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ILA BARBOSA BITTENCOURT
A TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA E A
IMPUTABILIDADE PENAL
MESTRADO EM DIREITO
PUC/SP
SÃO PAULO
2006
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ILA BARBOSA BITTENCOURT
A TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA E A
IMPUTABILIDADE PENAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para a obtenção do titulo de Mestre
em Direito das Relações Sociais (Direito Penal), sob
orientação do professor doutor Dirceu de Mello.
PUC/SP
SÃO PAULO
2006
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BANCA EXAMINADORA
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“ (...) tem me animado até hoje a idéia de que o
menos que alguém pode fazer, numa época de
atrocidades e injustiças, como a nossa, é
acender sua lâmpada, fazer luz sobre a
realidade de seu mundo, evitando que sobre ela
caia a escuridão... riscar o nosso fósforo, como
sinal de que não desertaremos do nosso posto”.
Érico Veríssimo, Solo de clarineta
AGRADECIMENTOS
“A gratidão é a memória do coração”.
Victor Hugo
Ao meu orientador professor doutor Dirceu de Mello, minha
eterna gratidão por ter tido a felicidade de abeberar-me de seus
profundos ensinamentos.
À professora assistente doutora Waléria Garcelan Loma
Garcia, obrigada pelos seus ensinamentos, confiança e estímulo.
Aos professores desta casa doutores Marco Antonio Marques
da Silva, Márcio Pugliese e Sílvio Luís Ferreira da Rocha, dos quais
tive a honra de ser aluna neste curso de mestrado.
SUMÁRIO
RESUMO 10
ABSTRACT 12
CAPÍTULO I – IMPUTABILIDADE
1. Imputabilidade 14
1.1. Breve introdução 14
1.2. Histórico 14
1.2.1. O direito penal romano 15
1.2.2 O direito penal lusitano 16
1.2.3 O direito penal do Brasil Império 17
1.2.4. O direito penal do Brasil República 19
1.3. Os sistemas de determinação da imputabilidade 24
1.4. A imputabilidade no direito comparado 25
1.4.1. Itália 25
1.4.2. Argentina 25
1.4.3. Peru 26
1.4.4. Chile 26
1.4.5. Cuba 27
1.4.6. Portugal 27
1.4.7. Espanha 28
1.4.8. Alemanha 29
1.4.9. Direito Canônico 29
2. Culpabilidade e responsabilidade 30
2.1. Histórico da evolução dos conceitos 30
2.1.1. Os primórdios da civilização 30
2.1.2. Direito Penal dos Hebreus 33
2.1.3. Direito Penal Grego 33
2.1.4. Direito Romano 35
2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano 35
2.1.4.2. Dolo e culpa 37
2.1.5. Direito Penal Germânico 39
2.1.6. Direito Canônico 40
2.1.7. Direito Medieval 40
2.1.8. Período Humanitário 41
2.1.9. Período clássico 44
2.1.9.1. As Escolas Penais 45
2.1.9.1.1. A escola clássica 46
2.1.9.1.2. A escola antropológica 47
2.1.9.1.3. A escola crítica 50
2.2. A responsabilidade no Brasil 52
3. A concepção psicológica da culpabilidade e o conceito
da imputabilidade 56
4. A teoria psicológica-normativa da culpabilidade e o conceito
da imputabilidade 57
5. A teoria finalista ou normativa pura da culpabilidade e o
conceito da imputabilidade. 58
CAPÍTULO II – A ACTIO LIBERA IN CAUSA
1. Histórico 59
1.1. Antecedentes históricos da Actio Libera In Causa 59
1.2. Origem do termo actio in libera in causa 62
2. A actio libera in causa 64
2.1. Conceito 64
2.2. Hipóteses 66
2.2.1. Caráter de negligência 66
2.2.2. Caráter atípico 67
2.2.3. Caráter doloso 67
3. Divergência doutrinária 67
4. A actio libera in causa e os crimes dolosos 70
5. A actio libera in causa e os crimes culposos 70
6. A embriaguez 72
6.1. A embriaguez e a actio libera in causa 74
6.2. A embriaguez culposa 74
6.3. A embriaguez dolosa 76
6.4. A embriaguez preordenada 76
6.5. O caso fortuito e a força maior 77
CAPÍTULO III – EMBRIAGUEZ NO DIREITO COMPARADO
3.1. Breve introdução 80
3.2. Antiguidade 80
3.3. Idade Média 81
3.4. Itália 81
3.5. França 83
3.6. Países do Benelux 84
3.7. Suécia 85
3.8. Noruega 86
3.9. Dinamarca 86
3.10. Finlândia 87
3.11. Inglaterra 87
3.12. Estados Unidos 88
3.13. Portugal 89
3.12. Alemanha, Suíça e Áustria 90
Capítulo IV – O HISTÓRICO NO DIREITO BRASILEIRO
4.1. Código Criminal do Império do Brasil (1830) 91
4.2. Código Penal da República Velha (1890) 92
4.2.1. A origem da redação do Código 92
4.2.2. O conceito de embriaguez da época 97
4.2.3. A embriaguez perante o Código 98
4.3. Os projetos Vieira de Araújo (1893) 100
4.4. Projeto Galdino Siqueira (1913) 101
4.5. Projeto Virgílio Sá Pereira (1928) 103
4.6. Consolidação das Leis Penais (1932) 103
4.7. Projeto Alcântara Machado (1938) 104
4.8. Código Penal de 1940 105
4.9. Lei das Contravenções Penais (1941) 107
4.10. Projeto Nélson Hungria (1961 a 1969) e
Código Penal de 1969 108
4.11. Lei de Tóxico (Lei 6368, de 21 de outubro de 1976) 109
4.12. Lei 7209 de 11 de julho - Reforma penal de 1984 110
4.13. Projeto de reforma do Código Penal 114
CONCLUSÃO 115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 117
10
RESUMO
Desde os primórdios da civilização existe o consumo de álcool seja por
prazer ou para desinibir a personalidade. Porém a partir do consumo excessivo
de tal substância ou outras de efeitos análogos advêm problemas sociais e de
saúde, e por essa razão torna-se um objeto de estudo da sociedade.
Do ponto de vista da Saúde o alcoolismo é considerado uma doença
crônica, progressiva e fatal que pode causar seqüelas físicas e psicológicas.
Em particular e como foco desse trabalho temos a visão jurídica sobre a
embriaguez e sobre os efeitos decorrentes da mesma ao longo das décadas.
Nosso sistema penal não condena o ato de se embriagar e declara isento de
pena o agente que não tiver condição de entender a ilicitude do fato praticado
ou de determinar-se de acordo com isso no momento do ato.
Por muito tempo em nosso Código, a embriaguez foi considerada um
atenuante para os delitos cometidos sob seu efeito devido a privação parcial ou
total do agente de seus sentidos, fato que será abrangido nesse trabalho, assim
como a comparação do tratamento da embriaguez na legislação de outros
países.
Atualmente, a embriaguez, voluntária ou culposa não exclui a
imputabilidade, a não ser se derivada de caso fortuito ou de força maior. E se o
agente tiver se embriagado propositadamente a fim de cometer o crime, seja
para se privar parcialmente da consciência, tomar coragem ou ainda tentar usar
essa causa como atenuante em sua pena, ao contrário terá um agravante.
Nesses casos de privação parcial da mente entra em ação o instituto das
actione liberae in causa, que assumem uma política criminal de
responsabilização penal na qual o resultado produzido no estado de
inimputabilidade deveria ser possível de ser previsto ou quisto pelo agente, que
se colocara em condições de incapacidade de entender ou de querer, para
praticar o crime ou então para que tenha uma desculpa para o mesmo.
Dentre as divergências doutrinárias apontadas ao longo do trabalho,
merece realce a confusão realizada com a responsabilidade objetiva ao longo
11
dos Códigos. Porém na actio libera in causa, ao contrário dessa outra política
jurídica, há a necessidade de haver dolo ou culpa, ou seja um nexo psicológico,
num momento antecedente ao delito cometido.
12
ABSTRACT
Since the beginning of civilization there has been alcoholic use just for
simple pleasure or for stimulation. But device excessive alcoholic beverage or
another substances of similar effects use has been increased the number of
social and health problems, and then, has became an society object of study,
From Health point of view, alcoholism is a chronic, progressive, and fatal
disease, which has physical and psychological effects.
Particularly and as object of study of this paper, there is yet the judiciary
point of view about drunkenness and its effects throw the decades. Our penal
system does not punish the act of drinking and declare free of punishment the
individual that who at the moment of the act do not have the capacity of
understand the unlawfulness of his act or to behave in accordance with this
understanding.
For long time in our Penal Code, drunkenness was considered an
attenuate for crimes committed under its effect device the agent partial or
complete privation of senses, fact which will be approached in this one, besides
the comparison of other countries legislation treatment for this subject.
Nowadays, voluntary or culpable drunkenness does not exclude
imputability, unless in cases it is result from accident or majored force. And if the
individual has intentionally drunk for practice a crime, or to lose partial or
completely conscience, or gain courage, or to try to use this fact as an
attenuating excuse, otherwise, it will work as an aggravator.
In these cases of partial or complete mental privation enters the institute
of actione liberae in causa, which consist in a criminal politic of penal
responsabilization that assumes the produced result in unimputability stage
should be estimated or wanted by the agent, and this one had been put himself
in this situation for practicing the crime or to have an excuse for it.
Among the doctrinaire divergences approached in this work, deserves a
different position the confusion of action libera in causa and the objective
responsibility. But in the fist one is necessary to be present intention or
13
guiltiness, or in other words a psychological nexus, in a antecedent moment
related to the crime.
14
CAPÍTULO I – IMPUTABILIDADE
1. Imputabilidade
1.1. Breve introdução
Embora o Código Penal trate do termo inimputabilidade, alguns autores
preferem tratar o antônimo. Assim, Aníbal Bruno considera imputável o homem
mentalmente desenvolvido e mentalmente são, que possui a capacidade de
entender o caráter criminoso do seu ato e de determinar-se de acordo com este
entendimento que o homem adquire progressivamente, com o desenvolvimento
físico e mental, até atingir o seu pleno crescimento.
1.2. Histórico
Os códigos atuais e de outrora não dispõe sobre a imputabilidade, mas
sim quanto a inimputabilidade, resultando a imputabilidade em conceito “a
contrário senso”. Para que se entenda o conceito moderno é necessário que se
analise a evolução ao longo dos anos e dos diferentes códigos. Para tal,
devemos lembrar que o Brasil foi colônia portuguesa e, portanto, sofreu
influência do código da metrópole, que por sua vez teve sua formação jurídica
inspirada no Direito Romano. A vigência deste é demarcada com a criação da
Lei das XII Tábuas até a morte de Justiniano, em 565 d.C.
1
.
1
Meira, Silvio A. B. História e Fontes do Direito Romano. São Paulo: Editora Saraiva, 1966.
15
1.2.1. O direito penal romano
Os romanos alcançaram amplo desenvolvimento da doutrina da
imputabilidade, da culpabilidade e de seus excludentes, assim como os
conceitos de culpa (forma de negligência ou descuido culpável) e dolo (ofensa
intencional à lei moral e à lei do Estado). Dentre os avanços da teoria da
culpabilidade, garantiram a responsabilidade subjetiva (exigência de dolo e
culpa) e pessoal.
Consideravam os infantes (até sete anos) inimputáveis; os impúberes
(entre sete e catorze anos) poderiam ser considerados culpados desde que se
demonstrasse que haviam quisto praticar o mal (dolus malus) e os minores (até
vinte e cinco anos) poderiam ter reconhecidas condições atenuantes
2
. No caso
de haver se comprovado o discernimento dos impúberes para agir com dolus
malus, eram sujeitados apenas à castigatio, por razões educativas ou
considerações práticas segundo a legislação justiniânea e a esse instituto deram
o nome de ficção da puberdade. O castigatio consistia em assustar os menores
infratores e bater neles com uma correia ou uma vara, nunca sendo constituída
de tortura. Embora a idade do infrator sempre aparecesse ao lado do nome nos
processos, para aqueles com idade próxima à puberdade eram separados o
desenvolvimento corporal e o intelectual, podendo, então, não ter alcançado a
idade especificada para ser julgado de outro modo, mas o será se for
considerado com maturidade e capacidade do dolo. Eram, também,
considerados inimputáveis os alienados, assim como os autores de crimes
praticados em estado passional de máxima intensidade. Os atos cometidos
durante estado de embriaguez, por gerar uma situação de menor lucidez, eram
tratados com menor severidade. Os casos de legítima defesa também não eram
puníveis desde que se comprovasse o ocorrido. Ou seja, em outras palavras, a
imputabilidade no Direito Romano era vista como a condição do indivíduo de
2
Cf. Ferrini, Contardo. Esposizione storica e dottrinale del diritto penale romano, “in”
Enciclopédia Del Diritto Penale Italiano, Pessina, Enrico, 1905, volume 1º, p. 62 apud Oliveira,
Guilherme Percival, Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda, 1958, p.87.
16
praticar determinados atos com discernimento, idéia equivalente à capacidade
de Direito Penal apontada por Basileu Garcia
3
.
1.2.2. O direito penal lusitano
O Direito Penal lusitano passou a vigorar no Brasil após o descobrimento
do mesmo. Na Metrópole vigoravam as Ordenações Afonsinas, publicadas em
1446, sob o reinado de D. Afonso V. Em 1521, D. Manuel I determinou sua
substituição pelas Ordenações Manuelinas. Essas vigoraram até a Compilação
de Duarte Nunes de Leão, em 1569 a mando do rei D. Sebastião. Porém essas
ordenações não chegaram a ser eficazes na colônia devido às peculiaridades
aqui existentes. Portanto, na realidade, existia uma infindável quantidade de leis
e decretos reais para a colônia, que conferiam amplos poderes aos donatários
de terras, deixando cada um com autonomia para aplicar o regime jurídico da
forma que achasse mais conveniente.
Em 1603, Filipe II promulgou as Ordenações Filipinas com punições
cruéis de tortura e predomínio de pena de morte e vigorou por dois séculos. No
livro das Ordenações Filipinas não são encontradas normas que digam respeito
à imputabilidade, semi-imputabilidade ou inimputabilidade, com exceção ao que
se referia ao menor de dezessete anos, contra quem não poderia ser aplicada a
pena de morte natural, sendo conferida ao julgador a possibilidade de
substituição dela por outra sanção de espécie diversa. Essas ordenações
traziam o citado sob o Título CXXXV – Livro V:
“Quando algum homem, ou mulher, que passar de vinte annos,
cometter qualquer delicto, dar-se-lhe-há pena total, que lhe seria
dada, se de vinte e cinco annos passase.
E se for de idade de dezassete annos até vinte, ficara em arbítrio
dos julgadores dar-lhe a pena total, ou diminuir-lha.
3
GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal, volume I, tomo I, 2ª edição. São Paulo: Max Limonad
Editor de Livros de Direito, 1954, p. 324.
17
E em este caso olhara o julgador o modo, com que o delicto foi
commettido, e as circunstâncias delle, e a pessoa do menor; e se o
achar em tanta malicia, que lhe pareça que merece total pena, dar-
lhe-há, posto que seja de morte natural.
E parecendo-lhe que a não merece, poder-lha-há diminuir,
segundo a qualidade, ou simpleza, com que achar, que o delicto foi
comettido.
E quando o delinqüente for menor de dezassete annos cumpridos,
postoque o delicto mereça morte natural, em nenhum caso lhe será
dada, mas ficara em arbítrio do Julgador dar-lhe outra menor pena.
E não sendo o delicto tal, em que caiba pena de morte natural, se
guardara a disposição do Direito Commun.”
O Livro V refletia o Direito Penal da época, que tinha a pena de morte
como sanção aplicada quase que invariavelmente, e era marcado pela falta de
critério na distinção entre os conceitos de pecado e crime, bem como pela forma
assistemática e irracional da disposição da matéria criminal, o que retratava a
crueldade previamente citada.
1.2.3 O direito penal do Brasil Império
Mas proclamada a independência do país, duas motivações vieram a
contribuir para a substituição das velhas Ordenações: de um lado, a situação de
vida política autônoma da ação, que exigia uma legislação própria, reclamada
pela animosidade contra tudo o que podia lembrar o antigo domínio; do outro
lado, as idéias liberais e as novas doutrinas do Direito, do mesmo modo que as
condições sociais do tempo, bem diferentes daquelas que as Ordenações foram
destinadas a reger. Em 1823, D. Pedro I abriu a Assembléia Constituinte, que
decidiu manter em vigência as Ordenações Filipinas e no mesmo ano foi
dissolvida, promulgando a constituição no ano seguinte. Acerca da legislação
18
baseada no Livro V, Baptista Pereira afirmou: “Espelho, onde se refletia, com
inteira fidelidade, a dureza das codificações contemporâneas, era um misto de
despotismo e de beatice, uma legislação híbrida e feroz, inspirada em falsas
idéias religiosas e políticas, que invadindo as fronteiras da jurisdição divina,
confundia o crime com o pecado, e absorvia o indivíduo no Estado fazendo dele
um instrumento. Na previsão de conter os maus pelo terror, a lei não media a
pena, pela gravidade da culpa; na graduação do castigo obedecia, só, ao critério
da utilidade.” Ressalta-se que, embora, essa norma pareça agressiva demais à
época aos estudiosos do presente e alguns legisladores de tal momento
histórico, Rebello Pinho aponta, após análise de outros diplomas penais
europeus contemporâneos que as leis portuguesas não destoavam das dos
demais povos ditos cultos da Europa
4
.
Projetos de Código Criminal foram montados e apresentados a partir de
1826 por Bernardo Pereira de Vasconcelos e Clemente Pereira, fazendo com
que a Câmara, em 1828, optasse pela criação de uma comissão bilateral para a
análise dos mesmos. Em 1830 finalizou-se a redação do Código que havia sido
imposta pela Constituição do Império no seu artigo 179, inciso XVIII. Esse
mesmo artigo 179 reúne como premissas do novo regime punitivo alguns dos
postulados iniciais do Direito Penal Liberado, os mais opostos ao regime das
Ordenações, como o princípio da igualdade de todos perante a lei (inciso XIII) e
o de que a pena não passaria da pessoa do criminoso (inciso XX)
Nesse Código ficou estabelecido que não se julgariam pessoas com
idade inferior a catorze anos, os loucos de todo gênero que cometessem atos
criminosos fora de possível período de lucidez, e aqueles casos que
caracterizassem a legítima defesa, ou seja, crimes violentados por força ou por
medo irresistíveis. Transcreve-se o Código Criminal do Império em seu artigo
10:
“Art. 10 - Também não se julgarão criminosos:
§1º Os menores de quatorze annos
4
Pinho, Rebello, História do Direito Penal Brasileiro – Período Colonial, São Paulo, José
Bushatsky Editor, 1973, p. 81.
19
§2º Os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem lúcidos intervallos
e nelles commeterem o crime.
§3º Os que commetterem crimes violentados, por força ou por
medo irresistíveis.
§4º Os que commetterem crimes casualmente, no exercício ou
pratica de qualquer acto licito,feito com atenção ordinária.”
Apesar da prescrição disposta no artigo 10, o referido código não se
fechava à possibilidade de que, mesmo tendo menos de 14 anos de idade, o
“menor criminoso” poderia estar agindo de forma consciente e com
discernimento, segundo o art. 13:
“Art. 13 - Se se provar que os menores de quatorze annos, que
tiverem commettido crimes, obrarão com discernimento, deverão
ser recolhidos às casas de correção, pelo tempo que ao juiz
parecer, com tanto que o recolhimento não exceda a idade de
dezasete annos”.
Em tal caso deveria ser encerrado em uma casa de correção. Esta
prescrição assemelha-se ao direito romano na sua última fase, pois mesmo
julgando não criminosos os menores de 14 anos, se agissem com
discernimento, poderiam ser considerados relativamente imputáveis.
1.2.4. O direito penal do Brasil República
Com o advento da República em 1889, a pedido de Campos Sales,
Baptista Pereira foi incumbido de escrever o projeto de Código Penal, que foi
20
aprovado e publicado em 11 de outubro de 1890, de acordo com o decreto 847.
Aqui, no Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, fica definido
que os menores de catorze anos que agissem sem discernimento não seriam
considerados criminosos, assim como aqueles que apresentassem imbecilidade
nativa ou enfraquecimento senil ou que estivessem privados totalmente de seus
sentidos e senso no ato do delito ou mesmo dotado de perturbação dos
mesmos. Também seriam considerados absolutamente inimputáveis os surdo-
mudos que não tivessem recebido educação e instrução para diferenciar o certo
do errado e reconhecer seus atos, aqueles que agissem em legítima defesa
devido à ameaça violenta real e danosa à vida.
“Art. 27 - Não são criminosos:
§1º Os menores de 9 annos completos;
§2º Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem
discernimento;
§3º Os que por imbecibilidade nativa, ou enfraquecimento senil,
forem absolutamente incapazes de imputação;
§4º Os que se acharem em estado de completa privação de
sentidos e de intelligencia no ato de cometer o crime;
§5º Os que forem impellidos a commeter o crime por violência
physica irresistível, ou ameaças acompanhadas de perigo actual;
§6º Os que commetterem o crime casualmente, no exercício ou
prática de qualquer acto lícito, feito com attenção ordinária;
§7º Os surdos mudos de nascimento, que não tiverem recebido
educação, nem instrucção, salvo provando-se que obraram com
discernimento.
21
Art. 29 - Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de
affecção mental serão entregues às suas famílias, ou recolhidos a
hospitaes de alienados, si o seu estado mental assim exigir para
segurança do público.
Art. 30 - Os maiores de 9 annos e menores de 14, que tiverem
obrado com discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos
disciplinares industriaes, pelo tempo que ao juiz parecer, comtanto
que o recolhimento não exceda à idade de 17 annos”.
Posteriormente, vários projetos visando a revisão do estatuto penal de
1890, destacando-se Galdino Siqueira, Sá Pereira e Vicente Piragibe e
Alcântara Machado. O projeto Galdino Siqueira, de 1913, em seu artigo 16,
propõe que os inimputáveis perigosos deveriam ser internados em manicômio
ou em hospitais de alienados, em seção distinta, à qual poderiam retornar, a
cargo da decisão do juiz criminal.
O projeto Virgílio Sá Pereira, de 1928, mencionava os “delinqüentes de
imputabilidade restrita” (art. 29, § 3º), e tornava o decreto do juiz de
internamento do acusado, que absolvido por falta de imputabilidade, ou por tê-la
diminuída, quando manifesta sua “temibilidade” uma obrigatoriedade (art. 171).
A Consolidação das Leis Penais, cujo autor é Vicente Piragibe, aprovada
e adotada pelo decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932, restabeleceu a
maioridade penal aos catorze anos de idade, estipulou regras para a internação
dos criminosos de doença mental e, ainda, fixou causas passíveis de
reconhecimento de inimputabilidade.
“Art. 27 – Não são criminosos:
§ 1º Os menores de 14 anos;
22
§ 2º Os surdos-mudos de nascimento, que não tiverem recebido
educação nem instrução, salvo provando-se que obraram com
discernimento;
§ 3º Os que, por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil,
forem totalmente incapazes de imputação;
§ 4º O que se acharem em estado de completa perturbação de
sentidos e de inteligência no acto de commetter o crime.
Art.29 - Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de
affecção mental serão entregues as suas famílias, ou recolhidos a
hospitais de alienados, si o seu estado mental assim exigir para
segurança do publico.Enquanto não possuírem os Estados
manicômios criminaes, os alienados delinqüentes e os
condemnados alienados somente poderão permanecer em asylos
públicos, nos pavilhões que especialmente se lhe reservem”.
Francisco Campos convidou Alcântara Machado para a elaboração do
novo código; o anteprojeto foi apresentado em 1938 e foi entregue à comissão
revisora integrada por Nélson Hungria, Roberto Lyra, Narcélio de Queiroz e
Vieira Braga, com a colaboração de Costa e Silva. Reparos foram feitos no
projeto, e assim, Alcântara Machado foi obrigado a refazer seu trabalho,
terminando-o em abril de 1940. O novo código foi sancionado pelo decreto n.
2848, de 7 de setembro de 1940 e entrou em vigor em 1 de janeiro de 1942.
