fórmulas breves de tom imperativo: cânones. Tais
assembléias são chamadas Concílios e, quando pretenderam agrupar todos os Bispos da cristandade, ou
seus delegados, chamavam-se Concílios Ecumênicos.” (Direito eclesiástico, p. 104 destaques no
original). Mais adiante, esclarece que o Concílio de Trento foi o 19º Ecumênico (Ibidem, p. 116).
413
Arnoldo Wald, O novo direito de família, p. 15.
414
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito privado: direito de personalidade, direito de
família, direito matrimonial..., v. 7, p. 203.
167
vida, por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da
prole, entre batizados foi por Cristo Senhor elevado à dignidade de sacramento.”
415
Não o fez o Código Civil de 1916, por ser um princípio geral de direito, no
entanto, o de 2002 é expresso em afirmar que o casamento é um relacionamento que se
estabelece entre um homem e uma mulher, como expressa o seu artigo 1.514: “O
casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz,
a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados”; destarte, neste
se encontra o elemento subjetivo, qual seja, a necessária presença de pessoas humanas de
sexos opostos (homem e mulher).
Casamento constitui-se, pois, entre uma pessoa do sexo masculino com outra do
feminino.
Aspecto que será considerado é se o casamento é um contrato ou não; todavia,
isso se afeiçoa à sua natureza jurídica, obrigando-se, mormente em face das posições
doutrinárias controvertidas, a análise em tópico próprio.
Ponto fulcral é a legalidade do matrimônio, isto é, só é casamento para efeitos
legais a união entre um homem e uma mulher consoante as regras estampadas na Lei
Civil; estarão legalmente casadas essas pessoas se satisfizerem todos os requisitos
previstos no Código Civil de 2002, desde a habilitação, passando pela celebração, até o
efetivo registro, seja ele civil ou religioso com efeitos civis.
A sua celebração é episódio fundamental, pois se trata do ato jurídico mais solene
embutido na legislação civil
416
, haja vista que, afora todo o formalismo que cerca o
procedimento de habilitação e a própria sessão civil, até mesmo as palavras a serem
415
No original: Cânon 1.055 § 1: “Matrimoniale foedus, quo vir et mulier inter se totius vitae consortium
constituunt, indole sua naturali ad bonum coniugum atque ad prolis generationem et educationem
ordinatum, a Christo Domino ad sacramenti dignitatem inter baptizados evectum est” (CÓDIGO de Direito
Canônico: Codex Iuris Canonici, p. 478-479).
416
Segundo Sílvio Rodrigues: “Dada a importância que a lei atribui o casamento, principal forma de
constituição da família, o legislador, tradicionalmente, rodeia sua celebração de considerável número de
formalidades, não só com o intuito de garantir a livre manifestação de vontade e de chamar a atenção dos
nubentes para a relevância do ato que estão praticando, como também com o propósito de dar a maior
publicidade possível à realização do matrimônio. Nesse particular, o Código de 2002 praticamente reproduz
o regramento proposto pelo legislador de 1916, com as modificações ou acréscimos introduzidos pela Lei
n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos).” (Direito civil: direito de família, v. 6, p. 59).
168
verbalizadas pela autoridade celebrante
417
estão expressamente grafadas, sacramentadas
nos seguintes termos: “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante
mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados”
(art. 1.535, parte final do CC de 2002).
418
Conquanto esteja explícito, não é redundância realçar que a manifestação de
vontade dos nubentes
419
é condição sine qua non para a celebração matrimonial; destarte,
se um deles não se expressar solene, taxativa, espontânea e positivamente, a autoridade não
celebrará o ato nupcial, tanto que o artigo 1.535, caput do Código Civil de 2002 é enfático:
“Presentes os contraentes, em pessoa ou por procurador especial, juntamente com as
testemunhas e o oficial do registro, o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de
que pretendem casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento,
nestes termos: (...).”
Tanto assim o é que o artigo 1.538 do mesmo Códex apresenta as conseqüências
em caso de dubiedade na exteriorização dessa vontade por quaisquer destes motivos:
recusa do nubente em solenizar sua vontade; afirmação de que está casando coagido; ou,
por arrependimento , sendo a primeira, a imediata suspensão do ato núbil e, depois, o
impedimento a eventual retratação do contraente na mesma data, consoante explicita o
parágrafo único do mesmo artigo.
Com efeito, a vontade dos nubentes é ato essencial e, portanto, expresso no
conceito de matrimônio, contextualizado que está na solenidade da sua celebração.
420
O casamento brasileiro é sempre o civil, podendo o religioso produzir efeitos
civis, se cumpridas as regras legais, como estabelecem, respectivamente, os artigos 1.512 e
417
Segundo Washington de Barros Monteiro: “Pelo nosso direito, o casamento só existe com a afirmação da
autoridade celebrante. Nessas condições, ele inexistirá legalmente se o juiz, ou um dos nubentes, vier a
sucumbir antes de pronunciada a fórmula vinculatória” (Curso de direito civil: direito de família, 37. ed.,
2004, v. 2, p. 96).
418
Esclarece Camilo de Lelis Colani Barbosa: “Questiona-se o porquê de tal minúcia do legislador; contudo,
queremos crer tratar-se de uma oportunidade de dimensionar o ato, valorando-o para o casal e pessoas
presentes, além de consistir em uma fórmula de uniformização de procedimentos” (O casamento no novo
Código Civil brasileiro, p. 128-129).
419
Esclarece Silvio Luís Ferreira da Rocha que “(...) do latim nubente significa que é noivo ou noiva ou
designa a pessoa que se vai casar” (Introdução ao direito de família, p. 37).
420
Segundo Eduardo de Oliveira Leite: “O casamento só se justifica e legitima quando decorre da livre
manifestação de vontade dos parceiros.” (Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 51).
169
1.515, ambos do Código Civil de 2002; esses dispositivos seguem a norma imperativa
constitucional estatuída no artigo 226, parágrafos 1º e 2º da Constituição Federal de 1988.
Sendo civil ou religioso com efeitos civis, consoante discorrido, o casamento é um
dos institutos que fundamentam a constituição de uma família; celebrado o matrimônio,
um dos seus efeitos imediatos é que dali nasce uma nova entidade familiar, como célula
mater da sociedade, com especial proteção do Poder Público.
Com a aposição desses requisitos, opta-se pela apresentação de alguns conceitos
de casamento, para que se possa maturar os componentes indeléveis da sua atual
concepção.
O primeiro, tradicionalíssimo, expressado no final do século XIX, é o de
Lafayette Rodrigues Pereira, para quem “é o ato solene pelo qual duas pessoas de sexo
diferente se unem para sempre, sob a promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais
estreita comunhão da vida”.
421
Outro, também tradicional, mas enunciado no decorrer do século XX, é o de Caio
Mário da Silva Pereira: “O casamento é a união de duas pessoas de sexo diferente,
realizando uma integração fisiopsíquica permanente.”
422
Ditado neste século XXI, durante a vacatio legis do Código Civil de 2002,
anuncia Paulo Lins e Silva que “o conceito mais usual desse ato jurídico consiste na
formalização do vínculo jurídico entre o homem e a mulher, para a constituição da
família”.
423
Na vigência desse Código Civil, a definição pronunciada por Nelson Nery Junior
e Rosa Maria de Andrade Nery, para quem é o ato “(...) realizado entre pessoas de sexo
diferente, pelo qual é constituída, legalmente, a união destas”.
424
421
Lafayette Rodrigues Pereira, Direitos de família, p. 47.
422
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil: direito de família, v. 5, p. 53.
423
Paulo Lins e Silva, O casamento como contrato de adesão e o regime legal da separação de bens, p. 354.
424
Nelson Nery Júnior; Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Código Civil e legislação extravagante
anotados: atualizado até 15.03.2002, p. 514.
170
Nessa diretriz, a definição de Eduardo de Oliveira Leite: “Casamento é o vínculo
jurídico entre o homem e a mulher que se unem material e espiritualmente para
constituírem uma família”. E completa: “Estes são os elementos básicos, fundamentais e
lapidares do casamento.”
425
Vinculados pois esposa e esposo solenemente, após a celebração do casamento,
conforme as regras estatuídas na legislação civil, estará constituída uma nova família, que
poderia se denominar de família conjugal, família matrimonial
426
ou matrimonializada, ou
seja, a entidade familiar decorrente do matrimônio.
Nesse contexto, faz-se mister uma leitura sobre as finalidades do matrimônio.
Arnoldo Wald relata que “Os canonistas indicavam como finalidades do
casamento a procriação e a educação dos filhos, a colaboração mútua entre os cônjuges e o
remédio contra a concupiscência, distinguindo assim fins sociais e fins individuais do
casamento que ainda encontramos hoje definidos no Código Civil brasileiro. Efetivamente,
enquanto é fim social a educação dos filhos (art. 1.566, IV do CC de 2002), constituem
finalidades individuais do casamento o convívio sexual (art. 1.566, I e II do CC de 2002) e
o auxílio mútuo e recíproco (art. 1.566, III do CC de 2002).”
427
Em consulta ao descrito Cânon 1.055 do Código Canônico, concorda-se com a
sobredita assertiva, pois o texto legal expressa a finalidade canônica do casamento, “por
sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole”.
425
Eduardo de Oliveira Leite, Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 47.
426
Utiliza-se, aqui, essa expressão “família matrimonial” para qualificar ou adjetivar a família constituída
pelo matrimônio, simplesmente para diferenciar essa espécie de família das demais, tal como a família
monoparental; não se trata, pois, de referendar que essa família matrimonial hodierna se compara com a
então família patriarcal e hierarquizada. Conhece-se, no entanto, a histórico interpretativo discorrido por
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka: “O mais tradicional dos modelos, o da família matrimonial,
resulta exatamente daquela concepção patriarcal de família a que antes me referia, traduzindo uma estrutura
familiar dominada pelo varão, sob o jugo do qual gravitavam todos os demais membros, incluindo a
mulher, cuja virtude monogâmica era mantida, na maior parte das vezes, por força desta subjugação
marital. Enfim, o casamento exerceu na estrutura familiar o papel formador fundamental, mas exerceu,
também, o papel máximo de ser sua própria segurança, garantindo, assim, a sua eternização.” (Família e
casamento em evolução, p. 11).
427
Arnoldo Wald, O novo direito de família, p. 53.
171
Posta a questão religiosa nesses termos, cuja conclusão acima é indiscutível, em
seara jurídica, sobretudo do direito positivo brasileiro, tal ilação é inverossímil, ou, ao
menos, não tão vinculada àquela, porquanto a procriação hodiernamente deixou de ocupar
a posição de vanguarda na finalidade matrimonial, até porque, como analisado, o
planejamento familiar é regra constitucional (art. 226, § 7º da CF), reprisada pelo Código
Civil de 2002 (art. 1.565, § 2º), no qual a paternidade responsável é um de seus
pressupostos, fato que tem resultado na diminuição do número de filhos entre os casais,
com a crescente quantidade de famílias formadas exclusivamente pelo esposo e esposa,
sem descendentes.
Em reportagem já citada neste texto, informa Ciça Vallerio o seguinte: “Não
importam os motivos pelos quais marido e mulher desistem de serem pais. Dados do
último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram o
crescimento do número de casais sem filhos no país. Em 1992, eles representavam 12,9%
das famílias entrevistadas. Em 2002, o índice subiu para 14,1%: são mais de 7 milhões de
uniões sem prole. (...) Os problemas econômicos e sociais que assolam o país, podem, sim,
desestimular a maternidade. Mas o que dizer de pessoas bem sucedidas que não querem
saber de filhos? Segundo a psicanalista Marina Massi, professora do Núcleo de Casal e
Família da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), a
sociedade extremamente competitiva de hoje leva a mulher a abdicar de filhos em troca de
uma sólida carreira profissional.”
428
Desvendar o motivo, neste instante, é desnecessário e desconexo; dessume-se,
contudo, que os casais colocam a descendência em segundo plano, senão em terceiro, ou
simplesmente excluem-na da perspectiva finalística do relacionamento matrimonial, o que
resulta em descaracterizar a procriação como finalidade básica e precípua do casamento.
O matrimônio existe, produz efeitos pessoais, patrimoniais, sociais, práticos,
jurídicos e até emocionais, ainda que nenhum filho venha a ser concebido.
Lafayette Rodrigues Pereira, no final do século XIX, dizia, consoante antes
anotado: “Legitimar a procriação da prole, envolvendo no véu do Direito a relação física
428
Ciça Vallerio, Os sem-descendentes, p. 1.
172
dos dois sexos é, certo, um dos principais intuitos do casamento; mas o fim capital, a razão
de ser desta instituição, está nessa admirável identificação de duas existências, que se
confundindo uma na outra correm os mesmos destinos, sofrem das mesmas dores e
compartem, com igualdades, do quinhão de felicidade que a cada um cabe nas vicissitudes
da vida.
429
Regina Beatriz Tavares da Silva, ao comentar o conceito formulado por
Washington de Barros Monteiro sobre casamento, pondera “que a reprodução não pode,
atualmente, ser havida como finalidade do casamento, em razão da opção, não mais
incomum, dos casais de não terem filhos”.
430
Afastada, pois, a procriação como finalidade do casamento, se ela, no entanto,
surgir no contexto matrimonial, conclui-se que os consortes, genitores do infante, assumem
a responsabilidade pelo “sustento, guarda e educação” desse filho, consoante obriga o
artigo 1.566, inciso IV do Código Civil de 2002.
431
Esse dever legal está desvinculado da finalidade matrimonial, uma vez que se trata
verdadeiramente de obrigação decorrente do vínculo de paternidade e de maternidade, não
do casamento; existindo casamento válido ou não, os pais são responsáveis, moral, natural
e legalmente pelo sustento, guarda e educação de seus filhos menores, maiores e incapazes
e, até mesmo, em situações concretas, dos maiores e capazes, consoante regras jurídicas
próprias e determinadas, sobretudo no direito parental e alimentar poder familiar e
alimentos , que aqui não é objeto de discussão.
O que vincula o marido e a esposa a alimentar, criar, educar e ter o filho sob sua
inteira atenção, com efeito, é o vínculo de parentesco entre pais e filhos, independente da
relação legal e emocional do pai para com a mãe, e vice-versa. São deveres inerentes ao
poder familiar (art. 1.634 do CC de 2002) e à relação de parentalidade em linha de
descendência (arts. 1.694 e 1.696 do CC de 2002), tudo inclusive sufragado em nível
constitucional (art. 229 da CF).
429
Lafayette Rodrigues Pereira, Direitos de família, p. 48.
430
Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil: direito de família, 37. ed., 2004, v. 2, p. 22.
431
Idêntica obrigação resulta da procriação resultante de uma união estável (art. 1.724, parte final do
CC/2002).
173
Destarte, mesmo a educação dos filhos não é finalidade do casamento, vinculada
que está na relação de parentesco entre pais e filhos, sem qualquer ingerência da sua forma
de constituição. Mesmo que casamento inexista entre os genitores, esses deveres são-lhes
impostos pela norma legal, ante o vínculo de paternidade/maternidade e filiação.
O artigo 1.511 do novo Código Civil, que descerra o livro do Direito de Família,
entabula que “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de
direitos e deveres dos cônjuges”; ao assentar a plena comunhão de vida entre os cônjuges,
infere-se que essa comunhão plena é pessoal e patrimonial.
A comunhão de vida pessoal fundamenta-se no afeto, carinho, respeito,
verdadeiro amor recíproco que há de imperar entre os amantes com acepção de pessoas
que se amam , com a conseqüente formação da família matrimonial.
Umbilicalmente ligada a esses preceitos afetivos, encontra-se a sedimentação da
felicidade conjugal pelos cônjuges, como leciona Lafayette Rodrigues Pereira, em texto
transcrito em linhas passadas, que se coaduna com a filosofia kantiana de que o ser
humano racional tem como finalidade imanente a realização de sua felicidade; destarte, a
felicidade pessoal e familiar está enraizada aos princípios amorosos e afetuosos inerentes
ao relacionamento matrimonial.
Aliás, comenta Rodrigo da Cunha Pereira: “Casamento é mais que uma instituição
religiosa e jurídica. Para a maior parte das pessoas, é um sonho de felicidade. Todos
queremos estabelecer um laço conjugal e acreditamos que assim podemos selar nossa
felicidade. Apesar das mudanças de valores, da revolução feminista, da separação
Igreja/Estado (1891), o casamento continua sendo um ideal em que se depositam
esperanças, sonhos de viver juntos para sempre.”
432
Todos esses fatores interligam e complementam-se para conjugar um só desígnio,
a plena comunhão de vida pessoal entre os cônjuges, em uma família constituída pelo
matrimônio a comunhão plena de vida familiar.
432
Rodrigo da Cunha Pereira, A culpa no desenlace conjugal, p. 326.
174
Todavia, como anotado, essa comunhão envolve aspecto patrimonial também,
tanto que o regime de bens no matrimônio, no silêncio das partes o denominado de
regime legal ou regime supletivo
433
, que vigerá independentemente da existência de pacto
ou convenção é o da comunhão parcial de bens (estatuído entre os arts. 1.658 e 1.666 do
CC/2002); esclarece Rolf Madaleno que esse “é o regime oficial, tanto do Código Civil
vigente, quanto do novo Código Civil. Nesse regime, formam-se três massas de bens: os
bens do marido, os bens da mulher e os bens comuns”
434
. Efetivamente assim o é, pois, de
modo geral, é um regime no qual há plena e total separação quanto ao patrimônio existente
antes do enlace matrimonial, e de plena comunhão de bens (patrimonial), no que se refere
ao constituído depois do casamento salvante os bens que, mesmo adquiridos na
constância do matrimônio, estejam excluídos por imposição legal (arts. 1.659 e 1.661);
disciplina inclusive o artigo 1.663 que a administração desse patrimônio conjugal é regrada
pelo sistema de co-gestão.
435
A plena comunhão de vida, com efeito, dissipa-se pelas searas pessoais e
patrimoniais; resumindo, é a comunhão plena de vida em família, consubstanciada em
unidade de desígnios pessoais, patrimoniais e familiares, embasada em princípios afetivos
para alcançar a incessante felicidade dos parceiros e de todos os componentes desse
relacionamento.
Mas não é só, o sobredito artigo 1.511 prossegue ditando que a plena comunhão
tem como base a igualdade de direitos e obrigações entre os cônjuges; essa disposição
completa-se principalmente pelos artigos 1.565 e 1.566, ambos da Lei Civil vigente,
relacionados aos efeitos do casamento. O primeiro deles discorre que “pelo casamento,
homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e
responsáveis pelos encargos da família”, ou seja, ratifica a plena comunhão de vida,
pessoal e patrimonial, de direitos e de deveres, exercidos mútua, recíproca e
isonomicamente pelo esposo e pela esposa.
433
Luiz Edson Fachin explica: “Em certo sentido, procura-se evitar a expressão ‘regime legal’, como
sinônimo de regime supletivo, porque há um regime legal que não é supletivo, mas sim imperativo.”
(Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro, p. 183).
434
Rolf Madaleno, Do regime de bens entre os cônjuges, p. 167.
435
Denise Willhelm Gonçalves, Regime de bens no Código Civil brasileiro vigente, p. 120. Nova redação
pretende-se empreender ao artigo 1.659, mormente em seus incisos, pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002.
175
O texto seguinte cuida dos deveres conjugais recíprocos, também em campo
pessoal e patrimonial, a ser adimplido de modo idêntico pelos consortes, deveres que estão
contidos nos incisos do sobredito artigo 1.566: fidelidade recíproca, vida em comum entre
os cônjuges, mútuas assistência, respeito e considerações. Concorda-se que eles sejam
finalidades do casamento, mas ousa-se dizer que são finalidades mediatas, reais efeitos e
conseqüências do vínculo constituído; solidez e concreção da comunhão plena de vida.
Explica-se: como se explanou em tópicos acima, independentemente da origem do
relacionamento entre os genitores (casamento ou união estável), a entidade que daí surge é
familiar, é uma família; mesmo perdurando só o parentesco unilateral, há a família
monoparental, isso para, neste instante, ater-se à família natural (consangüínea ou
biológica).
Explanou-se, outrossim, que a família contemporânea que é e sempre foi a
célula mater da sociedade, sua base concreta, independente do modo de sua formação
constitui-se embasada no afeto, carinho, cumplicidade, respeito, enfim, é decorrência
lógica do amor entre os seus instituidores e eventual descendência comum. Em assim
sendo, fidelidade, vida comum, mútuas assistência, respeito e consideração, são “deveres”
conjugais umbilicalmente ligados aos adjetivos mencionados, pois quem age com
afetuosidade, tem amor e carinho pelo seu consorte, com ou sem obrigação legalmente
imposta, satisfaz, ou ao menos tem a subjetiva intenção de satisfazer esses símbolos postos
como “deveres matrimoniais”.
Com o casamento, visam os parceiros concretizar a comunhão plena de vida, em
âmbito pessoal e patrimonial, no seio da família por eles constituída; esse ato constitutivo
da nova família, no caso o matrimônio, nasce embasado em fatores afetivos aqui diversas
vezes narrados sintetizados pelo amor recíproco; formada, pois, essa entidade familiar, os
direitos e deveres recíprocos e igualitários entre os cônjuges surgem como solidificadores
da referida comunhão de vida familiar, cuja finalidade inerente ao relacionamento humano
é a felicidade de todos.
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka focaliza essa relação amorosa com os
seguintes dizeres: “(...) pessoas estas que passam a ter coragem de admitir que se casam
principalmente por amor, pelo amor e enquanto houver amor. Porque só a família assim
176
constituída independentemente da diversidade de sua gênese pode ser mesmo aquele
remanso de paz, ternura e respeito, lugar em que haverá, mais que em qualquer outro, para
todos e para cada um de seus componentes, a enorme chance da realização de seus projetos
de felicidade.”
436
destacou-se.
A propósito, utilizar-se-á a terminologia AMOR para sintetizar todos os
caracteres elementares imanentes ao vínculo matrimonial, apostos na Lei Civil (art. 1.566,
I, II, III e V) como “deveres” conjugais, a qual se depura da seguinte forma: A significa o
Afeto, até aqui tão propalado e imprescindível, hodiernamente, na constituição da família,
inclusive e mormente da conjugal cuja fidelidade recíproca (inc. I), independente de
imposição legal, está intimamente ligada à afeição, ao afeto, ao carinho recíprocos entre os
cônjuges; M é a Mútua assistência (inc. III), a cumplicidade pessoal, patrimonial, moral e
emocional entre marido e mulher, visando a felicidade de todos; O decorre da Ostentação
do vínculo conjugal, donde a vida em comum (inc. II) é uma das caracterizações da
ostentável publicidade inerente ao matrimônio; R é o Respeito e consideração mútuos (inc.
V).
Com efeito, AMOR!
Essa a tônica de constituição do casamento contemporâneo.
A garantia do implemento dessas características é a satisfação, no âmbito
matrimonial, do princípio da cidadania, sendo certo que a recíproca troca do afeto, carinho,
e respeito entre os cônjuges tipifica o adimplemento, também na seara conjugal, do
princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, a fim de que todos sejam felizes no
convívio familiar matrimonial.
Afirma-se que há uma simbiose entre os caracteres norteadores do vínculo
matrimonial com os sobreditos deveres legais conjugais, todos com efetiva natureza
exegética da relação conjugal constitutiva de uma família.
436
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Família e casamento em evolução, p. 17.
177
Assim sendo, celebrado o casamento, imediatamente desponta uma nova relação
familiar, formada justamente por decorrência desse vínculo família conjugal , com
plena comunhão de vida (pessoal e patrimonial) entre o homem e a mulher; e, outrossim,
mediatamente, a assunção pelos cônjuges de compromissos subjetivos recíprocos e
isonômicos consagrados, materializados e decorrentes do amor, que é a base sólida de
sustentação formativa do matrimônio e da comunhão plena de vida, com o fito de eterna
felicidade entre os parceiros.
O amor é o alicerce que garante a vinculação afetiva matrimonial, cuja celebração,
legalmente, constitui imediatamente uma nova família, com a comunhão plena de vida,
decorrendo disso, mediatamente, na condição de estabilizador, os intitulados direitos e
deveres recíprocos do casamento estes solidificados e decorrentes do vínculo amoroso e
afetivo entre os cônjuges, razão da própria constituição do casamento.
Essas sim as efetivas e precípuas finalidades, imediatas e mediatas do matrimônio.
Assegura Paulo Lins e Silva que “no contrato dito sui generis do casamento, a
natureza jurídica é altamente sublime, não envolvendo entre as partes aspectos materiais,
mas tão-somente aspectos amorosos, afetivos, carinhosos, visando à criação de uma
família, de um núcleo, de uma espécie de casulo fechado, no qual se comunicam somente
as partes afetivamente envolvidas, seus ascendentes, descendentes e colaterais”.
437
Sílvio Luís Ferreira da Rocha argumenta que “o fim do casamento não pode ser
resumido à constituição da família; ele visa realizar a felicidade humana entre duas
pessoas”
438
. Diz-se, com efeito, que a finalidade primária e imediata do casamento é a
constituição de uma família, com plena comunhão de vida feliz entre o homem e a mulher,
donde as outras qualificações matrimoniais são decorrências e solidificações inerentes ao
elemento de formação dessa entidade familiar, seja qual for a sua origem.
437
Paulo Lins e Silva, O casamento como contrato de adesão e o regime legal da separação de bens, p. 354-
355.
438
Sílvio Luís Ferreira da Rocha, Introdução ao direito de família, p. 31. Felicidade, aliás, como visto,
interligada ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois o casamento transformou-se “(...) em
instrumento de felicidade e promoção da dignidade de cada um de seus membros” (Patrícia Pimentel de
Oliveira, Da possibilidade de indenização entre cônjuges por dano à honra, p. 344).
178
Celebrado o matrimônio, sua conseqüência imediata é a constituição de uma
família, plenamente comunitária e feliz, que é justamente a finalidade básica do casamento,
enquanto o mais são qualidades relacionadas ao sadio convívio familiar; todavia, para a
celebração do casamento, existem elementos subjetivos essenciais que traduzem a intenção
dos parceiros conjugais, sintetizados no AMOR, cujo desmembramento é o afeto, carinho,
cumplicidade, respeito, bases hodiernas do vínculo matrimonial.
Por isso merece lembrança a seguinte narrativa: “Qualquer definição que resgatar
o vínculo jurídico entre homem e mulher com vistas a uma plena comunidade de vida, é
válida e sustentável.”
439
Em face desses argumentos, define-se o casamento como a união civil, ou
religiosa com efeitos civis, entre um homem e uma mulher, por livres e espontâneas
vontades, solenemente expressadas perante a autoridade competente para celebrá-la,
fundamentada no recíproco amor e com a finalidade de constituir uma família, com plena
comunhão de vida em felicidade.
Cumpridos esses elementos basilares, tipificado estará o vínculo matrimonial,
com a satisfação de todos os vetores imprescindíveis para a interpretação dessa relação
familiar, inclusive dos fundamentos de cidadania e dignidade da pessoa humana.
4.2 Natureza jurídica
Discorrer sobre casamento implica na inexorável passagem pelo debate da sua
natureza jurídica, a qual, como é cediço, traduz controvertidas opiniões doutrinárias,
destacando-se tradicionalmente três correntes, assim resumidas: a contratual, a
institucional e a mista ou eclética, as quais serão agora objeto de análise.
A teoria clássica, contratual ou individualista afirma que o casamento é um
contrato, ante a imprescindível manifestação de vontade dos nubentes para que o ato
nupcial possa ser celebrado. Essa posição, aliás, está expressamente acolhida pelo direito
439
Eduardo de Oliveira Leite, Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 48.
179
português, consoante se infere do sobredito artigo 1.577º, o qual, ao definir o matrimônio,
afirma ser ele um contrato.
440
Antunes Varela referenda a natureza contratual do casamento e afirma que assim
o é porque o Estado, ao intervir na celebração, comparece não como parte da relação
jurídica, e sim “sendo puramente ‘testemunhal’ e ‘proclamatória’ a intervenção do oficial
público na sua realização”, confirmando ainda que “não deixa o casamento de ser um
contrato, na medida em que os nubentes decidem ‘livremente’ casar e ‘casar’ um com o
outro, aceitando consequentemente todos os efeitos legais do matrimónio (art. 1618º, 1). E
não se esqueça a mais ampla liberdade de fixação do ‘conteúdo’ pessoal do casamento que
a lei passou a conceder aos nubentes, acabando com o modelo clássico (casamento da
mulher dona-de-casa) das relações pessoais e patrimoniais entre marido e mulher
anteriormente estabelecido.”
441
Essa tradicional teoria encontrava ressonância na própria Igreja Católica, como se
infere da concepção matrimonial externada pelo Concílio de Trento, acima anotada.
No Brasil, Virgílio de Sá Pereira defende-a com veemência, nos seguintes termos:
“A natureza não conhece o casamento, só conhece a família. Há convenções sociais a que
devemos o mais religioso respeito e o casamento é uma delas. Ele pode ser encarado como
união natural, como sacramento e como contrato. Em tese, cada uma dessas concepções
repele as outras. (...) Nós só conhecemos o casamento contrato.”
442
Áurea Pimentel Pereira assume esse posicionamento, dizendo que “é indisputável,
portanto, que o casamento é um contrato”
443
. Assim também os pensamentos de Carlos
Alberto Bittar
444
e Orlando Gomes, que afirmava: “A necessidade de adesão ao estatuto
440
Merece, desde logo, menção a concepção externada por Paulo Lins e Silva, afirmando a natureza
contratual do casamento, todavia, como verdadeiro contrato de adesão, enfocando que, “sob o prisma do
Direito de Família, a regra é ditada subjetivamente pelo Estado que estabelece previamente em que
condições aceita sacramentar a vontade das partes no ato jurídico casamento. Sendo o Estado representado
pelo organismo (juiz de paz ou togado), condição essencial para a validade do ato jurídico, no momento em
que as partes estão expressando suas vontades diante de tal autoridade, elas assinam concordando com as
cláusulas rígidas e indiscutíveis rezadas antecipadamente pelo ordenamento jurídico emanado pelo Estado”
(O casamento como contrato de adesão e o regime legal da separação de bens, p. 357-358).
441
João de Matos Antunes Varela, Direito da família, p. 126-128.
442
Virgílio de Sá Pereira, Direito de família, p. 8.
443
Áurea Pimentel Pereira, A nova constituição e o direito de família, p. 28.
444
Carlos Alberto Bittar, Direito de família, p. 68-69.
180
legal não elimina a base voluntarista do casamento. O que imprime a um ato ‘natureza
contratual’ não é a livre determinação de seu conteúdo pelas partes, mas sua formação por
acordo livre e espontâneo de vontades”; essa doutrina é seguida por Humberto Theodoro
Júnior, ao atualizar a obra desse autor baiano, que complementa: “Ao prever o direito dos
cônjuges de romper o vínculo matrimonial por ato de vontade (divórcio consensual) e por
perda da affectio maritalis (separação de fato de mais de dois anos), a Constituição de 1988
fortaleceu a teoria contratualista do casamento (art. 226, § 6º).”
445
Os críticos da teoria contratual afirmam que o casamento não se desfaz por mera
manifestação de vontade dos cônjuges; obrigatoriamente, há a intervenção do Poder
Público para, caso satisfeitos os requisitos legais, referendar a vontade dos separandos e,
com isso, terminar com a validade jurídica do matrimônio; se fosse um contrato, bastaria o
distrato entre as partes envolvidas, ou seja, marido e mulher só descontratavam-se e o
casamento estaria extinto, o que não ocorre.
Sílvio Luís Ferreira da Rocha acrescenta a diminuta liberdade dos contraentes na
estipulação de regras convencionais no casamento e a ausência de aspecto patrimonial
nessas convenções, como críticas formuladas à teoria clássica, as quais releva, ao defender
a autonomia da vontade no ato matrimonial, porquanto, “hoje existem contratos
obrigacionais cujo conteúdo é predeterminado por normas de ordem pública e a
patrimonialidade está presente na relação matrimonial, embora não seja o aspecto mais
importante nessa relação”.
446
Ao acolherem essa teoria, José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José
Ferreira Muniz fazem-no com fulcro na autonomia privada, pois concebem a plena e total
liberdade dos cônjuges de convolarem núpcias se e com quem tiverem interesse, mas
acrescem que “o casamento é, portanto, negócio jurídico bilateral. Não utilizaremos, para
qualificar o casamento, a expressão ‘contrato’ pela circunstância de que, no Brasil, a
palavra ‘contrato’ tem, de regra, aplicação restrita aos negócios patrimoniais e, dentre eles,
aos negócios jurídicos bilaterais de Direito das Obrigações”.
447
445
Orlando Gomes, Direito de família, p. 60.
446
Sílvio Luís Ferreira da Rocha, Introdução ao direito de família, p. 24-25.
447
José Lamartine Corrêa de Oliveira; Francisco José Ferreira Muniz, Curso de direito de família, p. 129.
181
Camilo de Lelis Colani Barbosa, após discorrer sobre cada qual das mencionadas
teorias, conclui: “Para nós, não se trata de mera discussão acadêmica debater a natureza
jurídica do casamento; seu estudo revela a condição social, refletindo a tendência histórica
adotada pelo direito de um determinado país e determinada época, daí poder-se dizer que
casamento não é um contrato, mas ‘está contrato’. (...) Em outras palavras, atualmente, o
casamento, devido à liberdade contratual conferida aos nubentes, inclusive no que
concerne à sua dissolução pela separação e divórcio, possui hoje características que o
aproximam mais de contrato, do que de instituição.”
448
Em outro momento, Camilo de Lelis Colani Barbosa reafirma sua tese e
acrescenta: “Como comparação histórica é possível afirmar, por outro lado, que até o
advento da lei do Divórcio (Lei n. 6.515/77), o casamento ‘esteve instituição’, posto que a
sua dissolução somente seria possível pela morte, pela sua anulação ou pela declaração de
sua nulidade.”
449
A outra teoria é a que considera o casamento uma instituição, denominada, pois,
de teoria institucional ou supra-individualista, cuja referência é, justamente, a necessária
intervenção do Poder Público para a celebração do matrimônio, donde a única
manifestação dos nubentes resulta na inexistência do ato jurídico, e, ainda, para que seja
desfeito o ato, novamente imprescindível é a intervenção estatal, sendo a vontade dos
cônjuges um primeiro requisito a ser inquirido, mas não essencial para o término do
casamento.
Para adotar essa teoria, ponderava Lafayette Rodrigues Pereira que “instituição da
maior importância pela magnitude e extensão de seus efeitos na vida social, o casamento
entra naturalmente na esfera do Direito Civil”, no que é referendado por Ricardo Rodrigues
Gama, que atualizou sua obra.
450
448
Camilo de Lelis Colani Barbosa, O casamento no novo Código Civil brasileiro, p. 75.
449
Camilo de Lelis Colani Barbosa, Direito de família: manual de direitos do casamento sob a ótica do
Código Civil Lei n. 10.406/2002, p. 19.
450
Lafayette Rodrigues Pereira, Direitos de família, p. 49. Anota o atualizador: “O casamento não deve
mesmo ser considerado uma espécie de contrato, como coloca Lafayette. (...) Durante o casamento e no ato
de sua dissolução, menor importância tem a vontade dos cônjuges, pois quase todas as questões reclamam
atuação judicial, daí ser mais consistente a classificação do casamento como instituição.” (Ibidem, mesma
página).
182
Washington de Barros Monteiro é defensor da concepção institucional do
casamento
451
, como também o é Maria Helena Diniz, que assim se pronuncia: “Por ser o
matrimônio a mais importante das transações humanas, uma das bases de toda constituição
da sociedade civilizada, filiamo-nos à teoria institucionalista, que o considera como uma
‘instituição social’.”
452
Arnoldo Wald adere à teoria institucional, com total desconsideração da
contratualista
453
, como enfatiza Rubens Limongi França: “(...) o casamento aparece como
‘uma instituição, com caracteres próprios, que nasce de um ato jurídico de feição
complexa’.”
454
Guillermo A. Borda referenda a instituição matrimonial e argumenta: Además, es
indubablemente falso concebir al matrimonio nada más que como un vínculo jurídico:
obedece a profundos instintos humanos, está impregnado de ideas morales y religiosas;
(...) El matrimonio se propone fundar una familia, crear una comunidad plena de vida,
concebir hijos, educarlos; es un elemento vital de la sociedade; es, en fin, una
‘institución’.
455
Até mesmo Hans Kelsen, na descrição de sua teoria pura, concebia o matrimônio
como uma verídica instituição, afirmando: “A relação jurídica matrimonial, por exemplo,
não é um complexo de relações sexuais e económicas entre dois indivíduos de sexo
diferente que, através do Direito, apenas recebem uma forma específica. Sem uma ordem
jurídica não existe algo como um casamento. O casamento como relação jurídica é um
instituto jurídico, o que quer dizer: um complexo de deveres jurídicos e direitos subjectivos
no sentido técnico específico, o que, por sua vez, significa: um complexo de normas
jurídicas.”
456
A terceira é a teoria mista ou eclética, a qual considera o casamento um negócio
jurídico em sua formação e conseqüente celebração, todavia, verdadeira instituição, no que
451
Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil: direito de família, 37. ed., 2004, v. 2, p. 23.
452
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro: direito de família, v. 5, p. 44.
453
Arnoldo Wald, O novo direito de família, p. 56.
454
Rubens Limongi França, Instituições de direito civil, p. 225.
455
Guillermo A. Borda, Manual de derecho de familia, p. 36-37.
456
Hans Kelsen, Teoria pura do direito, p. 236.
183
tange aos seus efeitos jurídicos; destarte, o matrimônio é um complexo de contrato
(negócio jurídico) e instituição, não só um, nem somente a outra.
Pode-se afirmar que se concentram nessa teoria os adeptos do casamento como
ato complexo, como os que consideram o casamento uma variação de sua concepção
contratual, ou seja, de que o casamento é sim um contrato, todavia, um contrato especial,
sui generis, ou seja, um contrato específico do direito de família.
Sílvio Rodrigues, ao defender essa teoria, sufraga seu pensar com os seguintes
ensinamentos: “Note-se que o casamento não se ultima nem se aperfeiçoa apenas pela
conjunção da vontade dos nubentes. O oficial público, que preside a cerimônia do
casamento, não se contenta em autenticar a vontade dos cônjuges, como o notário perante
quem se processa uma escritura. Aquele celebra o casamento, recorrendo a uma fórmula
consignada na lei. (...) Portanto, trata-se de instituição em que os cônjuges ingressam pela
manifestação de sua vontade, feita de acordo com a lei. Daí a razão pela qual, usando de
uma expressão já difundida, chamei ao casamento ‘contrato de direito de família’,
almejando, com essa expressão, diferenciar o contrato de casamento dos outros contratos
de direito privado. Como tal instituição interessa estreitamente ao Estado, é ela regida por
normas cogentes; com efeito, o casamento é disciplinado por regras estritas, iniludíveis por
acordo recíproco. Realmente, uma vez efetuado o casamento, dele decorrem efeitos
necessários, que a vontade das partes não pode afastar”. E conclui: “o casamento assume a
feição de um ato complexo, de natureza institucional, que depende da manifestação livre
da vontade dos nubentes, o qual, porém, se completa pela celebração, que é ato privativo
de representante do Estado. Não há inconveniente, dada a peculiaridade do fenômeno, de
chamar ao casamento ‘contrato de direito de família’.”
457
Nessa lição é que se assenta a sobredita concentração e verdadeira coexistência
dos doutrinadores partidários do casamento como ato ou contrato complexo e dos do
contrato especial, porquanto, Sílvio Rodrigues ao admiti-lo, “(...) sem dúvida, de ato
complexo, em que se une o elemento volitivo ao elemento institucional”
458
, sumaria,
chamando-o de contrato de direito de família.
457
Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 20-22.
458
Ibidem, v. 6, p. 20.
184
Com efeito, narrar-se-ão as opiniões que afirmam a complexidade do ato
matrimonial, como as que o tratam como contrato sui generis e suas sinonímias.
Pela natureza de contrato especial ou contrato de direito de família, pronuncia-se
Caio Mário da Silva Pereira, sob o fundamento a seguir: “O que se deve entender, ao
assegurar a natureza do matrimônio, é que se trata de um ‘contrato especial’, dotado de
conseqüências peculiares, mais profundas e extensas do que as convenções de efeitos
puramente econômicos, ou ‘contratos de Direito de Família’, em razão das relações
específicas por ele criadas.”
459
Pontes de Miranda, ao que se depreende, acolhia essa tese, haja vista que definia o
casamento como “o contrato de direito de família que regula a união entre marido e
mulher”.
460
Regina Beatriz Tavares da Silva, ao atualizar a obra jurídica de Washington de
Barros Monteira, afirma que, no seu entender, o casamento realmente tem a natureza de
contrato de direito de família, discordando, pois, da originária redação que atualiza,
consoante o Código Civil de 2002.
461
Antonio Chaves referenda o casamento como “um contrato de natureza
familiar”.