O Código Penal de 1940, na parte geral, título III, arts. 22 a 24 refere-se à
responsabilidade, tratando da irresponsabilidade penal plena no “caput” do art.
22, artigo 23 e 24 parágrafo 1º e da semi-responsabilidade penal no parágrafo
único do artigo 22 e 24, §2º. Trata, ainda, da responsabilidade penal plena no
artigo 24, I e II.
Este estatuto sofreu a influência da Escola Clássica e a responsabilidade
foi assentada na liberdade moral.
23
O Código Penal de 1969 substitui em seu texto o título responsabilidade
para imputabilidade penal, abrangendo, nos artigos 31 a 34, as figuras
pertinentes:
“Art.31 “caput” - Não é imputável quem, no momento, da ação ou
da omissão, não possui a capacidade de entender o caráter ilícito
do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, em
virtude de doença mental ou de desenvolvimento mental
incompleto ou retardado.
Parágrafo único. Se a doença ou a deficiência mental não suprime,
mas diminui consideravelmente a capacidade de entendimento da
ilicitude do fato ou de autodeterminação, não fica excluída a
imputabilidade, mas a pena pode ser atenuada, sem prejuízo do
disposto no art. 94.
Art. 32 – Não é igualmente imputável o agente que, por
embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior,
era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento.
Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se
o agente, por embriaguez proveniente de caso fortuito ou força
maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena
capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-
se de acordo com esse entendimento.
Art. 33 – O menor de dezoito anos é inimputável.
Art. 34 – Os menores de dezoito anos ficam sujeitos às medidas
educativas, curativas ou disciplinares determinadas em leis
especiais”.
24
Temos, então, o Código resultado segundo o Decreto-Lei nº 1.004, de 21
de outubro de 1969; que foi posteriormente revogado pela Lei nº 6.578 de 11 de
outubro de 1978, nunca tendo entrado em vigor, portanto.
1.3. Os sistemas de determinação da imputabilidade
Para determinação da imputabilidade levam-se em conta três sistemas:
1º) biológico ou etiológico: adotado pelo Código Penal francês no artigo 64 e
pelo pátrio em 1830 e que não considera crime nem delito o ato cujo autor seja
debilitado mentalmente nativo, tal qual desenvolvimento incompleto ou retardo,
ou possua alguma enfermidade que o torne incapaz de responder por suas
ações ou, ainda, aquele que o cometer devido a uma força irresistível ou tomado
por embriaguez completa ou fortuita.
2º) psicológico: acolhido pelo Código dos Estados Unidos do Brasil em 1890 e
que torna irresponsável o autor que ao momento do ato não consiga interpretar
a ilicitude do mesmo (momento intelectual) e posicionar-se de acordo com essa
apreciação (momento volitivo). Ou seja, não há a necessidade de demonstração
da insanidade mental.
3º) biopsicológico: acolhido pelo legislador do Código Penal de 1940 e pela
Reforma de 1984 e que junta os dois sistemas anteriores como se encontra na
Exposição de Motivos do Código Penal, item 18. Em resumo a responsabilidade
por esse sistema só é excluída se o autor devido a uma enfermidade ou
retardamento mental, era, no momento da ação, incapaz de entendimento ético-
jurídico e autodeterminação.
O modelo psicológico deixou de ser adotado devido ao arbítrio judicial
exagerado ou à possibilidade de um extensivo reconhecimento da
25
irresponsabilidade, em antinomia com o interesse da defesa social. O legislador
também não quis o método biológico por deixar os juízes na dependência dos
peritos médicos, além de não prever os possíveis momentos de bonança que
um enfermo, mental ou não, pode apresentar.
Francisco Campos revelou na Exposição de Motivos os critérios da
Comissão Revisora, que teve por base o projeto de Alcântara Machado, e
preferiu, então, o método biopsicológico que torna, em nosso Código,
inimputáveis todos aqueles que estiverem inteiramente incapazes de
entendimento ético-jurídico ou de auto-determinação voluntária, ao tempo da
ação ou da omissão, em virtude da imaturidade, de doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto, de embriaguez completa ou em caso
fortuito ou força maior.
1.4. A imputabilidade no direito comparado
1.4.1. Itália
Sancionado pelo Decreto n. 1398 de 19 de outubro de 1930 e posto em
execução em 1º de julho de 1931, o Código Penal italiano trata do momento
volitivo e intelectual no momento da prática do crime (arts. 42 e 85 a 89). Trata,
também, dos casos de doença mental e de embriaguez derivada de caso fortuito
ou força maior, que excluem a imputabilidade (art. 91); voluntária ou culposa,
que não exclui, nem diminui a imputabilidade, podendo agravar a pena se fora
preordenada (art. 92); habitual, que agrava a pena (art. 94); e intoxicação
crônica por álcool ou substância psicotrópica, que é abordada no art. 95 com o
mesmo tratamento das doenças mentais (arts. 88 e 89).
1.4.2. Argentina
26
O Código Penal argentino, sancionado pelo Decreto n. 3992 em 21 de
dezembro de 1984, trata como inimputáveis aqueles que, no momento do fato,
são incapazes de compreender a criminalidade do ato ou de dirigir suas ações,
por insuficiência das faculdades mentais, alterações mórbidas das mesmas ou,
ainda, estado de inconsciência, erro ou ignorância do crime (art. 34).
1.4.3. Peru
Prevê em seu Código Penal, promulgado pelo Decreto n. 635 de 3 de
abril de 1991, que estão isentos de responsabilidade penal os portadores de
anomalias psíquicas ou aqueles que sofrem de graves alterações na
consciência ou na percepção, de modo que comprometa sua capacidade de
entender e querer (art. 20). São isentos também os menores de 18 anos, exceto
nos casos de crimes de terrorismo, caso em que a maioridade penal cai para 15
anos, de acordo com as modificações impostas pelo Decreto-lei n. 25564 de 17
de junho de 1992. O artigo seguinte trata da atenuação da pena para até o limite
inferior mínimo legal que o Juiz pode praticar se não ocorrer algum dos
requisitos necessários para que desaparecesse a responsabilidade penal por
completo.
Os toxicômanos e os indivíduos usuários de álcool imputáveis podem, por
medida de segurança, ser submetidos à internação, antes de cumprir a pena
imposta e por um período que não será computado como cumprimento dessa
pena, porém dependente do sucesso do tratamento o juiz pode reduzir a
sentença ou mesmo decretá-la extinta (arts. 71 e 77).
1.4.4. Chile
27
O Código Penal, aprovado pelo Decreto n. 663 de 30 de julho de 1999,
declara que são isentos de responsabilidade penal os loucos ou dementes, a
não ser que tenham agido em um intervalo de lucidez; os menores de 16 anos;
os maiores que 16 e menores que 18 anos, a não ser que se comprove que
tenham agido com discernimento; e aqueles que agiram em defesa de sua
pessoa ou direitos, sob quaisquer das circunstâncias dispostas no § 4º (art. 10).
A embriaguez não é abordada no Código Penal peruano, pois existe uma
lei específica (Lei n. 17.105) publicada em 14 de abril de 1969, que sob a rubrica
Sobre alcoholes, bebidas alcoholicas y vinagres” trata unicamente sobre essa
questão.
1.4.5. Cuba
No Título V do seu Código Penal, instituído pela Lei n. 62, aprovada pela
Assembléia Nacional do Poder Popular em sessão do dia 29 de dezembro de
1987, a questão é tratada sob a rubrica “Pessoas penalmente responsáveis” e
determina que a responsabilidade penal das pessoas físicas acima de 16 anos e
das pessoas jurídicas. Aqueles que têm entre 16 e 18 anos podem ter suas
penas diminuídas à metade com o propósito de reeducá-lo e treiná-lo em uma
profissão, assim como aqueles que têm entre 18 e 20 anos podem tê-las
reduzidas em até um terço.
O capítulo III trata das exceções à responsabilidade penal, sendo a seção
primeira, com o art. 20, dedicada à enfermidade mental.
1.4.6. Portugal
28
Com Código Penal publicado pelo Decreto-lei n. 400 de 23 de setembro
de 1982 afirma no art. 20 que é inimputável aquele que possuir anomalia
psíquica que o torne incapaz de, no momento da prática do fato, avaliar a
ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação. A
inimputabilidade não é excluída quando a anomalia psíquica tiver sido causada
pelo próprio agente com a intenção de cometer o fato.
Se o indivíduo, voluntariamente, se colocou em estado de transtorno
mental transitório pela ingestão de bebidas alcoólicas ou substâncias
psicotrópicas, não se aplica a disposição à respeito da inimputabilidade. Isso
também se aplica para outras situações em que poderia ter previsto as
conseqüências de suas ações.
Mais à frente, nos artigos 86 e 87, coloca-se que o usuário abusivo de
álcool será responsabilizado pelo ato ilícito com uma pena indeterminada,
sempre que o crime esteja relacionado com a embriaguez ou com a tendência
do agente. A pena imposta corresponde no mínimo à metade da pena de prisão
que caberia ao crime em questão e no máximo à pena acrescida de dois anos
na primeira condenação e de quatro anos nas restantes.
O princípio da execução da pena é eliminar o alcoolismo do agente ou
combater a sua tendência para abusar de bebidas alcoólicas.
1.4.7. Espanha
Prevê no artigo 20, aprovado pela Lei Orgânica n. 10 de 23 de novembro
de 1995, a isenção de responsabilidade penal para os casos de alterações
psíquicas, intoxicação plena por bebidas alcoólicas, drogas ou substâncias
psicotrópicas, alterações na percepção desde o nascimento e atuação na
defesa dos próprios direitos ou de outros. A exceção está nos casos em que o
agente procurava o estado de transtorno mental transitório com o objetivo de
praticar o delito ou, ainda, nos que deveria prever sua prática.
29
É considerada circunstância atenuante o crime cometido sob uso
excessivo de álcool ou drogas (art. 21, §2º).
1.4.8. Alemanha
O Código Penal da Alemanha foi inspirado no prussiano, datado de 1851,
e prevê em seus arts. 20 e 21, no capítulo “Fundamentos da penalidade”, que
atuará sem culpabilidade aquele que no cometimento do crime, por razão de um
transtorno mental, de uma consciência alterada ou por razão de deficiência
mental ou de outras anomalias mentais graves, esteja incapacitado de perceber
a injustiça do crime ou de atuar com esta intenção. Se as capacidades do
indivíduo estiverem reduzidas no momento do praticado, sua pena poderá ser
atenuada, porém não poderá uma pena de privação perpétua de liberdade ser
substituída por penas inferiores a três anos; as penas privativas de liberdade
temporárias teriam atenuação máxima equivalente a três quartos do máximo
imposto e o limite inferior elevado de uma pena privativa de liberdade se
moderará no caso de um mínimo de dez ou cinco anos a dois anos, no caso de
um mínimo de três ou dois anos a seis meses, no caso de um mínimo de um
ano a três meses e nos demais casos ao mínimo legal (art. 49).
1.4.9. Direito Canônico
O Código Canônico atual, promulgado pelo papa João Paulo II, em 25 de
janeiro de 1983, dispõe no cânon 1321, Título III, que ninguém é punido, a não
ser que a violação externa da lei ou do preceito, por ele cometida, lhe seja
gravemente imputável por dolo ou culpa. Não será punido aquele que praticou o
ato por omissão da devida diligência, salvo determinação contrária da lei ou do
preceito. Assim como também não será aquele que ainda não completara
30
dezesseis anos ou, ainda, aquele que ignorava estar violando uma lei ou
preceito; a inadvertência e o erro equiparam-se à ignorância (can. 1323). Pelo
mesmo cânon também são inimputáveis aqueles que agiram por violência física
ou por caso fortuito que não puderam prever ou remediar, aqueles que agiram
forçados por medo grave, necessidade ou grave incômodo (excluindo-se os atos
intrinsecamente maus). O Código anterior trazia a semi-imputabilidade aos
impúberes e a legítima defesa a cargo do juiz ou superior responsável pelo caso
analisar.
O cânon 1324 reúne as circunstâncias atenuantes da pena, tais como uso
parcial da razão e embriaguez (§§ 1º e 2º respectivamente), mas deixa livre ao
juiz observar outras condições que minimizem a pena (§ 2).
2. Culpabilidade e responsabilidade
2.1. Histórico da evolução dos conceitos
2.1.1. Os primórdios da civilização
No direito dos povos antigos com relação ao castigo, bastava somente a
produção do fato danoso para a punição, ou seja, era o direito penal puramente
objetivo. Só importava a causalidade física; a concepção de crime não
ultrapassava a noção de dano, não se cogitava de qualquer outra ligação entre
o agente e o resultado danoso, importando apenas o resultado, bastava o
simples nexo causal entre a conduta e o resultado, o que viria a ser conhecido
por responsabilidade objetiva.
O homem primitivo tinha uma visão extremamente limitada do mundo.
Acreditava que seres sobrenaturais responsáveis pelos fenômenos por ele
inexplicáveis podiam premiá-lo ou castigá-lo por seu comportamento. A ira dos
31
deuses era apaziguada com proibições religiosas, sociais e políticas que ficaram
conhecidas por "tabu"
5
. Se as proibições não fossem obedecidas, vinha o
castigo. Desse castigo ao infrator, participavam todos os elementos do grupo, a
fim de se eximirem da vingança sobrenatural.
Várias foram as fases de evolução da vingança penal, as quais não se
sucederam sistematicamente, com épocas de transição e adoção de princípios
diversos, normalmente envolvidos em sentido religioso, como era de se esperar
pelo exposto acima. Para facilitar a exposição, lançamos mão da divisão
estabelecida por Magalhães de Noronha
6
, que distingue as fases de vingança
em:
- privada: a prática de um crime era seguida de uma reação da vítima, que não
guardava proporções com ofensa, dando lugar a brigas de grupos e famílias,
que, normalmente, terminavam por se extinguir. Devido a essa dizimação, a
sociedade preocupou-se em evitar a vingança, sob uma forma análoga da Lei
do Talião, ou seja, pondo um peso na vingança, um peso proporcional ao da
ofensa. A Lei do Talião foi adotada no Código de Hamurabi (2067-2025 a.C.,
Babilônia), no Êxodo (Povo Hebraico) e na Lei das XII Tábuas (em torno de 450
a.C., Roma). Tempo decorrido aparece a fase da composição, que consistia na
oferta, pelo ofensor, de uma recompensa pelo dano causado. Com isso retirava-
se a possibilidade de recair o castigo físico sobre a pessoa do ofensor, ou ainda,
como podia ocorrer, de ser estendido aos membros de sua família. O agente
livrava-se do castigo com a compra de sua liberdade com pagamento em
moeda, gado, armas ou outro material estipulado entre as partes. Foi adotada
também pelo Código de Hamurabi, pelo Pentateuco e pelo Código de Manu
(aproximadamente entre 1300 e 800 a.C., Índia), foi a composição largamente
aceita pelo Direito Germânico, sendo a origem remota das formas modernas de
indenização do Direito do Direito Civil e da multa do Direito Penal.
- vingança divina: essa fase deve-se à influência divina da religião na vida dos
5
palavra de origem polinésia que não comporta tradução, significa ao mesmo tempo o sagrado e o
proibido, o impuro, o terríbel. Cf. PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, Editora
Revista dos Tribunais, São Paulo, 1983, p.119.
6
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal – Volume 1. 27ª edição, Saraiva, 2003, p. 20.
32
povos antigos como exposto no início desse item. O Direito Penal era entendido
como uma repressão do crime para satisfação dos deuses pela ofensa praticada
no grupo social. A punição era rigorosa, já que o castigo deveria guardar
proporção com grandeza do Deus ofendido. Assim a alma do criminoso ficaria
purificada, podendo ser alcançada a Bem-Aventurança. Trata-se, aqui, do direito
penal religioso, teocrático e sacerdotal, representada por uma legislação típica
como a da Índia (Mânava, Dharma, Sastra), mas esses princípios foram
adotados, também, na Babilônia, na China (Livros das Cinco Penas), no Egito
(cinco livros), na Pérsia (Avesta) e pelo povo de Israel (Pentateuco). Nessas
culturas os rigores e intolerância a que são conduzidas as legislações de
espírito teocrático, junta a hierarquia de castas criam conclusões intoleráveis
para o nosso sentido de justiça igualitária. Também de inspiração religiosa
outras leis de velhos povos, como as da China Antiga.
- vingança pública: com a evolução social e dos costumes, visando à segurança
do soberano com a aplicação da pena, a pena foi se libertando de seu caráter
religioso e a responsabilidade foi se tornando individual, isto é, dirigida ao
agente. Este período apresentou enorme avanço em relação aos anteriores, já
que salientou o interesse coletivo ao individual, eliminando-se o caráter místico
da vingança divina. Embora se caracterize pela segurança dos soberanos
através da intimidação do povo pelas leis e punições severas, a aplicação das
sanções agia no interesse da sociedade.
No Antigo Oriente, o Direito, ainda, apresentava-se intimamente ligado à
religião. Havia sempre um núcleo sacral nas suas manifestações penais, pois se
a lei tinha origem na divindade, o crime que a transgride, há de tomar o caráter
da ofensa ao divino, que o agente deve expiar pelo castigo da pena. Como se
desejava o bem querer dos deuses de volta para determinado povo, ou mesmo
para o agente, um castigo severo era imposto ou uma forma muito mais
atenuada, as sanções rituais de purificação. O Código de Hammurábi distancia-
se bastante disso, baseando-se na idéia da vingança pública.
33
2.1.2. Direito Penal dos Hebreus
O direito hebraico acompanhou as modificações do Talmud, processo no
qual ocorreu uma suavização da rigidez da Lei de Talião, como por exemplo, a
mudança da vingança primitiva para práticas dos últimos tempos
7
. Os crimes
poderiam ser classificados em duas espécies: delitos contra a divindade e
crimes contra o semelhante.
A lei mosaica foi substituída pela multa, prisão e gravames físicos. A pena
capital foi tirada de prática e substituída pela aplicação da prisão perpétua, sem
trabalhos forçados.
2.1.3. Direito Penal Grego
O Direito Grego, extremamente relevante à nossa filosofia jurídica
contemporânea, vem a nossa ciência através de sua literatura, de seus filósofos,
poetas e oradores da época em questão. Dos poemas Homéricos depreende-se
a informação da participação dos deuses na vida e na luta dos homens, sendo
todos submetidos ao destino, paixões e fraquezas humanas. Vale ressaltar que
os poetas não são fontes seguras da jurisprudência grega.
A pena que decorria do crime, tinha a idéia de expiação deixando claro o
vínculo com a religião e juntamente com o resquício da idéia da purificação,
verificada, por exemplo, na obra Eumênides de Ésquilo. Os gregos acreditavam
que o mal era companheiro do pecado e que o culpável levava em si a pureza, e
com a mancha do pecado, tornava-se responsável. Isso tinha para eles, um
caráter humano e sagrado, pois a insubordinação podia ser entre homens ou
contra Deus, caso no qual a intervenção divina dava lugar a vingança. A idéia de
justiça desenvolveu-se baseada na culpa: num primeiro estágio verifica-se a
7
Essas informações são verificadas nos livros da Bíblia e em particular no Êxodo, no Levítico e, sobretudo
no Deuteronômio e, por fim, na elaboração jurídica final do Talmud.
34
pura responsabilidade objetiva, essa decorrente do simples fato lesivo, não se
perquiria da culpa do autor da conduta, isto é, do elemento subjetivo do
comportamento.
Segundo o Direito Penal Grego, especialmente o ateniense, os delitos
poderiam ser cometidos contra os deuses, contra o Estado, ou contra os
particulares. Assim, as penas eram classificadas em:
- aflitivas: a pena de morte, cominada nos casos de homicídio com
premeditação, do sacrilégio, de traição; a pena de desterro, que às vezes era
substitutiva da pena capital; a escravidão penal e o cárcere, reservadas
geralmente para os indivíduos que não gozavam das prerrogativas de cidadão
grego; e a flagelação somente imposta aos escravos.
- infamantes: a privação de sepultura que podia seguir-se a uma sentença
póstuma; a proibição imposta às adúlteras, de ostentar adereços e de entrar nos
templos; a inscrição ultrajante a ser ostentada pelo condenado. Existiam ainda
as penas pecuniárias que consistiam na confiscação total ou parcial dos bens do
condenado, como forma de ressarcimento de danos e prejuízos causados pelo
delito.
A responsabilidade objetiva cede lugar, posteriormente, à idéia de
retribuição pela culpa. Com Sócrates iniciando o movimento no século IV a.C.,
os demais filósofos gregos trazem novos princípios, tais como fundamento do
direito de punir e da finalidade da pena, não discutidos por povos anteriores,
assim como Platão que alcança uma concepção de pena como instrumento de
defesa social, de prevenção do crime e não de repressão. Já Aristóteles fez
penetrar por fim, nas suas construções éticas (Ética Nicomáquea) e jurídicas, a
idéia do livre arbítrio, que não se sabe que ação possa ter tido nas práticas
gregas, mas que veio exercer considerável influência no Direito Penal do
Ocidente. Muitas de suas idéias foram defendidas posteriormente em Roma,
tendo-se tornado a nota principal do movimento renovador do Direito Penal
8
. É
8
BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Vol. 1, p. 77, 78.
35
comum ainda naqueles costumes a vingança, que era também uma prática dos
deuses, mas relativo a essa religiosidade vinculada, em Atenas inicia-se a
distinguir o que ofende um bem do Estado ou da religião, ou apenas um bem
particular, reservando-se para o primeiro o máximo rigor penal.
2.1.4. Direito Romano
2.1.4.1. A filosofia do Direito Romano
Direito e Religião separam-se na capital italiana evoluindo-se das fases
de vingança, por meio do talião e da composição, bem como da vingança divina
na época da realeza. O Direito Romano era, assim, dividido em duas seções:
- o Direito Público, isto é, o conjunto de normas relativas aos organismos e
grupos de que se compõe a comunidade romana e às suas relações com os
deuses, com os outros Estados e com os membros pertencentes à própria
comunidade;
- e o Direito Privado que compreendia tudo quanto regulasse a situação jurídica
dos particulares e as relações de uns com outros.
Mas, a divisão entre crime público e crime privado era mais de natureza
processual, isto é, conforme a iniciativa do processo estivesse relacionado a
qualquer pessoa do povo ou somente ao ofendido ou à sua família. Depreende-
se dessa distinção, que o crime passou a ser considerado mais um atentado
contra a ordem pública e menos uma violação ao interesse privado.
Na Lei das Doze Tábuas estipulou-se o princípio da responsabilidade
individual, protegendo, assim, o grupo ou família do ofensor contra a vingança
da comunidade da vítima e aplicação da pena dos crimes ditos públicos dava-se
36
pelo Poder Público, perdendo, assim, a conotação de vingança privada. Esses
delitos formavam-se em torno do perduenllio (traição) e do parricidium (morte do
pater). A lei definia explicitamente uma série de delitos públicos: crime
magistatis (crimes contra o rei), ambitus (corrupção do leitor), repetundae,
sacrilegium e peculatus (furto de dinheiro público), homicidium, crimen vis,
falsum, e outros que foram definidos durante a República. Esses crimes eram
julgados por um tribunal de jurados (quaestio perpetua).
Os delitos privados eram perseguidos pelos particulares em seu próprio
interesse, enquanto os públicos eram contra o próprio Estado e contra o homem
livre (desde que o Estado tivesse interesse na persecução). Posteriormente, o
Estado começa a perseguir todas as ofensas ao homem livre e aplica penas
públicas por meio do chamado procedimento extraordinário. Finalmente, a pena
torna-se via de regra, pública. As sanções são mitigadas, e é praticamente
abolida a pena de morte, substituída pelo exílio e pela deportação (interdictio
acquae et igni).
Contribuiu o Direito Romano decisivamente para a evolução do Direito
Penal com a criação de princípios penais sobre o erro, culpa, dolo (bonus e
malus), imputabilidade, coação irresistível, agravantes, atenuantes, legítima
defesa, entre outros.
O Direito Romano não reconhecia o princípio nullum crimen, nulla poena
sine lege
9
. Adversos a essa opinião são os pensadores Francis Bacon e
Pufendorf, que escreveram sobre o assunto e afirmam que o postulado poderia
ser atribuído ao Direito Romano, quando no Digesto estava expresso: “Poena
non irrogatur, nisi quae quaque lege vel que alio jure specialiter huic delicto
9
Princípio com origem histórica na Magna Charta Libertatum (séc. XIII), no Bill of Rights na América do
Norte e na Déclaration des Droits de l´Homme et du Citoyen, da Revolução Francesa e com origem
ideológica no pensamento do Iluminismo. Tal princípio nasceu para impedir o absolutismo, protegendo o
homem, e dando-lhe um valor prioritário. Afinal, o indivíduo, é anterior ao Estado, não em termos de idéia
cronológica, mas em termos axiológicos. O Estado existe, pelo homem, para o homem, encontrando nele
seu objetivo. Daí porque, ele deve estar organizado para preservar e garantir os direitos do ser humano.
Embora o marco histórico inicial seja controverso, é ponto passivo que Cesare Beccaria, na sua famosa
obra “Dei Delitti e delle Pene”, tratou de forma clara e abundante, o assunto relacionado, o qual,
posteriormente, seria conhecido como princípio da reserva legal. Escreveu Beccaria que “Solo las leyes
pueden decretar las penas correspondientes a los delitos, y esta autoridad no puede resisdir sino en el
legislador”. Daí por diante, o pensamento iluminista, valorizando sobremaneira o homem como ser pleno,
modificou o Direito Penal passando este a ser um sistema de garantia dos direitos fundamentais do homem.
37
imposita est”. Contestado por Luis Jiménez de Asúa, que corroborando a
opinião anterior, afirma que apesar da formulação em latim o postulado não tem
origem romana.
O poder penal do pater e do rei era arbitrário e os delitos podiam ser
punidos, ainda que a pena não estivesse cominada em lei anterior.
Em resumo o Direito Penal Romano foi caracterizado pelos seguintes
princípios e elementos:
- a afirmação do caráter público desse direito, não obstante a distinção entre
delitos privados e públicos;
- o amplo desenvolvimento alcançado pela doutrina de imputabilidade e da
culpabilidade, e das causas que excluem, especialmente o erro;
- determinação e diferenciação do elemento subjetivo, com influência sobre a
espécie da pena: ao fato doloso se seguia a poenitio; ao culposo se aplicava a
castigario, que tinha um fim de intimação e com tal sentido se aplicava aos
menores e às pessoas coletivas;
- a teoria da tentativa não alcançou pleno desenvolvimento;
- a ilicitude penal não estava sujeito ao princípio de reserva e à proibição de
analogia. Os crimina extraordinário não estavam sujeitos a uma pena cominada
pela lei; eram puníveis ad exemplum legis.
Vale ressaltar que, apesar de grandes juristas, os romanos não
sistematizaram doutrinariamente os conceitos fundamentais do direito de punir.
O Direito para eles era uma prática do justo, aplicada a fatos rotineiros do dia a
dia.
2.1.4.2. Dolo e culpa
38
Quanto ao conceito de dolo, inicialmente, abrangia toda a esfera criminal,
não cabendo, por isso, ação nos crimes praticados por irresponsáveis, loucos,
impúberes e naqueles cometidos sem o propósito de violar o direito.
Corcullo é veemente na afirmação que faz de que no direito romano não
há crime sem dolo, sendo que o grau deste é que dá o grau de gravidade do
delito. Acredita que na apreciação do dolo, o mais importante para os romanos,
era a causa que lhe dava origem, ou seja, o motivo. A pena era graduada
conforme o motivo.
A culpa, nesse período, só era admitida como fator jurídico de
indenização civil. A ação culposa pertencia à ação privada, segundo a Lex
Aquilia, sendo certo que os delitos não intencionais eram considerados como
uma causalidade.
Numa fase posterior, a culpa criminal libertou-se por um lado da culpa
civil e por outro do "casus", como antítese do "dolus".
A ciência jurídica do tempo da República fez com que o conceito de
responsabilidade tivesse uma evolução, fazendo distinção do dano causado
intencionalmente e o derivado de desatenção ou descuido.
Houve também diferenciação entre o cuidado que todo homem tem que
ter com seu próximo, do cuidado que as pessoas devem ter nas relações
contratuais. A lei nessa época, passou a ser a base do direito penal e a partir
daí houve exigências da fixação dos elementos constitutivos de cada ato
delituoso.
Leis posteriores, com maior alcance, regularam que o fundamento ético
da vontade antijurídica poderia ocorrer como descuido às leis morais e às do
Estado (culpa) ou como ofensa intencional na observância das mesmas (dolo).
A ofensa à lei moral e à do Estado era realizada pelo "animus", que era
designada pela astúcia, dolus malus, com significado de censura. Essas ações
geralmente eram praticadas para enganar ou para a obtenção de um proveito
ilícito. O dolus bonus, era somente empregado para designar a astúcia para
enganar.
39
Com essas contribuições, os romanos libertaram o direito do domínio da
religião. Assim a culpabilidade conseguiu superar a responsabilidade pelo
resultado e a mera culpa moral dos gregos, assumindo um sentido jurídico.
Destarte, os legados deixados pelos romanos foram decisivos para a
evolução do Direito Penal da Culpa.
Em Roma superou-se a concepção simplória da responsabilidade
decorrente do resultado danoso, revestindo-se a culpa moral desenvolvida pelos
gregos de caráter jurídico. Antes da República Romana, a palavra culpa era
empregada em sentido amplo, como sinônimo de culpabilidade (não se referia a
negligência ou a imprudência). Mais tarde o tempo passou a ser empregado
para designar tanto a culpa latu sensu quanto a falta de cuidado devido.
Cumpre destacar o significativo papel desempenhado pelo direito romano
ao identificar o dolo do agente como característica essencial do delito. A pena
(poenitio), na concepção dos romanos, só poderia decorrer de uma conduta
dolosa.
2.1.5. Direito Penal Germânico
Nos seus primórdios não era constituído por leis escritas, baseando-se no
costume. Era caracterizado pela vingança privada e pela perda da paz
(Friedlosigkeit), pela responsabilidade objetiva e ausência de distinção entre
culpa, dolo e caso fortuito. Eram práticas costumeiras as ordálias, também
conhecidas por juízo de Deus (tais como prova de ferro em brasa, água
fervente) e os duelos judiciários (através dos quais eram decididos os litígios,
pessoalmente ou através de lutadores profissionais, prática que expõe o
conceito dos povos germânicos de que o cada um deve fazer sustentar sua
autoridade e seus direitos pela força, sem esperar que tribunal algum ou
qualquer entidade jurídica que o valha tome alguma decisão a respeito). Muito
tempo depois sofreu a influência da Lei do Talião e do Direito Romano.
40
2.1.6. Direito Canônico
O Direito Canônico foi elaborado pela Igreja Católica Apostólica Romana,
aplicando-se somente aos religiosos, mas ganha amplitude aplicando-se às
demais pessoas juntamente com a expansão do poder da Igreja.
Aqui se inicia a análise do elemento subjetivo do crime, da
responsabilidade do agente e do sistema de penas visando à regeneração ou
emenda do criminoso, sendo banidas as ordálias e a resolução pela força do
direito germânico, quando esse foi influenciado pelo canônico. As penas severas
foram mantidas, porém a pena de morte não fora tolerada, já que a intenção era
de se salvar a alma do criminoso, os réus eram, então, entregues ao poder civil.
Considerando o vínculo sacral existente, introduz-se o princípio de
igualdade, já que todas os homens são iguais perante o Criador.
2.1.7. Direito Medieval
O direito em vigor na Idade Média é decorrente da intersecção entre os
direitos romanos, canônico e outros locais. Portanto, era caracterizado por
penas cruéis visando a intimidação do agente. As sanções tomadas eram
diferentes pra cada indivíduo levando-se em conta a condição social e opinião
política do réu. Essa arbitrariedade causava desassossego e terror entre a
população.
Em 1532, Carlos V promulga um Código Imperial na Alemanha,
denominado de Carolina que não é um código estruturado metodicamente,
acolhendo a interpretação por analogia. Traz a crueldade dos códigos bárbaros
quanto às sanções, inclusive em modos de se infligir a pena de morte. Insere o
conceito de legítima defesa e afirma o caráter público da atividade punitiva.
41
Relativo à contribuição do direito germânico, admite diversas formas de
culpabilidade, atenuando a objetividade do código em questão. Do direito
canônico, aproveita o vínculo sacral e introduz o processo inquisitorial.
2.1.8. Período Humanitário
No decorrer do Iluminismo, os pensadores colocaram-se contra a
arbitrariedade das sentenças e contra os monarcas absolutistas, que faziam uso
da primeira e da crueldade. Nesse período sobressai-se Cesare Bonesana,
Marquês de Beccaria, discípulo de Rousseau e Montesquieu.
Com base no contrato social de Rousseau, chamou a atenção sobre as
vantagens sociais que poderiam ser distribuídas na aplicação da justiça penal.
Seu conteúdo foi elogiado publicamente por Catarina, a Grande, que em 1767
ordena a elaboração de um novo código, Frederico, o Grande da Prússia e José
II da Áustria, além de ter sido citado por Voltaire, Thomas Jefferson e John
Adams. O seu sucesso é explicado pelo impacto prático que teria logo em
muitos países e encontra-se no fato de que os princípios de uma reforma penal
foram expressos pela primeira vez de uma maneira sistemática e concisa com
os argumentos os mais lógicos. Foi publicado em muitas línguas no mundo todo
e foi influente na criação e na reforma de sistemas penais através do globo. O
seu texto trazia discussões sobre crime e direitos humanos que era
expressamente discutido e pertinente nesse tempo, e foi escrito de uma maneira
que fosse objetivo e claro.
Propôs, baseado nos pensamentos de seus mestres, que as
controvérsias jurídicas deveriam ser resolvidas por meio de um órgão, o juiz,
que ouviria as partes interessadas, o chefe de Estado que afirma a violação do
contrato social e o acusado que a nega. Beccaria escreve a respeito que:
- as leis devem ser ajustadas por legisladores, que não podem julgar as
pessoas;
42
- juizes em casos criminais não podem interpretar as leis; leis devem estar
claras e sem necessidade de nenhuma interpretação;
- o criminoso deve ter o direito para recusar alguns jurados;
- nenhuma acusação secreta pode ser feito pelo governo;
- os juizes devem buscar de forma imparcial a verdade e os juizes não devem
transformar-se parte da Tesouraria de modo que não olhe os criminosos como
forma de fazer o dinheiro.
Reafirma a importância de as leis serem claras e sabidas, porque uma
pessoa dotada de discernimento não pode fazer uma escolha racional para não
cometer um ato se não souberem que o ato é proibido. Afirmou, ainda, que
quando o número daqueles que podem compreender o Código Penal, a
freqüência dos crimes tenderá a diminuir, porque indubitavelmente a ignorância
e incerteza das punições adicionam muito ao momento volitivo e intelectual.
Em seu livro “Dei Delitti e delle Pene” (1764) aponta diversas
modificações a serem feitas nos códigos dos países de forma a atenuar as
penas, diminuir o poder das autoridades vigentes e proteger os direitos
humanos. Para retirar a arbitrariedade das decisões das autoridades
competentes estabelece a relação de proporção entre o delito e a pena.
Também se um indivíduo foi aprisionado antes do julgamento, os de crime
severo devem ter menos tempo no tribunal e mais na prisão, se condenados
culpados. Se alguém fosse aprisionado por crime não tão severo, dever-se-ia
gastar muito tempo no tribunal, mas menos tempo na prisão, se culpados.
Há três pontos principais em que a teoria de Beccaria se apóia. Segundo
suas idéias todos os indivíduos possuem livre arbítrio e racionalidade. Beccaria,
como todo o teórico clássico, acreditava que todos os indivíduos têm livre
arbítrio e, portanto, fazem escolhas baseados nas possibilidades. O segundo
ponto, maneira racional, significa que todo indivíduo olha racionalmente para
sua própria satisfação pessoal. Isto é chave do relacionamento entre leis e
43
crimes. Enquanto os indivíduos procurarão de forma racional seu melhor
interesse, isto pode envolver atos ilícitos e a Lei, cujo objetivo é preservar o
contrato social; tentará, portanto, impedir e penalizar esses atos. O terceiro
ponto em que se apóia a teoria de Beccaria é o motriz humano; os motivos dos
homens ao longo dos anos e ao redor do globo fazem com que as ações dos
mesmos tornem-se previsíveis e controláveis. Em outras palavras, o trabalho do
sistema criminal da justiça deve ser controlar todos os atos ilícitos que um
indivíduo com poder do livre arbítrio e raciocínio lógico faz na perseguição do
prazer pessoal. Temos aí reunidos os momentos intelectual e volitivo e isto é
feito mais facilmente pelo fato de que as ações humanas são previsíveis e
controláveis. Com a punição ou a ameaça certa o sistema criminal da justiça
pode controlar o livre arbítrio do ser humano racional. O problema que o sistema
criminal da justiça tem, está, então, em encontrar a punição ou as ameaças
corretas e cabíveis em cada situação.
Beccaria expressa não somente a necessidade para o sistema criminal
da justiça, mas também o direito do Governo de ter leis e punições. Acredita no
contrato social, ou na idéia que os indivíduos com livre arbítrio e racionais fazem
uma escolha para viver em uma sociedade ao invés de viver isolado. Quando
um indivíduo escolhe viver em uma sociedade, a seguir escolhe desistir de
algumas liberdades pessoais na troca de segurança e conforto de uma
sociedade. As leis são projetadas como a estrutura da sociedade e as regras
para que os atos sejam incentivados ou proibidos. As leis são as condições de
uma sociedade dotada de momento volitivo e intelectual. Há uma necessidade
de haver algum sistema acertado a fim de se assegurar de que os indivíduos na
sociedade estejam protegidos de todos os indivíduos ou grupos que queiram
prejudicar as liberdades pessoais de outros na sociedade. Em sua obra,
Beccaria afirma: “mas meramente estabelecer este depósito não era suficiente;
teria que ser defendido contra a usurpação de indivíduos que tentam sempre
retirar não somente sua própria parte mas também para a dos outros”. Assim há
uma necessidade de se ter leis e um sistema criminal da justiça para assegurar
que todos os indivíduos na sociedade obedeçam ou sigam o contrato social.
Com a criação de leis criminais e de um sistema criminal de justiça, um
protocolo racional de punição deveria também ser criado. Beccaria era
44
radicalmente contrário às punições cruéis e arbitrárias da época, mas sabia que
o governo tinha o direito e o dever de punir aqueles indivíduos que ameaçavam
a sociedade. O governo tinha somente o direito de infligir as punições que eram
necessárias para o crime, ele afirma: “para que uma punição alcance seu fim, o
mal que é infligido tem que exceder somente a vantagem oriunda do crime; deve
incluir certamente da punição e da perda do bom que o crime pôde ter
produzido. Tudo além deste é supérfluo”. Assim quando o governo poderia punir
não poderia ultrapassar o que era necessário para a segurança da sociedade.
Para determinar que quantidade de punição é necessária para que
preserve a segurança e o que é excessivo, os legisladores devem definir as
punições para cada crime. Então, membros da sociedade racionais com livre
arbítrio, cometerão atos se o prazer desse valer a pena. Para impedir indivíduos
de cometer atos proibidos, as punições devem ser ajustadas de tal forma a
contrabalancear o prazer que os indivíduos possam receber dos atos ilícitos.
Toda a punição brutal ou ligeiramente sobre a quantidade necessária para inibir
indivíduos de cometer atos proibidos seria considerada injusta.
2.1.9. Período clássico
Sob a denominação de período clássico encontram-se aqueles que
escreveram durante a primeira metade do século XIX influenciados pelas idéias
oriundas do período humanitário e, conseqüentemente, do Iluminismo.
Francesco Carrara, nome de destaque pertencente a essa época, em sua
obra Programa del Corso di Diritto Criminale (1859) aponta que o delito é um
ente jurídico constituído por por duas forças: a física (movimento corpóreo e o
dano do crime) e a moral (vontade livre e consciente do criminoso). Torna-se
então, o livre arbítrio pressuposto da afirmação da responsabilidade e da
aplicação das pena e o crime deixa de ser uma ação para ser uma infração.
Nas palavras de Carrara, define-se crime como “a infração da lei do
Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um
45
ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e
politicamente danoso”.
Esmiuçando-se o postulado, temos que só é considerada infração, aquela
decorrente do princípio da legalidade, ou seja, somente o fato que infrige a lei. A
palavra promulgada é utilizada para que se excluam as “leis” morais e religiosas.
O delito torna-se um ente jurídico ao passo em que é um fato em que se viola a
tutela do Estado dos bens jurídicos, infringindo-se a lei, resultante do único ser
capaz de delinqüir: o Homem. Considerado um ato externo por não ser punível a
mera intenção ou cogitação criminosa e seu ato pode ser positivo quando se
refere a ação (fazer) ou negativo quando da omissão (não fazer o devido). A
vinculação da escola clássica com o livre-arbítrio, como fator de
responsabilização criminal, fez do crime e conseqüente aplicação da pena um
fator derivado da responsabilidade moral do homem, afimando José Salgado
Martins
10
que
conseqüentemente não poderia ser politicamente responsável por
um ato do qual não fosse antes responsável moralmente. A
imputabilidade moral é o precedente indispensável da
imputabilidade política”.
Ou seja, o criminoso seria moralmente imputável já que seu ato baseia-se
no livre arbítrio de que dispõe, desde que fosse são e o ilícito seria politicamente
danoso, pois há um vitimado que fora perturbado e a própria sociedade, que é
posta em estado de instabilidade, insegurança e deve tratar com as respectivas
repercussões sociais.
2.1.9.1. As Escolas Penais
10
MARTINS, José salgado. Direito Penal, Introdução e Parte Geral, São Paulo: Saraiva, 1974, p. 53;
46
De acordo com a nomenclatura de Sodré de Aragão podemos sintetizar
em três escolas as concepções sobre a culpabilidade ao longo dos anos:
clássica, antropológica e crítica
11
.
2.1.9.1.1. A escola clássica
Edgard Magalhães Noronha
12
separa a escola clássica em dois grandes
períodos. O primeiro, filosófico ou teórico, correspondente a Beccaria, no qual
surge o discernimento para a separação da justiça humana da divina,
combatendo o absolutismo e as crueldades contemporâneas, e o segundo,
jurídico ou prático, no qual houve a construção técnica, ressaltando Francesco
Carrara.
A Escola Clássica prevê uma pena a cada réu culpado, que por ter
praticado um crime de forma livre e consciente torna-se moralmente
responsável, e assim, também o é penalmente. René Ariel Dotti
13
afirma que a
escola surgiu inicialmente como “Escola Jurídica Italiana” à luz das concepções
de Carrara e Beccaria. Portanto, desconsidera fatores antropológicos ou sociais,
e dogmatiza a liberdade volitiva, de tal forma que todos têm livre arbítrio em
suas escolhas, sendo assim puníveis pela sociedade com um castigo justo e
proporcionado por qualquer crime cometido. A responsabilidade penal somente
seria excluída ou diminuída caso esse livre arbítrio tivesse sido diminuído, já que
a primeira é fundamentada no segundo.
O método investigativo que deve ser utilizado para as cabíveis
averiguações deve ser o dedutivo ou lógico-abstrato, e não experimental, já que
se baseia nas ciências naturais. A pena, dentro ainda da concepção dos
pensadores citados, é vista como proteção aos bens jurídicos tutelados
11
ARAGÃO, Antônio Moniz Sodré, As Três Escolas Penais: Estudo Comparativo. 6ª edição: Rio
de Janeiro, Editora Livraria Freitas Bastos S. A., 1955.
12
NORONHA, E. Magalhães de. Direito Penal, vol, 1, atualizado por Adalberto José Q. T. de
Camargo Aranha, , 37ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 30;
13
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal, Parte Geral, 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 151;
47
penalmente. A sanção tomada é proporcional ao dano causado, jamais podendo
ser arbitrária, como caráter de defesa social.
Em oposição a essa idéia de pena, em mesma época, colocam-se Luís
Jiménez de Asúa, Carlos Cristian Frederico Krause e Carlos David Augusto
Roeder (Escola Correlacionista) que acreditam que a pena não pode ser
determinada aprioristicamente, já que tem caráter de recuperação do agente e
deve, portanto, ter o tempo necessário para tal. Ainda na discussão relativa a
pena, Eugenio Cuello Calón
14
aponta que a Escola Clássica não tinha
unanimidade sobre o caráter da pena, se retributivo (Carmignani
15
– Teoria
Absoluta) ou preventivo (Rossi).
Roberto Lyra
16
buscou sintetizar em poucas linhas o pensamento clássico
que governa a escola:
“é livre arbitrista, individualista e liberal. Considera o crime
fenômeno jurídico e a pena (castigo) meio de tutela jurídica. Adota
o chamado método lógico abstrato e defende a autonomia do
Direito Penal, valendo-se, como simples auxiliares, das então
denominadas ciências políticas e morais”.
2.1.9.1.2. A escola antropológica
Com a evolução do pensamento científico e os métodos de investigação
da natureza por volta do ano de 1850 houve a preocupação com o homem que
infringe a lei e a razão pela qual a infringe. Foi por uma busca científica de tais
questões que surge o positivismo, visto que a pena retributiva não se mostrava
14
Derecho Penal, tomo I, 10ª ed. Barcelona: Bosch, 1951, p. 46: “ La pena en si misma no
puede concebirse sino como la retribución de un mal por el mal, realizada por un juez legítimo,
con poderación y medida. El fin esencial del derecho penal es “el restablecimiento del ordem
social perturbado por el delito”.
15
Considerado o lançador da pedra fundamental da Escola que escreveu a “Teoria das Leis de
Segurança Social e Elementa Iris Criminalis”
16
LYRA, Roberto. Expressão mais simples do Direito Penal. Rio de Janeiro: José Kofino, 1953,
p.28
48
suficiente para o combate da criminalidade. Assim gera-se uma mudança no
objetivo da pena que passa de um caráter retributivo para um meio de defesa
social, diferentemente dos clássicos. O crime passa a ser encarado como
fenômeno natural e social, já que a responsabilidade é decorrente da
convivência social, como será explicitado em seqüência.
A Escola Antropológica tentou tornar o Direito Penal uma ciência quase
que exata, aproximando-se do positivismo científico supracitado, por isso
também denominada de Escola Positiva. Destarte, não existe o livre arbítrio, e,
portanto, não se pode admitir a pena como simples castigo. Não há castigo
possível para o inevitável e o criminoso não é livre de sua essência, ou seja, o
agente regridiu ao primitivismo, e assim como alguns nascem sábios ou
doentes, outros nascem delinqüentes. Esses apresentam características físicas
e morfológicas específicas, tais como: assimetria da caixa craniana, barba
escassa e face ampla e larga, com cabelos abundantes, entre outras. Seriam
ainda, resistentes ao traumatismo, canhotos ou ambidestros, moralmente
insensíveis, vaidosos, impulsivos e preguiçosos.
Essa corrente, inspirada nos estudos antropológicos de Lombroso
17
,
Ferri
18
e Garófalo
19
, baseava-se nas características naturais do indivíduo para
justificar sua conduta ilícita. Portanto, de acordo com Lombroso, o crime é um
fenômeno biológico, perdendo a condição de ente jurídico de Carrara, e assim,
deve-se usar o método experimental para investigá-lo. Lombroso, sob o enfoque
do crime devido a uma condição de nascimento (criminoso nato) estudava os
cadáveres de criminosos procurando encontrar algum elemento que permitisse
distinguir o homem normal do louco.
Para Ferri, a responsabilidade vinha do simples fato de o homem viver
em sociedade, indo de encontro ao determinismo. Considera que além do
criminoso nato de Lombroso (aquele que nasce delinqüente), existem outras
17
Médico italiano e professor em Turim, publicou no fim da década de 70 do século XIX o livro L’uomo
delinqüente studiato in rapporto, all’antropologia, alla medicina legale e alle discipline carcerarie.
Juntamente com as teorias vigentes biológicas e evolucionistas (Lamarck e Darwin) analisou o crime como
uma manisfestação da personalidade humana e produto de várias causas.
18
Criador da Sociologia Criminal ao publicar livro de mesmo nome e discípulo de Lombroso defendia o
trinômio causal do delito: fatores antropológicos, sociais e físicos.
19
Rafael Garófalo introduz na Itália os termos referentes ao Positivismo em sua obra Crimlnologia.