462
Afirmava Clóvis Beviláqua que “o casamento é um contracto”; complementava,
contudo, esclarecendo: “Não se confunde com os outros contractos, por seu objecto, por
seus fins, por sua natureza social, que domina o arbitrio dos individuos: mas é o resultado
do accôrdo de duas vontades, que, livremente, concorrem para a creação de direitos e
deveres reciprocos, direitos e deveres em relação á prole, direitos e deveres para com a
sociedade”
463
. Destarte, para Clóvis Beviláqua o casamento era um contrato, todavia não
um contrato comum, mas sim especial.
459
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil: direito de família, v. 5, p. 58.
460
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito privado: direito de personalidade, direito de
família, direito matrimonial..., v. 7, p. 210.
461
Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil: direito de família, 37. ed., 2004, v. 2, p. 25.
462
Antonio Chaves, Tratado de direito civil: direito de família, v. 5, t. 1, p. 66.
463
Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, p. 518.
185
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam que o casamento é
um contrato bilateral e solene e, expressamente, acrescentam especialíssimo.
464
Posição assumida por Carvalho Santos
465
, Eduardo Espínola
466
e Inácio de
Carvalho Neto, o qual aduz que “o casamento não se conclui nem se aperfeiçoa apenas
pela vontade dos noivos. (...) Ademais, afora o elemento contratual (a vontade das partes),
no casamento também impera a participação do Estado. Daí não se poder equipará-lo a um
contrato qualquer. Tem-se, portanto, o casamento como um misto entre contrato e
instituição”.
467
Adota a teoria do ato complexo Sílvio de Salvo Venosa, afirmando que “o
casamento-ato é um negócio jurídico; o casamento-estado é uma instituição”.
468
Idêntica posição é acolhida por Eduardo de Oliveira Leite: “Claro está que a mera
consideração dos dois momentos no casamento é bastante para legitimar a natureza híbrida
do casamento o casamento é contrato na sua formação (porque se origina do acordo de
vontades) e também é instituição na sua duração (pela atuação do Estado e pelo caráter
inalterável de seus efeitos).”
469
Pela mera leitura das doutrinas discorridas, dessume-se a fácil e simples, mas
igualmente penosa e árdua, tarefa assumida por um neófito estudioso do direito para aderir
a uma das teorias que vise responder qual é a natureza jurídica do casamento, porquanto
sufragará as posições lecionadas por juristas de eminentes e indiscutíveis reputações,
entretanto, ao mesmo tempo, contrariará balizadas lições exteriorizadas por tantos outros
doutrinadores de renomada, como sintetizou Eduardo Espínola: “Os vários aspectos do
problema autorizam as divergências dos mais conceituados doutrinadores.”
470
464
Nelson Nery Júnior; Rosa Maria de Andrade Nery, Novo Código Civil e legislação extravagante
anotados: atualizado até 15.03.2002, p. 514.
465
João Manuel de Carvalho Santos,digo Civil brasileiro interpretado, v. 4, p. 10-12.
466
Eduardo Espínola, A família no direito civil brasileiro, p. 48.
467
Inácio de Carvalho Neto, Separação e divórcio: teoria e prática, p. 32.
468
Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 41.
469
Eduardo de Oliveira Leite Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 50.
470
Eduardo Espínola, ob. cit., p. 48.
186
Furtar-se à assunção de um posicionamento, apesar dessas fundamentadas
teorizações, não é de bom alvitre, ao contrário, é o risco assumido por quem se dispõe a
enveredar por caminhos repletos de abalizadas doutrinas; de antemão, pode-se concluir que
qualquer posição que se adote estará corroborada por experts juristas, do passado e
contemporâneos; em contrapartida, no pólo oposto estará outra gama de doutrinadores,
igualmente, renomados, tradicionais e de épocas pretérita e presente.
Efetivamente, o casamento é um ato jurídico, em sentido amplo, que exige a
participação de dois sujeitos, um homem e uma mulher, os quais haverão de manifestar
suas respectivas vontades para a contração do matrimônio; todavia, indaga-se: presentes
esses requisitos (diversidade de sexos e manifestação de vontades) haverá casamento? A
resposta é negativa, uma vez que, expressamente, exige a Lei Civil que é a regra basilar
desse ato a intervenção do Poder Público, por intermédio do juiz de casamento, que
haverá de convolar essas vontades em matrimônio, apresentando-se, pois, como ato
essencial. Anota, aliás, Paulo do Amaral Souza: “Não basta, portanto, a declaração de
vontade dos contraentes, mesmo porque podem arrepender-se ou sofrer oposição de
impedimento.”
471
Por outro lado, satisfeito o requisito de sexos opostos e a celebração do ato pela
autoridade nupcial, sem que houvesse a exteriorização da vontade dos nubentes, também
não se pode falar na existência de casamento, pois ausente está outro pressuposto
indispensável, que é a manifestação positiva do casal. Destarte, essa é igualmente etapa
essencial do ato conjugal.
Em contrapartida, para que o casamento seja dissolvido questão que será só en
passant referida, neste momento, exige a norma jurídica a manifestação de vontade dos
nubentes e a intervenção novamente do Estado, agora pela decisão a ser proferida pelo
Poder Judiciário. Com efeito, a vontade dos cônjuges é insuficiente para, por si só, resolver
o casamento, que não se desfaz por mero “distrato”.
471
Paulo do Amaral Souza, O direito de família e das sucessões face ao novo Código Civil: principais
alterações, p. 175.
187
Para a constituição, como para dissolução do matrimônio, a Lei Civil exige as
manifestações de vontade do homem e da mulher e, outrossim, a intervenção do Poder
Público, para que o ato esteja em condições de produzir efeitos legais de casamento.
Essas conseqüências legais do ato nupcial são fixadas pela mesma legislação civil,
donde a autonomia de vontade dos nubentes cinge-se em dizer “sim”, para contrair o
casamento, e estipular, quando possível, as regras patrimoniais do enlace, com a celebração
do pacto antenupcial para o regime de bens.
Em face dessas descrições, ousa-se afirmar que o casamento possui natureza
jurídica complexa, sendo um típico contrato de direito de família, porquanto o trato
consensual de vontades externado pelo homem e pela mulher é requisito essencial, todavia
insuficiente para a constituição do ato jurídico, o qual exige um plus, qual seja, a
intervenção estatal pelo juiz de casamento, que convolará essas vontades em efetivo
matrimônio, cujos efeitos jurídicos advindos desse ato estão previamente descritos na
norma civil positiva.
Todo esse proceder está delineado no artigo 1.514 do Código Civil de 2002, o
qual será oportunamente retratado.
4.3 Igualdade entre os cônjuges
O artigo 1.511 do Código Civil de 2002, que inaugura o Livro de Direito de
Família e, portanto, o capítulo Do Casamento, prevê expressamente: “O casamento
estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos
cônjuges.”
Essa disciplina é inovadora na codificação ordinária brasileira, pois na de 1916
prevalecia a posição marital, nada obstante os arrefecimentos que essa autoridade
hierárquica sofreu com o passar dos tempos, sobretudo com a edição do Estatuto da
Mulher Casada, em 1962, até a promulgação da Carta Magna, em 1988.
188
Esse dispositivo codificado nada mais é do que a adequação da lei ordinária à
determinação constitucional consubstanciada no artigo 226, parágrafo 5º da Constituição
da República de 1988: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher”. Destarte, o legislador constituinte foi claro e
expressivo ao determinar que o esposo e a esposa, na sociedade conjugal, têm os mesmos
direitos e as mesmíssimas obrigações, fato que foi amparado pelo ordinário.
O artigo 5º, inciso I da mesma Carta republicana estatui que “homens e mulheres
são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”, podendo gerar uma
interpretação que resultasse na despicienda disposição alusiva à sociedade conjugal;
todavia, como leciona Sérgio Gischkow Pereira, “(...) cumpre assinalar não se está diante
de regra radicalmente ampla e irrestrita de igualdade, como sucede com o artigo 5º, caput e
inciso I da Constituição Federal; a norma de igualdade é específica, com endereço certo,
bem discriminado: artigo 226, parágrafo 5º daquela Carta, explicitando e impondo uma
igualdade concreta dentro do casamento”
472
, ou seja, o artigo 5º em apreço determina, em
seu inciso I, genericamente, a isonomia de entre os direitos e deveres de todo e qualquer
homem e mulher, enquanto o artigo 226, parágrafo 5º referenda, reforça e complementa
que, na sociedade conjugal, os direitos e obrigações entre os cônjuges são idênticos,
inclusive o seu próprio exercício.
Destarte, têm eles os mesmos direitos e obrigações, devendo exercê-los com a
mesma igualdade, no que tange ao matrimônio, com a ressalva imprescindível externada
por José Afonso da Silva, em comentário a esses ditames: “Só valem as discriminações
feitas pela própria Constituição e sempre em favor da mulher, como, por exemplo, a
aposentadoria da mulher com menor tempo de serviço e de idade que o homem (arts. 40,
III, 202, I a III)”
473
. Complementa Francisco José Ferreira Muniz: “No contexto da
sociedade brasileira, a adoção de diferenças de tratamento em favor da mulher, que traduz
discriminações positivas, encontra justificativa razoável nos fatos: tem por finalidade
compensar desigualdades de fato. A obrigação de diferenciação é uma dimensão do
conteúdo jurídico-constitucional do princípio da igualdade cuja finalidade é suprir, em
472
rgio Gischkow Pereira, Algumas reflexões sobre a igualdade dos cônjuges, p. 120.
473
José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 220-221.
189
importantes domínios da vida social, desigualdades fáticas de natureza econômica,
educacional, política e cultural.”
474
grifos no original.
A isonomia entre os cônjuges no matrimônio brasileiro é precisa, clara e evidente,
sem qualquer privilégio a quaisquer deles, salvantes as eventualmente contidas em seara
constitucional, umbilicalmente ligadas à natureza física e psíquica da mulher, verdadeiras
diferenciações compensatórias.
A garantia dessa igualdade matrimonial estabelecida denota a observância pelo
legislador dos fundamentos constitucionais da cidadania e da dignidade da pessoa humana
pois, além de garantir direitos e correlatas obrigações aos cônjuges, protegeu-lhes com a
plena e total isonomia; com efeito, observados foram os mandamentos insculpidos na Lei
Maior, garantindo-lhe valoração de “(...) princípio normativo fundamental no direito de
família”.
475
O descrito artigo 1.511, com efeito, em âmbito infraconstitucional, consolidou as
igualdades constitucionalmente impostas.
Essa igualdade de direitos e deveres, como isonômicos são os seus exercícios na
sociedade conjugal, está reprisado no artigo 1.565 do mesmo Códex, ao tratar da eficácia
do casamento, no teor a seguir: “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a
condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.”
Verifica-se pela confluência dos descritos artigos da Lei Civil que, afora a
observância dos mencionados princípios constitucionais fundamentais, estão incorporados
os elementos norteadores constitutivos do vínculo familiar, quais sejam o afeto, o carinho,
a cumplicidade e o respeitos mútuos, como se depreendem das frases: “comunhão plena de
vida” e “mutuamente (...) consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da
família”.
Em seqüência a esses dispositivos, estatui o artigo 1.566 as recíprocas obrigações
conjugais, no seguintes termos: “I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio
474
Francisco José Ferreira Muniz, A família na evolução do direito brasileiro, p. 80-81.
475
Ibidem, p. 79.
190
conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e
consideração mútuos.”
Consoante explicitado, tirante o inciso IV, intimamente vinculado ao exercício do
poder familiar, decorrência do grau de parentesco existente entre pai/mãe e filho isto é, a
base legal de sua sustentação é a paternidade/maternidade e filiação, independente da
origem fática desta , os demais deveres ligam-se umbilicalmente ao afeto, respeito, ou
seja, ao amor que há de reinar entre os cônjuges, motivador contemporâneo que é do
estabelecimento do matrimônio, sendo esses parâmetros suas finalidades mediadas.
Em comentários a esses regramentos, Luiz Edson Fachin afirma: “Procurando
espelhar o sentido da comunhão de vida, o Código Civil brasileiro elencou os direitos e
deveres dos cônjuges, seguindo o modelo revisto e superado pelo texto constitucional de
1988. Neste, mudanças e perspectivas emergiram com a adoção da ‘lei da igualdade’,
marido e mulher são iguais numa dimensão ética da pessoa, o que por certo, não elimina
diferenças que dão substrato ao próprio sentido da igualdade substancial.”
476
Eduardo de Oliveira Leite referenda com a seguinte narrativa: “Hoje, mais do que
nunca, a intenção de viverem juntos, como marido e mulher, o amor e o companheirismo
são as finalidades fundamentais determinadoras de uma comunhão de vida. (...) O amor:
que independe da mera atração sexual e encontra sua manifestação mais veemente na
afeição, solidariedade, cumplicidade, atração mútua e afinidades pessoais; o
companheirismo: calcado num projeto comum, capaz de atender e satisfazer ideais e
interesses comuns.”
477
(destacado no original).
Com efeito, a base de sustentação do relacionamento em família conjugal é o
amor afeto, carinho, cumplicidade, respeito , atualmente inerente ao convívio
satisfatório e prazeroso entre marido e mulher, enquanto os direitos e deveres que surgem
da constituição desse vínculo, garantidos e exercidos sob o império do princípio
isonômico, correspondem a uma adequada correlação entre os sobreditos elementos
vetores de todo o sistema da convivência familiar, os quais merecem ser preservados.
476
Luiz Edson Fachin, Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro, p. 175.
477
Eduardo de Oliveira Leite, Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 51.
191
Os sucessivos textos legais explicitam a aplicabilidade desses direitos e deveres
conjugais, consoante o princípio da igualdade aqui retratado, pois “a direção da sociedade
conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do
casal e dos filhos” (art. 1.567, caput do CC/2002), sendo certo que, em caso de divergência
das posições assumidas, a solução do conflito será judicial (art. 1.567, parágrafo único); a
mantença da família, inclusive de todos os predicados inerentes a essa manutenção
(alimentos, educação, vestuário, saúde, etc.), é atribuição proporcional aos bens e
rendimentos do marido e de sua esposa (art. 1.568 do CC/2002); e, outrossim, a eleição do
domicílio conjugal será realizada pelos cônjuges (art. 1.569 do CC/2002).
Por tudo isso, leciona Eduardo de Oliveira Leite que “(...) nenhuma dúvida paira
sobre a intenção do legislador quanto à igualdade de direitos e deveres entre marido e
mulher; são iguais, são simétricas e inadmitem qualquer exegese restritiva no que tange à
igualdade”.
478
A isonomia entre esposo e esposa na sociedade conjugal, como no exercício dos
direitos dela advindos, garantida em âmbito constitucional, está explicitada nos textos
infraconstitucionais, mormente nos do Código Civil de 2002, e, ainda que assim não
estivesse, haveria de ser interpretado consoante essa disciplina igualitária, pena de ser
extirpado do sistema legislativo brasileiro por patente inconstitucionalidade.
Extrai-se desses dispositivos, afora a assunção do amor e afeto, e seus elementos
correlatos, como base de sustentação e hermenêutica das relações familiares hodiernas,
dentre as quais a conjugal, a explícita garantia de observância aos princípios da cidadania e
da dignidade da pessoa humana, porquanto, além da concessão de direitos e suas
respectivas obrigações aos cônjuges em plena igualdade de condições, ressalte-se são
eles concedidos com preservação de uma vida conjugal digna entre marido e mulher,
partícipes iniciais, fundamentais e imprescindíveis para a constituição da relação familiar
matrimonial ou conjugal.
Garantidos estão, com efeito, os parâmetros para a preservação digna de mais essa
espécie de família.
478
Eduardo de Oliveira Leite, Os sete pecados capitais do novo direito de família, p. 68.
192
4.4 O casamento civil e o religioso
A Constituição da República estabelece, no seu artigo 226, parágrafo 1º, que “o
casamento é civil e gratuita a celebração”, e o parágrafo seguinte complementa que “o
casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei”, isto é, no Brasil, casamento válido
e eficaz é o civil, todavia faculta-se que o casamento religioso produza efeitos de
casamento civil, dês que satisfeitos os requisitos estatuídos na Lei.
479
O artigo 1.512 do Código Civil de 2002 reprisa ipsis litteris o descrito artigo 226,
parágrafo 1º da Constituição
480
, enquanto o artigo 1.515 desse Código regra o seguinte: “O
casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil,
equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da
data de sua celebração”
481
. Assim sendo, casamento legalmente é o civil, tirante o
479
Orlando Gomes ilustra: “Três tipos de casamento são, entre nós, adotados: o ‘civil’, o ‘religioso com
efeitos civis’ e o ‘religioso sem efeitos civis’. O último não é reconhecido pelo Estado, ficando equiparado
ao ‘concubinato’.” (Direito de família, p. 63).
480
Estatui o parágrafo único do sobredito artigo 1.512: “A habilitação para o casamento, o registro e a
primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas, para as pessoas cuja pobreza for declarada,
sob as penas da lei”; com efeito, para as pessoas cuja pobreza não for declarada, esses atos serão
subsidiados pelos próprios nubentes, salvo a celebração, no próprio Cartório, que será gratuita. Tramitam
na Câmara dos Deputados projetos de lei que visam disciplinar a gratuidade da habilitação e da celebração
do matrimônio (Projetos ns. 3.350/2000, 1.257/2003 e 1.578/2003).
481
Leciona Camilo de Lelis Colani Barbosa: “Em decorrência principalmente da tradição religiosa do povo
brasileiro, marcantemente católico, e ainda, do fato de a religião católica ter sido religião oficial até o
advento da República, mais precisamente até a Constituição Federal de 1891, é que herdamos hábito de
realização de dois atos que estabelecem o matrimônio. Um civil, casamento em si, reconhecido pelo
Estado, e outro, religioso, muitas vezes de importância social tão grande quanto o primeiro” (Direito de
família: manual de direitos do casamento sob a ótica do Código Civil Lei n. 10.406/2002, p. 45). Na
prática, em verdade, é o que se nota, a opção por duas cerimônias a civil e a religiosa , conquanto fosse
possível a celebração só da religiosa produzindo também efeitos civis. O que é marcante, outrossim, e não
demanda maiores esforços de constatação, é que as testemunhas em geral, os convidados para as
cerimônias, participam ativamente da religiosa, com preparo do vestuário e ornamentações, e, durante o
ato, com respeito, concentração e o silêncio que o templo exige; todavia, quando da celebração civil, pouca
atenção a ela é dispensada, raras pessoas, afora os noivos, genitores e padrinhos, apercebem-se de sua
realização. Ratifica Sérgio Resende de Barros: “O casamento civil convive com o religioso, que a maioria
considera o verdadeiro casamento, merecedor de comemoração.” (Matrimônio e patrimônio, p. 8). Aliás,
em recente reportagem sobre o casamento, Luciana Garbin esclarece: “Alimentado por um mercado que
não pára de crescer e pela recuperação de rituais que pareciam fadados ao extermínio, casar na igreja virou
moda de novo. Um sinal são números divulgados este mês pela Cúria Metropolitana de São Paulo. Depois
de seis anos em queda na cidade, a quantidade de casamentos voltou a subir no ano passado: de 11.227 em
2002, passou para 11.361. ‘Viraram eventos, que variam de acordo com os gostos e os bolsos’, analisa a
estilista Flávia Galli. (...) ‘Se houve um aumento dos casamentos na Igreja, ele certamente não foi
significativo, a ponto de dizer que se tenha invertido uma tendência de queda’, alerta o cônego Antônio
Aparecido Pereira. ‘Por outro lado, é inegável que o peso da crise econômica, que impede as pessoas de
realizarem pequenos ou grandes sonhos, faz com que busquem o sagrado.” (Casar está na moda. Com
muita festa, p. 1-2).
193
religioso, ao qual se conceda efeitos civis, pois, o mero casamento religioso sem efeitos
civis pode até ser considerado uma união estável, mas não casamento.
482
Esses dispositivos são essenciais para o desenrolar do discurso aqui empreendido,
uma vez que fixam efetivamente como e quando se constitui o vínculo matrimonial, a
união civil ou religiosa com efeitos civil e, por tal concepção, a formação da entidade
familiar originária desse enlace legítimo; é justamente pela análise desses dispositivos
legais que se concluirá qual a relação conjugal que poderá ser legalmente considerada
casamento e, portanto, dele decorrer uma nova família.
Conquanto se tenha, por algumas narrativas acima, mencionado a existência do
casamento civil e do casamento religioso com efeitos civil, este é o tempo adequado para
se fazer um parêntese, com o escopo de coligir o escorço histórico legislativo transcorrido
pela instituição matrimonial, pois nem sempre reinaram pacificamente essas formas de
concepção, pois em épocas passadas o casamento foi unicamente o religioso e, ao depois,
somente o civil, com a convivência hodierna instituída pela e desde a Constituição Federal
de 1934.
Na fase imperial, reinava soberano no Brasil o casamento exclusivamente
religioso, e mais, o casamento católico, porquanto, pelo Decreto de 3 de novembro de
1827, concedeu-se vigência neste território do Concílio de Trento e da Constituição do
Arcebispo da Bahia, que regulamentavam as regras matrimoniais católicas
483
. Esclarece
482
Carlos Alberto Bittar esclarece que “(...) não havendo o registro, essencial para a sua qualificação, não se
pode falar em casamento, sob o aspecto jurídico, havendo mera união livre, ou concubinária, mesmo se
observados os requisitos e os impedimentos na celebração religiosa. Não constitui o matrimônio religioso,
ademais, impedimento para casamento e não há ação civil para anular os efeitos próprios desse
relacionamento” (Direito de família, p. 104-105).
483
Decreto de 3 de novembro de 1827: “Declara em effectiva observancia as disposições do Concilio
Tridentino e da Constituição do Arcebispado da Bahia sobre o matrimonio. Havendo a Assembleia Geral
Legislativa resolvido, artigo único, que as disposições do Concilio Tridentino na sessão 24, capítulo 1º de
Reformatione Matrimonii, e da Constituição do Arcebispo da Bahia, no livro 1º título 68 § 291, ficam em
effectiva observancia em todos os Bispados, e freguezias do Imperio, procedendo os Parochos respectivos a
receber em face da Igreja os noivos, quando lho requererem, sendo do mesmo Bispado, e ao menos um
deles seu parochiano, e não havendo entre elles impedimento depois de feitas as denunciações canonicas,
sem para isso ser necessaria licença dos Bispos, ou de seus delegados praticando o Parocho as diligencias
precisas recomendadas no § 269 e seguintes da mesma Constituição, o que fará gratuitamente: E tenho eu
sancionado essa resolução, Hei por bem ordenar que assim se cumpra. A mesa da Consciencia e Ordens o
tenha assim entendido, e faça executar com os despachos necessarios. Palacio do Rio de Janeiro em 3 de
novembro de 1827, 6º da Independencia e do Imperio. Com a rubrica de sua Magestade Imperial. Conde de
Valença.” (Rui Ribeiro de Magalhães, Direito de família no novo Código Civil brasileiro, p. 14-15).
Obtempera José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini que, conquanto o matrimônio fosse religioso, as
regras que o disciplinavam não eram exclusivamente canônicas, destacando, dentre outras, regras estatais
194
José Russo que “a Igreja Católica tutelou o casamento, que vigorava apenas em sua forma
religiosa, pois inexistia o casamento civil e essa era a religião oficial no Brasil”.
484
Nessa época, o casamento era religioso, especificamente o católico apostólico
romano, pois tanto Portugal quanto o Brasil eram países eminentemente católicos, sendo
essa a sua religião oficial.
Assim perdurou até a edição do Decreto n. 1.144, de 11 de setembro de 1861
485
,
regulamentado pelo de número 3.069, de 17 de abril de 1863, regendo o casamento civil de
pessoas não católicas e o de uma católica com uma não católica, donde se extrai a lição de
Lafayette Rodrigues Pereira, para esse momento da história: “No estado atual do Direito
Civil brasileiro só são recebidas como válidas e capazes de efeitos civis as três seguintes
formas de casamento: 1. o casamento católico, celebrado conforme o Concílio Tridentino e
a Constituição do arcebispado da Bahia; 2. o casamento misto, isto é, entre católico e
pessoa que professa religião dissidente, contraído segundo as formalidades do Direito
canônico; 3. finalmente, o casamento entre pessoas pertencentes às seitas dissidentes,
celebrado de harmonia com as prescrições das religiões respectivas. Prevalece, pois, entre
nós, a doutrina que atribui à religião exclusiva competência para regular as condições e a
forma do casamento e para julgar da validade do ato. Todavia, a recente lei [Decreto n.
1.144, de 11 de setembro de 1861] acerca do casamento entre os membros das seitas
dissidentes consagrou uma inovação que cumpre assinalar: passou para a autoridade civil a
faculdade de dispensar os impedimentos e a de julgar da nulidade dessa forma de
casamento.”
486
que regiam o vínculo conjugal: “a Ord. L. 1, tit. 88, §§ 19 e 27; L. 4, tit. 863, §§ 1 a 3; Leis de 19 de junho
e de 29 de novembro de 1875; Alvará de 29 de agosto de 1776, que confirmou Assento de 9 de abril de
1772; Lei de 6 de outubro de 1784; diplomas de 22 de setembro de 1828 e de 31 de outubro de 1831.” (Do
vínculo conjugal, p. 110).
484
José Russo, Casamento perante autoridade consular, p. 59-60.
485
Ementa desse Decreto n. 1.144/1861: “Faz extensivo os effeitos civis dos casamentos, celebrados na
fórma das Leis do Imperio, aos das pessoas que professarem religião differente da do Estado, e determina
que sejão regulados o registro e provas destes casamentos e dos nascimentos e obitos das ditas pessoas,
bem como as condições necessarias para que os Pastores de religiões toleradas possão praticar actos que
produzão effeitos civis. (...) José Ildefonso de Sousa Ramos, Senador do Imperio, do Meu Conselho,
Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Imperio, assim o tenha entendido e faça executar. Palacio
do Rio de Janeiro em onze de Setembro de mil oitocentos sessenta e um, quadragesimo da Independencia e
do Imperio. Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.”
486
Lafayette Rodrigues Pereira, Direitos de família, p. 54-55.
195
Nasce no sistema jurídico brasileiro o casamento civil para pessoas que não
professassem a religião católica. Havia num pólo o casamento católico e n’outro o civil,
como também o misto, para a união de católico com pessoa que não confessasse essa
religião.
Com a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, houve o
rompimento do Estado com a Igreja Católica, surgindo, como tal, exclusivamente o
casamento civil, isto é, o vínculo regido e regulamentado pelo Poder Público, sem qualquer
concepção religiosa, muito mesmo a católica. Segundo José Marcos Marrone: “Integrando
o governo provisório Ruy Barbosa e Campos Salles, este Ministro da Justiça, introduziu-se
no Brasil, pelo Decreto n. 181, de 24 de janeiro de 1890, o casamento civil, sendo
permitida a celebração de cerimônia religiosa, antes ou depois da civil. Com isso, passou
ao Estado a competência exclusiva para legislar sobre casamento.”
487
Esse Decreto n. 181/1890 acabou por revogar o de n. 1.144/1861, vigorando,
apenas e tão-somente, para efeitos legais, o casamento civil, pois o religioso não oferecia
mais qualquer repercussão jurídica, porquanto dispunha expressamente o artigo 108, caput
daquela norma: “Esta lei começará a ter execução desde o dia 24 de maio de 1890, e desta
data por diante só serão considerados validos os casamentos celebrados no Brasil, si o
forem de accôrdo com as suas disposições”, cujo parágrafo único excepcionava: “Fica, em
todo caso, salvo aos contrahentes observar, antes ou depois do casamento civil, as
formalidades e ceremonias prescriptas para a celebração do matrimonio pela religião
delles.”
Todavia, em 26 de junho de 1890, foi editado o Decreto n. 521, que proibia
terminantemente a celebração de cerimônia matrimonial religiosa antes da civil, inclusive
com sanção ao ministro celebrante de seis meses de prisão e multa.
488
Em 1891, foi promulgada a Constituição da República que, taxativamente,
impunha em seu artigo 72, parágrafo 4º: “A República só reconhece o casamento civil,
cuja celebração será gratuita”. O Código Civil de 1916 cumpre a regra constitucional e, por
isso, nenhuma menção faz ao casamento religioso, nem mesmo com efeitos civis.
487
José Marcos Marrone, Efeitos civis do casamento religioso, p. 24.
488
Lafayette Rodrigues Pereira, Direitos de família, p. 55.
196
Ressurge o matrimônio religioso com a Carta republicana de 1934, todavia
mantido o civil como união válida, eficaz e amparada pelo Poder Público, concedendo
àquele os efeitos civis, nos teores do seu artigo 146, caput: “O casamento será civil e
gratuita a sua celebração. O casamento perante ministro de qualquer confissão religiosa,
cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia, os
mesmos efeitos que o casamento civil, desde que, perante a autoridade civil, na habilitação
dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo de oposição, sejam
observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil. O registro será
gratuito e obrigatório. A lei estabelecerá penalidades para a transgressão dos preceitos
legais atinentes à celebração do casamento.”
489
Dessume-se que o casamento era exclusivamente civil, podendo o religioso não
mais o exclusivamente católico suportar os efeitos civis, satisfeitas as disposições
contidas em lei. Por isso, foi editada a Lei n. 379, de 16 de janeiro de 1937 para
regulamentá-lo.
490
José Marcos Marrone informa que “a Carta de 10 de novembro de 1937 foi silente
sobre tais questões, sem tomar partido pelo casamento religioso ou pelo civil. Limitou-se a
declarar que o casamento é indissolúvel, pairando no ar a dúvida se a Lei n. 379 havia sido
ou não revogada”
491
. José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini complementa que, na
vigência dessa Constituição da República, o Decreto-Lei n. 3.200, de 19 de abril de 1941,
modificou alguns pontos daquela norma ordinária.
492
A Carta Federal de 1946 voltou a cuidar do casamento civil e do religioso com
efeitos civis, cujo artigo 163, parágrafos 1º e 2º, dispunha: “§ 1º - O casamento será civil, e
gratuita a sua celebração. O casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os
impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer
interessado, contanto que seja o ato inscrito no registro público. § 2º - O casamento
religioso, celebrado sem as formalidades deste artigo, terá efeitos civis se, a requerimento
489
José Sebastião de Oliveira, Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 47.
490
Esclarece Pontes de Miranda que essa lei só foi publicada no dia 20 de janeiro de 1937 e vigeu depois de
trinta dias da publicação (nos ditames de seu art. 14), todavia era despicienda, pois “o artigo 146 da
Constituição de 1934 era bastante em si”, portanto auto-executável (Francisco Cavalcanti Pontes de
Miranda, Tratado de direito privado: direito de personalidade, direito de família, direito matrimonial..., v.
7, p. 330).
491
José Marcos Marrone, Efeitos civis do casamento religioso, p. 28.
492
José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini, Do vínculo conjugal, p. 112.
197
do casal, for inscrito no registro público, mediante prévia habilitação perante a autoridade
competente.”
493
Com o escopo de regulamentar esses parágrafos constitucionais, editou-se a Lei n.
1.110, de 23 de maio de 1950, a qual expressamente revoga a Lei n. 379/1937 e derroga os
artigos 4º e 5º do Decreto-Lei n. 3.200/1941, nos ditames de seu artigo 10, a qual se
encontra em plena vigência e eficácia jurídica.
A Constituição Federal de 1967 praticamente reprisa os sobreditos dispositivos da
Carta de 1946, em seu artigo 167, parágrafos 2º e 3º, com iguais teores contidos no artigo
175, parágrafos 2º e 3º da Emenda Constitucional n. 1, de 1969.
494
No interregno entre essa Carta de 1969 e a de 1988 cujo dispositivo está
transcrito linhas atrás , foi editada a Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, conhecida
como a Lei de Registros Públicos, em cujos artigos 71 a 75 regulamenta-se a habilitação do
casamento religioso com efeitos civis, seja essa habilitação prévia ou posterior à
celebração do enlace matrimonial.
495
No Brasil, portanto, positivado está o matrimônio civil, contudo a Constituição da
República e as normas ordinárias concedem efeitos civis ao religioso, dês que satisfeitos os
requisitos legais, sobretudo com a habilitação e registro da cerimônia sacramental.
496
Cerrado esse parêntese histórico, diga-se que seja o casamento civil ou religioso
com efeitos civis, para que os nubentes possam convolar as núpcias, dependem da
satisfação dos requisitos estabelecidos na Lei Civil, cuja aferição far-se-á em um
procedimento administrativo denominado Processo de Habilitação, cuja análise discursiva
faz-se necessária em tópico específico.
493
José Sebastião de Oliveira, Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 58.
494
José Sebastião de Oliveira, Fundamentos constitucionais do direito de família, p. 66 e 69.
495
Anota-se que o Projeto de Lei n. 6.960 de 2002 visa a revogação desses artigos 71 a 75 da Lei de
Registros Públicos, nos ditames da nova redação ao artigo 2.045 do Código Civil de 2002.
496
Sérgio Resende de Barros conclui: “Desse modo, em países como o Brasil, o Estado Liberal de Direito,
apesar de tender ao laicismo, não arrefeceu apenas transformou a matrimonialização a
patrimonialização e a sacralização da afeição sexual. Repartiu a matrimonialização da união sexual em dois
casamentos o religioso e o leigo ficando os estados com a patrimonialização e as igrejas com a
sacralização.” (Matrimônio e patrimônio, p. 8).
198
Informe-se ainda que interessante questionamento suscita o casamento religioso,
acerca de qual ou quais cultos poderão celebrar cerimônias religiosas aptas a produzir
efeitos civis, o que será discorrido em tópico relacionado à celebração do matrimônio,
quando do enfoque da autoridade competente para fazê-lo; por ora, vale a expressa
menção.
4.5 Do processo de habilitação ao casamento
O procedimento para a habilitação ao casamento está estabelecido nos artigos
1.525 a 1.532 do Código Civil de 2002, bem como nas regras inseridas na Lei n. 6.015/73
(arts. 67 a 69), com obrigatória passagem neste trabalho, ante seu interesse na formal
constituição do matrimônio, com nexo causal direto na formação da família dele
decorrente, tratando-se de etapa compulsória para a celebração do ato nupcial.
Essa é a primeira fase ao casamento, qual seja, a da habilitação.
497
O processo de habilitação, em regra, realiza-se antes da celebração do
matrimônio; cumpridos todos os seus requisitos e pressupostos, expedir-se-á o certificado
de habilitação, demonstrativo e comprovante de que os nubentes estão aptos a convolar
suas núpcias, cujo prazo decadencial é de 90 (noventa) dias, consoante dita o artigo 1.532
do Código Civil de 2002. Isso quer dizer que, se nesse lapso temporal a celebração do
matrimônio deixar de ocorrer, automaticamente o certificado expirará sua validade jurídica
e, com isso, outro procedimento habilitatório terá que ser realizado, como se o antecedente
nunca houvesse existido.
498
Disse-se que a habilitação matrimonial realiza-se antes da celebração; isso em
regra, porque, para o casamento religioso com efeitos civis concede a lei a oportunidade
para a realização do ato nupcial sem a prévia habilitação, que se formalizará quando do
pedido de registro da cerimônia religiosa, com o escopo de surtir efeitos civis. Para essa
497
Paulo do Amaral Souza destaca que o Código Civil de 2002, por seu artigo 1.512, consagrou o princípio
da acessibilidade, e que seu parágrafo único distingue três distintas fases: habilitação, celebração e registro
do matrimônio (O direito de família e das sucessões face ao novo Código Civil: principais alterações, p.
172).
498
Fabrício Zamprogna Mattielo, Código Civil comentado, p. 992.
199
forma matrimonial, a celebração poderá ser precedida pelo processo de habilitação (arts.
1.516, § 1º do CC de 2002, 71 a 73 da Lei de Registros Públicos e 2º e 3º da Lei n.
1.110/50), ou esse procedimento poderá realizar-se após aquele ato religioso, nos ditames
do artigos 1.516, parágrafo 2º do Código Civil de 2002, 74 da Lei de Registros Públicos e
4º a 6º da Lei n. 1.110, de 23 de maio de 1950, norma essa promulgada justamente para
regulamentar “o reconhecimento dos efeitos civis do casamento religioso”.
Como anotado, expedido o respectivo certificado de habilitação, os pretendentes
terão o prazo decadencial de noventa dias para a celebração do casamento, lapso temporal
esse aplicável ao casamento civil (art. 1.532 do CC/2002) e ao casamento religioso que se
pretenda empreender efeitos civis com prévia habilitação (art. 1.516, § 1º do CC/2002);
isso quer dizer que nesse prazo a cerimônia há de ser realizada, pois, do contrário, será
imprescindível a realização de novo procedimento de habilitação.
Esse prazo decadencial, nesses exatos termos, é aplicável ao casamento religioso,
todavia sua contagem só se iniciará depois de expedido o certificado de habilitação, ou
seja, após considerar os pretendentes verdadeiros marido e mulher já casados
religiosamente habilitados a instituir efeitos civis à celebração religiosa, terão eles o
lapso temporal de noventa dias para efetivarem o registro e, com isso, aquele ato religioso
passará a produzir também eficácia jurídica civil (art. 1.516, § 2º, parte final do CC/2002).
Interessante ressaltar que, depois de realizada a cerimônia religiosa, sem que
prévia habilitação civil tenha se processado, inexiste prazo para que o casal postule a
produção de efeitos civis a esse matrimônio; isso quer dizer que alguns dias, meses ou até
anos depois do casamento religioso, podem marido e mulher pretenderem habilitá-lo
consoante as leis civis, o que será plenamente plausível.
Fabrício Zamprogna Mattielo assim também se posiciona: “Deve-se observar,
ainda, que o parágrafo primeiro estabelece prazo definido para o registro, ao passo que a
norma em exame admite a inscrição do casamento religioso a qualquer tempo, desde que o
casal requeira e se submeta à prévia habilitação e promova o registro dentro em noventa
dias a contar de quando expedida a respectiva certidão.”
499
499
Fabrício Zamprogna Mattielo, Código Civil comentado, p. 979.
200
Para a eficácia jurídica civil de um casamento religioso, cuja habilitação não fora
processada antes do culto, o legislador desconsidera essa formalidade antecedente para,
depois, independente do lapso de tempo, reconhecer civilmente esse ato nupcial como
efetivo casamento, com todos os efeitos dele decorrentes, inclusive e mormente a família
que fora constituída.
Ao assim disciplinar, houve por bem o legislador desprezar formalidades legais
para sufragar a união religiosa entre um homem e uma mulher, ou seja, para acolher o
vínculo familiar que se constituiu. Ante a divergência entre exigir o mero cumprimento de
formalismos legislativos e amparar legalmente uma família, abandona-se aqueles em prol
deste vínculo afetivo.
Entre as formalidades legais e a família, com coerência, bom senso e equidade,
optou o legislador pela prevalência da relação familiar, preferindo o afeto, o amor, a
dignidade dos parceiros à tão-só observância de regras legislativas.
Prevalece assim o vínculo afetivo, a família decorrente de um casamento
religioso, cujos efeitos civis só lhe serão concedidos posteriormente.
Em quaisquer das situações discorridas prévia ou posterior habilitação, o
casamento religioso produz efeitos jurídicos de casamento civil desde a data da sua efetiva
celebração, qual seja, da cerimônia religiosa, portanto, com efeitos ex tunc (arts. 1.515,
parte final do CC/2002, 75 da Lei de Registros Públicos e 7º da Lei n. 1.110/50), como
aliás comenta Walter Ceneviva: “O registro da habilitação aperfeiçoada faz voltar no
tempo a produtividade de efeitos. (...) Feito o registro, o estado civil passa a ser o de
casados, desde a data da solenidade religiosa.”
500
O processo de habilitação é atividade administrativa, cujo trâmite ocorre no
Cartório de Registro Civil, posteriormente com ouvida do Ministério Público e
homologação judicial, consoante expressa o artigo 1.526 do Código Civil de 2002. Nesse
procedimento é que se aferirá se os pretendentes estão aptos a assumir o matrimônio, ou
seja, se possuem capacidade civil e matrimonial, se não existe impedimento nenhum a
500
Walter Ceneviva, Lei dos Registros Públicos comentada, p. 141-142.
201
obstar essas núpcias, ou mesmo se causa legal temporariamente impede ato matrimonial;
como sintetiza Caio Mário da Silva Pereira: “Os nubentes têm de evidenciar a sua aptidão
para o matrimônio em um processo especial o ‘processo de habilitação’.”
501
O artigo 1.525 do Código Civil de 2002 enumera os documentos imprescindíveis
para a instrução do procedimento administrativo
502
, inaugurado pelo requerimento
subscrito pelos pretendentes, pessoalmente se, no entanto, “analfabeto um deles, ou
ambos, será assinado a rogo, com duas testemunhas”
503
ou por procurador formalmente
constituído novidade expressamente contida nessa norma legal, na cabeça do artigo.
504
Esse pedido há de ser acompanhado de alguns documentos denominados de
essenciais, por serem imprescindíveis em todo e qualquer procedimento, como os
disciplinados nos incisos I, III e IV, os quais visam comprovar a idade dos requerentes,
portanto, suas capacidades nupciais e civis, qualificá-los e, com isso, individualizá-los
cujo instrumento é denominado de Memorial
505
, e a colheita de prova testemunhal dos
fatos ali inseridos.