49
quatro categorias: o louco (portador de doença mental), o habitual (produto do
meio social), o ocasional (agente versátil na prática do crime e sem firmeza de
caráter) e o passional (homem honesto com temperamento instável e agressivo
e muito sensível). Dividiu, também, as paixões em sociais (amor, piedade, entre
outras), que devem ser amparadas e incentivadas e as anti-sociais (ódio, inveja,
entre outras) que devem ser prontamente inibidas.
Assim, a resposta penal possui um sentido de defesa social aplicável
àqueles que poderiam perpetuar o mal, ou na idéia de Ferri, o crime ou delito é
a expressão genuína da personalidade do autor e esse é sempre um anormal,
que terá resposta penal graduada de acordo com sua classificação
antropológica segundo o critério de periculosidade criminal e visando à defesa
social. A Escola Positiva passa, então, a adotar em relação à pena a Teoria
Relativa, conhecida também como utilitária ou utilitarista
20
, na qual a pena
abandona o seu caráter retributivo e passa a funcionar como instrumento da
defesa societária e recuperação dos infratores. O caráter preventivo surge com
força, exercido através da coação psíquica, intimidação e materializada na
coação física pela segregação. A história registra que o precursor desta idéia foi
Platão, que afirmava que se pune não porque se pecou, mas para que não se
volte a pecar
21
(punitur ut ne peccatur). Todavia no século XVIII, Filangieri iniciou
da teorização da prevenção geral pela intimidação, o objetivo da pena, então,
seria o de afastar os homens dos delitos pelo temor ao mal da pena. Dessa
forma, a pena passou a ter um fim prático, a prevenção geral, desestimulando
todos e intimidando com coação psicológica; tese desenvolvida por Feuerbach.
Nessa escola temos a substituição do binômio pena/castigo pelo
pena/recuperação. Aqui, é interessante salientar que o Código Penal Português
(art. 20, n. 3 – mantido pela revisão de 1995) considera eticamente indefensável
dispensar tratamento penal idêntico ao mentalmente sadio e ao psiquicamente
incapaz e prevê que a simples comprovação de incapacidade do agente para
ser influenciado pelas penas criminais comuns constitui índice para o juízo de
inimputabilidade. De fato, de acordo com o pensamento da Escola, não seria útil
impor uma pena quando a manifestação mental patológica impede que o agente
20
Tal teoria teve como maior teorizador Jeremy Bentham com seu Princípio da Utilidade.
21
BRUNO, Anibal. Das Penas. São Paulo: Rio, 1976, p. 15;
50
aprenda com a conseqüência de seus erros. Deve-se levar em consideração
que existe, também, a “loucura moral”, que deixa a inteligência intacta, mas
afeta o senso moral.
Na Itália, considera-se que o iniciador do Positivismo foi Rafael Garófalo
ao dividir no homem dois sentimentos básicos: a piedade e a justiça, e ao
considerar que o delito é sempre uma lesão desses sentimentos. Ressalta,
ainda, o termo temibilità, o qual usa para descrever a perversidade constante e
ativa do delinqüente e a quantidade do mal que se deve temer por parte do
mesmo.
Finalmente, Liszt defende o sistema clássico, chamado assim na América
Latina, mas conhecido na nomenclatura de Sodré de Aragão por Escola Crítica.
Traz nesse conceito, o pensamento de Ferri da anormalidade social, porém com
o predomínio das razões sociais sobre as biológicas, contudo, sem negá-las.
Entretanto, nega a idéia de livre arbítrio da Escola Clássica, deixando uma
responsabilidade moral presente em todo indivíduo com desenvolvimento
psicológico e mental completos e sãos. Em suma, cada delito é decorrente de
duas categorias de condições: a natureza individual do autor e as condições
exteriores que o cercam (físicas, sociais e econômicas), sendo responsável,
aquele que tem a habilidade de compreender a conduta que corresponde às
exigências da vida coletiva dos homens dentro do Estado.
Vale ressaltar que até hoje a ciência procura explicar cientificamente o
crime; hoje através da genética, com a qual se buscam características
biológicas, por vezes separadas do contexto social, para explicar a ocorrência
de crimes, mas não nos moldes da descrição do criminoso nato feito por
Lombroso
22
, porém adotando o caráter determinista.
2.1.9.1.3. Escola Crítica
22
Lombroso descreveu o criminoso nato como um indivíduo de baixa estatura, de crânio pequeno,
ranquicéfalo, de testa estreita, arcadas superciliares proeminentes, lábios finos e queixada volumosa,
assinalava ainda as seguintes características taras degenerativas fisiológicas, tais como o daltonismo,
mancinismo, a insensibilidade à dor, a precocidade sexual, e como características psicológicas, a vaidade,
as ações impulsivas, o egocentrismo, as tendências alcoólicas, a negligência, as superstições, o uso de gíria,
a mprevidência, a instabilidade e a indolência.
51
A Escola Crítica, também conhecida por Terceira Escola, procura acoplar
o tecnicismo jurídico da Escola Positiva com os princípios da Escola Clássica. É
iniciada com o chamado positivismo crítico, dada a publicação, na Itália, de um
artigo de Manuel Carnevale, denominado “Una Terza Scuola di Diritto Penale in
Itália”, em 1891
23
. Destacam-se nesta fase: a obra de Bernardino Alimena
(“Naturalismo crítico e diritto penale”) e Impalomeni (“Instituizioni di diritto
penale”).
Os adeptos desse pensamento excluíam o fator antropológico e faziam
menção à causalidade do crime e não à sua fatalidade e pregavam a reforma
social como dever do Estado no combate ao crime. Embora acolham o princípio
da responsabilidade moral, não aceitam que a responsabilidade moral tenha
base no livre arbítrio, substituindo-o pelo determinismo psicológico. Para
Impalomeni, a imputabilidade resulta da intimidabilidade; já para Alimena,
resulta da dirigibilidade dos atos do homem, e a sociedade não tem o direito de
punir, mas somente o de se defender nos limites do justo.
G. Maggiori
24
, resume os pontos de vista como sendo:
1) respeito à personalidade do Direito penal que os positivistas
absorviam na sociologia criminal;
2) causalidade e não fatalidade do crime e, portanto, exclusão do tipo
criminal antropológico;
3) reforma social como dever do Estado na luta contra o crime”.
Surgiram, depois, posições críticas, ecléticas e, finalmente, unitárias. São
dignas de menção: as Escolas Técnico-Jurídica, chamadas por Ugo Spirito de
Concepção Técnico-Jurídica (Rocco, Manzini, Massari, Battaglini, Paoli, Saltelli,
23
FERRI, Enrico. Princípios de Direito Criminal, com prefácio de Beleza dos Santos, trad. Paolo
Capitanio, 2ªed., Campinas: Bookseller, 1999, p. 78;
24
MAGGIORI, Giuseppe. Derecho Penal, volume I apud MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito
Penal, volume I, p. 85;
52
di Falco, Finzi); a Escola do Idealismo Atualístico (Groce, Gentile, Costa, Spirito,
Maggiore); e a Escola Penal Humanista (Lanza, Falchi, Montalbano,
Pappalargo). Visa-se a reatar os vínculos do Direito Penal com a Filosofia e a
Moral. O campo da penalidade deve ser idêntico ao da moralidade (Lanza). O
movimento unitário mais significativo foi o da União Internacional do Direito
Penal, criada em 1888 que perdurou até a primeira guerra mundial (Von Liszt,
Von Hamel e Prins).
2.2. A responsabilidade no Brasil
A responsabilidade penal nas Ordenações do Reino de Portugal, as quais
vigoravam no Brasil, tinham como elo o direito e a religião, a pena era dada ao
infrator punindo-se o autor do fato pelo pecado que cometeu. Apesar das penas
cruéis e dessa responsabilidade objetiva mostrada, percebe-se um grande
avanço no Direito Penal, pois se verifica o surgimento do princípio da
proporcionalidade das penas, em que a pena era proporcional ao pecado
cometido. Mas tratemos, previamente, a diferenciação entre os termos
responsabilidade, imputabilidade e culpabilidade e suas relações intrínsecas.
Durante muito tempo houve a discussão no Brasil se o termo
“inimputável” era equivalente ao termo “responsabilidade”, já que o Código
Penal de 1940, na sua redação original, sob a rubrica “Da Responsabilidade”
traz os artigos pertinentes à inimputabilidade (arts. 22 a 24).
Para Nélson Hungria, a inimputabilidade dizia respeito à possibilidade de
não se responsabilizar alguém pelo crime que praticara, submetendo-o a uma
medida de segurança e considerava inútil a tentativa de diferenciá-la da
responsabilidade, além de corroborar com a diretriz do legislador.
Embora no texto da “Exposição de Motivos” do Código Penal de 1940 os
termos tenham sido deixados pelo legislador como sinônimos, há uma pequena
diferença. Ambos significam a presença de mínimas condições de saúde mental
para que alguém seja chamado a responder por algum ato praticado.
53
Porém, a responsabilidade relaciona o agente ativo do delito e as
conseqüências jurídicas do cometimento do fato típico, em outras palavras, o
aspecto concreto da imputabilidade. Enquanto que essa é um dos elementos da
culpabilidade, ou seja, a capacidade psíquica abstrata de alguém ser
responsabilizado por delito cometido. José Frederico Marques compartilha da
opinião que a imputabilidade é elemento da culpabilidade, sendo um dos dados
que deve compor o caráter reprovável do fato típico e antijurídico
25
. Para ele o
fundamento da imputabilidade é a vontade livre do homem não se
compreendendo reprovação no juízo da culpabilidade sem livre arbítrio. Já para
Heleno Cláudio Fragoso, a imputabilidade é a capacidade de culpa,
constituindo-se a rigor pressuposto e não elemento de culpabilidade
26
.
Em outras palavras, a imputabilidade pode ser conceituada como a
aptidão do indivíduo para praticar determinados atos com discernimento. É,
portanto uma condição psicológica equivalente à capacidade do direito penal.
Dessa condição psicológica pode resultar ou não a responsabilidade. Resultará
se não ocorrer uma das variadas causas que afastam a imputação, tais como as
causas excludentes de antijuricidade. É possível que alguém seja imputável e
não responder perante a lei, por ser jurídico o seu procedimento. Segundo este
critério diferencial, responsabilidade não pode ser considerada como sinônimo
de imputabilidade. Esta representa um pressuposto daquela, tal qual acontece
com a ilicitude do comportamento, a qual também constitui pressuposto da
responsabilidade, ou seja, uma condição para que o agente responda pelo seu
ato e sofra as correspondentes conseqüências penais.
Eugênio Florian estabelece parâmetros para se distinguir imputabilidade
de imputação e de responsabilidade, embora reconheça a ligação que existe
entre as três idéias
27
. A imputabilidade deve ser considerada como o conjunto
de condições psíquicas mínimas necessárias que permitem a abstrata
possibilidade de se atribuir um crime a um homem, com o objetivo de se lhe
aplicar uma pena.
25
Fragoso, Heleno Cláudio, Lições de Direito Penal. 16ª edição: Rio de Janeiro, Editora
Forense, 2003, p. 241.
26
Brandão, Cláudio. Teoria Jurídica do Crime, Rio de Janeiro, Forense 2001, pág. 163.
27
Florian, Eugenio, Trattato di Diritto Penale, 4ª edição., volume I, §§ 217 e segs.
54
Carrara também propunha essa sutil diferença: imputabilidade é
contemplação de uma idéia, enquanto a imputação é um fato concreto
28
.
Segundo Galdino Siqueira, esse fato concreto equivale à atribuição de
um fato, uma ação a alguém ou afirmar que alguém é sua causa, tomada em
sentido estrito. Quando a imputabilidade penal, conceito indeterminado e
abstrato, se concretiza, em relação a determinada pessoa, ou seja, quando se
afirma que os pressupostos da imputabilidade se unificam a cargo de um
determinado indivíduo, autor ou partícipe de um crime, tem-se a imputação. A
imputação consiste na atribuição hipotética de um crime a uma determinada
pessoa, como feito seu. Verifica-se, pois, certa impropriedade em falar que uma
pessoa seja imputável, ou inimputável, já que esses adjetivos designam
qualidade da ação do indivíduo. Determinado ato imputa-se, isto é, atribui-se a
certa pessoa. Esta não é imputável: o seu ato é que lhe pode ser imputado.
Em outras palavras, a imputabilidade está na lei; a imputação se
concretiza no exercício da ação penal. Da correspondência entre a imputação e
a verdade surgirá o conceito de responsabilidade, situação subjetiva do
indivíduo, que se tem após averiguação dos requisitos da imputabilidade em
concreto, sem que se intervenham motivos de exclusão da mesma ou de não
punibilidade.
Ortolan procura dar as noções de imputabilidade e responsabilidade
figurando que há, para cada um de nós, no campo da moral, como no do Direito,
uma conta aberta, onde são lançados os fatos de que devemos sofrer as justas
conseqüências. Imputar um fato a alguém é levá-lo à sua conta, é afirmar que
ele é a causa eficiente e esclarecida sobre a justiça ou injustiça desse fato
29
.
Assim, os termos imputabilidade e responsabilidade são de uso comum
do Direito e da Moral, mas, como nota Pedro Lessa, não precisamos estudá-los
a não ser do ponto de vista jurídico, pois são mais próprios deste campo do
saber e mais freqüentemente empregados por juristas do que por moralistas
30
.
Portanto, processualmente, a responsabilidade penal se traduz na declaração
de que o indivíduo é em concreto imputável e efetivamente sujeito a sofrer as
28
Carrara, Francesco, Programma, § 2, 7ª edição, 1890.
29
Ortolan, J., Elementos de Direito Penal – volume 1º, §§220 e seguintes. Paris: 1875.
30
Lessa, Pedro, Estudos de Philosophia do Direito. 2ª edição, p. 213.
55
conseqüências jurídico-penais de um crime, como autor ou partícipe, declaração
essa pronunciada pelos órgãos jurisdicionais competentes.
Pois então, conclui que a imputabilidade é pressuposto necessário, da
responsabilidade, mas, nem sempre suficiente, pois apesar de reconhecida a
existência da primeira, poderá não ocorrer a segunda, como por exemplo, na
legítima defesa e no estado de necessidade.
Basileu Garcia adverte que a imputabilidade é um pressuposto da
responsabilidade, que corresponde a um conjunto de condições para que o
agente responda pelo seu ato e sofra as conseqüências penais
31
.
Costa e Silva corrobora ao conformar que responsabilidade penal
pressupõe, como condição fundamental, a imputabilidade do agente, sendo
aquela a afirmação de que o autor de um crime deve responder, perante o poder
social, pelo seu procedimento e esta, de acordo com Frank e Meyer-Allfeld, a
capacidade para a culpa, tendo como requisitos: certo grau de desenvolvimento
mental do agente e que este possua liberdade de vontade
32
.
O legislador de 1984, ao reformar o a Parte Geral do Código Penal,
deixou de se referir à responsabilidade. Agora, os artigos pertinentes (arts. 26 a
28) são introduzidos pela rubrica “Da Imputabilidade Penal”.
Garraud vai além desses conceitos, salientando que a culpabilidade e a
responsabilidade são conseqüências imediatas e diretas da imputabilidade
*
.
Esclarece que o homem será responsável penalmente pelos resultados do que
tiver sido a causa, quando esses resultados lhe possam ser imputados. A
imputabilidade é a primeira condição da responsabilidade. Para que a justiça
possa por uma ação ou inação à conta do agente e fazer com que ele sofra as
conseqüências, é necessário que o mesmo tenha agido com culpa, que seja
culpado. Assim, as idéias de imputabilidade, de responsabilidade e de
culpabilidade estão ligadas e se completam, mas, devem ser separadas, para
que se preservem os respectivos conceitos.
Para Cuello Calón, o agente antes de ser culpado deve ser imputável e
responsável
33
. Assim, pois, imputabilidade e responsabilidade são pressupostos
31
Garcia, Basileu, Instituições de Direito Penal – volume I, tomo I, p. 234.
32
Costa e Silva, Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, São Paulo, 1930, pág. 132.
33
Callon,Eugenio Cuello. Derecho Penal, tomo I, parte general, 6ª edição, Barcelona 1943.
56
da culpabilidade. Sendo a imputabilidade o mais importante elemento da
culpabilidade, referindo-se a um conjunto de condições psíquicas existentes no
momento da execução do fato, e que o capacite a responder pelo mesmo diante
do Poder Público. É responsável o imputável que por causa da execução de um
feito punível responder por ele, assim como a responsabilidade é o dever
jurídico que incumbe ao indivíduo imputável de dar conta do fato realizado
34
.
3. A concepção psicológica da culpabilidade e o conceito da
imputabilidade
Embora tenhamos analisado três Escolas diferentes, é de senso comum
que a noção de culpabilidade baseie-se na relação psicológica entre o autor e
fato praticado, seja através da existência do livre arbítrio, ou seja,
fundamentando-se numa análise antropológica e biológica do delinqüente, ou
ainda sem negar essas influências, abolindo o conceito de livre arbítrio e
introduzindo uma responsabilidade moral no indivíduo psicologicamente
desenvolvido e mentalmente são.
A teoria psicológica da culpabilidade foi predominante durante o século
XIX, no qual o pensamento científico ocidental sofreu grande influência do
naturalismo e positivismo, como é apontada por Cezar Roberto Bitencourt
35
quando relaciona a teoria psicológica da culpabilidade com o naturalismo-
causalista. Nesse momento histórico o Direito era visto como uma ciência da
Natureza e, portanto, de acordo com tal metodologia, deveria subsistir no dolo
somente o seu elemento naturalístico, que é a vontade. Do conceito de dolo
34
Pero el agente antes de ser culpable debe ser imputable y responsable. Así, pues,
imputabilitad y responsabilidad son supuestos prévios de la culpabilidad. La imputabilitad es el
más importante elemento de la culpabilidad. Se refiere a um determinado estado espiritual Del
agente, a um conjunto de condiciones psíquicas existentes em el momento de la ejecutión Del
hecho, que la capacitan para responder de el ante el poder social.Es responsable el imputable
que a causa de la ejecución de um hecho punibledebe responder de el, así que la
responsabilidad es el deber jurídico que incumbe al individuo imputable de dar cuenta del hecho
realizado.
35
Bitencourt, Cezar Roberto, Manual de Direito Penal: Parte Geral, volume 1, 7ª edição: São
Paulo, Saraiva, 2002, p. 285.
57
temos afastada a consciência da antijuridicidade, considerada elemento
normativo. O dolo passa a ser constituído por um elemento intelectivo
(consciência) e outro volitivo (vontade). Ou nas palavras de Franz Von Liszt
36
,
concebedor do sistema clássico: “o dolo, pois, deve definir-se, em primeiro lugar,
como a representação do resultado, que acompanha a manifestação de
vontade”, não sendo necessária a consciência de antijuridicidade. Ainda,
diferencia a responsabilidade, chamada por ele de culpabilidade em sentido
amplo, e culpabilidade, denominada por ele de culpabilidade em sentido estrito;
sendo a primeira referente a qualquer ato ilícito, civil ou penal, realizado.
Enquanto que a culpabilidade em sentido estrito traduz a relação subjetiva entre
o ato e o autor, partindo do fato concreto e levando em consideração a psique
do autor.
Em outras palavras, somente seria culpável aquele que fosse, a priori,
imputável (capacidade do indivíduo compreender seus atos e resultados dos
mesmos) e tivesse a intencionalidade na sua prática (momento volitivo) ou se
houvesse negligência, imperícia ou imprudência por parte do autor.
Em contrapartida, Carrara discordava desse conceito ao afirmar que o
dolo consistia em uma vontade de se praticar um ato do qual se tem consciência
de sua ilicitude. Essa percepção era deixada de lado, também, ao passo em que
se percebia a implicação de uma longa investigação para averiguar a ignorância
legal do autor do crime, que acabaria invalidando os preceitos penais.
Abandona-se, assim, o conceito de dolo elaborado pelos romanos.
4. A teoria psicológica-normativa da culpabilidade e o conceito
da imputabilidade
A teoria psicológico-normativa da culpabilidade foi elaborada por Frank,
em 1907, e aperfeiçoada por Mezger e Goldsmith. Ao contrário da teoria
36
Liszt, Franz von, Tratado de Derecho Penal, tomo II – traducido de la 2ª edición alemana por
Luis Jiménez de Asúa y adicionado com el Derecho Penal Español por Quintiliano Saldaña.
Madrid: Editorial Réus S. A., 1927, p. 376.
58
anterior, a culpabilidade não é mais considerada um vínculo psíquico entre o
sujeito e o fato, mas como um juízo de reprovação sobre o agente, por não ter
seguido as normas do Direito. Ainda há a perspectiva psicológica, só que,
agora, normatizada pelo Direito.
Temos, novamente, o dolo conceituado pelos romanos, como elemento
da culpabilidade, ao lado da culpa. Em outras palavras: o dolo seria a vontade e
previsibilidade aliadas ao elemento normativo consciência da antijuridicidade.
5. A teoria finalista ou normativa pura da culpabilidade e o
conceito da imputabilidade
Nessa teoria, Hans Welzel reestruturou os elementos da teoria do delito
de tal forma que o dolo encontra-se na ação e não na culpabilidade. Assim, o
dolo é separado de seu elemento normativo, a consciência da antijuridicidade,
voltando a ser puramente naturalístico. Concomitantemente, a culpabilidade
passa a ser um conceito puramente normativo, totalmente despido de todo
elemento psicológico, constituído por:
a) exigibilidade de uma conduta conforme a lei: para que haja a culpabilidade
deve-se haver a certeza de que o autor, além do dever, tivesse o poder de
comportar-se de acordo com a lei.
b) imputabilidade do autor: conjunto de qualidades pessoais que possibilitam a
censura pessoal, ou seja, torna-se imputável o sujeito capaz de alcançar a exata
representação de sua conduta e agir com plena liberdade de entendimento e
vontade. Vale ressaltar, mais uma vez, que o Código Penal não define o que é
imputabilidade, e sim, remete-se aos casos de inimputabilidade.
c) possibilidade de reconhecer a ilicitude do ocorrido, pois esse conhecimento
de antijuridicidade é que possibilita o juízo de reprovação da culpabilidade;
59
CAPÍTULO II – A ACTIO LIBERA IN CAUSA
1. Histórico
1.1 Antecedentes históricos da Actio Libera in Causa
Mesmo existindo uma grande gama de opiniões, há acordo em alguns
pontos concretos, como por exemplo, no de se considerar o problema da
embriaguez antecedente da doutrina da actio libera in causa. Embora a maioria
de penalistas atuais situe o início desta discussão na Idade Média, existe um
precedente mais antigo, desde a antiguidade foram muitos os filósofos que se
posicionavam na discussão de como deviam ser tratados os ébrios que
cometiam um delito. Não obstante, Aristóteles, acolhendo a Lei de Pitaco, faz
responder o ébrio por ambos os atos: pelo delito cometido em estado de
embriaguez e pela embriaguez em si
37
. Segundo o filósofo, punia-se um
indivíduo até por sua ignorância, já que esta está presente no homem e ele é o
autor da ação e, assim, a embriaguez é causa da ignorância do agente e estava
a seu alcance não ficar embriagado
38
.
Existem evidências que no Direito Romano a embriaguez era tratada
como motivo de diminuição de pena, eram os chamados delitos de ímpeto,
embora não existam registros que ofereçam elementos suficientes que
corroborem essa hipótese
39
.
O Direito Canônico considerava a embriaguez por si só um ato
reprovável, embora não admita a imputabilidade se o indivíduo não possuía
vontade livre e discernimento para compreender a ilicitude. Então, o agente é
37
JUBERT, Ujala Joshi. La doctrina de la “actio libera in causa” en derecho penal (ausência de
acción o inimputabilidad provocadas por el sujeto). J. M. Bosch Editor, S. A.,1992, p.34.
38
ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco (trad. Mário da Gama Kury), 2ª edição. Brasília: UNB, 1992,
p. 57. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.34.
39
BINDING, Karl. Compendio di diritto penale – parte generale (trad. Adelmo Borettinni, Roma:
Athenaeum, 1927). Apud QUEIRÓS, Narcélio de. Teoria da actio libera in causa e outras teses.
2ªedição. Rio d eJaneiro: Forense, 1963. p. 20-21.
60
inimputável em relação à prática do crime e isentos de culpa os delitos por ele
praticados nesse estado, porém recebe punição correspondente ao estado ébrio
voluntário
40
.
De forma contrária a essas idéias, temos Bartolo e Baldo que se
posicionam ao reconhecer que a responsabilidade do indivíduo determina-se
pela ação anterior ao crime ao invés do crime em si. Mesmo com relação à
embriaguez voluntária, na qual o indivíduo pudesse prever a conseqüência, a
punição seria imprescindível.
Santo Agostinho mostrou-se partidário de castigar tão somente o fato de
embriagar-se, posto que entendia que era o único fato voluntário pelo qual
poderia, então, ser responsabilizado, e causa de sua posterior conduta
41
.
A Doutrina de Santo Agostinho, como supracitado, foi acolhida pelos
teólogos da Idade Média
42
. Estes centraram sua discussão em dois
pressupostos. Em primeiro lugar, analisaram o caso dos pais que se metem na
cama com seus filhos pequenos e, devido ao sono agitado daqueles, do qual
tinham conhecimento, as crianças morriam sufocados
43
.
Analisaram o caso supracitado autores como Abelardo, Graciano,
Tancredo, Ludovico, Carerio, Farinaccio
44
, e também aparece nas decretales
(cartas que contém decisões pontifícias) de Alejandro II e de Clemente III. A
opinião da época era que o dormente se comportava sem culpa, e logo partindo
de distintas argumentações, se impunha uma multa ao comportamento dos
pais
45
. Em segundo lugar, o outro grupo de casos estudados foram as situações
de embriaguez
46
.
O ponto de partida das discussões medievais foi o caso de Lot, colhido na
Bíblia. Como é sabido, Lot, enquanto embriagado, teve relação sexual com suas
filhas, não estando atento para esse fato. A questão era decidir se, neste caso e
40
QUEIRÓS, Narcélio de. Teoria da actio libera in causa e outras teses. 2ªedição. Rio de
Janeiro: Forense, 1963. p. 21.
41
Así; Diaz Palos, Teoria General , p.186.
42
Díaz Palos,Teoría General, p. 186 e ss.
43
Krause, Mayer-FS, p. 306 not. 7.
44
Manzini, DP, p.763, disse que Farinaccio cita o caso do sonâmbulo inglês que dormindo na
igreja de Sâo Benedito de Paris; levantou-se, saiu, matou um homem e voltou a entrar no
templo, estando todo o momento (tempo dormido).
45
Krause, Jura 1980,p.170.
46
Díaz Paloz, Teoria Generale, p.186 e ss.
61
outros similares, o sujeito devia responder pelo fato cometido em estado de
embriaguez ou por ter se embriagado. Os padres Ambrósio, Santo Agostinho e
São Tomás, recriminam a embriaguez em si e não o fato cometido em estado de
embriaguez. Pois, então, para os canonistas e os escolásticos a embriaguez era
já em si mesma punível. A doutrina majoritária desta época não aceitava a
imputação do fato cometido em estado de embriaguez. E, o reduzido setor
doutrinal que a afirmava, castigava o fato realizado nesta situação com uma
pena atenuada. Pois segundo Manzini, são os legisladores italianos os primeiros
a conceber de forma correta a doutrina da actio libera in causa
47
.
Os pós-glosadores seguem majoritariamente estas doutrinas. Por
exemplo, Bonifácio de Vitalinis dizia que não seria castigado o ébrio, se
delinqüiu, salvo que tenha se embriagado de forma dolosa. Para Farinaccio, não
se castiga por delito cometido em estado de embriaguez, no que não há dolo
nem culpa, somente pela culpa e rapidez em que incorreu ao embriagar-se. O
agente que souber que delinqüe, quando embriagado, não se abstenha de
beber vinho de maneira imoderada, se delinqüir não é, entretanto, castigado
levemente, já que tinha capacidade de prever suas atitudes; e é exatamente o
mesmo que ocorre na embriaguez dolosa, visando provocar o efeito de que o
escusa ao delinqüir neste estado. Baldus sistematizou a doutrina relativa a
imputação de delitos cometidos em estado de embriaguez. Segundo este autor,
quando a embriaguez era plena devia castigar-se o fato cometido sob estes
efeitos por imprudência.
Discutiram-se também os casos em que a embriaguez era voluntária,
porém não estava dirigida ao posterior fato delitivo. Para solucionar estes casos,
Angelus de Ubaldis recorreu a culpa anterior (precedente) e com ela a doutrina
do versari in re illicita
48
.
Em suma, os pós-glosadores discutiram se deviam castigar a embriaguez
47
Na realidade, esta afirmação é de Engelmann, Schuldlehre der Postglossatoren, p. 31.
Manzini, DP, p. 762 (not. 3 onde cita este sentido a Engelmann, Die Schullehre der
Postglossatoren p. 29) Apud JUBERT, Ob. Cit., p.35. Continua este autor, p.764, dizendo que os
legisladores dos séculos XVII e XVIII), incluindo os alemães não fizeram mais que reproduzir, e
às vezes de forma incompleta, a doutrina italiana. Também neste sentido, Binding, Normen II, p.
613 e nota 10; L. Schmidt, Zur Lehre p. 22. Não obstante nesta época não havia ainda
aparecido, segundo Hruschka, Strafrecht, p. 343 e Krause, Jura 1980, p.171, o termo técnico de
actio libera in causa.
48
Cerezo Mir,p. 60 ss.
62
ou o fato cometido sob tal estado. Embora a doutrina majoritária tenha se
mostrado a favor da primeira alternativa, alguns defenderam a possibilidade de
equiparar o fato cometido em estado de embriaguez a imprudência, e assim
aproximavam a doutrina escolástica da culpa precedente
49
.
Tiveram também importância para o desenvolvimento posterior das
doutrinas sobre a actio libera in causa, as posturas sustentadas por Bohemer e
por Molina. Segundo parecer de Bohemer dever-se-ia distinguir, por uma parte,
entre a embriaguez completa e a não completa; e por outra parte, entre a
voluntária e a involuntária. Entretanto que esta última fundamentasse a
impunidade sempre que a embriaguez fosse plena; a voluntária conduzia ao
castigo do delito cometido. Molina, por sua parte, rechaçava a equiparação entre
a embriaguez e a imprudência. Em sua opinião, o fato de se embriagar não
encerrava culpabilidade suficiente como para imputar a lesão cometida neste
estado. Tampouco aceitava a doutrina do versari in re illicita. Este autor defendia
a impunidade do ato de embriagar-se
50
.
Como podemos observar, já no início da discussão havia três posturas
principais, que ainda hoje se defendem:
- a impunidade das situações supracitadas;
- o castigo do ato de se embriagar;
- imputar o fato cometido no estado de inimputabilidade.
1.2. Origem do termo actio in libera in causa
De todos os modos, não se deve esquecer que parece ser que
49
L. SCHMIDT, Zur Lehre p.24; HETTINGER, Die alic, pp. 71 e ss.; TIMM, Der Streit p.44;
KOCH, Die alic p.2; SCHWINGHAMMER, Die Rechsfigur, p.4; KATZENSTEIN, Die Straflosigkeit
p.6.
50
Versari in re illicta equivale a “quem se envolve com coisa ilícita é responsável também pelo
resultado fortuito” segundo TOLEDO, Francisco Assis, Princípios Básicos de Direito Penal,
p.307. HETTINGER, Die actio libera in causa, p.65; JARAMILLO GARCIA, Novíssimo Código
Penal, p111; PEREDA, Versari, p. 69 e ss. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.36.
63
anteriormente ao século XVII, já existia uma certa doutrina sobre os delitos
cometidos em estado de embriaguez durante o sono, porém não se utilizava
ainda o termo técnico da actio libera in causa
51
.
A origem desta locução não está, todavia, clara, e na atualidade, segue
discutindo-se, Hruschka assinala que Tomás de Aquino já utilizou uma fórmula
parecida com a nossa quando, ao falar de paixões que eliminam o uso da razão,
distingue entre paixões voluntárias e paixões involuntárias
52
. De acordo com
Hruschka, faz falta o estudo dos filósofos do século XVIII a fim de encontrar as
bases concretas do que, também durante este século, os penalistas chamaram
de actio libera in causa. Assim, encontramos uma doutrina clara sobre o instituto
em Christian Wolff
53
. Este autor parte do princípio que somente as ações que
em si mesmo consideradas são livres podem ser imputadas ao sujeito. Não
obstante, excepcionalmente podiam também se imputar ações que em si
mesma consideradas não fossem livres. Isto sucedia quando o sujeito era
responsável desta ausência de liberdade
54
.
Hruschka, numa primeira investigação assinala que a expressão concreta
de actio libera in causa é utilizada pela primeira vez em um escrito de Bernhard
Muller, no ano de 1789
55
. Ao lado das ações livres por antonomásia, Müller
acrescenta dois tipos de ações más. Efetivamente, na investigação descrita,
este autor fala, em primeiro lugar, das ações que aludem a liberdade, ainda
quando o delinqüente atue no momento de realizar o delito sem liberdade e
moralidade própria: "actio ad libertatem relata, quamvis actunon libera". E, em
segundo lugar, estão as ações que não são livres nem aludem a liberdade: "nec
actu libera nec ad libertatem relata". Deste modo fica formulado, segundo
Hruschka, o princípio em que se apóia toda a doutrina da actio libera in causa:
trata-se de ações não livres no ato, porém que ao serem livres na causa podem
equiparar-se, enquanto o tratamento jurídico-penal, as ações livres em si.
Certamente, tem-se assinalado que o conceito de actio libera in causa
deve sua origem a uma interpretação crítica dos princípios contraditórios entre
51
KRAUSE, JURA, 1980, pp. 170 e ss. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.34.
52
HRUSCHKA, SchwZstr 90 (1974), p. 55. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.37.
53
citado por Hruschka ,Strafrecht, p. 343 e ss., not. 125 e ss.
54
HRUSCHKA, Strafrecht, p. 345. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.37.
55
HRUSCHKA, SchwZstr 90 (1974), p. 56. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.38.
64
ações livres e não livres. Frente a dicotomia actio libera - actio non libera se
estabelece a tricotomia actio libera in actu, actio libera in causa e actionec actu
nec in causa libera.
Esta expressão foi também antecipadamente usada por Kleinschrod em
seu compêndio de 1794
56
, por Grolman em sua segunda edição de 1805 de
"Fundamentos da ciência criminal, e por Tittmann no "Livro da Ciência Penal e
da Lei Penal Alemanha" de 1806
57
.
Não obstante, Hruschka, em outros trabalhos, encontra alguns
antecedentes ainda mais antigos
58
. Não há que olvidar, em opinião deste autor,
que toda a tradição filosófica e jurídica dos séc. XVIII e XIX estava influenciada
pela doutrina de Pufendorf
59
. O conceito de actio foi elaborado pelos escritores
dos séculos XVII e XVIII, particularmente por Pufendorf em seu "Elementorum
Jurisprudentiae Universalis libri duo", onde distinguiu entre o que estava em
poder de um indivíduo em fazê-lo ou não fazê-lo; o que não estava em poder do
indivíduo de fazê-lo ou não fazê-lo, mas se o estava nem em sua causa; o que
não nem em sua causa nem em poder do indivíduo fazê-lo ou não fazê-lo.
2. A actio libera in causa
2.1. Conceito
O instituto da actio libera in causa, no Direito penal moderno,
compreende:
“os casos em que alguém, no estado de não imputabilidade, é
causador, por ação ou omissão, de algum resultado punível, tendo
56
HRUSCHKA, Strafrecht, p. 348. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.3.
57
HRUSCHKA, SchwZStr 90 (1974), p. 55. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.38.
58
HRUSCHKA, Strafrecht, p. 343. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.38.
59
HRUSCHKA, ZStW 96 (1984), pp.661 e ss., e p. 666, not. 10. Apud JUBERT, Ob. Cit., p.38.
65
se colocado naquele estado, ou propositadamente, com a intenção
de produzir o evento lesivo, ou sem essa intenção, mas tendo
previsto a possibilidade do resultado, ou ainda, quando a podia ou
devia prever.”
60
Aníbal Bruno conceitua a actio libera in causa, como sendo:
“a ação punível, praticada em estado de inimputabilidade em que o
agente voluntariamente se pôs com o fim de praticá-la, ou
prevendo ou podendo e devendo prever que,assim, a praticaria -
fato livremente querido, ou previsto ou previsível, quando o agente
ainda imputável, mas cometido em estado de inimputabilidade por
ele voluntariamente provocado.”
61
Segundo Bettiol, a actio libera in causa ocorreria, portanto, todas as
vezes em que em um segundo momento um crime fosse praticado em estado de
incapacidade, que teria sido gerado em um primeiro momento como
conseqüência de alguma atitude do agente que o privasse parcial ou
completamente de seus sentidos.
62
O conceito de punibilidade deve estar
contido no princípio da causalidade em virtude do qual causa causae est causa
causati, ou seja, independentemente da possibilidade de previsão por parte do
agente ou, mesmo, de sua vontade e desejo, aquele deve ser chamado a
responder penalmente por qualquer evento lesivo praticado pela sua pessoa,
mesmo que estivesse em situação de sentidos depreciados, desde que tivesse
posto a si mesmo voluntariamente dessa maneira.
Já segundo Edmund Mezger, a actio libera in causa é aquela em que o
autor estabelece a causa decisiva em uma situação de imputabilidade e se
desenvolve em uma situação de inimputabilidade.
63
Nestes casos, o autor utiliza
si mesmo, ou seja, torna-se seu instrumento.
Nas actiones liberae in causa são compreendidas aquelas nas quais a
60
QUEIRÓS, Narcélio. Ob. cit. p. 40.
61
In prefácio o livro de Narcélio de Queirós. Ob. Cit.. p.9.
62
BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal- tomo I, p.65
63
MEZGER, Edmund. Conceito da actio libera in causa- tomo I, p.152.
66
causa decisiva coloca o agente em condições de imputabilidade, enquanto o
seu comportamento dinâmico, conforme se manifesta, ainda que lhe falte
imputabilidade, torna-se instrumento de si mesmo. Estas se apresentam quando
se produz um resultado contrário ao direito, por um ato ou omissão em estado
de inimputabilidade, se bem que esta conduta tenha sido ocasionada por um ato
doloso ou culposo, cometido em estado de inimputabilidade.
64
Em suma, de acordo com a doutrina não é necessária a presença de
vontade durante toda a seqüência de desenvolvimento do delito, bastando
minimamente que a imputabilidade esteja presente em qualquer fase do
processo. Ou seja, quem pratica um crime em estado de inimputabilidade é
punido por ter dado causa ao decorrente delituoso, nexo causal esse que
consiste em uma ação voluntária cometida em estado de imputabilidade.Nas
palavras de Von Liszt:
“o que regula é o momento em que o movimento corpóreo
voluntário foi empreendido (ou se se trata de uma omissão ilegal,
devia ser empreendido); é indiferente o estado mental do agente
no momento em que o resultado se produz”.
2.2 Hipóteses
Distinguem-se em hipóteses metodológicas as situações em que pode-se
aplicar o instituto da actio libera in causa:em caráter de negligência, atípico ou
doloso.
2.2.1. Caráter de negligência
64
LISZT, Franz Von. Tratado de Derecho Penal - vol. II,p.387.
67
- o agente coloca-se em estado de inimputabilidade ou de ausência de ação
voluntariamente e vem a causar um ato lesivo, porque, no momento de plena
capacidade, infringe um dever de cuidado, ou seja, é o caso do indivíduo que
consegue prever ou sabe de seu comportamento no estado ébrio, mas mesmo
assim não cessa o ato de embriagar-se.
- o agente coloca-se em estado de inimputabilidade ou de ausência de ação por
meio da lesão a um dever de cuidado, nesse caso o agente embriaga-se
voluntariamente e devido ao estado alcançado omite-se de uma ação ou causa
um efeito lesivo.
2.2.2. Caráter atípico
- o agente coloca-se em estado de inimputabilidade ou de ausência de ação
voluntariamente e culmina em um resultado lesivo sem ter havido uma infração
ao dever de cuidado.
2.2.3. Caráter doloso
- o agente coloca-se em estado de inimputabilidade ou de ausência de ação
voluntariamente e causa um efeito lesivo que já estava inserido em sua
consciência. Aqui incluem-se também os crimes cometidos intencionalmente de
forma que o agente usasse a escusa de estar fora de seu estado normal.
3. Divergência doutrinária
68
Os doutrinadores entram em divergência quanto ao momento em que
começa caracterizar-se o instituto da actio libera in causa. Alguns acreditam que
somente é caracterizada a partir do instante em que o agente se tenha colocado
em estado de incapacidade, configurando o modelo do tipo. Esse nome é
oriundo do fato que aqueles que o defendem concentram-se para tal na
extensão da configuração do tipo, como base para se proceder ao juízo de
responsabilidade. Esse modelo visa a regressão da análise da infração à norma
de cuidado a um tempo no qual o indivíduo ainda não tenha realizado a conduta
efetivamente perigosa para o bem jurídico.
O modelo de tipo pode ser dividido em algumas variantes:
- o juízo de culpabilidade pode se fixar na ação precedente, ou seja, considera
que o evento a ser aferido é o de colocar-se em estado de incapacidade e não o
que virá posteriormente. Schröder concorda com essa hipótese já que o fato
punível iniciou-se quando o agente colocou-se em estado privativo de
entendimento;
65
- Aníbal Bruno e Claus Yakobs Roxin concordam que a actio libera in causa
pode ser de autoria imediata, pois o agente faz dele mesmo um instrumento
inimputável quando tem, ainda, sua plena capacidade;
- seriam envolvidas tanto as ações do delito quanto as ações precedentes que
lesem a pretensão dos bens jurídicos;
- a norma que disciplina a inimputabilidade comporta uma extensão quanto à
caracterização do momento do fato, de modo a também nele compreender as
ações precedentes.
Outros doutrinadores crêem que não é importante a relação entre o
indivíduo e o estado de incapacidade, e sim, o vínculo que existe entre o
65
SCHRÖDER, Horst. Verbotsirrtum, Zurechnungsunfähigkeit, actio libera in causa, in
Goltdammer’s Archiv nº 57, p. 297. Apud TAVARES, Juarez. Direito Penal da Negligência,
Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro: 2003, 2ª edição, p. 391.
69
resultado final e o autor do ato ilícito. Para esses doutrinadores a referência
deve ser fixada no instante em que o ato é praticado e essa posição é
conhecida por modelo de exceção. Essa nomenclatura apóia-se no preceito
jurídico ordinário pelo qual se poderia fazer uma exceção ao princípio de que a
imputabilidade deve estar presente no momento da execução do fato. Esse tem
a pretensão de atuar ao tempo em que ocorra a conduta perigosa para o bem
jurídico, mesmo que o agente não tenha capacidade de compreender seu ato e
de se autodeterminar.
Porém, nenhuma das duas correntes pode preencher de modo completo
os pré-requisitos de afirmação do princípio da culpabilidade. O modelo do tipo
por tentar a antecipação do início da execução do delito para uma fase na qual
não é possível a demonstração de qualquer perigo de lesão ao bem jurídico e o
modelo de exceção por se orientar pelo momento de execução do ato ilícito em
estado de incapacidade, ou seja, para o agente era impossível motivar-se
conforme a norma.
Além disso, Narcélio de Queiroz entende que esse instituto pode justificar
a punição dos delitos cometidos sob emoção, já que esses teriam sido
resultados de um estado emocional que poderia ter sido evitado pelo agente,
mas que não o fora devido à falta de autocontrole do mesmo, sendo assim, na
visão do teorizador, uma ação voluntária na causa
66
. Hoje, em nosso Código,
encontra-se disposto que por mais avassaladora que seja a paixão, não
extingue o discernimento por completo do agente.
Muitos, ainda, tentaram explicar a punibilidade dessa espécie de delito
lançando mão da responsabilidade objetiva, de maneira incorreta, já que a actio
libera in causa faz com que resida a capacidade penal num momento anterior ao
final do evento, a causa desse. Além disso, a responsabilidade ficta dispensa os
conceitos de dolo e culpa nos quais baseiam-se os alicerces do direito penal
brasileiro e como afirmou Francisco Campos na Exposição de Motivos de 1940
nenhuma pena poderá ser pronunciada sem o pressuposto desses princípios
(nulla poena sine culpa).
66
QUEIROZ, Narcélio de. Teoria da actio libera in causa, p. 77.
70
Devido a essas controvérsias e dificuldades, alguns autores são contra o
emprego do termo actio libera in causa, optando, inclusive, pela retirada do
mesmo do Código Penal ou, então, minimamente, pela limitação a casos de
aplicação de um tipo especial de delito de perigo, subordinando-o a uma
condição objetiva de punibilidade.
4. A actio libera in causa e os crimes dolosos
A actio libera in causa só deve se reconhecer dolosa quando o agente,
claramente, tiver se colocado de forma dolosa em estado de incapacidade e
estiver vinculado dolosamente ao resultado gerado. Segundo Aníbal Bruno:
“A doutrina tem de manter-se fiel à exigência de um momento de
culpabilidade, isto é, de dolo ou culpa, na fase de imputabilidade,
em relação ao resultado típico, e não só em referência ao ato de
tornar-se inimputável, para não transformar o instituto em uma
espécie do velho versari in re illicita, intolerável sempre”
67
.
5. A actio libera in causa e os crimes culposos
No caso de crimes culposos, para que se possa admitir a actio libera in
causa deve-se verificar a forma e o modo como a ação do agente viola a norma
de cuidado no momento em que se coloca em situação de incapacidade, além
de como isso se reflete na condução posterior de sua atividade. O problema
decorre que o ato de se privar de sua capacidade mental não consiste por si só
em uma violação de cuidado, tornando, assim, uma avaliação do ocorrido e de
todo seu contexto imprescindível.
67
BRUNO, Aníbal. Direito Penal, volume II, p.52.
71
O agente embriaga-se voluntariamente em condição de imputabilidade,
mas não ordena sua conduta posterior, deve-se impor uma culpa consciente, já
que o indivíduo deve sempre ser beneficiado pelo princípio in dúbio pro reo, ou
seja, deve-se ter a perspectiva de que o autor teve esperança de que realmente
nada iria acontecer.
Assim foi dada a teoria da actio libera in causa, uma extensão que ela
não comporta, uma vez que tal teoria não diz respeito à fundamentação da
culpabilidade e vem sendo aplicada para os delitos cometidos em estado de
embriaguez voluntária ou culposa em que não há, na fase da imputabilidade,
dolo ou culpa em relação ao resultado criminoso.
Esta aplicação da teoria da actio libera in causa em desacordo com sua
teoria tem levantado indagações sobre a compatibilidade ou não do artigo 28 do
Código Penal com o conceito de imputabilidade adotado pelo referido estatuto.
Vários doutrinadores tentam explicar a punibilidade do fato na referida
hipótese de imprevisibilidade como um caso de actio libera in causa, variando
apenas a fundamentação para a punibilidade desta. Como visto, existem
divergências doutrinarias nessa área e parte deles afirma que o ato de
embriagar-se já é ato executivo do delito, ou seja, o sujeito já estaria praticando
o delito quando começou a embriagar-se, desta forma, já se manifestou. Nélson
Hungria, analisa:
"o que legitima a punição na espécie, sem abstração do nulla
poena sine culpa, é a inegável referência da ação ou omissão
imediatamente produtiva do resultado antijurídico ao momento em
que o agente se coloca em estado de inconsciência ou de abolição
de self control (auto controle)”.
Porém não é correto afirmar que o ato de por-se em estado de
inimputabilidade já seja ato executivo do resultado criminoso, como afirmam os
demais doutrinadores, pois o ato de se colocar em inimputabilidade não passa
de um simples ato preparatório, uma vez que se o iter criminis, se interrompe
nessa fase, não há nada a punir, nem sequer a título de tentativa. É necessário
que o resultado criminoso tenha sido querido ou previsto, ou que fosse
72
previsível pelo sujeito quando ainda imputável, pois o elemento subjetivo na fase
da imputabilidade é indispensável para a caracterização da actio libera in causa.
Na citada hipótese de imprevisibilidade, falta ao agente o elemento subjetivo em
relação ao crime certo e determinado, uma vez que, no momento em que se
embriaga, não tem sequer a previsão de que irá cometer um delito.O elemento
subjetivo existe somente em relação a embriaguez (o ato de embriagar-se é
livre), porém, esta não é causa de delito.