Outros documentos são despiciendos em grande parte dos pleitos matrimoniais,
pois aplicáveis em casos e situações específicos, por isso nomenclaturados de especiais,
contidos nos incisos II e V do sobredito artigo 1.525. O primeiro deles trata da autorização
para o casamento, a ser emitida pelo representante legal genitores
506
ou tutor do
pretendente que possui capacidade nupcial, mas ainda não tem capacidade civil; como
também “se o nubente for um incapaz sob curatela (CC, art. 1.767), como, p. ex., o
pródigo, embora tenha capacidade nupcial, está sujeito à autorização do curador”
507
. O
outro dispositivo (inc. V) exige a prova da dissolução de anterior matrimônio do requerente
que se declare viúvo, divorciado ou com casamento anterior anulado.
501
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil: direito de família, v. 5, p. 100.
502
Segundo Camilo de Lelis Colani Barbosa: “Pela simples leitura dos documentos exigidos pela lei verifica-
se que o objetivo da mesma é verificar a existência de impedimentos e/ou incapacidade matrimonial, ou
ainda, de causas suspensivas.” (Direito de família: manual de direitos do casamento sob a ótica do Código
Civil Lei n. 10.406/2002, p. 34).
503
Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil: direito de família, 37. ed., 2004, v. 2, p. 58.
504
O trâmite desse processo está delimitado nos artigos 67 a 69 da Lei de Registros Públicos.
505
Washington de Barros Monteiro, ob. cit., p. 60.
506
Essa é uma das expressas atribuições do exercício do poder familiar (art. 1.634, inc. III do CC/2002).
507
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro: direito de família, v. 5, p. 90.
202
Destarte, esses incisos são aplicáveis em hipóteses especiais, que sigam caminhos
fora do regramento trivial.
Cumprida essa etapa, será expedido o edital (art. 1.527 do CC/2002), cujo intuito
é dar ampla e irrestrita publicidade ao ato que se pretende realizar, representando “(...) uma
convocação para que todos aqueles que saibam da existência de impedimento capaz de
infirmar o projetado casamento venham opô-lo”
508
; esse edital é denominado de
proclamas.
509
Faculta a Lei Civil a dispensa da publicação dos editais de proclamas, “havendo
urgência” na celebração do casamento (arts. 1.527, parágrafo único do CC/2002 e 69 da
Lei de Registros Públicos), expressão essa cuja interpretação dependerá da análise fática
concreta, com apreciação discricionária e fundamentada do magistrado
510
; são citadas
como situações passíveis dessa consideração uma viagem urgente e inadiável dos nubentes,
doença grave de um deles, nascimento de filho do casal, enfim, toda e qualquer casuística
que tipifique e comprove essa urgência.
511
508
Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 32.
509
Conforme Camilo de Lelis Colani Barbosa: “Configura-se instituto de origem canônica, e visa dar
oportunidade às pessoas comuns da sociedade de apresentarem oposição de impedimentos.” (Direito de
família: manual de direitos do casamento sob a ótica do Código Civil Lei n. 10.406/2002, p. 34). Cânon
1.067: “A Conferência dos Bispos estabeleça normas sobre o exame dos noivos, sobre os proclamas
matrimoniais e outros meios oportunos para fazer as investigações que são necessárias antes do
matrimônio, e assim, tudo cuidadosamente observado, possa o pároco proceder à assistência do
matrimônio”. Esclarece-se, em comento a esse Cânon, que “todas as determinações sobre o processo de
habilitação matrimonial ficam agora a cargo da Conferência Episcopal. (...) ‘Exame dos noivos’ indica as
entrevistas que o pároco deve ter com os noivos para comprovar sua liberdade e o grau de instrução na
doutrina católica. Publicationes matrimoniales são os popularmente chamados ‘proclamas’ ou ‘banhos’.
Advirta-se que os proclamas são citados apenas exemplificativamente, como um dos meios possíveis de
investigação” (CÓDIGO de Direito Canônico: Codex Iuris Canonici, p. 485). O Projeto de Lei n.
2.118/2003, que tramita na Câmara dos Deputados, pretende extinguir a necessária publicação dos editais
de proclamas.
510
No Estado de São Paulo, a competência para apreciar pedido de dispensa da publicação dos proclamas é
do Juiz de Direito Corregedor do Cartório de Registro Civil, consoante disciplina o item 67 das Normas de
Serviços da Corregedoria Geral da Justiça, item inserto no Capítulo XVII Do Registro Civil das Pessoas
Naturais Seção V Do Casamento Subseção I Da Habilitação para o Casamento.
511
Antônio Chaves avisa que os motivos urgentes devem ser “sérios e plausíveis” (Tratado de direito civil:
direito de família, v. 5, t. 1, p. 163). Eduardo Espínola pondera: “A despeito dos altos interesses que os
proclamas procuram acautelar, há certas contingências da vida em que fora de grave inconveniência
respeitar as formalidades e prazos que eles requerem, pois qualquer retardamento no celebrar o matrimônio
poderia acarretar funestas e irremediáveis conseqüências. Não diz o Código quais sejam os casos urgentes
em que as publicações devem ser dispensadas. Ficam à criteriosa apreciação da autoridade competente.” (A
família no direito civil brasileiro, p. 61).
203
Novamente, em prol da instituição familiar que agora será constituída pelo
casamento, desconsidera-se, ou pode ser desconsiderada, outra formalidade legalista,
orientação que merece orientar o magistrado no instante da apreciação do termo urgência;
a fundamentação estará a seu cargo, todavia haverá de sopesar, em cada situação, com o
peculiar crivo de bom senso e discricionariedade, se o apego demasiado à formalidade não
estará desconsiderando o vínculo familiar, pois este sempre merece prevalecer sobre
aquele, salvante os casos de meros caprichos dos pretendentes, que refogem à tipificação
havendo urgência.
Satisfeitas essas formalidades preliminares e impedimento nenhum sendo oposto,
estarão aptos os requerentes a casarem-se; será expedido o certificado de habilitação que os
capacita a contrair o matrimônio, no prazo decadencial de noventa dias; com essa
certificação, os pretendentes não estão legalmente casados, tão-só aptos a casarem-se entre
si nesse prazo legal.
4.6 Da capacidade, impedimentos e causas suspensivas do
matrimônio
Determina o artigo 1.531 do Código Civil de 2002: “Cumpridas as formalidades
dos artigos 1.526 e 1.527 e verificada a inexistência de fato obstativo, o oficial do registro
extrairá o certificado de habilitação”. Com efeito, é no citado procedimento de habilitação
para o casamento que se averiguará “a inexistência de fato obstativo”, se os pretendentes
possuem capacidade matrimonial ou se impedimento legal inexiste para as núpcias, ou,
parafraseando o texto acima, se os nubentes estão aptos ao casamento.
O Código Civil de 1916, no que tange aos impedimentos matrimoniais,
classificava-os em seu artigo 183 desta forma: os incisos I a VIII eram os dirimentes
absolutos ou públicos, cujo casamento celebrado com sua infração era considerado nulo
(nulidade absoluta); os incisos IX a XII eram os impedimentos privados ou dirimentes
relativos, que conduziam à anulabilidade (nulidade relativa) do matrimônio; e os incisos
XIII a XVI eram os meramente proibitivos, impedientes ou precautórios, gerando a
204
obrigatoriedade da observância do regime da separação de bens, sem repercussão na
validade jurídica do ato matrimonial.
Confundia o Código revogado a capacidade com impedimento matrimonial,
englobando aquela neste último, como se ela fosse uma espécie de impedimento.
A capacidade nupcial decorre da possibilidade jurídica de contrair o casamento,
em qualquer situação de fato, ou, a contrario sensu, a ausência de capacidade para
convolar núpcias impossibilita-a em qualquer hipótese fática; por exemplo, a pessoa que
não tenha a idade núbil com o Código Civil de 2002 é alcançada aos dezesseis anos, pelo
homem e pela mulher (art. 1.517, caput) está incapacitada para o matrimônio, ou seja,
não ostenta capacidade para se casar com quem quer que seja.
O impedimento, por seu turno, exige uma situação de fato específica, de sorte que
a pessoa está impossibilitada de se casar com aquel’outra; apta está, no entanto, para
convolar núpcias com outra pessoa, como na hipótese de ascendente que pretenda casar-se
com sua descendente, estando impedidos para o casamento entre si, nada obsta que se case
com terceiras pessoas; no impedimento, a pessoa pode até ostentar a capacidade
matrimonial, todavia, naquela situação concreta, falta-lhe legitimação para o casamento.
512
O Código Civil de 2002 extirpou essa confusão ou, ao menos, amenizou-a
sobremaneira ao separar a capacidade nupcial do impedimento matrimonial. Essa
novidade tópica legislativa fundamenta o compulsório enfoque dessas matérias, afora os
parâmetros principiológicos utilizados pelo legislador para reformular algumas situações
específicas, seguindo a orientação determinada pela ordem constitucional vigente.
512
Sílvio Rodrigues ensina: “O impedimento matrimonial se estriba na idéia de ‘falta de legitimação’, que o
direito civil foi buscar no processual” (Direito civil: direito de família, v. 6, p. 36). Orlando Gomes, em
discurso sobre o Código Civil de 1916, complementa: “O impedido de casar não é incapaz de contrair
matrimônio. A incapacidade é geral, o impedimento ‘circunstancial’. Diz absoluta, no sentido de que o
incapaz não tem aptidão para casar com quem quer que seja. O ‘impedimento’ decorre de uma
circunstância levada em conta pela lei para proibir certos casamentos. (...) Poder-se-ia dizer que o
‘impedimento’ é uma ‘incapacidade especial’ que atinge determinada pessoa, in concreto, não permitindo o
casamento, mas a capacidade, por sua natureza, não comporta especialização. Ou, se é capaz ou incapaz”
(Direito de família, p. 91).
205
Em capítulo próprio o Código trata Da Capacidade para o Casamento, do seu
artigo 1.517 ao artigo 1.520, estabelecendo no caput daquele que, tanto para o homem,
quanto para a mulher, a idade núbil é atingida aos dezesseis anos; destarte, abaixo dessa a
pessoa é incapaz para o matrimônio
513
. Evidencia-se a plenitude do princípio da igualdade
entre os pretendentes homem e mulher , ante a isonomia da idade nupcial para ambos os
sexos.
Ressalte-se que, possuindo mais de dezesseis anos, mas com idade inferior aos
dezoito anos, a pessoa tem capacidade nupcial, todavia ainda é relativamente incapaz para
os atos da vida civil, nos termos do artigo 4º, inciso I do Código Civil de 2002; nesse caso,
obrigatoriamente aplica-se a imprescindível apresentação de documento especial acima
citada, qual seja, a autorização do representante legal (art. 1.525, II).
Estando sob a égide do poder familiar, o consentimento há de ser expressado
pelos pais (pai e mãe) e, caso haja divergência entre as intenções deles, a divergência
poderá ser solucionada em juízo, não prevalecendo a vontade de um sobre a do outro (art.
1.517, parágrafo único do CC de 2002). Caso os genitores não estejam no exercício desse
poder, o consentimento será expressado pelo tutor do nubente relativamente incapaz (art.
1.517, caput, parte final do CC de 2002).
Não se olvide que, em sendo denegado esse consentimento pelos pais ou pelo
representante legal do nubente, pode-se pleitear o seu suprimento judicialmente, se
injustificada a recusa (art. 1.519 do CC de 2002), cuja precípua finalidade será demonstrar
a injustiça da denegação da autorização para o matrimônio.
513
No Código Civil de 1916, a capacidade nupcial era tratada como impedimento relativamente dirimente
em seu artigo 183, incisos XI e XII, sendo certo que a idade núbil para o homem era atingida aos dezoito
anos e para a mulher aos dezesseis anos, enquanto a plena capacidade civil, para ambos, só surgia aos vinte
e um anos de idade (art. 9º). Os demais impedimentos privados do Código Civil revogado (art. 183, incs. IX
e X) apresentam-se no Código Civil atual da seguinte forma: a coação (inc. IX) é causa de anulação do
casamento (arts. 1.550, inc. III e 1.558 do CC/2002), como também o é a incapacidade para consentir (art.
1.550, inc. IV do CC/2002). Enquanto isso, o rapto (inc. X) não está positivado no novo sistema legal.
206
A interpretação dessa injusta recusa é competência do magistrado
514
, cujo
paradigma há-lhe de servir, além dos princípios da cidadania e da dignidade da pessoa
humana aqui considerados com relevo os inerentes à pessoa do nubente que postula o
consentimento , os elementos vetores exegéticos do direito de família hodierno, o afeto,
carinho, cumplicidade e respeito entre os pretendentes ao matrimônio, os quais
demonstrarão a segurança e solidificação da família que se constituirá.
Os consentimentos serão supridos judicialmente, caso estejam patentes os
interesses e dignidade da pessoa do postulante, desconsiderando-se a vontade dos
genitores, se injustas, para que prevaleça a constituição de uma nova relação familiar;
repita-se, caso satisfeitos os sobreditos elementos norteadores do vínculo conjugal e
preservados os princípios fundamentais quanto à pessoa do pretendente relativamente
incapaz.
Nesse sentido decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, como
se verifica pela seguinte ementa:
“CASAMENTO Suprimento de consentimento Inexistência de impedimento legal
para o matrimônio, apresentando o nubente condições de prover as necessidades da
família Pedido deferido Declaração de voto. Em face da recusa paterna ao
consentimento para o matrimônio do filho menor relativamente incapaz, deve ser suprida
a autorização, se nenhum impedimento legal existe para o casamento e se inocorre
qualquer dos motivos que a doutrina aponta como justificativos do indeferimento,
mormente sendo os jovens sadios e de bons costumes e tendo o nubente condições de
prover às necessidades da família.” (TSMG Ap. n. 79.700-2, 2ª Câmara Cível, rel. Des.
Walter Veado, j. 27.11.1990, v.u., RT 670:149). destacou-se.
Esse pedido judicial processar-se-á pelo procedimento de jurisdição voluntária,
como leciona Antonio Carlos Marcato, pois “o rol do artigo 1.112 do Código de Processo
514
Roberto João Elias referenda: “Parece-nos melhor deixar ao prudente arbítrio do magistrado a decisão
quanto à justiça, ou não, da causa. (...) Bem melhor, a nosso ver, deixar-se a critério do juiz a questão,
permitindo-se o recurso à Superior Instância.” (O consentimento para casamento de incapazes e o seu
suprimento judicial, p. 134-135). João Manuel de Carvalho Santos complementa que “a doutrina tem
procurado arrolar alguns exemplos, como que para facilitar a missão dos juízes, na aplicação da lei,
estabelecendo que são motivos justos para a recusa do consentimento para o casamento: a) a doença grave e
contagiosa do pretendente; b) vida licenciosa da pessoa com quem o menor quer casar; c) paixão imoderada
pelo jogo da pessoa com quem o menor quer casar; d) vício de embriaguez; e) não ter o pretendente bom
procedimento, ou estar sendo processado por qualquer crime; f) a existência de qualquer impedimento
legal; g) a falta de recursos por parte do pretendente para a subsistência do casal; h) os maus costumes
provados e notórios da pessoa com quem o menor quer casar; i) os defeitos que impedem o fim do
casamento na pessoa do outro noivo.” (Código Civil brasileiro interpretado, v. 4, p. 70-71).
207
Civil não é taxativo”
515
. Prevê o Código de Processo Civil, outrossim, a possibilidade de
concessão de medida liminar determinando “o afastamento do menor autorizado a contrair
casamento contra a vontade dos pais” (art. 888, IV).
516
A Lei possibilita, outrossim, o suprimento ou suplemento da idade núbil,
consoante estatui o artigo 1.520 do Código Civil de 2002, assim disposto:
“Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil
(art. 1.517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de
gravidez”. Esse texto legal há de ser interpretado extensivamente ou contendo situações
meramente exemplificativas, não cláusulas taxativas, sob pena de cometerem-se graves
injustiças e impropérios judiciais, sob os fundamentos da inexistência de sanção penal a ser
aplicada ou de gravidez; há que se averiguar, sim, cada casuísmo, o porquê do pleito
judicial de suprimento da idade núbil, as razões fáticas que motivam o pedido, para depois,
ainda que excepcionalmente, conceder ou denegar o suplemento da idade, para que
injustiças não se façam.
De igual modo, na fundamentação desse pleito supletivo, os elementos
embasadores do convívio familiar, que há de imperar entre os futuros cônjuges afeto,
carinho, cumplicidade, respeito, enfim o amor , hão de servir de parâmetros para justificar
a concessão, ou não, do pedido, pois o fato concreto e fundamental do postulado judicial é
um ingrediente a somar-se aos sobreditos e, juntos, conduzirem à ilação plausível.
O princípio da dignidade humana também há de servir de suporte para a
depuração dos fatores que justificam o suprimento da idade núbil, porquanto, afora o
motivo fático, que é relevante sim, há de se aquilatar e preservar a dignidade das pessoas
envolvidas no relacionamento, sobretudo dos pretendentes, evitando suas exposições a
situações indignas.
515
Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, p. 348.
516
Com a descrição de dispositivos do Código Civil de 1916, mas aplicável ao texto vigente, Carlos Alberto
Álvaro de Oliveira comenta sobre essa medida cautelar: “Pode suceder, no entanto, quando negado ao
menor de vinte e um anos o consentimento reclamado pelos artigos 185 e 186 do Código Civil, a
necessidade de pedido de suprimento ao juiz (art. 188 do CC; art. 1.103 do CPC). Essa atitude do menor
poderá induzir a situações de constrangimento a recomendar o afastamento da casa paterna do pretendente
ao casamento. Essa a ratio essendi da norma contida no inciso IV do artigo 888.” (A tutela de urgência e o
direito de família, p. 127).
208
Há que se interpretar o artigo 1.520 do Código Civil vigente considerando as
causas pena criminal ou gravidez como meramente exemplificativas, a demonstrar que
os motivos justificadores hão de ser sérios, autênticos e convincentes, pois o que justificará
o suplemento da idade nupcial é sim o caso concreto mas outros, além desses , cujo
enfoque norteador hão de ser os sobreditos elementos inerentes à relação familiar, com
preponderância do princípio da dignidade da pessoa humana.
517
Como alerta Camilo de Lelis Colani Barbosa: “Tendo, pois, como função social
primordial a formação da família, família baseada nos princípios maiores do amor e da
afeição, parece-nos que merece melhor interpretação o disposto no artigo 1.520 do novo
Código Civil (...) devendo essa se dar à luz do princípio da função social do matrimônio,
além da proteção à família (inclusive em seus aspectos sentimentais), promovidos pelo
Código Civil e pela Constituição Federal de 88.”
518
Efetivamente, o que se protege e pretende preservar é a dignidade das pessoas dos
pretendentes, garantindo a digna convivência familial entre eles, inclusive o direito de
constituir o vínculo familiar conjugal, desde que, como parece evidente, isso não repercuta
negativamente à sua própria pessoa. Entre a vinculação extrema à capacidade nupcial de
um dos nubentes e a garantia da formação familiar, em sendo plausível, digno e
convincente mesmo que o motivo justificador seja outro, que não o cumprimento de pena
criminal e gravidez , há que se optar pela última, qual seja, conceder-se o suprimento da
idade núbil, garantindo a constituição de uma nova família, que é um direito de toda e
qualquer pessoa (princípio da cidadania), essa a hermenêutica equânime.
O Código Civil de 1916 facultava ao magistrado expressamente, quando do seu
deferimento, “ordenar a separação de corpos, até que os cônjuges alcancem a idade legal”
(art. 214, parágrafo único), o que não está vedado no sistema vigente, pois é implícito ao
poder de cautela do juiz. Entretanto, a ausência dessa disciplina, atualmente, pode-se
considerar como protetiva do vínculo familiar, ante a seguinte ilação: se os pretendentes
estão aptos a contrair o matrimônio, tanto que se suplementará a idade núbil, o convívio
517
Há que se lembrar, desde logo, que as pessoas que buscam perante o Poder Judiciário o consentimento
para convolar suas núpcias, como o suprimento de suas idades, haverão de contrair o matrimônio sob o
regime da separação obrigatória de bens, conforme estabelece o artigo 1.641, inciso III do Código Civil de
2002. (Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 40).
518
Camilo de Lelis Colani Barbosa, O casamento no novo Código Civil brasileiro, p. 96.
209
conjugal é a ele imanente sendo uma de suas finalidades mediatas, postas como seus
deveres , para a estruturação e solidificação da nova família constituída. A regra será que,
suplantada a idade, convoladas as núpcias, os cônjuges convivam e coabitem, satisfazendo
o fim familiar que almejavam, ressalvas situações específicas e fundamentadas que não
obstam o magistrado de determinar a separação de corpos como exceção.
Essa alteração legislativa quanto à separação de corpos é favorável e protetora da
nova família constituída.
É coerente, por outro turno, a redobrada cautela na análise desses pedidos
judiciais, para que não se desnature a idade nupcial fixada pela norma legal, fixadora que é
da própria capacidade para o casamento; destarte, há que imperar o bom senso e a equidade
do julgador, sem se fincar exclusivamente nas específicas diretrizes legais (cumprimento
de pena e gravidez), muito menos deferir todo e qualquer pleito de suplemento da idade;
mas sim examinar com acuidade cada casuísmo aforado, sopesando os fatores favoráveis e
contrários à concessão, valendo-se de todos os preceitos vetores anotados neste tópico,
sobretudo enfocado na dignidade das pessoas que comporão a nova família a ser
constituída por esse matrimônio.
Não obstante essas faculdades legais, se o casamento de quem não ostenta a idade
nupcial realizar-se, ou então, do que a possui mas não obteve o consentimento de seu
representante legal por ainda ser relativamente incapaz , esse ato jurídico será anulável
(art. 1.550, incs. I e II do CC de 2002), cuja anulabilidade não será decretada, se resultou
gravidez desse relacionamento (art. 1.551 do CC de 2002).
Mais uma vez preserva o legislador, explicitamente, a superação de vício
constitutivo do matrimônio em proteção à família dele originada; desconsidera a
formalidade etária que não fora observada, convalescendo-a, para validar o vínculo
familiar formado desse relacionamento. Entre a idade núbil e a família, se há gravidez,
expressamente determina a Lei Civil que a opção há de ser pelo convívio familiar, ou seja,
valida-se plenamente o casamento e, por conseguinte, preserva-se a família dele
decorrente.
210
Comentando idêntico teor contido no Código Civil revogado então artigo 215 ,
Francisco José Cahali já argumentava: “No caso, ainda que anulável o casamento, ter-se-á
constituído a família, com a superveniência do filho revelada pela gravidez; este interesse
maior prevalece sobre a anulabilidade do ato matrimonial. Na literalidade do texto legal, é
irrelevante que a gravidez só se manifeste durante a litispendência; constatada, extingue-se
o processo, não mais podendo ser pronunciada a nulidade.”
519
destacou-se.
Inesquecível, por fim, a emancipação legal desse nubente logo que constituído o
vínculo matrimonial, consoante estatuído no artigo 5º, parágrafo único, inciso II do Código
Civil de 2002, “(...) pois quem pode manifestar validamente sua vontade em ato de extensa
repercussão jurídica como é o casamento, por óbvio não ficará jungido do pátrio poder”
hoje, poder familiar.
520
Neste ponto, há que se considerar que objetiva-se sim a prevalência da família que
fora constituída, e por isso, neste caso, se desconsideram requisitos basilares do
matrimônio; essa linha hermenêutica é adotada, todavia, sem vínculos absolutos, pois são
inolvidáveis outros princípios que haverão de nortear a adequação fática, tal como o
princípio da proteção integral da criança e do adolescente presentes em âmbito
constitucional (art. 227 da CF) e infraconstitucional (arts. 1º, 3º e 4º, dentre outros, do EC)
, esse sim prioritário e absoluto, prevalecendo, se necessário, em contradição ao vínculo
familiar que se formou.
521
O capítulo seguinte disciplina os impedimentos matrimoniais, que são as
verdadeiras ausências de legitimação para o casamento, ou seja, a pessoa até possui
capacidade nupcial e civil, todavia, para aquela situação concreta, falta-lhe legitimidade,
está impedida de contrair o matrimônio com pessoa certa e determinada. Esses motivos
impeditivos estão enumerados no artigo 1.521 do Código Civil de 2002, em sete incisos, os
519
Francisco José Cahali, Ação de nulidade e anulação do casamento, p. 168.
520
Fabrício Zamprogna Matiello, Código Civil comentado, p. 26.
521
Assegura Rodrigo da Cunha Pereira que “(...) o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que contém a
síntese dos direitos fundamentais dos menores, além de registrar que eles são a prioridade absoluta para a
ordem jurídicas: (...). Seguindo as diretrizes constitucionais, o Estatuto da Criança e do Adolescente
estabeleceu normas protetivas à criança e ao adolescente, em seus artigos 3º e 4º (...). O que se constata
desses dispositivos é que eles se consubstanciam em uma Declaração de Princípios, como o preâmbulo da
Convenção Internacional dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em
20.11.1989. Esta Convenção foi ratificada no Brasil em 26.1.1990, através do Decreto Legislativo n. 28, de
14.9.1990, vindo a ser promulgada pelo Decreto Presidencial n. 99.710, de 21.11.1990.” (Princípios
fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família, p. 92-93).
211
cinco primeiros relacionados ao grau de parentesco entre os pretendentes, seja
consangüíneo, civil ou por afinidade.
522
Francisco José Cahali acentua que “os impedimentos constituem na nova
sistemática do Código os verdadeiros óbices ao casamento, ensejando a absoluta nulidade
do matrimônio realizado em desrespeito a essas restrições, tendo em vista a gravidade do
vício. A sociedade, no intuito de preservar a família, tendo em vista considerações
eugênicas e morais, edita essas sete proibições, que visam: 1º) impedir núpcias incestuosas
(n. I a V); 2º) preservar a monogamia (n. VI); 3º) evitar enlaces que deitem raízes em crime
(n. VII)”.
523
Em sendo nulo o casamento contraído com um impedimento matrimonial, infere-
se que as causas impeditivas são essas taxativamente enumeradas, impossibilitando ao
intérprete acrescentar outras às delimitadas pelo legislador, como assinala Maria Helena
Diniz.
524
Esses impedimentos, em sua maioria, são de leitura e interpretações claras e
naturais, donde maiores discussões são despiciendas; todavia, dois deles merecem
pequenos retoques para uma adequada conotação pragmática.
525
O primeiro é o inciso IV que, em sua parte final, disciplina que estão impedidos de
se casar os parentes colaterais até o terceiro grau, inclusive.
Tio com sobrinha e tia com sobrinho ostentam esse parentesco colateral, enquanto
o Decreto-Lei n. 3.200/41 possibilita a realização desse casamento, desde que comprovada
522
Esses impedimentos matrimoniais equiparam-se aos impedimentos absolutamente dirimentes do Código
Civil de 1916, dispostos em seu artigo 183, incisos I a VII. Ressalte-se que inciso VII, que tratava do
impedimento decorrente do adultério “o cônjuge adúltero com o seu co-réu, por tal condenado” foi
extirpado do direito positivo familiar brasileiro.
523
Francisco José Cahali, em atualização à obra de Sílvio Rodrigues (Direito civil: direito de família, v. 6, p.
40).
524
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro: direito de família, v. 5, p. 69.
525
Euclides Benedito de Oliveira e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka criticam o teor dos incisos III
e V do artigo 1.521 do Código Civil de 2002, ao excepcionarem a condição do filho adotivo, “(...) quando,
na realidade, são simplesmente filhos, igualados aos naturais, ainda que decorrentes de vinculação civil. Por
isso, não era preciso dizer que o adotante não pode casar-se com que foi cônjuge do adotado, pois se
configura, na hipótese, afinidade na linha reta que já tem previsão impeditiva no inciso II do mesmo
dispositivo legal. Também desnecessária a menção a impedimentos entre o adotado e o filho do adotante,
pela curial razão de que são simplesmente irmãos, por isso enquadráveis no inciso IV.” (Do casamento, p.
24).
2
12
pericialmente a inexistência de inconveniente médico-legal, para eles e eventual prole; se a
conclusão for negativa, possibilita-se nova perícia a requerimento dos nubentes, consoante
estatui o artigo 1º da Lei n. 5.891, de 12 de junho de 1973.
Dessume-se, pelas precisas e cristalinas disposições legais, que os parentes
colaterais de terceiro grau somente poderão contrair matrimônio entre si se comprovarem,
por perícia médico-legal, a ausência de fatores genéticos prejudiciais a eles e à prole que
provavelmente venham a gerar.
A dúvida acerca desse inciso reside unicamente na controvérsia que pode reinar
sobre a vigência das mencionadas leis especiais Decreto-lei n. 3.200/41 e Lei n. 5.891/73
, haja vista que, por serem anteriores ao Código Civil de 2002, poderia o legislador, caso
tivesse interesse em manter essas mesmas concepções, expressamente excepcionar essa
situação matrimonial, caso realizada a referida perícia; todavia, assim não o fez.
Malgrado o silêncio do legislador, perquirindo as lições doutrinárias
contemporâneas, conclui-se que predomina a vigência dessas normas especiais; para tanto,
cita-se a opinião de Francisco José Cahali: “O novo Código Civil, repita-se, limitou-se a
resgatar o impedimento tal qual apresentado pelo legislador de 1916, sem qualquer
referência à subsistência ou não da permissão ao casamento de colaterais em terceiro grau,
observado o procedimento previsto no referido Decreto-Lei n. 3.200/41. Resta, pois,
enfrentar a questão. No entender do atualizador desta obra, considerando tratar-se a
previsão do casamento entre colaterais de terceiro grau de regra específica, inserida em
legislação própria de proteção à família, não terá sido revogada pela codificação geral
posterior. Ademais, seria um retrocesso obstar os casamentos nestas condições, tão bem
superadas pelo decreto referido. Daí por que merecer ter por vigente a legislação de 1941,
convivendo com o novo Código. E, neste sentido, o referido Projeto n. 6.960/2002 propõe
a autorização do casamento entre colaterais de terceiro grau, ‘quando apresentado laudo
médico que assegure inexistir risco à saúde dos filhos que venham a ser concebidos’.”
526
526
Sílvio Rodrigues. Direito civil: direito de família: v. 6, p. 43. Efetivamente, pelo sobredito projeto de lei, o
artigo 1.521 do Código Civil de 2002 passaria a ter o parágrafo único com a seguinte redação: “Poderá o
juiz, excepcionalmente, autorizar o casamento dos colaterais de terceiro grau, quando apresentado laudo
médico que assegure inexistir risco à saúde dos filhos que venham a ser concebidos.”
213
Pela vigência dessas normas especiais também se pronunciam Maria Helena
Diniz
527
, Regina Beatriz Tavares da Silva
528
e Arnoldo Wald
529
; por seu turno, sintetiza
Eduardo de Oliveira Leite: “Já no artigo 1.521, IV, que deve ser interpretado à luz do
Decreto-Lei n. 3.200 de 1941, no que se refere à possibilidade do casamento entre
colaterais de 3º grau.”
530
E realmente essa é a interpretação plausível, pois se o impedimento está
fundamentado na eventual falha genética que essa relação entre parentes colaterais de
terceiro grau possa surtir na eventual prole, demonstrada e comprovada a inexistência ou
improbabilidade da falha, não há razão lógica para perpetuar o obstáculo matrimonial.
Ademais, se em 1941 já existiam elementos técnicos médico-legais suficientes e seguros
para atestá-la, o que se dirá na atualidade, com a evolução galopante e fenomenal dessa
ciência biológica que, decerto, ostenta condições muito mais garantidas, coesas e
fundamentadas para apresentar a conclusão pericial.
Reinam imperiosos os princípios fundamentais da cidadania e da dignidade da
pessoa humana, assim como a prevalência do afeto e seus elementos consectários, na
posição de guias interpretativos, uma vez que, inexistindo qualquer perturbação genética, o
impedimento legal há de ser descartado, com a preponderância do vínculo familiar
conjugal que daí resultará.
Acrescente-se, outrossim, que a procriação hodiernamente desapareceu da
finalidade matrimonial, a qual está fulcrada na formação da nova família chamada de
conjugal ou matrimonial , fundada precipuamente no amor e afeto reinante entre os
futuros cônjuges, e no cumprimento dos direitos e deveres conjugais recíprocos entre eles.
Por todos esses fatores, infere-se que há de ser considerada a possibilidade de
realização do matrimônio entre tio e sobrinha ou tia com sobrinho, mesmo que em
parentesco de terceiro grau.
527
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro: direito de família, v. 5, p. 72.
528
Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil: direito de família, 37. ed., 2004, v. 2, p. 75.
529
Arnoldo Wald, O novo direito de família, p. 73.
530
Eduardo de Oliveira Leite, Os sete pecados capitais do novo direito de família, p. 69. Nesse teor, o
Enunciado n. 98 da I Jornada de Direito Civil.
214
O outro dispositivo que merece menção é o inciso VI (art. 1.521 do CC de 2002),
que trata das pessoas casadas cujo fundamento é a mantença do princípio da
monogamia
531
, no qual se assenta o direito matrimonial brasileiro.
Menciona-se esse dispositivo desvinculado de postura descritiva, semântica ou,
principalmente, hermenêutica, mas sim metodológica, ante a sua inserção em tópico
impróprio ou, ao menos, inadequado, consoante a ótica interpretativa adotada.
A pessoa que é legalmente casada, enquanto não dissolvido seu matrimônio, está
impossibilitada de se casar com quem quer que seja; se assim o é, ao que parece, essa
pessoa está incapacitada para convolar novas núpcias, e não impedida de contrair outro
casamento.
Nesse aspecto, o inciso em comento está relacionado à incapacidade matrimonial,
e naquele capítulo haveria de ser inserido.
Posta como impedimento matrimonial, é-se obrigado a aplicar-lhe todas as
conseqüências legais alusivas ao impedimento, sobretudo a nulidade absoluta do
casamento posterior. Sendo de ordem pública, esses impedimentos podem ser opostos por
qualquer pessoa capaz, por representante do Ministério Público, pelo magistrado e pelo
oficial do Registro Civil, para estes como dever de ofício (art. 1.522 e parágrafo único do
CC de 2002), ainda na fase administrativa do processo de habilitação.
Eventual questionamento sobre a eventual eficácia do segundo matrimônio, se
apresentada como incapacidade matrimonial, dissipa-se com a defesa seguinte: se a
monogamia é um princípio imanente ao casamento no sistema jurídico brasileiro, o seu
inadimplemento resulta em patente inexistência o ato matrimonial realizado; o novo ato
celebrado com pessoa já legalmente casada é juridicamente inexistente, ao qual se aplicam,
como se verificará, os reflexos da nulidade.
531
Ensina José Luiz Vicente de Azevedo Franceschini que “(...) a monogamia teria sido a liminar condição
da família humana. (...) não foi a civilização que produziu a monogamia, mas, ao revés, foi esta uma das
condições originárias da própria civilização.” (Do vínculo conjugal, p. 77). Decorre ela (monogamia),
segundo relata Eduardo de Oliveira Leite, “(...) da mais tradicional e inquebrantável postura do mundo
ocidental; quem é casado está proibido de contrair novas núpcias.” (Direito civil aplicado: direito de
família, v. 5, p. 51).
215
As conseqüências jurídicas do “segundo” matrimônio serão idênticas às atuais,
contudo, quanto à metodologia, o dispositivo estaria encartado em tópico apropriado à sua
concepção.
Neste momento, há que sobrestar o curso do trabalho para uma breve análise da
concessão de efeitos legais aos relacionamentos de pessoas casadas, mas, com as quais
haja a separação de fato.
Em título inovador, o Código Civil de 2002 trata da união estável, delineando-a
no seu artigo 1.723, cujo parágrafo 1º determina que “a união estável não se constituirá se
ocorrerem os impedimentos do artigo 1.521”, ressalvando, em sua parte final, que se
houver separação de fato ou judicial, não se aplicará a regra impeditiva, ou seja, a pessoa
legalmente casada, entretanto, separada de fato ou judicialmente, poderá constituir uma
união estável com terceira pessoa, aplicando-se todos os efeitos legais a esse
relacionamento.
Essa disciplina tem como fito primordial a concessão de eficácia à nova família
constituída, não pelo casamento, mas sim pela união estável; o legislador abandona regras
matrimoniais, põe o casamento em segundo plano, para realçar a família, o vínculo afetivo
e amoroso constituído. Entre o casamento e a família, preferiu-se a validade dessa união.
Aliás, de há muito Zeno Veloso já discorria: “Pela existência de um casamento que não
existe, ou que existe somente nos arquivos cartorais, não se deve desconsiderar uma união
duradoura, contínua, séria, constituída para criar e manter uma entidade familiar. Tratar-
se-á, afinal, de uma família, que tem o direito de merecer o respeito e a proteção que são
conferidos a quaisquer famílias dignamente formadas.”
532
(destacou-se).
É a concessão de efeitos jurídicos à separação de fato, com o reconhecimento da
família constituída por uma união estável.
532
Zeno Veloso, União estável: doutrina, legislação, direito comparado, jurisprudência, p. 75.
216
Em seqüência a este trabalho, apresenta o Código Civil de 2002, em seu artigo
1.523
533
, por derradeiro, as causas suspensivas do casamento
534
, cuja sanção legal, caso
não sejam observadas, é a obrigatória celebração do matrimônio sob o regime da separação
de bens (art. 1.641, inc. I do CC de 2002).
Possibilita a Lei Civil, no entanto, que os nubentes postulem a descaracterização
dessas causas, desde que satisfaçam os requisitos embutidos no parágrafo único do
mencionado artigo 1.523.
Enumera o artigo 1.524 do mesmo Código as pessoas que ostentam legitimidade
ativa para opor a existência de uma causa suspensiva do casamento, sendo certo que,
“porque interessam precipuamente à família, só podem ser argüidas pelos parentes
próximos; nem o representante do Ministério Público tem direito de fazê-lo”
535
e,
complementa-se: “Justifica-se a restrição quanto à legitimação ativa acima descrita face à
preponderância de interesses privados, uma vez que o impacto social do casamento
contraído com a inobservância de causa suspensiva é infinitamente inferior ao dos
impedimentos absolutos.”
536
Ressalve-se unicamente, neste ponto, em face do contido no inciso III do artigo
1.523, que a pessoa divorciada deveria ter legitimidade ativa para argüir a existência de
causa suspensiva do novo matrimônio de seu ex-cônjuge, ante a ausência de partilha do
patrimônio anterior. Por isso, há que se empreender, no caso específico, a uma
interpretação extensiva, fulcrada no princípio fundamental da cidadania consoante o
direito a ter direitos e, inclusive, de exercitá-los até mesmo judicialmente , pois é o
divorciado a pessoa que ostenta legítimo e preponderante, senão exclusivo, interesse em
delatar a existência de causa suspensiva do casamento que se pretende contrair.
533
Note-se que, com a devida perspicácia, o legislador de 2002 dispõe que “não devem casar”, enquanto o de
1916 afirmava que “não podem casar”; em verdade, poder casar essas pessoas podem, todavia, não devem
fazê-lo enquanto não satisfeitos os requisitos contidos no artigo em análise, pena do regime da separação
obrigatória de bens. Aplausos, pois, para a novel legislação.
534
As causas suspensivas do casamento do Código Civil de 2002 equivalem aos impedimentos meramente
proibitivos do Código Civil de 1916, disciplinados que estavam em seu artigo 183, incisos XIII a XVI.
535
Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil: direito de família, 37. ed., 2004, v. 2, p. 90.
536
Camilo de Lelis Colani Barbosa, Direito de família: manual de direitos do casamento sob a ótica do
Código Civil Lei n. 10.406/2002, p. 30.
217
Neste tópico, essa a única conotação que se faz concernente ao temário aqui
proposto.
Cumpridas essas etapas procedimentais, expedida a certidão de habilitação, ante a
inexistência de incapacidade nupcial, impedimento matrimonial ou causa suspensiva, os
pretendentes estão aptos a convolar suas núpcias, em condições portanto de ser o
casamento formalmente celebrado.
4.7 A celebração do casamento
A celebração do matrimônio é o ato jurídico mais solene previsto na Lei Civil,
tanto que até as palavras a serem pronunciadas constam do texto legal.
Esse momento jurídico é de peculiar interesse para o discurso aqui empregado,
pois é com a efetiva celebração do casamento que ele passa a produzir efeitos legais, e, por
conseguinte, é a partir desse ato que a família conjugal estará constituída; destarte, o nexo
entre o casamento e a família dele decorrente concentra-se na celebração do enlace.
Dita o artigo 1.535 do Código Civil de 2002 que a verbalização da celebração será
realizada pelo presidente do ato, ou seja, a autoridade celebrante do matrimônio, donde
merece ser indagado, mas quem é essa autoridade?
Para a resposta, duas situações jurídicas hão de ser consideradas: se o casamento é
civil ou religioso com efeitos civis.
Estatui a Constituição republicana vigente, quanto ao casamento civil, em seu
artigo 98, inciso II, que cada unidade da Federação, como a própria União, o Distrito
Federal e os Territórios, haverá de criar a “justiça de paz, remunerada, composta de
cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e
competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de
impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias,
sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação”; em complemento, o
218
artigo 30 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determina: “A legislação
que criar a justiça de paz manterá os atuais juízes de paz até a posse dos novos titulares,
assegurando-lhes os direitos e atribuições conferidos a estes, e designará o dia para a
eleição prevista no artigo 98, II da Constituição.”
537
O Poder Público deverá criar suas respectivas justiças de paz, todavia, enquanto
assim não o fizer, continuará vigendo o modelo reinante até a data da posse dos juízes de
paz formal e legalmente eleitos.
Em cada unidade federativa, a autoridade celebrante poderá ocupar cargos
públicos diversos, sobretudo enquanto não houver a criação da justiça de paz.
No Estado de São Paulo, por exemplo, ainda não foi criada essa justiça e, como
estatui o artigo 16 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição
Estadual, prevalecerá até a sua devida criação e organização a modalidade vigente; nesse
caso, nos termos do Decreto-Lei n. 13.375/47, a autoridade competente é o juiz de
casamento.
538
Esclarece Washington de Barros Monteiro que “não pode o juiz de casamentos ser
substituído por outra autoridade, ainda que de maior categoria. Nem o juiz de direito, nem
o desembargador, nem o ministro poderá fazer as vezes daquela autoridade pública, cuja
função específica, além de privativa, é indelegável. Por previsão constitucional, ainda não
implementada por lei, esse cargo passou a ser de caráter eletivo”.
539
Maria Helena Diniz informa que “na maioria das unidades federativas, o juiz de
paz é a autoridade competente, determinada pelas respectivas leis de organização
judiciária”.
540
537
A Constituição do Estado de São Paulo reprisa essa determinação federal em seu artigo 89, assim como,
em suas disposições transitórias, o artigo 16 especifica: “Até a elaboração da lei que criar e organizar a
Justiça de Paz, ficam mantidos os atuais juízes e suplentes de juiz de casamentos, até a posse de novos
titulares, assegurando-lhes os direitos e atribuições conferidos aos juízes de paz de que tratam os artigos 98,
II, da Constituição Federal, artigo 30 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e artigo 89 desta
Constituição.”
538
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro: direito de família, v. 5, p. 97.
539
Washington de Barros, Monteiro Curso de direito civil: direito de família, 37. ed., 2004, v. 2, p. 92-93.
540
Maria Helena Diniz, ob. cit., v. 5, p. 97.
219
Existem, todavia, algumas unidades da Federação que atribuem a outras
personalidades judiciárias o exercício da função de juiz de casamento, como no Estado do
Rio de Janeiro, que compete ao Juiz de Direito Corregedor do Registro Civil
541
, nos termos
do artigo 67, inciso I do Decreto-Lei n. 8.527/45; e também no Estado do Paraná,
consoante o artigo 83, inciso VIII, letra “c” da Lei Estadual n. 4.667/62.
542
Com efeito, enquanto cada Estado não criar sua respectiva justiça de paz, com o
juiz de paz ocupando o cargo por eleição, com mandato certo e determinado, existirão
essas divergências locais, regidas até então pelas leis de organização judiciária.
Quanto ao matrimônio religioso com efeitos civis, impera no Brasil o princípio da
laicização, não-confessional ou laico, insculpido no artigo 5º, inciso VI da Carta da
República de 1988, o que “significa que ele se mantém indiferente às diversas igrejas que
podem livremente constituir-se, para o que o direito presta a sua ajuda pelo conferimento
do recurso à personalidade jurídica. (...) Destarte, o princípio fundamental é o da não-
colocação de dificuldades e embaraços à criação de igrejas”, na lição de Celso Ribeiro
Bastos
543
. Neste país não impera qualquer credo religioso, inexiste a religião oficial
brasileira, muito ao contrário, as pessoas estão libertas para professarem a crença que
melhor lhes aprouver, até mesmo com liberdade de assunção agnóstica, o que importa
concluir que a liberdade constitucionalmente assegurada é de ter ou não ter crença
religiosa
544
; e, em a professando, inexiste obrigatoriedade para fazê-lo perante a Igreja
Católica Apostólica Romana, que deixou de ser a religião adotada pelo Estado brasileiro.
Seguidor de um credo religioso, católico ou não, a pessoa poderá optar, como
visto, por realizar o casamento no seu respectivo templo, perante sua irmandade,
externando sua vontade matrimonial para o representante e promotor desse culto, e mais,
que essa celebração também produza efeitos civis.
541
Arnoldo Wald, O novo direito de família, p. 65.
542
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro: direito de família, v. 5, p. 97.
543
Celso Ribeiro Bastos, Curso de direito constitucional, p. 178.
544
Alexandre de Moraes leciona: “Ressalte-se que a liberdade de convicção religiosa abrange inclusive o
direito de não acreditar ou professar nenhuma fé, devendo o Estado respeito ao ateísmo.” (Direito
constitucional, p. 58).
220
Nesse caso, a autoridade celebrante será o ministro religioso, e não o juiz de
casamento ou de paz.
Em face dessas narrativas, infere-se que qualquer celebração religiosa consagrada
por um ministro religioso, que será o celebrante das núpcias, estará em condições legais
para produzir efeitos de casamento civil.
Alguns requisitos são imprescindíveis, contudo: primeiro, que seja uma religião
conhecida e legalmente reconhecida, com personalidade jurídica (art. 44, inc. IV do
CC/2002)
545
; depois, nos precisos e exatos dizeres do artigo 146, caput da Constituição da
República de 1934 decerto o parâmetro adequado, repetido em outras Cartas Federais
brasileiras, mas esquecido na de 1988: “O casamento perante ministro de qualquer
confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá,
todavia, os mesmo efeitos que o casamento civil (...)”; e, por derradeiro, a habilitação civil,
antes ou depois da cerimônia religiosa, com o conseqüente registro.
Em face desse esquecimento constitucional, ressalta Manoel Gonçalves Ferreira
Filho: “No Direito anterior, a liberdade religiosa estava submetida ao respeito à ordem
pública e aos bons costumes (EC n. 1/69, art. 153, § 5º). A omissão do Texto Maior das
expressões ‘que não contrariem a ordem pública e os bons costumes’ não é de molde a
sugerir que os cultos religiosos estejam autorizados a desrespeitar a ordem pública, pois
sua manutenção deriva do próprio sistema jurídico como subjacente a ele.”
546
Todo e qualquer ministro religioso, cuja crença professada seja reconhecida e não
atente aos bons costumes e respeite a ordem pública, tem atribuições para celebrar a
cerimônia religiosa; o casamento estará apto e em condições de, habilitado civilmente,
produzir todos os legais efeitos do matrimônio civil, depois de registrado.
545
Esse inciso é inovador no sistema jurídico brasileiro, tanto que foi acrescido ao artigo 44 do Código Civil
de 2002 com a edição da Lei n. 10.825, de 22 de dezembro de 2003.
546
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de direito constitucional, p. 256.
221
Esse celebrante pároco, padre, pastor, rabino, enfim, o responsável e
representante do respectivo culto é a autoridade competente para o casamento religioso
com efeitos civis.
547
O Projeto de Lei n. 6.960/2002 pretende acrescentar o parágrafo 2º ao artigo 1.512
e dar nova redação ao artigo 1.515, ambos do Código Civil de 2002, os quais passariam a
ter os seguintes teores, respectivamente: “O casamento religioso, atendidos os princípios
indicados no artigo 1.515, equipara-se ao civil desde que celebrado e registrado por
entidade religiosa, devidamente habilitada junto à Corregedoria Geral de Justiça de cada
Estado ou do Distrito Federal”; e “O casamento religioso, celebrado e registrado na forma
do parágrafo 2º do artigo 1.512, e não atentando contra a monogamia, contra os princípios
da legislação brasileira, contra a ordem pública e contra os bons costumes, poderá ser
registrado pelos cônjuges no Registro Civil, em que for, pela primeira vez, domiciliado o
casal.”
Cada religião possui os seus rituais, seus próprios cultos, suas especificidades na
prática dos atos sacramentais, inclusive quanto à celebração do matrimônio; interessa à Lei
Civil, para que conceda legalidade ao ato religioso, que a cerimônia realizara-se, que os
pretendentes conscientemente tenham externado suas respectivas vontades positivamente
e, por derradeiro, que a autoridade celebrante tenha referendado essas manifestações,
reconhecendo esse homem e essa mulher como pessoas casadas.
Pontes de Miranda já lecionava: “As regras de competência para a celebração do
casamento religioso são ‘regras jurídicas extra-estatais’ de cada confissão. Nenhuma
ingerência tem a lei civil em tal matéria. Desde que o rito não contrarie a ordem pública ou
os bons costumes (e o legislador ordinário de 1937 [Lei n. 379, de 16 de janeiro] entendeu
exemplificar desde logo: Igreja Católica, culto protestante, grego, ortodoxo, israelita), está
547
Relatam José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz que: “O Ministro Thompson
Flores observou, por ocasião do julgamento do RE n. 88.324/RJ Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, em 27 de novembro de 1979, que o ministro religioso exerce ‘as mesmas funções do funcionário
civil encarregado desse ato’.” (Curso de direito de família, p. 158).
222
assegurada a celebração do casamento religioso segundo as regras de competência e de
forma do seu respectivo direito matrimonial.”
548
O que convém para os efeitos legais não é a forma pela qual o ato nupcial foi
praticado, o rito e procedimento cultuados e profetizados, nem mesmo o credo professado
dês que observados os princípios de ordem pública e bons costumes mas sim a efetiva
realização do casamento religioso entre um homem e uma mulher, na presença de um
ministro religioso, que será a autoridade competente para a celebração do matrimônio.
Seja pois o juiz de paz, de casamento ou o ministro religioso celebrante, para que
o casamento produza seus legais efeitos interessa é a manifestação de vontade externada
pelos nubentes com capacidade matrimonial e desimpedidos para convolar as núpcias ,
na presença da respectiva autoridade, que confirmará a celebração do matrimônio e, por
conseguinte, constituída estará uma nova família conjugal, consoante se depreende do
artigo 1.514 do Código Civil de 2002.
Atenta-se para a possibilidade de ausência do pretendente no ato de celebração do
enlace, conquanto esteja evidenciada a solenidade desse ato nupcial, dês que representado
por seu procurador legalmente constituído, o qual externará a vontade de seu constituinte
manifestação de vontade essa imprescindível; esse é o denominado casamento por
procuração, com previsão no artigo 1.542 do Código Civil vigente, cuja procuração há de
ser outorgada por instrumento público e com especiais poderes.
549
Cite-se, por derradeiro, como forma especial de celebração do casamento, o ato
realizado perante autoridade diplomática ou consular, com duas situações factíveis: a de
548
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito privado: direito de personalidade, direito de
família, direito matrimonial..., v. 7, p. 332. Nélson Godoy Bassil Dower cita o seguinte: “O casamento
religioso é aquele que se passa perante a autoridade religiosa, e segundo o rito dos cultos religiosos. Quem
tem legitimidade para celebrá-lo é o ministro católico apostólico romano, o protestante, o grego ortodoxo, o
israelita e até o presidente do centro espírita.” (Curso moderno de direito civil: família, v. 5, p. 44). Assim
já decidiu o antigo Tribunal de Justiça da Guanabara, ao julgar a Apelação Cível n. 20.488, por maioria de
votos, com a seguinte ementa: “Não havendo em lei restrição, nos termos do princípio constitucional, não
há como se negar validade a casamento realizado, com prévia habilitação, perante igreja espírita, quando,
pelos seus estatutos, se evidencia a existência de uma religião, em seu conceito sociológico” (RT 436/230).
Nélson Godoy Bassil Dower menciona, ainda, que “há, contudo, decisão contrária entendendo não ser o
espiritismo uma religião (RT 232/172).
549
Aliás, a publicidade do instrumento é inovação legislativa expressamente exigida pelo Código Civil de
2002, cujo artigo 1.535, caput, 1ª parte determina a presença do contraente ou de seu mandatário especial,
no instante da celebração do casamento.
223
nubentes estrangeiros que se casam no Brasil, como a de brasileiros que se consorciam no
exterior.
Para os estrangeiros, o artigo 7º, parágrafo 2º da Lei de Introdução ao Código
Civil disciplina: “O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades
diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes”. Anota Maria Helena Diniz:
“Assim sendo, o cônsul estrangeiro só poderá realizar matrimônio quando ambos os
contraentes forem co-nacionais, cessando sua competência se um deles for de
nacionalidade diversa. (...) O matrimônio de estrangeiros no Brasil poderá ser celebrado
por autoridade consular desde que os nubentes e a autoridade diplomática tenham a mesma
nacionalidade e que a lei nacional comum confira tal competência ao cônsul.”
550
Faculta a norma legal, igualmente, que brasileiros casem-se no exterior perante a
autoridade diplomática ou consular brasileira (art. 18 da LICC com as observações
contidas no art. 32, caput e seu § 1º da LRP), ressaltando-se, no entanto, o necessário
registro no cartório do registro civil do respectivo domicílio, no prazo de cento e oitenta
dias, assim que ambos ou um deles retornar sua residência ao Brasil (art. 1.544 do CC de
2002). Esclarece Camilo de Lelis Colani Barbosa que “o casamento de brasileiros
realizado no exterior perante autoridade consular brasileira é regido pelas leis brasileiras,
tanto no que pertine à sua constituição, quanto aos seus efeitos”.
551
4.8 O casamento nuncupativo
O Código Civil de 2002 possibilita a celebração do casamento nuncupativo
552
ou
in extremis (in extremis vitae momentis ou in articulo mortis), consoante seus artigos 1.540
e 1.541, com previsão também na Lei de Registros Públicos (art. 76 e seus parágrafos).
550
Maria Helena Diniz, Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada, p. 229.
551
Camilo de Lelis Colani Barbosa, Direito de família: manual de direitos do casamento sob a ótica do
Código Civil Lei n. 10.406/2002, p. 44.
552
De Plácido e Silva ensina: “Nuncupação. Derivado do latim nuncupatio, de nuncupare (chamar, nomear
ou dizer de viva voz), quer exprimir, na significação jurídica, o que é feito ou ordenado de viva voz, isto é,
verbalmente ou oralmente. Opõe-se, dessa forma, ‘ao que se faz por escrito’. E quando se quer anotar ou
indicar qualquer ‘nuncupação’, revelada em atos, em negócios, em contratos, em ordens, usa-se do adjetivo
‘nuncupativo’” (Vocabulário jurídico, v. 3, p. 262). Orlando Gomes acrescenta: “A denominação de
‘casamento nuncupativo’ dada a essa forma de celebração deve-se a Carlos de Carvalho, que assim o
qualificou por analogia ao testamento feito também em circunstâncias excepcionais, para o qual se
dispensam certas solenidades.” (Direito de família, p. 113).
224
Há que se dizer que o casuísmo desse casamento está embutido na própria
legislação, uma vez que o artigo 1.540 oferece essa causa, cuidando da celebração
matrimonial, sem a realização de quaisquer das formalidades legais (processo de
habilitação, proclamas, certificado de habilitação, etc.), como também com a ausência da
autoridade celebrante, em vista do iminente risco de vida que se encontra um dos
pretendentes.
A filosofia desse ato é a celebração do matrimônio sem o cumprimento das
formalidades legais, em decorrência da necessária urgência, pela condição de saúde em que
se encontra um dos contraentes, haja vista que, se realizados todos os atos
pormenorizadamente, decerto o casamento seria descartado, ante a escassez de condições e
tempo.
Os princípios fundamentais da cidadania e da dignidade da pessoa humana são
sustentáculos exegéticos e de fundamentação dessa espécie de matrimônio, porquanto,
acima das regras, diretrizes e formalidades impostas pelas normas legais, está a
possibilidade da pessoa, no estertor de sua vida, ter o direito de se casar, mesmo que ainda
não satisfeitos os procedimentos matrimoniais, sobrelevando-se a dignidade de sua vida,
inclusive nos derradeiros momentos, do que o cumprimento de regras legais.
Mesmo os elementos vetores da convivência familiar afeto, carinho, amor são
diretrizes interpretativas e de fundamentação da convalidação desse matrimônio, pois as
pessoas optam por assim se casarem não por vontade própria, mas sim em decorrência de
infortúnios da sua vida, cuja reciprocidade desses fatores asseguram a celebração desse
vínculo conjugal.
Em detrimento de formalidades legais para a realização do ato nupcial,
prevalecem os preceitos norteadores do relacionamento afetivo entre os parceiros,
sobrepondo-se os fundamentos da cidadania e da dignidade sobre qualquer outra regra
genérica matrimonial, conquanto tenha o próprio ato nuncupativo suas específicas
formalidades.
Ante a peculiaridade dessa celebração, ressalta a lei expressamente que, como o
autoridade competente estará ausente do ato nupcial, sejam satisfeitas outras formalidades,
225
quais sejam, a celebração do ato perante seis testemunhas, sem qualquer parentesco, em
linha reta ou colateral, até o sexto grau, com os nubentes. E, completa o texto legislativo,
em seu artigo 1.541, caput: “Realizado o casamento, devem as testemunhas comparecer
perante a autoridade judicial mais próxima, dentro em 10 (dez) dias, pedindo que lhe tome
por termo a declaração de: I - que foram convocadas por parte do enfermo; II - que este
parecia em perigo de vida, mas em seu juízo; III - que, em sua presença, declararam os
contraentes, livre e espontaneamente, receber-se por marido e mulher. (...).”
553
Essa forma especial de celebração tem uma finalidade preponderante, que é o
resguardo da vontade externada pelo pretendente que faleceu, a qual foi manifestada nos
instantes finais de sua vida; essa formalidade não tem o fito de evitar a celebração do
casamento, ao contrário, preserva a íntegra mantença da vontade que fora exteriorizada
pela pessoa agora falecida, assegurando a eficácia dos princípios da cidadania e da
dignidade desse ser, mesmo depois de seu óbito.
Os efeitos do reconhecimento judicial do ato matrimonial são ex tunc, ou seja,
reatroagem à data da celebração perante as seis testemunhas (§ 4º).
Isso tudo se o então nubente, em iminente risco de vida, vier a falecer, porquanto,
se ele convalescer, aplica-se o parágrafo 5º do mesmo artigo 1.541: “Serão dispensadas as
formalidades deste e do artigo antecedente, se o enfermo convalescer e puder ratificar o
casamento na presença da autoridade competente e do oficial do registro.”
Note-se que se trata de ratificação, portanto de confirmação do casamento já
celebrado, isto é, não se celebra novo ato nupcial, somente se convalida o ato
anteriormente realizado.
553
Interessante inovação apresenta o legislador de 2002 ao permitir que o pretendente sadio, isto é, o que não
se encontra em iminente risco de vida, “poderá fazer-se representar no casamento nuncupativo” (art. 1.542,
§ 2º), é o casamento nuncupativo por procuração, na expressão de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de
Andrade Nery (Novo Código Civil e legislação extravagante anotados: atualizado até 15.03.2002, p. 526).
Sobre esse procedimento judicial, alerta Washington de Barros Monteiro que “na Capital de São Paulo, o
juiz competente para a homologação do casamento nuncupativo é o de uma das Varas de Família e
Sucessões (Cód. Jud. do Estado, art. 37, n. I, letra ‘a’)”, enquanto nas Comarcas sem a presença do juízo
especializado será o juiz de direito cível, e recomenda a máxima cautela na análise de procedimentos tais,
uma vez que, “por meio de casamento nuncupativo, forjado por aventureiros audazes, despojam-se os
sucessores do enfermo de seus legítimos direitos hereditários” (Curso de direito civil: direito de família, 37.
ed., 2004, v. 2, p. 101).
226
No artigo 1.539, o Código Civil de 2002 apresenta o casamento em caso de
moléstia grave, o qual não se confunde com o casamento nuncupativo
554
, pois aquele é
celebrado pela autoridade competente, ou por seu substituto legal, na presença do oficial
do Registro Civil, o qual lavra o termo do ato realizado e, por isso, independente de
posterior ratificação judicial, por testemunhas ou pelos nubentes. O que há de excepcional
é que, em face da moléstia do pretendente, é o celebrante que a ele se apresenta para
realizar o ato matrimonial, ainda que ausente o oficial do Registro Civil, que poderá ser
substituído por qualquer outra pessoa nomeada como oficial ad hoc, consoante disciplinam
os parágrafos 1º e 2º do sobredito artigo.
Com efeito, em benefício da família a ser constituída, e com amparo nos
fundamentos da cidadania e da dignidade da pessoa humana, realiza-se também esse ato
nupcial, cujo pretendente tem a pretensão de que seu afeto, carinho e amor para com o
outro permaneçam perenes, independente das conseqüências que possam advir de moléstia
grave que lhe aflige.
Pela família que se formará são descartadas algumas formalidades do matrimônio.
4.9 O registro do casamento
Depois de celebrado o casamento civil, em seqüência é formalizado o seu registro,
com a expedição da respectiva certidão de casamento, a qual é prova cabal da existência
legal do vínculo conjugal (art. 1.543, caput, do CC/2002).
O matrimônio religioso para produzir efeitos civis, da mesma forma, há de ser
registrado, sendo a habilitação prévia ou não, tanto que, como visto, expedido o certificado
de habilitação, os pretendentes terão noventa dias para celebrarem e registrarem o
casamento, no primeiro caso, e, com posterior habilitação, o lapso temporal será idêntico,
agora, para efetivarem o registro da cerimônia já realizada.
554
Anota Orlando Gomes que o casamento nuncupativo “distingue-se do ‘casamento urgente’ pela ausência
de presidente do ato, pelo número de testemunhas, que são seis e não quatro [no Código Civil de 1916,
artigo 198, caput, pois a Lei Civil vigente exige apenas duas testemunhas art. 1.539, caput], pela sua
qualidade, pois não podem ser parentes dos nubentes em grau proibido, e pelas formalidades posteriores”
(Direito de família, p. 113).
227
O registro de casamento, portanto, é a prova plena e cabal da realização do
matrimônio, cuja certidão dele extraída é o instrumento dessa comprovação; essa é a regra.
Entretanto, o próprio texto normativo excepciona essa regra geral, possibilitando a
prova de um vínculo matrimonial por outra forma (art. 1.543, parágrafo único do
CC/2002).
Nesse ponto, para o presente texto, algumas considerações merecem destaque.
A primeira delas relaciona-se à posse do estado de casados, prevista no artigo
1.545 do Código Civil de 2002, o qual estatui a impossibilidade de impugnação de
casamento de pessoas falecidas ou que não possam manifestar suas vontades, tirante por
certidão cartorária do registro de casamento de uma delas com terceiro; isso, sempre em
benefício dos descendentes daquele casal que vivia na posse do estado de casados, ou, nos
termos da lei: “(...) não se pode contestar em prejuízo da prole comum.”
Caracterizam a posse do estado de casados, segundo Caio Mário da Silva Pereira,
os seguintes requisitos: “a) nomem, a mulher usava o nome do marido; b) tractatus, ambos
se dispensavam ostensivamente o tratamento de casados; c) fama, e gozavam o conceito de
que desfrutam as pessoas casadas, assim no ambiente doméstico e familiar, como na
sociedade. Vale dizer, é a situação em que duas pessoas vivam, ou tenham vivido, no
ambiente social como marido e mulher, e assim serem tidas”
555
. Complementa Orlando
Gomes que “não é suficiente, contudo, se desacompanhada de outra prova da celebração,
pois, do contrário, o concubinato poderia converter-se em casamento”.
556
Com efeito, essa posse de estado é uma demonstração supletiva da existência de
um casamento, tanto que estabelece pressupostos básicos: comprovar o matrimônio
pessoas impossibilitadas de externar suas vontades ou pessoas já falecidas; e a condição
basilar e primordial para essa prova: em benefício da prole comum.
Esse dispositivo tem a finalidade precípua de amparar a prole nascida de um
homem e uma mulher, cuja relação matrimonial não esteja demonstrada por certidão de
555
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil: direito de família, v. 5, p. 125.
556
Orlando Gomes, Direito de família, p. 115.
228
casamento expedida pelo registro civil; destarte, a intenção é amparar e proteger a família
constituída por essa relação.
Nesse texto legal, encontra-se outra situação na qual se pode demonstrar a
existência de um relacionamento como conjugal, ainda que se descartem princípios e
formalidades essenciais, com o fito de proteger a família, ou seja, entre aqueles e esta,
prefere-se a opção pelo vínculo familial.
Outra consideração que se fará é a decorrente do artigo 1.546 do Código Civil
vigente, que assim estatui: “Quando a prova da celebração legal do casamento resultar de
processo judicial, o registro da sentença no livro do Registro Civil produzirá, tanto no que
toca aos cônjuges como no que respeita aos filhos, todos os efeitos civis desde a data do
casamento”. Mais uma exceção à regra geral determinada no artigo 1.543, caput do mesmo
Códex, possibilitada por seu próprio parágrafo único.
Sobre isso discorre Eduardo de Oliveira Leite: “O artigo consagra os efeitos da
retroação sentencial mas, mais que isso, chancela a dimensão do afeto em detrimento do
puro estéril formalismo”
557
; é a preferência pelo afeto e pela dignidade dos parceiros,
afastando meras formalidades legais.
A última situação a ser considerada é a relacionada ao artigo 1.547 da Lei Civil de
2002, que estabelece o princípio do in dubio pro matrimonio, “(...) que se aplica quanto à
dúvida sobre existência de celebração, vale dizer, se foi ou não efetivada a cerimônia de
que não se apresenta registro, ou impossível se mostra a consecução da prova
correspondente. Não se discute, pois, nesse plano, validade de casamento, mas apenas
existência”.
558
Como alerta Sílvio Rodrigues, “(...) é pressuposto para a aplicação do texto
ocorrer litígio sobre a existência do casamento, sem que haja prova convincente de um ou
de outro lado”
559
. Efetivamente, assim o é, pois expressa o sobredito artigo 1.547: “Na
557
Eduardo de Oliveira Leite, Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 94.
558
Carlos Alberto Bittar, Direito de família, p. 109.
559
Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 73.
229
dúvida entre as provas favoráveis e contrárias, julgar-se-á pelo casamento, se os cônjuges,
cujo casamento se impugna, viverem ou tiverem vivido na posse do estado de casados.”
Assim sendo, controvertidas as provas coligidas aos autos em que se debate a
existência ou não de um matrimônio, o magistrado deverá inclinar-se pela primeira, ou
seja, in dubio pro matrimonio; novamente, prevalece a família constituída, em face de
formalidades matrimoniais.
4.10 Da presunção de paternidade
Como anotado linhas passadas, no que tange à filiação, impera o princípio
constitucional da plena igualdade entre os filhos, nada importando a origem dessa filiação
vinculada ou não a um casamento válido , tanto que o imposto no artigo 227, parágrafo
6º da Constituição da República está reprisado ipsis litteris no artigo 20 do Estatuto da
Criança e do Adolescente e no artigo 1.596 do Código Civil em vigência.
Tal qual no Código de 1916, a Lei Civil atual estabelece a presunção de
paternidade, a denominada presunção pater is est (pater is est quem justae nuptiae
demonstrant), ou seja, o filho de mulher legalmente casada é reputado filho do seu marido,
“(...) até que este, sendo o caso, prove o contrário, valendo-se para tanto da ação negatória
de paternidade”, consoante narrativa de Antonio Carlos Marcato.
560
A novidade agora é a presunção de paternidade decorrente de procriação assistida,
inclusive post mortem, consoante se depreende do artigo 1.597 do Código atual
561
, nos
seguintes termos: “Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I -
nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II
- nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte,
separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação
560
Antonio Carlos Marcato, Reconhecimento dos filhos ilegítimos, p. 137. Na narrativa de Lafayette
Rodrigues Pereira: “A ‘presunção legal’ é a seguinte: o filho concebido na constância do matrimônio é
reputado ter por pai o marido de sua mãe.” (Direitos de família, p. 232).
561
Esse artigo 1.597 despertou muitas análises, tanto na I Jornada quanto na III Jornada de Direito Civil, haja
vista que, por aquela, foram aprovados os Enunciados ns. 104 a 107 e 126 a 129 e, pela última, os ns. 257 e
258.
230
artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando
se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V -
havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do
marido.”
Os incisos I e II reprisam a legislação revogada, encontrando-se nos seguintes (III,
IV e V) o ineditismo mencionado.
Destaque-se, desde logo, que o Projeto de Lei n. 6.960 de 2002 acrescenta
parágrafo único ao referido artigo 1.597, com o teor a seguir: “Cessa a presunção de
paternidade do primeiro marido se, à época da concepção, os cônjuges estavam separados
de fato”, isso porque a separação de fato, ao menos em tese, cessa a coabitação entre os
cônjuges, o que descaracteriza a presunção de paternidade.
Com fundo meramente elucidativo, anota-se que “(...) homóloga é a inseminação
promovida com o material genético (sêmen e óvulo) dos próprios cônjuges; heteróloga é a
fecundação realizada com material genético de pelo menos um terceiro, aproveitando-se ou
não os gametas (sêmen ou óvulos) de um ou de outro cônjuge; e, por fim, embriões
excedentários são aqueles resultantes da inseminação promovida in vitro, ainda não
introduzidos no útero materno”.
562
Neste ponto, merece ser dito que eloqüentes e perspicazes críticas são aforadas ao
Código Civil de 2002, sendo certo que o argumento negativo que as fundamenta é a
ausência de maior, melhor e adequada disciplina sobre o modo e efeitos dessa procriação
artificial, dizendo-se que o legislador foi incauto ao admitir somente a presunção pater is
est, sem delimitar outras conseqüências legais, uma vez que, afora as descrições transcritas,
nada mais se alinhavou sobre a procriação artificial.
Francisco Amaral, no entanto, defende essa carência disciplinar, “por ser matéria
de ‘alta especificidade técnica’, que ultrapassa o campo jurídico”
563
, ao menos em nível de
codificação, com a necessária promulgação de norma ordinária específica para sua
562
Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 314.
563
Francisco Amaral, Historicidade e racionalidade na construção do direito brasileiro, 208.
231
escorreita regulamentação, donde haverá de valer-se de outros ramos da ciência, com a
evidente interdisciplinariedade da jurídica com a biologia e a medicina, principalmente.
O que interessa para o presente estudo, efetivamente, é o que estatuem os artigos
1.600 e 1.602, ambos da Lei Civil em vigência, cujo teor do primeiro é o seguinte: “Não
basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal da
paternidade”; e, do outro: “Não basta a confissão materna para excluir a paternidade”; isso
tudo porque a negatória de paternidade é exclusiva do marido da mulher casada que
procriou, ou seja, a contestação da paternidade é personalíssima faculdade do pai
presumido, e de ninguém mais (art. 1.601 do CC/2002).
564
O casamento estabelece a presunção de paternidade dos filhos da mulher
legalmente casada ao seu marido, sendo certo que nenhuma pessoa, afora ele, o pai
presumido, pode contestar essa paternidade, ainda que a própria esposa confesse um
eventual adultério, até porque, conquanto tenha ele ocorrido, “(...) o filho bem pode ser do
marido, e, na dúvida, prevalece a presunção em favor da legitimidade”
565
, fato plenamente
verossímil e natural, ratificando a paternidade biológica do esposo da mãe do infante.
Destaca Eduardo de Oliveira Leite: “Embora a norma resgate a presunção da
paternidade em detrimento da verdade real biológica, o dispositivo legal acabou
564
O artigo 1.601 determina: “Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua
mulher, sendo tal ação imprescritível. Parágrafo único - Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante
têm direito de prosseguir na ação”. Inolvidável, contudo, a possibilidade dessa discussão parental em ações
reflexas, tais como em investigação de paternidade promovida pelo indigitado filho ou em reconhecimento
de filiação proposta pelo co-autor do dito adultério, consoante ressalva Sílvio Rodrigues: “Esta motivação,
todavia, restringe apenas a iniciativa da ação negatória de paternidade (tal qual expressamente previsto na
legislação anterior), não impedindo que a filiação venha a ser discutida mediante outras ações.” (Direito
civil: direito de família, v. 6, p. 304). Pelo Projeto de Lei n. 6.960 de 2002, o artigo 1.601 estará redigido
assim: “O direito de contestar a relação de filiação é imprescritível e cabe, privativamente, às seguintes
pessoas: I - ao filho; II - àqueles declarados como pai e mãe no registro de nascimento; III - ao pai e à mãe
biológicos; IV - a quem demonstrar legítimo interesse. § 1º - Contestada a filiação, os herdeiros do
impugnante têm direito de prosseguir na ação; § 2º - A relação de filiação oriunda de adoção não poderá ser
contestada; § 3º - O marido não pode contestar a filiação que resultou de inseminação artificial por ele
consentida; também não pode contestar a filiação, salvo se provar erro, dolo ou coação, se declarou no
registro que era seu o filho que teve a sua mulher; § 4º - A recusa injustificada à realização das provas
médico-legais acarreta a presunção da existência da relação de filiação”. Em contraponto, o Projeto de Lei
n. 4.946/2005 pretende revogar os aludidos artigos 1.600 e 1.602, sob a justificativa de serem ofensivos à
dignidade da mulher casada, e, ao mesmo tempo, acrescentar o parágrafo 2º ao artigo 1.601, com a seguinte
redação:Não se desconstituirá a paternidade caso fique caracterizada a posse do estado de filiação, ou a
hipótese do inciso V do artigo 1.597”. As I e III Jornadas de Direito Civil, respectivamente, pelos
Enunciados ns. 130 e 258, oferecem modificações ao artigo 1.601.
565
Lafayette Rodrigues Pereira, Direitos de família, p. 236.
232
favorecendo a proteção da família sócio-afetiva, pois, desconsiderando a confissão da
origem biológica reforçou (ou tutelou) o interesse maior da criança, em manifesta
conformidade com os valores constitucionais (princípio da paternidade responsável) e do
maior interesse do menor (resgatado no ECA).”
566
Assim também anota Silvio Luís Ferreira da Rocha: “O novo Código Civil, na
linha do Código anterior, objetivando preservar o matrimônio, não aceitou nem a prova de
adultério da mulher nem a confissão da mulher como suficiente a ilidir a presunção de
paternidade.”
567
O legislador está protegendo a família constituída pelo matrimônio e, com isso,
valorando a relação afetiva estabelecida entre o pai presumido, mesmo que não biológico,
com o filho de sua mulher; destarte, no cotejo entre o vínculo consangüíneo e o afetuoso,
pode este preponderar, como destaca Rolf Madaleno, o verdadeiro pai é o que cria, não
aquele que simplesmente procria, pois “(...) o verdadeiro pai é aquele que efetivamente se
ocupa da função parental”.
568
4.11 Dissolução da sociedade conjugal e do casamento
A dissolução da sociedade conjugal é tema ligado ao âmago do casamento, pois,
por sistemática lógica, é pressuposto básico para que se possa falar em sua dissolução.
Optou-se pelo seu exame porque, pelo término do casamento, surgirão e decorrerão vários
efeitos legais e jurídicos; interessante para este trabalho, no entanto, o efeito primeiro e
proeminente, que é a extinção da família matrimonial ou conjugal.
Constituída que fora pela celebração do casamento, essa família perde sua
existência no mundo do direito com a dissolução da sociedade conjugal, nada obstante
permanecerem íntegros e perenes alguns efeitos decorrentes de sua antecedente eficácia,
assim como outros terão durabilidade efêmera.
566
Eduardo de Oliveira Leite, Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 214.
567
Silvio Luís Ferreira da Rocha, Introdução ao direito de família, p. 151.
568
Rolf Madaleno, Direito de família em pauta, p. 18-19.
233
Inolvidável é que, existindo prole nascida dessa família, com sua extinção
decorrerá a transmudação em outro vínculo familiar; nascerá a família monoparental ou,
para ser mais exato, dois novos vínculos familiares monoparentais, um entre o pai e seus
filhos, outro entre estes e a genitora.
Neste tópico, far-se-á um relato de quais são as formas de dissolução da sociedade
conjugal e, por conseguinte, do casamento, com pinceladas em seus modos de
operacionalização, pontos essenciais, inovadores ou polêmicos, e descrição de eventuais
efeitos que delas possam decorrer, sempre com prioritário enfoque nos preceitos
norteadores de interpretação das regras de ordem familiar e nos princípios constitucionais
fundamentais, sendo certo que o foco central a ser perseguido será o casamento e a família
dele decorrente, ou seja, o nexo de causa e efeito, inclusive neste tópico, entre o vínculo
familiar e o matrimonial.
Há que se diferenciar, desde logo, a dissolução ou término da sociedade conjugal
da dissolução do casamento, que são situações jurídicas próprias e distintas, etapas
escalonadas para se atingir a outra.
569
Leciona Maria Helena Diniz: “O casamento é, sem dúvida, um instituto mais
amplo que a sociedade conjugal, por regular a vida dos consortes, suas relações e suas
obrigações recíprocas, tanto as morais como as materiais, e seus deveres para com a
família e a prole. A sociedade conjugal, embora contida no matrimônio, é um instituto
jurídico menor do que o casamento, regendo, apenas, o regime matrimonial de bens dos
cônjuges, os frutos civis do trabalho ou indústria de ambos os consortes ou de cada um
deles. Daí não se poder confundir o vínculo matrimonial com a sociedade conjugal.”
570
O artigo 1.571 do Código Civil de 2002, ao inaugurar o capítulo relativo à
Dissolução da Sociedade e do Vínculo Conjugal, determina: “A sociedade conjugal
termina: I - pela morte de um dos cônjuges; II - pela nulidade ou anulação do casamento;
III - pela separação judicial; IV - pelo divórcio”, cujo parágrafo 1º complementa: “O
569
Camilo de Lelis Colani Barbosa ensina: “Tem-se, na prática, como principal conseqüência dessa opção, o
fato de não ser possível contrair novo casamento, salvo se a pessoa for viúva ou divorciada.” (Direito de
família: manual de direitos do casamento sob a ótica do Código Civil Lei n. 10.406/2002, p. 89).
570
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro: direito de família, v. 5, p. 216.
234
casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio,
aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.”
571
Com efeito, dissolve-se somente a sociedade conjugal, mantendo-se íntegro o
vínculo matrimonial, com a separação judicial e nulidades, absoluta e relativa, do
casamento; enquanto o óbito e o divórcio, além de terminarem com a sociedade,
dissolvem, desintegram, terminam também com o próprio vínculo conjugal, ou seja, com o
casamento.
Todas as causas dissolvem a sociedade conjugal, mas somente o divórcio e a
morte dissolvem igualmente o vínculo matrimonial.
Nem sempre foi assim no direito positivo brasileiro, uma vez que, em tempos não
muito distantes, o casamento era indissolúvel, salvo pelo falecimento de um dos cônjuges,
pois as demais causas apenas terminavam com a sociedade conjugal, mantendo o vínculo;
inexistia o instituto jurídico do divórcio, tal qual em sua atual concepção que dissolve o
matrimônio.
Para delimitação deste trabalho, apresentar-se-á uma rápida história sobre a
mudança legislativa no direito positivo brasileiro acerca da dissolubilidade do matrimônio,
desde a fase colonial, até os dias contemporâneos; em seguida, enfocar-se-á cada qual das
causas de dissolução da sociedade conjugal e do próprio casamento, as quais estão
anotadas no sobredito texto legal.
4.11.1 Histórico legislativo
É imperativo um discurso histórico panorâmico da legislação brasileira sobre a
dissolução do casamento, com relato das normas infra e constitucionais que tiveram direta
implicação nesse temário, intercalando-se em ordem cronológica umas com as outras.
571
O Projeto de Lei n. 4.948, de março de 2005, de autoria do Deputado Antonio Carlos Biscaia, pretende
acrescentar o parágrafo 3º a esse artigo 1.571, com a seguinte redação: “Na separação e no divórcio deverá
o juiz incentivar a prática de mediação familiar”. Igual disposição encontra-se no Projeto de Lei n.
4.945/2005, do mesmo Deputado Federal, todavia, dando nova redação ao parágrafo 2º do mesmo artigo.
235
Enquanto Colônia do Reino, no Brasil vigiam as normas legais de Portugal,
sobretudo as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas; como visto, esta última vigeu
até a edição do Código Civil de 1916, com vida mais longa aqui do que no seu país criador.
Com a Independência brasileira, proclamada em 1822, logo depois foi outorgada a
Constituição Imperial de 1824, que nada disciplinou sobre a dissolução do casamento, até
porque reinava a harmonia entre o Poder e a Igreja Católica Apostólica Romana, tendo
esta todo domínio sobre as questões relacionadas ao casamento, em face dos cânones do
Concílio de Trento e da Constituição do Arcebispo da Bahia vigentes pelo Decreto de 3
de novembro de 1827 , sendo o casamento indissolúvel, permitida apenas a separação
pessoal decorrente do divortium quoad thorum et habitationem separação de cama e
mesa –, ou seja, o divórcio com sua expressão canônica.
A Constituição da República de 1891, em face do rompimento do Estado com a
Igreja, reconheceu simplesmente o casamento civil como forma de união entre um homem
e uma mulher (artigo 72, § 4º); todavia, nada disciplinou sobre a dissolubilidade dessa
união.