6. A embriaguez
Para que se entenda a exclusão de imputabilidade e a aplicação da actio
libera in causa faz-se necessário, nesse momento, uma divagação sobre o
conceito de embriaguez e suas classificações.
Segundo Paulo José da Costa Júnior, a embriaguez é uma intoxicação,
aguda e transitória, causada pelo álcool ou substância análoga, que elimina ou
diminui no agente sua capacidade de entendimento ou de autodeterminação.
Em outras palavras, a embriaguez é uma causa capaz de levar à
exclusão da capacidade de compreensão da ilicitude das ações, assim como a
alteração do momento volitivo do agente, em virtude de uma intoxicação aguda
e transitória causada pela ingestão de álcool ou qualquer substância de efeitos
psicotrópicos análogos, sejam eles entorpecentes, estimulantes ou
alucinógenos.
A embriaguez difere do alcoolismo, pois este último é uma embriaguez
crônica, que é caracterizada por um abaixamento da personalidade psico-ética,
tornando o afetado deficiente em velocidade nas suas percepções ou levando-o
a percepções ruins, a ponto de ter delírios e alucinações, afetando a memória e
a mente na associação de idéias que seguem por caminhos ilógicos
68
.
Embora o álcool tenha um suposto efeito estimulante, devido à perda dos
mecanismos inibidores, na verdade ele é um narcótico, já que o efeito citado
68
ALTAVILLA, Psicologia Judiciária, v. 1, p. 284
73
justifica-se pela ação da substância sobre o córtex cerebral.
Para efeito judiciário a embriaguez pode ser constatada de três maneiras
diferentes:
- exame clínico, que consiste no contato direto com o paciente, analisando-se o
hálito, o controle neurológico, as percepções sensoriais, o modo de falar, a
cadência da voz, entre outros;
- exame de laboratório, que é a dosagem etílica sanguínea (ou seja, a
quantidade de álcool no sangue);
- prova testemunhal, que pode atestar as modificações de comportamento do
agente.
Naturalmente, o critério mais adequado e seguro é a união dos três
métodos, embora somente um deles possa, no caso concreto, demonstrar a
embriaguez.
Além da dose ingerida, os penalistas levam em consideração, ainda, a
origem desse estado, a forma como o indivíduo veio a adquirir esse estado e o
grau de influência que o conteúdo enebriante apresenta sobre o organismo do
indivíduo. Assim a embriaguez é dividida nos seguintes tipos:
- não acidental: compreende a ingestão de álcool ou de substâncias de efeitos
análogos, que não sejam em razão de caso fortuito ou força maior. Essa se
subdivide em dolosa (voluntária) e culposa. Podemos, ainda, incluir nessa
categoria a embriaguez apontada pelos doutrinadores como preordenada.
- acidental: é aquela proveniente de caso fortuito ou de força maior. O caso
fortuito consiste na ingestão da bebida quando o agente é ignorante de seu teor
alcoólico ou dos efeitos psicotrópicos que podem ser gerados. A oriunda de
força maior prevê uma força externa ao agente, que lhe obriga o consumo.
Ortolan entendia que essa modalidade de embriaguez deveria ter punição
diferente dependendo do grau de intoxicação. Se completa deveria ter a
74
imputabilidade totalmente extinta e enquanto incompleta, dependeria do grau de
alteração.
A embriaguez, ainda, é analisada sob a perspectiva da intensidade de
perturbação causada ao indivíduo, definindo-se como completa e incompleta. A
primeira situação é aquela em que se percebe a retirada por completo da
capacidade do indivíduo de analisar suas ações no momento e tem seu
momento volitivo, igualmente, modificado; já a segunda consiste em perda
parcial da autodeterminação e da capacidade de entendimento do agente, que,
portanto, ainda detém um resquício de compreensão e vontade.
6.1. A embriaguez e a actio libera in causa
A teoria da actio libera in causa é válida para as hipóteses de embriaguez
preordenada, voluntária ou culposa, nos casos em que o agente antes de se
embriagar, assumiu o risco de produzir o evento lesivo, ou pelo menos era
previsível a prática do mesmo.
A teoria da actio libera in causa, ou da ação livre na sua causa, é aplicada
exatamente para comprovar a imputabilidade do agente que livremente almejou
a conduta criminosa, tendo praticado a mesma quando se encontrava em
estado de inimputabilidade.
A seguir são feitas análises mais profundas sobre cada tipo de
embriaguez apontado correlacionando-os com a legislação em vigor.
6.2. A embriaguez culposa
A embriaguez culposa pode ser apresentada quando o agente não tinha a
intenção de se embriagar, mas foi, imprudentemente, deixando-se levar. Aqui,
75
cabe uma discórdia entre os estudiosos de diversos países; alguns defendem
que o agente tornou-se inimputável quando na situação de embriaguez, já
outros crêem que o mesmo deveria ser capaz de prever as conseqüências de
seu ato, e assim, cessar o ato de se embebedar.
Para os últimos, a punibilidade aí se justifica, considerando-se que o
autor previu o resultado, mas esperava sinceramente que não acontecesse, ou
não o previu diante de sua situação, mas deveria ser capaz de tal. Trata-se,
então, de uma hipótese de actio libera in causa.
Existe, ainda, a possibilidade de o agente não ter quisto prever, de não
ter previsto e de não haver circunstância alguma particular pela qual devesse
prever a ocorrência do crime. Nesse caso de embriaguez não fortuita, também
não há a exclusão da responsabilidade penal, que segundo a Exposição de
Motivos do nosso Código toma por hipótese a actio libera in causa. Porém, falta
na hipótese o dolo ou a culpa em relação ao crime determinado quando o sujeito
ainda é imputável, tornando a configuração do instituto conceitualmente
impossível de ser estabelecida. Para tal entendimento, basta verificar-se que a
ação livre na sua causa não está no ato criminoso e sim na embriaguez.
Distingue-se a embriaguez voluntária, em que o agente embriaga-se
prevendo a possibilidade de praticar o delito, aceitando o risco da produção do
resultado, e os casos de embriaguez culposa, em que o sujeito embriaga-se
tendo a previsão do resultado, mas esperando que ele não se produza, ou não
tendo a previsão do resultado delituoso, deveria prevê-lo, uma vez que se
encontrava em circunstâncias especiais.
O Código Penal ao se referir à embriaguez, não fez a devida distinção
entre os tipos de embriaguez, principalmente entre as duas hipóteses de
embriaguez voluntária e culposa, pois é possível que nesses casos o agente
tenha previsto e aceito o risco de produzir o resultado, ou tenha previsto o
resultado, mas acreditado que ele não ocorresse, ou nem sequer tenha previsto
a ocorrência do resultado, como também pode acontecer que nenhuma destas
situações tenha ocorrido
No Código brasileiro a embriaguez culposa, seja completa ou incompleta,
nunca excluiu a imputabilidade, já que, como explicitado acima, o que se leva
76
em consideração é o momento da ingestão, no qual era livre para fazê-lo ou
não, e não a prática do fato delituoso.
6.3. A embriaguez dolosa
A embriaguez dolosa prevê que o agente não pensava em cometer crime
algum enquanto se alcoolizava, fosse para gozar a sensação para ele agradável
ou para suavizar no álcool a tristeza e as preocupações, mas era de seu intento
alcançar o estado de alteração psíquica. É também chamada e conhecida por
embriaguez voluntária.
Nessa categoria, considera-se que a maioria dos casos corresponde a
embriaguez completa, já que o indivíduo tinha o interesse de se embriagar. De
qualquer maneira, considera-se que o agente, que não o fez pré-
ordenadamente, chega a delinqüir porque estava privado da sua capacidade de
querer e de autodeterminação, e não porque possui o animus específico.
Para alguns doutrinadores, essa teoria é de difícil aplicação, e constitui
um resquício da responsabilidade objetiva em nosso sistema penal e pode ser
admitida quando for completamente necessário para não deixar o bem jurídico
sem proteção em caráter excepcional. Nesse caso, vale, então, a aplicação da
actio libera in causa, a fim de que o agente não fique impune e o bem jurídico
sem tutela, ou seja, como apontado diversas vezes leva-se em conta,
exclusivamente, o momento em que o sujeito escolheu livremente entre
consumir ou não a substância.
6.4. A embriaguez preordenada
A embriaguez pré-ordenada consiste em o agente fazer uso da bebida
alcoólica ou de substâncias de efeito psicotrópico análogo com o escopo de
77
tomar coragem de cometer um crime e sufocar sua consciência que o alerta da
ilicitude do ato que virá a praticar ou, ainda, para fazer uso posterior de um
atenuante. Esta é a forma clássica da actio libera in causa e, portanto, esse
estado de embriaguez não exclui a responsabilidade e nem a atenua, ao
contrário, agrava-a. Esse é, portanto, o caso mais fácil de justificar a aplicação
da actio libera in causa.
Embriaguez preordenada não justificará exclusão da imputabilidade ou
diminuição de pena, conforme a Exposição de Motivos do Código Penal de 1940
(Decreto-Lei n.2848/1940), na qual foi adotada a teoria da actio libera in causa,
segundo a qual o indivíduo será imputável conforme o conceito de Narcélio de
Queiroz: "São os casos em que alguém, no estado de não imputabilidade, é
causador, por ação ou omissão, de algum resultado punível, tendo-se colocado
naquele estado, ou propositadamente, com a intenção de produzir o evento
lesivo, ou sem essa intenção, mas tendo previsto a possibilidade do resultado,
ou ainda, quando a podia ou devia prever".
Para que seja configurada essa hipótese é necessária a existência do
dolo no estado de imputabilidade, e assim, o indivíduo age como mandante
nesse período e faz de si um instrumento no seguinte.
Nesse momento cabe ressaltar que Bertauld, na França, e Rossi, na
Itália, não viam necessidade de se entender ou mesmo questionar a causa da
embriaguez Acreditam que o dolo ou a culpa devam ser contemporâneos ao
crime e que, portanto, não se deveria punir o delito cometido sob o efeito de
substância psicotrópica. De forma mais radical, temos, ainda, Brusa que é
contra a actio libera in causa, por colocar que não existe nexo de causalidade
prática
69
.
6.5. O caso fortuito e a força maior
A embriaguez fortuita, também conhecida por embriaguez acidental ou
69
CHAMON Jr, Lúcio Antônio. Responsabilidade Penal e Embriaguez.pp. 123-127.
78
por força maior, consiste naquela em que o ébrio não sabia o que estava
fazendo e, portanto não deveria ser capaz de prever as conseqüências de seu
ato. Caso fortuito, conforme escreve Giulio Battaglini, é um acontecimento
imprevisível e inevitável, que começa onde a culpa acaba. Tudo o que não se
possa referir ao poder de ação pessoal do homem e origine um efeito, é fortuito,
pertence ao domínio do acaso, do imponderável. Tanto nos crimes, como nas
contravenções, o caso fortuito exclui a culpabilidade, compreendido o dolo e a
culpa, porque em todo crime se reclama o elemento de vontade consciente.
Força maior, na interpretação de Battagli, tem a mesma eficácia da outra citada
excludente, distingüindo-se apenas pela sua irresistibilidade, sendo esta
diferenciação entre ambas não pacífica
70
.
O fortuito tem algo de misterioso, de obscuro e algo de divino (quid
obscurum quid divinum). Existe nele alguma coisa que falta na força maior: a
ignorância e o erro. Por isso se diz, como fora mencionado, que no fortuito,
existe a imprevisibilidade e a inevitabilidade do evento. Por outro lado, o fortuito
estará sempre relacionado com a ação humana, enquanto a força maior se
relaciona com eventos naturais, como a tempestade, o terremoto. Embora de
todo inevitável, pode perfeitamente ser prevista
71
.
Distingue-se a força maior do constrangimento físico, onde o homem não
é sujeito, mas objeto de ação. Na força maior não há coação física. Entretanto,
pode haver coação, porém de ordem meramente moral.
À respeito da força maior Maggiore enumera:
- uma vis, ou seja, uma energia cogente;
- uma vis ab extra, equivalente a uma força independente da consciência e da
vontade humana, ou seja sem o momento intelectual ou volitivo;
- uma vis naturale (raio, inundação,desabamento, terremoto, maremoto etc)
70
Direito Penal, Parte Geral, Tradução de: Paulo José da Costa JR., Arminda Bergamini Miotto,
Ada Pellegrini Grinover. Edição Saraiva, Editora da Universidade de São Paulo, 1973, p.320.
71
BETTIOL, Diritto Penale, Padova, 1976, p. 469.
79
- uma vis maior, inevitável e irresistível;
- uma ação humana oriunda de um inimputável.
72
Esse último apontamento possui caráter divergente dentre os
doutrinadores, assim é, por exemplo, Paulo José da Costa Júnior contrário a
esse posicionamento.
O Código Penal de 1940, com reforma da Parte Geral, em seu artigo 28,
§ 1º, dispõe que é isento de pena o agente que, por embriaguez completa,
proveniente de caso fortuito ou força maior, era ao tempo da ação ou omissão,
já que estaria inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do praticado ou
de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Quando incompleta, segundo o § 2º do mesmo artigo, a embriaguez
fortuita será uma causa de redução de pena de um a dois terços, uma vez que o
agente conserva de forma diminuída sua capacidade de entendimento e de
autodeterminação.
O Código Penal de 1940, ao tratar da embriaguez, admitiu a plena
aplicação da teoria da actio libera in causa sive ad libertatem relatae, conforme
mostra a Exposição de Motivos:
"Ao resolver o problema da embriaguez (pelo álcool ou substância
de efeitos análogos), do ponto de vista da responsabilidade penal,
o projeto aceitou em toda a sua plenitude a teoria da actio libera in
causa sive ad libertatem, que modernamente, não se limita ao
estado de inconsciência preordenado, mas a todos os casos em
que o agente se deixa arrastar ao estado de inconsciência".
72
MAGGIORE, Diritto Penale, volume 1, p. 389.
80
CAPÍTULO III – EMBRIAGUEZ NO DIREITO COMPARADO
3.1. Breve introdução
Encontram-se divergências sobre como o estado de embriaguez pode
afetar o comportamento e em que medida essas alterações deveriam influir na
exclusão ou atenuação da culpa do agente. A diferença de perspectiva do
estado de embriaguez gera tal controvérsia, já que por um lado dever-se-ia
optar pela inimputabilidade ou pela atenuação da culpa ao constatar-se uma
anomalia físico-psíquica do agente sob a influência do álcool. E por outro, deve-
se considerar a culpa do agente em se colocar em tal situação e, assim, deve
assumir suas conseqüências.
3.2. Antiguidade
Na Grécia antiga, Aristóteles relata que era estabelecida uma pena dupla
para os crimes em estado de embriaguez
73
. O autor entende que dependia do
agente não se embriagar, portanto, a causa reside em si. Já o Direito Romano,
estabelece no Digesto três maneiras de se classificar a culpa do agente:
proposito, impetu e casu. Aquele que praticou o ato em estado de embriaguez
não poderia ser punido com a culpa mais grave (proposito), demonstrando,
assim, certa indulgência com a criminalidade alcoólica. Já que não poderia ser
considerado um ato deliberado, o equivalente ao nosso crime doloso, restava,
ainda, a dúvida de ter ocorrido um crime acidental, casu, ou sob o domínio de
um impulso, impetu.
73
ARISTÓTELES, Política (tradução italiana de Costanzi), Bari, 1918, liv. II, cap. 12, 1274 b.
81
3.3. Idade Média
A indulgência para os agentes ébrios foi novamente constatado ao longo
da Idade Média com sentenças que consideravam causa excludente ou
atenuante a embriaguez. Porém os soberanos tentaram diminuir essa
indulgência, posto o número absurdo de homicídios e crimes cometidos sob a
escusa da embriaguez. Carlos V colocou em vigor em 7 de outubro de 1531
uma lei que previa o término dessa inimputabilidade, ou mesmo, da atenuação.
Não seriam mais, portanto, aqueles que estivessem sob efeito do álcool
eximidos da culpa e conseqüências de seus atos. Porém, como os juízes não
levaram em consideração essa lei, ela foi reformulada em 1545 e em 1549. A
atitude de Carlos V foi imitada por Filipe II em 1570, que a renovou em 1589,
adicionando um artigo que impossibilitava o uso da embriaguez como
justificativa para exclusão de culpa ou atenuação da mesma nos casos de
homicídio.
3.4. Itália
O Código de 1889, Zanardelli, influenciado pela escola clássica, distinguia
em seu artigo 42 tão somente a embriaguez preordenada da embriaguez não
preordenada, sendo a primeira irrelevante para a responsabilidade penal do
agente e a segunda constitui uma causa de inimputabilidade equiparável à
enfermidade mental. Para o caso do crime cometido em estado de embriaguez
dolosa ou negligente previa-se um tipo legal de crime especial (art. 471), o qual
impunha uma punição referida à culpa na criação de um estado de embriaguez
perigosa. O artigo 48 faz uso do princípio de actio libera in causa para continuar
a considerar irrelevante a embriaguez preordenada.
O Código italiano atual de 1930, Código Rocco, deixa a embriaguez
patológica sujeita às regras gerais da imputabilidade (arts. 85, 88 e 89). Se a
82
embriaguez era preordenada com o fim de cometer o crime, ou de preparar uma
escusa, a pena é aumentada. A embriaguez preordenada constitui, segundo o
art. 92, 2º parte, um agravante da responsabilidade do agente pelo crime
cometido neste estado, e uma exceção ao artigo 87. Esse artigo considera a
existência do estado preordenado de incapacidade de entender e querer e a
disposição da primeira parte do artigo 85 não se aplicaria àquele que se
colocasse em tal estado com o fim cometer o crime, ou de preparar uma escusa.
O artigo 91 cuidava da embriaguez não culposa, que é uma embriaguez
derivada de caso fortuito ou força maior. Segundo o texto, não é imputável
quem, no momento em que praticou o fato, não tinha a capacidade de entender
ou de querer, em conseqüência de embriaguez plena derivada de caso fortuito
ou força maior. Se a embriaguez não era plena, mas era tal que diminuía
consideravelmente, sem excluir, a capacidade de entender ou querer, a pena é
diminuída.
O artigo 92, 1º parte, tratava da embriaguez voluntária ou culposa ou
preordenada. Ou seja, a embriaguez não derivada de caso fortuito ou de força
maior não exclui nem diminui a imputabilidade.
Além de a pena ser aumentada em caso de preordenação, essa também
seria aumenta se a embriaguez fosse habitual, segundo o artigo 94. Para os
efeitos da lei penal, é considerado como ébrio habitual aquele que é dedicado
ao uso de bebidas alcoólicas e encontra-se em estado freqüente de
embriaguez
74
.
O Código Penal Italiano prevê também contravenções relativas à
embriaguez que levam em conta a possibilidade de prevenção do alcoolismo e
dos delitos cometidos em estado de embriaguez, conforme exposto abaixo nos
seguintes artigos:
“686- Fabricação ou comércio abusivos de licores ou drogas, ou de
substâncias destinadas à sua composição- Aquele que, contra a
74
Códigos Penaes Extrangeiros; Vicente Piragibe, Editora Livraria Jacyntho, Rio de Janeiro,
1934.
83
proibição da lei, ou sem observar as prescrições da lei ou das
autoridades, fabrica ou introduz no Estado drogas, licores ou
outras bebidas alcoólicas ou detém para vender ou vende drogas,
é punido com prisão de um ano ou com multa de cem mil a um
milhão de liras.
Está sujeito à mesma pena aquele que, sem observar as
prescriçõoes da lei ou das autoridades, fabrica ou introduz no
Estado substancia destinada à composição de licores ou drogas.
687.Aquele que adquire ou consome, em exercício público, bebida
alcoólica no tempo em que não é permitida sua venda, é punido
com a sanção administrativa de 100.000 liras.
688.- Aquele que, em um local público ou próximo ao público, se
apresenta em estado de manifesta embriaguez, é punido com
prisão de seis meses ou com multa de 20000 a 400000 liras.
A pena é de prisão de seis meses se o fato é cometido por aquele
que já tenha uma condenação por delito não culposo contra a vida
ou a incolumidade individual.
A pena é aumentada se a embriaguez é individual.
690. – Aquele que um lugar público ou próximo ao público, causa
embriaguez em outros, ministrando bebidas alcoólicas, é punido
com prisão de seis meses ou com multa de 60.000 a 600.000 liras.
691.- Aquele que ministra bebidas alcoólicas a uma pessoa em
estado de manifesta embriaguez, é punido com prisão de três
meses a um ano”.
3.5. França
84
O art. 65 do Código Penal francês prevê que uma pena só pode ser
atenuada ou um crime ou delito justificado se houver um fato justificativo
explícito na lei. A embriaguez não é considerada um fato justificativo legal, não
podendo, portanto, ser usada como objeto de uma questão especial posta ao
júri. Porém, como aponta Garraud, a embriaguez causa perturbações psíquicas
provenientes de uma alteração transitória das funções cerebrais, podendo
assemelhar-se à demência, encaixando-se, assim, nos casos de
inimputabilidade (art. 64). O conceito de inserir a embriaguez patológica dentro
do artigo 64 é de decisão unânime dentro do sistema francês, ocorrendo o
mesmo com a embriaguez não culposa.
Já nos casos de embriaguez preordenada há uma culpa, ainda maior que
no caso do crime ou delito sem o estado de embriaguez, já que além da
intenção criminosa, há a criação do estado de inimputabilidade. Garraud
considera essa prática como o início da execução do crime.
A embriaguez culposa e não preordenada toma difícil posição dentro do
Código, já que há uma situação de inimputabilidade enquanto comete o crime,
porém há a culpa de o agente estar nesse estado. Após a 2ª Guerra Mundial a
embriaguez deixou de ser um atenuante e passou a ser um agravante, conforme
lei de 1940, que foi revogada no ano seguinte, evitando os exageros da
repressão alcoólica.
3.6. Países do Benelux
O Benelux, composto pela Bélgica, Holanda e Luxemburgo, aceitam para
a embriaguez não culposa o estado de inimputabilidade, excetuando-se a culpa
do agente. Já a embriaguez preordenada é considerada um agravante. Quanto
à embriaguez patológica, a Bélgica contempla apenas os casos das lesões
cerebrais provocadas pelo abuso habitual e duradouro de bebidas alcoólicas
(art. 71). A doutrina clássica considera que a embriaguez culposa não
85
preordenada vê dois momentos diferentes. O primeiro compreende o ato de se
embriagar que não engloba o segundo, que é o crime em si. Assim, a
embriaguez exclui a punição por dolo, mas permanece a possibilidade da
punição por negligência, que decorre da previsibilidade das conseqüências
perigosas do ato. Thiry, representante principal de tal doutrina, separa, ainda,
aquele agente que se encontra pela primeira vez em estado de embriaguez
daquele que tem por hábito alcoolizar-se, alegando que o primeiro não tinha
como prever as conseqüências advindas do ato inicial. O código luxemburguês
mantém-se próximo da doutrina clássica francesa e a punição do criminoso
ébrio somente pode ser feita a título de negligência. Já a jurisprudência da
Holanda tende para a severidade no caso da embriaguez culposa não
preordenada, raramente reconhecendo o estado de embriaguez completa. Em
certos casos podem ser excluídos o dolo e até mesmo a negligência, mas
necessita de circunstâncias especiais concretas.
Em contraproposta a essas idéias, Prins e partidários de suas idéias
acreditam ser irrelevante na avaliação da culpa o estado de embriaguez, não
impedindo sequer a punição por dolo, alegando que o perigo social imposto pelo
ébrio à sociedade já seria fundamentação o suficiente para a punição.
3.7. Suécia
A embriaguez patológica prevê a inimputabilidade do agente. A
embriaguez não culposa exclui também do agente a culpa referente ao crime
cometido nesse estado. A embriaguez preordenada torna-se irrelevante na
culpa do criminoso. Novamente no caso de embriaguez de culposa não
preordenada é levantada a dúvida de como se lidar com a situação. O legislador
optou por deixá-la igualmente irrelevante na avaliação da culpa do agente pelo
crime cometido, não impedindo a punição por dolo nem por negligência.