No interregno entre as duas Cartas de Lei, fora editado o Decreto n. 181, de 24 de
janeiro de 1890, que, ao implantar o casamento civil no Brasil, possibilitou o divórcio;
ditava em seu artigo 88, no entanto, que “o divorcio não dissolve o vinculo conjugal, mas
autorisa a separação indefinida dos corpos e faz cessar o regimen dos bens, como si o
casamento fosse dissolvido”, ou seja, o casamento era indissolúvel.
572
Em 1916 foi sancionado o Código Civil brasileiro, com vigência a partir de 1917,
em cuja redação originária seu artigo 315 assim disciplinava: “A sociedade conjugal
termina: I - Pela morte de um dos conjuges. II - Pela nullidade ou annullação do
casamento. III - Pelo desquite, amigavel ou judicial”. E seu parágrafo único completava:
“O casamento valido só se dissolve pela morte de um dos conjuges, não se lhe applicando
a presumpção estabelecida neste Codigo, art. 10, 2ª parte.”
573
572
Historia Yussef Said Cahali que, quando da edição do mencionado Decreto n. 181/1890, “(...) o Min.
Campos Sales levara a Deodoro proposta relativa à adoção do divórcio no Brasil. Mas, ante a resistência, a
nova lei limitou-se à implantação do casamento civil” (Divórcio e separação, p. 40).
573
Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, p. 739.
236
Sobre esse dispositivo legal e o momento histórico em que fora promulgado,
merece descrição o comentário de Clóvis Beviláqua: “Na discussão do Código Civil, na
Camara dos deputados, em 1901, foi debatida, com solemnidade excepcional, a preferencia
entre o desquite e o divorcio. Anisio de Abreu, Fausto Cardoso, Adolpho Gordo Carlos
Perdigão, Vergne de Abreu, Sá Peixoto, defenderam o divorcio. Combateram-no: M. F.
Correia, Alencar Araripe, Andrade Figueira, Coelho Rodrigues, Gabriel Ferreira, Guedelha
Mourão e Lima Drummond.”
574
Mantida a indissolubilidade do matrimônio pelo Código Civil de 1916,
posteriormente, em 1934, foi outorgada nova Carta Federal republicana que
expressamente, em seu artigo 144, caput, constitucionaliza essa indissolubilidade.
575
A indissolubilidade do matrimônio foi reprisada nas Constituições da República
de 1937 (art. 124), 1946 (art. 163, caput), 1967 (art. 167, § 1º) e na Emenda Constitucional
n. 1, de 1969 (art. 175, § 1º).
576
Em 28 de julho de 1977, foi promulgada a Emenda Constitucional n. 9, assim
determinando: “Artigo 1º - O parágrafo 1º do artigo 175 da Constituição Federal passa a
vigorar com a seguinte redação: ‘Artigo 175 - (...) § 1º - O casamento somente poderá ser
dissolvido nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de
três anos.’ Artigo 2º - A separação, de que trata o parágrafo 1º do artigo 175 poderá ser de
fato, devidamente comprovada em Juízo, e pelo prazo de cinco anos, se for anterior à data
desta Emenda.”
574
Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, p. 743.
575
Adolpho Eugenio Soares Filho, então relator do projeto constituinte, discursou em 6 de fevereiro de 1934,
perante a Comissão Constitucional, nos seguintes termos: “É melhor dizer claramente, sem rebuços, na
Constituição, que o casamento é indissolúvel, do que como o fez a Constituição de 1891, timidamente
silenciando a respeito, deixando margem a discussões improfícuas, em dispositivo simplicíssimo, o que,
nem por isso, respeitando a tradição, os bens costumes, deixou de ser indissolúvel, como já o era,
heroicamente resistindo aos seus demolidores.” (INDISSOLUBILIDADE do casamento nas Constituições
brasileiras, p. 70).
576
Yussef Said Cahali continua a historiar o seguinte: “(...) ainda na vigência da Constituição de 1946, várias
tentativas foram feitas no sentido da introdução do divórcio no Brasil, fosse de modo indireto, através do
‘divórcio disfarçado’ representado pelo acréscimo de uma quinta causa de anulação do casamento por erro
essencial (art. 219 do CC) (...) fosse por via de emenda constitucional visando a suprimir do artigo 163
daquela Constituição as expressões ‘de vínculo indissolúvel’, adicionadas ao casamento civil”, as quais não
lograram êxito. Menciona outrossim que na Emenda Constitucional n. 1/1969 constava quórum especial
para analisar projeto relacionado a divórcio, qual seja, dois terços de senadores e de deputados federais,
respectivamente 44 e 207. Apresentada a Emenda Constitucional n. 5, de 12 de março de 1975, “(...) em
sessão de 8 de maio de 1975, a emenda obteria maioria de votos (222 contra 149), porém insuficientes para
atingir o quorum exigido de dois terços” (Divórcio e separação, p. 41).
237
Era a constitucionalização da dissolução do matrimônio.
Infere-se, no entanto, que não foi uma plena e total dissolução, pois só se chegaria
ao divórcio pela conversão da separação judicial, inexistindo o divórcio direto; e, mais,
esse texto constitucional haveria de ser regulamentado por lei ordinária.
Assim se processou com a edição da Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977,
rotulada de Lei do Divórcio.
A Constituição Federal de 1988, denominada democrática e cidadã, trata do
assunto em seu artigo 226, parágrafo 6º, com o teor seguinte: “O casamento civil pode ser
dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos
expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”. Destarte, o
casamento é civil podendo o religioso produzir efeitos civis e dissolúvel, tanto pela
conversão da separação judicial em divórcio, como diretamente pelo divórcio.
Para cumprir essa nova orientação constitucional, que alterou os prazos para
decretação do divórcio, direto ou indireto, foram editadas leis ordinárias que adaptaram a
Lei do Divórcio a essas regras, as quais serão apresentadas em discurso próprio sobre o
divórcio.
Por último, foi editado o Código Civil de 2002, em cujo artigo 1.571, acima
transcrito, está estampada a dissolução do casamento pelo divórcio, que poderá ser direto
ou por conversão da separação judicial em divórcio, consoante regra a norma
constitucional de 1988.
4.11.2 O óbito
A morte de um dos cônjuges motiva a dissolução da sociedade e do vínculo
conjugal “(...) não equiparável aos meios voluntários de dissolução”
577
e, ao se falar em
óbito, com o novel Código Civil, esses resultados rompedores são aplicados à morte
577
Luiz Edson Fachin, Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro, p. 196.
238
natural
578
como sempre o foi e, evidentemente, haveria de sê-lo, por ser contingência
inata à natureza humana, sendo, em verdade, “a causa ‘normal’ da dissolução do
casamento”, nas palavras de Diogo Leite de Campos
579
e à presunção de morte,
decorrente esta da declaração judicial de ausência, novidade positivada pela legislação
Civil de 2002.
Destarte, tanto a morte real como a presumida são causas de dissolução do
casamento civil brasileiro.
O artigo 6º do Código Civil de 2002 dispõe: “A existência da pessoa natural
termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza
a abertura de sucessão definitiva”. Se com a morte natural ou real a pessoa humana termina
sua existência terrena, cuja personalidade jurídica extingue-se, por conseguinte todas as
relações de fato e jurídicas das quais ela participava estarão extintas, inclusive o seu
vínculo matrimonial eventualmente existente; deveras, a morte real dissolve o casamento e
sua respectiva sociedade conjugal.
Maiores divagações são despiciendas, ante a precisa e cristalina ilação que se
extrai do texto e da natural interpretação dessa ocorrência inata ao ser humano.
Estatui o sobredito dispositivo, contudo, que a ausência judicialmente declarada
motiva a presunção de morte do ausente e, como dita o artigo 1.571, parágrafo 1º, do
Código Civil de 2002, essa morte presumida é causa justificadora da dissolução do
casamento, como anota Yussef Said Cahali, “agora, com o Novo Código Civil, os efeitos
pessoais da declaração judicial da ausência passam a desfrutar de maior amplitude, na
medida em que, tal como na morte real, é causa de dissolução do casamento do ausente”.
580
578
Camilo de Lelis Colani Barbosa opina: “Consiste a morte no meio natural de dissolução do casamento e
do vínculo conjugal. Natural, pois o evento morte independe da vontade dos cônjuges, ao contrário, por
exemplo, da separação judicial e do divórcio.” (Direito de família: manual de direitos do casamento sob a
ótica do Código Civil Lei n. 10.406/2002, p. 89).
579
Diogo Leite de Campos, Lições de direito da família e das sucessões, p. 283.
580
Yussef Said Cahali, Divórcio e separação, p. 70. Em anotações aos dispositivos do Projeto de Lei do
Código Civil, Álvaro Villaça Azevedo e Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos defendiam a
inclusão da morte presumida, inclusive pela ausência, como causa de dissolução do matrimônio, pois “(...)
não tem cabimento vedar a seu cônjuge um novo casamento e tampouco obrigá-lo a outro procedimento
judicial, o do divórcio, além daquele já realizado sobre a ausência, para obter a dissolução do vínculo
conjugal e poder casar-se outra vez” (Sugestões ao projeto de Código Civil: direito de família, p. 32).
239
No que tange à ausência, cujo instituto está disciplinado entre os artigos 22 e 39
do Código Civil vigente, na sua Parte Geral novidade topográfica, uma vez que, na
legislação de 1916, era tratada no direito assistencial, ao lado da tutela e da curatela, no
livro de Direito de Família, em sua Parte Especial , algumas considerações merecem ser
retratadas.
Há que se frisar, desde logo, como assinalado, que a decretação da ausência, no
direito positivo brasileiro produz agora efeitos patrimoniais e pessoais, como anota Maria
Helena Diniz: “Admite-se, portanto, a morte presumida, na qual se considera alguém como
falecido em virtude de seu desaparecimento por longo tempo. Todavia, será necessário
lembrar que nesse ponto o novo Código Civil inova, pois no direito anterior a morte
presumida de um dos consortes só produzia efeitos de ordem patrimonial ou sucessória,
por mais longo que fosse o período do desaparecimento, não dissolvendo, portanto, o
casamento, ficando o outro cônjuge num estado de semiviuvez, sem direito a nova união
matrimonial (...).”
581
Ao romper o vínculo matrimonial pela ausência, declarada judicialmente e depois
da abertura da sucessão definitiva, nos ditames do artigo 6º, parte final do Código Civil de
2002, o cônjuge do ausente assume o estado civil de viúvo, como narra Guilherme Calmon
Nogueira da Gama: “A respeito dos reflexos da declaração da ausência no que toca ao
vínculo conjugal do ausente, o novo Código Civil alterou a sistemática do Código Civil de
1916 cuja regra era prevista no art. 315, parágrafo único , para o fim de admitir a
mudança do estado civil dos cônjuges e, portanto, permitir a produção do efeito do
rompimento do vínculo, conforme se observa pela leitura do artigo 1.571, parágrafo 1º do
novo texto codificado. Nos casos de morte presumida, de qualquer modo, há a extinção do
vínculo, fazendo com que o cônjuge passe a ter o estado civil de viúvo.”
582
Ponto que merece atenção é o do momento em que a ausência produz os efeitos de
dissolução do casamento, pois o artigo 6º do Código Civil de 2002 expressa que a ausência
produzirá os efeitos da presunção de morte “nos casos em que a lei autoriza a abertura da
sucessão definitiva”. Afirma Hélio Borghi que “(...) a morte presumida do ausente só se
581
Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro: direito de família, v. 5, p. 218.
582
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Da ausência, p. 29-30.
240
configura no momento da conversão da sucessão provisória em definitiva”
583
e Regina
Beatriz Tavares da Silva completa que essa presunção de morte usurpará de um lapso
temporal de no mínimo onze anos, desde o desaparecimento da pessoa.
584
A declaração judicial de ausência, por si só, não tem o condão de dissolver o
casamento da pessoa ausente, dissolução essa que somente surtirá efeitos legais a partir do
instante em que ela tiver natureza de morte presumida, a qual só se tipifica, no direito
positivo brasileiro, quando houver a possibilidade da abertura da sucessão definitiva, que
surgirá depois de dez anos do trânsito em julgado da instauração da sucessão provisória,
nos ditames do artigo 37 do Código Civil de 2002 que, por seu turno, poderá ser pleiteada
após o transcurso de um ano da arrecadação dos bens do ausente, consoante disciplina o
artigo 26 do mesmo Códex. Por isso, a sobredita anotação quanto ao lapso temporal
mínimo de onze anos para que ocorra a dissolução do matrimônio do ausente por sua
presunção de morte.
Esse prazo sofrerá redução para um lustro, caso o ausente possua mais de oitenta
anos de idade e pelo menos cinco anos de desaparecimento, conforme dita o artigo 38 do
Código Civil vigente.
Uma inquietação há de ser desvendada: e se o ausente retornar ao seu domicílio,
após a abertura da sucessão definitiva, portanto quando seu casamento já fora considerado
dissolvido; em decorrência, seu ex-cônjuge convolou novas núpcias com terceira pessoa;
prevalece a eficácia desse segundo matrimônio? A lei brasileira é silente sobre a solução a
ser empreendida a essa casuística.
Citam os doutrinadores brasileiros dois textos legais alienígenas, paradoxais entre
si, que ofertam soluções para essa casuística.
Um deles é o direito alemão, que assim disciplina: “Aqui o segundo casamento,
contra o § 1314 al. 1 BGB, somente pode ser anulado quando ambos os cônjuges, quando
da celebração do casamento, sabiam que aquele cônjuge declarado morto ainda vivia no
momento da declaração judicial de óbito (§ 1319 al. 1 BGB). Se eles não tinham
583
Hélio Borghi, A ausência vista atualmente e no futuro Código Civil, p. 57.
584
Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil: direito de família, 37. ed., 2004, v. 2, p. 239.
241
conhecimento disto, o casamento com o declarado morto se dissolve quando da
celebração do novo casamento (§ 1319 al. 2 BGB).”
585
destacou-se.
Na Itália a solução é oposta, pois “em caso de declaração da morte presumida do
ausente, o cônjuge pode se casar novamente, com a observação de que, se o ausente retorna
ou se é comprovada sua sobrevivência , o segundo casamento é considerado nulo”.
586
Estatui o artigo 117 do Código Civil italiano: “(...) o matrimônio contraído pelo
cônjuge do ausente não pode ser impugnado enquanto durar a ausência.”
587
Sobre isso discorre Lodovico Barassi: “Quando uma pessoa é declarada ausente
(art. 48) o matrimônio não sofre nenhum dano; e por rigor da lógica imporia ao cônjuge do
ausente não contrair um outro. Mas em toda esta matéria a lógica não apresenta uma boa
solução. E assim, por razões de conveniência prática, o art. 117 inciso 2º, no exemplo do
precedente 113 inciso 2º, exclui apesar disto que o matrimônio de novo contraído pelo
cônjuge do ausente possa ser impugnado. Portanto não é crime de bigamia.”
588
Contudo, complementam Iolanda Pepe e Rosa Ambrosio: “D) O retorno ou a
prova da existência do presumidamente morto. Ao verificar-se uma de tais circunstâncias
faz cessar os efeitos da declaração ex nunc (do momento, isto é, do retorno); efetivamente:
os bens são restituídos ao presumido morto no estado em que se encontravam no
momento do seu retorno (e não como os tinha deixado); o eventual matrimônio contraído
pelo cônjuge é ‘nulo’ (Trabucchi) ou ‘anulável’(Torrente): em todo caso, porém, são de
fato salvaguardados os seus efeitos civis. A anulação não prejudica os filhos, os quais
585
Wilfried Schlüter, Código Civil alemão: direito de família, p. 80.
586
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Da ausência, p. 30.
587
No original: “(...) il matrimonio contratto dal coniuge dell’assente non può essere impugnato finché dura
l’assenza”.
588
No original: “Quando una persona è dichiarata assente (art. 48) il matrimonio non subisce scossa
alcuna; e a rigor la logica imporrebbe al coniuge dell’assente di non contrarne un altro. Ma im tutta
questa materia la logica non fa la più bella figura. E così, per ragioni di convenienza pratica, l’art. 117
comma 2º, sull’esempio del precedente 113 comma 2º, esclude che malgrado ciò il matrimonio di nuovo
contratto dal coniuge dell’assente possa essere impugnato. Quindi non vi è reato di bigamia.” (Lodovico
Barassi, La famiglia legittima: nel nuovo Códice Civile, p. 67 Tradução livre).
242
permanecem legítimos. Se aplicam os princípios que a lei (art. 128 C.C.) estabelece para o
matrimônio putativo.”
589
Destarte, para o direito italiano, prevalece a eficácia jurídica do primeiro
matrimônio, ou seja, o ausente será considerado juridicamente casado e o casamento de seu
cônjuge com terceira pessoa invalidado; na Alemanha, com o retorno do ausente, seu ex-
cônjuge estará legalmente casado com a outra pessoa, pois dissolvido está efetiva e
eficazmente, inclusive no âmbito jurídico, o primeiro casamento.
590
A solução equânime, ao que parece, é a ale não obstante ter sido o direito
italiano a base orientadora do novo Código brasileiro , porquanto, se a declaração de
ausência produz efeitos de morte presumida, mormente depois de satisfeitos os requisitos
legais para a abertura da sucessão definitiva portanto, quando da conversão da provisória
em definitiva , inclusive com a dissolução do matrimônio do cônjuge ausente, contraídas
novas núpcias, essa será válida e eficaz para os efeitos jurídicos, salvo comprovada má-
do ex-cônjuge do ausente, sabedor que era do seu paradeiro.
Yussef Said Cahali pronuncia-se por essa interpretação legislativa: “Entende-se,
assim que, no sistema ora implantado em nosso direito, a declaração judicial da ausência
de um dos cônjuges produz os efeitos de morte real do mesmo no sentido de ‘tornar
irreversível a dissolução da sociedade conjugal’; o seu retorno a qualquer tempo em nada
interfere no novo casamento do outro cônjuge, que tem preservada, assim, a sua plena
validade.”
591
589
No original: “D) Il ritorno o la prova dell’esistenza del presunto morto. Il verificarsi di uma de tali
circostanze fa cessare gli effetti della dichiorazione ‘ex nunc’ (dal momento, cioè, del ritorno); infatti: i
‘beni’ sono restituiti al ‘presunto morto’ nello stato in cui si trovano al momento del suo ritorno (e non
come li há lasciati); l’eventuale matrimonio contratto dal coniuge è ‘nullo’ (Trabucchi) o ‘annullabile’
(Torrente): in ogni caso, però, sono fatti salvi i suoi effetti civili: L’annullamento ‘non’ pregiudica i figli, i
quali restano ‘legittimi’. Si applicano i principi che la legge (art. 128 c.c.) stabilisce per il ‘matrimonio
putativo’.” (Iolanda Pepe; Rosa Ambrosio, Diritto civile: istituzioni di diritto privato, p. 48 Tradução
livre).
590
Em Portugal, Diogo Leite de Campos informa que “a declaração de morte presumida não dissolve o
casamento, mas o cônjuge do ausente tem a faculdade de contrair novo casamento, dissolvendo-se o
primeiro pela celebração do segundo. Se o ausente regressar, ou houver notícias de que era vivo no
momento em que foram celebradas as novas núpcias, o primeiro matrimónio considera-se dissolvido por
divórcio à data da declaração de morte presumida (artigos 115º e 116º do Código Civil)” (Lições de direito
da família e das sucessões, p. 283).
591
Yussef Said Cahali, Divórcio e separação, p. 70.
243
Interessante seria, no entanto, que a legislação brasileira expressamente adotasse
uma solução plausível, como alerta Francisco José Cahali, “que, de lege ferenda, melhor
seria a opção do direito alemão, perdendo o novo Código boa oportunidade para dar um
adequado tratamento à questão, até porque cria o problema ao permitir o novo casamento
quando declarada a morte presumida do cônjuge”.
592
Aliás, com o novo matrimônio do ex-cônjuge do ausente, uma nova família foi
constituída, a qual merece ser preservada, até porque a decorrente do anterior casamento
dissolvido pela ausência já se transformou em uma nova relação familiar, agora em âmbito
monoparental, situações essas, ante o decurso do lapso temporal necessário, encontram-se
sedimentadas.
Validado o segundo consórcio matrimonial, com a mantença da dissolução do
primeiro pela ausência, validados estarão, por conseguinte, dois novos vínculos familiais:
um, que é monoparental, entre o ex-cônjuge do ausente com a eventual prole dessa relação;
outro, da nova família conjugal ou matrimonial (entre o ex-cônjuge do ausente e seu atual
consorte). Solidificados e preservados esses novos convívios familiares, estarão eles
plenamente protegidos.
Outra ótica hermenêutica a sufragar a tese da validade do segundo matrimônio é a
prevalência do princípio da dignidade com relação ao ex-cônjuge do ausente, pois não é
crível e justificável que permaneça ele por tempo infinito aguardando eventual retorno do
cônjuge; o espaço temporal necessário para o reconhecimento da ausência e, por
conseqüência, da dissolução do matrimônio, é mais do que suficiente para reconhecer que
o cônjuge presente agiu condignamente na expectativa do retorno do ausente.
Transcorrido todo esse tempo sem a volta ao lar do outro cônjuge, está garantido
ao consorte que ali permaneceu o direito de contrair novas núpcias, cuja validade e eficácia
desta prevalecerá se porventura aquele regressar; isso demonstra a pertinência do princípio
da cidadania, em face do direito de celebrar novo enlace.
592
Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 433.
244
A busca pela felicidade e a liberdade de agir, inerentes à dignidade da pessoa
humana, são princípios que fundamentam e garantem a celebração de novo matrimônio
pelo cônjuge presente, uma vez que, afora o seu legítimo direito de ser feliz, pelo princípio
da liberdade, ostenta ele a faculdade de constituir novo relacionamento, desvinculando-se
do anterior pela prolongada ausência do outro cônjuge do lar conjugal, fato esse
reconhecido e declarado em juízo.
Some-se ainda que decerto, ante o lapso temporal transcorrido, esfacelados
estejam os preceitos afetuosos e amorosos que corroboraram a constituição do
relacionamento precedente, tanto que outra relação matrimonial foi celebrada, mais um
fator a comprovar a digna validade desta última.
Seguida, pois, a interpretação alemã, preservados estarão todos os
relacionamentos familiares constituídos.
Ressalve-se, sempre, o imprescindível desconhecimento sobre o paradeiro do
cônjuge ausente por parte do que permanece no lar conjugal, pois, em quaisquer das
situações possíveis, se demonstrada e comprovada a ciência de sua localização, ou seja, de
que a ausência existia apenas em seara judicial, a conseqüência razoável é, aí sim, a
invalidade do segundo casamento, ante o vício que macula a declaração da ausência.
Viciada essa decisão, fatalmente eivado o matrimônio seguinte, constituído com base em
irreal e inverídica dissolução do anterior.
Outro ponto que merece destaque é a disciplina da morte presumida contida no
artigo 7º do Código Civil de 2002, nestes termos: “Pode ser declarada a morte presumida,
sem decretação de ausência: I - se for extremamente provável a morte de quem estava em
perigo de vida; II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for
encontrado até 2 (dois) anos após o término da guerra”, cujo parágrafo único completa: “A
declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de
esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do
falecimento.”
245
Novidade no Código Civil vigente a morte presumida sem que seja reconhecida
judicialmente a ausência
593
; análoga situação jurídica possuía vigência no direito positivo
brasileiro com a Lei de Registros Públicos, cujo artigo 88 a regulamenta mediante
justificação judicial.
594
Há que se indagar: aplica-se a dissolução do casamento à morte presumida,
judicialmente justificada e declarada, com fulcro no artigo 7º acima transcrito, ou somente
à presunção de morte que decorre da ausência?
A parte final do parágrafo 1º do artigo 1.571 diz que a dissolução pela morte é
extensiva à presunção estabelecida ao ausente, todavia, sentencia Yussef Said Cahali: “(...)
não temos dúvida em reconhecer que a morte presumida declarada por sentença, mesmo
sem declaração de ausência, nas condições do artigo 7º, desfruta da mesma eficácia
correspondente à morte real, como causa da dissolução da sociedade conjugal.”
595
593
Ressaltam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “O CC 9º I impõe o registros dos óbitos. O
atestado médico é o documento que comprova a certeza do fato morte. Só pode ser lavrado por profissional
inscrito no CRM. A certidão de óbito, que é ato do oficial do registro civil de pessoa natural do lugar onde
o falecimento se deu, só pode ser lavrada à vista do atestado médico ou da declaração de duas pessoas
qualificadas que tenham presenciado ou verificado a morte (LRP 77 c/c 80 8º). A certidão de óbito é
condição para o sepultamento (LRP 77 e 78). Se a morte não puder ser comprovada, deve ser justificado
judicialmente o óbito (LRP 88 par. ún.), utilizando-se o interessado do procedimento do CPC 861 a 866.
Não confundir com os casos de ausência previstos no CC 22 e 23.” (Novo Código Civil e legislação
extravagante anotados: atualizado até 15.03.2002, p. 13).
594
Dispõe a Lei Registrária: “Poderão os juízes togados admitir justificação para o assento de óbito de
pessoas desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, quando
estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível encontrar-se o cadáver para exame”
(art. 88), cujo parágrafo único complementa: “Será também admitida a justificação no caso de
desaparecimento em campanha, provados a impossibilidade de ter sido feito o registro nos termos do artigo
85 e os fatos que convençam da ocorrência do óbito”. Em comentários a esse texto legal Walter Ceneviva
afirma: “Três são os eventos a serem demonstrados pelo interessado no assento, por todos os meios legais e
moralmente legítimos: a) ocorrência da catástrofe; b) presença da pessoa desaparecida no local do desastre;
c) impossibilidade de encontro de cadáver, para exame. Nos acidentes aéreos a hipótese mais freqüente não
é a da impossibilidade de encontro do cadáver, mas a da recomposição dos corpos das vítimas, de modo a
permitir sua adequada identificação. (...) A prova de morte presumida do soldado em operação de guerra se
submete à legislação militar específica, que regula a ‘possibilidade’ do registro, na forma do artigo 85.”
(Leis dos registros públicos comentada, p. 156). Ao discorrer sobre esse mesmo texto legal, Hélio Borghi
menciona “(...) como exemplo clássico o caso do Deputado Ulisses Guimarães, visto que o helicóptero em
que viajava com outras pessoas caiu no mar, na localidade de Angra dos Reis, há alguns anos, e seu corpo
jamais foi encontrado, ao contrário dos demais ocupantes do aparelho” (A ausência vista atualmente e no
futuro Código Civil, p. 42).
595
Yussef Said Cahali, Divórcio e separação, p. 71. Em igual sentir a posição de Maria Helena Diniz: “A
‘morte’ real ou presumida de um dos consortes não dissolve apenas a sociedade conjugal, mas também o
vínculo matrimonial, de maneira que o sobrevivente poderá convolar novas núpcias.” (Curso de direito
civil brasileiro: direito de família, v. 5, p. 216), uma vez que, ao tratar da morte presumida, fê-lo de modo
genérico, sem restringir os efeitos exclusivamente à ausência.
246
Deveras, esse parágrafo do artigo 1.571 merece ser interpretado de modo
extensivo, com o fito de manter coesão entre todo o sistema jurídico, pois inexiste
justificativa para a concessão de efeitos dissolúveis do casamento para a ausência, como
morte presumida, e denegar iguais conseqüências às demais hipóteses legais de presunção
de óbito, as quais somente repercutirão no mundo do direito, após o reconhecimento
judicial.
Para situações jurídicas análogas, os seus efeitos hão de ser idênticos, pena de
criarem-se iniqüidades.
4.11.3 As nulidades matrimoniais
As nulidades, absoluta ou relativa, do casamento implicam no término da
sociedade conjugal, e a questão ao matrimônio propriamente dito é desconsiderada, pois se
havia nulidade é porque esse enlace possuía um vício, uma mácula, uma irregularidade, de
maior ou menor proporção, mas estava contaminada a relação jurídica, a qual fora
reconhecida e declarada judicialmente, denotando a invalidade do ato nupcial; destarte, em
sendo ela inválida e ineficaz juridicamente, não se há que falar em sua dissolução, ante a
defeituosa constituição do ato jurídico; simplesmente, o ato que se pensava válido e eficaz,
não o é; inexiste motivo, portanto, para se indagar da dissolução daquilo que era inválido e
ineficaz em seu nascedouro.
596
Lafayette Rodrigues Pereira anota, quanto ao matrimônio nulo, que importa no
término da sociedade conjugal, “(...) a sentença de nulidade, quando o casamento não é
julgado ‘putativo’, torna-o írrito desde o momento da celebração; e, pois, a uma tal
sentença não se pode reputar ‘modo’ de dissolução da sociedade conjugal: ela não dissolve,
declara que a sociedade nunca existiu”.
597
596
Segundo Fabrício Zamprogna Mattielo: “O vínculo matrimonial, quando regularmente constituído, não é
passível de anulação, nem se rompe pela separação judicial. A dissolução do matrimônio válido opera-se
exclusivamente através da morte do cônjuge (pleno jure) ou do divórcio (consensual ou litigioso, direto ou
por conversão).” (Código Civil comentado, p. 1.023).
597
Lafayette Rodrigues Pereira, Direitos de família, p. 93.
247
Quanto ao anulável, pronuncia-se Orlando Gomes: “A sentença anulatória não
dissolve apenas a sociedade conjugal; dissolve o casamento. Suas conseqüências jurídicas
são iguais às do divórcio. Do mesmo modo que nesta, pode haver declaração de
culpabilidade. Anulado o casamento, pode cada cônjuge contrair novas núpcias, como se
fora viúvo ou divorciado.”
598
Luiz Edson Fachin referenda que “nulidade e anulação podem, em alguma
medida, não ser reputadas modos de dissolução da sociedade conjugal, o ato nulo o é desde
o momento em que foi praticado, vício originário de nulidade. A dissolução, a rigor,
pressupõe o casamento civil válido. Por tal razão, a nulidade não seria um modo
propriamente dito de dissolução. No tocante à anulação haveria algum sentido no dissolver
casamento de validade pendente. Ao menos do ponto de vista de sua eficácia, até o
momento da prolação da sentença”.
599
Preciso o texto da Lei Civil (art. 1.571, § 1º, 1ª parte), ao dispor que só a morte,
real ou presumida, e o divórcio é que dissolvem o casamento válido, porquanto, em sendo
reconhecida judicialmente a nulidade ou anulação do vínculo matrimonial, conduz-se à
solução de que válida essa relação não era; há sim a prolação de uma sentença que
reconhece a sua invalidade jurídica, a qual, por isso, está inapta a produzir seus efeitos
jurídicos, salvante a declaração de putatividade, que se verá logo mais.
600
Camilo de Lelis Colani Barbosa narra que “o casamento sujeita-se a requisitos
para ser considerado existente e válido. Clara, entretanto, é a opção do legislador civil
brasileiro no que diz respeito ao sistema de nulidades dos negócios jurídicos. Com efeito,
598
Orlando Gomes, Direito de família, p. 209.
599
Luiz Edson Fachin, Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro, p. 198-
199.
600
Em comentários ao artigo 1.563 do Código Civil de 2002, afirma Fabrício Zamprogna Mattielo o
seguinte: “Reconhecendo a procedência da ação, o juiz decretará a nulidade do matrimônio. A sentença
assim proferida tem eficácia ex tunc, ou seja, retroage à data da celebração do casamento, eis que afirmada
a sua invalidade desde então. Na hipótese de casamento anulável, a eficácia da sentença será ex nunc, isto é,
verifica-se a partir da data do trânsito em julgado, conservados os resultados jurídicos produzidos até
aquela data” (Código Civil comentado, p. 1.016). Sob a égide do Código Civil de 1916, Francisco José
Cahali informava: “(...) domina na doutrina o entendimento no sentido de que a sentença de ‘nulidade’
produz efeitos ex tunc, ao passo que a sentença de ‘anulação’ do casamento produz efeitos ex nunc.” (Ação
de nulidade e anulação do casamento, p. 174). Esse artigo 1.563, pelo Projeto de Lei n. 6.960/2002, ditará:
“A sentença que decretar a nulidade ou a anulação do casamento retroagirá à data de sua celebração, sem
prejudicar o direito dos filhos comuns, nem a aquisição de direitos, a título oneroso, por terceiros de boa-fé,
nem a resultante de sentença transitada em julgado.”
248
para a lei civil brasileira o negócio jurídico será nulo ou anulável, caso não sejam
observados os mencionados requisitos, não se admitindo, como fazem outras legislações, a
categoria da inexistência”.
601
O casamento, no Brasil, dependendo da gravidade do vício que o macula, será
nulo ou anulável, todavia não se cogita da condição de inexistência do matrimônio, ou, por
outra, o casamento inexistente é instituto jurídico desconsiderado pelo direito positivo
brasileiro, como também o era na vigência do Código Civil de 1916.
Malgrado a inexistência de positivação, faz-se mister um breve enfoque sobre o
casamento inexistente, pois ao se falar de nulidade matrimonial, não há como dele se
desvincular, nada obstante as divergências doutrinárias acerca de sua eficácia e
aplicabilidade.
A teoria do ato jurídico inexistente ressoa com fervor em seara doutrinária
jurídica, sobretudo no direito de família, com especificidade no âmbito matrimonial, como
ressaltam José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz
602
; nesse
ponto, explica Pontes de Miranda a categoria do casamento inexistente: “É preciso que não
se confundam os ‘impedimentos’ e os ‘pressupostos necessários’ à existência do
matrimônio. Se bem que todos sejam causas impeditivas, os obstáculos à existência do
casamento são evidentes e têm valor absoluto, são consubstanciais ao contrato do
matrimônio, de modo que os Códigos nem sequer os mencionam. (...) A distinção entre
matrimonium non existens e matrimonium nullum a que correspondem as expressões
portuguesas ‘casamento não-existente’ ou ‘casamento inexistente’ e ‘casamento nulo’
(bem como ‘casamento anulável’), e as expressões alemãs Nicht-Ehe, ou Nichtehe, nichtige
Ehe (bem como anfechtbare Ehge), não depende do direito positivo: é dicotomia
fundamental intrínseca, porque tudo que não é casamento, ou não basta para que a lei
considere casamento, é não-casamento, e pois matrimonium non existens, se se apresenta e
se se pretende seja casamento. O suporte fáctico não entrou no mundo jurídico.”
603
601
Camilo de Lelis Colani Barbosa, Direito de família: manual de direitos do casamento sob a ótica do
Código Civil Lei n. 10.406/2002, p. 51.
602
José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz proclamam: “Nascida no Direito de
Família e, mais especificamente, no Direito Matrimonial, a categoria da inexistência passou a ser aplicada
também à teoria geral dos negócios jurídicos.” (Curso de direito de família, p. 210).
603
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito privado: direito de personalidade, direito de
família, direito matrimonial..., v. 7, p. 364.
249
Há elementos intrínseca e essencialmente ligados ao ato nupcial, descritos com
coerência no artigo 1.514 do Código Civil de 2002, quais sejam a diversidade de sexos
entre os cônjuges, a celebração pela autoridade competente e a manifestação de vontade
dos nubentes; ausente quaisquer deles, afirma a doutrina que o casamento inexiste, o
matrimônio é inexistente, por falta de requisito fático de existência do ato conjugal.
Destarte, não se fala em ato nulo ou anulável, e sim em sua inexistência.
Se houver a celebração de um ato entre pessoas do mesmo sexo, existe aí um fato,
todavia não é casamento, pois falta um elemento essencial para a própria constituição do
instituto matrimonial, qual seja a diversidade de sexos entre os nubentes. De igual modo,
se um homem e uma mulher assumirem-se como marido e mulher, haverá entre eles um
fato jurídico em sentido amplo, mas casamento formal inexiste, ante a ausência da
celebração do ato pela autoridade competente (juiz de paz). Por fim, há que se acrescentar,
nessa última hipótese, se há celebração pela autoridade, todavia, os pretendentes é que não
externaram suas respectivas vontades positivas, casamento legalmente também inexiste,
pela falta de manifestação de vontade dos nubentes.
Em todas essas situações houve a prática de um fato jurídico em sentido amplo,
entretanto matrimônio inexiste, pois falta elemento essencial de formação do ato
casamento. A cogitação acerca da nulidade ou não desse ato, enquanto casamento, é
questão secundária, haja vista que, se para o mundo jurídico ele inexiste, nem se passa à
análise seguinte, qual seja, de indagar-se se ele é válido ou não.
Ao tratar genericamente do fato jurídico, em monografia específica, doutrina
Antônio Junqueira de Azevedo o seguinte: “Fato jurídico é o nome que se dá a todo fato do
mundo real sobre o qual incide norma jurídica. Quando acontece, no mundo real, aquilo
que estava previsto na norma, esta cai sobre o fato, qualificando-o como jurídico; tem ele,
então, ‘existência jurídica’. A incidência da norma determina, como diz Pontes de
Miranda, sua entrada no mundo jurídico. O fato jurídico entra no mundo jurídico para que
aí produza efeitos jurídicos. Tem ele, portanto, eficácia jurídica’. (...) Em tese, porém, o
exame de qualquer fato jurídico deve ser feito em dois planos: primeiramente, é preciso
verificar se se reúnem os elementos de fato para que ele exista (‘plano de existência’);
250
depois, suposta a existência, verificar se ele passa a produzir efeitos (‘plano de
eficácia’).”
604
Ressalta Yussef Said Cahali que a utilidade da concepção relativa ao ato e,
portanto, também do casamento inexistente, decorre de sua praticidade, que se sobressalta
à própria orientação dogmática, pois, em tese, o ato inexistente dispensa um
reconhecimento judicial por ser um nada jurídico, contrariamente ao ato nulo ou anulável,
todavia “(...) alegada em juízo a inexistência do casamento, o julgador pode ter de apreciá-
la em sentença, mas não se trata, aí, de uma declaração de nulidade, e sim de simples
constatação de um fato. (...) em princípio, nem mesmo há necessidade de ação visando
declarar a inexistência, embora, se a alegação depender de prova, se reclame procedimento
judicial, ainda que com tramitação menos rigorosa.”
605
A praticidade e efetividade da inexistência do ato, inclusive e sobretudo no que
tange ao casamento, é verídica, necessária e, às vezes, indispensável, porquanto o ato
poderá consubstanciar-se em um documento público assento de casamento lavrado no
Registro Civil que o materializa por instrumento de prova certidão de casamento
expedida , o que resulta na imprescindível manifestação judicial para o dissipar do mundo
de direito.
Em todas as três situações fáticas acima relacionadas dessume-se que, em sua
essência, não existe o ato matrimonial, ante a ausência de seus elementos intrínsecos e
essenciais; todavia, lavrado o assento de casamento, juridicamente esse ato existe e está
apto, em tese, a produzir efeitos legais, o que resulta no necessário e imprescindível
reconhecimento de sua nulidade, com o fito de extirpá-lo do mundo do direito; do
contrário, poderão os “cônjuges” valerem-se da respectiva certidão de casamento para
comprovarem o estado civil de “casados”.
604
Antônio Junqueira de Azevedo, Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, p. 23-24.
605
Yussef Said Cahali, O casamento putativo, p. 51. Kazuo Watanabe referenda nos seguintes termos: “O
casamento inexistente, para seu reconhecimento, dispensa qualquer pronunciamento jurisdicional. Poderá,
por vezes, pela dúvida quanto à imposição de um dos elementos essenciais (v.g., existência, ou não, de
consentimento), levar um dos cônjuges a reclamar do Poder Judiciário um provimento a respeito. Será
sempre, porém, ação meramente declaratória. Nesse sentido a opinião comum dos doutrinadores.” (Breve
reflexão sobre a natureza jurídica da sentença de nulidade de casamento, p. 20).
251
Sílvio Rodrigues arremata: “Todavia, se foi lavrado o assento de casamento, não
importa que os nubentes tenham o mesmo sexo, que a celebração tenha sido presidida por
pessoa inteiramente incompetente, ou não haja um dos nubentes manifestado seu
consentimento. Existe um fato, juridicamente relevante, que pode ser nulo e não gerar
efeitos na órbita do Direito, mas que existe em face dele. Não se trata de fato jurídico,
porque sua iliceidade tira-lhe essa condição. Mas é um fato que existe em face do Direito.
Ora, para cancelar aquele registro, exige a lei uma ação ordinária, revestida de todas as
solenidades reclamadas para a ação de nulidade do casamento, pois só por meio dessa ação
é que se resguardam os interesses das partes e o da sociedade.”
606
Em situação análoga, Sílvio de Salvo Venosa indica a seguinte solução: “Nessa
ação, inelutavelmente o pedido é de declaração de inexistência do negócio. Fica também
bem claro na natureza preponderantemente declaratória dessa sentença, e ainda que as
cargas secundárias de mandamentalidade e desconstitutividade também sejam ponderáveis.
Há efeito mandamental porque será expedido mandado de cancelamento ao Registro Civil;
há efeito secundário desconstitutivo também porque a ‘aparência’ do estado de casado
desaparece.”
607
Anota Francisco José Cahali, por derradeiro, que “embora excepcionalmente rara,
a jurisprudência de nossos tribunais já tem sido instada ao reconhecimento de situação que
se define como de casamento inexistente, em razão da identidade de sexo dos nubentes,
especificamente de duas mulheres: em ação de nulidade do casamento, pelo Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (RT 572:189), em pedido de cancelamento do registro civil de
casamento, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (RJTJSP 106:47)”.
608
Todavia, repita-se, essa tese do ato inexistente, como do casamento que inexiste,
não encontra ressonância no direito positivo brasileiro, patenteando-se a nulidade do
matrimônio como meio jurídico próprio e adequado para análise do fato.
Ao se prosseguir com as nulidades do matrimônio, há que se narrar agora os
motivos justificadores ao reconhecimento da nulidade absoluta do casamento, ou
606
Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 83.
607
Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 115.
608
Francisco José Cahali, Ação de nulidade e anulação do casamento, p. 154.
252
simplesmente nulidade matrimonial; estatui o artigo 1.548 do Código Civil em vigor que é
nulo o matrimônio contraído por pessoa incapaz, absoluta ou relativamente, por
enfermidade mental, e, ainda, com infração aos impedimentos matrimoniais.
Efetivamente, como se analisou, o casamento está fulcrado na manifestação de
vontade dos nubentes, de sorte que inexistindo essa exteriorização, o ato nupcial inexiste;
mas, se for externada por pessoa incapacitada civilmente, ela (a manifestação de vontade)
não estará apta a produzir os seus efeitos legais, porquanto, para que essa vontade possa
surtir esses efeitos, imprescindível é que ela seja manifestada por quem tenha plena
capacidade civil e discernimento para o fazer.
609
A finalidade desse dispositivo é preservar a dignidade da pessoa do incapaz, pois
fora induzido a praticar um ato para o qual não ostenta discernimento suficiente para
aquilatar sua repercussão fática e jurídica. Preservado é também o princípio da cidadania
pois, apesar da ausência de seu discernimento, haverá alguma pessoa ou até mesmo o
Poder Público em condições de exigir o respeito e cumprimento dos direitos inerentes à sua
personalidade.
Igualmente será nulo o matrimônio celebrado com a incidência de quaisquer dos
impedimentos matrimoniais relacionados no artigo 1.521, incisos I a VII do Código Civil
de 2002, ou seja, daquelas pessoas que a lei expressamente veda a realização das núpcias
com outra, certa e determinada.
Ressalte-se que qualquer pessoa interessada ou mesmo o Ministério Público tem
legitimidade ativa para promover o reconhecimento do casamento nulo (art. 1.549 do
CC/2002)
610
, todavia, ao contrário do que ocorre nas nulidades dos atos jurídicos em geral
(art. 168, parágrafo único do CC/2002), o juiz não o pode reconhecer ex officio, “(...)
609
Deve-se lembrar a crítica que Paulo Lins e Silva faz ao inciso I do artigo 1.548 do Código Civil de 2002,
cuja exclusão seria mais plausível, pois está embutido nas regras do artigo 1.550, inciso IV do mesmo
diploma, justificando que “nos dias atuais, com o avanço da área neurológica da medicina, um enfermo
mental pode ter momentos de lucidez e consentir com a realização de seu casamento, que por sua vez, pelo
texto do novo Código Civil, seria totalmente nulo, quando, na realidade, está mais próximo da
anulabilidade”. (Da nulidade e da anulação do casamento, p. 37).
610
Eduardo de Oliveira Leite justifica os interesses legitimadores: “a) legítimo interesse moral os cônjuges,
ascendentes, descendentes, irmãos e cunhados; b) legítimo interesse econômico os filhos do leito anterior,
os colaterais sucessíveis, os credores dos cônjuges e adquirentes de seus bens; c) legítimo interesse social
o representante do Ministério Público.” (Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 103).
253
portanto, em hipótese alguma, será declarada sem provocação, de ofício pela autoridade
judicante, devendo ser proclamada apenas na sentença que se proferir, em ação ajuizada
especialmente com essa finalidade; fora dele, não se pronuncia nem a nulidade nem a
anulação do casamento”.
611
Na fase de habilitação ao matrimônio, o magistrado não só pode, como
efetivamente deve declarar o eventual impedimento que souber ou chegar ao seu
conhecimento (art. 1.522 do CC/2002); depois da celebração, somente em provimento
jurisdicional em ação anulatória específica é que se pronunciará sobre a nulidade do
casamento.
A anulação (nulidade relativa) do casamento, por outro lado, será reconhecida
nas hipóteses enumeradas no artigo 1.550, incisos I a VI do Código Civil de 2002, com as
ressalvas específicas contidas nos artigos 1.551 e seguintes do mesmo Códex.
Em face do temário aqui enfocado, far-se-á um passeio por essas causas anotadas
no artigo 1.550 do Código Civil, com breves paradas nos pontos que mereçam um olhar
mais acurado.
A ausência da idade nupcial pode resultar na anulação do casamento (inc. I),
todavia, como referido em tópico anterior, em benefício da família que se constituiu, esse
ato anulatório inocorrerá em caso de gravidez (art. 1.551 do CC/2002), e mais, o ato
matrimonial poderá ser sanado, nos ditames do artigo 1.553 do Código Civil vigente.
612
O inciso II refere-se ao casamento de pessoa com capacidade matrimonial, mas
sem a plena capacidade civil, por isso dependente de consentimento para se casar, o qual
não obtivera e, mesmo assim, o ato nupcial ocorreu.
611
Francisco José Cahali, Ação de nulidade e anulação do casamento, p. 157.
612
Pontes de Miranda, em discurso sobre as nulidades sanáveis e insanáveis, sob a égide do Código Civil de
1916, quando assegurava que as nulidades relativas eram todas sanáveis; as absolutas, somente uma era
sanável, qual seja, “(...) a que provém da celebração do ato por autoridade incompetente, nulidade que
desaparecerá se não se alegar dentro de dois anos a partir da realização do casamento” (Francisco
Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito de família, v. 1, p. 310-311). Essa nulidade absoluta,
agora, como se verá, está tipificada como relativa, ou seja, causa de anulabilidade do casamento (art. 1.550,
VI do CC/2002); destarte, por esse raciocínio, hodiernamente, todas as nulidades absolutas são insanáveis,
enquanto as relativas são todas sanáveis.
254
Sobre esse casamento, o artigo 1.555 do Código Civil vigente oferece regras
específicas, inclusive com lapso temporal exíguo para a argüição judicial do vício
matrimonial, sempre com o fito de priorizar a família decorrente desse relacionamento que,
com o passar, estará cada vez mais estruturada e solidificada, tanto que informa Fabrício
Zamprogna Matiello: “Trata-se de prazo decadencial, de maneira que, esgotado in albis, o
matrimônio não mais poderá ser anulado com base na causa legal estatuída na presente
norma.”
613
Nesses casos, não se pode olvidar as ressalvas e prevalências relacionadas ao
prioritário e absoluto princípio da proteção integral à criança e ao adolescente,
sobrepujando-se, se necessário, à própria constituição da família, caso conflitem.
O vício da vontade pode gerar a anulabilidade do casamento (inc. III), todavia
com expressas reservas legais dispostas em artigos subseqüentes.
A primeira delas dita o erro essencial como motivador do vício (art. 1.556 do
CC/2002), cujo artigo 1.557 do mesmo Códex oferece o delineamento legal sobre esse
erro. Leciona J. M. Carvalho Santos: “(...) O erro essencial, suficiente para tornar anulável
qualquer ato, se ele influiu para a declaração da vontade, em se tratando de casamento não
é bastante. A lei exige mais: somente o erro essencial quanto à pessoa de um dos cônjuges
autoriza o outro, vítima do erro, a pedir a anulação do casamento; e ainda assim, mesmo o
erro essencial quanto à pessoa, carece ser de tal gravidade que seja capaz de justificar a
anulação, por tornar insuportável a vida em comum.”
614
Alípio Silveira sintetiza: “O erro essencial é o erro que vicia o consentimento, e
pertence à mesma categoria do erro substancial, que serve de fundamento à anulação dos
atos jurídicos em geral.”
615
613
Fabrício Zamprogna Matiello, Código civil comentado, p. 1.008.
614
João Manuel de Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, v. 4, p. 218.
615
Alípio Silveira, Do êrro essencial na anulação do casamento, p. 9.
255
Eduardo de Oliveira Leite complementa que três são os seus pressupostos: “1.
anterioridade do defeito ao casamento; 2. desconhecimento do defeito pelo cônjuge
enganado; e 3. insuportabilidade da vida em comum.”
616
Por essas anotações, infere-se que se pretende a preservação do princípio da
dignidade da pessoa do cônjuge chamado de enganado, que contraiu o matrimônio ciente
de que o fazia com pessoa de certo e determinado agir, entretanto, com o passar, aferiu que
errou ou foi induzida a erro, visto que seu consorte ostenta comportamentos inadequados
com os que aparentava na fase preambular ao consórcio, desnaturando inclusive todos os
preceitos que solidificam a relação familiar: afeto, carinho, cumplicidade e respeito
mútuos.
Anota-se o alerta expressado por J. M. de Carvalho Santos: “Todo e qualquer
outro vício do consentimento não tem influência alguma sobre a validade do casamento,
não podendo, por conseguinte, o dolo ser causa da sua anulação”; mais adiante, esclarece
que “em matéria de casamento, pois, pode-se dizer que o dolo só vicia o consentimento, e,
pois, é causa de anulação do casamento, quando ele tem por conseqüência um erro sobre a
pessoa do outro cônjuge”
617
, e conclui: “O Código não distingue o erro espontâneo do erro
motivado pelo dolo.”
618
Complementa essa narrativa Alípio Silveira: “Em outras palavras, a vítima deve
ter sido cautelosa, diligente, ou então deverá apresentar um motivo razoável por não ter
diligenciado. Evidentemente, cada caso exige exame próprio.”
619
Sílvio de Salvo Venosa, depois de afirmar que o direito positivo brasileiro
desconsidera o dolo como vício de vontade a nulificar o matrimônio, ao contrário das
616
Eduardo de Oliveira Leite, Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 104. Mais adiante, informa o
autor: “O defloramento da mulher ignorado pelo marido, outrora (no CC de 1916) motivo ensejador da
anulação, deixou de sê-lo por dois motivos: a) porque, nos tempos atuais, o casamento deixou de ser o
marco inicial para as atividades sexuais; e b) porque viola o princípio constitucional da igualdade jurídica
entre o homem e a mulher (art. 226, § 5º, CF/1988), já que o artigo do anterior Código não impôs restrição
à liberdade sexual do homem.” (Ibidem, p. 107).
617
João Manuel de Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, v. 4, p. 175.
618
Ibidem, v. 4, p. 219.
619
Alípio Silveira, Do êrro essencial na anulação do casamento, p. 13.
256
legislações da Alemanha
620
, Argentina
621
e Suíça
622
, conclui: “O que se nota, porém, é que
nossa jurisprudência admite na prática todos os casos de dolo dos direitos estrangeiros,
definindo-os sob o prisma do erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge, dentro dos
princípios estabelecidos no Código Civil.”
623
Com efeito, o vício de consentimento fulcrado no dolo pode subsidiar o pleito
anulatório do casamento, mormente em ocorrendo o erro sobre a pessoa do outro cônjuge
por atividade dolosa.
624
Malgrado esse posicionamento, é de proeminente interesse a descrição da
justificativa externada por Clóvis Beviláqua sobre a exclusão do dolo no Código Civil de
1916: “(...) pela necessidade de não tornar sobremodo precaria a segurança das familias.
Não seria difficil allegar um dos conjuges que fôra induzido ao casamento pelas manobras
fraudulentas, as machinações, os artificios do outro, porque o proprio respeito recíproco, a
cerimonia, o recato, o desejo de ser agradavel escondem defeitos, que depois se revellam.
E dar a essas attitudes moraes o valor do ‘dólo’ nos contractos communs seria enfraquecer,
excessivamente, a estabilidade do matrimonio e das familias.”
625
620
Wilfried Schlüter. “O cônjuge também pode pedir a anulação do casamento, cuja celebração foi realizada
através de dolo sobre as circunstâncias que o teriam impedido de realizá-lo, se tivesse conhecimento da
situação e tivesse avaliado corretamente a natureza do casamento (§ 1314 al. 2 n. 3 BGB; compare sobre
isto § 123 al. 1 BGB). Mas o cônjuge conduzido a erro não pode exigir a anulação do casamento, quando
um terceiro o fez errar sem o conhecimento do outro cônjuge (§ 1314 al. 2 n. 3, 2ª meia-frase, alternativa 2
BGB)” (Código Civil alemão: direito de família, p. 92-93).
621
Para Guillermo A. Borda:‘El fundamento de la nulidad de los actos por dolo es el hecho ilícito;’ la ley
no puede proteger un proceder engañoso y de mala fé, pues todo el orden jurídico quedaría subvertido.
Por lo demás, es realmente significativo que el error no provoque la nulidad del matrimonio sino cuando
hay dolo; lo que quiere decir que en tal caso el error no origina la nulidad, sino que simplemente coincide
con ella.(Manual de derecho de família, p. 74-75). Dita, efetivamente, o artigo 220 do Código Civil da
Argentina: Es de nulidad relativa: (...) 4º - Cuando el matrimonio fuere celebrado adoleciendo el
consentimiento de alguno de los vicios a que se refiere el artículo 175. La nulidad sólo podrá ser
demandada por el cónyuge que haya sufrido el vicio de error, dolo o violencia, si hubiese cesado la
cohabitación dentro de los treinta días de haber conocido el error o de haber sido suprimida la violencia.
destacou-se. O mencionado artigo 175 assim dispõe: “Vician el consentimiento la violencia, el dolo y el
error acerca de la persona del otro contrayente. (...).
622
Segundo José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz. “No Direito suíço, o artigo
125 do Código Civil permite anulação de casamento com fundamento em dolo quando o nubente tenha sido
induzido em erro quanto a uma das circunstâncias especificamente previstas: a honorabilidade ou a saúde
do outro cônjuge, sendo que, quanto a esta última circunstância, é preciso que a doença coloque em perigo
a saúde do cônjuge enganado ou de sua descendência.” (Curso de direito de família, p. 251, em nota de
rodapé n. 57).
623
Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 135.
624
O Código de Direito Canônico disciplina em seu Cânon 1.098: “Quem contrai matrimônio, enganado por
dolo perpetrado para obter o consentimento matrimonial, a respeito de alguma qualidade da outra parte, e
essa qualidade, por sua natureza, possa perturbar gravemente o consórcio da vida conjugal, contrai
invalidamente.” (CÓDIGO de Direito Canônico: Codex Iuris Canonici, p. 499).
625
Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, p. 549.
257
Verifica-se, no entanto, que o convívio entre os parceiros estará esfacelado, uma
vez que os preceitos norteadores da convivência conjugal foram totalmente desrespeitados
pela atitude dolosa de um dos pretendentes, ao agir conscientemente com o intuito de
enganar o outro, o que induz a iniqüidade da mantença dessa relação, ainda que para a pura
prevalência da família constituída, pois os fatores essenciais de sua existência estão
descaracterizados.
Por isso, mantém-se a posição acima esposada, visto que essa família constituíra-
se sobre uma falácia.
A coação é outra reserva com escopo anulatório (art. 1.558 do CC/2002). Houve a
manifestação de vontade, todavia fora obtida mediante constrangimento, com “(...)
fundado temor de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de
seus familiares”, nos expressos termos legais, o que denota a ofensa ao princípio da
liberdade do cônjuge que externou sua vontade de forma maculada, não espontânea,
resultando em cristalina ofensa à dignidade dessa pessoa.
O artigo 1.559 do Código Civil vigente, no entanto, restringe a anulação
fundamentada no erro essencial e na coação, ao estabelecer que somente o cônjuge tido
como não causador desses vícios é que poderá demandar a anulação decorrência do
princípio de que ninguém pode, em seu proveito, alegar a própria torpeza , e mais, que
“(...) a coabitação, havendo ciência do vício, valida o ato, ressalvadas as hipóteses dos
incisos III e IV do artigo 1.557.”
Ensina Fabrício Zamprogna Matiello: “Coabitar significa habitar em comum com
outra pessoa, manter relacionamento sexual como conseqüência natural do casamento,
viver como marido e mulher. Enfim, o vocábulo é empregado neste artigo no sentido de
normal convivência entre os cônjuges, como se defeito jurídico algum estivesse
presente.”
626
Tirante as hipóteses de defeito físico irremediável, moléstia grave e transmissível,
e de doença mental grave, excepcionadas no final do sobredito artigo, nas demais situações
626
Fabrício Zamprogna Matiello, Código Civil comentado, p. 1.013.
258
tipificadoras de erro essencial e coação, se houver a coabitação vida conjugal de marido e
mulher consciente do vício existente, esse ato convalida o ato nupcial, impedindo a
anulação do casamento. Por esse dispositivo, que é inovador no sistema legislativo
brasileiro, evidencia-se que a coabitação tem o fito de sanar o vício da vontade
exteriorizada; ao assim fazer, está-se privilegiando a família que se constituiu por esse
matrimônio, cuja consolidação matrimonial deu-se com a coabitação, malgrado o vício que
inicialmente o maculava, como arremata Sílvio Rodrigues: “Válida a iniciativa, pois
prestigia a convivência afetiva em prol da constituição da família, em detrimento de um
vício na origem do matrimônio.”
627
Entre a vontade viciada e a família que se formou, opta-se pela validade fática e
jurídica desta, mormente depois da coabitação entre os parceiros, cônscios da mácula que
incidia sobre a vontade exteriorizada.
Visualizado os vícios de consentimento (erro, dolo e coação), um ponto de tinta
merece ser posto sobre a simulação, vício social que é, para que se possa extrair a
adequada resposta acerca do denominado casamento simulado.
Na Codificação Civil brasileira vigente, a simulação está encartada genericamente
no artigo 167, que dita: “É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se
dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1º - Haverá simulação nos negócios
jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas
daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração,
confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III - os instrumentos particulares forem
antedatados, ou pós-datados. § 2º - Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face
dos contraentes do negócio jurídico simulado.”
Caio Mário da Silva Pereira narra que a simulação consiste “(...) em celebrar-se
um ato, que tem aparência normal, mas que, na verdade, não visa ao efeito que
juridicamente devia produzir. Como em todo negócio jurídico, há aqui uma declaração de
vontade, mas enganosa”; e, complementa que a dissimulação, que é a simulação relativa,
627
Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 89.
259
“(...) tem por objeto encobrir outro de natureza diversa (...), ou quando aparenta conferir ou
transmitir direitos a pessoas diversas das a quem realmente se conferem ou transmitem”.
628
A novidade é que, na Lei de 2002, a simulação torna o negócio nulo, enquanto na
de 1916 ele seria anulável.
629
No entanto, especificamente ao casamento, inexiste normatização acerca da
nulidade absoluta se comprovada a simulação do ato nupcial. Poder-se-ia aplicar a regra
geral?
Pontes de Miranda afirmava que “o casamento com simulação não é nulo. (...)
Anulável é, se faltou a procuração, ou se essa é nula; anulável ainda, se houve erro sobre a
identidade do outro cônjuge. Mas, se um dos cônjuges alega que não teve ‘intenção’ de se
casar, a sua vontade real nada pode contra as palavras que proferiu. Não há reserva mental,
nem vício de simulação, ainda que o celebrante o conheça”.
630
José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz, depois de
preconizarem o imprescindível reconhecimento da nulidade do casamento simulado,
reconhecem, no entanto, que a norma positiva brasileira não o faz expressamente
631
; antes,
esclarecem o seguinte sobre a simulação no casamento: “Trata-se de hipóteses em que as
pessoas se casam para que se verifiquem determinadas conseqüências secundárias
decorrentes do estado de cônjuge. O matrimônio não é desejado em função de suas
finalidades jurídicas típicas e essências, mas em função de finalidades jurídicas totalmente
secundárias e acidentalmente ligadas, em uma determinada conjuntura normativa, à noção
de estado de cônjuge. É o caso de pessoas que se casam para que a mulher adquira a
nacionalidade do marido, do jovem que se casa com uma senhora idosa para fugir ao
serviço militar, do velho com direito a alguma forma de pensão que se casa com uma
mulher jovem para que esta, por sua morte, venha a ser titular do direito à pensão, do
casamento celebrado somente para legitimar um filho, da pessoa que se casa para obter
emprego reservado a pessoas casadas, do estrangeiro que se casa com pessoa nacional de
628
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil: introdução ao direito civil, v. 1, p. 339.
629
Fabrício Zamprogna Matiello, Código Civil comentado, p. 135.
630
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda Tratado de direito de família, v. 1, p. 317.
631
José Lamartine Corrêa de Oliveira; Francisco José Ferreira Muniz, Curso de direito de família, p. 260.
260
um determinado país para não ser expulso ou para subtrair-se a alguma forma de
perseguição. A casuística mais rica vem dos países europeus e refere-se principalmente a
hipóteses ocorridas em períodos anormais, como sucedeu na última guerra mundial.”
632
Como casuísmo brasileiro contemporâneo, pode-se relatar o contingente de
pessoas que migraram ao Japão, com intuito de lá realizarem atividades laborativas
vantajosas, mas que, para que isso ocorresse, era e é imprescindível a descendência
japonesa ou o vínculo matrimonial com pessoas dessa origem; com efeito, casamentos
celebrados com esse único e exclusivo escopo são matrimônios simulados, pois a intenção
dos pretendentes não foi a comunhão de vida, pessoal, familiar e patrimonial, mas sim
somente a concessão de um direito a um deles, com alguma vantagem ao outro, ou seja,
verídica e patente simulação.
O Código Civil da Itália suporte para a elaboração do projeto do atual Código
brasileiro dispõe em seu artigo 123: “Simulação. O matrimônio pode ser impugnado por
qualquer um dos cônjuges quando os esposos tenham combinado de não cumprir os
deveres e de não exercitar os direitos deles decorrentes. A ação não pode ser proposta
depois de um ano da celebração do matrimônio ou no caso em que os contraentes tenham
coabitado após a celebração.”
633
Disposição análoga apresenta o artigo 1.635º do Código português:
“(Anulabilidade por falta de vontade) O casamento é anulável por falta de vontade: a)
Quando o nubente, no momento da celebração, não tinha a consciência do acto que
praticava, por incapacidade acidental ou outra causa; b) Quando o nubente estava em erro
acerca da identidade física do outro contraente; c) Quando a declaração da vontade tenha
sido extorquida por coacção física; d) Quando tenha sido simulado.”
634
destacou-se.
632
José Lamartine Corrêa de Oliveira; Francisco José Ferreira Muniz, Curso de direito de família, p. 254.
633
Esse artigo 123 está inserto no “Titolo VI DEL MATRIMONIO. Capo III Del matrimonio celebrato
davanti all’ufficiale dello stato civile. Sezione VI Della nullità del matrimonio.” No original:
Simulazione. Il matrimonio può essere impugnato da ciascuno dei coniugi quando gli sposi abbiano
convenuto di non adempiere agli abblighi e di non esercitare i diritti da esso discendenti. L’azione non può
essere proposta decorso un anno dalla celebrazione del matrimonio ovvero nel caso in cui i contraenti
abbiano convissuto come coniugi sucsessivamente allá celebrazione medesima.” (Tradução livre).
634
O referido artigo compõe a “Secção II CASAMENTO CIVIL. Subsecção III Anulabilidade do
casamento. Divisão II Falta ou vícios da vontade.”
261
O Código de Direito Canônico também cuida do casamento por simulação, como
se infere do seu Cânon 1101, § 2: “Contudo, se uma das partes ou ambas, por ato positivo
de vontade, excluem o próprio matrimônio, algum elemento essencial ou alguma
propriedade essencial contraem invalidamente.”
Deveras, nos direitos italiano, português e canônico existem expressas disciplinas
sobre a invalidade do matrimônio celebrado por simulação, o que, como visto, não está
positivado explicitamente no direito brasileiro.
Ocorre que, a despeito da ausência de texto expresso quanto à nulidade do
casamento simulado, há que se concluir que o ato nupcial assim celebrado descumpre as
finalidades primordiais do matrimônio, consoante anotado em tópico alusivo à sua
definição; destarte, as manifestações de vontades do pretendentes não se solidificam no
amor recíproco, assim como a precípua finalidade dessas núpcias está longe da de
constituir uma família, com a plena comunhão de vida.
A vontade exteriorizada pelos nubentes, em um ato simulado, é totalmente diversa
da que se exige para a celebração do casamento: a finalidade não foi constituir uma
família; os preceitos norteadores do matrimônio (afeto, carinho, cumplicidade, respeito,
felicidade, amor) estão totalmente ausentes; conquanto assim esteja a situação, tão-só pela
ausência de texto expresso, considerar-se-á a validade jurídica desse ato!
Aliás, o Código Penal brasileiro tipifica esse ato como criminoso, pois seu artigo
239 trata da simulação de casamento, nos seguintes termos: “Simular casamento mediante
engano de outra pessoa: Penal detenção, de um a três anos, se o fato não constitui
elemento de crime mais grave.”
Por esses fatores, ousa-se apresentar uma solução para o reconhecimento do
casamento simulado como nulo, ante a ausência de sua finalidade primária e de seus
elementos principiológicos.
O artigo 166 do Código Civil de 2002 determina: “É nulo o negócio jurídico
quando: (...) VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa”; em todos os casuísmos acima
262
relatados, a finalidade do casamento foi qualquer outra, tirante a constituição de uma
família e o estabelecimento de uma plena comunhão de vida.
Estatui o artigo 1.511 do Código vigente que, como visto, inaugura o Livro de
Direito de Família que: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na
igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”; mais adiante, o artigo 1.565, caput do
mesmo Codex delimita: “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a
condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.”
Indaga-se, pois: o casamento mediante simulação cumpre essas determinações
codificadas? Ou a finalidade do ato praticado é satisfazer outros interesses, sem qualquer
vínculo com a constituição de uma família, uma plena união e comunhão de vida entre os
“negociantes”?
Se assim o é, dessume-se que, ao contrair o ato simulado como se fosse um
casamento, os participantes objetivam fraudar texto expresso e imperativo da Lei Civil,
porquanto não pretendem estabelecer uma plena comunhão de vida, como também não
pretendem assumir a mútua condição de consortes, companheiros e co-responsáveis pelos
encargos familiares, mas pretendem, única e exclusivamente, fraudar os ditames legais.
Em todos os casuísmos anotados, o objetivo dos contraentes foi: aquisição de
nacionalidade por um deles; esquivar-se do serviço militar; concessão de pensão
previdenciária; legitimação de filho; obtenção de emprego; evitar expulsão de um deles do
país; e, outrossim, garantir o direito de exercer atividade laborativa no Japão. Em nenhum
deles objetiva-se constituir uma família, com plena comunhão de vida entre os parceiros e
demais direitos e deveres dela advinda.
Anotam novamente José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira
Muniz: “As hipóteses praticamente importantes de casamento simulado são aquelas em
que as partes buscam o estado conjugal como um meio para a busca de finalidade diversa
da finalidade matrimonial típica. São as que correspondem à exemplificação do texto. Essa
instrumentalização do casamento (sua utilização como meio para fins jurídicos diversos)
263
não se encontra presente em hipóteses em que se busca criar mera aparência de
casamento.”
635
Com fundamento no sobredito artigo 166, inciso VI, e no artigo 167, parágrafo 1º,
item II, ambos do Código Civil de 2002, é possível a argüição de nulidade absoluta de um
matrimônio simulado, com todos os consectários legais de eventual reconhecimento do ato
nulo, pois fraudados foram os expressos textos dos artigos 1.511 e 1.565, caput do mesmo
Códex dentre outros tantos aspectos fáticos, jurídicos e legais.
Para finalizar este tópico, inolvidável é a anotação expressada por Silvio Luís
Ferreira da Rocha: “O direito matrimonial não aceita como causa de nulidade situações que
não estejam expressamente previstas em lei. Esta circunstância traduz-se pelo princípio
consagrado em Direito e que advém do Direito francês para o qual en matière de mariage,
pas de nullité sans texte (em matéria de matrimônio, não há nulidade sem texto), muito
embora este princípio esteja perdendo sua importância.”
636
Efetivamente, aduz Orlando Gomes, citado inclusive no sobredito texto: “Por
longo tempo se teve essa regra como princípio incontroverso, mas ultimamente se
começou a duvidar de sua consistência. Autores modernos consideram-na errônea,
afirmando que é arbitrária e conduz a conseqüências inadmissíveis; arbitrária, porque não
imposta pelos textos; absurda, porque deixa sem sanção casamentos absolutamente
inválidos. É sobre esse último aspecto que tem insistido a doutrina.”
637
Por essa lição, infere-se a possibilidade jurídica do reconhecimento do casamento
simulado como nulo, apesar da inexistência de texto legal expressamente disciplinando a
simulação como motivadora da nulidade do matrimônio.
Feitas essas análises dos vícios de consentimento e social, há que se prosseguir
com os demais tópicos.
635
José Lamartine Corrêa de Oliveira; Francisco José Ferreira Muniz, Curso de direito de família, p. 254, em
nota n. 66 de rodapé.
636
Silvio Luís Ferreira da Rocha, Introdução ao direito de família, p. 80.
637
Orlando Gomes, Direito de família, p. 118.
264
O inciso IV do propalado artigo 1.550 cuida da anulação do casamento “do
incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento”. Paulo Lins e
Silva comenta que “(...) o incapaz de livremente manifestar sua vontade ou consentir,
compara-se ao enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil
(art. 1.548, inc. I). Ambos estão inviabilizados de serem ativos na relação jurídica
constitutiva do ato solene de casamento, só que o novo legislador estabelece que no
primeiro caso, ou seja, do inciso IV do artigo 1.550, o ato é anulável e no segundo (art.
1.548, inc. I) é nulo.”
638
Em face disso, a finalidade é priorizar e amparar, como discorrido antes, os
princípios da dignidade da pessoa humana e o da cidadania, inerentes ao parceiro que
manifestou sua vontade, todavia sem o devido discernimento, sem a devida capacidade
civil para aquilatar os efeitos jurídicos de seu ato. Para a prática de todo e qualquer ato
jurídico, exige-se que o agente seja plenamente capaz, o que desperta maior relevância em
se tratando de casamento, que é o ato mais solene que se pode constatar no sistema jurídico
brasileiro. Com efeito, a inobservância desse requisito conduz à anulabilidade do vínculo
conjugal, preservando-se os sobreditos princípios fundamentais imanentes à própria
personalidade da pessoa humana.
O casamento por procuração também encontra motivos a anular o matrimônio
(inc. V), com expressas ressalvas legais: em caso de revogação do mandato, sem a ciência
do mandatário e do outro contraente, dês que inexista a coabitação entre os cônjuges,
consoante anotado linhas atrás. Só para elucidar, o parágrafo único desse artigo a esse
inciso se refere: “Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente
decretada.”
Destarte, revogado o mandato, o casamento não poderá ser realizado com a
presença do procurador constituído; se, não obstante, o ato realizar-se, ante a ausência de
conhecimento do outro pretendente, como do próprio mandatário, acerca dessa revogação,
o casamento poderá ser anulado, salvante a existência de posterior coabitação.
638
Paulo Lins e Silva, Da nulidade e da anulação do casamento, p. 42.
265
Paulo Lins e Silva afirma que essa situação jurídica aproxima-se “(...) do erro ou
num sentido inverso de uma reserva mental, estabelece o legislador que é anulável o
casamento realizado por procuração quando o outorgado estivesse de boa-fé utilizando um
mandato já anteriormente revogado, sem seu conhecimento. Ressalva apenas que tal
anulação não poderá ser intentada pelos mandatários se, após o ato solene, tiver sobrevindo
coabitação entre os cônjuges.”
639
Com o intuito de proteger a família constituída, protegendo por conseguinte as
pessoas que a compõem, assegura o legislador a validade jurídica desse consórcio, mesmo
se revogado o mandato, se ocorreu a coabitação, porquanto primeiro é injustificável a
argüição da própria torpeza em benefício seu e, depois, há que ser preservada a dignidade
do cônjuge que casou sem a presença do outro consorte, mas representado que estava por
procurador legal e formalmente constituído.
Interpretar a norma legal de outra forma conduziria a patente ofensa à dignidade
humana da pessoa do cônjuge presente, mormente após a existência de coabitação por
certo lapso temporal; essa convivência na condição de marido e mulher solidifica a família
que se constituiu por esse ato solene, a qual merece, nessa hipótese, ser preservada.
Por derradeiro, o inciso VI do referido artigo 1.550 trata da incompetência da
autoridade celebrante, que se refere, “evidentemente, de caso de incompetência relativa,
não se olvidando a questão de prejuízo para as partes, eis que o matrimônio realizado
nessas condições não afetaria qualquer interesse público, daí a razão de redundar, a
incompetência relativa da autoridade celebrante, tão-somente em anulabilidade”.
640
Essa incompetência relativa relaciona-se à competência em razão do lugar, ou
seja, casa-se perante autoridade matrimonial, todavia incompetente para celebrá-lo naquela
localidade, pois ali não exerce suas atribuições de juiz de casamento; esse ato nupcial é
anulável.
639
Paulo Lins e Silva, Da nulidade e da anulação do casamento, p. 43.
640
Camilo de Lelis Colani Barbosa, Direito de família: manual de direitos do casamento sob a ótica do
Código Civil Lei n. 10.406/2002, p. 68.
266
Ressalte-se que essa situação casamento perante autoridade incompetente é
inconfundível com a da celebração do matrimônio por pessoa que não ostenta a condição
de autoridade celebrante, por quem não possui atribuições de juiz de casamento ou de paz,
quando faltaria um elemento intrínseco e essencial ao ato nupcial (art. 1.514 do CC/2002),
qual seja, a própria celebração, resultando na inexistência do matrimônio.
Há que se considerar, no entanto, o que expressamente dita o artigo 1.554 do
Código Civil vigente: “Subsiste o casamento celebrado por aquele que, sem possuir a
competência exigida na lei, exercer publicamente as funções de juiz de casamentos e, nessa
qualidade, tiver registrado o ato no Registro Civil.”
Deveras, depois de habilitarem-se para o matrimônio, com a expedição do
respectivo certificado, os nubentes apresentam-se à celebração do ato nupcial, e fazem-no
perante a autoridade dita e havida publicamente como competente para a realização do ato
jurídico, a quem, de boa-fé, expressam o seus assentimentos para a convolação do enlace, a
qual, então, declara-os legalmente casados e determina a lavratura do respectivo assento;
descoberta posteriormente a incompetência dessa autoridade ainda que seja absoluta, isto
é, que a pessoa não possuía atribuições para esse encargo, mas o ostentava , o casamento
produzirá todos os efeitos de casamento válido e eficaz.
Comenta Fabrício Zamprogna Matiello: “Quem se apresenta como autoridade
celebrante sem ter a necessária competência, publicamente desempenhando as funções de
Juiz de Paz, acaba criando quando capaz de afastar o vício gerador da anulabilidade do
casamento. A validade e eficácia do vínculo assim constituído independe do ânimo com
que se porta o celebrante; estando de boa ou de má-fé, a sua atuação será considerada
prevalente em relação aos cônjuges, que, afinal, acreditaram na sua investidura e
competência.”
641
Sílvio Rodrigues acolhe o texto vigente, argumentando que “parece inegável o
acerto dessa orientação, inspirada no intuito de dar validade a um enlace que defluiu
manifestamente da vontade de partes desimpedidas e cujo defeito não se encontra na
pessoa dos contraentes de boa-fé”.
642
641
Fabrício Zamprogna Matiello, Código Civil comentado, p. 1.008.
642
Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 93.
267
Visando amparar a dignidade da pessoa dos contraentes, que se casaram crédulos
de que o faziam perante a autoridade matrimonial competente, união essa consolidada nos
preceitos e princípios fundamentais do vínculo familiar (afeto, carinho, cumplicidade e
respeito), explicitamente criou o legislador a subsistência desse matrimônio, com a
preservação desses elementos, como da própria família conjugal ou matrimonial que se
constituiu. Sobreleva-se a essencial formalidade legal em prol da nova família formada e,
por conseguinte, dos parceiros que a constituíram.
Pelo sobredito artigo 1.554, criou-se a figura da autoridade aparente, decorrente
da teoria da aparência, consoante relato expressado por Fabrício Zamprogna Matiello, uma
vez que “a anulação viria em prejuízo da boa-fé dos cônjuges, afetando a credibilidade do
instituto e desprestigiando a firmeza da vontade manifestada no momento do enlace”.
643
O casamento putativo é narrativa imperiosa e inevitável em discurso alusivo às
causas de nulidade do casamento, sobretudo neste trabalho, que traduz a mantença e
preservação do vínculo familiar constituído por um casamento, sempre que se fizer
possível, sobrelevando-se formalidades e vícios de vontade, repita-se, quando isso não
ocasionar prejuízos e transtornos para o digno interesse dos parceiros que compõem essa
nova família conjugal ou matrimonial.
Nesse pormenor, imprescindível a descrição do que se deva entender por
casamento putativo
644
, descrito no artigo 1.561 e seus parágrafos do Código Civil de 2002,
que significa a concessão de eficácia jurídica ao casamento cuja nulidade, absoluta ou
643
Fabrício Zamprogna Matiello, Código Civil comentado, p. 1.008.
644
José Oscar De Plácido e Silva explica: “Qualificado pelo vocábulo ‘putativo’, derivado do verbo latino
putare (limpar, julgar, crer), bem se tem o exato sentido da expressão. E, assim, ‘casamento putativo’ se diz
daquele que, mesmo nulo ou anulável, foi praticado com a ‘crença’ de que estavam sendo atendidas todas
as formalidades e regras de direito. E, por esta razão, mesmo quando anulado, produz seus efeitos, até que
se pronuncie o decisório, que julga de sua nulidade ou anulação, em relação aos esposos de boa-fé e a seus
filhos, havidos na vigência do casamento.” (Vocabulário jurídico, v. 1, p. 399). Esclarece Camilo de Lelis
Colani Barbosa, outrossim, que “a nomenclatura ‘casamento putativo’ fixou-se, definitivamente, com os
canonistas dos séculos XV e XVI. Várias outras foram utilizadas param designar o instituto, tais como
‘quase matrimônio’ (Lombardo); ‘quase casa’ (Hertius). Como a própria terminologia define, o casamento
putativo é um casamento que possui aparências de estar juridicamente válido, mas, por estar viciado, é
passível de nulidade, anulabilidade e inexistência. Entretanto, aquele que imaginou a dita validade, seja ele
cônjuge ou terceiro diretamente afetado, aproveita alguns efeitos provenientes do casamento por ser
portador de boa-fé” (O casamento no novo Código Civil brasileiro, p. 170-171).
268
relativa, fora reconhecida, ante a boa-fé de um ou de ambos os contraentes
645
, ressaltando
que, para os eventuais filhos desse relacionamento, sempre haverá eficácia de matrimônio,
independente da boa ou má-fé dos genitores, quando da celebração do ato nupcial.
Yussef Said Cahali, em específica monografia, assim o define: “Daí, ou por
motivo político, ou por indulgência para com o cônjuge de boa-fé e comiseração para com
a prole; ou devido a razões humanitárias e de equidade, o ordenamento jurídico foge à
sistemática própria e empresta àquele casamento anulado, ou mesmo nulo, efeitos do
casamento válido, até que a nulidade seja pronunciada.”
646
Arremata Camilo de Lelis Colani Barbosa: “Não se trata, por evidência, de
prorrogação de validade ou de convalidação do matrimônio, que continuará nulo ou
anulável. Trata-se, tão-somente, de considerá-lo válido, para algumas finalidades
específicas e em razão somente do cônjuge que estiver de boa-fé, até a sentença que vier a
declarar a sua nulidade ou anulação.”
647
Amparada pois na prevalência dos interesses maiores e prioritários da família
constituída pelo casamento nulo ou anulável e na dignidade das pessoas pessoas que a
constituem, sobretudo do ou dos cônjuges que agiram de boa-fé, com total
desconhecimento do vício que incidia sobre o casamento, o instituto da putatividade
garante efeitos jurídicos a esse relacionamento, preservando direitos pessoais e
patrimoniais advindos do ato nupcial a essas pessoas princípio da cidadania.
O casamento putativo, com efeito, preserva os direitos, interesses, princípios e
preceitos dignos da pessoa que agiu com boa-fé, em nada colaborando para que o
matrimônio contivesse a nulidade, absoluta ou relativa, que o invalida juridicamente.
648
645
Com o fito de evitar discrepâncias interpretativas, o Projeto de Lei n. 6.960/2002 pretende acrescentar o
parágrafo 3º a esse artigo: “Os efeitos mencionados no caput deste artigo se estendem ao cônjuge coato”,
haja vista que, ao menos em tese, tinha ele conhecimento do vício que maculava o ato nupcial, o qual não
argüiu ante a indigitada coação.
646
Yussef Said Cahali, Casamento putativo, p. 2.
647
Camilo de Lelis Colani Barbosa, O casamento no novo Código Civil brasileiro, p. 170.
648
Maria Helena Diniz leciona que “O casamento nulo, mesmo sem ser putativo, acarreta efeitos como: (a)
comprovação da filiação; (b) matrimonialidade dos filhos com o reconhecimento da maternidade e da
paternidade; (c) manutenção do impedimento de afinidade; (d) proibição de casamento da mulher nos 300
dias subseqüentes à dissolução da sociedade e do vínculo conjugal pela sentença que decreta a nulidade; e
(e) atribuição de alimentos provisionais ao cônjuge que deles precisar enquanto aguarda a decisão judicial.”