86
3.8. Noruega
O código norueguês excetua a embriaguez culposa nas causas de
inimputabilidade, restando, portanto, como único caso possível de falta de
imputabilidade relativo a embriaguez não culposa (arts. 44 e 45). A embriaguez
patológica também se enquadra nesse caso, já que o código não distingue a
normal dessa. A embriaguez preordenada, como nos códigos anteriormente
analisados, é circunstância irrelevante na avaliação da culpa do agente. Numa
redação posterior do código, a embriaguez culposa foi considerada irrelevante
(art. 45, 1929) com possibilidade de atenuação especial (art. 56, nº 2).
Segundo o art. 39, nº 1 o tribunal tem a faculdade de aplicar ao criminoso
ébrio certas medidas de segurança, no caso de haver perigo de reincidência e
torna-se obrigatório tomar as devidas medidas se esse perigo dirigir-se a certos
crimes mais graves especificamente (nº 2)
3.9. Dinamarca
Segundo o art. 18, a embriaguez não exclui a aplicação da pena salvo se
o agente tiver agido em estado de inconsciência. A imputabilidade daquele que
cometer o ato ilícito devido a uma embriaguez patológica pode ser analisada na
perspectiva dos arts. 16 (dementes) e 17 (anormais). Já pelo art. 18, a
embriaguez preordenada deveria ser punida, mas é acompanhada pelo artigo
seguinte, que se preocupa também com o caso do crime por omissão. Se ficar
comprovada uma embriaguez não culposa completa, pode-se alegar uma perda
de consciência e, portanto, enquadrar numa inimputabilidade prevista pelo art.
18. Se a mesma for incompleta, estará sujeito às penas previstas, porém tem
direito a uma atenuação legal.
87
O ébrio habitual pode ter sua punição privativa de liberdade substituída
por internamento em casa de trabalho. Para além da punição estão previstas
medidas de segurança e de tratamento.
3.10. Finlândia
A embriaguez patológica, no código finlandês, pode excluir a
imputabilidade do agente segundo § 3º, 2ª parte, que trata da perturbação
mental passageira que prive o agente da consciência dos seus atos. Pode,
ainda, ser considerada uma atenuação especial da pena prevista no § 4º, 2ª
parte, desde que provoque um estado de imputabilidade diminuída e seja
considerada não culposa. Assim, também, é vista a embriaguez não culposa. Já
a embriaguez quando preordenada torna-se irrelevante para a apreciação da
culpa.
Assim como na Dinamarca, a embriaguez culposa pode ser encarada
como uma criação de estado de inconsciência e a partir disso ser incorporada
ao § 3º, 2ª parte, o qual não distingue entre estados de inconsciência culposos
ou não culposos. Se essa embriaguez for incompleta, torna-se irrelevante ao
processo devido às condições do § 4º, 2ª parte.
3.11. Inglaterra
Durante muito tempo houve na Inglaterra uma discussão referente às
condições relativas à embriaguez que poderiam causar a inimputabilidade do
agente. Acerca da embriaguez culposa coexistiam duas visões: estaria o ébrio
em estado de demência e, portanto, deveria ser responsabilizado por seus atos,
já que se teria colocado nesse estado alterado e outra que distingue a
embriaguez voluntária da não voluntária, sendo essa um ato de inimigos do
88
agente. Contudo, não há um entendimento vigente que permita tratar desses
casos que podem se relacionar com o princípio de mens rea, embora a
embriaguez não o exclua automaticamente, sendo necessária mais provas
concretas para que se torne o agente inimputável por esse critério.
A embriaguez não culposa, considerada como a não voluntária, sempre
constitui uma defesa e só será relevante no caso de ter atingido um grau tão
elevado que tenha excluído a mens rea. Já a embriaguez patológica pode
alcançar, ao ver dos juristas, um estado de demência e, assim, ser considerada
um caso de inimputabilidade previsto pelo código inglês.
A embriaguez preordenada é considerada irrelevante na apreciação da
culpa, mesmo sob diversas tentativas de se alegar que o homicida estava
demente quando se pôs no estado de embriagado. Considera-se um homem
normal que formou a intenção de matar antes de beber e que nesse momento
sabia a ilicitude do ato que pretendia cometer.
3.12. Estados Unidos
As leis estadunidenses conferem rigidez tal que o princípio geral é o de
que a embriaguez não é defesa, fundando-se na censurabilidade moral do ato
de embriagar-se. Entretanto, este princípio encontra exceção sempre que o
crime exija como forma de mens rea o intuito de provocar o crime e que fique
constatado que a embriaguez alcançara um nível que tornasse o agente
impossibilitado de tomar decisões e formular pensamentos. Se houver, contudo,
uma forma atenuante de ser punido que não necessite desse momento volitivo e
intelectual o agente deverá ser punido por esse crime mais leve e no caso de ter
perda das inibições e da capacidade para avaliar seus atos a embriaguez torna-
se relevante.
Os ébrios doentes devem ser objetos de medidas curativas e/ou
preventivas. Os ébrios normais devem ter um histórico levantado a fim de que se
descubra o grau de inexperiência que tinham com o estado de embriaguez ou
89
com o abuso de substâncias intoxicantes. Os inexperientes devem ser
considerados sem responsabilidade para com o ato praticado, sendo
considerada uma embriaguez involuntária. Já os ébrios voluntários sentem o
peso e rigor da lei previamente mencionados. Como o princípio de mens rea é
respeitado por aplicação do conceito de actio libera in causa, a embriaguez
preordenada não pode ser utilizada como defesa em caso algum.
3.13. Portugal
A base da punição no Código lusitano é o fato de o sujeito embriagar-se
culpavelmente, vindo a praticar fato descrito como ilícito penal, servindo-se este
como condição objetiva de punibilidade. O agente não é punido pela infração
cometida durante o estado de embriaguez completa, mas sim pelo fato da
embriaguez culpável. Dessa forma fica impedido o versari in re illicita
75
.
A pena é tratada pelo art. 295:
“Art. 295. Embriaguez e intoxicação
1. Quem, pelo menos por negligência, se colocar em estado de
inimputabilidade derivado da ingestão ou consumo de bebida
alcoólica ou de substância tóxica e, nesse estado, praticar um facto
ilícito típico, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena
de multa até 600 dias.
2. A pena não pode ser superior à prevista para o facto ilícito típico
praticado.
3. O procedimento criminal depende de queixa ou de acusação
75
Versari in re illicita imputatur omnia, quae sequuntur ex delicto: quem comete um fato ilícito é
responsável por tudo o que se segue a ele.
90
particular se o procedimento pelo facto ilícito típico praticado
também dependesse de uma o de outra”.
Prescreve-se, ainda, o art. 20 § 4º, Código Penal português que a
“imputabilidade não é excluída quando a anomalia psíquica tiver sido provocada
pelo agente com intenção de praticar o facto”. Ou seja, prevê a punibilidade nos
casos de preordenada, não apenas pela embriaguez, mas por qualquer
anomalia psíquica.
3.14. Alemanha, Suíça e Áustria
O crime de embriaguez completa foi introduzido no código alemão em
1933 pelo §330, “a” e mantido na legislação penal de 1969. Nesse artigo
verifica-se que a punição não se deve a uma actio libera in causa, pois é
reconhecida a inimputabilidade do agente em estado de embriaguez plena,
embora seja punido pelo ato típico praticado nesse estado, desde que a
embriaguez tenha sido voluntária ou culposa.
Esse preceito está inserido também nos Códigos suíço (art. 263) e
austríaco (§ 523).
91
Capítulo IV – O HISTÓRICO NO DIREITO BRASILEIRO
4.1. Código Criminal do Império do Brasil (1830)
O Código Criminal do Império do Brasil de 16 de dezembro de 1830, não
considerava a embriaguez como forma de escusa para o delito, mas o artigo 18,
parágrafo 9° trazia:
“São circumstancias attenuantes dos crimes:
Ter o delinqüente commetido o crime no estado de embriaguez.
Para que a embriaguez se considere circumstancia attenuante,
deverão intervir conjuctamente os seguintes requesitos:
1°- que o delinquente não tivesse antes della formado o projecto do
crime;
2°- que a embriaguez não fosse procurada pelo delinquente como
meio de o animar á perpretação do crime;
3°- que o delinquente não seja costumado em tal estado a
commeter crimes”.
Segundo a doutrina do Código Criminal, a embriaguez, voluntária ou
involuntária, desde que seja completa, enquadra-se no preceito do artigo 3°:
“Não haverá criminoso ou delinqüente sem má fé, isto é, sem conhecimento do
mal e intenção de o praticar”.
A embriaguez, sendo incompleta e voluntária, é considerada atenuante
(artigo 18, §9°), desde que não se tenha dado nenhuma das condições
92
exclusivas do parágrafo citado. A embriaguez incompleta e involuntária é de
mesma forma considerada atenuante, nas mesmas condições.
Para que haja atenuante, a embriaguez não pode ser pré-ordenada,
voluntária e contumaz, como consta do parágrafo supracitado e transcrito e na
ordem dos itens ali dispostos, assim sendo, o código criminal de 1830, definiu a
actio libera in causa de forma indireta.
O artigo 166, do mesmo código dispõe o seguinte:
“O empregado público, que fôr convencido de incontinencia
publica, e escandalosa; ou de vicio de jogos prohibidos, ou de
embriaguez repetida; ou de haver-se com ineptidão notoria, ou
desidia habitual no desempenho de suas funcções.
Penas - de perda de emprego com inhabilidade para obter outro,
enquanto não fizer constar a sua completa emenda”.
Divergiam os comentadores do código quanto ao entendimento que a
embriaguez além de ser atenuante, constituiria também uma dirimente (são
partidários desse pensamento: Thomaz Alves e Cunha Mendes), e outros que
imaginavam-na somente como uma atenuante (tal como Liberato Barroso, João
Vieira), e neste sentido se pronuncia a jurisprudência.
Através de leis especiais, conferia-se aos juízes de paz e às autoridades
policiais a atribuição de obrigar os bêbados a assinar termo de bem viver e a de
por em custódia o bêbado durante o período em que esteja com suas condições
mentais afetadas e a de corrigir os bêbados por vício turbulento
76
.
4.2. Código Penal da República Velha (1890)
4.2.1. A origem da redação do Código
76
SIQUEIRA, Galdino. Tratado de Direito Penal, parte geral, tomo I. Editor José Konfino: Rio de
Janeiro, 1950, 2ª edição, p. 456.
93
O dispositivo do artigo 27 §4°, dispõe que:
“Não são criminosos:
4° Os que se acharem em estado de completa privação de
sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime.”
77
O emprego da palavra privação em vez de perturbação deve ser atribuído
a um erro de revisão na publicação de 1890, pelo qual foi alterado o projeto
organizado por J. Baptista Pereira.
Se a exigência de uma "completa privação" não era bastante para impedir
o abusivo reconhecimento da dirimente, muito menos o será a da simples
"completa perturbação". Deveria, então, ter o legislador brasileiro em vez de
modificar ligeiramente o texto do §4°, escolhido uma fórmula diferente, entre
tantas que as legislações oferecem, mais de harmonia com os progressos da
ciência e com as necessidades da repressão penal
78
. Essa grande divergência
existente na doutrina mundial dessa época será analisada a seguir, assim como
a fonte de tal redação e como outros países resolveram-na.
O legislador brasileiro para redigir o dispositivo acima se inspirou no
Código de Baviera (1813), artigo 121 §9°, que estabelece que
"em uma perturbação qualquer dos sentidos ou da intelligencia,
não imputável ao agente, e durante a qual este não tivesse tido a
consciencia do facto ou de sua criminalidade".
As expressões do código Bávaro já haviam sido emendadas por outras
legislações territoriais da Alemanha. Assim a de Wuertemberg preferira os
dizeres - "transitória perturbação completa dos sentidos ou da inteligência". O
77
Posteriormente, houve uma alteração nos termos, segundo a Lei n° 4780 de 1923, no seu artigo 38: em
lugar de "privação", leia-se "perturbação".
78
Código Penal dos Estados Unidos do Brasil comentado, volume 1, Brasília, Senado Federal,
Conselho Editorial: Superior Tribunal de Justiça, 2004, p.189.
94
mesmo fizera a de Baden (1845).
Corrigiu, assim, o legislador brasileiro a redundância do Código Bávaro,
exigindo, além disso, que a privação completa fosse dos sentidos e da
inteligência, isto é, das faculdades intelectuais e afetivas. Do confronto das duas
disposições resulta ainda, que o legislador brasileiro suprimiu no artigo 27 §4°
as palavras “não imputável ao agente”, que se encontram no artigo 121 §9° do
Código da Baviera.
O intuito evidente do legislador brasileiro foi exigir que se caracterizasse
devidamente a imputabilidade criminal e que o dolo pertencesse ao mesmo
momento da execução do crime. Desta maneira, pode-se demonstrar que no
momento da execução do crime o agente se achava em uma perturbação
completa da inteligência e dos sentidos ocasionada pela embriaguez, embora
procurada anteriormente para a prática do crime, isto é, preordenada ao crime,
não será ele responsável criminalmente, porque terá em seu favor uma causa
dirimente da imputabilidade, prevista no Código Penal, artigo 27 §4°. Deste
modo se lhe afigurou, que a coincidência da natureza do ato executado em
estado de inconsciência com a resolução previamente formada no estado
normal da vida psíquica, deve ser considerada mera casualidade
79
.
O projeto do Código de Baviera tinha enumerado como casos de
irresponsabilidade, a embriaguez absoluta, o paroxismo de uma cólera legítima
provocada por uma ofensa imerecida, o sono, o entorpecimento produzido pelos
narcóticos e o sonambulismo.
Esta enumeração foi suprimida, porque se considerou que os casos
assim determinados estavam compreendidos no citado artigo 121 §9° do Código
Bávaro e que outros casos, nomeadamente os de cólera ou aflição violenta não
eram sempre exclusivos de imputabilidade.
Segundo Drummond, o fato de a lei só compreender a pena como castigo
e admitir a aplicação da suas sanções apenas às infrações imputáveis e
culposas traz grandes problemas ao sistema judiciário brasileiro, tendo em vista
79
Direito Criminal - Paulo Domingues Vianna, Direito Criminal - Segundo as Prelecções
professadas por Lima Drummond na Faculdade Livre de Sciencias Juridicas e Sociaes do Rio de
Janeiro, 5° edição, F.Briguet & C.IA-Editores, Rio de Janeiro, páginas 133 a 135.
95
que dá mais um recurso ao criminoso
80
. Para justificar tal afirmação leva em
conta que a lei entrega o conhecimento das mais difíceis questões de
psiquiatria, dos mais árduos problemas psíquicos a um Júri popular,
completamente insciente de tais assuntos, ingenuamente crédulo e de uma
emotividade tão facilmente excitável e tão igualmente explorável.
Vai além, ainda, ao acusar de forma veemente o legislador que, como se
percebe no confronto entre o código de 1890 e o de 1830, não se envergonha
de impor à legislação do seu país um recuo, uma contra marcha de mais de
meio século.
Souza Lima e Filinto Bastos concordam ao censurar a expressão de que
se serviu o Código “privação de sentidos e inteligência” a qual, em acepção
rigorosa, só é aplicável ao indivíduo real ou aparentemente morto, mas em todo
o caso impossibilitado de praticar qualquer ato
81
. Carvalho Durão era partidário
dessa censura também e demonstra esse sentimento ao escrever que o estado
de completa privação de sentidos e de inteligência era incompatível com a
atividade física e psíquica anormal necessária para que houvesse um ato sobre
cuja imputabilidade moral ou jurídica se tivesse de pronunciar qualquer decisão.
Que os tribunais e juizes, não podendo deixar de conformar-se com o texto
expresso do código, seriam forçados a condenar todos os loucos que não
padecessem de imbecilidade ou enfraquecimento senil, pois o §4° do artigo 27
não podia ter aplicação a espécie alguma de loucura.
Baptista Pereira, em suas notas históricas
82
explicou a fonte e o sentido
dessa disposição. Embora a classificando de infeliz, defendeu-a João Monteiro:
"não é licito negar a possibilidade da existência de pessoa viva
completamente privada, em dado momento, de sentidos e de
intelligencia.
Basta abrir qualquer tratado de psychiatria e entender as lições de
80
DRUMMOND, Magalhães. Aspectos do Problema Penal Brasileiro. Editora Revista Forense,
Rio de Janeiro, p.99.
81
BASTOS, Conselheiro Filinto J. F.. Breves lições de direito penal. Bahia: Litho-Typografia Almeida,
1906, p.191.
82
Revista o Direito 1891, p. 181.
96
Ribot, Tardieu, Lombroso, Zïino, Schhlager, Kraft-Ebing ou
qualquer outra autoridade em psycho-pathoologia legal. O codigo
penal é muito ruim - tão ruim que nem sabe o que seja crime - mas
ninguém tem o direito de suppor que naquella passagem se tivesse
alludido ao defunto (...) Não, não é somente no cadáver que se dá
completa privação de sentidos e de intelligencia".
Deve-se levar, ainda, em consideração, que a censura feita fere
princípios da hermenêutica jurídica, tal qual apontado por Paula Baptista:
"do sentido defeituoso e normal deve o interprete abster-se, e tal
se diz o que atribui à lei algum absurdo, que fere a razão natural -
o que enerva o sentido da lei ao ponto de ficar ilusória, ou a faz
contraditória consigo mesma."
83
Souza Lima dá-se conta do apontado acima e, assim, observa que a
mesma disposição, devidamente interpretada, refere-se aos casos de privação
completa de razão e da inteligência, aos casos de loucura confirmada, sem
discriminação de gênero, de forma ou modalidade.
O código de 1890 refere-se à isenção de culpabilidade em resultado de
afecção mental, considerando que esses devem ser entregues às suas famílias,
ou, quando necessário, recolhidos a hospitais próprios para tratamento de suas
enfermidades (artigo 29).
Quando o agente do crime se acha no estado patológico de absoluta
insanidade mental, não se o pode incriminar pelos atos que pratica; a
perturbação de sua inteligência, nesta enfermidade do espírito, priva-o da
consciência, oblitera-lhe completamente a noção de lei, que para ele é como se
não existisse, e seria um absurdo que a lei penal fizesse sentir o rigor da pena
em indivíduo que estejam nessas condições.
Assim concordava Zanardelli, que dizia que:
83
BAPTISTA, Paula. Compendio de Hermenêutica Jurídica apud BASTOS, Conselheiro Filinto J. F..
Breves lições de direito penal.
97
“A palavra mente, deve ser entendida na sua mais ampla
significação, compreendendo todas as faculdades físicas do
homem, inatas ou adquiridas, simples ou compostas, da
inteligência à vontade, do raciocínio ao senso moral".
Ao fazer essa colocação, fazia menção aos artigos 46 e 47 do código
italiano vigente na época que tratava não da exclusão da imputabilidade, mas
sim da diminuição de pena visto que o agente estivesse em estado de
enfermidade ou de consciência reduzida para a compreensão necessária de
seus atos.
Parece que o nosso Código, quando se refere à afecção mental não quis
dar a este adjetivo o significado amplo que o dado ao substantivo mente por
Zanardelli; quis referir-se à insanidade da inteligência, deixando consignada no
artigo 27 §5°, a falta de imputação por ter sido compelido por violência física
irresistível ou ameaças de perigo real.
Essa enfermidade ou afecção mental que, na ocasião de ser cometido o
crime, anula completamente a razão, torna o agente completamente
irresponsável. Se, porém, a alteração de seu estado mental não chegou a privá-
lo da consciência de seus atos e apenas modificou-lhe a imputabilidade, tirando-
lhe o pleno conhecimento do mal realizado, terá somente uma circunstância
atenuante.
4.2.2. O conceito de embriaguez da época
Nesse trabalho faz-se a análise somente do efeito da embriaguez sobre o
pensar do indivíduo, pois como coloca Von Liszt, a exposição das diversas
formas da enferma perturbação da atividade mental não é objeto do direito
penal, portanto a administração da justiça as deva conhecer para pedir, quando
for necessário, o parecer dos peritos. O Código Penal Alemão, em seu artigo 51,
designa as perturbações da mente como estados "de inconsciência". A esta
98
categoria pertencem a embriaguez, o desmaio, o sono, a chamada embriaguez
do sono, a sugestão hipnótica.
A embriaguez pode ser dividida em estágios:
- a aguda: é a mais comum de todas;
- a sub-aguda: caracterizada pelo delirium tremens (enfermidade física);
- e a crônica, verdadeira alienação mental, que, perturbando todas as
faculdades psíquicas, produz graves modificações no organismo.
Relativamente, aos graus da embriaguez, podemos subdividir em alegre,
furiosa ou letárgica. Estas diversas gradações se reduzem: a embriaguez plena
ou perfeita, abrangendo a furiosa e a letárgica; a menos plena ou imperfeita, que
é a alegre.
4.2.3. A embriaguez perante o Código
Haus propõe que: "a embriaguez completa destrói o uso da razão e da
liberdade", entretanto, sustenta que, mesmo neste estado, se a resolução do
crime tiver sido tomada antes da embriaguez e esta serviu apenas para
estimulá-la, a culpabilidade não deve ser diminuída, e sim agravada.
Do artigo 27 §4°, pode-se depreender, também, que a embriaguez
completa tem, assim, ação dirimente. No momento em que está completamente
tomado pela ação inebriante não há possibilidade de crime; o indivíduo é
inteiramente passivo, incapaz da menor ação ou reação, ao contrário exposto
aos maiores perigos pela inconsciência e degradação do seu estado.
Drummond imagina que o intuito real do legislador ao escrever a redação
tal qual fora previamente mostrada era de que o dolo e a execução do crime
fossem contemporâneos para que, assim, se caracterizasse o crime. De forma
99
contrária, pronuncia-se Costa e Silva que entende que se o legislador não
inseriu nesse parágrafo uma palavra ou frase equivalente à expressão “sem
culpa” encontrada no Código Bávaro, não é possível subentender que a sua
intenção fosse a de reconhecer a não imputabilidade das actione liberae in
causa. Partidário dessa opinião encontramos Narcélio de Queiroz que ressalta
que o Código Alemão reconhecia pela doutrina e jurisprudência dos tribunais a
punibilidade das actione liberae in causa.
Encontramos uma forma atenuante no artigo 42 §10:
“São circumstancias attenuantes:
Ter o delinquente cometido o crime em estado de embriaguez
incompleta e não procurada como meio de o animar a perpretação
do crime, não sendo acostumado a cometer crimes nesse estado”.
Para se dar o atenuante contido nesse parágrafo é imprescindível que o
agente não tenha procurado a bebida como um estímulo para o crime, ou que
não tenha por hábito cometer crimes quando embriagado. Esse parágrafo trata
do período da embriaguez em que o agente não está de todo privado de sua
razão, sem intenção de lhe abalar a mentalidade. Em outras palavras analisa se
aquele estado não tenha o ébrio dolosamente procurado para, mais animado,
cometer o crime, ou se não se lhe puder por em culpa a embriaguez, porque ele
não costuma cometer crimes, quando ébrio, e assim não se dando culpa nem
dolo no agente quando se embriagou. Se neste estado cometer algum crime, a
perturbação mental, mais ou menos sensível, o Código atenua a pena que deve
ser imposta ao agente.
Relativo a esse artigo há uma dúvida levantada por Lyra à respeito da
vigência dessa atenuação já que ela se baseia numa contravenção, não
podendo, portanto, desempenhar tal papel e muito menos dirimir
responsabilidade.
Porém a maioria dos criminalistas da época não se convenceram dos
argumentos aqui postos e assim a embriaguez foi tratada pelo Código de forma
indulgente.
100
Além dos crimes previstos pelo Código Penal de 1890, este ainda trata
das contravenções em espécie. Os artigos correspondentes e relevantes estão
transcritos abaixo.
“Artigo 396. Embriagar-se por hábito, ou apresentar-se em publico
em estado de embriaguez manifesta:
Pena - de prisão cellular por quinze a trinta dias.
Artigo 397. Fornecer a alguem, em lugar frequentado pelo publico,
bebidas com o fim de embriaga-lo, ou de augmentar-lhe a
embriaguez:
Pena -de prisão cellular por quinze a trinta dias.
Paragrapho unico. Se o fato fôr praticado com alguma pessoa
menor, ou que se ache manifestamente e estado anormal por
fraqueza ou alteração da intelligencia:
Pena - de prisão cellular por dous a quatro mezes.