(Curso de direito civil brasileiro: direito de família, v. 5, p. 220).
269
Com conotação meramente didática e elucidativa, há que se fazer uma indagação:
a putatividade do matrimônio alcança as situações relacionadas como de inexistência desse
ato?
Os doutrinadores nacionais debatem-se sobre essa situação, reinando sérias
divergências e controvérsias; no entanto, merece atenção o discurso apresentado por
Yussef Said Cahali: “Assim, e na justa observação de Messineo, parece razoável que se
possa considerar a ocorrência de matrimônio putativo, não apenas nos casos de nulidade do
matrimônio, mas também naqueles em que se considera inexistente o casamento (falta ou
declaração de vontade de um só dos esposos e falta de celebração); porquanto, sendo o
matrimônio putativo fundado no estado de boa-fé dos cônjuges, a distinção entre nulidade
e inexistência (mesmo para os que a admitem) não modifica a essência e a função da boa-
fé. É que, até como sociedade de fato, a união livre pode produzir conseqüências jurídicas
amparadas pela mesma autoridade da boa-fé.”
649
O casamento nulo ou anulável e, nessa concepção, até mesmo o inexistente
pode ser reconhecido como matrimônio putativo, ou seja, produzir efeitos de casamento
válido, até o momento da prolação da sentença que reconhece a invalidade jurídica do
enlace; essa declaração de putatividade “pode ocorrer na própria ação anulatória ou em
processo autônomo promovido pelo(s) cônjuge(s) enganado(s), pelos filhos ou por
terceiros que tenham interesse na declaração, se a sentença foi omissa a esse respeito”.
650
Para encerrar este tópico relacionado aos vícios matrimoniais, menciona-se a
conclusão de Francisco José Cahali, em estudo sobre a nulidade ou anulação matrimonial:
“o tema, à época da promulgação do anterior Código Civil até 1977, era de enorme relevo,
pois, ao lado da viuvez, constituía a única saída legal para alguém se evadir do liame
conjugal. O advento da Lei do Divórcio tornou obsoleto o recurso à anulação do
casamento. A enorme facilidade de divórcio, proporcionada pela Constituição de 5 de
outubro de 1988, e confirmada no Código de 2002, decerto representa uma borracha a
apagar as regras sobre a nulidade do casamento”.
651
649
Yussef Said Cahali, O casamento putativo, p. 54.
650
Eduardo de Oliveira Leite, Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 114.
651
Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 106.
270
Com efeito, muito mais prático, célere, eficiente e com menor desgaste, inclusive
emocional, pleitear a dissolução do matrimônio pelo divórcio, mormente, fulcrado em
separação de fato, do que o aforamento de ação anulatória do casamento, cuja instrução do
processo é muito mais árdua e custosa, sem aparentes vantagens e efeitos práticos e (ou)
jurídicos que valham o esforço.
4.11.4 A separação judicial
A separação judicial resulta no término do casamento, com a dissolução da
sociedade conjugal existente entre os parceiros, mantendo a integralidade do vínculo
matrimonial, tanto que poderão os ex-cônjuges, se assim for dos seus recíprocos interesses,
restabelecerem esse matrimônio, consoante estatuído no artigo 1.577 do Código Civil de
2002, resguardados, por óbvio, os eventuais direitos e interesses de terceiras pessoas
(parágrafo único), mormente os concebidos no interregno da separação judicial.
Com efeito, decretada a separação, permanecem alguns resquícios da família
matrimonial ou conjugal que, enquanto não dissolvido o vínculo do matrimônio, poder-se-
á restabelecê-lo, na estrita vontade e interesse dos ex-parceiros.
Algumas críticas são apresentadas com relação à mantença no sistema jurídico
contemporâneo do instituto da separação judicial, porquanto, ao manter intacto o vínculo
matrimonial, impõe ao casal o necessário retorno ao Poder Judiciário para obterem a
efetiva e integral dissolução do casamento pelo divórcio, o que somente aflora os
ressentimentos e conflitos que porventura estivessem arrefecidos.
Nesse ponto posiciona-se Luiz Felipe Brasil Santos, e justifica nos seguintes
termos: “Desperdiçou o legislador excelente oportunidade de extinguir o já anacrônico
instituto da separação judicial, cuja manutenção em nosso ordenamento jurídico não mais
se justifica. Primeiro, porque é uma ‘meia solução’ para o matrimônio falido, uma vez que
não põe fim ao casamento e, por conseqüência, inviabiliza novo consórcio enquanto não
formalizado o divórcio. Segundo, porque as razões que levaram à sua manutenção quando
da edição da Lei n. 6.515/77 não mais subsistem, considerando que a sociedade brasileira
271
já amadureceu o suficiente para perceber que o divórcio não significou o fim da família,
mas, sim, uma solução para as uniões onde pereceu o afeto, condição de subsistência do
relacionamento conjugal.”
652
destacou-se.
A única vantagem dessa permanência legislativa, se assim se pode dizer, é a
possibilidade do restabelecimento da sociedade conjugal, independentemente de novo
casamento, como dita Maria Berenice Dias, “(...) separação, ao contrário do divórcio,
dispõe do que se poderia chamar de cláusula de arrependimento”. Continua a mesma
autora: “Esse único benefício mostra-se deveras insignificante, até porque raros são os
pedidos de reversão da separação de que se tem notícia. Há a necessidade de contratar
advogado e, além das delongas para o desarquivamento do processo, indispensável é a
intervenção judicial. Tudo isso demanda tempo e dinheiro. Mais prático e mais barato
além de mais romântico é celebrar um novo casamento, que até gratuito é (CF 226 §
1º).”
653
destacou-se.
Efetivamente, positivado o divórcio como único instituto a romper com a
sociedade conjugal e com o casamento, dificuldade nenhuma operaria aos ex-parceiros,
pois teriam as portas de um novo casamento escancaradas para restabelecerem entre si uma
outra união matrimonial, reconstituindo a sua família conjugal.
Assim não fez o legislador, de sorte que permanecem íntegros o instituto da
separação judicial e do divórcio no ordenamento jurídico brasileiro.
Entre os artigos 1.572 e 1.578 do sobredito Código, estão estampadas as normas
substantivas relacionadas à separação judicial, sendo certo que no primeiro deles estão
tipificadas as suas modalidades litigiosas, assim denominadas: separação como sanção,
fulcrada na culpa de um dos cônjuges pelo rompimento do consórcio matrimonial (caput);
separação-falência, cuja base é a separação de fato há mais de um ano e a conseqüente
impossibilidade de reconstituição (§ 1º); e a separação-remédio, decorrente da grave
doença mental que acomete um dos cônjuges, “(...) manifestada após o casamento, que
652
Luiz Felipe Brasil Santos, A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, p. 147.
653
Maria Berenice Dias, Manual de direito das famílias, p. 289.
272
torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de 2
(dois) anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável” (§ 2º).
654
Essas mesmas espécies de separação judicial litigiosa estavam disciplinadas na
Lei do Divórcio, em seu artigo 5º e parágrafos, com a separação culposa embutida na
cabeça do artigo, a falência no parágrafo 1º e a remédio no segundo cujo prazo de
duração da doença mental era de cinco anos.
Estabelece ainda o Código Civil de 2002 a possibilidade da separação judicial
consensual em seu artigo 1.574, com o seguinte teor: “Dar-se-á a separação judicial por
mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de 1 (um) ano e o
manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção”. Igual
modalidade previa a Lei n. 6.515/1977, cujo artigo 4º determinava que o tempo de
casamento haveria de ser de dois anos.
655
O lapso temporal mínimo para que se possa pleitear a separação amigável é
nomenclaturado como prazo de experiência ou período de provação, cuja finalidade é
evitar precipitações; para tanto, Sílvio Rodrigues destaca: “É sabido que os primeiros
tempos da vida de casado são os mais difíceis, por envolver uma penosa acomodação de
um cônjuge ao outro. Por isso, para evitar que os desajustes superáveis sejam a causa de
uma dissolução, decerto afastável com alguma transigência, o legislador impede a
formulação do pedido de separação judicial consensual antes do transcurso desse prazo de
um ano. Assim, tenta evitar pedidos levianos.”
656
Prossegue o autor, argumentando a eficiência jurídica desse tempo: “Muito se
questiona, entretanto, se não poderia ter sido mais avançado o novel legislador,
principalmente considerando o fato de que, na sociedade contemporânea, é usual aos
noivos manterem maior proximidade e intimidades anteriormente ao casamento, até porque
654
Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, p. 360.
655
Eduardo de Oliveira Leite aplaude a redução do tempo, afirmando que “o consenso é suficiente a
determinar a validade da decisão” (Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 146).
656
Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 212. Os Projetos de Lei ns. 6.960/2002 e
4.945/2005 pretendem extirpar do sistema jurídico brasileiro esse prazo de experiência ou provação.
273
os compromissos são assumidos geralmente quando já atingido um amadurecimento maior
dos envolvidos.”
657
A permanência desse prazo de experiência ou provação em pedido de separação
judicial consensual é despiciendo, não só por ofender o princípio da liberdade dos
cônjuges, e por conseguinte de suas respectivas dignidades, mas principalmente ante a
existência do instituto jurídico da reconciliação ou de restabelecimento da sociedade
conjugal, que se operará a qualquer momento, mediante a vontade expressada pelo casal,
sem maiores problematizações ou delongas judiciais.
Poder-se-ia argumentar que isso seria um desprestígio à família matrimonial ou
conjugal que se constituiu; todavia, muito ao contrário, esse vínculo há de ser mantido e
tudo se fará para que se mantenha, inclusive sobrelevando formalidades do próprio
casamento, dês que satisfeitos e integralizados os preceitos que o solidificam, ou seja,
manter-se-á a família conjugal se presentes, vivaz e ardentes, estiverem o afeto, o carinho,
o respeito, enfim, o amor entre os cônjuges; em contrapartida, se preponderar o desamor,
inexistem argumentos que justifiquem a mantença do casamento, uma vez que a família
matrimonial dele decorrente será verdadeira falácia, surgindo a dissolução como a solução
ideal.
Aliás, o parágrafo único do comentado artigo 1.574 determina que “o juiz pode
recusar a homologação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não
preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges”; por esse
fundamento, evidente a conhecida cláusula de dureza presente no artigo 6º da Lei do
Divórcio: o magistrado, constatando que o casal, ou um deles, não está convicto do ato a
ser praticado, usufruindo legitimamente do seu poder discricionário, pode e deve suspender
o procedimento judicial, fixando um tempo suficiente para os reinquirir.
658
Esse poder-dever é aplicável à separação judicial consensual, independentemente
do tempo de casamento, inclusive se o casal estiver casado há menos de um ano, momento
657
Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 213.
658
Anota Silvio Luís Ferreira da Rocha: “Com o novo Código Civil, o magistrado não mais poderá negar-se a
decretar a separação-ruptura, muito embora uma interpretação extensiva do parágrafo único do artigo 1.574
possa, em tese, justificar a aplicação da cláusula de dureza em circunstâncias excepcionais.” (Introdução ao
direito de família, p. 133).
274
em que, desacreditado da real intenção dos cônjuges ou da insegurança de um deles,
poderia postergar a homologação do ato judicial, aguardando momento oportuno e propício
para aferir seu convencimento.
O Código de Processo Civil possui procedimento que se coaduna e avaliza o aqui
narrado, como se infere da parte final do seu artigo 1.122, parágrafo 1º: “(...) em caso
contrário [não se convencendo o juiz da vontade das partes], marcar-lhes-á dia e hora, com
15 (quinze) a 30 (trinta) dias de intervalo, para que voltem, a fim de ratificar o pedido de
separação consensual”, como explica Antonio Carlos Marcato, pois, inexistindo a
conciliação, e “(...) não se convencendo o juiz de que a vontade de separação manifestada
pelos cônjuges é livre e sem hesitações, não homologará imediatametne o pedido; ao
contrário, marcar-lhes-á dia e hora, com 15 a 30 dias de intervalo, a fim de que meditem
melhor e, persistindo em seu intento de separação, voltem a juízo e ratifiquem o pedido já
formulado”.
659
Idêntico proceder, se necessário, aplicar-se-á à separação amigável, sem qualquer
prazo de experiência ou período de provação.
Na prática, indiretamente esse prazo já era desconsiderado, em face de reiteradas
concessões de medidas cautelares de separação de corpos consensuais, como se pode
verificar:
“SEPARAÇÃO DE CORPOS Possibilidade jurídica do pedido Indeferimento da
inicial Inadmissibilidade. É possível o pedido de separação de corpos em requerimento
conjunto dos cônjuges, mesmo antes de completados os dois anos de casamento, pois a
eficácia da liminar não está subordinada ao prazo do artigo 806 do Código de Processo
Civil.” (TJMG AC n. 263.678-5/00, 2ª Câmara Cível, rel. Des. Nilson Reis, DJMG, de
9.5.2003, Revista Brasileira de Direito de Família 18:138).
“MEDIDA CAUTELAR Separação de corpos Requerimento conjunto dos cônjuges,
antes de dois anos de casamento Admissibilidade. Mesmo antes de completar-se o
biênio do casamento, admite-se a separação de corpos para evitar atritos entre os cônjuges
na convivência conjugal.” (TJS Ap. n. 184.855-1/9, 1ª Câmara Civil de Férias, rel. Des.
Alexandre Germano, j. 26.1.1993, v.u., RT 699:69).
659
Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, p. 365.
275
Depois de referendar a existência de inúmeras decisões judiciais nessa orientação,
Belmiro Pedro Welter complementa que “a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
apadrinha esse pensamento”.
660
Superada essa fase relacionada à separação judicial consensual, indispensável é a
anotação de algumas linhas sobre a culpa como fator preponderante na separação judicial
litigiosa, consoante reza o artigo 1.572, caput do Código Civil de 2002: “Qualquer dos
cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que
importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.”
Anota Eduardo de Oliveira Leite que: “Lamentavelmente, e em manifesto
retrocesso, o legislador ressuscitou a figura da ‘culpa’, como fundamento da separação
judicial, quando, tanto a doutrina, quanto a jurisprudência, já haviam superado esta fase de
argumentação e justificativa da ruptura da sociedade conjugal.”
661
Severas críticas são endereçadas a esse dispositivo legal que mantém a culpa
como paradigma causal da separação judicial entre marido e mulher, quando se sabe que os
conflitos existentes entre o casal não nascem de um e certo, determinado, delimitado e
específico fato, muito menos em exato instante da relação; em verdade, o relacionamento
que iniciar o caminhar ao seu extermínio esfacela-se paulatinamente, dia a dia, com a
somatória de fatores que desgastam o convívio conjugal, até a ocorrência de fator
aparentemente motivador do desenlace, mas, na realidade, apenas o derradeiro
acontecimento, a vulgar “gota d’água” que transborda todos os ressentimentos, angústias e
dissabores da relação matrimonial.
Pode-se afirmar com certa segurança que, no máximo, um dos cônjuges pode ter
responsabilidade por 51% dos motivos que resultaram em dissabores contínuos ao outro;
no entanto, pode-se assegurar que esse outro seja o responsável pelos demais 49%;
destarte, é justamente a soma dessas responsabilidades que arruína o afeto, carinho e
respeito mútuos, ocasionando a necessária dissolução do vínculo.
660
Belmiro Pedro Welter, Separação e divórcio, p. 182.
661
Eduardo de Oliveira Leite, Direito civil aplicado: direito de família, v. 5, p. 144.
276
Como ensina, desde a década de 70, João Baptista Villela: “Vício seriíssimo da
Lei é o de ainda se estruturar sobre o velho e decadente princípio da culpa. A mais
significativa evolução que se processa hoje no mundo, em matéria de divórcio, é o
abandono do princípio da culpa (Verschuldensprinzip) em favor do princípio da
deterioração factual (Zerrüttungsprinzip). De um lado, não cabe ao Estado intervir na
intimidade do casal para investigar quem é culpado e quem é inocente nesta ou naquela
dificuldade supostamente invencível. Depois, haverá algo de mais presunçoso que se crer
capaz de fazê-lo? Dizer quem é culpado e quem não o é, quando se trata de um
relacionamento personalíssimo, íntimo e fortemente interativo como é o conjugal chegaria
a ser pedante, se antes disso não fosse sumamente ridículo. Nem os cônjuges, eles próprios,
terão muitas vezes a consciência de onde reside a causa de seu malogro, quase sempre
envolta na obscuridade que, em maior ou menor grau, impregna todas as ações
humanas.”
662
Impor a culpa a um só dos cônjuges é demasiado grave, ante a partilha de
responsabilidades cotidianas pelo rompimento dos preceitos que, em certo tempo, foram os
agregadores dessa relação afetuosa entre essas mesmas pessoas.
663
Descartável não é, muito ao contrário, considera-se como plausível que um dos
cônjuges tenha perpetrado o ato derradeiro, limítrofe da suportabilidade da convivência
marital; esse fora o motivo que ditou a insuportabilidade da vida em comum, autor da
referida, famosa e popular “gota d’água”; entretanto, não pode suportar sozinho toda a
responsabilidade pelo fim do relacionamento, tal como réu e vítima, culpado e inocente.
Destaca Rodrigo da Cunha Pereira: “É muito mais fácil pensar que o culpado é
sempre o outro cônjuge. Assim, a responsabilidade é sempre do outro. É impressionante
como as versões de um mesmo casamento apresentam-se completamente diferentes,
662
João Baptista Villela, Separação, divórcio & concubinato, p. 189.
663
Nesse teor a seguinte ementa do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “APELAÇÃO CÍVEL.
Separação judicial. Desnecessidade de definir a culpa. Nas relações conjugais não se pode atribuir, de
forma simplista, culpa a quem quer que seja, em decorrência da falência da relação conjugal, que se deve,
em verdade, à corrosão dos relacionamentos, por uma série de fatores comportamentais muito mais
complexos, que não cabem dentro da singela divisão maniqueísta entre inocentes e culpados. No caso
concreto mais se evidencia a desnecessidade da atribuição da culpa ao varão, visto que nenhuma seqüela
jurídica dela advirá, evidenciando-se que a vontade da apelante constitui mera materialização de um
lamentável desejo de vingança, infelizmente tão comum após o fracasso das relações conjugais.
Desproveram o apelo. Unânime.” (TJRS AC n. 70003528262, 7ª Câmara Cível, rel. Des. Luiz Felipe
Brasil Santos, j. 20.2.2002, v.u.).
277
segundo o ângulo de cada parte. Existirá mesmo uma verdade no litígio conjugal, ou são
apenas versões que fazem aversões? Quem terá razão no fim do casamento?”
664
Decerto, há que haver motivos, razões, fatores que justifiquem o rompimento
desse convívio conjugal, sobretudo quando o pleito é idealizado, motivado e querido por
um só dos cônjuges, sem que o outro assim aquiesça, porquanto, se houver consenso,
questionamento nenhum se fará, ao contrário, convencido da intenção dos separandos, o
juiz somente homologará a pretensão. Todavia, esses motivos, razões ou fatores
prescindem da exclusiva e arraigada idéia e motivação culposa.
Maria Berenice Dias vale-se do princípio da dignidade da pessoa humana para
afastar a idéia da culpa, e argumenta: “A perquirição da causa da separação vem perdendo
prestígio, ainda quando tenha havido a indicação da responsabilidade do demandado pela
insuportabilidade da vida em comum. Seja porque é difícil atribuir a só um dos cônjuges a
responsabilidade pelo fim do vínculo afetivo, seja porque é absolutamente indevida a
intromissão na intimidade da vida das pessoas, tal motivação vem sendo desprezada pela
jurisprudência. Uma vez que um dos cânones maiores das garantias individuais é o direito
à privacidade e à intimidade, constitui violação do sagrado direito à dignidade da pessoa
humana a ingerência do Estado na vida dos cônjuges, obrigando um a revelar a intimidade
do outro, para que, de forma estéril e desnecessária, imponha o juiz a pecha de culpado ao
réu.”
665
Assim também o faz Eduardo de Oliveira Leite: “Ao tratar, porém, da separação
judicial, o novo Código Civil incide em notável retrocesso. O Código mantém viva as
idéias de separação-sanção (ou culpa) e separação-remédio. Se uma das premissas
664
Rodrigo da Cunha Pereira, A culpa no desenlace conjugal, p. 327.
665
Maria Berenice Dias, Da separação e do divórcio, p. 71. Interessante o seguinte acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA. Violação dos deveres
conjugais. Culpa. Prova. É remansoso o entendimento de que descabe a discussão da culpa para a
investigação do responsável pela erosão da sociedade conjugal. A vitimização de um dos cônjuges não
produz qualquer seqüela prática, seja quanto à guarda dos filhos, partilha de bens ou alimentos, apenas
objetivando a satisfação pessoal, mesmo por que difícil definir o verdadeiro responsável pela deterioração
da arquitetura matrimonial, não sendo razoável que o Estado invada a privacidade do casal para apontar
aquele que, muitas vezes, nem é o autor da fragilização do afeto. A análise dos restos de um consórcio
amoroso, pelo Judiciário, não deve levar à degradação pública de um dos parceiros, pois os fatos íntimos
que caracterizam o casamento se abrigam na preservação da dignidade humana, princípio solar que sustenta
o ordenamento nacional.” (TJRS AC n. 70005834916, 7ª Câmara Cível, rel. Des. José Carlos Teixeira
Giorgis, j. 2.4.2003, v.u. Maria Berenice Dias, Manual de direito das famílias, p. 298).
278
fundamental das garantias individuais é o direito à privacidade e à intimidade, a ingerência
do Estado na vida dos cônjuges, obrigando um a revelar a intimidade do outro, não é só
abusiva, mas constitui flagrante comprometimento do direito à dignidade da pessoa
humana, sem considerarmos as injustiças que, certamente, ocorreriam no cotidiano do
foro.”
666
Dessume-se, por essas posições, que a indagação relacionada à culpa ofende a
Constituição da República, ante o princípio da dignidade da pessoa humana.
Há que se destacar, no entanto, que Regina Beatriz Tavares da Silva sufraga o
mesmo princípio fundamental para justificar a manutenção da separação judicial litigiosa
em debate.
667
Sérgio Gischkow Pereira informa que, “em termos nacionais, a doutrina e a
jurisprudência, largamente dominantes, continuam a trabalhar com a culpa”, e justifica seu
pensar acerca da culpa e sua inconstitucionalidade: “Com toda a vênia, ainda não me
convenci do argumento de inconstitucionalidade, não me parecendo razoável não possa o
legislador sequer prever separação com culpa. ‘E sinto-me à vontade para manifestar esta
posição, visto que sou a favor da eliminação da culpa’. Apenas vejo que o direito brasileiro
insiste em mantê-la na lei federal e cumpre ao intérprete e aplicador acatar esta opção
legislativa. Acho forçada a construção pela inconstitucionalidade. Não só forçada em si
própria, como também duvidosa pela circunstância de que também integraria o conceito de
dignidade humana, na elasticidade que a corrente contrária está querendo lhe atribuir, o
direito moral da parte que se sente ofendida de demonstrar que não foi ela a culpada pela
destruição do casamento (dentro das noções correntes de moral média, as quais ainda
impregnam as valorações do povo). A lei federal não está obrigando ninguém a seguir o
caminho tortuoso e difícil da separação sanção! Por isto é também difícil atinar com
inconstitucionalidade porque estivesse sendo desrespeitada a dignidade humana.”
668
666
Eduardo de Oliveira Leite, Os sete pecados capitais do novo direito de família, p. 73.
667
Regina Beatriz Tavares da Silva, Novo Código Civil: tutela da dignidade da pessoa humana no casamento,
p. 123.
668
Sérgio Gischkow Pereira, Estudos de direito de família, p. 75.
279
Efetivamente, o princípio da dignidade da pessoa humana é recíproco, uma vez
que tanto ampara os interesses do cônjuge aforado como “culpado”, quanto os do
“inocente”, donde a aferição de qual prevalecerá, somente em cada situação concreta é que
se poderá fazê-lo; ademais, a resistência teórica à existência da culpa como causa de
dissolução do matrimônio não inviabiliza a sua positivação jurídica, donde fundamenta a
possibilidade jurídica de sua argumentação em juízo.
O que está evidente é que, por ora, a culpa está positivada no ordenamento civil
brasileiro como causa motivadora da separação judicial litigiosa, podendo-se, para
amenizar sua incidência na intimidade do casal, interpretá-la como responsabilidade pela
prática do fato violador dos deveres conjugais que tornou insuportável a vida em comum.
Em arremate a esse enfoque, a ponderação de Antonio Cezar Peluso: “O intuito
desta exposição é propor uma reflexão crítica sobre tema que, figurando objeto do
ordenamento jurídico brasileiro, na província do direito de família, está, segundo creio, em
descompasso com as exigências mais profundas da renovação da própria concepção
sociológica das funções familiares e em aberto desacordo com valores e princípios
tendentes a concretizar a idéia de Justiça.”
669
Com o fito de amenizar o texto legal, pelo Enunciado n. 100, a I Jornada de
Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal recomenda a
“apreciação objetiva de fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”
como critério interpretativo do artigo 1.572 do Código atual.
Para complementar a tipificação da impossibilidade de vida em comum, o artigo
1.573 do Código Civil de 2002 oferece seis situações fáticas com repercussões jurídicas:
adultério; tentativa de morte; sevícia ou injúria grave; abandono voluntário do lar
conjugal, durante um ano contínuo; condenação por crime infamante; e conduta
669
Antonio Cezar Peluso, A culpa na separação e no divórcio: contribuição para uma revisão legislativa, p.
41.
280
desonrosa
670
. Complementa seu parágrafo único: “O juiz poderá considerar outros fatos
que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.”
Essas causas, com efeito, são meramente exemplificativas, uma vez que outros
fatores poderão ser sopesados pelo magistrado e, diante da situação litigiosa que lhe é
apresentada, considerá-los como motivadores da impossibilidade de comunhão de vida;
assim sendo, decretará a separação judicial.
Ressalte-se que, nessa hipótese (do parágrafo único), inexistem culpados ou
inocentes réu ou vítima, certo ou errado, bom ou mau , existe sim um fato concreto, sem
culpa ou violação de dever matrimonial, que ocasiona a impossibilidade da vida em
comum do casal; reitere-se, independe de culpa de quem quer que seja.
rios motivos podem justificar o aforamento de pedidos de separações judiciais,
tais como: alteração de convicção religiosa; incompatibilidade de gênios; e, até mesmo, o
término do amor, ou seja, o arrefecimento dos princípios embasadores da convivência
conjugal (afeto, carinho, cumplicidade e respeito), sem que haja um verdadeiro culpado, ou
sem que se saiba decifrar o porquê e como isso se verificou, ainda que qualquer dos
cônjuges descumpra seus deveres conjugais.
Leciona Francisco José Cahali que essa inovação legislativa criou uma nova
modalidade de separação judicial litigiosa, qual seja a separação sem culpa, mas com
causa, haja vista que “comprovada a inviabilidade de convivência, o pedido unilateral pode
ser feito. E diferencia-se das demais causas-remédio, pois a iniciativa da ação independe
670
Em sua redação originária, o Código Civil de 1916 dispunha em seu artigo 317 o seguinte: “A ação de
desquite só se pode fundar em algum dos seguintes motivos: I. adultério; II. tentativa de morte. III. sevícia
ou injúria grave; IV. abandono voluntário do lar conjugal, durante dois anos contínuos”. Todavia, esse
artigo foi expressamente revogado pela vigência da Lei do Divórcio, em face do determinado em seu artigo
54: “Revogam-se os artigos 315 a 328 e o parágrafo 1º do artigo 1.605 do Código Civil e as demais
disposições em contrário”. O Projeto de Lei n. 6.960/2002 pretende alterar o inciso I para infidelidade, cujo
significado é muito mais amplo que o adultério, que é um modo de infidelidade, e, no inciso IV, extirpar a
frase “durante um ano contínuo”. A I Jornada de Direito Civil pretendia revogar esse artigo 1.573
(Enunciado n. 123), no entanto, pelo Enunciado n. 254 aprovado pela III Jornada, entendeu-se que:
“Formulado o pedido de separação judicial com fundamento na culpa (art. 1.572 e/ou art. 1.573 e incs.), o
juiz poderá decretar a separação do casal diante da constatação da insubsistência da comunhão plena de
vida (art. 1.511) que caracteriza hipótese de ‘outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida
em comum’ sem atribuir culpa a nenhum dos cônjuges.”
281
do transcurso de prazo, podendo ser buscada a separação tão logo verificada a
incompatibilidade entre o casal”.
671
Euclides de Oliveira e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, em referência
ao já citado artigo 1.511 da Lei Civil atual, referendam que sua interpretação “(...) poderá,
quiçá, emoldurar, contrario sensu, uma hipótese de causa para ruptura da sociedade
conjugal, naqueles casos em que pudesse restar comprovado que a comunhão existente
entre os cônjuges já não é mais plena, mormente quanto ao aspecto espiritual do
casamento. (...) tendo por fundamento a tão alardeada ‘incompatibilidade de gênios’”.
672
O Superior Tribunal de Justiça, em paradigmático acórdão, antes mesmo da
vigência do Estatuto Civil de 2002, sentenciou a separação judicial litigiosa sem culpa,
ante a demonstração da insuportabilidade da vida em conjunto, como se confere:
“SEPARAÇÃO Ação e reconvenção Improcedência de ambos os pedidos
Possibilidade da decretação da separação. Evidenciada a insuportabilidade da vida em
comum, e manifestado por ambos os cônjuges, pela ação e reconvenção, o propósito de se
separarem, o mais conveniente é reconhecer esse fato e decretar a separação, sem
imputação da causa a qualquer das partes.” (STJ RESP n. 467.184SP, 4ª Turma, rel.
Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 5.12.2002, v.u.)
673
Em seu voto, o ministro relator argumentou:
“2. Manifestando os cônjuges o propósito de obter do juiz o decreto de separação, e não
provados os motivos que eles apresentaram, mas configurada a insuportabilidade da vida
conjugal, parece que a melhor solução é decretar-se a separação do casal, sem imputar a
qualquer deles a prática da conduta descrita no artigo 5º da Lei n. 6.515, de 26.12.1977,
deixando de se constituir a sentença um decreto de separação-sanção para ser apenas uma
hipótese de separação-remédio.”
674
Com efeito, inexiste um cônjuge culpado pelo esfacelamento da relação
matrimonial, entretanto, existe um motivo a justificar o rompimento do matrimônio, no
caso, a insuportabilidade da vida em comum demonstrada pelos fatos carreados aos autos
da separação judicial litigiosa, em ação e reconvenção.
671
Francisco José Cahali, em atualização à obra de Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p.
233. Rolf Madaleno anota e referenda essa tese (Direito de família em pauta, p. 55).
672
Euclides de Oliveira; Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Do casamento, p. 12.
673
Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, Síntese; IBDFAM, n. 16, p. 87, jan./mar. 2003.
674
Ibidem, p. 89.
282
Yussef Said Cahali cita, dentre outras, decisão também prolatada pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo (Apelação Cível n. 170.594-4/0-00), sob as regras da Lei do Divórcio,
em teor análogo ao acima, e conclui: “Trata-se, sem dúvida, de expediente pragmático,
mas que tangencia as regras processuais e elimina a distinção entre divórcio-sanção e
divórcio-remédio, cunsubstanciada no artigo 5º e seus parágrafos da Lei n. 6.515/77, mas
que no futuro certamente virá a ser adotado, na medida em que o parágrafo único do artigo
1.573 do Novo Código Civil dispõe largamente que o juiz poderá considerar, para o decreto
de separação judicial, ‘outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em
comum’.”
675
Arremata Luiz Felipe Brasil Santos: “Melhor teria sido que, espelhando a
evolução que se tem observado sobretudo na jurisprudência, o legislador houvesse se
limitado a prever apenas a separação judicial fundada em quaisquer fatos que tornem
evidente a impossibilidade da vida em comum, eliminando a necessidade de apuração de
culpas.”
676
Importa não é aferir a culpa de um dos cônjuges, mas sim a existência de um fato
que motive e justifique a impossibilidade da continuidade da vida comunitária, conquanto,
repita-se, nenhum deles tenha perpetrado qualquer conduta desonrosa ou ato a ela análogo.
Se os preceitos íntimos que sufragam a convivência conjugal dissiparam-se, para
que prevaleçam os princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana, por equidade
há que se romper com o matrimônio, sobretudo se um dos cônjuges demonstra e comprova
a existência de motivo justificador da impossibilidade da vida em comum, independente de
culpa de quaisquer deles e da anuência do outro.
Motivando, demonstrando e comprovando um dos cônjuges a existência de um
fato, certo e determinado por exemplo, a extinção dos vínculos amorosos entre os
parceiros , que resulta na impossibilidade da vida em comum, ainda que inexista a grave
675
Yussef Said Cahali, Divórcio e separação, p. 602. Eis a ementa oficial do acórdão descrito: “Separação
judicial litigiosa Embora não provada a culpa do réu, desde que verificada, pelo conjunto probatório, a
impossibilidade de reconciliação do casal, decreta-se a separação como remédio e não como sanção
Precedentes da jurisprudência Inteligência do artigo 5º, caput da Lei n. 6.515/77 Sentença reformada
para decretar a separação Apelo da autora provido em parte.” (TJSP Apelação Cível n. 170.594-4/0-00,
1ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Alexandre Germano, j. 12.12.2000, m.u.).
676
Luiz Felipe Brasil Santos, A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, p. 151.
283
violação dos deveres do casamento, e mesmo sem a concordância do outro, a solução
equânime e adequada para esse matrimônio é a sua dissolução, com a extinção da
sociedade conjugal.
677
Está-se, assim, diante da separação judicial litigiosa motivada, mas sem culpa de
quaisquer dos consortes, como justa solução para o impasse afetivo que reina; ordena-se a
demonstração de um motivo, sem que se argumente a existência de culpado por esse
motivo, motivo esse que esbarra na insuportabilidade da continuidade de vida conjugal.
É uma salutar novidade codificada.
Em seqüência, o artigo 1.572, parágrafo 1º da Lei Civil vigente cuida da
separação judicial litigiosa fundada na separação de fato dos cônjuges há mais de um ano e
a impossível reconciliação matrimonial, a denominada separação-falência, a qual,
explicitamente, é idêntica ao texto legal tipificado no artigo 5º, parágrafo 1º da Lei do
Divórcio, sem inovações, portanto.
Neste ponto, o que se pode destacar como inovador é a concessão de efeitos de
fato e de direito à separação de fato, em variadas disposições do Código de 2002, com
contradições quanto ao tempo dessa separação, como se infere dos seguintes artigos: 793,
1.642, inciso V, 1.723, 1.775, caput, 1.801, inciso III e 1.830. Desses, destaque-se o artigo
1.723, cujo parágrafo 1º reconhece a constituição de uma união estável, ainda que um dos
companheiros esteja somente separado de fato de seu consorte. “Considero evolução
porque este artigo eliminou dois elementos que acabavam ocasionando injustiças:
‘Primeiro’, a demarcação de um tempo rígido para a caracterização da união estável como
fazia a Lei n. 8.971/94. (...) ‘Segundo’, foi a compreensão de que as pessoas que
mantiveram seu estado civil de casadas, mas estando separadas de fato, poderão estar
constituindo união estável.”
678
677
“APELAÇÃO CÍVEL. Separação litigiosa. Culpa não provada. Alimentos ao filho menor. Não tendo a
prova testemunhal deixado clara a prática do adultério, não se pode falar em culpa do varão. Entretanto, há
que se emprestar valor jurídico à impossibilidade de manutenção do casamento, pela ausência da
‘affectio’ que lhe é própria, não se podendo condenar à convivência dois seres que não mais se suportam,
pela singela razão de que não restou devidamente estampada nos autos a culpa sob qualquer de suas
formas. Decretada a separação judicial sem culpa, face a evidente falência do matrimônio. Deram parcial
provimento.” (TJRS AC n. 70000410688, 7ª Câmara Cível, rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j.
3.5.2000, v.u. destacou-se).
678
Rodrigo da Cunha Pereira, Da união estável, p. 210-211.
284
Estabelece outrossim o parágrafo 2º do artigo 1.572 do mesmo Código Civil a
separação-remédio, acima decifrada, cuja novidade é a redução do lapso temporal da grave
doença mental para dois anos.
Essa modalidade de separação judicial fora positivada no direito brasileiro com a
Lei n. 6.515/1977 (art. 5º, § 2º), cujo conteúdo tem ofertado inúmeras controvérsias
doutrinárias, consoante salienta Yussef Said Cahali
679
, que a aceita, acolhe e prestigia, e
que se propagou no novo Código Civil.
Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, em estudo sobre o “dever de
assistência imaterial ao cônjuge mentalmente enfermo”, conclui que o legislador procurou
proteger o cônjuge sadio, como o enfermo, esquecendo-se de “impor sanção ao cônjuge
sadio, pelo descumprimento do dever de assistência imaterial ao enfermo, após a separação
judicial ou o divórcio”
680
. Em comentários ao texto do novo Código, complementa: “Esta
correção realizada pelo novo Código Civil [artigo 1.572, parágrafo 3º] também está de
acordo com o princípio de proteção à dignidade da pessoa humana, no sentido de
efetivamente facultar a dissolução da sociedade e do vínculo conjugal àquele que deseja
utilizar a espécie ‘ruptura’. Recorde-se, neste passo, que os cônjuges não podem ser
acorrentados ao casamento, sob pena de violação à sua dignidade, de modo que facilitar-
lhes a dissolução da sociedade conjugal também se coaduna com o mencionado princípio
constitucional.”
681
Ainda sob a vigência da Lei do Divórcio, Washington de Barros Monteiro
pronunciou-se: “Sem dúvida, descaridoso é o dispositivo legal. Autorizar a separação em
virtude de grave doença mental é clara revelação de hedonismo ou egoísmo. Esqueceu-se o
legislador de que o casamento é para os bons e os maus momentos. A doença não deveria
de modo algum ser motivo de justificação, mas de desprendimento ou sublimação.”
682
Luiz Felipe Brasil Santos acrescenta que essa separação “ofende o dever de mútua
assistência moral (agora contemplado no art. 1.566, III do NCCB)”, e conclui: “A redução
679
Yussef Said Cahali, Divórcio e separação, p. 433-434.
680
Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Dever de assistência imaterial entre cônjuges, p. 205.
681
Regina Beatriz Tavares da Silva, Novo Código Civil: tutela da dignidade da pessoa humana no casamento,
p. 123.
682
Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil: direito de família, 27. ed., 1989, v. 2, p. 205.
285
do prazo, entretanto, em nada contribui para tornar mais aceitável, na perspectiva ética, a
hipótese, cuja utilização, de outro lado, nunca encontrou eco no meio jurídico nacional, o
que se constata pela jurisprudência quase inexistente acerca do tema. Certamente contribui
para a pouca utilização desse fundamento não apenas as restrições éticas que encontra, mas
a dificuldade de fazer prova de todos os requisitos que a caracterizam.”
683
Efetivamente, o artigo 1.566 do novo Código Civil brasileiro, ao cuidar dos
deveres matrimoniais recíprocos, entabula a mútua assistência em seu inciso III; em face
disso, há uma antinomia entre essas situações jurídicas, uma vez que, ao mesmo tempo que
impõe o recíproco auxílio entre os cônjuges, assegura a qualquer deles o abandono do
outro, mormente estando este acometido de grave doença mental.
Afora essa dicotomia legislativa, dessume-se que há extrema ofensa ao princípio
da dignidade da pessoa humana, porquanto, no período em que o cônjuge enfermo
necessita do amparo de seus familiares, sobretudo de seu cônjuge companheiro e
consorte , por expressa faculdade legal, este está autorizado a desampará-lo, deixá-lo ao
relento, cuja proteção estará a cargo de qualquer outra pessoa, menos do próprio cônjuge.
O mero abandono voluntário ou mesmo a institucionalização em local
apropriado para a doença, com o posterior desamparo do enfermo pelo cônjuge sadio
talvez seja menos antiético do que essa possibilidade expressamente garantida pela norma
legal, que se tipifica na garantia expressa de descumprir o dever conjugal assumido.
Inolvidável a sanção que será aplicada ao cônjuge sadio, discorrida no artigo
1.572, parágrafo 3º do Código de 2002, aplicável, no entanto, unicamente em casamento
celebrado sob o regime da comunhão universal de bens.
Com efeito, decerto seja o caso de ser repensada essa disposição da Lei Civil.
Aliás, o sobredito Projeto de Lei n. 4.945/2005 pretende revogar o parágrafo 2º do
artigo 1.572 do Código Civil vigente, uma vez que extirpa do sistema legislativo brasileiro
toda e qualquer idéia ou menção a culpa ou responsabilidade pelo término da sociedade
683
Luiz Felipe Brasil Santos, A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, p. 152.
286
conjugal, dando nova redação à cabeça do artigo, no seguinte teor: “Qualquer dos cônjuges
poderá propor a ação de separação judicial, quando cessar a comunhão de vida”. A I
Jornada de Direito Civil, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da
Justiça Federal, propõe, pelo Enunciado 122, a alteração do artigo 1.572, caput para:
“Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial com fundamento na
impossibilidade da vida em comum.”