Artigo 398 - Se o infractor fôr dono da casa de vender bebidas ou
substancias inebriantes:
Penas - de prisão cellular por um a quatro mezes, e multa de 50$ a
100$000.“
Cabe aqui a informação que os artigos 396 a 398 foram derrogados pelos
artigos 2 e 3 do decreto n° 4294, de 6 de julho de 1921.
84
4.3. Os projetos de Vieira de Araújo (1893)
84
Tratado de Direito Penal,Parte Geral, Tomo I, Editor José Konfino, Rio de Janeiro, 1947,
página 473
101
Já que havia pressa em realizar alterações no Código Penal de 1890,
Vieira Araújo as propõe e são analisadas por Baptista Pereira e por João
Monteiro. Pouco tempo depois, Vieira Araújo propõe outro projeto, que foi
aprovado pela Câmara dos Deputados, mas nunca chegou a ser examinado
pelo Senado. Com Vieira de Araújo, dá entrada no Brasil o positivismo italiano,
justificando de forma clara a sua animosidade para com o texto clássico do
Código de 1890.
4.4. Projeto Galdino Siqueira (1913)
Entre os projetos de reforma de nossa legislação penal cumpre referir o
de Galdino Siqueira, que mostrando-se perfeitamente integrado na corrente
moderna da doutrina, propôs prudentes normas a respeito.
Sobre este trabalho assim se exprimiu Jimenez de Asúa
85
:
“de correta técnica, mas cujas orientações me parecem
excessivamente clássicas, já que nem as medidas de segurança,
que por aquela época obtinham máximo auge por terem sido
consagradas nos projetos da Rússia, Alemanha e Áustria, têm
acolhida em seus artigos menos estimáveis que sua justificativa do
Projeto, documentada Exposição de Motivos que vai em vanguarda
do texto”
86
.
Na exposição de motivos escreveu Galdino:
"Nada obsta que possamos nos utilizar de nós mesmos em um
85
TENÓRIO, Oscar. Da Aplicação da Lei Penal. Livraria Jacinto, Rio de Janeiro, 1942, p. 81.
86
de correcta técnica, pero cuyas orientaciones me parecen excesivamente clásicas, ya que ni
las medidas de seguridad, que por aquella época lograban máximo auge por haber sido
consagradas en los proyetos de Rusia, Alemania y Austria, tienen acogida en sus artículos
menos estimables que su justificação do Projeto, documentada Exposición de Motivos que va en
vanguarda del texto".
102
estado de perturbação mental ou de embriaguez para a execução
de planos preconcebidos. Desde que haja nexo causal e culpa em
relação ao resultado, nenhuma difficuldade encontra a apreciação
juridica. No momento decisivo- e este não é o da realização do
resultado, mas o do impulso dado para o desdobramento da cadeia
causal- existia a imputabilidade"
E estabeleceu no projeto:
"Artigo 13- Não são criminosos:
§2° -Os indivíduos que, no momento de commetterem o ato,e em
virtude de alienação mental, não puderem se determinar por
motivos normaes.
§ Único- Não são compreendidos nesta disposição os que se
acharem na situação nella prevista, em virtude de embriaguez
voluntária ou habitual, desde que a acção commettida esteja
prevista como crime culposo, ou de embriaguez procurada para
facilitar a execução do crime ou como expediente para obter a
impunidade, casos em que serão aplicadas as penas estabelecidas
para os crimes commetidos, com o argumento da sexta parte em
caso de embriaguez habitual."
Na Exposição de Motivos:
"Nada obsta que possamos nos utilizar em um estado de
perturbação mental ou embriaguez para a execução de planos
préconcebidos. Desde que há nexo causal e culpa em relação ao
resultado, nenhuma dificuldade encontra a apreciação jurídica. No
momento decisivo- e este não é o da realização do resultado, mas
o do impulso dado para o desdobramento da cadeia causal- existia
103
a imputabilidade"
87
.
4.5. Projeto Virgílio Sá Pereira (1928)
O projeto Sá Pereira
88
, inspirando-se no Código Italiano, ocupava-se do
estado voluntário e transitório de inconsciência, produzido pelo álcool ou por
substância de natureza analgésica ou entorpecente, caso que nem excluía nem
diminuía a imputabilidade (artigo 22).
No artigo 23 se ocupava da embriaguez, devida a caso fortuito ou força
maior, que sendo plena, excluía, e não sendo, diminuía a imputabilidade.
No artigo 24 se ocupava da intoxicação crônica pelo álcool ou por
substância de natureza analgésica ou entorpecente, que, influía sobre a
imputabilidade, para excluí-la ou diminuí-la.
89
4.6. Consolidação das Leis Penais (1932)
A Consolidação das Leis Penais de autoria de Vicente Piragibe, aprovada
e adotada pelo decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932, não trouxe
inovações quanto à embriaguez, apenas limitando-se a ratificar as disposições
do Código Penal de 1890. conforme dispõe:
“Art. 27
87
QUEIROZ, Narcélio. Theoria da "actio libera in causa". Livraria Jacintho, Editora, 1936.
88
SIQUEIRA, Galdino. Ob cit., p.473.
89
“Artigo 22-A imputabilidade não é excluída nem diminuída por um estado voluntário e
transitório de inconsciência, ou de grave alteração da consciência, produzido pelo álcool, ou por
substâncias de natureza analgésica ou entorpecente.
Artigo 23- A embriaguez devido a caso fortuito ou força maior, sendo plena, exclui, e não sendo,
diminui a imputabilidade.
Artigo 24- A intoxicação crônica pelo álcool ou por substâncias de natureza analgésica ou
entorpecente, influi sobre a imputabilidade, para excluí-la ou diminuí-la”.
104
Não são criminosos:
§ 4°- os que se acharem em estado de completa perturbação de
sentidos e de intelligencia no acto de commetter o crime.”
4.7. Projeto Alcântara Machado (1938)
Solicitou Francisco Campos, com o advento do Estado Novo, um projeto
de Código Penal a Alcântara Machado. No dia 15 de maio de 1938 esse projeto
foi publicado sob o nome Código Criminal Brasileiro.
O projeto foi revisto por uma comissão composta por Vieira Braga,
Roberto Lyra, Narcélio de Queiroz e Nélson Hungria, tendo a colaboração de
Antonio José da Costa e Silva. O projeto Alcântara Machado traz em sua
redação os seguintes artigos:
“Artigo 18,II
Não autoriza nem a isenção, nem a diminuição de pena: a
embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, salvo se
devida a caso fortuito ou força maior “.
O artigo 24, dispõe:
“Não excluem a responsabilidade penal:
II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância
de efeitos análogos.
§1° - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa,
proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação
105
ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter
criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
§2° - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente,
por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não
possuía, ao tempo da ação ou omissão, a plena capacidade de
entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento”.
Essa comissão revisora fez reparos ao projeto, modificando-o
substancialmente, o que levou Alcântara Machado a refazer o seu trabalho,
apresentando-o em abril de 1940, em nova redação.
4.8. Código Penal de 1940
O projeto Alcântara Machado foi muito modificado e originou-se um novo
Código, sancionado em 7 de dezembro de 1940, quando o Congresso Nacional
ainda permanecia em recesso decretado pela ditadura Vargas em 10 de
novembro de 1937, com entrada em vigor em 1° de janeiro de 1942, na vigência
da Constituição de 1937.
Devido à proporção dessas mudanças Basileu Garcia
90
pensa que o
Código não corresponde exatamente ao Projeto Alcântara Machado, assim
como Francisco Campos, na Exposição de Motivos(n° 86), deixa claro que da
revisão resultou um novo projeto.
O Código Penal sofreu influência do Projeto de Sá Pereira e dos projetos de
Código da Europa, especialmente dos Códigos italiano e suíço. Anteprojetos,
esses, que foram marcados pelas linhas do tecnicismo jurídico ou pelos
postulados do neo-positivismo jurídico, o qual não guardava mais qualquer
90
GARCIA, Basileu. Ob. Cit., p.10.
106
semelhança com o positivismo naturalista.
Houve, contudo, muitos elogios ao Projeto Alcântara Machado, pois
apresentava certa originalidade em relação aos códigos dos países
mencionados.
Baseando-se nos projetos anteriores citados e levando em consideração
as injustiças cometidas devido ao texto indulgente do Código anterior, em 1940
foi promulgada uma nova redação que continha leis mais rigorosas para os
delitos cometidos em estado de embriaguez, de qualquer espécie que fosse,
voluntária ou culposa, preordenada ou habitual.
Quanto à embriaguez dita preordenada, pode-se depreender uma
menção no título V, Das penas, e capítulo II, Da aplicação da pena, onde
encontra-se o elenco das Circunstâncias agravantes, no artigo 44, II, letra c: “ter
o agente cometido o crime, depois de embriagar-se propositadamente para
cometê-lo”. Como se vê pela redação é uma outra modalidade, além da
voluntária e culposa, perfeitamente delimitada caracterizando um caso de actio
libera in causa. Embora tivesse um modelo a ser seguido, o Código Penal
italiano, que possui um título adequado (Della imputabilitá), o nosso Código
optou por abordagem própria.
No título VI encontram-se as medidas de segurança, sendo que o art. 78,
III, trata dos presumidos perigosos: “os condenados por crime cometido em
estado de embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, se habitual
a embriaguez”.
Essa outra espécie de embriaguez em nada afeta o critério de
imputabilidade. Afasta-se, portanto, Código Penal italiano que propõe um
aumento de pena e internação do criminoso em casa de tratamento e de
custódia em caso de embriaguez habitual (arts. 94 e 221).
O nosso código também não cuida da intensidade da intoxicação, ao
contrário do italiano que dispõe sanções diferentes proporcionais a cada caso. O
código italiano apreciou de forma muito mais técnica que o nosso as alterações
psíquicas causadas por substâncias estupefacientes semelhantes às da
embriaguez. Não é usado o termo - estupefaciente - e sim uma expressão mais
vaga – substância de efeitos análogos, como constata-se no desenvolvimento
da concepção na Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal de
107
1940 nas palavras de Francisco Campos:
"Ao resolver o problema da embriaguez (pelo álcool ou de
substância de efeitos análogos) do ponto de vista da
responsabilidade penal, o projeto aceitou em toda a sua plenitude
a teoria da actio libera in causa ad libertatem relata, que,
modernamente, não se limita ao estado de inconsciência
preordenado, mas se estende a todos os casos em que o agente
se deixou arrastar ao estado de inconsciência”.
Com o surgimento desse novo termo, não havia mais a necessidade de
se elencar um rol de substâncias, já que a expressão indicava sem equívocos, a
qualidade dos compostos que se enquadram na categoria ao analisar-se a
descrição dos tóxicos encontrados no Decreto-lei n.º 891, de 25 de novembro de
1938. Não fora utilizado o termo estupefaciente, como no Código italiano, devido
ao fato de as drogas poderem ser dessa categoria, quando levam à inércia, não
produzindo reações criminosas, ou, ainda, excitantes, quando tornam o agente
perigoso a si e aos demais. Pode-se, além disso, haver intoxicação múltipla, na
qual predomina o tóxico mais forte.
Em resumo, temos que a embriaguez voluntária ou culposa, ainda que
plena, não isenta a responsabilidade penal e no caso daquela ter sido
preordenada responderá a título de dolo com pena agravada.
O Código, em questão, excetua os casos de embriaguez completa
derivado de caso fortuito ou de força maior da punição da responsabilidade
penal, de acordo com o Projeto Alcântara Machado e abraça a teoria da actio
libera in causa, como apontado na Exposição de Motivos acima transcrita.
4.9. Lei das Contravenções Penais (1941)
A Lei das Contravenções Penais foi estabelecida pelo decreto–lei 3688,
108
de 3 de outubro de 1941 e prevê a punição da embriaguez a título de
contravenção.
“Embriaguez
Artigo 62 - Apresentar-se publicamente em estado de embriaguez,
de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança
própria ou alheia:
§ único. Se habitual a embriaguez, o contraventor é internado em
casa de custódia e tratamento.
Pena - Prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou
multa.
Parágrafo único. Se habitual a embriaguez, o contraventor é
internado em casa de custódia e tratamento”.
4.10. Projeto Nélson Hungria (1961 a 1969) e Código Penal de
1969
Nelson Hungria recebeu em 1961 a incumbência de elaborar o
anteprojeto para modificação do Código Penal de 1940. Esse anteprojeto foi
publicado em 1963 e revisto no ano seguinte por uma comissão constituída por:
Nélson Hungria, Aníbal Bruno e Heleno Cláudio Fragoso. Posteriormente uma
nova comissão, que contava, além do último jurista, com Benjamin Moraes Filho
e Ivo d’Aquino, efetuou nova revisão.
Desse trabalho resultou o Código Penal de 1969 pelo Decreto-lei n.
1.004, de 21 de outubro de 1969 para entrar em vigência a partir de 1º de
janeiro de 1970. Porém, antes que isso ocorresse, foram elaboradas diversas
críticas a respeito do Código Penal, referentes à adoção da pena indeterminada
109
e da idade mínima de 16 anos para imputabilidade. Essas observações fizeram
que fosse adiada a promulgação do Código por inúmeras vezes, até que foi
revogado pela Lei n° 6578 de 10 de outubro de 1978, nem nunca ter entrado em
vigor.
Na redação do código referente à embriaguez desapareceu o artigo 24 do
Código de 1940, que continha a informação que a embriaguez, voluntária ou
culposa, pelo álcool ou substâncias de efeitos análogos não excluía a
responsabilidade penal. Porém isso não indica um retrocesso, no qual a
embriaguez voltaria a ser uma escusa para isenção de pena, já que continha
artigos com dispositivos atenuantes, dirimentes e agravantes, no caso de
preordenamento, referentes ao tema discutido, tais quais os apresentados a
seguir.
“Artigo 32 - Não é igualmente imputável o agente que, por
embriaguez incompleta, proveniente de caso fortuito ou força
maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz
de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento”.
Segundo artigo 92 se ficasse provado que os inimputáveis poderiam
oferecer risco à sociedade seriam internados em manicômios jurídicos. Aqueles
que fossem detidos por delito e esse oriundo de embriaguez habitual seriam
submetidos a tratamento psiquiátrico em estabelecimento anexo ao manicômio
judiciário (art. 93, §3º).
Tal redação, embora, fosse omissa quanto aos casos de embriaguez
voluntária e culposa, trazia inovação quanto ao caso específico do embriagado
ao volante.
4.11. Lei de Tóxico (Lei 6368, de 21 de outubro de 1976)
110
Vale ressaltar a Lei de Tóxico que altera as condições propostas até o
momento neste, tendo em vista a dependência química ou psíquica do agente
pela substância entorpecente.
“Art. 19. É isento de pena o agente que, em razão da dependência,
ou sob o efeito da substância entorpecente ou que determine
dependência física ou psíquica proveniente de caso fortuito ou
força maior, era ao tempo da ação ou omissão, qualquer que tenha
sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o
caráter ilícito de fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Parágrafo Único - A pena pode ser reduzida de um terço a dois
terços se, por qualquer das circunstâncias previstas neste artigo, o
agente não possuía, ao tempo da ação ou omissão, a plena
capacidade de entender o caráter ilícito do ato ou de determinar-se
de acordo com esse entendimento”.
4.12. Lei 7209 de 11 de julho - Reforma penal de 1984
A nova parte geral do Código Penal, advinda com a reforma penal de
1984, retirou a figura da embriaguez habitual, existente no Código Penal de
1940 e que permitia a imposição de medida de segurança, mas não trouxe
mudanças quanto à embriaguez excludente da imputabilidade. Mantida a
fórmula anterior, inovou-se apenas quanto à terminologia, não mais falando a lei
em caráter criminoso do fato, mas em caráter ilícito do fato.
Quanto ao grau ou intensidade, a lei distinguiu a embriaguez completa
(art.28 §1°) da incompleta (art. 28 §2°). Segundo a disposição dos artigos
citados para que possa a embriaguez isentar o agente de pena, é indispensável
ao agente a coexistência dos seguintes requisitos:
111
- causal (proveniente de caso fortuito ou força maior);
- quantitativo (completa);
- cronológico (tempo da ação ou da omissão);
- conseqüencial (inteira capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento)
No que se refere aos efeitos jurídicos das várias formas de embriaguez,
deve-se considerar que a embriaguez acidental completa, se incapacitar o
agente de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento, torna-o isento de pena. Se a embriaguez acidental for incompleta,
diminuindo do agente a plena capacidade de entendimento ou reduzindo-lhe a
determinação, atuará como causa de diminuição de pena.
Assim passou a dispor o Código Penal:
“Da Imputabilidade Penal
Artigo 28. Não excluem a imputabilidade Penal
Embriaguez
II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância
de efeitos análogos.
Parágrafo 1° - É isento de pena o agente que, por embriaguez
completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao
tempo da ação ou omissão; inteiramente incapaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
112
Parágrafo 2° - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o
agente, por embriaguez, proveniente, de caso fortuito ou força
maior, não possuía ao tempo da ação ou da omissão, a plena
capacidade de entender o caráter ilícito do dato ou de determinar-
se de acordo com esse entendimento”.
.
Quanto à causa, foram previstas três espécies:
- embriaguez acidental derivada do caso fortuito ou força maior, que é a
embriaguez não desejada, nem prevista. Estão aí englobados casos de ingestão
de bebida desconhecendo sua graduação alcoólica, a ingestão forçada por
terceiro, a pessoa que cai num tonel de bebida, ou o indivíduo que está sob
ação de droga que afeta o sistema nervoso e inadvertidamente toma bebida
alcoólica, restando com a consciência alterada.
- embriaguez não acidental, dita igualmente voluntária ou culposa. Embora o
efeito seja involuntário, a embriaguez é voluntária na causa que lhe dá origem.
Diferencia-se a anterior, voluntária, da embriaguez culposa pois, ainda que não
desejado o efeito, há a previsibilidade (culpa consciente, ou com previsão). Há,
ainda, os doutrinadores que se referem a uma embriaguez dolosa, como quando
alguém ingere o álcool com a finalidade de se embriagar, sem a intenção de
cometer um crime.
- embriaguez preordenada, quando o agente se embriaga para praticar o crime,
quer para preparar uma escusa, quer para se sentir encorajado pelo álcool.
A embriaguez não acidental, seja voluntária ou culposa, não exclui nem
atenua a pena Já quanto a preordenada encontramos no Código a seguinte
disposição:
“Circunstâncias agravantes
113
Art. 61 -São circunstâncias que sempre agravam a pena quando
não constituem ou qualificam o crime:
II - ter o agente cometido o crime em estado de embriaguez
preordenada”.
Tenta-se justificar a imputabilidade penal na embriaguez, com o instituto
da actio libera in causa, na qual o agente voluntariamente se põe em estado de
incapacidade psicológica, predispondo de si próprio como instrumento de sua
intenção criminosa. O princípio das actiones liberae in causa justifica, num
primeiro momento, a punição do agente que comete o delito em estado de
embriaguez preordenada.
Não se pode estender tal princípio à embriaguez voluntária, em que o
agente ingere a bebida alcoólica somente para ficar bêbado, ou à embriaguez
culposa, em que se embriaga por imprudência ou negligência. Em ambas as
hipóteses o agente não pretendia praticar o crime. Porém essa abrangência é
feita na prática causando uma grande divergência entre os doutrinadores
brasileiros.
O legislador penal, ao considerar imputável aquele que em realidade não
o era, adotou a responsabilidade objetiva, que vai contra o princípio do nullum
crimen sine culpa, apresentado como nova idéia central do novo estatuto. No
capítulo da embriaguez, excetuada aquela preordenada, o Código fez reviver a
velha fórmula do versari in re illicita.
Basileu Garcia sustenta a verificação da responsabilidade objetiva no
Código Penal, antes da reforma, que não difere da sistemática atual nesse
particular. Para ser coerente com o princípio que não pode haver crime sem
culpa, o legislador teria dois caminhos a seguir: ou responsabilizar o agente, a
título de culpa, pelo crime cometido, se previsto em sua modalidade culposa; ou
criar o crime de embriaguez, que teria como condição objetiva de punibilidade o
evento danoso realizado em estado de ebriedade.
Era, entretanto, extremamente necessário que o legislador afirmasse que
foi compelido a aceitar a responsabilidade objetiva, neste ponto, para evitar as
escusas absolutórias que passariam os criminosos a buscar, com o uso abusivo
114
do álcool e substâncias similares.
A actio libera in causa aproxima-se da responsabilidade objetiva ao
abranger casos onde tecnicamente não houve nem dolo nem culpa,
responsabilizando-o sem esses conceitos essenciais de nosso código. Mas
afasta-se em nos casos em que verifica-se o nexo causal, buscando dolo ou
culpa, para que se identifique o tipo de embriaguez existente.
4.13. Projeto de reforma do Código Penal
Resultado dos trabalhos de uma comissão presidida pelo professor
Miguel Reale Jr., está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei
3473/2000, que cuida da reforma da parte geral do Código Penal. Entretanto, o
projeto não contempla qualquer modificação nos dispositivos afetos à
embriaguez, atualmente em vigor.
115
CONCLUSÃO
Nosso código considera inimputável aquele que está durante o delito
privado de sua consciência a ponto de não conseguir reconhecer a ilicitude do
fato praticado ou então que não possa se determinar diante disso. Assim houve
por muito tempo a discussão à respeito dos crimes cometidos sob efeito da
embriaguez, já que essa é capaz de privar ou reduzir a capacidade do agente
de raciocínio lógico ou, ainda, desinibir o indivíduo para que haja de acordo com
suas vontades, e não de encontro à razão.
Durante o regime do Código de 1890 a embriaguez foi tratada
indulgentemente, sendo apontada como atenuante da criminalidade, quando
incompleta (artigo 42, § 10) e como dirimente, se completa (artigo 27 § 4º). Com
exceção do projeto Vieira de Araújo (1893), toda redação seqüencial
demonstrou um caráter punitivo àqueles que delinqüissem sob ação da
embriaguez.
O instituto da actio libera in causa pode ser aplicado ao caso de
embriaguez preordenada, pois analisa e busca o dolo ou a culpa, requisitos
essenciais perante nosso sistema judiciário, num momento anterior ao crime e
que tenha sido causa do mesmo. Esse artifício evita que o criminoso utilize a
embriaguez a fim de cometer crime ou mesmo de ter uma desculpa para ele.
Portanto, a embriaguez pode ser preordenada, constituindo o caso em
que há intenção de se cometer um crime, no qual não há dúvida alguma sobre
sua aplicação. Há o caso da embriaguez acidental derivada de caso fortuito ou
força maior, em que a maioria dos códigos do mundo lida de forma indulgente.
Pode, também, ser não acidental, dividindo-se em voluntária ou culposa, quando
era possível de se prever o resultado ou deveria sê-lo, mas não havia a intenção
de se embriagar e em dolosa, quando essa intenção era existente e o delito não.
Nesse último caso há o problema de não se encontrar o dolo ou a culpa
relativos ao crime, o que não satisfaz o uso da actio libera in causa, e que nesse
momento se aproxima da responsabilidade objetiva.
Isso ocorre porque na mente do agente não se poderia passar o
116
pensamento de cometer um crime se fora apenas beber por prazer, e acaba se
embriagando. Portanto a imputação só lhe pode ser feita a título objetivo, de
modo que a responsabilidade não decorre da actio libera in causa.
Aí encontram-se as principais divergências da teoria, pois se o ébrio pode
agir com dolo ou culpa, mesmo que por uma vontade residual, não seria
necessário, então, clamar pela actio libera in causa. E se ele pode fazê-lo dever-
se-ia também levar em consideração a possibilidade de erro por parte do
agente, por ter sido ludibriado pela sua mente.
A teoria nada fala a respeito de casos que não poderiam ser previstos
pelo ébrio, ainda mais porque nessa condição tudo se torna possível e portanto
previsível, porém tecnicamente nunca se apresentou um caso que seguisse
esse pensamento, aproximando-se mais da responsabilidade objetiva, mas se
afastando ao ponto em que haverá o exame de dolo ou culpa.
No entanto, embora pareça ser consagrada a responsabilidade objetiva,
cabe afirmar que a actio libera in causa veio a auxiliar no sistema penal e
diminuir a impunidade outrora existente.
117
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