Finaliza-se este discurso sobre a separação judicial apresentando-se, em face do
que se discorreu, uma nova classificação para as modalidades de separação judicial no
sistema jurídico brasileiro, em decorrência das regras contidas no Código Civil de 2002,
assim sugerida: 1) separação judicial consensual (art. 1.574); e 2) separação judicial
litigiosa (art. 1.572 e 1.573), a qual, por sua vez, poderá consistir em uma das seguintes
modalidades: 2.1) sanção com base na existência de culpa (art. 1.572, caput); 2.2)
falência: decorrente de separação de fato (§ 1º); 2.3) remédio (§ 2º do art. 1.572) nada
obstante sua paradoxal incongruência com os deveres matrimoniais e com o fundamento da
dignidade da pessoa humana; 2.4) separação judicial como solução, decorrente de fato
concreto que impossibilite a continuidade da vida em comum (art. 1.573 e parágrafo
único).
4.11.5 O divórcio
Para ultimar este debate, há que se discorrer algumas tintas acerca do divórcio,
cuja aparição no cenário jurídico brasileiro foi acima descrita Lei do Divórcio (Lei n.
6.515/1977), com as posteriores mutações legislativas, mormente quanto aos seus lapsos
temporais, como se verificará.
O divórcio motiva a dissolução da sociedade conjugal como do próprio vínculo
matrimonial, sendo, por isso, a única causa voluntária de dissolução do casamento, pois a
outra, que é o falecimento, real ou presumido, independe de manifestação de vontade de ao
menos um dos cônjuges para ocorrer e para gerar a dissolução do matrimônio.
Estabelecem os artigos 1.580 a 1.582 do Código Civil de 2002 as disciplinas
normativas acerca do divórcio em órbita infraconstitucional, haja vista que, como já se viu,
287
a Constituição Federal de 1988 trouxe ao mundo jurídico novas regras para esse
rompimento do matrimônio.
Instituída a dissolução do casamento Emenda Constitucional n. 9, de 1977 , foi
editada a Lei n. 6.515/1977
684
, com o fim de regulamentá-la. Neste instante, far-se-á um
ligeiro histórico legislativo regulamentar do divórcio, a partir dessa lei especial, até a
edição do Código Civil vigente.
Pelo disciplinado em seu artigo 54, essa Lei de 1977 revogou os artigos 315 a 328
do Código Civil de 1916, de sorte que todas as regras alusivas à separação judicial e ao
divórcio passaram à sua observância, tanto em seus aspectos substanciais, quanto nos
processuais.
Estabelecia originariamente o artigo 25 dessa lei especial: “A conversão em
divórcio da separação judicial dos cônjuges, existente há mais de três anos, contada da data
da decisão ou da que concedeu a medida cautelar correspondente (art. 8º), será decretada
por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou”. Destarte, por
conversão, o divórcio somente seria concedido após três anos de separação judicial.
685
Possibilitava essa Lei, excepcionalmente, o divórcio direto, como se denota do seu
artigo 40, caput, também em redação primitiva: “No caso de separação de fato, com início
684
Até a presente data, essa Lei vige em seus aspectos de ordem processual, como enfatiza Euclides Benedito
de Oliveira: “Acha-se revogada, assim, a Lei n. 6.515/77, que tratava da separação judicial e do divórcio,
ao menos no que tange às normas de natureza material, atinentes às causas, requisitos e espécies, muito
embora ainda subsistam seus dispositivos de cunho processual.” (Direito de família no novo Código Civil,
p. 12). Nesse sentido esclarece Áurea Pimentel Pereira: “Na nossa visão, contudo, não irá ocorrer, em
relação à Lei 6.515/77, o fenômeno da chamada ab-rogação (revogação total): a uma, porque não declarou
o legislador, no novo Código, que, quando de sua vigência, a referida lei ficaria revogada; a duas, porque
nem todas as disposições contidas naquela lei especial foram alteradas ou mesmo tratadas no citado
Código, valendo lembrar que, na Lei Especial, existem normas de natureza procedimental, como é o caso
das constantes dos artigos 3º, parágrafos 2º e 3º; 34 e seus parágrafos; 37 e seus parágrafos; 40 parágrafos
2º, I a IV e 3º; 47, 48, 51 e 52, a respeito das quais, aliás, nem era mesmo próprio a lei substantiva dispor”
(Divórcio e separação judicial no novo Código Civil, p. 5). Para dissipar controvérsias hermenêuticas, pelo
Projeto de Lei n. 6.960 de 2002 dar-se-á nova redação ao artigo 2.045 do Código Civil atual, o qual
expressamente revogará os artigos 1º a 33, 43, 44 e 46 da Lei do Divórcio.
685
Pedro Sampaio leciona: “A concessão do divórcio em sua forma ‘ordinário’, foi dito alhures (ver n. 108),
depende de prévia separação judicial. Este pressuposto não é, no entanto, ‘suficiente’, pois outras
exigências lhe acompanham: prazo, completa solução do regime de bens, pela partilha, e regularidade na
prestação dos alimentos.” (Divórcio e separação judicial: comentários, p. 160). Efetivamente, o artigo 36
determinava: “Do pedido referido no artigo anterior [artigo 35: conversão de separação judicial em
divórcio], será citado o outro cônjuge, em cuja resposta não caberá reconvenção. Parágrafo único - A
contestação só pode fundar-se em: I - falta de decurso do prazo de 3 (três) anos de separação judicial; II -
descumprimento das obrigações assumidas pelo requerente na separação.”
288
anterior a 28 de junho de 1977, e desde que completados 5 (cinco) anos, poderá ser
promovida ação de divórcio, na qual se deverão provar o decurso do tempo de separação e
a sua causa”. Poder-se-ia valer desse direito o casal que estivesse separado de fato antes da
promulgação da Emenda Constitucional n. 9/1977, pelo prazo de cinco anos, mediante
postulado judicial no qual se demonstrasse esse lapso temporal e também o motivo da
separação de fato. Críticas e divergências várias reinaram sobre a interpretação desse
artigo, até sua revogação.
686
O parágrafo 1º do mesmo artigo 40 delimitava que “o divórcio, com base neste
artigo, só poderá ser fundado nas mesmas causas previstas nos artigos 4º e 5º e seus
parágrafos”. Esse dispositivo determinava que a causa para o divórcio direto, estatuída na
cabeça do artigo, que haveria de ser provada, seria quaisquer das causas estabelecidas para
a separação judicial litigiosa, assim como o “prazo de experiência” ou “período de
provação”
687
mínimo de dois anos, previsto no artigo 4º, que seria nesse caso
despiciendo, haja vista que a separação de fato para esse divórcio exigia um lapso temporal
de ao menos cinco anos, resultando na conseqüente e fatal superação daquele biênio.
Por derradeiro, impunha o seu artigo 38: “O pedido de divórcio, em qualquer dos
seus casos, somente poderá ser formulado uma vez”. Era o chamado divórcio único, que
gerou controvérsias em sua interpretação, com repercussões sociais injustas, como anotado
por Pedro Sampaio: “É a hipótese de haver um casal em que um dos consortes já se
divorciara e o outro não. Teríamos, então, esta curiosa situação: ao cônjuge divorciado
seria denegado o novo divórcio, enquanto que o outro, que nunca impetrara divórcio, iria
consegui-lo. Como conciliar, do ponto de vista jurídico, situação tão díspare?”
688
Em 1988, nasceu a Constituição democrática e cidadã, cujo artigo 226, parágrafo
6º determina: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação
686
Para Jander Maurício Brum: “A regra revogada foi alvo de sérias críticas, em especial sobre o início da
contagem do prazo. Por outro lado, críticas eram feitas sobre as chamadas causas de separação” (Divórcio e
separação judicial, p. 189). Alertava Pedro Sampaio que “este tipo de divórcio é transitório. A sua
admissibilidade pressupõe, como dito, uma separação de fato prolongada, cujo início date de antes de 28 de
junho de 1977. Por isso, à medida que o tempo decorrer, a iniciativa tende a diminuir e, finalmente, a
desaparecer, se mantida esta forma dissolutiva por largo tempo.” (Divórcio e separação judicial:
comentários, p. 234).
687
Sílvio Rodrigues, Direito civil: direito de família, v. 6, p. 213.
688
Pedro Sampaio, Divórcio e separação judicial: comentários, p. 227.
289
judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato
por mais de dois anos.”
Para regulamentar essas disposições constitucionais, foram promulgadas várias
normas ordinárias, muitas das quais reformulando, outras revogando, artigos da sobredita
Lei do Divórcio.
Assim, em 17 de outubro de 1989, foi sancionada a Lei n. 7.841 que, ao revogar
expressamente o artigo 38 e o parágrafo 1º do artigo 40, ambos da Lei de 1977 bem
como o artigo 358 do Código Civil de 1916
689
, empreendeu nova redação ao caput desse
último, passando a ser a seguinte: “No caso de separação de fato, e desde que completados
2 (dois) anos consecutivos, poderá ser promovida ação de divórcio, na qual deverá ser
comprovado decurso do tempo da separação.”
Essa lei especial extirpou do sistema jurídico brasileiro a limitação ao número de
divórcios, liberando as pessoas a utilizarem-no quantas vezes fossem necessárias, como
também da obrigatoriedade de narrar e comprovar a causa que originou a separação de
fato, motivadora do pedido de divórcio direto. Afora isso, reduziu o prazo dessa separação
para apenas dois anos consecutivos, cuja única e imprescindível prova era a desse lapso
temporal.
Nova redação foi imposta, outrossim, ao artigo 36, parágrafo único, inciso I da
Lei n. 6.515/77, pois a contestação a pedido de conversão de separação judicial em
divórcio poderia fundamentar-se em “falta de decurso do prazo de 1 (um) ano de separação
judicial”, lapso temporal ânuo imposto pela Carta Federal de 1988; destarte, o divórcio
indireto obteve redução do tempo de separação judicial de três para apenas um ano.
Depois disso, foi editada a Lei n. 8.408, em 13 de fevereiro de 1992, ditando
novas diretrizes normativas à lei divorcista. Com efeito, o prazo de separação fática para
sufragar o pleito de separação judicial foi reduzido de cinco para um ano, ante a nova
redação empreendida ao artigo 5º, parágrafo 1º dessa Lei; e, ainda, no artigo 25, caput,
para seguir a sobredita imposição constitucional, o tempo para o divórcio indireto foi
689
Artigo 1º da Lei n. 7.841/89.
290
estatuído em um ano, surgindo no direito positivo o parágrafo único desse artigo, com
regras alusivas ao nome da mulher casada quando da conversão.
Essa a situação reinante no direito positivo brasileiro, até a vigência do Código
Civil de 2002, o qual estabelece duas modalidades de divórcio: o indireto ou por
conversão da separação judicial em divórcio e o direto, fulcrado unicamente em separação
de fato.
A primeira delas (divórcio por conversão) está inserta no artigo 1.580, caput, que
dita: “Decorrido 1 (um) ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a
separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos,
qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio”. Comprovada pois a
separação judicial entre o casal, com trânsito em julgado, e ainda o transcurso do ânuo
legal, cujo marco inicial poderá ser até a data do trânsito em julgado da concessão de
separação de corpos, poderá aquela ser convertida em divórcio. Alerta Yussef Said Cahali
que esse prazo de um ano “não se interrompe nem se suspende, aliás nem mesmo por uma
eventual ‘reconciliação de fato’”.
690
Há que se complementar com outra doutrina de Yussef Said Cahali, agora acerca
de requisito imprescindível para a conversão, que é justamente a existência de separação
judicial transitada em julgado, nestes termos: “Qualquer que seja o critério adotado na
determinação do termo a quo de fluência do prazo legal, impõe-se remarcar como condição
necessária o ‘trânsito em julgado’ da sentença de separação dos artigos 4º e 5º da Lei do
Divórcio, pois só esta, com aquele atributo, comporta converter-se em divórcio na forma
do artigo 25; o que afasta, desde logo, a possibilidade de ‘converter-se’ a simples
‘separação de corpos’ diretamente em divórcio.”
691
Destarte, o que se converte em divórcio é a separação judicial que fora decretada,
depois de transitada em julgado, e não a cautelar de separação de corpos, a qual poderá
servir como base para o cômputo do lapso temporal de um ano; sem a separação judicial
com trânsito em julgado, inexiste possibilidade jurídica para converter-se a medida cautelar
em divórcio.
690
Yussef Said Cahali, Divórcio e separação, p. 1.005.
691
Ibidem, mesma página.
291
Merece ser ressaltado, neste instante, recentes decisões proferidas pelo Tribunal
de Justiça de Minas Gerais, as quais oferecem conflitantes interpretações ao citado artigo
1.580, caput, como se denota das seguintes ementas oficiais:
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DE FAMÍLIA Jurisdição voluntária
Conversão consensual de separação judicial em divórcio Cautelar de separação de
corpos Interpretação do artigo 1.580 do novo Código Civil. Na jurisdição voluntária,
por se tratar de atividade materialmente administrativa e não jurisdicional, os limites
rígidos referentes à estabilização da demanda devem ser abandonados em nome da
conveniência da adoção de critérios flexíveis, o que é autorizado pelo artigo 1.109 do
Código de Processo Civil. Diante das peculiaridades de cada caso, não se deve sacrificar
o direito material e o interesse dos requerentes por mero apego às regras de rigidez legal.
Havendo decorrido o prazo legal de um ano da concessão da cautelar de separação de
corpos, e sendo tal medida consensual, como também é consensual o pedido de conversão
em divórcio, tal medida deve ser concedida” (TJMG Apelação Cível n.
1.0000.00.351838-8/000/Juiz de Fora Rel. Des. Sérgio Braga v.u. 30.10.2003).
Disponível em: <http:// tjmg.gov.br/ jt/ inteiro_teor.jsp? tipoTribunal= 1&comrCodigo=
0&ano=0&ano...>. Acesso em: 23 set. 2004).
“SEPARAÇÃO LITIGIOSA. Conversão em separação de corpos. Pedido de divórcio.
Extinção do processo, sem julgamento de mérito. Recurso. É de ser reformada sentença
que, em pedido de conversão de separação de corpos em divórcio, extinguiu o processo,
sem julgamento de mérito, pela impossibilidade jurídica do pedido. Recurso provido”
(TJMG Apelação Cível n. 1.0000.00.341377-0/000(1)/Belo Horizonte Rel. Des.
Cláudio Costa v.u. 30.10.2003). Disponível em: <http:// tjmg.gov.br/ jt/
inteiro_teor.jsp? tipoTribunal= 1&comrCodigo= 0&ano=0&ano...>. Acesso em: 23 set.
2004.
Entretanto, esse mesmo Tribunal de Justiça, em acórdão prolatado em 17 de
agosto de 2004, acolhe, com exímia fundamentação, a interpretação doutrinada por Yussef
Said Cahali, como se infere da elucidativa ementa oficial:
“APELAÇÃO CÍVEL. Ação de divórcio. Conversão. Prazo. Termo inicial. Separação de
corpos. Inteligência do artigo 1.580 do Código Civil de 2002. Inexistência de separação
judicial. Pedido juridicamente impossível. Recurso provido. 1. O requisito fundamental
para ser convertida a separação judicial em divórcio, logicamente, é a existência da
referida separação judicial. Se esta existir, permite o artigo 1.580 do Código Civil de
2002 que o termo inicial do interstício legal seja a data em que foi concedida medida
cautelar de separação de corpos. 2. Negada a homologação de separação judicial litigiosa
transformada em consensual, revela-se juridicamente impossível o pedido de conversão
do que ainda não existe, ou seja, separação judicial em divórcio. 3. Apelação cível
conhecida e provida.” (TJMG Apelação Cível n. 1.0024.03.109644-9/001/Belo
Horizonte Rel. Des. Caetano Levi Lopes v.u. 17.8.2004). Disponível em:
<http://tjmg.gov.br/jt/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=24&ano=3&...>.
Acesso em: 23 set. 2004.
292
Sobre essa divergência, narra Luiz Felipe Brasil Santos o seguinte: “(...) É
evidente que a conversão de separação judicial em divórcio pressupõe a prévia separação
judicial. Entretanto, a dicção isolada do dispositivo numa interpretação meramente
gramatical, é certo possibilita o entendimento de que seria viável converter a separação
de corpos em divórcio. Felizmente a dubiedade resta afastada pelo parágrafo 1º, que não
deixa margem à dúvida no sentido de que a conversão de que se trata é sempre de
separação judicial em divórcio.”
692
Essa a correta e coerente exegese que se há de empreender ao sobredito texto do
Código de 2002, sob pena de ser reconhecida sua inconstitucionalidade, porquanto,
expressamente, o artigo 226, parágrafo 6º da Constituição da República, impõe que “o
casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais
de um ano nos casos expressos em lei, (...)” destacou-se , o que significa dizer que a
Carta Federal exige explícita e claramente a prévia existência de separação judicial para
que seja ela convertida em divórcio.
Com efeito, converter separação de corpos em divórcio sem a prévia separação
judicial ofende texto constitucional expresso e taxativo.
A outra modalidade de divórcio é o chamado divórcio direto, estabelecido no
artigo 1.580, parágrafo 2º do Código Civil em vigor, no qual se deve provar unicamente a
existência de separação de fato entre o casal por mais de dois anos, independentemente do
motivo, causa ou razão que sufragou essa separação fática. Comprovada essa separação, o
divórcio será concedido (art. 226, § 6º, parte final da CF/1988).
Por falar em causa, o artigo 1.580, parágrafo 1º, relativo ao divórcio indireto,
determina: “A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges será decretada
por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou.”
Com efeito, seja por conversão ou diretamente, no divórcio não se discute a causa
que o ensejou, é despicienda a perscrutação sobre os motivos que ensejaram a separação de
fato do casal, para fundamentar o divórcio direto, como também dos que embasaram o
692
Luiz Felipe Brasil Santos, A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, p. 155.
293
pleito de separação judicial, isso para a conversão dela em divórcio. Aliás, nem mesmo há
que se perquirir como se processou a própria separação judicial, isto é, se foi um
procedimento consensual ou litigioso; importa sim é se existe o trânsito em julgado de
antecedente separação judicial para o divórcio indireto.
693
Referenda Luiz Felipe Brasil Santos que a Lei Civil exige “(...) unicamente o
preenchimento do lapso temporal de dois anos de separação fática, tanto em sua forma
litigiosa quanto consensual. Apenas baseado no ‘princípio da ruptura’, portanto, não se
mostrando pertinente qualquer questionamento acerca da culpa.”
694
O divórcio, seja ele direto ou indireto, pode ser postulado de forma consensual ou
litigiosa, sendo certo que, por qualquer delas, a única prova requerida é a do lapso temporal
de separação de fato, para o direto, e de separação judicial, para a conversão, alterando-se
também o procedimento judicial, como alerta Antonio Carlos Marcato, uma vez que, para a
forma litigiosa, será sempre o ordinário seja direto ou indireto , enquanto “para a ação
de divórcio consensual, direto ou indireto, adotar-se-á o procedimento especial de
jurisdição voluntária regido pelos artigos 1.120 a 1.124 do Código de Processo Civil,
observado o disposto no parágrafo 2º do artigo 40 da Lei do Divórcio”.
695
Novidade textualmente contida no Código Civil de 2002 é o seu artigo 1.581: “O
divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens”. Destarte, a inexistência
de partilha do patrimônio conjugal não é impeditivo à decretação do divórcio, haja vista
que a ela poderá ser processada oportunamente e em procedimento judicial apropriado.
693
Quando da discussão do Projeto de Lei do Código Civil, em doutrina conjunta, inclusive com a oferta de
emendas aos respectivos dispositivos legais, inclusive quanto à discussão de culpa e, portanto, da causa
ensejadora da separação judicial e da de fato, merecem ser transcritas as seguintes narrativas: Regina
Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos sugerira: “O divórcio poderá ser requerido por um ou por ambos
os cônjuges, comprovada a separação de fato por dois anos contínuos. § 1º - Em caso de pedido unilateral,
o outro cônjuge poderá pedir a declaração da culpa do autor da ação, por grave violação de dever conjugal.
§ 2º - O cônjuge do doente mental não poderá pedir o divórcio regulado neste artigo”. (Álvaro Villaça
Azevedo; Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Sugestões ao projeto de Código Civil: direito
de família, p. 35). Enquanto isso, professa Álvaro Villaça Azevedo: “Não se deve perpetuar a culpa, de
modo que sua decretação deve caber somente na ação de separação, no período de dois anos, pois o
legislador concedeu esse prazo, justamente, para a propositura da demanda litigiosa. Após esse prazo, sem
que exista a aludida demanda, ocorre ruptura da sociedade conjugal, podendo os cônjuges somente
comprovar, conjunta ou isoladamente, o decurso desse prazo, para que o juiz pronuncie o divórcio direto.
No entanto, para o fim de perda do direito alimentar, deve ser possível sua apuração em processo próprio.”
(Ibidem, mesma página).
694
Luiz Felipe Brasil Santos, A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, p. 155.
695
Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, p. 360-361.
294
Aliás, o Superior Tribunal de Justiça sumulara nesse sentido: “O divórcio direto pode ser
concedido sem que haja prévia partilha de bens” (Súmula n. 197).
Destaca Antonio Carlos Marcato que “a partilha poderá ser realizada até mesmo
após o divórcio do casal, não mais prevalecendo, ante o que dispõe o artigo 1.581 do
Código Civil, a proibição estabelecida pelo artigo 31 da Lei do Divórcio”.
696
Assim sendo, o legislador civil acolheu tese sedimentada em seara jurisprudencial,
tornando-a texto expresso de lei; posição de extrema justiça e que merece efusivos
aplausos.
Visando dissipar qualquer interpretação contraditória, o Projeto de Lei n. 6.960 de
2002 explicita que tanto o divórcio direto quanto o indireto (por conversão), independem
da prévia partilha, conferindo, pois, nova redação ao caput do sobredito artigo 1.581.
696
Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, p. 363.
CONCLUSÃO
O título desta tese A família decorrente do casamento e sua repercussão no
Código Civil de 2002 tipifica o que se visualizou como foco central do trabalho, qual
seja, a análise da instituição familiar, especificamente a constituída pelo vínculo
matrimonial, e suas conseqüências jurídicas na novel legislação civil codificada Lei n.
10.406, de 10 de janeiro de 2002 , com primordial e exclusiva atenção ao Livro IV da
Parte Especial, o que discorre sobre o direito de família.
Neste ponto, sabe-se que o relacionamento familiar, inclusive o nascido do
casamento, ostenta variados efeitos jurídicos exteriores ao direito de família, até mesmo ao
próprio direito civil ou ao direito privado, entretanto aqui a ótica é exclusiva à família que
se poderia nomenclaturar de matrimonial ou conjugal e suas aplicações ao novo direito
familiar, com peculiar atenção às intersecções legais entre o matrimônio e a família por ele
constituída, desde sua celebração, inclusive os procedimentos preliminares, até a
dissolução.
Pela retrospectiva histórica, mesmo que em breves tintas, do Código Civil de
2002, conclui-se que, pelos longos anos em que tramitou no Congresso Nacional, muitas
leis ordinárias foram editadas, com especial atenção às inerentes aos relacionamentos
familiares, sendo certo que até mesmo uma lei constitucional, a Constituição da República
Federativa do Brasil, denominada de Constituição Democrática ou Cidadã, as quais
acolheram neo-concepções à família brasileira, ofertando outrossim critérios
hermenêuticos vinculados à proteção da pessoa humana.
Infere-se, desde logo, que o Código Civil brasileiro em vigência trouxe inovações
ao direito de família, inclusive à família nacional, todavia a releitura dessa seara jurídica
ocorre muito mais em decorrência da ordem constitucional imposta pela promulgação da
Carta Federal de 1988, essa sim que transformou a família e o direito de família pretéritos,
para suas concepções contemporâneas; destarte, há que se dizer que o corte epistemológico
no sistema jurídico brasileiro, no que tange a esse ramo, verificou-se em 5 de outubro de
1988, com a edição dessa Lei Magna.
296
Reina, pois uma nova concepção de família, seja quanto à sua forma de
constituição, seja quanto às pessoas que a compõem, dentre as quais permanece íntegra a
constituída pelo casamento como uma de suas principais formas.
Independentemente de sua origem constitutiva, a família continua sendo, como
sempre o foi, e oxalá continue eternamente a ser, a base sólida de toda a sociedade,
verdadeiro amálgama na construção da sociedade brasileira.
Há que se ater, neste instante, aos princípios da cidadania e da dignidade da
pessoa humana encartados na Carta Maior de 1988 como fundamentos da República
Federativa do Brasil, consoante o artigo 1º e seus incisos II e III, verdadeiros e reais
vetores na análise e interpretação das normas infra e constitucionais. Esses fundamentos de
exegese devem ser utilizados como primários no enfoque de toda a normatização, com
eminente destaque no que se refere às relações de ordem familiar, os quais são
referendados por outros tantos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana
inerentes aos direitos da personalidade, dentre os quais o direito à vida é o primordial, uma
vez que, sem ele, inexiste razão para indagar a proteção a qualquer outro direito da pessoa
humana.
As mudanças operacionalizadas na instituição familiar em campo legislativo
decorrem das transformações sociais ocorridas na própria comunidade brasileira neste
ponto, diga-se que se prefere utilizar a terminologia mutação em vez de evolução ou
retrocesso familiar, pois essa concepção está muito mais relacionada a aspectos
sociológicos do que jurídicos; com efeito, o legislador constituinte de 1988, referendado
pelo civil de 2002, sistematizou e tipificou essas mutações na família brasileira, amparando
em seara legal a vocação social.
No relacionamento familiar, dentre inúmeras outras normas legais, ressalta-se o
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) e o Estatuto do Idoso (Lei n.
10.741/2003), verdadeiros microssistemas legislativos que especial atenção dão à criança,
ao adolescente e ao idoso, que merecem toda proteção do Poder Público, da sociedade e da
própria família.
297
Define-se pois a família hodierna como a instituição formada por um homem e
(ou) uma mulher e seus respectivos descendentes, seja essa relação matrimonial
(casamento válido civil ou religioso com efeitos civis) ou por união estável (entidade
familiar), e ainda pela guarda, tutela ou adoção para a criança ou adolescente e pelo
acolhimento, curatela ou adoção para os idosos (família substituta). A família natural
equivale à biológica (consangüínea), que se diferencia da substituta, que é justamente
substitutiva daquela.
Com finalidade exclusivamente didática, pede-se vênia para apresentar a seguir
um quadro sinóptico representativo:
1.1 FAMÍLIA EM SENTIDO ESTRITO
1 FAMÍLIA NATURAL 1.2.1 UNIÃO ESTÁVEL
1.2 ENTIDADE FAMILIAR1.2.2 FAMÍLIA
FAMÍLIA MONOPARENTAL
2.1 CRIANÇA E ADOLESCENTE
2.1.1 GUARDA
2 FAMÍLIA 2.1.2 TUTELA
SUBSTITUTA 2.1.3 ADOÇÃO
2.2 IDOSO
2.2.1 ACOLHIMENTO
2.2.2 CURATELA
2.2.3 ADOÇÃO
O termo família é gênero, do qual família natural família stricto sensu e
entidade familiar e família substituta são suas espécies.
Há que se fazer um breve parêntese para mencionar o relacionamento entre
pessoas do mesmo sexo, ou seja, à união ou relação homoafetiva, para a qual, sem
qualquer conotação preconceituosa ou conservadora, conclui-se que legalmente inexiste
amparo à sua inclusão como forma de constituir uma família tanto que há pretensão de se
apresentar projeto de lei de emenda constitucional para esse fim; enquanto isso, essa união,
para seus consectários legais, em aspectos pessoais e patrimoniais, é uma sociedade de
fato.
As referidas alterações sociais, seja na constituição ou na composição da família,
no entanto, mantiveram íntegro o vínculo matrimonial como uma das formas de originar a
298
instituição familiar; destarte, como no passado, o casamento é ainda uma das primordiais
formas de nascimento da família brasileira, repita-se.
É o casamento a união civil, ou religiosa com efeitos civis, entre um homem e
uma mulher, por livres e espontâneas vontades, solenemente expressadas perante a
autoridade competente para celebrá-la, fundamentada no recíproco amor e com a finalidade
de constituir uma família, com plena comunhão de vida em felicidade.
Nessa definição estão insertos os principais requisitos do matrimônio: pessoas de
sexos opostos; vontades expressamente por eles externadas ou por procurador com
poderes especiais; e celebração pela autoridade competente.
Observa-se outrossim que a finalidade primordial do enlace é a constituição de
uma família. Com efeito, constituída estará uma família, ainda que prole inexista,
porquanto essa atualmente é uma das finalidades da união legítima entre um homem e uma
mulher, no entanto não mais é sua finalidade primária e primordial, haja vista a crescente
quantidade de casais que, por variadas situações fáticas, descartam a possibilidade de
procriarem, mas, entre si, mantêm todas as características da típica família.
As mutações familiares, seja em âmbito social e jurídico, resvalaram no próprio
casamento, que também se transformou, não só em sua constituição, pois atualmente
homem e mulher unem-se pelos laços nupciais visando o bem comum, tendo como base o
afeto, o carinho, o respeito, enfim, o amor recíproco, que se permeiam mutuamente, cuja
cumplicidade e felicidade na relação conjugal são os nortes visualizados e perseguidos por
elas; a união conjugal, com efeito, há de se enraizar no amor entre marido e mulher.
Se a constituição do matrimônio há de ser interpretada com novas lentes, de igual
modo, o aplicador haverá de focar seus olhos em um casamento fulcrado em relações
muito mais afetuosas, senão exclusivamente afetuosas, do que impositivas ou decorrentes
de qualquer outra conotação, de fato ou de direito.
Tanto assim o é que, em variadas passagens na viagem pelo Código Civil de 2002,
infere-se que, no conflito entre regras, preceitos e solenidades matrimoniais
desconsideradas e a família que se constituiu, desde que aquelas não sejam vícios de
299
extrema gravidade, prevalecerá o vínculo familiar instituído, em prejuízo das normas
descumpridas. Destarte, entre a família constituída e as solenidades descumpridas, prefere-
se a eficácia fática e jurídica daquele vínculo familiar.
Conotação dessa prevalência pode-se dizer que impera no próprio reconhecimento
do casamento putativo, em prol da ou das pessoas que lograram em boa-fé, ou seja, que
aceitaram as núpcias como constituição de um vínculo familiar, prevalência essa que,
quanto à eventual prole, sempre aplicará as regras de validade do matrimônio as núpcias
serão putativas.
Com delineamentos contidos no artigo 1.514 do Código Civil de 2002, opta-se
pela natureza jurídica complexa do casamento, por ser um típico contrato de direito de
família, uma vez que, nas vontades manifestadas pelos nubentes, mesmo sendo requisito
essencial, todavia não exclusivo, pois a constituição do ato nupcial exige a intervenção do
juiz de paz, se solidifica a convenção cujas conseqüências legais estão previamente
estampadas na Lei Civil.
Apesar do princípio da igualdade entre homem e mulher estatuído genericamente
no artigo 5º, caput da Carta da República de 1988, tanto o legislador constituinte, quanto o
civil de 2002, foram enfáticos em reprisar essa igualdade na sociedade conjugal,
respectivamente nos artigos 226, parágrafo 5º e 1.511; assim sendo, esse princípio reina
sublime nos direitos, deveres e garantias do casal.
O processo de habilitação, que é administrativo, é a primeira fase do casamento,
seguida da celebração e do registro no Registro Civil. Esse procedimento encerra-se com a
expedição do certificado de habilitação, com validade por noventa dias, quando caduca, se
o matrimônio não for celebrado. Nessa fase, deverão ser aventadas as incapacidades
matrimoniais ou civis, opostos os impedimentos e as eventuais causas suspensivas do
casamento.
Ante à aludida isonomia, a capacidade matrimonial surge aos dezesseis anos de
idade (art. 1.517 do CC/2002); pode-se contudo, por decisão judicial, suplementar essa
idade, nos termos do artigo 1.520 do Código Civil vigente, cujas causas nele insertas
pena criminal e gravidez hão de ser interpretadas como meramente exemplificativas.
300
Os impedimentos matrimoniais (art. 1.521 do CC/2002) tratam de verdadeira falta
de legitimação para o ato nupcial, pois se aplica em uma dada situação concreta; em face
disso, o inciso VI, que trata das pessoas casadas, refere-se a uma incapacidade, não a um
impedimento, porquanto a pessoa casada está impossibilitada para convolar outras núpcias
com quem quer que seja, isso em prol do princípio da monogamia.
Destaca-se aqui igualmente o inciso IV, parte final, em referência aos parentes
colaterais até o terceiro grau, preferindo-se a tese hermenêutica que utiliza o Decreto-Lei n.
3.200/41 como parâmetro para a adequada ilação a esse texto legal.
No que tange às causas suspensivas do matrimônio (art. 1.523 do CC/2002),
obtempera-se que a pessoa divorciada há de ser aceita como legítima interessada, nos
termos do artigo 1.524 do Código atual, na argüição dessa causa, quando seu ex-cônjuge
pretenda convolar novo casamento, sem ter-lhe dado a partilha do patrimônio.
O casamento, para que esteja apto a produzir efeitos, haverá de ser celebrado pela
autoridade competente, qual seja o juiz de paz ou de casamentos, salvante a possibilidade
de celebração pelo ministro religioso, na hipótese do casamento religioso com efeitos civis
ou seja, dês que a cerimônia religiosa seja levada a habilitação no Registro Civil; em
tese, todo e qualquer culto matrimonial poderá surtir efeitos civis, desde que observe os
bons costumes e não ofenda a ordem pública.
Pode o ato de celebração dispensar a presença da autoridade celebrante, o que se
verifica no casamento nuncupativo ou in extremis, no qual, em benefício da família que se
pretende constituir, são descartadas certas e determinadas formalidades do ato nupcial,
inclusive a da presença da autoridade.
O registro, que é a terceira e última fase do casamento, é imprescindível para a
validade jurídica do casamento, pois a certidão dele extraída é, em regra, prova plena e
cabal do ato celebrado, salvante a posse do estado de casados, sempre em benefício da
prole comum, da prova embutida em procedimento judicial (art. 1.546 do CC/2002) e do
princípio in dubio pro matrimonio, estatuído no artigo 1.547 do Código Civil em vigência.
301
A presunção de paternidade é um princípio que valoriza o convívio familiar,
priorizando o vínculo afetivo em face do meramente biológico, tanto que somente o marido
da mulher que gere uma criança é que tem legitimidade ativa para impugnar a paternidade,
mesmo que confessado eventual adultério; protege-se com isso a família constituída por
esse matrimônio, realçando o afeto. Nada obstante, indiretamente esse vínculo pode ser
debatido em outra pretensão judicial.
A dissolução da sociedade conjugal e do casamento está intimamente ligada ao
matrimônio e à família por ele constituída, pois com seu rompimento manter-se-á, ou não,
esse vínculo familiar.
O casamento será dissolvido pela morte, natural ou presumida, inclusive em face
da ausência. Inquietação que reina é sobre o eventual retorno do ausente, sobre o que opta-
se pela validade jurídica do segundo matrimônio, com plena dissolução do primeiro, repita-
se, decorrente da ausência.
As nulidades matrimoniais são postas como causas terminativas da sociedade
conjugal, nada se referindo quanto ao casamento inexistente, para o qual, caso tenha-se
lavrado o respectivo registro, aplicam-se as regras normativas do casamento nulo, cujo
efeito da sentença judicial que o reconhece será ex tunc, ou seja, retroage à data do ato
celebrado.
Expressamente, as causas de anulabilidade do casamento estão descritas no artigo
1.550, incisos I a VI do Código Civil de 2002, com ressalvas no artigo 1.551 do mesmo
Código.
Neste momento, focar-se-ão os vícios de consentimento, pois a coação e o erro
essencial quanto à pessoa do outro cônjuge são os únicos a anular o matrimônio; todavia,
acrescenta-se que o dolo é também causa de anulação, assim como a simulação, como
vício social que é, poderá fulcrar a nulidade absoluta do ato nupcial, com o expresso
reconhecimento do casamento simulado, que é ato jurídico nulo.
Criou o Código vigente a figura da autoridade aparente, nos ditames de seu artigo
1.554, cuja aplicabilidade é extensiva à incompetência absoluta da pessoa que celebrou o
302
ato nupcial, caso satisfeitos os requisitos nele apostos; destarte, em benefício da família
constituída e da dignidade dos cônjuges, que de boa-fé confiaram na pessoa do celebrante,
valida-se o matrimônio.
A separação judicial, litigiosa ou consensual, apenas termina com a sociedade
conjugal, mantendo íntegro o vínculo matrimonial, o que possibilita o restabelecimento do
casamento.
Malgrado o número de críticas, o legislador positivou a idéia de culpa como causa
a fundamentar a separação judicial; obtempera-se, no entanto, a criação legal da separação
judicial motivada, mas sem culpa, nos ditames do artigo 1.573 do Código Civil de 2002;
por isso, ousa-se a sugerir a seguinte classificação: 1) separação judicial consensual (art.
1.574); e 2) separação judicial litigiosa (arts. 1.572 e 1.573), a qual, por sua vez, poderá
consistir em uma das seguintes modalidades: 2.1) sanção: com base na existência de culpa
(art. 1.572, caput); 2.2) falência: decorrente de separação de fato (§ 1º do art. 1.572); 2.3)
remédio (§ 2º do art. 1.572); 2.4) separação judicial como solução: decorrente de fato
concreto que impossibilite a continuidade da vida em comum (art. 1.573 e parágrafo
único).
Mantido está o prazo de experiência ou período de provação como requisito
basilar da separação consensual, como também a cláusula de dureza (art. 1.574, parágrafo
único), aplicável que é a toda e qualquer situação em que se postule a separação amigável,
independentemente do lapso temporal do consórcio.
A separação judicial como remédio, além de ser expresso descumprimento aos
deveres matrimoniais dispostos no artigo 1.566 do Código atual, é ofensa ao princípio da
dignidade da pessoa humana em relação cônjuge doente.
O divórcio, direto ou por conversão, termina com a sociedade conjugal e dissolve
o casamento. Dita-se que é a separação judicial decretada por ato judicial que será
convertida em divórcio, pois assim exige o texto constitucional, em seu artigo 226,
parágrafo 6º: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação
judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato
por mais de dois anos” destacou-se; destarte, repita-se, é a separação judicial que se
303
converte em divórcio, nunca a separação cautelar de corpos que, se assim se operar, está
fadada a patente inconstitucionalidade.
Tanto para a separação judicial como para o divórcio, a partilha do patrimônio
poderá ser postergada, aplicando-se por analogia, em ambas as hipóteses, o artigo 1.581 do
Código Civil em vigência.
O desenlace matrimonial, mormente pela separação judicial ou pelo divórcio,
caracteriza a concepção moderna de casamento, pois os cônjuges manter-se-ão sob o
manto matrimonial se assim preferirem, estando desobrigados de permanecerem casados
contra suas vontades, ainda que motivos justificáveis existam para o rompimento do
matrimônio. Nesse aspecto, o Código Civil de 2002, em referendo a essa nova conotação
matrimonial, facilitou a busca pelo término da sociedade conjugal e do próprio casamento,
em inteira sintonia com as alterações legislativas dos últimos anos.
Hodiernamente, pode-se constituir uma família por um casamento ou não, sendo
da exclusiva vontade do homem e da mulher a opção pela forma de instituir o seu
relacionamento familiar.
De igual modo, a opção pelas núpcias é autônoma e com maior facilidade que no
passado, como dela também se desata com muito mais tranqüilidade e amparo legislativo,
independente de motivação, fatores esses que tipificam a assunção matrimonial como de
livre e espontânea vontade dos nubentes, e que nela se mantêm, da mesma forma,
consoante seus peculiares interesses.
Enquanto houver amor, afeto, respeito e cumplicidade, que se mantenha íntegro o
matrimônio, todavia, mesmo com o seu desenlace, a família dele originada poderá se
manter, sob outra ótica, como a família monoparental.
O casamento é um vínculo originado do amor recíproco entre os cônjuges, cujo
escopo primordial é a constituição de uma família denominada família conjugal ou
matrimonial , a qual é a base sólida da sociedade brasileira, e que assim perdure, pois é
esse vínculo familiar que solidifica a personalidade de seus membros, seja marido, mulher
ou filhos; por outro ponto, sendo a família o liame entre seus componentes e a sociedade,
304
embasada aquela em princípios e preceitos éticos e morais, por coerência, essa sociedade
será cada vez mais justa e solidária, visando o bem-estar e a felicidade de todos os seus
integrantes.
Os fundamentos da cidadania e da dignidade da pessoa humana, somados aos
preceitos de afeto, carinho, cumplicidade, respeito e amor mútuos entre os cônjuges, com
vistas à felicidade pessoal e familiar, são os ingredientes exegéticos para as regras e
normas alusivas ao relacionamento conjugal e familiar; sempre que satisfeitos, priorizar-
se-á a validade e eficácia do matrimônio, para que se perenize a primazia da família dele
decorrente.
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